Você está na página 1de 11

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO AGRICULTURA E AMBIENTE - IEAA


CAMPUS VALE DO RIO MADEIRA - CVRM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E
HUMANIDADES – PPGECH

ARTICULAÇÕES NO ÂMBITO ESCOLAR: O OLHAR SOBRE O GÊNERO


NO CURRÍCULO

Karoline Ribeiro Rabelo

Se Inserindo No Currículo

O sujeito, ao se desconstruir em relação as perspectivas que se restringe,


torna-se consciente da sua própria complexidade, e passa a perceber as linhas que
permeavam os seus próprios encaixes. As rupturas que se desdobram entre os mais
diversos meios e realidades, que sempre existiram, se expandem a modo que, não há
mais o não perceber. E ao se atuar no Campo dos Estudos Culturais, o perceber se
torna parte do pesquisador, e o pesquisador se torna parte do perceber. Esse, que por
sua vez, se olha como parte da pesquisa, um elemento que atua e movimenta o objeto.

Dessa forma, passa-se então a experimentar o currículo dentro de um objeto


além dele e, tê-lo, não mais como um documento, escrito, amarrado, meticulosamente
detalhado e pronto, e sim, um organismo vivo dentro de processos que se refazem a
partir de sujeitos, de realidades e de individualidades. Com isso, não se pretende
conceituar, como tantos autores vem fazendo ao longo da história, o currículo, mas
experimenta-lo.

O experimentar que Lazzaroto (2012. p. 99) apresenta quando fala que:

Trata-se de ultrapassar o que se coloca como limite entre o sujeito e o


objeto, para problematizar a relação produzida neste movimento.
Implica construir um modo de pesquisar que acolha a experiência que
insiste em expressar a multiplicidade que nos constitui. O que promove
essa demanda por experimentar? A diferença. É a diferença que
invade o pensamento quando a representação não dá conta de
responder ao que acontece, e nos leva a criar outros modos de
pesquisar.
O currículo, assim, atua na constituição do sujeito como subjetivo e na
percepção da identidade construída pela cultura, inerentes aos processos sociais. A
formação do sujeito como subjetivo, o que dentro dessa perspectiva se dá, também,
a partir do currículo, de acordo com Moron (2017), envolve a construção da identidade
e da subjetividade ao longo da vida, destaca a importância das experiências
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO AGRICULTURA E AMBIENTE - IEAA
CAMPUS VALE DO RIO MADEIRA - CVRM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E
HUMANIDADES – PPGECH

individuais, das relações interpessoais e do contexto sociocultural na formação da


subjetividade, assim como aborda questões relacionadas à consciência, à liberdade e
à capacidade de reflexão como elementos essenciais na constituição do sujeito como
subjetivo (Moron, 2017).

E essa concepção atua no campo que compreende a representação, essa que


por sua vez, é descrita por Woodward (2000)

A representação inclui as práticas de significação e os Sistemas


simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos,
posicionando-nos como sujeito. É por meio dos significados
produzidos pelas representações que damos sentido à nossa
experiência e aquilo que somos. Podemos inclusive sugerir que esses
sistemas simbólicos tornam possível aquilo que somos e aquilo no
qual podemos nos tornar A representação, compreendida como um
processo cultural, estabelece identidades individuais e coletivas e os
sistemas simbólicos nos quais ela se baseia fornecem possíveis res-
postas às questões: Quem eu sou? O que eu poderia ser? Quem eu
quero ser? Os discursos e os sistemas de representação constroem
os lugares a partir dos quais os indivíduos podem se posicionar e a
partir dos quais podem falar. ( WOODWARD. p.17, 2000)
O ensino, nessa perspectiva, não se limita somente ao conteúdo previsto, mas
abrange o individuo como um ser social que atua diretamente na sociedade. E se
constrói através dos processos que se entrelaçam, se modificam e se reinventam,
através de experiencias, conhecimentos e inquietações, que movem o sujeito.

Assim, de acordo com Gunn (2001), as identidades dos indivíduos não são
determinadas apenas pelas suas próprias experiências pessoais, mas também são
afetadas pelas comunidades culturais às quais pertencem. As influências culturais
atuam significativamente na formação da identidade de um sujeito, corrobora ao
permitir perceber valores, crenças e práticas que os indivíduos adotam e internalizam,
sendo um artefato que não existe fora do currículo, mas o constitui como significativo.

