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1ª Edição — Brasil
Todos os direitos reservados
Conselho Editorial
Arthur Raposo Gomes (UFJF)
Carla Montuori Fernandes (UNIP)
Deborah Luísa Vieira dos Santos (UNIVALE)
Fernando Albino Leme (UNIP)
Luciene Fátima Tófoli (UFSJ)
Luiz Ademir de Oliveira (UFJF)
Mayra Regina Coimbra (UFJF)
Nádia Dolores Fernandes Biavati (UFSJ)
Natália Silva Giarola de Resende (UFMG)
Paulo Henrique Caetano (UFSJ)
Paulo Roberto Figueira Leal (UFJF)
Ricardo Matos de Araújo Rios (UNIPAC)
Thamiris Franco Martins (UFAM)
Vinícius Borges Gomes (PUC-MG)
Willian José de Carvalho (UFJF)
Produção Editorial
Diretor Editorial: Luís de Oliveira
Capa e diagramação digital: Helena Medeiros
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo
184 do Código Penal.
Mas quais são os motivos que nos levam a debater sobre o tema? Mais do que nunca,
falar sobre a natureza transdisciplinar da comunicação significa que ela não pode ser
compreendida de forma isolada, mas como um fenômeno que se relaciona com diversas áreas
do conhecimento, como a sociologia, a psicologia, a antropologia e a política. É nesse contexto
que esta coletânea se insere – explorando a relação entre a mídia, a sociedade e a cultura, e
trazendo estudos de caso que ilustram a complexidade e a importância desse fenômeno em
nossa sociedade contemporânea.
Por outro lado, as redes sociais e as mídias digitais emergentes, como o WhatsApp e o
Telegram, têm sido apontadas como um dos principais fatores que contribuíram para a eleição
de Bolsonaro e para o fortalecimento de seu discurso populista e anti-establishment. Essas
plataformas permitiram a disseminação em larga escala de informações falsas, boatos e teorias
conspiratórias, que muitas vezes foram reproduzidas pela grande mídia tradicional sem a devida
verificação e checagem de fatos.
No Brasil, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, a relação entre mídia e
política aponta indícios de mudança de direção, indo em contraponto do que vivemos nos
últimos quatro anos, quando Jair Bolsonaro governava o país. A grande imprensa tradicional,
que antes apoiava abertamente a agenda neoliberal e conservadora de Bolsonaro, passou a
adotar uma postura mais crítica em relação ao novo governo, especialmente em relação às
medidas econômicas e sociais propostas pelo PT.
Ao mesmo tempo, as mídias digitais emergentes parecem ter perdido parte de sua
influência, uma vez que muitos dos grupos e comunidades que apoiavam Bolsonaro migraram
para novas plataformas e redes sociais. Em seu lugar, surgiram novos grupos que, devido a
disputa nas redes nas eleições presidenciáveis de 2022 ganharam espaço no ativismo digital e
movimentos sociais que apoiaram Lula no pleito e que utilizaram a internet e as redes sociais
para mobilizar e conscientizar os eleitores, continuam atuante no aspecto de combates ao
sistema de desinformação liderado por uma extrema-direita bolsonarista.
Desse modo, a seção 1 deste livro aborda esse tema. Os capítulos apresentam estudos
sobre diversos aspectos da comunicação, incluindo ativismo digital, discurso de ódio,
linguagem teatral, cobertura jornalística, retórica do ódio, perspectiva de gênero no
telejornalismo, simbolismo na vestimenta política e cultura dos diamantes na indústria cultural.
Todos os capítulos exploram como a comunicação pode afetar e ser afetada pela questão de
gênero e a luta por igualdade de grupos minorizados.
Por mais que as plataformas de mídias digitais tem ganhado cada vez mais espaço na
contemporaneidade, a transdisciplinaridade da Comunicação está intimamente ligada aos
Estudos em Jornalismo, que buscam entender a função e o impacto do jornalismo na
sociedade. Tais pesquisas analisam questões como a ética jornalística, a construção de
narrativas noticiosas, o papel do jornalismo na formação de opinião pública, o uso de fontes e
a relação entre jornalismo e democracia. Através da análise desses temas, é possível
compreender o papel fundamental do jornalismo na sociedade e como ele pode afetar a
percepção do público sobre diversos assuntos.
Os estudos comunicacionais têm relação direta com a Cultura das Mídias, Arte e
Olimpianos, que se refere a pesquisa das práticas culturais e artísticas mediadas por tecnologias
de comunicação. Esse campo de estudo analisa como a cultura é produzida e consumida através
de diversos meios, como TV, cinema, música e a internet. Também se dedica a entender como
a cultura das mídias e a arte são influenciadas e moldadas por forças sociais, políticas e
econômicas. A relação entre a Comunicação e a Cultura das Mídias, Arte e Olimpianos permite
uma compreensão mais aprofundada da influência da tecnologia e da comunicação na produção
e consumo cultural.
A seção 6 aborda a relação entre a cultura das mídias, a arte e os chamados "olimpianos",
isto é, figuras públicas que alcançam grande sucesso e popularidade. Os capítulos dessa seção
apresentam análises de diversos casos de sucesso na mídia, incluindo o grupo BTS, a cantora
Ludmilla, o músico David Bowie, a saga Jogos Vorazes, a cantora Luísa Sonza, o casal Virgínia
Fonseca e Zé Felipe, o programa Brasil Urgente da Bandeirantes e a marca Victoria's Secret.
Os autores discutem temas como engajamento social, cultura de massa, mitos modernos,
sensacionalismo e posicionamento do consumidor cidadão em relação às marcas.
A obra como um todo apresenta uma abordagem transdisciplinar – que busca integrar
diferentes áreas do conhecimento para a compreensão da comunicação em seus diversos
aspectos. Os capítulos são escritos por autores do campo da Comunicação em diferentes
formações, o que enriquece a discussão e a análise dos temas propostos.
SEÇÃO 1
Comunicação, Gênero e Grupos Minorizados
Capítulo 1
Ativismo Digital: uma análise do processo de comunicação nos blogs "Blogueiras
Feministas” e “Blogueiras Negras”
Capítulo 2
Era Digital e Discurso de Ódio: um estudo sobre os ataques às candidaturas femininas
nas eleições de 2020
Capítulo 3
Feminismo, Blogosfera e Opinião: Análise do Blog da Colunista Nina Lemos no
Portal Uol
Capítulo 4
A linguagem teatral no canal de Youtube “Tempero Drag”: Arte, hibridismo e
comunicação política
Capítulo 5
‘Uma sorte que é sempre a do outro’: A cobertura dos temas de feministas nas páginas
do Projeto Celina, do Jornal O Globo
Capítulo 6
O Imaginário sobre o Feminismo no Brasil no Século XXI: Uma análise das
publicações nas Revista de Estudos Feministas
Capítulo 7
“IMORRÍVEL”; “IMBROCHÁVEL”; “INCOMÍVEL”: Machismo e retórica do ódio
na campanha permanente deJair Bolsonaro
Capítulo 8
Vestida para retomada: a simbólica roupa de Dilma Rousseff para a vitória de Lula
Capítulo 9
Material Girl? Yes!: O Efeito Marilyn sobre a cultura dos diamantes na Indústria
Cultural
Capítulo 10
O Jornal Nacional como ator político: a desconstrução da candidatura de Lula (PT)
na eleição presidencial de 2018
Capítulo 11
Telejornalismo com perspectiva de gênero: a produção de conhecimento por meio de
pesquisa científica e suas reverberações cotidianas e profissionais
Capítulo 12
Anitta além do palco e a reconfiguração da Sociedade do Espetáculo
SEÇÃO 2
Comunicação Política, Campanha Permanente e Propaganda Eleitoral
Capítulo 13
City Branding como estratégia comunicacional: a marca de Desterro do Melo (MG)
Capítulo 14
A propagação de fake news na campanha eleitoral de 2022: Uma análise sobre o
alcance do discurso de “fraude nas urnas” durante o primeiro turno
Capítulo 15
Lives do Bolsonaro às quintas-feiras no Facebook: Comunicação Governamental ou
Campanha Permanente?
Capítulo 16
Desinformação, Fake News e o Cenário da Disputa Presidencial: Análise da Cobertura
do Portal G1 sobre notícias falsas na campanha de 2022
Capítulo 17
CPI da Covid-19: Corrupção, Escândalos e Espetáculo midiático na cobertura da
Folha de S. Paulo
Capítulo 18
Guerreiras, maternais e profissionais – Candidatas à presidência do Brasil no HGPE
televisivo
SEÇÃO 3
Estudos Interdisciplinares em Comunicação
Capítulo 19
Assessoria de Comunicação de Eventos: um relato de experiência
Capítulo 20
Repúblicas tradicionais de SJDR sob a ótica da Comunicação e da Sociabilidade
Capítulo 21
As ruas falam: Cartografias afetivas de São João del-Rei
Capítulo 22
Hábitos de Consumo de Mídia e Tendências Contemporâneas da Teorias da
Comunicação: um novo olhar sobre o receptor
Capítulo 23
TV Bandeirantes: do Canal de Esportes à Emissora sem identidade
Capítulo 24
Dicas de Leitura para Redes Sociais, a partir de Palavras e Terminologias
Capítulo 25
Como fazer um podcast na teoria e prática? Questões a se pensar sobre planejamento,
produção e distribuição
Capítulo 26
A construção midiática do animal não humano durante a pandemia do Covid-19:
análise de cobertura do portal Notícias Gerais
Capítulo 27
Os ethé do guerrilheiro Carlos Eugênio Paz projetados pelo programa Dossiê Globo
News
Capítulo 28
Discurso antivacina do presidente Bolsonaro na mídia: Uma análise de enquadramento
das notícias da Folha de S. Paulo em 2021
Capítulo 29
A análise semiótica do clipe Borders segundo a ótica de Peirce
Capítulo 30
A descrença no discurso da Ciência: A teoria da conspiração no discurso da Terra
plana
Capítulo 31
Quando as identidades entram em campo: uma análise semiótica comparativa dos
jingles da Cervejaria Brahma nas copas do mundo de 1994 e 2014
SEÇÃO 4
Estudos em Jornalismo
Capítulo 32
Fantástico, o “Show da Vida”: Uma análise do programa a partir da mistura de
jornalismo e entretenimento do conglomerado Globo
Capítulo 33
O enquadramento da crise hídrica no governo Bolsonaro pela Folha de S. Paulo
Capítulo 34
Telejornais e Narrativa Transmídia: Jornal Nacional na TV e no Instagram
Capítulo 35
Midiatização do Jornalista: Um estudo de casos do Twitter de Flávia Oliveira no 1º
turno das Eleições de 2022
Capítulo 36
Infância e Jornalismo Político: A Nominação Dinâmica Presente no Jornal Joca
SEÇÃO 5
Ficção Seriada
Capítulo 37
Audiência em alta nos canais de streaming: documentários sobre True Crime no
Globoplay e Netflix a partir de uma abordagem sensacionalista
Capítulo 38
Análise da série “Jane The Virgin” sob a ótica da Teoria Crítica e da Teoria
Culturológica
Capítulo 39
Maniac e a experimentação com a irrealidade
Capítulo 40
Marte e sua relação com a Ficção Científica: representações através do tempo
Capítulo 41
Cultura das Mídias e Narrativa Seriada: Uma análise da décima temporada do seriado
Doctor Who
SEÇÃO 6
Cultura das Mídias, Arte e Olimpianos
Capítulo 42
Mídia e K-pop: Campanha Love Myself e o engajamento social e afetivo do grupo BTS
Capítulo 43
Mídia, cultura de massa e olimpianos: ascensão e excentricidades da cantora Ludmilla
Capítulo 44
Cultura de Massa e Mitos Modernos: Uma análise da trajetória de David Bowie como
um dos ícones da música pop
Capítulo 45
A cultura de massa na saga Jogos Vorazes: uma análise a partir da perspectiva da
Teoria Culturológica
Capítulo 46
Da rápida ascensão ao estrelato, às crises de ansiedade e o retorno aos holofotes:
análise da carreira de Luísa Sonza
Capítulo 47
As excentricidades do casal Virgínia Fonseca e Zé Felipe na cobertura midiática da
Revista Quem Acontece
Capítulo 48
A ascensão de Virgínia Fonseca: De youtuber ao romance com o cantor sertanejo
Capítulo 49
Mídia, Cultura de massa e Sensacionalismo: Análise do Programa Brasil Urgente da
Bandeirantes
Capítulo 50
Queda dos anjos: Um estudo sobre o posicionamento da Victoria’s Secret e o
consumidor cidadão
SEÇÃO 7
Artigos relacionados à pesquisas de mestrado e doutorado
Capítulo 51
“De direita ou de esquerda?” – Engajamento, credibilidade e plataformização em
tempos de eleição presidencial no Brasil
Capítulo 52
O Rádio como mediador da Cultura Popular em São Paulo: capital, litoral e interior
DADOS SOBRE ORGANIZADORES E AUTORES
Organizadores
Autores
SEÇÃO 1
Comunicação, Gênero
e Grupos Minorizados
Capítulo 1
RESUMO: No atual contexto, a internet pode funcionar, muitas vezes, como uma ampliação
do espaço público, em que há a expectativa de se tornar uma arena democrática para vozes
dissonantes. Em várias circunstâncias, blogueiras ativistas fazem o uso do ciberespaço para a
propagação do movimento feminista, empregando em seus discursos pautas decorrentes de
experiências sociais intrínsecas à sua história, expressão de opiniões e pensamentos,
estabelecendo-se como uma espécie de diário pessoal. O artigo visa verificar como ocorre o
processo de comunicação em dois blogs de caráter feminista. Para isso, serão analisados os
seguintes blogs: “Blogueiras Feministas” e “Blogueiras Negras”; ambos reúnem postagens de
mulheres negras feministas de todo o país. Propõe-se um exercício analítico sobre a rede
comunicativa que é gerada, a partir das seguintes categorias de análise: a periodicidade das
postagens, autoras envolvidas nas postagens analisadas, pontos de confluência entre os blogs,
temáticas mais recorrentes, a narrativa dos textos e os desdobramentos dessas questões.
1. INTRODUÇÃO
Além de nos anos 2000 ter começado, pela primeira vez na história do país, a
institucionalização da agenda da promoção da igualdade racial na esfera governamental, este
período também passou pela ascensão das redes sociais e do surgimento dos blogs feministas,
sendo um deles o “Blogueiras Negras”. Trata-se de um projeto nascido em março de 2012,
mais precisamente, no dia 8, Dia Internacional da Mulher. O blog busca referenciar as mulheres
de ascendência Africana e aquelas que se identificam com o feminismo e a luta antirracista das
mulheres negras. O blog é uma comunidade online com mais de 1.300 mulheres leitoras, 200
autoras, e produz um conjunto de informações atualizadas cinco vezes por semana.
2. COMUNICAÇÃO, GÊNERO E POLÍTICA
1
DA REDAÇÂO. Brasil teve um estupro a cada 10 minutos e um feminicídio a cada 7 horas em 2021
Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que mais de 100. Portal G1. Distrito Federal, 07
de março de 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/dia-das-mulheres/noticia/2022/03/07/brasil-teve-um-
estupro-a-cada-10-minutos-e-um-feminicidio-a-cada-7-horas-em-2021.ghtml. Acesso em 04 de maio de 2022.
de centro-esquerda. No caso do Senado, serão 14 das 81 integrantes (17,3%), mas com nomes
bastante conservadores, como Damares Alves.
Neste contexto de polarização em que, apesar das lutas feministas se fazerem atuantes
no Brasil, mas diante de uma crescente onda conservadora, é que se faz necessário o debate
sobre feminismo, gênero e mídia. A socióloga Heleieth Saffioti (2004, p. 45) define gênero, de
maneira sucinta, como a construção social do masculino e do feminino. Ademais, a autora
afirma que a elaboração social do sexo deve ser ressaltada, sem, contudo, “gerar a dicotomia
sexo e gênero, um situado na biologia, na natureza, outro, na sociedade, na cultura”. (SAFFOTI,
2004, p. 108). Percebe-se aqui a presença de uma distinção entre as duas categorias: o sexo
apresentando uma orientação genética, que seria corporalmente identificável, ao passo que o
gênero seria socialmente construído. Logo, o gênero remeteria às relações desiguais de poder
que resultam na construção do papel social do homem e da mulher por meio das diferenças
sexuais” (CABRAL; DIAZ, p. 142, 1998).
Scott (1995, p. 86) afirma que o “gênero é um elemento constitutivo de relações sociais
baseado nas diferenças percebidas entre os sexos e é uma forma primeira de significar as
relações de poder”. Desse modo, percebe-se que a caracterização do que é ser mulher ou ser
homem vai além dos limites do corpo, pois trata-se de definições políticas, sociais e culturais.
A sociedade, costumeiramente, atribui valor às características masculinas e femininas,
divide os papéis sociais de homens e mulheres e produz uma relação de poder entre os gêneros,
em que os homens têm poder sobre as mulheres. As relações de gênero são produto de um
processo pedagógico que se inicia no nascimento e continua ao longo de toda a vida, reforçando
a desigualdade existente entre homens e mulheres, principalmente em torno de quatro eixos: a
sexualidade, a reprodução, a divisão sexual do trabalho e o âmbito público/cidadania.
(CABRAL; DIAZ, p. 142, 1998).
Passamos por grandes mudanças sociais nas últimas décadas, com as mulheres
adquirindo direitos, conquistando cada vez mais seu espaço. Dentre os direitos conquistados,
pode-se citar, como exemplo, a conquista do voto feminino, a criação da pílula
anticoncepcional, a sanção da Lei do Divórcio (1977) 2, a criação do Conselho Estadual dos
3 Trata-de um órgão colegiado de deliberação coletiva, de composição paritária entre o Governo e a sociedade
civil organizada, que tem a finalidade de propor e fiscalizar, em âmbito estadual, as políticas para as mulheres,
assegurando-lhes o exercício pleno de seus direitos, sua participação e integração no desenvolvimento
econômico, social, político e cultural.
4 Foi sancionada para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
5 Prevê circunstância qualificadora do crime de homicídio e inclui o feminicídio no rol dos crimes hediondos.
(2007, p. 292), aponta que a segunda onda do movimento feminista tem três fases. A primeira,
segundo a autora, é definida pela redistribuição daquilo que o feminismo defende e nasceu dos
movimentos sociais dos anos 60. A segunda fase tem origem no fim do século XX, vinculado
ao reconhecimento da política de identidade e ressalta o valor da diferença entre gêneros. Na
terceira fase do feminismo, que é mais atual e se desenvolvia na 1ª década do séc. XXI, ocorre
a sua inserção em outros países e se junta a outros movimentos sociais que buscam uma política
integrada e com equilíbrio sobre a redistribuição, o reconhecimento e a representação. Ao
tratarmos da terceira onda, a partir do final do século XX e início do século XXI, não se tem
consenso conceitual, mas é fato que as mulheres perpetuaram a luta pelos seus direitos, tendo
conquistas asseguradas por lei. A causa feminista é tratada de forma mais complexa e global.
Pontos que diferenciam as mulheres entre si, como raça, classe, sexualidade, nacionalidade,
formaram o chamado feminismo interseccional. A partir de 2019, como um conceito em
construção, tem-se a quarta onda do movimento feminista, que alcançou as redes sociais. Gerou
mudanças nas organizações e protestos, principalmente com o ativismo digital. É necessário
enfatizar que o movimento feminista reconhece o papel da mídia na reprodução de estereótipos
de gênero. Assim, a crítica ao modo como as mulheres eram representadas nos meios de
comunicação, em especial na segunda metade do século XX, acompanhou o processo
organizativo do movimento. (NATALINO, 2021).
Ao abordar a importância da criação ou reapropriação da mídia, Leila Barsted aponta
que na década de 1970 novos espaços foram surgindo para amplificar a voz das mulheres, a
partir de meios variados: revistas, boletins, jornais alternativos, luta por espaço dentro da grande
imprensa, do rádio, da televisão e do cinema. Para ela, “os veículos de comunicação se
apresentam inseridos numa estratégia de educação do movimento feminista, de recriação da
identidade social da mulher e de resgate de nossa história” (WOITOWICZ; PEDRO, 2010, p.
1 apud BARSTED 1983, p. 16).
Ao considerarmos a atual condição da mulher brasileira, identificamos as disparidades
que podem ocorrer quando consideramos a raça dentro da categoria gênero. Para Patricia Hill
Collins (1990), uma das principais autoras do feminismo negro, é preciso refletir sobre a
“intersecção” das desigualdades, em que uma mesma pessoa pode se encontrar em diferentes
posições quando levamos em conta suas características (gênero, raça, classe, geração).
Esta pesquisa tem por objetivo verificar como ocorre o processo de comunicação em
dois blogs de caráter feminista. Para isso, serão analisados os seguintes blogs: o “Blogueiras
Feministas” e o “Blogueiras Negras”; ambos reúnem postagens de mulheres negras feministas
de todo o país. Propõe-se um exercício analítico sobre a rede comunicativa que é gerada a partir
dessas manifestações de mulheres feministas na internet, observando: a periodicidade das
postagens, quem são as autoras envolvidas nas postagens analisadas, se há pontos de contato
entre ambos os blogs, quais são as temáticas mais recorrentes, como os textos são construídos
e os desdobramentos dessas questões.
Considerando que, se por um lado, a imprensa apaga dizeres sobre o feminismo e
evidencia discursos patriarcalistas, as redes sociais virtuais constituem-se como um espaço de
confronto a esses discursos hegemônicos. Isso porque a popularização da internet contribuiu
para fazer circular massivamente discursos de valorização do feminismo. (LIMA, 2013, p.10).
Logo, a nossa pergunta de pesquisa é a seguinte: como se estabelece o processo
comunicacional de brasileiras feministas na internet?
Este trabalho se justifica mediante o potencial das redes sociais para a luta feminista
contemporânea no Brasil. Diante disso, pode-se dizer que os blogs feministas, neste contexto,
constituiriam uma forma de ativismo que integra as lutas do movimento. Logo, “torna-se
importante refletir sobre as produções midiáticas existentes e projetar a necessidade de pensar
a mídia alternativa como um espaço de mobilização, visibilidade e fortalecimento das demandas
feministas”. (WOITOWICZ; PEDRO, 2010). Quanto aos objetivos da pesquisa em andamento,
o objetivo geral é analisar como ocorre o processo comunicacional em dois blogs feministas
brasileiros.6 Os objetivos específicos são: (1) identificar os discursos textualmente articulados
nas postagens dos blogs, a partir das escolhas lexicais; (2) examinar que representações sobre
o feminismo constroem os discursos protagonistas; (3) analisar como essas representações
reproduzem ou contestam relações de poder.
O “Blogueiras Feministas” surgiu durante o primeiro turno das eleições de 2010. Uma
das idealizadoras do projeto enviou um e-mail para várias colegas feministas com o objetivo de
colher opiniões sobre questões políticas relacionadas à mulher. As conversas por e-mail foram
tão produtivas que uma outra mulher decidiu criar um grupo de discussão, onde feministas
poderiam trocar informações e debater sobre assuntos diversos. O grupo cresceu e surgiu a
necessidade de se criar um blog, para espalhar suas ideias e mostrar o quanto o feminismo é um
movimento plural. Elas defendem o seguinte:
Além de nos anos 2000 ter começado, pela primeira vez na história do país, a
institucionalização da agenda da promoção da igualdade racial na esfera governamental, este
período também passou pela ascensão das redes sociais e do surgimento dos blogs feministas,
sendo um deles o “Blogueiras Negras”. Trata-se de um projeto nascido em março de 2012,
mais precisamente, no dia 8, Dia Internacional da Mulher. O blog busca fazer referenciar as
7 BRITO, Priscilla. 10 anos de Blogueiras Feministas: minha trajetória e minha identidade. Blogueiras Feministas.
29 de outubro de 2020. Disponivel em https://blogueirasfeministas.com/2020/10/29/blogueiras-feministas-
trajetoria-e-identidade/#more-25261. Acesso em 10 de outubro de 2022.
8 FLOR, Ana. O Carnaval está chegando e travesti não é bagunça! Blogueiras Feministas. 18 de fevereiro de 2019.
Disponível em https://blogueirasfeministas.com/2019/02/18/o-carnaval-esta-chegando-e-travesti-nao-e-
bagunca/#more-25116. Acesso em 10 de outubro de 2022.
mulheres de ascendência Africana e aquelas que se identificam com o feminismo e a luta
antirracista das mulheres negras. O blog é uma comunidade online com mais de 1.300 mulheres
leitoras, 200 autoras e produz um conjunto de informações atualizadas cinco vezes por semana.
O Blog traz como texto de abertura um convite sobre as motivações da criação do espaço
assinado por Clarô Nunes.
Somos mulheres negras e afrodescendentes. Blogueiras com estórias de vida e campos
de interesse diversos; reunidas em torno das questões da negritude, do feminismo e da produção
de conteúdo. Sujeitas de nossa própria estória e de nossa própria escrita, ferramenta de luta e
resistência. Viemos contar nossas estórias, exercício que nos é continuamente negado numa
sociedade estruturalmente discriminatória e desigual.
O racismo institucional e o mito da meritocracia garantem a distribuição
nada democrática dos serviços de saúde e educação promovendo o adoecimento físico e
emocional da população negra e afrodescendente; impedindo o acesso à tecnologia, aos
recursos naturais e financeiros, aos espaços de poder como universidades e cargos de
chefia. Desde a assinatura da lei áurea (grafada em minúscula de propósito) fomos condenados
à subcidadania e marginalização.
Porém é a invisibilidade que naturaliza o racismo em suas diversas modalidades. Não
estamos nas capas de revista, nas bancadas dos jornais, nos laboratórios, nos cargos políticos. E
apesar de algumas conquistas, ainda somos sub-representadas e estereotipadas nos discursos de
beleza e moda. Prevalece o desinteresse em mostrar nossos rostos, nossos corpos, as questões
que nos afetam, as tradições e manifestações culturais que nos representam.
Não por acaso, temos em nossa origem a Blogagem Coletiva Mulher Negra cujo
objetivo foi a aproximação de discussões acerca do Dia da Consciência Negra e do Dia
Internacional da Não Violência Contra a Mulher. O sucesso do projeto revelou não somente
a existência de um grupo de blogueiras negras e afrodescendentes escrevendo muito bem e
muito; mas também a necessidade de criarmos espaços de visibilidade para produção tão
significativa.
Antônio Carlos Gil (1995) explica que a pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir
de material já elaborado, constituído principalmente de livros, artigos científicos, teses,
dissertações e monografias. Apesar de que, em quase todos os estudos, é exigido algum tipo de
trabalho desta natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes
bibliográficas. O autor, a principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir
ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que
poderia pesquisar diretamente. É também indispensável nos estudos históricos. Em muitas
situações, não há outra maneira de conhecer os fatos passados senão com base em dados
secundários. Para a presente pesquisa, foram definidos os seguintes eixos temáticos: (a)
Comunicação, Gênero e Interseccionalidade; (b) Internet, Blogosfera e Feminismo.
Quanto à pesquisa documental, Antônio Carlos Gil afirma que muitos dados
importantes na pesquisa social provêm de fontes de “papel”: arquivos históricos, registros
estatísticos, diários, biografias, jornais, revistas etc. As fontes de “papel” muitas vezes são
capazes de proporcionar ao pesquisador dados suficientemente ricos para evitar a perda de
tempo com levantamentos de campo, sem contar que em muitos casos só se torna possível a
investigação social a partir de documentos. Como são em grande número, citamos os principais:
os registros estatísticos, os documentos escritos e a comunicação de massa e digital. Hoje,
principalmente, com a capacidade de armazenamento da internet, tornou-se uma rica fonte
documental. Por exemplo, um aluno que queira ter acesso a programas televisivos, mas na
época não gravou. Há grandes chances de encontrá-los, dependendo do tempo que se passou,
na internet, em algum portal. O mesmo ocorre com blogs, como “Blogueiras Feministas” e
“Blogueiras Negras”, que serão analisados nesta pesquisa. Para a presente pesquisa, pretende-
se coletar dez postagens de cada blog supracitado. Após isso, será feita uma análise dos
conteúdos expressos nas mensagens, o que possibilitará verificar o posicionamento do
‘blogueiro’ diante de determinados assuntos, permitindo avaliar a forma de atuação dos dois
blogs.
Para a análise, é importante criar categorias para classificar o formato, tornando possível
um agrupamento dos dados e a indicação de tendências. As categorias de análise são
apresentadas a seguir:
1 - Análise do conteúdo das mensagens: Uma mensagem poderá ser informativa direta,
informativa indireta, opinativa, irônica, propositiva, conter uma avaliação moral, uma avaliação
crítica ou um posicionamento político;
2 - Hipertextualidade das mensagens: Os links para outros sites são importantes, pois
permitem que os usuários tenham acesso a outras informações, como também possibilita ao
autor fazer referência a outros acontecimentos, indicar leituras e distintas fontes de informações
por meio das conexões da rede. O número de links para outros blogs é um indicador de
hipertextualidade, pois dentro da cultura dos blogs é muito comum os ‘blogueiros’
referenciarem-se, criando um debate que ultrapassa os limites do blog e envolve um amplo
número de participantes;
3 - Temas abordados e comentários: Também serão monitorados os temas principais, os
subtemas das mensagens e o número de comentários que recebeu. Este estudo permite
identificar a agenda do blog e verificar quais são os temas que despertam o maior número de
comentários.
A partir do lançamento de um trabalho teórico dos britânicos Roger Fowler, Bob Hodge
e Gunther Kress, em 1979, intitulado Language and Control, nasce a Análise Crítica do
Discurso, doravante ACD, que é denominada assim porque “tenta revestir-se de uma prática
social transformadora da sociedade, dando aos analistas um relevante estatuto de interventor
social por meio de seu trabalho de análise.” (MELO, 2009, p. 9). Em outros termos, Melo (2009,
p. 9) pondera, de modo claro e sumarizado, que a ACD é “uma forma de investigação das
formações discursivas que engendram as relações de poder, as representações e identidades
sociais e os sistemas de conhecimento e crença”.
A ACD caracteriza-se como sendo uma abordagem teórico-metodológica da linguagem
na modernidade que, nutrida nas Ciências Sociais, volta-se para os modos como a linguagem
figura na vida social e apresenta um conjunto de métodos para a análise linguística de dados
empíricos, entendendo o texto (escrito, oral, visual) como unidade mínima de análise. Ademais,
a ACD se propõe a investigar criticamente a desigualdade social como é expressa, indicada,
constituída, legitimada, pelos usos da linguagem. Trata-se de “uma forma de análise de discurso
e texto que reconhece o papel da linguagem na estruturação das relações de poder na
sociedade”. (WODAK, 2003).
Wodak (2003, p. 35) elenca algumas premissas da ACD, que são articuladas em Kress
(1989), são elas: I) a linguagem é um fenômeno social; II) não apenas indivíduos, mas também
instituições e grupos sociais com significados e valores específicos que são expressos
sistematicamente por meio da linguagem; III) os textos são unidades relevantes da linguagem
na comunicação; IV) leitores ou ouvintes não são destinatários passivos em seu relacionamento
com textos; V) existem semelhanças entre a linguagem da ciência e a linguagem das
instituições.
Na presente pesquisa, o foco de interesse é a abordagem de ACD desenvolvida por
Norman Fairclough, que defende a articulação entre a Linguística e a Ciência Social Crítica.
Não pretendemos, de forma alguma, restringir a ACD ao trabalho de Fairclough; pelo contrário,
trata-se de, reconhecendo a heterogeneidade, perceber, também, a necessidade de um foco
específico para o desenvolvimento de pesquisas. A vertente desenvolvida pelo linguista
britânico Norman Fairclough apresenta “um método enquadrado que o autor concebe como
Teoria Social do Discurso, pois para ele, a ACD é uma forma de analisar as relações entre o
discurso e outros elementos da prática social.” (MELO, 2009, p. 12).
Este trabalho segue a proposta teórico-metodológica elaborada por Fairclough (2001),
na obra Discurso e Mudança Social, que propõe um modelo tridimensional de análise,
contemplando a investigação das dimensões da prática textual, da prática discursiva e da prática
social. Nesse sentido, “os textos, as práticas discursivas e as práticas sociais consistem nas
principais dimensões a serem investigadas em nossa análise, pois consideramos que o discurso
é construído e gera sentidos a partir dessas dimensões”. (RESENDE; RAMALHO, 2006, p. 58).
Esse modelo tridimensional está presente no capítulo intitulado “Teoria social do
discurso” e visa “reunir a análise orientada linguisticamente e o pensamento social e político
relevante para o discurso e a linguagem” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 89). Ainda, de acordo com
Fairclough (2001, p. 89), essa abordagem está voltada para uma investigação da mudança
discursiva em sua relação com a mudança social e cultural.
A ACD, como pode ser visto em Fairclough (2001, p. 90), propõe considerar o uso da
linguagem como “forma de prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo
das variáveis situacionais”. Nesse sentido, segundo Araújo (2004), o significado é produzido
não por vontade de um sujeito unitário, não por determinação do sistema linguístico ou por
relações socioeconômicas, mas por intermédio de sistemas de poder/conhecimento que são
impostos pelas instituições sociais, que organizam textos e que criam as condições de
possibilidade para diferentes atos linguísticos.
Tais colocações, conforme Fairclough (2001, p. 91), apontam para a necessidade de
distinguir alguns aspectos constitutivos do discurso. Primeiramente, o discurso é um modo de
ação e de representação, isto é, por meio do discurso as pessoas agem sobre o mundo e sobre
os outros, mas também representam o mundo e as outras pessoas por meio de determinados
pontos de vista. Ademais, visualizar o discurso como prática social implica “uma relação
dialética entre o discurso e a estrutura social”. Segundo Fairclough (2001, p. 92), essa relação
dialética é necessária para evitar algumas ênfases indevidas: “de um lado, na determinação
social do discurso e, de outro, na construção social do discurso”.
A ACD de Norman Fairclough é “baseada na suposição de que a língua é uma parte
irredutível da vida social dialeticamente conectada a outros elementos de vida social, de forma
que não se pode considerar a língua sem levar em consideração a vida social” (FAIRCLOUGH,
2003, p. 3). Assim sendo, Fairclough (2003, p. 4) afirma que percebe a análise de discurso como
algo que oscila entre um foco em textos específicos e um foco naquilo que ele chama de “ordem
de discurso”. De acordo com o autor, ordem de discurso é a organização e o controle social da
variação linguística, e os seus elementos (discursos, gêneros, estilos) são, correspondentemente,
categorias não puramente linguísticas, mas que fazem o corte através da divisão entre
linguagem e ‘não-linguagem’, entre o discursivo e o não-discursivo. (FAIRCLOUGH, 2003, p.
16).
Ao retomar o enquadramento dos estudos discursivos críticos, salientamos que esta
pesquisa assume caráter emancipatório e posicionado, e abarca não apenas a descrição
linguística de um texto, mas, também, os traços linguístico-discursivos constituídos nele, que
revelam formações e posicionamentos ideológicos.
Conforme Fernandes (2014, p. 94), sob forte influência da linguística sistêmico-
funcional (LSF), o texto é visto como “detentor de traços e pistas de rotinas sociais que, muitas
vezes, passam despercebidas em consequência do processo de naturalização”. Investigar como
a linguagem atua na vida social possibilita entrever a “universalização e a naturalização de
discursos e de interesses particulares e a vinculação de textos particulares e certas ideologias.”
(VIEIRA; MACEDO, 2018, p. 68).
Fairclough (2003, p. 14) afirma que os agentes sociais tecem textos e configuram
relações entre elementos de textos. Além disso, o autor menciona a presença de algumas
limitações estruturais nesse processo, por exemplo, a gramática (natural) de uma língua permite
certas combinações e ordenamentos de formas gramaticais e não outras; e se o evento social é
uma entrevista, há convenções de gênero que a organizam. Apesar disso, Fairclough (2003, p.
14) salienta que “os agentes sociais têm grande amplitude de liberdade na composição e na
tecitura dos textos”. Resende e Ramalho (2006, p. 29), agrupam as categorias analíticas
propostas em Discurso e Mudança Social para cada uma das dimensões da Análise de Discurso:
Na dimensão intermediária, temos a prática discursiva, que “focaliza os processos
sociocognitivos de produção, distribuição e consumo do texto, processos sociais relacionados
a ambientes econômicos, políticos e institucionais particulares” (RESENDE; RAMALHO,
2006, p. 28). Nesta dimensão, Fairclough (2001) propõe a investigação de textos no que se
refere à produção, à distribuição e ao consumo destes, analisando aspectos como força
ilocucionária, coerência, intertextualidade e interdiscursividade. Nesta dimensão, busca-se
responder às seguintes questões de caráter sociocognitivo: “Quem escreve?”, “Para quem?”,
“Em quais circunstâncias?”, e “Por quê?”.
Quanto ao desenvolvimento do processo de investigação da prática social, os autores
Chouliaraki e Fairclough (1999) desenvolveram um enquadre baseado em etapas para análise
em ACD: a primeira etapa consiste no reconhecimento de um problema que, em geral, baseia-
se em relações assimétricas de poder; a segunda corresponde à identificação de obstáculos que
dificultam a superação do problema; a terceira equivale à função do problema na prática, isto
é, qual o papel do problema dentro das práticas discursivas e sociais; a quarta etapa consiste na
identificação de possíveis maneiras de superar o problema; por fim, a quinta e última etapa
estabelece que toda pesquisa em ACD deve realizar uma reflexão sobre a análise.
Em síntese, com a ADTO, Fairclough (2001) entende qualquer evento discursivo como
simultaneamente um texto, uma prática discursiva e uma prática social. Logo, “temos a
dimensão da análise linguística, da análise do processo interacional e da análise de
circunstâncias organizacionais e institucionais da sociedade” (MELO, 2009, p. 13).
REFERÊNCIAS
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CRENSHAW, K. W. Demarginalizing the intersection of race and sex; a black feminist critique
of discrimination doctrine, feminist theory and antiracist politics. University of Chicago Legal
Forum, 1989, p. 139-167.
GARCIA, C. C. Breve história do feminismo. São Paulo, SP: Ed. Claridade, 2011.
LEMOS, Ronaldo; DI FELICI, Massimo. A vida em rede. Campinas, SP: Papirus 7 Mares,
2014.
MELO, Mônica Santos de Souza. O testemunho de vida como estratégia discursiva no discurso
religioso midiatizado. In: MACHADO, I. L. & MELO, M. S. de S. (Org). Estudos sobre
narrativas em diferentes materialidades discursivas na visão da Análise do Discurso. Belo
Horizonte: Editora UFMG/FALE, 2009, p. 327-346.
RESENDE, Viviane de Melo; RAMALHO, Viviane. Análise de discurso crítica. São Paulo:
Contexto, 2006.
WODAK, Ruth. De qué trata el análisis crítico del discurso (ADC). Resumen de su historia,
sus conceptos fundamentales y sus desarollos. In: WODAK Ruth; MEYER Michael (orgs.).
Métodos de análisis crítico del discurso. Barcelona: Gedisa, 2003.
Simone de Beauvoir (1980), em sua obra “O segundo sexo”, critica a ideologia machista
e patriarcal. A autora afirma que as expressões masculino e feminino são utilizadas de forma
simétrica apenas como uma questão de formalidade. Segundo Beavouir (1980), de fato, a
relação dos dois sexos não é bem como a de dois pólos elétricos, pois o homem representa tanto
o positivo e o neutro, como é indicado pelo uso comum de homem para designar seres humanos
em geral; enquanto a mulher aparece somente como o negativo, definido por critérios de
limitação, sem reciprocidade.
No ataque ao gênero, é marcante a marginalização das mulheres. Enquanto os homens
possuem características, como a força, a agressividade e o domínio, as mulheres são vinculadas
à fraqueza e à passividade. Segundo Perry (2001) e Ahmed (2014), este tipo de violência de
gênero busca intimidar e controlar as mulheres, e isso não se restringe a somente uma e sim a
todas, mesmo que não atingidas diretamente.
Adriana Wagner (2005) explica que estas características são formadas a partir do que é
estipulado como pertencente a cada gênero:
As mulheres que mais sofrem ataques de ódio são as que estão, geralmente, em posição
de referência, como jornalistas, influenciadoras, líderes feministas e políticas. E quando se trata
do último item citado, o problema ganha profundos impactos, conforme analisa Siapera (2019).
Na sua concepção, os prejuízos são diretamente voltados para os locais em que se considera
que o futuro está sendo formado e sendo decidido e para os indivíduos que participam
ativamente dessa construção. Dessa forma, conforme Siapera (2019), coibi-las e proibi-las de
estarem livres é, também, restringir ou negar as múltiplas possibilidades de existência e o
controle sobre o horizonte das mulheres.
Todo o discurso de ódio, calculado e intencional, tem como objetivo demarcar território,
é como se a mensagem a ser transmitida fosse: “mulher, aqui não é seu lugar. Política é para os
homens”. E isso é, diariamente, de forma sutil inserido culturalmente no cotidiano das pessoas,
fazendo com que a voz feminina não tenha alcance e nem projeção.
Com base no repositório de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres
representam 51,8% da população e mais de 52% do eleitorado brasileiro, mas ainda são minoria
na política. No total, as mulheres representaram 33,6% das candidaturas nas eleições de 2020,
mas a taxa de eleitas não chega à mesma proporção. No primeiro turno, foram 651 prefeitas
eleitas (12,1%), contra 4.750 prefeitos (87,9%). Apenas 9 mulheres foram eleitas prefeitas de
96 cidades (capitais 70 municípios com mais de 200 mil eleitores e nos quais é possível haver
2º turno). O número representa 9% de participação feminina no bloco. No Brasil inteiro, o
percentual é de 12%. Ou seja, a cada 100 prefeituras, 12 são comandadas por mulheres. Focando
no segundo turno, que aconteceu em 57 cidades, das 19 em que havia mulheres na disputa, sete
venceram.
Destas sete, 3 são de Minas Gerais: Margarida Salomão (Partido dos Trabalhadores) em
Juiz de Fora, Elisa Araújo (Solidariedade) em Uberaba e Marília Campos (Partido dos
Trabalhadores) em Contagem.
Em pesquisa realizada pela MonitorA, uma parceria da revista Azminas e do
InternetLab, de setembro a novembro de 2020, as redes sociais (Twitter, Instagram e YouTube)
de 175 candidaturas, homens e mulheres, para cargos de vereança, vice-prefeituras e
prefeituras. Os dados coletados revelam o preconceito contra as mulheres. “Ser mãe. Ser uma
mulher preta. Ser feminista. Ter mais de 60 anos e continuar atuando politicamente. Ser lésbica.
Nenhuma dessas características versa sobre a capacidade dessas mulheres de 71 assumirem
cargos públicos de poder. Mas foram esses os alvos dos ataques que candidatas de Minas Gerais
receberam nas redes sociais durante o primeiro turno da campanha (MONITORA, Revista
AzMINAS, 2020, p.70)
Figura 1
Termos usados no Twitter como expressões ofensivas na eleição de 2020
Neste trabalho, analisamos o comportamento das pessoas nas redes sociais nas
postagens das três prefeitas eleitas em Minas Gerais, nos municípios com mais de 200 mil
eleitores.
Margarida Salomão, do PT, foi eleita a primeira mulher prefeita na história de Juiz de
Fora. Ao fim da apuração, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Margarida teve
144.529 votos (54,98%). Passado isso, a prefeita Margarida Salomão anunciou, em suas redes
sociais, a composição da sua equipe:
Figura 3
Comentário contra Margarida Salomão
3.2 Uberaba
Elisa Araújo, candidata pelo partido Solidariedade, foi eleita prefeita do município de
Uberaba, Minas Gerais. Ela teve um total de 85.900 votos, correspondentes a 57,36% do total.
Mas parece que sua capacidade como gestora, apesar de eleita, é questionada por pessoas em
comentários em sua postagem de balanço sobre a gestão executada até o momento:
Figura 4
Comentário sobre Elisa Araújo
Nota-se um comentário preconceituoso e sexista, que visa limitar, por meio da ironia, o
lugar de atuação da mulher. É comum, em uma sociedade patriarcal, apontar que a mulher
nasceu para cuidar da casa, não para ser política, por exemplo.
3.2 Contagem
Marília Campos (PT) foi eleita para governar Contagem nos próximos quatro anos. A
candidata teve 51,35% dos votos válidos. A prefeita, ao anunciar A entrega do ginásio
poliesportivo na cidade e se “aventurar” no trampolim, recebeu em suas redes sociais o seguinte
comentário:
Figura 5
Comentário de ódio contra Marília Campos (PT)
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Sonia. Redes Sociais na Internet: Os desafios à pesquisa. Rio de Janeiro, 2007.
ALDÉ, Alessandra. Cidadãos na Rede: tipos de internauta e sua relação com a informação
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AHMED, S. The cultural politics of emotion. Edimburgo: Edinburgh University Press, 2014.
BEAVOUIR, Simone. O segundo sexo. A Experiência Vivida. Rio de Janeiro: Ed. Nova
Fronteira, 1980.
GING, D.; SIAPERA, E. Introduction. In: GING, D.; SIAPERA, E. (Orgs.). Gender hate
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MALINI, Fábio. Crítica à web 2.0: Controle e autonomia do comum na internet. Anais do II
Simpósio da ABCiber, PUCSP, São Paulo. Disponível em
http://www.cencib.org/simposioabciber/PDFs/CC/Fabio%20Malini.pdf.
MonitorA. Discurso de ódio contra candidatas nas eleições de 2020, Revista AzMinas, 2020.
MOREIRA, A.; OLIVEIRA, M. A participação das mulheres em eleições cresce, mas não
atende legislação. Portal G1, São Paulo, 09 mar. 2010.
PEREIRA, Heloísa; PINCETA, Karina Perussi. O avanço dos meios digitais e a produção de
informação –como as redes sociais estão transformando a comunicação, o jornalismo e a
sociedade. São Paulo: PUC, 2011.
RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. Acesso em: 10
outubro 2020.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
2. COMUNICAÇÃO E GÊNERO
Primeira onda
Mesmo diante das supostas evidências sobre o crescimento das pautas feministas a partir
do século XIX, são poucos os registros que provam a ascendência de uma organização com este
caráter, mas é de se esperar que a luta se deu início anteriormente.
O que se atrela a primeira onda, que se estendeu até as primeiras décadas do século XX,
são as reivindicações do direito à educação e ao voto. Assim, o sufrágio se tornou um estandarte
de emancipação das mulheres, onde Elizabeth Stanton e Sojourner Truth foram as pioneiras. A
primazia da Convenção de Seneca Falls, em 1848, rompeu com o silêncio e a submissão
feminina e trouxe à tona discussões de igualdade de gênero para uma sociedade até então
estagnada. A grande influência veio da Revolução Francesa e do processo de independência
dos Estados Unidos.
Na Inglaterra, o movimento tomou proporção com a frente montada e liderada por
Emmeline Pankhurst, que utilizou de instrumentos de pressão radicais para obter resultados e
respostas do Estado. Esta abordagem começou a surtir efeito em 1918, meses antes do fim da
Primeira Guerra Mundial, onde um determinado perfil de mulheres passou a ter o direito ao
voto. Na segunda metade do século XIX, chegam as pautas feministas ao Brasil. Nísia Floresta
foi a figura que iniciou algumas atividades deste caráter no país. Houve a fundação da
Federação Brasileira para o Progresso Feminino, em 1922, protagonizada por Bertha Lutz e por
mulheres também pertencentes à elite. A criação desta ordem colaborou com o alcance do
direito de decisão política para cidadãs, previsto pelo código eleitoral de 1932.
Segunda onda
A segunda onda feminista ganhou notoriedade na década de 60 e teve os seus
desdobramentos até 1980. Aqui, os assuntos tratavam de questões referentes ao corpo da mulher
e suas reivindicações. Temas como sexualidade, prazer feminino, reprodução, violência
doméstica e espaços do gênero se destacaram. Os tópicos ganharam força a partir de uma
contribuição filosófica e sociológica da ativista Simone de Beauvoir (2009) sobre a reflexão do
que é se perceber, de fato, como uma mulher.
Para Beauvoir (2009), em sua obra “O Segundo Sexo”, lançada em 1949, ninguém nasce
mulher, torna-se. A autora acredita que o feminino teve sua condição de liberdade limitada por
sua fertilidade e capacidade de gerar uma vida. Essa capacidade geradora fez com que o
feminino fosse associado ao cuidado, amor, maternidade e fragilidade. Já o masculino, em
oposição, esteve associado ao mundo da política, força e independência. A mulher que fosse
pública seria desqualificada ou que tivesse alguns desses atributos ditos masculinos seria
“masculinizada”.
Com estes conceitos em alta, a ideia de reconhecimento feminino e proteção destes
corpos começou a difundir-se. Os discursos de sororidade e correntes de apoio também se
tornaram populares na época. Contudo, ainda assim, havia um esquema de hierarquia notório
dentro da própria relação da minoria feminina, mulheres brancas exerciam um papel opressor
em mulheres pretas, inibindo a luta desta parcela. A questão racial que permanecia neste meio
foi o pontapé para o início do movimento feminista negro. Angela Davis (1981) foi a principal
voz do novo grupo que surgira e reportou pontos decisivos para uma nova ótica social.
No Brasil, o conservadorismo e a censura estavam em alta, devido à ditadura militar
(1964-1985) vigente. Meio a repressão, a criação de periódicos feministas, como Nosotras e a
fundação do Movimento Feminino pela Anistia se tornaram atos de resistência. Em 1978, Lélia
Gonzalez iniciou discussões de raça, direito e gênero no país.
Terceira onda
Em 1990, considerada a geração pós-feminista, o caráter dos protestos tomou outras
proporções. A concepção do que é ser mulher passou a ter um novo significado desde as
contribuições de Judith Butler, em sua obra “Problemas de Gênero". Novas vertentes sobre a
auto identificação propuseram conceitos como os de transfeminilidade, não-binarismo e
ageneridade. No ato de repensar as ações, aprofundar em discussões, apontadas anteriormente
e perceber novos caminhos, este período, para muitos autores, ainda continua em atividade.
Quarta onda
A quarta onda feminista é definida pela tecnologia. A reunião de algumas características
em comum, como o uso coletivo das redes sociais e a presença das hashtags são provas do
impulsionamento para este movimento ganhar vida em meio virtual. A participação intensa do
corpo social feminino anônimo por meio de ciber campanhas gerou protestos significantes e
mobilizações capazes de surtirem efeitos na sociedade. Muitas vezes, essas ações se
materializaram, graças a organizações feitas online.
A onda, ainda em curso, proporcionou um feminismo mais democrático e acessível para
mulheres inseridas em contexto trivial. Além disso, o termo interseccional, provindo do Brasil,
inova os padrões das protestantes dando a oportunidade para perfis negros, PCD’s 9,
transgêneros, entre outros.
O ativismo em blogs e sites também colaboraram, principalmente em 2014 10, para o
avanço das discussões sobre esta temática.
Segundo Motta (2013), o mundo é organizado e adquire sentido, sendo algo próprio da
natureza humana, uma vez que os seres humanos são interpretativos e instituidores de sentido.
Quadro 2
Categoria: Análise específica das notícias
Fonte: Dos autores, 2022 (Baseado em categorias de Lasswell, 1948)
Em julho de 1995, o grupo Folha iniciou as suas atividades no novo modelo de veículo
comunicacional inovador no Brasil, a internet. O primeiro endereço da empresa nesta nova
esfera foi o Folha Web, precursora para a criação do Portal Uol. Os assuntos naquele momento
eram poucos, onde apenas editoriais de ciências e tecnologia circulavam no ciberespaço restrito.
Em outubro do mesmo ano, o grupo Folha logo expandiu o formato de interação e lançou o
portal de notícias Universo Online, cujo foco era no jornalismo digital. A facilidade de reunir
informações e transmiti-las para uma gama de usuários permitiu que o empreendimento partisse
para mais reinvenções do protótipo e, consequentemente, alcançasse o lucro. Assim, houve o
surgimento de segmentos alternativos com diferentes temáticas e finalidades, como Shopping
Uol, Pay Uol, entre outras porções que completam a plataforma até os dias de hoje. O
característico site da marca alavancou as práticas do webjornalismo que, por sua vez, evolui
constantemente.
Universa é um formato de portal vertical11 que se assemelha a um anexo, provindo do
Portal Uol. Intitulado intencionalmente como uma palavra do gênero feminino, esse segmento
faz referência ao nome original Universo Online, porém dando a entender que se trata de um
Feitas as análises das classificações utilizadas nas 21 matérias, é possível absorver das
seções escolhidas as características dadas em palavras que foram atribuídas às notícias.
Tomando como parâmetro substantivos positivos e negativos, em sua lógica primitiva
maniqueísta, é possível notar na relação levantada em pesquisa os termos chaves para a
definição da mulher contemporânea, bem como os principais assuntos que permeiam a
existência deste gênero.
4.4.1 TEMÁTICAS MAIS ACIONADAS
12 Medida de conjunto de dados que ocorre com a maior frequência entre os elementos observados.
Levando em consideração os recortes noticiosos, os temas recorrentes e os termos
utilizados dentro dos conteúdos, a imagem construída da mulher é pautada em tons
desfavoráveis. Há, ainda, a relação de fragilidade e incompetência à figura feminina, presentes
nos conceitos de Beauvoir (2009). Há, também, o aspecto apontado por Bourdieu (1995) da
dominação masculina, seja ela pela literalidade do sentido de violência e opressão para com as
mulheres ocorrentes na coluna de Lemos, ou, até mesmo, pela dominação de espaços
(físicos/virtuais), devido a audiência dada à homens e às suas ações em matérias web
jornalísticas ao passo de abordar fatores sobre mulheres e os seus progressos.
No dia 07 de abril de 2022, na coluna “Não ter ou querer filho não dá direito de barrar
crianças e mães de lugares”, Nina Lemos discute um tema polêmico sobre a maternidade e o
fato de que em algumas situações as mães são vítimas de preconceitos.
Você frequentaria um bar onde a sua amiga não pode ir se levasse os filhos? Eu
não.
E não é só por solidariedade a minhas amigas e a todas as mães. Mas,
principalmente, porque adoro os filhos dos meus amigos e as crianças em geral.
Falo, claro, do grande debate que surgiu depois que um bar da moda de São Paulo,
o Miúda, barrou uma mãe com seu filho na entrada do local.
Para se defender, os donos do Miúda disseram que é assim mesmo, que eles não
têm "programação para criança" (e provaram que não conhecem muitas delas.
Quem disse que criança precisa disso? Quem precisa de DJ gringo é adulto).
Pessoas que banem crianças e mães são comumente chamadas de "childfree" (a
tradução literal pode ser "livre de filhos" ou "livre de crianças"). Não têm filhos por
opção e acham que crianças e mães (e pais) podem ser barrados de lugares, já que
criança "enche o saco". Seus cachorros são permitidos sempre, claro.
O "childfree" é uma espécie de movimento. Se você procurar, vai achar as
discussões por aí. Existem ao redor do mundo hotéis, restaurantes e cafés que se
intitulam assim. Em outras palavras, mães (ou pais) com filhos pequenos não
entram. Só que tem um detalhe importante: não é todo mundo que não tem filhos
que pensa assim. Não ter filhos não tem nada a ver com ser "childfree" e apoiar
esse tipo de atitude. Não nos confundam. Falo por mim. Não tive filhos, mas amo
crianças e, por mim, elas são sempre bem-vindas. Sim, é possível decidir não ter
filhos e ao mesmo tempo adorar crianças. Uma coisa não tem nada a ver com a
outra. E me desculpem, mas conheço mães que não gostam muito de criança em
geral (mas amam os seus filhos e está tudo certo). Não acho que engravidar faz a
gente gostar de criança. Mesmo. (NINA LEMOS, 07 de abril de 2022).
Diante dos fatos analisados e da classificação dos termos mais recorrentes, a visão sobre
o feminismo contrapõe, na maioria das vezes, as expressões mais utilizadas pertencentes às
notícias escolhidas, pois os acontecimentos e seus desdobramentos na sociedade ainda vão
contra os propósitos do movimento. Existem duas esferas, a primeira é relativa às questões que
fazem parte do desenvolvimento da luta das mulheres e as atitudes que elas esperam da
sociedade, já a outra é relativa aos comportamentos inadequados e aos ataques direcionados a
este grupo. Os termos ‘direito da mulher’; ‘decisão’; ‘união’; ‘empatia’; ‘respeito’; se
enquadram na primeira esfera, enquanto ‘crime’; ‘trauma’; ‘atrocidade’; ‘pressão social’;
‘sexismo’; ‘danos morais’; ‘pressão estética’; ‘exclusão social’; ‘cobrança’; ‘violência’;
‘assédio’; 'desigualdade'; ‘opressão’; 'distúrbio'; se enquadram em segunda posição.
As expressões mais utilizadas, tanto para se direcionar a misoginia, como para enaltecer
a autonomia da mulher, foram mecanismos auxiliares para a compreensão do cenário feminino
no Brasil. A maioria das palavras referenciam de maneiras negativas ou atacam o gênero através
de estereótipos que se relacionam com situações desfavoráveis em que a parcela se encontra
inserida. Em contrapartida, ainda há palavras que são direcionadas ao feminismo de forma
construtiva e que evidenciam as pautas da luta.
A partir das análises feitas e apresentadas neste estudo, percebe-se que a construção da
imagem feminina ainda é um fator que sofre alterações constantes pela sociedade. Uma
construção em mutações, ainda que recente, continuará a receber classificações de um sistema
enraizado. É perceptível a predominância masculina dos espaços sociais, mesmo que seja um
debate para se falar de questões femininas.
As palavras que são atribuídas às mulheres ou a situações em que elas estão inseridas
ainda são majoritariamente negativas. Os recortes midiáticos são capazes de alcançar fóruns de
discussões que mencionam o movimento feminista e geram uma apropriação de espaço, ainda
que efêmero, por meio da opinião.
REFERÊNCIAS
MIGUEL, Flávia Biroli e Luís Felipe. Feminismo e Política: Uma introdução. Brasília:
Boitempo, 2014. 164 p.
PEREZ, Arlene Ricoldi e Olívia. A Quarta onda Feminista: Interseccional, Digital e Coletiva.
Piauí: Anais do Congresso Latino-Americano de Ciências Políticas, p.22, 2019.
1. INTRODUÇÃO
Pode-se afirmar que a prática teatral é tão antiga quanto a existência da vida humana, e
sua aplicação no fomento de debates políticos tem um longo percurso histórico. Na Atenas da
Grécia Antiga, por exemplo, o teatro figurava em uma posição tão central na vida política que
era responsabilidade da administração garantir que os festivais acontecessem e que os artistas
fossem remunerados por sua participação.
Durante a Idade Média, com o desaparecimento das cidades, o teatro recolheu-se ao
ambiente das Igrejas, com a tarefa – também política – de ilustrar as passagens bíblicas aos
fiéis. No entanto, os artistas começaram a incluir temas considerados obscenos pelas
autoridades católicas e, por isso, foram expulsos da instituição. Assim, eles retomam as ruas (as
cidades estavam voltando a crescer) e passam a representar as histórias bíblicas combinadas às
da vida cotidiana e profana da população, tornando-se uma espécie de jornal falado do povo.
O desenrolar do processo histórico que engendrou o sistema capitalista trouxe, por um
lado, a “construção de edifícios próprios para os espetáculos, com bilheteria na porta” (COSTA,
2001, p. 115), o que indicava a privatização de uma prática que antes era coletiva e realizada
por todos os cidadãos. Por outro, nos dez anos que se seguiram à Revolução Francesa, as peças
teatrais do país tiveram como tema central a política, tornando-se verdadeiras assembleias
populares, nas quais todas as pessoas (tanto do público quanto do elenco) debatiam os rumos
históricos da sociedade.
Posteriormente, eclode na França o golpe de estado de Luis Bonaparte, que fundou o
que conhecemos por Segundo Império com base em um feroz massacre de trabalhadores que
se organizaram para lutar por vida digna. Com vistas a apagar as reivindicações pelas quais tais
militantes lutavam, bem como a crueldade do massacre operado pelo Estado para se firmar no
poder, inicia-se uma rigorosa política de apagamento histórico por meio da censura midiática.
Paralelamente, instaura-se uma valorização cada vez maior da estética “pura” da arte teatral, ou
seja, politicamente “neutra” e rigorosamente “bela”. Seria dispensável pontuar que os ditos
“elevados” padrões estéticos eram definidos por aliados do governo de modo a censurar tudo o
que ameaçasse a manutenção de seu poder.
O Segundo Império foi massacrado com a revolta popular conhecida como Comuna de
Paris e, posteriormente, com a ação do exército prussiano, que levou à proclamação da
República de Versalhes. Por este ter sido um processo similar (em termos de violência) ao do
Golpe de Estado que instaurou o Segundo Império, a lei de censura ao teatro elaborada neste
permaneceu intacta no novo regime. Segundo Iná Camargo Costa, “é essa a causa institucional
da criação, por Artoine e amigos, do teatro livre: uma associação de teatro amador que, por isso
mesmo, não estava sujeita às leis de censura”.
No Brasil, cujo teatro já apresentava forte influência francesa, o programa estatal de
formação de jovens artistas nos Estados Unidos – país onde a perseguição à esquerda
revolucionária reavivou a busca por uma dramaturgia que prescindisse de qualquer assunto
“político”, em nome do naturalismo da ação teatral – fez com que a tendência esteticista e
supostamente antipolítica imperasse na dramaturgia brasileira dos anos 50. Entretanto, ao longo
dessa mesma década, “o teatro brasileiro deu uma guinada à esquerda que fugiu inteiramente
dos planos esteticistas” (COSTA, 2001, p. 119).
Segundo a avaliação realizada por Iná Camargo Costa em seu artigo de 2001 “Teatro
Político no Brasil”, um dos caminhos para compreender com mais clareza o teatro político
brasileiro, é a digressão ao teatro de agitação e propaganda russo, conhecido pela alcunha de
“agitprop”. Caminhando na direção oposta ao esteticismo americano-francês, tal prática teatral
prezava a formação política didática e a intervenção na vida concreta do proletariado em
detrimento do apego a determinados padrões estéticos vazios de sentido prático. Tal propósito
alterou a própria concepção do que é o teatro, a começar pela dissolução das fronteiras entre
palco e plateia: “o público acompanhava a montagem do começo ao fim e opinava sobre tudo
e, durante e após a apresentação, debatia criticamente a peça” (FREDERICO, 2010, p. 37).
Quanto ao conteúdo dos agitprops, tanto os temas como as falas eram elaborados com base em
uma pesquisa acerca da vida da população. Com isso, foram deixados de lado os textos clássicos
para se desenvolver um processo de criação coletiva das peças.
Partindo do formato do teatro que era realizado na Rússia revolucionária, o dramaturgo
alemão Bertold Brecht viu a necessidade de revolucionar a forma do teatro político, superando
o maniqueísmo que imperava nas peças russas e alemãs. Ele reivindicava um novo teatro, no
qual as personagens prescindissem de profundidade psicológica para representar não a sua
subjetividade, mas sim a sua função social. A empatia do público deveria ser substituída pelo
distanciamento do mesmo, de modo que a experiência catártica que era promovida pelo
envolvimento emocional da plateia com a história desse lugar a uma atitude de reflexão.
Voltando a lançar luz sobre o contexto brasileiro, percebe-se que o teatro político se
consolidou no país no início da década de 60, quando a dramaturgia nacional amadurecia com
a militância teatral e dramaturgos nacionalistas. Especialmente após o golpe de 1964, houve
uma euforia contra a ditadura empresarial-civil-militar nos palcos, uma vez que era um dos
poucos locais em que tal crítica poderia ser feita, ainda que com certa cautela.
Dentre as companhias de teatro que usaram essa arte com o propósito crítico,
destacaram-se os grupos Arena e Oficina, que realizaram inovações não só na forma teatral
como também na razão dessa arte existir. O primeiro surgiu em 1953, não sucumbindo ao
esteticismo nem mergulhando em temas abertamente “políticos”. A companhia começa a se
politizar com a entrada de Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho e Augusto Boal
em 1956 (BORGES, 2018) e passa a apresentar peças com intenção didática e clara exaltação
da pátria. Além disso, o grupo realizava um importante trabalho teórico sobre a história nacional
recente, bem como priorizavam a montagem de peças nacionais – muitas delas, autorais da
companhia. O Teatro Oficina, por sua vez, origina-se em 1958 já com um claro viés político de
esquerda. Ao invés de buscar uma educação popular por meio de textos didáticos – como fazia
o Arena –, esse grupo era “Mais aberto, heterodoxo e abusado cenicamente, trazia montagens
inovadoras” (BORGES, 2018, p. 154) e enfatizava a busca pelo choque e estranhamento da
plateia.
O que se observa na história recente do teatro político brasileiro, portanto, é uma
frequente oposição entre o enfoque na estética e o enfoque na transmissão de conhecimentos,
ou seja, frequentemente se elegia um dos extremos para se explorar. A síntese que Bertolt
Brecht propõe entre diversão e conhecimento, ou, em outras palavras, o conhecimento como
diversão, ainda há um longo caminho de experimentações e elaborações a ser trilhado em nosso
país.
A Drag Queen, ao contrário do que se afirma no senso comum, é uma das formas de
expressão teatral e possui um importante papel na intervenção em debates políticos ao longo da
história humana. Dessa maneira, é importante destacar que a performance da Drag Queen não
tem, necessariamente, qualquer relação com a sexualidade do indivíduo que lhe dá vida, uma
vez que diz respeito a “uma construção de um personagem e não uma opção sexual; logo,
configura-se como teatro ou performance” (AMANAJÁS, 2014, p. 1). Por ser uma expressão
teatral, ela está presente na sociedade desde os primórdios desta arte. No próprio teatro grego
fica estabelecido, desde o momento em que começam a ser usadas máscaras nas encenações,
que elas somente poderiam ser vestidas por homens, independentemente de caracterizarem
personas masculinas ou femininas. Além da máscara, os homens que representavam mulheres
usavam também roupas e enchimentos para a caracterização.
Quando o teatro é conduzido para o interior da Igreja na Idade Média, é levada também
a arte transformista. Isso porque os papéis femininos nas histórias bíblicas eram raros e, quando
existiam, possuíam pouca participação efetiva, de modo que as personagens mulheres eram
usualmente representadas por homens. Alguns momentos cômicos começaram a ser
introduzidos por atores que davam vida a personagens femininas, transformando-as em uma
“versão grotesca de personificação da mulher” (AMANAJÁS, 2014, p. 5).
No Oriente, tal prática também era comum em todas as práticas teatrais clássicas,
especialmente no Japão. Os atores japoneses treinavam desde jovens para atuar nos palcos, e
alguns especializavam-se exclusivamente na representação de personagens femininas
(chamadas de “Onnagata”). O significado simbólico do Onnagata, inclusive, é bastante
emblemático na definição da arte drag, porque “representa um profundo símbolo do mistério
da metamorfose, que é o mistério do teatro. Ele, aparentemente, participa de dois mundos
totalmente diferentes, não somente na sua dupla identidade como ator e personagem, mas em
seu duo papel de homem-mulher” (PRONKO, 1986, p. 185 apud AMANAJÁS, 2014, p. 8).
Além disso, todas as personagens femininas dos clássicos textos de Shakespeare foram,
nas primeiras montagens das peças, interpretadas por homens. Muitas eram vividas meninos
adolescentes entre 10 e 13 anos, mas é provável que as personagens mais elaboradas e realistas
eram interpretadas por homens adultos (AMANAJÁS, 2014). A drag queen secular, que possuía
uma forma “anarquista e mítica”, viu-se deslocada com o aparecimento das personagens
tridimensionais shakespearianas (AMANAJÁS, 2014).
A partir de 1674, após 18 anos de proibição do teatro pelas leis do período de restauração
chamado Protetorado, a atividade artística é retomada na Inglaterra com uma novidade: agora
mulheres poderiam interpretar papéis femininos. Isso relega as drags a um período de pouca
visibilidade, mas com as mudanças sociais ocorridas no século XVII (propiciadas, dentre outros
fatores, pela ampliação do acesso à leitura), as drag queens esquecidas no teatro retornam à tona
com tom mais satírico e ocupando as ruas e demais ambientes de socialização na Europa. Vale
ressaltar que, nesse momento, a moda começa a ter um significado semelhante ao da atualidade
– porque na Era Elisabetana se referia ao status social e ao gênero. Nesse momento, o teatro
versa sobre temas do cotidiano e a sociedade começa a questionar determinados parâmetros –
como o relacionamento entre homens e mulheres –, o que abre espaço para a ampliação da
visibilidade da homossexualidade. Sendo assim, as drag queens tomam novo fôlego ao satirizar
os tipos sociais da época, reunindo-se em bares exclusivamente para se vestirem como mulheres
e representarem aqueles papéis sociais satirizados.
No século XIX, as drags retornam triunfantes aos palcos e, nesse processo, começam a
ser enxergadas como uma categoria à parte na arte teatral. Inicia-se, então, uma aproximação
da atual atuação de drag queens: “[...]o ator drag atuaria em comédias como grandes dramas.
Jovens atores começaram a se vestir e participar de peças teatrais e algumas práticas como solos
envolvendo algumas personagens já eram uma prática até o final do século” (AMANAJÁS,
2014, p. 13).
Durante o século XX, surge a categoria drag chamada “dama pantomímica”, que
conquista o carisma do público daquele período. “As personagens possuíam um discurso que
se relacionava diretamente com a classe média e trabalhadora da época e se lamentavam em
seus monólogos causando o pathos na plateia e a imediata identificação” (AMANAJÁS, 2014,
p. 13). Representando situações cotidianas de maneira bem-humorada, “O cômico era ainda
mais risível porque era representado pela dúbia figura de caricatura da imagem feminina
personificada pelo homem” (AMANAJÁS, 2014, p. 14). Durante a primeira metade do século
XX, a dama pantomímica era a única forma de drag queen existente e era, mais que isso,
amplamente respeitada e aceita.
Com as mudanças socioculturais ocorridas no período pós-guerras, novas categorias de
drags são criadas, agora com o foco maior no glamour. Como não havia mais espaço para os
atores transformistas nos palcos – uma vez que havia diversas opções de belas moças para
representarem os papéis femininos – as novas drags, mais glamourizadas, assumiram um papel
de transição entre a dama pantomimíca e a nova era de personificação feminina.
Importantes mudanças no âmbito político ocorrem ao longo do século XX e propiciam
a consolidação de uma “cultura gay”, com o desenvolvimento de estilos, linguagens e ambientes
frequentados por essa comunidade – em especial os bares, nos quais ressurge mais uma vez o
fazer drag. Com o borbulhar da cultura pop, as drags passaram não só a cantar, dançar, dublar
músicas e improvisar, como também a se inspirar em grandes artistas femininas da época para
agregar seu repertório. Além disso, ao longo das décadas de 70 e 80, as drag queens lograram
ocupar um significativo espaço na mídia massiva, participando de programas de rádio e
televisão, musicais da Broadway e produções cinematográficas.
Por muito tempo, nenhuma drag aceitava abordar temas políticos em suas performances,
uma vez que drag, até então, era uma prática voltada à diversão. Porém, a partir desse momento,
a homossexualidade assumiu um caráter inescapavelmente político, e a drag queen passou a
figurar como um dos maiores símbolos da luta pelos direitos gays. “Nasce aí uma nova categoria
de drag: a drag queen radical” (AMANAJÁS, 2014, p. 18).
Com a explosão da AIDS, as drag queens recolhem-se novamente aos bastidores da
cena cultural, voltando com força total nos anos 90. Agora a cultura drag assume um forte papel
de entretenimento e de ativismo político, chegando ao seu auge com a visibilidade conquistada
por RuPaul. Personagem atrevida, forte, linda e negra, RuPaul logrou alcançar um gigantesco
sucesso na música, no cinema, na moda e na televisão. Quanto a este último espaço midiático,
a drag comanda desde 2009 um dos maiores reality de drag queens do mundo, no qual elas
“concorrem ao título de próxima drag queen superstar, mostrando habilidades artísticas, desde
atuação até confecção de vestidos de alta costura” (AMANAJÁS, 2014, p. 19). O programa
vem contribuindo para a popularização da cultura drag ao redor do mundo, trazendo à tona
diversas maneiras de se fazer drag.
Entretanto, os anos 90 marcaram a consolidação da cultura drag no eixo Rio-São Paulo,
a qual estava presente tanto em bares como na política e na mídia.
A história das Drag Queens, portanto, demonstra o importante papel que elas tiveram
ao longo dos anos – e ainda têm – de satirizar os papeis sociais criados pela sociedade,
evidenciando que eles não passam justamente disso: de papeis (no sentido teatral da palavra).
Ao trazer à tona essa trajetória, conseguimos perceber que uma das principais contribuições que
a arte drag evoca é o estranhamento gerado pelo hibridismo, não só entre gêneros, como
também entre ator e personagem.
A opção por eleger como caminho de pesquisa empírica a análise do canal Tempero
Drag em um estudo de caso se dá, principalmente, por ele ser um veículo midiático que combina
a comunicação política de esquerda radical à arte e ao hibridismo próprio da Drag Queen. Ou
seja, trata-se de um canal que apresenta grande potencial de nos revelar, por meio da análise
deste objeto particular, pistas para elaborar novas maneiras de se fazer uma comunicação
política contra-hegemônica eficiente em ambientes comunicacionais mais amplos.
Apesar de existirem outros canais que falem de política por esse mesmo viés, até mesmo
alguns protagonizados por uma Drag (vide o “Doutora Drag”, criado por Dimitra Vulcana), o
“Tempero Drag” nos chama a atenção pelo foco dado ao desenvolvimento da personagem e do
seu universo diegético¹, processo que está em constante diálogo com o propósito do projeto,
qual seja, o de tratar de temas sociais e políticos com humor e arte.
4.1 Metodologia
Como o problema da presente pesquisa refere-se aos efeitos que o uso da linguagem
teatral no Tempero Drag gera em seu público, utiliza-se da ferramenta de entrevistas para
coletar os dados necessários para a análise. Foi proposto que cada entrevistada e entrevistado
assistisse a um mesmo vídeo do canal Tempero Drag, escolhido pelos autores deste artigo, e
somente depois respondessem a um conjunto de questões, algumas delas fechadas e outras
abertas. À luz das elaborações de Bertolt Brecht compiladas na obra Teatro Dialético, tais
questões foram redigidas de modo que, com as respostas, fosse possível identificar se a
espectadora ou espectador assumiu uma postura ativa e crítica enquanto assistia o vídeo e em
que momentos dele tal postura se aflorou mais. Antes mesmo que fossem consultadas as
respostas coletadas, foi também elaborado um padrão do que seria esperado como resposta caso
esse tipo de atitude tenha de fato sido suscitada na pessoa entrevistada, de modo que a posterior
análise dos dados obtidos fosse mais objetiva e esclarecedora.
Quanto à escolha do vídeo para a pesquisa, buscou-se algum que tivesse um uso mais
acentuado da personagem Rita Von Hunty, ou seja, uma esquete inicial mais longa e com maior
sustentação por parte do ator do sotaque, trejeitos e expressões próprios durante todo o vídeo.
Tais critérios se fazem necessários na medida em que a presente pesquisa tem como tema
central o uso da linguagem teatral no canal Tempero Drag, e também levando em consideração
de que alguns vídeos tem a presença de elementos diegéticos da personagem criada por
Guilherme Terreri de maneira mais acentuada que outros, de modo que era necessário realizar
uma seleção cuidadosa das peças audiovisuais. Por fim, um aspecto decisivo foi que no vídeo
escolhido, “O FUTURO DO TRABALHO”, Rita Von Hunty, faz um chamado acalorado para
que quem a assiste tome as rédeas de seu processo de apreensão e tome nota das autores e atores
das referências citadas que lhe interessarem, incentivando que pause o vídeo, se necessário.
Sendo assim, elaborou-se um roteiro de entrevista com dez questões, as quais foram
organizadas em um formulário digital na plataforma Google Forms. Ele foi divulgado em redes
sociais digitais com as seguintes recomendações: “Primeiro, assista com muita atenção ao vídeo
"O FUTURO DO TRABALHO", do início ao fim.
É recomendável que você o assista na velocidade normal e, se possível, use fones de
ouvido. Apenas depois de assistir ao vídeo completo, responda a esse pequeno questionário
anônimo com o máximo de sinceridade possível”, juntamente com dois links: um direcionando
para o vídeo no Youtube e outro para o formulário criado na plataforma Google Forms.
As recomendações também foram inseridas no cabeçalho do próprio formulário.
As cinco primeiras questões foram elaboradas de modo que conseguíssemos lidar com
os dados coletados de maneira mais precisa, uma vez que tais recortes sociais possuem
importante peso na maneira como cada pessoa experiencia o mundo e, consequentemente, lida
com conteúdos midiáticos. As demais questões foram norteadas pela necessidade de se
identificar se houve uma atitude ativa da pessoa entrevistada com relação ao vídeo. Ao fim do
período de coleta de dados, obtivemos 18 entrevistas no total.
Como citado anteriormente, uma das principais referências no que diz ao teatro político
é o trabalho de Bertolt Brecht. Em sua busca de desenvolver novas formas de fazer teatro,
capazes de interferir na luta de classes de modo a fortalecer a conscientização e organização
política da classe trabalhadora, Brecht buscava uma síntese entre o que pareciam ser dois pólos
opostos no fazer teatral, ou seja, o conhecimento e a diversão.
Suas investigações o levaram a desvendar conceitos e técnicas que poderiam nortear a
criação dessas novas formas de teatro. Entre eles está o conceito de distanciamento, muito caro
à presente pesquisa tanto por ser central na elaboração bretchiana, quanto por ser o conceito
que nos ajuda a investigar se a linguagem teatral no Tempero Drag está, de fato, contribuindo
para a formação de um público ativo e crítico diante de seu conteúdo. Tal conceito diz respeito,
primeiramente, a um afastamento emocional da plateia em relação ao que se passa no palco, de
modo que ela possa se aproximar criticamente. No entanto há também um segundo efeito na
plateia, que indica sua apreensão crítica da peça: a postura ativa durante o espetáculo. Ou seja,
o que Brecht buscava era incentivar a plateia a reagir, opinar, tomar decisões e escolher um
lado nos conflitos que se apresentassem.
Para alcançar o distanciamento da plateia, Brecht identificou que algumas técnicas
poderiam ser úteis, sendo possível realizar conexões entre elas e o tipo de atuação realizado no
canal Tempero Drag. Em um de seus escritos, por exemplo, Brecht afirma que “Em momento
algum deve o ator transformar-se completamente em sua personagem” (MACIEL, 1967, p.
203), técnica bastante visível em Rita Von Hunty, uma vez que Terreri permite oscilações entre
as características criadas para a personagem e suas características de ator oscilarem entre si. Em
outro momento do texto, o autor defende que o ator ou a atriz “não deve também simular que o
que está acontecendo no palco não foi ensaiado, e que está acontecendo pela primeira e única
vez”, o que pode ser observado nos vídeos do canal através dos frequentes comentários de Rita
sobre os preparativos que faz para a gravação e até mesmo na coreografia inicial que acompanha
o momento em que ela diz “em algum local desta tela”, a qual se tornou uma das marcas de
seus vídeos. Esses e outros paralelos que podem ser traçados entre a linguagem teatral presente
no Tempero Drag e as elaborações brechtianas levou os autores do presente artigo a lançarem
sua hipótese e buscarem confrontá-la com as entrevistas realizadas.
Para a análise dos dados coletados, escolhemos focar na segunda metade das perguntas,
ou seja, aquelas relacionadas à percepção da pessoa entrevistada em relação ao vídeo, usando a
primeira metade das perguntas – relacionadas a características sociais da entrevistada – para
elucidar os resultados que obtivemos, quando necessário.
Dito isso, comecemos pelas duas primeiras questões do segundo bloco, as quais foram
elaboradas de modo a identificar se houve distanciamento na medida da sua capacidade de
tomar uma posição autônoma acerca do conteúdo. À primeira delas, “Você discordou de algo?
Se sim, o quê?”, obtivemos apenas 3 respostas mais elaboradas sobre discordâncias,
ponderações e/ou dúvidas, e 15 respostas similares a um simples “não”. À segunda, “Você
concordou com algo? Se sim, o quê?”, foram 14 as respostas elaboradas e 4 respostas similares
a “tudo”.
Na questão “Durante o vídeo, você realizou alguma ação? (Se for o caso, fique à vontade
para marcar mais de uma resposta)”, nos chama a atenção que 10 pessoas indicaram que
pausaram o vídeo em algum momento e 9 sinalizaram que o retrocederam em algum momento,
o que pode indicar uma interação ativa com a peça audiovisual a fim de compreendê-la melhor.
Além disso, na opção “outro” foram enviados relatos interessantes e indicativos de atividade:
“mandei o vídeo pra minha mãe, que é muito de direita”, “pesquisei a notícia sobre a jornada
de trabalho da Finlândia” e “Desabafei com uma camarada de luta. A consciência de classe nos
revolta. O liberalismo é mau caratismo. É preciso organizar o ódio”. Levando em conta todas
as respostas a essa questão, apenas 1 das 18 pessoas entrevistadas respondeu “assisti sem
pausar”, o que pode indicar uma atitude passiva.
À pergunta “Você acessou as referências presentes na descrição do vídeo?” obtivemos
8 respostas que indicavam maior atividade do público, sendo 6 delas “Acessei e salvei para ler
em outro momento” e 2 similares a “vou ler depois”. No entanto, nos chama a atenção que 7
pessoas marcaram a opção “Não acessei porque não tive interesse” e 1 marcou “Acessei mas
não li na íntegra e não vou ler depois”. Além disso, 2 marcaram “Não acessei porque já conheço
as referências”, o que não consideramos uma indicação de atitude totalmente passiva.
Por fim, à questão aberta “Sem retornar ao vídeo, você consegue citar algum momento
dele que ficou na sua memória? Se sim, qual?”, conseguimos identificar que os momentos mais
citados nas respostas foram os que Rita trouxe exemplos concretos da realidade para tecer seus
argumentos (10 citações), quando ela fala sobre a desumanização do trabalhador sob o sistema
capitalista (7 citações), a esquete inicial (5 citações), as passagens de Karl Marx trazidas pela
drag (4 citações), as menções acerca da articulação da burguesia para manter o desemprego
como um projeto (4 citações) e, finalmente, 2 citações relacionadas diretamente a percepções
sobre a drag Rita Von Hunty. Interessante perceber o peso que os temas se conectam
diretamente com o cotidiano do povo trabalhador tiveram nessas respostas, podendo indicar o
alcance de uma visão crítica – e, portanto, distanciada – da própria vida.
De maneira geral, portanto, avaliamos que as respostas obtidas nas entrevistas indicam
que o vídeo do canal Tempero Drag selecionado para a pesquisa alcançou o efeito de
distanciamento, gerando uma atitude ativa entre as pessoas entrevistadas indicou ter alcançado.
Há que se fazer, no entanto, ao menos três ponderações. Primeiro, salientar que observamos
uma tendência maior em se elaborar concordâncias do que discordâncias e ponderações,
apresentando o desafio de dar um passo além no desenvolvimento da crítica do público por
meio da linguagem do canal. Segundo, identifica-se a necessidade de “polimento” das questões
realizadas nas entrevistas, de modo que possamos identificar com mais precisão em que medida
o uso da linguagem teatral é a responsável pelo efeito de distanciamento gerado. E terceiro,
identifica-se que é preciso aplicar essa entrevista a mais pessoas, de esferas sociais mais
diversas entre si, para obter resultados ainda mais ricos e esclarecedores.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo se digladiado em meio à escolha entre a estética e a política, o teatro político
brasileiro esteve usualmente no polo da política, renunciando à primazia da estética como se
renuncia a uma tentação. A linguagem teatral utilizada no canal Tempero Drag, no entanto, ao
associar a arte drag – genuinamente teatral – à realização de debates políticos, logra alcançar
uma importante síntese entre os dois caminhos. Trabalhando a tensão entre gêneros por meio
da estética, Guilherme Terreri segue o caminho aberto pelas demais Drag Queens ao longo da
história de tocar nas feridas da sociedade ao vestir seus padrões arbitrários e evidenciar o quão
vazios de sentido eles são (quando seguidos cegamente e assumidos como naturais).
Explorando a tensão entre personagem e ator, Terreri mantém seu público atento, aberto a
reflexão e tendendo a uma posição mais ativa, o que contribui na percepção crítica do seu
próprio cotidiano.
REFERÊNCIAS
AMANAJÁS, Igor. Drag queen: um percurso histórico pela arte dos atores transformistas.
Revista Belas Artes, São Paulo, n. 16, set-dez/2014
BORGES, Stephanie da Silva. O teatro político brasileiro e seus engajamentos antípodas. Anais
do IV Seminário do Programa de Pós-Graduação em Literatura Brasileira FFLCH-USP,
São Paulo, mar. 2018.
COSTA, Iná Camargo. Teatro político no Brasil. Trans/Form/Ação, São Paulo, 24: 113-120,
2001.
FREDERICO, Celso. Teatro, comunicação, pedagogia: notas sobre Brecht. Comunicação &
Educação, São Paulo, abr. 2010. p. 35-44.
JÚNIOR, Wilson Corrêa da Fonseca. Análise de Conteúdo. In: DUARTE, Jorge; BARROS,
Antonio. Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação. São Paulo: Atlas, 2005.
MACIEL, Luiz Carlos (org.). Teatro Dialético. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira
S. A, 1967.
1. INTRODUÇÃ O
Toda mulher tem uma história de medo para contar. E tanto maior é esse medo, quanto
pior for a sua condição de existência. Mulheres tem medo da violência sexual; mulheres tem
medo da morte que vem pelas mãos dos companheiros; mulheres tem medo de amar outras
mulheres; mulheres tem medo do desemprego; mulheres tem medo da maternidade porque tem
medo do desemprego. Mulheres têm medo do silenciamento no trabalho e nos estudos.
Mulheres têm medo dos comentários sobre seus corpos e atitudes. Desde os tempos bíblicos,
até os dias atuais, mulheres trazem consigo uma sensação de que a sorte é sempre a do outro,
porque o azar sempre recai sobre elas (DOMINGUES, 2010, p.43). Nos dois últimos anos
(2019/2020), 5.077 mulheres morreram no país em decorrência de feminicídios, que são crimes
de ódio motivados pela condição de gênero13. A situação se agravou ainda mais por conta do
confinamento e pela falta de sustento das famílias, gerados pela pandemia de COVID-19.
A violência contra a mulher, contudo, não se limita ao físico, mas também atinge outras
áreas da existência como, a material: mulheres ganham, em média, 20% a menos do que os
homens14; e a emocional: 80% dos casos de violência psicológica tem mulheres como vítimas 15.
As estatísticas são infindáveis e sempre desfavoráveis. Trazem, com os muitos números que
nos atordoam, um mesmo sentimento: a desconsideração com tudo o que é feminino.
Traduzidas pelo pensamento disseminado de que “coisa de mulher” é coisa fraca ou que merece
13
https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2020/03/05/mesmo-com-queda-recorde-de-mortes-de-
mulheres-brasil-tem-alta-no-numero-de-feminicidios-em-2019.ghtml e
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/06/brasil-registra-1338-feminicidios-na-pandemia-com-forte-alta-
no-norte-e-no-centro-oeste.shtml . Acesso em 27 de abril de 2020 e 19 de junho de 2021.
14
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2019/03/08/ibge-salario-medio-das-mulheres-corresponde-a-795-ao-dos-
homens.ghtml, Acesso em 27 de abril de 2020.
15
Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde. Acessado em
http://www.generonumero.media/violencia-psicologica-vitimas-lei-maria-da-penha-relacionamento-abusivo/.
Acesso em 27 de abril de 2020.
ser desprezada, as estatísticas crescem na proporção do sofrimento. A banalização das situações
de violências assola o país ainda de mentalidade machista e patriarcal. Uma sociedade patriarcal
é aquela que justifica a submissão das mulheres aos homens, justificando esta submissão a
instituições como família, religião, escola e leis, usando de uma “ideologia que ensina que as
mulheres são naturalmente inferiores” (ARONOVICH, 2019, p. 21).
No entanto, como ressaltou Domingues (2010), “o sofrimento pode forçar o pensamento
a pensar o impensável e a criar sentidos para a dor”. (2010, p. 28). E é desse tema que se ocupa
este texto, resultado de pesquisa. Da necessidade de compreender de que maneira a imprensa
massiva e ou comercial está pautando as discussões da desigualdade de gênero em sua cobertura
noticiosa, a partir do projeto Celina iniciado em pelo jornal O Globo no dia 08 de março do ano
passado. O nome é uma homenagem a Celina Guimarães Viana, primeira mulher a exercer o
direito de voto no Brasil, em 1928. O projeto Celina foi criado na redação de O Globo de
maneira a comportar reportagens de todas as editorias do jornal que abordem os temas
relacionados aos direitos das mulheres à igualdade de gênero. Os conteúdos são
disponibilizados nas versões impressa e digital. A editora responsável pelo projeto, Maria
Fernanda Delmas, afirma, em entrevista ao portal Celina, na página de O Globo, na internet,
que o Celina “surgiu a partir de conversas na redação de que estes temas deveriam ser cobertos
de maneira mais assertiva”.16 Entende-se que, tardiamente, a imprensa comercial compreendeu
que não pode mais ficar de fora das discussões da perspectiva de gênero, que já estão sendo
feitas pela imprensa não comercial como os portais Geledés 17 e Catarinas18.
Na revisão teórica dos estudos de jornalismo que tangenciam essa temática, identificam-
se quatro eixos de abordagens. O primeiro diz respeito à especificidade da existência de uma
imprensa feminista, com enfoque da atuação desta imprensa nos momentos históricos
brasileiros. São assim os trabalhos de Woitowicz (2012; 2014) que abordam uma imprensa que
noticia a busca das mulheres pelo direito ao ativismo e à cidadania; e o que destaca o papel da
imprensa feminista durante a ditadura militar brasileira. Nos dois trabalhos a autora enfoca o
esforço para organizar movimentos de conquista de direitos, sendo o segundo trabalho:
16
https://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2019/03/08/celina-o-projeto-do-globo-que-foca-
diversidade.html. Acesso em 27 de abril de 2020.
17
https://www.geledes.org.br/. Acesso em 27 de abril de 2020.
18
https://catarinas.info/. Acesso em 27 de abril de 2020.
Resistência das mulheres na ditadura militar brasileira, imprensa feminista e práticas de
ativismo (2014), elaborado com base nessas práticas observadas nas décadas de 1970 e 1980.
O segundo eixo diz respeito a temas feministas em jornais comerciais. Destacamos o trabalho
de Sarmento (2019) que abordou a cobertura jornalística sobre o feminismo brasileiro
enfocando a relação público e privado nas narrativas sobre ativismo, tendo como base o Jornal
Folha de São Paulo. O período coberto pelo estudo foi de 1921 a 2016.
Quanto à terceira perspectiva, trata dos estudos do jornalismo em portais de notícias não
comerciais, caracterizados pelo que entendemos de mídia de nicho, uma vez que voltam sua
produção para pessoas já interessadas nos estudos de gênero, raça e na interseccionalidade
existente. Na mídia de nicho, o público já entende algumas questões e conceitos que não
precisam ser detalhados, uma vez que a audiência já tem a condição necessária para
compreender os assuntos tratados sem a explícita explicação das temáticas. Este movimento
não é possível à mídia comercial porque esta fala para muitos públicos e está, sempre, em busca
de outros novos. Dentre esses estudos – o de portais de notícias alternativos - destacamos o
trabalho de Costa (2017): Jornalismo Feminista – o impacto das problematizaç ões de gênero
na prática jornalística, que aborda o jornalismo feito pelo Portal de Notícias Catarinas, fundado
em 2016. Nesse estudo, a autora defende que o “feminismo tem muito a acrescentar ao
jornalismo e que o trabalho desenvolvido por jornalistas feministas pode trazer um novo olhar
sobre a profissão” (COSTA, 2017, p.17), uma vez que os parâmetros da objetividade e da
imparcialidade já não são possíveis em um jornalismo que tem uma causa.
Por último, em uma quarta perspectiva, trabalhando no encontro entre a mídia comercial
e os portais de notícias alternativos, destacamos o estudo de Cruz (2018) que analisa a cobertura
noticiosa sobre a violência contra mulheres negras realizadas pelo jornal Folha de São Paulo e
pelo Portal Geledés, especializado na abordagem dos temas interseccionais de gênero e raça.
Neste trabalho a autora procurou compreender como a grande imprensa abordou a questão dos
direitos das mulheres negras e suas respectivas lutas quando estes assuntos foram abordados
por autoras ativistas negras. O estudo analisou os materiais online disponibilizados pela Folha
de São Paulo e pelo Portal Geledés. Assim, entendemos que podemos selecionar os estudos de
jornalismo que envolvem a temática proposta por essa pesquisa em (1) estudos de uma imprensa
declaradamente feminista, feita a partir de jornais menores; (2) estudos que enfocam temas
feministas em jornais comerciais; (3) estudos que tratam de abordagens noticiosas em portais
de notícias não comerciais e/ou alternativos e (4) os estudos que se dedicam a compreender as
ressonâncias e dissidências entre a mídia comercial e os portais de notícia alternativos. Com
base nesse levantamento que realizamos e nos próximos que serão pesquisados ao longo da
execução do projeto, entendemos que teremos que estudar a contribuição de cada um desses
eixos, uma vez que projeto Celina não é declarado como imprensa feminista, embora trate de
questões presentes no jornalismo declarado como tal. A classificação do Celina também é
complexa porque ele não é admitido como uma editoria fixa dentro de O Globo, nem é um
portal de mídia independente como o Projeto Catarinas e o Projeto Geledés. E a ausência de
uma definição teórica adequada para entender esse objeto, nos move ainda mais em direção à
essa pesquisa, uma vez que entendemos que é preciso compreender os fenômenos emergentes
do e no Jornalismo.
Teoricamente, entendemos que este projeto também terá que se debruçar sobre os
estudos feministas que estão sendo, finalmente, publicados e comunicados em eventos
científicos, livros e artigos especializados. Também defendemos que o estudo dessa literatura
específica pode nos ajudar a compreender conceitos, contextos e construções históricas acerca
do que foi produzido como conhecimento acerca da mulher, bem como as problematizações
que as estudiosas estão fazendo quando nos apresentam abordagens de questões como
patriarcado, gênero como categoria, identidades, opressões, interseccionalidades e
feminismo(s). Com (LERNER, 2019 e ARONOVICH, 2019) entendemos que o patriarcado é
um conceito formulado para denunciar um sistema cultural que preconiza a anulação do
feminino diante do masculino. Esse sistema não funcionaria, segundo as autoras, se não
estivesse ancorado em instituições constitutivas de nossa sociedade como família, religião,
sistemas educacionais que privam mulheres de uma educação emancipadora/libertadora.
A criação de um sistema patriarcal está profundamente relacionada à noção de
propriedade privada que autoriza homens a “serem os donos” do sistema reprodutivo, material,
político e cultural das mulheres. Até hoje podemos entender bem como isso se dá no dia a dia
de mulheres quando conhecemos o preconceito destinado àquelas que desejam ter filhos, mas
não desejam ter homens. “Mãe solteira”; “Quem é o pai?”; “Filho de quem?” são antes de
perguntas, violências praticadas contra mulheres até mesmo por mulheres, uma vez que,
segundo Lerner (2019) e Aronovich (2019) o patriarcado não teria sido instalado com tanto
sucesso em nossa sociedade se ele não contasse com o apoio das mulheres para o seu
desenvolvimento. O mesmo acontece nas demais instâncias. Às mulheres foi proibido, por
muito tempo, o direito de trabalhar “fora” (as poucas profissões permitidas eram as de
professoras, enfermeiras e costureiras) e o “trabalho de casa” sempre foi invisibilizado por ser
considerado menor, embora saibamos todo o esforço que ele necessita para ser realizado.
Nas instâncias políticas e culturais, a situação também se repete. O direito do voto de
mulheres só foi equiparado aos dos homens em 1965 (LIMONGI, OLIVEIRA E SCHMITT,
19
2020). Além disso, mulheres que ousavam carreiras artísticas sempre recebiam os piores
insultos porque arte só pode ser coisa de “vagabunda” ou, a uma artista só é possível aparecer
se ela estiver tutelada por um homem. Residem aí as histórias de Camile Claudell e Frida Kahlo.
No Brasil, segundo a historiadora de artes, Ana Paula Simioni (2018) as mulheres tinham que
se “contentar” com o status de amadoras, não obstante a qualidade de seus trabalhos, uma vez
que não lhes era dado o direito de buscar profissionalização, porque “até 1889, as mulheres
eram proibidas de se inscrever na maior parte dos cursos superiores. Apenas após a proclamação
da República, o acesso ao estudo foi liberado e, mesmo assim, ainda havia uma forte oposição
da sociedade”. (SIMIONI, 2018.s/p).20
A discussão de gênero está profundamente imbricada nas relações de poder, uma vez
que a categoria gênero é um elemento constitutivo das “relações sociais baseado nas diferenças
percebidas entre os sexos; uma forma primeira de significar as relações de poder”. (SCOTT,
2019, p.48). Com Audre Lorde (2019) entendemos que as opressões não deveriam ser
hierarquizadas porque a luta contra a intolerância não seria a luta de um grupo específico.
Assim, esta autora também aborda um conceito caro que é o da interseccionalidade, uma vez
que sempre seremos menores se negarmos aos outros, toda a luta que empreendemos em nossos
direitos de existir (LORDE, 2019, p. 236). Então, para Lorde (2019), devemos falar de
feminismo, de racismo, de sexismo, de luta de classes, e de todas as outras opressões que se
atravessam nos muitos contextos das existências de mulheres. E é também com Lorde que
encerramos essa breve revisão, entendendo que fomos preparados para reagir ou com medo ou
com ódio às diferenças humanas.
E como não será para nós possível ignorar essas diferenças, fabricamos duas maneiras
de lidar com elas: “imitá-las se acharmos que são dominantes, ou destruí-las se acharmos que
são subordinadas” (LORDE, 2019, p. 238). Segundo a autora, não nos foram ensinados modelos
para conviver com nossas diferenças e estas têm sido mal interpretadas e mal utilizadas a
serviço da separação. Ou, como respeitosamente gostamos de acrescentar, a serviço da
dominação.
19
Só uma observação em tempo. A Celina que dá nome ao projeto que pretendemos estudar, teve o direito de voto
cassado.
20
https://artebrasileiros.com.br/da-redacao/as-artistas-esquecidas-pela-historia. Acesso em 27 de abril de 2020.
4. MOTIVAÇÕES DESTE ESTUDO
A pesquisa que originou este texto se insere na área de Comunicaçaõ Social, nos Estudos
de Jornalismo e nos Estudos do Pensamento Feminista. Entende-se que a tomada de
conhecimento sobre o projeto Celina será de grande contribuição para a área porque esta é a
primeira vez que os temas do combate à violência de gênero, às opressões e às invisibilidades
das mulheres chega nas páginas de um grande jornal do país, no caso o jornal O Globo, como
um projeto do jornal. Também entendemos a importância da tipologia destes estudos na
contribuição teórica e nos avanços conceituais. Como foi mencionado na revisão de literatura
– parte dos Estudos de Jornalismo versus Feminismo – o projeto Celina não é um jornalismo
que se declara feminista; não é também um jornalismo que deixa os assuntos específico de
denúncias contra a existência de mulheres diluído em suas páginas e nem é um jornalismo
informacional, que trabalhe apenas com dados e declarações.
No Celina estão pautados debates, e as matérias informacionais estão sempre
acompanhadas de uma análise daquela conjuntura a partir das fontes selecionadas para tal
questão. Há também uma outra intersecção que nos instiga. O Celina não é um Portal de
Notícias como o Catarinas ou o Geledés. Celina tem culturalmente os valores dos dois portais
citados anteriormente, mas ele foi gestado dentro de uma grande mídia de massa. Portanto, é
preciso entender esta gênese, uma vez que esta, reiteramos, é uma iniciativa pioneira na mídia
massiva brasileira. Também entendemos que estudos desta natureza devem ser realizados
porque a mídia exerce um papel ambivalente no sentido de defesa das causas das mulheres:
mesmo que o objetivo prioritário seja vender, ainda que padronize enfoques e, ainda que noticie
para um público conservador, a iniciativa do Celina, abordada neste artigo, também permite o
acesso a fontes e pensamentos que, se não fosse essa nova moldura, talvez não estivessem
presentes nas páginas de O Globo. Há ainda uma outra questão que gostaríamos de apresentar.
Alguns leitores evitam a leitura de temas identitários e de defesas de causas por uma série de
fatores. Contudo, com esse projeto editorial dentro das páginas e do site de O Globo, é
praticamente inevitável ter contato com os temas dadas a distinção e a apresentação com que
Celina é levado ao público leitor.
21
Em uma breve explicação sobre valores notícia, aprendemos que a informação como dado bruto não é notícia.
A notícia é um produto elaborado, trabalhada a partir de valores que aumentam sua possibilidade de vir a público.
Dentre estes valores, destacamos a proximidade com o fato, a quantidade de pessoas envolvidas, a repetição da
ocorrência do acontecimento, entre outros (WOLF, 1999).
atitude de abandonar o silenciamento dos temas que envolvem a desconsideração com a vida
das mulheres.
6. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ARONOVICH. Lola. Prefácio. In: LERNER, Gerda. A Criação do Patriarcado. História da
opressão das mulheres pelos homens. São Paulo, Cultrix, 2019. p. 19-25.
BÔAS, Bruno Villas. IBGE: Salário médio das mulheres corresponde a 79,5 ao dos
homens. Disponível em https://valor.globo.com/brasil/noticia/2019/03/08/ibge-salario-medio-
das-mulheres-corresponde-a-795-ao-dos-homens.ghtml. Acessado em 27 de abril de 2020.
Coronavírus: durante a quarentena, violência doméstica aumenta ainda mais nos países da
América Latina. Jornal AFP/O GLOBO, Rio de Janeiro, 22/04/2020. Projeto Celina.
Disponível em https://oglobo.globo.com/celina/coronavirus-durante-quarentena-violencia-
domestica-aumenta-ainda-mais-nos-paises-da-america-latina-24387467. Acessado em 27 de
abril de 2020.
CRUZ, Agnes Sofia Guimarães. Dados e narrativas sobre a violência contra mulheres
negras: uma análise da cobertura noticiosa da Folha de São Paulo e do conteúdo produzido
pelo Portal Geledés. Dissertação (Mestrado em Comunicação). Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho. Pág. 17 – 108. Bauru, São Paulo, 2018.
FERREIRA, Lola. A dor da alma: Explícita na Lei Maria da Penha, violência psicológica faz
50 mil vítimas entre mulheres por ano, mas ainda não conta com punição. Gênero e Número,
Rio de Janeiro, 08/08/2019. Disponível em http://www.generonumero.media/violencia-
psicologica-vitimas-lei-maria-da-penha-relacionamento-abusivo/. Acessado em 27 de abril de
2020.
LERNER, Gerda. A Criação do Patriarcado. História da opressão das mulheres pelos homens.
São Paulo, Cultrix, 2019.
LEVIN, Teresa. Celina: o projeto do Globo que foca diversidade. Meio e Mensagem, 08 de
março de 2019. Disponível em
https://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2019/03/08/celina-o-projeto-do-globo-que-
foca-diversidade.html. Acessado em 27 de abril de 2020.
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2019. p. 235-236.
PRAZERES, Leandro; MAIA, Gustavo; MARIZ, Renata e SOUZA, André de. Damares diz
que denúncias de violência contra a mulher aumentaram 9% durante pandemia. Jornal O
Globo. Disponível em https://oglobo.globo.com/sociedade/celina/damares-diz-que-denuncias-
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SCOTT, Joan. Gênero: Uma categoria útil para análise histórica. In: HOLLANDA, Heloisa
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Tempo, 2019. p. 49-80.
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Disponível em https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2020/03/05/mesmo-com-
queda-recorde-de-mortes-de-mulheres-brasil-tem-alta-no-numero-de-feminicidios-em-
2019.ghtml. Acessado em 27 de abril de 2020.
WOITOWICZ, Karina Janz. Imprensa Feminista no contexto das lutas das mulheres: ativismo
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N. 01. Pág. 01 – 18. Jan/Jun, 2012. Disponível em
https://revistas.ufpr.br/acaomidiatica/article/view/27915/19299. Acessado em 27 de abril de
2020.
