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A Natureza Transdisciplinar da Comunicação:

Estudos de caso sobre a relação mídia, sociedade e cultura

Luiz Ademir de Oliveira


Arthur Raposo Gomes
Carla Montuori Fernandes
Marina Alvarenga Botelho
Willian José de Carvalho
(Organizadores)
COPYRIGHT 2023 © A ARTE DA PALAVRA
A Natureza Transdisciplinar da Comunicação:
Estudos de caso sobre a relação mídia, sociedade e cultura

1ª Edição — Brasil
Todos os direitos reservados

Conselho Editorial
Arthur Raposo Gomes (UFJF)
Carla Montuori Fernandes (UNIP)
Deborah Luísa Vieira dos Santos (UNIVALE)
Fernando Albino Leme (UNIP)
Luciene Fátima Tófoli (UFSJ)
Luiz Ademir de Oliveira (UFJF)
Mayra Regina Coimbra (UFJF)
Nádia Dolores Fernandes Biavati (UFSJ)
Natália Silva Giarola de Resende (UFMG)
Paulo Henrique Caetano (UFSJ)
Paulo Roberto Figueira Leal (UFJF)
Ricardo Matos de Araújo Rios (UNIPAC)
Thamiris Franco Martins (UFAM)
Vinícius Borges Gomes (PUC-MG)
Willian José de Carvalho (UFJF)

Produção Editorial
Diretor Editorial: Luís de Oliveira
Capa e diagramação digital: Helena Medeiros

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo
184 do Código Penal.

Dados Internacionais De Catalogação Na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro)
APRESENTAÇÃO

A comunicação é um fenômeno complexo e multifacetado que permeia todos os


aspectos da vida em sociedade. Desde a era digital até as formas mais primitivas de interação
humana, trata-se de um processo que permite a troca de informações, ideias e sentimentos entre
os indivíduos e os grupos sociais. Com o advento da internet e das tecnologias digitais, a
comunicação se tornou ainda mais onipresente e ubíqua, transformando radicalmente a forma
como interagimos uns com os outros e como nos relacionamos com o mundo ao nosso redor.
Neste livro, intitulado "A Natureza Transdisciplinar da Comunicação: estudos de caso sobre a
relação mídia, sociedade e cultura", somos convidados a refletir sobre a importância da
comunicação em nossas vidas e em como ela influencia e é influenciada pelas dinâmicas sociais
e culturais.

Mas quais são os motivos que nos levam a debater sobre o tema? Mais do que nunca,
falar sobre a natureza transdisciplinar da comunicação significa que ela não pode ser
compreendida de forma isolada, mas como um fenômeno que se relaciona com diversas áreas
do conhecimento, como a sociologia, a psicologia, a antropologia e a política. É nesse contexto
que esta coletânea se insere – explorando a relação entre a mídia, a sociedade e a cultura, e
trazendo estudos de caso que ilustram a complexidade e a importância desse fenômeno em
nossa sociedade contemporânea.

A comunicação tem um papel importante para a promoção e proteção da democracia -


tanto no sentido de possibilitar a livre circulação de ideias e informações, como no sentido de
garantir o acesso de todos os cidadãos a essas informações. Nesse contexto, este livro contribui
para o debate sobre o papel dos meios de comunicação, tradicionais e digitais, na atualidade,
além de sua relação com a democracia e a justiça social.

Por outro lado, as redes sociais e as mídias digitais emergentes, como o WhatsApp e o
Telegram, têm sido apontadas como um dos principais fatores que contribuíram para a eleição
de Bolsonaro e para o fortalecimento de seu discurso populista e anti-establishment. Essas
plataformas permitiram a disseminação em larga escala de informações falsas, boatos e teorias
conspiratórias, que muitas vezes foram reproduzidas pela grande mídia tradicional sem a devida
verificação e checagem de fatos.
No Brasil, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, a relação entre mídia e
política aponta indícios de mudança de direção, indo em contraponto do que vivemos nos
últimos quatro anos, quando Jair Bolsonaro governava o país. A grande imprensa tradicional,
que antes apoiava abertamente a agenda neoliberal e conservadora de Bolsonaro, passou a
adotar uma postura mais crítica em relação ao novo governo, especialmente em relação às
medidas econômicas e sociais propostas pelo PT.

Ao mesmo tempo, as mídias digitais emergentes parecem ter perdido parte de sua
influência, uma vez que muitos dos grupos e comunidades que apoiavam Bolsonaro migraram
para novas plataformas e redes sociais. Em seu lugar, surgiram novos grupos que, devido a
disputa nas redes nas eleições presidenciáveis de 2022 ganharam espaço no ativismo digital e
movimentos sociais que apoiaram Lula no pleito e que utilizaram a internet e as redes sociais
para mobilizar e conscientizar os eleitores, continuam atuante no aspecto de combates ao
sistema de desinformação liderado por uma extrema-direita bolsonarista.

Este livro envolve diversos pontos sobre a transdisciplinaridade do campo


comunicacional. Um deles é quanto a perspectiva da pesquisa sobre Gênero e Grupos
Minorizados. Através da análise de diferentes estudos, pode-se observar como a comunicação
tem sido utilizada para amplificar as vozes de grupos minorizados, combater o discurso de ódio
e promover a igualdade de gênero. Ao destacar a importância da comunicação em relação a
gênero e grupos minorizados, a seção busca contribuir para uma maior compreensão dos
desafios enfrentados por esses grupos e como a comunicação pode ser uma ferramenta poderosa
na luta por igualdade e justiça social.

Desse modo, a seção 1 deste livro aborda esse tema. Os capítulos apresentam estudos
sobre diversos aspectos da comunicação, incluindo ativismo digital, discurso de ódio,
linguagem teatral, cobertura jornalística, retórica do ódio, perspectiva de gênero no
telejornalismo, simbolismo na vestimenta política e cultura dos diamantes na indústria cultural.
Todos os capítulos exploram como a comunicação pode afetar e ser afetada pela questão de
gênero e a luta por igualdade de grupos minorizados.

Os estudos de comunicação têm aplicações práticas em vários campos: a relação


intrínseca entre mídia e política é um deles. Sabemos que a comunicação é um elemento
essencial na política, especialmente em contextos eleitorais. A Comunicação Política envolve
a troca de informações entre candidatos e eleitores, enquanto a Campanha Permanente refere-
se à necessidade de manter um diálogo contínuo com o público, não apenas durante o momento
de busca do voto. A Propaganda Eleitoral, por sua vez, é uma das ferramentas utilizadas para
transmitir mensagens e persuadir os eleitores durante as campanhas. Em conjunto, esses
elementos são fundamentais para o sucesso de uma campanha política.

À vista disso, a seção 2 traz o foco na Comunicação Política, Campanha Permanente


e Propaganda Eleitoral. Os capítulos mencionam diversos temas relacionados à comunicação
política, propaganda eleitoral e campanhas políticas, incluindo a estratégia de City Branding
como comunicação política, a desconstrução da candidatura de Lula nas eleições presidenciais
de 2018, a propagação de fake news na campanha eleitoral de 2022, os questionamentos quanto
a promoção de lives pelo ex-presidente Jair Bolsonaro como comunicação governamental ou
campanha permanente, a desinformação e fake news na campanha presidencial de 2022, a
cobertura da mídia sobre a CPI da Covid-19 e a representação de candidatas à presidência do
Brasil na TV.

A interdisciplinaridade da Comunicação é uma área de estudos que envolve várias


disciplinas, como a sociologia, a psicologia, a antropologia, entre outras. Os Estudos
Interdisciplinares em Comunicação buscam compreender as diversas formas de comunicação
presentes na sociedade e como elas influenciam na formação de opiniões, comportamentos e
cultura. Essa abordagem interdisciplinar permite uma compreensão mais ampla e profunda do
papel da comunicação na sociedade e das suas implicações em diferentes áreas do
conhecimento.

E é isto que a seção 3 abarca: trabalhos de estudos interdisciplinares em comunicação


que abordam diversos temas, tais como: assessoria de comunicação de eventos, repúblicas,
cartografias afetivas, hábitos de consumo de mídia e tendências contemporâneas da teoria da
comunicação, análise de emissora de TV, redes sociais, produção de podcasts, construção
midiática durante a pandemia do Covid-19, discurso antivacina na mídia, análise semiótica,
teoria da conspiração.

Por mais que as plataformas de mídias digitais tem ganhado cada vez mais espaço na
contemporaneidade, a transdisciplinaridade da Comunicação está intimamente ligada aos
Estudos em Jornalismo, que buscam entender a função e o impacto do jornalismo na
sociedade. Tais pesquisas analisam questões como a ética jornalística, a construção de
narrativas noticiosas, o papel do jornalismo na formação de opinião pública, o uso de fontes e
a relação entre jornalismo e democracia. Através da análise desses temas, é possível
compreender o papel fundamental do jornalismo na sociedade e como ele pode afetar a
percepção do público sobre diversos assuntos.

Essa discussão se apresenta na seção 4, em que os estudos são focados no jornalismo,


com capítulos que analisam a mistura de jornalismo e entretenimento no programa, o
enquadramento midiático da crise hídrica em um veículo de informação, a narrativa transmídia
presente no jornalismo e nas plataformas digitais de comunicação, a relação da midiatização da
atividade jornalística feita no Twitter durante as eleições de 2022, e a presença da nominação
dinâmica na cobertura política voltado para crianças.

A grande abrangência dos estudos em Comunicação também se relaciona com a


produção crescente de Ficção Seriada, produto cada vez mais comum no consumo dos
indivíduos na contemporaneidade. Os estudos desse tema investigam como as séries de TV,
filmes e outros produtos midiáticos influenciam a percepção do público sobre diferentes
questões sociais, culturais e políticas. Os estudos em Ficção Seriada analisam elementos como
roteiro, personagens, narrativa e contexto cultural para entender como essas produções
midiáticas moldam e refletem valores e crenças da sociedade em que são produzidas. Isso
permite uma compreensão mais ampla do papel da ficção seriada na construção de significados
e representações na cultura popular.

A seção 5 aborda o tema da ficção seriada, com enfoque em análises de diferentes


produções televisivas. Os capítulos incluídos nesta parte apresentam abordagens variadas,
desde a análise de documentários sensacionalistas sobre crimes reais, passando pela análise
crítica de séries como Jane The Virgin e Doctor Who, até a análise de representações da Ficção
Científica na série Marte e a experimentação com a irrealidade na série Maniac, desde a
perspectiva do sensacionalismo, passando pelas teorias crítica e culturológica e pela perspectiva
da cultura das mídias e da narrativa seriada.

Os estudos comunicacionais têm relação direta com a Cultura das Mídias, Arte e
Olimpianos, que se refere a pesquisa das práticas culturais e artísticas mediadas por tecnologias
de comunicação. Esse campo de estudo analisa como a cultura é produzida e consumida através
de diversos meios, como TV, cinema, música e a internet. Também se dedica a entender como
a cultura das mídias e a arte são influenciadas e moldadas por forças sociais, políticas e
econômicas. A relação entre a Comunicação e a Cultura das Mídias, Arte e Olimpianos permite
uma compreensão mais aprofundada da influência da tecnologia e da comunicação na produção
e consumo cultural.
A seção 6 aborda a relação entre a cultura das mídias, a arte e os chamados "olimpianos",
isto é, figuras públicas que alcançam grande sucesso e popularidade. Os capítulos dessa seção
apresentam análises de diversos casos de sucesso na mídia, incluindo o grupo BTS, a cantora
Ludmilla, o músico David Bowie, a saga Jogos Vorazes, a cantora Luísa Sonza, o casal Virgínia
Fonseca e Zé Felipe, o programa Brasil Urgente da Bandeirantes e a marca Victoria's Secret.
Os autores discutem temas como engajamento social, cultura de massa, mitos modernos,
sensacionalismo e posicionamento do consumidor cidadão em relação às marcas.

Por fim, a seção 7 traz artigos relacionados a Pesquisas de Programas de Mestrado e


Doutorado. Os programas de pós-graduação em comunicação contribuem para o
desenvolvimento de novas teorias e conceitos: um processo intelectual cada dia mais
necessários para se entender a comunicação social, principalmente na atual era digital, cujas
transformações são cotidianas, frutos das novas tecnologias e práticas sociais. Os artigos
apresentados são um recorte de uma pesquisa maior que lança um olhar sobre aspectos do
campo.

A obra como um todo apresenta uma abordagem transdisciplinar – que busca integrar
diferentes áreas do conhecimento para a compreensão da comunicação em seus diversos
aspectos. Os capítulos são escritos por autores do campo da Comunicação em diferentes
formações, o que enriquece a discussão e a análise dos temas propostos.

Em conclusão, os estudos de comunicação formam um campo diverso e multidisciplinar


que evoluiu ao longo dos séculos. Vários subcampos são abrangidos – cada um com foco em
um aspecto particular da comunicação. Os estudos de comunicação têm aplicações práticas em
vários campos, como negócios, política e saúde.

"A Natureza Transdisciplinar da Comunicação" é uma obra fundamental para todos


aqueles que se interessam pelo estudo da comunicação e suas implicações na sociedade e na
cultura. Através dos estudos de caso apresentados pelos autores, somos convidados a refletir
sobre a importância da comunicação na construção da nossa realidade social e sobre a
necessidade de uma abordagem integrada para a compreensão deste fenômeno tão complexo.

Willian José de Carvalho


ÍNDICE

SEÇÃO 1
Comunicação, Gênero e Grupos Minorizados
Capítulo 1
Ativismo Digital: uma análise do processo de comunicação nos blogs "Blogueiras
Feministas” e “Blogueiras Negras”
Capítulo 2
Era Digital e Discurso de Ódio: um estudo sobre os ataques às candidaturas femininas
nas eleições de 2020
Capítulo 3
Feminismo, Blogosfera e Opinião: Análise do Blog da Colunista Nina Lemos no
Portal Uol
Capítulo 4
A linguagem teatral no canal de Youtube “Tempero Drag”: Arte, hibridismo e
comunicação política
Capítulo 5
‘Uma sorte que é sempre a do outro’: A cobertura dos temas de feministas nas páginas
do Projeto Celina, do Jornal O Globo
Capítulo 6
O Imaginário sobre o Feminismo no Brasil no Século XXI: Uma análise das
publicações nas Revista de Estudos Feministas
Capítulo 7
“IMORRÍVEL”; “IMBROCHÁVEL”; “INCOMÍVEL”: Machismo e retórica do ódio
na campanha permanente deJair Bolsonaro
Capítulo 8
Vestida para retomada: a simbólica roupa de Dilma Rousseff para a vitória de Lula
Capítulo 9
Material Girl? Yes!: O Efeito Marilyn sobre a cultura dos diamantes na Indústria
Cultural
Capítulo 10
O Jornal Nacional como ator político: a desconstrução da candidatura de Lula (PT)
na eleição presidencial de 2018
Capítulo 11
Telejornalismo com perspectiva de gênero: a produção de conhecimento por meio de
pesquisa científica e suas reverberações cotidianas e profissionais
Capítulo 12
Anitta além do palco e a reconfiguração da Sociedade do Espetáculo
SEÇÃO 2
Comunicação Política, Campanha Permanente e Propaganda Eleitoral
Capítulo 13
City Branding como estratégia comunicacional: a marca de Desterro do Melo (MG)
Capítulo 14
A propagação de fake news na campanha eleitoral de 2022: Uma análise sobre o
alcance do discurso de “fraude nas urnas” durante o primeiro turno
Capítulo 15
Lives do Bolsonaro às quintas-feiras no Facebook: Comunicação Governamental ou
Campanha Permanente?
Capítulo 16
Desinformação, Fake News e o Cenário da Disputa Presidencial: Análise da Cobertura
do Portal G1 sobre notícias falsas na campanha de 2022
Capítulo 17
CPI da Covid-19: Corrupção, Escândalos e Espetáculo midiático na cobertura da
Folha de S. Paulo
Capítulo 18
Guerreiras, maternais e profissionais – Candidatas à presidência do Brasil no HGPE
televisivo
SEÇÃO 3
Estudos Interdisciplinares em Comunicação
Capítulo 19
Assessoria de Comunicação de Eventos: um relato de experiência
Capítulo 20
Repúblicas tradicionais de SJDR sob a ótica da Comunicação e da Sociabilidade
Capítulo 21
As ruas falam: Cartografias afetivas de São João del-Rei
Capítulo 22
Hábitos de Consumo de Mídia e Tendências Contemporâneas da Teorias da
Comunicação: um novo olhar sobre o receptor
Capítulo 23
TV Bandeirantes: do Canal de Esportes à Emissora sem identidade
Capítulo 24
Dicas de Leitura para Redes Sociais, a partir de Palavras e Terminologias
Capítulo 25
Como fazer um podcast na teoria e prática? Questões a se pensar sobre planejamento,
produção e distribuição
Capítulo 26
A construção midiática do animal não humano durante a pandemia do Covid-19:
análise de cobertura do portal Notícias Gerais
Capítulo 27
Os ethé do guerrilheiro Carlos Eugênio Paz projetados pelo programa Dossiê Globo
News
Capítulo 28
Discurso antivacina do presidente Bolsonaro na mídia: Uma análise de enquadramento
das notícias da Folha de S. Paulo em 2021
Capítulo 29
A análise semiótica do clipe Borders segundo a ótica de Peirce
Capítulo 30
A descrença no discurso da Ciência: A teoria da conspiração no discurso da Terra
plana
Capítulo 31
Quando as identidades entram em campo: uma análise semiótica comparativa dos
jingles da Cervejaria Brahma nas copas do mundo de 1994 e 2014
SEÇÃO 4
Estudos em Jornalismo
Capítulo 32
Fantástico, o “Show da Vida”: Uma análise do programa a partir da mistura de
jornalismo e entretenimento do conglomerado Globo
Capítulo 33
O enquadramento da crise hídrica no governo Bolsonaro pela Folha de S. Paulo
Capítulo 34
Telejornais e Narrativa Transmídia: Jornal Nacional na TV e no Instagram
Capítulo 35
Midiatização do Jornalista: Um estudo de casos do Twitter de Flávia Oliveira no 1º
turno das Eleições de 2022
Capítulo 36
Infância e Jornalismo Político: A Nominação Dinâmica Presente no Jornal Joca
SEÇÃO 5
Ficção Seriada
Capítulo 37
Audiência em alta nos canais de streaming: documentários sobre True Crime no
Globoplay e Netflix a partir de uma abordagem sensacionalista
Capítulo 38
Análise da série “Jane The Virgin” sob a ótica da Teoria Crítica e da Teoria
Culturológica
Capítulo 39
Maniac e a experimentação com a irrealidade
Capítulo 40
Marte e sua relação com a Ficção Científica: representações através do tempo
Capítulo 41
Cultura das Mídias e Narrativa Seriada: Uma análise da décima temporada do seriado
Doctor Who
SEÇÃO 6
Cultura das Mídias, Arte e Olimpianos
Capítulo 42
Mídia e K-pop: Campanha Love Myself e o engajamento social e afetivo do grupo BTS
Capítulo 43
Mídia, cultura de massa e olimpianos: ascensão e excentricidades da cantora Ludmilla
Capítulo 44
Cultura de Massa e Mitos Modernos: Uma análise da trajetória de David Bowie como
um dos ícones da música pop
Capítulo 45
A cultura de massa na saga Jogos Vorazes: uma análise a partir da perspectiva da
Teoria Culturológica
Capítulo 46
Da rápida ascensão ao estrelato, às crises de ansiedade e o retorno aos holofotes:
análise da carreira de Luísa Sonza
Capítulo 47
As excentricidades do casal Virgínia Fonseca e Zé Felipe na cobertura midiática da
Revista Quem Acontece
Capítulo 48
A ascensão de Virgínia Fonseca: De youtuber ao romance com o cantor sertanejo
Capítulo 49
Mídia, Cultura de massa e Sensacionalismo: Análise do Programa Brasil Urgente da
Bandeirantes
Capítulo 50
Queda dos anjos: Um estudo sobre o posicionamento da Victoria’s Secret e o
consumidor cidadão
SEÇÃO 7
Artigos relacionados à pesquisas de mestrado e doutorado
Capítulo 51
“De direita ou de esquerda?” – Engajamento, credibilidade e plataformização em
tempos de eleição presidencial no Brasil
Capítulo 52
O Rádio como mediador da Cultura Popular em São Paulo: capital, litoral e interior
DADOS SOBRE ORGANIZADORES E AUTORES
Organizadores
Autores
SEÇÃO 1

Comunicação, Gênero
e Grupos Minorizados
Capítulo 1

Ativismo Digital: uma análise do processo de comunicação


nos blogs "Blogueiras Feministas” e “Blogueiras Negras”

Samantha Ellen de Souza (UFSJ)


Ana Luíza Vieira Morais (UFSJ)

RESUMO: No atual contexto, a internet pode funcionar, muitas vezes, como uma ampliação
do espaço público, em que há a expectativa de se tornar uma arena democrática para vozes
dissonantes. Em várias circunstâncias, blogueiras ativistas fazem o uso do ciberespaço para a
propagação do movimento feminista, empregando em seus discursos pautas decorrentes de
experiências sociais intrínsecas à sua história, expressão de opiniões e pensamentos,
estabelecendo-se como uma espécie de diário pessoal. O artigo visa verificar como ocorre o
processo de comunicação em dois blogs de caráter feminista. Para isso, serão analisados os
seguintes blogs: “Blogueiras Feministas” e “Blogueiras Negras”; ambos reúnem postagens de
mulheres negras feministas de todo o país. Propõe-se um exercício analítico sobre a rede
comunicativa que é gerada, a partir das seguintes categorias de análise: a periodicidade das
postagens, autoras envolvidas nas postagens analisadas, pontos de confluência entre os blogs,
temáticas mais recorrentes, a narrativa dos textos e os desdobramentos dessas questões.

PALAVRAS-CHAVE: Ciberespaço; Comunicação e Gênero; Blogs Feministas; Feminismo.

1. INTRODUÇÃO

O surgimento da internet e a sua consolidação nos anos 90 e, posteriormente, a


emergência da web 2.0 possibilitou que o ciberespaço se transformasse num espaço múltiplo,
rompendo as fronteiras entre público, privado e íntimo. Habermas (1984) já apontava, em seu
livro “Mudança estrutural da esfera pública”, que foi lançado em 1962, sobre a mistura entre
tais esferas e, numa perspectiva ainda crítica, acreditava que isso poderia levar a uma
decadência da vida pública. No entanto, em seus estudos mais recentes, a partir dos anos 80,
quando criou a Teoria da Ação Comunicativa, passou a acreditar no potencial democrático da
mídia e, posteriormente, da própria internet. Posteriormente, autores como Rousiley Maia e
Wilson Gomes (2008) trataram especificamente das possibilidades de se desenvolver embates
políticos e democráticos no espaço virtual, mas fazem a ressalva de que o potencial democrático
da internet esbarra justamente, no caso do Brasil, na dificuldade imposta pela exclusão digital,
já que parte da população não tem acesso às mídias digitais. Além disso, a democracia não se
tornaria mais intensa somente pelo incremento da tecnologia, mas é um processo social, político
e cultural.
Os conglomerados de mídia continuam expandindo o seu poder, mesmo com a era da
web 2.0, como ocorre, por exemplo, com o Grupo Globo, que expandiu hoje seus negócios para
portal de notícias (Portal G1), canal de streaming (Globoplay) e intensificou as estratégias de
narrativa transmidiática articulando as mídias tradicionais às redes sociais (telejornais e
telenovelas são continuamente veiculadas nas redes sociais da Globo). No entanto, em
contraposição às mídias hegemônicas, a internet possibilitou que surgissem mídias alternativas.
Afonso de Albuquerque e Eleonora Magalhães (2016) conceituam estes canais de Blogosfera
Progressista Ampliada (BPA), que, até 2018, chegaram a mais de 230 blogs e sites vinculados,
principalmente, a posturas mais de esquerda e visões contra hegemônicas. Perderam força com
a ascensão da extrema direita ligada à vitória de Jair Bolsonaro (PL), mas muitos ainda se
mantêm, até pelos baixos custos de um site, de um blog.
Nesse sentido, partindo deste debate, a internet pode ser compreendida como um espaço
de disputas simbólicas e, em certa medida, um espaço democrático, em que blogueiras ativistas,
por vezes, fazem uso deste ciberespaço para a propagação do movimento feminista,
empregando em seus discursos pautas decorrentes de experiências sociais intrínsecas à sua
história, expressão de opiniões e pensamentos, estabelecendo-se como uma espécie de diário
pessoal. Logo, o universo virtual permite o estabelecimento de um espaço de troca e de
compartilhamento de experiências e pontos de vista; além da tentativa de conscientização dos
problemas sociais vivenciados e proposições de luta contra os poderes instituídos às minorias.
Uma observação a ser feita é a possibilidade de se questionar sobre a efetividade dos blogs em
relação à disseminação de ideias sobre o movimento social feminista, uma vez que estas são
perpassadas pela percepção social e política inerentes à cada blogueira e às suas singularidades.
Nesse ínterim, a proximidade entre blogueiras e leitores é permitida pelas redes sociais
e pela frequência ativa de postagens, o que permite a construção de relações que vão além da
dimensão tecnológica e estabelecem-se no espaço físico de ação do movimento social. Apesar
da relevância das ações restritas ao espaço físico, a plataforma virtual constitui-se, no cenário
contemporâneo, como ferramenta primordial de ampliação e difusão das ideologias de um
movimento.
Os novos movimentos sociais se apropriaram vastamente das tecnologias da
comunicação para ampliarem sua voz e sua visibilidade e ainda o fazem. A manifestação
feminista foi deslocada, expandida e fragmentada pelas tecnologias da comunicação. (LEMOS,
2009, p. 20).
Considerando, portanto, a importância da apropriação das tecnologias alternativas de
comunicação pelos movimentos sociais, esta pesquisa escolheu estudar dois dos mais antigos
blogs coletivos feministas no Brasil: o “Blogueiras Feministas”, um blog coletivo formado
somente por mulheres brasileiras, hospedado em http://blogueirasfeministas.com/, e o
“Blogueiras Negras”, um blog coletivo formado somente por mulheres negras brasileiras,
hospedado em http://blogueirasnegras.org/.
O “Blogueiras Feministas” surgiu durante o primeiro turno das eleições de 2010. Uma
das idealizadoras do projeto enviou um email para várias colegas feministas com o objetivo de
colher opiniões sobre questões políticas relacionadas à mulher. As conversas por e-mail foram
tão produtivas que uma outra mulher decidiu criar um grupo de discussão, onde feministas
poderiam trocar informações e debater sobre assuntos diversos. O grupo cresceu e com ele a
necessidade de se criar um blog, para espalhar suas ideias e mostrar o quanto o feminismo é um
movimento plural. Elas defendem o seguinte:

Este blog existe porque queremos vivenciar na rede a experiência de


ser feminista. Escrever posts, apontar manifestações do machismo na
sociedade, twittar, fazer vídeos, publicar fotos, organizar
manifestações nas ruas e na rede, entre outras formas de espalhar essa
ideia de que ainda tem muita coisa para mudar nas relações entre
homens e mulheres. Por outro lado, tem a ver com uma reflexão
constante sobre a nossa própria vida, sobre como a gente pode
enfrentar as nossas contradições, como a gente constrói as nossas
relações com mais autonomia e liberdade. (BLOGUEIRAS
FEMINISTAS, s/p).

Além de nos anos 2000 ter começado, pela primeira vez na história do país, a
institucionalização da agenda da promoção da igualdade racial na esfera governamental, este
período também passou pela ascensão das redes sociais e do surgimento dos blogs feministas,
sendo um deles o “Blogueiras Negras”. Trata-se de um projeto nascido em março de 2012,
mais precisamente, no dia 8, Dia Internacional da Mulher. O blog busca referenciar as mulheres
de ascendência Africana e aquelas que se identificam com o feminismo e a luta antirracista das
mulheres negras. O blog é uma comunidade online com mais de 1.300 mulheres leitoras, 200
autoras, e produz um conjunto de informações atualizadas cinco vezes por semana.
2. COMUNICAÇÃO, GÊNERO E POLÍTICA

Para analisar os blogs em questão, é importante conceituar gênero e aprofundar o debate


sobre o que se entende a respeito de feminismo. Mesmo com os avanços que as mulheres
alcançaram desde a década de 70 do século XX, a sociedade patriarcal ainda é hegemônica, e o
machismo e a misoginia se fazem presentes em várias instâncias sociais e no cotidiano das
pessoas, revelando que ainda há muito a ser conquistado. Os dados sobre feminicídio são
assustadores. Conforme reportagem do Portal G1, levantamento do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública mostra que mais de 100 mil meninas e mulheres sofreram violência sexual
entre março de 2020 e dezembro de 2021, no período da pandemia. 1
Na política, em 2018, o Brasil elegeu apenas 77 das 513 vagas de parlamentares para o
Congresso Nacional, o que representa apenas 15% do total, mesmo sendo as mulheres mais de
50% das eleitoras. Em 2020, foi eleita apenas uma prefeita das 27 capitais brasileiras – a de
Palmas, Cínthia Ribeiro (PSDB). A única mulher a chegar à presidência, Dilma Rousseff (PT),
sofreu um processo de impeachment, em 2016, que é reconhecidamente justificado por sua
“falta de habilidade política” para lidar com políticos e ter agravado uma crise institucional no
país. Isso, além de não fundamentar um processo jurídico para o impeachment, reforça o forte
caráter misógino dos ataques sofridos pela ex-presidenta. Em 14 de março de 2018, a então
vereadora Marielle Franco (PSOL) foi assassinada brutalmente a tiros no centro do Rio de
Janeiro. Defensora dos direitos humanos, mulher, negra e lésbica, bateu de frente com o crime
organizado, as milícias e o universo masculino. Até hoje, o crime não foi solucionado.
As eleições de 2022 não trouxeram dados animadores, já que a situação da baixa
representatividade feminina se mantém. Além disso, a onda bolsonarista de extrema direita
revelou que tem força suficiente e garantiu maioria no Congresso (a bancada do PL elegeu 99
deputados federais, sendo 17 deputadas) e no Senado (elegeu duas ex-ministras – Damares
Alves e Tereza Cristina). Na Câmara dos Deputados, em 2023, o número de mulheres
parlamentares subirá de 77 para 91 (15% para 17,7%), mas somente 33% vinculadas a partidos

1
DA REDAÇÂO. Brasil teve um estupro a cada 10 minutos e um feminicídio a cada 7 horas em 2021
Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que mais de 100. Portal G1. Distrito Federal, 07
de março de 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/dia-das-mulheres/noticia/2022/03/07/brasil-teve-um-
estupro-a-cada-10-minutos-e-um-feminicidio-a-cada-7-horas-em-2021.ghtml. Acesso em 04 de maio de 2022.
de centro-esquerda. No caso do Senado, serão 14 das 81 integrantes (17,3%), mas com nomes
bastante conservadores, como Damares Alves.
Neste contexto de polarização em que, apesar das lutas feministas se fazerem atuantes
no Brasil, mas diante de uma crescente onda conservadora, é que se faz necessário o debate
sobre feminismo, gênero e mídia. A socióloga Heleieth Saffioti (2004, p. 45) define gênero, de
maneira sucinta, como a construção social do masculino e do feminino. Ademais, a autora
afirma que a elaboração social do sexo deve ser ressaltada, sem, contudo, “gerar a dicotomia
sexo e gênero, um situado na biologia, na natureza, outro, na sociedade, na cultura”. (SAFFOTI,
2004, p. 108). Percebe-se aqui a presença de uma distinção entre as duas categorias: o sexo
apresentando uma orientação genética, que seria corporalmente identificável, ao passo que o
gênero seria socialmente construído. Logo, o gênero remeteria às relações desiguais de poder
que resultam na construção do papel social do homem e da mulher por meio das diferenças
sexuais” (CABRAL; DIAZ, p. 142, 1998).
Scott (1995, p. 86) afirma que o “gênero é um elemento constitutivo de relações sociais
baseado nas diferenças percebidas entre os sexos e é uma forma primeira de significar as
relações de poder”. Desse modo, percebe-se que a caracterização do que é ser mulher ou ser
homem vai além dos limites do corpo, pois trata-se de definições políticas, sociais e culturais.
A sociedade, costumeiramente, atribui valor às características masculinas e femininas,
divide os papéis sociais de homens e mulheres e produz uma relação de poder entre os gêneros,
em que os homens têm poder sobre as mulheres. As relações de gênero são produto de um
processo pedagógico que se inicia no nascimento e continua ao longo de toda a vida, reforçando
a desigualdade existente entre homens e mulheres, principalmente em torno de quatro eixos: a
sexualidade, a reprodução, a divisão sexual do trabalho e o âmbito público/cidadania.
(CABRAL; DIAZ, p. 142, 1998).
Passamos por grandes mudanças sociais nas últimas décadas, com as mulheres
adquirindo direitos, conquistando cada vez mais seu espaço. Dentre os direitos conquistados,
pode-se citar, como exemplo, a conquista do voto feminino, a criação da pílula
anticoncepcional, a sanção da Lei do Divórcio (1977) 2, a criação do Conselho Estadual dos

2 A partir do ano de 1977, o divórcio se tornou uma realidade no Brasil.


Direitos da Mulher (1979)3, a Criação da Lei Maria da Penha (2006) 4 e a aprovação da Lei do
Feminicídio (2015)5.
Porém, o sistema patriarcal ainda está muito presente em nossa cultura, desvalorizando
a mulher e contribuindo com a manutenção da violência e das relações assimétricas de poder.
Em um sentido amplo, pode-se afirmar que “sempre que as mulheres - individual ou
coletivamente - criticaram o destino injusto e muitas vezes amargo que o patriarcado lhes impôs
e reivindicaram seus direitos por uma vida mais justa estamos diante de uma ação feminista”
(GARCIA, 2011, p. 13).
Dessa maneira, ressaltamos a importância do feminismo como o movimento político,
social e ideológico que busca a desconstrução do machismo e do patriarcalismo para que os
papéis sociais desempenhados pelos indivíduos não sejam determinados como superiores ou
inferiores de acordo com o seu gênero. Enquanto o machismo mantém as condições de
desigualdades e promove as violências, o feminismo propõe a emancipação das mulheres
buscando a garantia de direitos, dignidade e igualdade material, independentemente do gênero.
(ALVES e PITANGUY, 1985, p. 4). É importante salientar que o feminismo não é um bloco
monolítico ou homogêneo, pois assume diversas facetas e traz um universo complexo de
análise. A título de exemplos, há o feminismo negro, o feminismo interseccional, o feminismo
indígena, o feminismo radical, o feminismo liberal, o feminismo marxista, o feminismo
anarquista (anarcofeminismo), o transfeminismo, entre outras vertentes do feminismo. Mas, em
geral, o feminismo não é o contrário de machismo, pois defende a igualdade de gênero, e não a
ocupação do lugar de opressão por parte das mulheres. (SANTOS, 2019, s/p).
Quanto às ondas do Movimento Feminista, estas surgem no século XVIII e ganham uma
nova dimensão com as redes sociais a partir de uma horizontalização do movimento. “O
feminismo normalmente é estudado e compreendido em três ondas” (NATALINO, 2021, p.16).
O primeiro manifesto feminista surgiu na França, no contexto da Revolução Francesa, com a
“Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã” e a primeira onda vai até meados da década
de 1930, e o seu marco é a conquista do voto feminino em vários lugares do mundo ocidental.
A segunda onda é marcada pela discussão dos contraceptivos nos anos 1960 e pela ligação do
feminismo às outras mobilizações sociais da época. Natalino (2021, p.16), com base em Fraser

3 Trata-de um órgão colegiado de deliberação coletiva, de composição paritária entre o Governo e a sociedade
civil organizada, que tem a finalidade de propor e fiscalizar, em âmbito estadual, as políticas para as mulheres,
assegurando-lhes o exercício pleno de seus direitos, sua participação e integração no desenvolvimento
econômico, social, político e cultural.
4 Foi sancionada para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
5 Prevê circunstância qualificadora do crime de homicídio e inclui o feminicídio no rol dos crimes hediondos.
(2007, p. 292), aponta que a segunda onda do movimento feminista tem três fases. A primeira,
segundo a autora, é definida pela redistribuição daquilo que o feminismo defende e nasceu dos
movimentos sociais dos anos 60. A segunda fase tem origem no fim do século XX, vinculado
ao reconhecimento da política de identidade e ressalta o valor da diferença entre gêneros. Na
terceira fase do feminismo, que é mais atual e se desenvolvia na 1ª década do séc. XXI, ocorre
a sua inserção em outros países e se junta a outros movimentos sociais que buscam uma política
integrada e com equilíbrio sobre a redistribuição, o reconhecimento e a representação. Ao
tratarmos da terceira onda, a partir do final do século XX e início do século XXI, não se tem
consenso conceitual, mas é fato que as mulheres perpetuaram a luta pelos seus direitos, tendo
conquistas asseguradas por lei. A causa feminista é tratada de forma mais complexa e global.
Pontos que diferenciam as mulheres entre si, como raça, classe, sexualidade, nacionalidade,
formaram o chamado feminismo interseccional. A partir de 2019, como um conceito em
construção, tem-se a quarta onda do movimento feminista, que alcançou as redes sociais. Gerou
mudanças nas organizações e protestos, principalmente com o ativismo digital. É necessário
enfatizar que o movimento feminista reconhece o papel da mídia na reprodução de estereótipos
de gênero. Assim, a crítica ao modo como as mulheres eram representadas nos meios de
comunicação, em especial na segunda metade do século XX, acompanhou o processo
organizativo do movimento. (NATALINO, 2021).
Ao abordar a importância da criação ou reapropriação da mídia, Leila Barsted aponta
que na década de 1970 novos espaços foram surgindo para amplificar a voz das mulheres, a
partir de meios variados: revistas, boletins, jornais alternativos, luta por espaço dentro da grande
imprensa, do rádio, da televisão e do cinema. Para ela, “os veículos de comunicação se
apresentam inseridos numa estratégia de educação do movimento feminista, de recriação da
identidade social da mulher e de resgate de nossa história” (WOITOWICZ; PEDRO, 2010, p.
1 apud BARSTED 1983, p. 16).
Ao considerarmos a atual condição da mulher brasileira, identificamos as disparidades
que podem ocorrer quando consideramos a raça dentro da categoria gênero. Para Patricia Hill
Collins (1990), uma das principais autoras do feminismo negro, é preciso refletir sobre a
“intersecção” das desigualdades, em que uma mesma pessoa pode se encontrar em diferentes
posições quando levamos em conta suas características (gênero, raça, classe, geração).

3. ESTUDO DE CASO: O BLOG COMO ESFERA ALTERNATIVA PARA O


ATIVISMO MIDIÁTICO
Woitowicz e Pedro (2010, p. 1) apontam, no artigo intitulado “Feminismo e ativismo
midiático, o feminismo como estratégia de ação política”, que a história do feminismo tem
relação com a história da mídia alternativa, uma vez que as mulheres, desde cedo, perceberam
a necessidade de se fazerem ouvir, apostando em um discurso de contra-informação, que
assumiu, em alguns momentos, o duplo papel de denunciar e de mobilizar as mulheres na defesa
dos seus direitos e na conquista da cidadania.
Além disso, percebe-se que inúmeros grupos que compõem o movimento feminista
contam com veículos de comunicação, nos mais diversos formatos e suportes (impresso,
sonoro, audiovisual, on-line), “que atuam em uma lógica de contra-informação, promovendo o
debate e apresentando as reivindicações das mulheres”. (WOITOWICZ; PEDRO, 2010, p. 1).
Atualmente, a ideia de mídia alternativa não contempla apenas o aspecto de oposição
política, mas também outras expressões – por vezes menos ‘combativas’ – de diferentes grupos
sociais que buscam manifestar ideias, projetos e lutas por meio da comunicação. (PERUZZO,
2004 apud WOITOWICZ; PEDRO, 2010, p. 1). Desse modo, o alternativo teria o papel de
gerar mensagens com concepções diferentes ou opostas às difundidas pelos meios dominantes
ou hegemônicos. E, mais do que isso, tais produções alternativas reforçam a liberdade de
expressão das minorias sociais e do direito de comunicar como parte das lutas pela cidadania.
Assim, para além de uma lógica meramente instrumental, a mídia ocupa um lugar
central na resistência às múltiplas formas de opressão. A produção midiática das organizações
feministas que compreendem este artigo toma como referência estes aspectos da mídia
alternativa, em que se destaca o papel dos meios como instrumentos de articulação das lutas
das mulheres. (WOITOWICZ; PEDRO, 2010, p. 1).

3.1 Proposta de Pesquisa: problema, justificativa e objetivos

Esta pesquisa tem por objetivo verificar como ocorre o processo de comunicação em
dois blogs de caráter feminista. Para isso, serão analisados os seguintes blogs: o “Blogueiras
Feministas” e o “Blogueiras Negras”; ambos reúnem postagens de mulheres negras feministas
de todo o país. Propõe-se um exercício analítico sobre a rede comunicativa que é gerada a partir
dessas manifestações de mulheres feministas na internet, observando: a periodicidade das
postagens, quem são as autoras envolvidas nas postagens analisadas, se há pontos de contato
entre ambos os blogs, quais são as temáticas mais recorrentes, como os textos são construídos
e os desdobramentos dessas questões.
Considerando que, se por um lado, a imprensa apaga dizeres sobre o feminismo e
evidencia discursos patriarcalistas, as redes sociais virtuais constituem-se como um espaço de
confronto a esses discursos hegemônicos. Isso porque a popularização da internet contribuiu
para fazer circular massivamente discursos de valorização do feminismo. (LIMA, 2013, p.10).
Logo, a nossa pergunta de pesquisa é a seguinte: como se estabelece o processo
comunicacional de brasileiras feministas na internet?
Este trabalho se justifica mediante o potencial das redes sociais para a luta feminista
contemporânea no Brasil. Diante disso, pode-se dizer que os blogs feministas, neste contexto,
constituiriam uma forma de ativismo que integra as lutas do movimento. Logo, “torna-se
importante refletir sobre as produções midiáticas existentes e projetar a necessidade de pensar
a mídia alternativa como um espaço de mobilização, visibilidade e fortalecimento das demandas
feministas”. (WOITOWICZ; PEDRO, 2010). Quanto aos objetivos da pesquisa em andamento,
o objetivo geral é analisar como ocorre o processo comunicacional em dois blogs feministas
brasileiros.6 Os objetivos específicos são: (1) identificar os discursos textualmente articulados
nas postagens dos blogs, a partir das escolhas lexicais; (2) examinar que representações sobre
o feminismo constroem os discursos protagonistas; (3) analisar como essas representações
reproduzem ou contestam relações de poder.

3.2 Objetos de pesquisa

Quanto aos objetos de pesquisa, foram selecionados dois blogs:

3.2.1 BLOGUEIRAS FEMINISTAS

O “Blogueiras Feministas” surgiu durante o primeiro turno das eleições de 2010. Uma
das idealizadoras do projeto enviou um e-mail para várias colegas feministas com o objetivo de
colher opiniões sobre questões políticas relacionadas à mulher. As conversas por e-mail foram
tão produtivas que uma outra mulher decidiu criar um grupo de discussão, onde feministas
poderiam trocar informações e debater sobre assuntos diversos. O grupo cresceu e surgiu a
necessidade de se criar um blog, para espalhar suas ideias e mostrar o quanto o feminismo é um
movimento plural. Elas defendem o seguinte:

6 “Blogueiras Feministas” e “Blogueiras Negras”.


Este blog existe porque queremos vivenciar na rede a experiência de
ser feminista. Escrever posts, apontar manifestações do machismo na
sociedade, twittar, fazer vídeos, publicar fotos, organizar
manifestações nas ruas e na rede, entre outras formas de espalhar essa
ideia de que ainda tem muita coisa para mudar nas relações entre
homens e mulheres. Por outro lado, tem a ver com uma reflexão
constante sobre a nossa própria vida, sobre como a gente pode
enfrentar as nossas contradições, como a gente constrói as nossas
relações com mais autonomia e liberdade. (BLOGUEIRAS
FEMINISTAS, s/p).

O “Blogueiras Feministas” traz 12 seções: (1) Comportamento e Relacionamentos; (2)


Cultura e Mídia; (3) Direitos Humanos e Inclusão Social; (4) Educação e História; (5)
Feminismo e Movimentos Sociais; (6) Gênero e Diversidade; (7) Política e Estado; (8) Raça e
Etnia; (9) Saúde e Corpo; (10) Sexismo e Violência: (11) Sexo e Sexualidade; (12) Trabalho e
Economia. As publicações foram feitas, em sua maior parte, até o ano de 2020. São textos
produzidos por colaboradores. É o caso, por exemplo, do artigo “10 anos de Blogueiras
Feministas: minha trajetória e minha identidade”, na seção “Cultura e Mídia”, assinado por
Priscilla Brito para as Blogueiras Feministas, publicado em 29 de outubro de 2020. Ela destaca
a importância do blog para o movimento feminista no Brasil por ser um espaço de debate
baseado na pluralidade de ideias. Brito (2020) afirma que o seu primeiro contato com o Blog
em 2010, quando foi a São Paulo, contribuiu para a sua formação feminista e a para a sua
atuação política e profissional e nas reflexões sobre o que é “ser mulher e ser feminista”. Ela
cita a importância depois para entender os movimentos que eclodiram no país como a Marcha
das Vadias, em 2011.

(...) Logo depois, em 2011, aconteceu a primeira Marcha das Vadias. O


movimento que nasceu no Canadá encontrou um terreno fértil para a
proliferação no Brasil. No país que tem o movimento feminista que
mais teve conquistas num período histórico relativamente curto, ainda
havia muito o que lutar. Da Constituinte à aprovação da Lei Maria da
Penha foram menos de 20 anos. Mas as mulheres ainda eram (e são)
sistematicamente assassinadas, estupradas e assediadas.
Se a aprovação da Lei Maria da Penha havia sido um marco no
reconhecimento da violência doméstica como um problema social,
ainda havia muito o que avançar no debate sobre as diversas formas de
violência a que uma mulher está sujeita. E incluindo a maior delas, que
é a interdição da decisão sobre levar ou não uma gravidez adiante. De
ser assediada e violentada por ser mulher. Muitas de nós ocupamos as
redes com o Blogueiras Feministas e as ruas com a Marcha das Vadias.
O Blogueiras Feministas, assim como a Marcha das Vadias, atravessa
a minha trajetória e faz parte da minha identidade, mas é também o
espaço de debate mais aberto que a minha geração formulou. Se hoje
construo o projeto da Universidade Livre Feminista é porque em
algum momento, o grupo de blogueiras feministas me mostrou que a
potência do feminismo é justamente a capacidade de sistematizar
pensamentos a partir de um debate plural. Com o grupo aprendi que
o feminismo precisa produzir espaços de acolhimento e elaboração
que subvertam a lógica das redes moldadas para transformar tudo em
produto (BRITO, Priscilla. Blogueiras Feministas, 29 de outubro de
2020). 7

Em 18 de fevereiro de 2019, na seção “Gênero e Diversidade”, o texto é assinado por


Ana Flor para o Blog. Ela escreve o artigo “O Carnaval está chegando e travesti não é bagunça!
”, em que afirma que, apesar de carnaval ser uma festa que potencializa a sexualidade, em todos
os sentidos, ao mesmo tempo pode gerar atitudes preconceituosas de determinados grupos. Ela
chama a atenção para que as minorias, como as travestis, devem ser respeitadas. “Assim como
todas as outras pessoas, cada uma dentro de suas especificidades, as meninas devem ser
respeitadas. A necessidade em escrever esse texto já nos deixa o alerta que, constantemente,
vemos nos veículos midiáticos brasileiros que as travestis sofrem violências
transfóbicas durante os dias de festa” (ANA FLOR, BLOGUEIRAS FEMINISTAS, 18 de
fevereiro de 2019). 8
Em função da falta de mobilizações decorrentes até mesmo das dificuldades geradas
pela onda conservadora do governo Bolsonaro, o Blogueiras Feministas teve as suas últimas
publicações no dia 10 de março de 2021. Não há no blog mais informações sobre os motivos
da suspensão das atividades, mas os textos até então continuam disponíveis para a consulta.

3.2.2 BLOGUEIRAS NEGRAS

Além de nos anos 2000 ter começado, pela primeira vez na história do país, a
institucionalização da agenda da promoção da igualdade racial na esfera governamental, este
período também passou pela ascensão das redes sociais e do surgimento dos blogs feministas,
sendo um deles o “Blogueiras Negras”. Trata-se de um projeto nascido em março de 2012,
mais precisamente, no dia 8, Dia Internacional da Mulher. O blog busca fazer referenciar as

7 BRITO, Priscilla. 10 anos de Blogueiras Feministas: minha trajetória e minha identidade. Blogueiras Feministas.
29 de outubro de 2020. Disponivel em https://blogueirasfeministas.com/2020/10/29/blogueiras-feministas-
trajetoria-e-identidade/#more-25261. Acesso em 10 de outubro de 2022.
8 FLOR, Ana. O Carnaval está chegando e travesti não é bagunça! Blogueiras Feministas. 18 de fevereiro de 2019.

Disponível em https://blogueirasfeministas.com/2019/02/18/o-carnaval-esta-chegando-e-travesti-nao-e-
bagunca/#more-25116. Acesso em 10 de outubro de 2022.
mulheres de ascendência Africana e aquelas que se identificam com o feminismo e a luta
antirracista das mulheres negras. O blog é uma comunidade online com mais de 1.300 mulheres
leitoras, 200 autoras e produz um conjunto de informações atualizadas cinco vezes por semana.
O Blog traz como texto de abertura um convite sobre as motivações da criação do espaço
assinado por Clarô Nunes.
Somos mulheres negras e afrodescendentes. Blogueiras com estórias de vida e campos
de interesse diversos; reunidas em torno das questões da negritude, do feminismo e da produção
de conteúdo. Sujeitas de nossa própria estória e de nossa própria escrita, ferramenta de luta e
resistência. Viemos contar nossas estórias, exercício que nos é continuamente negado numa
sociedade estruturalmente discriminatória e desigual.
O racismo institucional e o mito da meritocracia garantem a distribuição
nada democrática dos serviços de saúde e educação promovendo o adoecimento físico e
emocional da população negra e afrodescendente; impedindo o acesso à tecnologia, aos
recursos naturais e financeiros, aos espaços de poder como universidades e cargos de
chefia. Desde a assinatura da lei áurea (grafada em minúscula de propósito) fomos condenados
à subcidadania e marginalização.
Porém é a invisibilidade que naturaliza o racismo em suas diversas modalidades. Não
estamos nas capas de revista, nas bancadas dos jornais, nos laboratórios, nos cargos políticos. E
apesar de algumas conquistas, ainda somos sub-representadas e estereotipadas nos discursos de
beleza e moda. Prevalece o desinteresse em mostrar nossos rostos, nossos corpos, as questões
que nos afetam, as tradições e manifestações culturais que nos representam.
Não por acaso, temos em nossa origem a Blogagem Coletiva Mulher Negra cujo
objetivo foi a aproximação de discussões acerca do Dia da Consciência Negra e do Dia
Internacional da Não Violência Contra a Mulher. O sucesso do projeto revelou não somente
a existência de um grupo de blogueiras negras e afrodescendentes escrevendo muito bem e
muito; mas também a necessidade de criarmos espaços de visibilidade para produção tão
significativa.

(...) Como espaço de discussão, festejaremos nossa afroascendência.


Ressignificaremos o universo feminino afrocentrado através do
registro das nossas histórias, nossas teorias e sentimentos.
Escrevendo, gravando e produzindo, construindo nossa própria
identidade como mulheres negras e afrodescendentes. Mulheres de
pena e teclado, reinventando a tela para que amplifique nossas vozes
(CHARÔ NUNES, BLOGUEIRAS NEGRAS, 2013).
3.3 Percurso Metodológico

Serão adotados como procedimentos metodológicos: (1) Pesquisa bibliográfica; (2)


Pesquisa documental; e (3) Análise Crítica do Discurso.

3.3.1 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA

Antônio Carlos Gil (1995) explica que a pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir
de material já elaborado, constituído principalmente de livros, artigos científicos, teses,
dissertações e monografias. Apesar de que, em quase todos os estudos, é exigido algum tipo de
trabalho desta natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes
bibliográficas. O autor, a principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir
ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que
poderia pesquisar diretamente. É também indispensável nos estudos históricos. Em muitas
situações, não há outra maneira de conhecer os fatos passados senão com base em dados
secundários. Para a presente pesquisa, foram definidos os seguintes eixos temáticos: (a)
Comunicação, Gênero e Interseccionalidade; (b) Internet, Blogosfera e Feminismo.

3.3.2 PESQUISA DOCUMENTAL

Quanto à pesquisa documental, Antônio Carlos Gil afirma que muitos dados
importantes na pesquisa social provêm de fontes de “papel”: arquivos históricos, registros
estatísticos, diários, biografias, jornais, revistas etc. As fontes de “papel” muitas vezes são
capazes de proporcionar ao pesquisador dados suficientemente ricos para evitar a perda de
tempo com levantamentos de campo, sem contar que em muitos casos só se torna possível a
investigação social a partir de documentos. Como são em grande número, citamos os principais:
os registros estatísticos, os documentos escritos e a comunicação de massa e digital. Hoje,
principalmente, com a capacidade de armazenamento da internet, tornou-se uma rica fonte
documental. Por exemplo, um aluno que queira ter acesso a programas televisivos, mas na
época não gravou. Há grandes chances de encontrá-los, dependendo do tempo que se passou,
na internet, em algum portal. O mesmo ocorre com blogs, como “Blogueiras Feministas” e
“Blogueiras Negras”, que serão analisados nesta pesquisa. Para a presente pesquisa, pretende-
se coletar dez postagens de cada blog supracitado. Após isso, será feita uma análise dos
conteúdos expressos nas mensagens, o que possibilitará verificar o posicionamento do
‘blogueiro’ diante de determinados assuntos, permitindo avaliar a forma de atuação dos dois
blogs.
Para a análise, é importante criar categorias para classificar o formato, tornando possível
um agrupamento dos dados e a indicação de tendências. As categorias de análise são
apresentadas a seguir:

1 - Análise do conteúdo das mensagens: Uma mensagem poderá ser informativa direta,
informativa indireta, opinativa, irônica, propositiva, conter uma avaliação moral, uma avaliação
crítica ou um posicionamento político;
2 - Hipertextualidade das mensagens: Os links para outros sites são importantes, pois
permitem que os usuários tenham acesso a outras informações, como também possibilita ao
autor fazer referência a outros acontecimentos, indicar leituras e distintas fontes de informações
por meio das conexões da rede. O número de links para outros blogs é um indicador de
hipertextualidade, pois dentro da cultura dos blogs é muito comum os ‘blogueiros’
referenciarem-se, criando um debate que ultrapassa os limites do blog e envolve um amplo
número de participantes;
3 - Temas abordados e comentários: Também serão monitorados os temas principais, os
subtemas das mensagens e o número de comentários que recebeu. Este estudo permite
identificar a agenda do blog e verificar quais são os temas que despertam o maior número de
comentários.

3.3.3 ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO (ACD)

A partir do lançamento de um trabalho teórico dos britânicos Roger Fowler, Bob Hodge
e Gunther Kress, em 1979, intitulado Language and Control, nasce a Análise Crítica do
Discurso, doravante ACD, que é denominada assim porque “tenta revestir-se de uma prática
social transformadora da sociedade, dando aos analistas um relevante estatuto de interventor
social por meio de seu trabalho de análise.” (MELO, 2009, p. 9). Em outros termos, Melo (2009,
p. 9) pondera, de modo claro e sumarizado, que a ACD é “uma forma de investigação das
formações discursivas que engendram as relações de poder, as representações e identidades
sociais e os sistemas de conhecimento e crença”.
A ACD caracteriza-se como sendo uma abordagem teórico-metodológica da linguagem
na modernidade que, nutrida nas Ciências Sociais, volta-se para os modos como a linguagem
figura na vida social e apresenta um conjunto de métodos para a análise linguística de dados
empíricos, entendendo o texto (escrito, oral, visual) como unidade mínima de análise. Ademais,
a ACD se propõe a investigar criticamente a desigualdade social como é expressa, indicada,
constituída, legitimada, pelos usos da linguagem. Trata-se de “uma forma de análise de discurso
e texto que reconhece o papel da linguagem na estruturação das relações de poder na
sociedade”. (WODAK, 2003).
Wodak (2003, p. 35) elenca algumas premissas da ACD, que são articuladas em Kress
(1989), são elas: I) a linguagem é um fenômeno social; II) não apenas indivíduos, mas também
instituições e grupos sociais com significados e valores específicos que são expressos
sistematicamente por meio da linguagem; III) os textos são unidades relevantes da linguagem
na comunicação; IV) leitores ou ouvintes não são destinatários passivos em seu relacionamento
com textos; V) existem semelhanças entre a linguagem da ciência e a linguagem das
instituições.
Na presente pesquisa, o foco de interesse é a abordagem de ACD desenvolvida por
Norman Fairclough, que defende a articulação entre a Linguística e a Ciência Social Crítica.
Não pretendemos, de forma alguma, restringir a ACD ao trabalho de Fairclough; pelo contrário,
trata-se de, reconhecendo a heterogeneidade, perceber, também, a necessidade de um foco
específico para o desenvolvimento de pesquisas. A vertente desenvolvida pelo linguista
britânico Norman Fairclough apresenta “um método enquadrado que o autor concebe como
Teoria Social do Discurso, pois para ele, a ACD é uma forma de analisar as relações entre o
discurso e outros elementos da prática social.” (MELO, 2009, p. 12).
Este trabalho segue a proposta teórico-metodológica elaborada por Fairclough (2001),
na obra Discurso e Mudança Social, que propõe um modelo tridimensional de análise,
contemplando a investigação das dimensões da prática textual, da prática discursiva e da prática
social. Nesse sentido, “os textos, as práticas discursivas e as práticas sociais consistem nas
principais dimensões a serem investigadas em nossa análise, pois consideramos que o discurso
é construído e gera sentidos a partir dessas dimensões”. (RESENDE; RAMALHO, 2006, p. 58).
Esse modelo tridimensional está presente no capítulo intitulado “Teoria social do
discurso” e visa “reunir a análise orientada linguisticamente e o pensamento social e político
relevante para o discurso e a linguagem” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 89). Ainda, de acordo com
Fairclough (2001, p. 89), essa abordagem está voltada para uma investigação da mudança
discursiva em sua relação com a mudança social e cultural.
A ACD, como pode ser visto em Fairclough (2001, p. 90), propõe considerar o uso da
linguagem como “forma de prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo
das variáveis situacionais”. Nesse sentido, segundo Araújo (2004), o significado é produzido
não por vontade de um sujeito unitário, não por determinação do sistema linguístico ou por
relações socioeconômicas, mas por intermédio de sistemas de poder/conhecimento que são
impostos pelas instituições sociais, que organizam textos e que criam as condições de
possibilidade para diferentes atos linguísticos.
Tais colocações, conforme Fairclough (2001, p. 91), apontam para a necessidade de
distinguir alguns aspectos constitutivos do discurso. Primeiramente, o discurso é um modo de
ação e de representação, isto é, por meio do discurso as pessoas agem sobre o mundo e sobre
os outros, mas também representam o mundo e as outras pessoas por meio de determinados
pontos de vista. Ademais, visualizar o discurso como prática social implica “uma relação
dialética entre o discurso e a estrutura social”. Segundo Fairclough (2001, p. 92), essa relação
dialética é necessária para evitar algumas ênfases indevidas: “de um lado, na determinação
social do discurso e, de outro, na construção social do discurso”.
A ACD de Norman Fairclough é “baseada na suposição de que a língua é uma parte
irredutível da vida social dialeticamente conectada a outros elementos de vida social, de forma
que não se pode considerar a língua sem levar em consideração a vida social” (FAIRCLOUGH,
2003, p. 3). Assim sendo, Fairclough (2003, p. 4) afirma que percebe a análise de discurso como
algo que oscila entre um foco em textos específicos e um foco naquilo que ele chama de “ordem
de discurso”. De acordo com o autor, ordem de discurso é a organização e o controle social da
variação linguística, e os seus elementos (discursos, gêneros, estilos) são, correspondentemente,
categorias não puramente linguísticas, mas que fazem o corte através da divisão entre
linguagem e ‘não-linguagem’, entre o discursivo e o não-discursivo. (FAIRCLOUGH, 2003, p.
16).
Ao retomar o enquadramento dos estudos discursivos críticos, salientamos que esta
pesquisa assume caráter emancipatório e posicionado, e abarca não apenas a descrição
linguística de um texto, mas, também, os traços linguístico-discursivos constituídos nele, que
revelam formações e posicionamentos ideológicos.
Conforme Fernandes (2014, p. 94), sob forte influência da linguística sistêmico-
funcional (LSF), o texto é visto como “detentor de traços e pistas de rotinas sociais que, muitas
vezes, passam despercebidas em consequência do processo de naturalização”. Investigar como
a linguagem atua na vida social possibilita entrever a “universalização e a naturalização de
discursos e de interesses particulares e a vinculação de textos particulares e certas ideologias.”
(VIEIRA; MACEDO, 2018, p. 68).
Fairclough (2003, p. 14) afirma que os agentes sociais tecem textos e configuram
relações entre elementos de textos. Além disso, o autor menciona a presença de algumas
limitações estruturais nesse processo, por exemplo, a gramática (natural) de uma língua permite
certas combinações e ordenamentos de formas gramaticais e não outras; e se o evento social é
uma entrevista, há convenções de gênero que a organizam. Apesar disso, Fairclough (2003, p.
14) salienta que “os agentes sociais têm grande amplitude de liberdade na composição e na
tecitura dos textos”. Resende e Ramalho (2006, p. 29), agrupam as categorias analíticas
propostas em Discurso e Mudança Social para cada uma das dimensões da Análise de Discurso:
Na dimensão intermediária, temos a prática discursiva, que “focaliza os processos
sociocognitivos de produção, distribuição e consumo do texto, processos sociais relacionados
a ambientes econômicos, políticos e institucionais particulares” (RESENDE; RAMALHO,
2006, p. 28). Nesta dimensão, Fairclough (2001) propõe a investigação de textos no que se
refere à produção, à distribuição e ao consumo destes, analisando aspectos como força
ilocucionária, coerência, intertextualidade e interdiscursividade. Nesta dimensão, busca-se
responder às seguintes questões de caráter sociocognitivo: “Quem escreve?”, “Para quem?”,
“Em quais circunstâncias?”, e “Por quê?”.
Quanto ao desenvolvimento do processo de investigação da prática social, os autores
Chouliaraki e Fairclough (1999) desenvolveram um enquadre baseado em etapas para análise
em ACD: a primeira etapa consiste no reconhecimento de um problema que, em geral, baseia-
se em relações assimétricas de poder; a segunda corresponde à identificação de obstáculos que
dificultam a superação do problema; a terceira equivale à função do problema na prática, isto
é, qual o papel do problema dentro das práticas discursivas e sociais; a quarta etapa consiste na
identificação de possíveis maneiras de superar o problema; por fim, a quinta e última etapa
estabelece que toda pesquisa em ACD deve realizar uma reflexão sobre a análise.
Em síntese, com a ADTO, Fairclough (2001) entende qualquer evento discursivo como
simultaneamente um texto, uma prática discursiva e uma prática social. Logo, “temos a
dimensão da análise linguística, da análise do processo interacional e da análise de
circunstâncias organizacionais e institucionais da sociedade” (MELO, 2009, p. 13).

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Capítulo 2

Era Digital e Discurso de Ódio:


um estudo sobre os ataques às candidaturas femininas nas eleições de 2020

Isabella Mudesto Dias Costa (UFJF)

1. INTRODUÇÃO: PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA FEMININA

A ascensão da figura feminina no campo da política pode ser considerada um grande


avanço no século XXI, apesar de estar longe de atingir uma representatividade que se aproxime
do poder que os homens ainda têm nessa esfera. Segundo o mapa de mulheres na política criado
pela União Interparlamentar e pela ONU Mulheres, o Brasil ocupa a 140ª posição num ranking
de 193 países. Enquanto as mulheres representam 51,8% da população, ocupam apenas 14,6%
das cadeiras da Câmara dos Deputados. Dos 513 parlamentares, apenas 75 são mulheres. Na
eleição de 2022, houve uma pequena ampliação, subindo para 91 deputadas federais, mas, desse
total, 21 são esposas ou ex-esposas de políticos, o que aponta para um vínculo marcado pelo
patriarcalismo. Para os governos de estado, foram eleitas apenas duas governadoras – Fátima
Bezerro (PT) em Piauí e Raquel Lyra (PSDB) em Pernambuco, o que representa 7,40% apenas.
Com base no repositório de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres
representam 51,8% da população e mais de 52% do eleitorado brasileiro, mas ainda são minoria
na política. No total, as mulheres representaram 33,6% das candidaturas nas eleições de 2020,
mas a taxa de eleitas não chega à mesma proporção. No primeiro turno, foram 651 prefeitas
eleitas (12,1%), contra 4.750 prefeitos (87,9%). Apenas 9 mulheres foram eleitas prefeitas de
96 cidades (capitais 70 municípios com mais de 200 mil eleitores e nos quais é possível haver
2º turno). O número representa 9% de participação feminina no bloco. No Brasil inteiro, o
percentual é de 12%. Ou seja, a cada 100 prefeituras, 12 são comandadas por mulheres. Focando
no segundo turno, que aconteceu em 57 cidades, das 19 em que havia mulheres na disputa, sete
venceram.
Não bastasse a significativa desigualdade, as candidatas também enfrentam outros
adversários na era digital. Em pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UNB), a
violência de gênero online costuma se manifestar em forma de pornografia de vingança
(conteúdo sexual ou de nudez), hiper sexualização da mulher, preconceito e propagação de
estereótipos negativos.
As eleições de 2020 foram peculiares, devido ao contexto da pandemia, e se deram mais
online que nunca. Neste contexto, as candidaturas utilizaram de forma mais intensa e criativa
plataformas como Twitter, Facebook e Instagram, assim como aplicativos de mensagens
instantâneas, tais como WhatsApp e Telegram, para publicizar suas ideias e propostas.
Para Giddens (1991), os dispositivos midiáticos tornam-se equipamentos que moldam
a forma com que os indivíduos refletem e formam suas identidades. Dessa forma, emitem
opiniões de acordo com o enquadramento que acham mais correto, o que pode acarretar
efeitos políticos na sociedade. Efeitos, estes, que podem impactar nas candidaturas das
mulheres.
Um estudo da PewResearch, laboratório de estudos que fornece informações sobre
questões, atitudes e tendências que estão moldando os EUA e o mundo, apontou que as
parlamentares têm três vezes mais chances do que seus colegas do sexo masculino de serem
alvo de comentários sexistas nas redes sociais, e que 70% das mulheres classificaram o
assédio online como um “grande problema”, em comparação com 54% dos homens.
Aguiar (2007) garante que por mais que uma rede tenha uma orientação definida, não
há como prever como serão as interações entre os usuários. Cada usuário interpreta o que lhe
é transmitido de acordo com seu meio e sua carga cultural. “As redes sociais, por sua vez,
ultrapassaram o objetivo exclusivo de relacionamento e passaram a ser fonte de pesquisa e
notícias, tendo como atributos a interatividade e participação” (PEREIRA, PINCETA, 2011,
p.36).
O crescente número de conteúdo disponível em várias plataformas, como vídeo,
imagem e textos, além da participação ativa do usuário - pesquisa e difusão das informações
- que torna o espaço cibernético um lugar de falsa sensação de liberdade e poder, segundo
Rüdiger (2013). Com processos facilitadores como estes, as redes sociais ganharam um papel
de impacto na sociedade. Elas transformaram a forma de se relacionar entre as pessoas, o
jornalismo e de se fazer campanha política. Nos últimos dez anos, a presença da mulher na
política passou por significativas mudanças, uma delas foi a eleição da primeira presidenta
em 2011, Dilma Rousseff. Por consequência, ou não, o número de candidatas disputando em
outros segmentos aumentou, gerando uma maior repercussão midiática e mais debates sobre
as mulheres na política (MOREIRA; OLIVEIRA, 2010).
Trazendo para o estudo deste artigo, a eleição presidencial brasileira de 2018, é um
importante ponto de partida. Nesta disputa, houve muito conteúdo ridicularizando e
reprimindo a posição feminina, principalmente, nas redes sociais. Neste período, o ódio e a
intolerância foram elementos bastante difundidos. (AMENDOLA, 2018).
O ódio, geralmente, é associado a sentimento e emoções de cunho negativo, como a
raiva, rancor, ressentimento ou moralmente inferior em relações de poder. Seguindo esta
ideia, o objeto tende a ser indesejável e, por isso, é necessário silenciá-lo ou destruí-lo
(JOHANSEN, 2015). Conforme explicam Ging e Siapera (2019), as manifestações de
misoginia podem ser analisadas como um método ou um conjunto de métodos utilizados, de
maneira consciente ou não, para a manutenção das mulheres em seus “devidos lugares”, os
quais são definidos pelos sujeitos dominantes.
Biroli (2018) aponta cinco dimensões-chave sobre gênero e desigualdades em relação
à subordinação da mulher. São elas: a divisão sexual do trabalho; o cuidado e
responsabilidade; a família e maternidade; o aborto, sexualidade e autonomia; e os
feminismos e atuação política. Trazendo para o nosso estudo, este último item chama a
atenção, o autor ressalta “a política é atualizada como espaço masculino” (p.172).
A luta da mulher por representatividade é de longa data e parece, na experiência das
democracias eleitorais, que a conquista do voto feminino foi insuficiente para eliminar a
assimetria entre homens e mulheres nos cargos públicos. Além de ter que enfrentar o
machismo estrutural, a mulher, hoje, também precisa enfrentar as fake news e os discursos de
ódio proferidos em suas redes sociais. Diante disso, é possível indagar: o ódio às mulheres
no poder ou na posse de suas participações políticas se origina do ódio às mulheres? De que
maneira o gênero aparece como elemento associado ao discurso de ódio dirigido às
candidatas?

2. REDES SOCIAIS E O DISCURSO DE ÓDIO

Em seu livro “Redes Sociais na Internet”, Raquel Recuero (2009) conceitua o


mecanismo das redes sociais e seus usuários:

Uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos:


atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas
conexões (interações ou laços sociais) (Wasserman e Faust, 1994;
Degenne e Forse, 1999). Uma rede, assim, é uma metáfora para
observar os padrões de conexão de um grupo social, a partir das
conexões estabelecidas entre os diversos atores. A abordagem de rede
tem, assim, seu foco na estrutura social, onde não é possível isolar os
atores sociais e nem suas conexões. (RECUERO, 2009, p.24)
E é neste palco composto por estes dois elementos citados por Recuero, que acontecem
as discussões, que têm causado consequências diretas na realidade de algumas pessoas. Amigos
de infância estão brigando, excluindo um ao outro do convívio pela internet e até da relação
pessoal. E os reflexos estão também no ambiente familiar. O discurso de ódio relacionado à
política já se tornou rotina nas redes sociais. Cada usuário é um enunciador, que protagoniza
discussões sem limites.
Política instiga e movimenta as pessoas - talvez por envolver tantos interesses. As
pessoas não se prenderam somente ao discurso político como também ao de ódio. Esse jogo
envolve pessoas com culturas e ideias diferentes, mas que procuram igualmente a essência de
se fazer presente e representado. As discussões sobre política são movidas pela persuasão, em
que muitas vezes o respeito e a tolerância são esmagados pelos argumentos baseados no
egocentrismo. O discurso de ódio é protagonizado por pessoas – regidas por sentimentos – que
tentam convencer a todos que aquilo que acreditam é a verdade absoluta.
Não há ainda no Brasil uma legislação específica em relação ao discurso de ódio. Mas
é necessário ressaltar que a Constituição Federal de 1988 garante a igualdade dos indivíduos
perante a lei e a proteção legal contra a discriminação, desta maneira, a Constituição não impede
o preconceito e a discriminação de qualquer natureza, ela pune este tipo de injúria e protege os
indivíduos que dele sejam alvo.
Autores como Arthur Lupia e Mathew McCubbins (2000) explicam que o nível de
conhecimento sobre os processos políticos da população reflete em discussões sem fundamento,
marcadas por discurso de ódio. Além disso, as pessoas tendem a optar por informações mais
fáceis, sem preocupação com veracidade, inteirando-se apenas daqui que é transmitido pelas
pessoas próximas. Atitudes como estas deixam claro que os usuários não irão clicar e ler uma
matéria, a facilidade – como comentários – serão a base de todo o seu conhecimento sobre o
assunto, neste caso, o político.
Atualmente, quando há opiniões divergentes, um internauta sente-se no direito de
rechaçar o outro, através de argumentos ofensivos e preconceituosos. O efeito disso acaba por
tornar cada vez mais intolerante o diálogo e o ambiente entre pessoas opostas politicamente e
ideologicamente. “Não importa se é progressista ou conservador: sempre terá alguém para
aplaudir - ou melhor, curtir e compartilhar – minhas posições” (CALIXTO, 2015, P. 6).
Douglas Calixto (2015), com base em Paulo Freire, explica que o diálogo é muito mais do uma
exposição de argumentos:
Quando tratamos do conceito diálogo buscamos a referência de Paulo
Freire, que afirma que esse processo é fruto do encontro entre
cidadãos que, “mediatizados pelo mundo, o pronunciam e o
transformam e, assim fazendo, humanizam o mundo para a
humanização de todos” (Freire, 2002, p.43). Ou seja, não se entende
diálogo como o ato de alguém falar para outro ouvir, pelo contrário,
são os atores sociais, protagonistas de suas experiências, trocando
consciências e transformando a sua realidade (CALIXTO, 2015, p.6).

Citelli (2000) ressalta que só há diálogo a partir do momento quando as pessoas


compreendem os códigos da linguagem e chegam em um consenso. Dominique Wolton (2010)
explica que esta falta de compreensão no diálogo torna a comunicação superficial e confusa, e
acaba por facilitar a intolerância diante das discussões entre os interlocutores. O autor ainda
afirma que a comunicação é mais importante que a informação, já que a primeira envolve
convivência e troca entre culturas diferentes. Ainda sobre o discurso de ódio, para Jean-Pierre
Lebrun (2008), o ódio em relação ao outro resulta da cultura imediatista, característica da pós-
modernidade.
Assim, primeiramente, cabe conceituar o que seriam discursos de ódio, segundo Leal
da Silva et al, como uma manifestação segregacionista, baseada na dicotomia superior (emissor)
e inferior (atingido) e passa a existir quando é dada a conhecer por outro que não o próprio
autor começando pela externalidade. A existência do discurso de ódio, assim como toda
expressão discursiva, exige a transposição de ideias do plano mental (abstrato) para o plano
fático (concreto). Os autores explicam que discurso não externado é pensamento, emoção, e
não causa dano algum a quem porventura possa ser seu alvo, já que a ideia permanece na mente
de seu autor.

3. ÓDIO AO PODER DAS MULHERES

Simone de Beauvoir (1980), em sua obra “O segundo sexo”, critica a ideologia machista
e patriarcal. A autora afirma que as expressões masculino e feminino são utilizadas de forma
simétrica apenas como uma questão de formalidade. Segundo Beavouir (1980), de fato, a
relação dos dois sexos não é bem como a de dois pólos elétricos, pois o homem representa tanto
o positivo e o neutro, como é indicado pelo uso comum de homem para designar seres humanos
em geral; enquanto a mulher aparece somente como o negativo, definido por critérios de
limitação, sem reciprocidade.
No ataque ao gênero, é marcante a marginalização das mulheres. Enquanto os homens
possuem características, como a força, a agressividade e o domínio, as mulheres são vinculadas
à fraqueza e à passividade. Segundo Perry (2001) e Ahmed (2014), este tipo de violência de
gênero busca intimidar e controlar as mulheres, e isso não se restringe a somente uma e sim a
todas, mesmo que não atingidas diretamente.
Adriana Wagner (2005) explica que estas características são formadas a partir do que é
estipulado como pertencente a cada gênero:

A dicotomia entre papéis femininos e masculinos leva-nos a pensar


no fato de que, desde que nasce, o ser humano é inserido em uma
história preexistente. Como legado social, ele recebe uma série de
informações sobre o que é esperado que faça, de acordo com as
características do grupo ao qual pertence. Constantemente, ele é
separado em categorias, sejam sexuais, econômicas ou raciais,
sugerindo, em outros aspectos, que uns são mais aptos que outros para
desempenhar determinadas funções (WAGNER, 2005, p.7).

O ódio às mulheres é marcado por hostilidades, principalmente quando não se adequam


aos padrões considerados ideais:

Pode-se afirmar, por conseguinte, que a violência de gênero constitui


as bases da sociedade patriarcal, contendo algumas diferenciações ao
longo do tempo. Se, desde o século XV, queimavam-se as “bruxas”
nas fogueiras, hoje, ativistas do Movimento pelos Direitos dos
Homens, por exemplo, estão unidos em seu ódio contra as mulheres
nos discursos veiculados na web (LOPES, 2020, p.11)

As mulheres que mais sofrem ataques de ódio são as que estão, geralmente, em posição
de referência, como jornalistas, influenciadoras, líderes feministas e políticas. E quando se trata
do último item citado, o problema ganha profundos impactos, conforme analisa Siapera (2019).
Na sua concepção, os prejuízos são diretamente voltados para os locais em que se considera
que o futuro está sendo formado e sendo decidido e para os indivíduos que participam
ativamente dessa construção. Dessa forma, conforme Siapera (2019), coibi-las e proibi-las de
estarem livres é, também, restringir ou negar as múltiplas possibilidades de existência e o
controle sobre o horizonte das mulheres.
Todo o discurso de ódio, calculado e intencional, tem como objetivo demarcar território,
é como se a mensagem a ser transmitida fosse: “mulher, aqui não é seu lugar. Política é para os
homens”. E isso é, diariamente, de forma sutil inserido culturalmente no cotidiano das pessoas,
fazendo com que a voz feminina não tenha alcance e nem projeção.
Com base no repositório de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres
representam 51,8% da população e mais de 52% do eleitorado brasileiro, mas ainda são minoria
na política. No total, as mulheres representaram 33,6% das candidaturas nas eleições de 2020,
mas a taxa de eleitas não chega à mesma proporção. No primeiro turno, foram 651 prefeitas
eleitas (12,1%), contra 4.750 prefeitos (87,9%). Apenas 9 mulheres foram eleitas prefeitas de
96 cidades (capitais 70 municípios com mais de 200 mil eleitores e nos quais é possível haver
2º turno). O número representa 9% de participação feminina no bloco. No Brasil inteiro, o
percentual é de 12%. Ou seja, a cada 100 prefeituras, 12 são comandadas por mulheres. Focando
no segundo turno, que aconteceu em 57 cidades, das 19 em que havia mulheres na disputa, sete
venceram.
Destas sete, 3 são de Minas Gerais: Margarida Salomão (Partido dos Trabalhadores) em
Juiz de Fora, Elisa Araújo (Solidariedade) em Uberaba e Marília Campos (Partido dos
Trabalhadores) em Contagem.
Em pesquisa realizada pela MonitorA, uma parceria da revista Azminas e do
InternetLab, de setembro a novembro de 2020, as redes sociais (Twitter, Instagram e YouTube)
de 175 candidaturas, homens e mulheres, para cargos de vereança, vice-prefeituras e
prefeituras. Os dados coletados revelam o preconceito contra as mulheres. “Ser mãe. Ser uma
mulher preta. Ser feminista. Ter mais de 60 anos e continuar atuando politicamente. Ser lésbica.
Nenhuma dessas características versa sobre a capacidade dessas mulheres de 71 assumirem
cargos públicos de poder. Mas foram esses os alvos dos ataques que candidatas de Minas Gerais
receberam nas redes sociais durante o primeiro turno da campanha (MONITORA, Revista
AzMINAS, 2020, p.70)

4. DISCURSO DE ÓDIO COMO ADVERSÁRIO POLÍTICO

Nas eleições municipais de 2020, a violência política direcionada às mulheres foi


marcante nas redes sociais. O cenário constituiu-se por ameaças, discursos de incitação à
violência e ódio, desmerecimento intelectual, críticas a seus corpos, idade e pertencimento
étnico-racial, e, quanto às mulheres trans, negação de sua identidade de gênero. O estudo
apresentado pela MonitorA apontou que, em comparação aos homens, elas foram atacadas por
aquilo que são – mulheres, negras, idosas, trans - enquanto os candidatos que receberam ataques
foram ofendidos majoritariamente por suas atuações profissionais, como políticos e gestores
públicos – com exceção de idosos e LGBTQA+, que também foram alvo de ódio e agressões
por essas características. A imagem abaixo traz a diferença nos termos utilizados para ofender
homens e mulheres.

Figura 1
Termos usados no Twitter como expressões ofensivas na eleição de 2020

Fonte: Revista AzMinas, 2020

Compreender de que forma a violência política se insere na Internet durante as eleições


municipais de 2020 requer a identificação de gênero, mas também como ela se dá, seguindo,
talvez, marcadores sociais da diferença, a partir de uma perspectiva interseccional. Na Figura
2, os termos mais utilizados, dentro desta perspectiva que vai além do gênero.
Figura 2
Expressões de ódio na eleição de 2020

Fonte: Revista AzMinas, 2020

Os dados coletados da pesquisa serão analisados através da Análise de Conteúdo, que


consiste em uma metodologia aplicada em discursos de diferentes esferas. Esta ferramenta teve
origem nos Estados Unidos, em um período denominado behavorista – uma das três principais
correntes da psicologia, juntamente com a psicologia da forma e psicanálise. Neste período os
governos possuíam interesse em compreender as orientações políticas e estratégicas dos países
estrangeiros, com o auxílio dos meios de comunicação, como a imprensa e o rádio (PEREIRA,
2014).
A análise de conteúdo passou a ter duas funções – a heurística e a de administração de
prova. A primeira baseia-se em um esforço exploratório com foco em descobertas, e a segunda
tem como ponto de partida hipóteses para chegar a uma conclusão (BARDIN, 2008). Isso quer
dizer que o analista comprova, através de procedimentos na comunicação, as hipóteses
levantadas. Ainda segundo Bardin (2008), a análise de conteúdo busca colocar em ordem
categorias relacionadas ao objeto de estudo:

Imagine-se um certo número de caixas, tipo caixas de sapatos, dentro


das quais são distribuídos objetos, como por exemplo, aqueles,
aparentemente heteróclitos, que seriam obtidos se pedisse às
passageiras de uma carruagem de metro que esvaziassem as malas de
mão. A técnica consiste em classificar os diferentes elementos nas
mais diversas gavetas segundo critérios suscetíveis de fazer surgir um
sentido capaz de introduzir alguma ordem na confusão inicial;
(BARDIN, 2008, p.39)

Neste trabalho, analisamos o comportamento das pessoas nas redes sociais nas
postagens das três prefeitas eleitas em Minas Gerais, nos municípios com mais de 200 mil
eleitores.

3.1 Juiz de Fora

Margarida Salomão, do PT, foi eleita a primeira mulher prefeita na história de Juiz de
Fora. Ao fim da apuração, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Margarida teve
144.529 votos (54,98%). Passado isso, a prefeita Margarida Salomão anunciou, em suas redes
sociais, a composição da sua equipe:

Figura 3
Comentário contra Margarida Salomão

Fonte: Facebook, Margarida Salomão, 2020


Os usuários, referente ao print screen anterior, utilizam da ironia com jogos de palavras
entre margaridas (nome da candidata e conceito trabalhado na campanha) e adubo (feito de
fezes), com o intuito de diminuir e ressaltar como errônea a ação de composição da prefeita.
Nota-se que ataca o feminino para diminuir a capacidade de gestão da prefeita eleita
democraticamente.

3.2 Uberaba

Elisa Araújo, candidata pelo partido Solidariedade, foi eleita prefeita do município de
Uberaba, Minas Gerais. Ela teve um total de 85.900 votos, correspondentes a 57,36% do total.
Mas parece que sua capacidade como gestora, apesar de eleita, é questionada por pessoas em
comentários em sua postagem de balanço sobre a gestão executada até o momento:

Figura 4
Comentário sobre Elisa Araújo

Fonte: Facebook, de Elisa Araújo

Nota-se um comentário preconceituoso e sexista, que visa limitar, por meio da ironia, o
lugar de atuação da mulher. É comum, em uma sociedade patriarcal, apontar que a mulher
nasceu para cuidar da casa, não para ser política, por exemplo.

3.2 Contagem

Marília Campos (PT) foi eleita para governar Contagem nos próximos quatro anos. A
candidata teve 51,35% dos votos válidos. A prefeita, ao anunciar A entrega do ginásio
poliesportivo na cidade e se “aventurar” no trampolim, recebeu em suas redes sociais o seguinte
comentário:
Figura 5
Comentário de ódio contra Marília Campos (PT)

Fonte: Instagram, Marília Campos, 2020

Mais uma vez, evidencia-se a tentativa de rotular e definir o comportamento feminino.


Em uma sociedade patriarcal, as mulheres precisam seguir normas e posturas estipuladas como
apropriadas para o gênero.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A baixa representatividade feminina nos cargos legislativos e executivos do Brasil


aliada aos discursos de ódio, evidencia que não é possível melhorar a representação feminina
nesses espaços se não houver condições para que as mulheres disputem as eleições e
permaneçam em seus cargos sem temer por suas vidas, ou lidar com as consequências desse
tipo de violência para a saúde psicológica.
A análise dos discursos direcionados a mulheres espelha uma característica comum da
violência política de gênero: as mulheres são alvos de ataques pelo que supostamente são —
características físicas, intelectuais, morais.
As soluções exigem esforços que envolvem os poderes executivo, legislativo e
judiciário, mas também as plataformas de redes sociais – tendo em vista que o ambiente online
é uma oportunidade para que esses ataques ocorram e se espalhem. Por isso, faz-se importante
constantes estudos sobre a temática de gênero e discurso de ódio no mundo virtual. Diante de
tanto impacto e de pouco estudo da área de comunicação sobre a relação das redes sociais e o
discurso de ódio, acreditamos que seja necessário que mais pesquisas precisam dar continuidade
a essas teorias.
Este assunto tem como agravante as constantes modificações e adaptações das
ferramentas tecnológicas e isso inclui até mesmo as pesquisas, como essa. É necessário que
entendamos o sistema das redes sociais, suas aplicações e seus impactos na vida dos usuários,
para que consigamos encontrar saídas para ultrapassarmos o paradoxo das redes sociais – que
deveriam facilitar a comunicação e não enfraquecer o diálogo.

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Capítulo 3

Feminismo, Blogosfera e Opinião:


Análise do Blog da Colunista Nina Lemos no Portal Uol

Sarah Rodrigues de Castro (UFSJ)


Luiz Ademir de Oliveira (UFSJ)

RESUMO: O artigo analisa a representação da mulher na coluna da jornalista Nina Lemos no


Portal Uol e de que forma ela também critica o machismo e a misoginia, tanto em temáticas
políticas como em questões midiáticas. Discute-se, primeiramente, comunicação e gênero, a
partir de autores como Miguel & Biroli (2014), Bourdieu (1995), jornalismo, blogosfera e
opinião, com base em Motta (2013), Barbosa (2009), Rodrigues (1990). Quanto às evidências
empíricas, recorre-se à pesquisa documental, com a coleta de 21 colunas publicadas pela
jornalista Nina Lemos, no mês de abril. É feita uma Análise de Conteúdo com base em Bardin
(2011), a partir das categorias, como temática, personagens mais citados, enquadramento dado
pela colunista, visão da mulher, expressões mais utilizadas em relação ao feminismo.

PALAVRAS-CHAVE: Feminismo; Nina Lemos; Portal Uol; Construção da imagem


feminina; opinião.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ao observar o feminismo presente em veículos midiáticos contemporâneos, faz-se


necessário refletir todo o percurso estrutural e comunicacional deste movimento, além de
relacionar as contribuições filosóficas, sociológicas e históricas a este processo em evolução.
O presente artigo tem como objetivo analisar e destrinchar conceitos construídos até
então e que servem de base para a constante reformulação da imagem feminina ante a sociedade.
Para isso, foram apontadas teorias de Bourdieu (1995), Colling (2004) e Miguel e Biroli (2014)
com o intuito de ilustrar a limitação que as mulheres sofrem em relação aos espaços a serem
ocupados, bem como em relação aos seus corpos. De maneira breve, ainda na porção
Comunicação e Gênero, há uma contextualização da trajetória e história feminista global, a fim
de chegar a quarta fase deste movimento (em trânsito) para referenciar os trabalhos deste cunho
produzidos por Nina Lemos em ambientes tecnológicos.
Em relação ao Jornalismo, Blogosfera e Opinião, a proposta é enaltecer as narrativas
que, por sua vez, são onipresentes, e encaixá-las no cotidiano, para que sirvam de base no
processo de disseminação da informação e contribuição de sentido para o mundo.
Já a seção metodológica expõe categoricamente as 21 notícias escolhidas como amostra
deste estudo e revela as tendências ocasionais da sociedade, as palavras que atribuem valor aos
indivíduos e os desfechos sociais de problemas que assolam uma minoria. A questão principal
debatida neste trabalho é derivada das observações que permanecem em aberto e em discussão:
a constante construção da impressão da mulher no mundo, as posições e os espaços que ocupam
atualmente e a importância dada para esta parcela no que diz respeito à igualdade.

2. COMUNICAÇÃO E GÊNERO

O termo gênero, conforme Colling (2004), questiona os papéis sociais e expõe a


assimetria presente nas representações de feminino e masculino, capazes de, ainda hoje,
regularem suas posições sociais. A representação mental entre feminino e masculino baseada
em uma diferenciação biológica, como fator relevante na formação da identidade dos sujeitos,
foi historicamente utilizada para reduzir o gênero a um perfil de personalidade, uma identidade
binária a qual se baseia nas diferenças. Colling (2004) argumenta que, ao homem são atribuídas
características que se relacionam à razão e vida pública; às mulheres, a emoção e a vida privada
do lar. Essas visões foram construídas a partir de um ponto de vista unilateral. A partir de Michel
Foucault, Colling constrói o conceito sobre o corpo feminino e como esta invenção social se
assume resultante de discursos e práticas públicas.
Para Miguel & Biroli (2014), toda teoria e construção feminista tem um caráter político.
Uma vez que o tema é analisado sob a principal perspectiva de desigualdade de gênero, os
autores relacionam a luta desta minoria com uma série de reflexões, tendo como principal a
crítica sobre a existência das esferas pública e privada, que tangem estruturas históricas e
patriarcais. A corrente em questão adota diferentes nuances e debates que delineiam a própria
natureza feminista e colocam em cheque as características limitantes que ainda existem na
sociedade, como a divisão desigual do trabalho, a reivindicação dos direitos civis e o livre
arbítrio corporal da mulher. Após a análise dos estereótipos estigmatizantes citados no livro
“Feminismo e Política: uma introdução”, Miguel & Biroli (2014) exaltam a conquista dos
direitos femininos à política como uma das principais formas de mitigar esta disparidade.
A conscientização da parcela masculina frente a este assunto muito se apoia nos
conceitos desenvolvidos por Pierre Bourdieu (1995). Para o sociólogo, a definição de violência
simbólica consiste em uma ofensa silenciosa e inconsciente já solidificada, pertencente à forma
como se é concebido o mundo, aplicada a quem sofre ou exerce, em diferentes quesitos sociais.
Em sua obra “A Dominação Masculina”, o sociólogo relaciona a abstração como legitimação
da violência prática, de modo que esta significação é incorporada, aceita e encarada como algo
lógico e natural. Ainda sob a perspectiva de Bourdieu (1995) – que aprofundou seus estudos
antropológicos na região da Cabília, por apresentar uma sociedade apegada às raízes
tradicionais – o androcentrismo se revela predominante, por ser a medida para todas as coisas
e agregar sentido nas relações que, por sua vez, não devem ser contestadas. Este ponto de vista
é um alicerce para a organização social binária, uma dicotomia, onde o polo negativo da
equação é atribuído à presença da mulher. E estas mulheres são os seres de falta. Assim, a
ocupação de espaços e papéis sociais relativos aos gêneros, sejam eles revelados por amarras
simbólicas, como trajes e funções laborais, passam a criar uma liberdade de exploração para a
figura masculina e limita a atuação da figura feminina, o que evidencia o esquema de dominação
e submissão unilateral, respectivamente.

2.1 O processo e as ‘ondas’ feministas

Ao considerar o início das reivindicações de gênero, o movimento passou a ser notado


e classificado de forma com que a literatura internacional deste nicho, premeditada pelo eixo
europeu-estadunidense, identificasse fases específicas das manifestações, baseadas no contexto
histórico e político de cada época. Deste modo, essas fases são segmentos cronológicos que
reúnem aspectos similares entre si de progresso e descobertas pertencentes às causas feministas,
voltadas para o ocidente. A categorização citada anteriormente também é reconhecida como
“ondas”, uma metáfora para grandes mobilizações com perspectiva de mudança. Conclui-se,
para muitos autores, a existência de quatro destas seções;

Primeira onda
Mesmo diante das supostas evidências sobre o crescimento das pautas feministas a partir
do século XIX, são poucos os registros que provam a ascendência de uma organização com este
caráter, mas é de se esperar que a luta se deu início anteriormente.
O que se atrela a primeira onda, que se estendeu até as primeiras décadas do século XX,
são as reivindicações do direito à educação e ao voto. Assim, o sufrágio se tornou um estandarte
de emancipação das mulheres, onde Elizabeth Stanton e Sojourner Truth foram as pioneiras. A
primazia da Convenção de Seneca Falls, em 1848, rompeu com o silêncio e a submissão
feminina e trouxe à tona discussões de igualdade de gênero para uma sociedade até então
estagnada. A grande influência veio da Revolução Francesa e do processo de independência
dos Estados Unidos.
Na Inglaterra, o movimento tomou proporção com a frente montada e liderada por
Emmeline Pankhurst, que utilizou de instrumentos de pressão radicais para obter resultados e
respostas do Estado. Esta abordagem começou a surtir efeito em 1918, meses antes do fim da
Primeira Guerra Mundial, onde um determinado perfil de mulheres passou a ter o direito ao
voto. Na segunda metade do século XIX, chegam as pautas feministas ao Brasil. Nísia Floresta
foi a figura que iniciou algumas atividades deste caráter no país. Houve a fundação da
Federação Brasileira para o Progresso Feminino, em 1922, protagonizada por Bertha Lutz e por
mulheres também pertencentes à elite. A criação desta ordem colaborou com o alcance do
direito de decisão política para cidadãs, previsto pelo código eleitoral de 1932.

Segunda onda
A segunda onda feminista ganhou notoriedade na década de 60 e teve os seus
desdobramentos até 1980. Aqui, os assuntos tratavam de questões referentes ao corpo da mulher
e suas reivindicações. Temas como sexualidade, prazer feminino, reprodução, violência
doméstica e espaços do gênero se destacaram. Os tópicos ganharam força a partir de uma
contribuição filosófica e sociológica da ativista Simone de Beauvoir (2009) sobre a reflexão do
que é se perceber, de fato, como uma mulher.
Para Beauvoir (2009), em sua obra “O Segundo Sexo”, lançada em 1949, ninguém nasce
mulher, torna-se. A autora acredita que o feminino teve sua condição de liberdade limitada por
sua fertilidade e capacidade de gerar uma vida. Essa capacidade geradora fez com que o
feminino fosse associado ao cuidado, amor, maternidade e fragilidade. Já o masculino, em
oposição, esteve associado ao mundo da política, força e independência. A mulher que fosse
pública seria desqualificada ou que tivesse alguns desses atributos ditos masculinos seria
“masculinizada”.
Com estes conceitos em alta, a ideia de reconhecimento feminino e proteção destes
corpos começou a difundir-se. Os discursos de sororidade e correntes de apoio também se
tornaram populares na época. Contudo, ainda assim, havia um esquema de hierarquia notório
dentro da própria relação da minoria feminina, mulheres brancas exerciam um papel opressor
em mulheres pretas, inibindo a luta desta parcela. A questão racial que permanecia neste meio
foi o pontapé para o início do movimento feminista negro. Angela Davis (1981) foi a principal
voz do novo grupo que surgira e reportou pontos decisivos para uma nova ótica social.
No Brasil, o conservadorismo e a censura estavam em alta, devido à ditadura militar
(1964-1985) vigente. Meio a repressão, a criação de periódicos feministas, como Nosotras e a
fundação do Movimento Feminino pela Anistia se tornaram atos de resistência. Em 1978, Lélia
Gonzalez iniciou discussões de raça, direito e gênero no país.

Terceira onda
Em 1990, considerada a geração pós-feminista, o caráter dos protestos tomou outras
proporções. A concepção do que é ser mulher passou a ter um novo significado desde as
contribuições de Judith Butler, em sua obra “Problemas de Gênero". Novas vertentes sobre a
auto identificação propuseram conceitos como os de transfeminilidade, não-binarismo e
ageneridade. No ato de repensar as ações, aprofundar em discussões, apontadas anteriormente
e perceber novos caminhos, este período, para muitos autores, ainda continua em atividade.

Quarta onda
A quarta onda feminista é definida pela tecnologia. A reunião de algumas características
em comum, como o uso coletivo das redes sociais e a presença das hashtags são provas do
impulsionamento para este movimento ganhar vida em meio virtual. A participação intensa do
corpo social feminino anônimo por meio de ciber campanhas gerou protestos significantes e
mobilizações capazes de surtirem efeitos na sociedade. Muitas vezes, essas ações se
materializaram, graças a organizações feitas online.
A onda, ainda em curso, proporcionou um feminismo mais democrático e acessível para
mulheres inseridas em contexto trivial. Além disso, o termo interseccional, provindo do Brasil,
inova os padrões das protestantes dando a oportunidade para perfis negros, PCD’s 9,
transgêneros, entre outros.
O ativismo em blogs e sites também colaboraram, principalmente em 2014 10, para o
avanço das discussões sobre esta temática.

3. JORNALISMO, BLOGOSFERA E OPINIÃO

Segundo Motta (2013), o mundo é organizado e adquire sentido, sendo algo próprio da
natureza humana, uma vez que os seres humanos são interpretativos e instituidores de sentido.

9 Pessoa com deficiência.


10 Desdobramentos das Jornadas de Junho e ano eleitoral.
A narrativa, segundo o autor, é construída a partir da subjetividade do sujeito e apresenta os
fatos em uma ordem cronológica e de causalidade, tendo como princípio norteador o contar
aproximando-se das narrativas cotidianas. Para Barbosa (2009), o sujeito produz narrativas da
maneira em que se coloca no mundo, inserindo-as no seu cotidiano a partir de reinterpretações
do mundo em que vive. A autora explica que narrar é uma forma de estar, interpretar e lançar
no mundo outros textos e possibilidades de significação, uma mimese (imitação) da realidade.
Os meios de comunicação participam e interferem nesse processo, ao criar narrativas e
formas de fixar conhecimento. A mídia passou a utilizar as narrativas para construir o que é
considerado realidade, incorporando-a no próprio processo de produção das mensagens,
oferecendo aos seus espectadores lentes por meio das quais pode-se enxergar e interpretar o
mundo. Portanto, participa da construção da realidade, da sociedade e do próprio sujeito. O ato
de contar histórias para significar o mundo e passar conhecimento é próprio da natureza
humana. Ou seja, “os seres humanos têm uma predisposição cultural, primitiva e inata, para
organizar e compreender a realidade de modo narrativo” (MOTTA, 2013, p. 71). Há uma
organização discursiva nas narrativas capaz de ligar pontos, ordenar fatos, além da possibilidade
de recriar o passado e apontar o futuro.
Motta (2013) argumenta que narrar é um processo de relatar mudanças, transformações
e processos de sucessão relacionados entre si, em um esquema de causa-consequência e em
ordem cronológica – passado-presente-futuro ou início-meio-fim – em uma dialética de
continuidade e descontinuidade. Narrar, portanto, segundo Motta (2013, p.71), “é relatar
eventos de interesse humano enunciados em um suceder temporal encaminhado a um
desfecho”.
Quanto ao conhecimento e o referencial de mundo pelos quais os sujeitos buscavam
explicar e significar os fenômenos naturais e sociais e a própria existência, Rodrigues (1990)
explica que eram formados pelas narrativas míticas e religiosas, além de serem repassados, de
geração a geração, por meio da tradição oral entre os grupos sociais, familiares e pessoas
próximas. Com o surgimento das sociedades modernas, houve a autonomização dos saberes e
fragmentação dos campos sociais.
Em meio ao caos e ao risco de dissolução da própria sociedade moderna, fragmentada
em campos com interesses particulares, Rodrigues (1990) afirma que o campo midiático assume
um papel significativo como uma espécie de “cimento social”. A mídia é capaz de reorganizar
esses fragmentos, (re) construir o sentido de mundo, a própria realidade, por meio de um
discurso que beira à perfeição e, ainda, é capaz de conferir visibilidade aos acontecimentos e
atores sociais.
Motta (2013) apresenta a narrativa midiática como formas que norteiam as ações dos
seus receptores, não uma mera e despretensiosa representação da realidade. Para ele, as
narrativas e narrações são ferramentas discursivas que servem a interesses específicos, sendo
formas de exercer poder e hegemonia. O discurso, desse modo, seja ele narrativo, literário,
histórico, jornalístico, ou qualquer outro, realiza ações e performances sociais e culturais. As
narrativas midiáticas, portanto, constituem as formas de ver e interpretar um dado fato,
participando da construção da memória sobre ele. Dentre essas narrativas está o documentário.

4. ESTUDO DE CASO: ANÁLISE DA COLUNA DA JORNALISTA NINA LEMOS

Como forma de transformar o presente projeto em uma pesquisa tangível, o estudo de


caso aborda uma análise dos conteúdos escritos pela jornalista Nina Lemos, veiculados no
Portal Uol.
No que diz respeito aos materiais produzidos até então pela colunista, nota-se os seus
enfoques ideológicos, bem como políticos, a partir dos trabalhos disponibilizados por ela. A
amostra de postagens analisadas, que cobre o mês de abril de 2022 (01/04 a 29/04), reúne textos
diversificados que foram selecionados por meio do mecanismo de busca do blog Universa.

4.1 Metodologia e Corpus de Análise

Ao levar em consideração os critérios de Bardin (2001) e combinar o recorte sugerido


por Lasswell (1948) a partir do método de categorização, o quadro 1 ilustra o primeiro arranjo
do corpus de análise.
Quadro 1
Categoria: Análise geral das notícias

Fonte: Dos autores, 2022


Seguindo de maneira adaptada, o Quadro 2 traduz outros parâmetros da categorização
de Lasswell (1948), como: quem; diz o quê; através de que canal; com que efeito.

Quadro 2
Categoria: Análise específica das notícias
Fonte: Dos autores, 2022 (Baseado em categorias de Lasswell, 1948)

4.2 Portal Uol e Universa – Foco no Feminino

Em julho de 1995, o grupo Folha iniciou as suas atividades no novo modelo de veículo
comunicacional inovador no Brasil, a internet. O primeiro endereço da empresa nesta nova
esfera foi o Folha Web, precursora para a criação do Portal Uol. Os assuntos naquele momento
eram poucos, onde apenas editoriais de ciências e tecnologia circulavam no ciberespaço restrito.
Em outubro do mesmo ano, o grupo Folha logo expandiu o formato de interação e lançou o
portal de notícias Universo Online, cujo foco era no jornalismo digital. A facilidade de reunir
informações e transmiti-las para uma gama de usuários permitiu que o empreendimento partisse
para mais reinvenções do protótipo e, consequentemente, alcançasse o lucro. Assim, houve o
surgimento de segmentos alternativos com diferentes temáticas e finalidades, como Shopping
Uol, Pay Uol, entre outras porções que completam a plataforma até os dias de hoje. O
característico site da marca alavancou as práticas do webjornalismo que, por sua vez, evolui
constantemente.
Universa é um formato de portal vertical11 que se assemelha a um anexo, provindo do
Portal Uol. Intitulado intencionalmente como uma palavra do gênero feminino, esse segmento
faz referência ao nome original Universo Online, porém dando a entender que se trata de um

11 Portais que direcionam a sua audiência para públicos específicos.


espaço com recortes direcionados para as mulheres. Os assuntos que eram poucos, em meados
dos anos 90, se transformaram em muitos, e são voltados exclusivamente para grupos de
minorias. O cardápio de entretenimento e apoio da Universa transmite um cuidado com o
usuário ao tocar em temas como raça, sexualidade, política, violência, autoestima, maternidade
e empoderamento, além de conter colunas de opiniões que conversam desde tópicos ordinários
a problemáticas sociais. A criação do blog busca ser uma espaço para estimular a independência
e o protagonismo feminino na vida das próprias mulheres.

4.3 Nina Lemos: Trajetória e a Coluna no Portal Uol

Nina Lemos é uma jornalista e colunista nascida no Rio de Janeiro/RJ, em 1971.


Formada pela UFRJ, a sua vida profissional seguiu o rumo da moda ao chegar em São Paulo e
começar a atuar como repórter em desfiles. Com o passar do tempo, Nina desenvolveu projetos
autônomos sobre questões de relacionamentos e gêneros humanos, onde deu origem ao 02
Neurônio. Este trabalho abriu portas para que ela ingressasse como colunista na Folha de S.
Paulo, em 2000. No ano seguinte, Lemos tornou-se repórter especial nas revistas Trip e Tpm,
onde permanece até hoje e como um grande destaque. A jornalista passou pela rádio e editou
blogs independentes, além de focar em planos particulares. Ficou no grupo Folha até 2011,
quando ainda participava do caderno Ilustrada. Em 2012, Nina alçou voo para o grupo Estado,
onde colaborou como colunista para o caderno E+, do periódico O Estado de São Paulo. A
empresa aproveitou o seu envolvimento para escalá-la como blogueira do site principal da
marca. O flerte de Lemos com o webjornalismo perdura até os dias de hoje, devido a sua
participação como colunista no blog Universa, pertencente ao Portal Uol. A jornalista utiliza
de acontecimentos corriqueiros e episódios marcantes para dar a sua opinião pautada em
feministas, ponderando, assim, sempre em prol da causa das mulheres.

4.4 Análise de Conteúdo: as colunas de Nina Lemos com enfoque feminista

Feitas as análises das classificações utilizadas nas 21 matérias, é possível absorver das
seções escolhidas as características dadas em palavras que foram atribuídas às notícias.
Tomando como parâmetro substantivos positivos e negativos, em sua lógica primitiva
maniqueísta, é possível notar na relação levantada em pesquisa os termos chaves para a
definição da mulher contemporânea, bem como os principais assuntos que permeiam a
existência deste gênero.
4.4.1 TEMÁTICAS MAIS ACIONADAS

A moda12 amostral das temáticas revelou o termo ‘assédio’ e os derivados ‘assédio


sexual’, ‘assédio moral’ e ‘assédio psicológico’ como os elementos mais frequentes nas
notícias estudadas. Na sequência, aparecem os termos ‘misoginia’; ‘machismo’; ‘aborto’ e
‘violência física’; ‘cultura de abuso’, ‘difamação’, ‘dismorfia corporal’, ‘exaustão psicológica
da mulher’, ‘maternidade e sororidade’.
Uma das colunas refere-se à polêmica envolvendo o então deputado Arthur do Val.
Intitulada “Arthur do Val renunciou, mas não por vergonha ou respeito às mulheres”, no dia 21
de abril de 2022, a colunista Nina Lemos repercute a fala do político quando foi à Ucrânia com
o objetivo de prestar solidariedade em função da guerra. Mas, chegando lá, ficou claro que o
objetivo era outro. Vazou conversa no WhatsApp com comentários machistas. “As mulheres
aqui são fáceis. São fáceis porque são pobres”. Esta frase é o comentário do deputado sobre as
ucranianas numa situação de extrema vulnerabilidade. Após aprovação de parecer do Conselho
de Ética que pedia a sua cassação, o então deputado renunciou alegando ser vítima de
perseguição. Nina Lemos, então, expõe sua opinião sobre a postura machista e covarde do
deputado que somente optou pela renúncia porque seria cassado e não por ter se arrependido da
sua atitude.
“O que ficou claro, e o ex-deputado não escondeu: Arthur não renunciou como um
pedido de desculpas ou porque isso é o mínimo que aconteceria em um país minimamente sério.
Ele renunciou para escapar do processo e tentar salvar sua carreira política” (NINA LEMOS,
21 de abril de 2022).
No dia 29 de abril de 2022, na coluna intitulada “Fala de Ciro Gomes é prova de que
não só os bolsonaristas são machistas”, Nina Lemos questiona a postura de Ciro Gomes ao
recorrer a uma fala machista num confronto com bolsonaristas. O conflito ocorreu em Ribeirão
Preto, quando Ciro foi provocado por militantes bolsonaristas. Ameaçado, o candidato do PDT
reagiu com frases como “Ele roubou a tua mãe ou comeu ela?”.
A colunista do UOL questiona o fato de que, apesar de achar justo que o candidato se
defendesse das ofensas dos bolsonaristas, o estranho é recorrer a expressões machistas,
reforçando a misoginia, como algo naturalizado conforme aponta Bourdieu (2002).

4.4.2 Imagem construída da mulher

12 Medida de conjunto de dados que ocorre com a maior frequência entre os elementos observados.
Levando em consideração os recortes noticiosos, os temas recorrentes e os termos
utilizados dentro dos conteúdos, a imagem construída da mulher é pautada em tons
desfavoráveis. Há, ainda, a relação de fragilidade e incompetência à figura feminina, presentes
nos conceitos de Beauvoir (2009). Há, também, o aspecto apontado por Bourdieu (1995) da
dominação masculina, seja ela pela literalidade do sentido de violência e opressão para com as
mulheres ocorrentes na coluna de Lemos, ou, até mesmo, pela dominação de espaços
(físicos/virtuais), devido a audiência dada à homens e às suas ações em matérias web
jornalísticas ao passo de abordar fatores sobre mulheres e os seus progressos.
No dia 07 de abril de 2022, na coluna “Não ter ou querer filho não dá direito de barrar
crianças e mães de lugares”, Nina Lemos discute um tema polêmico sobre a maternidade e o
fato de que em algumas situações as mães são vítimas de preconceitos.

Você frequentaria um bar onde a sua amiga não pode ir se levasse os filhos? Eu
não.
E não é só por solidariedade a minhas amigas e a todas as mães. Mas,
principalmente, porque adoro os filhos dos meus amigos e as crianças em geral.
Falo, claro, do grande debate que surgiu depois que um bar da moda de São Paulo,
o Miúda, barrou uma mãe com seu filho na entrada do local.
Para se defender, os donos do Miúda disseram que é assim mesmo, que eles não
têm "programação para criança" (e provaram que não conhecem muitas delas.
Quem disse que criança precisa disso? Quem precisa de DJ gringo é adulto).
Pessoas que banem crianças e mães são comumente chamadas de "childfree" (a
tradução literal pode ser "livre de filhos" ou "livre de crianças"). Não têm filhos por
opção e acham que crianças e mães (e pais) podem ser barrados de lugares, já que
criança "enche o saco". Seus cachorros são permitidos sempre, claro.
O "childfree" é uma espécie de movimento. Se você procurar, vai achar as
discussões por aí. Existem ao redor do mundo hotéis, restaurantes e cafés que se
intitulam assim. Em outras palavras, mães (ou pais) com filhos pequenos não
entram. Só que tem um detalhe importante: não é todo mundo que não tem filhos
que pensa assim. Não ter filhos não tem nada a ver com ser "childfree" e apoiar
esse tipo de atitude. Não nos confundam. Falo por mim. Não tive filhos, mas amo
crianças e, por mim, elas são sempre bem-vindas. Sim, é possível decidir não ter
filhos e ao mesmo tempo adorar crianças. Uma coisa não tem nada a ver com a
outra. E me desculpem, mas conheço mães que não gostam muito de criança em
geral (mas amam os seus filhos e está tudo certo). Não acho que engravidar faz a
gente gostar de criança. Mesmo. (NINA LEMOS, 07 de abril de 2022).

4.4.3 VISÃO SOBRE O FEMINISMO

Diante dos fatos analisados e da classificação dos termos mais recorrentes, a visão sobre
o feminismo contrapõe, na maioria das vezes, as expressões mais utilizadas pertencentes às
notícias escolhidas, pois os acontecimentos e seus desdobramentos na sociedade ainda vão
contra os propósitos do movimento. Existem duas esferas, a primeira é relativa às questões que
fazem parte do desenvolvimento da luta das mulheres e as atitudes que elas esperam da
sociedade, já a outra é relativa aos comportamentos inadequados e aos ataques direcionados a
este grupo. Os termos ‘direito da mulher’; ‘decisão’; ‘união’; ‘empatia’; ‘respeito’; se
enquadram na primeira esfera, enquanto ‘crime’; ‘trauma’; ‘atrocidade’; ‘pressão social’;
‘sexismo’; ‘danos morais’; ‘pressão estética’; ‘exclusão social’; ‘cobrança’; ‘violência’;
‘assédio’; 'desigualdade'; ‘opressão’; 'distúrbio'; se enquadram em segunda posição.

4.4.4 Expressões mais utilizadas

As expressões mais utilizadas, tanto para se direcionar a misoginia, como para enaltecer
a autonomia da mulher, foram mecanismos auxiliares para a compreensão do cenário feminino
no Brasil. A maioria das palavras referenciam de maneiras negativas ou atacam o gênero através
de estereótipos que se relacionam com situações desfavoráveis em que a parcela se encontra
inserida. Em contrapartida, ainda há palavras que são direcionadas ao feminismo de forma
construtiva e que evidenciam as pautas da luta.

4.4.5 Personagens mais citados

A partir das vinte e uma amostras analisadas, foram contabilizados 18 personagens


citados em manchetes de cada um dos exemplares. Destes dezoito personagens, três se repetem
em diferentes contextos, além de outros dois elementos pertencentes ao compilado de notícias
se tratarem de referências não-humanas. Ao descartar do espectro os dois elementos sem
gêneros agregados, no total, são vinte e uma menções às pessoas, onde treze são relacionadas
ao sexo masculino e oito relacionadas ao sexo feminino, partindo de um ponto de vista binário.
Portanto, a porcentagem de incidência de figuras masculinas no estudo é de aproximadamente
61,9%, enquanto a incidência de figuras femininas é de aproximadamente 38%.
Das personagens, boa parte são políticos, o que demonstra que se a vida pública ainda
é marcada por uma postura machista e misógina isso tende a se reproduzir entre a sociedade.
Ela cita falas machistas do deputado Eduardo Bolsonaro, do então deputado Arthur do Val, do
candidato Ciro Gomes, do presidente Jair Bolsonaro, evidenciando como o poder no Brasil
ainda é marcado por um posicionamento em que a desigualdade de gênero é evidente.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das análises feitas e apresentadas neste estudo, percebe-se que a construção da
imagem feminina ainda é um fator que sofre alterações constantes pela sociedade. Uma
construção em mutações, ainda que recente, continuará a receber classificações de um sistema
enraizado. É perceptível a predominância masculina dos espaços sociais, mesmo que seja um
debate para se falar de questões femininas.
As palavras que são atribuídas às mulheres ou a situações em que elas estão inseridas
ainda são majoritariamente negativas. Os recortes midiáticos são capazes de alcançar fóruns de
discussões que mencionam o movimento feminista e geram uma apropriação de espaço, ainda
que efêmero, por meio da opinião.

REFERÊNCIAS

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Comunicação, Mídia e Consumo, vol. 6, n. 16, jul., 2009, p. 11-27.

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Universo Online (UOL). Uberaba: Intercom, p.15, 2016.
Capítulo 4

A linguagem teatral no canal de Youtube “Tempero Drag”:


Arte, hibridismo e comunicação política

Verônica Barbosa (UFJF)

RESUMO: Identificando no Brasil a necessidade de se fortalecer a comunicação política de


esquerda nas redes sociais virtuais, este artigo busca investigar as possibilidades de uso da
linguagem teatral própria da Drag Queen para gerar, entre o público alcançado por tais
conteúdos midiáticos, o efeito de distanciamento conceituado por Bertolt Brecht. Por meio do
estudo de caso do canal de Youtube “Tempero Drag” e da aplicação de um formulário virtual
de entrevista a 18 participantes, foram apontadas as potencialidades e desafios que tal
linguagem possui no sentido de alcançar o desenvolvimento de uma atitude crítica pela
audiência.

PALAVRAS-CHAVE: Comunicação contra-hegemônica. Teatro político, Grupos


minorizados, Resistência política nas redes digitais.

1. INTRODUÇÃO

Inserido na temática da comunicação política, a presente pesquisa analisa o canal de


Youtube “Tempero Drag” por meio das lentes teóricas de Bertold Brecht, tendo como caminho
de pavimentação histórica o trabalho de Iná Camargo Costa, Celso Frederico e Stephanie da
Silva Borges acerca do teatro político, os estudos sobre a história das drag queens realizado por
Igor Amanajás, o conceito de cultura participativa de Henry para a compreensão do terreno
cultural em que se dá a comunicação política na contemporaneidade e os estudos de Fernanda
Gonçalves Caldas para compreender como se deu a popularização da plataforma Youtube na
história recente.
Nesse sentido, o problema que norteia nosso estudo é investigar se a utilização da
linguagem teatral no canal “Tempero Drag” contribui para o desenvolvimento de uma atitude
crítica por parte do seu público-alvo. A busca por respostas para essa questão se justifica na
medida em que as redes sociais virtuais são parte de uma estrutura cujas regras são imensamente
desfavoráveis ao campo político contra-hegemônico e, consequentemente, ao acesso qualitativo
da classe trabalhadora aos conteúdos midiáticos que lhe podem apontar caminhos de
organização política em direção a sua emancipação definitiva.
Portanto, o principal objetivo do trabalho de pesquisa que originou este artigo é
contribuir no apontamento caminhos para uma comunicação política digital que contribua no
desenvolvimento de uma atitude crítica por seu público, tornando-o apto a desbravar
criticamente o oceano de informações a que tem acesso nas redes. De forma a encontrar pistas
concretas, escolhemos como metodologia o estudo de caso à luz dos estudos sobre Teatro
Dialético realizados por Bertolt Brecht, realizando entrevistas relacionadas aos efeitos que um
dos vídeos do canal gera em quem o assiste.

2. O TEATRO POLÍTICO AO LONGO DA HISTÓRIA

Pode-se afirmar que a prática teatral é tão antiga quanto a existência da vida humana, e
sua aplicação no fomento de debates políticos tem um longo percurso histórico. Na Atenas da
Grécia Antiga, por exemplo, o teatro figurava em uma posição tão central na vida política que
era responsabilidade da administração garantir que os festivais acontecessem e que os artistas
fossem remunerados por sua participação.
Durante a Idade Média, com o desaparecimento das cidades, o teatro recolheu-se ao
ambiente das Igrejas, com a tarefa – também política – de ilustrar as passagens bíblicas aos
fiéis. No entanto, os artistas começaram a incluir temas considerados obscenos pelas
autoridades católicas e, por isso, foram expulsos da instituição. Assim, eles retomam as ruas (as
cidades estavam voltando a crescer) e passam a representar as histórias bíblicas combinadas às
da vida cotidiana e profana da população, tornando-se uma espécie de jornal falado do povo.
O desenrolar do processo histórico que engendrou o sistema capitalista trouxe, por um
lado, a “construção de edifícios próprios para os espetáculos, com bilheteria na porta” (COSTA,
2001, p. 115), o que indicava a privatização de uma prática que antes era coletiva e realizada
por todos os cidadãos. Por outro, nos dez anos que se seguiram à Revolução Francesa, as peças
teatrais do país tiveram como tema central a política, tornando-se verdadeiras assembleias
populares, nas quais todas as pessoas (tanto do público quanto do elenco) debatiam os rumos
históricos da sociedade.
Posteriormente, eclode na França o golpe de estado de Luis Bonaparte, que fundou o
que conhecemos por Segundo Império com base em um feroz massacre de trabalhadores que
se organizaram para lutar por vida digna. Com vistas a apagar as reivindicações pelas quais tais
militantes lutavam, bem como a crueldade do massacre operado pelo Estado para se firmar no
poder, inicia-se uma rigorosa política de apagamento histórico por meio da censura midiática.
Paralelamente, instaura-se uma valorização cada vez maior da estética “pura” da arte teatral, ou
seja, politicamente “neutra” e rigorosamente “bela”. Seria dispensável pontuar que os ditos
“elevados” padrões estéticos eram definidos por aliados do governo de modo a censurar tudo o
que ameaçasse a manutenção de seu poder.
O Segundo Império foi massacrado com a revolta popular conhecida como Comuna de
Paris e, posteriormente, com a ação do exército prussiano, que levou à proclamação da
República de Versalhes. Por este ter sido um processo similar (em termos de violência) ao do
Golpe de Estado que instaurou o Segundo Império, a lei de censura ao teatro elaborada neste
permaneceu intacta no novo regime. Segundo Iná Camargo Costa, “é essa a causa institucional
da criação, por Artoine e amigos, do teatro livre: uma associação de teatro amador que, por isso
mesmo, não estava sujeita às leis de censura”.
No Brasil, cujo teatro já apresentava forte influência francesa, o programa estatal de
formação de jovens artistas nos Estados Unidos – país onde a perseguição à esquerda
revolucionária reavivou a busca por uma dramaturgia que prescindisse de qualquer assunto
“político”, em nome do naturalismo da ação teatral – fez com que a tendência esteticista e
supostamente antipolítica imperasse na dramaturgia brasileira dos anos 50. Entretanto, ao longo
dessa mesma década, “o teatro brasileiro deu uma guinada à esquerda que fugiu inteiramente
dos planos esteticistas” (COSTA, 2001, p. 119).
Segundo a avaliação realizada por Iná Camargo Costa em seu artigo de 2001 “Teatro
Político no Brasil”, um dos caminhos para compreender com mais clareza o teatro político
brasileiro, é a digressão ao teatro de agitação e propaganda russo, conhecido pela alcunha de
“agitprop”. Caminhando na direção oposta ao esteticismo americano-francês, tal prática teatral
prezava a formação política didática e a intervenção na vida concreta do proletariado em
detrimento do apego a determinados padrões estéticos vazios de sentido prático. Tal propósito
alterou a própria concepção do que é o teatro, a começar pela dissolução das fronteiras entre
palco e plateia: “o público acompanhava a montagem do começo ao fim e opinava sobre tudo
e, durante e após a apresentação, debatia criticamente a peça” (FREDERICO, 2010, p. 37).
Quanto ao conteúdo dos agitprops, tanto os temas como as falas eram elaborados com base em
uma pesquisa acerca da vida da população. Com isso, foram deixados de lado os textos clássicos
para se desenvolver um processo de criação coletiva das peças.
Partindo do formato do teatro que era realizado na Rússia revolucionária, o dramaturgo
alemão Bertold Brecht viu a necessidade de revolucionar a forma do teatro político, superando
o maniqueísmo que imperava nas peças russas e alemãs. Ele reivindicava um novo teatro, no
qual as personagens prescindissem de profundidade psicológica para representar não a sua
subjetividade, mas sim a sua função social. A empatia do público deveria ser substituída pelo
distanciamento do mesmo, de modo que a experiência catártica que era promovida pelo
envolvimento emocional da plateia com a história desse lugar a uma atitude de reflexão.
Voltando a lançar luz sobre o contexto brasileiro, percebe-se que o teatro político se
consolidou no país no início da década de 60, quando a dramaturgia nacional amadurecia com
a militância teatral e dramaturgos nacionalistas. Especialmente após o golpe de 1964, houve
uma euforia contra a ditadura empresarial-civil-militar nos palcos, uma vez que era um dos
poucos locais em que tal crítica poderia ser feita, ainda que com certa cautela.
Dentre as companhias de teatro que usaram essa arte com o propósito crítico,
destacaram-se os grupos Arena e Oficina, que realizaram inovações não só na forma teatral
como também na razão dessa arte existir. O primeiro surgiu em 1953, não sucumbindo ao
esteticismo nem mergulhando em temas abertamente “políticos”. A companhia começa a se
politizar com a entrada de Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho e Augusto Boal
em 1956 (BORGES, 2018) e passa a apresentar peças com intenção didática e clara exaltação
da pátria. Além disso, o grupo realizava um importante trabalho teórico sobre a história nacional
recente, bem como priorizavam a montagem de peças nacionais – muitas delas, autorais da
companhia. O Teatro Oficina, por sua vez, origina-se em 1958 já com um claro viés político de
esquerda. Ao invés de buscar uma educação popular por meio de textos didáticos – como fazia
o Arena –, esse grupo era “Mais aberto, heterodoxo e abusado cenicamente, trazia montagens
inovadoras” (BORGES, 2018, p. 154) e enfatizava a busca pelo choque e estranhamento da
plateia.
O que se observa na história recente do teatro político brasileiro, portanto, é uma
frequente oposição entre o enfoque na estética e o enfoque na transmissão de conhecimentos,
ou seja, frequentemente se elegia um dos extremos para se explorar. A síntese que Bertolt
Brecht propõe entre diversão e conhecimento, ou, em outras palavras, o conhecimento como
diversão, ainda há um longo caminho de experimentações e elaborações a ser trilhado em nosso
país.

3. DRAG QUEENS AO LONGO DA HISTÓRIA: ARTE, POLÍTICA E


ESTRANHAMENTO

A Drag Queen, ao contrário do que se afirma no senso comum, é uma das formas de
expressão teatral e possui um importante papel na intervenção em debates políticos ao longo da
história humana. Dessa maneira, é importante destacar que a performance da Drag Queen não
tem, necessariamente, qualquer relação com a sexualidade do indivíduo que lhe dá vida, uma
vez que diz respeito a “uma construção de um personagem e não uma opção sexual; logo,
configura-se como teatro ou performance” (AMANAJÁS, 2014, p. 1). Por ser uma expressão
teatral, ela está presente na sociedade desde os primórdios desta arte. No próprio teatro grego
fica estabelecido, desde o momento em que começam a ser usadas máscaras nas encenações,
que elas somente poderiam ser vestidas por homens, independentemente de caracterizarem
personas masculinas ou femininas. Além da máscara, os homens que representavam mulheres
usavam também roupas e enchimentos para a caracterização.
Quando o teatro é conduzido para o interior da Igreja na Idade Média, é levada também
a arte transformista. Isso porque os papéis femininos nas histórias bíblicas eram raros e, quando
existiam, possuíam pouca participação efetiva, de modo que as personagens mulheres eram
usualmente representadas por homens. Alguns momentos cômicos começaram a ser
introduzidos por atores que davam vida a personagens femininas, transformando-as em uma
“versão grotesca de personificação da mulher” (AMANAJÁS, 2014, p. 5).
No Oriente, tal prática também era comum em todas as práticas teatrais clássicas,
especialmente no Japão. Os atores japoneses treinavam desde jovens para atuar nos palcos, e
alguns especializavam-se exclusivamente na representação de personagens femininas
(chamadas de “Onnagata”). O significado simbólico do Onnagata, inclusive, é bastante
emblemático na definição da arte drag, porque “representa um profundo símbolo do mistério
da metamorfose, que é o mistério do teatro. Ele, aparentemente, participa de dois mundos
totalmente diferentes, não somente na sua dupla identidade como ator e personagem, mas em
seu duo papel de homem-mulher” (PRONKO, 1986, p. 185 apud AMANAJÁS, 2014, p. 8).
Além disso, todas as personagens femininas dos clássicos textos de Shakespeare foram,
nas primeiras montagens das peças, interpretadas por homens. Muitas eram vividas meninos
adolescentes entre 10 e 13 anos, mas é provável que as personagens mais elaboradas e realistas
eram interpretadas por homens adultos (AMANAJÁS, 2014). A drag queen secular, que possuía
uma forma “anarquista e mítica”, viu-se deslocada com o aparecimento das personagens
tridimensionais shakespearianas (AMANAJÁS, 2014).
A partir de 1674, após 18 anos de proibição do teatro pelas leis do período de restauração
chamado Protetorado, a atividade artística é retomada na Inglaterra com uma novidade: agora
mulheres poderiam interpretar papéis femininos. Isso relega as drags a um período de pouca
visibilidade, mas com as mudanças sociais ocorridas no século XVII (propiciadas, dentre outros
fatores, pela ampliação do acesso à leitura), as drag queens esquecidas no teatro retornam à tona
com tom mais satírico e ocupando as ruas e demais ambientes de socialização na Europa. Vale
ressaltar que, nesse momento, a moda começa a ter um significado semelhante ao da atualidade
– porque na Era Elisabetana se referia ao status social e ao gênero. Nesse momento, o teatro
versa sobre temas do cotidiano e a sociedade começa a questionar determinados parâmetros –
como o relacionamento entre homens e mulheres –, o que abre espaço para a ampliação da
visibilidade da homossexualidade. Sendo assim, as drag queens tomam novo fôlego ao satirizar
os tipos sociais da época, reunindo-se em bares exclusivamente para se vestirem como mulheres
e representarem aqueles papéis sociais satirizados.
No século XIX, as drags retornam triunfantes aos palcos e, nesse processo, começam a
ser enxergadas como uma categoria à parte na arte teatral. Inicia-se, então, uma aproximação
da atual atuação de drag queens: “[...]o ator drag atuaria em comédias como grandes dramas.
Jovens atores começaram a se vestir e participar de peças teatrais e algumas práticas como solos
envolvendo algumas personagens já eram uma prática até o final do século” (AMANAJÁS,
2014, p. 13).
Durante o século XX, surge a categoria drag chamada “dama pantomímica”, que
conquista o carisma do público daquele período. “As personagens possuíam um discurso que
se relacionava diretamente com a classe média e trabalhadora da época e se lamentavam em
seus monólogos causando o pathos na plateia e a imediata identificação” (AMANAJÁS, 2014,
p. 13). Representando situações cotidianas de maneira bem-humorada, “O cômico era ainda
mais risível porque era representado pela dúbia figura de caricatura da imagem feminina
personificada pelo homem” (AMANAJÁS, 2014, p. 14). Durante a primeira metade do século
XX, a dama pantomímica era a única forma de drag queen existente e era, mais que isso,
amplamente respeitada e aceita.
Com as mudanças socioculturais ocorridas no período pós-guerras, novas categorias de
drags são criadas, agora com o foco maior no glamour. Como não havia mais espaço para os
atores transformistas nos palcos – uma vez que havia diversas opções de belas moças para
representarem os papéis femininos – as novas drags, mais glamourizadas, assumiram um papel
de transição entre a dama pantomimíca e a nova era de personificação feminina.
Importantes mudanças no âmbito político ocorrem ao longo do século XX e propiciam
a consolidação de uma “cultura gay”, com o desenvolvimento de estilos, linguagens e ambientes
frequentados por essa comunidade – em especial os bares, nos quais ressurge mais uma vez o
fazer drag. Com o borbulhar da cultura pop, as drags passaram não só a cantar, dançar, dublar
músicas e improvisar, como também a se inspirar em grandes artistas femininas da época para
agregar seu repertório. Além disso, ao longo das décadas de 70 e 80, as drag queens lograram
ocupar um significativo espaço na mídia massiva, participando de programas de rádio e
televisão, musicais da Broadway e produções cinematográficas.
Por muito tempo, nenhuma drag aceitava abordar temas políticos em suas performances,
uma vez que drag, até então, era uma prática voltada à diversão. Porém, a partir desse momento,
a homossexualidade assumiu um caráter inescapavelmente político, e a drag queen passou a
figurar como um dos maiores símbolos da luta pelos direitos gays. “Nasce aí uma nova categoria
de drag: a drag queen radical” (AMANAJÁS, 2014, p. 18).
Com a explosão da AIDS, as drag queens recolhem-se novamente aos bastidores da
cena cultural, voltando com força total nos anos 90. Agora a cultura drag assume um forte papel
de entretenimento e de ativismo político, chegando ao seu auge com a visibilidade conquistada
por RuPaul. Personagem atrevida, forte, linda e negra, RuPaul logrou alcançar um gigantesco
sucesso na música, no cinema, na moda e na televisão. Quanto a este último espaço midiático,
a drag comanda desde 2009 um dos maiores reality de drag queens do mundo, no qual elas
“concorrem ao título de próxima drag queen superstar, mostrando habilidades artísticas, desde
atuação até confecção de vestidos de alta costura” (AMANAJÁS, 2014, p. 19). O programa
vem contribuindo para a popularização da cultura drag ao redor do mundo, trazendo à tona
diversas maneiras de se fazer drag.
Entretanto, os anos 90 marcaram a consolidação da cultura drag no eixo Rio-São Paulo,
a qual estava presente tanto em bares como na política e na mídia.

A entrada da Drag Queen na televisão brasileira se dá muito antes:


quem não se lembra da Vovó Mafalda ou de Vera Verão, ou de
qualquer uma das 50 personagens femininas construídas por Chico
Anysio? E das frequentes aparições de algum dos trapalhões vestidos
em drag? Ou, retrocedendo um pouco mais, no começo do cinema no
Brasil, com Grande Otelo e Oscarito (AMANAJÁS, 2014).

A história das Drag Queens, portanto, demonstra o importante papel que elas tiveram
ao longo dos anos – e ainda têm – de satirizar os papeis sociais criados pela sociedade,
evidenciando que eles não passam justamente disso: de papeis (no sentido teatral da palavra).
Ao trazer à tona essa trajetória, conseguimos perceber que uma das principais contribuições que
a arte drag evoca é o estranhamento gerado pelo hibridismo, não só entre gêneros, como
também entre ator e personagem.

4. A COMUNICAÇÃO POLÍTICA NAS REDES DIGITAIS


Com as inovações tecnológicas nos meios de produção de maneira geral e no campo das
Tecnologias de Informação e Comunicação mais especificamente, potencializam-se as
possibilidades de pessoas comuns produzirem conteúdos e obterem sucesso na conquista de
visibilidade para tais peças. Isso se dá, segundo Henry Jenkins, por conta de uma mudança no
fluxo comunicacional, que se desloca de uma lógica de distribuição para uma dinâmica de
circulação e criando o que ele conceitua como cultura participativa (JENKINS, 2015, p. 20).
Ou seja, se ao longo do século XX os conteúdos comunicacionais eram majoritariamente
produzidos por um pequeno núcleo de grandes empresas de telecomunicação e distribuído a um
massificado público – que era, inclusive, compreendido por algumas correntes teóricas da época
como uma multidão de seres passivos e acríticos, facilmente influenciáveis por mensagens
elaboradas para conduzi-los a determinado comportamento – no século XXI, esse processo
unilateral perde força. Com a crescente possibilidade de pessoas comuns terem acesso a
equipamentos de produção de conteúdo (como câmeras digitais e computadores portáteis) e
criarem páginas na internet (como os blogs, vlogs e afins) para veiculá-los, as fronteiras que
demarcavam uma clara diferenciação entre produtores e consumidores de mídia diluiu-se
significativamente.
Nesse sentido, os sites de hospedagem de vídeos surgem primeiramente como uma nova
forma de se fazer os populares “blogs” dos anos 1990 e 2000. Se grande parte dos blogs se
propunha a funcionar como um “diário online”, os primeiros repositórios de vídeos na internet
apresentam um propósito inicial parecido, qual seja, o de se configurar como um espaço em
que os usuários possam postar os registros de suas vidas pessoais que desejam compartilhar.
No entanto, quando a plataforma Youtube é comprada pela empresa Google, no ano de
2006, observa-se uma mudança em seu propósito, a qual é notada na própria alteração do slogan
de “Your Digital Video Repository” para “Broadcast Yourself”. Ou seja, o foco desloca-se de
um mero registro da vida pessoal para a produção de conteúdos semelhantes a programas
televisivos. Tal alteração acompanha a apropriação da plataforma por parte dos usuários, os
quais já começavam a fazer vídeos em um formato similar a programas de culinária, de
jornalismo e outros gêneros usualmente presentes na televisão. Dessa maneira, à medida que a
plataforma vai se consolidando como um dos principais sites de entretenimento da internet,
estabelece-se um formato em que a produtora ou produtor de conteúdo possui um “canal”, no
qual posta vídeos com determinada frequência, algumas vezes até mesmo com dia e horário
fixo – como uma grade de programação da TV –, e deixa de ser chamada de “vlogueira” para
ser conhecida como “Youtuber”, palavra denota a percepção dessa atividade como um
compromisso profissional.
No Brasil, a plataforma populariza-se principalmente por meio de canais de comédia
em que a pessoa que protagoniza os vídeos senta-se diante da câmera e, olhando para ela,
discorre sobre assuntos do cotidiano de maneira bem-humorada e com um tom usualmente
hiperbólico. Dois exemplos bastante emblemáticos, citados por Fernanda Caldas em seu artigo
“É TV na Internet?”, são os canais “Felipe Neto” (que, à época de sua popularização, possuía
o título de “Não Faz Sentido”), protagonizado pelo próprio Felipe, e “5incominutos”,
protagonizado por Kéfera Buchmann.
Em 2015, paralelamente ao crescimento da popularização da cultura Drag no Brasil, é
criado o canal de Youtube “Tempero Drag” sobre o qual a presente pesquisa se debruçará. Ele
surge com o formato inicial de um programa de culinária vegana e é protagonizado por Rita
Von Hunty, Drag Queen criada pelo ator e professor de literatura Guilherme Terreri. Com um
humor bastante sarcástico e afiado, a própria criação da personagem evidencia desde o início a
crítica social que engendra a todo tempo. Isso fica claro, por exemplo, quando ela se apresenta
como uma senhora burguesa que explora sem piedade sua criada Roxelly, o que serve de base
para a realização de diversas piadas satíricas desde os primeiros vídeos.
Sendo assim, com o surgimento de novas possibilidades de produção e veiculação de
conteúdos, a comunicação política se transforma: tanto do lado conservador quanto do lado
contra-hegemônico. No Brasil, a direita neoliberal rapidamente se apropriou dos novos meios
de comunicação, como frequentemente acontece – talvez por esse campo ter uma ampla
infraestrutura alimentada por um grande número informações acerca de tendências e
comportamento humano e, claro, por altíssimos investimentos de grandes empresas
interessadas em manter o atual estado de coisas e lucrar cada vez mais com ele. No entanto,
tomando ciência da força que as redes sociais possuem e buscando se familiarizar com sua
linguagem, produtores de conteúdo alinhados à esquerda começaram a se mobilizar para ocupar
o espaço das redes também. Como exemplos temos os canais de Youtube “Tese Onze”, criado
pela socióloga Sabrina Fernandes, e “Jones Manoel”, criado pelo historiador cujo nome figura
no próprio título do canal, ambos em 2017.
Com o acirramento dos debates políticos ocorrido especialmente no ano de 2018, Rita
Von Hunty inicia uma série de vídeos que acaba por abrir caminho para a formação da atual
linguagem do canal – a qual é marcada por um tom didático e professoral, de maneira que os
vídeos se assemelham ao formato de uma aula – chamada “Rita em 5 Minutos”. Nela, a Drag
fala sobre temas diversos, desde cultura pop a relacionamentos amorosos, sempre lançando luz
sobre o que há de político neles através das lentes da esquerda revolucionária.
5. HIBRIDISMO, ESTRANHAMENTO E POLÍTICA NO TEMPERO DRAG

O hibridismo da Drag Queen é bastante explorado no canal de Youtube eleito como


objeto desta pesquisa, na medida em que Guilherme Terreri usa de uma espécie de oscilação
entre o que poderíamos considerar como a sua própria atitude e a atitude da personagem à qual
ele dá vida. Sendo assim, para investigar o que há de particular na maneira como a linguagem
teatral é utilizada no Tempero Drag para abordar política, escolhemos focar justamente na
tensão personagem-ator. Tal escolha justifica-se principalmente porque o hibridismo entre os
gêneros é lugar comum entre as Drags, mas nem todas elas exploram uma criação mais
elaborada do universo diegético de sua personagem como é feito por Terreri.
Dessa maneira, tendo sido escolhido o método de Análise de Conteúdo por meio da
técnica de Análise de Contingência, estabelece-se como foco da investigação não “o número de
vezes em que certas palavras, temas ou tipos de personagens aparecem numa mensagem, mas
sim como eles estão organizados entre si, ou seja: o que está associado a quê". Assim, busca-se
identificar em quais momentos é possível distinguir uma presença mais forte do ator e em quais
a atitude da personagem domina, observando a maneira como essas mudanças se relacionam
com a mensagem transmitida oralmente.
Para tanto, o material analisado abrange todos os vídeos da série “Rita em 5 Minutos”,
por serem os primeiros vídeos em que a educação política aparece mais claramente como uma
intenção do projeto. Ademais, estabeleceram-se os seguintes critérios para se distinguir os
momentos em que a personagem Rita Von Hunty se mostrava mais presente: o uso da voz mais
aguda e o uso de referências ao seu universo diegético.
Nesse sentido, observamos que em todos os vídeos da série há uma forte presença da
Rita Von Hunty no início do vídeo, especialmente antes que o tema do vídeo apareça na tela –
o qual funciona como uma espécie de vinheta do canal. Esse é o momento em que se faz uma
espécie de esquete, na maioria das vezes relacionadas ao tema do vídeo, na qual as referências
diegéticas marcam forte presença e relacionam-se com afiadas piadas satíricas.
A partir do momento em que a “vinheta” aparece na tela, a atitude da personagem
esmaece-se e dá lugar à do ator, voltando a aparecer mais claramente nos momentos em que o
conteúdo da fala carrega-se de ironia. Essa estratégia potencializa o caráter satírico da fala e
provavelmente contribui para retomar a atenção da audiência, a qual precisa se esforçar para
compreender até que ponto a fala de Rita é literal e em quais aspectos a ironia opera.
Sendo assim, observamos que o ir e vir da personagem, aliado ao hibridismo que já é
característico da Drag Queen, contribui para gerar o distanciamento – tão prezado por Bertold
Brecht – da audiência em relação ao universo diegético da personagem e, portanto, abre espaço
para a reflexão acerca do que está sendo dito.

4. ESTUDO DE CASO: A LINGUAGEM TEATRAL NO TEMPERO DRAG

A opção por eleger como caminho de pesquisa empírica a análise do canal Tempero
Drag em um estudo de caso se dá, principalmente, por ele ser um veículo midiático que combina
a comunicação política de esquerda radical à arte e ao hibridismo próprio da Drag Queen. Ou
seja, trata-se de um canal que apresenta grande potencial de nos revelar, por meio da análise
deste objeto particular, pistas para elaborar novas maneiras de se fazer uma comunicação
política contra-hegemônica eficiente em ambientes comunicacionais mais amplos.
Apesar de existirem outros canais que falem de política por esse mesmo viés, até mesmo
alguns protagonizados por uma Drag (vide o “Doutora Drag”, criado por Dimitra Vulcana), o
“Tempero Drag” nos chama a atenção pelo foco dado ao desenvolvimento da personagem e do
seu universo diegético¹, processo que está em constante diálogo com o propósito do projeto,
qual seja, o de tratar de temas sociais e políticos com humor e arte.

4.1 Metodologia

Como o problema da presente pesquisa refere-se aos efeitos que o uso da linguagem
teatral no Tempero Drag gera em seu público, utiliza-se da ferramenta de entrevistas para
coletar os dados necessários para a análise. Foi proposto que cada entrevistada e entrevistado
assistisse a um mesmo vídeo do canal Tempero Drag, escolhido pelos autores deste artigo, e
somente depois respondessem a um conjunto de questões, algumas delas fechadas e outras
abertas. À luz das elaborações de Bertolt Brecht compiladas na obra Teatro Dialético, tais
questões foram redigidas de modo que, com as respostas, fosse possível identificar se a
espectadora ou espectador assumiu uma postura ativa e crítica enquanto assistia o vídeo e em
que momentos dele tal postura se aflorou mais. Antes mesmo que fossem consultadas as
respostas coletadas, foi também elaborado um padrão do que seria esperado como resposta caso
esse tipo de atitude tenha de fato sido suscitada na pessoa entrevistada, de modo que a posterior
análise dos dados obtidos fosse mais objetiva e esclarecedora.
Quanto à escolha do vídeo para a pesquisa, buscou-se algum que tivesse um uso mais
acentuado da personagem Rita Von Hunty, ou seja, uma esquete inicial mais longa e com maior
sustentação por parte do ator do sotaque, trejeitos e expressões próprios durante todo o vídeo.
Tais critérios se fazem necessários na medida em que a presente pesquisa tem como tema
central o uso da linguagem teatral no canal Tempero Drag, e também levando em consideração
de que alguns vídeos tem a presença de elementos diegéticos da personagem criada por
Guilherme Terreri de maneira mais acentuada que outros, de modo que era necessário realizar
uma seleção cuidadosa das peças audiovisuais. Por fim, um aspecto decisivo foi que no vídeo
escolhido, “O FUTURO DO TRABALHO”, Rita Von Hunty, faz um chamado acalorado para
que quem a assiste tome as rédeas de seu processo de apreensão e tome nota das autores e atores
das referências citadas que lhe interessarem, incentivando que pause o vídeo, se necessário.
Sendo assim, elaborou-se um roteiro de entrevista com dez questões, as quais foram
organizadas em um formulário digital na plataforma Google Forms. Ele foi divulgado em redes
sociais digitais com as seguintes recomendações: “Primeiro, assista com muita atenção ao vídeo
"O FUTURO DO TRABALHO", do início ao fim.
É recomendável que você o assista na velocidade normal e, se possível, use fones de
ouvido. Apenas depois de assistir ao vídeo completo, responda a esse pequeno questionário
anônimo com o máximo de sinceridade possível”, juntamente com dois links: um direcionando
para o vídeo no Youtube e outro para o formulário criado na plataforma Google Forms.
As recomendações também foram inseridas no cabeçalho do próprio formulário.
As cinco primeiras questões foram elaboradas de modo que conseguíssemos lidar com
os dados coletados de maneira mais precisa, uma vez que tais recortes sociais possuem
importante peso na maneira como cada pessoa experiencia o mundo e, consequentemente, lida
com conteúdos midiáticos. As demais questões foram norteadas pela necessidade de se
identificar se houve uma atitude ativa da pessoa entrevistada com relação ao vídeo. Ao fim do
período de coleta de dados, obtivemos 18 entrevistas no total.

4.2 O canal “Tempero Drag” e o teatro dialético de Brecht

Como citado anteriormente, uma das principais referências no que diz ao teatro político
é o trabalho de Bertolt Brecht. Em sua busca de desenvolver novas formas de fazer teatro,
capazes de interferir na luta de classes de modo a fortalecer a conscientização e organização
política da classe trabalhadora, Brecht buscava uma síntese entre o que pareciam ser dois pólos
opostos no fazer teatral, ou seja, o conhecimento e a diversão.
Suas investigações o levaram a desvendar conceitos e técnicas que poderiam nortear a
criação dessas novas formas de teatro. Entre eles está o conceito de distanciamento, muito caro
à presente pesquisa tanto por ser central na elaboração bretchiana, quanto por ser o conceito
que nos ajuda a investigar se a linguagem teatral no Tempero Drag está, de fato, contribuindo
para a formação de um público ativo e crítico diante de seu conteúdo. Tal conceito diz respeito,
primeiramente, a um afastamento emocional da plateia em relação ao que se passa no palco, de
modo que ela possa se aproximar criticamente. No entanto há também um segundo efeito na
plateia, que indica sua apreensão crítica da peça: a postura ativa durante o espetáculo. Ou seja,
o que Brecht buscava era incentivar a plateia a reagir, opinar, tomar decisões e escolher um
lado nos conflitos que se apresentassem.
Para alcançar o distanciamento da plateia, Brecht identificou que algumas técnicas
poderiam ser úteis, sendo possível realizar conexões entre elas e o tipo de atuação realizado no
canal Tempero Drag. Em um de seus escritos, por exemplo, Brecht afirma que “Em momento
algum deve o ator transformar-se completamente em sua personagem” (MACIEL, 1967, p.
203), técnica bastante visível em Rita Von Hunty, uma vez que Terreri permite oscilações entre
as características criadas para a personagem e suas características de ator oscilarem entre si. Em
outro momento do texto, o autor defende que o ator ou a atriz “não deve também simular que o
que está acontecendo no palco não foi ensaiado, e que está acontecendo pela primeira e única
vez”, o que pode ser observado nos vídeos do canal através dos frequentes comentários de Rita
sobre os preparativos que faz para a gravação e até mesmo na coreografia inicial que acompanha
o momento em que ela diz “em algum local desta tela”, a qual se tornou uma das marcas de
seus vídeos. Esses e outros paralelos que podem ser traçados entre a linguagem teatral presente
no Tempero Drag e as elaborações brechtianas levou os autores do presente artigo a lançarem
sua hipótese e buscarem confrontá-la com as entrevistas realizadas.

4.3 Resultados e discussão

Para a análise dos dados coletados, escolhemos focar na segunda metade das perguntas,
ou seja, aquelas relacionadas à percepção da pessoa entrevistada em relação ao vídeo, usando a
primeira metade das perguntas – relacionadas a características sociais da entrevistada – para
elucidar os resultados que obtivemos, quando necessário.
Dito isso, comecemos pelas duas primeiras questões do segundo bloco, as quais foram
elaboradas de modo a identificar se houve distanciamento na medida da sua capacidade de
tomar uma posição autônoma acerca do conteúdo. À primeira delas, “Você discordou de algo?
Se sim, o quê?”, obtivemos apenas 3 respostas mais elaboradas sobre discordâncias,
ponderações e/ou dúvidas, e 15 respostas similares a um simples “não”. À segunda, “Você
concordou com algo? Se sim, o quê?”, foram 14 as respostas elaboradas e 4 respostas similares
a “tudo”.
Na questão “Durante o vídeo, você realizou alguma ação? (Se for o caso, fique à vontade
para marcar mais de uma resposta)”, nos chama a atenção que 10 pessoas indicaram que
pausaram o vídeo em algum momento e 9 sinalizaram que o retrocederam em algum momento,
o que pode indicar uma interação ativa com a peça audiovisual a fim de compreendê-la melhor.
Além disso, na opção “outro” foram enviados relatos interessantes e indicativos de atividade:
“mandei o vídeo pra minha mãe, que é muito de direita”, “pesquisei a notícia sobre a jornada
de trabalho da Finlândia” e “Desabafei com uma camarada de luta. A consciência de classe nos
revolta. O liberalismo é mau caratismo. É preciso organizar o ódio”. Levando em conta todas
as respostas a essa questão, apenas 1 das 18 pessoas entrevistadas respondeu “assisti sem
pausar”, o que pode indicar uma atitude passiva.
À pergunta “Você acessou as referências presentes na descrição do vídeo?” obtivemos
8 respostas que indicavam maior atividade do público, sendo 6 delas “Acessei e salvei para ler
em outro momento” e 2 similares a “vou ler depois”. No entanto, nos chama a atenção que 7
pessoas marcaram a opção “Não acessei porque não tive interesse” e 1 marcou “Acessei mas
não li na íntegra e não vou ler depois”. Além disso, 2 marcaram “Não acessei porque já conheço
as referências”, o que não consideramos uma indicação de atitude totalmente passiva.
Por fim, à questão aberta “Sem retornar ao vídeo, você consegue citar algum momento
dele que ficou na sua memória? Se sim, qual?”, conseguimos identificar que os momentos mais
citados nas respostas foram os que Rita trouxe exemplos concretos da realidade para tecer seus
argumentos (10 citações), quando ela fala sobre a desumanização do trabalhador sob o sistema
capitalista (7 citações), a esquete inicial (5 citações), as passagens de Karl Marx trazidas pela
drag (4 citações), as menções acerca da articulação da burguesia para manter o desemprego
como um projeto (4 citações) e, finalmente, 2 citações relacionadas diretamente a percepções
sobre a drag Rita Von Hunty. Interessante perceber o peso que os temas se conectam
diretamente com o cotidiano do povo trabalhador tiveram nessas respostas, podendo indicar o
alcance de uma visão crítica – e, portanto, distanciada – da própria vida.
De maneira geral, portanto, avaliamos que as respostas obtidas nas entrevistas indicam
que o vídeo do canal Tempero Drag selecionado para a pesquisa alcançou o efeito de
distanciamento, gerando uma atitude ativa entre as pessoas entrevistadas indicou ter alcançado.
Há que se fazer, no entanto, ao menos três ponderações. Primeiro, salientar que observamos
uma tendência maior em se elaborar concordâncias do que discordâncias e ponderações,
apresentando o desafio de dar um passo além no desenvolvimento da crítica do público por
meio da linguagem do canal. Segundo, identifica-se a necessidade de “polimento” das questões
realizadas nas entrevistas, de modo que possamos identificar com mais precisão em que medida
o uso da linguagem teatral é a responsável pelo efeito de distanciamento gerado. E terceiro,
identifica-se que é preciso aplicar essa entrevista a mais pessoas, de esferas sociais mais
diversas entre si, para obter resultados ainda mais ricos e esclarecedores.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo se digladiado em meio à escolha entre a estética e a política, o teatro político
brasileiro esteve usualmente no polo da política, renunciando à primazia da estética como se
renuncia a uma tentação. A linguagem teatral utilizada no canal Tempero Drag, no entanto, ao
associar a arte drag – genuinamente teatral – à realização de debates políticos, logra alcançar
uma importante síntese entre os dois caminhos. Trabalhando a tensão entre gêneros por meio
da estética, Guilherme Terreri segue o caminho aberto pelas demais Drag Queens ao longo da
história de tocar nas feridas da sociedade ao vestir seus padrões arbitrários e evidenciar o quão
vazios de sentido eles são (quando seguidos cegamente e assumidos como naturais).
Explorando a tensão entre personagem e ator, Terreri mantém seu público atento, aberto a
reflexão e tendendo a uma posição mais ativa, o que contribui na percepção crítica do seu
próprio cotidiano.

REFERÊNCIAS
AMANAJÁS, Igor. Drag queen: um percurso histórico pela arte dos atores transformistas.
Revista Belas Artes, São Paulo, n. 16, set-dez/2014

BORGES, Stephanie da Silva. O teatro político brasileiro e seus engajamentos antípodas. Anais
do IV Seminário do Programa de Pós-Graduação em Literatura Brasileira FFLCH-USP,
São Paulo, mar. 2018.

CALDAS, Fernanda Gonçalves. É TV na Internet? Matrizes midiáticas e definições em disputa


do YouTube no Brasil. Compós, Belo Horizonte, jun. 2018.

COSTA, Iná Camargo. Teatro político no Brasil. Trans/Form/Ação, São Paulo, 24: 113-120,
2001.

FREDERICO, Celso. Teatro, comunicação, pedagogia: notas sobre Brecht. Comunicação &
Educação, São Paulo, abr. 2010. p. 35-44.

JENKINS, Henry. Cultura da Conexão. 1.ed. São Paulo: Aleph, 2015.

JÚNIOR, Wilson Corrêa da Fonseca. Análise de Conteúdo. In: DUARTE, Jorge; BARROS,
Antonio. Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação. São Paulo: Atlas, 2005.

MACIEL, Luiz Carlos (org.). Teatro Dialético. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira
S. A, 1967.

WIKIPÉDIA. Diegese. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Diegese>. Acesso em: 09


set. 2021.
Capítulo 5

‘Uma sorte que é sempre a do outro’:


A cobertura dos temas de feministas nas páginas do Projeto Celina, do Jornal O Globo

Vanessa Maia Barbosa de Paiva (UFSJ)


Mayara Fernanda Resende (UFSJ)

1. INTRODUÇÃ O

Toda mulher tem uma história de medo para contar. E tanto maior é esse medo, quanto
pior for a sua condição de existência. Mulheres tem medo da violência sexual; mulheres tem
medo da morte que vem pelas mãos dos companheiros; mulheres tem medo de amar outras
mulheres; mulheres tem medo do desemprego; mulheres tem medo da maternidade porque tem
medo do desemprego. Mulheres têm medo do silenciamento no trabalho e nos estudos.
Mulheres têm medo dos comentários sobre seus corpos e atitudes. Desde os tempos bíblicos,
até os dias atuais, mulheres trazem consigo uma sensação de que a sorte é sempre a do outro,
porque o azar sempre recai sobre elas (DOMINGUES, 2010, p.43). Nos dois últimos anos
(2019/2020), 5.077 mulheres morreram no país em decorrência de feminicídios, que são crimes
de ódio motivados pela condição de gênero13. A situação se agravou ainda mais por conta do
confinamento e pela falta de sustento das famílias, gerados pela pandemia de COVID-19.
A violência contra a mulher, contudo, não se limita ao físico, mas também atinge outras
áreas da existência como, a material: mulheres ganham, em média, 20% a menos do que os
homens14; e a emocional: 80% dos casos de violência psicológica tem mulheres como vítimas 15.
As estatísticas são infindáveis e sempre desfavoráveis. Trazem, com os muitos números que
nos atordoam, um mesmo sentimento: a desconsideração com tudo o que é feminino.
Traduzidas pelo pensamento disseminado de que “coisa de mulher” é coisa fraca ou que merece

13
https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2020/03/05/mesmo-com-queda-recorde-de-mortes-de-
mulheres-brasil-tem-alta-no-numero-de-feminicidios-em-2019.ghtml e
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/06/brasil-registra-1338-feminicidios-na-pandemia-com-forte-alta-
no-norte-e-no-centro-oeste.shtml . Acesso em 27 de abril de 2020 e 19 de junho de 2021.
14
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2019/03/08/ibge-salario-medio-das-mulheres-corresponde-a-795-ao-dos-
homens.ghtml, Acesso em 27 de abril de 2020.
15
Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde. Acessado em
http://www.generonumero.media/violencia-psicologica-vitimas-lei-maria-da-penha-relacionamento-abusivo/.
Acesso em 27 de abril de 2020.
ser desprezada, as estatísticas crescem na proporção do sofrimento. A banalização das situações
de violências assola o país ainda de mentalidade machista e patriarcal. Uma sociedade patriarcal
é aquela que justifica a submissão das mulheres aos homens, justificando esta submissão a
instituições como família, religião, escola e leis, usando de uma “ideologia que ensina que as
mulheres são naturalmente inferiores” (ARONOVICH, 2019, p. 21).
No entanto, como ressaltou Domingues (2010), “o sofrimento pode forçar o pensamento
a pensar o impensável e a criar sentidos para a dor”. (2010, p. 28). E é desse tema que se ocupa
este texto, resultado de pesquisa. Da necessidade de compreender de que maneira a imprensa
massiva e ou comercial está pautando as discussões da desigualdade de gênero em sua cobertura
noticiosa, a partir do projeto Celina iniciado em pelo jornal O Globo no dia 08 de março do ano
passado. O nome é uma homenagem a Celina Guimarães Viana, primeira mulher a exercer o
direito de voto no Brasil, em 1928. O projeto Celina foi criado na redação de O Globo de
maneira a comportar reportagens de todas as editorias do jornal que abordem os temas
relacionados aos direitos das mulheres à igualdade de gênero. Os conteúdos são
disponibilizados nas versões impressa e digital. A editora responsável pelo projeto, Maria
Fernanda Delmas, afirma, em entrevista ao portal Celina, na página de O Globo, na internet,
que o Celina “surgiu a partir de conversas na redação de que estes temas deveriam ser cobertos
de maneira mais assertiva”.16 Entende-se que, tardiamente, a imprensa comercial compreendeu
que não pode mais ficar de fora das discussões da perspectiva de gênero, que já estão sendo
feitas pela imprensa não comercial como os portais Geledés 17 e Catarinas18.

2. DOS ESTUDOS DE JORNALISMO VERSUS FEMINISMO

Na revisão teórica dos estudos de jornalismo que tangenciam essa temática, identificam-
se quatro eixos de abordagens. O primeiro diz respeito à especificidade da existência de uma
imprensa feminista, com enfoque da atuação desta imprensa nos momentos históricos
brasileiros. São assim os trabalhos de Woitowicz (2012; 2014) que abordam uma imprensa que
noticia a busca das mulheres pelo direito ao ativismo e à cidadania; e o que destaca o papel da
imprensa feminista durante a ditadura militar brasileira. Nos dois trabalhos a autora enfoca o
esforço para organizar movimentos de conquista de direitos, sendo o segundo trabalho:

16
https://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2019/03/08/celina-o-projeto-do-globo-que-foca-
diversidade.html. Acesso em 27 de abril de 2020.
17
https://www.geledes.org.br/. Acesso em 27 de abril de 2020.
18
https://catarinas.info/. Acesso em 27 de abril de 2020.
Resistência das mulheres na ditadura militar brasileira, imprensa feminista e práticas de
ativismo (2014), elaborado com base nessas práticas observadas nas décadas de 1970 e 1980.
O segundo eixo diz respeito a temas feministas em jornais comerciais. Destacamos o trabalho
de Sarmento (2019) que abordou a cobertura jornalística sobre o feminismo brasileiro
enfocando a relação público e privado nas narrativas sobre ativismo, tendo como base o Jornal
Folha de São Paulo. O período coberto pelo estudo foi de 1921 a 2016.
Quanto à terceira perspectiva, trata dos estudos do jornalismo em portais de notícias não
comerciais, caracterizados pelo que entendemos de mídia de nicho, uma vez que voltam sua
produção para pessoas já interessadas nos estudos de gênero, raça e na interseccionalidade
existente. Na mídia de nicho, o público já entende algumas questões e conceitos que não
precisam ser detalhados, uma vez que a audiência já tem a condição necessária para
compreender os assuntos tratados sem a explícita explicação das temáticas. Este movimento
não é possível à mídia comercial porque esta fala para muitos públicos e está, sempre, em busca
de outros novos. Dentre esses estudos – o de portais de notícias alternativos - destacamos o
trabalho de Costa (2017): Jornalismo Feminista – o impacto das problematizaç ões de gênero
na prática jornalística, que aborda o jornalismo feito pelo Portal de Notícias Catarinas, fundado
em 2016. Nesse estudo, a autora defende que o “feminismo tem muito a acrescentar ao
jornalismo e que o trabalho desenvolvido por jornalistas feministas pode trazer um novo olhar
sobre a profissão” (COSTA, 2017, p.17), uma vez que os parâmetros da objetividade e da
imparcialidade já não são possíveis em um jornalismo que tem uma causa.
Por último, em uma quarta perspectiva, trabalhando no encontro entre a mídia comercial
e os portais de notícias alternativos, destacamos o estudo de Cruz (2018) que analisa a cobertura
noticiosa sobre a violência contra mulheres negras realizadas pelo jornal Folha de São Paulo e
pelo Portal Geledés, especializado na abordagem dos temas interseccionais de gênero e raça.
Neste trabalho a autora procurou compreender como a grande imprensa abordou a questão dos
direitos das mulheres negras e suas respectivas lutas quando estes assuntos foram abordados
por autoras ativistas negras. O estudo analisou os materiais online disponibilizados pela Folha
de São Paulo e pelo Portal Geledés. Assim, entendemos que podemos selecionar os estudos de
jornalismo que envolvem a temática proposta por essa pesquisa em (1) estudos de uma imprensa
declaradamente feminista, feita a partir de jornais menores; (2) estudos que enfocam temas
feministas em jornais comerciais; (3) estudos que tratam de abordagens noticiosas em portais
de notícias não comerciais e/ou alternativos e (4) os estudos que se dedicam a compreender as
ressonâncias e dissidências entre a mídia comercial e os portais de notícia alternativos. Com
base nesse levantamento que realizamos e nos próximos que serão pesquisados ao longo da
execução do projeto, entendemos que teremos que estudar a contribuição de cada um desses
eixos, uma vez que projeto Celina não é declarado como imprensa feminista, embora trate de
questões presentes no jornalismo declarado como tal. A classificação do Celina também é
complexa porque ele não é admitido como uma editoria fixa dentro de O Globo, nem é um
portal de mídia independente como o Projeto Catarinas e o Projeto Geledés. E a ausência de
uma definição teórica adequada para entender esse objeto, nos move ainda mais em direção à
essa pesquisa, uma vez que entendemos que é preciso compreender os fenômenos emergentes
do e no Jornalismo.

3. DOS ESTUDOS DO FEMINISMO

Teoricamente, entendemos que este projeto também terá que se debruçar sobre os
estudos feministas que estão sendo, finalmente, publicados e comunicados em eventos
científicos, livros e artigos especializados. Também defendemos que o estudo dessa literatura
específica pode nos ajudar a compreender conceitos, contextos e construções históricas acerca
do que foi produzido como conhecimento acerca da mulher, bem como as problematizações
que as estudiosas estão fazendo quando nos apresentam abordagens de questões como
patriarcado, gênero como categoria, identidades, opressões, interseccionalidades e
feminismo(s). Com (LERNER, 2019 e ARONOVICH, 2019) entendemos que o patriarcado é
um conceito formulado para denunciar um sistema cultural que preconiza a anulação do
feminino diante do masculino. Esse sistema não funcionaria, segundo as autoras, se não
estivesse ancorado em instituições constitutivas de nossa sociedade como família, religião,
sistemas educacionais que privam mulheres de uma educação emancipadora/libertadora.
A criação de um sistema patriarcal está profundamente relacionada à noção de
propriedade privada que autoriza homens a “serem os donos” do sistema reprodutivo, material,
político e cultural das mulheres. Até hoje podemos entender bem como isso se dá no dia a dia
de mulheres quando conhecemos o preconceito destinado àquelas que desejam ter filhos, mas
não desejam ter homens. “Mãe solteira”; “Quem é o pai?”; “Filho de quem?” são antes de
perguntas, violências praticadas contra mulheres até mesmo por mulheres, uma vez que,
segundo Lerner (2019) e Aronovich (2019) o patriarcado não teria sido instalado com tanto
sucesso em nossa sociedade se ele não contasse com o apoio das mulheres para o seu
desenvolvimento. O mesmo acontece nas demais instâncias. Às mulheres foi proibido, por
muito tempo, o direito de trabalhar “fora” (as poucas profissões permitidas eram as de
professoras, enfermeiras e costureiras) e o “trabalho de casa” sempre foi invisibilizado por ser
considerado menor, embora saibamos todo o esforço que ele necessita para ser realizado.
Nas instâncias políticas e culturais, a situação também se repete. O direito do voto de
mulheres só foi equiparado aos dos homens em 1965 (LIMONGI, OLIVEIRA E SCHMITT,
19
2020). Além disso, mulheres que ousavam carreiras artísticas sempre recebiam os piores
insultos porque arte só pode ser coisa de “vagabunda” ou, a uma artista só é possível aparecer
se ela estiver tutelada por um homem. Residem aí as histórias de Camile Claudell e Frida Kahlo.
No Brasil, segundo a historiadora de artes, Ana Paula Simioni (2018) as mulheres tinham que
se “contentar” com o status de amadoras, não obstante a qualidade de seus trabalhos, uma vez
que não lhes era dado o direito de buscar profissionalização, porque “até 1889, as mulheres
eram proibidas de se inscrever na maior parte dos cursos superiores. Apenas após a proclamação
da República, o acesso ao estudo foi liberado e, mesmo assim, ainda havia uma forte oposição
da sociedade”. (SIMIONI, 2018.s/p).20
A discussão de gênero está profundamente imbricada nas relações de poder, uma vez
que a categoria gênero é um elemento constitutivo das “relações sociais baseado nas diferenças
percebidas entre os sexos; uma forma primeira de significar as relações de poder”. (SCOTT,
2019, p.48). Com Audre Lorde (2019) entendemos que as opressões não deveriam ser
hierarquizadas porque a luta contra a intolerância não seria a luta de um grupo específico.
Assim, esta autora também aborda um conceito caro que é o da interseccionalidade, uma vez
que sempre seremos menores se negarmos aos outros, toda a luta que empreendemos em nossos
direitos de existir (LORDE, 2019, p. 236). Então, para Lorde (2019), devemos falar de
feminismo, de racismo, de sexismo, de luta de classes, e de todas as outras opressões que se
atravessam nos muitos contextos das existências de mulheres. E é também com Lorde que
encerramos essa breve revisão, entendendo que fomos preparados para reagir ou com medo ou
com ódio às diferenças humanas.
E como não será para nós possível ignorar essas diferenças, fabricamos duas maneiras
de lidar com elas: “imitá-las se acharmos que são dominantes, ou destruí-las se acharmos que
são subordinadas” (LORDE, 2019, p. 238). Segundo a autora, não nos foram ensinados modelos
para conviver com nossas diferenças e estas têm sido mal interpretadas e mal utilizadas a
serviço da separação. Ou, como respeitosamente gostamos de acrescentar, a serviço da
dominação.

19
Só uma observação em tempo. A Celina que dá nome ao projeto que pretendemos estudar, teve o direito de voto
cassado.
20
https://artebrasileiros.com.br/da-redacao/as-artistas-esquecidas-pela-historia. Acesso em 27 de abril de 2020.
4. MOTIVAÇÕES DESTE ESTUDO

A pesquisa que originou este texto se insere na área de Comunicaçaõ Social, nos Estudos
de Jornalismo e nos Estudos do Pensamento Feminista. Entende-se que a tomada de
conhecimento sobre o projeto Celina será de grande contribuição para a área porque esta é a
primeira vez que os temas do combate à violência de gênero, às opressões e às invisibilidades
das mulheres chega nas páginas de um grande jornal do país, no caso o jornal O Globo, como
um projeto do jornal. Também entendemos a importância da tipologia destes estudos na
contribuição teórica e nos avanços conceituais. Como foi mencionado na revisão de literatura
– parte dos Estudos de Jornalismo versus Feminismo – o projeto Celina não é um jornalismo
que se declara feminista; não é também um jornalismo que deixa os assuntos específico de
denúncias contra a existência de mulheres diluído em suas páginas e nem é um jornalismo
informacional, que trabalhe apenas com dados e declarações.
No Celina estão pautados debates, e as matérias informacionais estão sempre
acompanhadas de uma análise daquela conjuntura a partir das fontes selecionadas para tal
questão. Há também uma outra intersecção que nos instiga. O Celina não é um Portal de
Notícias como o Catarinas ou o Geledés. Celina tem culturalmente os valores dos dois portais
citados anteriormente, mas ele foi gestado dentro de uma grande mídia de massa. Portanto, é
preciso entender esta gênese, uma vez que esta, reiteramos, é uma iniciativa pioneira na mídia
massiva brasileira. Também entendemos que estudos desta natureza devem ser realizados
porque a mídia exerce um papel ambivalente no sentido de defesa das causas das mulheres:
mesmo que o objetivo prioritário seja vender, ainda que padronize enfoques e, ainda que noticie
para um público conservador, a iniciativa do Celina, abordada neste artigo, também permite o
acesso a fontes e pensamentos que, se não fosse essa nova moldura, talvez não estivessem
presentes nas páginas de O Globo. Há ainda uma outra questão que gostaríamos de apresentar.
Alguns leitores evitam a leitura de temas identitários e de defesas de causas por uma série de
fatores. Contudo, com esse projeto editorial dentro das páginas e do site de O Globo, é
praticamente inevitável ter contato com os temas dadas a distinção e a apresentação com que
Celina é levado ao público leitor.

5. RESULTADOS A PARTIR DOS OBJETIVOS ESTABELECIDOS


Com base na primeira parte da pesquisa que originou este texto, destacamos os
primeiros resultados. Antes, explica-se que os resultados foram obtidos a partir da pesquisa
bibliográfica que buscou entender temas como (a) Jornalismo e suas interfaces com temas do
feminismo ou jornalismo feminista; (b) Patriarcado; (c) Gênero como categoria; (d) Opressões
interseccionalidades e (e) Feminismo(s) e da análise da cobertura dos temas a partir dos valores-
notícias destacados para que cada informação seja selecionada para vir a público 21.
Trabalha-se, na pesquisa, com o entendimento da análise de conteúdo a partir das
categorias que estão sendo delineadas, dentre as quais podemos destacar (a) situações ou
denúncias de violência; e (b) visibilidade de mulheres que conquistaram relevância em suas
áreas de atuação. Como resultados obtidos a partir da pesquisa bibliográfica e da análise do
valores-notícias percebemos que, os temas da violência de gênero e a valorização do feminismo
e do feminino ocupam a totalidade da cobertura. No primeiro caso, 87 de 100 matérias e, no
segundo, caso 60 de 100 matérias. Este resultado para nós é expressivo porque a nossa principal
questão de entendimento para o projeto Celina era entender de que maneira os temas da
violência de gênero e da valorização do feminino/feminismo estavam sendo apresentados por
este projeto editorial de O Globo.
Na análise da cobertura delineada a partir de valores notícias chegamos aos valores de
preservação da vida (100% das matérias); preservação do emprego e valorização da mão de
obra das mulheres 70%); interseccionalidade (47% dos temas) e diferença de gênero (90% dos
temas porque diluído nas demais questões). Com base nestes resultados conclui-se que a maior
parte do noticiário do projeto Celina procura combater a violência de gênero das mais variadas
formas (feminicídios, violência emocional, assédio sexual, desrespeito, xenofobia e racismo).
Também busca a valorização do emprego, mercado de trabalho e melhores condições de
existência. Há ainda uma categoria que apareceu na pesquisa e que foi relevante para nós que é
a valorização das diferenças das mulheres, com noticiário sobre mulheres negras e mulheres
trans. Inferimos, a partir destes resultados, algumas apostas conclusivas. As matérias que
divulgam o combate à violência de gênero já contam com uma audiência favorável do público
porque as mulheres se reconhecem nos temas abordados. A segunda conclusão em andamento
é a de que existe nesse tipo de projeto editorial um forte caráter de denúncia tendo em vista a

21
Em uma breve explicação sobre valores notícia, aprendemos que a informação como dado bruto não é notícia.
A notícia é um produto elaborado, trabalhada a partir de valores que aumentam sua possibilidade de vir a público.
Dentre estes valores, destacamos a proximidade com o fato, a quantidade de pessoas envolvidas, a repetição da
ocorrência do acontecimento, entre outros (WOLF, 1999).
atitude de abandonar o silenciamento dos temas que envolvem a desconsideração com a vida
das mulheres.

6. CONCLUSÃO

Pais, maridos, namorados, colegas de trabalho, colegas de universidade, mães, tias,


colegas de quarto...não há um perfil dos agressores de mulheres em um país colonialista,
patriarcal e machista. Mães criam filhos machistas e autoritários, tias reforçam discursos de
descredenciamento de sobrinhas quando em embates com os sobrinhos homens. Maridos acham
que são donos dos corpos, namorados acreditam que podem vazar “nudes”, gritar ofensas,
agredir. “Coisa de mulher” é, no Brasil, coisa a ser desprezada, depreciada, violentada,
agredida, silenciada. É árdua e prazerosa a leitura das matérias escolhidas pelo projeto Celina
para apresentar à sociedade brasileira o quanto as mulheres nacionais ainda se encontram em
uma situação de desumanização e de escravidão. As estatísticas crescem na proporção do
sofrimento, como já dissemos anteriormente, mas agora este sofrimento já é notícia de jornal,
já não está mais silenciado ou confinado a lugares específicos.

REFERÊNCIAS
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Capítulo 6

O Imaginário sobre o Feminismo no Brasil no Século XXI:


Uma análise das publicações nas Revista de Estudos Feministas

Jordana Nery Figueiredo (UFSJ)

RESUMO: O artigo traz um mapeamento do pensamento feminista realizado através de


análises dos dossiês publicados na Revista Estudos Feministas de 2000 a 2020. Ao longo de
sua existência, o feminismo vem se transformando e moldando suas reivindicações e lutas de
acordo com as preocupações e os problemas de seu tempo. O feminismo é posto em prática pela
atuação de feministas acadêmicas e militantes, que travam diálogos para pensar sobre as
potencialidades, obstáculos e desafios da luta política por emancipação das mulheres. Entende-
se emancipação como libertação de todas as formas de opressão e dominação social injustas às
quais as mulheres estão sujeitas. Com o objetivo investigar o desenvolvimento do imaginário
feminista no Brasil no século XXI, articulando os conhecimentos teóricos, ideias e práticas que
caracterizam o feminismo, foram realizadas discussões entre a professora orientadora, a bolsista
em atividade e a voluntária da pesquisa.

PALAVRAS-CHAVE: Feminismo; Nina Lemos; Publicações científicas;

INTRODUÇÃO

O feminismo como um movimento intelectual, social e político, se espalhou pelo mundo


todo nas últimas décadas. Com suas temáticas presentes no cotidiano e que impactam as
relações sociais de mulheres, homens e toda a sociedade, tornou-se um dos movimentos globais
mais bem-sucedidos, com seus efeitos sendo observados tanto na esfera pública quanto na
privada. A família, o trabalho, a política, a economia e a cultura são ambientes que questões
feministas encontram raízes. Neste sentido, Nancy Fraser (1998) afirmou que o movimento
político das mulheres, explicitamente feminista ou não, acabou por pautar a agenda mundial do
século XX, de fato.
Apesar de toda a luta feminista ter se iniciado no século XIX, principalmente em busca
do direito à educação e, posteriormente, do direito ao voto, o movimento feminista viveu
momentos de baixa intensidade após a primeira onda de reivindicações. Porém - e com uma
força não observada antes - voltou a emergir na década de 1960, período das revoluções social
e cultural que impactaram grande parte do mundo no período de prosperidade após a Segunda
Guerra Mundial. As mulheres adquiriram identidade política e com isso conseguiram pressionar
por mais direitos que lhe garantissem uma maior igualdade entre os sexos. Avanços antes
impensáveis em outros períodos foram conquistados pelas feministas da segunda onda, que
agora ocupavam mais cargos no mercado de trabalho e preenchiam parcelas consideráveis das
universidades, primeiro como acadêmicas, depois como professoras e pesquisadoras.
Foi na agitação causada por estas mudanças, em consonância com a crise dos
paradigmas históricos que não contemplavam inquietações da época e com o aumento da
participação de grupos, até então marginalizados pela história, que o campo teórico autêntico
relacionado à História das Mulheres e aos estudos sobre teorias feministas se estabeleceu. Os
avanços conquistados pelo feminismo nos anos 1960 resultaram no fortalecimento do campo
da história das mulheres nos anos 1970. Segundo Constância Lima Duarte (2003), nos anos 70,
a história presenciou um momento exuberante da história do feminismo com uma segunda onda
que foi capaz de modificar radicalmente os costumes e radicalizar as reivindicações das
mulheres.
No Brasil, o fortalecimento do movimento feminista se deu também nos efervescentes
anos 70, com o retorno de brasileiras intelectuais ou militantes de esquerda que foram estudar
ou foram exiladas para a Europa e Estados Unidos na época de ditadura. Conduzidos por essas
mulheres, em sua maioria brancas, de classes média e alta, grupos de reflexão sobre a condição
de cidadãs de segunda classes foram criados. Considerando que o país saía de um período de
terror e que as condições socioeconômicas e culturais da época são essenciais para compreensão
dos métodos e desdobramentos do movimento no Brasil, pode-se então entender
particularidades do feminismo no Brasil. Diferentemente da Europa e Estados Unidos, países
desenvolvidos que vivenciavam a época da revolução sexual, discussões em relação à liberdade
sexual, ao direito ao corpo e ao aborto, no Brasil, a luta era pela redemocratização após o
período sombrio da História no país e os interesses relativos à sexualidade eram motivo de
embate entre as feministas e os movimentos que lutavam junto a elas contra a ditadura
(MATTOS, 2022, no prelo).
No entanto, internamente, também havia disparidades. Hobsbawm (1995) pontua o
distanciamento que as feministas brasileiras representavam em relação à realidade social: o
problema de classe à época era a dificuldade de conciliação com emprego fora de casa e a
família, problema esse enfrentado apenas pelas mulheres burguesas, uma vez que as mulheres
pobres já haviam saído de casa para trabalhar em momentos muito anteriores ao final da
Segunda Guerra Mundial. Outro questionamento pertinente à produção feminista da segunda
onda, segundo Cláudia de Jesus Maia (2016), dizia respeito a construção da ideia de um sujeito
universal feminino que é “centrado na mulher branca, burguesa, heterossexual e católica” que
acabava por ignorar qualquer outro tipo de desigualdade de gênero.
Nos anos que se seguiram e a partir dessas críticas, o foco das discussões feministas
passou a ser a diferença, adotando-se o termo gênero para “enfatizar as conotações sociais de
gênero em contraste com as conotações físicas de sexo” (SCOTT, 1992). A categoria passou a
representar, além da diferença entre os sexos, as diferenças dentro das próprias diferenças,
destacando dentro do movimento todas as mulheres que não se encaixavam na “hegemonia
heterossexual da classe média branca do termo ‘mulheres’, argumentando que as diferenças
fundamentais da experiência tornaram impossível reivindicar uma identidade isolada”
(SCOTT, 1992). Assim, mulheres negras, lésbicas, pobres, mães solteiras e outras várias
puderam finalmente ser introduzidas no debate, ressaltando a necessidade e o desafio de se
repensar tanto a teoria quanto a prática do movimento nos anos que estavam por vir.
Hoje, as feministas da quarta onda apoiam-se em um molde mais global, unindo teorias
e vivências estrangeiras e interseccionais e têm como característica principal a presença online.
Este, inclusive, é o principal traço da nova consciência feminista: a apropriação das mídias
digitais. Conhecido como ciberfeminismo, o ativismo de mulheres na esfera digital tem seu
início na década de 90 e, à época, aproximava-se de tendências mais liberais, questionando as
relações entre as mulheres e a informática e seu posicionamento no mercado de trabalho
(LEMOS, 2009). Com a evolução tecnológica e a expansão do uso de dispositivos online, mais
mulheres de outras classes sociais conseguiram adentrar ao meio digital e torná-lo campo de
troca de experiências e consolidação de teorias. Se hoje em dia o feminismo compõe o
imaginário cultural de mulheres de todos os tipos, vivências e marcadores sociais, é devido à
profunda relação entre mulheres e redes sociais. E esta relação imprimiu uma nova dimensão
às lutas feministas.
Os feminismos de quarta onda apresentam mais duas características que marcam a sua
contemporaneidade. A primeira é a aproximação com a política, resultado das lutas anteriores
que abriu espaço para uma agenda em que o acesso de mulheres em espaços de representação
política e em órgãos de criação e gestão de políticas públicas é reivindicado e atendido, mesmo
que não integralmente (MATOS, 2010; MATOS; PARADIS, 2014). A segunda é a
aproximação com a sociedade por entre movimentos e organizações sociais, ocupando espaços
heterogêneos. Neste sentido, os coletivos estudantis aparecem como a expressão fluida e
pulverizada de uma nova forma de organização que não possui relação próxima com Estado e
que tem sua estreita relação com a internet como ponto forte (PEREZ; RICOLDI, 2018). Os
coletivos demonstram a proximidade entre a academia e os movimentos sociais, entre militância
e pensamento, teoria e ação e também têm sido responsáveis pela ampla difusão do feminismo
em nossa cultura (MATOS; PARADIS, 2014).
As discussões dentro do feminismo acompanham o ritmo da sociedade: muitas se
encerram pelo progresso da mesma e outras novas aparecem, pelo mesmo motivo. O
movimento feminista apresenta esta característica bastante particular de ser um movimento que
cria sua própria reflexão crítica, aliando a militância ao debate acadêmico. Como Fraser (2017)
propõe, ao levarem as questões da vida prática, ao denunciarem as formas de exclusão social e
preconceitos sofridos na “vida real”, os movimentos feministas estimulam o estudo, a discussão
e a busca por soluções para as práticas de dominação e hegemonia presentes nas instituições e
nas relações sociais como um todo, pela academia. E o contrário também é verdadeiro: a teoria
soma-se à luta social ao fazer o seu diagnóstico crítico, o desenho da sua atuação e o seu
embasamento histórico contribuindo para a sua legitimidade frente aos questionamentos da
sociedade. Por esta sua dupla característica, tanto o movimento feminista quanto seus estudos
teóricos ultrapassaram suas fronteiras e estimularam uma interessante discussão e um novo
arranjo em diversas áreas na história dos movimentos sociais e nas próprias teorias das Ciências
Humanas em geral (COSTA, 1998).
Como forma de observar esse movimento, o artigo tem como proposta mapear o
pensamento feminista no Brasil nos últimos 20 anos por meio das publicações realizadas na
Revista Estudos Feministas (REF) organizadas na forma de dossiês temáticos e, assim,
acompanhar a oscilação entre pautas dentro do movimento com a passagem do tempo. Segundo
a própria definição da revista para os dossiês temáticos, o seu propósito é compilar “assuntos
atuais e de relevância para pesquisadores e ativistas”. Nesse sentido, torna-se um guia temático
de pautas debatidas pelo feminismo no Brasil nos dias de hoje, apresentando-se como um
acervo rico para pesquisa. Dessa forma, mapear o pensamento feminista é um meio de realizar
um registro histórico de como a pauta feminista moldou e foi moldada pelo próprio curso da
sociedade brasileira ao longo dos últimos 20 anos.

2. O CORPUS DA PESQUISA E A METODOLOGIA


A escolha da Revista Estudos Feministas foi feita em função de sua relevância para os
estudos sobre o tema no Brasil. A REF é um periódico interdisciplinar, sediada na Universidade
Federal de Santa Catarina, sendo qualificada como A1 no ranking de periódicos da CAPES
(Qualis), na área de História. Criada em 1992 foi, junto com a revista Cadernos Pagu, pioneira
na publicação dos estudos feministas e de gênero no Brasil. A revista faz parte da plataforma
SciELO, é uma publicação quadrimestral, sendo disponibilizados todos os seus números desde
2001. Portanto, o trabalho procura observar os fluxos de discussão temáticos através da
interface entre as teorias e os movimentos sociais das últimas décadas. Ou seja, as discussões
que são trazidas pelos movimentos para os estudos teóricos e o contrário também, favorecendo
uma troca e uma retroalimentação de temas e problemáticas. Como afirma Fraser, existe uma
relação de influência mútua entre teoria e prática feminista. Os movimentos feministas
explicitam as formas de opressão e exclusão social das mulheres nas práticas sociais e
institucionais, denunciando como ocorre a naturalização da dominação social injusta. Por sua
vez, “a contribuição da teoria seria fazer um diagnóstico crítico sobre as lutas sociais de seu
tempo para dar expressão a elas” (MATTOS, 2020).
Quanto ao desenho metodológico, o mapeamento da imaginação feminista na
contemporaneidade foi realizado a partir do estudo de dossiês temáticos publicados na Revista
Estudos Feministas ao longo das últimas duas décadas. Os dossiês temáticos publicados pela
REF de 2000 a 2020 já haviam sido levantados numa primeira etapa da pesquisa, totalizando
24 dossiês ao longo do período.22
Levantados os dossiês e mapeados numa planilha, partiu-se para a leitura e análise de
cada dossiê a partir de um roteiro de discussões, tendo como parâmetro o foco do debate sobre
gênero, buscando trazer proximidade com a agenda feminista atual até pelos retrocessos
gerados pelo governo Jair Bolsonaro (PL) no que diz respeito às pautas relacionados aos direitos
das mulheres e aos direitos humanos. 23

22
Inicialmente, a outra integrante e bolsista do Programa de Bolsa de Iniciação Científica (PIBIC/UFSJ), Ketherlin
Merilin Xavier, também orientada pela professora Dra. Patrícia Matttos, realizou o levantamento de todos os
dossiês publicados pela REF de 2000 a 2020, disponíveis para acesso online na plataforma SciELO e os organizou
em uma planilha no Excel contendo a data das publicações e os títulos dos mesmos
23
Em virtude da pandemia de Covid-19, os encontros foram realizados de forma semanal ou quinzenal através da
plataforma Google Meet. A orientadora, Patrícia Mattos, selecionava o dossiê a ser analisado e as alunas se
organizavam para ler os artigos incluídos e trazer para a discussão no encontro marcado. Iniciamos a leitura a partir
dos que foram publicados mais recentemente, isto é, no ano de 2020, como forma de trazer a discussão mais
próxima à realidade atual, em tempos de retrocessos na agenda feminista pela eleição de Jair Bolsonaro à
Presidência da República. Em março de 2021 organizamos a dinâmica dos encontros e começamos, de fato, no
mês seguinte, na modalidade virtual (via Google Meet), uma vez que a pandemia ainda perdurava.
Quanto à análise propriamente dita dos dossiês temáticos da Revista, no início, eram
lidos e analisados todos os artigos presentes que, em média, eram em torno de seis artigos por
dossiê. Conforme a pesquisa foi sendo desenvolvida, por sugestão da orientadora, houve um
recorte para que se concentrasse a leitura e a análise em quatro artigos por dossiê, permitindo
um maior aprofundamento da investigação. Além dos dossiês, nós, bolsistas, passamos a
analisar também os editoriais gerais da revista, publicados em cada edição, como forma de
entendermos o espírito do tempo em que aquele trabalho havia sido escrito. As publicações da
REF contam com dois editoriais, um referente ao conteúdo de todos os artigos publicados na
revista, elaborado pelas autoras que compõem o corpo editorial, e outro referente aos textos que
compõem o dossiê, escrito pelas/os organizadoras/es do dossiê. O editorial elaborado pelas
editoras da REF costuma expressar como se encontra a conjuntura política e social do país
naquele período, importante para identificarmos quais temáticas estavam emergindo na
sociedade e como o feminismo da época dialogava com elas.
Em relação à minha percepção do projeto, avalio que a forma com que o trabalho foi
conduzido foi bastante confortável. Começarmos por dossiês mais atuais foi uma estratégia
interessante, visto que estamos vivendo os tempos e lendo sobre os tempos, o que auxiliou até
mesmo na adesão ao projeto. A partir de um tempo de encontros, começamos a mesclar artigos
de dossiês mais antigos com alguns mais novos e foi ainda mais interessante poder, então,
estabelecer uma linha do tempo dos acontecimentos. Os encontros eram agradáveis e nossas
discussões me inspiraram bastante em outros segmentos da minha formação, como a ideia para
o meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

3. RESULTADOS DA PESQUISA

Dentre os 24 dossiês que foram analisados, alguns chamaram mais atenção, seja por sua
complexidade, seja por sua relevância. Pelas análises no trabalho realizado, foi possível
observar que, enquanto alguns temas se mantinham em destaque nas publicações, aparecendo
em diversas edições, outros surgiam de forma pontual. Desta forma, percebe-se que os temas
recorrentes acabam por refletir os debates que ocorriam no meio acadêmico, nos movimentos
feministas e na sociedade em geral e, em sua maioria, são os que tratam da implementação de
políticas públicas e dão início a um processo de mudança de mentalidade.
Foram inúmeros artigos lidos que perpassam várias correntes teóricas e, neste texto,
serão abordados os temas que mais ganharam destaque nas discussões dos dossiês e que foram
mais interessantes para o aprofundamento dos debates sobre as conquistas, desafios e
obstáculos para a implementação de uma agenda feminista que garanta os direitos das mulheres
no Brasil.

3.1. As publicações feministas dentro e fora da Academia

O Dossiê “Publicações feministas brasileiras: compartilhando experiências”, incluído


no volume 1 da revista, no ano de 2003, apresentou um balanço bastante rico dos trabalhos
sobre temas feministas dentro não só da academia, mas da mídia como um todo. A autora
Rosalina de Santa Cruz Leite (2003), por exemplo, no artigo “Brasil Mulher e nós mulheres:
origens da imprensa feminista brasileira” traz a história dos primeiros jornais nacionais feitos
para e por mulheres no período pós-1975 intitulados “Brasil Mulher” e “Nós Mulheres”. A
autora lembra que existiam outras publicações no período do governo militar, consideradas
alternativas ou “imprensa nanica” e que eram difundidas, principalmente entre a militância,
mesmo que fossem também disponibilizados em bancas de jornal. Em certo momento, dentro
da ditadura, houve um maior movimento na esfera política e um abrandamento da censura, fase
em que os dois jornais feministas trabalhados no artigo vão surgir. A autora cita Maria Paula
Araújo (2000) apud Leite (2003) ao afirmar que os jornais feministas foram inovadores não
apenas em termos de linguagem, de reivindicações e de propostas, mas também na forma de
divulgar uma visão de mundo e uma nova concepção de política.
As feministas militantes dos dois jornais eram, em sua maioria, de esquerda e haviam
passado pelos horrores da ditadura. Ainda que tivessem tal posição política, havia raízes da
sociedade patriarcal no movimento como um todo, refletindo até mesmo na forma de se pensar
o jornalismo para mulheres. O fazer jornalístico, as matérias escolhidas, a estrutura das
empresas de jornalismo que escreviam para mulheres e por mulheres tentavam não reproduzir
comportamentos patriarcais presentes no corpo e equipe editoriais de organizações jornalísticas
de esquerda, como um todo, porém atritos eram comumente observados já que o molde
tradicional de produtos jornalísticos era pensado para leitores masculinos e brancos, em sua
maioria. A tentativa de romper com este modelo era comunicada logo nos editoriais das revistas.
Deve-se ressaltar que o momento histórico e político exigia um posicionamento que priorizasse
a luta contra a ditadura militar e a busca pela volta da democracia, colocando, muitas vezes, em
segundo plano, as questões mais voltadas para a emancipação feminina que naquele momento
se mesclavam ao direito de voltar a ter liberdade política.
Rosalina Leite (2003) comenta também sobre a dificuldade em se manter os jornais,
tendo em vista que na época ainda não existia a prática de apoio de fundações e outras
organizações da sociedade civil, nacionais ou internacionais, a projetos de cunho social. As
publicações se mantinham com contribuições mensais de leitoras sensibilizadas com a
necessidade de se manter estes projetos e mesmo na precariedade, o Brasil Mulher chegou a
quase 10 mil tiragens em grandes produções.
Em meio às adversidades de seu tempo, os jornais foram o espaço usado por
organizações populares de mulheres da periferia das grandes cidades, como São Paulo e Rio de
Janeiro, reivindicando direitos e ganhando voz por entre os espaços descobertos pela grande
mídia. Eram mulheres que se auto organizavam nas periferias, em busca da garantia de direitos
sociais e as feministas preocupadas com a emancipação feminina, a discriminação, a
sexualidade, o poder, reinventando uma nova forma de fazer política junto com a luta
reivindicativa das classes populares. Partem, também, das mulheres, as primeiras
movimentações pedindo Anistia. No Brasil de 1975, em plena ditadura militar, o Brasil Mulher,
em seu primeiro número, surge como porta-voz desse movimento.
Segundo Leite (2003), a dificuldade em se manter os jornais, tendo em vista que na
época não existia a prática de apoio de fundações e outras organizações da sociedade civil,
nacionais ou internacionais, a projetos de cunho social. As publicações se mantinham com
contribuições mensais de leitoras sensibilizadas com a necessidade de se manter estes projetos.
Mesmo assim, o Brasil Mulher chegou a quase 10 mil tiragens em grandes produções, o que o
diferenciava dos outros muitos que padeciam até fechar, por falta de incentivo financeiro.
Por fim, a autora sintetiza e reconhece o quanto os jornais Brasil Mulher e Nós Mulheres
retrataram não só a luta pela anistia e pelas liberdades democráticas, mas também a luta pelas
questões cotidianas das mulheres periféricas como a ampliação do número de creches, contra a
violência doméstica, a exposição das condições de trabalho das mulheres, além dos direitos
reprodutivos, aborto e sexualidade. É um material histórico que reproduz as questões políticas
e sociais de um período marcante da História do Brasil e bastante atual em suas temáticas.
Em mais um artigo deste Dossiê, intitulado “Cadernos Pagu: Contribuindo para a
consolidação de um campo de estudos”, as autoras Adriana Piscitelli, Iara Beleli e Maria
Margaret Lopes (2003) discutem como a publicação, que à época completava 10 anos de
existência, representava um marco expressivo em meio às dificuldades que as publicações
científicas enfrentavam e continuam enfrentando até então, no país. A revista, que contribui
ativamente para a constituição do campo de estudos de gênero no Brasil, foi criada em um
momento em que os estudos de gênero contavam com alguma legitimidade acadêmica no país,
contrapondo as publicações feministas pioneiras. A intenção era ampliar o espaço conquistado
pelas primeiras revistas e estimular a discussão dos temas nas produções científicas.
Ao fim do texto, as autoras chamam a atenção para o que, naquela época, já era
crescente: as constantes críticas e boicotes às discussões de gênero. A história da Pagu está
completamente atrelada ao seu compromisso de ampliar o conhecimento dos temas de gênero
e se fundamenta na ideia de que ao ampliar a discussão é possível então um aprofundamento da
compreensão do meio social e o aprimoramento das ferramentas para combater as
desigualdades de poder que culminam nas desigualdades sociais.
O artigo chama atenção para o quanto foi fundamental o apoio de diversas agências –
FAPESP, Fundo de Apoio ao Ensino e à Pesquisa, da Unicamp (FAEP) e do CNPq -, sendo
considerados momentos marcantes da história da publicação quando estes foram obtidos. Os
financiamentos foram cruciais para o crescimento da revista, não apenas no que se refere à
melhoria da qualidade gráfica e à incorporação de maior número de textos, mas também à
adequação às normas editoriais, à ampliação do Conselho Editorial, além da possibilidade de
registro em diversos indexadores nacionais e internacionais. Tanto no artigo de Leite, quanto
no artigo de Piscitelli, Beleli e Lopes, é possível perceber que as publicações feministas, em
geral, possuíam dificuldades notórias para se manterem abertas e ativas e que dependiam
principalmente do apoio financeiro externo, seja por doações de leitores (no caso dos jornais),
seja por apoio das instituições fomentadoras governamentais (no caso de publicações
científicas).
Fazendo uma articulação com o panorama atual do Brasil, tomando como base o
governo de extrema direita do presidente Bolsonaro, as revistas científicas, assim como os
setores de pesquisa estão com dificuldades de se manterem e, principalmente, conseguirem
recursos para garantir as suas publicações científicas, principalmente periódicos da área de
Humanas e Ciências Sociais Aplicadas, setores mais críticos e alinhados à esquerda. Desde a
posse do atual presidente Jair Bolsonaro é notória a escassez de recursos, o congelamento de
verbas da educação e o desmonte do ensino superior público, como sinal de uma clara política
de desestímulo ao pensamento crítico acadêmico brasileiro. Ademais, o último edital aberto, de
2020, para financiar revistas acadêmicas não contemplou as revistas da área de humanas.
Diante deste cenário que cria dificuldades, tem-se alternativas de publicações não
acadêmicas, como jornais e portais de mídia feministas, impulsionados pelo crescimento da
internet, que proporcionou novos arranjos de apoio financeiro como as assinaturas de streaming
de aplicativos, que entregam o conteúdo para os usuários e repassam parte do valor pago para
os produtores, os sites de crowdfunding de financiamento coletivo de causas, entre outros.
No caso da Revista Estudos Feministas (REF), o Editorial presente no número 3 de
2021, intitulado “Remando contra a maré, publicamos mais um número da Revista”, as autoras
Mara Coelho de Souza Lago et al. (2021) comentam que o trabalho segue sendo possível através
do voluntariado de quem a integra e com algum apoio da instituição universitária, porém
sempre na dependência de auxílios ocasionais e contando com o apoio de cursos de pós-
graduação, uma vez que a Revista não foi mais contemplada pelos editais de CAPES e/ou
CNPq, como outros periódicos de humanidades. No mesmo texto, as autoras comentam sobre
como estão observando um significativo aumento de material submetido aos periódicos e como
os próprios números da revista demonstram isso a cada edição, no entanto, percebem um
gargalo no trabalho especialmente em relação aos pareceristas. Os profissionais, cada vez mais
desmonetarizados e sem o amparo de financiamentos acadêmicos para pesquisa num país que
desmonta seus organismos de incentivo à ciência, tecnologia, pesquisa, têm sofrido e realizado
pressões de forma legítima para terem seu trabalho valorizado.
Apesar do boicote governamental aos periódicos acadêmicos da área de Humanidades,
e não obstante algumas publicações tradicionais e renomadas já tenham suspendido suas
atividades em função das carências materiais que impedem o pagamento das atividades
rotineiras, como revisão técnica, tradução, formatação, diagramação, entre outras, além de
dificultar a incorporação de bolsistas, boa parte das revistas continua resistindo. Torna-se algo
especialmente contraditório em um país que, em sua história recente, incentivou a expansão do
ensino superior e implantou nas universidades cotas reparadoras para negros, indígenas, pobres
e, agora, age como um dificultador do acesso e prosperidade das instituições e seus agentes,
numa clara mensagem de que educação superior deve ser para poucos.