Gunn (2001) argumenta que através do processo de socialização, os indivíduos


adquirem um sentimento de pertença e desenvolvem uma identidade cultural
partilhada com a sua comunidade. Este processo de construção de identidade não é
estático, mas dinâmico, à medida que os indivíduos negociam e reinterpretam
continuamente as influências culturais nas suas vidas.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO AGRICULTURA E AMBIENTE - IEAA
CAMPUS VALE DO RIO MADEIRA - CVRM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E
HUMANIDADES – PPGECH

No entanto, ao se perceber como ser cultural, nota-se a necessidade de


articular os silêncios por trás dos processos. Segundo Gergen (2009), a interação
humana é fortemente influenciada por fatores históricos e sociais que transpassam as
maneiras pelas quais os indivíduos se relacionam uns com os outros. O autor
argumenta que as práticas e normas sociais que governam a interação são
construídas ao longo do tempo e refletem as rupturas de poder.

Além disso, Gergen (2009) ressalta que a história social de uma comunidade
ou grupo também influencia a forma como as pessoas se relacionam, uma vez que
experiências passadas, fazem parte da subjetividade e particularidade do sujeito de
hoje.

O Novo Sendo Apenas O Que Já Existia E Não Era Visto

O transitar, em sua definição mais simplista, acarreta a ideia de mudar de um


lugar para outro, de uma situação para outra ou de uma condição para outra. Ao
perceber e refletir sobre o contexto educacional, o verbo transitar se torna um
mecanismo que pretende questionar as relações, ainda que ocultas, mas intrínsecas,
na formação/produção do ser docente.

Ao “transitar” entre os cenários educacionais, nota-se uma referência bastante


constante de pensamentos, filosofias, crenças, culturas e paradigmas predefinidos
que já existiam ao longo da história. Ao sair de sua definição mais simplista, o transitar,
quando abraçado pelo campo dos estudos culturais, que Costa (2007) abraça ao
afirmar que “não se destina àqueles e àquelas que acreditam que existe "um caminho
certo" e que, ao encontrá-lo, tudo se resolve como num passe de mágica. Dirige-se a
todas e todos que estão dispostas/os a inventar seu próprio caminho”, e enxerga não
somente a cronologia de um estado, ou objeto e sua influência, mas a pluralidade
existente, silenciada em muitos casos, nas predefinições históricas desse mesmo
estado/objeto.

Que ao longo da história, de acordo com Banckes (2015)

é possível identificar práticas políticas que dizem respeito ao controle


e ao exercício do poder ou práticas econômicas que se referem à
distribuição e produção de riquezas. Embora possam ser concebidas
como práticas políticas e econômicas, elas estão articuladas com um
campo de significação e de produção do sentido que faz com que elas
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO AGRICULTURA E AMBIENTE - IEAA
CAMPUS VALE DO RIO MADEIRA - CVRM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E
HUMANIDADES – PPGECH

operem e funcionem como tais. (BANCKES, 2015. p. 2)


Ou seja, não é somente sobre como os professores se formaram ao longo dos
anos, é sobre como os interlaces sociais que se “estruturam” ao decorrer da história,
projetam até os dias de hoje, as mais diversas relações entre sujeitos, ideias,
identidades e particularidades. Compreender que o ser docente de hoje, ainda é um
reflexo da sociedade de ontem.

Os sentidos são multiplicados, os conhecimentos expandidos, os


espaços de criação e invenção povoados. Elas têm-se posicionado
contra a fixidez de significados, de narrativas, de valores, de
classificações, de subjetividades, de verdades. (PARAÍSO, 2004.
p.295)
Dessa forma, o pesquisar se relaciona mais intimamente com a ideia do instigar
do que se propõe a responder, o que de acordo com Santos (2022) se dá “indo em
busca de novas práticas que, apesar de tudo, estejam trabalhando para sustentar os
valores democráticos e construir pontes – não divisões – entre as pessoas”, já que,
assim como se influencia “o sujeito docente” através dos mais diversos meios, “o
sujeito docente” influencia os mais diversos meios. Sendo assim, as problematizações
e os silenciamentos se tornam palcos de estudos, mais que isso, reescrevem
sociedades “moldadas” em histórias que são ensinadas através de uma só
perspectiva, tida como a “correta”.

Adentrando assim, ao que se pode chamar de “politizar”, mas não a ideia de


política restrita, mas voltada as questões inerentes ao sujeito. O politizar é o
compreender a prática, o discurso, as representações e as relações de poder na
produção de uma perspectiva. Busca englobar interações cotidianas, produções
culturais e as dinâmicas de identidade, essas que por sua vez, não se fixam em
somente uma perspectiva, não se conta em apenas uma história e se não define por
trás de uma única ideologia.

