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CIÊNCIAS

HUMANAS
COMPETÊNCIA 1
Compreender os elementos culturais
que constituem as identidades.
“Ciências Humanas” é o nome dado ao campo Médio, deve contemplar temáticas relativas às
cognitivo dedicado aos estudos da existência manifestações culturais regionais, à história e
humana e das intervenções sobre a vida. É às culturas afrodescendentes (Lei n° 10.639/03)
por meio deste campo que problematizamos as e indígenas brasileiras (Lei n° 11.645/08), como
relações sociais e de poder, os conhecimentos elementos fundamentais para o convívio com
produzidos, as culturas, políticas e leis, as a diversidade. Estes temas encontramos na
sociedades nos movimentos de seus diversos Competência 1 da prova do ENEM na área de
grupos, os tempos históricos, os espaços e as Ciências humanas (“Compreender os elementos
relações com a natureza. Essa área reúne estudos culturais que constituem as identidades”).
de ações, relações e experiências coletivas e As Ciências Humanas, em diálogo com outras
individuais, que refletem conhecimentos sobre a áreas e seus respectivos componentes, poten-
própria pessoa e sobre o mundo em diferentes cializam a formação integral do desenvol-
manifestações naturais e sociais. Ainda que sujei- vimento no sentido de pertencimento em
ta a diferentes correntes e vertentes teóricas, o grupos sociais, nas percepções de tempos, de
pressuposto fundamental da área considera o espaços, cultivando nos sujeitos da educação
ser humano como protagonista de sua existência. as responsabilidades para acolher o outro e ao
A identificação e a caracterização das Ciências reconhecimento mútuo. Favorecem, ainda, a
Humanas ocorrem a partir da compreensão capacidade de ultrapassar limites da informação
das especificidades dos pensamentos filosó- formal, concebendo o conhecimento como he-
ficos, históricos, geográficos, sociológicos e rança cultural e como produção histórica, diante
antropológicos. das demandas que compõem o quadro de
conflitos políticos, sociais, religiosos e culturais do
No Ensino Médio, esta área passa a contar
mundo contemporâneo, considerando a impre-
com Filosofia e Sociologia como componentes
visibilidade dos fenômenos e fatos.
curriculares obrigatórios. Também nesta
etapa da Educação Básica se faz necessário No estudo das ciências humanas se destacam:
assegurar a integração horizontal do ensino a valorização da atividade político-cidadã; a
dos diferentes componentes, inclusive com compreensão da importância do trabalho e de
as outras áreas de conhecimento e com uma seu impacto sobre a vida social; a valorização
consistente integração vertical. O estudo das da pesquisa e da ciência; a facilitação do diálogo
Ciências Humanas durante a Educação Básica com as especificidades das diferentes culturas,
visa a inserção no mundo do trabalho, o pleno segundo critérios de faixa etária, classe social
exercício da cidadania, a utilização adequada e região; o respeito a diferenças, diversidade
das tecnologias, o desenvolvimento do espírito étnica e liberdades individuais; e, a utilização
crítico, etc. No que diz respeito às questões racional das tecnologias e das práticas cultu-
culturais, esta etapa de formação, segundo rais próprias ao mundo contemporâneo. Estes
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e as temas são amplamente explorados nas Compe-
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino tências 3, 5 e 6.

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Segundo o Ministério da Educação, os objetivos mulheres, entendidos também como produtos
gerais da área de Ciências Humanas na educação do mesmo processo (tema explorado na
básica são: Competência 2).
• Conhecer princípios éticos, políticos, cul turais, • Realizar experiências de socialização e de
sociais e afetivos, sob a égide da solidariedade, vida em coletividade, em diferentes espaços,
atentando para a diversidade, a exclusão, tempos e interações conscientes, sendo
avaliando e assumindo ações possíveis para o nessas experiências contempladas, sobretudo,
cuidado de si mesmo, da vida em sociedade, as individualidades e as diversidades culturais
do meio ambiente e das próximas gerações. presentes.
• Analisar processos e fenômenos naturais, • Problematizar mudanças advindas das tec-
sociais, filosóficos, sociológicos, históricos, nologias no desenvolvimento e na estruturação
religiosos e geográficos, problematizando-os da sociedade, refletindo sobre seus impactos e
em diferentes linguagens, adotando condutas desdobramentos.
de investigação e de autoria em práticas esco-
• Desenvolver consciência crítica sobre sen-
lares e sociais voltadas para a promoção de
sibilidade, conhecimento e razão, bem como
conhecimentos, da sustentabilidade ambiental,
sobre as realidades sociohistóricas, culturais e
da interculturalidade e da vida.
políticas.
• Problematizar o papel e a função de instituições
• Entender as relações de produção e consumo
sociais, culturais, políticas, econômicas e
como potenciais causas, mas também con-
religiosas, questionando os enfrentamentos
sequências de desigualdades sociais, refletindo
entre grupos e sociedades, bem como as
sobre o papel da ideologia nesse contexto.
práticas de atores sociais em relação ao
exercício de cidadania, nos desdobramentos Nesse caminho o Ministério da Educação
de poder e na relação dinâmica entre natureza apresentou ao país os Parâmetros Curriculares
e sociedade, em diferentes temporalidades e Nacionais para o Ensino Médio. A proposta de
espacialidades. elaborar um currículo baseado em competências
e habilidades, sustentados na organização de eixo
• Compreender e aplicar pressupostos teórico-
cognitivo e em áreas de conhecimento, foi a
metodológicos que fundamentam saberes,
estrutura básica dos Parâmetros e a característica
conhecimentos e experiências que integrem
fundamental do modelo pedagógico que se
e reflitam o percurso da Educação Básica,
tentava implementar no país a partir de 1996
observando os preceitos legais referentes
(LDB do Ensino Médio). A preocupação era dotar
a políticas educacionais de inclusão, consi-
derando o trabalho e as diversidades como os educandos de uma formação adequada para
princípios formativos. o novo mundo tecnológico, de mudanças rápidas
que exigem adaptação quase instantânea
• Entender a sociedade como fruto da ação a realidades que nem bem se cristalizam já
humana que se faz e refaz historicamente. estão sendo transformadas. Por isso, a ideia de
• Compreender a relação entre sociedade e organizar o currículo a partir de competências
natureza como processo criador e trans- que garantam a atuação do indivíduo numa
formador do espaço ocupado por homens e nova realidade social, econômica e política.

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Operários. Tarsila do Amaral, 1933.

A revolução tecnológica, por sua vez, cria novas formas de socialização, processos de produção e, até
mesmo, novas definições de identidade individual e coletiva. Diante desse mundo globalizado, que
apresenta múltiplos desafios para o homem, a educação surge como uma utopia necessária indispensável à
humanidade na sua construção da paz, da liberdade e da justiça social. [...] Considerando-se tal contexto, buscou-
se construir novas alternativas de organização curricular para o Ensino Médio comprometidas, de um lado,
com o novo significado do trabalho no contexto da globalização e, de outro, com o sujeito ativo, a pessoa
humana que se apropriará desses conhecimentos para se aprimorar, como tal, no mundo do trabalho e na
prática social. Há, portanto, necessidade de se romper com modelos tradicionais, para se alcancem os obje-
tivos propostos para o Ensino Médio no Brasil.

Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério
da Educação, 1999. p. 25.

Foi com base nesses documentos e na visão que que uma questão pode estabelecer relações
eles carregam sobre o significado da educação entre duas ou mais disciplinas. Nas Ciências
da última etapa da formação básica, isto é, Humanas, as exigências giram em torno
uma educação voltada para a cidadania no da capacidade da análise das mudanças e
contexto de um país e um mundo em constante permanências, no tempo e no espaço, bem
transformação, que o Enem foi pensado como um como nos campos social, político, econômico
exame de avaliação do Ensino Médio brasileiro. e cultural. A preocupação da prova é analisar
Nesse sentido, as disciplinas de História, Geo- aspectos da identidade, das transformações
grafia, Sociologia e Filosofia são envolvidas na como fenômenos das relações de poder, da
ideia de uma área abrangente no ENEM, em importância das instituições políticas, sociais

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e econômicas, assim como os impactos das tec- A base para a elaboração da matriz de referência
nologias nas relações humanas, a valorização da do Enem são os Parâmetros Curriculares Na-
democracia e da cidadania e, por fim, os impactos cionais para o Ensino Médio. Vejamos, então,
causados pelo homem na natureza. como ali se apresenta a ideia de competência:

De que competências se está falando? Da capacidade de abstração, do desenvolvimento do pensamento


sistêmico, ao contrário da compreensão parcial e fragmentada dos fenômenos, da criatividade, da curiosidade,
da capacidade de pensar múltiplas alternativas para a solução de um problema, ou seja, do desenvolvimento
do pensamento divergente, da capacidade de trabalhar em equipe, da disposição para procurar e aceitar
críticas, da disposição para o risco, do desenvolvimento do pensamento crítico, do saber comunicar-se, da
capacidade de buscar conhecimento. Estas são competências que devem estar presentes na esfera social,
cultural, nas atividades políticas e sociais como um todo, e que são condições para o exercício da cidadania
num contexto democrático.

Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: ensino
médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999. p. 24.

As competências são entendidas como


mecanismos fundamentais para a
compreensão do mundo e atuação
nele, isto é, o saber fazer, conhecer,
viver e ser. Não basta o domínio dos
conteúdos das disciplinas, é necessário
aplicá-los ao contexto em que se
encontram. Isso é competência: a
capacidade de contextualizar o saber,
ou seja, de comparar, classificar,
analisar, discutir, descrever, opinar,
julgar, fazer generalizações, analogias
e diagnósticos. As habilidades são as
ferramentas que podemos dispor para
desenvolver competências.
Logo, para saber fazer, conhecer, viver
e ser, precisamos de instrumentos que
nos conduzam para que estas ações
se tornem eficazes. As habilidades são
esses instrumentos que, manobrados,
possibilitam atingir os objetivos e
desenvolver as competências.

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Cultura e identidade cultural

Cultura: considerações gerais


Conceito presente nas teorias mais rebuscadas quer dizer cultivar. Foram os romanos antigos
e nas reflexões cotidianas menos refinadas, que ampliaram esse significado inicial do termo,
podemos afirmar que cultura é preocupação passando a fazer uso do mesmo e o classifi- cando
marcante na contemporaneidade. como refinamento pessoal. Comumente se faz
Palavra com muitos sentidos, ela tem sido usada esse uso do termo cultura, uma pessoa “com
com os mais variados significados e lhe são cultura” é inteligente, com ideias refinadas, com
imputados vários atributos, tais como popular, experiência intelectual. Mas o conceito não é preso
erudita, nacional. O fato é que por cultura se nessa significação, pois os conceitos de cultura
entende muita coisa, os vários significados são múltiplos e, às vezes, até contraditórios.
assumidos pelo conceito a tornam marcante. A concepção mais simples sobre cultura preo-
Cultura é uma palavra de origem latina e seu cupa-se com todos os aspectos de uma reali-
significado original está ligado às atividades dade social. Dessa forma, cultura diz respeito a
agrícolas. Vem do verbo latino “colere”, que tudo aquilo que caracteriza a existência social

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de um povo ou de uma nação. Ou seja, cultura há consenso sobre o que é cultura, mas existem
é tudo aquilo produzido pela humanidade, seja muitos conceitos diferentes. Apesar disso, há
no plano concreto ou no plano imaterial, desde concordância com relação a alguns pontos
artefatos e objetos até ideias e rituais. Cultura é dessas múltiplas definições. Um desses pontos
todo o complexo de conhecimentos e toda ha- afirma que diferenças genéticas não determinam
bilidade humana empregada socialmente. Além comportamentos culturais, ou seja, toda di-visão
disso, é também todo comportamento aprendi- do trabalho com base no sexo ou na raça, por
do, de modo independente da questão biológi- exemplo, é cultural e não prederteminada pela
ca. Essa concepção refere-se ao conhecimento, natureza. A mesma premissa serve na afirmação
às ideias e crenças de um povo, assim como às de que o meio geográfico também não determina
maneiras como eles existem na vida social. A comportamentos culturais. Assim, quaisquer tipos
cultura, assim, diz respeito a uma esfera, a um de discriminações sociais feitas com base em sexo
domínio da vida social. Nesse sentido é comum ou raça, como aqueles discursos proferidos em
considerar cultura como uma produção artística nossa sociedade que afirmam que determinados
e intelectual. Assim, podemos falar de cultura trabalhos não podem ser feitos por mulheres, ou
erudita, cultura popular, cultura de massa, etc., que algumas atividades consideradas inferiores
todas as expressões que designam conceitos es- são exclusivamente “trabalho de negro”,
pecíficos para a produção intelectual de deter- não possuem base biológica. São discursos
minados grupos sociais. Porém, essa visão pode criados para justificar a posição dominante de
levar a crenças de que existem culturas mais determinados grupos sociais.
desenvolvidas e outras menos, ideal muito co-
mum no século XIX. É preciso ressaltar que todas as culturas tem
uma estrutura própria, todas mudam, todas são
O pensador teuto-americano Franz Boas (1858- dinâmicas. Assim, não é possível falarmos de po-
1942) foi um dos pioneiros na crítica ao “etno-
vos sem história, porque tal fenômeno signifi-
centrismo” (ideia de que existem culturas supe-
caria a existência de uma cultura que não passa
riores), afirmando que toda cultura tem uma
por transformações ao longo do tempo, algo que
história própria, que se desenvolve de forma par-
hoje tanto a História quanto a Antropologia refu-
ticular e não pode ser julgada a partir da história
tam veementemente.
de outras culturas. Assim, Boas usou, já no início
do século XX, a História para explicar a diversi- Também a noção de culturas “atrasadas” é ob-
dade cultural, a grande diferença de cultur- soleta, ultrapassada, pois para considerarmos uma
as na humanidade, fazendo, pela primeira vez, cultura atrasada teríamos que julgá-la segundo o
uma aproximação entre História e Antropologia parâmetro de “adiantamento” de outras socie-
(ciência que tem como objeto o estudo sobre o dades, o que não é possível.
homem e a humanidade de maneira totalizante, As culturas estão sempre em interação, porque
ou seja, abrangendo todas as suas dimensões) até nenhuma é isolada. Há trocas culturais e in-
hoje bastante utilizada. fluências mútuas em todas as sociedades. Nesse
É essa diversidade cultural que a Antropologia sentido, se todas as culturas são dinâmicas e
procura estudar. Qual a natureza do compor- mudam ao longo do tempo, todas as sociedades
tamento cultural? Etnia e meio ambiente são também históricas, independentemente de
influem nas culturas? As culturas “evoluem”? serem tribos, bandos de caçadores-coletores ou
Atualmente, nos estudos antropológicos não grandes Estados.

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Identidade cultural

O exterior exerce um importante papel na de nós mesmos”. Para este mesmo teórico, a
formação de nossa identidade, que está identidade muda de acordo com a forma como o
presente no nosso imaginário e é transmitida, sujeito é interpelado ou representado, ela não
fundamentalmente, por meio da cultura. A é automática.
identidade é o que nos diferencia dos outros, o Existem grandes variações do uso do termo
que nos caracteriza como pessoa ou como grupo “identidade”; esse conceito levanta muitas
social. Ela é definida pelo conjunto de papéis questões em diversos campos das ciências
que desempenhamos e é determinada pelas humanas. Sua origem remete à filosofia e à
condições sociais decorrentes da produção da psicologia, mas hoje a Antropologia tem sido
vida material. uma das ciências mais criativas em seu estudo.
Quando nos referimos à identidade cultural, Nesse contexto, a noção de identidade gerou
reportamo-nos ao sentimento de pertencimento muitos conceitos diferentes: identidade
a uma cultura nacional, ou seja, aquela cultura nacional, identidade cultural, identidade étnica,
em que nascemos e que absorvemos ao longo identidade social, e cada um deles com uma gama
de nossas vidas. Ressaltamos aqui, que esta de significados e métodos de análise próprios.
identidade não é uma identidade natural, Todos nós temos identidade. No Brasil, somos
geneticamente herdada, ela é construída. Hall registrados em um documento, a “carteira
(1999, p. 50) assim a define: “uma cultura de identidade”, que significa a representação
nacional é um discurso – um modo de construir oficial do indivíduo como cidadão. Ele é uma
sentidos que influencia e organiza tanto representação, entre várias, de nossa identi-
nossas ações quanto a concepção que temos dade social. Para a Psicologia Social, a identi-

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dade social é o que caracteriza cada indivíduo historiografia que reflete sobre a questão da
como pessoa e define o comportamento humano “memória”. Identidade e memória estão indis-
influenciado socialmente. Na história individual sociavelmente ligadas, pois, sem recordar o
podemos levar em conta outras influências: passado não é possível saber quem somos.
a atividade profissional, as festas, músicas e Nossa identidade surge quando evocamos uma
formas de lazer. Essas preferências constituem a série de lembranças, e esta ideia serve tanto
nossa “identidade pessoal” e estão intimamente para indivíduos quanto para grupos sociais.
relacionadas com a história da sociedade em
No entanto, o campo mais produtivo sobre
que vivemos.
a questão da identidade é o dos “Estudos
O antropólogo social brasileiro Roberto Culturais”. Surgido na Inglaterra no final do
DaMatta, por exemplo, usa a noção de identi- século XX, com autores como Stuart Hall (Escola
dade social para discutir a construção de uma de Birmingham), tem como objetivo criticar
identidade nacional brasileira. Em sua obra O o estabelecimento de hierarquias culturais,
que faz o Brasil Brasil, DaMatta se preocupa nas quais algumas culturas são consideradas
em responder como se constrói uma identidade superiores a outras. Esses estudos têm grande
social e, mais especificamente, como um povo interesse em discutir conceitos como raça,
se transforma em “Brasil”. Para ele, a constru- etnia e nação do ponto de vista da produção
ção da identidade social é feita de afirmativas cultural, trabalhando com temas como indústria
e negativas, a partir de posicionamentos dos cultural, cultura popular, colonialismo e pós-
indivíduos diante do cotidiano. Sendo assim, colonialismo. Temas que são fundamentais
uma pessoa cria sua identidade ao se posicionar para a compreensão contemporânea da ideia
perante instituições ao responder às situações de identidade. Nessa perspectiva é importante
sociais mais impor-tantes da sociedade: como considerar a identidade relacionada com a
um indivíduo entende o casamento, a Igreja, a diferença, pois a identidade não existe sem
moralidade, a Arte, as Leis, etc., é o que define a diferença: ao dizer que somos brasileiros,
sua identidade social. Esses perfis seriam estamos dizendo automaticamente que não
construídos a partir das fórmulas dadas pela somos italianos, nem chineses, por exemplo.
sociedade, e não criados simplesmente pela Ou seja, a identidade deve ser compreendida
escolha individual. como uma construção relacional ─ para existir
A História tem tentado trabalhar com o conceito ela depende de algo fora dela, que é outra
de identidade, exemplo disso é o campo da identidade.

1968, Passeata dos cem mil.

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lA globalização é, principalmente, um processo manter sua identidade, que não é una, que
de integração global, que pode ser definido não é igual, aberta ao outro – assim exige o
como a expansão, em escala internacional, da global – sem se arriscar a perdê-la ou destrui-
informação, das transações econômicas e la? Autores como Daniel Bougnoux (filósofo
de determinados valores políticos e morais. Francês) diz ser vital para um povo ou para
Em geral, valores do Ocidente. Herança do uma cultura construir, consumir e manter sua
imperialismo financeiro dos séculos XIX e XX, a própria imagem. Evidentemente devemos ter
globalização ultrapassa as fases anteriores de em mente as formas pelas quais as culturas
internacionalização da economia para abranger nacionais também contribuem para “costurar”
praticamente todos os países do mundo. É as diferenças numa única identidade, ainda que
uma nova fase do Capitalismo, surgida com essas identidades nacionais também estejam
o fim do Bloco Socialista e a queda do muro sendo deslocadas pela globalização.
de Berlim em 1989; eventos que levará à O fenômeno da globalização contribui para
grande expansão de mercados, alcançando o deslocamento das identidades culturais
áreas antes vetadas ao capitalismo. Nesse desintegrando-as, homogeneizando-as e, conse-
sentido, podemos entender a Globalização quentemente, enfraquecendo-as. O pensador
como um processo impositivo e impessoal que jamaicano Stuart Hall comenta: “À medida que
atravessa a sociedade contemporânea, rompe as culturas nacionais tornam-se mais expostas
fronteiras nacionais, integrando e conectando a influências externas, é difícil conservar as
comunidades, transformando o mundo numa identidades culturais intactas ou impedir que
verdadeira aldeia global, num mundo de iguais. elas se tornem enfraquecidas por meio do bom-
E as identidades? Onde elas ficam? Se toda bardeamento e da infiltração cultural” (1999,
identidade se define em relação a algo que lhe é p. 74). O confronto com uma verdadeira gama
exterior, se ela é uma diferença, como ficamos? de identidades culturais é traço marcante da
Estabelece-se, assim, mais uma crise: uma contemporaneidade. E é interessante até que
verdadeira crise de identidades. A humanidade ele ocorra, por certo há um enriquecimento,
é, então, conduzida a mais um desafio: como uma troca cultural; no entanto, é praticamente

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impossível vislumbrar tudo isso sem negar a nossas fronteiras, permitir que o novo chegue a
tensão entre o global e o local, que, ideologi- nós sem, no entanto, abrir mão de nossa cul-
camente, é permeada por interesses outros, tura nacional, de nosso legado cultural. Eviden-
afinal, a globalização é um processo desigual e temente, isto não é fácil, pela força hegemôni-
tem sua própria geometria de poder. Ela, inega- ca dos que invadem os espaços subalternos. O
velmente, tem um efeito pluralizante sobre as processo evidencia uma agressiva desigualdade
identidades, produzindo uma variedade de pos- entre “globalizador” e “globalizado”. No entan-
sibilidades e novas posições de identificação, to, como o próprio processo histórico nos per-
tornando as identidades menos fixas e unifica- mite verificar, nada é imutável. Somos os atores
das. Argumenta-se que este é um processo ir- sociais responsáveis pelo desenrolar do grande
reversível. Caso o seja, somos desafiados a abrir enredo que é a História.

Geografia cultural
Geografia cultural é o ramo da Geografia Hu- destacar algumas áreas como globalização,
mana que analisa os produtos e as normas cul- padronização cultural, ocidentalização, moderni-
turais e suas variáveis por meio dos lugares e zação, americanização, islamização, teorias como
espaços. Tem seu objetivo na descrição e análise “hegemonia cultural” ou assimilação cultural
de formas de linguagem, religião, artes, crenças e implantadas pelo imperialismo cultural, a dife-
outros fenômenos culturais, que podem variar renciação de hábitos, da forma de produzir a
ou não de um lugar para outro e contribuem sobrevivência (tecnologia), da linguagem (dialetos,
para a compreensão de como os seres humanos gírias), da vestimenta, etc.
funcionam no espaço. O espaço jamais aparece como um suporte neutro
A gama de campos e de conceitos estudados pela na vida dos indivíduos e dos grupos. Ele resulta
geografia cultural é bastante variada, podemos da ação humana que mudou a realidade natural

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e criou paisagens humanas e humanizadas. Os A diversidade regional da terra, além de natural,
lugares e as paisagens fazem parte da memória é também construída. Ela resulta do trabalho
coletiva. A lembrança do que aconteceu no humano que mudou a natureza e das categorias
passado dá forte valor sentimental a certos mentais usadas para opor o próximo e o distante,
lugares. Os mitos religiosos e políticos mudam a o familiar e o vizinho do estrangeiro. A construção
natureza de parcelas do espaço: existem fontes, das categorias regionais exprime a potência da
florestas, árvores e serras que viram sagradas, imaginação geográfica. O sentimento de per-
enquanto os seus arredores permanecem tencimento regional nunca se apresenta como
profanos. As identidades indi- viduais e coletivas
automático e natural. Nasce de um processo de
são fortemente ligadas ao desenvolvimento da
integração do eu em um meio ambiente social
consciência territorial. Num tempo em que a
particular.
globalização ameaça muitas identidades, a luz
que a abordagem cultural põe nas relações As regiões geográficas têm uma dimensão
entre identidades e território indica interessantes afetiva, psicológica e simbólica que cumpre
perspectivas de ação. papel fundamental.

Competência 1 | 13
Habilidade 1
Interpretar histórica e/ou geograficamente fontes documentais
acerca de aspectos da cultura.

Nessa habilidade será cobrada a capacidade No entanto, a partir da década de 1930, um


do aluno de compreender o que é uma fonte grupo de historiadores franceses associados à
documental, suas diversas formas, sua relação revista francesa Anais de História Econômica
com as várias áreas das Ciências Humanas e Social (ou Escola dos Annales, como ficaram
(História, Geografia, Filosofia e Sociologia), e conhecidos), fomentaram a crítica a essa
perceber os elementos culturais que dão forma e concepção de documento, influenciados por Karl
conteúdo às identidades. Marx, um dos primeiros a contestar a pretensa
Fonte histórica, documento, registro, vestígio objetividade imparcial da História, ainda no século
são termos usados para definir tudo aquilo XIX. Para Marx, qualquer historiador estava ligado
produzido pela humanidade no tempo e no a sua classe social, não podendo ser imparcial,
espaço, ou seja, a herança material e imaterial ideia que guiou as pesquisas dos materialistas
deixada pelos antepassados que serve de base históricos e dos Annales para o campo da
para a construção do conhecimento histó-rico. interpretação e da análise, mudando o conceito
Atualmente, a palavra preferida dos historiadores de documento. A partir de então, o fato histórico
é “vestígio”, pois gera mais amplitude da ideia deixou de ser entendido como algo entregue
de “fonte histórica”: os mitos, a fala, o cinema, de forma real e verídica pelo documento; ele
a literatura, os rituais religiosos, a publicidade, precisa ser construído pelo historiador a partir
tudo isso e muito mais são produtos humanos, de uma ligação de fatores presentes e passados.
ou seja, fontes para o conhecimento da História. Resumindo, o documento não era mais o portador
A interpretação das fontes documentais é uma da verdade inquestionável sobre o passado.
atividade complexa, e o aluno precisa estar Para a história interpretativa, não importava a
atento às diferentes formas de análise, utilizando veracidade do documento, mas as questões que
conhecimentos históricos e da geografia humana. o historiador lhe remetia. Desde então, a fonte
No ocidente, as primeiras ideias sobre a natureza histórica passou a ser construção do historiador e
das fontes históricas surgiram entre o século XVIII de suas perguntas, sem deixar de lado a crítica ao
e o início do XIX, com os intelectuais franceses que documento, pois questionar os registros não era
começaram a sistematizar a História escrita e apenas construir interpretações sobre ele, mas
valorizar o documento, no qual será construída a também conhecer sua origem, sua ligação com a
ideia de verdade (fonte escrita = verdade sobre os sociedade que o produziu.
fatos). Os historiadores do século XIX que usam Na segunda metade do século XX, o conceito de
essa premissa são chamados de “metódicos” ou documento foi modificado qualitativamente,
de “positivistas” (influenciados pela filosofia de abarcando a imagem, a literatura e a cultura
Auguste Comte). Para eles, a História era feita de material, a nova concepção de histórica passou
documentos escritos, sendo a principal tarefa do a trabalhar com pesquisas sobre a cultura e
historiador recolhê-los e submetê-los a críticas o cotidiano, a alimentação e a saúde, as mentali-
para comprovar sua veracidade. Nesse sentido, dades coletivas, a psicologia, a música, etc. Múl-
segundo essa corrente teórica o documento era a tiplos trabalhos passaram a utilizar como fontes
prova concreta e verídica de um passado imu- receitas culinárias, relicários, vestimentas, todo o
tável que não precisava ser interpretado. tipo de imagens, além dos variados tipos de lite-

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ratura, aumentando consideravelmente a com- ideias inovadoras para a noção de fonte históri-
preensão das sociedades do passado e toda a ca: as entrevistas. O registro oral é o documen-
sua complexidade. Ao mesmo tempo, um novo to construído pelo pesquisador tomando como
campo toma força, a História Oral, trazendo base a memória do entrevistado.