INTRODUÇÃO
22
Inicialmente, a outra integrante e bolsista do Programa de Bolsa de Iniciação Científica (PIBIC/UFSJ), Ketherlin
Merilin Xavier, também orientada pela professora Dra. Patrícia Matttos, realizou o levantamento de todos os
dossiês publicados pela REF de 2000 a 2020, disponíveis para acesso online na plataforma SciELO e os organizou
em uma planilha no Excel contendo a data das publicações e os títulos dos mesmos
23
Em virtude da pandemia de Covid-19, os encontros foram realizados de forma semanal ou quinzenal através da
plataforma Google Meet. A orientadora, Patrícia Mattos, selecionava o dossiê a ser analisado e as alunas se
organizavam para ler os artigos incluídos e trazer para a discussão no encontro marcado. Iniciamos a leitura a partir
dos que foram publicados mais recentemente, isto é, no ano de 2020, como forma de trazer a discussão mais
próxima à realidade atual, em tempos de retrocessos na agenda feminista pela eleição de Jair Bolsonaro à
Presidência da República. Em março de 2021 organizamos a dinâmica dos encontros e começamos, de fato, no
mês seguinte, na modalidade virtual (via Google Meet), uma vez que a pandemia ainda perdurava.
Quanto à análise propriamente dita dos dossiês temáticos da Revista, no início, eram
lidos e analisados todos os artigos presentes que, em média, eram em torno de seis artigos por
dossiê. Conforme a pesquisa foi sendo desenvolvida, por sugestão da orientadora, houve um
recorte para que se concentrasse a leitura e a análise em quatro artigos por dossiê, permitindo
um maior aprofundamento da investigação. Além dos dossiês, nós, bolsistas, passamos a
analisar também os editoriais gerais da revista, publicados em cada edição, como forma de
entendermos o espírito do tempo em que aquele trabalho havia sido escrito. As publicações da
REF contam com dois editoriais, um referente ao conteúdo de todos os artigos publicados na
revista, elaborado pelas autoras que compõem o corpo editorial, e outro referente aos textos que
compõem o dossiê, escrito pelas/os organizadoras/es do dossiê. O editorial elaborado pelas
editoras da REF costuma expressar como se encontra a conjuntura política e social do país
naquele período, importante para identificarmos quais temáticas estavam emergindo na
sociedade e como o feminismo da época dialogava com elas.
Em relação à minha percepção do projeto, avalio que a forma com que o trabalho foi
conduzido foi bastante confortável. Começarmos por dossiês mais atuais foi uma estratégia
interessante, visto que estamos vivendo os tempos e lendo sobre os tempos, o que auxiliou até
mesmo na adesão ao projeto. A partir de um tempo de encontros, começamos a mesclar artigos
de dossiês mais antigos com alguns mais novos e foi ainda mais interessante poder, então,
estabelecer uma linha do tempo dos acontecimentos. Os encontros eram agradáveis e nossas
discussões me inspiraram bastante em outros segmentos da minha formação, como a ideia para
o meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).
3. RESULTADOS DA PESQUISA
Dentre os 24 dossiês que foram analisados, alguns chamaram mais atenção, seja por sua
complexidade, seja por sua relevância. Pelas análises no trabalho realizado, foi possível
observar que, enquanto alguns temas se mantinham em destaque nas publicações, aparecendo
em diversas edições, outros surgiam de forma pontual. Desta forma, percebe-se que os temas
recorrentes acabam por refletir os debates que ocorriam no meio acadêmico, nos movimentos
feministas e na sociedade em geral e, em sua maioria, são os que tratam da implementação de
políticas públicas e dão início a um processo de mudança de mentalidade.
Foram inúmeros artigos lidos que perpassam várias correntes teóricas e, neste texto,
serão abordados os temas que mais ganharam destaque nas discussões dos dossiês e que foram
mais interessantes para o aprofundamento dos debates sobre as conquistas, desafios e
obstáculos para a implementação de uma agenda feminista que garanta os direitos das mulheres
no Brasil.
3.2 Advocacy, os Fóruns Sociais Mundiais e o impacto nas políticas públicas no campo dos
direitos das mulheres
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
FIGUEIREDO, Angela e GOMES, Patrícia Godinho. Para além dos feminismos: uma
experiência comparada entre Guiné-Bissau e Brasil. Revista Estudos Feministas [online].
2016, v. 24, n. 3.
______________. Para uma crítica das crises do capitalismo: entrevista com Nancy Fraser.
Perspectivas, v. 49, 2017.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras,
1995.
KECK, Margaret E. & SIKKING, Kathryn. Activist beyond borders: advocacy networks in
international politics Ithaca, NY, Cornell University Press, 1998.
MACIEL, Débora Alves. Ação coletiva, mobilização do direito e instituições políticas: o caso
da campanha da lei Maria da Penha. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. v. 26, n.
77, 2011.
MAIA, Cláudia de Jesus. Rebeldia e insubmissão. O feminismo e o movimento das mulheres
no Brasil contemporâneo. In: JESUS, Isabel Henrique de; RIBEIRO, Paula Gomes; MIRA,
Rita; CASTRO, Zilia Odoro de (org.). Falar de mulheres – dez anos depois. Húmus, 2016.
MATTE, Diane. Um espaço para a mudança. Revista Estudos Feministas [online]. v. 11, n.
2. Epub, 2004.
MATTOS, Patrícia. “Os rumos do feminismo no Brasil: conquistas, disputas e desafios”. In:
PAIVA, Ângela R.; NETO, Fernando Cardoso Lima; SANCHES, Taísa (orgs.). Movimentos e
coletivos sociais: categorias em disputa? Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio e Pallas, 2022.
McCLINTOCK, Anne. Couro Imperial: Raça, Gênero e sexualidade no embate colonial
Campinas: EDUnicamp, 2010.
MINELLA, Luzinete Simões; LAGO, Mara Coelho de Souza; RAMOS, Tânia Regina Oliveira;
WOLFF, Cristina Scheibe. “Remando contra a maré, publicamos mais um número da Revista”.
Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 3, e84495, 2021.
MOUTINHO, Laura. “The obter side? Das implicações morais de certos horizontes
imaginativos na África do Sul”. Anuário Antropológico, Brasília, UnB, v. 40, n. 2, 2015.
PISCITELLI, Adriana; BELELI, Iara e LOPES, Maria Margaret. Cadernos Pagu: contribuindo
para a consolidação de um campo de estudos. Revista Estudos Feministas [online]. v. 11, n.
1, 2003.
SCOTT, Joan. História das Mulheres. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas
perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992.
Capítulo 7
RESUMO: O objetivo deste artigo é demonstrar que as falas machistas, formatadas pela
“retórica do ódio” (ROCHA, 2021), de Jair Bolsonaro e seus apoiadores, proferidas no período
entre 22 de julho de 2018 e 7 de setembro de 2022 são parte integrante da sua campanha
permanente (MARTINS, 2020), entendida como a confluência entre a comunicação
governamental e a comunicação eleitoral, utilizada como estratégia, visando a conquista e
manutenção do poder.
1 INTRODUÇÃO
A idealização deste artigo surgiu após o discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro no dia
sete de setembro de dois mil e vinte e dois, o que, somado a todos seus dizeres, sempre deixou
claro que era alguém nos moldes de “homem” que a sociedade estabelece como ideal.
Mas, o discurso no Dia da Independência do Brasil não foi sua única e expressa
manifestação de “ser homem”. As falas machistas de Jair Bolsonaro são temperadaspela
retórica do ódio.
No domingo, 29 de março de 2020, o presidente Jair Bolsonaro, contrariando
todas as diretrizes e recomendações das autoridades de vigilância sanitária, realizou um passeio
nos arredores de Brasília, atraindo aglomerações e a atenção de muitos que estavam nos
arredores e que se aproximavam do presidente. Valendo-se de sua linguagem habitual,
denominada “retórica do ódio” (ROCHA, 2021), disse a respeito da pandemia COVID-19 que
assolava o Brasil e o mundo: “vamos ter que enfrentar como homem, porra. Não como um
moleque”.
Ressalta-se que à época, a recomendação das autoridades científicas de saúde era
que a população brasileira evitasse sair de casa. A retórica do ódio aliada ao machismo sempre
foi uma característica do Jair Bolsonaro em sua campanha permanente.
No entanto, ao observar que as falas machistas, sexistas, misóginas, homofóbicas,
temperadas pela retórica do ódio, de Jair Bolsonaro e seus apoiadores, surgiu a questão: qual a
razão dessa eficácia? Ou seja, por qual motivo falas, na retórica do ódio, de conteúdo machista,
são ingredientes da campanha permanente e por qual motivo teve tanta adesão?
2 METODOLOGIA
3. REVISÃO DE LITERATURA
Deste modo, tudo o que vemos, lemos e absorvermos por toda nossa existência interfere
e molda a forma como vivenciamos o “natural”. Hall (2016) explica que a cultura, ou seja, os
valores que são compartilhados como sociedade, são práticas que carregam sentidos e valores e
que são construídos ao longo do tempo.
Os homens, desde a juventude, consomem conteúdos que sugerem o que é “ser homem”
na sociedade ocidental, auxiliando no estabelecimento dos sentidos criados. A identidade,
conforme Hall (2006), é construída a partir da interação entre o eu e a sociedade.
Ou seja, a noção do que é “ser homem” é formatada pelos aspectos sociais e
compartilhados em comunidade.
Segundo Miklos (2014, p. 107), o conceito de comunidade “indica um grupo de
indivíduos que compartilham o mesmo território, os mesmos valores e crenças, e cujo laço
social estabelece uma solidariedade intensa entre eles”. Ela seria marcada pela homogeneidade
entre os indivíduos que a compõem e a predominância das relações pessoais, os laços familiares,
tradições e ritos coletivos.
Mas o que une machismo, retórica do ódio e campanha permanente? Rocha (2021),
pontua que a retórica do ódio é a linguagem do bolsonarismo. Ela se utiliza de
diversas ferramentas discursivas próprias, saturadas de dramaticidade e clichês. A finalidade
é eliminar simbolicamente o outro, o diferente, odivergente como tática de autoafirmação.
Para isso, Jair Bolsonaro e seus apoiadores lançam mão de sentenças abastecidas de termos
chulos, buscando, por meio do machismo, se autoafirmar e, simultaneamente, desqualificar
completamente o adversário, que é sempre visto como inimigo:
E se o bolsonarismo não somente existir como também tiver
articulado uma visão de mundo bélica, expressa numa linguagem
específica, a retórica do ódio, e codificada numa visão de mundo
coesa, composta por labirínticas teorias conspiratórias, e que advoga
a eliminação de tudo que não seja espelho? Esses elementos forjaram
um poderoso sistema de crenças, responsável pelos míticos 30% que
parecem resistir ao mais elementar princípio de realidade”. (ROCHA,
2021, p. 344.)
A retórica do ódio adota um tom alarmista que, aliado ao eixo da guerra cultural
(corolário criado por Olavo de Carvalho em seu livro, O imbecil coletivo), é exitoso em
amalgamar certa coesão social capaz de resistir a qualquer aspecto da realidade que se encontre
em rota de colisão. Segundo Rocha, as táticas da retórica do ódio são: a técnica da
redundância que lança mão de uma estratégia autoritária de confirmação do pensamento; a
inversão lógica onde a conclusão antecede e ancora as premissas; a eliminação dos mediadores
a qual exige adesão completa, sem críticas; o tom alfabetizador que tarja o contraditor como
imbecil.
A ira da palavra se dispõe à humilhação pública dos adversários e sua consequente
desumanização. Entende-se que as falas machistas, misóginas, homofóbicas, violentas de
Jair Bolsonaro e seus apoiadores, embrulhadas pela linguagem da retórica do ódio, fazem parte
da estratégia de campanha permanente.
João Cezar afirma que a retórica do ódio é baseada naquilo que nominou sistema de
crenças Olavo de Carvalho. Um conjunto de elementos organizados e dispostos de forma
relacional que, uma vez internalizado, resiste às contestações externas. Como um sistema de
crenças, não tem compromisso com o factual, mas apenas com sua coerência interna.
João Cezar explica como a ideia do inimigo interno é utilizada para fomento às fantasias
autoritárias. O Sistema de crenças utiliza de teorias da conspiração e diversos subelementos que
parecem ter estruturas narrativas assemelhadas (nova ordem mundial, maçonaria, globalismo,
esquerdismo, ideologia de gênero, gramscismo, Foro de São Paulo, Método Paulo Freire e
outros moinhos de vento aos milhares) como uma estratégia de mobilização das massas.
Essa eterna estimulação contraditória do “conservador revolucionário antissistema” e do
“rebelde que luta pela preservação da família e dos bons costumes” auxiliar na conversão da
intolerância em capital eleitoral.
A mídia funciona como um espaço em que os políticos buscam ganhar visibilidade e
legitimidade, mas que além disso, acaba por sofrer influência do campo político. Em função do
extenso alcance dos meios midiáticos tradicionais e a popularização da Internet, é necessário
reconhecer que se vive em meio a um bios midiático que modifica o funcionamento da política
e cria novas formas de sociabilidade (SODRÉ, 2011).
Nesse ambiente midiático, fica evidenciado que os atores políticos devem conquistar o
poder de forma ininterrupta. Constata-se que a construção das imagens e os ataques aos
adversários são estratégias que vêm se consolidando, iniciado logo com uma eleição econcluído
com vista a outro pleito. Logo, o principal conceito que norteia a pesquisa é o de Campanha
Permanente – compreendido como o uso de recursos disponíveis no trabalho por parte dos
indivíduos e organizações eleitas - governos, partidos do governo, membros do parlamento,
congressistas ou outros representantes – a fim de se construir e manter o apoio popular. Pode-
se afirmar, então, que nas disputas políticas, os discursos já começam a ser construídos e
desconstruídos antes do período eleitoral (LILLEKER, 2007; BLUMENTHAL; 1980).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BLUMENTHAL, Sidney. The permanent campaign: inside the world of elite political
operatives. Boston: Beacon, 1980.
CONNELL, R.W. Masculinities: knowledge, power and social change. Berkeley University of
California, 1995.
ROCHA, João Cezar de Castro. Guerra cultural e retórica do ódio: crônicas de um Brasil
pós-político. 1ª Edição. Goiânia: Editora e Livraria Caminhos, 2021.
SODRÉ, Muniz. A ciência do comum: notas para o método comunicacional Petrópolis, RJ:
Vozes, 2011.
Capítulo 8
RESUMO: O presente artigo objetiva fazer uma análise para entender o simbolismo por trás
da roupa escolhida pela ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) para seu discurso durante a vitória
de seu companheiro de partido Lula (PT) para a presidência da república em outubro de 2022.
Através de uma pesquisa bibliográfica e documental, realizamos uma análise de conteúdo de
recortes temporais que demonstraram que sim, a escolha da roupa de Dilma teve caráter
simbólico e como o fazer político foi desenvolvido durante sua saída do Palácio da Alvorada e
seu discurso no retorno do PT ao poder.
1. INTRODUÇÃO
Moda é política. Zuzu Angel e os desfiles de denúncia durante a ditadura. Maria Bonita
e seu vestido marcado de sangue como símbolo do cangaço. Maria Antonieta e os luxos ante a
Revolução Francesa. Leila Diniz, a grávida de biquíni. Michelle Obama e a transição capilar
para os cachos. “A moda é um fenômeno social, cultural, econômico e também político pelo
fato de girar em torno da exposição do sujeito ao olhar do outro, e por materializar muitos
acordos e tratados” (AZEVEDO, 2018, p.15). E carrega consigo diversos códigos
indumentários e simbolismos dentro de seus recortes e contextos.
Afinal, se você fosse presidente de um país, que roupa vestiria? Desde a pré-candidatura
da ex-presidenta Dilma Rousseff em 2010 suas roupas começaram a ser analisadas pela
imprensa e mídia sendo pauta recorrente durante a campanha eleitoral daquele ano (QUEIROZ;
MARTINS JR, 2011).
Schwartzenberg (1977) afirma que os personagens importantes da máquina política,
diretores ou coordenadores de campanha escolhem a dedo as roupas, aparência, ângulos e luzes
de seus candidatos. Sendo aqueles que modelam os políticos como massa de modelar para que
se portem de maneira adequada para seduzir o público dentro dessa democracia em que
governar é convencer (COIMBRA, 2018). Um exemplo disso é o convite, segundo Queiroz e
Martins (2011), do renomado estilista brasileiro Alexandre Herchcovitch para ser o personal
stylist da então candidata para trabalhar a imagem passada por ela. Mas conflitos existiram e
houve um rompimento entre Dilma e Herchcovitch noticiado como “A moda não vai às urnas”
nos blogs relacionados ao tema.
Figura 1
Dilma e o estilista Alexandre Herchcovitch em 2010
Fonte: Reprodução/VEJA
Figura 2
Dilma e Lula em encontro depois da vitória
Moda é política, em uma análise dos significados sociais e políticos de uma roupa
escolhida conseguimos perceber a sua importância na construção de uma narrativa política. Ao
discorrer sobre imagem, Susan Sontag (2004), nos diz que a mesma é responsável por
determinar as nossas necessidades em relação à realidade na mesma proporção em que elas são
cobiçadas como substitutos da experiência. Ou seja, a imagem transmitida é aliada da imagem
mental construída, sendo a representação de algo que pode, ou não, ser fidedigno ao real.
Tornando a imagem indispensável para a saúde da economia, para a estabilidade do corpo social
e a busca da felicidade privada. Então, no fazer político a imagem é vista como algo a ser
preservado e valorizado frente ao coletivo.
O vestuário pode ser tratado também sob a lente da perspectiva cultural, em que vemos
objetos servindo para comunicar significados socioculturais (PICOLI; FREESZ, 2018). E, se
partimos do princípio de que a lógica midiática está inserida na dimensão de encenações e
espetáculos ao passo que as pessoas estão diariamente encenando papéis, entendemos que as
aparições em público de figuras políticas dependem de um longo planejamento e cuidadoso
ensaio do texto por meio do locutor (COIMBRA, 2018). Nesses aspectos nos deparamos com
um mundo de dramas encenados e práticas que se tornam verdadeiros espetáculos, indo desde
a roteirização de falar e movimentos, até os “figurinos”, as roupas escolhidas para tais
aparições. (COIMBRA, 2018).
Para Schwartzenberg (1977), o processo de encenação social é discutido na esfera
política, visto que o espetáculo está no poder e o Estado é uma grande empresa teatral que se
preocupa com produções espetaculares que irão atingir o público eleitor. Um ator político, seja
homem ou mulher, é quem simboliza uma Nação, Estado ou partido, fazendo com que os
políticos se preocupem em criar imagens que captem a atenção do público, como um rótulo.
Lembrando que essa não precisa ser uma imagem real, basta manter-se fiel a ela durante o teatro
político que agrega uma coleção de papéis em seu repertório: e o herói, o homem comum, o
líder charmoso e o pai do povo entre outros. “Escolhido o papel, é preciso montar o espetáculo”
(COIMBRA, 2018).
Schwartzenberg (1977) afirma que a preocupação se estende às roupas, aparência,
ângulos e luzes, escolhidas a dedo por personagens importantes da máquina política, os
diretores ou coordenadores de campanha. Aqueles que modelam os políticos como massa de
modelar para que se portem de maneira adequada para seduzir o público dentro dessa
democracia em que governar é convencer (COIMBRA, 2018). Coimbra (2018) nos diz ainda
que conquistar a opinião pública é um fator decisivo para se fazer ser visto e reconhecido, tendo
a imprensa o papel de “vender” pessoas mais do que ideias. Chegando ao eleitor-consumidor
que “compra” o candidato-produto, levando ao crescimento da quantidade de profissionais
envolvidos em criar estratégias para trabalhar a imagem dos políticos nesse jogo (COIMBRA,
2018).
Aqui temos a moda como ferramenta para um sistema de arranjos entre itens
transformados em marcadores sociais, deixando de lado o ato solto de apenas enfeitar,
“devemos percebê-las como um sistema com significados, de pertencimentos e de adaptação
ao meio” (OLIVEIRA, 2015, p.16).
Dilma Vana Rousseff nasceu em dezembro de 1947 em Belo Horizonte (BH), Minas
Gerais e iniciou sua atuação política aos 16 anos, quando ingressou na luta armada contra a
ditadura militar. Presa em 1970 por quase três anos e submetida à tortura. Após deixar a prisão,
Dilma mudou-se para Porto Alegre e formou-se em Economia na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS)24. Ajudou a fundar o PDT, legenda da qual fez parte até 2002,
momento em que se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT).
Dilma concorreu ao pleito em 2010 e entrou para a história por ser a primeira mulher a
ocupar o cargo de presidente da república em um governo que daria continuidade ao do ex-
presidente Luís Inácio Lula da Silva, também do PT. Desse modo, foram mantidos os
programas de assistência social como o “Minha Casa Minha Vida” e o “Bolsa Família” ao
mesmo tempo, em que adotou uma política neoliberal na economia.
De acordo com Lucas Gandin (2012), inicialmente, Dilma era considerada uma pessoa
técnica, mas com pouco carisma perante os eleitores. O pesquisador concluiu que houve em
seus programas do HGPE na disputa de 2010 um entrelaçamento entre a capacidade técnica,
sensibilidade e humanidade advindas do fato de ser mulher. “Sua imagem de gestora [...] alia-
se à imagem de mulher, que oferta amor, carinho e cuidado aos filhos e habilita a imagem de
guerreira” (GANDIN apud LIMA; PANKE, 2012, p. 182).
O cenário internacional enfrentava uma forte recessão no momento em que Dilma
assumiu o governo, o que aumentou os investimentos na infraestrutura por meio do Programa
de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2), em 2011, e estendeu o comércio com países da
América Latina e a China. As taxas de juros foram reduzidas, facilitando o crédito para as
empresas e pessoas físicas. Em meio à crise que afetou a classe trabalhadora, o governo investiu
verbas bilionárias para a realização da Copa das Confederações no Brasil em 2013, momento
que uma onda de protestos tomou o país tendo como gatilho o aumento das passagens do
transporte público.
24
Disponível em: https://educacao.uol.com.br/biografias/dilma-rousseff.htm
Os atos contaram com cerca de 1 milhão de pessoas, sendo que grupos de manifestantes
foram processados e presos por meses, o que colaborou com o aumento da insatisfação popular
para com o governo. Reeleita em 2014, seu segundo mandato foi marcado por instabilidade
política e agravamento da situação econômica com o registro de um Produto Interno Bruto
negativo com a taxa de — 3,8% e com o aumento das taxas de desemprego e da inflação. A
crise política ficou evidenciada pela acirrada vitória no segundo turno, com 51,64% dos votos,
segundo o Datafolha, e o mesmo também se refletiu no Parlamento com a diminuição de
aliados.
A polarização política no país se agravou cada vez mais e no decorrer do ano de 2015,
cinquenta pedidos de impeachment foram protocolados na Câmara dos Deputados contra Dilma
Rousseff. A maioria dos pedidos foi arquivada por falta de material probatório e argumentos.
Entretanto, um deles foi acolhido pelo então presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha,
em 2 de setembro de 2016. O pedido foi elaborado e protocolado em outubro do mesmo ano
pelos juristas Janaína Conceição Paschoal, Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo. Esse que ainda
estava subscrito por três líderes de movimentos sociais que ajudaram a articular as grandes
manifestações de ruas do ano de 2015: Kim Patroca Kataguiri (Movimento Brasil Livre),
Rogério Chequer (Vem Pra Rua) e Carla Zambelli Salgado (Movimento Contra a Corrupção).
Dezembro de 2015 marcou a abertura do processo de impeachment na Câmara dos
Deputados. Em abril de 2016, iniciou-se o processo legal do impeachment, em que a maioria
dos deputados federais foi favorável. Durante maio, a maioria do Senado votou pela abertura
do processo de impeachment da então presidenta, por crime de responsabilidade fiscal, e os
senadores decidiram pelo impedimento do governo Dilma. Sendo sucedida pelo seu vice,
Michel Temer do PMDB, em 31 de agosto, concretizando o golpe. A primeira votação sobre a
perda do mandato foi desfavorável à Dilma, já que 61 senadores votaram a favor da perda. Já a
segunda votação favoreceu-a: 42 senadores optaram por não deixar Dilma inabilitada para o
exercício de funções públicas, contra 36 que se opuseram.
Figura 3
Dilma durante sua defesa na sessão de julgamento do impeachment
Sua escolha sempre recai sobre vestes com manga três quartos, que
são consideradas formais, mas não opulentas; são positivas, claras.
Ao optar por este corte, a presidente se aproxima da realidade de seu
público, por mostrar uma forma mais simples e sem requinte. Em
compromissos mais requintados, ela opta por peças de manga longa
(OLIVEIRA, 2015, p.49).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
FARAGE, Thaís. Blusa da vingança: Dilma celebra com Lula usando roupa do pós-
impeachment. Uol. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/colunas/thais-
farage/2022/10/31/dilma-usou-na-vitoria-do-lula-mesmo-vestido-que-usou-depois-do-dia-do-
golpe.htm. Acesso em: 11 nov. 2022
LIMA, Alice Marina Lira; PANKE, Luciana. Da Primeira Candidata à Primeira Eleita à
Presidência Do Brasil: tipologias femininas no HGPE de TV de Lívia Maria e de Dilma
Rousseff. In: Compolítica, 2017, Porto Alegre. Anais do VII Compolítica. Rio de Janeiro:
Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política, 2017. v. 7.
OLIVEIRA, Karla Beatriz Barbosa de. A roupa da presidente: uma análise de comunicação
pelas vestes. 2015. 81 f., il. Monografia (Bacharelado em Comunicação Social)—Universidade
de Brasília, Brasília, 2015.
PICOLI, Ione Silva; FREESZ, Luciana. 'Eles cresceram!': análise do personagem Cascão e seu
vestuário na revista em quadrinhos 'Turma da Mônica Jovem'. In: V SPACL - Seminário de
Pesquisa em Artes, Cultura e Linguagens, 2018, Juiz de Fora. Anais V SPACL - Intervenções
Imaginárias. Juiz de Fora: PPGACL, 2018. v. 5. p. 316-327.
QUEIROZ, Adolpho; MARTINS JR, Francisco Ramirez. Presidente Dilma, com que roupa eu
vou?. Revista Compolítica, v. 1, n. 1, p. 133, 2011.
ROUSSEFF, Dilma. Veja a íntegra do discurso de defesa de Dilma no Senado. Brasil de Fato.
2016. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/08/31/em-discurso-de-despedida-
ha-seis-anos-dilma-profetizou-pais-de-bolsonaro. Acesso em: 11 nov. 2022
TOLEDO, Cezar de Alencar Arnaut; GONZAGA, Maria Teresa Claro. Metodologia e técnicas
de pesquisa nas áreas de ciências humanas. Maringá: Eduem, 2011.
Capítulo 9
RESUMO: O presente artigo objetiva fazer uma análise da utilização da figura de Marilyn
Monroe na construção do imaginário social acerca dos diamantes. A partir do conceito de
“valor”, formulado por Roland Barthes (2006), ao relacionar o signo com os demais signos
presentes, na discussão sobre as mudanças feitas nas sociedades a partir da atuação de Marilyn
com os diamantes e a alteração de mercado protagonizada pela Indústria Cultural.
1. INTRODUÇÃO
“Os diamantes são os melhores amigos de uma garota”, famosa citação de Marilyn
Monroe cantada durante um trecho do filme “Os Homens Preferem as Loiras” de 1953. Um
longa-metragem estadunidense da 20th Century Fox, dirigido por Howard Hawks que faz parte
do gênero musical baseado em um show da Broadway de 1949 de mesmo nome. Na película
protagonizada por Marilyn – como Lorelei Lee – estigmatizada pelo estereótipo de “loira
burra”, mas que demonstra grande apreço por diamantes, que são para sempre.
Marilyn foi um marco do cinema hollywoodiano da década de 50, que influenciou e
marcou a cultura de uma sociedade através da construção de sua imagem sensual de mulher
desejável. Tendo sido muito vendável e rentável aos estúdios e marcas para as quais trabalhava,
como veremos a seguir no decorrer desse estudo.
É comum que nos Estados Unidos (EUA) mulheres sejam pedidas em noivados com
anéis com pedras de diamante. Costume introduzido no país na década de 1950. Estimasse,
segundo Bain (2012) que 85% das mulheres estadunidenses casadas tenham pelo menos um
anel de diamante, o de noivado. Dois fatores que andam isolados e tem muito mais em comum
do que é percebido à primeira vista.
Dessa forma, é pretendido aqui analisar como a figura de Marilyn se mistura ao valor
atribuído aos anéis de diamante no mercado estadunidense e mundial durante os pedidos de
casamento sendo ações intrínsecas para a Indústria Cultural. Para realizar esta análise, será
utilizado como referência o conceito de valor, desenvolvido por Roland Barthes, além das
contribuições de outros autores.
Para Scali Abritta (2018) o vir ao mundo como mulher relaciona-se com a ocupação de
determinados espaços, vinculados à vigilância do homem. Desde a mais tenra infância, as
mulheres foram educadas e persuadidas a verem o que fazem e têm suas identidades compostas
na ambiguidade (BERGER apud SCALI ABRITTA, 2018). Já que uma é controlada pelo
masculino, e outra pelo feminino.
A mulher precisa vigiar a si própria em nome da sua aparência. Beauvoir (1995) afirmou
que o ser mulher se baseia em construções sociais, não sendo nada proveniente do “natural” ou
biológico. A famosa frase diz que não nascemos mulheres, nos tornamos, visto que, para ser
mulher, precisamos entender essas identidades e construções de gêneros impostas a nós pela
sociedade permeada pela dominação masculina. Principalmente, quando observamos de que
forma as instâncias socializadoras – como os meios de comunicação e seus diversos produtos –
contribuíram para a formação ou mudança de padrões de comportamento calcados na opressão,
exclusão e divisão.
A cultura humana é a base para a construção de identidade sendo processada por cada
indivíduo e está enraizada nas estruturas sociais pelos processos de socialização. Tendo a
identidade como aquilo que descreve a criação de significado gerando a identificação simbólica.
Para Castells (1999), a formação da identidade faz parte do processo pelo qual o indivíduo se
reconhece e estabelece significados a partir de uma determinada característica cultural. Segundo
o autor cada a identidade se constitui em contextos dominados por relações de poder, visando
manter o domínio das instituições em relação aos sujeitos. Sendo a identidade o resultado dessas
ferramentas de poder. Tradições e culturas, biologia, contextos sociais e históricos, instituições
produtivas e reprodutivas e experiências individuais (CASTELLS, 1999a).
Destaca-se também que a identidade é construída com base na diferença, ou seja, ela
depende daquilo que não é para existir (SILVA, 2018). Nesses binarismos pode-se depreender
a diferenciação entre feminino e masculino, base para a exclusão, relações de poder e de
dominação. “Todas as práticas de significação que produzem significados envolvem relações
de poder, incluindo o poder para definir quem é incluído e quem é excluído” (SILVA, 2018, p.
18). Essas diferenças foram confirmadas ou violadas por produtos culturais, reprodução
contínua que causam um sentido imediato de mundo.
Contextualizado isso, compreendesse importante entender como a realidade social é
constituída e o conceito de poder simbólico. Para Bourdieu (1989), esse é feito para afirmar e
dar sentido imediato do mundo, criando valores, hierarquias e conceitos e pode ser observado
na participação da mídia na construção social da realidade e desse referencial de mundo, seja
em uma sociedade permeada pela comunicação instantânea contemporânea ou centrada nos
meios de comunicação de massa (impresso, rádio e TV). O sociólogo francês acredita que
desvelar sistemas de dominação e poder e compreender a atuação das estruturas sociais sob o
indivíduo – que sofre influência deles – nos auxilia no questionamento do que é “naturalizado”
socialmente, como a violência simbólica.
É necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele
é mais completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder
simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser
exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe
estão sujeitos ou mesmo que o exercem. (BOURDIEU, 1989, p. 7-8)
3. INDÚSTRIA CULTURAL: “I BEEN DANCIN' ALL NIGHT, AND YOU CAN TRY
TO CHANGE MY MIND”
Dessa maneira diversos outros produtos culturais são base para produtos inspirados
nelas como blusas, cadernos, boxes de DVDs, etc.
Valores aqui não tendo relação alguma com o signo puro e sim, mas sim com os outros
signos que o circundam e “banham” com outras significações. O valor também está na fixação
do sentido, somado à significação. Aplicada aos produtos culturais, esse fenômeno pode ser
observado na construção do imaginário anéis de noivado. Principalmente, pela difusão da ideia
na cultura popular da canção “Diamonds are a girl's best friends” (Diamantes são os melhores
amigos de uma garota), interpretada por Marilyn Monroe, no filme “Os homens Preferem as
Loiras” (1953).
Figura 1
Cartaz britânico do filme Os Homens Preferem As Loiras
Figura 2
Marilyn no filme Os Homens Preferem As Loiras
Assim foi inventada uma tradição que faz com que 85% das mulheres
norte-americanas casadas tenham pelo menos um anel de diamante,
normalmente o seu anel de noivado, e que os homens gastem em
média o equivalente a dois salários, podendo chegar a três, em sua
compra. A sociedade do espetáculo transformou essa invenção em
uma meta de vida e o culto às celebridades, junto com a penetração
das redes sociais, tornaram-na uma febre mundial. Esses números
fazem de toda norte-americana adulta sem um anel de noivado no
dedo uma espécie de monstruosidade. O que há de errado com ela
para que não tenha um diamante no dedo? (PASSOS, 2017, p.7).
A cultura de massa chega para criar um local nas comunidades do século XX, uma
alienação burguesa inserida no subconsciente e consciente colonizado. De acordo com Morin
(2002), essa nova alienação não se restringe apenas ao trabalho, mas afeta áreas como o lazer e
o consumo. O diamante foi reinventado e colocado como elemento indispensável para a vida
conjugal em uma tradição inventada, além de agregar valor à sua raridade enquanto não terá
nada raro na natureza.
Para Morin (2002), o consumo da cultura de massa está, na maioria, ligado ao lazer
moderno, já que para a classe trabalhadora ter condições de produzir, a burguesia capitalista
criou uma organização de trabalho exaustiva que seria, então, compensada com o lazer. É um
consumo, de certa forma, predeterminado, não passível de mudanças que causam exaustão no
explorado. No fim, o imaginário feminino estará ligado à construção de valores de homens
brancos sobre quais devem ser os princípios e regras dos relacionamentos amorosos que elas
venham a viver.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BAIN & CO. The global diamond industry: portrait of growth. [Arquivo eletrônico] Boston:
Bain & Co., 2012. Disponível em: < https://www.bain.com/insights/global-diamond-industry-
portrait-of-growth>. Acesso em: 31 out 2022.
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo: Difusão Europeia do Livro,
4. ed., 1980.
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. Neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2002.
PASSOS, Ana CBM. Corpos abjetos: put a ring on it. dObra [s]: Revista da Associação
Brasileira de Estudos de Pesquisas em Moda, v. 10, n. 22, p. 81-93, 2017.
PICOLI, Ione Silva; FREESZ, Luciana. 'Eles cresceram!': análise do personagem Cascão e seu
vestuário na revista em quadrinhos 'Turma da Mônica Jovem'. In: V SPACL - Seminário de
Pesquisa em Artes, Cultura e Linguagens, 2018, Juiz de Fora. Anais V SPACL - Intervenções
Imaginárias. Juiz de Fora: PPGACL, 2018. v. 5. p. 316-327.
SILVA, Andressa Hygino Rodrigues da. Cinema e Filosofia: questionando a relação com um
mundo de imagens efêmeras. In: V Seminário de Pesquisas em Artes, Cultura e Linguagens,
2018, Juiz de Fora. Anais do V Seminário de Pesquisas em Artes, Culturas e Linguagens.
Juiz de Fora: Instituto de Artes e Design - Universidade Federal de Juiz de Fora, 2018. v. 5. p.
590-598.
SOUZA, José Luiz Vaz de. Pobres garimpeiros de riqueza: a geografia dos diamantes em
Três Ranchos, Goiás. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Geografia, Universidade
Federal de Goiás, Catalão. GO, 2012.
TOLEDO, Cezar de Alencar Arnaut; GONZAGA, Maria Teresa Claro. Metodologia e técnicas
de pesquisa nas áreas de ciências humanas. Maringá: Eduem, 2011.
Capítulo 10
25
O artigo 54 da Constituição Federal proíbe que deputados e senadores participem de organização definida como
“pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa
concessionária de serviço público”. Essa determinação constitucional aplica-se, por extensão, aos deputados
estaduais e prefeitos. Entretanto, senadores, deputados federais, deputados estaduais e prefeitos são sócios ou
diretores de empresas de radiodifusão. Predominam os políticos filiados ao DEM (58, ou 21,4%), ao MDB (48, ou
17,71%) e ao PSDB (43, ou 15,87%). Disponível em
https://www.revistaforum.com.br/site_donos_da_midia_aponta_quem_controla_a_comunicacao/.
26
Inspirado no Positivismo do filósofo francês Auguste Comte (1798-1857). A teoria do espelho faz uma metáfora
autoexplicativa. Ela foi a primeira metodologia usada na tentativa de compreender porque as notícias são como
são, ainda no século XIX. Sua base é a ideia de que o jornalista reflete o que é a realidade, ou seja, as notícias são
como são porque a realidade assim as determina. A imprensa funciona como espelho da realidade, apresentando
um reflexo do cotidiano.
lado dos piores de Lula. Após este episódio, a emissora teve sua credibilidade contestada por
vários críticos, pesquisadores e pelo público.
No livro Jornal Nacional – a notícia faz história, João Roberto Marinho, vice-
presidente das Organizações Globo, afirma que o erro, presente na edição do Jornal Nacional,
não se deu por má-fé, mas por inexperiência:
Hoje, a TV Globo adota como norma não editar debates; eles devem
ser vistos na íntegra. Porque, ao condensá-los, necessariamente bons
e maus momentos dos candidatos terão de ficar de fora, segundo a
escolha de um editor ou um grupo de editores. (JORNAL NACIONAL,
2004, p. 214).
Em 1994, o apoio ao candidato Fernando Henrique Cardoso (PSDB) pela Rede Globo
não era explícito, como na eleição anterior. A programação era ostensivamente voltada para a
publicidade do real, conforme afirma Rubim (1999, p.59), e vinculava a realidade a um cenário
otimista de estabilidade. O Jornal Nacional manteve o protagonismo, noticiando
sistematicamente os êxitos do Plano Real, associando tais feitos à imagem de Fernando
Henrique Cardoso (PSDB). Em contrapartida, o telejornal insistia em denegrir a imagem do
candidato Lula (PT), buscando promover uma imagem de despreparo do candidato. Nas
eleições presidenciais de 1998, o cenário de estabilidade deu lugar à crise econômica. A nova
moeda sofria com as especulações à medida que a crise atingia os mercados internacionais.
O panorama das eleições de 2002 foi diferente tanto no aspecto político, quanto na
cobertura do telejornalismo da Rede Globo. No campo político, Lula (PT) enfrentava o
candidato José Serra (PSDB), investindo em uma campanha que pregava a mudança do cenário
político-econômico, sem alterar substancialmente a ordem vigente. O candidato do PSDB foi
beneficiado ao ser mostrado como ex-ministro da Saúde de Fernando Henrique Cardoso
(PSDB), ressaltando seus feitos durante o período em que atuou como tal. Ao mesmo tempo, o
telejornal apontava aspectos da crise econômica como responsabilidade da vantagem do
candidato adversário nas pesquisas, segundo Colling. No entanto, é consenso na pesquisa de
Porto (2002) e Colling (2004) que a cobertura política das eleições presidenciais de 2002 feita
pelo Jornal Nacional foi mais imparcial e permitiu maior exposição dos candidatos, com uma
agenda que não causou problemas à candidatura de Lula (PT), que venceu o pleito.
Em 2006, o cenário das eleições presidenciais apontava para a reeleição de Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) e a continuidade de seu governo. O principal adversário do candidato petista
era Geraldo Alckmin (PSDB). A cobertura política na grande mídia foi intensa e apresentava
um grande número de matérias negativas relacionadas ao presidente Lula (PT), em relação ao
seu adversário, conforme as pesquisas de Lima (2006). O principal aporte dessas matérias foi o
escândalo de corrupção chamado de Mensalão, que promoveu um sentimento de antilulismo
(LIMA, 2006). O Jornal Nacional se posicionou de forma contundente contra a reeleição de
Lula (PT). E apesar dessa constatação, Lula (PT) foi reeleito, devido à mudança de estratégia
de sua campanha.
No segundo mandato, Lula consolidou o Brasil entre as grandes potências no exterior.
Deixou a presidência com 80% de aprovação27. Elegeu Dilma Rousseff (PT), pouco conhecida
da população até poucos meses antes da eleição. Dilma obteve nas urnas uma votação muito
próxima à de Lula, com 56% de votos. No seu primeiro mandato conduziu o governo nos
mesmos padrões de Lula. Reelegeu-se para um segundo mandato, porém, enfrentou
dificuldades de articulação no Congresso Nacional para sanar uma recessão econômica.
Além da dificuldade de articulação, também surgiu a investigação da operação Lava-
Jato, que minou acordos no campo político invisíveis que contribuíam para a falta de
27
Popularidade de Lula bate recorde e chega a 87%, diz IBOPE. Disponível em:
<http://g1.globo.com/politica/noticia/2010/12/popularidade-de-lula-bate-recorde-e-chega-87-diz-ibope.html>,
Acesso em: 10 de mai. De 2018.
governabilidade da presidente. As negociações de distribuição de verbas, obras e cargos
públicos foram prejudicadas. Numa associação entre a imprensa, as elites conservadoras, o
Congresso Nacional e o Judiciário, inicia-se uma campanha de combate à corrupção, que se
aproveita de todo o cenário político para elaborar uma farsa, que levaria a presidente Dilma
(PT) ao impedimento, por supostas irregularidades contábeis. O golpe parlamentar se deu, na
verdade, após um conjunto de acontecimentos articulados para tirar o PT do poder.
A eclosão do Mensalão, a instituição da Lava Jato, os protestos de rua estrategicamente
manipulados pela imprensa contra o governo, as dificuldades de articulação dentro do
Congresso Nacional por parte de Dilma (PT), eram parte de um plano bem delineado e
executado com perfeição por atores políticos interessados em assumir novamente o poder. Esse
plano seria eficaz somente se Dilma, Lula e o PT fossem neutralizados politicamente (SOUZA,
2016).
Durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), o ex-presidente Lula (PT)
passou a ser investigado e acusado de receber propina de construtoras por contratos com
a Petrobras. Os crimes foram por corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro. Desde a sua
condução coercitiva para depor na Polícia Federal, em 2016, até a sua prisão em abril de 2018,
produziu-se um espetáculo midiático grandioso para acompanhar passo a passo, a operação que
levou o ex-presidente à prisão.
O Jornal Nacional fez uma cobertura tendenciosa contra Lula por meio de diversas
reportagens que retratavam o assunto de maneira parcial. O telejornal produzia matérias de
forma a aproximar os líderes do PT com os episódios de corrupção denunciados pela Lava Jato.
De acordo com Fernandes:
Mesmo diante das acusações, o ex-presidente Lula (PT) continuava com alta
popularidade, ainda que diante de um forte movimento da imprensa para desconstrução da sua
imagem política. No dia 22 de agosto, Pesquisa Datafolha divulgou as intenções de votos. O
cenário mostrava Lula em primeiro com 39%; Jair Bolsonaro em segundo com, 19%; Marina
Silva em terceiro com, 8%; Geraldo Alckmin em quarto com, 6% e Ciro Gomes em quinto com,
5% das intenções de votos.
2. ANÁLISE DA COBERTURA DO JORNAL NACIONAL NA DISPUTA
PRESIDENCIAL DE 2018
28
Relatório Final Pesquisa Brasileira de Mídia - PBM 2016. Disponível em:
<http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-
atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2016.pdf/view>. Acesso em: 01 de mai. De 2018.
29
Pesquisa Ibope: Lula, 37%; Bolsonaro, 18%; Marina, 6%; Ciro, 5%; Alckmin, 5%. Disponível em:
<https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/08/20/pesquisa-ibope-lula-37-bolsonaro-18-marina-6-
ciro-5-alckmin-5.ghtml>. Acesso em: 20 de setembro de 2018. Lula chega a 39%, aponta Datafolha; sem ele
Bolsonaro lidera. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/08/lula-chega-a-39-aponta-
datafolha-sem-ele-bolsonaro-lidera.shtml>. Acesso em: 20 de setembro de 2018.
30
No dia 31 de agosto de 2018, o ex-presidente Lula, até então candidato à Presidência da República nas eleições
de 2018, foi considerado inelegível com base na Ficha Limpa, pelo Tribunal Supremo Eleitoral. Para a análise,
serão coletadas todas as reportagens que tratam de Lula no Jornal Nacional, durante o período de 15 de agosto e
11 de setembro de 2018.
presidente que se relaciona com o contexto das eleições. A análise das reportagens permitiu
ampliar a dimensão da narrativa do telejornal em tentar desconstruir a candidatura do ex-
presidente.
Na fase de pré-análise, foi organizado o material analisado – 18 edições do Jornal
Nacional, no período de 15 de agosto a 11 de setembro de 2018. A hipótese que norteou a
análise foi a de que a Rede Globo, por meio de seu telejornal, contribuiu para a desconstrução
da imagem de Lula como candidato à Presidência da República, por meio de uma narrativa que
privilegiava conteúdos negativos sobre o ex-presidente petista. O objetivo dessa análise foi,
portanto, confirmar a hipótese de desestruturar a candidatura do ex-presidente mediante um
discurso negativo e prejudicial. Após o levantamento de cada reportagem, apresentadas em cada
uma das 18 edições do Jornal Nacional escolhidas para a análise, passou-se à etapa de
codificação, estabelecendo-se o recorte desejado para explorar o material. Conforme pontuado
por Bardin (2011), a análise temática como metodologia para análise de conteúdo é
frequentemente utilizada para estudar motivações de opiniões, de atitudes, de valores, de
crenças, de tendências, e por isso, é amplamente usada nos estudos de comunicação de massa.
Assim sendo, a escolha da análise temática neste trabalho se justifica, uma vez que o Jornal
Nacional é o telejornal de maior audiência no país.
2.1 Análise da cobertura do Jornal Nacional sobre Lula: processos, prisão e impugnação
de candidatura
(1) prisão de Lula (24 reportagens) – divulgam que o ex-presidente foi preso por
corrupção passiva e lavagem de dinheiro e que Lula está inelegível por ter sido condenado em
segunda instância;
(2) a impugnação da candidatura de Lula (21 reportagens) – o Jornal Nacional levou ao
ar reportagens apontando que o ex-presidente foi condenado baseado na Lei da Ficha Limpa e
que por isso houve 16 pedidos de impugnação de sua candidatura, expondo os procedimentos
jurídicos para compor a solicitação de impugnação, a legitimação de ministros e procuradores
para se basearem no indeferimento da candidatura, a rejeição do parecer do Comitê de Direitos
Humanos da ONU que solicitava ao Brasil o direito de Lula concorrer na eleições presidenciais
e o julgamento que decretou o cancelamento do registro da candidatura no Tribunal Superior
Eleitoral;
(3) defesa de Lula trabalhando para comprovar sua inocência (07 reportagens), mas sem
espaço de fala no telejornal – foram categorizadas as exigências ao direito de defesa, a
recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU para manter os direitos políticos de
Lula e os recursos encaminhados ao TSE e ao STF contra a decisão de impugnação.
Praticamente todas as informações foram passadas pelos apresentadores em nota. Não houve
entrevistas com os advogados de defesa;
(4) Operação Lava Jato – foram 19 reportagens, com notícias sobre o tesoureiro do pT,
delação de Antônio Palocci, o caso do triplex do Guarujá e o fato de que juristas negaram
pedidos de Lula para que ele saísse da prisão.
(5) Candidatura de Fernando Haddad em substituição ao Lula – totalizou 6 reportagens,
com notícias sobre denúncia do Ministério Público contra Haddad; de que Haddad tinha se
tornado réu em ação de improbidade; Haddad nas pesquisas eleitorais e o lançamento oficial do
ex-prefeito de São Paulo a candidato a presidente pelo PT;
(6) Nome de Lula citado em entrevistas com os candidatos – em 12 vezes, nas sabatinas
e entrevistas feitas pelo telejornal com os candidatos Ciro Gomes (PDT), Jair Bolsonaro (PSL),
Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), o nome de Lula foi abordado em função da
sua prisão;
(7) Pesquisas Eleitorais – exibidas no telejornal pelos Institutos de Pesquisa, IBOPE e
Datafolha (10 reportagens) – o Jornal Nacional exibiu pesquisas eleitorais para Presidência da
República, algumas delas com o nome de Lula. Elas mostravam que o ex-presidente estava na
liderança na corrida presidencial.
Quadro 2
Categorias de análise da cobertura do JN sobre a candidatura do ex-presidente Lula
nas eleições presidenciais de 2018
Fonte: Do autor, 2020.
Como pode ser observado, a categoria “Prisão de Lula” teve o maior número de
reportagens, 24. Em segundo, veio a categoria “Impugnação da candidatura”, com 21
reportagens. Em terceiro, aparece “Lava Jato”, com 19 reportagens. A quarta categoria
acionada – “Pesquisas de intenção de voto” obteve 10 reportagens. Na quinta categoria
aparece “Nome de Lula citado em entrevistas com candidatos na bancada do JN”, com 12
reportagens. A sexta categoria foi “Defesa de Lula”, com sete reportagens. A última categoria
foi “Fernando Haddad”, com um total de sete reportagens.
O Quadro 2 mostra a frequência da aparição de temas, proporcionando uma análise
quantitativa que fundamenta a ideia da importância desses enunciados para o emissor da
mensagem. No caso do Jornal Nacional, vemos uma predileção por mencionar a prisão de Lula
“por corrupção passiva e lavagem de dinheiro”, que apareceu 14 vezes no período analisado. A
informação de que Lula estava inelegível por ter sido condenado no processo da Lava Jato em
2ª instância, foi mencionada 10 vezes no mesmo período. Estas duas informações foram
apresentadas juntas todas as vezes em que apareceram no telejornal, sempre relacionadas a
reportagens sobre as eleições, muitas vezes mais de uma vez por edição. Fica claro que há uma
necessidade premente do Jornal Nacional em fazer com que o público não esqueça da
condenação e prisão de Lula.
O tema que trata da impugnação da candidatura do ex-presidente, principalmente
quando mencionada a Lei da Ficha Limpa – lei que foi aprovada pelo governo Lula – é utilizada
como justificativa para a impugnação. A referida lei é mencionada sete vezes no período
analisado, sempre como um argumento favorável à contestação da candidatura de Lula. Os
diversos pedidos de impugnação também são mencionados constantemente, numa tentativa de
mostrar a indignação de vários setores da sociedade com a candidatura de um condenado pela
Justiça. Os procedimentos jurídicos da impugnação de candidatos também foram explorados,
num esforço de mostrar para a opinião pública que qualquer candidato poderia sofrer um
processo de impugnação, como foi pronunciado por Rosa Weber, presidente do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), na reportagem do dia 15 de agosto de 2018. A reportagem deixava
implícito o entendimento de que Lula não era um alvo. Mas, sendo Lula o único candidato na
situação de impugnação, pode-se deduzir que a exposição dos procedimentos jurídicos acerca
da contestação de candidaturas tem muito mais a ver com uma justificativa para o
empreendimento, do que com a aparente imparcialidade do julgamento.
O julgamento dos pedidos de impugnação – 16 no total – tornou-se o foco de duas
edições do Jornal Nacional, uma vez que o julgamento teve início no dia 31 de agosto de 2018,
e terminou no dia 1° de setembro de 2018. Em uma reportagem que teve duração de pouco mais
de 10 minutos, o Jornal Nacional noticiou o início do julgamento, com transmissões ao vivo,
direto do STF. No final da edição de 31 de agosto, foi informado o placar da votação de um
voto contra a impugnação e um voto a favor. A edição de 1º de setembro já inicia confirmando
a impugnação da candidatura de Lula, numa reportagem de 15 minutos, em que o placar exibido
era de 6 votos a favor da impugnação e um voto contra. Logo após essa reportagem, o telejornal
exibiu uma outra, de quase sete minutos, mostrando o processo da criação da Lei da Ficha
Limpa, e a constituição do processo de acusação de Lula, que culminou na sua condenação.
Foram ao todo, 22 minutos de reportagens sobre a impugnação da candidatura do ex-presidente,
em uma única edição.
Nota-se a enorme diferença na recorrência dos temas que são desfavoráveis à Lula em
relação aos temas favoráveis, nas edições analisadas. O espaço concedido para a defesa de Lula
foi muito menor do que aquele dado aos que apoiavam a impugnação da candidatura,
abertamente ou não. A defesa do ex-presidente, representada pelos seus advogados, apareceu
apenas sete vezes no período analisado, sendo que o destaque do tema foi a recomendação da
ONU para que Lula pudesse exercer seus direitos políticos até que os últimos recursos da Justiça
fossem esgotados. Esse fato é um indicativo de que havia um grande interesse da Rede Globo,
por meio do Jornal Nacional, em dificultar - se não impedir- que Lula fosse candidato.
As pesquisas de intenção de votos também são um tema importante para essa análise,
uma vez que nortearam a atuação do telejornal em relação às eleições. As duas primeiras
pesquisas divulgadas com Lula como candidato, mostravam que o ex-presidente tinha a
preferência do eleitorado. Tanto o IBOPE como o Datafolha apontavam Lula como o líder nas
pesquisas, muito à frente do segundo colocado, Jair Bolsonaro. Quando as pesquisas
apresentavam um cenário sem Lula, mas com Fernando Haddad em seu lugar, o primeiro
colocado era Jair Bolsonaro isoladamente, com o candidato do PT caindo para 5ª ou 6ª posição.
As pesquisas, portanto, eram claras: se Lula fosse candidato, provavelmente seria eleito
presidente do Brasil pela terceira vez. Somente em um cenário onde Lula não fosse candidato,
haveria espaço para a vitória do segundo colocado, o candidato Jair Bolsonaro.
As entrevistas exibidas entre os dias 27 e 31 de agosto, normalmente, abriam a edição
do dia, e o tempo concedido aos candidatos foi definido conforme os índices de preferência do
eleitorado, indicados nas pesquisas encomendadas pela emissora. Como Lula estava preso em
Curitiba, não pode ser entrevistado, mesmo estando em primeiro lugar nas pesquisas de
intenção de votos. Esse fato foi bastante explorado pelo Jornal Nacional, que sempre
anunciava, antes das entrevistas e ao final delas, que Lula estava preso por corrupção passiva e
lavagem de dinheiro, e que por isso estaria inelegível, de acordo com a Lei da Ficha Limpa.
Essa informação - ora passada por Bonner, ora passada por Renata Vasconcellos, ora
passada pelos repórteres – vinha sempre acompanhada de uma postura enfática, com expressões
graves e sérias, e entonação de voz intensa. As palavras “preso” e “inelegível”, sempre que
aparecem são ditas em tom de voz alterado, e gestos exagerados. As expressões “corrupção
passiva” e “lavagem de dinheiro”, repetidas à exaustão nessas edições do Jornal Nacional,
recebem destaque dos apresentadores, demonstrando a necessidade de moldar a percepção dos
telespectadores. Na realidade, as palavras e expressões que se referem à prisão do Lula
estiveram presentes em todas as edições analisadas para este trabalho. Bardin (2011) enfatiza
que a palavra é ato, ou seja, o “discurso é um processo onde se confrontam as motivações e
desejos do sujeito com as imposições da linguagem e com as condições de produção”. Uma
análise dos elementos linguísticos e paralinguísticos das reportagens mostram claramente o
direcionamento da narrativa do Jornal Nacional, bem como o posicionamento da Rede Globo
em relação às eleições de 2018. A volta incessante de um mesmo tema, uma e outra vez, em
diversas edições do telejornal denota o desejo de convencer os telespectadores desse
posicionamento.
Além da postura presumida dos apresentadores, as falas eram acompanhadas de
imagens negativas do ex-presidente. Imagens da prisão de Lula e do apartamento do Guarujá –
objeto do processo de acusação que levou o ex-presidente à prisão – eram mostradas
constantemente nas edições do telejornal. Em outras reportagens, imagens mostrando um Lula
abatido eram contrastadas com imagens mostrando seus opositores fortes e imponentes, como
na reportagem do dia 17 de agosto de 2018. Lula aparece bastante deprimido em comparação
ao Ministro Barroso, relator do processo de impugnação no STF, que aparece altivo e nobre.
Lula era regularmente mostrado desequilibrado, falando de forma alterada e gesticulando
muito. O uso das cores de fundo, preferencialmente o vermelho vivo, contrastando com o
cenário da bancada em tons de azul, foi um recurso largamente utilizado para legitimar o
discurso. Simbolicamente, azul e vermelho são cores opostas no âmbito político, sendo o azul
representante da democracia e da liberdade, e o vermelho representando a ditadura e o
comunismo, herança do período de intensa polarização política e ideológica da Guerra Fria. A
apresentadora Sandra Annemberg vestia uma roupa preta ao anunciar, no dia 1º de setembro de
2018, que a candidatura de Lula foi “barrada” em decisão do STF, sendo o preto uma cor
tradicionalmente associada à morte.
Quadro 4
A legitimação jurídica utilizada pelo JN para justificar o impedimento da candidatura
de Lula
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BARROS Filho, Clóvis. Ética na comunicação. 4. ed. São Paulo: Summus, 2001.
COLLING, Leandro. Os estudos sobre Jornal Nacional nas eleições pós-ditadura e algumas
reflexões sobre o papel desempenhado em 2002. In: RUBIM, A.A.C. (Org.). Eleições
presidenciais em 2002 no Brasil: ensaio sobre mídia, cultura e política. São Paulo: Hacker,
2004.
LIMA, Venício A. Mídia: crise política e poder no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2006.
NOBRE, Marcos. Imobilismo em movimento: da abertura democrática ao governo Dilma.
São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
SOUZA, Florentina das Neves de. O Jornal Nacional e as eleições presidenciais de 2002 e
2006. Tese (Doutorado) – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2007.
SOUZA, Jessé. A Radiografia do Golpe: entenda como e por que você foi enganado. São
Paulo: LeYa, 2016.
Capítulo 11
1. INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher está presente, de modo significativo e quase sempre velado,
na sociedade brasileira e sua ocorrência não está ligada à classe social, à faixa de renda, nem
tão pouco à escolaridade31. De acordo com estudos anteriores, é um fenômeno sociocultural
fruto da desigualdade de gênero que se manifesta do nível simbólico ao físico na vida das
mulheres, interferindo em salários, deixando marcas (in)visíveis e até levando à morte. O país
está na quinta posição, entre 83 nações, de um ranking que mede o assassinato misógino de
32
Segundo dados do Alto comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Os dados podem ser
acessados em Feminicídio - Brasil é o 5º país em morte violentas de mulheres no mundo Acesso em: 23 ago.2022.
33
Dados disponíveis em Canais registram mais de 105 mil denúncias de violência contra mulher em 2020 —
Português (Brasil) (www.gov.br). Acesso em: 23 ago.2022
34 Dados da última Pesquisa Brasileira de Mídia realizada (PBM, 2016) disponíveis em
http://pesquisademidia.gov.br/. Acesso em: 23 ago.2022
modificar as práticas cotidianas construídas de forma social e cultural, mas - também -
transformar as práticas profissionais.
Mesmo não sendo o único ator a atuar no processo de construção social da realidade
(BERGMAN E LUCKMANN, 2004), as representações sociais colocadas pelos produtos
televisivos, entre eles o jornalismo audiovisual, agem na negociação das percepções e na
construção de mapas mentais dos seres humanos. Ao estudar o telejornalismo e propor uma
compreensão da estrutura da notícia na TV, bem como entender as características das matérias
nos telejornais, Iluska Coutinho (2012), identificou que o segmento tem cada vez mais se
apropriado das características da dramaturgia em suas narrativas, na medida em que o
jornalismo audiovisual passa a narrar o mundo e seus acontecimentos por meio da fórmula de
contar histórias. Essa estrutura narrativa conceituada pela autora aponta a existência de uma
aproximação do telejornalismo com as histórias de ficção, evidenciando um modo característico
em que a organização da notícia em TV é projetada. Nesse sentido, há a utilização dos
personagens, que não só dão voz e representam certo assunto, como entram na narrativa a fim
de criar uma maior identificação com o público. “As ações, os personagens e ainda a oferta de
uma mensagem moral são também componentes essenciais de uma narrativa dramática, o que
nos possibilitaria considerar a organização das notícias em TV como dramaturgia do
telejornalismo” (Coutinho, 2012, p. 199).
Iluska Coutinho defende que a potencialidade da televisão de trabalhar texto, imagem,
som e edição de material, juntamente com estratégias de espetacularização permite a
consolidação da materialidade audiovisual do telejornal, com o objetivo de aproximar o
conteúdo dos telespectadores. Com isso, essa dramaturgia pode ser motora de outras ações e
desdobramentos para além das telas. Levando em consideração as questões que envolvem o
universo feminino e compreendendo que a TV é uma janela para o mundo, é que a pesquisadora
junto com Ariane Pereira (2021), propõe a adoção das questões de gênero como um item de
qualidade informacional para o jornalismo audiovisual. Por meio dos estudos freirianos, as
autoras defendem que uma abordagem pedagógica incorporada no modo de narrar próprio do
telejornalismo poderia contribuir para desconstrução de estereótipos e preconceitos sobre
mulheres e, dessa forma, colaborar para a promoção de comportamentos equitativos entre
homens e mulheres.
[...] o telejornalismo, por meio da incorporação do enfoque de gênero
pela sua dramaturgia própria, assumiria, ainda, um papel pedagógico
orientando a sociedade na desnaturalização de questões culturais
arraigadas, transformando os modos de ler, ser e estar no mundo. [...]
tal perspectiva assume que o jornalismo é uma forma de
conhecimento [...], ao narrar o mundo e um modo de conhecê-lo, os
telejornais por meio da dramaturgia do telejornalismo atuam como
poder, agenciam uma dada governamentabilidade. A proposição da
perspectiva de gênero como um elemento capaz de estimular a
produção de noticiários e produtos jornalísticos audiovisuais em
direção à uma sociedade com mais equidade, nas telas e para além
delas, dialoga com os saberes necessários apontados por Paulo Freire
em Pedagogia da Autonomia (COUTINHO E PEREIRA, 20221,
p.87).
Desse modo, tal como propõe Pereira (2018) nada impede que pesquisas em
telejornalismo sejam, simultaneamente, estudos de gênero e estejam relacionados para o
combate às violências contra a mulher. A seguir, é relatado o caminho percorrido para a
realização do mapeamento histórico do conhecimento produzido sobre o jornalismo
audiovisual, como objeto de estudo, a partir de uma perspectiva de gênero - proposta inicial
deste artigo.
4. RESULTADOS OBTIDOS
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A Construção Social da Realidade: tratado de
sociologia do conhecimento. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2004.
UOL. Manual Universa para Jornalistas: Boas práticas na cobertura da violência contra
a mulher. Novembro de 2020. Disponível em: <
https://download.uol.com.br/files/2020/11/2694611179_cartilha-universa-violencia-contra-
mulher_v10.pdf > Acesso em 23 de agosto de 2022.
SOLNIT, Rebecca. A mãe de todas as perguntas: reflexões sobre os novos feminismos. São
Paulo: Editora Schwarcz S.A. 2017.
1. INTRODUÇÃO
Com o advento das redes sociais na internet no início do Século XX, os meios de
comunicação de massa foram ampliados por novas tecnologias como Twitter, Facebook,
Instagram, entre outros, que fornecem uma visibilidade e capilaridade antes nunca vista na
história. A amplitude, porém, não encerrou o embate de pautas bravamente travadas ao longo
do Século XX, como as discussões de gênero, qualidade da democracia, representação feminina
e o lugar da mulher na sociedade contemporânea. É com o propósito de elucidar estas principais
questões que este trabalho se apresenta. No centro da Indústria Cultural, a cantora Anitta tem
ganhado notoriedade na esfera pública. Com milhões de seguidores nas principais redes, a
artista tem se posicionado politicamente, reivindicando um papel ativo nas discussões que
envolvem a política, notadamente as Eleições Presidenciais Brasileiras de 2022. Para adentrar
nestas questões, o presente trabalho irá analisar as publicações no Twitter da artista, de julho
(período ainda das convenções partidárias) até o dia da votação do primeiro turno das eleições
(2 de outubro de 2022). Antes, porém, traremos em um primeiro momento, a discussão
acadêmica sobre a representação feminina, seguido da problematização da Sociedade do
Espetáculo, e sobre como o princípio do dialogismo de Bakhtin pode ser um recurso essencial
para analisar o discurso das artistas para identificarmos que tipos de enunciados reconfiguram
o papel da mulher nos tempos atuais.
A luta da mulher pelo direito de participação na política ainda seria longa. Em 1910,
Leoninda Daltro e Gilka Machado fundaram o Partido Republicano Feminino. A ideia era
mobilizar a sociedade em torno do acesso das mulheres à participação social. O partido, no
entanto, foi extinto quase uma década depois. Bertha Lutz, bióloga com formação em Sorbonne
e filha do renomado cientista Adolpho Lutz ampliou este empenho, no seio da classe média.
Concursada do Museu Nacional, formou-se ainda em direito e passou a representar o Brasil em
diversos eventos internacionais. Em 1922 fundou a Federação Brasileira para o Progresso
Feminino (F.B.P.F.), filiada à International Woman Suffrage Aliance que tinha como principal
mote o sufrágio feminino. Como destaca Hahner (1981), a maioria das mulheres da Federação
pertencia a uma elite intelectual e econômica da época, o que facilitava o trânsito no alto escalão
da política. Buscavam, prioritariamente, "influenciar os líderes políticos e a opinião pública
culta" (HAHNER, 1981, p.112).
Teria sido por influência da F.B.P.F. que a Constituição de 1934 garantiu o direito das
mulheres de votarem e de serem votadas (COELHO E BAPTISTA, 2009). O governo Vargas
já preparava o texto em 1931 que embasaria uma nova Assembleia Constituinte. O código
eleitoral de agosto daquele ano permitia às mulheres o direito ao voto, limitando-se, porém, às
[...] solteiras ou viúvas com renda própria, ou as mulheres casadas com a permissão do marido"
(HAHNER, 1981, p. 119). A F.B.P.F. protestou e se uniu à Aliança Cívica das Brasileiras e à
Aliança Nacional de Mulheres, para retirar do código as restrições às mulheres, antes que ele
entrasse em vigor. Recebidas por Getúlio, viram seu anseio acatado. Por decreto, datado de 24
de fevereiro de 1932, as brasileiras obtiveram o direito de votar e de serem votadas, em
igualdade de condições com os homens. Os analfabetos continuaram excluídos e a idade
mínima foi reduzida para 18 (dezoito) anos. Destaque-se que muitos países europeus
reconheceram esse duplo direito da mulher (de votar e ser votada) posteriormente ao Brasil
(como a França, em 1944, e a Itália, em 1945). Em todo o Ocidente, até então, apenas no
Canadá, EUA e Equador era permitido às mulheres votar. (COELHO E BAPTISTA, 2009, p.6).
As pesquisadoras Coelho e Baptista (2009, p.6) ainda destacam que “[...] a única mulher
eleita foi Carlota Pereira Queiroz. Bertha permaneceu como suplente até 1936, quando assumiu
a cadeira após o falecimento de um deputado”.
Esta brava luta, no entanto, sofreria revezes. O Golpe de Estado de 1937 e a Segunda
Guerra Mundial enfraqueceram o movimento e recondicionaram ao imaginário social o papel
da mulher como cuidadora do lar. Como destaca Bassanezi (1997, p. 609):
Nos anos 1960, nos Estados Unidos e na Europa, os movimentos feministas ganharam
espaço. O surgimento da pílula anticoncepcional permitiu às mulheres questionarem as
liberdades de escolha e a própria condição de submissão historicamente construída. Naquela
década, Estados Unidos e Europa viveram o surgimento de movimentos sociais, inclusive o
Feminismo. Ao resgatarem o pensamento de Oliveira (1999), Coelho e Baptista (2009) colocam
a discussão do feminismo neste contexto em três fases. Para Oliveira, na primeira fase, se
colocava em pauta o
Em 1968, teria início uma nova fase deste movimento, denominada por Oliveira de
“diferença radical”. O cerne do debate que se travava era a afirmação de que, “as mulheres não
são inferiores aos homens, mas, também não são iguais a eles e que essa diferença, longe de
representar uma desvantagem, contém um potencial enriquecedor de crítica da cultura”.
(OLIVEIRA, 1999, p. 71).
No final dos anos 80, a terceira fase do feminismo enfatizou ainda mais a diferença,
agora entendida, como direito das mulheres de se diferenciarem dos homens. Alguns
denominam esta fase de "elogio da diferença." Oliveira (1999, p.74) entende que, a partir desta
fase, "reconstruir o feminino é o destino do movimento de mulheres." Nesta época do advento
dos movimentos feministas, o Brasil vivia novo período de exceção, e por isso sua manifestação
foi aqui adiada. Em função desse adiamento, aterrissou aqui com características de mais de uma
etapa ocorrendo simultaneamente no entender de Oliveira (1999). Portanto, não houve no Brasil
uma distinção nítida dessas três etapas; ao contrário, elas ocorreram concomitantemente, de
modo especial as duas últimas.
As reivindicações das mulheres brasileiras a partir dos anos 60 estavam relacionadas ao
momento político, voltadas para a luta pela abertura democrática e por demandas sociais como
política salarial, melhorias nos serviços públicos etc. Assim, no ano de 1968 as mulheres
participaram do "Movimento Nacional contra a Carestia; em 1970, do Movimento de Luta por
Creches; em 1974, do Movimento Brasileiro pela Anistia; e, em 1975, criaram os Grupos
Feministas e Centros de Mulheres." (GIULIANI, 1997, p. 649).
A sub-representação feminina, no entanto não se limitou apenas à política. Com o
desenvolvimento dos meios de comunicação, notadamente o rádio, nas primeiras décadas do
século XX e da televisão, em meados dos anos 1950, a mídia foi assumindo um papel central
na vida contemporânea, ao reforçar estereótipos. Esse movimento não seria claramente
intencional, mas oriundo da própria rotina de construção da notícia como prezam os
pressupostos da agenda setting e do enquadramento (McCombs e SHAW, 2000; GOFFMAN,
1986, MIGUEL E BIROLI, 2010).
Neste mecanismo de visibilidade, Flávia Biroli (2010) argumenta que as principais
diferenças de gênero são de caráter estrutural, o que impõe a demarcação de certas
possibilidades e a exclusão de outras. Sendo assim, os papeis sociais, historicamente reservados
às mulheres, podem ter um caráter ambíguo. Ao mesmo tempo que formam um entrave para
uma atuação política mais relevante, se caracteriza como uma estratégia de diferenciação e ação
política das mulheres.
Biroli (2010) buscou embasar seu estudo da representação das mulheres em um trabalho
impecável de análise das revistas semanais Veja, Época e Carta Capital, nos anos de 2006 e
2007, em que analisou a ex-ministra Marta Suplicy, Heloísa Helena, candidata a presidente à
época, e a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que concorreria e venceria as eleições
de 2010. Na pesquisa, a autora destaca:
36
Disponível em: <https://www.purebreak.com.br/noticias/anitta-e-os-10-recordes-que-a-cantora-ja-bateu-ao-
longo-da-carreira/59989>. Acesso em 30 de out 2022.
37
Disponível em: <https://forbes.com.br/forbes-money/2021/05/fortuna-de-anitta-e-estimada-em-r-533-
milhoes>. Acesso em 30 de out 2022.
38
Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/07/19/apoio-de-anitta-a-lula-movimenta-redes-sociais-e-
ataques-bolsonaristas-definham>. Acesso em 30 de out 2022.
informar, convidando, notadamente, especialistas nas lives que promovia no Instagram e passou
a trazer uma identificação com o público, atraindo-o para o debate político. Para se ter uma
ideia do alcance da influência da cantora, em campanha contratada pelo Tribunal Regional
Eleitoral paulista Eleitoral, no início do corrente ano, na qual Anitta convida os jovens para
tirarem o título de eleitor teve efeitos práticos substanciais. De acordo com o TER-SP, o número
de jovens de até 17 anos que tirou título de eleitor cresceu 31% em março, na comparação com
fevereiro39.
Usando a estética como uma estratégia discursiva e dialógica, Anitta produz espetáculos
na própria Sociedade do Espetáculo. Suas redes sociais são o grande palco onde a polifonia se
assume como signo.
Imagem 1
Anitta faz o L com a mão e com o corpo na foto da direita
Fonte: Twitter.
As imagens do recorte acima datam de 13 de julho, dois dias após ter declaro apoio ao
candidato à presidência, Luiz Inácio Lula da Silva. No primeiro recorte, em que aparece com
um colã com as cores da bandeira do Brasil, a cantora faz um sinal de “L” com a mão direita,
sinal utilizado pelos apoiadores de Lula que remetem a primeira letra do nome do candidato,
eleito no Segundo Turno das Eleições Presidenciais. Na segunda imagem, a cantora exibe suas
curvas em uma trave de polidance, utiliza um macacão decotado vermelho, com a estrela do
39
Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/eleicoes/2022/noticia/2022/04/04/efeito-anitta-numero-de-
jovens-de-ate-17-anos-que-tirou-titulo-de-eleitor-cresce-31percent-em-marco-na-comparacao-com-fevereiro-diz-
tre.ghtml>. Acesso em 30 de out 2022.
Partido dos Trabalhadores estampada no bumbum e com a disposição do próprio corpo fazendo
um “L”, complementado pelas letras “ULA”. As imagens vão ao encontro dos pressupostos da
semiótica de Bakhtin, como salientado por Scorsolini-Comin, quando argumenta que, “antes da
concretização de um determinado enunciado – e posteriormente, há outros enunciados, que vêm
dos outros, aos quais o próprio enunciado está vinculado por algum tipo de relação.
(SCORSOLINI-COMIN, 2014, p. 251).
As imagens ainda jogam na lógica da Sociedade do Espetáculo, acionando a construção
de signos de um enunciado, em torno da letra “L”, explorado na linguagem verbal e não verbal
para “hipnotizar” o público. Como argumenta Debord (1997, p.18), “quando o mundo real se
transforma em simples imagens, as simples imagens tornam-se seres reais e motivações
eficientes de um comportamento hipnótico”.
Imagem 2
Anitta declara apoio em Lula, que agradece o apoio e a convida a atuar na campanha
Fonte: Twitter.
40
Disponível em: <https://www.poder360.com.br/eleicoes/anitta-declara-apoio-a-lula-e-petista-reage-vamos-
juntos/>. Acesso em 30 de out 2022.
Imagem 3
Anitta lança frases para provocar o debate em torno do seu apoio à Lula.
Fonte: Twitter.
Imagem 4
Anitta reclama do uso indevido de sua imagem por parte de apoiadores e Lula esclarece
que não consegue controlar a divulgação nas redes
Fonte: Twitter.
O embate considera o diálogo como única saída para a consciência política, como
argumenta BAKHTIN, (2012, p. 117): “O diálogo não seria uma instância apenas de negociação
e de mediação de conflitos, mas um espaço no qual esses embates poderiam ser acolhidos e
repensados, de modo a contribuir com a compreensão de uma realidade macro, a realidade
social”.
O apoio, em certos momentos ambíguos, repercutiu em bons números para a cantora.
De acordo com levantamento do Jornal Folha de São Paulo 41, Anitta ganhou mais de 300 mil
seguidores, em 10 dias (de 11 a 21 de julho) somando Twitter e Instagram, desde que declarou,
publicamente, voto no ex-presidente Lula (PT).
O engajamento de Anitta na arena política levanta mais uma vez a discussão dos papeis
históricos e sociais, muitas vezes ambíguos, reservados às mulheres nas sociedades. Como
ressalta Biroli (2010), ao mesmo tempo que formam um entrave para uma atuação política mais
relevante, se caracteriza também, como uma estratégia de diferenciação e ação política das
mulheres.
41
Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2022/07/anitta-com-lula-ganha-mais-de-300-mil-
seguidores-desde-que-declarou-voto.shtml>. Acesso em 30 de out 2022.
Em “Feminismo e Política”, Miguel e Biroli (2014), enfatizam que nas últimas décadas,
muito se avançou nas conquistas de direitos, mas que os números ainda não se refletem na
participação das mulheres na política. É contra esse ofuscamento, que personalidades como
Anitta resistem todos os dias, usando do prestígio do capital social e cultural para incluir as
mulheres no debate das grandes decisões do país.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo procuramos demonstrar como a luta pelos direitos das mulheres tem sido
travada no Ocidente ao longo dos últimos séculos e como esse embate ainda não se resolveu
em garantias para além das exigências normativas das leis. Culturalmente ainda reina um
machismo estrutural, que busca direcionar as mulheres de acordo com os interesses dos homens.
Em outra medida, nosso esforço se empenhou em problematizar como os signos são produzidos
na Sociedade do Espetáculo. Tendo como amparo a abordagem bakhtiniana, debatemos a
dinâmica da construção do discurso na análise dos tuítes da cantora Anitta e revelamos como
os enunciados são articulados na formação dialógica e polifônica do signo. Elemento central
nesta discussão, o conceito de Sociedade do Espetáculo de Guy Debord elucidou o uso da
estética como retórica, da afirmação das imagens em detrimento da escrita e de forma,
surpreendente, na instrumentalização desses recursos semióticos para questionar a própria
dinâmica do espetáculo.
Com a realidade das redes sociais como o Twitter, a reprodutibilidade das imagens
recorre ao espetacular como alertava Benjamin, pois remediada, reconfigurada, adaptando
novos sentidos, distanciando-se da origem. Neste sentido, há que concordarmos com Debord
(1997, p.24)., quando comenta sobre a inquietação dos indivíduos – e por que não das ideias
que rondam as mentes? – “o espetáculo está em toda parte.
REFERÊNCIAS
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mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997.
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Brasil: uma trajetória do espaço privado ao público. Revista Psicologia Política,
vol.9, n.17. São Paulo, jun. 2009.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1997.
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Boitempo, 2014. 164 p.
ROCHA-COUTINHO, Maria Lúcia. Tecendo por trás dos panos: a mulher brasileira nas
relações familiares. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
Hahner, June E. A mulher brasileira e suas lutas sociais e políticas: 1850-1937. Maria
Thereza P. de Almeida e Heitor Ferreira da Costa, trad. São Paulo: Brasiliense, 1981.
MACHADO NETO, Afonso C. Coord. Sociedade e história do Brasil. Os primeiros tempos
da República – 2. Brasília: Instituto Teotônio Vilela, V. 6. p. 47. 2000.
Oliveira, Rosiska D. Elogio da diferença: o feminino emergente. (3ª ed.). São Paulo:
Brasiliense, 1999.
1. INTRODUÇÃO
O City Branding é uma marca criada por um município para promover seu turismo e
suas vocações. Kotler (1999) pontua que locais são produtos cujas identidades devem ser
desenvolvidas e vendidas como produtos. Como a marca projetará uma cidade e essa cidade
será coisificada, é necessário que ela mostre o espírito do local, como atributos físicos, culturais
e sociais da cidade, criando um branding que transcenderá setores específicos e atrairá pessoas,
seja para turismo, investimento ou até mesmo para captação interna, desenvolvendo o espirito
de pertencimento dos cidadãos, criando bem-estar.
Branding é o conjunto de ações ligadas à administração das marcas. São ações que,
tomadas com conhecimento e competência, levam as marcas além da sua natureza econômica,
passando a fazer parte da cultura, e influenciar a vida das pessoas. Ações com capacidade de
simplificar e enriquecer nossas vidas num mundo cada vez mais complexo (CAMEIRA, 2016,
p. 50)
Com base nisso, o trabalho se propõe não apenas a discutir e desenvolver o city
branding, mas também a sua aplicação como campanha permanente de Desterro do Melo,
através de materiais gráficos online e off-line, como produtos oficiais de merchandising, que
servem como divulgação espontânea da campanha comunicacional.
Figura 02
City Branding criado para Desterro do Melo
Fonte: os autores
O City Branding desenvolvido tem como objetivo exemplificar em imagem toda uma
tradição e cultura da cidade do interior de Minas Gerais, como nome de Desterro do Melo,
carinhosamente chamada de “Melo”. A serra e a igreja, sem sombra de dúvidas são os principais
pontos que chamam a atenção na cidade. Além de um povo muito receptivo, a cultura
transmitida de geração em geração não morre, ficando firme como uma rocha, como uma serra.
Assim, a fé do povo se consagrou em menção, quando em 2007, Desterro do Melo foi eleita a
cidade mais católica de Minas Gerais, ficando também entre as primeiras em todo o Brasil.
A partir do processo de criação, também foi definido o uso da palavra “Melo”, como
carinhosamente a cidade é conhecida, para reforçar o City Branding. A tipografia handmade
foi escolhida para dar a sensação de algo mais artístico, em consonância com o espírito do
interior. Além da marca, foram desenvolvidos vários produtos de merchandising para teste de
aplicação e reforço da identidade visual criada junto a potenciais turistas que comprariam itens
da “marca Desterro do Melo”.
Outro importante material criado para o processo de City Branding foi o merchandising.
Seguindo o exemplo de cidades como Nova York e Amsterdam, que utilizam seus cities
brandings como produtos comerciais (I Love NY e I Amsterdam, respectivamente), foi pensado
de que maneira seria possível extrair recursos financeiros da criação marcária. Para isso, foram
pensadas camisetas e bonés para o município, tendo como públicos-alvos os turistas e os
próprios cidadãos locais que se orgulham da cidade e teriam prazer em “usar” Desterro do Melo.
O desenvolvimento de merchandising é fundamental para um City Branding que deseja
ser uma Campanha Permanente. Um City Branding que não se pense como Campanha
Permanente de Comunicação política não consegue se manter ativo e constante durante anos,
significando perda de investimentos consideráveis e de uma marca que represente o município
que desenvolveu aquele projeto marcário.
Para o município, ver cidadãos e turistas usando a marca local se transforma em
publicidade gratuita, além de representar projeções de orgulho da cidade e manutenção do
discurso de coisificação do município, transformando-o em um ativo tangível para as pessoas.
Figura 3
Caneca de merchandising aplicada com o City Branding de Desterro do Melo
Fonte: os autores
Figura 4
Camisa de merchandising aplicada com o City Branding de Desterro do Melo
Fonte: os autores
Para o desenho, foi escolhida a cor preta, pois se trata de uma cor neutra, livrando a
identidade de qualquer vínculo partidário e qualquer alusão a algum candidato (a) que
pretendesse concorrer a algum cargo eletivo do município, além de ser uma cor que remete a
algo elegante, a cor é forte, forte como uma Serra. A identidade também pode ser usada na cor
branca, caso o fundo seja escuro, pois também se trata de uma cor neutra e “apartidária”.
Esta proposta mostra ser perfeitamente possível criar uma Campanha Permanente
comunicacional por meio do City Branding e que não seja prejudicada por modismos de design.
Com uma boa gestão da marca e tendo exploração comercial relevante, é possível manter a
marca existindo por tempo considerável, sendo um elo de ligação entre cidadãos, turistas e
cidade, gerando orgulho e pertencimento.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta deste trabalho foi mostrar como um município de pequeno porte, como
Desterro do Melo, pode utilizar conceitos de comunicação, como o City Branding, para
estruturar uma campanha comunicacional permanente, começando no turismo e que, se bem
estruturada, possa ser espalhada para outras áreas da cidade e até em produtos comerciais. O
uso do City Branding resolve um grande problema dos municípios enquanto entes estatais:
como manter comunicação da cidade sem que seja relacionado a governos, que são transitórios
de acordo com as dinâmicas eleitorais? A produção de um City Branding resolve este problema
que gera constantes preocupações para gestores de comunicação e agentes públicos.
Dentro do processo de Arquitetura de Marcas é importante o respeito às vocações reais
da empresa. Uma cidade não é uma empresa, mas possui vocações que possam ser exibidas em
uma marca.
No caso de Desterro do Melo, o principal elemento foi a Igreja Matriz e a Serra,
principais elementos visuais da cidade, mas para outros municípios, basta analisar elementos-
chave ou algo extremamente representativo, que sirva como “cartão de visitas” daquele local.
Cidades de médio-grande porte, que possuem dificuldades em definir sua identidade,
não conseguem escolher algo representativo de imediato. Essa identificação imediata é bem
mais fácil em cidades de pequeno e médio porte, já que estes símbolos estão encurtidos nas
mentes dos habitantes destes locais e, consequentemente, podem ser levados a outras pessoas.
Por mais que a ideia de City Branding não possa caminhar com o Estado, nesta proposta aqui
apresentada é interessante notar que o próprio governo, ao aplicar a marca em determinados
materiais, pode ajudar a propagar mais a mensagem. Neste caso, é interessante que o governo
use com moderação o City Branding.
O trabalho e as composições apresentadas no artigo foram frutos de uma experiência
em sala de aula, desenvolvido na disciplina de Arquitetura de Marcas, do curso de Publicidade
e Propaganda, da Unipac Barbacena, ministrada pelo professor Ricardo Rios. Com isso, é
importante observar que todas as composições gráficas aqui apresentadas são simulações e não
foram usadas e/ou endossadas pela Prefeitura de Desterro do Melo.
Espera-se que este trabalho possa contribuir com a discussão do uso do City Branding
como fator de campanha comunicacional para os municípios, além de discutir o uso de
merchandising em campanhas políticas e estatais.
REFERÊNCIAS
A propagação de fake news na campanha eleitoral de 2022: Uma análise sobre o alcance
do discurso de “fraude nas urnas” durante o primeiro turno
RESUMO: O presente artigo propõe realizar uma análise teórica e empírica relacionando o
surgimento das novas mídias com sua influência nas democracias, principalmente no que diz
respeito às eleições presidenciais de 2022 no Brasil. Com enfoque no atual cenário político
brasileiro, este estudo visa oferecer uma análise sobre o discurso que questiona a segurança das
urnas eletrônicas, proferido pelo presidente Jair Messias Bolsonaro e pela sua base eleitoral.
Com base em uma análise empírica, esse trabalho de pesquisa estabeleceu duas questões a
serem respondidas e discutidas: 1) Quando foram os picos de pesquisa sobre a fake news “fraude
nas urnas” durante a campanha eleitoral de 2022?; 2) Qual o engajamento dessas notícias falsas
na internet?
1. INTRODUÇÃO
Como forma de balizar o entendimento dessa pesquisa faz-se necessário definir o que é
uma fake news. O surgimento desse termo não é certo, mas a expressão ganhou grande
relevância em 2017 com o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (MENESES,
2018). Eleita a palavra do ano pela revista britânica Collins, “fake news” passou a ser uma
argumentação bem comum em nosso dia-a-dia, no entanto, existe uma dificuldade em se fazer
uma análise conceitual dessa expressão, visto a variedade de uso do termo, muita das vezes
conflitantes. (GELFERT 2018).
Meneses (2018), aponta que a apropriação indevida do termo por políticos é o que
fundamenta a necessidade de calibração desse conceito, de modo a diminuir a ambiguidade que
tende a aparecer.
Do nosso ponto de vista, contudo, é também pela apropriação, muitas vezes indevida,
por exemplo, por parte de políticos, que se justifica calibrar devidamente o conceito – o que
começa por aceitar fake news e não, por exemplo, false news [..]. (MENESES, 2018)
Lazer et al (2018) por sua vez discursa que as fakes news são “[...]
informações fabricadas que imitam o conteúdo da mídia de notícias
na forma, mas não no processo ou intenção organizacional” (LAZER
et al, 2018; tradução nossa). Damasceno e Almeida Filho (2020), no
entanto, consideram essa definição problemática “Acreditamos que
essa definição é problemática, pois pode levar a entender que a
organização informativa da mídia convencional ou processos de
apuração são suficientes para evitar fake news” (DAMASCENO;
ALMEIDA FILHO, 2020).
Esse artigo define as fakes news como histórias ou notícias criadas para deliberadamente
enganar ou desinformar os leitores sobre um determinado tópico. Esses recursos mentirosos são
capazes de moldar opiniões, discursos e promover a manipulação ideológica. No entanto,
confunde-se ao se relacionar false news e fake news, isso porque a primeira é resultado de má
apuração de jornalistas por exemplo, enquanto a última trata-se de uma técnica que usa as
notícias fora do contexto, ou com mea verdade ou até notícias absurdas para gerar desde dúvida
até revolta (OREMUS, 2017).
É o caso por exemplo do plebiscito do Brexit realizado no ano de 2017 que culminou
com a saída do Reino Unido da União Europeia. A campanha pela retirada da ilha do bloco foi
marcada por diversas fake news pela campanha “Vote Leave”, endossada sobretudo pela
imprensa tabloide. Um dos líderes do movimento pela saída, Boris Johnson, então prefeito de
Londres, foi um dos nomes proeminentes do Vote Leave. Sua plataforma de argumento era de
que o Reino Unido pagava valores absurdos para a União Europeia. Johnson chegou a
apresentar três números diferentes: em 29 de fevereiro de 2016 declarou em entrevista que
poderia ser um valor de aproximadamente 8 bilhões de libras esterlinas por ano. Na ocasião do
dia 3 de junho afirmou que esse valor era de £350 milhões por semana que seriam enviados à
Bruxelas. Mais tarde nesse mesmo dia, afirmou que o valor enviado era de £10 bilhões por ano
(HÖLLER 2021).
No entanto, a agência de fact-checking britânica Full Fact (2018) verificou que as
declarações de Boris Johnson eram: “um claro uso indevido das estatísticas oficiais” (FULL
FACT, 2017; tradução nossa). A análise dos jornalistas independentes chegou à conclusão de
que o Reino Unido nunca chegou a pagar 350 milhões de libras esterlinas para a União
Europeia:
No caso do Brasil as eleições presidenciais de 2018 foram um marco pelo elevado uso
de fake news em campanhas políticas, principalmente pela campanha do candidato Jair
Bolsonaro (PL) que saiu vitorioso do pleito. Um levantamento feito pelo site “Congresso em
Foco” do Portal UOL, por exemplo, identificou a partir 123 fake news levantadas por agências
de fact-checking - Agência Lupa da Folha de São Paulo, Fato ou Fake do Grupo Globo e o Aos
Fatos, independente - sendo 104 contra o então adversário de Bolsonaro, Fernando Haddad (PT)
e o Partido dos Trabalhadores e 19 contra Bolsonaro e sua base. (CONGRESSO EM FOCO,
2018). Dentre essas notícias é possível levantar 13 fake news da campanha do presidente Jair
Bolsonaro (PL) contra as urnas eletrônicas, tema deste trabalho de pesquisa.
3. METODOLOGIA
O artigo analisou uma fake news popular que beneficiou o presidente Jair Bolsonaro
(PL) nas eleições de 2018 e que tem sido uma das suas plataformas de ataque durante a
campanha de 2022: a suposta fraude nas urnas eletrônicas. Posto isso, três perguntas norteiam
a elaboração dessa análise: 1) Quando foram os picos de pesquisa sobre a fake news “fraude
nas urnas” durante a campanha eleitoral de 2022? e 2) Qual o engajamento dessas notícias falsas
na internet?
Essa notícia falsa foi escolhida de forma proposital após um levantamento feito pela
ferramenta Google Trends que mostraremos a seguir na seção “resultados”. Consideramos na
escolha que sempre que há um discurso sobre esse assunto, diversas pesquisas sobre o tema são
feitas no Google, o chamado Zero Moment of Truth ou Momento Zero da Verdade (Kotler,
Kartajaya & Setiawan, 2017) que é quando os usuários sabem nada ou pouco sobre tal tema e
usam alguma plataforma de pesquisa - principalmente o Google - para fazer sua procura. Para
esse artigo, iremos considerar o período de 5 de agosto de 2022 (início da campanha eleitoral
em todo o País) até o dia 1º de outubro (último dia antes do 1º turno das eleições gerais de
2022).
Ao iniciar a análise em termos de popularidade, optamos por fazer uma busca na
plataforma Google Trends com o seguinte termo: “fraudes nas urnas", a ideia era observar se
havia uma alta nas buscas e quando esta alta foi registrada. Também optamos por utilizar o
Buzzsumo, ferramenta utilizada para o monitoramento de redes, no qual captamos dados acerca
da elevação no número de pesquisas que utilizam as palavras “fraudes nas urnas”. Com os dados
em mãos, decidimos nos embasar teoricamente em autores que já realizaram pesquisas sobre
fake news diversas, incluindo aquelas que defendem que as urnas eletrônicas são facilmente
fraudadas.
Este artigo não pretende ser apenas uma análise quantitativa, pois além de avaliar
números de pesquisa, termos utilizados e gráficos que apontam altas de pesquisas em
determinados momentos, também buscamos realizar uma análise qualitativa sobre o que de fato
os usuários de internet que fazem tais pesquisas leram nos sites mais acessados. O resultado
desses esforços, pode ser observado na seção a seguir.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Figura 1
Buscas pelo termo “Fraude nas Urnas” no
Google Trends durante 05 de agosto até 1º de outubro
Fonte: Elaborado pelos autores através dos dados obtidos pela ferramenta Google Trends.
A Figura 1 mostra um eixo vertical que varia entre os números 0, 25, 50, 75 e 100. Esses
valores indicam a frequência que o termo Fraude nas Urnas foi procurado no Google, sendo 0
o mínimo de popularidade e 100 o máximo. Já o eixo horizontal apresenta o período de tempo
entre 05 de agosto de 2022 até 1º de outubro de 2022.
Dessa forma, respondendo à primeira pergunta estabelecida (quando foram os picos de
pesquisa sobre a fake news “fraude nas urnas” durante a campanha eleitoral de 2022?), podemos
determinar após análise da Figura 1 uma significativa busca por Fraude nas Urnas 14 vezes
durante a campanha eleitoral de 2022, sendo seu maior pico de pesquisa em 18 de setembro.
Após uma breve busca no Google pelos termos “Bolsonaro questiona urnas eletrônicas”, foi
possível observar que a data de maior pico dos termos coincide com o período que o presidente
estava em Londres, para o funeral da rainha Elizabeth II.
Pode-se levantar duas teorias acerca das causas por trás da alta repercussão desse dia
em específico; a primeira, seria uma maior agressividade e ênfase do discurso contra as urnas
por parte de Bolsonaro; a segunda, o holofote que o funeral da monarca britânica proporcionou
ao presidente e as repercussões, nacionais e internacionais, da visita do presidenciável a
Londres. Mesmo que possa haver uma interseção entre estas duas prováveis razões, há uma
probabilidade maior da segunda ser mais relevante nesse cenário. Uma breve busca no Google
Trends confirma essa suposição, visto que a procura por termos como “Bolsonaro Londres” e
“Bolsonaro rainha” cresceu significativamente entre os dias 17 e 21 de setembro, o que
evidencia a atenção em volta do presidente.
4.2 Buzzsumo
Figura 2
Relatório de análise Buzzsumo
Fonte: Reprodução/Buzzsumo
O mês com maior número de engajamentos foi setembro, com um total de 1 647 artigos
analisados que geraram 62 286 engajamentos como podemos ver na Figura 3. Vale destacar
que o mês de outubro não contemplou todos artigos publicados, visto que o período de análise
dessa pesquisa compreende apenas as datas de 5 de agosto até 1º de outubro.
Figura 3
Relação entre engajamento e artigos publicados analisados
pelo Buzzsumo durante os meses de agosto, setembro e outubro
Fonte: Reprodução/Buzzsumo
Quadro 1
Principais artigos analisados pelo Buzzsumo classificados
a partir do total de engajamento
Fonte: Elaborado pelos autores através de dados obtidos pela plataforma Buzzsumo
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após essa pesquisa, foi possível contra-argumentar a concepção de que quem pesquisa
tais termos, como “fraudes nas urnas”, em mecanismos de pesquisa, de fato acessem somente
informações inverídicas. Em diversas páginas da web, encontradas inclusive nos primeiros
resultados dos motores de busca, foram localizados uma grande variedade de dados que
desmentiram a fake news.
Contudo, apesar de aparentar ser um cenário positivo, isso não se reflete
necessariamente em como as pessoas absorveram os esclarecimentos recebidos. De fato, não
há uma precisão de dados que possam avaliar quantas pessoas tiveram acesso a informações
bem embasadas e mesmo assim preferiram acreditar na palavra do presidente.
Neste sentido, é importante ressaltar que Jair Bolsonaro (PL) ocupa um cargo de
destaque dentro do cenário político mundial. Assim, há uma expectativa de que as falas
proferidas pelo mesmo tenham uma certa veracidade.
Portanto, há uma certa compreensão sobre o porquê pessoas com acesso a informações
online ainda assim optarem por acreditar e propagar a fake news relacionada às urnas
eletrônicas.
Ainda há a questão de pessoas que só acessam informações por meio de redes sociais,
como o Facebook e o Twitter, que por terem um caráter mais pessoal que o Google, tendem a
ter menos pluralidade de ideias e uma menor probabilidade de que haja argumentos contrários
à ideia compartilhada.
Logo, quando uma fake news é compartilhada em mídias sociais como o Facebook e o
Twitter, a probabilidade de alguém receber informações que contrariem o post é bem menor.
Esclarecemos que, mesmo com a coleta referente a 57 dias, o trabalho estabeleceu um
recorte para a análise, focando nos 26 dias que separaram o início da campanha eleitoral para o
2° turno (03 de outubro) até o último dia antes da votação (29 de outubro).
Portanto, esperamos que essa análise sirva de ponto de partida para outras que possam
complementar ou aprofundar esse trabalho.
REFERÊNCIAS
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radicalização ideológica da direita no mundo contemporâneo do Facebook. AURORA. Revista
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http://www.digitalnewsreport.org/survey/2018/brazil-2018/. Acesso em: 22 de set. 2022.
CONGRESSO EM FOCO. Das 123 Fake News encontradas por agências de checagem, 104
beneficiaram Bolsonaro. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/area/pais/das-
123-fake-news-encontradas-por-agencias-de-checagem-104-beneficiaram-bolsonaro/. Acesso
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DAMASCENO, Daniel de Rezende; ALMEIDA FILHO, Edgard Patrício de. Jornalismo e fact-
checking: fontes oficiais na base da checagem e critérios não explicitados na seleção do que
checar orientam a análise de aos fatos e agência Lupa. In: Anais do XX Congresso Nacional
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DOMINGUES, J.M. 2013. Las movilizaciones de junio de 2013: ¿Explosión fugaz o novísima
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the referendum. LSE Research Online, Londres, 2017. Disponível em:
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HÖLLER, Maximiliam. The human component in social media and fake news: the performance
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2018). 2018. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.
Capítulo 15
RESUMO: O artigo traz um estudo das estratégias midiáticas e políticas acionadas pelo atual
Presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). Parte-se da hipótese de que o ator político faz
uso das mídias digitais para ganhar visibilidade e manter o apoio popular como estratégia de
campanha permanente, ou seja, focar na utilização de estratégias antecipadas em relação ao
período eleitoral visando um próximo pleito. O artigo traz uma discussão acerca da relação
entre populismo digital, crise de representação e redes sociais e as concepções de campanha
permanente e campanha eleitoral (CESARINO, 2019; MANIN, 2013; MARTINS, 2020). São
investigadas as lives transmitidas no Facebook às quintas-feiras a fim de analisar as ações do
governante e candidato à reeleição frente aos conceitos da Campanha Permanente, tomando
como recorte as seguintes datas – 07, 14, 21 e 28 de outubro de 2021.
1. INTRODUÇÃO
No dia 14 de outubro de 2021, o presidente Jair Bolsonaro (PL) aproveitou a sua live da
semana no Facebook, que é divulgada pela mesma rede social e tem ampla repercussão junto
aos seus seguidores e à imprensa, para atacar o trabalho jornalístico e gerar grandes polêmicas.
Em sua fala, o presidente também criticou o Movimento dos Sem-Terra, o projeto que viabiliza
a distribuição gratuita de absorventes para mulheres de baixa renda, a não-obrigatoriedade do
passaporte da vacina, a economia do país e fez comentários sobre algumas notícias que
circularam na semana sobre ele, que, na sua visão, eram todas fake news.
Desde que foi candidato em 2018, Jair Bolsonaro tem utilizado as redes sociais como
seus principais canais de contato com o eleitorado. Mesmo depois de se tornar presidente,
recusou-se a utilizar os meios de comunicação tradicionais (rádio, TV, jornais), além de se
recusar a conceder entrevistas coletivas à imprensa, o que tradicionalmente todos os chefes de
Estado em países democráticos fazem rotineiramente, pelo menos com uma frequência regular.
Por meio das lives, anunciou os seus ministros, têm criado suas polêmicas, falado sobre as
medidas do seu governo preferencialmente via Twitter e se recusa a atender à grande imprensa.
Ademais, tem criado atritos com os maiores veículos da mídia, como Globo e Folha de São
Paulo.
É notório que o presidente repudia o trabalho da imprensa no Brasil e evita ao máximo
ter contato. Conforme ele aponta, o jornalismo brasileiro é um jornalismo “podre” que serve
apenas para disseminar o ódio entre a população e sente vergonha pelos jornalistas. No dia 21
de junho de 2021, o presidente explodiu e mandou um jornalista da TV Globo calar a boca ao
ser questionado de o porquê não estar usando máscara. Ainda reiterou que a emissora é uma
“merda” e não ajudam em nada.
Além disso, uma das críticas que têm sido feitas ao presidente é a sua postura excêntrica
e polêmica, especialmente, junto aos seus fiéis seguidores. Mantém a mesma postura de
candidato, mesmo sendo presidente. Mistura os papéis, mesmo quando ainda estava no início
do seu governo. Em 2022, já como candidato à reeleição, em que teve uma disputa acirrada
com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no primeiro e no segundo turno,
aproximou-se do Centrão em busca de força política no Congresso. O Centrão é um bloco de
deputados criado em 1987 durante a Constituinte com um perfil bem pragmático e fisiológico.
Visa a obter ganhos, como cargos, favorecimentos em troca de apoio político. Atua desde,
então, pressionando os governos e tem sido o fiel da balança para garantir a governabilidade.
Foi decisivo tanto para o sucesso como para o fracasso dos governos Collor, Itamar Franco,
Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e agora Jair Bolsonaro.
Collor e Dilma, ao perderem apoio do Centrão, acabaram sofrendo impeachment. Hoje,
Bolsonaro, depois de muitas críticas aos chamados políticos tradicionais, rendeu-se a este
grupo. O bloco é composto hoje por vários partidos - PP (40 deputados), PL (39), Republicanos
(31), Solidariedade (14) e PTB (12). O PSD (36), o MDB (34) e o DEM (28) também costumam
estar alinhados com o grupo, assim como partidos menores, incluindo PROS (10), PSC (9),
Avante (7) e Patriota (6).42 Na eleição de 2022, manteve a sua força, com a eleição de 99
42https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/29/entenda-o-que-e-o-centrao-bloco-na-camara-do-qual-
No que segue, será feita uma análise das lives realizadas no mês de outubro às quintas-
feiras, às 19 horas, pelo Facebook, transmitidas no perfil do presidente da república, Jair
Bolsonaro. Na primeira quinta-feira, dia 07 de outubro de 2021, Jair Bolsonaro, na live “Pingo
nos is”, tratou de questões sobre a pandemia e a crise econômica, destacando que o problema
não se restringe apenas ao Brasil. O pronunciamento, que contou com uma tradutora de libras,
durou cerca de 1 hora. Durante 42 minutos, somente o presidente falou até que chamou o
ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, para explicar sobre a portaria de criação de
rede de insumos para a agricultura. Bolsonaro subestimou a orientação da Organização Mundial
da Saúde (OMS) de ficar em casa e afirmou que “isso é uma guerra e a gente precisa enfrentar
o vírus... fica em casa, a economia te vê depois”. Novamente utilizou o discurso negacionista
para criticar a imprensa. Para o presidente, o isolamento social agravou o problema econômico,
gerou um problema educacional com as crianças fora da escola e trouxe mais desemprego. Para
comprovar o argumento, leu algumas notícias de outros países divulgadas pela imprensa
comparando com a situação brasileira e mostrou que não tem culpa de a economia estar assim,
que sempre defendeu o comércio aberto. Não quis comentar sobre a vacinação para evitar
problemas e esclareceu que é uma atitude voluntária ser vacinado.
Na segunda quinta do mês, dia 14 de outubro de 2021, que durou 34 minutos, o
presidente comentou sobre as notícias Fake News que saíram sobre ele e contou a versão
“verdadeira” da história. Criticou o projeto que viabiliza a distribuição gratuita de absorventes
para mulheres de baixa renda, a não-obrigatoriedade de se vacinar e o absurdo de que alguns
lugares precisam ter o passaporte da vacina, ressaltou a eficácia de se tomar ivermectina contra
a Covid-19 e desmoralizou o medicamento criado pela AstraZeneca, fez críticas ao grupo do
Movimento dos Sem-Terra e aos manifestantes alegando que não sabem resolver questões
básicas de matemática. Fez comentários sobre a atitude de ficar em casa na pandemia que matou
milhões de brasileiros. No fim, ressaltou a importância de se informar de verdade.
