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O HOMEM COMO “SER SOCIAL E HISTÓRICO”:


CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA HISTÓRICO CULTURAL
PARA A ESCOLARIZAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL

Resumo
O presente artigo tem por objetivo evidenciar a importância SUZI ROSANA MACIEL BARRETO DO
da concepção de homem, tal qual aparece nos NASCIMENTO
pressupostos da Psicologia Histórico Cultural. Teoria, UNIOESTE
elaborada por Lev Semenovich Vygotski e continuada por suzimaciel@yahoo.com.br
seus colaboradores: Alexander Romanovich Luria e Alexis
Leontiev. Com esse estudo, pretende‐se ainda, buscar
relações entre as bases marxistas desta teoria e suas
contribuições para a escolarização de alunos com
Deficiência Intelectual em salas de aula comuns que
oferecem o Ensino Fundamental, mais especificamente no
município de Cascavel – PR, na área de Língua Portuguesa.
Além da abordagem teórica em questão, tornou necessário
a este estudo, uma breve análise das Diretrizes Curriculares
da Educação Especial do Estado do Paraná, documento que
versa sobre a concepção de currículo inclusivo. Analisando
essa concepção de currículo, haveria a possibilidade de
articulação com a concepção de homem como “ser social e
histórico”? Nesse momento, cabe buscar em Saviani apoio,
no que diz respeito ao papel da escola, bem como na
função do currículo.

Palavras‐chave: Psicologia Histórico Cultural; Currículo


Comum; Concepção de Homem; Deficiência Intelectual.

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Instituição Financiadora: Fundação Araucária/ CAPES

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.1


Introdução
A Psicologia Histórico Cultural traz como pressuposto importante que o homem é
um ser social e histórico, nesse pressuposto, há uma ênfase ao aspecto cultural do
desenvolvimento humano. Para que haja o processo de hominização, isto é da
constituição do sujeito em humano, necessariamente a cultura permeou esse processo,
esteve presente. Fica evidente que o tempo e o espaço, assim como os códigos
linguísticos e os instrumentos manipulados pela sociedade, na qual se insere o sujeito
colaboram para que este se constitua como tal. Como afirma Vygotski:

A luta pela sobrevivência e a seleção natural, as duas forças motrizes da


evolução biológica no mundo animal, perdem a sua importância decisiva
assim que passamos a considerar o desenvolvimento histórico do
homem. As novas leis que regulam o curso da história humana e que
regem o processo de desenvolvimento material e mental da sociedade
humana, agora tomam seus lugares. (VYGOTSKI, 1930, p. 2).

Esta relação que ocorre entre sujeitos, tempo, espaço, códigos utilizados e
instrumentos, é o que se considera contexto social e histórico. Com base num
determinado contexto, é possível conhecer quais instrumentos são necessários para
mediar suas relações sociais. Os instrumentos de mediação podem ser linguísticos ou
mesmo aqueles objetos criados, que de alguma forma, sejam necessários para que o
homem se constitua humano, sujeito do seu tempo, que dê respostas adequadas às
necessidades apresentadas no seu momento histórico. Apropriar‐se da cultura é se
instrumentalizar com aquilo que a humanidade produziu, e isso não deve ser negado ao
sujeito na sua constituição de humano. Negar‐lhe a apropriação da cultura é o mesmo que
negar‐lhe a condição de humano. Como afirma Leontiev (1978, p. 257):

O processo de apropriação do mundo dos objetos e dos fenômenos


criados pelos homens no decurso do desenvolvimento histórico da
sociedade é o processo durante o qual teve lugar a formação, no
indivíduo, de faculdades e de funções especificamente humanas. [...]
O processo de apropriação efetua‐se no desenvolvimento de relações
reais do sujeito com o mundo. Relações que não dependem nem do
sujeito nem da sua consciência, mas são determinadas pelas condições
históricas concretas, sociais, nas quais ele vive e pela maneira como a
sua vida se forma nestas condições.