GUERREIRO ZULU, FINAL DO SÉCULO XIX | THE DELAGOA BAY WORLD


delagoabayworld.wordpress.com

Competência 1 | 15
Desenvolvendo a habilidade
É importante problematizar as fontes: Quem pessoal extraordinária. Assim, essa carta é mais
produziu? Em que lugar e em qual época foi importante do que uma simples assinatura do
criado? Por quê? Qual é a mensagem que a fonte Imperador numa nomeação oficial, ainda que
quer passar e por quê? Afinal, toda fonte histórica tanto uma simples assinatura quanto essa
é subjetiva, ela traz consigo um ponto de vista, a carta estejam preservadas pelo mesmo motivo.
interpretação da realidade daquele que a analisa. Uma carta com a letra do imperador conserva,
Vejamos um exemplo concreto de documento: sem dúvida, o fetiche do único, do irrepetível.
uma carta do imperador Pedro II a sua irmã, Analisamos cada curva daquela letra e supomos
Januária, datada de 24 de março de 1870. A a mão do imperador molhando a pena e re-
carta, manuscrita e autógrafa, fala do fim da gistrando fatos marcantes. No cruzamento desse
plano, encontramos a figura histórica de D. Pedro
II e a própria história do Brasil que passou pela
Guerra do Paraguai e por epidemias de cólera.
Contudo, é importante observar como o jogo de
espelhos reproduz ao infinito: a importância de
D. Pedro II e da Guerra do Paraguai é anterior
ao documento. O documento não prova essa
importância, não a cria, não constitui a “aura”,
pois tudo isso preexiste ao documento. Assim,
a concepção do processo histórico é anterior ao
documento e dizemos que o texto é importante
porque, antes de qualquer acesso a ele, já
concebemos que D. Pedro II e a Guerra do
Paraguai são importantes. Porém, a importância
da memória de D. Pedro II nasceu de outros
documentos históricos que associam seu nome
a muitas decisões no século XIX. Assim, outros
documentos colaboraram para criar a “aura”
que este em questão apenas confirmou. Como
afirma Leandro Karnal: “Podemos supor que o
grande limite da função do historiador seja o
limite do documento. Dócil ao arbítrio quase
absoluto, o documento é, igualmente, senhor
de quem o quer submeter. Na sobreposição
D. Pedro II
de centenas de subjetividades e acasos, ele
encerra a chave de acesso ao conhecimento do
Guerra do Paraguai, de questões relativas ao passado. Reafirmando seu senhorio dialético,
surto de febre amarela no Brasil e de assun- criador/criatura, o documento, em si, torna-
tos familiares e pessoais. Sendo D. Pedro II um se uma personagem histórica, com a beleza
homem que reteve grande poder durante da contradição e da imprevisibilidade, com as
quase meio século, ele tem uma importância marcas do humano”.

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Agora vejamos outro exemplo:

“MANIFESTO CAMPONÊS DE TENDÊNCIA COMUNISTA, RIO DE JANEIRO, 1929.


Fundemos o Sindicato dos Operários Agrícolas!
A aliança dos trabalhadores de Campos e o Centro Político Proletário,
os dois únicos organismos que lutam verdadeiramente pelos interesses
dos explorados e oprimidos da região, dirigem-se a todos os
operários, mulheres e jovens trabalhadores das usinas e fazendas
e a todos os lavradores pobres, chamando-os à organização de suas
fileiras, pois só assim poderão diminuir o roubo e a escravização
de que são vítimas, por parte dos fazendeiros e usineiros...
Reivindiquemos para o campo as seguintes melhorias:
• Aumento de salários e diminuição das horas de trabalho.
• Pagamento em moeda corrente, abolição dos cartões-vales.
• Liberdade de locomover-se! Liberdade de trabalhar para quem
entender! Liberdade de voto!
• Lei de férias e direito de greve!”

Na literatura, define-se manifesto como um da uma intenção com respeito às relações de tra-
texto de natureza dissertativa e persuasiva, balho no campo. Precisamos, por fim, ter o cuida-
uma declaração pública de princípios e in- do de contextualizar as fontes. O que estava
tenções, que objetiva alertar um problema acontecendo naquele espaço e tempo aos quais
ou fazer a denúncia pública de um problema o documento se refere?
que está ocorrendo, normalmente de cunho
Pode-se perceber que
político. O manifesto destina-se a declarar
estava ocorrendo uma
um ponto de vista, denunciar um problema
luta pela melhoria
ou convocar uma comunidade para uma
das condições de
determinada ação. No Manifesto Camponês de
trabalho em um
1929, há uma reivindicação sindical, os autores
são líderes camponeses que lutam pela defesa período em que não
dos interesses dos trabalhadores. Seria possível estavam minimamente
esperar que tomassem uma posição contrária à assegurados aos
deles? Quando os líderes camponeses afirmam trabalhadores alguns
que “lutam verdadeiramente pelos interesses direitos trabalhistas. Eles
dos explorados” e chamam os trabalhadores reivindicavam férias, a
“à organização de suas fileiras, pois só assim redução da jornada de
poderão diminuir o roubo e a escravização de trabalho, o pagamento em dinheiro e a liberdade
que são vítimas”, estão claramente procurando de locomover-se, ou seja, queriam se libertar de
convencer os camponeses a participar da luta. uma forma de trabalho que em alguns aspectos
Está sendo expresso um ponto de vista e revela- se assemelhava ao trabalho escravo.

Competência 1 | 17
A pintura também é uma fonte primordial para o praças públicas, para servir de exemplo e banir
entendimento da História, observe o quadro Exe- a vontade dos escravos fugirem para quilombos.
cução do Castigo de Açoite de Jean Baptiste Debret. As execuções provocavam hemorragias, levando
O açoite era aplicado a todo escravo negro o negro a sucumbir em meio a ataques.
culpado de falta grave: deserção, roubo, de tétano. No quadro, o carrasco é hábil ao
ferimentos recebidos em brigas, etc. O senhor arranhar a epiderme ao chicotear. Ele mesmo
que requer a aplicação da pena obtém uma fabrica o chicote que é feito de sete ou oito
autorização do intendente da polícia, que lhe dá tiras de couro secas e retorcidas. Para que o
o direito de determinar o número de chibatadas, efeito fosse melhor era necessário trocá-lo,
de 50 a 200, que podem ser administradas em pois o sangue o amolecia e ele não produzia o
dois dias. O horário mais comum era entre efeito esperado. Do lado esquerdo do quadro,
nove e dez da manhã nas praças públicas, onde se encontram os condenados. Os escravos dos
se localizavam os pelourinhos. Os castigados extremos estão cabisbaixos, pois um dos dois
podiam ser devolvidos à prisão se o seu dono será o próximo. Do lado direito, deitados no chão,
pagasse dois vinténs por dia com intuito de estão os negros que acabaram de ser executados,
puni-lo ou esperar para ser vendido. Após sair deitados para que não haja hemorragia e com
do açoite, o escravo era submetido à lavagem fraldas sob os ferimentos para que as moscas
das chagas com vinagre e pimenta para que não não pousem e infeccione. Quanto ao executado,
infeccionasse. Diferentemente era tratado o pode-se perceber seu caráter enérgico, pois,
negro que fosse descoberto chefe de quilombo. apesar da dor que sente, tem forças para ficar
Este saía da ca-deia carregando um cartaz escrito na ponta do pé a cada golpe. Alguns condenados
“chefe de quilombo”. Sua pena era de 300 se mostram de caráter forte, pois sofrem toda a
chibatadas, divididas de 30 em 30, em diferentes pena em silêncio.

18 |
Habilidade 2
Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.

Segundo Jacques Le Goff (foto), grande medie- (a idealização consiste em atribuir ao passado
valista francês, a memória é a propriedade de qualidades de perfeição, percebendo-o como
conservar certas informações, propriedade que possuidor somente características positivas).
Em segundo lugar, a memória coletiva
fundamenta a própria identidade do grupo
ou da comunidade, mas normalmente
tende a se apegar a um acontecimento
considerado fundador, simplificando todo
o restante do passado. Por outro lado,
ela tambem simplifica a noção de tempo,
fazendo apenas grandes diferenciações
entre o presente (“nossos dias”) e o
passado (“antigamente”). Além disso, mais
do que em datas, a memória coletiva se
baseia em imagens e paisagens. O próprio
esquecimento é também um aspecto
se refere a um conjunto de funções psíquicas relevante para a compreensão da memória
que permite ao indivíduo atualizar impressões ou de grupos e comunidades, pois muitas vezes
informações passadas, ou reinterpretadas como é voluntário, indicando a vontade do grupo de
passadas. O estudo de memória é vasto, abrange ocultar determinados fatos. Assim, a memória
muitas áreas, da Filosofia à Medicina, com cada coletiva reelabora constantemente os fatos.
aspecto sendo interessante a uma ciência
A Antropóloga da PUC-SP, Lúcia Helena
diferente, e a memória social um dos meios
Rangel, exemplifica o papel da ritualística para
fundamentais para se abordar os problemas do
a preservação da identidade e da memória
tempo e da História.
coletiva: “Aos indivíduos mais idosos reserva-
A forma de memória mais importante para os se um papel especial relativo à função da
historiadores é a memória coletiva, composta palavra forte; sua sabedoria é o continente da
por lembranças vividas pelo indivíduo ou que experiência da vida, dos ritos, dos mitos, dos
lhe foram repassadas, mas que não lhe pertence valores e das crenças. Sonhos, visões, opiniões
de forma particular, mas que são entendidas dos mais velhos constituem a referência de
como propriedade de uma comunidade, um respeito adotada por todos os membros de uma
grupo. O estudo histórico de memória coletiva comunidade. Na sociedade Jamamadi (foto da
começou a se desenvolver com a investigação de tribo na próxima página), por exemplo, entoam
relato oral. Esse tipo de memória tem algumas cantos, contam mitos e histórias de aventura,
características bem específicas: primeiro, gira em especialmente dirigidos às crianças, deixando
torno quase sempre de lembranças do cotidiano transparecer uma atitude intencionalmente
do grupo, como enchentes, boas safras ou educativa. Sua palavra é forte no âmbito das
safras ruins, quase nunca fazendo referências decisões políticas tomadas pelos adultos. Os
a acontecimentos históricos valorizados pela velhos são aqueles que viveram mais, por isso
historiografia, e tende a idealizar o passado sabem mais, e essa condição é fundamental

Competência 1 | 19
Tribo Jamamabi

nas sociedades baseadas na tradição oral. As No que diz respeito às sociedades capitalistas
crianças são seres em formação, devem aprender contemporâneas, a cultura e a identidade têm
as coisas da vida e preparar-se para os papéis sido pautas de políticas públicas; é comum o uso
sociais que assumirão no futuro. A socialização do termo “Cidadania Cultural”, que concebe
das crianças é fortemente marcada pelo trei- a cultura como direito de todos os cidadãos
namento dos papéis e das funções referentes e o Estado como agente da política cultural. A
ao sexo ao qual pertencem. O trabalho social é definição do conceito é apresentada pela filósofa
dividido entre os sexos, de modo que tarefas Marilena Chauí de forma mais ampla, visto que
masculinas e femininas complementam-se nas o direito à cultura é compreendido a partir dos
relações de produção. Há também marcas seguintes aspectos:
distintas no desempenho das funções rituais, • direito de produzir cultura, seja pela apro-
na responsabilidade educativa e em todos os priação dos meios culturais existentes, seja
âmbitos da vida social, o que faz com que muitos pela invenção de novos signos culturais;
antropólogos concordem com a afirmação de
• direito de participar das decisões quanto ao
que a esfera doméstica é domínio feminino e
fazer cultural;
a esfera pública, domínio masculino. Mesmo
que não haja uma fragmentação tão excludente • direito de usufruir dos bens da cultura,
entre o público e o doméstico, a divisão sexual mediante a criação de locais e condições de
do trabalho e das funções rituais estão no centro acesso aos bens culturais para a população;
da dinâmica da vida social” (Da infância ao • direito de estar informado quanto aos servi-
amadurecimento: uma reflexão sobre rituais de ços culturais e as possibilidades de dele
iniciação, 1999). participar ou usufruir;

20 |
• direito à formação cultural e artística pública e o que deve ser silenciado e “esquecido”. Um
e gratuita nas Escolas e Oficinas de Cultura do exemplo importante é o silêncio historiográfico
Município; sobre as revoltas de escravos no Brasil durante
• direito à experimentação e à invenção do novo décadas.
nas artes e nas humanidades; Importante destacar a riqueza que o conceito de
• direito a espaços para reflexão, debate e memória vem adquirindo no âmbito da História
crítica; com os trabalhos de autores estrangeiros e
nacionais. Evidencia-se, por exemplo, que os lu-
• direito à informação e à comunicação (Chauí,
gares da memória são criações da sociedade con-
Cidadania cultural: o direito à cultura, 1992,
temporânea para impor determinada memória,
p. 15-16).
que a concepção de memória nacional ou identi-
O direito à memória faz parte da cidadania dade regional constitui formas de violência simbó-
cultural e revela a necessidade de debates sobre lica que silenciam e uniformizam a plura-lidade de
o conceito de preservação das obras humanas memórias associadas aos diversos grupos sociais.
em toda a sua diversidade étnico-cultural. A Por isso, a questão da memória ou da educação
constituição do patrimônio cultural diverso e patrimonial associa-se à valorização da pluralidade
múltiplo e sua importância para a formação de cultural e ao questionamento da construção do
uma memória social e nacional, sem exclusões patrimônio cultural pelos órgãos públicos, que,
e discriminações, são abordagens necessárias historicamente, vêm expulsando a memória de
ao conjunto dos cidadãos. É necessário o grupos sociais (como os escravos ou operários)
destaque para os usos ideológicos a que a daquilo que se concebe como memória nacional.
memória histórica está sujeita, que muitas vezes
É oportuno lembrar, igualmente, que a memória
constituem “lugares de memória”, estabelecidos
construída a favor de interesses políticos ou
pela sociedade e pelos poderes constituídos, que
ideológicos pode ser contraditada ou questionada
escolhem o que deve ser preservado e relembrado
a partir de pesquisas historiográficas calcadas em
processos científicos de conhecimento. Nesse
contexto, é fundamental que sejam introduzidas
as conquistas historiográficas conseguidas
nas últimas décadas sobre a memória dos
povos e das nações que estiveram presentes
em todos os momentos da História do Brasil,
aí incluídos índios, africanos e imigrantes. A
educação patrimonial enfatiza a importância
da escola atuar para mapear e divulgar os
bens culturais relacionados com o cotidiano
dos diversos grupos, mesmo aqueles bens que
ainda não foram reconhecidos pelos poderes
instituídos e pelas culturas dominantes. O debate
sobre o significado de festas e monumentos
comemorativos, de museus, arquivos e áreas
preservadas permite a compreensão do papel da
memória na vida da população, dos vínculos que
cada geração estabelece com outras gerações,

Competência 1 | 21
das raízes culturais e históricas que caracterizam a contato ativo e crítico com ruas, praças, edifícios
sociedade humana. Esta habilidade busca “retirar públicos, festas e outras manifestações imateriais
os alunos da sala de aula” e proporcionar-lhes o da cultura.

Martin Luther King

Desenvolvendo a habilidade
Como uma memória pode ser produzida? Os das Ciências Humanas, pode ser entendida como
livros de História, a chamada Historiografia, a reflexão sobre a produção e a escrita da História; é
são formas de produção, mas não podem ser a análise dos discursos de diferentes historiadores
considerados os únicos. Mitos, lendas, imagens, (simplificando, é a “História da História”). É
pinturas e esculturas são maneiras válidas de se uma ferramenta para o ofício do historiador ao
descrever “escolas” históricas e explicar como foi
produzir memória e preservar um acontecimento
a produção de conhecimento ao longo do tempo.
marcante.
Entende-se como “escola” histórica uma corrente
A Historiografia é um campo de estudo funda- historiográfica que agrega diversos historiadores
mental para o pensamento e a problematização com perspectivas em comum.

22 |
Analisando a escrita de historiadores do A memória é produzida de forma complexa,
passado e, sobretudo, os seus discursos, torna- orgânica, mas, também, inserida em contradições.
se importante o entendimento de que todo Nora nos ajuda a entender melhor essas
historiador sofre pressões ideológicas, políticas contradições:
e institucionais, comete erros e, em diversos
momentos, perpetua preconceitos.

“A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente
evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações
sucessivas, vulnerável a todos usos e todas manipulações, suscetível de longas latências e de
repentinas revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta
do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no
eterno presente; a história, uma representação do passado. [...] A história, porque operação
intelectual e laicizante, demanda análise e discurso crítico. A memória instala a lembrança no
sagrado, a história a liberta, e a torna sempre prosaica. A memória emerge de um grupo que ela
une, o que quer dizer como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem;
que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história,
ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o universal. A
memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se
liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto
e a história só conhece o relativo.”
NORA, P. Entre memória e história. A problemática dos lugares. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-
Graduados em História do Departamento de História, São Paulo: n. 10. 1993.

Competência 1 | 23
Nora nos lembra que a memória é viva, que o negro não se reconheça; faz com que se
“carregada por grupos vivos... aberta à dialéti- construa em torno dos sujeitos negros um “que”
ca da lembrança e do esquecimento...” Os es- de inexistência e de folclorismo. A percepção dos
tudantes, ao chegarem à escola são portadores alunos sofre a influência do livro didático, que se
de saberes, ideias e referências construídas nos reflete na construção do imaginário sócio/racial
grupos familiares que cultivam suas memórias: do aluno.
de memórias de trabalhadores, migrantes
nordestinos, desempregados, de lutas e comba-
tes diários pela sobrevivência, de referências
étnicas, religiosas que oferecem explicações
do mundo e de seu caminho em direção ao
futuro. Constituem, na área da educação, os
chamados saberes prévios que muitos dos
professores descartam inicialmente, esses
saberes são encarados como expressões de
ideologias que precisam ser superadas porque
são portadoras de preconceitos e fomentadoras
de atitudes e comportamentos discriminatórios.
Ou, às vezes, porque são resultados de ensi-
namentos errôneos, ultrapassados, equivo-
cados, a serem superados por nossas aulas nas
quais a “verdadeira história vai ser ensinada”...
Mas, muitas vezes, os ambientes educacionais
mais tradicionais esquecem que são referências
culturais ancoradas em figuras familiares que
sustentam construções de identidade.
É preciso atentar às representações sociais das
quais as pessoas são portadoras, e procurar
dialogar, lidar com elas no seu trabalho, Zumbi, rei do Quilombo de Palmares, século XVIII
principalmente no ensino de história, pois este
traz revisões e críticas a saberes consolidados, e Um exemplo bem realista disso é numa atividade
que servem para a comunicação entre os diversos de educação artística. Se nos livros existissem
grupos da sociedade contemporânea. negros representados de forma bonita e bem
Outra questão se relaciona com a memória cuidados, as crianças iriam querer retratá-los
sobre a História da escravidão. De um tempo em seus desenhos, mas como eles só veem o
em que os escravos não eram mencionados, negro representado de forma depreciativa,
passamos a ter, nos livros didáticos e no claro que eles não vão querer redesenhá-los.
ensino, a preocupação, absolutamente justa e Acabam fazendo desenhos de brancos, pois são
necessária com a denúncia da escravidão. O livro os que aparecem mais bem apessoados nos
didático, bem como outros textos não verbais, livros didáticos.
promovem um processo de invisibilidade do A história crítica e de abordagem econômica
negro e uma disparidade na representação do e/ou marxista, fez prevalecer, a partir de final
branco e do negro. Essa invisibilidade faz com da década de 1970, textos que mostram que

24 |
o escravo como mercadoria, peça, coisa e que voltadas para o estudo da escravidão na Brasil.
constituiu força de trabalho fundamental na Segundo Ana Maria Monteiro, pesquisadora do
economia colonial. Imagens dos escravos no Núcleo de Estudos de Currículo do Programa de
trabalho e sendo castigados, ocupam as páginas Pós-graduação em Educação da UFRJ:

“A presença africana na sociedade é assim ressaltada por um único ângulo, eliminando


aspectos da subjetividade presente nas formas de resistência. A vitimização acaba
por reforçar uma visão de submissão a esta condição. Pesquisas têm revelado
o impacto dessa abordagem na construção da memória e das identidades de
afro- descendentes no Brasil. Crianças e jovens têm dificuldades em se identificar
com antepassados que eram castigados, chicoteados, considerados peças, coisas,
mercadoria. A presença e participação dos africanos e afro-descendentes na formação
da sociedade brasileira precisa ser revista nos livros e nas aulas de história. Os estudos
e projetos deslanchados por meio da Lei 10639/03 (lei que torna obrigatório o ensino
de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental
e Médio) certamente terão muitas contribuições a oferecer. O mesmo precisa ser
feito com a história indígena ainda muito pouco estudada na história escolar. De
tal forma que, muitas vezes, não reconhecemos como tal a nomenclatura indígena
presente nos nomes de ruas e bairros de muitas cidades brasileiras.”

Após promulgação da lei 10.639/03 observam- No ano de 2008, o Fundo Nacional de Desen-
se muitas produções de livros e materiais, volvimento da Educação (FNDE) disponibilizou
didáticos e paradidáticos, que contribuem com a uma gama de livros sobre a temática racial para
valorização de textos e imagens dos negros no distribuição em escolas da rede pública de ensino,
intuito de desmistificar alguns estereótipos desse tanto nas redes municipais como estaduais. As
grupamento populacional. primeiras trabalham, na maioria das vezes, com
Essa lei visa à obrigatoriedade de inserção dos a educação básica em nível fundamental e, as
conteúdos de história e cultura afro-brasileira e segundas, majoritariamente com o ensino médio.
africana em disciplinas de todos os segmentos de Nesse sentido o ambiente escolar é uma das
ensino. Contudo, é importante ressaltar, somente instituições formadoras de opinião que está
os conteúdos da lei não bastam, pois os mesmos repleto de identidades diversas, uma forma de
devem ser expressos de forma valorativa, no que micro sociedade com uma diversidade étnica
concerne às construções das representações e cultural enorme, tendo este ambiente o
culturais, textuais ou imagéticas, de africanos compromisso de formar indivíduos íntegros,
e afro-brasileiros no cotidiano escolar e nos com valores, hábitos e comportamentos que
materiais a serem utilizados na educação. respeitem as diferenças. É neste aspecto que

Competência 1 | 25
os movimentos sociais, principalmente o movi- formadores de opinião, podendo transmitir
mento negro, possuem como tarefa, além da ideias, intenções e desejos que seus autores que-
denúncia, a reinterpretação da realidade social e rem propagar, sendo que, em muitos casos, é o
racial brasileira, e a reeducação da população e único acesso à leitura de alguns alunos. Portanto,
do meio acadêmico. os livros didáticos contribuem na formação dos
O livro didático é também uma ferramenta alunos e de sua identidade, formação esta em
portadora de conceito, ideologia e conteúdos contínua construção.

Valorização: militante do movimento negro, Angela Davis

Escravidão: homem com cicatrizes deixadas pelas chibatadas

26 |
Por que políticas de produção de memória histórica
negligenciam favelas
Josemeire Alves Pereira
Esta pesquisa discute a relevância de transformar social, relacionado ora aos estigmas negativos
em patrimônio da cidade uma construção que de carência, violência e pobreza; ora aos de
remete à memória de uma favela, historicamente “humildade” e solidariedade inerente aos seus
considerada pelo poder público como um habitantes, ou ao de culturalmente exótico. Os
“problema social” a ser extirpado do tecido discursos governamentais tendiam a tomar as
urbano. O estudo parte da análise do processo favelas como “problema social” ou “um cancro”
de tombamento do “Casarão da Barragem Santa a ser “extirpado”. O interesse acadêmico pelo
Lúcia” – ocorrido por demanda de moradores do tema surge na esteira dessas representações
Aglomerado Santa Lúcia, em Belo Horizonte, em governamentais acerca da favela e do favelado,
1992 – para discutir representações construídas via de regra, ignorando este último como agente
sobre as favelas na cidade durante o século 20. potencialmente produtor de saber sobre a cidade.
Tais estudos, desenvolvidos a partir dos anos
De acordo com a autora, as políticas de produção
1940, destinavam-se a contribuir para a solução
de memória histórica, em especial as de
do “problema” que, entretanto, ao longo de todo
promoção do patrimônio cultural, negligenciam
o século 20 expandiu-se, concomitantemente
as favelas e seus moradores, ignorando-os como
à intensificação das migrações internas que
produtores de saber sobre a cidade. Segundo ela,
resultaram na formação das principais metrópoles
as mudanças de atitude dos governos em relação
brasileiras. No âmbito das representações oficiais
às favelas deveram-se, em grande medida, às
destinadas a criar identidades para as cidades –
intervenções coletivas de moradores em defesa
tais como as políticas de promoção de memória e
de seu direito à cidade, como a reivindicação de
preservação patrimonial que ganharam lugar nas
tombamento do “Casarão da Barragem”.
últimas décadas do século passado –, esses lugares
e sujeitos são sensivelmente negligenciados.
1. A qual pergunta a pesquisa
responde? 3. Resumo da pesquisa
Por que as políticas de produção de memória
A pesquisa parte da análise do processo de
histórica – em especial as de promoção do
tombamento do “Casarão da Barragem Santa
patrimônio cultural – negligenciam as favelas
Lúcia”, originado por demanda de moradores do
e seus moradores? Em que medida a história
Aglomerado Santa Lúcia, em Belo Horizonte, em
das representações sociais sobre esse lugar
1992, para discutir representações construídas
contribuem para a produção de conhecimento
sobre as favelas na cidade, durante o século 20.
sobre a cidade? Que contribuição as experiências
O tombamento do Casarão, também conhecido
de moradores de vilas, favelas e periferias urbanas
como "Casa da Fazendinha", aprovado naquele
oferecem para o trato dos problemas sociais das
mesmo ano, é emblemático por evocar
grandes metrópoles brasileiras?
elementos caros às relações entre as favelas e o
poder público, em Belo Horizonte, mas também
2. Por que isso é relevante? em outros centros urbanos: afinal, quais os
O fenômeno do surgimento e desenvolvimento sentidos de se transformar em "bem cultural"
das favelas brasileiras figura, no imaginário e patrimônio da cidade uma construção que

Competência 1 | 27
remete também à memória de uma favela Assim também ações culturais locais, como o
– essa forma de inserção no espaço urbano Tombamento do “Casarão da Barragem”, a “Casa
considerada, historicamente, pela administração do Beco” e no Museu de Quilombos Urbanos,
municipal, um dos maiores problemas urbanos Vilas e Favelas de Belo Horizonte provocam o
e sociais, um "quisto" a ser "extirpado do tecido governo e a cidade a, mais que respeitar o direito
urbano"? A análise empreendida a partir de dos favelados à cidade, envolver-se na necessária
documentação administrativa, entrevistas e da transformação de representações negativas e
legislação que orienta as políticas urbanas, bem limitadoras de relações sociais efetivamente mais
como das que dizem respeito à preservação do igualitárias.
patrimônio, apresenta a memória como campo
fértil de disputas pela construção de novas 5. Quem deveria conhecer seus
representações da favela, sendo mobilizada por resultados?
aqueles moradores como estratégia de defesa de
A pesquisa pode contribuir para os interesses
seu direito à cidade.
de urbanistas, historiadores e demais estudiosos
sobre as cidades, gestores governamentais,
4. Quais foram as conclusões? organizações não governamentais e movimentos
Afinal, qual a relevância de tornar patrimônio da sociais, bem como de todas as pessoas que
cidade uma construção que remete à memória de desejarem conhecer sobre os temas abordados.
uma favela – essa forma de produção do espaço Josemeire Alves Pereira é graduada em história
urbano considerada historicamente pelo governo pela UFMG (Universidade Federal de Minas
como uma doença a ser extirpada do tecido Gerais); mestra e doutoranda em história pela
urbano/social; espaço formado, não por sujeitos, Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
mas por uma “massa amorfa” que ameaçava a Seus interesses de pesquisa estão relacionados aos
“ordem social”? Ora, analisando a perspectiva seguintes temas: representações sociais, favela,
dos moradores de favela, observamos que as memória, relações raciais, pós-emancipação.
mudanças de atitude dos governos em relação
às favelas deveram-se, em grande medida, Josemeire Alves Pereira é graduada em história pela
às intervenções coletivas de moradores, UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais); mestra
e doutoranda em história pela Unicamp (Universidade
reivindicando melhorias urbanas. É o que revela
Estadual de Campinas). Seus interesses de pesquisa estão
a substituição da necessidade governamental de relacionados aos seguintes temas: representações sociais,
“extirpar” para a de “integrar” a favela à cidade favela, memória, relações raciais, pós-emancipação.
– ainda que sem considerar em profundidade REFERÊNCIA: https://www.nexojornal.com.br/academi-
a participação das populações faveladas nas co/2017/06/07/Por-que-pol%C3%ADticas-de-produ%C3%A7%-
C3%A3o-de-mem%C3%B3ria-hist%C3%B3rica-negligenciam-
definições de como operar essa integração. favelas

28 |
Habilidade 3
Associar as manifestações culturais do presente aos seus
processos históricos.