Na terceira quinta do mês, dia 21 de outubro de 2021, Bolsonaro disse que relatórios
oficiais do governo do Reino Unido sugerem que as pessoas totalmente vacinadas podem
desenvolver a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Ele também alegou que as
vacinas não podem reduzir os riscos de contrair a covid-19 e que causam outras doenças
infecciosas. O presidente disse que não leria a matéria completa porque teria problemas com a
live e queria apenas dar informações. O comitê de HIV/Aids da Sociedade Brasileira de
Infectologia esclareceu que não se conhece nenhuma relação entre qualquer vacina com a
covid-19 e o desenvolvimento da aids, e ainda recomendou que as pessoas que vivem com a
doença devem ser completamente vacinadas contra a covid-19. Após repercussão do assunto, a
live foi removida de todas as redes sociais. Segundo o Facebook, a transmissão violou as
diretrizes contra a desinformação médica e o presidente ficou impedido de publicar novos
vídeos por uma semana.
Na quarta quinta do mês, dia 28 de outubro de 2021, de 18 minutos apenas, Bolsonaro
teve que viajar para Roma onde iria participar da cúpula do G20. O presidente receberia um
título honorário e foi acompanhado pelo Ministro da Economia Paulo Guedes e das Relações
Exteriores Carlos França. Devido a viagem, ele fez a tradicional live mais cedo. Entre os
assuntos comentados, está a polêmica que surgiu após falar sobre a relação entre a vacina e o
HIV. Também abordou sobre o aumento de empregos no país e o preço dos combustíveis.
Ademais, declara que é amigo e mantém contato com Donald Trump. Ele foi candidato à
presidência dos EUA e desde então faz análises sobre os governos mundiais. Em um desses
estudos, escreveu uma nota assumindo que o governo brasileiro foi um dos países que menos
sofreu com a economia.
A live da semana virou rotina no governo de Jair Bolsonaro e é exibida toda semana.
Foi uma maneira que encontrou para assumir o controle da comunicação e ainda aproveita as
transmissões para passar recados, ao fazer críticas aos adversários e rebatendo reportagens.
Como algo rotineiro, o presidente não deixa de fazê-la, até mesmo quando esteve internado
após uma cirurgia fez questão de fazer uma transmissão nem que seja por dois minutos. Uma
outra vez, foi feita dentro de um carro enquanto se dirigia ao Maracanã. Aos poucos, transmite
momentos do seu dia a dia, como quando cortou o cabelo, sua visita à Festa de Peão de Barretos,
conversas que teve com jornalistas quando entra e sai do Palácio da Alvorada.
Nessas lives, em geral, há convidados que são integrantes do governo. A decisão de
quem vai participar é do próprio presidente, assim como a palavra final das pautas. A respeito
das lives realizadas em outubro de 2021, aparentemente parecem acontecer em uma sala do
Palácio da Alvorada e contou com poucos participantes. Há apenas um intérprete de libras e o
Bolsonaro, exceto em uma, que apareceu o ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes,
no final do pronunciamento, para falar de uma portaria sobre imunizantes para a agricultura.
6. ANÁLISE DE CONTEÚDO DAS LIVES: CAMPANHA PERMANENTE,
PERSONALISMO E O ATAQUE COMO FORMA DE MINIMIZAR OS PROBLEMAS
DO PAÍS
6.1 Propaganda de governo e/ou campanha permanente para manter o contato com o
eleitor
6.2 Temáticas das lives: o negacionismo científico sobre a pandemia e os ataques como
forma de minimizar os problemas econômicos e sociais brasileiros
Como forma de manter uma comunicação verdadeira e direta com o público, Jair
Bolsonaro aborda diversas temáticas em suas transmissões e deixa claro sua opinião sobre os
assuntos. Durante o governo Bolsonaro, o mundo transformou-se devido à pandemia da Covid-
19. Milhares de pessoas tiveram suas vidas interrompidas pela doença. Como forma de
amenizar tais efeitos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou para evitar
aglomerações, fechamento de comércios e escolas. Enquanto isso, o presidente do Brasil
alegava que a doença não existia e que o vírus tinha que ser combatido de outra maneira.
“Alguma coisa está errada. São Paulo que fechou praticamente tudo, e o número é muito maior
do que Minas Gerais, que não fechou quase nada”, afirmou. “Todo dia vendendo peixe, tem
que ficar em casa. Foco na OMS. Olha a OMS. Olha o vexame da OMS aí”, ironizou em uma
transmissão feita no dia 11 de junho do ano de 2020.
O tempo todo, Bolsonaro negou a existência da pandemia e propaga declarações falsas
em suas lives. Além de subestimar a eficácia das vacinas e das máscaras na prevenção contra a
covid-19, ele defendeu o chamado tratamento precoce baseado em medicamentos ineficazes,
como a cloroquina, mesmo a OMS falando que não funciona. “O ministro Queiroga tomou duas
doses da Coronavac e está infectado. Vivia de máscara e está infectado. Você pode atrasar, mas
dificilmente você vai evitar isso daí. É muito difícil evitar”, disse. Em outro momento, disse
que “Talvez eu tenha sido o único chefe de Estado do mundo a dar a cara a tapa nessa questão.
A decisão nem sempre agrada a todo mundo. Temos que decidir de que lado estamos, e não é
o lado do politicamente correto. Escolhi o lado certo. O lado da verdade sempre é o mais difícil”,
disse.
No que diz respeito à economia, Bolsonaro se esquiva das responsabilidades e joga a
culpa nos outros, sendo estes, principalmente, a imprensa e governadores. Para ele, os
problemas econômicos foram derivados da forma equivocada que a pandemia foi enfrentada
(sobretudo sobre orientação da OMS de priorizar o distanciamento social e o fechamento da
economia- comércio, turismo). Em uma live disse que “A política do ‘fica em casa’ é uma das
mais perversas da humanidade. Aqui no Brasil, todo mundo adotou. E olha que grande parte da
população pediu o lockdown. Eu tinha o poder para fechar o Brasil, mas não fechei um botequim
sequer”. “A política do ‘fique em casa que a economia a gente vê depois’ acabou e ‘depois’
chegou. A imprensa, que tanto apoiou o ‘fique em casa’, agora não apresenta opções de como
atender a esse milhões de desassistidos’.
Em decorrência da pandemia e das ações decretadas por governadores e prefeitos para
conter o avanço da pandemia da covid-19, Bolsonaro afirmou que “A fome vai tirar o pessoal
de casa, tá? Vamos ter problemas que a gente nunca espera ter. Teremos problemas sociais
gravíssimos”. Em outra disse que, “O povo não tem pé de galinha para comer mais. Agora eu
tenho falado: o caos vem aí”. Entretanto, o país já enfrentava estes problemas sociais, que foram
intensificados no governo de Bolsonaro. Nesse sentido, o presidente não conseguiu resolver a
situação do Brasil a respeito de políticas relacionadas à saúde, política social, educação e meio
ambiente. O desmatamento devido às queimadas na Amazônia cresceram, o número de
brasileiros trabalhando na informalidade subiu, congelamento de recursos do MEC
(cancelamento de bolsas de pesquisas), fome, desigualdade sociais, restrição do programa Mais
Médicos que deixou populações inteiras ao abandono na área da saúde.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
HJARVARD, Stig. Midiatização: teorizando a mídia como agente de mudança social e cultural.
Matrizes, São Paulo, v. 5, n.2, p. 53 - 92, jan/jun. 2012.
VERÓN, Eliseo. El living y sus dobles: arquitecturas de la pantalla chica. In: ______. El cuerpo
delas imágenes. Buenos Aires: Editorial Norma, 2001.
Capítulo 16
RESUMO: Nos últimos anos, tornou-se popular a expressão “fake news” para se referir à
disseminação em larga escala de notícias falsas, principalmente sobre política e em períodos
eleitorais. Em 18 de outubro de 2018, a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo
divulgou uma reportagem investigativa sobre disparos em massa de notícias falsas sobre o
candidato Fernando Haddad (PT) financiadas por empresários ligados ao então candidato Jair
Bolsonaro (na época do PSL). Isso gerou depois a criação da Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito (CPMI) sobre as fake news no Congresso. Em 2022, apesar das medidas tomadas pelo
TSE para tentar coibir a disseminação de notícias falsas, a polarização entre o candidato Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) versus o presidente Jair Bolsonaro (PL) intensificou o envio de
mensagens falsas disseminadas em redes sociais, em grupos de WhatsApp e até em sites
supostamente jornalísticos. O artigo analisa a cobertura do Portal G1 sobre a disseminação de
notícias falsas sobre a disputa presidencial de 2022, tomando como base o 2º turno da eleição.
PALAVRAS-CHAVE: Fake News; Eleição 2022; Portal G1; Jornalismo; Redes Sociais;
1. INTRODUÇÃO
43MELLO, Patrícia Campos. Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp. Folha de S. Paulo, 18
de outubro de 2018. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancam-
campanha-contra-o-pt-pelo-whatsapp.shtml
está ligado à confirmação de crenças, conceitos e opiniões próprias, fica ainda mais fácil
compartilhar, já que funciona como uma afirmação de suas convicções e opiniões.
Em 2022, diante de um quadro de forte polarização política e ideológica, que vai de
debates sobre o papel do Estado na economia, na educação e na saúde até a pauta de costumes
sobre direitos das minorias, aborto, religião, a disseminação de notícias falsas intensificou-se
mesmo com medidas tomadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para tentar coibir a
disseminação das fake news. A polarização entre o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
versus o presidente Jair Bolsonaro (PL), na disputa pela Presidência da República, fez com que
as estratégias de seus aliados fosse a de intensificar a produção e circulação de mensagens falsas
disseminadas em redes sociais, em grupos de WhatsApp e até em sites supostamente
jornalísticos. No primeiro turno, Lula teve 48,43% dos votos válidos contra 43,6% de Jair
Bolsonaro, levando a disputa para um dos segundos turnos mais acirrados da história política
recente do país. Por isso, o artigo analisa a cobertura do Portal G1 sobre a disseminação de
notícias falsas sobre a disputa presidencial de 2022, tomando como base o 2º turno da eleição.
2. MIDIATIZAÇÃO E CIBERCULTURA
Para se discutir a disseminação das fake news, é importante remeter ao debate sobre a
pós-verdade e o surgimento de movimentos de extrema direita no mundo ocidental, como
Donald Trump nos Estados Unidos e Jair Bolsonaro no Brasil. A pós-verdade relaciona-se a
outro fenômeno: a desinformação. Conforme explica Matthew D’Ancona (2018), a era da pós-
verdade se dá com o colapso da confiança. A confiança é a base para o sucesso de qualquer
relacionamento humano. Segundo o autor, a quebra de confiança, nas instituições como um
todo, cria uma tendência à crença em teorias conspiratórias, sendo um campo favorável para a
desinformação. A notícia falsa tem como propósito semear a dúvida.
A disseminação de notícias falsas em número excessivo tem a ver com o novo contexto
midiatizado. Isso se deve ao surgimento e consolidação das mídias digitais, em especial as redes
sociais. Pierre Lévy (1993) trata do conceito de cibercultura ao falar da emergência de uma
nova cultura propiciada pela internet e pela web. As tecnologias digitais e o paradigma
tecnológico-comunicacional, segundo Castells (1999), relacionam-se com um panorama de
grandes transformações da chamada era tecnológica. Segundo o autor, a internet configura-se
como um novo modelo de comunicação gerado pela tecnologia com as suas especificidades.
Jenkins (2009) discute a cultura da convergência em que, com a rede digital, o indivíduo passa
a ser coprodutor na geração de conhecimento. Isso porque o sujeito pode se apropriar do
conteúdo disponível na internet. Ele não apenas recebe informação, mas pode criar e inovar.
Isso significa que começou a mudar a relação receptiva de sentido único com o televisor para o
modo interativo e bidirecional que é exigido pelos computadores.
Na concepção dos autores, quanto à emergência de uma nova esfera pública digital, esta
não é recortada mais por territórios geográficos, mas diretamente mundial. Um dos aspectos
mais desconcertantes da nova situação da comunicação no ciberespaço é o apagamento da
distinção entre público e privado ou a erosão da esfera privada. O aumento da transparência e
a multiplicação dos contatos implicam uma nova velocidade de circulação de ideias e dos
comportamentos. As ações de produzir, distribuir, compartilhar são os princípios fundamentais
do ciberespaço
As mídias digitais permitem que o indivíduo passe a ficar conectado quase que 24 horas
do dia. Isso pode ser entendido como o fenômeno da midiatização, que não é algo novo, mas
que ganhou novas dimensões, com as mídias digitais. Conforme explica Oliveira (2022), a
circulação era vista sob a ótica da transmissão, com a passagem da mensagem de um polo
emissor para um receptor, em que os ruídos eram vistos como negativos para a eficácia
comunicativa. Para Fausto Neto (2010), a mídia funciona como arena pública e se constitui num
espaço de maiores possibilidades de ocorrência interacional na prática social.
Alves e Maciel (2020) afirmam que a internet permite uma “horizontalização” da
comunicação, tendendo a ser uma rede mais democrática ao permitir a participação de amadores
e da sociedade como um todo. Com a popularização da internet, as informações e opiniões
políticas puderam ser publicadas tanto em portais noticiosos, legitimados para tal tarefa e feito
por profissionais de comunicação, quanto por movimentos sociais, atores políticos e cidadãos
comuns (ALVES & MACIEL, 2020). Na visão dos autores, a internet e, mais especificamente,
as mídias sociais aparecem como arena na qual disputam visibilidade e atenção do público
atores midiáticos tradicionais, a esfera política e a sociedade civil, potencialmente reduzindo a
assimetria de poder derivada do oligopólio midiático no Brasil” (ALVES E MACIEL, 2020).
Para entender o jornalismo como ator social e político, é preciso entender como ele se
constituiu a partir da premissa da objetividade jornalística até como forma de legitimar o próprio
campo jornalístico e a profissão. Ao traçar um panorama das teorias do jornalismo, Traquina
(2001) explica que a primeira teoria a surgir foi a Teoria do Espelho, que acreditava que o
jornalismo era um retrato fiel da realidade, de onde nasceu o mito da objetividade jornalística,
mas que é refutado, já que sabemos que se constroem versões do real. O autor afirma que ela
se consolidou a partir do modelo norte-americano de jornalismo, quando a imprensa adquire
moldes de grandes empresas capitalistas e precisa vender os jornais de forma bem padronizada
como é até hoje.
Inspirada no Positivismo e nas premissas do Funcionalismo de Durkheim, a Teoria do
Espelho faz uma analogia do jornalismo com as ciências naturais, acreditando que assim como
o cientista, a priori, poderia ter neutralidade frente ao objeto, o cientista social e o jornalista
também poderiam ser isentos diante dos fatos sociais. Tuchman (1999) explica que a ideia da
objetividade é relativa a rituais estratégicos que funcionam como formas de os jornalistas se
defenderem de críticas, processos e até para legitimar a profissão e o campo jornalístico. Ela
cita quatro rituais estratégicos: (1) ouvir os vários lados envolvidos – diferentes fontes – no
caso da eleição, os dois candidatos e vozes dissonantes; (2) buscar provas complementares –
documentos ou outros tipos de provas que possam auxiliar o jornalista a dar veracidade ao fato,
como, por exemplo, uma postagem nas redes sociais em que o candidato confirma que defendeu
tal ideia no passado; (3) a estrutura da notícia no modelo norte-americano que busca dar um
caráter mais objetivo e menos parcial aos fatos; (4) uso das aspas – utilizar as declarações das
fontes demonstra que o jornalista reproduz as falas literais do entrevistado.
Traquina (2001) contesta a Teoria do Espelho e afirma que o jornalismo é uma
construção social da realidade. O autor aponta as teorias construcionistas – Teoria Estruturalista
e Etnoconstrucionista. Esse novo paradigma teórico surgiu nos anos 1970 e é considerado um
momento de virada nos estudos sobre o processo de produção jornalística. As notícias são
entendidas como um processo de construção social, em que uma série de variáveis interferem,
como o valor mercadológico, a linha editorial da empresa, os critérios de noticiabilidade, o fator
tempo, as rotinas de produção, a cultura organizacional, os recursos disponíveis, a dependência
das fontes.
A Teoria Estruturalista, segundo Traquina (2001), aponta que as notícias são um
produto social resultante de três fatores, a saber: a) a organização burocrática dos media; b) a
estrutura dos valores-notícia e a prática e a ideologia profissional dos jornalistas; e c) o
momento de ‘construção’ da notícia com a contextualização em que os ‘mapas’ culturais do
mundo social são utilizados na organização dos fatos. Segundo Traquina, o poder de definir o
que vai ser notícia está, principalmente, nos definidores primários – as fontes oficiais, que
representam as instituições.
Outra teoria que segue a mesma linha de pensamento e considera as notícias como um
resultado da interação social é a Teoria Etnoconstrucionista. Traquina (2001) enfatiza que essa
teoria visualiza as notícias como resultado constituinte de um processo de produção que prevê
a percepção, a seleção e a transformação de um acontecimento em um produto final: as notícias.
Segundo o autor, o principal obstáculo para os jornalistas é a tirania do fator tempo, que
pressiona os jornalistas, sempre desafiados a elaborar um produto final (notícia, jornal,
telejornal etc.) dentro de um tempo hábil. Traquina (2001) explica que as empresas se veem
obrigadas a elaborar estratégias frente a esse desafio. Ou seja, elas precisam impor ordem no
tempo e no espaço. A ordem no tempo pode ser entendida como a estruturação das empresas
jornalísticas em criar uma agenda na qual seja possível enumerar uma lista de acontecimentos
possíveis, permitindo que seja preparada uma produção com antecedência.
Já a ordem no espaço, segundo Traquina (2001), refere-se à lógica que as empresas
jornalísticas precisam impor para capturar os acontecimentos. Num momento quando o espaço
global e o espaço local estão cada vez menores, Tuchman (1993) afirma que as empresas
jornalísticas precisam se utilizar de três estratégias para cobrir um maior número de
acontecimentos: 1) a territorialidade geográfica – na qual as empresas dividem o mundo em
áreas de responsabilidade territorial; 2) a especialização organizacional – na qual as empresas
estabelecem “sentinelas” em certas organizações que podem produzir notícias; e 3) a
especialização em termos de temas – em que as empresas auto dividem-se mediante temas
(seções) que conseguem preencher os espaços nos jornais. Essas estratégias se dão na tentativa
de fazer com que aqueles assuntos mais cabíveis de se tornarem noticiáveis sejam capturados.
Se as notícias são uma construção social da realidade, elas, no entanto, precisam ter
veracidade, caso contrário, podemos cair em distorções ou notícias falsas. Ai que entra no
debate da desinformação e das fake news. Vladimir de Paula Brito e Marta Macedo Kerr
Pinheiro (2015) criaram uma tipologia para descrever o conceito de desinformação a partir de
três variáveis: (1) ausência de informação, (2) informação manipulada e (3) engano proposital.
No caso da ausência de informação, está associada ao estágio de carência de cultura, de total
ignorância e precariedade informacional devido ao total desconhecimento de determinado tema.
Quanto à manipulação da informação, segundo os autores, está relacionada ao fornecimento de
produtos informacionais de baixo nível cultural, cuja consequência direta seria a tentativa de
imbecilização de segmentos sociais. A desinformação busca alienar o público para manter
projetos de dominação política, ideológica ou cultural. O engano proposital, segundo Brito e
Pinheiro (2015), assume o formato de informações que circulam com o propósito de enganar
alguém. Trata-se de um ato deliberado para induzir ao erro.
Lúcia Santaella (2019) afirma que a criação de informação falsa movida pelo propósito de
enganar está longe de ser algo novo. Ela afirma que a novidade se relaciona, a partir da
emergência da internet, ao surgimento de novos modos de publicar, consumir informação e
notícias pouco submetidas às regulações ou padrões editoriais. Santaella explica que o
sensacionalismo atrai a atenção por explorar sentimentos, mas a internet intensificou tal
processo, ao tornar difícil diferenciar o trágico factual do trágico fantasiado
Ademais, Santaella (2019) discute ainda as chamadas “bolhas digitais”, que podem ser
pensadas também como “molduras ideológicas”. A autora afirma que, no âmbito coletivo, essas
“bolhas” manipulam o usuário, na medida em que o deixam mal informado, sobretudo a serviço
de interesses políticos escusos. Ela alerta que esses filtros criam um campo favorável para a
polarização e opiniões mal informadas. E essas posições podem se tornar cada vez mais
radicais. Ralph Keys (2018), por sua vez, alerta que o verdadeiro perigo da mentira é que
passamos a descartar informações legítimas. Dessa forma, o autor ressalta que a desconfiança
pode gerar ainda mais desconfiança e não uma crítica aprimorada de enganação.
Esse estudo pretende analisar com base nos trabalhos de estudiosos políticos,
comunicadores sociais e veículos credenciados; desinformações e fake News presentes no 2°
turno das eleições presidenciais. A análise será feita a partir de cinco notícias entre os dias 17/10
e 20/10, coletadas a partir do Portal G1, na seção FATO OU FAKE, série especial que a Globo
criou para ajudar a população a entender o que é verdade ou não. Sendo elas:
1 - “Veja o que é #FATO ou #FAKE nas falas dos presidenciáveis no primeiro debate do 2°
turno”44
2 - “É #FAKE que vídeo prove fraude na 1ª Zona Eleitoral de Manaus” 45
fraude-na-1a-zona-eleitoral-de-manaus.ghtml
3 - “É #FAKE que Eduardo Leite tenha declarado voto em Bolsonaro em 2022" 46
4 - “É #FAKE que homem ao lado de Lula em vídeo foi preso por tiroteio que interrompeu
evento de Tarcísio em SP” 47
5 - “É #FAKE que TSE tenha funcionário na Jovem Pan para fiscalizar trabalho de jornalistas" 48
No Portal G1, é feita uma ampla pesquisa de verificação para determinar se notícias de
alto impacto que circulam na internet são fato ou fake News. A partir dessas informações
vamos discorrer sobre o impacto que isso causa nas eleições e na população e como a
desinformação pode desencadear uma teia onde até o mais absurdo dos fatos pode se tornar
verdade.
O Portal G1 foi criado pelo grupo Globo em 18 de setembro de 2006 e, para que o
projeto se tornasse funcional, foi criada uma estrutura híbrida que conta com profissionais,
conhecimento e infraestrutura tanto do jornalismo da TV Globo quanto da Globo.com. O G1
foi o primeiro investimento da empresa no digital, embora a rede já tivesse outros endereços
digitais, mas nenhum deles possuía produção de conteúdo exclusivo. A empresa estruturou-se
com uma redação própria inteiramente dedicada à cobertura noticiosa em tempo integral.
Logo em 2008, o G1 assumiu a liderança na audiência dos portais de notícias do Brasil,
e a Globo entrou oficialmente no jornalismo digital. Hoje em dia, a média é de mais de 55
milhões de usuários por mês, segundo a Comscore. O G1 conta com redações em todos os
estados do Brasil, está presente nas principais redes sociais e tem versões para aplicativos IOS
e Android. O conteúdo do jornal está pautado em algumas editorias como: Brasil, Economia,
Política, Mundo, Educação, Ciência e Saúde, Tecnologia, Pop & Arte, Planeta Bizarro e VC no
G1. Porém, ao longo do tempo, novos assuntos ganharam atenção, como Concurso e Emprego,
Carros, Games, Agro e Dados.
46
Link da notícia 3: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/eleicoes/noticia/2022/10/18/e-fake-que-eduardo-leite-
tenha-declarado-voto-em-bolsonaro-em-2022.ghtml
47
Link da notícia 4: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/eleicoes/noticia/2022/10/19/e-fake-que-homem-ao-lado-
de-lula-em-video-foi-preso-por-tiroteio-que-interrompeu-evento-de-tarcisio-em-sp.ghtml
48
Link da notícia 5: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/eleicoes/noticia/2022/10/20/e-fake-que-tse-faca-censura-a-
jovem-pan-e-tenha-funcionario-para-fiscalizar-trabalho-de-jornalistas.ghtml
Bolsonaro - os mais votados - seguiram para reta final. Logo, a última semana antes do segundo
turno começou tensa; as campanhas dos candidatos, intensivamente, trocaram acusações de
favorecimento, crimes eleitorais e redarguição insistentes. Aliado a isso, o povo brasileiro foi
para as ruas, movimentou as redes sociais e favoreceu o crescimento de fake news em todos os
âmbitos e lugares.
A polarização política da população é evidente e estrondosa, e os motivos pelos quais a
maioria vai votar são, cada vez mais, destoantes. O professor da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), Filipe Nunes Ribeiro, especialista em pesquisa de opinião e redes sociais,
afirma: “[...] Não é mais sobre partido, mas entre grupos sociais que lutam por direitos e
reconhecimento”. Por outro lado, outro fator que interfere bastante na política atual são as
bolhas sociais49 que, sobretudo nas redes sociais - mediada por algoritmos -, aproxima quem
pensa e vive parecido e afasta o contraditório. Interferindo, constantemente, nas pessoas que
não compreendem o “jogo” das redes sociais e acabam acreditando nas fake news.
49 Bolha social: conceito salientado por Zygmunt Bauman, em seus estudos de contemporaneidade, sociedade
líquida (in)tolerância das ideias.
As notícias escritas pelo grupo G1 - referidas no tópico 4.1 -, em algum momento,
faziam referência/citavam um - ou mais - desses blocos temáticos. A tabela a seguir mostra a
disposição dos temas, em conjunto a análise sobre as mesmas:
Quadro 1
Notícia 1 X X 17/10
Notícia 2 X 18/10
Notícia 3 X 18/10
Notícia 4 X 19/10
Notícia 5 X 20/10
Fonte: Elaborado pelos autores - 2022
Com base no Quadro 1, é visível que há uma preocupação da empresa com a disposição
e averiguação das notícias em blocos, procurando encontrar uma imparcialidade e proporção
igualitária entre os três tópicos chave. Além disso, outro ponto interessante a ressaltar (e que
reforça o ideal de organização por temáticas da empresa) é a data de postagem das notícias.
Com exceção das averiguações 2 e 3 postadas no mesmo dia, todas as notícias foram publicadas
em dias consecutivos e seguiam uma ordem de organização.
Com base nisso, é cognoscível que o portal G1 condiciona-se a um planejamento
sistemático e fidedigno, constando com uma organização paradigmática. Ainda assim, a
empresa utiliza de pausas (cerca de 1 a 3 dias) entre os temas para não determinar caráter de
posição e, sobretudo, utilizando-se de segmentos para um controle de objetividade e
imparcialidade. Vale ressaltar que tal conclusão objetifica-se com base, apenas, nas cinco
notícias analisadas.
Outro ponto interessante da análise das notícias #Fake ou #Fato do grupo G1, determina-
se no embasamento teórico da empresa para determinar se alguma fala, vídeo, foto ou conteúdo
midiático mostra-se verídico ou não. Durante a investigação do G1, para determinar a
legitimidade das informações são utilizadas uma série de fatores, entre eles: (1) autoridades; (2)
dados estatísticos de Institutos; (3) fotos, imagens, áudios e etc. que confirmam o fato (ou não);
(4) testemunhas; e (5) pronunciamento dos envolvidos.
Além da utilização de provas como base de argumentação, a equipe G1 alia-se, ao
máximo, na típica linguagem jornalística para determinar, ainda mais, o caráter imparcial,
neutro e objetivo das informações, como utilização da 3° pessoa, frases curtas e ideias sucintas.
Um exemplo da linguagem jornalística utilizada nas notícias - caracterizadas neste
estudo - é a seguinte: (Notícia 1) Bolsonaro, durante o debate eleitoral, afirmou “Não existia
vacina à venda [contra a Covid-19] em 2020.”. Contudo, a frase qualificava-se como falsa
baseado nos dados divulgado pela Pfizer, então o G1 sinalizou:
Com base nas análises anteriores, entende-se que a equipe G1 busca, no limiar do
jornalismo, atender as necessidades do público. A caracterização do site, ênfase para o layout,
a construção do texto e, principalmente, os elementos gráficos, facilita o entendimento dos
tópicos apresentados.
O corpo do texto identificando os personagens, explicando a situação e, do meio para o
fim, dissertando acerca das problemáticas (ou não) do tema abordado é de suma importância
para a população. Os parâmetros Globo - presentes nesse projeto - fazem um jornalismo com
responsabilidade, principalmente nessa era das Fake News.
De fato, pode-se concluir, baseando nas análises das notícias, que apesar de uma certa
padronização, sistematização e construção de pauta acerca de personagens específicos -
Bolsonaro, Lula e TSE -, que o “#Fato ou #Fake” estuda as situações com clareza e levanta
informações sucintas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ALVES, Marco Antônio Souza & MACIEL, Emanuella Ribeiro Halfeld. O fenômeno das fake
news: definição, combate e contexto. Internet e Sociedade, v.1, n.1, 2020, p.144-169.
BRITO, Vladimir de Paula; PINHEIRO, Marta Macedo Kerr. Poder informacional e
desinformação. Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, João Pessoa,
v. 8, n. 2, p. 144-164, 2015.
CASTELLS, Manuel. 1999. Sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
D’ANCONA, M. Pós-Verdade: A nova guerra contra os fatos em tempos de Fake News. Faro
Editorial: São Paulo, 2018.
FAUSTO NETO, A. A circulação além das bordas. In: FAUSTO NETO, A.; VALDETTARO,
S. (Org.). Mediatización, Sociedad y Sentido: diálogos entre Brasil y Argentina. Rosario,
Argentina. Departamento de Ciências da Comunicación, Universidad Nacional de Rosario,
2010. p. 2-15.
LÉVY, Pierre. 1993. Tecnologias da Inteligência. São Paulo: Editora 34, 1993.
OLIVEIRA, Luiz Ademir. Apostila Teorias da Comunicação. São João del-Rei, 2022.
RAMONET, I. A explosão do jornalismo: das mídias de massa à massa de mídias. São Paulo:
Publisher Brasil, 2012.
RECUERO, R. et. al. Análise das redes para mídia social. Porto Alegre: Sulina, 2018.
TRAQUINA, Nelson. Estudos do Jornalismo no Século XX. São Leopoldo: Unisinos, 2001.
TUCHMAN, Gaye. 1999. A objectividade como ritual estratégico: uma análise das noções de
objectividade dos jornalistas. In: TRAQUINA, Nelson (org.). Jornalismo: questões, teorias e
“estórias”. 2. ed. Lisboa: Vega, 1999. p. 74-90.
Capítulo 17
RESUMO: A postura do presidente Jair Bolsonaro (PL) diante da pandemia da Covid-19 gerou
uma série de discussões sobre o negacionismo científico, atrelando tal posicionamento ao
conceito de pós-verdade (Cesarino, 2020, 2021). As suas atitudes de minimizar a gravidade da
doença como a demora em buscar alternativas como a compra de vacinas levaram a uma crise
política, que acarretou a instalação de CPI no Senado Federal instaurada em 27 de abril e com
o relatório aprovado em 26 de outubro de 2021, em que pede a punição de 79 autoridades,
incluindo o presidente Bolsonaro. O artigo analisa como a CPI da Covid-19 tornou-se palco
para encenações políticas, midiáticas e ao mesmo tempo revelou a corrupção nos bastidores de
negociações nas compras de vacinas e medicações durante a pandemia. Serão analisadas
publicações da Folha de S. Paulo de abril a novembro de 2021.
1 INTRODUÇÃO
Um vírus pandêmico que ceifou mais de 5 milhões de vidas em menos de dois anos. O
novo Coronavírus teve a sua primeira aparição registrada no fim do mês de dezembro de 2019,
época em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recebeu um alerta sobre casos de
pneumonia que estavam se espalhando rapidamente na cidade de Wuhan, província de Hubei,
na China. Os relatos iniciais da doença, no entanto, davam conta que a terapia antibiótica usual
para pneumonia não estava surtindo efeito. Após investigações, foi concluído que se tratava de
uma nova cepa do coronavírus50
Constatou-se inicialmente que o vírus Sars-Cov-2 era mais severo com pessoas idosas
e/ou possuíam histórico de comorbidades. Dessa forma, o primeiro óbito em decorrência da
doença ocorreu no início de janeiro de 2020, um homem de 61 anos que costumava frequentar
o mercado de Wuhan – local onde constatou-se o primeiro surto conhecido de casos do novo
coronavírus – tornou-se a primeira vítima confirmada.
Com um potencial de transmissão elevado, não demorou para que ele se espalhasse por
outros países e continentes. Em um mundo globalizado, onde as viagens internacionais são
feitas diariamente, a então epidemia de Coronavírus viajou de forma veloz e em questão de dias
estava rondando o globo. No dia 21 de janeiro os Estados Unidos registraram seu primeiro caso
– um homem que havia viajado para a China, retornou ao país com os sintomas comuns de
quem já havia se infectado. 51
Três dias depois, foi a vez da Europa conhecer de forma oficial o novo coronavírus. No
dia 25, a Austrália. Um mês depois, a América Latina e a África confirmaram casos da doença.
Com a rápida disseminação da doença pelo Globo, no dia 11 de março de 2020 a OMS elevou
o estado de contaminação à pandemia de Covid-19. De acordo com dados da CNN 52, naquele
dia haviam 118 mil casos em 114 países e que 4.291 pessoas haviam perdido a vida por causa
da doença.
O primeiro caso de Coronavírus no Brasil foi registrado no dia 26 de fevereiro, um
homem de 61 anos recém-chegado da Itália, foi confirmado com a doença após dar entrada em
hospital na cidade de São Paulo. Duas semanas depois, mais precisamente no dia 17 de março,
foi confirmada a primeira morte em decorrência da doença no país: homem de 62 anos que
possuía comorbidades estava internado em hospital particular em São Paulo. Devido aos casos
de covid-19 que avançavam no país, inúmeros estados e municípios da união decretaram estado
de emergência. No entanto, na contramão dos prefeitos e governadores, o presidente da
República, Jair Bolsonaro, sempre se manteve alheio à ciência e buscava em seu discurso
minimizar os danos causados pelo vírus, subestimando-o e tratando uma postura negacionista.
50
Os coronavírus são uma grande família de vírus comuns em muitas espécies diferentes de animais, incluindo
o homem, camelos, gado, gatos e morcegos. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/o-que-e-
o-coronavirus> <Acesso em 01 de novembro de 2021.
51
“O primeiro paciente com Coronavirus de Wuhan é identificado nos Estados Unidos” - <disponível em:
https://www.nytimes.com/2020/01/21/health/cdc-coronavirus.html> <acesso em 01/11/2021>
52
Coronavírus: OMS declara pandemia <disponível em https://www.bbc.com/portuguese/geral-51842518>
<acesso em 01/11/2021)
Um claro exemplo de sua postura está logo no início das mortes pela pandemia no país, uma
semana após a confirmação do primeiro óbito em decorrência da mesma, o presidente discursa
em rede nacional (rádio e televisão):
No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus,
não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha
ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico, daquela conhecida televisão (JAIR
BOLSONARO EM PRONUNCIAMENTO EM CADEIA NACIONAL DE RÁDIO E
TELEVISÃO – CNRT, 24 de março de 2020).
53 DURÂES, Mariana. Covid: Brasil registra 60 mortes em 24 horas; média móvel fica em 76. Portal Uol, 19 de
setembro de 2022. Disponível em https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2022/09/19/covid-
19-coronavirus-casos-mortes-19-de-setembro.htm. Acesso em 24 de setembro de 2022.
2. NEGLIGÊNCIA DO GOVERNO FEDERAL SOB À ÓTICA DO NEGACIONISMO
CIENTÍFICO E DA PÓS-VERDADE
A partir dos argumentos da autora, pode-se afirmar que Bolsonaro buscou colocar em
descrédito parte da comunidade científica, desafiando, principalmente, as recomendações da
Organização Mundial da Saúde (OMS).
Neste caso, houve uma disputa simbólica entre o que os autores chamam de retórica
neopopulista de extrema direita, baseada em argumentos emocionais, por parte do presidente,
contra discursos científicos consolidados em pesquisas num momento de muita tensão.
Toda essa movimentação por parte da presidência e seus aliados, vai de encontro ao que
o antropólogo Erving Goffman (2002) chamou de “Cena”, que se dá quando um age a fim de
destruir ou ameaçar a convivência.
Assim, Bolsonaro além de declarar seus ideais, ainda proferiu ataques diretos, como
xingamentos, tanto ao grupo, quanto a indivíduos. Em uma live no dia 06 de maio de 2021, por
exemplo, Bolsonaro, defendendo o uso de medicamentos sem comprovação científica de
eficácia, disse que era contra esta prática são “um bando de canalhas”.
Por diversas vezes, durante o período da CPI, a denominou de “xaropada” ou
“presepada”, proferindo ataques a ministros, deputados e senadores. Tudo isso levando seus
apoiadores a fazer o mesmo, a fim de desmoralizar os que são alvos de seus ataques.
Esta argumentação de que há um inimigo a ser parado elege diretamente a figura do Rei,
que no caso seria Bolsonaro, como o único herói capaz de neutralizar este inimigo. Além de
colocá-lo como detentor único da verdade absoluta, faz com que os seus seguidores o tenham
como uma figura quase divina e incorruptível.
4. A PANDEMIA NO BRASIL
54
Brasil ultrapassa a Índia e volta a ser segundo país com mais casos de Covid-19 no mundo. <Disponível em:
https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/03/12/brasil-ultrapassa-india-e-volta-a-ser-segundo-
pais-com-mais-casos-de-covid-19-no-mundo-segundo-johns-hopkins.ghtml> <acesso em: 20/11/2021>
Devido ao negacionismo científico do executivo, que havia gerado até 01 de fevereiro
de 2021 o número de 225 mil mortes por covid-19 no país55, o senador Randolfe Rodrigues
(REDE-AP), que faz oposição a Bolsonaro, propôs a criação de uma Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) com o apoio de 30 senadores. A CPI teria a função de investigar ações e
omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia. No requerimento, Randolfe
Rodrigues afirma que o governo federal violou, durante a pandemia, sistematicamente os
direitos fundamentais básicos de toda a população brasileira à vida e à saúde.
5. O INÍCIO DA CPI
A CPI da Covid-19 foi proposta no Senado Federal para investigar ações e omissões do
governo federal no enfrentamento da pandemia e o colapso da saúde no estado do Amazonas.
Foi necessária para seu início a assinatura de pelo menos um terço dos membros titulares no
Senado (27), o requerimento foi assinado por 32 senadores no mês de fevereiro. Mas a
instalação dessa Comissão Parlamentar de Inquérito dependia da formalização pelo presidente
55
Brasil passa de 225 mil mortes por covid-19 <disponível em: https://exame.com/brasil/casos-de-coronavirus-
numero-de-mortes-01-de-fevereiro-de-2021> <acesso em: 20/11/2021)
da casa Rodrigo Pacheco (PSD-MG) que se manifesta contrariamente56 à abertura da CPI
naquele momento. Ele argumentava que o funcionamento de uma CPI poderia ter o efeito
inverso ao desejado, como o de eventualmente gerar desconfiança da população em face das
autoridades públicas em todos os níveis.
Com a recusa da instalação por parte de Pacheco, os senadores Jorge Kajuru (Cidadania-
GO) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) entraram com um mandado de segurança no Supremo
Tribunal Federal (STF) para garantir a criação e funcionamento da CPI. O pedido foi aceito
pelo ministro do supremo, Luís Roberto Barroso, que determinou 57 em decisão liminar que o
Senado adotasse as medidas necessárias para a instalação da comissão, sendo referendado sua
decisão em plenário do STF no dia 1, o que foi prontamente acatado pelo presidente do Senado,
ainda que contrariado.
A comissão foi formada por 11 membros titulares. Entre os componentes, apenas 4 eram
governistas ou próximos ao Palácio do Planalto: Ciro Nogueira 58 (PP-PI), Eduardo Girão
(Podemos-CE), Jorginho Mello (PR-SC) e Marcos Rogério (DEM-RO). Por outro lado, havia
o chamado G7, grupo majoritário de integrantes da CPI que se intitulavam como oposição ou
independentes e que incluía Omar Aziz (PSD-AM), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Renan
Calheiros (MDB-AL), Otto Alencar (PSD-BA), Humberto Costa (PT-PE), Alessandro Vieira
(Cidadania-SE) e Rogério Carvalho (PT-SE).
Na primeira sessão, o senador mais velho titular da comissão, Otto Alencar teve a
prerrogativa de conduzir a eleição da CPI para definir a presidência da mesma. Os candidatos
para o cargo foram Omar Aziz (“independente”) e Eduardo Girão (“governista”). Aziz venceu
por 8x3, contando com o voto dos integrantes do chamado G7 e de Ciro Nogueira, governista.
Aziz definiu Randolfe Rodrigues como vice-presidente e Renan Calheiros como relator da CPI.
A nomeação do relator foi alvo de disputa judicial, os deputados governistas Daniel Silveira
(PTB-RJ) e Carla Zambelli (PSL-SP) entraram na Justiça com objetivo de impedir que o
senador Renan Calheiros (MDB-AL) fosse o relator da CPI – o que foi aceito em primeira
59 TRF-1 derruba liminar e abre caminho para Renan Calheiros relatar Cpi da Covid <disponível em
https://www.poder360.com.br/congresso/trf-1-derruba-liminar-e-abre-caminho-para-renan-calheiros-relatar-cpi-
da-covid/> <acesso em: 25/11/2021)
Quadro 1
Notícias da Folha de S. Paulo sobre a CPI da Covid-19
Fonte: elaborado pelos autores, 2021.
Quanto aos dados referentes às notícias coletadas, do universo de 15 matérias, como era
de se esperar, por se tratar de uma CPI que apurava um escândalo político e midiático, a maior
parte têm um enquadramento negativo – 13 do total (86,7%) e apenas 2 são positivas. Isso
revela também o posicionamento crítico da Folha de S. Paulo em relação ao governo Bolsonaro
e a sua conduta negacionista na pandemia. Quanto ao que Traquina (2001) aponta como
organização de jornalistas na cobertura noticiosa, observa-se que há esta organização do jornal
em termos de espaço. O repórter Renato Machado assina 6 das 15 notícias, seguido de
Constança Rezende e Mateus Vargas (que assinam 2 notícias cada, respectivamente). Muitas
são assinadas em conjunto porque requerem uma apuração conjunta, o que é muito recorrente
em reportagens que exigem mais trabalho dos jornalistas.
As principais fontes e personagens nas notícias são os integrantes da CPI como os
senadores Osmar Aziz (presidente da Comissão) e Renan Calheiros (relator), além de Randolfe
Rodrigues (vice-presidente) e a senadora Simone Tebet (MDB), que foi bastante atuante. O
presidente Jair Bolsonaro é citado de forma recorrente por ser o principal envolvido nas
denúncias, assim como o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o ex-ministro, Eduardo
Pazuello, acusado de cometer irregularidades. Outros ministros e ex-ministros citados nas
irregularidades são Ernesto Araújo (Relações Internacionais), Onyx Lorenzoni (ministro-chefe
da Secretaria Geral da Presidência), Fábio Wajngarten (ex-chefe da Secretaria Especial de
Comunicação Social), Wagner Rosário (ministro-chefe da Controladoria Geral da União)
Deputados aliados do presidente também aparecem na lista, como Omar Terra (MDB),
Bia Kicis (PSL), Ricardo Barros (PP), Luís Miranda (DEM). São acusados ainda integrantes do
Ministério da Saúde como Roberto Ferreira Dias, além de empresários ligados a Bolsonaro,
como Luciano Hang (dono da Havan), Luiz Paulo Dominguetti Pereira (representante da Davati
no Brasil), Túlio Silveira e Pedro Benedito Batista Júnior (ambos da Precisa Medicamentos),
Nise Yamaguchi (médica), Paolo Zanotto (biólogo). Familiares ligados às vítimas também
foram convocados para prestar depoimentos para reforçar as denúncias sobre o uso de
medicamentos e tratamentos sem eficácia.
Quanto às notícias, em 27 de abril de 2021, destaque à instalação da Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, no Senado, para fazer uma apuração das
irregularidades por parte de órgãos do governo, no combate à pandemia, tendo como presidente
o senador Osmar Aziz (PSD) e o relator Renan Calheiros (MDB), ambos da oposição. Na
matéria com o título de “Em derrota para Bolsonaro, CPI da Covid é instalada com minoria
governista e Renan na relatoria”, a notícia publicada pela Folha de S. Paulo trata da derrota de
Bolsonaro com a instalação da CPI e afirma que os aliados do presidente tentaram evitar que a
Comissão fosse à frente, mas não conseguiram. Dos 11 componentes, 7 são da oposição ou
independentes em relação ao governo do presidente Jair Bolsonaro.
No dia 06 de maio de 2021, o Presidente, até então, sem partido, em sua live semanal
voltou a recomendar o uso de remédios sem comprovações científicas, como a
hidroxicloroquina, para pacientes com Covid. Bolsonaro ainda chamou os que se opõem ao uso
do medicamento de “canalhas”, além disso, ainda negligenciou a CPI dizendo que “não dá para
ouvir tudo da CPI, né? Primeiro que é uma xaropada”. Com tons de deboche, ironizou os
deputados, senadores e ex-ministros que haviam prestado depoimentos à comissão.
Em 27 de maio de 2021, a Folha de S. Paulo publicou a notícia “Documentos do
Planalto entregues à CPI mostram 24 reuniões com atuação de 'ministério paralelo' na gestão
da pandemia”, que revelavam que pessoas apontadas como integrantes de um “ministério
paralelo” da Saúde no Planalto participaram de ao menos 24 reuniões para tratar de estratégias
do governo de combate à pandemia. Segundo senadores independentes e de oposição da CPI, o
“ministério paralelo" seria um grupo de aconselhamento do presidente Jair Bolsonaro fora da
estrutura do Ministério da Saúde. O material remetido à CPI da Covid-19 trata de informações
solicitadas sobre as reuniões, que tiveram como pauta a pandemia da Covid-19 — Bolsonaro
não esteve em seis delas, mas todas ocorreram no Palácio do Planalto.
Em 04 de junho de 2021, a Folha de S. Paulo mostrou como em uma live de aliados do
Presidente mostrou uma suposta criação de um "ministério paralelo" que assessorava o governo
federal no combate da pandemia da Covid-19. Em uma reunião, ocorrida no Palácio do Planalto,
em setembro de 2020, o virologista Paolo Zanotto disse que “talvez fosse importante montar
um grupo, como se fosse um ‘shadow cabinet'. Esses indivíduos não precisam ser expostos à
popularidade”. Este gabinete seria um grupo de aconselhamentos a Bolsonaro fora da estrutura
do Ministério da Saúde. Segundo a investigação da CPI, compunham esse conselho, Carlos
Bolsonaro (REP-RJ), filho do presidente, o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), o
assessor especial da Presidência Tercio Arnaud, o ex-secretário de comunicação Fabio
Wajngarten, além da médica Nise Yamaguchi.
A investigação da CPI também concluiu uma movimentação atípica no caso das vacinas
da marca “Covaxin”. Os inquéritos mostram que o governo teria ignorado recomendações
jurídicas e fechando contrato com a marca sem a consultoria jurídica do Ministério da Saúde,
responsável por analisar a viabilidade da proposta. Segundo as investigações, as negociações a
respeito da compra de 20 milhões de doses dessa vacina foram pouco transparentes, levantando
suspeitas de irregularidades em sua contratação.
O deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) - líder do governo na Câmara - teria sido
citado pelo presidente como um dos responsáveis pelas suspeitas nas negociações da vacina
indiana Covaxin, segundo relato do deputado Luís Miranda (DEM-DF) para a CPI no dia 24 de
junho. Convidado a depor, Ricardo Barros esteve na Comissão no dia 12 de agosto. Após a
sessão, a Folha de S. Paulo noticiou que o depoente, “com uma exibição exuberante de cinismo
e despudor político, Barros venceu” ao apontar fragilidades evidentes da CPI.
O advogado Marcos Tolentino - amigo de Barros deveria prestar depoimento à CPI na
primeira semana de setembro. Membros da oposição acreditavam que ele era o sócio oculto do
FIB Bank, empresa que deu a garantia para o negócio envolvendo a compra da vacina indiana
Covaxin. Mas, faltando menos de 24h para depor, Tolentino entrou com internação em um
hospital e fez um pedido para não comparecer à Comissão Parlamentar por motivos de saúde.
No dia, o advogado apareceu em transmissão ao vivo e aparentava estar disposto, o que irritou
os membros da CPI. Seu depoimento foi adiado por duas semanas, pois na seguinte, devido ao
feriado de 7 de setembro e às manifestações governistas, não houve sessão da CPI.
Para garantir que Tolentino estivesse presente, a Comissão Parlamentar solicitou
decisão judicial para autorizar a condução coercitiva do advogado, caso ele não comparecesse
para a oitiva. A decisão foi aceita, conforme a matéria da Folha de S. Paulo traz sobre o caso,
encerrando com fala do presidente da Comissão, Omar Aziz, que esbravejava pela presença do
depoente: “Ele vem de maca, mas virá!”.
Na reta final dos depoimentos, a Folha de S. Paulo afirma que a CPI deve entrar em
duas linhas de investigações que foram traçadas: a atuação de Wagner do Rosário ministro da
Controladoria Geral da União, que teria prevaricado e permitido que a Precisa Medicamentos
atuasse para tentar vender testes para o Ministério da Saúde; e o comportamento da Prevent
Senior (operadora de saúde do estado de São Paulo) com o chamado Kit Covid.
Sobre a investigação de Wagner Rosário, a Folha retrata que seu depoimento ficou
marcado por sua acusação machista à senadora Simone Tebet (MDB), quando a mesma disse
que o ministro era um "engavetador". Ele solicitou que ela revisse os documentos e disse que
ela estava “descontrolada”, dando princípio a uma longa confusão que marcou o encerramento
do depoimento. A investigação da Prevent Senior surgiu após uma denúncia formal feita por
um representante de médicos e ex-médicos da empresa. O documento recebido pela comissão
afirmava que a operadora de saúde que tem sede no estado de São Paulo havia feito acordo com
o Governo Federal para testar e disseminar as medicações do chamado "kit covid", como
cloroquina, ivermectina e azitromicina em pacientes de sua rede hospitalar, sendo seus
pacientes usados como "cobaias humanas".
Dando sequência a investigação sobre as possíveis irregularidades feitas pelo convênio,
a CPI ouviu a advogada Bruna Morato – representante dos médicos que trabalharam na Prevent
e entregaram o dossiê à comissão – além do empresário bolsonarista Luciano Hang, no qual era
mencionado no documento por suposta fraude nos prontuários da certidão de óbito da sua mãe,
no hospital Sancta Maggiore, da Prevent Senior, em São Paulo.
Desencadeado o escândalo, a Folha de S. Paulo em artigo no dia 08 de outubro de 2021
publicou o artigo assinado pela microbiologista Natália Pasternak e pelo professor e assessor
acadêmico do Instituto Brasil-Israel que condenavam a prática realizada comparando a com as
realizadas na segunda guerra mundial, na Alemanha nas décadas de 1930-40, que decidia quem
deveria viver e quem eram as pessoas descartáveis.
No último dia de depoimentos, a Comissão Parlamentar de Inquérito convidou
familiares que tiveram suas vidas dilaceradas pela pandemia para relatar os acontecimentos,
como forma de dar voz a milhões de brasileiros que perderam entes queridos em decorrência
do vírus mortal. Os depoentes fizeram os senadores chorarem com suas histórias. A Folha de
S. Paulo, em artigo assinado pela jornalista Carol Pires ao relatar esse dia, afirmou que a CPI
“cumpriu o papel de detalhar como a morte virou política pública”.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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no Senado. Agência Lupa. Disponível em https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2021/10/29/fake-
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CARVALHO, D. & URIBE, G. Em derrota para Bolsonaro, CPI da Covid é instalada com
minoria governista e Renan na relatoria. Folha de S. Paulo.
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/04/em-derrota-para-bolsonaro-cpi-da-covid-e-
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2021.
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em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/documentos-do-planalto-entregues-a-cpi-
mostram-24-reunioes-com-atuacao-de-ministerio-paralelo-na-gestao-da-pandemia.shtml.
Acesso em 06 de junho de 2021.
TRAQUINA, Nelson. Estudos do Jornalismo no século XX. São Leopoldo: Editora Unisinos.
2001.
TUCHMAN, Gaye. A objectividade como ritual estratégico: Uma análise das noções de
objectividade jornalística. In: TRAQUINA, Nelson (Org). Jornalismo. Questões, teorias e
‘estórias’. Lisboa: Editora Vega, 1993, p.61-73.
Capítulo 18
1. INTRODUÇÃO
Quem nasceu no Brasil em um contexto de mulheres inseridas em ambientes de trabalho
fora do âmbito doméstico, e com a previsão legal de participação política sem restrições de
gênero, pode ter a ideia de que está tudo equilibrado. Contudo, os números de representação no
país estão abaixo de diversas nações. Segundo levantamento do Senado Federal, de 2016, em
termos de presença feminina em parlamentos, as instituições brasileiras só estão mais bem
colocadas que Haiti, Belize e São Cristóvão nas Américas e no Caribe, apesar de o país ter sido
um dos pioneiros na garantia do voto às mulheres.
De acordo com os mesmos dados, de 26 estados e um distrito federal, há apenas duas
governadoras que exercerão seus mandatos a partir de 2023: Fatima Bezerra (PT), do Rio
Grande do Norte, e Raquel Lyra (PSDB), de Pernambuco. Apesar dos baixos índices de
representatividade, mulheres somam 53% do total de eleitores no Brasil.
Essa baixa participação nas instâncias de poder faz do país um dos de maiores destaques
em relação à ao desequilíbrio na representação de gênero na política. Levantamento da União
Parlamentar de 2013 expôs o Brasil na 156ª posição em um ranking de 188 nações que
averiguou a presença feminina nos parlamentos. A relação entre mulheres e eleições envolve
um amplo passado de exclusão da atividade política institucionalizada, bem como um presente
com características persistentes.
Nesta pesquisa, como explica Scott (1995), entende-se que gênero é uma categoria
analítica que parte do processo de identificação de corpos sexuados, considerando os meios
social e cultural dos indivíduos. Segundo Marta Lamas (2013), trata-se de uma construção
simbólica baseada pela diferença sexual. Assim, este estudo tem como foco a questão de gênero
na comunicação política e eleitoral, especificamente em campanhas eleitorais por meio dos
perfis de candidatas expostos no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE).
Componente do planejamento de campanhas, o HGPE está inserido na comunicação
eleitoral, uma das ramificações da comunicação política. Segundo Giles Lipovetsky (2012), a
política é ainda a atividade mais impeditiva às mulheres pela sua estrutura predominantemente
masculina. Assim, busca-se, dentro desse universo, observar e compreender imagens projetadas
por todas as candidatas à presidência do Brasil e quais são as estratégias de comunicação
eleitoral em suas linguagens discursivas verbais, a partir de tipologias criadas para análise
especificamente sobre mulheres em disputas eleitorais, que são: a guerreira, a maternal e a
profissional (Panke, 2015, 2016).
O universo da pesquisa envolve o total sete campanhas 62 e o corpus correspondente a
194 vídeos (total de dez horas, 18 minutos e 40 segundos), relacionados ao primeiro turno das
eleições nos anos das candidaturas: 1989, 1998, 2006 e 2014. A primeira mulher candidata à
presidência do Brasil foi Lívia Maria Pio, em 1989, pelo Partido Nacionalista (PN). No ano de
1998, Thereza Ruiz, encabeçou a chapa do Partido Trabalhista Nacional (PTN). Em 2006, duas
mulheres se candidataram: Heloísa Helena, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), e Ana
Maria Rangel, pelo Partido Republicano Progressista (PRP). Na eleição seguinte, em 2010,
também duas: Marina Silva, pelo Partido Verde (PV), e Dilma Rousseff, pelo Partido dos
Trabalhadores (PT). Já em 2014, três mulheres disputaram a chefia do Executivo nacional.
Dilma Rousseff (PT), Marina Silva, pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), e Luciana Genro
(PSOL).
62As campanhas de 2010, de Dilma Rousseff e Marina Silva têm dados correspondente a pesquisa de Luciana
Panke (2015, 2016), que orientou a dissertação que baseia este artigo.
Para compreender as imagens exibidas por essas mulheres no HGPE, faz-se necessário
contextualizá-las com temas relacionados a gênero e seus efeitos na sociedade: quais os papéis
atribuídos a seres a partir da diferença sexual, bem como as implicações dos estereótipos.
Aliado aos termos, o entendimento da diferença entre público e privado auxilia na abordagem
da relação entre mulheres e política.
A média das tipologias entre todas as candidatas à presidência do Brasil (a soma de cada
tipologia dividida por nove, que é o número de campanhas) resultou: 50% guerreira, 29%
maternal e 21% profissional. Tomando a média como base, pode-se destacar que a maioria
segue as proporções, mas existem exceções. A mais visível é Luciana Genro, que tem na
primeira categoria quase todas as suas posturas expostas, com 92% da guerreira. Do mesmo
partido, o PSOL, Heloísa Helena apareceu como a segunda que mais destacou essa imagem,
com 62%, seguida de Marina Silva, com 55% em 2014 e 43% em 2010. Lívia Maria Rangel e
Thereza Ruiz atingiriam 52% cada uma. Ana Maria Rangel, que chegou a 48% e, Dilma
Rousseff, a 20% em 2010 e 26% em 2014, foram as duas únicas candidatas cuja guerreira não
foi a tipologia predominante.
Tabela 1
Resultados da análise de acordo com as tipologias
aplicadas ao HGPE de candidatas à presidência do Brasil
Ana Maria Rangel terminou como a de maior apelo à tipologia maternal, com 50% do
tempo, seguindo essa mensagem desde o slogan com menção ao cuidado (“Cuidar do Brasil,
cuidar de você”). Lívia Maria, com 40%, foi a segunda que mais projetou a categoria em seu
discurso linguístico, percentual próximo ao de Heloísa Helena (38%). Na sequência, tem-se
Maria Silva em 2014 (35%); Dilma Rousseff em 2014 (32%) e em 2010 (30%); e Thereza Ruiz,
com 24%. Marina Silva em 2014 apresentou a postura da maternal em 11% do tempo e Luciana
Genro, a que menos fez referência aos aspectos maternais, o fez em apenas 1%.
Pela característica da subordinada, com Dilma Rousseff em 2010 predominou a
profissional, a que mais destacou a categoria, no total de 50% do tempo. Na campanha seguinte,
em 2014, a política teve 42% das mensagens como profissional, porém também pela
característica da trabalhadora e a exposição dos seus feitos enquanto gestora no primeiro
mandato. Em seguida, Marina Silva em 2014, com 34%, e Thereza Ruiz, com 24%, ambas
destacaram a tipologia pelo aspecto da subordinação, já que figuras masculinas, em algumas
oportunidades, se sobressaíram mais que as próprias candidatas. A imagem de Dilma Rousseff
esteve constantemente associada à do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 2010 e em
2014. Já Marina Silva em 2014 teve a imagem de Eduardo Campos muitas vezes mais destacada
que a sua própria. Thereza Ruiz, por sua vez, chegou a ter um programa inteiro apresentado
pelo presidente do partido sem que, de maneira literal, chegasse a ter voz.
Em 2010, Marina teve 22% da profissional. A tipologia também tem relevância pela sua
ausência. Pelas citações à atividade como bancária, Lívia Maria chegou a 8%; Ana Maria
Rangel a 2% e Heloísa Helena nem chegou a ser vista como profissional. As três candidatas
não expuseram posições de subordinação. Pode-se perceber que as que as possuem históricos
de mandatos expuseram suas atividades, como Marina Silva e Dilma Rousseff. Como uma
prestação de contas, elas tiveram mais conteúdo a ser exibido nesse aspecto.
Como já visto, nenhuma candidata apresenta só uma tipologia. O que se busca em
campanhas eleitorais é o equilíbrio entre o perfil de quem disputa, a ideologia do partido,
conjuntura política e social do período etc. No caso das candidatas, questões de gênero
permeiam a comunicação, o que acontece pela soma de diversos fatores, como exposto. Entre
eles, as representações que cercam o fazer político, atividade identificada com o masculino, e
o que é ser mulher. Segundo Okin (2008), tendo o âmbito doméstico diretamente relacionado
às mulheres, elas vêm buscando a inserção muitas vezes como um acréscimo às atividades que
já desempenha, sem uma redistribuição ou nova formatação. Enquanto isso, há o esforço por
parte das candidatas de demonstrarem tanto características de firmeza e liderança, quanto de
sensibilidade e delicadeza.
Como têm tempos desiguais – enquanto Dilma Rousseff chegou a ter mais de 11
minutos em 2014 e Lívia Maria teve 30 segundos em 1989 - a prioridade dos assuntos se torna
mais restrita a quem dispõe de menos espaço no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral. É
preciso considerar que candidatas com menos tempo precisaram reunir as informações
prioritárias para suas apresentações e a forma como isso aconteceu pode ter sido prejudicada
em alguns casos.
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As mulheres brasileiras conquistaram o direito de votar e serem votadas desde 1933, em
âmbito nacional. De 1934 a 2014, entre 115 candidatos à presidência do Brasil, apenas sete
foram mulheres, entre eleições diretas e indiretas. Embora a realidade passe por constantes
modificações, diversos obstáculos persistem e ainda inviabilizam o equilíbrio de gênero em
âmbitos considerados públicos, enquanto mulheres continuam sendo prioritariamente
identificadas com a vida doméstica. Se os estudos sobre gênero tiveram início, em parte,
provocados pela inquietação do não protagonismo de mulheres nos movimentos sociais (Scott,
1995), partidos continuam com segregações simbólicas e impedimentos cujas consequências
são reais. Muitos se ocupam a cumprir estritamente o que é exigido pela Lei, não investem nas
campanhas das correligionárias e lhes reservam papéis de coadjuvantes dentro da estrutura
partidária.
Essa falta de investimento acarreta, entre outras questões, pouca visibilidade e baixas
condições reais de uma campanha vitoriosa nas urnas. É fato que a comunicação política e
eleitoral, com suas gramáticas e nuances próprias, exige profissionalismo e é capaz de
contribuir decisivamente para a conquista de resultados positivos. Prova disso é que candidatas
com mais aparato necessário de campanha conseguiram votações expressivas, como Heloísa
Helena, Luciana Genro, Marina Silva e Dilma Rousseff – única a ter vencido uma disputa pela
chefia do Executivo brasileiro.
Ao mesclarem propostas, desqualificações de candidatos, expressão do partido, vida
pessoal e emoção, essas mulheres tentaram suas projeções de imagem, de acordo com uma série
de fatores como o cenário político do respectivo ano, partido, seus históricos individuais etc.
Com partidos, estilos e histórias de vida distintos, elas apresentaram seus diferenciais e
capacidades para a gestão do país.
Entre esses fatores, o de gênero foi mais explorado nas primeiras campanhas.
Principalmente a candidata Lívia Maria, em seu discurso linguístico verbal, destacou
constantemente o fato de ser mulher como argumento de campanha: “mulheres, vamos vencer”,
“é da mulher cuidar” ou expôs problemas na política que atribuía completamente aos homens.
Em menores proporções, Thereza Ruiz e Heloísa Helena também expressaram literalmente suas
condições femininas como diferenciais que agregariam à política. Com posturas diferentes,
Luciana Genro e Marina Silva optaram por não destacar o fato de serem mulheres como parte
de seus discursos. Já Ana Maria Rangel e Dilma Rousseff não foram tão diretas quanto Lívia
Maria, mas o fato de serem mulheres perpassou suas falas.
Todas as candidatas expuseram imagens que envolveram as três tipologias, com
exceção de Heloísa Helena, que não exibiu a profissional. A guerreira foi predominante. Das
nove campanhas, seis a tiveram como a mais presente. As duas primeiras candidatas, dos anos
de 1989 e 1998, tiveram o mesmo índice da guerreira, 52%. Pelo fato de a candidatura ao cargo
ser algo ainda novo ou inusitado, o reforço à participação delas nos pleitos e à questão de gênero
se destacaram. Outra situação que chama atenção são as duas candidatas do PSOL (único
partido pelo qual duas mulheres já foram candidatas à presidência da República), que têm os
dois maiores tempos totais da categoria guerreira. O comportamento da tipologia da guerreira
dura é constantemente identificado com candidatas de partidos de esquerda, como indicam os
dados.
A tipologia maternal, por sua vez, também teve percentuais elevados em quase todas as
análises. De maneira geral, foi a segunda que mais se evidenciou. Como exceção apareceu
Luciana Genro, que apenas citou, rapidamente, o fato de ser mãe, em 1% do tempo, e não
demonstrou posturas de sensibilidade e cuidado com as pessoas. Marina Silva também deu
pouco espaço à tipologia maternal, que teve 11%.
Como já identificado por Panke (2015; 2016) no âmbito da América Latina, as políticas
pouco expuseram suas vidas profissionais, embora todas elas tenham nos currículos profissões
e atuações fora do ambiente doméstico. De acordo com a autora, “as latinas se apresentam como
mulheres guerreiras e essas características vêm associadas, em vários momentos, justamente
como a maternidade, com o fato de cuidar dos outros, ou seja, com o retrato da mãe” (PANKE,
206, p. 163).
Além de Heloísa Helena, que não teve resultados na tipologia profissional, Lívia Maria
teve apenas 8% da sua atividade como profissional exaltada; Thereza Ruiz chegou a 24% do
tempo como profissional devido à característica da subordinada, pois a imagem de um homem
se sobressaiu à dela, quando em um programa inteiro o presidente do partido falou sobre ela,
sem que a própria candidata tivesse voz. Já Ana Maria Rangel apenas citou duas de suas
ocupações. Dilma Rousseff, que dedicou a maior parte do seu HGPE como profissional, tanto
expôs a trabalhadora, como, em grande escala, a subordinada (devido às constantes aparições
de Luís Inácio Lula da Silva).
Percebe-se que as primeiras candidatas exploraram mais as características do âmbito
doméstico e papéis de mulher como responsáveis pela casa e pelos filhos. Com o passar dos
anos e desconstruções, em parte, dos pensamentos mais conservadores, a demarcação de gênero
e frases que lembram que elas são mulheres passaram a ser menos vistas. Contudo, embora com
diferentes formatos, estruturas tecnológicas e falas mais sutis, algumas posturas perduram,
também pela possibilidade de gerar identificação e empatia com o eleitorado feminino, que é
maioria no Brasil.
Em 1989, a primeira candidata à presidência brasileira, Lívia Maria, abordou em seu
discurso constantemente o fato de ser mulher e apareceu em uma cena na cozinha, ao lado do
fogão. Em diferentes contextos reais e recursos, Dilma Rousseff, em sua candidatura à reeleição
da presidência do Brasil, foi exposta em imagens nas quais estava cozinhando e falando da sua
vida como avó. Considerando as características de cada campanha, papéis sociais considerados
femininos, de cuidados com a casa e com a família, continuam se repetindo no espaço público.
As duas primeiras candidatas dispunham de 30 segundos de propaganda eleitoral. O
pouco tempo influenciou diretamente no conteúdo exposto, pois ambas precisaram selecionar
todas as ideias para um curto intervalo, o que prejudicou a clareza. Porém, nos dois casos, ser
candidata ao cargo era um grande acontecimento do ponto de vista de serem exceções. Assim,
as imagens de guerreiras em suas falas foram evidenciadas, bem como a tentativa de
transferência de papéis sociais femininos para o ambiente político. Além disso, nos dois anos,
1989 e 1998, a profissionalização da comunicação eleitoral no Brasil ainda era tímida e os seus
recursos em partidos nanicos também sem maiores possibilidades.
REFERÊNCIAS
FONSECA JR, W.C. (2015). Análise de conteúdo. In: Duarte, Jorge & Barros, Antonio.
(Orgs.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p.
280-315.
GALICIA, Javier. (2009). Comunicación Política. Treinta claves para entender el poder.
México: Piso 15, 2009.
HOLTZ BACHA, Christina. (2013). Quem cuida das crianças? A representação das mulheres
do alto escalão político pelos media. Revista Compolítica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 46-60,
jul./dez. 2013. Disponível em:
http://www.compolitica.org/revista/index.php/revista/article/viewFile/108/69. Acesso em: jun.
2016.
MIGUEL, Luis Felipe & BIROLI, Flávia. (2011). Caleidoscópio convexo: mulheres, política
e mídia. São Paulo: Editora Unesp.
PANKE, Luciana & CERVI, Emerson. Análise da comunicação eleitoral – uma proposta
metodológica para os estudos do HGPE. Contemporânea, Salvador, v. 9, n.3, p. 390-404,
2011.
______. (2015). Campañas electorales para mujeres – retos y tendencias. Cidade do México:
Editorial Piso 15, 2015.
RUBIM, Antonio Albino Canelas; Azevedo, Fernando Antonio. (1998). Mídia e política no
Brasil: texto e agenda de pesquisa. Lua Nova, Salvador, n. 43, p. 189-216.
SCOTT, Joan W. Experiência. (1999). In: SILVA, Alcione Leite; LAGO, Mara Coelho de
Souza; RAMOS, Tânia Regina Oliveira (Orgs.). Falas de Gênero. Santa Catarina: Editora
Mulheres.
______. (1995) Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto
Alegre, v. 16, n. 2, jul./dez
WEBER, Maria Helena. Comunicação e espetáculos da política. Porto Alegre: UFRGS, 2000.
SEÇÃO 3
Estudos Interdisciplinares em
Comunicação
Capítulo 19
RESUMO: Diferentes questões precisam ser pensadas quando se planeja e organiza um evento:
uma das áreas mais presentes durante o processo é a comunicação, iniciada ainda no período de
concepção e encerrada apenas no pós-evento, quando a programação já foi encerrada. Este
relato de experiência aborda as estratégias de comunicação utilizadas pela equipe de divulgação
do I Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes: evento realizado de maneira on-line
e remota, em junho de 2021, que contou com o apoio do Departamento de Comunicação Social
da Universidade Federal de São João del-Rei. Durante o período relatado, foi indicado que as
ações de divulgação ocorreram nas mídias sociais e na imprensa tradicional de maneira
integrada. Espera-se, ao final, que este texto contribua com a organização de novos eventos.
1 INTRODUÇÃO
2 DESENVOLVIMENTO
63
ALBERTO, Fellype. Por causa do coronavírus, UFJF e UFSJ anunciam suspensão de aulas presenciais. G1
ZONA DA MATA. 16 mar 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/zona-da-
mata/noticia/2020/03/16/por-causa-do-coronavirus-ufjf-e-ufsj-anunciam-suspensao-de-aulas-presenciais.ghtml>
Acesso em 16 mai 2022.
64
2021: ano letivo na UFSJ será remoto. UFSJ. 29 mar 2021. Disponível em:
<https://www.ufsj.edu.br/noticias_ler.php?codigo_noticia=8679> Acesso em 16 mai de 2022.
UFSJ anuncia retorno de ensino presencial para março de 2022. G1 ZONA DA MATA. 04 nov 2021. Disponível
em: <https://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/2021/11/04/ufsj-anuncia-retorno-de-ensino-presencial-para-
marco-de-2022.ghtml> Acesso em 16 mai 2022.
2.1. Apresentando a ação
65
Eventos online crescem mais de 300% na pandemia. Youtube lidera. EXAME. 01 jun 2021. Disponível em:
<https://exame.com/bussola/eventos-online-crescem-mais-de-300-na-pandemia-youtube-lidera/> Acesso em 16
mai 2022.
Comunicação Social da UFSJ: a direção-geral do evento ficou sob responsabilidade do
professor do Departamento de Comunicação Social da UFSJ e do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Luiz Ademir de Oliveira.
Os egressos do curso de Jornalismo da UFSJ e, na ocasião, estudantes de pós-graduação strictu
sensu de diferentes instituições nacionais de ensino (Arthur Raposo Gomes, Mayra Regina
Coimbra, Mariane Motta de Campos e Willian José de Carvalho) também fizeram parte da
equipe, além da ex-professora do curso, Marina Alvarenga Botelho, da ex-aluna e então docente
substituta, Deborah Vieira, além dos graduandos Lara Aquino, Larissa Leite, Leonardo
Emerson e Wellington Oliveira (UFSJ, 2021, meio digital).
Os participantes da comissão organizadora foram divididos em cinco (5)
subcomissões66, a saber: Comissão Organizadora Central, responsável pela concepção geral do
Congresso; Comissão Científica, dedicada a pensar na temática geral, nos GTs, perfil de
palestrantes e oficineiros; Comissão de Suporte Técnico, voltada para o planejamento e gestão
das salas virtuais à programação; Comissão Financeira, que tratou sobre a previsão de custo de
inscrição e acompanhamento do pagamento de participantes; e Comissão de Apoio e
Divulgação, que trabalhou as estratégias de comunicação por meio, principalmente, da criação
de identidade visual, gestão de mídias sociais e assessoria de imprensa – esse último grupo foi
constituído pelos autores deste relato de experiência.
Para realizar um evento, é preciso passar por quatro momentos: a concepção, onde são
delineados os rumos do projeto; o pré-evento, onde todo o planejamento e organização é feito;
o transevento, ou o evento em si, quando boa parte das ações previstas ocorre; e pós-evento,
marcado pela avaliação e encerramento das atividades (MATIAS, 2010). Nesse sentido, é
importante frisar a importância e a permanência dos trabalhos de comunicação nas quatro
etapas. “A estratégia de comunicação consiste na definição e adequação dos meios e mensagens
a serem utilizados, na busca de informar, sensibilizar e motivar o público-alvo” (MATIAS,
2010, p. 152).
O início das atividades da Comissão de Apoio e Divulgação do I Congresso de
Comunicação do Campo das Vertentes ocorreu com a formação de um grupo de WhatsApp
destinado, exclusivamente, para que os integrantes deste comitê pudessem conversar e definir
66
Sobre. I CONGRESSO DE COMUNICAÇÃO DO CAMPO DAS VERTENTES. Disponível em: <
https://congressocomunicavertentes.com/saiba-quem-faz-o-evento-acontecer/> Acesso em 16 mai 2022.
questões estratégicas. Em seguida, foram desenvolvidas quatro sugestões de identidade visual
para o evento, que foram avaliadas e votadas por todos os integrantes da comissão organizadora
e, por maioria simples, foi definida a marca abaixo, caracterizada pela modernidade, geração
de identificação e sentimento de inovação.
Figura 1
Identidade visual do I Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes
67
Disponível em: <www.facebook.com/comunicavertentes> Acesso em 16 out 2022.
68
Disponível em: <www.instagram.com/comunicavertentes> Acesso em 16 out 2022.
69
Disponível em: <www.congressocomunicavertentes.wordpress.com> Acesso em 16 out 2022.
70
Disponível em: <https://br.linkedin.com/company/comunicavertentes> Acesso em 16 out 2022.
Figura 2
print da página inicial do site do I Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes
Outra forma de divulgação trabalhada pela equipe foi assessoria de imprensa: estratégia
que tem o objetivo de formar uma “conversa jornalística”, a partir da sugestão de pautas do
assessorado, que busca a publicação de notas, notícias, entrevistas e reportagens pelos veículos
de comunicação, com fins de obtenção de visibilidade e, consequentemente, imagem positiva
(MARTINUZZO, 2013). Foi redigido um primeiro release71 (texto informativo escrito pela
assessoria de imprensa com o intuito de promover o assessorado) que foi enviado para o mailing
list (ou seja, a lista de contatos de repórteres e jornalistas de redação) (MAFEI, 2015).
“Lembre-se: press release não é folder de propaganda. Os dados apresentados têm como
único objetivo ajudar o jornalista a se pautar. Também não é notícia, porque serve para informar
e não para ser publicado” (MAFEI, 2015, p. 69), embora seja perceptível que textos enviados
por assessorias de imprensa sejam replicados, na íntegra, nos portais jornalísticos, tendo em
vista o enfraquecimento da profissão e as enxutas redações de jornal.
O release foi enviado para diferentes veículos da região, que publicaram matérias e
notas sobre o início do I Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes. Esse material
passou por um clipping, ou seja, por uma coleta direcionada de matérias de interesse do
71
Disponível aqui: <https://congressocomunicavertentes.com/2021/06/08/evento-online-discute-sobre-a-midias-
e-as-disputas-de-narrativa/> Acesso em 16 mai 2022.
assessorado (MAFEI, 2015). Prints destes conteúdos foram postados também nas mídias
sociais e no blog do evento72, com o intuito de registro e reforço de credibilidade midiática.
Figura 4
Print de clipping nas mídias sociais do I Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes
72
Disponível aqui: < https://congressocomunicavertentes.com/2021/06/25/clipping-veiculos-de-imprensa-
repercutem-o-inicio-do-congresso/> Acesso em 16 mai 2022.
<https://congressocomunicavertentes.com/2021/06/09/clipping-imprensa-da-regiao-repercute-realizacao-do-
congresso/> Acesso em 16 mai 2022.
<https://congressocomunicavertentes.com/2021/06/12/clipping-congresso-e-destaque-no-site-da-ufsj/> Acesso
em 16 mai 2022.
<https://congressocomunicavertentes.com/2021/06/19/clipping-congresso-e-pauta-de-programa-de-radio-em-
barbacena/> Acesso em 16 mai 2022.
73
Disponível aqui: <https://www.ufsj.edu.br/noticias_ler.php?codigo_noticia=8931> Acesso em 16 mai 2022.
74
Disponível aqui: <https://www.andifes.org.br/?p=88046> Acesso em 16 mai 2022.
75
Disponível aqui: <https://congressocomunicavertentes.com/2021/06/19/dicas-essenciais-para-fazer-uma-
otima-apresentacao-no-congresso/> Acesso em 16 mai 2022.
plataforma Wordpress, onde o website do I Comunica Vertentes foi hospedado, entre os dias
19 de maio de 2021, quando o site foi desenvolvido, e o último dia do ano, acumulou-se um
total de 9.380 visualizações, a partir de 2.225 visitantes únicos. Já nos primeiros meses de 2022,
até o dia 16 de maio de 2022, data de realização desta coleta, foram mais 234 visualizações e
103 visitantes76.
Ainda no período pré-evento, foram estruturados conteúdos a serem enviados de
maneira direta para públicos específicos: isto é, mensagens prontas para serem replicadas em
grupos de estudantes no WhatsApp, além de e-mail marketing disparados para docentes e grupos
de pesquisa relacionados.
Durante o evento, por sua vez, as atividades da Comissão de Apoio e Divulgação foram
concentradas na cobertura das atividades virtuais do Congresso.
Como exemplificado abaixo, foi conduzida uma cobertura das mesas de aberturas e
palestras, a partir de prints das transmissões e postagens, com a identidade visual do Congresso,
também feitas por meio de softwares de design gráfico.
Figura 5
Print da cobertura virtual nas mídias sociais do
I Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes
76
Disponível em: <https://wordpress.com/stats/year/congressocomunicavertentes.com> Acesso em 16 mai 2022.
contato do evento, divulgado também para os seguidores do público-alvo, além de formar uma
comunidade específica virtual, pois essas imagens foram compartilhadas no perfil institucional.
Figura 6
Print da cobertura colaborativa no Instagram do
I Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes
77
A importância dos emojis na comunicação. FIDELIZARTE - web solutions. 2 fev 2017. Disponível
em:<https://www.fidelizarte.pt/blog/importancia-dos-emojis-na-comunicacao/> Acesso em 16 mai 2022.
Entenda a importância dos emojis no Marketing Digital. PLUGIN MKT. 12 fev 2020. Disponível em:
<https://pluginmkt.com.br/blog/entenda-a-importancia-dos-emojis-no-marketing-digital> Acesso em 16 mai
2022.
Figura 7
Print dos últimos posts no Instagram do I Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
Congresso de Comunicação das Vertentes: avaliação positiva. UFSJ. 01 jul. 2021. Disponível
em: <https://ufsj.edu.br/noticias_ler.php?codigo_noticia=8983> Acesso em 16 mai 2022.
TENAN, Ilka Paulete Svissero. EVENTOS. São Paulo: Aleph, 2002. – (Coleção ABC do
Turismo).
Capítulo 20
RESUMO: O artigo traz um estudo sobre as repúblicas estudantis de São João del-Rei a partir
da ótica da Comunicação e da Sociabilidade (Maffesoli, 2006; Goffman, 2013). Em função da
UFSJ, que oferece 53 cursos de graduação, distribuídos em seis campi (sendo 3 em São João e
outros 3 em outras cidades – Divinópolis, Sete Lagoas e Ouro Branco), com cerca de 13 mil
alunos, mais de 800 docentes e de 500 técnicos, a cidade tem uma grande movimentação de
universitários. Isso mobiliza o mercado imobiliário, o comércio, a vida cultural e cria novas
formas de organização social e de sociabilidade, a partir, principalmente, das repúblicas. São
dezenas espalhadas pela cidade, cujo atrativo é ter um custo/benefício melhor para estudantes
de outras cidades e ao mesmo tempo criam laços de pertencimento. Para o artigo, foram
aplicados questionários junto a 74 universitários para saber como encaram a vida em república
e o que elas contribuem para a vida acadêmica e o crescimento pessoal dos estudantes.
1. INTRODUÇÃO
Grande parte dos universitários que saem da sua cidade natal para morar em São João,
optam por residir nas repúblicas tradicionais da cidade, que recebem muitos alunos a cada
período. Tal feito é tradição na maior parte das cidades universitárias, como Ouro Preto e
Mariana em função da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), em Lavras (UFLA), em
Viçosa (UFV), em Juiz de Fora (UFJF), entre outros municípios. As repúblicas passam a fazer
parte da cultura local das cidades, seja pelo aspecto econômico, como pela questão cultural,
social e até pelos costumes. No entanto, esta vivência na cidade é marcada por contradições,
assim como a vida na república também é um aprendizado para estes jovens, já que a maioria
está tendo a primeira experiência de residir longe da casa dos pais. Fernanda Oliveira Tavares,
Luís Dias Pacheco e Elisabeth Teixeira Pereira (2018) explicam que as repúblicas são uma
alternativa, principalmente, para viabilizar o acesso ao ensino superior de estudantes com
rendimentos mais baixos. Hoje, por exemplo, em São João del-Rei, o custo para um estudante
numa república gira em torno de R$ 400,00 a R$ 800,00, dependendo do que o universitário
quer de conforto - se vai ter um quarto somente para ele ou se vai dividi-lo, a quantidade de
moradores, a localização, se dispõe de empregadas para fazer os serviços domésticos, os
acessórios que têm na casa, proximidade dos restaurantes universitários, gastos com
locomoção, entre outros fatores. A UFSJ não tem pesquisa nem dados sobre o perfil dos alunos
da universidade, a origem - quantos são de São João del-Rei, quantos vêm de cidades da região
do Campo das Vertentes, quantos vêm de outras cidades ou estados. Destes quantos residem na
cidade e quantos vêm para estudar e retornam para as cidades vizinhas.
Quanto ao impacto do aumento do número de estudantes universitários com a expansão
de vagas pelo REUNI, Cristiane Belo de Araújo e Larissa Medeiros Marinho dos Santos (2014)
apresentam dados de uma pesquisa qualitativa feita em 2014, que já tem uma certa defasagem,
mas que traz um retrato do ponto de vista dos moradores naquele momento sobre os impactos
da vinda dos estudantes sobre a vida na cidade. A partir de conceitos sobre psicologia ambiental
e modelo bioecológico do desenvolvimento humano, as docentes da UFSJ fazem 10 entrevistas
em profundidade com moradores da cidade para levantar os pontos positivos e negativos em
relação à vinda de universitários para residirem nas cidades.
De fato, a vida em república possui caminhos como realidade, com consequências
distintas para a vida do estudante, e além de possuir relação direta com o rendimento durante o
curso, se comunica com o desenvolvimento pessoal e profissional de cada um. A universidade
também implica em uma mudança significativa nos hábitos e costumes do indivíduo,
principalmente no que se refere à adaptação a esse novo meio. Ao serem inseridos no meio
acadêmico, existem grupos de afinidades que interferem na adaptação do estudante com a
novidade da vida universitária, que não tem sua continuidade garantida. Alguns fatores externos
influenciam na permanência dos alunos nas universidades e, consequentemente, na república.
Ao se inserir na vida acadêmica e da república, o ambiente que ambas proporcionam à
rotina do aluno é diferente do que vinha sendo sua realidade. O indivíduo lida com novas
responsabilidades, e a adaptação do convívio, das tarefas dentro e fora de casa, do descanso,
das festas, dos estudos e, em alguns casos, do trabalho, se torna essencial no seu percurso como
universitário. A vida em república, tanto pelos aspectos positivos quanto negativos, gera laços
muito fortes entre os universitários. São interações que criam laços de pertencimento, de
identificação e fortalecem questões identitárias. Nesse sentido, as repúblicas podem ser um
fenômeno social estudado a partir da ótica da Comunicação e Sociabilidade.
Conforme aponta Maffesoli (2006), a vida social pode ser pensada a partir de laços de
pertencimento, de sociabilidade. Em vez de se pensar no individualismo, a vida social, segundo
o sociólogo, deve ser pensada como uma expressão de sentimentos de “pertença”, de agregação,
daí que surge a ideia de tribos urbanas. Isso pode ser vinculado ao que une os estudantes que
residem em repúblicas que se interligam em fortes laços afetivos.
Tavares, Pacheco e Pereira (2018) também apontam os fatores positivos e negativos
para os estudantes que residem em repúblicas. Na visão positiva, entende-se que os indivíduos,
por exemplo, tornam-se mais responsáveis, organizam melhor o estudo, entre outros aspectos.
Quanto aos efeitos negativos, os autores explicam que, como consequência na vida nas
repúblicas, pode levar ao uso de drogas, tornar os alunos mais preguiçosos etc. Há uma
generalização em que os indivíduos apenas se importariam com festas, drogas e música alta,
não entendendo o motivo que o traz para esse novo ambiente e a organização na casa.
Com base no debate sobre Comunicação e Sociabilidade, o artigo traz uma pesquisa
junto a 74 universitários sobre a vida em república, desde aspectos formais (como capacidade
de organização, gestão financeira, capacidade de receber e dar ordens) até questões mais lúdicas
(a satisfação de viver em república, o aprendizado etc.). Para isso, foram feitas 16 questões por
meio do Google Forms e apresentados os resultados, posteriormente, analisados à luz de
algumas teorias.
2. COMUNICAÇÃO E SOCIABILIDADE
Maffesoli (2006), por sua vez, ligado à Sociologia do Cotidiano, explica os laços de
pertencimento como o espírito coletivo ligado a uma cultura, a um enraizamento que promove
a dinâmica do ser no mundo, uma rememoração da cultura por meio do sentimento e da
necessidade de estar junto, de pertencer a uma cultura que direciona os indivíduos
objetivamente e subjetivamente – resultando no indivíduo que se “torna-a-si-mesmo” ou
poderíamos dizer que se afirma culturalmente. Os vínculos dentro da república, de fato, são
firmados e começam a ter grande influência na rotina e na personalidade do estudante, se
encaixando nos costumes que já vinham sendo praticados na casa, através dos moradores mais
velhos e, em caso de continuidade, abrindo a possibilidade de repassar novos costumes para os
que ainda virão.
Conforme aponta Maffesoli (2006), a vida social pode ser pensada a partir de laços de
pertencimento, de sociabilidade. Em vez de se pensar no individualismo, a vida social, segundo
o sociólogo, deve ser pensada como uma expressão de sentimentos de “pertença”, de agregação,
daí que surge a ideia de tribos urbanas. Isso pode ser vinculado ao que une os estudantes que
residem em repúblicas que se interligam em fortes laços afetivos.
No caso de uma não adaptação do estudante ao estilo de vida da república, aos aspectos
formais e informais desse novo meio, o mesmo comunica aos demais moradores da situação e
juntos, em reunião, tentam adquirir métodos que façam com que essa adaptação seja facilitada.
Em alguns casos, o novo morador não possui laços fortes de comunicação ou proatividade, o
que impede que o mesmo interaja nas festas e visitas diárias, realize as obrigações de forma
proativa, sem que algum morador, acima da hierarquia, tenha que alertá-lo. Sendo assim, a
alternativa final é sua retirada da república de forma amigável.
Em casos menos corriqueiros, há a possibilidade de que toda a casa decida, de forma
unânime, na expulsão do indivíduo em casos mais severos.
São João del-Rei, assim como outras cidades, viu a sua população crescer em função da
vinda de estudantes universitários de diferentes partes do Brasil. A cidade possui uma das mais
jovens Universidades Federais do País, a UFSJ, que completou 35 anos em 21 de abril de 2022,
que se chamava Fundação de Ensino Superior de São João del-Rei – FUNREI, até 2002. A
UFSJ conta com seis campi, três dos quais estão localizados em São João del-Rei: Campus
Santo Antônio, Campus Dom Bosco e Campus Tancredo Neves, além do Centro Cultural “Solar
da Baronesa”. Em 2007, a UFSJ adquiriu dois novos campi: o Campus Alto Paraopeba, situado
na região dos municípios de Congonhas, Ouro Branco, Conselheiro Lafaiete, São Brás do
Suaçuí e Jeceaba; e o Campus Centro-oeste Dona Lindu, situado no município de Divinópolis;
e em 2008, o Campus Sete Lagoas.
A cidade de São João del-Rei possui ao todo uma média de 90 mil habitantes, sendo
uma parte considerável destes oriundos de outras cidades do Brasil. Além da UFSJ, existe o
UNIPTAN (Centro Universitário Presidente Tancredo de Almeida Neves), faculdade particular
que também auxilia no número de não-nativos em terras são-joanenses. Com a utilização do
Programa Universidade para Todos (Prouni), criado em 2004, que prevê bolsas para alunos de
universidades privadas pagas pelo governo em troca de incentivos e do Fundo de Financiamento
ao Estudante do Ensino Superior (FIES), a oferta de vagas em universidades não-gratuitas
aumentou, promovendo um crescimento proporcional do número de estudantes na cidade.
Muitos estudantes vêm de cidades da região que compõem o chamado Campo das
Vertentes, conjunto de 33 cidades - como Barbacena e Lavras - que são as cidades-polo, além
de outras cidades de pequeno porte. Estes vêm de ônibus, vans ou carro próprio e retornam no
mesmo dia para as suas cidades. Já os estudantes que são de outras regiões de Minas Gerais e
do país, onde a grande distância inviabiliza a ida e a volta no mesmo dia, optam por morar em
São João del-Rei. São universitários que têm uma vida relativamente curta na cidade,
geralmente apenas o tempo de graduação. Muitas dessas cidades universitárias, como é o caso
de São João del-Rei, não têm como incorporar a mão-de-obra formada pela UFSJ. Ao contrário,
somente pequena parcela dos alunos fica na região.
Quanto ao impacto do aumento do número de estudantes universitários com a expansão
de vagas pelo REUNI, Cristiane Belo de Araújo e Larissa Medeiros Marinho dos Santos (2014)
apresentam dados de uma pesquisa qualitativa feita em 2014, que já tem uma certa defasagem,
mas que traz um retrato do ponto de vista dos moradores naquele momento sobre os impactos
da vinda dos estudantes sobre a vida na cidade. A partir de conceitos sobre psicologia ambiental
e modelo bioecológico do desenvolvimento humano, os docentes da UFSJ fizeram 10
entrevistas em profundidade com moradores da cidade para levantar os pontos positivos e
negativos em relação à vinda de universitários para residirem nas cidades.
Araújo e Santos (2014), a partir dos relatos dos entrevistados, constatam que eles
apontam como mudanças positivas oportunidades de trabalho e de estudo e atividades culturais
oferecidas pela UFSJ. Por outro lado, quanto a aspectos negativos, elas citam como mudanças
negativas: aumento no custo de vida, questões de trânsito e dificuldade de moradia. Considera-
se que tais mudanças afetaram a relação desses moradores com a cidade deles.
Nas entrevistas realizadas com os moradores, um aspecto a ser ressaltado é a percepção
de que a expansão se fez inevitavelmente acompanhada de grandes impactos na comunidade e
que, apesar de poder haver pontos negativos, acreditam que as vantagens são mais expressivas.
Os entrevistados reconhecem as maiores oportunidades que foram oferecidas a partir de um
maior movimento econômico produzido na cidade, maiores chances de acesso ao ensino
superior público e mais empregos. Também há uma concordância quanto ao problema relativo
à especulação imobiliária (ARAÚJO & SANTOS, 2014, p.7).
Os resultados das 16 questões mostram um alto nível de satisfação dos estudantes com
as repúblicas, como pode ser evidenciado nas respostas. Isso ocorre também, porque existe um
certo receio de se manifestarem de forma contrária. Há uma forte pressão dos grupos sociais.
Por outro lado, os que buscam a vida em república já têm, de antemão, uma ideia do que vão
encontrar e sentem satisfação com os “rituais” e com o clima que vivem e compartilham no dia
a dia. Os que não se adaptam, em geral, buscam alternativas de moradia.
Questão 2 – “Acredita ser uma pessoa melhor do que antes de entrar na república?"
Já quanto à Questão - “Você se considera uma pessoa melhor do que antes de entrar na
sua república? ”, dos entrevistados, 97,3% (ou seja, 72 dos 74 entrevistados) afirmaram que sim
e apenas 2,6% responderam que não” (apenas 2 entrevistados), revelando um alto grau de
satisfação com a convivência e com o aprendizado que tiveram nas repúblicas estudantes.
Já a Questão 6 “Você passou a organizar melhor seus estudos após entrar na república?
”, utilizando também como parâmetro notas de 0 a 10. Dos 74 entrevistados, 8 apontaram a nota
10 (8.1%), seguidos de 7 que indicaram a nota 9 (9.5%), outros 9 a nota 8 (12.2%). Do total, 6
entrevistados apontaram a nota 6 (8,1%), 14 indicaram a nota 5 (18.2%), 8 indicaram a nota 4
(8.1%), e 6 a nota 2 (6.8%). Apenas 1 universitário apontou a nota 1 (1.4%) e 2 apontaram a
nota 0 (2.7%). Podemos concluir que, diferente das outras questões tratadas até então, essa ficou
dividida entre os universitários.
Questão 9 - Pontualidade
A questão 10 - “Você se tornou mais pontual após entrar na República?”, que também
utiliza como parâmetro notas de 0 a 10. Dos 74 entrevistados, 6 apontaram a nota 10 (8.1%),
seguidos de 5 que indicaram a nota 9 (6.8%) e 15 a nota 8 (20.3 %). Do total, 16 entrevistados
apontaram a nota 7, (21.6%) e 12 indicaram a nota 6 (19.2%). A nota 5 teve 7 adesões (9.5%).
As notas 4 e 3 tiveram 4 escolhas cada (5.4%), as notas 2 e 1 foram escolhidas por 2 estudantes
cada (2.7%) e a nota 0 foi escolhida por 1 pessoa (1.4%).
A Questão 12 -“Sua vida social melhorou após entrar na república?”, que aciona como
parâmetro notas de 0 a 10. Dos 74 entrevistados, 36 apontaram a nota 10 (38.6%), seguidos de
13 que indicaram as notas 9 e 8 (17.6%) e 3 que indicaram as notas 7 e 4 (4.1 %). Do total, as
notas 6, 5 e 3 tiveram 2 adesões cada (2.7%) e o restante das notas não tiveram adesões.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Cristiane Belo de. & SANTOS, Larissa Medeiros Marinho dos. Impactos da
expansão universitária para moradores de São João Del-Rei. Psicologia & Sociedade, v.26,
n.2, 420-229, 2014.
PEIXOTO, Maria do Carmo Lacerda & SOUZA, Letícia Pereira de. A moradia estudantil
universitária: práticas de educação formal e informal. Revista Humanidades e Inovação, v, 7,
n.6, p. 299-311, 2000. Disponível em file:///C:/Users/andra/Downloads/2604-
Texto%20do%20artigo-9517-1-10-20200424%20(1).pdf
As ruas falam:
Cartografias afetivas de São João del-Rei
RESUMO: O artigo propõe uma ressignificação do olhar sobre a cidade de São João del-Rei e
a produção de conhecimento voltado para a região. Por meio do fotolivro “As ruas falam:
cartografias afetivas de São João del-Rei”, foi traçado um percurso com o objetivo de fotografar
casas, ruas e disparidades do município em processo de transformação e modernização. Dessa
forma, percorreu-se do alto do bairro Senhor dos Montes, partindo do monumento do Cristo,
até o Centro, fotografando todo o trajeto que pode ser observado no caminhar das páginas do
fotolivro. Nesse sentido, o trabalho diz respeito à construção do produto, e contém uma análise
teórica e documental acerca dos conceitos envolvidos, retratando autores e exemplos.
1. INTRODUÇÃO
Com o objetivo de fotografar São João del-Rei em sua extensão territorial, do bairro
Senhor dos Montes até o Centro, esse produto visa a observar a mudança das ruas, das casas,
das pessoas e demais acontecimentos envolvidos neste trajeto, mediante à modernização da
cidade e o acesso ao espaço urbano. A ideia é retratar uma cidade que não costuma ser
representada nas mídias, nem ser vista. Para isso, foi feita uma pesquisa documental acerca da
evolução da cidade, bem como sobre fotografia e fotolivro, suporte para a exposição imagética.
Quando pensamos em São João del-Rei, o imaginário popular é preenchido pelas ruas
de pedra, construções arquitetônicas históricas e exuberantes, o barulho dos sinos das igrejas
ou mesmo da Maria Fumaça, até o frio da cidade rodeia as ideias. Parte dessa concepção possui
sua origem no conteúdo divulgado pelos veículos comunicacionais, acompanhando a história
da evolução do município, bem como a melhor visão impressa nele. Entretanto, como um
recorte, a periferia é deixada de lado. Ninguém imagina como é o Senhor dos Montes ou
recorrentemente a massa de turistas visita algum canto remoto do Tijuco, afinal, esse trajeto
não é apresentado nos folhetos de guia.
Todavia, a maior parte da população são-joanense não habita o centro histórico.
Conforme o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010,
os três maiores bairros de São João del-Rei, com maior número de habitantes, eram
“Matosinhos” (20.153), “Tijuco” (15.399) e “Colônia do Marçal” (9.986). Isso partindo de um
total de 90.082 mil habitantes em todo o município. Desde essa data, a cidade se transformou
em grande escala. Assim, trazer luz a essa transformação é proporcionar voz, tendo em vista a
evolução do espaço mediante esses indivíduos e às suas propriedades, cada vez mais
negligenciadas.
A partir desse contexto, surgiu a proposta do fotolivro “As ruas falam: cartografias
afetivas de São João del-Rei”, a fim de elucidar e proporcionar uma reflexão quanto à habitação
do espaço e sua cartografia afetiva, demonstrada por meio dos objetos em seu entorno. No
intuito de ressaltar o olhar para certos detalhes e evidenciar pontos específicos, foram feitas
intervenções manuais nas fotografias, utilizando o bordado, o fogo e materiais digitais para
colagens. Feito isso, depois de prontas, as imagens foram editadas e separadas para criar uma
narrativa própria, assim compondo as páginas do fotolivro.
Para Lopes (2016), em geral, este progresso veio acompanhado de preocupações quanto
às questões de salubridade e higiene, trazendo uma série de transformações no ambiente,
visando sua reestruturação. Como Lopes (2016) traz ao evidenciar a leitura de Benjamin em
relação ao ideal urbanístico de Haussmann, o plano de modernização de Paris se insere em uma
lógica de um urbanismo autoritário, favorecendo o capital financeiro, a especulação imobiliária
e o controle das “classes perigosas”. Em sua essência, essas alterações vieram acompanhadas
de uma modificação no estilo de vida urbano, ou seja, na própria cultura das sociedades
(LOPES, 2016). Isso não foi diferente em São João del-Rei.
No final do século XIX, Simmel (1976) já expunha o quanto as transformações urbanas
impactam nos costumes e sensibilidades. Para ele, o crescimento vertiginoso das cidades incide
sobre a “vida mental” dos indivíduos e implica na formação de novos hábitos e sociabilidades
marcados pela impessoalidade, racionalização e predomínio da economia do dinheiro sobre as
relações sociais (SIMMEL apud TAVARES, 2011). Para Guattari (1986), se deixarmos o
inconsciente nos orientar e nos organizar no mundo como vivemos, as cartografias do desejo
tomam diferentes micropolíticas que correspondem a diferentes modos de inserção social.
Entretanto, como uma concordância, “todos vivemos, quase que cotidianamente, em crise”.
(GUATTARI, F. et al, 1986, p.11).
Nesse cenário de ocupação territorial, os cidadãos menos favorecidos foram compelidos
para as periferias, como uma forma de assepsia da cidade, com preceitos higienistas que
combinam as técnicas da medicina com a engenharia sanitária no combate e correção dos
“problemas” da cidade (ARMUS, 1995 apud TAVARES, 2011, p.13). Todavia, a conjectura
do espaço urbano não é neutra, mas imbuída de valores, intencionalidades e práticas políticas,
originadas tanto dos grupos dominantes quanto daqueles marginalizados. “O espaço é um
instrumento político intencionalmente manipulado, mesmo se a intenção se dissimula sob as
aparências coerentes da figura espacial” (LEFEBVRE, 2008, p.44). Ou seja, é no espaço
público onde as práticas expostas correspondem a todos, no entanto, é também a partir dele que
muitos se sentem negligenciados.
As reformas urbanas dessa época se destinavam a organizar e limpar o espaço urbano.
A justificativa do porque elas deveriam servir para qualquer lugar era sempre um discurso
técnico da eficiência da organização. Consoante à Tavares (2011), São João del-Rei foi
diretamente influenciada por esses ideais, “perseguir a sujeira que desafia a ordem, atacando-a
através da racionalização do ambiente: estas foram as palavras de impacto nesse período que
impulsionaram a adaptação do espaço a um ideal de civilização” (TAVARES, 2011, p.14).
Assim como ressalta o autor sobre a cidade, a reforma urbana e sanitária foi articulada como
recurso, inclusive, semântico para legitimar e justificar as práticas de intervenções na cidade.
Sendo assim, os veículos de comunicação da época traziam essa interferência urbana
com enfoque positivo para reforçá-la no imaginário da massa, de modo a propiciar uma
aceitação e até contribuição. “Na marcha acelerada da civilização os que param são atropelados
pela onda humana que avança, sempre para frente. Caminhemos com ela ou seremos arrasados
(DIÁRIO DO COMÉRCIO, 08/03/1938)?”(TAVARES, 2011, p. 6). Essa crença, justaposta no
cientificismo de adequar as “disfunções urbanas” de acordo com critérios de conforto, higiene
e modernidade, trouxe a perspectiva de que ser moderno e civilizado implica em participar do
progresso da ciência.
Conforme Baczko (1985), os imaginários sociais são sistema de orientação simbólica,
ou seja, um conjunto de representações pelos quais uma coletividade vê a realidade ao seu redor
e a si mesma, tomando suas decisões a partir desse entendimento. É por meio dessa figuração
social que, por exemplo, “uma coletividade designa a sua identidade; elabora uma certa
representação de si; estabelece a distribuição de papéis e das posições sociais; exprime e impõe
crenças comuns”' (BACZKO apud TAVARES, 2011, p.7).
Nesse sentido, também impactado pelo conteúdo dos meios comunicacionais, a
produção, controle e difusão dos imaginários coletivos é uma operação atravessada de
finalidades políticas. Esses projetos procuram sempre atuar nas relações sociais citadinas para
repercutir na conformação do tecido urbano na cidade, de modo a explorar ao máximo a
dimensão simbólica, imagética e figurativa de seus contornos já existentes e futuramente
impostos. Portanto, a cidade torna-se objeto do desejo e, por intermédio da compreensão
imaginária, os indivíduos projetam seus sonhos e invenções do que deve ou não conter no
espaço urbano, procurando nele lugar de reconhecimento e de referência (TAVARES, 2011).
Dessa forma, estudiosos do mundo todo têm investigado o papel dos afetos e das
emoções envolvidas no espaço urbano. Influenciado diretamente pelas circunstâncias políticas,
a capacidade de apropriar e controlar territórios tem sido limitada para alguns, em especial
aqueles que têm medo, enquanto outros percebem essa condição aumentar. Com base nesse
entendimento, Hutta (2020) ressalta o quanto os afetos não são apenas expressados no ambiente,
mas também fazem parte de sua criação ou anulação.
Portanto, como seu objetivo, essa produção visa retratar as diferenças no espaço urbano
de São João del-Rei, impactadas pela sua modernidade e progressismo, bem como influenciadas
pelo simbolismo popular, o qual demonstra bem-estar em determinados locais enquanto outros
sofrem o apagamento nas demais produções midiáticas. Sendo assim, o intuito é fotografar o
trajeto Cristo, no alto dos Senhor dos Montes, até o Centro observando suas mudanças urbanas,
arquitetônicas, geográficas e sociais. Como evidência Sandroni et al (2014), “a cartografia
aparece aqui como uma forma de pesquisar as paisagens psicossociais, cartografar processos
simbólicos”. (SANDRONI, 2014, p.8)
Além disso, como ressalta Friderichs (2005), o bairro, neste caso o Senhor dos Montes,
faz parte da arquitetura urbana oficial de São João del-Rei, em sua totalidade. “É durante o
trânsito diário de seus usuários pelas ruas que cada comunidade, em particular, estrutura
padrões de ação peculiares, constitui uma identidade local” (FRIDERICHS, 2005, p. 6).