Com base nesse pressuposto de constituição do humano, relacionando‐o com a


base marxista de que este humano se constitui num determinado modo de produção de

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vida, neste caso, a base é o trabalho, como categoria marxista. Torna‐se necessário ao se
pensar na escola que se apresenta no século XXI: Em que esta escola tem contribuído
para a constituição desse humano? E mais especificamente, a escola que traz consigo o
legado da inclusão de pessoas com deficiência no ensino regular, atenta para um
currículo que instrumentalize culturalmente o sujeito? A cultura produzida pela
humanidade faz parte desse currículo ou ele é minimizado ou negado?
“O trabalho é antes de tudo um processo entre o homem e a natureza,
um processo no qual o homem por sua atividade realiza, regula e
controla suas trocas com a natureza. Ele põe em movimento as forças
naturais que pertencem à sua natureza corporal, braços e pernas,
cabeças e mãos, para se apropriar das substanciais naturais sob uma
forma utilizável para sua própria vida. Agindo assim, por seus
movimentos sobre a natureza exterior e transformando‐a, o homem
transforma ao mesmo tempo a sua natureza”. MARX (2001, p. 211).

Na tentativa de oferecer um currículo comum, as redes de ensino se mobilizam na


construção de um currículo próprio e lançam suas diretrizes. No caso da Rede Estadual do
Paraná, suas diretrizes para a Educação Especial (SEED, 2006, p. 50) se referem ao
currículo inclusivo dessa forma:

Entende‐se currículo como uma construção social, diretamente ligada a


um momento histórico, a uma determinada sociedade e às relações que
esta estabelece com o conhecimento. No currículo, múltiplas relações se
constituem explícitas ou “ocultas”, que envolvem reflexão e ação,
decisões político‐administrativas sistematizadas no órgão central da
Educação, e as práticas pedagógicas desenvolvidas na escola
(SACRISTÁN apud SAVIANI, 1998).

Conceber e praticar uma educação para todos pressupõe a prática de


currículos abertos e flexíveis comprometidos com o atendimento às
necessidades educacionais de todos os alunos, sejam elas especiais ou
não. Inúmeros estudiosos (CARVALHO, 2001, 2004; FERREIRA;
GUIMARÃES, 2003 LANDÍVAR, 1999; GONZÁLEZ, 2001) são unânimes em
afirmar que não deve haver um currículo diferenciado ou adaptado para
alguns alunos. (Grifo nosso)

Observa‐se nesse exemplo que categorias como: momento histórico; construção


social; relações com o conhecimento; múltiplas relações; educação para todos, são postas
como concebidas nos pressupostos da Psicologia Histórico Cultural, sendo que
“educação para todos”, representa o caráter mais político ligado ao direito da pessoa à
educação e portanto reflete o campo da gestão educacional: quanto a oferta de
educação pelo Estado, por exemplo. Destaca‐se assim a importância das contribuições de

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Vygotski e seus colaboradores, bem como os pressupostos marxistas, para que se


compreenda o homem como sujeito de uma sociedade, cuja atividade primordial para o
seu desenvolvimento se baseia na categoria: trabalho.

Sendo assim, este homem então, pelo menos, naquilo que se propõem as
diretrizes, especificamente do estado do Paraná, para a educação especial, deixam claro
que, ao ser exposto a um currículo, o sujeito não deveria ser negligenciado por ter
necessidades educacionais especiais e sim satisfeito nessas suas necessidades. Ou seja, o
currículo deveria provocar no sujeito ações para criar meios de superar suas
necessidades.

As Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná para a Educação Especial (SEED,


2006, p. 53) trata da necessidade de flexibilização do currículo dessa forma:

O objetivo é que o princípio da flexibilização curricular seja incorporado


em todos os níveis e modalidades de ensino, a fim de que não se tenha,
novamente, à exemplo de outras épocas, que produzir propostas
específicas, diferenciadas, voltadas apenas a alguns grupos de alunos.
A preocupação mais relevante é que não haja fragmentação nesse
processo, tomando a questão da flexibilização curricular como
instrumento de exclusão, em práticas de banalização de conceitos,
esvaziamento de conteúdos e baixa expectativa avaliatória dos alunos
rotulados como deficientes, diferentes ou com necessidades especiais
(FERNANDES, 2006b).