Que acontecimentos ocorreram para que de- por processos de recriações e atualizações; a
terminado costume, certa tradição, ou outro cultura, como herança transmitida, pode ter sua
aspecto da cultura surgisse na sociedade? É origem em um passado longínquo, porém não se
importante “historicizar” (tornar histórico) mani- constitui em um sistema fechado, sem mudanças
festações culturais, buscar razões para a origem funcionais e comportamentais.
de festejos, rituais, tradições gastronômicas, Esta concepção de cultura como sistema
danças, o uso de vestimentas, músicas, etc. Tudo aberto permite ao pesquisador das Ciências
que fazemos pode ter sua origem em determinado Humanas compreender a dinâmica de algumas
tempo histórico. Isto é relevante para as mani- manifestações culturais que preservam elemen-
festações mais evidentes como feriados e fes- tos importantes que representam a ponte entre
tas, mas até as tradições culinárias e as palavras o passado e o presente. Para que ocorram as
que usamos podem ser manifestações culturais mudanças, transformações e reinvenções das
históricas socialmente construídas. práticas culturais, os contatos são fundamentais,
As festas populares são importantes manifesta- e, nesse aspecto, notou-se uma intensificação
ções culturais que podem ter sua origem em um das formas de informação e comunicação nas
evento sagrado, social, econômico ou mesmo po- últimas décadas. As manifestações culturais
lítico do passado e que constantemente passam são resultantes de inúmeras interações e

Carnaval antigo

Competência 1 | 29
oposições no tempo e no espaço. Assim, com o brasileiro. As festas juninas, assim como outras
passar inevitável dos tempos, traços se perdem, manifestações festivas, oscilam entre as duas
outros se adicionam, em velocidades variadas acepções anteriormente abordadas. Em um dos
nas diferentes sociedades, exatamente porque a estudos clássicos sobre os eventos festivos, Emi-
cultura não pode ser entendida como estática e, le Durkheim destaca que nas festas “o homem
consequentemente, as manifestações culturais é transportado para fora de si, distraído de suas
também não. ocupações e preocupações ordinárias” (obra,
1996, p. 417). Durkheim chama atenção para
O aspecto capitalista-mercadológico e espeta-
a possibilidade dos excessos, na trama festiva,
cular de algumas festas do presente desvincula
comprometerem o limite que separa o lícito
a relação entre o ato de festejar e a “retoma-
do ilícito. A festa estimula um breve ofício de
da do passado”, o conhecimento histórico, um
transgressão. Sobre esta perspectiva transgressiva
mito fundante ou mesmo uma prática de rea-
e excepcional das festas, a nossa capacidade de
tualização. O enfoque lúdico e cultural, rechea- violar, transgredir o quadro geral da nossa vida é,
do de símbolos e rituais, se diferencia da prática provavelmente, a parte mais fecunda do nosso ser.
festiva como entretenimento momentâneo, fo-
cado no lazer e na diversão, tornando-se uma Inegavelmente o avanço da sociedade urbana
provocou mudanças socioculturais importan-
prática vinculada ao presente, que, em muitos
tes que redimensionaram simbolicamente os
aspectos, realça o passado como um pano de
sentidos do festejar. Uma comparação entre
fundo distante.
os festejos de sociedades tribais e os sentidos
A sociedade é dinâmica, por isso o ato e os sig- do festejar das sociedades industriais e pós-in-
nificados do festejar se diferenciam ao longo do dustriais revela que existem diferenças impor-
tempo. As reflexões sobre a diferença entre as tantes que estão assentadas em aspectos como
festas de rememoração, com fortes vínculos com racionalização, mercantilização, espetaculariza-
práticas do passado, e as festas de entretenimen- ção e laicismo típicos da chamada sociedade
to, cuja finalidade é promover o lazer, a diversão moderna; no entanto, existem também algumas
ou determinada celebração do presente, tem semelhanças ligadas a elementos de ludicidade,
o objetivo de apresentar uma contextualização ao caráter celebrativo, ao prazer, à alegria, à vi-
de algumas facetas da prática festiva do povo vência intensa de indivíduos e grupos.

Desenvolvendo a habilidade
Festas, culinária e cultura
Festas são momentos sociais nos quais os ho- A alimentação tem importante papel na hu-
mens reafirmam laços de solidariedade, prati- manidade, contribuiu até mesmo para a socia-
cam a sociabilidade, se harmonizam, se unem e, lização do homem. Quando se fala em cultura de
assim, constroem suas identidades sociais. Nes- comunidade, reconhece-se que manifestações
sas ocasiões, as atividades humanas se voltam como danças típicas, artesanato e rituais
para a representação da existência de um gru- religiosos representam a identidade local. Logo,
po, revelando seus traços culturais, incluindo aí a a gastronomia também pode ser vista como rele-
relação da comunidade com a gastronomia. vante, pois define a identidade coletiva de uma

30 |
comunidade. Ela está presente no cotidiano da renciadas, especiais, que são reveladas desde a
população e é parte integrante desta. Cultura e preparação até o servir. Por exemplo, a prepa-
alimentação estão ligadas de maneira estreita, ração do caruru servido em algumas festas de
pois no ato de comer estão implícitos diferentes santo como de Cosme e Damião e Santa Bárbara, é
processos de socialização do homem, que são um momento que segue um ritual do fazer culinário
fundamentais na definição do homem como um quando as mulheres se reúnem para produzir nas
ser cultural e participativo em um contexto social. panelas e nos fogões e, ao mesmo tempo, parti-
Na festa de Santa Bárbara, que acontece no Largo do lham e ampliam contatos com o mundo e com o
Pelourinho todo ano no dia quatro de dezembro, que é sagrado, oferecendo muito quiabo. O servir
é oferecido um caruru, comida típica da Bahia também segue um ritual específico, já que, no

herdada dos africanos, como uma obrigação re- caruru de Cosme e Damião, também conhecido
ligiosa. Em torno do preparo e oferecimento da como caruru dos meninos, há a tradição de servir
comida, há toda uma simbologia representada primeiro as crianças, oferecendo-lhes também
pela mesma. No imaginário afro-baiano, o caruru pipoca e balas.
ficou sacralizado pelo uso de quiabos, inclusive Por muito tempo, oferecer caruru, na Bahia,
alguns inteiros; segundo costume, quem desses significava apenas um traço cultural de herança
últimos se servir deverá interpretar o fato como africana, visto como uma obrigação religiosa,
um anúncio de que o santo homenageado está um pagamento de promessa. Entretanto, para
pe- dindo para o próximo ano um novo caruru. quase o mesmo que festa, caruru é um bom
Dessa forma, durante as celebrações e festividades, motivo para reunir amigos, devotos e familiares,
a comida adquire características culturais dife- e, juntos, celebrar datas pessoais ou coletivas

Competência 1 | 31
e partilhadas, como aquelas que evocam san- causando grande movimentação nesse po-
tos populares. Esse é um bom exemplo para se voado que rapidamente prosperava. Além dos
compreender as transformações culturais pelas muares, a mercadoria mais valorizada na épo-
quais as festas e comemorações populares vêm ca, os tropeiros (proprietários e/ou condutores
passando ao longo do tempo e, com essas trans- de tropas) transportavam também gêneros ali-
formações, novas maneiras de se relacionar. mentícios, produtos manufaturados, inclusive
os importados da Europa, e também faziam
intercâmbio de informações. Devido às transa-
Tropeirismo e a cultura culinária ções comerciais de compra e venda de muares
No século XVIII, no auge do período Colonial, destinados ao transporte de mercadorias, rea-
o Brasil passou por uma série de situações em lizadas nos centros urbanos que estavam em
seus padrões econômicos, culturais e sociais crescente formação, caso específico dos esta-
que foram construídos e evidenciados ao lon- dos de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais,
go da história. Entre esses, encontra-se o mo- e por compreender grande movimentação no
vimento tropeirista. Essa atividade recebeu o deslocamento desses rebanhos de regiões dis-
nome de tropeirismo em razão das tropas, que tantes, esse movimento tornou-se um impor-
eram constituídas principalmente de mulas para tante fator de formação sócio-político-econô-
serem comercializadas em Sorocaba-SP, onde mica das regiões que abrangeu, razão pela qual
se realizavam grandes feiras desses animais, o é considerado por historiadores como uma das
que promovia o comércio de outros produtos, atividades mais relevantes de nossa história.

Tropa reunida em frente à Igrejinha do Rosário, Itabira, 1905. Foto: Brás Martins da Costa

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O movimento tropeirista, caracterizado como do feijão com farinha e carne de porco, que viria a
um ciclo econômico de longa duração, abran- ser conhecido por feijão tropeiro.
geu um período que foi desde o fim do século Juntamente com as favas, o feijão já era de do-
XVII, quando não havia estradas, apenas trilhas mínio da alimentação indígena, chamado na lín-
ou caminhos abertos pelos nativos, até as pri- gua tupi de cumandá ou cumaná, embora aos
meiras décadas do século XX, quando teve início indígenas não despertasse preferência nem
a implantação dos meios de transportes mais atração irresistível, como a farinha de mandioca
modernos, como, por exemplo, a ferrovia. O mo- provocava. Já o paladar português foi conquis-
vimento tropeirista não apenas atendeu às ne- tado pelo sabor dos feijões brasileiros, e a mais
cessidades de transporte de riquezas e merca- acentuada conquista seria a de brasileiros, filhos de
dorias diversas, mas foi, comprovadamente, um portugueses, ameríndios e africanos, que viriam a
movimento decisivo no processo de ocupação e ser os principais “consumidores propagandistas”
integração territorial, de impacto na constitui- do feijão. O binômio "feijão e farinha", servidos
ção social das populações na América Latina. O nas refeições diárias dos brasileiros, era pre-
tropeirismo acabou associado à atividade mine- dominante no cardápio do país desde o início
radora, cujo auge foi a exploração de ouro em do século XVII, com difusão pelas marchas das
Minas Gerais e, mais tarde, em Goiás. A extra- bandeiras e demais naturalistas estrangeiros. A
ção de pedras preciosas também atraiu grandes dieta dos bandeirantes, aparentemente conti-
contingentes populacionais para as novas áreas e, nuada pelos tropeiros, era igual à do lavrador e
por isso, era cada vez mais necessário dispor de da maioria dos paulistas, compondo-se de feijão
alimentos e produtos básicos. com farinha, sem poucas variações. Especifica-
mente sobre o nascimento do prato feijão tro-
peiro entre os tropeiros, não há literatura que
A alimentação dos tropeiros é o ponto confirme cientificamente sua origem, embora
relevante para essa habilidade vários historiadores que estudam o tropeirismo
na região de Sorocaba relatem os hábitos das
A cozinha brasileira atual carrega evidências da
tropas paulistas, descrevendo o preparo, os in-
miscigenação de culturas de todos os povos que
gredientes, as responsabilidades dos cozinhei-
aqui se instalaram ou que aqui já habitavam, espe-
ros e os momentos de alimentação. Um relato da
cialmente da interação de três povos: índio, por-
época exemplifica:
tuguês e africano. Desta interação gastronômica
de tradições, iguarias e suculências, nasceram
“Ao meio-dia [meio-dia corresponde o aproximar
vários pratos e novas especialidades, a exemplo
do jantar] a tropa paulista não caminha mais.
Num rancho, ou num encosto ao ar livre, o
cozinheiro descarrega sua bateria, o feijão
cozido, o toicinho, prepara a forquilha. [...]
Estende a mesa. A mesa é o liga, couro inteiro
de boi, seco, que serve para infinitos usos. Sobre
o liga, a farinha de milho ou de mandioca, os
pratos de ferro batido ou as cuias de chifre, as
colheres. [...] Cheirava o feijão pronto. Jantar.
Todos descansam. Só o cozinheiro está lavando
pratos e colheres.”

ALMEIDA, A. Vida e morte do tropeiro. São Paulo:


Editora Martins, 1971.

Competência 1 | 33
ser também uma entrada). Entre os iorubás, o
acarajé, conforme o tamanho, recebia nomen-
claturas diversas. Os acarajés pequenos, entres
os egbás eram denominados: acarakekere; já os
maiores, típicos dos ilexás(ijexá), eram conheci-
dos como o acarájexá.
Na literatura brasileira, a primeira referência
escrita que se tem sobre o acarajé é feita pelo
professor de grego Luis dos Santos Vilhena, na
obra Recopilação de Notícias Soteropolitanas e
Brasílicas e Cartas de Vilhena, em 1802, quando
estarrecido, ele denuncia a existência de um
consumo público de várias iguarias africanas:

Não deixa de ser digno de reparo ver que das


casas mais opulentas desta cidade, onde an-
dam os contratos e a s negociações de maior
parte saem de 8, 10... ou... mais negros a
vender pelas ruas, a pregar as cousas mais e
Jovem iorubá vis como sejam iguarias de diversas qualidades,
mocotós, carurus, vatapás, mingau, pamonha,
canjica, acaçá e acarajé (VILHENA, 1969, p. 130).
Basicamente o prato que ficou conhecido como
feijão tropeiro era constituído por toucinho,
feijão preto, farinha, pimenta-do-reino, café,
fubá e coité (um molho de vinagre com fruto Comerciante iorubá
cáustico espremido). Nos pousos, os tropeiros
comiam feijão quase sem molho com pedaços
de carne de sol e toucinho, que era servido com
farofa e couve picada. Embora simples, era uma
refeição bastante calórica, que visava satisfazer
as necessidades do trabalho pesado dos ho-
mens tropeiros, assim, as características da culi-
nária adequavam-se necessariamente às longas
marchas enfrentadas pelos viajantes.
A culinária baiana é considerada um importante
patrimônio da gastronomia brasileira. Segundo
o antropólogo Vivaldo da Costa Lima, o acara-
jé, bolinho de feijão frito em azeite de dendê,
foi introduzido no Brasil, especificamente na
Bahia, através dos escravos de etnia nagô, das
regiões iorubás da Nigéria e do atual Benin, en-
tão Daomé. Ele ressalta que, em 1885, o aca-
rajé, na África, foi descrito pelo padre francês
Pierre Bouche como “un hours d’oeuvre, pres-
que une friandise” (numa refeição, pode

34 |
Baiana servindo acarajé

A diversidade de iguarias da culinária africana a palavra "jé" (que pronuncia-se “dje”), representa
mostra que nesse período a dieta alimentar de o verbo comer. Quanto ao termo brasileiro aca-
raízes africanas já estava incorporada à cultura rajé, ele explica que significa “akara que se come”.
brasileira. Vale ressaltar, que o consumo dessas
comidas era restrito a negros, escravos e livres,
moradores de rua e pessoas pobres. Pelo menos
Acarajé e os Deuses
oficialmente, esse tipo de comida não fazia parte No Brasil, no século XIX, grupos compostos por
do cardápio das famílias com melhores condições africanos escravos, libertos e crioulos, começa-
econômicas. ram a se organizar com o objetivo de cultuar co-
Tratando-se da discussão acerca da origem do letivamente seus ancestrais, deuses africanos.
termo acarajé, estudiosos da área construíram Organiza-se então o Candomblé como um siste-
hipóteses diversas para explicar a origem do ma harmonioso de representação religiosa co-
vocábulo. A primeira delas sustentada por Ma- letiva e simbólica, no qual a união da dança, musi-
ximilien Laroche, autor do trabalho “Akara, akra, ca, cânticos, iniciação, sacrifício e a oferenda se
acarajé: o gosto da África nas Américas” as transformam na pura expressão da religiosidade
palavras acarajé e akra derivam de akara, palavra africana, em território brasileiro. Esses deuses
iorubana que pode ser traduzida por: “nós com- africanos, comumente conhecidos como ori-
pramos cantando” ou “bolinho que se compra xás, lembra Bastide, na África faziam parte de
cantando”, isto porque, decompondo o termo clãs, antepassados que após a morte tornaram-
akará, em que a letra "a" pode significar nós ou se deuses, mas ao mesmo tempo constituíam
" é preciso", a partícula "ka" os verbos cantar ou forças da natureza, adorados não só pelos seus
ler e, por último, "ra" o verbo comprar. Enquanto descendentes, como por todos aqueles que

Competência 1 | 35
necessitam de ajuda. Ele explica que ao cruzar candomblé ligados às forças da natureza e a as-
o Atlântico, recriados, os deuses africanos foram pectos da vida humana, assim como os homens,
organizados da seguinte forma: “não são mais têm seus gostos e suas preferências. Muito mais
deuses de clãs; são deuses de confrarias religio- que relacionada a um sistema nutricional, a
sas especializadas. Perdem, pois, seus caracteres comida é também chamada de Axé do Orixá,
de chefes de linhagens; aparecem, daí por diante, indispensável para a conservação da vida. Assim, é
unicamente como personificações da tempesta- através do alimento que essa ação se concretiza.
de, da guerra, do vento, do arco-íris etc.”. (BAS- É por meio dela que o vínculo entre os Deuses e
TIDE, O Candomblé da Bahia, 2001, p. 154) os Homens, se perpetua e se solidifica.
Nas cerimônias religiosas dedicadas aos deuses Sendo os deuses “grandes comilões” é natural
é indispensável o banquete ritual, com comidas que sejam exigentes em relação a sua alimen-
que a antiguidade tornou sagradas. Assim era o
tação. Os alimentos preparados para os deuses
banquete dos deuses: requintado. A simplicida-
devem ser abundantes, coloridos e precisam
de é apenas aparente como explica Costa Lima:
corresponder ao paladar de cada Orixá.
“Elaboradas, requintadas na forma, no ordena-
mento do preparo, ou na simplicidade aparente A cozinha dos Deuses se transformou em cozi-
prescrito pelo mito. Vez que atrás de cada nha baiana, porque as cozinheiras empregadas
oferenda alimentar, está o mito que a prescre- pelos brasileiros nas casas dos senhores e nos
ve pelas práticas divinatórias”. São através das sobrados eram, em geral, filhas dos deuses. Assim,
oferendas, dos ritos e dos cânticos que os ho- elas enriqueceram a cozinha europeia com os
mens demonstram e reforçam sua fé nos Orixás pratos mais apetitosos e deliciosos, para todos
e se autoidentificam. Os Orixás, divindades do aqueles que sabem apreciar a boa mesa.

Culinária e religião

36 |
Habilidade 4
Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre
determinado aspecto da cultura.

Sebastião Salgado
Comparar pode ser o ato de relacionar para marcam a sua identidade de povo. Mas quando
procurar as relações de semelhança ou de um determinado grupo, com traços culturais
disparidade que entre elas existam; aproximar característicos e uma visão de mundo própria
dois ou mais itens de espécie ou de natureza entra em contato com outro grupo que apresenta
diferente, mostrando entre eles um ponto de práticas culturais distintas, o estranhamento e o
analogia ou semelhança. A comparação pode ser medo são as reações mais comuns. O etnocen-
exigida para o aluno na análise de fotografias e trismo nasce exatamente desse contato, quando a
obras de arte, textos jornalísticos ou acadêmicos, diferença é compreendida em termos de ameaça
charges e trechos de romances, etc. à identidade cultural.

O estudante precisa perceber se, entre os Simplificando, o etnocentrismo pode ser defi-
pontos de vista apresentados, existem juízos nido como uma visão de mundo fundamentada
de valores, divergências entre grupos políticos rigidamente nos valores e modelos de dada
e sociais, preconceito, racismo ou a pretensa cultura; por ele, o indivíduo julga e atribui valor
superioridade de uma cultura sobre outra. à cultura do outro a partir de sua própria cultura,
sendo que tal situação dá margem a vários
Um conceito fundamental para o domínio dessa
equívocos, preconceitos e várias hierarquias,
habilidade é o de “Etnocentrismo”. que levam o indivíduo a considerar sua cultura
Os estudiosos da cultura entendem que os povos melhor ou superior. Nesse sentido, a diferença
forjam suas visões de mundo particulares, que cultural percebida rapidamente se transforma em

Competência 1 | 37
Sebastião Salgado

sua cultura e tentar compreender a cultura do


outro em seus próprios termos. Essa seria uma
atitude não etnocêntrica, pois relativizaria que é
o oposto do etnocentrismo. No entanto, o mais
comum é o indivíduo tomar suas representações,
sua linguagem, seus valores, para falar sobre
o que é esse “outro”. Não dá a palavra para o
outro, pois considera a sua cultura a detentora
da palavra.
Ao contrário das teorias propriamente racistas,
que surgiram há apenas três séculos, o etno-
centrismo é um comportamento universal
e antiquíssimo. Sociedades antigas como a
romana e a grega, a chinesa, a suméria e a
judaica, por exemplo, eram mais propensas
em escravizar os estrangeiros, os outros,
cuja cultura era considerada inferior, do que
membros da sua própria sociedade. Na China
durante o governo da Dinastia Tang (618-907),
os estrangeiros eram considerados menos que
humanos, e por isso coreanos, turcos, persas
e indonésios eram escravizados. Para gregos
hierarquia. O outro, só compreendido de maneira e romanos da Antiguidade, que se julgavam
superficial, é então usualmente designado como civilizados, os demais povos que os cercavam
“selvagem”, “bárbaro” ou não humano. De eram todos considerados bárbaros, palavra de
modo geral, é difícil para qualquer indivíduo caráter etnocêntrico que designa o estrangeiro
se despojar dos preconceitos arraigados em como inferior e selvagem.

38 |
No entanto, é possível que o auge do etnocen- rem levadas em consideração, não conseguiam
trismo se situe entre os séculos XIV e XIX, quan- assimilar a diferença cultural e usavam essas
do os europeus entraram em contato com vários diferenças como pretexto para a dominação
povos na América, Ásia e África. Nesse processo efetiva. O etnocentrismo, nesse sentido, servia a
de colonização, a falta de compreensão de am- interesses de ordem econômica.
bos os lados foram gerando guerras, genocídios e Povos etnocêntricos, em geral, apresentam
etnocídios. Essa é a face mais cruel do etnocen- um comportamento caracterizado por formas
trismo, quando um povo diz a outro: “abandone extremas de xenofobia e de nacionalismo:
a sua cultura ou morra física e culturalmente”. À o esforço de russificação implementado pela
esse extermínio físico dá-se o nome de genocí- déspota esclarecida Catarina II da Rússia, no
dio; ao extermínio cultural, etnocídio. Espanhóis, fim do século XVIII, é um exemplo claro de
portugueses, ingleses, franceses, dizimaram etnocentrismo, visto que tal processo exigiu
populações nativas dos territórios conquista- que numerosas nacionalidades perdessem sua
dos, impondo uma dominação cultural baseada identidade cultural para adotar a cultura e a
em estruturas políticas e interesses econômi- língua russas; no mesmo caso, o genocídio de
cos. O outro, o indígena no caso da América, armênios, levado a cabo pelo governo nacionalista
era visto pelo colonizador como um antropófago turco em 1915, durante a Primeira Guerra
preguiçoso, sem fé, sem rei, sem lei, e exatamente Mundial, também foi um ato etnocêntrico;
por essas questões, deveria mudar seu com- mas o caso mais famoso de etnocentrismo, no
portamento e adotar o trabalho, a religiosidade mundo contemporâneo, foi o protagonizado
e o sistema político vigentes na cultura do col- pelo regime nazifascista dos anos 1930 e 1940,
onizador. Os europeus, durante esse processo na Alemanha governada por Hitler, responsável
de colonização, não compreendiam as culturas pelo extermínio em massa de judeus, ciganos,
dos outros como visões de mundo a se- além do menosprezo pela cultura dos eslavos. Os
exemplos históricos são incontáveis, e os
anos iniciais do século XXI ainda assistem
a muitos conflitos culturais, indicando que
as práticas etnocêntricas estão longe de
desaparecer. As atitudes fundamentalistas
dos grupos de direita norte-americana
(caso de Donald Trump, do Partido

Competência 1 | 39
Republicano, eleito presidente dos Estados Unidos radicais e, por sua vez, também etnocêntricos,
em 2016) e de alguns grupos islâmicos atuais como forma de responder à imposição da cultura
(Estado Islâmico e Levante do Iraque) são, em ocidental globalizada.
grande medida, baseadas no etnocentrismo. No O etnocentrismo é o resultado de uma mescla
caso do mundo pós queda do muro de Berlim, de elementos racionais e intelectuais com
sob o discurso de uma “aldeia global”, onde a elementos emocionais e afetivos, e por isso
comunicação acabaria com as diferenças culturais, mesmo torna-se tão difícil entender por que
a chamada civilização ocidental capitalista vem, as pessoas não toleram as diferenças. Assim
na verdade, acirrando conflitos e radicalismos no sendo, o etnocentrismo é a dificuldade – que
mundo. Os valores da civilização ocidental, ao se fica patente no espanto diante do “estranho” –
pretenderem globais, desrespeitam identidades que as pessoas têm de compreender os outros e
culturais tradicionais. Por sua vez, entrincheirados a irresistível necessidade de transformar esses
na defesa das tradições, alguns grupos se tornam outros em algo que lhes seja conhecido.

Sebastião Salgado

Xamãs do Xingu

40 |
Desenvolvendo a habilidade
Quatro séculos antes de Cristo o pensador chinês invasões ocorreram em duas ondas principais.
Confúcio (551 a.C.-479 a.C) dizia que “a natureza A primeira com penetração dos bárbaros e a
dos homens é a mesma, são os seus hábitos que assimilação cultural romana. Os bárbaros tiveram
os mantêm separados”. uma certa “receptividade” a ponto de receber
Desde a antiguidade os homens se preocupam pequenas áreas de terra. Com o passar do
com a diversidade de comportamento existente tempo, seus costumes foram mesclando-se com
entre os diversos povos. Heródoto, o grande os costumes romanos originando a sociedade
historiador grego, preocupou-se com o tema romano-germânica, também conhecida como
quando descreveu o sistema social dos Lícios: sociedade feudal.
“Eles têm o costume singular pelo qual diferem Os relatos sobre esses povos são repletos de
de todas as outras nações do mundo. Tomam ideias preconceituosas e fantasiosas: “Em geral
o nome da mãe, e não o do pai. Pergunte a altos, musculosos, de olhos azuis injetados de
um Lício quem é, e ele responde dando o seu sangue, longos cabelos e barba que chegava
próprio nome e o de sua mãe, e assim por diante, ao peito, saltando como cobras e pintando-se
na linha feminina. Além disso, se uma mulher como animais e feras, davam uma impressão
livre desposa um homem escravo, seus filhos tremenda. Em cima dos capacetes, colocavam
são cidadãos integrais; mas se um homem livre ainda cabeças de animais selvagens. Em geral,
desposa uma mulher estrangeira, ou vive com só se “enfeitavam” para aterrorizar o inimigo. Os
uma concubina, embora seja ele a primeira arios combatiam com os corpos pintados de preto
pessoa do Estado, os filhos não terão qualquer e vermelho. Os getas e sármatas atiravam flechas
direito à cidadania”. embebidas em veneno de cobra. Os catas usavam
Ao considerar os costumes dos lícios diferentes longas cabeleiras, envolvendo completamente
de “todas as outras nações do mundo”. Heródoto os rostos. E só descobriam o rosto depois de
estava tomando como referência a sua própria ter morto um inimigo, pois só então se sentiam
sociedade, baseada na linhagem patriarcal, dignos de mostrar a cara à luz do sol. Os que
agindo de maneira etnocêntrica, embora ele eram tímidos passavam a vida inteira com a
próprio tenha teoricamente renegado essa cara coberta pelo cabelo. Muitos bebiam água
postura ao afirmar: “se oferecêssemos aos em crânios humanos, e colecionavam os crânios
homens a es-colha de todos os costumes do dos adversários como os caçadores de hoje
mundo, aqueles que lhes parecessem melhor, colecionam as cabeças de veado ou peles de
eles examinariam a totalidade e acabariam tigres. Os moços eram instruídos no roubo. No
preferindo os seus próprios costumes, tão momento do combate, davam urros tremendos
convencidos estão de que estes são melhores do e clamores infernais, atirando-se então sobre os
que todos os outros”. inimigos” (relato anônimo de 410 d.C).
Os gregos e romanos davam o nome de bárbaros Já durante a Idade Moderna, Montaigne (1533-
a todos os estrangeiros. Particularmente foram 1572) procurou não se espantar em demasia
chamados de bárbaros os povos de origem com os costumes dos Tupinambás, de quem
germânica que, entre 409 e 711, nas migrações teve notícias e chegou mesmo a ter contato com
dos povos bárbaros, invadiram o Império Romano três deles em Ruão, afirmando não ver nada de
do Ocidente, causando sua queda em 476 d.C. As bárbaro ou selvagem no que diziam respeito

Competência 1 | 41
Michel de Montaigne

deles, dizia: “na verdade, cada qual considera homem entre suplícios e tormentos e o queimar
bárbaro o que não se pratica em sua terra”. aos poucos, ou entregá-lo a cães e porcos, a
Imbuído de um pioneiro sentido de relativismo pretexto de devoção e fé, como não somente o
cultural, Montaigne assim comentou a antro- lemos, mas vimos ocorrer entre vizinhos nossos
pofagia dos tupinambás: “Não me parece conterrâneos” (Montaigne, Ensaios: dos Canibais,
excessivo julgar bárbaros tais atos de crueldade, 1972, p. 107).
mas que o fato de condenar tais defeitos não nos E terminou ironicamente, após descrever cos-
leve à cegueira acerca dos nossos. Estimo que é tumes daqueles índios tupis: “Tudo isso é
mais bárbaro comer um homem vivo do que o interessante, mas, que diabo, essa gente não usa
comer depois de morto; e é pior esquartejar um calças”.