Portanto, ao fotografar o cotidiano, é possível evidenciar os vestígios desse povo, bem como de
seus antecedentes. Assim, há a capacidade de estabelecer uma comparação entre acessos, do
alto do morro para o centro.
Já, com o intuito de escolher a fotografia como maneira de apresentar essa extensão
territorial, documentou-se de forma realista a transformação no espaço de São João del-Rei, por
intermédio de visitas ao bairro. Como pontua Tavares (2006), as fotografias possuem o poder
de flagrar e evidenciar diversos processos de exclusão e inclusão na sociedade. “As fotografias
tornam visíveis e atualizam muitas diferenças históricas; e, de forma constante, elucidam a
hierarquia social, econômica [...] que circundam as relações entre os diversos sujeitos sociais”
(TAVARES, 2006, p. 61).
Além disso, por sua maneira impessoal, ela é capaz de propor diversas interpretações,
mas todas a cunha do próprio receptor. Inclusive, isso também a torna acessível, bem como a
facilidade de manusear um instrumento que fotografe.
Como espaço de presença de todo e qualquer indivíduo, registrar as ruas pode ser
pontuado como uma maneira assertiva de mostrar a atuação humana. “A cidade hoje é palco de
encontro e desencontro, onde diferenças e desigualdades sociais despontam cotidianamente e
onde a sociedade melhor se localiza” (TAVARES, 2006, p. 63). No entanto, Friderichs (2005),
ainda propõe: “o espaço público configurado pelos meios, tornou-se um cenário onde prevalece
a negação do exercício da cidadania, quando, ao contrário, deveria ser o lugar de sua
constituição” (FRIEDRICHS, 2005, p. 2).
Portanto, ao utilizar a fotografia com o intuito de identificar as disparidades
socioeconômicas do espaço urbano de São João del-Rei, buscou-se recortar o olhar para uma
extensão específica a fim de vasculhar sua história, mas com uma projeção para mais realidades
semelhantes. Conforme Massimo Canevacci, “compreender uma cidade significa colher
fragmentos. É lançar entre eles estranhas pontes, por intermédio das quais seja possível
encontrar uma pluralidade de significados" (CANEVACCI apud TAVARES, 2006, p. 71).
Conforme propõe Rouillé (2009), a fotografia possui um propósito de recorrer à noção
de rastro e distingue em essência o desenho em comparação com a fotografia. O primeiro, para
o autor, representa um ícone ou uma imitação, já o último retrata um índice, um registro. Ou
seja, a fotografia tem a capacidade de afirmar a existência de pessoas, objetos, histórias e muitas
outras simbologias. Por isso, o fotolivro foi o apoio escolhido para a missão de retratar São João
del-Rei. Seu objetivo é abrigar o conjunto de imagens da cidade, devidamente editado, em uma
sequência narrativa, guiando o observador a interpretar com certo fluxo, com um início, meio
e fim. Caminhando do alto do Senhor dos Montes até o centro histórico, reconhecendo as
semelhanças e disparidades na paisagem à medida em que vira as páginas.
Afinal, o fotolivro propõe a reflexão do produto como um todo, não apenas das fotos
em si. Como descreve Carrión, “ler um livro é perceber sequencialmente sua estrutura” (2011,
p.66). Logo, busca trazer à consciência do leitor uma reflexão sobre a junção das imagens como
uma narrativa concomitantemente aos passos de descida. Dessa forma, ao tratarmos do livro, é
possível dizer que ele permite ao leitor viajar por diversos territórios sem sair do mesmo lugar.
Além disso, é fácil de distribuir, pois possui um corpo maleável, em questão de peso e páginas.
De acordo com Bombonati (2016), hoje, seu formato é conhecido tradicionalmente como
códice, com folhas dobradas ao meio e amarradas, formando os fólios, quanto as páginas, são
escritas em ambos os lados com uma capa de proteção e junção, sendo ela colada na lombar do
conjunto de fólios. As principais características que diferenciam os livros partem do
pressuposto do tamanho e material no qual são formados, bem como no modo como a
informação é disposta, organizada e disseminada.
Para Melo (2019), a produção de fotolivros sempre esteve presente na história da
fotografia. “Embora no século XIX até o final do século XX não tivesse essa denominação,
muitas vezes, eles eram chamados de livro de autor” (MELO, 2019, p.15). Agora, no século
XXI, com a transformação digital e a facilidade de acesso para impressão em gráficas,
popularizou-se ainda mais esse formato.
Por intermédio do fotolivro, é possível evidenciar uma narrativa, pois a fotografia
conduz o leitor. Portanto, quando disposto em sequência é responsável por contar uma história
(MELO, 2019). Sendo assim, destacar um trajeto de São João del-Rei só teria sentido quando
construído como uma sucessão de passos. Além disso, tendo em vista a interpretação de um
conjunto de imagens em detrimento da compreensão de uma fotografia isolada, a comparação
se faz a partir de números.
4. A JORNADA DA PRODUÇÃO
Figura 1
Impressão e primeira edição de imagens
Assim, fui ao percurso pela segunda vez e me atentei apenas ao Senhor dos Montes, em
suas minúcias, observando as tipologias das janelas e das casas. As imagens foram mais
objetivas se comparadas com a primeira ida e senti a visita com um caráter mais sério. Entre as
interações acontecidas no bairro, uma mulher sugeriu a documentação da “Rua das Casas
Tortas”, no centro de São João del-Rei, por causa de sua beleza.
No resultado, há diversas imagens de ruas em suas entradas, englobando ambos os lados,
tendo em vista sua curta largura. Para facilitar suas distinções e também por conduzir o
fotolivro, as nomeei como imagens de transição. Enfim, o objetivo também é demonstrar o
contraste entre as localidades, por isso, algumas fotografias, em ângulos específicos, buscam
enquadrar ambos os lados (Fig. 2).
Figura 2
Vista do Senhor dos Montes entre as casas do Centro histórico de São João del-Rei
Já na terceira visita, as atenções foram voltadas para o centro histórico, por volta da
Igreja Nossa Senhora do Carmo e suas redondezas. A exploração foi longa e silenciosa, também
seguindo a linha de fotografar as tipologias das janelas e das casas, a fim de colocar os
resultados lado a lado para propiciar uma melhor comparação. De mesmo modo, buscou-se
trazer ambas as realidades próximas, em uma mesma imagem, com o intuito de mostrar a
divergência de cenários. Assim, com o devido material colhido, iniciei a jornada de editar as
fotografias e reuni-las em uma diagramação. A presente imagem (Fig 3) mostra o boneco do
fotolivro, o primeiro encaixe das imagens.
Figura 3
Primeira versão diagramada do Fotolivro
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, a pesquisa e o produto visam expor a habitação urbana de São João del-Rei
com um recorte, evidenciando seus contrastes por meio da cartografia afetiva. Ou seja, o lugar
mais bem visto e frequentado ao lado de um pouco acessado. Ainda, ao discutir espaço e
territorialidade, bem como a modernização da cidade, é possível entender sobre a formação
habitacional e o contexto social inserido da população sanjoanense. O intuito é contribuir para
uma ressignificação do olhar sobre a cidade, trazendo luz a um espaço ainda pouco explorado
pelos turistas, veículos de comunicação e até mesmo pela própria população.
Dessa forma, o suporte fotolivro foi escolhido para amarrar essa sequência fotográfica
e contar a narrativa de um caminhar, do alto do Senhor dos Montes, partindo do monumento
Cristo, até o centro histórico. Para isso, a diagramação é disposta em sequência e ressalta o
contraste entre bairro e centro, ressaltando a diferença nas casas, nas ruas e demais simbolismos
urbanos, dando enfoque a uma habitação pouco falada, mesmo sendo o lar de grande parte dos
cidadãos sanjoanenses. Portanto, o objetivo da produção é documentar essa transformação no
ambiente, de modo a investigar e denunciar perspectivas tanto econômicas quanto sociais,
decorrentes da evolução de São João del-Rei e afastamento de um certo grupo.
Além disso, a produção de material científico sobre a região intenciona inspirar e
auxiliar futuros pesquisadores, para incentivar o desenvolvimento de mais pesquisas científicas
sobre São João del-Rei e região, principalmente acerca do Campo das Vertentes. Desse modo,
a gratidão pelas oportunidades oferecidas nesta terra se materializa com a produção de
conhecimento para a comunidade local. Logo, o fotolivro é um material físico sobre as
transformações da cidade, denunciando e documentando tais ocorridos refletidos na atualidade,
por meio de fotografias sobre as ruas da cidade.
REFERÊNCIAS
BOMBONATI, Letícia Azevedo de Andrade. Croa: Fotolivro e Design. – 2016. 69f. il.; 30
cm. Orientadora: Daniela Nery Bracchi. Monografia - Universidade Federal de Pernambuco,
CAA, Design, 2016.
CARRIÓN, Ulises. A nova arte de fazer livros. Belo Horizonte: Ed. Andante, 2011.
HUTTA, Jan Simon. Territórios afetivos: Cartografia do aconchego como uma cartografia de
poder. In: Caderno Prudentino de Geografia. Vol. 42, n.2, p. 63-89, 2020.
MELO, Ana Carolina Rodrigues. Do cavalete à câmara escura. 2019. Orientadora: Kátia
Lombardi. Monografia - Universidade Federal de São João del-Rei. Comunicação Social -
jornalismo, 2019.
LOPES, Igor Henrique Ramos. As transformações na paisagem de São João del-Rei. 2016.
FERREIRA, A., Rocha, L., Figueiredo, M., Santos, P. & Andrade, R. Proposta de criação de
um roteiro geoturístico nas cavidades naturais e artificiais do município de São João Del-Rei –
MG. Tourism and Hospitality International Journal, 2(1), 174-193, 2014.
ROUILLÉ, André. A fotografia: entre documentos e arte contemporânea. São Paulo: Editora
Senac, 2009.
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2004.
RESUMO: O artigo, com base na perspectiva sobre o processo de recepção dos produtos da
mídia a partir do viés crítico e hermenêutico de autores como Thompson (1998) e Stuart Hall
(2005), faz uma pesquisa junto a 16 receptores (entrevistados) para saber como se apropriam
das mensagens que recebem. Na tradição das Teorias da Comunicação, questiona-se a visão
clássica sobre a passividade do público, como a Teoria Hipodérmica ou da Bala Mágica (Wolf,
1999) e a Teoria Crítica formulada pela Escola de Frankfurt (Adorno & Horkheimer, 2000), e
articula-se a correntes contemporâneas que lançam um olhar mais otimista sobre o receptor e
as trocas comunicacionais, como os Estudos Culturais (Escosteguy, 2000) e o debate sobre
midiatização (Braga, 2012) e cibercultura (Lévy, 1993). Assim, o artigo busca compreender os
hábitos de consumo de mídia, como os sujeitos se apropriam das mensagens midiáticas e como
as articula ao seu universo cultural e cotidiano.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho propõe um novo olhar sobre o processo de recepção dos produtos
midiáticos a partir de uma visão crítica e hermenêutica com base em autores como Thompson
(1998) e Stuart Hall (2005). Estes teóricos discordam das primeiras teorias da comunicação que
acreditavam na postura passiva do público frente às mídias massivas. Destaca-se, por exemplo,
segundo Wolf (199), a Teoria Hipodérmica ou da Bala Mágica formulada no início do século
XX que apontava para o forte poder de manipulação dos meios de comunicação de massa. Na
época, marcada pelo período entre guerras e pelas experiências totalitárias do nazismo e do
fascismo, analisaram o uso que Hitler fez do rádio como forma de propagar o nazismo. Então,
criou-se, com base na Psicologia Behaviorista ou Comportamental (estímulos e respostas), a
ideia de uma massa facilmente manipulável.
Em 1923, foi criada a Escola de Frankfurt ou Instituto de Pesquisas Sociais que
formulou a Teoria Crítica, uma das teorias sociais mais amplas do século XX, mas com um viés
muito crítico e pessimista. Adorno e Horkheimer (2000) criaram o conceito de indústria cultural
para tratar de como o processo industrial invadiu a esfera da arte e da cultural, tornando os bens
simbólicos em meras mercadorias padronizadas e de fácil consumo, eliminando o poder crítico
e autonomia dos indivíduos, meros fantoches à mercê dos conglomerados de entretenimento.
Em contraposição a estas perspectivas, Thompson (1998), no seu livro “A mídia e a
modernidade”, lança questionamentos sobre a passividade do público e propõe um novo olhar
sobre o receptor. Para o autor, a recepção é uma atividade, é uma apropriação, no sentido de
tornar própria a mensagem que recebe da mídia e ressignificá-la com base no contexto social e
cultural e do próprio repertório que o sujeito tem. Outro debate proposto é sobre a midiatização,
entendida por Braga (2012), como a transformação tecnológica, cultural e social que faz com
que as mídias estejam presentes hoje no cotidiano dos indivíduos de forma ininterrupta, desde
o momento em que acordam quando já acessam a internet e podem se conectar às redes sociais,
terem informações e compartilhar mensagens.
O artigo discute ainda os Estudos Culturais em Interface com a Cibercultura. No caso
dos Estudos Culturais, conforme explica Escosteguy (2000), emergem nos anos 70 do século
XX, com uma proposta transdisciplinar entendendo a cultura como dinâmica e transformadora.
Ao contrário das perspectivas críticas, entendem que as mídias tradicionais ou alternativas
podem ser arenas de lutas de grupos contra hegemônicos. Estão relacionados à emergência dos
movimentos sociais que ganharam força neste período, como o movimento feminista,
movimento GLS (hoje LGBTQIA+), movimento ambiental e a luta pela cidadania. O sujeito
passa a se inserir no espaço público como agente que busca a transformação da ordem social, o
que se interliga com a nova concepção de receptor. Quanto à cibercultura, tem a ver com o
surgimento da internet e da web 2.0 dos anos 90 e a partir dos anos 2.000, quando se consolidou
a era digital. Tem-se, então, uma série de transformações tecnológicas, culturais, políticas e
sociais. O indivíduo deixa de ser apenas receptor e passa a ser produtor, distribuidor de
conteúdos. A internet traz características como a convergência de mídias, a interatividade, o
distanciamento espaço-temporal, a ampliação do espaço público para grupos antes
marginalizados.
Diante do debate destas questões, o trabalho busca entender como os sujeitos se
apropriam das mensagens da mídia e como lidam com uma gama ampla de informações e se
isso significa mais comunicação, mais interatividade. Além disso, a intenção é entender se os
receptores acreditam que os meios de comunicação reforçam ou abrem possibilidades de
quebrar estigmas sobre os grupos minorizados, como as mulheres, negros, LGBTQIA+,
indígenas. Para isso, foram entrevistadas 16 pessoas, entendidos como receptores críticos, para
saber desde dados sociais, econômicos até hábitos de consumo de mídia e questões
comportamentais vinculadas à cultura midiática bem como opiniões sobre como as minorias
são retratadas no espaço midiático.
Pretende-se, com o artigo, identificar hábitos de consumo de mídia e como os sujeitos
se apropriam das mensagens da mídia, se eles estão conectados às redes sociais, a quais redes
e quanto tempo ficam conectados. Analisar como estas pessoas se informam – pelas mídias
tradicionais, pelas mídias digitais ou por conversas com amigos, familiares e se estes
entrevistados avaliam que os grupos minorizados – mulheres, negros, LGBTQIA+, indígenas –
representatividade na mídia tradicional E se a internet abriu espaço para que estes grupos
possam expressar suas lutas, culturas e opiniões.
Quanto ao conceito de midiatização, não é um fenômeno novo, mas que ganhou força,
principalmente com a consolidação das mídias digitais, como as redes sociais, que mantêm os
indivíduos conectados quase o dia todo. O indivíduo desperta e já se conecta a informações, a
conversas via WhatsApp e pode começar a ter contato com programas de entretenimento. E
termina o dia conectado à internet. Braga (2012) concentra-se em explicar como as
transformações tecnológicas inseriram mudanças culturais e sociais na vida cotidiana da
população, tornando natural que as mídias estejam presentes de forma ininterrupta na vida do
indivíduo, conectados desde a hora que acordam até a hora de dormir. Para o autor, trata-se de
fluxos comunicacionais que fazem com que haja uma circularidade muito maior de
informações, rompendo a lógica dos campos sociais, como é o caso do campo jornalístico. Hoje,
recebemos informações de diferentes fontes, muitas vezes sem ser da imprensa.
3. ANÁLISE: O OLHAR DOS RECEPTORES NUMA SOCIEDADE MIDIATIZADA
Para realizar este trabalho, foram realizadas 16 entrevistas como pessoas de diferentes
idades, classes sociais, gêneros, escolhidas de forma aleatória, justamente para tornar mais rica
a pesquisa, tendo em vista que o objetivo era identificar os hábitos de consumo de mídia que
variam dependendo da idade, renda, religião, escolaridade, entre outros fatores.
Entrevistada 1 (Gabriela) – Jovem de 19 anos, moradora de São Luís com ensino médio
completo, reside no bairro Calhau, onde mora com sua mãe, seu pai e mais 2 irmãs (uma irmã
tem 22 e a outra 17). É ateia e sonha em cursar Engenharia de Produção ou Nutrição. A renda
familiar é de 1 a 3 salários mínimos, agregando o salário da mãe e o do pai. Mora numa casa,
onde tem uma TV (32 polegadas), acesso à internet e planos pré-pagos.
Quanto aos hábitos de consumo de mídia, Gabriela conta que, na sua casa, gosta de
assistir a canais como Discovery, Cartoon Network, Disney Channel, MTV e Comedy Central.
Além disso, ela gosta de programas de investigação criminal e desenhos como Hora de
Aventura, Gumball e Gravity Falls, e sua série favorita é The Big Bang Theory. Usa o celular,
mas não é tão ativa nas redes sociais, não faz postagens, somente curte outros posts. Utiliza
Facebook, Instagram e Twitter, todas com menos de 150 seguidores. Gabriela passa mais de 3h
por dia no Facebook, porém nas outras menos de 30min. Não gosta de ouvir rádio e não lê
jornais. Fica sabendo das notícias basicamente pelas redes sociais e pelo Google ou quando a
sua mãe comenta ou escuta na escola. Mas disse que tem algumas amigas mais bem informadas
que gostam de ler, acessar sites de notícias e que são bem inteiradas de política. Tem menos de
50 contatos no WhatsApp e participa de 3 ou 4 grupos, apenas grupos de amigos e um
relacionado a jogos online. É assinante da Netflix, GloboPlay, PrimeVideo, StarPlus e Disney
Plus e gosta de assistir a sitcoms (comédia), dramas, romances, séries policiais e de assassinatos.
Todo dia usa ao menos um dos serviços citados.
Não considera que sua atividade online atrapalhe suas relações pessoais, pois as
considera mais importantes que a comunicação virtual, apesar de utilizar bastantes aplicativos,
como bancos e lojas online, principalmente Nubank, Shein, Shopee e PagBank. Sendo uma
pessoa que usufrui muito das redes sociais, mesmo não se expondo tanto. Questionada sobre a
representatividade das minorias nas mídias, Gabriela afirma que acha que não existe quase
negros na televisão e nas publicidades e quando existem são mostrados em papéis menores ou
de pouca relevância. Ela comentou que acredita que a representatividade está crescendo cada
dia mais e que num futuro próximo essas minorias terão maior visibilidade. Gabriela também
acredita que a falta de representatividade se dá por causa do racismo estrutural do país.
Entrevistado 4 (Rhuan) – Jovem de 18 anos, nasceu em Resende - RJ, onde reside até
hoje. Não possui religião, Ensino Médio incompleto e é solteiro. Mora com 6 pessoas (com ele
incluso), em uma casa de 9 cômodos. Sua renda familiar consiste em 1 a 3 salários-mínimos.
Sobre os hábitos de consumo de mídia, Rhuan diz que não assiste TV e no caso de redes sociais,
no Instagram possui entre 400 e 500 seguidores, porém, não faz nenhuma publicação. Não
checa o aplicativo o tempo todo, mas sempre quando acessa, curte algumas publicações. Sobre
fonte de informações, ele diz que procura usar o máximo de fontes confiáveis possíveis, e busca
também, se informar por meio de professores ou em sites acadêmicos. No WhatsApp, tem 200
contatos em média e não utiliza tanto quanto costumava. Quando troca mensagens, elas são
referentes à escola ou trabalho. Em relação aos grupos, não costuma se adaptar a eles, por isso,
possui poucos. Rhuan afirma que não sobreviveria dois dias sem internet e celular, pois eles se
tornaram ferramentas que administram sua vida. Sobre canais de streaming, usa a Netflix por
algumas horas durante a noite.
Não considera que sua atividade online atrapalhe suas relações pessoais, pois as
considera mais importantes que a comunicação virtual e utiliza vários aplicativos no celular,
como as redes sociais, bancos e lojas online e aplicativos de delivery. Sobre o espaço de
minorias na mídia, Rhuan diz que é preciso haver mais integração e não dar espaço para
minorias apenas em datas comemorativas (como o mês do orgulho LGBTQIA+ ou o dia da
mulher), mas ao mesmo tempo, tem medo de como eles seriam retratados. Sobre o pouco espaço
para pessoas negras na mídia, Rhuan afirma que "a supremacia branca manipula as imagens
para apenas favorecer elas mesmas. Nisso, gera-se uma marginalização da cor negra, que por
fim, não tem aparição em nenhuma mídia social, apenas em notícias quando tem algum crime
envolvido. O Brasil em específico, continua nutrindo esse cenário mesmo após a abolição da
escravidão e da elaboração de leis que asseguram as pessoas de cor, contudo, ainda é muito
visível essa atitude discriminatória na nossa sociedade atual."
Após analisarmos as entrevistas realizadas, é possível notar que a mídia tem um papel
essencial em como a sociedade se porta nos dias de hoje. Todos os aplicativos, programas de
TV, horário gasto na internet e até mesmo o local onde se busca informações, influencia nas
ações de todas as pessoas. Não importa o gênero, idade, escolaridade, posição social ou o local
em que você mora.
Dessa forma, a partir de dados coletados, é possível perceber que a interação das pessoas
com as antigas e novas mídias variam de acordo com a idade, gênero e os diferentes interesses
e objetivos buscados por elas. Dessa forma, pessoas mais jovens normalmente usufruem mais
das redes sociais, as usando como veículo de informações, entretenimento e também como
ferramenta de trabalho. Já os públicos adulto e idosos buscam mais as mídias tradicionais, as
quais transmitem informações mais precisas e reais. Portanto, o veículo de informação no qual
transmitirá a mensagem pretendida varia de acordo com o público que se pretende atingir.
As múltiplas funções das mídias, principalmente as digitais, são responsáveis por
manter as pessoas conectadas. Atualmente, grande parte da população realiza diversas tarefas
online, tais como, compras, transações bancárias, além de utilizar as mesmas para trabalho e
estudo. Logo, o processo de midiatização é responsável por levar até o público a mercadoria
ideal, deixando as mesmas mais acessíveis em diversos espaços não só do mundo digital, como
também nas mídias tradicionais.
Portanto, com os avanços tecnológicos, torna-se necessário uma adaptação por parte das
instituições. Dessa forma, a mídia se torna uma agente da mudança social e cultural, ditando as
regras da sociedade, de acordo com os hábitos midiáticos de cada grupo, determinados por suas
características sociais, econômicas e culturais.
A introdução da tecnologia e dos aplicativos trouxe uma certa comodidade em relação
à busca de informações. Atualmente, as pessoas preferem buscar informações em sites ou redes
sociais, e deixam de usar o modo tradicional, como a TV aberta. Mas isso não significa que a
TV deixou de ser um meio para se obter notícias, muitas pessoas ainda fazem o uso dela, como
mencionado por Rafaela, de 17 anos, quando disse que gosta de assistir canais como Globo e
SBT.
A cibercultura trouxe para o mundo infinitas possibilidades de comunicação sem
precisar estar cara a cara com a pessoa que se deseja fazer contato. Aplicativos como o
WhatsApp, comprovam o debate estendido por Braga (2012) sobre a transformação
tecnológica, cultural e social que as mídias trouxeram para o cotidiano da sociedade atual. Tal
como disse nossos entrevistados, que afirmam usar a rede social para se comunicar sobre
assuntos como trabalho e estudos, porém, também utilizam para compartilhar memes. E falando
de um público mais geral, várias pessoas também usam o aplicativo e vários outros para
compartilhar notícias, o que de certa forma, ajuda pessoas de todo o mundo ficarem sabendo de
acontecimentos em questão de segundos.
Por fim, é notável que a nova era digital também trouxe um espaço que antes não era
cedido para as minorias. Movimentos sociais estão cada vez mais ganhando força na sociedade
em busca de direitos para mulheres, negros, a comunidade LGBTQIA+, indígenas e outros
grupos. Porém, o espaço é dado para essas minorias, mas muita das vezes, somente em datas
comemorativas e é de conhecimento geral, que muitas empresas fazem o uso de campanhas
com minorias, apenas para gerar uma imagem boa para si mesmo. Também foi dito por outros
entrevistados, que a falta de representatividade, muitas das vezes, se dá pelo preconceito
incubado que existe dentro das pessoas, mas que sim, gostariam de ver mais representatividade
na mídia. Mas, apesar da representatividade ser extremamente necessária, fica o receio de como
essas minorias serão retratadas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRAGA, José Luiz. Circuitos versus campos sociais. In: MATTOS, M.A.; JANOTTI JÚNIOR,
J.; e JACKS, N. (Orgs). Mediação & Midiatização. Salvador: EDUFBA, 2012, p.29-52.
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compreensão da recepção. Revista Espaço Acadêmico, n.136, setembro de 2012, p.111-121.
ESCOTESGUY, Ana Carolina. Estudos Culturais. In: FRANÇA, V.R.V.; HOHLFELDT, A.;
MARTINO, L. (Org). Teorias da Comunicação. Petrópolis; Vozes, 2001.
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo:
Edições Loyola, 1993.
OLIVEIRA, Luiz Ademir. Apostila de Teorias da Comunicação. São João del-Rei, 2022.
TV Bandeirantes:
do Canal de Esportes à Emissora sem identidade
1. INTRODUÇÃO
2. HISTÓRICO DA BAND
78 Memória da TV – MDTV. “TV Bandeirantes comemora 54 anos. Navegue pela história da emissora!”.
Disponível em https://memoriadatv.com.br/noticia/7798/tv-bandeirantes-comemora-54-anos-navegue-pela-
historia-da-emissora.html. Acesso em 27 de setembro de 2022.
1961, iniciou-se a construção do Edifício Radiantes, o primeiro prédio projetado para abrigar a
mais moderna televisão da América Latina. Após cinco anos, o "Palácio Encantado", nome
dado à instalação por seus funcionários, havia sido totalmente erguido no Morumbi, onde foram
instalados os setores técnicos e administrativos, tal como aqueles ligados à criação e à produção,
além de estúdios: três de baixa proporção, dois médios e um com grandes extensões. Desse
modo, em fevereiro de 1967, slides, filmes e documentários experimentais entraram ao ar por
meio de uma torre de transmissão no Pico do Jaraguá. (FREITAS, 2008)
No entanto, conforme explica Freitas (2008), no mês de maio de 1967, a TV
Bandeirantes foi inaugurada pelo canal 13 VHF. Assim, tal data marcou sua primeira aparição
oficial, a qual contou com um discurso proclamado por João Jorge Saad, seu fundador, e
apresentações realizadas pelos cantores Agostinho dos Santos e Cláudia.
A década de 70 marca uma nova fase para a televisão brasileira. Conforme apontam os
estudiosos, é a etapa de consolidação da TV como indústria cultural. Segundo Freitas (2008),
de 31 de maio até 21 de junho, o canal da Band transmitiu a Copa do Mundo Fifa de 1970.
Evento esportivo realizado a cada quatro anos pela Federação Internacional de Futebol, a Copa
reúne as seleções classificadas que competem pelo título que as qualificará como melhores. Tal
competição, ocorrida no México, mostrou-se importante para a história da televisão brasileira,
pois foi o primeiro evento transmitido ao vivo, via satélite, no Brasil, graças ao intermédio de
um pool de emissoras. Freitas (2008) explica que a Bandeirantes, a Globo, a TV Tupi, Record
e a REI participaram de um acordo com o Governo Federal para que as transmissões fossem
feitas em tempo real, à vista disso, os jogos puderam ser assistidos por 54 milhões de brasileiros.
A 9ª edição da Copa revelou-se pioneira em outros âmbitos, posto que foi a primeira a
ser transmitida em cores. No entanto, muitos brasileiros não dispunham de aparelhos detentores
dessa tecnologia, destarte, viram-se incapazes de desfrutar da inovação. Poucos, como o
presidente Emílio Garrastazu Médici, viram as partidas em tons diversos. No mais, Amazonas,
Amapá, Maranhão, Piauí, Rondônia e outras regiões não tiveram contato com a exibição do
evento. Para contornar a situação até certo ponto, a Empresa Brasileira de Telecomunicações
(Embratel), com base em Tanguá, distrito de Itaboraí, no Rio de Janeiro, expôs a competição
esportiva em espaços públicos de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo.
Conforme site da Band/Uol (2022)79, dentre as estreias da década de 70, está o chamado
Japan Pop Show, de outubro de 1973, apresentado pelo casal nipo-brasileiro Suzana Matsuda e
Nelson Matsuda. Com cerca de 40 minutos, o show passava aos domingos, às 6 da manhã e era
voltado às comunidades orientais de São Paulo, buscando entreter e informar as pessoas. Sem
contar que ele mantinha forte relação com as músicas populares japonesas por meio do karaokê.
Mesmo sobre um governo caracterizado pela censura, o canal divulgou seu primeiro programa
voltado inteiramente à política.
O Site Band/Uol informa que, no início da década de 90, a rede procurou minimizar o
próprio nome, optando por "Ban", contudo, a mudança em questão não agradou ao público,
sendo, consequentemente, descartada. Posteriormente, a conhecida abreviação "Band" se
popularizou a partir da rádio da emissora.
Insatisfeita com seu público restrito, formado majoritariamente por homens, a emissora
procurou ampliar sua audiência. Em uma tentativa bem-sucedida, de aproximar o público
infantil, a "TV Criança" foi ao ar, exibindo diversos filmes e desenhos, tais como as produções
de Hanna Barbera (Pepe Legal, Os Impossíveis, Herculóides, Dom Pixote, O Esquilo Sem
Grilo, A Corrida Maluca, A Formiga Atômica e Zé Buscapé, entre outros) e certos seriados
japoneses (Sharivan, Machineman etc.).
Neste mesmo período, o primeiro ciclo da Band com a Indy encerrou-se, mas os esportes
seguiram dominando a programação. Em 1991, enquanto os domingos contavam com Show do
Esporte, a criação da Faixa Nobre do Esporte, programa esportivo com Cléo Brandão, Simone
Mello, Silvia Vinhas e Elia Júnior, ocupou as noites de segunda a sábado. Nestas, por volta das
20 horas, eram transmitidos grandes eventos esportivos como a Superliga de Vôlei e o
Campeonato Brasileiro de Futebol. Além disso, a faixa não parou por aí, pois também passou
a fazer parte da grade da tarde em 1994, com seu derivado: Faixa Especial do Esporte.
Entre os meses de agosto, setembro, outubro e novembro, o canal do Morumbi ganhou destaque
ao acompanhar o debate de 1994 com os candidatos à Presidência da República. Depois, em
1995, tornou-se a primeira emissora de televisão a depositar sua marca d'água no canto da tela.
(SITE BAND/UOL, 2022)
Então, entre 24 de julho de 1995 e 19 de janeiro de 1996, houve a exibição da chamada
"A Idade da Loba". Coproduzida pela Band, a telenovela acompanhava o romance de Valquíria
e Montenegro. Após seus 143 capítulos, "O Campeão" a substituiu, estreando em 25 de março
a trama, escrita por Ricardo Lenhares, atingiu 128 capítulos, que, em meio a diversas subtramas,
contam acerca da corrupção na disputa pela presidência do Pindorama Futebol Clube.
Segundo o Site Band/Uol (2022), iniciado em 28 de outubro de 1996, o programa "H"
apresentado por Luciano Huck pretendia alcançar os jovens. Mas as suas exibições, recheadas
de atrações musicais, que ocorriam às 16h, passaram a estar presentes às 21h, em razão de seu
conteúdo considerado inapropriado. Foi exibido entre 28 de outubro de 1996 e 15 de fevereiro
de 2002, sendo dividido em três fases, apresentadas por Luciano Huck, Otaviano
Costa e Sabrina Parlatore, Com Luciano Huck, foram criados os quadros em que ganhou vida
a Tiazinha em que Suzana Alves usava um biquíni preto, máscara e chicote sadomasoquista,
inspirada na Mulher Gato. Atuava como ajudante de palco e participava das brincadeiras com
os meninos, que eram colocados em cadeiras de dentistas e tinham que responder corretamente
às perguntas ou pagar a prenda estipulada por ela – que ia desde algumas chicotadas até depilar
alguma parte do corpo. Em seguida, foi incorporada a personagem da Feiticeira, interpretada
por Joana Prado, também com uma roupagem erótica, de biquíni, enrolada em panos
transparentes e um véu cobrindo a boca. O programa tornou-se sucesso de audiência, elevando
de 2 para 15 pontos, mesmo com as críticas por ser considerado apelativo pelo conteúdo erótico.
No ano de 1996, em decorrência do sucesso conquistado pelo personagem fictício Fofão, criado
e interpretado por Orival Pessini, na atração da Rede Globo, "Balão Mágico", a TV Fofão veio
à tona. Ao passo que o programa infantil tinha como protagonista a invenção de Pessini, quadros
cômicos, sorteios, desenhos animados e músicas compunham sua transmissão.
Em 1997, com alta carga opinativa e sensacionalismo, o polêmico "Brasil Urgente"
marcava presença na grade. No ano subsecutivo, a Rede Bandeirantes contava com 79
emissoras de sinal aberto em VHF, sendo que, enquanto 11 destas eram emissoras próprias, 68
eram afiliadas. Para além, sediada na França, a Copa do Mundo Fifa de 1998, foi ao ar pela
associação estipulada entre "o canal do esporte", o SBT, a Rede CNT, a Rede Globo, a Rede
Record e a Rede Manchete. Ainda nesse ano, devido aos altos custos de direito de transmissão
e produção da programação esportiva, a Band tentou adquirir um patrocinador, dessa maneira,
no dia 22 de dezembro, seu departamento de esportes passou para as mãos da Traffic Sports
Marketing, empresa de marketing esportivo que se encontrava associada à CBF e à
Confederação Sul-Americana de Futebol, passou a deter. Por fim, em 1999, Luciano Huck
deixou a Bandeirantes para se juntar à Globo, consequentemente, em 4 de outubro o programa
de variedades "H", antes comandado por Huck, ficou sob o controle de Otaviano Costa, como
também, recebeu outro nome, "O+", em referência à Costa. Seguidamente, no dia 9 de outubro,
João Saad faleceu de câncer generalizado, desta maneira, seu filho, João Carlos Saad,
comumente conhecido como Johnny Saad, sucedeu o cargo de proprietário e presidente do
conglomerado de mídia.
5. ANOS 2000
O Site Memória TV (2022) afirma que a Bandeirantes começou os anos 2000 com chave
de ouro, já que a rede exibiu a Copa do Mundo de Clubes da FIFA, também conhecida como
Campeonato Mundial de Clubes. O evento teve suas partidas desempenhadas nas cidades de
São Paulo e Rio de Janeiro. Para a alegria da Band, os direitos de transmissão do Mundial
pertenciam à Traffic. Em função disso, a Rede Globo não pôde mostrar as partidas ao vivo.
Portanto, na final dos jogos (dia 14 de janeiro, às 20h) a Band, com seus 54,4 pontos de
audiência (sua maior pontuação até então), superou a Rede Globo, que, exibindo seu programa
jornalístico "Globo Repórter", havia conseguido cerca de 12,2.
No dia 14 de agosto, a Band Kids, dirigida por Renato Fernandes, foi lançada. O
programa visava atingir o público infantil, exibindo, assim, desenhos e séries voltados a estes
telespectadores, em consequência, das 15h às 17h as telas eram assumidas por diversas obras
orientais, como o popular Dragon Ball Z e Bucky, e ocidentais, como Cadillacs e Dinossauros
e Os Seis Biônicos. Já em setembro, os Jogos Olímpicos que ocorreram até o mês de outubro
em Sydney, capital do estado de Nova Gales do Sul, na Austrália, foram exibidos.
A Bandeirantes, conforme explica o Site Band/Uol (2022), continuava com uma
programação bem diversificada. Em 2001, munido de brigas de família e conflitos entre
consumidores e vendedores, o vespertino "Hora da Verdade" se reunia às demais atrações do
canal de segunda à sexta. Detendo quatros como "Revelação de Segredo", "O Real e o
Sobrenatural" e "Desabafo", Márcia Goldschmidt conversava com diversas pessoas, as quais
eram convidadas a contar seus dramas. No dia 4 de junho, o programa de variedades "Melhor
da Tarde", apresentado por Astrid Fontenelle, Leão Lobo e Aparecida Liberato, foi ao ar, ele
tratava de diversos temas, tais como: artesanato, saúde, astrologia, moda e culinária; bem como
continha entrevistas, debates e fofocas.
Há especulações de que, por motivo do acúmulo de dívidas de aproximadamente R$ 9
milhões, o contrato existente entre a TV Bandeirantes e a Traffic Marketing Esportivo chegou
ao fim em 2002 e, de fato, a parceria entre as duas organizações acabou. Em vista disso, a
emissora voltou a gerir seu setor esportivo de maneira integral. Em 13 de maio de 2002, ela
estabeleceu um canal de esportes via TV por assinatura, o BandSports, que, se caracteriza pela
informalidade e diversidade de modalidades e tem vários programas, como: o Ace BandSports,
Acelerados, Baita Amigos, BandSports News, Depois do Jogo, Encontro com Craques, Super
Motor, Tour da Bola, Race Show, Os Donos da Bola.
Sob o comando de Marcos Mion, entre 18 de fevereiro e 4 de outubro de 2002, o
programa de auditório "Descontrole" estreou. Na época, por conta de sua passagem pela MTV
Brasil, Mion fazia sucesso com o público jovem. A Bandeirantes o contratou para discorrer o
referido talk show, substituindo, assim, o antigo "H" de Luciano Huck, que havia passado por
uma série de reformulações. A nova atração mantinha muitos elementos do antigo programa de
Mion, "Os Piores Clipes do Mundo", este formato, que funcionava perfeitamente bem na MTV,
não teve o mesmo efeito na Band. Por isso, houve uma reformulação no modelo de
"Descontrole", que, em julho, foi renomeado como "Sobcontrole". O Brasil Urgente teve uma
nova estreia com uma nova versão com Roberto Cabrini em dezembro e mais tarde, em 2003,
o programa passou a ser comandado por Roberto Luiz Datena, já que Cabrini foi transferido
para o Jornal da Noite, em que apresentava reportagens de caráter investigativo.
Entre o fim de 2002 e o início de 2003, a Band enfrentou uma crise financeira. Em
janeiro de 2003, a emissora vendeu uma parte de sua grade horária (no caso, a faixa das 20h30
às 21h15) para o programa apresentado pelo missionário R. R. Soares, da Igreja Internacional
da Graça de Deus, o "Show da Fé". Em abril, o documentário Living With Michael Jackson foi
exibido e, em pouco tempo, reprisado graças à boa audiência que adquiriu. Em junho, Luciano
do Valle deixou a casa, seguindo em direção à Record TV. O Show do Esporte, anteriormente
apresentado por Valle, teve sua duração reduzida a uma hora, bem como certos eventos
transmitidos pela atração foram incluídos no BandSports. Em 2004, após anos em exibição, o
show saiu do ar e, no dia 12 de outubro de 2003, o "Jogo da Vida", programa sobre
relacionamentos, assumiu os domingos.
Apresentando um dos maiores sucessos de sua teledramaturgia, em 2005, a TV
Bandeirantes não apenas exibiu, como também, produziu a novela infanto-juvenil "Floribella",
a qual tratava-se de uma adaptação da argentina Floricienta. Já em 6 de novembro, o "Programa
do Raul Gil" passou para as mãos da emissora e, posteriormente, migrou para o SBT, visto que
o apresentador que dava nome ao entretenimento encontrava-se descontente com as
interferências da emissora sobre o seu programa. No mesmo ano, em março, a TV Terra Viva
foi inaugurada pela rede, concentrando-se em entrevistas, coberturas e debates acerca do
agronegócio. (SITE BAND/UOL, 2022).
Em 2006, a área esportiva da Rede de TV manteve seu foco em competições europeias,
todavia, deixou de levar o Campeonato Espanhol ao ar, afinal, o perdeu para a empresa Sky
(Serviços de Banda Larga Ltda.). Quanto à campanha eleitoral do ano em questão, o primeiro
debate entre os candidatos à presidência da República foi realizado pela Band e, em 2007, esta
contava com 79 emissoras espalhadas pelo país.
Com Diego Guebel na direção artística, em 2008, os direitos de transmissão do Festival
Folclórico de Parintins foram comprados. Sob essa nova direção, em parceria com a argentina
Eyeworks, o programa humorístico "Custe o que Custar" (CQC) entrou na grade horária,
trazendo notícias e fatos importantes semanalmente. O CQC ficou no ar de 2008 a 2015 e se
tornou um dos programas mais populares e de maior audiência da Bandeirantes, sendo um
humorístico com sátiras políticas. Era um programa diário e chegou a ter oito temporadas e 339
episódios, com vários apresentadores: Marcelo Tas (2008-2014), Marco Luque (2008-2015),
Rafinha Bastos (2008-2011), Oscar Filho (2012-2013), Dani Calabresa (2014), Dan Stulbach
(2015) e Rafael Cortez (2015). A maior parte hoje está na Globo.
6. DÉCADA DE 2010
A Band por anos foi considerada por muitos como o canal do esporte, com coberturas
da NBA, Copa do Mundo, Fórmula 1, Campeonatos brasileiros e internacionais, Sinuca, Boxe,
etc. Diversos programas voltados para o esporte e até o reality show “Joga 10” com Zagallo,
Dunga e Bebeto que desenvolveram um circuito de avaliação baseado nos principais
fundamentos do futebol e eles também foram os jurados. Nomes importantes também marcaram
no esporte da Band, como Luciano do Valle e Álvaro José.
Em sua estrutura e programação nunca faltou a diversidade. Hoje, é umas das quatro
maiores emissoras do Brasil, mas vem perdendo audiência e fica atrás da Globo, Record e SBT.
O grupo também enfrentava problemas financeiros fazendo com que vendesse parte do seu
horário nobre na TV para o Missionário R.R. Soares com o programa Show da Fé, que esteve
no ar de 2003 a 2021. Apesar da entrada de dinheiro que ajudou a Band em seus piores
momentos financeiros, a emissora teve queda de audiência. Atualmente, a Band vem tentando
voltar sua imagem de um canal do jornalismo e principalmente do esporte.
Na programação atual da Band na TV aberta, constata-se que de segunda a sexta-feira
sua programação conta 19 atrações sendo 9 programas informativos com o “Bora Brasil”,
“Brasil Urgente” e “Jornal da Band”, 5 esportivos com programas renomados como “Jogo
Aberto” e “Os Donos da Bola”, e 5 de diversidades dentre eles o Faustão da Band, que foi uma
das grandes apostas da emissora e responsável por tirar o “Show da Fé” da programação.
Acontece que o programa do apresentador Fausto Silva não conseguiu atingir a meta que a
emissora esperava, com uma média de 3,5 pontos de audiência, no dia 15 de setembro de 2022
o programa teve 2,2 pontos em São Paulo. Com isso, a Band se viu novamente forçada a vender
horários para o Missionário R.R. Soares. O seu programa voltou a grade horária da Band, mas
em novo horário, das 06h às 08h, logo após o primeiro telejornal do canal.
Quadro 1
Programação Da Semana (Segunda - Sexta)
Fonte: Site Band/UOL, 2022
Nos finais de semana, a emissora foca nos programas de esportes e diversidades sem
deixar o jornalismo de lado. No sábado, a programação inicia com variedades, uma sessão de
filmes às 4h da manhã. A programação jornalística conta com “+Info” (programa informativo
com reportagens especiais), das 5h30 às 6h, “Brasil Urgente” (16h às 19h20) e “Jornal da Band”
(19h20 às 20h30). O foco são os programas esportivos: “Acelerados” (programa para os que
amam carros, motos e muita velocidade), de 10h às 10h30, “Band Esporte Clube – SP”
(programa semanal com reportagens e entrevistas de esporte com foco em notícias de São
Paulo”, de 10h30 às 12h, “Band Esporte Clube” (traz reportagens e entrevistas do mundo
esportivo, mas com foco no Brasil), de 12h40 às 13:00, “Campeonato Alemão” (torneio da
principal liga de futebol profissional da Alemanha, a Bundesliga), de 13h25 às 15h30, “Band
Esporte Clube” (reportagens e entrevistas do mundo esportivo), de 15h30 às 16h e “STF
Combates” (evento do MMA, com transmissão das melhores lutas”, de 23h30 às 01h45.
Quanto a variedades, inclui desde programas infantis até sessões de filmes eróticos
voltados ao público adulto na madrugada. De 6h às 6h30, tem “Band Kids – o Diário de Mika”
(sobre a história de uma menina de 4 anos), “Band Kids – Beyblade Burst Superking (uma
atração japonesa sobre Dante e a geração de Bladers), de 7h às 7h30, “Coração de Noronha”
(reality life com a proposta de mostrar o arquipélago de Fernando de Noronha), de 7h30 às 8h,
“Mais Geek” (programa dedicado à cultura geek, com informações sobre animes, mangás,
cards, séries e quadrinhos), de 8h às 9h, “Nóis na Firma” (seriado sobre uma empresa que, para
evitar a falência, aceita qualquer tipo de serviço), de 20h50 às 22h, “The Blacklist” (seriado
criminal e de suspense), de 22h às 23h, “Warner Play” (principais notícias do mundo dos games,
filmes), de 23h às 23h30, “Cine Privê” (filme erótico para público adulto), de 01h45 às 3h, “Sex
Privê Club” (programa erótico para público adulto), de 3h05 às 4h.
Aos domingos, o esporte é prioridade no dia com 8h de programação. O Show do
Esporte (10h às 11h, 13h às 13h30, 15:10 às 16h), o Campeonato Brasileiro Feminino (11h às
13h), Copa Truck (13h30 às 15h), 3º Tempo (18h às 20h) são alguns dos programas esportivos
do dia. O jornalismo conta com +Info (5h30 às 6h), o Canal Livre (23h30 às 0:30h) e Show
Business (0h30 às 1h45). Nas variedades entram os filmes (2h20 às 4h) e o seriado Breaking
Bad (22h30 às 23h30), além do programa de humor Perrengue na Band (20h às 22h30).
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista o tema trabalhado no artigo, é possível fazer uma análise aprofundada
da evolução da Bandeirantes ao longo do tempo. Seu momento de maior sucesso foi marcado
pelo esporte e suas grandes transmissões acerca do tema e, após o falecimento de seu fundador,
a empresa decaiu e começou a transmissão de programas religiosos. Hoje, é verifica-se, na
transmissão do canal aberto da Band, que a emissora tenta ser levada novamente à posição de
destaque na transmissão do esporte e programas de entretenimento.
Com a volta de Fausto Silva, o Faustão, para o canal, a empresa investe pesado em seu
programa, além de tentar deixar de lado a visão religiosa antes empregada em sua grade.
REFERÊNCIAS
LIMA, Venício de. Mídia. Crise política e poder no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2006.
Capítulo 24
RESUMO: O presente artigo parte de uma compilação e análise dos conceitos e terminologias
relacionados à rede social e busca compreender o seu real significado na comunidade das redes.
Considerando que existe uma dificuldade em tratar as terminologias sobre as redes, esse artigo
se propõe em trazer estas terminologias técnicas das redes sociais, traduzidas de uma forma
clara e compreensível. O artigo, então, busca ser um guia introdutório e simplificado das
terminologias semânticas das redes sociais, buscando tornar mais compreensível um assunto
que é deveras complexo para quem está iniciando neste contexto. Os fundamentos teóricos se
encontram em Recuero (2009), (2012) e Recuero, Bastos e Zago (2015).
1. INTRODUÇÃO
Análise de Redes Sociais (ARS) é uma abordagem de pesquisa que vem crescendo nos
últimos anos, um campo de estudos para redes de toda natureza, particularmente entre os
pesquisadores da área de Comunicação. Assim, a análise de redes sociais tem a pretensão de
classificar os consumidores como parte de uma ou mais comunidades. No entanto, redes de
toda ordem podem ser analisadas a partir de aplicações da análise de redes sociais, e u ma
l it er at ur a mu it o espec ífic a va i s e co mpo ndo , a análise a partir da compreensão
semântica das redes sociais.
2. ARS
Hoje, a Análise de Redes Sociais (ARS) pode ser usada para estudar diversos
fenômenos. Notadamente, a ARS tem sido usada em áreas emergentes, para compreender
fenômenos associados à estrutura das redes sociais, principalmente online, devido ao aumento
na quantidade de dados sociais disponibilizados, com o uso das ferramentas de comunicação
mediadas pelo computador e pela abordagem. A ARS propícia a visualização de grande
quantidade de dados e pode ser aplicada no estudo de diferentes situações e questões sociais. A
Análise de Redes gera projeções que têm sido utilizadas num viés mais quantitativo, para
analisar comportamentos de uma grande quantidade de atores sobre um evento ou tópico, bem
como a influência desses atores nos processos de comunicação sobre esse tópico. Porém, a ARS
pode e deve ser utilizada em casos específicos, com viés qualitativo.
Muitas vezes a participação em redes sociais envolve direitos, responsabilidades e
vários níveis de tomada de decisões. Para Colonomos, (1995) sua estrutura extensa e horizontal
não exclui a existência de relações de poder e de dependência nas associações internas e nas
relações com unidades externas. Ainda assim, a análise de redes estabelece um novo paradigma
na pesquisa sobre a estrutura social. A estrutura é entendida como uma rede de relações e de
limitações que pondera sobre as escolhas, comportamento, orientação e opinião do indivíduo.
Por conseguinte, o comportamento e as opiniões associam as estruturas nas quais se inserem.
Então, a unidade de análise se estabelece como as relações que os indivíduos estabelecem
através das suas interações uns com os outros, pois as unidades de análise não podem ser
medidas apenas pelos atributos individuais de gênero, classe ou idade. Essas relações são
estabelecidas por interações e associações e conferem aos atores determinadas posições nas
suas redes sociais, que vem a ser modificadas pelas ações. Uma rede não se reduz a uma simples
soma de relações, sua forma exerce uma influência sobre cada relação (Degenne & Forsé,
1994). A análise de redes é o meio para realizar uma observação estrutural, fato importante
neste tipo de estudo. Nesse prisma, o que importa para um estudo de análise de redes é que o
objeto do trabalho tenha uma estrutura que permita ser mapeada e que esse mapeamento seja
significativo para compreender o fenômeno que o pesquisador busca investigar nas redes
sociais. Definindo melhor que que é rede social, trata-se do conjunto de relações que se aplicam
a um complexo de entidades sociais, e todas as informações adicionais sobre esses atores e suas
relações. Rede social é gente, é interação, é troca social, é um grupo de pessoas compreendido
através de uma metáfora de estrutura, a estrutura de rede. Os nós da rede representam, cada
indivíduo e suas conexões, os laços sociais que compõem os grupos. Esses laços são ampliados
e modificados a cada nova pessoa que conhecemos e interagimos. (RECUERO, 2009, p.29).
Uma rede social é constituída de nós conectados por laços sociais (WATTS, 2003).
2.2 Rede
São ambientes que possibilitam a formação de grupos de interesses que interagem por
meio de relacionamentos comuns. Pode ser socializada, determinada por normas, ou não
socializada, determinada por interesse. Ao considerar a rede um conjunto de relacionamento
entre indivíduos, organizações e grupos poderão ter relação de natureza afetiva ou conflitiva.
O termo “rede” é usado na linguagem corrente, acadêmica e política e designa uma
grande variedade de objetos e fenômenos. Sem embargo, longe do neologismo, a palavra é
antiga e a história dos seus usos descreve um longo percurso desde o século XVII (MERCKLÉ,
2004; RUIVO, 2000). Uma definição, objetiva e simples, de rede é apontada por Emirbayer &
Goodwin (1994, p. 1449): "conjunto de relações ou ligações sociais entre um conjunto de atores
(e também os atores ligados entre si)". A partir dessa definição, surgem conceitos fundamentais
para a compreensão de um estudo de redes sociais. Primeiramente, chamamos atores ou elos às
pessoas que se comunicam em uma determinada rede. Segundo Recuero (2004, p. 7), são
sistemas que visam proporcionar conexões entre as pessoas, gerando novos grupos e
comunidades, simulando uma organização social, elementos das redes sociais virtuais. Sobre
os elementos das redes sociais virtuais, Recuero (2009) divide atores e conexões. A rede social
é definida como um conjunto de dois elementos: 1º os atores (pessoas, instituições ou grupos);
2º suas conexões, conforme (Wasserman e Faust, 1994, Degenne e Forsé, 1999).
Nesse contexto, Recuero (2009), diz que em qualquer rede social os atores,
representados na rede pelos nós, são as pessoas envolvidas na rede a qual se analisa. O ator
forma e molda as estruturas sociais, com interação e constituição de laços sociais. Sendo assim,
as Estruturas Sociais Complexas se estabelece em função da dependência mútua, onde as trocas
são solicitadas na demanda da reciprocidade. Correspondentemente, uma rede possibilita
que informações sejam compartilhadas entre pessoas e empresas do mundo inteiro, quebrando
barreiras geográficas e disponibilizando informações locais ou globais, úteis para a prestação
de diversos serviços essenciais. Na mesma linha das redes, apontamos os três tipos de rede ou
de categorias de rede que existem: a rede LAN (local área network), a rede MAN (metropolitan
area network) e a rede WAN (wide area network). Assim, para se ter uma rede são necessários
alguns componentes considerados primordiais, tal como a tecnologia POE, porém, também são
necessários modem, roteador, switch, rádios outdoor e cabeamento.
Já em relação a uma rede de comunicação, dois elementos são considerados, ou seja,
um conjunto de nó, encarregados de processar a informação que circula pela rede; um conjunto
de ligações, por meio das quais os nós são conectados entre si e configuram a rede propriamente
dita. Em redes de comunicação, um nó é um ponto de conexão, seja um ponto de redistribuição
ou um terminal de comunicação. A definição de um nó depende da rede e da camada de
protocolo referida.
3.1 Os Atores
Na leitura das redes sociais, os nossos Atores não precisam ser galãs, se destacando por
sua beleza física, por sua boa aparência, por suas atitudes, ou até mesmo pela sua inteligência,
coragem ou desenvoltura romântica. Para as redes sociais, nossos Atores só precisam ser
mediadores. Os Atores são as pessoas, as instituições ou grupos sociais. O termo Ator está
vinculado a uma leitura mais sociológica. Na terminologia das Redes Sociais, os Atores são
chamados de Vértices ou Nós, conforme atuação.
O ator da rede social virtual se caracteriza como uma representação do ator social, uma
infraestrutura identitária na Internet. Portanto, representado por um twitter, por um weblog ou
por um perfil no Orkut. Podendo, essas ferramentas apresentarem um único nó, um weblog
mantido por vários atores. Em redes sociais, Atores não se tratam de indivíduos que atuam em
alguma ocorrência. Não se trata do homem de talento representado no teatro, cinema ou
televisão. Para leitura de redes sociais, o ator se define da forma descrita a seguir, trabalhado
nesse artigo para facilitar sua compreensão no contexto de redes sociais. Os atores são os
mediadores online, são as “pessoas” (máquina/programas de rede) interagindo nas redes sociais,
mediando. Os Atores nos planos de sites de rede egocentrada são representados pelo símbolo
do ponto (°). Em geral, os estudos de análise de redes egocêntricas são formados em torno de
um indivíduo em particular e suas relações sociais, sendo o indivíduo (ego) e seus contatos
(alters). A figura a seguir apresenta o resultado do estudo sobre rede egocentrada.
Uma rede egocentrada
3.2 Os Nós
O laço é a efetiva conexão entre os atores que estão envolvidos nas interações. Os laços
são menções, marcações, compartilhamentos, likes e etc. Os laços ou arestas podem ter pesos.
Laços Fortes: representam os que têm intimidade/proximidade; Laços Fracos: os que não têm
proximidade.
Os estudos mostram que os tweets servem como um reforço ao posicionamento do
usuário, sem problematizar ou aprofundar aquilo que se acredita. Assim, constituem-se como
laços fracos enquanto ação social, pois não operam na lógica de uma razão comunicativa
(HABERMAS, 1984), mas, como câmaras de eco (SUNSTEIN, 2001).
Quanto aos laços simétricos, são considerados assim quando têm a mesma força nos
dois sentidos. Sendo assim, se eu quiser ter você como amigo no Facebook e acessar o seu
perfil, você precisa autorizar o pedido e se tornar meu amigo também.
De forma significativa, pode-se considerar que tudo que for difundido em uma rede
percorre uma distância social maior e alcança uma gama maior de pessoas sempre que passa
por laços fracos do que por laços fortes: Consequências – A difusão de informação (rumores,
fofocas, inovações) – Coesão do grupo, confiança e capital social – Inovações e novas
tecnologias.
De maneira geral, o capital social depende do interesse dos indivíduos em integrar redes,
seja em benefício próprio, seja pelo interesse na esfera coletiva, como custo ou benefício.
Portanto, para que se estude o capital social das redes, é necessário trabalhar não apenas suas
relações, mas também, o conteúdo que provém delas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conceber a premissa de que as redes sociais na internet são dinâmicas e não obedecem
aos padrões de ambientes tradicionais, isso é fato, porém não inviabiliza estudos com objetivo
de compreender suas terminologias que surgem a cada instante, ao contrário, indica a
necessidade de mais estudos, para se examinar com atenção os desafios de retratar as nuanças
dos dispositivos de redes sociais e seus artefatos de informação que esse ambiente de rede
apresenta. Contudo, as redes sociais exercem um poder significativo e influenciador na
sociedade, cada vez mais dependente das informações que nela transitam.
Independe do contexto, a ciência da informação deve “contribuir para a informação se
tornar, cada vez mais, um elemento de inclusão social, oferecendo oportunidades de
desenvolvimento para pessoas, grupos e nações” (Freire, 2006).
Os termos reiteram a percepção de que são necessárias experimentações para fazer
frente ao atual cenário das redes sociais. Dessa forma, observa-se o esforço de compreender a
dinâmica da relação do público com as chamadas novas redes sociais.
A compreensão das redes sociais indica o crescimento de uma cultura de redes e não
apenas o conhecimento, embora possível. Também implica a criação e o desenvolvimento de
profissionais especializados para discussão das redes de comunicação que supera os limites da
comunicação. Portanto, a dimensão cultural, aliada à importância social, chama a atenção de
pesquisadores e cria terreno propício para a cultura das redes sociais, considerando que a análise
de redes sociais é uma ferramenta metodológica poderosa e ainda pouco explorada na realidade
brasileira.
REFERÊNCIAS
DEGENNE, Alain; FORSÉ, Michel. Introducing Social Networks. London: SAGE, 1999.
DEGENNE, Alain, FORSÉ, Michel. Les réseaux sociaux; une analyse structurale en
sociologie Paris: Armand Colin, 1994
EMIRBAYER, Mustafa, GOODWIN, Jeff. Network analysis, culture and the problem of
agency. The American Journal of Sociology, v.99, n.6, p.1411-1454, 1994.
MORALES, James Edward Humberston; ALENS, Fernando José Alvarez. A. Análisis de redes
sociales: identificación de comunidades virtuales en Twitter. Realidad y Reflexión, San
Salvador, año 19, n. 50, 2019.
PUTNAM, Robert. Bowling alone. The collapse and revival of American community. New
York, Simon & Schuster, 2000.
RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, (Coleçaõ Cibercultura),
2009.
RECUERO, Raquel; BASTOS, Marco; ZAGO, Gabriela. Análise de redes para mídia social.
Porto Alegre: Sulina, 2015.
RECUERO, Raquel. Redes sociais na Internet: considerações iniciais. In: ENCONTRO DOS
NÚCLEOS DE PESQUISA DA XXVII INTERCOM, 5., Porto Alegre. Anais eletrônicos.
2004.
RECUERO, Raquel. Contribuições da Análise de Redes Sociais para o estudo das redes sociais
na Internet: o caso da hashtag #Tamojuntodilma e #CalaabocaDilma. Fronteiras – estudos
midiáticos, v. 16, n. 2, p. 60-77, 2014. Disponível em:
http://revistas.unisinos.br/index.php/fronteiras/article/view/fem.2014.162.01.
RUIVO, Fernando. O Estado labiríntico. O poder relacional entre poderes local e central em
Portugal. Porto: Afrontamento, 2000.
WATTS, D. J. Six Degrees. The Science of a Connected Age. New York: W. W. Norton &
Company, 2003.
WELMAN. Barry. Physical Place and CyberPlace: The Rise of Personalized Networking.
International Journal of Urban and Regional Research, n. 25, vol 2, 2001.
Capítulo 25
1. INTRODUÇÃO
Embora tenha características semelhantes com o que é denominado como "rádio pela
internet", tendo em vista a transmissão de mensagens por meio de arquivos de áudio, o
podcasting é uma prática mais relacionada com o círculo fonográfico do que o radiofônico, pois
não é, necessariamente, emitido e consumido em tempo real (LUIZ; ASSIS, 2010).
Segundo a Associação Brasileira de Podcasters, desde 2018, tem-se percebido uma
formação de uma nova e significativa geração de produtores de podcast. Entretanto, há
produtores ativos desde 2004 (ABPOD, 2020), que destinam esforços a este tipo de conteúdo
com temáticas e intuitos variados. O início do desenvolvimento de podcasts no Brasil coincide
com a data que esse tipo de conteúdo midiático surgiu nos Estados Unidos da América (EUA)
(LUIZ; ASSIS, 2010).
Este trabalho origina-se a partir de uma percepção dos autores: em tempos de ensino
remoto que foi instaurado por causa da pandemia de Covid-19, a produção do podcast tornou-
se uma atividade letiva relevante e proposta, de maneira recorrente, com fins dinâmicos e
ligados a processos metodológicos ativos para estudantes de graduação ou pós-graduação.
A mudança na sociedade trouxe um grande desafio quanto à forma de se trabalhar com
a educação. Entre as diversas áreas da educação, em especial nos cursos de graduação.
Estudantes que nasceram na década de 90 registram um grande percentual social de pessoas
que receberam educação por intermédio de ambientes digitais. Quando comparados com seus
docentes, o perfil dos alunos traz uma característica de menor afinidade com fonte única de
informação. O período pós-1970, os alunos já apresentavam dificuldade de concentrar e
memorizar aulas expositivas (ASSUNÇÃO, 2021).
Mitre et al. (2008) já destacavam transformações nas sociedades contemporâneas,
reforçando a indissociabilidade entre teoria e prática, que vai se confirmar com um
desenvolvimento integral do ser humano, mudando a visão de cuidado, culminando com o
adequado desempenho laboral.
A pandemia de Covid-19 trouxe um grande desafio para a educação – que, no Brasil,
por si só sempre foi um grande desafio. Fernandes et al. (2020, meio digital) reforçam a
necessidade de tornar o estudante como protagonista do processo de ensino-aprendizagem, com
destaque para a palavra “troca” numa relação docente-aluno. Esse procedimento é defendido
pelo argumento da vantagem de estimular a capacidade criativa, seja com temas livres ou com
produção de arte para divulgação. Tudo isso destaca o papel das metodologias ativas,
demonstrando que “todos têm algo a ensinar e muito a aprender”.
As metodologias ativas vêm sendo muito aplicada principalmente nos cursos da área da
Saúde, mas vem sendo assimilada nos vários níveis e âmbitos da educação. Santos et al. (2022,
meio digital), por exemplo, demonstram a relevância da aplicação das metodologias no
município de Araguatins (TO) que, durante a pandemia de Covid-19, num período em que o
distanciamento social reforçou as desigualdades. Houve a utilização de algumas metodologias
e ferramentas de ensino como sala de aula invertida, bem como estratégias de aprendizagem
baseadas em problemas e projetos.
No entanto, sobre o desenvolvimento de podcasts, nota-se uma prevalência de materiais
produzidos por organizações de mercado, em detrimento de produções acadêmicas. Assim,
destaca-se o objetivo de colaborar com este cenário, a partir da apresentação de um roteiro
elaborado por meio de uma pesquisa e revisão bibliográfica, bem como uma pesquisa
documental de publicações diversas que discorrem sobre a prática e a utilidade deste formato
de conteúdo em áudio. A ideia é que docentes, discentes e profissionais – de Comunicação,
Educação ou áreas afins – possam recorrer a este trabalho para auxiliá-los no cotidiano.
Inicialmente o podcast surge com uma nova maneira de produzir áudio, pela
sua facilidade de produção e a característica de discutir assuntos específicos
geralmente voltados a um determinado público, que aproxima o produtor
do ouvinte. Mas, atualmente, grandes veículos jornalísticos também
enxergaram espaço para se inserirem nesta mídia, principalmente, porque
muitas vezes o podcast pode se tornar companheiro dos ouvintes no dia-a-
dia, devido aos longos deslocamentos dos grandes centros (SOSA,
BONITO, 2019, p. 11).
O modelo de estrutura para elaboração de podcast é sustentado em três fases – cada uma
delas possui características e demandas distintas, que são mais detalhadas a seguir.
Silva, Capp e Nienov (2021) afirmam que este tipo de formato midiático possibilita, aos
docentes, a produção de materiais diversos, em formato de áudio, para as respectivas aulas. Os
conteúdos podem ser planejados, inclusive, como uma série de episódios que podem ser
acessados dentro e fora de sala de aula.
Já para o corpo discente, os autores também elencam algumas vantagens, entre elas: a
oportunidade de uma maior investigação sobre um determinado tema, troca de feedbacks,
adaptação do horário e local de estudo, bem como escutar - ou contar - um relato feito de
maneira leve e completa (SILVA, CAPP, NIENOV, 2021).
O "Ensino/Educação" está entre as principais atividades presentes no campo do podcast:
acompanhadas por comunicação, produção de áudio e vídeo, tecnologia, publicidade/relações
públicas/marketing, jornalismo, outras e direito (ABPOD, 2020).
"Para elaborar, produzir e compartilhar um podcast é exigido dedicação, esforço,
dinamismo, capacidade de trabalho concentrado e criatividade, além de demanda de tempo"
(SILVA, CAPP, NIENOV, 2021, p. 226).
Para realizar um podcast, contudo, é preciso passar pelo momento de planejamento,
produção e distribuição – a serem abordados a seguir.
3.1.1 PLANEJAMENTO: ONDE TUDO COMEÇA
80
Comentário dos autores: essa minutagem média mencionada faz referência a podcasts produzidos de maneira
geral. Como prática letiva, o podcast, geralmente, possui uma duração menor.
A seleção dos participantes - fixos e eventuais - da gravação também é levada em
consideração durante a produção do podcast. A figura de um apresentador também é bem-vinda
neste contexto, já que este indivíduo atuará na condução da conversa, evitando que o assunto
seja disperso - já que possui domínio do assunto (LOPES, 2015). O ideal é que a equipe do
podcast seja unida e trabalhe em equipe para que cada um possa colaborar com alguma
particularidade singular.
Entretanto, não é obrigatório que seja formado um grupo para a realização de um
podcast. Existem modelos que o conteúdo é transmitido por uma única pessoa. Neste caso, é
sugerido que o responsável busque por referências deste segmento, para que evite tornar o
programa monótono, se tornando algo como uma entrevista ou um debate (LOPES, 2015).
Em seguida, deve-se elaborar o roteiro da produção. Procedimento denominado por
Silva (2019) como elaboração da pauta, neste momento é preciso redigir um texto prévio que
será utilizado para guiar os participantes durante a gravação do podcast. Esse roteiro pode seguir
alguns modelos comuns: (1) guiado, onde são elencados tópicos a serem abordados por
podcasters; (2) lembrete, caracterizado como uma versão um pouco mais completa do que a
anterior, pois são incluídas algumas linhas de informações em cada tópico; (3) informativa,
ideal para produções mais técnicas e com muitos detalhes, sendo organizada por tópicos,
subtópicos e linhas adicionais; e (4) transcrita, quando o programa é construído, integralmente,
antes da gravação, onde os envolvidos apenas farão a respectiva leitura.
Outros pontos também devem ser pensados durante a fase inicial da produção, tais como
a frequência da publicação e qual será a página em que o podcast será hospedado.
Conforme Primo aponta (2005, p. 8), um podcast pode ser elaborado de maneira coletiva
ou individual, desde que essa pessoa tenha acesso aos recursos demandados. Nesse sentido, o
autor afirma que, esse processo "oferece ao podcaster um contato muito próximo de seu
produto". Dados apontam que a maioria dos produtores de podcast, inclusive, não fazem
qualquer contratação de empresa durante a elaboração (ABPOD, 2020).
Recomenda-se que a gravação seja feita em um local sem ruídos externos e que possua
uma boa acústica. As pessoas que irão participar do programa também devem estar
confortáveis, já que a postura interfere na emissão da voz (SILVA, CAPP, NIENOV, 2021).
Essa gravação pode também ser feita de maneira remota e virtual, por meio de plataformas
como o Skype (PRIMO, 2005), ou mesmo em caráter híbrido – com algumas pessoas gravando
em um mesmo ambiente e outras presentes de maneira on-line (LOPES, 2015).
Lopes (2015) pontua que a qualidade do áudio é algo muito importante para ouvintes de
podcasts. Nesse sentido, ele elenca algumas dicas à local da gravação: de preferência, deve ser
um cômodo pequeno, que registre pouco eco e apresente piso de maneira ou com tapete.
Emissores de ruídos (como televisões ligadas, ventilador, cachorro e crianças) não devem estar
presentes no ambiente durante a gravação, que deve ser conduzida longe de janelas, para, assim,
evitar também barulhos externos (LOPES, 2015).
Depois da gravação, ocorre a edição: uma etapa trabalhosa e duradoura (LOPES, 2015).
Neste momento, é possível cortar possíveis erros que aconteceram durante a gravação, bem
como adicionar efeitos sonoros desejados.
Quanto a trilha sonora e vinheta, existem bancos de sons com direitos livres que podem
ser acessados e utilizados durante a produção do podcast (PRIMO, 2005). Músicas
instrumentais devem ser priorizadas, já que canções cantadas podem confundir o ouvinte
durante o podcast. Além disso, a trilha deve ter associação com o tema e estilo do programa e
não pode ser muito alta, já que pode distrair a atenção do assunto principal (LOPES, 2015).
Quanto ao uso de músicas, existe a possibilidade, conforme apontam Luiz e Assis (2010,
p. 8-9), de recorrer somente a trilhas com direitos autorais livres ou utilizar de melodias
comerciais, "sendo que, nesse caso, também há os que as utilizam sem pagamento de direitos
autorais (alegando não lucrar com o podcast, embora não haja amparo legal para isso) e os que
são associados à ABPod e pagam um valor simbólico para o Ecad (Escritório Central de
Arrecadação e Distribuição).
Um software recomendado para edição de áudio é o Audacity, que é um programa
gratuito, de uso livre e simples, que fornece ferramentas para uma edição do conteúdo (SILVA,
CAPP, NIENOV, 2021). Por meio deste programa, é possível fazer edições e montagens do
podcast, tais como: aumentar o volume do som, inteiro ou em um trecho; eliminar certos ruídos
registrados do ambiente ou microfone utilizado para gravação; e alterar os picos altos e baixos
do som.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve o intuito de elaborar uma proposta de roteiro para planejamento,
produção e estratégias de distribuição de podcasts. A ideia é que os apontamentos feitos neste
artigo norteiem as produções científicas ou técnicas dos professores, pesquisadores, estudantes
e profissionais de mercado que busquem uma direção à realização midiática.
Unindo materiais e reflexões teóricas e práticas, foi proposto um modelo relacionado a
todas as etapas de elaboração de um podcast: um formato de conteúdo muito conhecido na
81
Comentário dos autores: a pessoa responsável pela produção, apresentação e distribuição de um podcast é
conhecida, popularmente, como podcaster.
atualidade, que é consumido por uma parcela da sociedade e que pode ser feito dentro ou fora
de sala de aula.
A educação não pode ser algo distante do dia a dia. Docentes e estudantes devem estar
disponíveis a incorporar novidades no cotidiano escolar. Os meios de comunicação de massa
existem e, embora ainda não seja uma realidade diária para todas as pessoas do Brasil,
estratégias de aprendizagem podem ser aplicadas por meio da internet. Quando a produção de
um podcast é incorporada como prática letiva, os estudantes tornam-se protagonistas e
formuladores do conhecimento, a partir do momento que são incentivados a acionarem
estratégias criativas e colaborativas, assimilando conhecimentos prévios ou levantados, por um
bem comum.
Os autores descartam qualquer propósito de reinvenção de um formato já existente,
popular e consolidado nos tempos atuais. A finalidade deste artigo é contribuir para os
interessados - seja no momento de futuros publicações científicas, seja em desdobramentos
práticos e laboratoriais.
REFERÊNCIAS
ALVES, Mayara T. A.; et al. Metodologias Ativas Para O Ensino De Ciências/Química: O Uso
Do Podcast No Programa Residência Pedagógica, Em Uma Escola Pública Na Cidade De
Marabá, Pará, Amazônia Oriental. In: Anais do 60º Congresso Brasileiro de Química. Nov.
2021. Disponível em: <https://www.abq.org.br/cbq/2021/trabalhos/6/24049-28858.html>
Acessado em 11 out 2022.
LOPES, Leo. Podcast - guia básico. Marsupial Editora: Nova Iguaçu - RJ, 2015.
LUIZ, Lucio; ASSIS, Pablo de. O podcast no Brasil e no mundo: um caminho para a
distribuição de mídias digitais. In: Anais do 33º Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação. Caxias do Sul, RS. 2010. Disponível em:
<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2010/resumos/r5-0302-1.pdf> Acesso em 24
set 2022.
SANTOS, Cristofh Andjel Ribeiro dos; et al. Relevância da aplicação das metodologias ativas
durante o ensino remoto na pespectiva dos docentes do município de Araguatins - TO. In: Anais
do VII CONAPESC. Campina Grande: Realize Editora, 2022. Disponível em:
<https://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/87062>. Acessado em 11 out 2022.
SILVA, Luciana Stein e; CAPP, Edison; NIENOV, Otto Henrique. Uso didático de mídias
sociais. In: NIENOV, Otto Henrique; CAPP, Edison. Estratégias didáticas para atividades
remotas. Porto Alegre: UFRGS, 2021. 265p.
SILVA, Maurício Severo da. O uso do podcast como recurso de aprendizagem no ensino
superior. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino da Univates.
Lajeado, RS. 2019.
SOARES, Fabiana Pegoraro; RIBEIRO, Wagner Costa. Geração Z - desafios da educação para
a sustentabilidade. In: Geoingá - Revista do Programa de Pós-Graduação em Geografia.
Maringá, v. 14, n. 1. P. 52-75. 2022.
SOSA, Emília; BONITO, Marco. Pesquisa exploratória para conhecer o contexto científico dos
podcasts jornalísticos no Spotify. In: Anais do XX Congresso de Ciências da Comunicação
da Região Sul. Porto Alegre, RS. 2019. Disponível em:
<https://portalintercom.org.br/anais/sul2019/resumos/R65-0091-1.pdf> Acesso em 27 ago
2021.
Capítulo 26
RESUMO: O artigo discute a construção da mídia quando se trata dos animais não humanos
durante a pandemia da Covid-19. Busca refletir sobre a cobertura dentro desta temática e um
pouco da relação animal humano x animal humano. Por meio da análise de um portal online
regional – o Notícias Gerais, são levantadas as notícias publicadas a partir de quatro categorias
de análise: (1) Animais Silvestres em Ambiente Urbano, (2) Proteção Animal, (3) Exploração
Animal e Abandono, (4) Animais Rurais, com base em autores como Evelina Baptistella (2018,
2019), André Trigueiro (2008, 2012) e Wilson da Costa Bueno (2008).
1. INTRODUÇÃO
A vida no planeta se dá por meio de interações, sejam elas entre as mesmas espécies ou
não. Ao longo dos anos, novas formas de vida surgem, por meio das eras, influenciando a
evolução uma das outras. No entanto, nenhuma espécie causou tanta modificação como o homo
sapiens. E embora, tenham se apresentado de forma dominante e predatória, o ser humano criou
relações íntimas de afeto e carinho com alguns animais não humanos que foram domesticadas.
Cães, gatos, aves e outros animais não humanos passaram a fazer parte de nossa jornada
evolutiva. E, expostos às contradições de nossa tortuosa caminhada, receberam expansões
afetivas, mas – ao mesmo tempo – tornaram-se alvo de nossos desequilíbrios. Animais no
mundo todo são privados de suas necessidades para servir como alimento, cobaias em testes de
cosméticos, explorados pela comercialização, e, quando transformados em “animais de
estimação”, acabam, por vezes, abandonados.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), apenas no Brasil existem 30 milhões
de animais em situação de rua, em sua maioria vítimas de abandono; desses, 10 milhões são
gatos e 20 milhões são cães, o que representa 10% dos cães sem lar no mundo. Segundo a World
Veterinary Association (Associação Veterinária Mundial), há cerca de 200 milhões de cães
abandonados no mundo (COLOMBO, 2020). E qual seria o papel da mídia diante desse
cenário?
Nesse contexto, surge o movimento de militância da causa animal que integra a
importância do bem-estar dos animais não humanos vistos como semelhantes. Essa é a
percepção de Eveline Teixeira, que escreveu o livro “Animais e fronteiras: um estudo sobre as
relações entre animais humanos e não humanos” e diversos artigos sobre o assunto. Ao usar o
termo animais não-humanos ela reforça o fato de que somos todos animais e que devemos ter
relação de respeito com todos os que vivem neste planeta.
Partindo dos estudos de Eveline Teixeira Baptistella (2019), este artigo busca pensar a
influência da mídia sobre a representação dos animais em São João del-Rei. No entanto, num
contexto específico: o do surgimento da pandemia de Covid-19. Será que, diante de uma
emergência sanitária e de uma consequente crise econômica, o tratamento do tema e o
atendimento de animais não-humanos ficou prejudicado? É esse o assunto sobre o qual o artigo
buscará refletir.
Para isso, usará como objeto as publicações no portal Notícias Gerais, que noticia
eventos sobre São João e região. Será feito o recorte temporal de um ano. Usaremos o buscador
do próprio site e serão selecionadas matérias a partir da palavra-chave “animais”. Serão
selecionadas matérias até a 10ª página de busca e que entrem no recorte citado.
Como referência serão usados, além dos trabalhos de Eveline Baptistella (2019), autores
que falam do tema, de jornalismo científico e ambiental, e que falam sobre jornalismo de forma
geral. Será feita uma análise de conteúdo, com base em Bardin (2011), como parâmetro nas
seguintes categorias de análise: (1) Animais Silvestres em Ambiente Urbano, (2) Proteção
Animal, (3) Exploração Animal e Abandono, (4) Animais Rurais, com base em autores como
Evelina Baptistella (2018, 2019), André Trigueiro (2008, 2012) e Wilson da Costa Bueno
(2008). Será feita uma análise quanti e qualitativa, estabelecendo um diálogo entre as teorias e
as notícias extraídas do Portal Notícias Gerais.
2. OS ANIMAIS NA MÍDIA
A jornalista Eveline dos Santos Teixeira Baptistella (2019) dedica seus trabalhos e
estudos na área ambientalista, estudando a relação entre animais humanos e não humanos na
sociedade contemporânea. Tendo alguns trabalhos de grande relevância no meio, como o livro
“Animais e fronteiras: um estudo sobre a relação entre animais humanos e não humanos” e em
diversos artigos publicados. Segundo a autora, conceitos como amor e respeito pelos animais
não humanos não são invenções recentes. Homens e bichos são nomes inventados para definir
seres diferentes que estabeleceram pontes ao longo do desenvolvimento do planeta e criaram
uma miríade de relações que já incluía, desde tempos remotos, diversos lados de uma mesma
história: admiração, afeto, ódio, medo, entre outros. Baptistella (2019) enfatiza, porém, que a
novidade se refere ao grau de sofrimento e predação a que os animais estão sendo submetidos
em escala global.
Junto da pesquisadora Juliana Abonizio, em seu artigo apresentado em 2015, no III
Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo Ambiental, as duas buscam uma reflexão
sobre a relação homem versus animal na mídia, com base nas editorias especializadas. Para
isso, elas fazem uma contextualização sobre as mudanças neste vínculo ao longo dos anos, com
o auxílio de um rico referencial teórico. Fundamentam-se na análise de notícias a partir do
conceito de transversalidade da pauta jornalística ambiental e de multidisciplinaridade do
jornalismo ambiental (BUENO, 2007). Desse modo, a pesquisa realiza o seu objetivo a partir
da análise de dois canais de notícias online específicos sobre o tema, sendo eles as editorias da
Folha de S. Paulo e o R7.
Eveline Baptistella nesse artigo e em outros trabalhos aborda o panorama da crise
ecológica e da inserção dos animais não humanos na esfera moral e afetiva dos homens por
meio de pesquisa bibliográfica. Além disso, um ponto fundamental que está presente em seus
textos é o especismo. Quanto a este conceito, Singer (2010) explica que especismo é o ponto
de vista de classificar outras espécies como não merecedoras de consideração moral, é uma
construção social, que acaba por institucionalizar crueldades.
O antropocentrismo, conceito que considera a humanidade como centro do universo,
unido a valorização que temos pela nossa própria espécie contribuem para um cenário de
desvalorização do animal não humano. As autoras trazem no capítulo dois, algumas
características que são usadas para diferenciar humanos de animais, dando destaque para uma
em específico: a capacidade de dizimar todas as formas de vida da terra e causar mudanças
significativas no cenário do planeta. Extinção de espécies, desmatamento e as mudanças
climáticas, são algumas – das muitas – ações que definem a relação do homem com a natureza.
E mostram que quando se trata de tais atitudes o que está em jogo é a nossa própria continuidade
de nossas vidas. Sendo interessante pensar, que o trabalho se trata de uma pesquisa de 2015,
onde o senso comum nem imaginava que em 2021 iríamos enfrentar uma ameaça tão
significativa à nossa sobrevivência quanto o coronavírus.
Para Eveline Baptistella, a empatia é uma ferramenta importante para o nosso
desenvolvimento e sucesso como espécie, e que embora venha crescendo, ainda é muito frágil
quando se trata do diferente. A autora pontua que, mesmo os animais mais amados, como os
pets, não escapam desse ser/estar inferior no mundo. Segunda Baptistella (2019), o principal é
reforçar que, independentemente de status científicos, de empatias, de interesses econômicos,
de crenças e culturas, cada animal é um ser que tem subjetividade e interesse em viver –
exatamente como nós, humanos. Nesse sentido, pode-se perceber que ainda existe uma
diferenciação na relação e no espaço ocupado entre animais humanos e não humanos.
Entretanto, conforme a autora, torna-se importante pensar a respeito das singularidades e da
qualidade de vida desses seres.
3. A PANDEMIA E OS ANIMAIS
A Amazônia aparece como o epicentro do tráfico de animais no país. Além disso, devido
à sua riqueza e localização, fazendo fronteira com sete países, é alvo de garimpeiros, grileiros,
narcotraficantes, madeireiros, pescadores e caçadores ilegais. Defensores da região são
constantemente ameaçados. Em 2020, ao menos 20 ativistas ambientais foram mortos, segundo
dados da organização internacional Global Witness.
O portal Notícias Gerais surgiu em março de 2020 – um pouco antes da pandemia - com
o propósito de fazer um jornalismo sério e de forma independente. Com o foco na região do
Campo das Vertentes – região formada pela união de 36 municípios agrupados em três
microrregiões entre eles Lavras, Barbacena e São João del-Rei – trouxe como propósito mais
pluralidade de vozes em seus conteúdos, ética na apuração, reportagens investigativas,
jornalismo de dados e compromisso com a profissão.
O portal teve direção executiva de Najla Passos, jornalista formada pela Universidade
Federal de Juiz de fora (UFJF) e mestre em linguagem pela Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT). Com mais de 25 anos de experiência na profissão, teve a iniciativa de fundar
o jornal na região. O jornal sempre foi local de oportunidade de estágio para estudantes da área,
tendo por exemplo, alunos do jornalismo da UFSJ no seu quadro de funcionários ao longo da
sua história.
Em agosto de 2021, o jornal entrou em recesso. Após 18 meses cobrindo a pandemia da
Covid-19´em condições sanitárias e econômicas desfavoráveis. O acervo e o site continuam
abertos na web e é possível acessá-los. Até o desenvolvimento deste artigo o portal ainda
permanecia inativo.
Como referência e linkando com o tema da pesquisa, utilizamos o buscador do site com
a palavra-chave “animais” e buscamos a primeira matéria realizada com essa temática.
Encontramos a matéria: “Em Barbacena, bombeiros salvam raposa que caiu em silo desativado
e a devolvem ao seu habitat natural”, publicada em 27 de março de 2020. A notícia foi passada
no formato de uma pequena notinha, onde consta o resgate realizado pelos bombeiros e em seu
recorde evidenciaram que testemunhas confirmaram que o animal não configurava risco a
ninguém e que sempre ia na área do resgate em busca de frutas e alimento.
5. ANÁLISE QUANTITATIVA
Como material empírico para esta análise, utilizamos a palavra-chave “animais” do site
regional: Notícias Gerais. Ele foi escolhido por ter tido relevância regional no cenário
jornalístico da região durante seu período de operação.
As matérias foram selecionadas no recorte de um ano – a partir do dia 4 de junho de
2020, até a 10ª página de busca e que se encaixem no recorte citado.
Para fazer a análise das notícias, foi criada a seguinte divisão temática de forma a
classificar o conteúdo:
Quadro 1
Temáticas
b) Proteção Animal: matérias sobre bem-estar e direito dos animais, como castrações em
massa, conquistas de direitos e ações de ONGs. Foram encontradas também onze notícias
dentro desta categoria e duas delas nos chamam atenção, que são elas: “Ativista diz que
desrespeito a animais e natureza potencializou Covid” e “Animais do IF Barbacena estão com
‘saudade’ das pessoas durante o distanciamento social”, que demonstram um olhar bem
humanizado sobre o assunto. E a maioria está dentro da categoria "Cotidiano''.
Quadro 3
Notícias sobre Proteção Animal no Notícias Gerais
Quadro 4
Notícias sobre exploração animal e abandono no “Notícias Gerais”
d) Animais Rurais: Dentro dessa categoria separamos as vezes que animais do contexto rural
apareceram dentro do recorte escolhido. A incidência deste tema foi bem inferior comparada às
outras com apenas duas matérias encontradas. E cada uma apareceu dentro de uma editora
específica.
Quadro 5
Notícias sobre Animais Rurais em Notícias Gerais
6. ANÁLISE QUALITATIVA
Nesta parte da análise, dedicamos a observar como os animais não humanos foram
retratados dentro do recorte e no portal escolhido. No período selecionado, encontramos um
total de 31 matérias que tinham relação com a palavra-chave “Animais”. Outro ponto observado
é que a maior parte desses conteúdos estavam na editoria de "Cotidiano'' e, em segundo lugar,
na de “Segurança”.
Os assuntos mais abordados foram dentro da categoria de animais silvestres e proteção
animal, dentro desta última, o animal que mais teve protagonismo são os domésticos (cães e
gatos). Já o tom abordado dentro das matérias da categoria A, carrega um significado dos
animais como invasores da área urbana, sem levar em consideração o avanço dos humanos em
áreas com vegetações ou a relação entre meio ambiente e seres humanos.
O livro “Meio ambiente no século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas
suas áreas de conhecimento” (TRIGUEIRO, 2003) aborda a falta de entendimento sobre o
conceito de meio ambiente. Em geral, o conceito trabalhado no senso comum é limitado ao que
conhecemos como fauna e flora e não utilizado com a amplitude que deveria. Além disso, o
livro trabalha a dificuldade em se estabelecer um nível de consciência ambiental. Sob essa
perspectiva, aponta que uma das problemáticas está no conceito do que o ser humano se imagina
como entidade distinta do meio ambiente que o envolve e no qual ele vive.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A relação animal humano e não humano se mostra conflituosa, embora alguns tenham
ganhado o nosso afeto e atenção, ainda lidamos com uma relação vertical. O foco do bem-estar
se mostra no humano, os animais então em segundo plano - principalmente em uma situação de
crise como a pandemia da Covid-19. Pode-se notar que embora o Notícias Gerais tenha
reproduzido alguns problemas intrínsecos na sociedade e entre essa relação conflituosa – animal
humano e não humano – o portal demonstrou cuidado na cobertura do tema. Trazendo até
mesmo matérias que tinham como foco o sentimento dos animais durante o distanciamento
social. Na matéria: “Animais do IF Barbacena estão com ‘saudade’ das pessoas durante o
distanciamento social”.
Nessa matéria ainda contrariam as expectativas, pois o alvo da notícia está em como os
cavalos, ovelhas, porcos e coelhos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IF)
estão se sentido sem o contato direto com humanos. Atribuindo demonstrando sentimentos que
para muitos são vividos apenas pelos seres humanos - o que estudos já comprovam que não é
verdade, são seres sencientes. Sentem medo, dor, tristeza, alegria. Conforme a Declaração de
Curitiba, no III Congresso Brasileiro de Bioética e Bem-estar Animal, de 2014, conclui-se que
“os animais não humanos não são objetos. Eles são seres sencientes. Consequentemente, não
podem ser tratados como coisas”.
O Notícias Gerais, então, demonstrou compromisso com seu editorial, de buscar sempre
fazer um jornalismo ético e com responsabilidade. Infelizmente entrou em recesso em agosto
de 2021 e até a conclusão deste artigo em setembro de 2022 não voltou à ativa. O que demonstra
um pouco a dificuldade de fazer um jornalismo independente no Brasil, onde a busca por
financiamento é um dos maiores desafios.
Por fim, vale pensar que embora os animais não humanos façam parte do nosso dia a
dia e muitos deles fazem parte da nossa família e ganham cada vez mais afeto, a relação
estabelecida ainda é muito conflituosa. No Brasil, 44,3% dos 65 milhões de domicílios possuem
pelo menos um cachorro e 17,7% ao menos um gato, de acordo com dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,2016). Mesmo assim, ainda temos 30 milhões de
pets abandonados nas ruas. Ainda lidamos com os animais como coisas e compramos e
vendemos cães e gatos. Assim, vemos que afetos são crescentes nessa relação, mas muitas vezes
o respeito não acompanha essa linha e não os vemos como indivíduos e seres carregados de
vida.
REFERÊNCIAS
BAPTISTELLA, E.; ABONIZIO, J. A relação homem x animal na mídia: uma análise das
editorias especializadas. In: Anais do ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES
EM JORNALISMO AMBIENTAL, 3., 2015, São Paulo. Anais...São Paulo: ENPJ, 2015.
BUENO, W.C. Jornalismo Ambiental: explorando além do conceito. In: GIRARDI, I.M.;
SCHWAAB, R.; MARCONDES, A (Org.). Jornalismo ambiental: desafios e reflexões. Porto
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MINAS, Estado de. No Brasil, 44,3% dos domicílios possuem pelo menos um cachorro e
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44-3-dos-domicilios-possuem-pelo-menos-um-cachorro-e-17-7.shtml. Acesso em: 25 ago.
2022.
SENADO, Agência. Brasil poderia ter sido primeiro do mundo a vacinar, afirma Dimas
Covas à CPI Fonte: Agência Senado. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/05/27/brasil-poderia-ter-sido-primeiro
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SINGER, Peter. Libertação Animal. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
TRIGUEIRO, André. Mundo sustentável 2: novos rumos para um planeta em crise. São Paulo:
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TRIGUEIRO, André. Meio ambiente no século XXI. Campina, SP: Armazém do Ipê, 2008.
VEGAZETA. 88 bilhões de animais são abatidos para consumo por ano. Disponível em:
https://vegazeta.com.br/88-bilhoes-de-animais-sao-abatidos-para-consumo-por-ano/. Acesso
em: 26 ago. 2022.
Capítulo 27
RESUMO: “O guerrilheiro que resolveu falar” é entrevistado por Geneton Moraes Neto, em
2012, em meio a Comissão Nacional da Verdade. Nesse contexto, a pesquisa utiliza do conceito
de ethos discursivo, inserido nos estudos da Retórica e Linguística, e propõe um olhar
transdisciplinar entre os campos da Comunicação Social, História e Linguística - para analisar
os tons de ethé do guerrilheiro Paz projetados pelo programa Dossiê Globo News.
1. INTRODUÇÃO
2012, p. 571). A Oban surgiu do 2º Exército de São Paulo, a fim de investigar, desarticular, prender, torturar e
abater organizações, grupos ou pessoas que reagiam ao endurecimento do regime causado pelo Ato Institucional
Número Cinco (AI-5), de 1968. A Oban foi o serviço precursor, logo depois inspirando a criação do Destacamentos
de Operação Interna e Centro de Operações e Defesa Interna (DOI-CODI).
programa Dossiê Globo News (2012) sobre Carlos Eugênio Paz; (B) elencar e discutir as
estratégias retóricas utilizadas em tal produção.
Para tanto, são levantadas as questões orientadoras: se, por meio da seleção de perguntas
e insistências temática, o programa impregna ou não uma visão moralista sobre a luta armada,
colocando-a como “terrorismo” ou como uma “violência desnecessária”? Se o programa tenta
traçar um paralelo entre os “exageros” da luta armada com os “exageros” da ditadura civil-
militar, criando a ideia de paralelos semelhantes? Se, por fim, por estes artifícios, o programa
constrói imagens de Carlos Eugênio Paz sob o viés do ethos do guerrilheiro com as mãos sujas
de sangue e sem arrependimento - um sanguinário frio, um terrorista, alguém com uma visão
política extrema e descartável ao debate político e moral?
A metodologia de pesquisa utilizada tem como base estudo bibliográfico sobre ditadura
(GASPARI, 2002; MANSO, 2020; PEREIRA, 2020); Carlos Paz e ALN (MAGALHÃES,
2012; PAZ, 1996); jornalismo televisivo (BOURDIEU, 1997; SILVA, 2002; SOULAGES,
2008; THOMPSON, 1998). Para análise do material de pesquisa, tem-se o conceito de “ethos
discursivo” (AMOSSY, 2005; GALINARI, 2012).
A análise do programa possibilita a compreensão sobre as representações sociais da luta
armada e dos ethé dos guerrilheiros projetados na imprensa, as quais reverberam - em parte -
as concepções que circulam em determinadas esferas sociais da sociedade brasileira no contexto
anterior à Comissão Nacional da Verdade (CNV). Com isso, o entendimento sobre algumas
percepções daquele cenário pode auxiliar no estudo de alguns fenômenos posteriores ao
programa, como a relação entre a ex-Presidente Dilma Rousseff, sua imagem como guerrilheira
e seu processo de rejeição; homenagens públicas à torturadores como Carlos Alberto Brilhante
Ustra: e as manifestações por intervenção militar que referenciam com carinho à ditadura civil-
militar brasileira.
A ditadura civil-militar no Brasil consiste em uma das grandes feridas abertas que
sangram - até hoje - a sociedade brasileira. Com uma “falaciosa justiça de transição ainda não
acabada” (PEREIRA, 2020, p. 100), o período é capítulo mal resolvido e ponto-chave nas
disputas pelo passado, presente e futuro do país. Instaurado em um golpe militar no dia 1º de
abril de 1964, onde João Goulart - democraticamente eleito como vice de Jânio Quadros, que
depois renunciou - foi deposto, o período ditatorial foi composto por 21 anos de um Estado que,
sistematicamente, cassou, prendeu, censurou, torturou e matou, entre “avanços e recuos”,
“aberturas e endurecimentos” (GASPARI, 2002, p. 133).
A batalha era, sobretudo, pela dominação social e dos meios econômicos e políticos. A
ditadura procurava legitimar-se também por meio da hegemonia discursiva, ao tentar controlar
os espaços de informação, organização e construção de pensamento crítico83. Se durante o
processo do golpe a argumentação utilizada era a de que os comunistas estavam aparelhando o
Estado brasileiro e a um passo do colocar sua ideologia em prática - mesmo que Goulart nem
comunista fosse -, depois de 64 o inimigo vermelho pretendia sequestrar as mentes dos
“cidadãos de bem”, confabulando os ideais marxistas para destruir um Brasil que prosperava
com família, Deus e liberdade.
No contexto bipolarizado entre o capitalismo imperialista estadunidense e o socialismo
da União Soviética, o mundo borbulhava na segunda metade do século XX. As guerras se
sucederam pelo planeta, desde as emancipatórias decoloniais às guerras envolvendo
diretamente os modelos econômicos-sociais, como no Vietnã, Coréia e China. As Forças
Armadas brasileiras estudavam os conflitos, e importaram para cá um modelo que foi
amplamente visto durante as décadas de 50 e 60. A Doutrina de Guerra Revolucionária seguia
a experiência francesa com a Guerra da Indochina e a Guerra de Independência da Argélia, que,
segundo a doutrina, eram conflitos mais desafiadores por se tratar do “fanatismo ideológico dos
comunistas que atuavam do outro lado” (MANSO, 2020, p. 264). Era uma guerra para se
guerrear na prática e nas mentes.
Desta forma, e com militares e policiais trabalhando juntos na repressão84, a ditadura
civil-militar combateu as formas de resistência ao seu modelo imposto. Dentre elas, a luta
armada ou os denominados “terroristas” - que combatiam a ditadura, mais forte e numerosa,
com as armas que dispunham.
Poucos militantes participaram de tantas ações armadas naquele período como
Clemente (ou Quelé), pseudônimo por meio do qual se escondia Carlos Eugênio. Poucos foram
caçados tão ferozmente pelos órgãos de segurança como ele (MARTINS, 1996, p. 9). Alagoano
de Maceió, Paz nasceu em 1950 e ainda na infância foi com a família para o Rio de Janeiro.
Paz entrou para a História brasileira como Clemente, o nome que utilizava na clandestinidade
83
Houve impedimentos de contratação de professores marxistas, bloqueio à circulação de textos de caráter
comunista, e, até, o controle do intercâmbio de professores e pesquisadores que vinham ou iam para países do
bloco soviético, conforme Motta (2012).
84
Segundo Manso (2020, p. 136), “Fleury e policiais do esquadrão da morte paulista, como os investigadores João
Carlos Tralli e Ademar Augusto de Oliveira, levaram aos porões métodos de tortura usados com criminosos
comuns, como o pau de arara e a cadeira do dragão”. Sérgio Fleury foi delegado do Departamento de Ordem
Política e Social de São Paulo e participava dos esquadrões da morte paulista.
no período em que participou da luta armada. Ou - também - como um dos poucos comandantes
da Ação Libertadora Nacional (ALN) que sobreviveu à ditadura.
Paz ingressou na ALN ainda na adolescência, por intermédio de Carlos Marighella. O
amigo de escola, Alex de Paula Xavier Pereira, era filho de pais militantes comunistas e
convivia com Marighella no Rio de Janeiro, que era uma das maiores figuras do PCB no país 85.
Com o anseio de uma resistência armada à ditadura civil-militar borbulhando naquele contexto,
Paz colocou-se à disposição de Marighella para lutar contra o regime. Então, em 1967, Paz
começou a realizar ações de pequeno porte para a infraestrutura do que seria a luta armada
brasileira - como roubo de remédios, equipamentos e placas de carro a pedido de Marighella.
Em 1968, com a guerrilha urbana saindo do papel, tornou-se guerrilheiro.
Mesmo com a enorme figura que era Marighella, a ALN era descentralizada. “Ao
contrário de partidos cuja estrutura vertical estabelece níveis hierárquicos rígidos, a ALN se
organizava horizontalmente, quase sem direções intermediárias, com Marighella encorajando a
autonomia da militância” (MAGALHÃES, 2012, p. 425). Para Paz, Marighella, que liderava a
Ação Libertadora Nacional, era o líder que seguia o que pregara, que transformara sua vida na
“resistência latino-americana”, que começara um processo de luta armada no Brasil já aos 56
anos, era a inspiração da rebeldia e da justiça que aquela juventude procurava (PAZ, 1996, p.
132) - longe da inércia do PCB, partido que Marighella rompeu por não reagir ao golpe e aos
primeiros anos de ditadura.
Em 1969, Paz teve seu treinamento guerrilheiro de uma forma atípica. Ao invés de ir
para Cuba, como os outros, o jovem apresentou a ideia para Marighella: servir o Forte de
Copacabana e fazer o treinamento antiguerrilha que lá existia, ali mesmo no Rio de Janeiro.
Ideia acatada. Paz chegou a ganhar a medalha de melhor soldado do Forte (MAGALHÃES,
2012, p. 353) - enquanto, paralelamente, participava de ações pela ALN.
Com a morte de Marighella, em uma emboscada de agentes do DOPS comandados pelo
delegado Sérgio Fleury, e o receio de ser descoberto no Rio de Janeiro, Paz desertou do exército
e mudou-se para São Paulo - entrando de vez na clandestinidade. Joaquim Câmara Ferreira, ou
“Toledo”, braço direito de Marighella, voltou de Cuba e passou a comandar a ALN, com Paz
sendo uma figura importante do quadro militar da organização. Durante o ano de 1970, a ALN
tentou se reestruturar da perda, mas em outubro daquele ano, quando se planejava uma série de
ações que marcariam um ano do assassinato de Marighella - entre elas o lançamento da
85 Marighella, quando ingressou na luta armada, já havia sido deputado constituinte, preso e torturado pela ditadura
varguista, uma das principais figuras do PCB e rompido com o próprio partido em viagem à Cuba.
guerrilha rural -, foi a vez de Sérgio Fleury capturar, torturar e matar Toledo, com a traição de
um homem que colaborava para o DOPS e foi infiltrado na ALN.
Com a queda de outro comandante, a guerrilha rural foi deixada de lado. Há uma
dificuldade de traçar o comando da ALN depois das duas baixas, porque mudou bastante com
os assassinatos que viriam a suceder. O cerco formado pela repressão foi se fechando com mais
mortes e prisões, e, em 1971, depois da morte de Carlos Lamarca, que liderava a Vanguarda
Popular Revolucionária (VPR), não restava dúvidas: “a guerrilha estava liquidada”
(MARTINS, 1996, p. 14). O sentimento de fim da guerrilha se instaurou com as constantes
traições e entregas de guerrilheiros ocasionadas pela tortura nos porões da ditadura. Paz
continuou na luta armada até 1973, quando se exilou em Paris. Clemente comandou a ALN em
algum momento entre a morte de Iuri de Paula Xavier Pereira - irmão de Alex - em junho de
1972, e a saída para o exílio em 1973.
Paz só voltou para o Brasil em 1981, depois de se formar músico na França. Carlos
Eugênio havia sido condenado a 124 anos à revelia, e quando voltou ao Brasil, conseguiu a
anistia em 1982. Paz virou professor de música no Rio de Janeiro. Além de ter escrito dois
livros: Viagem à Luta Armada (1996) e Nas Trilhas da ALN (1997). Paz morreu em Ribeirão
Preto em junho de 2019, aos 68 anos.
4. ANÁLISE DO PROGRAMA
O Dossiê Globo News foi um programa de quatro temporadas do canal televisivo Globo
News, do Grupo Globo. O programa consistia em uma entrevista pessoal conduzida pelo
jornalista Geneton Moraes Neto com um convidado ou convidada. O perfil dos convidados era
diversificado, mas seguia personagens da história política ou cultural do passado ou presente -
principalmente - brasileiro; mas com alguns programas voltados às histórias internacionais,
como a morte do ex-Presidente estadunidense John Kennedy.
A base do programa era a filmagem da entrevista de Geneton sentado em frente ao
convidado, perguntando e, por vezes, intervindo. O enquadramento da câmera principal
contemplava tanto o entrevistado quanto o jornalista. Além disso, para contextualização de fatos
ou imagens, havia interrupções na entrevista para um trecho curto da voz do jornalista
explicando algo, acompanhada de trilha sonora e montagem de imagens - efeitos que não
ocorriam durante o relato do entrevistado. Outro artifício utilizado era a chamada do que
ocorreria no próximo bloco, após os comerciais. Nestes trechos, falas - por vezes polêmicas -
dos entrevistados eram exibidas de forma cortada e com efeitos sonoros. Contando com o tempo
de comerciais, o programa durava de 30 minutos a uma hora. Geneton, além de responsável
pelas reportagens e apresentação do Dossiê Globo News, é creditado também como editor do
programa.