3.2 Advocacy, os Fóruns Sociais Mundiais e o impacto nas políticas públicas no campo dos
direitos das mulheres

Na edição de 2000, que comemorava o fim do século XX, o Dossiê “Advocacy


Feminista” trazia, em seu editorial, a apresentação do termo advocacy e seus diferentes
significados em relação ao local onde a prática se aplica. Nos Estados Unidos, o conceito de
advocacy seria a pressão política - o dito lobby -, sobre gestores e/ou legisladores enquanto, na
América Latina, a ideia já ganha novos contornos e é ampliada, sendo uma forma prática de
sistematizar aprendizados, desenvolver habilidades de negociação, planejamento e tratativas
com os meios de comunicação através de debates públicos (ALVAREZ; LIBARDONI e
SOARES, 2000). Numa tradução política do termo, exigiria também um conhecimento do
ambiente político onde circulam as propostas, onde os atores e os conflitos estão presentes,
segundo o contexto da América Latina. As autoras chamam atenção para o fato de que é preciso
considerar também que se tratam de países com desigualdades sociais crônicas, frágil
institucionalidade política e todo um cenário prejudicado pelas políticas neoliberais. Trata-se
de um fazer nitidamente político que precisa revisitar conceitos de cidadania e liderança,
rediscutir o papel do Estado (que, por efeito do neoliberalismo, começa a delegar a tarefa de
implementar políticas públicas para os movimentos sociais e ONGs) e da sociedade civil na
construção democrática e repensar a abordagem feminista na promoção das transformações
políticas, econômicas e culturais.
Os textos no Dossiê analisam o papel da advocacy para uma ação efetiva e concreta, já
que é necessário que haja capacidade de mobilizar grupos e pessoas para desenvolverem ações
de apoio às mudanças desejadas, capacidade de organização argumentos convincentes, além da
elaboração de propostas, pesquisas e documentação de todo o processo. Segundo Marlene
Libardoni (2000), no artigo “Fundamentos teóricos e visão estratégicas da Advocacy”, presente
no dossiê, para além das movimentações em instâncias oficiais, uma ação de incidência política
necessita do apoio dos cidadãos comuns para levantar e defender a questão a partir de suas
próprias experiências e perspectivas. A partir da criação de novos espaços de participação dos
agentes sociais, de mudanças constitucionais de leis e de políticas públicas promovidas pela
ação das organizações da sociedade civil, a estrutura político-institucional vai sendo redefinida.
As primeiras lutas e debates, no entanto, começaram nos anos 2000, como fica
evidenciado nos dossiês da Revista Estudos Feministas. O dossiê “Mulheres na política,
mulheres no poder”, de 2001, segundo Miriam Pillar Grossi e Sônia Malheiros Miguel, foi
pensado pela REF e pelo CFEMEA, na preparação do Seminário Mulheres na Política,
Mulheres no Poder, de 2000, no Congresso Nacional. No dossiê, o tema da advocacy é tratado
no artigo “Transformando a diferença: as mulheres na política”, de Miriam Pillar Grossi e Sônia
Malheiros Miguel (2001). As autoras relembram que a lei de cotas para as mulheres na política,
aprovada em 1995, foi resultado da articulação da bancada feminina no Congresso Nacional.
Após a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, de Beijing em 1995, e de presenciar as
experiências exitosas nos outros países, a bancada feminista brasileira colocou a questão do
acesso ao poder em seus debates, propondo inclusão de artigo, assegurando uma cota das vagas
de cada partido ou coligação para as candidaturas de mulheres, na legislação do país.
No dossiê “Um outro Mundo (também feminista…) é Possível: construindo espaços
transnacionais e alternativas globais a partir dos movimentos”, de 2003, além da discussão
sobre a advocacy foi tratado o tema da luta feminista contra as políticas neoliberais através da
articulação de feministas latino-americanas e caribenhas no Fórum Social Mundial (FSM). Isso
porque, no início dos anos 2000, parte das feministas latino-americanas buscaram se organizar
contra o neoliberalismo através do Fórum Social Mundial, cujo propósito se constitui na união
de diversos movimentos sociais na luta antiglobalização (MATTOS, 2022, no prelo). Com as
oportunidades políticas surgidas desde os anos 1980, muitas feministas inserem-se nas
estruturas do Estado e/ou nas Organizações Não Governamentais (ONGs), a fim de participar
dos conselhos em âmbito nacional e estadual para garantir a ampliação dos direitos das
mulheres. Passam a atuar também, por meio das ONGs, nas diversas conferências promovidas
pela ONU e nos debates sobre políticas públicas (MATTOS, 2022, no prelo).
No editorial do dossiê “Um outro Mundo (também feminista…) é Possível: construindo
espaços transnacionais e alternativas globais a partir dos movimentos”, Sônia E. Alvarez
(2003), afirma que a entrada de parte das feministas nos espaços oficiais da política nacional
global trouxe como ganho a divulgação do ideário feminista e a implementação de políticas
públicas voltadas para mulheres. Todavia, segundo Alvarez (2003), no fim dos anos 1990, as
várias conferências empreendidas durante a década mostraram, até mesmo para as feministas
que influíram nestes processos, que suas intervenções nas esferas nacionais e internacionais
oficiais não produziram muitos resultados concretos, pois a intensificação da globalização
neoliberal; e, com isso, o enxugamento do Estado (redução dos serviços públicos), bloquearam
a possibilidade de mudanças mais significativas na vida das mulheres. À vista disso, no início
dos anos 2000, parte das feministas articulam-se para denunciar as limitações da ocupação
desses espaços, “advogando pela luta antiglobalização e salientando os efeitos perversos que as
políticas neoliberais causam às mulheres” (MATTOS, 2022, no prelo).
No artigo “Feminismos em movimento: temas e processos organizativos da Marcha
Mundial das Mulheres no Fórum Social Mundial”, Miriam Nobre e Nalu Faria (2003), analisam
como o feminismo pode contribuir com a luta contra a globalização e a economia neoliberal no
Fórum Social Mundial. Para Nobre e Faria (2003), há diversas maneiras para fazer com que o
discurso feminista interaja com os objetivos do FSM. Um dos tópicos levados ao fórum pela
Marcha Mundial das Mulheres, junto com delegações de mulheres de diversos países, foi a
discussão da violência contra as mulheres, com o propósito de comprometer os movimentos
sociais no enfrentamento desse problema. Junto com a Rede Mulheres Transformando a
Economia, a MMM propôs também no debate sobre a pobreza, ampliar as discussões de
alternativas econômicas feministas à ordem capitalista e patriarcal (FARIA e NOBRE, 2003).
Outro tema importante que foi levantado pelas feministas em um dos encontros foi a
questão do trabalho doméstico, informal, de cuidado e reprodução, essenciais para manter o
funcionamento da economia, mas que não entram no debate sobre as condições de trabalho até
mesmo nos movimentos de esquerda. A possibilidade de alçar assuntos tão pertinentes às
mulheres no fórum, representa uma oportunidade crucial na inserção das demandas feministas
na luta contra as desigualdades sociais. Entretanto, as autoras argumentam que a diversidade de
pautas e vertentes feministas nesses encontros, dificultam a elaboração de estratégias no
combate às desigualdades causadas pelo capitalismo devido à falta de consenso entre os
movimentos. O desafio principal do Fórum Social Mundial é garantir uma agenda que agregue
as múltiplas expressões dos movimentos. Um modo de fazer isso, segundo as autoras, seria
aprofundar os debates por eixos, inter-relacionando esses eixos, função que o feminismo pode
executar ao intervir nos debates e estabelecer vínculos entre eles (NOBRE e FARIA, 2003).
Tanto as Conferências quanto os Fóruns foram importantes para a prática da advocacy
feminista. Para além de alcançar os objetivos específicos de mudanças nas políticas públicas ou
na legislação, as ações de advocacy devem fortalecer a sociedade civil e a democracia. Neste
sentido, também está no pano de fundo destas ações o estímulo ao processo educacional como
forma de aumentar a consciência crítica das mulheres sobre sua situação e seu poder de ação
para mudanças. É com essa tomada de consciência que as mulheres podem então aumentar a
sua participação nos espaços influentes para cobrar responsabilização das instituições e agentes
institucionais responsáveis pelo cumprimento da legislação e pela implementação das políticas.
As feministas da década de 90 e início dos anos 2000 utilizaram um repertório útil e eficiente
para criar o envolvimento entre as esferas da sociedade e do Estado, fazendo com que o tema
da violência contra a mulher aparecesse no horário nobre em novelas e entre as diferentes
instâncias do poder governamental. Pensando no momento atual, com as mídias sociais, tal
aproximação pode ser mais relevante, criando novos delineamentos para a prática do advocacy.
O momento político brasileiro era favorável e o estímulo à participação feminista em
eventos de debate era significativo. A luta antiglobalização e contra as políticas neoliberais, que
aumentaram as desigualdades sociais e afetavam diretamente as mulheres, estavam no centro
da agenda feminista. A participação do movimento nas conferências era além de tudo,
estratégica: se tratava de uma oportunidade de trazer estes temas à tona para a discussão em
outros grupos relevantes e que apresentavam a possibilidade de amplificação da discussão, para
que não se mantivesse somente na agenda feminista, uma vez que o interesse das mulheres
deveria também ser o interesse de todos.
A questão da autonomia no movimento feminista era recorrente, mas agora o debate
girava em torno do conflito entre as feministas autonomistas e as feministas institucionalistas.
As feministas institucionalistas consideravam importante que o movimento se aproximasse de
instituições políticas nacionais e internacionais para que a agenda transformadora feminista, de
fato, avançasse. Entretanto, essa estratégia era vista pela outra vertente - as autonomistas -,
como um desvio perigoso em direção ao “patriarcado global neoliberal” ou, até mesmo, um
conluio com o mesmo para transitar mais facilmente utilizando o poder que ele detém
(ALVAREZ et al., 2004). Essas rusgas internas sobre qual vertente estaria verdadeiramente
comprometida com o movimento aumentaram quando os órgãos internacionais passaram a
selecionar os líderes e os discursos mais moderados à política tradicional, direcionando os
financiamentos governamentais às militantes que seguiram a lógica da advocacy. A tensão
sobre este ponto chegou aos Encontros Latino-Americanos e Caribenhoso, à época, que tinham
como enfoque principal a solidariedade feminista (ALVARES et al., 2004).
É importante sinalizar que essa tensão acerca da autonomia, da inclusão e da expansão
entre as feministas, nos anos 1990, tem fortes características dos contextos nacionais e
internacionais. Nesta época, os esforços de muitas mulheres para promover políticas de gênero
feministas em instituições governamentais e não-governamentais tornou-se uma ideia de
“advocacy de políticas” enquanto a ideia de comunidades, ideias, políticas e desenvolvimento
de identidades, que estavam mais focadas no movimento em si, rechaçava essa proximidade
com instituições formais da política.
A ebulição das grandes conferências dos anos 90 refletiu em outros eventos que
estimulavam as discussões acerca de temas relevantes da época. O Fórum Social Mundial de
Porto Alegre foi um deles, e a sua criação surge como um contraponto ao Fórum Econômico
Mundial de Davos, na Suíça, realizado anualmente e que reúne os países que são potências da
economia mundial. O Fórum Social busca trazer para a mesa os temas de importância social,
que eram negligenciados ou desconsiderados pelo encontro de Davos. Abordando as relações
entre o Fórum e os feminismos, os artigos do Dossiê “Feminismos e Fórum Social Mundial”,
de 2003, sugerem que as sociedades contemporâneas passavam por acelerados processos de
transformação social que aprofundavam as desigualdades e colocavam em questão teorias e
conceitos, bem como modelos e alternativas de ação política (MATTE, 2004).
O texto “Pensando o Fórum Social Mundial através do feminismo”, de Maria Betânia
Ávila (2003), no Dossiê, é baseado na experiência da autora nas edições do Fórum Social
Mundial de 2001, 2002 e 2003 que aconteceram em Porto Alegre e sintetiza o que acontecia à
época entre os atores presentes no evento. Apesar de o Fórum ser capaz de aglutinar e revelar
a capacidade e a diversidade de organizações políticas dos movimentos sociais espalhadas e em
articulação pelo mundo, ainda era possível identificar suas fragilidades. Em relação ao encontro
de 2003, a autora enfatiza a presença marcante das mulheres no evento, mas não nas grandes
mesas e painéis de discussão. Por mais que o movimento feminista tenha estado presente através
de manifestações, participação nas mesas e painéis, nas oficinas, distribuindo livros, panfletos,
cartilhas e cartazes, a evidência dessa presença não significa, no entanto, que ele estivesse de
fato em relação de igualdade com outros sujeitos ali participantes (ÁVILA, 2003).
Para além da característica inerente de conseguir reunir diversos segmentos da
sociedade do evento, é preciso reconhecer que espaços assim só são possíveis de existir pela
articulação de movimentos sociais. Os mesmos movimentos sociais que muitas vezes ainda
consideram a agenda feminista como pauta menos relevante no corpo da luta. Usando Judith
Butler, Ávila afirma que o neoconservadorismo ainda se faz presente nas formas de agir dos
movimentos, culminando em uma seleção do que são pautas 'puramente' culturais e o que
seriam, de fato, questões centrais da exploração capitalista, principalmente numa visão da
esquerda não-progressista. Questões como sexualidade, reprodução e relações entre os gêneros
são separadas das questões materiais da esfera produtiva e situadas em um ‘campo neutro’, para
não conflitarem com as crenças das Igrejas, com forte influência sobre a esfera política. De fato,
o Fórum apresenta os problemas da sociedade e aproxima os problemas de grupos diferentes,
mas ele mesmo precisa também abranger mais parcelas da própria sociedade para ser mais
expressivo em relação a estes problemas. Ainda assim, servem de boa herança das Conferências
e espaço para reunião e articulação feminista em torno do trabalho de mobilização para, cada
vez mais, as temáticas que envolvem a mulher serem legitimadas em documentos, convenções
e cortes internacionais e regionais no campo dos direitos das mulheres.
Estes debates sobre advocacy e as mobilizações em torno de conquistas envolvendo os
direitos das mulheres foram importantes para a aprovação da Lei Maria da Penha, um tema
bastante abordado e discutido na Revista Estudos Feministas. O caso da Campanha da Lei
Maria da Penha evidencia que o processo de mobilização precisou envolver várias vertentes de
ação para conseguir atingir o resultado final. As ativistas recorreram às estratégias dentro do
ambiente sociopolítico e institucional, envolvendo o lobby no Legislativo e no Executivo, se
mobilizaram em ações judiciais e manifestações públicas, realizaram parcerias com órgãos
estatais, utilizaram a força da mídia e formaram coalizões com outros grupos e movimentos
sociais. As primeiras mobilizações feministas para criação da lei tiveram início no país entre
2003 e 2006 e foi através do Executivo Nacional que a proposta, elaborada por seis ONGs,
chegou ao Legislativo, no início de 2004, por intermédio da Secretaria Especial de Políticas
para as Mulheres (SPM) que a apresentou como projeto de lei. A pressão das ONGs foi
especialmente importante para que a lei fosse promulgada. À época, o calendário das eleições
presidenciais e legislativas foi decisivo para ampliar a capacidade de pressão política: o
movimento conseguiu a aprovação, nas duas casas legislativas, do substituto, o Projeto de Lei
n. 37/2006, que afastava a competência dos Juizados para o tratamento dos processos de
violência doméstica, um dos itens cruciais demandados pelos movimentos (MACIEL, 2011).
Além do cenário político favorável, o lobby que as feministas fizeram de forma a colocar o
tema em pauta no Congresso foi determinante. Inicialmente, conquistando a bancada feminina,
cuja composição envolve tanto deputadas de partidos de direita quanto de esquerda para
posteriormente, pressionar por espaço em pauta.
Entre 2007 e 2008, houve mais um ciclo de mobilização e protestos porque, apesar do
sucesso político do movimento na conquista da Lei Maria da Penha, havia muitas controvérsias
jurídicas e críticas de profissionais e pesquisadores na área dos direitos da mulher. A questão
girava em torno do seu caráter punitivo e a dúvida era sobre a eficácia ou não desta iniciativa
na prática (DEBERT, 2006). O engajamento nas instâncias da Secretaria Especial de Políticas
para Mulheres intensificou-se com a criação de instrumentos para garantir a efetividade legal.
O caso da Campanha da Lei Maria da Penha demonstra a efetividade do deslocamento
de conflitos da arena política para a judicial nas democracias contemporâneas e, na brasileira,
em particular, para criação de políticas públicas (MACIEL, 2011). Foi através da pressão das
ativistas sobre as camadas populares e a política, culminando na pressão sobre o judiciário, que
a lei teve sua aprovação. O êxito está diretamente ligado à mobilização feminista que, com um
repertório de ação diversificado, conquistou uma abertura de vias societárias e institucionais
para a inserção de temas pertinentes dos âmbitos local e global, entre a sociedade e o Estado e
entre as diferentes instâncias do poder governamental. Neste sentido, o dossiê “Balanço sobre
a Lei Maria da Penha”, de 2015, apresenta as mobilizações para a aprovação da lei e aborda a
temática do advocacy feminista relembrando todo o caminho percorrido pelo consórcio de
ONGs Cladem/Ipê-Brasil, Themis e Advocaci, CFEMEA, Cepia e Agende, que executou o
lobby junto aos poderes Executivo e Legislativo para aprovação da lei (MACIEL, 2011).
O tema da violência contra a mulher é uma pauta da agenda feminista desde os anos
1980, quando foram implementadas as primeiras delegacias de atendimento à mulher. Nos anos
1990, as feministas combateram o tratamento dos crimes de violência doméstica nos Juizados
Especiais Criminais, criados em 1995, para julgar os crimes de menor periculosidade, abrindo
a possibilidade de resolução de conflitos por meio da conciliação entre as partes e pagamento
de multas. Mattos (2022, no prelo) afirma que as feministas denunciavam a postura
despenalizadora da justiça, por minimizar e menosprezar o grau ofensivo da violência
doméstica.
No dossiê “Balanço sobre a Lei Maria da Penha”, são discutidas as conquistas da Lei
Maria da Penha e os desafios institucionais para a sua plena implementação. Wânia Pasinato
(2015), no artigo “Oito anos da Lei Maria da Penha. Entre avanços, obstáculos e desafios”,
argumenta que apesar dos avanços que a lei Maria da Penha trouxe em relação à violência
contra as mulheres, ainda existem muitos obstáculos para que esta seja implementada de
maneira eficiente. No artigo “A CPMI da violência contra a mulher e a implementação da Lei
Maria da Penha”, Carmen Hein de Campos (2015) analisa o resultado da Comissão Parlamentar
Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher, criada pelo Congresso Nacional Brasileiro em
2012, apresentando os principais desafios para a aplicação da Lei Maria da Penha. Fatores
como: a baixa execução orçamentária; o insuficiente número de varas e juizados especializados
no país; a falta de profissionais capacitados para os serviços e a falta de estrutura das Delegacias
da Mulher, assim como nos outros locais de atendimento, se configuram como as maiores
barreiras para o pleno funcionamento da lei, constata Campos (2015). Além do mais, esses
serviços funcionam precariamente articulados, sendo esta uma condição essencial para que a
implementação da lei Maria da Penha seja bem-sucedida, afirma Pasinato (2015).
A aprovação de uma lei que beneficia as mulheres é fruto de um período especial de
abertura tanto política quanto social a temas que antes não apresentavam tamanha relevância,
como os estudos de gênero, por exemplo. Grande parte dessa janela de oportunidades políticas
advinha dos eventos da década de 1990, tanto local quanto internacionalmente. As Conferências
Mundiais da ONU destes anos propiciaram coalizões de organizações feministas e dos direitos
humanos para influenciar a produção de normas e jurisprudência internacionais (KECK &
SIKKING, 1998), inspirando as ativistas brasileiras a utilizarem práticas semelhantes para
pressionar o governo federal, a fim de conseguir a aprovação de uma lei específica para a
proteção de mulheres. No cenário brasileiro, a garantia da normalidade democrática pós período
militar e a vitória de candidatos ligados às lideranças feministas nas eleições eram fatores que
sinalizavam uma abertura para que os interesses sociais fossem representados pelos partidos
políticos, acessando então o Legislativo e o Executivo, criando um ambiente favorável para a
produção de leis ordinárias visando à regulamentação dos princípios e normas constitucionais,
a formulação e implementação de políticas públicas destinadas a efetivar direitos
constitucionalmente previstos e para a ratificação das convenções internacionais.

3.3. Os recortes do feminismo: feminismo negro, decolonial e a interseccionalidade

O feminismo é plural. Plural em individualidades, territórios, fronteiras geográficas e


políticas, é transnacional e suas ações são formas de resistência e sobrevivência. Os rumos
atuais do feminismo demonstram o quanto o movimento tem se reinventado e se fortalecido
através de novas percepções do que se configura a luta feminista. Os dossiês desta seção
renderam discussões interessantes nos nossos encontros virtuais e são temas bastante atuais,
como o feminismo negro e a interseccionalidade, que podem propor reflexões e formulações
acerca da nova onda do feminismo.
Somente a partir de debates mais recentes é que a temática da interseccionalidade
ganhou força. Nesse sentido, para pensar o feminismo negro é preciso extrapolar as fronteiras
do feminismo. O dossiê do ano de 2008, intitulado “120 anos Da Abolição Da Escravidão No
Brasil: Um Processo Ainda Inacabado” traz, em sua apresentação, a citação de um estudo do
mesmo ano realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que afirmava que
o universo de negros superaria o de brancos na população e que, a partir de 2010, o país teria
maioria absoluta de negros. O alerta feito é de que levará 32 anos para ocorrer uma equiparação
entre as rendas de negros e brancos, considerando que as políticas públicas continuassem sendo
implementadas no mesmo ritmo daquela época (RIBEIRO e PIOVESAN, 2009).
Percebe-se hoje um retrocesso nessas políticas, principalmente a partir de 2019, com a
ascensão de um governo de extrema direita eleito através de um discurso extremamente
conservador e reacionário: (1) Editorial “Não soltaremos as mãos” – v.27, n.1, 2019, de autoria
de Mara Coelho de Souza Lago, Cristina Cheibe Wolff, Luzinete Minella e Tânia Regina de
Oliveira Ramos; (2) Editorial “Difícil falar do agora” – v.27, n.2, 2019, de autoria de Mara
Coelho de Souza Lago et al; (3) Editorial “Feminismos e gêneros em tempos de mal estar”,
v.27, n.3, 2019, de autoria de Tânia Regina de Oliveira Ramos et al; (4) Editorial “Resistindo
às pressões dos conservadorismos, apesar de tudo”, v.28, n.1, de 2020, de autoria de Luzinete
Simões Minella et al; (5) Editorial “Pandemia na necroeconomia neoliberal”, v.28, n.2, de 2020,
de autoria de Cristina Scheibe Wolff et al; (6) Editorial “Produção feminista, o tempo, perdas e
polêmicas sobre palavra”, v.28, n.3, de 2020, de Mara Coelho Souza Lago et al.
Conforme pode ser constatado, os editoriais refletem o momento delicado que estamos
vivenciando no país, principalmente no que diz respeito às conquistas para as mulheres, para as
minorias, os direitos humanos, tendo que resistir a constantes ataques de um governo
conservador, de extrema direita, que coloca em xeque as instituições democráticas e as
conquistas cidadãs de mais de 30 anos. O debate sobre a interseccionalidade tornou-se mais
urgente em que os ataques à raça, gênero, classes sociais, enquanto minorias, se fazem tão
presentes, tendo em vista que as populações periféricas pretas, indígenas, as mulheres, a
comunidade LGBTQIA+ encontram-se em permanente ameaça.
É indiscutível que a exclusão e o racismo ainda são fortes marcas de nosso tempo,
características de uma sociedade que cresceu em cima de sua herança escravagista e que agora
vê essas práticas veladas tornarem-se pautas políticas. As autoras enfatizam que o problema
então não é mais a falta de reconhecimento da existência do racismo ou a ausência de caminhos
institucionais que busquem assegurar direitos, mas, sim, a descontinuidade histórica de ações
políticas por parte do Estado para efetivamente garantir o que foi conquistado em 1888, ainda
que este projeto tenha sido formulado pela elite da época. É importante ressaltar que o Brasil
foi o último país a finalizar esse regime e que essa suspensão não foi acompanhada de medidas
que estimulassem a inclusão dos ex-escravos na dinâmica socioeconômica da época. Não foram
oferecidas garantias de educação, moradia, saúde e trabalho dignos e de qualidade e os
desdobramentos destas negligências são vistos até hoje: a população negra e indígena
constituem a maior parte dos empregos subalternos, a maior parte da população carcerária e
moradora das periferias e consequentemente, as mulheres são o elo mais fragilizado da corrente.
O artigo “Ações afirmativas no Brasil: desafios e perspectivas”, de Flávia Piovesan
(2008), que faz parte deste dossiê, expõe o quanto as medidas para mudar esta configuração
que perdura até os dias atuais conseguem, de fato, produzir mudanças e o quanto ainda
encontram obstáculos para seu pleno funcionamento. Após apresentar todos os embasamentos
que norteiam as políticas de ações afirmativas, a autora apresenta também os cinco dilemas e
tensões do debate do tema no país. O primeiro seria sobre a existência de condições especiais,
as “discriminações positivas”, que seriam uma forma de discriminar, mas como a mesma já
apresentou, as ações afirmativas orientam-se pelo valor da igualdade material, ou seja, de forma
efetiva, com indicadores reais e mensuráveis. Uma segunda tensão seria sobre a necessidade de
política focada para os grupos vulneráveis, o que enfraqueceria a adoção de políticas universais,
o que não se justifica porque só essas últimas não são capazes de reduzir as desigualdades e
elas podem existir juntas, de forma combinada, sem que haja prejuízo.
Uma terceira crítica é sobre quem é o beneficiário dessas políticas, considerando os
critérios "classe social" e "raça/etnia" que envolve, por exemplo, o branco pobre e a pessoa
negra de classe média numa tensão. É uma questão complexa porque relaciona a desigualdade
social, a discriminação e a exclusão, num círculo vicioso característico da realidade brasileira.
Uma quarta questão é a possibilidade de se gerar uma separação crescente que acirrasse a
hostilidade racial. Nada que já não existisse de forma velada no país, mas agora utilizado como
mais um motivo para não incluir o diferente.
O quinto e último dilema é específico sobre as cotas para ingresso nas universidades
onde os opositores confrontam a proposta valendo-se da autonomia universitária e da
meritocracia, afirmando que estas estariam ameaçadas pela imposição de cotas. Porém, o
impacto dessa ação poderia não apenas diminuir a exclusão quanto permitir uma riqueza nas
discussões acadêmicas, por meio da diversidade, tendo em vista que a universidade sempre foi
um espaço majoritariamente branco. Por fim, ter uma formação acadêmica é uma forma de
ascender socialmente e isto inclui, portanto, o acesso à universidade, que precisa ser
democratizado para ser possível oferecer condições diferentes às parcelas historicamente
negligenciadas da sociedade (PIOVESAN, 2009).
Após ampliar a discussão, consideremos o recorte ainda mais fragilizado da população
negra: as mulheres. No Brasil, de acordo com Lélia Gonzalez (1983), o feminismo branco não
só omitiu a diferença racial, como compartilhou a crença na democracia racial. O movimento
feminista no Brasil ainda é dominado por mulheres brancas de classe média e a não
identificação das mulheres negras faz com que segmentos paralelos sejam criados, como por
exemplo, o Movimento de Mulheres. O Movimento de Mulheres ainda reivindica o direito a
questões fundamentais, tais como saúde, educação e moradia. Enquanto o movimento
feminista, mesmo aquele composto por mulheres negras, questiona as bases do racismo, do
sexismo e do patriarcado e demandam por direitos iguais aos dos homens e das mulheres
brancas; por sua vez, a geração mais jovem incluiu na agenda a liberdade sexual, entre outros
aspectos (FIGUEIREDO e GOMES, 2016). Então, enquanto as pautas emergenciais para as
mulheres negras ainda são questões de sobrevivência na sociedade, como a violência policial
que diariamente mata jovens negros, para o movimento feminista estas já seriam questões
superadas por não serem limitadoras.
Segundo as autoras do artigo “Para além dos feminismos: uma experiência comparada
entre Guiné-Bissau e Brasil”, incluído no Dossiê “Dinâmicas de Gênero e Feminismo em
Contextos Africanos”, de 2016, alguns consideram que o feminismo negro surgiu de um
terceiro caminho entre o movimento feminista e o movimento negro, uma vez que as mulheres
negras não se identificavam com as pautas feministas brancas e que suas pautas iam além das
do movimento negro como um todo (FIGUEIREDO e GOMES, 2016). O Dossiê da edição de
2016 traz contribuições importantes aos debates sobre feminismo negro e, principalmente,
feminismos decoloniais e pós-coloniais. Apresenta reflexões vindas de estudos feitos em
contextos africanos e correlaciona com a atuação do movimento feminista negro no Brasil.
O colonialismo é entendido não apenas como práticas políticas de dominação, mas
também como formas de subjugação ideológica e cultural que influenciam as percepções que
os colonizados têm de si mesmos, cria as bases das políticas de Estado e que reflete em termos
sexuais, de gênero, étnicos ou raciais (MOUTINHO, 2004; McCLINTOCK, 2010). É para
combater essa lógica colonial que os discursos decoloniais buscam repensar a história e os
valores herdados da tradição de supervalorização dos modelos europeus e a desvalorização dos
valores dos grupos e povos nativos para confrontar as ideias estereotipadas de gênero,
sexualidade e raça existentes neste modelo. É possível afirmar que uma relevante contribuição
feminista ao pensamento contemporâneo é o questionamento e desconstrução de paradigmas
etnocêntricos do sistema colonial e patriarcal ainda existente e a discussão e sugestão de novas
configurações políticas baseadas na diversidade identitária (LUGONES, 2008).
Em relação à diversidade e interseccionalidade, trabalhamos dois dossiês com a
temática de Identidade de Gênero. Sentimos bastante dificuldade em discutir o primeiro, o
dossiê incluído no primeiro volume de 2015, “Artes visuais: diálogos com os estudos
feministas, trans e queer” por serem textos herméticos, complexos, densos, mais voltados ao
campo da arte, utilizando jargão típico da área, o que dificultou muito a compreensão sobre o
sentido das abordagens queer e decolonial. O segundo dossiê sobre o tema, intitulado “Dossiê
Vivências Trans: Desafios, Dissidências E Conformações”, de 2012, já foi uma experiência
interessante para aprofundar no tema. Mais voltado para a saúde da população trans, o texto
"Despatologização do gênero: a politização das identidades abjetas", de Berenice Bento e
Larissa Pelúcio, questiona o porquê de se querer diagnosticar o gênero. As autoras levantam
questões como a recepção da população trans pelo SUS, a dissociação da identidade de gênero
em relação à biologia, entre outros.
O artigo “Proteção da autonomia reprodutiva dos transexuais”, de Heloisa Helena
Barboza (2012), traz o debate sobre o direito à procriação, um direito reconhecido não só ao
casal, como ao homem e à mulher, que podem constituir sozinhos uma comunidade familiar. À
época, o Conselho Federal de Medicina emitiu normas éticas para a utilização das técnicas de
reprodução assistida destinadas a todas as pessoas capazes, abrindo assim tal possibilidade para
qualquer pessoa, independentemente de sua orientação sexual. Dessa forma, o caso da
população trans, que pode ter sua capacidade de se reproduzir comprometida pelo processo
transexualizador, precisava ser discutido para que seus direitos reprodutivos fossem
resguardados. Após algumas discussões um tanto quanto descabidas, a autora encerra
comentando que a leitura dos dispositivos constitucional e legal, que tratam do direito ao
planejamento familiar não deixaria dúvidas quanto ao reconhecimento dos direitos reprodutivos
dos transexuais. A discussão é que os problemas enfrentados pelo transexual são, desde o início,
tanto para sua requalificação civil, após o processo transexualizador promovido pelo SUS,
quanto para legitimar o seu direito à reprodução.
O estudo dos dossiês temáticos e as discussões provenientes deles demonstraram que as
violações, as exclusões, as intolerâncias, os racismos, as injustiças raciais, as discriminações,
os preconceitos são uma construção histórica e sistemática de um país com o passado
escravocrata, de forte influência colonizadora, patriarcal e conservadora e que precisa
urgentemente desconstruir essas amarras da exclusão. Ações emergenciais incluiriam a adoção
de medidas emancipatórias e ações afirmativas para garantir que a parcela excluída da
população brasileira possa viver o pleno exercício de seus direitos e liberdades fundamentais e
assim, compor uma nova realidade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo faz um mapeamento da imaginação feminista no Brasil no século XXI. São


diversas pautas, correntes teóricas e paradoxos que perpassam tanto a face acadêmica quanto a
face militante do conjunto de movimentos denominado feminismo. Este contato proporciona
diálogos, confluências e atritos e foi possível, através desta pesquisa, verificar como acontece
esta interface entre os movimentos sociais e as teorias feministas. A realidade inspira e delineia
os debates intelectuais e as teorias discutem o alcance, as conquistas e os limites das lutas dos
movimentos feministas.
Diversos artigos foram lidos e discutidos, porém, neste relatório, procurei condensar e
sumarizar debates de modo a sintetizar os temas que se mostraram mais relevantes para meu
percurso de formação. Dessa forma, busquei apresentar sucintamente alguns dos principais
temas do trabalho e da linha do tempo do pensamento feminista, assim como uma
contextualização panorâmica das suas principais vertentes e polêmicas, a cada seção temática.
Acredito que, à medida que mapeamos o pensamento feminista ao longo das últimas décadas,
somos capazes de compreender o caminho percorrido com maior clareza e o pavimentamos
para o futuro, com a possibilidade de fomentar a proliferação das reflexões do campo feminista
em suas múltiplas expressões e facetas.

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Capítulo 7

“IMORRÍVEL”; “IMBROCHÁVEL”; “INCOMÍVEL”:


Machismo e retórica do ódio na campanha permanente deJair Bolsonaro

Jorge Miklos (Unip)


Maria Aparecida Ladeira Cunha (Unip)
Adrianne de Paula Fonseca (Unip)
Miller Guglielmo (Unip)

RESUMO: O objetivo deste artigo é demonstrar que as falas machistas, formatadas pela
“retórica do ódio” (ROCHA, 2021), de Jair Bolsonaro e seus apoiadores, proferidas no período
entre 22 de julho de 2018 e 7 de setembro de 2022 são parte integrante da sua campanha
permanente (MARTINS, 2020), entendida como a confluência entre a comunicação
governamental e a comunicação eleitoral, utilizada como estratégia, visando a conquista e
manutenção do poder.

PALAVRAS-CHAVE: Machismo; Retórica do ódio; Campanha permanente.

1 INTRODUÇÃO

A idealização deste artigo surgiu após o discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro no dia
sete de setembro de dois mil e vinte e dois, o que, somado a todos seus dizeres, sempre deixou
claro que era alguém nos moldes de “homem” que a sociedade estabelece como ideal.
Mas, o discurso no Dia da Independência do Brasil não foi sua única e expressa
manifestação de “ser homem”. As falas machistas de Jair Bolsonaro são temperadaspela
retórica do ódio.
No domingo, 29 de março de 2020, o presidente Jair Bolsonaro, contrariando
todas as diretrizes e recomendações das autoridades de vigilância sanitária, realizou um passeio
nos arredores de Brasília, atraindo aglomerações e a atenção de muitos que estavam nos
arredores e que se aproximavam do presidente. Valendo-se de sua linguagem habitual,
denominada “retórica do ódio” (ROCHA, 2021), disse a respeito da pandemia COVID-19 que
assolava o Brasil e o mundo: “vamos ter que enfrentar como homem, porra. Não como um
moleque”.
Ressalta-se que à época, a recomendação das autoridades científicas de saúde era
que a população brasileira evitasse sair de casa. A retórica do ódio aliada ao machismo sempre
foi uma característica do Jair Bolsonaro em sua campanha permanente.
No entanto, ao observar que as falas machistas, sexistas, misóginas, homofóbicas,
temperadas pela retórica do ódio, de Jair Bolsonaro e seus apoiadores, surgiu a questão: qual a
razão dessa eficácia? Ou seja, por qual motivo falas, na retórica do ódio, de conteúdo machista,
são ingredientes da campanha permanente e por qual motivo teve tanta adesão?

2 METODOLOGIA

A metodologia da investigação está fundamentada na Análise de Conteúdo de


Laurence Bardin. A primeira etapa foi a coleta das falas de Jair Bolsonaro e seus apoiadores
no período entre 22 de julho de 2018 (data em que o Partido Social Liberal (PSL)
oficializou a candidatura de Jair Bolsonaro à presidência do Brasil, tendo como candidato a
vice-presidente o general Hamilton Mourão (PRTB), e 7 de setembro de 2022 (data em que Jair
Bolsonaro instrumentalizou as celebrações cívicas por conta dos duzentos anos da
Independência do Brasil). Esse período corresponde a campanha eleitoral de 2018 e 2022.
As falas foram coletadas da obra “Bolsonaro e seus seguidores: o horror em 3.560 frases”
de autoria de Walter Barretto Jr. Após a pré-análise do material coletado, identificou-se
ocorrências das seguintes categorias que, de alguma forma expressam a masculinidade
hegemônica: a) demonstra poder; b) virilidade; c) sucesso econômico; d) utilização da
violência para solução de problemas; e) possuidor de um corpo dentro dopadrão normativo;
f) orientação sexual heteronormativa; g) superioridade em relação às mulheres; h) dominação
sobre as mulheres; i) dominação sobre homens.
No total das 91 falas de Jair Bolsonaro e seus apoiadores, encontramos os seguintes
registros de ocorrências:
As falas foram ponto fundamental na pesquisa. Ao mapear as categorias foi possível
identificar aspectos de momentos históricos, sociais e culturais que podem nos dizer muito
sobre onde esse discurso é produzido e com qual sentido: “o dizer do homem é afetado pelo
sistema de significação em que o indivíduo se inscreve. Esse sistema é formado pela língua,
pela cultura, pela ideologia e pelo imaginário” (BENETTI, 2007, p.109).

3. REVISÃO DE LITERATURA

O machismo também afeta os homens. No entanto, é silenciado e naturalizado. Bourdieu


(2012), em A Dominação Masculina, analisa as ordens que são estabelecidas a partir das
relações de dominação, provocando injustiças, privilégios, direitos e imunidades na sociedade
que acabam sendo vistas como algo natural. Esse tipo de relação social que perpetua ao longo
dos anos é “conhecido e reconhecido tanto pelo dominante quanto pelo dominado”
(BOURDIEU, 2012, p.8).
O machismo pode ser entendido como um conjunto de crenças, ideias e valores, herdados
do patriarcado e alinhados à masculinidade hegemônica, conceito criado pela socióloga
australiana Raewyn Connell (nascida Robert William), reconhecida por seu trabalho pioneiro
nos campos de estudos de gênero e estudos da masculinidade. Em sua obra Masculinities
(1995), Connell teoriza o conceito de masculinidade hegemônica, buscando em Gramsci a
ideia de que a dominação tem uma ascendência cultural total sobre as crenças e os modos
de educação.
Embora essa condição de dominador garanta os privilégios e direitos negados à mulher,
estas prerrogativas também são causa de uma experiência individual de dor e sofrimento. Os
homens crescem ouvindo frases como “vire homem”, “isso é brinquedo de menina”, “isso é
coisa de viadinho” e são ensinados a serem “machos”, ou seja, deixar de lado sentimentos e
outrascaracterísticas consideradas aspectos do feminino, a serem fortes, fisicamente
epsicologicamente, e ensinados que devem ser superiores a todos, principalmente às mulheres.
O ideal masculino reforça comportamentos de virilidade, força, posse, poder,
dominação feminina e atitudes agressivas (NOLASCO, 1995; JANUÁRIO, 2016). Esses
comportamentosacabam se tornando práticas sociais incorporadas ao indivíduo, que irá
tentar se provar constantemente independentemente das circunstâncias. Os homens se
tornaram “prisioneiros e, sem se aperceberem, vítimas da representação dominante”
(BOURDIEU, 2012, p.63).
Recordando da icônica fala proferida por Jair Bolsonaro nas celebrações dos 200 anos da
independência política do Brasil, Bolsonaro aproveitou a oportunidade para desfilar falas
sexistas contra a esposa do ex-presidente Lula e repetir o grito de "imbrochável", talvez
o auge de seu discurso dirigido aos seus aliados. Abraçado à primeira-dama Michelle, o
presidente puxou o coro: “Imbrochável”, cinco vezes e terminou com um "uivo". Em
um momento do discurso, Jair Bolsonaro sugeriu comparações "entre as primeiras-damas", sem
citar nomes. "Podemos fazer várias comparações, até entre as primeiras-damas. Não há o que
discutir. Uma mulher de Deus, família e ativa na minha vida. Não é ao meu lado não. Muitas
vezes ela está é na minha frente. Tenho falado paraos homens solteiros: procurem uma
mulher, uma princesa, se case com ela para seremmais felizes ainda", disse, beijando a
primeira-dama em seguida.
A dominação masculina não é algo estático, mas que se transforma e se reafirma
constantemente por meio de vários canais. Como explica Bourdieu (2012, p.46), estes sistemas
de dominação: são produto de um trabalho incessante (e, como tal, histórico) de reprodução,
para o qual contribuem agentes específicos (entre os quais os homens, com suas armas com a
violência física e a violência simbólica) e instituições, famílias, Igreja, Escola, Estado.
Não há nenhuma sociedade em que as mulheres, enquanto grupo, ocupem posições de
poder, seja ele moral, político ou econômico. Com a ausência de mulheres em cargos que
tomam decisões, a codificação da vida social se dá única e exclusivamente pelos homens.
De onde vem a ideia de que o patriarcado é natural e quais são as causas que o mantem
estável através do tempo, das religiões e dos regimes Estatutários? Não há uma resposta
simplista.
Relações sociais de insubordinação, como no caso do patriarcado, advêm de uma rede
complexa que envolve fatores biológicos, sociais, econômicos, religiosos, legais e culturais.
Januário (2016, p.234), explica que “manutenção dessas relações sociais vigentes” é
também reproduzida, distribuída e fortalecida pelos meios de comunicação na
contemporaneidade, como no caso das falas reproduzidas pelo Chefe do Executivo, situação
que exerce forte influência na forma que os indivíduos enxergam a realidade e, muitas vezes,
servindo como referência na construção de gênero:

Ademais, a cultura veiculada pela mídia transformou-se numa força


dominante de socialização: suas imagens e celebridades substituem a
família, a escola e a Igreja como árbitros de gosto, valor e
pensamento, produzindo novos modelos de identificação e imagens
vibrantes de estilo, moda e comportamento (KELLNER, 2001, p.27).

Deste modo, tudo o que vemos, lemos e absorvermos por toda nossa existência interfere
e molda a forma como vivenciamos o “natural”. Hall (2016) explica que a cultura, ou seja, os
valores que são compartilhados como sociedade, são práticas que carregam sentidos e valores e
que são construídos ao longo do tempo.
Os homens, desde a juventude, consomem conteúdos que sugerem o que é “ser homem”
na sociedade ocidental, auxiliando no estabelecimento dos sentidos criados. A identidade,
conforme Hall (2006), é construída a partir da interação entre o eu e a sociedade.
Ou seja, a noção do que é “ser homem” é formatada pelos aspectos sociais e
compartilhados em comunidade.
Segundo Miklos (2014, p. 107), o conceito de comunidade “indica um grupo de
indivíduos que compartilham o mesmo território, os mesmos valores e crenças, e cujo laço
social estabelece uma solidariedade intensa entre eles”. Ela seria marcada pela homogeneidade
entre os indivíduos que a compõem e a predominância das relações pessoais, os laços familiares,
tradições e ritos coletivos.
Mas o que une machismo, retórica do ódio e campanha permanente? Rocha (2021),
pontua que a retórica do ódio é a linguagem do bolsonarismo. Ela se utiliza de
diversas ferramentas discursivas próprias, saturadas de dramaticidade e clichês. A finalidade
é eliminar simbolicamente o outro, o diferente, odivergente como tática de autoafirmação.
Para isso, Jair Bolsonaro e seus apoiadores lançam mão de sentenças abastecidas de termos
chulos, buscando, por meio do machismo, se autoafirmar e, simultaneamente, desqualificar
completamente o adversário, que é sempre visto como inimigo:
E se o bolsonarismo não somente existir como também tiver
articulado uma visão de mundo bélica, expressa numa linguagem
específica, a retórica do ódio, e codificada numa visão de mundo
coesa, composta por labirínticas teorias conspiratórias, e que advoga
a eliminação de tudo que não seja espelho? Esses elementos forjaram
um poderoso sistema de crenças, responsável pelos míticos 30% que
parecem resistir ao mais elementar princípio de realidade”. (ROCHA,
2021, p. 344.)

A retórica do ódio adota um tom alarmista que, aliado ao eixo da guerra cultural
(corolário criado por Olavo de Carvalho em seu livro, O imbecil coletivo), é exitoso em
amalgamar certa coesão social capaz de resistir a qualquer aspecto da realidade que se encontre
em rota de colisão. Segundo Rocha, as táticas da retórica do ódio são: a técnica da
redundância que lança mão de uma estratégia autoritária de confirmação do pensamento; a
inversão lógica onde a conclusão antecede e ancora as premissas; a eliminação dos mediadores
a qual exige adesão completa, sem críticas; o tom alfabetizador que tarja o contraditor como
imbecil.
A ira da palavra se dispõe à humilhação pública dos adversários e sua consequente
desumanização. Entende-se que as falas machistas, misóginas, homofóbicas, violentas de
Jair Bolsonaro e seus apoiadores, embrulhadas pela linguagem da retórica do ódio, fazem parte
da estratégia de campanha permanente.
João Cezar afirma que a retórica do ódio é baseada naquilo que nominou sistema de
crenças Olavo de Carvalho. Um conjunto de elementos organizados e dispostos de forma
relacional que, uma vez internalizado, resiste às contestações externas. Como um sistema de
crenças, não tem compromisso com o factual, mas apenas com sua coerência interna.
João Cezar explica como a ideia do inimigo interno é utilizada para fomento às fantasias
autoritárias. O Sistema de crenças utiliza de teorias da conspiração e diversos subelementos que
parecem ter estruturas narrativas assemelhadas (nova ordem mundial, maçonaria, globalismo,
esquerdismo, ideologia de gênero, gramscismo, Foro de São Paulo, Método Paulo Freire e
outros moinhos de vento aos milhares) como uma estratégia de mobilização das massas.
Essa eterna estimulação contraditória do “conservador revolucionário antissistema” e do
“rebelde que luta pela preservação da família e dos bons costumes” auxiliar na conversão da
intolerância em capital eleitoral.
A mídia funciona como um espaço em que os políticos buscam ganhar visibilidade e
legitimidade, mas que além disso, acaba por sofrer influência do campo político. Em função do
extenso alcance dos meios midiáticos tradicionais e a popularização da Internet, é necessário
reconhecer que se vive em meio a um bios midiático que modifica o funcionamento da política
e cria novas formas de sociabilidade (SODRÉ, 2011).
Nesse ambiente midiático, fica evidenciado que os atores políticos devem conquistar o
poder de forma ininterrupta. Constata-se que a construção das imagens e os ataques aos
adversários são estratégias que vêm se consolidando, iniciado logo com uma eleição econcluído
com vista a outro pleito. Logo, o principal conceito que norteia a pesquisa é o de Campanha
Permanente – compreendido como o uso de recursos disponíveis no trabalho por parte dos
indivíduos e organizações eleitas - governos, partidos do governo, membros do parlamento,
congressistas ou outros representantes – a fim de se construir e manter o apoio popular. Pode-
se afirmar, então, que nas disputas políticas, os discursos já começam a ser construídos e
desconstruídos antes do período eleitoral (LILLEKER, 2007; BLUMENTHAL; 1980).

Nessa lógica, os atores políticos utilizam o poder do campo


midiático para ganharem visibilidade, enfatizarem seus discursos
e ações (RODRIGUES, 1990; BOURDIEU, 1998). Ao adaptar
as campanhas eleitorais à gramática da mídia, os atores políticos
utilizam estratégias como espetacularização e personalização,
fenômenos diretamente relacionados com a construção da
imagem pública (GOMES, 2004; MANIN, 1995). Tendo em vista
que a relação entre mídia e política acontece, ininterruptamente,
uma vez que nas democracias liberais o poder deve ser
conquistado, diariamente, assim, pode-se afirmar que, nas
disputas políticas, os discursos já começam a ser construídos e
desconstruídos antes do período eleitoral por meio de diferentes
meios. Esse processo é chamado de campanha permanente.
(MARTINS, 2020).

A mídia tornou-se palco para as disputas políticas, em especial, as campanhas


majoritárias como as presidenciais, que já começam antes do período oficial de campanha.
Sodré (2011) observa os efeitos políticos da televisão: os eleitores escolhem seus
candidatos a partir de um cenário criado pela televisão, como notícias editadas, dramas,
espetáculos, entrevistas e comentários. O autor também evidencia que há eleitores que votam
em um determinado candidato simplesmente porque ele existe em um espaço valorizado – a
mídia. Por isso, é importante que a campanha se mantenha no tempo, ou seja, ocorra de forma
permanente.
O machismo, como filho do patriarcado, é um sistema estrutural na sociedade brasileira.
Ivan Jablonka em seu livro Homens Justos: do patriarcado às novasmasculinidades
(2021) demonstra por meio de uma extensa pesquisa histórica, arqueológica e antropológica
que o patriarcado – a dominação masculina – é uma dasestruturas mais arcaicas e universais da
espécie humana. A despeito do arcaísmo e da universalidade da dominação masculina, ela não
é natural, ou seja, dada pelas características genéticas hereditárias, mas, indiscutivelmente
uma construção cultural. O patriarcado, sistema cultural construído desde o paleolítico
superior (JABLONKA p. 23-52), colocou nas mãos dos homens de forma absoluta o poder
econômico, político, militar, religioso, cultural e o controle sobre as mulheres cuja função social
passou a ser basicamente a de gerar seres humanos, alimentá-los e cuidar do lar: “o pensamento
patriarcal considera a mulher de um ponto de vista utilitário. Seu corpo, colocado à disposição
dos homens, é multitarefa: dar prazer, fazer filhos e alimentá-losdentro de um lar. Essa
polivalência feminina é garantida por três órgãos: a vagina, o útero e os seios” (JABLONKA,
p. 53). A normatização patriarcal estabelece que a mulher deve cuidar da casa, exercer a
maternidade e os homens devem trabalhar e ser os provedores.Uma sociedade patriarcal
é aquela em que os homens assumem as posições primordiaisdo poder na esfera pública,
dominando o governo, a política, a economia, os negócios, a educação, o emprego, a religião e
estendendo esse domínio para âmbito privado e interpessoal, no lar, nos relacionamentos.
O patriarcado coloniza o mundo da vida uma vez que se trata de processos de
colonização não dominam apenas o espaço, o tempo, a geografia e a história, portanto, nem
apenas a cultura com o domínio da língua e da religião de um povo; o patriarcado impõe uma
colonização do mundo da vida dos sujeitos, da somatória dos sentidos e, por conseguinte, da
percepção e do imaginário. A ordenação patriarcal repercute significativamente na maneira
como a masculinidade é percebida nas representaçõessociais e nas interações entre homens
e mulheres.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora as falas do Jair Messias Bolsonaro sejam machistas, patriarcais, violentas e


ofensivas aos Direitos Humanos, seu constante discurso de ódio teve uma eficácia positiva
como estratégia de campanha permanente.
Muszkat (2018), afirma:

Por intermédio de leis, mitos, fabulas e paradigmas, os princípios da


hegemonia masculina – nos quais a divisão de sexos é claramente
definida em relação às suas funções e valores – têm sido mantidos
geração após geração. Não se trata de um domínio exercido
essencialmente pela força bruta, mas pela adesão ao sistema. É assim
que a cultura patriarcal, em maior ou menor proporção, pode
transformar mulheres em criaturas indignas e menininhos ternos em
adultos atormentados e vorazes.

A eficácia positiva de um discurso machista e carregado de ódio só foi possível como


estratégia de campanha permanente por ser, justamente, a ressonância com o imaginário cultural
brasileiro, instituído no patriarcado. Logo, é pelo imaginário que se começa uma conquista, não
só política, mas em qualquer aspecto e, como não poderia ser diferente, nosso imaginário ainda
é patriarcal.

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MIKLOS, Jorge. Cultura e Desenvolvimento local – Ética e Comunicação


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NOLASCO, Sócrates. A desconstrução do masculino. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.

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SODRÉ, Muniz. A ciência do comum: notas para o método comunicacional Petrópolis, RJ:
Vozes, 2011.
Capítulo 8

Vestida para retomada:


a simbólica roupa de Dilma Rousseff para a vitória de Lula

Juliana de Souza Russano (UFSJ)


Lara Karoline Souza de Aquino (UFSJ)

RESUMO: O presente artigo objetiva fazer uma análise para entender o simbolismo por trás
da roupa escolhida pela ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) para seu discurso durante a vitória
de seu companheiro de partido Lula (PT) para a presidência da república em outubro de 2022.
Através de uma pesquisa bibliográfica e documental, realizamos uma análise de conteúdo de
recortes temporais que demonstraram que sim, a escolha da roupa de Dilma teve caráter
simbólico e como o fazer político foi desenvolvido durante sua saída do Palácio da Alvorada e
seu discurso no retorno do PT ao poder.

PALAVRAS-CHAVE: Comunicação; Moda; Eleições Presidenciais; Dilma Rousseff.

1. INTRODUÇÃO

Moda é política. Zuzu Angel e os desfiles de denúncia durante a ditadura. Maria Bonita
e seu vestido marcado de sangue como símbolo do cangaço. Maria Antonieta e os luxos ante a
Revolução Francesa. Leila Diniz, a grávida de biquíni. Michelle Obama e a transição capilar
para os cachos. “A moda é um fenômeno social, cultural, econômico e também político pelo
fato de girar em torno da exposição do sujeito ao olhar do outro, e por materializar muitos
acordos e tratados” (AZEVEDO, 2018, p.15). E carrega consigo diversos códigos
indumentários e simbolismos dentro de seus recortes e contextos.
Afinal, se você fosse presidente de um país, que roupa vestiria? Desde a pré-candidatura
da ex-presidenta Dilma Rousseff em 2010 suas roupas começaram a ser analisadas pela
imprensa e mídia sendo pauta recorrente durante a campanha eleitoral daquele ano (QUEIROZ;
MARTINS JR, 2011).
Schwartzenberg (1977) afirma que os personagens importantes da máquina política,
diretores ou coordenadores de campanha escolhem a dedo as roupas, aparência, ângulos e luzes
de seus candidatos. Sendo aqueles que modelam os políticos como massa de modelar para que
se portem de maneira adequada para seduzir o público dentro dessa democracia em que
governar é convencer (COIMBRA, 2018). Um exemplo disso é o convite, segundo Queiroz e
Martins (2011), do renomado estilista brasileiro Alexandre Herchcovitch para ser o personal
stylist da então candidata para trabalhar a imagem passada por ela. Mas conflitos existiram e
houve um rompimento entre Dilma e Herchcovitch noticiado como “A moda não vai às urnas”
nos blogs relacionados ao tema.

Figura 1
Dilma e o estilista Alexandre Herchcovitch em 2010

Fonte: Reprodução/VEJA

Em 31 de agosto de 2016 o impedimento do governo Dilma foi concretizado e em seu


discurso de saída a ex-presidenta declarou: “Acabam de derrubar a primeira mulher presidenta
do Brasil, sem haver qualquer justificativa constitucional para esse impeachment. Mas o golpe
não foi cometido apenas contra mim e contra o meu partido. Isto foi apenas o começo". Agora,
após anos de retrocesso democrático com o governo de Jair Bolsonaro (PL), o PT retorna ao
poder com a vitória de Lula em 30 de outubro de 2022. E durante o discurso da vitória do
presidente eleito, em São Paulo capital, a roupa de Dilma chamou atenção. A ex-presidenta veio
vestida a caráter, com um vestido vermelho. Vermelho da cor do PT que faz referência ao
movimento comunista, tem amplos significados e simboliza a martirização da classe operária.
Um vestido escolhido a dedo para o momento.

Figura 2
Dilma e Lula em encontro depois da vitória

Fonte: Marcelo Camargo/Agência Brasil

2. O USO DA MODA NA POLÍTICA E A SUA DIMENSÃO ESPETACULAR

Moda é política, em uma análise dos significados sociais e políticos de uma roupa
escolhida conseguimos perceber a sua importância na construção de uma narrativa política. Ao
discorrer sobre imagem, Susan Sontag (2004), nos diz que a mesma é responsável por
determinar as nossas necessidades em relação à realidade na mesma proporção em que elas são
cobiçadas como substitutos da experiência. Ou seja, a imagem transmitida é aliada da imagem
mental construída, sendo a representação de algo que pode, ou não, ser fidedigno ao real.
Tornando a imagem indispensável para a saúde da economia, para a estabilidade do corpo social
e a busca da felicidade privada. Então, no fazer político a imagem é vista como algo a ser
preservado e valorizado frente ao coletivo.

A roupa pode ser considerada como uma forma de comunicação


articulada a determinado fato. O campo mais amplo da moda é
considerado a comunicação, e a veste/vestuário é a linguagem em si.
Deste modo, podemos considerar que o indivíduo se comunica o
tempo todo por gestos, escolhas de adornos e consideravelmente
pelas suas vestes e seu universo; tudo inserido de forma muitas vezes
involuntária, que antes de servir para algo, diz o quê. Isso é constante
na vida em sociedade, ou seja, na cultura desenvolvida por
determinado grupo (OLIVEIRA, 2015, p.19).

O vestuário pode ser tratado também sob a lente da perspectiva cultural, em que vemos
objetos servindo para comunicar significados socioculturais (PICOLI; FREESZ, 2018). E, se
partimos do princípio de que a lógica midiática está inserida na dimensão de encenações e
espetáculos ao passo que as pessoas estão diariamente encenando papéis, entendemos que as
aparições em público de figuras políticas dependem de um longo planejamento e cuidadoso
ensaio do texto por meio do locutor (COIMBRA, 2018). Nesses aspectos nos deparamos com
um mundo de dramas encenados e práticas que se tornam verdadeiros espetáculos, indo desde
a roteirização de falar e movimentos, até os “figurinos”, as roupas escolhidas para tais
aparições. (COIMBRA, 2018).
Para Schwartzenberg (1977), o processo de encenação social é discutido na esfera
política, visto que o espetáculo está no poder e o Estado é uma grande empresa teatral que se
preocupa com produções espetaculares que irão atingir o público eleitor. Um ator político, seja
homem ou mulher, é quem simboliza uma Nação, Estado ou partido, fazendo com que os
políticos se preocupem em criar imagens que captem a atenção do público, como um rótulo.
Lembrando que essa não precisa ser uma imagem real, basta manter-se fiel a ela durante o teatro
político que agrega uma coleção de papéis em seu repertório: e o herói, o homem comum, o
líder charmoso e o pai do povo entre outros. “Escolhido o papel, é preciso montar o espetáculo”
(COIMBRA, 2018).
Schwartzenberg (1977) afirma que a preocupação se estende às roupas, aparência,
ângulos e luzes, escolhidas a dedo por personagens importantes da máquina política, os
diretores ou coordenadores de campanha. Aqueles que modelam os políticos como massa de
modelar para que se portem de maneira adequada para seduzir o público dentro dessa
democracia em que governar é convencer (COIMBRA, 2018). Coimbra (2018) nos diz ainda
que conquistar a opinião pública é um fator decisivo para se fazer ser visto e reconhecido, tendo
a imprensa o papel de “vender” pessoas mais do que ideias. Chegando ao eleitor-consumidor
que “compra” o candidato-produto, levando ao crescimento da quantidade de profissionais
envolvidos em criar estratégias para trabalhar a imagem dos políticos nesse jogo (COIMBRA,
2018).
Aqui temos a moda como ferramenta para um sistema de arranjos entre itens
transformados em marcadores sociais, deixando de lado o ato solto de apenas enfeitar,
“devemos percebê-las como um sistema com significados, de pertencimentos e de adaptação
ao meio” (OLIVEIRA, 2015, p.16).

3. CONTEXTO POLÍTICO DO GOLPE SOFRIDO PELA EX-PRESIDENTA DILMA


ROUSSEFF

Dilma Vana Rousseff nasceu em dezembro de 1947 em Belo Horizonte (BH), Minas
Gerais e iniciou sua atuação política aos 16 anos, quando ingressou na luta armada contra a
ditadura militar. Presa em 1970 por quase três anos e submetida à tortura. Após deixar a prisão,
Dilma mudou-se para Porto Alegre e formou-se em Economia na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS)24. Ajudou a fundar o PDT, legenda da qual fez parte até 2002,
momento em que se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT).
Dilma concorreu ao pleito em 2010 e entrou para a história por ser a primeira mulher a
ocupar o cargo de presidente da república em um governo que daria continuidade ao do ex-
presidente Luís Inácio Lula da Silva, também do PT. Desse modo, foram mantidos os
programas de assistência social como o “Minha Casa Minha Vida” e o “Bolsa Família” ao
mesmo tempo, em que adotou uma política neoliberal na economia.
De acordo com Lucas Gandin (2012), inicialmente, Dilma era considerada uma pessoa
técnica, mas com pouco carisma perante os eleitores. O pesquisador concluiu que houve em
seus programas do HGPE na disputa de 2010 um entrelaçamento entre a capacidade técnica,
sensibilidade e humanidade advindas do fato de ser mulher. “Sua imagem de gestora [...] alia-
se à imagem de mulher, que oferta amor, carinho e cuidado aos filhos e habilita a imagem de
guerreira” (GANDIN apud LIMA; PANKE, 2012, p. 182).
O cenário internacional enfrentava uma forte recessão no momento em que Dilma
assumiu o governo, o que aumentou os investimentos na infraestrutura por meio do Programa
de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2), em 2011, e estendeu o comércio com países da
América Latina e a China. As taxas de juros foram reduzidas, facilitando o crédito para as
empresas e pessoas físicas. Em meio à crise que afetou a classe trabalhadora, o governo investiu
verbas bilionárias para a realização da Copa das Confederações no Brasil em 2013, momento
que uma onda de protestos tomou o país tendo como gatilho o aumento das passagens do
transporte público.

24
Disponível em: https://educacao.uol.com.br/biografias/dilma-rousseff.htm
Os atos contaram com cerca de 1 milhão de pessoas, sendo que grupos de manifestantes
foram processados e presos por meses, o que colaborou com o aumento da insatisfação popular
para com o governo. Reeleita em 2014, seu segundo mandato foi marcado por instabilidade
política e agravamento da situação econômica com o registro de um Produto Interno Bruto
negativo com a taxa de — 3,8% e com o aumento das taxas de desemprego e da inflação. A
crise política ficou evidenciada pela acirrada vitória no segundo turno, com 51,64% dos votos,
segundo o Datafolha, e o mesmo também se refletiu no Parlamento com a diminuição de
aliados.
A polarização política no país se agravou cada vez mais e no decorrer do ano de 2015,
cinquenta pedidos de impeachment foram protocolados na Câmara dos Deputados contra Dilma
Rousseff. A maioria dos pedidos foi arquivada por falta de material probatório e argumentos.
Entretanto, um deles foi acolhido pelo então presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha,
em 2 de setembro de 2016. O pedido foi elaborado e protocolado em outubro do mesmo ano
pelos juristas Janaína Conceição Paschoal, Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo. Esse que ainda
estava subscrito por três líderes de movimentos sociais que ajudaram a articular as grandes
manifestações de ruas do ano de 2015: Kim Patroca Kataguiri (Movimento Brasil Livre),
Rogério Chequer (Vem Pra Rua) e Carla Zambelli Salgado (Movimento Contra a Corrupção).
Dezembro de 2015 marcou a abertura do processo de impeachment na Câmara dos
Deputados. Em abril de 2016, iniciou-se o processo legal do impeachment, em que a maioria
dos deputados federais foi favorável. Durante maio, a maioria do Senado votou pela abertura
do processo de impeachment da então presidenta, por crime de responsabilidade fiscal, e os
senadores decidiram pelo impedimento do governo Dilma. Sendo sucedida pelo seu vice,
Michel Temer do PMDB, em 31 de agosto, concretizando o golpe. A primeira votação sobre a
perda do mandato foi desfavorável à Dilma, já que 61 senadores votaram a favor da perda. Já a
segunda votação favoreceu-a: 42 senadores optaram por não deixar Dilma inabilitada para o
exercício de funções públicas, contra 36 que se opuseram.
Figura 3
Dilma durante sua defesa na sessão de julgamento do impeachment

Fonte: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em seu discurso de saída, a ex-presidenta declarou:

Acabam de derrubar a primeira mulher presidenta do Brasil, sem que


haja qualquer justificativa constitucional para este impeachment. Mas
o golpe não foi cometido apenas contra mim e contra o meu partido.
Isto foi apenas o começo. O golpe vai atingir indistintamente
qualquer organização política progressista e democrática. [...] Esta
história não acaba assim. Estou certa que a interrupção deste processo
pelo golpe de Estado não é definitiva. Nós voltaremos. Voltaremos
para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é
soberano. (ROUSSEFF, 2016)

4. ESTUDO DE CASO: DILMA E O VESTIDO VERMELHO

4.1 Metodologia e Corpus de Análise

O percurso para a construção deste artigo partiu de um estudo qualitativo a partir de um


estudo de caso com aportes documentais, utilizando das seguintes técnicas metodológicas: (1)
Pesquisa Bibliográfica – constituída a partir do levantamento e leitura de artigos, monografias,
dissertações, e outros materiais que abordam discussões pertinentes às temáticas propostas, para
a construção da base teórica do presente trabalho; (2) Pesquisa Documental – para discutir a
vestimenta utilizada pela ex-presidenta Dilma no discurso da vitória da eleição de 2022 para o
presidente Lula, foram coletadas notícias divulgadas na internet no dia seguinte ao ocorrido, a
pesquisa foi realizada com o uso de palavras-chave. (3) Análise de Conteúdo – com o material
coletado, utilizamos da Análise de Conteúdo de Toledo e Gonzaga (2011) para uma
compreensão ao realizar uma “interpretação de contexto” no qual este objeto está inserido.

4.2 Análise do Simbolismo por trás do Vestido de Dilma

Após anos de retrocesso democrático com o governo de Jair Bolsonaro (PL), o PT


retorna ao poder com a vitória de Lula em 30 de outubro de 2022 com 50,90% dos votos no
segundo turno das eleições presidenciais. Aqui nós ateremos a figura da ex-presidenta Dilma
durante o dia da vitória.
Para Oliveira (2015) a ex-presidenta Dilma Rousseff conseguiu mostrar por suas
escolhas vestuais a personalidade de uma pessoa integrada ao meio político, de pulso firme e
distante da ideia de identidade feminina e frágil. Com escolhas singulares e sem muitas
alterações entre modelagem, deixando esse papel para as cores.

Sua escolha sempre recai sobre vestes com manga três quartos, que
são consideradas formais, mas não opulentas; são positivas, claras.
Ao optar por este corte, a presidente se aproxima da realidade de seu
público, por mostrar uma forma mais simples e sem requinte. Em
compromissos mais requintados, ela opta por peças de manga longa
(OLIVEIRA, 2015, p.49).

Entendemos que na criação de um diálogo com o mundo e para o mundo com as


escolhas do indivíduo podem ser compreendidas dentro ou fora de um contexto delimitado. Ou
seja, a interpretação ao ser inserido em uma conjuntura pode dar ao item um significado mais
complexo (OLIVEIRA, 2015). Nesse caso, durante o discurso da vitória do presidente eleito,
em São Paulo capital, a roupa de Dilma chamou atenção.
Figura 4
Dilma após o discurso da vitória

Fonte: Roberto Sungi / Futura Press

A ex-presidenta veio vestida a caráter, com um vestido vermelho. Vermelho da cor do


PT que faz referência ao movimento comunista, tem amplos significados e simboliza a
martirização da classe operária. O vermelho simboliza o sangue dos operários derramados, mas
ganhou seu significado político quando o governo da União Soviética estampou essa cor em
sua bandeira. Vermelho é a mesma roupa usada por Dilma durante seu discurso ao deixar o
Palácio do Alvorada, em Brasília, em 2016 pós-impeachment.
O uso do vermelho pela ex-presidenta, nas duas ocasiões, vem para simbolizar sua
postura ativa e simbolizar o contraste de ideias com a oposição (OLIVEIRA, 2015) uma
maneira de reforçar “a imagem de disputa, guerra, mas que exprime a vontade de comunicar ao
mundo qual a posição, afinal ‘quanto mais fraca sua posição política e a própria cor, mais forte
parecerá a cor do adversário’” (OLIVEIRA, 2015, p.56).
Figura 5
Dilma deixando o Palácio da Alvorada

Fonte: Agência Brasil Fotografias

“É formal e funcional para situação, uma blusa vermelha com uma


estampa abstrata em preto […]. Mas as roupas são especiais
justamente porque elas não andam sozinhas; elas andam juntas com
o intertexto, com a sutileza” (FARAGE, 2022). O ato pode ser
entendido como o fechamento de um ciclo e de que sim, a moda vai
às urnas. Em entrevista dada em BH, antes mesmo da vitória do
presidente Luís Inácio Lula da Silva, Dilma disse: “Quando eu saí do
Palácio do Planalto, por causa daquele impeachment ilegal e
fraudulento, eu disse: ‘nós voltaremos’. Para mim hoje é um dia que
chegou esse de nós voltarmos, até porque nós temos que reconstruir
o Brasil”.
Figura 6
Tweet feito por Dilma no dia do impeachment

Fonte: Reprodução Twitter

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A comunicação é, sim, expressa pelo vestuário e pode exprimir informações sobre o


indivíduo como gênero, idade, classe ou grupo social a que pertença (LARIE apud PICOLI;
FREESZ, 1997). O discurso do estilo passa a ser adotado pela decoração do corpo, as roupas,
os acessórios, corte de cabelo, entre outras informações como o caráter simbólico da roupa
enquanto signo de configuração identitária, social e pessoal derivada da dialética entre um
indivíduo e a sociedade (BERGER; LUCKMANN, 2007). O presente trabalho pretendeu
analisar, a partir de um olhar sobre a moda, como o fazer político foi desenvolvido e expresso
pela ex-presidenta da República Dilma Rousseff durante sua saída do Palácio da Alvorada e
seu discurso no retorno do PT ao poder.
Através de uma pesquisa bibliográfica e documental realizamos uma análise de
conteúdo de recortes temporais que demonstraram que sim, a escolha da roupa de Dilma teve
caráter simbólico e comunicou para o público, com sutileza, sua mensagem claramente e
explícita. Dessa vez, sem nada dizer, ela disse tudo através da roupa escolhida, um vestido que
não tem nada de especial à primeira vista, totalmente no estilo de Dilma e da ocasião.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Manoela Bernardi Ferreira de. Moda e Política: Influências e consequências


deixadas pela moda francesa e inglesa nos trajes de corte de Portugal durante 1789 a 1807.
2018. Dissertação (Mestrado) - Mestrado em Design de Moda. Departamento de Design de
Moda, Universidade da Beira Interior, UBI. Covilhã, Portugal. 2018.
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Sociologia do Conhecimento. Trad. Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis, Vozes, 27 ed.,
2007.

COIMBRA, Mayra Regina. A disputa de sentidos sobre a imagem de Dilma Rousseff: as


estratégias de construção da imagem da ex-presidente versus o enquadramento noticioso da
Folha de S. Paulo no período do impeachment. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Social (PPGCOM), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),
2018, 252p.

FARAGE, Thaís. Blusa da vingança: Dilma celebra com Lula usando roupa do pós-
impeachment. Uol. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/colunas/thais-
farage/2022/10/31/dilma-usou-na-vitoria-do-lula-mesmo-vestido-que-usou-depois-do-dia-do-
golpe.htm. Acesso em: 11 nov. 2022

LIMA, Alice Marina Lira; PANKE, Luciana. Da Primeira Candidata à Primeira Eleita à
Presidência Do Brasil: tipologias femininas no HGPE de TV de Lívia Maria e de Dilma
Rousseff. In: Compolítica, 2017, Porto Alegre. Anais do VII Compolítica. Rio de Janeiro:
Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política, 2017. v. 7.

OLIVEIRA, Karla Beatriz Barbosa de. A roupa da presidente: uma análise de comunicação
pelas vestes. 2015. 81 f., il. Monografia (Bacharelado em Comunicação Social)—Universidade
de Brasília, Brasília, 2015.

PICOLI, Ione Silva; FREESZ, Luciana. 'Eles cresceram!': análise do personagem Cascão e seu
vestuário na revista em quadrinhos 'Turma da Mônica Jovem'. In: V SPACL - Seminário de
Pesquisa em Artes, Cultura e Linguagens, 2018, Juiz de Fora. Anais V SPACL - Intervenções
Imaginárias. Juiz de Fora: PPGACL, 2018. v. 5. p. 316-327.

QUEIROZ, Adolpho; MARTINS JR, Francisco Ramirez. Presidente Dilma, com que roupa eu
vou?. Revista Compolítica, v. 1, n. 1, p. 133, 2011.

ROUSSEFF, Dilma. Veja a íntegra do discurso de defesa de Dilma no Senado. Brasil de Fato.
2016. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/08/31/em-discurso-de-despedida-
ha-seis-anos-dilma-profetizou-pais-de-bolsonaro. Acesso em: 11 nov. 2022

TOLEDO, Cezar de Alencar Arnaut; GONZAGA, Maria Teresa Claro. Metodologia e técnicas
de pesquisa nas áreas de ciências humanas. Maringá: Eduem, 2011.
Capítulo 9

Material Girl? Yes!:


O Efeito Marilyn sobre a cultura dos diamantes na Indústria Cultural

Lara Karoline Souza de Aquino (UFSJ)

RESUMO: O presente artigo objetiva fazer uma análise da utilização da figura de Marilyn
Monroe na construção do imaginário social acerca dos diamantes. A partir do conceito de
“valor”, formulado por Roland Barthes (2006), ao relacionar o signo com os demais signos
presentes, na discussão sobre as mudanças feitas nas sociedades a partir da atuação de Marilyn
com os diamantes e a alteração de mercado protagonizada pela Indústria Cultural.

PALAVRAS-CHAVE: Indústria Cultural; Diamantes; Comunicação; Marilyn; Valor.

1. INTRODUÇÃO

“Os diamantes são os melhores amigos de uma garota”, famosa citação de Marilyn
Monroe cantada durante um trecho do filme “Os Homens Preferem as Loiras” de 1953. Um
longa-metragem estadunidense da 20th Century Fox, dirigido por Howard Hawks que faz parte
do gênero musical baseado em um show da Broadway de 1949 de mesmo nome. Na película
protagonizada por Marilyn – como Lorelei Lee – estigmatizada pelo estereótipo de “loira
burra”, mas que demonstra grande apreço por diamantes, que são para sempre.
Marilyn foi um marco do cinema hollywoodiano da década de 50, que influenciou e
marcou a cultura de uma sociedade através da construção de sua imagem sensual de mulher
desejável. Tendo sido muito vendável e rentável aos estúdios e marcas para as quais trabalhava,
como veremos a seguir no decorrer desse estudo.
É comum que nos Estados Unidos (EUA) mulheres sejam pedidas em noivados com
anéis com pedras de diamante. Costume introduzido no país na década de 1950. Estimasse,
segundo Bain (2012) que 85% das mulheres estadunidenses casadas tenham pelo menos um
anel de diamante, o de noivado. Dois fatores que andam isolados e tem muito mais em comum
do que é percebido à primeira vista.
Dessa forma, é pretendido aqui analisar como a figura de Marilyn se mistura ao valor
atribuído aos anéis de diamante no mercado estadunidense e mundial durante os pedidos de
casamento sendo ações intrínsecas para a Indústria Cultural. Para realizar esta análise, será
utilizado como referência o conceito de valor, desenvolvido por Roland Barthes, além das
contribuições de outros autores.

2. MULHERES E SOCIEDADE: “WHAT'S A GIRL GONNA DO? A DIAMOND'S


GOTTA SHINE”

Para Scali Abritta (2018) o vir ao mundo como mulher relaciona-se com a ocupação de
determinados espaços, vinculados à vigilância do homem. Desde a mais tenra infância, as
mulheres foram educadas e persuadidas a verem o que fazem e têm suas identidades compostas
na ambiguidade (BERGER apud SCALI ABRITTA, 2018). Já que uma é controlada pelo
masculino, e outra pelo feminino.
A mulher precisa vigiar a si própria em nome da sua aparência. Beauvoir (1995) afirmou
que o ser mulher se baseia em construções sociais, não sendo nada proveniente do “natural” ou
biológico. A famosa frase diz que não nascemos mulheres, nos tornamos, visto que, para ser
mulher, precisamos entender essas identidades e construções de gêneros impostas a nós pela
sociedade permeada pela dominação masculina. Principalmente, quando observamos de que
forma as instâncias socializadoras – como os meios de comunicação e seus diversos produtos –
contribuíram para a formação ou mudança de padrões de comportamento calcados na opressão,
exclusão e divisão.
A cultura humana é a base para a construção de identidade sendo processada por cada
indivíduo e está enraizada nas estruturas sociais pelos processos de socialização. Tendo a
identidade como aquilo que descreve a criação de significado gerando a identificação simbólica.
Para Castells (1999), a formação da identidade faz parte do processo pelo qual o indivíduo se
reconhece e estabelece significados a partir de uma determinada característica cultural. Segundo
o autor cada a identidade se constitui em contextos dominados por relações de poder, visando
manter o domínio das instituições em relação aos sujeitos. Sendo a identidade o resultado dessas
ferramentas de poder. Tradições e culturas, biologia, contextos sociais e históricos, instituições
produtivas e reprodutivas e experiências individuais (CASTELLS, 1999a).
Destaca-se também que a identidade é construída com base na diferença, ou seja, ela
depende daquilo que não é para existir (SILVA, 2018). Nesses binarismos pode-se depreender
a diferenciação entre feminino e masculino, base para a exclusão, relações de poder e de
dominação. “Todas as práticas de significação que produzem significados envolvem relações
de poder, incluindo o poder para definir quem é incluído e quem é excluído” (SILVA, 2018, p.
18). Essas diferenças foram confirmadas ou violadas por produtos culturais, reprodução
contínua que causam um sentido imediato de mundo.
Contextualizado isso, compreendesse importante entender como a realidade social é
constituída e o conceito de poder simbólico. Para Bourdieu (1989), esse é feito para afirmar e
dar sentido imediato do mundo, criando valores, hierarquias e conceitos e pode ser observado
na participação da mídia na construção social da realidade e desse referencial de mundo, seja
em uma sociedade permeada pela comunicação instantânea contemporânea ou centrada nos
meios de comunicação de massa (impresso, rádio e TV). O sociólogo francês acredita que
desvelar sistemas de dominação e poder e compreender a atuação das estruturas sociais sob o
indivíduo – que sofre influência deles – nos auxilia no questionamento do que é “naturalizado”
socialmente, como a violência simbólica.

É necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele
é mais completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder
simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser
exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe
estão sujeitos ou mesmo que o exercem. (BOURDIEU, 1989, p. 7-8)

Dessa forma compreender de que modo as mulheres são representadas na mídia e


corroboram, ou não, com o reforço de estereótipos e comportamentos se torna relevante. Nas
telas vemos representações do real, que podem coincidir ou não com a realidade. Vemos
imagens, corpos, representações nas telas que se tornam, ou podem se tornar, ideais a serem
seguidos por nossas mentes causando diversas problemáticas. Como sabemos, os indivíduos
exercem diversos papéis que, juntos, formam sua identidade social. Papéis desempenhados no
trabalho, escola, em casa, com amigos, entre outros, bem como, o modo de se vestir, auxilia
fortemente na construção dessa individualidade (PICOLI; FREESZ, 2018). Portanto, se essa
for interposta constantemente pelos produtos culturais, os indivíduos passam a não encontrarem
espaços para criar suas próprias identidades.
Em sincronia a isso, nos deparamos com questões sobre como a utopia do amor
romântico continua interferindo na vida das mulheres contemporâneas. Sentimento que
funciona como fomentador das desigualdades de gênero que atuam como fonte de violência
simbólica, ao naturalizarmos o amor como emoção inata à mulher. O casamento, o cuidado da
família, até mesmo a escolha profissional tem o sucesso atrelado à manutenção dessas estruturas
(RAFANHIM; REZENDE; INHAN, 2019).

3. INDÚSTRIA CULTURAL: “I BEEN DANCIN' ALL NIGHT, AND YOU CAN TRY
TO CHANGE MY MIND”

A cultura sob a perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural é formada a partir das


relações e ensinamentos passados de comunidades humanas repassadas para as crianças e à
sociedade como um todo. Sendo vista como presente e parte central de todas as esferas sociais.
Sendo simplesmente tudo o que não é geneticamente transmissível, mas sim determinado por
um conhecimento implícito no mundo que faz as pessoas agirem e negociarem maneiras
apropriadas para determinados contextos sociais (EAGLETON, 2005).
Em paralelo, na comunicação, os Estudos Culturais surgiram na década de 1950 e
questionavam a ideia de veículos de comunicação e o público como massa homogênea e passiva
frente às mensagens recebidas. Discutiam ainda o modo como as produções culturais articulam
as ideologias, valores e representações de sexo, raça e classe na sociedade, bem como a relação
entre esses fenômenos. Determinando que, para estudar cultura, é necessário traçar as
articulações pelas quais as sociedades existentes produziram aquela cultura/produto cultural e
como a sociedade reteve sua influência.
Morin (2002), por sua vez, ao traçar um panorama sobre o imperialismo do começo do
século XX, aponta como o poderio industrial toma conta do globo em uma colonização vertical.
Uma colonização que não explorava apenas economicamente os países, mas também despejava
cultura e mercadorias culturais nas nações colonizadas com produtos colonizadores. O autor
discute sobre a criação de uma Terceira Cultura – formada pela imprensa, cinema, rádio, e a
televisão recém-surgida – chamada de mass culture, a Cultura de Massa. Produzida com fins
industriais de fabricação para grande difusão em uma massa social.
A cultura de massa chega para criar um local nas comunidades do século XX, uma
alienação burguesa inserida no subconsciente e consciente colonizado. Não se restringindo
apenas ao trabalho, afetando também áreas como o lazer e o consumo (MORIN, 2002)
Já o termo Indústria Cultural surgiu em um livro publicado por Adorno e Horkheimer
em 1947, em Amsterdã, quando traçaram os primeiros esboços sobre os problemas da “cultura
de massa” e fizeram a substituição. No momento em que entenderam que a cultura de massa
trata a cultura como algo que surge das massas, espontaneamente. Por outro lado, a arte da
Indústria Cultural foge disso ao instituir que a indústria produz cultura e a insere no consumo
das massas, determinando formas de consumo (ADORNO, 1986, p.92).
Para Kellner (2001), os produtos da Indústria Cultural são modeladores de paradigmas
da vida cotidiana com o papel de definir identidades e valores que permeiam a vida das pessoas.
Criando repertórios culturais dos quais o indivíduo situado tecno capitalista extrai suas
orientações identitárias. Ou seja, a Indústria Cultural molda necessidades para fazer com que
os indivíduos sintam a carência de consumir produtos ou experiências, só por ver aquilo
inserido na mídia. Vendo a cultura se tornando uma teoria de produção e reprodução social,
tendo a mídia como produtora-reprodutora disso (KELLNER, 2001).

Filmes, séries, música constituem um sistema interligado que impõe


o modo de agir para a população. Assim, a cultura passa a ser criada
pela indústria sobre a concepção de que a Indústria Cultural é uma
obra do capitalismo, voltada apenas para a satisfação dos interesses
comerciais dos veículos de comunicação, os quais tratam a sociedade
como um mero mercado de consumo dos produtos impostos por eles.
De acordo com essa perspectiva, considerada apocalíptica, existe
uma articulação na criação dos produtos midiáticos, as quais mantêm
as cadeias de produção estáveis, interligando obra e merchandising,
publicidade e propaganda (AQUINO, 2021, p. 43)

Dessa maneira diversos outros produtos culturais são base para produtos inspirados
nelas como blusas, cadernos, boxes de DVDs, etc.

4. O VALOR DO DIAMANTE NA CONSTRUÇÃO DE REALIDADES E IDENTIDADE


FEMININA: “DID ALL THE EXTRA CREDIT, THEN GOT GRADED ON A CURVE”

A análise proposta neste artigo, a partir de pesquisa bibliográfica e análise de conteúdo,


pretende entender a relação entre a atriz Marilyn Monroe, o comércio de diamantes e a Indústria
cultural. Para melhor compreensão do assunto a divisão metodológica foi feita da seguinte
forma: (1) Pesquisa Bibliográfica – levantamento e leitura de artigos, monografias,
dissertações, e outros materiais que colaboraram com a temática tratada contribuir como base
teórica do artigo; (2) Análise de Conteúdo – após contextualização da história, utilizaremos da
Análise de Conteúdo de Toledo e Gonzaga (2011) para um aprofundamento ao realizar uma
“interpretação de contexto” no qual este objeto está inserido.
Anteriormente entendíamos a realidade como algo construído socialmente em processos
de socialização e criação de culturas ao serem utilizadas pelo indivíduo como bases ou
inspiração para sua própria existência. Sendo essa retirada ou repassada por tradição oral,
escrita, grupos sociais, familiares ou estudantis. Entendemos também como o “viver em
sociedade” constrói desejos, naturaliza comportamentos nas pessoas e tem significados
profundos e símbolos demarcados nas estruturas sociais. Sendo símbolos instrumentos de
integração social que constituem o conhecimento, processos comunicacionais e nos inserem na
sociedade (BERGER e LUCKMANN, 2007).
Santaella (2005) afirma que uma análise semiótica nos permite explorar o interior das
mensagens em um estudo acurado de signos presentes em determinadas peças escolhidas para
uma amostragem. Para esse estudo, nossa amostragem é a construção do imaginário social em
que pedidos de noivado feitos com anéis enfeitados com pedras de diamante. Diamantes que
são pedras preciosas formadas por átomos puros de carbono, tal qual o carvão. Mas com valores
monetários e agregados muito diferentes. Barthes (2006) conceitua valor como sendo:

[...] uma abstração bastante arbitrária (mas inevitável) tratar do signo


"em si", como somente a união do significante e o significado. Impõe-
se, para terminar, considerar o signo não mais por sua “composição”,
mas por seus "contornos": é o problema do valor. Saussure não viu
de imediato a importância desta noção, mas, a partir do segundo
Curso de Linguística Geral, concedeu-lhe uma reflexão sempre mais
aguda e o valor tornou-se para ele conceito essencial, mais importante
afinal do que o de significação [...] (BARTHES, 2006, p. 56)

Valores aqui não tendo relação alguma com o signo puro e sim, mas sim com os outros
signos que o circundam e “banham” com outras significações. O valor também está na fixação
do sentido, somado à significação. Aplicada aos produtos culturais, esse fenômeno pode ser
observado na construção do imaginário anéis de noivado. Principalmente, pela difusão da ideia
na cultura popular da canção “Diamonds are a girl's best friends” (Diamantes são os melhores
amigos de uma garota), interpretada por Marilyn Monroe, no filme “Os homens Preferem as
Loiras” (1953).
Figura 1
Cartaz britânico do filme Os Homens Preferem As Loiras

Fonte: Greenford Park Warehouse

Anteriormente, as peças de diamantes tinham grande oferta no mercado o que,


consequentemente, abaixava o preço das gemas e jogava por terra a divulgação de que os
diamantes eram raros, preciosos e, por conseguinte, caros. Portanto, cientes dos arriscados
negócios que tinham, os investidores de minas da pedra preciosa decidiram fundir interesses
em uma única entidade poderosa o suficiente para controlar a produção e perpetuar a ilusão de
escassez dos diamantes, criando assim, em 13 de março de 1888, o De Beers Consolidated
Mines Limited (SOUSA, 2012).
Agora com domínio imposto sobre 90% da produção mundial de diamantes, as minas
da De Beers precisavam desconstruir ideias e reembalar seus diamantes com uma nova
mensagem e valor. Projetavam a gema como algo raro e a atribuir o romance, a sensualidade,
símbolo de poder e riqueza, da ascensão socioeconômica, de prosperidade e superioridade aos
possuidores dos diamantes (SOUSA, 2012). A intenção também era atribuir o valor e conceito
de diamantes como sendo presentes e imensos atos de amor para aqueles que desejavam uma
vida conjugal singular e indestrutível como o diamante, segundo Sousa (2012).
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os diamantes chegam para agregar na ruptura
com o baseado e dar entrada na vida moderna. E a contratação da agência de publicidade N. W.
Ayer para desenvolver a campanha que agregaria valor à joia nos EUA foi certeira. A estratégia
associava o slogan “A diamond is Forever” (Um diamante é para sempre) e do filme de Marilyn
na cultura popular (PASSOS, 2017, p.6).

Figura 2
Marilyn no filme Os Homens Preferem As Loiras

Fonte: 20th Century Fox

Marilyn estava no auge e a representação daquela cena é revivida constantemente na


Cultura Pop – como pela cantora Madonna no clipe de Material Girl que dá nome a este artigo
– e representava a sensualidade, poder e desejo objetivados pela De Beers. Em sua performance
era ressaltado ainda o apelo pela durabilidade da joia e o apelo à proteção material que a gema
trazia às mulheres. Afinal, os homens vão embora, mas os diamantes são para sempre. Algo
que pode estar relacionado aos soldados que iam para a Guerra logo após pedirem as amadas
em noivados com anéis de diamante, que serviam tanto para marcar o compromisso quanto para
resguardar a vida da moça em caso de morte em guerra (PASSOS, 2017).
Com a imagem difundida no cinema aliada a diversos símbolos diferentes marcaram a
reinvenção e reembalagem da pedra no mercado mundial. O glamour atribuído por Marilyn
Monroe será dificilmente esquecido e vem sendo relembrado inclusive atualmente com
lançamentos sobre a vida da artista como o filme “Blonde” (2022).

Assim foi inventada uma tradição que faz com que 85% das mulheres
norte-americanas casadas tenham pelo menos um anel de diamante,
normalmente o seu anel de noivado, e que os homens gastem em
média o equivalente a dois salários, podendo chegar a três, em sua
compra. A sociedade do espetáculo transformou essa invenção em
uma meta de vida e o culto às celebridades, junto com a penetração
das redes sociais, tornaram-na uma febre mundial. Esses números
fazem de toda norte-americana adulta sem um anel de noivado no
dedo uma espécie de monstruosidade. O que há de errado com ela
para que não tenha um diamante no dedo? (PASSOS, 2017, p.7).

A cultura de massa chega para criar um local nas comunidades do século XX, uma
alienação burguesa inserida no subconsciente e consciente colonizado. De acordo com Morin
(2002), essa nova alienação não se restringe apenas ao trabalho, mas afeta áreas como o lazer e
o consumo. O diamante foi reinventado e colocado como elemento indispensável para a vida
conjugal em uma tradição inventada, além de agregar valor à sua raridade enquanto não terá
nada raro na natureza.
Para Morin (2002), o consumo da cultura de massa está, na maioria, ligado ao lazer
moderno, já que para a classe trabalhadora ter condições de produzir, a burguesia capitalista
criou uma organização de trabalho exaustiva que seria, então, compensada com o lazer. É um
consumo, de certa forma, predeterminado, não passível de mudanças que causam exaustão no
explorado. No fim, o imaginário feminino estará ligado à construção de valores de homens
brancos sobre quais devem ser os princípios e regras dos relacionamentos amorosos que elas
venham a viver.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A influência e participação da mídia na construção do imaginário social e de identidades


é feita de forma ativa e massiva. Construindo camadas de tradições no viver em sociedade que
podem ser observados na tradição dos anéis de noivados cravejados por diamantes. Muito
propagadas na figura de Marilyn Monroe no filme “Os Homens Preferem As Loiras”, ao qual
tinha no protagonismo da atriz o retrato dos símbolos e valores agregados aos anéis de diamante.
Para além, os recursos utilizados pela De Beers na constituição do seu legado
demonstram como a sociedade está imersa nas mãos dos detentores da mídia e a influência
exercida por eles no cotidiano. Com tradições repassadas a décadas que movem rios de
dinheiros para as explorações do Continente Africano em uma história construída por
violências, mas embalada com um forte apelo sentimental. A produção e reprodução de capital
está diretamente ligada à utopia do amor romântico. A reflexão que fica é: quantos costumes e
tradições enraizadas na nossa sociedade continuam influenciando a vida cotidiana sem que
saibamos a origem por trás deles?

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor W. A indústria cultural. In COHN, G. (org.). Theodor W. Adorno


(seleção de textos). Tradução de A. Cohn. (Col. Grandes Cientistas Sociais, n. 54). São Paulo:
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AQUINO, Lara Karoline Souza de. A (Re)Formulação Do Feminino Em Romances De


Época: Uma Análise da série Bridgerton. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em
Comunicação Social - Jornalismo) - Departamento de Comunicação Social, Universidade
Federal de São João del-Rei, São João del-Rei. MG, 2021.

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2007.

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4. ed., 1980.

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CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e


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EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. São Paulo: Editora UNESP, 2005.

KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia - estudos culturais: identidade e política entre o


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TOLEDO, Cezar de Alencar Arnaut; GONZAGA, Maria Teresa Claro. Metodologia e técnicas
de pesquisa nas áreas de ciências humanas. Maringá: Eduem, 2011.
Capítulo 10

O Jornal Nacional como ator político:


a desconstrução da candidatura de Lula (PT) na eleição presidencial de 2018

Fernando Albino Leme (UNIP)

RESUMO: A desconstrução da candidatura de Lula (PT) nas eleições presidenciais de 2018 é


abordada no presente artigo como um projeto liderado pela Rede Globo, por meio do Jornal
Nacional, para tentar prejudicar ainda mais a imagem de Lula durante o pleito. Por meio de um
discurso bem elaborado, e apoiado por estratégias de comunicação específicas, para esvaziar o
capital político de Lula (PT) durante a campanha eleitoral, o telejornal desconstruiu sua imagem
como candidato, até a impugnação definitiva de sua candidatura. Para confirmar essa hipótese,
foi realizado o levantamento de 18 edições do Jornal Nacional, no período de 15 de agosto à
11 de setembro de 2018, submetidas ao processo de Análise de Conteúdo, que busca através de
análises quantitativas e qualitativas, mapear como Lula é retratado nas reportagens, e como esse
tratamento pode influenciar a percepção do telespectador.

Palavras-Chave Lula; Jornal Nacional; Eleições; Telejornalismo; Política.

1. PANORAMA DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS E DO PAPEL DA GLOBO E DO


JORNAL NACIONAL

A televisão é considerada a mídia que unificou o Brasil em uma mesma identidade


nacional, a partir da década de 1970, quando o Jornal Nacional, da Rede Globo, consolidou-se
com o principal noticiário televisivo brasileiro. O telejornalismo nas décadas seguintes se
transformou no principal gênero televisivo por levar para todos os cantos do país as informações
preponderantes para a sociedade brasileira, debatendo os assuntos de interesse político,
econômico e social, como as Diretas Já, a hiperinflação e a abertura econômica na década de
1990, o impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello (PRN), a chegada de um líder
sindical (Lula) à presidência em 2002, apenas para citar alguns exemplos. Esses fatos citados
anteriormente mostram como a política e o jornalismo estão intrinsecamente relacionados,
contribuindo para a transformação da sociedade. Por outro lado, os telejornais são programas
televisivos que reproduzem as narrativas e ideologias dos conglomerados de comunicação no
Brasil, marcadamente comandados por famílias que concentram em suas mãos as concessões
públicas de emissoras de rádio e televisão 25.
Desse modo, essas narrativas revelam e hierarquizam os assuntos que devem estar na
pauta das discussões na sociedade, direcionando no espaço público o que e de qual forma os
cidadãos devem discutir sobre o que acontece ao seu redor, como preconizou diversos estudos
sobre agenda-setting (Barros Filho, 2001) e enquadramento (Porto, 2004; Azevedo, 2004)
Há um embate no espaço televisivo das fontes interessadas em fazer valer sua opinião,
influenciando os demais sujeitos. Essa luta por poder na mídia se torna mais evidente quando
estamos às vésperas de eleições, principalmente as presidenciais. Partidos de oposição buscam
legitimar suas falas apontando os problemas do governo em vigor. Partidos da base aliada ao
governo buscam estratégias para reforçar as medidas adotadas pelo chefe de Estado e sua
equipe, ressaltando as qualidades da política econômica. Figueiredo et.al. (1998) afirmam que
os discursos utilizados na campanha são de ordem ficcional. Segundo os autores, os candidatos
de um mesmo grupo político do governo atual defendem que o mundo está bom e pode ficar
ainda melhor se permanecer o mesmo grupo no poder. Já a oposição alega que o mundo atual
está ruim e só irá melhorar se houver uma mudança de grupo político.
Esses discursos em embate são reconstruídos pela mídia, que adota a postura de
neutralidade e imparcialidade perante os fatos. No entanto, compreendemos o jornalismo como
um discurso que contribui para a construção da realidade, em oposição à teoria do
Espelho26.Como exemplo, recorremos ao fato polêmico que envolve a Rede Globo na cobertura
das eleições presidenciais de 1989 onde ocorreu a manipulação da edição do debate entre os
candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Collor de Mello (PRN). De acordo com
Lima (2001), o debate exibido às vésperas do segundo turno, em 16 de dezembro de 1989,
influenciou o resultado da eleição ao mostrar os melhores momentos do candidato Collor ao

25
O artigo 54 da Constituição Federal proíbe que deputados e senadores participem de organização definida como
“pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa
concessionária de serviço público”. Essa determinação constitucional aplica-se, por extensão, aos deputados
estaduais e prefeitos. Entretanto, senadores, deputados federais, deputados estaduais e prefeitos são sócios ou
diretores de empresas de radiodifusão. Predominam os políticos filiados ao DEM (58, ou 21,4%), ao MDB (48, ou
17,71%) e ao PSDB (43, ou 15,87%). Disponível em
https://www.revistaforum.com.br/site_donos_da_midia_aponta_quem_controla_a_comunicacao/.
26
Inspirado no Positivismo do filósofo francês Auguste Comte (1798-1857). A teoria do espelho faz uma metáfora
autoexplicativa. Ela foi a primeira metodologia usada na tentativa de compreender porque as notícias são como
são, ainda no século XIX. Sua base é a ideia de que o jornalista reflete o que é a realidade, ou seja, as notícias são
como são porque a realidade assim as determina. A imprensa funciona como espelho da realidade, apresentando
um reflexo do cotidiano.
lado dos piores de Lula. Após este episódio, a emissora teve sua credibilidade contestada por
vários críticos, pesquisadores e pelo público.
No livro Jornal Nacional – a notícia faz história, João Roberto Marinho, vice-
presidente das Organizações Globo, afirma que o erro, presente na edição do Jornal Nacional,
não se deu por má-fé, mas por inexperiência:

[...] eu debito os dois erros à inexperiência de todos nós na época. É


preciso sempre ter em mente que aquela era a primeira eleição para
presidente na era da televisão de massa. Não passa pela minha cabeça
que os equívocos tenham sido cometidos por má-fé. (JORNAL
NACIONAL, 2004, p. 231.)

No livro, ao transcrever uma teia de explicações dadas por jornalistas supostamente


envolvidos. Armando Nogueira (diretor da Central Globo de Jornalismo, na ocasião) acusa
Alberico de Souza Cruz (ex-diretor de telejornais da Rede), que acusa Ronald de Carvalho
(editor de política), que estaria sob orientação de Alice-Maria (diretora-executiva), que alega
ter se surpreendido ao ver a edição no ar; finalmente, Octavio Tostes (editor de texto do JN)
assume ter sido o responsável pela edição do debate. Tostes afirma que a edição foi manipulada
e sem preocupações com isenção (2004, p. 220). Seus superiores hierárquicos não utilizam tais
termos, mas acabam confirmando as ordens de editar beneficiando Collor. Não viam mal nisso
e demonstram sintonia com a lógica expressa por João Roberto Marinho, de que era necessário
traduzir, na edição, a superioridade de Collor (que havia vencido o debate) sobre Lula (que
havia sido muito infeliz, ido mal no debate), para ser fiel ao que de fato se deu. A edição de
debates aparece como exemplo a não ser repetido:

Hoje, a TV Globo adota como norma não editar debates; eles devem
ser vistos na íntegra. Porque, ao condensá-los, necessariamente bons
e maus momentos dos candidatos terão de ficar de fora, segundo a
escolha de um editor ou um grupo de editores. (JORNAL NACIONAL,
2004, p. 214).

Em 1994, o apoio ao candidato Fernando Henrique Cardoso (PSDB) pela Rede Globo
não era explícito, como na eleição anterior. A programação era ostensivamente voltada para a
publicidade do real, conforme afirma Rubim (1999, p.59), e vinculava a realidade a um cenário
otimista de estabilidade. O Jornal Nacional manteve o protagonismo, noticiando
sistematicamente os êxitos do Plano Real, associando tais feitos à imagem de Fernando
Henrique Cardoso (PSDB). Em contrapartida, o telejornal insistia em denegrir a imagem do
candidato Lula (PT), buscando promover uma imagem de despreparo do candidato. Nas
eleições presidenciais de 1998, o cenário de estabilidade deu lugar à crise econômica. A nova
moeda sofria com as especulações à medida que a crise atingia os mercados internacionais.
O panorama das eleições de 2002 foi diferente tanto no aspecto político, quanto na
cobertura do telejornalismo da Rede Globo. No campo político, Lula (PT) enfrentava o
candidato José Serra (PSDB), investindo em uma campanha que pregava a mudança do cenário
político-econômico, sem alterar substancialmente a ordem vigente. O candidato do PSDB foi
beneficiado ao ser mostrado como ex-ministro da Saúde de Fernando Henrique Cardoso
(PSDB), ressaltando seus feitos durante o período em que atuou como tal. Ao mesmo tempo, o
telejornal apontava aspectos da crise econômica como responsabilidade da vantagem do
candidato adversário nas pesquisas, segundo Colling. No entanto, é consenso na pesquisa de
Porto (2002) e Colling (2004) que a cobertura política das eleições presidenciais de 2002 feita
pelo Jornal Nacional foi mais imparcial e permitiu maior exposição dos candidatos, com uma
agenda que não causou problemas à candidatura de Lula (PT), que venceu o pleito.
Em 2006, o cenário das eleições presidenciais apontava para a reeleição de Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) e a continuidade de seu governo. O principal adversário do candidato petista
era Geraldo Alckmin (PSDB). A cobertura política na grande mídia foi intensa e apresentava
um grande número de matérias negativas relacionadas ao presidente Lula (PT), em relação ao
seu adversário, conforme as pesquisas de Lima (2006). O principal aporte dessas matérias foi o
escândalo de corrupção chamado de Mensalão, que promoveu um sentimento de antilulismo
(LIMA, 2006). O Jornal Nacional se posicionou de forma contundente contra a reeleição de
Lula (PT). E apesar dessa constatação, Lula (PT) foi reeleito, devido à mudança de estratégia
de sua campanha.
No segundo mandato, Lula consolidou o Brasil entre as grandes potências no exterior.
Deixou a presidência com 80% de aprovação27. Elegeu Dilma Rousseff (PT), pouco conhecida
da população até poucos meses antes da eleição. Dilma obteve nas urnas uma votação muito
próxima à de Lula, com 56% de votos. No seu primeiro mandato conduziu o governo nos
mesmos padrões de Lula. Reelegeu-se para um segundo mandato, porém, enfrentou
dificuldades de articulação no Congresso Nacional para sanar uma recessão econômica.
Além da dificuldade de articulação, também surgiu a investigação da operação Lava-
Jato, que minou acordos no campo político invisíveis que contribuíam para a falta de

27
Popularidade de Lula bate recorde e chega a 87%, diz IBOPE. Disponível em:
<http://g1.globo.com/politica/noticia/2010/12/popularidade-de-lula-bate-recorde-e-chega-87-diz-ibope.html>,
Acesso em: 10 de mai. De 2018.
governabilidade da presidente. As negociações de distribuição de verbas, obras e cargos
públicos foram prejudicadas. Numa associação entre a imprensa, as elites conservadoras, o
Congresso Nacional e o Judiciário, inicia-se uma campanha de combate à corrupção, que se
aproveita de todo o cenário político para elaborar uma farsa, que levaria a presidente Dilma
(PT) ao impedimento, por supostas irregularidades contábeis. O golpe parlamentar se deu, na
verdade, após um conjunto de acontecimentos articulados para tirar o PT do poder.
A eclosão do Mensalão, a instituição da Lava Jato, os protestos de rua estrategicamente
manipulados pela imprensa contra o governo, as dificuldades de articulação dentro do
Congresso Nacional por parte de Dilma (PT), eram parte de um plano bem delineado e
executado com perfeição por atores políticos interessados em assumir novamente o poder. Esse
plano seria eficaz somente se Dilma, Lula e o PT fossem neutralizados politicamente (SOUZA,
2016).
Durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), o ex-presidente Lula (PT)
passou a ser investigado e acusado de receber propina de construtoras por contratos com
a Petrobras. Os crimes foram por corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro. Desde a sua
condução coercitiva para depor na Polícia Federal, em 2016, até a sua prisão em abril de 2018,
produziu-se um espetáculo midiático grandioso para acompanhar passo a passo, a operação que
levou o ex-presidente à prisão.
O Jornal Nacional fez uma cobertura tendenciosa contra Lula por meio de diversas
reportagens que retratavam o assunto de maneira parcial. O telejornal produzia matérias de
forma a aproximar os líderes do PT com os episódios de corrupção denunciados pela Lava Jato.
De acordo com Fernandes:

Na semana em que o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson


Fachin, tornou pública a delação da Odebrecht, entre 11 de abril a 17
de abril de 2017, o Jornal Nacional exibiu 4 horas, 3 minutos e 48
segundos de reportagens sobre o tema, sendo que 33 minutos e 32
segundos foram dedicados a associar Lula ao esquema de corrupção
da construtora. (FERNANDES, 2019, p.4).

Mesmo diante das acusações, o ex-presidente Lula (PT) continuava com alta
popularidade, ainda que diante de um forte movimento da imprensa para desconstrução da sua
imagem política. No dia 22 de agosto, Pesquisa Datafolha divulgou as intenções de votos. O
cenário mostrava Lula em primeiro com 39%; Jair Bolsonaro em segundo com, 19%; Marina
Silva em terceiro com, 8%; Geraldo Alckmin em quarto com, 6% e Ciro Gomes em quinto com,
5% das intenções de votos.
2. ANÁLISE DA COBERTURA DO JORNAL NACIONAL NA DISPUTA
PRESIDENCIAL DE 2018

Tendo em vista o papel da TV ainda como uma mídia hegemônica, a televisão e os


telejornais se consolidaram no Brasil como um território simbólico. Juntos, assumem um papel
de conservação das relações de poder e, consequentemente, um controle social no agendamento
cultural e político da sociedade. Mesmo diante das novas tecnologias, com a internet, de acordo
com o relatório Pesquisa Brasileira de Mídia (2016) 28, 89% dos entrevistados colocam a mídia
televisiva como a principal fonte de informação.
No âmbito do telejornalismo, como já foi mencionado, é inegável a importância do
Jornal Nacional. Partindo da premissa que as eleições presidenciais de 2018 representavam a
possibilidade do Partido dos Trabalhadores (PT) retornar ao poder, já que o ex-presidente Lula
(PT) desfrutava do primeiro lugar nas pesquisas 29, o objetivo da tese é analisar como a emissora,
por meio do Jornal Nacional, reproduziu as matérias que abordavam a imagem do ex-presidente
petista durante o período em que permaneceu na disputa30.
Para a realização desta pesquisa, recorremos à proposta metodológica de Análise de
Conteúdo (Bardin, 2011), que repassa os principais modos de analisar a televisão, um veículo
tecnológico que produz informação e espetáculo, em um contexto de realidade econômica,
social e cultural. A Análise de Conteúdo tem por objetivo apresentar uma apreciação crítica de
conteúdo como uma forma de tratamento em pesquisas qualitativas e quantitativas. Para efeito
de análise, foram selecionadas as reportagens veiculadas no primeiro turno da campanha
eleitoral para a Presidência da República, no Jornal Nacional. Foi conferido destaque para a
cobertura de reportagens exibidas sobre o ex-presidente Lula, até então, líder nas pesquisas
eleitorais. A partir da análise quantitativa, mapeamos o tempo que o telejornal dedicou ao ex-

28
Relatório Final Pesquisa Brasileira de Mídia - PBM 2016. Disponível em:
<http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-
atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2016.pdf/view>. Acesso em: 01 de mai. De 2018.
29
Pesquisa Ibope: Lula, 37%; Bolsonaro, 18%; Marina, 6%; Ciro, 5%; Alckmin, 5%. Disponível em:
<https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/08/20/pesquisa-ibope-lula-37-bolsonaro-18-marina-6-
ciro-5-alckmin-5.ghtml>. Acesso em: 20 de setembro de 2018. Lula chega a 39%, aponta Datafolha; sem ele
Bolsonaro lidera. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/08/lula-chega-a-39-aponta-
datafolha-sem-ele-bolsonaro-lidera.shtml>. Acesso em: 20 de setembro de 2018.
30
No dia 31 de agosto de 2018, o ex-presidente Lula, até então candidato à Presidência da República nas eleições
de 2018, foi considerado inelegível com base na Ficha Limpa, pelo Tribunal Supremo Eleitoral. Para a análise,
serão coletadas todas as reportagens que tratam de Lula no Jornal Nacional, durante o período de 15 de agosto e
11 de setembro de 2018.
presidente que se relaciona com o contexto das eleições. A análise das reportagens permitiu
ampliar a dimensão da narrativa do telejornal em tentar desconstruir a candidatura do ex-
presidente.
Na fase de pré-análise, foi organizado o material analisado – 18 edições do Jornal
Nacional, no período de 15 de agosto a 11 de setembro de 2018. A hipótese que norteou a
análise foi a de que a Rede Globo, por meio de seu telejornal, contribuiu para a desconstrução
da imagem de Lula como candidato à Presidência da República, por meio de uma narrativa que
privilegiava conteúdos negativos sobre o ex-presidente petista. O objetivo dessa análise foi,
portanto, confirmar a hipótese de desestruturar a candidatura do ex-presidente mediante um
discurso negativo e prejudicial. Após o levantamento de cada reportagem, apresentadas em cada
uma das 18 edições do Jornal Nacional escolhidas para a análise, passou-se à etapa de
codificação, estabelecendo-se o recorte desejado para explorar o material. Conforme pontuado
por Bardin (2011), a análise temática como metodologia para análise de conteúdo é
frequentemente utilizada para estudar motivações de opiniões, de atitudes, de valores, de
crenças, de tendências, e por isso, é amplamente usada nos estudos de comunicação de massa.
Assim sendo, a escolha da análise temática neste trabalho se justifica, uma vez que o Jornal
Nacional é o telejornal de maior audiência no país.

2.1 Análise da cobertura do Jornal Nacional sobre Lula: processos, prisão e impugnação
de candidatura

A partir de uma análise quantitativa e qualitativa, é possível verificar no Quadro 1 que


houve uma cobertura ampliada sobre o registro da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, entre os meses de agosto e setembro. Durante 24 dias, o Jornal Nacional divulgou
32 reportagens sobre o registro da candidatura à Presidência da República, apontando para uma
reprodução sistemática de uma narrativa para envolver o nome de Lula com corrupção,
legitimando-se sempre com personagens jurídicos e justificando a reprovação de sua
candidatura pelo argumento da Lei da Ficha Limpa, conforme Quadro 1:
Quadro 1
Reportagens do JN sobre o a candidatura do ex-presidente Lula à Presidência da
República
Fonte: Jornal Nacional, 2020.

Ao analisar as reportagens, observa-se que a cobertura ocupou 5 (cinco) semanas, com


maior visibilidade na terceira semana, ou seja, semana em que antecedeu o julgamento, no
Tribunal Superior Eleitoral, no qual o registro da candidatura de Lula foi cassado. Entretanto,
o Jornal Nacional esteve exibindo constantes reportagens sobre Lula desde o dia em que o PT
registrou sua candidatura, no dia 15 de agosto. O Jornal Nacional abordou o assunto nas três
semanas que antecederam o julgamento e nas duas semanas posteriores, mantendo Lula na
pauta. Isso porque o ex-presidente ainda aguardava os recursos enviados ao TSE e ao STF, que
poderiam reverter a decisão.
Na primeira semana após o registro da candidatura no TSE, no dia 15 de agosto (quarta-
feira) a 18 de agosto de 2018 (sábado), foram divulgadas cinco reportagens, representando
39,85% do total de reportagens exibidas ao longo dessa semana no JN. Na segunda semana,
foram cinco reportagens, desta vez representando 16,95%, distribuídas entre o dia 20 de agosto
(segunda-feira) a 25 de agosto (sábado). A terceira semana, de 27 de agosto (segunda-feira) a
1 de setembro (sábado), o Jornal Nacional exibiu oito reportagens, totalizando 95% das
reportagens exibidas no JN na semana toda. Na quarta semana, entre os dias 3 de setembro
(segunda-feira) e 8 de setembro (sábado), foram 10 reportagens, representando 48,19%. Na
quinta semana, que compreende os dias 10 e 11 de setembro, segunda e terça-feira,
respectivamente, foram exibidas quatro matérias, com um total de 40,76% das matérias
veiculadas no JN na última semana de análise.
O Quadro 2 mostra o enredo utilizado pelo Jornal Nacional para divulgar a
desconstrução da candidatura de Lula. Ressalta-se que uma reportagem se encaixa em mais de
uma categoria. Definimos as seguintes fases de categorização:

(1) prisão de Lula (24 reportagens) – divulgam que o ex-presidente foi preso por
corrupção passiva e lavagem de dinheiro e que Lula está inelegível por ter sido condenado em
segunda instância;
(2) a impugnação da candidatura de Lula (21 reportagens) – o Jornal Nacional levou ao
ar reportagens apontando que o ex-presidente foi condenado baseado na Lei da Ficha Limpa e
que por isso houve 16 pedidos de impugnação de sua candidatura, expondo os procedimentos
jurídicos para compor a solicitação de impugnação, a legitimação de ministros e procuradores
para se basearem no indeferimento da candidatura, a rejeição do parecer do Comitê de Direitos
Humanos da ONU que solicitava ao Brasil o direito de Lula concorrer na eleições presidenciais
e o julgamento que decretou o cancelamento do registro da candidatura no Tribunal Superior
Eleitoral;
(3) defesa de Lula trabalhando para comprovar sua inocência (07 reportagens), mas sem
espaço de fala no telejornal – foram categorizadas as exigências ao direito de defesa, a
recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU para manter os direitos políticos de
Lula e os recursos encaminhados ao TSE e ao STF contra a decisão de impugnação.
Praticamente todas as informações foram passadas pelos apresentadores em nota. Não houve
entrevistas com os advogados de defesa;
(4) Operação Lava Jato – foram 19 reportagens, com notícias sobre o tesoureiro do pT,
delação de Antônio Palocci, o caso do triplex do Guarujá e o fato de que juristas negaram
pedidos de Lula para que ele saísse da prisão.
(5) Candidatura de Fernando Haddad em substituição ao Lula – totalizou 6 reportagens,
com notícias sobre denúncia do Ministério Público contra Haddad; de que Haddad tinha se
tornado réu em ação de improbidade; Haddad nas pesquisas eleitorais e o lançamento oficial do
ex-prefeito de São Paulo a candidato a presidente pelo PT;
(6) Nome de Lula citado em entrevistas com os candidatos – em 12 vezes, nas sabatinas
e entrevistas feitas pelo telejornal com os candidatos Ciro Gomes (PDT), Jair Bolsonaro (PSL),
Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), o nome de Lula foi abordado em função da
sua prisão;
(7) Pesquisas Eleitorais – exibidas no telejornal pelos Institutos de Pesquisa, IBOPE e
Datafolha (10 reportagens) – o Jornal Nacional exibiu pesquisas eleitorais para Presidência da
República, algumas delas com o nome de Lula. Elas mostravam que o ex-presidente estava na
liderança na corrida presidencial.
Quadro 2
Categorias de análise da cobertura do JN sobre a candidatura do ex-presidente Lula
nas eleições presidenciais de 2018
Fonte: Do autor, 2020.

Como pode ser observado, a categoria “Prisão de Lula” teve o maior número de
reportagens, 24. Em segundo, veio a categoria “Impugnação da candidatura”, com 21
reportagens. Em terceiro, aparece “Lava Jato”, com 19 reportagens. A quarta categoria
acionada – “Pesquisas de intenção de voto” obteve 10 reportagens. Na quinta categoria
aparece “Nome de Lula citado em entrevistas com candidatos na bancada do JN”, com 12
reportagens. A sexta categoria foi “Defesa de Lula”, com sete reportagens. A última categoria
foi “Fernando Haddad”, com um total de sete reportagens.
O Quadro 2 mostra a frequência da aparição de temas, proporcionando uma análise
quantitativa que fundamenta a ideia da importância desses enunciados para o emissor da
mensagem. No caso do Jornal Nacional, vemos uma predileção por mencionar a prisão de Lula
“por corrupção passiva e lavagem de dinheiro”, que apareceu 14 vezes no período analisado. A
informação de que Lula estava inelegível por ter sido condenado no processo da Lava Jato em
2ª instância, foi mencionada 10 vezes no mesmo período. Estas duas informações foram
apresentadas juntas todas as vezes em que apareceram no telejornal, sempre relacionadas a
reportagens sobre as eleições, muitas vezes mais de uma vez por edição. Fica claro que há uma
necessidade premente do Jornal Nacional em fazer com que o público não esqueça da
condenação e prisão de Lula.
O tema que trata da impugnação da candidatura do ex-presidente, principalmente
quando mencionada a Lei da Ficha Limpa – lei que foi aprovada pelo governo Lula – é utilizada
como justificativa para a impugnação. A referida lei é mencionada sete vezes no período
analisado, sempre como um argumento favorável à contestação da candidatura de Lula. Os
diversos pedidos de impugnação também são mencionados constantemente, numa tentativa de
mostrar a indignação de vários setores da sociedade com a candidatura de um condenado pela
Justiça. Os procedimentos jurídicos da impugnação de candidatos também foram explorados,
num esforço de mostrar para a opinião pública que qualquer candidato poderia sofrer um
processo de impugnação, como foi pronunciado por Rosa Weber, presidente do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), na reportagem do dia 15 de agosto de 2018. A reportagem deixava
implícito o entendimento de que Lula não era um alvo. Mas, sendo Lula o único candidato na
situação de impugnação, pode-se deduzir que a exposição dos procedimentos jurídicos acerca
da contestação de candidaturas tem muito mais a ver com uma justificativa para o
empreendimento, do que com a aparente imparcialidade do julgamento.
O julgamento dos pedidos de impugnação – 16 no total – tornou-se o foco de duas
edições do Jornal Nacional, uma vez que o julgamento teve início no dia 31 de agosto de 2018,
e terminou no dia 1° de setembro de 2018. Em uma reportagem que teve duração de pouco mais
de 10 minutos, o Jornal Nacional noticiou o início do julgamento, com transmissões ao vivo,
direto do STF. No final da edição de 31 de agosto, foi informado o placar da votação de um
voto contra a impugnação e um voto a favor. A edição de 1º de setembro já inicia confirmando
a impugnação da candidatura de Lula, numa reportagem de 15 minutos, em que o placar exibido
era de 6 votos a favor da impugnação e um voto contra. Logo após essa reportagem, o telejornal
exibiu uma outra, de quase sete minutos, mostrando o processo da criação da Lei da Ficha
Limpa, e a constituição do processo de acusação de Lula, que culminou na sua condenação.
Foram ao todo, 22 minutos de reportagens sobre a impugnação da candidatura do ex-presidente,
em uma única edição.
Nota-se a enorme diferença na recorrência dos temas que são desfavoráveis à Lula em
relação aos temas favoráveis, nas edições analisadas. O espaço concedido para a defesa de Lula
foi muito menor do que aquele dado aos que apoiavam a impugnação da candidatura,
abertamente ou não. A defesa do ex-presidente, representada pelos seus advogados, apareceu
apenas sete vezes no período analisado, sendo que o destaque do tema foi a recomendação da
ONU para que Lula pudesse exercer seus direitos políticos até que os últimos recursos da Justiça
fossem esgotados. Esse fato é um indicativo de que havia um grande interesse da Rede Globo,
por meio do Jornal Nacional, em dificultar - se não impedir- que Lula fosse candidato.
As pesquisas de intenção de votos também são um tema importante para essa análise,
uma vez que nortearam a atuação do telejornal em relação às eleições. As duas primeiras
pesquisas divulgadas com Lula como candidato, mostravam que o ex-presidente tinha a
preferência do eleitorado. Tanto o IBOPE como o Datafolha apontavam Lula como o líder nas
pesquisas, muito à frente do segundo colocado, Jair Bolsonaro. Quando as pesquisas
apresentavam um cenário sem Lula, mas com Fernando Haddad em seu lugar, o primeiro
colocado era Jair Bolsonaro isoladamente, com o candidato do PT caindo para 5ª ou 6ª posição.
As pesquisas, portanto, eram claras: se Lula fosse candidato, provavelmente seria eleito
presidente do Brasil pela terceira vez. Somente em um cenário onde Lula não fosse candidato,
haveria espaço para a vitória do segundo colocado, o candidato Jair Bolsonaro.
As entrevistas exibidas entre os dias 27 e 31 de agosto, normalmente, abriam a edição
do dia, e o tempo concedido aos candidatos foi definido conforme os índices de preferência do
eleitorado, indicados nas pesquisas encomendadas pela emissora. Como Lula estava preso em
Curitiba, não pode ser entrevistado, mesmo estando em primeiro lugar nas pesquisas de
intenção de votos. Esse fato foi bastante explorado pelo Jornal Nacional, que sempre
anunciava, antes das entrevistas e ao final delas, que Lula estava preso por corrupção passiva e
lavagem de dinheiro, e que por isso estaria inelegível, de acordo com a Lei da Ficha Limpa.
Essa informação - ora passada por Bonner, ora passada por Renata Vasconcellos, ora
passada pelos repórteres – vinha sempre acompanhada de uma postura enfática, com expressões
graves e sérias, e entonação de voz intensa. As palavras “preso” e “inelegível”, sempre que
aparecem são ditas em tom de voz alterado, e gestos exagerados. As expressões “corrupção
passiva” e “lavagem de dinheiro”, repetidas à exaustão nessas edições do Jornal Nacional,
recebem destaque dos apresentadores, demonstrando a necessidade de moldar a percepção dos
telespectadores. Na realidade, as palavras e expressões que se referem à prisão do Lula
estiveram presentes em todas as edições analisadas para este trabalho. Bardin (2011) enfatiza
que a palavra é ato, ou seja, o “discurso é um processo onde se confrontam as motivações e
desejos do sujeito com as imposições da linguagem e com as condições de produção”. Uma
análise dos elementos linguísticos e paralinguísticos das reportagens mostram claramente o
direcionamento da narrativa do Jornal Nacional, bem como o posicionamento da Rede Globo
em relação às eleições de 2018. A volta incessante de um mesmo tema, uma e outra vez, em
diversas edições do telejornal denota o desejo de convencer os telespectadores desse
posicionamento.
Além da postura presumida dos apresentadores, as falas eram acompanhadas de
imagens negativas do ex-presidente. Imagens da prisão de Lula e do apartamento do Guarujá –
objeto do processo de acusação que levou o ex-presidente à prisão – eram mostradas
constantemente nas edições do telejornal. Em outras reportagens, imagens mostrando um Lula
abatido eram contrastadas com imagens mostrando seus opositores fortes e imponentes, como
na reportagem do dia 17 de agosto de 2018. Lula aparece bastante deprimido em comparação
ao Ministro Barroso, relator do processo de impugnação no STF, que aparece altivo e nobre.
Lula era regularmente mostrado desequilibrado, falando de forma alterada e gesticulando
muito. O uso das cores de fundo, preferencialmente o vermelho vivo, contrastando com o
cenário da bancada em tons de azul, foi um recurso largamente utilizado para legitimar o
discurso. Simbolicamente, azul e vermelho são cores opostas no âmbito político, sendo o azul
representante da democracia e da liberdade, e o vermelho representando a ditadura e o
comunismo, herança do período de intensa polarização política e ideológica da Guerra Fria. A
apresentadora Sandra Annemberg vestia uma roupa preta ao anunciar, no dia 1º de setembro de
2018, que a candidatura de Lula foi “barrada” em decisão do STF, sendo o preto uma cor
tradicionalmente associada à morte.

2.2As fontes e personagens acionados pelo JN para desconstruir a imagem de Lula

Ao assumir essa linha editorial, repleta de figuras retóricas, pressupostos, insinuações,


alusões e subentendidos, aliados a imagens e símbolos escolhidos criteriosamente para apoiar
a narrativa, o Jornal Nacional contribui para criar uma imagem extremamente negativa de Lula,
colocando grande parte da opinião pública contra ele. No Quadro 3, são discutidas as
chamadas/reportagens que evidenciam a narrativa sobre a desconstrução da candidatura de Lula
à Presidência da República, em cada uma destas fases.
Quadro 3
Fontes e Personagens citadas nas 18 edições do JN exibidas,
totalizando 498 matérias, entre os dias 15 de agosto e 11 de setembro

Fonte: Do autor, 2020.

Ao citar constantemente o nome do ex-presidente Lula, num total de 35 aparições em


reportagens, observa-se o tom personalista e a tentativa de desconstrução de sua imagem. Na
tentativa de a mídia ser influenciadora e determinante na alteração da opinião pública, percebe-
se que o campo político tem procurado resistir a mudanças que interfiram em áreas de poder já
consolidados. Entretanto, há uma disputa de imagens públicas que está relacionada com a mídia.
Segundo Gomes (2004), o mundo político que veio se estruturando nos últimos tempos baseou-
se fortemente na luta pela competição, controle e determinação da imagem de indivíduos, de
grupos e instituições políticas. Ou seja, a prática política passou a ser convertida na disputa pela
imposição de imagem pública e na disputa pela percepção dessas imagens (p. 241). "A imagem
pública de um sujeito qualquer é, pois, um complexo de informações, noções, conceitos,
partilhado por uma coletividade qualquer, e que o caracterizam" (GOMES, 2004, p. 211).

2.3 O embasamento jurídico para embasar a condenação de Lula pelo JN

No Quadro 4, apresentamos o embasamento do JN, por meio da legitimação jurídica


para justificar o cancelamento da candidatura do ex-presidente Lula.

Quadro 4
A legitimação jurídica utilizada pelo JN para justificar o impedimento da candidatura
de Lula

Fonte: Do autor, 2020.


Desde o dia 15 de agosto, data em que Lula registrou sua candidatura no TSE, a mídia
juntamente com opositores e principalmente o judiciário buscaram questionar a validade da
candidatura do ex-presidente. Diversas reportagens, com extenso tempo de duração foram
divulgadas pelo Jornal Nacional. Ministério Público, Procuradora Geral da República,
ministros do Supremo Tribunal Federal, ministros do Tribunal Superior Eleitoral, foram as
vozes mais ouvidas pelo telejornal. Em todas as reportagens, a defesa de Lula foi silenciada.
Quando ouvida, era por meio de nota lida pelos apresentadores. Os argumentos utilizados para
as denúncias e o sentenciamento foram baseados na condenação em segunda instância e o
consequente enquadramento na Lei da Ficha Limpa. Entretanto, não foram apresentadas as
provas de tais denúncias. Todo o julgamento comandado pelo juiz Sergio Moro foi concluído
por meio de delações premiadas. Pode-se constatar também que o Jornal Nacional procura se
legitimar no Judiciário, em todas as reportagens exibidas sobre Lula, apontando para os
supostos crimes cometidos pelo ex-presidente. As imagens que acompanham as reportagens
foram criteriosamente escolhidas para reforçar a narrativa. Uma imagem muito marcante e
recorrente usada é a de Lula descendo do helicóptero sendo escoltado por policiais federais para
a sede da Polícia Federal, reforçando a imagem de um criminoso.
Na reportagem exibida no dia 15 de agosto, com duração de três minutos e 14 segundos,
é apresentado o questionamento do Ministério Público sobre o comportamento de Lula na
cadeia e a quantidade de visita recebidas na prisão. De acordo com o Ministério Público,
políticos do PT registrados como advogados, têm acesso livre ao ex-presidente, que segundo o
MP, seria uma tentativa de ludibriar as regras e interferir no processo eleitoral. A reportagem
do dia 16 de agosto, com duração de 4 minutos e 26 segundos, apresenta documentos enviados
pela Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, ao relator do processo de impugnação no
TSE, ministro Luís Roberto Barroso. A Procuradora pede agilidade na decisão de proibir a
candidatura de Lula.
O Jornal Nacional, no dia 20 de agosto, exibiu a primeira pesquisa de intenções de
votos. Nela, Lula aparecia em primeiro lugar. Após veicular a pesquisa, os apresentadores, em
nota disseram que o vice-procurador geral eleitoral Humberto Jaques de Medeiros, pediu que o
registro da candidatura de Lula fosse negado, com base na Lei da Ficha Limpa, pelo fato de
Lula estar inelegível. No dia 31 de agosto de 2018, a reportagem com maior tempo de duração
do Jornal Nacional, foi de oito minutos. Ela tratava da decisão sobre a candidatura do ex-
presidente Lula, no Tribunal Superior Eleitoral. A matéria ressalta que Lula está sendo
impedido de concorrer nas eleições presidenciais com base na Lei da Ficha Limpa.
Um dia após a decisão no TSE, o Jornal Nacional exibiu uma reportagem com 15
minutos de duração sobre a cassação do registro da candidatura do ex-presidente Lula. O TSE
decidiu por 6 votos a 1, barrar Lula, com base na Lei da Ficha Limpa. A matéria aponta que
foram encaminhados 16 pedidos de rejeição. Em 1º de setembro, após a reportagem sobre o
julgamento do pedido de registro de Lula, no TSE, o Jornal Nacional exibiu uma matéria sobre
o processo de criação da Lei da Ficha Limpa.
Na edição do dia 5 de setembro o Jornal Nacional veiculou uma nota enviada pela
defesa do ex-presidente Lula pedindo ao STF a suspensão da decisão do TSE que barrou a
candidatura dele com base na Lei da Ficha Limpa. Os apresentadores frisaram que esse foi o
terceiro pedido direcionado ao Supremo e menos de 24 horas. Em 6 de setembro, o Jornal
Nacional veiculou uma nota para informar que o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato,
no Supremo Tribunal Federal, negou o pedido da defesa de Lula, para suspender o julgamento
que o condenou no caso do tríplex do Guarujá. O Jornal Nacional exibiu no dia 10 de setembro,
uma nota sobre o pedido da defesa de Lula negado pela presidente do TSE, Rosa Weber. Eles
solicitaram para que o prazo para a substituição do candidato à presidência na chapa do PT
fosse estendido. Numa outra reportagem exibida, ainda em 10 de setembro, o Jornal Nacional
informou que o ex-ministro dos governos Lula, Antônio Palocci, que já era delator na Lava
Jato, havia prestado um novo depoimento ao Ministério Público e tinha dito que o ex-presidente
Lula, em alguns casos, cuidou diretamente dos pedidos de propinas.
No dia 11 de setembro, o Jornal Nacional exibiu uma reportagem sobre a oficialização
de Fernando Haddad como candidato à Presidência da República pelo PT. A matéria fez uma
retrospectiva dos fatos. Disse que no dia 1º de setembro o TSE rejeitou a candidatura do ex-
presidente à presidência, com base na Lei da Ficha Limpa e que Lula foi condenado em segunda
instância a 12 anos e 1 mês de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex,
em Guarujá.
Ao realizar a análise textual da edição do Jornal Nacional do dia 15 de agosto de 2018,
logo na escalada do telejornal, William Bonner e Renata Vasconcelos fala sobre o recebimento
das candidaturas à Presidência e ressaltam que há questionamento sobre o pedido de
candidatura de Lula. É importante reforçar que a imagem veiculada de Lula demonstra o
ex-presidente cabisbaixo e abatido (Figura 1). Os apresentadores reforçam que ele foi
condenado e está preso.
A reportagem, com duração de 4 minutos e 32 segundos começa informando sobre doze
candidaturas aprovadas pelo TSE, ao mencionar a décima terceira, que seria a candidatura de
Lula, o repórter diz que foi realizada uma manifestação com militantes do PT apoiados pelo
Movimento dos Sem Terra (MST), em frente à sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
para defender a candidatura de Lula.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo analisa como o Jornal Nacional, da Rede Globo, divulgou os processos de


condenação, a prisão e a impugnação da candidatura do ex-presidente Lula em 2018, apontando
para o viés opinativo e a busca de descontruir a imagem do petista. Desde agosto de 2018, foi
exibida uma grande quantidade de reportagens sobre Lula. A partir do registro da candidatura
do ex-presidente, houve exposição crescente e diária de Lula no Jornal Nacional e com a
proximidade das eleições e a liderança verificada nas pesquisas de intenção de voto, essa
exposição se intensificou, mostrando o ex-presidente sempre em reportagens que focam o tema
corrupção. A utilização de imagens que exploram a situação de Lula preso, sem saída, “vítima”
da articulação de seu próprio partido enquanto governo, retrata o movimento do Jornal
Nacional em flagrante campanha de desmoralização do ex-presidente.
Procuramos analisar nessa pesquisa o que é dito, como é dito e por quem é dito, nas
edições do Jornal Nacional, considerando que esse direcionamento nos levará a comprovação
da hipótese inicial. A Rede Globo, por meio do seu telejornal, atuou de forma estratégica para
desconstruir a imagem de Lula como candidato à Presidência da República. Para essa análise,
houve o levantamento de todas as reportagens em que Lula foi o objeto no período de 15 de
agosto a 11 de setembro de 2018. Foram analisados aspectos que a imagem e o texto podem
apresentar, como a entonação de voz, a fisionomia da pessoa, o contexto em que a pessoa fala,
o silenciamento das personagens, entre outros fatores. É fundamental observar também que
pesa muito o modo como os fatos e as notícias são organizadas e apresentadas para os
telespectadores. Como resultado dessa análise, identificamos que há padrões internos claros no
fechamento das reportagens, bem como nas estratégicas narrativas utilizadas para dar ênfase ao
que se queria registrar: Lula era um corrupto, que traiu o voto de milhões de brasileiros, e o PT,
partido que empunhava a bandeira da ética na política, não passava de um antro de políticos
igualmente corruptos. Essa estratégia coroa com êxito o antipetismo e o antilulismo, que
começou a se delinear desde 2002, na primeira eleição de Lula, conforme atestam Souza (2017)
e Singer (2016).
Nesse esforço analítico a que nos propomos, foi possível verificar que o Jornal
Nacional se utilizou de recursos que seguem a mesma lógica das novelas e séries brasileiras,
com o objetivo de transformar a política em espetáculo a ser consumido (ALDÉ, 2004;
GOMES, 2004). Um assunto começa num dia e se prolonga por vários “capítulos”, a chamada
suíte. Esses assuntos são tratados até o Ibope começar a baixar. Porém, ao contrário das novelas,
onde um personagem não pode desaparecer por muito tempo, nos telejornais, a presença de
personagens (Lula) e de temas a eles ligados (PT, construtoras, corrupção, lavagem de dinheiro,
triplex do Guarujá, impugnação de candidatura, Lei da Ficha Limpa) não segue essa mesma
lógica. Constata-se, durante a análise, que o Jornal Nacional, ao invés de promover espaço para
recortes de um dado real, tem predominado mais a ficção, ou seja, a divulgação de uma
reconstrução enviesada do real, com um objetivo específico.
Durante a análise, foi possível verificar que há fatos relevantes redimensionados
pelo Jornal Nacional, bem como assuntos que são trazidos à cena repetidamente para ocultarem
ou silenciarem outros, como por exemplo, o desaparecimento de grandes temas políticos e
econômicos, em detrimento das notícias sobre as eleições. Tudo gira em torno de questões
relativas à prisão e ao julgamento de Lula. As narrativas tentam cumprir o papel de mostrar que
não há um viés determinante no Jornal Nacional. Entretanto, as cabeças, as reportagens, as
notas pé demonstram que as informações são mostradas por vozes de autoridade, como
ministros, Procuradores e Presidente de Tribunais. O outro lado não é ouvido com sonoras, ou
seja, não é dado voz ao “outro lado”, eles não são entrevistados. Todas as informações são
passadas como notas oficiais de advogados e lideranças do PT. O Jornal Nacional não dá voz
ao acusado ou à sua defesa.
O Jornal Nacional frisa sempre que é necessário explicar o que aconteceu e mostrar ao
telespectador que o fato exibido se trata de um caso comum de detenção, analisado sob o aspecto
de vista puramente jurídico e técnico. A história, os fatos, os avanços sociais foram apagados
durante a análise realizada. Isso também aconteceu em governos anteriores, mas de maneira
oposta, quando buscava-se minimizar, ou até mesmo ocultar, os casos de corrupção, em apoio
ao governo.
A construção das reportagens do Jornal Nacional não é apenas para veicular a
informação, ou para emitir um posicionamento. As imagens usadas são fortemente marcadas
por elementos simbólicos que sempre estarão na memória do telespectador. Entendemos que
simbolicamente, a imagem de Lula sendo escoltado por policiais federais, cumpre a função de
que uma parte da história estava sendo encerrada para dar lugar a um recomeço. Para isso,
algumas estratégias, do ponto de vista da narrativa, da encenação da notícia, foram bem
pontuadas, como o seu silenciamento, por exemplo. Portanto, foi preciso conter e silenciar esses
sentidos, ou seja, foi fundamental deixar de dizer, e mostrar que Lula, era página virada na
eleição presidencial de 2018.
Concluímos que houve um alinhamento entre a mídia, aqui representada pela Rede
Globo e pelo Jornal Nacional, representantes da elite econômica, o Congresso Nacional, e o
Judiciário, para desconstruir o capital político de Lula, com o principal objetivo de impedir que
ele fosse candidato nas eleições presidenciais de 2018. Paralelamente, o objetivo secundário de
eleger um representante da direita mais conservadora, denota um projeto de longo prazo para o
Brasil: o abandono das políticas de combate à desigualdade social, e a volta dos governos de
privilégios elitistas.

REFERÊNCIAS

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SOUZA, Jessé. A Radiografia do Golpe: entenda como e por que você foi enganado. São
Paulo: LeYa, 2016.
Capítulo 11

Telejornalismo com perspectiva de gênero: a produção de conhecimento por meio de


pesquisa científica e suas reverberações cotidianas e profissionais

Jhonatan Mata (UFJF)


Veruska Yasmim Paião Rocha (UFJF)
Caio Ferreira da Silva (UFJF)

RESUMO: A proposta do artigo é apresentar um breve retrato da pesquisa em telejornalismo


sob uma perspectiva de gênero, a fim de mensurar os esforços da academia a garantir a
construção de uma sociedade com equidade entre homens e mulheres via jornalismo
audiovisual. O estudo baseia-se principalmente nos estudos apresentados no GP Telejornalismo
da Intercom sob o viés das questões de gênero entre 2009 a 2021, período que compreende a
constituição do grupo até o último evento realizado na data de publicação deste paper. Percebe-
se que os estudos do audiovisual com perspectiva de gênero no Brasil, apesar de tímidos, têm
apresentado um crescimento significativo, diante de questões estruturais como machismo, que
anulam as mulheres como seres de direitos.

PALAVRAS-CHAVE: Telejornalismo, Pesquisa Documental, Violência contra Mulher,


Gênero.

1. INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher está presente, de modo significativo e quase sempre velado,
na sociedade brasileira e sua ocorrência não está ligada à classe social, à faixa de renda, nem
tão pouco à escolaridade31. De acordo com estudos anteriores, é um fenômeno sociocultural
fruto da desigualdade de gênero que se manifesta do nível simbólico ao físico na vida das
mulheres, interferindo em salários, deixando marcas (in)visíveis e até levando à morte. O país
está na quinta posição, entre 83 nações, de um ranking que mede o assassinato misógino de

31Tal afirmação é encontrada no site do Instituto Maria da Penha. Disponível em:


https://www.institutomariadapenha.org.br Acesso em: 23 ago. 2022.
mulheres32 e, em 2020, registrou mais de 105 mil denúncias contra essa parcela da população,
sendo 72% delas referente à violência doméstica e familiar 33. Aqui duas mulheres são
espancadas a cada minuto e uma é estuprada a cada oito, segundo levantamento do Manual
Universa para Jornalistas (2020), publicação que reúne diretrizes e boas práticas necessárias à
cobertura da violência contra a mulher.
A partir da compreensão que as raízes da violência contra a mulher encontram solo fértil
em questões estruturais como o machismo e são perpetuadas por meio de avenidas do silêncio
(SOLNIT,2017), acredita-se que para combater e erradicar o fenômeno seja necessário que a
sociedade elimine as distinções entre homens e mulheres e passe a encarar todos como iguais.
Em outras palavras, é preciso mudar mentalidades e comportamentos por meio de um trabalho
cultural tal como propõe Pereira (2018). Nesse sentido, a comunicação, em especial o
telejornalismo com sua função pedagógica (VIZEU, 2009) se torna fundamental para difundir
novos modos de ler, ser e estar no mundo - educando cidadãos e garantindo o exercício de
direitos de todas as pessoas.
Se o telejornalismo é um condutor de comportamentos autorizados, é certo que esse
pode ser um aliado na modificação de determinados padrões culturalmente aceitos como o
machismo e o patriarcado, que inserem o homem numa posição superior à da mulher,
sustentando violências. Dessa forma, propõe-se neste trabalho uma pesquisa documental para
o levantamento dos trabalhos apresentados nos últimos doze anos no Grupo de Pesquisa (GP)
Telejornalismo dos congressos da Intercom com foco no recorte da perspectiva de gênero, que
será elucidado posteriormente. Acredita-se que somente com um olhar claro sobre o passado,
seria possível analisar o período atual, a fim de observar mudanças e tendências no campo da
televisão e do telejornalismo e de que forma suas narrativas contribuem para a criação de
identidades (SILVA, 2008) do que é ser mulher. Em um país em que 77% de sua população
afirma assistir à televisão diariamente e cerca de 63% têm na TV o principal meio de
informação34, refletir cientificamente a respeito desses objetos e seus impactos é uma tarefa
necessária. Nesse sentido, entende-se que a pesquisa científica tem potencial não apenas para

32
Segundo dados do Alto comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Os dados podem ser
acessados em Feminicídio - Brasil é o 5º país em morte violentas de mulheres no mundo Acesso em: 23 ago.2022.
33
Dados disponíveis em Canais registram mais de 105 mil denúncias de violência contra mulher em 2020 —
Português (Brasil) (www.gov.br). Acesso em: 23 ago.2022
34 Dados da última Pesquisa Brasileira de Mídia realizada (PBM, 2016) disponíveis em
http://pesquisademidia.gov.br/. Acesso em: 23 ago.2022
modificar as práticas cotidianas construídas de forma social e cultural, mas - também -
transformar as práticas profissionais.

2. TELEVISÃO E TELEJORNALISMO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

Mesmo não sendo o único ator a atuar no processo de construção social da realidade
(BERGMAN E LUCKMANN, 2004), as representações sociais colocadas pelos produtos
televisivos, entre eles o jornalismo audiovisual, agem na negociação das percepções e na
construção de mapas mentais dos seres humanos. Ao estudar o telejornalismo e propor uma
compreensão da estrutura da notícia na TV, bem como entender as características das matérias
nos telejornais, Iluska Coutinho (2012), identificou que o segmento tem cada vez mais se
apropriado das características da dramaturgia em suas narrativas, na medida em que o
jornalismo audiovisual passa a narrar o mundo e seus acontecimentos por meio da fórmula de
contar histórias. Essa estrutura narrativa conceituada pela autora aponta a existência de uma
aproximação do telejornalismo com as histórias de ficção, evidenciando um modo característico
em que a organização da notícia em TV é projetada. Nesse sentido, há a utilização dos
personagens, que não só dão voz e representam certo assunto, como entram na narrativa a fim
de criar uma maior identificação com o público. “As ações, os personagens e ainda a oferta de
uma mensagem moral são também componentes essenciais de uma narrativa dramática, o que
nos possibilitaria considerar a organização das notícias em TV como dramaturgia do
telejornalismo” (Coutinho, 2012, p. 199).
Iluska Coutinho defende que a potencialidade da televisão de trabalhar texto, imagem,
som e edição de material, juntamente com estratégias de espetacularização permite a
consolidação da materialidade audiovisual do telejornal, com o objetivo de aproximar o
conteúdo dos telespectadores. Com isso, essa dramaturgia pode ser motora de outras ações e
desdobramentos para além das telas. Levando em consideração as questões que envolvem o
universo feminino e compreendendo que a TV é uma janela para o mundo, é que a pesquisadora
junto com Ariane Pereira (2021), propõe a adoção das questões de gênero como um item de
qualidade informacional para o jornalismo audiovisual. Por meio dos estudos freirianos, as
autoras defendem que uma abordagem pedagógica incorporada no modo de narrar próprio do
telejornalismo poderia contribuir para desconstrução de estereótipos e preconceitos sobre
mulheres e, dessa forma, colaborar para a promoção de comportamentos equitativos entre
homens e mulheres.
[...] o telejornalismo, por meio da incorporação do enfoque de gênero
pela sua dramaturgia própria, assumiria, ainda, um papel pedagógico
orientando a sociedade na desnaturalização de questões culturais
arraigadas, transformando os modos de ler, ser e estar no mundo. [...]
tal perspectiva assume que o jornalismo é uma forma de
conhecimento [...], ao narrar o mundo e um modo de conhecê-lo, os
telejornais por meio da dramaturgia do telejornalismo atuam como
poder, agenciam uma dada governamentabilidade. A proposição da
perspectiva de gênero como um elemento capaz de estimular a
produção de noticiários e produtos jornalísticos audiovisuais em
direção à uma sociedade com mais equidade, nas telas e para além
delas, dialoga com os saberes necessários apontados por Paulo Freire
em Pedagogia da Autonomia (COUTINHO E PEREIRA, 20221,
p.87).

Desse modo, tal como propõe Pereira (2018) nada impede que pesquisas em
telejornalismo sejam, simultaneamente, estudos de gênero e estejam relacionados para o
combate às violências contra a mulher. A seguir, é relatado o caminho percorrido para a
realização do mapeamento histórico do conhecimento produzido sobre o jornalismo
audiovisual, como objeto de estudo, a partir de uma perspectiva de gênero - proposta inicial
deste artigo.

3. UM OLHAR PARA O PERCURSO METODOLÓGICO

Para compreender melhor o cenário acadêmico quanto ao tratamento dos estudos em


telejornalismo que adotam uma perspectiva de gênero foi feito um estudo exploratório a partir
de uma análise documental dos trabalhos publicados nos últimos doze anos do Congresso
Nacional Intercom, apresentados no GP de Telejornalismo. A escolha do período entre 2009 e
2021 se dá por esse período compreender a criação do GP (COUTINHO, 2016) até 2021, último
ano que foi realizado o evento até a publicação desse artigo.
Já a seleção dos anais dos Congressos da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação), se deu por esse ser realizado anualmente desde 1977,
estando em sua 45º edição, configurando-se como ambiente que visa estimular e divulgar o
desenvolvimento de produção científica entre doutores, mestres, alunos e recém-graduados no
campo da comunicação35. Dessa forma, realizar um mapeamento dos trabalhos ali apresentados
possibilitaria um olhar mais amplo em relação à pesquisa em televisão e telejornalismo
realizada no Brasil, já que o compartilhamento de estudos e informações de forma
interdisciplinar, acabaria por contribuir e consolidar a troca de conhecimento entre
pesquisadores e profissionais atuantes no mercado. A pesquisa documental foi escolhida como
método em busca de dar continuidade aos estudos que buscam a consolidação da construção de
saberes acadêmicos sobre o telejornalismo, e em especial, aqueles que o relacionam à
abordagem das questões de gênero.
Bárbara Schlaucher (2021) em levantamento sobre as últimas pesquisas com
perspectiva de gênero remetidas para o GP Telejornalismo da Intercom nos últimos dez anos
(2011 a 2020) observou que no universo de 323 artigos remetidos, apenas 12 artigos (3,7%)
relacionavam o telejornalismo a questões de gênero. Sendo que de 100% dos 12 artigos
recortados foram escritos por mulheres, com coautoria de um homem em dois deles.
Para a pesquisadora, “a abordagem de questões de gênero no âmbito do GP
Telejornalismo dá indícios de ocupar uma posição de confronto, embora ainda tímida”
(SCHLAUCHER, 2021, p.11). Levando em conta as proposições de Boaventura dos Santos
(2019) a respeito da necessidade de transformar e reinterpretar o mundo a partir de
epistemologias do sul - um conhecimento que só pode ser construído por meio de grupos que
vivem opressões, Schlaucher defende que a temática esteja presente, cada vez mais, nos estudos
sobre telejornalismo. Isto posto, estabelece quatro eixos temáticos para a classificação dos 12
artigos mapeados: análise de cobertura; lugar/papel espaço/representação da mulher no
telejornalismo; o papel do telejornalismo no combate à violência contra a mulher e a mulher
como recorte.
De um modo geral, a autora observa que dos 12 artigos publicados entre 2011 e 2020,
dois artigos trabalham o feminino como mero recorte por não discutir questões de gênero, 3 se
voltam para o papel do combate ao telejornalismo com perspectiva de gênero, 3 tratam de uma
análise sobre a cobertura jornalística desvelando intercessões étnicas geográficas e econômicas,
enquanto outros 4 confirmam para vocalização de abordagens relacionadas a equidade entre os
gêneros, motor da agenda feminista.

35 Informações disponíveis no site https://www.portalintercom.org.br/ Acesso em: 23 ago.2022


[...]observamos que os 12 estudos publicados entre 2011 e 2020
correspondem a tensionamentos pontuais, ainda que duas autoras –
uma delas com quatro publicações entre 2018 e 2020 e a outra com
duas no ano de 2018 – tenham apresentado estudos que estabelecem
diálogos entre si, indícios de uma pesquisa continuada, com potencial
para o aprofundamento do problema proposto e a construção de um
“conhecimento-sobre” (SCHLAUCHER, 2021, p.13).

Ao procurar explicações sobre a baixa incidência de estudos que investigam o


telejornalismo a partir de uma perspectiva de gênero, Schlaucher (2021) recorre aos estudos de
Coutinho e Pereira (2018) que relacionam a ausência dos estudos ao fascínio pelo novo, marca
do campo profissional também presente na pesquisa acadêmica, junto com a visão tecnicista
que muitos pesquisadores teriam a respeito do GP Telejornalismo.
Esta pesquisa documental foi recuperada a fim de compor um cenário, no intuito de
analisar os dados a seguir sob uma certa perspectiva do que já foi estudado. Quais os olhares
lançados para o telejornalismo enquanto objeto de estudo, no âmbito da pesquisa em
Comunicação com perspectiva de gênero? Esses estudos têm contribuído para caracterizar o
conhecimento produzido e veiculado por meio dos noticiários de TV, na construção de uma
sociedade mais igualitária? Existem práticas atravessadas pela perspectiva de gênero no
telejornalismo? O campo acadêmico vocaliza essas práticas e promove investigações sob
perspectivas mais inclusivas do ponto de vista das questões de gênero?
Para realizar a investigação proposta, foram avaliados títulos, resumos, palavras-chaves
e referências bibliográficas em busca de termos associados ao campo feminino como temática.
A separação dos trabalhos levou em consideração os quatros eixos já estabelecidos por
Schlaucher (2021) e o acréscimo de um quinto que abarca a pesquisa documental elaborada
pela autora. Assim, os eixos são classificados da seguinte forma:
Análise de cobertura: inclui os estudos que contemplam o que é ser mulher segundo
os noticiários televisivos.
Lugar/papel espaço/representação da mulher no telejornalismo: reúne os trabalhos
voltados para a representação de gênero no telejornalismo tal como o espaço ocupado por essas
mulheres na prática e seus papéis no telejornalismo e na sociedade.
O papel do telejornalismo no combate à violência contra a mulher: artigos que têm
como tema central o papel do jornalismo audiovisual no combate à violência de gênero. Dessa
forma, os estudos evidenciaram o papel do telejornalismo como “lugar de referência (VIZEU;
CORREIA, 2008) para pautas que sinalizam a mulher como parte de um grupo minoritário.
Mulher como recorte: Apenas abordam o feminino sem discutir questões de gênero.
Para garantir a consistência das análises, serão verificados os referenciais teóricos.
Pesquisa documental sobre telejornalismo com perspectiva de gênero: O eixo
temático reúne pesquisas que fazem um levantamento dos estudos de telejornalismo
atravessados por questões de gênero.
A explicação e os resultados obtidos serão explicitados na análise ao longo da análise a
seguir.

4. RESULTADOS OBTIDOS

No universo de 416 trabalhos acadêmicos apresentados nos últimos anos do GP de


Telejornalismo, apenas 18 artigos (4,32%) relacionavam o telejornalismo a questões de gênero.
Vale ressaltar que o tema esteve ausente das discussões do grupo de pesquisa em três congressos
(2011, 2013, 2017) e contou com apenas um trabalho por seis encontros (2009, 2010, 2014,
2015, 2016 e 2019).
Tal como já alertava Schlaucher (2021), os números ficam mais significativos quando
observados a desproporcionalidade entre o total de artigos com perspectiva de gênero e a
quantidade de autoras identificadas como mulheres participantes das sessões no decorrer dos
anos. Contabilizando a autoria e todas as aparições da mesma pessoa durante 2009 e 2021, os
416 trabalhos tiveram 545 autores. Destes, 384 assinaturas femininas (70,45%) e 161
masculinas (29,54%).
Interessante observar que embora a predominância de mulheres seja significativa no
GP, pesquisas que abordam uma perspectiva de gênero ainda são tímidas no meio. Salienta-se
ainda o fato de que 100% dos 12 artigos recortados foram construídos por 28 mulheres, 1
homem e com coautoria de 1 homem, totalizando, assim, 31 pesquisadores.
No que concerne às análises dos 18 artigos e sua divisão em eixos temáticos, Observa-
se que 3 trabalhos se encaixam no primeiro eixo da análise da cobertura telejornalistica: 1) “O
Viés de Classe e Região Adotado na Cobertura de Crimes Familiares e de Gênero no Brasil” ,
de Edson Dalmonte e Maria Fontes (2012), 2) “Eloá e Tatiane: similitudes e distensões na
cobertura jornalística da violência contra a mulher, de Paula Claro e Ariane Pereira(2020) e 3)
“A PEC do Aborto na Televisão: Uma Análise da Cobertura dos Telejornais da Globo e da
Band, de Andressa Canto (2018). Ambos lançam luz sobre as representações do que é ser
mulher nas coberturas telejornalísticas audiovisuais.
Observa-se ainda a ocorrência de 4 artigos que se enquadram no segundo eixo
“Lugar/papel espaço/representação da mulher no telejornalismo”. Enquanto três artigos “A
representação do feminino nos jornalísticos da Rede Minas a partir do Dia Internacional da
Mulher de 2018”, de Gustavo Teixeira, Caroline Marino e Iluska Coutinho (2018), “A Mulher
e Seus Diferentes Papéis na Sociedade Moderna e no Telejornalismo Goianiense” de Ana
Carolina Temer e Fernanda Lima (2014) e “Os critérios de noticiabilidade e a relevância das
pautas levadas ao ar pelas jornalistas mulheres na apresentação do Jornal Nacional” de Michele
Negrini e Roberta Brandalise (2015) partem da relevância do telejornalismo feito por mulheres,
os outro partem de casos de violência sofrida por mulheres como, “Com telas e afeto: para fazer
um telejornal predileto e inclusivo, de Iluska Coutinho(2018). Ambos trabalhos contribuem
para a discussão de pautas de equidade entre gênero.
Quanto aos trabalhos que apresentam o telejornalismo como ferramenta de combate a
violência contra a mulher, foram totalizados 8 trabalhos durante os anos de 2012 com
predominância entre os anos 2018 e 2021. Ao todo, 3 trabalhos trazem o feminino apenas como
sem se aprofundar em temáticas de gênero.
Por fim, apenas um faz esse mapeamento sobre os silêncios da pesquisa acadêmica sobre
telejornalismo com enfoque no gênero. Inquietações que nos encontram e nos confrontam nesse
caminhar da pesquisa em telejornalismo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do levantamento que foi apresentado sobre a pesquisa documental entre os


artigos publicados no GP Telejornalismo dos congressos da Intercom realizados nos últimos 12
anos, percebe-se que as publicações científicas sobre a produção jornalística audiovisual a partir
de uma perspectiva de gênero ainda são tímidas, embora estejam aumentando com decorrer do
tempo.
Embora ainda haja muito a se fazer, há grandes mudanças estruturais num período muito
curto - a tal ponto de temáticas como feminicídio apresentarem valor notícia (PEREIRA;
CALEFFI, 2020a). Ora, aqui vale a reflexão: se as pesquisas sobre o modo de se fazer
telejornalismo com perspectiva estão aumentando, isso acontece porque a universidade está
mudando o jeito de ensinar?
Algumas características dessa rápida análise merecem destaque, por exemplo, o fato de
que a grande maioria dos trabalhos foi feita por jornalistas mulheres. Além disso, é interessante
observar que há uma crescente participação de trabalhos vinculados à questão da violência
contra mulher, um problema social urgente que carece de políticas públicas e encontra no
telejornalismo uma ferramenta social para esclarecer o tema para a sociedade.
Entendendo a narrativa telejornalística como construção textual socialmente aceita com
compreensão praticamente universal, reforça-se a importância das pesquisas no campo com
perspectiva de gênero que podem ser extremamente úteis no combate a estereótipos sexistas,
que alimentam comportamentos misóginos em violentos contra a mulher.
Afinal, acredita-se, que não basta que a pauta da violência contra a mulher esteja nos
noticiários, é preciso que o enquadramento dado ao fenômeno coloque em xeque a reprodução
do machismo na sociedade, que é a raiz da violência de gênero
Dessa forma, entende-se que investigar modos possíveis de inclusão da perspectiva de
gênero na prática telejornalística em consonância com a proposta das autoras Iluska Coutinho
e Ariane Pereira (2021) para um jornalismo entendido como direito humano, não apenas serve
para ensinar valores sociais por meio da telinha, mas, sobretudo, para consolidar o campo do
jornalismo audiovisual como forma de conhecimento e saber.

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Capítulo 12

Anitta além do palco e a reconfiguração da Sociedade do Espetáculo

Lara Wiermann Chaves de Oliveira (Unipac Barbacena-MG)


Alexandre Augusto da Costa (UFJF e Unipac Barbacena-MG)

RESUMO: Este trabalho propõe discutir o posicionamento político da cantora Anitta no


Twitter no primeiro turno das Eleições Presidenciais de 2022. A hipótese é que a comunicação
midiática, que operaria, até então, apenas segundo os interesses da Sociedade do Espetáculo
(DEBORD, 1997), entra em crise neste início de século, e que a mencionada artista, ao se
posicionar politicamente, usaria a própria linguagem do espetáculo como uma ferramenta
dialógica de tradução do discurso político aos seus milhões de seguidores no Twitter,
reposicionando, assim, a mulher como importante player na arena política. Para testar esta
hipótese utilizaremos como metodologia a análise semiótica de Bakhtin (1997a, 2012b) –
enunciados e dialogia do discurso – na busca de compreendermos este fenômeno que se
apresenta, cada vez mais urgente, do debate político da representação e participação da mulher.

PALAVRAS-CHAVE: Representação política, mulher, dialogismo, Anitta, Sociedade do


Espetáculo.

1. INTRODUÇÃO

Com o advento das redes sociais na internet no início do Século XX, os meios de
comunicação de massa foram ampliados por novas tecnologias como Twitter, Facebook,
Instagram, entre outros, que fornecem uma visibilidade e capilaridade antes nunca vista na
história. A amplitude, porém, não encerrou o embate de pautas bravamente travadas ao longo
do Século XX, como as discussões de gênero, qualidade da democracia, representação feminina
e o lugar da mulher na sociedade contemporânea. É com o propósito de elucidar estas principais
questões que este trabalho se apresenta. No centro da Indústria Cultural, a cantora Anitta tem
ganhado notoriedade na esfera pública. Com milhões de seguidores nas principais redes, a
artista tem se posicionado politicamente, reivindicando um papel ativo nas discussões que
envolvem a política, notadamente as Eleições Presidenciais Brasileiras de 2022. Para adentrar
nestas questões, o presente trabalho irá analisar as publicações no Twitter da artista, de julho
(período ainda das convenções partidárias) até o dia da votação do primeiro turno das eleições
(2 de outubro de 2022). Antes, porém, traremos em um primeiro momento, a discussão
acadêmica sobre a representação feminina, seguido da problematização da Sociedade do
Espetáculo, e sobre como o princípio do dialogismo de Bakhtin pode ser um recurso essencial
para analisar o discurso das artistas para identificarmos que tipos de enunciados reconfiguram
o papel da mulher nos tempos atuais.

2. AS LUTAS FEMINISTAS PELO DIREITO AO VOTO E À REPRESENTAÇÃO


POLÍTICA

Coelho e Baptista (2009) destacam que no Ocidente ocorreram profundas


transformações nos papéis de gênero com a Modernidade. A industrialização do Século XVIII
provocou uma significativa reorganização econômica e social da Europa, levando ao
surgimento da família burguesa – distanciada dos espaços público e privado (destinado ao lar).
Às mulheres foi atribuído o cuidado dos filhos e das coisas da casa, o que permitiu aos homens
se envolverem em assuntos econômicos e políticos. Para o trabalho duro, do ganha-pão, as
mulheres foram consideradas incapazes, o que abriu caminho para o domínio do homem sob a
falsa alegação de proteção (ROCHA-COUTINHO, 1994). Como bem destaca Hahner (1981,
p.85): "[...] enquanto os homens podiam esperar ter uma variedade de ambições e habilidades,
as mulheres eram destinadas desde o nascimento a serem mães e esposas em tempo integral".
Essa determinação social da mulher, se manteve, mesmo durante a elaboração da
Constituição Republicana Brasileira (1891) em que se debateu e se vetou o sufrágio feminino.
O temor era de que "a participação da mulher na vida pública abalaria os alicerces da família."
(MACHADO NETO, 2000, p.6). Coelho e Baptista (2009) ressaltam que o documento manteve
como eleitores os cidadãos maiores de 21 anos, exceto soldados, analfabetos, pedintes e
religiosos. Além disso, destacam as autoras, que, apesar da Constituição de 1891 excluir a
participação feminina, a discussão não sairia mais da pauta política, já que o movimento
sufragista ganharia cada vez mais adesão nas décadas seguintes. De forma esclarecedora,
argumentam:
É importante notar que, mesmo num clima de transformações sociais
predominou, nessa época, uma clara concepção social de diferentes
papéis para cada gênero. Alguns dos argumentos de então, contrários
à emancipação feminina, tendem a reaparecer em outros momentos
históricos, quando novos "direitos" femininos passam a ser
discutidos. Como, por exemplo, a partir dos anos 60 (sessenta),
quando se defende enfaticamente o direito feminino de exercer uma
atividade profissional, assumir cargos de chefia ou escolher
profissões com características específicas, como a atividade militar.
Uma vez vencido os argumentos que se opunham ao exercício de tais
atividades pelas mulheres – ou, simplesmente, ignorado por elas –
passam a exercer essas funções. As previsões mais pessimistas, como
as de destruição do lar, não se concretizam (COELHO E BATISTA,
2009, p.4-5).

A luta da mulher pelo direito de participação na política ainda seria longa. Em 1910,
Leoninda Daltro e Gilka Machado fundaram o Partido Republicano Feminino. A ideia era
mobilizar a sociedade em torno do acesso das mulheres à participação social. O partido, no
entanto, foi extinto quase uma década depois. Bertha Lutz, bióloga com formação em Sorbonne
e filha do renomado cientista Adolpho Lutz ampliou este empenho, no seio da classe média.
Concursada do Museu Nacional, formou-se ainda em direito e passou a representar o Brasil em
diversos eventos internacionais. Em 1922 fundou a Federação Brasileira para o Progresso
Feminino (F.B.P.F.), filiada à International Woman Suffrage Aliance que tinha como principal
mote o sufrágio feminino. Como destaca Hahner (1981), a maioria das mulheres da Federação
pertencia a uma elite intelectual e econômica da época, o que facilitava o trânsito no alto escalão
da política. Buscavam, prioritariamente, "influenciar os líderes políticos e a opinião pública
culta" (HAHNER, 1981, p.112).
Teria sido por influência da F.B.P.F. que a Constituição de 1934 garantiu o direito das
mulheres de votarem e de serem votadas (COELHO E BAPTISTA, 2009). O governo Vargas
já preparava o texto em 1931 que embasaria uma nova Assembleia Constituinte. O código
eleitoral de agosto daquele ano permitia às mulheres o direito ao voto, limitando-se, porém, às
[...] solteiras ou viúvas com renda própria, ou as mulheres casadas com a permissão do marido"
(HAHNER, 1981, p. 119). A F.B.P.F. protestou e se uniu à Aliança Cívica das Brasileiras e à
Aliança Nacional de Mulheres, para retirar do código as restrições às mulheres, antes que ele
entrasse em vigor. Recebidas por Getúlio, viram seu anseio acatado. Por decreto, datado de 24
de fevereiro de 1932, as brasileiras obtiveram o direito de votar e de serem votadas, em
igualdade de condições com os homens. Os analfabetos continuaram excluídos e a idade
mínima foi reduzida para 18 (dezoito) anos. Destaque-se que muitos países europeus
reconheceram esse duplo direito da mulher (de votar e ser votada) posteriormente ao Brasil
(como a França, em 1944, e a Itália, em 1945). Em todo o Ocidente, até então, apenas no
Canadá, EUA e Equador era permitido às mulheres votar. (COELHO E BAPTISTA, 2009, p.6).
As pesquisadoras Coelho e Baptista (2009, p.6) ainda destacam que “[...] a única mulher
eleita foi Carlota Pereira Queiroz. Bertha permaneceu como suplente até 1936, quando assumiu
a cadeira após o falecimento de um deputado”.
Esta brava luta, no entanto, sofreria revezes. O Golpe de Estado de 1937 e a Segunda
Guerra Mundial enfraqueceram o movimento e recondicionaram ao imaginário social o papel
da mulher como cuidadora do lar. Como destaca Bassanezi (1997, p. 609):

Na Ideologia dos Anos Dourados, maternidade, casamento e


dedicação ao lar faziam parte da essência feminina; sem história, sem
possibilidades de contestação. A vocação prioritária para a
maternidade e a vida doméstica seriam marcas de feminilidade,
enquanto a iniciativa, a participação no mercado de trabalho, a força
e o espírito de aventura definiriam a masculinidade.

Nos anos 1960, nos Estados Unidos e na Europa, os movimentos feministas ganharam
espaço. O surgimento da pílula anticoncepcional permitiu às mulheres questionarem as
liberdades de escolha e a própria condição de submissão historicamente construída. Naquela
década, Estados Unidos e Europa viveram o surgimento de movimentos sociais, inclusive o
Feminismo. Ao resgatarem o pensamento de Oliveira (1999), Coelho e Baptista (2009) colocam
a discussão do feminismo neste contexto em três fases. Para Oliveira, na primeira fase, se
colocava em pauta o

direito das mulheres de participar da vida pública em igualdade de


condições com os homens [e cabia às mentes femininas notáveis
convencê-los de que] a condição de mulher não era uma desvantagem
insuperável: apesar de mulheres, elas poderiam corresponder às
expectativas do mundo do trabalho e da vida pública. (OLIVEIRA,
1999: 59).

Em 1968, teria início uma nova fase deste movimento, denominada por Oliveira de
“diferença radical”. O cerne do debate que se travava era a afirmação de que, “as mulheres não
são inferiores aos homens, mas, também não são iguais a eles e que essa diferença, longe de
representar uma desvantagem, contém um potencial enriquecedor de crítica da cultura”.
(OLIVEIRA, 1999, p. 71).
No final dos anos 80, a terceira fase do feminismo enfatizou ainda mais a diferença,
agora entendida, como direito das mulheres de se diferenciarem dos homens. Alguns
denominam esta fase de "elogio da diferença." Oliveira (1999, p.74) entende que, a partir desta
fase, "reconstruir o feminino é o destino do movimento de mulheres." Nesta época do advento
dos movimentos feministas, o Brasil vivia novo período de exceção, e por isso sua manifestação
foi aqui adiada. Em função desse adiamento, aterrissou aqui com características de mais de uma
etapa ocorrendo simultaneamente no entender de Oliveira (1999). Portanto, não houve no Brasil
uma distinção nítida dessas três etapas; ao contrário, elas ocorreram concomitantemente, de
modo especial as duas últimas.
As reivindicações das mulheres brasileiras a partir dos anos 60 estavam relacionadas ao
momento político, voltadas para a luta pela abertura democrática e por demandas sociais como
política salarial, melhorias nos serviços públicos etc. Assim, no ano de 1968 as mulheres
participaram do "Movimento Nacional contra a Carestia; em 1970, do Movimento de Luta por
Creches; em 1974, do Movimento Brasileiro pela Anistia; e, em 1975, criaram os Grupos
Feministas e Centros de Mulheres." (GIULIANI, 1997, p. 649).
A sub-representação feminina, no entanto não se limitou apenas à política. Com o
desenvolvimento dos meios de comunicação, notadamente o rádio, nas primeiras décadas do
século XX e da televisão, em meados dos anos 1950, a mídia foi assumindo um papel central
na vida contemporânea, ao reforçar estereótipos. Esse movimento não seria claramente
intencional, mas oriundo da própria rotina de construção da notícia como prezam os
pressupostos da agenda setting e do enquadramento (McCombs e SHAW, 2000; GOFFMAN,
1986, MIGUEL E BIROLI, 2010).
Neste mecanismo de visibilidade, Flávia Biroli (2010) argumenta que as principais
diferenças de gênero são de caráter estrutural, o que impõe a demarcação de certas
possibilidades e a exclusão de outras. Sendo assim, os papeis sociais, historicamente reservados
às mulheres, podem ter um caráter ambíguo. Ao mesmo tempo que formam um entrave para
uma atuação política mais relevante, se caracteriza como uma estratégia de diferenciação e ação
política das mulheres.
Biroli (2010) buscou embasar seu estudo da representação das mulheres em um trabalho
impecável de análise das revistas semanais Veja, Época e Carta Capital, nos anos de 2006 e
2007, em que analisou a ex-ministra Marta Suplicy, Heloísa Helena, candidata a presidente à
época, e a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que concorreria e venceria as eleições
de 2010. Na pesquisa, a autora destaca:

(1) que se trata de pensar a presença de mulheres como uma


potencialidade de ruptura com a oposição masculinidade/esfera
pública versus feminilidade/esfera privada, uma vez que essa
presença pode significar uma ruptura com a categoria supostamente
universal e abstrata de indivíduo que vem embasando a política
liberal e suas formas reiteradas de exclusão, mas (2) que a mera
presença, quantitativamente falando, não indica por si só uma
potencialidade de reconfiguração dessa oposição e das relações de
gênero que ela embasa, daí a importância de se trabalhar a relação
entre gênero e estereótipos. É neste último sentido que se considera
que a presença (assimétrica) de homens e mulheres nas secções de
notícias, perpassada por estereótipos de gênero, pode significar a
confirmação e naturalização, pela mídia, de papéis hierarquicamente
diferenciados para homens e mulheres (BIROLI, 2010, p. 50).

O estudo identificou que as mulheres representam apenas 10,1% das personagens


citadas nas secções de notícias. O percentual de presença feminina aumenta apenas na
classificação, “populares”, ou seja, pessoas anônimas que são entrevistadas para preencherem
as matérias. Nessa categoria, o espectro então alcança, 37,8% das personagens citadas,
enquanto são 6,9% são ligadas ao executivo, 8,6% ao legislativo, 12,7% ao judiciário e “apenas
9,9% das personagens que são apresentadas como vozes “técnicas”, ligadas a alguma
competência específica e reconhecida (economistas, cientistas políticos, médicos, especialistas
de áreas diversas)”. (BIROLI, 2010, p.39).
Em outras palavras, o estudo mostrou que os veículos de comunicação citados possuem
conteúdo, que privilegiam as vozes masculinas, especialmente no que é notícia e na afirmação
de vozes de especialistas. Para se ter uma ideia, de acordo com o último censo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2010, as mulheres representam 51% da população
brasileira, enquanto os homens completam os 49% do total. Isso, porém, não se reflete no
campo político. De acordo com informações do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), nas eleições
de 2010, dos 513 eleitos para deputados federais, 91,22% eram homens e apenas 8,77% eram
mulheres. Nas eleições de 2022 o percentual subiu, mas ainda é baixo: 91 mulheres foram
eleitas deputadas federais, representando 17,7% do total de 513 parlamentares.

3. ESPETÁCULO: SEDUÇÃO E DISPUTAS POR VISIBILIDADE

O contexto apresentado se torna ainda mais grave com consequências à democracia,


quando nos declinamos a pensar sobre o conceito de Sociedade do Espetáculo de Guy Debord
(1997). Nesta chave, o espetáculo seria como um entorpecente que distorceria a realidade aos
consumidores das sociedades capitalistas, levando-os a desejar as mercadorias aparentemente
novas, renovadas – porém, na verdade, com pouquíssimas alterações no formato. Antes, de mais
nada, seria uma inversão de valores, com a supervalorização das imagens, ou, dito com outras
palavras, quando a mercadoria coloniza tudo o que pode ser vivido, de maneira tal, que tudo o
que era vivido de forma direta, perde a sua essência, distanciando-se daquela unidade que já
não pode ser restabelecida (DEBORD, 1997). Mais precisamente, “quando o mundo real se
transforma em simples imagens, as simples imagens tornam-se seres reais e motivações
eficientes de um comportamento hipnótico” (DEBORD, 1997, p.18).
A alienação do espectador em detrimento do objeto que é desejado caminha em uma
lógica, que pressupõe que,

quanto mais ele contempla, menos vive; quanto aceita reconhecer-se


nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua
própria existência e seu próprio desejo. Em relação ao homem que
age, a exterioridade do espetáculo aparece no fato de seus próprios
gestos já não serem seus, mas de um outro que os representa por ele.
É por isso que o espectador não se sente em casa em lugar algum,
pois o espetáculo está em toda parte (DEBORD, 1997, p.24).

Ademais, a Sociedade do Espetáculo se prolifera na lógica da Indústria Cultural, que


recicla o velho, dando-lhe aparência de novo. No âmbito da cultura, a reprodutibilidade
possibilitou, por outro lado, o acesso à cultura a diversas pessoas que conhecem, por exemplo
quadros famosos expostos em museus na Europa, sem nunca terem saído do seu estado ou país
como salientou (BENJAMIN, 2013). Nesta vertente a própria reprodutibilidade entraria num
apelo espetacular, pois a arte reproduzida se torna, cada vez mais, a reprodução de uma obra já
reproduzida. Em uma visão pessimista, mas altamente realista à crítica da estética da política
do fascismo surgido na Europa, Benjamin (2013) argumenta que a autoalienação permite
assistirmos à nossa própria destruição, em um prazer estético narcisista de primeiro plano.

4. ANÁLISE SEMIÓTICA DA REPRESENTAÇÃO DAS MULHERES NA ARENA


POLÍTICA: ATUAÇÃO DE ANITA NO TWITTER NO PRIMEIRO TURNO DAS
ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2022

4.1 Metodologia e Corpus de Análise

A hipótese central deste trabalho é que a comunicação midiática (e aqui se inclui as


redes sociais na internet), que serviria e poderia funcionar, apenas na lógica da Sociedade do
Espetáculo (DEBORD, 1997), entra em crise neste início de século e que a artista, ao se
posicionar politicamente, usaria a própria linguagem do espetáculo como uma ferramenta
dialógica de tradução do discurso político aos seus milhões de seguidores, reposicionando
assim, a mulher como importante player na arena política. Considerando que a palavra é
polissêmica e plural (SCORSOLINI-COMIN, 2014), os pressupostos de Mikhail Bakhtin sobre
dialogismo e dialogicidade iluminam esta discussão. Estes conceitos aparecem de várias
maneiras.
A primeira compreende o dialogismo como sendo um princípio interno da palavra, o
que pressupõe que, no discurso, o objeto está imerso em valores e qualidades, fazendo com
“que o falante se depare com múltiplos caminhos e vozes ao redor desse objeto”
(SCORSOLINI-COMIN, 2014, p. 251). A segunda forma consiste na dialogicidade de
enunciados, que é a que utilizaremos em nossa análise, que preconiza que, “antes da
concretização de um determinado enunciado – e posteriormente, há outros enunciados, que vêm
dos outros, aos quais o próprio enunciado está vinculado por algum tipo de relação.
(SCORSOLINI-COMIN, 2014, p. 251).

Essa também é uma das características fundamentais do dialogismo


bakhtiniano, que coloca em xeque a autoria individual de um texto ou
fala, ao propor uma compreensão coletiva da construção do discurso,
mesmo quando operada por uma só pessoa, já que na visão do teórico
russo, existe um “sujeito-coletivo”, que é produtor e “recriador de
práticas presentes no espaço discursivo” (SCORSOLINI-COMIN,
2014, p. 251). Como específica, mais detidamente: “O diálogo não
seria uma instância apenas de negociação e de mediação de conflitos,
mas um espaço no qual esses embates poderiam ser acolhidos e
repensados, de modo a contribuir com a compreensão de uma
realidade macro, a realidade social”. (BAKHTIN, 2012, p. 117).

Ancorados nesta proposta metodológica, o presente trabalho irá analisar as postagens


do Twitter da cantora Anitta, de 11 de julho, data em que declarou, publicamente, apoio ao pré-
candidato Luís Inácio Lula da Silva, à 2 de outubro, dia da votação para presidente no primeiro
turno das Eleições de 2022. O objeto é identificar os enunciados e as construções discursivas
dialógicas que evocam o que é ser mulher, a participação da mulher no debate político e a
disposição para enfrentar o forte ambiente machista dos pleitos eletivos.

4.2. Anitta: de produto comercial à agente na arena política


Larissa de Macedo Machado, de nome artístico Anitta, é uma cantora, escritora,
empresária, produtora e atriz. Nascida no Rio de Janeiro em 30 de março de 1993, viu sua
carreira decolar quando, em 2013 lança o álbum Anitta (2013) no iTunes, pela gravadora
Warner Music com o single “Show das poderosas”, abrindo o disco. Em 2015 a cantora
alcançou 100 milhões de visualizações no clipe de desta música.
Em 2017, o hit “Sua Cara”, conquistou a 5ª posição36 dos clipes mais vistos no mundo
nas primeiras 24 horas. Alcançou ainda 1 milhão de likes no menor tempo já registrado no
Youtube. A cantora já vendeu quase 700 mil discos e entre 2013 e 2014 foi a artista brasileira
mais procurada no Google. Anitta ainda teve a maior estreia de um artista nacional no Spotify
com a música Paradinha, sendo mais de 500 mil streamings atingidos.
Colando o funk nas paradas de sucesso, Anitta busca quebrar o preconceito de algumas
pessoas com suas músicas e amplia seu leque de parcerias internacionais, como: o feat feat
"Ginza" com o colombiano J Balvin em fevereiro de 2016, "Sim ou Não" em julho de 2016
com Maluma, "Switch", participação no single da rap australiana Iggy Azalea, em 2017, entre
outras.
Devido seu estilo e suas origens, Anitta sempre foi inserida em polêmicas na mídia.
Emplacando vários hits, conquistou um espaço na música brasileira que jamais foi alcançado.
A garota de Honório Gurgel no Rio de Janeiro levou o funk para o mundo inteiro. Hoje, usando
mais o pop como estilo musical, Anitta é marcada por uma carreira mundialmente premiada e
é uma das mulheres mais poderosas do Brasil, com uma fortuna estimada em US$ 100 milhões
(cerca de R$ 533 milhões) 37.

4.3. A mulher na sociedade do Espetáculo

Nas eleições de 2022, Anitta ganhou notoriedade também no mundo da política. Ao


declarar em suas redes sociais e nos palcos, apoio ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva,
candidato eleito no pleito deste ano, dividiu opiniões entre seguidores e haters38. Vale salientar
que Anitta sempre foi alvo de críticas e do machismo da sociedade brasileira, reconhecida, em
grande parte, pela aparência física exuberante.
O posicionamento da cantora na indústria fonográfica, coloca em questão a cultura
machista à qual pressupõe que, política não é “assunto de mulher”. Anitta começou a se

36
Disponível em: <https://www.purebreak.com.br/noticias/anitta-e-os-10-recordes-que-a-cantora-ja-bateu-ao-
longo-da-carreira/59989>. Acesso em 30 de out 2022.
37
Disponível em: <https://forbes.com.br/forbes-money/2021/05/fortuna-de-anitta-e-estimada-em-r-533-
milhoes>. Acesso em 30 de out 2022.
38
Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/07/19/apoio-de-anitta-a-lula-movimenta-redes-sociais-e-
ataques-bolsonaristas-definham>. Acesso em 30 de out 2022.
informar, convidando, notadamente, especialistas nas lives que promovia no Instagram e passou
a trazer uma identificação com o público, atraindo-o para o debate político. Para se ter uma
ideia do alcance da influência da cantora, em campanha contratada pelo Tribunal Regional
Eleitoral paulista Eleitoral, no início do corrente ano, na qual Anitta convida os jovens para
tirarem o título de eleitor teve efeitos práticos substanciais. De acordo com o TER-SP, o número
de jovens de até 17 anos que tirou título de eleitor cresceu 31% em março, na comparação com
fevereiro39.
Usando a estética como uma estratégia discursiva e dialógica, Anitta produz espetáculos
na própria Sociedade do Espetáculo. Suas redes sociais são o grande palco onde a polifonia se
assume como signo.

Imagem 1
Anitta faz o L com a mão e com o corpo na foto da direita

Fonte: Twitter.

As imagens do recorte acima datam de 13 de julho, dois dias após ter declaro apoio ao
candidato à presidência, Luiz Inácio Lula da Silva. No primeiro recorte, em que aparece com
um colã com as cores da bandeira do Brasil, a cantora faz um sinal de “L” com a mão direita,
sinal utilizado pelos apoiadores de Lula que remetem a primeira letra do nome do candidato,
eleito no Segundo Turno das Eleições Presidenciais. Na segunda imagem, a cantora exibe suas
curvas em uma trave de polidance, utiliza um macacão decotado vermelho, com a estrela do

39
Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/eleicoes/2022/noticia/2022/04/04/efeito-anitta-numero-de-
jovens-de-ate-17-anos-que-tirou-titulo-de-eleitor-cresce-31percent-em-marco-na-comparacao-com-fevereiro-diz-
tre.ghtml>. Acesso em 30 de out 2022.
Partido dos Trabalhadores estampada no bumbum e com a disposição do próprio corpo fazendo
um “L”, complementado pelas letras “ULA”. As imagens vão ao encontro dos pressupostos da
semiótica de Bakhtin, como salientado por Scorsolini-Comin, quando argumenta que, “antes da
concretização de um determinado enunciado – e posteriormente, há outros enunciados, que vêm
dos outros, aos quais o próprio enunciado está vinculado por algum tipo de relação.
(SCORSOLINI-COMIN, 2014, p. 251).
As imagens ainda jogam na lógica da Sociedade do Espetáculo, acionando a construção
de signos de um enunciado, em torno da letra “L”, explorado na linguagem verbal e não verbal
para “hipnotizar” o público. Como argumenta Debord (1997, p.18), “quando o mundo real se
transforma em simples imagens, as simples imagens tornam-se seres reais e motivações
eficientes de um comportamento hipnótico”.

Imagem 2
Anitta declara apoio em Lula, que agradece o apoio e a convida a atuar na campanha

Fonte: Twitter.

Podemos observar no tuíte acima o movimento dialógico do discurso. Anitta faz um


preâmbulo justificando seu posicionamento e afirma que neste ano de 2022 votará em Lula 40.
O candidato, por sua vez, de forma perspicaz, completa o signo, incluindo a cantora, ao menos,
virtualmente, na proposta de envolver o Brasil na campanha.

40
Disponível em: <https://www.poder360.com.br/eleicoes/anitta-declara-apoio-a-lula-e-petista-reage-vamos-
juntos/>. Acesso em 30 de out 2022.
Imagem 3
Anitta lança frases para provocar o debate em torno do seu apoio à Lula.

Fonte: Twitter.

Importante salientar como a cantora utiliza em alguns enunciados como “ex-


presidiário”, “não sou petista e nunca fui”, e “gentalha” para provocar os adversários. Faz uso
dos signos linguísticos utilizados pela extrema-direita para atacar a própria extrema-direita. Ao
se posicionar desta forma, Anitta vai ao encontro das premissas de Bassanezi (1997, p. 609), e
reivindica uma nova posição da mulher na sociedade, tal qual se discutia no Ocidente, nos anos
1960:

Na Ideologia dos Anos Dourados, maternidade, casamento e


dedicação ao lar faziam parte da essência feminina; sem história, sem
possibilidades de contestação. A vocação prioritária para a
maternidade e a vida doméstica seriam marcas de feminilidade,
enquanto a iniciativa, a participação no mercado de trabalho, a força
e o espírito de aventura definiriam a masculinidade.

Na imagem 4 (seguinte) a artista demonstra ambiguidade no signo. Enfatiza que não


apoia o PT, mas sim o candidato, e justifica, que foi levada a fazer essa escolha, talvez por falta
de opções. No tuíte de 16 de julho de 2022, Lula agradece o apoio e compreende o fenômeno
do apartidarismo, ao enfatizar que há milhões de pessoas que não são do PT, mas que estão
dispostos a caminharem juntos nestas eleições.

Imagem 4
Anitta reclama do uso indevido de sua imagem por parte de apoiadores e Lula esclarece
que não consegue controlar a divulgação nas redes
Fonte: Twitter.

O embate considera o diálogo como única saída para a consciência política, como
argumenta BAKHTIN, (2012, p. 117): “O diálogo não seria uma instância apenas de negociação
e de mediação de conflitos, mas um espaço no qual esses embates poderiam ser acolhidos e
repensados, de modo a contribuir com a compreensão de uma realidade macro, a realidade
social”.
O apoio, em certos momentos ambíguos, repercutiu em bons números para a cantora.
De acordo com levantamento do Jornal Folha de São Paulo 41, Anitta ganhou mais de 300 mil
seguidores, em 10 dias (de 11 a 21 de julho) somando Twitter e Instagram, desde que declarou,
publicamente, voto no ex-presidente Lula (PT).
O engajamento de Anitta na arena política levanta mais uma vez a discussão dos papeis
históricos e sociais, muitas vezes ambíguos, reservados às mulheres nas sociedades. Como
ressalta Biroli (2010), ao mesmo tempo que formam um entrave para uma atuação política mais
relevante, se caracteriza também, como uma estratégia de diferenciação e ação política das
mulheres.

41
Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2022/07/anitta-com-lula-ganha-mais-de-300-mil-
seguidores-desde-que-declarou-voto.shtml>. Acesso em 30 de out 2022.
Em “Feminismo e Política”, Miguel e Biroli (2014), enfatizam que nas últimas décadas,
muito se avançou nas conquistas de direitos, mas que os números ainda não se refletem na
participação das mulheres na política. É contra esse ofuscamento, que personalidades como
Anitta resistem todos os dias, usando do prestígio do capital social e cultural para incluir as
mulheres no debate das grandes decisões do país.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo procuramos demonstrar como a luta pelos direitos das mulheres tem sido
travada no Ocidente ao longo dos últimos séculos e como esse embate ainda não se resolveu
em garantias para além das exigências normativas das leis. Culturalmente ainda reina um
machismo estrutural, que busca direcionar as mulheres de acordo com os interesses dos homens.
Em outra medida, nosso esforço se empenhou em problematizar como os signos são produzidos
na Sociedade do Espetáculo. Tendo como amparo a abordagem bakhtiniana, debatemos a
dinâmica da construção do discurso na análise dos tuítes da cantora Anitta e revelamos como
os enunciados são articulados na formação dialógica e polifônica do signo. Elemento central
nesta discussão, o conceito de Sociedade do Espetáculo de Guy Debord elucidou o uso da
estética como retórica, da afirmação das imagens em detrimento da escrita e de forma,
surpreendente, na instrumentalização desses recursos semióticos para questionar a própria
dinâmica do espetáculo.
Com a realidade das redes sociais como o Twitter, a reprodutibilidade das imagens
recorre ao espetacular como alertava Benjamin, pois remediada, reconfigurada, adaptando
novos sentidos, distanciando-se da origem. Neste sentido, há que concordarmos com Debord
(1997, p.24)., quando comenta sobre a inquietação dos indivíduos – e por que não das ideias
que rondam as mentes? – “o espetáculo está em toda parte.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoievski. Trad. P. Bezerra. Rio de Janeiro:


Forense Universitária, 1997.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem.13. ed. Trad. M. Lahud; Y. F. Vieira.


São Paulo: Hucitec, 2012.

BASSANEZI, Carla. Mulheres dos anos dourados. Em Del Priore, Mary. (Org.), História das
mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997.
COELHO, Leila Machado; BAPTISTA, Marisa. A história da inserção política da mulher no
Brasil: uma trajetória do espaço privado ao público. Revista Psicologia Política,
vol.9, n.17. São Paulo, jun. 2009.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1997.

FLÁVIA, Biroli. Mulheres e política nas notícias: Estereótipos de gênero e competência


política. Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 90, 2010.

MIGUEL, Luis Felipe.; BIROLI, Flávia. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo:
Boitempo, 2014. 164 p.

ROCHA-COUTINHO, Maria Lúcia. Tecendo por trás dos panos: a mulher brasileira nas
relações familiares. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

GIULIANI, Paola C. Os movimentos de trabalhadoras e a sociedade brasileira. Em Del


Priore, Mary (Org.), História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997.

Hahner, June E. A mulher brasileira e suas lutas sociais e políticas: 1850-1937. Maria
Thereza P. de Almeida e Heitor Ferreira da Costa, trad. São Paulo: Brasiliense, 1981.
MACHADO NETO, Afonso C. Coord. Sociedade e história do Brasil. Os primeiros tempos
da República – 2. Brasília: Instituto Teotônio Vilela, V. 6. p. 47. 2000.
Oliveira, Rosiska D. Elogio da diferença: o feminino emergente. (3ª ed.). São Paulo:
Brasiliense, 1999.

SCORSOLINI-COMIN, Fabio. Diálogo e dialogismo em Mikhail Bakhtin e Paulo Freire:


contribuições para a educação a distância. Educação em Revista. Belo Horizonte, v.30, n.03,
p.245-265, julho-setembro 2014.
SEÇÃO 2

Comunicação Política, Campanha


Permanente e Propaganda Eleitoral
Capítulo 13

City Branding como estratégia comunicacional: a marca de Desterro do Melo (MG)

Hugo Michel de Melo Pinto (UNIPAC)


André Fellipe da Silva (UNIPAC)
Bianca Fabiana de Miranda (UNIPAC)
Kethuley Eduarda Ribeiro Martins (UNIPAC)
Ricardo Matos de Araújo Rios (UNIPAC)

RESUMO: O presente artigo aborda o estudo do processo de City Branding no processo


comunicacional de municípios. O trabalho tem o objetivo de analisar e compreender de que
maneira esta modalidade comunicacional pode ser aplicada a municípios de pequeno porte,
tendo como base a cidade de Desterro do Melo (MG). Esta pesquisa tem como marcos teóricos
o Branding, Identidade Corporativa e Campanha Permanente de Comunicação. Espera-se que
este trabalho possa contribuir com a discussão do uso do City Branding como fator de campanha
comunicacional para os municípios, além de discutir o uso de merchandising em campanhas
políticas e estatais.