Tupis

42 |
Leitura complementar

Orientalismo

com conceitos históricos de períodos passados,


que não apenas eram compartilhados pela
Europa Ocidental, como ainda influenciam no
que chamamos de cultura ocidental atual. Essa
situação nos leva inevitavelmente ao conceito
de “Ocidente”, que, de acordo com vários
intelectuais, é uma civilização. No entanto,
é sempre necessário tomar cuidado com o
conceito de Ocidente, o uso pode ser vinculado
a um significado carregado de superioridade
cultural.
De modo geral, o Ocidente existe, se não apenas
como uma civilização, ou seja, como uma
realidade social e política concreta, ao menos
como ideia, como discurso. Muitos acreditam
na existência de um Ocidente, isso se baseia
numa série de características que se acredita
que o Ocidente possui. No entanto, para existir
um Ocidente, é necessário existir um Oriente.
Eis um discurso de um imaginário geopolítico
antigo, porém muito atual e relevante.
O Oriente é um conceito, uma construção, uma
ideia, elaborado pela Europa medieval, mas
que ganhou força com o imperialismo francês
e inglês no século XIX. Dessa construção
Edward Wadie Said foi um dos mais importantes intelectuais discursiva de Oriente nasceu o Orientalismo,
palestinos, crítico literário e ativista da causa palestina
como campo de estudo que engloba um
conjunto de conhecimentos e de disciplinas
especializadas em estudar o Oriente. O Oriente
Com a globalização e a constituição de um sistema
(e o orientalismo, nesse sentido) é uma invenção
de valores que se impõe em vários lugares do
mundo, cada vez mais rápido, torna-se, muitas do Ocidente, e não existe como civilização nem
vezes, necessário recorrermos às expressões mesmo como região.
como “sociedade ocidental”, “cultural ocidental”, O grande responsável pela percepção de que os
para nos referirmos a conceitos e instituições estudos orientalistas, e o próprio conceito de
compartilhadas por diferentes sociedades, em Oriente, são invenções dos ocidentais foi Edward
diferentes partes do mundo. O que também ocorre Said, intelectual palestino, crítico literário,

Competência 1 | 43
pensador do imperialismo e da imposição cultural Said destaca que o processo teria iniciado com a
do Ocidente. Sua obra clássica, Orientalismo, nos expedição de Napoleão ao Egito, que não se ateve
mostra como o imperialismo francês e inglês do apenas à conquista política e territorial, pois
século XIX construiu imagens sobre uma região ao Napoleão quis também se apossar do passado, da
mesmo tempo mítica e selvagem, que vigora até história do Egito.
hoje, e definiu o que conhecemos como Oriente.
Algumas das mais importantes coleções
O que os europeus chamam de Oriente era a arqueológicas sobre as civilizações orientais
região colonial, rica em civilizações que eles antigas encontram-se hoje em grandes museus
consideravam seu próprio passado. Era a região da Europa, como o Louvre e o Museu Britânico.
hoje identificada como Oriente Médio, Egito e o Tais museus se tornaram grandiosos durante o
mundo árabe. imperialismo do século XIX, e não foi coincidência
Said afirma que pode haver várias interpretações o interesse dos conquistadores em escavar
para a palavra orientalismo: é uma designação cidades na Mesopotâmia e no Egito, por exemplo.
acadêmica, ou seja, um conjunto de disciplinas que A Europa ocidental criou, então, uma cronologia
se propõe a estudar o Oriente. Mas o orientalismo para a História que justificava a si própria e sua
também é uma forma de pensamento, uma dominação sobre o mundo, a qual dividiu a História
tradição na qual se baseiam escritores e artistas, em Pré-História, História Antiga, Medieval,
um complexo de determinadas ideias que Moderna e Contemporânea. Nessa escolha de
acreditam constituir o Oriente, uma forma de periodização, as sociedades e as civilizações
dominação típica do imperialismo do século XIX. abordadas foram selecionadas entre aquelas
que melhor representavam o passado da
própria Europa ocidental e a formação de
suas instituições, consideradas superiores.
Nesse contexto, muitas foram desprezadas
ou esquecidas propositalmente, como as
civilizações da África Negra, da América
Pré-Colombiana e da Ásia. O Antigo
Crescente Fértil, o atual Oriente Médio,
entretanto, permaneceu como o berço
da civilização, entendida como a Europa
e suas superpotências imperialistas. Essa
foi a razão pela qual tantas expedições
conquistadoras no século XIX e início do
século XX buscavam tão desesperadamente
artefatos arqueológicos no Oriente Médio:
a Europa imperialista, na verdade, se
apossou, mesmo da História e do passado
dessa região como seu, sem, no entanto,
conectar esse passado “glorioso” aos povos
que habitavam a região no século XIX.
A construção da ideia de Oriente é uma
ferramenta da dominação do Ocidente
sobre o Oriente. O conceito de Oriente

44 |
poucas vezes levou em conta a realidade histórica, está se considerando avançado, democrático,
política e social dos países que compunham essa esclarecido. O Ocidente se constrói, assim, a partir
região, mas criou em seu lugar um conjunto de da Europa, e sobre um discurso que identifica o
imagens estereotipadas para representar o que Oriente como o “Outro”, como a oposição, como
considerava ser a cultura Oriental, ou seja, a o que o Ocidente não deveria ser.
cultura do Oriente Médio e do mundo árabe: o A principal ideia do trabalho de Said é trazer à tona
Oriente era entendido como sensual com seus a ideia de que o Oriente é o espelho do Ocidente
haréns, despótico, violento e primitivo. e de que o Ocidente construiu o Oriente como
O orientalismo no século XIX produziu uma uma forma de construir também a sua própria
série de obras eruditas sobre costumes árabes e identidade. Assim, sem Oriente não há Ocidente,
egípcios e uma enxurrada de literatura popular e o discurso sobre o Oriente se caracteriza como
sobre os estereótipos orientais. No início do progressista e etnocêntrico.
século XX, quando a tumba de Tutancamon no Entender o Oriente e o Ocidente como cons-
Egito foi descoberta, uma onda orientalista varreu truções históricas, como discursos, como um
a Europa, móveis, moda, edições variadas d’As imaginário geopolítico, ajuda-nos a retirar des-
Mil e Uma Noites datam desse período, a obra ses conceitos os estereótipos neles inseridos.
representa esse momento do discurso orientalista Além disso, a construção do Oriente pela Europa,
que enfatizava o Oriente sensual e Mágico. primeiro como ideia e depois como realidade
Nesse sentido, o Oriente é um conjunto de política baseada na conquista e na colonização,
ideias, visões, tipos humanos, representações, encontra paralelo na própria construção da
dominado por preconceitos, construídos pelo América que, para muitos autores, foi também
Ocidente como forma de se identificar como uma invenção discursiva, uma construção
superior. Ao considerar o Oriente primitivo, imaginária, originária da junção de diversas
violento, despótico, o Ocidente, ao mesmo tempo, expectativas e medos da Europa.

Timtim
As Aventuras de Tintim é o título de uma série de
histórias em quadrinhos criada pelo autor belga
Georges Prosper Remi, mais conhecido como Hergé,
em 1929.
O herói das séries é o personagem Tintim, um jovem
repórter e viajante belga. A obra Tintim no Congo
foi acusada de representar os africanos como seres
ingênuos e primitivos. Abaixo, imagem da obra Tintim
no País do Ouro Negro.

Competência 1 | 45
Habilidade 5
Identificar as manifestações ou representações da diversidade
do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.

Palácio de Versalhes

Quando se trata da preservação do patrimônio capaz de trazer de volta aquilo que teve lugar no
histórico e cultural é preciso compreender passado”.
conceitos relativos ao uso dos espaços e sua Ao observar um espaço de relevância histórica,
importância como lugares de memória, expressão esse espaço evoca lembranças de um passado
utilizada para descrever certos espaços que que, mesmo remoto, é capaz de produzir
acabam por ser sacralizados em determinados sentimentos e sensações que parecem fazer
grupos nas sociedades urbanas. Esses lugares reviver momentos e fatos ali vividos que
de memória assumem importante significado fundamentam e explicam a realidade presente.
por fazerem parte da memória coletiva de Essa memória pode ser despertada através de
determinada comunidade, a memória de um lugares e edificações, e de monumentos que,
passado comum e de uma identidade social que em sua materialidade, são capazes de fazer
faz com que o grupo se sinta parte daquele lugar, rememorar a forma de vida daqueles que no
do espaço que traz a lume a história de todos. passado deles se utilizaram. Cada edificação,
Segundo Sandra J. Pesavento, memória, nesse portanto, carrega em si não apenas o material de
sentido, é a “presentificação de uma ausência no que é composto, mas toda gama de significados
tempo, que só se dá pela força do pensamento – e vivências ali experimentados.

46 |
A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 216, ou em conjunto, portadores de referência à
ampliou o conceito de patrimônio estabelecido identidade, à ação, à memória dos diferentes
pelo Decreto-lei n. 25, de 30 de novembro de 1937, grupos formadores da sociedade brasileira”.
substituindo a nominação Patrimônio Histórico e
Nessa redefinição promovida pela Constituição,
Artístico, por Patrimônio Cultural Brasileiro. Essa
estão as formas de expressão; os modos de criar,
alteração incorporou o conceito de referência
fazer e viver; as criações científicas, artísticas e
cultural e a definição dos bens passíveis de
tecnológicas; as obras, os objetos, documentos,
reconhecimento, sobretudo os de caráter
as edificações e os demais espaços destinados às
imaterial. A Constituição estabelece ainda a
manifestações artístico-culturais; os conjuntos
parceria entre o poder público e as comunidades
urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
para a promoção e proteção do Patrimônio
artístico, arqueológico, paleontológico, ecoló-
Cultural Brasileiro, no entanto mantém a gestão
gico e científico.
do patrimônio e da documentação relativa aos
bens sob responsabilidade da administração O Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e
pública. Artístico Nacional) zela pelo cumprimento dos
Enquanto o Decreto de 1937 estabelece como marcos legais, efetivando a gestão do Patrimônio
patrimônio“o conjuntode bens móveis e imóveis Cultural Brasileiro e dos bens reconhecidos pela
existentes no País e cuja conservação seja de Organização das Nações Unidas para a Educação,
interesse público, quer por sua vinculação a a Ciência e a Cultura (Unesco) como Patrimônio
fatos memoráveis da história do Brasil, quer da Humanidade. Pioneiro na preservação do
por seu excepcional valor arqueológico ou patrimônio na América Latina, este instituto possui
etnográfico, bibliográfico ou artístico”, o Artigo vasto conhecimento acumulado ao longo de
216 da Constituição conceitua patrimônio décadas, e tornou-se referência para instituições
cultural como sendo os bens “de natureza assemelhadas de países de passado colonial, man-
material e imaterial, tomados individualmente tendo ativa cooperação internacional.

Competência 1 | 47
Desenvolvendo a habilidade
Patrimônio Cultural Mundial: é composto por monumentos, grupos de edifícios ou
sítios que tenham excepcional e universal valor histórico, estético, arqueológico, científico,
etnológico ou antropológico.

Terraço dos Elefantes, Angkor, Cambodja

48 | Pirâmides de Gizé, Egito


Patrimônio Natural Mundial: são formações físicas, biológicas e geológicas
excepcionais, habitats de espécies animais e vegetais ameaçadas e áreas que tenham valor
científico, de conservação ou estético raro e universal.

Nas fotos acima está o Parque Nacional do Iguaçu, que foi a primeira área brasileira
reconhecida pela Unesco como Sítio do Patrimônio Mundial Natural, em 1986.

Competência 1 | 49
O patrimônio material protegido pelo Iphan, com base em legislações específicas,
é composto por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza nos
quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e,
das artes aplicadas. Eles estão divididos em bens imóveis como os núcleos urbanos, sítios
arqueológicos e paisagísticos e bens individuais; e, móveis, como coleções arqueológicas,
acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos
e cinematográficos.

Exemplos de Patrimônio Material


Cidade histórica de Ouro Preto-MG
Fundada no final do século XVII, a cidade de Ouro Preto foi o ponto de convergência dos
mineradores de ouro e o centro da exploração de minas auríferas no Brasil do século XVIII.
A cidade declinou com o esgotamento de suas minas no princípio do século XIX, todavia
subsistem muitas igrejas, pontes e fontes que testemunham seu passado, seu esplendor e o
talento excepcional do escultor barroco Antônio Francisco Lisboa, o “Aleijadinho”.

50 |
Centro Histórico de Salvador
Primeira capital do Brasil (1549-1763), Salvador tem sido um ponto de
confluência de culturas europeias, africanas e ameríndias. Em 1588 se criou
nela o primeiro mercado de escravos do Novo Mundo, destinados a trabalhar
nas plantações de cana de açúcar. A cidade tem conservado numerosos
edifícios renascentistas de qualidade excepcional. As casas de cores vivas,
magnificamente estucadas a princípio, são características da cidade velha.

Plano Piloto de Brasília


Construída no centro do país entre 1956 e 1960, Brasília é um rito de grande importância na história do
urbanismo. O propósito de seus criadores, o urbanista Lúcio Costa e o arquiteto Oscar Niemeyer, foi
que tudo refletisse um conceito harmonioso da cidade, desde o traçado dos bairros administrativos
e residenciais, comparado a princípio com a silhueta de um pássaro até a simetria das construções.
Os edifícios públicos assombram por seu aspecto audaz e inovador.

Competência 1 | 51
Parque Nacional da Serra da Capivara (Piauí)
Os numerosos refúgios escavados nas rochas do parque nacional da Serra de Capivara estão
decorados com pinturas rupestres. Algumas delas datam de 25.000 anos atrás e constituem
um testemunho excepcional de uma das mais antigas comunidades humanas da América
do Sul.

52 |
Patrimônio Imaterial
Os bens culturais imateriais estão relacionados aos saberes, às habilidades, às crenças, às
práticas, ao modo de ser das pessoas. Desta forma, podem ser considerados bens imateriais:
conhecimentos enraizados no cotidiano das comunidades; manifestações literárias, musi-
cais, plásticas, cênicas e lúdicas; rituais e festas que marcam a vivência coletiva da religio-
sidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social; além de mercados, feiras,
santuários, praças e demais espaços onde se concentram e se reproduzem práticas culturais.

Exemplos de Patrimônio Imaterial

Círio de Nazaré: procissão da imagem de Nossa Senhora de Nazaré na cidade de


Belém (Estado do Pará)
As festividades do Círio de Nazaré se iniciam todos os anos no mês de agosto, e seu ponto
culminante é a grande procissão celebrada em homenagem a Nossa Senhora de Nazaré, no
segundo domingo de outubro, com o transporte de uma imagem de madeira da Virgem Maria
da Catedral da Sé até a praça do Santuário de Nazaré, na cidade de Belém do Pará.
Depois desse ato religioso, as festividades se prolongam por mais duas semanas. Praticamente
todas as cidades vizinhas participam da procissão, e grandes multidões de peregrinos de
todo o Brasil vão a Belém participar dessa concentração religiosa, que é uma das maiores
do mundo.

Competência 1 | 53
Patrimônio Imaterial e o Livro dos Registros
Texto retirado do site do IPHAN (http://portal.iphan.gov.br/)

Os bens culturais de natureza imaterial dizem do Decreto nº. 3.551, de 4 de agosto de 2000 - que
respeito àquelas práticas e domínios da vida instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza
social que se manifestam em saberes, ofícios Imaterial e criou o Programa Nacional do Patrimônio
e modos de fazer; celebrações; formas de Imaterial (PNPI) – e consolidou o Inventário Nacional
expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; de Referências Culturais (INCR).
e nos lugares (como mercados, feiras e santuários Em 2004, uma política de salvaguarda mais
que abrigam práticas culturais coletivas). A estruturada e sistemática começou a ser
Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 implementada pelo Iphan a partir da criação do
e 216, ampliou a noção de patrimônio cultural Departamento do Patrimônio Imaterial (DPI).
ao reconhecer a existência de bens culturais de Em 2010 foi instituído pelo Decreto nº. 7.387,
natureza material e imaterial. de 9 de dezembro de 2010 o Inventário Nacional
Nesses artigos da Constituição, reconhece- da Diversidade Linguística (INDL), utilizado
se a inclusão, no patrimônio a ser preservado para reconhecimento e valorização das línguas
pelo Estado em parceria com a sociedade, portadoras de referência à identidade, ação e
dos bens culturais que sejam referências dos memória dos diferentes grupos formadores da
diferentes grupos formadores da sociedade sociedade brasileira.
brasileira. O patrimônio imaterial é transmitido
de geração a geração, constantemente recriado
pelas comunidades e grupos em função de seu
Livros de Registro
ambiente, de sua interação com a natureza O Registro de Bens Culturais de Natureza
e de sua história, gerando um sentimento de Imaterial, instituido pelo Decreto 3551/00,
identidade e continuidade, contribuindo para é um instrumento legal de preservação,
promover o respeito à diversidade cultural e à reconhecimento e valorização do patrimônio
criatividade humana. cultural imaterial brasileiro, composto por
aqueles bens que contribuiram para a formação
A Organização das Nações Unidas para a
da sociedade brasileira. Consiste na produção de
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)
conhecimento sobre o bem cultural imaterial em
define como patrimônio imaterial "as práticas,
todos os seus aspectos culturalmente relevantes.
representações, expressões, conhecimentos e
técnicas – com os instrumentos, objetos, artefatos Esse instrumento é aplicado àqueles bens
e lugares culturais que lhes são associados - que que obedecem às categorias estabelecidas
as comunidades, os grupos e, em alguns casos os pelo Decreto 3551/00: Celebrações, Lugares,
indivíduos, reconhecem como parte integrante Formas de Expressão e Saberes, ou seja, as
de seu patrimônio cultural." Esta definição está práticas, representações, expressões, lugares,
de acordo com a Convenção da Unesco para a conhecimentos e técnicas, que os grupos sociais
Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, reconhecem como parte integrante do seu
ratificada pelo Brasil em março de 2006. patrimônio cultural.
Para atender às determinações legais e criar Com o Registro, os bens recebem o título de
instrumentos adequados ao reconhecimento e Patrimônio Cultural do Brasil e são inscritos num
à preservação desses bens imateriais, o Iphan dos quatro Livros de Registro, de acordo com a
coordenou os estudos que resultaram na edição categoria correspondente.

54 |
Livro de Registro dos Saberes. Criado para Livro de Registro das Formas de Expressão para
receber os registros de bens imateriais que as manifestações artísticas em geral. Formas de
reunem conhecimentos e modos de fazer Expressão são formas de comunicação associadas a
enraizados no cotidiano das comunidades. determinado grupo social ou região, desenvolvidas
Os Saberes são conhecimentos tradicionais por atores sociais reconhecidos pela comunidade
associados a atividades desenvolvidas por atores e em relação às quais o costume define normas,
sociais reconhecidos como grandes conhecedores expectativas e padrões de qualidade. Trata-se da
de técnicas, ofícios e matérias-primas que apreensão das performances culturais de grupos
identifiquem um grupo social ou uma localidade. sociais, como manifestações literárias, musicais,
Geralmente estão associados à produção de plásticas, cênicas e lúdicas, que são por eles
objetos e/ou prestação de serviços que podem ter consideradas importantes para a sua cultura,
sentidos práticos ou rituais. Trata-se da apreensão memória e identidade.
dos saberes e dos modos de fazer relacionados à
cultura, memória e identidade de grupos sociais.

Livro de Registro dos Lugares para mercados,


feiras, santuários, praças onde são concentradas
Livro de Registro das Celebrações para os rituais e ou reproduzidas práticas culturais coletivas.
festas que marcam vivência coletiva, religiosidade, Lugares são aqueles que possuem sentido cultural
entretenimento e outras práticas da vida social. diferenciado para a população local, onde são
Celebrações são ritos e festividades que marcam realizadas práticas e atividades de naturezas
a vivência coletiva de um grupo social, sendo variadas, tanto cotidianas quanto excepcionais,
considerados importantes para a sua cultura, tanto vernáculas quanto oficiais. Podem ser
memória e identidade, e acontecem em lugares ou conceituados como lugares focais da vida social de
territórios específicos e podem estar relacionadas uma localidade, cujos atributos são reconhecidos
à religião, à civilidade, aos ciclos do calendário, e tematizados em representações simbólicas
etc. São ocasiões diferenciadas de sociabilidade, e narrativas, participando da construção dos
que envolvem práticas complexas e regras sentidos de pertencimento, memória e identidade
próprias para a distribuição de papéis, preparação dos grupos sociais.
e consumo de comidas e bebidas, produção de
vestuário e indumentárias, entre outras.

Competência 1 | 55
Samba de Roda do Recôncavo Baiano
O Samba de Roda é um acontecimento popular festivo que combina música, dança e poesia.
Surgiu no século XVII, na região do Recôncavo no Estado da Bahia, e vem das danças e
tradições culturais dos escravos africanos da região. Além disso, contém elementos da cultura
portuguesa, como a língua, a poesia e alguns instrumentos musicais.
No princípio, era o principal componente da cultura regional popular entre os brasileiros de
origem africana, mas logo o Samba de Roda foi adotado pelos migrantes procedentes do
Rio de Janeiro e influenciou a evolução do samba urbano, que se converteu em símbolo da
identidade nacional brasileira no século XX.

56 |
Yaokwa, ritual do povo Enawene Nawe para a manutenção da ordem social e
cósmica
O ritual combina os conhecimentos teóricos e práticos sobre a agricultura, o tratamento de
alimentos, o artesanato (confecção de indumentárias, utensílios e instrumentos musicais) e a
construção de casas e diques para a pesca.
Os Enawene Nawe vivem às margens do Rio Juruena, nas florestas fluviais da Amazônia
meridional, no Mato Grosso. Todos os anos, na estação seca, eles realizam o ritual Yaokwa,
para prestar homenagem aos espíritos e garantir a manutenção da ordem cósmica e da ordem
social entre seus diferentes clãs. Esse ritual relaciona a biodiversidade local a uma complexa
cosmologia simbólica, as quais se entrelaçam em âmbitos distintos, mas inseparáveis, da
sociedade, da cultura e da natureza.
O ritual faz parte da vida cotidiana dos enawene nawe e se prolonga por um período de sete
meses, durante o qual os clãs assumem diferentes atividades por turno: um grupo empreende
expedições pesqueiras por todo o território, enquanto outro prepara oferendas de sal gema,
pescado e comidas rituais para os espíritos, além de interpretar músicas e danças.

Competência 1 | 57
O modo artesanal de fazer queijo de Minas
A produção artesanal do queijo de leite cru nas Canastra, no queijo do Salitre ou Alto Paranaíba,
regiões serranas de Minas Gerais representa ou ainda Cerrado, um conjunto de experiências,
até hoje uma alternativa bem sucedida de símbolos e significados que definem a identidade
conservação e aproveitamento da produção do mineiro, reconhecida por todos os brasileiros.
leiteira regional, em áreas cuja geografia limita o Por se tratar de um modo de fazer enraizado
escoamento dessa produção. na comunidade mineira, o Modo Artesanal de
O modo artesanal de fazer queijo constitui um fazer Queijo de Minas é considerado Patrimônio
conhecimento tradicional e um traço marcante Cultural do Brasil, sendo assim, o quarto bem
da identidade cultural dessas regiões. Cada registrado no Livro de Registro dos Saberes. Com
uma delas forjou um modo de fazer próprio, o tombamento nacional da forma de produção
expresso na forma de manipulação do leite, dos do queijo, estão sendo criadas políticas para
coalhos e das massas, na prensagem, no tempo desenvolvimento e promoção, como incentivo à
de maturação (cura), conferindo a cada queijo pesquisa e à associatividade, além de estratégias
aparência e sabor específicos. Nessa diversidade de divulgação.
constituem aspectos comuns o uso de leite cru e A valorização do bem tombado como produto
a adição do pingo, um fermento láctico natural, pode ser uma consequência. A agricultura familiar,
recolhido a partir do soro que drena do próprio majoritária na produção, ganha mais ocupação e
queijo e que lhe transfere as características renda, o que permite a fixação das famílias no
específicas, condicionadas pelo tipo de solo, pelo campo e no ambiente de origem e o processo
clima e pela vegetação de cada região. interpretativo de concessão do registro está
O modo próprio de fazer queijo de Minas vinculado a um plano de desenvolvimento local ou
sintetiza, no queijo do Serro, no queijo da regional que objetiva a inclusão da comunidade.

58 |
Competência 1 | 59
CIÊNCIAS HUMANAS
COMPETÊNCIA 2

Compreender as transformações dos espaços


geográficos como produto das relações
socioeconômicas e culturais de poder.

60 |
O que é “espaço geográfico”?
“Espaço geográfico” é um conceito bastante conta não só a compreensão do homem, mas
abrangente e polissêmico, e é preciso lidar com a sua ação, as suas atividades, as suas atitudes
essa diversidade interpretativa para melhor para com o meio em que vive e para com os
compreendê-lo. Para o geógrafo estadunidense outros e outras que compartilham o mesmo
Richard Hartshorne, o espaço geográfico seria espaço. O espaço geográfico, para o brasileiro,
uma construção intelectual, isto é, algo que existe seria “um sistema de objetos e um sistema de
somente na compreensão do ser humano. Seria, ações, não considerados isoladamente, mas
portanto, não um espaço em si, mas uma forma o quadro único onde a história se dá”. Para
de simbolizá-lo. As partes do espaço (dentro e Santos, a natureza provê as coisas, que são
fora do planeta) que a humanidade desconhece transformadas em objetos pela técnica do
não fariam parte do espaço geográfico, segundo homem (e da mulher). Nesse sentido, o seria
o norte-americano. Já Milton Santos, o mais qualquer parte da natureza que foi convertida
importante geógrafo brasileiro, concebe o em arena sociocultural na qual as sociedades
espaço geográfico de forma menos cognitivista se constituem, permitindo a interação entre
e mais materialista dialética, levando em os indivíduos.

A palavra “geografia” apresenta o radical “geo”: terra, em grego. Já “grafia” significa escrita, descrição.
Isto é, a geografia é a descrição da terra. No entanto, é preciso ressignificar a palavra terra, já que
obviamente não estamos falando somente do planeta Terra em si, com seus polos, seus oceanos, suas
estruturas terrestres, que já foram uma só e hoje se afastam a cada segundo. A terra descrita pela
geografia não é só o planeta Terra, mas tudo o que nele ocorre de humano. A geografia se ocupa do
estudo da natureza e da sociedade e de tudo o que dessa relação possa surgir.