A catalogação de dados do Dossiê Globo News, por parte da emissora, é escassa, o que
impede uma análise comparativa das preferências e escolhas temáticas das demais edições ao
longo dos anos. Entretanto, é possível traçar relações indiciais entre os programas disponíveis
no Youtube para verificação: Jarbas Passarinho, Leônidas Pires Gonçalves e Newton Cruz
foram personagens históricos ligados à ditadura civil-militar brasileira, e - claro - Carlos
Eugênio Paz, o Clemente, combatia a ela. Desse modo, há uma insistência temática nestes
programas: de um lado, três figuras com importância no regime repressivo do período militar,
e, de outro, alguém que guerreava opondo-se a estes.
O jornalista entrevistou os três militares de forma crítica à repressão, tortura e censura
da ditadura civil-militar brasileira, interpelando-os de modo combativo, como uma espécie de
“abertura do baú dos anos de chumbo”. Lembrando-se que as entrevistas - pelo menos dos dois
generais - aconteceram antes da Comissão Nacional da Verdade, que foi iniciada em maio de
2012 no governo de Dilma Rousseff.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
MANSO, B. P. A república das milícias: Dos esquadrões da morte à Era Bolsonaro. São Paulo:
Todavia, 2020.
MARTINS, Franklin. Prefácio. In: PAZ, Carlos Eugênio. Viagem à Luta Armada: memórias
romanceadas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
PAZ, Carlos Eugênio. Viagem à Luta Armada: memórias romanceadas. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1996.
PEREIRA, L. M. A ditadura militar brasileira, a lei de anistia e uma falaciosa justiça de
transição ainda inacabada no brasil. Revista Juris UniToledo. Araçatuba, v. 05, n. 04, out-
dez., 2020. p. 98-130.
SOULAGES, J. Instrumentos de análise do discurso nos estudos televisuais. In: LARA, G. M.P.
et alli. Análises do Discurso Hoje, volume 1. Rio de Janeiro. 2008, p. 254-277.
RESUMO: O artigo discute a postura do presidente Jair Bolsonaro (PL) na pandemia da Covid-
19, mais especificamente, em relação à campanha de vacinação. Desde que a OMS decretou a
SARS-COV-2 como uma pandemia em março de 2020, Bolsonaro insistiu em amenizar a
gravidade da doença, mesmo com o aumento do número de infectados e mortos no país. Em
2021, em janeiro, o país iniciou a aplicação das vacinas. A medida não foi suficiente para que
no primeiro semestre do ano o país registrasse a segunda onda da doença, quando o país
ultrapassou mais de 500 mil mortos pela Covid-19. Bolsonaro, apesar de saber que a partir do
segundo semestre de 2021, as taxas caíram em função da imunização, manteve críticas ao
isolamento como forma de prevenção e à vacina. O artigo analisa 52 notícias publicadas na
Folha de S. Paulo de setembro a dezembro de 2021, classificadas em 5 (cinco) pacotes
interpretativos a partir de polêmicas levantadas pelo presidente.
1. INTRODUÇÃO
A postura do presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a pandemia da Covid-19 foi muito
criticada por suas declarações em que recusava a admitir a gravidade da doença e a necessidade
de tomar medidas urgentes para frear o aumento de infectados e mortos no país. Em poucos
meses, o Brasil já enfrentava a primeira onda, com milhares de contaminados e óbitos. Nesse
sentido, quanto ao negacionismo científico e a pós-verdade, Carla Montuori Fernandes & Eva
Campos-Dominguez (2021) explicam que, na vertente científica do negacionismo científico,
parte-se da hipótese de que o movimento se sustenta na ascensão da extrema-direita, que se
empenha em ocupar o cenário político do mundo ocidental e influenciar a opinião pública. É
possível destacar vários países que elegeram presidentes que seguem a linha do radicalismo de
direita e encabeçam o discurso anti-cientificista. O presidente americano Donald Trump, eleito
em 2016, propôs a construção de um muro na fronteira com o México para barrar a entrada de
imigrantes. Foi derrotado na eleição de 2020.
Quanto ao fenômeno da pós-verdade, Cesarino (2020) argumenta que possui
convergências importantes com o populismo contemporâneo e com as matrizes que sustentam
os movimentos de extrema direita que ressurgem nos contextos democráticos. A crise
democrática de escala global se traduz em uma crise epistemológica que resulta na descrença
das instituições fundamentais, entre as quais a ciência. Isso pode ser muito bem observado desde
as eleições de 2018, situação em que o então candidato à presidência Jair Messias Bolsonaro
do PSL, possuindo poucos minutos de propaganda política nas grandes mídias, teve sua
campanha inteira focada nas redes sociais, atacando diretamente os meios de comunicação.
Uma vez que esses meios são descredibilizados, o candidato pode surgir como única fonte,
trazendo dados científicos e históricos falsos ou sem comprovação científica.
Cesarino (2021) afirma que a ciência se faz por meio de uma combinação de argumentos
que precisam necessariamente possuir credibilidade. Para isso, é preciso uma junção de várias
pesquisas, com base em outras pesquisas e assim continuamente formando elos que sustentem
o argumento. Uma vez que uma ou várias dessas pesquisas são invalidadas, todo o argumento
é descredibilizado ou invalidado. Torna-se possível a aparição de novos argumentos que, desta
vez, são “verdadeiros”. A partir dos argumentos da autora, pode-se afirmar que Bolsonaro
buscou colocar em descrédito parte da comunidade científica, desafiando, principalmente, as
recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Neste caso, houve uma disputa
simbólica entre o que os autores chamam de retórica neopopulista de extrema direita, baseada
em argumentos emocionais, por parte do presidente, contra discursos científicos consolidados
em pesquisas num momento de muita tensão.
Diante deste contexto, a pandemia do novo coronavírus tornou-se um cenário propício
para a realização de debates intensos, carregados de opiniões e grande fluxo de conteúdos. A
população dividiu-se entre disputas relacionadas ao campo político e questionamentos à ciência
e história e, em alguns casos, uniu-se diante desses dois discursos. No final das contas, as
questões apresentadas representam uma complexa disputa de narrativas e de poder.
O governo de Bolsonaro passou a sonegar informações a população em relação a dados
da pandemia, com omissões de números de contaminados e mortos pela doença, como forma
de mostrar a sociedade que a situação estava sob controle e tudo não passava de uma
''gripezinha'' e/ou alarde por parte da mídia. Assim, a divulgação de números reais passou a ser
feita pelo Consórcio, composto por G1, O Globo, Extra, O Estado de S. Paulo, Folha de S.
Paulo e UOL, levando em consideração os dados divulgados por cada estado do país.
Quanto aos dados da Covid-19, o país registrou o recorde de mortos e infectados pela
doença com a segunda onda e, em junho de 2021, chegou à marca de 500 mil mortes causadas
pela pandemia com mais de 17 milhões de infectados. Em 2022, o Brasil anunciou o
afrouxamento das medidas de isolamento social, houve o retorno das aulas presenciais, das
atividades turísticas e comerciais. Em 17 de junho de 2022, mesmo com a redução em função
do alto número de vacinados, o Brasil ainda registra a média móvel de 137 mortes/dia e média
de 36.000 casos/dia e chegou a 668.968 mil óbitos e 31.617.199 infectados, conforme dados da
Folha de S. Paulo (FOLHA DE S. PAULO, 17 de junho de 2022).86
A primeira vacina foi aplicada em 18 de janeiro de 2021 depois de esforços do então
governador de São Paulo, João Doria, que teve atritos com o presidente Jair Bolsonaro. Em 27
de setembro de 2022, já são 181.602.781 pessoas vacinas com a 1ª dose (84,53% da população),
170.654.368 com a 2ª dose ou dose única (79,44%) e 103.911.868 (48,37%) que receberam a
primeira dose de reforço, o que mostra um alto índice de adesão à imunização contra a Covid-
19, mesmo com a postura antivacina de Bolsonaro.
A pandemia acabou gerando uma crise sanitária, política e econômica. No caso do
Brasil, a crise sanitária foi intensificada pela crise política gerada pela postura negacionista do
presidente Jair Bolsonaro (PL). Ao longo da pandemia, houve troca de quatro ministros da
Saúde, sendo que dois deles saíram por discordarem da postura dele. O primeiro ministro da
Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que assumiu desde o início do mandato em 2019, deixou o
governo no dia 16 de abril de 2020, em plena pandemia por divergências em relação à forma
como deveriam ser conduzidas as políticas do governo em relação à pandemia. Em seguida,
assumiu o médico oncologista Nelson Teich, que ficou menos de um mês no cargo, de 16 de
abril a 15 de maio, e também pediu exoneração por discordar do posicionamento do presidente
Bolsonaro. O terceiro ministro a assumir foi o general da ativa do Exército, Eduardo Pazuello,
aliado de Bolsonaro que não tinha experiência em gestão de saúde, mas que compactuava com
a cartilha do presidente em relação às medidas sobre a Covid-19. Ficou até setembro como
interino, quando assumiu oficialmente o ministério e, agora com o agravamento da pandemia
da terceira onda, acabou sendo afastado pelo presidente, no dia 15 de março de 2021. Defende
o uso de cloroquina como Bolsonaro. O quarto ministro a assumir em meio à maior crise
sanitária é o médico cardiologista Marcelo Queiroga, que tinha até uma postura científica, mas
já declarou que atua em sintonia com o presidente Jair Bolsonaro.
A crise política acabou gerando uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da
Covid, tendo como presidente o senador Omar Aziz (PSD) e relator o senador Renan Calheiros
(MDB) e vice-presidente Randolfe Rodrigues (REDE), todos oposicionistas ao presidente,
instalada em 27 de abril de 2021. O relatório final da CPI, feito pelo senador Renan Calheiros
e entregue no dia 26 de outubro de 2021, teve 67 sessões e 66 depoimentos. Pediu o
indiciamento do presidente Bolsonaro e mais 67 pessoas, incluindo ministros, deputados e
86 DA REDAÇÃO. Brasil registra 76 mortes por Covid e mais de 30 mil casos em 24 horas. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 17 de junho de 2022. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2022/06/brasil-
registra-76-mortes-por-covid-e-mais-de-30-mil-casos-em-24-horas.shtmll. Acesso em 18 de junho de 2022.
empresários. No caso de Bolsonaro, o documento propõe o indiciamento do chefe do Executivo
por nove crimes cometidos durante a pandemia: prevaricação, charlatanismo, crimes contra a
humanidade (nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos, do Tratado de
Roma) e de responsabilidade (previsto na lei 1.079/1950, por violação de direito social
incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo), epidemia com resultado em morte,
infração de medida sanitária preventiva, incitação ao crime, falsificação de documento
particular e emprego irregular de verbas públicas. Apesar do desgaste, até o momento, não
houve nenhum impacto da CPI e nenhuma apuração.
Quanto ao discurso antivacina de Bolsonaro, como veremos na análise da cobertura de
notícias da Folha de S. Paulo, o presidente Bolsonaro envolveu-se em várias polêmicas em
relação à vacina da Covid-19, mesmo depois que boa parte da população já estava vacinada. O
governo ainda resistia em aceitar a vacinação para adolescentes e crianças, mesmo com a
recomendação da comunidade científica, e Bolsonaro chegou a associar a vacina da Covid-19
ao contágio do vírus HIV, gerando uma repercussão muito negativa, em outubro de 2021.
Quanto às raízes do discurso antivacina no Brasil, remete ao século XIX. A primeira
campanha de vacinação no Brasil foi realizada em 1804, para conter um surto de varíola. Cem
anos mais tarde, em 1904, despontou o primeiro questionamento contra a prevenção da doença,
no movimento identificado como Revolta da Vacina (1904). Iniciado no Rio de Janeiro, na
época capital do país, o movimento era uma resposta a política de imunização instaurada de
maneira compulsória pelo Diretor Geral da Saúde Pública, Oswaldo Cruz.
O historiador Sevcenko (1993) indica que a Revolta da Vacina teve como conjuntura o
contexto mundial da Segunda Revolução Industrial, ocasião em que o Brasil passava por
algumas mudanças decorrentes dessas transformações. Segundo o autor (1993), a cidade do Rio
de Janeiro, que ainda mantinha alguns aspectos coloniais, entre os quais a propagação e surtos
de doenças, passou por uma política de remodelação urbana com o objetivo de atrair
investimentos e turistas internacionais. A campanha para acelerar o processo de modernização
e erradicar a febre amarela no país foi conduzida por Oswaldo Cruz. Conhecida como “ditadura
sanitária”, a campanha causou revolta entre os moradores da capital, porque se resguardava em
leis de exceção e permitia que autoridades invadissem, vistoriassem, fiscalizassem e
demolissem casas e construções.
Sevcenko (1993), ao explicar as origens da Revolta da Vacina, contextualiza que, ao
contrário do que o movimento antivacina de Bolsonaro, no início do século XX ocorreu uma
mobilização das massas incomodadas com o autoritarismo das elites que estavam no poder.
Não foi somente uma ação contra a obrigatoriedade da vacina, mas com as mudanças drásticas
que estavam sendo feitas no espaço urbano do Rio de Janeiro, prejudicando, principalmente, os
trabalhadores. Trata-se de uma reforma planejada a partir de um modelo pensado a partir de
Paris, sem pensar nas especificidades do cotidiano e da cultura brasileira.
Atingidos pelo impacto da campanha contra a febre amarela, a obrigatoriedade da
vacina antivariólica tornou-se o estopim para a forte agitação popular que se estabeleceu no
país. Há que se considerar que o movimento foi apoiado por políticos de oposição e pela própria
imprensa, que, além de conceder espaço nos jornais para figuras públicas contrárias à lei da
vacina, colocava em dúvida a segurança da imunização, chamando-a de injeção de veneno. Para
Sevcenko (1993), a Revolta da Vacina pode ser lida como o resultado da memória traumática
da campanha da febre amarela, aliada à obrigatoriedade e à falta de informação pública que
envolveu a vacinação contra a varíola.
Fernandes e Montuori (2020) destacam que os argumentos e as crenças dos grupos
antivacinas não sofreram grandes alterações nos dois últimos séculos, sendo principalmente
religiosas e filosóficas como também pautadas na ideia que tratamentos alternativos de saúde,
como a homeopatia, a medicina antroposófica e uma alimentação saudável, são suficientes para
manter a saúde das crianças. Deve-se considerar que o temor dos efeitos colaterais adversos,
embrião que ainda mobiliza os movimentos antivacina, conta com um novo aliado: a capacidade
de multiplicação e disseminação da informação que ganhou velocidade e eficácia nas últimas
décadas, respaldadas pelo potencial das redes sociais. Recentemente, algumas campanhas
acabaram impactando a adesão às vacinas, como no caso do zika vírus.
No Brasil, várias investigações provaram o papel exercido pelo YouTube na difusão do
vírus Zika. A partir de 2015, enquanto as autoridades médicas se esforçavam para distribuir
vacinas e os larvicidas que matam os mosquitos transmissores do vírus, os primeiros vídeos
conspiracionistas fizeram sua aparição na rede. Alguns desses vídeos revelavam a suposta
existência de um complô das ONGs para exterminar as populações mais pobres, enquanto
outros atribuíam a essas mesmas vacinas e larvicidas a propagação do vírus. A popularidade
desses filmes criou um clima de desconfiança que levou muitos pais e mães a recusar os
procedimentos médicos imprescindíveis para a sobrevivência de seus filhos (FERNANDES E
MONTUORI, 2020).
Quanto à proliferação de conteúdos antivacina da Covid-19, que estão vinculados aos
grupos de extrema direita, principalmente, como os bolsonaristas, Fernandes e Montuori (2020)
explicam que tal estratégia tem a ver com a ampliação do fenômeno da desinformação encontra-
se imbricada com o crescimento das fake news que, amparadas pelas redes sociais, tais como
Facebook, Twitter e WhatsApp contribuem significativamente para que conteúdos falsos se
espalhem com rapidez e tenham longo alcance. “A ubiquidade que a internet oferece torna o
fenômeno cada vez mais recorrente para diferentes propósitos. A avalanche de opiniões, crenças
e valores propagados nos espaços virtuais exige do leitor maior seletividade, sob o risco de
consumir conteúdo pouco crível” (FERNANDES e MONTUORI, 2020, p.451).
Quadro 1
Notícias da Folha de São Paulo sobre vacina para adolescentes
Conforme Traquina (2001), há uma rede noticiosa e uma organização dos jornalistas na
cobertura das editorias. Isso pode ser evidenciado no caso da Covid-19, em que a jornalista
Raquel Lopes assina 4 (quatro) e Matheus Vargas 3 (três) notícias das 7 publicadas.
Quadro 2
Notícias sobre participação de Bolsonaro em Evento na ONU
Quanto à editoria, seis das oito notícias foram publicadas em “Mundo” (74%) e as outras
três ligadas à Política (26%). Isso revela que houve um enfoque político no enquadramento da
Folha, revelando o posicionamento negacionista do presidente, ao se recusar a tomar vacina e
na opção da primeira-dama em se vacinar nos Estados Unidos, como na notícia “Bolsonaro
evita exigência de vacina em restaurantes ao comer pizza na rua em Nova York”, do dia 20 de
setembro de 2021, que mostra uma posição de constrangimento para o presidente do Brasil,
mas que, no entanto, para os seus seguidores, tais excentricidades têm servido como estratégia
de marketing para construir a imagem de líder do povo.
Quadro 3
Passaporte Vacinal
Fonte: Dos autores, 2022
O quarto pacote interpretativo foi o que gerou mais polêmicas em função da fala em
uma live nas redes sociais pelo presidente Bolsonaro, em 24 de outubro de 2021, em que ele fez
uma associação entre a vacina da Covid-1 e a possibilidade de desenvolver a AIDS mais
rapidamente. Bolsonaro citou supostos relatórios do governo do Reino Unido, segundo os quais
pessoas totalmente vacinadas pela Covid-19 estariam desenvolvendo a AIDS mais rápido do
que o previsto. Mas estes relatórios não existem. Houve uma repercussão muito grande após a
fala do presidente tanto no dia 24, quanto nos dois dias seguintes. Além de ser uma fake news,
trata-se de uma desinformação usada de má fé e gerou um problema de causar um pavor social,
principalmente junto ao público mais vulnerável e mais fiel a Bolsonaro.
Quanto ao enquadramento da Folha de S. Paulo, das 15 notícias, 14 tiveram uma
valência negativa (93,33%) e apenas 1 neutra (6,66%). As notícias foram variadas, como
“Bolsonaro faz associação absurda e falsa entre Aids e vacina de Covid, dizem especialistas”
(24 de outubro de 2021), “YouTube derruba live em que Bolsonaro associa Aids com vacina da
Covid e suspende canal por uma semana” (25 de outubro de 2021).
Quadro 4
Polêmica – Bolsonaro e associação da vacina da Covid-19 e AIDS
Quadro 5
Vacinação para Crianças
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CESARINO, L. Como vencer uma eleição sem sair de casa: a ascensão do populismo digital
no Brasil. Internet & Sociedade, v. 1, n. 1, p. 91-120, 2020.
CESARINO, Letícia. Pós-verdade e a crise do sistema de peritos: uma explicação cibernética.
Ilha Revista de Antropologia, v. 23, n. 1, 2021.
FRANÇA, V. O acontecimento e a mídia. Revista Galáxia. São Paulo: n. 24, p. 10-21, dez.
2012.
TRAQUINA, N. Estudos do Jornalismo no século XX. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2001.
TUCHMAN, Gaye. Contando estórias. In: TRAQUINA, Nelson. (Org.). Jornalismo, questões
teóricas e estórias. Lisboa: Vega, 1993.
1. INTRODUÇÃO
Conforme o autor, esta não é uma representação destituída de sentidos e tende a reforçar
opressões sociais, sendo uma forma de retratar o cenário vigente. Nesse aspecto, o sociólogo se
aproxima da semiótica ao discutir que os signos exprimem os conceitos e relações que as
pessoas possuem em seu imaginário, bem como formulam os sistemas de significado da cultura.
Hall (2016) afirma que essa investigação, principalmente a partir dos discursos da mídia, é
importante instrumento de emancipação.
Ao se pensar na representação associada à crise migratória, a apresentação do tema em
um produto comunicacional tende a ser ferramenta na luta por reconhecimento desse grupo
social e da causa, em meio a diversos fluxos migratórios pelo mundo, motivados pelas guerras,
como a guerra atual entre Ucrânia e Rússia, perseguições políticas, desastres naturais, fome e
miséria. Em outubro de 2020, de acordo com o El País87, 545 crianças que foram separadas de
seus pais ainda estavam à procura de retornar ao lar. Esse fato ocorreu em decorrência do
endurecimento da política migratória, para barrar a migração ilegal nos Estados Unidos, na
época governado por Donald Trump.
Honneth (2009) discute três formas de reconhecimento, sendo elas pelo amor, pelo
direito e pela solidariedade. O reconhecimento pelo amor vem da relação com o próximo, no
parceiro o sujeito reconhece a si mesmo, isto traz autoconfiança ao indivíduo. Por meio da
prática institucional (direito), o indivíduo conquista o auto-respeito. Por fim, através da vida
em comunidade e pela solidariedade, ela leva a tolerância às particularidades de cada um, o
87 “Pelo menos 545 crianças imigrantes retidas por Trump ainda estão perdidas dos seus pais”, publicada pelo El
País em 23 out. 2020. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/internacional/2020-10-23/pelo-menos-545-
criancas-imigrantes-retidas-por-trump-ainda-estao-perdidas-dos-seus-
pais.html#:~:text=Menores%20foram%20separados%20de%20suas,da%20fronteira%20sul%20dos%20EUA&te
xt=Pelo%20menos%20545%20crian%C3%A7as%20imigrantes%20nos%20Estados%20Unidos%2C%20separa
das%20%C3%A0,poderem%20se%20reunir%20com%20eles.> Acesso em 22 out. 2022.
sujeito adquire autoestima. Qualquer perturbação em uma dessas três formas de
reconhecimento provoca uma luta, um conflito por ser reconhecido. Para além disso, toda luta
pelo reconhecimento deve ser admitida por outros sujeitos.
3. METODOLOGIA E ANÁLISE
Nas cenas iniciais do clipe tem-se o primeiro contato do espectador com a realidade dos
refugiados. Há um grande grupo de pessoas enfileiradas correndo ao fundo em um deserto e,
logo em seguida, pulando extensas grades de ferro. Na semiótica, o representamen (signo) não
é uma característica somente dele, mas acaba remetendo a algo, exercendo o papel da
representação.
“O signo é, portanto, uma coisa que, além da impressão que produz nos sentidos, faz
com que outra coisa venha à mente como consequência dele. [...] O signo não se define,
portanto, como uma relação diádica, mas como uma relação triádica” (SANTAELLA; NÖTH,
2017, p. 8).
Figura 1
Pessoas formando a palavra life (vida) no clipe
Figura 2
Navio de guerra formado por pessoas
É possível analisar tal símbolo dessas duas formas diferentes, porém de fato, a guerra é
o principal objeto desta semiose. Trazendo para o conceito da 1ª tricotomia, o qualissigno
presente são as características de uma embarcação: seu formato e tamanho. Com isso, o sinsigno
é a interpretação que M.I.A. utilizou, mais uma vez, que são os corpos dos refugiados
reproduzindo essas características da embarcação.
Por ficar em aberto à interpretação, o barco pode ser o mesmo que é utilizado para a
migração dos refugiados, como também uma representação de um navio de guerra. Com isso,
os legissignos possíveis são: o primeiro traz a convenção dos refugiados, identificando o seu
meio de transporte para outras terras; e o segundo traz a convenção da guerra, que é o principal
motivo que obriga esses povos a se refugiarem em outros países.
Maya também trouxe elementos culturais presentes na península indostânica (que inclui
o Sri Lanka), quando há embarcações formando uma mandala ao mar, no minuto 2 e 17
segundos do clipe.
Figura 3
Formação de uma Madala
Mandala é uma palavra em sânscrito que significa círculo, mas também possui outros
significados e o mais conhecido é que ela representa integração e harmonia. Sendo assim, a
relação que este símbolo possui para com a cena é de acomodar e aproximar os refugiados em
sua busca pela sobrevivência no mar. Utilizando os conceitos presentes da 2ª tricotomia,
analisamos o ícone presente em cena que são as embarcações formando o que pode se relacionar
com uma mandala. A relação de continuidade existente com tal símbolo se dá às origens
culturais da região do Sri Lanka. Além do conceito de círculo, este ícone traz atributos divinos
e representações religiosas, sendo assim, virando um símbolo, relacionando-se com ideais.
[...] o objeto de um signo não é necessariamente uma coisa material e
existente, como um pato. Ela também pode ser uma ideia. O objeto
de palavras como amor ou liberdade não são coisas, mas sentimentos,
ideias ou conceitos. [...] Em vez de dizer que o objeto de um signo é
uma classe de coisas, podemos concebê-lo em termos do nosso
conhecimento, sempre incompleto, ou da nossa experiência, sempre
parcial, daquilo a que o signo se refere. (SANTAELLA; NÖTH,
2017, p. 14)
O vídeo segue com imagens de refugiados amontoados em barcos nas travessias pelos
mares, a partir de 2:23 (M.I.A. Borders. 2015). Maya aparece junto com eles, fazendo parte do
grupo onde ela também já vivenciou tal realidade.
Figura 4
Travessia pelos mares
Nos primeiros nove anos de vida, M.I.A. teve de se deslocar constantemente devido à
guerra civil no Sri Lanka. A essência presente neste signo se dá ao pensamento e vivência da
artista, que se manifesta no clipe através da primeiridade dos objetos em cena. Analisando por
meio da ótica da 3ª tricotomia, o rema é a cena de Maya e os refugiados aglomerados nas
embarcações. O discente desta semiose se dá pelo fato de M.I.A. parecer ser um deles, juntos
naquela mesma situação. Já o argumento, fazendo com que assim seja a terceiridade, é que
Maya, de fato, foi refugiada e também enfrentou os mares, vivenciou tal experiência. Sua
história de vida e as dificuldades que enfrentou quando criança junto de sua família é o
argumento de validação da secundidade do rema.
O dualismo das coisas e dos signos tem raízes profundas no pensamento ocidental. Na
sua variante ‘coisa versus pensamento’, ele encontra a sua expressão mais proeminente na
filosofia de René Descartes (1596-1650). Descartes ensinou que o universo se divide em duas
substâncias, matéria e mente. A essência da matéria é que ela tem extensão no espaço físico,
enquanto a essência da mente é que ela se manifesta em forma de pensamentos e ideias. [...] A
convicção de que a distinção entre signos e não signos seja essencial na vida humana tem muitas
outras facetas. Ela se manifesta tanto em sabedorias proverbiais da cultura popular quanto em
obras literárias e artísticas. [...] O que Magritte quer dizer com a sua lição semiótica é que ser
um cachimbo (ou um pato) não é o mesmo que representá-lo, tanto em palavras quanto em
imagens” (SANTAELLA; NÖTH, 2017, p. 15)
Figura 5
Camiseta "Fly Pirates"
Imagens são signos icônicos (ou ícones), mas ícones não têm só a
forma de imagens visíveis. Eles estão onipresentes no nosso
pensamento e na nossa interpretação até de textos meramente verbais.
O poder das palavras para evocar imagens mentais e de recordar
sabores é também evidente na semiótica culinária. (SANTAELLA;
NÖTH, 2017, p. 27)
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ainda que nos processos de semiose o interpretante possa ter distintas visões em relação
aos objetos de análise, a relação estabelecida entre os signos e as intenções da artista para com
o que foi retratado, é de coesão. Assim como Peirce descreve (SANTAELLA; NÖTH, 2017),
o primeiro contato na análise é o signo. No vídeo, nós vemos os signos que nos referenciam
diretamente aos refugiados, grupos de migrantes que fogem de guerras civis em seus países e
dos elementos aos quais convivem e/ou lidam. E apesar das suas dualidades e do processo
infinito de semiose, a conexão estabelecida com a mensagem principal do clipe é precisa.
Através da semiótica, analisamos a obra de M.I.A. e vemos um pouco de seu relato pessoal e
da sua necessidade de abordar questões importantes da atualidade, que precisam ser explanadas
e discutidas em busca de ajudar esses povos que necessitam de refúgio e atenção das grandes
nações.
REFERÊNCIAS
BASSIL, Ryan. Trocamos uma ideia com a M.I.A. sobre o clipe de “Borders”. Disponível
em: < https://noisey.vice.com/pt_br/article/ryv83v/mia-entrevista-2016>. Acesso em: 14 mar.
2019.
BRAGA, Maria Lucia Santaella. As três categorias peircianas e os três registros lacanianos.
Psicologia USP [online]. 1999, v. 10, n. 2. Acessado 26 outubro 2022, pp. 81-91. Disponível
em: <https://doi.org/10.1590/S0103-65641999000200006>. Pub. 10 ago. 2000. ISSN 1678-
5177. https://doi.org/10.1590/S0103-65641999000200006.
HALL, Stuart. Cultura e Representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Apicoei, 2016.
NOISEY, Equipe. O Paris Saint-Germain F.C. quer que a M.I.A. tire o clipe de "Borders"
do ar. Disponível em: <https://www.vice.com/pt/article/6wd3mx/psg-mia-derrubar-borders-
clipe>. Acesso em: 24 out. 2022.
SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfried. A semiótica e os signos: uma primeira orientação. In:
______. Introdução à Semiótica: passo a passo para compreender os signos e a significação.
São Paulo: Papirus, 2017. p. 7-33.
THOMPSON, John B. A interação mediada na era digital. Matrizes, v. 12, n. 3, p. 17-44, 2018.
Capítulo 30
1. INTRODUÇÃO
O discurso terraplanista – proveniente daqueles que acreditam que o formato do planeta
Terra seria plano – pode ser utilizado como referência para a compreensão de como se constrói
um discurso negacionista da ciência e uma teoria da conspiração, pois apresenta semelhanças
estruturais com outros discursos negacionistas, como aqueles proferidos pelo movimento
antivacina, ou que negavam a Covid-19. Essa estrutura foi identificada a partir da análise de 15
vídeos de conteúdo terraplanista, com duração entre 1 minuto e uma hora cada, publicados entre
janeiro de 2019 e abril de 2021 na página @flatearthstationary do Facebook, que conta com
484 mil seguidores e 307 mil curtidas (outubro/2022).
As postagens foram analisadas com base na semiótica greimasiana e na semiose
hermética de Eco. Presente nas redes sociais de mais de 40 países – segundo busca manual feita
no próprio Facebook, Instragram, Twitter e Youtube, o terraplanismo é uma das teorias da
conspiração mais antigas que se tem registro, sendo que se tornou mais evidente a partir de
meados do século XIX. As primeiras conclusões da esfericidade da Terra vieram de Pitágoras
no século VI a.C. A defesa da esfericidade da Terra foi mantida pelos cientistas ao longo dos
séculos e pouco refutada pela igreja, inclusive na Idade Média. (RANDLES,1994). O maior
impasse entre os cientistas e o clero não estava no formato da Terra, mas na sua localização, se
ela era ou não o centro do universo (geocentrismo X heliocentrismo). Ao longo da história
houve ocasiões em que o formato da Terra foi colocado em questão, mas o movimento ganhou
força a partir de meados do século XIX, com as publicações de Samuel Rowbotham (1816-
1884), um britânico que anteriormente fora condenado por charlatanismo. Robothawn
rapidamente ganhou seguidores na Europa e nos Estados Unidos, fundando a Universal Zetetic
Society, em 1873, cujos desdobramentos inspiraram a Flat Earth Society, o movimento
terraplanista mais famoso em todo o mundo, e cuja vasta produção de conteúdo dá suporte a
outros grupos com a mesma finalidade desde 1956. O movimento emerge de tempos em tempos
facilitado por momentos de tensão política ou acontecimentos astronômicos de grande
relevância, como a chegada do homem à Lua.
O crescimento das redes sociais, a popularização da internet e dos equipamentos
eletrônicos tornou possível para qualquer pessoa produzir e divulgar conteúdo com amplo
alcance, o que facilitou o crescimento dos movimentos conspiracionistas, inclusive o
terraplanismo. Em 2018, o terraplanismo foi tema do documentário “A Terra é Plana” (Behind
the Curve, Daniel J. Clark, Estados Unidos, 2018, Netflix), São Paulo sediou, em 2019, a Flat
Con, conferência mundial do terraplanismo realizada anualmente em algum lugar do mundo.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
4. RESULTADOS
Após a análise das postagens selecionadas, foi possível concluir que o discurso
conspiratório se baseia, é reforçado e tem seu contrato de veridicção facilitado em determinados
ambientes e contextos sociopolíticos, mesmo quando esse discurso é direcionado apenas para
combater a ciência. As questões emocionais e comportamentais exercem forte influência na
vulnerabilidade do indivíduo em relação à crença em teorias da conspiração, bem como devem
ser considerados fatores educacionais/culturais na intensidade da adesão ao discurso
conspiratório.
Além da ambiência formada por esses três fatores, a própria estrutura discursiva possui
elementos característicos que, isoladamente, nem sempre podem ser considerados
conspiratórios. Mas, quando combinados entre si ou com elementos de outros aspectos da
sociedade, mesmo que em parte, podem ser responsáveis pela estruturação de uma teoria da
conspiração.
Nota-se forte presença da semiose hermética de Eco, quase que como um fio condutor
do conteúdo, trazendo constantemente à tona a existência de um grupo secreto supostamente
liderado pela Maçonaria que teria como intuito dominar o mundo. Esse grupo usaria como uma
de suas principais armas a propagação da crença da esfericidade da Terra, escondendo seu
“verdadeiro formato”. Segundo a crença terraplanista, ao acreditar que a Terra seria um planeta
“igual” aos outros e ocupando um lugar marginal no universo (heliocentrismo), a autoestima
do homem seria fragilizada, pois ele não se sentiria uma espécie diferenciada e com isso a
dominação seria mais fácil. O processo discursivo, especificamente nesse aspecto, remeteu
com facilidade ao discurso conspiracionista surgido durante a Covid-19, em relação à origem
do vírus e à eficácia da vacina chinesa produzida pelo laboratório Sinovac, e no Brasil, pelo
Instituto Butantã sob o nome de Coronavac.
Tais conspirações diziam que o vírus havia sido criado em um laboratório na China
propositalmente, como uma arma biológica para enfraquecer o mundo e abrir espaço para a
dominação chinesa88. Já sobre a vacina, o conteúdo conspiracionista nas redes remetia à
instalação de um nanochip durante a aplicação da vacina que forneceria aos chineses dados
sobre o DNA de quem a tomasse 89.
Sobre os terraplanistas, apesar de os grupos terraplanistas não serem obrigatoriamente
ligados a nenhuma religião, é comum encontrar referências cristãs no seu conteúdo. A página
do Facebook analisada é declaradamente cristã.
O processo de manipulação greimasiano, principalmente a manipulação pela sedução e
pela provocação também está fortemente presentes no discurso terraplanista. A geração de
crenças pela repetição e o ataque ad hominem aos cientistas são outros elementos de destaque
em discursos conspiratórios como aquele que se refere à crença na Terra plana e do movimento
antivacina.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
88
China não criou coronavírus como arma biológica, diz relatório dos EUA. Poder 360, 30/10/2021. Disponível
em: https://www.poder360.com.br/coronavirus/china-nao-criou-coronavirus-como-arma-biologica-diz-relatorio-
dos-eua/. Acesso: 13/12/2022
.
89
É #FAKE que vacina contra Covid-19 tem chip líquido e inteligência artificial para controle populacional. Fato
ou Fake – agência de checagem, 27/01/2021. Disponível em: https://g1.globo.com/fato-ou-
fake/coronavirus/noticia/2021/01/27/e-fake-que-vacina-contra-covid-19-tem-chip-liquido-e-inteligencia-
artificial-para-controle-populacional.ghtml. Acesso: 13/12/2022
Ecossistema esse composto por aspectos discursivos, sociopolíticos, comportamentais,
educacionais e culturais que ora aparecem como complementares, ora imbricados, como
demonstra a figura a seguir.
Figura 1
Ecossistema discursivo para formação de crença nas teorias da conspiração
ECO, Umberto. Os limites da interpretação 2ª. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2015. Edição do
Kindle.
FIORIN, José Luiz. As Astúcias da Enunciação, 3a. ed. São Paulo: Ed. Contexto, 2016
FIORIN, José Luiz. Elementos da Análise do Discurso. 15a ed.São Paulo: Contexto, 1989
GREIMAS, Algridas Julien. Semântica Estrutural. 1ª ed. São Paulo: Cultrix/Edusp, 1973
GREIMAS, Algridas Julien. Sobre o Sentido II. 1ª ed. São Paulo: Edusp, 2014
HOOTSUITE GESTÃO DE MÍDIAS SOCIAIS - Digital 2021- Essential Insights Into How
People Around The World Use The Internet, Mobile Devices, Social Midia And E-Commerce –
2021. Disponível em: https://hootsuite.widen.net/s/zcdrtxwczn/digital2021_globalreport_en
Acesso: 14/10/2021
PROOIJEN, Jeam Willem. DOUGLAS, Karen M. Conspiracy theories as part of history: The
role of societal crisis situations - Memory Studies - 2017, Vol. 10(3) p. 323–333 – Acessível
em http://dx.doi.org/10.1177/1750698017701615. Acesso: 17/07/2021
1. INTRODUÇÃO
2. REFERENCIAL TEÓRICO
90
Jingle: to make a repeated gentle ringing sound, or to make things do this. Trad.: fazer, tinir, soar, tilintar. Cf.
Cambridge Dicionary, 2023.
geralmente, em uma mensagem musical publicitária elaborada com um refrão simples e de curta
duração, a fim de ser lembrado com facilidade – dessa forma uma música ou letra “musicada”
é feita, exclusivamente, para um produto, uma empresa ou político.
Como lembram Freitas e Trigo (2019, p.116), é comumente atribuído à Charles Miller,
filho de um engenheiro escocês radicado em São Paulo, o título de patrono do futebol no país.
“Após regressar de uma viagem à Inglaterra com uniformes, bolas e um livro de regras em
1894, Miller passou a difundir a modalidade na cidade de São Paulo”. Porém, os autores
ressaltam que, apesar de hegemônica, existem outras versões de como o futebol foi introduzido
no país.
Há relatos de marinheiros ingleses terem disputado uma
partida próxima à residência da Princesa Isabel no Rio de Janeiro,
em 1878, de práticas do jogo em colégios, em São Paulo, Rio de
Janeiro e Rio Grande do Sul, na década de 1880 e de um amistoso
entre funcionários de companhias inglesas na cidade de Belém, no
Pará, em 1890. (FREITAS, TRIGO, 2019, p.116).
A paixão pelo esporte, no entanto não se limitou aos núcleos desportivos. De acordo
com Hilário Franco Júnior (2007), ao assumir o poder em 1930, Getúlio Vargas teria captado o
poder do futebol em mobilizar o povo. A Seleção Brasileira, mesmo sem unidade constituída
até então, poderia agir como um símbolo catalizador da nova identidade.
Para Kupper (2018), foi ainda no governo Vargas que política e futebol se aproximaram
de forma definitiva. No Programa de Reconstrução Nacional, dentre os objetivos principais,
estavam a promoção do samba e do futebol como elementos da identidade nacional.
Na terceira participação da Seleção Brasileira em uma Copa do Mundo no ano de 1938
(antes havia disputado as copas de 1930 e 1934) a percepção de Vargas deu mais um passo.
Enviou a própria filha como madrinha da delegação brasileira, que disputou o torneio na França.
Ao se ancorar nas reflexões de Moscovici (2012), Kupper afirma que nesta copa o “futebol teria
emergido como representação social do brasileiro”.
Apesar perder para a Itália e ter ficado em terceiro lugar na Copa de 1938, dois jogadores
se destacaram na competição: Leônidas da Silva e Domingos. Ambos encarnaram os anseios
teóricos de uma democracia racial como defendida por Gilberto Freyre (1933, 1936, 1947).
Como descreveu na edição do Diário de Pernambuco, do dia 17 de junho de 1938, intitulado
“Foot-ball Mulato”, Freyre exaltava a miscigenação de raças no país como fator de identidade
e justificou o bom desempenho da Seleção Brasileira ao fato do time contar com muitos negros
e mestiços que misturavam características da capoeira no “gingado” dos dribles em campo.
Além disso, lembra Kupper (2018, p. 231):
A paixão pelo futebol teria cenas ainda mais marcantes no imaginário nacional. A
derrota no Maracanã para o Uruguai em 1950 por 2 a 0, as conquistas de 1958 e 1962, o título
de 1970, que consagrou Pelé como o rei do futebol, os títulos de 1994, 2002, a goleada sofrida
para Alemanha por 7 a 1 na Copa do Mundo realizada no Brasil em 2014, são alguns dos
exemplos em que houve grande comoção dos brasileiros.
91
Jingle de Sérgio Augusto Sarapo e Cláudio Carillo com a produção de Cardan. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=dSIBX9MVfgU>. Acesso em 28 jan. 2023.
Este trabalho atuará alicerçado nos eixos temáticos: (I) Identidade nacional; (II)
Representação Social; e (III) Semiótica da Cultura.
O corpus de análise compreenderá a leitura semiótica dos seguintes jingles da cervejaria
Brahma veiculados no rádio e na TV: “Vai Brasil dá um Show”, da Copa de 1994 e “Imagina
a Festa”92, da Copa de 2014 no Brasil. O estudo observará como certas qualidades que
comporiam a identidade brasileira são reunidos ou acionados nos referidos jingles. Buscar-se-
á então, identificar os enunciados, a disposição do dialogismo e da polifonia e a dinâmica da
cultura como Sistema Modelizante Secundário do signo com o objetivo de verificarmos como
se constrói a representação social da identidade brasileira nas propagandas da Brahma.
3.1. Análise
A Cervejaria Brahma, nos anos de 1994 e 2014, veiculou nas mídias radiofônica e
televisiva duas campanhas publicitárias através dos jingles “Vai Brasil dá um Show” e “Imagina
a festa”. Essa estratégia, se observada por uma ótica discursiva, conseguiria apontar enunciados,
cujas mensagens ajudariam a construir uma certa identidade nacional, a ser representada
socialmente, tal como preconizava a ideia de miscigenação de Freyre (1933, 1936, 1947). É
importante salientarmos nesse ponto do que Freyre entende por este termo. Para os limites desta
análise, se traduziria na conformação de certas características como garra, habilidade, superação
e paixão pelo futebol, que seriam próprias dos brasileiros.
Bakhtin (1997) já mencionava uma interação discursiva quando o assunto é interagir
discursivamente dentro dos moldes inconclusivos do Círculo Discursivo. Assim, os enunciados
a serem encontrados dentro desses jingles conseguiriam, de alguma forma, elencar elementos
semióticos que mostrariam a construção da identidade e dos valores nacionais dentro de um
sistema de interpretação aberto.
Por outro lado, Lótman (1996) contribui no debate ao pensar os códigos culturais
presentes dentro dos enunciados como agentes que regulam e controlam as manifestações da
vida e do comportamento social e coletivo. Isso implica em reiterar que os seres humanos se
comunicam com signos e são, em larga medida, moldados por eles. Para isso Lótman articula,
então, o Sistema Modelizante Secundário, cujo gênero discursivo secundário (leia-se os
92
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=s91ujUrxl-4>. Acesso em 28 jan 2023.
próprios jingles veiculados) são os que conseguem enaltecer as infinitas esferas de uso da
linguagem. Dessa forma, a comunicação passaria, de uma mera organização oral e escrita, para
formas discursivas mais complexas, como no caso do objeto aqui em questão, a identidade
nacional.
Apresentamos a seguir a letra do 1º jingle, “Vai, Brasil, dá um show” (1994), com os
trechos sublinhados, que foram retirados dessa versão. Para fins da análise, a letra foi dividida
em quatro estrofes:
(BRAHMA, 1994)
Nesse primeiro momento levantam-se enunciados como: “Pra sentir o prazer, o sabor
do querer, e ser campeão”; “A copa é a pátria e chuteira no pé e cerveja na mão”, vamos lá,
seleção”; “Levantar o dedo e gritar, Brasil!”; “Você é a número 1”; ‘Você no bar”; “Vai, Brasil,
dá um show, mete a bola na rede”; “Sede de gol”. Estes indícios apontam no que seria
considerado um dos produtos da miscigenação cultural e social brasileira: a forte ligação ao
futebol, o espírito colaborativo e vibrante, a união do país em torno do esporte – maior paixão
nacional. Além do mais, vale salientarmos que, no ano de 1994, a obsessão pelo título da Copa
do Mundo começou a ser associada pela cervejaria nas campanhas publicitárias, ao hábito de
reunir os amigos, tomar cerveja e torcer pela Seleção Brasileira. Ao ingerir o produto o
consumidor é induzido ao prazer do sabor, ao mesmo tempo em que anseia e torce pela vitória
do seu time na competição. Nesse sentido, a marca se ancora, de alguma forma, na mente do
consumidor, ao utilizar uma espécie de associação de sentidos – nesse caso, o paladar e a paixão.
Na mesma mão encontramos no jingle, outros enunciados que apresentam a Copa do
Mundo como cenário do encontro da miscigenação como representação social da pátria
nacional. As menções à “chuteira no pé”, “à cerveja na mão” e o ato de “levantar o dedo e gritar,
Brasil”, retificam as intenções da campanha publicitária da cervejaria Brahma, em centralizar
estes elementos, ao unir torcedores e a bebida, dentro de um bar (“você no bar”). Para cada
cerveja consumida, um gol, como se a habilidade futebolística, ou a paixão pelo esporte
necessitasse de combustível (a cerveja) para se desenvolver e se concretizar. Isso acionaria o
mecanismo dos signos sociais e culturais, pois a paixão de torcer pela Seleção Brasileira
somente conseguiria fluir, se associada ao prazer de se consumir uma boa cerveja, no caso, a
Brahma. A palavra “sede”, empregada no discurso, acionaria assim dois signos: o desejo de gol
e de saciar a sede física.
A marca consegue, assim, despertar a identificação com os consumidores, através do
despertar de emoções e sentimentos envolvidos num torneio como a Copa do Mundo.
Apresentamos a seguir, a letra do 2º jingle, “Imagina a festa” (2014), com os trechos
sublinhados que foram retirados dessa versão. Para fins de análise, a letra foi dividida em 3
estrofes sem um refrão que repete:
Imagina a festa
(BRAHMA, 2014).
Nesse segundo jingle levantam-se enunciados como: “Sou a paixão do planeta, emoção,
sou a bola rolando” e “Eu tô voltando...”, o que reitera, mais uma vez a estratégia lançada na
campanha de 1994, em alimentar sentimentos como nostalgia e expectativa em torno da Copa
do Mundo, centro catalizador da representação social do brasileiro em torno do futebol. Além
da paixão nacional, destaca-se o reconhecimento internacional que a marca tomou para si nos
enunciados, “sou a paixão do planeta”, “emoção”, “sou a bola rolando”, de maneira que esses
elementos posicionados na ordem em que se encontram, revelariam pistas de uma possível
representação social do Brasil – imagem que a cervejaria desejaria passar aos seus clientes.
Além desses aspectos, o enunciado “tô voltando”, coloca-se ainda, também, como uma espécie
de prenúncio ao retorno do campeão tão temido do futebol – a Seleção Brasileira – que estaria
inspirada e disposta a vencer mais um desafio.
Quanto à questão da linguagem, enquanto sistema modelizante secundário (LÓTMAN,
1996) observamos que a estratégia do uso de jingles pela cervejaria Brahma nas Copas de 1994
e 2014, objetiva amarrar, ainda mais, o estereótipo, construído cultural e socialmente, em torno
do futebol como paixão brasileira, ao consumo da bebida alcoólica.
É importante destacarmos que, toda essa construção discursiva, além de ser empregada
dentro dos discursos como uma forma de controle e regulação social, é empregada, também,
como um reforço à representação das identidades, ou valores nacionais, pois faz uso de vários
signos linguísticos concernentes, tanto aos valores e significados internos dos consumidores,
quanto aos valores externos que permitem unir a marca em torno do futebol.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
FREYRE, G. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da
economia patriarcal. Rio de Janeiro, Schimidt, 1933.
SAROLDI, L. C.; MOREIRA, S.V. Rádio Nacional: o Brasil em sintonia. Rio de Janeiro,
Funarte, 1984.
SEÇÃO 4
Estudos em Jornalismo
Capítulo 32
1. INTRODUÇÃO
Dentre os âncoras que marcaram o programa durante a década de 1990, Dóris Giesse,
Carolina Ferraz, Fatima Bernardes, Helena Rinaldi, Glória Maria (que permaneceu no
programa até 2007) e Pedro Bial (que permaneceu no programa até 2007 juntamente com Glória
Maria) demonstram como o time escalado para o Show da Vida carregava nomes de peso dentro
da emissora, com uma mistura de jornalistas e artistas da casa, caracterizando ainda mais o
programa como uma revista eletrônica que traz informação e entretenimento.
Renata Ceribelli, que permanece no Fantástico até os dias de hoje como repórter
especial, estreou no programa em 1999. Em abril de 2004, o Departamento de Arte da Rede
Globo criou uma apresentadora virtual para o programa: Eva Byte. Seu rosto era uma mistura
de vários traços característicos da mulher brasileira, e o seu nome foi escolhido pelos
telespectadores do programa. No início, só a cabeça da personagem aparecia no vídeo e depois
ela começou a contracenar com os apresentadores reais.
Após a saída de Glória Maria e Pedro Bial, Zeca Camargo (que já fazia aparições no
programa desde 1996) assumiu o comando ao lado de Patrícia Poeta. Zeca permaneceu até 2013
e Patrícia, por sua vez, saiu em 2011. Depois, teve a fase de apresentação do jornalista Tadeu
Schmidt, que participava do time do Show da Vida desde 2007. Apresentou o programa no
lugar de Zeca Camargo até 2021, já que passaria a apresentar o Big Brother Brasil (outro
programa da emissora). Ao lado de Tadeu, Renata Vasconcellos teve uma rápida passagem no
dominical e em 2014, Poliana Abritta assumiu o cargo.
No lugar de Tadeu, Maju Coutinho, que apresentava o Jornal Hoje, foi a apresentadora
contratada. Hoje, ela e Poliana estão à frente do programa de forma brilhante e representativa
para as mulheres.
Cada apresentador, com suas características e credibilidade, contribuiu e contribui com
a dinâmica do programa, carregada de gestos e expressões que fazem com que esses assumam
o papel de mediadores.
3.3 Quadros que marcaram o programa
Além da análise dos quadros atuais, para compreender o Fantástico como um programa
que mistura jornalismo e entretenimento, é necessário estudar os quadros que marcaram os 49
anos de exibição do programa.
Um dos primeiros a serem criados e exibidos foi o quadro de humor estrelado por Chico
Anysio. Durante os primeiros 16 anos do Show da Vida, todos os domingos, o humorista
apresentava um monólogo e contava as aventuras do personagem Azambuja (criado por ele
para o programa). Por vezes, interrompia a história para a exibição de reportagens do dia. Ele
sempre encerrava sua participação com um movimento com a mão estendida em direção à
câmera como se ele a puxasse para si. Em 1992, ele apresentou o quadro Secretária Eletrônica,
lendo recados de telespectadores do programa. Além disso, apresentou o quadro Cartão de
Visitas em 2003. A trajetória de Chico marcou o programa Fantástico.
Já na década de 90, o “Repórter por 1 dia” levou famosos para cobrirem os mais variados
assuntos, misturando o trabalho do jornalismo com a diversão de ser feito por artistas. Este
trabalho jornalístico também foi abordado em outro quadro do programa, dessa vez no ano de
2006: o “Profissão Repórter”. Caco Barcellos, mostrava os bastidores da produção de uma
reportagem televisiva. O roteiro deixou de ser um quadro do Fantástico para se tornar um
programa independente da Globo, ainda em 2006.
Além dos já citados, “Mister M” foi um grande sucesso do Fantástico na década de
1990. Mister M revelava os segredos de truques de ilusionismo, sendo mais um quadro voltado
para o entretenimento. Seguindo o mesmo objetivo, “Sitcom.br” apresentava situações cômicas
estruturadas em torno de monólogos.
No quesito esporte, os “Cavalinhos do Fantástico”, criados por Tadeu Schmidt em 2008
são um fenômeno e permanecem no programa até os dias de hoje. São os cavalinhos (de
fantoche) que noticiam as novidades da semana no futebol.
Outros quadros, como “Medida Certa”, “Vai fazer o quê?”, “Bem sertanejo” e “Cadê o
dinheiro que estava aqui?”, marcaram o Show da Vida na década de 2010. Porém, o “Fant360”
é o que mais se destaca em questão de novidade e desenvolvimento tecnológico. No quadro,
reportagens de Renata Ceribelli e Mari Palma são exibidas com tecnologia de gravação em 360
graus, permitindo que o público escolha para onde quer olhar. “Não é mais a edição que decide
as imagens que serão mostradas. Cada pessoa escolhe para onde vai olhar, o que quer ver, em
360 graus. É muito desafiador participar de um projeto desse, de mudança da linguagem, um
vídeo feito para ser assistido pela internet”, explica Renata Ceribelli.
3.4. As marcas e símbolos do Fantástico
Apesar de os apresentadores exercerem papel fundamental no produto final, outros
elementos do programa fazem com que seja criada uma identidade para o mesmo. Pensando no
Fantástico, diversos símbolos vêm à cabeça, como a logomarca escrita “Fantástico” em espiral;
o ritmo da música “É Fantástico” que acompanha a logomarca; a abertura do programa e, ainda,
o famoso pedido de música no programa (tal tradição foi criada no momento de o programa
abordar os esportes: o time ou até mesmo o jogador que fizesse gol três vezes poderia escolher
uma música para tocar).
Sobre as aberturas, o Show da Vida já desenvolveu cerca de 16 diferentes ao longo de
seus 49 anos de história. Entre uma reportagem e outra sempre aparece uma parte da abertura
ou a logo do fantástico com a música, o que destaca a marca. As aberturas escolhidas para uma
abordagem mais detalhada neste trabalho foi a primeira (de 1973), a 1987 e a atual (de 2022).
Segundo o Memória Globo, os figurinos da primeira abertura foram inspirados no
espetáculo Pippin, um musical estrelado por Marília Pêra, na época em cartaz no Teatro
Manchete. Na abertura, duas crianças corriam para o centro de um cenário totalmente branco e
descobriam véus que ocultavam dançarinos vestidos com fantasias parecidas com as usadas no
carnaval de Veneza. Os bailarinos dançavam ao som de um tema composto e arranjado pelo
diretor musical Guto Graça Mello e gravado pela orquestra e coral da Globo, com produção
musical de Aloysio de Oliveira. Nesse início, a atração era mais longa: tinha quase 3 minutos
de duração e terminava com a aparição da logo do Fantástico (na época, com escrita linear e
com letras vazadas. Na primeira linha “Fantástico” e logo abaixo, “Show da Vida”).
Já nas cenas criadas em 1987 e que permaneceu no ar até 1994, marcante para vários
telespectadores, a duração final já era menor, de quase 2 minutos. Na abertura, a modelo Isadora
Ribeiro e Ciro Barcelos emergiam lentamente das águas do lago Mono Lake, na Califórnia. Nas
cenas seguintes, os bailarinos dançavam em cima das montanhas da Escócia, em geleiras no
Alasca, numa caverna na Turquia, nas dunas do deserto do Saara e sobre os rochedos do Grand
Canyon, nos Estados Unidos. Na cena final, a câmera sobrevoava a Floresta Amazônica, subia
aos céus e chegava ao espaço, de onde focalizava a imagem do planeta Terra sendo envolto
pelo logo do Fantástico.
Por fim, a atual abertura do programa foi criada em celebração às suas 2.500 edições.
Do corpo dos bailarinos e a partir dos movimentos feitos por eles, surgem elementos gráficos
que evocam os quatro elementos da natureza. Inicialmente, três bailarinos começam a
coreografia sozinhos, cada um em um cenário e com a imagem do vídeo alternando entre eles.
Nesse momento, eles estão descobrindo o que emerge de seus corpos e à medida que dançam,
cada um dos três ganha um parceiro na coreografia. Ao final todos se juntam e outros dançarinos
aparecem, juntando também todos os elementos que cada um foi capaz de “criar” com seu
corpo. A abertura se encerra com a nova logomarca do Fantástico que, dessa vez, remete à
imagem do universo.
Programa celebra 2.500 edições com nova abertura. Desta vez, aos
quatro elementos da natureza (ar, terra, água e fogo) soma-se um quinto:
dados transformados em arte e movimento. A narrativa evoca a força
do coletivo e a coreografia incorpora a tendência de danças replicáveis
e urbanas. A trilha clássica ganha novo arranjo com sons orgânicos e
integrados aos bailarinos (TV Globo, Canal do YouTube)
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BONNER, William. Jornal Nacional. Modo de Fazer. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2008.
FANTÁSTICO. 18 de setembro de 2022, Grupo Globo.
LIMA, Venício de. Mídia. Crise política e poder. São Paulo: Perseu Abramo, 2006.
LOBATO, Elvira. Raio X das telecomunicações. Comunicação & Educação, (3), 1995, p.36-
42.
MORAES, Dênis. O capital da mídia na lógica da globalização. IN: MORAES, Dênis de (Org.).
Por uma outra comunicação: mídia, mundialização cultural e poder. RJ: Record, 2003.
Como e por que a Globo caminha para ser uma empresa de mídia e tecnologia? Minha
operadora, 2021. Disponível em: <https://www.minhaoperadora.com.br/2021/05/como-e-por-
que-a-globo-caminha-para-ser-uma-empresa-de-midia-e-tecnologia.html> Acesso em: 19 de
setembro de 2022
RESUMO: O presente artigo analisa o enquadramento noticioso das notícias publicadas pelo
jornal Folha de S. Paulo acerca da crise hídrica e energética no governo do presidente Jair
Bolsonaro. Para a construção deste estudo, serão abordadas as teorias do jornalismo e do
enquadramento noticioso (TRAQUINA, 2005; FRANÇA, 2012; PORTO, 2004). Além disso,
se fez necessário realizar a contextualização da crise, de suas causas e consequências
socioeconômicas, e das posições tomadas pelo governo (YASSUDA, 1993; CAMARGO
NEGO, 2018). Quanto ao objeto empírico, foram analisadas notícias publicadas na Folha de S.
Paulo, no período entre 27 de setembro a 01 de outubro de 2021. Foi feita uma Análise de
Conteúdo, com base em Bardin (2011), a partir das categorias: temáticas, fontes, gênero
jornalístico e enquadramento noticioso.
1. INTRODUÇÃO
No dia 26 de agosto de 2021, em sua live semanal, o presidente Jair Bolsonaro (PL)
afirmou que o Brasil estava enfrentando uma das piores crises hídricas da história. Ele
aproveitou a transmissão ao vivo para dar algumas dicas de como minimizar a situação: “Vou
até fazer um apelo a você que está em casa agora: tenho certeza que você pode apagar um ponto
de luz na sua casa agora. Peço esse favor para você, apague um ponto de luz agora…”. E
continuou com outras recomendações em outras lives, como a de 26 de setembro, no qual ele
ressalta: “Tomar banho é bom, mas se puder tomar banho frio, é muito mais saudável, ajude o
Brasil”. Foram as palavras do presidente ao público em sua live transmitida pelo YouTube.93
Para o entendimento da gravidade da questão, é importante ressaltar que dados do
Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apontam que a crise hídrica vivida pelo país,
atualmente, é a pior dos últimos 91 anos. Dentre as principais causas que fizeram com que a
situação se tornasse tão séria, destaca-se as mudanças climáticas, que geram impactos na
recorrência de chuvas. Tal fato impacta diretamente o fornecimento de energia elétrica, que, no
Brasil, é produzida principalmente pelas hidrelétricas. Além disso, é ressaltado por especialistas
e pela mídia que a ausência de ações governamentais rápidas para a amenização do problema e
de políticas que priorizem o cuidado com o meio ambiente também são causas graves da crise.
Em uma entrevista concedida ao Portal G1, publicada no dia 1° de setembro, Renato Queiroz,
pesquisador do Grupo de Economia da Energia da UFRJ, comenta sobre o atraso na adoção de
medidas por parte do governo: "Já sabíamos que 2021 seria problemático. E o que deveria ser
feito? Segurar água nos reservatórios e colocar mais térmicas para despachar. Por que não faz
isso? Porque nossa conta de luz já é muita cara"(QUEIROZ in PORTAL G1, 01 de setembro de
2021).
A comissão instaurada para tratar da crise hídrica tem como proposta investigar suas
causas. Em 20 de setembro de 2021, em entrevista ao Poder 360, o senador Jean Paul Prates
(PT), ressaltou que o governo foi omisso na crise. “Nós vamos verificar se o governo
deliberadamente deixou as hidrelétricas baixarem ao ponto que ficou muito caro acionar as
outras alternativas ou se simplesmente negligenciou, não sabia o que estava fazendo” (PRATES
in PODER 360, 20 de setembro de 2021). Tanto especialistas quanto a imprensa vêm criticando
a falta de posicionamentos do governo federal, segundo a uma publicação no Jornal de
Brasília94, Amanda Ohara, consultora do Instituto Clima e Sociedade, declarou sobre o
posicionamento de alguns diante da situação: “A gente vê ministros e outras figuras aparecendo
e negando que estamos diante de um risco de racionamento e de apagões”.
A partir do agravamento da situação, algumas medidas do Governo e da Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tiveram que ser tomadas. As bandeiras tarifárias
funcionam como uma espécie de indicador do custo de geração de energia e, normalmente, são
A questão dos recursos hídricos é tida, muitas vezes, como uma pauta inteiramente
ambiental. Todavia, é notável como a temática interfere em diversas outras esferas, como na
política, na economia, e na sociedade como um todo. Desse modo, a discussão sobre a água e a
crise hídrica não deve ficar restrita a apenas um campo, e sim ser realizada de modo que leve
em conta todos os aspectos sociais.
A água é essencial para a manutenção da vida no planeta, ou seja, para suprir
necessidades básicas dos seres vivos, que vão desde a alimentação, hidratação, higiene e
saneamento até a geração de energia elétrica. De acordo com Yassuda (1993), o século XX foi
marcado pela priorização do uso dos recursos hídricos para o setor energético, o que fez com
que as hidrelétricas dominassem todos os departamentos gestores de água, e, desse modo,
gerando grande influência na economia.
E a água continua, até os dias atuais, representando grande parte do potencial energético
do país, já que, de acordo com dados publicados pela Agência Nacional de Energia Elétrica
(ANEEL), em 2021, 67% da energia gerada no Brasil e 62,48% da potência instalada vêm de
usinas de fonte hídrica. Além disso, o Brasil destaca-se por possuir três entre as 10 maiores
usinas do mundo, sendo elas a Itaipu Binacional, a Belo Monte e a Tucuruí.
Apesar da versatilidade do uso da água e de sua essencialidade inegável, a exploração
deste bem natural se torna, cada vez, maior, uma vez que, além de fonte de vida, é, também,
meio para obtenção de lucro. Ignorando o bem da natureza, os recursos hídricos são vistos
unicamente como produto, e, dessa forma, são alvo de incessante degradação.
Quadro 1
Notícias publicadas pela Folha de S. Paulo sobre a crise hídrica
de 27 de setembro a 1º de outubro de 2021
Fonte: elaborado pelas autoras, 2021.
95
GAVRAS, Douglas. Manifestantes protestam contra alta de conta de luz. Folha de S. Paulo. São Paulo, 27 de
setembro de 2021. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/09/manifestantes-protestam-
contra-alta-da-conta-de-luz.shtml. Acesso em 20 de novembro de 2021.
No dia 29 de setembro de 2021, na reportagem “Inflação na indústria sobe 1,86% em
agosto com alta em todas atividades, diz IBGE”, assinada por Leonardo Vieceli, a Folha de S.
Paulo traz um enquadramento negativo mostrando um quadro bastante preocupante para a
economia brasileira, agravado pela crise hídrica. 96 Para explicar os dados, o jornal entrevista
como fonte Manuel Souza Neto, gerente do IPP (Índice de Preços ao Produtos), vinculado ao
IBGE que calcula a inflação. A reportagem traz dados detalhados sobre o aumento dos preços,
mas não traz uma diversidade de fontes, limitando-se a ouvir esta única fonte primária
(Traquina, 2005). A Confederação Nacional das Indústrias é citada como fonte indireta para
dizer que a confiança dos empresários do setor industrial caiu.
No dia 30 de setembro, a Folha de S. Paulo traz a notícia “Banco central projeta pico
de 10,2% na inflação deste trimestre”, assinada por Larissa Garcia, que descreve um cenário
ruim para a economia brasileiro com a alta da inflação, decorrente de vários fatores, entre eles
a crise hídrica. Apesar de trazer vários dados, foram baseados no relatório trimestral feito pelo
Banco Central. Não foram ouvidas fontes para procurar aprofundar o assunto.
A Folha de S. Paulo trouxe a notícia “Obra da Sabesp contra falta d’água na grande SP
atrasa e fica 20% mais cara”, informando que a obra da transposição da água do Itapanhaú para
o sistema Alto Tietê, um dos esforços para combater o risco de falta d'água na região
metropolitana de São Paulo lançado depois da última crise hídrica, será atrasada e teve o
contrato elevado em R$ 19,88 milhões, ficando 20% mais cara. Apesar de ser uma matéria com
tom de denúncia, é restrito a poucos parágrafos e não aprofunda. Traz apenas uma resposta da
Sabesp justificando o atraso e o aumento no preço da obra.
96
VIECELI, Leonardo. Inflação na indústria sobe 1,86% em agosto com alta em todas atividades, diz IBGE. Folha
de S. Paulo. Rio de Janeiro, 29 de setembro de 2021. Disponível em
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/09/inflacao-na-industria-sobe-186-em-agosto-com-alta-em-todas-
as-atividades-diz-ibge.shtml. Acesso em 20 de novembro de 2021.
Em 1º de outubro de 2021, a Folha de S. Paulo trouxe a reportagem “Chuvas no Sul e
medidas emergenciais afetam risco de racionamento, diz especialistas”, assinada por Nicola
Pamplona, com um enquadramento positivo e destoa das demais notícias sobre a crise hídrica.
97
O leitor, sem dúvida, fica confuso ao ler, pensando que o Sul é uma região privilegiada, já
que se os demais estados e, principalmente, São Paulo vive uma situação caótica, os estados do
Sul do país tem prognósticos bem favoráveis. Os consultados para avaliar a situação são os
especialistas, Luiz Barroso, presidente da consultoria PSR Energy, e Maurício Tolmasquim,
professor do programa de Planejamento energético da Coppe/UFRJ. Assim como nas matérias
anteriores, observa-se que as falas estão sempre na voz de fontes oficiais ou especialistas,
conforme Traquina (2005) ao tratar da Teoria Estruturalista. Se eles dizem que a crise hídrica
no Sul é amena, isso passa a ser quase uma verdade. Pamplona (2021) afirma que a chegada
das chuvas na região Sul e os impactos das medidas emergenciais tomadas pelo governo para
enfrentar a crise hídrica eliminaram, na época, o risco de racionamento de energia no país este
ano.
No dia 1º de outubro de 2021, na reportagem “Com seca extrema, água retirada do
Cantareira é quase o triplo do que entra no sistema. Reservatório está prestes a atingir a faixa
de restrição dois meses antes do previsto; nível já é o menor em 5 anos”, a Folha de S. Paulo
não somente enquadra negativamente como também agenda a temática da crise hídrica.
Entrevista o presidente da Sabesp, Benedito Braga, e um especialista no assunto, Pedro Côrtes,
professor de pós-graduação em ciência ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP.98
A matéria, assinada pela jornalista Mariana Zylberkan, traz uma visão bem crítica da crise
hídrica e alarmante.
Braga admite que a seca atual é extrema. De acordo com ele, a média
de água que entrou no Cantareira em setembro deste ano está 32%
abaixo da média histórica, mas não há iminência de uma crise hídrica.
"Não há perspectiva de crise hídrica até o final da primavera e início
do verão. Está prevista uma semana chuvosa a partir de domingo",
diz. "A situação é avaliada pela Sabesp semana a semana. "
Segundo Pedro Cortês, professor de pós-graduação em ciência
ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP, a relação atual
97 PAMPLONA, Nicola. “Chuvas no Sul e medidas emergenciais afastam risco de racionamento, dizem
especialistas”. Folha de S. Paulo, Rio de Janeiro, 1º de outubro de 2021. Disponível em
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/10/chuvas-no-sul-e-medidas-emergenciais-afastam-risco-de-
racionamento.shtml. Acesso em 20 de novembro de 201.
98 ZYLBERKAN, Mariana. Com seca extrema, água retirada do Cantareira é quase o triplo do que entra no
99 TOLEDO, Márcio. Sem chuva racionamento avança e chega a 6 meses no interior de SP. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 01 de outubro de 2021. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/10/sem-chuva-
racionamento-avanca-e-chega-a-6-meses-no-interior-de-sp.shtml. Acesso em 20 de novembro de 20221.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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de abertura de Impeachment da presidente Dilma Rousseff: uma análise do enquadramento
midiático da Folha de São Paulo. Cadernos de Comunicação, v. 23, n. 3, set. / dez. de 2019.
Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/ccomunicacao/article/view/32017/pdf. Acesso em:
28 out. 2021.
COIMBRA, Mayra Regina. A disputa de sentidos sobre a imagem de Dilma Rousseff: as
estratégias de construção da imagem da ex-presidente versus o enquadramento noticioso da
Folha de S. Paulo no período do impeachment. Repositório Institucional UFJF, Juiz de Fora,
2018. Disponível em:
https://repositorio.ufjf.br/jspui/bitstream/ufjf/6950/1/mayrareginacoimbra.pdf. Acesso em: 27
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Nacional de Energia Elétrica, 22 mar. 2021. Geração. Disponível em:
https://www.aneel.gov.br/sala-de-imprensa-exibicao-2/-
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sobre-hidreletricas-no-
brasil/656877?inheritRedirect=false&redirect=http:%2F%2Fwww.aneel.gov.br%2Fsala-de-
imprensa-exibicao-
2%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_zXQREz8EVlZ6%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state
%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26p_p_col_id%3Dcolumn-
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2012.
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SANT’ANA, Jéssica. Governo anuncia bandeira tarifária 'escassez hídrica'; custo será de R$
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VIEIRA, Bárbara Muniz. Entenda por que está chovendo menos no Brasil e se há risco de nova
crise hídrica em SP. Portal G1, São Paulo, 14 jun. 2021. São Paulo. Disponível em:
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ZYLBERKAN, Mariana. Com seca extrema, água retirada do Cantareira é quase o triplo do
que entra no sistema. Folha de S. Paulo. São Paulo, 1º de outubro de 2021. Disponível em
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/10/com-seca-extrema-agua-retirada-do-
cantareira-e-quase-o-triplo-do-que-entra-no-sistema.shtml. Acesso em 20 de novembro de
2021.
RESUMO: O objetivo desse artigo é mostrar como os conglomerados de mídia exercem suas
funções na sociedade e os mecanismos utilizados por eles para conseguirem mais
telespectadores e ainda se adequarem aos novos formatos midiáticos a partir da consolidação
do capitalismo monopolista no século XX (Habermas, 1984; Lima, 2006). No caso do Brasil,
destaca-se o poder da Globo, que surgiu nos anos 60 e se tornou o maior grupo de mídia do país
e um dos maiores do mundo, com investimentos em teledramaturgia e telejornalismo em
especial. No caso dos telejornais, são exibidos hoje na TV Aberta os tradicionais “Bom Dia,
Brasil”, “Jornal Hoje”, “Jornal Nacional” e “Jornal da Globo”. Com o crescimento da internet
e das plataformas digitais, como o Instagram, foi necessário uma série de mudanças para que
as redes tradicionais como a Rede Globo pudessem se restabelecer como transmissoras de
informação. O artigo analisa como hoje notícias veiculadas pela TV Aberta são postadas
também nas redes sociais.
1. INTRODUÇÃO
Com o surgimento das novas formas de comunicação foi necessária uma readequação
dos meios de comunicação chamados conglomerados de mídia, para que as notícias,
reportagens, editoriais, fossem aceitos e pudessem ser difundidos em diversas plataformas. É
nesse ponto que surge o conceito de narrativa transmídia e a necessidade de qualificar pessoas
para expandir um conteúdo para diversas plataformas. Neste presente artigo, falaremos sobre a
história da rede Globo e do jornal nacional, além de contextualizar como a TV social e o
Instagram criam a necessidade de enriquecer os conceitos de transmídia.
2. CONGLOMERADO DE MÍDIAS
O século XX foi marcado pela consolidação dos grandes grupos econômicos, chamados
de oligopólios ou conglomerados econômicos. No caso do setor de comunicação, os teóricos
da Escola de Frankfurt apontam que surge a chamada indústria cultural, quando se tem o
processo de industrialização atingindo a esfera da cultura e da arte. Adorno e Horkheimer
(2000) explicam que tudo passa a ser padronizado e a seguir cadeias produtivas, inclusive a
imprensa.
Wolf (1999) explica que a Escola de Frankfurt foi uma escola de análise e pensamento
filosófico e sociológico que surgiu na Universidade de Frankfurt, situada na Alemanha. Tinha
como objetivo estabelecer um novo parâmetro de análise social com base em uma releitura do
marxismo. Além disso, a teoria estabelecida pelos intelectuais da Escola de Frankfurt é
chamada de teoria crítica por dois motivos: primeiro, porque faz uma crítica social do
desenvolvimento intelectual da sociedade que incide sobre as teorias iluministas; e, em segundo
lugar, porque propõe uma leitura crítica do marxismo, com novas propostas para além dele sem
perder de vista as principais ideias de esquerda.
Foi no bojo da Escola de Frankfurt que surgiu o conceito de indústria cultural, mais
especificamente no livro Dialética do esclarecimento, escrito pelos filósofos da primeira
geração Theodor Adorno e Max Horkheimer. Para eles, uma das maneiras de dominação
capitalista se daria pela cultura. Adorno e Horkheimer entenderam que havia dois tipos de
cultura autêntica: a cultura erudita e a cultura popular. Nesse caso, a cultura erudita é aquela
produzida por uma elite intelectual, mais refinada e menos intuitiva, já a cultura popular é uma
forma autêntica de fazer-se arte e cultura vinculada às culturas tradicionais dos povos. Ela é
autêntica, mas composta por menos refinamento técnico e intelectual, sendo mais intuitiva; por
último a cultura de massa, diferente dos outros tipos esta é autêntica. Em relação às formas de
reprodutibilidade técnica, os teóricos citavam a gravação audiovisual (considerando-se, na
época, a gravação de discos, de filmes, de fotografia e de radiodifusão). Nesse sentido, o autor
da obra de arte não precisaria criar, a cada performance, uma obra, mas sim reproduzir em larga
escala uma obra criada anteriormente.
No caso dos jornais, Habermas (1984) estuda a formação dos conglomerados de mídia
com o capitalismo monopolista. Os conglomerados de mídia constituem em grupos de empresas
que atuam em vários segmentos da comunicação, ou seja, na televisão, rádio, publicações,
filmes e na internet, sendo assim, a mídia nas sociedades modernas capitalistas cumpre um
duplo papel na lógica do capital. Segundo Lima (2006), no caso do Brasil, poucos grupos
controlam os meios de comunicação – são grupos empresariais, familiares e com vínculos
políticos: Grupo Globo (Família Marinho), Grupo Record (Macedo), Grupo SBT (Abravanel),
Grupo Bandeirantes (Saad), Grupo Folha (Frias), Grupo Abril (Civitas). São basicamente
agentes discursivos que constroem consensos sobre os valores neoliberais, de economias
abertas, e os fazem porque são agentes econômicos que objetivam acúmulo do capital. Por
serem organizações produtivas, o modo de organização do trabalho simbólico que as
comparações midiáticas compreendem está diretamente relacionado com o modo de produção
capitalista em geral. No caso dos meios de comunicação, consolidaram-se a mídia massiva, com
o rádio nos anos 20, a TV nos anos 50. Nos anos 90, surgiu a internet. Estão vinculados ao que
Morin (1997) chama de cultura de massa, responsável pela difusão de valores de consumo.
Habermas (1984) descreve as fases da imprensa, apontando que seguiu o
desenvolvimento do capitalismo desde os seus primórdios. No século XVI, tem-se a imprensa
artesanal, ainda incipiente. No século XVIII, a imprensa político-literária quando a burguesia
trava uma disputa com a aristocracia e os jornais viram instrumentos políticos. E no século XIX
e XX com os jornais se transformando em grandes empresas capitalistas, sob a lógica fordista.
Trata-se de uma realidade tangível que a internet marcou o fim de uma era e o começo
de outra em termos de responder a essas necessidades. É importante pontuar que a primeira
mídia de massa foi a imprensa escrita (jornal), depois o rádio, em seguida a televisão e,
finalmente, a internet. Outro ponto importante a ser mencionado é que a internet e a
transformação digital estão praticamente unidas. Ambas marcaram um ponto de virada na
maneira de transmitir essas informações. É incrível como a transformação digital influenciou o
modo como os mass media funciona, mas é muito importante dizer que a principal responsável
por essas mudanças foi a internet.
Importante pontuar que a cultura de massa seria um recurso capitalista para vender uma
forma inferior de arte que, ao mesmo tempo, manteria a população sob controle. A indústria
cultural se limitaria a levar o entretenimento como se fosse arte ao deparar-se com elementos
aparentemente agradáveis e de fácil consumo.
Paralelo a isso, no início da década de 1920, o mundo já havia presenciado a Primeira
Guerra Mundial, e, no fim dessa mesma época, presenciou-se a grande crise econômica de 1929.
Em meio à grande mudança tecnológica, à nova configuração social a às experiências do século
XX, os teóricos da Escola de Frankfurt perceberam que os ideias de iluminismo e do
positivismo haviam falhado em sua teoria de que o avanço científico aliado à ampliação do
conhecimento por meio da escolarização e da disseminação da informação levariam ao avanço
moral da sociedade. No caso do Brasil, a indústria cultural consolidou-se somente nos anos 70
com a Globo.
A Rede Globo surgiu em 1925, a partir do jornal “O Globo” com Irineu Marinho como
fundador do jornal impresso. Em 1934, Roberto Marinho fundou a rádio O Globo. A rádio fez
muito sucesso na década de 50 por trazer grandes nomes da música de seu tempo. Roberto
Marinho, filho de Irineu Marinho, tornou-se presidente da empresa em 1931, e conseguiu a
concessão para TV aberta com o então presidente Juscelino Kubitschek em 1957.
Entretanto, a Globo estreou apenas às 11h do dia 26 de abril de 1965. O diretor-geral da
Rádio e da TV Rubens Amaral apresentou a emissora aos telespectadores do Rio de Janeiro e
do estado da Guanabara. Em 1966, a TV Globo inovou a linguagem jornalística ao colocar as
câmeras dos repórteres na rua, mostrando os estragos e os problemas enfrentados pela
população quando fez a cobertura ao vivo das enchentes que deixaram dezenas de mortos e
feridos no Rio de Janeiro. A emissora, que desde a sua estreia apresentava baixos índices de
audiência, conquistou o público carioca ao dar voz aos cidadãos e promover a recuperação da
cidade com uma campanha de solidariedade aos desabrigados.
Em 1º de setembro de 1969, estreou o Jornal Nacional, primeiro programa brasileiro
transmitido regularmente, ao vivo, para várias regiões do país. O Jornal Nacional foi a primeira
experiência em rede, semeando na empresa a certeza de que era possível transmitir
simultaneamente sua programação por todo o território nacional. O jornal permanece no ar e
tem a maior audiência do país.
3.2 Telejornalismo
Desde os anos 2000 's, quando a popularização da internet se iniciou, o jornalismo foi
intensamente afetado. No Brasil, em 2012, quando a internet passou a ser compreendida como
um fenômeno no mercado brasileiro, a “TV Social” ou “Social TV”, mudou o comportamento
dos espectadores e a forma como os usuários interagem com os programas televisivos, mas,
principalmente, fez com que as empresas se adaptassem à nova realidade. O termo refere-se ao
ato de assistir programas de televisão, especialmente telejornais, e, ao mesmo tempo, utilizar
as redes sociais como uma extensão de experiência, informação e conhecimento. Essa dimensão
prática ocorre através de uma segunda tela, como, por exemplo: smartphones,
notebooks/computadores e tablets.
A televisão manifesta-se, em diversos momentos, como provedor inicial da informação,
compartilhando um fato em sua versão completa, integrada e apurada, sinalizando ao público
os assuntos que merecem destaque rapidamente - em subliminar, colocando sua visão dos
acontecimentos. Já as redes sociais surgem como outro campo provedor de informação; criando
um espaço de debate diverso e ampliando as considerações lançadas nos programas televisivos.
A internet é o ambiente ideal para que os telespectadores possam comentar, discutir e até mesmo
alfinetar os programas que estão assistindo: tudo simultaneamente.
A liberdade que a internet proporciona é imensa, a possibilidade de cada indivíduo
discutir suas observações chama atenção das pessoas. O fluxo dita a integração. Essa, por sua
vez, é cada vez maior. Os conteúdos televisivos alcançam, inúmeras vezes, o trending topics de
aplicativos como o Twitter101 e Instagram, onde cada pessoa pode emitir a sua opinião e/ou
apoiar quem compartilha do mesmo ponto de vista. A internet e a chamada “era digital”
fortaleceu a formação de posicionamentos, pois pessoas podem encontrar similares que
compartilham de mesmo pensamentos e experiências. Contudo, tal integração torna-se uma faca
de dois gumes para programas televisivos, dado que, ao mesmo tempo que os influencers
101 Twitter: Twitter é uma rede social e um serviço de microblog, que permite aos usuários enviar e receber
atualizações pessoais de outros contatos, por meio do website do serviço, por SMS e por softwares específicos de
gerenciamento
(pessoas com muitos seguidores) podem atrair um grande público, as pessoas contrárias a esses
criadores podem gerar grande quantidade de hate102.
O Jornal Nacional (JN), como todos os outros telejornais da Rede Globo, migraram e
garantiram seu espaço nas redes sociais; O jornal possui conta, ativas e atualizadas, nas maiores
redes do Ocidente, como: Instagram, Facebook e Twitter. A postagem é regular e segue as
“ordens” desse espaço: jornalismo rápido e prático.
Além disso, conforme aponta Squirra (2008), a tendência, com a convergência
tecnológica, é que as pessoas passem cada vez mais a assistir TV via celulares, mudando
totalmente os velhos hábitos de consumo de mídia.
4.1 O Instagram
102 Hate: Hate ou Hater, é a denominação para o público que acompanha alguma pessoa, influencer ou página para
disseminar ódio ou, simplesmente, difamar.
inicial de cada usuário), crie stories103 e interage com outras pessoas. O sucesso da rede
acontece pela própria natureza que facilita bastante a interação. Além disso, o Instagram tem
um único feed, facilitando a comunicação com aquilo que o indivíduo esteja interessado - o
algoritmo do site conduz o usuário a consumir cada vez mais o mesmo tipo de conteúdo -,
aumentando o engajamento e o alcance das páginas.
Assim como o Twitter, o Instagram conecta as pessoas com um visual simplista, formato
rápido e com um algoritmo eficaz. Além disso, funções de compra e venda, troca de mensagens
e publicidade - por meio de pagamento - chama a atenção do público, em especial os jovens,
que buscam se atualizar o mais rápido possível. Comunidades formam-se rapidamente. Uma
das características mais marcantes do site é justamente a sua rapidez. O formato criado conduz
os usuários a consumirem notícias rapidamente - normalmente uma imagem aliada ao pequeno
texto com o fato e, às vezes, um link com a notícia detalhada -, as fast news.
Figura 2
Fonte: https://www.oberlo.com.br/blog/estatisticas-instagram
Figura 3
O Jornal Nacional também repercute em sua página no Instagram. A conta contém mais
de 400 mil seguidores e, seus âncoras oficiais William Bonner e Renata Vasconcellos, alcançam
um número superior a 2 milhões e 1.2 milhões de seguidores, respectivamente. A página do
jornal realiza postagens diariamente e baseando no estilo do site: Imagem chamativa, texto curto
e links para maior detalhamento da informação. As postagens realizadas denotam a importância
da notícia; as informações mais importantes mostradas na edição da TV aberta, certamente,
terão um espaço dedicado no feed.
Figura 4
Como visto, a chegada da Internet abalou as estruturas do jornalismo e, com base nisso,
as emissoras tradicionais passaram a perceber a importância de se adaptar às novas tecnologias;
O streaming, bem como as redes sociais tornaram-se o foco para as emissoras. Henry Jenkins
(2009), no livro “Cultura da Convergência”, aborda a migração da audiência, que pode ser
analisado, por exemplo no caso hoje de notícias de telejornais para redes sociais (Instagram) -
como uma transformação cultural que, por intermédio da convergência dos meios, os
consumidores passaram a buscar outras formas de informação, entretenimento - mais rápidas e
simplistas - e integrar vários tipos de mídias.
No artigo “A Convergência Digital no Telejornalismo”, as autoras Marcelli Alves,
Thaísa Bueno e Danielle Carolina dos Santos (2021) citam “Salaverria” (2009) para explicar
como a definição de convergência pode caracterizar-se como “multiplataforma”. Salaverria
(2009) apud Bueno e Santos (2021) define a convergência jornalística como um processo
multidimensional fruto de avanços das tecnologias digitais, que afeta as organizações
jornalísticas e tem implicações no aspecto tecnológico, empresarial, profissional e de conteúdo.
Salaverria (2009) apud Bueno e Santos (2021) afirma que este processo altera a forma
de produção por causa da integração de ferramentas, espaços, métodos de trabalho e até mesmo
novas linguagens. Quanto à convergência tecnológica, o autor resume que ela é
“multiplataforma”, na qual a versatilidade dos dispositivos móveis permite realizar tarefas que
antes dependiam de outros e até vários aparelhos em apenas um dispositivo. A multiplataforma
permite que um conteúdo seja difundido em outros meios para ter mais alcance. Entende-se que
a convergência das mídias, ou melhor, a integração do jornalismo por diversos campos, como
televisão e internet, aconteceu de forma natural; as novas tecnologias tornaram os telejornais
cada vez mais globalizados e adaptados aos contextos atuais: a multiplataforma das emissoras
é uma construção que acompanhou os avanços sociais e tecnológicos.
Além disso, a busca dos espectadores por liberdade e diversidade nos conteúdos
consumidos - sem a necessidade de estar preso a uma grade horária, seja ela linear ou não -
mostra-se como outro fator para a “modernização” na forma de fazer jornalismo. As
organizações preocupam-se em, ao mesmo tempo, atrair o público para as reportagens na
televisão e criar conteúdo online.
A integração de diversos tipos de informações - seja ela real ou não (fake news104) -
afetou o telejornal. Bueno e Santos (2021) reforçam que o acesso à informação dos internautas,
atualmente, é variado, visto que o acesso pode ser baseado no interesse, disponibilidade ou
dispositivo do usuário. Segundo as autoras, anteriormente, os programas televisivos eram
produzidos para serem veiculados no seu próprio suporte, no caso, a TV. No entanto, com o
surgimento da internet, esses conteúdos encontraram um lugar para se adequarem, conquistando
a vantagem de circular em diferentes dispositivos e plataformas. Bueno e Santos afirmam que
hoje há uma circularidade em várias mídias das informações, desde a TV até as redes sociais.
O Jornal Nacional (JN) é um bom exemplo para demonstrar como os jornais
tradicionais reformularam suas “diretrizes” e objetivos para englobar o público das redes
sociais; A criação de páginas nas redes, a disponibilização das edições passadas para o público
assistir onde e quando quiser - de forma gratuita - denotam a convergência digital do cenário
jornalístico. Diante dessas mudanças, o jornalismo televisivo apropriou-se de uma narrativa
baseada em crossmedia105 e a transmídia para atingir o grande público.
104
Fake News: São notícias falsas publicadas por veículos de comunicação como se fossem informações reais
105
Crossmedia: Diferente da transmídia, o Crossmedia, utiliza a estratégia de usar o mesmo conteúdo em diferentes
linguagens. Ou seja, colocam o mesmo “produto”, mudando apenas o canal de transmissão. Além disso, o
crossmedia é pouco utilizado nos telejornais, como o Jornal Nacional, pois a notícia precisa passar por um processo
de adequação (de público) para as redes sociais.
5.1. Narrativa transmídia
106 Feedback: Consiste na manifestação de uma opinião ou ponto de vista, podendo ser positivo ou negativo.
o conteúdo é criado por um ou vários visionários; (2) transmídia desde o começo; (3) o conteúdo
deve ser distribuído em pelo menos três plataformas; (4) o conteúdo deve ser original e
exclusivo para cada plataforma; (5) o conteúdo precisa mostrar uma visão única do mundo
narrativo; (6) evitar divisões ou inconsistências no mundo da narrativa; (7) integrar todos os
atores do processo; (8) buscar a participação de usuários (parte do processo mais importante).
Como visto, a narrativa transmídia consiste em expandir uma história para diversas
plataformas. Dessa maneira, não apenas o conteúdo de entretenimento seguiu esse conceito,
mas, também, os telejornais. Sam Ford (2004) elucida o crescente uso de conteúdo transmídia
no jornalismo com o objetivo de facilitar a compreensão dos assuntos abordados nas edições:
Desse modo, entende-se que o foco do jornalismo transmídia é, para além de alcançar
um maior número de views107, fazer com que a notícia seja entendida de forma sucinta e clara.
Taianne de Lima Gomes (2018), em sua dissertação “O uso de conteúdo transmídia na TV:
Uma análise de telejornais da Globo e da Inter TV Cabugi nas redes sociais digitais”, resume a
participação do transmídia no jornalismo televisivo. Segundo a autora, a narrativa transmídia
apresenta uma certa harmonia. Os temas comuns, segundo a autora, são: múltiplas plataformas,
expansão de conteúdo, participação do usuário e ação integrada ou planejamento estratégico.
Pode-se inferir que a narrativa transmídia possibilitou que o telejornalismo expandisse
sua abrangência. Atualmente, os jornais, além de utilizarem das redes sociais como meio de
expansão da notícia, usam esse espaço para criação de conteúdo. A internet, juntamente com o
jornalismo, caracteriza uma mídia capaz de englobar diferentes meios de comunicação,
linguagens e usuários.
O foco da edição no dia 05/09 foi, para além de caracterizar o cenário político atual,
demonstrar como a história política do Brasil foi tomando forma ao longo dos anos. A série
especial de reportagens “Histórias do Brasil” contou, resumidamente, como o processo de
independência do país e a formulação da constituinte ocorreu; utilizando metade do programa
para essas histórias. Além disso, vale ressaltar que o jornal apresentou, nessa edição, 19
matérias. Dessas 19 matérias percebe-se que apenas 6 foram disponibilizadas na página do
Instagram JN, sendo elas: percentual de intenção de votos para presidente; política
internacional; denuncia de agressão; história da constituinte; e comemoração da independência.
Constata-se que a maioria do conteúdo transmitido entre as duas mídias (rede aberta e
Instagram) pode ser descrita como transmídia, visto que a linguagem utilizada em cada
plataforma foi diferente e adequada ao público de cada meio, por exemplo: a análise sobre a
pesquisa contratada pela TV Globo sobre a intenção de voto para as eleições presidenciais
contou, na rede aberta, com dados complementares (como índice de satisfação do atual governo
Bolsonaro). Mas na rede social apenas os dados sobre a intenção de voto foram sinalizados.
Quadro 2
Jornal Nacional – Instagram – 05 de setembro de 2022
A comparação da forma como o conteúdo foi divulgado mostra que, pelo menos no dia
05/09/2022, o Jornal Nacional mostrou-se adaptado aos diferentes meios de comunicação.
Contudo, outro ponto interessante mostra-se na construção das notícias em formato crossmedia
- visto que, nem todas as postagens precisam ter o sentido mudado/alterado para adesão do
público em ambas as plataformas -. A reportagem que denunciou a ação de um empresário
agredindo diversas mulheres no Instagram teve, praticamente, a mesma roupagem da televisão;
os textos, juntamente com as imagens, utilizados na postagem foram os mesmos que os
mostrados no telejornal. Assim, percebe-se que o Jornal, engajado nas questões atuais e,
principalmente, preocupado em atingir o maior número de pessoas, soube equilibrar:
infotenimento com pontos essenciais para o público. Além disso, sem esquecer de adequar-se -
quando necessário - as particularidades de cada meio de comunicação.
O foco da edição no dia 06/09 foi, para a série especial Brasil em Constituição, onde
trouxe vários relatos de pessoas de diferentes regiões do Brasil e como lidaram com situações
que envolviam sua liberdade, leis e justiça para muito além de suas vidas pessoais. Além disso,
vale ressaltar que o jornal apresentou, nessa edição, 13 matérias. Deste total, percebe-se que
apenas 4 foram disponibilizadas na página do Instagram JN, sendo elas: Brasil em Constituição,
UFMG recebe material para desenvolver vacina, acidente no RJ, independência do Brasil.
Quadro 3
Jornal Nacional – TV Aberta – 06 de setembro de 2022
Com base nessas informações podemos ver que, neste dia, 06/09/2022, muitas das
postagens foram adaptadas para o Instagram, com textos mais curtos e explicativos e sempre
chamando o público a ver a matéria completa no g1 ou no Jornal Nacional o que mostra a
estratégia transmídia. É válido também ressaltar que o jornal está acompanhando o que está em
alta nos assuntos do Brasil, com as eleições chegando à série especial mostra um pouco da
Constituição e alguns relatos trazem mais realidade para quem assiste. Conclui-se que também
teve aspectos crossmedia, visto que na matéria sobre a vacina contra a varíola dos macacos,
trouxe um trecho sem cortes, sem diferença, sem alteração direto para o Instagram.
Quadro 4
Jornal Nacional – Instagram – 06 de setembro de 2022
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É nítido referenciar que com as mudanças ocorridas no século XXI tornou-se necessário
uma adequação geral dos conglomerados de mídia, para que todos os veículos pudessem
reproduzir as informações de interesse. O conceito de transmídia tornou-se um fator importante
que pode definir quais canais atingiram um público maior. Nesse sentido, concluímos que a
rede Globo que antes contava apenas com a televisão, o rádio e um website de notícias, agora
se desdobrou possuindo contas nas principais redes sociais, que são abastecidas diariamente de
formas diferentes, rede de streaming com o lançamento do Globoplay, que contém todos os
programas de emissora mais filmes no formato Just in time, ou seja, disponível a qualquer
momento. Sendo assim, se adequou da melhor forma possível para acompanhar os avanços
transmidiáticos e conseguir manter a audiência.
REFERÊNCIAS
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Telejornalismo: Análise do Jornal Nacional no Twitter. Revista Geminis, 1 dez. 2021.
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da Globo e da Inter TV Cabugi nas redes sociais digitais. Dissertação de Mestrado. Programa
de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM). Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, Natal - RN, 2018. Acesso em: 8 set. 2022.
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LIMA, V. Mídia. Poder e Crise no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2006.
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REZENDE. G.J. Telejornalismo: um perfil editorial. São Paulo: Summus Editorial, 2000.
Midiatização do Jornalista:
Um estudo de casos do Twitter de Flávia Oliveira no 1º turno das Eleições de 2022
RESUMO: O processo de (hiper)midiatização (BRAGA, 2012; CARLÓN; 2016) fez com que
se alterasse a lógica comunicacional e de atravessamento entre os campos sociais, em especial,
com a popularização do acesso à internet (THOMPSON, 2018). O que impactou o campo
jornalístico, tanto que grandes conglomerados, como a Rede Globo a qual publica, em 2018,
em seus Princípios Editoriais do Grupo Globo, trechos que limitam a atuação de seus
profissionais em redes sociais e até aplicativos de mensagens instantâneas como Whatsapp
(CHAISE; FREITAS; VALÉRIO, 2019). Nesse sentido, o presente trabalho busca investigar
de que modo esses atravessamentos alteram a gestão de visibilidade e colocam o jornalista em
posição de influenciador, a partir da observação do Twitter da jornalista e comentarista da
GloboNews, Flávia Oliveira, além de entender como a jornalista navega pela própria
midiatização. Ainda observar em que medida a profissional se posiciona (ou não) politicamente
em sua rede social.
1. INTRODUÇÃO
Em uma empresa na qual a opinião não pode ser claramente expressada e em uma
sociedade na qual o público e privado se confundem a partir do que é publicizado nas redes
sociais, compreender a postura do jornalista e a midiatização da profissão, também se torna
importante para entender quais os limites da liberdade de expressão e de que forma a opinião
de um profissional pode ser confundida ou se conflitar com a de sua empresa de vínculo em um
campo que preza pela "isenção" na informação.
O jornalismo tradicional tem como um de seus princípios a imparcialidade. Sabe-se
atualmente que a imparcialidade é impossível de se alcançar, uma vez que existem interesses
dos veículos de comunicação e a forma com que o jornalista atua também passa por sua
bagagem pessoal e experiências. Em contrapartida, esses profissionais de comunicação
possuem perfis pessoais nas diferentes redes sociais online, com intuito de compartilhar
informação, vida pessoal e opiniões. Aqui há o choque entre o público, privado e íntimo, uma
vez que o jornalista, enquanto figura pública, pode ter suas publicações nas redes sociais levadas
em consideração, como se o espaço fosse uma continuação do seu trabalho ou do próprio
veículo jornalístico em que atua. As empresas de jornalismo têm criado estratégias para lidar
com essas tensões. O Grupo Globo, por exemplo, tem princípios editoriais que limitam a
atuação dos seus profissionais no uso de suas redes sociais pessoais e até aplicativos de
mensagens instantâneas como Whatsapp (CHAISE; FREITAS; VALÉRIO, 2019).
A jornalista Flávia Oliveira é colunista no O Globo e CBN; é comentarista em quatro
jornais da GloboNews - Estúdio i, Edição das 18h, Em Pauta e Jornal das Dez; além de
podcaster no Angu de Grilo. Conhecida por sua especialização em economia e como analista
de política, Flávia Oliveira leva seus comentários, opiniões e matérias também para seus perfis
nas redes sociais online. A notoriedade da jornalista é reconhecida através de premiações ao
longo da carreira.
Nesse sentido, a pesquisa busca observar como a jornalista Flávia Oliveira, comentarista
de economia e política da Globo News, se comporta em suas redes sociais, especificamente na
plataforma Twitter, em um período de polarização política e posicionamentos. Como recorte
foi utilizado o período que compreende as campanhas eleitorais do primeiro turno das eleições
de 2022 (26 de agosto a 29 de setembro de 2022), em que se coletou todos os tweets publicados
pela jornalista, com auxílio do software livre TAGS v6.1.
Para análise do corpus foi utilizada uma análise híbrida, a qual compreende a análise de
conteúdo (BARDIN, 2011), a análise de conteúdo automatizada (CERVI, 2018), com a
utilização do software livre Iramuteq, e a análise de discurso (ORLANDI, 2005).
109
Disponível em: <https://www.uol.com.br/splash/noticias/2022/10/01/fatima-bernardes-declara- apoio-a-
lula-importante-revelar-meu-voto.htm> Acesso em 08 out. 2022.
110
Disponível em: <https://g1.globo.com/pop-arte/tv-e-series/noticia/2022/04/29/chico-pinheiro-deixa-a-tv
-globo-em-comum-acordo-apos-32-anos-relembre-bordoes-e-momentos-da-carreira.ghtml> Acesso em 08 out.
2022.
111
Texto original: “El rígido muro que separaba lo público, de lo privado y lo íntimo, que día a día venía
fisurándose, terminó de ceder, según muchos, en la posmodernidad”.
uma lógica capitalista, na qual impera o interesse do mercado, ou seja, dos grupos privados que
as controlam e seus algoritmos (SILVEIRA, 2019).
A aplicação do método se dá a partir de três etapas, de acordo com o autor, sendo elas:
I) organizar os tweets a serem testados usando o algoritmo de Reinert, por meio do software
112
TAGS V6. Disponível em: <https://tags.hawksey.info/get-tags/> Acesso em 08 out. 2022.
Iramuteq; II) identificação dos clusters (também conhecidos como classes ou categorias) e
quais os termos mais acionados; III) a partir do banco de dados, foram criadas variáveis que
associam os termos, os quais reproduzem temas e áreas semelhantes ou próximas.
É importante destacar que os dados foram tratados antes de serem minerados pelo
software, a partir de uma limpeza prévia, a qual consiste na eliminação de termos os quais o
aplicativo mostra-se incapaz de ler, como caracteres especiais e emojis, conforme as orientações
do Manual do Aplicativo Iramuteq (SALVIATI, 2017). Além disso, para fins metodológicos e
levando em conta as próprias especificações do Iramuteq, serão excluídos da análise tweets com
poucos caracteres, hiperlinks e vídeos. Dessa forma, a análise será feita baseada nos textos
publicados diretamente pelo Twitter da jornalista no período de campanha do primeiro turno,
sejam eles tweets ou retweets da Flávia Oliveira.
Em seguida, será feita uma análise do discurso (ORLANDI, 2005) presente nas
publicações, a partir das categorias elencadas pelo software, a fim de averiguar de forma mais
próxima as nuances dos discursos publicados pela jornalista. Com a análise, busca-se
compreender como Flávia Oliveira navega pela midiatização, estando vinculada a uma empresa
que impõe a ela uma maneira específica de se expressar nas redes sociais particulares.
Flávia Oliveira é uma jornalista carioca, formada pela Universidade Federal Fluminense
(UFF). Antes de se graduar, no entanto, profissionalizou-se como técnica em estatística pela
Escola Nacional de Ciências Estatísticas, o que a levou para o jornalismo de economia, nicho
em que constrói uma sólida carreira desde 1992. Desde 1994 trabalha no grupo Globo e já
passou por todas as plataformas do conglomerado - jornal impresso e digital, rádio e televisão.
Foi repórter de economia, na década de 1990, depois colunista interina do Panorama
Econômico, de Míriam Leitão, de 2001 a 2005; e titular da coluna Negócios & Cia, de 2006 a
2014. Em 2009, integrou o time de “Menina do Jô”113. Na mesma época, assumiu o cargo de
comentarista de economia do programa Estúdio i, na Globonews, da TV a cabo .Em 2011,
ocupou o posto de comentarista de finanças pessoais e economia doméstica nos programas Bom
Dia Rio e RJTV.
113 Quadro do “Programa do Jô”, que permaneceu no ar entre 2006 e 2016, em que jornalistas, todas
mulheres, discutiam e comentavam notícias dos segmentos de política e de economia no Brasil.
A jornalista foi premiada em 2001 com Prêmio Esso de Jornalismo com a série de
reportagens “Retratos do Rio”; em 2002 recebe o prêmio Fiat Allis de Jornalismo Econômico;
em 2003 é contemplada com o Prêmio Jornalismo para Tolerância, da Federação Internacional
de Jornalistas, por seu trabalho como coeditora do suplemento “A Cor do Brasil", no jornal O
Globo, mostrando sua produção na área econômica e racial.
Autointitula-se como jornalista de socioeconomica. Hoje, é colunista no O Globo e
CBN; é comentarista em quatro jornais da GloboNews - Estúdio i, Edição das 18h, Em Pauta e
Jornal das Dez; além de podcaster no podcast Angu de Grilo, o qual apresenta juntamente à
filha, Isabela Reis, também jornalista.
No Twitter, em 18 de dezembro de 2022, a jornalista possui 232,2 mil seguidores, 49,7
mil tweets e segue 2245 contas. Suas publicações possuem cunho profissional, com análises da
política, economia e questões sociais, como também publicações (posts ou repostagens) de sua
atuação na GloboNews. Flávia ainda compartilha e marca publicações relevantes de seus
colegas de emissora. Mostra-se atenta aos temas da atualidade, como a participação feminina
na política e questões raciais, o que inclui também temas culturais, como no período coletado,
em que ela publica uma breve análise do filme “A Mulher Rei” (2022), protagonizado pela atriz
estadunidense Viola Davis (Figura 1), no dia 23 de setembro de 2022. A jornalista aproveita da
pauta para discutir questões raciais, em especial, sobre as mulheres negras e a dominação
masculina.
Figura 1
Sequência de Tweets com análise do filme “A Mulher Rei” (2022)
Figura 2
Nuvem de Palavras das publicações no Twitter @flaviaol no 1º turno de 2022
Pode-se notar que palavras voltadas para a temática política eleitoral se destacam como:
Lula, Jair Bolsonaro, Eleitoral, Brasil, Candidato, Presidente, Política, Campanha, Analisar,
Pesquisa, Setembro, Governo. Ter os nomes dos dois principais candidatos na disputa, os quais
seguiram para o segundo turno, aponta como as discussões, análises e pesquisas publicadas por
Flávia Oliveira seguiram a tendência da polarização. Nota-se ainda temas que foram recorrentes
nesse período como “mulher” e “violência”, sendo esta última temática, também relativa à
polarização e suas consequências. De fato, a jornalista teve suas postagens e repostagens – e,
por isso, o termo “flaviaol” aparece em destaque – voltadas para a campanha e para os
programas da GloboNews que debatiam o assunto eleições de 2022.