O ser então, ao se perceber como sujeito que transpassa estruturações pré


definidas, se distingue de um ser pronto, estruturado, determinado e programado
socialmente, mas inicia uma concepção de significância que por sua vez permite ao
sujeito o andar não linear em sua própria identidade, subjetividade e singularidade. É
nesse momento, que se adentra nas primeiras politizações, silenciadas e
problematizadas sobre o sujeito, que serão tensionadas.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO AGRICULTURA E AMBIENTE - IEAA
CAMPUS VALE DO RIO MADEIRA - CVRM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E
HUMANIDADES – PPGECH

O gênero.

O gênero abarca uma longa densidade teórica quando voltado a diversidade


social, uma vez que não somente complexo e multifacetado, engloba “raízes
estruturais” que foram muito bem disseminadas com o passar dos anos. Ainda
abraçando as ideias do que definiu-se politizar, o gênero agrega alguns pontos que
precisam, inicialmente, serem debatidos separadamente, para assim, corroborar com
uma mais abrangente percepção de como o mesmo vai ser discutido, já que [...]
tendências – linhas de força, aberturas ou fechamentos que constrangem, modelam,
canalizam e, nesse sentido ‘determinam’. Mas estas não podem definir, no sentido de
fixar absolutamente ou garantir” (HALL, 2003, p. 168).

O primeiro ponto entende a palavra/termo/significância de gênero como uma


“noção socialmente construída”, esse é o primeiro impacto da palavra, do som, da
associação, da primeira ideia vinculada ao significado. Essa dinâmica entre o que é e
o que se entende é algo complexo, mas necessário, já que ao problematizar um
assunto, é necessário o compreende-lo em sua totalidade, isso inclui conceitos,
achismos, definições e opiniões, não como um meio de conceituação cientifica, mas
como uma percepção para além das terminologias.

O gênero como uma “noção socialmente construída” traz conceitos de feminino,


masculino, sexualidade, identidade de gênero, comportamentos, diferenças
biológicas, papéis sociais e as dicotomias entre o homem e a mulher, esses sendo
como os únicos gêneros/sexos relacionados aos seres humanos. A partir dessa
primeira perspectiva o gênero acaba por ter, uma ampla gama de significâncias que
são entendidas, projetadas e influenciadas culturalmente.

Essa relação pode ser observada quando inserida num contexto histórico
notável, como antes do movimento sufragista, que surgiu no final do século XIX e
início do século XX. Em que o contexto social da época representava a mulher, tendo
enfoque na branca/de classe social/casada/conservadora, como uma figura de
fragilidade, passividade, amabilidade, além da necessidade de uma figura masculina.

Essa perspectiva, patriarcal pautada em palcos religiosos e conservadores,


“moldou”, do modo mais simplista, ainda que irônico, da palavra, costumes e crenças
as quais, foram possíveis as mais hediondas sociedades descritas. O ser pensante,
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO AGRICULTURA E AMBIENTE - IEAA
CAMPUS VALE DO RIO MADEIRA - CVRM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E
HUMANIDADES – PPGECH

ativo, reflexivo e consequentemente superior, se destacou por uma característica


biológica a qual sua finalidade se restringe a necessidades fisiológicas e de
reprodução, atrelado ao prazer pessoal. Dessa forma, o conceito de gênero se rotulou,
se espremeu, se modelou em relações vantajosas de comercio, poder, prestigio e
satisfação, ao se referir a um “gênero” e em rostos polidos, movimentos contidos,
padrões inacessíveis e um silencio gritante, ouvido até os dias de hoje, para se referir
ao “outro”.

O “outro” que além dos silêncios que carrega, não é voz de muitos “outros”. Os
“outros” são compostos por vozes negras, pobres, sem direitos e que, enquanto na
busca de um “outro” pelo falar, pelo trabalhar, busca o descanso e a dignidade de ter
o que comer e o que vestir por meio de um trabalho árduo e não visto.

O gênero ao atuar como uma “noção socialmente construída”, incita o olhar


para o que de fato é o socialmente construído. O que transita em meio as suas mais
diversas definições e ampliações? Como conversam com as problematizações que
diversos autores vem trazendo ao longo da história? O olhar sobre um conceito e, o
compreender de fato as entrelinhas que caminham em suas definições, atuam
diretamente nas problemáticas sociais mais vigentes do meio.