PALAVRAS-CHAVE: City Branding; Desterro do Melo; Identidade Corporativa.

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo discute o uso do City Branding na criação de uma campanha de


Comunicação permanente para cidades brasileiras. Para isso, o trabalho se debruça na
elaboração de um City Branding para a cidade de Desterro do Melo (MG), como uma forma de
desenvolver uma campanha permanente estatal através do processo de Arquitetura de Marcas,
resultando em uma marca que possa evidenciar as vocações locais e que tenha exploração do
município.
Com isso, o trabalho se propõe não apenas a discutir e desenvolver o city branding, mas
também a sua aplicação como campanha permanente de Desterro do Melo, através de materiais
gráficos online e off-line, como produtos oficiais de merchandising, que servem como
divulgação espontânea da campanha comunicacional permanente, visando a fixação do nome
do município e da marca na mente dos cidadãos e dos turistas.
Para compreender o que é Campanha Permanente, é importante observar a definição
apresentada por Fernandes e Martins (2017):

Noguera (2001) considera ser possível afirmar que as campanhas são


permanentes e que há uma percepção disso por parte do eleitorado e que
os consultores políticos já colocam tal fenômeno em prática. Uma
mudança que, segundo ele, deve haver é de que os consultores políticos
não devem estabelecer um momento de começar a campanha política,
uma vez que ela acontece o tempo todo e que os atores envolvidos estão
de fato realizando campanha.
De acordo com a definição tanto de Lileker (2007), quanto de Galicia
(2010), a campanha permanente refere-se ao uso dos recursos
disponíveis do marketing no trabalho por parte dos indivíduos e
organizações eleitas – governos, partido do governo, membros do
parlamento, congressistas ou outro representante – a fim de construir e
manter o apoio popular (MARTINS & FERNANDES, 2017, p. 5)

Com base nisso, desenvolveu-se uma campanha de comunicação política permanente,


através do uso do City Branding. Pretende-se, com esse trabalho, contribuir com a discussão do
uso do City Branding como fator de campanha comunicacional para os municípios, além de
discutir o uso de merchandising em campanhas políticas e estatais.

2. ARQUITETANDO UMA MARCA: PROCESSOS DE BRANDING E IDENTIDADE


CORPORATIVA

A Arquitetura de Marcas iniciou após o estabelecimento de regras para a Propriedade


Industrial, em 1886, com o advento da Convenção de Paris. Cameira (2016) pontua que a
arquitetura de marcas é o processo feito para concepção, construção e entrega de elementos de
marca, normalmente de cunho comercial. Como o nome diz, marca, no início, literalmente era
uma marca física aplicada a propriedades, como animais. A marca é arquitetada com base em
elementos de design, comunicação e legislação.
De acordo com Rios (2021a), com o passar dos séculos, as marcas evoluíram de um
mero marcador de propriedade para um negócio gerador de bilhões de dólares, sendo parte
importante da administração de uma empresa.
Para gerenciar uma marca, é fundamental que a empresa possua branding. Segundo Rios
(2021b), Branding, ou “Gestão de Marcas”, é um programa que gerencia e visa à convergência
entre as diversas áreas relacionadas a uma marca, com o objetivo de agregar valor ao
produto/serviço fazendo assim que ele se diferencie no mercado. É um processo de construção
e gestão dos pontos de contato da marca com seus públicos estratégicos.
Marca representa a identidade da empresa e seus valores, equipe, processos,
produtos/serviços desenvolvidos e comercializados. Do ponto de vista de quem consome, a
marca é uma percepção, resultante de experiências, impressões e sentimentos vividos em
relação a determinada empresa, produto ou serviço.
Uma marca é então, a empresa e sua identidade, o logotipo, a sua estrutura interna, os
seus princípios, a sua equipe, os produtos ou serviços vendidos, o relacionamento com os seus
clientes, as suas formas de comunicação, e todas as ações que interfiram direta ou indiretamente
na sua imagem.
Uma marca ou brand é a percepção dos consumidores sobre um produto, serviço ou
organização. Não o que os profissionais de marketing pensam que a marca é, mas o que os
consumidores, acham que ela é. E não adianta ser apenas diferente. Tem que ser relevante. E
não porque eu digo, mas porque o consumidor, o usuário está dizendo.
Esse processo leva à construção de uma identidade corporativa que, se bem trabalhada,
pode definir o sucesso de uma empresa. Fascioni (2010) coloca que identidade corporativa é o
DNA da empresa. Esse DNA é o conjunto de atributos que a faz única e diferente de todas as
outras, como marca e comunicação externa.

3. O QUE É CITY BRANDING?

O City Branding é uma marca criada por um município para promover seu turismo e
suas vocações. Kotler (1999) pontua que locais são produtos cujas identidades devem ser
desenvolvidas e vendidas como produtos. Como a marca projetará uma cidade e essa cidade
será coisificada, é necessário que ela mostre o espírito do local, como atributos físicos, culturais
e sociais da cidade, criando um branding que transcenderá setores específicos e atrairá pessoas,
seja para turismo, investimento ou até mesmo para captação interna, desenvolvendo o espirito
de pertencimento dos cidadãos, criando bem-estar.
Branding é o conjunto de ações ligadas à administração das marcas. São ações que,
tomadas com conhecimento e competência, levam as marcas além da sua natureza econômica,
passando a fazer parte da cultura, e influenciar a vida das pessoas. Ações com capacidade de
simplificar e enriquecer nossas vidas num mundo cada vez mais complexo (CAMEIRA, 2016,
p. 50)
Com base nisso, o trabalho se propõe não apenas a discutir e desenvolver o city
branding, mas também a sua aplicação como campanha permanente de Desterro do Melo,
através de materiais gráficos online e off-line, como produtos oficiais de merchandising, que
servem como divulgação espontânea da campanha comunicacional.

4. A HISTÓRIA DE DESTERRO DO MELO

Para o processo da criação de marca de um município, é muito importante conhecer a


história da cidade que será trabalhada. Por isso, o trabalho apresenta nos próximos parágrafos
a história de Desterro do Melo, para que seja possível discorrer mais sobre a construção do City
Branding.
A história de Desterro do Melo se esbarra diversas vezes com a de Minas Gerais, sendo
local de exploração de ouro durante o século 18 e tendo entre seus moradores o alferes José
Joaquim da Silva Xavier, conforme observa Amaral (2010). Os registros que mais são coesos
à história são os que constam no Livro de Fábrica da Paróquia de Nossa Senhora do Desterro,
como segue abaixo:

É mais conhecida esta Freguesia pelo nome de Melo do Desterro.


Razão é que em 1761 para aqui veio um certo português de nome José
de Melo, para cumprir pena, o qual tomou por sua padroeira ou
madroeira Nossa Senhora desterrada com seu casto esposo, fugindo
aos furores de Herodes, o Grande, contra o recém-nascido Jesus. Ao
correr do tempo, foi-se desenvolvendo este lugar, com a entrada dos
bandeirantes, que vinham em busca do ouro. (AURÉLIO, 1911, p. 1)

Há também em um livro do Cônego Raimundo Trindade, intitulado Instituição de


Igrejas no Bispado de Mariana, sendo este um documento de melhor embasamento para se ter
uma data de referência, que traz o seguinte texto:
Figura 01

Excerto de “Instituição de Igrejas no Bispado de Mariana”

Em 01 de março de 1963, Desterro do Melo foi elevado a Município, desmembrando-


se da cidade de Barbacena. Cercado pela serra da Conceição o Município de Desterro do Melo
possui uma população estimada em 3.000 pessoas, segundo o IBGE (2019). Seu PIB per capita
é estimado em R$ 13.552,43 e a cidade tem forte presença econômica regional na agropecuária,
com destaque para o gado, derivados do leite, banana, milho e feijão. Um dos pontos turísticos
da cidade é o Parque do Xopotó.

5. METODOLOGIA DE DESENVOLVIMENTO MARCÁRIO

Para o desenvolvimento do City Branding, a primeira questão a ser levantada foram


imagens urbanas e características representativas da cidade de Desterro do Melo, objetivando
reproduzir o espírito local e vender o município, como preconiza Kotler (1999).
Em seguida, o desenho da marca seria realizado com base nos preceitos da gestalt. Com
a parte visual da marca definida, a proposta levantou processos de gestão da marca através dos
conceitos de Branding apresentados por Rios (2021b) e Cameira (2016), para que houvesse algo
consistente e em sintonia com a construção de uma marca local de um município de pequeno
porte.
6. CONSTRUINDO O CITY BRANDING DE DESTERRO DO MELO

O primeiro passo da produção do City Branding foi analisar as diferentes construções


da cidade e o relevo, além levar em conta sua história e também aos aspectos de uma das marcas
mais fortes do município: a religiosidade.
Foi decidida então, com base em visitas de campo e análises de imagens, que a imagem
principal seria a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Desterro, a principal da cidade. Outro marco
de Desterro do Melo é a Serra da Conceição. Ao invés de ser projetada em sua totalidade, optou-
se por desenhar a silhueta vista a partir da torre da Igreja. Como Cameira observa (2016, p. 50),
um bom processo de branding faz com que as marcas passem a fazer parte da cultura e
influenciar a vida das pessoas. Ao escolher a Igreja e a Serra como marcos, a proposta de City
Branding pretende estar no imaginário popular local, levando ao desenvolvimento de atributos
como orgulho e pertencimento.
Aplicamos o princípio de gestalt, onde basta somente algumas linhas com formas, para
que assimilem a forma ao conteúdo, transformando o desenho em signo, logo em seguida em
significado. As linhas finas e irregulares são para dar o aspecto de algo feito artesanalmente,
associando a cidade ao interior, valorizando os trabalhos manuais. A ideia também partia de um
princípio minimalista, para que a identidade acompanhasse os movimentos mais modernos.

Figura 02
City Branding criado para Desterro do Melo

Fonte: os autores

O City Branding desenvolvido tem como objetivo exemplificar em imagem toda uma
tradição e cultura da cidade do interior de Minas Gerais, como nome de Desterro do Melo,
carinhosamente chamada de “Melo”. A serra e a igreja, sem sombra de dúvidas são os principais
pontos que chamam a atenção na cidade. Além de um povo muito receptivo, a cultura
transmitida de geração em geração não morre, ficando firme como uma rocha, como uma serra.
Assim, a fé do povo se consagrou em menção, quando em 2007, Desterro do Melo foi eleita a
cidade mais católica de Minas Gerais, ficando também entre as primeiras em todo o Brasil.
A partir do processo de criação, também foi definido o uso da palavra “Melo”, como
carinhosamente a cidade é conhecida, para reforçar o City Branding. A tipografia handmade
foi escolhida para dar a sensação de algo mais artístico, em consonância com o espírito do
interior. Além da marca, foram desenvolvidos vários produtos de merchandising para teste de
aplicação e reforço da identidade visual criada junto a potenciais turistas que comprariam itens
da “marca Desterro do Melo”.
Outro importante material criado para o processo de City Branding foi o merchandising.
Seguindo o exemplo de cidades como Nova York e Amsterdam, que utilizam seus cities
brandings como produtos comerciais (I Love NY e I Amsterdam, respectivamente), foi pensado
de que maneira seria possível extrair recursos financeiros da criação marcária. Para isso, foram
pensadas camisetas e bonés para o município, tendo como públicos-alvos os turistas e os
próprios cidadãos locais que se orgulham da cidade e teriam prazer em “usar” Desterro do Melo.
O desenvolvimento de merchandising é fundamental para um City Branding que deseja
ser uma Campanha Permanente. Um City Branding que não se pense como Campanha
Permanente de Comunicação política não consegue se manter ativo e constante durante anos,
significando perda de investimentos consideráveis e de uma marca que represente o município
que desenvolveu aquele projeto marcário.
Para o município, ver cidadãos e turistas usando a marca local se transforma em
publicidade gratuita, além de representar projeções de orgulho da cidade e manutenção do
discurso de coisificação do município, transformando-o em um ativo tangível para as pessoas.
Figura 3
Caneca de merchandising aplicada com o City Branding de Desterro do Melo

Fonte: os autores

Figura 4
Camisa de merchandising aplicada com o City Branding de Desterro do Melo

Fonte: os autores
Para o desenho, foi escolhida a cor preta, pois se trata de uma cor neutra, livrando a
identidade de qualquer vínculo partidário e qualquer alusão a algum candidato (a) que
pretendesse concorrer a algum cargo eletivo do município, além de ser uma cor que remete a
algo elegante, a cor é forte, forte como uma Serra. A identidade também pode ser usada na cor
branca, caso o fundo seja escuro, pois também se trata de uma cor neutra e “apartidária”.
Esta proposta mostra ser perfeitamente possível criar uma Campanha Permanente
comunicacional por meio do City Branding e que não seja prejudicada por modismos de design.
Com uma boa gestão da marca e tendo exploração comercial relevante, é possível manter a
marca existindo por tempo considerável, sendo um elo de ligação entre cidadãos, turistas e
cidade, gerando orgulho e pertencimento.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste trabalho foi mostrar como um município de pequeno porte, como
Desterro do Melo, pode utilizar conceitos de comunicação, como o City Branding, para
estruturar uma campanha comunicacional permanente, começando no turismo e que, se bem
estruturada, possa ser espalhada para outras áreas da cidade e até em produtos comerciais. O
uso do City Branding resolve um grande problema dos municípios enquanto entes estatais:
como manter comunicação da cidade sem que seja relacionado a governos, que são transitórios
de acordo com as dinâmicas eleitorais? A produção de um City Branding resolve este problema
que gera constantes preocupações para gestores de comunicação e agentes públicos.
Dentro do processo de Arquitetura de Marcas é importante o respeito às vocações reais
da empresa. Uma cidade não é uma empresa, mas possui vocações que possam ser exibidas em
uma marca.
No caso de Desterro do Melo, o principal elemento foi a Igreja Matriz e a Serra,
principais elementos visuais da cidade, mas para outros municípios, basta analisar elementos-
chave ou algo extremamente representativo, que sirva como “cartão de visitas” daquele local.
Cidades de médio-grande porte, que possuem dificuldades em definir sua identidade,
não conseguem escolher algo representativo de imediato. Essa identificação imediata é bem
mais fácil em cidades de pequeno e médio porte, já que estes símbolos estão encurtidos nas
mentes dos habitantes destes locais e, consequentemente, podem ser levados a outras pessoas.
Por mais que a ideia de City Branding não possa caminhar com o Estado, nesta proposta aqui
apresentada é interessante notar que o próprio governo, ao aplicar a marca em determinados
materiais, pode ajudar a propagar mais a mensagem. Neste caso, é interessante que o governo
use com moderação o City Branding.
O trabalho e as composições apresentadas no artigo foram frutos de uma experiência
em sala de aula, desenvolvido na disciplina de Arquitetura de Marcas, do curso de Publicidade
e Propaganda, da Unipac Barbacena, ministrada pelo professor Ricardo Rios. Com isso, é
importante observar que todas as composições gráficas aqui apresentadas são simulações e não
foram usadas e/ou endossadas pela Prefeitura de Desterro do Melo.
Espera-se que este trabalho possa contribuir com a discussão do uso do City Branding
como fator de campanha comunicacional para os municípios, além de discutir o uso de
merchandising em campanhas políticas e estatais.

REFERÊNCIAS

AMARAL, Victor. Nossa História. Disponível em: https://desterrodomelo.mg.gov.br/nossa-


historia.php. Acesso em 06 jul. 2022.

AURÉLIO, Antônio. Livro de Fábrica da Paróquia. Mariana: Arquidiocese de Mariana,


1911.

CAMEIRA, Sandra. Branding + Design - A Estratégia Na Criação de Identidades de


Marca. São Paulo: SENAC, 2016.

FASCIONI, Ligia (2010). O que é Identidade Corporativa?. Disponível em:


https://www.ligiafascioni.com.br/o-que-e-identidade-corporativa/. Acesso em 02 jun. 2022.

FERNANDES, Carla Montuori; MARTINS, Thamiris Franco (2017). Campanha


Permanente: análise das estratégias narrativas de João Doria (PSDB) no HGPE e nas redes
sociais. Disponível em: http://www.compolitica.org/home/wp-
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RATE%CC%81GIASNARRATIVASDEJOA%CC%83ODORIANOHGPEENASREDESSO
CIAIS.pdf. Acesso em: 01 jul. 2022.

KOTLER, Philip. Marketing Places Europe: Attracting Investments, Industries, Residents


and Visitors to European Cities, Communities, Regions and Nations. London: Pearson
Education, 1999.

RIOS, Ricardo. História da Arquitetura de Marcas e da Arte na Publicidade. Barbacena:


UNIPAC, 2021a.

RIOS, Ricardo. Fundamentos de Branding. Barbacena: UNIPAC, 2021b.


Capítulo 14

A propagação de fake news na campanha eleitoral de 2022: Uma análise sobre o alcance
do discurso de “fraude nas urnas” durante o primeiro turno

Arthur César do Vale Dias (UFSJ)


Caroline Santos Teixeira (UFSJ)

RESUMO: O presente artigo propõe realizar uma análise teórica e empírica relacionando o
surgimento das novas mídias com sua influência nas democracias, principalmente no que diz
respeito às eleições presidenciais de 2022 no Brasil. Com enfoque no atual cenário político
brasileiro, este estudo visa oferecer uma análise sobre o discurso que questiona a segurança das
urnas eletrônicas, proferido pelo presidente Jair Messias Bolsonaro e pela sua base eleitoral.
Com base em uma análise empírica, esse trabalho de pesquisa estabeleceu duas questões a
serem respondidas e discutidas: 1) Quando foram os picos de pesquisa sobre a fake news “fraude
nas urnas” durante a campanha eleitoral de 2022?; 2) Qual o engajamento dessas notícias falsas
na internet?

PALAVRAS-CHAVE: Novas mídias, eleições, urnas eletrônicas, fake news.

1. INTRODUÇÃO

Desde o seu surgimento, as mídias sociais mudaram significativamente as relações de


se fazer política entre os sujeitos. Não é um mistério que elas fazem parte do cotidiano de
diversas pessoas, abrindo espaços e criando pontes de comunicação. Na atualidade, as redes
sociais tornaram-se quase que uma atividade diária e necessária: compras, influência e decisões
são moldadas a partir do que está em tendência ou no que gera mais engajamento. Todavia, as
mesmas redes que democratizaram a comunicação e deram fácil acesso à informação tiveram
um papel essencial para atingir excessivamente e intensivamente determinados grupos sociais,
especialmente com recursos mentirosos capazes de moldar opiniões, discursos e promover a
manipulação ideológica. (JORDELINO; CAVALCANTTI; TONIOLO, 2019).
Em uma pesquisa realizada pelo Instituto Reuters em 2017, 60% dos brasileiros
responderam que confiavam em notícias gerais. Em 2018, o mesmo relatório identificou que
apenas 58% dos brasileiros acreditavam em notícias veiculadas em jornais tradicionais, frente
aos 32% que responderam acreditar em informações divulgadas em redes sociais (CARRO,
2018). Em 2019, por sua vez, a pesquisa mostrou que o grau de confiança nas chamadas “mídias
tradicionais” caiu em 11 pontos percentuais, atingindo um patamar de 48% (CARRO, 2019).
Já em 2021, o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação
(CETIC.br) constatou que 70% dos usuários recorrem à internet para buscar informações e
serviços públicos.
O surgimento dessas novas mídias (MANOVICH, 2005), como podemos observar,
começam a ter nesse século uma grande importância na esfera social, política e comunicacional,
sendo capazes de interferir em regimes democráticos ao redor do globo, como foi no caso da
eleição presidencial de 2016 nos Estados Unidos que levou o então candidato Donald Trump
do Partido Republicano à vitória (ALLCOTT, GENTZKOW, 2017) e no plebiscito do BREXIT
que determinou a saída do Reino Unido da União Europeia (HÄNSKA, BAUCHOWITZ,
2017).
Aqui no Brasil podemos observar um marco da influência das mídias sociais nos
movimentos chamados de “Jornadas de Junho”, uma série de protestos em larga escala
convocados em 2013 pelas redes sociais - principalmente pelo Facebook - contra o reajuste no
preço das passagens de ônibus em São Paulo e no Rio de Janeiro (DOMINGUES, 2013) logo
depois tomando um caráter de crítica contra o governo da Ex-Presidente Dilma Rousseff.
Outro ponto que podemos citar foi a radicalização da direita na eleição presidencial de
2014 (BRUGNAGO; CHAIA, 2015) após uma grande influência das mídias sociais no pleito
que confirmou a então Presidente Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores (PT) à
reeleição. Durante a campanha do então senador Aécio Neves do Partido da Social Democracia
Brasileira (PSDB), uma das desinformações veiculadas pela campanha do tucano declarava que
a Presidente Dilma teria cedido um empréstimo de dinheiro ao governo de Cuba através do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como forma de incitar seu
eleitorado contra a então Presidente (BRUGNAGO; CHAIA, 2015). Não deu em outra: apesar
da vitória e reeleição de Dilma Rousseff, o Partido dos Trabalhadores saiu fragilizado do pleito,
com diversos grupos, liderados principalmente pelo seu antigo adversário nas eleições, pedindo
o impedimento da presidente, o que se concretizou no dia 31 de agosto de 2016.
No entanto, não foi apenas o PT que saiu enfraquecido, o PSDB que sofrera a 4ª derrota
seguida nas eleições presidenciais contra o Partido dos Trabalhadores enfrentou um escândalo
de corrupção contra seu então presidente e antes presidenciável Aécio Neves (FERNANDES;
DE OLIVEIRA; DE CARVALHO, 2020). O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) que
acabara de ascender ao poder com Michel Temer (MDB) após o impeachment da presidente
Dilma Rousseff (PT), sofreu também com um estrago pela opinião pública, com partidos da
esquerda acusando de golpe contra Dilma e por partidos da direita apontando a inabilidade do
partido e do presidente, quando em 2018 eclode a greve dos caminhoneiros. Como
consequência, Temer (MDB) chega a atingir, em pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha,
82% de reprovação frente aos 3% de aprovação do governo, sendo esse o maior índice de
rejeição da série histórica do instituto (EXAME, 2018)
É nesse conturbado contexto político e em um ambiente de mídias sociais controladas
por grandes blocos organizados, que surge o ex-deputado federal e atual presidente Jair
Bolsonaro do Partido Liberal (PL). Bolsonaro, que já havia tomado destaque em 2016 em
discurso a favor do impeachment de Dilma Rousseff (PT), aparece surfando na onda de
pessimismo político, no desacreditamento das mídias tradicionais e nos ataques às instituições,
principalmente com um discurso contra as urnas eletrônicas, tema deste estudo. Usando um
discurso de político anti-establishment, antissistema e forasteiro, Bolsonaro passa a atuar
ativamente nas redes sociais sem se empenhar em construir alianças com outros partidos
políticos, como de praxe em campanhas políticas, obtendo apenas oito segundos de tempo de
propaganda eleitoral gratuita na televisão. Com investimentos em bots em redes sociais como
Twitter e Facebook e em influencers da Nova Direita (ROCHA, 2019), Bolsonaro cria uma base
de apoiadores fortes e se filia no até então desconhecido Partido Social Liberal (PSL), hoje com
o nome de União Brasil (UB), anunciando sua saída em 2019 após divergências com o
presidente do partido, o deputado Luciano Bivar (UB/PE), filiando-se em novembro de 2021
ao Partido Liberal (PL).
Os três partidos políticos aqui citados anteriormente também lançaram candidatos para
a presidência em 2018: 1) o PT com o ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da educação
Fernando Haddad que assumiu o lugar do ex-presidente Lula da Silva (PT) na campanha após
o mesmo ser preso pelo por acusações de corrupção na Operação Lava Jato. O candidato da
coligação “O Brasil Feliz de Novo” (PT, PC do B, PROS) possuía 2 minutos e 23 segundos de
propaganda eleitoral gratuita. 2) o PSDB lançaria o ex-governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin para a presidência, contando com 5 minutos e 32 segundos de horário eleitoral
gratuito; 3) por fim, no MDB havia o economista Henrique Meirelles com 1 minuto e 55
segundos de propaganda. Vemos, portanto, com os resultados da apuração do 1° turno das
eleições de 2018 em mãos, que as estratégias desses três grandes partidos de apostar em
campanhas na televisão não surtiram resultados como a campanha pelas redes sociais do
candidato e agora presidente Jair Bolsonaro (PL).
2. REFERENCIAL TEÓRICO

Como forma de balizar o entendimento dessa pesquisa faz-se necessário definir o que é
uma fake news. O surgimento desse termo não é certo, mas a expressão ganhou grande
relevância em 2017 com o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (MENESES,
2018). Eleita a palavra do ano pela revista britânica Collins, “fake news” passou a ser uma
argumentação bem comum em nosso dia-a-dia, no entanto, existe uma dificuldade em se fazer
uma análise conceitual dessa expressão, visto a variedade de uso do termo, muita das vezes
conflitantes. (GELFERT 2018).
Meneses (2018), aponta que a apropriação indevida do termo por políticos é o que
fundamenta a necessidade de calibração desse conceito, de modo a diminuir a ambiguidade que
tende a aparecer.
Do nosso ponto de vista, contudo, é também pela apropriação, muitas vezes indevida,
por exemplo, por parte de políticos, que se justifica calibrar devidamente o conceito – o que
começa por aceitar fake news e não, por exemplo, false news [..]. (MENESES, 2018)

Lazer et al (2018) por sua vez discursa que as fakes news são “[...]
informações fabricadas que imitam o conteúdo da mídia de notícias
na forma, mas não no processo ou intenção organizacional” (LAZER
et al, 2018; tradução nossa). Damasceno e Almeida Filho (2020), no
entanto, consideram essa definição problemática “Acreditamos que
essa definição é problemática, pois pode levar a entender que a
organização informativa da mídia convencional ou processos de
apuração são suficientes para evitar fake news” (DAMASCENO;
ALMEIDA FILHO, 2020).

Esse artigo define as fakes news como histórias ou notícias criadas para deliberadamente
enganar ou desinformar os leitores sobre um determinado tópico. Esses recursos mentirosos são
capazes de moldar opiniões, discursos e promover a manipulação ideológica. No entanto,
confunde-se ao se relacionar false news e fake news, isso porque a primeira é resultado de má
apuração de jornalistas por exemplo, enquanto a última trata-se de uma técnica que usa as
notícias fora do contexto, ou com mea verdade ou até notícias absurdas para gerar desde dúvida
até revolta (OREMUS, 2017).
É o caso por exemplo do plebiscito do Brexit realizado no ano de 2017 que culminou
com a saída do Reino Unido da União Europeia. A campanha pela retirada da ilha do bloco foi
marcada por diversas fake news pela campanha “Vote Leave”, endossada sobretudo pela
imprensa tabloide. Um dos líderes do movimento pela saída, Boris Johnson, então prefeito de
Londres, foi um dos nomes proeminentes do Vote Leave. Sua plataforma de argumento era de
que o Reino Unido pagava valores absurdos para a União Europeia. Johnson chegou a
apresentar três números diferentes: em 29 de fevereiro de 2016 declarou em entrevista que
poderia ser um valor de aproximadamente 8 bilhões de libras esterlinas por ano. Na ocasião do
dia 3 de junho afirmou que esse valor era de £350 milhões por semana que seriam enviados à
Bruxelas. Mais tarde nesse mesmo dia, afirmou que o valor enviado era de £10 bilhões por ano
(HÖLLER 2021).
No entanto, a agência de fact-checking britânica Full Fact (2018) verificou que as
declarações de Boris Johnson eram: “um claro uso indevido das estatísticas oficiais” (FULL
FACT, 2017; tradução nossa). A análise dos jornalistas independentes chegou à conclusão de
que o Reino Unido nunca chegou a pagar 350 milhões de libras esterlinas para a União
Europeia:

£ 350 milhões é aproximadamente o que enviaríamos para o


orçamento da UE se não fosse o desconto no orçamento do Reino
Unido. O desconto é efetivamente um desconto sobre o que, de outra
forma, seríamos responsáveis. Este desconto foi negociado por
Margaret Thatcher em 1984 e a forma como é calculado não pode ser
alterada no futuro sem o acordo do Reino Unido (FULL FACT, 2017;
tradução nossa)

No caso do Brasil as eleições presidenciais de 2018 foram um marco pelo elevado uso
de fake news em campanhas políticas, principalmente pela campanha do candidato Jair
Bolsonaro (PL) que saiu vitorioso do pleito. Um levantamento feito pelo site “Congresso em
Foco” do Portal UOL, por exemplo, identificou a partir 123 fake news levantadas por agências
de fact-checking - Agência Lupa da Folha de São Paulo, Fato ou Fake do Grupo Globo e o Aos
Fatos, independente - sendo 104 contra o então adversário de Bolsonaro, Fernando Haddad (PT)
e o Partido dos Trabalhadores e 19 contra Bolsonaro e sua base. (CONGRESSO EM FOCO,
2018). Dentre essas notícias é possível levantar 13 fake news da campanha do presidente Jair
Bolsonaro (PL) contra as urnas eletrônicas, tema deste trabalho de pesquisa.

3. METODOLOGIA
O artigo analisou uma fake news popular que beneficiou o presidente Jair Bolsonaro
(PL) nas eleições de 2018 e que tem sido uma das suas plataformas de ataque durante a
campanha de 2022: a suposta fraude nas urnas eletrônicas. Posto isso, três perguntas norteiam
a elaboração dessa análise: 1) Quando foram os picos de pesquisa sobre a fake news “fraude
nas urnas” durante a campanha eleitoral de 2022? e 2) Qual o engajamento dessas notícias falsas
na internet?
Essa notícia falsa foi escolhida de forma proposital após um levantamento feito pela
ferramenta Google Trends que mostraremos a seguir na seção “resultados”. Consideramos na
escolha que sempre que há um discurso sobre esse assunto, diversas pesquisas sobre o tema são
feitas no Google, o chamado Zero Moment of Truth ou Momento Zero da Verdade (Kotler,
Kartajaya & Setiawan, 2017) que é quando os usuários sabem nada ou pouco sobre tal tema e
usam alguma plataforma de pesquisa - principalmente o Google - para fazer sua procura. Para
esse artigo, iremos considerar o período de 5 de agosto de 2022 (início da campanha eleitoral
em todo o País) até o dia 1º de outubro (último dia antes do 1º turno das eleições gerais de
2022).
Ao iniciar a análise em termos de popularidade, optamos por fazer uma busca na
plataforma Google Trends com o seguinte termo: “fraudes nas urnas", a ideia era observar se
havia uma alta nas buscas e quando esta alta foi registrada. Também optamos por utilizar o
Buzzsumo, ferramenta utilizada para o monitoramento de redes, no qual captamos dados acerca
da elevação no número de pesquisas que utilizam as palavras “fraudes nas urnas”. Com os dados
em mãos, decidimos nos embasar teoricamente em autores que já realizaram pesquisas sobre
fake news diversas, incluindo aquelas que defendem que as urnas eletrônicas são facilmente
fraudadas.
Este artigo não pretende ser apenas uma análise quantitativa, pois além de avaliar
números de pesquisa, termos utilizados e gráficos que apontam altas de pesquisas em
determinados momentos, também buscamos realizar uma análise qualitativa sobre o que de fato
os usuários de internet que fazem tais pesquisas leram nos sites mais acessados. O resultado
desses esforços, pode ser observado na seção a seguir.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 Google Trends


O Google Trends é uma ferramenta de pesquisa de tendências do Google que analisa a
popularidade de determinados termos em um período de tempo estabelecido. Utilizamos essa
ferramenta primeiramente para analisar quando o termo “fraude nas urnas” teve seus picos de
pesquisa durante o primeiro dia da campanha eleitoral até o último dia antes do 1º
turno. Vejamos resultados:

Figura 1
Buscas pelo termo “Fraude nas Urnas” no
Google Trends durante 05 de agosto até 1º de outubro

Fonte: Elaborado pelos autores através dos dados obtidos pela ferramenta Google Trends.

A Figura 1 mostra um eixo vertical que varia entre os números 0, 25, 50, 75 e 100. Esses
valores indicam a frequência que o termo Fraude nas Urnas foi procurado no Google, sendo 0
o mínimo de popularidade e 100 o máximo. Já o eixo horizontal apresenta o período de tempo
entre 05 de agosto de 2022 até 1º de outubro de 2022.
Dessa forma, respondendo à primeira pergunta estabelecida (quando foram os picos de
pesquisa sobre a fake news “fraude nas urnas” durante a campanha eleitoral de 2022?), podemos
determinar após análise da Figura 1 uma significativa busca por Fraude nas Urnas 14 vezes
durante a campanha eleitoral de 2022, sendo seu maior pico de pesquisa em 18 de setembro.
Após uma breve busca no Google pelos termos “Bolsonaro questiona urnas eletrônicas”, foi
possível observar que a data de maior pico dos termos coincide com o período que o presidente
estava em Londres, para o funeral da rainha Elizabeth II.
Pode-se levantar duas teorias acerca das causas por trás da alta repercussão desse dia
em específico; a primeira, seria uma maior agressividade e ênfase do discurso contra as urnas
por parte de Bolsonaro; a segunda, o holofote que o funeral da monarca britânica proporcionou
ao presidente e as repercussões, nacionais e internacionais, da visita do presidenciável a
Londres. Mesmo que possa haver uma interseção entre estas duas prováveis razões, há uma
probabilidade maior da segunda ser mais relevante nesse cenário. Uma breve busca no Google
Trends confirma essa suposição, visto que a procura por termos como “Bolsonaro Londres” e
“Bolsonaro rainha” cresceu significativamente entre os dias 17 e 21 de setembro, o que
evidencia a atenção em volta do presidente.

4.2 Buzzsumo

O Buzzsumo é uma importante ferramenta online que permite a qualquer usuário


descobrir qual conteúdo é popular por tópico ou em qualquer site. Logo após a nossa análise no
Google Trends, analisamos o mesmo termo - fraude nas urnas - na ferramenta de análise
Buzzsumo para ponderar o alcance desse conteúdo no Facebook e no Twitter.
Durante os 57 dias entre o começo da campanha eleitoral até o último dia antes do
primeiro turno das eleições gerais de 2022 o Buzzsumo analisou um total de 2 680 artigos em
diversos sites que geraram um total de 182 257 engajamentos. Sendo assim, respondido a
segunda pergunta estabelecida por esse trabalho de pesquisa (Qual o engajamento dessas
notícias falsas na internet?).

Figura 2
Relatório de análise Buzzsumo

Fonte: Reprodução/Buzzsumo

O mês com maior número de engajamentos foi setembro, com um total de 1 647 artigos
analisados que geraram 62 286 engajamentos como podemos ver na Figura 3. Vale destacar
que o mês de outubro não contemplou todos artigos publicados, visto que o período de análise
dessa pesquisa compreende apenas as datas de 5 de agosto até 1º de outubro.
Figura 3
Relação entre engajamento e artigos publicados analisados
pelo Buzzsumo durante os meses de agosto, setembro e outubro

Fonte: Reprodução/Buzzsumo

Abaixo, na Tabela 1 exploramos onze principais artigos com o maior número de


engajamentos analisados pelo Buzzsumo.

Quadro 1
Principais artigos analisados pelo Buzzsumo classificados
a partir do total de engajamento
Fonte: Elaborado pelos autores através de dados obtidos pela plataforma Buzzsumo

Após análise quantitativa e qualitativa em ambas ferramentas de pesquisa de tendência,


foi possível identificar um grande número de artigos de fontes confiáveis, principalmente de
grandes veículos como G1, O Globo, UOL, Veja e R7. É possível relacionar tal número devido
a uma frente contra fake news anunciada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) através da
portaria N° 318/2022 que criou a Frente Nacional de Enfrentamento à Desinformação -
FRENTE.
Os meios de comunicação tradicionais tiveram uma alta significativa em artigos que
debatiam o tema da suposta fraude nas urnas eletrônicas. Tais textos, em sua maioria, tinham a
clara posição de defesas das urnas enquanto aparelho democrático.
No entanto, nos canais de Youtube “Jovem Pan” e “Podcast Flow” é possível observar
uma tendência mais voltada para a amenização da fake news. Com isso, podemos citar que não
há uma voz ativa que declare a fraude nas urnas como uma mentira comprovada, mas sim como
uma hipótese levantada, sem maiores informações que a desmintam.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após essa pesquisa, foi possível contra-argumentar a concepção de que quem pesquisa
tais termos, como “fraudes nas urnas”, em mecanismos de pesquisa, de fato acessem somente
informações inverídicas. Em diversas páginas da web, encontradas inclusive nos primeiros
resultados dos motores de busca, foram localizados uma grande variedade de dados que
desmentiram a fake news.
Contudo, apesar de aparentar ser um cenário positivo, isso não se reflete
necessariamente em como as pessoas absorveram os esclarecimentos recebidos. De fato, não
há uma precisão de dados que possam avaliar quantas pessoas tiveram acesso a informações
bem embasadas e mesmo assim preferiram acreditar na palavra do presidente.
Neste sentido, é importante ressaltar que Jair Bolsonaro (PL) ocupa um cargo de
destaque dentro do cenário político mundial. Assim, há uma expectativa de que as falas
proferidas pelo mesmo tenham uma certa veracidade.
Portanto, há uma certa compreensão sobre o porquê pessoas com acesso a informações
online ainda assim optarem por acreditar e propagar a fake news relacionada às urnas
eletrônicas.
Ainda há a questão de pessoas que só acessam informações por meio de redes sociais,
como o Facebook e o Twitter, que por terem um caráter mais pessoal que o Google, tendem a
ter menos pluralidade de ideias e uma menor probabilidade de que haja argumentos contrários
à ideia compartilhada.
Logo, quando uma fake news é compartilhada em mídias sociais como o Facebook e o
Twitter, a probabilidade de alguém receber informações que contrariem o post é bem menor.
Esclarecemos que, mesmo com a coleta referente a 57 dias, o trabalho estabeleceu um
recorte para a análise, focando nos 26 dias que separaram o início da campanha eleitoral para o
2° turno (03 de outubro) até o último dia antes da votação (29 de outubro).
Portanto, esperamos que essa análise sirva de ponto de partida para outras que possam
complementar ou aprofundar esse trabalho.

REFERÊNCIAS

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15, ed. 28, 17 jun. 2020. DOI https://doi.org/10.4000/cp.7438. Disponível em:
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MENESES, J. P. Sobre a necessidade de conceptualizar o fenómeno das fake news.


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ROCHA, Camila. 'Menos Marx, mais Mises': uma gênese da nova direita brasileira (2006-
2018). 2018. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.
Capítulo 15

Lives do Bolsonaro às quintas-feiras no Facebook:


Comunicação Governamental ou Campanha Permanente?

Mariana Eduarda Agreste Silva (UFSJ)


Luiz Ademir de Oliveira (UFSJ/UFJF)

RESUMO: O artigo traz um estudo das estratégias midiáticas e políticas acionadas pelo atual
Presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). Parte-se da hipótese de que o ator político faz
uso das mídias digitais para ganhar visibilidade e manter o apoio popular como estratégia de
campanha permanente, ou seja, focar na utilização de estratégias antecipadas em relação ao
período eleitoral visando um próximo pleito. O artigo traz uma discussão acerca da relação
entre populismo digital, crise de representação e redes sociais e as concepções de campanha
permanente e campanha eleitoral (CESARINO, 2019; MANIN, 2013; MARTINS, 2020). São
investigadas as lives transmitidas no Facebook às quintas-feiras a fim de analisar as ações do
governante e candidato à reeleição frente aos conceitos da Campanha Permanente, tomando
como recorte as seguintes datas – 07, 14, 21 e 28 de outubro de 2021.

Palavras-chave: Política. Comunicação. Campanha Permanente. Comunicação


Governamental. Redes Sociais.

1. INTRODUÇÃO

No dia 14 de outubro de 2021, o presidente Jair Bolsonaro (PL) aproveitou a sua live da
semana no Facebook, que é divulgada pela mesma rede social e tem ampla repercussão junto
aos seus seguidores e à imprensa, para atacar o trabalho jornalístico e gerar grandes polêmicas.
Em sua fala, o presidente também criticou o Movimento dos Sem-Terra, o projeto que viabiliza
a distribuição gratuita de absorventes para mulheres de baixa renda, a não-obrigatoriedade do
passaporte da vacina, a economia do país e fez comentários sobre algumas notícias que
circularam na semana sobre ele, que, na sua visão, eram todas fake news.
Desde que foi candidato em 2018, Jair Bolsonaro tem utilizado as redes sociais como
seus principais canais de contato com o eleitorado. Mesmo depois de se tornar presidente,
recusou-se a utilizar os meios de comunicação tradicionais (rádio, TV, jornais), além de se
recusar a conceder entrevistas coletivas à imprensa, o que tradicionalmente todos os chefes de
Estado em países democráticos fazem rotineiramente, pelo menos com uma frequência regular.
Por meio das lives, anunciou os seus ministros, têm criado suas polêmicas, falado sobre as
medidas do seu governo preferencialmente via Twitter e se recusa a atender à grande imprensa.
Ademais, tem criado atritos com os maiores veículos da mídia, como Globo e Folha de São
Paulo.
É notório que o presidente repudia o trabalho da imprensa no Brasil e evita ao máximo
ter contato. Conforme ele aponta, o jornalismo brasileiro é um jornalismo “podre” que serve
apenas para disseminar o ódio entre a população e sente vergonha pelos jornalistas. No dia 21
de junho de 2021, o presidente explodiu e mandou um jornalista da TV Globo calar a boca ao
ser questionado de o porquê não estar usando máscara. Ainda reiterou que a emissora é uma
“merda” e não ajudam em nada.
Além disso, uma das críticas que têm sido feitas ao presidente é a sua postura excêntrica
e polêmica, especialmente, junto aos seus fiéis seguidores. Mantém a mesma postura de
candidato, mesmo sendo presidente. Mistura os papéis, mesmo quando ainda estava no início
do seu governo. Em 2022, já como candidato à reeleição, em que teve uma disputa acirrada
com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no primeiro e no segundo turno,
aproximou-se do Centrão em busca de força política no Congresso. O Centrão é um bloco de
deputados criado em 1987 durante a Constituinte com um perfil bem pragmático e fisiológico.
Visa a obter ganhos, como cargos, favorecimentos em troca de apoio político. Atua desde,
então, pressionando os governos e tem sido o fiel da balança para garantir a governabilidade.
Foi decisivo tanto para o sucesso como para o fracasso dos governos Collor, Itamar Franco,
Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e agora Jair Bolsonaro.
Collor e Dilma, ao perderem apoio do Centrão, acabaram sofrendo impeachment. Hoje,
Bolsonaro, depois de muitas críticas aos chamados políticos tradicionais, rendeu-se a este
grupo. O bloco é composto hoje por vários partidos - PP (40 deputados), PL (39), Republicanos
(31), Solidariedade (14) e PTB (12). O PSD (36), o MDB (34) e o DEM (28) também costumam
estar alinhados com o grupo, assim como partidos menores, incluindo PROS (10), PSC (9),
Avante (7) e Patriota (6).42 Na eleição de 2022, manteve a sua força, com a eleição de 99

42https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/29/entenda-o-que-e-o-centrao-bloco-na-camara-do-qual-

bolsonaro-tenta-se-aproximar.ghtml. Acesso em 10 de novembro de 2021.


deputados no PL, 57 no União Brasil (junção entre DEM e PSL), 47 do Republicanos e 42 do
PSD. Mantém uma bancada de cerca de 250 deputados federais.
Em novembro de 2021, depois de ter passado por 7 partidos políticos ao longo de seus
quase 30 anos de carreira política como deputado federal e presidente, filiou-se ao Partido
Liberal (PL - 22), depois de ter negociado junto ao Patriotas (51) e ao Partido Progressistas (PP
– 11). Bolsonaro iniciou a carreira política pelo Partido Democrata Cristão em 1988 como
vereador. Em 1990, candidatou-se a deputado federal, cargo que se reelegeu sete vezes. Em
1993, filiou-se ao PPR (1993-1995), que depois se transformou em PPB (1995-2003). Em 2003,
migrou para o PTB onde ficou até 2005. Em 2005, filiou-se ao Partido Progressista (PP), partido
que se manteve até 2016. Em 2016, mudou-se para o Partido Social Cristão (PSC), ficando
somente até 2017. Chegou a cogitar a filiação ao então PEN, mas acabou migrando para o
Partido Social Liberal (PSL), no qual se candidatou à Presidência da República. Eleito pelo
PSL, ainda em 2019, teve embates com o presidente do partido, Luciano Bivar, depois de
denúncias de laranjas na campanha. Está sem partido desde então. Tentou fundar o partido
Aliança pelo Brasil, com o sugestivo número 38, mas sem êxito. Como precisa ter uma sigla
até março de 2022 e também uma rede de apoiadores nos Estados, deve se filiar até o fim do
ano no PL. Na eleição de 2022, polarizou a disputa com Lula, numa dos pleitos mais
concorridos desde 1989.
Diante de tais questões, o artigo suscita debates tanto do campo da Ciência Política
como do campo da Comunicação. Por um lado, tem-se uma crise de representação política,
intensificada, no caso do Brasil, pelo declínio da confiança nas instituições políticas, como nos
partidos políticos. Manin (2013) afirma que estamos vivenciando a democracia de público em
que há uma ênfase nos líderes personalistas. Cesarino (2019), no entanto, trabalha com a ideia
de que quando há um esvaziamento da confiança nas instituições abre-se espaço para o
surgimento de líderes populistas, como tem ocorrido com líderes de extrema direita, como
Donald Trump, em 2016, nos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, no Brasil, em 2018. Isso
também abre um debate sobre o populismo digital, tendo em vista que estes líderes atuam,
principalmente, nas redes digitais, como é o caso de Bolsonaro que tem uma estratégia de
atuação tanto no Twitter, como em outras plataformas digitais.
A proposta do artigo, então, é analisar as lives do Bolsonaro a fim de verificar como ele
se posiciona nesta linha tênue entre presidente e candidato à reeleição, a partir dos conceitos de
Campanha Permanente e Populismo Digital. Pretende-se verificar de que forma ele ataca as
instituições e procura construir a imagem de líder populista.
2. CRISE DE REPRESENTAÇÃO E DEMOCRACIA DE PÚBLICO

Num primeiro momento, faz-se necessária a discussão sobre o termo representação.


Hanna Fenichel Pitkin, filósofa e cientista política, aponta que é uma tarefa altamente difícil
pela complexidade da expressão. No início da história, a palavra nada tinha a ver com política.
Somente em 1651, quando Hobbes publicou o Leviathan, é que estava inserida a primeira ideia
de representação na teoria política. Para ele, “um representante é alguém que recebe autoridade
para agir por outro, quem fica então vinculado pela ação do representante como se tivesse sido
a sua própria. A representação pode ser ‘limitada’ [...] ou ‘ilimitada’” (PITKIN, 2006, p. 28).

Diz-se que uma República (Commonwealth) se instituiu quando uma


multidão de homens concorda e pactua, cada um com o outro, que
determinado homem, ou assembleia de homens, deve receber da
maior parte o direito de apresentar a pessoa de todos eles, isto é, de
ser seu representante; todos [...] devem autorizar todas as ações e
julgamentos daquele homem, ou assembleia de homens, como se
fossem seus próprios (HOBBES, 1839-1845, v. III, p. 159-160 apud
PITKIN, 2006, p. 29).

Segundo a definição de Hobbes, o representante, ao ser autorizado, adquire novos


direitos e poderes, enquanto que o representado adquire novas obrigações. Ele acredita que,
nessa atividade de representar, o soberano fará sempre o que os representantes esperam que ele
faça, e não apenas o que lhe satisfaz (PITKIN, 2006).
Diante da considerável expansão do termo (grandes revoluções democráticas, lutas
políticas e institucionais) surgiu uma nova discussão: “polêmica sobre mandato e
independência”. Nesse sentido, o representante tem autoridade para fazer o que acha melhor ou
o que os eleitores querem que ele faça? Edmund Burke é o teórico mais famoso que defende a
independência do representante. Coimbra (2018), apoiada nas ideias de Burke, afirma que o
parlamentar, ao atuar como representante de uma nação, assume uma relação que não se
encontra restrita apenas ao eleitorado, mas sim com um a nação, a qual ele representa, e não
somente com os que o elegeram.
Depois de ser discutida a evolução do termo representação no campo da política, torna-
se necessário traçar o panorama da realidade brasileira e verificar se a democracia
representativa está ou não em crise. Pellenz e Bastiani (2015) apud Coimbra (2018)
argumentam que estamos vivendo uma crise no modelo representativo proposto pela
Constituição Federal. Conforme aponta Coimbra (2018), diante de um ambiente democrático,
o povo tem sua vontade respeitada por meio de representantes democraticamente eleitos. Estes,
por sua vez, legislam em nome daqueles que lhes confiaram tal tarefa. O povo, por sua vez,
consente que eles exerçam tal função política quando participam, por meio do voto, no processo
eleitoral. Esse modelo foi amadurecendo com o passar dos anos. No entanto, recentemente,
começaram a surgir questionamentos frequentes que dão conta do descrédito com as instituições
democráticas, com os representantes eleitos e com a revelação dos interesses pessoais em
conflito com o jogo político e coletivo.
Segundo Pellenz e Bastiani (2015), há um desequilíbrio na democracia representativa,
porque os cidadãos encontram-se cada vez mais distantes do ideal democrático. Isso enfraquece
o processo eleitoral por diversas razões, inclusive porque os indivíduos estão inseguros com os
candidatos representantes aos cargos políticos e não se identificam com eles. Geralmente, os
eleitores afirmam não se sentirem representados, o que contribui para o agravamento de uma
crise institucional, que coloca em risco os pilares do Estado Democrático de Direito.
Assim, os representantes parecem não representar quem os elegeu e o povo parece não
se sentir representado por quem está no poder, configurando-se em um problema. Para Baquero
e Vasconcelos (2013) apud Coimbra (2018), um sistema democrático representativo é aquele
que se configura mediante um contrato envolvendo os cidadãos e os líderes políticos eleitos por
eles. Assim, funciona como um contrato social, ou seja, o povo apoia e vota naqueles que,
segundo ele, oferecem determinados benefícios, enquanto os líderes políticos tentam se
encaixar dentro das exigências.
Para os autores, o debate atual não se concentra no fato de a democracia existir ou não,
mas está relacionado a que tipo de democracia é necessário para que haja um processo de
mediação política eficiente e legítimo diante da população, em que exista representação que
leve em conta não aspectos pessoais do político, mas o bem-estar da população como um todo.
Se esse processo de mediação entre Estados e sociedade não funcionar da forma como deveria
ocorrer, pode-se dizer que há um problema de crise de representação.
Castells (2001) revela que, se analisarem as democracias ocidentais consolidadas, nota-
se, por meio de seus últimos processos eleitorais, uma diminuição expressiva na participação
da população. Para o autor, a democracia está, de fato, em crise. As transformações culturais e
tecnológicas do exercício da democracia fizeram do sistema partidário instituições obsoletas.
Coimbra (2018) aponta como resultados a volatilidade eleitoral, o desaparecimento de partidos
políticos e a ascensão da mídia como instância decisiva nos processos eleitorais. Ao que tudo
indica, existe uma crise de legitimidade, na qual tudo parece indicar o decrescente voto nos
partidos.
Para Manin (1995), o que muitos pesquisadores chamam de crise da democracia trata-
se da deterioração das relações de identificação entre representantes e representados, em que se
tem a estruturação de um novo modelo político. Durante décadas, a representação parecia estar
fundamentada em uma forte e estável relação de confiança entre o eleitorado e os partidos
políticos. Hoje, porém, o eleitorado tende a votar de modo diferente de uma eleição para a outra
e pesquisas identificam que os eleitores já não mais se identificam com partido algum. Acontece
que, a estratégia eleitoral dos candidatos se baseia na construção de imagens vagas que projetam
a personalidades desses líderes.
Manin (1995) defende que há três tipos-ideias de governo representativo, sendo estes:
(a) Democracia Parlamentar: o governo dos notáveis. Nesse tipo de democracia, os candidatos
vitoriosos eram pessoas que inspiravam confiança nos eleitores, em virtude de uma rede de
relações locais, (b) Democracia de Partido: nessa forma de governo representativo, o povo vota
em um partido e não em uma pessoa, e, (c) Democracia do Público: a personalidade dos
candidatos parece ser um fator essencial na escolha do voto.
Pellenz e Bastiani (2015) apud Coimbra (2018) seguem a mesma linha de raciocínio ao
dizerem que é preciso haver uma identificação entre aquele que ocupa o papel de representante
e aqueles que é verdadeiramente o dono do poder: o povo. Entretanto, o que se constata é que
o atual cenário político tem provocado um distanciamento entre os sujeitos e as instituições, o
que tem levado as pessoas ao desinteresse pelo exercício da cidadania e pela participação
política.

3. POPULISMO DIGITAL E REDES SOCIAIS

Cesarino (2019) cita que os principais eixos metalinguísticos a comporem os padrões


da memética bolsonaristas refletiram ao que Laclau chama de Eixo da Diferença (traça uma
divisão antagonística entre amigo versus inimigo) e Eixo da Equivalência (traça uma
contiguidade entre líder e “povo”) (Cesarino, 2019). A autora ainda identificou outras funções
discursivas que podem ser associadas a outras áreas do conhecimento, como Marketing e
Estratégia Militar. Dentre elas estão: mobilização permanente através de conteúdos alarmistas
e conspiratórios; espelho invertido do inimigo e devolução de acusações; e, criação de um canal
direto e exclusivo de comunicação entre a liderança e seu público através da deslegitimação de
instâncias de produção de conhecimento autorizado na esfera pública (academia e a imprensa
profissional).
Para Cesarino (2019), o Populismo Digital varia de acordo com as mediações do digital.
Após a fatídica facada que atingiu Bolsonaro em Juiz de Fora no ano de 2018, o corpo do
presidente foi retirado da esfera pública e seu corpo foi substituído por um corpo digital
formado por seus apoiadores, que passaram a fazer campanha no seu lugar. A questão é que a
eficácia de tal remoção foi clara: imediatamente depois da facada, o candidato saiu da marca
dos 20% e atingiu 56 milhões de votos que lhe garantiriam a vitória. Estudiosos do populismo
vêm argumentando que contextos de crise e desordem são pré-requisitos essenciais para que
uma irrupção populista seja bem-sucedida (2005). Isso acontece porque a liderança carismática
passa a ideia de que o homem reivindica a pureza necessária para reintroduzir a ordem em um
sistema irreversivelmente corrompido.
Hoje, mesmo diante de um governo marcado por controvérsias, polêmicas, escândalos,
Bolsonaro manteve o seu público fiel. Chegou ao final do primeiro turno com 43,2% dos votos,
ficando poucos pontos atrás de Lula (48,6%). No segundo turno, houve uma disputa muito
acirrada, mostrando que, de fato, o populismo de Bolsonaro mantém-se forte e com vínculos
com grupos muito bem organizados nas redes sociais. Lula venceu com uma margem de apenas
1,8% (2 milhões de votos – 50,9% contra 49,1% de Bolsonaro), na eleição mais disputada desde
a redemocratização.
As mídias sociais propiciam ao que Mazarella (1979) e outros pesquisadores
consideram como sendo o cerne do populismo: um tipo de mediação que produz efeito
paradoxal de ausência de mediação (no caso, entre líder e povo). Esse efeito é bastante claro
quando se observa a expectativa comum entre apoiadores do atual presidente, de que seja
possível acessá-lo diretamente. Desse modo, com sorte, uma mensagem no Twitter pode
viralizar a ponto de chegar nas redes sociais de Jair Bolsonaro. “Compartilhe até chegar no
presidente”. O presidente toma todo o cuidado de alimentar regularmente essas expectativas,
por exemplo, ao tuitar que uma medida x foi tomada após ouvir pessoalmente pedidos de
eleitores em suas redes sociais.
Depois de expostas as características do Populismo Digital, é preciso tratar do campo
midiático. Para Rodrigues (2001), todos os campos sociais, seja de política, da mídia, da religião
ou da economia, coexistem entre si. “Desta composição dos processos e das funções entre os
diferentes campos sociais resultam reflexos que se projetam em cada um dos campos e os
atravessam” (RODRIGUES, 2001, p. 49). Sendo assim, o autor reitera que a força de um campo
político advém da capacidade que ele possui de conseguir impor aos outros campos os seus
valores e também quanto maior for o número de campos que ele conseguir projetá-los.
Nas questões que envolvem o campo midiático, Rodrigues (2001) faz importantes
afirmações. Para ele, esse campo exerce, hoje, o papel de mediador social. Ele dá visibilidade
a todos os outros campos sociais, seja ele a política, a religião, a ciência, a arte etc., e também
a um grande universo de indivíduos. E, além de dar visibilidade, também contribui no processo
de nortear a sociedade e dar sentido ao mundo por meio de sua prática.
Mas nem sempre foi assim. Nos séculos passados, o campo religioso é quem dava conta
e era o principal responsável por explicar muitas das coisas, como a origem e a criação do
homem. Porém, com a modernidade, o homem começou a buscar uma outra explicação para o
fenômeno, baseada na razão, rompendo com as noções divinas. A este processo, o autor chama
de “Secularização dos Ritos Sociais”.
Segundo Coimbra (2018), esse momento ganhou força quando o homem se
“desencantou” com a realidade e passou a buscar respostas na razão humana para entender sua
própria existência e a relação com o mundo. Esse sujeito assume uma nova identidade, a de
produtor de discurso e de ação, e vê na mídia um novo espaço, capaz de substituir a religião na
tarefa de dar respostas ao que acontece no mundo. Nesse sentido, segundo Rodrigues (2001),
os meios de comunicação tornaram-se veículos formadores de opinião pública. Para ele, o
espaço público, então acabou se tornando um espaço privado. A mídia apoderou-se da atividade
de mediadora social e passou a organizar os espetáculos. O público deixou de ser sujeito
formador de opinião e se tornou um objeto na mira dos discursos da mídia. Quem antes era
produtor de discurso, passou, com a mídia, a ser consumidor de produtos discursivos. Como
consequência, a mídia ganhou legitimidade e substituiu a opinião pública tradicional. Ela então
passou a organizar os discursos, unificá-los e a tratar como verdade aquilo que ela produzia e
dizia.
Dessa maneira, conforme aponta Rodrigues (2001), o campo midiático transformou-se
em uma instituição que abriga todos os campos sociais, sendo a função do primeiro mediar os
outros campos que recorrem a ela. Por exemplo, a política não se faz entendida por todas se
estiver no seu espaço. A partir do momento que ela recorre a mídia, passa a fazer sentido e
existir para as pessoas que não têm domínio sobre tal assunto. Isso vale para qualquer outro
campo social.
A respeito dos discursos do campo do media, Rodrigues (2001) explica que eles
apresentam duas funções comunicacionais: (a) função referencial: consiste em dar conta de
todos os acontecimentos que ocorrem no mundo e localizar o sujeito dentro do caos social, e a
(b) função fática: consiste na mudança do contato com o público. Ainda, o autor afirma que há
dois tipos de discursos: (a) discursos esotéricos: discurso institucional que é transformado para
que ser entendido por todos, até mesmo para aqueles que não têm domínio algum sobre o
assunto, e (b) discursos esotéricos: trata-se dos discursos proferidos dentro dos seus campos
sociais, que são próprios do entendimento deles.
Rodrigues (2001) ainda esclarece funções estratégicas para composição dos discursos
midiáticos: (1) naturalização: naturalizar o recorte arbitrário da multiplicidade de domínios da
experiência realizado na modernidade; (2) reforço: o discurso midiático reforça, confere
visibilidade e também dá legitimidade, mantendo presentes alguns discursos no imaginário
social; (3) compatibilização: o discurso midiático desempenha um papel significativo de
compatibilizar proposições contraditórias; (4) exacerbação dos diferendos: exacerbar as
diferenças; e por último, (5) visibilidade: dar visibilidade pública às outras instituições.
As relações entre campo e política também são explicitadas por Rodrigues (2001).
Segundo o autor, o campo midiático, aos poucos, foi deixando de ser instrumento de
informação, para ser também um espaço de encenações e entretenimento. Ele funciona como
instrumento de visibilidade para os acontecimentos políticos, e estes, por sua vez, são obrigados
a se adaptar à lógica do campo dos media.
Outro ponto que merece destaque nesta discussão envolvendo a sociedade, a
comunicação e a modernidade é o processo de midiatização presente na contemporaneidade.
Segundo Sgorla (2009) apud Coimbra (2018), o processo de midiatização surgiu do processo
de globalização somado ao desenvolvimento tecnológico e sua convergência. Ele alterou as
práticas e as relações dos atores sociais individuais e coletivos na modernidade. O autor explica
que uma sociedade em vias de midiatização é aquela onde o funcionamento das instituições,
das práticas, dos conflitos, das culturas, começa a estruturar-se em relações direta com a
existência das mídias. Ou seja, a lógica do sistema midiático é quem ordena e orquestra a vida
em sociedade. Nesse sentido, é possível afirmar que a midiatização alterou e modificou a
sociedade contemporânea.
Sgorla (2009) também se preocupa em examinar os discursos dos campos sociais no
processo de midiatização. Para o autor, esses campos se viram obrigados a redesenhar sua
estrutura, bem como sua gramática e suas estratégias de acordo com as características
midiáticas. E, nem mesmo o espaço midiático foge das transformações em função da
midiatização. Uma dessas mudanças é a ampliação das estratégias de interação com o público,
que modificaram os modelos teóricos da comunicação. Um exemplo claro dessa mudança é a
percepção envolvendo o emissor e o receptor. Atualmente, o internauta também pode assumir
características de produtor.
Segundo Coimbra (2018), a partir dessa movimentação dos atores e dos campos sociais
ao encontro das tecnologias midiáticas, é possível observar como se dá a reformulação e a
reordenação dessa sociedade e de suas práticas, que passaram a estar mergulhadas em novos
sentidos e novas significações, reconfigurando, assim, um novo modo de ser e estar no mundo,
condicionados a uma nova forma de existir e agir socialmente.
Para Hjarvard (2012), também estudioso da compreensão da mídia como agente de
mudança cultural, explica que a mídia se permeou de tal maneira na vida das pessoas que não
se pode compreendê-la como algo separado das instituições culturais e sociais. Já para
Thompson (1998), o processo de midiatização é um fenômeno que está intrínseco ao processo
de desenvolvimento da sociedade moderna. Ou seja, ele acredita que a midiatização sempre
acompanhou a atividade humana.
Hjarvard (2012) ressalta que a principal característica concebida a midiatização é que
ela possibilita a expansão das oportunidades para a interação em ambientes e espaços virtuais,
que vão trazer, portanto, diferentes percepções do real. Segundo Coimbra (2018), no campo da
política, por exemplo, a interação mediada é responsável por permitir que os políticos e os
eleitores tenham contato um com outro e também com as suas ideias sem a necessidade de
dividir o mesmo espaço geográfico além do fato que lhe permite alcançar um número maior de
pessoas e estabelecer uma relação de contato mediada. Os programas do Horário Gratuito de
Programa Eleitoral e os debates políticos são exemplos de ferramentas de interação que são
apresentadas nas mídias e encurtam os espaços entre políticos e eleitores.

4. CAMPANHA PERMANENTE E CAMPANHA ELEITORAL

Na contemporaneidade, Martins (2020) explica que a Comunicação e a Política são


campos cada vez mais próximos. Segundo a autora, a mídia modificou o modo tradicional da
política, surgindo novas formas de sociabilidade, decorrentes do processo de globalização, da
mundialização da cultura e da emergência das tecnologias digitais. A relação entre mídia e
política se faz cada vez mais presente em uma sociedade midiatizada e, na mistura entre os dois
campos, a espetacularização se encontra cada vez mais presente, os atores políticos, ao se
adaptarem ao campo midiático, recorrem a mecanismos lúdicos, emocionais e personalistas
para conquistarem e se manterem no poder constantemente.
Nesse ambiente complexo, a relação entre mídia e política acontece ininterruptamente,
uma vez que nas democracias liberais o poder deve ser conquistado diariamente. Assim, pode-
se dizer que, nas disputas políticas, os discursos já começam a ser construídos e desconstruídos
antes do período eleitoral. Chama-se esse processo de Campanha Permanente (LILLEKER,
2007; BLUMENTHAL, 1980). O conceito de campanha permanente, de acordo com Darren G.
Lilleker (2007) apud Martins (2020, refere-se ao uso dos recursos disponíveis no trabalho por
parte dos indivíduos e organizações eleitas -governos, partido do governo, membros do
parlamento, congressistas ou outros representantes- a fim de se constituir e manter apoio
popular.
Em primeiro momento, deve-se salientar que há distinções entre Campanha e
Comunicação Governamental. Conforme Martins (2020), por um lado, a campanha eleitoral
tem por objetivo central arrecadar votos, conquistar o eleitorado, para que um determinado
candidato atinja seu objetivo principal, a vitória. Por outro, a comunicação governamental tem
por intuito informar e dialogar com os cidadãos, além de prestar contas da administração
pública. No entanto, é preciso reconhecer que a partir dos estudos de campanha permanente,
que há uma confluência entre comunicação eleitoral e governamental. Sendo assim, as técnicas
utilizadas na comunicação eleitoral dos candidatos vitoriosos são as mesmas utilizadas na
comunicação governamental do mandato, uma vez que se faz necessário obter apoio popular
durante um mandato para projetar uma próxima vitória. Sendo assim, torna-se possível observar
como a comunicação eleitoral usa elementos da comunicação governamental e vice-versa,
caracterizando o fenômeno da campanha permanente.
Martins (2020) afirma que os gastos usados nas campanhas eleitorais, seja nas disputas
para cargos majoritários como proporcionais, são exorbitantes e exigem um grande
investimento por parte dos candidatos e quem está no poder investe intensamente para manter
uma boa imagem pública. Dessa maneira, consultores políticos e de comunicação recorrem a
especialistas de marketing político, consultores políticos e de comunicação na tentativa de
manter o poder e ter um controle constante sobre o eleitor, mesmo sabendo que a política é uma
esfera imprevisível e que inúmeras variáveis podem interferir no processo eleitoral. Nesse
processo, questiona-se quando começa a campanha e quando deveria começar a fazer
campanha. Noguera (2001) apud Martins (2020) explica que a campanha permanente não tem
um momento exato para começar, uma vez que ela é constante e está sempre presente.
Ao discutir comunicação e marketing, Noguera (2001) apud Martins (2020) afirma que
o marketing político utiliza pelo menos três situações diferentes. Segundo o autor, em primeiro
lugar se tem o marketing de campanha, aquele que é praticado quando se está buscando o poder.
Alcançada a vitória eleitoral, tem-se o marketing de governo, em que a comunicação
acompanha uma fase arquitetônica do exercício do poder e a implementação de uma agenda. O
autor ressalta o marketing de oposição, facilmente identificado quando a campanha atinge sua
etapa final.

5. ESTUDO DE CASO: AS LIVES DO PRESIDENTE ÀS QUINTAS-FEIRAS

No que segue, será feita uma análise das lives realizadas no mês de outubro às quintas-
feiras, às 19 horas, pelo Facebook, transmitidas no perfil do presidente da república, Jair
Bolsonaro. Na primeira quinta-feira, dia 07 de outubro de 2021, Jair Bolsonaro, na live “Pingo
nos is”, tratou de questões sobre a pandemia e a crise econômica, destacando que o problema
não se restringe apenas ao Brasil. O pronunciamento, que contou com uma tradutora de libras,
durou cerca de 1 hora. Durante 42 minutos, somente o presidente falou até que chamou o
ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, para explicar sobre a portaria de criação de
rede de insumos para a agricultura. Bolsonaro subestimou a orientação da Organização Mundial
da Saúde (OMS) de ficar em casa e afirmou que “isso é uma guerra e a gente precisa enfrentar
o vírus... fica em casa, a economia te vê depois”. Novamente utilizou o discurso negacionista
para criticar a imprensa. Para o presidente, o isolamento social agravou o problema econômico,
gerou um problema educacional com as crianças fora da escola e trouxe mais desemprego. Para
comprovar o argumento, leu algumas notícias de outros países divulgadas pela imprensa
comparando com a situação brasileira e mostrou que não tem culpa de a economia estar assim,
que sempre defendeu o comércio aberto. Não quis comentar sobre a vacinação para evitar
problemas e esclareceu que é uma atitude voluntária ser vacinado.
Na segunda quinta do mês, dia 14 de outubro de 2021, que durou 34 minutos, o
presidente comentou sobre as notícias Fake News que saíram sobre ele e contou a versão
“verdadeira” da história. Criticou o projeto que viabiliza a distribuição gratuita de absorventes
para mulheres de baixa renda, a não-obrigatoriedade de se vacinar e o absurdo de que alguns
lugares precisam ter o passaporte da vacina, ressaltou a eficácia de se tomar ivermectina contra
a Covid-19 e desmoralizou o medicamento criado pela AstraZeneca, fez críticas ao grupo do
Movimento dos Sem-Terra e aos manifestantes alegando que não sabem resolver questões
básicas de matemática. Fez comentários sobre a atitude de ficar em casa na pandemia que matou
milhões de brasileiros. No fim, ressaltou a importância de se informar de verdade.
Na terceira quinta do mês, dia 21 de outubro de 2021, Bolsonaro disse que relatórios
oficiais do governo do Reino Unido sugerem que as pessoas totalmente vacinadas podem
desenvolver a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Ele também alegou que as
vacinas não podem reduzir os riscos de contrair a covid-19 e que causam outras doenças
infecciosas. O presidente disse que não leria a matéria completa porque teria problemas com a
live e queria apenas dar informações. O comitê de HIV/Aids da Sociedade Brasileira de
Infectologia esclareceu que não se conhece nenhuma relação entre qualquer vacina com a
covid-19 e o desenvolvimento da aids, e ainda recomendou que as pessoas que vivem com a
doença devem ser completamente vacinadas contra a covid-19. Após repercussão do assunto, a
live foi removida de todas as redes sociais. Segundo o Facebook, a transmissão violou as
diretrizes contra a desinformação médica e o presidente ficou impedido de publicar novos
vídeos por uma semana.
Na quarta quinta do mês, dia 28 de outubro de 2021, de 18 minutos apenas, Bolsonaro
teve que viajar para Roma onde iria participar da cúpula do G20. O presidente receberia um
título honorário e foi acompanhado pelo Ministro da Economia Paulo Guedes e das Relações
Exteriores Carlos França. Devido a viagem, ele fez a tradicional live mais cedo. Entre os
assuntos comentados, está a polêmica que surgiu após falar sobre a relação entre a vacina e o
HIV. Também abordou sobre o aumento de empregos no país e o preço dos combustíveis.
Ademais, declara que é amigo e mantém contato com Donald Trump. Ele foi candidato à
presidência dos EUA e desde então faz análises sobre os governos mundiais. Em um desses
estudos, escreveu uma nota assumindo que o governo brasileiro foi um dos países que menos
sofreu com a economia.
A live da semana virou rotina no governo de Jair Bolsonaro e é exibida toda semana.
Foi uma maneira que encontrou para assumir o controle da comunicação e ainda aproveita as
transmissões para passar recados, ao fazer críticas aos adversários e rebatendo reportagens.
Como algo rotineiro, o presidente não deixa de fazê-la, até mesmo quando esteve internado
após uma cirurgia fez questão de fazer uma transmissão nem que seja por dois minutos. Uma
outra vez, foi feita dentro de um carro enquanto se dirigia ao Maracanã. Aos poucos, transmite
momentos do seu dia a dia, como quando cortou o cabelo, sua visita à Festa de Peão de Barretos,
conversas que teve com jornalistas quando entra e sai do Palácio da Alvorada.
Nessas lives, em geral, há convidados que são integrantes do governo. A decisão de
quem vai participar é do próprio presidente, assim como a palavra final das pautas. A respeito
das lives realizadas em outubro de 2021, aparentemente parecem acontecer em uma sala do
Palácio da Alvorada e contou com poucos participantes. Há apenas um intérprete de libras e o
Bolsonaro, exceto em uma, que apareceu o ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes,
no final do pronunciamento, para falar de uma portaria sobre imunizantes para a agricultura.
6. ANÁLISE DE CONTEÚDO DAS LIVES: CAMPANHA PERMANENTE,
PERSONALISMO E O ATAQUE COMO FORMA DE MINIMIZAR OS PROBLEMAS
DO PAÍS

6.1 Propaganda de governo e/ou campanha permanente para manter o contato com o
eleitor

Em primeiro lugar, deve-destacar a estratégia do presidente Jair Bolsonaro (sem partido)


de procurar “blindar” a sua imagem, negando a dar entrevistas à imprensa, conceder coletivas
e manter um posicionamento sempre hostil aos jornalistas de veículos considerados por ele
como opositores de seu governo, como do Grupo Folha e Globo, principalmente. Em vários
episódios, Bolsonaro ataca a imprensa e se coloca como vítima. Isso fica evidente em suas lives
semanais quando ele se refere à mídia. “Dispenso Folha, Globo, Estado de S. Paulo, essas
porcarias todas, dispenso. Não quero falar com vocês, não me interessa falar com vocês. Perdi
a paciência realmente. Quem não gostar de mim paciência. Querem um mentiroso delicado ou
uma pessoa mais grossa um pouco, eu e verdadeira?”, disse na live do dia 24 de junho do ano
de 2021.
Ao mesmo tempo, ao privilegiar as redes sociais e em especial as lives semanais,
Bolsonaro mantém contato direto e permanente, principalmente com os seus eleitores mais fiéis.
Conforme Martins (2000) explica, a campanha permanente é a confluência entre a comunicação
governamental e a comunicação eleitoral, utilizada como estratégia pelos políticos a longo
prazo, visando a manutenção e a conquista do poder.
No caso de Bolsonaro, ele criou um espaço em que tem total autonomia para falar dos
feitos do seu governo, responder às críticas que recebe dos adversários, da imprensa, passar a
sua versão dos fatos e fazer as promessas, mesclando o tempo todo a figura de presidente e de
candidato à reeleição. Quanto aos feitos de seu governo, Bolsonaro contou em live que o
Auxílio Emergencial foi o maior programa social do mundo para atender justamente aqueles
que foram atingidos pela política do “fica em casa” e “fecha tudo”. “O Governo Federal
manteve viva a economia do ano passado entre outras medidas que fez com que o país, assim
como o mundo todo estava previsto um PIB negativo, com exceção da China, os outros tiveram
PIB negativo. E o Brasil foi o quarto que menos decresceu. Então, obviamente, fruto de vários
programas do governo voltada para o emprego”, declara.
No caso de críticas que recebe de adversários, Bolsonaro usa as lives para rebater.
Durante a transmissão feita no dia 14 de outubro de 2021, o presidente ironizou o projeto que
garantiria a distribuição gratuita de absorventes para meninas e mulheres em situação de
vulnerabilidade social. “Se o Congresso derrubar o veto- estou torcendo para que derrube-, eu
vou arranjar absorvente. Porque não vai ser gratuito pessoal... eu não vou criar imposto para
suprir isso aí, nem majorar imposto. Eu vou tirar de algum lugar. Agora a imprensa vai bater
em mim ‘Bolsonaro cortou da Saúde, Educação’, mas não vai dizer onde foi. Vai ser para
atender a derrubada do veto dos absorventes”, disse em tom de deboche.
Bolsonaro também ataca de forma recorrente, seja a imprensa, sejam os adversários
políticos. Em um discurso na quarta-feira Lula disse que Bolsonaro era terraplanista. Para
rebater o petista, o presidente fez a live com um globo terrestre na mesa. “O carniça ontem falou
que eu deveria procurar o Marcos Pontes, que é nosso ministro da Ciência e Tecnologia, que
esteve no espaço, para ele dizer para mim que a Terra é redonda. Olha a qualidade do meu
ministro da Ciência e da Tecnologia e a qualidade dos ministros do presidiário para depois a
gente começar a discutir, disse. Em outra transmissão, ele se referiu ao governo do PT como
alvo de corrupção e impunidade. “Quem é que as pessoas querem eleito ano que vem? Preciso
falar o nome dela? Vocês sabem o que ela nos levou durante anos do governo de esquerda no
Brasil há pouco tempo. Queremos isso para o Brasil? O que eles querem é a volta da corrupção
e da impunidade”. Em uma outra, criticou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao
afirmar a possibilidade de votar no ex-presidente Lula em um eventual 2° turno contra a extrema
direita em 2022. “Cara de pau”, disse Bolsonaro.
Outra questão que chama atenção em suas lives são as promessas feitas pelo presidente.
Bolsonaro, de certa forma, deixa explícita já a postura de candidato à reeleição. Assim, o
governo articula uma abertura no orçamento para bancar o Auxílio Brasil, visto como prioritário
para a campanha da reeleição. “Teremos orçamento para aprovar esse Auxílio Brasil de 400
reais. Tem que ser algo que dê para o cara comprar os mantimentos”, afirmou. Ele também
anunciou que o país vai assistir mais um aumento nos combustíveis, “mas estão mais baratos
que lá fora”. Ele também confirma que oferecerá auxílio de 400 reais para 750 mil
caminhoneiros autônomos.

6.2 Temáticas das lives: o negacionismo científico sobre a pandemia e os ataques como
forma de minimizar os problemas econômicos e sociais brasileiros
Como forma de manter uma comunicação verdadeira e direta com o público, Jair
Bolsonaro aborda diversas temáticas em suas transmissões e deixa claro sua opinião sobre os
assuntos. Durante o governo Bolsonaro, o mundo transformou-se devido à pandemia da Covid-
19. Milhares de pessoas tiveram suas vidas interrompidas pela doença. Como forma de
amenizar tais efeitos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou para evitar
aglomerações, fechamento de comércios e escolas. Enquanto isso, o presidente do Brasil
alegava que a doença não existia e que o vírus tinha que ser combatido de outra maneira.
“Alguma coisa está errada. São Paulo que fechou praticamente tudo, e o número é muito maior
do que Minas Gerais, que não fechou quase nada”, afirmou. “Todo dia vendendo peixe, tem
que ficar em casa. Foco na OMS. Olha a OMS. Olha o vexame da OMS aí”, ironizou em uma
transmissão feita no dia 11 de junho do ano de 2020.
O tempo todo, Bolsonaro negou a existência da pandemia e propaga declarações falsas
em suas lives. Além de subestimar a eficácia das vacinas e das máscaras na prevenção contra a
covid-19, ele defendeu o chamado tratamento precoce baseado em medicamentos ineficazes,
como a cloroquina, mesmo a OMS falando que não funciona. “O ministro Queiroga tomou duas
doses da Coronavac e está infectado. Vivia de máscara e está infectado. Você pode atrasar, mas
dificilmente você vai evitar isso daí. É muito difícil evitar”, disse. Em outro momento, disse
que “Talvez eu tenha sido o único chefe de Estado do mundo a dar a cara a tapa nessa questão.
A decisão nem sempre agrada a todo mundo. Temos que decidir de que lado estamos, e não é
o lado do politicamente correto. Escolhi o lado certo. O lado da verdade sempre é o mais difícil”,
disse.
No que diz respeito à economia, Bolsonaro se esquiva das responsabilidades e joga a
culpa nos outros, sendo estes, principalmente, a imprensa e governadores. Para ele, os
problemas econômicos foram derivados da forma equivocada que a pandemia foi enfrentada
(sobretudo sobre orientação da OMS de priorizar o distanciamento social e o fechamento da
economia- comércio, turismo). Em uma live disse que “A política do ‘fica em casa’ é uma das
mais perversas da humanidade. Aqui no Brasil, todo mundo adotou. E olha que grande parte da
população pediu o lockdown. Eu tinha o poder para fechar o Brasil, mas não fechei um botequim
sequer”. “A política do ‘fique em casa que a economia a gente vê depois’ acabou e ‘depois’
chegou. A imprensa, que tanto apoiou o ‘fique em casa’, agora não apresenta opções de como
atender a esse milhões de desassistidos’.
Em decorrência da pandemia e das ações decretadas por governadores e prefeitos para
conter o avanço da pandemia da covid-19, Bolsonaro afirmou que “A fome vai tirar o pessoal
de casa, tá? Vamos ter problemas que a gente nunca espera ter. Teremos problemas sociais
gravíssimos”. Em outra disse que, “O povo não tem pé de galinha para comer mais. Agora eu
tenho falado: o caos vem aí”. Entretanto, o país já enfrentava estes problemas sociais, que foram
intensificados no governo de Bolsonaro. Nesse sentido, o presidente não conseguiu resolver a
situação do Brasil a respeito de políticas relacionadas à saúde, política social, educação e meio
ambiente. O desmatamento devido às queimadas na Amazônia cresceram, o número de
brasileiros trabalhando na informalidade subiu, congelamento de recursos do MEC
(cancelamento de bolsas de pesquisas), fome, desigualdade sociais, restrição do programa Mais
Médicos que deixou populações inteiras ao abandono na área da saúde.

6.3 Personalismo e teatralização da política: o palco em vale a verdade do presidente

A maneira como o indivíduo age na sociedade, seja de forma intencionalmente ou não,


conforme Goffman (1993), impressiona outras pessoas. Por outro lado, as expressões e ações
desenvolvidas pelos atores políticos “assumem um caráter de promessa”, de forma que todas as
suas atitudes vendem uma ideia a seu respeito (FREITAS, 2009, p. 181).
Nóbrega (2013) defende que os políticos procuram sempre ser pessoas atenciosas e
responsáveis. Ao agirem de tal forma, tais atores estão representando e incorporando às suas
vidas um papel diferente de seu “eu”. E o desejo de vencer a disputa na qual encontram-se
inseridos, leva-os a optarem por vivenciar a encenação da realidade.
Assim, dependendo do contexto cultural no qual se encontram, os personagens políticos
assumem vários papéis. Segundo Schwartzenberg (1978), afirma que esses atores podem
representar vários papéis, sendo estes: (a) Herói: o ator político encarna um ídolo, uma pessoa
com bondade excepcional e triunfante, fadada à vitória e a façanhas. É aquele político que vai
resolver o problema, o homem fora do comum, que procura atender a todas as necessidades do
povo, o salvador; (b) Líder Charmoso: possui ar de autoridade e superioridade, mas algumas
vezes se aproxima do povo com sua simpatia. Seu foco está na sedução, ele acredita que através
da elegância e beleza conquistará o voto. Na maioria das vezes, passa a imagem de irmão com
característica dominante: a solidariedade; (c) Nosso Pai: é o defensor dos fracos, ‘o pai do
povo’, líder populista a quem o povo pede e ajuda e (d) Tipo igual a todo mundo: esse tipo de
ator, age com normalidade, humildade e enaltece os pontos em que se compara a situação em
que vivem os demais. O homem comum também representa o conformismo, geralmente
trabalhado com ideias recebidas e com lugares comuns. Ele aumenta o sentimento de segurança
do público. É importante que o político escolha um o papel que desempenhará e precisa ser
coerente, caso contrário, passará a ser odiado pelo povo.
Dentre os papéis acima citados, Bolsonaro pode ser classificado como o herói. Ele é
idolatrado pelo povo e aciona os eleitores em suas redes sociais. Quando saí do Palácio da
Alvorada, muitas das vezes conversa, abraça e tira fotos com seus apoiadores. Além disso,
coloca-se como homem do povo, que possui os mesmos hábitos e demonstra isso em suas lives.
Após ter uma reunião cancelada, Bolsonaro fez uma transmissão de aproximadamente 12min
na segunda-feira do dia 29 de julho de 2021, na qual cortou o cabelo ao vivo. Ao fim, ele afirma
que “O Brasil tem tudo para dar certo. A gente acredita no Brasil, sabia que a missão não ia ser
fácil e não está sendo fácil. E, o que me dá forças para continuar aqui é, em grande parte, o
apoio popular e a fé que nós temos. Agradeço a todos vocês pela missão”. No dia 28 de outubro,
é comemorado o dia do Servidor Público. Na live transmitida no mesmo dia, o presidente
parabenizou os servidores públicos e ressaltou que também é um servidor público. Entretanto,
Bolsonaro é deputado há 27 anos e depois virou presidente da República. Ademais, possui três
filhos que atuam na política: Flávio Bolsonaro é senador, Carlos Bolsonaro é vereador e
Eduardo Bolsonaro é deputado federal. Já o quarto filho, Jair Renan Bolsonaro, atua como
empresário, mas já flertou com a política.
Nas suas transmissões, Bolsonaro fala de maneira alta e autoritária. No mais, ele faz
bastantes críticas, é sincero, não esconde opiniões e fala o que lhe vem à cabeça, não tem
vergonha de nada. Várias são as ocorrências em que falou palavras de baixo calão e possui um
deboche escancarado. Na maioria das vezes, está usando terno. No início, sempre começa dando
boa noite a todos, fala o dia, o horário, o local e, se estiver acompanhado, já os apresenta de
uma vez.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos debates feitos sobre Comunicação Política, Representação, Campanha


Permanente e Populismo Digital, é possível apontar algumas reflexões importantes acerca do
governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) e, principalmente, sobre as suas estratégias de
comunicação focadas nas redes sociais e o seu enfrentamento com a imprensa e a mídia
tradicional. Conforme aponta Manin (1995), há um forte personalismo e isso fica explícito na
figura de Bolsonaro que, de um deputado excêntrico, de repente tornou-se presidente da
República. Isso dialoga com o que Cesarino (2019) afirma sobre populismo digital e o foco do
bolsonarismo ter se enraizado em grupos que atuam nas redes sociais.
Quanto ao seu posicionamento em relação à comunicação governamental e
institucional, Bolsonaro foge aos protocolos e princípios da Comunicação Pública. Num país
democrático, é rotineiro que os chefes de Estado e aqueles que ocupam cargos públicos
mantenham um contato permanente com a imprensa para informar sobre os atos de seu governo.
Busca-se não necessariamente uma relação de cumplicidade, de conchavo, mas de respeito entre
as instituições – no caso o governo e os veículos de imprensa.
Ao recorrer semanalmente às lives para divulgação ampla nas redes sociais, Bolsonaro
cumpre não o papel de um chefe do Executivo, mas muito mais de um candidato em permanente
campanha eleitoral, visando manter o contato direto com os seus eleitores. Trata-se de um
espaço em que ele não pode ser questionado, tem controle sobre o que vai dizer, escolhe as
temáticas que vai abordar e procura reforçar a sua imagem de um candidato antissistema,
mesmo que esteja com uma trajetória de 28 anos de deputado e de 4 anos de presidente da
República. Esta confluência entre comunicação governamental e comunicação eleitoral até
existe, conforme apontam os autores, mas não pode se tornar em uma permanente campanha
eleitoral, em que os assuntos de relevância pública sequer são tratados.

REFERÊNCIAS

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Capítulo 16

Desinformação, Fake News e o Cenário da Disputa Presidencial:


Análise da Cobertura do Portal G1 sobre notícias falsas na campanha de 2022

Maria Luiza Valuar Cordeiro (UFSJ)


Eduardo Expedito Viana (UFSJ)
Ester Beatriz Lidovino Araújo (UFSJ)
Lívia Werneck Silva (UFSJ)

RESUMO: Nos últimos anos, tornou-se popular a expressão “fake news” para se referir à
disseminação em larga escala de notícias falsas, principalmente sobre política e em períodos
eleitorais. Em 18 de outubro de 2018, a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo
divulgou uma reportagem investigativa sobre disparos em massa de notícias falsas sobre o
candidato Fernando Haddad (PT) financiadas por empresários ligados ao então candidato Jair
Bolsonaro (na época do PSL). Isso gerou depois a criação da Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito (CPMI) sobre as fake news no Congresso. Em 2022, apesar das medidas tomadas pelo
TSE para tentar coibir a disseminação de notícias falsas, a polarização entre o candidato Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) versus o presidente Jair Bolsonaro (PL) intensificou o envio de
mensagens falsas disseminadas em redes sociais, em grupos de WhatsApp e até em sites
supostamente jornalísticos. O artigo analisa a cobertura do Portal G1 sobre a disseminação de
notícias falsas sobre a disputa presidencial de 2022, tomando como base o 2º turno da eleição.

PALAVRAS-CHAVE: Fake News; Eleição 2022; Portal G1; Jornalismo; Redes Sociais;

1. INTRODUÇÃO

Desde a eleição de 2018, intensificou-se a disseminação de notícias falsas no Brasil,


principalmente a partir das mídias digitais. Tornou-se, então, popular a expressão “fake news”
para se referir à disseminação em larga escala destas notícias falsas, principalmente sobre
política e em períodos eleitorais. Em 18 de outubro de 2018, a jornalista Patrícia Campos Mello,
da Folha de S. Paulo divulgou a reportagem intitulada “Empresários bancam campanha contra
o PT pelo WhatsApp''. Com contratos de R $12 milhões, a prática viola a lei por ser doação não
declarada, que teve grande repercussão. 43Trata-se de uma matéria de jornalismo investigativo
sobre disparos em massa de notícias falsas sobre o candidato Fernando Haddad (PT) financiadas
por empresários ligados ao então candidato Jair Bolsonaro (na época do PSL). Isso gerou depois
a criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre as fake news no
Congresso. A jornalista sofreu uma série de ataques dos seguidores do presidente Bolsonaro.
Em 2021, voltou a ser atacada depois de prestar depoimentos na CPMI e processou o presidente
por misoginia depois de sofrer ataques de Bolsonaro que afirmou que a jornalista fez a matéria
somente para “ganhar um furo”, dando uma conotação sexual ao trabalho da profissional da
imprensa.
De acordo com a Academia Brasileira de Letras¹, a desinformação é a denominação
dada ao volume excessivo de informações, muitas delas imprecisas ou falsas, que se
multiplicam e propagam de forma rápida e incontrolável, o que dificulta o acesso a orientações
e fontes confiáveis, causando confusão, desorientação e inúmeros prejuízos à vida das pessoas.
Com a evolução da tecnologia, dos smartphones e do crescente número de pessoas com acesso
às tantas informações disponíveis online, é difícil controlar o que é real ou fake, o que é
confiável ou não. O mundo tem mudado tanto que, mesmo que seja uma notícia sensacionalista,
ainda há pessoas que podem acreditar fielmente nela e repassar para outros tantos amigos e
conhecidos ou até mesmo disseminar via redes sociais ou grupos de WhatsApp para grupos
maiores de pessoas.
Contudo, a desinformação não é algo exclusivo da internet, desde antes já existiam os
boatos que cumpriam essa função muito bem. É uma necessidade física que possuímos de
passar algo que ouvimos para outra pessoa e quanto mais absurdo, maior essa vontade fica,
além claro de contar com nossos próprios detalhes. A internet somente facilitou esse processo,
só que agora com uma proporção muito maior, pois, com as redes sociais, basta um clique e
tudo pode ser compartilhado, ainda com um bônus de não que não precisa se identificar para
isso, basta criar uma conta falsa. Hoje, as mesmas ferramentas e disponibilidades que são usadas
para notícias reais, estão ao alcance de quaisquer pessoas que querem espalhar algo, e
dependendo da motivação pode ser bem lucrativo.
Ainda há a disseminação involuntária, em que uma pessoa pode compartilhar algo
simplesmente por crer no seu círculo social ou tem uma visão de mundo muito parecida com a
sua, fazendo assim dispensável a confirmação daquela notícia ser verídica ou não. E quando

43MELLO, Patrícia Campos. Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp. Folha de S. Paulo, 18
de outubro de 2018. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancam-
campanha-contra-o-pt-pelo-whatsapp.shtml
está ligado à confirmação de crenças, conceitos e opiniões próprias, fica ainda mais fácil
compartilhar, já que funciona como uma afirmação de suas convicções e opiniões.
Em 2022, diante de um quadro de forte polarização política e ideológica, que vai de
debates sobre o papel do Estado na economia, na educação e na saúde até a pauta de costumes
sobre direitos das minorias, aborto, religião, a disseminação de notícias falsas intensificou-se
mesmo com medidas tomadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para tentar coibir a
disseminação das fake news. A polarização entre o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
versus o presidente Jair Bolsonaro (PL), na disputa pela Presidência da República, fez com que
as estratégias de seus aliados fosse a de intensificar a produção e circulação de mensagens falsas
disseminadas em redes sociais, em grupos de WhatsApp e até em sites supostamente
jornalísticos. No primeiro turno, Lula teve 48,43% dos votos válidos contra 43,6% de Jair
Bolsonaro, levando a disputa para um dos segundos turnos mais acirrados da história política
recente do país. Por isso, o artigo analisa a cobertura do Portal G1 sobre a disseminação de
notícias falsas sobre a disputa presidencial de 2022, tomando como base o 2º turno da eleição.

2. MIDIATIZAÇÃO E CIBERCULTURA

Para se discutir a disseminação das fake news, é importante remeter ao debate sobre a
pós-verdade e o surgimento de movimentos de extrema direita no mundo ocidental, como
Donald Trump nos Estados Unidos e Jair Bolsonaro no Brasil. A pós-verdade relaciona-se a
outro fenômeno: a desinformação. Conforme explica Matthew D’Ancona (2018), a era da pós-
verdade se dá com o colapso da confiança. A confiança é a base para o sucesso de qualquer
relacionamento humano. Segundo o autor, a quebra de confiança, nas instituições como um
todo, cria uma tendência à crença em teorias conspiratórias, sendo um campo favorável para a
desinformação. A notícia falsa tem como propósito semear a dúvida.
A disseminação de notícias falsas em número excessivo tem a ver com o novo contexto
midiatizado. Isso se deve ao surgimento e consolidação das mídias digitais, em especial as redes
sociais. Pierre Lévy (1993) trata do conceito de cibercultura ao falar da emergência de uma
nova cultura propiciada pela internet e pela web. As tecnologias digitais e o paradigma
tecnológico-comunicacional, segundo Castells (1999), relacionam-se com um panorama de
grandes transformações da chamada era tecnológica. Segundo o autor, a internet configura-se
como um novo modelo de comunicação gerado pela tecnologia com as suas especificidades.
Jenkins (2009) discute a cultura da convergência em que, com a rede digital, o indivíduo passa
a ser coprodutor na geração de conhecimento. Isso porque o sujeito pode se apropriar do
conteúdo disponível na internet. Ele não apenas recebe informação, mas pode criar e inovar.
Isso significa que começou a mudar a relação receptiva de sentido único com o televisor para o
modo interativo e bidirecional que é exigido pelos computadores.
Na concepção dos autores, quanto à emergência de uma nova esfera pública digital, esta
não é recortada mais por territórios geográficos, mas diretamente mundial. Um dos aspectos
mais desconcertantes da nova situação da comunicação no ciberespaço é o apagamento da
distinção entre público e privado ou a erosão da esfera privada. O aumento da transparência e
a multiplicação dos contatos implicam uma nova velocidade de circulação de ideias e dos
comportamentos. As ações de produzir, distribuir, compartilhar são os princípios fundamentais
do ciberespaço
As mídias digitais permitem que o indivíduo passe a ficar conectado quase que 24 horas
do dia. Isso pode ser entendido como o fenômeno da midiatização, que não é algo novo, mas
que ganhou novas dimensões, com as mídias digitais. Conforme explica Oliveira (2022), a
circulação era vista sob a ótica da transmissão, com a passagem da mensagem de um polo
emissor para um receptor, em que os ruídos eram vistos como negativos para a eficácia
comunicativa. Para Fausto Neto (2010), a mídia funciona como arena pública e se constitui num
espaço de maiores possibilidades de ocorrência interacional na prática social.
Alves e Maciel (2020) afirmam que a internet permite uma “horizontalização” da
comunicação, tendendo a ser uma rede mais democrática ao permitir a participação de amadores
e da sociedade como um todo. Com a popularização da internet, as informações e opiniões
políticas puderam ser publicadas tanto em portais noticiosos, legitimados para tal tarefa e feito
por profissionais de comunicação, quanto por movimentos sociais, atores políticos e cidadãos
comuns (ALVES & MACIEL, 2020). Na visão dos autores, a internet e, mais especificamente,
as mídias sociais aparecem como arena na qual disputam visibilidade e atenção do público
atores midiáticos tradicionais, a esfera política e a sociedade civil, potencialmente reduzindo a
assimetria de poder derivada do oligopólio midiático no Brasil” (ALVES E MACIEL, 2020).

3. DA OBJETIVIDADE JORNALÍSTICA À DESINFORMAÇÃO E ERA DAS FAKE


NEWS

Para entender o jornalismo como ator social e político, é preciso entender como ele se
constituiu a partir da premissa da objetividade jornalística até como forma de legitimar o próprio
campo jornalístico e a profissão. Ao traçar um panorama das teorias do jornalismo, Traquina
(2001) explica que a primeira teoria a surgir foi a Teoria do Espelho, que acreditava que o
jornalismo era um retrato fiel da realidade, de onde nasceu o mito da objetividade jornalística,
mas que é refutado, já que sabemos que se constroem versões do real. O autor afirma que ela
se consolidou a partir do modelo norte-americano de jornalismo, quando a imprensa adquire
moldes de grandes empresas capitalistas e precisa vender os jornais de forma bem padronizada
como é até hoje.
Inspirada no Positivismo e nas premissas do Funcionalismo de Durkheim, a Teoria do
Espelho faz uma analogia do jornalismo com as ciências naturais, acreditando que assim como
o cientista, a priori, poderia ter neutralidade frente ao objeto, o cientista social e o jornalista
também poderiam ser isentos diante dos fatos sociais. Tuchman (1999) explica que a ideia da
objetividade é relativa a rituais estratégicos que funcionam como formas de os jornalistas se
defenderem de críticas, processos e até para legitimar a profissão e o campo jornalístico. Ela
cita quatro rituais estratégicos: (1) ouvir os vários lados envolvidos – diferentes fontes – no
caso da eleição, os dois candidatos e vozes dissonantes; (2) buscar provas complementares –
documentos ou outros tipos de provas que possam auxiliar o jornalista a dar veracidade ao fato,
como, por exemplo, uma postagem nas redes sociais em que o candidato confirma que defendeu
tal ideia no passado; (3) a estrutura da notícia no modelo norte-americano que busca dar um
caráter mais objetivo e menos parcial aos fatos; (4) uso das aspas – utilizar as declarações das
fontes demonstra que o jornalista reproduz as falas literais do entrevistado.
Traquina (2001) contesta a Teoria do Espelho e afirma que o jornalismo é uma
construção social da realidade. O autor aponta as teorias construcionistas – Teoria Estruturalista
e Etnoconstrucionista. Esse novo paradigma teórico surgiu nos anos 1970 e é considerado um
momento de virada nos estudos sobre o processo de produção jornalística. As notícias são
entendidas como um processo de construção social, em que uma série de variáveis interferem,
como o valor mercadológico, a linha editorial da empresa, os critérios de noticiabilidade, o fator
tempo, as rotinas de produção, a cultura organizacional, os recursos disponíveis, a dependência
das fontes.
A Teoria Estruturalista, segundo Traquina (2001), aponta que as notícias são um
produto social resultante de três fatores, a saber: a) a organização burocrática dos media; b) a
estrutura dos valores-notícia e a prática e a ideologia profissional dos jornalistas; e c) o
momento de ‘construção’ da notícia com a contextualização em que os ‘mapas’ culturais do
mundo social são utilizados na organização dos fatos. Segundo Traquina, o poder de definir o
que vai ser notícia está, principalmente, nos definidores primários – as fontes oficiais, que
representam as instituições.
Outra teoria que segue a mesma linha de pensamento e considera as notícias como um
resultado da interação social é a Teoria Etnoconstrucionista. Traquina (2001) enfatiza que essa
teoria visualiza as notícias como resultado constituinte de um processo de produção que prevê
a percepção, a seleção e a transformação de um acontecimento em um produto final: as notícias.
Segundo o autor, o principal obstáculo para os jornalistas é a tirania do fator tempo, que
pressiona os jornalistas, sempre desafiados a elaborar um produto final (notícia, jornal,
telejornal etc.) dentro de um tempo hábil. Traquina (2001) explica que as empresas se veem
obrigadas a elaborar estratégias frente a esse desafio. Ou seja, elas precisam impor ordem no
tempo e no espaço. A ordem no tempo pode ser entendida como a estruturação das empresas
jornalísticas em criar uma agenda na qual seja possível enumerar uma lista de acontecimentos
possíveis, permitindo que seja preparada uma produção com antecedência.
Já a ordem no espaço, segundo Traquina (2001), refere-se à lógica que as empresas
jornalísticas precisam impor para capturar os acontecimentos. Num momento quando o espaço
global e o espaço local estão cada vez menores, Tuchman (1993) afirma que as empresas
jornalísticas precisam se utilizar de três estratégias para cobrir um maior número de
acontecimentos: 1) a territorialidade geográfica – na qual as empresas dividem o mundo em
áreas de responsabilidade territorial; 2) a especialização organizacional – na qual as empresas
estabelecem “sentinelas” em certas organizações que podem produzir notícias; e 3) a
especialização em termos de temas – em que as empresas auto dividem-se mediante temas
(seções) que conseguem preencher os espaços nos jornais. Essas estratégias se dão na tentativa
de fazer com que aqueles assuntos mais cabíveis de se tornarem noticiáveis sejam capturados.
Se as notícias são uma construção social da realidade, elas, no entanto, precisam ter
veracidade, caso contrário, podemos cair em distorções ou notícias falsas. Ai que entra no
debate da desinformação e das fake news. Vladimir de Paula Brito e Marta Macedo Kerr
Pinheiro (2015) criaram uma tipologia para descrever o conceito de desinformação a partir de
três variáveis: (1) ausência de informação, (2) informação manipulada e (3) engano proposital.
No caso da ausência de informação, está associada ao estágio de carência de cultura, de total
ignorância e precariedade informacional devido ao total desconhecimento de determinado tema.
Quanto à manipulação da informação, segundo os autores, está relacionada ao fornecimento de
produtos informacionais de baixo nível cultural, cuja consequência direta seria a tentativa de
imbecilização de segmentos sociais. A desinformação busca alienar o público para manter
projetos de dominação política, ideológica ou cultural. O engano proposital, segundo Brito e
Pinheiro (2015), assume o formato de informações que circulam com o propósito de enganar
alguém. Trata-se de um ato deliberado para induzir ao erro.
Lúcia Santaella (2019) afirma que a criação de informação falsa movida pelo propósito de
enganar está longe de ser algo novo. Ela afirma que a novidade se relaciona, a partir da
emergência da internet, ao surgimento de novos modos de publicar, consumir informação e
notícias pouco submetidas às regulações ou padrões editoriais. Santaella explica que o
sensacionalismo atrai a atenção por explorar sentimentos, mas a internet intensificou tal
processo, ao tornar difícil diferenciar o trágico factual do trágico fantasiado
Ademais, Santaella (2019) discute ainda as chamadas “bolhas digitais”, que podem ser
pensadas também como “molduras ideológicas”. A autora afirma que, no âmbito coletivo, essas
“bolhas” manipulam o usuário, na medida em que o deixam mal informado, sobretudo a serviço
de interesses políticos escusos. Ela alerta que esses filtros criam um campo favorável para a
polarização e opiniões mal informadas. E essas posições podem se tornar cada vez mais
radicais. Ralph Keys (2018), por sua vez, alerta que o verdadeiro perigo da mentira é que
passamos a descartar informações legítimas. Dessa forma, o autor ressalta que a desconfiança
pode gerar ainda mais desconfiança e não uma crítica aprimorada de enganação.

4. ESTUDO DE CASO: ANÁLISE DA COBERTURA DO PORTAL G1 SOBRE


NOTÍCIAS FALSAS NA ELEIÇÃO 2022

4.1 Metodologia e Corpus de Análise: o Portal G1

Esse estudo pretende analisar com base nos trabalhos de estudiosos políticos,
comunicadores sociais e veículos credenciados; desinformações e fake News presentes no 2°
turno das eleições presidenciais. A análise será feita a partir de cinco notícias entre os dias 17/10
e 20/10, coletadas a partir do Portal G1, na seção FATO OU FAKE, série especial que a Globo
criou para ajudar a população a entender o que é verdade ou não. Sendo elas:

1 - “Veja o que é #FATO ou #FAKE nas falas dos presidenciáveis no primeiro debate do 2°
turno”44
2 - “É #FAKE que vídeo prove fraude na 1ª Zona Eleitoral de Manaus” 45

44 Link da notícia 1: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/eleicoes/noticia/2022/10/17/veja-o-que-e-fato-ou-fake-


nas-falas-dos-presidenciaveis-no-primeiro-debate-do-2-turno.ghtml
45 Link da notícia 2: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/eleicoes/noticia/2022/10/18/e-fake-que-video-prove-

fraude-na-1a-zona-eleitoral-de-manaus.ghtml
3 - “É #FAKE que Eduardo Leite tenha declarado voto em Bolsonaro em 2022" 46
4 - “É #FAKE que homem ao lado de Lula em vídeo foi preso por tiroteio que interrompeu
evento de Tarcísio em SP” 47
5 - “É #FAKE que TSE tenha funcionário na Jovem Pan para fiscalizar trabalho de jornalistas" 48

No Portal G1, é feita uma ampla pesquisa de verificação para determinar se notícias de
alto impacto que circulam na internet são fato ou fake News. A partir dessas informações
vamos discorrer sobre o impacto que isso causa nas eleições e na população e como a
desinformação pode desencadear uma teia onde até o mais absurdo dos fatos pode se tornar
verdade.
O Portal G1 foi criado pelo grupo Globo em 18 de setembro de 2006 e, para que o
projeto se tornasse funcional, foi criada uma estrutura híbrida que conta com profissionais,
conhecimento e infraestrutura tanto do jornalismo da TV Globo quanto da Globo.com. O G1
foi o primeiro investimento da empresa no digital, embora a rede já tivesse outros endereços
digitais, mas nenhum deles possuía produção de conteúdo exclusivo. A empresa estruturou-se
com uma redação própria inteiramente dedicada à cobertura noticiosa em tempo integral.
Logo em 2008, o G1 assumiu a liderança na audiência dos portais de notícias do Brasil,
e a Globo entrou oficialmente no jornalismo digital. Hoje em dia, a média é de mais de 55
milhões de usuários por mês, segundo a Comscore. O G1 conta com redações em todos os
estados do Brasil, está presente nas principais redes sociais e tem versões para aplicativos IOS
e Android. O conteúdo do jornal está pautado em algumas editorias como: Brasil, Economia,
Política, Mundo, Educação, Ciência e Saúde, Tecnologia, Pop & Arte, Planeta Bizarro e VC no
G1. Porém, ao longo do tempo, novos assuntos ganharam atenção, como Concurso e Emprego,
Carros, Games, Agro e Dados.

4.2 Conjuntura Política: as Eleições 2022

As eleições de 2022, para os candidatos à presidência da República, não conseguiram


ser concluídas no 1° turno, portanto os presidenciáveis Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Messias

46
Link da notícia 3: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/eleicoes/noticia/2022/10/18/e-fake-que-eduardo-leite-
tenha-declarado-voto-em-bolsonaro-em-2022.ghtml
47
Link da notícia 4: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/eleicoes/noticia/2022/10/19/e-fake-que-homem-ao-lado-
de-lula-em-video-foi-preso-por-tiroteio-que-interrompeu-evento-de-tarcisio-em-sp.ghtml
48
Link da notícia 5: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/eleicoes/noticia/2022/10/20/e-fake-que-tse-faca-censura-a-
jovem-pan-e-tenha-funcionario-para-fiscalizar-trabalho-de-jornalistas.ghtml
Bolsonaro - os mais votados - seguiram para reta final. Logo, a última semana antes do segundo
turno começou tensa; as campanhas dos candidatos, intensivamente, trocaram acusações de
favorecimento, crimes eleitorais e redarguição insistentes. Aliado a isso, o povo brasileiro foi
para as ruas, movimentou as redes sociais e favoreceu o crescimento de fake news em todos os
âmbitos e lugares.
A polarização política da população é evidente e estrondosa, e os motivos pelos quais a
maioria vai votar são, cada vez mais, destoantes. O professor da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), Filipe Nunes Ribeiro, especialista em pesquisa de opinião e redes sociais,
afirma: “[...] Não é mais sobre partido, mas entre grupos sociais que lutam por direitos e
reconhecimento”. Por outro lado, outro fator que interfere bastante na política atual são as
bolhas sociais49 que, sobretudo nas redes sociais - mediada por algoritmos -, aproxima quem
pensa e vive parecido e afasta o contraditório. Interferindo, constantemente, nas pessoas que
não compreendem o “jogo” das redes sociais e acabam acreditando nas fake news.

4.3 Análise de Conteúdo

4.3.1 TEMAS ABORDADOS

As notícias abordadas por essa análise apresentam um conteúdo referente ao segundo


turno das eleições 2022, discutindo quais as óticas são apresentadas aos leitores do portal G1.
As informações datadas como #Fake ou #Fato - na série especial da Globo - seguem, em suma,
diversas temáticas. Em alguns momentos, as notícias discorrem acerca de falas mentirosas de
eleitores e, em outras, dissertam sobre discursos errôneos dos próprios candidatos.
Entretanto, apesar das visíveis diferenças entre as manchetes, juntamente com o foco
das informações, mostra-se possível perceber os agrupamentos temáticos das notícias. O portal
G1, nos títulos, subtítulos, leads e, até mesmo, durante o corpo da pauta apresentam,
sinteticamente, três temas principais, sendo eles:

1. Bloco temático: Bolsonaro.


2. Bloco temático: Lula.
3. Bloco temático: Justiça Eleitoral/TSE.

49 Bolha social: conceito salientado por Zygmunt Bauman, em seus estudos de contemporaneidade, sociedade
líquida (in)tolerância das ideias.
As notícias escritas pelo grupo G1 - referidas no tópico 4.1 -, em algum momento,
faziam referência/citavam um - ou mais - desses blocos temáticos. A tabela a seguir mostra a
disposição dos temas, em conjunto a análise sobre as mesmas:

Quadro 1

Bolsonaro Lula Justiça Data de


Eleitoral/TSE Postagem

Notícia 1 X X 17/10

Notícia 2 X 18/10

Notícia 3 X 18/10

Notícia 4 X 19/10

Notícia 5 X 20/10
Fonte: Elaborado pelos autores - 2022

Com base no Quadro 1, é visível que há uma preocupação da empresa com a disposição
e averiguação das notícias em blocos, procurando encontrar uma imparcialidade e proporção
igualitária entre os três tópicos chave. Além disso, outro ponto interessante a ressaltar (e que
reforça o ideal de organização por temáticas da empresa) é a data de postagem das notícias.
Com exceção das averiguações 2 e 3 postadas no mesmo dia, todas as notícias foram publicadas
em dias consecutivos e seguiam uma ordem de organização.
Com base nisso, é cognoscível que o portal G1 condiciona-se a um planejamento
sistemático e fidedigno, constando com uma organização paradigmática. Ainda assim, a
empresa utiliza de pausas (cerca de 1 a 3 dias) entre os temas para não determinar caráter de
posição e, sobretudo, utilizando-se de segmentos para um controle de objetividade e
imparcialidade. Vale ressaltar que tal conclusão objetifica-se com base, apenas, nas cinco
notícias analisadas.

4.3.2 FONTES UTILIZADAS COMO BASE TEÓRICO

Outro ponto interessante da análise das notícias #Fake ou #Fato do grupo G1, determina-
se no embasamento teórico da empresa para determinar se alguma fala, vídeo, foto ou conteúdo
midiático mostra-se verídico ou não. Durante a investigação do G1, para determinar a
legitimidade das informações são utilizadas uma série de fatores, entre eles: (1) autoridades; (2)
dados estatísticos de Institutos; (3) fotos, imagens, áudios e etc. que confirmam o fato (ou não);
(4) testemunhas; e (5) pronunciamento dos envolvidos.
Além da utilização de provas como base de argumentação, a equipe G1 alia-se, ao
máximo, na típica linguagem jornalística para determinar, ainda mais, o caráter imparcial,
neutro e objetivo das informações, como utilização da 3° pessoa, frases curtas e ideias sucintas.
Um exemplo da linguagem jornalística utilizada nas notícias - caracterizadas neste
estudo - é a seguinte: (Notícia 1) Bolsonaro, durante o debate eleitoral, afirmou “Não existia
vacina à venda [contra a Covid-19] em 2020.”. Contudo, a frase qualificava-se como falsa
baseado nos dados divulgado pela Pfizer, então o G1 sinalizou:

A declaração é #FAKE. Veja por quê: A fabricante Pfizer divulgou


nota, em janeiro de 2021, na qual afirma que ofereceu ao governo
brasileiro a possibilidade de compra de um lote de 70 milhões de
doses da vacina contra a Covid ainda em agosto de 2020, com
previsão de entrega a partir de dezembro de 2020.

A construção do argumento, em terceira pessoa e com linguagem sucinta, baseia-se em


fatos e dados caracterizando como adequado e verídico para com a população. Desse modo,
entende-se que, apoiado a fatos, a equipe G1 utiliza de parâmetros profissionais para conclusão
final. Além disso, destaca-se que, no geral, as argumentações da equipe seguem o mesmo
padrão, utilizando, em cada postagem ou notícia, diversas fontes e dados diferentes; fazendo,
de fato, uma averiguação da realidade.

4.3.3 #FATO OU #FAKE?

Com base nas análises anteriores, entende-se que a equipe G1 busca, no limiar do
jornalismo, atender as necessidades do público. A caracterização do site, ênfase para o layout,
a construção do texto e, principalmente, os elementos gráficos, facilita o entendimento dos
tópicos apresentados.
O corpo do texto identificando os personagens, explicando a situação e, do meio para o
fim, dissertando acerca das problemáticas (ou não) do tema abordado é de suma importância
para a população. Os parâmetros Globo - presentes nesse projeto - fazem um jornalismo com
responsabilidade, principalmente nessa era das Fake News.
De fato, pode-se concluir, baseando nas análises das notícias, que apesar de uma certa
padronização, sistematização e construção de pauta acerca de personagens específicos -
Bolsonaro, Lula e TSE -, que o “#Fato ou #Fake” estuda as situações com clareza e levanta
informações sucintas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo, em síntese, demonstra a importância da verificação das notícias que cada


indivíduo tem acesso, seja pelo WhatsApp, jornais, redes sociais ou até mesmo em conversas
casuais. Um fato pode facilmente tornar-se fake news quando é passada por tantas versões e,
rapidamente, encontrar dezenas, centenas ou milhares de pessoas. Por isso, é importante
conversar com as pessoas que recebem e, constantemente, acreditam e compartilham notícias
sem certeza de veracidade. O diálogo, principal motor da democracia, ajuda os cidadãos,
especialmente idosos e pessoas com baixo grau de educação, a entenderem o que significa as
notícias falsas e as formas de prevenir-se contra a desinformação.
Além disso, quando se trata de política, historicamente, é normal ser bombardeado de
informações (sejam elas falsas ou não), uma vez que tal ação é uma estratégia para alcançar o
mandato e praguejar opositores. Com isso, analisando a forma como os jornais/veículos de
comunicação estruturam suas notícias, é perceptível que, atualmente, mostra-se estritamente
indispensável a busca de informações e averiguações pela população.
Portanto, o estudo evidencia a importância do entendimento acerca dos veículos de
comunicação, fonte de notícias e consciência das mazelas presentes no jogo político, econômico
e social das eleições. Conforme afirma Augusten Burroughs, “a veracidade em si é quase
medicação, mesmo quando é servido sem conselhos ou insight."

REFERÊNCIAS

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Infodemia. Disponível em


https://www.academia.org.br/nossa-lingua/nova-palavra/infodemia. Acesso em 06 de outubro
de 2022.

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BRITO, Vladimir de Paula; PINHEIRO, Marta Macedo Kerr. Poder informacional e
desinformação. Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, João Pessoa,
v. 8, n. 2, p. 144-164, 2015.

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SANTAELLA, L. A Pós-Verdade é verdadeira ou falsa? Barueri, SP: Estação das Letras e


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TRAQUINA, Nelson. Estudos do Jornalismo no Século XX. São Leopoldo: Unisinos, 2001.

TUCHMAN, Gaye. 1999. A objectividade como ritual estratégico: uma análise das noções de
objectividade dos jornalistas. In: TRAQUINA, Nelson (org.). Jornalismo: questões, teorias e
“estórias”. 2. ed. Lisboa: Vega, 1999. p. 74-90.
Capítulo 17

CPI da Covid-19: Corrupção, Escândalos e Espetáculo midiático


na cobertura da Folha de S. Paulo

Lucas Emanuel Maximiano (UFSJ)


Rodolfo Ezequiel Sousa Silva (UFSJ)
Sarah Rodrigues Castro (UFSJ)
Beatriz d’ Almeida Casaro (UFSJ)
Luiz Ademir de Oliveira (UFSJ)

RESUMO: A postura do presidente Jair Bolsonaro (PL) diante da pandemia da Covid-19 gerou
uma série de discussões sobre o negacionismo científico, atrelando tal posicionamento ao
conceito de pós-verdade (Cesarino, 2020, 2021). As suas atitudes de minimizar a gravidade da
doença como a demora em buscar alternativas como a compra de vacinas levaram a uma crise
política, que acarretou a instalação de CPI no Senado Federal instaurada em 27 de abril e com
o relatório aprovado em 26 de outubro de 2021, em que pede a punição de 79 autoridades,
incluindo o presidente Bolsonaro. O artigo analisa como a CPI da Covid-19 tornou-se palco
para encenações políticas, midiáticas e ao mesmo tempo revelou a corrupção nos bastidores de
negociações nas compras de vacinas e medicações durante a pandemia. Serão analisadas
publicações da Folha de S. Paulo de abril a novembro de 2021.

PALAVRAS-CHAVE: CPI; Covid-19; Corrupção; Escândalo; Folha de S. Paulo;

1 INTRODUÇÃO

Um vírus pandêmico que ceifou mais de 5 milhões de vidas em menos de dois anos. O
novo Coronavírus teve a sua primeira aparição registrada no fim do mês de dezembro de 2019,
época em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recebeu um alerta sobre casos de
pneumonia que estavam se espalhando rapidamente na cidade de Wuhan, província de Hubei,
na China. Os relatos iniciais da doença, no entanto, davam conta que a terapia antibiótica usual
para pneumonia não estava surtindo efeito. Após investigações, foi concluído que se tratava de
uma nova cepa do coronavírus50
Constatou-se inicialmente que o vírus Sars-Cov-2 era mais severo com pessoas idosas
e/ou possuíam histórico de comorbidades. Dessa forma, o primeiro óbito em decorrência da
doença ocorreu no início de janeiro de 2020, um homem de 61 anos que costumava frequentar
o mercado de Wuhan – local onde constatou-se o primeiro surto conhecido de casos do novo
coronavírus – tornou-se a primeira vítima confirmada.
Com um potencial de transmissão elevado, não demorou para que ele se espalhasse por
outros países e continentes. Em um mundo globalizado, onde as viagens internacionais são
feitas diariamente, a então epidemia de Coronavírus viajou de forma veloz e em questão de dias
estava rondando o globo. No dia 21 de janeiro os Estados Unidos registraram seu primeiro caso
– um homem que havia viajado para a China, retornou ao país com os sintomas comuns de
quem já havia se infectado. 51
Três dias depois, foi a vez da Europa conhecer de forma oficial o novo coronavírus. No
dia 25, a Austrália. Um mês depois, a América Latina e a África confirmaram casos da doença.
Com a rápida disseminação da doença pelo Globo, no dia 11 de março de 2020 a OMS elevou
o estado de contaminação à pandemia de Covid-19. De acordo com dados da CNN 52, naquele
dia haviam 118 mil casos em 114 países e que 4.291 pessoas haviam perdido a vida por causa
da doença.
O primeiro caso de Coronavírus no Brasil foi registrado no dia 26 de fevereiro, um
homem de 61 anos recém-chegado da Itália, foi confirmado com a doença após dar entrada em
hospital na cidade de São Paulo. Duas semanas depois, mais precisamente no dia 17 de março,
foi confirmada a primeira morte em decorrência da doença no país: homem de 62 anos que
possuía comorbidades estava internado em hospital particular em São Paulo. Devido aos casos
de covid-19 que avançavam no país, inúmeros estados e municípios da união decretaram estado
de emergência. No entanto, na contramão dos prefeitos e governadores, o presidente da
República, Jair Bolsonaro, sempre se manteve alheio à ciência e buscava em seu discurso
minimizar os danos causados pelo vírus, subestimando-o e tratando uma postura negacionista.

50
Os coronavírus são uma grande família de vírus comuns em muitas espécies diferentes de animais, incluindo
o homem, camelos, gado, gatos e morcegos. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/o-que-e-
o-coronavirus> <Acesso em 01 de novembro de 2021.
51
“O primeiro paciente com Coronavirus de Wuhan é identificado nos Estados Unidos” - <disponível em:
https://www.nytimes.com/2020/01/21/health/cdc-coronavirus.html> <acesso em 01/11/2021>
52
Coronavírus: OMS declara pandemia <disponível em https://www.bbc.com/portuguese/geral-51842518>
<acesso em 01/11/2021)
Um claro exemplo de sua postura está logo no início das mortes pela pandemia no país, uma
semana após a confirmação do primeiro óbito em decorrência da mesma, o presidente discursa
em rede nacional (rádio e televisão):
No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus,
não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha
ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico, daquela conhecida televisão (JAIR
BOLSONARO EM PRONUNCIAMENTO EM CADEIA NACIONAL DE RÁDIO E
TELEVISÃO – CNRT, 24 de março de 2020).

A manifestação de minimização da gravidade da doença por parte do


executivo esteve presente em seus discursos ao decorrer do ano.
Paralelamente, o vírus avançava no país, e o Brasil se tornava o 2º no
ranking com mais mortes e casos de Covid-19 em 2021 O
negacionismo proposto por Bolsonaro “se traduz na aceitação de
intervenções sem validação científica, como a divulgação e exaltação
de uma terapêutica de eficácia não comprovada e com efeitos
colaterais” (CAPONI, 2020).

Devido ao negacionismo científico do executivo, que havia gerado até 01 de fevereiro


de 2021 o número de 225 mil mortes por covid-19 no país, o senador Randolfe Rodrigues
(REDE-AP) que faz oposição a Jair Bolsonaro propôs a criação de uma Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) com o apoio de 30 senadores. A CPI teria a função de investigar ações e
omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia. No requerimento apresentado,
Randolfe Rodrigues afirma que o governo federal tem, durante a pandemia, sistematicamente
violado os direitos fundamentais básicos de toda a população brasileira à vida e à saúde. Até
setembro de 2022, o Brasil registrou 685.428 óbitos causados pela Covid-19 com 34.592.027
infectados. 53
A partir de tais questões, a proposta do artigo é desenvolver uma análise das notícias
publicadas pelo jornal Folha de S. Paulo que retratam as ações da Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) do Senado a fim de investigar como ela se configurou como um palco de
encenação de escândalos políticos-midiáticos. Ao mesmo tempo, pretende-se analisar como o
veículo noticioso divulgou os casos de corrupção envolvendo as negociações para compra de
vacinas como a aquisição de medicamentos sem eficácia comprovada para a Covid-19 por parte
do governo federal. O recorte da coleta foi de 28 de abril de 2021 a 27 de outubro de 2021.

53 DURÂES, Mariana. Covid: Brasil registra 60 mortes em 24 horas; média móvel fica em 76. Portal Uol, 19 de
setembro de 2022. Disponível em https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2022/09/19/covid-
19-coronavirus-casos-mortes-19-de-setembro.htm. Acesso em 24 de setembro de 2022.
2. NEGLIGÊNCIA DO GOVERNO FEDERAL SOB À ÓTICA DO NEGACIONISMO
CIENTÍFICO E DA PÓS-VERDADE

O momento, talvez o principal de toda a passagem de Bolsonaro pela presidência, é em


relação à pandemia do Covid-19. Desde que o vírus foi descoberto, Bolsonaro tem dado
declarações diminuindo a gravidade da doença, alegando que não passava de uma “gripezinha”.
Além disso, segundo ele, o vírus teria sido criado pela china, para quebrar a economia do mundo
e que eles possam lucrar em cima disso. Mesmo que, como aponta o jornal “Folha de São
Paulo”, cientistas de universidades dos Estados Unidos, Austrália e Inglaterra apontarem que o
Covid-19 é uma evolução natural do vírus “Sars”.
Uma das principais recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), para a
redução da velocidade de contágio do vírus, é o isolamento social. Tal medida ajudaria a não
superlotar os hospitais e áreas de atendimento aos contaminados. No entanto, de forma a
desmoralizar a medida, Bolsonaro promoveu passeatas e aglomerações alegando que a
Economia não poderia parar. O presidente também, em várias ocasiões, incluindo entrevistas a
jornalistas e pronunciamentos classificou a pandemia como uma histeria coletiva, um exagero,
que não passava de “uma gripezinha, enquanto a doença se alastrava por todo o mundo,
colocando o segundo país com maior número de contaminações. Com isso, os casos de Covid-
19 subiam rapidamente, junto ao número de mortos que, até então, somam mais de 600.000.
Além disso, o Presidente ainda questionou a eficácia das vacinas, tentando promover remédios
sem comprovação científica, com o único fim de se promover como o “portador da cura”.
Esta briga entre os apoiadores de Bolsonaro e as pessoas que realmente apoiavam a
OMS e todo o corpo científico fez com que a instabilidade social reinasse no Brasil. As atitudes
do presidente o mancharam diante do mercado externo, fazendo com que nossa economia se
desestruturasse. Além da péssima política com os governadores, gerando conflitos internos e
alterações em impostos. Diante a uma crise econômica, política e social cujo qual o povo
brasileiro está submetido, Bolsonaro, através de um discurso norteado pelo negacionismo
científico, acusou a imprensa e os órgãos contrários denominados por ele de “Pessoal do fica
em casa” de responsáveis.
Desde a sua campanha para a Presidência, a maior estratégia de Jair Bolsonaro e sua
base é a de se articular de modo a descredibilizar todos os seus oponentes ou discordantes, seja
ele um indivíduo, um sistema, um veículo de imprensa, órgão público ou outros. Uma vez
invalidado, é possível desmoralizá-lo ao ponto de que suas informações não são mais aceitas.
Assim, é possível aplicar o que a pesquisadora Letícia Cesarino (2021) chamou de “pós-
verdade”, que consiste em trazer uma combinação calculada de observações corretas,
interpretações plausíveis para justificar argumentos falsos.
No artigo “Pós-Verdade e a Crise do Sistema de Peritos: uma explicação cibernética”,
Cesarino (2021) afirma que a ciência se faz através de uma combinação de argumentos que
precisam necessariamente possuir credibilidade. Para isso, é preciso uma junção de várias
pesquisas, com base em outras pesquisas e assim continuamente formando elos que sustentem
o argumento. Uma vez que uma ou várias dessas pesquisas são invalidadas, todo o argumento
é descredibilizado ou invalidado. Sendo assim, torna-se possível a aparição de novos
argumentos que, desta vez, são “verdadeiros”.

Diferentes realidades parecem proliferar em um contexto de


desorganização epistêmica profunda, no qual a comunidade científica
e o sistema de peritos de modo mais amplo deixam de gozar da
confiança social e da credibilidade que antes detinham, tendo,
portanto, sua capacidade neguentrópica significativamente reduzida.
Nesse processo, como veremos a seguir, circuitos neguentrópicos
diferentes do sistema de peritos ganham força, como a política
populista, o pensamento conspiratório e “encantado”, e outras formas
de performatividade das mediações algorítmicas (CESARINO, 2021,
p. 77)

A partir dos argumentos da autora, pode-se afirmar que Bolsonaro buscou colocar em
descrédito parte da comunidade científica, desafiando, principalmente, as recomendações da
Organização Mundial da Saúde (OMS).
Neste caso, houve uma disputa simbólica entre o que os autores chamam de retórica
neopopulista de extrema direita, baseada em argumentos emocionais, por parte do presidente,
contra discursos científicos consolidados em pesquisas num momento de muita tensão.
Toda essa movimentação por parte da presidência e seus aliados, vai de encontro ao que
o antropólogo Erving Goffman (2002) chamou de “Cena”, que se dá quando um age a fim de
destruir ou ameaçar a convivência.
Assim, Bolsonaro além de declarar seus ideais, ainda proferiu ataques diretos, como
xingamentos, tanto ao grupo, quanto a indivíduos. Em uma live no dia 06 de maio de 2021, por
exemplo, Bolsonaro, defendendo o uso de medicamentos sem comprovação científica de
eficácia, disse que era contra esta prática são “um bando de canalhas”.
Por diversas vezes, durante o período da CPI, a denominou de “xaropada” ou
“presepada”, proferindo ataques a ministros, deputados e senadores. Tudo isso levando seus
apoiadores a fazer o mesmo, a fim de desmoralizar os que são alvos de seus ataques.

3. A DIMENSÃO TEATRAL E ESPETACULAR DA MÍDIA: OS ESCÂNDALOS


POLÍTICOS

Antes de examinar os escândalos políticos, é necessário esclarecer o significado


conceitual desse fenômeno. Além disso, qual o papel da mídia em relação a tais escândalos?
Toda essa trajetória midiática da relação do governo diante à pandemia, passando
principalmente pela CPI, nos remete ao que John B. Thompson (2002) chamou de “escândalo
midiático”, que consiste na revelação, através dos meios de comunicação, de atividades antes
ocultadas, que no geral são moralmente desonrosas. Assim, desencadeando uma série de
eventos posteriores. Segundo Thompson (2002), esses escândalos midiáticos são incentivados
por vários motivos, para a mídia em si, os principais são que esses “escândalos” vendem,
gerando lucros financeiros a quem divulga. O outro motivo, neste caso específico, é meramente
político, a fim de “desmascarar o oponente”, assim, se reafirmando.

[...] o escândalo político também nos diz algo sobre a natureza do


poder e a sua fragilidade, sobre as maneiras como o poder é exercido
em nossas sociedades, sobre os tipos de recursos os quais ele está
fundamentado e como ele pode ser perdido rápida e subitamente
(THOMPSON, 2002, p. 31).

Sendo um “escândalo midiático” com proporções nacionais, a cobertura jornalística teve


que quebrar sua rotina de modo a ampliar a cobertura. Assim como pontuou Gaye Tuchman
(1993), os fatos podem acontecer em qualquer lugar, em qualquer momento, obrigando os
jornalistas a viver reféns da imprevisibilidade. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
tornou-se, além de um evento político, um acontecimento midiático, rompendo a rotina, como
Adriano Duarte Rodrigues (1993) enfatizou. Citando o autor, no caso em questão, o
acontecimento se vem pela falha, assim “procede por defeito, por insuficiência no
funcionamento normal e regular dos corpos” (RODRIGUES, 1993, p. 28).
Com o andamento da CPI e seus desdobramentos, praticamente diários, foi preciso
montar um aparato plantonista no local, onde jornalistas especializados ficavam de plantão
contando com fontes diversas, a fim de dar uma cobertura completa sobre cada passo da CPI.
Um trabalho árduo do jornalismo brasileiro a fim de, além de fazer uma cobertura em grande
escala sobre todos os passos da comissão, evitar a proliferação de pós-verdades, ou as chamadas
fake news que, diferente da pós-verdade, não tem compromisso algum com uma base real,
podendo ser completamente inventadas.
A alta proliferação das fake news foi um dos principais desafios do jornalismo em
relação à CPI e ao arranjo midiático presente no governo Bolsonaro. Letícia Cesarino (2021)
comenta os impactos desse novo arranjo, dizendo que podem ser altamente nocivos em vários
aspectos da sociedade. Primeiramente, ao dar uma transversalidade dialética, além de um
populismo ligado diretamente ao conservadorismo com base nas famílias e nas igrejas, em que
qualquer coisa que diverge dessa estrutura, é dada como errada e/ou criminosa. Segundo um
levantamento feito pelo portal de dados abertos Brasil.IO, a pedido da agência Lupa, submetido
ao Folha de S. Paulo, o termo fake news foi citado 247 vezes durante a CPI, a maioria ligado
aos impactos diretos na pandemia.
Um ponto muito forte que ajuda essa propagação são as redes sociais que ajudam, e
muito, na divulgação de argumentos falsos, sem comprovação ou falsas verdades. Desde a sua
campanha para a presidência, Jair Bolsonaro, possuindo poucos minutos de propaganda política
nas grandes mídias, teve sua campanha inteira focada nas redes sociais, atacando diretamente
os meios de comunicação, de forma a desmoralizá-los. Assim, Bolsonaro pode manter seus
apoiadores longe da mídia. Em “Identidade e representação no bolsonarismo: corpo digital do
rei, bivalência conservadorismo-neoliberalismo e pessoa fractal”, Letícia Cesarino (2019)
aponta como esse populismo se constrói nas redes sociais, assim:

O fluxo intensivo e constante de conteúdos alarmistas e


conspiratórios, especialmente via WhatsApp e YouTube, garantiu
que o corpo digital do rei mantivesse sua integridade durante toda a
campanha, inabalável diante das ameaças que vinham do exterior,
como a imprensa e os adversários políticos. Em outras palavras,
logrou-se construir e estabilizar uma estrutura de redução de
complexidade (que entendo como um “sistema”, no sentido próximo
ao que Luhmann[1995] empresta ao termo) capaz de reduzir
praticamente tudo o que vinha do entorno aos seus próprios termos.
Assim, agentes desestabilizadores, reais ou potenciais, foram
continuamente reduzidos à função estrutural do inimigo (“esquerda”,
“socialismo”) (CESARINO, 2019, p. 535).

Esta argumentação de que há um inimigo a ser parado elege diretamente a figura do Rei,
que no caso seria Bolsonaro, como o único herói capaz de neutralizar este inimigo. Além de
colocá-lo como detentor único da verdade absoluta, faz com que os seus seguidores o tenham
como uma figura quase divina e incorruptível.

4. A PANDEMIA NO BRASIL

O primeiro caso de Coronavírus no Brasil foi registrado no dia 26 de fevereiro de 2020,


um homem de 61 anos recém-chegado da Itália, foi confirmado com a doença após dar entrada
em hospital na cidade de São Paulo. Duas semanas depois, mais precisamente no dia 17 de
março, foi confirmada a primeira morte em decorrência da doença no país: homem de 62 anos
que possuía comorbidades estava internado em hospital particular em São Paulo. Devido aos
casos de covid-19 que avançavam no país, inúmeros estados e municípios da união decretaram
estado de emergência. Na contramão dos prefeitos e governadores, o presidente Jair Bolsonaro
sempre se manteve alheio à ciência e buscava em seu discurso minimizar os danos causados
pelo vírus, subestimando-o e tratando uma postura negacionista.
Um claro exemplo de sua postura está logo no início das mortes pela pandemia no país,
uma semana após a confirmação do primeiro óbito em decorrência da mesma, o presidente
discursa em rede nacional (rádio e televisão):

No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse


contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria
ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho,
como bem disse aquele conhecido médico, daquela conhecida
televisão (JAIR BOLSONARO EM PRONUNCIAMENTO EM
CADEIA NACIONAL DE RÁDIO E TELEVISÃO – CNRT, 24 de
março de 2020).

A manifestação de minimização da gravidade da doença por parte do executivo esteve


presente em seus discursos ao decorrer do ano. Paralelamente, o vírus avançava no país e o
Brasil se tornava o 2º no ranking com mais mortes e casos de Covid-19 em 202154. O
negacionismo proposto por Bolsonaro “se traduz na aceitação de intervenções sem validação
científica, como a divulgação e exaltação de uma terapêutica de eficácia não comprovada e com
efeitos colaterais” (CAPONI, 2020).

54
Brasil ultrapassa a Índia e volta a ser segundo país com mais casos de Covid-19 no mundo. <Disponível em:
https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/03/12/brasil-ultrapassa-india-e-volta-a-ser-segundo-
pais-com-mais-casos-de-covid-19-no-mundo-segundo-johns-hopkins.ghtml> <acesso em: 20/11/2021>
Devido ao negacionismo científico do executivo, que havia gerado até 01 de fevereiro
de 2021 o número de 225 mil mortes por covid-19 no país55, o senador Randolfe Rodrigues
(REDE-AP), que faz oposição a Bolsonaro, propôs a criação de uma Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) com o apoio de 30 senadores. A CPI teria a função de investigar ações e
omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia. No requerimento, Randolfe
Rodrigues afirma que o governo federal violou, durante a pandemia, sistematicamente os
direitos fundamentais básicos de toda a população brasileira à vida e à saúde.

5. O INÍCIO DA CPI

As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) surgiram na Grã-Bretanha, entre os


séculos XIV e XVII. No Brasil, elas tiveram início no século XX, mais precisamente durante a
Era Vargas, após a promulgação da constituição de 1934. As CPIs são constituídas nas Casas
Legislativas e são destinadas a investigar fatos relevantes para a vida pública e para a ordem
constitucional. A comissão pode ser criada pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal
e lhe é garantida poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. De acordo com o
Regimento Interno do Senado Federal:

No exercício das suas atribuições, a Comissão Parlamentar de


Inquérito terá poderes de investigação próprios das autoridades
judiciais, facultada a realização de diligências que julgar necessárias,
podendo convocar Ministros de Estado, tomar o depoimento de
qualquer autoridade, inquirir testemunhas, sob compromisso, ouvir
indiciados, requisitar de órgão público informações ou documentos
de qualquer natureza, bem como requerer ao Tribunal de Contas da
União a realização de inspeções e auditorias que entender necessárias.
(BRASIL, 2019)

A CPI da Covid-19 foi proposta no Senado Federal para investigar ações e omissões do
governo federal no enfrentamento da pandemia e o colapso da saúde no estado do Amazonas.
Foi necessária para seu início a assinatura de pelo menos um terço dos membros titulares no
Senado (27), o requerimento foi assinado por 32 senadores no mês de fevereiro. Mas a
instalação dessa Comissão Parlamentar de Inquérito dependia da formalização pelo presidente

55
Brasil passa de 225 mil mortes por covid-19 <disponível em: https://exame.com/brasil/casos-de-coronavirus-
numero-de-mortes-01-de-fevereiro-de-2021> <acesso em: 20/11/2021)
da casa Rodrigo Pacheco (PSD-MG) que se manifesta contrariamente56 à abertura da CPI
naquele momento. Ele argumentava que o funcionamento de uma CPI poderia ter o efeito
inverso ao desejado, como o de eventualmente gerar desconfiança da população em face das
autoridades públicas em todos os níveis.
Com a recusa da instalação por parte de Pacheco, os senadores Jorge Kajuru (Cidadania-
GO) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) entraram com um mandado de segurança no Supremo
Tribunal Federal (STF) para garantir a criação e funcionamento da CPI. O pedido foi aceito
pelo ministro do supremo, Luís Roberto Barroso, que determinou 57 em decisão liminar que o
Senado adotasse as medidas necessárias para a instalação da comissão, sendo referendado sua
decisão em plenário do STF no dia 1, o que foi prontamente acatado pelo presidente do Senado,
ainda que contrariado.
A comissão foi formada por 11 membros titulares. Entre os componentes, apenas 4 eram
governistas ou próximos ao Palácio do Planalto: Ciro Nogueira 58 (PP-PI), Eduardo Girão
(Podemos-CE), Jorginho Mello (PR-SC) e Marcos Rogério (DEM-RO). Por outro lado, havia
o chamado G7, grupo majoritário de integrantes da CPI que se intitulavam como oposição ou
independentes e que incluía Omar Aziz (PSD-AM), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Renan
Calheiros (MDB-AL), Otto Alencar (PSD-BA), Humberto Costa (PT-PE), Alessandro Vieira
(Cidadania-SE) e Rogério Carvalho (PT-SE).
Na primeira sessão, o senador mais velho titular da comissão, Otto Alencar teve a
prerrogativa de conduzir a eleição da CPI para definir a presidência da mesma. Os candidatos
para o cargo foram Omar Aziz (“independente”) e Eduardo Girão (“governista”). Aziz venceu
por 8x3, contando com o voto dos integrantes do chamado G7 e de Ciro Nogueira, governista.
Aziz definiu Randolfe Rodrigues como vice-presidente e Renan Calheiros como relator da CPI.
A nomeação do relator foi alvo de disputa judicial, os deputados governistas Daniel Silveira
(PTB-RJ) e Carla Zambelli (PSL-SP) entraram na Justiça com objetivo de impedir que o
senador Renan Calheiros (MDB-AL) fosse o relator da CPI – o que foi aceito em primeira

56 Pacheco considera “inapropriada” CPI da covid-19, ordenada pelo STF <disponível em


https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-04/pacheco-considera-inapropriada-cpi-da-covid-19-
ordenada-pelo-stf> <acesso em: 23/11/2021>
57 STF obriga Senado a abrir CPI da Covid. <disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/politica/barroso-obriga-

senado-a-abrir-cpi-da-covid> <Acesso em: 23/11/2021>


58 Ciro Nogueira se desligou da comissão para se tornar ministro chefe da Casa Civil no mês de julho. Foi

substituído por Luís Carlos Heinze (PP-RS).


instância, mas negado59 pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que colocou
ponto final no assunto.

6 ESTUDO DE CASO: A COBERTURA DA FOLHA DE S. PAULO SOBRE A CPI DA


COVID-19

Para desenvolver um estudo de caso sobre a cobertura da Folha de S. Paulo sobre a


Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, foram selecionadas 15 notícias
referentes ao período de vigência da Comissão de 27 de abril de 2021, quando foi instaurada
até a aprovação do seu relatório em 26 de outubro de 2021. A coleta foi gradativamente
aumentando com a intensificação dos trabalhos da CPI: 1 em abril (27 de abril de 2021), 2 em
maio (06 e 27 de maio), 01 em junho (04 de junho), 01 em julho (01 de julho de 2021), 01 em
agosto (12 de agosto), 4 em setembro (13, 19, 21 e 27 de setembro), 4 em outubro (08, 18, 26
e 27 de outubro) e 01 em novembro (26 de novembro).

59 TRF-1 derruba liminar e abre caminho para Renan Calheiros relatar Cpi da Covid <disponível em
https://www.poder360.com.br/congresso/trf-1-derruba-liminar-e-abre-caminho-para-renan-calheiros-relatar-cpi-
da-covid/> <acesso em: 25/11/2021)
Quadro 1
Notícias da Folha de S. Paulo sobre a CPI da Covid-19
Fonte: elaborado pelos autores, 2021.

Quanto aos dados referentes às notícias coletadas, do universo de 15 matérias, como era
de se esperar, por se tratar de uma CPI que apurava um escândalo político e midiático, a maior
parte têm um enquadramento negativo – 13 do total (86,7%) e apenas 2 são positivas. Isso
revela também o posicionamento crítico da Folha de S. Paulo em relação ao governo Bolsonaro
e a sua conduta negacionista na pandemia. Quanto ao que Traquina (2001) aponta como
organização de jornalistas na cobertura noticiosa, observa-se que há esta organização do jornal
em termos de espaço. O repórter Renato Machado assina 6 das 15 notícias, seguido de
Constança Rezende e Mateus Vargas (que assinam 2 notícias cada, respectivamente). Muitas
são assinadas em conjunto porque requerem uma apuração conjunta, o que é muito recorrente
em reportagens que exigem mais trabalho dos jornalistas.
As principais fontes e personagens nas notícias são os integrantes da CPI como os
senadores Osmar Aziz (presidente da Comissão) e Renan Calheiros (relator), além de Randolfe
Rodrigues (vice-presidente) e a senadora Simone Tebet (MDB), que foi bastante atuante. O
presidente Jair Bolsonaro é citado de forma recorrente por ser o principal envolvido nas
denúncias, assim como o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o ex-ministro, Eduardo
Pazuello, acusado de cometer irregularidades. Outros ministros e ex-ministros citados nas
irregularidades são Ernesto Araújo (Relações Internacionais), Onyx Lorenzoni (ministro-chefe
da Secretaria Geral da Presidência), Fábio Wajngarten (ex-chefe da Secretaria Especial de
Comunicação Social), Wagner Rosário (ministro-chefe da Controladoria Geral da União)
Deputados aliados do presidente também aparecem na lista, como Omar Terra (MDB),
Bia Kicis (PSL), Ricardo Barros (PP), Luís Miranda (DEM). São acusados ainda integrantes do
Ministério da Saúde como Roberto Ferreira Dias, além de empresários ligados a Bolsonaro,
como Luciano Hang (dono da Havan), Luiz Paulo Dominguetti Pereira (representante da Davati
no Brasil), Túlio Silveira e Pedro Benedito Batista Júnior (ambos da Precisa Medicamentos),
Nise Yamaguchi (médica), Paolo Zanotto (biólogo). Familiares ligados às vítimas também
foram convocados para prestar depoimentos para reforçar as denúncias sobre o uso de
medicamentos e tratamentos sem eficácia.
Quanto às notícias, em 27 de abril de 2021, destaque à instalação da Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, no Senado, para fazer uma apuração das
irregularidades por parte de órgãos do governo, no combate à pandemia, tendo como presidente
o senador Osmar Aziz (PSD) e o relator Renan Calheiros (MDB), ambos da oposição. Na
matéria com o título de “Em derrota para Bolsonaro, CPI da Covid é instalada com minoria
governista e Renan na relatoria”, a notícia publicada pela Folha de S. Paulo trata da derrota de
Bolsonaro com a instalação da CPI e afirma que os aliados do presidente tentaram evitar que a
Comissão fosse à frente, mas não conseguiram. Dos 11 componentes, 7 são da oposição ou
independentes em relação ao governo do presidente Jair Bolsonaro.
No dia 06 de maio de 2021, o Presidente, até então, sem partido, em sua live semanal
voltou a recomendar o uso de remédios sem comprovações científicas, como a
hidroxicloroquina, para pacientes com Covid. Bolsonaro ainda chamou os que se opõem ao uso
do medicamento de “canalhas”, além disso, ainda negligenciou a CPI dizendo que “não dá para
ouvir tudo da CPI, né? Primeiro que é uma xaropada”. Com tons de deboche, ironizou os
deputados, senadores e ex-ministros que haviam prestado depoimentos à comissão.
Em 27 de maio de 2021, a Folha de S. Paulo publicou a notícia “Documentos do
Planalto entregues à CPI mostram 24 reuniões com atuação de 'ministério paralelo' na gestão
da pandemia”, que revelavam que pessoas apontadas como integrantes de um “ministério
paralelo” da Saúde no Planalto participaram de ao menos 24 reuniões para tratar de estratégias
do governo de combate à pandemia. Segundo senadores independentes e de oposição da CPI, o
“ministério paralelo" seria um grupo de aconselhamento do presidente Jair Bolsonaro fora da
estrutura do Ministério da Saúde. O material remetido à CPI da Covid-19 trata de informações
solicitadas sobre as reuniões, que tiveram como pauta a pandemia da Covid-19 — Bolsonaro
não esteve em seis delas, mas todas ocorreram no Palácio do Planalto.
Em 04 de junho de 2021, a Folha de S. Paulo mostrou como em uma live de aliados do
Presidente mostrou uma suposta criação de um "ministério paralelo" que assessorava o governo
federal no combate da pandemia da Covid-19. Em uma reunião, ocorrida no Palácio do Planalto,
em setembro de 2020, o virologista Paolo Zanotto disse que “talvez fosse importante montar
um grupo, como se fosse um ‘shadow cabinet'. Esses indivíduos não precisam ser expostos à
popularidade”. Este gabinete seria um grupo de aconselhamentos a Bolsonaro fora da estrutura
do Ministério da Saúde. Segundo a investigação da CPI, compunham esse conselho, Carlos
Bolsonaro (REP-RJ), filho do presidente, o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), o
assessor especial da Presidência Tercio Arnaud, o ex-secretário de comunicação Fabio
Wajngarten, além da médica Nise Yamaguchi.
A investigação da CPI também concluiu uma movimentação atípica no caso das vacinas
da marca “Covaxin”. Os inquéritos mostram que o governo teria ignorado recomendações
jurídicas e fechando contrato com a marca sem a consultoria jurídica do Ministério da Saúde,
responsável por analisar a viabilidade da proposta. Segundo as investigações, as negociações a
respeito da compra de 20 milhões de doses dessa vacina foram pouco transparentes, levantando
suspeitas de irregularidades em sua contratação.
O deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) - líder do governo na Câmara - teria sido
citado pelo presidente como um dos responsáveis pelas suspeitas nas negociações da vacina
indiana Covaxin, segundo relato do deputado Luís Miranda (DEM-DF) para a CPI no dia 24 de
junho. Convidado a depor, Ricardo Barros esteve na Comissão no dia 12 de agosto. Após a
sessão, a Folha de S. Paulo noticiou que o depoente, “com uma exibição exuberante de cinismo
e despudor político, Barros venceu” ao apontar fragilidades evidentes da CPI.
O advogado Marcos Tolentino - amigo de Barros deveria prestar depoimento à CPI na
primeira semana de setembro. Membros da oposição acreditavam que ele era o sócio oculto do
FIB Bank, empresa que deu a garantia para o negócio envolvendo a compra da vacina indiana
Covaxin. Mas, faltando menos de 24h para depor, Tolentino entrou com internação em um
hospital e fez um pedido para não comparecer à Comissão Parlamentar por motivos de saúde.
No dia, o advogado apareceu em transmissão ao vivo e aparentava estar disposto, o que irritou
os membros da CPI. Seu depoimento foi adiado por duas semanas, pois na seguinte, devido ao
feriado de 7 de setembro e às manifestações governistas, não houve sessão da CPI.
Para garantir que Tolentino estivesse presente, a Comissão Parlamentar solicitou
decisão judicial para autorizar a condução coercitiva do advogado, caso ele não comparecesse
para a oitiva. A decisão foi aceita, conforme a matéria da Folha de S. Paulo traz sobre o caso,
encerrando com fala do presidente da Comissão, Omar Aziz, que esbravejava pela presença do
depoente: “Ele vem de maca, mas virá!”.
Na reta final dos depoimentos, a Folha de S. Paulo afirma que a CPI deve entrar em
duas linhas de investigações que foram traçadas: a atuação de Wagner do Rosário ministro da
Controladoria Geral da União, que teria prevaricado e permitido que a Precisa Medicamentos
atuasse para tentar vender testes para o Ministério da Saúde; e o comportamento da Prevent
Senior (operadora de saúde do estado de São Paulo) com o chamado Kit Covid.
Sobre a investigação de Wagner Rosário, a Folha retrata que seu depoimento ficou
marcado por sua acusação machista à senadora Simone Tebet (MDB), quando a mesma disse
que o ministro era um "engavetador". Ele solicitou que ela revisse os documentos e disse que
ela estava “descontrolada”, dando princípio a uma longa confusão que marcou o encerramento
do depoimento. A investigação da Prevent Senior surgiu após uma denúncia formal feita por
um representante de médicos e ex-médicos da empresa. O documento recebido pela comissão
afirmava que a operadora de saúde que tem sede no estado de São Paulo havia feito acordo com
o Governo Federal para testar e disseminar as medicações do chamado "kit covid", como
cloroquina, ivermectina e azitromicina em pacientes de sua rede hospitalar, sendo seus
pacientes usados como "cobaias humanas".
Dando sequência a investigação sobre as possíveis irregularidades feitas pelo convênio,
a CPI ouviu a advogada Bruna Morato – representante dos médicos que trabalharam na Prevent
e entregaram o dossiê à comissão – além do empresário bolsonarista Luciano Hang, no qual era
mencionado no documento por suposta fraude nos prontuários da certidão de óbito da sua mãe,
no hospital Sancta Maggiore, da Prevent Senior, em São Paulo.
Desencadeado o escândalo, a Folha de S. Paulo em artigo no dia 08 de outubro de 2021
publicou o artigo assinado pela microbiologista Natália Pasternak e pelo professor e assessor
acadêmico do Instituto Brasil-Israel que condenavam a prática realizada comparando a com as
realizadas na segunda guerra mundial, na Alemanha nas décadas de 1930-40, que decidia quem
deveria viver e quem eram as pessoas descartáveis.
No último dia de depoimentos, a Comissão Parlamentar de Inquérito convidou
familiares que tiveram suas vidas dilaceradas pela pandemia para relatar os acontecimentos,
como forma de dar voz a milhões de brasileiros que perderam entes queridos em decorrência
do vírus mortal. Os depoentes fizeram os senadores chorarem com suas histórias. A Folha de
S. Paulo, em artigo assinado pela jornalista Carol Pires ao relatar esse dia, afirmou que a CPI
“cumpriu o papel de detalhar como a morte virou política pública”.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O relatório final da CPI da Covid, emitido no dia 26 de outubro de 2021, possuindo


1.289 páginas, elaborado ao longo de seis meses, pediu o indiciamento de 78 pessoas e 2
empresas, além de atribuir nove crimes a Jair Bolsonaro. O parecer mostra que há provas de
que o presidente Jair Bolsonaro e seu corpo de apoiadores foram omissos e escolheram agir "de
forma não técnica e desidiosa" no enfrentamento da pandemia.
A sua conclusão evidencia a imagem de um governo que aposta em fake news e
conceitos de pós-verdades para a gestão do país. Houve uma falta de coordenação e
profissionalismo, que preferiu subestimar o vírus, arriscar em tratamentos ineficazes e sem
comprovação científica do que fazer política e alianças com estados e municípios, a fim de
trazer estratégias eficazes para mitigar os efeitos do coronavírus no país.
Esta postura resultou nos mais de 600.000 mortos pela pandemia no Brasil, muitos
guiados pelo negacionismo do chefe do executivo, ou vítimas da falta de amparo do governo,
como nas compras de vacinas ou investimentos em pesquisas para o tratamento da doença. O
presidente da República, Jair Bolsonaro, sempre se manteve alheio, preferindo adotar posturas
que se configuram como negacionistas, que se apresentavam já na campanha eleitoral, com seu
desprezo pelas universidades, pela pesquisa científica, pelos direitos das populações
vulneráveis, como nos mostra Caponi (2020).
A CPI da Covid teve como mérito e grande vitória ao conseguir fazer com que mesmo
diante de tanto negacionismo, o governo federal comprasse vacinas. No dia 27 de abril de 2021,
quando se iniciou a comissão, apenas 44 milhões de doses da vacina tinham sido aplicadas no
país, e 14 milhões60 (6,6% da população) havia tomado a segunda dose, que garantiria a
imunidade completa ao vírus. A pressão política funcionou, e no dia em que o relatório final foi
apresentado, 99 milhões de pessoas, correspondente a 53% da população já estava com a
segunda dose no braço.
Nove senadores que compunham a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-
19 entregaram na quarta-feira, 27 de outubro, o relatório final para o procurador-geral da
República, Augusto Aras, solicitando 80 indiciamentos, entre eles ministros, ex-ministros,
servidores públicos, parlamentares, empresários, jornalistas e médicos, além de duas empresas.
Quanto ao temor de que a procuradoria geral da república não tomasse as previdências cabíveis,
Ruy Castro em sua coluna na Folha de S. Paulo afirmou logo após a entrega: “Teme-se que
Aras durma no segundo parágrafo, vire para o canto e ronque”. Aras entregou ao STF no dia
26 de novembro, 10 pedidos sobre relatório da CPI da Covid. Os dados são sigilosos, não se
sabe se haverá ou não indiciamentos, mas como afirmado pela jornalista Carol Pires em seu

60 Dados de vacinação no Brasil <Disponível em: https://ourworldindata.org> <acesso em: 07/12/2021>


texto na Folha de S. Paulo, “a comissão cumpriu o papel de detalhar como a morte virou política
pública” 61.
No que diz respeito à cobertura da Folha de S. Paulo, observa-se que o enquadramento
foi negativo, tanto por se tratar de um escândalo político e midiático, mas também pela linha
editorial contrária ao presidente Jair Bolsonaro. A imprensa atuou no sentido de dar visibilidade
e acompanhar sistematicamente os trabalhos da CPI da Covid, cumprindo, nesse sentido, o seu
papel de mostrar para a opinião pública um momento tão tenso. Além da crise sanitária, as
denúncias de irregularidades nas negociações de vacinas e a omissão do governo federal no
tratamento e na prevenção da pandemia são bastante graves.

REFERÊNCIAS
AFONSO, Nathalia. ‘Fake news’: termo foi citado 247 vezes nos depoimentos da CPI da Covid
no Senado. Agência Lupa. Disponível em https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2021/10/29/fake-
news-cpi-covid/ Acesso em 07 dezembro de 2021.

BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Regimento Interno, Volume I.

CAPONI, Sandra. Covid-19 no Brasil: entre o negacionismo e a razão neoliberal. Estudos


Avançados, v.34, n.99, 2020, p,209-223.

CARVALHO, D. & URIBE, G. Em derrota para Bolsonaro, CPI da Covid é instalada com
minoria governista e Renan na relatoria. Folha de S. Paulo.
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/04/em-derrota-para-bolsonaro-cpi-da-covid-e-
instalada-com-minoria-governista-e-renan-na-relatoria.shtml. Acesso em 07 dezembro de
2021.

CESARINO, Letícia. Identidade e representação no bolsonarismo. Revista de Antropologia,


v. 62, n. 3, p. 530-557, 2019.

CESARINO, Letícia. Pós-verdade e a crise do sistema de peritos: uma explicação cibernética.


Ilha Revista de Antropologia, v. 23, n. 1, 2021.

GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Editora Vozes,


2002.

KALIL, Isabela Oliveira et al. Quem são e no que acreditam os eleitores de Jair Bolsonaro.
São Paulo: FESPSP, 2018.

LOPES, R. & CANCIAN, R. Documentos do Planalto entregues à CPI mostram 24 reuniões


com atuação de 'ministério paralelo' na gestão da pandemia. Folha de S. Paulo. Disponível

61 CPI cumpriu o papel de detalhar como a morte virou política pública. <Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/10/cpi-cumpriu-o-papel-de-detalhar-como-a-morte-virou-politica-
publica.shtml> <Acesso em: 07/12/2021>
em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/documentos-do-planalto-entregues-a-cpi-
mostram-24-reunioes-com-atuacao-de-ministerio-paralelo-na-gestao-da-pandemia.shtml.
Acesso em 06 de junho de 2021.

RODRIGUES, Adriano Duarte. Estratégias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença,


1990.

THOMPSON, J.B. Ideologia e cultura moderna. Petrópolis: Editora Vozes, 1995.

THOMPSON, J.B. Escândalos Políticos. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.

TRAQUINA, Nelson. Estudos do Jornalismo no século XX. São Leopoldo: Editora Unisinos.
2001.

TUCHMAN, Gaye. A objectividade como ritual estratégico: Uma análise das noções de
objectividade jornalística. In: TRAQUINA, Nelson (Org). Jornalismo. Questões, teorias e
‘estórias’. Lisboa: Editora Vega, 1993, p.61-73.
Capítulo 18

Guerreiras, maternais e profissionais –


Candidatas à presidência do Brasil no HGPE televisivo

Alice Marina Lira Lima (UFPR)

RESUMO: O objetivo do artigo é identificar imagens de candidatas no Horário Gratuito de


Propaganda Eleitoral (HGPE) das sete mulheres que disputaram a presidência do Brasil. Assim,
o problema de pesquisa é: de que maneira as candidatas à presidência do Brasil se apresentaram
no HGPE de acordo com perfis considerados ideais, elaborados por Luciana Panke (2015), que
são a guerreira, a maternal e a profissional? A pesquisa verificou que a primeira é a que mais
se destaca entre as candidatas, em média, em 50% do tempo. Em seguida, a maternal, com 29%
e, em menor quantidade, a profissional – 21%. Embora possuam características, estruturas de
campanha e partidos diferentes, diversas semelhanças foram encontradas na comunicação
projetada por essas candidatas.

PALAVRAS-CHAVE: Comunicação política, HGPE, eleições, candidatas.

1. INTRODUÇÃO
Quem nasceu no Brasil em um contexto de mulheres inseridas em ambientes de trabalho
fora do âmbito doméstico, e com a previsão legal de participação política sem restrições de
gênero, pode ter a ideia de que está tudo equilibrado. Contudo, os números de representação no
país estão abaixo de diversas nações. Segundo levantamento do Senado Federal, de 2016, em
termos de presença feminina em parlamentos, as instituições brasileiras só estão mais bem
colocadas que Haiti, Belize e São Cristóvão nas Américas e no Caribe, apesar de o país ter sido
um dos pioneiros na garantia do voto às mulheres.
De acordo com os mesmos dados, de 26 estados e um distrito federal, há apenas duas
governadoras que exercerão seus mandatos a partir de 2023: Fatima Bezerra (PT), do Rio
Grande do Norte, e Raquel Lyra (PSDB), de Pernambuco. Apesar dos baixos índices de
representatividade, mulheres somam 53% do total de eleitores no Brasil.
Essa baixa participação nas instâncias de poder faz do país um dos de maiores destaques
em relação à ao desequilíbrio na representação de gênero na política. Levantamento da União
Parlamentar de 2013 expôs o Brasil na 156ª posição em um ranking de 188 nações que
averiguou a presença feminina nos parlamentos. A relação entre mulheres e eleições envolve
um amplo passado de exclusão da atividade política institucionalizada, bem como um presente
com características persistentes.
Nesta pesquisa, como explica Scott (1995), entende-se que gênero é uma categoria
analítica que parte do processo de identificação de corpos sexuados, considerando os meios
social e cultural dos indivíduos. Segundo Marta Lamas (2013), trata-se de uma construção
simbólica baseada pela diferença sexual. Assim, este estudo tem como foco a questão de gênero
na comunicação política e eleitoral, especificamente em campanhas eleitorais por meio dos
perfis de candidatas expostos no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE).
Componente do planejamento de campanhas, o HGPE está inserido na comunicação
eleitoral, uma das ramificações da comunicação política. Segundo Giles Lipovetsky (2012), a
política é ainda a atividade mais impeditiva às mulheres pela sua estrutura predominantemente
masculina. Assim, busca-se, dentro desse universo, observar e compreender imagens projetadas
por todas as candidatas à presidência do Brasil e quais são as estratégias de comunicação
eleitoral em suas linguagens discursivas verbais, a partir de tipologias criadas para análise
especificamente sobre mulheres em disputas eleitorais, que são: a guerreira, a maternal e a
profissional (Panke, 2015, 2016).
O universo da pesquisa envolve o total sete campanhas 62 e o corpus correspondente a
194 vídeos (total de dez horas, 18 minutos e 40 segundos), relacionados ao primeiro turno das
eleições nos anos das candidaturas: 1989, 1998, 2006 e 2014. A primeira mulher candidata à
presidência do Brasil foi Lívia Maria Pio, em 1989, pelo Partido Nacionalista (PN). No ano de
1998, Thereza Ruiz, encabeçou a chapa do Partido Trabalhista Nacional (PTN). Em 2006, duas
mulheres se candidataram: Heloísa Helena, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), e Ana
Maria Rangel, pelo Partido Republicano Progressista (PRP). Na eleição seguinte, em 2010,
também duas: Marina Silva, pelo Partido Verde (PV), e Dilma Rousseff, pelo Partido dos
Trabalhadores (PT). Já em 2014, três mulheres disputaram a chefia do Executivo nacional.
Dilma Rousseff (PT), Marina Silva, pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), e Luciana Genro
(PSOL).

62As campanhas de 2010, de Dilma Rousseff e Marina Silva têm dados correspondente a pesquisa de Luciana
Panke (2015, 2016), que orientou a dissertação que baseia este artigo.
Para compreender as imagens exibidas por essas mulheres no HGPE, faz-se necessário
contextualizá-las com temas relacionados a gênero e seus efeitos na sociedade: quais os papéis
atribuídos a seres a partir da diferença sexual, bem como as implicações dos estereótipos.
Aliado aos termos, o entendimento da diferença entre público e privado auxilia na abordagem
da relação entre mulheres e política.

2. EIXOS TEÓRICOS - MULHERES E COMUNICAÇÃO ELEITORAL

Gênero é considerado como conjuntos de práticas, símbolos, valores, representações e


imagens que a sociedade traduz a partir da diferença sexual anatômica e dá sentido ao contexto
entre pessoas. Diante desse direcionamento, o feminino e o masculino não se referem ao sexo
dos indivíduos, mas às condutas consideradas femininas ou masculinas (Gamba, 2008). Para
Susan Okin (2008), refere-se “à institucionalização social das diferenças sexuais; é um conceito
usado por aqueles que entendem não apenas a desigualdade sexual, mas muitas das
diferenciações sexuais, como socialmente construídas” (OKIN, 2008, p. 306).
Questões baseadas em gênero permeiam as sociedades e se imbricam na consolidação
de quais papéis são aceitos de acordo com as organizações sociais. Alguns exemplos são as
estruturas de trabalho e vagas que fazem diferenciações para homens e para mulheres, cotas
que partidos políticos precisam respeitar em pleitos eleitorais etc. Como se vê com Susana
Gamba (2008), adotar a perspectiva do termo significa abordar a multiplicidade de identidades,
considerando funções psicológicas, socioculturais e expectativas direcionadas aos indivíduos
em cada momento histórico e em cada sociedade.
Inserido nas perspectivas de gênero, papéis sociais estão associados à representação ou
imagem que se tem de algo ou de alguém. Estão ligados ao que se associa a homens e mulheres
ou machos e fêmeas (Grossi, 2012). Por meio de expectativas que se têm no imaginário de
representações sociais, espera-se das pessoas determinadas posturas ou padrões sem que para
isso, necessariamente, se leve em consideração características individuais e próprias dos
sujeitos.
Mais complexa que os papéis sociais, a identidade de gênero remete à constituição ou
processo de construção e trata-se de um sentimento individual, segundo Miriam Pilar Grossi
(2012). O que se espera dos indivíduos e como eles se veem, no contexto de gênero, formam
um conjunto que influencia diversas ações. Na política, essas representações atuam fortemente
na definição de padrões de comportamento; formação de grupos e apoios; perfis de candidaturas
e demais situações as quais se submetem pessoas inseridas nesse universo.
Os estereótipos, por sua vez, atuam nos processos políticos que envolvem mulheres e
suas formas de comunicação. Segundo Ruth Amossy (2008), são concepções pré-existentes que
fazem alguém formular a imagem de outro sem conhecê-lo. Ou seja, as imagens são
antecipadas, baseadas em conceitos já formulados de representação do coletivo,
independentemente da real variedade que exista entre os seus componentes.
Estereótipos de gênero têm como base central a visão de que a atividade pública e
externa pertencente ao masculino e, a privada, ao feminino. De acordo com essa perspectiva,
às mulheres são reservadas as tarefas domésticas e familiares, além de características como
sensibilidade, vaidade, paciência e habilidade para cuidar do outro. Já ao homem se atribui o
espaço das atividades externas e profissionais, assim como os aspectos de personalidade
relacionados à liderança, agressividade e firmeza nas decisões (Biroli, 2010).
Enquanto particularidades como sensibilidade, cuidados com a casa e filhos fazem parte
do imaginário social do que representa ser mulher, o homem está vinculado às tarefas públicas
e tomadas de decisão. No âmbito de traços relacionados às mulheres, caso exista rompimento
da expectativa e uma mulher apresente características identificadas com homens, como lembra
Christina Holtz-Bacha (2013), é acusada de masculinização. Por outro lado, caso transpareça
posturas consideradas femininas, como a emotividade, pode ser vista como inapta à atividade
política.
Segundo Panke (2015), tais imagens antecipadas presentes no imaginário coletivo
podem servir de atrativos ao conferirem a ideia de um modo diferente de fazer política baseado
em estereótipos femininos comumente aceitos como positivos, como a figura maternal e as
peculiaridades que lhes são apontadas.
Outra forma de exposição de imagem vista em campanhas femininas é a associação de
candidatas com uma figura masculina. De acordo com pesquisa realizada por Panke (2015) no
âmbito da América Latina, as formas com as quais mulheres entram na política podem ser
classificadas em três influências principais: a partir da família ou da escola; a partir de
sindicatos ou associações; a partir da atuação profissional.
É importante destacar que gênero, enquanto categoria analítica que dá sentido ao
contexto entre pessoas sexuadas, é adotado nesta pesquisa relacionado à comunicação política
e eleitoral, como uma maneira de observar os processos desenvolvidos em campanhas eleitorais
femininas. Compreensões dos papéis sociais, identidade, estereótipos, contextos de esferas
domésticas e públicas auxiliam no entendimento de como está baseada e de que maneira se
desenvolve a relação entre mulheres, política e comunicação.
Por sua vez, quando se fala em comunicação eleitoral, faz-se referência a um campo que
atua durante o período de eleições e é composto por um conjunto de vertentes. São informações
que partem dos meios de comunicação jornalísticos, da comunicação oficial dos candidatos ou
de ações realizadas por grupos de pressão.
A partir do ponto de vista da comunicação elaborada e exposta pelos grupos ou pelos
próprios candidatos, sabe-se que a imagem a ser projetada deve obedecer a determinados
aspectos para ser considerada consistente: conjuntura política, legislação eleitoral, coerência
com partido, histórico e perfil do candidato são alguns deles (Lavareda, 2009).
A composição dos discursos e falas em uma campanha eleitoral transmite a ideologia
de quem disputa, mas também do projeto e do grupo que representa. Inserido nos processos da
comunicação eleitoral, o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) tinha na sua criação
o propósito de ser um espaço democrático, proporcionalmente distribuído para as candidaturas,
de acordo com Luciana Panke e Emerson Cervi (2011). Discurso de uma elite política, a
propaganda eleitoral na TV possui gramática própria e faz uso de estratégias lúdicas para
despertar o interesse da população e eleitores para a mensagem passada (Panke, 2010).
Por se tratar de conteúdo produzido a partir do ponto de vista que a candidatura almeja
ser representada, espera-se que corresponda de maneira fidedigna à ideologia e aos objetivos
da campanha. Além de fatores como adequação às técnicas e à gramática do meio televisivo, o
HGPE precisa respeitar a legislação eleitoral vigente. A cada pleito, alterações são feitas na Lei
das Eleições, que rege todas as regras da propaganda eleitoral.
Sobre campanhas femininas, não há um consenso se o fato de ser mulher exige
diferenciação em relação à comunicação de uma candidatura. Panke (2015) defende que, do
ponto de vista técnico, não há diferenças de campanhas para mulheres para as de homens. “O
que muda é a mensagem veiculada e também o direcionamento conforme onde a campanha é
feita. As etapas básicas de uma campanha eleitoral, como todo o processo de planejamento [...]
são os mesmos independente de gênero” (PANKE, 2016, p. 75).
Porém, a autora identificou que consultores políticos se dividem em relação à opinião
se o método de construção de campanha sofre interferências por questões de gênero. Parte deles
entende que apenas o fato de ser mulher já se configura um diferencial à campanha. Com esse
pensamento, as características atribuídas ao feminino, como sensibilidade, soam como atrativos
e, reforçá-las, pode beneficiar a candidatura.

3. METODOLOGIA - TIPOLOGIAS DE ANÁLISE DE CAMPANHAS FEMININAS


A autora das tipologias adotadas no artigo, Luciana Panke (2015), buscou responder se
há imagens de candidatas que são predominantes em campanhas eleitorais na América Latina.
A partir de revisão bibliográfica sobre gênero, comunicação política e eleitoral, identificação e
contextualização de como são apresentadas as mulheres em campanhas eleitorais femininas,
somadas às entrevistas em profundidade realizadas com consultores políticos de 14 países e 58
políticas de 13 nações da América Latina e análises de spots eleitorais, Panke (2015) definiu as
tipologias consideradas perfis ideais projetados. Assim, chegou a: guerreira, maternal e
profissional. Cada uma delas tem duas características principais. A primeira, dura ou líder. A
segunda, sensível ou atenciosa. A terceira, trabalhadora ou submissa.
Vale ressaltar, porém, que nenhuma pessoa é totalmente pertencente a uma categoria ou
outra. “Ainda que as candidatas se apresentem como guerreiras, por exemplo, há opções
estratégicas de ajuste de imagem, reforçando uma em detrimento de outra. (...) Não há como
simplesmente encaixar uma candidata num dos perfis, caso não tenha nada a ver com ela”
(PANKE, 2016, p. 121).
Sobre as tipologias utilizadas na pesquisa, enquanto a figura maternal está inserida entre
papéis mais tradicionais, a guerreira provoca rompimento com a imagem pré-concebida
direcionada ao grupo feminino. Para provocar mudanças de perspectiva, uma das atitudes vistas
em algumas candidatas é quando adquirem traços identificados com o masculino,
comportamento inserido entre as possibilidades da guerreira.
A mulher guerreira se caracteriza por estar à frente de decisões, ter iniciativa e atuar
politicamente em prol de mudanças sociais. Por se inserirem em um espaço predominantemente
masculino como a política, candidatas de diversos partidos e nacionalidades, independente das
orientações políticas, costumam estar presentes nessa categoria, preservando suas
características individuais.
A guerreira tem duas características principais: a líder e a dura. Demonstrando um perfil
mais combativo e que rompe limitações, a guerreira, muitas vezes, desenvolve esse estilo para
se afirmar neste espaço. Por isso, pode adquirir traços considerados masculinos, como a
agressividade. Nessas situações de mais fervor, está a característica da guerreira dura. “Se
expõem na política se aproximando demasiadamente de modelos masculinos [...]. Elas se
apresentam duras, aparentando dificuldades de negociar, expressão facial fechada,
contestadoras na maioria das aparições” (PANKE, 2016, p. 122). Já as líderes são motivadoras,
falam em nome do seu povo e defendem seus ideais. “As representantes que falam por seus
grupos, dizem o que outros não podem ou não querem dizer. São as porta-vozes de
determinados grupos e ideias. Elas se projetam, justamente, por sua liderança e capacidade de
agregar” (PANKE, 2016, p. 122).
A tipologia maternal está ligada à importância dada ao papel da mãe. Candidatas
reforçam que, caso eleitas, irão cuidar do povo como apenas uma mãe faria por seus filhos. As
características da mãe estão também presentes nas posturas de candidatas. “Essa percepção da
mãe cuidadora e amorosa acompanha muitas mulheres na política, seja pelo tom de voz, nas
aparições públicas com seus filhos, seja em seu discurso, propostas ou imagens com crianças”
(PANKE, 2016, p. 90).
Em campanhas eleitorais, a tipologia maternal tem entre as características dominantes
os perfis de atenciosa e de sensível. A primeira é aquela que mostra ser a responsável pelo
cuidado de todos, a cuidadora da qual as pessoas dependem. É uma imagem visível quando
candidatas assumem a postura de responsabilidade pelo cuidado, proteção e bem-estar da
população. Já a sensível mostra o lado emocional das mulheres como predominante. Panke
(2016) explica que é na sensibilidade que está um dos diferenciais entre campanhas masculinas
e femininas. Isso acontece porque ao homem é cobrada força e ser sensível está relacionado à
fraqueza. Logo, cabe à mulher expor a característica como algo positivo e que pode pertencer
aos espaços de decisão pública. O discurso das candidatas se encaixa na tipologia maternal
quando elas falam de cuidado com o outro; quando expõem a maternidade em suas vidas
pessoais; demonstram aspectos de sensibilidade ou postura conciliadora, destacam o fato de
serem mulheres e papéis sociais tradicionais vistos como pertencentes ao feminino como algo
benéfico à política – como é visto na política maternal ou do desvelo (MIGUEL & BIROLI,
2014).
Ao longo da pesquisa de Panke (2015), a tipologia da profissional foi a que menos se
destacou nos spots das candidatas latinoamericanas. A questão é contraditória ao se observar
que, em meio a uma disputa por cargos públicos, a eficiência profissional deveria ser um ponto
bastante importante para a escolha do voto e, portanto, explorado nas estratégias de propaganda
eleitoral para quem está em busca dele. Uma possibilidade é que a mulher realizada, de maneira
estereotipada, é aquela dedicada às tarefas domésticas, aos cuidados com filhos e casa
(Castañeda, 2013). A partir desse pensamento, as tarefas privadas se destacam em detrimento
do lado profissional e trabalhador das candidatas, mesmo entre aquelas que têm espaços bem
definidos em suas profissões.
A profissional tem como características de destaque a trabalhadora e a subordinada. A
primeira tem normalmente seu perfil de conquistas profissionais e competência exaltado, é
caracterizada pela disposição ao trabalho, independente da sua formação, e otimismo para
resolver as questões que se apresentam. Ela está empenhada em resolver os problemas com
trabalho duro. Já a submissa é aquela que está necessariamente vinculada a uma figura
masculina para consolidar sua imagem pública. É a candidata que foi levada à vida política por
meio de um homem, que pode ser irmão, pai ou marido, por exemplo. Um caso comum dessa
subordinação acontece quando homens falam em nome da candidata. Vale ressaltar que
demonstração de apoios políticos, independente de gênero, é uma estratégia eleitoral usual. No
entanto, quando se fala em candidatas, alguns apoios masculinos chegam a ter mais destaque
que a presença da própria mulher que protagoniza a disputa eleitoral.
Antes da análise do corpus, ressalta-se que uma candidata nunca pertence somente a
uma tipologia. “As campanhas são dinâmicas, buscando o equilíbrio entre essas imagens e o
diferencial de cada candidatura” (PANKE, 2016, p. 162). A análise está focada exclusivamente
na linguagem linguística, ou seja, nas falas expostas no Horário Gratuito de Propaganda
Eleitoral de todos os atores que aparecem: offs, narradores, candidatas, apoios. A exceção é para
o conteúdo de mensagens auxiliares (vinhetas, transições) que não têm texto e são excluídas da
contagem do tempo.

4. CANDIDATAS À PRESIDÊNCIA DO BRASIL: GUERREIRAS, MATERNAIS E


PROFISSIONAIS

A média das tipologias entre todas as candidatas à presidência do Brasil (a soma de cada
tipologia dividida por nove, que é o número de campanhas) resultou: 50% guerreira, 29%
maternal e 21% profissional. Tomando a média como base, pode-se destacar que a maioria
segue as proporções, mas existem exceções. A mais visível é Luciana Genro, que tem na
primeira categoria quase todas as suas posturas expostas, com 92% da guerreira. Do mesmo
partido, o PSOL, Heloísa Helena apareceu como a segunda que mais destacou essa imagem,
com 62%, seguida de Marina Silva, com 55% em 2014 e 43% em 2010. Lívia Maria Rangel e
Thereza Ruiz atingiriam 52% cada uma. Ana Maria Rangel, que chegou a 48% e, Dilma
Rousseff, a 20% em 2010 e 26% em 2014, foram as duas únicas candidatas cuja guerreira não
foi a tipologia predominante.
Tabela 1
Resultados da análise de acordo com as tipologias
aplicadas ao HGPE de candidatas à presidência do Brasil

Fonte: Autoria Própria (2017).

Ana Maria Rangel terminou como a de maior apelo à tipologia maternal, com 50% do
tempo, seguindo essa mensagem desde o slogan com menção ao cuidado (“Cuidar do Brasil,
cuidar de você”). Lívia Maria, com 40%, foi a segunda que mais projetou a categoria em seu
discurso linguístico, percentual próximo ao de Heloísa Helena (38%). Na sequência, tem-se
Maria Silva em 2014 (35%); Dilma Rousseff em 2014 (32%) e em 2010 (30%); e Thereza Ruiz,
com 24%. Marina Silva em 2014 apresentou a postura da maternal em 11% do tempo e Luciana
Genro, a que menos fez referência aos aspectos maternais, o fez em apenas 1%.
Pela característica da subordinada, com Dilma Rousseff em 2010 predominou a
profissional, a que mais destacou a categoria, no total de 50% do tempo. Na campanha seguinte,
em 2014, a política teve 42% das mensagens como profissional, porém também pela
característica da trabalhadora e a exposição dos seus feitos enquanto gestora no primeiro
mandato. Em seguida, Marina Silva em 2014, com 34%, e Thereza Ruiz, com 24%, ambas
destacaram a tipologia pelo aspecto da subordinação, já que figuras masculinas, em algumas
oportunidades, se sobressaíram mais que as próprias candidatas. A imagem de Dilma Rousseff
esteve constantemente associada à do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 2010 e em
2014. Já Marina Silva em 2014 teve a imagem de Eduardo Campos muitas vezes mais destacada
que a sua própria. Thereza Ruiz, por sua vez, chegou a ter um programa inteiro apresentado
pelo presidente do partido sem que, de maneira literal, chegasse a ter voz.
Em 2010, Marina teve 22% da profissional. A tipologia também tem relevância pela sua
ausência. Pelas citações à atividade como bancária, Lívia Maria chegou a 8%; Ana Maria
Rangel a 2% e Heloísa Helena nem chegou a ser vista como profissional. As três candidatas
não expuseram posições de subordinação. Pode-se perceber que as que as possuem históricos
de mandatos expuseram suas atividades, como Marina Silva e Dilma Rousseff. Como uma
prestação de contas, elas tiveram mais conteúdo a ser exibido nesse aspecto.
Como já visto, nenhuma candidata apresenta só uma tipologia. O que se busca em
campanhas eleitorais é o equilíbrio entre o perfil de quem disputa, a ideologia do partido,
conjuntura política e social do período etc. No caso das candidatas, questões de gênero
permeiam a comunicação, o que acontece pela soma de diversos fatores, como exposto. Entre
eles, as representações que cercam o fazer político, atividade identificada com o masculino, e
o que é ser mulher. Segundo Okin (2008), tendo o âmbito doméstico diretamente relacionado
às mulheres, elas vêm buscando a inserção muitas vezes como um acréscimo às atividades que
já desempenha, sem uma redistribuição ou nova formatação. Enquanto isso, há o esforço por
parte das candidatas de demonstrarem tanto características de firmeza e liderança, quanto de
sensibilidade e delicadeza.
Como têm tempos desiguais – enquanto Dilma Rousseff chegou a ter mais de 11
minutos em 2014 e Lívia Maria teve 30 segundos em 1989 - a prioridade dos assuntos se torna
mais restrita a quem dispõe de menos espaço no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral. É
preciso considerar que candidatas com menos tempo precisaram reunir as informações
prioritárias para suas apresentações e a forma como isso aconteceu pode ter sido prejudicada
em alguns casos.

2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As mulheres brasileiras conquistaram o direito de votar e serem votadas desde 1933, em
âmbito nacional. De 1934 a 2014, entre 115 candidatos à presidência do Brasil, apenas sete
foram mulheres, entre eleições diretas e indiretas. Embora a realidade passe por constantes
modificações, diversos obstáculos persistem e ainda inviabilizam o equilíbrio de gênero em
âmbitos considerados públicos, enquanto mulheres continuam sendo prioritariamente
identificadas com a vida doméstica. Se os estudos sobre gênero tiveram início, em parte,
provocados pela inquietação do não protagonismo de mulheres nos movimentos sociais (Scott,
1995), partidos continuam com segregações simbólicas e impedimentos cujas consequências
são reais. Muitos se ocupam a cumprir estritamente o que é exigido pela Lei, não investem nas
campanhas das correligionárias e lhes reservam papéis de coadjuvantes dentro da estrutura
partidária.
Essa falta de investimento acarreta, entre outras questões, pouca visibilidade e baixas
condições reais de uma campanha vitoriosa nas urnas. É fato que a comunicação política e
eleitoral, com suas gramáticas e nuances próprias, exige profissionalismo e é capaz de
contribuir decisivamente para a conquista de resultados positivos. Prova disso é que candidatas
com mais aparato necessário de campanha conseguiram votações expressivas, como Heloísa
Helena, Luciana Genro, Marina Silva e Dilma Rousseff – única a ter vencido uma disputa pela
chefia do Executivo brasileiro.
Ao mesclarem propostas, desqualificações de candidatos, expressão do partido, vida
pessoal e emoção, essas mulheres tentaram suas projeções de imagem, de acordo com uma série
de fatores como o cenário político do respectivo ano, partido, seus históricos individuais etc.
Com partidos, estilos e histórias de vida distintos, elas apresentaram seus diferenciais e
capacidades para a gestão do país.
Entre esses fatores, o de gênero foi mais explorado nas primeiras campanhas.
Principalmente a candidata Lívia Maria, em seu discurso linguístico verbal, destacou
constantemente o fato de ser mulher como argumento de campanha: “mulheres, vamos vencer”,
“é da mulher cuidar” ou expôs problemas na política que atribuía completamente aos homens.
Em menores proporções, Thereza Ruiz e Heloísa Helena também expressaram literalmente suas
condições femininas como diferenciais que agregariam à política. Com posturas diferentes,
Luciana Genro e Marina Silva optaram por não destacar o fato de serem mulheres como parte
de seus discursos. Já Ana Maria Rangel e Dilma Rousseff não foram tão diretas quanto Lívia
Maria, mas o fato de serem mulheres perpassou suas falas.
Todas as candidatas expuseram imagens que envolveram as três tipologias, com
exceção de Heloísa Helena, que não exibiu a profissional. A guerreira foi predominante. Das
nove campanhas, seis a tiveram como a mais presente. As duas primeiras candidatas, dos anos
de 1989 e 1998, tiveram o mesmo índice da guerreira, 52%. Pelo fato de a candidatura ao cargo
ser algo ainda novo ou inusitado, o reforço à participação delas nos pleitos e à questão de gênero
se destacaram. Outra situação que chama atenção são as duas candidatas do PSOL (único
partido pelo qual duas mulheres já foram candidatas à presidência da República), que têm os
dois maiores tempos totais da categoria guerreira. O comportamento da tipologia da guerreira
dura é constantemente identificado com candidatas de partidos de esquerda, como indicam os
dados.
A tipologia maternal, por sua vez, também teve percentuais elevados em quase todas as
análises. De maneira geral, foi a segunda que mais se evidenciou. Como exceção apareceu
Luciana Genro, que apenas citou, rapidamente, o fato de ser mãe, em 1% do tempo, e não
demonstrou posturas de sensibilidade e cuidado com as pessoas. Marina Silva também deu
pouco espaço à tipologia maternal, que teve 11%.
Como já identificado por Panke (2015; 2016) no âmbito da América Latina, as políticas
pouco expuseram suas vidas profissionais, embora todas elas tenham nos currículos profissões
e atuações fora do ambiente doméstico. De acordo com a autora, “as latinas se apresentam como
mulheres guerreiras e essas características vêm associadas, em vários momentos, justamente
como a maternidade, com o fato de cuidar dos outros, ou seja, com o retrato da mãe” (PANKE,
206, p. 163).
Além de Heloísa Helena, que não teve resultados na tipologia profissional, Lívia Maria
teve apenas 8% da sua atividade como profissional exaltada; Thereza Ruiz chegou a 24% do
tempo como profissional devido à característica da subordinada, pois a imagem de um homem
se sobressaiu à dela, quando em um programa inteiro o presidente do partido falou sobre ela,
sem que a própria candidata tivesse voz. Já Ana Maria Rangel apenas citou duas de suas
ocupações. Dilma Rousseff, que dedicou a maior parte do seu HGPE como profissional, tanto
expôs a trabalhadora, como, em grande escala, a subordinada (devido às constantes aparições
de Luís Inácio Lula da Silva).
Percebe-se que as primeiras candidatas exploraram mais as características do âmbito
doméstico e papéis de mulher como responsáveis pela casa e pelos filhos. Com o passar dos
anos e desconstruções, em parte, dos pensamentos mais conservadores, a demarcação de gênero
e frases que lembram que elas são mulheres passaram a ser menos vistas. Contudo, embora com
diferentes formatos, estruturas tecnológicas e falas mais sutis, algumas posturas perduram,
também pela possibilidade de gerar identificação e empatia com o eleitorado feminino, que é
maioria no Brasil.
Em 1989, a primeira candidata à presidência brasileira, Lívia Maria, abordou em seu
discurso constantemente o fato de ser mulher e apareceu em uma cena na cozinha, ao lado do
fogão. Em diferentes contextos reais e recursos, Dilma Rousseff, em sua candidatura à reeleição
da presidência do Brasil, foi exposta em imagens nas quais estava cozinhando e falando da sua
vida como avó. Considerando as características de cada campanha, papéis sociais considerados
femininos, de cuidados com a casa e com a família, continuam se repetindo no espaço público.
As duas primeiras candidatas dispunham de 30 segundos de propaganda eleitoral. O
pouco tempo influenciou diretamente no conteúdo exposto, pois ambas precisaram selecionar
todas as ideias para um curto intervalo, o que prejudicou a clareza. Porém, nos dois casos, ser
candidata ao cargo era um grande acontecimento do ponto de vista de serem exceções. Assim,
as imagens de guerreiras em suas falas foram evidenciadas, bem como a tentativa de
transferência de papéis sociais femininos para o ambiente político. Além disso, nos dois anos,
1989 e 1998, a profissionalização da comunicação eleitoral no Brasil ainda era tímida e os seus
recursos em partidos nanicos também sem maiores possibilidades.

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(Mestrado em Comunicação) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade
Federal do Paraná, Curitiba, 2015.

WEBER, Maria Helena. Comunicação e espetáculos da política. Porto Alegre: UFRGS, 2000.
SEÇÃO 3

Estudos Interdisciplinares em
Comunicação
Capítulo 19

Assessoria de Comunicação de Eventos:


um relato de experiência

Arthur Raposo Gomes (UFJF)


Lara Karoline Souza de Aquino (UFSJ)
Larissa Leite Lima (UFSJ)
Leonardo Emerson de Souza Silva (UFSJ)
Wellington de Oliveira Pereira (UFSJ)

RESUMO: Diferentes questões precisam ser pensadas quando se planeja e organiza um evento:
uma das áreas mais presentes durante o processo é a comunicação, iniciada ainda no período de
concepção e encerrada apenas no pós-evento, quando a programação já foi encerrada. Este
relato de experiência aborda as estratégias de comunicação utilizadas pela equipe de divulgação
do I Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes: evento realizado de maneira on-line
e remota, em junho de 2021, que contou com o apoio do Departamento de Comunicação Social
da Universidade Federal de São João del-Rei. Durante o período relatado, foi indicado que as
ações de divulgação ocorreram nas mídias sociais e na imprensa tradicional de maneira
integrada. Espera-se, ao final, que este texto contribua com a organização de novos eventos.

PALAVRAS-CHAVE: Estratégias de comunicação, organização de eventos, Campo das


Vertentes, Assessoria de Comunicação.

1 INTRODUÇÃO

O conceito de evento apresenta distinções a partir da óptica e intensidade da interação:


de maneira ampla, conforme apontado por Ilka Tenan (2002, p. 13), “evento é sinônimo de
acontecimento não rotineiro; fato que desperta a atenção”. Já de maneira específica e
profissional, ainda de acordo com esta mesma autora, percebe-se um “valor semântico próprio”,
a partir da definição de evento enquanto “acontecimento especial, antecipadamente planejado
e organizado, que reúne pessoas ligadas a interesses comuns”, tendo “nome, local determinado
e espaço pré-definido” (TENAN, 2002, p. 13-4).
Este relato é voltado às experiências de estudantes, de graduação e pós-graduação, e
docentes envolvidos na organização do I Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes
(Comunica Vertentes). Este evento ocorreu em junho de 2021, de maneira on-line e remota,
contando com o apoio do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de
São João del-Rei (DCOMS/UFSJ).
Em março de 2020, o novo coronavírus avançou pelos municípios brasileiros, obrigando
as instituições de ensino superior a suspenderem as atividades letivas presenciais 63, tendo em
vista a recomendação pelo distanciamento social físico.
Meses depois, as universidades implementaram o ensino remoto emergencial, marcado
pela realização on-line de atividades de ensino, pesquisa e extensão, tendo permanecido
vigente, no caso da UFSJ, até março de 202264.
Uma das ações promovidas durante este período foi o I Comunica Vertentes: projeto
que, teve a proposta de desenvolver um espaço de debate no campo da Comunicação, além de
estimular o ponto de vista crítico e reflexivo, bem como as produções científicas da comunidade
acadêmica da UFSJ e de outras instituições interessadas.
O objetivo deste texto é registrar e compartilhar as experiências passadas,
principalmente, durante os meses de maio e junho de 2021, quando foram concentradas as
atividades de comunicação feitas pela Comissão de Apoio e Divulgação da primeira edição do
Congresso analisado. Vale salientar que existe a expectativa de promoção da edição 2022 do
Comunica Vertentes.
A organização de eventos é uma tendência possível e muito presente no meio
universitário, seja no ensino, pesquisa ou extensão. Desse modo, espera-se, ao final, contribuir
com os estudos e práticas de divulgação de eventos.

2 DESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento do presente relato de experiência é dividido em duas partes: (1)


apresentação a ação e (2) relato de experiência.
Em ambas as partes, referências bibliográficas serão consultadas com o intuito de
pontuar definições e conceitos teóricos para corroborar com a reflexão a ser feita.

63
ALBERTO, Fellype. Por causa do coronavírus, UFJF e UFSJ anunciam suspensão de aulas presenciais. G1
ZONA DA MATA. 16 mar 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/zona-da-
mata/noticia/2020/03/16/por-causa-do-coronavirus-ufjf-e-ufsj-anunciam-suspensao-de-aulas-presenciais.ghtml>
Acesso em 16 mai 2022.
64
2021: ano letivo na UFSJ será remoto. UFSJ. 29 mar 2021. Disponível em:
<https://www.ufsj.edu.br/noticias_ler.php?codigo_noticia=8679> Acesso em 16 mai de 2022.
UFSJ anuncia retorno de ensino presencial para março de 2022. G1 ZONA DA MATA. 04 nov 2021. Disponível
em: <https://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/2021/11/04/ufsj-anuncia-retorno-de-ensino-presencial-para-
marco-de-2022.ghtml> Acesso em 16 mai 2022.
2.1. Apresentando a ação

Segundo a tipologia estipulada por Matias (2010), um congresso é caracterizado por


uma reunião que é organizada com a intenção de discutir assuntos de interesse de um
determinado grupo específico. Promovido entre os dias 24 e 25 de junho de 2021, a proposta
do I Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes foi estimular a relação entre o público
discente da graduação e outros níveis de pesquisa, tendo em vista o objetivo de socializar o
conhecimento e expor a qualidade dos trabalhos científicos feitos por estudantes ainda na
graduação (UFSJ, 2021, meio digital). Naquela edição, o tema geral foi "Mídia e disputas de
narrativa em tempos de pandemia" e a programação foi formada por palestras, Grupos de
Trabalhos (GTs) e oficinas.
Conforme já citado, por causa da pandemia de Covid-19, o Congresso ocorreu de
maneira on-line e remota, confirmando um padrão estabelecido durante o período de crise
sanitária e de saúde pública, quando houve um crescimento na quantidade de eventos virtuais65.
Contudo, este padrão de evento já era previsto na literatura bibliográfica específica. Matias
(2010) descreve as videoconferências ou teleconferências como um “novo meio de organizar
evento”, onde a interação entre os participantes é permitida a partir de um espaço físico
específico e a linha de satélites de telecomunicação. Para a autora, entre os benefícios deste tipo
de evento, está a promoção do diálogo entre pessoas e organizações que podem estar distantes
geograficamente, reduzindo investimentos e racionalizando essa troca de informações. No
entanto, os eventos on-line também possuem pontos negativos, como as limitadas
possibilidades de interação entre o público-participante, visto que não há proximidade física,
bem como as restrições de acesso das plataformas utilizadas. No caso específico do Congresso,
objeto de estudo deste relato, o YouTube, associado a um software de gestão de imagens, foi
utilizado para a transmissão de palestras, que eram abertas ao público, enquanto as oficinas e
as sessões de GTs ocorreram em salas virtuais do GoogleMeets.
Tenan (2002, p. 17) menciona que, na prática, eventos são promovidos “por e para
organizações – pessoas unidas para um propósito comum. Geralmente, os membros de uma
organização se encontram para particular suas impressões, ideias, objetivos, metas e
informações”. A comissão organizadora do I Congresso Comunica Vertentes contou, ao todo,
com 11 (onze) integrantes, envolvidos de diferentes maneiras com o Departamento de

65
Eventos online crescem mais de 300% na pandemia. Youtube lidera. EXAME. 01 jun 2021. Disponível em:
<https://exame.com/bussola/eventos-online-crescem-mais-de-300-na-pandemia-youtube-lidera/> Acesso em 16
mai 2022.
Comunicação Social da UFSJ: a direção-geral do evento ficou sob responsabilidade do
professor do Departamento de Comunicação Social da UFSJ e do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Luiz Ademir de Oliveira.
Os egressos do curso de Jornalismo da UFSJ e, na ocasião, estudantes de pós-graduação strictu
sensu de diferentes instituições nacionais de ensino (Arthur Raposo Gomes, Mayra Regina
Coimbra, Mariane Motta de Campos e Willian José de Carvalho) também fizeram parte da
equipe, além da ex-professora do curso, Marina Alvarenga Botelho, da ex-aluna e então docente
substituta, Deborah Vieira, além dos graduandos Lara Aquino, Larissa Leite, Leonardo
Emerson e Wellington Oliveira (UFSJ, 2021, meio digital).
Os participantes da comissão organizadora foram divididos em cinco (5)
subcomissões66, a saber: Comissão Organizadora Central, responsável pela concepção geral do
Congresso; Comissão Científica, dedicada a pensar na temática geral, nos GTs, perfil de
palestrantes e oficineiros; Comissão de Suporte Técnico, voltada para o planejamento e gestão
das salas virtuais à programação; Comissão Financeira, que tratou sobre a previsão de custo de
inscrição e acompanhamento do pagamento de participantes; e Comissão de Apoio e
Divulgação, que trabalhou as estratégias de comunicação por meio, principalmente, da criação
de identidade visual, gestão de mídias sociais e assessoria de imprensa – esse último grupo foi
constituído pelos autores deste relato de experiência.