Igualmente, a partir da análise via Iramuteq, foram elencadas 6 classes (clusters)
conforme a figura 3:
Figura 3
Dendrograma com análise dos tweets coletados
Tendo as classes elencadas pelo software, foi possível analisar o corpus por meio de 6
categorias. No quadro 1 abaixo estão os nomes das categorias propostos pelas autoras, após a
análise do conjunto de termos apresentados em cada classe e leitura prévia do banco de dados.
Quadro 1
Nomeação das categorias por temas
A categoria mais recorrente, durante o 1º turno das eleições de 2022, foi a classe 5
“Violência antes e durante as eleições” (com 20,4% de ocorrência). Nesta categoria estão
reunidas publicações que trazem os diferentes tipos de violência, como violência política,
ataques à jornalistas, crescimento de ataques na sociedade civil, crescimento do número de
pessoas armadas, entre outros. Em um dos posts a jornalista compartilha o retweet de uma outra
conta do Twitter, em 1º de setembro de 2022: “Comentário maravilhoso da @flaviaol sobre a
explosão de armas nas mãos de civis e o aumento desproporcional na região amazônica,
crescimento dos homicídios e do crime ambiental e o enfraquecimento das estruturas de
fiscalização. Só tinha que dar errado.” Em outro repost do dia 14 de setembro do mesmo ano:
“Comentário certeiro de @flaviaol sobre o vertiginoso crescimento das milícias apontado no
Mapa histórico dos Grupos Armados”. Mais um exemplo, mas agora do ataque cometido por
deputados contra a jornalista Vera Magalhães, após debate na TV Cultura, no dia anterior:
“@JornalOGlobo e @CBNoficial repudiam ataque de deputado contra a jornalista
@veramagalhaes. Violência inaceitável.” Ato que já havia ocorrido no debate do dia 28 de
agosto, protagonizado pelo próprio presidente da república, Jair Bolsonaro, em debate
organizado em pool pelos veículos Folha de S. Paulo, UOL e TVs Bandeirantes e Cultura.
Discursivamente, a jornalista faz jus à definição que ela mesma firma para si, como
jornalista de socioeconomia. Nos veículos onde trabalha, Flávia, na posição de comentarista,
utiliza do espaço para elucidar o viés social do noticiário, evidenciando, portanto, um discurso
ideologicamente direcionado ao impacto que a violência (nesta categoria) incide nos grupos
sociais, sobretudo em grupos minoritários.
Em 2º lugar, em porcentagem de ocorrências, aparece a classe 1 “Questões raciais”
(18,7%), Flávia Oliveira traz a temática das questões raciais a partir de temas atuais, como
lançamento de filmes, morte da Rainha Elizabeth II e eleições. Sobre o lançamento do filme “A
Mulher Rei” (2022), no Brasil, a jornalista faz uma sequência de 7 tweets em 23 de setembro,
trazendo uma análise do filme, a presença de mulheres negras no cinema e ao longo da história,
como também uma breve sinopse da obra: “#AMulherRei, estrelado por @violadavis, é um
épico histórico protagonizado por mulheres negras. No plural. Não é aventura baseada em
quadrinhos. Baseia-se na saga verdadeira de um exército de guerreiras do reino africano do
Daomé, hoje Benin.”, diz o primeiro post e continua: “É filme que informa, empodera e orgulha
quem sempre esteve invisível ou como figurante em livros, peças, filmes. Descortina a História
de povos sequestrados, de famílias partidas, de humanos fraturados pela escravidão.”. No
último da sequência ela traz a seguinte análise: “Percorri listas de épicos históricos e não
encontrei nada parecido com o filme de Gina Prince-Bythewood, em que protagonista, elenco
e equipe técnica são, predominantemente, mulheres negras. ‘Cleópatra’ (1963), a rainha
egípcia, foi eternizada no corpo de Elizabeth Taylor”.
Quanto à morte da Rainha Elizabeth II, Flávia Oliveira resgata sua proximidade afetiva
com a história da família real, traça uma trajetória breve do reinado de Elizabeth II e a relaciona,
em tom crítico, à escravização, em uma série de 6 publicações do dia 09 de setembro. Na
publicação completa, escreve:
“Neste domingo, 28, a lei federal de cotas completa uma década. Não
é o caso de só perguntar o que a Lei 12.711 fez por alunos de escolas
públicas, pobres, negros, indígenas, mas de saber o que esses
brasileiros fizeram pela educação no país. +
“A lei federal, de 2012, previa revisão do sistema de acesso por cotas
em dez anos. Mas suas determinações não expiram ao fim do prazo.
Portanto é errado afirmar que as regras deixam de valer agora ou que
a lei necessita de prorrogação. +
“Os estudos têm confirmado resultados positivos acima do esperado,
tanto em desempenho quanto em evasão dos cotistas. Notas e
abandono têm níveis semelhantes para cotistas e alunos admitidos por
ampla concorrência. +
“Pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência (estas desde
2016) beneficiam-se de uma subcota equivalente à participação de
cada grupo na população dos estados. Sim, a reserva de vagas segue
critérios sociais, antes dos raciais.+
“Embora tenha sido historicamente defendida como política de
reparação de desigualdades por organizações do movimento negro,
alcança todos os excluídos. É o avesso do “identitarismo” apontado
por alguns críticos. +
“Desde a virada do século, o debate sobre ações afirmativas
estimulou a ampliação da oferta de vagas no ensino superior. Houve
criação de novas universidades e institutos federais, de campi e
cursos, além de programas como Sisu, ProUni e Fies. +
“Em 2019, o Inep contava 8,6 milhões de matrículas no ensino
superior, mais de um quinto do total de jovens de 18 a 24 anos. Não
se trata somente de pobres e negros, mas de mais brasileiros na
universidade. Ninguém perdeu. +
“As unidades de ensino ganharam muito. A composição das salas de
aulas mudou. Ampliou-se a diversidade dos professores. Novos
territórios, gentes e saberes foram incorporados às pesquisas
acadêmicas. +
“Variáveis de raça, gênero, desigualdades sociais foram incluídas nas
áreas do Direito à economia, da ciência política à administração.
Intelectuais pretos, indígenas, mulheres saíram da invisibilidade. +
“ “Não é possível pensar em benefícios só para os negros. Todo
mundo ganhou”, resume a professora @MarciaLima1971 .
Se a Lei 12.711 fez pelos pretos e pobres, estes fizeram ainda mais
pelo Brasil — desde sempre, e também na década das cotas.”
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BARDIN, Lawrence. Análise de conteúdo. Lisboa: edições, 2011.
BRAGA, José Luiz. Circuitos versus campos sociais. In: MATTOS, M.A.; JANOTTI JÚNIOR,
J.; JACKS, N. (Org.). Mediação & Midiatização. Salvador: EDUFBA, 2012, p. 29-52.
__________. Público, privado e íntimo: el caso Chicas bondi y el conflicto entre derecho a la
imagen y libertad de expresión en la circulación contemporánea. Dicotomía público/privado:
estamos no camino certo, p. 211-232, 2015.
CERVI, Emerson Urizzi. Análise de Conteúdo Automatizada em Redes Sociais Online: uma
proposta metodológica. Trabalho apresentado no 48º Encontro Anual Anpocs, Caxambu –
MG, 2018. P.8-26.
CHAISE, Maria Joana Chiodelli; DE FREITAS, Ernani Cesar; VALÉRIO, Patrícia da Silva.
Princípios editoriais ou censura prévia: dialogismo e ideologia nas regras de utilização de redes
sociais do Grupo Globo. Scripta, v. 23, n. 47, p. 63-74, 2019. Disponível em:
114
“Bolsonaro diz que política de cotas é 'equivocada' e que política de combate ao preconceito é
'coitadismo'”, publicada pelo Portal G1, no dia 24 out. 2018. Disponível em:
<https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/10/24/bolsonaro-diz-ser-contra-cotas-e-que-
politica-de-combate-ao-preconceito-e-coitadismo.ghtml> Acesso em 28 jan. 2023.
<http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/19351/> Acesso em 08 out.
2022.
FAUSTO NETO, Antônio. Circulação: trajetos conceituais. Rizoma, Santa Cruz do Sul, v. 6,
n. 2, p 8-40, dez. 2018.
SILVEIRA, S. A. da. Democracia e os códigos invisíveis. São Paulo: Edições SESC, 2019.
SOUSA, Jorge Pedro. Uma história crítica do fotojornalismo ocidental. Chapecó: Argos;
Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2004.
THOMPSON, John B. A interação mediada na era digital. Matrizes, v. 12, n. 3, p. 17-44, 2018.
TUCHMAN, Gaye. A objectividade como ritual estratégico: uma análise das noções de
objectividade dos jornalistas. In: TRAQUINA, Nelson (org.). Jornalismo: questões, teorias e
“estórias”. 2. ed. Lisboa: Vega, 1999. p. 74-90.
Capítulo 36
1. INTRODUÇÃO
Ele pega o seu iphone que acabou de ganhar, procura pelo YouTube entre os aplicativos
que, logo ao carregar, já oferece um cardápio de opções que podem chamar a sua atenção. Clica
em mais um daqueles vídeos unboxing115 e, do outro lado da tela, o YouTuber mostra todas as
vantagens e desvantagens na nova pista de carrinhos da HotWheels - produto “gentilmente”
cedido pela Mattel, interessada no poder de persuasão do digital influencer. Ele pega o celular,
o único smartphone da casa, e tenta ver algum meme engraçado pela tela trincada. Tem que ser
rápido porque a mãe logo vai sair do chuveiro, pegar o aparelho de sua mão e sair para o
trabalho. O irmão acorda daqui a pouco e é preciso preparar o café da manhã. Tem que pôr o
lixo para fora, lavar a louça... de repente ainda dá para brincar de bola antes da escola. Mais
tarde não tem jeito... Até porque o Seu Antônio prometeu um troco se ele fizer as entregas da
quitanda depois da aula. Duas narrativas tão distintas podem descrever o papel desempenhado
por uma mesma persona – a criança.
Ao se pensar na produção de conteúdo para esse público, entretanto, somos tentados a
desenvolver uma linguagem com os olhos voltados para o menino da primeira história. Mesmo
fora do mercado de trabalho, nos bancos das academias, o estereótipo da criança bem cuidada,
cercada pela variedade oferecida pelo consumo permanece. Justamente para corrigir possíveis
distorções de nossas lentes, precisamos compreender o desenvolvimento, nessa construção
social, do que convencionamos chamar de infância.
Nomear é um hábito presente desde a parábola da criação. Na tradição judaico-cristã,
sob a qual se constrói a cultura ocidental dominante, foi dada a Adão a tarefa de dar nomes aos
animais e coisas que o cercavam para que pudesse dominá-los. A narrativa, como todo bom
mito fundante, fincou alicerce na curiosidade do cientista moderno louvado e reconhecido como
115 Vídeos unboxing são uma categoria de publicação na qual um produto é desembalado e apresentado seu
funcionamento inicial.
tal. Assim, nomeamos de forma arbitrária novas galáxias descobertas às partículas subatômicas,
mas também classificamos a nós mesmos e as relações sociais desenvolvidas ao nos
comunicarmos uns com os outros. Nos dividimos em faixas-etárias – criança, adolescente,
jovem, adulto e idoso – e lhes conferimos características, atribuições e mazelas sociais que, por
sua vez, são cristalizadas pelo senso-comum como se estivessem presentes desde sempre.
A maneira como classificamos as pessoas e o efeito que isso produz sobre elas é uma
das preocupações de Ian Racking (2009). Para o filósofo, tais classificações estão inseridas em
um panorama histórico, impregnado por sua temporalidade. Para compreender o
desenvolvimento dessas nominações, Racking mobiliza o conceito das revoluções científicas
de Thomas Kuhn, no qual aponta a ocorrência de mudanças de paradigma, que seriam sempre
precedidas por crises e novas proposições que romperiam com o conceito anteriormente
reinante. Por isso, Kuhn é considerado por Hacking como um nominalista revolucionário. É
justamente em meio a essa ruptura que formas de classificar se reestruturam e mudanças
taxonômicas acontecem nas ciências naturais.
Então de que forma esse processo se dá no meio social? Hacking se debruça sobre essa
pergunta e desenvolve a ideia de efeito laço (looping effect). Ao observar “descobertas” e
tipificações de “doenças mentais”, ele percebe que conceitos universalizantes criam novas
categorias de pessoas que, por sua vez passam a se encaixar espontaneamente em tais categorias
(2009, p.117). Em outras palavras, ao longo do tempo, os novos conceitos acabam por alterar
os objetos que classificam. Dessa maneira um nominalismo estático, criado e fixado por seres
humanos deixa de fazer sentido:
Da inexistência à centralidade
Um pobre animal suspirante. Esse era o termo utilizado para recomendar aos adultos do
século XII que não se apegassem a seus filhos, dado o alto índice de mortalidade infantil
(Heywood, 2004, p. 87). Nesse período, criança mal era considerada gente, eram apenas seres
humanos pequenos, à espera de possuir força o suficiente para aprender o ofício de seus
parentes, ao qual era destinado. Eram negligenciados – sempre os últimos a comer (o que
sobrava) e a tomar banho (o que acontecia esporadicamente, e todos passavam pela mesma
água, a começar pelo senhor da casa). Por vezes eram lembrados por seus gracejos quando
bebês, como se fossem bichinhos de estimação. Quando morriam, mesmo que a perda por vezes
fosse sentida, a tristeza durava apenas o tempo de outra criancinha tomar o posto de atração
(Ariès, 1981).
A distinção não acontecia por faixa-etária, mas por classe e gênero. Sobreviver aos
primeiros anos de vida era algo importante quando se era um menino herdeiro de uma casa
abastada. Por esse motivo, recebia mais atenção e cuidado. Mas, ao mesmo tempo que sua
condição era uma garantia de conservação da vida, para dar continuidade ao nome e
propriedades da família, sua morte também era visada por parentes próximos, pretendentes a
sucessão. Quanto às meninas, representavam a possibilidade da realização de alianças
vantajosas. Mas elas eram um “produto de relações sexuais corrompidas pela enfermidade,
libertinagem ou a desobediência a uma proibição” (Heywood, 2004, p.76), consideradas seres
inferiores e, por isso, propriedade sob tutela masculina, tal como suas mães.
De maneira geral, a criança só ganhava alguma visibilidade quando se mostrava apta a
desempenhar funções e, por isso, logo que podiam, espalhavam-se pelas casas de parentes para
aprender um ofício, os mais abastados que não fossem primogênitos poderiam ter a sorte serem
mandados para mosteiros a fim de se tornarem padres (o que àquela época era sinônimo de ter
a oportunidade de estudar). Ser criança era uma pista de obstáculos, uma “seleção natural” cujo
prêmio, ao final da jornada, era ser um adulto capaz de substituir a posição social/funcional dos
pais. Durante essa trajetória, seu lugar era o da sombra, da ausência de representação. Mesmo
na arte medieval até o século XII, exceto pelo menino Jesus, as crianças inexistiam. “É difícil
crer que essa ausência se devesse à incompetência ou a falta de habilidade. É mais provável que
não houvesse lugar para a infância nesse mundo” (Ariès,1981, p.50).
Com o Renascentismo, a criança passou a ser enxergada e o paradigma da infância nasce
classificado como um período de aprimoramento para se tornar adulto (Heywood, 2004, p.23).
A necessidade da erudição, algo exclusivo à nobreza e à crescente burguesia abastada fez
florescer as escolas ligadas a estruturas religiosas e também as particulares. Em ambas não
havia qualquer distinção de idade. Era normal existirem salas nas quais os mestres ensinavam
para pessoas de seis a 20 anos, ou até mais. Raros eram os alunos que viviam com os pais – eles
se amontoavam em pensões, na própria casa do mestre ou na casa paroquial do cônego (ARIÈS,
1987, p. 167).
Michel Foucault (1996), como quem Racking estabelece um diálogo profícuo quanto ao
método arqueológico, também aponta a atenção à infância como uma das consequências da
política médica do século XVIII – a criança se transformou em um objeto a ser observado e a
família em um grupo que precisava ser mais que um mero transmissor de bens. Era sua
responsabilidade educar, controlar, vigiar e moldar o corpo em desenvolvimento, servindo,
assim, como matriz para o nascimento de um indivíduo adulto e apto a integrar a sociedade de
forma produtiva.
Por meio desse controle, conforme explicita Foucault, é que se estabelece entre adultos
e crianças uma relação de poder, motivo pelo qual, durante a era moderna e nos séculos
posteriores, a infância é vista como um bem a ser cuidado. A criança é um indivíduo dependente
e fraco, irracional e incapaz de tomar decisões sóbrias. Neste ponto da história que o universo
infantil passa a ser delimitado idealmente pelo prazer e a necessidade do aprendizado – uma
teoria aplicada aos que possuíam condições financeiras para tanto, porque a realidade operária
permanecia como a do trabalho, inclusive para os pequenos:
Nominação X dominação
Por outro lado, é válido notar que, na pesquisa realizada, a política não é sequer
mencionada. É justamente nessa seara que o recorte sobre o qual nos debruçaremos neste artigo
pretende estudar. Por meio de uma breve análise de conteúdo da versão impressa do jornal Joca,
pretendemos avaliar como a publicação entregou a seus leitores conteúdos relacionados a
política brasileira durante os meses que antecederam as eleições de 2022.
A metodologia de análise de conteúdo aqui adotada tomou como pressuposto a
identificação de causas antecedentes de um enunciado bem como a compreensão das
consequências que ele pode ter (BARDIN, 2016).
Tendo como parâmetros as estratégias de publicação da notícia, a noticiabilidade, o
planejamento gráfico e o espaço dedicado, buscaremos “descrever, quantificar ou interpretar
certo fenômeno em termos de seus significados, intenções, consequências ou contexto”
(SAMPAIO & LYCARIÃO, 2021, p.6).
Assim, para essa pesquisa, foram analisadas as notícias relacionadas à política presentes
nas sete edições do Jornal Joca publicadas entre 8 de agosto e 21 de novembro de 2022, cujos
resultados serão explicitados a seguir.
Para quem escreve o Joca?
A versão impressa do Joca se apresenta em formato tabloide, com quatro cadernos 116,
sendo 12 páginas em numeração seguida dedicadas às editorias brasil, mundo, coleção (ou
especial), cultura, ciência e tecnologia, repórter mirim, esportes e maluquices. Um caderno em
numeração separada traz três páginas com uma seleção de matérias da edição correspondente
traduzidas para o inglês e uma para a sessão “Canal Aberto”, dedicada a perguntas e cartas dos
leitores. O projeto gráfico da publicação prevê uma imagem de página inteira na capa e, por
sobre ela, o título do jornal, a manchete principal e três chamadas. O miolo é diagramado em
cinco colunas por página, onde se distribuem fotos, ilustrações, infográficos e texto, sendo este
último o que apresenta maior predominância. Nossa análise será centrada somente em pautas
políticas, considerando notícias brasileiras e estrangeiras para estabelecer um parâmetro
comparativo, compreendendo o espaço dedicado, o número de matérias e o conteúdo oferecido.
Nas sete edições verificadas, notamos a temática da política presente em todas os
destaques, mesmo que de forma indireta. A edição 191, com o retorno do Censo 2022, cuja
matéria explicava a importância do recenciamento para a implementação de políticas públicas.
O número 192 tratou da Independência do Brasil, numa perspectiva mais didática e histórica.
Já as publicações seguintes evidenciaram pautas de política internacional – os seis meses de
guerra na Ucrânia (193) e a morte da Rainha Elizabeth II (194). As eleições brasileiras foram
tema de apenas duas edições (números 195 e 197), trazendo o resultado do primeiro e segundo
turno separadas por um número (196) que focava nas formas de exercer a cidadania e a
democracia entre jovens.
Figura 1
Capas do Jornal Joca (edições 191 à 197)
116
O termo “caderno” é utilizado no design gráfico para designar uma folha impressa que pode ser impressa frente-
e-verso e dobrada ao meio, formando um total de quatro página de determinada publicação.
Fonte: Jornal Joca (https://www.jornaljoca.com.br/)
É interessante observar também o grau de complexidade presente nas pautas que tratam
da política brasileira em relação à mundial. Enquanto as notícias nacionais são bastante
simplificadas, restritas a um relato superficial dos fatos, as matérias da editoria internacional
trazem mais nuances, opiniões de diferentes fontes, relatos mais aprofundados. A tabela a seguir
apresenta o lead e o segundo parágrafo de duas matérias – a primeira sobre o resultado final das
eleições presidenciais e a segunda trata da troca de mísseis entre as Coreias:
Tabela 1
Profundidade de conteúdo em comparação
Nominação invisibilizadora
Ao analisar o conteúdo das sete edições publicadas pelo Jornal Joca durante o período
eleitoral brasileiro em 2022, percebemos a existência de um leitor projetado que permanece
como uma criança bem-cuidada e cosmopolita. Ela não é privada de notícias “tristes”, mas elas
acontecem, em maior incidência, do outro lado do mundo. A ausência de pautas políticas, até
mesmo as que tratam questões básicas vivenciadas no cotidiano do leitor, pormenoriza
problemas latentes da sociedade brasileira – saneamento básico, planejamento urbano, saúde,
educação, segurança entre outros. A criança da classe-média permanece “protegida” da
realidade que lhe é próxima enquanto as menos favorecidas, que têm acesso ao Joca por
intermédio da escola, são invisibilizadas. Seu universo simbólico não está ali representado,
perpetuando um ideal de persona interagente a qual ela deveria se formatar.
Se a nominação dinâmica acaba por moldar os grupos aos quais classifica, seriam os
mais abastados uma cópia caricata de uma realidade que de fato não lhes pertence enquanto o
restante permanece na eterna busca para se encaixar na nominação que lhe foi designada?
Estaríamos todos reproduzindo, em um grande efeito dominó, um ideal de infância consumista
e bem cuidada em uma constante reprodução de conteúdo para eles e por eles que nos descolaria
de nosso próprio ethos? Aquele menino do início dessa história, que precisa cuidar do irmão
mais novo para a mãe poder trabalhar não tem tempo para pensar que existem essas questões.
Ele permanece lá, a espera de que nossas abstratas torres de marfim desmoronem para que, com
os pés fincados em nosso próprio chão, possamos finalmente enxergá-lo como ele realmente é.
REFERÊNCIAS
DA REDAÇÃO. Consumo de Ritalina no Brasil cresce 775% em dez anos. Revista Veja.
Saúde. 11 de ago. 2014. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/saude/consumo-de-ritalina-
no-brasil-cresce-775-em-dez-anos/>. Acesso em: 03 set. 2022
DONEDA, L. O jornalismo infanto-juvenil e o caso do Jornal Joca no Brasil in ECCOM. V.
13 n.25. Lorena, SP: 2022. Disponível em: <http://www.publicacoes.fatea.br/ index.php/RAF/
article/view/1460>. Acesso em: 06 Jun. 2022.
Ficção Seriada
Capítulo 37
RESUMO: O artigo discute como há uma mudança no cenário do panorama das mídias no
mundo e no Brasil, com a migração do público da TV aberta para os canais de streaming, como
a Netflix e a Globoplay. Hoje, o modelo broadcasting, típico da TV e rádio massivos, em que
se tinha uma transmissão sem opção de interferência do receptor, há uma audiência cada vez
maior de networking. Os canais de streaming facilitam que o público escolha o programa que
vai assistir, o horário e até se vai utilizar uma TV, um smartphone. Com isso, há uma série de
gêneros e estilos. Os que têm gerado muita audiência são os chamados documentários True
Crime que tratam de retratar crimes que chocaram o país e que são retomados a partir de uma
linguagem mais ágil, adaptada a seriados ou documentários. O artigo analisa estas mudanças a
partir de uma discussão sobre sensacionalismo.
1. INTRODUÇÃO
Desde os mais antigos tempos da humanidade, o ser humano tem o prazer de ver a dor
dos outros, sentir na pele o formigamento dos sentimentos negativos. Os povos da antiguidade
se reuniam para assistir gladiadores sangrando até a morte, Jesus sendo crucificado diante de
uma plateia, como também dois lutadores que se enfrentam em uma luta de arte marcial que
resultam em muito sangue e hematomas em troca de um troféu. Além do esporte, também,
cotidianamente, alguns casos que despertam a atenção das pessoas, como acidentes entre
automóveis ou tragédias.
Estes fatos sempre geraram grande furor nas pessoas, que buscam por este tipo de
conteúdo com o mesmo fascínio pelo sexo. Temos um fascínio maior pelo caos do que
momentos de tranquilidade. Talvez, podemos dizer que para a gente, a paz é chata.
Na visão de Sigmund Freud (1997), pai da Psicanálise, a atração pela violência e pelo
sexo está relacionada às pulsões ou instintos do ser humano. Ele afirma que a estrutura psíquica
do indivíduo pode ser compreendida a partir de três bases: o ID (relativo aos instintos primários,
como fome, sede, pulsão de vida ou sexualidade – EROS, pulsão de morte ou agressividade –
TANATOS etc.), EGO (que remete ao equilíbrio entre as pulsões e as normas sociais e diz
respeito à personalidade do indivíduo) e ao SUPEREGO (as normas sociais que a cultura e a
civilização impõem no sentido de reprimir os instintos do sujeito). Para Freud, mesmo que a
cultura procure controlar as nossas pulsões agressivas e sexuais, há um desejo forte, uma pulsão,
que pode ser deslocado (o que ele conceitua como sublimação ou deslocamento da libido –
energia destas pulsões) para, por exemplo, assistir a filmes eróticos ou violentos, noticiários
que trazem tragédias.
Nesse sentido, conforme aponta o filósofo Edgar Morin (1997), a popularização da
mídia ou da cultura de massa fez com que fossem criadas muitas formas de sublimação para as
pulsões sexuais e agressivas, já que a TV, o cinema e hoje a internet são povoados de imaginário
que remete a estes instintos do ser humano. Além disso, a mídia trouxe um caráter de espetáculo
ainda maior às narrativas de violência, afinal, as indústrias da informação e da cultura, que
obedecem a lógicas de mercado, não vão deixar de entregar ao seu público consumidor o que
ele quer ler, ver e acompanhar. No entanto, um dos grandes e principais responsáveis por
banalizar a vida e a brutalidade da sociedade são aqueles que dizem querer trazer informações
às pessoas. Ou seja, estou me referindo aos documentários sobre crimes reais em alta nos
serviços de streaming GloboPlay e Netflix.
A partir de tais considerações, este artigo discute a popularidade contemporânea de
documentários de crimes reais e sua relação com o jornalismo sensacionalista de grandes
conglomerados. Para isso, serão pautadas as teorias do jornalismo, como a Teoria do Espelho e
a Frankfurtiana, além daquelas que dizem respeito sobre a concentração dos meios de mídia nas
mãos de uma elite capitalista e política, sob a ótica de Venício de Lima (2006) e Suzy dos
Santos (2006), para analisar o tema. Dessa forma, ficará mais clara a correlação entre as áreas
pela Indústria Cultural que deseja apenas maximizar o seu crescimento através de consumo
desenfreado.
Figura 1
Quantidade de acessos no serviço de TV por assinatura
Um dos responsáveis por essa queda, além do custo de assinatura e do conteúdo escasso
da TV, são os serviços de streaming. Aqueles que possibilitam a transmissão de conteúdos pela
internet, sem a necessidade de o usuário fazer download para ter acesso ao filme, música ou
livro. Uma forma rápida e fácil que vem substituindo o conteúdo on-demand do passado,
popularizando-se mais do que a televisão e o rádio.
Nesse contexto, a Netflix foi a progenitora dessa nova forma de compartilhar conteúdo,
no caso, filmes e séries, e ainda hoje é a mais popular no mercado. Dessa forma, os antigos
donos de serviços de televisão vêm tentando conseguir uma fatia desse mercado, como é o caso
do Grupo Globo, que criou o Globo Play.
Isso faz parte do movimento de integração da gestão comercial da Rede Globo e da
Globo.com. Esse movimento, ou processo, de unificar as áreas comerciais de núcleos distintos
dentro da empresa, chamado de “Uma Só Globo”, visa ao “propósito de transformar a empresa
numa media tech”.
3.1 Globoplay
Figura 2
TV por assinatura global e de vídeos online (milhões)
Fonte: DataReportal.
True Crime é um gênero cada vez mais presente no mundo do entretenimento, referente
a produções audiovisuais ou não que contam a história real de crimes. Feminicídios, crimes em
série, desaparecimentos e até mesmo assassinatos infantis são alguns dos variados temas
abordados nessas histórias, que em sua maioria, conversam muito com um conteúdo
jornalístico.
Os primeiros modelos de True Crime surgiram na Grã-Bretanha, por volta de 1550.
Panfletos distribuídos pelas ruas traziam histórias de assassinatos e outros crimes como uma
forma de alertar a população. Contudo, foi nos Estados Unidos que o gênero como conhecemos
ganhou força e se tornou uma forma de entretenimento.
Outubro de 2014, os primeiros episódios de "Serial", podcast de jornalismo
investigativo, foram lançados, criando o que se tornou o primeiro grande sucesso mundial do
formato. Os episódios traziam a história real de um crime que aconteceu em 1999 na cidade
americana de Baltimore e a série em áudio bateu todos os recordes no mundo do podcast e criou
um fenômeno que deu origem inclusive a outros programas debatendo o programa. Há livros,
documentários como “Making a Murderer117”, “The Staircase118” e “Evil Genius119”, histórias
com versões ficcionalizadas de casos que realmente aconteceram, como “Mindhunter 120” e
“American Crime Story121”, para não falar em uma infinidade de podcasts – “Monster” (só
sobre o Zodiac Killer), “In the Dark122” e o brasileiro "Caso Evandro 123"
Aqui no Brasil ele chegou na década de 1970. Os nossos tão conhecidos programas
sensacionalistas surgiram na rádio. Já na TV, programas como Aqui Agora, do SBT, bem como
o Linha Direta da Globo, abriram as portas para o true crime. Globo Play, o streamer brasileiro,
possui podcast como modus operandi, e documentários, por exemplo, sobre o assassinato da
vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes é um dos casos mais chocantes da
história recente do Brasil.
Rafa Rosso é a responsável pelo podcast Apenas um Podcast, e diz que há três principais
fatores que fazem o público se interessar tanto por esse tipo de conteúdo: dicas, prevenção e
também uma espécie de conforto. A primeira coisa que nos faz querer escutar essas histórias é
uma questão de dica, porque você escuta uma história real e consegue pegar dicas de coisas que
aconteceram ali para se prevenir, principalmente como mulher. A segunda é a terapia à
disposição, que é basicamente você olhar cenários que podem acontecer com você e se proteger,
e também projetar cenários que ainda nem aconteceram. A terceira coisa acho que é a questão
de ter um conforto, sabendo de uma narrativa que pode acontecer e saber identificá-la, como
117 Making a Murderer: Um homem é inocentado por provas de DNA após anos na prisão. Sua busca por justiça
mostra o lado podre das autoridades da cidade.
118 The Staircase: A vida do escritor Michael Peterson é vasculhada quando sua esposa morre misteriosamente
119 Evil Genius: um verdadeiro documentário de crime de 2018 sobre a morte de Brian Wells, um incidente de
alto perfil de 2003 muitas vezes referido como o caso "bomba de colarinho" ou "bomba de pizza"
120 Mindhunter: Dois agentes do FBI expandem as fronteiras da ciência criminal nos anos 70 com um perigoso
Jornalismo investigativo seriado da APM Reports, com a apresentadora Madeleine Baran e uma equipe de
repórteres.
123Caso Evandro: No dia 06 de abril de 1992, na cidade de Guaratuba, no litoral do Paraná, o menino Evandro
Ramos Caetano, de apenas 6 anos de idade, desapareceu. Poucos dias depois, seu corpo foi encontrado sem as
mãos, cabelos e vísceras. A suspeita: foi sacrificado num ritual satânico.
uma situação de manipulação, por exemplo. É um conforto saber o que pode acontecer com
você (Rafa Rosso, “True crimes: por que crimes reais despertam tanto interesse nas pessoas?”)
Além disso, podemos buscar uma explicação do sensacionalismo através de Danilo
Angrimani (1995) que explica de forma didática o sensacionalismo pela ótica freudiana. Freud
apresenta o ego como instância capaz de perceber os instintos e dominá-los.
O pai da psicanálise explica que o id seria a fonte das pulsões dos indivíduos e seu
conteúdo é sempre inconsciente. “O id é totalmente amoral, o ego se esforça em ser moral, e o
superego pode ser hipermoral” (FREUD apud ANGRIMANI, 1995, p.44). De acordo com
Angrimani (1995), o conceito de superego está relacionado às normas que visam inibir os
impulsos instintivos e Freud (1997) também ressalta que a relação do ego e do superego é de
total submissão.
Dessa forma, o ego está em estado de conflito permanente com o id e ao mesmo tempo
com o superego e na visão de Angrimani (1995) em uma correlação com a vida cotidiana, a
recusa das satisfações pulsionais cria uma abstinência que leva o indivíduo a buscar alternativas
para sublimar suas frustrações. Em suma, Angrimani (1995) aponta a psicanálise como um meio
para entender tais fenômenos da cultura de massa. Um tema que iremos aprofundar no próximo
tópico.
Ademais, podemos citar Morin (1997) e os fait divers. Essa palavra se refere ao é uma
expressão de jargão jornalístico e, por extensão, um conceito de teoria do jornalismo que
designa os assuntos não categorizados nas editorias tradicionais dos veículos. De acordo com o
pensador, revela a presença de paixão, de morte e do destino. Essa vedetização, de acordo com
Morin (1997), é realizada pela mídia com o intuito de sublimar os instintos e as pulsões do
público que domina as extremas virulências de suas paixões, proíbe seus instintos e se abriga
contra os perigos. A imprensa da cultura de massa abre suas colunas para os fatos variados -
fait divers, que, apesar de não estarem necessariamente relacionados a fatos de relevância ou
que informem sobre o próprio andamento do mundo, se justificam por seu valor emocional,
logo, de venda.
Morin (1997) observou ao longo de seu tempo de análise dos meios de comunicação
uma transformação da indústria jornalística de uma forma de compartilhar informações para
parte da indústria cultural estabelecida nos pensamentos da Escola de Frankfurt. Em vez de
retratar o que acontece, o jornalista tende a espetacularização da notícia para torná-la em um
produto mais atrativo. Jornalismo possui, hoje, um cunho mercadológico.
Como um mercado, o jornalismo precisa produzir produtos para vender. De acordo com
Morin (1997), a própria imprensa seleciona os acontecimentos que são mais carregados de
intensidade afetiva, buscando a substância romanesca e dramática camuflada nas informações.
Nesse sentido, temáticas próprias da linguagem cinematográfica como aventura, a proeza, o
amor e a vida privada são igualmente privilegiadas junto à informação. E como pensar no jornal
como um livro fantasioso, com a diferença que é real.
Lucinaldo dos Santos Rodrigues (1999) compara o trabalho jornalístico como uma
esteira das grandes fábricas automotivas, definidos como percepção, seleção e transformação
de uma matéria prima, ou seja, de meros acontecimentos no produto notícia. Rodrigues destaca
que, quanto menos previsível for um acontecimento, mais chances têm de se tornar notícia.
Por sua vez, Christianne Gomes (2004) afirma que o principal critério de decisão sobre
o que é ou não é notícia continua sendo a capacidade que uma informação de despertar interesse
do público pelo diferente. Pode-se exemplificar através de quando um juiz aplica a pena
máxima, a ocorrência de um grande massacre, o melhor ou pior resultado de algo, pessoas muito
obesas, número máximo ou mínimo de pessoas, crueldade ou bondade em excesso.
Dessa forma, podemos trazer uma relação com os documentários em alta. O gênero True
Crime está intrinsecamente ligado aos fatos menos previsíveis do nosso cotidiano, no caso,
crimes violentos que não acontecem, felizmente, não normalmente e por isso, causam interesse
no público.
Os crimes documentados pelo “Modus Operandi” ou pelo “Caso Evandro”já foram
relatados através de jornais, escritos por jornalistas que buscam não apenas relata o ocorrido,
mas também atrai atenção de pessoas para os seus textos. Trata-se de um produto, e não apenas
um relato, assim como Habermas (1984) frisou na Teoria de Frankfurt, em que as empresas por
trás da grande mídia possuem interesses lucrativos e mantêm o sistema econômico vigente.
Figura 4
Manchete sensacionalista do Caso Evandro
https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1711613351925160-manchetes-sensacionalistas-
marcam-cobertura-de-crimes-veja-exemplos-resgatados-pelo-caso-evandro
O jornalismo faz parte desse sistema ao mesmo tempo que segue tendências que vão
gerar engajamento. No Brasil, a mídia é repleta de violência em todos os segmentos. A iniciativa
Paz na Mídia analisou mais de 200 mil matérias veiculadas pelos 4 principais telejornais
nacionais (Jornal Nacional, Jornal do SBT, Jornal da Band e Jornal da Record) entre
novembro de 2013 e março de 2022 e constatou que 54% do tempo foi dedicado a assuntos
negativos.
Nisso, podemos entrar no âmbito do sensacionalismo no jornalismo. De acordo com
Danilo Angrimani (1995), essa área é comumente vista pelo público como vindo de situações
em que os meios de comunicação tenham cometido um deslize informativo ou tenha cometido
exagero na coleta de dados. É por meio da exploração das perversões, fantasias, da descarga de
recalques e do sadismo que a espetacularização mexe com o público. Ele também ressalta que
os três níveis de maior enfoque de um jornal sensacionalista são o escândalo, sexo e sangue.
Ainda falando sobre a ótica do Angrimani (1995), jornais sensacionalistas trazem todos
os dias notícias violentas e com elas a morte em suas páginas. A morte traz, além de garantir
vendagem, um estímulo que faz o leitor sair de sua casa para comprar um jornal que estampa
em suas páginas cadáveres perfurados à bala, decapitados, atropelados, perfurados,
ensanguentados.
A morte pode tanto fazer rir, como atrair o sentimento sádico de vingança, de punição,
ou seja, o jornal mata quem o leitor gostaria de ter matado, uma ideia semelhante ao pensamento
da Walleska, uma “forma transmutar aquela violência que todos temos dentro de nós”. Para
Angrimani (1995), a técnica que o jornal sensacionalista usa para tratar a morte muitas vezes
se assemelha à da piada. Trágico e cômico.
A violência também é uma forte característica presente num jornal sensacionalista.
Angrimani (1995) ressalta que o assassinato, o suicídio, a vingança o abuso, a tortura, as formas
de agressão sexual, entre outras, ganham destaque nesses jornais.
Dessa forma, podemos voltar ao que Habermas (1929) argumentou sobre a atual fase
do jornalismo, o “jornalismo no auge da empresa capitalista”. Os meios de comunicação sempre
estiveram aliados à casta mais alta da sociedade, no caso no bloco capitalista, a burguesia, e
desde então grandes grupos monopolizam o mercado editorial. Como empresas, principalmente
Conglomerados de Mídia em um “Coronelismo Midiatico”, os jornais priorizam — como já
mencionado — tendência que proporcionarão lucro.
A imagem de um cadáver, títulos sobre um assassino, a biografia do criminoso. Como
um documentário ou filme sobre os famosos casos de homicídio em série, o jornal lucra com o
caos alheio.
A Netflix traz o caso da morte da família Watts em 2019 no filme “Cenas de um
homicídio: uma família vizinha”, elogiado por um dos jornais mais importantes do Estados
Unidos, The New York Times, como “Com um cuidado e uma delicadeza inegável".
“Sequestrada a Luz do Dia” conta a história do duplo sequestro da pequena Jan pelo mesmo
homem.
O exemplo mais interessante vem do próprio Grupo Globo, conhecido por seus jornais,
com seu serviço de streaming Globo Play, apresentando vários casos nacionais. Caso Evandro,
documentário que investiga o crime que ocorreu em 1990 no Paraná e teve como vítima o garoto
Evandro Ramos Caetano. “Em nome de Deus" João Teixeira de Faria, ou mais conhecido como
João de Deus, líder espiritual acusado de abuso sexual por mais de 300 mulheres. Temos
também um documentário que relata o caso “Marielle”, uma vereadora morta a tiros que até
hoje não tem resolução.
Assim, o cinema é um elemento que contribui para perpetuar os crimes no imaginário
das massas e essa, por sua vez, alimenta a indústria cultural responsável pelas produções de true
crime. Morin (1997) vê o outro lado do sensacionalismo que, para ele, é tão mais privilegiado
do que é espetacular. “As grandes catástrofes são quase cinematográficas, o crime é quase
romanesco, o processo é quase teatral” (MORIN 1997, p. 100).
Aqui, ressalto o ponto negativo do tipo de atenção que um crime de grande repercussão
pode ter é o impacto em familiares, envolvidos e até em toda uma comunidade em que o caso
se passou. O anúncio de que estava sendo feito dois filmes sobre o caso de Suzane Von
Richtofen acusada de organizar a morte dos pais, “O Menino que Matou Meus Pais 124” e “A
Menina Que Matou Os Pais” dividiu opiniões. "Os casos reais são traumáticos para vítimas que
sobreviveram e familiares. As pessoas veem (o assassino) como uma pessoa famosa" —
transformando-os em olimpianos.
E como fica o jornalista responsável pelo sensacionalismo que traz violência ao público
e enfraquece o sistema? A resposta está na Teoria do Espelho, ou seja, protegido pela ética
jornalística.
Embora Traquina (2001) afirme que o papel do jornalista é definido como o do
observador que relata com honestidade e equilíbrio o que acontece, e deve ser cauteloso em não
emitir opiniões pessoais, a principal crítica a essa teoria é justamente que serve como um escudo
ao profissional. Ele não tem responsabilidades pelo o que escreve, pois está sendo neutro, logo,
sem juízo de valor, apenas realizando seu trabalho.
Apesar de a defesa valer, os jornalistas precisam se defender de críticas e processos, por
isso a existência dos rituais de objetividade do jornalismo — apresentação de possibilidades de
conflitos, de provas auxiliares, uso abundante de aspas —, nem sempre todos usam disso. Como
mencionado, o lucro fala mais alto, logo, apresentar uma história que engaja vale mais que
garantir a veracidade da notícia.
Angrimani (1995) ressalta que dar mais enfoque a determinadas notícias que
comumente teriam apenas três linhas em jornais não sensacionalistas ocorre devido ao próprio
termo “sensacionalista” que sempre aumenta um fato que não necessariamente seria
sensacional. Para o autor, ao fazer esta prática, o jornal apenas está satisfazendo a um desejo
específico de seu público.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os documentários sobre crimes reais chegaram e vão ficar em alta enquanto o público
continuar injetando dinheiro nesse produto da Indústria Cultural. Nesse sentido, Globo Play e
Netflix, dois grandes conglomerados, entram na nova tendência e produzem mais e mais para
124 O Menino que Matou Meus Pais: Em 2002, Suzane Von Richthofen e Daniel Cravinhos chocaram o Brasil por
serem os responsáveis pelo brutal assassinato dos pais de Richthofen
suprir a demanda do True Crime, logo a carência por violência. Esse gosto e produções revelam
como Habermas acertou ao considerar o Jornalismo integrado ao mercado, e ainda mais, colocar
os Editoras como empresas que priorizam o lucro ao escolher quais fatos serão narrados, logo,
Sensacionalistas.
As teorias de Frankfurt e do Espelho no âmbito da comunicação social – jornalismo —
contribuem bastante para entender o atual cenário social e cultural que estamos vivendo quanto
ao jornal, e para qual caminho estamos indo em direção caso as notícias sejam feitas visando
interesses de massa e não uma necessidade.
REFERÊNCIAS
ANGRIMANI SOBRINHO, Danilo. Espreme que Sai Sangue: um Estudo Sensacionalismo
na Imprensa. São Paulo: Summus, 1995.
LIMA, Venício. Mídia. Crise Política e Poder. São Paulo: Perseu Abramo, 2006.
MATOS, Cristina Maria Martins de. Da TV aberta ao streaming: uma discussão sobre os
novos modos de ver. Rio de Janeiro, Dissertação de Mestrado, 2019.
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. Neurose. Rio de Janeiro: Editora Forense
Universitária, 1997.
SANTOS, Susy dos. E-Sucupira: O coronelismo eletrônico como herança do coronelismo nas
comunicações brasileiras. E-Compós, Revista da Associação Nacional de Pós-Graduação em
Comunicação, v.7, dez. 2006, p.1-27.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Editora Civilização
Brasileira, 1999.
TRAQUINA, Nelson. Estudos do Jornalismo no século XX. São Leopoldo: Editora Unisinos,
2001.
Capítulo 38
RESUMO: O artigo traz uma análise sobre o seriado “Jane The Virgin”, exibido na plataforma
Netflix, que já teve cinco temporadas, com 20 episódios cada e narra a história de Jane, uma
jovem virgem que é engravidada por um acidente médico. Para mais, há uma discussão sobre a
composição da teoria, do seu histórico, das suas propostas, e das estratégias dela que foram
utilizadas para que o produto cultural fizesse tanto sucesso, tais como a padronização, o
maniqueísmo e a construção de estereótipos a partir dos argumentos da Teoria Crítica
formulada pela Escola de Frankfurt bem como identificar elementos da cultura de massa a partir
da Teoria Culturológica, do filósofo francês Edgar Morin (1997).
PALAVRAS-CHAVE: Jane The Virgin; Indústria Cultural; Cultura de massa; Ficção Seriada.
1. INTRODUÇÃO
Baseada na novela venezuelana de 2002 “Juana la virgen”, Jane the Virgin estreou,
originalmente, na emissora The CW Television Network em 2014. A série, que conta a história
de uma jovem virgem de 23 anos que foi inseminada artificialmente por engano, ganhou dois
prêmios em 2015: o Peabody Award Entertainment e o People 's Choice Award - Nova Série
Cômica. Além disso, dois de seus atores, Gina Rodriguez e Jaime Camil, foram responsáveis
por conquistar três prêmios que vangloriaram suas habilidades de atuação no show.
O seriado possui, ao todo, cinco temporadas, e cada uma delas conta com, em média,
20 episódios. Ao longo destas, o público acompanha a vida da personagem principal Jane, que,
ao passar por diversas reviravoltas em sua história, tem sua vida muito comparada às famosas
e dramáticas telenovelas mexicanas.
A partir disso, este trabalho terá como enfoque principal a discussão das contribuições
da Teoria Crítica/Escola de Frankfurt e dos conceitos de produtos culturais, cadeias produtivas,
Indústria Cultural e suas estratégias - padronização, estereótipos, maniqueísmo e hierarquização
do produto cadeias produtivas, sistema harmônico - e pseudo-individualidade e dos argumentos
levantados em relação à cultura de massa pelo filósofo francês Edgar Morin (1997).
Na concepção do filósofo francês Edgar Morin (1997), apesar de concordar com a forte
industrialização da esfera da arte e da cultura, não se deve dar tanto poder à indústria cultural.
Ele acredita que, mesmo com uma forte padronização e apelo mercadológico, ainda existem
brechas à inovação e à arte. No livro “Cultura de massas no século XX. Neurose”, escrito ainda
na década de 60 do século XX, Morin (1997) conceitua a cultura de massa e aponta as
características desta nova cultura, que é gerada pela mídia.
Para Morin (1997), a cultura de massa deve ser entendida como um tipo de sistema de
cultura, que possui um conjunto de símbolos, valores, mitos e imagens que se relacionam tanto
a questões da própria vida cotidiana do indivíduo como também permeiam o imaginário
coletivo. Ele estabelece uma visão ponderada, entendendo que há pontos positivos na cultura
de massa, como a democratização no acesso aos bens simbólicos, mas também concorda que o
caráter fortemente mercadológico faz com que os produtos sejam uma válvula de escape de
uma realidade frustrante.
O autor aponta várias características da cultura de massa. Ele chega a tratar de 16
elementos da cultura de massa. No caso em análise – o seriado, focaremos em algumas
características. Uma das principais características é a emergência dos olimpianos da era
moderna ou mitos, que são as celebridades, que têm uma dupla natureza – divina e mortal. São,
por exemplo, os atores, cantores que se tornam em exemplos de ideias de vida. Geralmente, os
atores que trabalham com teledramaturgia tornam-se grandes ícones da cultura de massa.
Outro elemento é o “Grande Público”, que busca a homogeneização e padronização das
temáticas para atingir o maior público possível, apropriando, por exemplo, de conflitos que são
universais. Tem-se, nesse sentido, uma diversidade de temas, o fim das barreiras entre os
estratos sociais, a criação de programas voltados para mulheres e crianças, a junção da realidade
e da ficção. Um seriado visa, por exemplo, romper as barreiras entre pessoas novas e velhas,
visando torná-los todos como audiência.
O “Happy end e simpatia” é um elemento forte da cultura de massa, bastante explorado
em seriados que precisam oferecer um final feliz para o público. Morin (1997) elenca outros
elementos bastante explorados na cultura de massa, como o eros cotidiano, amor e juventude,
que, de certa forma, estão relacionados. O erotismo faz com que eleve a audiência, assim como
a busca de personagens jovens para gerar identificação e projeção no público.
A série Jane The Virgin conta a história de Jane Gloriana Villanueva, uma jovem
católica que, aos 23, descobre que, apesar de ainda ser virgem, está grávida. No decorrer do
primeiro episódio, o contexto dessa gravidez misteriosa é explicado: uma ginecologista,
perturbada por seus próprios problemas pessoais, inseminou artificialmente a personagem
principal de forma acidental.
Tomando como base as populares “novelas mexicanas”, cheias de expressividade,
romance, drama e tramas paralelas, o seriado, atualmente exibido no catálogo da plataforma de
streaming Netflix, conta com um enredo cheio de plot twists e personagens caricatas.
De acordo com a Teoria Crítica, a Indústria Cultural faz-se interessada na produção em
massa de bens culturais, visto que tudo, inclusive a subjetividade, deve ser mercantilizado e se
torna produto dessa indústria. Portanto, até mesmo as ideias passam a ser industrializadas, isso
porque a Economia e a Cultura perdem sua autonomia relativa e encontram-se cada vez mais
fundidas. Há, consequentemente, o desenvolvimento de um só movimento, e o capital se
apropria da atividade cultural, visto que o lucro se torna mais importante que o produto cultural
em si. Dito isso, a produção cultural se torna uma atividade econômica, em detrimento de um
processo criativo. Nesse sentido, segundo Adorno e Horkheimer (2000), dois dos principais
expoentes da Teoria Crítica, o produto cultural seria uma imitação e continuidade da realidade,
proibindo a atividade intelectual do espectador.
Ao analisar de forma crítica a série Jane The Virgin, pode-se observar que, apesar de
grandes reviravoltas na trama dela, a produção segue a mesma fórmula melodramática
anteriormente vista em célebres telenovelas do tipo mexicano como: “Maria do Bairro”, “A
Usurpadora” e “Marimar”. Assim, mais uma vez comprovam-se as teorias de Horkheimer e
Adorno, já que haviam dito também que “todos os detalhes têm os mesmos traços e, desde o
início da obra, já se conhece o fim”. O seriado apresentado é feito para que, mesmo já
conhecendo o tipo de obra a qual “Jane the Virgin” foi inspirada, o espectador possa dar boas
risadas e, em alguns momentos, até mesmo se emocionar com as personagens enquanto passa
horas em frente à sua televisão ou computador consumindo de forma passiva a aquele conteúdo.
Ainda sobre a Indústria Cultural, percebe-se, por conseguinte, a transformação da
mercadoria em matriz do modo de vida e da cultura em mercadoria. Além disso, de início,
houve a produção e adaptação de obras de arte segundo um padrão de gosto bem-sucedido e o
desenvolvimento de técnicas para colocá-las no mercado. Faz-se, ainda, uma colonização pela
publicidade, chegando à conversão em mecanismos de mediação estética do conjunto da
produção mercantil. Por isso, todos são coagidos a passar pelo filtro da Indústria Cultural. Essas
características perpassam outras áreas da comunicação também, como o consumo de notícias e
a formação de opinião. Tal atividade passa a ocorrer de forma mercadológica, visto que o capital
invade o processo de construção social de sentido, pondo fim, então, a distinção entre estrutura
e superestrutura.
Ademais, na era da Indústria Cultural, o indivíduo deixa de exercer autonomia sobre sua
própria existência, já que passa a haver um conflito entre impulsos e consciência que é
solucionado com a adesão acrítica aos valores impostos. Por isso, quanto mais o espectador se
preocupa em tentar controlar as coisas, mais elas o dominam e ele perde seus traços de
individualidade.
Outro aspecto presente na sociedade moderna é que os seres humanos que dela fazem
parte vivem uma vida pré-programada, tanto em relação ao lazer como em relação ao trabalho.
Isso porque, mesmo em seus momentos de lazer, quando alcançam a fuga da monotonia de seu
trabalho, eles apenas se transformam de produtores para consumidores. Ou seja, o trabalhador
que, até então, ocupava seu tempo produzindo, agora, nesse caso, ocupa seu tempo consumindo
o seriado Jane The Virgin. Melhor dizendo, esses indivíduos não se tornam livres e
contribuintes para a sociedade, nem no trabalho, nem em suas atividades recreativas.
Além do mais, o sujeito torna-se, por meio da busca pelo seu próprio interesse
econômico, como todas as outras pessoas: sua individualidade é definida pelo acúmulo de
“coisas”. Assim, a individualidade é voltada somente ao interesse próprio e ao poder sobre as
coisas, ignorando, portanto, todos os outros aspectos que compõem um indivíduo - como seu
intelecto, por exemplo. Esta é substituída pela pseudo-individualidade, e o sujeito passa a
encontrar-se vinculado a uma identidade sem reservas com a sociedade.
Para mais, a indústria cultural apresenta-se como um sistema harmônico, no qual todos
harmonizam entre si, mesmo que sob uma aparente concorrência, e todo ato de contestação
pode ser uma forma de fortalecer o produto. Isso se dá quando, por exemplo, ao utilizar a tiara
característica de sua personagem Valéria, da novela originalmente mexicana “Carrossel”, a atriz
Maísa Silva faz, mesmo que indiretamente, uma propaganda do acessório, haja vista que, a
partir disso, a venda e procura por esse produto aumentou exponencialmente. Em Jane The
Virgin não é diferente: ao trazer, ao longo dos episódios, participações ilustres como Britney
Spears, Bruno Mars e Kesha, a série faz, de certa forma, uma propaganda desses artistas para o
público alvo dela, ao mesmo tempo que recebe para si uma nova audiência proveniente dos fãs
desses cantores. Dessa forma, ambas as partes contribuem e são contribuídas nesse sistema de
fato harmônico.
O termo “Indústria Cultural”, objeto de estudo da Teoria Crítica, foi criado pelos
filósofos alemães Max Horkheimer e Theodor Adorno, estudiosos da Escola de Frankfurt. Ele
refere-se à cultura que nasce das massas, em que tudo é representado de forma planejada para
condicionar a reação e o consumo do espectador. Por exemplo, um filme que contém músicas
em inglês é direcionado a um público mais culto, na intenção de mantê-los, uma vez que tal
melodia não fará tanto sentido para um mais simples.
Nesse cenário, a Indústria oferece sempre a representação do mesmo sob formas
diferentes. O espectador não é visto como autônomo, e não deve agir pelas próprias noções;
qualquer conexão lógica que exigir perspicácia intelectual é evitada e tudo é planejado e
repetido em um padrão. Tudo isso é prova de que a cultura das massas é propositalmente
manipuladora: em todos os produtos há uma mensagem oculta, que é mais importante, já que
escapa ao controle da consciência, colocada lá para gerar uma reação específica.
Ademais, a maioria das produções visa reproduzir a mediocridade, a inércia intelectual
e a credibilidade, para colocar o espectador, sem ele saber, na situação de absorver ordens,
indicações e proibições. Dessa forma, as estratégias da Indústria Cultural permeiam essas
características e são: padronização, criação de estereótipos, maniqueísmo, hierarquização do
produto e pseudo-individualidade.
Em primeiro lugar, com um forte culto ao que é esteticamente belo, existe uma grande
padronização no que é produzido. Com a função de transformar a arte para o consumo, a
Indústria Cultural realiza produtos que já sejam aceitos pela sociedade - de acordo com a visão
pessimista dos autores, ela não aceita outra coisa a não ser o que é considerado bom -, o que
também prejudica os artistas, que ficam sem espaço para inovar; as histórias são as mesmas,
com, apenas, personagens com nomes e cenários diferentes.
Em outro viés, a padronização faz com que um espectador já inicie um filme sabendo
como ele irá acabar e, assim, fique feliz quando confirma as suas previsões, uma vez que já se
prepara inconscientemente para as emoções que sentirá ao fim do tempo em que assiste. A título
de exemplo, ao escolher um filme de terror, o indivíduo já espera se assustar e ver momentos
de tensão, da mesma forma como, ao escolher um de comédia, espera sentir-se leve e entretido.
Quando isso não acontece, critica.
O sistema torna tudo em mercadoria, e nega a criatividade, a imaginação e o raciocínio,
entregando cenas prontas e quase ou nenhum desafio. Uma grande estratégia para isso é a
adoção de uma linguagem simples e facilmente compreensível.
Há também a padronização de gostos, estilos e de beleza. Um modelo é tido como referência e
deve ser seguido pelos outros, para que eles sejam considerados bons e capazes. No cenário
atual, mulheres “devem” ser magras; homens, fortes; o que deveria ser escolhido por atração,
ou seja, de forma natural aos instintos do ser humano, é domesticado e as pessoas passam a ter
um padrão para se excitar, como os galãs de novela que todo dia reforçam que as suas aparências
são as melhores e únicas que devem e podem ser aclamadas.
Os produtos servem como refúgio, então, para os problemas do cotidiano dos
indivíduos, que os utilizam para fuga e para exercer controle, sabendo como o filme ou série
será. Por outro lado, também servem para reforçar estereótipos e hierarquizar produtos.
Um celular de luxo é exibido de várias formas e de modo a reforçar que é possível
alcançar a felicidade tendo ele, fazendo com que os indivíduos os vejam como necessário. Estão
aí estereótipos: tal celular é o melhor e, logicamente, outros são ruins, logo, quem não o tiver,
não ficará satisfeito. Para mais, o indivíduo vê de forma hierarquizada: quem tem mais
condições que ele pode ter o produto, ele não. Por isso, também, a Indústria Cultural é acusada
de domesticar e privar o ser humano, ao passo que o submete à frustração quando este volta à
realidade e vê que não possui o que os outros possuem.
Existe também o maniqueísmo, que é a polarização, a divisão entre o bem e o mal. Ou
personagens são bons, ou são maus e os bons sempre vencem e têm um final feliz. Além disso,
esses têm características comuns a todas as pessoas, qualidades que são admiradas e defeitos
que geram identificação.
Por fim, a pseudo-individualidade é a tentativa de fazer com que o indivíduo pare de
existir de forma autônoma; ele encontra-se vinculado à identidade social, ao coletivo. Por isso,
o consumidor, ao contrário do que a indústria o faz crer, não é realmente tratado como soberano
e sim um objeto nas mãos do capitalismo. A premissa básica é a de que a sociedade é sempre
vencedora e o indivíduo não passa de um fantoche manipulado pelas normas sociais.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CINEMA, Adoro. Jane The Virgin. Adoro Cinema, [S. l.]. Disponível em:
https://www.adorocinema.com/series/serie-17264/audiencias/. Acesso em: 16 jun. 2022.
GONÇALVES, L.P. et al. Teoria Crítica e Indústria Cultural, [S. l.], p. 1, 2019. Disponível
em: https://www.studocu.com/pt-br/document/universidade-federal-de-sao-joao-del-
rei/comunicacao-social-jornalismo/teoria-critica/4752444. Acesso em: 16 jun. 2022.
INDUSTRIA Cultural. In: Indústria Cultural. Uol: Marco Oliveira. Disponível em:
https://mundoeducacao.uol.com.br/filosofia/industria-cultural.htm. Acesso em: 14 jun. 2022.
MORIN, Edgar. Culturas de massas no século XX. Neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997.
OLIVEIRA, Luiz Ademir de. Apostila de Teorias da Comunicação. São João del-Rei, 2022.
Capítulo 39
RESUMO: A série Maniac, lançada em 2018 pela plataforma de streaming Netflix, faz o uso
de diversos aspectos da cultura de mídia e massa, de forma que a série seja atrativa para o
público, mas aborda questões relacionadas à mente humana e sociedade em que vivemos. O
artigo busca analisar os aspectos das culturas de massa dentro da série, assim como questionar
o efeito que estes trazem a série.
1. INTRODUÇÃO
2. ESTRUTURA NARRATIVA
A trama gira em torno de Annie Landsberg (Emma Stone) e Owen Milgrim (Jonah Hill),
que estão sendo cobaias em um teste de um medicamento alucinógeno. Nesse experimento
aliado à terapia conduzida por médicos questionáveis, ao ingerir três pílulas (A, B e C), os
pacientes têm seus dados escaneados por um supercomputador, chamado GRTA, interpretando
várias versões de si em diferentes cenários que vão desde uma realidade fantasiosa com elfos e
bruxas até uma trama noir de espiões se digladiando por um artefato raro. Entre os pontos em
comum, os dois têm a origem de seus traumas conectados de alguma forma com suas famílias.
Annie Landsberg, que acumula as dores do abandono de uma mãe disfuncional é diagnosticada
com transtorno da personalidade borderline e usa a droga para ficar a maior parte do tempo
desconectada da realidade, evitando confrontar os sentimentos de luto pela morte de sua irmã
Ellie.
Já Owen foi diagnosticado com esquizofrenia paranoide, ouve vozes, sofre alucinações
criando ilusões e perigos que não existem acreditando ser o herói com o poder de salvar as
pessoas. Mesmo sendo rejeitado pela família, Owen está sendo empurrado para mentir em um
tribunal, salvando a pele do irmão que nunca o tratou dignamente.
Outros personagens importantes são a Dra. Azumi (Sonoya Mizuno) e Dr. James (Justin
Theroux), ocupando cargos importantes e reconhecidos, mas tão emocionalmente
incompetentes e confusos quanto aqueles que buscam tratar.
A máquina GRTA criada pelos cientistas Muramoto (Rome Kanda) e James, é utilizada
em conjunto com as drogas A, B e C para adentrar a mente dos voluntários do estudo. Contudo,
a máquina Gertie demonstra ter sentimentos ao entrar em depressão após a morte do Dr.
Muramoto, com quem mantinha uma relação.
Os irmãos dos personagens principais, são Jed Milgrim (Billy Magnussen) brilhando
como o irmão constrangedor de Owen e, paralelamente, como uma alucinação do protagonista
e Ellie Landsberg (Julia Garner) que também enfrentava problemas psicológicos.
Episódio 1: O escolhido
Filho de um dos casais mais ricos da cidade, os Milgrim, Owen se sente a ovelha negra
da família por ter sido diagnosticado com esquizofrenia. Ele está sendo pressionado por sua
família para se posicionar a favor de seu irmão em corte e acaba de perder o emprego, esses
acontecimentos fazem com que ele decida participar de um teste de uma droga experimental
que promete o curar.
Episódio 2: Moinho de vento
Annie, que após eventos traumáticos ficou viciada em barbitúricos, ou a mais conhecida
fase B, encontra uma maneira de ter acesso a drogas. Ela acaba chantageando uma das
funcionárias da empresa para conseguir entrar no teste para a droga experimental.
Episódio 3: Um dia daqueles
Ao perceber irregularidades nos resultados do primeiro teste da droga, Muramoto, que
está à frente dos testes, decide interrogar Owen e Annie. Após descobrir que Owen não havia
usado a droga na primeira fase de testes, Muramoto o força a fazer o teste, dessa vez, usando a
droga, e ele se lembra da pior noite da vida dele.
Episódio 4: Peles do Sebastian
Na segunda fase do teste, quando Annie e Owen usam a pílula B, têm alucinações em
conjunto e se encontram em um cenário peculiar. Ambos são casados, vivem em Long Island
nos anos 80 e precisam enfrentar uma família de contrabandistas de animais para encontrarem
um lêmure muito importante.
Episódio 5: Exatamente como você
A máquina do GRTA começa a demonstrar laços com quem está fazendo parte dos
testes. Ainda na fase 2, Annie e Owen se tornam Arlie e Ollie, golpistas dos anos 40. Para
encontrar um livro de grande importância, eles se encontram um uma sessão espírita na mansão
Neberdine.
Episódio 6: Sérios problemas de estrutura
A máquina, criada por James e espelhada em sua mãe, apresenta problemas. Além de
criar conexões com as pessoas que fazem os testes, está sofrendo de uma terrível depressão.
Azumi encontra uma possível solução, a mãe do cientista deveria conversar com a máquina.
Episódio 7: Isto não é uma furadeira
Ao tomar a pílula C, Owen e Annie se separam nas alucinações. Enquanto Annie é uma
meia elfa que guia uma princesa elfa doente até uma possível cura, Owen faz parte de uma
família mafiosa.
Episódio 8: O Lago das Nuvens
Annie segue em sua missão. Enquanto isso, o pai mafioso de Owen faz exigências, ele
deve proteger sua família acima de tudo, e deixar todo o resto da sua vida de lado. Owen percebe
que algo está errado e vai atrás de Annie.
Episódio 9: Utangátta
Owen e Annie encontram-se novamente. Dessa vez, Owen é um espião islandês e Annie
uma agente da CIA. A máquina apresenta sérios riscos para alguns dos participantes, a mãe de
James o implora para que pare o teste, mas a máquina recusa a ordem de todos.
Episódio 10: Opção C
Após a alta dos pacientes, James e Azumi confrontam o CEO da organização e acabam
ficando desempregados. Owen e Annie se separam. Em corte Owen decide que fazer o que é
certo é mais importante que proteger sua família. O caso repercutiu nas mídias, e assim, Annie
conseguiu reencontrá-lo.
2.3 Público-Alvo
O público alvo que a série pretende atingir é bem variado. Apesar de ter um foco maior
naqueles que gostam de ficção científica, distopias e questões relacionadas à psicologia, ela
pode ser direcionada a qualquer indivíduo que queria mergulhar na autodescoberta.
Ao apresentar dois personagens tão diferentes, ambos com transtornos psicológicos,
mas que ainda assim se beneficiam do fato de explorarem suas mentes, ele chama atenção do
público. A ideia de deixar nas entrelinhas que todas as realidades possuem problemas que
merecem ser confrontados apela para todas as pessoas que pensem minimamente sobre o
assunto.
Além disso, seu viés carregado e complexo atiça a curiosidade daqueles que gostam de
uma trama com um desenrolar surpreendente e cheio de camadas a serem desvendadas.
Trazendo, dessa forma, ainda mais público para o seriado.
Figura 3
Figura 4
Figura 5
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das questões analisadas ao longo do trabalho, é possível observar que o seriado
Maniac, lançado pela Netflix em 21 de setembro de 2018, faz o uso de diversos aspectos da
cultura de massa e mídia para se tornar atrativo ao público e para discutir questões profundas
relacionadas a mente humana e a sociedade contemporânea.
A obra trata de assuntos delicados e chama a atenção ao explorar questões tão comuns
agora, como vícios e o status quo, em um futuro distópico que não muito se distancia da
realidade em que vivemos. Mesmo com a ausência de mídias sociais, os problemas enfrentados
pelos protagonistas passam pelos mesmos questionamentos presenciados por qualquer ser
humano no século XXVI independentemente de sua classe social.
Além disso, ela representa de maneira aprofundada como fugir de tais questões pode acabar por
torná-las ainda mais complexas de se enfrentar e que, mesmo que o enfrentamento seja
doloroso, é necessário que passemos por ele para enfim chegarmos a uma solução.
REFERÊNCIAS
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. Neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997.
Capítulo 40
RESUMO: A ficção científica mantém constante diálogo com a evolução da ciência. Isso faz
com que, apesar de muito diferentes em certos aspectos, ela se assemelhe com o jornalismo.
Ambos, ficção científica e jornalismo, buscam por seus meios explorarem a verdade. Um tema
muito comum na ficção é o planeta Marte, constantemente retratado através de décadas. Nas
obras sobre o planeta vermelho, é possível observar características geográficas, de solo,
atmosféricas e climáticas, descritas em textos acadêmicos e noticiadas pela imprensa. O que a
ficção científica faz é criar, em cima dessa base. O artigo mostra uma comparação entre os
livros As Crônicas Marcianas (1946-1958), de Ray Bradbury, e Perdido em Marte (2011), de
Andy Weir.
1. INTRODUÇÃO
Galileu e vários outros estudiosos arriscaram suas vidas em nome da ciência e de suas
descobertas. Sofreram perseguição, enfrentaram todo tipo de dificuldades, mas ajudaram a
semear ideias que alavancariam as revoluções sociais, científicas e tecnológicas que marcaram
os séculos seguintes. Foram, indubitavelmente, parte dos eventos que alicerçaram a Revolução
Industrial.
Com novas tecnologias e novas descobertas, outros planetas começaram a ser mais e
mais pesquisados pela ciência, ao mesmo tempo que a ficção científica os transformava em
ambientes para suas histórias. Uma coisa os unia: tanto cientistas quanto escritores estavam
limitados pelos equipamentos existentes na época pois, ainda que estes últimos utilizassem a
imaginação, ela tinha como ponto de partida o que se conhecia sobre a realidade.
Giovanni Schiaparelli (1835-1910), Camille Flammarion (1842-1925) e Percival
Lowell (1855-1916) foram alguns dos astrônomos que, na virada para o século XX, estudaram,
investigaram e especularam – com base nos telescópios que tinham à disposição – sobre os
"canais" em Marte, que seriam marcas na superfície do planeta. Isso levou a acreditarem na
possibilidade de existir vida no orbe vizinho. Lowell acreditava que os canais teriam sido
construídos por vida inteligente e as marcas teriam sido criadas para cultivo.
No entanto, as primeiras sondas enviadas não trouxeram resultados muito positivos. O
planeta parecia um grande deserto gelado. As descobertas dos primeiros robôs exploradores
mostrariam, posteriormente, que a realidade estava muito longe do que Lowell, Flammarion e
Schiaparelli acreditaram. Apesar disso, por mais que tais especulações tenham sido descartadas
pelos cientistas, elas tiveram grande influência na ficção científica.
Assim, desde o século XIX, a curiosidade com as novas descobertas – diante de um
salto tecnológico evidente – e o interesse pelo desconhecido era tão vasto que escritores
dedicados à ficção científica se tornaram quase inevitáveis. Um dos pioneiros a introduzir
outros planetas, mais especificamente, Marte, foi Ray Bradbury, com suas publicações em
ficções pulp, que se reúnem no livro As Crônicas Marcianas.
Por outro lado, enquanto as descobertas científicas mostravam o quanto é frágil o
equilíbrio que sustenta a vida na Terra, ganha destaque a proposta de um “plano b” para a
colonização humana. Isso dá impulso às pesquisas sobre Marte.
Com o tempo e as evidências acumuladas sobre o planeta, o foco da Ficção Científica
mudou. Marte passou a ser retratado como um possível lugar a ser colonizado pela humanidade.
Este é um dos aspectos centrais de nosso objeto de estudo, o livro Perdido em Marte (Andy
Weir), transformado em filme por Ridley Scott.
A partir da comparação entre tais objetos, tentaremos debater um problema central:
como as características geográficas e atmosféricas de Marte são retratadas em obras de ficção
científica através do tempo.
Muitos críticos vêm tentando chegar a uma única definição sobre o que é ficção
científica, “Brian Stableford, John Clute e Peter Nicholls, no extenso verbete ‘Definições de
FC’ da Encyclopedia of Science Fiction [Enciclopédia de Ficção Científica] (3ª ed., 2011), de
Clute e Nicholls, citam 16 diferentes definições” (ROBERTS, 2018, p. 42). Para este estudo,
vamos utilizar a definição de Darko Suvin, citado por Roberts Adam em seu livro A verdadeira
história da ficção científica.
De acordo com Darko Suvin apud Roberts (2018, p. 40), a ficção científica é um gênero
literário em que as condições necessárias são a presença e a interpretação de distanciamento e
cognição. Além disso, o dispositivo principal é uma moldura imaginativa alternativa ao
ambiente empírico. Ele também afirma que a premissa ficcional se dá pela diferença entre o
mundo em que o leitor habita e o mundo ficcional do texto de science fiction. Adam Roberts
ressalta as palavras do autor Patrick Parrinder “ao imaginar mundos estranhos, acabamos vendo
nossas próprias condições de vida em uma perspectiva nova e potencialmente revolucionária”
(PARRINDER apud ROBERTS, 2018, p. 40).
O que difere a ficção científica de outros gêneros é a ciência. De acordo com Adam
Roberts, a maioria dos críticos levam o aspecto científico da ficção muito a sério. De toda forma,
Roberts usa dos conhecimentos de Brian Aldiss para explicar que a ficção científica não poderia
ter se originado antes do século XIX, porque apenas neste século teve o surgimento das noções
científicas como as conhecemos hoje. (ROBERTS, 2018, p. 45)
De acordo com Héris Arnt (2001), autora que estuda sobre a literatura dentro do
jornalismo, o início das publicações jornalísticas é categorizado como um jornalismo literário,
devido à influência de escritores na história da imprensa (ARNT, 2001, p.07). Ela explica que,
ao contrário de diversos países, os Estados Unidos não publicavam obras literárias, como os
folhetins do Brasil, em seus jornais. Esse tipo de obra, chamada de pulpfiction, era divulgada
em revistas específicas. “Essas publicações eram extremamente populares e tiveram um papel
fundamental no programa de alfabetização de massa, desencadeado no país no final do século
XX” (ARNT, 2001, p. 09).
O livro As Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury, é um conjunto de edições de
pulpfiction lançadas entre os anos de 1946 a 1958. O autor representa o planeta de uma forma
completamente ficcional em que existe vida. Não apenas bactérias, animais e plantas, mas
humanoides com consciência, que conseguem construir uma sociedade complexa, com noções
de arte, literatura, medicina, política, arquitetura e engenharia. Conforme o planeta começa a
receber as primeiras missões terrestres, o povo de Marte faz de tudo para se proteger, até que a
sociedade marciana entra em colapso.
Num primeiro momento, o livro mostra Marte em toda a sua glória e, logo após isso, a
interferência da humanidade na sociedade marciana. Essa interferência faz com que o planeta
vermelho entre em colapso. Marte é finalmente colonizado e seu povo, os poucos que restam,
se esconde nas montanhas e não são mais vistos. A colonização aumenta por conta dos conflitos
internos no planeta Terra, que também entra em crise. Por noções de patriotismo, alguns dos
colonizadores retornam a seu planeta de origem. Enquanto alguns tentam fugir para Marte para
se protegerem, alguns tentam voltar para o planeta Terra para o defender. “Eu sei que viemos
para cá a fim de fugirmos de coisas como essas [...]. Mas lá ainda é a pátria. Não demorará a
ver. Quando a primeira bomba cair [...], o pessoal aqui vai começar a refletir” (BRADBURY,
2005, p. 157). No final, são apenas duas opções: a morte na Terra ou durante a viagem e a
solidão em Marte. “Não acredito mais na Terra. Mal posso imaginá-la. [...] Poderia ficar aqui”
(BRADBURY, 2005, p. 157).
O livro “Perdido em Marte” de Andy Weir, publicado em 2011, conta a história de Mark
Watney, botânico e engenheiro mecânico, que vai na missão Ares 3 para Marte. Em uma das
primeiras missões de exploração, a equipe enfrenta uma forte tempestade de areia, com ventos
de aproximadamente 175 km/h. Watney é atingido, seus colegas acreditam que ele tenha
morrido e retornam para Terra após o desastre da missão.
Seus colegas e a NASA acreditam que Mark realmente tenha morrido, até receberem
novas imagens de satélite que mostram movimentação no planeta. Ele tinha sobrevivido ao
acidente, porém deveria sobreviver a um planeta inóspito por, no mínimo, 400 sóis marcianos.
Cada sol marciano equivale a, aproximadamente, 25 horas terrestres. Watney precisa utilizar
todo o seu conhecimento e criatividade para sobreviver no planeta, conseguir produzir alimento
em um solo árido e desenvolver instrumentos que o ajudem a voltar para casa.
A história de Watney é contada por meio de seus diários de bordo, mas o livro também
apresenta pesquisadores, comunicadores e jornalistas explorando como podem ajudar Mark do
planeta Terra, além de manter contato direto com a tripulação de Ares 3, que só descobre que
seu companheiro está vivo quando o retorno de Mark depende deles.
5. METODOLOGIA
6. ANÁLISE
O livro “As Crônicas Marcianas”, que reúne pulpfictions que foram publicadas entre os
anos 1946 a 1958, por Ray Bradbury, difere em diversos aspectos da obra “Perdido em Marte”
de Andy Weir, publicado em 2011, principalmente em características geográficas e
atmosféricas. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, se iniciou a Guerra Fria, entre
os Estados Unidos e a União Soviética. A competitividade de ambos países deu início a corrida
espacial em 1950, momento em que Bradburry estava escrevendo suas crônicas. Dessa forma,
se conclui que as informações científicas sobre Marte eram escassas. O livro Perdido em Marte
foi escrito após diversas missões espaciais dedicadas a Marte, desde 1960.
Figura 1
Mapa de Marte
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Cristhiano Motta. Utopias e ficção científica: Ray Bradbury e Philip K. Dick.
Encontros de Vista, v. 9, n. 1, p. 60-69, 2012.
CÂMARA, Aline Gastardeli Tavares da. Jornalismo e ficção, acredite se quiser. Revista do
Edicc: Encontro de Divulgação de Ciência e Cultura, Campinas, v. 1, n. 1, p. 1-11, nov.
2012. Disponível em: https://revistas.iel.unicamp.br/index.php/edicc/article/view/2374.
Acesso em: 11 de maio de 2022.
CASSITA, Danielle. O que foi a Corrida Espacial? Conheça o legado desta época! CanalTech,
23 de dezembro de 2021. Disponível em: <https://canaltech.com.br/espaco/o-que-foi-a-corrida-
espacial-
205103/#:~:text=A%20Corrida%20Espacial%20foi%20um,geopol%C3%ADtico%20que%20
polarizou%20o%20mundo> Acesso em: 14 de abril de 2022.
RESUMO: A ficção seriada é uma área que desperta interesse de pesquisadores pelo impacto
à sociedade e por articular conceitos importantes – arte, cultura, indústria cultural, identidade e
gêneros como a ficção científica. O corpus da pesquisa é a 10ª temporada de Doctor Who (2017)
e o estudo de caso é uma análise fílmica da série. O presente artigo é um recorte do Trabalho
de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Comunicação Social – Jornalismo, na
Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Os resultados mostram indícios de que a
narrativa é uma reapresentação da série, usando de arcos narrativos para captar novos
espectadores e criar uma memória para os que já se identificam com o seriado. Ainda que seja
um produto intrínseco à indústria cultural, faz-se necessário frisar a importância da existência
de uma narrativa tão extensa quanto Doctor Who.
PALAVRAS-CHAVE: Cultura das Mídias, Narrativa Seriada, Análise Fílmica, Doctor Who.
1. INTRODUÇÃO
A narrativa seriada é hoje uma das áreas das mídias que tem despertado grande interesse
dos pesquisadores, tanto pelo impacto junto à sociedade, quanto por articular conceitos
importantes como arte, cultura, indústria cultural, identidade e gêneros como a ficção científica.
São pesquisas que estabelecem, ainda, interface com outros campos do saber – Estudos
Literários, Sociologia, História da Arte, entre outros.
Doctor Who é uma série britânica produzida e transmitida pela British Broadcasting
Corporation (BBC). O seriado diversos aspectos do gênero de ficção científica e da fantasia.
Segundo Louis-Vicent Thomas (1979), a ficção científica baseia-se em “resolver pela fabulação
uma situação fora do comum que não poderia ser resolvida pela realidade” (TOMAS, 1979
apud AMIS, 1998, p.3). No entanto, os meios pelos quais essa resolução passa continuam na
linha da realidade e da lógica, ou seja, fundamentam-se em fatos de uma realidade conhecida
pelo espectador. Por exemplo, é comum em histórias de ficção científica a existência de uma
alta tecnologia descoberta pelo ser humano, mas que vai além dela.
Os filmes, séries e programas de televisão se tornaram fatores importantes na economia
mundial. Por exemplo, a BBC One, canal responsável pela veiculação de Doctor Who,
movimentou cerca de £1,115 milhão de libras esterlinas (aproximadamente R$4,68 milhões, de
acordo com a cotação equivalente ao ano) em 2017 – ano de lançamento da décima temporada
de Doctor Who –, segundo o Relatório Anual (BBC, 2017/18). Além disso, no que diz respeito
ao Campo da Comunicação, a ficção seriada tem sido importante objeto de estudo, um campo
em plena expansão com Grupos de Trabalho (GTs), tanto nos encontros da Sociedade Brasileira
de Estudos Interdisciplinares em Comunicação (INTERCOM), quanto na Associação Nacional
dos Cursos de Pós-Graduação em Comunicação Social (COMPÓS).
Pensando nisso, o presente artigo traz uma análise fílmica da décima temporada de
Doctor Who, lançada em 2017, considerando a hipótese de que essa temporada teve grande
importância para a estrutura narrativa do seriado, tendo como objetivos captar novos
espectadores e manter sua continuidade. O artigo é um recorte do Trabalho de Conclusão de
Curso apresentado ao curso de Comunicação Social – Jornalismo, na Universidade Federal de
São João del-Rei (UFSJ).
O foco do primeiro capítulo é na cultura da mídia, com discussões de autores da Escola
de Frankfurt – principalmente Adorno e Horkheimer (1985) –, autores dos estudos
culturológicos, críticos à essa perspectiva, como Edgar Morin (2002), e a cultura da mídia e sua
espetacularização, discutida por Douglas Kellner (2001). O segundo capítulo tem o intuito de
abarcar as possibilidades de narrativa seriada e explorar o tipo de narrativa referente ao seriado
Doctor Who. Por fim, o terceiro capítulo traz o estudo de caso da série, em que, utilizando a
metodologia da análise fílmica de Manuela Penafria (2009), identificou-se três categorias de
análise: a) A narrativa seriada de Doctor Who; b) Personagens; c) Doctor e companions.
125
O universo de Harry Potter foi criado pela escritora J.K.Rowling. Outras referências ao universo já foram feitas
em Doctor Who, como, por exemplo, o episódio “The Shakespeare Code” (O Código de Shakespeare) da terceira
temporada.
Analisar o conteúdo de narrativas seriadas presentes na televisão, implica trazer a visão
proposta por Arlindo Machado (2000). No livro “A Televisão Levada a Sério”, a televisão é
analisada a partir da perspectiva da qualidade dos conteúdos nela exibidos. No período
precedente ao autor, a televisão já vinha sendo analisada por outros olhares e objetivos, como
a partir da perspectiva comercial e sócio-política, por exemplo.
Arlindo Machado (2000) inovou a forma de analisar a televisão. O autor é amplamente
referenciado pela forma que categorizou a serialização do conteúdo televisivo. “Chamamos de
serialidade essa apresentação descontínua e fragmentada do sintagma televisual” (MACHADO,
2000, p.82), ou seja, a narrativa seriada é aquela apresentada por partes, no formato de capítulos
ou episódios.
A partir da perspectiva de Arlindo Machado (2000), existem três tipos de narrativa
seriada. O primeiro tipo é no formato único que segue um percurso mais ou menos linear. O
exemplo explorado pelo autor é o das telenovelas, em que os capítulos seguem um ou mais
conflitos que continuam até o desfecho da narrativa. Neste tipo de narrativa, os episódios
geralmente terminam apresentando um acontecimento relevante para a história que será
respondido apenas no próximo bloco ou no próximo dia – telenovelas normalmente apresentam
capítulos diários na televisão brasileira.
A segunda narrativa seriada, para Machado (2000), é aquela em que os personagens
principais são os mesmos ao longo das temporadas – nome dado para um conjunto de capítulos
ou episódios – e, em um único episódio, o conflito-base é solucionado. Neste caso, segundo o
autor, em cada novo episódio surgem mais elementos e conflitos que podem contribuir para a
trama e para o quadro geral do seriado, mas que podem ser assistidos aleatoriamente e
entendidos de forma isolada. Essa narrativa é muito explorada pelos sitcoms126, ou seja, séries
de comédia que acompanham histórias de um grupo familiar, um grupo de amizades ou um
local de trabalho. Nessas narrativas, os personagens enfrentam diferentes tipos de desavenças
cotidianas – formando o clímax na narrativa – que são resolvidas em um único episódio.
O terceiro e último tipo de narrativa seriada é aquele em que apenas o título e a estrutura
narrativa dos episódios permanecem o mesmo. As histórias de cada episódio possuem um
desfecho e podem ser assistidas de forma isolada e aleatória. Nessa narrativa, os personagens e
os atores também mudam a cada capítulo, e, em alguns casos, os roteiristas e diretores também
podem variar (MACHADO, 2000).
126
Situation Comedies, traduzido como “comédias de situação”.
Ainda que os tipos de narrativa não se solidifiquem em cada serialização – ou seja, um
seriado de televisão pode apresentar elementos de mais de um tipo de narrativa por vez – a
décima temporada de Doctor Who (2017) aproxima-se mais do segundo tipo de narrativa. Este
tipo diferencia-se dos outros tipos por ser constituído de episódios que podem ser assistidos
isoladamente, mantendo, no entanto, os mesmos personagens centrais da narrativa
(MACHADO, 2000).
As narrativas do segundo tipo são bastante comuns na televisão, já que é possível
fragmentar a narrativa sem prender o telespectador à ordem dos episódios transmitidos. O
conteúdo televisivo diferencia-se, ainda, do conteúdo do cinema na questão de estrutura de
narrativa, além do fato de que, historicamente, as duas formas de entretenimento ocupam
diferentes lugares sociais. A estrutura narrativa proposta pelo cinema é composta por narrativas
fechadas, ainda que um filme tenha continuidade – ou seja, a narrativa se desdobra em outros
filmes – o conteúdo em si possui sentido de unidade, a ser consumido de uma só vez. Já a
televisão – principalmente a televisão pública, como é o caso da BBC – investe na produção de
obras fragmentadas e contínuas, podendo até mesmo alterar o futuro de uma narrativa seriada
a depender de sua audiência, seja a narrativa um seriado, uma telenovela ou um programa de
auditório (BROWNE, 2005 apud MEIRARIDIS, 2017).
3.3.2 PERSONAGENS
Essa categoria tem como intuito identificar e analisar três personagens da décima
temporada, considerando: a relação entre o bem e o mal presentes no segundo tipo de narrativa
como “elementos invariantes” (MACHADO, 2000); quais personagens têm sua primeira
aparição na série e quais personagens são reapresentados na narrativa. Os personagens
analisados foram os “cybermen”, os “vardys” e os “monges”.
3.3.2.1 CYBERMAN
Originalmente, os cybermen são robôs humanoides pertencentes a um planeta gêmeo à
Terra, chamado Mondas. Como forma de autoproteção, aos poucos foram implantando peças
aos seus corpos, ficando cada vez mais robotizados. São inimigos de Doctor e em todas a
temporadas do período moderno retornam na narrativa.
Por serem frios e calculistas são temidos até mesmo por Doctor. Os robôs não possuem
mais nenhum traço de humanidade, além disso, foram construídos para aprimorar outros seres
humanos. Dessa forma, todos que são atingidos por eles sofrem um upgrade, sendo
transformados instantaneamente em cyberman. Logo, tornando-se vilões.
Ao longo das temporadas do período moderno da série, nenhum personagem de
destaque na narrativa havia sobrevivido aos cybermen, até a chegada de Bill Potts. Em uma
batalha travada contra Doctor e Bill, a companion é atingida pelos vilões e inicia seu processo
de transformação em cyberman (TV: A Queda de Doctor). No entanto, sua mente se recusa a
aceitar que foi transformada em um inimigo. Bill foi a primeira personagem de destaque a
rejeitar a dominação de um raio transformador de cyberman. A batalha resultou em um estrago
imensurável até mesmo para Doctor, que logo após começou seu processo de regeneração 127.
Dessa forma, a relação entre bem e mal é questionada nessa temporada, já que a
personagem estabelecida como “do bem” sofre uma tentativa de ser transformada em vilã. Até
o momento, na narrativa, os cybermen eram invariavelmente vilões, ou seja, era uma relação
bem estabelecida na série.
3.3.2.2 MONGES
“Convide-os a entrar e será sua última ação livre” Doctor, episódio The Pyramid at the end of
the World – 10ª temporada
São figuras ardilosas que surgem na Terra vestindo máscara de herói128. Quando os
monges pousam no planeta, com sua nave em formato de pirâmide, admitem estarem em um
formato de monge macabro por tentarem se assemelhar à aparência humana e, assim, conseguir
uma aproximação amigável – mas o efeito é oposto.
Doctor recebe uma mensagem sobre a chegada de um demônio na Terra. Esse demônio
quer dominar o planeta e, para isso, precisa conhece-lo primeiro. Os monges copiam como uma
sombra cada movimento dos seres humanos, e fazem isso através de sucessivas simulações de
vida. Esse inimigo usa da máscara de herói para tentar convencer os seres humanos de que eles
precisam tomar conta da Terra, ou males terríveis irão acontecer.
Os monges surgem no seriado como um novo inimigo, tornando-se sombras, iniciando um
possível gancho para as próximas temporadas, como acontece com os Cybermen. São três
episódios dedicados a essa nova figura inimiga, o que é uma prática pouco comum na série até
então (TV: Extremo, A Pirâmide no Fim do Mundo, A Mentira da Terra).
Os próprios vilões constroem uma linha tênue entre o bem e o mal na narrativa, o que
acaba por se mostrar uma relação paradoxal.
3.3.2.3 VARDY
Os vardys são identificados pela primeira vez na narrativa no segundo episódio,
denominado “Smile129” (2017), como robôs polinizadores que se comunicam pela linguagem
127
A transformação acontece no episódio Especial de Natal (TV: Twice Upon a Time), lançado em dezembro de
2017. A 13ª encarnação de Doctor é interpretada por Jodie Witttaker.
128
O Trabalho de Conclusão de Curso pelo qual esse artigo é delineado, a autora faz uma análise através dos
arquétipos de cada personagem, baseando-se nas teorias de Jung (2016), Campbell (1997) e Vogler (2006).
129
“Sorriso”.
de emoji. Até o momento da escrita deste artigo, esse personagem tem aparição única. Os vardys
trazem para a narrativa questões fundamentais para a reflexão do senso de coletividade, da
individualidade e do individualismo do ser humano.
Funcionando como “abelhas evoluídas” eles preparam o terreno para a chegada do
restante da população que irá compor uma comunidade, criada com o objetivo de garantir a
felicidade e o bem-estar plenos de quem a habitar. No entanto, no decorrer da narrativa, Doctor
descobre que, na verdade, o cenário utópico de felicidade plena criado pelos seres humanos
com o intuito de ser uma comunidade futurística, torna-se um cenário de massacre.
Os Vardys passam a identificar qualquer emoção além da felicidade como alvo de
destruição. Qualquer outra emoção, como tristeza e ódio, não é aceita nessa comunidade criada
para representar a felicidade e o bem-estar humano, levando ao extermínio. Em consequência
disso, a morte levou ao luto, que foi identificado como uma emoção negativa. O looping
atingido pelo algoritmo inviabilizou a relação dos seres humanos com os robôs até a chegada
de Doctor e Bill.
Assim, é possível relacionar que “assim como as utopias projetam mundos perfeitos, a
partir da observação dos problemas reais, a ficção científica reflete um mundo, cientificamente
evoluído, e na maioria das vezes, moralmente estagnado” (BALDESSIN, 2006, p. 23). Além
disso, a inversão dos papéis mostra como, na ficção científica, os elementos “bem” e “mal” não
são absolutamente estabelecidos.
130
1ª e 2ª temporada.
131
3ª temporada.
132
4ª temporada.
133
5ª e 6ª temporada.
134
7ª, 8ª e 9ª temporada.
135
10ª temporada.
lésbica. Bill mora em um apartamento com sua mãe adotiva e conhece sua mãe biológica apenas
através de fotografias.
Com ambas companions, o primeiro encontro com Doctor foi no mundo comum, no
planeta Terra, em uma situação similar quando um alienígena invade e afeta de alguma forma
a vida no planeta. Rose Tyler encontra com a 9ª encarnação de Doctor (Christopher Eccleston)
e Bill Potts com a 12ª (Peter Capaldi).
No momento da quebra do mundo comum, Rose está no fim do expediente e se depara
com manequins ganhando vida e indo em sua direção para atacá-la, quando o 9º Doctor
intervém e aponta a direção para onde ela deve fugir. O senhor do tempo demonstra interesse
apenas em resolver a situação com os alienígenas e se despede de Rose, pedindo para que ela o
esqueça (TV: Rose).
No caso de Bill, o 12º Doctor nota sua presença nas aulas que ele ministra e, ainda que
ela não seja oficialmente estudante na universidade, convida-a para ser sua aprendiz e passa a
avaliar as provas de Bill juntamente às dos universitários. Estabelece-se, assim, a relação de
tutor e aprendiz (TV: The Pilot).
Nota-se algumas sutis semelhanças desses encontros com as personagens, em menores
arcos narrativos. No momento em que 9º Doctor vai até a casa de Rose dar continuidade à
investigação dos manequins, a mãe de Rose insinua um caso amoroso entre a filha e o homem
até então desconhecido (TV: Rose). Quando a mãe de Bill encontra as provas corrigidas, dirige-
se indignada à filha, acreditando existir um envolvimento entre o professor (12º Doctor) e a
garota (TV: The Pilot).
No momento em que o mundo comum e o mundo desconhecido se mesclam nos
episódios de apresentação, as companions se tornam o principal alvo do inimigo, implicando a
volta de Doctor para resgatá-las.
Após Rose e Doctor enfrentarem juntos o inimigo em uma aventura incomum para a
personagem humana, ele a convida para continuar a experienciar vivências similares àquela. A
mudança interna em Rose toma grandes proporções e, assim, voltar ao mundo comum não é
uma opção para a personagem. Dessa forma, torna-se companion.
Bill e Doctor, após enfrentarem o inimigo, retornam à universidade, onde o 12º Doctor
tenta apagar a memória da garota e retornar à vida comum. No entanto, Bill não aceita e se
recusa a voltar sem as lembranças da experiência. Doctor, mudando de ideia, convida-a a seguir
viajando e se tornar sua companion.
Ambas as personagens, ao longo do seriado, tentam conciliar a vida no mundo comum
com as aventuras no mundo desconhecido, no entanto, o foco dos arcos narrativos se estabelece
na nova vida enfrentando desafios ao lado de Doctor.
No entanto, no que diz respeito ao encerramento do arco das companions, mais
semelhanças são identificadas. Após consequências de uma interação indevida entre Rose e a
“alma” da TARDIS, um paradoxo leva Rose a ficar presa em outra dimensão, impossibilitando
o encontro entre o senhor do tempo e a companion (TV: Doomsday). Em sua última aventura,
Bill é atingida por uma arma alienígena e, ao invés de morrer, a tripulação da nave a transforma
em um cyberman, o que indicaria o fim para Bill (TV: World Enough and Time). Ou seja, Bill
estaria em lado oposto à Doctor, sem que nunca pudessem se encontrar novamente.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
DOCTOR Who: Empress of Mars. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette.
Produtores executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (45 min).
DOCTOR Who: Extremis. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette. Produtores
executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (50 min).
DOCTOR Who first episode. In: BBC. [S. l.], c2022. Disponível em:
https://www.bbc.com/historyofthebbc/anniversaries/november/doctor-who-first-episode/.
Acesso em: 23 maio 2022.
DOCTOR Who: Knock Knock. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette.
Produtores executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (45 min).
DOCTOR Who: Oxygen. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette. Produtores
executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (45 min).
DOCTOR Who: Smile. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette. Produtores
executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (45 min).
DOCTOR Who: The Doctor Falls. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette.
Produtores executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (60 min).
DOCTOR Who: The Earters of Light. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette.
Produtores executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (40 min).
DOCTOR Who: The Lie of the Land. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette.
Produtores executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (45 min).
DOCTOR Who: The Pilot. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette. Produtores
executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (50 min).
DOCTOR Who: The Pyramid at the end of the World. Escrito por Steven Moffat e dirigido por
Ed Bazalgette. Produtores executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1
vídeo (45 min).
DOCTOR Who: The Return of Doctor Mysterio (especial de Natal). Escrito por Steven Moffat
e dirigido por Ed Bazalgette. Produtores executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres:
BBC, 2016. 1 vídeo (60 min).
DOCTOR Who: Thin Ice. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette. Produtores
executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (45 min).
DOCTOR Who: World Enough and Time. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed
Bazalgette. Produtores executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1
vídeo (45 min).
GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Editora Atlas, 1995.
MACHADO, Arlindo. A Televisão Levada a Sério. São Paulo: Editora Senac, 2019.
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. Neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2002.
Mídia e K-pop:
Campanha Love Myself e o engajamento social e afetivo do grupo BTS
RESUMO: O artigo discute como a campanha Love Myself, realizada pelo comitê sul-coreano
do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em colaboração com o grupo de K-pop
(pop sul-coreano) BTS, pode ser analisada como uma excelente estratégia da indústria cultural
para fortalecer a marca do grupo ao mesmo tempo que gera engajamento social. Com isso,
pretende-se discutir conceitos de indústria cultural, fandoms e as possibilidades de ação social.
A pesquisa traz uma análise de conteúdo sobre as estratégias de comunicação do BTS (Bangtan
Sonyeondan), voltadas à manutenção da saúde mental dos jovens, especificamente na
campanha Love Myself, em parceria com a Unicef. Seja nos singles, como em entrevistas ou
em postagens nas redes sociais, os integrantes do grupo sempre manifestam a preocupação do
papel social, na condição de músicos voltados a juventude.
1. INTRODUÇÃO
Em 2017, o grupo BTS unificou a música e pautas sociais quando lançou, juntamente
com o comitê sul-coreano do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a campanha
Love Myself. Em 25 de setembro de 2018, foram convidados a discursar na 73ª Assembleia
Geral das Nações Unidas e, representados pelo líder do grupo Kim Namjoon, que contou sobre
a sua trajetória na vida e na música, incentivaram os jovens do mundo todo a falarem por si
mesmos. Em seu discurso, o líder do grupo utilizou frases como “amar a si próprio”, “tentar
ouvir mais a si mesmo”, falas essas que ganharam repercussão mundial e deram ainda mais
visibilidade para o fenômeno da música pop sul-coreana, que tem milhões de fãs das diferentes
faixas etárias, mas predominantemente jovens. Ao falarem sobre esses assuntos para milhões
de pessoas, os meninos do BTS estimularam uma ação nos receptores do discurso.
Esse é um exemplo do poder da indústria cultural e, no caso de como tal segmento tem
se consolidado na Coreia do Sul. Os grupos de K-pop tornaram-se uma “febre” em escala
mundial. Atualmente, um grupo ou artista solo de K-pop consegue alcançar milhões de pessoas
por todo o mundo, inclusive no Brasil, onde possuem fandoms e milhares de admiradores. No
caso do BTS (Bangtan Sonyeondan), trata-se de um dos maiores nomes do K-pop, formado por
sete integrantes: Jin, Suga, J-Hope, RM, Jimin, V e Jungkook. O grupo teve sua estreia oficial
em junho de 2013, com o single No More Dream, do disco 2 Cool 4 Skool.136
Para além das produções musicais, que são tecnicamente bem desenvolvidas e
produzidas, o BTS destaca-se também pelo trabalho voltado ao engajamento com temáticas
sociais – mais especificamente tentar utilizar a música para conscientizar o seu público jovem
sobre a necessidade de se cuidar da saúde mental em sua ampla significância. Nota-se que a
música sempre teve grande poder de influência para a criação de identidades e ideologias. Ao
falar sobre os anseios e preocupações recorrentes da juventude nas suas letras, o BTS
proporciona uma proximidade com os fãs ao redor do mundo (BESLEY, 2018).
O presente artigo, portanto, discute como as estratégias de comunicação do grupo BTS,
com ênfase na campanha Love Myself, de 2017, construída em parceria com a Unicef e sua
continuidade ao longo dos anos posteriores, além da construção do grupo ao longo da sua
formação, influenciam na manutenção do bem-estar dos seus fãs e reforça o engajamento social
e afetivo do grupo com o seu público. Procura-se investigar de que forma o grupo divulgou a
campanha e como tal se relaciona e reflete no comportamento de seus fãs.
Uma vez que existe uma indústria voltada para o desenvolvimento de produções
culturais, relacionadas também ao entretenimento, há pessoas que se organizam de forma a
136A discografia do grupo conta, até o momento, com vários álbuns de sucesso, como Dark & Wild (2014), The
Most Beautiful Moment in Life, pt. 1 (2015), The Most beautiful Moment in Life, pt. 2 (2015), The Most Beautiful
Moment in life: Young Forever (2016), Wings (2016), You Never Walk Alone (2017), Love Yourself: Her (2017),
Love Yourself: Tear (2018), Love Yourself: Answer (2018), Map of the Soul: Persona (2019), Map of the Soul: 7
(2020), BE (2021) e Proof (2022).
acompanhar aquilo que lhes é apresentado. Esse é o caso dos fandoms. Um fandom pode ser
compreendido como um grupo de pessoas que compartilham do mesmo gosto, que
acompanham um determinado artista ou conteúdo e, de certa forma, interagem entre si. Com a
facilidade de acesso a esses conteúdos, proporcionada pela internet e pelas mídias sociais, esse
contato se tornou ainda mais usual e instantâneo, tornando as interações entre os fãs mais
descomplicadas. Atualmente, é comum acessar alguma rede social e encontrar inúmeras outras
pessoas que possuem os mesmos interesses e, ainda mais fácil, fazer parte de comunidades e
fã-clubes virtuais.
A ideia de ser fã, porém, nem sempre foi vista de forma positiva. Durante muito tempo,
ser fã de determinado produto cultural poderia ser motivo de desaprovação ou chacota, devido
à ideia que algumas pessoas poderiam ter sobre o conteúdo em questão. “O limite entre fãs e
aficionados respeita as mesmas diferenças que existem entre a razão e a emoção, relacionando
esses dois conceitos com questões de classe social” (CURI, 2010, p. 7). Martino (2014) explica
que isso se dá pelo fato de que os conteúdos podem ser considerados um tipo de subcultura
Indo para além dessa discussão, Martino (2014) também propõe pensar sobre a ideia de
público. A concepção de público foi mudando aos poucos, a partir do momento em que este
começou a assumir outra posição na relação produção-consumo. Na indústria cultural, o público
ocupa um lugar passivo, o qual somente recebe a mensagem transmitida pela mídia. Com o
surgimento de outros estudos culturais como, por exemplo, os relacionados à Cultura de
Mídia137, essa posição passou a ser observada como um lugar ativo, até chegar ao que Martino
(2014) apresenta como audiência produtiva. “O olhar se voltou, então, para compreender como
os indivíduos e grupos se relacionavam com esses produtos, os articulavam com suas vidas,
ganhavam novos significados” (MARTINO, 2014, p. 160).
O autor assume como audiência produtiva a ideia de que os fãs passaram a se relacionar
de outra forma com os produtos culturais consumidos e, além de acessar os conteúdos já
existentes, eles começaram a criar novos materiais a partir dos seus interesses (MARTINO,
2014). Para Curi (2010), a partir do conteúdo que consome, o fã desenvolve novos materiais,
constrói a sua identidade e até mesmo um novo modo de viver. Além disso, a internet,
especialmente com o aumento do acesso a redes sociais, tornou-se uma peça essencial para a
divulgação das produções criadas pelos fãs e também na organização desses grupos. Conforme
Nalle (2021), os ambientes virtuais tornaram-se um lugar aberto a novas interações,
proporcionando a divulgação de inúmeros conteúdos e o envolvimento de outras pessoas.
“Neste âmbito, os fãs constituem importante presença na web ao expandir seus contatos e ir
além dos limites geográficos impostos, em uma movimentação fruto da busca por um grupo de
interesse comum” (NALLE, 2021, p. 128).
Um exemplo de que essa interação excede os limites territoriais, até mesmo linguísticos,
é o fandom do BTS. Em 2013, o grupo anunciou o nome oficial que o fandom levaria: ARMY.
A palavra army, originada do inglês, significa “exército”. O termo escolhido para nomear os
fãs tem relação com o próprio nome do grupo que, em coreano, significa "Bangtan
Sonyeondan” (“escoteiros à prova de balas”). Além disso, existe uma outra interpretação para
“ARMY”: Adorable Representative M.C of Youth, que livremente traduzido significa “adorável
representante M.C da juventude”. Além de promover as músicas, divulgar as apresentações e
discos do grupo, os fãs do BTS também atuam em causas sociais. O Army Help The Planet
(Army Ajuda o Planeta, em português) é um movimento social, que funciona como uma
organização não governamental, desenvolvido por fãs brasileiros do BTS. O projeto, que atua
desde 2019, desenvolve ações sociais e ambientais, realizando campanhas de arrecadação e
trabalho voluntário em prol dessas iniciativas.