Como as “transformações dos espaços geográficos”


são “produto das relações de poder”?
Para adquirirmos a competência de compreender determinado lugar do mundo é outro tipo de
as transformações dos espaços geográficos relação de poder que igualmente determina
como produto das relações de poder, é preciso transformações dos espações geográficos:
desnaturalizar as mudanças geográficas e ir em construção de ciclovias, renovação de pórticos e
busca daquilo que as promove. As relações de placas da cidade, reforma das paradas de ônibus,
poder podem ser entendidas em um sentido micro ocupação de avenidas em dias de jogo, etc. Tudo
ou macro. A influência que os Estados Unidos isso são mudanças no espaço geográfico urbano
exercem sobre a América Latina no período da que são produto das relações de poder que a
Guerra Fria é um tipo de relação de poder que Federação Internacional de Futebol (FIFA) exerceu
determina diversas transformações dos espaços sobre grande parte da população porto-alegrense.
geográficos. A chegada da Copa do Mundo em Outro exemplo seriam as relações de poder que

Competência 2 | 61
a Samarco (empresa brasileira de mineração) estamos prontos para perceber por que(m) os
exercia sobre a cidade de Mariana (Minas Gerais). espaços geográficos são modificados. Dotados
Toda a economia da cidade era influenciada pelas desse conhecimento, podemos melhor interpretar
estruturas da empresa. A cultura local convivia aquilo que é modificado no nosso condomínio, no
com caminhões, barragens, profissionais que lá nosso bairro, na nossa cidade, no nosso estado,
estavam unicamente em função da Samarco. no nosso país, no nosso planeta e (por que não?)
Desse modo, compreender a destruição da cidade no “nosso” universo (o lixo espacial promovido
mineira (um exemplo de transformação do espaço pelo excesso de satélites desativados à deriva em
geográfico) como fruto da força industrial que a torno de nosso planeta não seria um exemplo de
mineradora Samarco promovia (um exemplo de modificações do espaço geográfico que são fruto
relação socioeconômica de poder) significa que das relações de poder?).

Stuttgart, Alemanha: 1943 e hoje

Esta segunda competência propõe pensarmos as todo o mapa (cartografia) nos traz, muitas vezes
várias formas que o homem, ao longo da sua his- trazem consigo a demonstração da riqueza para a
tória, enxergou o meio em que vive, como conseguiu vida humana, ou para a manutenção dos poderes
representá-lo, suas disputas pelo o que ele acha dos Estados.
fundamental ou não para a sua sobrevivência. Mais que conceitos que evoquem a cartografia
Esse reconhecimento/conhecimento do meio (projeções, escalas, o mapa e seu contexto
pode ocorrer de forma ocasional ou de forma pla- histórico), é importante para as habilidades de 6
nejada, com o uso de recursos científicos. Após a 10, o conhecimento dos conceitos de território,
identificado o recurso em determinado mapa espaço, redes, países, geopolítica.
(água, fonte de energia, luz, biodiversidade) as
Com isso, entramos num campo fascinante do
sociedades (tribos, clãs, Estados, países) começam
conhecimento humano que envolve sobrevi-
a disputa pela apropriação desses meios (guerras,
vência, vida e luta. Às vezes só a sobrevivência,
conflitos, migrações).
às vezes soberba. Bem-vindos às habilidades
Além de visões de mundo, transmitidas por cada do ENEM que nos farão viajar pela geografia e
representação do globo, ou de parte dele, que história da humanidade.

62 |
Habilidade 6
Interpretar diferentes representações gráficas e
cartográficas dos espaços geográficos.

As formas de representações gráficas vão nesta habilidade. Importante ressaltar que,


desde as mais simples – desenho de uma casa, além de aspectos técnicos, cada mapa ou
de uma residência –, até representações mais representação do mundo vêm carregados da
complexas como mapas temáticos. Nossas vidas visão de mundo de quem a representa.
são facilitadas com essas representações, além Considerando que a esfera é um sólido “não
de facilitar a organização econômica e social dos desenvolvível”, todo o mapa mostrará muitas
espaços em que vivemos. verdades e, ao mesmo tempo, esconderá outras
Gráficos, mapas, tabelas e o uso de tecnologia tantas.
como o GPS são fortes auxiliares para o homem Interpretação de gráficos, escalas, técnicas de
ter sua orientação definida e, também, são exce- projeções, convenções técnicas, orientação
lentes fontes de dados para que ele encontre o por satélites e identificação de visão de mundo
que necessita para sua vida. (aspectos ideológicos, políticos e econômicos)
Escalas, legendas, codificações e convenções, transmitidos em um mapa, são também temas
assim como técnicas de projeções, são estudadas desta habilidade.

NOÇÕES DE ORIENTAÇÃO,
COORDENADAS GEOGRÁFICAS E CARTOGRAFIA
1. Noções básicas de orientação
N Pontos Pontos Pontos
cardeais Colaterais Subcolaterais
nnw nne
nne (nor-nordeste)
Nw Ne Ne
N
(Nordeste)
ene (es-nordeste)
wnw ene
ese (es-sudeste)
Se
S
W E (Sudeste)
sse (sul-sudeste)

wsw ese ssw (sul-sudoeste)


E Sw
(Leste) (Sudoeste)
wsw (oes-sudoeste)
Sw Se
ssw wnw (oes-
W Nw noroeste)
(Oeste) (Noroeste)
S nnw (nor-noroeste)

Competência 2 | 63
2. Rede de coordenadas – Paralelos/Meridianos e Latitude/Longitude
2.1 Meridianos 2.2 Paralelos
Os meridianos são linhas imaginárias em forma Os paralelos são linhas imaginárias em forma de
de semicírculos, que vão de um polo a outro. círculos, paralelos à Linha do Equador, que é o
O principal meridiano, estabelecido como principal paralelo da rede de coordenadas. Os
meridiano central da Terra no século XIX, é o paralelos possuem tamanhos diferentes, sendo
Meridiano de Greenwich, que juntamente com que o Equador é o maior de todos (considerado
a Linha Internacional da Data divide a Terra em um círculo máximo, pois divide a Terra em dois
hemisférios Leste e Oeste. A partir do Meridiano hemisférios iguais). A partir da Linha do Equador
de Greenwich é medida a longitude. A longitude é medida a latitude. A latitude é a distância,
é a medida em graus do lugar estabelecido a medida em graus, do lugar considerado ao
Greenwich. Esta distância vai de 0° a 180°, tanto Equador. Esta distância vai de 0° a 90°, tanto
Leste quanto Oeste. Norte quanto Sul.

PaRalelOS MeRidiaNOS

2.3 Ponto Antípoda


O ponto antípoda é o ponto oposto dos paralelos e dos
meridianos. Para calculá-lo, basta seguir os passos abaixo:
Latitude: para a Latitude, basta apenas inverter o hemisfério e
manter o mesmo valor de latitude. Ex.: (30oS – antípoda será
30oN).
Longitude: para a longitude devemos subtrair o valor da
longitude dada de 180° e inverter o hemisfério. Ex.: (51°Oeste
– antípoda será 129°Leste, pois 180° menos 51° será 129°).

64 |
2.4 Zonas térmicas da Terra e seus limites
Polo Norte
(90° N)
Círculo Polar Ártico ZONA POLAR
(66° (23° 27> N)

ZONA
TEMPERADA

Trópico de Câncer
(23° 27> N)
ZONA TROPICAL

Trópico de Capricórnio
(23° 27> S)
ZONA
TEMPERADA

Círculo Polar Antártico


ZONA POLAR
(66° 33> S)

Polo Sul (90° S)

3. Definições: Cartografia, Aerofotolevantamento,


Sensoriamento Remoto
3.1 Cartografia 3.2 Aerolevantamento
“CARTOGRAFIA, no sentido lato da palavra, Conjunto de operações aéreas e/ou espaciais
não é apenas uma das ferramentas básicas do de medição, computação e registro de dados
desenvolvimento econômico, mas é a primeira do terreno, com o emprego de sensores e/
ferramenta a ser usada antes que outras ou equipamentos adequados, bem como
ferramentas possam ser postas em trabalho” a interpretação dos dados levantados ou
(ONU). sua tradução sob qualquer forma. O aerole-
vantamento engloba as atividades de aerofo-
“A Cartografia apresenta-se como o con- junto
togrametria, sensoriamento remoto, entre
de estudos e operações científicas, técnicas
outras atividades, e constitui-se de duas fases:
e artísticas que, tendo por base os resultados
(1) aquisição de dados e (2) interpretação dos
de observações diretas ou da análise de
dados obtidos.
documentação, se voltam para a elaboração de
mapas, cartas e outras formas de expressão ou
representação de objetos, elementos, fenômenos
3.3. Sensoriamento Remoto
e ambientes físicos e socioeconômicos, bem Com o desenvolvimento da tecnologia espacial,
como a sua utilização” (Associação Cartográfica pelas grandes possibilidades oferecidas por
Internacional). plataformas espaciais e satélites , pesquisadores

Competência 2 | 65
e militares iniciaram uma série de pesquisas no Terra. O potencial dessa tecnologia é vasto e a
campo da ótica eletrônica, telecomunicações e expectativa para o futuro é grande. No Brasil, dois
tratamento de informações coletadas. O conjunto eventos marcaram nossa entrada nesta sofisticada
dessas técnicas denomina-se sensoriamento tecnologia. O primeiro foi o projeto RADAM, em
remoto. O uso de satélites artificiais como veículos 1970, incumbido de mapear a região amazônica
de observação da superfície terrestre é uma através de imagens reproduzidas por radar. O
técnica recente. O sensoriamento remoto pode RADAMBRASIL tem como atribuições principais a
ser definido como o método que se utiliza da administração do imageamento do país e a
energia eletromagnética na detecção e medida realização de mapas geológicos, geomorfológicos,
das características de objetos. Qualquer matéria pedológicos, uso da terra e muitos outros. Em 1997,
reflete ou emite energia e a reflexão e absorção o governo criou o Sistema Integrado de Vigilância
de energia podem ser observadas a partir do Amazônica (SIVAM), que prevê o processamento
seu espectro. O LANDSAT foi desenvolvido com de imagens obtidas por satélite e radares para a
o objetivo de se obter uma ferramenta prática fiscalização do tráfego aéreo e do meio ambiente e
no inventário e manejo dos recursos naturais da o mapeamento das riquezas minerais.

Fonte: http://www.cbers.inpe.br/download/sao_paulo.jpg

66 |
4. Representação cartográfica
Globo: Representação cartográfica sobre uma superfície esférica, em escala
pequena, dos aspectos naturais e artificiais de uma figura planetária, com
finalidade cultural e ilustrativa.

Mapa: Representação plana; geralmente em escala pequena; área delimitada


por acidentes naturais e político-administrativos; destinação a fins temáticos,
culturais ou ilustrativos.

Carta: Representaçãoplana;escalamédiaougrande;desdobramento em folhas


articuladas de maneira sistemática; os limites das folhas são constituídos por
linhas convencionais, destinadas à avaliação precisa de direções, distâncias e
localização de pontos, áreas e detalhes.

Planta: A planta é um caso particular de carta. A representação se restringe a


uma área muito limitada. A escala é grande e, consequentemente, o número
de detalhes é bem maior.

Competência 2 | 67
5. Classificação dos mapas
5.1 Quanto à superfície de projeção
5.1.1 Projeção Cilíndrica
Os paralelos e os meridianos foram projetados É bastante utilizada na navegação e na
a partir do centro da esfera. A linha do Equador confecção de mapas-mundi. Os países situados
é a única coordenada que mantém a dimensão ao longo e nas proximidades da linha do
original. Os polos não podem ser projetados. Os Equador apresentam pequenas distorções,
paralelos e os meridianos cruzam-se formando comparados com aqueles situados em latitudes
ângulos retos. mais elevadas.

Projeção Cilíndrica de Mercator Projeção Cilíndrica de Peters

68 |
5.1.2 Projeção Cônica Os meridianos que são projetados no cone
encontram-se nos polos.
As coordenadas traçadas na esfera são
projetadas no cone do Equador ao polo, isto é, Os países localizados dentro da região temperada
somente um hemisfério é representado. A única entre os trópicos e os círculos polares, apresen-
coordenada que mantém a dimensão original é tam pequena distorções em relação aos das
o paralelo tangente ao cone (zona temperada). regiões intertropical e polar.

Projeção de Lambert

5.1.3 Projeção azimutal


O polo é projetado no centro do plano. Os representadas com pequenas distorções. Essa
meridianos são linhas retas, partindo do polo, projeção é bastante utilizada na navegação
e os paralelos são círculos concêntricos. As aérea do hemisfério norte, devido ao maior
regiões polares e as áreas circunvizinhas são fluxo de transporte nesta região.

Competência 2 | 69
5.1.4 Projeções especiais

Goode

Mollweide

Paralelos são linhas


retas e, os meridianos,
linhas curvas.

Representa melhor
regiões próximas à linha
do equador.

Holzel

70 |
5.2 Quanto aos objetivos 5.3 Quanto à escala
Mapas gerais: são mapas de orientação ou que Escala grande (planta): uma carta em escala
contêm informações generalizadas, atendendo a grande – uma planta urbana, por exemplo –,
uma gama imensa e indeterminada de usuários. tem suas dimensões reais reduzidas à escala. É
São quase sempre apresentados como mapas- detalhada ao extremo, já que a escala permite
mural, ou seja, documentos com finalidade e apresenta uma grande precisão métrica. É
especial representando uma extensa área, como um tipo de escala ideal para as cartas do cadastro
um país ou continente. urbano, mas destina-se também ao mapeamento
Mapas especiais: são mapas muito específicos e de vários projetos de engenharia, barragens,
técnicos. Destinam-se a representação de fatos, túneis, estradas, etc. Exemplos de escalas
dados ou fenômenos típicos, tendo, deste modo, grandes: 1:500, 1:1000, 1:2000 e 1:5000.
que se fixarem aos métodos e objetivos do assunto Escala média (carta): as cartas que se produzem
ou da atividade a que estão ligados. Exemplos atualmente neste âmbito têm o seguinte
de mapas especiais: aeronáutico, astronômico, esquema: 1:25000, 1:50000, 1:100000 e
meteorológico, de recenseamento demográfico, 1:250000. É dentro dessa gama que se encontram
turístico, etc. as cartas topográficas.
Mapas temáticos: são documentos em quais- Escala pequena (mapa): compreende as escalas
quer escalas, que, sobre um fundo geográfico pequenas, as cartas em 1:500.000 e menores. É
básico, são representados os fenômenos uma carta elaborada numa escala suficientemente
geográficos, geológicos, demográficos, econô- pequena para permitir a apresentação dos traços
micos, agrícolas, etc., visando ao estudo, à gerais de uma região, de um conjunto de regiões
análise e às pesquisas dos temas, no seu aspec- ou continente. As cartas geográficas se incluem
to especial. nesta classificação.

6. Escala
Escala é a relação entre dois pontos quaisquer do distâncias lineares da carta e as mesmas distâncias
mapa com a correspondente distância na superfície da natureza; ou melhor, é a fração em que o
da Terra, ou seja, é a razão entre a dimensão numerador representa uma distância no mapa e,
representada no mapa e sua correspondente no o denominador, a distância correspondente no
terreno. É traduzida, geralmente, por uma fração, terreno, tantas vezes maior, na realidade, quanto
pois tal fração representa a relação entre as indica o valor representado no denominador.

6.1 Escala numérica


A escala numérica é representada por uma fração Exemplo: 1/50.000 1/10.000 1/500.000
cujo numerador é a unidade e cujo denominador
representa o número de vezes que a unidade
natural é reduzida. Assim, por exemplo, a escala
1/50.000 (ou 1:50.000) indica que uma unidade
no terreno é representada por uma grandeza
50.000 vezes menor. Nessa escala, 1 mm na carta
representa 50.000 mm ou 50 m no terreno.

Competência 2 | 71
6.2 Escala gráfica ou escala em barra
A escala gráfica representa a distância no terreno sobre uma
linha reta graduada. Exemplos de escala gráfica:

6.3 Cálculo da escala

7. Representação topográfica
Uma representação topográfica ou do relevo pode processos: o hipsométrico, o das hachuras e o das
ser expressa, principalmente, por três diferentes curvas de nível.

Hipsométrico: Cada zona de altitude do relevo pode ser representada por cores
diferenciadas, geralmente matizes de uma mesma cor. A relação de cores, da menor
 para a maior altitude, geralmente é a seguinte: verde, amarelo, laranja, vermelho,
marrom e branco (dependendo da escala do mapa, poderá ser observada variação de
tons dentro de cada cor, ou a eliminação de alguma cor).

72 |
Hachuras: São linhas paralelas ou divergentes plotadas na direção da declividade do
 terreno. O espaçamento das linhas é menor ou maior, dependendo do grau de inclinação
do terreno.
Curvas de nível: Denominadas de isoípsas, são linhas que unem pontos de mesma
altitude do relevo. O relevo submarino também é representado de forma análoga,
 porém, o processo de levantamento é o sonar (ultra- som) e as curvas de nível são
denominadas batimétricas.

A distância entre duas curvas


de nível é denominada
de equidistância. Quando
estiverem muito próximas
entre si, indicam forte
inclinação do relevo, quando
distanciadas, obviamente
indicam áreas menos
inclinadas e mais próximas
da planura.

Algumas formas de representação e percepção do mundo por meio de mapas

Mapa da Taxa de Natalidade

Competência 2 | 73
Anamorfose, população absoluta mundial

“De pernas para cima”

74 |
Evolução do mapa da Europa: século XIX até o final da Guerra Fria

Competência 2 | 75
76 |
Habilidade 7
Identificar os significados histórico-geográficos
das relações de poder entre nações.

Como “identificar significados”?


Apesar de todos nós vivermos rodeados de signi- Quando um país manda tropas a outro, o que isso
ficados, saber conceituá-los não é uma tarefa fácil. significa?
Para identificar os significados, precisamos ter Os significados histórico-geográficos são um
uma mínima noção do que os significados sejam. tipo particular de significado, já que remetem ao
O significado não é algo em si mesmo. Não é algo sentido dos fatos que alteram a organização da
unitário. O significado, na verdade, é aquilo que vida coletiva. Os significados históricos podem
algo representa. O significado só é significado se ser entendidos como os significados atribuídos
for o significado de algo. Isto é, os significados não à Primeira Guerra, ou às bombas atômicas de
Hiroshima e Nagasaki, ou à invasão de uma
são coisas: as coisas é que possuem significado.
prisão francesa em 1789, etc. Já os significados
Entendam-se ‘coisas’ como lugares, momentos,
geográficos podem ser entendidos como as fron-
monumentos, guerras, etc.
teiras retilíneas do continente africano; o que elas
Os significados seriam a carga simbólica dos significam? Ou ainda, a destruição de 94% da Mata
fatos. Quando uma guerra acontece, o que isso Atlântica brasileira desde a chegada dos europeus,
significa? Quando um erro humano causa um o que isso significa? Ou os morros de Porto Alegre
desastre ambiental, o que isso significa? Quando serem dinamitados para a busca de matéria-prima
fronteiras são traçadas, o que isso significa? para a construção civil, o que isso significa?

Competência 2 | 77
As relações de poder...
Existem diversos tipos de relações entre as destroem-se, tudo a partir de uma determinada
nações: relações econômicas, relações culturais, relação de poder, e isso promove determinados
relações linguísticas. No entanto, as que nos significados histórico-geográficos. Quais os
interessam, aqui, são as relações de poder. Isto significados das relações de poder entre as
é, como as nações medem seu poder? O que nações dos Aliados e do Eixo? O que significou a
colocam em jogo quando impõem seu poder? Segunda Grande Guerra? A morte de 6 milhões
Quem ganha o que quando nações estabelecem de judeus e judias? Ou, então, poderíamos dizer
relações de poder? que as fronteiras africanas seriam os significados
histórico-geográficos da conferência de Berlim?
Para identificar os significados histórico- Ou, ainda, quais os significados das relações de
geográficos das relações de poder entre as poder entre as nações de Israel e da Palestina?
nações, é preciso compreender que as nações Seriam os milhares de palestinos e palestinas
disputam, entram em conflito, atacam-se, mortos?

Conceitos
Analisar conceitos é de extrema importância para a compreensão real do
que está sendo dito. O entendimento conceitual não se restringe apenas
ao ato de abrir um dicionário ou a Wikipédia e “chupar” o texto que se
apresenta como sendo o do significado de certo conceito. É preciso ir além,
pois compreender o contexto em que os termos são aplicados, o modo
como se relacionam com outros conceitos, os fatos envolvidos são recursos
importantes e, muitas vezes, básicos para o seu dimensionamento.
Para compreender o que se lê ou ouve, é necessário, também, ter
entendimento sobre os termos que nessa escrita ou fala se encontram.
Os significados gerais de termos e, ainda, suas distintas esferas relacionais
serão o suporte para a compreensão das ideias gerais dos textos.
Esta habilidade enuncia que devemos “identificar os significados histórico-
geográficos das relações de poder entre nações”. Logo, seguindo a lógica
exposta, antes é necessário entender os conceitos envolvidos em tais
questões.

78 |
Estado
“Estado”, com inicial maiúscula, é uma entidade jurídicas, e organiza o espaço (territorial) de
com poder soberano para governar um povo povos e nações. São elementos essenciais
dentro de certa área territorial demarcada. para a formação de um Estado: território,
Logo, ele deve ser a autoridade na área que população e soberania, sendo que esta última
lhe corresponde. Um Estado engloba conjuntos deve ser garantida por meio de leis e pelo
de instituições políticas, administrativas e estabelecimento de suas fronteiras.

Território
É uma zona ou região que tem jurisdição – a território brasileiro), ou seus limites podem ser
saber, é poder de um Estado, decorrente de intrincados (como o território delimitado por
sua soberania, para editar leis e ministrar a algum grupo terrorista ou por um consórcio de
justiça –, e que pertence a um Estado ou serve grandes empresas). Os Curdos formam uma
a ele como campo de ação. Um território pode nação sem território, sendo reconhecidos por
ser configurado, nas mais diversas análises e serem a maior de todas as nações sem um Estado
abordagens, como um espaço delimitado pelo correspondente. O povo curdo habita vários
uso de fronteiras – não necessariamente visíveis países por toda extensão do Oriente Médio, no
– e que se consolida a partir de expressões e continente asiático, e sua nação clama a vários
imposições de poder. Os territórios podem países e instituições internacionais a criação de
ter fronteiras fixas bem demarcadas (como o seu país, que se chamaria Curdistão.

Competência 2 | 79
Poder
O termo “poder” surgiu do latim possum, que 1944 pelo matemático John von Neumann (1903-
significa “ser capaz de”, e é um conceito aplicado 1957) e pelo economista Oskar Morgenstern
em diversas situações e áreas, tanto na esfera (1902-1977). Na mesma década, John Nash
pública quanto na particular/pessoal. (1928-2015), conhecido do grande público por
O poder dá o direito de deliberar, agir, ordenar, ter sua história contada no filme Mente brilhante,
ou seja, exercer autoridade. Lamentavelmente, contribuiu de forma magnífica para a consagração
mediante certos contextos, algumas pessoas de tal teoria por meio de pesquisas intensas.
instituídas de poder exercem sua autoridade e A Teoria dos Jogos tinha por meta um jogo no
soberania também por meio de dominação, má qual os participantes precisavam fazer escolhas
influência ou força. Logo, é um conceito amplo, baseados em decisões do seu adversário. Por
que engloba várias peculiaridades. meio de funções matemáticas, os pesquisadores
analisavam a competição ou a cooperação entre
Segundo uma das definições sociológicas, poder os jogadores. Nash criou um “ponto de equilíbrio”
é a habilidade de impor a sua vontade sobre os na teoria, o qual se baseava na solução de que
outros, sendo que diversos tipos de poder são nenhum jogador poderia melhorar seu resultado
considerados: o poder social, o poder econômico, com uma ação unilateral (parcial; injusta). Este
o poder militar, o poder político, o poder existente conceito de Nash é um dos métodos mais usados
em relações pessoais, entre outros. nas Ciências Sociais para estimar o resultado de
Vários intelectuais como Max Weber, Pierre uma interação estratégica.
Bordieu e Michel Foucault discorreram sobre o Na política, ter poder significa dispor de direito
conceito de poder. O filósofo Michel Foucault para impor algo sem dar alternativa para a
(1926-1984) foi o que certamente mais desobediência. Alguém imbuído de poder polí-
influenciou e ainda influencia estudiosos deste tico, quando reconhecido como legítimo pelos
tema. Em sua obra Microfísica do poder, defende regimes das nações e aprovado como executor da
que o poder não existe, mas, sim, relações de ordem estabelecida, tem autoridade para decidir
poder, que, mediante sistematização atuam e determinar ações. Entretanto, em ditaduras
como uma força, impondo, constrangendo, ou revoluções, o poder político se diferencia,
disciplinando e mantendo controle sobre os pois é por meio da força, de tirania, de regência
indivíduos. Foucault não nega a importância do arbitrária que essas situações se dão.
Estado, mas defende que as relações de poder
A política é um tipo de ciência que tem amplitude
ultrapassam o nível estatal, e que se encontram nos conceitos embutidos em sua caracterização.
diluídas, espalhadas em toda a sociedade. Podemos afirmar que o poder político se explicita
As principais teorias relacionadas ao poder, em todos os tipos de relações, sejam elas sociais,
nas Ciências Sociais, são a Teoria dos Jogos, a jurídicas, administrativas. Logo, onde existem
do feminismo, a do machismo e a do campo relações de poder, tem política, pois a política
simbólico. A Teoria dos Jogos foi sistematizada em está inserida em todas as formas de poder.

80 |
Nação
A definição mais abrangente de nação é: “Reunião de
pessoas com características históricas semelhantes,
pertencentes a determinado grupo étnico, que falam
um idioma único e têm costumes equivalentes”. Essas
pessoas formam uma “nação”, na qual estarão unidas
por hábitos e tradições. Entretanto, idioma, território,
religião, costumes e tradição não são fatores consti-
tuintes de uma Nação por si só. É necessário que
haja vínculo entre os indivíduos, que esses tenham
consciência de nacionalidade para que possam formar
coletivos com interesses e necessidades gerais (de
ordem nacional) e particulares (de pequenos grupos
e associações).

Nacionalismo
A partir da consciência de um povo acerca da movimentos políticos, que irão exprimir as
nação em que vivem, nasce o nacionalismo. características comuns de uma comunidade, e o
Este é formado por crenças comuns, ideologias, desejo de aperfeiçoá-las politicamente.

Pátria
É um conceito mais afetivo, ou um modo de ancestrais ou um local em que um indivíduo sente
expressar e definir sentimentos, vínculos ou laços que pertence. Essa conexão entre sujeito e lugar
fraternos em relação a algum lugar. Pátria é a pode ocorrer tanto por afetividade quanto por
terra natal ou adotiva de pessoas, a terra de seus sua história ou pelo modo de lá se fazer justiça.

Ideologia
É um conjunto de ideias e de objetivos, que acabam se organiza por meio de estudos e tendências
sendo fundamentais para indivíduos, pois esses filosóficas, por ideias propostas por pensadores das
os sentem com profunda certeza e sentimento, Ciências Sociais, por concepções e planejamentos
tendo fortes expectativas de que se transformem de classes de poder tendo em vista uma sociedade
em ações. Essas ideias que constituem dada que abranja a todos os cidadãos (produto da
ideologia podem ser conscientes ou não, pois, socialização). Qualquer tendência política ou eco-
por vezes, sujeitos levantam bandeiras em nome nômica tem por trás uma ideologia, que pode estar
de ideologias fracas, que não têm fundamentos explícita como um pensamento claro e objetivo
sólidos, sem uma investigação profunda da neces- ou não. Logo, as ideologias também podem ser
sidade ou possibilidade de virem a ocorrer. Uma consideradas pensamentos abstratos que, quando
ideologia considerada consciente se baseia em são aplicados a questões públicas, transformam
visão abrangente do todo que a constitui. Assim, raciocínios e planejamentos em fatos.