Mas o intrigante é que se exposto a um currículo comum, numa sala de aula


comum, não necessariamente o aluno com deficiência precisará de diretrizes curriculares
próprias para atender às suas necessidades. Porque as relações sociais estarão tão
imbricadas e tão carregadas de significados, que esta sala de aula representará, em
menor escala, a própria sociedade, seu momento histórico estará circunscrito ali e os
aspectos culturais estarão presentes. O aluno com deficiência estará tão imerso nesse
contexto sócio cultural, quanto os alunos que não têm deficiência. Em se tratando de
estar preparada para viver em sociedade, a pessoa com deficiência também precisa se
apropriar da cultura para tal. Então, não há justificativa para que tenha um currículo
diferenciado.

As Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná que versa sobre o ensino da Língua


Portuguesa, para a Educação Básica, e, portanto, responsáveis pelo ensino da Língua

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Materna para o Ensino Fundamental, interesse deste estudo. Traz pressupostos que
condizem com a tentativa de formação de homem como “ser social e histórico”, como se
pode observar no trecho que segue, o qual apresenta: “A Dimensão Histórica da Língua
Portuguesa”:

O Estado de Direito garante a todos os cidadãos a igualdade perante as


leis, porém sabemos que, historicamente, em nosso país, há um
descompasso entre o que a lei propõe e a realidade vivida pela
sociedade, incluídos, aí, os processos de educação.

É nos processos educativos, e notadamente nas aulas de Língua Materna,


que o estudante brasileiro tem a oportunidade de aprimoramento de sua
competência linguística, de forma a garantir uma inserção ativa e crítica
na sociedade. É na escola que o aluno, e mais especificamente o da
escola pública, deveria encontrar o espaço para as práticas de linguagem
que lhe possibilitem interagir na sociedade, nas mais diferentes
circunstâncias de uso da língua, em instâncias públicas e privadas. Nesse
ambiente escolar, o estudante aprende a ter voz e fazer uso da palavra,
numa sociedade democrática, mas plena de conflitos e tensões. (SEED,
2008, p. 38) (Grifo nosso).

Ao se referir ao Estado de Direito, porém deve‐se atentar para diferença que existe
entre o Direito, tal qual descrito pela Declaração dos Direitos Humanos/ 1948 e na
Constituição Federal do Brasil/1988, documentos que trazem ideias liberais,
representando, portanto um mero discurso. E o Direito de fato, político que faz a pessoa
avançar nas suas elaborações frente às demandas sociais, que se apresentam
dinamicamente.

A respeito do trabalho como produção que exige do homem operações cada vez
mais complexas, Leontiev acrescenta:

A primeira transformação importante, no sentido de um alargamento do


domínio do consciente, é realizada pela complexificação das operações
de trabalho e dos instrumentos. A produção exige cada vez mais, de cada
trabalhador, um sistema de ações subordinadas umas às outras e, por
conseqüência, um sistema de fins conscientes [...] Psicologicamente, a
fusão de diferentes ações parciais numa ação única constitui a sua
transformação em operações. (LEONTIEV, 1978, p. 103).

O alargamento do consciente diz respeito à transformação de ações parciais em


operações conscientes que corresponde à ação determinada e motivo, exige um
processo que se elabora. Cada passo de uma operação consciente se sistematiza, exige

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conhecimento do que se quer realizar, isso significa um salto na estrutura psicológica do


sujeito e não ocorre espontaneamente, porque biologicamente este sujeito nasceu
homem, mas porque se vai constituindo homem na medida em que vai tomando
consciência para interagir no mundo.

Quando a categoria: “trabalho” é tratada neste estudo, não se exclui dessa


importante categoria a pessoa com deficiência, mas estabelece‐se com esse conceito
uma articulação, entre a apropriação dos instrumentos para a realização do trabalho, da
atividade consciente, e os processos psicológicos, cada vez mais elaborados pela
consciência, face à complexidade dessa apropriação.

Quanto à hominização, Luria afirma que:

Diferentemente do animal, cujo comportamento tem apenas duas


fontes: 1) os programas hereditários de comportamento,
subjacentes no genótipo e 2) os resultados da experiência individual, a
atividade consciente do homem possui ainda uma terceira fonte: a
grande maioria dos conhecimentos e habilidades do homem se forma
por meio da assimilação da experiência de toda a humanidade
acumulada no processo da história social e transmissível no processo de
aprendizagem. [...] A grande maioria de conhecimentos, habilidades
e procedimentos do
comportamento de que dispõe o homem não são o resultado de sua
experiência própria, mas adquiridos pela assimilação da experiência
histórico‐social de gerações. Este traço diferencia radicalmente a
atividade consciente do homem do comportamento animal. (LURIA,
1991, p.73).