Pode-se fazer um paralelo entre essa ideia e a relação entre a mídia e os Olimpianos,
apresentada por Morin (1997). “A imprensa de massa, ao mesmo tempo que investe os
olimpianos um papel mitológico, mergulha em suas vidas privadas a fim de extrair delas a
substância humana que permite a identificação” (MORIN, 1997, p. 106). Nesse sentido, assim
como a mídia constrói uma imagem heróica e inalcançável dos olimpianos, ela também procura
assemelhá-la da realidade humana, a fim de proporcionar certa aproximação com o consumidor.
138 Tendo em vista o período de desenvolvimento do artigo. As demais campanhas desenvolvidas pela organização
podem ser encontradas no site oficial do Army Help The Planet, na aba “Campanhas”. Site disponível no endereço
eletrônico: https://www.armyhelptheplanet.com/.
Trazendo isso para os dias atuais, é possível perceber a ação da internet, especificamente das
redes sociais, nesse processo de proximidade e identificação, uma vez que esse contato é mais
direto e imediato.
O ambiente digital tornou-se algo praticamente intrínseco na vivência, consumo e
relações modernas, uma vez que a maioria dos conteúdos que temos acesso está disponível na
web, a qual acessamos por meio dos aparelhos eletrônicos. Essas interações e trocas acontecem
em um espaço virtual e, uma vez que não se limita a proximidade e que é um ambiente onde
existe uma notável troca de informações, o ciberespaço facilitou o contato entre as pessoas,
especialmente entre os fandoms. Hoje em dia, as redes sociais, em específico, se tornaram o
principal meio de interação e organização dos fãs, além de também ser uma forma de se manter
informado e/ou em diálogo com os ídolos ou conteúdos de interesse. O BTS mantém contato
com os fãs, a maior parte do tempo, por meio das redes sociais. Atualmente, o grupo soma mais
de 48 milhões de seguidores no Twitter, em um perfil conjunto, no qual compartilham fotos,
vídeos, atualizações e publicações a respeito de performances ou lançamentos. No YouTube, o
canal do BTS possui mais de 73 milhões de inscritos.
Desde o início da carreira, o BTS possuía um perfil único para o grupo no Instagram
(bts.bighitofficial), porém, em 6 de dezembro de 2021, foi anunciado que os integrantes criaram
contas individuais. Até o dia 27 de janeiro de 2023, os perfis dos membros RM, J-Hope, Jimin,
Jin e Suga ultrapassavam 40 milhões de seguidores, enquanto o dos integrantes Jungkook e V
ultrapassavam a marca de 50 milhões de seguidores. Com base nesses dados, é possível
visualizar o alcance do BTS nas redes sociais, espaço no qual existe um maior contato fã-ídolo
na atualidade, e onde o grupo interage com o seu fandom, Army. Conforme Nalle (2021, p. 128)
“As redes sociais, fortalecidas nos últimos anos, viabilizam um espaço receptivo capaz de
propiciar a promoção, a troca e o engajamento grupal, sendo um exemplo bastante evidente da
atuação e do alcance da produção coletiva”. Nesse sentido, tendo em vista o considerável
número de seguidores nas mídias sociais e a mobilização dos fãs, tanto em se organizarem em
comunidade quanto atuarem em projetos sociais (como é o caso do Army Help The Planet),
pode-se perceber como os fãs se posicionam no ciberespaço e, ainda mais, como esse espaço
colabora com a interação entre essas pessoas.
139 Devido à limitação de páginas, os tópicos “Hallyu” e “K-pop” não foram abordados profundamente, mas, deve-
se considerar o contexto histórico e demais influências que fizeram parte do desenvolvimento de ambos (discutidos
mais a fundo em outra pesquisa realizada por um dos autores do presente artigo).
140Texto original: “Geographically, the impact was focused on Japan, the Chinese-speaking world (including
China itself), and Southeast Asia. This began to change greatly right around 2010, however”. Tradução nossa.
141 Texto original: “The Korean Wave has especially experienced a significant change with the development of
digital technologies and social media, such as YouTube, social network sites (SNSs), and smartphones in the 21st
century”. Tradução nossa.
O grupo “Bangtan Sonyeondan”, um dos maiores nomes da música pop sul-coreana,
conhecido popularmente como BTS, é composto por sete integrantes: Jin, Suga, J-Hope, RM,
Jimin, V e Jungkook. A trajetória do grupo tem início no ano de 2013, quando o BTS realizou
a sua estreia oficial.
Em 2005, o até então produtor e compositor da JYP Entertainment, Bang Si-hyuk,
decidiu sair da empresa que trabalhava com a intenção de formar a sua própria agência, que
viria a ser nomeada como Big Hit Entertainment (BESLEY, 2018). Cinco anos mais tarde, Bang
Si-hyuk, resolveu formar um grupo de rap que, posteriormente, seria lançado como BTS. Sendo
assim, em 2010, Kim Namjoon (RM)142 entra na empresa, atuando como rapper. Em seguida,
Min Yoongi (Suga), junta-se ao projeto para a formação de um grupo de rap, ao lado de RM e
outros rappers. Bang Si-hyuk, todavia, decide modificar o direcionamento da sua ideia inicial,
focando agora em um projeto musical mainstream143 adicionando, também, alguns vocalistas
(BESLEY, 2018). Jung Hoseok (J-Hope) surge em cena como possível vocalista do grupo,
tornando-se rapper mais tarde. “Com o fim do projeto de um grupo de rappers, alguns membros
deixaram a empresa e outros permaneceram, tornando-se produtores musicais do BTS”
(BARBOSA, 2019, p. 42)
Em 2012, novos integrantes se juntam ao grupo ainda em formação, sendo eles: Kim
Taehyung (V), Kim Seokjin (Jin) e Jeon Jungkook (Jungkook). Ainda no mesmo ano, Park
Jimin (Jimin) se une ao projeto, sendo este o último integrante a compor o grupo que ficaria
conhecido como Bangtan Sonyeondan (“escoteiros à prova de balas”) ou, simplesmente, BTS.
“Bang Si-hyuk tinha uma visão para este novo grupo. Dera-lhes um nome que mostrava que
lutariam contra os preconceitos e as dificuldades da sua geração. Seriam a voz dos adolescentes
e dos jovens adultos” (BESLEY, 2018, p. 14). Uma vez que tinha designado esse objetivo para
o BTS, o CEO144 da Big Hit proporcionou aos integrantes do grupo uma certa autonomia
criativa, permitindo que eles colaborassem na produção e composição das músicas e,
posteriormente, também na concepção dos conceitos (BARBOSA, 2019; BESLEY, 2018).
Conforme Besley (2018), Bang Si-hyuk incentivou os membros do BTS a abordarem
tópicos que trouxessem identificação com as situações vivenciadas pela juventude, temas que
145 Termo utilizado no meio do K-pop que significa realizar a sua estreia seja em algum grupo ou em carreira solo.
ainda lançaram o disco Wings, no mês de outubro. O sucesso do lançamento era perceptível,
uma vez que o álbum permaneceu durante 45 semanas na parada Words Album146 da Billboard,
alcançando o primeiro lugar no chart em duas semanas.
Em 2017, o grupo lança o álbum You Never Walk Alone e, em seguida, dá início a uma
era inédita: Love Yourself. Composta por três álbuns, Love Yourself: Her, divulgado em 2017,
Love Yourself: Tear, em maio de 2018, e Love Yourself: Answer em agosto de 2018, esse seria
o começo de uma nova jornada.
O primeiro álbum da trilogia Love Yourself, simboliza o ato de se apaixonar por alguém,
perpassando as etapas felizes e também difíceis de um relacionamento (BESLEY, 2018). No
final de 2017, é divulgada a campanha Love Myself, um projeto desenvolvido em colaboração
entre o BTS e o comitê sul-coreano da Unicef - campanha essa que se tornou objeto de análise
deste artigo. Já no início de 2018, o segundo disco da trilogia é lançado. O álbum Love Yourself:
Tear conta com Fake Love como canção principal, a qual o videoclipe já ultrapassa um bilhão
de visualizações no YouTube. Em entrevista à Billboard, intitulada “Watch BTS Explain the
Message Behind Their New Album ‘Love Yourself: Tear’” 147
, publicada em 18 de maio de
2018, o BTS fala a respeito do conceito do novo disco do grupo. “Nós estamos tentando dizer
que se você, no amor, quando você não é verdadeiro consigo mesmo, o amor não vai durar.
Porque o amor é complexo e sempre existe um lado difícil e um lado triste”, disse RM
(BILLBOARD, 18 de maio de 2018).
O último álbum da trilogia carrega uma mensagem importante, que pode ser considerada
como um grande fator motivacional e também uma resposta: amar a si mesmo. O disco Love
Yourself: Answer possui Idol como faixa principal e, além disso, cada integrante do BTS dispõe
de uma música solo (BARBOSA, 2019). Em 2019, o grupo lança o seu novo álbum Map of the
Soul: Persona. O retorno do grupo resultou em mais uma conquista: o clipe de Boy With Luv
tornou-se o vídeo mais assistido nas primeiras 24 horas de lançamento, somando mais de 74
milhões de visualizações (BILLBOARD, 14 de abril de 2019) 148.
History with 74.6 Million Views”. Billboard, 14 de abril de 2019. Disponível em:
https://www.billboard.com/music/music-news/bts-boy-with-luv-feat-halsey-24-hour-youtube-debut-record-
8507034/. Acesso em: 6 de maio de 2022.
Em fevereiro de 2020, o BTS divulga o segundo álbum desta série, Map of the Soul: 7.
Em novembro do mesmo ano, durante a pandemia de covid-19, o grupo realizou o lançamento
do seu disco BE. O álbum se manteve ao longo de 75 semanas na Words Album da Billboard,
alcançando o primeiro lugar na parada em 21 semanas. Nos últimos dois anos, o BTS vem
divulgando alguns singles, como é o caso de Dynamite (2020), Butter (2021) e Permission to
Dance (2021). A música Butter foi reconhecida pelo Guinness World Records149 ao quebrar
cinco recordes, entre eles o videoclipe de um grupo de K-pop e vídeo de música mais assistido
nas primeiras 24 horas no YouTube, assim como a canção mais ouvida na plataforma Spotify
dentro de 24 horas. O sucesso dessas músicas resultou em duas indicações consecutivas do
grupo ao Grammy Awards, uma das maiores premiações musicais norte-americanas. Em junho
de 2022, o grupo divulgou seu último álbum em conjunto até o momento, Proof.
Desde o início de sua carreira, o BTS busca falar sobre temáticas que possibilitam trazer
identificação com os seus fãs, em especial com a juventude, sejam assuntos a respeito do
sistema educacional, nos seus primeiros discos, ou até mesmo sobre o processo de
amadurecimento pessoal, caminho este que pode ser longo e proporcionar inúmeros
questionamentos, e relacionamentos, sejam eles firmados com outras pessoas ou consigo
mesmo (como foi possível observar na era Love Yourself). Ao abordar essas temáticas em suas
canções, o BTS proporciona uma espécie de identificação com o seu fandom, aproximando-os
do grupo.
Além de realizar esse movimento por meio das suas produções, o BTS também age
diretamente em algumas pautas sociais. Um exemplo disso é que, em 2020, o grupo doou 1
milhão de dólares para o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, em
português), que luta contra o racismo e pelo fim da violência policial. O BTS também
demonstrou apoio à causa por meio de uma postagem no perfil oficial do grupo no Twitter. Na
publicação, compartilhada em 4 de junho de 2020, eles escreveram: "Somos contra a
discriminação racial. Condenamos a violência. Você, eu e todos nós temos o direito de ser
respeitados. Ficaremos juntos. #BlackLivesMatter".
149GUINNESS WORLD RECORDS. "BTS (e seus 23 recordes) entram para o Hall da Fama do Guinness World
Records 2022". Guinness World Records, 2 de setembro de 2021. Disponível em:
https://www.guinnessworldrecords.com.br/news/2021/9/bts-e-seus-23-recordes-entram-para-o-hall-da-fama-do-
guinness-world-records
202#:~:text=Seu%20lan%C3%A7amento%20de%20maio%20de,Spotify%20nas%20primeiras%2024%20horas.
Acesso em: 10 de maio de 2022.
4. BTS E O SEU ENGAJAMENTO SOCIAL E AFETIVO: CAMPANHA LOVE
MYSELF
novembro de 2022.
meio da música, o grupo busca partilhar as vivências da juventude, assim como as ansiedades
deste período da vida, e transmitir mensagens de empatia e acolhimento para os seus fãs.
Estabelecendo um diálogo com Morin (1997), identificam-se claramente elementos da
cultura de massa no discurso feito pelos integrantes do BTS. Em primeiro lugar, o próprio nome
da campanha aciona a ideia de amor, com o slogan “Love Myself”, que significa “ame a si
mesmo”, que se relaciona com o álbum do grupo “Love Yourself: Answer”. Fica explícito que
para o grupo o amor é uma temática recorrente e deve ser compartilhado, mas deve ser
trabalhado como autoestima, amor próprio, valorização do eu numa sociedade cada vez mais
individualista. Há presente outro elemento da cultura de massa - o “Revólver”, já que se os
jovens precisam ser acolhidos, uma vez que os índices transtornos relacionados à saúde mental
(depressão, ansiedade, dentre outros) são cada vez mais altos, porque vivemos numa sociedade
em que a pulsão de morte (tanatos) se faz cada vez mais presente em contraposição à pulsão de
vida (eros).
Desde 2017, a iniciativa Love Myself tem arrecadado doações que são destinadas para a
proteção de crianças e adolescentes de todo o mundo, vítimas de violência, seja ela em ambiente
escolar, doméstico ou agressão sexual. O valor reunido também é utilizado para
informar/educar para as comunidades locais a respeito da prevenção da violência (LOVE
MYSELF WEBSITE, tradução nossa). De acordo com informações do site oficial da
campanha152, até agosto de 2021, foi recebido um valor de 4.522.418.182 KRW153 (won sul-
coreano, moeda da Coreia do Sul) - dado este que, segundo o website, não é atualizado em
tempo real, e sim periodicamente, a partir do momento em que as informações são atualizadas
por parceiros da campanha. A quantia arrecadada para a iniciativa é levantada por meio de
doações vindas de 3% das vendas de álbuns físicos da série Love Yourself, além de 100% da
renda gerada pela venda de produtos oficiais da campanha Love Myself, contribuições
realizadas em mesas de doações instaladas pela Unicef e doações feitas pela Big Hit Music e
pelo BTS. Também é possível contribuir por meio da compra de figurinhas virtuais pelo site
Line Store e outros sites linkados na página de doações da campanha.
152 LOVE MYSELF. Home. Love Myself Website. Disponível em: https://www.love-myself.org/eng/home.
Acesso em: de maio de 2022.
153 Valor equivalente a 3.504.841,33 de dólares, cotação de 12 de maio de 2022.
Segundo a matéria publicada pela Unicef, intitulada “UNICEF e BTS comemoram o
sucesso da campanha inovadora LOVE MYSELF”154, divulgada em 6 de outubro de 2021, a
iniciativa também originou cerca de 5 milhões de tweets e acumulou um total acima de 50
milhões de engajamentos, tratando-se, neste caso, de comentários, curtidas e retuítes realizados
no Twitter, rede social na qual o grupo possui mais de 45 milhões de seguidores. Além disso, a
hashtag #BTSLoveMyself já foi utilizada 15.315.497 vezes. Ainda segundo a notícia, no início
de 2021, o grupo e a empresa firmaram a sua colaboração com a campanha e doaram mais de
1 milhão de dólares para a Unicef.
Um ano depois do início da campanha, o BTS realizou mais um grande marco na história
do grupo: eles foram convidados para discursar na 73ª Assembleia Geral das Nações Unidas,
que ocorreu em 24 de setembro de 2018. Na presença de inúmeros líderes mundiais, o grupo
preparou uma fala para o lançamento do programa Generation Unlimited (geração sem limites,
em português), um projeto global da Unicef em colaboração com a Organização das Nações
Unidas (ONU) - especificamente com a estratégia Youth 2030155 -, que tem como intuito gerar
mais investimentos e oportunidades em educação, capacitação e emprego para jovens de 10 a
24 anos. Nesse sentido, como embaixadores do programa Generation Unlimited (GenU), o BTS
realizou um discurso com duração de um pouco mais de seis minutos, representados pelo líder
Kim Namjoon, o qual falou a respeito da campanha Love Myself, elaborada pelo grupo e em
parceria com a Unicef, sobre a sua trajetória pessoal e sobre a importância do amor próprio e
de encorajar a juventude a falarem por si mesmos. Ao longo do discurso, enfatiza a preocupação
em ouvir os seus fãs, em estabelecer conexões.
154 COMUNICADO DE IMPRENSA. “UNICEF e BTS comemoram o sucesso da campanha inovadora LOVE
MYSELF”, Unicef Brasil, 6 de outubro de 2021. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-
imprensa/unicef-e-bts-comemoram-o-sucesso-da-campanha-inovadora-love-
myself#:~:text=Seul%2FNova%20Iorque%2C%206%20de,positivas%20de%20amor%20pr%C3%B3prio%20e.
Acesso em 12 de maio de 2022.
155Trata-se de uma estratégia desenvolvida pela ONU que tem como objetivo preparar e envolver os jovens em
uma colaboração global que os ofereça oportunidades de educação e emprego até o ano de 2030. Além de garantir
os direitos dessa juventude, saúde, participação política e cívica, dentre outras atribuições. Disponível
em:https://brasil.un.org/pt-br/81093-onu-lanca-nova-estrategia-para-jovens-liderarem-conquista-da-agenda-
2030. Acesso em: 16 de maio de 2022.
É uma honra ter sido convidado para essa ocasião com tanto significado
para a jovem geração de hoje.
Então, vamos todos dar mais um passo. Nós todos aprendemos a nos amar,
então agora eu peço para que você fale por si mesmo. Eu gostaria de
perguntar a todos vocês: Qual o seu nome? O que te anima e faz o seu
coração bater mais forte? Me conte a sua história, eu quero ouvir a sua voz
e eu quero ouvir as suas convicções. Não importa quem você seja, de onde
você vem, a cor da sua pele, o gênero com o que se identifica…. Fale por si
mesmo. Encontre o seu nome, encontre a sua voz, falando por si mesmo.
156 Texto retirado do artigo “Discurso de RM para a Organização das Nações Unidas”, publicado pela fanbase
Bangtan Brasil, em 24 de setembro de 2018. Tradução por: Caroline Piazza e Nalu Rivera. Disponível em:
https://bangtan.com.br/discurso-de-rm-para-a-organizacao-das-nacoes-unidas/. Acesso em: 22 de novembro de
2022.
O discurso, além de transmitir uma significante mensagem a respeito da importância do
amor próprio, de aceitação e de autoconhecimento, também apresenta menções a campanha
Love Myself e um pequeno relato da vida de um dos integrantes do grupo, Kim Namjoon. Ao
compartilhar este fragmento da sua história, falando sobre suas inseguranças e o seu refúgio,
RM cria um espaço para identificação, uma vez que a fala pode se aproximar da realidade de
muitos fãs e demais espectadores que assistiram ao discurso. A fala do septeto também se
destaca pelo fato do BTS ter sido o primeiro grupo de K-pop a discursar em uma Assembléia
das Nações Unidas, outra ação marcante realizada pelo grupo.
157 Discurso completo compartilhado pelo perfil oficial da Unicef na rede social Twitter, no dia 23 de setembro de
2020. Disponível em:
https://twitter.com/UNICEF/status/1308766369819828224?s=20&t=2TUGNGiyRCw3tLyy3KUVaw. Acesso
em: 15 de maio de 2022.
participação do grupo, os sete integrantes dizem juntos a frase: “Life goes on, let 's live on“ (A
vida continua, vamos continuar vivendo, tradução nossa).158
No ano seguinte, o grupo retornou para a sede das Nações Unidas, desta vez de forma
presencial, para realizarem mais uma fala, na presença do ex-presidente da Coreia do Sul, Moon
Jae-in. Na 76ª Assembleia Geral das Nações Unidas, ao longo da reunião do Momento dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Momento ODS), os integrantes do BTS abordaram
a temática da juventude no período de pandemia de covid-19, assim como as dificuldades
enfrentadas por estes jovens e por todas as pessoas ao redor do mundo, além de compartilhar
histórias da futura geração, mencionar tópicos sobre a mudança climática e também a vacinação
contra a Covid-19. Além do discurso, o grupo apresentou uma performance gravada da música
Permission to Dance, que foi filmada nos corredores, salas e espaços externos da sede das
Nações Unidos. Conforme a notícia “BTS Took Center Stage at the U.N. Over One Million
159
Fans Watched Live” , publicada pelo New York Times, em 20 de setembro de 2021, uma
transmissão ao vivo da participação do grupo na assembleia, realizada pelo canal da ONU no
YouTube, contou com aproximadamente um milhão de visualizações.
Figura 1
Integrantes do BTS juntos na sede das Nações Unidas,
imagem divulgada em 20 de setembro de 2021
158 Life Goes On é uma das canções do BTS presentes no álbum BE (2020).
159 VIGDOR, Neil. “BTS Took Center Stage at the U.N. Over One Million Fans Watched Live”, 20 de setembro
de 2021, New York Times. Disponível em: https://www.nytimes.com/2021/09/20/world/asia/bts-un-
performance.html.Acesso em: 16 de maio de 2022.
160 Disponível no link de acesso:
https://twitter.com/bts_bighit/status/1439939296761315328?s=20&t=Xl0wJ8KyuTKQ8lTO18uw2Q. Acesso
em: 21 de novembro de 2022.
É possível mencionar a repercussão, tanto da campanha Love Myself quanto a dos
discursos realizados pelo BTS nas assembléias das Nações Unidas, na mídia brasileira e
internacional. Diversos veículos da mídia nacional, como é o caso dos portais de notícia
Capricho, Rolling Stone e G1, divulgaram ambas pautas (neste caso, a iniciativa do grupo em
parceria com a Unicef e os discursos realizados nas assembléias da ONU). É notável o
envolvimento do grupo com as questões sociais, além de ser possível observar a repercussão
positiva dessas ações na mídia, atreladas à imagem do grupo e também à sua relação com o seu
fandom. Uma vez que se tornam modelos de comportamento, os integrantes do grupo refletem
as suas iniciativas naqueles que os seguem, os seus fãs, que muitas das vezes também atuam
em pautas sociais, como é o caso do projeto Army Help The Planet.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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grupo sul-coreano BTS. 2019. Disponível em:
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Acesso em: 24 abr. 2022.
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Editora do Grupo Leya, 2018. Tradução: Patrícia Caixeirinho/Lufada de Letras. Disponível em:
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mundo. 2019. Revista Quem. Disponível em:
https://revistaquem.globo.com/Musica/noticia/2019/05/quem-e-o-bts-conheca-o-grupo-sul-
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você precisa saber sobre a cultura pop coreana). 1º Edição - 5. reimp. Belo Horizonte:
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HERMAN, Tamar. BTS’ ‘Boy With Luv’ Feat. Halsey Is the Most-Viewed 24 Hour Debut in
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shawn mendes e a manutenção dos afetos. Perspectivas de pesquisa em Cultura Pop:
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@UNICEF. Disponível em:
https://twitter.com/UNICEF/status/1308766369819828224?s=20&t=TCnBFcibFW2SWzouy6
sIuA. Acesso em: 15 maio 2022.
Capítulo 43
RESUMO: O artigo discute como a cantora e compositora Ludmilla pode ser considerada uma
olimpiana a partir do conceito do filósofo francês Edgar Morin (1997). Com uma carreira em
ascensão, a artista, que teve uma origem pobre, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, já aos
8 anos, começou a ter contato com a música. Em 2014, já estourou com o seu primeiro single e
a partir daí a sua carreira se consolidou com cantora de funk, rap e pop, passando a fazer
parcerias com vários outros cantores e grupos de sucesso da música. Hoje, é uma das cantoras
mais bem-sucedidas da música pop brasileira e com um grande número de fãs, com um
comportamento marcado pelo engajamento em defesa das minorias, como as causas
LGBTQIA+ e a luta pelo racismo, homofobia e machismo. Em 2022, foi uma das estrelas do
Rock in Rio.
1. INTRODUÇÃO
O texto reporta uma análise da Mídia com base na cultura de massa e os olimpianos, o
mesmo analisa a cantora brasileira Ludmilla desde sua ascensão e excentricidades com base na
Teoria Culturológica proposta por Edgar Morin (1997), dentro do atual cenário político e
cultural brasileiro. A partir de elementos e características da cultura de massa (Indústria
cultural, eros cotidiano, olimpianos, juventude, revólver, amor), a análise articula os conceitos
e os desenvolve com base na trajetória da cantora.
Os objetivos são explicitar e exemplificar os pressupostos básicos da Teoria
Culturológica em um produto de cultura de massa a partir de gatilhos durante a sua construção
e trajetória. Objetiva-se ainda relacionar-se com o atual mercado cultural e como isso se reflete
através de imposições naturalizadas na construção de figuras públicas que buscam vender seu
produto mediante a um cenário preestabelecido e pouco maleável. O estudo baseia-se em
pesquisa a partir de observação direta e constatação de fatos.
A análise feita pelo colunista dialoga com as teorias de Edgar Morin (1997), tendo em
vista que ao mesmo tempo que Ludmilla se apresenta como uma estrela, uma olimpiana, que
mostra o seu talento, brilha diante de milhares de fãs e produziu um dos shows mais caros do
Rock in Rio, mostrando que se tornou um dos maiores ícones da música pop brasileira, ela
também não deixa de mostrar o seu lado de proximidade com o público. Como o colunista
lembrou, Ludmilla não esquece as suas origens na favela, a origem humilde, apresentou no
telão a sua mãe e buscou mostrar que é defensora dos direitos das minorias, da população preta,
da comunidade LGBTQIA+ e que o seu sucesso faz com que a sua mensagem chegue a um
público cada vez maior.
Figura 2
Ludmilla brilha no Rock in Rio em 2022
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse trabalho buscou apresentar a cultura de massa conceituada por Edgar Morin, e a
partir dela analisar a cantora Ludmilla. A partir da definição de Morin que a cultura de massa
é uma forma dos indivíduos fugirem da realidade e por isso existem as vedetes modernos ou
olimpianos, que são os ídolos que as pessoas seguem. Dessa forma é inegável que a cantora
Ludmilla é uma grande olimpiana no Brasil, já que sua vida é praticamente toda exposta na
mídia.
A exposição da cantora é composta de diversos elementos característicos da cultura de
massa, como o amor que se destaca no casamento com Bruna, a juventude tendo em vista o
início precoce de sua carreira e principalmente o revólver, já que frequentemente o nome de
Ludmilla está entre algumas polêmicas do mundo dos famosos.
Constata-se, portanto, que, apesar de escrita há duas décadas, a teoria de Morin sobre
cultura de massas tem se mostrado atemporal e cada vez mais presente no mundo
contemporâneo, a cada dia surgem novos vedetes na grande mídia.
REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Indústria cultural. Iluminismo como
mistificação das massas. In: LIMA, Luiz Costa (Org). Teorias da Cultura de Massa. São
Paulo: Paz e Terra, 2000.
MORIN, Edgar. Culturas de massas no século XX. Neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997.
SOALHEIRO, Bárbara & FINOTTI, Ivan. Como o pop matou o seu rei. Michael Jackson:
ascensão e queda. Superinteressante. Edição 198 – março/2004. Disponível em:
http://super.abril.com.br/cultura/michel-jackson-ascensao-queda-479983.shtml. Acesso em 02
de outubro de 2022.
Capítulo 44
RESUMO: O artigo analisa a trajetória e carreira de David Bowie, tendo como referência a
discussão sobre os mitos da era moderna ou olimpianos, com base em autores como Edgar
Morin (1997), Douglas Kellner (2001). Discute-se como, no século XX, emergem modelos de
comportamento na esfera da cultura que passam a ter as suas vidas expostas pela mídia, tanto
na esfera privada como pública. A partir da análise feita por Finotti e Soalheiro (2004), na
Revista Superintessante, sobre a carreira do astro Michael Jackson, são apontadas cinco fases
na vida de uma celebridade: a construção do mito, a fase de idolatria (quando atinge o auge na
sua carreira), as excentricidades (para se manter na mídia, tornam-se excêntricos e têm suas
vidas privadas expostas), megalomania (quando se perde o controle e a noção da realidade ao
começar a cometer ilegalidades ou abusar de drogas, álcool e colocar em risco a sua reputação
ou a própria vida) e a destruição (quando voltam à condição de meros mortais em função de
condutas questionáveis, como, no caso de Michael Jackson, que chegou a ser preso sob
acusação de abuso sexual contra crianças). A partir destas fases, o artigo analisa as fases na
carreira de David Bowie.
1. INTRODUÇÃO
David Bowie tem sido uma figura referência na indústria musical há cinco décadas.
Apelidado de “camaleão do Rock”, pelas constantes mudanças no seu estilo musical e por
encarnar personagens temáticos em alguns de seus álbuns, esteve na linha de frente do gênero
pop rock por muitos anos, considerado um dos músicos mais inovadores e influentes de todos
os tempos, apresentando um vocal característico e profundidade intelectual em suas obras.
O cantor David Bowie (David Robert Jones), que nasceu em Londres em 8 de janeiro
de 1974 e faleceu em Nova Iorque em 10 de janeiro de 2016 foi uma das figuras mais polêmicas
do mundo pop dos anos 70 até o final do século XX. Cantor, compositor, ator e produtor musical
britânico, foi considerado um camaleão do “rock” pela sua capacidade de inovar. Tornou-se
conhecido somente em 1969, com a canção “Space Oddity”. Ficou conhecido como assumir
personagens em suas performances nos palcos, entre elas a figura de Ziggy, no disco Aladdin
Sane em 1973 que foi um sucesso também nos EUA. A vida curta da persona revelaria apenas
uma das muitas facetas de uma carreira marcada pela reinvenção contínua, pela inovação
musical e pela apresentação visual.
Ainda nos anos 70, em nova fase, assumiu uma postura mais “punk”. Em 1974, o
álbum Diamond Dogs previa, com seu som e sua temática caótica, a revolução punk que
surgiria anos depois. Em 1975, Bowie finalmente conseguiu seu primeiro grande sucesso em
território americano com a canção "Fame", em coautoria com John Lennon, do álbum Young
Americans. O som constitui uma mudança radical no estilo que, inicialmente, alienou muitos
de seus devotos no Reino Unido. Nessa etapa, a carreira musical de Bowie se renovou e seguiu
novos rumos.
Seguindo o sucesso comercial irregular no final dos anos 70, a canção "Ashes to Ashes"
do álbum de 1980 Scary Monsters (and Super Creeps) alcançou o primeiro lugar no Reino
Unido e lançou bases para um novo movimento chamado New Romanticism. No ano seguinte,
junto à banda Queen, escreveu e cantou a canção "Under Pressure" e em seguida atingiu novo
pico comercial com o álbum Let's Dance (1983), que rendeu sucessos com a canção
homônima e o fez cativar nova audiência. Ao longo dos anos 1990 e 2000, Bowie continuou a
experimentar novos estilos musicais, incluindo gêneros mais adaptados ao mercado fonográfico
comercial.
. Após um período de quase dez anos em hiato, divulgou The Next Day em 2013 e recebe
boas avaliações da crítica e público. Após comemorar 50 de carreira com a coletânea Nothing
Has Changed em 2014, o cantor produziu seu último trabalho ainda vivo, o
álbum Blackstar (2016). A influência de David Bowie ainda é grande no cenário da música
pop. Em 2004, a Rolling Stone colocou-o na 39ª posição em sua lista dos "100 Maiores Artistas
do Rock de Todos os Tempos" e em 23º lugar na lista dos "Melhores Cantores de Todos os
Tempos".
Diante de uma trajetória tão bem-sucedida e cheia de excentricidades, pode-se falar
numa das características da cultura de massa, apontada por Edgar Morin, a existência dos
Olimpianos. Para manter seu funcionamento eficiente, a mídia cria personagens, com a intenção
de manter a atenção do espectador. São esses os olimpianos modernos: eles têm suas vidas
privadas expostas e dissecadas pela mídia. Os espectadores identificam-se e inspiram-se pelos
seus ídolos, buscando constantemente aspectos que os tornem similares, terminando frustrados,
pois o olimpiano encontra-se em um patamar muito superior ao das meras pessoas comuns. O
trabalho vai contextualizar esse conceito na carreira de David Bowie, trazendo também como
apoio textos de análise de Madonna, com base em Kellner (2001) e Michael Jackson, a partir
de Finotti e Soalheiro (2004). Com base do documentário “A História de Vida de David
Bowie”, lançado em 2018, será feita uma análise das fases do mito, desde a sua construção,
idolatria e excentricidades.
Em função desta dupla natureza (divina e mortal) e da sua relação com a cultura de
massa, em um determinado momento os olimpianos se tornam “modelos de cultura”, ou seja,
modelos de vida a serem seguidos. Dessa forma, alguns comportamentos ou hábitos são
“copiados” como exemplares e adotados por fãs ou seguidores. Ademais, a aparência física
também é um dos elementos que mais pode ser explorado. Nesse contexto, por exemplo, muitas
pessoas buscam possuir o mesmo corte de cabelo, o vestuário ou o formato do rosto e do corpo
parecidos, a fim de se aproximar ao máximo desse modelo.
Para discutir a trajetória de David Bowie, além dos teóricos acionados na base
conceitual, foi utilizado o documentário “A História de David Bowie”, produzido em 2018,
com 39 minutos de duração.
David Bowie, nome artístico de David Robert Jones, nasceu em Brixton, Londres, no
dia 08 de janeiro de 1947. Frequentou a escola primária Burn Ash Junior, onde já demonstrava
interesse e dotes musicais no canto, fazendo parte do coral da escola. Inspirado por músicos
americanos como Elvis Presley e Little Richard por influência de seu pai, começou a aprender
a tocar instrumentos como ukulele, washtub bass, piano e saxofone. Na escola Raven Woods,
estudou arte, música e desenho. Bowie se apresentava para os amigos fazendo imitações de
Elvis Presley e Chuck Berry. (DAVID BOWIE, Documentário no YouTube, 18 de junho de
2018).
Aos 15 anos, conforme informação do Documentário no Youtube (2018), formou sua
primeira banda, Kon-rads, que tocava em diversos eventos, mas não fazia sucesso. Ainda com
essa mesma idade, Bowie envolveu-se em uma briga e recebeu um soco em seu olho esquerdo
de um colega de escola. O colega usava um grande anel e, por isso, mesmo após uma operação,
David ficou com a pupila permanentemente dilatada, o que veio a tornar-se uma marcante
característica física sua. Determinado ao sucesso, Bowie integrou outros grupos - nenhum deles
bem-sucedidos. Em 1967, adota o nome David Bowie, e, no mesmo ano, lança seu primeiro
álbum solo, intitulado com seu nome, e não alcança o sucesso comercial.
Após o lançamento de seu primeiro single de sucesso, Space Oddity, em 1969, Bowie
tornou-se uma figura bastante popular no Reino Unido e adotou a personalidade do famoso
Ziggy Stardust, uma persona criada por ele, inspirado no personagem de 2001: Uma Odisseia
Espacial. Ziggy dava a Bowie a liberdade que o mesmo precisava dentro do palco, já que, como
personagem, não precisava encarar a vulnerabilidade diante do público. Durante o período em
que se apresentava como Ziggy e outros personagens igualmente caricatos e marcantes, Bowie
lançou cinco álbuns de estúdio num curto espaço de tempo de apenas três anos. Foram lançados
os albums: The Man Who Sold the World, em 1970; Hunky Dory, em 71; o sucesso The Rise
and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, em 1972 e Aladdin Sane, em 1973. Após
isso, ele lançou mais quatro álbuns, com novos personagens nos anos seguintes. (DAVID
BOWIE, Documentário no YouTube, 18 de junho de 2018).
Nesse período, conforme informações do Documentário do Youtube (2018), até
aproximadamente 1977, foi marcado pelo abuso e vício de Bowie por cocaína e outras drogas
pesadas. Ele não conseguia lidar com a demanda por shows, a fama e o público que em grande
parte desaprovava sua postura andrógina e seu comportamento nos palcos e em entrevistas.
Durante essa fase, ele sofreu diversas overdoses e teve episódios de apagões, onde não sabia
onde estava, o que estava fazendo e as consequências de suas ações. Ele então se afastou por
um tempo, se mudando para Berlim Ocidental, no contexto da Guerra Fria. Ficando sóbrio e
inspirado pelas mudanças à sua volta e a música eletrônica alemã, Bowie lançou sua famosa
trilogia de álbuns: Low, Heroes e Lodger.
Com o sucesso crescente de suas músicas em solo internacional, especialmente na cena
norte-americana, Bowie entrou para a cena comercial nos anos 80 e, apesar de inovador, o
mesmo afirmou em entrevistas anos depois que essa foi uma das piores fases de sua vida pois
não estava feliz com o que fazia, mas gostava do dinheiro que conseguia com as vendas de suas
músicas. Ele também estrelou diversos filmes, como o clássico Labirinto, e produziu músicas
com outros artistas, como Under Pressure, o dueto ao lado da banda Queen. (DAVID BOWIE,
Documentário no YouTube, 18 de junho de 2018).
Cansado de ter que ceder à pressão da indústria musical, no final dos anos 80 e início dos anos
90, Bowie voltou para a cena underground com a banda Tin Machine, formada com alguns
amigos. Segundo o “Documentário David Bowie no YouTube” (2018), eles se apresentavam
em pubs e bares, ficando mais próximos do público e podendo se expressar de maneira mais
livre e democrática. Em entrevistas da época, Bowie afirma que esse momento foi “libertador”
e “extremamente importante” para sua vida e carreira. Ele comemorou seus 50 anos nos palcos,
com apresentações especiais de amigos e lançou o álbum Earthling.
Já nos anos 2000, Bowie foi menos ativo musicalmente. Ele lançou Heathen e Reality,
em 2002 e 2003, respectivamente, e deu uma pausa na carreira, lançando material novo somente
em 2013, com The Next Day. Seu último trabalho, Blackstar, lançado no seu aniversário de 69
anos, em 2016, conclui a discografia do cantor, que morreu dois dias depois devido a um câncer
que enfrentava. Em músicas de Blackstar, é possível notar que o músico estava ciente de sua
morte e aceitara seu destino.
Pode se dizer que parte da figura criada para o mito seja exatamente sua excentricidade
característica. Bowie é reconhecido exatamente por seus personagens, por ser caricato e teatral,
sempre inovando a maneira como é reconhecido. Entretanto, apesar de ter entrado na vida
comercial na década de 80, Bowie alegou em entrevistas que não desejaria a fama nem para seu
pior inimigo. (DAVID BOWIE, Documentário no YouTube, 18 de junho de 2018).
De certa forma, é possível creditar que o mito presente na imagem de Bowie é fruto dos
elementos estudados por Berman (1984) a respeito da modernidade. O autor fala do caráter
efêmero e do que é o espírito de ser moderno, ao viver intensamente dilemas entre a gênese
(criação) versus destruição. No caso das celebridades, elas chegam ao extremo, entre o sucesso,
a fama, o poder ao mesmo tempo que se sentem, muitas vezes, isoladas, fragilizadas. É, sem
dúvida, um sentimento moderno. Os personagens excêntricos de Bowie mudaram a moda e a
música por trazerem elementos teatrais para os palcos. Seus trajes elaborados, as maquiagens
exageradas e seu jeito andrógino, aliados aos movimentos de libertação da década de 70
ajudaram a criar a imagem que se tem até hoje do cantor: colorido, espalhafatoso e marcante.
De acordo com Berman (1984), em certo sentido, a moda é uma característica da modernidade,
interpretada esta como uma era da história marcada pela perpétua inovação, pela destruição do
velho e a criação do novo.
Durante a sua carreira, era isso que Bowie procurava: a criação do novo. Reconhecido
como um dos artistas mais inovadores dos séculos XX e XXI. O camaleão não se limitava
apenas à moda e às maquiagens, sua experimentação e mudanças constantes são presentes em
tudo que se propunha a fazer. Ele para sempre será lembrado não só como o camaleão, mas
como um artista à frente de seu tempo. Conforme aponta Morin (1997), o olimpiano é moldada
pela mídia. No caso de David Bowie, ela foi, aos poucos, sendo construída, mesmo sem querer,
baseada em maneirismos e experimentações que ficarão marcadas em diversas gerações que
acompanharam ou tenham visto algum de seus personagens famosos em referências culturais,
como no novo filme da Disney/Pixar Lightyear, que traz na trilha sonora a música Starman,
faixa do álbum The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, de 1972;
provando que o legado de Bowie não terminou e provavelmente não irá acabar tão cedo.
Apesar de sua paixão pelos seus personagens e suas músicas, pode-se dizer que Bowie
também teve suas fases de idolatria. Ele fez parte de diversos grupos musicais quando jovem e
abandonou os conjuntos quando não alcançava o sucesso almejado. Seguindo a carreira solo,
abusou ao extremo de substâncias como a cocaína, tendo diversos episódios de overdoses e
períodos de apagão. Entre esses momentos, Bowie foi flagrado com objetos de procedência
nazista e fez declarações a favor do fascismo e, após quase acabar com sua vida devido ao uso
de drogas, ele se isolou na Suíça e se mudou para Berlim Ocidental logo depois para tentar ficar
sóbrio.
Devido ao sucesso alcançado nos anos 80, especificamente entre os anos de 1984 a
1988, ele apenas produziu conteúdos comerciais, pois estava lucrando mais do que nunca com
esses trabalhos. Foi um período conturbado na vida do cantor, pois ele afirmou anos depois que
estava infeliz com o que estava fazendo, mas gostava da atenção e do prestígio que recebia do
público e do dinheiro que recebia com isso. Pode ser reconhecido como um sujeito moderno e
egocêntrico, vendendo sua arte para a cultura de massa e transformando seu objetivo inicial de
produzir arte, em algo totalmente comercial e padronizado, pois suas composições eram
calculadas para funcionarem ao público que as ia consumir. O que importava não era mais a
arte, e sim a figura que ele representava, a megaestrela David Bowie, que lotava shows e vendia
milhões de discos.
Apesar de todos esses fatores, a figura e as músicas de David Bowie são impactos nos
fãs até os dias de hoje. Ele se tornou uma das maiores referências da cultura pop por seus
personagens inusitados, vendendo milhões de produtos estampados com suas personas desde
que começaram a fazer sucesso 50 anos atrás. É grande influência nos seguimentos musicais e
artístico, e mesmo depois de sua morte, continua um sucesso nos mais diversos públicos. O seu
ativismo foi essencial para a visibilidade de movimentos sociais a favor da comunidade
LGBTQIA+, ao falar de sexualidade, padrões de gênero e por se pronunciar abertamente em
solidariedade a pessoas soropositivas nos anos 80 e 90, quando a AIDS era um enorme tabu.
Tanto por isso quanto apenas por usar maquiagens e saias, David sempre recebeu
ataques de conservadores desde o início de sua carreira. Em entrevistas de amigos, cedidas ao
documentário This is the Life of David Bowie, de 2002, eles afirmam que as pessoas tinham
medo de David, mas não porque ele as assustava, e sim, por ter cabelos longos e coloridos e
não se limitar a padrões binários de comportamento. A sua sexualidade também era amplamente
discutida, pois muitos acreditavam que Bowie era gay, mesmo sendo casado durante muito
tempo com mulheres. Após as declarações polêmicas do cantor, isso se intensificou e o mesmo
sofreu boicotes e ataques do público mais conservador.
As canções e apresentações de Bowie criaram uma nova dimensão para a música pop
do começo da década de 70, influenciando os seus arredores musical e socialmente. Sua
produção musical durante a década criou uma das levas de seguidores mais fiéis da cultura pop.
Ao incorporar personas andróginas, como Ziggy Stardust e Alladin Sane, Bowie não só foi
pioneiro do glam rock como também recriou uma classe adolescente mais independente na
época e incentivou movimentos LGBTQIA+. Sua postura criou novas modas nas cenas de rock
e música no geral, apresentando estilos que ainda interessam pessoas atualmente.
Por ter se sucedido em tantos estilos musicais variados, é quase impossível encontrar
um artista popular hoje em dia que tenha sido imune à influência de Bowie. Certos críticos
afirmam que David Bowie trouxe determinada sofisticação ao rock e suas obras são
consideradas de profunda qualidade intelectual. Durante a carreira, Bowie recebeu diversos
prêmios agraciando suas canções e videoclipes, como Grammys, Brit Awards - de música
popular da indústria britânica fonográfica, e até mesmo um Prêmio Saturn de Melhor Ator - por
sua atuação no filme de ficção científica The Man Who Fell To Earth. Bowie recebeu um
doutorado honorário da Berklee College of Music, recusou condecoração e recusou tornar-se
Cavaleiro da Ordem do Império Britânico, alegando não entender para aquilo servia.
Bowie já vendeu o estimado de 136 milhões de álbuns e se estabeleceu em uma lista da
BBC de votação popular dos “100 maiores britânicos”, aparecendo em 29° lugar. Na lista da
Rolling Stones, organizada por críticos e especialistas na área musical, aparece como 39° maior
artista de rock de todos os tempos e 23° melhor cantor de todos os tempos. Por fim, Bowie
entrou para o Rock and Roll Hall of Fame em 1996.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Cia das Letras, 1984.
FINOTTI, Ivan & SOALHEIRO, Bárbara. Michael Jackson: Peão do pop. Um rei como
Michael Jackson já nasce com seus dias contados. Entenda como a indústria da música enterra
seus ídolos. Revista Superinteressante. Março de 2004. Disponível em https://
https://super.abril.com.br/cultura/michael-jackson-peao-do-pop/. Acesso em 10 de outubro de
2022.
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. Neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997.
OLIVEIRA, Luiz Ademir de. Apostila de Teoria das Comunicação. São João del-Rei, 2022,
120p.
Capítulo 45
RESUMO: O presente artigo busca analisar, por meio dos argumentos teóricos de Edgar Morin
(1997) presentes na Teoria Culturológica, a saga de filmes e livros Jogos Vorazes. São
apresentados alguns conceitos de Morin e seus paralelos dentro do mundo fictício de Panem.
Discute-se algumas características da cultura de massa, como o amor, happy end, olimpianos,
juventude, que são evidenciados no produto cultural em análise. Percebe-se tanto a atualidade
da obra de Morin, escrita nos anos 60 do século XX, quanto em Jogos Vorazes, como reflexos
da dinâmica social e cultural.
1. INTRODUÇÃO
Desde maio de 2008, quando foi lançado nos Estados Unidos o primeiro livro da saga
Jogos Vorazes – cuja primeira parte tem o mesmo nome da saga. – a obra de Suzanne Collins
ganhou força entre os jovens, criando para si um enorme fandom e se tornando rapidamente um
clássico do gênero adolescente. Sendo seguida por duas sequências, sendo elas Em Chamas
(2009) e A Esperança (2010), a trilogia de livros marcou presença como uma das mais populares
séries de livros dos anos 2010, estando no mesmo patamar de sagas como Harry Potter, Percy
Jackson ou Crepúsculo.
Essa fama toda se agravou com a adaptação para os cinemas, trazendo quatro filmes
(sendo que o último livro foi dividido em duas partes para as telonas) estreados por um icônico
elenco: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson e Liam Hemsworth são alguns dos grandes atores
que protagonizaram essa obra. Jogos Vorazes fez muito sucesso por ser uma série que não tinha
medo de falar sobre temas pesados ou políticos, nem de colocar adolescentes no centro de um
mundo distópico cheio de horrores. Além disso, se tornou inspiração para muitas outras obras
que viriam a seguir, e se tornou um marco cultural para os jovens que acompanharam a jornada
de Katniss durante esse tempo.
Em matéria disso, contextualizando no estudo das Teorias da Comunicação, este
trabalho apresenta um esclarecimento de conceitos utilizados em Jogos Vorazes e argumenta
seus paralelos em relação a Teoria Culturológica. Relacionando ao objetivo do estudo, é
apresentada a concepção dessa teoria, fundamentada por Edgar Morin, juntamente a uma
análise dos livros e filmes de Jogos Vorazes, percorrendo os seguintes tópicos: Indústria
cultural, Happy end, Juventude, Revólver, Amor e Olimpianos.
Para analisar a saga “Jogos Vorazes”, optou-se por recorrer à Teoria Culturológica,
formulada pelo filósofo francês Edgar Morin (1997), na década de 70, que tem como objetivo
estudar a cultura e a relação entre consumidor e produto cultural. Dessa forma, a teoria explica
a nova maneira de cultura na sociedade moderna: a cultura de massa. Ela acredita que a mídia
é responsável por criar uma nova forma de cultura que mescla outras formas de cultura,
agregando elementos, seja da cultura erudita, da cultura popular, buscando atingir um público
cada vez mais universal.
Morin (1997) argumenta que o sistema da cultura de massas se caracteriza por um
conjunto de valores e imagens culturais, sejam eles relacionados à vida prática ou ao imaginário
coletivo. A cultura de massa não é autônoma, já que se apropria da cultura nacional, religiosa
ou humanística. Não é a única cultura do século XX, mas se torna a corrente de massa
verdadeiramente nova dessa época.
Em sua obra "Cultura de massas no século XX" (1997), Morin fala sobre as definições
de cultura de massa e as características dessa forma de cultura que cresce no mundo moderno.
A obra é uma transição no campo da comunicação, já que não tem a carga pessimista da Teoria
Crítica, mas ainda levanta pontos negativos sobre a cultura de massa.
A Teoria Crítica foi elaborada pelos teóricos da Escola de Frankfurt, na Alemanha, no
contexto do período entre guerras. Entre os principais pensadores, estavam os filósofos Theodor
Adorno e Max Horkheimer que, no ensaio “Indústria cultural. O iluminismo como mistificação
das massas” em 1947, formularam o conceito de indústria cultural para tratar justamente de
como, no século XX, a cultura e a arte tornaram-se mercadorias vinculadas a fortes cadeias
produtivas no sistema fordista industrial. Adorno e Horkheimer (2000) denunciavam a perda
da autonomia da arte em função de produtos culturais cada vez mais padronizados, marcados
por estereótipos, maniqueísmo e já definidos hierarquicamente para determinados públicos,
eliminando o raciocínio crítico. Para os autores, na indústria cultural, as reações tornam-se
previsíveis, já que há uma pseudo-individualidade, frente a um desenrolar de um filme, de uma
novela, de uma música, em que o indivíduo já de antemão sabe o desfecho. Tudo é previamente
pronto pela indústria a fim de evitar que exista qualquer resistência ou poder de crítica.
Morin (1997), por sua vez, acredita que a indústria cultural é um dos elementos
importantes da cultura de massa, mas que não pode ser entendida apenas pelo seu caráter
burocrático e padronizador. O filósofo acredita que, até para se manter, ela precisa de um outro
polo, o da inovação, o da criação, que abre brechas para a arte. Nesse sentido, ele apresenta
aspectos positivos da cultura de massa, como a democratização de bens simbólicos e culturais,
que antes eram limitados a uma certa elite. Com o avanço da cultura de massa, mais pessoas
conseguem ter acesso a manifestações artísticas (pode ser visto na popularização dos filmes
blockbusters, que tornaram o cinema uma experiência mais popular).
Morin (1997) também diz em seu livro que o poder industrial se expandiu no começo
do século XX, causando a chamada "segunda industrialização", processada no campo das
imagens. Ou seja, uma industrialização cultural, a mercantilização dos bens culturais. O
filósofo chama a cultura de massa de terceira cultura, nascida da imprensa, do cinema, do rádio
e da televisão (meios de comunicação de massa). Hoje, entende-se que se ampliou com os meios
digitais. O conceito de cultura é relacionado com um corpo de normas, mitos e imagens que
dialogam com cada indivíduo de forma singular: estabelecem seus instintos e emoções.
A cultura de massa, para Morin, não proporciona o fim das demais culturas, mas sim a
convivência delas. Ela se acrescenta às culturas nacionais, religiosas e humanistas. Porém, a
cultura de massa estabelece uma concorrência. As sociedades modernas são policulturais, por
isso a cultura de massa se integra nessa realidade, mas tenta desagregar as outras por conta da
sua própria natureza planetária.
Dessa forma, o autor discute e questiona a postura de alguns outros intelectuais que são
extremistas nas críticas sobre a cultura de massa (como os autores da Escola de Frankfurt),
considerando um exagero a consideração de que ela seria o ópio do povo: controladora e
manipuladora. Morin acredita que esses autores defendem a cultura erudita como algo superior,
pecando em estabelecerem um pensamento preconceituoso. Por isso, coloca como objetivo não
exaltar a cultura de massa, e sim diminuir a "cultura cultivada". Morin propõe que o primeiro
passo seria a autocrítica, sendo necessário observar, mas também participar do objeto de
observação. Precisa ser a multidão para uma crítica certa. Consumir para criticar o objeto de
consumo.
A cultura de massa tem dois pólos opostos e oscila entre eles, tomando como base o que
Freud aponta entre a pulsão de vida (eros – sexualidade) e a pulsão de morte (tanatos –
agressividade). De um lado, os valores positivos (feminilidade, erotismo, amor, felicidade). De
outro, os valores negativos (masculinidade, agressão, aventura, morte). Por isso, há uma
manifestação geral de fascinação pela violência que é mostrada na mídia. Consumimos de
forma pacífica a experiência de guerra e morte, sem precisarmos estar lá diretamente. A
imprensa capitalista consome e sobrevive das grandes tragédias.
Pode-se citar como exemplo os filmes onde temos um grande herói que luta para salvar
sua amada ou sua família. Para isso, ele enfrenta o que precisar, matando e quase morrendo
para isso. Estas são obras que mostram a violência como uma coisa má, mas fazem o espectador
esquecer disso por tempo suficiente para torcer para o herói conseguir o que quer.
3.2 O amor
O amor tornou-se o grande auge da vida moderna. É o tema central de felicidade, e se tornou
essencial. O personagem principal do amor é o casal, que sempre surge dissolvendo os valores
da família. A característica de "amar e ser amado" se torna alvo de dois momentos diferentes:
um idealizado - o encanto e a adoração do amado - e o violento, onde a brutalidade de crimes
é explorada.
3.3 Os Olimpianos
Para funcionar, a mídia é obrigada a criar personagens que prendem nossa atenção, e
assim surgem os Olimpianos Modernos. Suas vidas são totalmente dissecadas pela mídia (como
em revistas de fofoca, por exemplo). Os Olimpianos acionam mecanismos de identificação e
projeção nos espectadores.
O espectador se acha muito parecido com a figura olimpiana, e por isso sofre nos seus
dramas e torce pelo seu sucesso. Por isso, busca ser cada vez mais parecido com o que admira.
Já quando há projeção, o espectador está insatisfeito e sonha em ser igual seu ídolo, mesmo
sendo totalmente diferente. Ele se inspira de todas as formas possíveis, mas suas tentativas são
frustradas pois o Olimpianos é isento de sofrimento dentro da mídia: eles são superiores aos
"meros mortais", pois não são constrangidos e vivem em prazer e liberdade. Mas ainda assim,
precisam ter alguma ligação com a vida real.
O produto da indústria cultural que será analisado é a saga "Jogos Vorazes" que conta
com quatro filmes: Jogos Vorazes, Em Chamas, A Esperança parte 1 e A Esperança parte 2.
Esses filmes são adaptações de uma trilogia de livros, que tem os mesmos nomes dos filmes. A
trama de “Jogos Vorazes” é ambientada em um futuro distópico. O filme se situa em Panem,
uma sociedade dividida em 12 distritos, criados após um colapso na América do Norte. Cada
distrito é responsável pela produção de alguma atividade econômica que sustenta a Capital, que
é a região que centraliza todas as riquezas produzidas pelos distritos e que mantém um controle
sobre a sociedade através de forte opressão armada e monitoramento constante.
Conforme explica Salimen (2016), a Capital é a única região rica em Panem. Em todos
os outros distritos, os moradores têm escassez de comida e de outros recursos. Como a Capital
explora todos os recursos produzidos pelos outros distritos, há uma desigualdade muito grande
entre a ela e eles. No ambiente rural, com casas de madeira e antigas, não existe tecnologia ou
construções modernas. Já na Capital, tem-se uma cidade cosmopolita, com construções
grandiosas e muitos prédios, mostrando a clara diferença entre os distritos e a Capital. Salimen
(2016) afirma que, para manter sua hegemonia e opressão ao povo, a Capital organiza
anualmente um evento onde todos os distritos participam: os Jogos Vorazes.
Apesar de ser uma grande tragédia, os “Jogos Vorazes” são televisionados por Panem
inteira como se fosse um reality show. A Capital comenta sobre os últimos acontecimentos,
tem suas torcidas e teorias sobre os próximos acontecimentos, mesmo sendo um evento
mortífero para os jovens dentro da arena. Mesmo com os distritos não gostando do programa,
não podem se rebelar, já que o próprio “jogo” foi criado como uma espécie de punição por
conta de uma revolta anterior. Ou seja, os Jogos Vorazes são usados como método de controle
do Presidente Snow para com seus subordinados.
A espetacularização dos Jogos Vorazes serve para a manutenção de poder do governo,
que busca alienar o povo e reafirmar seu poder como “a melhor opção” possível para os outros.
Assim como a Indústria Cultural, os jogos dentro desse universo distópico criam os heróis
necessários para buscar a simpatia dos espectadores, e tentam mesclar um estilo padronizado e
industrial - são necessárias habilidades de sobrevivência e luta para se sobreviver nos Jogos
Vorazes - e um estilo artístico e criativo: você precisa conquistar a audiência e os patrocinadores
para sobreviver e ser querido.
No universo de Panem, temos o final feliz após o Jogos Vorazes: Peeta e Katniss,
atuando seus personagens - “os amantes desafortunados”, tem a ideia de que preferem morrer
do que viver um sem o outro e decidem fingir que cometerão um suicídio duplo com amoras
envenenadas no final dos Jogos. O plano dá certo, já que o diretor os interrompe e dá o título
de vencedor para ambos, pois ocorreria uma indignação do público ao não ter vencedor.
Para a Capital, Katniss e Peeta tem seu final feliz: ficam juntos e driblam a má sorte,
sendo dois vencedores. Não importa toda a tragédia que aconteceu antes, todas as mortes que
tiveram que acontecer e os traumas que os dois jovens passaram, pois agora eles estão felizes
(isto é, até serem convocados novamente para a arena no ano seguinte). Passando para um
contexto de realidade, para nós Katniss e Peeta tem um “Happy End”. No final de A Esperança
parte 2, os dois são vistos anos após o fim da rebelião, finalmente juntos (e de forma verdadeira)
e constituindo família. Estão se curando dos seus traumas e não têm mais medo de terem filhos,
já que não há mais Jogos Vorazes para se preocuparem. Mesmo sendo mais realista, ambos têm
um final feliz para nós e o bem vence, novamente.
4.3 Juventude
A idolatria da juventude em Panem é vista com um dos requisitos simples para se entrar
nos Jogos Vorazes: é preciso ter de doze a dezoito anos para participar. Ou seja, existe
claramente uma ideia de que é preferível que uma criança ingênua e sem habilidades entre no
jogo do que um adulto maduro. Isso faz com que os espectadores se apeguem mais aos
personagens, e sintam mais o drama de ter alguém tão novo dentro de um contexto tão cruel.
No livro e filme “Em Chamas”, a Capital decide que o Quarter Quell (edição especial
dos Jogos Vorazes) teria os tributos selecionados entre os já vencedores dos jogos anteriores.
Dessa forma, vemos pessoas adultas e até idosas participando e tentando sobreviver na arena.
Infelizmente, já é mostrado que os mais velhos não são adorados pelos espectadores, e não
servem de muita utilidade dentro da história.
Mags, uma mulher de 80 anos que se voluntaria no lugar de outra menina, não é
considerada uma boa aposta da Capital como vencedora. Sua única ajuda dentro dos Jogos são
seus conhecimentos de pesca, mas nunca se comunica verbalmente com os outros participantes.
Seu objetivo dentro da arena é se sacrificar e permitir que Peeta e Katniss prossigam vivos, para
ajudar na rebelião.
O Revólver e o Amor são os dois conceitos mais utilizados em Jogos Vorazes, durante
toda a saga. A violência é um dos principais pontos da saga, já que o grande reality show se
baseia em fazer jovens arriscarem sua própria vida. Nesse caso, os grandes homicídios que
acontecem se tornam justificados, já que são por "defesa''. No livro Em Chamas, Katniss cogita
matar um dos seus maiores aliados, Finnick, por ter medo de que ele tente a trair mais tarde no
jogo. A violência dentro da arena sempre é a primeira resposta.
Mesmo assim, existem cenas onde vemos que a violência também acaba acordando um
lado sentimental (negativo ou positivo) em espectadores. No primeiro filme, a aliada de Katniss
(Rue) acaba morrendo nas mãos de outro tributo. Por ela ser uma criança de 12 anos, a mesma
idade da irmã da protagonista, a morte se torna brutal de assistir e muito emocionante. Como
forma de rebelião, Katniss faz um pequeno velório e cerca o corpo de Rue de flores, antes que
ela seja levada pela Capital. Mais tarde, a cena é cortada da edição resumida dos Jogos.
Já no último filme, Katniss é chamada para matar o Presidente Snow publicamente,
finalmente coroando a líder da rebelião Alma Coin como presidente. Notando que a revolta
estava se tornando o que jurou destruir (um governo autoritário e violento), Katniss flecha a
líder dos rebeldes ao invés do presidente, a matando e deixando que o ex-governante morresse
nas mãos dos próprios cidadãos. Essas duas cenas envolvem o Revólver, mas provam como a
violência pode causar sentimentos extremos: um puro, como o do funeral de Rue, ou um brutal,
como o assassinato do Presidente Snow.
Já o Amor é o segundo tópico mais discutido dentro da saga. No primeiro livro, Peeta
conta em sua entrevista antes dos Jogos sobre ser apaixonado por Katniss. Isso cria ao redor
deles a imagem dos “amantes desafortunados” feita pela Capital: um casal que será separado
pelo destino. Durante todo o trajeto dos Jogos, a Capital faz o possível para aumentar essa
narrativa romântica, mesmo em uma situação tão difícil. Em certo ponto, anunciam que
poderiam aceitar dois vencedores, se fossem do mesmo distrito. Isso faz com que Katniss corra
atrás de Peeta, e assim os dois seguem o resto dos Jogos juntos.
Enquanto ganham mais patrocinadores quanto mais agem como um casal, Katniss se
sente mal por não gostar de verdade de Peeta. Apesar disso, no fim de tudo, quando revogam a
regra de dois vencedores, voltando à narrativa do vencedor único, é ela que tem a ideia de
fingirem se matar para ambos serem coroados vencedores. A estratégia funciona, pois a Capital
não quer parecer fraca sem vitoriosos.
Durante o filme “Em Chamas”, Katniss e Peeta fingem morar juntos e até mesmo fazem
um noivado falso, tentando manter sua imagem de casal viva para a Capital. Antes de entrar na
Arena novamente, Peeta chega a falar que sua “noiva” está grávida, tentando fazer com que os
Jogos sejam cancelados. Isso não acontece, mas piora os ânimos dos espectadores sobre o
reality - eles clamam ser uma injustiça que a Capital separe o casal, mesmo que ela tenha sido
a responsável por criar os amantes desafortunados
Os Olimpianos em Jogos Vorazes se tornam os vitoriosos de cada uma das edições: são
celebridades, suas vidas começam a ser dissecadas cada vez mais. A Capital os torna símbolos
do morador “ideal” de Panem. Entretanto, com o passar da obra, Katniss torna-se uma
olimpiana em outro sentido. Seu maior símbolo durante o primeiro jogo foi um broche de tordo
(dentro do universo, um pássaro utilizado pela rebelião anterior para passar mensagens). Dessa
forma, o símbolo desse animal começa a ser espalhado por toda Panem, como um símbolo de
resistência. Nos últimos filmes, Katniss para de portar o tordo, para se tornar ele. Isso é
mostrado no começo de Em Chamas, antes mesmo dela saber do ato contra o Presidente Snow,
onde seu vestido de noiva pega fogo e se transforma num vestido com penas e asas de tordo no
meio de uma entrevista.
A protagonista vira a face da rebelião, sendo gravada e mandando mensagens de
resistência para todos os distritos. Numa cena de A Esperança parte 1, Katniss é gravada
cantando uma cantiga do distrito 12, e essa música se torna um hino de Panem - mostrado numa
montagem onde os cidadãos cantam em união com sua representante, enquanto se preparam
para uma batalha.
Essa glorificação da Katniss como uma Olimpiana, alguém que consegue participar
tanto da esfera dos distritos quanto da Capital, um ser poderoso, não é só colocada dentro do
universo. Do lado de fora, nas campanhas de marketing dos filmes, também há um esforço para
mostrar como Katniss é diferente dos demais personagens. Nas campanhas promocionais de
cada filme, é notável como Katniss se diferencia dos outros em diversas formas.
Figura 1
Filme “Em Chamas” e a personagem Katniss
Figura 2
Filme “A Esperança – Parte 2” – Presidente Snow
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dada análise, se torna claro que a Teoria Culturológica pode ser estabelecida facilmente
na modernidade, além de poder ser utilizada para analisar de modo específico certos panoramas
da cultura pop atual. Observando a saga “Jogos Vorazes”, foram notadas interpretações sobre
a mídia dentro da obra que são condizentes com as observações feitas por Morin. Dessa forma,
foi possível traçar uma reflexão sobre a obra distópica pelas lentes da Teoria Cultorológica.
Conclui-se, então, que a obra de 2008 permanece extremamente atual e pertinente em suas
mensagens, assim como a Teoria de Morin se mantém válida como base para a análise cultural
de diversos âmbitos da mídia – como cinema, televisão, música etc.
REFERÊNCIAS
DA REDAÇÃO. Halsey, Florence, Anitta e mais artistas expõem pressão de gravadoras por
virais no TikTok. Portal G1. Rio de Janeiro, 26 de maio de 2022. Disponível em:
https://g1.globo.com/pop-arte/musica/noticia/2022/05/26/halsey-florence-anitta-e-mais-artista
s-expoem-pressao-de-gravadoras-por-virais-no-tiktok.ghtml > Acesso em: 08/06/2022.
DA REDAÇÃO. "Não faço música pro TikTok", diz Adele sobre novo álbum. Marie Claire.
São Paulo, 29 de novembro de 2011. Disponível em:
https://revistamarieclaire.globo.com/Noticias/noticia/2021/11/nao-faco-musica-para-o-
tiktokdiz-adele-sobre-o-novo-album.html > Acesso em 08 de junho de 2022.
MEDEIROS, KAVAD. Com versão de 10 minutos de "All too well", Taylor Swift quebra
recorde pessoal no Spotify. 19/11/2021. Portal Popline. Disponível em:
https://portalpopline.com.br/versao-10-minutos-all-too-well-taylor-swift-quebra-recorde-pess
oal-spotify/ > Acesso em: 08/06/2022.
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. Neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997.
OLIVEIRA, Luiz Ademir de. Apostila de Teoria das Comunicação. São João del-Rei, 2022,
120p.
SALIMEN, Lúcio Lopes. A influência dos meios de comunicação de massa na sociedade: uma
análise do filme Jogos Vorazes. Trabalho de Conclusão de Curso. Curso de Comunicação
Social – Habilitação Publicidade e Propaganda. Departamento de Comunicação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2016, 62p
Capítulo 46
1. INTRODUÇÃO
Max Weber, sociólogo alemão, teorizava as ações sociais que poderiam ser divididas
em quatro ações fundamentais: a ação social racional com relação a fins, ação social com
relação a valores, ação social afetiva e ação social tradicional. Nesse caso, pontua-se sobre a
Ação Social tradicional - a mais importante quando se trata da Teoria Culturológica. Edgar
Morin (1997), por sua vez, foi o precursor da cultura de massas, estabelecendo conjuntos de
símbolos, valores, mitos e imagens que dizem respeito, quer a vida prática quer ao imaginário
coletivo. A ação social tradicional explicitava como a sociedade influencia as decisões
individuais.
Numa perspectiva crítica, Adorno e Horkheimer (2000) formularam o conceito de
indústria cultural para tratar de como a esfera da cultura e da arte passaram a ser fortemente
impulsionadas por cadeias produtivas, como um jogo de peças que originalmente eram culturais
e agora tem o objetivo de manipular a população em favor das elites. Os autores, também,
identificaram que a padronização da cultura criava uma padronização dos gostos que facilitaria
a venda de determinados artistas. Na perspectiva de Adorno e Horkheimer, situar-se no plano
da crítica da indústria cultural significa decifrar as tendências da sociedade capitalista: é estudar
a estrutura, sentido e valor das mercadorias culturais tecnológicas. A conexão entre mídia e
sociedade não é externa aos fenômenos. As relações sociais em meio às quais aquela opera
estão inscritas a priori, ainda que figuradas, na própria mercadoria cultural. O problema dos
efeitos ou da influência da mídia na formação dos fatos sociais não pode ser resolvido
empiricamente: depende do processo histórico em sua totalidade e, portanto, está
necessariamente sujeito à interpretação. Trata-se de um aprofundamento de uma visão marxista
e freudiana da realidade.
De acordo com Edgar Morin, que criou a concepção de olimpianos, a mídia
contemporânea instaura personalidades como modelo social a fim de fomentar a indústria
capitalista que tem o lucro com maior objetivo. Os olimpianos modernos ou vedetes da grande
imprensa são os personagens que passam a compartilhar suas vidas privadas na mídia. Como o
intuito da mídia é promover identificação e projeção, essas personalidades compartilham não
só suas vidas cotidianas como produtos, sejam música, série, produtos alimentícios, cosméticos,
marcas etc. Eles propõem o modelo ideal da vida de lazer, regidos pela ética da felicidade, do
prazer e do espetáculo. A exaltação simultânea da vida privada, do espetáculo é a a mesma do
lazer e da cultura de massa. (MORIN, 1997, p. 75).
O público, ao acompanhar ininterruptamente a vida dos olimpianos, acaba
identificando-se com as figuras por isso sofrem e torcem pelo seu sucesso, além de procurar de
forma inconsciente se assemelhar, mais ainda ao ídolo corroborando com a função atribuída a
ele pela instituição midiática: vender. Outro mecanismo relatado pelo autor é o da projeção, ou
seja, o espectador insatisfeito sonha em alcançar o patamar de vida do ídolo, mesmo que viva
em condições totalmente análogas. Nesse sentido, há uma projeção inalcançável causando uma
frustração no indivíduo que tenta de todas as formas e não consegue chegar ao “seu” objetivo.
Entretanto, apesar dos olimpianos serem isentos de constrangimento, sofrimento e problemas,
é necessário que mantenham uma ligação com o real para manter os espectadores alienados.
Em relação a isso, Morin destaca que existem várias formas de tornar uma pessoa um
olimpiano, dentre elas, pode ser um escândalo, profissão de sucesso, papel de destaque na TV,
jogador de futebol, príncipe, princesa, ou reality show como exemplo o Big Brother Brasil da
rede globo. Mas apenas o discurso midiático tem o poder de transformar um humano em
divindade, dito isso, o teor da mensagem, o público alvo e intenção na divulgação são os fatores
que tornam e mantêm o indivíduo em seu status social.
A informação transforma esses olimpos em vedetes da atualidade. Ela eleva à dignidade
de acontecimentos históricos acontecimentos destituídos de qualquer significação política,
como as ligações de Soraya e Margaret, os casamentos ou divórcios de Marilyn Monroe ou Liz
Taylor, os partos da Gina Lollibrigida, Brigitte Bardot, Farah Diba ou Elizabeth da Inglaterra.
(MORIN, 1997, p. 105)
ESTUDO DO CASO
A cantora Luísa Sonza, ou Luísa Gerloff Sonza, nasceu em 18 de julho de 1998 (24
anos) na cidade “Tuparendi”/RS - a cidade localiza-se próxima à divisa com Argentina, sendo
caracterizada, principalmente, pela agricultura familiar. Além disso, o município conta com um
índice de população (IBGE 2010) igual a 8.557 pessoas -. A família da artista é composta por
seus pais Cezar Luiz Sonza e Eliane Gerloff e, seus dois irmãos, Fernando Humberto Gerloff e
Sofia Gerloff Sonza.
Sonza possui laços com a música desde cedo. Ela começou a cantar em vários festivais
regionais e sua carreira iniciou, de fato, em 2005 quando foi contratada para fazer parte da
banda “Sol Maior” com apenas sete anos de idade. Junto a essa banda, Luísa realizou eventos
até aos 17 anos, porém, em 2014, ao criar seu canal no YouTube em que publicava versões
cover de várias músicas, a sua visibilidade aumentou consideravelmente, sendo conhecida
como “a rainha dos covers”, chegando a realizar alguns shows grandes, mas apenas
covers. Além disso, a artista chegou a começar o curso de direito na Universidade Franciscana
em 2016, mas acabou por desistir dos estudos para focar em sua carreira artística.
Trajetória da cantora
O sucesso de Luísa Sonza é marcado por uma trajetória, a priori, sem grandes
sobressaltos. A cantora, em 2017 - já realizando shows para aproximadamente 40 mil pessoas
-, encantou os produtores da “Universal Music” e surgiu como uma nova cara para o cenário da
música pop, instigando os musicistas de todo o país.
Assim, logo em seu ano de estreia, a cantora lançou o primeiro single autoral intitulado
“Good Vibes”, a canção explorava pouco a sua capacidade vocal, mas a atmosfera romântica e
serena conquistou o público. Em seguida, no mesmo ano, Sonza lançou a música “Olhos
Castanhos” - escrita em homenagem a seu namorado da época “Whindersson Nunes” -
cativando, ainda mais, os ouvintes pelo romantismo em seus versos. Inclusive, nessa mesma
época, o cantor Luan Santana - já bem consolidado na indústria musical -, aceitou realizar um
feat com a recém cantora, ampliando, significativamente, o reconhecimento de Sonza.
Entretanto, a compositora alcançou o verdadeiro sucesso apenas em 2018 ao lançar o
single “Rebolar”. O videoclipe alcançou o 1° lugar em diversos sites, a energia contagiante e
animada de Sonza chamava atenção de outras produtoras e, principalmente, agradava a
audiência. Desse modo, após sua primeira conquista Luísa Sonza não parou de criar hits, a
cantora lançou músicas, como: “Devagarinho”, “Boa Menina” e “Garupa”, todas alcançando
mais de 70 milhões de visualizações no YouTube - plataforma para compartilhamento de vídeos
mais utilizada no mundo. Sonza consolidou-se como uma das figuras mais importantes do
cenário pop nacional, realizou parcerias com outros nomes importantíssimos no Brasil, como:
Marília Mendonça, Anitta e Pabllo Vittar e, atualmente (2022), lançou seu novo álbum
intitulado “Doce 22” que fala, sobretudo, de sua luta contra a depressão, discurso de ódio
recebido após divórcio e de suas dores internas.
Polêmicas
As polêmicas sobre a vida da artista começaram a surgir com seu relacionamento com
o humorista Whindersson Nunes. O casal se conheceu pela internet, começaram a namorar e se
casaram no começo de 2018. Os dois demonstravam muito afeto nas redes sociais e, com isso,
conquistou o coração do público. Entretanto, os supostos motivos da separação entre os dois
levaram a cantora a uma onda gigantesca de hate.
Após terminar seu casamento, Sonza oficializou o relacionamento com o cantor
“Vitão”, gerando rumores que a cantora teria traído seu ex-cônjuge e, para além disso, teria
iniciado o relacionamento com o humorista apenas por interesse, dado que Whindersson Nunes
era nacionalmente conhecido quando se casou com Luísa. A onda de ódio obteve tanta força
que ameaças de morte, xingamentos em seu perfil de rede social e, praticamente, um
linchamento público todos os dias eram recorrentes. A cantora viu-se obrigada a parar com suas
apresentações e entrou num estado profundo de depressão e síndrome do pânico.
Como analisamos, a cantora Luísa Sonza conseguiu sair do anonimato e alcançar o topo,
tornando-se uma das maiores cantoras e compositoras do Brasil atualmente. Mas, de que modo
a indústria cultural ajudou nessa composição? Podemos perceber tal fato em quatro
características. Em primeiro analise, vale ressaltar a mudança estética da cantora: Luísa Sonza
passou a instigar o público por sua beleza chamativa, tornando-se, com o passar do tempo, mais
sensual e inalcançável: (1) mudando suas roupas, passando a mostrar mais o corpo e valorizar
as curvas; (2) realizando procedimentos estéticos, como preenchimento labial, lipoaspiração e
demais cirurgias, retirando a marca de garota dócil e meiga (gerada no começo da carreira) e
transformando-se em um ícone da beleza/corpo ideal - cada vez mais almejada e inalcançável.
Além disso, outros pontos importantes foram: (3) polêmicas geradas (nem sempre favoráveis a
compositora), mas que induziram o público a comentar e sentirem-se curiosos acerca da vida,
problemas e curiosidades da cantora. Isso tem a ver com o que, os jornalistas Ivan Finotti e
Bárbara Soalheiro (2004), tratam como a fase de excentricidades dos mitos modernos. Formas
de se manterem na mídia.
Por fim, como último ponto, tem se a utilização de recursos midiáticos para divulgação
de seu trabalho, principalmente a internet, que aproximaram o público de seu trabalho e,
posteriormente, sua vida pessoal/artística. Também, a escolha das canções de Sonza, focando
em letras mais pesadas e clipes sensuais fizeram com que o alcance da mesma aumentasse
significativamente. Logo, com o passar do tempo (e aos poucos), Luísa Sonza fez-se um ídolo.
O ícone “badass” que o público enxerga na compositora, especialmente entre mulheres e
LGBTQIA+, fez com que ela se tornasse um modelo a ser seguido. Basicamente, Luísa Sonza
tornou-se um Olimpiano.
Comparativo de Imagens
Figura 1
Imagens da cantora antes e depois da fama
Figuras 3 e 4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Indústria cultural. O iluminismo como
mistificação das massas. In: LIMA, Luiz Costa (Org). Teorias da Cultura de Massa. São
Paulo: Paz e Terra, 2000, p.169-214.
FERNANDES, Camila. Quem é Luísa Sonza? Conheça a biografia e história da cantora.
Letras, 25 ago. 2021. Disponível em: https://www.letras.mus.br/blog/quem-e-luisa-sonza/.
Acesso em: 24 jun. 2022.
FINOTTI, Ivan & SOALHEIRO, Bárbara. Michael Jackson: Peão do pop. Um rei como
Michael Jackson já nasce com seus dias contados. Entenda como a indústria da música enterra
seus ídolos. Revista Superinteressante. Março de 2004. Disponível em https://
https://super.abril.com.br/cultura/michael-jackson-peao-do-pop/. Acesso em 10 de outubro de
2022.
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1975.
RESUMO: O artigo traz uma análise de como a influenciadora digital e YouTuber Virgínia
Fonseca, casada com o cantor sertanejo Zé Felipe, pode ser enquadrada como um fenômeno da
cultura de massa. Hoje, com mais de 39 milhões de seguidores no Instagram, ela tem grande
visibilidade na mídia, principalmente nas redes sociais e na imprensa voltada para assuntos de
celebridades e de fofocas. Por isso, com base em autores como Edgar Morin (1997), Ivan Finotti
e Bárbara Soalheiro (2004), que discutem os olimpianos e as fases dos mitos da era moderna, é
feita uma análise de conteúdo de notícias publicadas na Revista Quem Acontece, da Editora
Globo, sobre a vida de Virgínia Fonseca, publicadas em 2020, 2021 e 2022, que tratam desde
o namoro com o cantor Zé Felipe, até a gravidez da primeira filha Maria Alice, o casamento, a
gravidez da segunda filha Maria Flor, prestes a nascer até as excentricidades cometidas pelo
casal.
1. INTRODUÇÃO
Para se discutir a trajetória da YouTuber Virgínia Fonseca e como o seu casamento com
o cantor sertanejo Zé Felipe reflete na visibilidade midiática, é importante remeter ao conceito
de indústria cultural e mitos da era moderna. Ao se constituir como uma celebridade no mundo
digital, que, em pouco tempo, tornou-se uma das principais influenciadoras. Posteriormente, o
namoro e casamento com o sertanejo geraram mais fama e atraíram mais seguidores. Isso
remete aos conceitos de indústria cultural, cultura de massa e mitos efêmeros da era moderna.
No que diz respeito ao conceito de indústria cultural, Adorno & Horkheimer (2000)
apresentam uma visão crítica. Eles acreditam que a era moderna e o iluminismo gerou uma
grande transformação na sociedade, fazendo com que a industrialização atingisse a esfera da
arte e da cultura. Então, assim como na indústria pesada, pensada sob a ótica fordista, com
produção em série, padronização, divisão social do trabalho, assim também passam a ser as
cadeias produtivas no mundo cultural. Filmes, telenovelas, músicas tornaram-se, no século XX,
grandes indústrias. Estão dentro de grandes cadeias de produção, resultam em produtos
padronizados e levam a uma perda do caráter de inovação e de criação.
Edgar Morin (1997), por sua vez, no livro “Cultura de massas no século XX. Neurose”,
discute o conceito de cultura de massa e apresenta as suas características. Nele, o autor apresenta
tais elementos peculiares desta nova forma de cultura que ascende no mundo moderno, muitas
vezes vista como uma transição no campo da comunicação. Em sua análise, Edgar Morin
propõe uma sociologia da cultura, onde a cultura de massa forma um sistema de culturas,
constituindo-se como um conjunto de símbolos, valores, mitos e imagens que dizem respeito
quer à vida prática quer ao imaginário coletivo;
Todavia, não é o único sistema cultural das sociedades contemporâneas. Estas são
realidades policulturais, em que a cultura de massa se faz incluir, controlar, censurar (...) e, ao
mesmo tempo, tende a corromper e a desagregar as outras culturas. A cultura de massa não é
autônoma no sentido absoluto do termo, pode embeber-se da cultura nacional, religiosa ou
humanística e, por sua vez, penetrar na cultura nacional, religiosa ou humanística. Não é a única
cultura do século XX, mas é a corrente verdadeiramente de massa e verdadeiramente nova do
século XX.
Para Adorno & Horkheimer (2000), a indústria cultural trata os espectadores como
massa, anulando a sua individualidade. Ela supõe que todos são iguais e querem a mesma coisa.
Essa indústria nivela por baixo as diferentes camadas intelectuais, utilizando-se dos canais de
comunicação e dos programas oferecidos para passar a ideologia dominante adiante e manter
as pessoas crentes naquela ideologia e satisfeitas com a situação política e econômica em que
vivem.
Entretanto, Morin (1997) questiona esta visão e acredita que a indústria cultural pode
ser pensada a partir de dois eixos. Um primeiro eixo, que é o da padronização, voltado para esse
foco da industrialização e da produção em série, que reforça o sistema capitalista e tende a
simplificar os produtos. O outro aspecto refere-se ao oposto, o eixo da criação, da inovação, da
arte, que mantém viva justamente a indústria por trazer novidades.
Ao analisar o casal Virgínia Fonseca e Zé Felipe, pode-se afirmar que eles reforçam a
lógica mercadológica, já que tanto os influenciadores digitais como a música sertaneja são dois
nichos extremamente lucrativos no Brasil. Não é à toa que nas notícias analisadas eles ostentam
uma vida de luxo, de glamour, com compras de produtos caros, viagens e um estilo de vida de
quem ganha muito dinheiro.
Morin (1997) elenca uma série de características da cultura de massa. Entre eles,
destaca-se os olimpianos ou mitos da era moderna, que geram laços de identificação e de
projeção com o público. Outro elemento muito explorado é o amor romântico, como fica
evidente no caso do casal Virgínia Fonseca e Zé Felipe. Assim também aparecem felicidade,
happy end, juventude. As notícias revelam momentos de felicidades, como o casamento, o
nascimento da filha, a gravidez da segunda filha. Há também o Revólver que é a mescla de
valores femininos como o amor em contraponto a valores masculinos como a agressividade.
Isso pode ser evidenciado nas notícias em que há críticas à Virgínia Fonseca e que ela se sente
bastante incomodada.
Para desenvolver uma análise sobre os mitos modernos, optou-se por tomar como objeto
a trajetória da influenciadora digital e YouTuber Virgínia Fonseca, casada com o cantor
sertanejo Zé Felipe. Além da pesquisa bibliográfica sobre cultura de massa, olimpianos e mitos
modernos, com base em autores como Edgar Morin (1997), Ivan Finotti e Bárbara Soalheiro
(2004), partiu-se para a pesquisa documental, com a coleta de notícias publicadas na Revista
Quem, que está inserida no Portal da Globo. Trata-se de uma revista voltada para notícias que
tratam da vida das celebridades. No caso da Virgínia Fonseca, foram selecionadas 40 notícias
em 2020, 2021 e 2022, que fazem a cobertura desde o início do namoro entre a YouTuber e o
cantor sertanejo, a primeira gravidez até a parceria dos dois e a segunda gravidez. Feita a coleta,
partiu-se para a Análise de Conteúdo (Bardin, 2011).
A Revista Quem (hoje conhecida como Quem Acontece) é uma revista publicada pela
Editora Globo, que enfoca assuntos sobre as celebridades, principalmente as nacionais. Era
publicada em formato impresso até julho de 2017, quando passou a ser veiculada de forma
digital, no Portal da Globo. Publica semanalmente entrevistas com personalidades do
entretenimento.
Ao analisar a cobertura da Revista Quem, vinculada ao Grupo Globo, que trata sobre
notícias das celebridades, foram selecionadas 40 notícias postadas em 2020, 2021 e 2022 em
relação à vida da YouTuber Virgínia Fonseca, que se tornou famosa após se tornar um fenômeno
nas redes sociais e, depois, em 2020, quando começou a namorar com o cantor sertanejo Zé
Felipe, filho do cantor Leonardo, com quem teve duas filhas – Maria Alice, em 2021, e Maria
Flor, em 2022. Hoje, ela tem mais de 39 milhões de seguidores no Instagram.
Conforme aponta Morin (1997), ao se tornar um mito da era moderna, mesmo como
fruto hoje das redes sociais, tornam-se produtos da cobertura midiática. Das 40 notícias
selecionadas, a maior parte trata de questões relacionadas à vida privada, como o namoro com
o cantor Zé Felipe, a gravidez, os casamentos (chegou a se casar três vezes com o cantor em
função da pandemia da Covid-19) e as excentricidades por não gostar de ostentar a vida de luxo
e de consumo. Nesse sentido, dialoga também com o trabalho de Finotti & Soalheiro (2004),
quando trata das fases de uma celebridade. Apesar de estar com uma carreira de sucesso como
YouTuber, como um casal que trabalha junto nos negócios e ter milhões de seguidores, Virgínia
Fonseca envolve-se em polêmicas.
Das 40 matérias, 10 são de 2020 (25%), 17 (42,5%) de 2021 e 13 (32,5%) de 2022.
Apesar de ter um número maior no Portal da Revista Quem, como havia repetição de temas, foi
feito este recorte. Em relação às temáticas, predominou “Excentricidades”, mesclada com
outros assuntos. De um total de 40, um universo de 17 notícias (42,5%) pode ser enquadrado
como atos excêntricos. Isso passou a acontecer a partir da consolidação do casamento com o
cantor Zé Felipe e do nascimento da primeira filha. Em 2021, por exemplo, das 17 notícias, 11
envolviam comportamentos marcados por excentricidades, sendo 5 notícias sobre gastos
excessivos que revelavam ostentação, como a compra de alianças no valor de 7,6 mil, o presente
dado por Zé Felipe no Dia dos Namorados (um anel de 8,4 mil), a pulseira que a filha recém-
nascida ganhou de 2,1 mil, além da compra de um carro de 478 mil. Chamou atenção ainda o
fato de que Virgínia Fonseca resolveu dar para mãe em dezembro 56 mil em notas de 100 reais.
As excentricidades foram destaques em notícias sobre a vida sexual do casal, como o fato de
terem ido para o motel depois de um jantar romântico. A notícia sobre o fato de que a libido do
cantor Zé Felipe tinha baixado foi outra matéria que ganhou destaque. Sobraram
questionamentos sobre a conduta de Virgínia Fonseca como mãe, o que a deixou irritada. Ela
foi criticada por não ser uma “boa mãe” e em função de terem contratado uma babá 24 horas
antes mesmo de a filha ter nascido. A YouTuber ficou bastante incomodada com o diagnóstico
da pediatra sobre a sua bebê estar com a fala um pouco atrasada.
O casal esbanjou dinheiro ao promover três casamentos – um primeiro em 26 de março
de 2021, sem direito a festas e ostentação em função da pandemia da Covid-19. Em 08 de julho
de 2021, fizeram novo casamento, desta vez em Gramado. Em 13 de abril de 2022, foi a vez de
celebrar a terceira cerimônia de enlace em Las Vegas, nos Estados Unidos. Estas atitudes
mostram a postura excêntrica do casal que sempre fez questão de tornar público cada ato, desde
o passo a passo da gravidez, até a vida do casal, incluindo o relacionamento afetivo e sexual.
Quadro 1
Notícias no Portal da Quem sobre a YouTuber Virgínia Fonseca de 2020 a 2022
Fonte: Dos autores, 2022
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constata-se, a partir das discussões teóricas e da cobertura da Revista Quem sobre a
vida e as excentricidades da YouTuber Virgínia Fonseca e o seu marido, o cantor sertanejo Zé
Felipe, da atualidade do pensamento do filósofo francês Edgar Morin (1997), tanto sobre a
cultura de massa, ao falar dos olimpianos ou mitos modernos, do amor, do eros cotidiano, do
revólver. No caso das celebridades, fica nítida de como eles passam a ter a vida exposta, mas
não de forma invasiva. Em se tratando de uma figura que nasceu das redes sociais, a visibilidade
midiática é estratégica para que ela possa ganhar dinheiro e se manter famosa. O casamento
com um cantor sertanejo, filho de outra celebridade, a fez ficar mais conhecida e rapidamente
conquistar mais de 39 milhões de seguidores somente no Instagram.
Ao colocar a vida do casal e das próprias filhas em exposição contínua, ficam
evidenciadas como não há fronteiras entre o público, o privado e o íntimo. Há uma recorrente
tentativa de mostrar um mundo de ostentação, de luxo, em que o dinheiro é o que mostra o
sucesso. Carros de luxo, joias, mansão são importantes para revelar estilos de vida de quem se
deu bem na carreira. E ninguém escapa aos holofotes. Nem mesmo a filha de 1 ano ou a outra
que antes de nascer já está exposta. Cria-se uma rede social que já tem 3 milhões de seguidores.
Trata-se de fazer com que estas crianças já nasçam sem direito de escolha, sem querem ou não
ter este grau de exposição. As excentricidades revelam que, no mundo dos mitos efêmeros, não
há muito espaço para críticas ou questionamentos. Os comentários sobre o fato de ser ou não
uma boa mãe, de que se a educação nas mãos de uma babá 24 horas é a mais adequada ou até
os conselhos de uma pediatra sobre a filha foram encarados como críticas fora do lugar. Afinal,
estão acima dos mortais. Ou pelo menos acreditam que estão. Até que voltam à condição de
meros mortais.
REFERÊNCIAS
MORIN, Edgar. Culturas de massas no século XX. Neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997.
SOALHEIRO, Bárbara & FINOTTI, Ivan. Como o pop matou o seu rei. Michael Jackson:
ascensão e queda. Superinteressante. Edição 198 – março/2004. Disponível em:
http://super.abril.com.br/cultura/michel-jackson-ascensao-queda-479983.shtml. Acesso em 02
de outubro de 2022.
Capítulo 48
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar a trajetória da youtuber e influenciadora
digital Virgínia Fonseca a partir dos conceitos e características de cultura de massa e cultura
das mídias discutidos por Edgar Morin (1997), Douglas Kellner (2001). A análise parte da base
teórica que caracteriza os olimpianos, ou mitos modernos, relacionando-os com os fatores que
compõem a Indústria Cultural, conceito de Adorno & Horkheimer (2000). A partir de tais
percepções, são analisadas as relações entre mito, cultura de massa e público. A ascensão de
Virgínia Fonseca ao estrelato está vinculada às redes sociais. Em 2019, já tinha mais de 1 milhão
de seguidores no Instagram. Em 2021, casou-se com o cantor sertanejo Zé Felipe, com que já
tem duas filhas. Mantém-se ativa nas redes, residindo atualmente em Goiânia. Hoje, tem mais
de 40 milhões de seguidores no Instagram e posta muitas fotos das suas filhas, do marido e da
família, mostrando como o Olimpo, conforme aponta Morin (1997), é uma mistura do público
e do privado.
1. INTRODUÇÃO
A palavra mito sempre nos remete à Grécia Antiga. Atena, Perséfone, Medusa são
histórias que todos conhecem. Porém, nos últimos anos um novo sentido dado à palavra. Mitos
modernos: artistas muito populares que são idolatrados por seus fãs. A indústria cultural é a
principal disseminadora do novo mundo midiático. Nesse sentido, o filósofo Edgar Morin
(1997) desenvolveu estudos sobre e sistematizou o que é vivenciado até uma simples pessoa
virar um “olimpiano”.
Sob a ótica da construção da fama de Madonna e Michael Jackson, artigos e livros
também foram publicados para analisar como estes dois ícones da música pop se tornaram
olimpianos marcados por forte ambiguidade. No caso de Madonna, a análise é feita por Douglas
Kellner (2001), no livro “A cultura das mídias”, que aponta como a cantora e artista mescla o
seu lado artístico transgressor com uma postura de empresária bem-sucedida. Já Michael
Jackson foi objeto da revista Superinteressante Michael Jackson: Peão do pop, em artigo
assinado por Ivan Finotti e Bárbara Soalheiro (2004), que aponta cinco fases pelas quais o astro
do pop passou: construção, idolatria, excentricidades, megalomania e destruição. No entanto,
em 2009, quando retomava a sua carreira, Michael Jackson morreu de overdose de
medicamentos e teve a sua redenção como um dos artistas mais talentosos do universo pop.
No Brasil, não é diferente. Temos uma gama de celebridades no mundo da cultura,
promovida pelas telenovelas, pelos esportes, pela política, pela música. Mas, desde a
emergência da internet, assim como no mundo ocidental, também por aqui, surgiram os
influenciadores digitais que se tornaram também celebridades a partir das redes sociais,
ganhando fãs ao postarem sejam dicas de moda, de culinária, ou de comportamento. É o caso
de Virgínia Fonseca, que se tornou uma influenciadora, empresária e youtuber muito bem-
sucedida e teve uma rápida ascensão. Depois do casamento em 2021 com o sertanejo Zé Felipe
e com o nascimento das duas filhas, a sua fama ainda aumentou. Hoje, tem mais de 40 milhões
de seguidores somente no Instagram, onde tem 1,921 postagens.
Em seu livro “Cultura de massas no século XX. Neurose”, o filósofo francês Edgar
Morin (1997) apresenta os conceitos e características da cultura de massa. Segundo Morin, a
cultura de massa forma um sistema de cultura, constituindo-se como um conjunto de símbolos,
valores, mitos e imagens que dizem respeito quer à vida prática quer ao imaginário coletivo.
Para ele, existem outros tipos de cultura contemporâneas, já que vivemos em uma esfera poli
cultural, mas a cultura de massa seria a novidade do século XX e a que se acrescenta à cultura
nacional, à cultura humanista e à cultura religiosa.
O autor discute pontos negativos dessa cultura emergente, apesar de deixar claro
também os pontos positivos, como o fato de gerar uma certa democratização dos bens
simbólicos, pois até então os bens culturais estavam limitados a uma elite. A cultura de massa
é cosmopolita por vocação e planetária por extensão. Com isso, o objetivo de Morin não é
exaltar a cultura de massa, mas diminuir a “cultura cultivada”.
Além disso, ele define diversas características da cultura de massa. Morin (1997) explica
que, por possibilitar uma fuga da realidade, ela aciona o Princípio do Prazer, baseado na ideia
de Freud, ou seja, permite que o público mergulhe no imaginário ou no mundo em que a fantasia
é possível. O filósofo elenca 16 características da cultura de massa. Entre elas, destaca-se a
emergência dos olimpianos ou mitos modernos que permitem laços de identificação e de
projeção do público com as celebridades.
No entanto, antes, serão apontadas algumas outras características. Entre elas, pode ser
citada o “Grande Público”, que visa à homogeneização e padronização dos assuntos para que
atinjam um público amplo. A variedade de temas, o fim das barreiras entre as classes sociais, a
criação de programas voltados para mulheres e crianças, a junção da realidade e da ficção são
outras táticas para alcançar esse grande público. Os jornais misturam ficção e realidade,
enquanto as novelas narram fatos do cotidiano. Nesse sentido, pode-se pensar como uma
youtuber como Virgínia Fonseca busca atingir um público bem vasto, que rompa barreiras de
idade, de sexo e de classe social.
Outra característica é “grande cracking, que diz respeito à democratização da cultura de
massa que, apesar de tornar os produtos culturais mais acessíveis ao público trouxe a
banalização e a vulgarização dos temas. Morin cita quatro processos de vulgarização: a
simplificação, o maniqueísmo, a atualização e a modernização. Um exemplo desse “craking” é
a adaptação de obras literárias que viram série, filmes ou novelas. Em seu trabalho, ela busca
tratar de temas do cotidiano. No entanto, uma celebridade corre o risco ao dar determinadas
declarações. No dia 2 de outubro, ao votar, ela declarou que o eleitor deveria votar pensando
na sua própria realidade sem levar em conta o contexto social. A fala repercutiu rapidamente
nas redes sociais e foi encarada como um posicionamento egoísta, tendo em vista que, no Brasil,
há muitas mazelas sociais, problemas ambientais e é necessário ter uma preocupação com o
social.
A “Cultura do lazer” é outra característica da cultura de massa, já que o público gasta
grande parte das horas vagas com ela. Diz respeito também à cultura do espetáculo pelo fato de
que as pessoas são espectadores passivos de um produto cultural já pronto. No caso da
influenciadora, ela hoje procura focar bastante na sua vida pessoal e na relação com o seu
marido e as suas filhas.
Quanto ao “Happy end e simpatia”, a cultura de massa tende a preparar sempre um final
feliz. Para isto, são criados os heróis simpáticos para que o espectador possa criar laços de
identificação ou projeção e dessa forma possa se emocionar. Isso está vinculado à ideia de amor.
Nas postagens de Virgínia Fonseca, isso é muito explícito, com a ideia de família perfeita, feliz,
em que o amor é pleno.
Quanto aos olimpianos, Morin (1997) os caracteriza como ídolos que passam a ocupar
a posição central da grande imprensa, sendo eles, políticos, cantores, atores e atrizes,
influenciadores digitais, grandes campeões, entre outros. Sob essa ótica, para Morin (1997), a
informação transforma o personagem em vedete da atualidade, fazendo com que qualquer
acontecimento ocorrido com o mesmo se transforme no principal assunto do momento. Dessa
forma, o público cria um sentimento de identificação com o ídolo, participando de seus
sofrimentos, alegrias e vivências. “A imprensa de massa, ao mesmo tempo que investe os
olimpianos de um papel mitológico, mergulha em suas vidas privadas, a fim de extrair delas a
substância humana que permite a identificação” (MORIN, 1997, p.107)
Portanto, os olimpianos são como os mitos criados na antiguidade, nos quais nascem do
imaginário, dos seus personagens, no caso de atores e atrizes, da sua função social, no caso dos
políticos, ou até mesmo dos trabalhos heroicos, um exemplo disso são os atletas que
representam seus países e se tornam grandes campeões.
Os mitos modernos caracterizam o papel da indústria cultural na sociedade de massas.
De acordo com Morin (1997), a indústria cultural não produz apenas um modelo padronizado
que busca sempre o lucro. Ele enfatiza que a cultura de massas produzida pelos meios de
comunicação e pelas mídias digitais agrega elementos de outras culturas, promovendo um
sincretismo e universalizando o acesso pelo grande público.
Logo, são os olimpianos os principais personagens da cultura de massa, criando uma
ligação entre o público e a indústria através da espetacularização e da estética, por meio de laços
de identificação e estando presentes nos pontos de contato entre a cultura e o público:
entrevistas, festas, exibições publicitárias, programas televisados, entre outros.
Douglas Kellner (2001), em seu livro “Cultura da mídia", analisa a trajetória de
Madonna e sua influência na cultura pop. Segundo o autor, a cantora desperta o interesse dos
estudos culturais pois sua popularidade revela importantes características da função da moda e
da identidade na sociedade contemporânea. Dessa forma, a mesma torna-se uma olimpiana a
partir do momento que se transforma no foco do público, sendo adorada por alguns e criticada
por outros.
De acordo com Kellner, Madonna cria imagens de caráter identitário, quebrando
padrões e propondo mudanças, experimentações e a criação da identidade individual. Dessa
maneira, conquista o público, fazendo com que esse participe ativamente de suas vivências. No
entanto, ao privilegiar sua aparência, reforça os padrões da sociedade de consumo da indústria
cultural, fazendo com que seu personagem se torne uma contradição.
Outro mito da Era Moderna foi Michael Jackson. Foi nesse ser extraordinário que a
revista Superinteressante focou seu artigo publicado em 29 de fevereiro de 2004. O rei do pop,
colocado também como peão do pop, passou por diversas fases em sua carreira que o fizeram
ser consagrado como tal. Construção, idolatria, excentricidade, megalomania, destruição.
Palavras que olhadas separadamente não dizem muita coisa, mas que se acopladas ao estudo de
vida de alguém fazem total sentido.
Em paralelo com a teoria de Morin, atitudes de Michael Jackson não só viraram assunto
no momento em que aconteceram, mas também entraram para a história. A famosa dança
moonwalk nunca será esquecida. A música Thriller é referência para a música pop internacional.
As décadas de 80 e 90 foram marcadas para sempre. Seja pelas conquistas, seja pelos desastres
de Jackson. Polêmicas como a mudança de cor de sua pele, a acusação de assédio e sua loucura
natural o colocavam sempre na capa dos principais jornais.
Outro fato abordado no artigo foi que ele nunca dava entrevistas. Tudo era divulgado
pronto. A indústria cultural ocasionou a ascensão de diversos mitos da modernidade, é fato. A
mídia possui papel essencial nessa criação. Morin defende sobre tal espetacularização em suas
teses e Madonna e Michael Jackson são exemplos claríssimos de sua teoria.
3.1 Trajetória
Aos 17 anos, Virgínia Fonseca entrava para o mundo midiático. Seu primeiro vídeo
como youtuber foi em 2016 e revelava a simplicidade da artista: celular como ferramenta de
gravação, casa normal para uma família de classe média e linguajar típico de uma adolescente
cheia de sonhos. No vídeo, Virgínia conta que, influenciada por uma amiga, resolveu criar seu
canal pois levava jeito para isso. Na época, morava em Portugal com seus pais.
Após cerca de um ano, Virgínia alcançou a marca de 100 mil inscritos em seu canal e
voltou para o Brasil. Gravava vídeos com assuntos de seu cotidiano, sempre deixando claro sua
paixão por música do gênero Funk e por academia. Foi por essa paixão pela música que, em
2018, Virgínia decidiu se arriscar na carreira de DJ. Porém, a passagem por esse mundo musical
foi rápida. Em recente entrevista ao podcast “PodDelas”, ela disse que gostava mesmo era de
estar no meio do público dançando, em vez de subir aos palcos. Com isso, ela resolveu
abandonar a mesa de som e focar nas redes sociais. Nesse período, já contava com
aproximadamente 500 mil inscritos em seu canal.
Poucos meses depois, Virgínia começou a gravar vídeos para o YouTube em parceria
com a agência ADR de Pedro Rezende, criada naquele mesmo ano. Isso fez com que a
influenciadora voltasse ao canal com mais incentivo, já que estava pensando em desistir de
gravar. A partir daí ela conquistou mais inscritos em seu canal, que hoje em dia conta com
mais de 11 milhões de inscritos. Virgínia também começou a se destacar no Instagram,
ganhando cada vez mais seguidores. Durante o tempo que permaneceu na agência, morou em
Londrina, onde era localizada a casa de gravação do grupo. Ela também engatou um romance
com Rezende que durou cerca de dois anos e chegou ao fim em 2020.
3.2.3. SEGUNDA FASE DA CARREIRA: VIRGÍNIA NAS POLÊMICAS DO MUNDO DAS
INFLUENCERS
Após assumir seu novo affair, Virgínia mudou-se para Goiânia para morar com Zé
Felipe. Sua vida mudou completamente: sua conta no Instagram alcança cada vez mais
seguidores. Hoje em dia, conta com 40,1 milhões. A influencer é cotadissíma para fazer as
famosas “publis” de grandes marcas. Seu público varia de crianças a adultos dado o
entretenimento oferecido. O engajamento de suas contas é evidente.