Competência 2 | 81
Hegemonia
Ocorre quando um povo, uma cidade, um país da Macedônia
exerce supremacia dominante sobre outros. uniu-se a
Um Estado soberano é um Estado hegemônico, outras nações e
que exerce poder em seu território. Quando invadiu a Grécia
um Estado tem hegemonia em relação a outros para derrubar
povos, essa superioridade se dá, geralmente, por tal poder,
meio de poder econômico, militar, armamen- conquistando
tista, industrial, ou seja, em questões que hegemonia
possam lhe favorecer em termos de decisões e político-militar.
posicionamentos. Em nível conceitual, a hege- Antonio Gramsci
monia indica um equilíbrio entre o domínio e a (1891-1937),
liderança; e, em sentido figurado, designa uma político e cientista
supremacia ou poder de um elemento sobre italiano, formulou
outro, podendo ser com pessoas ou coisas. o conceito de hegemonia. Para ele, hegemonia é
A hegemonia começou na Grécia Antiga, quando o domínio de uma classe social sobre as outras,
as cidades de Esparta, Atenas e Tebas alcançaram em termos ideológicos, em especial da burguesia
poder em termos marítimos. Na ocasião, o rei diante da classe de trabalhadores.

Idade Moderna

Formação dos Estados Nacionais centralizados: primeiro, Portugal; segundo, Espanha.

Estados protagonistas: Portugal e Espanha (Península Ibérica).

Argumento Ideológico: catequizar; instituir no povo a fé cristã/católica.

Objetivos
• Conquista das rotas de mares quentes.
• Especiarias.
• Mão de obra escrava (África).
• Metais preciosos.

Estrutura Econômica
• Mercantilismo.
• Monopólio Comercial.
• Pacto Colonial.

Estrutura Política
• Absolutismo/Monarquias Absolutas.

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TRATADO DE TORDESILHAS
A Terra de Santa Cruz era nossa. Tudo graças ao pertenceriam aos espanhois e as que estavam a
saudoso rei D. João II, conhecido como "Príncipe leste seriam de Portugal. A terra "descoberta"
Perfeito", que governou o país de 1481 até sua pela expedição comandada por Pedro Álvares
morte, em 1495, em circunstâncias misteriosas. Cabral estaria nesse último caso. Não fosse a
Com uma visão geopolítica à frente de seu tempo persistência de D. João II, o acordo teria sido
e grande habilidade diplomática, foi ele quem assinado nos termos propostos pelos reis Isabel e
bateu o pé, nas conversações com a Espanha, Fernando – com o meridiano a apenas 100 léguas
para estender, a nosso favor, a linha divisória dos Açores ou de Cabo Verde – e neste momento
que definiu as áreas de influência de portugueses teríamos de nosso apenas o mar. Negociado
e castelhanos no vasto mundo, na época ainda diretamente entre Portugal e Espanha, o Tratado
em grande parte por descobrir – exatamente a de Tordesilhas foi o responsável pela paz entre
370 léguas a ocidente do Arquipélago de Cabo os dois países, que estava ameaçada desde que
Verde. O Tratado de Tordesilhas, assinado em se tornou necessário dividir o mundo como uma
1494, dizia que as terras situadas a oeste da linha laranja.

Competência 2 | 83
Idade CONTEMPORÂNEA

• Difusão da indústria
• Monopólio
• Desenvolvimento tecnológico acelerado
• 1ª e 2ª Revolução Industrial
• Neocolonialismo/Imperialismo séc. XIX
• Partilha da África e da Ásia

Áreas a serem administradas: América, Ásia e África.

Argumento Ideológico: Missão Civilizatória/civilizar colônias.

Objetivos
• Busca de matéria prima
• Busca de recursos energéticos
• Busca de mercado consumidor

Estrutura política:
• Capitalismo Industrial

84 |
CONFERÊNCIA DE BERLIM
A repartição da África, realizada de forma des- Teve como objetivo organizar, por meio de regras,
pótica, teve seu ápice quando da realização da a ocupação da África pelas potências coloniais,
Conferência de Berlim, que se iniciou em 1884 resultando em uma divisão territorial que não
e durou até o ano subsequente. A Conferência respeitou a história ou as relações étnicas e
contou com a participação de 15 países, 13 mesmo familiares dos povos desse continente.
pertencentes à Europa e o restante advindo dos Seu organizador e acompanhante foi o chan-
Estados Unidos e da Turquia. Apesar dos Estados celer Otto von Bismarck, da Alemanha, e par-
Unidos não possuírem colônias no continente ticiparam a Grã-Bretanha, França, Espanha,
africano, era um poderio que se encontrava em Portugal, Itália, Bélgica, Holanda, Dinamarca,
fase de crescimento, visando, assim, a conquista Estados Unidos, Suécia, Áustria-Hungria e
de novos territórios. Império Otomano.

ATA GERAL REDIGIDA EM


BERLIM EM 26 DE FEVEREIRO
DE 1885 entre a França,
a Alemanha, a Áustria-
Hungria, a Bélgica, a
Dinamarca, a Espanha, os
Estados Unidos, a Grã-
Bretanha, a Itália, os
Países Baixos, Portugal,
a Rússia, a Suécia, a
Noruega e a Turquia, para
regulamentar e liberdade
do comércio nas bacias do
Congo e do Níger, assim
como novas ocupações de territórios sobre a costa ocidental da África. Em
nome de Deus Todo-Poderoso, S. M. Imperador da Alemanha, Rei da Prússia; S.
M. Imperador da Áustria, Rei da Boêmia etc., e Rei apostólico da Hungria:
S. M. Rei dos belgas; S. M. Rei da Dinamarca; S. M. Rei da Espanha;
o Presidente dos Estados Unidos da América; o Presidente da República
Francesa; S. M. Rainha do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda,
Imperatriz das Índias; S. M. Rei da Itália; S. M. Rei dos Países Baixos,
Grão-Duque de Luxemburgo etc.; e S. M. Rei de Portugal e de Algarves etc.;
S. M. Imperador de todas as Rússias; S. M. Rei da Suécia e Noruega etc.; e
S. M. Imperador dos Otomanos.
Querendo regular num espírito de boa compreensão mútua as condições mais
favoráveis ao desenvolvimento do comércio e da civilização m certas regiões
da África, e assegurar a todos os povos as vantagens da livre navegação
sobre os dois principais rios africanos que se lançam no Oceano Atlântico;
desejosos, por outro lado, de prevenir os mal-entendidos e as contestações
que poderiam originar, no futuro, as novas tomadas de posse nas costas da
África; e, preocupados ao mesmo tempo com os meios de crescimentos do bem-
estar moral e material das populações aborígines, resolveram, sob convite
que lhes enviou o Governo Imperial Alemão, em concordância com o Governo
da República Francesa, reunir para este fim uma Conferência em Berlim.

Texto extraído da Ata Geral da Conferência de Berlim.

Competência 2 | 85
PERÍODO ENTREGUERRAS

• Crise do imperialismo do século XIX


• Capitalismo Financeiro/Industrial
• Capitalismo Tradicional vs. Capitalismo Emergente
• Tratado de Versalhes
• Liga das Nações
• Surgimento de novos países na Europa
• Ascenção de regimes totalitários (Nazifascismo)

Estrutura política:
• Capitalismo Financeiro/Industrial

LIGA DAS NAÇÕES


Surgiu para impedir guerras, para acabar com o presidente americano Woodrow Wilson,
sanções econômicas, para primar pela negociação foi impedido de participar da reunião, pois os
e o diálogo e para defender o relacionamento republicanos vetaram o projeto no Congresso
pacífico entre os povos. A Liga das Nações americano porque temiam certas consequências
(precursora da ONU) se reuniu pela primeira vez no internacionais. A União Soviética, recém-fundada,
dia 15 de novembro de 1920, em assembleia-geral, também não quis participar da Liga das Nações. A
em Genebra, com representantes de 42 países. Alemanha, derrotada na guerra, não foi aceita: a
Ao final da Primeira Grande Guerra, em janeiro decisão de todos os países foi geral, a de que o país
de 1919, as potências vencedoras reuniram- teria primeiro de provar que merecia tal filiação.
se em Versalhes para negociar um plano de Durante seis anos, o governo da Alemanha lutou
paz. Contudo, o próprio idealizador da Liga, para entrar na Liga das Nações, mas o maior motivo

86 |
seria o da revisão dos Tratados de Versalhes, nos relação à Liga, ele declara: "Se o mundo decidir
quais havia a cláusula de que a Alemanha teria de que determinadas armas serão inteiramente
pagar milhões de marcos aos vencedores, como destruídas, nós estaremos dispostos a abrir mão
reparação de guerra. E que o país não poderia delas. Mas, se o mundo aceitar estas armas em
mais produzir ou adquirir material bélico. Só em alguns países, não estaremos dispostos a deixar-
1926, o país ingressaria na Liga das Nações. nos excluir, como um povo com emancipação
A Liga das Nações obteve êxito especialmente no limitada". Em outubro de 1933 a Alemanha
setor social. Ela se engajou de maneira efetiva retirou-se da Liga das Nações e deu andamento à
pela melhoria das condições de trabalho, deu sua política armamentista, sem qualquer controle
apoio aos países economicamente mais fracos, estrangeiro – tomando rumo direto à catástrofe da
criou em Haia a Corte Internacional de Justiça Segunda Guerra Mundial. No mesmo ano, o Japão
e cuidou do problema dos refugiados. Mas seguiu o exemplo da Alemanha. A Itália retirou-
fracassou inteiramente no tocante à garantia da se da organização em 1937. A Liga das Nações se
paz mundial, pois, em 1933, Adolf Hitler já estava dissolveu após a fundação da ONU – Organização
no poder na Alemanha e queria guerrear. Em das Nações Unidas, em 24 de outubro de 1945.

Antiga Ordem Mundial (1945 até década de 1980)


• Formação da URSS • Cortina de Ferro
• Mundo Bipolar • Corrida Armamentista
• Guerra Fria • Crise dos Mísses
• Capitalismo x Socialismo • Guerra da Coreia, Revolução Chinesa, Revolução
• EUA + Europa Ocidental x URSS + Europa Oriental Cubana, Guerra do Vietnã

Competência 2 | 87
Antiga Ordem Mundial (1945 até década de
1980)
• Formação da URSS • Cortina de Ferro
• Mundo Bipolar • Corrida Armamentista
• Guerra Fria • Crise dos Mísses
• Capitalismo x Socialismo • Guerra da Coreia, Revolução Chinesa, Revolução
• EUA + Europa Ocidental x URSS + Europa Oriental Cubana, Guerra do Vietnã

CONFERÊNCIA DE TEERÃ
Foi o primeiro dos acordos firmados entre as – ação que culminou com o desembarque dos
superpotências durante a Segunda Guerra aliados na Normandia, chamado de “Dia D”.
Mundial. A ocasião reuniu pela primeira vez os Outras disposições se concentraram na divisão
três grandes estadistas do mundo da época: Josef da Alemanha e nas fronteiras da Polônia ao
Stalin, da União Soviética, Winston Churchill, do terminar a guerra, e a forte recomendação de paz
Reino Unido e Franklin Delano Roosevelt, dos com a colaboração de todas as nações. Alguns
Estados Unidos. Esta conferência teve lugar limites territoriais também foram estabelecidos.
em Teerã (Irã), em 1943. Uma das decisões foi Assim, por intermédio dos Estados Unidos
a de que as forças nacionais anglo-americanas houve a anexação da Estônia, Letônia e Lituânia,
interviriam na França, para ultimar o cerco à enquanto a União Soviética reconheceu o leste
Alemanha, junto com as forças dos soviéticos da Polônia.

88 |
CONFERÊNCIA DE POTSDAN

Potsdan, nos arredores de Berlim, Alemanha, Desse valor, 50% era destinado à União Soviética,
foi o cenário desta conferência que reuniu as 14% à Grã-Bretanha, 12,5% aos Estados Unidos e
principais potências vencedoras da Segunda 10% para a França. Além disso, a Alemanha seria
Guerra Mundial, entre 17 de julho e 2 de agosto dividida em zonas de ocupação.
de 1945. O encontro, no Castelo de Cecilienhof, Entretanto, se o combate ao fascismo e ao nazismo
teve por objetivo conceber o novo cenário tinha unido os Aliados, o fim da guerra trazia um
político mundial e as áreas de influência de cada novo cenário em que os interesses eram não só
uma das potências vencedoras; estabelecer o distintos, mas antagônicos. Desenhava-se o início
valor que a Alemanha teria de pagar pelos atos da polarização entre União Soviética, comunista,
cometidos durante a guerra e, também, definir e Estados Unidos, capitalista.
o que seria feito da Alemanha e dos territórios Outros pontos acordados em Potsdam foram:
ocupados pelos nazistas, estabelecendo novas
fronteiras na Europa. Stálin, da União das • Berlim, a capital alemã, foi igualmente dividida
entre os quatro países.
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), Winston
• Deveria haver o julgamento de responsáveis
Churchill e, posteriormente, Clement Attlee, do
pelos crimes cometidos pelos nazistas (Julga-
Reino Unido, e Harry Truman, o novo presidente
mentos de Nuremberg).
norte-americano foram os líderes que presidiram
• Convencionaram que a Áustria seria dividida
tal acontecimento.
em quatro diferentes zonas de ocupação,
Ficou estabelecido que os alemães deveriam pa- correspondendo uma a cada um dos Países
gar indenizações no valor total de US$ 20 bilhões. Aliados e igual divisão de Viena, capital austríaca.

Competência 2 | 89
• A reversão das anexações alemãs feitas entre Após Potsdam a paz estava garantida?
1937 e o fim da guerra.
A conferência de Potsdam foi imperiosa para
• A desmilitarização e o desarmamento da
impedir que a União Soviética e os Estados Unidos
Alemanha, o que significava desativar todos os
viessem a se confrontar seriamente depois de
setores da indústria alemã ligados à produção
1945. Isso porque um dos pontos reconhecidos
bélica.
era o de que “não poderia haver conflito direto
• A desnazificação, ou seja, fim de todas as leis
entre as grandes nações, pois isso seria o mote
nazistas e reestruturação dos sistemas judicial e
para a Terceira Guerra, e, esta, seria nuclear”.
educacional de modo democrático e eliminação
Entretanto, a Grã Bretanha se recusou, por
de todos os elementos socioculturais nazistas.
exemplo, a retirar suas tropas na Grécia, depois de
• O estabelecimento da fronteira da Alemanha
Potsdam, pois acredita que Stálin iria se apoderar
com a Polônia nos rios Oder e Neisse (Linha Oder-
do berço da civilização ocidental. Os britânicos
Neisse).
pediram aos Estados Unidos que pagassem seus
Além da situação da Europa, outra questão soldados, pois estavam seriamente debilitados
abordada em Potsdam foi a rendição japonesa. financeiramente. A Polônia, por sua vez, foi
Em 26 de julho, Truman, Churchill e o presidente um dos principais assuntos em Potsdam – sua
do Governo da República Nacionalista da fronteira foi deslocada 241 km a oeste. Jogados
China (Taiwan), Chiang Kai-shek, lançaram a de um lado para o outro, invadidos por nazistas
Declaração de Potsdam, cujo conteúdo eram os e comunistas, os poloneses nunca puderam ditar
termos para a rendição japonesa: caso não se os rumos de sua própria história e, até hoje, não
rendesse incondicionalmente, o país enfrentaria mantêm boa relação nem com russos nem com
“destruição imediata e total”. alemães.

CRIAÇÃO DA ONU
A criação da Organização das Nações Unidas (ONU) assim como das nações, grandes e pequenas”,
se deu em fevereiro de 1945, em São Francisco, tendo como primeiro objetivo “manter a paz e a
EUA, como resultado das conferências de paz segurança internacionais e, para esse fim, tomar
realizadas no final da Segunda Guerra Mundial. medidas coletivas eficazes para prevenir e afastar
Cinquenta países assinaram a Carta das Nações ameaças à paz e reprimir os atos de agressão,
Unidas neste início, à exceção dos que haviam feito ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por
parte do Eixo. Esta organização se caracterizava meios pacíficos, e em conformidade com os
como uma segunda tentativa de estabelecer união princípios da justiça e do direito internacional, a
entre as nações e relações amistosas entre os um ajustamento ou solução das controvérsias ou
povos ─ a primeira foi a Liga das Nações. situações internacionais que possam levar a uma
perturbação da paz”.
A Carta afirmava em seu preâmbulo que “nós, os
povos das Nações Unidas, decidimos: preservar as Essa nova estrutura se organizou para evitar uma
gerações vindouras do flagelo da guerra que por nova deflagração de conflitos mundiais, como as
duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe duas Guerras anteriores, criando condições para
sofrimentos indizíveis à humanidade; reafirmar a que isso se efetivasse, superando um objetivo
nossa fé nos direitos fundamentais do homem, apenas de controle militar e englobando a criação
na dignidade e no valor da pessoa humana, na de instâncias responsáveis por garantir os direitos
igualdade de direitos dos homens e das mulheres, principais dos seres humanos.

90 |
Europa do Pós-Guerra

O mundo bipolar de 1945 até 1991

NOVa Ordem Mundial


• Crise do Socialismo Real • Blocos Econômicos Regionais
• Globalização da economia • Conflitos Nacionalistas, Raciais,
• Neoliberalismo Étnicos, Religiosos
• Multipolaridade • Fundamentalismos
Estrutura política:
• Estado Mínimo

Competência 2 | 91
CONSENSO DE WASHINGTON
“Consenso de Washington” foi como ficou desenvolvidos (com destaque para os EUA
popularmente reconhecido o encontro entre e Reino Unido), desde o início do avanço do
economistas e instituições financeiras ocorrido Neoliberalismo pelo mundo, nas décadas de
em 1989, na capital dos Estados Unidos, no qual 1970 e 1980. A cartilha neoliberal já era adotada
várias determinações foram aprovadas. Tais como pré-requisito para a concessão de novos
“recomendações” visavam ao desenvolvimento empréstimos, por parte de instituições como o
e à ampliação do neoliberalismo nos países da FMI e o Banco Mundial.
América Latina, sendo que o texto do economista Mesmo que em seu princípio as conclusões
John Williamson, do International Institute for do Consenso possuíssem caráter acadêmico,
Economy, serviu de fundamentação para tais acabaram virando um receituário imposto para a
regras. Disso resultou a política oficial adotada concessão de créditos. Segundo John Willianson,
pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em o objetivo das regras universais do encontro era
1990, quando passou a usar essas estratégias a aceleração do desenvolvimento sem piorar
para promover "ajustamento macroeconômico" a distribuição de renda. As recomendações
dos países em desenvolvimento que passavam propostas no Consenso de Washington pauta-
por dificuldades, entre eles, o Brasil. vam-se nas ideias de abertura econômica e
As ideias do Consenso de Washington já comercial, aplicação da economia de mercado e
eram promulgadas pelos governos dos países controle fiscal macroeconômico.

TRATADO DE ASSUNÇÃO
É o tratado firmado, em 26 de março de 1991, Basicamente, o Tratado de Assunção é o
para a constituição de um mercado comum documento que registra oficialmente, juridica-
entre a República Argentina, a República mente e internacionalmente a intenção/decisão
Federativa do Brasil, a República do Paraguai dessas diferentes nações de:
e a República Oriental do Uruguai, visando
1. Ampliarem as negociações econômicas de seus
criar o Mercado Comum do Sul (Mercosul). “O
mercados;
objetivo primordial do Tratado de Assunção
2. Eliminarem barreiras sociais, econômicas,
é a integração dos Estados Partes por meio
comerciais e políticas entre elas;
da livre circulação de bens, serviços e fatores
3. Tornarem-se mais reconhecidas na ordem
produtivos, do estabelecimento de uma Tarifa
econômica e comercial internacionalmente;
Externa Comum (TEC), da adoção de uma política
comercial comum, da coordenação de políticas 4. Buscarem, por meio da regionalização, a
macroeconômicas e setoriais, e da harmonização globalização de seus mercados;
de legislações nas áreas pertinentes” (www. 5. Formação de um espaço econômico amplo,
mercosul.gov.br). Desde 2012, a Venezuela faz sincronizado e integrado;
parte do bloco como Estado Parte, sendo que, no 6. Compromisso no cumprimento de legislações
mesmo ano, foi assinado o Protocolo de Adesão internacionais e nacionais de cada país;
da Bolívia ao Mercosul, a qual aguarda decisão 7. Garantia de circulação de bens e serviços entre
dos Estados Partes para sua participação plena. os quatro países membros.

92 |
Curiosidades sobre o Mercosul
• Território: somando as cinco nações que • PIB: o PIB do Mercosul é de US$ 3,2 trilhões. Se
integram o Mercosul, a área corresponde a quase ele fosse de um único país, seria a quinta maior
72% da área da América do Sul, sendo três vezes economia do mundo.
maior do que a União Europeia (EU).
• Potência energética: o Mercosul é uma das
• População: a população do Mercosul chega a maiores potências de energia de todo o mundo,
275 milhões de habitantes, correspondendo a uma vez que detém 19,5% de todas as reservas
69,8% da América Latina. de petróleo em âmbito global.

Rodada de Doha

Em novembro de 2001, em Doha, no Qatar, foi o comércio de bens ambientais), facilitação do


lançada a Rodada de Doha da OMC, também comércio e alguns aspectos de propriedade
conhecida como “Rodada de Doha para intelectual, além de uma discussão horizontal
o Desenvolvimento”, por meio da qual os sobre tratamento especial e diferenciado a favor
Ministros das Relações Exteriores e de Comércio de países em desenvolvimento. Fora do mandato
comprometeram-se a buscar a liberalização formal da Rodada, mas em paralelo a suas
comercial e o crescimento econômico, com ênfase tratativas, eram discutidos aperfeiçoamentos das
nas necessidades dos países em desenvolvimento. regras sobre solução de controvérsias.
As negociações da Rodada incluíam agricultura, O Brasil e diversos outros países em
acesso a mercados para bens não agrícolas (NAMA), desenvolvimento entenderam que o centro
comércio de serviços, regras (sobre aplicação das negociações da Rodada Doha deveria ser
de direitos antidumping, subsídios e medidas as negociações em agricultura, setor em que
compensatórias, subsídios à pesca e acordos se concentram boa parte das exportações
regionais), comércio e meio ambiente (incluído desses países. Deve-se ressaltar que, durante

Competência 2 | 93
as rodadas negociadoras do antigo GATT, esse Os países que participam da Rodada de Doha
setor foi objeto de um esforço de liberalização podem ser divididos em dois blocos:
significativamente modesto, quando comparado * Países desenvolvidos – Bloco composto pelos
ao setor de bens manufaturados, razão pela países mais ricos do mundo, destacando-se EUA,
qual ainda goza de elevada proteção contra países da Europa e Japão.
importações em muitos países e está sujeito
a disciplinas menos exigentes. Nesse sentido, * Países em desenvolvimento – Bloco composto
a Rodada de Doha deveria ter por objetivo pelo G20 (os 20 maiores países em desenvol-
corrigir tanto quanto possível as distorções que vimento), representados principalmente por
prevalecem no comércio agrícola, promovendo a China, Índia e Brasil.
eliminação dos subsídios à exportação, redução O maior foco da discussão entre esses blocos são os
substancial e disciplinamento dos subsídios à subsídios agrícolas. Os países em desenvolvimento
produção (apoio interno), além de ampliação do sentem-se prejudicados pelos fortes subsídios e
acesso aos mercados desses bens. incentivos que os países ricos dão a seus produtos
No contexto das negociações agrícolas da agrícolas. Reivindicam a diminuição dos impostos
Rodada, foi criado, em agosto de 2003, às cobrados dos produtos agrícolas estrangeiros. Já
vésperas da Conferência Ministerial de Cancun, o os países ricos exigem uma maior abertura para
agrupamento denominado G-20 Comercial. Esse seus produtos industrializados.
grupo, composto por países em desenvolvimento Dois anos se passaram sem que fossem cumpridos
de três continentes (América Latina, Ásia e os prazos para a apresentação de fórmulas para
África), defende o cumprimento, de forma a redução de tarifas agrícolas, dos subsídios
ambiciosa, dos três pilares do mandato agrícola agrícolas e incentivos internos. As negociações
da Rodada Doha: acesso a mercados (redução de relacionadas aos produtos manufaturados e
tarifas), eliminação dos subsídios à exportação serviços também ficaram estagnadas.
e redução dos subsídios de apoio interno
(mormente à produção). O Brasil exerceu papel Os principais objetivos da Rodada Doha foram:
de grande relevo na coordenação das posições
1. Diminuir as tarifas alfandegárias de produtos
dessa coalizão durante as negociações agrícolas
agrícolas;
na OMC.
2. Debater questões sobre subsídio, investimento
No cenário atual de recuperação pós-crise
interno, impostos e tarifas sobre produtos
econômica e financeira global e de preocupação
agropecuários nacionais e internacionais;
com o recrudescimento do protecionismo
comercial, a conclusão da Rodada e o fortaleci- 3. Negociar as aberturas nacionais para a
mento do sistema multilateral do comércio, em realização de serviços;
bases equilibradas, transparentes e inclusivas, 4. Ampliar e renegociar outros acordos no âmbito
tornam-se ainda mais necessários. Os progressos da OMC e do antigo GATT;
obtidos nas negociações, entretanto, foram
5. Discutir sobre a dinâmica comercial
insuficientes, especialmente a partir de julho de
internacional e política ética de concorrência;
2008, quando reunião de ministros em Genebra
fracassou na tentativa de aprovar acordo nas 6. Debater sobre a transparência das negociações
áreas de agricultura e NAMA. comerciais governamentais.

94 |
Mercados Internacionais

Competência 2 | 95
Habilidade 8
Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à
dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de
problemas de ordem econômica e social.

Há diferentes posicionamentos e ações a que consequência, sérios impactos na área social,


recorrem os Estados nacionais em relação econômica e ambiental. Os Estados têm se
aos fluxos populacionais, justo porque organizado histórica e geograficamente para
existem distintas formas de tratar, conter ou inibir mobilidades humanas, justamente porque
controlar esse tipo de movimento. Esses fluxos afetam de modo direto a sociedade e a economia
se constituem em variações na quantidade de dos lugares, ou seja, toda organização e todas
indivíduos de populações em geral, que ocorrem, as probabilidades estabelecidas, tendo por base
habitualmente, pelo acréscimo ou decréscimo do certa situação, se esvaem, fazendo com que o
número de pessoas em dada sociedade. Quando abalo seja geral. Entretanto, as migrações de
grandes fluxos populacionais quase sempre
o fluxo se dá internamente, a saber, entre os
são inevitáveis, porque as pessoas afetadas
cidadãos que constituem certa sociedade, a
geralmente se encontram em situação de risco
análise futura dessas variações pode ser obtida
de vida, sem acesso a alimentos, ou outro tipo
por indicadores de mortalidade, natalidade e
indigno de situação e, mesmo que isso cause
fecundidade. Entretanto, os deslocamentos popu-
perturbação direta em todos os envolvidos, a
lacionais (migrações), que ocorrem pelos mais
solidariedade humana deveria prevalecer, mas,
variados motivos, também se enquadram neste nem sempre é o que ocorre.
tipo de fluxo, e não há parâmetro que auxilie a
antecipar quando e como isso se dará, pois, fugas Nesta habilidade, o foco estará nas principais
migrações da humanidade, tanto internas co-
por sobrevivência, guerras e catástrofes naturais
mo externas. Faremos uma análise histórica,
nem sempre podem ser previstas.
desde épocas remotas até os dias atuais, para
Essas migrações, que acontecem internamente encontrarmos as razões dos fluxos, os problemas
(dentro de um mesmo país) ou de modo externo envolvidos – entre esses as políticas xenófobas –,
(de um país para outro), são a causa principal as soluções encontradas e outras abrangências
de mudanças populacionais, gerando, por significativas.

96 |
Migrações externas

País A

Emigração
País B

Imigração

Políticas anti-imigração: Leis de medidas adotadas por um país para evitar a entrada e a
permanência de estrangeiros no interior de suas fronteiras.

Estado Nacional: Nome dado aos países modernos, ou seja, aqueles que surgiram a
partir da transição da Idade Média para a Idade Moderna. Pressupõe unidade política, social
e econômica e jurídica, que a partir de uma organização administrativa tem soberania sobre
determinado território.

Migrações externas brasileiras

Desembarque de imigrantes no Porto de Santos, SP, 1907. Imigrantes italianos em viagem para o Brasil (Século XIX).