2.2 Relato de experiência

Para realizar um evento, é preciso passar por quatro momentos: a concepção, onde são
delineados os rumos do projeto; o pré-evento, onde todo o planejamento e organização é feito;
o transevento, ou o evento em si, quando boa parte das ações previstas ocorre; e pós-evento,
marcado pela avaliação e encerramento das atividades (MATIAS, 2010). Nesse sentido, é
importante frisar a importância e a permanência dos trabalhos de comunicação nas quatro
etapas. “A estratégia de comunicação consiste na definição e adequação dos meios e mensagens
a serem utilizados, na busca de informar, sensibilizar e motivar o público-alvo” (MATIAS,
2010, p. 152).
O início das atividades da Comissão de Apoio e Divulgação do I Congresso de
Comunicação do Campo das Vertentes ocorreu com a formação de um grupo de WhatsApp
destinado, exclusivamente, para que os integrantes deste comitê pudessem conversar e definir

66
Sobre. I CONGRESSO DE COMUNICAÇÃO DO CAMPO DAS VERTENTES. Disponível em: <
https://congressocomunicavertentes.com/saiba-quem-faz-o-evento-acontecer/> Acesso em 16 mai 2022.
questões estratégicas. Em seguida, foram desenvolvidas quatro sugestões de identidade visual
para o evento, que foram avaliadas e votadas por todos os integrantes da comissão organizadora
e, por maioria simples, foi definida a marca abaixo, caracterizada pela modernidade, geração
de identificação e sentimento de inovação.

Figura 1
Identidade visual do I Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes

Fonte: dos autores (2021)

Concomitantemente, foram definidas em quais mídias digitais seriam criadas páginas


institucionais para o evento.
Por terem forte relação com o público que possui faixa etária muito relacionada com
estudantes e docentes universitários, foi desenvolvida fanpages, principalmente, em duas
mídias sociais (Facebook67 e Instagram68), além do design de um website69, tendo em vista a
importância de ter uma mídia própria para obtenção de visibilidade, bem como para reunir todas
as informações pertinentes.
Também foi criada uma página no LinkedIn70, com o intuito de facilitar a divulgação da
experiência profissional nesta plataforma de mídia social, mais alinhada com as relações de
trabalho.

67
Disponível em: <www.facebook.com/comunicavertentes> Acesso em 16 out 2022.
68
Disponível em: <www.instagram.com/comunicavertentes> Acesso em 16 out 2022.
69
Disponível em: <www.congressocomunicavertentes.wordpress.com> Acesso em 16 out 2022.
70
Disponível em: <https://br.linkedin.com/company/comunicavertentes> Acesso em 16 out 2022.
Figura 2
print da página inicial do site do I Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes

Fonte: dos autores (2021).

As editorias de conteúdo no site do evento foram planejadas, principalmente, para


facilitar o acesso às informações desejadas. Por isso, no menu superior, foi programada uma
aba com descrição “Sobre” a comissão organizadora; outra específica para “Programação”, e
uma terceira com as normas e ementas de “Submissão de trabalhos” aos GTs. Foi pensado numa
aba estilo “Blog”, com atualização constante no período pré e durante o Congresso, uma página
com meios de “Contato” em casos de dúvidas, questionamentos e imprevistos, além de um link
exclusivo para a realização de inscrições de participantes. Já quanto aos perfis nas mídias
sociais, é importante frisar o cuidado estratégico da Comissão ao buscar definir um mesmo
nome de usuário (@) para as fanpages no Facebook e Instagram: isso facilita no processo de
divulgação verbal ou visual.
No feed das mídias sociais, ainda durante o pré-evento, foram feitas publicações com
destaque a datas importantes, divulgação individual de cada um dos GTs e das oficinas que
fizeram parte da programação, além do perfil de palestrantes convidados.
Também houve a gravação de três vídeos por uma das integrantes da Comissão de Apoio
e Divulgação: com linguagem dinâmica, em poucos segundos, foram transmitidas informações
sobre o evento e a respectiva programação. Publicados no formato de reels, os três posts
audiovisuais tiveram, cada um, mais de mil visualizações.
Figura 3
Print de vídeos publicados no Instagram do I Congresso de Comunicação
do Campo das Vertentes

Fonte: dos autores (2021).

Outra forma de divulgação trabalhada pela equipe foi assessoria de imprensa: estratégia
que tem o objetivo de formar uma “conversa jornalística”, a partir da sugestão de pautas do
assessorado, que busca a publicação de notas, notícias, entrevistas e reportagens pelos veículos
de comunicação, com fins de obtenção de visibilidade e, consequentemente, imagem positiva
(MARTINUZZO, 2013). Foi redigido um primeiro release71 (texto informativo escrito pela
assessoria de imprensa com o intuito de promover o assessorado) que foi enviado para o mailing
list (ou seja, a lista de contatos de repórteres e jornalistas de redação) (MAFEI, 2015).
“Lembre-se: press release não é folder de propaganda. Os dados apresentados têm como
único objetivo ajudar o jornalista a se pautar. Também não é notícia, porque serve para informar
e não para ser publicado” (MAFEI, 2015, p. 69), embora seja perceptível que textos enviados
por assessorias de imprensa sejam replicados, na íntegra, nos portais jornalísticos, tendo em
vista o enfraquecimento da profissão e as enxutas redações de jornal.
O release foi enviado para diferentes veículos da região, que publicaram matérias e
notas sobre o início do I Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes. Esse material
passou por um clipping, ou seja, por uma coleta direcionada de matérias de interesse do

71
Disponível aqui: <https://congressocomunicavertentes.com/2021/06/08/evento-online-discute-sobre-a-midias-
e-as-disputas-de-narrativa/> Acesso em 16 mai 2022.
assessorado (MAFEI, 2015). Prints destes conteúdos foram postados também nas mídias
sociais e no blog do evento72, com o intuito de registro e reforço de credibilidade midiática.

Figura 4
Print de clipping nas mídias sociais do I Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes

Fonte: dos autores (2021).

Esse mesmo texto foi enviado à assessoria de comunicação da Universidade Federal de


São João del-Rei, responsável pela gestão do site institucional da universidade, que apoiou o
evento também publicando 73 o release, o que foi interessante sob a óptica de divulgação do
Congresso, visto a audiência maior do respectivo website. A Associação Nacional dos
Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), entidade da qual a UFSJ faz
parte, também publicou uma matéria sobre o evento no próprio site74.
Ainda sobre as mídias sociais e o blog, também foram planejados e redigidos conteúdos
mais elaborados, como entrevistas com membros da comissão organizadora, além de "dicas
essenciais para fazer uma ótima apresentação no Congresso"75. Esses conteúdos foram escritos
seguindo recomendações de SEO (otimização de mecanismos de busca, em tradução livre), que
facilitam no melhor posicionamento em buscadores on-line e gera tráfego orgânico. Segundo a

72
Disponível aqui: < https://congressocomunicavertentes.com/2021/06/25/clipping-veiculos-de-imprensa-
repercutem-o-inicio-do-congresso/> Acesso em 16 mai 2022.
<https://congressocomunicavertentes.com/2021/06/09/clipping-imprensa-da-regiao-repercute-realizacao-do-
congresso/> Acesso em 16 mai 2022.
<https://congressocomunicavertentes.com/2021/06/12/clipping-congresso-e-destaque-no-site-da-ufsj/> Acesso
em 16 mai 2022.
<https://congressocomunicavertentes.com/2021/06/19/clipping-congresso-e-pauta-de-programa-de-radio-em-
barbacena/> Acesso em 16 mai 2022.
73
Disponível aqui: <https://www.ufsj.edu.br/noticias_ler.php?codigo_noticia=8931> Acesso em 16 mai 2022.
74
Disponível aqui: <https://www.andifes.org.br/?p=88046> Acesso em 16 mai 2022.
75
Disponível aqui: <https://congressocomunicavertentes.com/2021/06/19/dicas-essenciais-para-fazer-uma-
otima-apresentacao-no-congresso/> Acesso em 16 mai 2022.
plataforma Wordpress, onde o website do I Comunica Vertentes foi hospedado, entre os dias
19 de maio de 2021, quando o site foi desenvolvido, e o último dia do ano, acumulou-se um
total de 9.380 visualizações, a partir de 2.225 visitantes únicos. Já nos primeiros meses de 2022,
até o dia 16 de maio de 2022, data de realização desta coleta, foram mais 234 visualizações e
103 visitantes76.
Ainda no período pré-evento, foram estruturados conteúdos a serem enviados de
maneira direta para públicos específicos: isto é, mensagens prontas para serem replicadas em
grupos de estudantes no WhatsApp, além de e-mail marketing disparados para docentes e grupos
de pesquisa relacionados.
Durante o evento, por sua vez, as atividades da Comissão de Apoio e Divulgação foram
concentradas na cobertura das atividades virtuais do Congresso.
Como exemplificado abaixo, foi conduzida uma cobertura das mesas de aberturas e
palestras, a partir de prints das transmissões e postagens, com a identidade visual do Congresso,
também feitas por meio de softwares de design gráfico.

Figura 5
Print da cobertura virtual nas mídias sociais do
I Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes

Fonte: dos autores (2021).

Além disso, bem como ocorre comumente em eventos presenciais, os participantes do I


Comunica Vertentes foram estimulados a fazer stories nos respectivos perfis no Instagram,
junto a marcação do perfil do evento. Essa ação contribuiu com a multiplicação de pontos de

76
Disponível em: <https://wordpress.com/stats/year/congressocomunicavertentes.com> Acesso em 16 mai 2022.
contato do evento, divulgado também para os seguidores do público-alvo, além de formar uma
comunidade específica virtual, pois essas imagens foram compartilhadas no perfil institucional.

Figura 6
Print da cobertura colaborativa no Instagram do
I Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes

Fonte: dos autores (2021).


Ainda sobre o conteúdo publicado nas mídias sociais, é preciso frisar outras práticas
feitas pela equipe de gestão das redes sociais digitais do evento. Em todas os posts, existe a
presença de emojis, desenhos gráficos que facilitam a compreensão da mensagem, inseridos na
gramática on-line de internautas e simbolizam, algumas vezes, sentimentos e expressões 77; além
de hashtags definidas com cuidado – algumas próprias, para reforço de marca, outras
geográficas, com nomes de cidades, para delimitar a abrangência, e outras mais amplas, para
disseminação do conteúdo.
Quando a programação principal do evento foi finalizada, mais quatro publicações
foram feitas: uma, com montagens de prints de telas em diferentes momentos, corroborando
com a formação de uma rede de contatos formada a partir do evento on-line; outra, publicizando
e agradecendo os integrantes da comissão organizadora, responsáveis pela promoção do evento;
uma terceira com conteúdo de serviço, indicando que os certificados dos participantes no
Congresso já estavam disponíveis; e uma quarta, com prints do release final publicado no site
da UFSJ e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFJF.

77
A importância dos emojis na comunicação. FIDELIZARTE - web solutions. 2 fev 2017. Disponível
em:<https://www.fidelizarte.pt/blog/importancia-dos-emojis-na-comunicacao/> Acesso em 16 mai 2022.
Entenda a importância dos emojis no Marketing Digital. PLUGIN MKT. 12 fev 2020. Disponível em:
<https://pluginmkt.com.br/blog/entenda-a-importancia-dos-emojis-no-marketing-digital> Acesso em 16 mai
2022.
Figura 7
Print dos últimos posts no Instagram do I Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes

Fonte: dos autores (2021).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A organização e a divulgação de um evento são processos que exigem técnica,


estratégica e pensamento humanizado: é preciso entender o comportamento do público-alvo
para traçar um planejamento de comunicação que será eficaz para divulgar o evento
assessorado.
Eventos estão inseridos, de maneiras múltiplas e diversas, tanto na rotina pessoal,
quanto profissional do cotidiano. Em âmbito acadêmico, envolver-se com a organização deste
tipo de atividade pode ser uma oportunidade de aprendizado e consolidação de conhecimentos.
A partir do que foi exposto, pode-se considerar que os trabalhos de divulgação do I
Congresso de Comunicação do Campo das Vertentes tiveram uma avaliação positiva: ao todo,
resultaram em quase 300 congressistas, alcançando também bons níveis de engajamento nas
mídias sociais e repercussão na imprensa da região onde a UFSJ está inserida.
A opção por mesclar estratégias de divulgação por meio das mídias digitais, bem como
por meio de assessoria de imprensa, visando publicação de conteúdo jornalístico sobre o evento,
também se demonstrou exitosa. As preferências, o comportamento e as rotinas sociais, mesmo
durante um período pandêmico, são variadas. Desse modo, quando se trabalha com a divulgação
de um evento, é preciso traçar maneiras diferentes, complementares e integradas de
comunicação. Esse caso é percebido, principalmente, quando as matérias jornalísticas
publicadas por sites e transmitidas por emissoras de rádio e webTV foram replicados como
conteúdos das mídias sociais e do site institucional do I Congresso de Comunicação do Campo
das Vertentes.
Todos os autores deste relato que, na ocasião da primeira edição do Congresso, fizeram
parte da Comissão de Apoio e Divulgação, são egressos ou ainda graduandos do curso de
Comunicação Social – Jornalismo da UFSJ, cuja grade curricular não possui a disciplina de
“Organização de Eventos”, oferecida em cursos de Comunicação de outras instituições e,
comumente, em graduações relacionadas a área de Turismo, Eventos ou Educação Física. Nota-
se o emprego, no entanto, de conhecimentos vinculados, por exemplo, a unidades curriculares
como “Assessoria de Comunicação”, “Comunicação Organizacional”, “Planejamento Gráfico”,
“Oficina de Radiojornalismo”, “Oficina de Telejornalismo” e “Comunicação Digital e
Webjornalismo”. Desse modo, sinaliza-se a participação na comissão organizadora de eventos,
em específico do grupo dedicado para a divulgação, como uma experiência multidisciplinar e
que oportuniza aprendizados importantes para os desdobramentos teóricos e práticos da
formação de um profissional de comunicação.
Por fim, apesar de ter sido relatado o caso de um congresso específico voltado para à
área de Comunicação Social, se espera que a experiência elencada pode ser utilizada para
facilitar na organização de eventos com outras temáticas e públicos.

REFERÊNCIAS

Congresso de Comunicação das Vertentes: avaliação positiva. UFSJ. 01 jul. 2021. Disponível
em: <https://ufsj.edu.br/noticias_ler.php?codigo_noticia=8983> Acesso em 16 mai 2022.

MAFEI, Maristela. ASSESSORIA DE IMPRENSA: como se relacionar com a mídia. 5. ed.


1ª. reimpressão. São Paulo: Contexto, 2015.

MATIAS, Marlene. ORGANIZAÇÃO DE EVENTOS: procedimentos e técnicas. 5ª. ed.


Barueri, SP: Manole, 2010.

MARTINUZZO, José Antônio. SEIS QUESTÕES FUNDAMENTAIS DA ASSESSORIA


DE IMPRENSA ESTRATÉGICA EM REDE. Rio de Janeiro: Mauad X, 2013.

TENAN, Ilka Paulete Svissero. EVENTOS. São Paulo: Aleph, 2002. – (Coleção ABC do
Turismo).
Capítulo 20

Repúblicas tradicionais de SJDR sob a ótica da Comunicação e da Sociabilidade

João Gabriel Andrade Ribeiro (UFSJ)


Luiz Ademir de Oliveira (UFSJ)

RESUMO: O artigo traz um estudo sobre as repúblicas estudantis de São João del-Rei a partir
da ótica da Comunicação e da Sociabilidade (Maffesoli, 2006; Goffman, 2013). Em função da
UFSJ, que oferece 53 cursos de graduação, distribuídos em seis campi (sendo 3 em São João e
outros 3 em outras cidades – Divinópolis, Sete Lagoas e Ouro Branco), com cerca de 13 mil
alunos, mais de 800 docentes e de 500 técnicos, a cidade tem uma grande movimentação de
universitários. Isso mobiliza o mercado imobiliário, o comércio, a vida cultural e cria novas
formas de organização social e de sociabilidade, a partir, principalmente, das repúblicas. São
dezenas espalhadas pela cidade, cujo atrativo é ter um custo/benefício melhor para estudantes
de outras cidades e ao mesmo tempo criam laços de pertencimento. Para o artigo, foram
aplicados questionários junto a 74 universitários para saber como encaram a vida em república
e o que elas contribuem para a vida acadêmica e o crescimento pessoal dos estudantes.

PALAVRAS-CHAVE: Comunicação; Sociabilidade; Pertencimento; Repúblicas; UFSJ.

1. INTRODUÇÃO

Grande parte dos universitários que saem da sua cidade natal para morar em São João,
optam por residir nas repúblicas tradicionais da cidade, que recebem muitos alunos a cada
período. Tal feito é tradição na maior parte das cidades universitárias, como Ouro Preto e
Mariana em função da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), em Lavras (UFLA), em
Viçosa (UFV), em Juiz de Fora (UFJF), entre outros municípios. As repúblicas passam a fazer
parte da cultura local das cidades, seja pelo aspecto econômico, como pela questão cultural,
social e até pelos costumes. No entanto, esta vivência na cidade é marcada por contradições,
assim como a vida na república também é um aprendizado para estes jovens, já que a maioria
está tendo a primeira experiência de residir longe da casa dos pais. Fernanda Oliveira Tavares,
Luís Dias Pacheco e Elisabeth Teixeira Pereira (2018) explicam que as repúblicas são uma
alternativa, principalmente, para viabilizar o acesso ao ensino superior de estudantes com
rendimentos mais baixos. Hoje, por exemplo, em São João del-Rei, o custo para um estudante
numa república gira em torno de R$ 400,00 a R$ 800,00, dependendo do que o universitário
quer de conforto - se vai ter um quarto somente para ele ou se vai dividi-lo, a quantidade de
moradores, a localização, se dispõe de empregadas para fazer os serviços domésticos, os
acessórios que têm na casa, proximidade dos restaurantes universitários, gastos com
locomoção, entre outros fatores. A UFSJ não tem pesquisa nem dados sobre o perfil dos alunos
da universidade, a origem - quantos são de São João del-Rei, quantos vêm de cidades da região
do Campo das Vertentes, quantos vêm de outras cidades ou estados. Destes quantos residem na
cidade e quantos vêm para estudar e retornam para as cidades vizinhas.
Quanto ao impacto do aumento do número de estudantes universitários com a expansão
de vagas pelo REUNI, Cristiane Belo de Araújo e Larissa Medeiros Marinho dos Santos (2014)
apresentam dados de uma pesquisa qualitativa feita em 2014, que já tem uma certa defasagem,
mas que traz um retrato do ponto de vista dos moradores naquele momento sobre os impactos
da vinda dos estudantes sobre a vida na cidade. A partir de conceitos sobre psicologia ambiental
e modelo bioecológico do desenvolvimento humano, as docentes da UFSJ fazem 10 entrevistas
em profundidade com moradores da cidade para levantar os pontos positivos e negativos em
relação à vinda de universitários para residirem nas cidades.
De fato, a vida em república possui caminhos como realidade, com consequências
distintas para a vida do estudante, e além de possuir relação direta com o rendimento durante o
curso, se comunica com o desenvolvimento pessoal e profissional de cada um. A universidade
também implica em uma mudança significativa nos hábitos e costumes do indivíduo,
principalmente no que se refere à adaptação a esse novo meio. Ao serem inseridos no meio
acadêmico, existem grupos de afinidades que interferem na adaptação do estudante com a
novidade da vida universitária, que não tem sua continuidade garantida. Alguns fatores externos
influenciam na permanência dos alunos nas universidades e, consequentemente, na república.
Ao se inserir na vida acadêmica e da república, o ambiente que ambas proporcionam à
rotina do aluno é diferente do que vinha sendo sua realidade. O indivíduo lida com novas
responsabilidades, e a adaptação do convívio, das tarefas dentro e fora de casa, do descanso,
das festas, dos estudos e, em alguns casos, do trabalho, se torna essencial no seu percurso como
universitário. A vida em república, tanto pelos aspectos positivos quanto negativos, gera laços
muito fortes entre os universitários. São interações que criam laços de pertencimento, de
identificação e fortalecem questões identitárias. Nesse sentido, as repúblicas podem ser um
fenômeno social estudado a partir da ótica da Comunicação e Sociabilidade.
Conforme aponta Maffesoli (2006), a vida social pode ser pensada a partir de laços de
pertencimento, de sociabilidade. Em vez de se pensar no individualismo, a vida social, segundo
o sociólogo, deve ser pensada como uma expressão de sentimentos de “pertença”, de agregação,
daí que surge a ideia de tribos urbanas. Isso pode ser vinculado ao que une os estudantes que
residem em repúblicas que se interligam em fortes laços afetivos.
Tavares, Pacheco e Pereira (2018) também apontam os fatores positivos e negativos
para os estudantes que residem em repúblicas. Na visão positiva, entende-se que os indivíduos,
por exemplo, tornam-se mais responsáveis, organizam melhor o estudo, entre outros aspectos.
Quanto aos efeitos negativos, os autores explicam que, como consequência na vida nas
repúblicas, pode levar ao uso de drogas, tornar os alunos mais preguiçosos etc. Há uma
generalização em que os indivíduos apenas se importariam com festas, drogas e música alta,
não entendendo o motivo que o traz para esse novo ambiente e a organização na casa.
Com base no debate sobre Comunicação e Sociabilidade, o artigo traz uma pesquisa
junto a 74 universitários sobre a vida em república, desde aspectos formais (como capacidade
de organização, gestão financeira, capacidade de receber e dar ordens) até questões mais lúdicas
(a satisfação de viver em república, o aprendizado etc.). Para isso, foram feitas 16 questões por
meio do Google Forms e apresentados os resultados, posteriormente, analisados à luz de
algumas teorias.

2. COMUNICAÇÃO E SOCIABILIDADE

A partir das contribuições do Interacionismo Simbólico, o sociólogo Erving Goffman


(2013) também contribui para o debate acerca das interações cotidianas e de que forma a vida
social é marcada por uma certa teatralidade. Dependendo do contexto e dos interlocutores, os
indivíduos podem assumir papeis diferentes frente ao outro, modificando o que ele chama de
máscaras sociais. Por exemplo, na vida em república, a partir das contribuições de Goffman é
possível verificar de que forma os indivíduos podem representar papéis que exigem posturas
mais sérias, quando se trata de assumir responsabilidades, como o controle financeiro. Por outro
lado, tornam-se mais infantilizados e brincalhões quando se trata de aspectos lúdicos, como nas
festas, na interação com os outros estudantes da república no cotidiano. Goffman visa, assim,
entender as técnicas empregadas pelas pessoas diante do outro. Ele diz que é fundamental o
ator social passar credibilidade e confiança ao interlocutor, mas, ele ressalta que não é possível
ter pleno controle, sendo a representação frágil e sujeita a riscos.
Então, Goffman (2013) elenca oito técnicas para obter controle na representação:
1) crença no papel que o indivíduo está representando – o ator deve estar convencido de
que aquilo que ele representa é pura realidade, para que o público se convença disso; os
observadores devem ter em mente que o indivíduo faz sua representação e dá seu espetáculo
para beneficiar os outros.
2) Fachada – o equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou
inconscientemente empregado pelo indivíduo durante sua representação. Os principais
componentes da fachada são o cenário (mobília, decoração, disposição física), vestuário,
aparência, atitude, expressões faciais, gestos corporais.
3) Realização dramática – o indivíduo deve recorrer a dramaticidade – a representação
então, se constitui como espetáculo.
4) Idealização – é uma representação socializada, moldada e modificada para se ajustar
à compreensão e as expectativas da sociedade em que é apresentada. O ator deve mostra-se
melhor do que é.
5) Manutenção do controle específico – a atuação exige rápido controle no desempenho
das ações requeridas pelo ator, sob pena de não se realizar efetivamente, o que pode gerar
embaraços.
6) Representação falsa – cada ator deve ter cuidado significativo com relação a tudo que
faz diante da plateia. O ator que dissimula e engana corre o risco de ser descoberto, o que pode
ocasionar perna de reputação.
7) Mistificação – as restrições ao contato fornecem um meio pelo qual o temor pode ser
gerado e mantido na plateia, um meio pelo qual a plateia pode ser mantida num estado de
mistificação com relação ao ator.
8) Realidades e artifícios – a encenação teatral exige artifícios que a torne convincente.
Para o autor, a vida é uma encenação dramática e quase tudo se constitui como um palco. No
mundo teatralizado, para Goffman o ator deve saber não só conduzir o texto, mas também suas
expressões (como usar a voz, roupa e o corpo).

Maffesoli (2006), por sua vez, ligado à Sociologia do Cotidiano, explica os laços de
pertencimento como o espírito coletivo ligado a uma cultura, a um enraizamento que promove
a dinâmica do ser no mundo, uma rememoração da cultura por meio do sentimento e da
necessidade de estar junto, de pertencer a uma cultura que direciona os indivíduos
objetivamente e subjetivamente – resultando no indivíduo que se “torna-a-si-mesmo” ou
poderíamos dizer que se afirma culturalmente. Os vínculos dentro da república, de fato, são
firmados e começam a ter grande influência na rotina e na personalidade do estudante, se
encaixando nos costumes que já vinham sendo praticados na casa, através dos moradores mais
velhos e, em caso de continuidade, abrindo a possibilidade de repassar novos costumes para os
que ainda virão.
Conforme aponta Maffesoli (2006), a vida social pode ser pensada a partir de laços de
pertencimento, de sociabilidade. Em vez de se pensar no individualismo, a vida social, segundo
o sociólogo, deve ser pensada como uma expressão de sentimentos de “pertença”, de agregação,
daí que surge a ideia de tribos urbanas. Isso pode ser vinculado ao que une os estudantes que
residem em repúblicas que se interligam em fortes laços afetivos.

Nós somos membros, nós fazemos parte, nos agregamos,


participamos, ou, para dizer trivialmente, “nós somos nisso”. Se
pensarmos no caso dos bons tempos da modernidade, mesmo para o
caso da autonomia, da distinção, da afirmação da identidade
individual ou de classe, tudo isso não passa de uma miragem, uma
ilusão, um simulacro. Sociologia da orgia foi como a denominei, ou
seja, a ordem da fusão, até mesmo de confusão, fazendo com que
qualquer um exista segundo um princípio de heteronímia, no seu
sentido estrito, a lei eu recebo do outro (MAFFESOLI, 2006, p. 278).

No caso de uma não adaptação do estudante ao estilo de vida da república, aos aspectos
formais e informais desse novo meio, o mesmo comunica aos demais moradores da situação e
juntos, em reunião, tentam adquirir métodos que façam com que essa adaptação seja facilitada.
Em alguns casos, o novo morador não possui laços fortes de comunicação ou proatividade, o
que impede que o mesmo interaja nas festas e visitas diárias, realize as obrigações de forma
proativa, sem que algum morador, acima da hierarquia, tenha que alertá-lo. Sendo assim, a
alternativa final é sua retirada da república de forma amigável.
Em casos menos corriqueiros, há a possibilidade de que toda a casa decida, de forma
unânime, na expulsão do indivíduo em casos mais severos.

3. SÃO JOÃO DEL-REL: AS REPÚBLICAS ESTUDANTIS

3.1 A tradição histórica e universitária: a consolidação da UFSJ

São João del-Rei, assim como outras cidades, viu a sua população crescer em função da
vinda de estudantes universitários de diferentes partes do Brasil. A cidade possui uma das mais
jovens Universidades Federais do País, a UFSJ, que completou 35 anos em 21 de abril de 2022,
que se chamava Fundação de Ensino Superior de São João del-Rei – FUNREI, até 2002. A
UFSJ conta com seis campi, três dos quais estão localizados em São João del-Rei: Campus
Santo Antônio, Campus Dom Bosco e Campus Tancredo Neves, além do Centro Cultural “Solar
da Baronesa”. Em 2007, a UFSJ adquiriu dois novos campi: o Campus Alto Paraopeba, situado
na região dos municípios de Congonhas, Ouro Branco, Conselheiro Lafaiete, São Brás do
Suaçuí e Jeceaba; e o Campus Centro-oeste Dona Lindu, situado no município de Divinópolis;
e em 2008, o Campus Sete Lagoas.
A cidade de São João del-Rei possui ao todo uma média de 90 mil habitantes, sendo
uma parte considerável destes oriundos de outras cidades do Brasil. Além da UFSJ, existe o
UNIPTAN (Centro Universitário Presidente Tancredo de Almeida Neves), faculdade particular
que também auxilia no número de não-nativos em terras são-joanenses. Com a utilização do
Programa Universidade para Todos (Prouni), criado em 2004, que prevê bolsas para alunos de
universidades privadas pagas pelo governo em troca de incentivos e do Fundo de Financiamento
ao Estudante do Ensino Superior (FIES), a oferta de vagas em universidades não-gratuitas
aumentou, promovendo um crescimento proporcional do número de estudantes na cidade.
Muitos estudantes vêm de cidades da região que compõem o chamado Campo das
Vertentes, conjunto de 33 cidades - como Barbacena e Lavras - que são as cidades-polo, além
de outras cidades de pequeno porte. Estes vêm de ônibus, vans ou carro próprio e retornam no
mesmo dia para as suas cidades. Já os estudantes que são de outras regiões de Minas Gerais e
do país, onde a grande distância inviabiliza a ida e a volta no mesmo dia, optam por morar em
São João del-Rei. São universitários que têm uma vida relativamente curta na cidade,
geralmente apenas o tempo de graduação. Muitas dessas cidades universitárias, como é o caso
de São João del-Rei, não têm como incorporar a mão-de-obra formada pela UFSJ. Ao contrário,
somente pequena parcela dos alunos fica na região.
Quanto ao impacto do aumento do número de estudantes universitários com a expansão
de vagas pelo REUNI, Cristiane Belo de Araújo e Larissa Medeiros Marinho dos Santos (2014)
apresentam dados de uma pesquisa qualitativa feita em 2014, que já tem uma certa defasagem,
mas que traz um retrato do ponto de vista dos moradores naquele momento sobre os impactos
da vinda dos estudantes sobre a vida na cidade. A partir de conceitos sobre psicologia ambiental
e modelo bioecológico do desenvolvimento humano, os docentes da UFSJ fizeram 10
entrevistas em profundidade com moradores da cidade para levantar os pontos positivos e
negativos em relação à vinda de universitários para residirem nas cidades.
Araújo e Santos (2014), a partir dos relatos dos entrevistados, constatam que eles
apontam como mudanças positivas oportunidades de trabalho e de estudo e atividades culturais
oferecidas pela UFSJ. Por outro lado, quanto a aspectos negativos, elas citam como mudanças
negativas: aumento no custo de vida, questões de trânsito e dificuldade de moradia. Considera-
se que tais mudanças afetaram a relação desses moradores com a cidade deles.
Nas entrevistas realizadas com os moradores, um aspecto a ser ressaltado é a percepção
de que a expansão se fez inevitavelmente acompanhada de grandes impactos na comunidade e
que, apesar de poder haver pontos negativos, acreditam que as vantagens são mais expressivas.
Os entrevistados reconhecem as maiores oportunidades que foram oferecidas a partir de um
maior movimento econômico produzido na cidade, maiores chances de acesso ao ensino
superior público e mais empregos. Também há uma concordância quanto ao problema relativo
à especulação imobiliária (ARAÚJO & SANTOS, 2014, p.7).

3.2. As repúblicas estudantis: aspectos formais e lúdicos

Ter um ensino superior desenvolvido e de boa qualidade é sempre importante para a


sociedade, por seus costumes culturais e sociais que se relacionam com o conhecimento
humano. Nosso país passou por uma reformulação no ensino superior, o que muitos relacionam
com o processo de democratização que vêm crescendo ao longo dos anos. Não se pode negar
que, após entrar na universidade, os adolescentes passam por uma grande mudança nos seus
hábitos e costumes, principalmente pela questão da adaptação com esse novo meio. Na França,
por exemplo, onde foi realizada a pesquisa, há muitos fracassos no primeiro ano de vida
universitária, o que tem conexão com a não afiliação ao novo universo deles: onde as regras
são diferentes, mais difíceis de lidar e que não fornecem muito tempo para sua assimilação.
No entanto, o Brasil está longe de atingir o ideal de acesso democrático ao ensino
superior. Mesmo que o número de novos alunos no ensino superior esteja aumentando.
Conforme dados do Instituto das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino
Superior de São Paulo (SEMESP), entre 2013 e 2019, houve um aumento de 5,8% no número
de novos ingressantes. Mas os dados são preocupantes, já que, no Brasil, conforme Mapa do
Ensino Superior no Brasil, de 2021, apenas 18,1% dos jovens de 18 a 24 anos estavam
matriculados no ensino superior e apenas 17,4% com 25 anos ou mais concluíram um curso.
Além disso, as medidas de democratização do ensino superior demoraram a acontecer
no Brasil, ainda mais se comparadas a países desenvolvidos, como é o caso da França, por
exemplo. Conforme explica Alain Coulon (2017), na França, a democratização do acesso ao
ensino superior é realidade desde meados dos anos 60, e já, a partir de 1985, houve um aumento
significativo de estudantes: de 1 milhão de estudantes em 1965, para 2,2 milhões em 1995.
Tudo isso graças ao baccalauréat (qualificação acadêmica) profissional, destinado a oferecer o
acesso direto à vida produtiva, tornando-se, depois, outra forma de acesso ao ensino superior.
Com isso, a entrada de novos grupos na universidade foi algo recorrente, que duraram até os
dias atuais. Culturas, hábitos e origens distintas começaram a fazer parte do mesmo meio de
aprendizado, e já no primeiro ano de estudos já é possível notar essa interação.
Coulon (2017) explica que o número de reprovações e desistências cresceu
proporcionalmente à democratização do ensino, logo a dificuldade não é mais entrar na
faculdade, e sim permanecer nela. Além do próprio nível de ensino, é preciso acrescentar à
opinião familiar, que não entendem a mudança que ocorre entre os dois graus de escolaridade.
Segundo o autor, essa nova fase da vida gera algumas inquietações aos estudantes, com um
distanciamento familiar e uma dificuldade de se readaptar ao seu ciclo de desenvolvimento.
O autor trabalha com a ideia da afiliação e de ser membro de uma sociedade para
identificar como funciona o processo de adaptação do universitário a um ensino superior com
muitas diferenças. A afiliação tem profunda ligação com a etnometodologia, que estuda o
raciocínio sociológico prático. Vivemos em um mundo de rotinas, que nos parece algo natural,
que se torna algo evidente. As pessoas sabem o que podem fazer e as consequências de seus
atos dentro daquele mundo em que vivem. É um senso natural que temos. Quando se deparam
com algo diferente, enxergam uma outra realidade, que impressiona.
Segundo Alain Coulon (2017), alguns são os motivos que provocam esse choque de
realidade dos estudantes: a) sofrimento psicológico por conta do fracasso (o que também
acarreta o sofrimento dos familiares); b) desperdício econômico; c) popularidade. O aluno que
já se inseriu no ensino superior precisa se adaptar ao perfil do estudante desse nível de ensino.
Deve-se descobrir regras, rotinas e os novos modelos de ensino da universidade. Um exemplo
disso é a busca por conhecimento diário, que não é explícito pelos docentes, mas é indispensável
para um sucesso acadêmico e profissional. Segundo o autor, torna-se nítido o impacto da
inserção dos estudantes à uma cultura diversificada, fora dos padrões seguidos no ensino médio,
e como isso provoca uma não adequação aos modelos da universidade. O estudante que
pretende se adaptar ao ensino superior precisa se desenvolver com maior independência, e, de
fato, com maiores responsabilidades.
O artigo “Residências Universitárias: Uma Revisão Da Literatura”, de autoria de
Fernanda Oliveira Tavares, Luís Dias Pacheco e Elisabeth Teixeira Pereira (2018), refere-se a
uma revisão de literatura sobre trabalhos que tratam da temática da vida em repúblicas
universitárias. O artigo revisa a literatura que discute a situação das moradias universitárias em
geral, além dos fatores que influenciam diretamente na qualidade de vida dos estudantes. Com
estudos que analisam o ambiente dos estudantes e suas externalidades, o artigo busca estudar a
interferência da estrutura da moradia na vida do jovem. Os autores constatam que a qualidade
de vida, do ambiente e da acomodação estão ligados diretamente à satisfação dos estudantes
com a faculdade escolhida.
O estudo divide-se em quatro partes importantes que definem a qualidade e a satisfação
dos estudantes na moradia estudantil. Em primeira parte, os autores associam uma boa moradia,
com instalações úteis e completas, como indispensável para acomodação do estudante no
período “pós-casa”. A influência do ambiente é primordial no nível de satisfação dos estudantes
com o curso. Na segunda parte, é tratada a ideia das meninas nas residências universitárias. Os
estudantes têm facilidade em se acomodar a casas mais agradáveis, com melhores instalações
e contas mais acessíveis, o que de fato, chama a atenção de um recém universitário. Além disso,
os estudantes aprimoram a qualidade de vida dessas moradias, trazendo utensílios
indispensáveis de casa que formam um estilo de vida para o local.
Os autores afirmam que, na Europa, no passado, as residências universitárias foram
criadas como alojamentos coletivos dentro da universidade, aquando da sua construção. O
conceito era de que a aprendizagem é baseada na proximidade e na convivência com o
professor. No Brasil, no entender de Santos (2012) apud Tavares, Pacheco e Teixeira (2018), a
residência universitária tem por objetivo viabilizar o acesso ao ensino superior de estudantes
com rendimentos mais baixos. Os autores citam um estudo feito pelos pesquisadores Iftikhar
& Ajmal (2015) em 2015 que apontaram fatores positivos e negativos na vida em repúblicas.
No estudo, eles concluem que os alunos nas residências: (a) Tornam-se mais
responsáveis; (b) Aprendem a cuidar de si mesmos e tornam-se mais sensíveis com os outros;
(c) Aprendem a evitar atitudes indesejáveis dos outros; (d) Organizam melhor o estudo, o que
melhora os resultados educacionais; (e) Aumentam a facilidade de comunicação com os outros;
(f) Melhoram as capacidades na resolução de problemas; (g) Aumentam a autoconfiança e
autoestima e tornam-se mais pontuais; (h) Tornam-se mais independentes; (i) Aprendem a
mover-se na sociedade, melhoram a sua vida social, capacidades de comunicação,
relacionamento com os outros e fazem uma melhor gestão e qualidades de liderança; (j)
Aprendem a tolerar, acomodar e a comprometer-se com os outros; (k) Aprendem a manipular
e a organizar as suas finanças e tornam-se mentalmente mais maduros (TAVARES, PACHECO
& TEIXEIRA, 2018, p.271).
Quanto aos efeitos negativos, Iftikhar & Ajmal (2015) apud Tavares, Pacheco e Teixeira
(2018) concluem que, como consequência na vida nas repúblicas: (a) alguns estudantes tornam-
se preguiçosos; (b) alguns estudantes, especialmente os do sexo masculino, usam diferentes
tipos de drogas; (c) alguns estudantes perdem tempo, apresentam atitudes menos cuidadas com
os estudos, reduzindo o desempenho escolar.
Outro fator tratado no artigo diz respeito ao espaço físico e a acomodação nessas
residências. Diferente de sua casa, as moradias estudantis limitam o espaço do estudante, além
de trazer preocupações maiores, como a segurança física e de seus bens, além de registros de
quem entra e quem sai do local. O artigo traz uma tabela de análise de instalações, localização,
conveniência do quarto e segurança. Os autores abordam sobre a relevância das atitudes
ambientais aos estudantes, onde a manifestação da faculdade em prol de questões ambientais,
oferecendo ao estudante uma ajuda daquilo que é consciente dentro e fora de casa.
O artigo discorre com precisão muitos fatores que interferem diretamente na
performance e na adaptação do estudante ao novo lar e seu meio acadêmico. Com
levantamentos coerentes sobre os possíveis meios de acarretar um desconforto no jovem, o
artigo traz dados relevantes sobre a vida na moradia, além de estudos avançados de especialistas
no assunto. Os autores tratam com lealdade e preocupação aquilo que é necessário para que o
estudante se encontre realmente em casa, diminuindo os impactos de uma vida “rotineira” onde
as obrigações eram, de fato, menores. Em resumo, as residências universitárias moldam a
personalidade e o comportamento dos estudantes residentes dessa área. Os jovens se tornam
mais responsáveis, cuidadosos e organizados, o que consequentemente auxilia na comunicação
e na autoconfiança deles.
Para discutir a moradia estudantil e a sua importância na educação superior, as
pesquisadoras Maria do Carmo Lacerda Peixoto e Letícia Pereira de Souza (2000), doutoras em
Educação, fizeram uma pesquisa junto a estudantes universitários. Segundo as autoras, levando
em conta a expansão do ensino superior, com o aumento dos estudantes acarretado pela
implementação de políticas públicas que ampliaram o acesso dos universitários, algumas
discussões que retratam a democratização e a permanência nas instituições ganharam destaque.
O papel do Estado no desenvolvimento de políticas de assistência estudantil também se tornou
um ponto forte da discussão.
Peixoto e Souza (2000) afirmam que, a partir do momento que a questão da socialização
no Brasil é dividida em vários setores e grupos, nos quais englobam os jovens, as autoras
discorrem com precisão as práticas de educação das universidades públicas, seja ela formal ou
informal, vivenciadas por estudantes universitários na moradia estudantil da Universidade
Federal de Ouro Preto (UFOP).
Com dados coletados a partir de entrevista com os alunos da universidade, método
seguido por Bernard Lahire, sociólogo francês que desenvolveu a teoria metodológica da
sociologia à escala individual, as autoras debatem questões como: a) a influência da moradia
estudantil no desenvolvimento do estudante; b) ampliação do acesso ao ensino superior e
condições de permanência; c) a singularidade das moradias estudantis da Universidade Federal
de Ouro Preto; d) as práticas de educação formal e informal na moradia estudantil e sua relação
com os retratos sociológicos; e) a moradia estudantil como um forte meio de apoio acadêmico
e financeiro; f) as sessões de estudo dentro da moradia estudantil e a religião como suporte no
período de adaptação e, por último, g) a república federal como um projeto de aprendizagem
paralelo com a supervalorização das sociabilidades dentro da república.
Usando como referência Alain Coulon e o artigo “O ofício do estudante: a entrar na vida
universitária”, o texto analisa bem os efeitos em que os estudantes estão inseridos, tanto de
modo pedagógico como de modo socializador, que fazem os alunos se incrementarem no
processo do Ensino Superior. Com isso, analisando as questões que mais se encaixam com a
pesquisa que pretendemos desenvolver como monografia de conclusão de curso, foram
priorizadas as questões relativas às (e) a moradia estudantil como um forte meio de apoio
acadêmico e financeiro; (f) as sessões de estudo dentro da moradia estudantil e religião como
suporte no período de adaptação; e (g) a república federal como um projeto de aprendizagem
paralelo à supervalorização das sociabilidades dentro da república.

3. ESTUDO DE CASO: A OPINIÃO DOS MORADORES DE REPÚBLICAS EM SÃO


JOÃO DEL-REI

Para fazer uma discussão sobre os aspectos formais e a dimensão lúdica e de


sociabilidade das repúblicas de São João del-Rei, foram aplicados 74 questionários com uma
série de questões por meio do Google Forms que aborda questões formais e informais. Foi
definido o seguinte roteiro de perguntas:

1 - Há quanto tempo mora em república?


2 – Se considera uma pessoa melhor depois de morar na república?
3 – Como se sente depois de sair da casa dos familiares?
4 – Considera ter se tornado mais responsável depois de morar em república?
5 – Aprendeu a cuidar melhor de si depois de morar na república?
6 – Passou a organizar melhor a rotina de estudos após morar na república?
7 – A vida em república melhorou a sua capacidade de resolver problemas?
8 – Sua autoestima melhorou com a vida em república?
9 – Sua autoconfiança aumentou com a vida em república?
10 – Você se tornou mais pontual?
11 - Você se tornou mais independente?
12 – Sua vida social ficou mais interessante após a vida em república?
13 – A sua capacidade de receber ordens foi melhor trabalhada?
14 – A sua capacidade de dar ordens foi melhor trabalhada?
15 – Consegue fazer uma melhor gestão financeira da sua vida?
16 – Sentirá saudades da vida em república?

3.1 Dos Resultados

Os resultados das 16 questões mostram um alto nível de satisfação dos estudantes com
as repúblicas, como pode ser evidenciado nas respostas. Isso ocorre também, porque existe um
certo receio de se manifestarem de forma contrária. Há uma forte pressão dos grupos sociais.
Por outro lado, os que buscam a vida em república já têm, de antemão, uma ideia do que vão
encontrar e sentem satisfação com os “rituais” e com o clima que vivem e compartilham no dia
a dia. Os que não se adaptam, em geral, buscam alternativas de moradia.

Questão 1 – Tempo que residem nas repúblicas

O Gráfico 1 é sobre o tempo em que os estudantes residem nas repúblicas, com 74


entrevistados. Em média, os entrevistados responderam que ficam em torno de 3 anos (10,8%),
que correspondeu ao maior percentual. Alguns chegaram a afirmar que ficam até 5 anos (5,4%),
enquanto alguns poucos (2,7%) apenas 3 meses.
Gráfico 1
Tempo que mora em república

Fonte: Do autor, 2022.

Questão 2 – “Acredita ser uma pessoa melhor do que antes de entrar na república?"

Já quanto à Questão - “Você se considera uma pessoa melhor do que antes de entrar na
sua república? ”, dos entrevistados, 97,3% (ou seja, 72 dos 74 entrevistados) afirmaram que sim
e apenas 2,6% responderam que não” (apenas 2 entrevistados), revelando um alto grau de
satisfação com a convivência e com o aprendizado que tiveram nas repúblicas estudantes.

Questão 3 – Sentimento da vida pós-casa

Quanto à Questão 3, traz a pergunta sobre o sentimento do universitário sobre a vida


“pós-casa” junto à família e se sente que a vida na república pode ser considerada uma nova
família, entendendo aí como vínculos fortes de pertencimento afetivos, de sociabilidade, que
extrapolam os aspectos formais (Maffesoli, 1996 apud Andrade, 2022). Conforme dados dos
74 entrevistados, 95,9% (71 dos 74 entrevistados) apontaram que sim e apenas 4,1% disseram
que não (somente 3 do universo total).

Questão 4 – Sentimento de Responsabilidade


No que diz respeito à responsabilidade, no foi questionado se o estudante passou a se
sentir mais responsável após entrar na república. Foi aplicada avaliação gradativa, de 0 a 10,
sendo o valor máximo para quem se sente mais responsável. Dos resultados, 20 entrevistados
(27,7%) apontaram nota 10; 9 (nove) indicaram a nota 9 (19,9%); 28 citaram a nota 8 (30,5%);
8 entrevistados apontaram nota 7 (10,8%); 2 a nota 6 (2,7%); 3 a nota 5 (4.1%); 3 entrevistados
apontaram a nota 4 (2,7%). Nenhum dos entrevistados apontaram notas 2, 1 e 0.

Questão 5 – “Você aprendeu a se cuidar melhor”

A Questão 5 é “Quanto você aprendeu a cuidar melhor de si mesmo após entrar na


república”, utilizando também como parâmetro notas de 0 a 10. Dos 74 entrevistados, 21
apontaram a nota 10 (28,4%), seguidos de 14 que indicaram a nota 9 (18,9%), outros 13 a nota
8 (17,6%). Do total, 6 pessoas apontaram a nota 6 (8,1%); 5 indicaram a nota 5 (8,8%); 2
avaliaram 4 (2,7%); e 3 a nota 2 (4,1%). Nenhum dos universitários apontaram a nota 1 ou 0.

Questão 6 – Organização dos estudos

Já a Questão 6 “Você passou a organizar melhor seus estudos após entrar na república?
”, utilizando também como parâmetro notas de 0 a 10. Dos 74 entrevistados, 8 apontaram a nota
10 (8.1%), seguidos de 7 que indicaram a nota 9 (9.5%), outros 9 a nota 8 (12.2%). Do total, 6
entrevistados apontaram a nota 6 (8,1%), 14 indicaram a nota 5 (18.2%), 8 indicaram a nota 4
(8.1%), e 6 a nota 2 (6.8%). Apenas 1 universitário apontou a nota 1 (1.4%) e 2 apontaram a
nota 0 (2.7%). Podemos concluir que, diferente das outras questões tratadas até então, essa ficou
dividida entre os universitários.

Questão 7 – Capacidade de resolução de problemas

No que diz respeito à Questão 7 - “Você melhorou a capacidade de resolver problemas


diversos após entrar na república? ”, utilizando também como parâmetro notas de 0 a 10. Dos
74 entrevistados, 32 apontaram a nota 10 (43.2%), seguidos de 19 que indicaram a nota 9
(25.7%), e 13 a nota 8 (17.6 %). Do total, 3 entrevistados apontaram a nota 7 (4,1%) e 4
indicaram a nota 6 (5.4%). As notas 5, 4 e 2 foram escolhidas por 1 aluno cada (1.4%), enquanto
as notas 3, 1 e 0 não foram escolhidas.
Questão 8 – Autoconfiança

Sobre a Questão 9 - “Sua autoconfiança aumentou após entrar na república?”, que


recorre ao parâmetro de notas de 0 a 10. Dos 74 entrevistados, 20 apontaram a nota 10 (27%),
seguidos de 14 que indicaram a nota 9 (18.9%), e 16 a nota 8 (21.8 %). Do total, 9 entrevistados
apontaram a nota 7, (12.2%) e 5 indicaram a nota 6 (5.4%). As notas 5, 4 e 3 tiveram 3 adesões
cada (3.4%). As notas 2 e 1 não foram escolhidas e a nota 0 foi escolhida por 1 pessoa (1.4%).

Questão 9 - Pontualidade

A questão 10 - “Você se tornou mais pontual após entrar na República?”, que também
utiliza como parâmetro notas de 0 a 10. Dos 74 entrevistados, 6 apontaram a nota 10 (8.1%),
seguidos de 5 que indicaram a nota 9 (6.8%) e 15 a nota 8 (20.3 %). Do total, 16 entrevistados
apontaram a nota 7, (21.6%) e 12 indicaram a nota 6 (19.2%). A nota 5 teve 7 adesões (9.5%).
As notas 4 e 3 tiveram 4 escolhas cada (5.4%), as notas 2 e 1 foram escolhidas por 2 estudantes
cada (2.7%) e a nota 0 foi escolhida por 1 pessoa (1.4%).

Questão 10 – Maior independência

A questão 11 - “Você se tornou mais independente após entrar na república?”, que


aciona também como parâmetro notas de 0 a 10. Dos 74 entrevistados, 45 apontaram a nota 10
(60.8%), seguidos de 13 que indicaram a nota 9 (17.6%) e 9 a nota 8 (12.2 %). Do total, 5
entrevistados apontaram a nota 7, (6.8%) e um estudante, em cada, indicaram as notas 5 e 6
indicaram a nota 6 (1.4%). As demais notas não tiveram adesões.

Questão 11 – Vida social

A Questão 12 -“Sua vida social melhorou após entrar na república?”, que aciona como
parâmetro notas de 0 a 10. Dos 74 entrevistados, 36 apontaram a nota 10 (38.6%), seguidos de
13 que indicaram as notas 9 e 8 (17.6%) e 3 que indicaram as notas 7 e 4 (4.1 %). Do total, as
notas 6, 5 e 3 tiveram 2 adesões cada (2.7%) e o restante das notas não tiveram adesões.

Questão 12 – Capacidade de “receber ordens”


Já a Questão 12 - “Você melhorou sua capacidade de receber ordens após entrar na
república?”, que também usa como parâmetro notas de 0 a 10. Dos 74 entrevistados, 29
apontaram a nota 10 (39.2%), seguidos de 13 que indicaram as notas 9 e 8 (17.6%) e 6 que
indicaram as notas 7, 6 e 5 (6.8 %). Do total, a nota 4 teve 3 adesões (4.1%), as notas 3, 2 e 1
não tiveram adesões e a nota 0 foi escolhida por 1 estudante (1.4%).

Questão 13 – Capacidade de “dar ordens”

A Questão 13 - “Você melhorou sua capacidade de dar ordens após entrar na


república?”, também acionando o parâmetro de notas de 0 a 10, traz o seguinte resultados: dos
74 entrevistados, 22 apontaram a nota 10 (29.7%), seguidos de 13 que indicaram a nota 9
(17.6%) e 18 que indicaram a nota 7 (24.3%), 3 indicaram a nota 6 (4,1%), 5 indicaram a nota
5 (6,8%), 2 opinaram pela nota 2 (2,7%). Nenhum dos entrevistados deu nota 4, 3 ou 0.

Questão 14 – Capacidade de administrar as finanças

Já a Questão 14 - “Você melhorou sua capacidade de administrar as finanças após entrar


na república?”, com os parâmetros de 0 a 10, tem como resultados: dos 74 entrevistados, 16
apontaram as notas 10 e 8 (29.7%), seguidos de 12 que indicaram a nota 9 (16.2%) e 16 que
indicaram a nota 7 (21.6%). Do total, a nota 6 e 3 tiveram 4 adesões cada (5.4%), a nota 5 teve
2 adesões (2.7%), a nota 4 teve 3 adesões (5.4%). As notas 2 e 1 não tiveram adesões e a nota
1 foi escolhida por apenas uma pessoa (1.4%).

Questão 15 – “A república vai te deixar saudades?”


Por fim, a Questão 15 - “A república vai te deixar saudade?” (com notas de 0 a 10)
teve como respostas, entre os 74 entrevistados, 67 que apontaram a nota 10 (90.5%), seguidos
de 2 que indicaram as notas 9, 8 e 6 (2.7%).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos dados levantados, pode-se fazer uma articulação com os conceitos tanto do
Interacionismo Simbólico de Erving Goffman (2013) quanto com o debate sobre Comunicação
e Sociabilidade que permeia a discussão do sociólogo Michel Mafessoli (2006) como o
programa de pós-graduação da UFMG e de um grupo de trabalho da Associação Nacional dos
Cursos de Pós-Graduação em Comunicação (Compós). Do ponto de vista da comunicação e da
sociabilidade, as repúblicas estudantis de São João del-Rei, em seus aspectos mais lúdicos e
informais, refletem muito o pensamento destes autores. A ideia de pertencimento a um grupo,
a uma tribo, a sociabilidade ou socialidade (no sentido emocional e não racional do termo
conforme explica Maffesoli), a pulsão de agregação que faz com que eles se unifiquem em
eventos (calouradas, festas de repúblicas e rituais de iniciação etc.). Há, inclusive, uma série de
códigos que foram sendo criados para dar este sentimento de pertencimento, como as placas
que os “calouros” precisam carregar durante o primeiro ano de curso como forma de
identificação, mesmo que para que esteja de fora pareça algo no mínimo exagerado ou grotesco.
Mas para quem é “de dentro” é pertencer ao universo, é um ritual de iniciação. Passada a fase
de “calouro”, no ano seguinte, ele fará a transição e poderá hierarquicamente estabelecer quem
será o próximo a usar a placa. Nas repúblicas, existem mães, avós, que são atribuídas a quem
já tem uma tradição e se consolidou como “veterana”. Já passou por todas as etapas ou rituais.
Assim criam-se interações cotidianas que geram formas de pertencimento ao mesmo
tempo que isso extrapola as repúblicas e cria uma cultura juvenil e universitária, como ocorre
em São João del-Rei, em outras cidades, principalmente históricas, como Ouro Preto, mas onde
a universidade é um polo de socialização. São os jovens que movimentam bares, a vida noturna,
a vida cultural e artística da cidade. Evidentemente que isso gera estranhamentos com a cultura
local mais tradicional. Para muitos moradores da cidade, principalmente em se tratando de um
município conservador como São João del-Rei, marcado pelo catolicismo, as festas profanas
dos universitários que extrapolam os horários convencionais e duram até o amanhecer não
combina com hábitos típicos da família conservadora. Daí surgiram os termos “balbúrdia”,
“jovens que bebem e fumam maconha”, marcando um contraponto ao conservadorismo que
ainda prevalece. Mesmo que saibam que a UFSJ e as universidades públicas significam para
além da importância educacional e para a pesquisa movimentação financeira e desenvolvimento
regional há um sentimento de que as tradições podem estar sendo colocadas em risco.
Do ponto de vista mais formal, as respostas mostram que, para além do lúdico, há um
aprendizado e que as repúblicas não podem ser resumidas a ideia de festa, de “resenhas” de
estudantes. Há regras a serem cumpridas, há uma organização de tarefas, há gerenciamento
financeiro para que o dinheiro dê para pagar as despesas no final do mês. Os alunos precisam
fazer com que a bolsa, muitas vezes, que recebe seja o suficiente para quitar as despesas com a
república. Aprender a dividir tarefas, compartilhar angústias da vida de ser universitário num
país em que os desafios para conseguir uma vaga no mercado são muitos, sem dúvida, marcam
estas vivências. Por isso, lançar luz para compreender melhor o universo das repúblicas como
um fenômeno social, que pode ser estudado à luz da Sociologia e da Comunicação é entender
também como os nossos universitários estão se preparando e vivendo os dilemas de tentar
construir um país melhor frente a cenários tão sombrios.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Cristiane Belo de. & SANTOS, Larissa Medeiros Marinho dos. Impactos da
expansão universitária para moradores de São João Del-Rei. Psicologia & Sociedade, v.26,
n.2, 420-229, 2014.

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

COULON, Alain. O ofício do estudante: a entrada na vida universitária. Educação e Pesquisa,


São Paulo, v, 43, n.4, p.1239-1250, out. /dez., 2017. Disponível em
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Capítulo 21

As ruas falam:
Cartografias afetivas de São João del-Rei

Laura Pereira Gonçalves (UFSJ)


Kátia Hallak Lombardi (UFSJ)

RESUMO: O artigo propõe uma ressignificação do olhar sobre a cidade de São João del-Rei e
a produção de conhecimento voltado para a região. Por meio do fotolivro “As ruas falam:
cartografias afetivas de São João del-Rei”, foi traçado um percurso com o objetivo de fotografar
casas, ruas e disparidades do município em processo de transformação e modernização. Dessa
forma, percorreu-se do alto do bairro Senhor dos Montes, partindo do monumento do Cristo,
até o Centro, fotografando todo o trajeto que pode ser observado no caminhar das páginas do
fotolivro. Nesse sentido, o trabalho diz respeito à construção do produto, e contém uma análise
teórica e documental acerca dos conceitos envolvidos, retratando autores e exemplos.

PALAVRAS-CHAVE: São João del-Rei, cartografia afetiva, espaço e território, fotografia


urbana, fotolivro.

1. INTRODUÇÃO

Com o objetivo de fotografar São João del-Rei em sua extensão territorial, do bairro
Senhor dos Montes até o Centro, esse produto visa a observar a mudança das ruas, das casas,
das pessoas e demais acontecimentos envolvidos neste trajeto, mediante à modernização da
cidade e o acesso ao espaço urbano. A ideia é retratar uma cidade que não costuma ser
representada nas mídias, nem ser vista. Para isso, foi feita uma pesquisa documental acerca da
evolução da cidade, bem como sobre fotografia e fotolivro, suporte para a exposição imagética.
Quando pensamos em São João del-Rei, o imaginário popular é preenchido pelas ruas
de pedra, construções arquitetônicas históricas e exuberantes, o barulho dos sinos das igrejas
ou mesmo da Maria Fumaça, até o frio da cidade rodeia as ideias. Parte dessa concepção possui
sua origem no conteúdo divulgado pelos veículos comunicacionais, acompanhando a história
da evolução do município, bem como a melhor visão impressa nele. Entretanto, como um
recorte, a periferia é deixada de lado. Ninguém imagina como é o Senhor dos Montes ou
recorrentemente a massa de turistas visita algum canto remoto do Tijuco, afinal, esse trajeto
não é apresentado nos folhetos de guia.
Todavia, a maior parte da população são-joanense não habita o centro histórico.
Conforme o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010,
os três maiores bairros de São João del-Rei, com maior número de habitantes, eram
“Matosinhos” (20.153), “Tijuco” (15.399) e “Colônia do Marçal” (9.986). Isso partindo de um
total de 90.082 mil habitantes em todo o município. Desde essa data, a cidade se transformou
em grande escala. Assim, trazer luz a essa transformação é proporcionar voz, tendo em vista a
evolução do espaço mediante esses indivíduos e às suas propriedades, cada vez mais
negligenciadas.
A partir desse contexto, surgiu a proposta do fotolivro “As ruas falam: cartografias
afetivas de São João del-Rei”, a fim de elucidar e proporcionar uma reflexão quanto à habitação
do espaço e sua cartografia afetiva, demonstrada por meio dos objetos em seu entorno. No
intuito de ressaltar o olhar para certos detalhes e evidenciar pontos específicos, foram feitas
intervenções manuais nas fotografias, utilizando o bordado, o fogo e materiais digitais para
colagens. Feito isso, depois de prontas, as imagens foram editadas e separadas para criar uma
narrativa própria, assim compondo as páginas do fotolivro.

2. CARTOGRAFIAS AFETIVAS DE SÃO JOÃO DEL-REI

Primeiramente, o produto parte de uma pesquisa bibliográfica e documental acerca de


cartografia afetiva, apropriação do espaço e sentimento perante um ambiente, trazendo Guattari
(1986), Haesbaert (2004), Lefebvre (2008), Hutta (2020), passando por São João del- Rei, desde
sua construção arquitetônica, para sua modernização e a configuração atual com Graça Filho
(2002), Tavares (2011), Ferreira (2014), Lopes (2016), e também ressaltando cidade com
Tavares (2006). Para fotografia como documentação do real e para o formato do fotolivro em
si, evidenciou-se Carrión (2011), Sontag (2004), Friderichs (2005), Rouillé (2009), Bombonati
(2016) e Melo (2019).
É preciso reconhecer: a formação do espaço urbano é resultado histórico das ações
humanas sobre a superfície terrestre e expressa a sedimentação das práticas sociais de
apropriação, uso, exploração e gestão do território (MORAES apud TAVARES, 2011).
Frequentemente, o termo territorialidade é utilizado para enfatizar essa apropriação subjetiva
do território e a construção de uma identidade por intermédio dos registros simbólicos. Em
contrapartida, a concepção de território é popularmente relacionada à dominação política e
econômica dos atores e ao controle de espaços. Logo, o território, imerso em interações de
dominação e apropriação que a sociedade faz do espaço, “desdobra-se ao longo de um
continuum que vai da dominação político-econômica mais ‘concreta’ e ‘funcional’ à
apropriação mais subjetiva e/ou ‘cultural simbólica'''. (HAESBAERT, 2004, p. 95-96).
Sendo assim, esse espaço reconhecido enquanto processo social e historicamente
construído manifesta a materialização de interesses específicos, bem como os valores de um
determinado grupo para propagar seus vestígios, de modo a modificar e se apropriar, inclusive,
das fronteiras desse ambiente. “O espaço não é apenas organizado e instituído. Ele também é
modelado, apropriado por este ou aquele grupo, segundo suas exigências, sua ética e sua
estética, ou seja, sua ideologia” (LEFEBVRE, 2008, p.82). Ou seja, a dominação e apropriação
são fatores em conjunto e podem não funcionar na mesma via. Todavia, a dinâmica capitalista
faz com que a primeira se sobreponha à segunda, sufocando possibilidades de uma habitação
diferente e a reapropriação do espaço em questão.
Nesse sentido, os ambientes onde as pessoas habitam são produtores de uma
multiplicidade de dinâmicas afetivas, indo desde a topofilia – o amor pelo lugar – até a topofobia
– o medo do lugar. Os sentimentos provenientes da habitação constantemente se formam por
meio das relações espaciais (ANDERSON, 2014; BONDI et al. apud HUTTA, 2020). Essas
relações podem ser interpretadas como integradas às práticas sociais constantes e são
modificadas e influenciadas pelo que as cercam, principalmente quando se trata da realidade
financeira vivenciada.
Num contexto mais amplo, a história econômica de Minas Gerais sofreu forte influência
com o Ciclo do Ouro. No final do século XVII, atraiu exploradores e induziu o surgimento de
povoados. Assim, Tomé Portes D’El Rey, em bandeira com os sertanistas, desbravou a região
onde hoje se localiza São João del-Rei, em busca de minerais preciosos (FERREIRA et al,
2014). Sede da Comarca do Rio das Mortes, a cidade se firmou como um importante polo de
influência política e econômica de Minas Gerais (GRAÇA FILHO, 2002). Essa condição foi
fomentada pela sua posição privilegiada enquanto centro administrativo, comercial e
financeiro.
Em sua obra, Graça Filho (2002) traz um apontamento de Kenneth Maxwell quanto ao
crescimento populacional da cidade nessa época. Com o escalonamento de escravos, notou-se
“a capacidade econômica da região policultora”, uma prática também estimulada pela boa
localização.
Nas informações fornecidas por Maxwell, pode-se reparar que o crescimento
demográfico da Comercia do Rio das Mortes foi de 158% entre aqueles dois anos, enquanto a
população de Minas Gerais teve a elevação de 61%. O número de negros e mulatos no Rio das
Mortes passou de 21% para constituir 35% de sua população total entre 1776 e 1821, ano em
que concentrava 47% (84.995 cativos) do plantel mineiro (GRAÇA FILHO, 2002, p. 39).
Apesar da suposta decadência aurífera no século XIX, São João del-Rei prosperava no
campo comercial, graças à crescente da produção têxtil e as diversas lojas instaladas em
casarões e mercadorias variadas, trazidas, em sua maioria, do Rio de Janeiro. Com essa
proximidade, o território sanjoanense desempenhou um importante papel como entreposto
comercial, especializado em gêneros alimentícios produzidos na região, como toucinho e couro,
panos e outras mercadorias escoadas até a então capital federal (TAVARES, 2011).
Essa circunstância trouxe diversas transformações no espaço, consequentemente na
relação e alocação da população, à medida em que a modernidade era imposta na cidade, os
cativos e demais grupos marginalizados foram conduzidos à periferia. Principalmente durante
a década de 1940, a ideia do progresso foi instaurada em São João del-Rei e reproduzida pelos
diversos veículos de comunicação, como uma concepção linear e absoluta sobre o tempo social.
Como evidência Tavares (2011) em sua análise acerca dos veículos de comunicação ao recortar
trechos do Diário do Comércio, reconhecida mídia da região na época:

São João del-Rei não vive somente do esplendor do seu passado. A


energia e o patriotismo de seus filhos construíram e vêm melhorando
cada vez mais uma cidade moderna e progressista, onde as torres de
nossos templos seculares se emparelham às altas chaminés das nossas
fábricas. (DIÁRIO DO COMÉRCIO, 12/03/1938)

Para Lopes (2016), em geral, este progresso veio acompanhado de preocupações quanto
às questões de salubridade e higiene, trazendo uma série de transformações no ambiente,
visando sua reestruturação. Como Lopes (2016) traz ao evidenciar a leitura de Benjamin em
relação ao ideal urbanístico de Haussmann, o plano de modernização de Paris se insere em uma
lógica de um urbanismo autoritário, favorecendo o capital financeiro, a especulação imobiliária
e o controle das “classes perigosas”. Em sua essência, essas alterações vieram acompanhadas
de uma modificação no estilo de vida urbano, ou seja, na própria cultura das sociedades
(LOPES, 2016). Isso não foi diferente em São João del-Rei.
No final do século XIX, Simmel (1976) já expunha o quanto as transformações urbanas
impactam nos costumes e sensibilidades. Para ele, o crescimento vertiginoso das cidades incide
sobre a “vida mental” dos indivíduos e implica na formação de novos hábitos e sociabilidades
marcados pela impessoalidade, racionalização e predomínio da economia do dinheiro sobre as
relações sociais (SIMMEL apud TAVARES, 2011). Para Guattari (1986), se deixarmos o
inconsciente nos orientar e nos organizar no mundo como vivemos, as cartografias do desejo
tomam diferentes micropolíticas que correspondem a diferentes modos de inserção social.
Entretanto, como uma concordância, “todos vivemos, quase que cotidianamente, em crise”.
(GUATTARI, F. et al, 1986, p.11).
Nesse cenário de ocupação territorial, os cidadãos menos favorecidos foram compelidos
para as periferias, como uma forma de assepsia da cidade, com preceitos higienistas que
combinam as técnicas da medicina com a engenharia sanitária no combate e correção dos
“problemas” da cidade (ARMUS, 1995 apud TAVARES, 2011, p.13). Todavia, a conjectura
do espaço urbano não é neutra, mas imbuída de valores, intencionalidades e práticas políticas,
originadas tanto dos grupos dominantes quanto daqueles marginalizados. “O espaço é um
instrumento político intencionalmente manipulado, mesmo se a intenção se dissimula sob as
aparências coerentes da figura espacial” (LEFEBVRE, 2008, p.44). Ou seja, é no espaço
público onde as práticas expostas correspondem a todos, no entanto, é também a partir dele que
muitos se sentem negligenciados.
As reformas urbanas dessa época se destinavam a organizar e limpar o espaço urbano.
A justificativa do porque elas deveriam servir para qualquer lugar era sempre um discurso
técnico da eficiência da organização. Consoante à Tavares (2011), São João del-Rei foi
diretamente influenciada por esses ideais, “perseguir a sujeira que desafia a ordem, atacando-a
através da racionalização do ambiente: estas foram as palavras de impacto nesse período que
impulsionaram a adaptação do espaço a um ideal de civilização” (TAVARES, 2011, p.14).
Assim como ressalta o autor sobre a cidade, a reforma urbana e sanitária foi articulada como
recurso, inclusive, semântico para legitimar e justificar as práticas de intervenções na cidade.
Sendo assim, os veículos de comunicação da época traziam essa interferência urbana
com enfoque positivo para reforçá-la no imaginário da massa, de modo a propiciar uma
aceitação e até contribuição. “Na marcha acelerada da civilização os que param são atropelados
pela onda humana que avança, sempre para frente. Caminhemos com ela ou seremos arrasados
(DIÁRIO DO COMÉRCIO, 08/03/1938)?”(TAVARES, 2011, p. 6). Essa crença, justaposta no
cientificismo de adequar as “disfunções urbanas” de acordo com critérios de conforto, higiene
e modernidade, trouxe a perspectiva de que ser moderno e civilizado implica em participar do
progresso da ciência.
Conforme Baczko (1985), os imaginários sociais são sistema de orientação simbólica,
ou seja, um conjunto de representações pelos quais uma coletividade vê a realidade ao seu redor
e a si mesma, tomando suas decisões a partir desse entendimento. É por meio dessa figuração
social que, por exemplo, “uma coletividade designa a sua identidade; elabora uma certa
representação de si; estabelece a distribuição de papéis e das posições sociais; exprime e impõe
crenças comuns”' (BACZKO apud TAVARES, 2011, p.7).
Nesse sentido, também impactado pelo conteúdo dos meios comunicacionais, a
produção, controle e difusão dos imaginários coletivos é uma operação atravessada de
finalidades políticas. Esses projetos procuram sempre atuar nas relações sociais citadinas para
repercutir na conformação do tecido urbano na cidade, de modo a explorar ao máximo a
dimensão simbólica, imagética e figurativa de seus contornos já existentes e futuramente
impostos. Portanto, a cidade torna-se objeto do desejo e, por intermédio da compreensão
imaginária, os indivíduos projetam seus sonhos e invenções do que deve ou não conter no
espaço urbano, procurando nele lugar de reconhecimento e de referência (TAVARES, 2011).
Dessa forma, estudiosos do mundo todo têm investigado o papel dos afetos e das
emoções envolvidas no espaço urbano. Influenciado diretamente pelas circunstâncias políticas,
a capacidade de apropriar e controlar territórios tem sido limitada para alguns, em especial
aqueles que têm medo, enquanto outros percebem essa condição aumentar. Com base nesse
entendimento, Hutta (2020) ressalta o quanto os afetos não são apenas expressados no ambiente,
mas também fazem parte de sua criação ou anulação.
Portanto, como seu objetivo, essa produção visa retratar as diferenças no espaço urbano
de São João del-Rei, impactadas pela sua modernidade e progressismo, bem como influenciadas
pelo simbolismo popular, o qual demonstra bem-estar em determinados locais enquanto outros
sofrem o apagamento nas demais produções midiáticas. Sendo assim, o intuito é fotografar o
trajeto Cristo, no alto dos Senhor dos Montes, até o Centro observando suas mudanças urbanas,
arquitetônicas, geográficas e sociais. Como evidência Sandroni et al (2014), “a cartografia
aparece aqui como uma forma de pesquisar as paisagens psicossociais, cartografar processos
simbólicos”. (SANDRONI, 2014, p.8)
Além disso, como ressalta Friderichs (2005), o bairro, neste caso o Senhor dos Montes,
faz parte da arquitetura urbana oficial de São João del-Rei, em sua totalidade. “É durante o
trânsito diário de seus usuários pelas ruas que cada comunidade, em particular, estrutura
padrões de ação peculiares, constitui uma identidade local” (FRIDERICHS, 2005, p. 6).
Portanto, ao fotografar o cotidiano, é possível evidenciar os vestígios desse povo, bem como de
seus antecedentes. Assim, há a capacidade de estabelecer uma comparação entre acessos, do
alto do morro para o centro.

3. FOTOGRAFIA URBANA E FOTOLIVRO

Primeiramente, é preciso falar de fotografia. Afinal, ela é a porta de entrada deste


projeto, escolhida para o desafio de documentar São João del-Rei. A partir dela, chegamos à
edição final do produto, um fotolivro sobre a cidade. Segundo Roland Barthes (2013, p.12):
“aquilo que a fotografia reproduz até ao infinito só aconteceu uma vez: ela repete
mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente”. Nesse mesmo contexto,
Cartier-Bresson traz a concepção de “momento decisivo”, definindo o exato momento em que
o fotógrafo dispara e captura uma imagem única, nunca mais reproduzida da mesma maneira
por outros disparos, ainda que contínuos. Logo, é um instante retratado para a posteridade
(BOMBONATI, 2016).

O fotógrafo era visto como um observador agudo e isento - um


escrivão, não um poeta. Mas, como as pessoas logo descobriram que
ninguém tira a mesma foto da mesma coisa, a suposição de que as
câmeras propiciam uma imagem impessoal, objetiva, rendeu-se ao
fato de que as fotos são indícios não só do que existe, mas daquilo
que um indivíduo vê; não apenas um registro, mas uma avaliação de
mundo. (SONTAG, 2004, p. 105)

Já, com o intuito de escolher a fotografia como maneira de apresentar essa extensão
territorial, documentou-se de forma realista a transformação no espaço de São João del-Rei, por
intermédio de visitas ao bairro. Como pontua Tavares (2006), as fotografias possuem o poder
de flagrar e evidenciar diversos processos de exclusão e inclusão na sociedade. “As fotografias
tornam visíveis e atualizam muitas diferenças históricas; e, de forma constante, elucidam a
hierarquia social, econômica [...] que circundam as relações entre os diversos sujeitos sociais”
(TAVARES, 2006, p. 61).
Além disso, por sua maneira impessoal, ela é capaz de propor diversas interpretações,
mas todas a cunha do próprio receptor. Inclusive, isso também a torna acessível, bem como a
facilidade de manusear um instrumento que fotografe.

A fotografia como veículo de comunicação popular, não se define por


sua origem – até porque, originalmente, ela é um veículo de expressão
individual – mas por seu uso. Sua técnica, mesmo que
superficialmente, é conhecida e familiar a grande parte da população
– quem nunca posou para uma fotografia ou realizou um retrato? – e
sua linguagem, caracterizada pela expressão através da imagem
retoma o princípio do olhar. (FRIDERICHS, 2005, p.6)

Como espaço de presença de todo e qualquer indivíduo, registrar as ruas pode ser
pontuado como uma maneira assertiva de mostrar a atuação humana. “A cidade hoje é palco de
encontro e desencontro, onde diferenças e desigualdades sociais despontam cotidianamente e
onde a sociedade melhor se localiza” (TAVARES, 2006, p. 63). No entanto, Friderichs (2005),
ainda propõe: “o espaço público configurado pelos meios, tornou-se um cenário onde prevalece
a negação do exercício da cidadania, quando, ao contrário, deveria ser o lugar de sua
constituição” (FRIEDRICHS, 2005, p. 2).
Portanto, ao utilizar a fotografia com o intuito de identificar as disparidades
socioeconômicas do espaço urbano de São João del-Rei, buscou-se recortar o olhar para uma
extensão específica a fim de vasculhar sua história, mas com uma projeção para mais realidades
semelhantes. Conforme Massimo Canevacci, “compreender uma cidade significa colher
fragmentos. É lançar entre eles estranhas pontes, por intermédio das quais seja possível
encontrar uma pluralidade de significados" (CANEVACCI apud TAVARES, 2006, p. 71).
Conforme propõe Rouillé (2009), a fotografia possui um propósito de recorrer à noção
de rastro e distingue em essência o desenho em comparação com a fotografia. O primeiro, para
o autor, representa um ícone ou uma imitação, já o último retrata um índice, um registro. Ou
seja, a fotografia tem a capacidade de afirmar a existência de pessoas, objetos, histórias e muitas
outras simbologias. Por isso, o fotolivro foi o apoio escolhido para a missão de retratar São João
del-Rei. Seu objetivo é abrigar o conjunto de imagens da cidade, devidamente editado, em uma
sequência narrativa, guiando o observador a interpretar com certo fluxo, com um início, meio
e fim. Caminhando do alto do Senhor dos Montes até o centro histórico, reconhecendo as
semelhanças e disparidades na paisagem à medida em que vira as páginas.
Afinal, o fotolivro propõe a reflexão do produto como um todo, não apenas das fotos
em si. Como descreve Carrión, “ler um livro é perceber sequencialmente sua estrutura” (2011,
p.66). Logo, busca trazer à consciência do leitor uma reflexão sobre a junção das imagens como
uma narrativa concomitantemente aos passos de descida. Dessa forma, ao tratarmos do livro, é
possível dizer que ele permite ao leitor viajar por diversos territórios sem sair do mesmo lugar.
Além disso, é fácil de distribuir, pois possui um corpo maleável, em questão de peso e páginas.
De acordo com Bombonati (2016), hoje, seu formato é conhecido tradicionalmente como
códice, com folhas dobradas ao meio e amarradas, formando os fólios, quanto as páginas, são
escritas em ambos os lados com uma capa de proteção e junção, sendo ela colada na lombar do
conjunto de fólios. As principais características que diferenciam os livros partem do
pressuposto do tamanho e material no qual são formados, bem como no modo como a
informação é disposta, organizada e disseminada.
Para Melo (2019), a produção de fotolivros sempre esteve presente na história da
fotografia. “Embora no século XIX até o final do século XX não tivesse essa denominação,
muitas vezes, eles eram chamados de livro de autor” (MELO, 2019, p.15). Agora, no século
XXI, com a transformação digital e a facilidade de acesso para impressão em gráficas,
popularizou-se ainda mais esse formato.
Por intermédio do fotolivro, é possível evidenciar uma narrativa, pois a fotografia
conduz o leitor. Portanto, quando disposto em sequência é responsável por contar uma história
(MELO, 2019). Sendo assim, destacar um trajeto de São João del-Rei só teria sentido quando
construído como uma sucessão de passos. Além disso, tendo em vista a interpretação de um
conjunto de imagens em detrimento da compreensão de uma fotografia isolada, a comparação
se faz a partir de números.

4. A JORNADA DA PRODUÇÃO

Após delimitar o espaço de análise e fotografia, chegou a hora de ir a campo e realmente


registrar as ruas determinadas. Foram quatro viagens, até agora na pesquisa, a primeira como
uma forma de sondar o espaço, reconhecer os detalhes e relembrar as características. Ao subir
o Senhor dos Montes, percebi olhares desconfiados dos moradores. Entretanto, entre saudações
de bom dia, a pergunta do que eu estava fazendo vez ou outra aparecia, constatei que o povo
gostaria de ser retratado e de se sentir importante ao ponto de ser documentado para a
posterioridade.
Coletado o material bruto, retornamos com as fotografias e fizemos a impressão de
algumas. Foram 6 exemplares em papel fotográfico colorido e 6 exemplares, das mesmas
imagens, em folha sulfite preto e branco (Fig 1). A fim de sentir a imagem no papel, de modo
a idealizar um todo no fotolivro. Vale ressaltar: todas as fotos para o fotolivro foram capturadas
por uma Canon Rebel Sl2, com lente de 58mm.
Após reunir as impressões, foi apresentada a proposta, referendada pela orientadora, a
professora Kátia Lombardi, que fez florescer as ideias ao revisitar referências, em vários
fotolivros e revistas. Surgiram outros ângulos da mesma percepção, como as tipologias
retratadas por Bernhard “Bernd” Becher e Hilla Becher. O encontro foi imprescindível para dar
um norte para as experimentações, de modo a escolher um recorte na imensidão de informações
que é a rua e trazê-lo de forma palpável para ser representado em um fotolivro.

Figura 1
Impressão e primeira edição de imagens

Fotos: Laura Pereira, 2022

Assim, fui ao percurso pela segunda vez e me atentei apenas ao Senhor dos Montes, em
suas minúcias, observando as tipologias das janelas e das casas. As imagens foram mais
objetivas se comparadas com a primeira ida e senti a visita com um caráter mais sério. Entre as
interações acontecidas no bairro, uma mulher sugeriu a documentação da “Rua das Casas
Tortas”, no centro de São João del-Rei, por causa de sua beleza.
No resultado, há diversas imagens de ruas em suas entradas, englobando ambos os lados,
tendo em vista sua curta largura. Para facilitar suas distinções e também por conduzir o
fotolivro, as nomeei como imagens de transição. Enfim, o objetivo também é demonstrar o
contraste entre as localidades, por isso, algumas fotografias, em ângulos específicos, buscam
enquadrar ambos os lados (Fig. 2).
Figura 2
Vista do Senhor dos Montes entre as casas do Centro histórico de São João del-Rei

Foto: Laura Pereira, 2022

Já na terceira visita, as atenções foram voltadas para o centro histórico, por volta da
Igreja Nossa Senhora do Carmo e suas redondezas. A exploração foi longa e silenciosa, também
seguindo a linha de fotografar as tipologias das janelas e das casas, a fim de colocar os
resultados lado a lado para propiciar uma melhor comparação. De mesmo modo, buscou-se
trazer ambas as realidades próximas, em uma mesma imagem, com o intuito de mostrar a
divergência de cenários. Assim, com o devido material colhido, iniciei a jornada de editar as
fotografias e reuni-las em uma diagramação. A presente imagem (Fig 3) mostra o boneco do
fotolivro, o primeiro encaixe das imagens.

Figura 3
Primeira versão diagramada do Fotolivro

Imagem: Laura Pereira, 2022


Contudo, entre o experimentar das imagens e o delimitar da ideia de forma a expor uma
situação concomitantemente ao documentar, a disposição dos quadros mudaram, assim como
as páginas. Inclusive, para encaixar as imagens posteriormente e ressaltar aspectos para usufruir
do suporte, como suas dobras entre páginas. Além disso, ao colocar algumas imagens lado a
lado, é notável a distinção entre a arquitetura. A habitação e moradia é um reflexo direto do
estado do indivíduo responsável por ela, principalmente socioeconômico.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, a pesquisa e o produto visam expor a habitação urbana de São João del-Rei
com um recorte, evidenciando seus contrastes por meio da cartografia afetiva. Ou seja, o lugar
mais bem visto e frequentado ao lado de um pouco acessado. Ainda, ao discutir espaço e
territorialidade, bem como a modernização da cidade, é possível entender sobre a formação
habitacional e o contexto social inserido da população sanjoanense. O intuito é contribuir para
uma ressignificação do olhar sobre a cidade, trazendo luz a um espaço ainda pouco explorado
pelos turistas, veículos de comunicação e até mesmo pela própria população.
Dessa forma, o suporte fotolivro foi escolhido para amarrar essa sequência fotográfica
e contar a narrativa de um caminhar, do alto do Senhor dos Montes, partindo do monumento
Cristo, até o centro histórico. Para isso, a diagramação é disposta em sequência e ressalta o
contraste entre bairro e centro, ressaltando a diferença nas casas, nas ruas e demais simbolismos
urbanos, dando enfoque a uma habitação pouco falada, mesmo sendo o lar de grande parte dos
cidadãos sanjoanenses. Portanto, o objetivo da produção é documentar essa transformação no
ambiente, de modo a investigar e denunciar perspectivas tanto econômicas quanto sociais,
decorrentes da evolução de São João del-Rei e afastamento de um certo grupo.
Além disso, a produção de material científico sobre a região intenciona inspirar e
auxiliar futuros pesquisadores, para incentivar o desenvolvimento de mais pesquisas científicas
sobre São João del-Rei e região, principalmente acerca do Campo das Vertentes. Desse modo,
a gratidão pelas oportunidades oferecidas nesta terra se materializa com a produção de
conhecimento para a comunidade local. Logo, o fotolivro é um material físico sobre as
transformações da cidade, denunciando e documentando tais ocorridos refletidos na atualidade,
por meio de fotografias sobre as ruas da cidade.
REFERÊNCIAS

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Capítulo 22

Hábitos de Consumo de Mídia e Tendências Contemporâneas da Teorias da


Comunicação: um novo olhar sobre o receptor

Ana Lígia Barbosa Chaves (UFSJ)


Júlia Alice Resende (UFSJ)
Lorena Sátiro de Sousa (UFSJ)
Lucas Marcelo Silveira Leite (UFSJ)
Maria Eduarda Pinheiro de Almeida (UFSJ)
Mariana Aparecida Nascimento (UFSJ)

RESUMO: O artigo, com base na perspectiva sobre o processo de recepção dos produtos da
mídia a partir do viés crítico e hermenêutico de autores como Thompson (1998) e Stuart Hall
(2005), faz uma pesquisa junto a 16 receptores (entrevistados) para saber como se apropriam
das mensagens que recebem. Na tradição das Teorias da Comunicação, questiona-se a visão
clássica sobre a passividade do público, como a Teoria Hipodérmica ou da Bala Mágica (Wolf,
1999) e a Teoria Crítica formulada pela Escola de Frankfurt (Adorno & Horkheimer, 2000), e
articula-se a correntes contemporâneas que lançam um olhar mais otimista sobre o receptor e
as trocas comunicacionais, como os Estudos Culturais (Escosteguy, 2000) e o debate sobre
midiatização (Braga, 2012) e cibercultura (Lévy, 1993). Assim, o artigo busca compreender os
hábitos de consumo de mídia, como os sujeitos se apropriam das mensagens midiáticas e como
as articula ao seu universo cultural e cotidiano.

PALAVRAS-CHAVE: Estudos Culturais; Estudos de Recepção; Midiatização; Cibercultura;


Consumo de Mídia.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho propõe um novo olhar sobre o processo de recepção dos produtos
midiáticos a partir de uma visão crítica e hermenêutica com base em autores como Thompson
(1998) e Stuart Hall (2005). Estes teóricos discordam das primeiras teorias da comunicação que
acreditavam na postura passiva do público frente às mídias massivas. Destaca-se, por exemplo,
segundo Wolf (199), a Teoria Hipodérmica ou da Bala Mágica formulada no início do século
XX que apontava para o forte poder de manipulação dos meios de comunicação de massa. Na
época, marcada pelo período entre guerras e pelas experiências totalitárias do nazismo e do
fascismo, analisaram o uso que Hitler fez do rádio como forma de propagar o nazismo. Então,
criou-se, com base na Psicologia Behaviorista ou Comportamental (estímulos e respostas), a
ideia de uma massa facilmente manipulável.
Em 1923, foi criada a Escola de Frankfurt ou Instituto de Pesquisas Sociais que
formulou a Teoria Crítica, uma das teorias sociais mais amplas do século XX, mas com um viés
muito crítico e pessimista. Adorno e Horkheimer (2000) criaram o conceito de indústria cultural
para tratar de como o processo industrial invadiu a esfera da arte e da cultural, tornando os bens
simbólicos em meras mercadorias padronizadas e de fácil consumo, eliminando o poder crítico
e autonomia dos indivíduos, meros fantoches à mercê dos conglomerados de entretenimento.
Em contraposição a estas perspectivas, Thompson (1998), no seu livro “A mídia e a
modernidade”, lança questionamentos sobre a passividade do público e propõe um novo olhar
sobre o receptor. Para o autor, a recepção é uma atividade, é uma apropriação, no sentido de
tornar própria a mensagem que recebe da mídia e ressignificá-la com base no contexto social e
cultural e do próprio repertório que o sujeito tem. Outro debate proposto é sobre a midiatização,
entendida por Braga (2012), como a transformação tecnológica, cultural e social que faz com
que as mídias estejam presentes hoje no cotidiano dos indivíduos de forma ininterrupta, desde
o momento em que acordam quando já acessam a internet e podem se conectar às redes sociais,
terem informações e compartilhar mensagens.
O artigo discute ainda os Estudos Culturais em Interface com a Cibercultura. No caso
dos Estudos Culturais, conforme explica Escosteguy (2000), emergem nos anos 70 do século
XX, com uma proposta transdisciplinar entendendo a cultura como dinâmica e transformadora.
Ao contrário das perspectivas críticas, entendem que as mídias tradicionais ou alternativas
podem ser arenas de lutas de grupos contra hegemônicos. Estão relacionados à emergência dos
movimentos sociais que ganharam força neste período, como o movimento feminista,
movimento GLS (hoje LGBTQIA+), movimento ambiental e a luta pela cidadania. O sujeito
passa a se inserir no espaço público como agente que busca a transformação da ordem social, o
que se interliga com a nova concepção de receptor. Quanto à cibercultura, tem a ver com o
surgimento da internet e da web 2.0 dos anos 90 e a partir dos anos 2.000, quando se consolidou
a era digital. Tem-se, então, uma série de transformações tecnológicas, culturais, políticas e
sociais. O indivíduo deixa de ser apenas receptor e passa a ser produtor, distribuidor de
conteúdos. A internet traz características como a convergência de mídias, a interatividade, o
distanciamento espaço-temporal, a ampliação do espaço público para grupos antes
marginalizados.
Diante do debate destas questões, o trabalho busca entender como os sujeitos se
apropriam das mensagens da mídia e como lidam com uma gama ampla de informações e se
isso significa mais comunicação, mais interatividade. Além disso, a intenção é entender se os
receptores acreditam que os meios de comunicação reforçam ou abrem possibilidades de
quebrar estigmas sobre os grupos minorizados, como as mulheres, negros, LGBTQIA+,
indígenas. Para isso, foram entrevistadas 16 pessoas, entendidos como receptores críticos, para
saber desde dados sociais, econômicos até hábitos de consumo de mídia e questões
comportamentais vinculadas à cultura midiática bem como opiniões sobre como as minorias
são retratadas no espaço midiático.
Pretende-se, com o artigo, identificar hábitos de consumo de mídia e como os sujeitos
se apropriam das mensagens da mídia, se eles estão conectados às redes sociais, a quais redes
e quanto tempo ficam conectados. Analisar como estas pessoas se informam – pelas mídias
tradicionais, pelas mídias digitais ou por conversas com amigos, familiares e se estes
entrevistados avaliam que os grupos minorizados – mulheres, negros, LGBTQIA+, indígenas –
representatividade na mídia tradicional E se a internet abriu espaço para que estes grupos
possam expressar suas lutas, culturas e opiniões.

2. Tendências contemporâneas da Comunicação

Traçando um panorama das Teorias da Comunicação, os anos 50 já iniciam mudanças


no olhar sobre o receptor. Na Inglaterra, emergem os Estudos Culturais, uma corrente que
passa a investigar não somente a esfera de produção, mas também as formas de apropriação dos
bens culturais. Os autores vinculados à corrente teórica também entendem que a mídia pode ser
contra hegemônica, conceito formulado por Raymond Williams, um dos principais expoentes
dos Estudos Culturais. Segundo Ana Carolina Escosteguy (2000), é possível reconstituir os
padrões de comportamento de uma sociedade a partir dos registros documentados dela;
portanto, é possível analisar um povo a partir de seus hábitos de consumo. Além disso, permite
o estudo das camadas sociais a partir dos conteúdos consolidados e os emergentes.
Segundo Escosteguy (2000), os Estudos Culturais originaram-se através do Centre for
Contemporary Cultural Studies (CCCS), centro de pesquisa da Universidade de Birmingham,
na Inglaterra, diante da alteração dos valores tradicionais da classe operária da Inglaterra pós-
guerra. Foram utilizados como base de estudo, três textos originados no final dos anos 50, sendo
eles: The Uses of Literacy (1957), de Richard Hoggart, Culture and Society (1958), de Raymond
Williams, e The Making of the English Working-class (1963), de E.P. Thompson. Tais estudos
se desenvolveram no questionamento e diagnóstico de significados culturais e seu processo de
disseminação nas sociedades contemporâneas.
Conforme afirma Escosteguy (2000), o olhar dos autores exerce papéis essenciais na
análise do Estudo Cultural. Hoggart foca nos materiais culturais da cultura popular e dos meios
de comunicação de massa, através do método de pesquisa qualitativa. O teórico foi inovador
através do primeiro reconhecimento de resistência no âmbito popular, subtraindo o conceito de
completa submissão. Williams contribuiu nos Estudos Culturais ao apresentar que a cultura é
uma categoria-chave para a conexão entre a análise literária e a investigação social, ademais,
mostrou certo pessimismo em relação à cultura popular e à própria mídia. Já Thompson
influenciou o desenvolvimento da história social britânica dentro da tradição marxista. Na
perspectiva de Williams e Thompson, a cultura era uma área carregada de práticas e relações
que constituíam a vida cotidiana.
Stuart Hall (1968 a 1979), teórico e sociólogo britânico-jamaicano, incentivou o
progresso da observação de práticas de resistência subculturais e de análises dos meios
massivos, identificando o seu papel central na direção da sociedade. O fator que une os autores
é a conduta afirmativa de que através da análise cultural de uma sociedade, pode-se reconstituir
o comportamento padronizado e o leque de ideias compartilhadas por homens e mulheres que
consomem as práticas culturais dessa comunidade.
Os Estudos Culturais, segundo Escosteguy (2000) centralizam-se principalmente no
conhecimento de uma forma específica de processo, referente ao domínio de sentido à
realidade, à evolução de uma cultura, das práticas sociais partilhadas e de uma esfera geral de
significados. Seguindo essa abordagem, a cultura passa por todas as práticas sociais e é uma
soma de suas inter-relações, já que não é homogênea e o destinatário/receptor possui papel ativo
no processo de comunicação. É uma abordagem que enfatiza a atividade humana e as relações
entre cultura, história e sociedade. Os princípios que constituem os pilares dos Estudos
Culturais são desenvolvidos em: (a) identificação das culturas vividas e o reconhecimento da
autonomia e complexidade das formas simbólicas; (b) crença de que as classes populares
possuíam suas próprias formas culturais; (c) insistência de que o estado da cultura não pode ser
confinado a uma disciplina única
Escosteguy (2000) explica que, nos anos 70, os objetos de estudo surgiram a partir da
emergência de subculturas, dos estudos das culturas populares e dos meios de comunicação de
massa. Época também do destaque da diferença de gêneros e a emergência do movimento
feminista, sendo ele pessoal e político. As mulheres reivindicaram o direito ao voto, a igualdade
de condições e também a liberdade. Foram discutidas questões sobre a identidade de gênero,
raça e etnia. Nos anos 80 o foco é a descentralização dos Estudos Culturais, ocorre uma ênfase
à dimensão subjetiva e ao pluralismo das formas de vida, o sociólogo Armand Mattelart ressalta
a mudança de paradigma na comunicação nos anos 80. Sobre esse período, foi notada uma
atenção especial ao processo de recepção e negociação da audiência. Após isso, na década de
90, a gama de investigações sobre audiência busca dominar a experiência e a capacidade de
ação dos grupos sociais.
Os Estudos Culturais, de modo geral, buscam ressaltar as ligações existentes entre os
meios de comunicação de massa e a cultura popular, colocando em comunicação as diferentes
camadas sociais. Há uma adaptação a públicos e contextos sociais diversos, ocorrendo assim o
sincretismo e uma certa contaminação entre o real e o imaginário.
Quanto às ligações dos meios de comunicação de massa e a cultura popular atual, o
principal termo empregado é a cibercultura, conhecida também como a terceira era midiática.
Alguns especialistas a definem como o alvorecer de novas formações socioculturais. Tais
formações constituem espectadores ativos, ou seja, usuários. A comunicação deixa de ser
unilateral, agora os emissores têm uma resposta, seja positiva ou negativa. Para Lemos (2010),
é o conjunto tecnocultural emergente no final do século XX impulsionado pela sociabilidade
pós-moderna em sinergia com a microinformática e o surgimento das redes telemáticas
mundiais, uma forma sociocultural que modifica hábitos sociais criando novas relações no
trabalho e no lazer, novas formas de sociabilidade e de comunicação social.
O fator primordial para que a cibercultura se estabelecesse foi o surgimento das telas.
Hoje em dia, ao lançar uma propaganda, a empresa não precisa se preocupar somente em vender
o produto, mas também em não ser cancelada pela cultura cibernética, já que os hábitos
exclusivos de consumismo automático passaram a conviver com hábitos mais autônomos de
discriminação e escolhas próprias.
A partir dos estudos de Pierre Lévy (1993), na nova cultura, existem três tendências
ocorrendo simultaneamente: a interconexão, a criação da comunicação e a inteligência coletiva.
Correspondendo, simultaneamente, à facilidade de conexão em lugares diferentes, às formas de
se comunicar e à capacidade de pensar juntos a partir das conexões e modos de comunicação.
No que diz respeito ao maior meio de comunicação e transmissão cultural, a cibercultura é
incomparável em sua influência. Devido à circularidade dos fluxos de comunicação, diferente
dos meios tradicionais, em que o emissor era o principal ponto do diálogo, o receptor agora tem
um papel na transmissão de conteúdo, devido a facilidade de replicar e protestar.
A aderência extrema da cultura cibernética se deve ao fator visual dela. Quase todo
conteúdo distribuído atualmente apela para uma visão comercial, desde a criação de padrões de
beleza até a suposta desconstrução deles -tudo para o benefício da mídia-. Assim, explicando o
efeito das redes sociais, Instagram, Facebook, TikTok, Twitter, são responsáveis por perpetuar
e potencializar o efeito condicionador da mídia atual, assim tirando espaço na sociedade
comum, para a comunidade virtual. Um exemplo da relação dos Estudos Culturais e a
Cibercultura é a derrocada dos desfiles da Victoria Secrets. Durante seu auge, a marca
apresentou modelos beirando a anorexia, que representavam o que há de mais sexy e o que deve
ser seguido pelo povo, pois na época era o que o mundo acreditava. No entanto, com a evolução
do povo, a desconstrução dos padrões de beleza e a exigência de inclusão a marca perdeu sua
influência por sua visão retrógrada, assim surgindo o monopólio da Fenty Beauty, que
apresentava diferentes tipos de corpos, cores diferentes, assim agradando a nova faceta do
público da moda.
A partir da adesão global dos meios virtuais, o ciberespaço representa onde o capital
será investido, representando tendências mundiais que mobilizam fortunas, além da influência
política, que como visto nas eleições presidenciais dos Estados Unidos de 2016, o conteúdo
apresentado às massas pode definir o futuro do mundo.
Quanto aos Estudos de Recepção, com a origem dos mass media (grande imprensa,
rádio e televisão), no começo do século XX, vieram à tona os pensamentos que formularam
hipóteses acerca do poder de manipulação da imprensa sobre os cidadãos, como foi discutido
sobre a Teoria Hipodérmica (Wolf, 1999). Thompson (1998) questiona precisamente estas
visões que, na sua opinião, são equivocadas sobre o receptor e sugere uma nova visão sobre o
processo de comunicação. Ele pressupõe que a recepção pode ser considerada não como algo
passivo, mas sim como uma ação. O autor apresenta cinco características da recepção. Primeiro,
ele afirma que se trata de uma atividade, portanto contesta a visão de que o público é passivo.
Uma segunda característica, segundo Thompson (1998), é de que, ao contrário do que a
sociedade de massa pregava, os indivíduos não são átomos isolados, mas estão vinculados a um
contexto social, histórico e isso tem a ver com a forma como recebem as mensagens da mídia.
Além de ser uma atividade e situada, Thompson cita outras três características: é uma atividade
rotineira, ou seja, o indivíduo quando recebe a mensagem da mídia, geralmente, está fazendo
outra coisa. Ele não se desvincula de sua rotina para assistir à mídia, principalmente em tempos
de conexão via celular. A quarta característica é que depende de habilidade cognitivas, o que
quer dizer que cada receptor se liga ao tipo de mídia que ele conhece, como, por exemplo, os
adolescentes e jovens se vinculam mais a celular, smartphones, do que público mais velho, que
ainda está ligado às mídias tradicionais como TV e rádio. Por fim, a recepção é um processo
hermenêutico, interpretativo, em que as mensagens são ressignificadas. Ao assistir a um
telejornal, cada receptor memoriza e enfatiza aquilo que é mais importante para a sua vida
cotidiana.
Stuart Hall (2005) apud Costa (2012) identifica três modelos de decodificação ou de
recepção dos produtos da mídia. Ao estabelecer o modelo "encoding and decoding": por uma
compreensão da recepção, Hall explica os três modelos:

1 - Posição Dominante ou Preferencial - quando o sentido da mensagem é decodificado


segundo as referências da sua construção. Ocorre, por exemplo, quando o público recebe
notícias pelo celular e concorda com o conteúdo sem maiores questionamentos.
2 - Posição Negociada - quando o sentido da mensagem entra em negociação com as condições
particulares dos receptores. Neste caso, já existe um certo conflito. O público concorda em
parte, mas já tem certos questionamentos. Neste caso, por exemplo, ao receber uma informação,
o indivíduo pode concordar, mas já levanta algumas dúvidas sobre a veracidade das
informações. Busca outras fontes para confrontar os dados.
3 - Posição de Oposição - quando o receptor entende a proposta dominante da mensagem, mas
a interpreta segundo uma estrutura de referência alternativa. Hoje, diante do fluxo de notícias
falsas (fake news), tem pessoas que já adotam uma visão crítica e por exemplo só acreditam em
fontes e sites confiáveis e institucionalizados. Tem uma visão de oposição a grupos que
circulam informações ou a veículos da mídia que consideram parciais.

Quanto ao conceito de midiatização, não é um fenômeno novo, mas que ganhou força,
principalmente com a consolidação das mídias digitais, como as redes sociais, que mantêm os
indivíduos conectados quase o dia todo. O indivíduo desperta e já se conecta a informações, a
conversas via WhatsApp e pode começar a ter contato com programas de entretenimento. E
termina o dia conectado à internet. Braga (2012) concentra-se em explicar como as
transformações tecnológicas inseriram mudanças culturais e sociais na vida cotidiana da
população, tornando natural que as mídias estejam presentes de forma ininterrupta na vida do
indivíduo, conectados desde a hora que acordam até a hora de dormir. Para o autor, trata-se de
fluxos comunicacionais que fazem com que haja uma circularidade muito maior de
informações, rompendo a lógica dos campos sociais, como é o caso do campo jornalístico. Hoje,
recebemos informações de diferentes fontes, muitas vezes sem ser da imprensa.
3. ANÁLISE: O OLHAR DOS RECEPTORES NUMA SOCIEDADE MIDIATIZADA

3.1 Entrevistas e perfil dos entrevistados

Para realizar este trabalho, foram realizadas 16 entrevistas como pessoas de diferentes
idades, classes sociais, gêneros, escolhidas de forma aleatória, justamente para tornar mais rica
a pesquisa, tendo em vista que o objetivo era identificar os hábitos de consumo de mídia que
variam dependendo da idade, renda, religião, escolaridade, entre outros fatores.

A seguir, são detalhados os perfis dos entrevistados:

Entrevistada 1 (Gabriela) – Jovem de 19 anos, moradora de São Luís com ensino médio
completo, reside no bairro Calhau, onde mora com sua mãe, seu pai e mais 2 irmãs (uma irmã
tem 22 e a outra 17). É ateia e sonha em cursar Engenharia de Produção ou Nutrição. A renda
familiar é de 1 a 3 salários mínimos, agregando o salário da mãe e o do pai. Mora numa casa,
onde tem uma TV (32 polegadas), acesso à internet e planos pré-pagos.
Quanto aos hábitos de consumo de mídia, Gabriela conta que, na sua casa, gosta de
assistir a canais como Discovery, Cartoon Network, Disney Channel, MTV e Comedy Central.
Além disso, ela gosta de programas de investigação criminal e desenhos como Hora de
Aventura, Gumball e Gravity Falls, e sua série favorita é The Big Bang Theory. Usa o celular,
mas não é tão ativa nas redes sociais, não faz postagens, somente curte outros posts. Utiliza
Facebook, Instagram e Twitter, todas com menos de 150 seguidores. Gabriela passa mais de 3h
por dia no Facebook, porém nas outras menos de 30min. Não gosta de ouvir rádio e não lê
jornais. Fica sabendo das notícias basicamente pelas redes sociais e pelo Google ou quando a
sua mãe comenta ou escuta na escola. Mas disse que tem algumas amigas mais bem informadas
que gostam de ler, acessar sites de notícias e que são bem inteiradas de política. Tem menos de
50 contatos no WhatsApp e participa de 3 ou 4 grupos, apenas grupos de amigos e um
relacionado a jogos online. É assinante da Netflix, GloboPlay, PrimeVideo, StarPlus e Disney
Plus e gosta de assistir a sitcoms (comédia), dramas, romances, séries policiais e de assassinatos.
Todo dia usa ao menos um dos serviços citados.
Não considera que sua atividade online atrapalhe suas relações pessoais, pois as
considera mais importantes que a comunicação virtual, apesar de utilizar bastantes aplicativos,
como bancos e lojas online, principalmente Nubank, Shein, Shopee e PagBank. Sendo uma
pessoa que usufrui muito das redes sociais, mesmo não se expondo tanto. Questionada sobre a
representatividade das minorias nas mídias, Gabriela afirma que acha que não existe quase
negros na televisão e nas publicidades e quando existem são mostrados em papéis menores ou
de pouca relevância. Ela comentou que acredita que a representatividade está crescendo cada
dia mais e que num futuro próximo essas minorias terão maior visibilidade. Gabriela também
acredita que a falta de representatividade se dá por causa do racismo estrutural do país.

Entrevistada 2 (Rafaela) – Jovem de 17 anos, moradora de Resende-RJ com ensino


médio completo, reside no bairro Santa Cecília, onde mora com sua mãe e sua irmã de 6 anos.
É ateia e atualmente cursa Psicologia na UFF de Volta Redonda. A renda familiar é de 1 a 3
salários mínimos, juntando o salário da mãe e a pensão do pai. Mora numa casa, onde tem uma
TV (32 polegadas), acesso à internet e planos pré-pagos.
Quanto aos hábitos de consumo de mídia, Rafaela conta que, na sua casa, gosta de
assistir a canais como Globo e SBT. Na Globo, gosta de assistir “Encontro com Fátima
Bernardes”, “Domingão” e “Caldeirão” e no SBT, assiste ao programa da Eliana e do Celso
Portiolli. Usa o celular, mas não é tão ativa nas redes sociais, faz postagens às vezes, entretanto
curte muitos outros posts. Utiliza Facebook e Instagram, tendo nessa última 272 seguidores.
Rafaela passa mais de 4h por dia no Facebook nessas redes sociais. Não gosta de ouvir rádio e
não lê jornais, somente os assiste na TV. Fica sabendo das notícias basicamente pelas redes
sociais, Google e matérias online ou quando a sua mãe e vizinhos comentam ou escuta na
escola. Mas disse que tem algumas amigas mais bem informadas que gostam de ler, acessar
sites de notícias e que são bem interessadas em cultura. Tem cerca de 80 contatos no WhatsApp,
o acessa diariamente, participa de 5 ou 6 grupos, apenas grupos de amigos, família e faculdade.
Recebe e compartilha mensagens sobre a vida cotidiana, memes e notícias. É assinante da
Netflix e gosta de assistir a animes, novelas asiáticas e filmes. Geralmente usa 1 semana no mês
ou uma semana sim e outra não.
Não considera que sua atividade online atrapalhe suas relações pessoais, pois as
considera mais importantes que a comunicação virtual e não utiliza tantos aplicativos no celular,
somente as redes sociais e bancos online. Não se considerando uma pessoa muito midiática.
Questionada sobre a representatividade das minorias nas mídias, Rafaela afirma que acha que
não existe quase negros na televisão e nas publicidades e quando existem são mostrados em
papéis menores ou de pouca relevância. Ela comentou que além deles, existem outras minorias
que deveriam estar presentes nas grandes mídias, como indígenas, homossexuais e transsexuais.
Rafaela também disse que acredita que a falta de representatividade se dá por causa do racismo
estrutural do país e que por mais que algumas minorias tenham representatividade, ainda não é
o suficiente. Ela também comentou que gostaria de ver casais homossexuais na mídia, não
somente gays, mas também casais lésbicos.

Entrevistada 3 (Mariana) – Jovem de 15 anos, nasceu em Uberaba - MG, mas agora é


moradora de Uberlândia - MG e está cursando o Ensino Médio. Reside no bairro Santa Mônica
há 12 anos e mora com sua mãe, avó e irmão, em uma casa de 6 cômodos. É ateia e atualmente
está solteira. Sua renda familiar consiste de 3 a 5 salários mínimos.
Sobre os hábitos de consumo de mídia, Mariana diz que não assiste TV aberta ou paga.
Suas redes sociais mais usadas são Instagram, WhatsApp, Twitter e TikTok, ela adiciona que
curte várias postagens, mas não publica nenhuma, e geralmente fica nas redes entre 2 a 4 horas
por dia. Se informa das notícias pela internet, mas diz que sempre procura saber mais em outras
fontes mais confiáveis. Em relação ao WhatsApp, tem 239 contatos e participa de 40 grupos,
onde a maioria é sobre festas e aniversários. Acrescenta que recebe bastante memes e
compartilha-os com outras pessoas. É assinante dos serviços de streaming Netflix, Amazon,
HBO Max, Disney Plus e Star Plus, e segundo ela, assiste quase todos os dias.
Não considera que sua atividade online atrapalhe suas relações pessoais, pois as
considera mais importantes que a comunicação virtual e não alguns aplicativos no celular, como
redes sociais, bancos e lojas online e aplicativos de delivery. Se considerando uma pessoa
razoavelmente midiática. Sobre a representatividade de minorias nas mídias, Mariana diz que
eles não possuem espaço na mídia e afirma que o preconceito “enrustido” (contra a comunidade
LGBTQIA+, mulheres e negros) é um dos motivos pela qual essas pessoas não têm o espaço
necessário na mídia.

Entrevistado 4 (Rhuan) – Jovem de 18 anos, nasceu em Resende - RJ, onde reside até
hoje. Não possui religião, Ensino Médio incompleto e é solteiro. Mora com 6 pessoas (com ele
incluso), em uma casa de 9 cômodos. Sua renda familiar consiste em 1 a 3 salários-mínimos.
Sobre os hábitos de consumo de mídia, Rhuan diz que não assiste TV e no caso de redes sociais,
no Instagram possui entre 400 e 500 seguidores, porém, não faz nenhuma publicação. Não
checa o aplicativo o tempo todo, mas sempre quando acessa, curte algumas publicações. Sobre
fonte de informações, ele diz que procura usar o máximo de fontes confiáveis possíveis, e busca
também, se informar por meio de professores ou em sites acadêmicos. No WhatsApp, tem 200
contatos em média e não utiliza tanto quanto costumava. Quando troca mensagens, elas são
referentes à escola ou trabalho. Em relação aos grupos, não costuma se adaptar a eles, por isso,
possui poucos. Rhuan afirma que não sobreviveria dois dias sem internet e celular, pois eles se
tornaram ferramentas que administram sua vida. Sobre canais de streaming, usa a Netflix por
algumas horas durante a noite.
Não considera que sua atividade online atrapalhe suas relações pessoais, pois as
considera mais importantes que a comunicação virtual e utiliza vários aplicativos no celular,
como as redes sociais, bancos e lojas online e aplicativos de delivery. Sobre o espaço de
minorias na mídia, Rhuan diz que é preciso haver mais integração e não dar espaço para
minorias apenas em datas comemorativas (como o mês do orgulho LGBTQIA+ ou o dia da
mulher), mas ao mesmo tempo, tem medo de como eles seriam retratados. Sobre o pouco espaço
para pessoas negras na mídia, Rhuan afirma que "a supremacia branca manipula as imagens
para apenas favorecer elas mesmas. Nisso, gera-se uma marginalização da cor negra, que por
fim, não tem aparição em nenhuma mídia social, apenas em notícias quando tem algum crime
envolvido. O Brasil em específico, continua nutrindo esse cenário mesmo após a abolição da
escravidão e da elaboração de leis que asseguram as pessoas de cor, contudo, ainda é muito
visível essa atitude discriminatória na nossa sociedade atual."

Entrevistada 5 (Yasmin) - Jovem de 18 anos, nasceu e mora em São Paulo e está


cursando odontologia. Não possui uma religião definida e está solteira. Ela ama morar em São
Paulo e reside no bairro Interlagos há dois anos. Mora em um apartamento que possui cinco
cômodos, juntamente com a sua mãe, padrasto e irmã. A renda familiar é de 1 a 3 salários
mínimos, somando o seu salário, da sua mãe e do seu padrasto.
Quanto aos hábitos de consumo de mídia, Yasmin conta que, na sua casa, gosta de
assistir filmes leves na Netflix, para se desligar da rotina corrida e cansativa. Ela também relata
que não tem hábito de assistir televisão. Desse modo, a mídia preferida é a internet, e ela passa
muito tempo no Instagram e Twitter. Ela possui 1500 seguidores no Instagram, mas não tem
costume de postar no feed com frequência, aproximadamente uma postagem a cada três meses.
Também relatou que passa muito tempo nas redes e curte muitas postagens. Yasmin não acessa
portais de notícias, normalmente se noticia através de páginas confiáveis das redes sociais. Ou
seja, ela confia nas informações apenas se são passadas por meios dessas páginas confiáveis.
No WhatsApp, ela possui aproximadamente 120 contatos e participa de muitos grupos
relacionados a eventos e suas amizades. Suas conversas são baseadas no seu dia a dia e em
eventos, e ela acredita que viveria sem internet apenas por algumas semanas. Yasmin se
considera uma pessoa midiática e diz que mantém uma vida social muito ativa.
Questionada sobre a representatividade das minorias nas mídias, Yasmin afirma que não
possuem a representatividade que deveriam possuir. Ela acredita que eles devem ter mais
visibilidade e que não há motivos para não ter. Segundo ela, existe um preconceito enraizado
na sociedade onde negro deve aparecer apenas em pequenos papéis, figurantes ou como o
“coitado” da história, dessa forma a mídia não proporciona, por exemplo, um papel principal
para uma pessoa negra. Yasmin também afirmou que gostaria de ver mais casais homossexuais
na mídia.

Entrevistada 6 (Isabella) - Jovem de 18 anos, nascida e habitante de Resende Costa,


Minas Gerais. Mora no bairro Nossa Senhora Aparecida há 10 anos, em uma casa de três
cômodos com mais duas pessoas (seus pais). Ela possui o ensino médio completo, é solteira e
trabalha. A renda total familiar, somando os salários, é de 3 a 5 salários mínimos. Ela diz amar
morar em Resende Costa. Quanto aos hábitos de consumo de mídia, Isabella conta que não
assiste programas de TV, apenas canais de streaming, e que consome produtos da Netflix e/ou
Globoplay todos os dias. Em relação às redes sociais, ela possui conta no WhatsApp, Instagram
e Twitter. No WhatsApp, ela possui aproximadamente 100 contatos e participa de cinco grupos.
Já no Instagram, ela tem aproximadamente 100 seguidores e faz postagens de vez em quando.
Para se noticiar, Isabella segue perfis de notícias nas redes sociais, e só confia nas
informações se vier de fontes confiáveis. Para ela, as redes sociais não afetaram a sua vida
social. Questionada sobre a representatividade das minorias nas mídias, Isabella afirma que
não são representados da maneira que deveriam ser. Para ela, apesar de possuírem alguns papéis
na mídia, não possuem papéis principais, o que demonstra pouca visibilidade. Ela gostaria de
ver mais casais homossexuais na mídia e culpa o racismo estrutural pelo pouco aparecimento
de negros na imprensa.

Entrevistada 7 (Beatriz) - Jovem de 18 anos, ensino médio completo, sem religião,


solteira, com renda familiar de 1 a 3 salários mínimos. Viveu em Barueri- São Paulo durante
18 anos e hoje vive na zona leste da capital. Gosta muito de onde mora, vive com a sua mãe em
uma casa de seis cômodos. Somente estuda. Suas mídias preferidas são a internet e televisão,
costumando assistir apenas reportagens na TV Globo. Enquanto nas redes sociais contém mais
de 21 mil seguidores no TikTok, 1600 no Instagram e 56 no Twitter, ficando online algumas
horas do dia, se considera ativa. Seus principais modos de se informar são o portal GNews e o
Twitter, seu grau de confiança nas informações recebidas dependem da fonte. Em relação ao
WhatsApp, tem contato de amigos e família e participa de poucos grupos. Comenta que viveria
algumas semanas sem redes sociais pela experiência. Utiliza a Netflix, Amazon Prime e
Globoplay como principais serviços de streaming.
Não considera que sua atividade online atrapalhe suas relações pessoais, pois as
considera mais importantes que a comunicação virtual- mesmo que utilize diversos aplicativos
para a manutenção de sua vida prática, como Bancos, comida e compras online-, mas mesmo
assim se considera uma pessoa muito midiática. Em relação à mídia atual, ela considera que
conhece todas as personalidades principais, porém sente falta de minorias em lugares de fala de
grande alcance. Gostaria de ver mais personagens homossexuais na mídia, mas acredita que
devido ao grande preconceito presente na sociedade atual isso é uma realidade distante.

Entrevistada 8 (Giovana) - 18 anos, Ensino Superior Incompleto- cursando direito. Não


tem religião, solteira, tem renda familiar de mais de 20 salários mínimos, morou por 18 anos
em Governador Valadares- Minas Gerais, e hoje mora no centro de Belo Horizonte- Minas
Gerais, mas não gosta da cidade. Mora num apartamento de 3 quartos e divide com 2 colegas
de sala. Suas mídias preferidas são a internet e televisão, porém só assiste programas específicos
na televisão.
Participa do Twitter, TikTok e Instagram, onde faz normalmente uma postagem por
semana, e não curte muitos posts, ficando cerca de 4 horas por dia em suas redes. Costuma se
informar na internet, normalmente no portal G1, e confia nos conteúdos que vê por procurar
fontes confiáveis. Tem cerca de 200 contatos no WhatsApp, participa somente de grupos de
amigos e relacionados à faculdade. Se considera uma extremamente midiática, e dependente de
suas redes sociais. Utiliza as plataformas de streaming Netflix, Globoplay, e Amazon Prime.
Acompanha os maiores nomes do país no seu dia a dia por curiosidade e sente falta da inclusão
nas mídias. Acha que deveriam ter mais casais homossexuais e inclusão racial nos programas
de TV aberta devido ao seu alcance nacional. Compreende que negros tem pouca presença na
mídia devido a cultura racista do país.

Entrevistada 9 (Cristina) - Cristina tem 32 anos e reside na cidade de Entre Rios de


Minas desde o ano de 2020. Concluiu o 3° do ensino médio na cidade de Contagem, onde
residia anteriormente, é casada e frequenta a igreja evangélica. Atualmente, mora em uma casa
localizada no bairro Senhor dos Passos na cidade de Entre Rios, juntamente com seu filho e seu
marido, local que possui cerca de 9 cômodos, incluindo o salão de beleza onde trabalha e sua
renda soma em torno de 3 a 5 salários-mínimos.
Quanto aos hábitos de consumo de mídia, Cristina conta que suas duas mídias preferidas
são o Instagram e a Netflix e que raramente assiste programas de TV, mas quando o faz, assiste
jornais na TV Globo ou Record. No caso da internet, possui contas no Instagram e no Facebook,
além do aplicativo de conversas, WhatsApp. Ela utiliza de suas redes sociais para divulgar seus
trabalhos em seu salão, dessa forma, possui cerca de 1.180 seguidores no Instagram e mais de
200 contatos no WhatsApp, divididos entre amigos, familiares e clientes. Ela também participa
de alguns grupos no aplicativo, juntamente com sua família e também com amigos próximos,
onde geralmente compartilha mensagens sobre seu trabalho. Por causa da necessidade de
divulgá-lo, Cristina faz em média duas postagens por semana, além de compartilhar stories
todos os dias para manter seus seguidores atualizados. Portanto, fica grande parte do dia
conectada e confessa que não consegue ficar sem seu celular por muito tempo, sofrendo quando
falta energia ou internet em sua casa. Ela utiliza a internet para acessar jornais online como, por
exemplo, O Tempo e o G1, portal de notícias da Globo, além de buscar informações no próprio
Instagram, onde fica por dentro das polêmicas e das informações do mundo dos famosos.
Atualmente, Cristina possui como principal hobby, assistir filmes e séries no seu tempo
livre, em aplicativos de streaming como Netflix, Amazon Prime e HBO. Apesar disso, afirma
que as redes não atrapalham sua vida social. Ela reforça também a importância da internet, não
somente como lazer, mas na função de facilitar as tarefas no dia a dia. Um exemplo disso são
os bancos digitais e os aplicativos e sites para realizar compras online. Nessa perspectiva,
adquire roupas, acessórios e artigos de beleza em aplicativos como a Shopee e o mercado livre
que são de confiança e possuem ótimos preços. Considerando esses fatores, ela se considera
uma pessoa razoavelmente midiática. Sobre a representatividade nas mídias, ela afirma que os
grupos considerados minorias na sociedade, como mulheres, negros, LGBTQIA+, entre outros,
tem pouca visibilidade e deveriam ter mais oportunidades no mundo midiático, apesar da
evolução e do aumento da inclusão nos últimos anos.

Entrevistada 10 (Karina) - Jovem de 20 anos, moradora do bairro Senhor dos Passos,


localizado na cidade de Entre Rios de Minas, desde o ano de 2015. Completou o Ensino Médio
em escola pública e atualmente trabalha durante o dia em uma loja de cosméticos e a noite cursa
Ciências Contábeis na UFSJ. É católica, solteira e reside em uma casa de 8 cômodos,
juntamente com sua mãe e dois irmãos. A renda familiar soma cerca de 3 a 5 salários-mínimos.
Quanto aos hábitos de consumo de mídia, Karina revela que gosta de acessar a internet
e também ouvir rádio nas horas vagas. No entanto, não gosta de assistir programas de TV,
apenas séries e filmes em plataformas de streaming como a Netflix. Na internet, possui redes
sociais como o Instagram, possuindo, atualmente, 2.400 seguidores e o Twitter, com cerca de
2025 seguidores, além do aplicativo de conversas WhatsApp, no qual possui cerca de 50
contatos. Ela revela não acessar muito o aplicativo, participando de 10 grupos, todos
relacionados ao trabalho e à faculdade. Além disso, também não compartilha muito sobre sua
vida pessoal nas redes, restringindo apenas a conteúdos emblemáticos e sociais, ou até mesmo
assuntos relacionados à diversão. Ela acompanha diversos perfis associados a livros,
maquiagens e séries. Dessa forma, fica cerca de 52 minutos por dia conectada às redes sociais
e, para ela, não haveria problema em ficar no máximo uma semana sem se conectar.
Além de utilizar a internet para diversão e entretenimento, Karina também acessa portais
de notícias como o G1 e jornais regionais como o Correio de Minas para se manter por dentro
dos acontecimentos gerais. No entanto, revela que não confia totalmente nas informações
recebidas via plataformas digitais pela existência de diversas "fake news". Além disso, realiza
compras online em sites como: Mercado Livre, Shopee e Shein.
Considerando os fatos expostos, Karina afirma que se considera uma pessoa pouco
midiática, utilizando a internet e diversas outras mídias apenas no tempo livre ou quando
necessário. Portanto, utiliza-se do seu tempo para sair com seus amigos e familiares, possuindo
uma vida social ativa. A respeito dos grupos minoritários da sociedade, como mulheres, negros
e LGBTQIA+, Karina acredita que deveriam ser mais inclusos no mundo midiático,
considerando que homens heteros e brancos continuam sendo mais privilegiados e recebem
mais oportunidades nessa área.

Entrevistada 11 (Larissa) - Jovem de 19 anos, moradora de Entre Rios de Minas,


completou o Ensino Médio e atualmente faz cursinho em São João del-Rei para se preparar para
a faculdade (ela vai e volta todos os dias de ônibus). Seu sonho é cursar Medicina. É solteira e
reside no Centro da cidade com sua mãe (56 anos, professora), sua irmã (30 anos, educadora
física), seu sobrinho de 3 anos e sua tia-avó (87 anos, aposentada). A renda familiar é de 3 a 5
salários mínimos. Mora numa casa com seis cômodos (3 quartos, 1 banheiro, 1 sala e 1 cozinha,
além de área de serviço). Tem duas TVs, rede Wi-fi e dois notebooks. Larissa, a mãe e a irmã
possuem celular próprio, sendo que o dela é um Iphone 8.
Quanto a seus hábitos de consumo de mídia, Larissa utiliza mais os recursos da internet,
seguido pela TV, em que assiste o programa “Fantástico” da Globo. Ela conta que passa de três
a quatro horas por dia em suas redes sociais: Instagram, WhatsApp e Twitter. No primeiro,
possui 2.500 seguidores e se considera “postativa” com cerca de dois stories por dia e um post
no feed a cada dois meses. No que diz respeito aos portais de notícia, ela acessa o G1 e a BBC
News quando há alguma notícia que gerou mais burburinhos entre seu ciclo de convívio social.
Acompanha também perfis de fofoca, principalmente no Instagram, mas deposita sua confiança
somente em páginas mais confiáveis. Larissa possui 256 contatos salvos no WhatsApp e
participa de 17 grupos em que troca conversas sobre estudos e fatos do cotidiano. Ela revela
conseguir ficar sem seu celular por poucas horas. Ao ser questionada sobre o uso das
plataformas de streaming, diz usar Netflix semanalmente para assistir filmes e séries, em sua
maioria de comédia e drama. Não usa aplicativos de relacionamento, mas usa “Ai que fome”
para pedir comida, além de comprar roupas e acessórios pelo app da Shein.
Ao ser questionada sobre os grupos minoritários, Larissa acredita que mulheres, negros,
homossexuais, lésbicas, trans e indígenas não possuem tanta representatividade, dando ênfase
ao grupo dos indígenas. Quando aparecem nas mídias, ela diz que o grupo dos LGBTQIA +
tem muita visibilidade nas redes sociais, enquanto os indígenas aparecem mais em notícias. Ela
afirma que gostaria de ver mais casais homossexuais na mídia, pois são casais normais como
os outros. Já sobre os negros, a jovem acha que o grupo tem pouca visibilidade por existir uma
cultura enraizada de que o negro é inferior. Por fim, ela acha que todos deveriam ter visibilidade
igual.

Entrevistada 12 (Sandra) – Senhora de 45 anos, moradora de Entre Rios de Minas,


dona de casa, Ensino Fundamental incompleto. Casada há 25 anos, reside no bairro São Lucas
há cerca de 8 anos, onde mora com seu marido (43 anos, bombeiro) e seus dois filhos (24 anos
e 22 anos, ambos operadores de veículos pesados). A renda familiar é de 3 a 5 salários mínimos,
e a casa própria em que reside possui seis cômodos, sendo dois quartos, dois banheiros, uma
cozinha e uma sala, além da área de serviço e garagem. Tem duas TVs, rede wi-fi e todos
possuem celular próprio. Sandra frequenta a Igreja católica apostólica romana e relata gostar de
morar na cidade. Ela nasceu em Jeceaba e já morou em São João del-Rei, Lagoa Dourada e São
Brás do Suaçuí.
Quanto a seus hábitos de consumo de mídia, Sandra conta que utiliza mais os recursos
da internet, seguido pela TV aberta, em que assiste, principalmente, o canal Canção Nova. Ela
conta que passa aproximadamente meia hora por dia em suas redes sociais: Instagram e
WhatsApp. No primeiro, não possui seguidores, já que seu perfil é privado e ela o utiliza apenas
para acompanhar perfis religiosos. Ela não realiza postagens. No que diz respeito aos portais de
notícia, ela geralmente não os acessa e fica sabendo dos fatos através de seu marido e seus
filhos, já que não confia nas informações que vê na internet. Sandra possui mais ou menos 100
contatos salvos no WhatsApp e participa de 3 grupos em que troca conversas sobre família e
oração. Ela revela conseguir ficar sem seu celular por um mês, se preciso for. Ao ser
questionada sobre o uso das plataformas de streaming, diz já ter usado Netflix, mas que
atualmente não utiliza. Não usa aplicativos de relacionamento, nem de comida e não costuma
realizar compras online. No que diz respeito à representatividade na mídia, Sandra acredita que
todos os grupos minoritários aparecem e são representados, principalmente nas redes sociais.

Entrevistada 13 (Gabriela) - Gabriela é uma jovem de 18 anos, estudante de Psicologia


na UFSJ. Concluiu o Ensino Médio em uma escola privada na cidade de Belo Horizonte, onde
nasceu. Mora em São João del Rei há quatro meses, no bairro Caieiras e divide um apartamento
de 8 cômodos com mais três estudantes. Ela conta que é solteira e não possui religião. Gosta de
morar na cidade e seu passatempo preferido é caminhar pelo centro histórico, lugar onde mais
gosta em São João. A entrevistada estuda somente.
Quanto aos seus hábitos de consumo midiático, Gabriela prefere as redes sociais como
Instagram, Twitter e TikTok. Na TV, ela prefere programas de receitas ou decoração no canal
GNT. Na internet, a entrevistada posta apenas no Instagram e Twitter, geralmente 2 vezes por
dia, porém é ativa nas plataformas variando de duas a três horas por dia. Ela acessa portais de
notícias pelo Twitter e por podcasts no aplicativo Spotify, porém, discute sobre com a família
e amigos na faculdade. Não confia em todas as notícias que recebe pela internet.
No WhatsApp, Gabriela possui mais de 400 contatos e o acessa inúmeras vezes, o que
ocupa algumas horas de seu dia. Possui muitos grupos, mas não compartilha muitas mensagens,
ela prefere falar pessoalmente com as pessoas, então só usa o aplicativo para conversas
corriqueiras e com pessoas que moram longe. Ela diz que gostaria de ficar mais de um mês sem
utilizar o celular ou eletrônicos em geral, mas no momento é inviável pois precisa se comunicar
com conhecidos, amigos, a família que mora longe, resolver coisas da faculdade, estudar e até
para acessar seu banco. A entrevistada se considera uma pessoa muito midiática, ela possui
canais de streaming como Amazon Prime, Globoplay, Netflix, HBO Max e Disney Plus, porém,
vem usando pouco em razão de seus estudos e trabalhos na faculdade. Por outro lado, ela acessa
com bastante frequência aplicativos de relacionamento como o Tinder, de comida como o Ifood
e o mais local UaiRango e o aplicativo do seu banco Nubank. Sobre a representatividade na
mídia, a entrevistada afirma que que a visibilidade das minorias como mulheres, negros,
LGBTQIA+ e indígenas esteja crescendo muito comparado as últimas décadas principalmente
nas grandes mídias estadunidenses, mas acredita que ainda seja insuficiente, especialmente na
mídia brasileira. Ela acredita que esses grupos aparecem muito pouco e deveriam ter mais
visibilidade e oportunidade nas redes sociais e jornais e são mais presentes atualmente em séries
estrangeiras.

Entrevistada 14 (Manuela) - Jovem de 19 anos, residente de Belo Horizonte desde


março deste ano. Concluiu o ensino médio na cidade de Divinópolis, sua cidade natal, e
atualmente é graduanda de Engenharia Civil na UFMG. É solteira e agora não frequenta
nenhuma igreja à risca, apesar de se considerar católica pelo seu contato desde criança com a
religião. Manuela reside na Moradia Universitária oferecida pela faculdade, no bairro Ouro
Preto e divide o apartamento com mais quatro estudantes, o local possui cerca de 10 cômodos.
Sua renda familiar é de 1 a 3 salários mínimos.
Quanto aos hábitos de consumo de mídia, Manuela diz que ocupa seu tempo livre com o
Instagram e Twitter, além de redes de streaming como a Netflix, mas que o consumo desta é
menos frequente. Ela conta que atualmente não assiste programas da TV aberta por não possuir
televisão em casa, mas que gosta de assistir, principalmente o canal GNT. Seu perfil no
Instagram possui aproximadamente 1.170 seguidores, e a jovem não costuma ser muito ativa
nas postagens, já no Twitter atinge cerca de 300 seguidores, e diz ser mais ativa com tweets em
períodos pontuais, por exemplo na época do reality show Big Brother Brasil (BBB) e nas
eleições. No WhatsApp, ela possui cerca de 160 contatos e vários grupos, apesar de não se
comunicar com a maioria há muito tempo, e utiliza o aplicativo para se manter em contato com
os amigos e família, já que se encontra morando distante deles. Ela revela tentar manter a média
de 6 horas por dia no celular e revela não se considerar completamente dependente do aparelho,
por mais que nos dias de hoje seja praticamente impossível não se manter conectado,
principalmente depois da Covid-19, o qual impulsionou ainda mais a utilização das mídias e da
internet. Manuela considera o espaço virtual essencial para a convivência, trabalho e qualidade
de vida na contemporaneidade, seu banco é online, costuma fazer pedidos por delivery e
raramente faz compras online.
A entrevistada diz que seu principal meio de se informar atualmente é por meio das
redes sociais, em torno dos perfis jornalísticos. Ela diz que as fake news sempre estiveram
presentes no meio midiático e por isso, se acostumou a averiguar todas as notícias que passam
por sua tela, para ela essa prática já se tornou um hábito. Ela diz ser muito informada pelos
amigos e pela faculdade também. Quando questionada sobre os lugares das minorias dentro da
mídia, ela diz que infelizmente nem metade do necessário possuem representatividade, mas que
vem lutando para que isso pare de ser uma realidade. Ela diz acreditar que isso acontece pelas
heranças sociais de preconceito e discriminação, além de uma sociedade que se acostumou com
esse padrão. Por fim, ela diz que não só gostaria de ver casais homossexuais na mídia como
isso deve ser feito já, para que futuramente não tenha que haver tanta luta para que pessoas
LGBTQIA + passem a ser normalizadas.

Entrevistado 15 (Gilberto) - Comerciante de 42 anos, completou o ensino médio e fez


2 anos de faculdade na área da administração, porém trancou para se dedicar a sua família. Sua
renda atual é de 3 a 5 salários mínimos e trabalha em uma loja de aviamentos em Divinópolis-
MG, cidade onde mora desde a infância e diz gostar do ambiente local. Ele reside no bairro
Bom Pastor e divide a casa com sua mulher e seus dois filhos, a residência possui 9 cômodos e
uma área externa para animais. É católico e se considera moderno.
Questionado sobre seus hábitos de mídia, Gilberto diz não ter muito tempo para as redes
sociais, mas que possui Facebook e Instagram, com cerca de 780 amigos no Facebook e 510
seguidores no Instagram. Ele diz se familiarizar mais com o WhatsApp, e possui
aproximadamente 90 contatos, seus grupos são basicamente da família, do trabalho e de alguns
amigos antigos. Assiste TV em seu tempo livre, incluindo o futebol e alguns programas de
entretenimento da Globo e SBT, além de ter o costume de assistir filmes transmitidos na TV
paga com seus filhos. Ele tenta se manter informado pela TV e internet, e diz que
majoritariamente isso acontece pelo Jornal Nacional e pelas redes sociais, além das discussões
sobre os temas diários no seu trabalho, que acabam o informando também. O Youtube também
é presente na sua vida, principalmente pelas músicas. Gilberto conta já ter caído em algumas
fake news e diz que ainda não se acostumou com o espaço livre dado na internet, pois permite
que qualquer pessoa possa divulgar qualquer tipo de informação em larga escala, seja ela
verídica ou não. Ele conta que sua filha tenta o policiar com essa questão, já que ela está mais
acostumada com o espaço virtual. O comerciante diz que passaria um bom tempo sem a internet
tranquilamente, se fosse preciso, apesar do recurso facilitar a vida de todos. Faz muitos pedidos
pelo IFood e se acostumou a fazer compras online, apesar da prática não ser tão recorrente.
Ademais, possui banco virtual e físico. Para ele, as minorias não são tão representadas, apesar
de reconhecer não ser muito ativo nesse tipo de discussão. Ele diz que isso acontece pelo
costume tradicional. Por fim, ele diz não ter uma opinião concreta sobre casais LGBTQIA +
aparecendo nas mídias.

Entrevistada 16 (Márcia) - Márcia é uma mulher de 50 anos, proprietária de um


comércio local em São João del Rei, onde nasceu e cresceu. Concluiu o Ensino Médio na rede
pública, é cristã e casada. Mora com seu marido em uma casa de 10 cômodos. Gosta de morar
na cidade e atualmente trabalha somente, com uma renda de 5 a 10 salários-mínimos. Quanto
aos seus hábitos de consumo midiático, Márcia prefere as redes sociais como Instagram,
Facebook e TV. Na TV, ela prefere novelas e séries na rede Netflix. Na internet, a entrevistada
posta no Instagram e Facebook, aproximadamente duas vezes por dia, porém é razoavelmente
ativa nas plataformas variando de duas a três horas por dia. Ela acessa notícias pela TV e jornais,
discutindo sobre com a família e amigos no trabalho. Costuma confiar em algumas notícias que
recebe pela internet e admite que são poucas as vezes em que ela confirma se as notícias são
verdadeiras ou não.
No WhatsApp, Márcia possui mais de 500 contatos e o acessa inúmeras vezes, o que
ocupa algumas horas de seu dia. Possui muitos grupos e compartilha muitas mensagens em
razão de seu comércio, já que trabalha com clientes e usa o aplicativo para tal. Ela diz que
gostaria de ficar uns meses sem utilizar o celular ou eletrônicos em geral, mas no momento é
inviável pois ela precisa se comunicar com seus clientes para seu sustento e com sua família. A
entrevistada se considera uma pessoa pouco midiática, ela possui canais de streaming como
Amazon Prime, Globo Play, Netflix, HBO Max e Disney Plus, porém, usa pouco. Sobre a
representatividade na mídia, a entrevistada afirma que a representatividade das minorias como
mulheres, negros, LGBTQIA+’s e indígenas esteja bastante presente nas mídias, na TV e nas
propagandas.

3.2 Análise: articulando as entrevistas com as teorias

Após analisarmos as entrevistas realizadas, é possível notar que a mídia tem um papel
essencial em como a sociedade se porta nos dias de hoje. Todos os aplicativos, programas de
TV, horário gasto na internet e até mesmo o local onde se busca informações, influencia nas
ações de todas as pessoas. Não importa o gênero, idade, escolaridade, posição social ou o local
em que você mora.
Dessa forma, a partir de dados coletados, é possível perceber que a interação das pessoas
com as antigas e novas mídias variam de acordo com a idade, gênero e os diferentes interesses
e objetivos buscados por elas. Dessa forma, pessoas mais jovens normalmente usufruem mais
das redes sociais, as usando como veículo de informações, entretenimento e também como
ferramenta de trabalho. Já os públicos adulto e idosos buscam mais as mídias tradicionais, as
quais transmitem informações mais precisas e reais. Portanto, o veículo de informação no qual
transmitirá a mensagem pretendida varia de acordo com o público que se pretende atingir.
As múltiplas funções das mídias, principalmente as digitais, são responsáveis por
manter as pessoas conectadas. Atualmente, grande parte da população realiza diversas tarefas
online, tais como, compras, transações bancárias, além de utilizar as mesmas para trabalho e
estudo. Logo, o processo de midiatização é responsável por levar até o público a mercadoria
ideal, deixando as mesmas mais acessíveis em diversos espaços não só do mundo digital, como
também nas mídias tradicionais.
Portanto, com os avanços tecnológicos, torna-se necessário uma adaptação por parte das
instituições. Dessa forma, a mídia se torna uma agente da mudança social e cultural, ditando as
regras da sociedade, de acordo com os hábitos midiáticos de cada grupo, determinados por suas
características sociais, econômicas e culturais.
A introdução da tecnologia e dos aplicativos trouxe uma certa comodidade em relação
à busca de informações. Atualmente, as pessoas preferem buscar informações em sites ou redes
sociais, e deixam de usar o modo tradicional, como a TV aberta. Mas isso não significa que a
TV deixou de ser um meio para se obter notícias, muitas pessoas ainda fazem o uso dela, como
mencionado por Rafaela, de 17 anos, quando disse que gosta de assistir canais como Globo e
SBT.
A cibercultura trouxe para o mundo infinitas possibilidades de comunicação sem
precisar estar cara a cara com a pessoa que se deseja fazer contato. Aplicativos como o
WhatsApp, comprovam o debate estendido por Braga (2012) sobre a transformação
tecnológica, cultural e social que as mídias trouxeram para o cotidiano da sociedade atual. Tal
como disse nossos entrevistados, que afirmam usar a rede social para se comunicar sobre
assuntos como trabalho e estudos, porém, também utilizam para compartilhar memes. E falando
de um público mais geral, várias pessoas também usam o aplicativo e vários outros para
compartilhar notícias, o que de certa forma, ajuda pessoas de todo o mundo ficarem sabendo de
acontecimentos em questão de segundos.
Por fim, é notável que a nova era digital também trouxe um espaço que antes não era
cedido para as minorias. Movimentos sociais estão cada vez mais ganhando força na sociedade
em busca de direitos para mulheres, negros, a comunidade LGBTQIA+, indígenas e outros
grupos. Porém, o espaço é dado para essas minorias, mas muita das vezes, somente em datas
comemorativas e é de conhecimento geral, que muitas empresas fazem o uso de campanhas
com minorias, apenas para gerar uma imagem boa para si mesmo. Também foi dito por outros
entrevistados, que a falta de representatividade, muitas das vezes, se dá pelo preconceito
incubado que existe dentro das pessoas, mas que sim, gostariam de ver mais representatividade
na mídia. Mas, apesar da representatividade ser extremamente necessária, fica o receio de como
essas minorias serão retratadas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Feita a análise, conclui-se que os entrevistados afirmam sentir falta de maior


representatividade das minorias na mídia, como negros, homossexuais e indígenas. Além disso,
o trabalho foi realizado a partir de uma análise do país inteiro, com entrevistados do Brasil todo.
Posto isso, o artigo traz um retrato de como o país ainda precisa melhorar na questão de
visibilidade midiática e o quanto isso afeta no desenvolvimento do território nacional como um
todo.
Depois de se analisar os hábitos de consumo de mídia dos entrevistados, foi possível
inferir que a TV e a internet são os meios de se informar mais utilizados por eles e que as redes
sociais exercem papel importante em suas vidas. Dessa forma, é necessário trazer maior
visibilidade e representatividade das minorias à mídia, uma vez que ao usufruir desse recurso,
é possível gerar uma sociedade mais coesa e harmoniosa.
Em um outro panorama, é notório que a era digital revolucionou os meios de
comunicação e cedeu espaço para as minorias que antes não eram representadas nas mídias.
Assim, movimentos sociais, como o LGBTQIA + e o feminismo, estão ganhando cada vez mais
força na contemporaneidade. Entretanto, como foi apontado pelos entrevistados, esse espaço
ainda é pequeno e, na maioria das situações, só está presente em datas comemorativas ou para
conquistar seguidores. Além disso, sabe-se que a representatividade na mídia é de extrema
importância para a proteção e resistência dos grupos oprimidos, tais como negros e
homossexuais. Por isso, através de uma visibilidade maior, pode-se ajudar na luta cotidiana
desses movimentos. Por fim, os entrevistados chegaram a um consenso de que é preciso ter
maior representatividade dessas minorias na mídia, seja em novelas, séries e filmes, seja em
programas, jornais e rádios. Apesar de serem de diferentes lugares do Brasil, mostra-se nítido
a percepção dos entrevistados acerca da falta de visibilidade desses grupos oprimidos.

REFERÊNCIAS

BRAGA, José Luiz. Circuitos versus campos sociais. In: MATTOS, M.A.; JANOTTI JÚNIOR,
J.; e JACKS, N. (Orgs). Mediação & Midiatização. Salvador: EDUFBA, 2012, p.29-52.
COSTA, Jean Henrique. Stuart Hall e o modelo "'encoding and decoding": por uma
compreensão da recepção. Revista Espaço Acadêmico, n.136, setembro de 2012, p.111-121.

ESCOTESGUY, Ana Carolina. Estudos Culturais. In: FRANÇA, V.R.V.; HOHLFELDT, A.;
MARTINO, L. (Org). Teorias da Comunicação. Petrópolis; Vozes, 2001.

LEMOS, André. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto


Alegre: Sulina. 2010.

LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo:
Edições Loyola, 1993.

OLIVEIRA, Luiz Ademir. Apostila de Teorias da Comunicação. São João del-Rei, 2022.

THOMPSON, J.B. A mídia e a modernidade. Petrópolis: Vozes, 1998.

WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1999.


Capítulo 23

TV Bandeirantes:
do Canal de Esportes à Emissora sem identidade

Francielle Antunes Lima (UFSJ)


Bianca Guedes Martins de Moura (UFSJ)
Lara Cristina Reis dos Santos (UFSJ)
Marina do Amaral Peron (UFSJ)
Nicolas Toledo Casco (UFSJ)

RESUMO: O artigo traz um panorama histórico da TV Bandeirantes e das suas diferentes


fases, apontando desde a sua fundação por João Saad, os primeiros desafios com o incêndio em
sua sede em 1969, os primeiros programas, a consolidação da programação esportiva nos anos
80, a diversificação nos anos 90 e a entrada no século XXI com outros obstáculos, inclusive
financeiros. Parte-se aqui, com base em Lima (2006), da compreensão de que, no Brasil, poucos
conglomerados de mídia controlam o sistema de comunicação, ficando concentrados em grupos
políticos e familiares, como é o caso do Grupo Globo (Marinho), Grupo Record (Macedo), SBT
(Família Abravanel), Bandeirantes (Saad), Folha (Frias).

PALAVRAS-CHAVE: Conglomerados; Mídia; Bandeirantes; Esportes; Diversificação.

1. INTRODUÇÃO

A história da TV Bandeirantes, assim como de outras emissoras e grupos de mídia


brasileiros, confunde-se com a biografia de seu fundador, João Saad. Conforme aponta Lima
(2006), no caso do nosso país, as concessões de rádio e TV estão muito atreladas a grupos
políticos e familiares. Hoje, segundo o autor, alguns poucos conglomerados de mídia controlam
a comunicação no Brasil: Grupo Globo (Família Marinho), Grupo Record (Macedo), Sistema
Brasileiro de Televisão (Abravanel), Bandeirantes (Saad), Folha de S. Paulo (Frias).
A Bandeirantes tem uma importância na história e consolidação da TV no Brasil, desde
os anos 70 até os anos 2000. Hoje, perdeu espaço e amarga o quarto lugar em audiência na TV
Aberta, perdendo para Globo, Record e SBT. Nos anos 80, ficou conhecida como o canal de
esportes, por focar a programação, principalmente, nos principais campeonatos de futebol do
país, conseguindo, em algumas ocasiões, superar a audiência da Globo, já que se trata de uma
paixão nacional.
No entanto, nos anos 90, com a perda gradativa de espaço da TV Aberta em função do
surgimento da TV Paga, a Bandeirantes começou a diversificar a sua programação, mesclando
esporte, jornalismo e entretenimento, incluindo programação infantil. O que se constata hoje é
que, desde então, entre vários experimentos, a Bandeirantes não criou uma identidade.
Em função disso, o presente artigo traça um panorama histórico da Bandeirantes e das
suas diferentes fases, apontando desde a sua fundação por João Saad, os primeiros desafios com
o incêndio em sua sede em 1969, os primeiros programas, a consolidação da programação
esportiva nos anos 80, a diversificação nos anos 90 e a entrada no século XXI com outros
obstáculos, inclusive financeiros.

2. HISTÓRICO DA BAND

Conforme o Site Memória da TV (2021)78, João Jorge Saad, nascido em 22 de julho de


1919, no Monte Azul Paulista, cidade do interior de São Paulo, chegou à capital com cinco anos
de idade, junto de seus pais, Jorge João Saad e Raquel Amate Saad, ambos imigrantes de
Damasco, na República Árabe da Síria. Logo, ainda muito jovem, Saad começou a trabalhar no
comércio de seu pai e, após completar cerca de 21 anos, tornou-se caixeiro-viajante, vendendo,
assim, produtos pelo país. Em 1947, casou-se com Maria Helena de Barros, filha do,
atualmente, ex-governador de São Paulo, Ademar de Barros. Este comprou a Rádio
Bandeirantes de Paulo Machado de Carvalho, proprietário da TV Record na época em questão,
e posteriormente, na década de 1948, antes de assumir a administração do referido município
brasileiro, a vendeu para seu genro.
Em sua tese de doutorado “Notícias do Bandeirante: O Jornalismo de Rádio e TV na
Bandeirantes”, Roselita Lopes de Almeida Freitas (2008) traça um panorama histórico da TV
Band. Segundo a autora, na primeira metade da década de 1950, na gestão de Getúlio Vargas,
Saad recebeu uma concessão para administrar um canal de televisão na capital paulista.
Todavia, no governo de Juscelino Kubitschek, a permissão anteriormente concedida fora
cancelada devido a atritos políticos. Contudo, no período governado por João Goulart ela
acabou por ser recuperada e, assim, o fim do projeto não antecedeu seu início. Portanto, em

78 Memória da TV – MDTV. “TV Bandeirantes comemora 54 anos. Navegue pela história da emissora!”.
Disponível em https://memoriadatv.com.br/noticia/7798/tv-bandeirantes-comemora-54-anos-navegue-pela-
historia-da-emissora.html. Acesso em 27 de setembro de 2022.
1961, iniciou-se a construção do Edifício Radiantes, o primeiro prédio projetado para abrigar a
mais moderna televisão da América Latina. Após cinco anos, o "Palácio Encantado", nome
dado à instalação por seus funcionários, havia sido totalmente erguido no Morumbi, onde foram
instalados os setores técnicos e administrativos, tal como aqueles ligados à criação e à produção,
além de estúdios: três de baixa proporção, dois médios e um com grandes extensões. Desse
modo, em fevereiro de 1967, slides, filmes e documentários experimentais entraram ao ar por
meio de uma torre de transmissão no Pico do Jaraguá. (FREITAS, 2008)
No entanto, conforme explica Freitas (2008), no mês de maio de 1967, a TV
Bandeirantes foi inaugurada pelo canal 13 VHF. Assim, tal data marcou sua primeira aparição
oficial, a qual contou com um discurso proclamado por João Jorge Saad, seu fundador, e
apresentações realizadas pelos cantores Agostinho dos Santos e Cláudia.

2.1. Os primeiros programas da emissora

A Bandeirantes, segundo Freitas (2008), procurou atender a todos os requisitos


necessários para que sua equipe dispusesse da capacidade de competir com seus concorrentes
sem quaisquer desvantagens. Conforme informações do Memória TV (2021), tal fato somado
à necessidade de haver uma programação eclética (ideia sustentada por Saad) levou a emissora
a investir no jornalismo, em filmes e em esportes. Para manter-se em pé de igualdade com as
demais empresas, sua primeira telenovela entrou ao ar em 15 de maio de 1967. Baseada na obra
homônima do francês Victor Hugo, "Os Miseráveis" foi escrita por Walther Negrão e Chico
Assis, contou com a direção de Walter Avancini e com as atuações de Leonardo Villar, Laura
Cardoso, Serafim Gonzalez, Maria Isabel de Lisandra, Sadi Cabral, Sílvio Abreu, Raul Cortez,
Geraldo Del Rey, Rubens Corrêa, dentre outros atores.
Segundo informações do Site Memória da TV (2021), em 1968, Gilberto Martins e
Antonino Seabra assumiram a direção da estação. No mesmo ano, o programa "Xênia e Você",
apresentado por Xênia Bier, passou a ser exibido às 15 horas. Ele abordava acerca do universo
feminino e seguiu veiculado na Band durante anos. Além disso, o "Sítio do Pica-Pau Amarelo"
entrou em cena às 18h30 com o patrocínio do Bolo Pullman. Produzida pela própria Band, a
série de televisão baseada na obra de Monteiro Lobato foi transmitida em 39 episódios entre 12
de dezembro de 1967 e 14 de março de 1969.
Entretanto, apesar de o seriado deter diversos cenários e uma boa estrutura, em meados
de 68, as longas horas de produção (por volta de 8 horas de gravação, as quais possuíam como
resultado um produto final de 30 minutos), como também, tanto as divergências criativas quanto
as que tangem a administração culminaram no desgaste da equipe técnica e elenco. "As
Aventuras de Rin-Tin-Tin" foi outro show que ganhou sua estreia na emissora, a produção
estadunidense, que contava as aventuras de Rusty e seu cão, ambos adotados por tropas no Forte
Apache, no Arizona, passava às 19h30. Enfim, fechando os destaques de 1968, houve o clássico
"Cozinha Maravilhosa da Ofélia", que permaneceu no ar até 1998 por conta do falecimento da
apresentadora Ofélia. Enquanto esteve em exibição, o entretenimento televisivo apresentou aos
telespectadores pratos acessíveis.

2.2 Queda e investimentos

Em 1969, a emissora enfrentou dificuldades em função de grandes desastres para várias


emissoras de TV em São Paulo, afinal estas foram afetadas por incêndios criminosos. Conforme
relata Freitas (2008), a Bandeirantes estava entre as emissoras atingidas, tendo seu prédio e
equipamentos destruídos, bem como 30% de seu acervo comprometido, como capítulos ainda
não exibidos da novela "O Bolha", os quais tiveram de ser regravados. Porém, os caminhões
externos não sofreram danos e seus próprios funcionários cobriram as imagens do incêndio, o
qual durou aproximadamente 3 horas, provocando um prejuízo de cerca de R$15 milhões.
Freitas (2008) afirma que planos e estratégias não puderam se concretizar, o que, junto
ao estrago causado, levou à disseminação de rumores que anunciavam o fim do canal. Com
isso, a empresa lançou o slogan "A Bandeirantes não vai parar". Então, vendo-se obrigada a
recorrer ao improviso, o Cine Arlequim, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, foi alugado,
sendo nomeado de Teatro Bandeirantes, onde grande parte de sua programação ganhou vida ao
longo de cinco anos. A emissora de rádio do grupo viu-se obrigada a sustentar financeiramente
seu setor televisivo.
Freitas (2008) afirma que, entre 21 de julho e 19 de setembro de 1969, às 20, a rede
exibiu "O Bolha", uma telenovela produzida pela própria, a qual possuía as aventuras do
personagem título, descrito como um herói desengonçado e azarão, como premissa. Devido ao
incêndio ficou sem instalações para realizar as gravações, tendo sua produção concebida em
meio às ruas. Com Antônio Rafael, Sônia Oiticica, Lourdes Rocha, Jardel Mello, Ênio
Gonçalves, Edy Cerri compondo seu elenco, "O Bolha" foi encerrado após 45 episódios,
apresentando pouca repercussão.
Além disso, auxiliada pela rede norte-americana National Broadcasting Company
(NBC), em 1972, a emissora configurou-se como pioneira no Brasil, por produzir toda sua
programação em cores. Neste mesmo espaço de tempo, ela alcançou a terceira posição no
ranking de audiência, pódio no qual permaneceu de maneira estabilizada, ficando atrás das
conhecidas Rede Globo e da Rede Tupi, bem como propagou o seguinte slogan: "Bandeirantes,
a imagem colorida de São Paulo".

2.2. A década de 70 e a Copa do Mundo em cores

A década de 70 marca uma nova fase para a televisão brasileira. Conforme apontam os
estudiosos, é a etapa de consolidação da TV como indústria cultural. Segundo Freitas (2008),
de 31 de maio até 21 de junho, o canal da Band transmitiu a Copa do Mundo Fifa de 1970.
Evento esportivo realizado a cada quatro anos pela Federação Internacional de Futebol, a Copa
reúne as seleções classificadas que competem pelo título que as qualificará como melhores. Tal
competição, ocorrida no México, mostrou-se importante para a história da televisão brasileira,
pois foi o primeiro evento transmitido ao vivo, via satélite, no Brasil, graças ao intermédio de
um pool de emissoras. Freitas (2008) explica que a Bandeirantes, a Globo, a TV Tupi, Record
e a REI participaram de um acordo com o Governo Federal para que as transmissões fossem
feitas em tempo real, à vista disso, os jogos puderam ser assistidos por 54 milhões de brasileiros.
A 9ª edição da Copa revelou-se pioneira em outros âmbitos, posto que foi a primeira a
ser transmitida em cores. No entanto, muitos brasileiros não dispunham de aparelhos detentores
dessa tecnologia, destarte, viram-se incapazes de desfrutar da inovação. Poucos, como o
presidente Emílio Garrastazu Médici, viram as partidas em tons diversos. No mais, Amazonas,
Amapá, Maranhão, Piauí, Rondônia e outras regiões não tiveram contato com a exibição do
evento. Para contornar a situação até certo ponto, a Empresa Brasileira de Telecomunicações
(Embratel), com base em Tanguá, distrito de Itaboraí, no Rio de Janeiro, expôs a competição
esportiva em espaços públicos de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo.
Conforme site da Band/Uol (2022)79, dentre as estreias da década de 70, está o chamado
Japan Pop Show, de outubro de 1973, apresentado pelo casal nipo-brasileiro Suzana Matsuda e
Nelson Matsuda. Com cerca de 40 minutos, o show passava aos domingos, às 6 da manhã e era
voltado às comunidades orientais de São Paulo, buscando entreter e informar as pessoas. Sem
contar que ele mantinha forte relação com as músicas populares japonesas por meio do karaokê.
Mesmo sobre um governo caracterizado pela censura, o canal divulgou seu primeiro programa
voltado inteiramente à política.

79A chegada da Band marca a história da TV. Disponível em https://www.band.uol.com.br/noticias/jornal-da-


band/videos/a-chegada-da-band-marca-a-historia-da-tv-16826518. Acesso em 27 de setembro de 2022.
O site informa que, em 1974, para comemorar a reinauguração do Teatro Bandeirantes,
que seria palco de programas musicais, Elis Regina, Chico Buarque, Tim Maia, Maria Bethânia
e Rita Lee realizaram apresentações. Agora, a partir de 1975, o denominado "Interesse Público",
programa político que contava com o repórter Joelmir Beting, ingressou na grade. Mas,
principalmente, a expansão a nível nacional tornou-se um objetivo para a emissora, a qual,
procurando constituir uma rede televisiva, adquiriu a TV Vila Rica de Belo Horizonte (Minas
Gerais) e, posteriormente, obteve tanto a TV Vila Velha do Paraná como a TV Guanabara do
Rio de Janeiro. (SITE BAND/UOL, 2022).
Conforme informações do Site Band/UOL (2022), em 1979, Vicente Sesso escreveu
"Cara a Cara", que dirigida por Jardel Mello e Arlindo Pereira Silva, marcou a nova imersão da
Bandeirantes na dramaturgia. Reuniu grandes nomes da Globo, tal como da Tupi, a atração
mostrava a trajetória da personagem Ingrid Von Herbert, uma milionária que chega ao Brasil
em busca de seu filho desaparecido. A telenovela ocupou as 19h de 16 de abril a 30 de dezembro
de 1979 com seus 223 capítulos.
Ainda em meio aos meses de 79, tal como na década de 80, a estação televisiva investiu
em diversos programas de entrevistas com foco político. O "Encontro com a Imprensa",
comandado por Roberto D'Ávila e Evaldo Dantas, estava nesta leva, sendo responsável por
entrevistar Luís Carlos Prestes, na época, militar e político comunista. Outrossim, em 1981, a
"Variety 90 Minutos" foi lançada, apresentando ao público a repórter Rute Escobar, que
entrevistou o até então presidente cubano Fidel Castro. (SITE BAND/UOL, 2022).

3. A DÉCADA DE 80: O CANAL DO ESPORTE

A programação da TV Bandeirantes transmitiu uma série de telenovelas de produção


própria nos anos 80. Em 1981, substituindo “Cavalo Amarelo”, "Os Imigrantes", de Benedito
Ruy Barbosa, estreou, durando de 1981 a 1982. A trama apresentava a vida daqueles que
deixaram os países nos quais residiam para buscar por condições de qualidade no Brasil.
Após o fim de tais atrações de sucesso, em 1983, "Ninho da Serpente" de Jorge Andrade
chegou à grade, contando em 119 capítulos a respeito de um conflito existente entre os
personagens Guilhermina e Mateus, já que o muito rico Cândido Taques Penteado morre
deixando sua herança para o segundo, que devido a este fato passa a lidar com as armações da
primeira. Encerrando o conjunto de telenovelas da década de 80, "Sabor de Mel" foi ao ar em
4 de abril de 1983. Com 95 capítulos, a novela levou a protagonista Laura ao público, uma
viúva que atraiu a atenção de todos a sua volta após anexar certo enigma em um anúncio de
jornal, ainda na trama, Alberto, diretor executivo de uma metalúrgica, se vê apaixonado por ela.
Finalizada em 22 de julho, a história foi escrita por Jorge Andrade e Jaime Camargo.
Freitas (2008) explica que, devido a uma série de investimentos no setor esportivo, a
emissora ficou conhecida como o canal dos esportes. Além de apresentar aos telespectadores
os jogos da principal liga de basquetebol profissional do mundo, a National Basketball
Association (NBA), ela transmitiu a Fórmula Indy, uma importante competição de
automobilismo, e os campeonatos de futebol italiano e espanhol. Em 1983, o Show do Esporte
foi lançado. No período, ele ocupava grande parte dos domingos, posto que ia ao ar das 10h da
manhã até às 8h da noite. Criado por Luciano do Valle e Francisco Leal, o programa esportivo
da Bandeirantes contava com coberturas, transmissões e comentários, deixou a grade horária
apenas em 2004. Alguns de seus quadros eram: "Vida de Esportista", quadro focado em
entrevistas; "Esporte Total na Geral" transmitindo notícias e "Gol: O Grande Momento do
Futebol" que relembrava momentos importantes do futebol como um todo.
Em 1984, o canal paulista cobriu os Jogos Olímpicos (evento multiesportivo global) de
Los Angeles. Para realizar esta que seria a primeira cobertura olímpica da Bandeirantes, uma
equipe de 22 pessoas, que contava com o principal locutor esportivo da emissora na época,
Luciano do Valle, foi encarregada e enviada aos locais nos quais as competições ocorrem
(FREITAS, 2008).
Segundo Freitas (2008), o "Jornal da Noite" ganhou um lugar na grade em 1982, já em
1986, ele (na época propriedade do Governo do Estado de São Paulo, apesar de produzido pela
Band) passou a ser comandado por Lillian Witte Fibe. No ano de 1987, com a saída de Fibe, os
jornalistas Rafael Moreno e Marina Lins tornaram-se apresentadores do telejornal, cuja
independência foi alcançada. Encerrado em 1988, sua retomada veio rapidamente, no ano
seguinte, com Doris Giesse e, novamente, Moreno. Também houve a exibição do "Boa Noite
Brasil", a primeira fase do programa de variedades (1982-1983) foi apresentada por Flávio
Cavalcanti, todavia, logo o apresentador, contratado pelo SBT, se despediu do canal. Então, em
2003, Gilberto Barros assumiu o comando. O espetáculo era veiculado de segunda à sexta-feira,
às 22h, e possuía diversos quadros, como: "Máquina da Verdade"; "Intimidade"; "Desafio dos
Artistas" e "Na Cozinha com Leão".
Graças ao seu sucesso na Rádio Bandeirantes, em 1987, Fausto Silva, atualmente
conhecido como Faustão, teve seu trabalho levado às telas através do "Perdidos na Noite",
programa de auditório ao qual ganhou repercussão nacional. Inspirado no longa-metragem
estadunidense Midnight Cowboy, o show caracterizava-se por seu humor, improvisos e sátiras.
Ademais, por mais que, de início, suas condições de produção fossem precárias, ele se destacou
pela criatividade dos envolvidos.

4. DÉCADA DE 90: PROGRAMAÇÃO DIVERSIFICADA

O Site Band/Uol informa que, no início da década de 90, a rede procurou minimizar o
próprio nome, optando por "Ban", contudo, a mudança em questão não agradou ao público,
sendo, consequentemente, descartada. Posteriormente, a conhecida abreviação "Band" se
popularizou a partir da rádio da emissora.
Insatisfeita com seu público restrito, formado majoritariamente por homens, a emissora
procurou ampliar sua audiência. Em uma tentativa bem-sucedida, de aproximar o público
infantil, a "TV Criança" foi ao ar, exibindo diversos filmes e desenhos, tais como as produções
de Hanna Barbera (Pepe Legal, Os Impossíveis, Herculóides, Dom Pixote, O Esquilo Sem
Grilo, A Corrida Maluca, A Formiga Atômica e Zé Buscapé, entre outros) e certos seriados
japoneses (Sharivan, Machineman etc.).
Neste mesmo período, o primeiro ciclo da Band com a Indy encerrou-se, mas os esportes
seguiram dominando a programação. Em 1991, enquanto os domingos contavam com Show do
Esporte, a criação da Faixa Nobre do Esporte, programa esportivo com Cléo Brandão, Simone
Mello, Silvia Vinhas e Elia Júnior, ocupou as noites de segunda a sábado. Nestas, por volta das
20 horas, eram transmitidos grandes eventos esportivos como a Superliga de Vôlei e o
Campeonato Brasileiro de Futebol. Além disso, a faixa não parou por aí, pois também passou
a fazer parte da grade da tarde em 1994, com seu derivado: Faixa Especial do Esporte.
Entre os meses de agosto, setembro, outubro e novembro, o canal do Morumbi ganhou destaque
ao acompanhar o debate de 1994 com os candidatos à Presidência da República. Depois, em
1995, tornou-se a primeira emissora de televisão a depositar sua marca d'água no canto da tela.
(SITE BAND/UOL, 2022)
Então, entre 24 de julho de 1995 e 19 de janeiro de 1996, houve a exibição da chamada
"A Idade da Loba". Coproduzida pela Band, a telenovela acompanhava o romance de Valquíria
e Montenegro. Após seus 143 capítulos, "O Campeão" a substituiu, estreando em 25 de março
a trama, escrita por Ricardo Lenhares, atingiu 128 capítulos, que, em meio a diversas subtramas,
contam acerca da corrupção na disputa pela presidência do Pindorama Futebol Clube.
Segundo o Site Band/Uol (2022), iniciado em 28 de outubro de 1996, o programa "H"
apresentado por Luciano Huck pretendia alcançar os jovens. Mas as suas exibições, recheadas
de atrações musicais, que ocorriam às 16h, passaram a estar presentes às 21h, em razão de seu
conteúdo considerado inapropriado. Foi exibido entre 28 de outubro de 1996 e 15 de fevereiro
de 2002, sendo dividido em três fases, apresentadas por Luciano Huck, Otaviano
Costa e Sabrina Parlatore, Com Luciano Huck, foram criados os quadros em que ganhou vida
a Tiazinha em que Suzana Alves usava um biquíni preto, máscara e chicote sadomasoquista,
inspirada na Mulher Gato. Atuava como ajudante de palco e participava das brincadeiras com
os meninos, que eram colocados em cadeiras de dentistas e tinham que responder corretamente
às perguntas ou pagar a prenda estipulada por ela – que ia desde algumas chicotadas até depilar
alguma parte do corpo. Em seguida, foi incorporada a personagem da Feiticeira, interpretada
por Joana Prado, também com uma roupagem erótica, de biquíni, enrolada em panos
transparentes e um véu cobrindo a boca. O programa tornou-se sucesso de audiência, elevando
de 2 para 15 pontos, mesmo com as críticas por ser considerado apelativo pelo conteúdo erótico.
No ano de 1996, em decorrência do sucesso conquistado pelo personagem fictício Fofão, criado
e interpretado por Orival Pessini, na atração da Rede Globo, "Balão Mágico", a TV Fofão veio
à tona. Ao passo que o programa infantil tinha como protagonista a invenção de Pessini, quadros
cômicos, sorteios, desenhos animados e músicas compunham sua transmissão.
Em 1997, com alta carga opinativa e sensacionalismo, o polêmico "Brasil Urgente"
marcava presença na grade. No ano subsecutivo, a Rede Bandeirantes contava com 79
emissoras de sinal aberto em VHF, sendo que, enquanto 11 destas eram emissoras próprias, 68
eram afiliadas. Para além, sediada na França, a Copa do Mundo Fifa de 1998, foi ao ar pela
associação estipulada entre "o canal do esporte", o SBT, a Rede CNT, a Rede Globo, a Rede
Record e a Rede Manchete. Ainda nesse ano, devido aos altos custos de direito de transmissão
e produção da programação esportiva, a Band tentou adquirir um patrocinador, dessa maneira,
no dia 22 de dezembro, seu departamento de esportes passou para as mãos da Traffic Sports
Marketing, empresa de marketing esportivo que se encontrava associada à CBF e à
Confederação Sul-Americana de Futebol, passou a deter. Por fim, em 1999, Luciano Huck
deixou a Bandeirantes para se juntar à Globo, consequentemente, em 4 de outubro o programa
de variedades "H", antes comandado por Huck, ficou sob o controle de Otaviano Costa, como
também, recebeu outro nome, "O+", em referência à Costa. Seguidamente, no dia 9 de outubro,
João Saad faleceu de câncer generalizado, desta maneira, seu filho, João Carlos Saad,
comumente conhecido como Johnny Saad, sucedeu o cargo de proprietário e presidente do
conglomerado de mídia.

5. ANOS 2000
O Site Memória TV (2022) afirma que a Bandeirantes começou os anos 2000 com chave
de ouro, já que a rede exibiu a Copa do Mundo de Clubes da FIFA, também conhecida como
Campeonato Mundial de Clubes. O evento teve suas partidas desempenhadas nas cidades de
São Paulo e Rio de Janeiro. Para a alegria da Band, os direitos de transmissão do Mundial
pertenciam à Traffic. Em função disso, a Rede Globo não pôde mostrar as partidas ao vivo.
Portanto, na final dos jogos (dia 14 de janeiro, às 20h) a Band, com seus 54,4 pontos de
audiência (sua maior pontuação até então), superou a Rede Globo, que, exibindo seu programa
jornalístico "Globo Repórter", havia conseguido cerca de 12,2.
No dia 14 de agosto, a Band Kids, dirigida por Renato Fernandes, foi lançada. O
programa visava atingir o público infantil, exibindo, assim, desenhos e séries voltados a estes
telespectadores, em consequência, das 15h às 17h as telas eram assumidas por diversas obras
orientais, como o popular Dragon Ball Z e Bucky, e ocidentais, como Cadillacs e Dinossauros
e Os Seis Biônicos. Já em setembro, os Jogos Olímpicos que ocorreram até o mês de outubro
em Sydney, capital do estado de Nova Gales do Sul, na Austrália, foram exibidos.
A Bandeirantes, conforme explica o Site Band/Uol (2022), continuava com uma
programação bem diversificada. Em 2001, munido de brigas de família e conflitos entre
consumidores e vendedores, o vespertino "Hora da Verdade" se reunia às demais atrações do
canal de segunda à sexta. Detendo quatros como "Revelação de Segredo", "O Real e o
Sobrenatural" e "Desabafo", Márcia Goldschmidt conversava com diversas pessoas, as quais
eram convidadas a contar seus dramas. No dia 4 de junho, o programa de variedades "Melhor
da Tarde", apresentado por Astrid Fontenelle, Leão Lobo e Aparecida Liberato, foi ao ar, ele
tratava de diversos temas, tais como: artesanato, saúde, astrologia, moda e culinária; bem como
continha entrevistas, debates e fofocas.
Há especulações de que, por motivo do acúmulo de dívidas de aproximadamente R$ 9
milhões, o contrato existente entre a TV Bandeirantes e a Traffic Marketing Esportivo chegou
ao fim em 2002 e, de fato, a parceria entre as duas organizações acabou. Em vista disso, a
emissora voltou a gerir seu setor esportivo de maneira integral. Em 13 de maio de 2002, ela
estabeleceu um canal de esportes via TV por assinatura, o BandSports, que, se caracteriza pela
informalidade e diversidade de modalidades e tem vários programas, como: o Ace BandSports,
Acelerados, Baita Amigos, BandSports News, Depois do Jogo, Encontro com Craques, Super
Motor, Tour da Bola, Race Show, Os Donos da Bola.
Sob o comando de Marcos Mion, entre 18 de fevereiro e 4 de outubro de 2002, o
programa de auditório "Descontrole" estreou. Na época, por conta de sua passagem pela MTV
Brasil, Mion fazia sucesso com o público jovem. A Bandeirantes o contratou para discorrer o
referido talk show, substituindo, assim, o antigo "H" de Luciano Huck, que havia passado por
uma série de reformulações. A nova atração mantinha muitos elementos do antigo programa de
Mion, "Os Piores Clipes do Mundo", este formato, que funcionava perfeitamente bem na MTV,
não teve o mesmo efeito na Band. Por isso, houve uma reformulação no modelo de
"Descontrole", que, em julho, foi renomeado como "Sobcontrole". O Brasil Urgente teve uma
nova estreia com uma nova versão com Roberto Cabrini em dezembro e mais tarde, em 2003,
o programa passou a ser comandado por Roberto Luiz Datena, já que Cabrini foi transferido
para o Jornal da Noite, em que apresentava reportagens de caráter investigativo.
Entre o fim de 2002 e o início de 2003, a Band enfrentou uma crise financeira. Em
janeiro de 2003, a emissora vendeu uma parte de sua grade horária (no caso, a faixa das 20h30
às 21h15) para o programa apresentado pelo missionário R. R. Soares, da Igreja Internacional
da Graça de Deus, o "Show da Fé". Em abril, o documentário Living With Michael Jackson foi
exibido e, em pouco tempo, reprisado graças à boa audiência que adquiriu. Em junho, Luciano
do Valle deixou a casa, seguindo em direção à Record TV. O Show do Esporte, anteriormente
apresentado por Valle, teve sua duração reduzida a uma hora, bem como certos eventos
transmitidos pela atração foram incluídos no BandSports. Em 2004, após anos em exibição, o
show saiu do ar e, no dia 12 de outubro de 2003, o "Jogo da Vida", programa sobre
relacionamentos, assumiu os domingos.
Apresentando um dos maiores sucessos de sua teledramaturgia, em 2005, a TV
Bandeirantes não apenas exibiu, como também, produziu a novela infanto-juvenil "Floribella",
a qual tratava-se de uma adaptação da argentina Floricienta. Já em 6 de novembro, o "Programa
do Raul Gil" passou para as mãos da emissora e, posteriormente, migrou para o SBT, visto que
o apresentador que dava nome ao entretenimento encontrava-se descontente com as
interferências da emissora sobre o seu programa. No mesmo ano, em março, a TV Terra Viva
foi inaugurada pela rede, concentrando-se em entrevistas, coberturas e debates acerca do
agronegócio. (SITE BAND/UOL, 2022).
Em 2006, a área esportiva da Rede de TV manteve seu foco em competições europeias,
todavia, deixou de levar o Campeonato Espanhol ao ar, afinal, o perdeu para a empresa Sky
(Serviços de Banda Larga Ltda.). Quanto à campanha eleitoral do ano em questão, o primeiro
debate entre os candidatos à presidência da República foi realizado pela Band e, em 2007, esta
contava com 79 emissoras espalhadas pelo país.
Com Diego Guebel na direção artística, em 2008, os direitos de transmissão do Festival
Folclórico de Parintins foram comprados. Sob essa nova direção, em parceria com a argentina
Eyeworks, o programa humorístico "Custe o que Custar" (CQC) entrou na grade horária,
trazendo notícias e fatos importantes semanalmente. O CQC ficou no ar de 2008 a 2015 e se
tornou um dos programas mais populares e de maior audiência da Bandeirantes, sendo um
humorístico com sátiras políticas. Era um programa diário e chegou a ter oito temporadas e 339
episódios, com vários apresentadores: Marcelo Tas (2008-2014), Marco Luque (2008-2015),
Rafinha Bastos (2008-2011), Oscar Filho (2012-2013), Dani Calabresa (2014), Dan Stulbach
(2015) e Rafael Cortez (2015). A maior parte hoje está na Globo.

6. DÉCADA DE 2010

Em 2010, a Bandeirantes marcou presença entre as emissoras que realizaram a cobertura


da Copa do Mundo Fifa, a qual ocorreu na África do Sul. Em março, a primeira corrida da
temporada da IZOD IndyCar Series do ano, a São Paulo Indy 300, contou com uma grande
participação da rede de canais, pois ela não se restringiu a transmitir o campeonato
automobilístico, visto que também o co-produziu.
Ao exibir a Copa do Mundo de Futebol Feminino, mais especificamente a partida entre
o Brasil e os Estados Unidos, a Band alcançou a liderança na lista de audiência em 10 de julho
de 2011, ultrapassando as demais emissoras. Então, nesse mesmo ano, a atração "Acredite Se
Quiser", com episódios produzidos pela Sony, estreou, contando histórias inimagináveis às
sextas-feiras com Felipe Folgosi.
Originado na rádio da década de 90, o humorístico "Pânico na Band" chegou a casa em
2012 por meio de uma colaboração com a Jovem Pan, onde permaneceu até dezembro de 2017.
A atração era renovada todo ano com novas temporadas e contava com diversos quadros, como
o Jornal do Boris, o Programa Amaury Dumbo, o Drama de Lapela, Avenida Barril, Eu Preciso
de um Companheiro, Pânico Trollagens, Vovozinho Chapadão e o Talk Show nas Alturas, aos
quais fizeram parte da temporada de 2012. Além disso, a comédia foi indicada a várias
premiações, conquistando, desse modo, o "Meus Prêmios Nick" com a vitória de Eduardo
Sterblitch como "humorista favorito"; o Troféu Internet ao ganhar como "Melhor programa
humorístico"; o Prêmio Rock Show na categoria Programa de TV.
Em 2014, a versão brasileira do maior reality gastronômico do mundo foi ao ar, o
conhecido MasterChef Brasil. Inicialmente a competição culinária era apresentada por Ana
Paula Padrão e pelos chefs Paola Carosella, Henrique Fogaça e Erick Jacquin, que atuavam
como jurados frente aos competidores. Mas, a partir da edição de 2021, Carosella foi substituída
por Helena Rizzo. Ao passo que as primeiras oito temporadas foram gravadas nos estúdios da
Band São Paulo, em novembro de 2021, os Estúdios Vera Cruz tornaram-se palco para as
gravações, após o fechamento de um contrato de 3 anos. A estreia do MasterChef rendeu a
quarta posição à rede no ranking de audiência.

7. ESTRUTURA ATUAL DA EMISSORA

A Band por anos foi considerada por muitos como o canal do esporte, com coberturas
da NBA, Copa do Mundo, Fórmula 1, Campeonatos brasileiros e internacionais, Sinuca, Boxe,
etc. Diversos programas voltados para o esporte e até o reality show “Joga 10” com Zagallo,
Dunga e Bebeto que desenvolveram um circuito de avaliação baseado nos principais
fundamentos do futebol e eles também foram os jurados. Nomes importantes também marcaram
no esporte da Band, como Luciano do Valle e Álvaro José.
Em sua estrutura e programação nunca faltou a diversidade. Hoje, é umas das quatro
maiores emissoras do Brasil, mas vem perdendo audiência e fica atrás da Globo, Record e SBT.
O grupo também enfrentava problemas financeiros fazendo com que vendesse parte do seu
horário nobre na TV para o Missionário R.R. Soares com o programa Show da Fé, que esteve
no ar de 2003 a 2021. Apesar da entrada de dinheiro que ajudou a Band em seus piores
momentos financeiros, a emissora teve queda de audiência. Atualmente, a Band vem tentando
voltar sua imagem de um canal do jornalismo e principalmente do esporte.
Na programação atual da Band na TV aberta, constata-se que de segunda a sexta-feira
sua programação conta 19 atrações sendo 9 programas informativos com o “Bora Brasil”,
“Brasil Urgente” e “Jornal da Band”, 5 esportivos com programas renomados como “Jogo
Aberto” e “Os Donos da Bola”, e 5 de diversidades dentre eles o Faustão da Band, que foi uma
das grandes apostas da emissora e responsável por tirar o “Show da Fé” da programação.
Acontece que o programa do apresentador Fausto Silva não conseguiu atingir a meta que a
emissora esperava, com uma média de 3,5 pontos de audiência, no dia 15 de setembro de 2022
o programa teve 2,2 pontos em São Paulo. Com isso, a Band se viu novamente forçada a vender
horários para o Missionário R.R. Soares. O seu programa voltou a grade horária da Band, mas
em novo horário, das 06h às 08h, logo após o primeiro telejornal do canal.
Quadro 1
Programação Da Semana (Segunda - Sexta)
Fonte: Site Band/UOL, 2022

Nos finais de semana, a emissora foca nos programas de esportes e diversidades sem
deixar o jornalismo de lado. No sábado, a programação inicia com variedades, uma sessão de
filmes às 4h da manhã. A programação jornalística conta com “+Info” (programa informativo
com reportagens especiais), das 5h30 às 6h, “Brasil Urgente” (16h às 19h20) e “Jornal da Band”
(19h20 às 20h30). O foco são os programas esportivos: “Acelerados” (programa para os que
amam carros, motos e muita velocidade), de 10h às 10h30, “Band Esporte Clube – SP”
(programa semanal com reportagens e entrevistas de esporte com foco em notícias de São
Paulo”, de 10h30 às 12h, “Band Esporte Clube” (traz reportagens e entrevistas do mundo
esportivo, mas com foco no Brasil), de 12h40 às 13:00, “Campeonato Alemão” (torneio da
principal liga de futebol profissional da Alemanha, a Bundesliga), de 13h25 às 15h30, “Band
Esporte Clube” (reportagens e entrevistas do mundo esportivo), de 15h30 às 16h e “STF
Combates” (evento do MMA, com transmissão das melhores lutas”, de 23h30 às 01h45.
Quanto a variedades, inclui desde programas infantis até sessões de filmes eróticos
voltados ao público adulto na madrugada. De 6h às 6h30, tem “Band Kids – o Diário de Mika”
(sobre a história de uma menina de 4 anos), “Band Kids – Beyblade Burst Superking (uma
atração japonesa sobre Dante e a geração de Bladers), de 7h às 7h30, “Coração de Noronha”
(reality life com a proposta de mostrar o arquipélago de Fernando de Noronha), de 7h30 às 8h,
“Mais Geek” (programa dedicado à cultura geek, com informações sobre animes, mangás,
cards, séries e quadrinhos), de 8h às 9h, “Nóis na Firma” (seriado sobre uma empresa que, para
evitar a falência, aceita qualquer tipo de serviço), de 20h50 às 22h, “The Blacklist” (seriado
criminal e de suspense), de 22h às 23h, “Warner Play” (principais notícias do mundo dos games,
filmes), de 23h às 23h30, “Cine Privê” (filme erótico para público adulto), de 01h45 às 3h, “Sex
Privê Club” (programa erótico para público adulto), de 3h05 às 4h.
Aos domingos, o esporte é prioridade no dia com 8h de programação. O Show do
Esporte (10h às 11h, 13h às 13h30, 15:10 às 16h), o Campeonato Brasileiro Feminino (11h às
13h), Copa Truck (13h30 às 15h), 3º Tempo (18h às 20h) são alguns dos programas esportivos
do dia. O jornalismo conta com +Info (5h30 às 6h), o Canal Livre (23h30 às 0:30h) e Show
Business (0h30 às 1h45). Nas variedades entram os filmes (2h20 às 4h) e o seriado Breaking
Bad (22h30 às 23h30), além do programa de humor Perrengue na Band (20h às 22h30).

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista o tema trabalhado no artigo, é possível fazer uma análise aprofundada
da evolução da Bandeirantes ao longo do tempo. Seu momento de maior sucesso foi marcado
pelo esporte e suas grandes transmissões acerca do tema e, após o falecimento de seu fundador,
a empresa decaiu e começou a transmissão de programas religiosos. Hoje, é verifica-se, na
transmissão do canal aberto da Band, que a emissora tenta ser levada novamente à posição de
destaque na transmissão do esporte e programas de entretenimento.
Com a volta de Fausto Silva, o Faustão, para o canal, a empresa investe pesado em seu
programa, além de tentar deixar de lado a visão religiosa antes empregada em sua grade.

REFERÊNCIAS

BAND/UOL. 70 anos no ar: Chegada da Band marca a história da TV brasileira. Portal


Band/UOL. São Paulo, 17 de setembro de 2020. Disponível em
https://www.band.uol.com.br/noticias/70-anos-no-ar-chegada-da-band-marca-a-historia-da-tv-
brasileira-16310397. Acesso em 27 de setembro de 2022.

FREITAS, Roselita Lopes de Almeida. Notícias do Bandeirante. O Jornalismo de Rádio e TV


na Bandeirantes. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Comunicação. Escola de Comunicação e Artes (ECA). Universidade de São Paulo (USP), 2008,
297p.

LIMA, Venício de. Mídia. Crise política e poder no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2006.
Capítulo 24

Dicas de Leitura para Redes Sociais, a partir de Palavras e Terminologias

Fabíola Guimarães Monteiro Lêdo (UNIP)


Antônio Adami (UNIP)

RESUMO: O presente artigo parte de uma compilação e análise dos conceitos e terminologias
relacionados à rede social e busca compreender o seu real significado na comunidade das redes.
Considerando que existe uma dificuldade em tratar as terminologias sobre as redes, esse artigo
se propõe em trazer estas terminologias técnicas das redes sociais, traduzidas de uma forma
clara e compreensível. O artigo, então, busca ser um guia introdutório e simplificado das
terminologias semânticas das redes sociais, buscando tornar mais compreensível um assunto
que é deveras complexo para quem está iniciando neste contexto. Os fundamentos teóricos se
encontram em Recuero (2009), (2012) e Recuero, Bastos e Zago (2015).

PALAVRAS-CHAVE: Redes Sociais, Terminologias, Comunidades das Redes

1. INTRODUÇÃO

Análise de Redes Sociais (ARS) é uma abordagem de pesquisa que vem crescendo nos
últimos anos, um campo de estudos para redes de toda natureza, particularmente entre os
pesquisadores da área de Comunicação. Assim, a análise de redes sociais tem a pretensão de
classificar os consumidores como parte de uma ou mais comunidades. No entanto, redes de
toda ordem podem ser analisadas a partir de aplicações da análise de redes sociais, e u ma
l it er at ur a mu it o espec ífic a va i s e co mpo ndo , a análise a partir da compreensão
semântica das redes sociais.

Portanto, as terminologias técnicas são simplificadas e explicitadas de modo a permitir


o entendimento da proposta das redes sociais. Os fundamentos se encontram em Recuero
(2009), Recuero (2012) e Recuero, Bastos e Zago (2015). Segundo estes autores, alguns atores
acabam por estabelecer mais conexões do que outros, por diversos motivos, entre eles a questão
da expressa identificação e laços sociais; associação que expressa sentimento de pertencimento,
visibilidade, popularidade, autoridade e reputação.
Nesse sentido é que a estrutura desse artigo está baseada nas dúvidas frequentes dos
“novos estudiosos em redes sociais”. O artigo aborda então palavras pontuais usadas na leitura
das redes. A ideia do artigo é proporcionar ao estudante de redes sociais uma visão introdutória
das terminologias semânticas, de palavras focadas nas redes, buscando tornar mais
compreensível um assunto que é bem complexo. Assim, terminologias e conceitos teóricos
densos são simplificados e explicitados de modo a permitir o entendimento das redes. As
terminologias foram estruturadas de modo a ter um melhor entendimento das redes, fornecendo
a base para a compreensão dos conceitos e sua aplicação correta desse campo, permitindo dessa
forma possíveis indagações, por exemplo, promoção de serviços e produtos online em redes
sociais, publicidade e propaganda, patrocínio interativo, pesquisa de ideias e produtos
inovadores, acompanhamento de grupos focais, monitoramento das tendências, interação para
com consumidores, entre outros. Assim, o sistema de comunicação baseado nas redes sociais
digitais irá possibilitar uma maior pluralidade de informações e contatos entre indivíduos e
comunidades, sem mediação das mídias tradicionais clássicas. A maneira mais cotidiana e
convencional de usar a internet atualmente é através das redes sociais, onde qualquer marca
pode divulgar seu produto ou serviço, com o objetivo comercial ou não. Se considerarmos voltar
alguns anos no tempo, poucas pessoas imaginavam que as redes sociais teriam um impacto tão
grande e tão rapidamente, como espaço de esfera pública.
Considerando que as redes sociais formam opinião pública acerca de diversificados
temas, caracterizam-se enquanto espaço de esfera pública online. Trazemos aqui o
entendimento clássico de Habermas (1984), onde democracia se funda no entendimento entre
as pessoas, se dando mediante o conflito e a divergência de opiniões, salutares no espaço
democrático, mas que teriam por meio do uso do argumento racional a condição pelo agir
comunicativo, que tem possibilitado às pessoas estarem cada vez mais imersas nas redes sociais,
no desejo de se comunicar com outras pessoas de diferentes partes do mundo. Portanto, a análise
de redes é a área de tecnologia da informação e das ciências sociais que trata do processo de
analisar qualquer tipo de rede por meio da teoria das redes.

“A Análise de Redes Sociais (ARS) é uma das perspectivas de estudo


de grupos sociais que permite sua análise sistemática a partir de sua
estrutura, através de medidas específicas para esta. É uma abordagem
que tem suas raízes na Sociometria e na Teoria dos Grafos, de viés
matemático, para analisar relações sociais”. (RECUERO; BASTOS;
ZAGO, 2015).

A análise de redes pode ser aplicada no estudo de diferentes situações e questões


sociais. Por exemplo, a influência de uma pessoa sobre outras pode ser grande, mas a autonomia
da rede em que ela atua é incomparavelmente mais forte. Decisões individuais gera reflexo na
rede como um todo, permitindo que determinadas informações circulem ou não.

2. ARS

Hoje, a Análise de Redes Sociais (ARS) pode ser usada para estudar diversos
fenômenos. Notadamente, a ARS tem sido usada em áreas emergentes, para compreender
fenômenos associados à estrutura das redes sociais, principalmente online, devido ao aumento
na quantidade de dados sociais disponibilizados, com o uso das ferramentas de comunicação
mediadas pelo computador e pela abordagem. A ARS propícia a visualização de grande
quantidade de dados e pode ser aplicada no estudo de diferentes situações e questões sociais. A
Análise de Redes gera projeções que têm sido utilizadas num viés mais quantitativo, para
analisar comportamentos de uma grande quantidade de atores sobre um evento ou tópico, bem
como a influência desses atores nos processos de comunicação sobre esse tópico. Porém, a ARS
pode e deve ser utilizada em casos específicos, com viés qualitativo.
Muitas vezes a participação em redes sociais envolve direitos, responsabilidades e
vários níveis de tomada de decisões. Para Colonomos, (1995) sua estrutura extensa e horizontal
não exclui a existência de relações de poder e de dependência nas associações internas e nas
relações com unidades externas. Ainda assim, a análise de redes estabelece um novo paradigma
na pesquisa sobre a estrutura social. A estrutura é entendida como uma rede de relações e de
limitações que pondera sobre as escolhas, comportamento, orientação e opinião do indivíduo.
Por conseguinte, o comportamento e as opiniões associam as estruturas nas quais se inserem.
Então, a unidade de análise se estabelece como as relações que os indivíduos estabelecem
através das suas interações uns com os outros, pois as unidades de análise não podem ser
medidas apenas pelos atributos individuais de gênero, classe ou idade. Essas relações são
estabelecidas por interações e associações e conferem aos atores determinadas posições nas
suas redes sociais, que vem a ser modificadas pelas ações. Uma rede não se reduz a uma simples
soma de relações, sua forma exerce uma influência sobre cada relação (Degenne & Forsé,
1994). A análise de redes é o meio para realizar uma observação estrutural, fato importante
neste tipo de estudo. Nesse prisma, o que importa para um estudo de análise de redes é que o
objeto do trabalho tenha uma estrutura que permita ser mapeada e que esse mapeamento seja
significativo para compreender o fenômeno que o pesquisador busca investigar nas redes
sociais. Definindo melhor que que é rede social, trata-se do conjunto de relações que se aplicam
a um complexo de entidades sociais, e todas as informações adicionais sobre esses atores e suas
relações. Rede social é gente, é interação, é troca social, é um grupo de pessoas compreendido
através de uma metáfora de estrutura, a estrutura de rede. Os nós da rede representam, cada
indivíduo e suas conexões, os laços sociais que compõem os grupos. Esses laços são ampliados
e modificados a cada nova pessoa que conhecemos e interagimos. (RECUERO, 2009, p.29).
Uma rede social é constituída de nós conectados por laços sociais (WATTS, 2003).

2.1 Indicadores na Análise de Redes Sociais (ARS)

Para melhor compreensão, separamos alguns indicadores na Análise de Redes Sociais,


a fim de auxiliar na compreensão dos conectores. Conectores esses que conseguem dinamizar
e expandir as relações acerca do assunto debatido com mais potencial.
Nesse prisma, vamos apontar alguns dos principais indicadores e a importância de cada
indicador para expressar a relevância do nó na rede: Indegree (grau de entrada); seria a medida
de conexões que o nó recebe (RECUERO, 2014), ou seja, significa que o ator da rede recebe
muitas menções ou seu conteúdo é muito retweetado, portanto, terá um alto valor no indicador
indegree.
Assim, nesse cenário é possível mensurar o valor significativo que o nó é para a
construção da matriz projetada. Betweenness (grau de intermediação), representa quantas vezes
o nó se torna “ponte” a diferentes grupos de nós (RECUERO, 2014). O valor alto no grau de
intermediação subentende que o nó conecta vários setores da rede e apresenta extrema
relevância para manter a rede unida.
Desse modo, é possível contribuir para que a informação circule pela rede (MORALES;
ALENS, 2019) entre diferentes grupos de nós, tal qual o diálogo ocorre por afinidades ou
disputas de narrativas.