Então, pode se dizer que um currículo que se pretende satisfazer à condição


humana, tal qual concebida pelos pressupostos da Psicologia Histórico Cultural, deve ir
além do biológico, passar pela experiência individual e adentrar no espaço da experiência
histórico‐social. Isto é, para contribuir com o desenvolvimento do homem como um ser
social e histórico, é necessário que se estabeleçam relações culturais, nas quais não
apenas o ser individual esteja presente, mas a sua coletividade, ou seja, os seus parceiros,
aqueles que participam de seu momento histórico ou que em algum momento as suas
histórias se entrecruzem, dado o modo de produção de vida, que permeia essa relação.
Como diz Saviani a respeito do que se pretende ensinar na escola:

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[...] não se trata, pois, de qualquer tipo de saber. Portanto, a escola diz
respeito ao conhecimento elaborado e não ao conhecimento
espontâneo; ao saber sistematizado e não ao saber fragmentado; à
cultura erudita e não à cultura popular (SAVIANI, 1997, p. 19).

A IMPORTÂNCIA DA APROPRIAÇÃO DA CULTURA PARA O ALUNO COM


DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

El niño retrasado mental está formado no sólo de defectos, su organismo


se reorganiza como un todo. La personalidad, como un todo, se equilibra,
se compensa con los procesos del desarrollo del niño.
Es importante saber no sólo qué enfermedad tiene la persona, sino
también qué persona tiene la enfermedad. (VYGOTSKI, 1997, p. 236)

Para Vygotski essa apropriação da cultura, pela pessoa com deficiência, ocorre da
mesma forma que para uma pessoa sem deficiência, apenas por vias de conhecimento
diferenciadas, as quais não interfiram na complexidade do saber sistematizado, ou seja,
não diminua o seu valor social, frente à função da escola, que é a de trabalhar com esse
saber.

O autor não nega que existem vias de conhecimento diferenciadas para pessoas
com Deficiência Intelectual, assim como existem para o cego e o surdo. O que seria da
aprendizagem do cego, sem o recurso do Braile? Ou do surdo sem a Língua dos sinais?
Mas esses recursos importantes devem estar diluídos num “currículo comum” a todos os
alunos da classe onde o cego e o surdo estiverem. Ou seja, todos se apropriarão de um
“saber sistematizado”, de um “conhecimento elaborado” como anunciado por Saviani.

Quanto ao currículo a ser desenvolvido com o aluno com deficiência, encontra‐se


em Vygotski, uma importante contribuição, quando o autor afirma que:

A ninguém ocorre sequer negar a necessidade da pedagogia especial.


Não se pode afirmar que não existem conhecimentos especiais para os
cegos; para os surdos e os mentalmente atrasados. Porém esses
conhecimentos e essas aprendizagens especiais há que se subordiná‐los
à educação comum, à aprendizagem comum, a pedagogia especial deve
estar diluída na atividade geral da criança. (VYGOTSKI, 1997, p.65)

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Contudo, o que se deve destacar nessa contribuição vygotskiana, é que o autor já


dizia isso no início do século XX e a escola que se propõe inclusiva, no século XXI, continua
percorrendo essa trajetória, de que seja estabelecido um currículo, no qual o aluno com
deficiência se aproprie do conhecimento produzido historicamente pela humanidade,
tanto como o aluno que não tenha deficiência.

No início do século XX, Vygotski critica a escola especial por negar um currículo
mais promissor às pessoas com deficiência. Havia algo de muita importância ocorrendo, o
autor, assim como a sociedade russa pós‐revolucionária, da qual fazia parte, passava por
profundas mudanças. A Psicologia, nesse momento, haveria de se voltar para “um novo
homem”, para atendê‐lo a velha Psicologia, já não cumpriria bem esse papel. Era
necessário elaborar novos conceitos, uma nova Psicologia. Surge a Psicologia Histórico
Cultural, que não permaneceu apenas com as elaborações de Vygotski, mas foi
compartilhada com seus colaboradores e continuada por eles: Luria e Leontiev. Por isso, a
necessidade de recorrer aos seus escritos, dando‐lhes a mesma importância, daqueles de
autoria de Vygotski.