Ao passar justamente para essa perspectiva, apresenta-se o gênero como, não


mais uma noção social, ainda que possa ser problematizada dentro do campo, mas o
seu conceito se atrela a resistência. O resistir que perpassa da ideia do contradizer,
se opor e não sucumbir, mas que se enxerga dentro das práticas como um organismo
vivo e perceptivo que assim como os sujeitos, se apresenta, se entende e se
ressignifica com o passar dos anos, das percepções, dos debates e dos olhares.

O conceito/termo/significância do gênero dentro de uma percepção de


resistência, pensa para além do determinismo biológico, mas sim, nas produções
sociais de identidade, essas que por sua vez se relacionam entre si, dando voz ao ‘ser
feminino’ e o descontruindo do ‘ser constituído como feminino’, como Beauvoir ()
apresenta, “não se nasce mulher, torna-se.”

O perceber da resistência inviabiliza a facilidade um ponto de vista, de um único


caminho, único método, única pesquisa, único sujeito, se desfaz da ideia de prática e
pragmática, que considera o aspecto objetivo das coisas, por oposição ao aspecto
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO AGRICULTURA E AMBIENTE - IEAA
CAMPUS VALE DO RIO MADEIRA - CVRM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E
HUMANIDADES – PPGECH

abstrato. Ou seja, o gênero não se entrelaça somente ao conceito que amplia os


olhares sobre o homem e a mulher, mas abarca dentro de um novo contexto, de uma
nova perspectiva, nova realidade e nova subjetividade em que se narra sobre o próprio
ser.

Os “pensares’’, aqui sendo descritos como o pensar sobre um objeto, que o


campo abraça na ideia de experimentar e problematizar Fonseca et al (2012) sobre o
gênero transita em inquietações que ao longa da história vem sendo assumidos em
diferentes narrativas. O que é compreendido em sua definição mais rasa, contida e
estereotipada e a necessidade de ampliar essas noções, de ouvir as entrelinhas entre
conceitos entregues que mais falam sobre os sujeitos que os definem, do que o objeto
definido. E o além de ouvir essas narrativas, ressignifica-las em novas relações.

Assim, compreendendo, de forma sucinta, como se problematiza as questões


de gênero, propõe-se a pensar sobre o ser docente e suas práticas, sobre as
ambivalências de seus meios e as narrativas de sua formação, mas que isso,
questiona-lo como um objeto produzido dentro de um conjunto de inquietações, para
além de uma resposta, parte-se da ideia de pensar e repensar sua própria ideia de
sujeito.

Inquietações de um meio

A política brasileira se apresenta como um espelho vívido da sociedade na qual


estamos imersos e a história se define como uma metodologia que, nesse contexto,
sustenta os mais variados discursos. Esses que por sua vez, não são livres de
conotações e ideologias que mantém ‘padrões’ de pensamentos, ideias, culturas e
comportamentos, independente de quem se ‘encaixa’ ou não.

O que instiga o pensar de como, esses são produzidos, questionados e, quando


questionado, respondidos. O que Santos (2010) tensiona:

As perguntas fortes dirigem-se não só às nossas opções de vida


individual e coletiva, mas sobretudo às fundações que criam o
horizonte de possibilidades entre as quais é possível escolher. São,
portanto, questões que provocam um tipo particular de perplexidade.
As respostas fracas são aquelas que procuram responder sem por em
causa o horizonte de possibilidades, imaginando nele virtualidades
para esgotar o campo das perguntas e das respostas possíveis ou
legítimas. Mas precisamente porque o questionamento dessa
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO AGRICULTURA E AMBIENTE - IEAA
CAMPUS VALE DO RIO MADEIRA - CVRM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E
HUMANIDADES – PPGECH

virtualidade está na raiz das perguntas fortes, as respostas fracas não


atenuam a perplexidade que estas suscitam, podendo, pelo contrário
aumentá-la. As perguntas e respostas podem variar de acordo com a
cultura e a região do mundo. Contudo, a discrepância entre a força das
questões e a fraqueza das respostas parece ser comum. Deriva da
diversidade contemporânea de zonas de con- tato envolvendo
diferentes culturas, religiões, economias, sistemas sociais e políticos,
e modos de vida, resultante do que vulgarmente denominamos por
globalização. (SANTOS, 2010. p.527)
Sendo assim, ao mesmo modo em que se pensa as questões de gênero, é
necessário o pensar sobre o meio. O meio a qual se insere e se manifesta o
pensamento e a ideia, onde se aceita e se recusa e consequente, o meio que
influencia o sujeito, para assim o sujeito influenciar o meio. Com isso, para atrelar o
meio ao enfoque apresentado, utiliza-se o verbo historicizar.