2.2 Rede
São ambientes que possibilitam a formação de grupos de interesses que interagem por
meio de relacionamentos comuns. Pode ser socializada, determinada por normas, ou não
socializada, determinada por interesse. Ao considerar a rede um conjunto de relacionamento
entre indivíduos, organizações e grupos poderão ter relação de natureza afetiva ou conflitiva.
O termo “rede” é usado na linguagem corrente, acadêmica e política e designa uma
grande variedade de objetos e fenômenos. Sem embargo, longe do neologismo, a palavra é
antiga e a história dos seus usos descreve um longo percurso desde o século XVII (MERCKLÉ,
2004; RUIVO, 2000). Uma definição, objetiva e simples, de rede é apontada por Emirbayer &
Goodwin (1994, p. 1449): "conjunto de relações ou ligações sociais entre um conjunto de atores
(e também os atores ligados entre si)". A partir dessa definição, surgem conceitos fundamentais
para a compreensão de um estudo de redes sociais. Primeiramente, chamamos atores ou elos às
pessoas que se comunicam em uma determinada rede. Segundo Recuero (2004, p. 7), são
sistemas que visam proporcionar conexões entre as pessoas, gerando novos grupos e
comunidades, simulando uma organização social, elementos das redes sociais virtuais. Sobre
os elementos das redes sociais virtuais, Recuero (2009) divide atores e conexões. A rede social
é definida como um conjunto de dois elementos: 1º os atores (pessoas, instituições ou grupos);
2º suas conexões, conforme (Wasserman e Faust, 1994, Degenne e Forsé, 1999).
Nesse contexto, Recuero (2009), diz que em qualquer rede social os atores,
representados na rede pelos nós, são as pessoas envolvidas na rede a qual se analisa. O ator
forma e molda as estruturas sociais, com interação e constituição de laços sociais. Sendo assim,
as Estruturas Sociais Complexas se estabelece em função da dependência mútua, onde as trocas
são solicitadas na demanda da reciprocidade. Correspondentemente, uma rede possibilita
que informações sejam compartilhadas entre pessoas e empresas do mundo inteiro, quebrando
barreiras geográficas e disponibilizando informações locais ou globais, úteis para a prestação
de diversos serviços essenciais. Na mesma linha das redes, apontamos os três tipos de rede ou
de categorias de rede que existem: a rede LAN (local área network), a rede MAN (metropolitan
area network) e a rede WAN (wide area network). Assim, para se ter uma rede são necessários
alguns componentes considerados primordiais, tal como a tecnologia POE, porém, também são
necessários modem, roteador, switch, rádios outdoor e cabeamento.
Já em relação a uma rede de comunicação, dois elementos são considerados, ou seja,
um conjunto de nó, encarregados de processar a informação que circula pela rede; um conjunto
de ligações, por meio das quais os nós são conectados entre si e configuram a rede propriamente
dita. Em redes de comunicação, um nó é um ponto de conexão, seja um ponto de redistribuição
ou um terminal de comunicação. A definição de um nó depende da rede e da camada de
protocolo referida.

3. OS ATORES, OS NÓS E OS VÉRTICES

3.1 Os Atores

Na leitura das redes sociais, os nossos Atores não precisam ser galãs, se destacando por
sua beleza física, por sua boa aparência, por suas atitudes, ou até mesmo pela sua inteligência,
coragem ou desenvoltura romântica. Para as redes sociais, nossos Atores só precisam ser
mediadores. Os Atores são as pessoas, as instituições ou grupos sociais. O termo Ator está
vinculado a uma leitura mais sociológica. Na terminologia das Redes Sociais, os Atores são
chamados de Vértices ou Nós, conforme atuação.
O ator da rede social virtual se caracteriza como uma representação do ator social, uma
infraestrutura identitária na Internet. Portanto, representado por um twitter, por um weblog ou
por um perfil no Orkut. Podendo, essas ferramentas apresentarem um único nó, um weblog
mantido por vários atores. Em redes sociais, Atores não se tratam de indivíduos que atuam em
alguma ocorrência. Não se trata do homem de talento representado no teatro, cinema ou
televisão. Para leitura de redes sociais, o ator se define da forma descrita a seguir, trabalhado
nesse artigo para facilitar sua compreensão no contexto de redes sociais. Os atores são os
mediadores online, são as “pessoas” (máquina/programas de rede) interagindo nas redes sociais,
mediando. Os Atores nos planos de sites de rede egocentrada são representados pelo símbolo
do ponto (°). Em geral, os estudos de análise de redes egocêntricas são formados em torno de
um indivíduo em particular e suas relações sociais, sendo o indivíduo (ego) e seus contatos
(alters). A figura a seguir apresenta o resultado do estudo sobre rede egocentrada.
Uma rede egocentrada

Figura 1: rede egocentrada

Considerando que a rede egocentrada é obtida por entrevistas, questionários ou


ambos, de acordo com Recuero (2009), “as redes sociais na Internet alteram de forma
expressiva o fluxo de informações na sociedade”, contudo, permite que todo ator seja um grande
emissor de informações, facilitador da comunicação interativa e colaborativa. Em redes de
comunicação, um nó é um ponto de conexão, de redistribuição ou de comunicação.

3.2 Os Nós

O Nó é um perfil, ou seja, uma pessoa específica, um hashtag, fanpages, blogs, canais


de youtube e etc. É possível observar que muitas vezes os nós são considerados relevantes na
rede em razão das suas conexões com outros nós, também importantes. Os nós de rede são
pontos de conexão com função de ponto de redistribuição ou terminal de comunicação.
Contudo, um nó de rede em uma rede de comunicação é um ponto de conexão, usado para
receber, transmitir, armazenar e criar as informações com a ajuda de rotas de rede distribuídas.
Cada nó da rede é um ponto final, um ponto de redistribuição, usado para reconhecimento de
processos ou transmissão de dados de uma rede para outra. O conceito de nós de rede é usado
para distribuição de rede. De um modo geral, podemos atribuir como o principal articulador da
rede. O Nó é sinônimo de vértice no conceito de redes sociais e o nós de rede são pontos de
conexão, pontos de redistribuição, também pontos de extremidade de comunicação. Em uma
rede, um nó é um dispositivo ou computador e, sendo assim, para formar uma conexão de rede,
vários nós são necessários. Conhecido como nó, cada dispositivo usado em uma rede inclui um
endereço, IP exclusivo, destinado a comunicações.
3.3. Os vértices
O termo VÉRTICE está associado à Teoria dos Grafos, um campo da matemática
associado ao estudo das redes sociais. “Um grafo é um par DA em que D é um conjunto
arbitrário e A é um subconjunto de D. Os elementos de D são chamados vértices e os de A são
chamados arestas. Neste texto, vamos nos restringir a grafos em que o conjunto de vértices é
finito. Uma aresta como DW será denotada simplesmente por DW ou por WD. Diremos que a
aresta DW incide em D e em W e que D e W são as pontas da aresta. Se DW é uma aresta,
diremos que os vértices D e W são vizinhos ou adjacentes. De acordo com nossa definição, um
grafo não pode ter duas arestas diferentes, com o mesmo par de pontas, não pode ter arestas
paralelas. Também não pode ter uma aresta com pontas coincidentes, não pode ter laços. Tal
aspecto da definição, enfatiza que o grafo é “simples” (Feofiloff. P, Kohayakawa. Y e
Wakabayashi. Y, 2011). Contudo, ATORES, VÉRTICES E NÓS são entidades sociais
conectadas, de acordo com alguma relação.

4. LAÇOS: ELES VÃO, ELES VOLTAM!

O laço é a efetiva conexão entre os atores que estão envolvidos nas interações. Os laços
são menções, marcações, compartilhamentos, likes e etc. Os laços ou arestas podem ter pesos.
Laços Fortes: representam os que têm intimidade/proximidade; Laços Fracos: os que não têm
proximidade.
Os estudos mostram que os tweets servem como um reforço ao posicionamento do
usuário, sem problematizar ou aprofundar aquilo que se acredita. Assim, constituem-se como
laços fracos enquanto ação social, pois não operam na lógica de uma razão comunicativa
(HABERMAS, 1984), mas, como câmaras de eco (SUNSTEIN, 2001).
Quanto aos laços simétricos, são considerados assim quando têm a mesma força nos
dois sentidos. Sendo assim, se eu quiser ter você como amigo no Facebook e acessar o seu
perfil, você precisa autorizar o pedido e se tornar meu amigo também.
De forma significativa, pode-se considerar que tudo que for difundido em uma rede
percorre uma distância social maior e alcança uma gama maior de pessoas sempre que passa
por laços fracos do que por laços fortes: Consequências – A difusão de informação (rumores,
fofocas, inovações) – Coesão do grupo, confiança e capital social – Inovações e novas
tecnologias.

4.1 Capital Social, não é moeda física!


Em redes sociais, capital social não se trata da quantia bruta que é investida, do montante
necessário para iniciar as atividades de uma nova empresa, nada disso. Para nossa leitura de
redes sociais, o capital social é uma construção de interações. Refere-se principalmente às
conexões e tem como elementos a reciprocidade e a confiança. O capital social constitui-se no
conteúdo das relações sociais em uma rede. “Capital social é um valor constituído a partir das
interações entre os atores sociais. Refere-se à conexão entre indivíduos, redes sociais e normas
de reciprocidade e confiança que emergem dela” (PUTNAM, 2000, p. 19).
Para Bourdieu (1983), o capital social não se encontra nos indivíduos, encontra-se
embutido nas relações sociais das pessoas. O conceito de capital social em Bourdieu está
profundamente ligado com suas ideias a respeito de classe. Bourdieu (1983) diz que
dependendo do capital cultural, permite a construção de um capital social, numa perspectiva
dos interesses individuais atendidos pelas relações sociais. Bourdieu estabelece uma definição
de capital social.

O capital social é o agregado dos recursos atuais e potenciais, os quais


estão conectados com a posse de uma rede durável, de relações de
conhecimento e reconhecimento mais ou menos institucionalizadas,
ou em outras palavras, à associação a um grupo – o qual provê cada
um dos membros com o suporte do capital coletivo
(…) (BOURDIEU 1983, p.248-249).

De maneira geral, o capital social depende do interesse dos indivíduos em integrar redes,
seja em benefício próprio, seja pelo interesse na esfera coletiva, como custo ou benefício.
Portanto, para que se estude o capital social das redes, é necessário trabalhar não apenas suas
relações, mas também, o conteúdo que provém delas.

4.2 Apresentação do Capital Social


O capital social é heterogêneo e se constrói em categorias. Essas categorias se definem
em: 1) relacional - que compreenderia a soma das relações, laços e trocas que conectam os
indivíduos de uma determinada rede; 2) normativo - compreende as normas de comportamento
de um determinado grupo e os valores deste grupo; 3) cognitivo – refere-se à soma do
conhecimento e das informações colocadas em comum por um determinado grupo; 4) confiança
no ambiente social – compreende a confiança no comportamento de indivíduos em um
determinado ambiente; 5) institucional - que incluiria as instituições formais e informais, que
se constituem na estruturação geral dos grupos, de acordo com Bertolini e Bravo (2004), que
partem de Coleman (1988), ao definir o capital social como heterogêneo. Capital social é o tipo
de conversação que é constituída das interações entre os atores, capaz de construir um valor
social chamado capital social (WELMAN, 2001). O capital social permite observar a qualidade
das conexões entre os atores.

4.3 Indicadores na Análise de Redes Sociais (ARS)


Para melhor compreensão, separamos alguns indicadores na Análise de Redes Sociais
(ARS) para auxiliar na compreensão dos conectores. Conectores esses que conseguem
dinamizar e expandir as relações acerca do assunto debatido com mais potencial.
Nesse prisma, vamos apontar alguns dos principais indicadores e a importância de cada
indicador para expressar a relevância do nó na rede: Indegree (grau de entrada); Indegree é a
medida de conexões que o nó recebe (RECUERO, 2014), significa que o ator da rede recebe
muitas menções ou seu conteúdo é muito retweetado, portanto, terá um alto valor no indicador
indegree.
Assim, perante esse cenário é possível mensurar, o valor significativo que o nó é para a
construção da matriz projetada. Betweenness (grau de intermediação); Betweenness representa
quantas vezes o nó se torna “ponte” a diferentes grupos de nós (RECUERO, 2014). O valor alto
no grau de intermediação subentende que o nó conecta vários setores da rede e apresenta
extrema relevância para manter a rede unida.
Desse modo, é possível contribuir para que a informação circule pela rede (MORALES;
ALENS, 2019) entre diferentes grupos de nós, tal qual o diálogo ocorre por afinidades ou
disputas de narrativas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conceber a premissa de que as redes sociais na internet são dinâmicas e não obedecem
aos padrões de ambientes tradicionais, isso é fato, porém não inviabiliza estudos com objetivo
de compreender suas terminologias que surgem a cada instante, ao contrário, indica a
necessidade de mais estudos, para se examinar com atenção os desafios de retratar as nuanças
dos dispositivos de redes sociais e seus artefatos de informação que esse ambiente de rede
apresenta. Contudo, as redes sociais exercem um poder significativo e influenciador na
sociedade, cada vez mais dependente das informações que nela transitam.
Independe do contexto, a ciência da informação deve “contribuir para a informação se
tornar, cada vez mais, um elemento de inclusão social, oferecendo oportunidades de
desenvolvimento para pessoas, grupos e nações” (Freire, 2006).
Os termos reiteram a percepção de que são necessárias experimentações para fazer
frente ao atual cenário das redes sociais. Dessa forma, observa-se o esforço de compreender a
dinâmica da relação do público com as chamadas novas redes sociais.
A compreensão das redes sociais indica o crescimento de uma cultura de redes e não
apenas o conhecimento, embora possível. Também implica a criação e o desenvolvimento de
profissionais especializados para discussão das redes de comunicação que supera os limites da
comunicação. Portanto, a dimensão cultural, aliada à importância social, chama a atenção de
pesquisadores e cria terreno propício para a cultura das redes sociais, considerando que a análise
de redes sociais é uma ferramenta metodológica poderosa e ainda pouco explorada na realidade
brasileira.

REFERÊNCIAS

COLONOMOS, Ariel (org.) Sociologie des réseaux transnationaux; communautés,


entreprises et individus: lien social et systčme international. Paris: l'Harmattan, 1995.

DEGENNE, Alain; FORSÉ, Michel. Introducing Social Networks. London: SAGE, 1999.

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Capítulo 25

Como fazer um podcast na teoria e prática?


Questões a se pensar sobre planejamento, produção e distribuição

Luiz Carlos Gomes Júnior (UFJF / IF Sudeste MG)


Arthur Raposo Gomes (UFJF)
Lucas Raposo Gomes (UFJF)
Luciene Fátima Tófoli (UFSJ)

RESUMO: Os podcasts são formatos de conteúdos fonográficos que começaram a ser


produzidos desde 2004, mas foram multiplicados intensamente recentemente. Caracterizado
como um programa que não é, necessariamente, transmitido e consumido em tempo real, esse
tipo de arquivo de áudio tem sido, inclusive, incorporado como estratégia de ensino dentro do
ambiente acadêmico. Desse modo, o objetivo deste artigo é, a partir de uma pesquisa
bibliográfica e documental, estruturar um roteiro de produção de podcasts – dividido em três
etapas: planejamento, produção e distribuição.

PALAVRAS-CHAVE: podcast, teoria, prática, comunicação digital, ensino, escola.

1. INTRODUÇÃO

Embora tenha características semelhantes com o que é denominado como "rádio pela
internet", tendo em vista a transmissão de mensagens por meio de arquivos de áudio, o
podcasting é uma prática mais relacionada com o círculo fonográfico do que o radiofônico, pois
não é, necessariamente, emitido e consumido em tempo real (LUIZ; ASSIS, 2010).
Segundo a Associação Brasileira de Podcasters, desde 2018, tem-se percebido uma
formação de uma nova e significativa geração de produtores de podcast. Entretanto, há
produtores ativos desde 2004 (ABPOD, 2020), que destinam esforços a este tipo de conteúdo
com temáticas e intuitos variados. O início do desenvolvimento de podcasts no Brasil coincide
com a data que esse tipo de conteúdo midiático surgiu nos Estados Unidos da América (EUA)
(LUIZ; ASSIS, 2010).
Este trabalho origina-se a partir de uma percepção dos autores: em tempos de ensino
remoto que foi instaurado por causa da pandemia de Covid-19, a produção do podcast tornou-
se uma atividade letiva relevante e proposta, de maneira recorrente, com fins dinâmicos e
ligados a processos metodológicos ativos para estudantes de graduação ou pós-graduação.
A mudança na sociedade trouxe um grande desafio quanto à forma de se trabalhar com
a educação. Entre as diversas áreas da educação, em especial nos cursos de graduação.
Estudantes que nasceram na década de 90 registram um grande percentual social de pessoas
que receberam educação por intermédio de ambientes digitais. Quando comparados com seus
docentes, o perfil dos alunos traz uma característica de menor afinidade com fonte única de
informação. O período pós-1970, os alunos já apresentavam dificuldade de concentrar e
memorizar aulas expositivas (ASSUNÇÃO, 2021).
Mitre et al. (2008) já destacavam transformações nas sociedades contemporâneas,
reforçando a indissociabilidade entre teoria e prática, que vai se confirmar com um
desenvolvimento integral do ser humano, mudando a visão de cuidado, culminando com o
adequado desempenho laboral.
A pandemia de Covid-19 trouxe um grande desafio para a educação – que, no Brasil,
por si só sempre foi um grande desafio. Fernandes et al. (2020, meio digital) reforçam a
necessidade de tornar o estudante como protagonista do processo de ensino-aprendizagem, com
destaque para a palavra “troca” numa relação docente-aluno. Esse procedimento é defendido
pelo argumento da vantagem de estimular a capacidade criativa, seja com temas livres ou com
produção de arte para divulgação. Tudo isso destaca o papel das metodologias ativas,
demonstrando que “todos têm algo a ensinar e muito a aprender”.
As metodologias ativas vêm sendo muito aplicada principalmente nos cursos da área da
Saúde, mas vem sendo assimilada nos vários níveis e âmbitos da educação. Santos et al. (2022,
meio digital), por exemplo, demonstram a relevância da aplicação das metodologias no
município de Araguatins (TO) que, durante a pandemia de Covid-19, num período em que o
distanciamento social reforçou as desigualdades. Houve a utilização de algumas metodologias
e ferramentas de ensino como sala de aula invertida, bem como estratégias de aprendizagem
baseadas em problemas e projetos.
No entanto, sobre o desenvolvimento de podcasts, nota-se uma prevalência de materiais
produzidos por organizações de mercado, em detrimento de produções acadêmicas. Assim,
destaca-se o objetivo de colaborar com este cenário, a partir da apresentação de um roteiro
elaborado por meio de uma pesquisa e revisão bibliográfica, bem como uma pesquisa
documental de publicações diversas que discorrem sobre a prática e a utilidade deste formato
de conteúdo em áudio. A ideia é que docentes, discentes e profissionais – de Comunicação,
Educação ou áreas afins – possam recorrer a este trabalho para auxiliá-los no cotidiano.

2 REFLEXÕES SOBRE COMUNICAÇÃO DIGITAL, TECNOLOGIA EM PROL DO


ENSINO E METODOLOGIAS ATIVAS

A colaboração informacional em massa marca as interações feitas na internet: "não


importa a linha geográfica que certa pessoa ocupa, ela sempre irá colaborar com outra que ainda
nem sabe que precisa de ajuda" (GUALBERTO, ASSIS, 2019, p. 6). Essa maior possibilidade
de participação das pessoas no processo de criação e distribuição de conteúdo é uma das
consequências do surgimento e consolidação social da rede mundial de computadores
(RIBEIRO, 2020). Nesse novo contexto midiático, cada usuário pode produzir e compartilhar
o seu próprio conteúdo na web. Contudo, é preciso ponderar quanto as possibilidades instigadas
por essa exposição intensa aos meios de comunicação. Ao mesmo tempo que as mídias ampliam
a variedade e torna infinitas as exposições de informações e culturas, “se não estiver atento e
bem instruído, o sujeito acaba recebendo tudo sem adotar critérios de avaliação para com o que
é assistido e escutado” (GOMES, 2018, p. 186).
Durante a pandemia de Covid-19, especialmente no período a partir de março de 2020
e o ano de 2021, quando as recomendações sanitárias defendiam o distanciamento social físico
como forma de proteção contra o novo coronavírus, vários meios sociais foram fortemente
atingidos – entre eles, o campo da educação. O meio educacional já vinha passando por uma
transformação a partir da maior inserção das mídias sociais, que são usadas para promover uma
interação entre docentes e discentes. Esse processo foi acelerado com a crise provocada pela
Covid-19 (SILVA, CAPP, NIENOV, 2021).
Além disso, vale salientar que, existe, na atualidade, uma geração de crianças, jovens e
adultos que não conhecem o mundo sem a presença e recursos disponíveis a partir das
plataformas tecnológicas e midiáticas. Soares e Ribeiro (2022) discorrem que não há um
consenso quanto a nomenclatura das gerações etárias: alguns autores defendem, por exemplo,
que a “Geração Z”, marcada pelo ato de zapear, envolve os nascidos a partir do início da década
de 90, outros do início dos anos 2000. Esse grupo etário é naturalmente familiarizado com as
ferramentas tecnológicas, uma vez que cresceram junto com o surgimento da internet e com
uma maior inserção de computadores, celulares e tablets (ESCOLA DA INTELIGÊNCIA,
2018, meio digital).
Direcionando as reflexões para o ambiente acadêmico, Ribeiro (2020, p. 4) afirma que
"os alunos atualmente pensam e processam as informações de uma maneira diferente das
gerações antigas, esse é o resultado das infinitas formas de interação e interatividade com a
tecnologia e o envolvimento crescente da internet sobre vida cotidiana".
Tecnologia, educação e conhecimento devem estar inseridos em conjunto no contexto
escolar para construção de um ensino mais dinâmico e presente na realidade de um mundo
globalizado e tecnológico. Por isso, o uso desses recursos tem sido considerado inovador no
ensino (SILVA, CAPP, NIENOV, 2021, p. 214).
A educação mudou e permanece mudando nas mais diversas áreas, sendo a Química
uma delas. Alves et al. (2021) apresentam que a produção de podcast no ensino pode atender
umas das necessidades existentes nesse processo, como a colocação do discente no centro do
processo de ensino-aprendizagem. No respectivo estudo, concluíram que a utilização de
podcast enquanto metodologia no ensino e aprendizagem de química trouxe muitos benefícios.
Enquanto recurso possibilita compartilhar informações com os colegas, permitindo educação
dentro e fora da sala de aula.
As plataformas de redes sociais digitais passam por atualizações constantes,
disponibilizando novos recursos e normas a serem utilizados pelos usuários (SILVA, CAPP,
NIENOV, 2021). E isso gera um receio para quem trabalha como docente, pois provoca um
temor de “perder seu lugar para a tecnologia” (GOMES et al, 2018, p. 187). Bem como é
refletido por Gomes et al (2018, p. 188), entretanto, “os meios de comunicação devem ser vistos
como aliados e integrados à prática pedagógica e aos saberes escolares”.
França et al. (2019) reiteram que a internet e as plataformas digitais constituem uma
parte significativa da vida de boa parcela da sociedade – não sendo apenas mediadores ou
espaços separadores do cotidiano. As autoras recordam que o termo propriamente dito de “redes
de contatos” já existia desde o início do século XX e exemplificam a utilização do WhatsApp
pelos profissionais de saúde para disseminação de informações de saúde, troca de informações
e tomada de decisões entre os profissionais, além do apoio social a pacientes durante tratamento,
somado à disseminação de orientações de saúde, e aprendizado. Tal agregação ocorreu num
processo de educação permanente próprio da área da saúde.

3 SOBRE PODCAST: CARACTERÍSTICAS, LINGUAGEM E ESTRATÉGIAS


O modelo de consumo de conteúdo em áudio, conhecido atualmente como podcast,
surgiu nos anos 2000, podendo ser considerado, na atualidade, como "um nicho de mercado a
ser consolidado" no Brasil (SALEMME, 2017, p. 10).
Com características semelhantes a um programa radiofônico, o podcast possui aspectos
singulares: entre eles, pode-se pontuar a produção de conteúdo sob demanda, isto é, são
"programas mais específicos que tratam com um público-alvo específico. Por isso, é muito
comum encontrar podcasts de diferentes temáticas e específicas, como cinema, música,
literatura, futebol, games, etc" (SILVA, CAPP, NIENOV, 2021, p. 225).
Primo (2005) reforça que, apesar de uma parcela da população brasileira ainda não
dispor de tecnologias e conhecimentos específicos, o custo de produção de um podcast é muito
menor ao necessário para construção de um veículo de comunicação radiofônica. Isso coloca
os podcasts, juntamente com os blogs, como um exemplo de formato de mídia alternativa e
mais democrática.
Para grande parte dos envolvidos, a produção de podcast é efetuada como hobby e ligada
a momentos de lazer. No entanto, já existem exemplos de podcasts que possuem receitas que
pagam os respectivos curtos; casos de profissionais que trabalham como podcasters como
forma de complementação da própria renda financeira; bem como indivíduos que afirmam que
grande parte da renda é originária de podcasts ou mesmo que vivem, exclusivamente, dos
recursos financeiros obtidos pela produção do conteúdo (ABPOD, 2020).
Na chegada dessa linha de podcasts no país, os produtores brasileiros de podcasting se
inspiravam no modelo estadunidense desse tipo de mídia, desenvolvendo programas parecidos
com programas radiofônicos tradicionalmente transmitidos em tempo real, com pouco ou
nenhum uso de edição (LUIZ; ASSIS, 2010).
A partir do ano seguinte, no entanto, houve uma mudança da referência: em 2005, uma
tendência mais alinhada ao humor, pautas leves, maior uso técnico de som, trilha e efeitos
sonoros passou a vigorar. Um dos pioneiros a adotar este formato foi o "Nerdcard", em abril de
2006, podcast vinculado ao blog "Jovem Nerd", fundado em 2002. O formato, posteriormente
replicado em inúmeros podcasts, consiste em uma "conversa informal" sobre temas gerais ou
específicos (LUIZ; ASSIS, 2010).
O universo de podcasts brasileiros é predominantemente marcado por homens, mas a
participação feminina tem crescido ano a ano (ABPOD, 2019). O principal grupo etário dos
ouvintes desse tipo de conteúdo é constituído por pessoas com idades entre 25 e 29 anos,
acompanhados pelos indivíduos entre 20 e 24 anos; 30 a 34 anos; 35 a 39 anos; e 15 a 19 anos,
respectivamente (ABPOD, 2019).
O grau de escolaridade é outro fator marcante no levantamento sobre o público-ouvinte
de podcasts: segundo essa mesma pesquisa, as pessoas com ensino superior completo
respondem pela maioria de quem ouve podcasts. Depois, aparecem os indivíduos com ensino
superior incompleto, pós-graduação completa; ensino médio; pós-graduação incompleta;
fundamental e não informado, respectivamente (ABPOD, 2019).

Inicialmente o podcast surge com uma nova maneira de produzir áudio, pela
sua facilidade de produção e a característica de discutir assuntos específicos
geralmente voltados a um determinado público, que aproxima o produtor
do ouvinte. Mas, atualmente, grandes veículos jornalísticos também
enxergaram espaço para se inserirem nesta mídia, principalmente, porque
muitas vezes o podcast pode se tornar companheiro dos ouvintes no dia-a-
dia, devido aos longos deslocamentos dos grandes centros (SOSA,
BONITO, 2019, p. 11).

O modelo de estrutura para elaboração de podcast é sustentado em três fases – cada uma
delas possui características e demandas distintas, que são mais detalhadas a seguir.

3.1 Planejamento, produção e distribuição de podcast

Silva, Capp e Nienov (2021) afirmam que este tipo de formato midiático possibilita, aos
docentes, a produção de materiais diversos, em formato de áudio, para as respectivas aulas. Os
conteúdos podem ser planejados, inclusive, como uma série de episódios que podem ser
acessados dentro e fora de sala de aula.
Já para o corpo discente, os autores também elencam algumas vantagens, entre elas: a
oportunidade de uma maior investigação sobre um determinado tema, troca de feedbacks,
adaptação do horário e local de estudo, bem como escutar - ou contar - um relato feito de
maneira leve e completa (SILVA, CAPP, NIENOV, 2021).
O "Ensino/Educação" está entre as principais atividades presentes no campo do podcast:
acompanhadas por comunicação, produção de áudio e vídeo, tecnologia, publicidade/relações
públicas/marketing, jornalismo, outras e direito (ABPOD, 2020).
"Para elaborar, produzir e compartilhar um podcast é exigido dedicação, esforço,
dinamismo, capacidade de trabalho concentrado e criatividade, além de demanda de tempo"
(SILVA, CAPP, NIENOV, 2021, p. 226).
Para realizar um podcast, contudo, é preciso passar pelo momento de planejamento,
produção e distribuição – a serem abordados a seguir.
3.1.1 PLANEJAMENTO: ONDE TUDO COMEÇA

A etapa do planejamento é fundamental para a produção de um podcast. É neste


momento que são delineados pontos que influenciarão no processo (SILVA, CAPP, NIENOV,
2021). É preciso estabelecer, por exemplo, qual o público-alvo do conteúdo a ser produzido;
que por sua vez, influencia na linguagem e na identificação da concorrência – se for o caso de
uma realização de cunho profissional-comercial. “A linguagem aplicada a alguns programas
talvez não seja jornalisticamente a correta, mas em sua maioria, agrega os ouvintes de uma
maneira mais confortável, se assemelhando com diálogos corriqueiros e conquistando a
simpatia de muitos” (GUALBERTO, ASSIS, 2019, p. 5).
Lopes (2015) reflete que esse planejamento inicial pode ser conduzido também a partir
de três perguntas: (1) por quê? (2) Como? (3) Para quê?. A primeira pergunta faz referência a
motivação e objetivo da produção do podcast. A segunda, por sua vez, ao procedimento em si;
e a terceira, às metas da gravação.
Durante o planejamento, também serão feitas as decisões quanto ao tema, formato,
conteúdo e convidados do programa a ser gravado. Ter domínio sobre o tema a ser discutido
durante a gravação do podcast é outro tópico importante. Assim, ressalta-se o destaque para o
estudo do assunto específico (SILVA, CAPP, NIENOV, 2021).
Não existe limitação quanto ao tema: mesmo que um assunto já seja considerado
passado, "se houver preocupação com a qualidade do programa, criatividade e originalidade na
abordagem", é possível fazer uma boa discussão durante a gravação (LOPES, 2015).
Também não existe obrigatoriedade padrão quanto ao formato do podcast. Além do
estilo "papo entre amigos", outros modelos frequentes são os programas de entrevistas, resenhas
de obras culturais; dramatizações e diálogos acadêmicos (LOPES, 2015). Além disso, outra
preocupação é sobre a duração: a média de podcasts profissionais consiste em cerca de 77
minutos80.
Já quanto à linguagem, pode ser combinado um vocabulário coloquial, informal e
divertido ou mais sério - a depender do público-alvo e do assunto refletido. Lopes (2015)
exemplifica com um podcast com foco gastronômico: para o autor, a dinâmica pode ser bem-
humorada, contudo, a linguagem precisa preocupar-se com as intenções didáticas de transmitir
o passo-a-passo da receita.

80
Comentário dos autores: essa minutagem média mencionada faz referência a podcasts produzidos de maneira
geral. Como prática letiva, o podcast, geralmente, possui uma duração menor.
A seleção dos participantes - fixos e eventuais - da gravação também é levada em
consideração durante a produção do podcast. A figura de um apresentador também é bem-vinda
neste contexto, já que este indivíduo atuará na condução da conversa, evitando que o assunto
seja disperso - já que possui domínio do assunto (LOPES, 2015). O ideal é que a equipe do
podcast seja unida e trabalhe em equipe para que cada um possa colaborar com alguma
particularidade singular.
Entretanto, não é obrigatório que seja formado um grupo para a realização de um
podcast. Existem modelos que o conteúdo é transmitido por uma única pessoa. Neste caso, é
sugerido que o responsável busque por referências deste segmento, para que evite tornar o
programa monótono, se tornando algo como uma entrevista ou um debate (LOPES, 2015).
Em seguida, deve-se elaborar o roteiro da produção. Procedimento denominado por
Silva (2019) como elaboração da pauta, neste momento é preciso redigir um texto prévio que
será utilizado para guiar os participantes durante a gravação do podcast. Esse roteiro pode seguir
alguns modelos comuns: (1) guiado, onde são elencados tópicos a serem abordados por
podcasters; (2) lembrete, caracterizado como uma versão um pouco mais completa do que a
anterior, pois são incluídas algumas linhas de informações em cada tópico; (3) informativa,
ideal para produções mais técnicas e com muitos detalhes, sendo organizada por tópicos,
subtópicos e linhas adicionais; e (4) transcrita, quando o programa é construído, integralmente,
antes da gravação, onde os envolvidos apenas farão a respectiva leitura.
Outros pontos também devem ser pensados durante a fase inicial da produção, tais como
a frequência da publicação e qual será a página em que o podcast será hospedado.

3.1.2 PRODUÇÃO: DO INÍCIO AO FIM

Conforme Primo aponta (2005, p. 8), um podcast pode ser elaborado de maneira coletiva
ou individual, desde que essa pessoa tenha acesso aos recursos demandados. Nesse sentido, o
autor afirma que, esse processo "oferece ao podcaster um contato muito próximo de seu
produto". Dados apontam que a maioria dos produtores de podcast, inclusive, não fazem
qualquer contratação de empresa durante a elaboração (ABPOD, 2020).
Recomenda-se que a gravação seja feita em um local sem ruídos externos e que possua
uma boa acústica. As pessoas que irão participar do programa também devem estar
confortáveis, já que a postura interfere na emissão da voz (SILVA, CAPP, NIENOV, 2021).
Essa gravação pode também ser feita de maneira remota e virtual, por meio de plataformas
como o Skype (PRIMO, 2005), ou mesmo em caráter híbrido – com algumas pessoas gravando
em um mesmo ambiente e outras presentes de maneira on-line (LOPES, 2015).
Lopes (2015) pontua que a qualidade do áudio é algo muito importante para ouvintes de
podcasts. Nesse sentido, ele elenca algumas dicas à local da gravação: de preferência, deve ser
um cômodo pequeno, que registre pouco eco e apresente piso de maneira ou com tapete.
Emissores de ruídos (como televisões ligadas, ventilador, cachorro e crianças) não devem estar
presentes no ambiente durante a gravação, que deve ser conduzida longe de janelas, para, assim,
evitar também barulhos externos (LOPES, 2015).
Depois da gravação, ocorre a edição: uma etapa trabalhosa e duradoura (LOPES, 2015).
Neste momento, é possível cortar possíveis erros que aconteceram durante a gravação, bem
como adicionar efeitos sonoros desejados.
Quanto a trilha sonora e vinheta, existem bancos de sons com direitos livres que podem
ser acessados e utilizados durante a produção do podcast (PRIMO, 2005). Músicas
instrumentais devem ser priorizadas, já que canções cantadas podem confundir o ouvinte
durante o podcast. Além disso, a trilha deve ter associação com o tema e estilo do programa e
não pode ser muito alta, já que pode distrair a atenção do assunto principal (LOPES, 2015).
Quanto ao uso de músicas, existe a possibilidade, conforme apontam Luiz e Assis (2010,
p. 8-9), de recorrer somente a trilhas com direitos autorais livres ou utilizar de melodias
comerciais, "sendo que, nesse caso, também há os que as utilizam sem pagamento de direitos
autorais (alegando não lucrar com o podcast, embora não haja amparo legal para isso) e os que
são associados à ABPod e pagam um valor simbólico para o Ecad (Escritório Central de
Arrecadação e Distribuição).
Um software recomendado para edição de áudio é o Audacity, que é um programa
gratuito, de uso livre e simples, que fornece ferramentas para uma edição do conteúdo (SILVA,
CAPP, NIENOV, 2021). Por meio deste programa, é possível fazer edições e montagens do
podcast, tais como: aumentar o volume do som, inteiro ou em um trecho; eliminar certos ruídos
registrados do ambiente ou microfone utilizado para gravação; e alterar os picos altos e baixos
do som.

3.1.3 TENDÊNCIAS DE DISTRIBUIÇÃO DO CONTEÚDO

A distribuição de podcasts é significativamente diferente dos programas de rádio.


Enquanto na radiodifusão, "a escuta se dá sincronicamente com a emissão do sinal" transmitido,
captado e sintonizado por antenas de rádio; "no podcasting, essa sincronia é quebrada, pois o
tempo de produção e publicação não coincide com o da escuta" (PRIMO, 2005, p. 5).
Uma particularidade marcante do podcast é que não existe a necessidade do conteúdo
ser transmitido e consumido de maneira sincrônica, já que, "após a versão final do programa
em um arquivo de áudio (normalmente em formato MP3), o podcaster81 o envia para um
servidor" (PRIMO, 2005, p. 5). Assim, passada a edição e finalização do material gravado, é
preciso hospedá-lo em alguma plataforma digital - onde o podcast ficará disponível aos
interessados (SILVA, CAPP, NIENOV, 2021).
"[...] Em ver de uma distribuição simultânea para milhares ou milhões de pessoas
sintonizadas ao mesmo tempo, os podcasts atingem públicos pequenos, mas que são
interconectados entre si" (PRIMO, 2005, p. 10).
Os internautas-ouvintes também têm a possibilidade de colaborar para a disseminação
do podcast, a partir do compartilhamento em outros sites e páginas, promovendo um "boca-a-
boca" virtual (PRIMO, 2005).
Para consumir um episódio de podcast, geralmente, não é necessário pagar taxas - já
que, normalmente, este tipo de conteúdo é disponibilizado em plataformas gratuitas (SILVA,
CAPP, NIENOV, 2021). As plataformas preferidas, pelos produtores de podcast, para
distribuição dos arquivos de áudio são: Spotify, iTunes, Deezer, YouTube, Sitcher, Spreaker,
algum agregador próprio e Anchor, respectivamente (ABPOD, 2020).
O interessado em ouvir o programa pode acessá-lo por meio de dispositivos móveis,
como telefone celular e tablet, ou computadores - podendo, inclusive, fazer o download do
arquivo para escutá-lo de maneira off-line (SILVA, CAPP, NIENOV, 2021).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve o intuito de elaborar uma proposta de roteiro para planejamento,
produção e estratégias de distribuição de podcasts. A ideia é que os apontamentos feitos neste
artigo norteiem as produções científicas ou técnicas dos professores, pesquisadores, estudantes
e profissionais de mercado que busquem uma direção à realização midiática.
Unindo materiais e reflexões teóricas e práticas, foi proposto um modelo relacionado a
todas as etapas de elaboração de um podcast: um formato de conteúdo muito conhecido na

81
Comentário dos autores: a pessoa responsável pela produção, apresentação e distribuição de um podcast é
conhecida, popularmente, como podcaster.
atualidade, que é consumido por uma parcela da sociedade e que pode ser feito dentro ou fora
de sala de aula.
A educação não pode ser algo distante do dia a dia. Docentes e estudantes devem estar
disponíveis a incorporar novidades no cotidiano escolar. Os meios de comunicação de massa
existem e, embora ainda não seja uma realidade diária para todas as pessoas do Brasil,
estratégias de aprendizagem podem ser aplicadas por meio da internet. Quando a produção de
um podcast é incorporada como prática letiva, os estudantes tornam-se protagonistas e
formuladores do conhecimento, a partir do momento que são incentivados a acionarem
estratégias criativas e colaborativas, assimilando conhecimentos prévios ou levantados, por um
bem comum.
Os autores descartam qualquer propósito de reinvenção de um formato já existente,
popular e consolidado nos tempos atuais. A finalidade deste artigo é contribuir para os
interessados - seja no momento de futuros publicações científicas, seja em desdobramentos
práticos e laboratoriais.

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Capítulo 26

A construção midiática do animal não humano durante a pandemia do Covid-19:


análise de cobertura do portal Notícias Gerais

Ana Luiza Hansen Xavier (UFSJ)


Cristiano Otaviano (UFSJ)

RESUMO: O artigo discute a construção da mídia quando se trata dos animais não humanos
durante a pandemia da Covid-19. Busca refletir sobre a cobertura dentro desta temática e um
pouco da relação animal humano x animal humano. Por meio da análise de um portal online
regional – o Notícias Gerais, são levantadas as notícias publicadas a partir de quatro categorias
de análise: (1) Animais Silvestres em Ambiente Urbano, (2) Proteção Animal, (3) Exploração
Animal e Abandono, (4) Animais Rurais, com base em autores como Evelina Baptistella (2018,
2019), André Trigueiro (2008, 2012) e Wilson da Costa Bueno (2008).

Palavras-Chave: Covid-19; Representação midiática, Animais não humanos; Portal Notícias


Gerais;

1. INTRODUÇÃO

A vida no planeta se dá por meio de interações, sejam elas entre as mesmas espécies ou
não. Ao longo dos anos, novas formas de vida surgem, por meio das eras, influenciando a
evolução uma das outras. No entanto, nenhuma espécie causou tanta modificação como o homo
sapiens. E embora, tenham se apresentado de forma dominante e predatória, o ser humano criou
relações íntimas de afeto e carinho com alguns animais não humanos que foram domesticadas.
Cães, gatos, aves e outros animais não humanos passaram a fazer parte de nossa jornada
evolutiva. E, expostos às contradições de nossa tortuosa caminhada, receberam expansões
afetivas, mas – ao mesmo tempo – tornaram-se alvo de nossos desequilíbrios. Animais no
mundo todo são privados de suas necessidades para servir como alimento, cobaias em testes de
cosméticos, explorados pela comercialização, e, quando transformados em “animais de
estimação”, acabam, por vezes, abandonados.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), apenas no Brasil existem 30 milhões
de animais em situação de rua, em sua maioria vítimas de abandono; desses, 10 milhões são
gatos e 20 milhões são cães, o que representa 10% dos cães sem lar no mundo. Segundo a World
Veterinary Association (Associação Veterinária Mundial), há cerca de 200 milhões de cães
abandonados no mundo (COLOMBO, 2020). E qual seria o papel da mídia diante desse
cenário?
Nesse contexto, surge o movimento de militância da causa animal que integra a
importância do bem-estar dos animais não humanos vistos como semelhantes. Essa é a
percepção de Eveline Teixeira, que escreveu o livro “Animais e fronteiras: um estudo sobre as
relações entre animais humanos e não humanos” e diversos artigos sobre o assunto. Ao usar o
termo animais não-humanos ela reforça o fato de que somos todos animais e que devemos ter
relação de respeito com todos os que vivem neste planeta.
Partindo dos estudos de Eveline Teixeira Baptistella (2019), este artigo busca pensar a
influência da mídia sobre a representação dos animais em São João del-Rei. No entanto, num
contexto específico: o do surgimento da pandemia de Covid-19. Será que, diante de uma
emergência sanitária e de uma consequente crise econômica, o tratamento do tema e o
atendimento de animais não-humanos ficou prejudicado? É esse o assunto sobre o qual o artigo
buscará refletir.
Para isso, usará como objeto as publicações no portal Notícias Gerais, que noticia
eventos sobre São João e região. Será feito o recorte temporal de um ano. Usaremos o buscador
do próprio site e serão selecionadas matérias a partir da palavra-chave “animais”. Serão
selecionadas matérias até a 10ª página de busca e que entrem no recorte citado.
Como referência serão usados, além dos trabalhos de Eveline Baptistella (2019), autores
que falam do tema, de jornalismo científico e ambiental, e que falam sobre jornalismo de forma
geral. Será feita uma análise de conteúdo, com base em Bardin (2011), como parâmetro nas
seguintes categorias de análise: (1) Animais Silvestres em Ambiente Urbano, (2) Proteção
Animal, (3) Exploração Animal e Abandono, (4) Animais Rurais, com base em autores como
Evelina Baptistella (2018, 2019), André Trigueiro (2008, 2012) e Wilson da Costa Bueno
(2008). Será feita uma análise quanti e qualitativa, estabelecendo um diálogo entre as teorias e
as notícias extraídas do Portal Notícias Gerais.

2. OS ANIMAIS NA MÍDIA

A jornalista Eveline dos Santos Teixeira Baptistella (2019) dedica seus trabalhos e
estudos na área ambientalista, estudando a relação entre animais humanos e não humanos na
sociedade contemporânea. Tendo alguns trabalhos de grande relevância no meio, como o livro
“Animais e fronteiras: um estudo sobre a relação entre animais humanos e não humanos” e em
diversos artigos publicados. Segundo a autora, conceitos como amor e respeito pelos animais
não humanos não são invenções recentes. Homens e bichos são nomes inventados para definir
seres diferentes que estabeleceram pontes ao longo do desenvolvimento do planeta e criaram
uma miríade de relações que já incluía, desde tempos remotos, diversos lados de uma mesma
história: admiração, afeto, ódio, medo, entre outros. Baptistella (2019) enfatiza, porém, que a
novidade se refere ao grau de sofrimento e predação a que os animais estão sendo submetidos
em escala global.
Junto da pesquisadora Juliana Abonizio, em seu artigo apresentado em 2015, no III
Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo Ambiental, as duas buscam uma reflexão
sobre a relação homem versus animal na mídia, com base nas editorias especializadas. Para
isso, elas fazem uma contextualização sobre as mudanças neste vínculo ao longo dos anos, com
o auxílio de um rico referencial teórico. Fundamentam-se na análise de notícias a partir do
conceito de transversalidade da pauta jornalística ambiental e de multidisciplinaridade do
jornalismo ambiental (BUENO, 2007). Desse modo, a pesquisa realiza o seu objetivo a partir
da análise de dois canais de notícias online específicos sobre o tema, sendo eles as editorias da
Folha de S. Paulo e o R7.
Eveline Baptistella nesse artigo e em outros trabalhos aborda o panorama da crise
ecológica e da inserção dos animais não humanos na esfera moral e afetiva dos homens por
meio de pesquisa bibliográfica. Além disso, um ponto fundamental que está presente em seus
textos é o especismo. Quanto a este conceito, Singer (2010) explica que especismo é o ponto
de vista de classificar outras espécies como não merecedoras de consideração moral, é uma
construção social, que acaba por institucionalizar crueldades.
O antropocentrismo, conceito que considera a humanidade como centro do universo,
unido a valorização que temos pela nossa própria espécie contribuem para um cenário de
desvalorização do animal não humano. As autoras trazem no capítulo dois, algumas
características que são usadas para diferenciar humanos de animais, dando destaque para uma
em específico: a capacidade de dizimar todas as formas de vida da terra e causar mudanças
significativas no cenário do planeta. Extinção de espécies, desmatamento e as mudanças
climáticas, são algumas – das muitas – ações que definem a relação do homem com a natureza.
E mostram que quando se trata de tais atitudes o que está em jogo é a nossa própria continuidade
de nossas vidas. Sendo interessante pensar, que o trabalho se trata de uma pesquisa de 2015,
onde o senso comum nem imaginava que em 2021 iríamos enfrentar uma ameaça tão
significativa à nossa sobrevivência quanto o coronavírus.
Para Eveline Baptistella, a empatia é uma ferramenta importante para o nosso
desenvolvimento e sucesso como espécie, e que embora venha crescendo, ainda é muito frágil
quando se trata do diferente. A autora pontua que, mesmo os animais mais amados, como os
pets, não escapam desse ser/estar inferior no mundo. Segunda Baptistella (2019), o principal é
reforçar que, independentemente de status científicos, de empatias, de interesses econômicos,
de crenças e culturas, cada animal é um ser que tem subjetividade e interesse em viver –
exatamente como nós, humanos. Nesse sentido, pode-se perceber que ainda existe uma
diferenciação na relação e no espaço ocupado entre animais humanos e não humanos.
Entretanto, conforme a autora, torna-se importante pensar a respeito das singularidades e da
qualidade de vida desses seres.

3. A PANDEMIA E OS ANIMAIS

Segundo as evidências disponíveis até o momento, em 31 de dezembro de 2019, a


Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre vários casos de pneumonia na cidade
de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China. Tratava-se de uma nova cepa
(tipo) de coronavírus que não havia sido identificada antes em seres humanos. Até então, o
senso comum não imaginava a gravidade desta nova doença.
Os primeiros casos foram confirmados num grupo de pessoas que estavam em no
mercado da cidade onde eram vendidos vários tipos de animais selvagens. Aparentemente, o
que levou o vírus a se tornar uma doença de humanos, foi o consumo de carne de um dos
animais vendidos no local.
Esse problema não é novo. Segundo um relatório da Organização das Nações Unidas
(ONU) para Agricultura e Alimentação (FAO) apontou que ao menos 70% das doenças que
apareceram após a década de 1940 têm origem animal (ESTADÃO, 2020). A ação do homem
está diretamente ligada a essa estatística, a expansão agrícola e a exploração humana
contribuíram para o surgimento e a para a rápida expansão de novos vírus. Entre as doenças
divulgadas no estudo estão e mais populares estão o HIV-1 e diversos vírus da gripe. Segundo
informações da Agência Brasil (2021), pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS) fizeram uma revisão bibliográfica de dados e os resultados revelaram que de
60% a 75% das doenças infecciosas são derivadas de microrganismos que originalmente
circulavam em espécies de animais selvagens e saltaram para os seres humanos.
No presente momento, temos mais um exemplo de apreensão gerada por um vírus
descoberto em animais selvagens: o “monkeypox”, doença conhecida como varíola dos
macacos. A enfermidade é endêmica em países africanos, mas recentemente a sua disseminação
em outros continentes, como a Europa e os Estados Unidos, causou tensão. Até a construção
desse artigo o Ministério da Saúde confirmou 76 casos de varíola dos macacos no Brasil,
conforme Portal G1 (2022).
Voltando ao contexto da pandemia no novo coronavírus, em março de 2020, a
Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou situação de emergência e saúde pública de
caráter internacional. Isso levou a uma mudança radical de hábitos e comportamentos sociais,
com destaque para o confinamento e paralisação de atividades econômicas. Durante esse
período, o Brasil chegou a ser o epicentro da doença no mundo e tivemos um atraso muito
grande no acesso à vacina – o que foi conivente e ocasionou muitas mortes. Enquanto o mundo
começava a vacinar em 8 de dezembro de 2020, aqui, tivemos a primeira pessoa vacinada
apenas em 17 de janeiro de 2021 (Agência Senado, 2021).
Conforme declarações dadas pelo diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, em
depoimento à CPI, publicadas pela Agência Senado (2021), no caso da pandemia da Covid-19,
o Brasil poderia ter sido o primeiro no mundo a iniciar a vacinação "se todos os atores" tivessem
colaborado. Dimas Covas disse que manifestações do presidente Jair Bolsonaro contra a vacina
deixaram as negociações “em suspenso” e atrasaram o começo da vacinação no país. (Agência
Senado, 2021)
A pandemia do Covid-19 produziu e vem produzindo discussões que vão além da saúde
pública, trazendo assuntos também sobre impactos sociais, econômicos, ambientais, entre
outros. E sem dúvidas trouxe impactos comportamentais na sociedade. A relação entre o animal
não humano e humano que já é carregada de tantos estigmas, como se manteve durante esse
período histórico?
Ao jogar no buscador do Google a frase: “Como os animais foram tratados durante a
pandemia” e com um recorte das 10 primeiras matérias, seis delas tem como tema central o
abandono e os maus tratos aos animais domésticos, sendo dessa forma a maioria, apenas uma
delas falava sobre o cuidado com outras espécies. E encontramos também um artigo que aborda
o direito dos animais durante esse período.
Como já é esperado, a crise humanitária causada pelo vírus do covid-19 não afetou
apenas humanos. O número de abandono e maus tratos de animais domésticos teve um aumento
considerável, este cenário é confirmado por organizações não-governamentais, pelo Conselho
Federal de Medicina Veterinária e até mesmo pela SaferNet Brasil, organização que monitora
conteúdos que violam direitos na internet (VEIGA, 2020).
Em entrevista dada ao BBC News Brasil em junho de 2020, o diretor da ONG Cão Sem
Dono localizada em São Paulo, Vicente Define Neto, relatou no início do agravamento da
pandemia no país, que recebia cerca de 200 e-mails por dia. Em geral, de pessoas interessadas
em encontrar novos donos para seus pets. Segundo ele, isso significava um aumento de 40% da
procura anterior ao período.
De acordo com ele, os motivos relatados por quem o procurou eram, quase sempre,
relacionados ao novo coronavírus — ou a crise decorrente da pandemia. Além dos problemas
financeiros que a pandemia gerou para os tutores de pets, os animais também foram vítimas do
desconhecido em relação ao vírus. Tendo circulado também fake news na mídia falando da
possibilidade de transmissão direta de animais para humanos. Demonstrando e reforçando
assim a potência das mídias.
Outro fator que foi possível observar foi o crescimento dos maus tratos, dados obtidos
pela SaferNet Brasil indicam um aumento de conteúdos na internet demonstrando ou incitando
maus tratos a animais durante o período da pandemia. Entre 15 de março de 30 de junho de
2020 foram registradas pela entidade 482% mais denúncias sobre o tema em comparação com
o mesmo período do ano passado (VEIGA, 2020).
Ativistas apontam que o estresse causado pela situação de isolamento social,
confinamento e toda a negatividade do período pode encontrar no animal um bode expiatório,
reforçando assim a visão que o humano tem de superioridade frente a outras espécies. Esta
relação se aplica infelizmente a todas as espécies de animais não humanos.
Em um levantamento produzido pela Agência dos Estados Unidos para o
Desenvolvimento Internacional (USAID), em conjunto com as ONGs internacionais Traffic e
União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), e divulgado em julho de 2020
apontou que anualmente cerca de 38 milhões de animais são afetadas pela caça e comércio
ilegal no Brasil. Entre as vítimas mais afetadas estão as tartarugas e os peixes ornamentais
(MENEGASSI, 2020).
O documento também apresentou um levantamento que apresentava que 400 espécies,
o que corresponde a 20% das aves nativas do Brasil, são impactadas pelo tráfico.
Apenas em São Paulo, cerca de 4.200 pássaros são recebidos anualmente no Centro de
Recuperação de Animais Silvestres (CRAS/PET), entre eles espécies ameaçadas de extinção
(12%) (MENEGASSI, 2020).

As motivações do tráfico variam, assim como as espécies e os perfis


da “clientela”. De pássaros vendidos em feiras livres, a tartarugas
requisitados pela medicina tradicional, à toneladas de carne de caça
para consumo e demonstração de status, ou animais exóticos
transformados de forma inapropriada em “pets”, como ilustra bem o
recente caso da Naja, cobra peçonhenta que ocorre na Ásia e África,
capturada no Distrito Federal e que estava sendo mantida de forma
ilegal na residência de um estudante de veterinária. (MENEGASSI,
2020)

A Amazônia aparece como o epicentro do tráfico de animais no país. Além disso, devido
à sua riqueza e localização, fazendo fronteira com sete países, é alvo de garimpeiros, grileiros,
narcotraficantes, madeireiros, pescadores e caçadores ilegais. Defensores da região são
constantemente ameaçados. Em 2020, ao menos 20 ativistas ambientais foram mortos, segundo
dados da organização internacional Global Witness.

4. SÃO JOÃO DEL-REI E OS ANIMAIS

No interior, a natureza costuma evidentemente estar mais preservada. Mas ao mesmo


tempo, a consciência ambiental costuma ser também menor. Pelas relações de trabalho
construídas nesse ambiente, o animal não humano, acaba tomando uma posição muito clara de
servidão. Com isso, o bem-estar é uma das coisas que por vezes são deixadas de lado.
São João del-Rei é marcada por muitos espaços verdes e locais para explorar a natureza,
como cachoeiras e as serras. Mesmo assim enfrenta desafios nesse contexto. A Sociedade
Protetora dos Animais de São João del-Rei enfrenta problemas de financiamento e a cidade não
tem um abrigo oficial. Animais são frequentemente abandonados em terrenos baldios, áreas
isoladas e estradas.
Com isso, a cidade acaba dependendo muitas vezes dos chamados protetores de animais
independentes. Que nada mais é do que pessoas que simpatizam com a causa e realizam resgates
por conta própria e contam com financiamentos comunitários por meios de vaquinhas, na
maioria das vezes são feitas de forma online e com o auxílio das redes sociais.
Além disso, o interior por muitas vezes é cenário de exploração animal – com trabalhos
que levam a exaustão extrema e puxando cargas. Até mesmo explorados em função do turismo,
como é o caso de Tiradentes, onde cavalos puxam charretes com turistas ara entretenimento.
Por ter muita vegetação no entorno, constantemente estamos dividindo espaços com animais
silvestres. Por isso, encontramos muitas notícias desses serem vistos no cenário urbano e
precisaram ser resgatados.
5. O PORTAL NOTÍCIAS GERAIS

O portal Notícias Gerais surgiu em março de 2020 – um pouco antes da pandemia - com
o propósito de fazer um jornalismo sério e de forma independente. Com o foco na região do
Campo das Vertentes – região formada pela união de 36 municípios agrupados em três
microrregiões entre eles Lavras, Barbacena e São João del-Rei – trouxe como propósito mais
pluralidade de vozes em seus conteúdos, ética na apuração, reportagens investigativas,
jornalismo de dados e compromisso com a profissão.
O portal teve direção executiva de Najla Passos, jornalista formada pela Universidade
Federal de Juiz de fora (UFJF) e mestre em linguagem pela Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT). Com mais de 25 anos de experiência na profissão, teve a iniciativa de fundar
o jornal na região. O jornal sempre foi local de oportunidade de estágio para estudantes da área,
tendo por exemplo, alunos do jornalismo da UFSJ no seu quadro de funcionários ao longo da
sua história.
Em agosto de 2021, o jornal entrou em recesso. Após 18 meses cobrindo a pandemia da
Covid-19´em condições sanitárias e econômicas desfavoráveis. O acervo e o site continuam
abertos na web e é possível acessá-los. Até o desenvolvimento deste artigo o portal ainda
permanecia inativo.
Como referência e linkando com o tema da pesquisa, utilizamos o buscador do site com
a palavra-chave “animais” e buscamos a primeira matéria realizada com essa temática.
Encontramos a matéria: “Em Barbacena, bombeiros salvam raposa que caiu em silo desativado
e a devolvem ao seu habitat natural”, publicada em 27 de março de 2020. A notícia foi passada
no formato de uma pequena notinha, onde consta o resgate realizado pelos bombeiros e em seu
recorde evidenciaram que testemunhas confirmaram que o animal não configurava risco a
ninguém e que sempre ia na área do resgate em busca de frutas e alimento.

5. ANÁLISE QUANTITATIVA

Como material empírico para esta análise, utilizamos a palavra-chave “animais” do site
regional: Notícias Gerais. Ele foi escolhido por ter tido relevância regional no cenário
jornalístico da região durante seu período de operação.
As matérias foram selecionadas no recorte de um ano – a partir do dia 4 de junho de
2020, até a 10ª página de busca e que se encaixem no recorte citado.
Para fazer a análise das notícias, foi criada a seguinte divisão temática de forma a
classificar o conteúdo:

Quadro 1
Temáticas

Fonte: Dos autores, 2022

Nota-se que entre animais silvestres em ambiente urbano e proteção animal há um


equilíbrio. A participação de temas de mais implicações como o de maus tratos, também aparece
em quantidade relevante, quando comparada com os outros números. No entanto, os problemas
enfrentados por animais não humanos de áreas rurais não são abordados.
a) Animais Silvestres em Ambiente Urbano: matérias sobre pesquisas que envolvem animais
silvestres como foco. Foram localizadas ao todo onze notícias dentro desta categoria, a maioria
aborda situações que esses animais foram encontrados em cenários urbanos. Também
identificamos uma coluna que aborda o impacto na indústria da moda no meio ambiente. E a
maior parte delas se encontra na editoria de “Segurança”.
Quadro 2
Cobertura sobre Animais Silvestres em Ambiente Urbano – Notícias Gerais

Fonte: Dos autores, 2022

b) Proteção Animal: matérias sobre bem-estar e direito dos animais, como castrações em
massa, conquistas de direitos e ações de ONGs. Foram encontradas também onze notícias
dentro desta categoria e duas delas nos chamam atenção, que são elas: “Ativista diz que
desrespeito a animais e natureza potencializou Covid” e “Animais do IF Barbacena estão com
‘saudade’ das pessoas durante o distanciamento social”, que demonstram um olhar bem
humanizado sobre o assunto. E a maioria está dentro da categoria "Cotidiano''.

Quadro 3
Notícias sobre Proteção Animal no Notícias Gerais

Fonte: Dos autores, 2022


c) Exploração Animal e Abandono: dentro desta categoria selecionamos as matérias que
abordam os temas de exploração e maus tratos aos animais não humanos – como abandono e
agressões. Encontramos sete notícias dentro deste tema e a maioria também na editoria de
“Cotidiano”.

Quadro 4
Notícias sobre exploração animal e abandono no “Notícias Gerais”

d) Animais Rurais: Dentro dessa categoria separamos as vezes que animais do contexto rural
apareceram dentro do recorte escolhido. A incidência deste tema foi bem inferior comparada às
outras com apenas duas matérias encontradas. E cada uma apareceu dentro de uma editora
específica.
Quadro 5
Notícias sobre Animais Rurais em Notícias Gerais

Fonte: Dos autores, 2022

6. ANÁLISE QUALITATIVA

Nesta parte da análise, dedicamos a observar como os animais não humanos foram
retratados dentro do recorte e no portal escolhido. No período selecionado, encontramos um
total de 31 matérias que tinham relação com a palavra-chave “Animais”. Outro ponto observado
é que a maior parte desses conteúdos estavam na editoria de "Cotidiano'' e, em segundo lugar,
na de “Segurança”.
Os assuntos mais abordados foram dentro da categoria de animais silvestres e proteção
animal, dentro desta última, o animal que mais teve protagonismo são os domésticos (cães e
gatos). Já o tom abordado dentro das matérias da categoria A, carrega um significado dos
animais como invasores da área urbana, sem levar em consideração o avanço dos humanos em
áreas com vegetações ou a relação entre meio ambiente e seres humanos.
O livro “Meio ambiente no século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas
suas áreas de conhecimento” (TRIGUEIRO, 2003) aborda a falta de entendimento sobre o
conceito de meio ambiente. Em geral, o conceito trabalhado no senso comum é limitado ao que
conhecemos como fauna e flora e não utilizado com a amplitude que deveria. Além disso, o
livro trabalha a dificuldade em se estabelecer um nível de consciência ambiental. Sob essa
perspectiva, aponta que uma das problemáticas está no conceito do que o ser humano se imagina
como entidade distinta do meio ambiente que o envolve e no qual ele vive.

Um erro bastante comum é confundir meio ambiente com fauna e


flora, como se fossem sinônimos. É grave também a constatação de
que a maioria dos brasileiros não se percebe como parte do meio
ambiente, normalmente entendido como algo de fora, que não nos
inclui. A expansão da consciência ambiental se dá na exata proporção
em que percebemos o meio ambiente como algo que começa dentro
de cada um de nós, alcançando tudo o que nos cerca e as relações que
estabelecemos com o universo. Trata-se de um assunto tão rico e
vasto que suas ramificações atingem de forma transversal todas as
áreas do conhecimento. (TRIGUEIRO, 2003, p.7)

Contudo, nesta categoria, o jornal demonstrou certa preocupação e sensibilidade com o


tema, com o destaque para a matéria: “Memória NG: As feras estão livres!”, onde o portal
trouxe uma retrospectiva da sua própria cobertura do tema e todos os animais que tiveram
sucesso e foram resgatados, além disso lamentou os que não tiveram o mesmo desfecho. E
sempre traz um entretítulo com o tópico: “O que fazer?” ao encontrar uma situação desse tipo.
Já no contexto da proteção e bem-estar animal, os pets são os que ditam o tom. Em onze
matérias da categoria, apenas uma abordava sobre animais como um todo: “Ativista diz que
desrespeito a animais e natureza potencializou Covid”. Essa notícia trouxe Baptistella – grande
base da nossa revisão literária – e pontos que ela abordou sobre o tema durante uma live em
evento na UFSJ.
A pandemia explicitou muito fortemente os problemas derivados da intervenção
humana na natureza. Mais do que isso, está ficando ainda mais claro que nós, humanos, não
existimos num mundo separado da natureza e que tudo está interligado”, ressalta. Em seu
trabalho de pesquisa, busca posicionar os bichos como detentores de direitos e propõe a inserção
dos animais na esfera ética da imprensa. Para ela, estamos pagando, com esta pandemia, por
exemplo, preço altíssimo pelo desrespeito à natureza, aos animais e à vida. (GRIFO DO
JORNAL NG)
Na categoria cães e gatos, em sete matérias encontradas eles são os protagonistas de
todas. Mesmo em um contexto onde todos os animais não humanos são alvos dos nossos ataques
e descontroles, sofrendo com as nossas ações. Boa parte das notícias abordam o abandono, o
que não é surpresa, já que no Brasil temos mais de 30 milhões de animais (cães e gatos) em
situação de rua e abandono.
Uma matéria nesta categoria nos chamou a atenção: “Cirurgias Veterinárias podem ser
suspensas para reduzir uso de insumos”. Evidencia muito o contexto que vivemos na nossa
sociedade e a lógica do especismo presente nela. Em uma situação de crise – como a pandemia
– os animais não humanos são um dos primeiros grupos a terem seus direitos cessados. Outro
ponto observado é que, embora seja uma região com muita área rural, animais desse contexto
aparecem bem menos e o foco não está tão concentrado no bem-estar deles. O que evidencia
que, dificilmente, dentro da sociedade atual, eles são focos da nossa compaixão. De acordo com
a organização Humane Society International (HSI), o número de animais criados e abatidos
para consumo por ano no mundo já chegou a 88 bilhões. Isso equivale a mais de 11 vezes a
população humana global (VEGAZETA 2021).
Contudo, a relação humano e animal doméstico tem grande repercussão na nossa cultura
de relações. Segundo Baptistella (2018), constata-se, assim, o potencial para uma infinidade de
pautas relacionadas a animais em editorias diversas. Não é de se estranhar, uma vez que com
eles estabelecemos diferentes relações, como amor, consumo, medo, nojo, companheirismo.
Entretanto, apesar de todo conhecimento acumulado sobre sua subjetividade e de décadas de
estudos sobre as éticas que regem nossas atitudes em relação a outras espécies, na imprensa, o
impacto das notícias sobre os bichos é, muitas vezes, desconsiderado ou mal avaliado.
(BAPTISTELLA, 2018) Apesar do esforço do portal Notícias Gerais em fazer um jornalismo
que se atenta em seguir os princípios éticos da profissão e veiculação de informação, nota-se
que o impacto das notícias dentro deste eixo temático ainda é negligenciado por muitas vezes
dentro da mídia.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A relação animal humano e não humano se mostra conflituosa, embora alguns tenham
ganhado o nosso afeto e atenção, ainda lidamos com uma relação vertical. O foco do bem-estar
se mostra no humano, os animais então em segundo plano - principalmente em uma situação de
crise como a pandemia da Covid-19. Pode-se notar que embora o Notícias Gerais tenha
reproduzido alguns problemas intrínsecos na sociedade e entre essa relação conflituosa – animal
humano e não humano – o portal demonstrou cuidado na cobertura do tema. Trazendo até
mesmo matérias que tinham como foco o sentimento dos animais durante o distanciamento
social. Na matéria: “Animais do IF Barbacena estão com ‘saudade’ das pessoas durante o
distanciamento social”.
Nessa matéria ainda contrariam as expectativas, pois o alvo da notícia está em como os
cavalos, ovelhas, porcos e coelhos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IF)
estão se sentido sem o contato direto com humanos. Atribuindo demonstrando sentimentos que
para muitos são vividos apenas pelos seres humanos - o que estudos já comprovam que não é
verdade, são seres sencientes. Sentem medo, dor, tristeza, alegria. Conforme a Declaração de
Curitiba, no III Congresso Brasileiro de Bioética e Bem-estar Animal, de 2014, conclui-se que
“os animais não humanos não são objetos. Eles são seres sencientes. Consequentemente, não
podem ser tratados como coisas”.
O Notícias Gerais, então, demonstrou compromisso com seu editorial, de buscar sempre
fazer um jornalismo ético e com responsabilidade. Infelizmente entrou em recesso em agosto
de 2021 e até a conclusão deste artigo em setembro de 2022 não voltou à ativa. O que demonstra
um pouco a dificuldade de fazer um jornalismo independente no Brasil, onde a busca por
financiamento é um dos maiores desafios.
Por fim, vale pensar que embora os animais não humanos façam parte do nosso dia a
dia e muitos deles fazem parte da nossa família e ganham cada vez mais afeto, a relação
estabelecida ainda é muito conflituosa. No Brasil, 44,3% dos 65 milhões de domicílios possuem
pelo menos um cachorro e 17,7% ao menos um gato, de acordo com dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,2016). Mesmo assim, ainda temos 30 milhões de
pets abandonados nas ruas. Ainda lidamos com os animais como coisas e compramos e
vendemos cães e gatos. Assim, vemos que afetos são crescentes nessa relação, mas muitas vezes
o respeito não acompanha essa linha e não os vemos como indivíduos e seres carregados de
vida.

REFERÊNCIAS

BAPTISTELLA, E. Animas e fronteiras: entre espécies, ciências e cotidiano. 2015, 165f.


Dissertação (Mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea) – Faculdade de Comunicação e
Artes, Universidade Federal de Mato Grosso.

BAPTISTELLA, E.; ABONIZIO, J. A relação homem x animal na mídia: uma análise das
editorias especializadas. In: Anais do ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES
EM JORNALISMO AMBIENTAL, 3., 2015, São Paulo. Anais...São Paulo: ENPJ, 2015.

BAPTISTELLA, Eveline. A representação dos animais na imprensa: uma proposta de reflexão


ética. In: Revista Comunicação Cultura e Sociedade, v. 8, pp. 3 - 21, 2018.

BUENO, W.C. Jornalismo Ambiental: explorando além do conceito. In: GIRARDI, I.M.;
SCHWAAB, R.; MARCONDES, A (Org.). Jornalismo ambiental: desafios e reflexões. Porto
Alegre: Dom Quixote, 2008, p.105-118.

COLOMBO. Dezembro verde: mês de conscientização contra o abandono de animais. Blog


Colombo. 09 de dezembro de 2020. Disponível em: https://www.colombo.com.br/blog/seu-
pet/dezembro-verde-mes-de conscientizacao-contra-o-abandono-de-animais/. Acesso em: 02
de maio de 2021.

DA REDAÇÃO. BRASIL, Agência. Maioria das doenças infecciosas tem origem em animais
selvagens Agência Brasil. 06 de junho de 2021. Disponível em:
https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-06/maioria-das-doencas infecciosas-tem-
origem-em-animais-selvagens. Acesso em: 10 jul. 2022.

DA REDAÇÃO. Ministério da Saúde confirma 76 casos de varíola dos macacos no país.


Brasília, Portal G1, 03 de julho de 2022. Disponível em:
https://g1.globo.com/saude/noticia/2022/07/03/ministerio-da-saude-confirma-76-casos-de
variola-dos-macacos-no-pais.ghtml. Acesso em: 01 ago. 2022.

III CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOÉTICA E BEM-ESTAR ANIMAL, 2014, Curitiba.


ANAIS DO III CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOÉTICA E BEM-ESTAR ANIMAL.
Curitba: Cfmv, 2014.

ESTADÃO. 70% das doenças modernas são de origem animal, alerta FAO. Disponível em:
https://summitsaude.estadao.com.br/desafios-no-brasil/70-das-doencas-modernas-sao-de
origem-animal-alerta-fao/#:~:text=Segundo%20a%20pasta%20da%20ONU,e%20diversos
%20v%C3%ADrus%20da%20gripe. Acesso em: 19 ago. 2022.

MINAS, Estado de. No Brasil, 44,3% dos domicílios possuem pelo menos um cachorro e
17,7%, um gato. Disponível em:
https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2016/07/28/interna_nacional,788614/no-brasil
44-3-dos-domicilios-possuem-pelo-menos-um-cachorro-e-17-7.shtml. Acesso em: 25 ago.
2022.

SENADO, Agência. Brasil poderia ter sido primeiro do mundo a vacinar, afirma Dimas
Covas à CPI Fonte: Agência Senado. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/05/27/brasil-poderia-ter-sido-primeiro
do-mundo-a-vacinar-afirma-dimas-covas-a-cpi. Acesso em: 20 jul. 2022.

SINGER, Peter. Libertação Animal. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.

TRIGUEIRO, André. Mundo sustentável: abrindo espaço na mídia para um planeta em


transformação. 2.ed. São Paulo: Globo, 2005.

TRIGUEIRO, André. Mundo sustentável 2: novos rumos para um planeta em crise. São Paulo:
Globo, 2012.

TRIGUEIRO, André. Meio ambiente no século XXI. Campina, SP: Armazém do Ipê, 2008.

VEGAZETA. 88 bilhões de animais são abatidos para consumo por ano. Disponível em:
https://vegazeta.com.br/88-bilhoes-de-animais-sao-abatidos-para-consumo-por-ano/. Acesso
em: 26 ago. 2022.
Capítulo 27

Os ethé do guerrilheiro Carlos Eugênio Paz


projetados pelo programa Dossiê Globo News

Lucas Guimarães Resende (UFSJ)

RESUMO: “O guerrilheiro que resolveu falar” é entrevistado por Geneton Moraes Neto, em
2012, em meio a Comissão Nacional da Verdade. Nesse contexto, a pesquisa utiliza do conceito
de ethos discursivo, inserido nos estudos da Retórica e Linguística, e propõe um olhar
transdisciplinar entre os campos da Comunicação Social, História e Linguística - para analisar
os tons de ethé do guerrilheiro Paz projetados pelo programa Dossiê Globo News.

PALAVRAS-CHAVE: Análise de Discurso, Ethos, Ditadura civil-militar, Guerrilha,


Telejornalismo

1. INTRODUÇÃO

No Brasil, a luta armada procurou contrapor e resistir à ditadura civil-militar (1964-


1985). Dentre as ações da Ação Libertadora Nacional (ALN) mais conhecidas, está a execução
do financiador da Operação Bandeirantes (Oban) 82, frequentador das sessões de tortura e
empresário dinamarquês, Henning Boilesen. O tiro fatal foi desferido por Carlos Eugênio
Coelho Sarmento da Paz em 1971, conforme Magalhães (2012, p. 517).
Paz foi um guerrilheiro que “resolveu falar”. Em 2012, foi entrevistado pelo programa
Dossiê Globo News, da Globo News. Neste contexto, a referida produção televisiva constitui o
objeto central deste trabalho. Dessa forma, a pesquisa investiga como o programa em questão
retrata Carlos Eugênio Paz dentro do contexto da luta armada contra a ditadura civil-militar.
Especificamente, a intenção foi: (A) mapear e analisar os ethé discursivos projetados pelo

82 O empresário custeou as máquinas de eletrochoque da Operação Bandeirantes (Oban) em 1969 (MAGALHÃES,

2012, p. 571). A Oban surgiu do 2º Exército de São Paulo, a fim de investigar, desarticular, prender, torturar e
abater organizações, grupos ou pessoas que reagiam ao endurecimento do regime causado pelo Ato Institucional
Número Cinco (AI-5), de 1968. A Oban foi o serviço precursor, logo depois inspirando a criação do Destacamentos
de Operação Interna e Centro de Operações e Defesa Interna (DOI-CODI).
programa Dossiê Globo News (2012) sobre Carlos Eugênio Paz; (B) elencar e discutir as
estratégias retóricas utilizadas em tal produção.
Para tanto, são levantadas as questões orientadoras: se, por meio da seleção de perguntas
e insistências temática, o programa impregna ou não uma visão moralista sobre a luta armada,
colocando-a como “terrorismo” ou como uma “violência desnecessária”? Se o programa tenta
traçar um paralelo entre os “exageros” da luta armada com os “exageros” da ditadura civil-
militar, criando a ideia de paralelos semelhantes? Se, por fim, por estes artifícios, o programa
constrói imagens de Carlos Eugênio Paz sob o viés do ethos do guerrilheiro com as mãos sujas
de sangue e sem arrependimento - um sanguinário frio, um terrorista, alguém com uma visão
política extrema e descartável ao debate político e moral?
A metodologia de pesquisa utilizada tem como base estudo bibliográfico sobre ditadura
(GASPARI, 2002; MANSO, 2020; PEREIRA, 2020); Carlos Paz e ALN (MAGALHÃES,
2012; PAZ, 1996); jornalismo televisivo (BOURDIEU, 1997; SILVA, 2002; SOULAGES,
2008; THOMPSON, 1998). Para análise do material de pesquisa, tem-se o conceito de “ethos
discursivo” (AMOSSY, 2005; GALINARI, 2012).
A análise do programa possibilita a compreensão sobre as representações sociais da luta
armada e dos ethé dos guerrilheiros projetados na imprensa, as quais reverberam - em parte -
as concepções que circulam em determinadas esferas sociais da sociedade brasileira no contexto
anterior à Comissão Nacional da Verdade (CNV). Com isso, o entendimento sobre algumas
percepções daquele cenário pode auxiliar no estudo de alguns fenômenos posteriores ao
programa, como a relação entre a ex-Presidente Dilma Rousseff, sua imagem como guerrilheira
e seu processo de rejeição; homenagens públicas à torturadores como Carlos Alberto Brilhante
Ustra: e as manifestações por intervenção militar que referenciam com carinho à ditadura civil-
militar brasileira.

2. A DITADURA CIVIL-MILITAR E CARLOS EUGÊNIO PAZ

A ditadura civil-militar no Brasil consiste em uma das grandes feridas abertas que
sangram - até hoje - a sociedade brasileira. Com uma “falaciosa justiça de transição ainda não
acabada” (PEREIRA, 2020, p. 100), o período é capítulo mal resolvido e ponto-chave nas
disputas pelo passado, presente e futuro do país. Instaurado em um golpe militar no dia 1º de
abril de 1964, onde João Goulart - democraticamente eleito como vice de Jânio Quadros, que
depois renunciou - foi deposto, o período ditatorial foi composto por 21 anos de um Estado que,
sistematicamente, cassou, prendeu, censurou, torturou e matou, entre “avanços e recuos”,
“aberturas e endurecimentos” (GASPARI, 2002, p. 133).
A batalha era, sobretudo, pela dominação social e dos meios econômicos e políticos. A
ditadura procurava legitimar-se também por meio da hegemonia discursiva, ao tentar controlar
os espaços de informação, organização e construção de pensamento crítico83. Se durante o
processo do golpe a argumentação utilizada era a de que os comunistas estavam aparelhando o
Estado brasileiro e a um passo do colocar sua ideologia em prática - mesmo que Goulart nem
comunista fosse -, depois de 64 o inimigo vermelho pretendia sequestrar as mentes dos
“cidadãos de bem”, confabulando os ideais marxistas para destruir um Brasil que prosperava
com família, Deus e liberdade.
No contexto bipolarizado entre o capitalismo imperialista estadunidense e o socialismo
da União Soviética, o mundo borbulhava na segunda metade do século XX. As guerras se
sucederam pelo planeta, desde as emancipatórias decoloniais às guerras envolvendo
diretamente os modelos econômicos-sociais, como no Vietnã, Coréia e China. As Forças
Armadas brasileiras estudavam os conflitos, e importaram para cá um modelo que foi
amplamente visto durante as décadas de 50 e 60. A Doutrina de Guerra Revolucionária seguia
a experiência francesa com a Guerra da Indochina e a Guerra de Independência da Argélia, que,
segundo a doutrina, eram conflitos mais desafiadores por se tratar do “fanatismo ideológico dos
comunistas que atuavam do outro lado” (MANSO, 2020, p. 264). Era uma guerra para se
guerrear na prática e nas mentes.
Desta forma, e com militares e policiais trabalhando juntos na repressão84, a ditadura
civil-militar combateu as formas de resistência ao seu modelo imposto. Dentre elas, a luta
armada ou os denominados “terroristas” - que combatiam a ditadura, mais forte e numerosa,
com as armas que dispunham.
Poucos militantes participaram de tantas ações armadas naquele período como
Clemente (ou Quelé), pseudônimo por meio do qual se escondia Carlos Eugênio. Poucos foram
caçados tão ferozmente pelos órgãos de segurança como ele (MARTINS, 1996, p. 9). Alagoano
de Maceió, Paz nasceu em 1950 e ainda na infância foi com a família para o Rio de Janeiro.
Paz entrou para a História brasileira como Clemente, o nome que utilizava na clandestinidade

83
Houve impedimentos de contratação de professores marxistas, bloqueio à circulação de textos de caráter
comunista, e, até, o controle do intercâmbio de professores e pesquisadores que vinham ou iam para países do
bloco soviético, conforme Motta (2012).
84
Segundo Manso (2020, p. 136), “Fleury e policiais do esquadrão da morte paulista, como os investigadores João
Carlos Tralli e Ademar Augusto de Oliveira, levaram aos porões métodos de tortura usados com criminosos
comuns, como o pau de arara e a cadeira do dragão”. Sérgio Fleury foi delegado do Departamento de Ordem
Política e Social de São Paulo e participava dos esquadrões da morte paulista.
no período em que participou da luta armada. Ou - também - como um dos poucos comandantes
da Ação Libertadora Nacional (ALN) que sobreviveu à ditadura.
Paz ingressou na ALN ainda na adolescência, por intermédio de Carlos Marighella. O
amigo de escola, Alex de Paula Xavier Pereira, era filho de pais militantes comunistas e
convivia com Marighella no Rio de Janeiro, que era uma das maiores figuras do PCB no país 85.
Com o anseio de uma resistência armada à ditadura civil-militar borbulhando naquele contexto,
Paz colocou-se à disposição de Marighella para lutar contra o regime. Então, em 1967, Paz
começou a realizar ações de pequeno porte para a infraestrutura do que seria a luta armada
brasileira - como roubo de remédios, equipamentos e placas de carro a pedido de Marighella.
Em 1968, com a guerrilha urbana saindo do papel, tornou-se guerrilheiro.
Mesmo com a enorme figura que era Marighella, a ALN era descentralizada. “Ao
contrário de partidos cuja estrutura vertical estabelece níveis hierárquicos rígidos, a ALN se
organizava horizontalmente, quase sem direções intermediárias, com Marighella encorajando a
autonomia da militância” (MAGALHÃES, 2012, p. 425). Para Paz, Marighella, que liderava a
Ação Libertadora Nacional, era o líder que seguia o que pregara, que transformara sua vida na
“resistência latino-americana”, que começara um processo de luta armada no Brasil já aos 56
anos, era a inspiração da rebeldia e da justiça que aquela juventude procurava (PAZ, 1996, p.
132) - longe da inércia do PCB, partido que Marighella rompeu por não reagir ao golpe e aos
primeiros anos de ditadura.
Em 1969, Paz teve seu treinamento guerrilheiro de uma forma atípica. Ao invés de ir
para Cuba, como os outros, o jovem apresentou a ideia para Marighella: servir o Forte de
Copacabana e fazer o treinamento antiguerrilha que lá existia, ali mesmo no Rio de Janeiro.
Ideia acatada. Paz chegou a ganhar a medalha de melhor soldado do Forte (MAGALHÃES,
2012, p. 353) - enquanto, paralelamente, participava de ações pela ALN.
Com a morte de Marighella, em uma emboscada de agentes do DOPS comandados pelo
delegado Sérgio Fleury, e o receio de ser descoberto no Rio de Janeiro, Paz desertou do exército
e mudou-se para São Paulo - entrando de vez na clandestinidade. Joaquim Câmara Ferreira, ou
“Toledo”, braço direito de Marighella, voltou de Cuba e passou a comandar a ALN, com Paz
sendo uma figura importante do quadro militar da organização. Durante o ano de 1970, a ALN
tentou se reestruturar da perda, mas em outubro daquele ano, quando se planejava uma série de
ações que marcariam um ano do assassinato de Marighella - entre elas o lançamento da

85 Marighella, quando ingressou na luta armada, já havia sido deputado constituinte, preso e torturado pela ditadura

varguista, uma das principais figuras do PCB e rompido com o próprio partido em viagem à Cuba.
guerrilha rural -, foi a vez de Sérgio Fleury capturar, torturar e matar Toledo, com a traição de
um homem que colaborava para o DOPS e foi infiltrado na ALN.
Com a queda de outro comandante, a guerrilha rural foi deixada de lado. Há uma
dificuldade de traçar o comando da ALN depois das duas baixas, porque mudou bastante com
os assassinatos que viriam a suceder. O cerco formado pela repressão foi se fechando com mais
mortes e prisões, e, em 1971, depois da morte de Carlos Lamarca, que liderava a Vanguarda
Popular Revolucionária (VPR), não restava dúvidas: “a guerrilha estava liquidada”
(MARTINS, 1996, p. 14). O sentimento de fim da guerrilha se instaurou com as constantes
traições e entregas de guerrilheiros ocasionadas pela tortura nos porões da ditadura. Paz
continuou na luta armada até 1973, quando se exilou em Paris. Clemente comandou a ALN em
algum momento entre a morte de Iuri de Paula Xavier Pereira - irmão de Alex - em junho de
1972, e a saída para o exílio em 1973.
Paz só voltou para o Brasil em 1981, depois de se formar músico na França. Carlos
Eugênio havia sido condenado a 124 anos à revelia, e quando voltou ao Brasil, conseguiu a
anistia em 1982. Paz virou professor de música no Rio de Janeiro. Além de ter escrito dois
livros: Viagem à Luta Armada (1996) e Nas Trilhas da ALN (1997). Paz morreu em Ribeirão
Preto em junho de 2019, aos 68 anos.

3. JORNALISMO E PROJEÇÃO DE ETHOS DISCURSIVO

Esta pesquisa concebe o jornalismo como prática co-construtora de realidades sociais


por meio da operação da linguagem, inserido na imprensa - que, por sua vez, é o meio e
ambiente para projeção de discursos na mídia, condicionados e condicionantes da sociedade.
Por seu turno, a mídia é tida como instituição e indústria que produz objetos comunicacionais -
bens simbólicos e culturais -, neste caso, sendo a mídia a televisão.
Como coloca Eliseu (2017), o jornalismo reconstrói discursos com a finalidade de
representar e significar o mundo a partir de seus acontecimentos. No discurso arregimentado
pelos veículos da imprensa tradicional, tem-se, assim, o atravessamento de outros discursos.
Nessa dinâmica, considera-se ainda que a imprensa não influencia automaticamente as ações
de sujeitos. Contudo, ela projeta efeitos de sentido sobre versões de mundo, os quais podem ou
não ser utilizados pelos sujeitos durante a recepção (ELISEU, 2017, p. 38).
Na relação entre mídia e sociedade, os receptores são parceiros desiguais no processo
de intercâmbio simbólico, ou seja, “participantes de um processo estruturado de transmissão
simbólica”, onde não há um dialogismo de fato, conforme Thompson (1998, p. 35). Na
televisão, ainda, além de espectadores que observam, participam e julgam, são, também,
telespectadores, na medida em que são relembradas continuamente que estão inseridos em um
processo mediado. Na recepção, o sujeito assimila o produto da mídia com base na sua própria
experiência - no que faz sentido para ele -, convergindo ou não com o proposto na concepção
deste produto.
No entanto, a recepção ativa é atravessada pelo poder simbólico da instituição midiática.
Na produção de formas simbólicas, os indivíduos se servem de recursos para intervir no curso
dos acontecimentos com consequências as mais diversas. As ações simbólicas podem provocar
reações, liderar respostas de determinado teor, sugerir caminhos e decisões, induzir a crer e a
descrer, apoiar os negócios do estado ou sublevar as massas em revolta coletiva (THOMPSON,
1998, p. 24).
O poder simbólico consiste nos meandros da produção, transmissão e recepção de
significados sobre o mundo e seus acontecimentos. Há diálogo, também, com a complexidade
dos três outros poderes (econômico, político e coercitivo), pois é importante que a dimensão
simbólica seja desenvolvida a fim de se perpetuar os objetivos e interesses dos outros poderes.
Assim, em uma relação direta entre os poderes, a mídia como instituição central de poder
simbólico, é, também, expoente dos discursos político, econômico e coercitivo - como
legitimadora dos processos sociais decorrentes da esfera econômica/financeira, da organização
política e suas autoridades, e das estruturas de repressão e controle social.
A televisão, no processo de produzir efeitos de sentido, utiliza-se da combinação entre
imagem e som, que passa uma ideia de realidade. Silva (2002, p. 284) coloca que “mesmo a
imagem, que a princípio reflete o mundo tal qual ele é, tem a sua opacidade, ela constrói uma
visão parcial dessa realidade”. Isto, pois, a realidade é ressignificada por discursos e ações em
disputa, não existindo uma realidade homogênea que a imagem mostra, deforma ou mascara.
Desta forma, o “real” da tela, não pode ser entendido como realidade, mas é chamado de “efeito
de real”. A respeito do jornalismo na televisão, Bourdieu (1997, p. 24) defende que ele é
fundado em uma superficialidade causada por limitações de cunho econômico e político. Pode
ser um fragmento verdadeiro da realidade, mas que é mostrado de forma insignificante ou
construído de uma maneira que não adquire um sentido que corresponde absolutamente à
realidade. Além do “efeito de real”, há, também, um “efeito de ficção” no telejornalismo.
A dramatização ocorre no tratamento da informação e na escolha dos fatos a serem
noticiados, a ênfase em tragédias, crimes, miséria, dentre outros, demonstram uma maior
predisposição a serem criados verdadeiros dramas factuais. Em uma abordagem dramatizada
de um fato, a realidade se cobra de ficção, os efeitos visados são tanto um quanto o outro, ou
seja, efeitos de real e de ficção (SILVA, 2002, p. 286).
Soulages (2008, p. 258) chama essa dramatização de “ficcionalização”, a qual retira a
mensagem do objeto a que se refere ao dar-lhe uma dimensão independente. Assim, ela ganha
intensidade e aumenta seu poder de captação. Ao inserir a mensagem em um universo
sociológico/simbólico, aumenta-se sua possibilidade de emocionar, chocar e revoltar. O
telespectador é convidado a sentir e se transportar naquela história contida e contada em um
programa televisivo e, na mesma medida, este sujeito se relaciona com o produto midiático e
fica mais próximo de retornar a ele.
Desprendendo-se da ideia do jornalismo como neutro, no jogo de veracidade e
verossimilhança, os discursos projetados pela imprensa procuram condicionar um recorte dos
acontecimentos, tratando-os como fatos e os levando aos receptores - desfrutando da ideia de
imparcialidade. A imprensa não cria visões de mundo, mas utiliza-se de sentidos já existentes
dentro da sociedade, reconstruindo, legitimando-os e aumentando sua escala de veiculação.
Para contemplar este jogo retórico-discursivo, esta investigação utiliza as noções de
Análise de Discurso de escola francesa, especialmente a ideia de ethos discursivo. Este compõe
uma tríade junto dos conceitos de pathos e logos. Enquanto o ethos se funda nas representações
sociais e morais presentes no discurso do orador, o pathos consiste nas incidências deste
discurso nos ouvintes, e o logos no que este dizer demonstra ou parece demonstrar. Estes três
conceitos são interligados para entender os discursos, seus objetivos e impactos. A utilização
do ethos nesta pesquisa ultrapassa a noção clássica das “imagens de si”. Como conceitua
Galinari (2012), o ethos é estendido também como as “imagens de outrem”, imagens de
seres/coisas ou instituições, ou o “ethos de outrem” (2012, p. 66).
O “fazer-crer”, “fazer-fazer” e “fazer-sentir” presentes na fala do orador fazem parte
das estratégias argumentativas para a projeção do ethos. Como coloca Galinari (2012), trata-se
da autoridade, do caráter e dos estatutos (os mais variados) atribuíveis à fonte enunciativa, que
passariam a funcionar como garantias simbólicas para o sucesso da adesão. O ato de convencer
ou persuadir, pelo ethos, constitui o mecanismo central da retórica. No entanto, a apresentação
de si “se efetua, frequentemente, à revelia dos parceiros, nas trocas verbais mais corriqueiras e
mais pessoais” (AMOSSY, 2005, p. 9).
Para Galinari (2012, p. 54), há algo chave na retórica: ativar e trabalhar com o
“conhecimento anterior acerca do orador, socialmente difundido e presente na coletividade
numa complexa rede interdiscursiva”. Para traçar o ethos nesta investigação, é fundamental
pensar nos sentidos e nas representações sociais prévias da figura do guerrilheiro, da luta
armada e da ditadura civil-militar que circundavam e circundam a sociedade brasileira.
As emoções são parte importante para o entendimento de estratégias retóricas utilizadas
no jogo-discursivo, tendo em vista que “o projeto de construção de imagens de si depende da
dimensão emocional reconstruída pelo público” (FIGUEIREDO, 2014, p. 54). Para o sucesso
do empreendimento oratório, o orador procura causar identificação, simpatia, rejeição ou
revolta no receptor. Como coloca Figueiredo (2014, p. 48), é importante refutar a compressão
clássica que enxerga uma dicotomia entre emoção e razão. “As emoções são estados
motivacionais que fazem a ponte entre a cognição e a ação, tendo existência social pelo plano
discursivo” (FIGUEIREDO, 2014, p. 48). As emoções agem, propriamente, antes do que seria
a razão - onde elas não se anulam, mas se complementam para estabelecer a ação.

4. ANÁLISE DO PROGRAMA

4.1. Dossiê Globo News

O Dossiê Globo News foi um programa de quatro temporadas do canal televisivo Globo
News, do Grupo Globo. O programa consistia em uma entrevista pessoal conduzida pelo
jornalista Geneton Moraes Neto com um convidado ou convidada. O perfil dos convidados era
diversificado, mas seguia personagens da história política ou cultural do passado ou presente -
principalmente - brasileiro; mas com alguns programas voltados às histórias internacionais,
como a morte do ex-Presidente estadunidense John Kennedy.
A base do programa era a filmagem da entrevista de Geneton sentado em frente ao
convidado, perguntando e, por vezes, intervindo. O enquadramento da câmera principal
contemplava tanto o entrevistado quanto o jornalista. Além disso, para contextualização de fatos
ou imagens, havia interrupções na entrevista para um trecho curto da voz do jornalista
explicando algo, acompanhada de trilha sonora e montagem de imagens - efeitos que não
ocorriam durante o relato do entrevistado. Outro artifício utilizado era a chamada do que
ocorreria no próximo bloco, após os comerciais. Nestes trechos, falas - por vezes polêmicas -
dos entrevistados eram exibidas de forma cortada e com efeitos sonoros. Contando com o tempo
de comerciais, o programa durava de 30 minutos a uma hora. Geneton, além de responsável
pelas reportagens e apresentação do Dossiê Globo News, é creditado também como editor do
programa.
A catalogação de dados do Dossiê Globo News, por parte da emissora, é escassa, o que
impede uma análise comparativa das preferências e escolhas temáticas das demais edições ao
longo dos anos. Entretanto, é possível traçar relações indiciais entre os programas disponíveis
no Youtube para verificação: Jarbas Passarinho, Leônidas Pires Gonçalves e Newton Cruz
foram personagens históricos ligados à ditadura civil-militar brasileira, e - claro - Carlos
Eugênio Paz, o Clemente, combatia a ela. Desse modo, há uma insistência temática nestes
programas: de um lado, três figuras com importância no regime repressivo do período militar,
e, de outro, alguém que guerreava opondo-se a estes.
O jornalista entrevistou os três militares de forma crítica à repressão, tortura e censura
da ditadura civil-militar brasileira, interpelando-os de modo combativo, como uma espécie de
“abertura do baú dos anos de chumbo”. Lembrando-se que as entrevistas - pelo menos dos dois
generais - aconteceram antes da Comissão Nacional da Verdade, que foi iniciada em maio de
2012 no governo de Dilma Rousseff.

4.2. Análise do Programa Dossiê Globo News

A investigação utiliza os movimentos analíticos das provas retóricas propostos por


Galinari (2012), a saber: (I) assumir o logos como fase inicial, de modo a estabelecer as marcas
linguístico-discursivas e seus efeitos; (II) perceber como essa estrutura do logos se transcodifica
para o ethos; (III) considerando as conjecturas sobre o auditório, mapear como o logos se
transformaria em pathos; (IV) observar como o ethos funda o pathos (empatia, identificação e
transferência); (V) observar como o manejo das emoções do pathos edificam o ethos.
O programa conta com 25 perguntas feitas por Geneton Moraes Neto para Paz. Para fins
de análise, as 25 perguntas foram mapeadas e categorizadas em nove núcleos temáticos. Em
ordem de recorrência, foram quatro perguntas sobre o guerrilheiro carregar, apontar ou usar
arma de fogo; quatro perguntas sobre o guerrilheiro ter ou não matado ou participado de uma
ação resultante em morte; quatro perguntas sobre como o guerrilheiro se justificaria ou se ele
se arrependia de alguma execução; três perguntas sobre o planejamento de alguma ação e o
porquê de não ser executada; três perguntas sobre sequestros; três perguntas sobre uma possível
interferência do governo cubano na luta armada no Brasil; duas perguntas que comparam o
discurso dos guerrilheiros com dos militares; uma pergunta sobre como ele entrou para a
guerrilha; e uma pergunta sobre ele aceitar ou não depor na Comissão Nacional da Verdade.
A entrevista opta por um caminho: um recorte da vida do entrevistado e uma faceta da
história da luta armada contra a ditadura civil-militar brasileira. Em contraponto aos temas mais
recorrentes (mortes, sequestros, armas e culpa), foi silenciado o processo social e político
histórico da luta armada. Das 25, só uma pergunta diz respeito ao pregresso nas ações de
guerrilha: “Por que, exatamente, você foi escolhido por Carlos Marighella para participar da
guerrilha? Que orientação ele deu a você?”. Mesmo na pergunta, o sujeito ativo não é Paz.
Trabalha-se com a concepção de Paz ter sido escolhido - e não escolher -, e a partir dessa
concepção formada, saber os meandros de sua entrada. Esta, também, a única pergunta em que
Marighella é citado.
A associação de Carlos Eugênio Paz na participação ou não da execução de alguém, nos
chamados “justiçamentos” realizados pela ALN, confere a tônica da entrevista, a qual cita
episódios, emite opiniões e pede confirmações do entrevistado. As execuções do empresário
Henning Boilesen e do guerrilheiro Márcio Leite de Toledo, respectivamente, são trazidas à
cena. Na pergunta de Boilesen, Geneton pergunta se Paz matou o empresário dinamarquês, e
na de Márcio Leite de Toledo, qual argumento Paz usou na época para defender essa execução,
e se ele o repetiria hoje. Na resposta desta última pergunta, o jornalista interrompe por duas
vezes Paz para perguntar se ele participou, diretamente, do justiçamento - mostrando um
interesse personalista, já que Paz estava respondendo sobre os processos coletivos da
organização naquele ato. Três destas perguntas são questionamentos diretos se o entrevistado é
ou não um assassino - e sobre como ele lida com o fato de ter participado de um assassinato.
Nesta pergunta de Boilesen, ainda, Geneton completa com uma descrição do
empresário, dizendo “que era acusado de financiar a repressão”. Já na pergunta sobre Márcio
Leite de Toledo, o jornalista introduz que os justiçamentos eram “cometidos por guerrilheiros
contra companheiros que eram suspeitos de terem cometido traições”, e que o guerrilheiro
executado “defendia uma pausa na luta armada e foi considerado inconfiável”. O termo acusado
para se referir a atuação documentada de Boilesen ao lado dos militares se contrapõe à ausência
de suposições da história de Márcio Leite de Toledo. Na segunda pergunta, tem pontuado o que
o guerrilheiro pensava e o que o levou à morte por consequência, em uma tentativa de não abrir
brecha para o sujeito que participou do acontecimento disputar os sentidos sobre ele.
Outra representação recorrente dentre as perguntas é a do guerrilheiro como
sequestrador, em que são resgatadas e relatadas as ações de captura realizadas pelas
organizações da luta armada, incluindo a ALN. O jornalista introduz perguntando de qual ação
Paz planejou, mas não teve tempo de executar, finalizando a pergunta questionando se havia
uma lista de possíveis “sequestráveis”. Evidenciando um interesse no concreto, mas também
nas possibilidades que não aconteceram, projeta um pathos um medo constante, o qual perpassa
toda a dinâmica da dramatização.
O assassino e o sequestrador são tons de ethé do que é visto como “inimigo número um”
da sociedade contemporânea. A urbanização, o capitalismo materializado nos seus bens de
consumo, a ideia de impunidade difundida numa parte sensacionalista da imprensa e a
superlotação dos presídios corroboram, juntos, uma ideia de medo que habita a sociedade, e
enfurece parte da mesma. A noção de criminoso presente na contemporaneidade passa pela
transcodificação do logos em pathos de perigo, da violência, do assalto, do assassinato e do
sequestro. Esse recurso associativo é utilizado pelo Dossiê Globo News, o qual procura se
ambientar como um tipo de tribunal televisivo, em que o entrevistado é acusado e seus ethé
projetados nas variações de “assassino e sequestrador”, em consonância com os pathé de
“medo” e “perigo”. Em paralelo, no jogo retórico voltado ao público idealizado pelo programa,
a veiculação dos “ethé de outrem” procura auxiliar na estratégia de transcodificação do “ethos
de si” do jornalista e programa em pathos de empatia com o papel de inquisidor desempenhado.
Tal dinâmica perpassa quase que a totalidade da edição analisada, em que se procura evocar
também os pathé de rejeição e revolta para com o entrevistado.
O ethos do terrorista é o mais presente desde o início da luta armada contra a ditadura
civil-militar brasileira. Caracteriza-se por ser o guarda-chuva ideal, abrangendo todas as outras
adjetivações, se moldando da forma como se convém. À época, melhor dizer aos setores da
sociedade que o Estado estava combatendo terroristas do que guerrilheiros. Pontuar como
terrorismo pressupõe que há um estado de paz, e que estes sujeitos que estão a levar o terror ao
restante da população. A ideia de terrorismo trabalha diretamente com o medo, com a sensação
de desconforto mediante ao que poderia acontecer - não ao que, necessariamente, acontece.
Dentre as 25 perguntas, seis vão ao cerne dessa questão.
A vinculação de figura Paz no ato de carregar ou mirar armas de fogo traz, consigo, uma
dramatização cênica, em que as perguntas ilustram o entrevistado “apontando um fuzil para o
comandante do 2º Exército”, questionando se ele hesitaria em atirar e se o militar fez algum
apelo a ele naquela situação. Geneton lembra também de uma ação onde Paz carregava “uma
metralhadora numa sacola, duas pistolas na cintura, um revólver calibre 38 no casaco, além de
duas granadas” e, por fim, o jornalista pergunta, primeiro, se o guerrilheiro aprendeu a manejar
todas as armas no quartel, e em qual situação ele usaria tudo aquilo. Além destas, outras duas
perguntas tocam na questão imagética do que poderia acontecer, de qual terror poderia ter ido
à prática. Nas perguntas de número um e oito, o entrevistador questiona se houve o
planejamento de alguma ação contra alguma autoridade militar, e se houve alguma,
especificamente, contra o delegado Sérgio Fleury.
A imagem de civis organizados utilizando armas de fogo remete ao olhar sobre a
violência “desenfreada” do século XXI, já que o programa é de 2012, e quem o assiste carrega
as representações de seu tempo. Só o braço armado do Estado tem a permissão incontestável de
empunhar uma arma de fogo, ter o monopólio da violência objetiva. Além disso, a oitava
pergunta foi a única que Fleury é citado.
As cinco das últimas dez perguntas do programa tocam na culpa, justificativa ou
argumento das ações para o guerrilheiro. Ao final da pauta que passa pelos justiçamentos, os
sequestros e outras ações armadas, as perguntas fecham um ciclo, questionando, se Paz, “tanto
tempo depois, tem algum sentimento de remorso ou de arrependimento”. Se o entrevistado se
justificaria das execuções se estivesse em um tribunal, e, após essa, Geneton interrompe Paz
perguntando se em certo momento ele considerava “companheiros” como “inimigos”. Por fim,
o jornalista coloca que os militares também utilizam da frase “guerra é guerra” para justificar
atos violentos, e questiona se Paz aceitaria essa justificativa deles. Na apresentação de Paz,
narrada por Geneton na abertura do programa, o jornalista cita que o guerrilheiro “se confessa”
- trazendo a carga religiosa e de tribunal. Com a crescente dos assuntos da entrevista, essa parte
final surge como o julgamento. Onde Paz, depois de ter partes de sua vida selecionadas e
contadas ao público, tem a chance de se defender. Mesmo que seu julgamento tenha caminhado
de forma viciada.
Outro eixo temático que foi presente no debate político no Brasil nas últimas décadas é
o medo do comunismo - argumentação que levou ao golpe civil-militar de 1964. A revolução
cubana, de 1959, que destituiu a ditadura de Fulgêncio Batista, foi o exemplo do que setores da
sociedade não queriam no Brasil. Aliada à propaganda anticomunista no mundo capitalista
bipolarizado, a imagem da organização política de Cuba posterior a revolução foi taxada como
ditatorial. No Brasil, organizações da luta armada que enviavam pessoas para treinarem em
Cuba, com a guerrilha que alcançou seu objetivo, foram respingadas com a representação do
que seria uma outra ditadura.
Cinco das perguntas circundam isso. O jornalista questiona se Paz recebeu proposta para
contar com guerrilheiros cubanos no Brasil, onde esses guerrilheiros iriam ficar, e, por fim, se
ele, à frente da ALN, “recebeu dinheiro de Cuba”. Três perguntas que caminham pela suposição
do que poderia ter acontecido, não do que chegou a acontecer. Além destas, outras duas
remetem à uma verticalidade de relações que carrega um sentido de autoritarismo. Geneton cita
que Paz “fez parte do chamado tribunal revolucionário da ALN”, e questiona qual “sentença”
esse tribunal decretou, mas não chegou a ser executada. O jornalista questiona também o motivo
do entrevistado ter sido “escolhido” por Marighella para participar da guerrilha. Essas duas
perguntas trabalham numa ideia de subserviência, onde as relações são hierarquizadas, e
qualquer liberdade do sujeito ou construção coletiva é colocada de lado pela ideia violenta de
“ordens”.
Por fim, o programa procura arrematar um quadro de equivalência entre os dois lados
da luta armada. Primeiro, o jornalista compara o que o guerrilheiro fala com os militares, que
dizem “guerra é guerra”. Porém, é na próxima pergunta - penúltima do programa - que o
entrevistador cita de uma “polêmica sobre atos cometidos durante a ditadura militar”,
vocalizando que “uma corrente diz que as ações cometidas por guerrilheiros devem ser
igualmente investigadas, não apenas a violência cometida por militares”, e, pergunta, qual visão
Paz teria sobre essa “polêmica”. A pergunta materializa a equivalência entre ditadura civil-
militar e luta armada, entre guerrilheiros e agentes do Estado. O jornalista opta por utilizar na
pauta um discurso que aproxima torturados de torturadores. Trazendo tal corrente, mesmo que
se dê a Paz o direito de respondê-la, o entrevistador a legitima por estar em um “espaço nobre”
do jornalismo político brasileiro, como a Globo News, e, em forma de questionamento ao
entrevistado, sem que o entrevistador emita sua posição sobre ela - não mostrando
concordância, mas sem rechaçá-la também.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O programa trabalha com dois tons de ethé preponderantes: o guerrilheiro como


“criminoso violento” e “comunista perigoso e imoral”. Sustentados pela transcodificação do
logos em ethé e a fusão destes ethé com os efeitos patêmicos, os dois tons se misturam e se
completam na formação do que seria o guerrilheiro sob a ótica dos aliados da ditadura civil-
militar. A violência perpassa 52% das perguntas, as quais recriam os cenários mirabolantes e
as situações de vida ou morte vividas na guerrilha. Imagens estas, que esvaziadas do seu
propósito político, passam a carregar um fascínio pela violência. O fascínio pelo que não é
costumeiro, pelo que só se assiste coreografada no cinema, caminha junto com o medo dessa
realidade impalpável pelo telespectador.
O contato que se tem com arma, tiroteio, assassinato, assalto e sequestro fora daquele
contexto de guerrilha é diferente dos sentidos e contratos que estas palavras têm para Carlos
Eugênio Paz. A moral do entrevistado aceita - ou aceitou - essas palavras sob um contexto
político e social de uma ditadura civil-militar que torturava, desaparecia e assassinava seus
inimigos, não significando aceitá-las irrestritamente sob qualquer condição ou finalidade.
Porém, com mais da metade das perguntas tratando destas ações, o guerrilheiro surge ao público
como alguém que naturaliza a violência, alguém que, por consequência, é violento, projetando
antipatia, medo e repulsa pelo entrevistado.
Em conjunto as adjetivações que dizem respeito a violência, o outro núcleo percorre o
cenário político dessa violência, mas com alguns fantasmas já conhecidos. São 12 perguntas
(48%) que tangem o medo do comunismo que caminhou por todo século XX. Este “guerrilheiro
violento” praticou tais atos por conta disso - o comunismo -, o que o transformou nisso - em
perigoso. O programa conta ainda com cinco perguntas sobre culpa e moralidade, três perguntas
diretamente sobre Cuba, duas que perpassam a noção de autoritarismo e duas que comparam os
atos dos guerrilheiros com dos militares.
O estar ou não arrependido é uma peça fundamental no jogo de xadrez implementado
entre o Dossiê Globo News e o entrevistado. Se o guerrilheiro não concordar com a falta de
legitimidade da violência que utilizou, ou seja, não “se arrepender”, a imagem de frio e imoral
se agrega ao que todos as adjetivações já o taxaram. Caso ele fale sobre arrependimento,
pessoalmente, se salva - em partes - do julgamento público formado, mas corrobora com o
discurso que estigmatiza o movimento que ele fez parte, retirando quaisquer legitimidades da
violência objetiva - traindo o que acreditava.
O quadro do guerrilheiro - justificando os atos violentos enquanto o entrevistador
percorre as margens de sua moralidade - tende a construir uma situação de até onde o
telespectador tende a aceitar a justificativa. Desse modo, nos graus de visão sobre a ditadura,
até quem se opõe ferozmente a ela, em algum momento pode discordar e “pular fora do barco”.
Soma-se isto às perguntas sobre Cuba e de comparação entre luta armada e ditadura, criando
uma ambivalência, onde o centro seria a democracia, e os dois extremos estariam distantes dele.
A evocação de tribunais revolucionários, justiçamentos e hierarquização é a ponte entre a
guerrilha comunista brasileira e o que a guerrilha comunista cubana, que saiu vitoriosa, teria
implementado na ilha.
O ethos do guerrilheiro “terrorista” que era construído na hegemonia discursiva da
ditadura civil-militar continua a ser projetado no Dossiê Globo News. Não se procurava
guerrilheiro, mas o terrorista. A imagem do terrorista, assassino, criminoso, sequestrador;
alguém frio, sanguinário; alguém que lutava para instaurar uma ditadura no Brasil. Mesmo que,
no programa, haja o reconhecimento da ditadura civil-militar como o período dos “anos de
chumbo” e se olhe de forma crítica e repulsiva aos 21 anos desta, há, ainda, uma visão que não
legitima a luta armada, mas a enxerga da mesma maneira que a ditadura a taxava publicamente.
Assim, o programa utiliza-se de seu poder simbólico para procurar projetar um efeito de real:
Paz como “criminoso violento”, sem escrúpulos, que age de tal forma por conta de uma
ideologia radical, extrema, e que também não tem barreiras morais. O ethos do guerrilheiro é,
desse modo, fundido com o pathos de perigo para a sociedade - seja a da época da ditadura
civil-militar ou da contemporaneidade; sujeitos que detém de uma visão de mundo que seria
descartável para o “bom” debate político e social.

REFERÊNCIAS

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projetadas em editoriais do Jornal Folha de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em Letras:
Teoria Literária e Crítica da Cultura. Universidade Federal de São João del-Rei. 2017.

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THOMPSON, J. B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Vozes, Petrópolis,


1998.
Capítulo 28

Discurso antivacina do presidente Bolsonaro na mídia:


Uma análise de enquadramento das notícias da Folha de S. Paulo em 2021

Luiz Ademir de Oliveira (UFSJ)


Rafaella Azevedo Silveira (UFSJ)
Vitor Fernandes Colares (UEMG/UNI-BH)
Arthur Raposo Gomes (UFJF)
Carla Fernandes Montuori (UNIP)

RESUMO: O artigo discute a postura do presidente Jair Bolsonaro (PL) na pandemia da Covid-
19, mais especificamente, em relação à campanha de vacinação. Desde que a OMS decretou a
SARS-COV-2 como uma pandemia em março de 2020, Bolsonaro insistiu em amenizar a
gravidade da doença, mesmo com o aumento do número de infectados e mortos no país. Em
2021, em janeiro, o país iniciou a aplicação das vacinas. A medida não foi suficiente para que
no primeiro semestre do ano o país registrasse a segunda onda da doença, quando o país
ultrapassou mais de 500 mil mortos pela Covid-19. Bolsonaro, apesar de saber que a partir do
segundo semestre de 2021, as taxas caíram em função da imunização, manteve críticas ao
isolamento como forma de prevenção e à vacina. O artigo analisa 52 notícias publicadas na
Folha de S. Paulo de setembro a dezembro de 2021, classificadas em 5 (cinco) pacotes
interpretativos a partir de polêmicas levantadas pelo presidente.

Palavras-chave: Pandemia; Covid-19; Antivacina; Bolsonaro; Negacionismo;

1. INTRODUÇÃO

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou que a


SARS-CoV-2, coronavírus ou Covid-19, identificada pela primeira vez em Wuhan, na China,
em 2019, como pandemia pelo alto índice de contágio e pelo grau de mortalidade. Apesar da
gravidade da Covid-19 no Brasil, o presidente Bolsonaro, desde março de 2020, tem adotado
uma postura negacionista em relação à pandemia. Ao longo de 2020, postou nas redes sociais,
fez pronunciamentos em que criticou as medidas de isolamento social e de uso de máscaras
recomendadas pela comunidade científica, além de fazer críticas às vacinas, em especial à
CoronaVac, em parceria do Instituto Butantan com a China. Indo na contramão dos protocolos
sanitários, promoveu aglomerações, saiu sem máscaras e gerou a chamar a Covid-19 de
“gripezinha”, mesmo com o Brasil o segundo com maior número de mortes.
Em 18 julho de 2020, conforme dados do Consórcio de Veículos da Grande Imprensa
(O Globo, G1, Folha de S. Paulo, Portal Uol, Estadão, Extra), o país tinha 78.817 óbitos pela
Covid-19 e mais de 2 milhões de infectados. Já em 2021, o país registrou o recorde de mortos
e infectados pela Covid-19 e chegou à triste marca de 500 mil mortes. Foi o pior momento da
doença. Passado o pior momento, em 2022, o Brasil anunciou o afrouxamento das medidas de
isolamento social e houve a retomada das atividades econômicas, culturais e também da rotina.
O país precisou enfrentar a Covid-19 não com o discurso negacionista, mas com os avanços
rápidos que a ciência proporcionou.
No dia 18 de janeiro de 2021, foi aplicada a primeira vacina em São Paulo, mesmo com
as divergências entre o presidente e o então governador de São Paulo, João Doria Jr (PSDB). O
acontecimento marcou o início da campanha de vacinação contra a Covid-19 no país. Traçando
um histórico da pandemia, os primeiros relatos da Covid-19 ocorreram na cidade de Wuhan,
China, no final de 2019. Desde então, a incidência cresceu de forma exponencial por todo globo
terrestre. Espalhou-se, então, pela Europa, Estados Unidos e América Latina; O Brasil, por sua
vez, tornou-se o epicentro da doença no primeiro semestre de 2021, quando passou a ter uma
média diária de mais de 2 mil mortos e em junho registrou mais de 500 mil óbitos pela Covid-
19.
Uma das principais medidas recomendadas por órgãos de saúde, incluindo a
Organização Mundial de Saúde (OMS), para a redução da velocidade de contágio do vírus é o
isolamento social. A não adoção dessa medida potencializa a capacidade de infecção do vírus
e pode levar o sistema de saúde ao colapso do sistema de saúde. Contudo, o presidente Jair
Bolsonaro posicionou-se contra a política de isolamento, constantemente, classificando o vírus
como uma “gripezinha”. Isso manteve-se ao longo de 2020 e 2021.
Quanto à crise política, o posicionamento político de Bolsonaro levou à saída de três
ministros importantes de seu governo. Mesmo com a CPI, instaurada em 27 de abril e entregue
no dia 26 de outubro de 2021, com o objetivo de investigar as omissões do governo federal,
Bolsonaro manteve as suas polêmicas em relação à Covid-19. Ao longo dos quatro últimos
meses de 2021 – de setembro a dezembro, o presidente envolveu-se em vários conflitos, mesmo
com a vacinação sendo bem-sucedida e elogiada por seus aliados e por ele mesmo em alguns
pronunciamentos. A monografia analisa estas polêmicas a partir dos seguintes recortes no
discurso antivacina do presidente: (1) Vacina para Adolescentes; (2) Vacina para Crianças; (3)
Vacina e a presença em Evento na ONU nos Estados Unidos; (4) Vacina e Passaporte; (5)
Vacina e a polêmica do HIV.
Para isso, foram coletadas notícias publicadas na Folha de S. Paulo ao longo de
setembro a dezembro de 2021 em que aparecesse as palavras vacina e Bolsonaro. Ao todo,
foram 52 notícias que foram categorizadas nestes 5 (cinco) eixos de análise apontados
anteriormente. Utilizou-se como procedimentos metodológicos a pesquisa bibliográfica com o
debate sobre pandemia, pós-verdade e negacionismo científico, contextualizando o governo do
presidente Jair Bolsonaro, com base em autores como Cesarino (2020, 2021), Gomes (2021),
Fernandes et al (2020, 2021) e a respeito da centralidade da mídia e do enquadramento
jornalístico (Rodrigues, 1990; Traquina, 2001). O artigo analisa 52 notícias, a partir de uma
análise de enquadramento, procurando evidenciar como Bolsonaro construiu o discurso
antivacina no período e como tais falas foram enquadradas pela Folha de S. Paulo.

2. PANDEMIA, PÓS-VERDADE: O NEGACIONISMO DO PRESIDENTE JAIR


BOLSONARO (PL)

A postura do presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a pandemia da Covid-19 foi muito
criticada por suas declarações em que recusava a admitir a gravidade da doença e a necessidade
de tomar medidas urgentes para frear o aumento de infectados e mortos no país. Em poucos
meses, o Brasil já enfrentava a primeira onda, com milhares de contaminados e óbitos. Nesse
sentido, quanto ao negacionismo científico e a pós-verdade, Carla Montuori Fernandes & Eva
Campos-Dominguez (2021) explicam que, na vertente científica do negacionismo científico,
parte-se da hipótese de que o movimento se sustenta na ascensão da extrema-direita, que se
empenha em ocupar o cenário político do mundo ocidental e influenciar a opinião pública. É
possível destacar vários países que elegeram presidentes que seguem a linha do radicalismo de
direita e encabeçam o discurso anti-cientificista. O presidente americano Donald Trump, eleito
em 2016, propôs a construção de um muro na fronteira com o México para barrar a entrada de
imigrantes. Foi derrotado na eleição de 2020.
Quanto ao fenômeno da pós-verdade, Cesarino (2020) argumenta que possui
convergências importantes com o populismo contemporâneo e com as matrizes que sustentam
os movimentos de extrema direita que ressurgem nos contextos democráticos. A crise
democrática de escala global se traduz em uma crise epistemológica que resulta na descrença
das instituições fundamentais, entre as quais a ciência. Isso pode ser muito bem observado desde
as eleições de 2018, situação em que o então candidato à presidência Jair Messias Bolsonaro
do PSL, possuindo poucos minutos de propaganda política nas grandes mídias, teve sua
campanha inteira focada nas redes sociais, atacando diretamente os meios de comunicação.
Uma vez que esses meios são descredibilizados, o candidato pode surgir como única fonte,
trazendo dados científicos e históricos falsos ou sem comprovação científica.
Cesarino (2021) afirma que a ciência se faz por meio de uma combinação de argumentos
que precisam necessariamente possuir credibilidade. Para isso, é preciso uma junção de várias
pesquisas, com base em outras pesquisas e assim continuamente formando elos que sustentem
o argumento. Uma vez que uma ou várias dessas pesquisas são invalidadas, todo o argumento
é descredibilizado ou invalidado. Torna-se possível a aparição de novos argumentos que, desta
vez, são “verdadeiros”. A partir dos argumentos da autora, pode-se afirmar que Bolsonaro
buscou colocar em descrédito parte da comunidade científica, desafiando, principalmente, as
recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Neste caso, houve uma disputa
simbólica entre o que os autores chamam de retórica neopopulista de extrema direita, baseada
em argumentos emocionais, por parte do presidente, contra discursos científicos consolidados
em pesquisas num momento de muita tensão.
Diante deste contexto, a pandemia do novo coronavírus tornou-se um cenário propício
para a realização de debates intensos, carregados de opiniões e grande fluxo de conteúdos. A
população dividiu-se entre disputas relacionadas ao campo político e questionamentos à ciência
e história e, em alguns casos, uniu-se diante desses dois discursos. No final das contas, as
questões apresentadas representam uma complexa disputa de narrativas e de poder.
O governo de Bolsonaro passou a sonegar informações a população em relação a dados
da pandemia, com omissões de números de contaminados e mortos pela doença, como forma
de mostrar a sociedade que a situação estava sob controle e tudo não passava de uma
''gripezinha'' e/ou alarde por parte da mídia. Assim, a divulgação de números reais passou a ser
feita pelo Consórcio, composto por G1, O Globo, Extra, O Estado de S. Paulo, Folha de S.
Paulo e UOL, levando em consideração os dados divulgados por cada estado do país.
Quanto aos dados da Covid-19, o país registrou o recorde de mortos e infectados pela
doença com a segunda onda e, em junho de 2021, chegou à marca de 500 mil mortes causadas
pela pandemia com mais de 17 milhões de infectados. Em 2022, o Brasil anunciou o
afrouxamento das medidas de isolamento social, houve o retorno das aulas presenciais, das
atividades turísticas e comerciais. Em 17 de junho de 2022, mesmo com a redução em função
do alto número de vacinados, o Brasil ainda registra a média móvel de 137 mortes/dia e média
de 36.000 casos/dia e chegou a 668.968 mil óbitos e 31.617.199 infectados, conforme dados da
Folha de S. Paulo (FOLHA DE S. PAULO, 17 de junho de 2022).86
A primeira vacina foi aplicada em 18 de janeiro de 2021 depois de esforços do então
governador de São Paulo, João Doria, que teve atritos com o presidente Jair Bolsonaro. Em 27
de setembro de 2022, já são 181.602.781 pessoas vacinas com a 1ª dose (84,53% da população),
170.654.368 com a 2ª dose ou dose única (79,44%) e 103.911.868 (48,37%) que receberam a
primeira dose de reforço, o que mostra um alto índice de adesão à imunização contra a Covid-
19, mesmo com a postura antivacina de Bolsonaro.
A pandemia acabou gerando uma crise sanitária, política e econômica. No caso do
Brasil, a crise sanitária foi intensificada pela crise política gerada pela postura negacionista do
presidente Jair Bolsonaro (PL). Ao longo da pandemia, houve troca de quatro ministros da
Saúde, sendo que dois deles saíram por discordarem da postura dele. O primeiro ministro da
Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que assumiu desde o início do mandato em 2019, deixou o
governo no dia 16 de abril de 2020, em plena pandemia por divergências em relação à forma
como deveriam ser conduzidas as políticas do governo em relação à pandemia. Em seguida,
assumiu o médico oncologista Nelson Teich, que ficou menos de um mês no cargo, de 16 de
abril a 15 de maio, e também pediu exoneração por discordar do posicionamento do presidente
Bolsonaro. O terceiro ministro a assumir foi o general da ativa do Exército, Eduardo Pazuello,
aliado de Bolsonaro que não tinha experiência em gestão de saúde, mas que compactuava com
a cartilha do presidente em relação às medidas sobre a Covid-19. Ficou até setembro como
interino, quando assumiu oficialmente o ministério e, agora com o agravamento da pandemia
da terceira onda, acabou sendo afastado pelo presidente, no dia 15 de março de 2021. Defende
o uso de cloroquina como Bolsonaro. O quarto ministro a assumir em meio à maior crise
sanitária é o médico cardiologista Marcelo Queiroga, que tinha até uma postura científica, mas
já declarou que atua em sintonia com o presidente Jair Bolsonaro.
A crise política acabou gerando uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da
Covid, tendo como presidente o senador Omar Aziz (PSD) e relator o senador Renan Calheiros
(MDB) e vice-presidente Randolfe Rodrigues (REDE), todos oposicionistas ao presidente,
instalada em 27 de abril de 2021. O relatório final da CPI, feito pelo senador Renan Calheiros
e entregue no dia 26 de outubro de 2021, teve 67 sessões e 66 depoimentos. Pediu o
indiciamento do presidente Bolsonaro e mais 67 pessoas, incluindo ministros, deputados e

86 DA REDAÇÃO. Brasil registra 76 mortes por Covid e mais de 30 mil casos em 24 horas. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 17 de junho de 2022. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2022/06/brasil-
registra-76-mortes-por-covid-e-mais-de-30-mil-casos-em-24-horas.shtmll. Acesso em 18 de junho de 2022.
empresários. No caso de Bolsonaro, o documento propõe o indiciamento do chefe do Executivo
por nove crimes cometidos durante a pandemia: prevaricação, charlatanismo, crimes contra a
humanidade (nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos, do Tratado de
Roma) e de responsabilidade (previsto na lei 1.079/1950, por violação de direito social
incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo), epidemia com resultado em morte,
infração de medida sanitária preventiva, incitação ao crime, falsificação de documento
particular e emprego irregular de verbas públicas. Apesar do desgaste, até o momento, não
houve nenhum impacto da CPI e nenhuma apuração.
Quanto ao discurso antivacina de Bolsonaro, como veremos na análise da cobertura de
notícias da Folha de S. Paulo, o presidente Bolsonaro envolveu-se em várias polêmicas em
relação à vacina da Covid-19, mesmo depois que boa parte da população já estava vacinada. O
governo ainda resistia em aceitar a vacinação para adolescentes e crianças, mesmo com a
recomendação da comunidade científica, e Bolsonaro chegou a associar a vacina da Covid-19
ao contágio do vírus HIV, gerando uma repercussão muito negativa, em outubro de 2021.
Quanto às raízes do discurso antivacina no Brasil, remete ao século XIX. A primeira
campanha de vacinação no Brasil foi realizada em 1804, para conter um surto de varíola. Cem
anos mais tarde, em 1904, despontou o primeiro questionamento contra a prevenção da doença,
no movimento identificado como Revolta da Vacina (1904). Iniciado no Rio de Janeiro, na
época capital do país, o movimento era uma resposta a política de imunização instaurada de
maneira compulsória pelo Diretor Geral da Saúde Pública, Oswaldo Cruz.
O historiador Sevcenko (1993) indica que a Revolta da Vacina teve como conjuntura o
contexto mundial da Segunda Revolução Industrial, ocasião em que o Brasil passava por
algumas mudanças decorrentes dessas transformações. Segundo o autor (1993), a cidade do Rio
de Janeiro, que ainda mantinha alguns aspectos coloniais, entre os quais a propagação e surtos
de doenças, passou por uma política de remodelação urbana com o objetivo de atrair
investimentos e turistas internacionais. A campanha para acelerar o processo de modernização
e erradicar a febre amarela no país foi conduzida por Oswaldo Cruz. Conhecida como “ditadura
sanitária”, a campanha causou revolta entre os moradores da capital, porque se resguardava em
leis de exceção e permitia que autoridades invadissem, vistoriassem, fiscalizassem e
demolissem casas e construções.
Sevcenko (1993), ao explicar as origens da Revolta da Vacina, contextualiza que, ao
contrário do que o movimento antivacina de Bolsonaro, no início do século XX ocorreu uma
mobilização das massas incomodadas com o autoritarismo das elites que estavam no poder.
Não foi somente uma ação contra a obrigatoriedade da vacina, mas com as mudanças drásticas
que estavam sendo feitas no espaço urbano do Rio de Janeiro, prejudicando, principalmente, os
trabalhadores. Trata-se de uma reforma planejada a partir de um modelo pensado a partir de
Paris, sem pensar nas especificidades do cotidiano e da cultura brasileira.
Atingidos pelo impacto da campanha contra a febre amarela, a obrigatoriedade da
vacina antivariólica tornou-se o estopim para a forte agitação popular que se estabeleceu no
país. Há que se considerar que o movimento foi apoiado por políticos de oposição e pela própria
imprensa, que, além de conceder espaço nos jornais para figuras públicas contrárias à lei da
vacina, colocava em dúvida a segurança da imunização, chamando-a de injeção de veneno. Para
Sevcenko (1993), a Revolta da Vacina pode ser lida como o resultado da memória traumática
da campanha da febre amarela, aliada à obrigatoriedade e à falta de informação pública que
envolveu a vacinação contra a varíola.
Fernandes e Montuori (2020) destacam que os argumentos e as crenças dos grupos
antivacinas não sofreram grandes alterações nos dois últimos séculos, sendo principalmente
religiosas e filosóficas como também pautadas na ideia que tratamentos alternativos de saúde,
como a homeopatia, a medicina antroposófica e uma alimentação saudável, são suficientes para
manter a saúde das crianças. Deve-se considerar que o temor dos efeitos colaterais adversos,
embrião que ainda mobiliza os movimentos antivacina, conta com um novo aliado: a capacidade
de multiplicação e disseminação da informação que ganhou velocidade e eficácia nas últimas
décadas, respaldadas pelo potencial das redes sociais. Recentemente, algumas campanhas
acabaram impactando a adesão às vacinas, como no caso do zika vírus.
No Brasil, várias investigações provaram o papel exercido pelo YouTube na difusão do
vírus Zika. A partir de 2015, enquanto as autoridades médicas se esforçavam para distribuir
vacinas e os larvicidas que matam os mosquitos transmissores do vírus, os primeiros vídeos
conspiracionistas fizeram sua aparição na rede. Alguns desses vídeos revelavam a suposta
existência de um complô das ONGs para exterminar as populações mais pobres, enquanto
outros atribuíam a essas mesmas vacinas e larvicidas a propagação do vírus. A popularidade
desses filmes criou um clima de desconfiança que levou muitos pais e mães a recusar os
procedimentos médicos imprescindíveis para a sobrevivência de seus filhos (FERNANDES E
MONTUORI, 2020).
Quanto à proliferação de conteúdos antivacina da Covid-19, que estão vinculados aos
grupos de extrema direita, principalmente, como os bolsonaristas, Fernandes e Montuori (2020)
explicam que tal estratégia tem a ver com a ampliação do fenômeno da desinformação encontra-
se imbricada com o crescimento das fake news que, amparadas pelas redes sociais, tais como
Facebook, Twitter e WhatsApp contribuem significativamente para que conteúdos falsos se
espalhem com rapidez e tenham longo alcance. “A ubiquidade que a internet oferece torna o
fenômeno cada vez mais recorrente para diferentes propósitos. A avalanche de opiniões, crenças
e valores propagados nos espaços virtuais exige do leitor maior seletividade, sob o risco de
consumir conteúdo pouco crível” (FERNANDES e MONTUORI, 2020, p.451).

3. CENTRALIDADE DA MÍDIA E O JORNALISMO COMO ATOR SOCIAL

Tais questões tornam-se importantes a partir da visibilidade midiática, do agendamento


que é feito pela mídia ou determinados silenciamentos, já que, conforme apontam autores como
Peter Berger e Thomas Luckmann (1985), a realidade é construída socialmente. No caso do
jornalismo, sabemos que há uma série de fatores que interferem no processo de construção da
notícia: linha editorial do veículo, critérios de noticiabilidade, cultura profissional dos
jornalistas, dependência das fontes, rede noticiosa, entre outros fatores. A pandemia da Covid-
19, por exemplo, tornou-se notícia durante um bom tempo e ainda é notícia pelo alto grau de
noticiabilidade, pelo interesse público, tem uma dependência das fontes e o enfoque depende
da linha editorial dos veículos. Berger e Luckmann (1985) apresentam o conceito de realidade
e sua importância. Para eles, o mundo em que vivemos conta com múltiplas realidades,
fundamentais para a percepção da vida diária. Dentre tantas, podemos destacar: a realidade
objetiva e a realidade subjetiva. A partir da obra dos autores, pode-se pensar como, no caso da
mídia, a linguagem é fundamental para a construção de versões do real, a depender do veículo
noticioso.
A realidade objetiva consiste em objetos e estruturas que já existem, antes mesmo de
uma pessoa entrar em cena. Isto é, o indivíduo encontra um mundo já institucionalizado e
preparado quando nasce. Assim, após o nascimento, ele é inserido em um certo lugar, com
pessoas que constituem uma certa relação de parentesco, além de ser introduzido a certas
influências referentes à política, religião e cultura. Com isso, o indivíduo apenas incorpora esses
aspectos. Diante dessa realidade, ele não estabelece nenhuma relação de influência, pois a
mesma se encontra institucionalizada. Para os autores, a realidade objetiva resulta de ações
repetidas sucessivamente e que, com o tempo, se tornaram hábitos e, consequentemente, foram
nomeados (tipificados) e institucionalizados.
Já a realidade subjetiva pode ser compreendida sobre duas óticas: socialização primária
e socialização secundária. A primeira ocorre na infância, quando os indivíduos integrados à
sociedade também passam a fazer parte dela. Neste caso, os seres estão aprendendo a andar,
falar e também a como agir diante de regras que se encontram pré-estabelecidas. A socialização
primária acontece na escola e em casa, por meio da convivência com os pais, família e
professores. No caso da socialização secundária, o indivíduo já está socializado e conecta-se
com outras áreas. Neste caso, a socialização só existe por causa da carreira e da formação do
círculo de amigos. Esta, ao contrário da primeira, os homens possuem direito de argumentar,
discordar e questionar aquilo que lhes é exposto e/ou apontado. Segundo Berger e Luckmann
(1985), o sujeito pode adotar alguns tipos de postura: a conservadora, onde não há
questionamentos sobre as instituições (conservação rotineira); a crítica, mas sem propor
alterações (conservação crítica); ou a transformadora, na qual ele se aliará a outras pessoas e
irá propor mudanças (alterações da ordem social).
Da mesma forma que o meio, em que o indivíduo está inserido, é configurador da vida
social, a mídia se faz presente como instrumento fundamental da vida em sociedade. Para Vera
França (2012), ao argumentarmos que a mídia é um lugar de surgimento e produção de
acontecimentos, confirmamos a tese de que os aparatos midiáticos são instrumentos essenciais
para compreender a forma que a realidade é construída.
Segundo ela, a mídia é uma instância pertencente à sociedade: ''É uma das instituições
da sociedade, e congrega os múltiplos dispositivos através dos quais essa sociedade produz e
faz circular suas informações'' (FRANÇA, 2012, p. 11). Cabe aos jornalistas examinar,
identificar e narrar os episódios da realidade. De acordo com a autora, as narrativas sociais são
construídas ao redor de acontecimentos, quando os mesmos ganham um novo significado (uma
espécie de segunda vida): ''Transformados em narrativas, os acontecimentos passam a existir
também como discurso, representação'' (FRANÇA, 2012, p. 14).
Deste modo, o jornalismo, por meio de notícias, tem a função de construir realidades e
dar sentido ao mundo em que vivemos. E é a partir dessa realidade, produzida cotidianamente,
que podemos ver o jornalismo atuando como agente político. Rodrigues (1990) fala desta
relação entre o jornalismo e a sociedade. Segundo o autor, o campo midiático assume um espaço
de centralidade nas sociedades contemporâneas. Ele afirma que o campo midiático avoca tarefa
de servir de mediador dos demais campos sociais, ou seja, o que não ganha visibilidade na mídia
tende a ser condenado à certa inexistência social. Isso explica a importância que a pandemia
ganhou não somente porque, de fato, é um problema de saúde pública grave, mas pela grande
exposição midiática. Se dependesse do governo do presidente Jair Bolsonaro, o tema teria pouca
visibilidade e poderia ter uma importância menor.
Para entender o jornalismo como ator social e político, é preciso entender que a
realidade é construída socialmente via linguagem. Por isso, a mídia tem um papel central,
porque hoje a linguagem se materializa nos meios de comunicação. Traquina (2001) traça um
panorama das teorias do jornalismo. Ele explica que a primeira teoria a surgir foi a Teoria do
Espelho, que acreditava que o jornalismo era um retrato fiel da realidade, de onde nasceu o mito
da objetividade jornalística, mas que é refutado, já que sabemos que se constroem versões do
real. O autor afirma que ela se consolidou a partir do modelo norte-americano de jornalismo,
quando a imprensa adquire moldes de grandes empresas capitalistas e precisa vender os jornais
de forma bem padronizada como é até hoje.
Traquina (2001) avança ao apontar as teorias construcionistas – Teoria Estruturalista e
Etnoconstrucionista. Esse novo paradigma teórico surgiu nos anos 1970 e é considerado um
momento de virada nos estudos sobre o processo de produção jornalística. As notícias são
entendidas como um processo de construção social, em que uma série de variáveis interferem,
como o valor mercadológico, a linha editorial da empresa, os critérios de noticiabilidade, o fator
tempo, as rotinas de produção, a cultura organizacional, os recursos disponíveis, a dependência
das fontes. No caso da pandemia, por exemplo, ficou evidente que o fator que peso foi o critério
de noticiabilidade – o número alto de infectados e de morte, a gravidade de uma pandemia levou
a ser notícia que tem sido destaque durante mais de um ano. Quanto ao enquadramento,
relaciona-se à linha editorial do veículo, como é o caso da Folha, que adotou uma linha alinhada
aos protocolos científicos e crítica ao negacionismo de Bolsonaro.
A Teoria Estruturalista, segundo Traquina (2001), aponta que as notícias são um
produto social resultante de três fatores, a saber: a) a organização burocrática dos media; b) a
estrutura dos valores-notícia e a prática e a ideologia profissional dos jornalistas; e c) o
momento de ‘construção’ da notícia com a contextualização em que os ‘mapas’ culturais do
mundo social são utilizados na organização dos fatos. Segundo Traquina, o poder de definir o
que vai ser notícia está, principalmente, nos definidores primários – as fontes oficiais, que
representam as instituições.
Outra teoria que segue a mesma linha de pensamento e considera as notícias como um
resultado da interação social é a Teoria Etnoconstrucionista. Traquina (2001) enfatiza que essa
teoria visualiza as notícias como resultado constituinte de um processo de produção que prevê
a percepção, a seleção e a transformação de um acontecimento em um produto final: as notícias.
Segundo o autor, o principal obstáculo para os jornalistas é a tirania do fator tempo, que
pressiona os jornalistas, sempre desafiados a elaborar um produto final (notícia, jornal,
telejornal etc.) dentro de um tempo hábil. Traquina (2001) explica que as empresas se veem
obrigadas a elaborar estratégias frente a esse desafio. Ou seja, elas precisam impor ordem no
tempo e no espaço. A ordem no tempo pode ser entendida como a estruturação das empresas
jornalísticas em criar uma agenda na qual seja possível enumerar uma lista de acontecimentos
possíveis, permitindo que seja preparada uma produção com antecedência.
Já a ordem no espaço, segundo Traquina (2001), refere-se à lógica que as empresas
jornalísticas precisam impor para capturar os acontecimentos. Num momento quando o espaço
global e o espaço local estão cada vez menores, Tuchman (1993) afirma que as empresas
jornalísticas precisam se utilizar de três estratégias para cobrir um maior número de
acontecimentos: 1) a territorialidade geográfica – na qual as empresas dividem o mundo em
áreas de responsabilidade territorial; 2) a especialização organizacional – na qual as empresas
estabelecem “sentinelas” em certas organizações que podem produzir notícias; e 3) a
especialização em termos de temas – em que as empresas auto dividem-se mediante temas
(seções) que conseguem preencher os espaços nos jornais. Essas estratégias se dão na tentativa
de fazer com que aqueles assuntos mais cabíveis de se tornarem noticiáveis sejam capturados.
Por isso, nas notícias sobre pandemia e governo Bolsonaro, constata-se que a grande maioria
das notícias da Folha foram feitas por repórteres que estavam em Brasília.
Outra teoria atual é a Teoria do Enquadramento. Os jornais selecionam os fatos e dão
destaque a determinados aspectos e podem silenciar outras questões relativas ao acontecimento.
Isso é a forma como cada um enquadra um fato – chamado de enquadramento (framing). O
estudo baseado no frame permite assimilar o motivo pelo qual o jornalista, ao executar sua
tarefa de cobrir um acontecimento, observa algumas coisas e exclui outras; além do que, ele
ainda ajuda a organizar a realidade social.
Goffman (2012) afirma que tendemos a perceber os acontecimentos à nossa volta de
acordo com os enquadramentos que nos permitem responder à pergunta: “O que está ocorrendo
aqui? ” Dessa forma, o conceito pode ser entendido como marco interpretativo mais geral
construído socialmente, permitindo que as pessoas enxerguem sentido nos eventos e nas
situações sociais. Na ótica de Goffman (2012), a experiência social que cada indivíduo possui
resulta da forma como ele enquadra a realidade ao seu redor. Essa realidade é sempre
enquadrada a partir de uma perspectiva individual.

4. O DISCURSO ANTIVACINA DE BOLSONARO NA FOLHA DE S. PAULO

A fim de analisar o discurso antivacina do governo de Jair Bolsonaro (PL), foram


analisadas matérias da Folha de S. Paulo publicadas no período de setembro a dezembro de
2021, momento em que houve várias polêmicas envolvendo o presidente, como a associação
que ele fez da vacina da Covid-19 ao vírus HIV numa live nas redes sociais em outubro de 2021
que teve uma repercussão muito negativa. Neste período, também houve embates sobre a
autorização da vacina para adolescentes e crianças, já que, a princípio, o posicionamento do
governo foi contrário, contrapondo-se à comunidade científica que recomendava a imunização
para crianças de 5 a 11 anos bem como para jovens. A viagem de Bolsonaro para participar da
Assembleia Geral da ONU em 21 de setembro de 2021 também gerou polêmicas, já que ele não
estava vacinado e não pôde entrar em estabelecimentos comerciais. Na ocasião, a primeira-
dama, Michelle Bolsonaro, anunciou que se vacinou contra a Covid nos EUA, o que também
repercutiu negativamente, já que poderia ter se vacinado bem antes no Brasil.
Para fazer esta análise, foram coletadas notícias, colunas e editoriais publicados na
Folha de S. Paulo ao longo de setembro a dezembro de 2021 em que aparecesse as palavras
vacina e Bolsonaro. Ao todo, foram 52 notícias, categorizadas nestes 5 eixos de análise
apontados anteriormente. A pesquisa documental refere-se à coleta das notícias publicadas pela
Folha de S. Paulo sobre vacina e governo Bolsonaro, tomando como recorte o período de
setembro a dezembro de 2021, totalizando 52 unidades de análise, que foram categorizadas.
Quanto à análise, optou-se pela Análise de Enquadramento. Busca-se, dessa forma, a
partir do corpus coletado, das 52 matérias, encontrar os chamados “pacotes interpretativos”,
conforme apontam Gamson e Modigliani (1993). O enquadramento, segundo os autores, prevê
a articulação de determinados discursos em uma dada organização formal. Maia e Vimieiro
(2011) definem os pacotes interpretativos como agrupamentos formados por determinados
dispositivos simbólicos, que têm como essência o enquadramento. São definidos, na visão das
autoras, como certo padrão em um determinado texto, que se compõe de diversos elementos.
Esses elementos não são palavras, mas componentes ou dispositivos dos enquadramentos
previamente definidos. Para que um enquadramento ocorra, na visão de Gamson e Modigliani
(1993), são necessários alguns dispositivos que formam o pacote interpretativo. Como forma
de identificar os pacotes interpretativos, os autores dividiram os símbolos em dispositivos de
enquadramento e dispositivos de raciocínio. Os símbolos que formam os dispositivos de
enquadramento são constituídos por metáforas – slogans ou chavões, representações ou
imagens visuais. Já os dispositivos de raciocínio são formados por elementos que ressaltam as
diferenças por meio da análise causal (raízes), as consequências (efeitos) e os apelos a
princípios (julgamento moral). No caso, foram identificados 5 (cinco) pacotes interpretativos
ao longo do período coletado – de setembro a dezembro de 2021 nas notícias sobre discurso
antivacina do governo Bolsonaro na Folha de S. Paulo: (1) Vacina para adolescentes – 07
notícias (13,46%); (2) Vacina e evento de Bolsonaro na ONU nos EUA – 09 notícias (17,30%);
(3) Passaporte Vacinal – 10 notícias (19,24%); (04) Vacina e a associação falsa com a AIDS –
15 notícias (28,84%); (5) Vacina para crianças – 11 notícias (21,16%).

4.1 Análise Enquadramento: os pacotes interpretativos na cobertura do discurso


antivacina de Bolsonaro na Folha de S. Paulo

Na análise de enquadramento ou dos pacotes interpretativos, partimos para compreender


cada eixo, identificando o enquadramento em relação ao governo do presidente Bolsonaro
(positivo, negativo ou neutro), a editoria (Cotidiano – Equilíbrio e Saúde, Economia, Política –
Poder, Opinião, Mundo), os autores da matéria.
A editoria que tem o maior número de notícias é a “Cotidiano - Equilíbrio e Saúde”,
com 32 das 52 matérias (61,54%), seguida de Poder e Política, com 7 unidades (13,46%),
seguida de Opinião que vem com 6 unidades cada, sendo 1 editorial (11,54%). Depois, vem
“Mundo”, também com 6 notícias (11,54%) em função da viagem de Bolsonaro a Nova York
para participar da Assembleia Geral da ONU, e “Economia”, com só 1 notícia (1,92%).
Constatamos, conforme autores como Traquina (2001) e Wolf (1999), que há uma rotinização
das práticas jornalísticas e uma setorização da cobertura.
Os pacotes interpretativos divididos em seis eixos trazem 52 matérias, sendo que o
pacote interpretativo com mais notícias se refere à polêmica em que o presidente Jair Bolsonaro,
em 24 de outubro de 2021, numa live transmitida nas redes sociais, associou a vacina da Covid-
19 com o desenvolvimento mais rápido da Aids. Os dados apontam que grande parte do
enquadramento das notícias é negativo por parte da Folha. Como aparece no Quadro 2, das 52
notícias, 46 tiveram uma valência negativa ao governo do presidente Bolsonaro (88,46%),
sendo apenas 03 neutras (5,77%) e 03 positivas (5,77%).

4.1.1 VACINA PARA OS ADOLESCENTES

Em relação ao primeiro pacote interpretativo – a polêmica das vacinas para adolescentes


provocada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), foram encontradas 7 (sete) matérias
no período de análise – de setembro a dezembro de 2021. Destas, 3 notícias foram do dia 16 de
setembro, 2 do dia 17 de setembro, 1 do dia 22 de setembro e a última no dia 11 de outubro de
2021. Constata-se que todas estão inseridas no Caderno “Cotidiano – Equilíbrio e Saúde”, da
Folha de S. Paulo” (100% das matérias) e a maior parte traz um enquadramento negativo para
o governo Bolsonaro – das 7 (sete), 5 (cinco) têm valência negativa, o que significa 71,42%,
1% com valência neutra e 1% com valência positiva. Isso revela o posicionamento editorial da
Folha de S. Paulo crítico ao negacionismo do presidente Bolsonaro (PL), como fica evidente
nos próprios títulos “Bolsonaro e apoiadores pressionaram Queiroga pela suspensão da
vacinação de adolescentes” (16 de setembro de 2021) e “Bolsonaro volta a questionar vacina
contra Covid em adolescentes” (11 de outubro de 2021). No caso da valência positiva, aparece
quando Bolsonaro cede e decide apoiar a vacinação para adolescentes na notícia publicada no
dia 22 de setembro de 2021, intitulada “Governo Bolsonaro recua e volta a recomendar vacina
contra Covid para adolescentes”.

Quadro 1
Notícias da Folha de São Paulo sobre vacina para adolescentes

Fonte: Dos autores, 2022

Conforme Traquina (2001), há uma rede noticiosa e uma organização dos jornalistas na
cobertura das editorias. Isso pode ser evidenciado no caso da Covid-19, em que a jornalista
Raquel Lopes assina 4 (quatro) e Matheus Vargas 3 (três) notícias das 7 publicadas.

4.1.2 NOTÍCIAS SOBRE PARTICIPAÇÃO DE BOLSONARO EM EVENTO DA ONU EM


NOVA YORK

Em relação ao segundo pacote interpretativo – a viagem do presidente Jair Bolsonaro


(PL) para participar da Assembleia Geral da ONU em Nova York no dia 21 de setembro de
2021, foram encontradas nove notícias, sendo todas em setembro de 2021. A Folha de S. Paulo
repercutiu a viagem do presidente e o fato de Bolsonaro não estar vacinado, o que implicou em
não poder entrar em estabelecimentos, como restaurantes em Nova York, e a própria
participação polêmica na Assembleia da ONU, já que um dos pontos discutidos foi o combate
à pandemia da Covid-19. O destaque, na análise, é para o enquadramento negativo. Das nove
notícias, todas tiveram um enquadramento negativo para o governo Bolsonaro, desde o fato de
ele ter declarado não ter se vacinado contra a Covid-19, como ter dito também que a primeira-
dama, Michelle Bolsonaro, tinha tomado a vacina nos Estados Unidos. Isso gerou uma
repercussão negativa em relação ao sistema de saúde brasileiro, já que muitos se perguntaram
o porquê de ela não ter se vacinado no Brasil, inclusive antes da viagem.

Quadro 2
Notícias sobre participação de Bolsonaro em Evento na ONU

Fonte: Dos autores, 2022

Quanto à editoria, seis das oito notícias foram publicadas em “Mundo” (74%) e as outras
três ligadas à Política (26%). Isso revela que houve um enfoque político no enquadramento da
Folha, revelando o posicionamento negacionista do presidente, ao se recusar a tomar vacina e
na opção da primeira-dama em se vacinar nos Estados Unidos, como na notícia “Bolsonaro
evita exigência de vacina em restaurantes ao comer pizza na rua em Nova York”, do dia 20 de
setembro de 2021, que mostra uma posição de constrangimento para o presidente do Brasil,
mas que, no entanto, para os seus seguidores, tais excentricidades têm servido como estratégia
de marketing para construir a imagem de líder do povo.

4.1.3 NOTÍCIAS SOBRE PASSAPORTE VACINAL

Quanto ao terceiro pacote interpretativo – que trata da necessidade ou não do passaporte


vacinal a ser adotado pelo governo do Brasil, foram encontradas 10 notícias no período de
análise - de setembro a dezembro de 2021. Elas estão espalhadas, neste período de quatro meses,
revelando a indecisão do governo Bolsonaro em adotar a medida da obrigatoriedade do
passaporte vacinal – em setembro, outubro e dezembro. Há uma ênfase da Folha de S. Paulo
em mostrar que o governo Bolsonaro estava criando dificuldades para implantar o passaporte
vacinal, iniciativa que poderia facilitar o afrouxamento das medidas sanitárias e a retomada de
atividades econômicas.

Quadro 3
Passaporte Vacinal
Fonte: Dos autores, 2022

O enquadramento da Folha manteve-se negativo em relação ao governo Bolsonaro –


das 10 notícias, apenas duas têm valência positiva, portanto 80% negativas. Quanto à editoria,
sete estão na editoria Cotidiano – Saúde e Equilíbrio (70%), uma no Mercado (10%), uma na
Política – Poder (10%) e 1 na editoria de Opinião (10%).

4.1.4 A POLÊMICA DO BOLSONARO SOBRE HIV E VACINA DA COVID-19

O quarto pacote interpretativo foi o que gerou mais polêmicas em função da fala em
uma live nas redes sociais pelo presidente Bolsonaro, em 24 de outubro de 2021, em que ele fez
uma associação entre a vacina da Covid-1 e a possibilidade de desenvolver a AIDS mais
rapidamente. Bolsonaro citou supostos relatórios do governo do Reino Unido, segundo os quais
pessoas totalmente vacinadas pela Covid-19 estariam desenvolvendo a AIDS mais rápido do
que o previsto. Mas estes relatórios não existem. Houve uma repercussão muito grande após a
fala do presidente tanto no dia 24, quanto nos dois dias seguintes. Além de ser uma fake news,
trata-se de uma desinformação usada de má fé e gerou um problema de causar um pavor social,
principalmente junto ao público mais vulnerável e mais fiel a Bolsonaro.
Quanto ao enquadramento da Folha de S. Paulo, das 15 notícias, 14 tiveram uma
valência negativa (93,33%) e apenas 1 neutra (6,66%). As notícias foram variadas, como
“Bolsonaro faz associação absurda e falsa entre Aids e vacina de Covid, dizem especialistas”
(24 de outubro de 2021), “YouTube derruba live em que Bolsonaro associa Aids com vacina da
Covid e suspende canal por uma semana” (25 de outubro de 2021).
Quadro 4
Polêmica – Bolsonaro e associação da vacina da Covid-19 e AIDS

Fonte: Dos autores, 2022

Quanto às editorias, das 15 notícias, 11 foram publicadas no Caderno “Cotidiano –


Equilíbrio e Saúde” (73,34%), duas em Poder – Coluna (13,33%) e duas em Coluna – Opinião
(13,33%). O gênero predominante foram notícias e reportagens, com 11 unidades (73,34%),
seguido de colunas/notas, com quatro (26,66%).

4.1.5 A POLÊMICA DA VACINAÇÃO PARA CRIANÇAS

O quinto pacote interpretativo refere-se à polêmica da vacinação da Covid-19 para


crianças entre cinco e 11 anos. No total, foram publicadas 11 matérias no mês de dezembro,
num curto período de tempo do dia 16 ao dia 27. As controvérsias giraram em torno do fato de
que técnicos da ANVISA terem aprovado a vacina para crianças, o que deixou Bolsonaro
indignado. O presidente, então, vazou o nome dos técnicos e passou a polemizar, com o
posicionamento contrário à liberação dos imunizantes para o público infantil. Quanto ao
enquadramento da Folha de S. Paulo, das 11 notícias, todas foram negativas.

Quadro 5
Vacinação para Crianças

Fonte: Dos autores, 2022

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quanto à Covid-19, tornou-se algo imprevisível e com impactos assustadores. Em


pouco mais de um ano, somente no Brasil, já se somavam mais de 500 mil mortes e mais de 20
milhões de infectados. Diante de um cenário tão dramático, com uma crise sanitária sem
precedentes, veio a crise política desencadeada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus
seguidores e aliados, que, de forma irresponsável, assumiu uma postura negacionista e tornou-
se mais um culpado pelo agravamento da pandemia no país. Desde o início da doença no país,
em março de 2020, assumiu discursos críticos aos protocolos sanitários que recomendavam
isolamento social, uso de máscaras. Ao contrário, o presidente afirmava que se tratava apenas
de uma “gripezinha” enquanto os números apontavam para a gravidade da pandemia. Em julho
de 2020, houve a primeira onda. Bolsonaro demorou a negociar a compra de vacinas e apenas
em janeiro de 2021 foram aplicados os primeiros imunizantes. Em 2021, tivemos a segunda
onda, mais grave, mesmo com a vacinação em andamento.
Quanto ao negacionismo científico do presidente, Cesarino (2020, 2021) aponta como
o presidente Bolsonaro utilizou o discurso negacionista atrelado a uma política neoliberal,
vinculada ao uso das redes sociais, assim como fez Donald Trump. No que diz respeito ao
jornalismo, é importante considerar que, ao contrário do que prega a teoria do espelho sobre o
mito da objetividade jornalística, de fato, os jornais, como a Folha de S. Paulo, constroem
versões do real. Além disso, os acontecimentos são enquadrados pelos jornais a partir de
determinados ângulos, podendo ser numa perspectiva crítica.
Os argumentos teóricos puderam ser constatados e articulados com as evidências
empíricas extraídas das 52 matérias selecionadas do corpus de análise, resultante do discurso
antivacina do presidente Bolsonaro. Constatou-se que, de fato, a partir da análise de
enquadramento o presidente, mesmo no final de 2021 manteve o discurso antivacina. Pudemos
detectar sete pacotes interpretativos, desde a polêmica para adolescentes e crianças até o fato
de Bolsonaro ter associado a desenvolver a Aids em paciente com HIV em função de tomar a
vacina da Covid-19 numa live. De setembro a dezembro de 2021, a Folha publicou 52 notícias
relacionadas ao tema, envolvendo o presidente. Identificamos que a maioria das notícias
tiveram valência negativa em relação ao presidente, o que comprova a hipótese de que a Folha
tem uma linha editorial crítica ao presidente, além de ser favorável à vacinação.
Outra evidência importante é de que a maior polêmica foi a polêmica de atrelar a vacina
ao desenvolvimento da Aids em portadores de HIV com base em documentos falsos do governo
britânico numa de suas lives semanais em outubro de 2021. A fala do presidente gerou
indignação na comunidade científica e uma repercussão muito negativa. Os entraves em liberar
vacina para adolescentes e crianças, mesmo com a comprovação de que não haveria qualquer
problema do ponto de vista científico, também geraram debates, mostrando que Bolsonaro não
estava disposto a abandonar a postura negacionista, mesmo depois de ter mais de 85% da
população brasileira vacinada e com os números da doença controlados.

REFERÊNCIAS

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WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1999.


Capítulo 29

A análise semiótica do clipe Borders segundo a ótica de Peirce

Natália Lima Amaral (UNIVALE)


Deborah Luísa Vieira dos Santos (UNIVALE/UFJF)

RESUMO: O seguinte artigo busca analisar processos de semiose e os signos presentes no


videoclipe “Borders”, da cantora e rapper inglesa Maya (também conhecida como M.I.A),
lançado em novembro de 2015. A produção se passa retratando a vivência dos refugiados da
guerra civil no Sri Lanka. A artista busca humanizar a jornada que esses grupos de imigrantes
enfrentam em diversos lugares e ambientes do mundo. Como aporte metodológico foram
adotados os elementos semióticos de Peirce (BRAGA, 2000; SANTAELLA; NÖTH, 2017) e
seus conceitos.

PALAVRAS-CHAVE: Refugiados, Semiótica, Signo, Peirce, Cultura Pop.

1. INTRODUÇÃO

O clipe de “Borders” (“Fronteiras” em português) foi lançado no mês de novembro de


2015, sendo produzido e dirigido pela artista M.I.A. (de nome Maya), uma rapper inglesa com
origens do Sri Lanka, que busca chamar a atenção para as dificuldades enfrentadas pelos
refugiados. Em outubro de 2022, a produção audiovisual soma mais de 27 milhões e 500 mil
visualizações no YouTube. No clipe, são representados um grupo de imigrantes que fogem do
seu país devido conflitos (guerras civis) ou perseguições (raça, grupo social, religião, etc.) por
terem a vida em risco. A história da cantora se mistura ao enredo do clipe, já que a artista foi
uma refugiada e aos nove anos se mudou para Londres com sua família, trazendo assim uma
carga sentimental e pessoal para o clipe. M.I.A. utiliza de símbolos e referências visuais
culturais para tratar da realidade vivenciada pelos grupos durante sua migração, seja pelo
deserto ou mar, ao atravessar grades nas fronteiras. Maya foi motivada pelas diferenças entre
os povos envolvidos nessas questões da crise migratória e critica fortemente a postura de líderes
políticos e figuras influentes perante a problemática central. Segundo a artista, em entrevista
para o Portal Vice,
[...] conscientemente decidi fazer uma divisão entre o que é
descolado: armar essas pessoas que depois viram piratas e separá-las
de seres humanos pacíficos e sem armas, como os migrantes e os
refugiados. O projeto como um todo e o clipe serviam para esclarecer
a diferença entre essas duas coisas. (BASSIL, 2016, online)

O clipe é uma representação dos processos migratórios em torno do grupo e seus


desafios. Para o sociólogo jamaicano, Stuart Hall (2016), o indivíduo é um ser “entreimagens”,
na medida em que é bombardeado por produções imagéticas e, a partir delas, formulam a forma
com que percebem o mundo. Dessa maneira, o autor destaca que essas imagens auxiliam na
compreensão do funcionamento do mundo à volta, como se apresentam as realidades,
identidades e valores. Nesse processo, o que importa é reconhecer quem ganha e quem perde
com as representações, uma vez que há uma política da imagem, algo observado nas
representações imagéticas midiáticas. Hall (2016) observa a representação como política pelo
fato de não ser apresentado, ou invisibilizado, também como forma de opressão social.
Nesse sentido, torna-se importante observar como um clipe musical de uma cantora pop
internacionalmente conhecida e premiada torna-se importante forma de visibilizar um problema
social global, ao representar a crise migratória e direitos humanos.

2. COMUNICAÇÃO E COMPREENSÃO DA REALIDADE

A linguagem pode ser considerada a ferramenta para transmissão do conhecimento,


construção da realidade e capaz de produzir, manter e transformar o indivíduo e a sociedade em
que vive, participando também da construção de símbolos e significados (BERGER;
LUCKMANN, 2007; HALL, 2016). A linguagem é capaz de tornar presente fatos e objetos
distantes no espaço-tempo (BERGER; LUCKMANN, 2007; THOMPSON, 2018). Ela é o
principal instrumento de socialização e legitimação, que faz com que o sujeito seja quem ele é
e permeia todos os processos (BERGER; LUCKMANN, 2007; HALL, 2016).
Com o desenvolvimento dos diferentes media e a separação cada vez maior entre tempo
e espaço que essa comunicação mediada possibilitou, os meios de comunicação passaram a
atuar na vida dos indivíduos também como instâncias socializadoras, capazes de conferir
sentido de mundo, em especial, do mundo social (BERGER; LUCKMANN, 2007;
BOURDIEU, 1989; THOMPSON, 2018). Ainda, a mídia se tornou uma instância
disseminadora de cultura e produtora de sentido. De acordo com Hall (2016, p. 31), “a
representação conecta o sentido e a linguagem à cultura”.
Os meios de comunicação atuam por meio da representação e, a partir de suas imagens,
símbolos e linguagem, permeiam a forma com que as pessoas significam o mundo.

Representação é uma parte essencial do processo pelo qual os


significados são produzidos e compartilhados entre os membros de
uma cultura. Representar envolve o uso da linguagem, de signos e
imagens que significam ou representam objetos. Entretanto, esse é
um processo longe de ser simples e direto. (HALL, 2016, p. 31)

Conforme o autor, esta não é uma representação destituída de sentidos e tende a reforçar
opressões sociais, sendo uma forma de retratar o cenário vigente. Nesse aspecto, o sociólogo se
aproxima da semiótica ao discutir que os signos exprimem os conceitos e relações que as
pessoas possuem em seu imaginário, bem como formulam os sistemas de significado da cultura.
Hall (2016) afirma que essa investigação, principalmente a partir dos discursos da mídia, é
importante instrumento de emancipação.
Ao se pensar na representação associada à crise migratória, a apresentação do tema em
um produto comunicacional tende a ser ferramenta na luta por reconhecimento desse grupo
social e da causa, em meio a diversos fluxos migratórios pelo mundo, motivados pelas guerras,
como a guerra atual entre Ucrânia e Rússia, perseguições políticas, desastres naturais, fome e
miséria. Em outubro de 2020, de acordo com o El País87, 545 crianças que foram separadas de
seus pais ainda estavam à procura de retornar ao lar. Esse fato ocorreu em decorrência do
endurecimento da política migratória, para barrar a migração ilegal nos Estados Unidos, na
época governado por Donald Trump.
Honneth (2009) discute três formas de reconhecimento, sendo elas pelo amor, pelo
direito e pela solidariedade. O reconhecimento pelo amor vem da relação com o próximo, no
parceiro o sujeito reconhece a si mesmo, isto traz autoconfiança ao indivíduo. Por meio da
prática institucional (direito), o indivíduo conquista o auto-respeito. Por fim, através da vida
em comunidade e pela solidariedade, ela leva a tolerância às particularidades de cada um, o

87 “Pelo menos 545 crianças imigrantes retidas por Trump ainda estão perdidas dos seus pais”, publicada pelo El
País em 23 out. 2020. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/internacional/2020-10-23/pelo-menos-545-
criancas-imigrantes-retidas-por-trump-ainda-estao-perdidas-dos-seus-
pais.html#:~:text=Menores%20foram%20separados%20de%20suas,da%20fronteira%20sul%20dos%20EUA&te
xt=Pelo%20menos%20545%20crian%C3%A7as%20imigrantes%20nos%20Estados%20Unidos%2C%20separa
das%20%C3%A0,poderem%20se%20reunir%20com%20eles.> Acesso em 22 out. 2022.
sujeito adquire autoestima. Qualquer perturbação em uma dessas três formas de
reconhecimento provoca uma luta, um conflito por ser reconhecido. Para além disso, toda luta
pelo reconhecimento deve ser admitida por outros sujeitos.

Quanto mais os movimentos sociais conseguem chamar a atenção da


esfera pública para a importância negligenciada das propriedades e
das capacidades representadas por eles de modo coletivo, tanto mais
existe para eles a possibilidade de elevar na sociedade o valor social
ou, mais precisamente, a reputação de seus membros. (HONNETH,
2009, p. 207-208)

Dessa maneira, a luta pelo reconhecimento é uma consequência das relações


assimétricas entre os grupos sociais e que pode levar ao amadurecimento da sociedade com a
adoção de sistemas e leis mais justas, de acordo com Honneth (2009). Isto proporciona o
desenvolvimento de uma sociedade mais civilizada e que abarque a diversidade de identidades.
A utilização da visibilidade proporcionada pelos meios de comunicação, portanto, pode auxiliar
no reconhecimento dos desafios enfrentados pelos migrantes e sua humanização, bem como,
promover uma maior conscientização da sociedade sobre essa mazela social.

3. METODOLOGIA E ANÁLISE

A metodologia aplicada para análise é referente à semiose e semiótica. O clipe tem


vários signos, cujo objetivo é retratar a realidade vivenciada por grupos de refugiados e a
cantora M.I.A. representa, especificamente, aqueles que fugiram da guerra civil do Sri Lanka.
Peirce (apud SANTAELLA; NÖTH, 2017) trata da relação do objeto com o interpretante,
identificando as várias formas das quais o representamen aparece, sendo através de imagens,
palavras ou ícones, e a produção dialoga com tais conceitos. Os signos seguem o processo de
semiose característico do autor, sendo ele: primeiridade, secundidade e terceiridade.
A “‘semiótica geral’ oferece modelos gerais do signo e dos processos de comunicação
e significação para ciências específicas como a linguística, a biologia, as ciências culturais ou
o estudo das mídias” (SANTAELLA; NÖTH, 2017, p. 31), metodologia que se mostra
apropriada para se compreender os signos sobre a crise migratória trazidos no videoclipe.
De acordo com a proposta de Peirce (BRAGA, 2000), foram identificadas três
categorias fenomenológicas universais: a primeiridade, a secundidade e a terceiridade. Por sua
vez, tais perspectivas podem ser perpassadas por três categorias, sendo elas (1) qualidade, (2)
objeto e (3) mente. A primeiridade abrange ideias de acaso, como a primeira impressão de algo,
e que pode ser uma espécie de correspondência do imaginário. Nesse caso, a (1.1) qualidade
pode ser observada como uma possibilidade sem relação com qualquer outra coisa antes de que
ela aconteça. A (1.2) reação, por sua vez, é como uma ação instantânea de um fato acontecido
em um exato momento, como uma pedra que rola de uma montanha (BRAGA, 2000). Já a (1.3)
mediação se encaixa como aquilo que rege o fato ou qualidade, como no caso do exemplo
citado, a força da gravidade que faz com que a pedra role.
A secundidade inclui ideias relacionadas à polaridade, ao momento de transição de um
estado para o outro, como uma fratura entre o imaginário e o real (BRAGA, 2000). Nesse caso,
a (2.1) qualia abrange os fatos em sua primeira instância, como o crepúsculo solar. As (2.2)
relações podem ser exemplificadas como uma polaridade bruta: a força da pedra contra a
resistência do solo ao se chocarem. Já a (2.3) representação se destaca pelos signos de
terceiridade, como a palavra “pedra” ou uma fotografia do céu ao anoitecer.
A terceiridade pode se dar por meio do registro simbólico, como uma associação entre
as categorias e perspectivas, ligadas à continuidade e representação do objeto. Nela
identificamos o (3.1) sentimento, uma consciência imediata e vaga de identificação de algo. A
(3.2) sensação, por sua vez, é como a surpresa de perceber algo inesperado. Já a (3.3) concepção
é como o sentido de aprendizagem e associação dos signos (BRAGA, 2000).

3.1 A Semiótica de Peirce no Clipe “Borders”

Nas cenas iniciais do clipe tem-se o primeiro contato do espectador com a realidade dos
refugiados. Há um grande grupo de pessoas enfileiradas correndo ao fundo em um deserto e,
logo em seguida, pulando extensas grades de ferro. Na semiótica, o representamen (signo) não
é uma característica somente dele, mas acaba remetendo a algo, exercendo o papel da
representação.
“O signo é, portanto, uma coisa que, além da impressão que produz nos sentidos, faz
com que outra coisa venha à mente como consequência dele. [...] O signo não se define,
portanto, como uma relação diádica, mas como uma relação triádica” (SANTAELLA; NÖTH,
2017, p. 8).
Figura 1
Pessoas formando a palavra life (vida) no clipe

Fonte: M.I.A., YouTube, 2022 / PrintScreen

No trecho de 1 minuto e 29 segundos da produção é possível identificar o primeiro


signo, a palavra “life” sendo formada por pessoas na grade. Ela é um signo verbal que representa
um objeto geral, ou seja, não só uma, mas várias vidas. Inserida ao contexto dos refugiados,
entende-se que aqueles corpos representam vida e elas dependem do ato de tentar atravessar
aquela barreira em busca de sua sobrevivência. A palavra, além do seu significado primordial,
possui uma individualidade devido à cena retratada. Sendo assim, a primeiridade é o que vimos
na cena retratar: a palavra vida “escrita” pelos corpos. Já a secundidade, absorvemos o
significado da palavra e o que ela representa. E na terceiridade construímos o sentido de que a
vida tratada naquele vídeo pertence aos refugiados, que lutam por sua sobrevivência ao tentar
atravessar as fronteiras.

Por exemplo, a palavra signo, como todas as palavras, é um signo e,


desse modo, ela também significa aquilo que intenta significar.
Porém, ela não serve, em primeiro lugar, para fazer referência senão
a si mesma. Na verdade, a palavra signo serve, antes de tudo, para
referir-se a outros signos. [...] A palavra pato, como se sabe, é um
signo que apresenta uma ave aquática. Essa ave é portanto, o objeto
deste signo verbal. Não se trata, neste caso, de um objeto singular,
mas de um objeto geral, quer dizer, de uma classe inteira de animais,
ou seja, quaisquer tipos de pato que possa haver. Por isso, objetos de
signos verbais são na maioria signos gerais, mas eles podem também
ser singulares. Signos singulares se referem a indivíduos.
(SANTAELLA; NÖTH, 2017, p. 12)
Aos 2 minutos e 10 segundos pode se observar Maya em um navio de guerra formado
por pessoas. A embarcação se assemelha com um cruzador de mísseis guiados, que foi utilizado
em guerras mundiais, ou também pode ser uma representação das embarcações que são
responsáveis pelo transporte dos refugiados pelos mares.

Figura 2
Navio de guerra formado por pessoas

Fonte: M.I.A., YouTube, 2022 / PrintScreen

É possível analisar tal símbolo dessas duas formas diferentes, porém de fato, a guerra é
o principal objeto desta semiose. Trazendo para o conceito da 1ª tricotomia, o qualissigno
presente são as características de uma embarcação: seu formato e tamanho. Com isso, o sinsigno
é a interpretação que M.I.A. utilizou, mais uma vez, que são os corpos dos refugiados
reproduzindo essas características da embarcação.
Por ficar em aberto à interpretação, o barco pode ser o mesmo que é utilizado para a
migração dos refugiados, como também uma representação de um navio de guerra. Com isso,
os legissignos possíveis são: o primeiro traz a convenção dos refugiados, identificando o seu
meio de transporte para outras terras; e o segundo traz a convenção da guerra, que é o principal
motivo que obriga esses povos a se refugiarem em outros países.

Sobre a relação entre o signo verbal e a coisa à qual ele se aplica,


Tomás escreve que, quando os signos verbais representam coisas,
eles não as representam diretamente, mas através de conceitos
mentais [...]. Os signos, portanto, não se referem diretamente aos seus
objetos, mas só indiretamente, por meio dos conceitos que temos
deles.[...] Quando Peirce usa a dicotomia ‘denotação versus
significação’ (ou conotação), ele define a denotação como um
conjunto de todas as ‘coisas reais’ das quais um símbolo pode ser o
predicado (CP 2.407, 1867) e a sua significação como um conjunto
dos predicados atribuíveis a uma proposição da qual o símbolo é o
sujeito. (SANTAELLA; NÖTH, 2017, p. 17)

Maya também trouxe elementos culturais presentes na península indostânica (que inclui
o Sri Lanka), quando há embarcações formando uma mandala ao mar, no minuto 2 e 17
segundos do clipe.

Figura 3
Formação de uma Madala

Fonte: M.I.A., YouTube, 2022 / PrintScreen

Mandala é uma palavra em sânscrito que significa círculo, mas também possui outros
significados e o mais conhecido é que ela representa integração e harmonia. Sendo assim, a
relação que este símbolo possui para com a cena é de acomodar e aproximar os refugiados em
sua busca pela sobrevivência no mar. Utilizando os conceitos presentes da 2ª tricotomia,
analisamos o ícone presente em cena que são as embarcações formando o que pode se relacionar
com uma mandala. A relação de continuidade existente com tal símbolo se dá às origens
culturais da região do Sri Lanka. Além do conceito de círculo, este ícone traz atributos divinos
e representações religiosas, sendo assim, virando um símbolo, relacionando-se com ideais.
[...] o objeto de um signo não é necessariamente uma coisa material e
existente, como um pato. Ela também pode ser uma ideia. O objeto
de palavras como amor ou liberdade não são coisas, mas sentimentos,
ideias ou conceitos. [...] Em vez de dizer que o objeto de um signo é
uma classe de coisas, podemos concebê-lo em termos do nosso
conhecimento, sempre incompleto, ou da nossa experiência, sempre
parcial, daquilo a que o signo se refere. (SANTAELLA; NÖTH,
2017, p. 14)

O vídeo segue com imagens de refugiados amontoados em barcos nas travessias pelos
mares, a partir de 2:23 (M.I.A. Borders. 2015). Maya aparece junto com eles, fazendo parte do
grupo onde ela também já vivenciou tal realidade.

Figura 4
Travessia pelos mares

Fonte: M.I.A., YouTube, 2022 / PrintScreen

Nos primeiros nove anos de vida, M.I.A. teve de se deslocar constantemente devido à
guerra civil no Sri Lanka. A essência presente neste signo se dá ao pensamento e vivência da
artista, que se manifesta no clipe através da primeiridade dos objetos em cena. Analisando por
meio da ótica da 3ª tricotomia, o rema é a cena de Maya e os refugiados aglomerados nas
embarcações. O discente desta semiose se dá pelo fato de M.I.A. parecer ser um deles, juntos
naquela mesma situação. Já o argumento, fazendo com que assim seja a terceiridade, é que
Maya, de fato, foi refugiada e também enfrentou os mares, vivenciou tal experiência. Sua
história de vida e as dificuldades que enfrentou quando criança junto de sua família é o
argumento de validação da secundidade do rema.

O dualismo das coisas e dos signos tem raízes profundas no pensamento ocidental. Na
sua variante ‘coisa versus pensamento’, ele encontra a sua expressão mais proeminente na
filosofia de René Descartes (1596-1650). Descartes ensinou que o universo se divide em duas
substâncias, matéria e mente. A essência da matéria é que ela tem extensão no espaço físico,
enquanto a essência da mente é que ela se manifesta em forma de pensamentos e ideias. [...] A
convicção de que a distinção entre signos e não signos seja essencial na vida humana tem muitas
outras facetas. Ela se manifesta tanto em sabedorias proverbiais da cultura popular quanto em
obras literárias e artísticas. [...] O que Magritte quer dizer com a sua lição semiótica é que ser
um cachimbo (ou um pato) não é o mesmo que representá-lo, tanto em palavras quanto em
imagens” (SANTAELLA; NÖTH, 2017, p. 15)

Uma polêmica a qual M.I.A. se envolveu está relacionada ao signo


presente em 3 minutos e 42 segundos, no qual ela usa uma camisa
customizada do time de futebol francês Paris Saint Germain. O
uniforme oficial possui a frase “Fly Emirates” e a representada no
vídeo está escrito “Fly Pirates” (“piratas voadores”, em tradução
livre).

Figura 5
Camiseta "Fly Pirates"

Fonte: M.I.A., YouTube, 2022 / PrintScreen


Conforme a semiótica peirceana, as “imagens que citam, imitam ou fazem alusões a
outras imagens são metaimagens” (SANTAELLA; NÖTH, 2017, p. 21). Esse símbolo, na
produção, representa uma divisão entre representar esses povos de forma descolada, como
arma-los e, com isso, parecerem piratas, ou humanizá-los. A cantora parece motivada por essa
dualidade e a escolha do time se deu por causa de amigos que vivem em Paris e que também
enfrentaram os mares para chegar em terras seguras. M.I.A deu um novo significado a um ícone,
que é a camiseta de futebol, alterando seu conceito e sua representação escrita (BASSIL, 2016,
online). Sendo assim, nos traz novamente o conceito explanado na 2ª tricotomia: ícone, índice
e símbolo; respectivamente a camiseta original com escrito “Fly Emirates”, a relação de Maya
com seus amigos em Paris e a sua vontade de humanizar sua vivência, e a camiseta customizada
com o escrito “Fly Pirates”.

Imagens são signos icônicos (ou ícones), mas ícones não têm só a
forma de imagens visíveis. Eles estão onipresentes no nosso
pensamento e na nossa interpretação até de textos meramente verbais.
O poder das palavras para evocar imagens mentais e de recordar
sabores é também evidente na semiótica culinária. (SANTAELLA;
NÖTH, 2017, p. 27)

O time alegou prejuízo de imagem e econômico devido ao uso da camisa, ameaçando


tomar medidas legais para tirar o clipe do ar. M.I.A. criticou tal atitude, alegando que o time
possui muitos jogadores refugiados de países como Haiti e Angola, e que tais camisetas
esportivas fazem parte da vestimenta de pessoas que vivem em zonas de guerra/conflito
(NOISEY, Equipe, 2016, online). O foco do seu vídeo é representar esses povos, chamar
atenção para a crise que enfrentam em seus países e as condições e situações que passam para
salvar suas vidas e de sua família.

Os pontos sensíveis de expressão de opiniões e preconceitos racistas


coincidem, no caso da França, com uma crise social e urbana. Ali
onde o emprego está ameaçando, ainda que não o seja diretamente
pelos imigrantes, há fortes chances para que se desenvolvam
expressões racistas. [...] O imigrante, designado como diferente,
incomoda, perturba. Fala-se frequentemente em racismo de
coabitação: a comida feita pelas mulheres dos imigrantes não tem os
mesmos cheiros que a comidas dos franceses, os barulhos não são os
mesmos, as práticas religiosas não são as mesmas. (PERALVA,
1994. p. 71-72)
O clipe “Borders” (2015) e seus signos retratam a jornada dos refugiados, suas vivências
e dificuldades enfrentadas no processo de migração. O objetivo da artista foi contar isso de
forma humanizada, levando como referência também sua própria jornada, que enfrentou muito
jovem em busca de abrigo em terras seguras. A semiótica, por sua vez, veio com o objetivo de
representar a parte teórica e aplicada dos signos presentes em várias cenas que foram analisadas,
explicando assim as intenções de M.I.A. e dos produtores do clipe, ao utilizar tais referências,
e do processo de comunicação estabelecido com o interpretante das semioses. Para maior
profundidade nos estudos, foi possível estabelecer relações com todas as três tricotomias de
Peirce, a partir dos estudos de Santaella e Nöth (2017), nas quais os objetos das análises vêm
como plano central. “O signo é, portanto, uma coisa que, além da impressão que produz nos
sentidos, faz com que outra coisa venha à mente como consequência dele” (SANTAELLA;
NÖTH, 2017, p. 8).
A principal característica observada no objeto de análise são os elementos culturais e
étnicos presentes. A experiência pessoal de M.I.A. contribuiu para uma atmosfera mais íntima
e particular que, por meio dos estudos da semiose, foram possíveis várias formas de
interpretação e significação, além do que nos é apresentado nas cenas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que nos processos de semiose o interpretante possa ter distintas visões em relação
aos objetos de análise, a relação estabelecida entre os signos e as intenções da artista para com
o que foi retratado, é de coesão. Assim como Peirce descreve (SANTAELLA; NÖTH, 2017),
o primeiro contato na análise é o signo. No vídeo, nós vemos os signos que nos referenciam
diretamente aos refugiados, grupos de migrantes que fogem de guerras civis em seus países e
dos elementos aos quais convivem e/ou lidam. E apesar das suas dualidades e do processo
infinito de semiose, a conexão estabelecida com a mensagem principal do clipe é precisa.
Através da semiótica, analisamos a obra de M.I.A. e vemos um pouco de seu relato pessoal e
da sua necessidade de abordar questões importantes da atualidade, que precisam ser explanadas
e discutidas em busca de ajudar esses povos que necessitam de refúgio e atenção das grandes
nações.

REFERÊNCIAS
BASSIL, Ryan. Trocamos uma ideia com a M.I.A. sobre o clipe de “Borders”. Disponível
em: < https://noisey.vice.com/pt_br/article/ryv83v/mia-entrevista-2016>. Acesso em: 14 mar.
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Sociologia do Conhecimento. Petrópolis, Vozes, 27 ed., 2007.

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<https://www.youtube.com/watch?v=r-Nw7HbaeWY>. Acesso em: 07 fev. 2019.

NOISEY, Equipe. O Paris Saint-Germain F.C. quer que a M.I.A. tire o clipe de "Borders"
do ar. Disponível em: <https://www.vice.com/pt/article/6wd3mx/psg-mia-derrubar-borders-
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PERALVA, Angelina. França: imigrantes, estrangeiros, estranhos. Lua Nova, Revista de


Cultura e Política. 1994, n. 33. Acessado 26 outubro 2022, pp. 59-76. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/S0102-64451994000200005>. Pub 21 Jan 2011. ISSN 1807-0175.
https://doi.org/10.1590/S0102-64451994000200005.

SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfried. A semiótica e os signos: uma primeira orientação. In:
______. Introdução à Semiótica: passo a passo para compreender os signos e a significação.
São Paulo: Papirus, 2017. p. 7-33.

THOMPSON, John B. A interação mediada na era digital. Matrizes, v. 12, n. 3, p. 17-44, 2018.
Capítulo 30

A descrença no discurso da Ciência:


A teoria da conspiração no discurso da Terra plana

Karen Gimenez (Unip)


Paolo Demuru (Unip)

RESUMO: Este artigo é o resumo do resultado de pesquisa de mestrado realizada no Programa


de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Paulista (Unip), que contempla a análise
discursiva de teorias da conspiração relacionadas à ciência, com base na semiótica greimasiana
e na semiose hermética de Eco. O estudo de caso escolhido foi o da crença na Terra plana,
expressada por meio de quinze vídeos veiculados no Facebook na página @flatearthstationary.
A pesquisa gerou um framework mostrando o imbricamento entre os elementos discursivos e
aspectos sociopolíticos, culturais/educacionais e comportamentais.

PALAVRAS-CHAVE: teorias da conspiração, semiótica, terra plana, análise do discurso,


negacionismo científico

1. INTRODUÇÃO
O discurso terraplanista – proveniente daqueles que acreditam que o formato do planeta
Terra seria plano – pode ser utilizado como referência para a compreensão de como se constrói
um discurso negacionista da ciência e uma teoria da conspiração, pois apresenta semelhanças
estruturais com outros discursos negacionistas, como aqueles proferidos pelo movimento
antivacina, ou que negavam a Covid-19. Essa estrutura foi identificada a partir da análise de 15
vídeos de conteúdo terraplanista, com duração entre 1 minuto e uma hora cada, publicados entre
janeiro de 2019 e abril de 2021 na página @flatearthstationary do Facebook, que conta com
484 mil seguidores e 307 mil curtidas (outubro/2022).
As postagens foram analisadas com base na semiótica greimasiana e na semiose
hermética de Eco. Presente nas redes sociais de mais de 40 países – segundo busca manual feita
no próprio Facebook, Instragram, Twitter e Youtube, o terraplanismo é uma das teorias da
conspiração mais antigas que se tem registro, sendo que se tornou mais evidente a partir de
meados do século XIX. As primeiras conclusões da esfericidade da Terra vieram de Pitágoras
no século VI a.C. A defesa da esfericidade da Terra foi mantida pelos cientistas ao longo dos
séculos e pouco refutada pela igreja, inclusive na Idade Média. (RANDLES,1994). O maior
impasse entre os cientistas e o clero não estava no formato da Terra, mas na sua localização, se
ela era ou não o centro do universo (geocentrismo X heliocentrismo). Ao longo da história
houve ocasiões em que o formato da Terra foi colocado em questão, mas o movimento ganhou
força a partir de meados do século XIX, com as publicações de Samuel Rowbotham (1816-
1884), um britânico que anteriormente fora condenado por charlatanismo. Robothawn
rapidamente ganhou seguidores na Europa e nos Estados Unidos, fundando a Universal Zetetic
Society, em 1873, cujos desdobramentos inspiraram a Flat Earth Society, o movimento
terraplanista mais famoso em todo o mundo, e cuja vasta produção de conteúdo dá suporte a
outros grupos com a mesma finalidade desde 1956. O movimento emerge de tempos em tempos
facilitado por momentos de tensão política ou acontecimentos astronômicos de grande
relevância, como a chegada do homem à Lua.
O crescimento das redes sociais, a popularização da internet e dos equipamentos
eletrônicos tornou possível para qualquer pessoa produzir e divulgar conteúdo com amplo
alcance, o que facilitou o crescimento dos movimentos conspiracionistas, inclusive o
terraplanismo. Em 2018, o terraplanismo foi tema do documentário “A Terra é Plana” (Behind
the Curve, Daniel J. Clark, Estados Unidos, 2018, Netflix), São Paulo sediou, em 2019, a Flat
Con, conferência mundial do terraplanismo realizada anualmente em algum lugar do mundo.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

Teorias da conspiração não são necessariamente criadas a partir da imaginação de


alguém. Costumam atribuir elementos fantasiosos a partir do fragmento de algum
acontecimento real, o que auxilia na sua geração de credibilidade, assim como outros processos
de desinformação (DEMURU [2021] e MELO, PASSOS e SALVI [2020]). Temas muito
técnicos ou aqueles que chegam de maneira superficial às pessoas comuns são mais suscetíveis
a se transformar em teorias da conspiração. Para Prooijen e Douglas (2017), o contexto social
e político contribui com a formação desse ambiente propício.
Para Prooijen e Douglas (2018) precisamos saber diferenciar as conspirações plausíveis
– inclusive algumas chegam a se concretizar – das teorias da conspiração (implausíveis). Essa
diferenciação pode ser muito tênue, principalmente levando-se em conta que a crença nas
teorias da conspiração é baseada no raciocínio intuitivo, mas que pode vir em um discurso com
aparência racional. Alternam-se a percepção individual e o testemunho – camuflagem
subjetivante (GREIMAS. 2014 [1980] p. 123) e uma suposta argumentação lógica –
camuflagem objetivante, (GREIMAS, 2014 [1980], p. 123).
Uma teoria da conspiração é mais do que contar uma história. Costuma estar atrelada a
um chamado imediato para ação (DEMURU, 2021), para o “aqui e o agora”, para que o
destinatário tome uma posição, mesmo que, de imediato, a ação tomada seja apenas se juntar
ao grupo conspirador, assinar o contrato de veridicção (GREIMAS, 2014 [1980] p. 115). Essa
chamada para a ação, para o “junte-se a nós” ou para o “faça alguma coisa” é uma técnica
comumente reconhecida também na publicidade, principalmente de produtos de baixo custo,
que podem levar à compra por impulso. Assim como na compra, o chamado para a ação das
teorias da conspiração só vai ter sucesso se o destinatário não priorizar o pensamento racional
para a tomada de decisão (PROOIJEN, 2016).
A sensação de que algo muito ruim pode acontecer, algo sorrateiro e ao mesmo tempo
muito perigoso, mas que só é perceptível se estivermos em alerta, faz parte do processo de
construção da teoria da conspiração, conforme demostra Eco (2015 [1990], posição 920, ebook
kindle) no que chama de semiose hermética. A sensação de mistério, de algo oculto, que quando
minimamente revelado mostra que há outros segredos ainda mais profundos pode ser, inclusive,
um recurso para manter o grupo unido, coeso, sempre em busca da próxima descoberta.
Prooijen (2018) e Eco (2015 [1990], posição 969, ebook kindle) enxergam os grupos
conspiracionistas como locais em que o questionamento pode ser até visto como um ato de
“traição”. Em contrapartida ao ar de mistério, ao segredo não totalmente revelado, os grupos
conspiracionistas costumam destacar-se pelo excesso de correlações que encontram entre
elementos desconexos e pelas explicações simplistas que dão para fenômenos complexos.
Como explicações simplistas podemos caracterizar associações imediatas, de fácil visualização
e feitas sem qualquer critério relacional. É como se fosse necessário tapar um buraco e isso
fosse feito com o primeiro objeto que se vê na frente, independentemente de saber se ele se
encaixará ou não. É comum encontrar as tais explicações simplistas em discursos
conspiracionistas, como veremos na análise das postagens terraplanistas.
Ao analisar os vídeos, percebemos que o futuro catastrófico apresentado pelas teorias
da conspiração se torna uma alavanca importante no processo discursivo. Alavanca essa,
utilizada para cooptar novos adeptos pelo medo, buscando levá-los a uma atitude imediata de
adesão à teoria da conspiração a partir da estrutura do discurso manipulatório. Segundo Prooijen
& Douglas (2017), esse processo tende a se tornar mais forte em momentos de desequilíbrio
político e social.
Para Prooijen & Douglas (2017), as situações de tensão social – como incidentes
históricos, desastres naturais e instabilidade política – favorecem a crença em teorias da
conspiração. Isso pelo fato de essas instabilidades trazerem à tona emoções como medo,
incerteza ou perda de controle, tornando assim as teorias da conspiração mais críveis. Em
situações de tensão social, as teorias da conspiração tendem a ser mais amplamente divulgadas
e podem acabar fazendo parte da transmissão cultural, chegando a compor narrativas históricas,
afirmam Prooijen & Douglas (2017).
Uma característica dos discursos conspiracionistas – que já exploramos, mas que
voltamos a citar pela sua relevância – que os torna bastante aderentes às redes sociais é a oferta
de respostas simplistas para perguntas complexas. Além de se adequar às características
imediatistas e de conteúdos rápidos das redes sociais, as respostas simplistas oferecem de uma
forma pronta algo de fácil compreensão, o que pode ser um passaporte para definir em quem se
pode e em quem não se pode confiar. “Confio em quem eu entendo o que você diz”.
Quanto tratamos da história dos terraplanistas, pudemos verificar que essa
“compreensão dos argumentos simplistas” tende a levar a uma a sensação de superioridade
intelectual. Compreenderam algo que até então ninguém havia entendido e por isso são mais
“inteligentes” que a maioria que supostamente seria enganada por aqueles que propagam a
“crença” na Terra esférica. A demonstração de uma suposta superioridade intelectual é uma
característica que marca esse grupo desde o século XIX, seja pelo discurso desafiando os
cientistas, seja pela ironia usada quando falam das instituições. Essa estratégia discursiva faz
parte do processo de manipulação (FIORIN, 2005 [1989], p. 30) que se utiliza da percepção do
enunciatário em relação à sua própria intelectualidade.
Ao analisar o discurso terraplanista, é possível constatar ainda que a estruturação a partir
de recortes pode resultar tanto em estratégias aparentemente objetivas (camuflagem
objetivante) quanto em estruturas elaboradas a partir do apelo emocional (camuflagem
subjetivante), em que supostos testemunhos ou histórias pessoais se transformam em elementos
aderentes, a partir do raciocínio intuitivo descrito por Prooijen (2016 e 2018).
Conforme demonstram as análises de Periscinotto (2016) e (ECO, 2015 [1990], capítulo
2), é possível criar uma teoria da conspiração a partir de elementos sutis e que não
necessariamente estão ligadas ao texto. Elementos esses que, quando somados, retratam as
estratégias greimasianas de manipulação. Esses elementos podem vir a partir de sutilezas como
a inserção de uma música de fundo na abertura e/ou no encerramento de um vídeo. Uma música
que incite emoções negativas como tensão, medo ou perplexidade, funcionando como um
invólucro do discurso que se sobrepõe.
Segundo Greimas (2014 [1980] p. 115), o objeto principal do discurso é a assinatura de
um contrato de veridicção, um acordo fiduciário, entre enunciador (destinador) e enunciatário
ou destinatário. Como contrato de veridicção, Greimas descreve a crença gerada pelo discurso
proferido, independentemente do conteúdo desse discurso. Quando o enunciado é aceito pelo
enunciatário, independentemente se por sua argumentação lógica ou pela satisfação de um
desejo explícito ou oculto, firma-se aqui o contrato de veridicção descrito por Greimas. Seja
qual for a estratégia escolhida, a manipulação sempre se dará pela visão do enunciatário e não
pela do enunciador (GREIMAS 2014 [1980] p. 135). Será preciso encontrar os elementos que
vão despertar no enunciatário a adesão fiduciária.