Se na sociedade russa, naquele momento histórico, era necessário se pensar para


o “novo homem” uma Psicologia que desse conta de uma concepção de homem e de
sociedade mais voltada para o aspecto social e também cultural. Não é de se estranhar
que uma pedagogia como a especial, que segregava esse “novo homem”, também em
suas expectativas de apropriação do conhecimento, fosse duramente criticada por
Vygotski. Pois o autor se esforçava por apontar caminhos que contribuíssem por formar o
“novo homem” colocando à sua disposição, todo o legado cultural produzido pela
humanidade, esse aparato ou todo cultural, seria indispensável para a formação do “novo
homem”.

A respeito da escola especial, na sociedade russa, naquele momento histórico,


Vygotski se refere, pontuando algumas questões que são muito úteis, se postas em
discussão ainda no século XXI, no Brasil ou em qualquer outro país, no qual funcionem
escolas especiais. Os trechos a seguir pertencem ao Tomo V, das Obras Escolhidas, o qual
está traduzido do russo para o espanhol e trata Defectologia, que no Brasil, seria
Deficiência ou fundamentos para uma educação especial.

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la educación especial debe ser subordinada a lo social, debe estar


coordinada con lo social, fusionada orgánicamente con lo social. Todo
ello en objeción a la escuela especial que margina al niño, que lo aísla del
medio, de las relaciones con sus coetáneos; a la escuela que no se vincula
con la vida y la práctica. En resumen, que aísla al niño de la sociedad,
Como parte de la valoración a la escuela especial soviética de entonces,
se incluye la crítica a la no coeducación de los niños deficientes, práctica
muy propia de la escuela especial en esta época. ( VYGOTSKI, 1997, p. 6)

Quanto à pessoa com deficiência, segundo o autor, há particularidades próprias no


desenvolvimento desta pessoa, que a impulsiona a vencer ou equilibrar a deficiência.
Acredita‐se que diante de um desafio, todas as pessoas são convidadas a solucioná‐lo e
para isso, lançam mão do que possuem. Tanto a pessoa com deficiência quanto aquela
que não tem deficiência é capaz de criar soluções para seus desafios diários. Para tanto
precisam estar instrumentalizadas, semelhantemente e dispondo da cultura e do saber
sistematizado, isto seria a chave para a solução dos desafios. A criatividade para
solucionar desafios pode resultar da elaboração do pensamento da pessoa com
deficiência, assim como de uma pessoa sem deficiência.

[…] junto con el defecto orgánico están dadas las fuerzas, las tendencias
y los deseos de vencerla o equilibrarla. […] Entretanto, justamente estos
deseos trasmiten la peculiaridad al desarrollo del niño con defecto y
originan las formas creadoras, infinitamente diversas y a veces muy
caprichosas del desarrollo, iguales o semejantes a las que observamos en
el desarrollo típico del niño normal. (VYGOTSKI, 1997 p. 27)

Quanto a atuação do professor, o autor reafirma a nesessidade deste conhecer as


vias do conhecimento de seus alunos, conhecer os meios pelos quais o aluno aprende não
é bom só para que o professor tenha um bom desempenho com alunos com deficiência,
mas para que ensine a todos os alunos. Mesmo porque todos os alunos da classe devem
ser submetidos a um currículo único, pois todos são capazes de alcançar um
desenvolvimento, que lhes garanta o sucesso na aprendizagem. Quando faltam ao sujeito
algumas funções necessárias ao seu desenvolvimento intelectual, por exemplo, no caso
da Deficiência Intelectual, este sujeito, será movido a criar a partir da sua personalidade,
novas formações que ofereçam respostas à deficiencia, as quais representam uma
compensação a esta deficiencia.