Competência 2 | 97
Sebastião Ribeiro Salgado é um fotógrafo brasileiro, nascido
em Aimorés, Minas Gerais, em 1944. Para estampar de forma
realista para as sociedades o que ocorre em fluxos populacionais,
principalmente nas migrações, Sebastião criou uma obra fotográfica
chamada Êxodos. Sobre isso o autor declara:

Este livro conta a história da humanidade em trânsito. É uma história


perturbadora, pois poucas pessoas abandonam a terra natal por
vontade própria. Em geral, elas se tornam migrantes, refugiadas
ou exiladas constrangidas por forças que não têm como controlar,
fugindo da pobreza, da repressão ou das guerras. [...] Viajam
sozinhas, com as famílias ou em grupos. Algumas sabem para onde
estão indo, confiantes de que as espera uma vida melhor. Outras
estão simplesmente em fuga, aliviadas por estarem vivas. Muitas
não conseguirão chegar a lugar nenhum.

98 |
Imigração no Brasil
O Brasil foi considerado local de muitas oportu- A maior parte dos ex-escravos, por não ser aceita
nidades para europeus e asiáticos a partir do pela sociedade, acabou em situação de miséria.
século XIX, principalmente para os que enfren- Esses homens e mulheres ficaram abandonados
tavam obstáculos econômicos. Neste mesmo à própria sorte. Diferente dos Estados Unidos,
período, após a abolição da escravatura, a grande por exemplo, que ao final da Guerra da Secessão
maioria dos fazendeiros preferiu contratar imi- emancipou todos os escravos e os beneficiou por
grantes europeus para servir de mão de obra, meio de uma lei que lhes garantiu assistência e
pois se recusavam a pagar salários aos seus ex- inserção na sociedade.
escravos. O próprio governo brasileiro estimulava Já a partir do século XX, muitos imigrantes
essa ação e gerou campanhas para a vinda desses chegaram ao Brasil após abandonarem seus países
imigrantes, e mesmo para os que tinham dinheiro que estavam diretamente envolvidos na Primeira
a aplicar em terras, a conveniência existia. Logo, e Segunda Guerra Mundial. Vieram fugidos para
muitos se deslocaram para cá a fim de progredir um país que lhes garantia viver em paz, refugiados
e prosperar. das barbáries que as guerras impõem.

Causas da imigração no Brasil 2) Crise de superpopulação na Europa.


3) Branqueamento da população Brasileira.
1) Crise da mão de obra escrava (pressão Imigrante no Brasil: Indivíduo que entra no país
da Europa Industrial, Inglaterra, pelo fim da por livre e espontânea vontade e com objetivo de
escravidão). substituir a mão de obra escrava (negros).

Cronologia
Entrada oficial de Imigrantes no Brasil
1824
(alemães).

Imigrantes alemães entram no Brasil


1850
(segunda leva).

Entrada de imigrantes italianos no


1875 Brasil. 1908: Imigração japonesa e
judaica.

Lei das Nacionalidades/Cotas


1934 (xenófoba). Representa um freio na
entrada de imigrantes no país.

Inicia um movimento de emigração no


Pós-1934 país que ganhará força após a Segunda
Guerra Mundial.

Competência 2 | 99
ENTRADA DE ESTRANGEIROS NO BRASIL

Imigrantes Brasil Rio Grande do Sul


• Parte superior da Serra
• Sul + SE • Caxias do Sul
• SC – Vale do Itajaí (50 km Rio) • Bento Gonçalves
Italianos (1875) • TUCA (Tubarão, Urussanga, • Garibaldi
Criciúma, Araranguá – Vale Rio • São Marcos
Tubarão) • Veranópolis
• Bom Jesus
• Porto Alegre
• Campanha
• Todo Território Nacional
Portugueses • Litoral
• Principalmente faixa litorânea
• Pelotas
• Rio Grande
Japoneses • São Paulo • Ivoti (flores)
(pimenta do reino • Paraná • Porto Alegre (Belém Novo – pêssego, uva,
e juta) (1908) • Pará ameixa)
Vale de Rios
• Rio dos Sinos (Novo Hamburgo, São Leopoldo,
Campo Bom, Sapiranga)
• RS • Rio Caí (Feliz, Portão, Montenegro, São
• SC (1829 – São Pedro de Alcântara) Sebastião do Caí)
Alemães (1824;
• ES • Rio Taquari (Estrela, Lajeado, Teutônia)
1850)
• Vale do Itajaí e NESC (Joinville, • Rio Pardo (Rio do Pardo, Santa Cruz, Venâncio
Jaraguá do Sul) Aires)
• Paranhana (Taquara, Igrejinha, Três Coroas,
Parobé)
• NW RS (Santa Rosa, Ijuí)
• Todo território nacional • Porto Alegre
Espanhois
• Região da Campanha

Outras nacionalidades:
Eslavos: Russos, Poloneses, Ucranianos, Iugoslavos – PR (Curitiba).
Árabes: SP, PR (Foz do Iguaçu), SC (Floripa). Desenvolveram a atividade do comércio.

Imigrantes libaneses

100 |
Principais países onde têm mais brasileiros (emigrantes) vivendo):
1) Estados Unidos da América.
2) Paraguai.
3) Japão.

Ponte da Amizade. Divisa entre Brasil e Paraguai.

O novo presidente norte-americano, o


republicano Donald Trump, eleito em 2016,
pode encerrar o sonho de muitos brasileiros
de "ganhar a vida nos EUA". Ainda em
campanha evidenciou que anulará as ordens
executivas de Barack Obama, que vetam
a expulsão dos jovens imigrantes ilegais
que chegaram ao país ainda crianças (os
chamados "dreamers", ou "sonhadores"),
e dos pais de cidadãos americanos ou de
filhos com status legal. "Manteremos as
famílias unidas, mas eles têm que ir embora",
ressaltou Trump, em entrevista. "Ou temos
um país ou não temos um país", prosseguiu o
milionário.
O cálculo estimado é o de que hoje vivem
mais de 11 milhões de imigrantes ilegais nos
Estados Unidos.

Competência 2 | 101
Migrações Internacionais
Migrações planetárias

Rota dos imigrantes do século XIX e no início do século XX

102 |
Principais fluxos migratórios no final do século XX e no início do século XXI

Competência 2 | 103
Migrações Internacionais atuais

Migrações planetárias

104 |
Competência 2 | 105
Migrações internas
RS ─ Oeste SC Fatores de Repulsão Fatores de Atração
Intrarregionais
Sertão (NE) ─ Zona da Mata Grande concentração
Melhores condições
RS ─ RO, MT, MS... de terra nas mãos de
Interregionais de vida
NE ─ Sudeste poucos
Falta de política para
o pequeno e médio
Tipologias de migrações internas produtor.
Nomadismo: Migrações internas de indivíduos Subsídios agrícolas Emprego
sem residência fixa. (governamental),
Exemplo: Ciganos (Europa Oriental), Pastores dos principalmente
desertos do Oriente Médio (Oásis). cultivo de exportação
Relações capitalistas
Ensino
Transumância: Causada por fatores físicos, de produção
naturais e/ou climáticos, cíclico, sazonal e/ou Mecanização no
periódico. campo tecnologia/ Saúde
Exemplo: Pastores das altas montanhas da Europa automação
e Ásia (Planícies; Vales). Falta de assistência
social (ensino/ "Fascínio urbano"
Sertão nordestino  Zona da mata educação)

Pendular ou Diário: Movimento que se repete a


cada 24 horas.
Exemplo: Cidade – cidade, Cidade – campo (boia
fria), campo – campo.

Êxodo Rural: Campo – Cidade (definitivo); (Rural)


– (Urbano).

Economia subdesenvolvidos
Décadas Rural % Urbana %
1930 70 30
1970 45 55
1991 24 76
2000 19 81
2010 13 87

Observação: A migração Urbana  Rural, no


Brasil, em 1970, só ocorreu na Região Sudeste.

106 |
Migrações brasileiras

Competência 2 | 107
Habilidade 9
Comparar o significado histórico-geográfico das organizações
políticas e socioeconômicas em escala local,
regional ou mundial.

O que chama a atenção, nessa habilidade, é a comparação entre as organizações políticas


em escala local, regional ou mundial. Uma organização política pode ser entendida como
qualquer organização entre pessoas que busquem resolver um problema coletivo. Quando
tropas brasileiras desembarcaram no Haiti, em 2004, tivemos a oportunidade de observar
as consequências de uma determinada organização política mundial. Quando vimos
policiais da Guarda Nacional desembarcarem em Porto Alegre/RS, em 2016, tivemos a
oportunidade de observar as consequências de determinada organização política regional.
E quando um(a) cidadão(ã) se reúne com seus vizinhos e suas vizinhas para decidir no que
se investirá com o orçamento mensal do condomínio, temos um exemplo de organização
política local.
O interessante é notar o aspecto micro e macroestrutural da política. Declarar guerra
é política; deixar um recado embaixo da porta do vizinho também é. Invadir um país é
política; não respeitar o horário de silêncio também é. Votar para presidente(a) é política;
candidatar-se para falar, com os(as) professores(as), em nome da turma da escola também
é. Ir a protestos é política; opinar na reunião de condomínio também é. Defender ou atacar
uma PEC (Propostas de Emenda à Constituição) é política; respeitar um(a) aluno(a) ou
um(a) professor(a) em sala de aula também é. Ter segurança para se expressar em um
plenário é política; pensar no(a) próximo(a) também é.

108 |
O homem é um ser político e social por natureza. As organizações políticas surgem para regular
A busca por direitos coletivos e individuais, as ações humanas no coletivo e também com o
melhores condições de vida são exercícios de objetivo de permear as ações em escalas locais
política desenvolvidos pelo homem. Desde a regionais ou mundial.
Grécia Antiga há pensamento e atuação políticos
e, a partir de Platão, com sua obra A República, Cada organização política ou econômica surge
houve abertura para debates sobre como uma dentro de seu contexto histórico-geográfico,
comunidade política deve funcionar. Contudo, e somente dentro desses contextos é que
a questão fundamental perdura até hoje: como poderemos entendê-las.
devemos viver juntos? Como isso é possível?
OEA, ONU, OTAN, GATT, Blocos Econômicos, ou
É imprescindível que as pessoas entendam a mesmo instituições nacionais ou regionais devem
política como vital, pois há concordância geral ser compreendidas nos seus aspectos geopolíticos
de que as leis sejam justas para todos, que não e dentro da correlação de forças do momento.
sejamos oprimidos por grupos específicos, que
a responsabilidade por escolhas políticas devem Esta habilidade tem como proposta principal
ocorrer e que haja clareza em relação aos nossos analisarmos o contexto da criação das organi-
direitos e deveres. zações e seus objetivos.

Competência 2 | 109
Política
 Esta nomenclatura já foi utilizada para várias coisas, transformando-se
em conceito amplo. Pode-se chamar de "Política": a doutrina do direito e
da moral; a teoria do Estado; a arte ou a ciência de governos; o estudo
de comportamentos subjetivos.

Existem filósofos, historiadores, cientistas que


desenvolveram teorias que ainda hoje são O primeiro conceito de política surgiu com
seguidas pelos Estados Nacionais. Vamos dar uma Aristóteles, em sua obra Ética. Para ele, o bem
"pincelada" em questões primordiais de alguns supremo só pode pertencer a uma ciência, a
deles para melhor entender as ações políticas mais importante: "Essa ciência parece ser a
da atualidade. política. Com efeito, ela determina quais são
as ciências necessárias nas cidades, quais as
O legado de Platão, para a cultura ocidental, é
que cada cidadão deve aprender, e até que
extenso e extremamente profundo. A República,
ponto" (v. I, 2, 1094 a 26). Para Aristóteles,
é, talvez, sua obra mais lida e estudada, e
a política tem duas funções: (1) descrever
contribui de forma gigantesca ao entendimento
a forma de Estado ideal; (2) determinar a
de "o que é conhecimento" e de política. Para
forma do melhor Estado possível em relação a
Platão, a investigação ordenada dos fundamen-
determinadas circuntâncias.
tos da conduta humana devem ser pressupostos
para a ação política, e que esta deveria ser
guiada pela verdade, harmonia, justiça e beleza.
e prejudiciais aos governos. No Príncipe, sua
Isso é entendido como algo utópico e um ideal
obra mais famosa, ele fala sobre isso: "E muitos
não alcançável, justo por isso pensa-se que a
imaginaram repúblicas e principados que nunca
construção de ideologias como a do Partido
foram vistos nem conhecidos como existentes.
Comunista e a do Bloco de Esquerda estejam
Porque é tanta a diferença entre como se vive e
ligadas ao seu pensamento.
como se deveria viver, que quem deixa o que faz
Maquiavel repudiava as ideias de Platão. Além pelo que deveria fazer aprende mais a arruinar-se
de considerá-las utópicas, dizia serem inúteis do que a preservar-se, pois o homem que em tudo

110 |
queira professar-se bom é forçoso que se arruíne
em meio a tantos que não são bons. Donde ser
necessário ao príncipe que, desejando conservar-
se, aprenda a poder não ser bom e deixar de sê-lo
ou não, segundo a necessidade".
Na política contemporânea, os partidos políticos
se utilizam tanto das ideias de Platão quanto das
de Maquiavel para o estabelecimento de ações
polítcas. Rosseau vem na sequência, com sua
teoria de Estado de Direito, que afastou o Estado
e a política em relação aos cidadãos, contrariando Contudo, hoje estamos conectados com o
Aristóteles, que concebia o ser humano como um mundo em tempo real, assistindo guerras e
"animal político". O Estado de Direito acabou destruições on-line, ações injustas e terríveis
somente criando uma "classe política" que se desmascarando, a liberdade dos cidadãos
está na base das religiões políticas modernas, e sendo seriamente ameaçada e não podemos
excluiu da política a religião na sua verdadeira ficar indiferentes a isso. Somos seres políticos,
interpretação: transcedental e pré-política. Logo, vivemos em sociedade, e precisamos entender
o Estado de Direito acabou por criar confusão e as pessoas e suas dificuldades em termos globais,
fez com que as teorias de Platão e de Maquiavel, e aos seus desafios enfretados diariamente. A
mesmo que antagônicas, se estreitassem. A partir política é a arte criada para assegurar a liberdade
do movimento revolucionário de 1789, a classe de expressão, a defesa das individualidades,
política passou a usar, mesmo que em momentos a dignidade das pessoas e, para tanto, deve
diferentes, as duas teorias dentro de uma mesma fomentar mudanças com significado real, geral
estratégia. Com isso, a política, que já era difícil e universal.
de compreender em seus aspectos mais diferen- Essa tecnologia nos permite participação. Há
ciados, ficou mais complicada e contraditória. a sólida possibilidade de atuar politicamente,
A partir de então, a visão de mundo de cada de sermos escutados, respeitados em nossas
pessoa e suas subjetividades foram anuladas. A particularidades. A noção política de Aristóteles
elite política fala em nome de todos, alienando os se engrandece, sai da poeira: somos animais
seres e seu entendimento particular de mundo, políticos. Podemos e temos possibilidades de
transformando a teoria de Rosseau em uma uma democracia direta, justo porque saímos do
pseudodemocracia. anonimato. Podemos falar, agir e sermos vistos.

Estátua de Platão em bronze

Competência 2 | 111
Esparta e Atenas: cidades-Estado gregas
Pólis significa cidade-Estado, e
as cidades-estado, à medida que
aumentavam, podiam chegar a
constituir nações ou impérios.
Na Grécia Antiga, as pólis se
localizavam geograficamente no
ponto mais alto da região, e duas se
destacaram: Esparta e Atenas. Além
da área urbana, as pólis abarcavam
e detinham o poder sobre a vida
pública de certos territórios e,
geralmente, estavam protegidas por
uma fortaleza.
Dentro dos limites de uma pólis
ficavam a Ágora (local em que
cidadãos livres discutiam e elaboravam as leis relativas à cidade) e a Acrópole (fortificação na qual
ficavam monumentos, templos e palácios dos governantes), além dos espaços urbano e rural.

Esparta
A cidade de Esparta ficava em uma região de difíclil e o militarismo eram determinantes para os
acesso, cercada de montanhas. Como não tinha espartanos. A educação espartana se baseava em
saída para o mar, acabou por não desenvolver transformar seus cidadãos em bravos guerreiros,
o comércio marítimo. Esparta estava mais e foi por meio da guerra que eles conquistaram
próxima de uma cidade militar, pois as guerras diversos territórios.

112 |
A sociedade era dividida em três grupos: (1) os esparciatas,
descendentes dos dórios, e os únicos a terem direitos políticos;
(2) os periecos, descendentes dos aqueus, que desenvolviam
tarefas ligadas ao comércio e artesanato e que, em épocas
de guerra, eram convocados para o serviço militar; e, (3) os
hilotas, escravos de guerra, que eram servos do Estado e tinham
também por função trabalhar nas terras dos esparciatas.
Os hilotas tinham vida miserável, pois estavam expostos à
violência e eram designados a todas as atividades possíveis.
O poder político tinha por modus operandi manter o privilégio
da camada dominante.

Atenas, Parthenon

Atenas • Escravos: prisioneiros de guerra e pessoas con-


denadas por dívidas. A vida dos escravos era
Atenas foi fundada pelos jônios, sendo que a
muito difícil. Trabalhavam em minas de prata,
população sobrevivia por meio da agricultura, da
em atividades domésticas e até se prostitíam. As
pesca e do comércio marítimo.
fugas eram frequentes.
A sociedade era formada por:
A educação do povo era o principal valor dos
• Eupátridas:os ‘bem-nascidos’, tinham privi- dirigentes de Atenas. O equilíbrio entre corpo e
légios, eram os grandes proprietários de terras. mente era priorizado, e a cidade se transformou
• Geomores: pequenos proprietários de terras. em centro intelectual e cultural na época. Lá surge
a Filosofia e a Democracia, e as ideias geradas
• Demiurgos: comerciantes e artesãos.
em Atenas transcedem e chegam ao Ocidente,
• Metecos:estrangeiros que moravam em Atenas tornando-se fundamentais para a constituição de
e se dedicavam ao comércio e ao artesanato. nossa cultura.

Competência 2 | 113
Roma antiga

A cidade de Roma, posicionada em local estra- Monarquia


tégico ─ no centro da Península Itálica ─ promoveu
Esta foi a forma de governo adotada em Roma
a origem da mais importante e influente sociedade
até o século VI a.C. Durante a Monarquia, Roma
ocidental. Esse povo deixou uma herança extensa
teve sete reis, sendo que o monarca detinha os
como idiomas, visão estética, formas de fazer
poderes executivo, judicial e religioso. Havia um
política e de governar que, até hoje, são refe-
conselho de anciãos que formava o senado, e
rência para a nossa sociedade.
este detinha o poder legislativo, que aprovava ou
A escolha da região em que Roma foi fundada não as leis concebidas pelo rei.
foi estratégica. O local tinha solo fértil, fazendo
Neste período os etruscos invadiram Roma,
com que a produção de alimentos fosse fácil e
dominando a cidade por cem anos, e eles é quem
abundante. Outro fator foi a distância de bons
determinavam qual seria o rei. No ano de 509 a.C.
portos, ou os mais usados por outras civilizações,
os romanos conseguiram derrubar o rei etrusco,
fazendo com que ficasse isolada. Esses aspectos
Tarquínio, o Soberbo, e alteraram a forma de
eram de extrema importância, pois os romanos
governo para República, descentralizando as
eram conquistadores por natureza, e acabaram
esferas de poder.
por transformar a cidade em um império de
imensas proporções, que deixou marcas profun-
das na história política e militar da antiguidade.
A Roma antiga experimentou formas diferentes República
de governo: a Monarquia, a República, o Império, Neste início de período, a sociedade romana
e, posterior à queda deste último, transformou- estava dividida nas classes de Patrícios, Clientes,
se em pequenos reinos que, mais tarde, fariam Plebeus e Escravos. Foi durante a República que
parte do mundo medieval. o senado romano ascendeu, detendo o poder

114 |
legislativo, administrativo e militar do governo; tinham cidadadia romana; comunidades que
cuidavam, também, das finanças públicas. Já o não possuíam cidadania romana completa (os
poder executivo ficava a cargo dos cônsules e que não podiam votar nem ser votados); aliados
tribunos da plebe, sendo importante frisar que os autônomos, que faziam aliança com Roma.
plebeus sempre lutaram por maior participação Suas estratégias iam além da montagem de um
na política por almejarem melhores condições exército. Criaram estradas por toda a península
de vida. ibérica, desenvolveram armas, eram exímios na
Este anseio dos plebeus e a decadência social arte de montar acampamentos e de construir
e econômica, originou um conflito entre os fortificações. O condicionamento às regras
plebeus e os patrícios com longa duração ─ impostas pelo poder militar era baseado em
quase duzentos anos. Mesmo diante disso, punições severas ou até decapitações para quem
os romanos conquistaram praticamente toda não fosse "disciplinado".
Península Itálica. Partiram para o Mediterrâneo e As conquistas seguidas tiveram forte impacto
guerrearam contra Cartago por mais de cem anos em Roma, que sofreu grandes transformações
e, sem demora, ocuparam a Península Ibérica, a sociais, econômicas e políticas. No plano social,
Gália e o Mediterrâneo Oriental. o desemprego aumentou em função do uso
Ato contínuo às conquistas era transformar de prisioneiros de guerra como escravos. Os
os territórios ocupados em províncias, cujos pequenos proprietários de terra tiveram de
cidadãos, em posição de servilidade, eram obriga- migrar para cidades, pois, com o surgimento da
dos a pagar impostos ao governo de Roma. mão de obra escrava, a concentração das terras
foi para as mãos da aristocracia.
O exército de Roma era extremamente bem
montado, e acabou por ser reconhecido como Em termos econômicos, novos comerciantes
imbatível, pois as estratégias, o armamento, o despontaram e alguns militares enriqueceram
vestuário, o rigor com que treinavam e elabo- por meio de cobrança de impostos, fornecimento
ravam as guerras eram tremendos. Os militares de alimentos para o exército, construção de
eram constituídos por: cidadãos de Roma, dos pontes e estradas e toda a sorte de mantimentos
territórios, das colônias e das tribos latinas que e necessidades que precisavam ser supridas.

Competência 2 | 115
Império de uma conspiração armaram seu assassinato
apoiados por outros sessenta senadores.
Caio Julio César (100 a.C. a 44 a.C) era ditador
e tinha o apoio do senado, e, como tinha Otávio foi o fundador do Império Romano e seu
suporte também do exército e dos plebeus primeiro imperador, governando de 27 a.C. até
urbanos, começou a ampliar seus títulos, que sua morte em 14 d.C. Suas conquistas militares
eram concedidos pelo senado. Transformou- o ascenderam politicamente e o senado lhe
se em Pontífice Máximo e, com isso, tornou-se deu o título de "Augusto", ou o "escolhido
Ditador Perpétuo (detinha poder de reformar pelos deuses". Com vasto poder em mãos,
a Constituição), Censor Vitalício (escolhia sena- Otávio Augusto iniciou extensa reforma nas
dores) e Cônsul Vitalício, além de comandar o instituições e nos costumes romanos. Reduziu
exército tanto em Roma quanto nas províncias. o poder dos magistrados, iniciou o controle das
Com tal poder em mãos, realizou reformas divisas arrecadadas dos impostos, criou um
que conquistaram apoio popular. Acabou sistema de correio para estar a par de todos
com as guerras civis, construiu obras públicas, os acontecimentos em toda extensão de seu
reogarnizou as finanças, tornou obrigatório império. Reorganizou as ordens sociais, financiou
que proprietários empregassem homens livres, obras artísticas, estipulou alto sentido à família
fundou colônias, reformou o calendário dando e à sua solidez, sendo que as mulheres adúlteras
seu nome ao sétimo mês, introduziu o ano eram punidas. Incentivou a ocupação dos espaços
bissexto, estendeu cidadania aos habitantes das rurais em função dos inchaços nas cidades.
províncias, começou a nomear governadores e Otávio reformulou o exército romano, profis-
fiscalizar seus governos para que não roubassem sionalizou os soldados, cedendo recompensa
e usurpassem as províncias. financeira ou porções de terras. Com isso,
Contudo, Cássio e Brutos, senadores romanos, des- solidificou a hegemonia territorial com os povos
contentes com a tirania de Julio César, por meio de fronteira. Foi o responsável pela Pax Romana.
Estátua de Otávio Augusto

Estátua de Julio César

116 |
Idade Média e o feudalismo
 FEUDO tem origem germânica, e significa o direito que alguém possui
sobre um bem, geralmente a terra.

Na Idade Média o "senhor feudal" tinha direito a terras ou renda, que


eram concedidas por um senhor a um vassalo, em troca de trabalho.

No momento em que o Império Romano impostos dos camponeses. Os membros da Igreja


entrou em crise, justo pelo enfraquecimento do Católica formavam o clero, e este era, talvez, o
sistema de produção baseado no escravismo, maior poder na sociedade, pois detinha acesso
surge o feudalismo. Este abalo culminou com as ao conhecimento, espalhava dogmas e, com
"invasões bárbaras", ou germânicas, fazendo com isso, orientava o comportamento das pessoas.
que muitos senhores romanos abandonassem Era isento de impostos e arrecadava o dízimo.
as cidades e fossem se refugiar no campo. Tais Os servos e pequenos artesãos formavam a
centros rurais, popularizados como vilas romanas, camada dos camponeses. Os servos eram os mais
originaram os feudos medievais. Romanos que massacrados e com o maior número de taxas e
não detinham muito capital, se viram obrigados impostos a serem pagos.
a se unir a esses senhores, trabalhando para eles. A agricultura era a base da economia, dominada
Contudo, para usufruírem das terras tinham a pelos feudos, contudo em função das técnicas
obrigação de dar ao proprietário parte do que incipientes agrícolas da época, a produção era
produziam. baixa. O escambo (trocas) eram comuns nessa
época. O artesanato também gerava receitas.
Estrutura política do feudalismo
No sistema feudal, o rei concedia terras a grandes
senhores (suseranos), e estes davam a outros com
menor poder (vassalos). Suseranos e vassalos
tinham obrigações mútuas, fixadas por um
juramento de fidelidade. Quando um vassalo era
investido na posse do feudo pelo suserano, jurava
prestar-lhe serviços e auxílio militar. O suserano,
por sua vez, se obrigava a dar proteção jurídica e
militar ao vassalo.
Os poderes jurídico, econômico e político estavam
centralizados nos senhores feudais.

Sociedade e economia feudal


A sociedade feudal se caracterizava pela pouca
mobilidade social e tinha uma hierarquia bem
definida. Os senhores feudais, cavaleiros, condes,
duques e viscondes formavam a nobreza, que era
a dona das terras e tinha o poder de arrecadar

Competência 2 | 117
Idade Moderna e os Três Poderes
 ILUMINISMO foi um movimento
intelectual do século XVIII no
qual a ciência e a racionalidade
crítica tiveram papéis centrais.
O Iluminismo contestou e refutou
todos os dogmas, especialmente o
das doutrinas políticas e religiosas
tradicionais. Também é reconhecido
como século das luzes e do
esclarecimento.