3. A TERRA PLANA E SUA EXPRESSÃO NO FACEBOOK

A escolha do terraplanismo como estudo de caso para exemplificar a estrutura discursiva


negacionista da ciência se deu por cinco razões:
1) Perenidade do tema;
2) Vasta produção de conteúdo por parte dos terraplanistas;
3) Quantidade de adeptos, capilaridade e capacidade de organização de dos grupos em
diversos países;
4) Poucas pesquisas desenvolvidas sobre o tema
5) Possível extensão do efeito colateral que essa crença pode ter na discussão sobre as
questões ambientais
Um ano após a apresentação da dissertação sobre o tema, é possível acrescentar mais
um, que só se tornou conhecido após a conclusão da pesquisa e que foi parte dessa conclusão:
a sua estrutura discursiva espelha a estrutura de outras teorias da conspiração, inclusive algumas
não ligadas à ciência.
A escolha do Facebook como mídia e a referida página de onde foram extraídos os
vídeos se deu:
a) Por ser o Facebook a rede social com mais adeptos em todo o mundo. O relatório
Digital 2021 – Essential Insights into how people around the world use the internet, mobile
devices, social midia and e-commerce, produzido anualmente pela Hootsuite, empresa global
de gerenciamento de redes sociais com 18 milhões de usuários, mostrou que o Facebook registra
2,74 bilhões de usuários (em 2015 era 1,54 bilhão), seguida pelo YouTube com 2,29 bilhões.
A concentração de usuários do Facebook dá-se, principalmente, entre pessoas de língua inglesa
(50,4%), com idade entre 18 e 34 anos, na maioria do sexo masculino
b.) Por ser o Facebook ser a rede social que concentra o maior número de seguidores de
um único perfil/página terraplanista (foram pesquisados perfis/páginas/canais terraplanistas em
português e inglês no Facebook, Instagram, Twitter e Youtube). A página selecionada
@flatearthstationary (cujo conteúdo é todo em inglês) foi a que se apresentou com maior
número de adeptos (308 mil inscritos e 452 mil seguidores em abril/2021). As 15 postagens
analisadas foram selecionadas entre janeiro de 2019 e maior de 2021 cobrindo assim espaços
de tempo semelhantes antes da pandemia e durante seu curso, já que acontecimentos como uma
pandemia costumam atrair a atenção de conspiradores e poderiam influenciar no corpus de
análise. O critério de seleção foi que cada postagem tivesse simultaneamente pelo menos mil
curtidas, mil comentários e mil compartilhamentos.
Inicialmente foram selecionadas 22 postagens que cumpriam os três critérios. Em uma
segunda triagem verificamos se o conteúdo dessas postagens era majoritariamente relacionado
ao terraplanismo ou se tratava de outros temas. Nessa segunda triagem foram descartadas sete
postagens, restando 15 para análise, todas em vídeo. Não houve qualquer intencionalidade em
voltar a seleção apenas para postagens em vídeo.
Os vídeos foram analisados individualmente a partir de um formulário padrão por nós
criado que, além da ficha técnica do vídeo, incluía um texto com a síntese do conteúdo, uma
análise dos elementos semióticos e finalizava com uma lista dos principais elementos
discursivos encontrados ao longo de cada vídeo. Elementos que apareciam eventualmente ou
não eram cruciais na arquitetura discursiva daquele conteúdo foram descartados. As listas com
os principais aspectos discursivos no final de cada formulário foram compiladas chegando a 21
aspectos discursivos considerados de relevância nas postagens.
Esses 21 elementos foram classificados e reunidos em quatro grandes grupos para facilitar a
análise do material selecionado. São eles:
i. Semiose hermética
ii. A estruturação científica do discurso não científico
iii. O processo de manipulação
iv. Os recursos audiovisuais na construção enunciativa
Ao longo da pesquisa, notou-se indícios de que havia elementos externos que poderiam
fortalecer ou enfraquecer o sistema de geração de crenças propiciado pela arquitetura discursiva
do terraplanismo. Foram encontrados ainda estudos mostrando como aspectos sociopolíticos,
cultrais/educacionais e comportamentais auxiliavam na formação da crença além da arquitetura
discursiva em si.
A partir de então decidimos fazer uma intersecção entre os elementos discursivos e os
outros três aspectos encontrados no processo gerativo de sentido, gerando um framework, no
qual os principais elementos são apresentados e como eles podem ser imbricados fortalecendo
a crença nas teorias da conspiração voltadas para a ciência.
Logo após o início da pesquisa, teve início a pandemia da Covid-19. O
acompanhamento do processo comunicacional da pandemia e as teorias da conspiração ali
apresentadas – inclusive durante a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) feita pelo Senado
Federal em 2021, auxiliou a indicar que a estrutura discursiva é comum em diversas teorias da
conspiração. Ao longo da pesquisa foram apresentadas algumas comparações.
O framework com todo o ecossistema de análise é apresentado nas considerações finais
deste artigo.
.

4. RESULTADOS
Após a análise das postagens selecionadas, foi possível concluir que o discurso
conspiratório se baseia, é reforçado e tem seu contrato de veridicção facilitado em determinados
ambientes e contextos sociopolíticos, mesmo quando esse discurso é direcionado apenas para
combater a ciência. As questões emocionais e comportamentais exercem forte influência na
vulnerabilidade do indivíduo em relação à crença em teorias da conspiração, bem como devem
ser considerados fatores educacionais/culturais na intensidade da adesão ao discurso
conspiratório.
Além da ambiência formada por esses três fatores, a própria estrutura discursiva possui
elementos característicos que, isoladamente, nem sempre podem ser considerados
conspiratórios. Mas, quando combinados entre si ou com elementos de outros aspectos da
sociedade, mesmo que em parte, podem ser responsáveis pela estruturação de uma teoria da
conspiração.
Nota-se forte presença da semiose hermética de Eco, quase que como um fio condutor
do conteúdo, trazendo constantemente à tona a existência de um grupo secreto supostamente
liderado pela Maçonaria que teria como intuito dominar o mundo. Esse grupo usaria como uma
de suas principais armas a propagação da crença da esfericidade da Terra, escondendo seu
“verdadeiro formato”. Segundo a crença terraplanista, ao acreditar que a Terra seria um planeta
“igual” aos outros e ocupando um lugar marginal no universo (heliocentrismo), a autoestima
do homem seria fragilizada, pois ele não se sentiria uma espécie diferenciada e com isso a
dominação seria mais fácil. O processo discursivo, especificamente nesse aspecto, remeteu
com facilidade ao discurso conspiracionista surgido durante a Covid-19, em relação à origem
do vírus e à eficácia da vacina chinesa produzida pelo laboratório Sinovac, e no Brasil, pelo
Instituto Butantã sob o nome de Coronavac.
Tais conspirações diziam que o vírus havia sido criado em um laboratório na China
propositalmente, como uma arma biológica para enfraquecer o mundo e abrir espaço para a
dominação chinesa88. Já sobre a vacina, o conteúdo conspiracionista nas redes remetia à
instalação de um nanochip durante a aplicação da vacina que forneceria aos chineses dados
sobre o DNA de quem a tomasse 89.
Sobre os terraplanistas, apesar de os grupos terraplanistas não serem obrigatoriamente
ligados a nenhuma religião, é comum encontrar referências cristãs no seu conteúdo. A página
do Facebook analisada é declaradamente cristã.
O processo de manipulação greimasiano, principalmente a manipulação pela sedução e
pela provocação também está fortemente presentes no discurso terraplanista. A geração de
crenças pela repetição e o ataque ad hominem aos cientistas são outros elementos de destaque
em discursos conspiratórios como aquele que se refere à crença na Terra plana e do movimento
antivacina.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A conclusão de que a estratégia discursiva pode ser fortemente influenciada por


elementos provenientes do ambiente e da própria história pessoal do enunciatário levou à
formação de um framework demonstrando um ecossistema de influências no processo de crença
das teorias da conspiração.

88
China não criou coronavírus como arma biológica, diz relatório dos EUA. Poder 360, 30/10/2021. Disponível
em: https://www.poder360.com.br/coronavirus/china-nao-criou-coronavirus-como-arma-biologica-diz-relatorio-
dos-eua/. Acesso: 13/12/2022
.
89
É #FAKE que vacina contra Covid-19 tem chip líquido e inteligência artificial para controle populacional. Fato
ou Fake – agência de checagem, 27/01/2021. Disponível em: https://g1.globo.com/fato-ou-
fake/coronavirus/noticia/2021/01/27/e-fake-que-vacina-contra-covid-19-tem-chip-liquido-e-inteligencia-
artificial-para-controle-populacional.ghtml. Acesso: 13/12/2022
Ecossistema esse composto por aspectos discursivos, sociopolíticos, comportamentais,
educacionais e culturais que ora aparecem como complementares, ora imbricados, como
demonstra a figura a seguir.

Figura 1
Ecossistema discursivo para formação de crença nas teorias da conspiração

Fonte: criação dos autores


REFERÊNCIAS

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Kindle.

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Capítulo 31

Quando as identidades entram em campo: uma análise semiótica comparativa dos


jingles da Cervejaria Brahma nas copas do mundo de 1994 e 2014

Alexandre Augusto da Costa (UFJF e Unipac Barbacena-MG)


Ana Luiza Chitarra de Faria (Unipac Barbacena-MG)

RESUMO: A presente discussão tem como objetivo identificar como as características


semióticas manifestadas nos enunciados dos jingles das campanhas publicitárias da Cervejaria
Brahma nas Copas do Mundo de 1994 e 2014 se articulam na construção de uma certa
identidade nacional, que atribui ao Brasil a alcunha de país do futebol, de modo a traçar a
representação social dessa qualidade excepcional. A hipótese defendida nos limites deste artigo
é que a competição se configura como uma vitrine internacional que é utilizada pela Cervejaria
Brahma nos jingles publicitários com o fim de reforçar traços peculiares da miscigenação
brasileira como garra, habilidade, superação e paixão pelo futebol, que caracterizariam a
identidade nacional. Como metodologia o trabalho se apoiará na análise semiótica do
dialogismo e polifonia de Bakhtin (1997) e da cultura como Sistema Modelizante Secundário
(LOTMAN, 1996) na conformação das identidades e das identificações dos valores nacionais.

PALAVRAS-CHAVE: Semiótica; Identidade; Jingle; Brahma; Copa do Mundo.

1. INTRODUÇÃO

A construção do pensamento social brasileiro e de uma identidade nacional foi um


terreno fértil da discussão acadêmica ao longo do século XX. Casa Grande e Senzala (1933) e
Nordeste (1937) de Gilberto Freyre, Raízes do Brasil (1936) e Monções (1945), de Sérgio
Buarque de Holanda e Formação do Brasil Contemporâneo (1942), de Caio Prado Júnior, são
algumas das obras mais emblemáticas que buscaram compreender a identidade nacional como
fruto de uma série de condicionantes: a colonização portuguesa, escravidão como motor da
economia colonial, miscigenação, convivência “harmônica” entre casa grande e senzala,
natureza abundante, exploração dos recursos naturais, atraso da instalação do liberalismo, etc.
Para as intenções deste trabalho, interessa-nos compreender e identificar como certas
qualidades que, comporiam uma dita identidade nacional, se manifestam no tempo presente.
Dito de outra forma, importa-nos saber como essa representação social é construída nos jingles
da cervejaria Brahma nas Copas do Mundo de 1994 e 2014. Quanto aos aportes teóricos dessa
pesquisa serão três os pontos fulcrais: formatos de anúncio publicitário (BARBOSA FILHO,
2009), futebol como representação social do brasileiro (KUPPER, 2018) e a semiótica de
Bakhtin (1986) e Iúri Lotman (1996) – chave para a leitura das identidades. Consideramos ainda
o fato de que o meio publicitário, especialmente com o rádio e a televisão tem se apresentado
ao longo do século XX e do atual milênio como uma grande máquina semiótica construtora de
uma identidade brasileira.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. A criação da publicidade brasileira

A história do desenvolvimento da propaganda no Brasil está, intrinsicamente, ligada à


fundação das emissoras de rádio. A primeira emissora, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro,
foi fundada por Roquette Pinto e Henrique Morize e iniciou suas transmissões, oficialmente em
1923, com a transmissão de concertos e óperas. Não divulgava propagandas. À época, o rádio
ainda era considerado de caráter experimental e amador. Com o objetivo de profissionalizar o
setor, o presidente Arthur Bernardes aprovou o Decreto nº 16.657, de novembro de 1924, que
regulamentou os serviços civis de radiotelegrafia e radiotelefonia. Tentava-se com esse amparo
normativo a construção de uma unidade nacional: a programação deveria ter fins educativos,
científicos, artísticos e de benefício público. O Governo controlava o conteúdo.
Em 1932 o Presidente Getúlio Vargas autoriza e regulamenta a publicidade e a
propaganda pelo Rádio. Com o Decreto nº 21.111/1932, o serviço de radiodifusão é definido
como: “relativo a radiocomunicações de sons ou imagens destinadas a serem livremente
recebidas pelo público”. A “radiodifusão é considerada de interesse nacional e de finalidade
educacional”, cabendo ao Ministério da Educação e Saúde Pública (MES) a orientação
educacional da programação das emissoras. As novas regras privam a profissionalização dos
trabalhadores das emissoras e estipulava o tempo máximo de propagandas (reclames) à época,
em 10% da programação. Como externou Lourival Fontes, do Departamento de Propaganda e
Difusão Cultural, 1936:
Dos países de grande extensão territorial, o Brasil é o único que não
tem uma estação de rádio oficial. [...]. Essas estações atuam como
elemento de unidade nacional. [...]. Não podemos desestimar a obra
de propaganda e cultura realizada pelo rádio e, principalmente, a sua
ação extra-escolar; basta dizer que o rádio chega até onde não chegam
a escola e a imprensa, isto é: aos pontos mais longínquos do país e,
até, à compreensão do analfabeto. (FONTES apud SAROLDI E
MOREIRA, 1984, p. 13).

Esse caráter aglutinador de identidades teria se ampliado com o desenvolvimento da


televisão no país. A primeira emissora de televisão do Brasil (TV Tupi) foi fundada em 1950.
Porém o novo meio levou cerca de 10 anos para se consolidar, pois o custo do aparelho receptor
era alto. Com os festivais da Canção na TV Record nos anos 1960 e a fundação da TV Globo
em 1965, desenvolveu-se um próspero mercado publicitário na televisão. A qualidade das peças
publicitárias, antes ancoradas no meio rádio, se aperfeiçoaram no meio televisivo, o que fez do
Brasil uma das referências na América Latina quando o assunto é propaganda.

2.2. Formatos de anúncio publicitário

Barbosa Filho (2009, p. 89), amparando-se na classificação de gêneros jornalísticos


proposta por Melo (1992), a partir da leitura do esquema funcional de Lasswell e Wright,
propõe uma classificação para os gêneros radiofônicos vislumbrando a funcionalidade de cada
um deles, baseando-se nas expectativas do ouvinte. Desse modo, classifica-os em: jornalístico,
educativo-cultural, de entretenimento, publicitário, propagandístico, de serviço e especial.
Notadamente, destacaremos aqui o gênero propagandístico, que se caracteriza pela utilização
do espaço radiofônico para a comercialização de produtos e serviços. Em virtude disso, durante
muito tempo, o rádio exerceu a importante função de “[...] cenário de experiências vitoriosas,
por meio de peças radiofônicas publicitárias” (BARBOSA FILHO, 2009, p.122).
Para Barbosa Filho (1989), estes gêneros abarcam alguns dos principais formatos como
o: spot, jingle, testemunhal, peça de promoção. Em termos gerais, quando se aborda a
publicidade no rádio, a bibliografia brasileira se refere, basicamente, à assinatura de patrocínio,
ao testemunhal, ao spot e ao jingle 90. Este último formato, de origem inglesa, consiste,

90
Jingle: to make a repeated gentle ringing sound, or to make things do this. Trad.: fazer, tinir, soar, tilintar. Cf.
Cambridge Dicionary, 2023.
geralmente, em uma mensagem musical publicitária elaborada com um refrão simples e de curta
duração, a fim de ser lembrado com facilidade – dessa forma uma música ou letra “musicada”
é feita, exclusivamente, para um produto, uma empresa ou político.

2.3. Semiótica: uma chave de leitura das identidades

Ao pensarmos as identidades, a semiótica apresenta-se como um instrumento,


fundamental, para as interpretações que ligam o futebol aos valores brasileiros.
Para Bakhtin (1997) a semiótica pode ser observada na dinâmica das interações dos
sistemas culturais. As relações dialógicas da linguagem, estariam assim, presentes no discurso
social, sendo esse princípio como uma “não-finalização”, um “vir-a-ser” inconclusivo, que
preservaria a heterogeneidade, a diferença e a alteridade (BAKHTIN, 1997 [1929]). O interesse
do semiologista russo detém-se nas análises efetuadas a partir de relações dialógicas, no plano
do discurso, e não nas linguísticas – no sentido rigoroso do termo – no plano da língua.
Desta forma, Bakhtin (1986) propõe a metalinguística, que consiste no estudo dos
aspectos da vida do discurso que ultrapassam os limites da linguística estruturalista. As relações
dialógicas, seriam assim, apreendidas discursivamente, na língua, enquanto fenômeno integral
concreto, sem que se deixe de lado as relações lógicas. O objeto, no entender de Bakhtin, já
teria sido falado, pois, controvertido, esclarecido e julgado de diversas maneiras, consistiria no
lugar onde se cruzam, se encontram e se separam diferentes pontos de vista, visões de mundo
e tendências. A linguagem, sob esse ângulo, constitui-se como uma reação-resposta a algo em
uma dada interação e manifesta as relações do locutor com os enunciados do outro. Sendo
assim, não está isenta das intenções dos agentes. Em matéria de análise, somente a parte
discursiva seria imprescindível a este trabalho, pois consiste no eixo central que aciona os
mecanismos do movimento do signo. Como o objetivo deste texto é identificar como a
identidade é acionada através das propagandas da Brahma nas copas de 1994 e 2014, na
construção de uma representação social brasileira, o aspecto social se apresentaria, assim,
discursivamente, para além do nível linguístico.
Já Iúri Lótman, inspirado na ideia de código de Jakobson, compreende que a língua
modeliza a realidade e abre caminho à mediação social. “Sobre ela se constroem os sistemas
secundários, que modelam aspectos parciais dessa realidade” (LOTMAN apud ÀRAN; BAREI,
2005, p. 18). É neste sentido que inscrevem os Sistemas Modelizantes, sendo a língua, o
primário e o secundário, a linguagem. Estes sistemas buscam organizar e dar sentido à vida
interna de um determinado grupo.
A cultura, assim, aciona diferentes códigos disponíveis na memória, conhecidos como
códigos culturais. Os enunciados só podem ser apreendidos na linguagem, se, emissor e
destinatário compartilharem do domínio do mesmo código (JAKOBSON, 1975). Desta forma,
Lótman elege o papel fundamental da cultura em “[...] em organizar estruturalmente o mundo
que rodeia o homem” (LÓTMAN, 1996, p. 78).

2.4. A popularização do futebol no Brasil

Como lembram Freitas e Trigo (2019, p.116), é comumente atribuído à Charles Miller,
filho de um engenheiro escocês radicado em São Paulo, o título de patrono do futebol no país.
“Após regressar de uma viagem à Inglaterra com uniformes, bolas e um livro de regras em
1894, Miller passou a difundir a modalidade na cidade de São Paulo”. Porém, os autores
ressaltam que, apesar de hegemônica, existem outras versões de como o futebol foi introduzido
no país.
Há relatos de marinheiros ingleses terem disputado uma
partida próxima à residência da Princesa Isabel no Rio de Janeiro,
em 1878, de práticas do jogo em colégios, em São Paulo, Rio de
Janeiro e Rio Grande do Sul, na década de 1880 e de um amistoso
entre funcionários de companhias inglesas na cidade de Belém, no
Pará, em 1890. (FREITAS, TRIGO, 2019, p.116).

A paixão pelo esporte, no entanto não se limitou aos núcleos desportivos. De acordo
com Hilário Franco Júnior (2007), ao assumir o poder em 1930, Getúlio Vargas teria captado o
poder do futebol em mobilizar o povo. A Seleção Brasileira, mesmo sem unidade constituída
até então, poderia agir como um símbolo catalizador da nova identidade.
Para Kupper (2018), foi ainda no governo Vargas que política e futebol se aproximaram
de forma definitiva. No Programa de Reconstrução Nacional, dentre os objetivos principais,
estavam a promoção do samba e do futebol como elementos da identidade nacional.
Na terceira participação da Seleção Brasileira em uma Copa do Mundo no ano de 1938
(antes havia disputado as copas de 1930 e 1934) a percepção de Vargas deu mais um passo.
Enviou a própria filha como madrinha da delegação brasileira, que disputou o torneio na França.
Ao se ancorar nas reflexões de Moscovici (2012), Kupper afirma que nesta copa o “futebol teria
emergido como representação social do brasileiro”.
Apesar perder para a Itália e ter ficado em terceiro lugar na Copa de 1938, dois jogadores
se destacaram na competição: Leônidas da Silva e Domingos. Ambos encarnaram os anseios
teóricos de uma democracia racial como defendida por Gilberto Freyre (1933, 1936, 1947).
Como descreveu na edição do Diário de Pernambuco, do dia 17 de junho de 1938, intitulado
“Foot-ball Mulato”, Freyre exaltava a miscigenação de raças no país como fator de identidade
e justificou o bom desempenho da Seleção Brasileira ao fato do time contar com muitos negros
e mestiços que misturavam características da capoeira no “gingado” dos dribles em campo.
Além disso, lembra Kupper (2018, p. 231):

A Copa de 1938 teria marcado o encontro dos brasileiros consigo


mesmos ou a intenção de fazê-lo; afinal, foi a primeira vez que o país
foi para um evento mundial com um time miscigenado (em 1930, só
o negro Fausto; em 1934, apenas Leônidas da Silva).

A paixão pelo futebol teria cenas ainda mais marcantes no imaginário nacional. A
derrota no Maracanã para o Uruguai em 1950 por 2 a 0, as conquistas de 1958 e 1962, o título
de 1970, que consagrou Pelé como o rei do futebol, os títulos de 1994, 2002, a goleada sofrida
para Alemanha por 7 a 1 na Copa do Mundo realizada no Brasil em 2014, são alguns dos
exemplos em que houve grande comoção dos brasileiros.

2.5. Cerveja e futebol: a construção da identidade nacional pela propaganda

Como salientamos, o presente estudo pretende analisar a representação do que seriam


as virtudes de uma identidade brasileira a partir da semiótica comparativa de Bakhtin (1986) e
Iúri Lótman (1996) dos jingles da cervejaria Brahma para a Seleção Brasileira de Futebol nas
Copas do Mundo (de 1994 e 2014). O ano do tetracampeonato marcou um período importante
na história brasileira. O plano Real acabara de ser implantado, era um período de eleições
presidenciais e havia 24 anos que o Brasil não conquistava a Copa do Mundo. A última havia
sido vencida com o lendário time de 1970, no México, liderado pelo rei Pelé.
Fundada em 1888 no Rio de janeiro, a Brahma vem crescendo ao longo do Século XX
e se consolidado no presente século, como uma das maiores cervejarias do mundo. Vale
lembrarmos que a ligação com a cultura nacional vem de longa data. Em 1935 a Companhia
Cervejaria Brahma contratou os músicos Ary Barroso e Bastos Tigres para compor, e Orlando
Silva para interpretar, o primeiro jingle do Brasil: a marchinha “Chopp em Garrafa”. Em 1994,
em ritmo de carnaval, a Brahma lançou o jingle, “Vai Brasil dá um show 91”, peça publicitária
que marcou o ano do tetracampeonato mundial. Desde os anos 2000 a Brahma passou a fazer
parte da Companhia de Bebidas das Américas (Ambev) – resultado da fusão com a cervejaria
Antártica. Patrocinadora da Seleção Brasileira desde 1994, em 2010 a Brahma ampliou os seus
negócios e se tornou a primeira marca brasileira a patrocinar o torneio da Copa do Mundo. Com
o vídeo chamado “Brasil x Resto do mundo”, a propaganda mostrava o time brasileiro entrando
em campo de um lado, e, de outro, jogadores de vários outros países reunidos contra a Seleção
Canarinha.
Em 2022, a 100 dias do início da Copa do Mundo, a Brahma lançou uma campanha em
forma de manifesto, convocando todos os brasileiros a retirarem suas camisas do armário e se
unirem pela torcida do hexacampeonato.

Essa camisa é sua, é minha, é de toda a nossa torcida. Isso é


Brahmosidade! Daqui a pouco, vamos convocar brasileiros e
brasileiras a tirarem a Amarelinha do armário e relembrarem o
significado original da camisa verde e amarela. (Brahma, postagem
no Instagram, ago. 2022).

A chamada tem um tom dialógico e reconciliador em 2022, também um ano de eleições


presidenciais – como em 1994 e 2014 – considerando-se que, desde as manifestações
conhecidas como Jornadas de Junho em 2013, uma porção considerável do espectro do
eleitorado tem utilizado a camisa canarinha em manifestações de certos grupos políticos.
Diante destas evidências, a hipótese defendida neste trabalho é que a cervejaria Brahma
é um importante vetor de certos valores que compõem a identidade nacional. Pertencendo,
desde 2000, ao maior grupo de empresas de cervejas do mundo, a Ambev, essa tendência
identitária se confirmaria, especialmente ligando a marca ao futebol.

3. METODOLOGIA E CORPUS DE ANÁLISE

91
Jingle de Sérgio Augusto Sarapo e Cláudio Carillo com a produção de Cardan. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=dSIBX9MVfgU>. Acesso em 28 jan. 2023.
Este trabalho atuará alicerçado nos eixos temáticos: (I) Identidade nacional; (II)
Representação Social; e (III) Semiótica da Cultura.
O corpus de análise compreenderá a leitura semiótica dos seguintes jingles da cervejaria
Brahma veiculados no rádio e na TV: “Vai Brasil dá um Show”, da Copa de 1994 e “Imagina
a Festa”92, da Copa de 2014 no Brasil. O estudo observará como certas qualidades que
comporiam a identidade brasileira são reunidos ou acionados nos referidos jingles. Buscar-se-
á então, identificar os enunciados, a disposição do dialogismo e da polifonia e a dinâmica da
cultura como Sistema Modelizante Secundário do signo com o objetivo de verificarmos como
se constrói a representação social da identidade brasileira nas propagandas da Brahma.

3.1. Análise

A Cervejaria Brahma, nos anos de 1994 e 2014, veiculou nas mídias radiofônica e
televisiva duas campanhas publicitárias através dos jingles “Vai Brasil dá um Show” e “Imagina
a festa”. Essa estratégia, se observada por uma ótica discursiva, conseguiria apontar enunciados,
cujas mensagens ajudariam a construir uma certa identidade nacional, a ser representada
socialmente, tal como preconizava a ideia de miscigenação de Freyre (1933, 1936, 1947). É
importante salientarmos nesse ponto do que Freyre entende por este termo. Para os limites desta
análise, se traduziria na conformação de certas características como garra, habilidade, superação
e paixão pelo futebol, que seriam próprias dos brasileiros.
Bakhtin (1997) já mencionava uma interação discursiva quando o assunto é interagir
discursivamente dentro dos moldes inconclusivos do Círculo Discursivo. Assim, os enunciados
a serem encontrados dentro desses jingles conseguiriam, de alguma forma, elencar elementos
semióticos que mostrariam a construção da identidade e dos valores nacionais dentro de um
sistema de interpretação aberto.
Por outro lado, Lótman (1996) contribui no debate ao pensar os códigos culturais
presentes dentro dos enunciados como agentes que regulam e controlam as manifestações da
vida e do comportamento social e coletivo. Isso implica em reiterar que os seres humanos se
comunicam com signos e são, em larga medida, moldados por eles. Para isso Lótman articula,
então, o Sistema Modelizante Secundário, cujo gênero discursivo secundário (leia-se os

92
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=s91ujUrxl-4>. Acesso em 28 jan 2023.
próprios jingles veiculados) são os que conseguem enaltecer as infinitas esferas de uso da
linguagem. Dessa forma, a comunicação passaria, de uma mera organização oral e escrita, para
formas discursivas mais complexas, como no caso do objeto aqui em questão, a identidade
nacional.
Apresentamos a seguir a letra do 1º jingle, “Vai, Brasil, dá um show” (1994), com os
trechos sublinhados, que foram retirados dessa versão. Para fins da análise, a letra foi dividida
em quatro estrofes:

Vai, Brasil, dá um show

Vai, Brasil, dá um show


mete a bola na rede
e mata a minha sede de gol
Mais um, mais um!!

Vamos lá, seleção, do meu coração


quero ser tetracampeão
Mais um, mais um!!

Pra sentir o prazer, o sabor de querer e ser campeão


A copa é a pátria e chuteira no pé
e cerveja na mão, vamos lá, seleção

Levantar o dedo e gritar, Brasil!


Você é a número 1
Você no bar, a nossa seleção, fazer de novo
no Brasil, a nº 1!!

(BRAHMA, 1994)

Nesse primeiro momento levantam-se enunciados como: “Pra sentir o prazer, o sabor
do querer, e ser campeão”; “A copa é a pátria e chuteira no pé e cerveja na mão”, vamos lá,
seleção”; “Levantar o dedo e gritar, Brasil!”; “Você é a número 1”; ‘Você no bar”; “Vai, Brasil,
dá um show, mete a bola na rede”; “Sede de gol”. Estes indícios apontam no que seria
considerado um dos produtos da miscigenação cultural e social brasileira: a forte ligação ao
futebol, o espírito colaborativo e vibrante, a união do país em torno do esporte – maior paixão
nacional. Além do mais, vale salientarmos que, no ano de 1994, a obsessão pelo título da Copa
do Mundo começou a ser associada pela cervejaria nas campanhas publicitárias, ao hábito de
reunir os amigos, tomar cerveja e torcer pela Seleção Brasileira. Ao ingerir o produto o
consumidor é induzido ao prazer do sabor, ao mesmo tempo em que anseia e torce pela vitória
do seu time na competição. Nesse sentido, a marca se ancora, de alguma forma, na mente do
consumidor, ao utilizar uma espécie de associação de sentidos – nesse caso, o paladar e a paixão.
Na mesma mão encontramos no jingle, outros enunciados que apresentam a Copa do
Mundo como cenário do encontro da miscigenação como representação social da pátria
nacional. As menções à “chuteira no pé”, “à cerveja na mão” e o ato de “levantar o dedo e gritar,
Brasil”, retificam as intenções da campanha publicitária da cervejaria Brahma, em centralizar
estes elementos, ao unir torcedores e a bebida, dentro de um bar (“você no bar”). Para cada
cerveja consumida, um gol, como se a habilidade futebolística, ou a paixão pelo esporte
necessitasse de combustível (a cerveja) para se desenvolver e se concretizar. Isso acionaria o
mecanismo dos signos sociais e culturais, pois a paixão de torcer pela Seleção Brasileira
somente conseguiria fluir, se associada ao prazer de se consumir uma boa cerveja, no caso, a
Brahma. A palavra “sede”, empregada no discurso, acionaria assim dois signos: o desejo de gol
e de saciar a sede física.
A marca consegue, assim, despertar a identificação com os consumidores, através do
despertar de emoções e sentimentos envolvidos num torneio como a Copa do Mundo.
Apresentamos a seguir, a letra do 2º jingle, “Imagina a festa” (2014), com os trechos
sublinhados que foram retirados dessa versão. Para fins de análise, a letra foi dividida em 3
estrofes sem um refrão que repete:

Imagina a festa

Sou a paixão do planeta, emoção


Sou a bola rolando, tô voltando...

Estender a bandeira romana, bandeiras, cadeiras,


eu tô voltando...

Meia dúzia de Brahma pra sambar, falta turma chegar


e vamos lá, bora aí festejar
chega bem, se jogar, porque eu tô voltando...

(BRAHMA, 2014).

Nesse segundo jingle levantam-se enunciados como: “Sou a paixão do planeta, emoção,
sou a bola rolando” e “Eu tô voltando...”, o que reitera, mais uma vez a estratégia lançada na
campanha de 1994, em alimentar sentimentos como nostalgia e expectativa em torno da Copa
do Mundo, centro catalizador da representação social do brasileiro em torno do futebol. Além
da paixão nacional, destaca-se o reconhecimento internacional que a marca tomou para si nos
enunciados, “sou a paixão do planeta”, “emoção”, “sou a bola rolando”, de maneira que esses
elementos posicionados na ordem em que se encontram, revelariam pistas de uma possível
representação social do Brasil – imagem que a cervejaria desejaria passar aos seus clientes.
Além desses aspectos, o enunciado “tô voltando”, coloca-se ainda, também, como uma espécie
de prenúncio ao retorno do campeão tão temido do futebol – a Seleção Brasileira – que estaria
inspirada e disposta a vencer mais um desafio.
Quanto à questão da linguagem, enquanto sistema modelizante secundário (LÓTMAN,
1996) observamos que a estratégia do uso de jingles pela cervejaria Brahma nas Copas de 1994
e 2014, objetiva amarrar, ainda mais, o estereótipo, construído cultural e socialmente, em torno
do futebol como paixão brasileira, ao consumo da bebida alcoólica.
É importante destacarmos que, toda essa construção discursiva, além de ser empregada
dentro dos discursos como uma forma de controle e regulação social, é empregada, também,
como um reforço à representação das identidades, ou valores nacionais, pois faz uso de vários
signos linguísticos concernentes, tanto aos valores e significados internos dos consumidores,
quanto aos valores externos que permitem unir a marca em torno do futebol.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A identidade nacional representada através de valores semióticos sociais dos jingles


veiculados pela cervejaria Brahma nas copas de 1994 e 2014, indicam três elementos centrais:
o posicionamento da marca, a inserção de códigos de controle e regulação sociais e a construção
de uma linguagem que parte do acionamento discursivo de enunciados do gosto popular.
A busca por essa identidade segue um caminho onde o levantamento de signos
linguístico-discursivos torna-se, de extrema importância, porque esses são signos que
representam, de uma forma geral, a chamada comunicação mediada, entre a marca e os
consumidores relativos, o que revela aspectos de um discurso isento de neutralidade, qual seja,
a ideologia que a cervejaria tenta imprimir valoração de determinadas qualidades culturais, que
seriam exclusividade da miscigenação do Brasil. Na tentativa de vender o produto e associá-lo
ao futebol (paixão nacional), a Brahma contribui, então, para o reforço de um sistema de signos
socioculturais calcados na representação, codificação e construção semióticas centradas no
futebol.
REFERÊNCIAS

ARÀN, P. O.; BAREI, S. Texto/Memoria/Cultura: el pensamiento de Iuri Lotman. 2. ed.


Córdoba: El Espejo, 2006.

BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoievski. Trad. P. Bezerra. Rio de Janeiro:


Forense Universitária, 1997.

BARBOSA FILHO, A. Gêneros radiofônicos: os formatos e os programas em áudio. São


Paulo: Paulinas, 2009.

FREITAS. G. S. P.; TRIGO, L. G. G. O processo de transformação do futebol como elemento


da identidade nacional brasileira. FuLiA / UFMG, v. 4, n. 3, set.-dez., 2019, pp. 115-134.

FREYRE, G. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da
economia patriarcal. Rio de Janeiro, Schimidt, 1933.

FREYRE, G. Sobrados e Mucambos. Rio de Janeiro, Editora Nacional, 1936.

FREYRE, G. Interpretação do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1947.

JAKOBSON, R. Lingüística e comunicação. Tradução de Isidoro Blinkstein e José Paulo


Paes. 8. ed. São Paulo: Cultrix, 1975.

LOTMAN, I. M. La se miosfera I: semiótica de la cultura y del texto. Tradução de Desiderio


Navarro. Valência: Frónesis Cátedra, 1996.

KUPPER. A. O futebol brasileiro como instrumento de identidade. Mnemosine.Vol.14, nº2,


2018, p. 219-235.

MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. Trad.


Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2012, 9 ed.

SAROLDI, L. C.; MOREIRA, S.V. Rádio Nacional: o Brasil em sintonia. Rio de Janeiro,
Funarte, 1984.
SEÇÃO 4

Estudos em Jornalismo
Capítulo 32

Fantástico, o “Show da Vida”: Uma análise do programa a partir da mistura de


jornalismo e entretenimento do conglomerado Globo

Júlia Alice Resende (UFSJ)


Ana Lígia Barbosa Chaves (UFSJ)
Lorena Sátiro de Sousa (UFSJ)
Lucas Marcelo Silveira Leite (UFSJ)
Mariana Aparecida Nascimento Silva (UFSJ)

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar e entender as dinâmicas do


infotenimento na televisão brasileira. Como programa de estudos, foi selecionado o Fantástico,
da TV Globo. Para a realização dessa pesquisa, a teoria do capitalismo monopolista foi utilizada
como base, assim como também os dados do programa. A mistura de entretenimento e
informação leva notícias cotidianas para a população de forma mais leve, tendo como
consequência muitos telespectadores.

PALAVRAS-CHAVE: conglomerados de mídia; Fantástico; infotenimento; televisão


brasileira.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho propõe uma análise minuciosa do conteúdo do programa dominical


“Fantástico”, da Rede Globo. Criado em 1973 por Boni, o programa mistura jornalismo e
entretenimento se tornando um marco nas noites de domingo para a televisão brasileira. A
inovação, do grande conglomerado de mídia Globo, está no ar até os dias de hoje e é exibido
por cerca de duas horas e meia todos os domingos, além de ser líder de audiência no horário.
A origem dos conglomerados de mídia também é estudada e está diretamente ligada ao
Capitalismo Monopolista. Com as Revoluções Industriais do século XVIII e a consequente
industrialização em massa que emergiu, o mercado foi totalmente alterado fazendo com que a
forma que o produto chegue até o consumidor seja alterada, assim como a relação de uma
empresa com outra. A partir disso, a informação também passou a ser comercializada, o que
contribuiu para a formação dos conglomerados de mídia.
A Rede Globo é um grande conglomerado de mídia brasileiro e hoje conta com diversos
canais para exibição e venda de seus conteúdos: TV aberta (Globo e suas filiais regionais),
canais em TV fechada (Multishow, GNT, GloboNews etc.), plataforma de streaming (Globo
Play), site (G1), rádio (Rádio Globo), além de perfis no Spotify, Youtube e Instagram.
Por fim, o jornalismo e o entretenimento são expostos no Fantástico como fruto desse
capitalismo monopolista que visa vender um produto oferecendo lazer e realidade. Uma matéria
traz uma notícia triste, outra reportagem fala de coisa boa. E dessa forma, como veremos, o
programa é líder de audiência no horário que é exibido e representa um símbolo de
infotenimento brasileiro.

2. O CAPITALISMO MONOPOLISTA E A FORMAÇÃO DOS CONGLOMERADOS


DE MÍDIA NO BRASIL

Após a industrialização em massa no século XVIII, as grandes empresas queriam


monopolizar o mercado, transformando os negócios da época. O mercado de ações e
investimentos passou a ser o protagonista, concentrando o capital em instituições financeiras.
Dentro dessa fase monopolista surgiram três mecanismos de monopólio: (1) Holding - compra
de empresas por determinado grupo, controlando a oferta de certos produtos; (2) Trust - fusão
de grupos da mesma área, controlando todas as etapas da produção; (3) Cartel- acordo entre
empresas do mesmo ramo para controlar a distribuição dos produtos.
A partir da nova tendência global, o meio da comunicação também foi influenciado,
transformando os jornais em um negócio, deixando de lado os fatores pedagógicos. Agora o
jornal assumia a característica de produto, acompanhando as tendências do mercado, a
informação agora estava em segundo plano, surgindo o uso do sensacionalismo para inflamar
as vendas. Com a comercialização da informação, surgiu a monopolização na comunicação,
rapidamente as grandes empresas consumiram as pequenas, concentrando ainda mais o poder.
Os jornais se tornaram padronizados, com as mesmas notícias e mesma aparência.

2.1 Conglomerados de mídia


As indústrias de informação, segundo Lima (2006), concentram-se de três formas: (1)
horizontal- uma empresa com vários negócios no mesmo ramo; (2) diagonal- um grupo com
empreendimentos em outros ramos industriais; (3) vertical- um empresário proprietário de mais
de um modal de comunicação.
Segundo Dênis de Moraes (2003), o monopólio no Brasil é visto como cruzado, o
conglomerado possui diversos meios de comunicação e os distribui em nível local e regional,
absorvendo as emissoras menores para manter a influência política dos grandes grupos. No
Brasil, no setor de rádio e televisão, apenas três conglomerados nacionais e cinco grupos
regionais atingem quase 100% do território nacional. Esses grupos têm suas concessões
mantidas pela influência de parlamentares atrelados às emissoras, mesmo que proibido pela
Constituição, diversos representantes do Poder Legislativo possuem empreendimentos na área.
Segundo Elvira Lobato (1995), os oligopólios no Brasil formaram-se por meio de uma
brecha deixada na lei, que fixou os limites por entidade e por acionista, mas não previu um
artifício simples que é o registro de concessões em nome de vários membros da família.
Surgiram e se consolidaram, então, grupos familiares, como o Grupo Globo, comandado pela
família Marinho.

2.2 Grupo Globo: O maior conglomerado de mídia do Brasil


O grupo Globo atualmente é considerado o maior conglomerado de mídia do Brasil. Ele
é formado por um grupo de empresas (Globo, a maior emissora de TV do brasil, Editora Globo,
Sistema Globo de Rádio e Globo Ventures) que cria, produz e distribui conteúdos em várias
plataformas. Jornalismo, esporte e entretenimento chegam a atingir 99,6% da população e a
programação atinge mais de 100 milhões de brasileiros todos os dias.
A TV Globo, fundada pelo jornalista Roberto Marinho, possui cinco emissoras próprias
(TV Globo RJ, TV Globo SP, TV Globo Brasília, TV Globo MG e TV Globo Nordeste), 120
emissoras afiliadas e é a maior Rede de TV aberta do Brasil. Além disso, distribui o conteúdo
aberto para 118 países através do serviço Globo internacional, por assinatura. O conglomerado
Globo abrange TV, rádio, revista, literatura, internet, cinema, música e streaming.
Fundado por Irineu Marinho em 29 de julho de 1925 no Rio de Janeiro, o jornal O Globo
foi o primeiro veículo de comunicação do conglomerado. Ele se caracteriza por seu caráter
noticioso. Após o seu surgimento, diversas empresas passaram a agregar o grupo Globo, entre
elas, a Rádio Globo em 1944, que futuramente ganharia um novo canal de TV e a Rio Gráfica
e Editora em 1952.
No ano de 1965, no Rio de Janeiro, é inaugurado o Canal 4, que futuramente se tornaria
a TV Globo, concedido pelo então presidente da República Juscelino Kubitschek para a Rádio.
A TV rapidamente se tornou um grande conglomerado de mídia, adquirindo emissoras em
vários estados brasileiros, como São Paulo, Minas Gerais e Brasília. A princípio, sua
programação era voltada para o público infantil a fim de conquistá-lo, os destaques eram “Uni
duni tê” e “Capitão furacão”.
Ainda em 1965 estreou sua primeira novela, “O ébrio”, ano em que também expandiu
sua programação para além das fronteiras brasileiras, chegando até a Europa, onde começou a
implantação dos seus serviços internacionais. Seu sucesso novelesco veio alguns anos depois,
em 1984 com a chamada “Vereda Tropical” e, em 1985 consolidou de vez sua liderança com a
trama “O Tempo e o Vento”.
O Jornal Nacional, principal telejornal da emissora, surgiu no ano de 1969. No início o
programa deixou a desejar, no entanto, a TV Globo contratou o produtor e executivo Walter
Clark para o cargo de diretor geral, dessa forma, ele foi o responsável por popularizar o
programa e fazê-lo ser o sucesso que é atualmente.
Desde 1979 a empresa está sempre em busca da inovação tecnológica, a fim de garantir
seu crescimento, atraindo públicos de todas as idades. Dessa forma, com os avanços
tecnológicos, em 2007 a emissora deu início às transmissões digitais no Brasil, sendo o
“Fantástico” o primeiro programa a ser transmitido na nova modalidade, seguido pela novela
“Duas Caras” e pelo tradicional “Globo Repórter”. Além das transmissões, a emissora também
se faz presente entre as plataformas de streaming através do Globoplay, serviço por assinatura
que exibe filmes, séries e documentários online.
Atualmente a Globo é considerada a maior empresa de telecomunicação do Brasil. No
ano de 2012 superou a CBS (Sistema de Radiodifusão Colúmbia), uma das redes de televisão
mais assistida dos Estados Unidos, se tornando então a segunda maior emissora do mundo,
ficando atrás apenas da ABC (Companhia Americana de Radiodifusão) responsável por séries
como Grey's Anatomy, The Good Doctor, entre outras.

3. JORNALISMO E ENTRETENIMENTO: ANÁLISE DO "FANTÁSTICO"

O entretenimento traz diversão e distração para as pessoas, e, enquanto isso, o


jornalismo traz informações reais, deixa a sociedade ciente do que está acontecendo ao seu
redor. Juntando estes dois conceitos, nasceu o infotenimento (informação + entretenimento),
tendo como principal objetivo o aumento de audiência, mas que ameaça a verdade que é
buscada pelo jornalismo.
Esse termo, segundo a CNU (Central de Notícias Uninter), surgiu na década de 1980,
ganhou força no final de 1990 e apresenta reportagens sobre estilo de vida e curiosidades, entre
outros assuntos. Um exemplo de infotenimento no Brasil é o Fantástico, programa de televisão
da Rede Globo (e, inclusive, o primeiro programa brasileiro desse gênero) que passa aos
domingos, geralmente de 20h30 às 23h, com duração aproximada de 185 minutos. O Fantástico,
por misturar entretenimento e jornalismo, não se preocupa tanto quanto os demais programas
jornalísticos em transmitir uma novidade, uma notícia fresca. Desse modo, o programa
transmite matérias atemporais, ou seja, não importa o momento em que a matéria for
transmitida, ela nunca deixará de ser atual.

3.1 Histórico do Fantástico e Corpus de Análise


O programa Fantástico, conhecido também como Show da Vida, estreou na Globo nos
anos de 1973 e foi um marco na história, já que formava uma revista eletrônica que reunia
jornalismo e entretenimento com o objetivo de transmitir a informação de forma descontraída
e acessível. Como dito, sua estrutura é como uma revista, na qual mescla as informações a fim
de atrair a atenção dos telespectadores em um programa de duas horas de duração.
Logo na primeira edição, o show da vida abordou temas relevantes no esporte, na arte,
cultura, humor e informação. Desde a estreia, o Fantástico reservava um espaço privilegiado
para números musicais, funcionando como um laboratório de inovações cênicas, cenográficas
e coreográficas.
Para realizar este trabalho, o Fantástico foi analisado dentro de uma perspectiva
histórica e atual. A exibição estudada a fundo foi a do dia 18 de setembro de 2022, em que foi
possível constatar que as estratégias desenvolvidas ao longo do tempo valem até os dias de hoje.
Além desse programa, algumas matérias específicas também foram destrinchadas.
Antes de uma abordagem mais profunda do programa, cabe destacar sua relevância para
o público em geral. Segundo as avaliações no Google, 77% das pessoas dizem gostar do
programa. Em 02 de janeiro de 2022, de acordo com pesquisa da Kantar Ibope Media, o Show
da Vida foi líder de audiência com folga (mais de 50%). Além disso, ele está no top 5 dos
principais programas da Globo.

3.2 Temáticas e apresentadores: análise do “Show da Vida”


Por misturar entretenimento e jornalismo, o Fantástico não se preocupa tanto quanto os
demais programas jornalísticos em transmitir uma novidade, uma notícia fresca. Desse modo,
o programa transmite matérias atemporais, ou seja, não importa o momento em que a matéria
for transmitida, ela nunca deixará de ser atual. Não tem como assistir o programa e não perceber
a comunicação entre os apresentadores. A troca de angulação está presente do início ao fim,
além do jogo de olhares entre os âncoras e a câmera, como se estivessem conversando com os
espectadores. Com tecnologias de última geração, permitem uma imersão e criação de cenário
para o estúdio de acordo com cada assunto tratado.
Tais aspectos são visíveis na reportagem exibida no dia 05 de dezembro de 2022 sobre
Metaverso. Na reportagem, a apresentadora Poliana Abritta contextualiza a fácil busca por
informações na internet mexendo em dos computadores do próprio estúdio do Fantástico. Em
uma rápida transição, Maju Coutinho, a outra apresentadora, passa a ser o foco da angulação da
câmera. Dessa vez, no palco principal do programa, em que Poliana chega segundos depois. No
meio da conversa, o repórter Felipe Santana ingressou no estúdio em uma versão inicial do
Metaverso, transmitindo sua imagem de Nova York (nos Estados Unidos), mas aparentando
estar presencialmente com as apresentadoras.
No que tange aos apresentadores, a postura e comportamento ao longo do programa
seguem um padrão: estão sempre de pé, com vestimentas formais e expressões faciais de acordo
com o que apresentam. A câmera geralmente enquadra de modo que aparece todo o corpo deles,
ou seja, permite uma visão mais ampla do estúdio. Na medida que o assunto fica mais sério, o
cinegrafista aproxima a gravação para o rosto dos apresentadores. A voz que narra as
reportagens, por vezes é a do próprio âncora ou algum dos repórteres especiais do “Show da
Vida”.
Citando nomes, vários apresentadores já passaram pela bancada, sejam jornalistas ou
artistas. O responsável por comandar a estreia foi Sérgio Chapelin, que já traçava sua trajetória
nos jornais da Globo desde 1972, onde permaneceu pela maior parte de sua carreira até se
aposentar em 2019. Chapelin fez participações eventuais no Fantástico até 1989.
Cid Moreira, com sua voz marcante, foi apresentador do Fantástico eventualmente
durante as décadas de 70 e 80 e fazia locuções em off de quadros do programa na década de
1990. Chico Anysio também teve suas aparições nos primeiros anos do programa com um
quadro de humor. Além deles, nomes como Berto Filho, Fernando Vanucci, Celso Freitas e
Edson Celulari já passaram pelo palco da revista eletrônica.
Em setembro de 1988, o Fantástico passou a ser apresentado ao vivo em comemoração
aos seus 15 anos. Na época, Chapelin ganhou a companhia de Valéria Monteiro e William
Bonner, que descreve a estrutura do programa na época:
Naquele período, o Fantástico começou a intercalar jornalismo com
variedades: em vez de ter um setor de jornalismo fixo. O José Itamar
de Freitas fazia um pré-espelho: página um, abertura forte, assunto
do dia muito forte; página dois, um assunto mais leve do dia em nota;
página três, musical; página quatro, variedade; página oito,
comercial. Ele começou a estabelecer categorias de notícias e o
Fantástico era um sucesso estrondoso de audiência. Mas ele era um
alquimista de um espelho. Ele criou aquilo e só ele conseguia
controlar. Então, era um programa riquíssimo (BONNER, 2008).

Dentre os âncoras que marcaram o programa durante a década de 1990, Dóris Giesse,
Carolina Ferraz, Fatima Bernardes, Helena Rinaldi, Glória Maria (que permaneceu no
programa até 2007) e Pedro Bial (que permaneceu no programa até 2007 juntamente com Glória
Maria) demonstram como o time escalado para o Show da Vida carregava nomes de peso dentro
da emissora, com uma mistura de jornalistas e artistas da casa, caracterizando ainda mais o
programa como uma revista eletrônica que traz informação e entretenimento.
Renata Ceribelli, que permanece no Fantástico até os dias de hoje como repórter
especial, estreou no programa em 1999. Em abril de 2004, o Departamento de Arte da Rede
Globo criou uma apresentadora virtual para o programa: Eva Byte. Seu rosto era uma mistura
de vários traços característicos da mulher brasileira, e o seu nome foi escolhido pelos
telespectadores do programa. No início, só a cabeça da personagem aparecia no vídeo e depois
ela começou a contracenar com os apresentadores reais.
Após a saída de Glória Maria e Pedro Bial, Zeca Camargo (que já fazia aparições no
programa desde 1996) assumiu o comando ao lado de Patrícia Poeta. Zeca permaneceu até 2013
e Patrícia, por sua vez, saiu em 2011. Depois, teve a fase de apresentação do jornalista Tadeu
Schmidt, que participava do time do Show da Vida desde 2007. Apresentou o programa no
lugar de Zeca Camargo até 2021, já que passaria a apresentar o Big Brother Brasil (outro
programa da emissora). Ao lado de Tadeu, Renata Vasconcellos teve uma rápida passagem no
dominical e em 2014, Poliana Abritta assumiu o cargo.
No lugar de Tadeu, Maju Coutinho, que apresentava o Jornal Hoje, foi a apresentadora
contratada. Hoje, ela e Poliana estão à frente do programa de forma brilhante e representativa
para as mulheres.
Cada apresentador, com suas características e credibilidade, contribuiu e contribui com
a dinâmica do programa, carregada de gestos e expressões que fazem com que esses assumam
o papel de mediadores.
3.3 Quadros que marcaram o programa
Além da análise dos quadros atuais, para compreender o Fantástico como um programa
que mistura jornalismo e entretenimento, é necessário estudar os quadros que marcaram os 49
anos de exibição do programa.
Um dos primeiros a serem criados e exibidos foi o quadro de humor estrelado por Chico
Anysio. Durante os primeiros 16 anos do Show da Vida, todos os domingos, o humorista
apresentava um monólogo e contava as aventuras do personagem Azambuja (criado por ele
para o programa). Por vezes, interrompia a história para a exibição de reportagens do dia. Ele
sempre encerrava sua participação com um movimento com a mão estendida em direção à
câmera como se ele a puxasse para si. Em 1992, ele apresentou o quadro Secretária Eletrônica,
lendo recados de telespectadores do programa. Além disso, apresentou o quadro Cartão de
Visitas em 2003. A trajetória de Chico marcou o programa Fantástico.
Já na década de 90, o “Repórter por 1 dia” levou famosos para cobrirem os mais variados
assuntos, misturando o trabalho do jornalismo com a diversão de ser feito por artistas. Este
trabalho jornalístico também foi abordado em outro quadro do programa, dessa vez no ano de
2006: o “Profissão Repórter”. Caco Barcellos, mostrava os bastidores da produção de uma
reportagem televisiva. O roteiro deixou de ser um quadro do Fantástico para se tornar um
programa independente da Globo, ainda em 2006.
Além dos já citados, “Mister M” foi um grande sucesso do Fantástico na década de
1990. Mister M revelava os segredos de truques de ilusionismo, sendo mais um quadro voltado
para o entretenimento. Seguindo o mesmo objetivo, “Sitcom.br” apresentava situações cômicas
estruturadas em torno de monólogos.
No quesito esporte, os “Cavalinhos do Fantástico”, criados por Tadeu Schmidt em 2008
são um fenômeno e permanecem no programa até os dias de hoje. São os cavalinhos (de
fantoche) que noticiam as novidades da semana no futebol.
Outros quadros, como “Medida Certa”, “Vai fazer o quê?”, “Bem sertanejo” e “Cadê o
dinheiro que estava aqui?”, marcaram o Show da Vida na década de 2010. Porém, o “Fant360”
é o que mais se destaca em questão de novidade e desenvolvimento tecnológico. No quadro,
reportagens de Renata Ceribelli e Mari Palma são exibidas com tecnologia de gravação em 360
graus, permitindo que o público escolha para onde quer olhar. “Não é mais a edição que decide
as imagens que serão mostradas. Cada pessoa escolhe para onde vai olhar, o que quer ver, em
360 graus. É muito desafiador participar de um projeto desse, de mudança da linguagem, um
vídeo feito para ser assistido pela internet”, explica Renata Ceribelli.
3.4. As marcas e símbolos do Fantástico
Apesar de os apresentadores exercerem papel fundamental no produto final, outros
elementos do programa fazem com que seja criada uma identidade para o mesmo. Pensando no
Fantástico, diversos símbolos vêm à cabeça, como a logomarca escrita “Fantástico” em espiral;
o ritmo da música “É Fantástico” que acompanha a logomarca; a abertura do programa e, ainda,
o famoso pedido de música no programa (tal tradição foi criada no momento de o programa
abordar os esportes: o time ou até mesmo o jogador que fizesse gol três vezes poderia escolher
uma música para tocar).
Sobre as aberturas, o Show da Vida já desenvolveu cerca de 16 diferentes ao longo de
seus 49 anos de história. Entre uma reportagem e outra sempre aparece uma parte da abertura
ou a logo do fantástico com a música, o que destaca a marca. As aberturas escolhidas para uma
abordagem mais detalhada neste trabalho foi a primeira (de 1973), a 1987 e a atual (de 2022).
Segundo o Memória Globo, os figurinos da primeira abertura foram inspirados no
espetáculo Pippin, um musical estrelado por Marília Pêra, na época em cartaz no Teatro
Manchete. Na abertura, duas crianças corriam para o centro de um cenário totalmente branco e
descobriam véus que ocultavam dançarinos vestidos com fantasias parecidas com as usadas no
carnaval de Veneza. Os bailarinos dançavam ao som de um tema composto e arranjado pelo
diretor musical Guto Graça Mello e gravado pela orquestra e coral da Globo, com produção
musical de Aloysio de Oliveira. Nesse início, a atração era mais longa: tinha quase 3 minutos
de duração e terminava com a aparição da logo do Fantástico (na época, com escrita linear e
com letras vazadas. Na primeira linha “Fantástico” e logo abaixo, “Show da Vida”).
Já nas cenas criadas em 1987 e que permaneceu no ar até 1994, marcante para vários
telespectadores, a duração final já era menor, de quase 2 minutos. Na abertura, a modelo Isadora
Ribeiro e Ciro Barcelos emergiam lentamente das águas do lago Mono Lake, na Califórnia. Nas
cenas seguintes, os bailarinos dançavam em cima das montanhas da Escócia, em geleiras no
Alasca, numa caverna na Turquia, nas dunas do deserto do Saara e sobre os rochedos do Grand
Canyon, nos Estados Unidos. Na cena final, a câmera sobrevoava a Floresta Amazônica, subia
aos céus e chegava ao espaço, de onde focalizava a imagem do planeta Terra sendo envolto
pelo logo do Fantástico.
Por fim, a atual abertura do programa foi criada em celebração às suas 2.500 edições.
Do corpo dos bailarinos e a partir dos movimentos feitos por eles, surgem elementos gráficos
que evocam os quatro elementos da natureza. Inicialmente, três bailarinos começam a
coreografia sozinhos, cada um em um cenário e com a imagem do vídeo alternando entre eles.
Nesse momento, eles estão descobrindo o que emerge de seus corpos e à medida que dançam,
cada um dos três ganha um parceiro na coreografia. Ao final todos se juntam e outros dançarinos
aparecem, juntando também todos os elementos que cada um foi capaz de “criar” com seu
corpo. A abertura se encerra com a nova logomarca do Fantástico que, dessa vez, remete à
imagem do universo.

Programa celebra 2.500 edições com nova abertura. Desta vez, aos
quatro elementos da natureza (ar, terra, água e fogo) soma-se um quinto:
dados transformados em arte e movimento. A narrativa evoca a força
do coletivo e a coreografia incorpora a tendência de danças replicáveis
e urbanas. A trilha clássica ganha novo arranjo com sons orgânicos e
integrados aos bailarinos (TV Globo, Canal do YouTube)

3.5 Análise da exibição do dia 18/09/2022


O programa do dia 18 de setembro de 2022 foi dividido em 6 blocos e apresentado
somente por Maju Coutinho. Uma reportagem sobre a abertura da cápsula do tempo enterrada
há 50 anos em uma escola de Piracicaba, São Paulo, foi a escolhida para ganhar mais tempo de
exibição e iniciar o programa. Insta destacar que o programa, em todos os domingos, começa
com a matéria e somente depois que passa a abertura do programa, os destaques e o famoso
intervalo de dez segundos para o início do Show da Vida.
Após o intervalo, o penúltimo episódio da série “Meu Nome é Brasil” é a atração. O
quadro é um ótimo exemplo de mistura de jornalismo e entretenimento, já que mostra a história
de brasileiros que se chamam “Brasil”, destrinchando informações jornalísticas para compor a
reportagem. No episódio do dia 18, o tema da informalidade trabalhista e dos impactos da
pandemia presentes na vida dos dois homens protagonistas foram apurados no âmbito nacional,
trazendo, no meio da reportagem, dados estatísticos e gráficos de pesquisas.
Logo após, outro gênero do jornalismo foi explorado: a entrevista. Além disso, o
Fantástico mostrou seu lugar dentro do conglomerado Globo e sua interligação com os outros
programas da casa. Yuval Noah Harari, escritor israelita prestes a lançar um novo livro, foi
entrevistado por Maju Coutinho de forma remota. Quem participou diretamente do estúdio
foram as crianças do quadro “Pequenos Gênios” do Domingão com o Hulk, fazendo diversas
perguntas a Yuval.
Partindo para o lado científico, o Brasilodon, novo mamífero descoberto em solo
brasileiro, foi o alvo da próxima reportagem, já que um cientista brasileiro ajudou em sua
identificação e caracterização como mamífero a partir de seus fósseis. Para fechar o bloco, foi
exibido a notícia da mãe e filha que ficaram presas em uma mata no interior de Minas Gerais
por 3 dias, dessa vez como uma matéria de menor duração e entrevista da mãe em sua própria
casa.
Em seguida, foram apresentados os destaques do próximo bloco e o intervalo. Já na
volta, o programa abordou a temática cultura foi a que se sobressaiu. Primeiro, trouxe a
reportagem de uma cantora com problema auditivo que fez show no Rock in Rio testando um
equipamento desenvolvido para que surdos também pudessem ouvir o show. Sem voltar para o
estúdio do programa, Maju Coutinho narra a próxima atração que já está sendo exibida aos
olhos dos espectadores: apresentação do Cirque Du Soleil, anunciando, ao final, que “Domingo
que vem tem mais”.
Com esse momento de descontração, a tensão toma espaço diante o próximo assunto:
uma denúncia de trabalho escravo e tortura na Comunidade Lucas. Diversas entrevistas e
análises são realizadas em um viés investigativo e a reportagem é a de maior duração do
programa: 20 minutos.
O terceiro bloco é encerrado e com a volta do intervalo, mais uma vez a Globo tem seu
momento de marketing. A pauta da reportagem é o ineditismo da emissora estar produzindo
três novelas “das nove” ao mesmo tempo: os últimos capítulos de Pantanal; sua sucessora
Travessia e Todas as Flores, que será exibida somente no Globoplay. A repórter e o câmera
andam pelo Projac entrevistando artistas, invadindo cenários e reforçando a grandeza da marca.
Ainda abordando o entretenimento, Maju entrevista Viola Davis, indicada na categoria
de melhor atriz no Oscar 2021. A estreia do filme “A mulher Rei” no Brasil é o assunto principal
da conversa. A matéria seguinte é sobre o artista brasileiro que pintou um painel na sede do
prédio da ONU (Organização das Nações Unidas) e a importância desse acontecimento em sua
carreira e para a cultura brasileira.
Como no bloco anterior, a reportagem mais delicada e noticiosa é deixada para o fim,
como uma estratégia de segurar a audiência. Dessa vez, a investigação da morte do ganhador
de um prêmio da Loteria é a manchete da última reportagem do bloco.
O quinto bloco traz as principais notícias internacionais e dois temas importantes para
o país. A reportagem de um terremoto que ocorreu no sudeste do Taiwan é seguida pela matéria
sobre a morte da Rainha Elizabeth II, que seria enterrada no dia seguinte. Em seguida, há duas
semanas das eleições presidenciais, o programa perpassa pela agenda de campanha dos
candidatos à presidência. Voltando para o conteúdo internacional, Hillary Clinton, esposa do
ex-presidente norte-americano Bill Clinton e candidata nas eleições presidenciais dos Estados
Unidos em 2016, é a pauta da próxima matéria.
A última reportagem noticiosa do programa é uma denúncia. A vítima denuncia os
abusos sofridos pelo cantor e compositor Leandro Lehart. Ao final, Maju anuncia que a
denúncia é também o tema do Podcast do Fantástico da semana, demonstrando, mais uma vez,
a gama de serviços oferecidos pelo conglomerado.
Após destaques e intervalo, o sexto bloco, que é totalmente dedicado ao jornalismo
esportivo, se inicia. Com apresentação de Alex Escobar e participação especial dos “Cavalinhos
do Fantástico”, os gols da rodada do Brasileirão e as principais notícias do mundo do esporte
são exibidas. Ao final, ocorre a premiação “Gol do Fantástico”. De volta ao palco, Maju
Coutinho se despede e encerra o programa que já é referência no domingo à noite.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Fantástico, que pode ser considerado o primeiro programa de infotenimento do Brasil


ou o programa de maior audiência no segmento da TV Aberta e que se mantém como um dos
principais produtos da Globo aos domingos, ainda possui um público grande e fiel. São 49 anos
no ar sem interrupções, ou seja, o infotenimento no Brasil dá muito certo. Mas, para isso, é
necessário evoluir e desapegar de estratégias televisivas antigas. A criação de novos quadros e
a troca de apresentadores do Fantástico é a prova disso. É a afirmação do capitalismo
monopolista na área e da Globo como conglomerado de mídia.
Hoje, mantendo a fórmula de sucesso que mescla informação e entretenimento, o
Fantástico tem buscado se adaptar com a nova lógica das mídias. Busca estabelecer uma maior
interatividade, com quadros que convocam o público a participar. Atentos à audiência, são
mantidos apenas quadros bem-sucedidos. Há uma inserção tanto de jornalistas, com reportagens
investigativas, como de celebridades do mundo do entretenimento, seja para conceder
entrevistas sobre novos lançamentos na área da teledramaturgia, da música, seja para
apresentações musicais. O modelo que remete ao Padrão Globo de Qualidade foi mantido, mas
tem sido mais ágil para manter a audiência cativa.

REFERÊNCIAS

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<https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/jornalismo-e-
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BONNER, William. Jornal Nacional. Modo de Fazer. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2008.
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GOMES, Luana. É Fantástico! Gênero e modos de endereçamento no telejornalismo show. In:


GOMES, IMM., org. Gênero televisivo e modo de endereçamento no telejornalismo
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KANTAR IBOPE MEDIA, Audiência do horário nobre – 15 Mercados – 27/12 a 02/01/2022.


Rio de Janeiro, 02 de janeiro de 2022. Disponível em:<
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LIMA, Venício de. Mídia. Crise política e poder. São Paulo: Perseu Abramo, 2006.

LOBATO, Elvira. Raio X das telecomunicações. Comunicação & Educação, (3), 1995, p.36-
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MORAES, Dênis. O capital da mídia na lógica da globalização. IN: MORAES, Dênis de (Org.).
Por uma outra comunicação: mídia, mundialização cultural e poder. RJ: Record, 2003.

QUADROS. Memória Globo, 2022. Disponível em:


<https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/jornalismo-e-
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Como e por que a Globo caminha para ser uma empresa de mídia e tecnologia? Minha
operadora, 2021. Disponível em: <https://www.minhaoperadora.com.br/2021/05/como-e-por-
que-a-globo-caminha-para-ser-uma-empresa-de-midia-e-tecnologia.html> Acesso em: 19 de
setembro de 2022

SILVA, Ana Elisa Cristina. Análise de conteúdo e verificação da presença do infotenimento


nas revistas eletrônicas Fantástico e Domingo Espetacular. Revista Vernáculo, n.32, 2013,
p.167-202.
Capítulo 33

O enquadramento da crise hídrica no governo Bolsonaro pela Folha de S. Paulo

Gabriela Clara Gomes (UFSJ)


Lisley Helena Cruz (UFSJ)

RESUMO: O presente artigo analisa o enquadramento noticioso das notícias publicadas pelo
jornal Folha de S. Paulo acerca da crise hídrica e energética no governo do presidente Jair
Bolsonaro. Para a construção deste estudo, serão abordadas as teorias do jornalismo e do
enquadramento noticioso (TRAQUINA, 2005; FRANÇA, 2012; PORTO, 2004). Além disso,
se fez necessário realizar a contextualização da crise, de suas causas e consequências
socioeconômicas, e das posições tomadas pelo governo (YASSUDA, 1993; CAMARGO
NEGO, 2018). Quanto ao objeto empírico, foram analisadas notícias publicadas na Folha de S.
Paulo, no período entre 27 de setembro a 01 de outubro de 2021. Foi feita uma Análise de
Conteúdo, com base em Bardin (2011), a partir das categorias: temáticas, fontes, gênero
jornalístico e enquadramento noticioso.

PALAVRAS-CHAVE: Crise Hídrica; Bolsonaro; Enquadramento; Folha de S. Paulo.

1. INTRODUÇÃO

No dia 26 de agosto de 2021, em sua live semanal, o presidente Jair Bolsonaro (PL)
afirmou que o Brasil estava enfrentando uma das piores crises hídricas da história. Ele
aproveitou a transmissão ao vivo para dar algumas dicas de como minimizar a situação: “Vou
até fazer um apelo a você que está em casa agora: tenho certeza que você pode apagar um ponto
de luz na sua casa agora. Peço esse favor para você, apague um ponto de luz agora…”. E
continuou com outras recomendações em outras lives, como a de 26 de setembro, no qual ele
ressalta: “Tomar banho é bom, mas se puder tomar banho frio, é muito mais saudável, ajude o
Brasil”. Foram as palavras do presidente ao público em sua live transmitida pelo YouTube.93
Para o entendimento da gravidade da questão, é importante ressaltar que dados do
Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apontam que a crise hídrica vivida pelo país,
atualmente, é a pior dos últimos 91 anos. Dentre as principais causas que fizeram com que a
situação se tornasse tão séria, destaca-se as mudanças climáticas, que geram impactos na
recorrência de chuvas. Tal fato impacta diretamente o fornecimento de energia elétrica, que, no
Brasil, é produzida principalmente pelas hidrelétricas. Além disso, é ressaltado por especialistas
e pela mídia que a ausência de ações governamentais rápidas para a amenização do problema e
de políticas que priorizem o cuidado com o meio ambiente também são causas graves da crise.
Em uma entrevista concedida ao Portal G1, publicada no dia 1° de setembro, Renato Queiroz,
pesquisador do Grupo de Economia da Energia da UFRJ, comenta sobre o atraso na adoção de
medidas por parte do governo: "Já sabíamos que 2021 seria problemático. E o que deveria ser
feito? Segurar água nos reservatórios e colocar mais térmicas para despachar. Por que não faz
isso? Porque nossa conta de luz já é muita cara"(QUEIROZ in PORTAL G1, 01 de setembro de
2021).
A comissão instaurada para tratar da crise hídrica tem como proposta investigar suas
causas. Em 20 de setembro de 2021, em entrevista ao Poder 360, o senador Jean Paul Prates
(PT), ressaltou que o governo foi omisso na crise. “Nós vamos verificar se o governo
deliberadamente deixou as hidrelétricas baixarem ao ponto que ficou muito caro acionar as
outras alternativas ou se simplesmente negligenciou, não sabia o que estava fazendo” (PRATES
in PODER 360, 20 de setembro de 2021). Tanto especialistas quanto a imprensa vêm criticando
a falta de posicionamentos do governo federal, segundo a uma publicação no Jornal de
Brasília94, Amanda Ohara, consultora do Instituto Clima e Sociedade, declarou sobre o
posicionamento de alguns diante da situação: “A gente vê ministros e outras figuras aparecendo
e negando que estamos diante de um risco de racionamento e de apagões”.
A partir do agravamento da situação, algumas medidas do Governo e da Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tiveram que ser tomadas. As bandeiras tarifárias
funcionam como uma espécie de indicador do custo de geração de energia e, normalmente, são

93 JAIR BOLSONARO, live semanal no Youtube, 26 de agosto de 2021. Disponível em


https://www.youtube.com/watch?v=0hakDwSiyGA&t=1033s. Acesso em 10 de novembro de 2021.
94 https://jornaldebrasilia.com.br/noticias/economia/negacionismo-do-governo-na-crise-de-energia-custara-caro-
dizem-especialistas/. Acesso em 10 de novembro de 2021.
divididas em verde, amarelo, vermelha 1 e vermelha 2, sendo a primeira referente à quando os
reservatórios estão normais e a última à quando as condições para a produção de energia estão
muito custosas. Em decorrência da crise hídrica, houve a criação da bandeira de escassez
hídrica, que gerou aumento de 6,78% na tarifa média da conta de energia dos consumidores
regulados.
É por isso que a escassez hídrica também gera impacto em outros segmentos, como a
elevação no preço da conta de luz. Além disso, ainda implica no aumento da inflação, afeta o
Produto Interno Bruto (PIB), e a indústria, de acordo com a Associação Brasileira de Pequenas
Centrais Hidrelétricas. A economista Alessandra Ribeiro, em entrevista para o Portal G1
ressalta que "o aumento da energia elétrica afeta o orçamento das famílias e reduz o poder de
compra dos brasileiros (...) e não é só a energia elétrica. Há outras altas importantes relacionadas
a alimentação e combustível, por exemplo" (RIBEIRO in PORTAL G1, 01 de setembro de
2021).
Para que a análise da cobertura midiática sobre estes fatos seja realizada, é importante
compreender alguns fatores que cercam o jornalismo, como as notícias são produzidas e quais
são os significados por trás das escolhas jornalísticas. Por isso, o artigo traz uma análise do
enquadramento noticioso das notícias publicadas pela Folha de S. Paulo no período de 27 de
setembro a 01 de outubro de 2021 a respeito da crise hídrica. Pretende-se analisar as temáticas
trabalhadas sobre o assunto, fontes acionadas e o enfoque (ou enquadramento) dado pelo
veículo noticioso.

2. RECURSOS HÍDRICOS: CONTEXTUALIZAÇÃO

A questão dos recursos hídricos é tida, muitas vezes, como uma pauta inteiramente
ambiental. Todavia, é notável como a temática interfere em diversas outras esferas, como na
política, na economia, e na sociedade como um todo. Desse modo, a discussão sobre a água e a
crise hídrica não deve ficar restrita a apenas um campo, e sim ser realizada de modo que leve
em conta todos os aspectos sociais.
A água é essencial para a manutenção da vida no planeta, ou seja, para suprir
necessidades básicas dos seres vivos, que vão desde a alimentação, hidratação, higiene e
saneamento até a geração de energia elétrica. De acordo com Yassuda (1993), o século XX foi
marcado pela priorização do uso dos recursos hídricos para o setor energético, o que fez com
que as hidrelétricas dominassem todos os departamentos gestores de água, e, desse modo,
gerando grande influência na economia.
E a água continua, até os dias atuais, representando grande parte do potencial energético
do país, já que, de acordo com dados publicados pela Agência Nacional de Energia Elétrica
(ANEEL), em 2021, 67% da energia gerada no Brasil e 62,48% da potência instalada vêm de
usinas de fonte hídrica. Além disso, o Brasil destaca-se por possuir três entre as 10 maiores
usinas do mundo, sendo elas a Itaipu Binacional, a Belo Monte e a Tucuruí.
Apesar da versatilidade do uso da água e de sua essencialidade inegável, a exploração
deste bem natural se torna, cada vez, maior, uma vez que, além de fonte de vida, é, também,
meio para obtenção de lucro. Ignorando o bem da natureza, os recursos hídricos são vistos
unicamente como produto, e, dessa forma, são alvo de incessante degradação.

Isso orienta nossa atual política capitalista, que vê o natural como


oportunidade de prospecção financeira imediata, ignorando sua
função de longo prazo, de regulação do equilíbrio do sistema
planetário por meio dos diversos ciclos naturais, como da água,
hidrogênio, oxigênio, carbono, os quais demandam um ambiente rico,
complexo e bem preservado (CAMARGO NETO, 2018, p.9)

O Brasil é um país que possui abundância de água doce. Entretanto, a ausência de


cuidado com este bem natural gera consequências graves ao meio ambiente e à sociedade.
Segundo um estudo realizado pelo Instituto Trata Brasil, que se baseou em dados do Sistema
Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), aproximadamente 40% da água doce do
Brasil é desperdiçada, e este número apenas cresce.
Nesse sentido, tendo por intuito promover uma administração e fiscalização correta e
transparente do uso dos recursos hídricos, é importante que haja interferência governamental
nestas questões.
O suporte político tem-se revelado necessário, em todos os países, para a modernização
administrativa e a efetiva implantação da gestão integrada dos recursos hídricos. Tal suporte
depende de decisão clara e vontade executiva da mais elevada autoridade governamental, sendo
indispensável para dar coerência ao comportamento do poder público. Este frequentemente
tende a ser contraditório, pela ação corporativista de escalões inferiores que são contrários à
integração para não perderem privilégios e poder burocrático (YASSUDA, 1993, p.10).
Um exemplo de interferência do governo nessa questão é a Lei das águas. Foi com o
objetivo de gerir e de garantir a proteção legal dos recursos hídricos, que foi criada, no ano de
1997, a chamada Lei das Águas, de n° 9.433. A partir deste momento, com aprovação do
presidente da época, Fernando Henrique Cardoso, houve um comprometimento governamental
com o cuidado e com a preservação deste bem natural.
Entretanto, atualmente, as problemáticas ambientais não são antepostas, e esta é uma
das principais causas de consequências nocivas à sociedade e ao bem-estar comum, como a
estiagem, as mudanças climáticas e a escassez de recursos. Para Carlos Walter Porto-
Gonçalves, o Ministro da Economia do Governo Bolsonaro, Paulo Guedes, representa, a partir
de suas falas, a priorização da economia sobre o cuidado aos bens naturais. “A análise política
e epistemológica das declarações de Paulo Guedes no Fórum Econômico de Davos revela os
limites de sua compreensão sobre o meio ambiente em função de sua subserviência ao
neoliberalismo e ao capitalismo financeiro global” (PORTO-GONÇALVEZ, 2020, p.5).
Segundo uma notícia publicada pelo Portal G1 a respeito da diminuição de chuvas e
possibilidade de crise hídrica no Estado de São Paulo, no dia 14 de junho de 2021, especialistas
apontam que as principais causas da atual seca são o desmatamento da floresta Amazônica,
região que enfrenta inconsequente expansão agrícola e madeireira, e a queima de combustíveis
fósseis responsável pelo aquecimento global.
Outra notícia, também publicada pelo Portal G1, no dia 1º de setembro de 2021, traz a
visão de especialistas de que o governo demorou tempo demais para admitir, de fato, a
gravidade da crise hídrica, e, assim, tomar decisões a respeito do caso, como a adoção da nova
bandeira tarifária.
Portanto, devido às condições precárias de cuidado do meio ambiente e à negligência
governamental, somado ao desmatamento e à deficiência de chuvas, deu-se a situação da crise
hídrica vivida no Brasil, no ano de 2021. De acordo com órgãos do governo federal, o país
enfrenta a pior seca registrada em 91 anos. E, em função da dependência brasileira da
capacidade de geração de energia às hidrelétricas, consequentemente, a crise energética, o risco
de um apagão e de racionamento de água se tornaram uma preocupação geral, que impacta a
natureza, a sociedade e a economia.

3. AS TEORIAS JORNALÍSTICAS E A PERSPECTIVA CONSTRUCIONISTA

Com o propósito de entender o jornalismo enquanto discurso, necessita-se compreender


os aspectos que os permeiam, como as teorias do jornalismo. As propostas teóricas são
apresentadas na obra de Traquina (2005), de uma forma ordenada, instruindo a compreensão
das produções de notícias. Desse modo, algumas dessas teorias destacam-se com esse estudo.
Discute-se, então, as teorias do jornalismo, o dilema da objetividade jornalística e o
enquadramento noticioso.

3.1 Teorias do Jornalismo


Tal como a Teoria do Espelho, que surge no século XIX, com a ideia de que as “notícias
são como são”, ou seja, as notícias são como uma representação idêntica da realidade, um
espelho, o jornalista narra os fatos de maneira imparcial. Já na Teoria da Ação Pessoal ou
Gatekeeper, Traquina (2005) ressalta que o termo gatekeeper relaciona às decisões tomadas por
uma pessoa a partir de uma sequência de outras decisões. Desenvolvida por David Manning
White, as notícias precisam passar por gates, ou seja, portões, o jornalista tem que tomar a
decisão do que é notícia ou não.
Uma outra teoria notável, proposta por Warren Breed, é a Teoria Organizacional,
segundo Traquina (2005), essa teoria argumenta que o jornalista não confronta a política
editorial, se conformando com ela. Breed apresenta seis causas desse conformismo: (1) a
autoridade institucional e as sanções, (2) os sentimentos de obrigação e de estima para com os
superiores, (3) as aspirações de mobilidade, (4) a ausência de grupos de lealdade em conflito,
(5) o prazer da atividade e (6) as notícias como valor.
No entanto, as Teorias de Ação Política têm como ponto central a relação do jornalismo
com a sociedade. As demandas sociais e políticas tornaram-se questões para serem abordadas
neste estudo. Traquina (2005) ressalta que os media tornam-se instrumentos ativos para servir
interesses políticos.

Assim, nas teorias da ação política, os media noticiosos são vistos de


uma forma instrumentalista, isto é, servem objetivamente certos
interesses políticos: na versão de esquerda, os media noticiosos são
vistos como instrumentos que ajudam a manter o sistema capitalista;
na versão de direita, servem como instrumentos que põem em causa
o capitalismo. Seja de esquerda, ou de direita, servem os interesses
políticos de certos agentes sociais bem específicos que utilizam as
notícias na projeção da visão do mundo, sociedade etc. (TRAQUINA,
2005, p.163)

Contrário à Teoria do Espelho, as Teorias Construcionistas abordam a mídia como um


mecanismo de construção da realidade. Para França (2012), em sua obra “O acontecimento e a
mídia”, o jornalismo narra os fatos a partir da construção em torno de um acontecimento, a
autora afirma que: “Não é o impacto do acontecimento que importa - ou sequer se ele aconteceu,
mas a construção midiática em torno dele” (FRANÇA, 2012, p. 15). A autora ressalta que os
acontecimentos só passam a existir enquanto discurso quando as narrativas sociais são
construídas em torno deles.
Já a Teoria Frankfurtiana, criada a partir da consolidação da indústria cultural,
independente de como os fatos são narrados, enxerga o jornalismo como uma espécie de
produto. Ou seja, esta visão procura analisar as mídias como mercadoria e promove um olhar
voltado para a divisão do trabalho e para as funções específicas dentro do jornalismo. Nesse
sentido, é interessante analisar as responsabilidades de cada profissional em todas as etapas de
produção para a compreensão do trabalho jornalístico como um todo nas redações. Para realizar
a explicação dessa teoria, Habermas (1984), sociólogo alemão membro da Escola de Frankfurt.
Segundo o autor, no fim do século XIX e no início do século XX, com o forte desenvolvimento
do capitalismo, o jornalismo também incorporou tal concepção e passou a priorizar o lucro, em
detrimento da liberdade de agir e de pensar, já que os proprietários das empresas determinam o
que deve ser a notícia.
As teorias jornalísticas são vastas e mutáveis, e, por isso, não há uma verdade absoluta.
Nelson Traquina, em sua obra Teorias do Jornalismo Volume II discorre sobre como se dão as
influências na maneira com que o jornalismo é visto e no valor notícia. Em outras palavras,
nota-se que a concepção de como a comunicação funciona se modifica muito entre os autores
e de acordo com a época em que são formuladas. Conforme Traquina (2005), as definições do
que é notícia estão inseridas historicamente. Além disso, verificar o potencial de noticiabilidade
de um fato em se transformar em acontecimento midiático implica num esboço da compreensão
contemporânea do significado dos acontecimentos que estão vinculadas a regras do
comportamento humano e institucional, já que a notícia é vinculada a conquistar audiência, mas
que se leva em conta o contexto das empresas jornalísticas como instituições com regras e
sanções.

3.2 A objetividade como um mito jornalístico

Segundo Tuchman (1993), o jornalismo vivencia o mito da objetividade, a fim de


resguardar dos perigos da profissão. A socióloga ressalta que “os jornalistas invocam os
procedimentos rituais para neutralizar potenciais críticas e para seguirem as rotinas confinadas
pelos “limites cognitivos da racionalidade” (TUCHMAN, 1993, p.75). Sendo assim, utilizam
de “rituais estratégicos” como forma de amparo. Para isso, a autora ressalta quatro meios
utilizados: a apresentação de possibilidades conflituais, a exposição de provas auxiliares, o uso
judicioso de aspas e a estruturação da informação numa sequência apropriada.
Esses rituais são necessários pela falta de tempo que os jornalistas têm na elaboração
das notícias. Eles precisam cumprir prazos, todavia não conseguem refletir sobre cada fato.
Tuchman (1993) afirma que o processamento das notícias não deixa tempo para a análise
“epistemológica reflexiva” e, para reduzir os perigos e difamações, os profissionais utilizam da
“noção operativa de objectividade”.
Além disso, as notícias são uma organização feita por um conjunto de profissionais. A
maneira que um veículo aborda um fato e constrói a narrativa, é feita conforme a perspectiva
de quem escreveu a matéria. “Esse indivíduo, por mais profissional que seja, não é isento de
opiniões, de visões, de valores. Ele carrega consigo uma cultura, um ideal, uma visão de mundo,
uma interpretação sobre a realidade, que de alguma forma vai interferir no processo”
(COIMBRA, 2018, p. 61).

3.3 Enquadramento noticioso

O enquadramento (framing) busca analisar o papel midiático na contemporaneidade.


Mesmo sendo um conceito recente e variável, tornou-se notório nos estudos de comunicação
política. Porto (2004) questiona os “paradigmas da objetividade'' que retratam o jornalismo
como imparcial. Ele afirma que esta visão tem sido menos cabível entre obras de estudiosos da
área, enquanto o enquadramento cresce como uma alternativa teórica e metodológica.
De acordo com Mauro Porto (2004), o conceito de Frame em análises sociais foi
desenvolvido pelo sociólogo norte-americano Erving Goffman. Para o sociólogo, as pessoas
enquadram determinados acontecimentos de acordo com sua experiência individual. Goffman
(1978) apud Porto (2004) define enquadramentos como os princípios de organização que
governam os eventos sociais e nosso envolvimento nestes eventos. Ou seja, tendemos a
perceber os eventos e situações de acordo com enquadramentos que nos permitem responder à
pergunta: “O que está ocorrendo aqui?” Com tal enfoque, enquadramentos são entendidos como
marcos interpretativos mais gerais construídos socialmente que permitem às pessoas fazerem
sentido dos eventos e das situações sociais (PORTO, 2004, p.4)
Goffman (2012) apud Coimbra (2018) explica que a mídia pode ser considerada um
bom exemplo para compreender o processo de enquadramento da realidade por meio de sua
tarefa de produção e veiculação de notícias cotidianas”. Goffman elucida que o enquadramento
vai expor a realidade de acordo com a interpretação de quem analisa e procede com os fatos.
Dessa maneira, compreende-se que os meios de comunicação utilizam de alguns fatores
causando relevância em algumas perspectivas específicas.
Porto (2004) ressalta que a teoria do enquadramento também atua em outras esferas,
como na psicologia, ele relata que Kahneman e Tversky (1984, 1986) realizaram estudos a fim
de investigar como a teoria do enquadramento age nessa esfera. Eles realizaram um
experimento, no qual apresentava uma problemática para os participantes, e eles deveriam
escolher uma entre duas opções. Mas ambas respostas tinham resultados iguais, o que alterava
era a maneira que cada uma estava enquadrada, ou seja, a estruturação das informações.
Kahneman e Tversky, citados por Porto (2004), sugerem que os resultados do processo de
formação de preferências podem ser alterados não apenas através da manipulação da
informação fatual, mas também através do seu enquadramento. Ou seja, a estruturação dos fatos
gera diferentes interpretações.
No âmbito dos estudos de comunicação social, Porto (2004) afirma que a socióloga
norte-americana Gaye Tuchman foi a primeira a aplicar esse conceito em um de seus estudos,
no seu livro Making News, publicado em 1978, fundamentado pelos conceitos desenvolvidos
por Goffman (1978) apud Porto (2004) que, ao ressaltar como o poder político, reforça a forma
através da qual o conhecimento é enquadrado. Já Tuchman (1978, p.215) sugere que notícias
são "um recurso social cuja construção limita um entendimento analítico da vida
contemporânea" (1978, p. 215). A autora oferece uma análise interessante sobre a relação entre
práticas de enquadramento e o processo de produção de notícias.
Diversos autores desenvolveram análises a partir da tese proposta por Goffman. Com
conceitos similares, mas que algumas ideias variam de um autor para outro. No entanto, Porto
(2004) ressalta que foi Gitlin que apontou um conceito mais esclarecedor, ele definiu como:

Os enquadramentos da mídia ... organizam o mundo tanto para os


jornalistas que escrevem relatos sobre ele, como também, em um grau
importante, para nós que recorremos às suas notícias.
Enquadramentos da mídia são padrões persistentes de cognição,
interpretação e apresentação, de seleção, ênfase e exclusão, através
dos quais os manipuladores de símbolos organizam o discurso, seja
verbal ou visual, de forma rotineira" (GITLIN, 1980, p.7 apud
PORTO, 2004, p. 6).

Gitlin ressalta, então, padrões de abordagens do enquadramento midiático. Estudos de


Entman (1994) apresentam uma ótica semelhante à de Gitlin, mas com outros aspectos, que
concerne às questões principais, sobretudo, referente às ações dos meios de comunicação. Ele
ressalta que a seleção e a saliência são quesitos essenciais abrangidos no enquadramento.
No Brasil, segundo Porto (2004), os estudos sobre enquadramento cresceram,
principalmente, a partir de 1998, com a reeleição de Fernando Henrique Cardoso. O autor
afirma que pesquisas no âmbito comunicacional vem aumentando, em especial, referente ao
jornalismo político. Ademais, tem sido aplicada na análise entre as mídias brasileiras e as
estrangeiras. Plínio Volponi (2007), por sua vez, enfatiza a importância de estudos sobre a
maneira que a mídia brasileira enquadra os acontecimentos. “A questão sobre a corrupção e os
escândalos políticos são exemplos de preocupações atuais que são específicas à audiência
nacional” (VOLPONI, 2007, p. 11). Compreende-se, então, a importância dos estudos de
enquadramento noticioso, visto que a maneira que os fatos são retratados pode alterar o
direcionamento interpretativo do receptor.

4. ANÁLISE DE ENQUADRAMENTO DAS NOTÍCIAS SOBRE A CRISE HÍDRICA


NO GOVERNO BOLSONARO PELA FOLHA DE S. PAULO

Foram coletadas 22 notícias, publicadas pela Folha de S. Paulo, de 27 de setembro a 1


de outubro de 2021, todas com a palavra-chave “crise hídrica”. A partir das publicações
delimitadas, por meio de uma análise quantitativa, foram definidas categorias a serem
pontuadas, tais como: caráter noticioso, gênero/categoria, enquadramento, editoria, temática,
fontes, personagens e jornalistas que assinam. Conforme pode ser verificado no Quadro I.
Como pode ser observado no Quadro I a seguir, há um equilíbrio entre notícias e
reportagens no que diz respeito à cobertura sobre a crise hídrica, no período de análise, de 27
de setembro a 1º de outubro de 2021, com 20 matérias coletadas. Foram 10 notícias informativas
(50%) e 10 reportagens interpretativas (50%). Quanto ao enquadramento, fica nítida a linha
editorial da Folha de S. Paulo com um viés crítico, principalmente em relação ao governo
Bolsonaro, que é responsabilidade pelo agravamento da crise energética do país. São 16
matérias negativa (80%), apenas 2 neutras (10%) e duas positivas (10%).
O enquadramento da crise hídrica tem se dado mais pela ótica do mercado, tanto que
metade das notícias foram publicadas na editoria “Mercado”, que corresponde à Economia
(50%). Em segundo, aparece a editoria “Cotidiano”, com 3 matérias (15%). Há vários que são
de colunistas. Quanto a fontes, observa-se, conforme Traquina (2005), que há uma recorrência
a fontes primárias, como Banco Central (4 recorrências – 20%), Bolsa de Valores (3 vezes –
15%), Ministério de Minas e Energia (3 vezes – 15%). Bolsonaro não concede entrevistas ao
jornal, mas é citado como personagem em várias matérias, sempre com valência negativa, assim
como o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. As vozes predominantes são de
especialistas – pessoas do mercado, consultores ou professores que são pesquisadores da área.
Em algumas notícias, é dada à voz a populares, como no caso das manifestações conta o
aumento da luz ou no caso da notícia que tratou de lavar calçadas por conta da chuva de poeira
que atingiu cidades de São Paulo.

Quadro 1
Notícias publicadas pela Folha de S. Paulo sobre a crise hídrica
de 27 de setembro a 1º de outubro de 2021
Fonte: elaborado pelas autoras, 2021.

No dia 27 de setembro de 2021, na reportagem “Manifestantes protestam contra alta da


conta de luz”, assinada por Douglas Gavras, a Folha de S. Paulo informa sobre manifestações
populares ocorridas em 10 estados brasileiros contra o aumento nas tarifas de luz decorrentes
da crise hídrica e entrevista alguns populares. 95 Como o jornalista estava em São Paulo, os
entrevistados foram ouvidos na capital paulista.

Mesmo caminhando com dificuldade e com a ajuda de uma muleta, a


aposentada Aparecida da Silva, 65, não deixou de ir ao protesto. "Não
tenho opção, é protestar para pagar uma luz mais barata ou continuar
deixando de comprar comida", conta. (...). Ela hoje depende da
aposentadoria por invalidez e da doação de cestas básicas para
sobreviver. "Nunca deixo atrasar as contas, mas eles me pedem o
impossível. Moro em uma casa de três cômodos e a conta não para de
subir. Primeiro, veio uma de R$ 300, outra de R$ 400 e agora já passa
de R$ 700." (DOUGLAS GAVRAS, FOLHA DE S. PAULO, 27 de
setembro de 2021).

95
GAVRAS, Douglas. Manifestantes protestam contra alta de conta de luz. Folha de S. Paulo. São Paulo, 27 de
setembro de 2021. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/09/manifestantes-protestam-
contra-alta-da-conta-de-luz.shtml. Acesso em 20 de novembro de 2021.
No dia 29 de setembro de 2021, na reportagem “Inflação na indústria sobe 1,86% em
agosto com alta em todas atividades, diz IBGE”, assinada por Leonardo Vieceli, a Folha de S.
Paulo traz um enquadramento negativo mostrando um quadro bastante preocupante para a
economia brasileira, agravado pela crise hídrica. 96 Para explicar os dados, o jornal entrevista
como fonte Manuel Souza Neto, gerente do IPP (Índice de Preços ao Produtos), vinculado ao
IBGE que calcula a inflação. A reportagem traz dados detalhados sobre o aumento dos preços,
mas não traz uma diversidade de fontes, limitando-se a ouvir esta única fonte primária
(Traquina, 2005). A Confederação Nacional das Indústrias é citada como fonte indireta para
dizer que a confiança dos empresários do setor industrial caiu.
No dia 30 de setembro, a Folha de S. Paulo traz a notícia “Banco central projeta pico
de 10,2% na inflação deste trimestre”, assinada por Larissa Garcia, que descreve um cenário
ruim para a economia brasileiro com a alta da inflação, decorrente de vários fatores, entre eles
a crise hídrica. Apesar de trazer vários dados, foram baseados no relatório trimestral feito pelo
Banco Central. Não foram ouvidas fontes para procurar aprofundar o assunto.

O BC atribui a escalada de preços a sucessivos choques, como


mudança na demanda por alimentos na pandemia, problemas em
safras com chuvas e geadas, elevação nos preços das commodities
acompanhada de desvalorização do real, e agora a crise hídrica, que
encareceu a energia elétrica.
A surpresa altista [da inflação] foi bastante disseminada entre os
segmentos do IPCA. Em relação aos preços administrados, a surpresa
com a alta dos preços dos derivados de petróleo e energia elétrica
mais do que compensou a surpresa com o recuo nos preços de
medicamentos e com o tamanho da queda nas tarifas de plano de
saúde", afirma o relatório (LARISSA GARCIA, FOLHA DE S.
PAULO, 2021).

A Folha de S. Paulo trouxe a notícia “Obra da Sabesp contra falta d’água na grande SP
atrasa e fica 20% mais cara”, informando que a obra da transposição da água do Itapanhaú para
o sistema Alto Tietê, um dos esforços para combater o risco de falta d'água na região
metropolitana de São Paulo lançado depois da última crise hídrica, será atrasada e teve o
contrato elevado em R$ 19,88 milhões, ficando 20% mais cara. Apesar de ser uma matéria com
tom de denúncia, é restrito a poucos parágrafos e não aprofunda. Traz apenas uma resposta da
Sabesp justificando o atraso e o aumento no preço da obra.

96
VIECELI, Leonardo. Inflação na indústria sobe 1,86% em agosto com alta em todas atividades, diz IBGE. Folha
de S. Paulo. Rio de Janeiro, 29 de setembro de 2021. Disponível em
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/09/inflacao-na-industria-sobe-186-em-agosto-com-alta-em-todas-
as-atividades-diz-ibge.shtml. Acesso em 20 de novembro de 2021.
Em 1º de outubro de 2021, a Folha de S. Paulo trouxe a reportagem “Chuvas no Sul e
medidas emergenciais afetam risco de racionamento, diz especialistas”, assinada por Nicola
Pamplona, com um enquadramento positivo e destoa das demais notícias sobre a crise hídrica.
97
O leitor, sem dúvida, fica confuso ao ler, pensando que o Sul é uma região privilegiada, já
que se os demais estados e, principalmente, São Paulo vive uma situação caótica, os estados do
Sul do país tem prognósticos bem favoráveis. Os consultados para avaliar a situação são os
especialistas, Luiz Barroso, presidente da consultoria PSR Energy, e Maurício Tolmasquim,
professor do programa de Planejamento energético da Coppe/UFRJ. Assim como nas matérias
anteriores, observa-se que as falas estão sempre na voz de fontes oficiais ou especialistas,
conforme Traquina (2005) ao tratar da Teoria Estruturalista. Se eles dizem que a crise hídrica
no Sul é amena, isso passa a ser quase uma verdade. Pamplona (2021) afirma que a chegada
das chuvas na região Sul e os impactos das medidas emergenciais tomadas pelo governo para
enfrentar a crise hídrica eliminaram, na época, o risco de racionamento de energia no país este
ano.
No dia 1º de outubro de 2021, na reportagem “Com seca extrema, água retirada do
Cantareira é quase o triplo do que entra no sistema. Reservatório está prestes a atingir a faixa
de restrição dois meses antes do previsto; nível já é o menor em 5 anos”, a Folha de S. Paulo
não somente enquadra negativamente como também agenda a temática da crise hídrica.
Entrevista o presidente da Sabesp, Benedito Braga, e um especialista no assunto, Pedro Côrtes,
professor de pós-graduação em ciência ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP.98
A matéria, assinada pela jornalista Mariana Zylberkan, traz uma visão bem crítica da crise
hídrica e alarmante.

Braga admite que a seca atual é extrema. De acordo com ele, a média
de água que entrou no Cantareira em setembro deste ano está 32%
abaixo da média histórica, mas não há iminência de uma crise hídrica.
"Não há perspectiva de crise hídrica até o final da primavera e início
do verão. Está prevista uma semana chuvosa a partir de domingo",
diz. "A situação é avaliada pela Sabesp semana a semana. "
Segundo Pedro Cortês, professor de pós-graduação em ciência
ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP, a relação atual

97 PAMPLONA, Nicola. “Chuvas no Sul e medidas emergenciais afastam risco de racionamento, dizem
especialistas”. Folha de S. Paulo, Rio de Janeiro, 1º de outubro de 2021. Disponível em
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/10/chuvas-no-sul-e-medidas-emergenciais-afastam-risco-de-
racionamento.shtml. Acesso em 20 de novembro de 201.
98 ZYLBERKAN, Mariana. Com seca extrema, água retirada do Cantareira é quase o triplo do que entra no

sistema. Folha de S. Paulo. São Paulo, 1º de outubro de 2021. Disponível em


https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/10/com-seca-extrema-agua-retirada-do-cantareira-e-quase-o-
triplo-do-que-entra-no-sistema.shtml. Acesso em 20 de novembro de 2021.
entre a quantidade de água retirada e produzida é preocupante.
"Conforme os prognósticos climáticos alertaram, a crise hídrica está
avançando em São Paulo", diz.
"Hoje, temos cerca de 21% menos água armazenada do que na mesma
época em 2013, ano que antecedeu a crise hídrica", afirma Cortês.
O especialista alerta que os sistemas Cantareira e Alto Tietê, que
abastecem grande parte da região metropolitana de São Paulo, serão
ainda mais afetados até o verão, período em que está prevista
estiagem (MARIANA ZYLBERGAN, FOLHA DE S. PAULO, 1º de
outubro de 2021).

A reportagem “Sem chuva, racionamento avança e chega a 6 meses no interior de SP.


Reservatórios registram volume negativo ou queda recorde; prefeituras põem caminhões-pipa
nas ruas”, assinada por Marcelo Toledo, publicada no dia 01 de outubro de 2021, traz também
o enquadramento negativo.99 Baseada apenas em uma fonte direta, o diretor administrativo da
Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), Hélio Gazetta Filho, a matéria
recorre a dados para construir uma visão bastante crítica da falta de águas no interior de São
Paulo. Cita que algumas cidades como Bauru já adotou rodízio desde abril para consumo de
água para evitar um problema maior. “Prefeitos de dez cidades –Sorocaba, Cerquilho, Ibiúna,
Laranjal Paulista, Mairinque, Salto, Piedade, São Roque, Votorantim e Alumínio– declararam
estado de alerta hídrico devido à falta de chuvas” (TOLEDO, 2021). A reportagem foi incluída
na Editoria Cotidiano. A entrevista com Hélio Gazetta foi para tratar de um incêndio na linha
férrea suspendeu a operação do trem turístico entre Louveira e Vinhedo. Por ser uma
reportagem, faltou ouvir fontes diretas sobre a questão tanto da crise hídrica como da questão
política, já que os prefeitos são citados e mesmo moradores ou lideranças comunitárias nestas
cidades.
Como pôde ser observado, a Folha mostra-se um importante ator político, conforme
veremos a seguir, tanto nas notícias, como na análise de algumas. O veículo noticioso não
somente agenda a temática como algo que passa a ser preocupante – não que o tema não deva
ser, mas que ganha proporções relevantes durante um tempo e depois sai do noticiário, como
também a forma que é enquadrado. O enquadramento é de mostrar um cenário caótico. Passadas
algumas semanas, constata-se que a crise hídrica já não tem a mesma abordagem.

99 TOLEDO, Márcio. Sem chuva racionamento avança e chega a 6 meses no interior de SP. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 01 de outubro de 2021. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/10/sem-chuva-
racionamento-avanca-e-chega-a-6-meses-no-interior-de-sp.shtml. Acesso em 20 de novembro de 20221.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conceito de enquadramento noticioso (framing) acompanha diversas características


que constroem a ótica dessa temática, a mutabilidade da definição ocorre de acordo com a
autoria. Mas, de uma forma geral para esse contexto, pode-se compreender como um tipo de
recorte a partir de uma perspectiva individual. Nesse caso, a partir das análises propostas,
percebe-se que o enquadramento feito em cada notícia possui suas particularidades. Também
se identifica o caráter de enquadramento adotado, de modo geral, pela Folha de S. Pulo.
O gênero das notícias, as atribuições de responsabilidades, as fontes acionadas, as
temáticas, e as editorias predominantes compõem a forma como a narrativa da Folha de S. Paulo
é construída sobre a crise hídrica. Trata-se de uma narrativa que é de uma gravidade, com
prognósticos bastante pessimistas, direcionados bastante para o mercado, sem uma maior
preocupação em humanizar os fatos. Os populares aparecem de forma muito sutil nas notícias.
A preocupação maior é com as bolsas, com índices de inflação, sem mostrar de fato o impacto
na vida das pessoas, principalmente as de baixa renda.
Ao privilegiar fontes primárias e especialistas, a Folha adota um tom mais elitista em
suas matérias. Em muitos casos, o excesso de dados sem uma preocupação em ser mais didática
para o leitor torna o texto difícil de compreensão. Passado o período em que o jornal apontou
para um cenário tão difícil, verifica-se que a crise hídrica já não tem sido a temática recorrente
no jornal e na grande mídia. Ou tem sido muito menos recorrente. O que levanta dúvidas sobre
a cobertura e o enquadramento – foram tomadas medidas tão rápidas pelos governos? Houve
um exagero por parte da mídia? Ou os especialistas se equivocaram e foram tão alarmistas? Ou
foi uma estratégia para que os cidadãos passassem a ter um maior cuidado com a economia de
água e de energia? Por que não há uma preocupação em tratar do tema de forma recorrente e
contextualizado? São questões que ficam em aberto.

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sobre-hidreletricas-no-
brasil/656877?inheritRedirect=false&redirect=http:%2F%2Fwww.aneel.gov.br%2Fsala-de-
imprensa-exibicao-
2%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_zXQREz8EVlZ6%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state
%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26p_p_col_id%3Dcolumn-
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Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, 1993.
Capítulo 34

Telejornais e Narrativa Transmídia:


Jornal Nacional na TV e no Instagram

Lívia Werneck Silva (UFSJ)


Eduardo Expedito Viana (UFSJ)
Ester Beatriz Lidovino Araújo (UFSJ)
Maria Luíza Valuar Cordeiro (UFSJ)
Letícia Fávero Resende (UFSJ)

RESUMO: O objetivo desse artigo é mostrar como os conglomerados de mídia exercem suas
funções na sociedade e os mecanismos utilizados por eles para conseguirem mais
telespectadores e ainda se adequarem aos novos formatos midiáticos a partir da consolidação
do capitalismo monopolista no século XX (Habermas, 1984; Lima, 2006). No caso do Brasil,
destaca-se o poder da Globo, que surgiu nos anos 60 e se tornou o maior grupo de mídia do país
e um dos maiores do mundo, com investimentos em teledramaturgia e telejornalismo em
especial. No caso dos telejornais, são exibidos hoje na TV Aberta os tradicionais “Bom Dia,
Brasil”, “Jornal Hoje”, “Jornal Nacional” e “Jornal da Globo”. Com o crescimento da internet
e das plataformas digitais, como o Instagram, foi necessário uma série de mudanças para que
as redes tradicionais como a Rede Globo pudessem se restabelecer como transmissoras de
informação. O artigo analisa como hoje notícias veiculadas pela TV Aberta são postadas
também nas redes sociais.

PALAVRAS-CHAVE: Jornal Nacional; Instagram; Transmídia; TV; Telejornalismo;

1. INTRODUÇÃO

Com o surgimento das novas formas de comunicação foi necessária uma readequação
dos meios de comunicação chamados conglomerados de mídia, para que as notícias,
reportagens, editoriais, fossem aceitos e pudessem ser difundidos em diversas plataformas. É
nesse ponto que surge o conceito de narrativa transmídia e a necessidade de qualificar pessoas
para expandir um conteúdo para diversas plataformas. Neste presente artigo, falaremos sobre a
história da rede Globo e do jornal nacional, além de contextualizar como a TV social e o
Instagram criam a necessidade de enriquecer os conceitos de transmídia.

2. CONGLOMERADO DE MÍDIAS

O século XX foi marcado pela consolidação dos grandes grupos econômicos, chamados
de oligopólios ou conglomerados econômicos. No caso do setor de comunicação, os teóricos
da Escola de Frankfurt apontam que surge a chamada indústria cultural, quando se tem o
processo de industrialização atingindo a esfera da cultura e da arte. Adorno e Horkheimer
(2000) explicam que tudo passa a ser padronizado e a seguir cadeias produtivas, inclusive a
imprensa.
Wolf (1999) explica que a Escola de Frankfurt foi uma escola de análise e pensamento
filosófico e sociológico que surgiu na Universidade de Frankfurt, situada na Alemanha. Tinha
como objetivo estabelecer um novo parâmetro de análise social com base em uma releitura do
marxismo. Além disso, a teoria estabelecida pelos intelectuais da Escola de Frankfurt é
chamada de teoria crítica por dois motivos: primeiro, porque faz uma crítica social do
desenvolvimento intelectual da sociedade que incide sobre as teorias iluministas; e, em segundo
lugar, porque propõe uma leitura crítica do marxismo, com novas propostas para além dele sem
perder de vista as principais ideias de esquerda.
Foi no bojo da Escola de Frankfurt que surgiu o conceito de indústria cultural, mais
especificamente no livro Dialética do esclarecimento, escrito pelos filósofos da primeira
geração Theodor Adorno e Max Horkheimer. Para eles, uma das maneiras de dominação
capitalista se daria pela cultura. Adorno e Horkheimer entenderam que havia dois tipos de
cultura autêntica: a cultura erudita e a cultura popular. Nesse caso, a cultura erudita é aquela
produzida por uma elite intelectual, mais refinada e menos intuitiva, já a cultura popular é uma
forma autêntica de fazer-se arte e cultura vinculada às culturas tradicionais dos povos. Ela é
autêntica, mas composta por menos refinamento técnico e intelectual, sendo mais intuitiva; por
último a cultura de massa, diferente dos outros tipos esta é autêntica. Em relação às formas de
reprodutibilidade técnica, os teóricos citavam a gravação audiovisual (considerando-se, na
época, a gravação de discos, de filmes, de fotografia e de radiodifusão). Nesse sentido, o autor
da obra de arte não precisaria criar, a cada performance, uma obra, mas sim reproduzir em larga
escala uma obra criada anteriormente.
No caso dos jornais, Habermas (1984) estuda a formação dos conglomerados de mídia
com o capitalismo monopolista. Os conglomerados de mídia constituem em grupos de empresas
que atuam em vários segmentos da comunicação, ou seja, na televisão, rádio, publicações,
filmes e na internet, sendo assim, a mídia nas sociedades modernas capitalistas cumpre um
duplo papel na lógica do capital. Segundo Lima (2006), no caso do Brasil, poucos grupos
controlam os meios de comunicação – são grupos empresariais, familiares e com vínculos
políticos: Grupo Globo (Família Marinho), Grupo Record (Macedo), Grupo SBT (Abravanel),
Grupo Bandeirantes (Saad), Grupo Folha (Frias), Grupo Abril (Civitas). São basicamente
agentes discursivos que constroem consensos sobre os valores neoliberais, de economias
abertas, e os fazem porque são agentes econômicos que objetivam acúmulo do capital. Por
serem organizações produtivas, o modo de organização do trabalho simbólico que as
comparações midiáticas compreendem está diretamente relacionado com o modo de produção
capitalista em geral. No caso dos meios de comunicação, consolidaram-se a mídia massiva, com
o rádio nos anos 20, a TV nos anos 50. Nos anos 90, surgiu a internet. Estão vinculados ao que
Morin (1997) chama de cultura de massa, responsável pela difusão de valores de consumo.
Habermas (1984) descreve as fases da imprensa, apontando que seguiu o
desenvolvimento do capitalismo desde os seus primórdios. No século XVI, tem-se a imprensa
artesanal, ainda incipiente. No século XVIII, a imprensa político-literária quando a burguesia
trava uma disputa com a aristocracia e os jornais viram instrumentos políticos. E no século XIX
e XX com os jornais se transformando em grandes empresas capitalistas, sob a lógica fordista.
Trata-se de uma realidade tangível que a internet marcou o fim de uma era e o começo
de outra em termos de responder a essas necessidades. É importante pontuar que a primeira
mídia de massa foi a imprensa escrita (jornal), depois o rádio, em seguida a televisão e,
finalmente, a internet. Outro ponto importante a ser mencionado é que a internet e a
transformação digital estão praticamente unidas. Ambas marcaram um ponto de virada na
maneira de transmitir essas informações. É incrível como a transformação digital influenciou o
modo como os mass media funciona, mas é muito importante dizer que a principal responsável
por essas mudanças foi a internet.
Importante pontuar que a cultura de massa seria um recurso capitalista para vender uma
forma inferior de arte que, ao mesmo tempo, manteria a população sob controle. A indústria
cultural se limitaria a levar o entretenimento como se fosse arte ao deparar-se com elementos
aparentemente agradáveis e de fácil consumo.
Paralelo a isso, no início da década de 1920, o mundo já havia presenciado a Primeira
Guerra Mundial, e, no fim dessa mesma época, presenciou-se a grande crise econômica de 1929.
Em meio à grande mudança tecnológica, à nova configuração social a às experiências do século
XX, os teóricos da Escola de Frankfurt perceberam que os ideias de iluminismo e do
positivismo haviam falhado em sua teoria de que o avanço científico aliado à ampliação do
conhecimento por meio da escolarização e da disseminação da informação levariam ao avanço
moral da sociedade. No caso do Brasil, a indústria cultural consolidou-se somente nos anos 70
com a Globo.

3. FUNDAÇÃO DA GLOBO E JORNAL NACIONAL

3.1. Contexto Histórico

A Rede Globo surgiu em 1925, a partir do jornal “O Globo” com Irineu Marinho como
fundador do jornal impresso. Em 1934, Roberto Marinho fundou a rádio O Globo. A rádio fez
muito sucesso na década de 50 por trazer grandes nomes da música de seu tempo. Roberto
Marinho, filho de Irineu Marinho, tornou-se presidente da empresa em 1931, e conseguiu a
concessão para TV aberta com o então presidente Juscelino Kubitschek em 1957.
Entretanto, a Globo estreou apenas às 11h do dia 26 de abril de 1965. O diretor-geral da
Rádio e da TV Rubens Amaral apresentou a emissora aos telespectadores do Rio de Janeiro e
do estado da Guanabara. Em 1966, a TV Globo inovou a linguagem jornalística ao colocar as
câmeras dos repórteres na rua, mostrando os estragos e os problemas enfrentados pela
população quando fez a cobertura ao vivo das enchentes que deixaram dezenas de mortos e
feridos no Rio de Janeiro. A emissora, que desde a sua estreia apresentava baixos índices de
audiência, conquistou o público carioca ao dar voz aos cidadãos e promover a recuperação da
cidade com uma campanha de solidariedade aos desabrigados.
Em 1º de setembro de 1969, estreou o Jornal Nacional, primeiro programa brasileiro
transmitido regularmente, ao vivo, para várias regiões do país. O Jornal Nacional foi a primeira
experiência em rede, semeando na empresa a certeza de que era possível transmitir
simultaneamente sua programação por todo o território nacional. O jornal permanece no ar e
tem a maior audiência do país.

3.2 Telejornalismo

Conforme explica Rezende (2000), o telejornalismo denota-se como a prática do


jornalismo profissional aplicado à televisão. Logo, em um panorama geral, os telejornais
servem como intermédio para divulgação de notícias, reportagens e a transmissão de assuntos
variados - normalmente ligados ao esporte, lazer e política -, ocupando um espaço de extrema
importância na programação televisiva.
Nesse formato, segundo Rezende (2000), as notícias são transmitidas por diversos
modos de apresentações, como, por exemplo, nota simples (matéria que não foi alvo de
reportagem externa), nota coberta (com imagens acompanhadas de voz), e reportagens (a forma
mais completa de apresentar a notícia). O âncora - jornalista responsável pelo comando do
programa - caracteriza a figura central. Além disso, os telejornais são marcados pelo
imediatismo, agilidade e instantaneidade da imagem ligada à informação.
A prática do telejornal tem como função, principalmente entre as emissoras de TV
aberta, gerar credibilidade e confiança à imagem da empresa. O interesse da população na
veracidade das informações compartilhadas, aliado ao lema de “imparcialidade” e
“objetividade” atribuído a esses programas, confere, para além de um número significativo de
espectadores, patrocinadores assíduos. Sebastião Squirra (2008) explica que o telejornal é, pelas
características dos assuntos que aborda e veicula, o tipo de programa que mais credibilidade
proporciona às emissoras. Credibilidade junto aos anunciantes (cujos espaços para anúncios são
os mais caros) e prestígio junto ao poder político e econômico da nação.
O jornalismo televisivo tem uma importante função social. Esse formato alinha-se,
diretamente, com as necessidades da população, denunciando, expondo e informando acerca
dos assuntos/temas mais relevantes. Nidiane Saldanha Perdomo (2015), em sua monografia “A
função social do jornalismo no mercado de notícia”, legitima a importância do jornalismo:

O jornalismo se legitima enquanto no exercício de sua função social,


que é a de oferecer aos leitores informação verdadeira e objetiva, que
contribua para o crescimento do conhecimento da população e a
municie com capacidade de compreender e participar da vida
democrática, podemos estabelecer que o jornalismo é uma profissão
amalgamada com a sociedade, de modo que o comprometimento de
um causa reflexos no outro (PERDOMO, 2015, p.14).

Contudo, a autora, em seu ensaio sobre a função social do jornalismo, sustenta as


mudanças que ocorreram no jornalismo. Segundo Perdomo (2015), a padronização de
editoriais, gerando conteúdos parecidos, a supervalorização do entretenimento, onde, por via
da mesclagem, fatos e humor misturam-se criando programas sensacionalistas (programas de
INFOTENIMENTO100) e, principalmente, a busca pelo maior número de audiência, sendo
criados espetáculos sonoros e visuais com objetivo de chamar atenção do ouvinte, geram
contrassenso nesse formato.
Segundo Nidiane Perdomo, o jornalismo vive este conflito entre os interesses
mercadológicos e a função social, dilema que se intensificou hoje com a busca de audiência que
precisa incluir o público também nas redes sociais.

O conflito entre a função social e os interesses mercadológicos está


profundamente enraizado no jornalismo, já que é uma parte importante
do seu processo de desenvolvimento. Enquanto a função social é
imprescindível para que o jornalismo possa existir como parte essencial
da sociedade democrática, as empresas precisam manter o interesse do
público com estratégias de mercado que se orientam por interesses
financeiros e não sociais. O jornalismo de serviço é uma das práticas
utilizadas para equacionar esse conflito (PERDOMO, 2015, p.16).

Entende-se a notoriedade do jornalismo televisivo, observando, certamente, a sua


importância para a sociedade, mas sem deixar de citar as carências e fragilidades.

3.3. Jornal Nacional


O Jornal Nacional (JN) foi o principal noticiário da Rede Globo, tornando-se uma
importante referência para as outras emissoras, tendo acumulado diversos prêmios nacionais e
internacionais na área (incluindo o Emmy Award, considerado o Oscar da televisão mundial).
Exibido direto da Central de Jornalismo da emissora, no Rio de Janeiro, o JN vai ao ar de
segunda a sábado a partir das 20h30 (considerado o horário nobre da televisão brasileira), e
entre duas telenovelas, com duração de cerca de 30 a 45 minutos. Seus apresentadores titulares
atuais são os jornalistas William Bonner (também editor-chefe) e Renata Vasconcellos, que
ficam a maior parte do tempo na bancada, mas que desde abril de 2015 (após a última
repaginada do Jornal) se levantam para apresentar notícias acompanhadas de infográficos e
conversar com repórteres e correspondentes.

100 Infotenimento: Infotenimento é um neologismo, a junção de dois termos: informação e entretenimento. O


conceito é difundido desde 1980, mas tomou força a partir da década de 90 quando o termo passou a ser empregado
pelos profissionais da comunicação. O infotenimento é a aplicação da notícia de forma bem-humorada, divertida
e prazerosa; recurso amplamente utilizado nas mídias sociais.
Figura 1

Apresentadores William Bonner e Renata Vasconcellos

O JN possui uma condição de liderança que vem se mantendo há décadas e, mesmo


entre o público mais jovem que hoje opta pela internet, o programa tornou-se mais assistido no
período da pandemia. Apesar da internet, o público de maior idade ainda assiste
preferencialmente ao jornal ao vivo.
Os primeiros apresentadores do JN foram Hilton Gomes e Cid Moreira. O programa foi
aberto com a seguinte frase: “O Jornal Nacional, da Rede Globo, um serviço de notícias
integrando o Brasil novo, inaugura-se neste
Fonte:momento:
Portal G1 imagem e som de todo o país" (Jornal
Nacional, 01 de setembro de 1966). Um cenário simplificado, com os apresentadores sentados
atrás de uma bancada, câmera mostrando os âncoras de frente, marca o formato do JN.
Ao analisar amostras do Jornal Nacional, pode-se perceber que as notícias são quentes
e factuais (hard news), nacionais e internacionais relacionadas à política, economia, segurança,
assim como notícias de caráter investigativo, serviços, educação, meio ambiente, saúde etc.
Esportes e cultura, em geral, ocupam um espaço no final das edições. As entradas ao vivo não
são o forte deste telejornal e não há comentaristas ou apresentadores secundários no quadro fixo
do mesmo. A Previsão do Tempo no JN é diária (assim como nos outros telejornais da manhã).
À época da gravação da amostra, a jornalista responsável pelo quadro climático era Michelle
Loreto. A previsão consistia numa gravação feita em estúdio, com apoio de um grande globo e
uma tela projetada em 3D. A partir de abril de 2015, as notícias climáticas no JN ganharam
outro formato: ao vivo, a partir de um telão, no qual a apresentadora, Eliana Marques, aparece
em tamanho real, interagindo com os apresentadores.
Em relação aos apresentadores do JN, a imagem passada pelos seus papéis enunciativos
continua sendo predominantemente a de apresentador impessoal, sendo um estilo mais formal
e de postura corporal mais tensa. Essa característica reflete uma obediência mais evidente ao
script, sendo quase inexistentes as improvisações ou intervenções opinativas por parte dos
apresentadores neste telejornal. Não há uma interlocução mais direta com o telespectador e os
apresentadores usam como padrão a terceira pessoa do singular na introdução das notícias.

4. JORNALISMO E REDES SOCIAIS: FUNÇÃO SOCIAL E CARÁTER


TRANSMÍDIA

Desde os anos 2000 's, quando a popularização da internet se iniciou, o jornalismo foi
intensamente afetado. No Brasil, em 2012, quando a internet passou a ser compreendida como
um fenômeno no mercado brasileiro, a “TV Social” ou “Social TV”, mudou o comportamento
dos espectadores e a forma como os usuários interagem com os programas televisivos, mas,
principalmente, fez com que as empresas se adaptassem à nova realidade. O termo refere-se ao
ato de assistir programas de televisão, especialmente telejornais, e, ao mesmo tempo, utilizar
as redes sociais como uma extensão de experiência, informação e conhecimento. Essa dimensão
prática ocorre através de uma segunda tela, como, por exemplo: smartphones,
notebooks/computadores e tablets.
A televisão manifesta-se, em diversos momentos, como provedor inicial da informação,
compartilhando um fato em sua versão completa, integrada e apurada, sinalizando ao público
os assuntos que merecem destaque rapidamente - em subliminar, colocando sua visão dos
acontecimentos. Já as redes sociais surgem como outro campo provedor de informação; criando
um espaço de debate diverso e ampliando as considerações lançadas nos programas televisivos.
A internet é o ambiente ideal para que os telespectadores possam comentar, discutir e até mesmo
alfinetar os programas que estão assistindo: tudo simultaneamente.
A liberdade que a internet proporciona é imensa, a possibilidade de cada indivíduo
discutir suas observações chama atenção das pessoas. O fluxo dita a integração. Essa, por sua
vez, é cada vez maior. Os conteúdos televisivos alcançam, inúmeras vezes, o trending topics de
aplicativos como o Twitter101 e Instagram, onde cada pessoa pode emitir a sua opinião e/ou
apoiar quem compartilha do mesmo ponto de vista. A internet e a chamada “era digital”
fortaleceu a formação de posicionamentos, pois pessoas podem encontrar similares que
compartilham de mesmo pensamentos e experiências. Contudo, tal integração torna-se uma faca
de dois gumes para programas televisivos, dado que, ao mesmo tempo que os influencers

101 Twitter: Twitter é uma rede social e um serviço de microblog, que permite aos usuários enviar e receber
atualizações pessoais de outros contatos, por meio do website do serviço, por SMS e por softwares específicos de
gerenciamento
(pessoas com muitos seguidores) podem atrair um grande público, as pessoas contrárias a esses
criadores podem gerar grande quantidade de hate102.
O Jornal Nacional (JN), como todos os outros telejornais da Rede Globo, migraram e
garantiram seu espaço nas redes sociais; O jornal possui conta, ativas e atualizadas, nas maiores
redes do Ocidente, como: Instagram, Facebook e Twitter. A postagem é regular e segue as
“ordens” desse espaço: jornalismo rápido e prático.
Além disso, conforme aponta Squirra (2008), a tendência, com a convergência
tecnológica, é que as pessoas passem cada vez mais a assistir TV via celulares, mudando
totalmente os velhos hábitos de consumo de mídia.

A conjunção tecnológica está preparando o terreno para transmitir TV


nos aparelhos celulares. A empresa Nokia está prometendo isso para
o segundo semestre do ano que vem, estimando que 125 milhões de
consumidores estarão assistindo à TV dessa forma nos próximos
cinco anos. E o Protocolo de internet vai mudar a forma como vemos
TV, fazendo com que na tela onde hoje assistimos unicamente a
programas televisivos gerados na “cabeça da rede” passem a serem
visualizados as chamadas telefônicas, e-mails, correio de voz,
multicâmeras etc. Obviamente, isso vai alterar as regras no mundo
das profissões, que não é estático e tranquilo, pois tanto o cidadão
comum quanto os comunicadores e os pesquisadores precisarão de
outras habilidades, muita persistência e talento. O que destaco é que
o incremento e a diversificação das habilidades tecnológicas
ajudarão, com certeza, para que os comunicadores e pesquisadores
tornem-se mais pluralistas, acurados, eficientes, dinâmicos e
universais, usufruindo de todas as possibilidades tecnológicas
(SQUIRRA, 2008, p.84).

4.1 O Instagram

O Instagram é uma plataforma digital criada para o compartilhamento de fotos e vídeos.


A empresa foi fundada em 2010, pelos empresários Kevin Systrom e Mike Krieger, e em
meados de 2019 foi vendida ao grupo “Meta” - empresa que engloba as maiores redes sociais
do Ocidente, como Facebook, WhatsApp e Oculus. A plataforma logo conquistou inúmeros
usuários, constando, hoje, com 1.4bilhões de contas ativas em todo o mundo - 122 milhões de
usuários no Brasil -. Uma das maiores redes sociais da atualidade. O site (com aplicativo)
permite que os usuários criem diversas contas e compartilhem suas fotos no feed (página de

102 Hate: Hate ou Hater, é a denominação para o público que acompanha alguma pessoa, influencer ou página para
disseminar ódio ou, simplesmente, difamar.
inicial de cada usuário), crie stories103 e interage com outras pessoas. O sucesso da rede
acontece pela própria natureza que facilita bastante a interação. Além disso, o Instagram tem
um único feed, facilitando a comunicação com aquilo que o indivíduo esteja interessado - o
algoritmo do site conduz o usuário a consumir cada vez mais o mesmo tipo de conteúdo -,
aumentando o engajamento e o alcance das páginas.
Assim como o Twitter, o Instagram conecta as pessoas com um visual simplista, formato
rápido e com um algoritmo eficaz. Além disso, funções de compra e venda, troca de mensagens
e publicidade - por meio de pagamento - chama a atenção do público, em especial os jovens,
que buscam se atualizar o mais rápido possível. Comunidades formam-se rapidamente. Uma
das características mais marcantes do site é justamente a sua rapidez. O formato criado conduz
os usuários a consumirem notícias rapidamente - normalmente uma imagem aliada ao pequeno
texto com o fato e, às vezes, um link com a notícia detalhada -, as fast news.

Figura 2

Fonte: https://www.oberlo.com.br/blog/estatisticas-instagram

Figura 3

103 Stories: Formato de foto disponível em apenas 24 horas.


Fonte: https://www.oberlo.com.br/blog/estatisticas-instagram

O Jornal Nacional também repercute em sua página no Instagram. A conta contém mais
de 400 mil seguidores e, seus âncoras oficiais William Bonner e Renata Vasconcellos, alcançam
um número superior a 2 milhões e 1.2 milhões de seguidores, respectivamente. A página do
jornal realiza postagens diariamente e baseando no estilo do site: Imagem chamativa, texto curto
e links para maior detalhamento da informação. As postagens realizadas denotam a importância
da notícia; as informações mais importantes mostradas na edição da TV aberta, certamente,
terão um espaço dedicado no feed.

Figura 4

Fonte: Instagram Jornal Nacional 08/09/2022


Figura 5

Fonte: Jornal Nacional 08/09/2022

5. JORNALISMO NA ERA DIGITAL: A CONVERGÊNCIA DIGITAL E A


NARRATIVA TRANSMÍDIA

Como visto, a chegada da Internet abalou as estruturas do jornalismo e, com base nisso,
as emissoras tradicionais passaram a perceber a importância de se adaptar às novas tecnologias;
O streaming, bem como as redes sociais tornaram-se o foco para as emissoras. Henry Jenkins
(2009), no livro “Cultura da Convergência”, aborda a migração da audiência, que pode ser
analisado, por exemplo no caso hoje de notícias de telejornais para redes sociais (Instagram) -
como uma transformação cultural que, por intermédio da convergência dos meios, os
consumidores passaram a buscar outras formas de informação, entretenimento - mais rápidas e
simplistas - e integrar vários tipos de mídias.
No artigo “A Convergência Digital no Telejornalismo”, as autoras Marcelli Alves,
Thaísa Bueno e Danielle Carolina dos Santos (2021) citam “Salaverria” (2009) para explicar
como a definição de convergência pode caracterizar-se como “multiplataforma”. Salaverria
(2009) apud Bueno e Santos (2021) define a convergência jornalística como um processo
multidimensional fruto de avanços das tecnologias digitais, que afeta as organizações
jornalísticas e tem implicações no aspecto tecnológico, empresarial, profissional e de conteúdo.
Salaverria (2009) apud Bueno e Santos (2021) afirma que este processo altera a forma
de produção por causa da integração de ferramentas, espaços, métodos de trabalho e até mesmo
novas linguagens. Quanto à convergência tecnológica, o autor resume que ela é
“multiplataforma”, na qual a versatilidade dos dispositivos móveis permite realizar tarefas que
antes dependiam de outros e até vários aparelhos em apenas um dispositivo. A multiplataforma
permite que um conteúdo seja difundido em outros meios para ter mais alcance. Entende-se que
a convergência das mídias, ou melhor, a integração do jornalismo por diversos campos, como
televisão e internet, aconteceu de forma natural; as novas tecnologias tornaram os telejornais
cada vez mais globalizados e adaptados aos contextos atuais: a multiplataforma das emissoras
é uma construção que acompanhou os avanços sociais e tecnológicos.
Além disso, a busca dos espectadores por liberdade e diversidade nos conteúdos
consumidos - sem a necessidade de estar preso a uma grade horária, seja ela linear ou não -
mostra-se como outro fator para a “modernização” na forma de fazer jornalismo. As
organizações preocupam-se em, ao mesmo tempo, atrair o público para as reportagens na
televisão e criar conteúdo online.
A integração de diversos tipos de informações - seja ela real ou não (fake news104) -
afetou o telejornal. Bueno e Santos (2021) reforçam que o acesso à informação dos internautas,
atualmente, é variado, visto que o acesso pode ser baseado no interesse, disponibilidade ou
dispositivo do usuário. Segundo as autoras, anteriormente, os programas televisivos eram
produzidos para serem veiculados no seu próprio suporte, no caso, a TV. No entanto, com o
surgimento da internet, esses conteúdos encontraram um lugar para se adequarem, conquistando
a vantagem de circular em diferentes dispositivos e plataformas. Bueno e Santos afirmam que
hoje há uma circularidade em várias mídias das informações, desde a TV até as redes sociais.
O Jornal Nacional (JN) é um bom exemplo para demonstrar como os jornais
tradicionais reformularam suas “diretrizes” e objetivos para englobar o público das redes
sociais; A criação de páginas nas redes, a disponibilização das edições passadas para o público
assistir onde e quando quiser - de forma gratuita - denotam a convergência digital do cenário
jornalístico. Diante dessas mudanças, o jornalismo televisivo apropriou-se de uma narrativa
baseada em crossmedia105 e a transmídia para atingir o grande público.

104
Fake News: São notícias falsas publicadas por veículos de comunicação como se fossem informações reais
105
Crossmedia: Diferente da transmídia, o Crossmedia, utiliza a estratégia de usar o mesmo conteúdo em diferentes
linguagens. Ou seja, colocam o mesmo “produto”, mudando apenas o canal de transmissão. Além disso, o
crossmedia é pouco utilizado nos telejornais, como o Jornal Nacional, pois a notícia precisa passar por um processo
de adequação (de público) para as redes sociais.
5.1. Narrativa transmídia

A narrativa transmídia é a arte de transformar uma história em um conteúdo para


diferentes plataformas. O autor Arthur Paredes (2019), em seu texto “Narrativa transmídia e
storytelling: a arte de contar”, conceitua como uma técnica através da qual a história é
desenvolvida ou dividida em diferentes plataformas para formar uma história coerente, ou seja,
pode ser entendida como uma história contada em capítulos que estão em diferentes formatos:
livro, post, spot, filme etc.
Jenkins (2009) foi o autor que foi pioneiro ao formular o conceito de convergência de
mídia e narrativa transmidiática. Ele salienta que o conceito de transmídia se desenvolve com
o suporte de diversas plataformas midiáticas. Segundo o autor, na forma de narrativa transmídia,
cada meio faz o que faz melhor - para que uma história possa ser introduzida em um filme,
expandida através da televisão, romances e quadrinhos, e seu mundo possa ser explorado e
experimentado por meio do jogo. Cada entrada de franquia precisa ser autossuficiente para
permitir o consumo autônomo. Isso significa que precisa ter visto o filme para desfrutar do jogo
e vice-versa (JENKINS, 2009).
Dessa forma, o transmídia trata-se de crescer e expandir uma história, fato ou
acontecimento; construir uma rede de desenvolvimento tentando envolver o público, sobretudo,
acrescentando e respeitando as singularidades de cada meio ou plataforma - assim, aumentando
a adesão do projeto. Outro ponto importante desse conceito é a participação do usuário. Antes
da era digital os programas televisivos colocavam uma posição de “passividade” no espectador,
tornando a apresentação em algo expositivo. Mas a chegada da internet e a transmidiatização
fez com que o espectador ocupasse, cada vez mais, um espaço de interação e posicionamento.
Paredes (2019) reforça a opinião que o usuário detém uma posição importante no
transmídia. Segundo o autor, os usuários desempenham um papel decisivo no desenvolvimento
da história. O objetivo da narrativa transmídia é envolver o público, para que os consumidores
assumam um papel ativo nesse processo de expansão. Nesse sentido, esta narrativa é uma
estratégia que consiste em criar uma história, a fim de informar, motivar, saber opiniões ou
vender. Afinal, o transmídia tem como objetivo criar um elo entre a empresa e os clientes;
gerando, assim, um feedback106 positivo ao longo prazo.
Paredes (2019) cita os oito princípios da transmídia, segundo Jeff Gómez, especialista
nessa técnica e diretor de vários projetos transmídia para a Coca-Cola e Disney. Sendo eles: (1)

106 Feedback: Consiste na manifestação de uma opinião ou ponto de vista, podendo ser positivo ou negativo.
o conteúdo é criado por um ou vários visionários; (2) transmídia desde o começo; (3) o conteúdo
deve ser distribuído em pelo menos três plataformas; (4) o conteúdo deve ser original e
exclusivo para cada plataforma; (5) o conteúdo precisa mostrar uma visão única do mundo
narrativo; (6) evitar divisões ou inconsistências no mundo da narrativa; (7) integrar todos os
atores do processo; (8) buscar a participação de usuários (parte do processo mais importante).

5.2. Jornalismo transmídia

Como visto, a narrativa transmídia consiste em expandir uma história para diversas
plataformas. Dessa maneira, não apenas o conteúdo de entretenimento seguiu esse conceito,
mas, também, os telejornais. Sam Ford (2004) elucida o crescente uso de conteúdo transmídia
no jornalismo com o objetivo de facilitar a compreensão dos assuntos abordados nas edições:

A finalidade de uma notícia transmídia é informar os leitores da


melhor maneira possível e usar uma combinação de mídias, isso faz
sentido em um mundo onde tais parcerias com plataformas de
conteúdos estão se tornando mais plausíveis e onde a publicação na
internet fornece os meios pelo qual se pode reunir um pacote de texto,
áudio, vídeo e imagens em um pacote abrangente de cobertura
(FORD, 2007, online).

Desse modo, entende-se que o foco do jornalismo transmídia é, para além de alcançar
um maior número de views107, fazer com que a notícia seja entendida de forma sucinta e clara.
Taianne de Lima Gomes (2018), em sua dissertação “O uso de conteúdo transmídia na TV:
Uma análise de telejornais da Globo e da Inter TV Cabugi nas redes sociais digitais”, resume a
participação do transmídia no jornalismo televisivo. Segundo a autora, a narrativa transmídia
apresenta uma certa harmonia. Os temas comuns, segundo a autora, são: múltiplas plataformas,
expansão de conteúdo, participação do usuário e ação integrada ou planejamento estratégico.
Pode-se inferir que a narrativa transmídia possibilitou que o telejornalismo expandisse
sua abrangência. Atualmente, os jornais, além de utilizarem das redes sociais como meio de
expansão da notícia, usam esse espaço para criação de conteúdo. A internet, juntamente com o
jornalismo, caracteriza uma mídia capaz de englobar diferentes meios de comunicação,
linguagens e usuários.

107 Views: linguagem típica da internet. Tradução literal: visualizações.


A Globo tem utilizado estrategicamente as mídias e a narrativa transmídia. No caso do
Jornal Nacional, como mostrado anteriormente, realiza essa transmiadiação de forma sucinta,
mas muito eficiente. O programa da TV aberta, apoiado nas plataformas online, como: site
G1108Globo Play e redes sociais, cria um encaixe sintético; Na televisão, o espectador recebe
as notícias passivamente. Já o Portal G1 site serve como detalhamento do acontecimento.
Quanto ao Globo Play, que é a plataforma de streaming, assegura a responsabilidade da empresa
com a notícia, caracterizando que o fato apresentado pode ser revisto quantas vezes forem
possíveis. As redes sociais apoiam-se na possibilidade de o indivíduo compartilhar sua opinião.
Evidencia-se interessante analisar como o jornal se compromete, de diferentes formas nas
plataformas de rede aberta e Instagram, a apresentar as informações, fatos e perspectivas.

6. ANÁLISE DO CONTEÚDO TELEVISIVO E DAS REDES SOCIAIS DO JN:

6.1. Análise do Jornal Nacional (TV Aberta e Instagram) – 05 de setembro de 2022

O foco da edição no dia 05/09 foi, para além de caracterizar o cenário político atual,
demonstrar como a história política do Brasil foi tomando forma ao longo dos anos. A série
especial de reportagens “Histórias do Brasil” contou, resumidamente, como o processo de
independência do país e a formulação da constituinte ocorreu; utilizando metade do programa
para essas histórias. Além disso, vale ressaltar que o jornal apresentou, nessa edição, 19
matérias. Dessas 19 matérias percebe-se que apenas 6 foram disponibilizadas na página do
Instagram JN, sendo elas: percentual de intenção de votos para presidente; política
internacional; denuncia de agressão; história da constituinte; e comemoração da independência.

108 Jornal Nacional (site): https://g1.globo.com/jornal-nacional/


Quadro 1
Jornal Nacional – 05 de setembro de 2022 – TV Aberta

Fonte: Dos autores, 2022

Constata-se que a maioria do conteúdo transmitido entre as duas mídias (rede aberta e
Instagram) pode ser descrita como transmídia, visto que a linguagem utilizada em cada
plataforma foi diferente e adequada ao público de cada meio, por exemplo: a análise sobre a
pesquisa contratada pela TV Globo sobre a intenção de voto para as eleições presidenciais
contou, na rede aberta, com dados complementares (como índice de satisfação do atual governo
Bolsonaro). Mas na rede social apenas os dados sobre a intenção de voto foram sinalizados.

Quadro 2
Jornal Nacional – Instagram – 05 de setembro de 2022

Fonte: Dos autores, 2022

A comparação da forma como o conteúdo foi divulgado mostra que, pelo menos no dia
05/09/2022, o Jornal Nacional mostrou-se adaptado aos diferentes meios de comunicação.
Contudo, outro ponto interessante mostra-se na construção das notícias em formato crossmedia
- visto que, nem todas as postagens precisam ter o sentido mudado/alterado para adesão do
público em ambas as plataformas -. A reportagem que denunciou a ação de um empresário
agredindo diversas mulheres no Instagram teve, praticamente, a mesma roupagem da televisão;
os textos, juntamente com as imagens, utilizados na postagem foram os mesmos que os
mostrados no telejornal. Assim, percebe-se que o Jornal, engajado nas questões atuais e,
principalmente, preocupado em atingir o maior número de pessoas, soube equilibrar:
infotenimento com pontos essenciais para o público. Além disso, sem esquecer de adequar-se -
quando necessário - as particularidades de cada meio de comunicação.

6.2. Análise do Jornal Nacional (TV Aberta e Instagram) – 06 de setembro de 2022

O foco da edição no dia 06/09 foi, para a série especial Brasil em Constituição, onde
trouxe vários relatos de pessoas de diferentes regiões do Brasil e como lidaram com situações
que envolviam sua liberdade, leis e justiça para muito além de suas vidas pessoais. Além disso,
vale ressaltar que o jornal apresentou, nessa edição, 13 matérias. Deste total, percebe-se que
apenas 4 foram disponibilizadas na página do Instagram JN, sendo elas: Brasil em Constituição,
UFMG recebe material para desenvolver vacina, acidente no RJ, independência do Brasil.
Quadro 3
Jornal Nacional – TV Aberta – 06 de setembro de 2022

Fonte: Dos autores, 2022

Com base nessas informações podemos ver que, neste dia, 06/09/2022, muitas das
postagens foram adaptadas para o Instagram, com textos mais curtos e explicativos e sempre
chamando o público a ver a matéria completa no g1 ou no Jornal Nacional o que mostra a
estratégia transmídia. É válido também ressaltar que o jornal está acompanhando o que está em
alta nos assuntos do Brasil, com as eleições chegando à série especial mostra um pouco da
Constituição e alguns relatos trazem mais realidade para quem assiste. Conclui-se que também
teve aspectos crossmedia, visto que na matéria sobre a vacina contra a varíola dos macacos,
trouxe um trecho sem cortes, sem diferença, sem alteração direto para o Instagram.

Quadro 4
Jornal Nacional – Instagram – 06 de setembro de 2022

Fonte: Dos autores, 2022

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É nítido referenciar que com as mudanças ocorridas no século XXI tornou-se necessário
uma adequação geral dos conglomerados de mídia, para que todos os veículos pudessem
reproduzir as informações de interesse. O conceito de transmídia tornou-se um fator importante
que pode definir quais canais atingiram um público maior. Nesse sentido, concluímos que a
rede Globo que antes contava apenas com a televisão, o rádio e um website de notícias, agora
se desdobrou possuindo contas nas principais redes sociais, que são abastecidas diariamente de
formas diferentes, rede de streaming com o lançamento do Globoplay, que contém todos os
programas de emissora mais filmes no formato Just in time, ou seja, disponível a qualquer
momento. Sendo assim, se adequou da melhor forma possível para acompanhar os avanços
transmidiáticos e conseguir manter a audiência.

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da Globo e da Inter TV Cabugi nas redes sociais digitais. Dissertação de Mestrado. Programa
de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM). Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, Natal - RN, 2018. Acesso em: 8 set. 2022.

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WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1999.


Capítulo 35

Midiatização do Jornalista:
Um estudo de casos do Twitter de Flávia Oliveira no 1º turno das Eleições de 2022

Julia Meneguelli Franco (UNIVALE)


Glenda Hastenreiter Corteleti (UNIVALE)
Deborah Luísa Vieira dos Santos (UNIVALE e UFJF)

RESUMO: O processo de (hiper)midiatização (BRAGA, 2012; CARLÓN; 2016) fez com que
se alterasse a lógica comunicacional e de atravessamento entre os campos sociais, em especial,
com a popularização do acesso à internet (THOMPSON, 2018). O que impactou o campo
jornalístico, tanto que grandes conglomerados, como a Rede Globo a qual publica, em 2018,
em seus Princípios Editoriais do Grupo Globo, trechos que limitam a atuação de seus
profissionais em redes sociais e até aplicativos de mensagens instantâneas como Whatsapp
(CHAISE; FREITAS; VALÉRIO, 2019). Nesse sentido, o presente trabalho busca investigar
de que modo esses atravessamentos alteram a gestão de visibilidade e colocam o jornalista em
posição de influenciador, a partir da observação do Twitter da jornalista e comentarista da
GloboNews, Flávia Oliveira, além de entender como a jornalista navega pela própria
midiatização. Ainda observar em que medida a profissional se posiciona (ou não) politicamente
em sua rede social.

PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo, Midiatização, Política, Flávia Oliveira, Twitter.

1. INTRODUÇÃO

Em uma empresa na qual a opinião não pode ser claramente expressada e em uma
sociedade na qual o público e privado se confundem a partir do que é publicizado nas redes
sociais, compreender a postura do jornalista e a midiatização da profissão, também se torna
importante para entender quais os limites da liberdade de expressão e de que forma a opinião
de um profissional pode ser confundida ou se conflitar com a de sua empresa de vínculo em um
campo que preza pela "isenção" na informação.
O jornalismo tradicional tem como um de seus princípios a imparcialidade. Sabe-se
atualmente que a imparcialidade é impossível de se alcançar, uma vez que existem interesses
dos veículos de comunicação e a forma com que o jornalista atua também passa por sua
bagagem pessoal e experiências. Em contrapartida, esses profissionais de comunicação
possuem perfis pessoais nas diferentes redes sociais online, com intuito de compartilhar
informação, vida pessoal e opiniões. Aqui há o choque entre o público, privado e íntimo, uma
vez que o jornalista, enquanto figura pública, pode ter suas publicações nas redes sociais levadas
em consideração, como se o espaço fosse uma continuação do seu trabalho ou do próprio
veículo jornalístico em que atua. As empresas de jornalismo têm criado estratégias para lidar
com essas tensões. O Grupo Globo, por exemplo, tem princípios editoriais que limitam a
atuação dos seus profissionais no uso de suas redes sociais pessoais e até aplicativos de
mensagens instantâneas como Whatsapp (CHAISE; FREITAS; VALÉRIO, 2019).
A jornalista Flávia Oliveira é colunista no O Globo e CBN; é comentarista em quatro
jornais da GloboNews - Estúdio i, Edição das 18h, Em Pauta e Jornal das Dez; além de
podcaster no Angu de Grilo. Conhecida por sua especialização em economia e como analista
de política, Flávia Oliveira leva seus comentários, opiniões e matérias também para seus perfis
nas redes sociais online. A notoriedade da jornalista é reconhecida através de premiações ao
longo da carreira.
Nesse sentido, a pesquisa busca observar como a jornalista Flávia Oliveira, comentarista
de economia e política da Globo News, se comporta em suas redes sociais, especificamente na
plataforma Twitter, em um período de polarização política e posicionamentos. Como recorte
foi utilizado o período que compreende as campanhas eleitorais do primeiro turno das eleições
de 2022 (26 de agosto a 29 de setembro de 2022), em que se coletou todos os tweets publicados
pela jornalista, com auxílio do software livre TAGS v6.1.
Para análise do corpus foi utilizada uma análise híbrida, a qual compreende a análise de
conteúdo (BARDIN, 2011), a análise de conteúdo automatizada (CERVI, 2018), com a
utilização do software livre Iramuteq, e a análise de discurso (ORLANDI, 2005).

2. COMUNICAÇÃO E JORNALISMO NA ERA DIGITAL

A prática de registrar as diversidades da vida humana existe desde os primórdios. Os


primeiros humanos expressaram suas percepções e relataram suas vivências por meio das
pinturas rupestres. Entendendo o jornalismo como “uma representação discursiva de factos e
ideias da vida do homem, construída para se contar ou mostrar a outrem” (SOUZA, 2008),
podemos afirmar que a essência jornalística acompanha a humanidade desde sua gênese. No
entanto, há princípios que por muito tempo foram seguidos e se consolidaram como parte do
éthos jornalístico, capaz de garantir a credibilidade e legitimar as notícias frente ao público.
Dentre eles, encontra-se a objetividade, a escrita em terceira pessoa e o uso de fontes. Desse
modo, como aponta Tuchman (1999, p. 75), “os jornalistas invocam os procedimentos rituais
necessários para neutraliza potenciais críticas e para seguirem rotinas confinadas pelos limites
cognitivos da racionalidade. Esses mesmos procedimentos rituais também são estratégias
performativas”. Nesse aspecto, o papel do profissional do jornalismo é dar enfoque à notícia,
tendo a objetividade como espécie de “escudo”.
Sendo a prática jornalística, portanto, um serviço que preza pelo interesse público, é
necessário recortar os interesses do próprio jornalismo. Dessa forma, os meios de comunicação
seguem linhas editoriais próprias, mas antes de conceituar linha editorial, é preciso
compreender que os veículos de mídia são empresas e, dessa maneira, estão submetidas ao
financiamento dos seus proprietários e patrocinadores, os quais também influenciam no modo
como as notícias são produzidas (CHOMSKY, 2015).
A definição da linha editorial de um jornal passa pelos interesses por trás do veículo,
além dos interesses à frente, que é o consumidor, ou público. Por essa razão, Nilson Lage
(PAIXÃO, 2018) define a linha editorial como a disputa de interesses políticos e econômicos
da empresa jornalística, dos profissionais que exercem a profissão e das aspirações do público
receptor das informações, a fim de equilibrar necessidade e utilidade.
No entanto, como essa configuração acontece em uma sociedade em vias de
(hiper)midiatização?
A popularização da internet e suas redes sociais permitiu que fosse mais visível o
processo de midiatização no qual passamos de uma “sociedade dos meios”, centrada na mídia;
para uma “sociedade midiatizada”, em que a circulação da mensagem segue de forma não
sequencial e não-linear e os media perpassam e se deixam perpassar pelos demais campos
sociais (FAUSTO NETO, 2018). A midiatização é um processo de dupla face, pois faz com que
a mídia seja um campo “semi-independente” da sociedade o qual os demais campos e
instituições têm de se adaptar, obrigando, em menor ou maior grau, que os mesmos se
submetam à sua lógica (BRAGA, 2012). Nesse aspecto a própria legitimidade dos campos é
abalada, incluindo o campo jornalístico, e, para tentar reaver o poder, estratégias são tomadas
(BRAGA, 2012).
Até agora, o espaço público de comunicação era controlado através
de intermediários institucionais que preenchiam uma função de
filtragem e de difusão entre os autores e os consumidores de
informação: estações de televisão, de rádio, jornais, editoras,
gravadoras, escolas, etc. Ora, o surgimento do ciberespaço cria uma
situação de desintermediação, cujas implicações políticas e culturais
ainda não terminamos de avaliar. Quase todo mundo pode publicar
um texto sem passar por uma editora nem pela redação de um jornal.
O mesmo vale para todos os tipos de mensagens possíveis e
imagináveis (programas de informática, jogos, música, filmes, etc.).
Passa-se assim de uma situação de seleção a priori das mensagens
atingindo o público a uma nova situação na qual o cibernauta pode
escolher num conjunto mundial muito mais amplo e variado, não
triado pelos intermediários tradicionais. (LÉVY, 1998, p. 45)

Nesse cenário de conflitos e mudanças, as empresas de comunicação se preocupam, não


só com a visibilidade de si mesmas, mas também com aquilo que seus profissionais publicam.
A exemplo disso, tem-se a Globo, a qual, em 2018, por meio de documento, limitou a atuação
e manifestação de seus profissionais nas redes sociais, até mesmo em aplicativos, como nos
grupos de Whatsapp, como forma de controlar e limitar a atuação de seus profissionais.

As diretrizes sobre o uso de redes sociais do Grupo Globo restringem


a palavra e produzem o que se pode chamar de silenciamento de vozes
destoantes dentre os profissionais. A falsa hipótese de isenção e
neutralidade jornalística é tão fantasiosa quanto a suposta boa
intenção do Grupo Globo com a divulgação dessas diretrizes. O que
parece ser a pretensão com tal publicação, em realidade, mais do que
constranger as pessoas a não se manifestarem, ficarem no seu casulo
e prezarem por seus empregos, talvez seja mostrar ao público
anunciante a autoridade dos patrões sobre os empregados, que devem
“seguir as normas de comportamento da empresa”. (CHAISE,
FREITAS, VALÉRIO, 2019, p.72)

Nesse espaço público de desintermediação, até os jornalistas passam a se desvincular


de emissoras e veículos tradicionais para seguir em carreiras pessoais mais livres ou esperam
estar fora das telas para expressar suas opiniões. Como exemplos recentes têm-se dois grandes
nomes do jornalismo nacional: Fátima Bernardes e Chico Pinheiro. Fátima Bernardes esteve à
frente do Jornal Nacional por 13 anos e do Programa Encontro há 10 anos e, somente em 2022,
em um período de hiato, enquanto se prepara para assumir a apresentação do Programa The
Voice, também da Rede Globo, se posiciona politicamente, declarando seu voto no candidato à
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva109, afirmando ser algo que não podia fazer
quando trabalhava no jornalismo tradicional. Chico Pinheiro, jornalista há 51 anos, era
apresentador do Bom dia, Brasil, da Globo, e anunciou em abril de 2022 seu desligamento da
emissora após 32 anos110. Chico não só declarou seu apoio ao ex-presidente Lula, nas eleições
de 2022, como participou ativamente da campanha apresentando comícios do então candidato.
Mario Cárlon (2015) aponta essas tensões entre o público, privado e íntimo, as quais
sofreram mudanças com o passar do tempo. O autor recorre à Sennet (2001) para discutir o
declive do público e ascensão do privado e íntimo nas eras modernas e pós-moderna. Conforme
Carlón (2015), essas mudanças ocorrem devido ao desenvolvimento da individualidade e
subjetividade, a consolidação de uma ordem burguesa, na qual avançam os processos de
intimidade, conforto e domesticidade. Ainda, isso é impulsionado pela midiatização (da
emergência e consolidação dos diferentes suportes de comunicação, até a era da tecnologia da
informação), a qual altera a lógica espaço-temporal, tanto da recepção quanto da produção de
conteúdos e discursos, e possibilitou que a informação fosse de muitos para muitos. “O rígido
muro que separava o público, do privado e do íntimo, que dia após dia vinha sendo fissurada,
terminou de ceder, segundo muitos, na pós-modernidade” (CARLÓN, 2015, p. 5, tradução
nossa111).
Em um período em que os talk shows e realities se multiplicam, os relatos da vida íntima
e privada invadem os meios de comunicação de massa e, não foram só as celebridades que se
expuseram nesses programas, cada vez mais as pessoas comuns também usam dos meios de
comunicação para expressar suas opiniões e sentimentos (CARLÓN, 2015). Em uma sociedade
hipermidiatizada, como aponta o autor argentino, a relação público, privado e íntimo, ganha
uma nova interpretação. Cada pessoa administra seu próprio meio de comunicação (Facebook,
Twitter, Instagram, YouTube etc) e muitas práticas sociais se organizam em torno dessas redes.
E, mais do que redes, essas mídias digitais se convertem em verdadeiras plataformas,
sendo o termo uma alusão às plataformas de terminais rodoviários, as quais conectam
passageiros e veículos e, no mundo digital, serviços a usuários e usuários a usuários (LIMA;
VALENTE, 2020). No entanto, vale destacar que o funcionamento dessas plataformas se dá em

109
Disponível em: <https://www.uol.com.br/splash/noticias/2022/10/01/fatima-bernardes-declara- apoio-a-
lula-importante-revelar-meu-voto.htm> Acesso em 08 out. 2022.
110
Disponível em: <https://g1.globo.com/pop-arte/tv-e-series/noticia/2022/04/29/chico-pinheiro-deixa-a-tv
-globo-em-comum-acordo-apos-32-anos-relembre-bordoes-e-momentos-da-carreira.ghtml> Acesso em 08 out.
2022.
111
Texto original: “El rígido muro que separaba lo público, de lo privado y lo íntimo, que día a día venía
fisurándose, terminó de ceder, según muchos, en la posmodernidad”.
uma lógica capitalista, na qual impera o interesse do mercado, ou seja, dos grupos privados que
as controlam e seus algoritmos (SILVEIRA, 2019).

3. METODOLOGIA E ANÁLISE: O POSICIONAMENTO DA JORNALISTA EM


SUAS REDES SOCIAIS

Através do software TAGs v6,1112 foram coletadas as publicações do Twitter da


jornalista Flávia Oliveira, no período que compreende de 26 de agosto a 29 de setembro de
2022, referente às campanhas eleitorais no primeiro turno das eleições de 2022. A coleta
resultou em um total de 427 tweets publicados pelo perfil (@flaviaol) ao longo do período. O
intuito é investigar se a mesma se posiciona politicamente em seu perfil pessoal ou segue as
diretrizes impostas pela empresa em que trabalha, se afastando das discussões políticas. Ainda,
observar em que medida ela se posiciona de modo velado e quais os discursos presentes em
suas postagens.
Após a coleta dos tweets, a análise ocorreu via Iramuteq, software capaz de realizar a
análise textual por meio das aproximações semânticas, o qual permitiu uma análise híbrida das
publicações, a fim de se observar quais os conteúdos das mensagens publicadas, e,
posteriormente, observar de forma discursiva suas implicações, por meio da Análise de
Conteúdo (BARDIN, 2011). Por meio do Iramuteq foi possível analisar, de modo estatístico e
mais objetivo, os discursos presentes nas publicações, a partir da identificação do contexto,
vocabulário, especificidade das palavras, nuvem de palavras, entre outros aspectos. Para tal
análise, seguiu-se a Análise de Conteúdo de Redes Sociais Online (CERVI, 2018).

Análise de Conteúdo Automatizada com menor interferência possível


de subjetividades do pesquisador na categorização textual. Na técnica
apresentada aqui a unidade de análise é o termo/palavra isolado. Mede-
se a presença total (número de citações do termo/palavra), a presença
relativa por subcorpus do texto (citações do termo/palavra no cluster
temático) e as relações com outros termos/palavras (presença em
cluster). (CERVI, 2018, p. 8).

A aplicação do método se dá a partir de três etapas, de acordo com o autor, sendo elas:
I) organizar os tweets a serem testados usando o algoritmo de Reinert, por meio do software

112
TAGS V6. Disponível em: <https://tags.hawksey.info/get-tags/> Acesso em 08 out. 2022.
Iramuteq; II) identificação dos clusters (também conhecidos como classes ou categorias) e
quais os termos mais acionados; III) a partir do banco de dados, foram criadas variáveis que
associam os termos, os quais reproduzem temas e áreas semelhantes ou próximas.
É importante destacar que os dados foram tratados antes de serem minerados pelo
software, a partir de uma limpeza prévia, a qual consiste na eliminação de termos os quais o
aplicativo mostra-se incapaz de ler, como caracteres especiais e emojis, conforme as orientações
do Manual do Aplicativo Iramuteq (SALVIATI, 2017). Além disso, para fins metodológicos e
levando em conta as próprias especificações do Iramuteq, serão excluídos da análise tweets com
poucos caracteres, hiperlinks e vídeos. Dessa forma, a análise será feita baseada nos textos
publicados diretamente pelo Twitter da jornalista no período de campanha do primeiro turno,
sejam eles tweets ou retweets da Flávia Oliveira.
Em seguida, será feita uma análise do discurso (ORLANDI, 2005) presente nas
publicações, a partir das categorias elencadas pelo software, a fim de averiguar de forma mais
próxima as nuances dos discursos publicados pela jornalista. Com a análise, busca-se
compreender como Flávia Oliveira navega pela midiatização, estando vinculada a uma empresa
que impõe a ela uma maneira específica de se expressar nas redes sociais particulares.

3.1 Quem é Flávia Oliveira e @flaviaol

Flávia Oliveira é uma jornalista carioca, formada pela Universidade Federal Fluminense
(UFF). Antes de se graduar, no entanto, profissionalizou-se como técnica em estatística pela
Escola Nacional de Ciências Estatísticas, o que a levou para o jornalismo de economia, nicho
em que constrói uma sólida carreira desde 1992. Desde 1994 trabalha no grupo Globo e já
passou por todas as plataformas do conglomerado - jornal impresso e digital, rádio e televisão.
Foi repórter de economia, na década de 1990, depois colunista interina do Panorama
Econômico, de Míriam Leitão, de 2001 a 2005; e titular da coluna Negócios & Cia, de 2006 a
2014. Em 2009, integrou o time de “Menina do Jô”113. Na mesma época, assumiu o cargo de
comentarista de economia do programa Estúdio i, na Globonews, da TV a cabo .Em 2011,
ocupou o posto de comentarista de finanças pessoais e economia doméstica nos programas Bom
Dia Rio e RJTV.

113 Quadro do “Programa do Jô”, que permaneceu no ar entre 2006 e 2016, em que jornalistas, todas
mulheres, discutiam e comentavam notícias dos segmentos de política e de economia no Brasil.
A jornalista foi premiada em 2001 com Prêmio Esso de Jornalismo com a série de
reportagens “Retratos do Rio”; em 2002 recebe o prêmio Fiat Allis de Jornalismo Econômico;
em 2003 é contemplada com o Prêmio Jornalismo para Tolerância, da Federação Internacional
de Jornalistas, por seu trabalho como coeditora do suplemento “A Cor do Brasil", no jornal O
Globo, mostrando sua produção na área econômica e racial.
Autointitula-se como jornalista de socioeconomica. Hoje, é colunista no O Globo e
CBN; é comentarista em quatro jornais da GloboNews - Estúdio i, Edição das 18h, Em Pauta e
Jornal das Dez; além de podcaster no podcast Angu de Grilo, o qual apresenta juntamente à
filha, Isabela Reis, também jornalista.
No Twitter, em 18 de dezembro de 2022, a jornalista possui 232,2 mil seguidores, 49,7
mil tweets e segue 2245 contas. Suas publicações possuem cunho profissional, com análises da
política, economia e questões sociais, como também publicações (posts ou repostagens) de sua
atuação na GloboNews. Flávia ainda compartilha e marca publicações relevantes de seus
colegas de emissora. Mostra-se atenta aos temas da atualidade, como a participação feminina
na política e questões raciais, o que inclui também temas culturais, como no período coletado,
em que ela publica uma breve análise do filme “A Mulher Rei” (2022), protagonizado pela atriz
estadunidense Viola Davis (Figura 1), no dia 23 de setembro de 2022. A jornalista aproveita da
pauta para discutir questões raciais, em especial, sobre as mulheres negras e a dominação
masculina.

Figura 1
Sequência de Tweets com análise do filme “A Mulher Rei” (2022)

Fonte: Twitter Flávia Oliveira, printscreem de tela, 2022.


A jornalista mostra-se engajada em discussões sobre a diferença e grupos minorizados,
em diferentes aspectos, desde a política e economia, suas áreas de especialização, até questões
culturais, sociais, religiosas e sociais.

3.2 Categorias de Análise


Como forma de observar as discussões levantadas por Flávia Oliveira, em seu Twitter,
no intuito de investigar qual o posicionamento político da mesma ao longo do primeiro turno
das eleições de 2022.
Com a leitura dos tweets coletados e as palavras mais recorrentes nas publicações de
Flávia Oliveira, foi possível obter a seguinte nuvem de palavras (Figura 2):

Figura 2
Nuvem de Palavras das publicações no Twitter @flaviaol no 1º turno de 2022

Fonte: Iramuteq, das autoras, 2022.

Pode-se notar que palavras voltadas para a temática política eleitoral se destacam como:
Lula, Jair Bolsonaro, Eleitoral, Brasil, Candidato, Presidente, Política, Campanha, Analisar,
Pesquisa, Setembro, Governo. Ter os nomes dos dois principais candidatos na disputa, os quais
seguiram para o segundo turno, aponta como as discussões, análises e pesquisas publicadas por
Flávia Oliveira seguiram a tendência da polarização. Nota-se ainda temas que foram recorrentes
nesse período como “mulher” e “violência”, sendo esta última temática, também relativa à
polarização e suas consequências. De fato, a jornalista teve suas postagens e repostagens – e,
por isso, o termo “flaviaol” aparece em destaque – voltadas para a campanha e para os
programas da GloboNews que debatiam o assunto eleições de 2022.
Igualmente, a partir da análise via Iramuteq, foram elencadas 6 classes (clusters)
conforme a figura 3:

Figura 3
Dendrograma com análise dos tweets coletados

Fonte: Iramuteq, das autoras, 2022.

Tendo as classes elencadas pelo software, foi possível analisar o corpus por meio de 6
categorias. No quadro 1 abaixo estão os nomes das categorias propostos pelas autoras, após a
análise do conjunto de termos apresentados em cada classe e leitura prévia do banco de dados.
Quadro 1
Nomeação das categorias por temas

Fonte: Iramuteq, das autoras, 2022.

3.2.1 ANÁLISE DE CONTEÚDO AUTOMATIZADA E ANÁLISE DE DISCURSO

A categoria mais recorrente, durante o 1º turno das eleições de 2022, foi a classe 5
“Violência antes e durante as eleições” (com 20,4% de ocorrência). Nesta categoria estão
reunidas publicações que trazem os diferentes tipos de violência, como violência política,
ataques à jornalistas, crescimento de ataques na sociedade civil, crescimento do número de
pessoas armadas, entre outros. Em um dos posts a jornalista compartilha o retweet de uma outra
conta do Twitter, em 1º de setembro de 2022: “Comentário maravilhoso da @flaviaol sobre a
explosão de armas nas mãos de civis e o aumento desproporcional na região amazônica,
crescimento dos homicídios e do crime ambiental e o enfraquecimento das estruturas de
fiscalização. Só tinha que dar errado.” Em outro repost do dia 14 de setembro do mesmo ano:
“Comentário certeiro de @flaviaol sobre o vertiginoso crescimento das milícias apontado no
Mapa histórico dos Grupos Armados”. Mais um exemplo, mas agora do ataque cometido por
deputados contra a jornalista Vera Magalhães, após debate na TV Cultura, no dia anterior:
“@JornalOGlobo e @CBNoficial repudiam ataque de deputado contra a jornalista
@veramagalhaes. Violência inaceitável.” Ato que já havia ocorrido no debate do dia 28 de
agosto, protagonizado pelo próprio presidente da república, Jair Bolsonaro, em debate
organizado em pool pelos veículos Folha de S. Paulo, UOL e TVs Bandeirantes e Cultura.
Discursivamente, a jornalista faz jus à definição que ela mesma firma para si, como
jornalista de socioeconomia. Nos veículos onde trabalha, Flávia, na posição de comentarista,
utiliza do espaço para elucidar o viés social do noticiário, evidenciando, portanto, um discurso
ideologicamente direcionado ao impacto que a violência (nesta categoria) incide nos grupos
sociais, sobretudo em grupos minoritários.
Em 2º lugar, em porcentagem de ocorrências, aparece a classe 1 “Questões raciais”
(18,7%), Flávia Oliveira traz a temática das questões raciais a partir de temas atuais, como
lançamento de filmes, morte da Rainha Elizabeth II e eleições. Sobre o lançamento do filme “A
Mulher Rei” (2022), no Brasil, a jornalista faz uma sequência de 7 tweets em 23 de setembro,
trazendo uma análise do filme, a presença de mulheres negras no cinema e ao longo da história,
como também uma breve sinopse da obra: “#AMulherRei, estrelado por @violadavis, é um
épico histórico protagonizado por mulheres negras. No plural. Não é aventura baseada em
quadrinhos. Baseia-se na saga verdadeira de um exército de guerreiras do reino africano do
Daomé, hoje Benin.”, diz o primeiro post e continua: “É filme que informa, empodera e orgulha
quem sempre esteve invisível ou como figurante em livros, peças, filmes. Descortina a História
de povos sequestrados, de famílias partidas, de humanos fraturados pela escravidão.”. No
último da sequência ela traz a seguinte análise: “Percorri listas de épicos históricos e não
encontrei nada parecido com o filme de Gina Prince-Bythewood, em que protagonista, elenco
e equipe técnica são, predominantemente, mulheres negras. ‘Cleópatra’ (1963), a rainha
egípcia, foi eternizada no corpo de Elizabeth Taylor”.
Quanto à morte da Rainha Elizabeth II, Flávia Oliveira resgata sua proximidade afetiva
com a história da família real, traça uma trajetória breve do reinado de Elizabeth II e a relaciona,
em tom crítico, à escravização, em uma série de 6 publicações do dia 09 de setembro. Na
publicação completa, escreve:

“Sou consumidora voraz das histórias e da produção audiovisual


sobre a folhetinesca monarquia britânica.
“No Palácio de Buckingham comprei a mais cara peça da coleção de
canecas de viagens que iniciei em 1993. +
“A morte da rainha, ontem, aos 96 anos, fecha a tampa dos grandes
personagens históricos do século XX. Como escreveu o colunista
@JamilChade no UOL, chega ao fim “uma geração de líderes que
reergueram a Europa de seu momento mais sombrio”, o Pós-Segunda
Guerra. +
“Tornou-se a gestora que manteve de pé a Firma, mesmo passando
por cima dos sentimentos de irmã, filhos, filha, netos. Era rainha,
acima de tudo. Sob seu comando, a Royal Family se configurou como
o mais bem-sucedido projeto de marketing da monarquia no planeta.
Nada como eles. +
“Elizabeth II tornou-se ícone pop. Mas era monarca. Não iniciou, mas
herdou um império forjado na escravidão de negros africanos, na
dominação de territórios, na opressão de povos nativos da América,
da África, da Ásia. Ainda era soberana em 14 países. +
“Recentemente, o presidente do Quênia, Uhuru Kenyatta, declarou:
— A escuridão desta “guerra suja” e sua marca na psique de nossa
nação permanecerão vivas em nossas memórias para sempre.
Devemos perdoar, mas nunca podemos esquecer. +
“O governante repetiu lema eternizado por Nelson Mandela, ex-
presidente da África do Sul, Nobel da Paz em 1993, símbolo da luta
contra o apartheid. É recado que serve ao Quênia. E ao Brasil do
Bicentenário da Independência.” (OLIVEIRA, Twitter, 09 de
setembro de 2022)

Em análise flutuante pelas publicações da jornalista é possível perceber o forte apelo


pela agenda racial. Flávia é uma mulher negra que usa seu espaço conquistado em grandes
jornais do país para evocar a pauta racial. Ao comentar a morte da Rainha da Inglaterra, em
setembro de 2022, Flávia traz em seu discurso o financiamento da Inglaterra ao apartheid,
regime de segregação racial implementado na África do Sul, elucidando seu comprometimento
pessoal com a pauta racial no mundo. Ademais, ao publicar em sua rede social um comentário
analítico sobre o filme “A Mulher Rei”, que conta a história de um exército de mulheres negras,
Flávia posiciona-se favorável à reivindicação do espaço social das mulheres negras. Contudo,
a jornalista mantém um distanciamento da história, evidente no trecho do tweet “É filme que
informa, empodera e orgulha quem sempre esteve invisível ou como figurante em livros, peças,
filmes”.
A terceira classe que mais aparece é a classe 2 “Análise das Eleições 2022” (17,6% de
ocorrências). Nela, a jornalista comenta sobre a corrida eleitoral ou resposta às publicações
sobre as campanhas e análises de outros profissionais especializados, como pesquisadores e
professores da área. Nesses tweets a jornalista traz análises das pesquisas de intenção de voto e
estratégias dos principais candidatos na disputa, com enfoque nos líderes das intenções, Jair
Bolsonaro (filiado ao PSL e, até então, presidente) e Lula (filiado ao PT e presidente eleito).
No dia 31 de agosto, Flávia Oliveira faz o seguinte repost: “1/ Nova pesquisa Genial/Quaest
mostra que o começo da campanha eleitoral não foi capaz de diminuir a diferença entre Lula
e Bolsonaro, que se mantém estável em 12 pontos; mas foi positiva para os outros candidatos
que, juntos, oscilaram positivamente 3 pontos.”. Ou o repost do Estudio i, em 28 de setembro,
em que ela é marcada na publicação: “Eleições: diante da possibilidade de vitória de Lula,
partidos do Centrão começam a se reorganizar no Congresso”.
Ainda, há o repost de jornalistas que fazem parte da mesma emissora, como Andréia
Sadi, no dia 27 de setembro: “No blog no @g1. Em vídeo, Joaquim Barbosa diz que, nas
grandes democracias, Bolsonaro é visto como ‘abjeto, desprezível e pessoa a ser evitada’. E
pede voto em Lula no 1o turno para ‘encerrar eleição’ no próximo domingo”. Algo que
acontece também no dia 26 de setembro, a partir do retweet da publicação do comentarista de
política da GloboNews, Mauro Paulino: “@MauroPaulino informa que cresceu a
probabilidade de vitória de Lula no primeiro turno. Pesquisa #IPEC apurada entre 24 e 26 de
setembro. Ausência no debate de sábado não pesou”.
A quarta classe com mais ocorrências (15,7%) é a 6ª, denominada “Política de cotas e
grupos minorizados”. Nesta classe a jornalista aborda, especificamente, os 10 anos da política
de cotas nas universidades brasileiras, por meio da Lei 12.711 de 2012, sancionada no governo
da Presidenta Dilma Rousseff (PT). Flávia discute as conquistas e desafios apresentados nesses
10 anos de lei, como também explica em seu perfil a importância da mesma. No dia 14 de
setembro de 2022, a jornalista faz esclarecimentos sobre a lei a um usuário do Twitter: “Dez
anos de lei de cotas e não sabe que os critérios de entrada são escola pública e renda. Cor/raça
e deficiência são subcotas. Sem falar que pensando só em renda (baixa), também haveria
sobrerrepresentação de negros. ah! Fosse só raça, seria justo como política de reparação”.
Uma publicação mais completa foi feita em 26 de agosto do mesmo ano, através de 10
tweets, retuitados em 02 de setembro:

“Neste domingo, 28, a lei federal de cotas completa uma década. Não
é o caso de só perguntar o que a Lei 12.711 fez por alunos de escolas
públicas, pobres, negros, indígenas, mas de saber o que esses
brasileiros fizeram pela educação no país. +
“A lei federal, de 2012, previa revisão do sistema de acesso por cotas
em dez anos. Mas suas determinações não expiram ao fim do prazo.
Portanto é errado afirmar que as regras deixam de valer agora ou que
a lei necessita de prorrogação. +
“Os estudos têm confirmado resultados positivos acima do esperado,
tanto em desempenho quanto em evasão dos cotistas. Notas e
abandono têm níveis semelhantes para cotistas e alunos admitidos por
ampla concorrência. +
“Pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência (estas desde
2016) beneficiam-se de uma subcota equivalente à participação de
cada grupo na população dos estados. Sim, a reserva de vagas segue
critérios sociais, antes dos raciais.+
“Embora tenha sido historicamente defendida como política de
reparação de desigualdades por organizações do movimento negro,
alcança todos os excluídos. É o avesso do “identitarismo” apontado
por alguns críticos. +
“Desde a virada do século, o debate sobre ações afirmativas
estimulou a ampliação da oferta de vagas no ensino superior. Houve
criação de novas universidades e institutos federais, de campi e
cursos, além de programas como Sisu, ProUni e Fies. +
“Em 2019, o Inep contava 8,6 milhões de matrículas no ensino
superior, mais de um quinto do total de jovens de 18 a 24 anos. Não
se trata somente de pobres e negros, mas de mais brasileiros na
universidade. Ninguém perdeu. +
“As unidades de ensino ganharam muito. A composição das salas de
aulas mudou. Ampliou-se a diversidade dos professores. Novos
territórios, gentes e saberes foram incorporados às pesquisas
acadêmicas. +
“Variáveis de raça, gênero, desigualdades sociais foram incluídas nas
áreas do Direito à economia, da ciência política à administração.
Intelectuais pretos, indígenas, mulheres saíram da invisibilidade. +
“ “Não é possível pensar em benefícios só para os negros. Todo
mundo ganhou”, resume a professora @MarciaLima1971 .
Se a Lei 12.711 fez pelos pretos e pobres, estes fizeram ainda mais
pelo Brasil — desde sempre, e também na década das cotas.”

A própria escolha da jornalista em abordar o assunto de viés educacional e racial


explicita o comprometimento dela para com a pauta de igualdade racial. Além disso, Flávia
trata do assunto sob uma perspectiva positiva e celebra o sucesso da política de cotas para o
país. Esse discurso é um posicionamento em favor de políticas sociais e atenção voltada, em
particular, para o grupo minoritário atendido diretamente, reforça as agendas ideológicas da
jornalista.
Como quinta categoria de maior ocorrência, aparecem as classes 3 e 4, “Mapa da Fome”
e “Governo Atual”, respectivamente, ambas com 14,8%. Em “Mapa da Fome”, a jornalista
apresenta de forma crítica o contexto brasileiro e a situação de insegurança alimentar vivenciada
por milhões de brasileiros. Em 23 de setembro, a jornalista compartilha o seguinte retuite: “No
país onde 15 em cada cem habitantes não têm o que comer, em que a insegurança alimentar
severa acossa um quinto (18,1%) dos lares com crianças menores de 10 anos, a palavra mais
ouvida na campanha eleitoral de 2022 não é fome. É violência.”. O que poderia ser uma
resposta direta ao tweet compartilhado da jornalista Andréia Sadi, no qual Flávia também tem
sua conta marcada: “Agora no @estudioi: Paulo Guedes questiona relatório e diz que ‘é
mentira’ que 33 milhões de brasileiros passam fome. Bolsonaro já tinha negado escalada da
fome, chegou a dizer que no Brasil não se vê gente ‘pedindo pão’ na porta da padaria.
@flaviaol”.
Na categoria intitulada “Governo Atual”, Flávia Oliveira discute o contexto brasileiro e
sua relação com as eleições, em especial, às estratégias acionadas pelo então presidente, Jair
Bolsonaro, como no retuite da conta do Estúdio I, do dia 27 de setembro, em que a mesma está
marcada: “Hoje no #estudioi, da @GloboNews: - Consignado do Auxílio Brasil: governo define
regras a cinco dias das eleições. E especialistas temem risco de endividamento ainda maior da
população mais vulnerável; @AndreiaSadi @flaviaol @Danielhrs”.
Na mesma data, a jornalista retuita uma postagem da GloboNews, na qual está marcada:
“Segundo a comentarista @flaviaol, a pesquisa Ipec mostra que eleitorado mais pobre não tem
convicção na política social do governo, mesmo com auxílios”. Algo presente no retuite do
Estúdio i, no dia 06 de setembro: “Ipec: pesquisa mostra estabilidade na disputa presidencial.
Bolsonaro tem tendência de queda entre evangélicos e mulheres, segmentos estratégicos para
a campanha; Lula, oscilou para cima entre os mais pobres”.
Em 16 de setembro, ela compartilha: “Pandemia é a kryptonita de Jair Bolsonaro. As
mulheres não esqueceram a dor dessa temporada”. Uma referência ao contexto brasileiro de
pós-pandemia e perdas de quase 700 mil óbitos, bem como à dificuldade de Bolsonaro em lidar
com o público feminino, devido aos sucessivos ataques às mulheres e as políticas públicas
voltadas para as mesmas. Em 23 de setembro, Flávia posta uma crítica à censura sofrida pelo
UOL Notícias, ao expor escândalo imobiliário no clã Bolsonaro: “Censurada, a pedido do
senador filho do presidente, a reportagem do @UOLNoticias que revelou a compra de 51
imóveis em dinheiro vivo pela família Bolsonaro”.
Nos discursos da categoria Mapa da Fome, Flávia aproxima a situação de miséria
enfrentada pelo Brasil na gestão do Governo até então vigente, demonstrando seu papel de
cobrar as autoridades responsáveis. A jornalista denuncia também a ausência dessa pauta nos
discursos dos presidenciáveis e nos debates. Na categoria Governo Atual, Flávia posiciona-se
criticamente em relação aos acontecimentos, sobretudo para condutas suspeitas e/ou
inapropriadas. Os discursos mais objetivos levantados da conta @flaviaol são, no entanto,
repostagens de outras contas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho demonstra a coerência da jornalista Flávia Oliveira e a consonância


de suas colocações feitas na televisão e na rede social. O perfil @flaviaol mostra-se como uma
extensão da seção de comentários dos telejornais a respeito da situação econômica, política e
social brasileiras. Ainda, a jornalista se posiciona quanto as questões raciais, algo que condiz
com sua trajetória e bandeiras, enquanto mulher negra racializada.
Ao discutir temas contemporâneos e trazer trechos dos veículos em que trabalha, Flávia
Oliveira, apesar de não posicionar a favor da eleição do Presidente Lula, ataca a atuação do
Governo do ex-Presidente Bolsonaro, em especial ao tratar questões como o Mapa da Fome no
Brasil. Até mesmo, ao discutir questões raciais como a política de cotas, de forma indireta, faz
referência a uma conquista sancionada no governo Dilma Rousseff (PT), com a Lei 12.711 de
2012. Algo atacado de forma constante pelo próprio Bolsonaro, o qual dizia que esta é uma
política equivocada114. Ao afirmar a política de cotas e as questões raciais, de certo modo, Flávia
Oliveira vai contra o que é propagado por Bolsonaro e seus apoiadores.
Apesar de opinativa, as publicações da jornalista trazem discussões importantes de
serem levantadas, como também referências para seus seguidores, usuários do Twitter. A rede
social da jornalista é uma continuação de seu trabalho, o qual de forma responsável, continua a
debater as pautas que envolveram o contexto eleitoral de 2022.

REFERÊNCIAS
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114
“Bolsonaro diz que política de cotas é 'equivocada' e que política de combate ao preconceito é
'coitadismo'”, publicada pelo Portal G1, no dia 24 out. 2018. Disponível em:
<https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/10/24/bolsonaro-diz-ser-contra-cotas-e-que-
politica-de-combate-ao-preconceito-e-coitadismo.ghtml> Acesso em 28 jan. 2023.
<http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/19351/> Acesso em 08 out.
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Capítulo 36

Infância e Jornalismo Político:


A Nominação Dinâmica Presente no Jornal Joca

Sara Rodrigues de Moraes Bridi (UFJF)

1. INTRODUÇÃO

Ele pega o seu iphone que acabou de ganhar, procura pelo YouTube entre os aplicativos
que, logo ao carregar, já oferece um cardápio de opções que podem chamar a sua atenção. Clica
em mais um daqueles vídeos unboxing115 e, do outro lado da tela, o YouTuber mostra todas as
vantagens e desvantagens na nova pista de carrinhos da HotWheels - produto “gentilmente”
cedido pela Mattel, interessada no poder de persuasão do digital influencer. Ele pega o celular,
o único smartphone da casa, e tenta ver algum meme engraçado pela tela trincada. Tem que ser
rápido porque a mãe logo vai sair do chuveiro, pegar o aparelho de sua mão e sair para o
trabalho. O irmão acorda daqui a pouco e é preciso preparar o café da manhã. Tem que pôr o
lixo para fora, lavar a louça... de repente ainda dá para brincar de bola antes da escola. Mais
tarde não tem jeito... Até porque o Seu Antônio prometeu um troco se ele fizer as entregas da
quitanda depois da aula. Duas narrativas tão distintas podem descrever o papel desempenhado
por uma mesma persona – a criança.
Ao se pensar na produção de conteúdo para esse público, entretanto, somos tentados a
desenvolver uma linguagem com os olhos voltados para o menino da primeira história. Mesmo
fora do mercado de trabalho, nos bancos das academias, o estereótipo da criança bem cuidada,
cercada pela variedade oferecida pelo consumo permanece. Justamente para corrigir possíveis
distorções de nossas lentes, precisamos compreender o desenvolvimento, nessa construção
social, do que convencionamos chamar de infância.
Nomear é um hábito presente desde a parábola da criação. Na tradição judaico-cristã,
sob a qual se constrói a cultura ocidental dominante, foi dada a Adão a tarefa de dar nomes aos
animais e coisas que o cercavam para que pudesse dominá-los. A narrativa, como todo bom
mito fundante, fincou alicerce na curiosidade do cientista moderno louvado e reconhecido como

115 Vídeos unboxing são uma categoria de publicação na qual um produto é desembalado e apresentado seu
funcionamento inicial.
tal. Assim, nomeamos de forma arbitrária novas galáxias descobertas às partículas subatômicas,
mas também classificamos a nós mesmos e as relações sociais desenvolvidas ao nos
comunicarmos uns com os outros. Nos dividimos em faixas-etárias – criança, adolescente,
jovem, adulto e idoso – e lhes conferimos características, atribuições e mazelas sociais que, por
sua vez, são cristalizadas pelo senso-comum como se estivessem presentes desde sempre.
A maneira como classificamos as pessoas e o efeito que isso produz sobre elas é uma
das preocupações de Ian Racking (2009). Para o filósofo, tais classificações estão inseridas em
um panorama histórico, impregnado por sua temporalidade. Para compreender o
desenvolvimento dessas nominações, Racking mobiliza o conceito das revoluções científicas
de Thomas Kuhn, no qual aponta a ocorrência de mudanças de paradigma, que seriam sempre
precedidas por crises e novas proposições que romperiam com o conceito anteriormente
reinante. Por isso, Kuhn é considerado por Hacking como um nominalista revolucionário. É
justamente em meio a essa ruptura que formas de classificar se reestruturam e mudanças
taxonômicas acontecem nas ciências naturais.
Então de que forma esse processo se dá no meio social? Hacking se debruça sobre essa
pergunta e desenvolve a ideia de efeito laço (looping effect). Ao observar “descobertas” e
tipificações de “doenças mentais”, ele percebe que conceitos universalizantes criam novas
categorias de pessoas que, por sua vez passam a se encaixar espontaneamente em tais categorias
(2009, p.117). Em outras palavras, ao longo do tempo, os novos conceitos acabam por alterar
os objetos que classificam. Dessa maneira um nominalismo estático, criado e fixado por seres
humanos deixa de fazer sentido:

Acho que muitas categorias vêm da natureza, e não da mente humana,


e acho que nossas categorias não são estáticas. Um tipo diferente de
nominalismo - que eu chamo de nominalismo dinâmico – exerce
atração sobre meu self realista (...). A alegação do nominalismo
dinâmico não é que existia um tipo de pessoa que veio de cada vez
mais a ser reconhecido pelos burocratas ou pelos estudiosos da
natureza humana, mas sim que um tipo de pessoa passou a existir no
mesmo instante em que o próprio tipo estava sendo inventado. Quer
dizer, em alguns casos, nossas classificações conspiram para emergir
de mãos dadas, uma incitando a outra (HACKING, 2009, p. 122,123).

Assim, o nominalismo dinâmico seria uma forma de distinguir ciências naturais de


ciências humanas. Na primeira, por mais que inventemos aparelhos e instrumentos de
observação que provoquem revoluções epistemológicas, há uma realidade física à qual são
ancoradas novas proposições. Já na segunda, existem diversos fatores – o tempo, os vários tipos
de pessoas, os fenômenos sociais e políticos, as mudanças tecnológicas – que nos levam, na
posição de cientistas, a criar novas categorizações. E, sob esses novos patamares, as pessoas se
alteram – Hacking chama esse fenômeno de “inventar pessoas” (making up people). Ao tomar
como base as proposições de Hacking, podemos então compreender com outros olhos os papéis
assumidos pela infância em diferentes momentos da história.

Da inexistência à centralidade

Um pobre animal suspirante. Esse era o termo utilizado para recomendar aos adultos do
século XII que não se apegassem a seus filhos, dado o alto índice de mortalidade infantil
(Heywood, 2004, p. 87). Nesse período, criança mal era considerada gente, eram apenas seres
humanos pequenos, à espera de possuir força o suficiente para aprender o ofício de seus
parentes, ao qual era destinado. Eram negligenciados – sempre os últimos a comer (o que
sobrava) e a tomar banho (o que acontecia esporadicamente, e todos passavam pela mesma
água, a começar pelo senhor da casa). Por vezes eram lembrados por seus gracejos quando
bebês, como se fossem bichinhos de estimação. Quando morriam, mesmo que a perda por vezes
fosse sentida, a tristeza durava apenas o tempo de outra criancinha tomar o posto de atração
(Ariès, 1981).
A distinção não acontecia por faixa-etária, mas por classe e gênero. Sobreviver aos
primeiros anos de vida era algo importante quando se era um menino herdeiro de uma casa
abastada. Por esse motivo, recebia mais atenção e cuidado. Mas, ao mesmo tempo que sua
condição era uma garantia de conservação da vida, para dar continuidade ao nome e
propriedades da família, sua morte também era visada por parentes próximos, pretendentes a
sucessão. Quanto às meninas, representavam a possibilidade da realização de alianças
vantajosas. Mas elas eram um “produto de relações sexuais corrompidas pela enfermidade,
libertinagem ou a desobediência a uma proibição” (Heywood, 2004, p.76), consideradas seres
inferiores e, por isso, propriedade sob tutela masculina, tal como suas mães.
De maneira geral, a criança só ganhava alguma visibilidade quando se mostrava apta a
desempenhar funções e, por isso, logo que podiam, espalhavam-se pelas casas de parentes para
aprender um ofício, os mais abastados que não fossem primogênitos poderiam ter a sorte serem
mandados para mosteiros a fim de se tornarem padres (o que àquela época era sinônimo de ter
a oportunidade de estudar). Ser criança era uma pista de obstáculos, uma “seleção natural” cujo
prêmio, ao final da jornada, era ser um adulto capaz de substituir a posição social/funcional dos
pais. Durante essa trajetória, seu lugar era o da sombra, da ausência de representação. Mesmo
na arte medieval até o século XII, exceto pelo menino Jesus, as crianças inexistiam. “É difícil
crer que essa ausência se devesse à incompetência ou a falta de habilidade. É mais provável que
não houvesse lugar para a infância nesse mundo” (Ariès,1981, p.50).
Com o Renascentismo, a criança passou a ser enxergada e o paradigma da infância nasce
classificado como um período de aprimoramento para se tornar adulto (Heywood, 2004, p.23).
A necessidade da erudição, algo exclusivo à nobreza e à crescente burguesia abastada fez
florescer as escolas ligadas a estruturas religiosas e também as particulares. Em ambas não
havia qualquer distinção de idade. Era normal existirem salas nas quais os mestres ensinavam
para pessoas de seis a 20 anos, ou até mais. Raros eram os alunos que viviam com os pais – eles
se amontoavam em pensões, na própria casa do mestre ou na casa paroquial do cônego (ARIÈS,
1987, p. 167).
Michel Foucault (1996), como quem Racking estabelece um diálogo profícuo quanto ao
método arqueológico, também aponta a atenção à infância como uma das consequências da
política médica do século XVIII – a criança se transformou em um objeto a ser observado e a
família em um grupo que precisava ser mais que um mero transmissor de bens. Era sua
responsabilidade educar, controlar, vigiar e moldar o corpo em desenvolvimento, servindo,
assim, como matriz para o nascimento de um indivíduo adulto e apto a integrar a sociedade de
forma produtiva.
Por meio desse controle, conforme explicita Foucault, é que se estabelece entre adultos
e crianças uma relação de poder, motivo pelo qual, durante a era moderna e nos séculos
posteriores, a infância é vista como um bem a ser cuidado. A criança é um indivíduo dependente
e fraco, irracional e incapaz de tomar decisões sóbrias. Neste ponto da história que o universo
infantil passa a ser delimitado idealmente pelo prazer e a necessidade do aprendizado – uma
teoria aplicada aos que possuíam condições financeiras para tanto, porque a realidade operária
permanecia como a do trabalho, inclusive para os pequenos:

Como sempre, nas relações de poder, nos deparamos com fenômenos


complexos que não obedecem à forma hegeliana da dialética. O
domínio, a consciência de seu próprio corpo só puderam ser
adquiridos pelo efeito do investimento do corpo pelo poder: a
ginástica, os exercícios, o desenvolvimento muscular, a nudez, a
exaltação do belo corpo... tudo isto conduz ao desejo de seu próprio
corpo através de um trabalho insistente, obstinado, meticuloso, que o
poder exerceu sobre o corpo das crianças, dos soldados, sobre o corpo
sadio (FOUCAULT, 1996, p.83-84).
Dessa forma, nasce a nominação de família como um núcleo íntimo, com pai, mãe e
filhos. Nos séculos XIX e XX, aos poucos, nota Ariès, pronomes de tratamento, como
“Senhora”, em correspondências dão lugar a “minha querida mamãe” e recomendações de pais
atentos a formação dos pequenos recheadas de ternas demonstrações de afeto se tornam comuns
(1981, p.267).
Conforme Nascimento, Brasher e Oliveira (2013, p. 55), “a criança, no século 21, viu-
se integrada em uma noção de desenvolvimento que passou a mostrá-la como um ser cujo
crescimento é um desdobrar-se numa sucessão de fases intelectuais e emocionais”. Todo esse
processo, porém, diferente de outros momentos históricos, é atravessado pela midiatização. De
acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil, publicada pelo Comitê Gestor da Internet no
país, apesar de apenas 14% das crianças entre 3 e 5 anos serem capazes de amarrar o tênis
sozinhas, 47% já sabem usar um smartphone e 66% acessam plataformas digitais para jogos
(CGI.br, 2015). Outro estudo mostrou que, dos 100 canais mais vistos no YouTube Brasil, 36
têm conteúdo direcionado para crianças entre 0 e 12 anos (ESPM Media Lab, 2015 apud
CGI.br, 2015).
Esses pequenos são introduzidos na internet pelos próprios pais, uma vez que 80% já
disponibilizaram fotos de seus filhos na rede antes que estes completassem 2 anos. Essa massa
crescente de celebridades da internet tem despertado nos pequenos o desejo de terem seu
próprio canal, o que, ao contrário de virar astronauta ou bailarina, tem uma possibilidade de
realização mais tangível em um curto espaço de tempo, retroalimentando o processo.
O desenvolvimento das redes sociais gerou novas necessidades de produção de um
conteúdo com características específicas e possibilitou outras formas de agregação de
indivíduos, sejam eles adultos, jovens ou crianças. Tal fenômeno se manifesta de diversas
formas: na organização de uma festa de aniversário, na decisão de compra de um produto, na
expressão de ideias e pensamentos, na viabilização de salas de aula on-line para o ensino à
distância durante a pandemia de Covid-19.
O curioso neste processo é observar uma inversão da lógica da ingenuidade, onde
adultos possuem menor capacidade de filtrar informações, considerando quase tudo o que cai
em suas timelines ou em seus grupos do WhatsApp como verdadeiro. Isso, de certa forma,
acentua o choque entre as gerações que, diga-se de passagem, estão cada vez menos espaçadas,
deixando clara a diferença entre o pensamento linear e o disruptivo, despertando discussões
quanto aos benefícios e malefícios das mídias multiplataforma no desenvolvimento cognitivo
das crianças. Alguns levantam a bandeira dos riscos do Transtorno de Déficit de Atenção e
Hipertividade (TDAH) como consequência da imersão digital dos pequenos, o que elevou o
consumo medicamentos, como a Ritalina, em 775% até 2014, e sua corrente utilização por
adolescentes que se preparam para os exames universitários em 2022, com receita ou não
(PEIXOTO,2022). Mas ainda há os enxergam nessa nova geração a grande mudança na forma
de processar informação à qual todas as organizações sociais precisarão se adaptar. Fato é que
já existem grupos de crianças e adolescentes que se enquadram em ambas as correntes.

Nominação X dominação

Até aqui, compreendemos ser possível visualizar, ao longo da trajetória da construção


da infância, as considerações de Ian Hacking quanto à noção de criar pessoas num processo
retroalimentado por meio de nominações em um efeito looping. Mas o que acontece quando
tais classificações são criadas por cientistas que enxergam o desenvolvimento social pertinente
à sua realidade e são aplicadas em outros grupos sociais? Essa produção de indivíduos por meio
de conceitos é válida? As pessoas produzidas nesse processo seriam um produto artificializado
de uma realidade que não lhes pertence?
A infância brasileira, para Mary Del Priore (2010), não pode ter como norte os
parâmetros utilizados por Philippe Ariès. Mesmo que suas contribuições tenham sido pioneiras,
refletem uma história francesa, eminentemente europeia. Ao adicionarmos uma pitada de sal
colonialista e pimenta tropical, outras nuances se apresentam. No Brasil, o processo de
escolarização, industrialização e emergência da vida privada acontecem de forma muito
atrasada. Tanto a escravidão como a economia colonial, além de retardarem a modernização do
país, também introduziram uma série de estruturas e relações sociais que destoam
completamente dos vizinhos do norte. A educação era restrita aos mais abastados enquanto os
filhos dos pobres eram direcionados para o trabalho, criando-se entre os menos favorecidos a
ideia de que trabalhar é melhor que estudar, noção que ecoa ainda hoje em sertões e periferias
brasileiras.
A vida privada também se construiu de maneira muito diversa da europeia. Para crianças
ricas, era comum mandar em escravos adultos - o que muitas vezes era um problema para a
preceptora europeia, contratada para instruir os pequenos nas artes da finesse. Os negros, por
sua vez, eram frequentemente infantilizados por uma condição forçosamente subalterna.
Famílias mestiças e monoparentais, fruto da violência sexual, constantes migrações internas
que separavam parentelas e contextos, formaram cortiços e favelas que reproduziram em muitos
aspectos o compartilhamento do espaço físico vivenciado na senzala (PRIORE, 2010). Todos
esses fatores impediram a construção de uma ideia burguesa de privacidade e fortaleceram a
noção de comunidade para uma parcela muito significativa da população brasileira.
O cotidiano pequeno-burguês do fim da monarquia e início da república no Brasil
passeava pelas calçadas da cidade com medo de crianças e adolescentes “vadios”, recém
libertos de uma escravidão que não lhes ofereceu quaisquer políticas de inclusão. A dicotomia
de uma sociedade dividida entre senhores e escravos ainda hoje permanece: De um lado, uma
minoria que tem acesso à educação particular de qualidade e um mundo consumista repleto de
entretenimento, de outro, crianças que perpetuam o destino de seus pais no mundo do labor.
Eles começam cedo no corte de cana, na função de doméstica, na barraca do camelô. Se
acostumam a ver os olhos da mãe brilharem mais quando suas mãos trazem uma contribuição
para o orçamento que um boletim com boas notas. Escutam desde pequenos que “trabalhar tira
minhocas da cabeça” ou que “sonhar não enche barriga”. Talvez o máximo que absorvam de
um mundo idealizado de sucesso e ascensão os leve a se compreender como empreendedores
ao fazerem entregas para o I-food.
Somos um país de enormes desigualdades no qual a imensa maioria das crianças não
possui acesso à educação de qualidade, cultura e até mesmo tempo para brincar. Conforme
apontamos, muitas passam seus dias a equilibrar a existência entre cuidar da casa e dos irmãos
mais novos enquanto os pais trabalham (ou elas próprias precisam contribuir para o sustento da
família), estudam quando podem e, se têm acesso a um celular, assistem a um youtuber de
sucesso, do contrário acompanham algum jornal sensacionalista, uma vez que quase já não há
programação infantil da TV aberta. Apesar de termos consciência dessa realidade, ao pensarmos
na produção de conteúdo político infanto-juvenil, encontramos outro tipo de público
presumido: o estereótipo da criança bem cuidada, que precisa ser preservada de “notícias
difíceis”, mas cercada pela variedade oferecida pelo consumo (DORETTO,2014). Seria essa
produção simplesmente fruto de um mercado excludente, focada no estereótipo da criança de
classe média que ignora a imensa massa infanto-juvenil?
A partir da base teórica já apresentada, buscaremos detectar, por meio de uma breve
análise de conteúdo, se essa dissonância entre o estereótipo importado e a realidade da criança
brasileira se fez presente no Jornal Joca, produção infanto-juvenil nacional distribuída em
versão impressa e online, durante os meses que antecederam as eleições de 2022 em suas pautas
de política.