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La peculiaridad positiva del niño con deficiencias también se origina, en


primer lugar, no porque en él desaparecen unas u otras funciones
observadas en un niño normal, sino porque en él desaparecen unas u
otras funciones observadas en niño normal, sino porque esta
desaparición de las funciones hace que surjan nuevas formaciones que
representan, en su unidad, una reacción de la personalidad ante la
deficiencia, la compensación en el proceso de desarrollo. Si un niño ciego
o sordo alcanza en el desarrollo lo mismo que un niño normal, entonces
los niños con deficiencia lo alcanza de un modo diferente, por otra vía,
con otros medios y para el pedagogo es muy importante conocer la
peculiaridad de la vía por la cual él debe conducir al niño. (VYGOTSKI,
1997, p. 30)

Para Vygotski as causas orgânicas, inatas não atuam por si sós sobre o sujeito
provocando uma compensação à deficiencia, mas essa compensação surge em forma de
reorganizações psicológicas. Isto é, a pessoa dará respostas ao meio social, dependendo
de como participa da sociedade, do seu momento histórico e de quais papéis sociais
desempenha. Há nessas ações, uma dinâmica social, que localiza a pessoa no tempo e no
espaço, o que é histórico, e ainda aponta para a necessidade de se situar culturalmente,
pois ao requerer um posicionamento cultural do sujeito, de maneira alguma se espera
que este sujeito seja desprovido de cultura, mas que seja apropriado dela.

Todas las relaciones con las personas, todos los momentos que
determinan el lugar de la persona en el medio social, su papel y su
destino como participante de la vida y todas las funciones sociales del
ser, se reorganizan. Las causas orgánicas, innatas, como se subraya en la
escuela de Adler, no actúan por sí solas ni directamente, sino de forma
indirecta, mediante el descenso de la posición social del niño provocada
por ellas. Todo lo hereditario y orgánico debe ser interpretado también
desde el punto de vista psicológico, con el fin de que se pueda tener en
cuenta su verdadero papel en el desarrollo del niño. (VYGOTSKI, 1997, p.
33)

Considerações finais
Pode se dizer que quanto melhor for o currículo sistematizado destinado à pessoa
com deficiência, quanto melhor será o desenvolvimento do seu aparato psicológico para
responder ao meio social. O diagnóstico de uma deficiência não pode ser uma fronteira
intransponível na vida de uma pessoa, muito pelo contrário, é uma informação

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importante que pode imprimir na pessoa a capacidade de reorganizar‐se criativamente,


de forma a compensar o que lhe é deficiente. Cabe à escola oferecer não só ao aluno com
deficiência, assim como a todos os alunos, os instrumentos culturais necessários para que
ao serem desafiados pelo meio social, tenham condições de responderem à altura. Afinal,
não deveria ser função da escola privar seus alunos do dominio da cultura, que está nas
relações sociais e no modo de produção de vida. Ao privar os alunos da cultura, que está
aí para ser apropriada, a escola subestima‐os, provocando no meio educativo uma nítida
sensação de menor valor. O currículo não pode provocar a sensação de menor valor,
porque isso comprometeria a verdadeira função da escola: que é a de ensinar e ensinar é
transmitir cultura, tanto quanto possível. Não há limite para a transmissão de cultura.

REFERÊNCIAS
LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.

LURIA, A. R. Curso de psicologia geral. v. 1 e 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,


1991.

MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. 8º edição, Civilização Brasileira, Rio de
Janeiro, 2001.

SAVIANI, D. Pedagogia Histórico‐Crítica: primeiras aproximações. 6ª Edição. Coleção


Polemicas do Nosso Tempo. Campinas: Editora Autores Associados, 1997.

SEED. Diretrizes Curriculares da Educação Especial para a Construção de Currículos


Inclusivos. Curitiba – Paraná, 2006.

Disponível na página do Portal Educacional do Estado do Paraná


http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br

SEED. Diretrizes Curriculares da Educação Básica Língua Portuguesa. Paraná, 2008.

VYGOTSKI, L. S. A transformação socialista do homem. URSS: Varnitso,

1930. Tradução Marxists Internet Archive, english version, Nilson Dória.

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Disponível em: < http://www.marxists.org/>. Acesso em: 11 dez. 2006.

_______________. Obras escogidas. Tomo V. Madrid: Visor, 1997.

_______________; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, Desenvolvimento e


Aprendizagem, Trad. Maria da Penha Villa Lobos, São Paulo: Ícone Editora, 2003. 228 p.

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