Desde Platão e Aristóteles, um dos propósitos


de filósofos, pensadores, teóricos era o de
obter um padrão estatal que não fosse tirano,
que fugisse do absolutismo, que não ficasse
preso nas mãos de um ou de poucos, mas, sim, O filósofo e político francês Charles Montesquieu foi o grande
justo e democrático, promovendo igualdade de sistematizador do modelo dos Três Poderes

direitos entre as pessoas. No século XVIII, com após a reforma protestante. Um dos monarcas
o surgimento do Iluminismo, este pensamento absolutistas (figura que detinha poder absoluto)
cresceu e tomou forma principalmente por meio mais falado é Luis XIV, e este costumava dizer:
de Charles Montesquieu, com sua obra O Espírito "O Estado sou eu". O monarca atribuía funções
das Leis (1748). aos encarregados de legislar, executar e ajuizar,
mas tudo deveria ser conforme seu desejo. A
Montesquieu criou o modelo dos Três Poderes
população eram os chamados súditos, ou seja,
amparado por pensamentos de intelectuais que
submetidos ao poder real.
analisavam o social desde séculos anteriores até
sua época. Buscando a essência de cada tipo de Com o passar dos séculos e estando as guerras
poder introduzido nas sociedades, sua essência, civis sob controle, houve a ascenção da burguesia.
relacionando leis e a natureza em si, criou este Os súditos passaram a ter acesso a livros, a
modelo claro e definitivo, que evidenciava que esclarecimentos. Começaram a ter pensamento
todo Estado democrático deveria ser identificado crítico em relação à política principalmente,
pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. e, em reuniões privadas, com intelectuais e
O cerne desta teoria se caracterizava pela filósofos podiam expor suas ideias no que tange
referência de que um poder seria autônomo à participação política dos cidadãos, à conquista
em suas atribuições, mas poderia intervir, se da dignidade e ao repúdio ao poder reinante, o
necessário, no outro. Concentrava, então, uma absolutismo.
proposta de equilíbrio e melhor estruturação nos A Revolução Francesa foi o apogeu das ideias
governos estatais. dessas pessoas. Entretanto, para que realmente
Na Europa, desde o século XVI até o século XVIII o os súditos se tornassem cidadãos, a participação
Estado Absolutista Moderno era o poder reinante. de Montesquieu foi decisiva, pois era preciso
Surgiu para conter guerras civis que explodiram acabar com o modelo absolutista.

118 |
Monarquia
 MONARQUIA: regime político comandado por um
monarca (rei, imperador, príncipe, etc.) que exerce o
poder de modo hereditário e vitalício. O local onde
o monarca vive e trabalha é chamado de corte,
e os cidadãos de uma monarquia são os súditos.
Este sistema de governo predominou em todas as
sociedades até o final do século XIX; a partir daí a
República passa a ser a opção da maioria dos países.

As monarquias existem desde o início das civili- absoluta é menos comum do que a monarquia
zações. Alguns povos, como os egípcios, na constitucional (ou limitada). Nesta, o país é admi-
Antiguidade, viam seu monarca como um ser nistrado por um governo eleito, e o monarca tem
divino ou até mesmo um deus. Na Idade Média, pouco poder.
em certo momento, o grande poder ficou a cargo A Primeira Guerra Mundial também pôs um final
da Igreja Católica, que atuava como uma enorme a muitas monarquias europeias (a alemã, a russa,
monarquia. Então, muitos monarcas europeus, a austro-húngara, por exemplo). Mas, muitos
aproveitando-se da boa fé do povo, afirmavam países ainda conservam o tipo de monarquia
que seu poder vinha diretamente de Deus. constitucional, como o Reino Unido, a Espanha,
A maioria das monarquias era absolutista, a saber, Suécia, Holanda, Jordânia, o Marrocos, Japão
o rei desfrutava de total poder sem a possibili- e outros. Também existem monarquias de tipo
dade de oposição de qualquer pessoa. Isso mais autoritário ainda em vigência no Oriente
porque esses monarcas contavam com riquezas, Médio e na África.
exércitos e a adoração do povo. O Brasil foi uma monarquia de 1822 a 1889,
Entretanto, a partir do século XVIII, um enorme quando o imperador sofreu um golpe militar sob o
número de pessoas passou a ver os monarcas comando do marechal Deodoro da Fonseca. Fora
como tiranos e desumanos. Os americanos, em o Brasil, no continente americano apenas o Haiti e
1776, formaram uma república, libertando-se da o México tiveram, por curto tempo, experiências
monarquia britânica. Em 1789, desencadeou-se a monárquicas, também no século XIX.
Revolução Francesa, que destituiu a monarquia Os regimes monárquicos perdem espaço quando
e transformou a França, também, em uma repú- as ideias de cunho humanista, voltadas ao
blica. Contudo, em 1799 Napoleão Bonaparte pensamento crítico e com valores até então em
conseguiu tombar tal governo e instituiu outro, latência se sobressaíram. Regimes democráticos
o Consulado, declarando-se líder. Em 1804 se representativos da vontade do povo era o novo
autoproclamou imperador da França. Nos setenta modelo. As discussões e o conhecimento não
anos posteriores, imperadores e reis detiveram o mais estava à disposição de poucos, havia a
poder da França e, somente em 1871, a república possibilidade de pensar sobre os problemas de
retornou, em definitivo. modo mais claro e em conjunto. Acabavam-se
Os tipos de monarquias são muitos. Na absoluta, o os tempos de poder absoluto, transformando o
monarca tem poder ilimitado. Hoje, a monarquia mundo em um lugar mais justo para se viver.

Competência 2 | 119
Parlamento Europeu

Parlamentarismo
 Uma forma de governo na qual o parlamento (poder legislativo) dá sustentação
política (direta ou indireta) para o poder executivo. Logo, o executivo tem
necessidade direta do parlamento para goernar. O poder executivo fica a cargo,
normalmente, de um primeiro mininstro, também chamado chanceler.

A consolidação do parlamentarismo ocorreu ao No parlamentarismo, não há um tempo definido


longo da Idade Média. Iniciou na Inglaterra, com o de mandato, pois o governo pode ser interrompido
descontentamento de nobres que reivindicavam a qualquer instante pelo parlamento por meio do
maior participação política nos governos. voto de desconfiança. Quando isso ocorre, nova
Existem dois modos de parlamentarismo em eleição é convocada.
vigor: monarquia parlamentarista e república No Brasil, durante a monarquia no reinado de
parlamentarista. Dom Pedro II e, entre 1961 e 1963, durante
Na monarquia parlamentarista, o monarca exe- a presidência de João Goulart, deposto pela
cuta somente a função de chefe de Estado. Este ditadura militar, tivemos um regime parlamentar.
tem pouco poder, e representa o país, de modo Em 1993 houve um plebiscito para decidir se
protocolar, em determinadas circunstâncias. o Brasil seria uma monarquia parlamentarista,
Quem comanda, designa o ministério e governa é uma república parlamentarista ou uma república
o Primeiro Ministro. presidencialista. A última opção ganhou.

Na república parlamentarista, ou república Canadá, Inglaterra, Suécia, Itália, Alemanha,


constitucional parlamentar, o chefe de Estado Portugal, Holanda, Noruega, Finlândia, Islândia,
(presidente) não exerce poderes executivos. Bélgica, Armênia, Espanha, Japão, Austrália, Índia,
Neste tipo, quem governa também é o primeiro Tailândia, República Popular da China, Grécia,
ministro. Nos dois modos os parlamentares Estônia, Egito, Israel, Polônia, Sérvia e Turquia,
e os representantes do poder legislativo são são exemplos de países que mantêm esse sistema
escolhidos pelo povo, via eleições diretas. na contemporaneidade.

120 |
Presidencialismo

Dilma Roussef, reeleita, em 2014, Presidente do Brasil por voto direto do povo

O presidencialismo é um sistema de governo que durante sua campanha eleitoral. Contudo,


está ligado a regimes republicanos. Repúblicas nem sempre o que é planejado e apresentado
se diferem das monarquias porque não firmam durante as campanhas tem sua consolidação
a ideia de que o poder deve estar centralizado a firmada, justo porque o presidente tem o poder
uma pessoa ou família. Nas repúblicas, o poder de executar ou não o que foi prometido, sem
vem da vontade do povo e, por isso, geralmente precisar prestar contas à população, exceto no
são democracias, e os três poderes são seus que tange às finanças.
alicerces. Os ministros de Estado são designados pelo
Os três poderes são compostos pelo Executivo, presidente. Estes, são auxiliares da presidência
Legislativo e Judiciário, que são exercidos, e podem ser nomeados e exonerados a qualquer
respectivamente, pelo presidente da República, tempo pela figura do presidente. Mesmo assim,
pelo Parlamento (no caso do Brasil, o Congresso os ministros atuam como se fossem chefes
Nacional) e pelo Supremo Tribunal Federal, a de grandes departamentos administrativos,
Corte Suprema. O modo de idelização deste tipo abrangendo considerárveis responsabilidades.
de governo é pautado na harmonia entre os três Também é da ordem presidencial a escolha dos
poderes, sendo que um não deve sobrepor-se membros do Supremo Tribunal, sendo que este
ao outro, é necessário equilíbrio. Para que isso controla o judiciário. Já o judiciário determina
funcione, existe uma forma de controle entre a aplicação das leis, e pode suspender sua
todos e, também, de dependência. execução. Essa prática funciona para que haja um
O poder legislativo aprova os projetos de lei e refreamento do legislativo e do executivo.
o orçamento que determina as despesas que No presidencialismo, o chefe de Estado (símbolo
devem ser aprovadas. Mediante tais ações, exerce da Nação) e o chefe de governo (dirigente do
controle sobre os poderes executivo e judiciário. país) são a mesma pessoa, a saber, o presidente
Entretando, há possibilidade do presidente opor- da República. Em um regime presidencialista, o
se ao congresso, indeferindo o que foi aprovado. Legislativo pode ser exercido apenas pela Câmara
O presidente tem mandato temporário, sendo dos Deputados (sistema unicameral) ou por duas
que o plano de governo é apresentado ao povo casas, a Câmara e o Senado (sistema bicameral).

Competência 2 | 121
Estado brasileiro
O Brasil é uma República Federativa Presidencialista, formada pela União, pelos
estados e pelos municípios, nos quais o exercício do poder é atribuído a
órgãos distintos e independentes, submetidos a um sistema de controle para
garantir o cumprimento das leis e da Constituição.
Somos uma República porque elegemos o chefe de Estado, por período de tempo
determinado. Nosso regime também é Presidencialista, pois o presidente da
República é chefe de Estado e chefe de governo. É Federativo, porque os estados
têm autonomia política.

Brasão de Armas do Brasil, Abarcamos os três poderes, que são indepedentes mas que mantêm simetria e
um dos quatro símbolos da equilíbrio entre si. A regra brasileira para a formação de partidos é pelo sistema
República
pluripartidário, a saber, é possível formar vários partidos políticos.
Compreende-se por partido político, uma associação voluntária de pessoas que
partilham os mesmos ideais, interesses, objetivos e mesmas doutrinas políticas,
que tem como objetivo influenciar e fazer parte do poder político.

122 |
Competência 2 | 123
124 |
Habilidade 10
Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos
sociais e a importância da participação da coletividade na
transformação da realidade histórico-geográfica.

Qual seria a dinâmica dos movimentos sociais? Como reconhecemos um movimento social?
Por que algumas manifestações do interesse coletivo são chamadas de movimento social,
e outras não são? Por que o Movimento Sem-Terra é visto como um movimento social e
as torcidas de futebol não são vistas como um movimento social? O que os diferencia?
Ter uma grande quantidade de gente envolvida em uma causa seria uma característica
distintiva dos movimentos sociais? Não pode ser, afinal, enquanto no MST estão envolvidas
aproximadamente um milhão de pessoas, não há como definir quantos milhões de brasileiros
e brasileiras envolvem-se com o futebol, gastando seu dinheiro, construindo suas ideologias,
etc. E nem por isso as torcidas são vistas como um movimento social.
Talvez um traço que pertença unicamente aos movimentos sociais seja a intenção de mudança
que carregam. Cinquenta e cinco mil pessoas em um estádio, na final da copa do Brasil de
2016, não estavam ali para buscar uma mudança na organização da vida coletiva. Estavam
ali apenas para torcer; por isso, são chamadas de “torcedores”, não de ativistas sociais. Em
um estádio, temos um grupo grande de pessoas com os mesmos interesses, compartilhando
um mesmo sistema simbólico, alimentando os mesmos objetivos e valendo-se do mesmo
constructo ideológico para alcançá-los, e nem por isso se trata de um movimento social,
porque não estão ali para que a sociedade se transforme quanto à sua organização.

Na Coreia do Sul, na virada de 2016 para 2017, mais de quinhentas mil pessoas clamam pela renúncia da presidente Park Geun-hye,
sentados em frente a barcos de papel que simbolizam as vítimas de inúmeros naufrágios.

Competência 2 | 125
A dinâmica dos movimentos sociais é reconhe- da organização da vida coletiva; na verdade,
cida a partir do momento em que identificamos é de considerar que a geral do Grêmio, como
a participação da coletividade na transformação organização coletiva, tenha sua existência cada
da realidade social. Isto é, os movimentos sociais vez mais prolongada à medida que a sociedade se
são assim chamados porque buscam movimentar mantém como está.
a estrutura da vida em grupo: transformá-la. Quanto mais os valores sociais forem parecidos
Para ser um movimento social, um conjunto de com o que são hoje, mais fácil a manutenção de
pessoas precisa se organizar para que a vida comportamentos de idolatria e fanatismo como
coletiva seja diferente do que é, propondo uma os protagonizados pelas torcidas organizadas
nova forma de gerenciamento em algum setor do Brasil inteiro. Viagens homéricas, dedicação
social (ou em todos). O movimento feminista, por quase integral, comportamentos extremos,
exemplo, é um movimento social na medida em agressões, violência, invasão de espaços privados,
que reconhece, na sociedade, injustiças, falhas brigas entre multidões, são exemplos das
de estruturação, desigualdades geradas por ações seguidamente provocadas pelas torcidas
problemas de pressupostos nas relações sociais. brasileiras. Mesmo com tanto “engajamento”,
O feminismo se move para que a estrutura da não podem ser chamadas de movimento social.
sociedade seja diferente do que é atualmente: Para que consigamos reconhecer a dinâmica
machista. A “objetificação” do corpo feminino, dos movimentos sociais, precisamos entender
os crimes sexuais, a cultura do estupro, a que a engrenagem da sociedade é o conflito dos
desigualdade salarial, os assédios morais, as interesses. Os movimentos sociais revelam sua
agressões físicas, os feminicídios são alguns dos dinâmica ao manifestarem a vontade coletiva
exemplos de problemas coletivos causados pela em busca de mudanças na realidade histórico-
cultura machista alimentada pela maior parte geográfica.
das populações do planeta. Considerando o
Nesta habilidade, a proposta do ENEM é
feminismo como uma série de práticas sociais
estudarmos os movimentos sociais que provo-
(geradas por um mesmo corpo ideológico) que
caram rupturas sociais, como os socialistas da
diminuem as desigualdades promovidas pelo
Rússia nas primeiras décadas do século XX, a
machismo, podemos chamar o feminismo de
burguesia francesa, no contexto da Revolução
movimento social. liberal naquele país, até então uma classe sem
No entanto, não podemos dizer que a "geral" do poder político, os jovens revolucionários cubanos,
Grêmio seja um movimento social, já que o que as em sua luta contra o imperialismo norte-
pessoas ali envolvidas buscam não é a mudança americano, na década de 1950, entre outros.

126 |
Movimentos sociais
 Ação coletiva de grupos que almejam mudanças que reflitam
em toda a sociedade na qual estão inseridos.

Os movimentos sociais normalmente refletem a Para uma sociedade civil, valer-se de movimentos
vontade da maioria das pessoas que constituem sociais é de suma importância, pois é uma das
dada sociedade ou classe social, e ocorrem formas mais eficientes de demonstrar indignação
quando o descontentamento em relação a algo frente a fatos e de reivindicar outro modo de
atinge patamares muito altos. Seus propósitos política, de estrutura econômica, ou qualquer
são evidentes e buscam mudanças significativas, outro fator que atinja a maioria das pessoas de
seja no estado atual político de sociedades, de forma negativa.
classes de trabalhadores ou no que se refere a Existem inúmeros movimentos sociais, que não
comportamentos que comprometam a integri- necessariamente os de ruptura de um status quo,
dade e a dignidade das pessoas, ou, até mesmo, mas que são valiosos para uma nova percepção do
que possam causar mortes. homem em relação a atos e pensamentos injustos.
Contudo, antes de opinar, sugerir ou interferir Como exemplos, temos os movimentos negro
em casos de união de massas, é necessário (contra o racismo e segregação racial), estudantil,
conhecer e compreender as estruturas sociais feminista, ambientalista, contra a homofobia,
onde os movimentos ocorrem, pois os valores, as separatista, marxista, entre tantos outros. Alguns
crenças e o modo de agir são característicos das desses movimentos chegam a romper fronteiras
sociedades, de seu estado particular. No entanto, geográficas, como o do Greenpeace, por exemplo,
simplesmente arrefecer diante de atrocidades que tornou-se um movimento ambientalista forte
que possam, em algum lugar, estarem sendo e com atuação em todo o mundo.
praticadas sem tentar mudanças que erradiquem É importante deixar claro que os movimentos
esse mal, é imperdoável. Temos a possibilidade sociais que exigem mudanças essenciais são
de nos apoiar em organizações sociais mundiais constituídos mediante organização prévia, e
que existem para este fim, que é o de auxílio à contam com pessoas que foram cativadas pela
pessoas em extremas dificuldades seja no campo causa, que defendem os mesmos ideais. Logo,
político e social, por exemplo. os movimentos sociais não se restringem a
Os movimentos sociais nada mais são do que o manifestações públicas eventuais, mas estão
disparo de algo que estava latente, a explosão organizados e focados para alcançar seus obje-
de conflitos já existentes. São uma ferramenta tivos, e isso pode levar períodos grandes, de lutas
extremamente valiosa para mudanças reais. intensas ou não.

Revolução Francesa – Burguesia com caráter revolucionário

Competência 2 | 127
Lutas dos escravos e o fim da escravidão no Brasil
Desde o início da escravidão já existiam as
lutas dos escravos para acabar com essa
prática cruel. Não havia simplesmente uma
resignação dos escravos ao fato de estarem
atrelados às ordens e vontades dos seus
senhores: eles sonhavam e lutavam com a
liberdade. Tais movimentos de luta foram
caracterizados, principalmente, pela for-
mação de quilombos, locais de refúgio de
escravos que fugiam das fazendas, sendo o
mais famoso deles o Quilombo de Palmares.
Como a escravidão era o eixo que movia
a sociedade colonial e imperial brasileira,
sendo que algumas ocorreram e outras foram
as lutas dos escravos representava perigo
impedidas pela polícia.
iminente, que não poderia ser tolerado, pois
a sociedade poderia sofrer sérios revezes eco- Cada vez mais crescia, em alguns líderes nacionais,
nômicos se tais movimentos viessem a crescer. o sentimento abolicionista, e, em 1850, a Lei
No entanto, as fugas e reivindicações dos escravos Eusébio de Queirós proibiu o tráfico de escravos.
não se restringiam à busca pela liberdade, ou A lei do Segundo Reinado atendia a um interesse
à ruptura desta condição, muitos almejavam da Inglaterra e foi fundamental para dar início ao
melhorias dentro da sua condição escravista, completo processo de abolição da escravatura
como melhores condições de trabalho, mudança no país. Em 1871, com a Lei do Ventre Livre, que
de feitores que eram extremamente bárbaros e considerava livre todos os filhos de mulher escrava
desumanos, permissão para folgas, para festas, nascidos a partir da data da lei, intensificaram-se
para cantorias. O caso mais célebre dessas os movimentos de luta dos escravos para a sua
reivindicações ocorreu no Engenho Santana, na liberdade.
região de Ilhéus, na Bahia, no ano de 1789. Em 1885, mais de cem escravos da fazenda
Os quilombos que eram construídos próximos das Cantagalo, em Campinas, São Paulo, fugiram em
cidades também auxiliavam no futuro rompimento direção à cidade gritando "Viva a liberdade".
desse estado das coisas, pois habitantes das Todos esses fatores contribuíram para que,
cidades que eram solidários à causa auxiliavam finalmente, em 1888, a ruptura do sistema
esses escravos fugidos em pequenos comércios escravagista fosse realidade, pois a elite
que lhes permitiam a sobrevivência. brasileira temia que os movimentos de luta se
As rebeliões também foram um tipo de luta transformassem em algo maior, mais abrangente,
realizada por escravos. No início do século XIX, na e isso poderia abalar a estrutura política e
Bahia, cerca de trinta rebeliões foram tramadas, econômica brasileira.

128 |
A Revolução Mexicana e a reforma agrária

Diego Rivera, artista plástico mexicano, dedicou à Revolução Mexicana vários murais. Neste, homenageia Emiliano Zapata, principal
líder camponês da Revolução. Museu virtual do artista: <http://www.diegorivera.com>.

Lutas como as greves na região mineira de O México foi comandado pelo general Porfírio
Cananea, Sonora, e de Rio Branco, Vera Cruz, em Díaz de 1877 a 1911, tomado por meio de golpe
1906, que pleiteavam oito horas de jornada de militar. Neste período, houve uma integração
trabalho, regulamentação de salários mínimos, do país com os Estados Unidos, que controlava
indenização por acidentes de trabalho, concessão a exploração dos recursos minerais, a atividade
de pensões, tornar o domingo dia obrigatório de ferroviária e a financeira. O "porfiriato", como
descanso e a abolição das lojas das propriedades era conhecido o governo do general, tinha apoio
que mantinham os trabalhadores sempre endivi- dos grandes proprietários de terras, que eram
dados, foram os movimentos precursores da beneficiados pela exploração da mão de obra
Revolução Mexicana de 1910. subserviente.
Essas reivindicações dos trabalhadores, mais as Com o investimento do país em indústrias de
lutas dos camponeses que tinham por objetivo bens de consumo como bebidas e alimentos,
reaver as terras que, tradicionalmente, eram das surgiu uma pequena e incipiente burguesia
comunidades indígenas, culminaram no primeiro durante os trinta e três anos deste governo
grande movimento político-social do século XX: a militar, além de uma classe operária agrupada em
Revolução Mexicana. algumas cidades. Contudo, a miséria que a classe

Competência 2 | 129
camponesa era submetida, o descontentamento liberal e reformista. Também tinha o objetivo
da burguesia industrial e de outros grupos, a luta de paralisar a revolução camponesa. Em 1917, a
de lideranças socialistas, liberais e anarquistas nova constituição é promulgada por Carranza.
pela reforma agrária, pela nacionalização das Mesmo que a revolução tenha, provavelmente,
multinacionais norte-americanas e por reformas alcançado seus objetivos, Zapata é assassinado
eleitorais, culminou em uma luta armada para em 1919 e, Pancho Villa, em 1923, sendo que, a
depor o general Porfírio. partir de então, o processo revolucionário entra
Francisco Madero, um rico proprietário rural do em declínio.
norte do México foi quem assumiu a presidência, A Revolução Mexicana terminou com a vitória do
por meio de luta armada liderada pelos revolu- setor mais moderado, e serviu para fortalecer a
cionários Emiliano Zapata, do sul, e Pancho Villa, imagem explícita de um país de contrates, em
do norte. Mas, ao assumir o poder, Madero não que de um lado há fazendeiros poderosos e, de
cumpriu com o acordo de realizar a reforma outro, uma gama de índios, mestiços e brancos
agrária. Zapata dá início, então, ao Plano de excluídos do acesso à terra. As desigualdades
Ayalla, que se caracterizava na divisão de um sociais são categóricas, e os conflitos nas áreas
terço das terras mexicanas entre os camponeses, rurais ainda não foram solucionados.
de forma imediata.
Ainda hoje as terras mais produtivas e as áreas
Emiliano Zapata e Pancho Villa, ao continuar o com acesso à água são de acesso de poucos
processo da Revolução, agora se voltam contra agricultores, os que possuem mais recursos. A
Madero. Mas, o general Victoriano Huerta maior parte da terra mexicana é cultivada por
também inicia uma ofensiva militar contra ele, produtores individuais, sendo que alguns praticam
vindo a assassiná-lo, em 1913, assumindo o poder a agricultura de subsistência e, outros, já se
mediante Golpe de Estado. Em 1914, Huerta utilizam de técnicas mais modernas e conseguem
é derrubado por Carranza, um fazendeiro que explorar a agricultura comercial, se valendo de
havia se aliado à Revolução. Pancho Villa e Zapata adubos, sementes selecionadas e maquinário.
tomam o Palácio do Governo e elegem Carranza
Apenas 11,5 % das terras mexicanas são
como novo presidente.
cultiváveis, o que equivale a 23 milhões de
Esse novo governo ascende ao poder com a hectares, e, destas, somente 3,3 milhões são
proposta de compor uma nova constituição, mais áreas irrigáveis.

Emiliano Pancho Villa


Zapata

130 |
Movimento estudantil e a resistência ao regime militar
no Brasil

Em 1968, estudantes se uniram para combater o regime militar.


A foto é da Passeata dos Cem Mil, considerada a mais importante manifestação da resistência

A opressão manifestada durante o regime atitude de combate frente aos problemas que os
militar, fez com que um sentimento de revolta estudantes enfrentavam. Além dos estudantes,
transformasse as inconformidades pelas ações artistas, intelectuais, padres e inúmeras pessoas
brutas e unilaterais advindas do governo, em partidárias participaram do ato.
uma grande mobilização social. O movimento Desde o final da década de 1950, o ensino superior
estudantil universário tomou à frente, formando público passou por uma alavancada, provocada
uma aliança forte com os próprios estudantes pelo desenvolvimento industrial em que o país se
engajados e todos os cidadãos que não aceitavam encontrava. Muitas universidades e faculdades
o modo como o governo agia e se posicionava. foram criadas para atender uma grande demanda,
O movimento estudantil, marcado por sua posição e, com isso, o caminho do avanço social e mais
de oposição ao regime militar desde o ano de possibilidade de mobilidade se compunha.
1967, fez o seu mais importante protesto contra Com isso, uma gama imensa de jovens entrou
a ditadura militar em 26 de junho de 1968. Cerca no meio acadêmico, no qual se reconhece maior
de cem mil pessoas apropriaram-se das ruas da possibilidade de pensamento crítico e, com isso,
cidade do Rio de Janeiro com uma manifestação alternativas diversas de raciocínios relativos à
grandiosa contra o governo, reivindicando política e a ideologias. Muitas dessas correntes

Competência 2 | 131
ideológicas simpatizavam com os ideais marxis- Isso acirrou os ânimos e fez com que ondas de
tas, defendendo projetos de transformar a ordem repressão política ocorressem.
social. Logo, as principais bandeiras daquela época se
Ainda no início da década de 1960, algumas transformaram em luta contra o regime militar
correntes de esquerda foram criadas diante e seu uso de força abusiva. O apogeu dessas
dos problemas que o próprio sistema de ensino manifestações se deu, justo em 1968, quando
superior enfrentava. A universidade transformou- ocorre a passeata dos cem mil.
se em pontos de encontros de pessoas que Todas essas movimentações e inconformidades,
discutiam, entre vários assuntos, o papel social em vez de iluminarem a mente dos militares,
da universidade e os rumos que deveria tomar. fez o contrário: eles instituíram uma ditatura,
Com a instauração do regime militar mediante em que havia repressão por todos os meios, de
o golpe de 1964, esses movimentos foram grupos e movimentos de oposição. Entre os anos
seriamente reprimidos. Várias ações foram criadas de 1969 a 1973, a pressão política chegou ao seu
para desarticular o cerne dos envolvidos. Como limite. Foi então, que houve total desmontagem
primeira medida, a UNE foi considerada "ilegal", do movimento estudantil, e muitos estudantes
sendo seguida pelas UEEs e os DCEs. Outras ingressaram em organizações de luta armada
organizações e outras formas de representar os para derrubar o governo.
estudantes foram utilizadas a partir de então. Em 1973 houve dissolução das organizações ar-
Inconformados, os estudantes não aceitavam madas. Os movimentos estudantis começaram, de
que não estivessem à frente do controle, pois os forma tênue, a se reunir ainda na década de 1974,
problemas e tudo o que envolvia as instituições e, a partir daí, houve um laborioso trabalho para a
estudantis diziam respeito a eles próprios. reconstrução de organizações de estudantes.

132 |
Em 1977, os estudantes voltam às ruas. Ainda Contudo, o movimento estudantil já não tinha o
em período de ditadura, as manifestações eram mesmo prestígio de anos anteriores. Mesmo com
marcadas pela defesa da democracia. Pleiteavam o fim da ditadura militar, em 1985, a influência
liberdades democráticas, o fim das prisões po- social dessas movimentações tinha decaído. Em
líticas e das torturas, e anistia ampla, geral e 1992, com as passeatas pedindo o impeachment
irrestrita. Isso fortaleceu o movimento estudantil, do presidente Fernando Collor de Mello,
que, progressivamente foi se reconstruíndo. Os enchendo as ruas das cidades, essa situação
DCEs-livres e as UEEs foram implementadas e, em parecia estar em mutação. Contudo, isso ocorreu
1979, a UNE foi reconstruída. por período curto.

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