Nomeando o Jornal Joca


Um jornal completamente direcionado para o público infantojuvenil, contendo não só
passatempos e curiosidades, mas principalmente notícias sobre política, economia, saúde,
ciência, tecnologia e cultura. Pode soar novidade até mesmo para jornalistas, acostumados a
reconhecer como produto para esse seguimento encartes de grandes jornais ou a revista Recreio.
Mas, na verdade, o jornalismo infantojuvenil é uma realidade no mundo desde os tempos da
Revolução Francesa. No Brasil, ele circula intermitente desde o início do Século XX, com O
Tico-Tico. Não obstante, o Joca, objeto de nosso estudo, se apresenta como “o único jornal para
jovens e crianças”.
A iniciativa de criar o Joca partiu de Stephanie Habrich, uma alemã que veio morar com
os pais no Brasil aos 6 anos de idade, ex-operadora do sistema financeiro, sobrevivente do 11
de setembro que, após o atentado, decidiu mudar de vida radicalmente. A ideia para criar um
jornal infanto-juvenil veio de suas memórias de infância, quando os pais importavam da Europa
periódicos próprios para sua idade, diante da ausência de opções em terras brasileiras. A baixa
interação entre pais e filhos em momentos de leitura, detectado em um plano de negócios
encomendado por Habrich, a direcionou a estabelecer parcerias com escolas para garantir a
saúde financeira de seu empreendimento (DONEDA, 2022). Em 2019, o Joca já alcançava uma
tiragem de 30 mil exemplares distribuídos para 23 estados, sendo material obrigatório em mais
de 800 escolas brasileiras, algumas destas públicas (JOCA, 2022). Apesar de seu carro-chefe
ser a tradicional publicação impressa, o jornal também oferece conteúdos multiplataforma com
um site, podcasts e vídeos publicados em plataformas digitais.
Como uma alternativa para promoção de um letramento midiático, o Joca, em pesquisa
encomendada para a HEC Paris e Planet D’Entrepreneurs demostrou uma mudança de
interesses em seus leitores.
Enquanto os leitores do jornal têm maior predileção por notícias sobre ciências,
tecnologia e finanças, os que não leem o periódico buscam por informações sobre celebridades
e entretenimento de massa:
Gráfico 1
Interesses entre leitores e não leitores do Joca

Fonte: Jornal Joca (https://www.jornaljoca.com.br/perfil-da-familia/)

Por outro lado, é válido notar que, na pesquisa realizada, a política não é sequer
mencionada. É justamente nessa seara que o recorte sobre o qual nos debruçaremos neste artigo
pretende estudar. Por meio de uma breve análise de conteúdo da versão impressa do jornal Joca,
pretendemos avaliar como a publicação entregou a seus leitores conteúdos relacionados a
política brasileira durante os meses que antecederam as eleições de 2022.
A metodologia de análise de conteúdo aqui adotada tomou como pressuposto a
identificação de causas antecedentes de um enunciado bem como a compreensão das
consequências que ele pode ter (BARDIN, 2016).
Tendo como parâmetros as estratégias de publicação da notícia, a noticiabilidade, o
planejamento gráfico e o espaço dedicado, buscaremos “descrever, quantificar ou interpretar
certo fenômeno em termos de seus significados, intenções, consequências ou contexto”
(SAMPAIO & LYCARIÃO, 2021, p.6).
Assim, para essa pesquisa, foram analisadas as notícias relacionadas à política presentes
nas sete edições do Jornal Joca publicadas entre 8 de agosto e 21 de novembro de 2022, cujos
resultados serão explicitados a seguir.
Para quem escreve o Joca?

A versão impressa do Joca se apresenta em formato tabloide, com quatro cadernos 116,
sendo 12 páginas em numeração seguida dedicadas às editorias brasil, mundo, coleção (ou
especial), cultura, ciência e tecnologia, repórter mirim, esportes e maluquices. Um caderno em
numeração separada traz três páginas com uma seleção de matérias da edição correspondente
traduzidas para o inglês e uma para a sessão “Canal Aberto”, dedicada a perguntas e cartas dos
leitores. O projeto gráfico da publicação prevê uma imagem de página inteira na capa e, por
sobre ela, o título do jornal, a manchete principal e três chamadas. O miolo é diagramado em
cinco colunas por página, onde se distribuem fotos, ilustrações, infográficos e texto, sendo este
último o que apresenta maior predominância. Nossa análise será centrada somente em pautas
políticas, considerando notícias brasileiras e estrangeiras para estabelecer um parâmetro
comparativo, compreendendo o espaço dedicado, o número de matérias e o conteúdo oferecido.
Nas sete edições verificadas, notamos a temática da política presente em todas os
destaques, mesmo que de forma indireta. A edição 191, com o retorno do Censo 2022, cuja
matéria explicava a importância do recenciamento para a implementação de políticas públicas.
O número 192 tratou da Independência do Brasil, numa perspectiva mais didática e histórica.
Já as publicações seguintes evidenciaram pautas de política internacional – os seis meses de
guerra na Ucrânia (193) e a morte da Rainha Elizabeth II (194). As eleições brasileiras foram
tema de apenas duas edições (números 195 e 197), trazendo o resultado do primeiro e segundo
turno separadas por um número (196) que focava nas formas de exercer a cidadania e a
democracia entre jovens.

Figura 1
Capas do Jornal Joca (edições 191 à 197)

116
O termo “caderno” é utilizado no design gráfico para designar uma folha impressa que pode ser impressa frente-
e-verso e dobrada ao meio, formando um total de quatro página de determinada publicação.
Fonte: Jornal Joca (https://www.jornaljoca.com.br/)

Entretanto, a predominância de temas ligados à política brasileira nas capas não se


repete ao verificar o interior do jornal. Detectamos 71 conteúdos entre notas, notícias e
reportagens, dos quais 46 são relacionados à política internacional e apenas 25 à nacional. De
forma geral a editoria mundo apresenta três páginas de informação enquanto a de Brasil apenas
duas.
Na edição que tratava da morte da Rainha Elisabeth II, as pautas que falavam de política
internacional chegaram a quatro páginas. Por outro lado, na publicação que noticiou o resultado
das eleições presidenciais brasileiras, os conteúdos sobre o tema ocuparam duas páginas
enquanto em quatro foram trabalhados assuntos voltados para a política internacional (ver
imagem 2). Situação semelhante é percebida na edição número 195 – três páginas traziam
atualizações sobre a guerra na Ucrânia, protestos no Irã, eleições italianas entre outras notas
enquanto apenas uma página falava dos resultados do primeiro turno, com os governadores
eleitos, dados parciais e quase nenhuma informação sobre as eleições legislativas.
Imagem 2
Espaço dedicado à política brasileiro x internacional na edição nº 197

Fonte: Jornal Joca

É interessante observar também o grau de complexidade presente nas pautas que tratam
da política brasileira em relação à mundial. Enquanto as notícias nacionais são bastante
simplificadas, restritas a um relato superficial dos fatos, as matérias da editoria internacional
trazem mais nuances, opiniões de diferentes fontes, relatos mais aprofundados. A tabela a seguir
apresenta o lead e o segundo parágrafo de duas matérias – a primeira sobre o resultado final das
eleições presidenciais e a segunda trata da troca de mísseis entre as Coreias:
Tabela 1
Profundidade de conteúdo em comparação

No primeiro texto, a reportagem se limita a trazer dados do resultado das urnas


brasileiras, chegando a repeti-los de maneiras diferentes (percentual e números totais de votos).
Dois parágrafos foram utilizados apenas para dizer que o candidato Lula e seu vice, Geraldo
Alckmin, venceram, em uma disputa apertada, o então presidente Jair Messias Bolsonaro. Já a
reportagem sobre o conflito entre as Coreias é mais rica em detalhes – fala do acontecimento
em si, contextualiza a crise historicamente e acrescenta informações relevantes para as causas
da crise (a parceria entre Estados Unidos e Coreia do Sul em exercícios militares).
Um último elemento observado foi o alto número pautas relacionadas a guerras e
conflitos internacionais enquanto questões brasileiras mais nefrálgicas quase não são
mencionadas. Nas sete edições analisadas, havia nove notícias relacionadas à guerra entre
Rússia e Ucrânia, três sobre conflitos em países africanos, cinco em nações asiáticas e dois
relativos à crise dos refugiados de guerra, totalizando 22 pautas. Já na editoria Brasil, apenas
duas reportagens tratam de problemas de maior gravidade: uma sobre o recorde de queimadas
e desmatamento na Amazônia (edição 193) e outra a respeito da queda do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) brasileiro por dois anos consecutivos (número 194). Causou
estranheza, em pleno período eleitoral, a inexistência de pautas relacionadas aos desafios a
serem enfrentados pelo futuro presidente – tema que é recorrente na mídia tradicional em
períodos de pleito.

Nominação invisibilizadora

Ao analisar o conteúdo das sete edições publicadas pelo Jornal Joca durante o período
eleitoral brasileiro em 2022, percebemos a existência de um leitor projetado que permanece
como uma criança bem-cuidada e cosmopolita. Ela não é privada de notícias “tristes”, mas elas
acontecem, em maior incidência, do outro lado do mundo. A ausência de pautas políticas, até
mesmo as que tratam questões básicas vivenciadas no cotidiano do leitor, pormenoriza
problemas latentes da sociedade brasileira – saneamento básico, planejamento urbano, saúde,
educação, segurança entre outros. A criança da classe-média permanece “protegida” da
realidade que lhe é próxima enquanto as menos favorecidas, que têm acesso ao Joca por
intermédio da escola, são invisibilizadas. Seu universo simbólico não está ali representado,
perpetuando um ideal de persona interagente a qual ela deveria se formatar.
Se a nominação dinâmica acaba por moldar os grupos aos quais classifica, seriam os
mais abastados uma cópia caricata de uma realidade que de fato não lhes pertence enquanto o
restante permanece na eterna busca para se encaixar na nominação que lhe foi designada?
Estaríamos todos reproduzindo, em um grande efeito dominó, um ideal de infância consumista
e bem cuidada em uma constante reprodução de conteúdo para eles e por eles que nos descolaria
de nosso próprio ethos? Aquele menino do início dessa história, que precisa cuidar do irmão
mais novo para a mãe poder trabalhar não tem tempo para pensar que existem essas questões.
Ele permanece lá, a espera de que nossas abstratas torres de marfim desmoronem para que, com
os pés fincados em nosso próprio chão, possamos finalmente enxergá-lo como ele realmente é.

REFERÊNCIAS

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no processo de convergência de mídias. Revista e-COM. V.10 n. 2. Belo Horizonte: UniBH,
2017.
SEÇÃO 5

Ficção Seriada
Capítulo 37

Audiência em alta nos canais de streaming: documentários sobre True Crime no


Globoplay e Netflix a partir de uma abordagem sensacionalista

Oswaldo Caramez de Almeida (UFSJ)

RESUMO: O artigo discute como há uma mudança no cenário do panorama das mídias no
mundo e no Brasil, com a migração do público da TV aberta para os canais de streaming, como
a Netflix e a Globoplay. Hoje, o modelo broadcasting, típico da TV e rádio massivos, em que
se tinha uma transmissão sem opção de interferência do receptor, há uma audiência cada vez
maior de networking. Os canais de streaming facilitam que o público escolha o programa que
vai assistir, o horário e até se vai utilizar uma TV, um smartphone. Com isso, há uma série de
gêneros e estilos. Os que têm gerado muita audiência são os chamados documentários True
Crime que tratam de retratar crimes que chocaram o país e que são retomados a partir de uma
linguagem mais ágil, adaptada a seriados ou documentários. O artigo analisa estas mudanças a
partir de uma discussão sobre sensacionalismo.

PALAVRAS-CHAVE: Streaming; Imprensa; Sensacionalismo; True Crime; Documentários.

1. INTRODUÇÃO

Desde os mais antigos tempos da humanidade, o ser humano tem o prazer de ver a dor
dos outros, sentir na pele o formigamento dos sentimentos negativos. Os povos da antiguidade
se reuniam para assistir gladiadores sangrando até a morte, Jesus sendo crucificado diante de
uma plateia, como também dois lutadores que se enfrentam em uma luta de arte marcial que
resultam em muito sangue e hematomas em troca de um troféu. Além do esporte, também,
cotidianamente, alguns casos que despertam a atenção das pessoas, como acidentes entre
automóveis ou tragédias.
Estes fatos sempre geraram grande furor nas pessoas, que buscam por este tipo de
conteúdo com o mesmo fascínio pelo sexo. Temos um fascínio maior pelo caos do que
momentos de tranquilidade. Talvez, podemos dizer que para a gente, a paz é chata.
Na visão de Sigmund Freud (1997), pai da Psicanálise, a atração pela violência e pelo
sexo está relacionada às pulsões ou instintos do ser humano. Ele afirma que a estrutura psíquica
do indivíduo pode ser compreendida a partir de três bases: o ID (relativo aos instintos primários,
como fome, sede, pulsão de vida ou sexualidade – EROS, pulsão de morte ou agressividade –
TANATOS etc.), EGO (que remete ao equilíbrio entre as pulsões e as normas sociais e diz
respeito à personalidade do indivíduo) e ao SUPEREGO (as normas sociais que a cultura e a
civilização impõem no sentido de reprimir os instintos do sujeito). Para Freud, mesmo que a
cultura procure controlar as nossas pulsões agressivas e sexuais, há um desejo forte, uma pulsão,
que pode ser deslocado (o que ele conceitua como sublimação ou deslocamento da libido –
energia destas pulsões) para, por exemplo, assistir a filmes eróticos ou violentos, noticiários
que trazem tragédias.
Nesse sentido, conforme aponta o filósofo Edgar Morin (1997), a popularização da
mídia ou da cultura de massa fez com que fossem criadas muitas formas de sublimação para as
pulsões sexuais e agressivas, já que a TV, o cinema e hoje a internet são povoados de imaginário
que remete a estes instintos do ser humano. Além disso, a mídia trouxe um caráter de espetáculo
ainda maior às narrativas de violência, afinal, as indústrias da informação e da cultura, que
obedecem a lógicas de mercado, não vão deixar de entregar ao seu público consumidor o que
ele quer ler, ver e acompanhar. No entanto, um dos grandes e principais responsáveis por
banalizar a vida e a brutalidade da sociedade são aqueles que dizem querer trazer informações
às pessoas. Ou seja, estou me referindo aos documentários sobre crimes reais em alta nos
serviços de streaming GloboPlay e Netflix.
A partir de tais considerações, este artigo discute a popularidade contemporânea de
documentários de crimes reais e sua relação com o jornalismo sensacionalista de grandes
conglomerados. Para isso, serão pautadas as teorias do jornalismo, como a Teoria do Espelho e
a Frankfurtiana, além daquelas que dizem respeito sobre a concentração dos meios de mídia nas
mãos de uma elite capitalista e política, sob a ótica de Venício de Lima (2006) e Suzy dos
Santos (2006), para analisar o tema. Dessa forma, ficará mais clara a correlação entre as áreas
pela Indústria Cultural que deseja apenas maximizar o seu crescimento através de consumo
desenfreado.

2. Das Teorias do Jornalismo: a perspectiva frankfurtiana

2.1 Teoria do Espelho


Constituída de acordo com os conceitos do Positivismo, movimento filosófico do século
XIX desenvolvido pelo filósofo francês Auguste Comte. Este pensamento enxerga o jornalista
como um comunicador desinteressado que não reproduz nenhum tipo de ideologia ou opinião
pessoal na reportagem, apenas conta os fatos como são da forma mais objetiva e imparcial
possível.
Dessa forma, Nelson Traquina (2001) afirma que nesta teoria o papel do jornalista é
definido como o do observador que relata com honestidade e equilíbrio o que acontece, e deve
ser cauteloso em não emitir opiniões pessoais. Assim, com esse objetivo vindo do mito da
objetividade em mente, se torna uma forma de se defender e legitimar a profissão, pois, sem
isso, não existiriam motivos que impedem todo mundo de ser um.
Segundo a teoria, o jornalista deve tratar seu trabalho com muita objetividade e dar
estrita atenção à verdade, trazendo a credibilidade ao seu trabalho. No entanto, fontes podem
mentir e documentos podem estar adulterados. A Teoria do Espelho funciona como um tutorial
de conduta jornalística que deve ser seguido até certo ponto.
Desse ponto que originou a criativa quanto essa teoria. Os jornalistas precisam se
defender de críticas e processos, por isso a existência dos rituais de objetividade do jornalismo
— apresentação de possibilidades de conflitos, de provas auxiliares, uso abundante de aspas.
Ela faz uma diferença entre o cientista social e o jornalista que, apesar de estarem olhando para
o fato social, o segundo precisa trabalhar rapidamente para entregar o texto.

2.2 Teoria Frankfurtiana

Sendo influenciado pelos pensamentos da Escola de Frankfurt, a qual dizem respeito ao


poder da indústria cultural que presa sempre o lucro, Jürgen Habermas (1984) pensa no
jornalismo como parte da indústria cultural, formado pela burguesia para usá-la para tomar o
poder. Isso se vem pela ideia que os meios de comunicação de massa, como TV, rádio, jornais
e portais da Internet, são propriedades de algumas empresas, que possuem interesse lucrativos
e manter o sistema econômico vigente.
Habermas também aponta fases do desenvolvimento da imprensa: (1) imprensa
artesanal; (2) imprensa político-literária; (3) imprensa como grande empresa capitalista.
1 - Fase romântica ou Artesanal - os predecessores dos jornalistas eram os bardos
viajantes, os mensageiros e os escrivães públicos, responsáveis por comentar os acontecimentos
nas feiras, nos mercados e nas cortes. Os primeiros jornalistas-escritores estavam a serviço dos
príncipes governantes, das cidades-estados ou das grandes casas comerciais em países
estrangeiros.
2 – Fase político-literária – quando a imprensa se torna uma ferramenta de luta entre a
burguesia e a aristocracia. Dos salões e cafés, surgiam debates que agitavam, principalmente, a
então burguesia que tomou o poder. Tem-se o início da profissionalização: o direito e a
urbanização contribuíram para a profissionalização do jornalismo. A liberdade de imprensa foi
assegurada em torno do final do século XVIII e início do século XIX. Tal segurança jurídica
incentivou a publicação dos jornais como atividade lucrativa, livres do risco da censura. Já a
urbanização contribuiu para a ampliação do número de leitores e para o barateamento dos custos
de distribuição
3 – Fase da imprensa como grande empresa capitalista - o jornalismo no auge da
empresa capitalista: caracterizado pela consolidação de grandes grupos que monopolizam o
mercado. Habermas estabelece uma relação entre a cartelização econômica da imprensa e os
avanços tecnológicos da época. O desenvolvimento técnico dos meios de transmissão de
notícias – tais como o telefone, o telégrafo sem fio, a telecomunicação e o rádio – em parte
acelerou e em parte possibilitou a unificação organizacional
O jornalismo na era eletrônica: caracterizado pela ampla e progressiva utilização da
tecnologia, pela informação eletrônica e interativa, pelo aumento da velocidade na transmissão
da informação e pela crise da imprensa escrita — preferência pelos meios digitais.
No Brasil, o processo de consolidação do jornal como grande empresa foi mais tardio.
Todavia, os jornais brasileiros vivem um paradoxo: já se firmaram como empresas, mas ainda
servem a interesses políticos. Nesta época, ainda é comum comprar a opinião da imprensa.
Além da estreita ligação com a política, os jornais também demoraram a se modernizar
na forma. Werneck Sodré (1999) observa que os textos ainda eram empolados e a paginação,
caracterizada por colunas monotonamente alinhadas. Tampouco o uso da manchete, já
disseminado nos EUA e na Europa, era aplicado aqui. Era ainda o tempo do soneto na primeira
página, dedicado ao diretor ou ao redator-chefe.
O jornal passou a adotar máquinas de escrever na redação, em 1912, e, no ano seguinte,
já apresentava anúncios coloridos. Para o historiador, o pós-guerra acentua rapidamente a
transformação do jornal artesanal em empresarial.

2.3 Conglomerados de Mídia

O jornalismo também possui a tendência de se concentrar. Grandes empresas de jornal


tendem a “devorar” as pequenas, criando oligopólios e monopólios. Dessa forma, diminui o
espaço de diferenças e os jornais ficam mais semelhantes, um padrão é formado, tendo até
mesmo as mesmas notícias. No Brasil, a propriedade cruzada é uma tendência. Ela diz respeito
à concentração horizontal — mesmo setor — e vertical — diferentes setores — organizados
por uma mesma empresa. Além disso, ocorre a convergência de mídias e a convergência
tecnológica. Tem-se, neste momento, também uma liberdade maior das mídias e por isso, pode
levar para que elas tenham mais poder do que em outras regiões do mundo. O processo
histórico, tentativas de democratizar e suas concessões públicas são outros motivos.
Venício de Lima (2006) destaca como principais fatores que têm contribuído para a
concentração da propriedade das comunicações no Brasil, sobretudo na radiodifusão, o não
cumprimento do Decreto 236/67, que limita a participação societária do mesmo grupo nas
empresas de radiodifusão a cinco concessões em VHF, em nível nacional, e a duas em UHF,
em nível estadual; o período de carência legal para venda das concessões de radiodifusão, isto
é, para a troca legal de proprietários, é de apenas cinco anos. Mesmo assim, sabe-se que existem
vendas antecipadas por meio da conhecida prática dos chamados “contratos de gaveta”.
No caso do Brasil, por exemplo, a Rede Globo possui hoje uma concentração horizontal
ao ter dezenas de emissoras de TV Aberta, TV Paga, canal de streaming, emissoras de rádio,
portais de notícia, jornais, revistas, além de investir em outros ramos. Há uma concentração
vertical, porque ela também é responsável por quase todos as cadeias produtivas de seus
produtos, como, por exemplo, uma telenovela ou um telejornal é todo produzido pela Globo,
desde a produção do roteiro até as gravações, exibições e até exportação, no caso das novelas.
Em se tratando de jornalismo, o Sistema Globo, que começou com um jornal diário – O Globo,
hoje tem 5 emissoras próprias (Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Recife),
mais de 120 afiliadas distribuídas em todo o território nacional em aliança com grupos políticos,
possui o Portal G1 de notícias, a GloboNews e criou em 2015 a Globoplay, o canal de streaming
que hoje concorre com a Netflix.
Herdado do termo Coronelismo, criado na década de 1940, que designa o sistema
político de “troca de favores”, que sustentou o período da República Velha (1889–1930), o
“coronelismo eletrônico” define a atual rede de relações na estrutura de comunicação brasileira.
Ele designa se, de acordo com a Suzy Santos (2006), em seu artigo “Coronelismo: um referente
anacrônico no espaço organizacional brasileiro contemporâneo? ”, “ sistema organizacional da
recente estrutura brasileira de comunicações que se baseia no compromisso recíproco entre
poder nacional e poder local, configurando uma rede de influências entre o poder público e o
poder privado dos chefes locais, proprietários de meios de comunicação” (SANTOS, 2006, p.
392). Um exemplo de coronelismo eletrônico pode ser visto no Maranhão. A Rede Mirante,
conglomerado de mídia, afiliado da Rede Globo no estado, durante anos pertenceu ao político
Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney (PMDB).
3. SERVIÇOS DE STREAMING: A MORTE DA TV PAGA?

O mercado de TV por assinatura teve seu período de número máximo de assinantes em


novembro de 2014, mas, desde então, os números decrescem progressivamente. Dados
atualizados em janeiro de 2019 pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), mostram
que a TV por assinatura fechou o ano com 17,5 milhões de contratos ativos, o que representa
uma queda geral de 3,6% entre janeiro de 2018 e janeiro de 2019.

Figura 1
Quantidade de acessos no serviço de TV por assinatura

Fonte: Anatel (http://www.anatel.gov.br/dados/acessos-tv-por-assinatura)

Um dos responsáveis por essa queda, além do custo de assinatura e do conteúdo escasso
da TV, são os serviços de streaming. Aqueles que possibilitam a transmissão de conteúdos pela
internet, sem a necessidade de o usuário fazer download para ter acesso ao filme, música ou
livro. Uma forma rápida e fácil que vem substituindo o conteúdo on-demand do passado,
popularizando-se mais do que a televisão e o rádio.
Nesse contexto, a Netflix foi a progenitora dessa nova forma de compartilhar conteúdo,
no caso, filmes e séries, e ainda hoje é a mais popular no mercado. Dessa forma, os antigos
donos de serviços de televisão vêm tentando conseguir uma fatia desse mercado, como é o caso
do Grupo Globo, que criou o Globo Play.
Isso faz parte do movimento de integração da gestão comercial da Rede Globo e da
Globo.com. Esse movimento, ou processo, de unificar as áreas comerciais de núcleos distintos
dentro da empresa, chamado de “Uma Só Globo”, visa ao “propósito de transformar a empresa
numa media tech”.

3.1 Globoplay

Trata-se de uma plataforma digital de streaming de vídeos e áudios sob demanda,


desenvolvida e operada pelo Grupo Globo. Lançada em 3 de novembro de 2015, consagrou-se
em 2020 com a marca de 20 milhões de usuários e tornou-se líder nacional de streaming. Em
2021, com a finalização do projeto Uma Só Globo do Grupo Globo, o Globo Play se tornou
uma marca de uma nova empresa chamada Globo.
Desde a sua criação, a Globo vem injetando recursos e programações para competir com
outros serviços. Isso inclui colocar mais dos recursos do Grupo Globo no serviço, como esporte
e programas da TV direto no streaming, como também fechar parcerias com redes diferentes,
igual ao caso da Telecine, a fim de ampliar seu catálogo.

Figura 2
TV por assinatura global e de vídeos online (milhões)

Fonte: IHS Markit (https://www.mpaa.org/wp-content/uploads/2019/03/MPAA-THEME-


Report- 2018.pdf, pág. 31).

Hoje, o serviço possui produções TV Globo, Multishow, GloboNews, SporTV, GNT,


Viva, Gloob, Gloobinho, Megapix, Universal+, Canal Brasil, Canal off, Bis, Modo Viagem,
Canal Futura, CBN, Telecine, Premiere, Combate e Starzplay. Além de estar disponível na
maioria dos dispositivos.
3.2 Netflix

A Netflix (Netflix Inc.) é uma empresa norte-americana fundada em 1997 que


disponibiliza um serviço de streaming de filmes, séries e programas de TV e séries originais
pela internet. Inicialmente funcionou com aluguel, através de site, de filmes entregues para o
assinante em mídia física. Posteriormente, o serviço se transformou e melhorou graças ao
desenvolvimento da internet e às novas possibilidades técnicas, até apresentar o formato atual.
A empresa foi pioneira neste tipo de serviço de distribuição de conteúdo online e ainda
é a mais forte no mercado, com 139 milhões de assinantes em todo o mundo, segundo dados de
janeiro de 2019. O serviço está disponível no Brasil desde setembro de 2011, que aparece como
um de seus cinco maiores mercados e a estimativa de operadoras de telefonia e empresas de
pesquisas é que sejamos em torno de 8 milhões de assinantes brasileiros, podendo escolher entre
cerca de 65 mil produtos, a partir do site ou aplicativo.
Em 2017, a plataforma passou a disputar também prêmios em festivais internacionais
de cinema criando alguma polêmica no processo. No mesmo ano, a Netflix exibiu dois filmes
de produção original no Festival Internacional de Cannes: Okja, que concorreu ao prêmio Palma
do Ouro e The Meyerowitz Stories. A polêmica é que parte dos diretores e críticos de cinema
acreditam que filmes produzidos por plataformas online não devem ser considerados ou
categorizados para concorrer a prêmios de cinema, já que não serão exibidos nessa janela.
Figura 3
Os aplicativos e jogos mais usados pelos usuários ativos da internet no Brasil

Fonte: DataReportal.

Para a Netflix, o grande desafio hoje em relação à concorrência é manter o “tempo de


tela” elevado. Nesse aspecto, a grande concorrência vem dos jogos, como o Fortnite, e não de
outros serviços de streaming. Conforme relata representante da empresa, “competimos (e
perdemos) com o Fortnite, mais do que com a HBO”, referindo-se à disputa com o mercado de
games.

4. TRUE CRIME, A DOR EM FORMA DE ENTRETENIMENTO

True Crime é um gênero cada vez mais presente no mundo do entretenimento, referente
a produções audiovisuais ou não que contam a história real de crimes. Feminicídios, crimes em
série, desaparecimentos e até mesmo assassinatos infantis são alguns dos variados temas
abordados nessas histórias, que em sua maioria, conversam muito com um conteúdo
jornalístico.
Os primeiros modelos de True Crime surgiram na Grã-Bretanha, por volta de 1550.
Panfletos distribuídos pelas ruas traziam histórias de assassinatos e outros crimes como uma
forma de alertar a população. Contudo, foi nos Estados Unidos que o gênero como conhecemos
ganhou força e se tornou uma forma de entretenimento.
Outubro de 2014, os primeiros episódios de "Serial", podcast de jornalismo
investigativo, foram lançados, criando o que se tornou o primeiro grande sucesso mundial do
formato. Os episódios traziam a história real de um crime que aconteceu em 1999 na cidade
americana de Baltimore e a série em áudio bateu todos os recordes no mundo do podcast e criou
um fenômeno que deu origem inclusive a outros programas debatendo o programa. Há livros,
documentários como “Making a Murderer117”, “The Staircase118” e “Evil Genius119”, histórias
com versões ficcionalizadas de casos que realmente aconteceram, como “Mindhunter 120” e
“American Crime Story121”, para não falar em uma infinidade de podcasts – “Monster” (só
sobre o Zodiac Killer), “In the Dark122” e o brasileiro "Caso Evandro 123"
Aqui no Brasil ele chegou na década de 1970. Os nossos tão conhecidos programas
sensacionalistas surgiram na rádio. Já na TV, programas como Aqui Agora, do SBT, bem como
o Linha Direta da Globo, abriram as portas para o true crime. Globo Play, o streamer brasileiro,
possui podcast como modus operandi, e documentários, por exemplo, sobre o assassinato da
vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes é um dos casos mais chocantes da
história recente do Brasil.
Rafa Rosso é a responsável pelo podcast Apenas um Podcast, e diz que há três principais
fatores que fazem o público se interessar tanto por esse tipo de conteúdo: dicas, prevenção e
também uma espécie de conforto. A primeira coisa que nos faz querer escutar essas histórias é
uma questão de dica, porque você escuta uma história real e consegue pegar dicas de coisas que
aconteceram ali para se prevenir, principalmente como mulher. A segunda é a terapia à
disposição, que é basicamente você olhar cenários que podem acontecer com você e se proteger,
e também projetar cenários que ainda nem aconteceram. A terceira coisa acho que é a questão
de ter um conforto, sabendo de uma narrativa que pode acontecer e saber identificá-la, como

117 Making a Murderer: Um homem é inocentado por provas de DNA após anos na prisão. Sua busca por justiça
mostra o lado podre das autoridades da cidade.
118 The Staircase: A vida do escritor Michael Peterson é vasculhada quando sua esposa morre misteriosamente
119 Evil Genius: um verdadeiro documentário de crime de 2018 sobre a morte de Brian Wells, um incidente de

alto perfil de 2003 muitas vezes referido como o caso "bomba de colarinho" ou "bomba de pizza"
120 Mindhunter: Dois agentes do FBI expandem as fronteiras da ciência criminal nos anos 70 com um perigoso

mergulho no universo da psicologia do assassinato


121 American Crime Story: série de televisão norte-americana antológica de crimes reais
122 In the Dark:

Jornalismo investigativo seriado da APM Reports, com a apresentadora Madeleine Baran e uma equipe de
repórteres.
123Caso Evandro: No dia 06 de abril de 1992, na cidade de Guaratuba, no litoral do Paraná, o menino Evandro
Ramos Caetano, de apenas 6 anos de idade, desapareceu. Poucos dias depois, seu corpo foi encontrado sem as
mãos, cabelos e vísceras. A suspeita: foi sacrificado num ritual satânico.
uma situação de manipulação, por exemplo. É um conforto saber o que pode acontecer com
você (Rafa Rosso, “True crimes: por que crimes reais despertam tanto interesse nas pessoas?”)
Além disso, podemos buscar uma explicação do sensacionalismo através de Danilo
Angrimani (1995) que explica de forma didática o sensacionalismo pela ótica freudiana. Freud
apresenta o ego como instância capaz de perceber os instintos e dominá-los.
O pai da psicanálise explica que o id seria a fonte das pulsões dos indivíduos e seu
conteúdo é sempre inconsciente. “O id é totalmente amoral, o ego se esforça em ser moral, e o
superego pode ser hipermoral” (FREUD apud ANGRIMANI, 1995, p.44). De acordo com
Angrimani (1995), o conceito de superego está relacionado às normas que visam inibir os
impulsos instintivos e Freud (1997) também ressalta que a relação do ego e do superego é de
total submissão.
Dessa forma, o ego está em estado de conflito permanente com o id e ao mesmo tempo
com o superego e na visão de Angrimani (1995) em uma correlação com a vida cotidiana, a
recusa das satisfações pulsionais cria uma abstinência que leva o indivíduo a buscar alternativas
para sublimar suas frustrações. Em suma, Angrimani (1995) aponta a psicanálise como um meio
para entender tais fenômenos da cultura de massa. Um tema que iremos aprofundar no próximo
tópico.
Ademais, podemos citar Morin (1997) e os fait divers. Essa palavra se refere ao é uma
expressão de jargão jornalístico e, por extensão, um conceito de teoria do jornalismo que
designa os assuntos não categorizados nas editorias tradicionais dos veículos. De acordo com o
pensador, revela a presença de paixão, de morte e do destino. Essa vedetização, de acordo com
Morin (1997), é realizada pela mídia com o intuito de sublimar os instintos e as pulsões do
público que domina as extremas virulências de suas paixões, proíbe seus instintos e se abriga
contra os perigos. A imprensa da cultura de massa abre suas colunas para os fatos variados -
fait divers, que, apesar de não estarem necessariamente relacionados a fatos de relevância ou
que informem sobre o próprio andamento do mundo, se justificam por seu valor emocional,
logo, de venda.

5. JORNALISMO NA ERA DO STREAMING E OS SUCESSOS DO TRUE CRIME

Morin (1997) observou ao longo de seu tempo de análise dos meios de comunicação
uma transformação da indústria jornalística de uma forma de compartilhar informações para
parte da indústria cultural estabelecida nos pensamentos da Escola de Frankfurt. Em vez de
retratar o que acontece, o jornalista tende a espetacularização da notícia para torná-la em um
produto mais atrativo. Jornalismo possui, hoje, um cunho mercadológico.
Como um mercado, o jornalismo precisa produzir produtos para vender. De acordo com
Morin (1997), a própria imprensa seleciona os acontecimentos que são mais carregados de
intensidade afetiva, buscando a substância romanesca e dramática camuflada nas informações.
Nesse sentido, temáticas próprias da linguagem cinematográfica como aventura, a proeza, o
amor e a vida privada são igualmente privilegiadas junto à informação. E como pensar no jornal
como um livro fantasioso, com a diferença que é real.
Lucinaldo dos Santos Rodrigues (1999) compara o trabalho jornalístico como uma
esteira das grandes fábricas automotivas, definidos como percepção, seleção e transformação
de uma matéria prima, ou seja, de meros acontecimentos no produto notícia. Rodrigues destaca
que, quanto menos previsível for um acontecimento, mais chances têm de se tornar notícia.
Por sua vez, Christianne Gomes (2004) afirma que o principal critério de decisão sobre
o que é ou não é notícia continua sendo a capacidade que uma informação de despertar interesse
do público pelo diferente. Pode-se exemplificar através de quando um juiz aplica a pena
máxima, a ocorrência de um grande massacre, o melhor ou pior resultado de algo, pessoas muito
obesas, número máximo ou mínimo de pessoas, crueldade ou bondade em excesso.
Dessa forma, podemos trazer uma relação com os documentários em alta. O gênero True
Crime está intrinsecamente ligado aos fatos menos previsíveis do nosso cotidiano, no caso,
crimes violentos que não acontecem, felizmente, não normalmente e por isso, causam interesse
no público.
Os crimes documentados pelo “Modus Operandi” ou pelo “Caso Evandro”já foram
relatados através de jornais, escritos por jornalistas que buscam não apenas relata o ocorrido,
mas também atrai atenção de pessoas para os seus textos. Trata-se de um produto, e não apenas
um relato, assim como Habermas (1984) frisou na Teoria de Frankfurt, em que as empresas por
trás da grande mídia possuem interesses lucrativos e mantêm o sistema econômico vigente.
Figura 4
Manchete sensacionalista do Caso Evandro

https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1711613351925160-manchetes-sensacionalistas-
marcam-cobertura-de-crimes-veja-exemplos-resgatados-pelo-caso-evandro

O jornalismo faz parte desse sistema ao mesmo tempo que segue tendências que vão
gerar engajamento. No Brasil, a mídia é repleta de violência em todos os segmentos. A iniciativa
Paz na Mídia analisou mais de 200 mil matérias veiculadas pelos 4 principais telejornais
nacionais (Jornal Nacional, Jornal do SBT, Jornal da Band e Jornal da Record) entre
novembro de 2013 e março de 2022 e constatou que 54% do tempo foi dedicado a assuntos
negativos.
Nisso, podemos entrar no âmbito do sensacionalismo no jornalismo. De acordo com
Danilo Angrimani (1995), essa área é comumente vista pelo público como vindo de situações
em que os meios de comunicação tenham cometido um deslize informativo ou tenha cometido
exagero na coleta de dados. É por meio da exploração das perversões, fantasias, da descarga de
recalques e do sadismo que a espetacularização mexe com o público. Ele também ressalta que
os três níveis de maior enfoque de um jornal sensacionalista são o escândalo, sexo e sangue.
Ainda falando sobre a ótica do Angrimani (1995), jornais sensacionalistas trazem todos
os dias notícias violentas e com elas a morte em suas páginas. A morte traz, além de garantir
vendagem, um estímulo que faz o leitor sair de sua casa para comprar um jornal que estampa
em suas páginas cadáveres perfurados à bala, decapitados, atropelados, perfurados,
ensanguentados.
A morte pode tanto fazer rir, como atrair o sentimento sádico de vingança, de punição,
ou seja, o jornal mata quem o leitor gostaria de ter matado, uma ideia semelhante ao pensamento
da Walleska, uma “forma transmutar aquela violência que todos temos dentro de nós”. Para
Angrimani (1995), a técnica que o jornal sensacionalista usa para tratar a morte muitas vezes
se assemelha à da piada. Trágico e cômico.
A violência também é uma forte característica presente num jornal sensacionalista.
Angrimani (1995) ressalta que o assassinato, o suicídio, a vingança o abuso, a tortura, as formas
de agressão sexual, entre outras, ganham destaque nesses jornais.
Dessa forma, podemos voltar ao que Habermas (1929) argumentou sobre a atual fase
do jornalismo, o “jornalismo no auge da empresa capitalista”. Os meios de comunicação sempre
estiveram aliados à casta mais alta da sociedade, no caso no bloco capitalista, a burguesia, e
desde então grandes grupos monopolizam o mercado editorial. Como empresas, principalmente
Conglomerados de Mídia em um “Coronelismo Midiatico”, os jornais priorizam — como já
mencionado — tendência que proporcionarão lucro.
A imagem de um cadáver, títulos sobre um assassino, a biografia do criminoso. Como
um documentário ou filme sobre os famosos casos de homicídio em série, o jornal lucra com o
caos alheio.
A Netflix traz o caso da morte da família Watts em 2019 no filme “Cenas de um
homicídio: uma família vizinha”, elogiado por um dos jornais mais importantes do Estados
Unidos, The New York Times, como “Com um cuidado e uma delicadeza inegável".
“Sequestrada a Luz do Dia” conta a história do duplo sequestro da pequena Jan pelo mesmo
homem.
O exemplo mais interessante vem do próprio Grupo Globo, conhecido por seus jornais,
com seu serviço de streaming Globo Play, apresentando vários casos nacionais. Caso Evandro,
documentário que investiga o crime que ocorreu em 1990 no Paraná e teve como vítima o garoto
Evandro Ramos Caetano. “Em nome de Deus" João Teixeira de Faria, ou mais conhecido como
João de Deus, líder espiritual acusado de abuso sexual por mais de 300 mulheres. Temos
também um documentário que relata o caso “Marielle”, uma vereadora morta a tiros que até
hoje não tem resolução.
Assim, o cinema é um elemento que contribui para perpetuar os crimes no imaginário
das massas e essa, por sua vez, alimenta a indústria cultural responsável pelas produções de true
crime. Morin (1997) vê o outro lado do sensacionalismo que, para ele, é tão mais privilegiado
do que é espetacular. “As grandes catástrofes são quase cinematográficas, o crime é quase
romanesco, o processo é quase teatral” (MORIN 1997, p. 100).
Aqui, ressalto o ponto negativo do tipo de atenção que um crime de grande repercussão
pode ter é o impacto em familiares, envolvidos e até em toda uma comunidade em que o caso
se passou. O anúncio de que estava sendo feito dois filmes sobre o caso de Suzane Von
Richtofen acusada de organizar a morte dos pais, “O Menino que Matou Meus Pais 124” e “A
Menina Que Matou Os Pais” dividiu opiniões. "Os casos reais são traumáticos para vítimas que
sobreviveram e familiares. As pessoas veem (o assassino) como uma pessoa famosa" —
transformando-os em olimpianos.
E como fica o jornalista responsável pelo sensacionalismo que traz violência ao público
e enfraquece o sistema? A resposta está na Teoria do Espelho, ou seja, protegido pela ética
jornalística.
Embora Traquina (2001) afirme que o papel do jornalista é definido como o do
observador que relata com honestidade e equilíbrio o que acontece, e deve ser cauteloso em não
emitir opiniões pessoais, a principal crítica a essa teoria é justamente que serve como um escudo
ao profissional. Ele não tem responsabilidades pelo o que escreve, pois está sendo neutro, logo,
sem juízo de valor, apenas realizando seu trabalho.
Apesar de a defesa valer, os jornalistas precisam se defender de críticas e processos, por
isso a existência dos rituais de objetividade do jornalismo — apresentação de possibilidades de
conflitos, de provas auxiliares, uso abundante de aspas —, nem sempre todos usam disso. Como
mencionado, o lucro fala mais alto, logo, apresentar uma história que engaja vale mais que
garantir a veracidade da notícia.
Angrimani (1995) ressalta que dar mais enfoque a determinadas notícias que
comumente teriam apenas três linhas em jornais não sensacionalistas ocorre devido ao próprio
termo “sensacionalista” que sempre aumenta um fato que não necessariamente seria
sensacional. Para o autor, ao fazer esta prática, o jornal apenas está satisfazendo a um desejo
específico de seu público.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os documentários sobre crimes reais chegaram e vão ficar em alta enquanto o público
continuar injetando dinheiro nesse produto da Indústria Cultural. Nesse sentido, Globo Play e
Netflix, dois grandes conglomerados, entram na nova tendência e produzem mais e mais para

124 O Menino que Matou Meus Pais: Em 2002, Suzane Von Richthofen e Daniel Cravinhos chocaram o Brasil por
serem os responsáveis pelo brutal assassinato dos pais de Richthofen
suprir a demanda do True Crime, logo a carência por violência. Esse gosto e produções revelam
como Habermas acertou ao considerar o Jornalismo integrado ao mercado, e ainda mais, colocar
os Editoras como empresas que priorizam o lucro ao escolher quais fatos serão narrados, logo,
Sensacionalistas.
As teorias de Frankfurt e do Espelho no âmbito da comunicação social – jornalismo —
contribuem bastante para entender o atual cenário social e cultural que estamos vivendo quanto
ao jornal, e para qual caminho estamos indo em direção caso as notícias sejam feitas visando
interesses de massa e não uma necessidade.

REFERÊNCIAS
ANGRIMANI SOBRINHO, Danilo. Espreme que Sai Sangue: um Estudo Sensacionalismo
na Imprensa. São Paulo: Summus, 1995.

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1997.

HABERMAS, Jürgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro: Tempo


Brasileiro, 1984.

LIMA, Venício. Mídia. Crise Política e Poder. São Paulo: Perseu Abramo, 2006.

MATOS, Cristina Maria Martins de. Da TV aberta ao streaming: uma discussão sobre os
novos modos de ver. Rio de Janeiro, Dissertação de Mestrado, 2019.

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. Neurose. Rio de Janeiro: Editora Forense
Universitária, 1997.

OLIVEIRA, Michelle Greycielle do Carmo Leal. A notícia como um espetáculo midiático.


Uma análise do Super Notícia. Monografia de Conclusão de Curso (TCC). Curso de
Comunicação Social – Jornalismo. Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). Belo
Horizonte, 2008, 82p.

SANTOS, Susy dos. E-Sucupira: O coronelismo eletrônico como herança do coronelismo nas
comunicações brasileiras. E-Compós, Revista da Associação Nacional de Pós-Graduação em
Comunicação, v.7, dez. 2006, p.1-27.

SILVA NETO, Gabriel Lage. Discursos do medo: sensacionalismo e banalização da violência


na televisão brasileira. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Semiótica. Pontífica Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, São Paulo – SP, 2015,
90p.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Editora Civilização
Brasileira, 1999.

TRAQUINA, Nelson. Estudos do Jornalismo no século XX. São Leopoldo: Editora Unisinos,
2001.
Capítulo 38

Análise da série “Jane The Virgin” sob


a ótica da Teoria Crítica e da Teoria Culturológica

Isabella Coelho Mol Santos (UFSJ)


Nicole Guedes de Andrade Suvires (UFSJ)

RESUMO: O artigo traz uma análise sobre o seriado “Jane The Virgin”, exibido na plataforma
Netflix, que já teve cinco temporadas, com 20 episódios cada e narra a história de Jane, uma
jovem virgem que é engravidada por um acidente médico. Para mais, há uma discussão sobre a
composição da teoria, do seu histórico, das suas propostas, e das estratégias dela que foram
utilizadas para que o produto cultural fizesse tanto sucesso, tais como a padronização, o
maniqueísmo e a construção de estereótipos a partir dos argumentos da Teoria Crítica
formulada pela Escola de Frankfurt bem como identificar elementos da cultura de massa a partir
da Teoria Culturológica, do filósofo francês Edgar Morin (1997).

PALAVRAS-CHAVE: Jane The Virgin; Indústria Cultural; Cultura de massa; Ficção Seriada.

1. INTRODUÇÃO

Baseada na novela venezuelana de 2002 “Juana la virgen”, Jane the Virgin estreou,
originalmente, na emissora The CW Television Network em 2014. A série, que conta a história
de uma jovem virgem de 23 anos que foi inseminada artificialmente por engano, ganhou dois
prêmios em 2015: o Peabody Award Entertainment e o People 's Choice Award - Nova Série
Cômica. Além disso, dois de seus atores, Gina Rodriguez e Jaime Camil, foram responsáveis
por conquistar três prêmios que vangloriaram suas habilidades de atuação no show.
O seriado possui, ao todo, cinco temporadas, e cada uma delas conta com, em média,
20 episódios. Ao longo destas, o público acompanha a vida da personagem principal Jane, que,
ao passar por diversas reviravoltas em sua história, tem sua vida muito comparada às famosas
e dramáticas telenovelas mexicanas.
A partir disso, este trabalho terá como enfoque principal a discussão das contribuições
da Teoria Crítica/Escola de Frankfurt e dos conceitos de produtos culturais, cadeias produtivas,
Indústria Cultural e suas estratégias - padronização, estereótipos, maniqueísmo e hierarquização
do produto cadeias produtivas, sistema harmônico - e pseudo-individualidade e dos argumentos
levantados em relação à cultura de massa pelo filósofo francês Edgar Morin (1997).

2. TEORIA CRÍTICA: A PRODUÇÃO EM SÉRIE NA ESFERA DA ARTE E DA


CULTURA

A Teoria Crítica, formulada pelos teóricos da Escola de Frankfurt ou Instituto de


Pesquisas Sociais, foi uma das principais correntes de análise crítica sobre o capitalismo tardio
no século XX. Fundada em 1923, na Alemanha, a Escola de Frankfurt desenvolve um estudo
que reuniu um grupo de pesquisadores do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt. Ela
analisa a sociedade capitalista pós Revolução Industrial, que vive a Indústria Cultural, em um
mundo altamente industrializado, em meio à adoção até mesmo da cultura em um viés
financeiro. Nesse sentido, esta última é vista como manipuladora e altamente difundida pelas
mídias que funcionam como vitrine de exposição dos bens culturais e estimulam um consumo
desenfreado. (WOLF, 1999).
Em geral, conforme explica Oliveira (2022), a Teoria Crítica tem um enfoque pessimista
e apocalíptico da sociedade moderna e acredita que a mesma está perdendo a sua
individualidade, diversão, ciência e cultura para a robotização, alienação em função da própria
racionalidade técnica que permeia a produção em larga escala também os produtos culturais.
Isso porque, para os pensadores, o público teria parado de se interessar em raciocinar e discutir
o que via nas mídias e começado a receber e aceitar a mensagem pronta e feita que elas
passavam. Assim, até mesmo as suas reações e ações poderiam ser, e eram, premeditadas pelos
produtores de conteúdo.
Além disso, segundo suas propostas, todas as coisas funcionariam em um sistema
harmônico, isto é, um acontecimento influenciaria e auxiliaria o outro, e isso estaria deixando
questões públicas, de interesse coletivo, de lado. Essa seria uma das estratégias da Indústria
Cultural, ao lado da pseudo-individualidade, padronização, criação de estereótipos,
maniqueísmo e hierarquização do produto, para influenciar os espectadores.
Oliveira (2022) explica que a Teoria Crítica tem como proposta formular uma teoria
crítica da sociedade entendida como o todo em oposição às teorias fragmentadas desenvolvidas
nos Estados Unidos, em geral, direcionadas para o mercado. Dessa forma, estabelecia uma
“denúncia” da manipulação social gerada pela indústria cultural, já que, em decorrência da
mudança para os Estados Unidos, os investigadores ficaram surpresos com o alto índice de
consumismo no país. O embate se deu porque os filósofos da primeira geração da Escola de
Frankfurt, que criaram o Instituto de Pesquisas Sociais em 1923, eram, em sua maioria, judeus
e foram obrigados a migrar da Alemanha para escapar da perseguição nazista, transferindo as
atividades da Escola de Frankfurt para os EUA. Eles transferiram as atividades para o
continente americano, surpreendendo-se com a “onda” de consumo na sociedade dos EUA.
A partir dos estudos críticos dos autores da Escola de Frankfurt, pode-se estabelecer
uma análise sobre os fenômenos da indústria da cultura hoje, como a indústria fonográfica, o
cinema hollywoodiano, a teledramaturgia brasileira. Desde os anos 2000, passaram a ter
destaque a onda de seriados que tomou conta dos canais de televisão e, posteriormente, de
streaming. Dessa forma, o fenômeno dos seriados, que se consolidaram, principalmente a partir
destes canais de streaming (Netflix, Amazon Prime, HBO, Globoplay), pode ser analisado a
partir do conceito de indústria cultural, formulado pelos filósofos Theodor Adorno e Max
Horkheimer, da Escola de Frankfurt.
Segundo Adorno e Horkheimer (2000), o conceito de Indústria Cultural foi criado por
e utilizado pela primeira vez na publicação do texto “Dialética do Esclarecimento”, em 1947,
ensaio elaborado a fim de substituir o termo cultura de massa. Para os filósofos, a indústria
cultural surge da cultura formada supostamente de forma espontânea pelas próprias massas e
tem características específicas, que estão conectadas aos impactos das Revoluções Industriais.
Assim, na concepção de Adorno e Horkheimer, a produção dos bens simbólicos e culturais é
desenvolvida a fim de promover reações previsíveis pelo espectador. Em se tratando de seriados
como “Jane the Virgin”, ao seguir o modelo mexicano de teledramaturgia, já é possível
antecipar, mesmo sem ter que acompanhar todos os episódios sobre o enredo, o perfil dos
personagens e o que se esperar do final.
Adorno e Horkheimer (2000) reforçam ainda que os produtos culturais devem ser
compreendidos a partir da concepção de um grande sistema harmônico, em que as diferentes
indústrias se articulam. Conectam-se, portanto, a cadeias produtivas muito bem estruturadas,
em uma divisão social do trabalho produtivo. No caso de um seriado, há uma divisão desde a
escrita do roteiro, passando pela fonte de financiamento, seleção de elenco, a produção do
seriado e a distribuição e a sua repercussão junto ao público. No sistema harmônico, as
indústrias articulam-se, mesmo que sob uma suposta concorrência. TV Aberta e canais de
streaming hoje estão interligados. Não é à toa que a Globo mantém os investimentos nas
telenovelas, mas já tem um canal de streaming, o Globoplay.
Para manter o controle a partir da racionalidade técnica e instrumental, Adorno e
Horkheimer (2000) explicam que a indústria cultural lança mão de estratégias eficientes. Entre
elas, destaca-se a padronização, em que os bens culturais seguem um estilo já consolidado no
mercado, como é o caso da teledramaturgia brasileira ou mexicana, mesmo que replicada em
seriados. A criação de estereótipos e o maniqueísmo (bem versus mal) são outras estratégias
que geram fácil identificação com o produto, como o número de episódios, o tempo de duração,
o cenário, as falas dos personagens, a ambientação e os próprios conflitos e a eterna luta entre
o bem versus o mal, entre os heróis, heroínas e os vilões e as vilãs. A hierarquização do produto
é a quarta estratégia e direciona o produto já para um público específico, como é o caso dos
melodramas, que são voltados para um público menos crítico e que gosta de enredos de fácil
assimilação.

3. TEORIA CULTUROLÓGICA: A CULTURA DE MASSA E SUAS


CARACTERÍSTICAS

Na concepção do filósofo francês Edgar Morin (1997), apesar de concordar com a forte
industrialização da esfera da arte e da cultura, não se deve dar tanto poder à indústria cultural.
Ele acredita que, mesmo com uma forte padronização e apelo mercadológico, ainda existem
brechas à inovação e à arte. No livro “Cultura de massas no século XX. Neurose”, escrito ainda
na década de 60 do século XX, Morin (1997) conceitua a cultura de massa e aponta as
características desta nova cultura, que é gerada pela mídia.
Para Morin (1997), a cultura de massa deve ser entendida como um tipo de sistema de
cultura, que possui um conjunto de símbolos, valores, mitos e imagens que se relacionam tanto
a questões da própria vida cotidiana do indivíduo como também permeiam o imaginário
coletivo. Ele estabelece uma visão ponderada, entendendo que há pontos positivos na cultura
de massa, como a democratização no acesso aos bens simbólicos, mas também concorda que o
caráter fortemente mercadológico faz com que os produtos sejam uma válvula de escape de
uma realidade frustrante.
O autor aponta várias características da cultura de massa. Ele chega a tratar de 16
elementos da cultura de massa. No caso em análise – o seriado, focaremos em algumas
características. Uma das principais características é a emergência dos olimpianos da era
moderna ou mitos, que são as celebridades, que têm uma dupla natureza – divina e mortal. São,
por exemplo, os atores, cantores que se tornam em exemplos de ideias de vida. Geralmente, os
atores que trabalham com teledramaturgia tornam-se grandes ícones da cultura de massa.
Outro elemento é o “Grande Público”, que busca a homogeneização e padronização das
temáticas para atingir o maior público possível, apropriando, por exemplo, de conflitos que são
universais. Tem-se, nesse sentido, uma diversidade de temas, o fim das barreiras entre os
estratos sociais, a criação de programas voltados para mulheres e crianças, a junção da realidade
e da ficção. Um seriado visa, por exemplo, romper as barreiras entre pessoas novas e velhas,
visando torná-los todos como audiência.
O “Happy end e simpatia” é um elemento forte da cultura de massa, bastante explorado
em seriados que precisam oferecer um final feliz para o público. Morin (1997) elenca outros
elementos bastante explorados na cultura de massa, como o eros cotidiano, amor e juventude,
que, de certa forma, estão relacionados. O erotismo faz com que eleve a audiência, assim como
a busca de personagens jovens para gerar identificação e projeção no público.

4. ANÁLISE DO SERIADO “JANE THE VIRGIN” SOB O PRISMA DAS TEORIAS DA


COMUNICAÇÃO

4.1 A série “Jane The Virgin” a partir da concepção de indústria cultural

A série Jane The Virgin conta a história de Jane Gloriana Villanueva, uma jovem
católica que, aos 23, descobre que, apesar de ainda ser virgem, está grávida. No decorrer do
primeiro episódio, o contexto dessa gravidez misteriosa é explicado: uma ginecologista,
perturbada por seus próprios problemas pessoais, inseminou artificialmente a personagem
principal de forma acidental.
Tomando como base as populares “novelas mexicanas”, cheias de expressividade,
romance, drama e tramas paralelas, o seriado, atualmente exibido no catálogo da plataforma de
streaming Netflix, conta com um enredo cheio de plot twists e personagens caricatas.
De acordo com a Teoria Crítica, a Indústria Cultural faz-se interessada na produção em
massa de bens culturais, visto que tudo, inclusive a subjetividade, deve ser mercantilizado e se
torna produto dessa indústria. Portanto, até mesmo as ideias passam a ser industrializadas, isso
porque a Economia e a Cultura perdem sua autonomia relativa e encontram-se cada vez mais
fundidas. Há, consequentemente, o desenvolvimento de um só movimento, e o capital se
apropria da atividade cultural, visto que o lucro se torna mais importante que o produto cultural
em si. Dito isso, a produção cultural se torna uma atividade econômica, em detrimento de um
processo criativo. Nesse sentido, segundo Adorno e Horkheimer (2000), dois dos principais
expoentes da Teoria Crítica, o produto cultural seria uma imitação e continuidade da realidade,
proibindo a atividade intelectual do espectador.
Ao analisar de forma crítica a série Jane The Virgin, pode-se observar que, apesar de
grandes reviravoltas na trama dela, a produção segue a mesma fórmula melodramática
anteriormente vista em célebres telenovelas do tipo mexicano como: “Maria do Bairro”, “A
Usurpadora” e “Marimar”. Assim, mais uma vez comprovam-se as teorias de Horkheimer e
Adorno, já que haviam dito também que “todos os detalhes têm os mesmos traços e, desde o
início da obra, já se conhece o fim”. O seriado apresentado é feito para que, mesmo já
conhecendo o tipo de obra a qual “Jane the Virgin” foi inspirada, o espectador possa dar boas
risadas e, em alguns momentos, até mesmo se emocionar com as personagens enquanto passa
horas em frente à sua televisão ou computador consumindo de forma passiva a aquele conteúdo.
Ainda sobre a Indústria Cultural, percebe-se, por conseguinte, a transformação da
mercadoria em matriz do modo de vida e da cultura em mercadoria. Além disso, de início,
houve a produção e adaptação de obras de arte segundo um padrão de gosto bem-sucedido e o
desenvolvimento de técnicas para colocá-las no mercado. Faz-se, ainda, uma colonização pela
publicidade, chegando à conversão em mecanismos de mediação estética do conjunto da
produção mercantil. Por isso, todos são coagidos a passar pelo filtro da Indústria Cultural. Essas
características perpassam outras áreas da comunicação também, como o consumo de notícias e
a formação de opinião. Tal atividade passa a ocorrer de forma mercadológica, visto que o capital
invade o processo de construção social de sentido, pondo fim, então, a distinção entre estrutura
e superestrutura.
Ademais, na era da Indústria Cultural, o indivíduo deixa de exercer autonomia sobre sua
própria existência, já que passa a haver um conflito entre impulsos e consciência que é
solucionado com a adesão acrítica aos valores impostos. Por isso, quanto mais o espectador se
preocupa em tentar controlar as coisas, mais elas o dominam e ele perde seus traços de
individualidade.
Outro aspecto presente na sociedade moderna é que os seres humanos que dela fazem
parte vivem uma vida pré-programada, tanto em relação ao lazer como em relação ao trabalho.
Isso porque, mesmo em seus momentos de lazer, quando alcançam a fuga da monotonia de seu
trabalho, eles apenas se transformam de produtores para consumidores. Ou seja, o trabalhador
que, até então, ocupava seu tempo produzindo, agora, nesse caso, ocupa seu tempo consumindo
o seriado Jane The Virgin. Melhor dizendo, esses indivíduos não se tornam livres e
contribuintes para a sociedade, nem no trabalho, nem em suas atividades recreativas.
Além do mais, o sujeito torna-se, por meio da busca pelo seu próprio interesse
econômico, como todas as outras pessoas: sua individualidade é definida pelo acúmulo de
“coisas”. Assim, a individualidade é voltada somente ao interesse próprio e ao poder sobre as
coisas, ignorando, portanto, todos os outros aspectos que compõem um indivíduo - como seu
intelecto, por exemplo. Esta é substituída pela pseudo-individualidade, e o sujeito passa a
encontrar-se vinculado a uma identidade sem reservas com a sociedade.
Para mais, a indústria cultural apresenta-se como um sistema harmônico, no qual todos
harmonizam entre si, mesmo que sob uma aparente concorrência, e todo ato de contestação
pode ser uma forma de fortalecer o produto. Isso se dá quando, por exemplo, ao utilizar a tiara
característica de sua personagem Valéria, da novela originalmente mexicana “Carrossel”, a atriz
Maísa Silva faz, mesmo que indiretamente, uma propaganda do acessório, haja vista que, a
partir disso, a venda e procura por esse produto aumentou exponencialmente. Em Jane The
Virgin não é diferente: ao trazer, ao longo dos episódios, participações ilustres como Britney
Spears, Bruno Mars e Kesha, a série faz, de certa forma, uma propaganda desses artistas para o
público alvo dela, ao mesmo tempo que recebe para si uma nova audiência proveniente dos fãs
desses cantores. Dessa forma, ambas as partes contribuem e são contribuídas nesse sistema de
fato harmônico.

4.2 Estratégias da Indústria Cultural

O termo “Indústria Cultural”, objeto de estudo da Teoria Crítica, foi criado pelos
filósofos alemães Max Horkheimer e Theodor Adorno, estudiosos da Escola de Frankfurt. Ele
refere-se à cultura que nasce das massas, em que tudo é representado de forma planejada para
condicionar a reação e o consumo do espectador. Por exemplo, um filme que contém músicas
em inglês é direcionado a um público mais culto, na intenção de mantê-los, uma vez que tal
melodia não fará tanto sentido para um mais simples.
Nesse cenário, a Indústria oferece sempre a representação do mesmo sob formas
diferentes. O espectador não é visto como autônomo, e não deve agir pelas próprias noções;
qualquer conexão lógica que exigir perspicácia intelectual é evitada e tudo é planejado e
repetido em um padrão. Tudo isso é prova de que a cultura das massas é propositalmente
manipuladora: em todos os produtos há uma mensagem oculta, que é mais importante, já que
escapa ao controle da consciência, colocada lá para gerar uma reação específica.
Ademais, a maioria das produções visa reproduzir a mediocridade, a inércia intelectual
e a credibilidade, para colocar o espectador, sem ele saber, na situação de absorver ordens,
indicações e proibições. Dessa forma, as estratégias da Indústria Cultural permeiam essas
características e são: padronização, criação de estereótipos, maniqueísmo, hierarquização do
produto e pseudo-individualidade.
Em primeiro lugar, com um forte culto ao que é esteticamente belo, existe uma grande
padronização no que é produzido. Com a função de transformar a arte para o consumo, a
Indústria Cultural realiza produtos que já sejam aceitos pela sociedade - de acordo com a visão
pessimista dos autores, ela não aceita outra coisa a não ser o que é considerado bom -, o que
também prejudica os artistas, que ficam sem espaço para inovar; as histórias são as mesmas,
com, apenas, personagens com nomes e cenários diferentes.
Em outro viés, a padronização faz com que um espectador já inicie um filme sabendo
como ele irá acabar e, assim, fique feliz quando confirma as suas previsões, uma vez que já se
prepara inconscientemente para as emoções que sentirá ao fim do tempo em que assiste. A título
de exemplo, ao escolher um filme de terror, o indivíduo já espera se assustar e ver momentos
de tensão, da mesma forma como, ao escolher um de comédia, espera sentir-se leve e entretido.
Quando isso não acontece, critica.
O sistema torna tudo em mercadoria, e nega a criatividade, a imaginação e o raciocínio,
entregando cenas prontas e quase ou nenhum desafio. Uma grande estratégia para isso é a
adoção de uma linguagem simples e facilmente compreensível.
Há também a padronização de gostos, estilos e de beleza. Um modelo é tido como referência e
deve ser seguido pelos outros, para que eles sejam considerados bons e capazes. No cenário
atual, mulheres “devem” ser magras; homens, fortes; o que deveria ser escolhido por atração,
ou seja, de forma natural aos instintos do ser humano, é domesticado e as pessoas passam a ter
um padrão para se excitar, como os galãs de novela que todo dia reforçam que as suas aparências
são as melhores e únicas que devem e podem ser aclamadas.
Os produtos servem como refúgio, então, para os problemas do cotidiano dos
indivíduos, que os utilizam para fuga e para exercer controle, sabendo como o filme ou série
será. Por outro lado, também servem para reforçar estereótipos e hierarquizar produtos.
Um celular de luxo é exibido de várias formas e de modo a reforçar que é possível
alcançar a felicidade tendo ele, fazendo com que os indivíduos os vejam como necessário. Estão
aí estereótipos: tal celular é o melhor e, logicamente, outros são ruins, logo, quem não o tiver,
não ficará satisfeito. Para mais, o indivíduo vê de forma hierarquizada: quem tem mais
condições que ele pode ter o produto, ele não. Por isso, também, a Indústria Cultural é acusada
de domesticar e privar o ser humano, ao passo que o submete à frustração quando este volta à
realidade e vê que não possui o que os outros possuem.
Existe também o maniqueísmo, que é a polarização, a divisão entre o bem e o mal. Ou
personagens são bons, ou são maus e os bons sempre vencem e têm um final feliz. Além disso,
esses têm características comuns a todas as pessoas, qualidades que são admiradas e defeitos
que geram identificação.
Por fim, a pseudo-individualidade é a tentativa de fazer com que o indivíduo pare de
existir de forma autônoma; ele encontra-se vinculado à identidade social, ao coletivo. Por isso,
o consumidor, ao contrário do que a indústria o faz crer, não é realmente tratado como soberano
e sim um objeto nas mãos do capitalismo. A premissa básica é a de que a sociedade é sempre
vencedora e o indivíduo não passa de um fantoche manipulado pelas normas sociais.

4.3 Elementos da cultura de massa conforme Morin (1997)

No seriado, é fácil identificar as características da cultura de massa. Em primeiro lugar,


o amor é um tema central da produção. Além disso, existe o conflito, que pode ser entendido
como “Revólver”, polarização entre valores masculinos (agressividade) contra valores
femininos (amor e sexualidade). A protagonista é vítima de uma série de situações que a tornam
uma heroína.
Como todo bom melodrama, existe personagens simpáticos que geram identificação na
luta contra o mal. Para o final, é previsto um final feliz (happy end). Ao conseguir emplacar na
Netflix, o seriado atingiu um grande público e se tornou um produto bem-sucedido e rentável
para a indústria cultural.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista os conceitos da Teoria Crítica/Escola de Frankfurt anteriormente


estudados, conclui-se, portanto, que, na sociedade moderna, a ideia de Indústria Cultural está
muito presente. Nesta, diversos tipos de produtos culturais que seguem suas características
podem ser encontrados: desde livros, filmes e programas de televisão, até shows musicais.
Ainda sobre isso, destaca-se o seriado estadunidense Jane the Virgin, que, ao
contemplar a grande maioria das características propostas pela Escola de Frankfurt a respeito
da Indústria Cultural, conquistou uma audiência, logo em sua primeira temporada, de, em
média, 1.199.545 espectadores por episódio nos Estados Unidos da América. Assim, a série
representa um dos milhares de produtos culturais que estão presentes atualmente em nossa
sociedade. Ao mesmo tempo, pode-se afirmar que o seriado se alimenta dos principais
elementos da cultura de massa – amor, juventude, erotismo, olimpianos – como forma de servir
como uma fuga da realidade.

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. “Indústria cultural. O Iluminismo como


mistificação das massas”. In: LIMA, Luiz Costa (Org). Teorias da Cultura de Massa. São
Paulo: Paz e Terra, 2000.

CINEMA, Adoro. Jane The Virgin. Adoro Cinema, [S. l.]. Disponível em:
https://www.adorocinema.com/series/serie-17264/audiencias/. Acesso em: 16 jun. 2022.

GONÇALVES, L.P. et al. Teoria Crítica e Indústria Cultural, [S. l.], p. 1, 2019. Disponível
em: https://www.studocu.com/pt-br/document/universidade-federal-de-sao-joao-del-
rei/comunicacao-social-jornalismo/teoria-critica/4752444. Acesso em: 16 jun. 2022.

INDUSTRIA Cultural. In: Indústria Cultural. Uol: Marco Oliveira. Disponível em:
https://mundoeducacao.uol.com.br/filosofia/industria-cultural.htm. Acesso em: 14 jun. 2022.

MORIN, Edgar. Culturas de massas no século XX. Neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997.

OLIVEIRA, Luiz Ademir de. Apostila de Teorias da Comunicação. São João del-Rei, 2022.
Capítulo 39

Maniac e a experimentação com a irrealidade

Louise Cristina Zin (UFSJ)


Júlia Braga (UFSJ)
Larissa Leite Lima (UFSJ)
Laura Pereira Gonçalves (UFSJ)
Nathália Ferreira (UFSJ)

RESUMO: A série Maniac, lançada em 2018 pela plataforma de streaming Netflix, faz o uso
de diversos aspectos da cultura de mídia e massa, de forma que a série seja atrativa para o
público, mas aborda questões relacionadas à mente humana e sociedade em que vivemos. O
artigo busca analisar os aspectos das culturas de massa dentro da série, assim como questionar
o efeito que estes trazem a série.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura das mídias; Ficção Seriada; Narrativa; Cultura de Massa;


Netflix

1. INTRODUÇÃO

A série Maniac, lançada na Netflix em 2018, leva o telespectador numa viagem de


autodescoberta dos dois personagens principais Owen Milgrim (Jonah Hill) e Annie Landsberg
(Emma Stone). Dirigida por Cary Joji Fukunaga, diretor popular com esse tipo de trama, a série
se passa num complexo universo que transita entre a realidade e as alucinações vividas pelos
protagonistas.
O roteirista Patrick Somerville e Fukunaga basearam-se no seriado norueguês de mesmo
nome lançado em 2014 e o adaptaram para a versão mais recente. A história original tratava de
um homem que decide viver em um universo ilusório dentro de sua própria mente ao invés de
enfrentar a realidade. Na nova versão, a premissa é mantida. Entretanto, nesta versão, a
narrativa construída a partir dessa ideia é mais explorada, tornando-a complexa e profunda. O
fato de os dois personagens principais serem muito diferentes entre si também colabora para a
elaboração do mundo no qual a série se passa. Isso porque a obra consegue explorar duas mentes
e visões de realidade completamente distintas através deles.
Owen e Annie são dois jovens profundamente atordoados psicologicamente, cujos
caminhos se cruzam por acidente quando ambos se voluntariam para fazerem parte de um
experimento de uma empresa farmacêutica japonesa chamada Neberdine. O tratamento a ser
testado promete resolver todos os problemas do paciente e pode parecer um sonho para qualquer
pessoa que sofre com transtornos psicológicos. Ele se baseia no uso de três pílulas milagrosas:
A, B e C; que teoricamente deixariam o usuário completamente curado após um único uso. O
tratamento, que pretende mapear a psique do paciente, identificar seus traumas e, enfim,
confrontá-los, é guiado por uma equipe de médicos excêntricos e uma inteligência artificial
chamada GRTA.
O enredo da obra é situado em um futuro alternativo no qual a sociedade é pautada no
consumo constante e na dependência da tecnologia. Assim, a realidade retratada mostra que
relações interpessoais se tornam cada vez mais rasas e que o status é baseado apenas no que se
tem, gerando uma necessidade de se ter cada vez mais.
Tratando de assuntos delicados, a série explora a maneira como uma população tão
corrompida pelo contexto em que vive lida com a questão da saúde mental. Para demonstrar os
efeitos dessa rotina disfuncional entre mente, tecnologia e sociedade, ela utiliza uma riqueza de
detalhes que permite que o espectador consiga visualizar suas várias camadas e
questionamentos. Por fim, o seriado busca representar o labirinto que é a mente humana,
mostrando que ele deve ser explorado, pois, seria essa a única maneira real de resolvermos os
nossos problemas.
A partir das questões citadas, este artigo analisa a primeira temporada do seriado
“Maniac'', que contém 10 episódios e foi um sucesso de crítica desde o seu lançamento em 21
de setembro de 2018 na plataforma de streaming Netflix. Para tal discussão, utiliza-se como
base a narrativa construída pela série, o desenvolvimento dos personagens e aponta
características da cultura de massa (Morin, 1997) e cultura das mídias (Kellner, 2001).

2. ESTRUTURA NARRATIVA

2.1 Personagens: características físicas, psicológicas e rede de relacionamentos

A trama gira em torno de Annie Landsberg (Emma Stone) e Owen Milgrim (Jonah Hill),
que estão sendo cobaias em um teste de um medicamento alucinógeno. Nesse experimento
aliado à terapia conduzida por médicos questionáveis, ao ingerir três pílulas (A, B e C), os
pacientes têm seus dados escaneados por um supercomputador, chamado GRTA, interpretando
várias versões de si em diferentes cenários que vão desde uma realidade fantasiosa com elfos e
bruxas até uma trama noir de espiões se digladiando por um artefato raro. Entre os pontos em
comum, os dois têm a origem de seus traumas conectados de alguma forma com suas famílias.
Annie Landsberg, que acumula as dores do abandono de uma mãe disfuncional é diagnosticada
com transtorno da personalidade borderline e usa a droga para ficar a maior parte do tempo
desconectada da realidade, evitando confrontar os sentimentos de luto pela morte de sua irmã
Ellie.
Já Owen foi diagnosticado com esquizofrenia paranoide, ouve vozes, sofre alucinações
criando ilusões e perigos que não existem acreditando ser o herói com o poder de salvar as
pessoas. Mesmo sendo rejeitado pela família, Owen está sendo empurrado para mentir em um
tribunal, salvando a pele do irmão que nunca o tratou dignamente.
Outros personagens importantes são a Dra. Azumi (Sonoya Mizuno) e Dr. James (Justin
Theroux), ocupando cargos importantes e reconhecidos, mas tão emocionalmente
incompetentes e confusos quanto aqueles que buscam tratar.
A máquina GRTA criada pelos cientistas Muramoto (Rome Kanda) e James, é utilizada
em conjunto com as drogas A, B e C para adentrar a mente dos voluntários do estudo. Contudo,
a máquina Gertie demonstra ter sentimentos ao entrar em depressão após a morte do Dr.
Muramoto, com quem mantinha uma relação.
Os irmãos dos personagens principais, são Jed Milgrim (Billy Magnussen) brilhando
como o irmão constrangedor de Owen e, paralelamente, como uma alucinação do protagonista
e Ellie Landsberg (Julia Garner) que também enfrentava problemas psicológicos.

2.2 Descrição dos episódios

Episódio 1: O escolhido
Filho de um dos casais mais ricos da cidade, os Milgrim, Owen se sente a ovelha negra
da família por ter sido diagnosticado com esquizofrenia. Ele está sendo pressionado por sua
família para se posicionar a favor de seu irmão em corte e acaba de perder o emprego, esses
acontecimentos fazem com que ele decida participar de um teste de uma droga experimental
que promete o curar.
Episódio 2: Moinho de vento
Annie, que após eventos traumáticos ficou viciada em barbitúricos, ou a mais conhecida
fase B, encontra uma maneira de ter acesso a drogas. Ela acaba chantageando uma das
funcionárias da empresa para conseguir entrar no teste para a droga experimental.
Episódio 3: Um dia daqueles
Ao perceber irregularidades nos resultados do primeiro teste da droga, Muramoto, que
está à frente dos testes, decide interrogar Owen e Annie. Após descobrir que Owen não havia
usado a droga na primeira fase de testes, Muramoto o força a fazer o teste, dessa vez, usando a
droga, e ele se lembra da pior noite da vida dele.
Episódio 4: Peles do Sebastian
Na segunda fase do teste, quando Annie e Owen usam a pílula B, têm alucinações em
conjunto e se encontram em um cenário peculiar. Ambos são casados, vivem em Long Island
nos anos 80 e precisam enfrentar uma família de contrabandistas de animais para encontrarem
um lêmure muito importante.
Episódio 5: Exatamente como você
A máquina do GRTA começa a demonstrar laços com quem está fazendo parte dos
testes. Ainda na fase 2, Annie e Owen se tornam Arlie e Ollie, golpistas dos anos 40. Para
encontrar um livro de grande importância, eles se encontram um uma sessão espírita na mansão
Neberdine.
Episódio 6: Sérios problemas de estrutura
A máquina, criada por James e espelhada em sua mãe, apresenta problemas. Além de
criar conexões com as pessoas que fazem os testes, está sofrendo de uma terrível depressão.
Azumi encontra uma possível solução, a mãe do cientista deveria conversar com a máquina.
Episódio 7: Isto não é uma furadeira
Ao tomar a pílula C, Owen e Annie se separam nas alucinações. Enquanto Annie é uma
meia elfa que guia uma princesa elfa doente até uma possível cura, Owen faz parte de uma
família mafiosa.
Episódio 8: O Lago das Nuvens
Annie segue em sua missão. Enquanto isso, o pai mafioso de Owen faz exigências, ele
deve proteger sua família acima de tudo, e deixar todo o resto da sua vida de lado. Owen percebe
que algo está errado e vai atrás de Annie.
Episódio 9: Utangátta
Owen e Annie encontram-se novamente. Dessa vez, Owen é um espião islandês e Annie
uma agente da CIA. A máquina apresenta sérios riscos para alguns dos participantes, a mãe de
James o implora para que pare o teste, mas a máquina recusa a ordem de todos.
Episódio 10: Opção C
Após a alta dos pacientes, James e Azumi confrontam o CEO da organização e acabam
ficando desempregados. Owen e Annie se separam. Em corte Owen decide que fazer o que é
certo é mais importante que proteger sua família. O caso repercutiu nas mídias, e assim, Annie
conseguiu reencontrá-lo.

2.3 Público-Alvo

O público alvo que a série pretende atingir é bem variado. Apesar de ter um foco maior
naqueles que gostam de ficção científica, distopias e questões relacionadas à psicologia, ela
pode ser direcionada a qualquer indivíduo que queria mergulhar na autodescoberta.
Ao apresentar dois personagens tão diferentes, ambos com transtornos psicológicos,
mas que ainda assim se beneficiam do fato de explorarem suas mentes, ele chama atenção do
público. A ideia de deixar nas entrelinhas que todas as realidades possuem problemas que
merecem ser confrontados apela para todas as pessoas que pensem minimamente sobre o
assunto.
Além disso, seu viés carregado e complexo atiça a curiosidade daqueles que gostam de
uma trama com um desenrolar surpreendente e cheio de camadas a serem desvendadas.
Trazendo, dessa forma, ainda mais público para o seriado.

3. OS ELEMENTOS DA CULTURA DE MASSA

O filósofo francês Edgar Morin (1997) discute o conceito de cultura de massa,


apontando distinções em relação em relação à concepção de indústria cultural presente na obra
dos pensadores da Escola de Frankfurt que acreditavam que, a partir do processo de
industrialização da arte e da cultura, tudo tenderia a ser mero produto, perdendo as suas
características de inovação e de criação. Morin afirma que a cultura de massa tende a agregar
elementos da cultura erudita e da cultura popular, tornando os seus produtos acessíveis a um
grande público. Por isso, ele vê uma característica positiva que é justamente a democratização
no acesso aos bens simbólicos antes restritos a uma elite. No entanto, o autor não deixa de
mencionar os aspectos negativos, como a banalização, a padronização e a simplificação geradas
pela industrialização e a produção em série na esfera da cultura. Mas Morin afirma que isso não
elimina a possibilidade de que a indústria cultura tenha também um outro polo, além deste que
tende a padronizar e estimular o lado industrial. Trata-se do estímulo à criação, à arte e à
inovação.
Em seu livro “Cultura de massas no século XX: Neurose”, Morin (1997) aponta uma
série de características da cultura de massas, como a emergência dos olimpianos (são os
semideuses da era moderna – pessoas elevadas à condição de celebridades para gerar laços de
identificação e de projeção, como os que povoam o universo do cinema, das artes, dos esportes,
da política e hoje até os influenciadores digitais), a felicidade, o amor, a promoção dos valores
femininos, a juventude, o happy end, os vasos comunicantes (mistura entre realidade e ficção).
São estas características que permitem que a cultura de massa seja uma espécie de fuga da
realidade. Como Freud (1997) afirma, o indivíduo precisa encontrar formas de escapar das
situações difíceis do cotidiano – o chamado “Princípio de Realidade” em busca do “Princípio
do Prazer”. É onde a cultura de massa permite encontrar o mundo da ficção, da fantasia, da
felicidade e, mesmo onde o que assusta é apenas no plano imaginário.
Retomando a análise da série escolhida - Maniac, com a direção de Cary Fukunaga,
pode-se perceber esta dualidade. A primeira temporada mostra a vida e as dificuldades
psicológicas de dois estranhos que se encontram em um teste farmacêutico para uma droga que
promete resolver todos os seus problemas.

3.1 A arte e a média


Morin analisa a tensão entre o campo artístico e o comercial. Apesar de um lado estar
sempre priorizando um produto padronizado, ainda existe resistência para as criações artísticas
se manterem intactas. O autor destaca que a indústria cultural não produz apenas clichês, ainda
existe um amplo espaço para a arte.
A série Maniac é um bom exemplo, apesar de dar destaque para algumas características
que poderiam ser consideradas clichês, como romance, busca por felicidade, violência, desejo...
essas são entregues de maneira artística. A maior parte das emoções vividas pelos personagens
principais são mostradas ao público por meio das alucinações que os comprimidos causam.
Essas são sempre muito bem construídas em diferentes mundos e realidades.

3.2 O grande cracking


Edgar Morin (1997) aponta que um dos benefícios da cultura de massa é ser mais
acessível, porém ele também mostra que, como consequência, existe uma certa banalização e
vulgarização. O autor cita quatro processos dessa vulgarização, a simplificação, que seria a
redução de personagens. O maniqueísmo, que é a polarização entre o bem e o mal. A
atualização, que introduz uma grande carga dramática. E a modernização, que é uma
transferência de tempo, algo do passado vêm para o atual.
Na série, podemos ver todas estas características. A série gira em torno de dois
personagens principais, mesmo envolvendo vários outros, o tempo de tela deles é menor, e eles
não tem um espaço próprio, na maior parte do show aparecem nas alucinações dos personagens
principais. Dentro das alucinações sempre ocorre uma polarização entre o bem e o mal, porém
a principal polarização é entre o sistema de computação que deveria ser a salvação de todos,
porém se torna uma vilã. A série trata de assuntos como morte, estupro, problemas psicológicos
e psiquiátricos, o que faz com que a carga dramática seja forte. Assim como apresenta transporte
de tempo, ações como pagamentos e jogos de xadrez são transportados para o futuro em uma
perspectiva de como eles seriam.

3.3 Campos estéticos


A cultura de massa se apresenta como uma forma de espetáculo. O mundo imaginário
já vem pronto, não existe espaço para criação e imaginação dos espectadores. Na série,
passamos por diferentes estéticas, especialmente por conta das alucinações que os personagens
sofrem. Por meio dessas, vemos várias décadas e mundos.
Na Figura 1, por exemplo, vemos a personagem Annie em uma ambientação dos anos
80. A imersão em diferentes espaços-tempo, por mais que claramente fictícia, é construída de
forma que o visual esteja alinhado à proposta do roteiro e sua crítica social.

Figura 1 – Personagem Annie

Fonte: Netflix, 2022


Já a Figuras 2 regride algumas décadas, instaura um ambiente de guerra, articulações e
inteligências militares. Enquanto a 3, avança e aqui, já está mais do que claro o uso frequente
de referências a filmes e estéticas de outros cineastas.

Figura 2 – Cena do seriado

Fonte: Netflix, 2022

Figura 3

Fonte: Netflix, 2022

Embora a implementação de diferentes cenários seja recorrente, a direção procura


manter um mesmo padrão visual. Dessa forma, mesmo carregada de referências, como podemos
observar na Figura 4 a alusão a "2001: Uma odisséia no espaço" e na Figura 5 a franquia
"Senhor dos Anéis", a série consegue manter-se única.

Figura 4

Figura 5

É importante ressaltar que enquadramentos, jogos de câmera e planos sequência fazem


parte do envolvimento dos espectadores. As diferentes técnicas de filmagem deixam o ritmo da
série mais frenético e portanto, condizente com o que o público tem buscado no século XXI.
Figura 6

3.4 Vasos comunicantes


Existe uma mistura entre a realidade e a ficção. Da mesma forma que existe uma
romantização da realidade, o inverso é feito. Tornar o espaço ficcional mais real. Essa mistura
é uma forte característica na série. É chegado um momento em que não é possível mais
diferenciar o que são apenas as alucinações causadas pelos testes do remédio ou o que realmente
aconteceu com os personagens. A ficção está muito presente, especialmente porque a série não
é passado no presente. Então além de toda a ficção envolvida, existe também uma normatização
dos momentos que se passam no futuro.

3.5 Espírito do tempo


No final do livro, Morin afirma “Há demasiadas variáveis emaranhadas, demasiadas
incertezas, uma tensão pré-apocalíptica grande demais para que ousemos prever”. Na série,
conseguimos ter a mesma percepção, uma percepção apocalíptica e incerta, profissões se
desfazendo, relações pessoais se tornando cada vez mais distantes, necessidades básicas sendo
supridas por aparelhos.

3.6 Simpatia e happy end


Uma das ferramentas da indústria cultural é o happy end, todas as produções tendem a
ter um final feliz. Os personagens principais são cada vez mais simpáticos, sempre carregando
características que possam criar laços ou identificação. Terminamos a série com um belo final,
o casal fica junto, os problemas familiares e financeiros parecem ter desaparecido. Apesar de
toda a série caminhar para um final conflituoso, tudo se resolve.

4. Cultura da Mídia e representação da realidade

Para Douglas Kellner (2001), a cultura da mídia transformou-se numa cultura


dominante que precisa ser observada criticamente. É na cultura da mídia que se travam conflitos
ideológicos pelo controle da sociedade. Em Maniac, podemos encontrar essas batalhas do bem
contra o mal principalmente na disputa entre inteligência artificial v.s ser humano. A Neberdine
Pharmaceutical & Biotech, empresa que testa a combinação de drogas associadas a uma
inteligência artificial em busca da superação dos traumas, é retratada como um negócio asiático.
Embora o criador da principal máquina seja um homem estadunidense, a maioria absoluta dos
outros personagens que compõem a Neberdine são asiáticos. Assim, a tecnologia oriental vista
na série é representada, desde o princípio, como um experimento falho e perigoso, bem como
os trabalhadores que fazem parte do mesmo.
Além disso, é possível também traçar um paralelo de uma leve menção a “radicais v.s
status quo” na série. A família do protagonista Owen Milgrim faz parte de uma elite poderosa
e influente, historicamente o próprio Owen já representa uma ameaça ao equilíbrio e status dos
Milgrim por seus episódios ocasionados pela esquizofrenia paranoide. Mas o conflito fica mais
evidente quando seu irmão, Jed Milgrim, é acusado de estupro e todos conspiram para que
Owen minta no tribunal, “protegendo o nome da família”.
Dessa forma, a série não deixa de reproduzir modelos de identidade e comportamentos
da vida cotidiana, obedecendo a lógica da cultura da mídia e, portanto, “ajudando a modelar a
visão prevalecente de mundo [...]” (KELLNER, 2001, p. 9).
Assim como faz perante seus personagens, independentemente se são principais ou
coadjuvantes, demonstra para que sejam reconhecidos por quem assiste, com estereótipos
demarcados. Conforme Kellner afirma, há uma cultura veiculada pela mídia que fornece o
material com que as pessoas forjam sua identidade. Dessa forma, o público absorve as
características e as reproduz em seu cotidiano, ainda que inconscientemente.
Logo no início do enredo, questões relacionadas ao vício em remédios são tratadas como
precursoras da trama. A personagem Annie utiliza da pílula A para evitar traumas do passado,
de modo a fugir da morte de sua irmã, Ellie. A partir disso, a busca por mais explicações e sua
curiosidade para entender a fundo sobre o comprimido, a leva ao laboratório de experimentos.
No Brasil, a automedicação é um hábito comum de 77% dos entrevistados, conforme relatório
do Conselho Federal de Farmácia (CFF). Dessa forma, mais da metade dos brasileiros já se
identificam com a série logo no primeiro episódio e são fisgadas para continuar assistindo o
desenrolar da história.
Quanto ao Owen, além do distúrbio mental reconhecido na esquizofrenia, também é
vítima de pressão familiar. Ainda que o personagem possua uma origem rica e um “berço de
ouro”, mora em uma kitnet localizada no alto de um prédio, com outdoors de propaganda bem
em frente a sua janela. Ao frequentar as festas de família, a tensão coexiste entre os diálogos,
de modo a sempre instigar o público ao desconforto, evidenciando o conflito entre eles. O
distanciamento familiar é definido como o afastamento e a perda de afeto que ocorrem ao longo
dos anos, infelizmente, é a realidade de pelo menos 40% dos participantes de uma pesquisa
realizada pela Universidade Kean, nos Estados Unidos.
De modo geral, Owen é classificado como inferior por quem o cerca, tendo em vista a
reafirmação constante de seus problemas. Segundo Kellner, assim como os filmes do tipo
Rambo, esses quadros “podem ser lidos como expressões da paranoia branca masculina, em
que os homens são vítimas de inimigos externos, [...] e da sociedade em geral'' (KELLNER,
2001, p.88). Ou seja, a condição é retroalimentada por acontecimentos externos, como algumas
das alucinações nas quais Owen desenvolve, que colocam o indivíduo sempre sob coerção, em
iminência de tomar uma decisão, independentemente do cenário.
Annie e Owen possuem transtornos psicológicos e comportamentais e chegam ao
laboratório em busca do teste com as pílulas alucinógenas, mediante a promessa de um
diagnóstico resolutivo. São apresentados de maneiras diferentes e se aproximam,
principalmente, por causa dos devaneios provenientes dos fármacos. Contudo, desde a primeira
cena em que aparecem, toda a estrutura midiática é enquadrada para focar suas trocas de olhares
e o telespectador é levado ao interesse por um possível desenrolar romântico.
Acompanhando a trama, a utilização dessas drogas para experimentações científicas é
uma iniciativa que pode ser considerada parte da contracultura. Conforme as definições de
Kellner (2001) e tendo em vista que levanta o questionamento acerca de seu uso para curar
assuntos mentais, uma forma de explorar seu potencial indo além da ideologia de tabu.
Por fim, os doutores operantes do experimento também possuem características
reconhecidas pela cultura de massa, relacionadas diretamente com práticas recorrentes ao
convívio humano. Primeiramente, a Dra. Azumi também possui vício, sendo a nicotina
observada nos cinzeiros sempre cheios pelas salas do laboratório. Consoante a Pesquisa
Nacional de Saúde (PNS) de 2019, o percentual de fumantes no Brasil alcançava 12,6%.
Ademais, ela se relacionava com o Dr. James, que também sofre de distúrbios mentais,
essencialmente ligados à sua mãe, também médica.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das questões analisadas ao longo do trabalho, é possível observar que o seriado
Maniac, lançado pela Netflix em 21 de setembro de 2018, faz o uso de diversos aspectos da
cultura de massa e mídia para se tornar atrativo ao público e para discutir questões profundas
relacionadas a mente humana e a sociedade contemporânea.
A obra trata de assuntos delicados e chama a atenção ao explorar questões tão comuns
agora, como vícios e o status quo, em um futuro distópico que não muito se distancia da
realidade em que vivemos. Mesmo com a ausência de mídias sociais, os problemas enfrentados
pelos protagonistas passam pelos mesmos questionamentos presenciados por qualquer ser
humano no século XXVI independentemente de sua classe social.
Além disso, ela representa de maneira aprofundada como fugir de tais questões pode acabar por
torná-las ainda mais complexas de se enfrentar e que, mesmo que o enfrentamento seja
doloroso, é necessário que passemos por ele para enfim chegarmos a uma solução.

REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1997.

KELLNER, Douglas. A cultura das mídias. São Carlos: Edusc, 2001.

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. Neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997.
Capítulo 40

Marte e sua relação com a Ficção Científica:


representações através do tempo

Louise Cristina Zin (UFSJ)


Cristiano Otaviano (UFSJ)

RESUMO: A ficção científica mantém constante diálogo com a evolução da ciência. Isso faz
com que, apesar de muito diferentes em certos aspectos, ela se assemelhe com o jornalismo.
Ambos, ficção científica e jornalismo, buscam por seus meios explorarem a verdade. Um tema
muito comum na ficção é o planeta Marte, constantemente retratado através de décadas. Nas
obras sobre o planeta vermelho, é possível observar características geográficas, de solo,
atmosféricas e climáticas, descritas em textos acadêmicos e noticiadas pela imprensa. O que a
ficção científica faz é criar, em cima dessa base. O artigo mostra uma comparação entre os
livros As Crônicas Marcianas (1946-1958), de Ray Bradbury, e Perdido em Marte (2011), de
Andy Weir.

PALAVRAS-CHAVE: Marte, ficção científica, As Crônicas Marcianas, Perdido em Marte

1. INTRODUÇÃO

Desde o surgimento da humanidade, uma de suas características mais marcantes foi o


interesse por entender a natureza das coisas. Nosso planeta e outros astros do sistema solar
foram estudados de várias formas. Apesar disso, houve períodos de alienação, principalmente
durante a Idade Média. A questão religiosa dificultou as descobertas sobre corpos celestes, seus
movimentos, e como estavam dispostos no Sistema Solar (e além). A Igreja Católica exigia que
todos os astros reconhecidos fossem tratados como parte de uma “obra” que tinha a Terra como
referência central (Geocentrismo) e o ser humano que a habita como criação mais importante
de Deus (Teocentrismo). No entanto, surgiriam personagens que trariam mudanças drásticas
para esse contexto:

Ao mostrar que a Lua tem montanhas e o Sol tem manchas, Galileu


quebrou essa “perfeição”. Terrosa como a Terra, a Lua não é mais
perfeita do que ela. Por que seu movimento deveria sê-lo e escapar às
causas que tornam móveis os objetos cotidianos? A ideia de que uma
mesma lei natural pudesse governar a Lua e a maçã era sacrilégio na
época de Galileu. (MAURY, 2008, p. 21).

Galileu e vários outros estudiosos arriscaram suas vidas em nome da ciência e de suas
descobertas. Sofreram perseguição, enfrentaram todo tipo de dificuldades, mas ajudaram a
semear ideias que alavancariam as revoluções sociais, científicas e tecnológicas que marcaram
os séculos seguintes. Foram, indubitavelmente, parte dos eventos que alicerçaram a Revolução
Industrial.
Com novas tecnologias e novas descobertas, outros planetas começaram a ser mais e
mais pesquisados pela ciência, ao mesmo tempo que a ficção científica os transformava em
ambientes para suas histórias. Uma coisa os unia: tanto cientistas quanto escritores estavam
limitados pelos equipamentos existentes na época pois, ainda que estes últimos utilizassem a
imaginação, ela tinha como ponto de partida o que se conhecia sobre a realidade.
Giovanni Schiaparelli (1835-1910), Camille Flammarion (1842-1925) e Percival
Lowell (1855-1916) foram alguns dos astrônomos que, na virada para o século XX, estudaram,
investigaram e especularam – com base nos telescópios que tinham à disposição – sobre os
"canais" em Marte, que seriam marcas na superfície do planeta. Isso levou a acreditarem na
possibilidade de existir vida no orbe vizinho. Lowell acreditava que os canais teriam sido
construídos por vida inteligente e as marcas teriam sido criadas para cultivo.
No entanto, as primeiras sondas enviadas não trouxeram resultados muito positivos. O
planeta parecia um grande deserto gelado. As descobertas dos primeiros robôs exploradores
mostrariam, posteriormente, que a realidade estava muito longe do que Lowell, Flammarion e
Schiaparelli acreditaram. Apesar disso, por mais que tais especulações tenham sido descartadas
pelos cientistas, elas tiveram grande influência na ficção científica.
Assim, desde o século XIX, a curiosidade com as novas descobertas – diante de um
salto tecnológico evidente – e o interesse pelo desconhecido era tão vasto que escritores
dedicados à ficção científica se tornaram quase inevitáveis. Um dos pioneiros a introduzir
outros planetas, mais especificamente, Marte, foi Ray Bradbury, com suas publicações em
ficções pulp, que se reúnem no livro As Crônicas Marcianas.
Por outro lado, enquanto as descobertas científicas mostravam o quanto é frágil o
equilíbrio que sustenta a vida na Terra, ganha destaque a proposta de um “plano b” para a
colonização humana. Isso dá impulso às pesquisas sobre Marte.
Com o tempo e as evidências acumuladas sobre o planeta, o foco da Ficção Científica
mudou. Marte passou a ser retratado como um possível lugar a ser colonizado pela humanidade.
Este é um dos aspectos centrais de nosso objeto de estudo, o livro Perdido em Marte (Andy
Weir), transformado em filme por Ridley Scott.
A partir da comparação entre tais objetos, tentaremos debater um problema central:
como as características geográficas e atmosféricas de Marte são retratadas em obras de ficção
científica através do tempo.

2. O QUE É FICÇÃO CIENTÍFICA?

Muitos críticos vêm tentando chegar a uma única definição sobre o que é ficção
científica, “Brian Stableford, John Clute e Peter Nicholls, no extenso verbete ‘Definições de
FC’ da Encyclopedia of Science Fiction [Enciclopédia de Ficção Científica] (3ª ed., 2011), de
Clute e Nicholls, citam 16 diferentes definições” (ROBERTS, 2018, p. 42). Para este estudo,
vamos utilizar a definição de Darko Suvin, citado por Roberts Adam em seu livro A verdadeira
história da ficção científica.
De acordo com Darko Suvin apud Roberts (2018, p. 40), a ficção científica é um gênero
literário em que as condições necessárias são a presença e a interpretação de distanciamento e
cognição. Além disso, o dispositivo principal é uma moldura imaginativa alternativa ao
ambiente empírico. Ele também afirma que a premissa ficcional se dá pela diferença entre o
mundo em que o leitor habita e o mundo ficcional do texto de science fiction. Adam Roberts
ressalta as palavras do autor Patrick Parrinder “ao imaginar mundos estranhos, acabamos vendo
nossas próprias condições de vida em uma perspectiva nova e potencialmente revolucionária”
(PARRINDER apud ROBERTS, 2018, p. 40).
O que difere a ficção científica de outros gêneros é a ciência. De acordo com Adam
Roberts, a maioria dos críticos levam o aspecto científico da ficção muito a sério. De toda forma,
Roberts usa dos conhecimentos de Brian Aldiss para explicar que a ficção científica não poderia
ter se originado antes do século XIX, porque apenas neste século teve o surgimento das noções
científicas como as conhecemos hoje. (ROBERTS, 2018, p. 45)

3. RELAÇÃO ENTRE FICÇÃO E JORNALISMO


A ficção e o jornalismo, apesar de contraditórios à primeira vista, têm muito em comum.
Aline Câmara (2012), utiliza dos conhecimentos de Ricardo Piglia (2001), para explicar as
relações entre a ficção científica e o jornalismo. A ficção, assim como o jornalismo, trabalha
com a verdade, porém ela constrói um discurso que não é, nem tem pretensões de ser, nem
verdadeiro ou falso. Ele se deixa suspensa entre ambos.
Pensar o jornalismo sob o viés da ficção parece ser uma possibilidade interessante, mas
para isso não podemos nos basear em um sentido senso comum atribuído a este conceito, na
ideia de que a ficção é um processo de invenção, criação de mentiras, em contraposição ao
modelo de verdade que rege o jornalismo. (CÂMARA, 2012. p.3)
A ficção científica tem como característica intrínseca o diálogo com a ciência. Assim,
mesmo que seus universos pareçam distantes, os acontecimentos científicos dentro das tramas
devem ter real embasamento. Uma boa ficção científica não deixaria a ciência de lado. Dessa
forma, os fatos contados são elementos literários, porém os aspectos científicos são baseados
em descobertas e hipóteses reais. Essa realidade científica é o que aproxima o jornalismo da
ficção.
Câmara (2012) afirma que, assim como a ficção consegue “borrar” os limites entre o
verdadeiro e o falso, o jornalismo também consegue fazer isso com o gênero sensacionalista de
notícias. Em ambos, apesar de terem estes limites não muito bem definidos, podemos entender
o que não é e o que é realidade.

4. OBRAS UTILIZADAS NA ANÁLISE

4.1 As Crônicas Marcianas

De acordo com Héris Arnt (2001), autora que estuda sobre a literatura dentro do
jornalismo, o início das publicações jornalísticas é categorizado como um jornalismo literário,
devido à influência de escritores na história da imprensa (ARNT, 2001, p.07). Ela explica que,
ao contrário de diversos países, os Estados Unidos não publicavam obras literárias, como os
folhetins do Brasil, em seus jornais. Esse tipo de obra, chamada de pulpfiction, era divulgada
em revistas específicas. “Essas publicações eram extremamente populares e tiveram um papel
fundamental no programa de alfabetização de massa, desencadeado no país no final do século
XX” (ARNT, 2001, p. 09).
O livro As Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury, é um conjunto de edições de
pulpfiction lançadas entre os anos de 1946 a 1958. O autor representa o planeta de uma forma
completamente ficcional em que existe vida. Não apenas bactérias, animais e plantas, mas
humanoides com consciência, que conseguem construir uma sociedade complexa, com noções
de arte, literatura, medicina, política, arquitetura e engenharia. Conforme o planeta começa a
receber as primeiras missões terrestres, o povo de Marte faz de tudo para se proteger, até que a
sociedade marciana entra em colapso.
Num primeiro momento, o livro mostra Marte em toda a sua glória e, logo após isso, a
interferência da humanidade na sociedade marciana. Essa interferência faz com que o planeta
vermelho entre em colapso. Marte é finalmente colonizado e seu povo, os poucos que restam,
se esconde nas montanhas e não são mais vistos. A colonização aumenta por conta dos conflitos
internos no planeta Terra, que também entra em crise. Por noções de patriotismo, alguns dos
colonizadores retornam a seu planeta de origem. Enquanto alguns tentam fugir para Marte para
se protegerem, alguns tentam voltar para o planeta Terra para o defender. “Eu sei que viemos
para cá a fim de fugirmos de coisas como essas [...]. Mas lá ainda é a pátria. Não demorará a
ver. Quando a primeira bomba cair [...], o pessoal aqui vai começar a refletir” (BRADBURY,
2005, p. 157). No final, são apenas duas opções: a morte na Terra ou durante a viagem e a
solidão em Marte. “Não acredito mais na Terra. Mal posso imaginá-la. [...] Poderia ficar aqui”
(BRADBURY, 2005, p. 157).

4.2 Perdido em Marte

O livro “Perdido em Marte” de Andy Weir, publicado em 2011, conta a história de Mark
Watney, botânico e engenheiro mecânico, que vai na missão Ares 3 para Marte. Em uma das
primeiras missões de exploração, a equipe enfrenta uma forte tempestade de areia, com ventos
de aproximadamente 175 km/h. Watney é atingido, seus colegas acreditam que ele tenha
morrido e retornam para Terra após o desastre da missão.
Seus colegas e a NASA acreditam que Mark realmente tenha morrido, até receberem
novas imagens de satélite que mostram movimentação no planeta. Ele tinha sobrevivido ao
acidente, porém deveria sobreviver a um planeta inóspito por, no mínimo, 400 sóis marcianos.
Cada sol marciano equivale a, aproximadamente, 25 horas terrestres. Watney precisa utilizar
todo o seu conhecimento e criatividade para sobreviver no planeta, conseguir produzir alimento
em um solo árido e desenvolver instrumentos que o ajudem a voltar para casa.
A história de Watney é contada por meio de seus diários de bordo, mas o livro também
apresenta pesquisadores, comunicadores e jornalistas explorando como podem ajudar Mark do
planeta Terra, além de manter contato direto com a tripulação de Ares 3, que só descobre que
seu companheiro está vivo quando o retorno de Mark depende deles.

5. METODOLOGIA

O objetivo principal do estudo é analisar as características físicas do planeta Marte em


livros de distintos períodos de tempo, As Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury, com contos de
1946 a 1958, e Perdido em Marte de Andy Weir, publicado em 2011. Para esse artigo, foi feita
uma análise de ambos os livros, assim como uma pequena análise da trajetória de pesquisas
feitas no planeta vermelho.
Quanto à pesquisa qualitativa, foram coletadas diversas citações sobre características
climáticas, atmosféricas, geográficas e de solo, presentes em ambos os livros. Assim como a
observação da atividade midiática dentro de cada situação.
Após a coleta do material, foi feita uma análise de conteúdo, após tomar conhecimento
do material de As Crônicas Marcianas e Perdido em Marte. Para isso, foram definidas três
características de análise para estabelecer um diálogo entre as citações coletadas em ambos os
livros: (1) Características geográficas e do solo; (2) Características atmosféricas e climáticas;
(3) Atividade da mídia.

6. ANÁLISE

O livro “As Crônicas Marcianas”, que reúne pulpfictions que foram publicadas entre os
anos 1946 a 1958, por Ray Bradbury, difere em diversos aspectos da obra “Perdido em Marte”
de Andy Weir, publicado em 2011, principalmente em características geográficas e
atmosféricas. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, se iniciou a Guerra Fria, entre
os Estados Unidos e a União Soviética. A competitividade de ambos países deu início a corrida
espacial em 1950, momento em que Bradburry estava escrevendo suas crônicas. Dessa forma,
se conclui que as informações científicas sobre Marte eram escassas. O livro Perdido em Marte
foi escrito após diversas missões espaciais dedicadas a Marte, desde 1960.

6.1 Características Geográficas e do Solo


É possível observar que, nos primeiros contos, os mais antigos, de “As Crônicas
Marcianas”, Marte tem algumas características. O planeta é tido como um local de solo fértil:
“comendo frutos dourados que nasciam nas paredes de cristal” (BRADBURY, 2005, p.12), “As
flores agitaram-se, abrindo as bocas amarelas esfomeadas” (BRADBURY, 2005, p.20),
“Pétalas brancas como neve caíam dos ramos verdes quando o vento passava e o perfume das
flores pairava no ar” (BRADBURY, 2005, p. 49). Já nos últimos contos, as características
geográficas de Marte são outras, de acordo com o conto “Dezembro de 2001: A Manhã Verde”
as plantas haviam morrido de exaustão e o solo se encontrava nu, porém, ainda era rico.
Por outro lado, desde o princípio do livro, ficam muito claras as noções geográficas de
Perdido em Marte. Existe um mapa no início do livro, que mostra o local da missão ficcional
Ares 3, relatada no livro, assim como o local da Ares 4, que ainda não aconteceu na história.
Os restos de maquinário de antigas missões se tornam essenciais para a vida de Mark Watney,
assim, o local da missão Pathfinder e Opportunity são destacados no mapa, da mesma forma
que algumas crateras e montanhas que vão ser importantes na narrativa.

Figura 1
Mapa de Marte

Fonte: WEIR, Andy. Perdido em Marte. São Paulo: Arqueiro, 2014.


Além disso, características sobre o terreno aparecem durante a leitura, como quando o
protagonista afirma: “Vou ter que enfrentar colinas, terreno acidentado, areia, etc.” (WEIR,
2014, p.67). Além disso, ele ainda cita que “Até agora tenho dirigido por cima do terreno
coberto de rochas” (WEIR, 2014, p. 95). Características sobre o solo e vegetação nativa
também são discutidas, tanto no sentido de retratar como o planeta se parece, tanto no que diz
a recursos que ajudam o astronauta a sobreviver: “Então, peguei lascas das cascas das palmeiras
locais, dois gravetos e os esfreguei para criar fricção suficiente...” (WEIR, 2014, p. 37). Watney
ainda explica o motivo pela coloração avermelhada característica do planeta, atribuindo à
presença de óxido de ferro em sua superfície. “Portanto, não se trata apenas de um deserto, mas
de um deserto tão velho que está literalmente enferrujado” (WEIR, 2014, p. 74)

6.2 Características Atmosféricas e Climáticas

As “Crônicas Marcianas” mostra Marte com características desérticas, durante o dia o


calor é intenso, porém durante a noite é frio. Além dessas características são relatadas de chuvas
fracas a grandes tempestades com raios e trovões no decorrer dos contos. Existem algumas
observações sobre a atmosfera do planeta. Os colonizadores observam que: “A atmosfera em
Marte é muito tênue (...) A gente inala e não acha nada” (BRADBURY, 2005, p.91), dando
como solução o plantio de árvores para a produção de oxigênio, reforçando que Marte era visto
como um planeta com pouco oxigênio.
Já no livro “Perdido em Marte”, com mais percepções científicas atuais, a atmosfera já
é relatada em frases como “Encontrar oxigênio em Marte é mais fácil do que você imagina.
Noventa e cinco por cento da atmosfera é CO2” (WEIR, 2014, p.30), confirmando a fala
supracitada de As Crônicas Marcianas. A obtenção de oxigênio feita por Watney é bastante
simples: o mesmo possui um equipamento com propósito de separar o O2 do CO2. Entretanto,
o problema está na coleta do CO2, uma vez que a atmosfera do planeta é rarefeita, tendo a
mesma menos de 1% da pressão terrestre. Isso mostra que, mesmo com informações científicas
um pouco menos precisas, ambos os livros mostram que, para os habitantes de Marte, o O2 em
excesso é um problema, enquanto que, para os colonizadores, é essencial o uso de artifícios
para converter o abundante CO2 em O2, primordial para a sobrevivência dos mesmos em outro
planeta.
Outras especificações do planeta vermelho que são destacadas durante as observações
de Watney são as fortes tempestades de areia, causa do acidente que o deixou preso em Marte,
“quando fomos castigados por ventos de 175 km/h" (WEIR, 2014, p.11) e também a fria
temperatura do planeta “Marte não recebe tanta luz solar quanto a Terra” (WEIR, 2014, p.67),
o que faz com que, à medida em que o sol se põe, a temperatura do planeta caia de forma
vertiginosa.

6.3 Atividade da Mídia

Apesar de ambos os livros relatarem missões para outro planeta, em As Crônicas


Marcianas não existe uma cobertura midiática, existe apenas uma transmissão de rádio, em
código Morse. No conto “Novembro de 2005: Os Observadores”, sobre os conflitos terrestres,
o instrumento é usado num pedido para que as pessoas retornassem para lutar em uma guerra
no planeta natal. O contrário acontece em Perdido em Marte, em que existe uma forte presença
da mídia: é notável a presença de Annie Montrose, personagem que é a assessora de
comunicação da NASA. Foi criado um programa diário no canal CNN, apenas para conversas
com profissionais da NASA sobre a situação de Mark Watney, problemas que inclusive são
descritos no livro.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou discutir as diferenças entre as representações das


características geográficas e atmosféricas de Marte em obras de ficção científica através do
tempo. Para tanto, foram usadas as obras As Crônicas Marcianas de Ray Bradbury, publicações
em pulpfiction, que foram pioneiras na descrição do planeta vermelho em ficção científica, e
Perdido em Marte de Andy Weir, que mostra Marte como uma possível nova casa para os
humanos em meio às crises ambientais de nosso planeta.
Para realizar tal comparação, foi feita uma análise de conteúdo e coleta de citações e,
assim, foram elencadas três categorias para estabelecer diferenças e paralelos, sendo elas: (1)
Características geográficas e do solo; (2) Características atmosféricas e climáticas; (3)
Atividade da mídia. As características geográficas e de solo são extremamente opostas,
enquanto em “As Crônicas Marcianas”, o planeta é apresentado como fértil, cheio de espécies
de vegetação, e com a possibilidade de plantações fartas, “Perdido em Marte” relata um solo
quase que enferrujado, completamente estéril, e muito acidentado. As características
atmosféricas diferem, mas não são extremos opostos. Ray Bradbury fala de fenômenos
meteorológicos, como chuvas e ventos. Esses últimos também são relatados no livro de Andy
Weir. A maior diferença é na composição atmosférica. A atividade da imprensa é muito bem
representada nos eventos de Perdido em Marte, porém quase não se faz presente no livro de
Bradbury.
Sendo assim, podemos perceber que os avanços e descobertas tecnológicas tiveram uma
influência direta na maneira pela qual a ficção científica escolheu representar Marte em suas
obras, influência essa que é perceptível ao longo do tempo, tanto no próprio livro de Bradbury,
que foi construído ao longo de 12 anos, quanto quando o comparamos com uma obra mais
próxima da contemporaneidade como Perdido em Marte.
O primeiro conto de Bradbury foi publicado em 1946, antes mesmo das primeiras
missões para Marte, já o livro de Weir, publicado em 2011, foi criado em um tempo de
crescimento na exploração do planeta vermelho. Em 65 anos de diferença, não apenas de ficção,
mas também de ciência, é plenamente perceptível a evolução entre ambos os livros. A ficção
evoluiu por conta da ciência, mas seria possível a ficção ser uma inspiração para a evolução da
ciência? O caminhar de uma pode estar interligado com o da outra.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Cristhiano Motta. Utopias e ficção científica: Ray Bradbury e Philip K. Dick.
Encontros de Vista, v. 9, n. 1, p. 60-69, 2012.

ARNT, Héris. A influência da literatura no jornalismo: O folhetim e a crônica. Rio de


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BRADBURY, Ray. As Crônicas Marcianas. São Paulo: Globo, 2005.

CÂMARA, Aline Gastardeli Tavares da. Jornalismo e ficção, acredite se quiser. Revista do
Edicc: Encontro de Divulgação de Ciência e Cultura, Campinas, v. 1, n. 1, p. 1-11, nov.
2012. Disponível em: https://revistas.iel.unicamp.br/index.php/edicc/article/view/2374.
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CASSITA, Danielle. O que foi a Corrida Espacial? Conheça o legado desta época! CanalTech,
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KAKU, Michio. O Futuro da Humanidade: Marte, viagens interestelares, imortalidade e o


nosso destino para além da Terra. São Paulo: Planeta, 2019.

MAURY, Jean-Pierre. Newton e a Mecânica celeste. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.


REIS, Liliane. 60 anos explorando Marte: um resumo das missões que estudaram o Planeta
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<https://canaltech.com.br/espaco/60-anos-explorando-marte-um-resumo-das-missoes-que-
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RIGO, Larissa Bortoluzzi; HOHFELDT, Antonio. História da imprensa brasileira: a influência


da Literatura no Jornalismo Cultural. In: 40 Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação,
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ROBERTS, Adam. A verdadeira história da ficção científica: do preconceito à conquista das


massas. São Paulo: Seoman, 2018.

WEIR, Andy. Perdido em Marte. São Paulo: Arqueiro, 2014.


Capítulo 41

Cultura das Mídias e Narrativa Seriada:


Uma análise da décima temporada do seriado Doctor Who

Millena Gonçalves Constantino dos Santos (UFSJ)

RESUMO: A ficção seriada é uma área que desperta interesse de pesquisadores pelo impacto
à sociedade e por articular conceitos importantes – arte, cultura, indústria cultural, identidade e
gêneros como a ficção científica. O corpus da pesquisa é a 10ª temporada de Doctor Who (2017)
e o estudo de caso é uma análise fílmica da série. O presente artigo é um recorte do Trabalho
de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Comunicação Social – Jornalismo, na
Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Os resultados mostram indícios de que a
narrativa é uma reapresentação da série, usando de arcos narrativos para captar novos
espectadores e criar uma memória para os que já se identificam com o seriado. Ainda que seja
um produto intrínseco à indústria cultural, faz-se necessário frisar a importância da existência
de uma narrativa tão extensa quanto Doctor Who.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura das Mídias, Narrativa Seriada, Análise Fílmica, Doctor Who.

1. INTRODUÇÃO

A narrativa seriada é hoje uma das áreas das mídias que tem despertado grande interesse
dos pesquisadores, tanto pelo impacto junto à sociedade, quanto por articular conceitos
importantes como arte, cultura, indústria cultural, identidade e gêneros como a ficção científica.
São pesquisas que estabelecem, ainda, interface com outros campos do saber – Estudos
Literários, Sociologia, História da Arte, entre outros.
Doctor Who é uma série britânica produzida e transmitida pela British Broadcasting
Corporation (BBC). O seriado diversos aspectos do gênero de ficção científica e da fantasia.
Segundo Louis-Vicent Thomas (1979), a ficção científica baseia-se em “resolver pela fabulação
uma situação fora do comum que não poderia ser resolvida pela realidade” (TOMAS, 1979
apud AMIS, 1998, p.3). No entanto, os meios pelos quais essa resolução passa continuam na
linha da realidade e da lógica, ou seja, fundamentam-se em fatos de uma realidade conhecida
pelo espectador. Por exemplo, é comum em histórias de ficção científica a existência de uma
alta tecnologia descoberta pelo ser humano, mas que vai além dela.
Os filmes, séries e programas de televisão se tornaram fatores importantes na economia
mundial. Por exemplo, a BBC One, canal responsável pela veiculação de Doctor Who,
movimentou cerca de £1,115 milhão de libras esterlinas (aproximadamente R$4,68 milhões, de
acordo com a cotação equivalente ao ano) em 2017 – ano de lançamento da décima temporada
de Doctor Who –, segundo o Relatório Anual (BBC, 2017/18). Além disso, no que diz respeito
ao Campo da Comunicação, a ficção seriada tem sido importante objeto de estudo, um campo
em plena expansão com Grupos de Trabalho (GTs), tanto nos encontros da Sociedade Brasileira
de Estudos Interdisciplinares em Comunicação (INTERCOM), quanto na Associação Nacional
dos Cursos de Pós-Graduação em Comunicação Social (COMPÓS).
Pensando nisso, o presente artigo traz uma análise fílmica da décima temporada de
Doctor Who, lançada em 2017, considerando a hipótese de que essa temporada teve grande
importância para a estrutura narrativa do seriado, tendo como objetivos captar novos
espectadores e manter sua continuidade. O artigo é um recorte do Trabalho de Conclusão de
Curso apresentado ao curso de Comunicação Social – Jornalismo, na Universidade Federal de
São João del-Rei (UFSJ).
O foco do primeiro capítulo é na cultura da mídia, com discussões de autores da Escola
de Frankfurt – principalmente Adorno e Horkheimer (1985) –, autores dos estudos
culturológicos, críticos à essa perspectiva, como Edgar Morin (2002), e a cultura da mídia e sua
espetacularização, discutida por Douglas Kellner (2001). O segundo capítulo tem o intuito de
abarcar as possibilidades de narrativa seriada e explorar o tipo de narrativa referente ao seriado
Doctor Who. Por fim, o terceiro capítulo traz o estudo de caso da série, em que, utilizando a
metodologia da análise fílmica de Manuela Penafria (2009), identificou-se três categorias de
análise: a) A narrativa seriada de Doctor Who; b) Personagens; c) Doctor e companions.

2. CULTURA DA MÍDIA: DOCTOR WHO ENQUANTO UM PRODUTO CULTURAL


DE MAIS DE 50 ANOS

Neste capítulo, serão trabalhados os conceitos de cultura da mídia e indústria cultural,


trazendo as discussões de autores da Escola de Frankfurt – principalmente Adorno e
Horkheimer (1985) –, autores dos estudos culturológicos, críticos à essa perspectiva, como
Edgar Morin (2002), e a cultura da mídia e sua espetacularização, discutida por Douglas Kellner
(2001).
A interferência dos media na forma com que o indivíduo percebe o mundo e a si mesmo,
reflete também em seu modo de consumo. A mídia estudada pelos teóricos da comunicação não
diz respeito apenas aos meios de comunicação, mas também às outras formas que perpassam a
realidade social de um indivíduo.
O conceito de Indústria Cultural foi criado por Adorno e Horkheimer (1985), na década
de 1920, a fim de construir uma teoria que abarcasse a produção cultural em série, que –
principalmente por questões mercadológicas de impactos sociais – seguem padrões de produção
em escala. A Teoria Crítica ou Escola de Frankfurt foi como ficou conhecida a perspectiva
crítica que fazia denúncia da suposta manipulação ideológica que a mídia e os meios de
comunicação exercem nas massas. Os teóricos da Escola de Frankfurt se basearam nos pilares
da economia mercadológica e no comportamento do indivíduo em sua vida social. Sendo este
através dos estudos de Sigmund Freud (1856-1939), e aquele utilizando Karl Marx (1818-
1883).
Os autores analisam de forma crítica a produção massiva de produtos culturais, e de que
forma isso reflete a necessidade da sociedade de ter ao alcance das mãos algo que seja previsível
e de fácil acesso, algo que as faça feliz por saber-se o fim (ADORNO & HORKHEIMER,
1985). A produção cultural referida é relacionada a uma ampla base cultural, incluindo
produções cinematográficas, filmes, séries, músicas, entre outros.
A produção massiva desses conteúdos cria uma ilusória identificação dos consumidores,
juntamente com a criação da ideia de que a ficção pode ser vista como uma extensão da
realidade própria de cada um (ADORNO & HORKHEIMER, 1985; GUBERNIKOFF, 2009).
Até então, os estudos da comunicação eram voltados ao sistema dominante da indústria
cultural, discutidos pela Escola de Frankfurt e pelos autores do Estruturalismo. Em ambas as
perspectivas, os interlocutores não foram considerados como indivíduos intelectualmente ativos
nesse processo.
No caso de seriados de ficção científica, como Doctor Who, mesmo que tenham sido
produzidos em diferentes décadas, sob o olhar crítico da Escola de Frankfurt, pressupõe-se que
há uma padronização e que seja visto como um produto que foi se adequando às mudanças
tecnológicas da própria lógica da indústria cultural e televisiva. Isso explica o sucesso do
seriado e a sua permanência ao longo de várias temporadas.
Ao mesmo tempo, é preciso considerar que o padrão faz com que o público se
familiarize e crie uma proximidade maior com o seriado e qualquer mudança é feita com muito
cuidado, como as que foram analisadas neste artigo. Além disso, o formato de sucesso do
Doctor Who certamente é hoje replicado em vários outros seriados e filmes de ficção científica,
que se assemelham, num sistema harmônico, em que os gêneros são repetições de conteúdos e
modelos para justamente não fazer com que o público tenha que raciocinar. Esta perspectiva
crítica, no entanto, elimina qualquer possibilidade de entender que há criação e que o público,
longe de ser tão passivo e tão manipulado, interage e faz com que o seriado mude e haja uma
dinâmica entre produto, público e sociedade.
Na década de 1960, surge a perspectiva culturológica, crítica à Escola de Frankfurt,
propondo uma revisão desses estudos do campo da comunicação. O filósofo francês Edgar
Morin (2002), um dos principais autores dessa perspectiva, traz como proposta a análise das
diferentes características da cultura de massa, e a relação do consumidor com o objeto
consumido. Sob essa perspectiva, os espectadores são vistos como parte ativa e significativa da
indústria cultural, não apenas sujeitos dominados por ela.
Morin (2002) leva em consideração a produção em larga escala dos conteúdos como
forma de ampliação do acesso a manifestações culturais e artísticas, antes apenas acessadas por
uma elite. Levando, assim, a uma democratização dos bens simbólicos. A cultura de massa
forma um sistema de cultura que engloba um conjunto de valores, símbolo, mitos e imagens.
Elementos que são incorporados na vida prática desses sujeitos e também ao imaginário
coletivo. No entanto, não é um sistema único, já que ele pode alterar de acordo com cada cultura
e embeber-se de outras culturas, como nacional e religiosa (MORIN, 2002).
Ao analisar um conteúdo da indústria cultural, como é proposto nesse trabalho, é preciso
considerar a existência de elementos que “enfrentem” a ideia de indústria cultural
mercadológica, além de resgatar o papel desse sistema e seus efeitos na sociedade.
Com os avanços no ciberespaço, o consumo da mídia como espetáculo se expandiu tanto
em circulação quanto em reprodução. A internet possibilita que a cultura da mídia aumente sua
promoção de espetáculos, agora impulsionados e aprimorados pela tecnologia conectada à
comunicação. Esse espetáculo não está vinculado apenas ao entretenimento, a ubiquidade
proporcionada pelo espaço cibernético facilita a infiltração do espetáculo em espaços de
informação, como noticiários, por exemplo. Os espetáculos se tornam “espetáculos de
tecnocultura, gerando múltiplos sites de informação e entretenimento, ao mesmo tempo em que
intensificam a forma-espetáculo da cultura da mídia” (KELLNER, 2001, p. 5).
A cultura imagética, presente nas múltiplas plataformas, torna-se uma teia sedutora para
espectadores pertencentes a uma sociedade de consumo, e esse conteúdo consumido afeta
diretamente a forma de pensar e agir do espectador. O “espetáculo para Debord é, dessa forma,
o espectador, o agente e consumidor de um sistema social relacionado à submissão, ao
conformismo e ao cultivo de um diferencial vendável” (KELLNER, 2001, p. 6).
No entanto, esse espectador não é passivo frente ao espetáculo, tampouco submisso a
ele. Ainda que o entretenimento seja talvez a principal área em que o espetáculo está presente,
com o “infoentretenimento” – em que as barreiras entre entretenimento, informação e
espetáculo se desfazem – o fenômeno “espetáculo” se torna também fator socioeconômico e
político (KELLNER, 2001).

2. FICÇÃO SERIADA E VASTAS NARRATIVAS

As múltiplas possibilidades de expansão do espetáculo que perpassa o entretenimento


trazem consigo a possibilidade de expansão de narrativas. Por exemplo, um conteúdo pode ter
como ponto de partida a literatura e, quase simultaneamente ao seu lançamento, migrar para o
audiovisual ou para um jogo online (CORTATESI, 2017). Nesse caso, a narrativa passa por um
processo de adaptação para se adequar à nova plataforma de consumo.
Assim sendo, este capítulo tem o intuito de abarcar as possibilidades de narrativa e
explorar o tipo de narrativa de Doctor Who. As narrativas que passam por um processo de
expansão recebem o termo de “vastas narrativas”. O termo se refere às narrativas que, por
motivos variados, entram em “um processo de expansão, uma busca natural de continuar a
explorar um determinado universo narrativo” (HARRIGAN; WARDRIP-FRUIN, 2009 apud
CONTARTESI, 2017, p. 28).
Conforme Harrigan e Wardrip-Fruin (2009 apud CONTARTESI, 2017), as narrativas,
com o intuito de não se desgastarem ao se expandir utilizam como estratégia o uso de outras
vastas narrativas. Dessa forma, elas se comunicam com outros universos e os referenciam.
O seriado Doctor Who utiliza, em diversos momentos, referências de outras vastas
narrativas. Na décima temporada, analisada neste trabalho, a personagem Bill Potts
(interpretada por Pearl Mackie) cita obras conhecidas de fantasia e ficção científica. Como no
episódio nove (TV: Extremis), Bill pergunta ao doutor se na biblioteca em que eles estão tem
os livros de Harry Potter125.

125
O universo de Harry Potter foi criado pela escritora J.K.Rowling. Outras referências ao universo já foram feitas
em Doctor Who, como, por exemplo, o episódio “The Shakespeare Code” (O Código de Shakespeare) da terceira
temporada.
Analisar o conteúdo de narrativas seriadas presentes na televisão, implica trazer a visão
proposta por Arlindo Machado (2000). No livro “A Televisão Levada a Sério”, a televisão é
analisada a partir da perspectiva da qualidade dos conteúdos nela exibidos. No período
precedente ao autor, a televisão já vinha sendo analisada por outros olhares e objetivos, como
a partir da perspectiva comercial e sócio-política, por exemplo.
Arlindo Machado (2000) inovou a forma de analisar a televisão. O autor é amplamente
referenciado pela forma que categorizou a serialização do conteúdo televisivo. “Chamamos de
serialidade essa apresentação descontínua e fragmentada do sintagma televisual” (MACHADO,
2000, p.82), ou seja, a narrativa seriada é aquela apresentada por partes, no formato de capítulos
ou episódios.
A partir da perspectiva de Arlindo Machado (2000), existem três tipos de narrativa
seriada. O primeiro tipo é no formato único que segue um percurso mais ou menos linear. O
exemplo explorado pelo autor é o das telenovelas, em que os capítulos seguem um ou mais
conflitos que continuam até o desfecho da narrativa. Neste tipo de narrativa, os episódios
geralmente terminam apresentando um acontecimento relevante para a história que será
respondido apenas no próximo bloco ou no próximo dia – telenovelas normalmente apresentam
capítulos diários na televisão brasileira.
A segunda narrativa seriada, para Machado (2000), é aquela em que os personagens
principais são os mesmos ao longo das temporadas – nome dado para um conjunto de capítulos
ou episódios – e, em um único episódio, o conflito-base é solucionado. Neste caso, segundo o
autor, em cada novo episódio surgem mais elementos e conflitos que podem contribuir para a
trama e para o quadro geral do seriado, mas que podem ser assistidos aleatoriamente e
entendidos de forma isolada. Essa narrativa é muito explorada pelos sitcoms126, ou seja, séries
de comédia que acompanham histórias de um grupo familiar, um grupo de amizades ou um
local de trabalho. Nessas narrativas, os personagens enfrentam diferentes tipos de desavenças
cotidianas – formando o clímax na narrativa – que são resolvidas em um único episódio.
O terceiro e último tipo de narrativa seriada é aquele em que apenas o título e a estrutura
narrativa dos episódios permanecem o mesmo. As histórias de cada episódio possuem um
desfecho e podem ser assistidas de forma isolada e aleatória. Nessa narrativa, os personagens e
os atores também mudam a cada capítulo, e, em alguns casos, os roteiristas e diretores também
podem variar (MACHADO, 2000).

126
Situation Comedies, traduzido como “comédias de situação”.
Ainda que os tipos de narrativa não se solidifiquem em cada serialização – ou seja, um
seriado de televisão pode apresentar elementos de mais de um tipo de narrativa por vez – a
décima temporada de Doctor Who (2017) aproxima-se mais do segundo tipo de narrativa. Este
tipo diferencia-se dos outros tipos por ser constituído de episódios que podem ser assistidos
isoladamente, mantendo, no entanto, os mesmos personagens centrais da narrativa
(MACHADO, 2000).
As narrativas do segundo tipo são bastante comuns na televisão, já que é possível
fragmentar a narrativa sem prender o telespectador à ordem dos episódios transmitidos. O
conteúdo televisivo diferencia-se, ainda, do conteúdo do cinema na questão de estrutura de
narrativa, além do fato de que, historicamente, as duas formas de entretenimento ocupam
diferentes lugares sociais. A estrutura narrativa proposta pelo cinema é composta por narrativas
fechadas, ainda que um filme tenha continuidade – ou seja, a narrativa se desdobra em outros
filmes – o conteúdo em si possui sentido de unidade, a ser consumido de uma só vez. Já a
televisão – principalmente a televisão pública, como é o caso da BBC – investe na produção de
obras fragmentadas e contínuas, podendo até mesmo alterar o futuro de uma narrativa seriada
a depender de sua audiência, seja a narrativa um seriado, uma telenovela ou um programa de
auditório (BROWNE, 2005 apud MEIRARIDIS, 2017).

3. ESTUDO DE CASO: ANÁLISE DO SERIADO DOCTOR WHO

Este artigo é um recorte do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de


Comunicação Social – Jornalismo, na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). O
corpus escolhido foi a décima temporada do seriado Doctor Who, considerando que o recorte
é essencial na pesquisa de uma narrativa ficcional tão extensa quanto essa em questão, já que
possibilita o melhor aproveitamento do material. O delineamento do material também foi feito
para ampliar as possibilidades de pesquisa, visto que não se tem o intuito de apresentar uma
única resposta para a construção narrativa da série.

3.1 Metodologia e Corpus de Análise


O presente artigo analisa o seriado Doctor Who quanto um produto cultural pertencente
à cultura da mídia, bem como uma narrativa seriada ficcional. A análise foi feita a partir de
personagens relevantes presentes na narrativa, além da relação estabelecida entre eles, que passa
por importantes pontos da teoria da narrativa seriada abordada anteriormente. Os processos
metodológicos foram divididos em etapas: a) pesquisa bibliográfica; b) pesquisa documental;
c) Análise Fílmica.
A pesquisa bibliográfica foi fundamental para o desenvolvimento, ainda que não sejam
publicados muitos artigos científicos nacionais sobre o objeto em si, a coleta e leitura dos
materiais relacionados ao tema serviu de base para a elaboração de um referencial teórico que
pudesse guiar a análise proposta. A pesquisa documental advém do delineamento do corpus, já
que, a partir dele, é possível coletar o material bruto – ou seja, material que ainda não recebeu
tratamento analítico (GIL, 2008) – e analisá-lo a partir do referencial teórico usado na pesquisa.
Para devidos fins, utilizou-se o método da Análise Fílmica (PENAFRIA, 2009), dividindo a
análise em categorias.

3.2 Seriado Doctor Who


Doctor Who é uma série britânica produzida e transmitida pela BBC. É uma das séries
de ficção científica com maior número de episódios do mundo: 854 episódios no total e até o
momento de escrita deste artigo. Doctor Who estreou em 1963, lançando episódios até 1989
(época clássica da série). Em 2005, após um período de pausa, foi relançada pela BBC (época
moderna da série).
A décima temporada da série moderna, foco de análise desta pesquisa, teve o período
de lançamento entre o dia 15 de abril e 1 de julho de 2017, totalizando 12 episódios, mais 1
especial de natal. O roteirista e produtor executivo é Steven Moffat, auxiliado por Brian
Minchin. Doctor, personagem principal, é interpretado por Peter Capaldi, e seus acompanhantes
Bill Potts e Nardole são interpretados, respectivamente, por Pearl Mackie e Matt Lucas.
Doctor Who (traduzido como “Doutor Quem”) é uma série de ficção científica que tem
como base histórias de viagens no tempo e no espaço, explorando o limiar entre ficção e
realidade. O personagem principal, chamado de Doctor (Doutor), é identificado como um
Senhor do Tempo vindo do planeta de Gallifrey, e viaja no tempo e no espaço através de sua
máquina do tempo, a T.A.R.D.I.S (Time And Relative Dimension In Space, traduzido como
“Tempo e Dimensão Relativa no Espaço”). Doctor raramente faz suas viagens sozinho. Ao
longo de sua história, levou consigo diversas companhias da espécie humana, chamadas na série
de companion, traduzido do inglês como companheira(o).
O personagem possui uma grande afinidade com os humanos e o planeta Terra e faz de
tudo para que sejam protegidos. Apesar do personagem principal ser o mesmo desde quando
foi lançada em 1963, a série trabalha com a mudança de atores desde o início. A explicação
para esse fenômeno, dentro da série, é que a espécie Senhor do Tempo muda sua genética para
enganar a morte. Dessa forma, ao longo da história, de 1963 a 1989, e 2005 até 2022, 12 atores
e 1 atriz interpretaram o mesmo personagem. A título de curiosidade, a décima terceira Doctor
(em inglês, o vocativo não carrega gênero) é interpretada pela atriz britânica Jodie Whittaker, e
foi a primeira mulher a interpretar a personagem.

3.3 Análise fílmica


Considerando o recorte deste artigo, as categorias a serem exploradas na análise fílmica
são: 1) a narrativa seriada de Doctor Who; 2) personagens: “vardys”, “monges” e “cyberman”;
3) Doctor e suas companions.

3.3.1 A NARRATIVA SERIADA DE DOCTOR WHO


A narrativa seriada da décima temporada de Doctor Who aproxima-se mais da segunda
narrativa categorizada por Arlindo Machado (2000). Ao longo dos 50 anos da série, os
personagens principais são os mesmos – ou ao menos o personagem principal – e os episódios
podem ser assistidos e entendidos separadamente. O autor considera que nesse tipo de
serialização acontece uma “metamorfose dos elementos narrativos” (MACHADO, 2000, p. 92),
ou seja, os personagens centrais da série, que acompanham todos os episódios, passam por
diversos elementos narrativos que apresentam uma situação a ser resolvida e que, normalmente,
são solucionadas no final do episódio.
Machado (2000) nomeia esses pontos fixos que permeiam toda a temporada de
“elementos invariantes” (2000, p. 92). No caso do seriado Doctor Who, os elementos
invariantes são personagens e também artefatos que acompanham a série. O personagem
principal viaja na mesma Máquina do Tempo e sempre carrega um ou mais companions. Os
atores e atrizes que interpretam os acompanhantes variam ao longo das temporadas, mas o
elemento invariante do personagem-companheiro permanece durante toda a série.
Segundo Machado (2000), os elementos que variam a cada episódio são incluídos aos
poucos, assim como os personagens, e contribuem para a construção da narrativa. Além disso,
para o autor, outro ponto importante desse tipo de narrativa é que o maniqueísmo, ou seja, a
luta entre o bem versus o mal seja mantida. Em Doctor Who, ainda que a maior parte dos
personagens varie ao longo dos episódios, logo de início o espectador já consegue identificar
se o novo personagem será o vilão ou se servirá de aliado para o personagem central.
Outro quesito que faz com que Doctor Who se aproxime mais da segunda narrativa é o
episódio especial de natal. O episódio, lançado anualmente, pode ser considerado isolado, ou
seja, ele não altera nenhum fator essencial na temporada que se inicia. No entanto, nos episódios
de natal é uma tradição que se apresente novos elementos para a narrativa, seja um novo
personagem, o resgate de um personagem antigo ou uma simbologia que dá início a um novo
clímax.
A série explora também algumas técnicas para manter o público ou expandi-lo. Nesta
temporada, o ator britânico Peter Capaldi interpreta a 12ª encarnação do Senhor do Tempo, e,
logo no primeiro episódio, é apresentado ao público a mais nova acompanhante do Doutor, Bill
Potts – interpretada por Pearl Mackie. A chegada de uma nova companheira do personagem
central implica a volta de alguns elementos importantes para o contexto de Doctor Who. Por
exemplo, a apresentação de dispositivos usados pelos personagens e a reaparição de antigos
personagens.

3.3.2 PERSONAGENS
Essa categoria tem como intuito identificar e analisar três personagens da décima
temporada, considerando: a relação entre o bem e o mal presentes no segundo tipo de narrativa
como “elementos invariantes” (MACHADO, 2000); quais personagens têm sua primeira
aparição na série e quais personagens são reapresentados na narrativa. Os personagens
analisados foram os “cybermen”, os “vardys” e os “monges”.

3.3.2.1 CYBERMAN
Originalmente, os cybermen são robôs humanoides pertencentes a um planeta gêmeo à
Terra, chamado Mondas. Como forma de autoproteção, aos poucos foram implantando peças
aos seus corpos, ficando cada vez mais robotizados. São inimigos de Doctor e em todas a
temporadas do período moderno retornam na narrativa.
Por serem frios e calculistas são temidos até mesmo por Doctor. Os robôs não possuem
mais nenhum traço de humanidade, além disso, foram construídos para aprimorar outros seres
humanos. Dessa forma, todos que são atingidos por eles sofrem um upgrade, sendo
transformados instantaneamente em cyberman. Logo, tornando-se vilões.
Ao longo das temporadas do período moderno da série, nenhum personagem de
destaque na narrativa havia sobrevivido aos cybermen, até a chegada de Bill Potts. Em uma
batalha travada contra Doctor e Bill, a companion é atingida pelos vilões e inicia seu processo
de transformação em cyberman (TV: A Queda de Doctor). No entanto, sua mente se recusa a
aceitar que foi transformada em um inimigo. Bill foi a primeira personagem de destaque a
rejeitar a dominação de um raio transformador de cyberman. A batalha resultou em um estrago
imensurável até mesmo para Doctor, que logo após começou seu processo de regeneração 127.
Dessa forma, a relação entre bem e mal é questionada nessa temporada, já que a
personagem estabelecida como “do bem” sofre uma tentativa de ser transformada em vilã. Até
o momento, na narrativa, os cybermen eram invariavelmente vilões, ou seja, era uma relação
bem estabelecida na série.

3.3.2.2 MONGES
“Convide-os a entrar e será sua última ação livre” Doctor, episódio The Pyramid at the end of
the World – 10ª temporada

São figuras ardilosas que surgem na Terra vestindo máscara de herói128. Quando os
monges pousam no planeta, com sua nave em formato de pirâmide, admitem estarem em um
formato de monge macabro por tentarem se assemelhar à aparência humana e, assim, conseguir
uma aproximação amigável – mas o efeito é oposto.
Doctor recebe uma mensagem sobre a chegada de um demônio na Terra. Esse demônio
quer dominar o planeta e, para isso, precisa conhece-lo primeiro. Os monges copiam como uma
sombra cada movimento dos seres humanos, e fazem isso através de sucessivas simulações de
vida. Esse inimigo usa da máscara de herói para tentar convencer os seres humanos de que eles
precisam tomar conta da Terra, ou males terríveis irão acontecer.
Os monges surgem no seriado como um novo inimigo, tornando-se sombras, iniciando um
possível gancho para as próximas temporadas, como acontece com os Cybermen. São três
episódios dedicados a essa nova figura inimiga, o que é uma prática pouco comum na série até
então (TV: Extremo, A Pirâmide no Fim do Mundo, A Mentira da Terra).
Os próprios vilões constroem uma linha tênue entre o bem e o mal na narrativa, o que
acaba por se mostrar uma relação paradoxal.
3.3.2.3 VARDY
Os vardys são identificados pela primeira vez na narrativa no segundo episódio,
denominado “Smile129” (2017), como robôs polinizadores que se comunicam pela linguagem

127
A transformação acontece no episódio Especial de Natal (TV: Twice Upon a Time), lançado em dezembro de
2017. A 13ª encarnação de Doctor é interpretada por Jodie Witttaker.
128
O Trabalho de Conclusão de Curso pelo qual esse artigo é delineado, a autora faz uma análise através dos
arquétipos de cada personagem, baseando-se nas teorias de Jung (2016), Campbell (1997) e Vogler (2006).
129
“Sorriso”.
de emoji. Até o momento da escrita deste artigo, esse personagem tem aparição única. Os vardys
trazem para a narrativa questões fundamentais para a reflexão do senso de coletividade, da
individualidade e do individualismo do ser humano.
Funcionando como “abelhas evoluídas” eles preparam o terreno para a chegada do
restante da população que irá compor uma comunidade, criada com o objetivo de garantir a
felicidade e o bem-estar plenos de quem a habitar. No entanto, no decorrer da narrativa, Doctor
descobre que, na verdade, o cenário utópico de felicidade plena criado pelos seres humanos
com o intuito de ser uma comunidade futurística, torna-se um cenário de massacre.
Os Vardys passam a identificar qualquer emoção além da felicidade como alvo de
destruição. Qualquer outra emoção, como tristeza e ódio, não é aceita nessa comunidade criada
para representar a felicidade e o bem-estar humano, levando ao extermínio. Em consequência
disso, a morte levou ao luto, que foi identificado como uma emoção negativa. O looping
atingido pelo algoritmo inviabilizou a relação dos seres humanos com os robôs até a chegada
de Doctor e Bill.
Assim, é possível relacionar que “assim como as utopias projetam mundos perfeitos, a
partir da observação dos problemas reais, a ficção científica reflete um mundo, cientificamente
evoluído, e na maioria das vezes, moralmente estagnado” (BALDESSIN, 2006, p. 23). Além
disso, a inversão dos papéis mostra como, na ficção científica, os elementos “bem” e “mal” não
são absolutamente estabelecidos.

3.3.3 DOCTOR E COMPANIONS


Em suas viagens pelo tempo-espaço na TARDIS, Doctor raramente viaja sozinho por
longos períodos. O senhor do tempo escolhe, por vezes randomicamente, acompanhantes –
chamadas de companions – para compartilhar suas aventuras. No período moderno, da 1ª
temporada até a 10ª, seis companions ganham destaque na narrativa: Rose, Martha, Donna,
Amy e Rory, Clara e Bill.
Para esta categoria, foram coletados os dados das seis personagens supracitadas e feita
a análise comparando a primeira companion do período moderno (Rose) e a companion
pertencente ao corpus do artigo (Bill Potts). O intuito da comparação é coletar semelhanças e
diferenças entre as duas personagens, bem como: a apresentação das personagens e seus
respectivos contextos; as características introdutórias dos elementos importantes para a
narrativa geral do seriado. Além disso, a comparação possibilita explorar mais elementos
invariáveis de maior e menor importância na narrativa, discutidos no segundo capítulo deste
artigo.
Rose Tyler130 (Billie Piper) é a primeira companion do período moderno. Sua primeira
interação é com a nona reencarnação de Doctor, interpretada por Christopher Eccleston. A partir
da segunda temporada, Doctor está no corpo de sua décima reencarnação, interpretada por
David Tennant.
Martha Jones131 (Freema Agyeman) tem sua curta jornada com a décima reencarnação
de Doctor. Após marcantes viagens na TARDIS – sendo uma delas um fatídico encontro com
Shakespeare – Martha decide encerrar sua aventura com o Senhor do Tempo.
Donna Noble132 (Catherine Tate) tem sua primeira aparição na terceira temporada e
encontra com a décima reencarnação de Doctor. Apenas na temporada seguinte Donna se torna
companion e grande amiga do viajante do tempo.
Amy Pond133 (Karen Gillan) e Rory Williams (Arthur Darvill) se conectam com a 11ª
regeneração do senhor do tempo, interpretada por Matt Smith. Rory, marido de Amy, também
se torna companheiro de viagem de Doctor.
Clara Oswald134 (Jenna Coleman) tem sua primeira interação com o 11º Doctor e segue
o acompanhando até sua 12ª regeneração, interpretada por Peter Capaldi.
E, por fim, Bill Potts135 (Pearl Mackie). Bill conhece a 12ª reencarnação do Senhor do
Tempo e permanece do primeiro episódio (TV: O Piloto) até seu fim no último episódio da
décima temporada (TV: A Queda de Doctor).
A fim de comparar a presença de Rose Tyler e Bill Potts na narrativa seriada, a priori
pretende-se traçar as características de ambas as personagens no mundo comum e antes da
presença do Senhor do Tempo. Posteriormente, analisar comparativamente os rumos de cada
personagem na narrativa.
Rose é uma jovem que trabalha como vendedora em uma loja de roupas de um shopping,
na cidade de Londres. Bill trabalha servindo comida na cantina da Universidade St. Luke, na
cidade de Bristol. No que diz respeito à vida das personagens, Rose tem um relacionamento
amoroso com Mickey Smith (Noel Clarke). Ela mora em um pequeno apartamento com sua
mãe, Jackie Tyler. Enquanto isso, Bill tem sua sexualidade brevemente explorada na narrativa,
o que é mostrado através do seu interesse por Heather (TV: The Pilot) e, posteriormente, na
conversa com os soldados na nona legião (TV: The Earters of Light), em que finalmente se diz

130
1ª e 2ª temporada.
131
3ª temporada.
132
4ª temporada.
133
5ª e 6ª temporada.
134
7ª, 8ª e 9ª temporada.
135
10ª temporada.
lésbica. Bill mora em um apartamento com sua mãe adotiva e conhece sua mãe biológica apenas
através de fotografias.
Com ambas companions, o primeiro encontro com Doctor foi no mundo comum, no
planeta Terra, em uma situação similar quando um alienígena invade e afeta de alguma forma
a vida no planeta. Rose Tyler encontra com a 9ª encarnação de Doctor (Christopher Eccleston)
e Bill Potts com a 12ª (Peter Capaldi).
No momento da quebra do mundo comum, Rose está no fim do expediente e se depara
com manequins ganhando vida e indo em sua direção para atacá-la, quando o 9º Doctor
intervém e aponta a direção para onde ela deve fugir. O senhor do tempo demonstra interesse
apenas em resolver a situação com os alienígenas e se despede de Rose, pedindo para que ela o
esqueça (TV: Rose).
No caso de Bill, o 12º Doctor nota sua presença nas aulas que ele ministra e, ainda que
ela não seja oficialmente estudante na universidade, convida-a para ser sua aprendiz e passa a
avaliar as provas de Bill juntamente às dos universitários. Estabelece-se, assim, a relação de
tutor e aprendiz (TV: The Pilot).
Nota-se algumas sutis semelhanças desses encontros com as personagens, em menores
arcos narrativos. No momento em que 9º Doctor vai até a casa de Rose dar continuidade à
investigação dos manequins, a mãe de Rose insinua um caso amoroso entre a filha e o homem
até então desconhecido (TV: Rose). Quando a mãe de Bill encontra as provas corrigidas, dirige-
se indignada à filha, acreditando existir um envolvimento entre o professor (12º Doctor) e a
garota (TV: The Pilot).
No momento em que o mundo comum e o mundo desconhecido se mesclam nos
episódios de apresentação, as companions se tornam o principal alvo do inimigo, implicando a
volta de Doctor para resgatá-las.
Após Rose e Doctor enfrentarem juntos o inimigo em uma aventura incomum para a
personagem humana, ele a convida para continuar a experienciar vivências similares àquela. A
mudança interna em Rose toma grandes proporções e, assim, voltar ao mundo comum não é
uma opção para a personagem. Dessa forma, torna-se companion.
Bill e Doctor, após enfrentarem o inimigo, retornam à universidade, onde o 12º Doctor
tenta apagar a memória da garota e retornar à vida comum. No entanto, Bill não aceita e se
recusa a voltar sem as lembranças da experiência. Doctor, mudando de ideia, convida-a a seguir
viajando e se tornar sua companion.
Ambas as personagens, ao longo do seriado, tentam conciliar a vida no mundo comum
com as aventuras no mundo desconhecido, no entanto, o foco dos arcos narrativos se estabelece
na nova vida enfrentando desafios ao lado de Doctor.
No entanto, no que diz respeito ao encerramento do arco das companions, mais
semelhanças são identificadas. Após consequências de uma interação indevida entre Rose e a
“alma” da TARDIS, um paradoxo leva Rose a ficar presa em outra dimensão, impossibilitando
o encontro entre o senhor do tempo e a companion (TV: Doomsday). Em sua última aventura,
Bill é atingida por uma arma alienígena e, ao invés de morrer, a tripulação da nave a transforma
em um cyberman, o que indicaria o fim para Bill (TV: World Enough and Time). Ou seja, Bill
estaria em lado oposto à Doctor, sem que nunca pudessem se encontrar novamente.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ficção seriada se estabelece como uma área de interesse na pesquisa do campo da


Comunicação. A ficção seriada de Doctor Who possui muitos canais de comunicação feitos
pela base de fãs, como, por exemplo, os sites Universo Who e Tardis Data Core, onde é possível
encontrar episódios para download, artigos de opinião sobre a série e explicações sobre o que
acontece na narrativa. No que diz respeito às pesquisas brasileiras, no entanto, o seriado ainda
é pouco explorado. Os resultados apresentados neste artigo são apenas uma contribuição para
a análise da ficção seriada de Doctor Who, possibilitando também a abertura para continuidade
de pesquisa e discussão sobre a temática. É preciso considerar que é impraticável que uma
narrativa extensa e complexa como essa seja reduzida a apenas uma perspectiva de pesquisa.
A décima temporada de Doctor Who, analisada neste trabalho, é recheada de
reapresentações, tanto de personagens, quanto de arcos narrativos. O que gera algumas
perspectivas de conclusão, como: 1) tentativa de captar novos espectadores para a série, que
hoje se encontra caminhando para a 14ª temporada; 2) tentativa de criar memórias de antigos
fãs usando de arcos narrativos, gerando, assim, uma sensação de intimidade entre telespectador
e produto televisivo.
Doctor Who soma mais de 50 anos desde seu primeiro episódio em 1963. Sua presença na
televisão continua ter efeito massivo para além de seu país de origem, além da conquista de
uma fiel base de fãs, que também impulsiona a continuidade da narrativa. Ainda que seja
necessário refletir sobre a série como um produto intrínseco à indústria cultural, também é
necessário frisar a importância da existência e continuidade de uma narrativa tão extensa.
REFERÊNCIAS

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mistificação de massas. In: LIMA, Luiz Costa. Teoria da cultura de massa. São Paulo: Paz e
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https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/9350. Acesso em: 03 jun. 2022.

DOCTOR Who: Empress of Mars. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette.
Produtores executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (45 min).

DOCTOR Who: Extremis. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette. Produtores
executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (50 min).

DOCTOR Who first episode. In: BBC. [S. l.], c2022. Disponível em:
https://www.bbc.com/historyofthebbc/anniversaries/november/doctor-who-first-episode/.
Acesso em: 23 maio 2022.

DOCTOR Who: Knock Knock. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette.
Produtores executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (45 min).

DOCTOR Who: Oxygen. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette. Produtores
executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (45 min).

DOCTOR Who: Smile. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette. Produtores
executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (45 min).

DOCTOR Who: The Doctor Falls. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette.
Produtores executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (60 min).
DOCTOR Who: The Earters of Light. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette.
Produtores executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (40 min).

DOCTOR Who: The Lie of the Land. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette.
Produtores executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (45 min).

DOCTOR Who: The Pilot. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette. Produtores
executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (50 min).

DOCTOR Who: The Pyramid at the end of the World. Escrito por Steven Moffat e dirigido por
Ed Bazalgette. Produtores executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1
vídeo (45 min).

DOCTOR Who: The Return of Doctor Mysterio (especial de Natal). Escrito por Steven Moffat
e dirigido por Ed Bazalgette. Produtores executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres:
BBC, 2016. 1 vídeo (60 min).

DOCTOR Who: Thin Ice. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed Bazalgette. Produtores
executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1 vídeo (45 min).

DOCTOR Who: World Enough and Time. Escrito por Steven Moffat e dirigido por Ed
Bazalgette. Produtores executivos: Steven Moffat e Brian Minchin. Londres: BBC, 2017. 1
vídeo (45 min).
GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Editora Atlas, 1995.

GUBERNIKOFF, Giselle. A imagem: representação da mulher no cinema. Conexão –


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MACHADO, Arlindo. A Televisão Levada a Sério. São Paulo: Editora Senac, 2019.

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SEÇÃO 6

Cultura das Mídias, Arte e Olimpianos


Capítulo 42

Mídia e K-pop:
Campanha Love Myself e o engajamento social e afetivo do grupo BTS

Maria Eduarda dos Santos Carvalho (UFSJ)


Luiz Ademir de Oliveira (UFSJ/UFJF)

RESUMO: O artigo discute como a campanha Love Myself, realizada pelo comitê sul-coreano
do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em colaboração com o grupo de K-pop
(pop sul-coreano) BTS, pode ser analisada como uma excelente estratégia da indústria cultural
para fortalecer a marca do grupo ao mesmo tempo que gera engajamento social. Com isso,
pretende-se discutir conceitos de indústria cultural, fandoms e as possibilidades de ação social.
A pesquisa traz uma análise de conteúdo sobre as estratégias de comunicação do BTS (Bangtan
Sonyeondan), voltadas à manutenção da saúde mental dos jovens, especificamente na
campanha Love Myself, em parceria com a Unicef. Seja nos singles, como em entrevistas ou
em postagens nas redes sociais, os integrantes do grupo sempre manifestam a preocupação do
papel social, na condição de músicos voltados a juventude.

PALAVRAS-CHAVE: BTS; Fandoms; Indústria Cultural; Love Myself; K-pop; Onda


Coreana; Olimpianos.

1. INTRODUÇÃO

Em 2017, o grupo BTS unificou a música e pautas sociais quando lançou, juntamente
com o comitê sul-coreano do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a campanha
Love Myself. Em 25 de setembro de 2018, foram convidados a discursar na 73ª Assembleia
Geral das Nações Unidas e, representados pelo líder do grupo Kim Namjoon, que contou sobre
a sua trajetória na vida e na música, incentivaram os jovens do mundo todo a falarem por si
mesmos. Em seu discurso, o líder do grupo utilizou frases como “amar a si próprio”, “tentar
ouvir mais a si mesmo”, falas essas que ganharam repercussão mundial e deram ainda mais
visibilidade para o fenômeno da música pop sul-coreana, que tem milhões de fãs das diferentes
faixas etárias, mas predominantemente jovens. Ao falarem sobre esses assuntos para milhões
de pessoas, os meninos do BTS estimularam uma ação nos receptores do discurso.
Esse é um exemplo do poder da indústria cultural e, no caso de como tal segmento tem
se consolidado na Coreia do Sul. Os grupos de K-pop tornaram-se uma “febre” em escala
mundial. Atualmente, um grupo ou artista solo de K-pop consegue alcançar milhões de pessoas
por todo o mundo, inclusive no Brasil, onde possuem fandoms e milhares de admiradores. No
caso do BTS (Bangtan Sonyeondan), trata-se de um dos maiores nomes do K-pop, formado por
sete integrantes: Jin, Suga, J-Hope, RM, Jimin, V e Jungkook. O grupo teve sua estreia oficial
em junho de 2013, com o single No More Dream, do disco 2 Cool 4 Skool.136
Para além das produções musicais, que são tecnicamente bem desenvolvidas e
produzidas, o BTS destaca-se também pelo trabalho voltado ao engajamento com temáticas
sociais – mais especificamente tentar utilizar a música para conscientizar o seu público jovem
sobre a necessidade de se cuidar da saúde mental em sua ampla significância. Nota-se que a
música sempre teve grande poder de influência para a criação de identidades e ideologias. Ao
falar sobre os anseios e preocupações recorrentes da juventude nas suas letras, o BTS
proporciona uma proximidade com os fãs ao redor do mundo (BESLEY, 2018).
O presente artigo, portanto, discute como as estratégias de comunicação do grupo BTS,
com ênfase na campanha Love Myself, de 2017, construída em parceria com a Unicef e sua
continuidade ao longo dos anos posteriores, além da construção do grupo ao longo da sua
formação, influenciam na manutenção do bem-estar dos seus fãs e reforça o engajamento social
e afetivo do grupo com o seu público. Procura-se investigar de que forma o grupo divulgou a
campanha e como tal se relaciona e reflete no comportamento de seus fãs.

2. FANDOMS E A PRESENÇA DOS FÃS NO AMBIENTE DIGITAL

Uma vez que existe uma indústria voltada para o desenvolvimento de produções
culturais, relacionadas também ao entretenimento, há pessoas que se organizam de forma a

136A discografia do grupo conta, até o momento, com vários álbuns de sucesso, como Dark & Wild (2014), The
Most Beautiful Moment in Life, pt. 1 (2015), The Most beautiful Moment in Life, pt. 2 (2015), The Most Beautiful
Moment in life: Young Forever (2016), Wings (2016), You Never Walk Alone (2017), Love Yourself: Her (2017),
Love Yourself: Tear (2018), Love Yourself: Answer (2018), Map of the Soul: Persona (2019), Map of the Soul: 7
(2020), BE (2021) e Proof (2022).
acompanhar aquilo que lhes é apresentado. Esse é o caso dos fandoms. Um fandom pode ser
compreendido como um grupo de pessoas que compartilham do mesmo gosto, que
acompanham um determinado artista ou conteúdo e, de certa forma, interagem entre si. Com a
facilidade de acesso a esses conteúdos, proporcionada pela internet e pelas mídias sociais, esse
contato se tornou ainda mais usual e instantâneo, tornando as interações entre os fãs mais
descomplicadas. Atualmente, é comum acessar alguma rede social e encontrar inúmeras outras
pessoas que possuem os mesmos interesses e, ainda mais fácil, fazer parte de comunidades e
fã-clubes virtuais.

Trocar informações com outros fãs, participar de encontros e eventos,


dividir novidades e materiais, enfim, manter contato com os demais
era fundamental para alimentar o fandom, do inglês “fan kingdom",
isto é, o conjunto de fãs de um determinado produto da mídia. A partir
das mídias digitais e da internet, essas conexões se tornaram mais
fáceis e numerosas, garantindo uma visibilidade crescente à cultura
dos fãs. (MARTINO, 2014, p.158)

A ideia de ser fã, porém, nem sempre foi vista de forma positiva. Durante muito tempo,
ser fã de determinado produto cultural poderia ser motivo de desaprovação ou chacota, devido
à ideia que algumas pessoas poderiam ter sobre o conteúdo em questão. “O limite entre fãs e
aficionados respeita as mesmas diferenças que existem entre a razão e a emoção, relacionando
esses dois conceitos com questões de classe social” (CURI, 2010, p. 7). Martino (2014) explica
que isso se dá pelo fato de que os conteúdos podem ser considerados um tipo de subcultura

(...). Em alguns casos, lembra Jenson, ser fã de alguma coisa era


interpretado quase como um caso patológico. A autora desafia essa
concepção sugerindo que esse baixo valor dado aos fãs não se devia
ao fato de eles gostarem muito de algo, mas por conta do que eles
gostavam — séries de televisão, filmes, histórias em quadrinhos,
produções consideradas de valor cultural baixo. (MARTINO, 2014,
p. 158)

Indo para além dessa discussão, Martino (2014) também propõe pensar sobre a ideia de
público. A concepção de público foi mudando aos poucos, a partir do momento em que este
começou a assumir outra posição na relação produção-consumo. Na indústria cultural, o público
ocupa um lugar passivo, o qual somente recebe a mensagem transmitida pela mídia. Com o
surgimento de outros estudos culturais como, por exemplo, os relacionados à Cultura de
Mídia137, essa posição passou a ser observada como um lugar ativo, até chegar ao que Martino
(2014) apresenta como audiência produtiva. “O olhar se voltou, então, para compreender como
os indivíduos e grupos se relacionavam com esses produtos, os articulavam com suas vidas,
ganhavam novos significados” (MARTINO, 2014, p. 160).
O autor assume como audiência produtiva a ideia de que os fãs passaram a se relacionar
de outra forma com os produtos culturais consumidos e, além de acessar os conteúdos já
existentes, eles começaram a criar novos materiais a partir dos seus interesses (MARTINO,
2014). Para Curi (2010), a partir do conteúdo que consome, o fã desenvolve novos materiais,
constrói a sua identidade e até mesmo um novo modo de viver. Além disso, a internet,
especialmente com o aumento do acesso a redes sociais, tornou-se uma peça essencial para a
divulgação das produções criadas pelos fãs e também na organização desses grupos. Conforme
Nalle (2021), os ambientes virtuais tornaram-se um lugar aberto a novas interações,
proporcionando a divulgação de inúmeros conteúdos e o envolvimento de outras pessoas.
“Neste âmbito, os fãs constituem importante presença na web ao expandir seus contatos e ir
além dos limites geográficos impostos, em uma movimentação fruto da busca por um grupo de
interesse comum” (NALLE, 2021, p. 128).
Um exemplo de que essa interação excede os limites territoriais, até mesmo linguísticos,
é o fandom do BTS. Em 2013, o grupo anunciou o nome oficial que o fandom levaria: ARMY.
A palavra army, originada do inglês, significa “exército”. O termo escolhido para nomear os
fãs tem relação com o próprio nome do grupo que, em coreano, significa "Bangtan
Sonyeondan” (“escoteiros à prova de balas”). Além disso, existe uma outra interpretação para
“ARMY”: Adorable Representative M.C of Youth, que livremente traduzido significa “adorável
representante M.C da juventude”. Além de promover as músicas, divulgar as apresentações e
discos do grupo, os fãs do BTS também atuam em causas sociais. O Army Help The Planet
(Army Ajuda o Planeta, em português) é um movimento social, que funciona como uma
organização não governamental, desenvolvido por fãs brasileiros do BTS. O projeto, que atua
desde 2019, desenvolve ações sociais e ambientais, realizando campanhas de arrecadação e
trabalho voluntário em prol dessas iniciativas.

137 Apresentada por Douglas Kellner (2001) no livro Cultura de Mídia.


A campanha mais recente138, desenvolvida pela organização é intitulada “Tira o Título
Army”, iniciada em abril de 2022. Trata-se de uma iniciativa para incentivar jovens que teriam
a idade necessária, entre 16 a 17 anos - ou que completariam 16 anos até o dia 2 de outubro -,
a tirarem o título de eleitor e votarem nas eleições que ocorreram neste mesmo ano. No dia 8
de abril, o Army Help The Planet projetou imagens com mensagens de incentivo ao voto, com
trechos de músicas do BTS, em prédios nas cidades de Porto Alegre (RS), Belém (PA), Salvador
(BA), Recife (PE), Brasília (DF), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ). Além disso, a fanbase
também preparou um material explicativo sobre como adquirir o título e a importância de obtê-
lo, a fim de orientar os fãs a realizarem o procedimento.
A partir desse exemplo, pode-se compreender como os fandoms conseguem se organizar
em comunidade, tanto com o objetivo de trocar informações, discutir atualizações sobre
determinado assunto ou debater tópicos relacionados aos conteúdos de interesse, quanto
também para fazerem parte de iniciativas socioambientais, com o intuito de ajudar a
comunidade local e global, motivados pelos ídolos.
As mídias sociais tornaram-se uma ferramenta essencial para a relação entre os ídolos,
conteúdos e fãs, e também para o estabelecimento dos fandoms em diversos ambientes
(MARTINO, 2014). A partir delas, é possível estabelecer um contato instantâneo e mais
próximo com os produtos culturais, especialmente com os ídolos. Nesse sentido, Nalle (2021)
explica que

Na era da tecnologia, mais do que uma estratégica forma de fidelizar


clientes, instigar o imaginário do consumidor e alimentar suas
idealizações é “arrancar a figura do ídolo de um pedestal”, fazer com
que o fã acredite na possibilidade do contato e permitir que ele viva
essa relação crendo na mutualidade (NALLE, 2021, p. 139).

Pode-se fazer um paralelo entre essa ideia e a relação entre a mídia e os Olimpianos,
apresentada por Morin (1997). “A imprensa de massa, ao mesmo tempo que investe os
olimpianos um papel mitológico, mergulha em suas vidas privadas a fim de extrair delas a
substância humana que permite a identificação” (MORIN, 1997, p. 106). Nesse sentido, assim
como a mídia constrói uma imagem heróica e inalcançável dos olimpianos, ela também procura
assemelhá-la da realidade humana, a fim de proporcionar certa aproximação com o consumidor.

138 Tendo em vista o período de desenvolvimento do artigo. As demais campanhas desenvolvidas pela organização

podem ser encontradas no site oficial do Army Help The Planet, na aba “Campanhas”. Site disponível no endereço
eletrônico: https://www.armyhelptheplanet.com/.
Trazendo isso para os dias atuais, é possível perceber a ação da internet, especificamente das
redes sociais, nesse processo de proximidade e identificação, uma vez que esse contato é mais
direto e imediato.
O ambiente digital tornou-se algo praticamente intrínseco na vivência, consumo e
relações modernas, uma vez que a maioria dos conteúdos que temos acesso está disponível na
web, a qual acessamos por meio dos aparelhos eletrônicos. Essas interações e trocas acontecem
em um espaço virtual e, uma vez que não se limita a proximidade e que é um ambiente onde
existe uma notável troca de informações, o ciberespaço facilitou o contato entre as pessoas,
especialmente entre os fandoms. Hoje em dia, as redes sociais, em específico, se tornaram o
principal meio de interação e organização dos fãs, além de também ser uma forma de se manter
informado e/ou em diálogo com os ídolos ou conteúdos de interesse. O BTS mantém contato
com os fãs, a maior parte do tempo, por meio das redes sociais. Atualmente, o grupo soma mais
de 48 milhões de seguidores no Twitter, em um perfil conjunto, no qual compartilham fotos,
vídeos, atualizações e publicações a respeito de performances ou lançamentos. No YouTube, o
canal do BTS possui mais de 73 milhões de inscritos.
Desde o início da carreira, o BTS possuía um perfil único para o grupo no Instagram
(bts.bighitofficial), porém, em 6 de dezembro de 2021, foi anunciado que os integrantes criaram
contas individuais. Até o dia 27 de janeiro de 2023, os perfis dos membros RM, J-Hope, Jimin,
Jin e Suga ultrapassavam 40 milhões de seguidores, enquanto o dos integrantes Jungkook e V
ultrapassavam a marca de 50 milhões de seguidores. Com base nesses dados, é possível
visualizar o alcance do BTS nas redes sociais, espaço no qual existe um maior contato fã-ídolo
na atualidade, e onde o grupo interage com o seu fandom, Army. Conforme Nalle (2021, p. 128)
“As redes sociais, fortalecidas nos últimos anos, viabilizam um espaço receptivo capaz de
propiciar a promoção, a troca e o engajamento grupal, sendo um exemplo bastante evidente da
atuação e do alcance da produção coletiva”. Nesse sentido, tendo em vista o considerável
número de seguidores nas mídias sociais e a mobilização dos fãs, tanto em se organizarem em
comunidade quanto atuarem em projetos sociais (como é o caso do Army Help The Planet),
pode-se perceber como os fãs se posicionam no ciberespaço e, ainda mais, como esse espaço
colabora com a interação entre essas pessoas.

3. NAVEGANDO PELA ONDA COREANA: K-POP E O GRUPO BTS

A Onda Coreana (Korean Wave ou Hallyu) é um termo que se refere ao


desenvolvimento da popularidade de produtos culturais sul-coreanos, especialmente
relacionados ao entretenimento, fenômeno este que desde o final dos anos 1990 tem ganhado
destaque na Ásia e, nos últimos anos, em outros lugares do mundo (JUNG, 2018; MAZUR,
2018).
A música coreana é um dos produtos que ganhou popularidade com a Onda Coreana
dando destaque, neste artigo, ao K-pop139. O K-pop (Korean Pop Music), ou música pop
coreana, é um estilo musical que surgiu nos anos 1990. Para Dewet, Imenes e Pak (2020),
atualmente, o K-pop compreende uma série de outros estilos musicais, como o hip-hop, rhythm
and blues (R&B), rock, música eletrônica, dentre outros. Porém, antes mesmo de chegar ao
modelo que conhecemos nos dias atuais, a música coreana (que compreende diversos estilos)
passou por inúmeras influências no decorrer da sua história.
Dewet, Imenes e Pak (2020) apresentam o conceito de Neo-Hallyu, que diz respeito ao
atual momento da Onda Coreana. O fenômeno da Hallyu teve início no final dos anos 1990,
caracterizado pela exportação de diversos produtos culturais sul-coreanos, em destaque os
dramas de televisão. “Geograficamente, o impacto se concentrou no Japão, no mundo da língua
Chinesa (incluindo a China), e o sudoeste da Ásia. No entanto, isso começou a mudar bastante
por volta de 2010” (KOCIS, 2011a, p. 39)140. Atualmente, a Onda Coreana tem tomado
proporções mundiais, alcançando lugares de todo o planeta. Entre os fatores que colaboraram
para a disseminação da recente fase da Hallyu torna-se importante destacar a internet (KOCIS,
2011a). “A Onda Coreana experimentou especialmente uma significativa mudança com o
desenvolvimento das tecnologias digitais e mídias sociais, como o YouTube, redes sociais
(SNSs), e smartphones no século XXI”141 (JIN, 2012, p. 3). Grande parte dos consumidores de
produtos da Hallyu entraram em contato com esses conteúdos como, por exemplo, dramas de
TV ou K-pop, por meio da internet, especificamente mídias sociais (KOCIS, 2011a).
Em suma, a internet tem contribuído com a propagação de conteúdos da Onda Coreana,
levando, assim, a Hallyu ao conhecimento de novas pessoas. Entre esses conteúdos encontra-
se o K-pop, destacando, nesta pesquisa, um grupo que vem ganhando bastante popularidade ao
redor do mundo nos últimos anos: o BTS.

139 Devido à limitação de páginas, os tópicos “Hallyu” e “K-pop” não foram abordados profundamente, mas, deve-

se considerar o contexto histórico e demais influências que fizeram parte do desenvolvimento de ambos (discutidos
mais a fundo em outra pesquisa realizada por um dos autores do presente artigo).
140Texto original: “Geographically, the impact was focused on Japan, the Chinese-speaking world (including
China itself), and Southeast Asia. This began to change greatly right around 2010, however”. Tradução nossa.
141 Texto original: “The Korean Wave has especially experienced a significant change with the development of
digital technologies and social media, such as YouTube, social network sites (SNSs), and smartphones in the 21st
century”. Tradução nossa.
O grupo “Bangtan Sonyeondan”, um dos maiores nomes da música pop sul-coreana,
conhecido popularmente como BTS, é composto por sete integrantes: Jin, Suga, J-Hope, RM,
Jimin, V e Jungkook. A trajetória do grupo tem início no ano de 2013, quando o BTS realizou
a sua estreia oficial.
Em 2005, o até então produtor e compositor da JYP Entertainment, Bang Si-hyuk,
decidiu sair da empresa que trabalhava com a intenção de formar a sua própria agência, que
viria a ser nomeada como Big Hit Entertainment (BESLEY, 2018). Cinco anos mais tarde, Bang
Si-hyuk, resolveu formar um grupo de rap que, posteriormente, seria lançado como BTS. Sendo
assim, em 2010, Kim Namjoon (RM)142 entra na empresa, atuando como rapper. Em seguida,
Min Yoongi (Suga), junta-se ao projeto para a formação de um grupo de rap, ao lado de RM e
outros rappers. Bang Si-hyuk, todavia, decide modificar o direcionamento da sua ideia inicial,
focando agora em um projeto musical mainstream143 adicionando, também, alguns vocalistas
(BESLEY, 2018). Jung Hoseok (J-Hope) surge em cena como possível vocalista do grupo,
tornando-se rapper mais tarde. “Com o fim do projeto de um grupo de rappers, alguns membros
deixaram a empresa e outros permaneceram, tornando-se produtores musicais do BTS”
(BARBOSA, 2019, p. 42)
Em 2012, novos integrantes se juntam ao grupo ainda em formação, sendo eles: Kim
Taehyung (V), Kim Seokjin (Jin) e Jeon Jungkook (Jungkook). Ainda no mesmo ano, Park
Jimin (Jimin) se une ao projeto, sendo este o último integrante a compor o grupo que ficaria
conhecido como Bangtan Sonyeondan (“escoteiros à prova de balas”) ou, simplesmente, BTS.
“Bang Si-hyuk tinha uma visão para este novo grupo. Dera-lhes um nome que mostrava que
lutariam contra os preconceitos e as dificuldades da sua geração. Seriam a voz dos adolescentes
e dos jovens adultos” (BESLEY, 2018, p. 14). Uma vez que tinha designado esse objetivo para
o BTS, o CEO144 da Big Hit proporcionou aos integrantes do grupo uma certa autonomia
criativa, permitindo que eles colaborassem na produção e composição das músicas e,
posteriormente, também na concepção dos conceitos (BARBOSA, 2019; BESLEY, 2018).
Conforme Besley (2018), Bang Si-hyuk incentivou os membros do BTS a abordarem
tópicos que trouxessem identificação com as situações vivenciadas pela juventude, temas que

142 Uma abreviação de Rap Monster.


143 Traduzido do inglês, pode significar “a corrente principal”. Trata-se de algo que é convencional e pode ser
visto como algo popular no cenário musical, por exemplo.
144Sigla para o termo em inglês Chief Executive Officer que, em português, pode ser traduzido como Diretor
Executivo. Nesse caso, refere-se ao Bang Si-hyuk.
fizessem parte da realidade dessas pessoas e, através das mídias sociais, buscassem uma certa
aproximação com esses jovens. Parecia, de fato, uma missão desafiadora para aqueles sete
meninos. Em dezembro de 2012, o grupo criou a sua conta no YouTube, onde compartilhavam
momentos diários no estúdio, versões de outras canções e conversavam com os fãs.
Em junho de 2013, o BTS realizou a sua estreia oficial, com a música No More Dream,
do álbum 2 Cool 4 Skool. O conceito do debut145 do grupo tinha foco no hip hop, perceptível
na melodia da música, no estilo de roupa dos integrantes e na coreografia extremamente bem
estruturada. O BTS apresentou-se pela primeira vez nos programas de televisão M Countdown
e Music Bank, performando as canções No More Dream e We Are Bulletproof Pt. 2 (BESLEY,
2018). O disco 2 Cool 4 Skool, lançado em 12 de junho de 2013, "(...) seria o primeiro de uma
trilogia de lançamentos que explorou temas como o de não ficar preso ao sistema educacional,
o de se ter orgulho em si próprio e o de se enfrentar as provações da juventude" (BESLEY,
2018, p. 22). Completando a trilogia, em seguida foram divulgados os discos O!RUL8,2?,
lançado em setembro de 2013, e Skool Luv Affair, em fevereiro de 2014. Para Besley (2018)
uma das questões que diferenciava o BTS dos demais grupos era o fato de que o septeto buscava
falar sobre os anseios e preocupações recorrentes da juventude, algo que gera identificação para
as pessoas que ouvem a sua música. O retorno do grupo com o lançamento do videoclipe da
canção N.O, por exemplo, trouxe uma crítica ao sistema educacional e as expectativas dos
adultos a respeito dos jovens nessa fase.
Em 2014, o grupo lançou o último disco da trilogia: Skool Luv Affair. Conforme Besley
(2018), o mini-álbum, composto por dez músicas, possui canções que abordam, em suas letras,
os dramas dos romances na adolescência. Ainda em 2014, o BTS lançou o seu primeiro álbum
completo, Dark & Wild. Para Besley (2018), o disco simboliza o amadurecimento do grupo,
uma vez que a temática escolar não está mais presente, dando espaço para as angústias na fase
da juventude. Em 2015, o BTS divulgou os álbuns The Most Beautiful Moment in Life: pt. 1 e
The Most Beautiful Moment in Life: pt. 2. Besley (2018, p.125) afirma que, “com este mini
álbum, os BTS mostravam a sua impetuosidade e contrariavam quem duvidava deles: não só
tinham continuado a escrever as suas canções de alta qualidade, como a sofisticação da música
e das letras tinha aumentado, assim como a atenção que dedicavam aos detalhes mais ínfimos
da produção”.
No ano seguinte, eles divulgaram mais um projeto: o álbum The Most Beautiful Moment
in Life: Young Forever. Este não foi o único trabalho desenvolvido pelo grupo em 2016, eles

145 Termo utilizado no meio do K-pop que significa realizar a sua estreia seja em algum grupo ou em carreira solo.
ainda lançaram o disco Wings, no mês de outubro. O sucesso do lançamento era perceptível,
uma vez que o álbum permaneceu durante 45 semanas na parada Words Album146 da Billboard,
alcançando o primeiro lugar no chart em duas semanas.
Em 2017, o grupo lança o álbum You Never Walk Alone e, em seguida, dá início a uma
era inédita: Love Yourself. Composta por três álbuns, Love Yourself: Her, divulgado em 2017,
Love Yourself: Tear, em maio de 2018, e Love Yourself: Answer em agosto de 2018, esse seria
o começo de uma nova jornada.
O primeiro álbum da trilogia Love Yourself, simboliza o ato de se apaixonar por alguém,
perpassando as etapas felizes e também difíceis de um relacionamento (BESLEY, 2018). No
final de 2017, é divulgada a campanha Love Myself, um projeto desenvolvido em colaboração
entre o BTS e o comitê sul-coreano da Unicef - campanha essa que se tornou objeto de análise
deste artigo. Já no início de 2018, o segundo disco da trilogia é lançado. O álbum Love Yourself:
Tear conta com Fake Love como canção principal, a qual o videoclipe já ultrapassa um bilhão
de visualizações no YouTube. Em entrevista à Billboard, intitulada “Watch BTS Explain the
Message Behind Their New Album ‘Love Yourself: Tear’” 147
, publicada em 18 de maio de
2018, o BTS fala a respeito do conceito do novo disco do grupo. “Nós estamos tentando dizer
que se você, no amor, quando você não é verdadeiro consigo mesmo, o amor não vai durar.
Porque o amor é complexo e sempre existe um lado difícil e um lado triste”, disse RM
(BILLBOARD, 18 de maio de 2018).
O último álbum da trilogia carrega uma mensagem importante, que pode ser considerada
como um grande fator motivacional e também uma resposta: amar a si mesmo. O disco Love
Yourself: Answer possui Idol como faixa principal e, além disso, cada integrante do BTS dispõe
de uma música solo (BARBOSA, 2019). Em 2019, o grupo lança o seu novo álbum Map of the
Soul: Persona. O retorno do grupo resultou em mais uma conquista: o clipe de Boy With Luv
tornou-se o vídeo mais assistido nas primeiras 24 horas de lançamento, somando mais de 74
milhões de visualizações (BILLBOARD, 14 de abril de 2019) 148.

146BILLBOARD. Chart History, BTS. Disponível em: https://www.billboard.com/artist/bts/chart-history/wlp/


Acesso em: 5 de maio de 2022.
147 HERMAN, Tamar. “Watch BTS Explain the Message Behind Their New Album ‘Love Yourself: Tear’”.

Billboard, 18 de maio de 2018. Disponível em: https://www.billboard.com/music/music-news/bts-talks-love-


yourself-tear-interview-video-8456665/. Acesso em: 6 de maio de 2022.
148 HERMAN, Tamar. “BTS’ ‘Boy with Luv’ Feat. Halsey Is the Most-Viewed 24 Hour Debut in YouTube

History with 74.6 Million Views”. Billboard, 14 de abril de 2019. Disponível em:
https://www.billboard.com/music/music-news/bts-boy-with-luv-feat-halsey-24-hour-youtube-debut-record-
8507034/. Acesso em: 6 de maio de 2022.
Em fevereiro de 2020, o BTS divulga o segundo álbum desta série, Map of the Soul: 7.
Em novembro do mesmo ano, durante a pandemia de covid-19, o grupo realizou o lançamento
do seu disco BE. O álbum se manteve ao longo de 75 semanas na Words Album da Billboard,
alcançando o primeiro lugar na parada em 21 semanas. Nos últimos dois anos, o BTS vem
divulgando alguns singles, como é o caso de Dynamite (2020), Butter (2021) e Permission to
Dance (2021). A música Butter foi reconhecida pelo Guinness World Records149 ao quebrar
cinco recordes, entre eles o videoclipe de um grupo de K-pop e vídeo de música mais assistido
nas primeiras 24 horas no YouTube, assim como a canção mais ouvida na plataforma Spotify
dentro de 24 horas. O sucesso dessas músicas resultou em duas indicações consecutivas do
grupo ao Grammy Awards, uma das maiores premiações musicais norte-americanas. Em junho
de 2022, o grupo divulgou seu último álbum em conjunto até o momento, Proof.
Desde o início de sua carreira, o BTS busca falar sobre temáticas que possibilitam trazer
identificação com os seus fãs, em especial com a juventude, sejam assuntos a respeito do
sistema educacional, nos seus primeiros discos, ou até mesmo sobre o processo de
amadurecimento pessoal, caminho este que pode ser longo e proporcionar inúmeros
questionamentos, e relacionamentos, sejam eles firmados com outras pessoas ou consigo
mesmo (como foi possível observar na era Love Yourself). Ao abordar essas temáticas em suas
canções, o BTS proporciona uma espécie de identificação com o seu fandom, aproximando-os
do grupo.
Além de realizar esse movimento por meio das suas produções, o BTS também age
diretamente em algumas pautas sociais. Um exemplo disso é que, em 2020, o grupo doou 1
milhão de dólares para o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, em
português), que luta contra o racismo e pelo fim da violência policial. O BTS também
demonstrou apoio à causa por meio de uma postagem no perfil oficial do grupo no Twitter. Na
publicação, compartilhada em 4 de junho de 2020, eles escreveram: "Somos contra a
discriminação racial. Condenamos a violência. Você, eu e todos nós temos o direito de ser
respeitados. Ficaremos juntos. #BlackLivesMatter".

149GUINNESS WORLD RECORDS. "BTS (e seus 23 recordes) entram para o Hall da Fama do Guinness World
Records 2022". Guinness World Records, 2 de setembro de 2021. Disponível em:
https://www.guinnessworldrecords.com.br/news/2021/9/bts-e-seus-23-recordes-entram-para-o-hall-da-fama-do-
guinness-world-records
202#:~:text=Seu%20lan%C3%A7amento%20de%20maio%20de,Spotify%20nas%20primeiras%2024%20horas.
Acesso em: 10 de maio de 2022.
4. BTS E O SEU ENGAJAMENTO SOCIAL E AFETIVO: CAMPANHA LOVE
MYSELF

Em novembro de 2017, o BTS, juntamente da empresa Big Hit Music, lançou a


campanha Love Myself, desenvolvida em colaboração com o comitê sul-coreano da Unicef,
associado à Organização das Nações Unidas (ONU). O objetivo desta iniciativa é combater a
violência que atinge crianças e adolescentes ao redor do mundo, aliada aos propósitos da ação
global #ENDviolence, elaborada pela Unicef, que também busca comprometer-se que crianças
e jovens de todo o planeta vivam suas vidas de forma saudável, protegida e sem violência.
Desde o início da sua carreira, é possível perceber que o BTS demonstra preocupação em falar
sobre as ansiedades, inseguranças e vivências recorrentes dos jovens, assumindo um papel de
porta-voz da juventude, gerando identificação e proximidade com os seus fãs. Em 29 de julho
de 2019, o BTS divulgou um vídeo com uma mensagem anti-bullying para a campanha, na
conta oficial do grupo no YouTube, intitulado “LOVE MYSELF Global Campaign Video”150.
Num primeiro momento, o vídeo mostra crianças e jovens de diferentes lugares do
mundo sendo vítimas de situações violentas no ambiente escolar, demonstrando o sofrimento e
a solidão que isso causa nestes jovens (inclusive, em alguns momentos, alguns deles aparecem
chorando no vídeo). Ao mesmo tempo, os integrantes do BTS estão em um ambiente composto
por luzes claras e um pequeno poço de água, no qual os membros do grupo retiram um objeto
brilhante, que os conecta com estas crianças e adolescentes. A partir disso, unidos pela música
(neste caso, está tocando a canção Answer: Love Myself) e pelo apoio dos integrantes do BTS,
os jovens conseguem enfrentar o momento tempestuoso, encontrar um refúgio e força e serem
felizes (enxergando a luz que existe dentro de cada um).
Em 2021, a campanha chegou ao seu quarto ano de duração. Em comemoração, o grupo
publicou um vídeo no YouTube151, no dia 31 de outubro de 2021, agradecendo a colaboração
que eles receberam com a campanha até o momento. O integrante V comenta no vídeo a
seguinte mensagem: “Tudo começou com a nossa pergunta: ‘O amor verdadeiro não começaria
por amar a mim mesmo?’ Mas o seu apoio fez a campanha ainda mais especial. Muito obrigado
por ouvir a nossa mensagem e por fazer as suas vozes serem ouvidas” (Tradução nossa). Por

150 Vídeo disponível no link de acesso: https://www.youtube.com/watch?v=Eo_mo5vA7tw. Acesso em 21 de


novembro de 2022.
151 Vídeo disponível no link de acesso: https://www.youtube.com/watch?v=LB0cgXyXl88. Acesso em: 21 de

novembro de 2022.
meio da música, o grupo busca partilhar as vivências da juventude, assim como as ansiedades
deste período da vida, e transmitir mensagens de empatia e acolhimento para os seus fãs.
Estabelecendo um diálogo com Morin (1997), identificam-se claramente elementos da
cultura de massa no discurso feito pelos integrantes do BTS. Em primeiro lugar, o próprio nome
da campanha aciona a ideia de amor, com o slogan “Love Myself”, que significa “ame a si
mesmo”, que se relaciona com o álbum do grupo “Love Yourself: Answer”. Fica explícito que
para o grupo o amor é uma temática recorrente e deve ser compartilhado, mas deve ser
trabalhado como autoestima, amor próprio, valorização do eu numa sociedade cada vez mais
individualista. Há presente outro elemento da cultura de massa - o “Revólver”, já que se os
jovens precisam ser acolhidos, uma vez que os índices transtornos relacionados à saúde mental
(depressão, ansiedade, dentre outros) são cada vez mais altos, porque vivemos numa sociedade
em que a pulsão de morte (tanatos) se faz cada vez mais presente em contraposição à pulsão de
vida (eros).

4.1 Ações: arrecadações, doações e contrapartida do grupo

Desde 2017, a iniciativa Love Myself tem arrecadado doações que são destinadas para a
proteção de crianças e adolescentes de todo o mundo, vítimas de violência, seja ela em ambiente
escolar, doméstico ou agressão sexual. O valor reunido também é utilizado para
informar/educar para as comunidades locais a respeito da prevenção da violência (LOVE
MYSELF WEBSITE, tradução nossa). De acordo com informações do site oficial da
campanha152, até agosto de 2021, foi recebido um valor de 4.522.418.182 KRW153 (won sul-
coreano, moeda da Coreia do Sul) - dado este que, segundo o website, não é atualizado em
tempo real, e sim periodicamente, a partir do momento em que as informações são atualizadas
por parceiros da campanha. A quantia arrecadada para a iniciativa é levantada por meio de
doações vindas de 3% das vendas de álbuns físicos da série Love Yourself, além de 100% da
renda gerada pela venda de produtos oficiais da campanha Love Myself, contribuições
realizadas em mesas de doações instaladas pela Unicef e doações feitas pela Big Hit Music e
pelo BTS. Também é possível contribuir por meio da compra de figurinhas virtuais pelo site
Line Store e outros sites linkados na página de doações da campanha.

152 LOVE MYSELF. Home. Love Myself Website. Disponível em: https://www.love-myself.org/eng/home.
Acesso em: de maio de 2022.
153 Valor equivalente a 3.504.841,33 de dólares, cotação de 12 de maio de 2022.
Segundo a matéria publicada pela Unicef, intitulada “UNICEF e BTS comemoram o
sucesso da campanha inovadora LOVE MYSELF”154, divulgada em 6 de outubro de 2021, a
iniciativa também originou cerca de 5 milhões de tweets e acumulou um total acima de 50
milhões de engajamentos, tratando-se, neste caso, de comentários, curtidas e retuítes realizados
no Twitter, rede social na qual o grupo possui mais de 45 milhões de seguidores. Além disso, a
hashtag #BTSLoveMyself já foi utilizada 15.315.497 vezes. Ainda segundo a notícia, no início
de 2021, o grupo e a empresa firmaram a sua colaboração com a campanha e doaram mais de
1 milhão de dólares para a Unicef.

4.2 Discurso na ONU em 2018

Um ano depois do início da campanha, o BTS realizou mais um grande marco na história
do grupo: eles foram convidados para discursar na 73ª Assembleia Geral das Nações Unidas,
que ocorreu em 24 de setembro de 2018. Na presença de inúmeros líderes mundiais, o grupo
preparou uma fala para o lançamento do programa Generation Unlimited (geração sem limites,
em português), um projeto global da Unicef em colaboração com a Organização das Nações
Unidas (ONU) - especificamente com a estratégia Youth 2030155 -, que tem como intuito gerar
mais investimentos e oportunidades em educação, capacitação e emprego para jovens de 10 a
24 anos. Nesse sentido, como embaixadores do programa Generation Unlimited (GenU), o BTS
realizou um discurso com duração de um pouco mais de seis minutos, representados pelo líder
Kim Namjoon, o qual falou a respeito da campanha Love Myself, elaborada pelo grupo e em
parceria com a Unicef, sobre a sua trajetória pessoal e sobre a importância do amor próprio e
de encorajar a juventude a falarem por si mesmos. Ao longo do discurso, enfatiza a preocupação
em ouvir os seus fãs, em estabelecer conexões.

Obrigado ao Sr. Secretário Geral, [Sra.] Diretora Executiva da UNICEF e


todas as excelências e grandes convidados de todo o mundo. Meu nome é
Kim Namjoon, também conhecido como RM, líder do grupo BTS.

154 COMUNICADO DE IMPRENSA. “UNICEF e BTS comemoram o sucesso da campanha inovadora LOVE
MYSELF”, Unicef Brasil, 6 de outubro de 2021. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-
imprensa/unicef-e-bts-comemoram-o-sucesso-da-campanha-inovadora-love-
myself#:~:text=Seul%2FNova%20Iorque%2C%206%20de,positivas%20de%20amor%20pr%C3%B3prio%20e.
Acesso em 12 de maio de 2022.
155Trata-se de uma estratégia desenvolvida pela ONU que tem como objetivo preparar e envolver os jovens em

uma colaboração global que os ofereça oportunidades de educação e emprego até o ano de 2030. Além de garantir
os direitos dessa juventude, saúde, participação política e cívica, dentre outras atribuições. Disponível
em:https://brasil.un.org/pt-br/81093-onu-lanca-nova-estrategia-para-jovens-liderarem-conquista-da-agenda-
2030. Acesso em: 16 de maio de 2022.
É uma honra ter sido convidado para essa ocasião com tanto significado
para a jovem geração de hoje.

Em novembro passado, o BTS lançou a campanha Love Myself com a


UNICEF, construída sobre a crença que o verdadeiro amor começa com
amando a si mesmo. Ao formar a parceria com o programa #ENDViolence
da UNICEF para proteger crianças e jovens em todo mundo da violência.
Nossos fãs se tornaram uma grande parte da campanha; com suas ações e
entusiasmo. Nós realmente temos os melhores fãs do mundo.

(...) O BTS se transformou em um grupo de artistas que se apresentam em


estádios enormes e vendem milhões de álbuns, mas nesse exato momento,
eu ainda sou um garoto comum de 24 anos. Se existe alguma coisa que eu
alcancei, só foi possível porque tenho os outros integrantes do BTS ao meu
lado, e graças ao amor e apoio que os nossos ARMYs, nossos fãs de todos
os cantos do mundo nos dão. E talvez…. Eu posso ter cometido um erro
ontem. Mas o eu de ontem, ainda sou eu. Hoje, eu sou quem eu sou, com
todos os meus erros e falhas. Amanhã, eu posso ser… Um pouco mais sábio
e esse também serei eu. Esses erros e falhas são quem eu sou, fazendo as
estrelas mais brilhantes na constelação da minha vida. Eu consegui me amar
pelo que sou, por quem fui e por quem pretendo ser

(...) Eu gostaria de dizer mais uma coisa: Depois de lançarmos os álbuns


Love Yourself e a campanha Love Myself, nós começamos a ouvir histórias
memoráveis de nossos fãs de todo o mundo, sobre como a nossa mensagem
os ajudou a superar as suas batalhas pessoais e amarem a si mesmos. Essas
histórias constantemente nos lembram da nossa responsabilidade.