O historicizar permite além do contar e do discurso, mas dá a voz que se


multifaceta em suas narrativas. Então, assim como surge a necessidade de
compreender os avanços sociais, questiona-se sobre a voz que conta, a ideia que
prega e as definições que se ensinam, já que a intencionalidade de um movimento
não se dá ao acaso, mas carrega em si sua própria ideologia.

O primeiro fragmento da ‘educação’ brasileira a ser observado e


contextualizado parte das primícias de culturas diversas. Com a chegada dos
portugueses em solo indígena, Brasil, nome que sustenta a exploração sofrida, se
tornou uma folha apagada e redesenhada em dialetos, comidas, doenças, culturas,
danças e crenças que, em sua diversidade, não pertencia ao povo. As narrativas
pontuadas a partir desse primeiro momento, acabam que por evidenciar muitos pontos
históricos que atualmente, são parte da nossa sociedade.

Assim, ao trazer tensionamentos sobre tais perspectivas, Nietzsche (1998)


instiga justamente o que se percebe de conhecimento e como esse se apresenta num
contexto.

Existe apenas uma visão perspectiva, apenas um ‘conhecer’


perspectivo; e quanto mais afetos permitirmos falar sobre uma coisa,
quanto mais olhos, diferentes olhos, soubermos utilizar para essa
coisa, tanto mais completo será nosso ‘conceito’ dela, nossa
‘objetividade’. Mas eliminar a vontade inteiramente, suspender os
afetos, todos sem exceção, supondo que o conseguíssemos: como? –
não seria castrar o intelecto?( Nietzsche. 1998b, p. 109)
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO AGRICULTURA E AMBIENTE - IEAA
CAMPUS VALE DO RIO MADEIRA - CVRM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E
HUMANIDADES – PPGECH

Dessa forma, observa-se esse perceber do contexto histórico como um


elemento na produção de identidade do sujeito que se constituiu num primeiro
momento a partir das práticas dos jesuítas em 1549, passa para a reforma pombalina
em 1759, enquanto colônia. Já como Império, se destaca em dois momentos I Reinado
em 1822 e II Reinado em 1840. Para então adentrar no período de Republica, com a
República Velha (1889-1930), Era Vargas (1930-1945), Republica Populista (1945-
1964) e com a Redemocratização (1988).

O saber histórico, até esse ponto, se distingue de datas de livros, mas abraça
os processos que decorrem das narrativas, e como as mesmas se representam. A
narrativa de descoberta que desdobra significâncias e apagamentos, o novo
significado do invadir e o apagar de um povo. A narrativa do crescimento que
traspassa a humanidade ao inseri-la no comercio, quando se vende gente com toda
ou mais humanidade que um povo pode ter. A narrativa do ensinar que compactua
com o extermínio de uma língua, de uma cultura e de um modo de existir.

Para além de qualquer objetividade, para além de qualquer ‘vontade


de verdade’, é a multiplicidade de olhares, a multiplicidade de afetos
sobre um mesmo objeto (isto é, um perspectivismo) que pode
possibilitar nos um conhecimento mais completo desse objeto.
(GALLO, 2006. p. 561)
Então, o historicizar dentro dessa perspectiva, observa em um aspecto histórico
que transita dentro de suas narrativas, os meios de hoje. Esses meios como sendo a
escola, a igreja, a roda de conversa, reunião de família, grupo de trabalho, e enfim,
todo o espaço que possibilita a interação e consequentemente a aprendizagem
humana.

Esse meio que normaliza uma porcentagem, que de acordo com Cerqueira
(2021) numa média de 56 mil assassinatos por ano, 53% do total são jovens, dos
quais 77% são negros e 93% são homens. Não se mantendo dentro apenas dessa
perspectiva, mas que observa, de acordo com De Araujo et al (2023) acréscimos de
300% em taxas de feminicídio em regiões do país. Assim como, de acordo com
Mendes (2020), detém dados de uma estimativa de 8.027 mil indivíduos LGBT+
assassinados num período de 55 anos.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO AGRICULTURA E AMBIENTE - IEAA
CAMPUS VALE DO RIO MADEIRA - CVRM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E
HUMANIDADES – PPGECH

Assim, não somente se percebe a história de um meio, mas passa a conhecer


ambivalências que transitam entre as histórias, as que são contadas a partir de pontos
“justificáveis”, apaziguantes. E o sons que entrelaçam nesses mesmos contos, que
ampliam as mesmas conversas e convergem com percepções que não são tão
simples, cronológicas ou lineares. Passa-se então a olhar o meio, o olhar que, ao se
forjar em marcas e histórias, não se limita ao nu, mas se vê dentro do outro e ao olhar
o outro. Se percebe como parte da história, que se produz numa história e que
ressignifica mais histórias.