O anúncio de sua gravidez foi um dos assuntos mais comentados na época,
principalmente por ela ter realizado um procedimento estético de lipoaspiração poucos dias
antes de ficar grávida. Seu casamento com Zé Felipe, em março de 2021, e o nascimento de
Maria Alice, em maio de 2021, trouxe grandes visitas aos seus perfis nas redes sociais. Em
intervalos de cerca de um mês, a influenciadora ganha um milhão de seguidores no Instagram.
2021 foi um ano excelente para Virgínia. Apesar de ter perdido o pai em decorrência de
uma doença, seu crescimento foi surreal. A parceria com Zé Felipe foi fortalecida também no
mundo do trabalho, já que Virgínia participa dos clipes, lança as coreografias para os hits de Zé
e dança-as todos os dias em seus stories. Com a volta dos shows, ela marcava presença na
maioria.
Além disso, ela abriu sua própria agência: a Talismã Digital, que conta com nomes de
peso como ela mesma, seu marido, Caio Afiune, Esther Melo e Dhully Zanela. Ainda no ramo
empresarial, em parceria com Samara Pink, fundou a WePink, empresa de cosméticos, e a SK
Aesthetic, clínica de estética avançada. O sucesso foi certeiro. As vendas de seus produtos
alavancaram os negócios da dupla.
Importante frisar que Virgínia continua gravando seus vídeos para o YouTube
continuamente. Ainda em 2021, inaugurou ao lado de Camila Loures, um canal de podcast: o
PodCats, que já conta com quase dois milhões de inscritos na plataforma com 25 episódios
gravados. Já em 2022, ela anunciou a gravidez de sua segunda filha: Maria Flor.
Em 2022, apesar de manter seu crescimento frequente em suas redes, Virgínia está em
uma fase mais caseira. As viagens para os shows com Zé já não são tão frequentes. As gravações
do PodCats estão paradas, por enquanto. Mas, ela continua com seus conteúdos e gravações
todos os dias. Virgínia não tem um dia de folga.
O fato da influenciadora estar com alguns problemas de saúde podem ajudar a explicar
a fase. Recentemente, teve fortes dores de cabeça que a fizeram ficar alguns dias internada em
um hospital de São Paulo. Com a gravidez e algumas crises de dor, a melhor escolha para ela é
ficar mais quietinha. Ela também revela estar tomando remédio para ansiedade.
Enfim, o reconhecimento do talento de Virgínia Fonseca é irrefutável. O “Bom dia
pexual” de seus stories com Maria Alice influenciam outras mães. As dancinhas das músicas
atiçam a vontade de seu público jovem dançar e gravar. Todos parecem conhecer Virgínia nesse
mundo de exposição. Seu crescimento absurdo nas redes sociais chamou a atenção também de
programas de televisão, revistas e blogs. Ela já participou dos programas “Domingo Legal'' e
“Eliana”, por exemplo. Ela construiu seu próprio legado e ainda irá surpreender muitos
brasileiros.
Como foi dito, a mais recente polêmica foi a sua fala no dia da eleição. Como é do
conhecimento da opinião pública, a maior parte das duplas sertanejas são apoiadores do atual
presidente Jair Bolsonaro (PL), enquanto os artistas de esquerda, como Chico Buarque, Caetano
Veloso, Gilberto Gil, vinculados à MPB, ao rock, ao rap, estão alinhados com o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Como ela é esposa de Zé Felipe, a sua declaração dizendo que
os eleitores deveriam pensar em si próprios e não no social, revela uma posição claramente de
direita, que foi duramente criticada nas redes sociais.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após análise dos conceitos do filósofo francês Edgar Morin, pode-se concluir que as
culturas de massas e a indústria cultural interferem diretamente no dia a dia de todas as pessoas.
Uma das características dessa cultura são os chamados olimpianos, ou mitos modernos, que são
responsáveis por criar uma ponte entre ela e o público. As pessoas criam um laço de
identificação com seu ídolo, podendo ser ele, um personagem, um cantor, ator ou atriz, político,
etc., que ocupam a posição central da grande mídia.
A youtuber e influenciadora, Virgínia Fonseca, é um exemplo de olimpiano. Essa é
responsável por influenciar os milhões de seguidores que possui em suas redes sociais, sendo
uma das maiores influenciadoras digitais da atualidade. Com apenas 23 anos, Virginia
compartilha toda a sua rotina com seus seguidores, possuindo um grande público fiel, que
participa de todos os seus sentimentos e vivências.
Portanto, fica claro o poder que a cultura de massa e a mídia têm sobre a sociedade. Elas
são responsáveis por ditarem a realidade, a moda, o novo. Essas, em conjunto com as grandes
personalidades do momento, os olimpianos, ditam os rumos que o público deve seguir.
Segundo Edgar Morin, a indústria cultural não é somente um modelo padronizado que
busca sempre o lucro, mas a cultura produzida pelos meios de comunicação e pelas mídias
digitais agregam valores de outras culturas. Mas como todo mito da era moderna, há um caráter
efêmero. Se a carreira não for bem administrada, podem ser rapidamente cancelados.
REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Indústria cultural. O iluminismo como
mistificação das massas. In: LIMA, Luiz Costa (Org). Teorias da Cultura de Massa. São
Paulo: Paz e Terra, 2000, p.169-214.
DA REDAÇÃO. Como começou (e como terminou) a treta entre Virginia e Rezende na Justiça.
Portal Uol. 02 de dezembro de 2021. Disponível em:
https://www.uol.com.br/splash/noticias/2021/12/02/virginia-rezende.htm
Acesso: 26/06/2022
FINOTTI, Ivan & SOALHEIRO, Bárbara. Michael Jackson: Peão do pop. Um rei como
Michael Jackson já nasce com seus dias contados. Entenda como a indústria da música enterra
seus ídolos. Revista Superinteressante. Março de 2004. Disponível em https://
https://super.abril.com.br/cultura/michael-jackson-peao-do-pop/. Acesso em 10 de outubro de
2022.
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. Neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997.
RESUMO: O artigo traz uma análise do Programa Brasil Urgente, exibido diariamente pela
TV Bandeirantes, com mais de duas horas de duração (16h às 18h50), com ênfase em notícias
policiais factuais numa abordagem sensacionalista e espetacular. Para isso, recorre a autores
que discutem mídia, cultura de massa e sensacionalismo (Morin, 1997; Rondelli, 1998; Freud,
1997). No trabalho, é feito ainda um panorama da história da TV Bandeirantes, a fim de mostrar
como, ao longo de sua trajetória, ela passou por várias fases, sendo nos anos 90 o canal dos
esportes, diversificando a programação nos anos 90, quando surge o Brasil Urgente e chegando
ao contexto atual sem uma linha clara, ao mesclar jornalismo, esporte, programas policiais. Isso
levou a emissora a perder o espaço que tinha, antes ocupava o segundo lugar de audiência e
hoje fica em 4º lugar (atrás da Globo, Record e SBT).
1. INTRODUÇÃO
De acordo com Morin (1997), a imprensa seleciona os acontecimentos que são mais
carregados de intensidade afetiva. Para ele, a mídia está em busca da substância romanesca e
dramática camuflada nas informações. Temáticas próprias da linguagem cinematográfica como
aventura, a proeza, o amor e a vida privada são, também, igualmente privilegiadas junto à
informação. O autor afirma que é no sensacionalismo que as leis são burladas, dominadas ou
ignoradas. Morin (1997) afirma que o sensacionalismo ganha uma dimensão espetacular,
evidenciado em situações em que “as grandes catástrofes são quase cinematográficas, o crime
é quase romanesco, o processo é quase teatral”. Ele explica que o sensacionalismo interrompe
a vida normal por meio de acidentes, catástrofes, crimes a paixão, ciúmes, sadismo etc. O autor
enfatiza que a estrutura dos fait divers no sensacionalismo são as mesmas do imaginário.
3. TV E REDE BANDEIRANTES
Na primeira metade da década de 1950, João Jorge Saad recebeu do presidente Getúlio
Vargas a concessão para explorar um canal de televisão em São Paulo. No governo do
presidente Juscelino Kubitschek (1956-1951), a concessão chegou a ser cancelada, mas Saad a
161 JORGE, Vladymir Lombardo. Rede Bandeirantes. Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil (CPDOC). Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro. Disponível em
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/rede-bandeirantes. Acesso em 08 de outubro
de 2022.
162 João Jorge Saad nasceu em 22 de julho de 1919, em Monte Azul Paulista, atual Olímpia, no estado de São
Paulo, e faleceu em 10 de outubro de 1999 na cidade de São Paulo. Filho de imigrantes libaneses, fez fortuna no
comércio de tecidos. Em 1944, casou-se com Maria Helena Mendes de Barros, filha do ex-governador de São
Paulo Ademar de Barros, que, em 1948, comprou a Rádio Bandeirantes de Paulo Machado de Carvalho,
proprietário da TV Record. Com a compra da rádio, João Jorge Saad passou a trabalhar na Rádio Bandeirantes,
vindo a assumir definitivamente o controle da empresa em 1951. (JORGE, VLADIMYR LOMBARDO, 2022).
recuperou no governo do presidente João Goulart (1961-1964). No entanto, a TV Bandeirantes,
canal 13 de São Paulo, só iniciou suas transmissões em 13 de maio de 1967.
Na década de 60, entre os destaques, foi ao ar a telenovela “Os Miseráveis”, de Walter
Negrão e Chico Assis, baseada na obra homónima do escritor francês Victor Hugo. Dirigida
por Walter Avancini, a telenovela era exibida em capítulos diários de 45 minutos. Iniciava-se,
na época, o padrão para a teledramaturgia brasileira. De 1960 a 1990, a Rede Bandeirantes
ampliou a sua rede, com a aquisição de várias emissoras: Distrito Federal (canal 4 de Brasília),
Minas Gerais (canal 7 de Belo Horizonte), Rio de Janeiro (canal 7 do Rio de Janeiro), Bahia
(canal 7 de Salvador), Paraná (canal 2 de Curitiba) Rio Grande do Sul (canal 10 de Porto
Alegre), São Paulo (canal 6 de Taubaté, canal 3 de Campinas e canal 10 de Presidente Prudente).
Vladymir Jorge (2022) comenta que, em julho de 1969, um incêndio destruiu o prédio
do Morumbi e todo o equipamento da emissora, que continuou transmitindo suas imagens dos
seus caminhões de externa. Foram perdidos também 30% do arquivo de filmes e muitos
capítulos inéditos da novela O Bolha, que tiveram que ser regravados. Após o incêndio, a TV
Bandeirantes passou a ser sustentada financeiramente pela Rádio Bandeirantes. A emissora
depois do incidente resolveu, em 1972, fazer novos investimentos, e, em 1972, foi a primeira
emissora a produzir e transmitir programação em cores.
Nos anos 70, segundo Jorge (2022), a TV Bandeirantes, com a contratação de Cláudio
Petraglia como diretor artístico, passou a levar ao ar programas gravados em estúdio, e não
somente filmes estrangeiros, redefinindo sua programação. Em dezembro de 1973, estreou o
programa Informação, voltado para discussão de assuntos políticos, mesmo num momento
tenso em que o país vivia sob a ditadura militar. Conforme explica Vladymir Jorge (2022), o
telejornalismo da Bandeirantes foi pioneiro em trabalhar com um jornalismo mais
interpretativo, procurando sair do factual e trazer fatos mais contextualizados.
O site do CPDOC esclarece que a ditadura militar acabou gerando mudanças no quadro
da TV Bandeirantes. Em novembro de 1977, Gabriel Romeiro pediu demissão porque, segundo
ele, o presidente da Rede Bandeirantes de Televisão, Jorge Saad, proibiu os telejornais da
emissora de transmitir matérias contendo reclamações populares ou que abordassem temas tais
como constituinte, sindicatos e anistia política. A Bandeirantes também passava por problemas
financeiros em função do Canal 7 do Rio de Janeiro e com os convênios firmados com outras
emissoras de diversos pontos do país, tendo então que recorrer a favores estatais, o que a teria
deixado ainda mais vulnerável a pressões políticas.
No final dos anos 70, a ditadura militar dava sinais de enfraquecimento até pelo
fortalecimento do MDB, partido de oposição, que saiu vitorioso desde as eleições de 1974. Com
a anistia política em 1979, segundo Jorge (2022), a TV Bandeirantes levou ao ar entrevistas
com alguns personagens da esquerda brasileira e latino-americana e da resistência ao regime
militar.
A Band por anos foi considerada por muitos como o canal do esporte, com coberturas
da NBA, Copa do Mundo, Fórmula 1, Campeonatos brasileiros e internacionais, Sinuca, Boxe,
etc. Diversos programas voltados para o esporte e até o reality show “Joga 10” com Zagallo,
Dunga e Bebeto que desenvolveram um circuito de avaliação baseado nos principais
fundamentos do futebol e eles também foram os jurados. Nomes importantes também marcaram
no esporte da Band, como Luciano do Valle e Álvaro José.
Em sua estrutura e programação nunca faltou a diversidade. Hoje, é umas das quatro
maiores emissoras do Brasil, mas vem perdendo audiência e fica atrás da Globo, Record e SBT.
Nos últimos anos, o Grupo Bandeirantes vinha passando por diversos problemas familiares e
financeiros fazendo com que vendesse parte do seu horário nobre na TV para o Missionário
R.R. Soares com o programa Show da Fé que esteve no ar de 2003 a 2021, com isso apesar da
entrada de dinheiro que ajudou a Band em seus piores momentos financeiros, a emissora teve
grande queda de audiência e perdendo um pouco da sua essência. Atualmente a Band vem
tentando voltar sua imagem de um canal do jornalismo e principalmente do esporte.
Na programação atual da Band na TV aberta, constata-se que de segunda a sexta-feira
sua programação conta 19 atrações sendo 9 programas informativos com o “Bora Brasil”,
“Brasil Urgente” e “Jornal da Band”, 5 esportivos com programas renomados como “Jogo
Aberto” e “Os Donos da Bola”, e 5 de diversidades dentre eles o Faustão da Band, que foi uma
das grandes apostas da emissora e responsável por tirar o “Show da Fé” da programação.
Acontece que o programa do apresentador Fausto Silva não conseguiu atingir a meta que a
emissora esperava, com uma média de 3,5 pontos de audiência, no dia 15 de setembro de 2022
o programa teve 2,2 pontos em São Paulo. Com isso, a Band se viu novamente forçada a vender
horários para o Missionário R.R. Soares. O seu programa voltou a grade horária da Band, mas
em novo horário, das 06h às 08h, logo após o primeiro telejornal do canal.
O programa da Rede Bandeirantes teve sua estreia comandada pelo jornalista Roberto
Cabrini no dia 03 de dezembro de 2001. Desde o começo, o programa era conhecido por suas
polêmicas, reportagens rápidas e com focos em casos policiais. Neste momento, sua audiência
era, em média, de 6 pontos. Em 2003, Cabrini foi realocado dentro da Band, sendo promovido
para o Jornal da Noite. Com isso, José Luiz Datena foi colocado como responsável pelo Brasil
Urgente. Datena levantou a audiência do programa, atingindo uma média de 9 pontos e um pico
de 11, ficando em segundo lugar no Ibope em algumas situações.
Em 2008, Datena pediu demissão e foi Luciano Faccioli, que estreou em 16 de junho
daquele ano. Facciolli não ficou à frente do Brasil Urgente por muito tempo. Em 30 de julho
de 2011, a emissora declarou a volta de Datena para a emissora e, em agosto de 2011, o
apresentador voltou ao comando do programa. Após essa mudança, o programa só foi alterado
em 2018, quando seu apresentador passou a apresentar um programa de entretenimento, o
Agora é com Datena. Com essa alteração, seu filho, Joel Datena, assumiu o comando do
programa.
Com o fim do Agora É Domingo, renomeação do programa Agora é com Datena, o
apresentador José Luiz Datena retornou ao comando do Brasil Urgente em 31 de dezembro de
2018. Desde então o programa vem marcando cerca de 4 pontos de audiência diariamente,
ocupando a faixa das 16 horas.
José Luiz Datena nasceu em 19 de maio de 1957, sendo jornalista, locutor, apresentador,
radialista e político brasileiro. Seu maior sucesso é a apresentação do programa Brasil Urgente
da Rede Bandeirantes. Começou sua carreira em uma rádio em sua cidade natal, Ribeirão Preto,
e logo trocou o radialismo pela televisão, cobrindo esportes e outros temas. Após subir no
palanque do candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi demitido da TV Globo em
1989. A convite do narrador Luciano do Valle, estreou na Rede Bandeirantes como jornalista
esportivo, atuando como repórter e locutor. Quase uma década depois, trocou a emissora pela
RecordTV, onde apresentava o programa Cidade Alerta. Em 2002, depois de passar pela Rede
TV!, Datena voltou para a Band para apresentar o Brasil Urgente e o programa de viagens No
Coração do Brasil.
Foi apresentador da Rede Record entre os anos de 1996 e 2003, com breve passagem na
Rede TV! em 2002, onde apresentou o programa Cidade Alerta. No dia 29 de julho daquele ano,
encerrou seu contrato com a emissora e voltou para a Rede Bandeirantes. Na Band, apresentou
o programa nacional Brasil Urgente e o local SP Acontece, voltando a apresentar o primeiro no
dia 08 de agosto. Além dos programas na televisão, apresentava um programa matinal na Rádio
Bandeirantes. Em 2012, apresentou o game show Quem Fica em Pé?, que contava com cerca
de 10 participantes e o vencedor era quem não caísse no buraco. Em fevereiro de 2018, saiu do
programa policial para se dedicar a seu programa semanal aos domingos, Agora é Com Datena,
encerrado pouco tempo depois, fazendo o apresentador voltar ao Brasil Urgente.
Durante a entrevista que concedeu ao programa Mulheres, em 2014, revelou seu desejo
de parar de apresentar programas policiais, como é o caso do Brasil Urgente. Já em sua vida
política, Datena foi anunciado pelo Partido Progressista como candidato à prefeitura de São
Paulo no ano de 2015. Apesar disso, ainda estava filiado ao Partido dos Trabalhadores e, ao
trocar de partido, não confirmou sua candidatura. Em 18 de janeiro de 2016, após descobrir
acusações de corrupção dentro do partido, desistiu de sua candidatura. No ano seguinte, filiou-
se ao Partido Republicano Progressista onde ficou apenas 6 meses. Chegou a cogitar disputar a
Presidência ou o Senado em 2022, por diversos partidos, mas desistiu.
Conhecido como o mais longo caso de cárcere privado do Estado de São Paulo, a
adolescente Eloá Cristina foi sequestrada e mantida como refém por mais de 4 dias pelo seu ex-
namorado, Lindemberg Fernandes Alves, em sua casa. Tudo teve início no dia 13 de outubro
de 2008, quando Eloá e três amigos foram surpreendidos por Lindemberg enquanto faziam um
trabalho escolar na casa da vítima.
Figura 1
Eloá Cristina durante sequestro
Fonte: Reprodução/Internet
Após cerca de 100 horas, a polícia invadiu o apartamento onde Lindemberg mantinha
Eloá e Nayara, após liberação dos colegas, porém a operação terminou de maneira trágica. O
suspeito disparou contra os reféns ao ouvir a equipe entrando no local. A vítima principal, Eloá,
morreu com um tiro na cabeça e outro na virilha, enquanto Nayara ficou ferida após levar um
tiro no rosto.
Toda a situação foi televisionada por diversas emissoras, inclusive a Rede Bandeirantes.
Flashes e entradas ao vivo aconteciam diariamente em todas as emissoras, mostrando as
negociações e ações entre a polícia e o suspeito. Enquanto ainda mantinha Eloá como refém,
Lindemberg deu entrevistas para Zelda Mello, Sônia Abrão e alguns outros jornalistas. Além
disso, a imagem mais conhecida do caso foi feita após a conversa do suspeito com a repórter da
Rede TV!. No dia 13 de fevereiro de 2012, em seu julgamento, Lindemberg Alves Fernandes
foi condenado há 98 anos e 10 meses de prisão pelos 12 crimes pelos quais foi julgado.
Quanto à cobertura da TV Bandeirantes sobre o crime, apesar de estar presente no
local do sequestro durante os quatro dias, a emissora não entrevistou Lindemberg em nenhum
momento. No programa Brasil Urgente, José Luiz Datena criticou a atuação, focando em Sônia
Abrão, dizendo que era um absurdo que pessoas não qualificadas tentem assumir o lugar de
negociadores da polícia.
Mesmo com essa fala de Datena, no dia do velório de Eloá, o programa transmitiu a
situação ao vivo. Enquanto dividia a tela com os familiares da vítima em seu velório, o
apresentador leu uma entrevista concedida por Rodrigo Pimentel, ex-capitão do Bope, que
caracterizava a cobertura feita pela Rede Globo, Record e Rede TV! como criminosa. O âncora
afirmou diversas vezes que não queria fazer aquilo, mas se sentiu compelido a fazer após ser
atacado por Sônia Abrão após sua fala contra a cobertura feita por esta.
Figura 2
Isabella Nardoni
Fonte: Reprodução/Internet
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo - I neurose. 9.ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
RESUMO: Essa pesquisa tem como objetivo analisar o papel do consumidor na mudança de
valor de marcas, utilizando como estudo de caso a Victoria’s Secret. Para o desenvolvimento
do trabalho foram utilizados conceitos como consumidor cidadão, marca, englobando seus
valores e posicionamentos, plataformas digitais, diversidade e representatividade. A partir dos
conceitos levantados, foi feita a análise dos posicionamentos da VS (Victoria’s Secret),
considerando seus estorvos e consequências, como o fim do VS Fashion Show, desfile anual da
marca. Como resultado do trabalho, foi possível analisar a dificuldade da marca em atualizar-
se as pautas sociais contemporâneas e em observar o comportamento de seu consumidor.
Ocasionando em perda de valor de mercado e de consumidores.
1. INTRODUÇÃO
O meio digital e o universo das redes trouxeram inúmeras mudanças à nossa rotina,
nossas formas de comunicar, buscar e gerar conhecimento. A popularização da internet e das
plataformas digitais conferem acessibilidade e abertura para pessoas e propiciam novos espaços
de debate e percepção de realidades. Nesse ambiente de interação social, pautas como as de
questões raciais, feminismo e diversidade ganharam destaque e transformaram-se em um
argumento usado para crescer digitalmente e captar seguidores e ouvintes. A relação entre
consumidor e empresa tem se tornado uma demanda cada vez mais presente no entendimento
de gestão de marcas, devido à popularização da internet e à intensa atenção e fácil acesso dos
consumidores às comunicações e ações da empresa. Nesse sentido, uma questão importante se
coloca para a observação dos avanços do mercado de consumo: que forma o consumidor e as
pautas sociais contemporâneas interferem e impactam no valor das marcas? Orientada por essa
pergunta central, esta pesquisa trabalha a história da Victoria's Secret, marca famosa de lingerie
que vivenciou repercussões negativas ao tentar ir de encontro com desejos de seus clientes. A
decisão de manter tradições e não atualizar-se a contextos contemporâneos fez com que a marca
vivesse transtornos e mudanças radicais em sua estrutura. Dessa forma, este trabalho nasce com
o intuito de compreender como o consumidor e as pautas sociais contemporâneas impactam nos
valores da Victoria Secret, refletindo como sua resposta e ações prejudicaram sua evolução.
Para a análise e reflexão do tema, foi importante compreender o conceito de consumidor
cidadão a partir do cenário de mercado atravessado pela convergência midiática. Utilizando do
conceito de Weiser (2012) e considerações de Jenkins ( 2006 ), pode-se compreender o
consumo de commodities e seus reflexos no comportamento dos consumidores e em suas
expectativas quanto clientes, alcançando assim o conceito de consumidor cidadão a partir do
cenário de mercado atravessado pela convergência midiática. Em complemento, precisou-se
entender como as plataformas digitais podem ser espaços de debate e manifestação. De acordo
com teorias de D'Andrea (2020) foi possível causar a relação e entendimento da relevância do
local para a atuação do consumidor cidadão. Para isso, tambem foi importante investigar como
a noção de diversidade impacta nos meios de comunicação, utilizando de teóricos como
Bernardes (2019) para compreender o conceito e como o consumidor cidadão por meio das
plataformas digitais consegue atuar e impactar marcas. Como estudo de caso, foi necessário
analisar a história da Victoria’s Secret e os impactos das decisões sobre diversidade, bem como
suas comunicações e projetos. Buscou-se compreender seus valores e suas colocações ante
pautas de diversidade e suas eventuais mudanças de posicionamento devido à atuação dos
consumidores perante a marca.
Por envolver a perspectiva de branding e marketing, a pesquisa utilizou ponderações de
Kotler (2017), Angus e Westbrook (2019) apresentando perspectivas sobre marca e gestão, que
serviram para analisar as possíveis mudanças nas estratégias de comunicação da marca,
buscando averiguar a legitimidade/efetividade das ações.
O atual trabalho serve para compreender os possíveis transtornos vivenciados por uma
marca que apresenta dificuldades para acompanhar mudanças e/ou novos posicionamentos
criticados por seu consumidor, utilizando a Victoria’s Secret como estudo de caso.
Este projeto surge com a intenção e desejo de entender a importância do público e da
internet na manutenção de uma imagem positiva de modo a planejar os posicionamentos e
estratégias de marca e o impacto que pode se ter no valor de marca ao não ouvir e adotar as
opiniões e comentários do consumidor.
2. CONSUMIDOR CIDADÃO
163
Tradução nossa. No original: “Commodity activism reshapes and reimagines forms and practices of social (and
political) activism into marketable commodities and takes specific form within brand culture” (Sarah Weiser,
2012, p.16)
entre merchandising, ideologias políticas e cidadania do consumidor
(WEISER, 2012, p. 17).
Em sua crítica, Weiser afirma que por conta da falsa ideia de que a compra pode ser um
ato na mudança da sociedade, cidadãos entendem que podem atender suas responsabilidades
cívicas apenas passando seu cartão, vendendo o conforto de acreditar que está atuando como
cidadão consciente e atuante nas pautas sociais. Uma tática de marketing que funciona, devido
também à pressão social de estar antenado ativo - e ao pouco interesse em atuar politicamente.
Entende-se que essa demanda política é dinâmica, já que mudamos e adaptamos com
frequência, buscando novas formas de atender os nossos ideais de futuro. Assim, marcas usam
dessa flexibilidade para atender às necessidades momentâneas, estando sempre em constante
aprovação dos olhares críticos dos consumidores e das novas pautas que possam surgir.
Jenkins (2006, p. 30) ressalta que “a circulação de conteúdos – por meio de diferentes
sistemas de mídia, sistemas administrativos de mídias concorrentes e fronteiras nacionais –
depende fortemente da participação ativa dos consumidores”. Essa participação também deve
ser entendida como a combinação da participação do usuário e a exploração das empresas. “O
trabalho dos consumidores também é trabalho imaterial, trabalho que fomenta as relações
afetivas e formas de conhecimento criativo. Este conhecimento criativo é aquele que expande
a flexibilidade (e, consequentemente, a ambivalência) da própria marca” (WEISER, 2012, p.
44)164. Além da participação necessária, apontada por Jenkins, o consumidor cidadão é
incentivado a produzir conteúdo e divulgar informações das marcas que consome, tornando-se,
também, um papel social/trabalho imaterial, como explicado por Weiser.
Consumidor cidadão, então, é aquele que entende que seu consumo ou suas escolhas de
consumo são atos políticos e geram impacto direto ou indireto na empresa, nas relações de
trabalho e na sociedade em si. Utilizando das mais diversas plataformas e espaços digitais,
encontra a sensação de poder e a falsa ideia que suas compras são a solução para os problemas
do mundo. Com a democratização da internet, cada vez mais pessoas têm acesso às diversas
plataformas digitais em que ferramentas de conversa e troca de informações viraram portal de
disseminação de conteúdo. Estamos vivendo a convergência midiática, onde um tweet com
informações de um jornal pode viralizar ao ser comentado em uma ferramenta no Instagram. A
circulação da informação deixa de ser papel exclusivo da mídia televisiva e passa a ser também
4 164Tradução nossa. No original: the labor of consumers is also immaterial labor, work that produces affective
relationships, and form of creative knowledge. This creative knowledge is one that expands the flexibility (and
consequently the ambivalence) of brand it self (Sarah Weiser, 2012, p. 44)
do consumidor e produtor do conteúdo, que compartilha e comenta em suas diversas
plataformas digitais.
3. PLATAFORMAS DIGITAIS
Atualmente, é difícil acreditar como seria a vida sem a era digital. A humanidade está
se habituando à internet e ao que ela é capaz de oferecer, e cada vez mais esse meio tem se
afirmado como uma ferramenta relevante de poder.165 Várias ferramentas, canais e novas
possibilidades permitiram o crescimento de plataformas166, ajudando a conectar pessoas e
promover interações. São ferramentas mudam a forma como se consome e relaciona com a
compra. Segundo Jenkins (2006, p.30), vivemos a era da convergência midiática, vista como
um espaço “onde as velhas e as novas mídias colidem, onde mídia corporativa e mídia
alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem
de maneiras imprevisíveis", um ambiente em que há uma troca de informação maior e mais
dependente do consumidor.
Aparentemente, à medida que novas ferramentas surgem, são conectadas ao invés de
substituídas. Canais grandes de televisão estão espalhando seus conteúdos televisivos para
diversas plataformas, atingindo mais pessoas e possibilitando maior interação com seu público.
Esse ambiente mais acessível permite que mais pessoas ganhem voz para expressar e produzir
conteúdos, em diferentes níveis, porém de alguma forma, causando uma mudança em como
recebe-se informações.
165 De acordo com relatórios da We Are Social e a Hootsuite, 4,66 bilhões de pessoas usam a Internet e 4,20
bilhões de usuários de mídia social existem em todo o mundo.
166 De acordo com D'Andrea (2020) - “Um aspecto que consolida e singulariza a ideia de “plataforma online” é a
crescente adoção de uma arquitetura computacional baseada na conectividade e no intercâmbio de dados. Baseadas
em robustas infraestruturas – em geral nomeadas como servidores “na nuvem” –, as plataformas se consolidam a
partir de um modelo centralizado de fluxos informacionais e financeiros. ” (2020, p. 14). Mais adiante, o autor
completa o pensamento sobre a noção de plataforma: “uma plataforma online é uma arquitetura projetada para
organizar interações entre usuários – não apenas usuários finais, mas também entidades corporativas e órgãos
públicos”. (2020, p. 19)
estamos usando esse poder coletivo principalmente para fins
recreativos, mas em breve estaremos aplicando essas habilidades a
propósitos mais “sérios” (JENKINS, 2006, p. 31).
Jenkins (2006) percebia como o novo meio possibilitaria um espaço mais diverso e
melhor representado, com a democratização do meio digital mais pessoas relatam suas
experiências e visões, conseguindo debater e construir melhores narrativas de futuro. Segundo
Jenkins, pode-se acreditar no potencial da inteligência coletiva como alternativa a grande
comunicação de massa.
O ambiente virtual traz a possibilidade de acompanhar diversas formas de conteúdo; o
ambiente oferece um leque extenso de canais e plataformas em que as pessoas dividem
experiências e opiniões. Muitas plataformas digitais surgiram como espaço para compartilhar
status do dia a dia, atualizações sobre a vida e maior vínculo com as pessoas, porém, conseguiu
tornar-se mais que isso. Ao se criar um espaço para conversar sobre a programações, um livro,
uma série ou reality, tem- se a possibilidade da troca de informações, experiências do que foi
consumido.
4. MARCA
O INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) define marca como “todo sinal
distintivo, visualmente perceptível, que identifica e distingue produtos e serviços, bem como
certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificações técnicas”.
Sendo assim, o objetivo das marcas é causar familiaridade com relação ao cliente e gerar valor
de mercado à empresa, facilitando o processo de convencimento na compra e instigando a
fidelidade e a confiança no produto.
Para Kotler, a construção de uma marca deixa de ser integralmente da empresa e torna-
se parte recepção de seu consumidor, levando em consideração o lado humano, dos sentimentos
e percepções intangíveis. O que se percebe é a relevância do público como contribuinte para o
desenvolvimento dessa marca, estando em constante mudança e sujeita a novas interpretações.
A construção de uma identidade e a manutenção dessa familiaridade com o cliente permitem a
valorização de uma empresa e assim de seus produtos. Essa geração de valor é conhecida como
Brand Equity ou em português, valor de marca. “O brand equity é o valor agregado atribuído a
bens e serviços. Esse valor pode se refletir no modo como os consumidores pensam, sentem e
agem em relação à marca, bem como nos preços, na participação de mercado e na lucratividade
gerada pela marca” (KOTLER, 2012, p. 260)
O valor de marca é o determinador das percepções e forças que a marca construiu ao
longo de sua história. Esse valor é mutável e composto por diversos indicativos, ou aspectos
que precisam funcionar em sintonia, para que sejam reconhecidos pelo público e pelo mercado.
Para a manutenção desse valor, existe a necessidade de uma gestão constante do que é
comunicado e repassado ao consumidor, surgindo o termo posicionamento de marca (em inglês,
Branding, um setor encarregado das decisões, veiculações e associações que a empresa deseja
provocar através de estratégias de posicionamento).
5. DIVERSIDADE E REPRESENTATIVIDADE
Ao entender o meio digital e o impacto que tem gerado na forma como comunicamos e
aprendemos, percebe-se que as plataformas digitais possibilitaram que mais grupos tivessem o
poder para reivindicar seu espaço na mídia, em um movimento que predispõe, portanto, uma
maior busca por representação de identidades e o anseio pela diversidade. A ideia de
diversidade está ligada à reunião das diferenças, sejam elas sociais, econômicas, raciais ou
culturais. Pode-se afirmar que a diversidade não é refletida nos meios de comunicação, uma
vez que se dá pouca visibilidade ao que é diferente do padrão midiático, como comprova a
pesquisa feita pela agência SA365, que evidencia a falta de diversidade e real representatividade
nas publicidades brasileiras. De acordo com a pesquisa feita em 2019, 87% das campanhas
estudadas expunham pessoas brancas, enquanto apenas 34% delas tinham representação de
pessoas negras; apenas 5% representavam pessoas gordas e 1% pessoas com PSD. O pior
indicador da pesquisa foi em relação à população indígena, com 0% representatividade. 167
Os meios de comunicação ainda são marcados por estereótipos, exclusões e
preferências. O padrão representado na mídia é conhecido por dar visibilidade a pessoas com
características especificas: altas, magras, jovens, brancas, cisgêneras e, em sua maioria,
masculinas. Esse formato excludente da indústria tem sido impactado com a democratização da
internet e com a maior relevância do consumidor cidadão para o mercado. Nota-se que as
marcas passam a ser criticadas e expostas pela falta de diversidade e representatividade em suas
campanhas e materiais midiáticos.
6. METODOLOGIA
Para a primeira parte deste trabalho, uma pesquisa bibliográfica foi realizada com a
intenção de compreender melhor o papel do consumidor cidadão nos debates de diversidade,
principalmente no setor de moda. A fim de analisar empiricamente a relação entre marcas e
consumidores a partir das questões que rondam os debates sobre diversidade e
representatividade, usaremos a marca Victoria Secret’s como objeto, abordada como um estudo
de caso. Segundo Robert K. Yin (2001, p.11), “em geral, os estudos de caso representam a
estratégia preferida quando se colocam questões do tipo "como" e "por que", quando o
pesquisador tem pouco controle sobre os eventos e quando o foco se encontra em fenômenos
contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real”.
O estudo de caso funciona para essa pesquisa devido à intenção em investigar uma
ocorrência dentro de um contexto social e histórico e seus reflexos na sociedade e na marca em
questão. A fim de ajustar o estudo ao formato do artigo, o corpus do trabalho foi recortado a
partir de uma pesquisa exploratória que investigou brevemente a história da Victoria Secret’s,
considerando as alterações mais bruscas relacionadas aos valores da marca. Identificamos
quatro marcos históricos, que formam o corpus da investigação: o surgimento do desfile e das
Angels como forma de comunicação e construção de identidade e valor de marca, a campanha
“the perfect body”, de 2014, utilizada para explicar o poder do consumidor cidadão na
desvalorização da marca, o posicionamento transfóbico e gordofóbico de Ed Razeek (chefe de
marketing da VS) em 2018 e, por fim, a mudança de posicionamento e tentativa de reconstrução
da imagem da marca.
Para a análise desse recorte, mobilizaremos os conceitos abaixo, que formam o
referencial teórico da pesquisa.
Quadro 1
Termos e conceitos
7. CONTEXTUALIZAÇÃO
168
THIS MAY HAVE BEEN THE BEST YEAR FOR WOMAN SINCE THE DAWN OF TIME. Time.
Disponível em: < https://time.com/3639944/feminism-2014-womens-rights-ray-rice-bill-cosby/> Acesso em 12
mar. 2022
169
#YesAllWoman, hashtag dedicada a compartilhar e divulgar relatos de misoginia e violência contra as
mulheres. Disponível em: < https://www.theguardian.com/commentisfree/2014/may/28/yesallwomen-barage-
sexism- elliot-rodger> Acesso em 12 mar. 2022.
170
#HeForShe, Chamada criada para incentivar e valorizar o apoio dos homens a luta por equidade de gênero.
Disponível em: < https://www.heforshe.org/pt-br> Acesso em 12 mar. 2022.
#RapeCultureIsWhen, manifestação contra artigo escrito pela americana Caroline Kitchens. Com a intenção de
mostrar como a cultura do estupro está presente em situações do dia a dia.Disponível em: <
https://www.mic.com/articles/86187/rapecultureiswhen-is-the-perfect-answer-to-everyone- who-denies-rape>
Acesso em 12 mar. 2022.
171
Hashtag com o objetivo de chamar atenção para o fato do feminismo ainda ser pautado nos ideais e perspectivas
de mulheres brancas.
não brancas e transgêneras.
Em 2014, é possível ver mais representatividade nos filmes e séries.“Orange is the new
black”, série premiada na Netflix que aborda a população feminina carcerária americana,
expondo e refletindo sobre homoafetividade, transexualidade, negritude e empoderamento
feminino é um bom exemplo de uma abordagem midiática mais dedicada à questão da
diversidade. A série foi indicada para 14 categorias do Emmy e ganhou três naquele ano. De
2016 a 2018, temas como feminismo, representatividade e política ganharam a atenção da mídia
e do público. Figuras relevantes entraram na política americana, como, por exemplo, Kamala
Harris, Catherine Cortez e Tammy Duckworth, representando respectivamente pessoas de
descendência latina, indiana e Tailandesa. Junto a elas, Danica Roem, como primeira mulher
transgênero a atuar no legislativo estadual, assumindo a função de deputada da Câmara dos
Delegados. Infelizmente mesmo assim, 2018 foi marcado como o ano com maior número de
mortes de mulheres transgêneros já registrados no país, 172 sendo que, nessa mesma pesquisa,
72% das mortes eram de mulheres trans negras173. Em forma de crítica e busca por justiça, pelas
mortes registradas e pelos dados de brutalidade policial para com pessoas negras, surge o
Movimento Black Lives Matte174r, que ganhou maior visibilidade 2020 com o caso de George
Floyd175, que pessoas ao redor do globo participaram fisicamente e/ou digitalmente da passeata,
causando grande impacto e reflexão em diversas plataformas, nos Estados Unidos e em outros
países. 176
Em 2021, Rachel Levine foi a primeira mulher trans a conseguir um cargo político para
função nacional como secretária assistente de saúde. Ainda em 2021, após a eleição e vitória
como vice presidente, Kamala Harris foi nomeada a segunda mulher mais poderosa do mundo
de acordo com a Forbes177.
172 A NATIONAL EPIDEMIC: FATAL ANTI TRANSGENDER VIOLENCE IN AMERICA IN 2018. Human
Rights Campaign. Disponível em: < https://www.hrc.org/resources/a-national-epidemic-fatal-anti- transgender-
violence-in-america-in-2018 > Acesso em 12 mar. 2022.
173 A NATIONAL EPIDEMIC: FATAL ANTI TRANSGENDER VIOLENCE IN AMERICA IN 2018. Human
americano, o caso ficou famoso e é um dos nomes mencionados no movimento Black Lives Matter - HOW
GEORGE FLOYD DIED, AND WHAT HAPPENED NEXT. The New York Times. Disponível em: < https://
www.nytimes.com/article/george-floyd.html> Acesso em 12 mar. 2022.
176 THE GLOBAL IMPACT OF GEORGE FLOYD. CBS News. Disponível em: < https://www.cbsnews.com/
No final dos anos 70, Roy Raymond, empresário americano, percebe uma oportunidade
no mercado ao concluir que ele e outros homens tinham dificuldade de entrar em lojas de
lingerie, devido a um estigma da época178, associado a homens que iam em tais lojas.19
Raymond idealiza então um espaço que buscasse atender essa demanda, construindo uma loja
receptiva ao público masculino. Conforme explica matéria publicada em 2021 no site Pequenas
empresas grandes negócios, as inspirações do empresário foram a era Vitoriana e os bordeis do
período, que culminaram em um espaço decorado com sofás de veludo vermelho, luzes baixas
e cortinas de cetim, escolhidos para atrair e criar um ambiente convidativo para os homens. 179
Surge assim a Victoria Secret’s, os segredos de Victória, sendo o segredo a lingerie, o que se
esconde por baixo das roupas.
Figura 1
Antes e depois da administração de Wexner
Fonte: Compilação do autor
Montagem feita a partir de imagens do site Blog da Lingerie, 2014 Disponível em: <
https://blogdalingerie.com.br/o-catalogo-da-victorias-secret-ao-longo-
dos-anos/) > Acesso em: 28/04/2022
Mesmo com certo sucesso, a loja desenvolvida por Raymond chega a beirar a falência
178 De acordo com o site do mega curioso, era comum pensar que homens que iam em lojas de lingerie seriam
pervertidos. Disponível em https: www.megacurioso.com.br/artes-cultura/120484-victorias-s-secret-a-
controversa-historia-de-marca. Acesso em 12 de março de 2022.
179 LIVRO DE HISTÓRIA: VICTORIA’S SECRET. Vogue. Disponível em: < https://www.vogue.pt/livro-de-
9. ANJOS NA PASSARELA
No início dos anos 1990 a marca já estava estabelecida e conhecida como uma das
maiores marcas de lingerie no mundo; em 1995 possuía 670 lojas espalhadas pelos Estados
Unidos e lançava seu primeiro desfile, sendo o início de uma nova era para a empresa. Em 1998,
Leslie Wexner decidiu destacar um grupo de modelos que já faziam parte dos desfiles para
representarem a imagem da empresa com um novo título, as Angels, chamadas assim por
usarem, no desfile, asas junto às lingeries. A proposta é usar a imagem de anjo como um ser
fantasioso, intocável, puro e belo (mas, ao mesmo tempo, extremamente sensuais, já que trajam
lingeries) para associar às modelos escolhidas como principais da marca. Helena Christensen,
Karen Mulder, Daniela Peštová, Stephanie Seymour e Tyra Banks foram nomeadas como
primeiras Angels das passarelas. As modelos ganhavam “Asas” e a cada desfile apareciam com
novos modelos e combinações com as peças de Lingerie. As asas trazem a ideia de puridade
associada à sexualização das modelos; mulheres esbeltas com o padrão fantasioso almejado
pela VS (Victoria Secret’s), a inalcançável perfeição.
O show tornou-se um sucesso, em 2001. A rede de TV ABC comprou os direitos da
transmissão do programa e o desfile se tornou um entretenimento de grande relevância anual,
mais de 12 milhões de telespectadores assistiram naquele mesmo ano. O show seguiu até 2018,
data de seu encerramento, com grandes espetáculos musicais, fantasias chamativas, palcos
180 A HISTÓRIA DA VICTORIA’S SECRET. Globo. Globo. Disponível em: < https://revistapegn.globo.com/
Banco-de-ideias/Moda/noticia/2021/06/historia-da-victorias-secret-das-lojas-que-agradavam-os-homens-ao-
final-tragico-do-fundador.html> Acesso em 03 mar. 2022.
grandiosos e pouca diversidade na escalação das modelos. 181 A criação das Angels e a forma
como a VS definiu sua passarela foram escolhas de posicionamento significante para a marca,
pois a destacou ainda mais no mercado, popularizando o evento e provocando uma legião de
admiradores ao redor do globo. O evento se tornou o desfile de moda mais assistido do mundo,
transmitido em 192 países.182 Shows deslumbrantes, com mudanças de palcos e estéticas,
diferentes cantores escolhidos dentre os mais populares do momento e fantasias bem
trabalhadas faziam do show da VS um espetáculo de entretenimento, que foi descrito pela
Forbes como “o truque de marketing mais extravagante do arsenal da linha de lingerie" 183. Mais
que moda, o evento causava grande repercussão na mídia devido às grandes apresentações
musicais e ao universo em torno da vida fabulosa das Angels, tornando-as celebridades, com
intensa atenção de revistas, paparazzi, canais de fofoca, saúde e beleza da mulher, posicionando
muitas delas nas listas de modelos mais bem pagas de acordo com a Forbes. 184
As modelos devem passar por audições rigorosas para garantir que não
apenas pareçam absurdamente em forma, mas também incorporem a
personalidade de garota amigável da marca. No cabelo e na maquiagem,
esses personagens hiper amigáveis posaram para selfies e discutiram
seus regimes de treino com entusiasmo efusivo (SITE da FORBES,
2015). 185
Essa construção irreal das Angels passa a ser comentada como ultrapassada a partir de
alguns anos, razões comentadas adiante no texto, e a movimentação por mudança se inicia com
manifestações de consumidoras através de plataformas online.186
https://www.forbes.com/sites/natalierobehmed/2015/12/08/the-business-of-the-victorias-secret-fashion-show/?
sh=59df96c675cf> Acesso em 12 mar. 2022.
185 Tradução nossa. No original: “models must undergo rigorous auditions to ensure they not only look unnaturally
fit but also embody the brand's girl-next-door persona. In hair and makeup, these hyper-friendly characters posed
for selfies and discussed their workout regimes with effusive enthusiasm.”THE WINGS: INSIDE THE
2015 VICTORIA’S SECRET FASHION SHOW. FORBES.
186 THE VICTORIA’S SECRET FASION SHOW: A $50 MILLION CATWALK. FORBES. Disponível em: <
10. A QUEDA DOS ANJOS E A CRIAÇÃO DE NOVAS ASAS
No cenário comentado anteriormente, 2014 foi um ano onde assuntos sobre diversidade
e representatividade de corpos já eram presentes, assim como pautas de empoderamento
feminino e valorização da mulher. Nesse cenário, a VS lançou sua nova campanha “The perfect
body”187. A campanha, criada para para divulgar a nova coleção “body” da linha de lingerie,
que seria em teoria “perfeita”, acabou causando reação critica do público ao associarem a
imagem de corpo perfeito às imagens das Angels. A Victoria’s Secret já carregava seu ideal
padrão de corpo com seu time de modelos tradicionais: altas, magras e em maioria brancas.
Com a veiculação dessa campanha, o que foi interpretado é que o corpo representado pelas
Angels, teria sido afirmado como “perfeito” (ou ideal), causando incomodo e movimentação de
fãs.
Por meio de plataformas digitais, algumas consumidoras incomodadas decidiram se
manifestar contra a peça publicitária. Frances Black, consumidora da marca, foi a maior
envolvida na manifestação. Criando a hashtag, #IAmPerfect, junto a outras consumidoras,
iniciou uma petição e abaixo-assinado solicitando o pedido de desculpas da Victoria’s Secret e
a remoção da campanha. Frances era, na época, estudante de jornalismo, com menos de 800
seguidores em sua plataforma do twitter, se uniu a outras pessoas impactadas pela campanha e
causou repercussão suficiente para provocar mudanças. Com mais de 32 mil assinaturas31, o
abaixo-assinado criado pela jovem não só chegou aos ouvidos da marca, mas também virou
motivo para a mudança do bordão, de “the Perfect Body” para “A Body For Every Body”32.
https://www.forbes.com/sites/natalierobehmed/2015/11/10/the-victorias-secret-fashion-show-a-50-million-
catwalk/?sh=69f27d9a58bc> Acesso em 12 mar. 2022.
187 Em português: O corpo perfeito. Campanha disponível em : < https://www.b9.com.br/52782/campanha-da-
188 VICTORIA’S SECRET CHANGES COURSE ON ‘PERFECT BODY’ ADS. BBC News. Disponível em:
<https://www.bbc.com/news/blogs-trending-29958907> Acesso em 12 mar. 2022. CAMPANHA “THE
PERFECT BODY” DA VICTORIA’S SECRET GERA POLÊMICA. Huff post. Disponível em: <
https://www.huffingtonpost.fr/news/iamperfect/> Acesso em 12 mar. 2022.
ANÚNCIO DA VICTORIA’S SECRET PERFECT ‘BODY’ PROVOCA REAÇÃO COM #IAMPERFECT.
Dayton daily news. Disponível em: < https://www.daytondailynews.com/news/national/victoria-secret- perfect-
body-sparks-backlash-with-iamperfect/lDo7GkBRjEmkiPEJJKjqjM/> Acesso em 12 mar. 2022.
CAMPANHA “PERFECT BODY” DA VICTORIA’S SECRET CAUSA POLÊMICA. New york post.
Disponível em: < https://nypost.com/2014/10/31/victorias-secret-perfect-body-campaign-sparks-backlash/.>
Acesso em 12 mar. 2022.
VICTORIA’S SECRET SPARKS OUTRAGE WITH ‘PERFECT BODY’ CAMPAIGN. Business Insider.
Disponível em: < https://www.businessinsider.in/victorias-secret-sparks-outrage-with-perfect-body-campaign/
articleshow/44997892.cms> Acesso em 12 mar. 2022.
189 PETIÇÃO CRITICA IDEAL DE CORPO PERFEITO. Meio&Mensagem. Disponível em: <
https://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/2014/11/05/peticao-critica-ideal-de-corpo-
perfeito.html> Acesso em 12 mar. 2022.
capazes de vender a fantasia pregada pela marca 190. O comentário foi muito criticado por uma
grande quantidade de consumidoras49 e por pessoas famosas envolvidas com a marca, como,
por exemplo, a cantora Halsey, que chegou a se apresentar no desfile, mas ficou incomodada
com o posicionamento de Razeek e fez um post poucos dias depois em suas redes sociais em
apoio a mulheres não encaixadas na fantasia descrita por Razeek50
Após mobilização online, influenciadoras que também promovem o discurso a favor da
aceitação de corpos decidiram dar suas versões de fantasia, alfinetando a VS. Modelo Nicolette
Manson usou como legenda “Não sou seu anjo. Fizemos essa foto que já que a VS não faz.” Já
Modelo Ashley Graham usou a#BeautyBeyondSize em sua foto, reforçando a ideia de que
beleza não está associada ao tamanho.
Após repercussão e manifestações críticas ao posicionamento, a VS liberou um pedido
de desculpas público de Ed em suas redes sociais, que dizia ter feito um comentário insensível.
Pedindo desculpas e comentando que contrataria sim modelos transgênero. Encerrou o texto
dizendo admirar e respeitar a jornada dessas mulheres em abraçarem sua real identidade. Meses
após a viralização do comentário de Razeek, a marca divulgou em suas redes sociais a
nomeação da modelo Barbara Palvin como nova Angel da marca, buscando atender o pedido
por representações de corpos mais diversos. Parte do público, ficou feliz e viu como positivo
as asas da Barbara, já que simbolizava uma mudança ao contratarem alguém com corpo mais
realista. Porém, ouviu-se muito sobre o incomodo à colocação de que ela seria Plus size, já que,
além de magra, a modelo pesa 55kg. Em comparação a marcas concorrentes, a iniciativa da VS
e nomeação de Palvin como Plus Size foi vista pelo canal de noticias Hypeness como prova de
que a marca necessitaria de uma redefinição. Além de Palvin, a marca divulgou também a
contratação de Valentina Sampaio como primeira modelo transgênero da marca, indo de
encontro ao posicionamento de Ed Razeek, que revelaria sua saída do cargo alguns dias depois
do anúncio. 191
191 A VICTORIA’S SECRET FASHION SHOW NÃO PODE ESCAPAR DA CONTROVÉRSIA, POIS O
ARTISTA CRITICA A ‘FALTA DE INCLUSÃO’. The Washington Post. Disponível em: < https://
www.washingtonpost.com/arts-entertainment/2018/12/03/victorias-secret-fashion-show-cant-escape-
controversy-performer-slams-lack-inclusivity/> Acesso em 12 mar. 2022. Em sua postagem, diz não tolerar a falta
As contratações foram vistas como positivas e tiveram movimentação e grande
engajamento para a marca, como a postagem da VS de revelação da Palvin que obteve mais de
710.000 likes em um dia, ficando até então como a publicação mais curtida do perfil.56 Ainda
assim, as vendas, valores de mercado e lojas físicas estavam sofrendo com a soma das decisões
tomadas pela marca. Ainda no inicio de 2019, a VS anunciou a previsão de fecharem 53 lojas
físicas, somando-se as 30 já encerradas no ano de 201857. As vendas foram apresentadas com
uma queda de 3% no mesmo ano, enquanto marcas concorrentes, como a Aerie, divulgaram
crescimento de 32% no mesmo período. Como resultado da baixa audiência58 caindo ano após
ano e da repercussão do comentário de Razek, o show de 2018 foi o último produzido pela
marca. A justificativa e a confirmação do fim do desfile foi dada por Leslie Wexner no final do
ano de 2019, afirmando que o desfile não se encaixava mais no padrão de programa televisivo
e que estariam repensando tudo sobre o negócio, dando abertura para acreditar que possíveis
inovações e intervenções seriam feitas. 192
Embora iniciadas as tentativas de mudança, o mundo foi pego de surpresa pela pandemia de
2020, ocasionando no oportuno fechamento das lojas, que acabou se tornando uma
oportunidade para a VS reavaliar as campanhas e projetos, voltando em 2021 com diferentes
abordagens e propostas para limpeza da imagem.
A primeira decisão da marca em 2021 divulgada em junho foi o fim das Angels, com o
argumento de que elas não eram mais culturalmente relevantes. A marca anunciou a
substituição das Angels pelo grupo de ativistas, influenciadoras e empreendedoras, que
assumiram o papel de porta-vozes e consultoras de diversidade da marca.62 O grupo foi
de inclusão, complementando que a aceitação completa é a única fantasia que apoia. Fonte: The Washington Post,
2018. Disponível em:< https://www.washingtonpost.com/arts-entertainment/2018/12/03/victorias-secret-fashion-
show-cant-escape-controversy-performer-slams-lack-inclusivity/https://www.washingtonpost.com/arts-
entertainment/2018/12/03/victorias-secret-fashion-show-cant-escape-controversy-performer-slams-lack-
inclusivity/ > Acesso em: 29/04/2022
192 HERE IS WHY VICTORIA’S SECRET HAD A HUGE FALL FROM GRACE IN 2018. Insider. Disponível
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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[S. l.], 22 nov. 2016. Disponível em: https://www.vogue.pt/livro-de-historia-victoria-s-
secret?photo=v33.jpg. Acesso em: 28 abr. 2022.
DIVERSIDADE em anúncio da Victoria's Secret recebe críticas: "Chegou tarde". [S. l.], 14 out.
2019. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/10/14/
diversidade-em-campanha-da-victorias-secret-recebe-criticas-chegou-tarde.htm. Acesso em
10/03/2021.
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seu famoso desfile anual.
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VEIGA, Vera França; MARTINS, Bruna Guimarães; MENDES, André Melo. Trajetória,
conceitos e pesquisa em comunicação: Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade
(GRIS). 1. ed. Belo Horizonte: PPGCOM UFMG, 2001. 258 p.
WEISER, Sarah Benet. The Politics of Ambivalence in a Brand Cultura. New York University
Press, Nova Iorque, 2012.
YIN, Robert. Estudo de caso: planejamentos e métodos. Porto Alegre: ARTMEO, 2001.
SEÇÃO 7
RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar as notícias sobre eleição presidencial que
foram publicadas no perfil do Instagram do Metrópoles, no período de agosto a outubro de
2022, identificando a busca pelo engajamento e credibilidade diante do contexto da
plataformização. O estudo ancora-se na fundamentação teórica sobre plataformização (POELL,
NIEBORG E VAN DIJCK, 2020), engajamento e credibilidade (SAAD; 2021). A partir de uma
análise crítica ancorada na crítica que as pessoas fazem no ambiente digital (SOARES E
SILVA; 2022), foi feita uma netnografia (KOZINETS, 2014) no qual identificou-se que um dos
motivos para que o Metrópoles tenha ganhado muitos questionamentos dos públicos quanto à
sua credibilidade tem relação com a busca incessante por engajamento. Isso é visto, por
exemplo, no formato que os títulos das notícias são construídos de maneira a cooptar atenção.
1. INTRODUÇÃO
2. REFERENCIAL TEÓRICO
193
As eleições presidenciais ocorreram no período de 2 de outubro – primeiro turno – e 30 de outubro –
segundo turno - de 2022. Até então, Jair Messias Bolsonaro, do Partido Liberal (PL) era o Presidente do Brasil
(mandato de 2019 até 2022). No entanto, Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), ganhou as
eleições no segundo turno e se tornou presidente do Brasil no dia 01 de janeiro de 2023.
As plataformas têm gerado mudanças na sociedade, seja em relação à tecnologia,
economia, política ou na comunicação. Cada vez mais, tudo o que se faz depende de
infraestruturas digitais advindas de grandes empresas de plataformas como Google, Amazon,
Facebook, Apple e Microsoft (VAN DIJCK, 2019). Se as plataformas são as responsáveis por
envolver essas interações sociais com a circulação de dados e algoritmos, a plataformização é
o processo que envolve as relações entre infraestruturas, economia, estruturas governamentais
das plataformas digitais e as práticas culturais (POELL, NIEBORG E VAN DIJCK, 2020) e
que também está presente em outros setores sociais como o jornalismo que passa a ter a sua
rotina produtiva alinhada à lógica de funcionamento das plataformas.
Saad (2021) explica que nesse contexto da plataformização as pessoas também passam
a cobrar, por meio dessas plataformas, a seriedade, a qualidade e a credibilidade do trabalho
jornalístico. Isso também tem a ver com o a responsabilização da mídia ou a accountability
que pode ser vista hoje de uma nova maneira: a partir do ambiente digital. Gomes e Paulino
(2019) explicam que accountability significa, em termos gerais, responsabilidade jornalística,
ou seja, a palavra tem o sentido de prestação de contas, assim, as pessoas podem buscar os
veículos de comunicação para que esses prestem contas do que fazem e se responsabilizem.
Por outro lado, à medida que o jornalismo tenta se adaptar e entender essa lógica de
funcionamento das plataformas de mídias sociais digitais, há também um jogo de poder entre
os veículos de comunicação e plataformas que tentam atrair a atenção das pessoas. Uma das
maneiras de medir essa atenção dada pelos públicos é por meio do engajamento, a métrica que
as plataformas como o Instagram utilizam para avaliar o quanto e como as pessoas estão
envolvidas com aquele perfil em específico (MARTINS, 2021). Dessa maneira, esta pesquisa,
entende por engajamento a métrica que as plataformas usam para mensurar como e quantos
seguidores se envolvem com outro perfil e isso pode ser contabilizado, por exemplo, por meio
do número de curtidas e comentários (MEIO E MENSAGEM, 2022).
Nessa notícia é possível identificar, por meio dos comentários, pessoas favoráveis ao
candidato Bolsonaro e dizendo que o Metrópoles é uma mídia de esquerda como diz o seguinte
comentário: “Ó mídia da esquerda! Bolsonaro 2022, aceita que dói menos”. A imagem que o
Metrópoles usa, com Bolsonaro de um lado, na cor azul, e Lula de outro, na cor vermelha,
também traz a ideia dessa polarização política.
A simbologia que a cor vermelha carrega e a associa aos movimentos de esquerda,
surgiu durante a Revolução Francesa, em 1791, quando a guarda nacional assassinou cinquenta
manifestantes no que viria se chamar “Massacre do Campo de Marte”, já que havia uma lei que
obrigava o hasteamento de uma bandeira vermelha para alertar que eventuais tumultos e
manifestações seriam dispersados com uso de força para que os participantes pudessem se
dispersar e evitar o confronto (COSTA, 209). Entretanto, nesse dia a bandeira vermelha não foi
hasteada e desde então o vermelho passou a ser usado pelos manifestantes e gradualmente se
tornou a cor que representaria movimentos trabalhistas, sindicatos e partidos políticos de
esquerda (COSTA, 2019).
Outro ponto importante a se considerar é que esses discursos polarizados nas eleições
de 2022 ressurgem com a ideia de antigos inimigos a serem combatidos, como em uma luta
épica que possivelmente surge no imaginário popular muito mais embasado em senso comum
do que fundamentado na História com o chamado “fantasma” do Comunismo versus uma
insurreição Fascista advinda do processo de radicalização de parte do eleitorado brasileiro.
Em 1847, Karl Marx e Friedrich Engels publicavam na Europa o Manifesto Comunista,
tratado que traria a perceptiva de que a História humana é marcada, caracterizada pelas lutas de
classes e, ao analisar o próprio cenário, Marx e Engels identificavam que a luta de classes em
que se inseriam era entre a burguesia e o proletariado, uma vez que a burguesia era redentora
dos meios de produção e explorariam a mão de obra dos proletariados para gerar lucro (MARX;
ENGELS, 2005).
As críticas feitas no Manifesto Comunista eram direcionadas aos meios de produção
capitalista por considerar esse sistema econômico injusto e por criticar arduamente a burguesia.
No Manifesto Comunista são elencadas categorias de socialistas, que como fica nítido no
documento, eram advindos da Revolução Francesa e considerados como movimentos burgueses
e por tanto, a terminologia adotada então para diferenciar o grupo comprometido com uma
revolução dos proletariados por uma sociedade igualitária era de comunistas, que eram então
uma vertente de extrema-esquerda do socialismo, o socialismo revolucionário (MARX E
ENGELS, 2005).
Em 1880, Friedrich Engels apresenta que, a partir das análises feitas por Karl Marx,
quanto à dinâmica do capitalismo, os ideais socialistas que ambos desenvolveram, eram então
uma forma estruturada de ciência, distanciando do socialismo utópico que criticavam e
consolidando o socialismo científico. Engels (2005) reitera que existem lutas de classes e que
dessa dicotomia vem a exploração ativa em busca do lucro, em detrimento aos proletariados e
propõe que a solução para essa relação injusta se daria a partir da tomada dos meios de produção
pelos trabalhadores e que, de forma natural, o processo levaria à diluição da autoridade política
do Estado (ENGELS, 2005).
Compreender os contextos históricos é o que torna possível revisitar um evento do
passado conhecendo o cenário em que se situava. Em cada contexto histórico existe uma
cultura, uma forma de pensar predominante: os conhecimentos que certo povo possuía, a
maneira que interagiam com suas descobertas, tudo isso remonta ambientes aos quais são
passíveis de observações sem que haja o erro de atribuir concepções de um outro tempo, uma
outra cultura e um outro contexto para onde se olha hoje o que resultaria em uma perspectiva
anacrônica. É o caso, por exemplo, de se ter cuidado ao criar determinismos de que algo ou
alguém é de direita ou de esquerda como se tem observado nos comentários feitos pelas pessoas
nas notícias publicadas pelo Metrópoles ao afirmarem que o veículo é de esquerda.
Outro ponto importante é compreender que quando Marx e Engels (2005) trazem o
conceito de socialismo científico, estes estão inseridos em uma tendência intelectual de seu
tempo e espaço. Engels (2005) afirma que era necessário situar o socialismo na realidade para
que ganhasse então o status de ciência. Ele, inclusive, diferenciou a estrutura que ele e Marx
apresentavam de outras ideias que consideravam obsoletas, limitadas, antiquadas ou utópicas e
o que Engels atribui a este feito, onde elevariam o socialismo à uma ciência e em que Marx
deveria ter sido capaz de compreender a dinâmica do capitalismo (ENGELS, 2005).
Vale também fazer um outro adendo: os avanços das descobertas no campo das Ciências
Naturais emergiam no decorrer do século XIX até seu ápice, no século XX. Dentre todas as
ciências, o maior destaque era na Física que possuía metodologias rígidas, livre de
ambiguidades e munida de leis universais cujas características eram almejadas para todos os
campos do conhecimento (HOBSBAWM, 1995).
Embora o século XX passe a questionar o caráter previsível e infalível da ciência, o
contexto de Marx e Engels é anterior às descobertas que trariam incertezas até mesmo para a
Física, o que possibilita compreender a motivação para aproximar suas ideias do que era
considerado como mais objetivo e assertivo às ciências naturais (HOBSBAWM, 1995).
Por outro lado, as Ciências Humanas e as Ciências Sociais Aplicadas onde o Jornalismo se
encontra, são dinâmicas e vivas. Assim como não se pode determinar a posição e a velocidade
de um elétron na Física, simultaneamente, conceitos existem em relação ao tempo e ao espaço
e dessa forma, definir o que é o espectro político esquerda-direita, socialismo/comunismo,
depende diretamente do contexto a que se trata. Mas durante as eleições presidenciais de 2022
foi comum ver pessoas associando o candidato Lula, do Partido dos Trabalhadores (PT), ao
comunismo e o candidato Bolsonaro ao fascismo.
Além disso, comentários criticando o jornalismo praticado pelo Metrópoles e
questionando sua credibilidade também foram encontrados como ilustram as figuras 2 e 3:
Figura 2
Exemplo de comentário fazendo críticas ao jornalismo praticado pelo Metrópoles
Figura 3
Exemplo de comentário questionando a credibilidade do jornal
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo buscou analisar as notícias sobre eleição presidencial que foram publicadas
no perfil do Instagram do Metrópoles, no período de agosto a outubro de 2022, buscando
identificar características e motivações de engajamento e credibilidade diante do contexto da
plataformização. Para isso, o artigo utilizou referenciais teóricos sobre plataformização,
(POELL, NIEBORG E VAN DIJCK, 2020), engajamento e credibilidade (SAAD; 2021). A
partir de uma análise crítica ancorada na crítica que circula pela sociedade, ou seja, por meio
das pessoas que emitem suas opiniões e se expressam no ambiente digital (SOARES E SILVA;
2022), foi feita uma netnografia (KOZINETES, 2014) no qual identificou-se que um dos
motivos para que o Metrópoles tenha ganhado muitos questionamentos dos públicos quanto à
sua credibilidade tem relação com a busca incessante por engajamento e isso é visto na forma
que as notícias são construídas, sobretudo pelo título, que é escrito de maneira a cooptar
atenção.
Dessa maneira, mais importante do que a palavra dura escrita, são as influências, as
relações, as consequências de cada um destes elementos políticos. Se até na Física que, por anos
foi considerada uma ciência objetiva e inflexível, existem limitações ao iluminar um elétron,
entender sua órbita e suas interações nos permite desenvolver e aprofundar conhecimentos do
micro ao macroscópico, e assim são os conceitos nas Ciências Humanas e nas Ciências Sociais
Aplicadas: eles dependem de suas órbitas temporais, geográficas e de suas interações humanas.
A História não se repete, mas são fontes de onde podemos beber para compreender o contexto
histórico social econômico e cultural atual em que vivemos desconhecer essas fontes nos
tornam vulneráveis aos que pretendem se utilizar de mecanismos antigos para manipular a
própria realidade.
6. REFERÊNCIAS
BOLSONARO: ‘quem é de esquerda, não tem cérebro’. 2022. (1 min.), son., color.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3biclzqp7WU. Acesso em: 21 jan. 2023.
DIGITAL NEWS REPORT 2020. Reuters Institute for the Study of Journalism. Nic
Newman with Richard Fletcher, Anne Schulz, Simge Andi, and Rasmus Kleis Nielsen (Orgs).
2020. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2020/06/DNR_2020_FINAL.pdf Acesso
em: 10 set. 2020.REUTERS INSTITUTE.
DIGITAL NEWS REPORT 2021. Reuters Institute for the Study of Journalism. Nic
Newman withRichard Fletcher, Anne Schulz, Simge Andi, and Rasmus Kleis Nielsen (Orgs).
Digital News Report.2021. Disponível em: https://reutersinstitute.politics.ox.ac.uk/digital-
news-report/2021 Acesso em: 30 jun.2022.
HOBSBAWM, E. Era dos Extremos: o breve século xx: 1914-1991. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995. 478 p. Tradução Marcos Santarrita.
KOZINETS, R.V. Netnography: The Essential Guide to Qualitative Social Media Research.
London, UK: SAGE, 2019.
MARX, K.; ENGELS, F. O Manifesto comunista. São Paulo: Boitempo, 2005. 255 p.
Tradução de Álvaro Pina.
VAN DIJCK, J. A Sociedade da Plataforma: entrevista com José van Dijck. 06 mar 2019.
Disponível em: https://digilabour.com.br/2019/03/06/a-sociedade-da-plataforma-entrevista-
com-josevan-dijck/. Acesso em: 30 jun.2022.
WASSERMAN, C. O Golpe de 1964: tudo o que se perdeu. In: PADRÓS, E.S (ed.). As
ditaduras de segurança nacional. Brasil e Cone Sul. Corag. 2006.P.55-62Sul. [S. L.]:
Corag.2006.
Capítulo 52
RESUMO: Esta pesquisa tem como objetivo principal estudar o Rádio como o agente mediador
da cultura popular no estado de São Paulo. O objeto do trabalho são as quatro emissoras de
Rádio que foram escolhidas dado a sua localização geográfica dentro do estado: na capital
paulista, Rádio Capital AM 1040 kHz; na região de Araçatuba, Rádio Clube FM 96,3 kHz; no
Vale do Paraíba, Super Rádio Piratininga AM 750 kHz; e a última no litoral, Rádio Guarujá
AM 1550 kHz. Dentro deste estudo foram feitas uma compreensão das grades de programação
das rádios utilizando a técnica de análises de conteúdo (BARDIN, 2011) e ainda uma reflexão
sobre a importância do rádio contemporâneo, tornando possível um novo modelo de formatos
que acompanhe o legado histórico, mas também que possibilite novas práticas conforme os
atuais hábitos de consumo midiáticos.
1. INTRODUÇÃO
Numa sociedade em que o novo surge a cada instante, principalmente com a velocidade
crescente das novas tecnologias, o meio rádio vem se transformando e trazendo novas
tendências. O modelo do rádio em pleno século XXI tem como objetivo, além de transmitir
informações, formar cidadãos que construam e transformem o conhecimento como instrumento
de participação popular. Observando-se as transformações ocorridas no nosso cotidiano, sente-
se a relevância que o rádio representou e representa na sociedade.
Com todas estas mudanças no mundo, o rádio até hoje permanece ocupando papel de
destaque na cultura popular, devido principalmente a sua penetração em lugares distantes e
isolados, e também por atingir tantos sujeitos na sociedade independente de seus níveis
culturais. O rádio na sua essência continua sendo um veículo de comunicação ágil, popular,
barato, com maior alcance e menor custo em sua produção.
No Brasil, o rádio é o meio de comunicação que atinge mais pessoas. A televisão atinge
uma grande parte da população ao mesmo tempo, mas só o rádio com sua mensagem simples e
direta chega a mais pessoas. De acordo com dados publicados na Revista Veja, o Ibope afirma
que no estado de São Paulo existem pessoas mais sintonizadas no rádio do que na tv. Em
pesquisa recente da Kantar Ibope Media (2018), afirma que 78% das pessoas entrevistadas no
Brasil para o Book de Rádio (edição 2018), confirmam que confiam no rádio. Ainda de acordo
com o estudo, nas 13 regiões metropolitanas do país, 86% da população tem o hábito de escutar
rádio. Com este recorte a pesquisa ainda explicita que de cada cinco pessoas entrevistadas, três
ouvem rádio todos os dias em média. A pesquisa ainda confirma que na maioria dos casos as
pessoas ouvem rádio em casa, como um companheiro frequente em qualquer lugar. Mas de
acordo com o estudo nas grandes cidades as pessoas escutam o rádio nos seus deslocamentos
de carro. Na grande São Paulo, são 83% de ouvintes com 4h35m diária de exposição ao meio.
Diante dessas considerações, esta pesquisa trata do rádio como mediador da cultura
popular em São Paulo. Entre os autores trabalhados, destacamos Nestor Garcia Canclini (2011),
que fundamenta os estudos na área da globalização e cultura; o pesquisador Antônio Adami
(2014), que em muitos dos seus trabalhos constrói referências sobre o rádio como grande
mediador da cultura popular; Stuart Hall (2005), que estuda o campo da identidade cultural; e
Jesus Martin Barbero (2013), que estuda as identidades latino-americano compreendendo a
cultura e as suas mediações.
Uma pesquisa científica se justifica pela relevância social e também científica. Sendo
assim, será possível identificar a sua importância como valor histórico cultural, pois se trata de
um legado para a sociedade atual e futura. Assim, a pesquisa será construída através de um
recorte de quatro rádios paulistas, que foram divididas da seguinte forma: uma rádio na capital
do estado, outra na região de Araçatuba, uma no litoral paulista e outra no Vale do Paraíba,
desta forma conseguimos mapear as principais regiões do Estado de São Paulo. Neste contexto
faremos uma análise de conteúdo da grade de programação destas emissoras, que são: Radio
Capital, KwZ 1040 AM, na capital paulista; na região de Araçatuba, à Rádio Clube, KwZ 96,3
FM; no Vale do Paraíba, à Super Rádio Piratininga, KwZ 750 AM; e na baixada santista, a
Rádio Guarujá, KwZ 1550 AM.
Diante dos desafios da comunicação na contemporaneidade, o rádio ainda é uma mídia
muito popular, ele está presente em mais de 90% dos domicílios brasileiros, assim sendo essa
mídia deve ser estudada devido ao fato de influenciar no cotidiano da sociedade.
O objetivo deste nosso estudo é analisar por meio de levantamento bibliográfico e entrevistas a
construção do rádio como agente mediador da cultura popular em São Paulo. Pretendemos
analisar a construção da cultura popular no contexto do Rádio e identificar os processos
culturais nas rádios pesquisadas através da sua programação. Desse modo, pretendemos utilizar
referências que evidenciem a importância do meio rádio na construção e mediação da cultura.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Partindo deste ponto de vista, a cultura pode ser o resultado da participação do ser
humano em contextos ambientais e sociais, tornando-se a adaptação do homem aos diversos
ambientes em que convive. Pela cultura, o ser humano pode vencer obstáculos, superar
dificuldades e modificar seu habitat.
Assim, a cultura pode estar também associada à educação e sabedoria, como algo
aprendido e adquirido. Por esse ponto de vista, cultura significa o nível educacional,
pertencendo aqueles julgados letrados. Desta forma, o termo cultura pode ser usado para
discriminar os que não tem conhecimento e, todavia, considerados sem cultura, indo de
encontro à ideia de Brandão e Duarte citada acima. Para Santos (1994), cada realidade cultural
tem sua própria racionalidade, e a compreensão dos aspectos racionais é importante na luta
contra o preconceito.
Já de outra perspectiva, a cultura pode ser o conjunto de características comuns do
comportamento, referindo-se à personalidade e à vida social da pessoa, sendo a adaptação desta
em diferentes ambientes pelos quais passa e vive, como aponta Da Matta (1986):
A cultura, entretanto, pode ter aspectos tangíveis e intangíveis, que ajudam a construir
a realidade social dos que a integram, estabelecendo normas e valores. As normas de
comportamento, contudo, são reguladas por regras que permitem diferentes variações dentro da
cultura, permitindo a compressão das diferenças entre os homens e as sociedades, que segundo
Da Matta (1986, p.126): “Essas diferenças seriam resultado das diversas configurações ou
relações que as sociedades estabelecem no decorrer de suas histórias”.
Complementando essa visão, a cultura pode ser vista como os costumes de um
determinado grupo ou localidade, com base nas atividades, hábitos e situações cotidianas dos
indivíduos que fazem parte dos mesmos. A sociedade está em perene interação, em que cada
cultura possui sua maneira de funcionar. Quando a sociedade é entendida em seus contextos,
pode-se evitar a criação de estereótipos e prevenir conflitos.
Todo sistema cultural tem a sua própria lógica e não passa de um ato primário
de etnocentrismo194 tentar transferir a lógica de um sistema para outro.
Infelizmente, a tendência mais comum é de considerar lógico apenas o próprio
sistema e atribuir aos demais um alto grau de irracionalismo (LARAIA, 1986,
p.90).
Mesmo nos dias de hoje, o etnocentrismo ainda não foi vencido. Quando certas questões
tais como identidade, crenças, política, opiniões etc., são discutidas, o etnocentrismo mante-se
194
antrpol visão de mundo característica de quem considera o seu grupo étnico, nação ou nacionalidade
socialmente mais importante do que os demais.
presente com toda sua carga ideológica, permitindo que conflitos e destruições continuem
ocorrendo indiscriminadamente.
Isso nos mostra que, quando o ser humano observa o mundo sob a ótica de sua cultura,
ele está propenso a considerar seu ponto de vista como o correto. Esse tipo de comportamento
pode levar a conflitos sociais, pois membros de um grupo ou sociedade, tendem a tratar
oriundos de outros grupos ou sociedades com diferença. No entanto, é no contato com outras
culturas e na descoberta de novos hábitos que as sociedades tendem a reafirmar ou modificar
sua cultura original, reconstruindo sua identidade permanentemente. O processo cultural, para
Lévi-Strauss (2001), é uma coligação entre as culturas:
Assim, os estudos sobre cultura podem colaborar para o combate e até mesmo para a
eliminação do preconceito, por proporcionar o entendimento dos processos de transformação
pelos quais as sociedades passam, ajudando-nos a refletir nossa realidade social e o construindo
de identidades culturais.
Cultura para Laraia (1986, p.740) é: “uma lente através da qual o homem vê o mundo”.
Para ele (1986, p.82), “nenhum indivíduo é capaz de participar de todos os elementos de sua
cultura”, podendo ele conservar aspectos de sua cultura, bem como absorver outros costumes
culturais, e define cultura como sendo “o modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral
e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim
produtos de uma herança cultural, ou seja, resultado da operação de uma determinada cultura”
(LARAIA,1986, p.68).
Ulmann (1991), retrata a cultura como tendo dois sentidos. Um é que cultura define o
modus vivendi que o ser humano desenvolve em conjunto com a sociedade. Outro mais restrito
é a cultura como modus vivendi global em que um certo grupo participa. Desta maneira, ele
define cultura como sendo “a superação daquilo que é dado pela natureza. Logo, é aquilo que
o homem transforma” (ULMANN, 1991, p.84), e afirma que: “a cultura ao mesmo tempo liberta
e restringe, promove e coíbe, desvencilha e impõe freios” (ULMANN, 1991, p.89). Assim, a
cultura assume um papel transformador, podendo também restringir.
Semelhantemente para Santos (1994), a cultura pode ter dois sentidos, porém diferentes
dos retratados por Ulmann (1991). Para Santos (1994), a cultura tem aspectos da realidade
social, sendo tudo o que caracteriza a existência social de um povo. O outro sentido refere-se
aos conhecimentos, ideias e crenças de um povo, assim como a maneira com que eles existem
na vida social. Santos (1194) ressalta que a cultura não é uma realidade estanque, para ele, “se
a cultura não mudasse, não haveria o que fazer senão aceitar como naturais as suas
características e estariam justificadas, assim, as suas relações de poder” (SANTOS, 1994, p.83).
Podemos identificar em Canclini (2011) as diferentes formas de entender a cultura tendo
como referência o aporte da globalização, que organiza os sistemas culturais, não mais pelo
culto ou massivo. Importante destacar que ele elucida claramente que a cultura já não mais
diferencia classes sociais devido a uma maior circulação de bens simbólicos, ampliando o
processo de hibridização, deste modo, aparecendo novas formas de identidade social.
Fica perceptível que o conceito de cultura é muito difícil de ser definido, e que essa
dificuldade ocorre por falta de definições, mas pelo excesso e pela discrepância em torno da
temática. Entretanto, as ideias e conceitos se interligam formando conexões entre si. Para alguns
autores, o ser humano necessita da cultura para a sua subsistência, outros acreditam que os
recursos culturais podem ser regras que moldam determinados indivíduos e comunidades.
Contudo, analisar estas distintas interpretações de autores sobre a cultura, pode ser relevante a
fim de melhor utilizarmos suas ideias em pesquisas e estudos, e para compreendermos melhor
a nossa sociedade.
O conceito de ”popular“ é muito difícil de definir. Para Hall (2009, p 233), a tradição
popular cria um dos principais locais de impedimento de comandar e “reformar” o povo. Sendo
assim a cultura popular tem sido por muito tempo relacionada às questões da tradição e das
formas tradicionais da vida. Ainda Hall explica que a cultura popular permanentemente foi luta
e resistência, como também, apropriação e expropriação. Define o autor, “no estudo da cultura
popular, devemos sempre começar por aqui com duplo movimento de conter e resistir, que
inevitavelmente se situa no seu interior”. Segundo Hall:
Ainda sobre o debate da cultura popular, podemos identificar segundo Edson Farias
(1997, p122), que existe uma frente de contradições acerca do universo da esfera cultural, com
destaque na diversidade sociosimbólica. O autor argumenta numa mudança da cultura popular,
entre “resistência” e a “manipulação”, pois com o surgimento da sociedade de massa
assimétricas e heterogêneas, os processos se tornam relativizados.
Sendo assim, existe uma complexidade que qualifica os fundamentos da cultura popular
na contemporaneidade, principalmente pelo que define hibridismo, como sociedades fluidas.
Neste contexto podemos citar Nestor García Canclini (2011, p. 206), quando ele destaca a
importância da desconstrução do popular:
A bibliografia sobre cultura costuma supor que existe um interesse intrínseco dos
setores hegemônicos em promover a modernidade e um destino fatídico dos populares que os
arraiga às tradições. Os modernizadores extraem dessa oposição a moral de que seu interesse
pelos avanços, pelas promessas da história, justifica sua posição hegemônica, enquanto o atraso
das classes populares as condena à subalternidade. Se a cultura popular se moderniza, como de
fato ocorre, isso é para os grupos hegemônicos uma confirmação de que seu tradicionalismo
não tem saída; para os defensores das causas populares torna-se outra evidência da forma com
a dominação os impede de ser eles mesmos. (NESTOR GARCÍA CANCLINI, 2011, p. 206).
A proposta, segundo Canclini, passa por uma mudança bem aprofundada do conceito
da cultura popular. Neste sentido, o que podemos chamar de comunicação massiva, segundo os
folcloristas pode prejudicar as tradições populares. A mídia quando trabalha com às tradições
populares, assume um papel de concorrente do folclore, pois o popular é definido pela mídia
como lógica do mercado, se integrando aquilo que podemos definir como indústria cultural. O
popular é desta forma o que vende, que agrada multidões e não o que é produzido pelo povo.
Pesquisas recentes que discutem a questão da cultura popular, colocam em relevância
novos modelos para pensar as tradições e suas transformações. Para Canclini (2011, p 239), o
termo tradição não provoca, uma recusa à mudança, do mesmo modo que a modernização não
exige a extinção das tradições, desta forma os grupos tradicionais não têm como destino ficar
de fora da modernidade.
Para finalizar, Canclini ainda destaca que a importância do conceito do popular se dá
principalmente pela reconstrução de um trabalho que possa integrar várias especialidades.
(...) o popular não pode ser definido com a nitidez pretendida pelas
análises socioeconômicas de classe. Os componentes culturais híbridos
presentes nas interações de classe impõem o reconhecimento do
conflito e da importância da negociação (...) A negociação está instalada
na subjetividade coletiva, na cultura cotidiana e política mais
inconsciente. Seu caráter híbrido, que na América Latina vem da
história de mestiçagens e sincretismos se acentuam nas sociedades
contemporâneas pelas complexas interações entre o tradicional e
moderno, o popular e o culto, o subalterno e o hegemônico. (NESTOR
GARCÍA CANCLINI, 1995, p.238)
.
4. RESULTADOS
A nossa pesquisa trabalhou numa compreensão das grades de programação das rádios
utilizando a técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 2011). Para esta metodologia, Bardin
(2011) utiliza três fases de análise: pré-análise, exploração do material e interpretação dos
resultados.
Nesta primeira fase, desenvolveremos um modelo que coloquem as ideias iniciais, nesta
etapa é importante a leitura geral do material eleito para análise. O material deverá ser
investigado e daí usaremos uma sistematização para conduzir a análise. Nesta fase temos, a
leitura flutuante, que é o primeiro contato com os documentos, no nosso caso as grades de
programações, depois a escolha de documentos, definição do corpus, e, depois, a formulação
das hipóteses e objetivos, com a leitura inicial dos dados, e o quarto e último, a elaboração dos
indicadores, que seria a interpretação dos materiais.
Esta escolha dos dados a serem analisados, deve ser seguido as seguintes regras:
Exaustividade: refere-se a diferença de todos os componentes constitutivos da pesquisa.
Bardin (1977) coloca esta regra que não podemos acabar com qualquer um dos seus elementos;
Representatividade: no caso da seleção um número muito maior de dados, importante a
amostragem fazer parte de uma boa representatividade do universo da amostragem (BARDIN,
2011);
Homogeneidade: os documentos usados devem ser homogêneos, obedecendo critérios
certos de escolha e não passar demais particularidade fora dos critérios;
Pertinência: investigar se a fonte documental corresponde devidamente ao objetivo
permitido pela análise (BARDIN, 1977), isto é, tem que está relacionado com o que se
apresentam na pesquisa.
Ainda nesta primeira fase é importante destacar e priorizar as três outras fases que em
síntese são: escolha dos documentos a serem analisados, criação das hipóteses e dos objetivos,
além da elaboração de indicadores que fundamentem a análise final. Sendo assim, escolhemos
as grades de programação das quatro rádios pesquisadas: rádio clube de Araçatuba, rádio
Guarujá do litoral paulista, rádio Piratininga do Vale do Paraíba e Rádio Capital em São Paulo,
com a finalidade de classificar e interpretar os formatos e suas características essenciais na
programação das rádios.
Definimos dentro do conceito sete categorias, tendo como ênfase as grades levantadas
nas emissoras de segunda à sexta, pois é o nosso recorte de sustentação da pesquisa, visto que
existe uma audiência maior nas emissoras durante a semana. Importante destacar que estes
pontos foram levantados através da análise teórica da nossa pesquisa sobre a cultura popular: 1
– categoria de programas religiosos, 2 – categoria de programas musicais, 3 – categoria de
programas esportivos, 4 – categoria de programas jornalísticos, 5 – categoria de programas de
entretenimento, 6 – categoria de programas de debates, e 7 – categoria de programas de
populares.
Na categoria de programas religiosos195, observa-se a presença do que poderíamos
chamar de evangelização ou propagação da difusão da mensagem cristã pelo veículo popular,
poderíamos até caracterizar como o prolongamento do púlpito, pois as igrejas saem dos seus
templos para construir através da comunicação midiática a mensagem de fé. Segundo Helena
Corazza, Jornalista e doutora em Comunicação, autora do livro Comunicação e Relações de
gênero em práticas radiofônicas:
É importante ter presente o contexto mundial, a globalização e, ao mesmo
tempo, as necessidades locais para inserir-nos na cultura. É preciso ter em
conta que, vivemos num momento de pluralidade, de emergência de
subjetividades e de novas formas de expressar a fé. A sintonia com o global
em termos de mundo e de Brasil enriquece a programação local. É ali que a
comunidade precisar sentir-se na sua emissora, naquela emissora que está
preocupada em dar-lhe o melhor em termos de informação, cultura,
entretenimento. É a emissora amiga, que fala com as pessoas, por isso, elas
têm orgulho de tê-la em sua companhia! Os ouvintes precisam se ver no rádio,
precisa falar e a emissora, ser a voz da comunidade
(https://paulinascursos.com/missao-das-radios-catolicas/), em 25/04/2020, às
12h30.
195
Significado segundo o dicionário: “que se refere a religião”, disponível em https://www.dicio.com.br/religioso/
. Acesso em 12 de mai. 2020. Religião significado segundo o dicionário: “crença de que existem forças superiores
(sobrenaturais), sendo estas responsáveis pela criação do universo; crença de que essas forças sobrenaturais regem
o destino do ser humano e, por isso, devem ser respeitadas”, disponível em https://www.dicio.com.br/religiao/.
Acesso em 12 mai. 2020.
Para a categoria de programas musicais196, verifica-se certa aproximação com o
universo nacional e regional, sendo representada por diversos gêneros de músicas, importante
destacar nas grades de programação uma grande quantidade de veiculação de canções sertanejas
por ter como característica o universo popular.
Na categoria de programas esportivos197, abrange no que se refere-se a notícias
principalmente sobre o futebol local, do estado e do país. As mesas de redondas sobre o futebol
são os grandes legados para construção da relação ouvinte e programação, tirada como
fenômeno de audiência, o olhar do esporte, principalmente o futebol traz uma referência global.
De acordo com Crepaldi (2009) “Dentro da perspectiva acerca de cultura popular, no caso
brasileiro, o futebol se enquadra no âmbito da cultura de massa, já que foi absorvido por
diversos estratos sociais”.
O Brasil é conhecido como país do futebol, levando grandes públicos aos estádios e a
buscar informação sobre o assunto. Crepaldi (2009), ainda acrescenta:
O futebol no Brasil vai muito além de uma simples atividade esportiva capaz
de enriquecer cidadãos desprovidos de renda, ele está presente na vida dos
indivíduos desde seu nascimento. Ao mesmo tempo em que meninas
aprendem a brincar com bonecas e a se maquiar, milhões de meninos
brasileiros recebem como presentes em suas infâ ncias, além de carrinhos,
bolas de futebol e camisas dos clubes para os quais pessoas próximas torcem
e insistem em que o pequeno indivíduo também o faça. (CREPALDI, 2009,
p.41.)
Diante de todos estes fatores apresentados a programação esportiva nas rádios possuem
grande valor e importância. De um modo geral trabalham com dificuldade e esforço,
colaborando a difundir e levar os nomes dos clubes para o ouvinte neste esporte de grande apelo
popular.
196
Significado segundo o dicionário: “que pertence a música”, disponível em https://www.dicio.com.br/musical/.
Acesso em 12 de mai. 2020. Música significado segundo o dicionário: “combinação harmoniosa de sons ou
combinação de sons para os tornar harmoniosos e expressivos. Execução de uma composição musical, por diversos
meios. Ação de se expressar através de sons, pautando-se em normas que variam de acordo com a cultura,
sociedade etc. Ato de entender ou de interpretar uma produção musical”, disponível em
https://www.dicio.com.br/musica/. Acesso em 12 de mai. 2020.
197
Significado segundo o dicionário: “relativo ao esporte; desportivo: prova esportiva”, disponível em
https://www.dicio.com.br/esportivo/. Acesso em 12 de mai. 2020. Esporte significado segundo o dicionário:
“conjunto de exercícios físicos que se apresentam sob a forma de jogos individuais ou coletivos, cuja prática
obedece a certas regras precisas e sem fim utilitário imediato; desporto: o esporte aperfeiçoa as qualidades físicas
do homem”, disponível em https://www.dicio.com.br/esporte/. Acesso em 12 de mai. 2020.
No caso da categoria de programas jornalísticos198, principalmente aqueles que tem
como base na informação e na notícia, percebemos uma agenda bastante diversificada que vão
desde a notícias locais, do estado, do país, no âmbito econômico, político, social e cultural, mas
também vale salientar a prestação de serviços e de utilidade pública. O Jornalismo no rádio
transforma o ouvinte em agentes de cidadania, realizam um serviço social.
No dia a dia do jornalismo na rádio, o ouvinte ajuda a construir o roteiro do programa,
pois eles telefonam e denunciam a negligência na prestação de serviços da sua comunidade, e
trazem o olhar cidadão quando eles pautam qualquer situação na cidade onde vivem e telefonam
às rádios para que os problemas sejam resolvidos.
A categoria de programas de entretenimento199refere-se a um conteúdo diferenciado,
proporcionando um momento de lazer e descontração. Existe um maior envolvimento com os
mais variados públicos, podendo tornar este público fidelizado ao programa. Segundo André
Barbosa Filho (2003, p.114.), “o entretenimento é a própria essência da linguagem radiofônica,
cuja contribuição vai do real à ficção”.
Na nossa pesquisa, as rádios trabalham com diversos formatos, proporcionando um
conhecimento cultural, e dentro da sua região algo que possam contribuir com uma feição mais
popular.
Os formatos de entretenimento possuem características e possibilidades
peculiares, entre as quais destacamos: a de ter a capacidade de se combinar
com outros formatos de outros gêneros e de servir de ferramenta para a
informação, o anúncio, a prestação de serviços, para a educação e, até mesmo,
para o entretenimento (FILHO,2003, p.115).
198
Significado segundo o dicionário: “é o plural de jornalístico. Relativo a jornal: estilo jornalístico”, disponível
em: https://www.dicio.com.br/jornalísticos. Acesso em 12 de mai. 2020.
199
Significado segundo o dicionário: “Divertimento; o que diverte e distrai; o que é feito como diversão ou para
se entreter: canal de entretenimento; local de entretenimento. Ação ou efeito de entreter; ato de se divertir, de se
distrair.”, disponível em: https://www.dicio.com.br/entretenimento. Acesso em 12 de mai. 2020
200
Significado segundo o dicionário: “Ação de discutir uma questão; discussão, polêmica: tomar parte num debate.
Discussão em que se apresenta os prós e contras de alguma coisa. Análise sobre um tema, assunto, proposta ou
problema, que se realiza geralmente em grupo ou em conjunto: debate sobre o racismo nas escolas. Defesa de uma
ideologia, causa; discussão acalorada; contenda ou altercação”, disponível em: https://www.dicio.com.br/debate.
Acesso em 12 de mai. 2020.
Finalmente, na categoria dos programas de populares201, definimos todos os formatos
que tivessem uma proposta regional, local, principalmente aqueles produzidos na própria
emissora e que tivessem este universo da cultura popular como elemento fundamental.
Na fase posterior, denominada exploração do material, os elementos foram reunidos,
com apoio nas indicações definidas na etapa anterior. De acordo com Bardin (2011, p. 127),
“esta fase, (...), consiste essencialmente em operações de codificação, decomposição ou
enumeração, em função de regras previamente formuladas”. Sendo assim, colocamos numa
tabela todos os programas da grade de programação das rádios. Na terceira fase, os resultados
obtidos foram interpretados e comparados com elementos que podemos contextualizar a cultura
popular.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, pudemos perceber o quanto o rádio ainda hoje, mesmo com todas as novas
tecnologias, vem contribuindo de forma direta e indireta para o processo de disseminação da
cultura popular, seja no âmbito local, regional e nacional. A radiodifusão no Brasil é um
instrumento de grande importância no processo de inclusão social e também na formação dos
cidadãos, além de se destacar como um meio de comunicação de massa de fácil acesso.
O Rádio, além de direcionar diversos conteúdos, alcança as diferentes classes sociais,
do pobre ao rico, do profissional ao analfabeto. Ele é a companhia de todos. Estas diversas
características mostram o valor e sua grande relevância para a sociedade.
No nosso trabalho tivemos a possibilidade de trabalhar com o tema rádio como
mediador da cultura popular dentro do estado de São Paulo, analisando neste prospecto quatro
emissoras, a Rádio Capital, Rádio Piratininga, Rádio Guarujá e a Rádio Clube. O caminho foi
árduo pela forma como trabalhamos o estudo, pois percorremos os quatro pontos do estado, no
interior, no litoral, no Vale do Paraíba e depois na capital paulista, em busca de informações.
201
Significado segundo o dicionário: “Populares é o plural de popular. O mesmo que: transeuntes, vulgares,
anônimos, conhecidos, democráticos, notórios. Que...”, disponível em:
https://www.dicio.com.br/pesquisa.php?q=populares. Acesso em 18 de mai. 2020. Significado da palavra popular
segundo o dicionário do termo popular: “Que pertence ao povo; que concerne ao povo. Que recebe aprovação de
povo; que tem a simpatia da maioria. Muito conhecido; notório: cantor popular”, disponível em:
https://www.dicio.com.br/popular/. Acesso em 18 de mai. 2020
No primeiro momento até pensamos em reduzir a pesquisa, mas como estudioso do
rádio gostaria de ter esta dimensão de um recorte maior pelo significado que é este estudo, mas
também pela importância do estado de São Paulo na história do Rádio no nosso país.
Vale ressaltar a fundamental importância do meu orientador professor Antonio Adami,
neste critério de escolha, pela sua contribuição na pesquisa sobre a história das rádios paulistas.
Fizemos um estudo teórico com alguns pensadores que trazem conceitos sobre cultura, cultura
popular, mediações, diversidade cultural no aspecto geral e também o que é discutido no veículo
rádio dentro da cultura popular. Trabalhamos com Nestor Garcia Canclini (2011), Stuart Hall
(2005), Jesus Martín Barbero (2013), Antonio Adami (2014), entre outros.
Foi importante fomentar dentro do contexto teórico a nossa linha de condução do estudo,
principalmente quando estudamos Canclini (2011), pela referência ao conceito de Hibridização,
quando ele determina as várias intersecções da cultura para compreender o diálogo entre cultura
erudita, cultura popular e cultura de massa. Além dos seus estudos ele destaca que o consumo
é um dos principais traços da cultura contemporânea, e essa sua definição é uma forma de
entender a realidade cultural de cada região.
Ainda trabalhamos com Stuart Hall (2005) e o aprofundamento de entendimentos sobre
o campo da identidade cultural e as culturas nacionais como comunidades imaginadas, e
também as nações modernas como verdadeiros "híbridos culturais", daí o papel importante dos
meios de comunicação, principalmente o rádio como mediador da cultura.
Fomos estudar as programações das emissoras, de segunda à sexta, utilizando análise
de conteúdo no processo desenvolvido por Bardin (2011). Para fazermos a nossa análise foi
necessário dividirmos em sete categorias, neste caso separamos estas categorias por programas:
entretenimentos, religiosos, jornalísticos, debates, esportivos, musicais, e depois uma categoria
de programas populares que identificamos dentre todas os formatos das programações das
rádios pesquisadas.
Foi fundamental no decorrer deste estudo percebermos elementos com características
do popular no contexto regional e local dentro das quatro emissoras pesquisadas. Ainda fizemos
uma análise mais aprofundada com gráficos que mostraram que todas estas emissoras destinam
mais de 50% de sua programação para programas populares.
Importante salientar que dentro do nosso estudo fizemos uma avaliação mais
aprofundada sobre o aspecto da cultura popular e daí nos deparamos com o fenômeno que
evidência os conceitos já trazidos por Hall (2005), quando ele destaca a construção das culturas
hibridas, Canclini (2011), sobre o conceito de hibridização, e ainda o Barbero (2013), quando
ele fala sobre as mediações quanto compreensão da cultura. Daí concluímos que mesmo numa
dinâmica local e regional, há uma compreensão ainda mais aberta para definirmos a construção
da cultura popular nestas emissoras de rádio. A partir desta análise, é importante trazer o caráter
popular como condição de existência e de reafirmação das tradições da cultura de um povo,
determinando sua originalidade e essência, mas sem deixar de lado o contexto da hibridização.
Desde o seu início, o rádio no Brasil foi um meio de comunicação presente na sociedade,
pela sua importância ativa no desenvolvimento cultural e social do país. Portanto, trazer à tona
uma pesquisa desta relevância fomenta no meio acadêmico a importância de exploração dos
estudos no rádio no Brasil.
Por fim, é possível concluir que este trabalho contribui nos estudos do rádio como
mediador da cultura popular, mas também como forma de desenvolver uma análise ainda mais
esclarecedora sobre o papel do rádio em meio a tantas mudanças. Acreditamos, porém, que este
tema não termine para outras análises, e que podem surgir outras pesquisas com objetivo de
fortalecer a compreensão do meio rádio como mediador da cultura. O rádio é sim uma
instituição social, pois são várias práticas que alicerçam as tradições entre as formas com foi
construída dentro do cenário com outras tecnologias, agentes econômicos, atores políticos e
sociedade.
Para entendermos a multiplicidade do veículo rádio, precisamos rastrear as diferentes
conexões que se fazem sob a prática radiofônica. É importante descobrir se estas conexões feitas
em outros momentos da história continuam ativas, principalmente como mediadoras da cultura,
mesmo neste momento de novas convergências. Mesmo assim, com todas estas mudanças que
estão ocorrendo no contexto do rádio, não podemos apagar o seu passado.
Ao concluir estas linhas finais, tentamos dar um encerramento para quatro anos de
estudo. Se encerra um ciclo de investigação sobre o rádio que iniciei no mestrado em 2004,
com a dissertação sobre o Rádio Educativo: um estudo de caso nas escolas municipais na cidade
de São Paulo – Educom.Rádio, que foi defendida em 2006. Desde aquele primeiro trabalho, já
com orientação do prof. Antônio Adami, direcionei meu olhar para o rádio. Nesses mais de 15
anos pude acompanhar grandes transformações no cenário do rádio no Brasil e no mundo.
Ainda assim, esta pesquisa não esgota todos os pontos que eu gostaria de ter trabalhado,
pelo universo que é o Rádio e pelo tempo que não foi suficiente para traçar uma investigação
mais ampla do panorama das emissoras dentro do estado de São Paulo. Colocar mais pontos de
análise necessitaria tempo e recursos que não estavam disponíveis.
É possível concluir que este trabalho contribui nos estudos do rádio como mediador da
cultura popular, mas também como forma de desenvolver uma análise ainda mais esclarecedora
sobre o papel do rádio até hoje como um grande veículo de comunicação. Acreditamos ter
alcançado, com o nosso trabalho, a concretização de um esforço que servirá de ponto de partida
para futuras análises.
6. REFERÊNCIAS
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a
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DA MATTA, Roberto. O Que Faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
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NAPOLITANO, Marcos. Cultura Brasileira: utopia e massificação (1950 – 1980). São Paulo:
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Ana Luiza Chitarra de Faria - Graduanda no curso de Publicidade e Propaganda pelo Centro
Universitário Presidente Antônio Carlos (Unipac Barbacena-MG), Graduada em Letras -
Licenciatura Dupla pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).
E-mail: 212-001388@aluno.unipac.br
Deborah Luísa Vieira dos Santos - Professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e
Propaganda da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE). Doutoranda e Mestra em
Comunicação e Sociedade, pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). E-mail:
deborah.santos@univale.br
Fernando Albino Leme - Mestre e Doutor em Comunicação Social pelo Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade Paulista (UNIP). E-mail:
fernandoalbinoleme@gmail.com
Julia Meneguelli Franco - Graduanda em Jornalismo pela Universidade Vale do Rio Doce
(UNIVALE). Membro do Grupo de Estudos em Comunicação “Antena”, da UNIVALE. E-
mail: julia.franco@univale.br
Karen Gimenez - Mestre em Comunicação pela Universidade Paulista (Unip) jornalista pela
FMU/Fiam , com pós-graduação em Estratégia Empresarial pela Universidade Nove de Julho
(Uninove); geógrafa pela Universidade de São Paulo (USP) com pós-graduação em Formação
e Gestão de Educação à Distância pela Universidade Paulista (Unip). Pesquisadora associada
do Nace – Escola do Futuro USP, da Universidade de São Paulo, professora de pós-graduação
da Universidade Paulista (Unip) nos cursos de Psicologia Organizacional e Engenharia
Logística. Autora de cinco livros e coautora de outros dois. E-mail: karengim@gmail.com
Lara Cristina Reis dos Santos - Graduanda em Comunicação Social - Jornalismo pela
Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: larareis1738@gmail.com
Luiz Carlos Gomes Júnior – Mestre em Ciência da Nutrição pela Universidade Federal de
Viçosa (UFV), é doutorando em Saúde Coletiva na Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF), tendo Bacharelado em Nutrição e Licenciatura Plena em Educação Física. É professor
no Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais (IF Sudeste MG) - Campus Barbacena. E-
mail: luiz.carlos@ifsudestemg.edu.br
Maria Eduarda dos Santos Carvalho - Jornalista graduada pela UFSJ. E-mail:
mariaeducvr01@gmail.com
Natália Lima Amaral – Graduada em Jornalismo pela Universidade Vale do Rio Doce
(Univale). Jornalista na Assessoria de Comunicação Organizacional (Ascorg) da Univale. E-
mail: natalia.amaral@univale.br
Paolo Demuru - Paolo Demuru (Sassari, Sardenha) é Doutor em Semiótica pela Universidade
de Bologna (Itália) e em Semiótica e Linguística Geral pela Universidade de São Paulo. É
Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Midiática da
Universidade Paulista e pesquisador do Centro de Pesquisas Sociossemióticas da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. É coordenador do Grupo de Trabalho "Práticas
Interacionais, linguagens e produção de sentido na comunicação" da Associação Nacional dos
Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós). E-mail: paolodemuru@gmail.com
Ricardo Matos de Araújo Rios – Graduado em Comunicação Social (Jornalismo), pela UFSJ,
Mestre em Relações Internacionais, pela PUC-MG e pela Universidade de Coimbra (Portugal),
e Doutor em Comunicação Social pela UFJF. Professor do Curso de Publicidade e Propaganda
da UNIPAC. E-mail: ricardorios@unipac.br / ricmrios@gmail.com