A maneira a qual o historicizar perpassa, não respostas ou afirmações, mas os


tensionamentos que abraçam cada pequena narrativa, são produzidas identidades a
partir dessas histórias, e dentro dessas identidades, sujeitos que perpassam ou não,
tais narrativas. O ser docente a qual, inserido nesse meio, traz o repetir de histórias já
contadas ou se reinventa nas suas próprias vozes.

Vozes essas que soam em conversas não monitoradas, em salas com portas
que não estão fechadas. Vozes essas que transitam entre o A e o colega diferente.
Que permeiam os muros de escolas e as cozinhas vazias, que dançam entre cantigas
e traços de cor. A voz que se “modela” em tentativas prontas, mas que cantam em
outras frequências. O ser docente apresentado no presente contexto, se entrelaça nas
mínimas e densas discursões elaboradas, não se forma apenas no academicamente,
mas se produz dentro de seu meio e se ressignifica dentro de sua voz.

Ainda que, tal qual como o gênero, abordado como “socialmente construído”,
permeie em impasses ‘projetados’ e entendidos como ‘prontos’, essa construção e
significação, amparado no campo, se problematiza como um objeto. O objeto (ser
docente) que em sua prática descreve sua construção, que em sua narrativa
compartilha suas identidades, essas que se formam e se transformam, ainda que se
defenda como uma ideia de “fixa”, se modifica em experiencias corriqueiras.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO AGRICULTURA E AMBIENTE - IEAA
CAMPUS VALE DO RIO MADEIRA - CVRM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E
HUMANIDADES – PPGECH

REFERENCIA

BACKES, José Licínio. Relações étnico-culturais na educação superior: processos


de resistência e de subversão do currículo hegemônico/monocultural. In: BACKES,
José

Licínio; NASCIMENTO, Adir. (Org.). Inter/multiculturalidade, relações étnicoculturais


e fronteiras da exclusão. Campinas: Mercado das Letras, 2015.

Cerqueira, Daniel Atlas da Violência 2021 / Daniel Cerqueira et al., — São Paulo:
FBSP, 2021.

COSTA, Marisa Vorraber. Caminhos Investigativos I. Novos olhares na pesquisa em


educação. 3. ed. Rio de Janeiro (RJ): Lamparina, 2007. 159p.

DE ARAÚJO, Poliana Caldas; DE MOURA, Ana Clara Vieira; RODRIGUES, Gustavo


Luís Mendes Tupinambá. FEMINICÍDIO: UMA ANÁLISE DA REALIDADE NO
MUNICÍPIO DE TERESINA DURANTE O PERÍODO PANDÊMICO. Revista Ibero-
Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 9, n. 5, p. 3819-3833, 2023.

FONSECA, Tania Mara Galli; NASCIMENTO, Maria Lívia do; MARASCHIN, Cleci.
Pesquisar na diferença: um abecedário. Porto Alegre: Sulina, p. 263, 2012.

GALLO, Silvio. Modernidade/pós-modernidade: tensões e repercussões na produção


de conhecimento em educação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 551-
565, set./dez. 2006

HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte:


UFMG, 2003.

MENDES, Wallace Góes; SILVA, Cosme Marcelo Furtado Passos da. Homicídios da
população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros
(LGBT) no Brasil: uma análise espacial. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, p. 1709-
1722, 2020.

PARAÍSO, Marlucy Alves. Pesquisas Pós-Críticas Em Educação No Brasil: Esboço


De Um Mapa. Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 122, maio/ago. 2004.

SANTOS, Luís Henrique Sacchi dos; KARNOPP, Lodenir Becker; WORTMANN,


Maria Lúcia Castagna (Organizadores). O que são estudos culturais hoje?
Praticantes retomam a pergunta diferente do International Journal of Cultural
Studies. São Paulo: Pimenta Cultural, 2022. ISBN 978-65-5939-605-4.

WOORWARD, Kathyn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual.


In: SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.

Você também pode gostar