Então, vamos todos dar mais um passo. Nós todos aprendemos a nos amar,
então agora eu peço para que você fale por si mesmo. Eu gostaria de
perguntar a todos vocês: Qual o seu nome? O que te anima e faz o seu
coração bater mais forte? Me conte a sua história, eu quero ouvir a sua voz
e eu quero ouvir as suas convicções. Não importa quem você seja, de onde
você vem, a cor da sua pele, o gênero com o que se identifica…. Fale por si
mesmo. Encontre o seu nome, encontre a sua voz, falando por si mesmo.

Eu sou Kim Namjoon, e também RM do BTS. Eu sou um ídolo e um artista


vindo de uma cidade pequena da Coreia. Como a maior parte das pessoas,
eu cometi muitos e diversos erros em minha vida. Eu tenho muitas falhas, e
tenho medo de inúmeras coisas, mas eu vou abraçar a mim mesmo o mais
forte que puder. E eu estou começando a me amar, gradualmente, pouco a
pouco.
Qual é o seu nome? Fale por si mesmo.
Muito obrigado.” (BANGTAN BRASIL,24 de setembro de 2018)156

156 Texto retirado do artigo “Discurso de RM para a Organização das Nações Unidas”, publicado pela fanbase
Bangtan Brasil, em 24 de setembro de 2018. Tradução por: Caroline Piazza e Nalu Rivera. Disponível em:
https://bangtan.com.br/discurso-de-rm-para-a-organizacao-das-nacoes-unidas/. Acesso em: 22 de novembro de
2022.
O discurso, além de transmitir uma significante mensagem a respeito da importância do
amor próprio, de aceitação e de autoconhecimento, também apresenta menções a campanha
Love Myself e um pequeno relato da vida de um dos integrantes do grupo, Kim Namjoon. Ao
compartilhar este fragmento da sua história, falando sobre suas inseguranças e o seu refúgio,
RM cria um espaço para identificação, uma vez que a fala pode se aproximar da realidade de
muitos fãs e demais espectadores que assistiram ao discurso. A fala do septeto também se
destaca pelo fato do BTS ter sido o primeiro grupo de K-pop a discursar em uma Assembléia
das Nações Unidas, outra ação marcante realizada pelo grupo.

4.3 Impacto da campanha


É possível perceber os resultados gerados pela campanha, assim como o seu impacto,
desde o seu início, que ocorreu há mais de quatro anos. Logo que a campanha entrou em vigor,
várias movimentações foram realizadas ao redor do mundo, como a mobilização para as
doações. De acordo com o site da iniciativa, diversas contribuições foram recebidas em estandes
da Unicef, instalados durante a turnê mundial do BTS, Love Yourself, que teve início em 2018.
A primeira tenda montada com esse objetivo, porém, ocorreu anteriormente ao começo da turnê
(em abril do mesmo ano), nas cidades de Yokohama e Osaka, no Japão, onde receberam a visita
de 50 mil fãs, totalizando um valor estimado de 2.9M JYP (Iene Japonês, moeda do Japão) em
doações anuais. Além disso, com o início dos shows ao redor do mundo, colaboradores de
outros lugares como Seul e Busan, na Coreia do Sul; Hamilton, no Canadá; Newark e Nova
York, nos Estados Unidos, Londres, na Inglaterra; Hong Kong; Bangkok, na Tailândia, etc.
também fizeram parte da iniciativa.
Uma vez que as ações em parceria com a Unicef tiveram continuidade, o BTS voltou a
se comunicar com a juventude nos anos posteriores. Em 2020, em meio à crise sanitária gerada
pelo covid-19, o grupo realizou uma participação na 75ª Assembleia Geral das Nações Unidas,
em que alguns discursos foram realizados remotamente e transmitidos durante a reunião. Logo
após serem apresentados pela diretora executiva da Unicef (à época, Henrietta H. Fore), em sua
fala157, o grupo aborda as mudanças trazidas pela pandemia e o distanciamento social, além de
buscar transmitir uma mensagem de esperança para os jovens de todo o mundo, com o intuito
de motivá-los a enfrentar esta situação, que gerou um impacto mundial. Como fechamento da

157 Discurso completo compartilhado pelo perfil oficial da Unicef na rede social Twitter, no dia 23 de setembro de
2020. Disponível em:
https://twitter.com/UNICEF/status/1308766369819828224?s=20&t=2TUGNGiyRCw3tLyy3KUVaw. Acesso
em: 15 de maio de 2022.
participação do grupo, os sete integrantes dizem juntos a frase: “Life goes on, let 's live on“ (A
vida continua, vamos continuar vivendo, tradução nossa).158
No ano seguinte, o grupo retornou para a sede das Nações Unidas, desta vez de forma
presencial, para realizarem mais uma fala, na presença do ex-presidente da Coreia do Sul, Moon
Jae-in. Na 76ª Assembleia Geral das Nações Unidas, ao longo da reunião do Momento dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Momento ODS), os integrantes do BTS abordaram
a temática da juventude no período de pandemia de covid-19, assim como as dificuldades
enfrentadas por estes jovens e por todas as pessoas ao redor do mundo, além de compartilhar
histórias da futura geração, mencionar tópicos sobre a mudança climática e também a vacinação
contra a Covid-19. Além do discurso, o grupo apresentou uma performance gravada da música
Permission to Dance, que foi filmada nos corredores, salas e espaços externos da sede das
Nações Unidos. Conforme a notícia “BTS Took Center Stage at the U.N. Over One Million
159
Fans Watched Live” , publicada pelo New York Times, em 20 de setembro de 2021, uma
transmissão ao vivo da participação do grupo na assembleia, realizada pelo canal da ONU no
YouTube, contou com aproximadamente um milhão de visualizações.

Figura 1
Integrantes do BTS juntos na sede das Nações Unidas,
imagem divulgada em 20 de setembro de 2021

Fonte: Divulgação do perfil oficial do grupo no Twitter.160

158 Life Goes On é uma das canções do BTS presentes no álbum BE (2020).
159 VIGDOR, Neil. “BTS Took Center Stage at the U.N. Over One Million Fans Watched Live”, 20 de setembro
de 2021, New York Times. Disponível em: https://www.nytimes.com/2021/09/20/world/asia/bts-un-
performance.html.Acesso em: 16 de maio de 2022.
160 Disponível no link de acesso:
https://twitter.com/bts_bighit/status/1439939296761315328?s=20&t=Xl0wJ8KyuTKQ8lTO18uw2Q. Acesso
em: 21 de novembro de 2022.
É possível mencionar a repercussão, tanto da campanha Love Myself quanto a dos
discursos realizados pelo BTS nas assembléias das Nações Unidas, na mídia brasileira e
internacional. Diversos veículos da mídia nacional, como é o caso dos portais de notícia
Capricho, Rolling Stone e G1, divulgaram ambas pautas (neste caso, a iniciativa do grupo em
parceria com a Unicef e os discursos realizados nas assembléias da ONU). É notável o
envolvimento do grupo com as questões sociais, além de ser possível observar a repercussão
positiva dessas ações na mídia, atreladas à imagem do grupo e também à sua relação com o seu
fandom. Uma vez que se tornam modelos de comportamento, os integrantes do grupo refletem
as suas iniciativas naqueles que os seguem, os seus fãs, que muitas das vezes também atuam
em pautas sociais, como é o caso do projeto Army Help The Planet.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao mesclar interesses mercadológicos e ações sociais, o grupo de K-pop BTS consegue


atrair fãs e ganhar grande visibilidade na mídia. A campanha Love Myself, em parceria com
comitê sul-coreano do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) foi lançada em 2017
com a finalidade combater a violência que atinge crianças e adolescentes em todo o mundo e,
desde então, tem dado continuidade com ações de arrecadação de fundos, músicas voltadas para
esta temática e discursos feitos na Assembleia Geral da ONU que manifestam esta preocupação.
A participação dos integrantes do BTS voltou a ocorrer em 2020 e 2021, quando a situação se
agravou em decorrência da pandemia. O público juvenil estava ainda mais angustiado com o
distanciamento social e dados sobre depressão, ansiedade e transtornos psíquicos nos diferentes
países indicam que este é um mal-estar que marca os tempos atuais.
No discurso da ONU, realizado em 24 de setembro de 2018, o líder do BTS, RM, ao
longo de sua fala, abordou a campanha Love Myself, falou sobre a sua trajetória de vida e
também na música, além de falar sobre a importância de os jovens falarem por si mesmos. É
notável a preocupação do grupo com questões que envolvem as vivências da sua geração, tanto
em suas músicas quanto em seus discursos, desde situações a respeito do sistema educacional,
a dramas de romances na adolescência, amor-próprio, dentre outras.
O artigo buscou compreender como se deu o desenvolvimento da campanha Love
Myself, partindo de uma análise de conteúdo sobre as estratégias de comunicação do grupo,
especificamente nas redes sociais, lugar esse onde o septeto mantém maior contato com o seu
fandom. Pode-se compreender que o BTS pode ser visto como um produto cultural, que
movimenta fortes cadeias produtivas, já que se tornou um dos grupos mais bem-sucedidos do
K-pop, que hoje arrasta milhões de fãs pelo mundo. Acionam diversas indústrias do
entretenimento, estão nas mais diferentes plataformas digitais e de música, são modelos de
comportamento e de consumo. Mas, sob a ótica dos Estudos Culturais, temos que analisar que,
justamente por agregarem um grande público, podem estimular ações positivas, como a parceria
com a Unicef que busca transmitir uma mensagem de acolhimento e garantir a proteção de
crianças e adolescentes de todo o mundo, vítimas de violência.
Ademais, não se pode ignorar o talento dos integrantes do grupo BTS e como sabem
lidar e prender a atenção dos fãs, construindo uma interlocução contínua. São modelos
identitários que servem para gerar fortes vínculos de identificação e de projeção, que são a peça-
chave dos olimpianos, conceito central para o pensamento de Morin (1997). Se eles sabem
estabelecer uma relação tão forte com o seu público, com os seus fãs, principalmente, no mundo
digital, em que é fundamental estar conectado o tempo todo, o BTS também é estratégico com
as mídias convencionais. Eles consolidaram-se, assim como outros grupos de K-pop nas
plataformas digitais, mas, ao se tornarem fenômenos mundiais, passaram a ter o
reconhecimento da mídia, seja a mais tradicional ou a especializada.

REFERÊNCIAS

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Capítulo 43

Mídia, cultura de massa e olimpianos:


ascensão e excentricidades da cantora Ludmilla

Matheus Teixeira Batista (UFSJ)


Richielle Raimunda de Oliveira Santos (UFSJ)

RESUMO: O artigo discute como a cantora e compositora Ludmilla pode ser considerada uma
olimpiana a partir do conceito do filósofo francês Edgar Morin (1997). Com uma carreira em
ascensão, a artista, que teve uma origem pobre, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, já aos
8 anos, começou a ter contato com a música. Em 2014, já estourou com o seu primeiro single e
a partir daí a sua carreira se consolidou com cantora de funk, rap e pop, passando a fazer
parcerias com vários outros cantores e grupos de sucesso da música. Hoje, é uma das cantoras
mais bem-sucedidas da música pop brasileira e com um grande número de fãs, com um
comportamento marcado pelo engajamento em defesa das minorias, como as causas
LGBTQIA+ e a luta pelo racismo, homofobia e machismo. Em 2022, foi uma das estrelas do
Rock in Rio.

PALAVRAS-CHAVE: Ludmilla; Olimpiana; Cultura de massa; Funk; Excentricidades;

1. INTRODUÇÃO

O texto reporta uma análise da Mídia com base na cultura de massa e os olimpianos, o
mesmo analisa a cantora brasileira Ludmilla desde sua ascensão e excentricidades com base na
Teoria Culturológica proposta por Edgar Morin (1997), dentro do atual cenário político e
cultural brasileiro. A partir de elementos e características da cultura de massa (Indústria
cultural, eros cotidiano, olimpianos, juventude, revólver, amor), a análise articula os conceitos
e os desenvolve com base na trajetória da cantora.
Os objetivos são explicitar e exemplificar os pressupostos básicos da Teoria
Culturológica em um produto de cultura de massa a partir de gatilhos durante a sua construção
e trajetória. Objetiva-se ainda relacionar-se com o atual mercado cultural e como isso se reflete
através de imposições naturalizadas na construção de figuras públicas que buscam vender seu
produto mediante a um cenário preestabelecido e pouco maleável. O estudo baseia-se em
pesquisa a partir de observação direta e constatação de fatos.

2. DA INDÚSTRIA CULTURAL À CULTURA DE MASSA

Para se discutir a trajetória da cantora Ludmilla, é importante remeter ao conceito de


indústria cultural e mitos da era moderna. Ao se constituir como uma celebridade que, em pouco
tempo, tornou-se uma das principais cantoras do universo pop brasileiro e ao mesmo tempo
representativa por ser negra, assumidamente homossexual e defensora da comunidade das
periferias e das minorias, Ludmilla também é um ícone de beleza, que inspira pela sua postura,
tem milhões de fãs em suas redes sociais e não deixa de ter suas excentricidades, como a sua
briga com a também Anitta.
No que diz respeito ao conceito de indústria cultural, Adorno & Horkheimer (2000), ao
formularem o conceito em 1947, quando estavam na primeira fase da Teoria Crítica ou Escola
de Frankfurt, apresentam uma visão crítica. Eles acreditam que a era moderna e o iluminismo
gerou uma grande transformação na sociedade, fazendo com que a industrialização atingisse a
esfera da arte e da cultura. Então, assim como na indústria pesada, pensada sob a ótica fordista,
com produção em série, padronização, divisão social do trabalho, assim também passam a ser
as cadeias produtivas no mundo cultural. Filmes, telenovelas, músicas tornaram-se, no século
XX, grandes indústrias. Estão dentro de grandes cadeias de produção, resultam em produtos
padronizados e levam a uma perda do caráter de inovação e de criação. Nesse sentido, ao se
analisar o trabalho de Ludmilla, seria mais uma cantora a ser inserida na linha dos gêneros
funk/pop, como Anitta e muitas outras que vieram a seguir. A fórmula de sucesso é muito
semelhante e busca atingir um público parecido.
Edgar Morin (1997), por sua vez, no livro “Cultura de massas no século XX. Neurose”,
discute o conceito de cultura de massa e apresenta as suas características. Nele, o autor apresenta
tais elementos peculiares desta nova forma de cultura que ascende no mundo moderno, muitas
vezes vista como uma transição no campo da comunicação. Em sua análise, Edgar Morin
propõe uma sociologia da cultura, onde a cultura de massa forma um sistema de culturas,
constituindo-se como um conjunto de símbolos, valores, mitos e imagens que dizem respeito
quer à vida prática quer ao imaginário coletivo;
Todavia, não é o único sistema cultural das sociedades contemporâneas. Estas são
realidades policulturais, em que a cultura de massa se faz incluir, controlar, censurar (...) e, ao
mesmo tempo, tende a corromper e a desagregar as outras culturas. A cultura de massa não é
autônoma no sentido absoluto do termo, pode embeber-se da cultura nacional, religiosa ou
humanística e, por sua vez, penetrar na cultura nacional, religiosa ou humanística. Não é a única
cultura do século XX, mas é a corrente verdadeiramente de massa e verdadeiramente nova do
século XX.
Para Adorno & Horkheimer (2000), a indústria cultural trata os espectadores como
massa, anulando a sua individualidade. Ela supõe que todos são iguais e querem a mesma coisa.
Essa indústria nivela por baixo as diferentes camadas intelectuais, utilizando-se dos canais de
comunicação e dos programas oferecidos para passar a ideologia dominante adiante e manter
as pessoas crentes naquela ideologia e satisfeitas com a situação política e econômica em que
vivem.
Entretanto, Morin (1997) questiona esta visão e acredita que a indústria cultural pode
ser pensada a partir de dois eixos. Um primeiro eixo, que é o da padronização, voltado para esse
foco da industrialização e da produção em série, que reforça o sistema capitalista e tende a
simplificar os produtos. O outro aspecto refere-se ao oposto, o eixo da criação, da inovação, da
arte, que mantém viva justamente a indústria por trazer novidades.
Ao analisar a cantora Ludmilla, pode-se afirmar que ela reforça a lógica mercadológica
ao ser um dos produtos mais lucrativos da indústria cultural brasileira. Somente em 2021, ela
lucrou mais de 20 milhões de reais. A cantora vende a sua arte (música), não só para o público
brasileiro. Considerada a “queridinha” do mercado publicitário em 2018, pela revista Veja, a
cantora assumiu os cabelos naturais, aderiu ao obrigatório discurso do “empoderamento”
feminino e lançou vários hits de sucesso. Ludmilla estampou diversas campanhas nacionais,
anunciando de rede de telefonia a grife de roupas
Por outro lado, não se pode ignorar o talento da cantora Ludmilla e o fato de que ela
pode ser analisada a partir da lógica identitária. Ludmilla, aos 28 anos, já conquistou o Brasil.
Conhecida anteriormente como Mc Beyoncé, a funkeira após assumir seu nome de batismo
como nome artístico, passa a transitar entre o pop, Rap, Trap e pagode, conciliado com os feats
internacionais à sua carreira como atriz.
A cantora é uma figura que não se reduz a um produto. Transcende ao não se enquadrar
nos padrões impostos à mulher tradicional. Ao contrário, apesar de criticarem de se colocar
como objeto, Ludmilla mostra-se empoderada colocando seu corpo e sua arte à disposição de
bandeiras que a mesma se identifica. Ao mesmo tempo, a cantora tem se mostrado cada vez
mais atuante em relação a causas sociais e políticas.
3. MITOS DA ERA MODERNA

Na visão de Morin (1997), a cultura de massa é uma forma de os indivíduos fugirem da


realidade ao mergulharem no mundo ficcional. Ele recorre a Freud para tratar justamente da
contraposição entre o Princípio de Realidade (que é voltado para enfrentar a realidade e gera
desprazer) e o Princípio do Prazer (que tem a ver com a sensação de prazer e a tentativa de não
encarar as frustrações da realidade). Na perspectiva freudiana, a criança tem contato com o
Princípio de Realidade a partir do momento que a mãe tira o seio da criança no processo de
amamentar, fazendo com que ela tenha as primeiras sensações de desprazer e a noção de que a
realidade pode ser frustrante. Para Freud, a realidade sempre será em forma de embates. Por
isso, o ser humano busca formas de sublimar ou deslocar as suas frustrações, seja nas obras de
arte, na religião. A cultura de massa, segundo Morin (1997), é uma forma de fugir da realidade,
é uma válvula de escape.
Nesse sentido, dentre os elementos da cultura de massa, Edgar Morin (1997) descreve
uma importante característica contemporânea: os “olimpianos”. Caracterizados como “vedetes
da mídia”, eles estão presentes no imaginário popular e são considerados ídolos e modelos de
comportamento e sucesso. Morin destaca que os olimpianos não se concentram apenas nas
estrelas do cinema, mas em uma gama de celebridades, esportistas, políticos, príncipes, reis,
entre outros, que estão envoltos pela ideia de heroísmo e santificação.
Segundo Morin, os olimpianos são produtos da circulação de informação, os
acontecimentos de suas vidas são elevados a acontecimentos públicos, tudo o que fazem gera
especulação e é programado para atrair publicidade e curiosidade. Morin (1997) explica que os
olimpianos traçam uma “síntese ideal da projeção e da identificação”, há um processo de
espetacularização acerca de suas vidas e de suas personalidades. O olimpo é apresentado como
um mundo ilusório em que tudo é possível. Os olimpianos são pessoas que conseguem atingir
o ponto mais alto da vida digna de ser vivida, enquanto o público assiste e acompanha cada
passo de suas jornadas.
Morin (1997) descreve a relação dos olimpianos com a imprensa de massa como a união
entre o real e o irreal. Os olimpianos são colocados como “seres mitológicos” e perfeitos, há a
necessidade de explorar suas vidas privadas, como se fosse a união dos palcos com os
bastidores. Isso desperta a curiosidade do público, pois ao mesmo o aproxima e distância do
olimpo. Os olimpianos executam ações de um mero mortal e simultaneamente agir como
“super-humanos”, capazes de criar suas próprias regras e seus próprios mundos.
Segundo o autor, os olimpianos possuem uma natureza ambígua, surgem do elo entre o
humano e o sobre-humano. Na verdade, eles são 'super-humanos', aqueles que são perseguidos
por paparazzi, utilizam as roupas mais caras, criam tendências e estampam todos os produtos
midiáticos possíveis. Há a divindade e a exclusividade, seres únicos e extraordinários que
jamais serão substituídos. Porém, também possuem o lado humano, expresso em suas vidas
privadas, que pelo fato de serem divindades são exploradas constantemente pela mídia.

Os olimpianos, por meio de sua dupla natureza, divina e humana,


efetuam a circulação permanente entre o mundo da projeção e o
mundo da identificação. Concentram nessa dupla natureza um
complexo virulento de projeção-identificação. Eles realizam os
fantasmas que os mortais não podem realizar, mas chamam os
mortais para realizar o imaginário (MORIN, 1997, p.107).

A publicidade está fortemente ligada aos olimpianos. Ela é responsável pela


manutenção de seu status. É a publicidade que faz o poder dos olimpianos ser irrestrito,
formando uma troca de duplo benefício: eles atuam como modelos publicitários da verdadeira
vida. São os heróis da vida privada, estão em todos os setores da cultura de massa.
Tratando sobre a trajetória de olimpianos, a revista Superinteressante, edição 198,
publicada em março de 2004, traz uma análise sobre a carreira de Michael Jackson, em
reportagem “O peão do pop”, assinada por Bárbara Soalheiro e Ivan Finotti (2004). A
reportagem, capa da edição, tenta explicar a queda que Jackson sofreu em sua vida privada e
pública. A revista considera que o ponto mais importante da carreira de Jackson ocorreu quando
o cantor realizou o passo batizado de moonwalk pela primeira vez, na noite de 16 de maio de
1983. Desde então, Jackson iniciou o seu auge e se consagrou. Assim, ele havia se tornado um
poderoso expoente da dança e da música pop, um artista de referência para todo o segmento. A
partir daquela noite Jackson ficaria conhecido como “O Rei do Pop”, e iniciaria uma trajetória
que a revista separou em diferentes fases: construção, idolatria, excentricidade, megalomania e
destruição. A Superinteressante acredita que o destino de Jackson já estava traçado desde o
início, pois discute a ideia de que ídolos são criados para serem destruídos.
Segundo Finotti & Soalheiro (2004), a primeira fase analisada pela revista é a
construção da carreira de Jackson. Diferentemente de outros artistas pop, o cantor sempre
mostrou talentos extraordinários, como sua dança e sua música. De acordo com Larry LeBlanc,
editor da revista norte americana Billboard, o início da carreira de Jackson pode ser visto como
brilhante, ele não se enquadra na fila de artistas fabricados apenas para fazer sucesso. O frisson
de Jackson era tanto que atraiu até mesmo figuras já consagradas, como Fred Astaire e Gene
Kelly, que procuraram Jackson após sua performance de Billie Jean no evento Motown 25. A
revista afirma que todos os especialistas ouvidos em sua reportagem afirmaram que Michael
Jackson é um dos artistas mais talentosos que a música pop já viu. Jackson iniciou sua carreira
aos 5 anos de idade, e, já na infância obteve grande sucesso ao lado dos irmãos. O sucesso
comercial esteve presente em toda a primeira fase de sua carreira, e se prolongou até seus
últimos dias. Durante os anos 80, Jackson tornou-se um fenômeno, que, de acordo com a revista,
não alcançou apenas altas vendas.
Uma outra característica analisada pela revista é a idolatria, considerada a segunda fase
do status do cantor. Jackson atingiu o ponto máximo da fama, se tornou um grande ídolo e
levava multidões à loucura. Seus discos eram os mais vendidos, seus vídeos eram os mais
assistidos e seus shows lotavam estádios. A relação de idolatria entre Jackson e seus fãs era
cada vez mais forte. Michael Jackson conseguiu unir a imagem de superstar a duas outras
importantes características. A primeira delas é a ideia de um homem preocupado com o mundo,
o meio ambiente e a condição social do planeta, e a segunda de um homem de negócios bem-
sucedido, um empresário consciente de suas próprias ações. Jackson também valorizava a
relação com os fãs, e buscava agradá-los o máximo possível. O seu principal objetivo era
superar o sucesso que já havia conquistado. A imagem construída sobre cantor era de um ídolo
onipotente, o que, de acordo com o antropólogo Roberto da Matta, consultado pela revista, foi
um dos principais motivos de sua destruição.
Uma das características que marca os olimpianos refere-se às excentricidades, marcante
no comportamento de Michael Jackson. Como abordaremos na análise, Ludmilla também tem
comportamentos excêntricos, como o envolvimento em atritos com outros artistas e exigências
nos seus shows que são consideradas exageradas. Segundo a revista, é a excentricidade que
mantém as celebridades na mídia, e, por esse motivo, é um importante fator no mundo do
entretenimento. Michael Jackson uniu essas excentricidades ao narcisismo, o cantor tinha uma
busca incessante por realizar todos os seus desejos e vontades. Ele se tornou o centro de seu
próprio mundo, e começou a criar um ciclo vicioso de auto realização. A revista sugere que as
excentricidades de Jackson começaram a assustar, pois não tinham limites e acabaram o levando
a megalomania. O astro podia ter tudo que quisesse, e isso acarretava atitudes insanas e fora
dos padrões de aceitação social.
Após se tornar uma das maiores celebridades do planeta, atingir a idolatria, expressar
suas excentricidades e megalomanias, Jackson passou por uma fase baixa, chamada pela
Superinteressante de destruição. Sucessivos acontecimentos, como acusações de pedofilia,
aparições desastrosas, balançar seu filho mais novo na sacada de um hotel, casamentos
polêmicos, e sua própria aparência fizeram de Jackson um ídolo destruído. De acordo com a
revista, em meados dos anos 2000, Jackson tinha dívidas milionárias e não conseguia quitá-las.
Este seria este o real motivo da venda do rancho Neverland e de outras propriedades. Além
disso, o cantor foi submetido a um julgamento e não pode fazer nada para evitar, como da
primeira vez que foi acusado de abusar de menores. Jackson enfrentou uma crise em sua
imagem, o astro não era mais o herói popular de sua fase de idolatria. Agora, a sua imagem era
de um popstar bizarro e decadente.
A reportagem da Superinteressante mostra como a carreira de Michael Jackson atingiu
o pico do sucesso e de lá despencou em queda livre. Da idolatria à destruição, uma característica
foi puxando e levando a outra. O cantor se manteve na mídia do início ao fim de sua carreira,
criando uma ideia que primeiramente foi exaltada e com o passar destruída pela mídia pelo
astro e pelo próprio público.

4. ESTUDO DE CASO: LUDMILLA E AS SUAS AMBIGUIDADES

4.1 A trajetória de Ludmilla

Ludmilla, cantora e compositora brasileira, nasceu em 24 de abril de 1995, em Duque


de Caxias, no Rio de Janeiro. Recebeu o nome de registro de Ludmilla Oliveira da Silva. Ficou
conhecida ao postar vídeo da música “Fala Mal de Mim”, no YouTube, quando tinha 17 anos.
Lançou seu primeiro disco profissional em 2013. É casada com a bailarina Brunna Gonçalves,
que, em 2021, participou do reality show da Globo, Big Brother Brasil (BBB).
Assim como boa parte dos artistas de funk e negros do país, Ludmilla tem uma história
de vida marcada por dificuldades. Os primeiros anos de vida da cantora foram sofridos, idêntico
ao que acontece em várias famílias na cidade de Duque de Caixas, Rio de Janeiro, onde nasceu.
Filha de Silvana Sales Oliveira, ela foi abandonada pelo pai ainda recém-nascida e criada pela
mãe, pela avó e pelo ex-padrasto. Quando criança, a família viveu momentos bem complicados,
chegando a extremos de passarem fome.
Com 8 anos de idade, começou a cantar junto com o grupo de pagode de seu ex-padastro
nas reuniões de família e já chamava a atenção de que teria sucesso no ofício. Em 2012, com
17 anos, passou a postar vídeos nas redes sociais, cantando funks, muitos de sua autoria. Certa
vez estava em uma festa e o DJ precisava de alguém que soubesse cantar e fazer rimas. Ela
topou o desafio. Subiu no palco e fez grande sucesso. Logo passou a ser chamada para se
apresentar em diversos bailes no Rio de Janeiro, com o nome artístico de MC Beyoncé, uma
homenagem à cantora de que era fã.
Lançou a música autoral “Fala Mal de Mim”, que alcançou a marca de 15 milhões de
visualizações no YouTube. No ano seguinte, depois de uma briga com seu empresário, deixou
de usar o nome de MC Beyoncé e seguiu carreira adotando seu nome de registro. O seu sucesso
logo chamou a atenção da gravadora da Warner Music, que a contratou para fazer parte do seu
casting. Em 2014, lançou o seu primeiro single pela gravadora. “Sem Querer” vinha com a
assinatura de MC Ludmilla, mas logo foi alterado para somente Ludmilla, pois ela achava que
poderia haver algum tipo de preconceito no mercado musical. Essa mudança de fase foi enorme,
pois agora contava com equipe de 16 pessoas, que incluía até personal stylist, para fazer seus
shows pelo Brasil. Em 26 de agosto de 2014, aconteceu o lançamento de seu primeiro disco,
chamado “Hoje”. Quando surgiu cantando o single “Fala Mal de Mim”, estourou em São Paulo
como trilha sonora de todos os bailes funk da cidade. Mas o sucesso no Rio de Janeiro só viria
após a troca de nomes com o single “Hoje”.
A trajetória da cantora até o estrelato começou cedo, aos 18 anos já havia se tornado
referência em funk melody no país. Além disso, Ludmilla foi uma das responsáveis pela quebra
de estigmas com o ritmo, que sempre foi visto como muito sexualizado e de baixo valor para
as rádios brasileiras. Porém, a mescla de batidas pop, r&b, samba e letras românticas
transformou o ritmo e colocou a cantora em primeiro lugar nas paradas de todo o Brasil. Após
o seu primeiro disco, Ludmilla concorreu a várias premiações e venceu em: Radio Music
Awards Brasil (Revelação e Melhor coreografia), Melhores do Ano (Música do ano), Prêmio
Jovem Brasileiro (Melhor Cantora Jovem) e Prêmio Glamour (Cantora do Ano). Com o
sucesso, rodou o país com duas turnês de show que esgotaram rapidamente pelas cidades em
que passou: Turnê Poder da Preta (2015-2016) e Turnê Danada (2016-2018).
Entre as curiosidades sobre Ludmilla, está o fato de que ela é fã de Beyoncé, cantora
norte-americana de R&B. Seu primeiro nome artístico, Mc Beyoncé, era uma homenagem à
diva internacional. A funkeira já fez muitas participações na TV como na novela I Love
Paraisópolis, Mister Brown e X Factor, onde cantou o single “Hoje” e “Sou eu”. Hoje, ela,
desde 2021, integra o Programa “The Voice Brasil”, da Globo.
Figura 1
Ludmilla no The Voice da Globo

Fonte: Portal G1, 2022

4.2 Análise da cantora Ludmilla à luz da cultura de massa

Em relação aos olimpianos, é evidente que Ludmilla é um dos fenômenos do mundo


pop não somente brasileiro, mas do cenário da música atual. Hoje, ela tem mais de 27 milhões
de seguidores no Instagram, cerca de 7 milhões de seguidores no seu canal no YouTube, em
que a artista acumula mais de 28 milhões de visualizações somente na música Maldivas,
presente no seu álbum Numanice 2. O que, por sua vez, gera identificação por parte do público,
em especial o LGBTQIA+, visto que a música foi composta para a sua esposa, Bruna
Gonçalves, enquanto a mesma estava confinada no reality Big Brother Brasil, em 2021.
A cantora fala de amor e também tem sua vida amorosa exposta na mídia. Em 2019, ela assume
o relacionamento com a até então bailarina Bruna, o que, por sua vez, foi motivo de críticas,
por um lado, e de admiração por outro, alavancando a carreira e crescendo ainda mais o número
de fãs da cantora, agora com um novo segmento.
Outro elemento muito presente na carreira da artista é a juventude. Começou a sua
carreira bem jovem, aos 17 anos, emplacando seu primeiro sucesso, a música Fala mal de mim,
ganhou o gosto popular pela melodia dançante e letra fácil de ser decorada, onde a mesma criou
forte identificação com o público jovem. Hoje, dona de letras de sucesso, as músicas sempre
dançantes e com uma pegada sensual e trazendo a temática de empoderamento, fazem sucesso
em qualquer ritmo que ela mesma cante. Sempre se mostrando muito independente, Ludmilla
reforça a necessidade de empoderamento feminino, não só ideologicamente, mas demonstrando
de forma material, quando a mesma ostenta casas, carros e viagens, tudo de luxo, sempre
deixando a entender que ela é quem paga, sem depender de ninguém.
No que diz respeito ao Revólver, que é a polarização entre valores masculinos (Tanatos
– agressividade) versus valores femininos (Eros – amor), a carreira de Ludmilla é marcada por
polêmicas. Como toda pessoa que possui uma vida pública, a cantora já se envolveu em diversas
polêmicas, sendo algumas bem notórias, como o caso em que a mesma processa a empresária
Val Marchiori por injúria racial, e o desdobramento do caso em que o advogado que fez a defesa
da artista alega que ela não pagou seus honorários desde 2016, mesmo ano em que começou a
trabalhar para a cantora. Entretanto, a briga mais falada na carreira de Ludmilla foi com a
cantora Anitta, por causa dos direitos autorais de sua música Onda Diferente. Em áudio, ela
fala que estava feliz por Ivete ter cantado sua música no 'Rock in Rio', mas que não estava
vendo seu nome na produção. Ludmila ainda soltou diversos pontos de sua mensagem com a
dona de "Girl for Rio", dizendo que o problema todo era ela e suas 'inverdades', o que gerou
uma briga entre fãs.
Certa das suas colocações, a temida fase da “geladeira” não durou muito tempo na vida
da cantora. Pouco tempo depois, ela lançou o single Cobra venenosa, que instantaneamente é
associado aos fãs com a briga entre as divas do pop nacional. Sempre se envolvendo em
polêmicas, Ludmilla, faz das mesmas, fermento para o sucesso, mantendo-se sempre em alta e
com diversos convites para feats, além das suas músicas autorais e projetos de cinema. Lotando
casas por onde passa, a cantora tem uma agenda concorridíssima, chegando a fazer 22 por mês,
faturando de 300 mil a 1 milhão por apresentação.
Em 2022, foi uma das estrelas do Rock in Rio. Ludmilla fez um grande show no Palco
Sunset no evento musical, que foi elogiado pelo público e pela crítica. Em coluna no Portal
Uol, o colunista Preto Zezé, presidente nacional da Cufa, fundador do Laboratório de Inovação
Social e membro da Frente Nacional Antirracista, escreveu o artigo “O Brasil de Ludmilla.
Show da artista no Rock in Rio teve várias mensagens, emoção e muita potência”, no dia 12 de
setembro. Ele afirma que o encerramento do Rock in Rio foi um dia histórico, principalmente
pela participação de Ludmilla, que conseguiu agregar emoção com muita alegria, além de não
deixar de bem registradas as marcas da sua raiz com o funk, com a periferia.
Ludmilla Oliveira da Silva - mais conhecida como Ludmilla e,
anteriormente, como MC Beyoncé - é cantora, compositora, multi-
instrumentista, atriz, empresária brasileira, mulher preta, lésbica e
cria de favela da Baixada Fluminense.
No domingo ela mostrou ao mundo, no palco pilotado por Zé
Ricardo, sua dinâmica de ir do funk ao trap, do pagode ao afrobeat.
Com uma rajada de hits, trazendo sua trajetória, história e memórias
de lutas e de glórias, nos presenteou com uma performance que
encantou artistas, atletas e personalidade que assistiam a umas das
maiores da música popular brasileira.
O público estava frenético, hipnotizado. As músicas eram cantadas
com entusiasmo e uma energia contagiante que a multidão fazia
ecoar longe. A rainha da favela entregou tudo e mais um pouco.
A emoção tomou conta em vários momentos: quando Lud
apresentou no telão sua mãe, Silvana, quando relembrou os
momentos que quase a fizeram desistir e as dores com o racismo
que a ataca, quase sempre tentando invalidar seu talento e
impossibilitar sua existência.
Lud, amorosa como é, trouxe sua companheira ao palco na hora de
"Maldivas". Mas, além de amor, com generosidade ela colocou a
mesa no palco, num verdadeiro banquete de talentos e a presença
ilustre de mulheres pretas de várias gerações, como as gêmeas
Tasha e Tracie, a mais jovem delas, MC Soffia, Majur e a lendária
Tati Quebra Barraco. No céu de Ludmilla há espaços para brilhos
de muitas estrelas.
Emocionada e com olhos marejados, ela cantou de tudo com
maestria. Sua versatilidade brilhou quando ela trouxe seu lado
pagodeira com clássicos do "Numanice", fazendo transbordar afeto
e muito amor na arena lotada do Rock in Rio.
Em números, Ludmilla é umas das mais ouvidas no Spotify,
indicada três vezes ao Latin American Music Awards.
A rainha da favela não esquece suas origens e faz questão de trazer
temas importantes para sua musicalidade.
O Palco Sunset tornou-se o grande espaço de experimentação e
fortalecimento de protagonismo, criatividade e inovação da música
brasileira. Completa-se com o palco Mundo com grandes nomes da
música internacional.
Acompanhando os três palcos —Sunset, Favela e Mundo—, tive a
honra e o privilégio de testemunhar e me emocionar com uma
produção 100% brasileira, que apresentou um Brasil inclusivo,
plural, diverso, com muitas cores, classes e sotaques cantando em
alto e bom tom essa ópera democrática (PRETO ZEZÉ, PORTAL
UOL, 12 de setembro de 2022).

A análise feita pelo colunista dialoga com as teorias de Edgar Morin (1997), tendo em
vista que ao mesmo tempo que Ludmilla se apresenta como uma estrela, uma olimpiana, que
mostra o seu talento, brilha diante de milhares de fãs e produziu um dos shows mais caros do
Rock in Rio, mostrando que se tornou um dos maiores ícones da música pop brasileira, ela
também não deixa de mostrar o seu lado de proximidade com o público. Como o colunista
lembrou, Ludmilla não esquece as suas origens na favela, a origem humilde, apresentou no
telão a sua mãe e buscou mostrar que é defensora dos direitos das minorias, da população preta,
da comunidade LGBTQIA+ e que o seu sucesso faz com que a sua mensagem chegue a um
público cada vez maior.

Figura 2
Ludmilla brilha no Rock in Rio em 2022

Fonte: Portal G1, 2022

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho buscou apresentar a cultura de massa conceituada por Edgar Morin, e a
partir dela analisar a cantora Ludmilla. A partir da definição de Morin que a cultura de massa
é uma forma dos indivíduos fugirem da realidade e por isso existem as vedetes modernos ou
olimpianos, que são os ídolos que as pessoas seguem. Dessa forma é inegável que a cantora
Ludmilla é uma grande olimpiana no Brasil, já que sua vida é praticamente toda exposta na
mídia.
A exposição da cantora é composta de diversos elementos característicos da cultura de
massa, como o amor que se destaca no casamento com Bruna, a juventude tendo em vista o
início precoce de sua carreira e principalmente o revólver, já que frequentemente o nome de
Ludmilla está entre algumas polêmicas do mundo dos famosos.
Constata-se, portanto, que, apesar de escrita há duas décadas, a teoria de Morin sobre
cultura de massas tem se mostrado atemporal e cada vez mais presente no mundo
contemporâneo, a cada dia surgem novos vedetes na grande mídia.

REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Indústria cultural. Iluminismo como
mistificação das massas. In: LIMA, Luiz Costa (Org). Teorias da Cultura de Massa. São
Paulo: Paz e Terra, 2000.

MORIN, Edgar. Culturas de massas no século XX. Neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997.

SOALHEIRO, Bárbara & FINOTTI, Ivan. Como o pop matou o seu rei. Michael Jackson:
ascensão e queda. Superinteressante. Edição 198 – março/2004. Disponível em:
http://super.abril.com.br/cultura/michel-jackson-ascensao-queda-479983.shtml. Acesso em 02
de outubro de 2022.
Capítulo 44

Cultura de Massa e Mitos Modernos:


Uma análise da trajetória de David Bowie como um dos ícones da música pop

Ana Gabriela Oliveira (UFSJ)


Anna Júlia Braga (UFSJ)

RESUMO: O artigo analisa a trajetória e carreira de David Bowie, tendo como referência a
discussão sobre os mitos da era moderna ou olimpianos, com base em autores como Edgar
Morin (1997), Douglas Kellner (2001). Discute-se como, no século XX, emergem modelos de
comportamento na esfera da cultura que passam a ter as suas vidas expostas pela mídia, tanto
na esfera privada como pública. A partir da análise feita por Finotti e Soalheiro (2004), na
Revista Superintessante, sobre a carreira do astro Michael Jackson, são apontadas cinco fases
na vida de uma celebridade: a construção do mito, a fase de idolatria (quando atinge o auge na
sua carreira), as excentricidades (para se manter na mídia, tornam-se excêntricos e têm suas
vidas privadas expostas), megalomania (quando se perde o controle e a noção da realidade ao
começar a cometer ilegalidades ou abusar de drogas, álcool e colocar em risco a sua reputação
ou a própria vida) e a destruição (quando voltam à condição de meros mortais em função de
condutas questionáveis, como, no caso de Michael Jackson, que chegou a ser preso sob
acusação de abuso sexual contra crianças). A partir destas fases, o artigo analisa as fases na
carreira de David Bowie.

PALAVRAS-CHAVE: Música; Indústria cultural; Olimpianos; David Bowie;


Excentricidades.

1. INTRODUÇÃO

David Bowie tem sido uma figura referência na indústria musical há cinco décadas.
Apelidado de “camaleão do Rock”, pelas constantes mudanças no seu estilo musical e por
encarnar personagens temáticos em alguns de seus álbuns, esteve na linha de frente do gênero
pop rock por muitos anos, considerado um dos músicos mais inovadores e influentes de todos
os tempos, apresentando um vocal característico e profundidade intelectual em suas obras.
O cantor David Bowie (David Robert Jones), que nasceu em Londres em 8 de janeiro
de 1974 e faleceu em Nova Iorque em 10 de janeiro de 2016 foi uma das figuras mais polêmicas
do mundo pop dos anos 70 até o final do século XX. Cantor, compositor, ator e produtor musical
britânico, foi considerado um camaleão do “rock” pela sua capacidade de inovar. Tornou-se
conhecido somente em 1969, com a canção “Space Oddity”. Ficou conhecido como assumir
personagens em suas performances nos palcos, entre elas a figura de Ziggy, no disco Aladdin
Sane em 1973 que foi um sucesso também nos EUA. A vida curta da persona revelaria apenas
uma das muitas facetas de uma carreira marcada pela reinvenção contínua, pela inovação
musical e pela apresentação visual.
Ainda nos anos 70, em nova fase, assumiu uma postura mais “punk”. Em 1974, o
álbum Diamond Dogs previa, com seu som e sua temática caótica, a revolução punk que
surgiria anos depois. Em 1975, Bowie finalmente conseguiu seu primeiro grande sucesso em
território americano com a canção "Fame", em coautoria com John Lennon, do álbum Young
Americans. O som constitui uma mudança radical no estilo que, inicialmente, alienou muitos
de seus devotos no Reino Unido. Nessa etapa, a carreira musical de Bowie se renovou e seguiu
novos rumos.
Seguindo o sucesso comercial irregular no final dos anos 70, a canção "Ashes to Ashes"
do álbum de 1980 Scary Monsters (and Super Creeps) alcançou o primeiro lugar no Reino
Unido e lançou bases para um novo movimento chamado New Romanticism. No ano seguinte,
junto à banda Queen, escreveu e cantou a canção "Under Pressure" e em seguida atingiu novo
pico comercial com o álbum Let's Dance (1983), que rendeu sucessos com a canção
homônima e o fez cativar nova audiência. Ao longo dos anos 1990 e 2000, Bowie continuou a
experimentar novos estilos musicais, incluindo gêneros mais adaptados ao mercado fonográfico
comercial.
. Após um período de quase dez anos em hiato, divulgou The Next Day em 2013 e recebe
boas avaliações da crítica e público. Após comemorar 50 de carreira com a coletânea Nothing
Has Changed em 2014, o cantor produziu seu último trabalho ainda vivo, o
álbum Blackstar (2016). A influência de David Bowie ainda é grande no cenário da música
pop. Em 2004, a Rolling Stone colocou-o na 39ª posição em sua lista dos "100 Maiores Artistas
do Rock de Todos os Tempos" e em 23º lugar na lista dos "Melhores Cantores de Todos os
Tempos".
Diante de uma trajetória tão bem-sucedida e cheia de excentricidades, pode-se falar
numa das características da cultura de massa, apontada por Edgar Morin, a existência dos
Olimpianos. Para manter seu funcionamento eficiente, a mídia cria personagens, com a intenção
de manter a atenção do espectador. São esses os olimpianos modernos: eles têm suas vidas
privadas expostas e dissecadas pela mídia. Os espectadores identificam-se e inspiram-se pelos
seus ídolos, buscando constantemente aspectos que os tornem similares, terminando frustrados,
pois o olimpiano encontra-se em um patamar muito superior ao das meras pessoas comuns. O
trabalho vai contextualizar esse conceito na carreira de David Bowie, trazendo também como
apoio textos de análise de Madonna, com base em Kellner (2001) e Michael Jackson, a partir
de Finotti e Soalheiro (2004). Com base do documentário “A História de Vida de David
Bowie”, lançado em 2018, será feita uma análise das fases do mito, desde a sua construção,
idolatria e excentricidades.

2. CULTURA DE MASSA E A EMERGÊNCIA DOS MITOS DA ERA MODERNA: OS


OLIMPIANOS

O século XX é marcado por grandes transformações nos diferentes setores, tanto


econômico, como político, social e cultural, com a intensificação do processo industrial e a
consolidação do capitalismo monopolista. Formam-se os grandes conglomerados ou
oligopólios nos distintos segmentos econômicos. É aí que entra a chamada industrialização da
esfera da cultura e da arte, temática que será muito bem trabalhada pelos filósofos da Escola de
Frankfurt que formularam o conceito de indústria cultural. Theodor Adorno e Max Horkheimer
(2000) criam, no ensaio “Indústria cultural: o iluminismo como mistificação das massas”, o
termo indústria cultural para se contrapor à ideia de cultura de massas, já que, para eles, nada
passa mais a ser produzido de forma autônoma, espontânea. Existem fortes cadeias produtivas
por trás da arte e, principalmente, da cultura, que se intensifica com o surgimento e consolidação
dos meios de comunicação de massa, como o rádio nos anos 20 e a TV nos anos 50, além do
cinema também no início do século. Os bens simbólicos passam a ser produzidos em larga
escala, numa produção seriada, padronizada e se tornam meras mercadorias.
No livro Cultura de massas no século XX. Neurose, o filósofo francês Edgar Morin
(1997) estabelece um diálogo com a Teoria Crítica sobre o conceito de indústria cultural.
Apesar de concordar sobre este aspecto de como há uma segunda industrialização que atinge a
esfera da arte, ele acredita que existe sim uma cultura de massa, que é criada pela mídia e que
transcende o poder industrial. Por isso, ele aponta várias características desta cultura emergente.
Entre estes elementos, está a indústria cultural, que teria dois polos: o da padronização, mas
também o da criação, da arte e da inovação.
Outras características da cultura de massa que, segundo Morin (1997), funciona como
um mundo que permite ao público fugir da dura realidade, são: felicidade, juventude, amor,
promoção dos valores femininos, eros cotidiano. Mas ele dá grande ênfase ao que ele chama de
olimpianos ou mitos da era moderna, que são os personagens que vão povoar a sociedade do
espetáculo e do consumo. Tratam-se de mitos que são seres mortais elevados à condição de
quase divindade. Morin (1997), então, estabelece o “novo Olimpo” como o produto mais
original da evolução da cultura de massa. Estrelas que já haviam antes sido promovidas a
divindades, agora exercem sua presença pública de forma a causar identificação e projeção dos
espectadores. Os olimpianos não são apenas os astros de cinema, são monarcas, artistas, atletas,
cantores, políticos e influencers.
Os olimpianos podem ser artistas, astros de cinema, príncipes ou reis, playboys,
campeões, dentre outros. Eles são chamados assim por habitar uma espécie de “Olimpo” que,
assim como na mitologia grega, assume um lugar distante da realidade humana. “O olimpismo
de uns nasce do imaginário, isto é, de papéis encarnados nos filmes (astros), o de outros nasce
de sua função sagrada (realeza, presidência), dos seus trabalhos heróicos (campeões,
exploradores) ou eróticos (playboys, distels) ” (MORIN, 1997 p.105).
Tendo em vista que habitam o “Olimpo”, essas figuras transitam entre o “imaginário” e
“real'', ou seja, passa a ter suas vidas controladas pela imprensa. Para manterem a sua
visibilidade e a fama, têm tanto a vida pública quanto detalhes de suas privadas e íntimas
expostas de forma contínua pela mídia. Os olimpianos possuem uma imagem heroica quando
desempenham o seu papel na mídia e uma imagem humana quando se trata da sua vida pessoal.
Nessa transição contínua entre a vida privada e profissional, a mídia executa uma função de
construção de imagem (MORIN, 1997). Assim como a mídia estrutura a imagem de alguns
artistas, ela exige também um certo acesso à vida pessoal dessas personalidades, a fim de
aproximá-las das pessoas comuns, que não habitam o “Olimpo”. Isso acontece com vários
artistas que compartilham informações como acontecimentos familiares, status de
relacionamento, perdas e ganhos profissionais, rotinas diárias, dentre outras situações.
Esse comportamento acabou se tornando rotineiro, ainda mais na era das redes e das
mídias digitais, em que as informações circulam de maneira veloz e instantânea. Tornou-se
mais fácil acompanhar os artistas e outras personalidades famosas nas mídias sociais, uma vez
que se tem acesso a praticamente tudo que acontece na vida dessas pessoas. Essa aproximação
se relaciona com o que Morin (1997) chama de “dupla natureza dos olimpianos”, no qual eles
mantêm o seu lado divino, onde executam as suas carreiras profissionais, e humano,
compartilhando a sua vida pessoal com a mídia.
Os olimpianos, por meio de sua dupla natureza, divina e humana,
efetuam a circulação permanente entre o mundo da projeção e o
mundo da identificação. Concentram nessa dupla natureza um
complexo virulento de projeção-identificação. Eles realizam os
fantasmas que os mortais não podem realizar, mas chamam os
mortais para realizar o imaginário (MORIN, 1997, p.107).

Em função desta dupla natureza (divina e mortal) e da sua relação com a cultura de
massa, em um determinado momento os olimpianos se tornam “modelos de cultura”, ou seja,
modelos de vida a serem seguidos. Dessa forma, alguns comportamentos ou hábitos são
“copiados” como exemplares e adotados por fãs ou seguidores. Ademais, a aparência física
também é um dos elementos que mais pode ser explorado. Nesse contexto, por exemplo, muitas
pessoas buscam possuir o mesmo corte de cabelo, o vestuário ou o formato do rosto e do corpo
parecidos, a fim de se aproximar ao máximo desse modelo.

Nesse sentido, as estrelas em suas vidas de lazer, de jogo de


espetáculo, de amor, de luxo, e na sua busca incessante da felicidade
simbolizam tipos ideais da cultura de massa. Heróis e heroínas da
vida privada, os astros e estrelas são a ala ativa da grande corte dos
olimpianos, que animam a imagem da verdadeira vida (MORIN,
1997, p.108)

A mídia transforma esses olimpianos em protagonistas da nossa realidade. Tudo em que


se envolvem são elevados à importância de acontecimentos históricos, mesmo situações
habitualmente consideradas corriqueiras. Casamentos e divórcios, partos, jantares e interações
sociais públicas. O cidadão comum saber mais sobre as vidas, os amores e as neuroses dos
famosos do que sobre acontecimentos políticos de sua pátria é comum e não questionado. A
vida cotidiana dos olimpianos é parte intrínseca da vida dos mortais.
Ao mesmo tempo em que vivem ideais inalcançáveis de existência, os olimpianos
exercem influência e tem sua vida privada compartilhada o suficiente para que as pessoas
comuns se enxerguem e se identifiquem com seus ídolos. Os olimpianos tornam-se modelos de
vida e de conduta, encarnando os mitos de autorrealização. Gestos, poses, palavras, vestuários
e penteados são assimilados, especialmente por jovens espectadores. As estrelas simbolizam os
tipos ideais da cultura de massa, trazendo exemplos da “verdadeira vida”.
Nesta sociedade do espetáculo, o que não faltam são modelos de comportamento nas
diferentes esferas – política, cultura, artes, esportes. Um exemplo de mito moderno foi o ator,
cantor e compositor David Bowie. Sua influência estende-se não só pelo setor musical, por ter
se aventurado em diversos gêneros, como também no da moda, pelos seus figurinos e
maquiagens extravagantes e criativos. Seus álbuns apresentavam conceitos intelectuais
profundos e servem de inspiração para obras culturais até os dias de hoje. Sua vida privada -
relacionamentos e acontecimentos específicos desde sua infância - também eram
compartilhados publicamente para todos os que se interessassem.
No capítulo “Madonna: moda, identidade e sexualidade”, do livro A Cultura da mídia,
de Douglas Kellner (2001), analisa a trajetória da cantora Madonna e sua influência na cultura
pop. A mais vendida das estrelas do pop, para seus fãs, Madonna é um ícone máximo: ideal de
moda e identidade. Também no centro de polêmicas, para seus críticos, ela é símbolo do
consumismo banal que toma conta dessa cultura.
Os muitos lados do fenômeno Madonna podem passar despercebidos aos olhos públicos
durante ditas polêmicas. Com caráter apaixonado, a natureza de estar totalmente a favor ou
totalmente contra à artista forma indivíduos que podem adorar ou abominá-la na mesma
intensidade. Suas imagens e suas obras, assim como os efeitos por estas produzidos, são dignas
de análise pelos aspectos de identidade, moda e sexualidade. Madonna atravessa fronteiras
estabelecidas pelos padrões dessas áreas e incentiva a experimentação e a mudança. Mesmo
assim, pode-se interpretar seus posicionamentos como reforços das formas da sociedade
consumista que cria um novo personagem como mercadoria, através do consumo e dos produtos
da indústria da moda.
A carreira da artista apresenta contradições ao apresentar imagens e produtos
desafiadores e provocadores que podem ser debatidos por reforçar convenções dominantes. Sua
obra, popularidade e influência revela importantes características da natureza e da função da
moda e identidade no mundo contemporâneo. A moda possibilita a escolha dos estilos e
imagens pelos quais será possível produzir uma identidade individual, a produção de novos
gestos, estilos, trajes e práticas.
É possível produzir um estilo próprio contrariando códigos dominantes. A própria
Madonna relata que expressava sua rebeldia como adolescente por meio da moda, se vestindo
de forma extravagante: malhas apertadas, maquiagem carregada. Tudo para contrariar os pais.
Em 1972, David Bowie lançou um dos maiores álbuns da história do rock e de sua carreira: The
Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars. Um álbum conceitual, que
estimulou o Glam Rock, segmento musical que mesclava o rock tradicional com elementos
cênicos e androginia nos figurinos e maquiagens. A mídia, ao colocar em destaque modelos de
aparência, comportamento - até a rebeldia social -, e estilo, influenciava mudanças na forma de
se portar dos espectadores, e com o astro não era diferente.
Da mesma forma, o artigo da revista Superinteressante Michael Jackson: Peão do pop,
assinado por Ivan Finotti e Bárbara Soalheiro (2004), ilustra como imediatamente após o
“estouro” na fama, a vida de Michael Jackson mudou drasticamente e permanentemente. Até o
fim de seus dias, nunca mais seria esquecido, mas também não poderia andar sozinho nas ruas.
Nunca mais deixaria de realizar seus sonhos, mas seria ridicularizado por cada um deles. Nunca
mais deixaria de ser idolatrado pelos fãs, mas seria frequentemente protagonista de manchetes
sensacionalistas de todo o mundo.
A reportagem apresenta o contraste preestabelecido dos momentos da vida das
celebridades (ou olimpianos, por Morin). De construção, a idolatria, a excentricidade, a
megalomania e, por fim, a destruição. A vida pública na atualidade é completamente
midiatizada. Todos os comportamentos são calculados em busca do que trará mais atenção e
reconhecimento. Bowie, por exemplo, lidou com os holofotes em todos os seus movimentos,
especialmente os de moral questionável, até o fim de sua vida.

3. ESTUDO DE CASO: DAVID BOWIE COMO ÍCONE DA CULTURA DAS MÍDIAS:


A ASCENSÃO DA ESTRELA E A SUA INSERÇÃO NO CENÁRIO DO POP ROCK

Para discutir a trajetória de David Bowie, além dos teóricos acionados na base
conceitual, foi utilizado o documentário “A História de David Bowie”, produzido em 2018,
com 39 minutos de duração.

3.1 Dados da vida de David Bowie antes da carreira

David Bowie, nome artístico de David Robert Jones, nasceu em Brixton, Londres, no
dia 08 de janeiro de 1947. Frequentou a escola primária Burn Ash Junior, onde já demonstrava
interesse e dotes musicais no canto, fazendo parte do coral da escola. Inspirado por músicos
americanos como Elvis Presley e Little Richard por influência de seu pai, começou a aprender
a tocar instrumentos como ukulele, washtub bass, piano e saxofone. Na escola Raven Woods,
estudou arte, música e desenho. Bowie se apresentava para os amigos fazendo imitações de
Elvis Presley e Chuck Berry. (DAVID BOWIE, Documentário no YouTube, 18 de junho de
2018).
Aos 15 anos, conforme informação do Documentário no Youtube (2018), formou sua
primeira banda, Kon-rads, que tocava em diversos eventos, mas não fazia sucesso. Ainda com
essa mesma idade, Bowie envolveu-se em uma briga e recebeu um soco em seu olho esquerdo
de um colega de escola. O colega usava um grande anel e, por isso, mesmo após uma operação,
David ficou com a pupila permanentemente dilatada, o que veio a tornar-se uma marcante
característica física sua. Determinado ao sucesso, Bowie integrou outros grupos - nenhum deles
bem-sucedidos. Em 1967, adota o nome David Bowie, e, no mesmo ano, lança seu primeiro
álbum solo, intitulado com seu nome, e não alcança o sucesso comercial.

3.2 Trajetória de David Bowie

Após o lançamento de seu primeiro single de sucesso, Space Oddity, em 1969, Bowie
tornou-se uma figura bastante popular no Reino Unido e adotou a personalidade do famoso
Ziggy Stardust, uma persona criada por ele, inspirado no personagem de 2001: Uma Odisseia
Espacial. Ziggy dava a Bowie a liberdade que o mesmo precisava dentro do palco, já que, como
personagem, não precisava encarar a vulnerabilidade diante do público. Durante o período em
que se apresentava como Ziggy e outros personagens igualmente caricatos e marcantes, Bowie
lançou cinco álbuns de estúdio num curto espaço de tempo de apenas três anos. Foram lançados
os albums: The Man Who Sold the World, em 1970; Hunky Dory, em 71; o sucesso The Rise
and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, em 1972 e Aladdin Sane, em 1973. Após
isso, ele lançou mais quatro álbuns, com novos personagens nos anos seguintes. (DAVID
BOWIE, Documentário no YouTube, 18 de junho de 2018).
Nesse período, conforme informações do Documentário do Youtube (2018), até
aproximadamente 1977, foi marcado pelo abuso e vício de Bowie por cocaína e outras drogas
pesadas. Ele não conseguia lidar com a demanda por shows, a fama e o público que em grande
parte desaprovava sua postura andrógina e seu comportamento nos palcos e em entrevistas.
Durante essa fase, ele sofreu diversas overdoses e teve episódios de apagões, onde não sabia
onde estava, o que estava fazendo e as consequências de suas ações. Ele então se afastou por
um tempo, se mudando para Berlim Ocidental, no contexto da Guerra Fria. Ficando sóbrio e
inspirado pelas mudanças à sua volta e a música eletrônica alemã, Bowie lançou sua famosa
trilogia de álbuns: Low, Heroes e Lodger.
Com o sucesso crescente de suas músicas em solo internacional, especialmente na cena
norte-americana, Bowie entrou para a cena comercial nos anos 80 e, apesar de inovador, o
mesmo afirmou em entrevistas anos depois que essa foi uma das piores fases de sua vida pois
não estava feliz com o que fazia, mas gostava do dinheiro que conseguia com as vendas de suas
músicas. Ele também estrelou diversos filmes, como o clássico Labirinto, e produziu músicas
com outros artistas, como Under Pressure, o dueto ao lado da banda Queen. (DAVID BOWIE,
Documentário no YouTube, 18 de junho de 2018).
Cansado de ter que ceder à pressão da indústria musical, no final dos anos 80 e início dos anos
90, Bowie voltou para a cena underground com a banda Tin Machine, formada com alguns
amigos. Segundo o “Documentário David Bowie no YouTube” (2018), eles se apresentavam
em pubs e bares, ficando mais próximos do público e podendo se expressar de maneira mais
livre e democrática. Em entrevistas da época, Bowie afirma que esse momento foi “libertador”
e “extremamente importante” para sua vida e carreira. Ele comemorou seus 50 anos nos palcos,
com apresentações especiais de amigos e lançou o álbum Earthling.
Já nos anos 2000, Bowie foi menos ativo musicalmente. Ele lançou Heathen e Reality,
em 2002 e 2003, respectivamente, e deu uma pausa na carreira, lançando material novo somente
em 2013, com The Next Day. Seu último trabalho, Blackstar, lançado no seu aniversário de 69
anos, em 2016, conclui a discografia do cantor, que morreu dois dias depois devido a um câncer
que enfrentava. Em músicas de Blackstar, é possível notar que o músico estava ciente de sua
morte e aceitara seu destino.

3.2.1 A CONSTRUÇÃO DO MITO DAVID BOWIE

Pode se dizer que parte da figura criada para o mito seja exatamente sua excentricidade
característica. Bowie é reconhecido exatamente por seus personagens, por ser caricato e teatral,
sempre inovando a maneira como é reconhecido. Entretanto, apesar de ter entrado na vida
comercial na década de 80, Bowie alegou em entrevistas que não desejaria a fama nem para seu
pior inimigo. (DAVID BOWIE, Documentário no YouTube, 18 de junho de 2018).
De certa forma, é possível creditar que o mito presente na imagem de Bowie é fruto dos
elementos estudados por Berman (1984) a respeito da modernidade. O autor fala do caráter
efêmero e do que é o espírito de ser moderno, ao viver intensamente dilemas entre a gênese
(criação) versus destruição. No caso das celebridades, elas chegam ao extremo, entre o sucesso,
a fama, o poder ao mesmo tempo que se sentem, muitas vezes, isoladas, fragilizadas. É, sem
dúvida, um sentimento moderno. Os personagens excêntricos de Bowie mudaram a moda e a
música por trazerem elementos teatrais para os palcos. Seus trajes elaborados, as maquiagens
exageradas e seu jeito andrógino, aliados aos movimentos de libertação da década de 70
ajudaram a criar a imagem que se tem até hoje do cantor: colorido, espalhafatoso e marcante.
De acordo com Berman (1984), em certo sentido, a moda é uma característica da modernidade,
interpretada esta como uma era da história marcada pela perpétua inovação, pela destruição do
velho e a criação do novo.
Durante a sua carreira, era isso que Bowie procurava: a criação do novo. Reconhecido
como um dos artistas mais inovadores dos séculos XX e XXI. O camaleão não se limitava
apenas à moda e às maquiagens, sua experimentação e mudanças constantes são presentes em
tudo que se propunha a fazer. Ele para sempre será lembrado não só como o camaleão, mas
como um artista à frente de seu tempo. Conforme aponta Morin (1997), o olimpiano é moldada
pela mídia. No caso de David Bowie, ela foi, aos poucos, sendo construída, mesmo sem querer,
baseada em maneirismos e experimentações que ficarão marcadas em diversas gerações que
acompanharam ou tenham visto algum de seus personagens famosos em referências culturais,
como no novo filme da Disney/Pixar Lightyear, que traz na trilha sonora a música Starman,
faixa do álbum The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, de 1972;
provando que o legado de Bowie não terminou e provavelmente não irá acabar tão cedo.

3.2.2. AS EXCENTRICIDADES DE DAVID BOWIE

Assim como Michael Jackson, Finotti e Soalheiro (2004) apontam que as


excentricidades marcam, em menor ou maior grau, a carreira de qualquer olimpiano. Não seria
diferente com uma figura tão marcante como David Bowie. Ele, sem dúvida, teve como uma
de suas marcas a postura excêntrica, principalmente ao “brincar” com a sociedade do
espetáculo, criando personagens. Desde pequeno, Bowie era fascinado pelo teatro e pelas artes,
sendo muito criativo. Isso foi primordial para o artista que ele viria a se tornar.
Inspirado em filmes, musicais e teatros, Bowie desenvolveu diversos personagens que
marcaram toda a sua carreira. Aliado sempre com movimentos sociais e se apropriando do que
era polêmico na época, Bowie era quase impossível de não ser notado quando começou a ganhar
espaço dentro da indústria musical. Seus cabelos coloridos e com penteados diferentes, roupas
extravagantes e trejeitos em se portar foram essenciais para sua figura. (DAVID BOWIE,
Documentário no YouTube, 18 de junho de 2018). Nesse sentido, os seus fascínios pelo místico
e pelo espaço também podem ser caracterizados como uma excentricidade do cantor. Diversos
artistas que acompanharam o lançamento da missão Apollo 11 se inspiraram na aventura para
compor seus trabalhos. David, entretanto, levou sua paixão pelo espaço pelo resto da carreira,
interpretando até um alienígena no filme The Man Who Fell to Earth.
Além disso, seus olhos possuíam uma particularidade que também ficaram marcados
pelo artista, que era a heterocromia, pois seus olhos eram de cores diferentes e uma de suas
pupilas era permanentemente dilatada por conta de um soco no olho que levou durante uma
briga. Kellner (2001) aponta as ambiguidades como um fator que fez com que Madonna fosse
inovadora e marcante na moda, nos comportamentos e nos movimentos sociais que era aliada
nos anos 80, Bowie se esbanjava com tais conceitos na década de 70. Em sua apresentação no
17th Grammy Awards, Bowie iniciou sua fala com “ladies and gentlemen, and others”,
mostrando-se aliado com pessoas andróginas e não binárias, que eram tabus na época. Além
disso, o próprio se vestia de maneira que confundia a sociedade, pois usava saias, vestidos,
muita maquiagem e pintava as unhas, costumes associados com mulheres e/ou homossexuais.
Em entrevistas, ele já afirmou ser “100% gay” e depois se declarou publicamente como
bissexual, além dos diversos boatos, posteriormente confirmados pela sua ex-mulher, que o
mesmo teve um caso amoroso com o cantor Mick Jagger, dos Rolling Stones. Ele nunca negou,
mas já nos anos 2000 disse que gostava de dar tais declarações pelo tabu e para causar
polêmicas. (DAVID BOWIE, Documentário no YouTube, 18 de junho de 2018). Em seus
videoclipes, não era diferente, buscando ser excêntrico e polêmico, teve um vídeo censurado
por conter uma cena de nudez. Suas músicas não ficam para trás, visto que o cantor fazia
sorteios de frases aleatórias para compor seus trabalhos, além de sempre experimentar sons que
a maioria dos artistas não produzia.

3.2.3 DAVID BOWIE EM SUA FASE DE IDOLATRIA

Apesar de sua paixão pelos seus personagens e suas músicas, pode-se dizer que Bowie
também teve suas fases de idolatria. Ele fez parte de diversos grupos musicais quando jovem e
abandonou os conjuntos quando não alcançava o sucesso almejado. Seguindo a carreira solo,
abusou ao extremo de substâncias como a cocaína, tendo diversos episódios de overdoses e
períodos de apagão. Entre esses momentos, Bowie foi flagrado com objetos de procedência
nazista e fez declarações a favor do fascismo e, após quase acabar com sua vida devido ao uso
de drogas, ele se isolou na Suíça e se mudou para Berlim Ocidental logo depois para tentar ficar
sóbrio.
Devido ao sucesso alcançado nos anos 80, especificamente entre os anos de 1984 a
1988, ele apenas produziu conteúdos comerciais, pois estava lucrando mais do que nunca com
esses trabalhos. Foi um período conturbado na vida do cantor, pois ele afirmou anos depois que
estava infeliz com o que estava fazendo, mas gostava da atenção e do prestígio que recebia do
público e do dinheiro que recebia com isso. Pode ser reconhecido como um sujeito moderno e
egocêntrico, vendendo sua arte para a cultura de massa e transformando seu objetivo inicial de
produzir arte, em algo totalmente comercial e padronizado, pois suas composições eram
calculadas para funcionarem ao público que as ia consumir. O que importava não era mais a
arte, e sim a figura que ele representava, a megaestrela David Bowie, que lotava shows e vendia
milhões de discos.

3.2.4 DA PAIXÃO E DESLUMBRAMENTO DOS FÃS AOS ATAQUES DOS


CONSERVADORES

Apesar de todos esses fatores, a figura e as músicas de David Bowie são impactos nos
fãs até os dias de hoje. Ele se tornou uma das maiores referências da cultura pop por seus
personagens inusitados, vendendo milhões de produtos estampados com suas personas desde
que começaram a fazer sucesso 50 anos atrás. É grande influência nos seguimentos musicais e
artístico, e mesmo depois de sua morte, continua um sucesso nos mais diversos públicos. O seu
ativismo foi essencial para a visibilidade de movimentos sociais a favor da comunidade
LGBTQIA+, ao falar de sexualidade, padrões de gênero e por se pronunciar abertamente em
solidariedade a pessoas soropositivas nos anos 80 e 90, quando a AIDS era um enorme tabu.
Tanto por isso quanto apenas por usar maquiagens e saias, David sempre recebeu
ataques de conservadores desde o início de sua carreira. Em entrevistas de amigos, cedidas ao
documentário This is the Life of David Bowie, de 2002, eles afirmam que as pessoas tinham
medo de David, mas não porque ele as assustava, e sim, por ter cabelos longos e coloridos e
não se limitar a padrões binários de comportamento. A sua sexualidade também era amplamente
discutida, pois muitos acreditavam que Bowie era gay, mesmo sendo casado durante muito
tempo com mulheres. Após as declarações polêmicas do cantor, isso se intensificou e o mesmo
sofreu boicotes e ataques do público mais conservador.

3.2.5 O RECONHECIMENTO DE DAVID BOWIE PELO PÚBLICO, PELA IMPRENSA E


PELA CRÍTICA

As canções e apresentações de Bowie criaram uma nova dimensão para a música pop
do começo da década de 70, influenciando os seus arredores musical e socialmente. Sua
produção musical durante a década criou uma das levas de seguidores mais fiéis da cultura pop.
Ao incorporar personas andróginas, como Ziggy Stardust e Alladin Sane, Bowie não só foi
pioneiro do glam rock como também recriou uma classe adolescente mais independente na
época e incentivou movimentos LGBTQIA+. Sua postura criou novas modas nas cenas de rock
e música no geral, apresentando estilos que ainda interessam pessoas atualmente.
Por ter se sucedido em tantos estilos musicais variados, é quase impossível encontrar
um artista popular hoje em dia que tenha sido imune à influência de Bowie. Certos críticos
afirmam que David Bowie trouxe determinada sofisticação ao rock e suas obras são
consideradas de profunda qualidade intelectual. Durante a carreira, Bowie recebeu diversos
prêmios agraciando suas canções e videoclipes, como Grammys, Brit Awards - de música
popular da indústria britânica fonográfica, e até mesmo um Prêmio Saturn de Melhor Ator - por
sua atuação no filme de ficção científica The Man Who Fell To Earth. Bowie recebeu um
doutorado honorário da Berklee College of Music, recusou condecoração e recusou tornar-se
Cavaleiro da Ordem do Império Britânico, alegando não entender para aquilo servia.
Bowie já vendeu o estimado de 136 milhões de álbuns e se estabeleceu em uma lista da
BBC de votação popular dos “100 maiores britânicos”, aparecendo em 29° lugar. Na lista da
Rolling Stones, organizada por críticos e especialistas na área musical, aparece como 39° maior
artista de rock de todos os tempos e 23° melhor cantor de todos os tempos. Por fim, Bowie
entrou para o Rock and Roll Hall of Fame em 1996.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Feita a análise, tornam-se claro os paralelos possíveis de serem estabelecidos entre


grandes artistas populares e os mitos gregos. A intensidade e a divulgação de cada momento da
vida por eles vivida os tornam, como Morin estabelece, os Olimpianos da nossa geração. David
Bowie teve enorme influência na cultura pop como um todo, dos estilos musicais até a moda.
Sua vida recebeu holofotes em todos os aspectos em sua carreira. Ele foi e é inspiração para
obras e comportamentos até os dias de hoje. Além disso, é possível perceber que todos os
aspectos apresentados acima fazem parte da figura que é o Olimpiano David Bowie.
A sua imagem e carreira foram construídas em torno de excentricidades, polêmicas e
inovações que revolucionaram a música, a sociedade e a moda desde os anos 70. Diversos
artistas se inspiram nele para construir suas imagens, como Lady Gaga, que tem uma tatuagem
em homenagem ao cantor e já fez inúmeras apresentações inspiradas em personagens como
Ziggy e Alladin Sane. Conclui-se que, a partir das considerações teóricas de Morin (1997) e de
Kellner (2001), pode-se dizer que a mídia transforma os artistas em olimpianos - celebridades
das mais diversas áreas - em protagonistas da nossa realidade. Tudo em que se envolvem são
elevados à importância de acontecimentos históricos e sua influência e legado permanecem por
gerações.

REFERÊNCIAS

A HISTÓRIA DE DAVID BOWIE, David Bowie BR. Documentário. Universal Group


Music. YouTube, 02 de junho de 2018, Duração: 39min16s. Disponível
https://www.youtube.com/watch?v=cTq_VEp1Y7Q. Acesso em 27 de junho de 2022.

ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Indústria cultural. O iluminismo como


mistificação das massas. In: LIMA, Luiz Costa (Org). Teorias da Cultura de Massa. São
Paulo: Paz e Terra, 2000, p.169-214.

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Cia das Letras, 1984.

FINOTTI, Ivan & SOALHEIRO, Bárbara. Michael Jackson: Peão do pop. Um rei como
Michael Jackson já nasce com seus dias contados. Entenda como a indústria da música enterra
seus ídolos. Revista Superinteressante. Março de 2004. Disponível em https://
https://super.abril.com.br/cultura/michael-jackson-peao-do-pop/. Acesso em 10 de outubro de
2022.

KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru: EDUSC, 2001.

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. Neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997.

OLIVEIRA, Luiz Ademir de. Apostila de Teoria das Comunicação. São João del-Rei, 2022,
120p.
Capítulo 45

A cultura de massa na saga Jogos Vorazes:


uma análise a partir da perspectiva da Teoria Culturológica

Cecília Rodrigues Mendonça Martins (UFSJ)

RESUMO: O presente artigo busca analisar, por meio dos argumentos teóricos de Edgar Morin
(1997) presentes na Teoria Culturológica, a saga de filmes e livros Jogos Vorazes. São
apresentados alguns conceitos de Morin e seus paralelos dentro do mundo fictício de Panem.
Discute-se algumas características da cultura de massa, como o amor, happy end, olimpianos,
juventude, que são evidenciados no produto cultural em análise. Percebe-se tanto a atualidade
da obra de Morin, escrita nos anos 60 do século XX, quanto em Jogos Vorazes, como reflexos
da dinâmica social e cultural.

PALAVRAS-CHAVE: Jogos Vorazes; Cultura de massa; Olimpianos; Filmes; Indústria


cultural.

1. INTRODUÇÃO

Desde maio de 2008, quando foi lançado nos Estados Unidos o primeiro livro da saga
Jogos Vorazes – cuja primeira parte tem o mesmo nome da saga. – a obra de Suzanne Collins
ganhou força entre os jovens, criando para si um enorme fandom e se tornando rapidamente um
clássico do gênero adolescente. Sendo seguida por duas sequências, sendo elas Em Chamas
(2009) e A Esperança (2010), a trilogia de livros marcou presença como uma das mais populares
séries de livros dos anos 2010, estando no mesmo patamar de sagas como Harry Potter, Percy
Jackson ou Crepúsculo.
Essa fama toda se agravou com a adaptação para os cinemas, trazendo quatro filmes
(sendo que o último livro foi dividido em duas partes para as telonas) estreados por um icônico
elenco: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson e Liam Hemsworth são alguns dos grandes atores
que protagonizaram essa obra. Jogos Vorazes fez muito sucesso por ser uma série que não tinha
medo de falar sobre temas pesados ou políticos, nem de colocar adolescentes no centro de um
mundo distópico cheio de horrores. Além disso, se tornou inspiração para muitas outras obras
que viriam a seguir, e se tornou um marco cultural para os jovens que acompanharam a jornada
de Katniss durante esse tempo.
Em matéria disso, contextualizando no estudo das Teorias da Comunicação, este
trabalho apresenta um esclarecimento de conceitos utilizados em Jogos Vorazes e argumenta
seus paralelos em relação a Teoria Culturológica. Relacionando ao objetivo do estudo, é
apresentada a concepção dessa teoria, fundamentada por Edgar Morin, juntamente a uma
análise dos livros e filmes de Jogos Vorazes, percorrendo os seguintes tópicos: Indústria
cultural, Happy end, Juventude, Revólver, Amor e Olimpianos.

2. A TEORIA CULTUROLÓGICA: A CULTURA DE MASSA

Para analisar a saga “Jogos Vorazes”, optou-se por recorrer à Teoria Culturológica,
formulada pelo filósofo francês Edgar Morin (1997), na década de 70, que tem como objetivo
estudar a cultura e a relação entre consumidor e produto cultural. Dessa forma, a teoria explica
a nova maneira de cultura na sociedade moderna: a cultura de massa. Ela acredita que a mídia
é responsável por criar uma nova forma de cultura que mescla outras formas de cultura,
agregando elementos, seja da cultura erudita, da cultura popular, buscando atingir um público
cada vez mais universal.
Morin (1997) argumenta que o sistema da cultura de massas se caracteriza por um
conjunto de valores e imagens culturais, sejam eles relacionados à vida prática ou ao imaginário
coletivo. A cultura de massa não é autônoma, já que se apropria da cultura nacional, religiosa
ou humanística. Não é a única cultura do século XX, mas se torna a corrente de massa
verdadeiramente nova dessa época.
Em sua obra "Cultura de massas no século XX" (1997), Morin fala sobre as definições
de cultura de massa e as características dessa forma de cultura que cresce no mundo moderno.
A obra é uma transição no campo da comunicação, já que não tem a carga pessimista da Teoria
Crítica, mas ainda levanta pontos negativos sobre a cultura de massa.
A Teoria Crítica foi elaborada pelos teóricos da Escola de Frankfurt, na Alemanha, no
contexto do período entre guerras. Entre os principais pensadores, estavam os filósofos Theodor
Adorno e Max Horkheimer que, no ensaio “Indústria cultural. O iluminismo como mistificação
das massas” em 1947, formularam o conceito de indústria cultural para tratar justamente de
como, no século XX, a cultura e a arte tornaram-se mercadorias vinculadas a fortes cadeias
produtivas no sistema fordista industrial. Adorno e Horkheimer (2000) denunciavam a perda
da autonomia da arte em função de produtos culturais cada vez mais padronizados, marcados
por estereótipos, maniqueísmo e já definidos hierarquicamente para determinados públicos,
eliminando o raciocínio crítico. Para os autores, na indústria cultural, as reações tornam-se
previsíveis, já que há uma pseudo-individualidade, frente a um desenrolar de um filme, de uma
novela, de uma música, em que o indivíduo já de antemão sabe o desfecho. Tudo é previamente
pronto pela indústria a fim de evitar que exista qualquer resistência ou poder de crítica.
Morin (1997), por sua vez, acredita que a indústria cultural é um dos elementos
importantes da cultura de massa, mas que não pode ser entendida apenas pelo seu caráter
burocrático e padronizador. O filósofo acredita que, até para se manter, ela precisa de um outro
polo, o da inovação, o da criação, que abre brechas para a arte. Nesse sentido, ele apresenta
aspectos positivos da cultura de massa, como a democratização de bens simbólicos e culturais,
que antes eram limitados a uma certa elite. Com o avanço da cultura de massa, mais pessoas
conseguem ter acesso a manifestações artísticas (pode ser visto na popularização dos filmes
blockbusters, que tornaram o cinema uma experiência mais popular).
Morin (1997) também diz em seu livro que o poder industrial se expandiu no começo
do século XX, causando a chamada "segunda industrialização", processada no campo das
imagens. Ou seja, uma industrialização cultural, a mercantilização dos bens culturais. O
filósofo chama a cultura de massa de terceira cultura, nascida da imprensa, do cinema, do rádio
e da televisão (meios de comunicação de massa). Hoje, entende-se que se ampliou com os meios
digitais. O conceito de cultura é relacionado com um corpo de normas, mitos e imagens que
dialogam com cada indivíduo de forma singular: estabelecem seus instintos e emoções.
A cultura de massa, para Morin, não proporciona o fim das demais culturas, mas sim a
convivência delas. Ela se acrescenta às culturas nacionais, religiosas e humanistas. Porém, a
cultura de massa estabelece uma concorrência. As sociedades modernas são policulturais, por
isso a cultura de massa se integra nessa realidade, mas tenta desagregar as outras por conta da
sua própria natureza planetária.
Dessa forma, o autor discute e questiona a postura de alguns outros intelectuais que são
extremistas nas críticas sobre a cultura de massa (como os autores da Escola de Frankfurt),
considerando um exagero a consideração de que ela seria o ópio do povo: controladora e
manipuladora. Morin acredita que esses autores defendem a cultura erudita como algo superior,
pecando em estabelecerem um pensamento preconceituoso. Por isso, coloca como objetivo não
exaltar a cultura de massa, e sim diminuir a "cultura cultivada". Morin propõe que o primeiro
passo seria a autocrítica, sendo necessário observar, mas também participar do objeto de
observação. Precisa ser a multidão para uma crítica certa. Consumir para criticar o objeto de
consumo.

3. AS CARACTERÍSTICAS DA CULTURA DE MASSA: DOS OLIMPIANOS DA


ERA MODERNA À FELICIDADE

Para explicar o funcionamento da cultura de massa, Morin (1997) recorre a Freud em


seus conceitos sobre o Princípio de Prazer (quando a criança nasce, ela acredita que a vida só
proporcionará coisas boas, gerando este sentimento oceânico de domínio sobre a realidade) e
Princípio de Realidade (quando ao retirar o seio da criança a mãe, gerando o desprazer, mostra
a realidade como um mundo de conflitos e de negação). Ao longo da vida, o indivíduo, para
encontrar o prazer, precisa encontrar formas de sublimação e de fuga da realidade que é da
ordem da frustração (Princípio de Realidade). Para isso, pode recorrer à religião, à fruição da
obra de arte e à cultura de massa (que permite o acesso momentâneo ao Princípio de Prazer).
Dessa forma, a cultura de massa, segundo Morin (1997), não pode ser algo que gera o
desconforto ou o desprazer. Então, o filósofo elenca 16 características: olimpianos ou mitos
modernos que geram laços de identificação e projeção com o público, juventude, amor,
felicidade, eros cotidiano, promoção dos valores feminino, happy end, vasos comunicantes
(mistura entre realidade e ficção), entre outros.

3.1 Indústria cultural

A cultura de massa tem dois pólos opostos e oscila entre eles, tomando como base o que
Freud aponta entre a pulsão de vida (eros – sexualidade) e a pulsão de morte (tanatos –
agressividade). De um lado, os valores positivos (feminilidade, erotismo, amor, felicidade). De
outro, os valores negativos (masculinidade, agressão, aventura, morte). Por isso, há uma
manifestação geral de fascinação pela violência que é mostrada na mídia. Consumimos de
forma pacífica a experiência de guerra e morte, sem precisarmos estar lá diretamente. A
imprensa capitalista consome e sobrevive das grandes tragédias.
Pode-se citar como exemplo os filmes onde temos um grande herói que luta para salvar
sua amada ou sua família. Para isso, ele enfrenta o que precisar, matando e quase morrendo
para isso. Estas são obras que mostram a violência como uma coisa má, mas fazem o espectador
esquecer disso por tempo suficiente para torcer para o herói conseguir o que quer.
3.2 O amor

O amor tornou-se o grande auge da vida moderna. É o tema central de felicidade, e se tornou
essencial. O personagem principal do amor é o casal, que sempre surge dissolvendo os valores
da família. A característica de "amar e ser amado" se torna alvo de dois momentos diferentes:
um idealizado - o encanto e a adoração do amado - e o violento, onde a brutalidade de crimes
é explorada.

3.3 Os Olimpianos

Para funcionar, a mídia é obrigada a criar personagens que prendem nossa atenção, e
assim surgem os Olimpianos Modernos. Suas vidas são totalmente dissecadas pela mídia (como
em revistas de fofoca, por exemplo). Os Olimpianos acionam mecanismos de identificação e
projeção nos espectadores.
O espectador se acha muito parecido com a figura olimpiana, e por isso sofre nos seus
dramas e torce pelo seu sucesso. Por isso, busca ser cada vez mais parecido com o que admira.
Já quando há projeção, o espectador está insatisfeito e sonha em ser igual seu ídolo, mesmo
sendo totalmente diferente. Ele se inspira de todas as formas possíveis, mas suas tentativas são
frustradas pois o Olimpianos é isento de sofrimento dentro da mídia: eles são superiores aos
"meros mortais", pois não são constrangidos e vivem em prazer e liberdade. Mas ainda assim,
precisam ter alguma ligação com a vida real.

4. ANÁLISE DA SAGA “JOGOS VORAZES” BASEADA NA TEORIA


CULTUROLÓGICA

4.1 Jogos Vorazes

O produto da indústria cultural que será analisado é a saga "Jogos Vorazes" que conta
com quatro filmes: Jogos Vorazes, Em Chamas, A Esperança parte 1 e A Esperança parte 2.
Esses filmes são adaptações de uma trilogia de livros, que tem os mesmos nomes dos filmes. A
trama de “Jogos Vorazes” é ambientada em um futuro distópico. O filme se situa em Panem,
uma sociedade dividida em 12 distritos, criados após um colapso na América do Norte. Cada
distrito é responsável pela produção de alguma atividade econômica que sustenta a Capital, que
é a região que centraliza todas as riquezas produzidas pelos distritos e que mantém um controle
sobre a sociedade através de forte opressão armada e monitoramento constante.
Conforme explica Salimen (2016), a Capital é a única região rica em Panem. Em todos
os outros distritos, os moradores têm escassez de comida e de outros recursos. Como a Capital
explora todos os recursos produzidos pelos outros distritos, há uma desigualdade muito grande
entre a ela e eles. No ambiente rural, com casas de madeira e antigas, não existe tecnologia ou
construções modernas. Já na Capital, tem-se uma cidade cosmopolita, com construções
grandiosas e muitos prédios, mostrando a clara diferença entre os distritos e a Capital. Salimen
(2016) afirma que, para manter sua hegemonia e opressão ao povo, a Capital organiza
anualmente um evento onde todos os distritos participam: os Jogos Vorazes.

O evento, que dá nome ao filme, é uma competição entre os distritos


para lembrar de uma rebelião acontecida em anos anteriores, sufocada
violentamente pelo governo. Assim, como forma de punição pela
rebelião e para lembrar quem está no poder, anualmente são
escolhidas duas crianças de 12 a 18 anos de cada distrito, um menino
e uma menina são colocadas em uma arena onde deverão se enfrentar
até a morte. Somente um poderá sair vivo e, consequentemente,
vitorioso (SALIMEN, 2016, p.37).
.
O dia em que essas crianças são sorteadas é chamado de Colheita e as crianças
escolhidas ficam sob a tutela da Capital e são chamadas de Tributos. Os Jogos Vorazes são
transmitidos para todos os distritos através de telões, criando-se todo um espetáculo de
entretenimento em torno desses Jogos.
Quanto aos personagens, o filme traz a jovem Katniss Everdeen, moradora do Distrito
12 (o distrito mais pobre de Panem), e sua família: Prim, a irmã mais nova e sua mãe. O pai
morreu em um acidente nas minas de carvão do Distrito 12, enquanto trabalhava. Katniss
desenvolveu grande habilidade no arco e flecha, pois caça animais em uma área proibida do
distrito para conseguir alimentar ela e sua família. No filme Jogos Vorazes, o primeiro da
trilogia, é mostrado que a Colheita é definida por um sorteio, e Prim é selecionada. Para não
deixar a irmã disputar os jogos, Katniss se oferece para ir no seu lugar e é aceita, juntamente
com o sorteado entre os homens, Peeta Mellark.
Após serem selecionados na Colheita, os personagens passam boa parte do filme se
preparando para os Jogos. São levados até a Capital, onde são apresentados e tratados como
heróis pelo público, e depois passam pelo treinamento. Um mentor, alguém que já venceu o
Jogos Vorazes, os orienta sobre táticas e estratégias de sobrevivência (no caso de Katniss e
Peeta, o mentor deles é Haymitch). Depois são treinados com armas na frente de outros tributos
e são exibidos para possíveis patrocinadores, que são pessoas que assistem os jogos e podem
mandar produtos que os jogadores necessitem para sobreviver nos Jogos. Também antes de
irem para os Jogos, os participantes fazem o Desfile dos Tributos, onde são exibidos diante uma
plateia utilizando fantasias especiais, confeccionadas por estilistas.
Salimen (2016) afirma que ainda há uma exposição que remete à questão da sociedade
do espetáculo. Isso porque os participantes também são exibidos a toda sociedade por meio de
um programa de televisão, onde são entrevistados perante o público, criando um grande
espetáculo midiático em torno dos Jogos Vorazes. Após toda essa exibição, os Tributos estão
prontos para duelarem em um combate sangrento televisionado. Eles são inseridos em uma
arena lado a lado, e o duelo tem início. “A arena consiste em uma floresta totalmente monitorada
por câmeras instaladas em todo o lugar, transmitindo os detalhes dos Jogos para todos os
distritos e a Capital” (SALIMEN, 2016, p.39).
No desenrolar da trama, ao entrarmos na fase dos Jogos, Katniss esconde-se na floresta
para descansar e se proteger dos outros jogadores, já que além dos combatentes, os Tributos
também devem conseguir sobreviver às diversas adversidades, pois ficam sozinhos no meio de
uma floresta. No filme, a manipulação dos Jogos se torna cada vez maior, os organizadores dos
Jogos alteram o cenário a todo momento, para aproximar cada vez mais os adversários para
conseguir o que buscam, que no caso, é uma batalha pela vida. Katniss e Peeta se unem para
tentar sobreviver e chegar até o final, e revelam um princípio de romance entre eles. Esse laço
afetivo acaba beneficiando os dois, pois, dessa forma, conquistam a simpatia dos que assistiam
os Jogos. Ao receber ajuda do seu mentor, que enviou remédios que Peeta necessitava, junto
com uma mensagem para que Katniss e Peeta deixem esse amor mais real, Katniss fica ciente
de que precisa agradar os espectadores, e decide levar adiante o 'amor' que surgiu entre eles.
O filme aciona várias características da cultura de massa, como a promoção dos valores
femininos, o amor, o revólver (com conflitos, morte), mas também happy end, de certa forma.
Durante o primeiro filme, Katniss faz amizade com Rue, uma das competidoras mais jovens,
que pertencia ao Distrito 11. Em determinado momento, Rue acaba morta e Katniss faz um
velório simbólico para a menina, causando uma comoção entre os espectadores, principalmente
os do Distrito 11. Para acalmar a população, e ouvindo os conselhos do mentor de Katniss e
Peeta, o organizador dos Jogos muda as regras, avisa que duas pessoas poderiam ser campeãs,
desde que fossem do mesmo distrito.
Katniss e Peeta conseguem sobreviver juntos até o final. Quando só restam os dois e
mais um competidor, os organizadores promovem o encontro deles para a grande final. Os
organizadores dos Jogos manipulam o cenário, criando cães predadores que os perseguem até
que os 3 se encontrem onde os Jogos tiveram início. Inicia-se, portanto, uma luta para ver quem
sobreviverá. Katniss e Peeta acabam vencendo esse duelo e conseguindo matar o outro
participante. Quando eles percebem que são os campeões, uma voz anuncia que a regra que
havia sido alterada (que permitia que dois participantes fossem campeões) foi revogada, e
somente um poderá sair vencedor. Os dois jovens do Distrito 12 decidem desafiar o sistema e
ameaçam se matar juntos, envenenados, em um plano de Katniss desafiando os organizadores
a mudar de ideia novamente. Temendo a reação do público com essa atitude e a possibilidade
de Katniss e Peeta virarem mártires para o povo, caso viessem a se matar juntos, o organizador
do evento declara os dois vencedores.
Há um desfecho que mostra como a cultura de massa precisa trabalhar com o happy
end. Os dois são tratados como heróis por todos, são novamente entrevistados pelo apresentador
do programa que transmite os Jogos e são coroados pelo presidente de Panem, Snow. O
presidente não gostou de ter sido confrontado, obrigando, inclusive, o organizador do evento
daquele ano a se matar da mesma forma que Katniss e Peeta iriam se matar, envenenado com
uma fruta. No final, os dois voltam para o distrito 12 e são recebidos por toda população do
local como heróis. Enquanto isso, o filme termina com o presidente Snow os observando na
central de edição dos Jogos Vorazes.

4.1 Indústria cultural em “Jogos Vorazes”

Apesar de ser uma grande tragédia, os “Jogos Vorazes” são televisionados por Panem
inteira como se fosse um reality show. A Capital comenta sobre os últimos acontecimentos,
tem suas torcidas e teorias sobre os próximos acontecimentos, mesmo sendo um evento
mortífero para os jovens dentro da arena. Mesmo com os distritos não gostando do programa,
não podem se rebelar, já que o próprio “jogo” foi criado como uma espécie de punição por
conta de uma revolta anterior. Ou seja, os Jogos Vorazes são usados como método de controle
do Presidente Snow para com seus subordinados.
A espetacularização dos Jogos Vorazes serve para a manutenção de poder do governo,
que busca alienar o povo e reafirmar seu poder como “a melhor opção” possível para os outros.
Assim como a Indústria Cultural, os jogos dentro desse universo distópico criam os heróis
necessários para buscar a simpatia dos espectadores, e tentam mesclar um estilo padronizado e
industrial - são necessárias habilidades de sobrevivência e luta para se sobreviver nos Jogos
Vorazes - e um estilo artístico e criativo: você precisa conquistar a audiência e os patrocinadores
para sobreviver e ser querido.

4.2 Happy End

No universo de Panem, temos o final feliz após o Jogos Vorazes: Peeta e Katniss,
atuando seus personagens - “os amantes desafortunados”, tem a ideia de que preferem morrer
do que viver um sem o outro e decidem fingir que cometerão um suicídio duplo com amoras
envenenadas no final dos Jogos. O plano dá certo, já que o diretor os interrompe e dá o título
de vencedor para ambos, pois ocorreria uma indignação do público ao não ter vencedor.
Para a Capital, Katniss e Peeta tem seu final feliz: ficam juntos e driblam a má sorte,
sendo dois vencedores. Não importa toda a tragédia que aconteceu antes, todas as mortes que
tiveram que acontecer e os traumas que os dois jovens passaram, pois agora eles estão felizes
(isto é, até serem convocados novamente para a arena no ano seguinte). Passando para um
contexto de realidade, para nós Katniss e Peeta tem um “Happy End”. No final de A Esperança
parte 2, os dois são vistos anos após o fim da rebelião, finalmente juntos (e de forma verdadeira)
e constituindo família. Estão se curando dos seus traumas e não têm mais medo de terem filhos,
já que não há mais Jogos Vorazes para se preocuparem. Mesmo sendo mais realista, ambos têm
um final feliz para nós e o bem vence, novamente.

4.3 Juventude

A idolatria da juventude em Panem é vista com um dos requisitos simples para se entrar
nos Jogos Vorazes: é preciso ter de doze a dezoito anos para participar. Ou seja, existe
claramente uma ideia de que é preferível que uma criança ingênua e sem habilidades entre no
jogo do que um adulto maduro. Isso faz com que os espectadores se apeguem mais aos
personagens, e sintam mais o drama de ter alguém tão novo dentro de um contexto tão cruel.
No livro e filme “Em Chamas”, a Capital decide que o Quarter Quell (edição especial
dos Jogos Vorazes) teria os tributos selecionados entre os já vencedores dos jogos anteriores.
Dessa forma, vemos pessoas adultas e até idosas participando e tentando sobreviver na arena.
Infelizmente, já é mostrado que os mais velhos não são adorados pelos espectadores, e não
servem de muita utilidade dentro da história.
Mags, uma mulher de 80 anos que se voluntaria no lugar de outra menina, não é
considerada uma boa aposta da Capital como vencedora. Sua única ajuda dentro dos Jogos são
seus conhecimentos de pesca, mas nunca se comunica verbalmente com os outros participantes.
Seu objetivo dentro da arena é se sacrificar e permitir que Peeta e Katniss prossigam vivos, para
ajudar na rebelião.

4.4. Revólver e Amor na Saga

O Revólver e o Amor são os dois conceitos mais utilizados em Jogos Vorazes, durante
toda a saga. A violência é um dos principais pontos da saga, já que o grande reality show se
baseia em fazer jovens arriscarem sua própria vida. Nesse caso, os grandes homicídios que
acontecem se tornam justificados, já que são por "defesa''. No livro Em Chamas, Katniss cogita
matar um dos seus maiores aliados, Finnick, por ter medo de que ele tente a trair mais tarde no
jogo. A violência dentro da arena sempre é a primeira resposta.
Mesmo assim, existem cenas onde vemos que a violência também acaba acordando um
lado sentimental (negativo ou positivo) em espectadores. No primeiro filme, a aliada de Katniss
(Rue) acaba morrendo nas mãos de outro tributo. Por ela ser uma criança de 12 anos, a mesma
idade da irmã da protagonista, a morte se torna brutal de assistir e muito emocionante. Como
forma de rebelião, Katniss faz um pequeno velório e cerca o corpo de Rue de flores, antes que
ela seja levada pela Capital. Mais tarde, a cena é cortada da edição resumida dos Jogos.
Já no último filme, Katniss é chamada para matar o Presidente Snow publicamente,
finalmente coroando a líder da rebelião Alma Coin como presidente. Notando que a revolta
estava se tornando o que jurou destruir (um governo autoritário e violento), Katniss flecha a
líder dos rebeldes ao invés do presidente, a matando e deixando que o ex-governante morresse
nas mãos dos próprios cidadãos. Essas duas cenas envolvem o Revólver, mas provam como a
violência pode causar sentimentos extremos: um puro, como o do funeral de Rue, ou um brutal,
como o assassinato do Presidente Snow.
Já o Amor é o segundo tópico mais discutido dentro da saga. No primeiro livro, Peeta
conta em sua entrevista antes dos Jogos sobre ser apaixonado por Katniss. Isso cria ao redor
deles a imagem dos “amantes desafortunados” feita pela Capital: um casal que será separado
pelo destino. Durante todo o trajeto dos Jogos, a Capital faz o possível para aumentar essa
narrativa romântica, mesmo em uma situação tão difícil. Em certo ponto, anunciam que
poderiam aceitar dois vencedores, se fossem do mesmo distrito. Isso faz com que Katniss corra
atrás de Peeta, e assim os dois seguem o resto dos Jogos juntos.
Enquanto ganham mais patrocinadores quanto mais agem como um casal, Katniss se
sente mal por não gostar de verdade de Peeta. Apesar disso, no fim de tudo, quando revogam a
regra de dois vencedores, voltando à narrativa do vencedor único, é ela que tem a ideia de
fingirem se matar para ambos serem coroados vencedores. A estratégia funciona, pois a Capital
não quer parecer fraca sem vitoriosos.
Durante o filme “Em Chamas”, Katniss e Peeta fingem morar juntos e até mesmo fazem
um noivado falso, tentando manter sua imagem de casal viva para a Capital. Antes de entrar na
Arena novamente, Peeta chega a falar que sua “noiva” está grávida, tentando fazer com que os
Jogos sejam cancelados. Isso não acontece, mas piora os ânimos dos espectadores sobre o
reality - eles clamam ser uma injustiça que a Capital separe o casal, mesmo que ela tenha sido
a responsável por criar os amantes desafortunados

4.5 Olimpianos em “Jogos Vorazes”

Os Olimpianos em Jogos Vorazes se tornam os vitoriosos de cada uma das edições: são
celebridades, suas vidas começam a ser dissecadas cada vez mais. A Capital os torna símbolos
do morador “ideal” de Panem. Entretanto, com o passar da obra, Katniss torna-se uma
olimpiana em outro sentido. Seu maior símbolo durante o primeiro jogo foi um broche de tordo
(dentro do universo, um pássaro utilizado pela rebelião anterior para passar mensagens). Dessa
forma, o símbolo desse animal começa a ser espalhado por toda Panem, como um símbolo de
resistência. Nos últimos filmes, Katniss para de portar o tordo, para se tornar ele. Isso é
mostrado no começo de Em Chamas, antes mesmo dela saber do ato contra o Presidente Snow,
onde seu vestido de noiva pega fogo e se transforma num vestido com penas e asas de tordo no
meio de uma entrevista.
A protagonista vira a face da rebelião, sendo gravada e mandando mensagens de
resistência para todos os distritos. Numa cena de A Esperança parte 1, Katniss é gravada
cantando uma cantiga do distrito 12, e essa música se torna um hino de Panem - mostrado numa
montagem onde os cidadãos cantam em união com sua representante, enquanto se preparam
para uma batalha.
Essa glorificação da Katniss como uma Olimpiana, alguém que consegue participar
tanto da esfera dos distritos quanto da Capital, um ser poderoso, não é só colocada dentro do
universo. Do lado de fora, nas campanhas de marketing dos filmes, também há um esforço para
mostrar como Katniss é diferente dos demais personagens. Nas campanhas promocionais de
cada filme, é notável como Katniss se diferencia dos outros em diversas formas.
Figura 1
Filme “Em Chamas” e a personagem Katniss

Fonte: Google, 2022

Como pode ser observado na Figura 1, na campanha promocional do filme “Em


Chamas”, Katniss encontra-se enquadrada de forma diferente dos demais personagens por ser
a única em pé nas fotos. Além disso, ela olha diretamente para o espectador.

Figura 2
Filme “A Esperança – Parte 2” – Presidente Snow

Fonte: Google, 2022

Na Figura 2, constata-se também que, na campanha promocional do filme “A Esperança


parte 2”, temos a seguinte sequência de pôsteres: na primeira, Presidente Snow sentado ao
trono; na segunda, ele e seu trono destruído, com a imagem do tordo da rebelião estampada
atrás. Na terceira, Katniss ocupa seu lugar. Também há, no marketing dos filmes, a colocação
de Katniss numa posição de poder: como aquela que irá derrubar o sistema, acabar com o
governo autoritário do Presidente Snow. Ela é o tordo da rebelião.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dada análise, se torna claro que a Teoria Culturológica pode ser estabelecida facilmente
na modernidade, além de poder ser utilizada para analisar de modo específico certos panoramas
da cultura pop atual. Observando a saga “Jogos Vorazes”, foram notadas interpretações sobre
a mídia dentro da obra que são condizentes com as observações feitas por Morin. Dessa forma,
foi possível traçar uma reflexão sobre a obra distópica pelas lentes da Teoria Cultorológica.
Conclui-se, então, que a obra de 2008 permanece extremamente atual e pertinente em suas
mensagens, assim como a Teoria de Morin se mantém válida como base para a análise cultural
de diversos âmbitos da mídia – como cinema, televisão, música etc.

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Indústria cultural. O iluminismo como


mistificação das massas. In: LIMA, Luiz Costa (Org). Teorias da Cultura de Massa. São
Paulo: Paz e Terra, 2000, p.169-214.

DA REDAÇÃO. Halsey, Florence, Anitta e mais artistas expõem pressão de gravadoras por
virais no TikTok. Portal G1. Rio de Janeiro, 26 de maio de 2022. Disponível em:
https://g1.globo.com/pop-arte/musica/noticia/2022/05/26/halsey-florence-anitta-e-mais-artista
s-expoem-pressao-de-gravadoras-por-virais-no-tiktok.ghtml > Acesso em: 08/06/2022.

DA REDAÇÃO. "Não faço música pro TikTok", diz Adele sobre novo álbum. Marie Claire.
São Paulo, 29 de novembro de 2011. Disponível em:
https://revistamarieclaire.globo.com/Noticias/noticia/2021/11/nao-faco-musica-para-o-
tiktokdiz-adele-sobre-o-novo-album.html > Acesso em 08 de junho de 2022.

MEDEIROS, KAVAD. Com versão de 10 minutos de "All too well", Taylor Swift quebra
recorde pessoal no Spotify. 19/11/2021. Portal Popline. Disponível em:
https://portalpopline.com.br/versao-10-minutos-all-too-well-taylor-swift-quebra-recorde-pess
oal-spotify/ > Acesso em: 08/06/2022.
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. Neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997.

OLIVEIRA, Luiz Ademir de. Apostila de Teoria das Comunicação. São João del-Rei, 2022,
120p.

SALIMEN, Lúcio Lopes. A influência dos meios de comunicação de massa na sociedade: uma
análise do filme Jogos Vorazes. Trabalho de Conclusão de Curso. Curso de Comunicação
Social – Habilitação Publicidade e Propaganda. Departamento de Comunicação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2016, 62p
Capítulo 46

Da rápida ascensão ao estrelato, às crises de ansiedade e o retorno aos holofotes:


análise da carreira de Luísa Sonza

Ester Beatriz Lidovino de Araújo (UFSJ)


Eduardo Expedito Viana (UFSJ)

RESUMO: O universo da cultura pop, principalmente o cenário musical, hoje é repleto de


estrelas, personalidades, os chamados mitos da era moderna. Edgar Morin (1997), ao formular
os princípios da Teoria Culturológica, criou o conceito de olimpianos para se referir justamente
a estas figuras que têm uma ascensão na arena midiática e se tornam ícones com milhares ou
hoje com as redes sociais com milhões de fãs. Percebe-se que há um forte caráter
mercadológico, relacionado às estratégias da indústria cultural, que prioriza o lucro acima de
tudo e utiliza pessoas, como cantores, atores e personalidades da mídia, para servir como uma
espécie de modelo a ser seguido pelos indivíduos. A sociedade, no entanto, entra em um ciclo
de identificação e projeção, que nem sempre pode ser alcançado. Logo, torna-se de extrema
importância analisar e entender a relação das teorias dos “Mitos Modernos” correlacionando
com os olimpianos da atualidade - no caso, faremos um estudo de caso sobre a trajetória da
cantora Luísa Sonza, que consolidou sua carreira há pouco tempo.

PALAVRAS-CHAVE: Mitos Modernos; Morin; Olimpianos; Luísa Sonza;

1. INTRODUÇÃO

A Teoria Culturológica, de Edgar Morin (1997), concentra-se em identificar as


características fundamentais do estudo da cultura de massa diferenciando as relações entre o
consumidor e o objeto de consumo. Sendo assim, para estabelecer-se como teoria, são
necessários alguns atributos, nesse caso, Indústria Cultural, O Grande Público, Os Olimpianos
e entre outros. O trabalho vigente, busca relacionar a concepção dos Olimpianos, melhor
explicados ao longo do artigo, com a Luiza Sonza, que iniciou sua carreira fazendo cover para
a plataforma de vídeos YouTube, atualmente, atua como uma das maiores cantoras e
compositora do Brasil.
Morin (1997), em seus estudos desenvolvidos nos anos 60 do século XX, formulou o
conceito de cultura de massa para tratar de uma cultura gerada pela mídia, que funciona como
uma fuga da realidade. Tem como características elementos como o amor romântico, o final
feliz, a juventude, o erotismo, a promoção dos valores femininos, entre outras especificidades.
No caso em questão, destacam-se os olimpianos, peças-chaves para gerar laços de identificação
e de projeção com o público. É o caso da cantora e compositora Luiza Sonza, que começou sua
carreira em 2014 fazendo covers pelo país até ficar conhecida. Foi quando em 2017 lançou seu
primeiro trabalho profissional e a partir daí consolidou-se como uma das principais cantoras do
universo pop brasileiro.

CULTURA DE MASSA E OS MITOS DA ERA MODERNA

Max Weber, sociólogo alemão, teorizava as ações sociais que poderiam ser divididas
em quatro ações fundamentais: a ação social racional com relação a fins, ação social com
relação a valores, ação social afetiva e ação social tradicional. Nesse caso, pontua-se sobre a
Ação Social tradicional - a mais importante quando se trata da Teoria Culturológica. Edgar
Morin (1997), por sua vez, foi o precursor da cultura de massas, estabelecendo conjuntos de
símbolos, valores, mitos e imagens que dizem respeito, quer a vida prática quer ao imaginário
coletivo. A ação social tradicional explicitava como a sociedade influencia as decisões
individuais.
Numa perspectiva crítica, Adorno e Horkheimer (2000) formularam o conceito de
indústria cultural para tratar de como a esfera da cultura e da arte passaram a ser fortemente
impulsionadas por cadeias produtivas, como um jogo de peças que originalmente eram culturais
e agora tem o objetivo de manipular a população em favor das elites. Os autores, também,
identificaram que a padronização da cultura criava uma padronização dos gostos que facilitaria
a venda de determinados artistas. Na perspectiva de Adorno e Horkheimer, situar-se no plano
da crítica da indústria cultural significa decifrar as tendências da sociedade capitalista: é estudar
a estrutura, sentido e valor das mercadorias culturais tecnológicas. A conexão entre mídia e
sociedade não é externa aos fenômenos. As relações sociais em meio às quais aquela opera
estão inscritas a priori, ainda que figuradas, na própria mercadoria cultural. O problema dos
efeitos ou da influência da mídia na formação dos fatos sociais não pode ser resolvido
empiricamente: depende do processo histórico em sua totalidade e, portanto, está
necessariamente sujeito à interpretação. Trata-se de um aprofundamento de uma visão marxista
e freudiana da realidade.
De acordo com Edgar Morin, que criou a concepção de olimpianos, a mídia
contemporânea instaura personalidades como modelo social a fim de fomentar a indústria
capitalista que tem o lucro com maior objetivo. Os olimpianos modernos ou vedetes da grande
imprensa são os personagens que passam a compartilhar suas vidas privadas na mídia. Como o
intuito da mídia é promover identificação e projeção, essas personalidades compartilham não
só suas vidas cotidianas como produtos, sejam música, série, produtos alimentícios, cosméticos,
marcas etc. Eles propõem o modelo ideal da vida de lazer, regidos pela ética da felicidade, do
prazer e do espetáculo. A exaltação simultânea da vida privada, do espetáculo é a a mesma do
lazer e da cultura de massa. (MORIN, 1997, p. 75).
O público, ao acompanhar ininterruptamente a vida dos olimpianos, acaba
identificando-se com as figuras por isso sofrem e torcem pelo seu sucesso, além de procurar de
forma inconsciente se assemelhar, mais ainda ao ídolo corroborando com a função atribuída a
ele pela instituição midiática: vender. Outro mecanismo relatado pelo autor é o da projeção, ou
seja, o espectador insatisfeito sonha em alcançar o patamar de vida do ídolo, mesmo que viva
em condições totalmente análogas. Nesse sentido, há uma projeção inalcançável causando uma
frustração no indivíduo que tenta de todas as formas e não consegue chegar ao “seu” objetivo.
Entretanto, apesar dos olimpianos serem isentos de constrangimento, sofrimento e problemas,
é necessário que mantenham uma ligação com o real para manter os espectadores alienados.
Em relação a isso, Morin destaca que existem várias formas de tornar uma pessoa um
olimpiano, dentre elas, pode ser um escândalo, profissão de sucesso, papel de destaque na TV,
jogador de futebol, príncipe, princesa, ou reality show como exemplo o Big Brother Brasil da
rede globo. Mas apenas o discurso midiático tem o poder de transformar um humano em
divindade, dito isso, o teor da mensagem, o público alvo e intenção na divulgação são os fatores
que tornam e mantêm o indivíduo em seu status social.
A informação transforma esses olimpos em vedetes da atualidade. Ela eleva à dignidade
de acontecimentos históricos acontecimentos destituídos de qualquer significação política,
como as ligações de Soraya e Margaret, os casamentos ou divórcios de Marilyn Monroe ou Liz
Taylor, os partos da Gina Lollibrigida, Brigitte Bardot, Farah Diba ou Elizabeth da Inglaterra.
(MORIN, 1997, p. 105)

ESTUDO DO CASO

A cantora Luísa Sonza, ou Luísa Gerloff Sonza, nasceu em 18 de julho de 1998 (24
anos) na cidade “Tuparendi”/RS - a cidade localiza-se próxima à divisa com Argentina, sendo
caracterizada, principalmente, pela agricultura familiar. Além disso, o município conta com um
índice de população (IBGE 2010) igual a 8.557 pessoas -. A família da artista é composta por
seus pais Cezar Luiz Sonza e Eliane Gerloff e, seus dois irmãos, Fernando Humberto Gerloff e
Sofia Gerloff Sonza.
Sonza possui laços com a música desde cedo. Ela começou a cantar em vários festivais
regionais e sua carreira iniciou, de fato, em 2005 quando foi contratada para fazer parte da
banda “Sol Maior” com apenas sete anos de idade. Junto a essa banda, Luísa realizou eventos
até aos 17 anos, porém, em 2014, ao criar seu canal no YouTube em que publicava versões
cover de várias músicas, a sua visibilidade aumentou consideravelmente, sendo conhecida
como “a rainha dos covers”, chegando a realizar alguns shows grandes, mas apenas
covers. Além disso, a artista chegou a começar o curso de direito na Universidade Franciscana
em 2016, mas acabou por desistir dos estudos para focar em sua carreira artística.

Trajetória da cantora

O sucesso de Luísa Sonza é marcado por uma trajetória, a priori, sem grandes
sobressaltos. A cantora, em 2017 - já realizando shows para aproximadamente 40 mil pessoas
-, encantou os produtores da “Universal Music” e surgiu como uma nova cara para o cenário da
música pop, instigando os musicistas de todo o país.
Assim, logo em seu ano de estreia, a cantora lançou o primeiro single autoral intitulado
“Good Vibes”, a canção explorava pouco a sua capacidade vocal, mas a atmosfera romântica e
serena conquistou o público. Em seguida, no mesmo ano, Sonza lançou a música “Olhos
Castanhos” - escrita em homenagem a seu namorado da época “Whindersson Nunes” -
cativando, ainda mais, os ouvintes pelo romantismo em seus versos. Inclusive, nessa mesma
época, o cantor Luan Santana - já bem consolidado na indústria musical -, aceitou realizar um
feat com a recém cantora, ampliando, significativamente, o reconhecimento de Sonza.
Entretanto, a compositora alcançou o verdadeiro sucesso apenas em 2018 ao lançar o
single “Rebolar”. O videoclipe alcançou o 1° lugar em diversos sites, a energia contagiante e
animada de Sonza chamava atenção de outras produtoras e, principalmente, agradava a
audiência. Desse modo, após sua primeira conquista Luísa Sonza não parou de criar hits, a
cantora lançou músicas, como: “Devagarinho”, “Boa Menina” e “Garupa”, todas alcançando
mais de 70 milhões de visualizações no YouTube - plataforma para compartilhamento de vídeos
mais utilizada no mundo. Sonza consolidou-se como uma das figuras mais importantes do
cenário pop nacional, realizou parcerias com outros nomes importantíssimos no Brasil, como:
Marília Mendonça, Anitta e Pabllo Vittar e, atualmente (2022), lançou seu novo álbum
intitulado “Doce 22” que fala, sobretudo, de sua luta contra a depressão, discurso de ódio
recebido após divórcio e de suas dores internas.

Polêmicas

As polêmicas sobre a vida da artista começaram a surgir com seu relacionamento com
o humorista Whindersson Nunes. O casal se conheceu pela internet, começaram a namorar e se
casaram no começo de 2018. Os dois demonstravam muito afeto nas redes sociais e, com isso,
conquistou o coração do público. Entretanto, os supostos motivos da separação entre os dois
levaram a cantora a uma onda gigantesca de hate.
Após terminar seu casamento, Sonza oficializou o relacionamento com o cantor
“Vitão”, gerando rumores que a cantora teria traído seu ex-cônjuge e, para além disso, teria
iniciado o relacionamento com o humorista apenas por interesse, dado que Whindersson Nunes
era nacionalmente conhecido quando se casou com Luísa. A onda de ódio obteve tanta força
que ameaças de morte, xingamentos em seu perfil de rede social e, praticamente, um
linchamento público todos os dias eram recorrentes. A cantora viu-se obrigada a parar com suas
apresentações e entrou num estado profundo de depressão e síndrome do pânico.

O reconhecimento da cantora pelo público, imprensa e crítica

O reconhecimento da cantora pelo público, imprensa e crítica seguiu altos e baixos. Ao


lançar-se na indústria musical e, juntamente, iniciar seu relacionamento com Whindersson
Nunes, Sonza apresentava grande aceitação do público e crítica - pontualmente recebia
comentários em relação a sua suposta “sexualização”, mas nada em específico -. Entretanto,
após seu término e em meio às inúmeras polêmicas, a aceitação da compositora pelo público
caiu drasticamente, palavras como: “interesseira”, “puta” e “vagabunda” eram ouvidas
diariamente - Luísa compôs uma música, presente no Doce 22, intitulada com essas mesmas
palavras. Após uma série de medidas, como lançar o novo álbum, Sonza conseguiu alcançar
novamente a estabilidade. Vale ressaltar que a aceitação só foi alcançada após Whindersson
negar as acusações de traição, confessando que as motivações do término surgiram dele - Luísa
não queria ter filhos no momento e Nunes não concordava com a opinião.
A construção da Olimpiana Luísa Sonza

Como analisamos, a cantora Luísa Sonza conseguiu sair do anonimato e alcançar o topo,
tornando-se uma das maiores cantoras e compositoras do Brasil atualmente. Mas, de que modo
a indústria cultural ajudou nessa composição? Podemos perceber tal fato em quatro
características. Em primeiro analise, vale ressaltar a mudança estética da cantora: Luísa Sonza
passou a instigar o público por sua beleza chamativa, tornando-se, com o passar do tempo, mais
sensual e inalcançável: (1) mudando suas roupas, passando a mostrar mais o corpo e valorizar
as curvas; (2) realizando procedimentos estéticos, como preenchimento labial, lipoaspiração e
demais cirurgias, retirando a marca de garota dócil e meiga (gerada no começo da carreira) e
transformando-se em um ícone da beleza/corpo ideal - cada vez mais almejada e inalcançável.
Além disso, outros pontos importantes foram: (3) polêmicas geradas (nem sempre favoráveis a
compositora), mas que induziram o público a comentar e sentirem-se curiosos acerca da vida,
problemas e curiosidades da cantora. Isso tem a ver com o que, os jornalistas Ivan Finotti e
Bárbara Soalheiro (2004), tratam como a fase de excentricidades dos mitos modernos. Formas
de se manterem na mídia.
Por fim, como último ponto, tem se a utilização de recursos midiáticos para divulgação
de seu trabalho, principalmente a internet, que aproximaram o público de seu trabalho e,
posteriormente, sua vida pessoal/artística. Também, a escolha das canções de Sonza, focando
em letras mais pesadas e clipes sensuais fizeram com que o alcance da mesma aumentasse
significativamente. Logo, com o passar do tempo (e aos poucos), Luísa Sonza fez-se um ídolo.
O ícone “badass” que o público enxerga na compositora, especialmente entre mulheres e
LGBTQIA+, fez com que ela se tornasse um modelo a ser seguido. Basicamente, Luísa Sonza
tornou-se um Olimpiano.
Comparativo de Imagens
Figura 1
Imagens da cantora antes e depois da fama

Na era da indústria cultural, os mitos modernos precisam se adaptar aos padrões


estéticos dominantes. É com Luísa Sonza não foi diferente. Precisou emagrecer, fazer
lipoaspiração, mudar o visual – cabelo, estilo de roupas, tirar os óculos e até na postura mais
empoderada, feminina e também mais sedutora. Isso relaciona-se aos modelos de juventude,
beleza, que são exigências para justamente facilitar laços de identificação com o público.

Figuras 3 e 4

Imagens da Gossip Noticias (https://www.gossipnoticias.com.br/famosos/fotos-de-luisa


(https://www.tupi.fm/entretenimento/e-desumano-diz-luisa-sonza-apos-ataques-por-mudar-
de-visual/)sonza-antes-e-depois-da-fama-voce-vai-se-surpreender/2021/05/27/)
No entanto, a vida das celebridades, depois que ganham o estrelato, torna-se alvo
constante das mídias e hoje das redes sociais. Podem ser amados pelos fãs ou criticados. Foi o
que ocorreu com Luísa Sonza depois que se separou do comediante. O público assumiu uma
postura machista, porque não demorou a ela já aparecer com uma outra personalidade em
público. Para uma sociedade em que a mulher é considerada com menos direitos, é imperdoável
a suspeita de traição. Se fosse o contrário, o marido teria sido visto apenas como o homem que
conquista várias mulheres. Isso afetou a carreira da artista e a sua estrutura psíquica. Em função
de muitos ataques nas redes sociais, Sonza acabou tendo que se afastar um tempo para retornar
e voltar a ser admirada pelos fãs.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Levando em consideração a base teórica apresentada e a vida da cantora Luísa Sonza,


entende-se que a formulação em torno da cultura de massa e dos mitos modernos está
diretamente relacionado com as interatividades dos meios de comunicação, mudanças de
padrões convencionais - tornando-se inalcançável - e, principalmente, sendo objeto de projeção
para a massa. Desse modo, a cantora Luísa Sonza mostra-se como um bom exemplo para os
estudos de Morin, dado que o sucesso da cantora - como apresentado - foi sendo alcançado
junto de suas mudanças estéticas, profissionais e, até mesmo, pessoais.
Sendo assim, a felicidade, o espetáculo e o jogo proporcionados pelos Olimpianos são,
para além de um método coercitivo e de manutenção de padrões, também uma maneira de
divulgar outras formas de controle social, como: a indústria musical, cinematográfica e artística
- o público é encantado com produtos que, normalmente, são apresentados pelos Olimpianos -
. Com base nisso, entende-se que a figura de "divindade" para o atual sistema econômico
vigente é extremamente útil e funcional, dado que os indivíduos são, antes de tudo,
consumidores e “necessitam” de figuras que alimentem seus desejos materiais e imateriais -
logo, de certa forma, a relação se estabelece como mútua. As fases – do sucesso, aos atritos
com o público e a sua retomada da carreira – mostram as várias facetas da vida de uma artista.

REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Indústria cultural. O iluminismo como
mistificação das massas. In: LIMA, Luiz Costa (Org). Teorias da Cultura de Massa. São
Paulo: Paz e Terra, 2000, p.169-214.
FERNANDES, Camila. Quem é Luísa Sonza? Conheça a biografia e história da cantora.
Letras, 25 ago. 2021. Disponível em: https://www.letras.mus.br/blog/quem-e-luisa-sonza/.
Acesso em: 24 jun. 2022.

FINOTTI, Ivan & SOALHEIRO, Bárbara. Michael Jackson: Peão do pop. Um rei como
Michael Jackson já nasce com seus dias contados. Entenda como a indústria da música enterra
seus ídolos. Revista Superinteressante. Março de 2004. Disponível em https://
https://super.abril.com.br/cultura/michael-jackson-peao-do-pop/. Acesso em 10 de outubro de
2022.

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1975.

PUREPEOPLE. Luísa Sonza: Biografia. Disponível em:


https://www.purepeople.com.br/famosos/luisa-sonza_p550039. Acesso em: 24 jun. 2022.

WIKIPÉDIA. Luísa Sonza. 21 jun. 2022. Disponível em:


https://pt.wikipedia.org/wiki/Lu%C3%ADsa_Sonza. Acesso em: 24 jun. 2022.
Capítulo 47

As excentricidades do casal Virgínia Fonseca e Zé Felipe


na cobertura midiática da Revista Quem Acontece

Richielle Raimunda de Oliveira Santos (UFSJ)


Matheus Teixeira Batista (UFSJ)

RESUMO: O artigo traz uma análise de como a influenciadora digital e YouTuber Virgínia
Fonseca, casada com o cantor sertanejo Zé Felipe, pode ser enquadrada como um fenômeno da
cultura de massa. Hoje, com mais de 39 milhões de seguidores no Instagram, ela tem grande
visibilidade na mídia, principalmente nas redes sociais e na imprensa voltada para assuntos de
celebridades e de fofocas. Por isso, com base em autores como Edgar Morin (1997), Ivan Finotti
e Bárbara Soalheiro (2004), que discutem os olimpianos e as fases dos mitos da era moderna, é
feita uma análise de conteúdo de notícias publicadas na Revista Quem Acontece, da Editora
Globo, sobre a vida de Virgínia Fonseca, publicadas em 2020, 2021 e 2022, que tratam desde
o namoro com o cantor Zé Felipe, até a gravidez da primeira filha Maria Alice, o casamento, a
gravidez da segunda filha Maria Flor, prestes a nascer até as excentricidades cometidas pelo
casal.

PALAVRAS-CHAVE: Virgínia Fonseca; Olimpiana; Cultura de massa; Excentricidades;


YouTuber;.

1. INTRODUÇÃO

O número de influenciadores digitais vem crescendo no Brasil nos últimos anos.


Segundo a pesquisa Nielsen, são cerca de 500 mil profissionais da área no país. Não há dúvidas
que a profissão está se consolidando, já que o número de influencers brasileiros ultrapassa o de
dentistas, arquitetos e engenheiros civis. Eles atuam em diversos níveis, desde aqueles que
fazem sucesso regional até os que ganham projeção nacional e até internacional, pela fama que
adquire e, principalmente, o grande número de seguidores, como é o caso de Virginia Fonseca
que acumula milhares de seguidores nas redes sociais.
Virgínia Fonseca é casada com o cantor sertanejo Zé Felipe, que já é famoso por
trabalhar com um ritmo que se popularizou há muito tempo e se mantém em alta no Brasil,
principalmente quando passado de geração em geração, como é o caso do cantor que é filho de
Leonardo, um grande nome dentro da música sertaneja. Dessa forma, não precisa muito para
que uma música do cantor ganhe visibilidade rapidamente, principalmente dentro das redes
sociais e sirva de gatilhos para aproximar pessoas, gerando relacionamentos efêmeros ou
duradouros, como é o caso da influencer e do cantor.
Quando há a união desses dois nichos, como o casamento de Virginia Fonseca com Zé
Felipe, há uma superexposição midiática, na qual qualquer acontecimento na vida de ambos
vira notícia, influência e/ou polêmica.
Com base nas discussões de Edgar Morin (1997), o casal Zé Felipe Virgínia pode ser
enquadrado na categoria de olimpianos, pois são personagens da mídia criados para prender a
atenção do público. Portanto, o presente trabalho busca apresentar o conceito de cultura de
massa assim como analisar a vida e trajetória de Virgínia Fonseca e Zé Felipe enquanto
olimpianos a partir das teorias de Morin (1997) e Ivan Finotti e Bárbara Soalheiro (2004).

2. DA INDÚSTRIA CULTURAL À CULTURA DE MASSA

Para se discutir a trajetória da YouTuber Virgínia Fonseca e como o seu casamento com
o cantor sertanejo Zé Felipe reflete na visibilidade midiática, é importante remeter ao conceito
de indústria cultural e mitos da era moderna. Ao se constituir como uma celebridade no mundo
digital, que, em pouco tempo, tornou-se uma das principais influenciadoras. Posteriormente, o
namoro e casamento com o sertanejo geraram mais fama e atraíram mais seguidores. Isso
remete aos conceitos de indústria cultural, cultura de massa e mitos efêmeros da era moderna.
No que diz respeito ao conceito de indústria cultural, Adorno & Horkheimer (2000)
apresentam uma visão crítica. Eles acreditam que a era moderna e o iluminismo gerou uma
grande transformação na sociedade, fazendo com que a industrialização atingisse a esfera da
arte e da cultura. Então, assim como na indústria pesada, pensada sob a ótica fordista, com
produção em série, padronização, divisão social do trabalho, assim também passam a ser as
cadeias produtivas no mundo cultural. Filmes, telenovelas, músicas tornaram-se, no século XX,
grandes indústrias. Estão dentro de grandes cadeias de produção, resultam em produtos
padronizados e levam a uma perda do caráter de inovação e de criação.
Edgar Morin (1997), por sua vez, no livro “Cultura de massas no século XX. Neurose”,
discute o conceito de cultura de massa e apresenta as suas características. Nele, o autor apresenta
tais elementos peculiares desta nova forma de cultura que ascende no mundo moderno, muitas
vezes vista como uma transição no campo da comunicação. Em sua análise, Edgar Morin
propõe uma sociologia da cultura, onde a cultura de massa forma um sistema de culturas,
constituindo-se como um conjunto de símbolos, valores, mitos e imagens que dizem respeito
quer à vida prática quer ao imaginário coletivo;
Todavia, não é o único sistema cultural das sociedades contemporâneas. Estas são
realidades policulturais, em que a cultura de massa se faz incluir, controlar, censurar (...) e, ao
mesmo tempo, tende a corromper e a desagregar as outras culturas. A cultura de massa não é
autônoma no sentido absoluto do termo, pode embeber-se da cultura nacional, religiosa ou
humanística e, por sua vez, penetrar na cultura nacional, religiosa ou humanística. Não é a única
cultura do século XX, mas é a corrente verdadeiramente de massa e verdadeiramente nova do
século XX.
Para Adorno & Horkheimer (2000), a indústria cultural trata os espectadores como
massa, anulando a sua individualidade. Ela supõe que todos são iguais e querem a mesma coisa.
Essa indústria nivela por baixo as diferentes camadas intelectuais, utilizando-se dos canais de
comunicação e dos programas oferecidos para passar a ideologia dominante adiante e manter
as pessoas crentes naquela ideologia e satisfeitas com a situação política e econômica em que
vivem.
Entretanto, Morin (1997) questiona esta visão e acredita que a indústria cultural pode
ser pensada a partir de dois eixos. Um primeiro eixo, que é o da padronização, voltado para esse
foco da industrialização e da produção em série, que reforça o sistema capitalista e tende a
simplificar os produtos. O outro aspecto refere-se ao oposto, o eixo da criação, da inovação, da
arte, que mantém viva justamente a indústria por trazer novidades.
Ao analisar o casal Virgínia Fonseca e Zé Felipe, pode-se afirmar que eles reforçam a
lógica mercadológica, já que tanto os influenciadores digitais como a música sertaneja são dois
nichos extremamente lucrativos no Brasil. Não é à toa que nas notícias analisadas eles ostentam
uma vida de luxo, de glamour, com compras de produtos caros, viagens e um estilo de vida de
quem ganha muito dinheiro.
Morin (1997) elenca uma série de características da cultura de massa. Entre eles,
destaca-se os olimpianos ou mitos da era moderna, que geram laços de identificação e de
projeção com o público. Outro elemento muito explorado é o amor romântico, como fica
evidente no caso do casal Virgínia Fonseca e Zé Felipe. Assim também aparecem felicidade,
happy end, juventude. As notícias revelam momentos de felicidades, como o casamento, o
nascimento da filha, a gravidez da segunda filha. Há também o Revólver que é a mescla de
valores femininos como o amor em contraponto a valores masculinos como a agressividade.
Isso pode ser evidenciado nas notícias em que há críticas à Virgínia Fonseca e que ela se sente
bastante incomodada.

3. MITOS DA ERA MODERNA

Na visão de Morin (1997), a cultura de massa é uma forma de os indivíduos fugirem da


realidade ao mergulharem no mundo ficcional. Ele recorre a Freud para tratar justamente da
contraposição entre o Princípio de Realidade (que é voltado para enfrentar a realidade e gera
desprazer) e o Princípio do Prazer (que tem a ver com a sensação de prazer e a tentativa de não
encarar as frustrações da realidade). Na perspectiva freudiana, a criança tem contato com o
Princípio de Realidade a partir do momento que a mãe tira o seio da criança no processo de
amamentar, fazendo com que ela tenha as primeiras sensações de desprazer e a noção de que a
realidade pode ser frustrante. Para Freud, a realidade sempre será em forma de embates. Por
isso, o ser humano buscas formas de sublimar ou deslocar as suas frustrações, seja nas obras de
arte, na religião. A cultura de massa, segundo Morin (1997), é uma forma de fugir da realidade,
é uma válvula de escape.
Nesse sentido, dentre os elementos da cultura de massa, Edgar Morin (1997) descreve
uma importante característica contemporânea: os “olimpianos”. Caracterizados como “vedetes
da mídia”, eles estão presentes no imaginário popular e são considerados ídolos e modelos de
comportamento e sucesso. Morin destaca que os olimpianos não se concentram apenas nas
estrelas do cinema, mas em uma gama de celebridades, esportistas, políticos, príncipes, reis,
entre outros, que estão envoltos pela ideia de heroísmo e santificação.
Segundo Morin, os olimpianos são produtos da circulação de informação, os
acontecimentos de suas vidas são elevados a acontecimentos públicos, tudo o que fazem gera
especulação e é programado para atrair publicidade e curiosidade. Morin (1997) explica que os
olimpianos traçam uma “síntese ideal da projeção e da identificação”, há um processo de
espetacularização acerca de suas vidas e de suas personalidades. O olimpo é apresentado como
um mundo ilusório em que tudo é possível, os olimpianos são pessoas que conseguem atingir o
ponto mais alto da vida digna de ser vivida, enquanto o público assiste e acompanha cada passo
de suas jornadas.
Morin (1997) descreve a relação dos olimpianos com a imprensa de massa como a união
entre o real e o irreal. Os olimpianos são colocados como “seres mitológicos” e perfeitos, há a
necessidade de explorar suas vidas privadas, como se fosse a união dos palcos com os
bastidores. Isso desperta a curiosidade do público, pois ao mesmo o aproxima e distancia do
olimpo. Os olimpianos podem executar ações de um mero mortal e simultaneamente agir como
“super-humanos”, capazes de criar suas próprias regras e seus próprios mundos.
Segundo o autor, os olimpianos possuem uma natureza ambígua, surgem do elo entre o
humano e o sobre-humano. Na verdade, eles são ‘super-humanos”, àqueles que são perseguidos
por paparazzi, utilizam as roupas mais caras, criam tendências e estampam todos os produtos
midiáticos possíveis. Há a divindade e a exclusividade, seres únicos e extraordinários que
jamais serão substituídos. Porém, também possuem o lado humano, expresso em suas vidas
privadas, que pelo fato de serem divindades são exploradas constantemente pela mídia.

Os olimpianos, por meio de sua dupla natureza, divina e humana,


efetuam a circulação permanente entre o mundo da projeção e o
mundo da identificação. Concentram nessa dupla natureza um
complexo virulento de projeção-identificação. Eles realizam os
fantasmas que os mortais não podem realizar, mas chamam os
mortais para realizar o imaginário (MORIN, 1997, p.107).

A publicidade liga-se fortemente aos olimpianos. Ela é responsável pela manutenção de


seu status. É a publicidade que faz o poder dos olimpianos ser irrestrito, formando uma troca
de duplo benefício: eles atuam como modelos publicitários da verdadeira vida. São os heróis
da vida privada, estão em todos os setores da cultura de massa. Aqueles que conseguem atingir
um lugar ao sol, a estrela na calçada da fama e o rosto nos espalhados nos outdoors.
Tratando da trajetória de olimpianos, a revista Superinteressante, edição 198, publicada
em março de 2004, traz uma análise sobre a carreira de Michael Jackson, em reportagem “O
peão do pop”, assinada por Bárbara Soalheiro e Ivan Finotti (2004). A reportagem, capa da
edição, tenta explicar a queda que Jackson sofreu em sua vida privada e pública. A revista
considera que o ponto mais importante da carreira de Jackson ocorreu quando o cantor realizou
o passo batizado de moonwalk pela primeira vez, na noite de 16 de maio de 1983. Desde então,
Jackson iniciou o seu auge e se consagrou. Assim, ele havia se tornado um poderoso expoente
da dança e da música pop, um artista de referência para todo o segmento. A partir daquela noite
Jackson ficaria conhecido como “O Rei do Pop”, e iniciaria uma trajetória que a revista separou
em diferentes fases: construção, idolatria, excentricidade, megalomania e destruição. A
Superinteressante acredita que o destino de Jackson já estava traçado desde o início, pois
discute a ideia de que ídolos são criados para serem destruídos.
Segundo Finotti & Soalheiro (2004), a primeira fase analisada pela revista é a
construção da carreira de Jackson. Diferentemente de outros artistas pop, o cantor sempre
mostrou talentos extraordinários, como sua dança e sua música. De acordo com Larry LeBlanc,
editor da revista norte americana Billboard, o início da carreira de Jackson pode ser visto como
brilhante, ele não se enquadra na fila de artistas fabricados apenas para fazer sucesso. O frisson
de Jackson era tanto que atraiu até mesmo figuras já consagradas, como Fred Astaire e Gene
Kelly, que procuraram Jackson após sua performance de Billie Jean no evento Motown 25. A
revista afirma que todos os especialistas ouvidos em sua reportagem afirmaram que Michael
Jackson é um dos artistas mais talentosos que a música pop já viu. Jackson iniciou sua carreira
aos 5 anos de idade, e, já na infância obteve grande sucesso ao lado dos irmãos. O sucesso
comercial esteve presente em toda a primeira fase de sua carreira, e se prolongou até seus
últimos dias. Durante os anos 80, Jackson tornou-se um fenômeno, que, de acordo com a revista,
não alcançou apenas altas vendas.
Uma outra característica analisada pela revista é a idolatria, considerada a segunda fase
do status do cantor. Jackson atingiu o ponto máximo da fama, se tornou um grande ídolo e levou
multidões à loucura. Seus discos eram os mais vendidos, seus vídeos eram os mais assistidos e
seus shows lotavam estádios. A relação de idolatria entre Jackson e seus fãs era cada vez mais
forte. Michael Jackson conseguiu unir a imagem de superstar a duas outras importantes
características. A primeira delas é a ideia de um homem preocupado com o mundo, o meio
ambiente e a condição social do planeta, e a segunda de um homem de negócios bem-sucedido,
um empresário consciente de suas próprias ações. Jackson também valorizava a relação com os
fãs, e buscava agradá-los o máximo possível. O seu principal objetivo era superar o sucesso que
já havia conquistado. A imagem construída sobre o cantor era de um ídolo onipotente, o que,
de acordo com o antropólogo Roberto da Matta, consultado pela revista, foi um dos principais
motivos de sua destruição.
Uma das características que marca os olimpianos refere-se às excentricidades, marcante
no comportamento de Michael Jackson. Como abordaremos na análise, Virginia também tem
comportamentos excêntricos, como o envolvimento em atritos com o ex-namorado e exposição
da filha que é considerada exagerada. Segundo a revista, é a excentricidade que mantém as
celebridades na mídia, e, por esse motivo, é um importante fator no mundo do entretenimento.
Michael Jackson uniu essas excentricidades ao narcisismo, o cantor tinha uma busca incessante
por realizar todos os seus desejos e vontades. Ele se tornou o centro de seu próprio mundo, e
começou a criar um ciclo vicioso de auto realização. A revista sugere que as excentricidades de
Jackson começaram a assustar, pois não tinham limites e acabaram o levando à megalomania.
O astro podia ter tudo que quisesse, e isso acarretava atitudes insanas e fora dos padrões de
aceitação social.
Após se tornar uma das maiores celebridades do planeta, atingir a idolatria, expressar
suas excentricidades e megalomanias, Jackson passou por uma fase baixa, chamada pela
Superinteressante de destruição. Sucessivos acontecimentos, como acusações de pedofilia,
aparições desastrosas, balançar seu filho mais novo na sacada de um hotel, casamentos
polêmicos, e sua própria aparência fizeram de Jackson um ídolo destruído. De acordo com a
revista, em meados dos anos 2000, Jackson tinha dividas milionárias e não conseguia quitá-las.
Este seria este o real motivo da venda do rancho Neverland e de outras propriedades. Além
disso, o cantor foi submetido a um julgamento e não pode fazer nada para evitar, como da
primeira vez que foi acusado de abusar de menores. Jackson enfrentou uma crise em sua
imagem, o astro não era mais o herói popular de sua fase de idolatria. Agora, a sua imagem era
de um popstar bizarro e decadente.
A reportagem da Superinteressante mostra como a carreira de Michael Jackson atingiu
o pico do sucesso e de lá despencou em queda livre. Da idolatria a destruição, uma característica
foi puxando e levando a outra. O cantor se manteve na mídia do início ao fim de sua carreira,
criando uma ideia que primeiramente foi exaltada e com o passar destruída pela mídia pelo
astro e pelo próprio público.

4. ESTUDO DE CASO: ANÁLISE DA COBERTURA DA REVISTA QUEM SOBRE A


VIDA DE VIRGÍNIA FONSECA E SUAS EXCENTRICIDADES

4.1 Metodologia, Corpus de Análise e a Revista Quem

Para desenvolver uma análise sobre os mitos modernos, optou-se por tomar como objeto
a trajetória da influenciadora digital e YouTuber Virgínia Fonseca, casada com o cantor
sertanejo Zé Felipe. Além da pesquisa bibliográfica sobre cultura de massa, olimpianos e mitos
modernos, com base em autores como Edgar Morin (1997), Ivan Finotti e Bárbara Soalheiro
(2004), partiu-se para a pesquisa documental, com a coleta de notícias publicadas na Revista
Quem, que está inserida no Portal da Globo. Trata-se de uma revista voltada para notícias que
tratam da vida das celebridades. No caso da Virgínia Fonseca, foram selecionadas 40 notícias
em 2020, 2021 e 2022, que fazem a cobertura desde o início do namoro entre a YouTuber e o
cantor sertanejo, a primeira gravidez até a parceria dos dois e a segunda gravidez. Feita a coleta,
partiu-se para a Análise de Conteúdo (Bardin, 2011).
A Revista Quem (hoje conhecida como Quem Acontece) é uma revista publicada pela
Editora Globo, que enfoca assuntos sobre as celebridades, principalmente as nacionais. Era
publicada em formato impresso até julho de 2017, quando passou a ser veiculada de forma
digital, no Portal da Globo. Publica semanalmente entrevistas com personalidades do
entretenimento.

4.2 Trajetória de Virgínia Fonseca

Nascida em Danbury, Connecticut, nos Estados Unidos, em 6 de abril de 1999, Virgínia


Pimenta Fonseca Serrão é filha do português Mário Serrão e da brasileira Margareth Serrão.
Conhecida popularmente como Virgínia Fonseca, cresceu na cidade de Governador Valadares,
em Minas Gerais e logo em sua adolescência, aos 17 anos, criou um canal no Youtube onde
começou a gravar vídeos sobre dicas de beleza, moda e variedades.
No ano de 2018, Virgínia foi convidada pelo Youtuber e empresário Pedro Afonso
Rezende, popularmente conhecido por Rezende, para integrar a equipe de seu canal e de sua
agência, chamada ADR. Foi nesse período que a youtuber começou a ganhar popularidade,
atingindo a marca de 1 milhão de seguidores em seu Instagram. Hoje, ela tem mais de 39
milhões de seguidores.
Virgínia morou na cidade de Londrina, no Paraná, por cerca de 2 anos durante seu
contrato com a agência ADR. Nesse período, assumiu seu relacionamento com o youtuber
Rezende, com quem realizou diversas parcerias que ocasionaram o crescimento da mesma. Em
2020, anunciou o fim do namoro com o empresário e, consequentemente, o fim do seu contrato
com a ADR. É influenciadora e YouTuber. Ficou famosa por seus vídeos nas redes sociais.
Em 2020, ela assumiu o namoro com o cantor sertanejo Zé Felipe, filho de Leonardo.
Os dois tiveram três casamentos em função da pandemia – em 26 de março de 2021, depois em
08 de julho de 2021 em Gramado e novamente selaram o enlace em Las Vegas em 13 de abril
de 2022. Em 01 de junho de 2021, eles tiveram a primeira filha, Maria Alice. Desde março de
2021, o marido de Virgínia, Zé Felipe, filho de Leonardo, deixou o escritório do pai, e passou
a trabalhar junto com a esposa. Moram na cidade de Goiânia, Goiás, onde aguardam o
nascimento de sua segunda filha, Maria Flor.
4.3 Análise de Conteúdo

Ao analisar a cobertura da Revista Quem, vinculada ao Grupo Globo, que trata sobre
notícias das celebridades, foram selecionadas 40 notícias postadas em 2020, 2021 e 2022 em
relação à vida da YouTuber Virgínia Fonseca, que se tornou famosa após se tornar um fenômeno
nas redes sociais e, depois, em 2020, quando começou a namorar com o cantor sertanejo Zé
Felipe, filho do cantor Leonardo, com quem teve duas filhas – Maria Alice, em 2021, e Maria
Flor, em 2022. Hoje, ela tem mais de 39 milhões de seguidores no Instagram.
Conforme aponta Morin (1997), ao se tornar um mito da era moderna, mesmo como
fruto hoje das redes sociais, tornam-se produtos da cobertura midiática. Das 40 notícias
selecionadas, a maior parte trata de questões relacionadas à vida privada, como o namoro com
o cantor Zé Felipe, a gravidez, os casamentos (chegou a se casar três vezes com o cantor em
função da pandemia da Covid-19) e as excentricidades por não gostar de ostentar a vida de luxo
e de consumo. Nesse sentido, dialoga também com o trabalho de Finotti & Soalheiro (2004),
quando trata das fases de uma celebridade. Apesar de estar com uma carreira de sucesso como
YouTuber, como um casal que trabalha junto nos negócios e ter milhões de seguidores, Virgínia
Fonseca envolve-se em polêmicas.
Das 40 matérias, 10 são de 2020 (25%), 17 (42,5%) de 2021 e 13 (32,5%) de 2022.
Apesar de ter um número maior no Portal da Revista Quem, como havia repetição de temas, foi
feito este recorte. Em relação às temáticas, predominou “Excentricidades”, mesclada com
outros assuntos. De um total de 40, um universo de 17 notícias (42,5%) pode ser enquadrado
como atos excêntricos. Isso passou a acontecer a partir da consolidação do casamento com o
cantor Zé Felipe e do nascimento da primeira filha. Em 2021, por exemplo, das 17 notícias, 11
envolviam comportamentos marcados por excentricidades, sendo 5 notícias sobre gastos
excessivos que revelavam ostentação, como a compra de alianças no valor de 7,6 mil, o presente
dado por Zé Felipe no Dia dos Namorados (um anel de 8,4 mil), a pulseira que a filha recém-
nascida ganhou de 2,1 mil, além da compra de um carro de 478 mil. Chamou atenção ainda o
fato de que Virgínia Fonseca resolveu dar para mãe em dezembro 56 mil em notas de 100 reais.
As excentricidades foram destaques em notícias sobre a vida sexual do casal, como o fato de
terem ido para o motel depois de um jantar romântico. A notícia sobre o fato de que a libido do
cantor Zé Felipe tinha baixado foi outra matéria que ganhou destaque. Sobraram
questionamentos sobre a conduta de Virgínia Fonseca como mãe, o que a deixou irritada. Ela
foi criticada por não ser uma “boa mãe” e em função de terem contratado uma babá 24 horas
antes mesmo de a filha ter nascido. A YouTuber ficou bastante incomodada com o diagnóstico
da pediatra sobre a sua bebê estar com a fala um pouco atrasada.
O casal esbanjou dinheiro ao promover três casamentos – um primeiro em 26 de março
de 2021, sem direito a festas e ostentação em função da pandemia da Covid-19. Em 08 de julho
de 2021, fizeram novo casamento, desta vez em Gramado. Em 13 de abril de 2022, foi a vez de
celebrar a terceira cerimônia de enlace em Las Vegas, nos Estados Unidos. Estas atitudes
mostram a postura excêntrica do casal que sempre fez questão de tornar público cada ato, desde
o passo a passo da gravidez, até a vida do casal, incluindo o relacionamento afetivo e sexual.

Quadro 1
Notícias no Portal da Quem sobre a YouTuber Virgínia Fonseca de 2020 a 2022
Fonte: Dos autores, 2022

O Quadro 1 mostra também que há muitas notícias voltadas para a gravidez e a


maternidade. São, no total, 16 das 40 notícias – 40%. Em 2020, quando Virgínia Fonseca
engravidou, houve um grande destaque. Das 10 notícias, 07 foram voltadas para falar da
gravidez, desde os momentos de romantismo até a questão do mal-estar gerado pela gestação.
Isso aponta para o que Morin fala da dupla natureza divina e mortal dos olimpianos. Se existisse
muita exploração do casal ideal, houve também depoimentos das dificuldades com a gravidez.
O mesmo pode ser dito em 2021. As três notícias retratam situações excêntricas ou críticas em
relação à postura como mãe – de que não seria uma boa mãe, a contratação da babá 24 horas e
a outra é de terem criado uma rede social para filha que já tinha 3 milhões de seguidores no dia
que nasceu, em 01 de junho de 2021. Ou seja, trata-se de uma criança que nasce condenada a
ser uma celebridade, tendo em vista que já está sob os holofotes da mídia e das redes sociais,
exposta pelos próprios pais. Em 2022, as notícias foram voltadas para a gravidez da segunda
filha.
Houve apenas 2 notícias voltadas para tratar de assuntos mais públicos ou de caráter
menos íntimo. Foram as notícias sobre o fato de que o casal passou a trabalhar junto a partir de
março de 2021, quando Zé Felipe largou o escritório do pai para virar sócio da noiva. Outro é
de que Virgínia Fonseca preferia manter a sua independência financeira.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constata-se, a partir das discussões teóricas e da cobertura da Revista Quem sobre a
vida e as excentricidades da YouTuber Virgínia Fonseca e o seu marido, o cantor sertanejo Zé
Felipe, da atualidade do pensamento do filósofo francês Edgar Morin (1997), tanto sobre a
cultura de massa, ao falar dos olimpianos ou mitos modernos, do amor, do eros cotidiano, do
revólver. No caso das celebridades, fica nítida de como eles passam a ter a vida exposta, mas
não de forma invasiva. Em se tratando de uma figura que nasceu das redes sociais, a visibilidade
midiática é estratégica para que ela possa ganhar dinheiro e se manter famosa. O casamento
com um cantor sertanejo, filho de outra celebridade, a fez ficar mais conhecida e rapidamente
conquistar mais de 39 milhões de seguidores somente no Instagram.
Ao colocar a vida do casal e das próprias filhas em exposição contínua, ficam
evidenciadas como não há fronteiras entre o público, o privado e o íntimo. Há uma recorrente
tentativa de mostrar um mundo de ostentação, de luxo, em que o dinheiro é o que mostra o
sucesso. Carros de luxo, joias, mansão são importantes para revelar estilos de vida de quem se
deu bem na carreira. E ninguém escapa aos holofotes. Nem mesmo a filha de 1 ano ou a outra
que antes de nascer já está exposta. Cria-se uma rede social que já tem 3 milhões de seguidores.
Trata-se de fazer com que estas crianças já nasçam sem direito de escolha, sem querem ou não
ter este grau de exposição. As excentricidades revelam que, no mundo dos mitos efêmeros, não
há muito espaço para críticas ou questionamentos. Os comentários sobre o fato de ser ou não
uma boa mãe, de que se a educação nas mãos de uma babá 24 horas é a mais adequada ou até
os conselhos de uma pediatra sobre a filha foram encarados como críticas fora do lugar. Afinal,
estão acima dos mortais. Ou pelo menos acreditam que estão. Até que voltam à condição de
meros mortais.

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Indústria cultural. Iluminismo como


mistificação das massas. In: LIMA, Luiz Costa (Org). Teorias da Cultura de Massa. São
Paulo: Paz e Terra, 2000.

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

MORIN, Edgar. Culturas de massas no século XX. Neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997.

REVISTA QUEM. Virgínia Fonseca. Rio de Janeiro: Globo, 2022. Disponível em


https://revistaquem.globo.com/famoso/virginia-fonseca/. Acesso em 16 de outubro de 2022.

SOALHEIRO, Bárbara & FINOTTI, Ivan. Como o pop matou o seu rei. Michael Jackson:
ascensão e queda. Superinteressante. Edição 198 – março/2004. Disponível em:
http://super.abril.com.br/cultura/michel-jackson-ascensao-queda-479983.shtml. Acesso em 02
de outubro de 2022.
Capítulo 48

A ascensão de Virgínia Fonseca:


De youtuber ao romance com o cantor sertanejo

Júlia Alice Resende (UFSJ)


Lorena Sátiro de Sousa (UFSJ)

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar a trajetória da youtuber e influenciadora
digital Virgínia Fonseca a partir dos conceitos e características de cultura de massa e cultura
das mídias discutidos por Edgar Morin (1997), Douglas Kellner (2001). A análise parte da base
teórica que caracteriza os olimpianos, ou mitos modernos, relacionando-os com os fatores que
compõem a Indústria Cultural, conceito de Adorno & Horkheimer (2000). A partir de tais
percepções, são analisadas as relações entre mito, cultura de massa e público. A ascensão de
Virgínia Fonseca ao estrelato está vinculada às redes sociais. Em 2019, já tinha mais de 1 milhão
de seguidores no Instagram. Em 2021, casou-se com o cantor sertanejo Zé Felipe, com que já
tem duas filhas. Mantém-se ativa nas redes, residindo atualmente em Goiânia. Hoje, tem mais
de 40 milhões de seguidores no Instagram e posta muitas fotos das suas filhas, do marido e da
família, mostrando como o Olimpo, conforme aponta Morin (1997), é uma mistura do público
e do privado.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura de massas; Olimpianos; Influenciadora; Público; Indústria


Cultural.

1. INTRODUÇÃO

A palavra mito sempre nos remete à Grécia Antiga. Atena, Perséfone, Medusa são
histórias que todos conhecem. Porém, nos últimos anos um novo sentido dado à palavra. Mitos
modernos: artistas muito populares que são idolatrados por seus fãs. A indústria cultural é a
principal disseminadora do novo mundo midiático. Nesse sentido, o filósofo Edgar Morin
(1997) desenvolveu estudos sobre e sistematizou o que é vivenciado até uma simples pessoa
virar um “olimpiano”.
Sob a ótica da construção da fama de Madonna e Michael Jackson, artigos e livros
também foram publicados para analisar como estes dois ícones da música pop se tornaram
olimpianos marcados por forte ambiguidade. No caso de Madonna, a análise é feita por Douglas
Kellner (2001), no livro “A cultura das mídias”, que aponta como a cantora e artista mescla o
seu lado artístico transgressor com uma postura de empresária bem-sucedida. Já Michael
Jackson foi objeto da revista Superinteressante Michael Jackson: Peão do pop, em artigo
assinado por Ivan Finotti e Bárbara Soalheiro (2004), que aponta cinco fases pelas quais o astro
do pop passou: construção, idolatria, excentricidades, megalomania e destruição. No entanto,
em 2009, quando retomava a sua carreira, Michael Jackson morreu de overdose de
medicamentos e teve a sua redenção como um dos artistas mais talentosos do universo pop.
No Brasil, não é diferente. Temos uma gama de celebridades no mundo da cultura,
promovida pelas telenovelas, pelos esportes, pela política, pela música. Mas, desde a
emergência da internet, assim como no mundo ocidental, também por aqui, surgiram os
influenciadores digitais que se tornaram também celebridades a partir das redes sociais,
ganhando fãs ao postarem sejam dicas de moda, de culinária, ou de comportamento. É o caso
de Virgínia Fonseca, que se tornou uma influenciadora, empresária e youtuber muito bem-
sucedida e teve uma rápida ascensão. Depois do casamento em 2021 com o sertanejo Zé Felipe
e com o nascimento das duas filhas, a sua fama ainda aumentou. Hoje, tem mais de 40 milhões
de seguidores somente no Instagram, onde tem 1,921 postagens.

2. TEORIA CULTUROLÓGICA: CULTURA DE MASSA E OS OLIMPIANOS

Em seu livro “Cultura de massas no século XX. Neurose”, o filósofo francês Edgar
Morin (1997) apresenta os conceitos e características da cultura de massa. Segundo Morin, a
cultura de massa forma um sistema de cultura, constituindo-se como um conjunto de símbolos,
valores, mitos e imagens que dizem respeito quer à vida prática quer ao imaginário coletivo.
Para ele, existem outros tipos de cultura contemporâneas, já que vivemos em uma esfera poli
cultural, mas a cultura de massa seria a novidade do século XX e a que se acrescenta à cultura
nacional, à cultura humanista e à cultura religiosa.
O autor discute pontos negativos dessa cultura emergente, apesar de deixar claro
também os pontos positivos, como o fato de gerar uma certa democratização dos bens
simbólicos, pois até então os bens culturais estavam limitados a uma elite. A cultura de massa
é cosmopolita por vocação e planetária por extensão. Com isso, o objetivo de Morin não é
exaltar a cultura de massa, mas diminuir a “cultura cultivada”.
Além disso, ele define diversas características da cultura de massa. Morin (1997) explica
que, por possibilitar uma fuga da realidade, ela aciona o Princípio do Prazer, baseado na ideia
de Freud, ou seja, permite que o público mergulhe no imaginário ou no mundo em que a fantasia
é possível. O filósofo elenca 16 características da cultura de massa. Entre elas, destaca-se a
emergência dos olimpianos ou mitos modernos que permitem laços de identificação e de
projeção do público com as celebridades.
No entanto, antes, serão apontadas algumas outras características. Entre elas, pode ser
citada o “Grande Público”, que visa à homogeneização e padronização dos assuntos para que
atinjam um público amplo. A variedade de temas, o fim das barreiras entre as classes sociais, a
criação de programas voltados para mulheres e crianças, a junção da realidade e da ficção são
outras táticas para alcançar esse grande público. Os jornais misturam ficção e realidade,
enquanto as novelas narram fatos do cotidiano. Nesse sentido, pode-se pensar como uma
youtuber como Virgínia Fonseca busca atingir um público bem vasto, que rompa barreiras de
idade, de sexo e de classe social.
Outra característica é “grande cracking, que diz respeito à democratização da cultura de
massa que, apesar de tornar os produtos culturais mais acessíveis ao público trouxe a
banalização e a vulgarização dos temas. Morin cita quatro processos de vulgarização: a
simplificação, o maniqueísmo, a atualização e a modernização. Um exemplo desse “craking” é
a adaptação de obras literárias que viram série, filmes ou novelas. Em seu trabalho, ela busca
tratar de temas do cotidiano. No entanto, uma celebridade corre o risco ao dar determinadas
declarações. No dia 2 de outubro, ao votar, ela declarou que o eleitor deveria votar pensando
na sua própria realidade sem levar em conta o contexto social. A fala repercutiu rapidamente
nas redes sociais e foi encarada como um posicionamento egoísta, tendo em vista que, no Brasil,
há muitas mazelas sociais, problemas ambientais e é necessário ter uma preocupação com o
social.
A “Cultura do lazer” é outra característica da cultura de massa, já que o público gasta
grande parte das horas vagas com ela. Diz respeito também à cultura do espetáculo pelo fato de
que as pessoas são espectadores passivos de um produto cultural já pronto. No caso da
influenciadora, ela hoje procura focar bastante na sua vida pessoal e na relação com o seu
marido e as suas filhas.
Quanto ao “Happy end e simpatia”, a cultura de massa tende a preparar sempre um final
feliz. Para isto, são criados os heróis simpáticos para que o espectador possa criar laços de
identificação ou projeção e dessa forma possa se emocionar. Isso está vinculado à ideia de amor.
Nas postagens de Virgínia Fonseca, isso é muito explícito, com a ideia de família perfeita, feliz,
em que o amor é pleno.
Quanto aos olimpianos, Morin (1997) os caracteriza como ídolos que passam a ocupar
a posição central da grande imprensa, sendo eles, políticos, cantores, atores e atrizes,
influenciadores digitais, grandes campeões, entre outros. Sob essa ótica, para Morin (1997), a
informação transforma o personagem em vedete da atualidade, fazendo com que qualquer
acontecimento ocorrido com o mesmo se transforme no principal assunto do momento. Dessa
forma, o público cria um sentimento de identificação com o ídolo, participando de seus
sofrimentos, alegrias e vivências. “A imprensa de massa, ao mesmo tempo que investe os
olimpianos de um papel mitológico, mergulha em suas vidas privadas, a fim de extrair delas a
substância humana que permite a identificação” (MORIN, 1997, p.107)
Portanto, os olimpianos são como os mitos criados na antiguidade, nos quais nascem do
imaginário, dos seus personagens, no caso de atores e atrizes, da sua função social, no caso dos
políticos, ou até mesmo dos trabalhos heroicos, um exemplo disso são os atletas que
representam seus países e se tornam grandes campeões.
Os mitos modernos caracterizam o papel da indústria cultural na sociedade de massas.
De acordo com Morin (1997), a indústria cultural não produz apenas um modelo padronizado
que busca sempre o lucro. Ele enfatiza que a cultura de massas produzida pelos meios de
comunicação e pelas mídias digitais agrega elementos de outras culturas, promovendo um
sincretismo e universalizando o acesso pelo grande público.
Logo, são os olimpianos os principais personagens da cultura de massa, criando uma
ligação entre o público e a indústria através da espetacularização e da estética, por meio de laços
de identificação e estando presentes nos pontos de contato entre a cultura e o público:
entrevistas, festas, exibições publicitárias, programas televisados, entre outros.
Douglas Kellner (2001), em seu livro “Cultura da mídia", analisa a trajetória de
Madonna e sua influência na cultura pop. Segundo o autor, a cantora desperta o interesse dos
estudos culturais pois sua popularidade revela importantes características da função da moda e
da identidade na sociedade contemporânea. Dessa forma, a mesma torna-se uma olimpiana a
partir do momento que se transforma no foco do público, sendo adorada por alguns e criticada
por outros.
De acordo com Kellner, Madonna cria imagens de caráter identitário, quebrando
padrões e propondo mudanças, experimentações e a criação da identidade individual. Dessa
maneira, conquista o público, fazendo com que esse participe ativamente de suas vivências. No
entanto, ao privilegiar sua aparência, reforça os padrões da sociedade de consumo da indústria
cultural, fazendo com que seu personagem se torne uma contradição.
Outro mito da Era Moderna foi Michael Jackson. Foi nesse ser extraordinário que a
revista Superinteressante focou seu artigo publicado em 29 de fevereiro de 2004. O rei do pop,
colocado também como peão do pop, passou por diversas fases em sua carreira que o fizeram
ser consagrado como tal. Construção, idolatria, excentricidade, megalomania, destruição.
Palavras que olhadas separadamente não dizem muita coisa, mas que se acopladas ao estudo de
vida de alguém fazem total sentido.
Em paralelo com a teoria de Morin, atitudes de Michael Jackson não só viraram assunto
no momento em que aconteceram, mas também entraram para a história. A famosa dança
moonwalk nunca será esquecida. A música Thriller é referência para a música pop internacional.
As décadas de 80 e 90 foram marcadas para sempre. Seja pelas conquistas, seja pelos desastres
de Jackson. Polêmicas como a mudança de cor de sua pele, a acusação de assédio e sua loucura
natural o colocavam sempre na capa dos principais jornais.
Outro fato abordado no artigo foi que ele nunca dava entrevistas. Tudo era divulgado
pronto. A indústria cultural ocasionou a ascensão de diversos mitos da modernidade, é fato. A
mídia possui papel essencial nessa criação. Morin defende sobre tal espetacularização em suas
teses e Madonna e Michael Jackson são exemplos claríssimos de sua teoria.

3. ESTUDO DE CASO: A INFLUENCER VIRGÍNIA FONSECA

O presente artigo pretende desenvolver uma análise da trajetória da youtuber e


influencer digital Virgínia Pimenta Fonseca Serrão, popularmente conhecida como Virgínia
Fonseca.

3.1 Trajetória

Virgínia Pimenta Fonseca Serrão é filha do português Mário Serrão e da brasileira


Margareth Serrão, nasceu em Danbury, Connecticut, Estados Unidos em 6 de abril de 1999.
Conhecida popularmente como Virgínia Fonseca, cresceu na cidade de Governador Valadares,
em Minas Gerais e logo em sua adolescência, aos 17 anos, criou um canal no Youtube onde
começou a gravar vídeos sobre dicas de beleza, moda e variedades.
No ano de 2018, Virgínia foi convidada pelo Youtuber e empresário Pedro Afonso
Rezende, popularmente conhecido por Rezende, para integrar a equipe de seu canal e de sua
agência, chamada ADR. Foi nesse período que a youtuber começou a ganhar popularidade,
atingindo a marca de 1 milhão de seguidores em seu Instagram. Hoje, ela tem mais de 40
milhões de seguidores.
Virgínia morou na cidade de Londrina, no Paraná, por cerca de 2 anos durante seu
contrato com a agência ADR. Nesse período, assumiu seu relacionamento com o youtuber
Rezende, com quem realizou diversas parcerias que ocasionaram o crescimento da mesma. Em
2020, anunciou o fim do namoro com o empresário e, consequentemente, o fim do seu contrato
com a ADR.
Pouco tempo depois, ainda em 2020, Virgínia começou a namorar o cantor sertanejo Zé
Felipe, com quem teve sua primeira filha, Maria Alice. No ano de 2021, a influencer e o cantor
se casaram e, atualmente, moram na cidade de Goiânia, Goiás. Em outubro de 2022 deu a luz a
sua segunda filha, Maria Flor.

3.2.1 A CONSTRUÇÃO DO MITO VIRGÍNIA FONSECA

Virgínia Fonseca, aos 23 anos, já atuava como youtuber, influencer e empresária.


Atualmente, soma 40,1 milhões de seguidores no Instagram e 11 milhões de inscritos em seu
canal no Youtube, números que crescem cada dia mais. Em parceria com Samara Pink, é dona
da marca WePink, em que o primeiro produto de beleza lançado gerou um faturamento de 10
milhões de reais em apenas um mês de venda. A partir desse fato, pode-se ter uma noção de sua
excelente performance como influenciadora digital.
Seu trabalho como youtuber abriu diversas portas para novos projetos. Além da
WePink, Virgínia também é proprietária da empresa SK Aesthetic, situada na cidade de São
Paulo e da agência Talismã Digital, que agencia vários artistas brasileiros, incluindo seu marido,
o cantor Zé Felipe.
Atualmente, Virgínia tem a quarta conta do Youtube mais lucrativa do país e é uma das
influenciadoras brasileiras com o maior engajamento nas redes sociais. Diariamente, realiza
diversas publicidades e possui listas de espera de marcas que desejam ter seus produtos
divulgados pela youtuber.
Além de trabalhar com sua própria marca de produtos de beleza, Virgínia também
trabalha ao lado de seu marido, participando dos clipes de suas novas músicas, lançando
coreografias e ensinando a mesma para seus seguidores. Seu famoso “bom dia” já conquistou
e influenciou o público brasileiro. A influenciadora utiliza seu Instagram todos os dias pela
manhã para fazer stories dançando o atual sucesso cantado por Zé Felipe, a fim de incentivar
seus seguidores a ouvirem, dançarem e compartilharem a música nas redes sociais.
Um dos últimos clipes lançado por Zé Felipe em apenas 8 dias, bateu a marca de 17
milhões de visualizações no Youtube, sendo também, a música mais ouvida no país nas
plataformas digitais. Logo, é evidente a atuação de Virgínia Fonseca como olimpiana na
sociedade moderna, sendo responsável por influenciar e criar laços de identificação com
milhões de brasileiros nas mídias digitais, contribuindo com a relação entre indústria cultural e
público.

3.2.2. PRIMEIRA FASE DA CARREIRA: DE DJ PARA AGENCIADA DA ADR

Aos 17 anos, Virgínia Fonseca entrava para o mundo midiático. Seu primeiro vídeo
como youtuber foi em 2016 e revelava a simplicidade da artista: celular como ferramenta de
gravação, casa normal para uma família de classe média e linguajar típico de uma adolescente
cheia de sonhos. No vídeo, Virgínia conta que, influenciada por uma amiga, resolveu criar seu
canal pois levava jeito para isso. Na época, morava em Portugal com seus pais.
Após cerca de um ano, Virgínia alcançou a marca de 100 mil inscritos em seu canal e
voltou para o Brasil. Gravava vídeos com assuntos de seu cotidiano, sempre deixando claro sua
paixão por música do gênero Funk e por academia. Foi por essa paixão pela música que, em
2018, Virgínia decidiu se arriscar na carreira de DJ. Porém, a passagem por esse mundo musical
foi rápida. Em recente entrevista ao podcast “PodDelas”, ela disse que gostava mesmo era de
estar no meio do público dançando, em vez de subir aos palcos. Com isso, ela resolveu
abandonar a mesa de som e focar nas redes sociais. Nesse período, já contava com
aproximadamente 500 mil inscritos em seu canal.
Poucos meses depois, Virgínia começou a gravar vídeos para o YouTube em parceria
com a agência ADR de Pedro Rezende, criada naquele mesmo ano. Isso fez com que a
influenciadora voltasse ao canal com mais incentivo, já que estava pensando em desistir de
gravar. A partir daí ela conquistou mais inscritos em seu canal, que hoje em dia conta com
mais de 11 milhões de inscritos. Virgínia também começou a se destacar no Instagram,
ganhando cada vez mais seguidores. Durante o tempo que permaneceu na agência, morou em
Londrina, onde era localizada a casa de gravação do grupo. Ela também engatou um romance
com Rezende que durou cerca de dois anos e chegou ao fim em 2020.
3.2.3. SEGUNDA FASE DA CARREIRA: VIRGÍNIA NAS POLÊMICAS DO MUNDO DAS
INFLUENCERS

Após terminar o namoro com Rezende, diversas polêmicas envolveram o nome de


Virgínia. Por um tempo, eles continuaram gravando juntos. O clima era de amizade. Poucos
meses depois, ela assumiu seu relacionamento com o cantor Zé Felipe. No início de 2021,
resolveu sair da agência de Rezende antes do firmado em contrato.
Portanto, essa série de acontecimentos fez com que a influenciadora fosse parar nos
principais IGs de fofoca. O término com Rezende foi anunciado no Instagram dos dois e em
vídeos em seus respectivos canais no YouTube. Os fãs do casal demonstravam decepção e
acreditavam veemente em uma volta. Já no que diz respeito ao namoro com Zé, os primeiros
flagras dos dois juntos os fizeram anunciar o romance.
Porém, a principal polêmica foi sua saída da agência. Virginia entrou com um processo
trabalhista pedindo a anulação de sua multa rescisória e o reconhecimento de seus direitos
trabalhistas, como férias, FGTS, etc. O erro da celebridade foi ter solicitado justiça gratuita,
benefício destinado a pessoas que não tem condições de arcar com os custos processuais. Nessa
altura do campeonato, Virgínia já estava com uma condição financeira bem melhor. Ao mesmo
tempo, a ADR entrou com um processo solicitando o pagamento da multa de quebra contratual
por Virgínia. Tudo foi mantido sob segredo de Justiça, mas as especulações foram grandes.
Muitos ficaram do lado de Rezende, outros defenderam a influenciadora. Enquanto isso,
Virgínia cresceu em seu Instagram e começou com suas atividades no ramo empresarial.

3.2.4 TERCEIRA FASE DA CARREIRA: VIRGÍNIA MÃE, ESPOSA, EMPRESÁRIA E


INFLUENCIADORA

Após assumir seu novo affair, Virgínia mudou-se para Goiânia para morar com Zé
Felipe. Sua vida mudou completamente: sua conta no Instagram alcança cada vez mais
seguidores. Hoje em dia, conta com 40,1 milhões. A influencer é cotadissíma para fazer as
famosas “publis” de grandes marcas. Seu público varia de crianças a adultos dado o
entretenimento oferecido. O engajamento de suas contas é evidente.
O anúncio de sua gravidez foi um dos assuntos mais comentados na época,
principalmente por ela ter realizado um procedimento estético de lipoaspiração poucos dias
antes de ficar grávida. Seu casamento com Zé Felipe, em março de 2021, e o nascimento de
Maria Alice, em maio de 2021, trouxe grandes visitas aos seus perfis nas redes sociais. Em
intervalos de cerca de um mês, a influenciadora ganha um milhão de seguidores no Instagram.
2021 foi um ano excelente para Virgínia. Apesar de ter perdido o pai em decorrência de
uma doença, seu crescimento foi surreal. A parceria com Zé Felipe foi fortalecida também no
mundo do trabalho, já que Virgínia participa dos clipes, lança as coreografias para os hits de Zé
e dança-as todos os dias em seus stories. Com a volta dos shows, ela marcava presença na
maioria.
Além disso, ela abriu sua própria agência: a Talismã Digital, que conta com nomes de
peso como ela mesma, seu marido, Caio Afiune, Esther Melo e Dhully Zanela. Ainda no ramo
empresarial, em parceria com Samara Pink, fundou a WePink, empresa de cosméticos, e a SK
Aesthetic, clínica de estética avançada. O sucesso foi certeiro. As vendas de seus produtos
alavancaram os negócios da dupla.
Importante frisar que Virgínia continua gravando seus vídeos para o YouTube
continuamente. Ainda em 2021, inaugurou ao lado de Camila Loures, um canal de podcast: o
PodCats, que já conta com quase dois milhões de inscritos na plataforma com 25 episódios
gravados. Já em 2022, ela anunciou a gravidez de sua segunda filha: Maria Flor.

3.2.5 QUARTA FASE DA CARREIRA: OS FRUTOS COLHIDOS ATÉ AQUI E


CALMARIA

Em 2022, apesar de manter seu crescimento frequente em suas redes, Virgínia está em
uma fase mais caseira. As viagens para os shows com Zé já não são tão frequentes. As gravações
do PodCats estão paradas, por enquanto. Mas, ela continua com seus conteúdos e gravações
todos os dias. Virgínia não tem um dia de folga.
O fato da influenciadora estar com alguns problemas de saúde podem ajudar a explicar
a fase. Recentemente, teve fortes dores de cabeça que a fizeram ficar alguns dias internada em
um hospital de São Paulo. Com a gravidez e algumas crises de dor, a melhor escolha para ela é
ficar mais quietinha. Ela também revela estar tomando remédio para ansiedade.
Enfim, o reconhecimento do talento de Virgínia Fonseca é irrefutável. O “Bom dia
pexual” de seus stories com Maria Alice influenciam outras mães. As dancinhas das músicas
atiçam a vontade de seu público jovem dançar e gravar. Todos parecem conhecer Virgínia nesse
mundo de exposição. Seu crescimento absurdo nas redes sociais chamou a atenção também de
programas de televisão, revistas e blogs. Ela já participou dos programas “Domingo Legal'' e
“Eliana”, por exemplo. Ela construiu seu próprio legado e ainda irá surpreender muitos
brasileiros.
Como foi dito, a mais recente polêmica foi a sua fala no dia da eleição. Como é do
conhecimento da opinião pública, a maior parte das duplas sertanejas são apoiadores do atual
presidente Jair Bolsonaro (PL), enquanto os artistas de esquerda, como Chico Buarque, Caetano
Veloso, Gilberto Gil, vinculados à MPB, ao rock, ao rap, estão alinhados com o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Como ela é esposa de Zé Felipe, a sua declaração dizendo que
os eleitores deveriam pensar em si próprios e não no social, revela uma posição claramente de
direita, que foi duramente criticada nas redes sociais.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após análise dos conceitos do filósofo francês Edgar Morin, pode-se concluir que as
culturas de massas e a indústria cultural interferem diretamente no dia a dia de todas as pessoas.
Uma das características dessa cultura são os chamados olimpianos, ou mitos modernos, que são
responsáveis por criar uma ponte entre ela e o público. As pessoas criam um laço de
identificação com seu ídolo, podendo ser ele, um personagem, um cantor, ator ou atriz, político,
etc., que ocupam a posição central da grande mídia.
A youtuber e influenciadora, Virgínia Fonseca, é um exemplo de olimpiano. Essa é
responsável por influenciar os milhões de seguidores que possui em suas redes sociais, sendo
uma das maiores influenciadoras digitais da atualidade. Com apenas 23 anos, Virginia
compartilha toda a sua rotina com seus seguidores, possuindo um grande público fiel, que
participa de todos os seus sentimentos e vivências.
Portanto, fica claro o poder que a cultura de massa e a mídia têm sobre a sociedade. Elas
são responsáveis por ditarem a realidade, a moda, o novo. Essas, em conjunto com as grandes
personalidades do momento, os olimpianos, ditam os rumos que o público deve seguir.
Segundo Edgar Morin, a indústria cultural não é somente um modelo padronizado que
busca sempre o lucro, mas a cultura produzida pelos meios de comunicação e pelas mídias
digitais agregam valores de outras culturas. Mas como todo mito da era moderna, há um caráter
efêmero. Se a carreira não for bem administrada, podem ser rapidamente cancelados.

REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Indústria cultural. O iluminismo como
mistificação das massas. In: LIMA, Luiz Costa (Org). Teorias da Cultura de Massa. São
Paulo: Paz e Terra, 2000, p.169-214.

Canal do YouTube da Virgínia. Disponível em: https://www.youtube.com/c/virginia/videos


Acesso: 26/06/2022

DA REDAÇÃO. Como começou (e como terminou) a treta entre Virginia e Rezende na Justiça.
Portal Uol. 02 de dezembro de 2021. Disponível em:
https://www.uol.com.br/splash/noticias/2021/12/02/virginia-rezende.htm
Acesso: 26/06/2022

DA REDAÇÃO. Virgínia Fonseca - personalidades. Revista Contigo. Disponível em:


https://contigo.uol.com.br/personalidades/virginia-fonseca.html . Acesso em 25/06/2022

FINOTTI, Ivan & SOALHEIRO, Bárbara. Michael Jackson: Peão do pop. Um rei como
Michael Jackson já nasce com seus dias contados. Entenda como a indústria da música enterra
seus ídolos. Revista Superinteressante. Março de 2004. Disponível em https://
https://super.abril.com.br/cultura/michael-jackson-peao-do-pop/. Acesso em 10 de outubro de
2022.

Instagram da Virgínia. Disponível em: https://www.instagram.com/virginia/ Acesso: 10 de


outubro de 2022.

KELLNER, Douglas. A Cultura da mídia. São Paulo: Editora da Universidade do Sagrado


Coração, 2001

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. Neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997.

Virgínia Fonseca. Disponível em:https://gshowbbb.com/virginia-pimenta-fonseca-serrao/


Acesso em 25/06/2022
Capítulo 49

Mídia, Cultura de massa e Sensacionalismo:


Análise do Programa Brasil Urgente da Bandeirantes

Bianca Guedes Martins de Moura (UFSJ)


Francielle Antunes Lima (UFSJ)
Lara Cristina Reis dos Santos (UFSJ)
Marina do Amaral Peron (UFSJ)
Nicolas Toledo Casco (UFSJ)

RESUMO: O artigo traz uma análise do Programa Brasil Urgente, exibido diariamente pela
TV Bandeirantes, com mais de duas horas de duração (16h às 18h50), com ênfase em notícias
policiais factuais numa abordagem sensacionalista e espetacular. Para isso, recorre a autores
que discutem mídia, cultura de massa e sensacionalismo (Morin, 1997; Rondelli, 1998; Freud,
1997). No trabalho, é feito ainda um panorama da história da TV Bandeirantes, a fim de mostrar
como, ao longo de sua trajetória, ela passou por várias fases, sendo nos anos 90 o canal dos
esportes, diversificando a programação nos anos 90, quando surge o Brasil Urgente e chegando
ao contexto atual sem uma linha clara, ao mesclar jornalismo, esporte, programas policiais. Isso
levou a emissora a perder o espaço que tinha, antes ocupava o segundo lugar de audiência e
hoje fica em 4º lugar (atrás da Globo, Record e SBT).

PALAVRAS-CHAVE: Brasil Urgente; Sensacionalismo; TV; Bandeirantes; Esportes; José


Luiz Datena.

1. INTRODUÇÃO

Não é novidade que a violência cotidiana é um problema recorrente e estrutural no


Brasil. Com as redes sociais, banaliza-se a violência, que gera vítimas a cada minuto, sendo em
sua maioria indivíduos de baixa renda, moradores de periferia, pardos ou negros e jovens. Tudo
isso apresentado em nosso cotidiano revela uma triste estatística e aponta para o descaso com
os direitos humanos no país. Outro lado da violência parte, muitas vezes, de agentes de
segurança que deveriam estar atuando para o bem-estar dos cidadãos. Segundo dados do 15º
Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, mesmo com a pandemia e as pessoas
ficando em isolamento social, o Brasil teve o maior número de pessoas mortas pela política de
toda a série histórica.
Diante de tais questões, a proposta do artigo é analisar como a mídia, em especial o
jornalismo, retrata essa violência cotidiana em seus telejornais. Em programas como o Brasil
Urgente, é possível ver como esse tema é retratado com sensacionalismo.

2. MÍDIA, CULTURA DE MASSA E SENSACIONALISMO

Para entender o porquê de programas policiais e sensacionalistas, como o Brasil


Urgente, são campeões de audiência, uma das explicações pode ser encontrada na obra de
Sigmund Freud (1997), no ensaio “O mal-estar na civilização”. O autor afirma que a
humanidade e a cultura constituem uma patologia e essa relação somente pode ser observada
no comportamento da sociedade. Freud (1997) argumenta que existe um impasse no processo
civilizatório e que, em função de tal situação, o sujeito está condenado à infelicidade. Teoriza
que o homem tem que aprender a domar e controlar suas pulsões, o que gera angústia e
infelicidade. O autor descreve a estrutura do funcionamento do aparelho psíquico. Indo além
dos sistemas, pré-conscientes e conscientes, ele aponta que, no ser humano, o inconsciente tem
uma grande força, por ser uma área onde estão os desejos reprimidos.
Freud (1997) afirma que o princípio da realidade leva o indivíduo a construir
mecanismos de defesa contra os desprazeres que o mundo externo pode lhe proporcionar, que
estão sempre o ameaçando. O autor cita três fontes de sofrimento: a decadência do corpo, o
efeito destruidor das forças da natureza e por fim o próprio embate com o Outro. Além disso,
debruça-se sobre outro aspecto da constituição humana: a agressividade. Ele ressalta que os
homens não são criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-
se quando atacadas. Ao contrário, são criaturas cujos dotes pulsionais devem levar em conta
uma poderosa cota de agressividade. Segundo Freud, é o controle da agressividade tem sido um
grande desafio da civilização. O homem está diante de uma constante luta, um conflito entre as
pulsões de vida (sexualidade, amor) versus as pulsões de morte (agressividade).
Freud (1997) afirma que, como forma de aliviar as pulsões, existem formas de
sublimação ou catarse, que funcionam como mecanismos de defesa que canalizam os impulsos
libidinais para uma postura socialmente útil e aceitável. Podem ser expressas através de gestos
de solidariedade, em expressões artísticas ou na busca do entretenimento em produtos da cultura
de massa, por exemplo, principalmente, naqueles que exploram a violência e o erotismo, como
filmes, seriados e notícias sensacionalistas.
A mídia, ao tratar da violência, acaba por banalizar a violência. Esta é uma das
conclusões que chega à pesquisadora Elizabeth Rondelli (1998). Ela diz que a mídia se constitui
como um lugar institucional em que são expostas numerosas notícias sobre crimes, falas das
vítimas, das autoridades, dos especialistas de outras matrizes discursivas, além das opiniões
descosturadas do senso comum. Segundo a autora, no caso da violência, os meios de
comunicação não só definem as notícias, como organizam o mundo a partir da dicotomia entre
o bem e mal, nomeiam seus praticantes, sentenciam punições, concedem atenuantes e arrolam
justificativas. A autora afirma que o poder da imprensa faz com que os atos violentos se
estendam-se e amplificam a discussão no espaço público.
Segundo Rondelli (1998), prevalece o poder de espetacularização da mídia, a partir
do sensacionalismo, do fascínio, da banalização. Assim, a violência é enquadrada segundo os
requisitos e necessidades da rotina produtiva dos meios de comunicação; torna-se um
dispositivo pautado na sua agenda diária, como ocorre no Programa Brasil Urgente. A imprensa
oferece exibição pública destes temas, convoca demais atores a pronunciarem e manifestarem
juízos de valor sobre os assuntos mostrados.
A cobertura sobre violência vincula-se, também, à cultura de massa. Este debate
está atrelado ao conceito de cultura de massa que pode ser melhor compreendido a partir de
autores como Edgar Morin (1997). O filósofo francês explica que a cultura de massa é a cultura
do espetáculo, pois está intimamente ligada à espetacularização e tende a promover o
sincretismo, unificando o setor da informação e o setor romanesco.

No setor da informação é muito procurado o sensacionalismo (isto é,


essa faixa de real onde o inesperado, o bizarro, o homicídio, o
acidente, a aventura irrompe a vida quotidiana. Tudo que na vida real
se assemelha ao romanesco ou ao sonho é privilegiado. Mais que
isso, a informação se reveste de elementos romanescos,
frequentemente inventados, ou imaginados pelos jornalistas (amores
de vedetes e de princesas). Inversamente no setor imaginário, o
realismo domina, isto é, as ações e intrigas romanescas que tem as
aparências da realidade. A cultura de massa é animada por esse duplo
movimento do imaginário arremedando o real e do real pegando as
cores do imaginário (MORIN, 1997; p.36).

De acordo com Morin (1997), a imprensa seleciona os acontecimentos que são mais
carregados de intensidade afetiva. Para ele, a mídia está em busca da substância romanesca e
dramática camuflada nas informações. Temáticas próprias da linguagem cinematográfica como
aventura, a proeza, o amor e a vida privada são, também, igualmente privilegiadas junto à
informação. O autor afirma que é no sensacionalismo que as leis são burladas, dominadas ou
ignoradas. Morin (1997) afirma que o sensacionalismo ganha uma dimensão espetacular,
evidenciado em situações em que “as grandes catástrofes são quase cinematográficas, o crime
é quase romanesco, o processo é quase teatral”. Ele explica que o sensacionalismo interrompe
a vida normal por meio de acidentes, catástrofes, crimes a paixão, ciúmes, sadismo etc. O autor
enfatiza que a estrutura dos fait divers no sensacionalismo são as mesmas do imaginário.

3. TV E REDE BANDEIRANTES

Quanto ao histórico da TV Bandeirantes, o Site do Centro de Pesquisa e Documentação


de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), vinculado à Fundação Getúlio Vargas (FGV),
traz informações importantes, de autoria de Vladymir Lombardo Jorge (2022). 161 O autor
informa que a Rede Bandeirantes pertence ao grupo paulista Bandeirantes, fundado pelo
empresário João Jorge Saad162, em 13 de maio de 1967, que conta hoje com a Rede
Bandeirantes, as redes de rádio, TVs por assinatura (Bandnews, BandSports, TerraViva) e os
jornais (Metro e Primeira Mão)

3.1 Da fase amadora até a consolidação nos anos 80

Na primeira metade da década de 1950, João Jorge Saad recebeu do presidente Getúlio
Vargas a concessão para explorar um canal de televisão em São Paulo. No governo do
presidente Juscelino Kubitschek (1956-1951), a concessão chegou a ser cancelada, mas Saad a

161 JORGE, Vladymir Lombardo. Rede Bandeirantes. Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil (CPDOC). Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro. Disponível em
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/rede-bandeirantes. Acesso em 08 de outubro
de 2022.
162 João Jorge Saad nasceu em 22 de julho de 1919, em Monte Azul Paulista, atual Olímpia, no estado de São

Paulo, e faleceu em 10 de outubro de 1999 na cidade de São Paulo. Filho de imigrantes libaneses, fez fortuna no
comércio de tecidos. Em 1944, casou-se com Maria Helena Mendes de Barros, filha do ex-governador de São
Paulo Ademar de Barros, que, em 1948, comprou a Rádio Bandeirantes de Paulo Machado de Carvalho,
proprietário da TV Record. Com a compra da rádio, João Jorge Saad passou a trabalhar na Rádio Bandeirantes,
vindo a assumir definitivamente o controle da empresa em 1951. (JORGE, VLADIMYR LOMBARDO, 2022).
recuperou no governo do presidente João Goulart (1961-1964). No entanto, a TV Bandeirantes,
canal 13 de São Paulo, só iniciou suas transmissões em 13 de maio de 1967.
Na década de 60, entre os destaques, foi ao ar a telenovela “Os Miseráveis”, de Walter
Negrão e Chico Assis, baseada na obra homónima do escritor francês Victor Hugo. Dirigida
por Walter Avancini, a telenovela era exibida em capítulos diários de 45 minutos. Iniciava-se,
na época, o padrão para a teledramaturgia brasileira. De 1960 a 1990, a Rede Bandeirantes
ampliou a sua rede, com a aquisição de várias emissoras: Distrito Federal (canal 4 de Brasília),
Minas Gerais (canal 7 de Belo Horizonte), Rio de Janeiro (canal 7 do Rio de Janeiro), Bahia
(canal 7 de Salvador), Paraná (canal 2 de Curitiba) Rio Grande do Sul (canal 10 de Porto
Alegre), São Paulo (canal 6 de Taubaté, canal 3 de Campinas e canal 10 de Presidente Prudente).
Vladymir Jorge (2022) comenta que, em julho de 1969, um incêndio destruiu o prédio
do Morumbi e todo o equipamento da emissora, que continuou transmitindo suas imagens dos
seus caminhões de externa. Foram perdidos também 30% do arquivo de filmes e muitos
capítulos inéditos da novela O Bolha, que tiveram que ser regravados. Após o incêndio, a TV
Bandeirantes passou a ser sustentada financeiramente pela Rádio Bandeirantes. A emissora
depois do incidente resolveu, em 1972, fazer novos investimentos, e, em 1972, foi a primeira
emissora a produzir e transmitir programação em cores.
Nos anos 70, segundo Jorge (2022), a TV Bandeirantes, com a contratação de Cláudio
Petraglia como diretor artístico, passou a levar ao ar programas gravados em estúdio, e não
somente filmes estrangeiros, redefinindo sua programação. Em dezembro de 1973, estreou o
programa Informação, voltado para discussão de assuntos políticos, mesmo num momento
tenso em que o país vivia sob a ditadura militar. Conforme explica Vladymir Jorge (2022), o
telejornalismo da Bandeirantes foi pioneiro em trabalhar com um jornalismo mais
interpretativo, procurando sair do factual e trazer fatos mais contextualizados.
O site do CPDOC esclarece que a ditadura militar acabou gerando mudanças no quadro
da TV Bandeirantes. Em novembro de 1977, Gabriel Romeiro pediu demissão porque, segundo
ele, o presidente da Rede Bandeirantes de Televisão, Jorge Saad, proibiu os telejornais da
emissora de transmitir matérias contendo reclamações populares ou que abordassem temas tais
como constituinte, sindicatos e anistia política. A Bandeirantes também passava por problemas
financeiros em função do Canal 7 do Rio de Janeiro e com os convênios firmados com outras
emissoras de diversos pontos do país, tendo então que recorrer a favores estatais, o que a teria
deixado ainda mais vulnerável a pressões políticas.
No final dos anos 70, a ditadura militar dava sinais de enfraquecimento até pelo
fortalecimento do MDB, partido de oposição, que saiu vitorioso desde as eleições de 1974. Com
a anistia política em 1979, segundo Jorge (2022), a TV Bandeirantes levou ao ar entrevistas
com alguns personagens da esquerda brasileira e latino-americana e da resistência ao regime
militar.

Em meados de 1979, a emissora transmitiu, no programa Encontro


com a imprensa, entrevista que Luís Carlos Prestes, então secretário-
geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB), concedeu a Roberto
D’Ávila e Evaldo Dantas. Em outubro de 1981, a emissora levou ao
ar, no programa Variety 90 minutos, uma entrevista concedida pelo
presidente cubano, Fidel Castro, à repórter Rute Escobar. A Rede
Bandeirantes também transmitiu uma entrevista com o arcebispo de
Olinda, dom Hélder Câmara, para Ziraldo no programa Etc. (JORGE,
CPDOC, 2022).

Os anos 80 foram marcados pela abertura política e a diversificação dos canais de TV


Aberta. Segundo Vladymir Jorge (2022), em 1982, a TV Bandeirantes barateou os custos de
sua operação substituindo o sistema de microondas pelo satélite, tornando-se a primeira
emissora de televisão brasileira a empregar esta tecnologia. Segundo a própria emissora, isso
ocorreu para permitir o crescimento da cobertura nacional, que começou a priorizar a cobertura
esportiva.
Embora a tradição esportiva da Rede Bandeirantes tenha começado
em 1970, somente a partir de 1983 a emissora começou a investir
mais neste segmento. Neste ano, estreou o programa Show do
Esporte, que permaneceu no ar durante 20 anos, tendo, entre os
membros da equipe jornalística, Luciano do Valle, Silvio Luiz e
Álvaro José. A Rede Bandeirantes foi a primeira a transmitir a
Fórmula Indy, o basquete norte-americano da National Basketball
Association (NBA) e os campeonatos de futebol italiano e espanhol.
Enviou equipes de reportagens para fazerem a cobertura dos Jogos
Olímpicos de Los Angeles (1984), Seul (1988), Barcelona (1992),
Atlanta (1996), Sydney (2000), Atenas (2004) e Pequim (2008). Em
2008, a Rede Bandeirantes e a Rede Globo foram as únicas na TV
aberta que transmitiram os Jogos Olímpicos de Pequim (JORGE,
CPDOC, 2022).

Segundo Vladymir Jorge (2022), outra estratégia foi o investimento no telejornalismo.


No dia 17 de julho de 1989, a Bandeirantes levou ao ar o primeiro debate com os candidatos à
presidência da República, o que levou a sua audiência a crescer de 1% para 13% naquele
horário. Além desse, a emissora promoveu, ainda, outros três debates televisivos durante esta
campanha. O início do governo Collor com o seu plano econômico – Plano Collor - teve um
impacto negativo também na TV Bandeirantes. A emissora em abril de 1990 foi obrigada a
demitir 108 dos 186 funcionários que atuavam na área de shows da TV.

3.2 A diversificação de conteúdo e de estratégias nos anos 90

Em 1991, a Rede Bandeirantes de Televisão abocanhava 9,5% do mercado publicitário


de televisão nacional. A emissora estava atrás da Rede Globo de Televisão (67%) e do Sistema
Brasileiro de Televisão (14%) e na frente da Rede Manchete de Televisão (7%) e da Rede
Record de Televisão (2,5%).
A TV Bandeirantes manteve o investimento na cobertura política. Segundo Vladymir
Jorge (2022), em julho de 1992, a emissora fez a cobertura exclusiva aos depoimentos prestados
pelo embaixador Marcos Coimbra e pelo motorista Eriberto França à Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) que investigava as denúncias contra o empresário Paulo César Farias, o PC,
tesoureiro de campanha de Collor, acusado da organização de um grande esquema.
Em 1997, com alta carga opinativa e sensacionalismo, o polêmico "Brasil Urgente"
marcava presença na grade. No ano subsecutivo, a Rede Bandeirantes contava com 79
emissoras de sinal aberto em VHF, sendo que, enquanto 11 destas eram emissoras próprias, 68
eram afiliadas. Para além, sediada na França, a Copa do Mundo Fifa de 1998, foi ao ar pela
associação estipulada entre "o canal do esporte", o SBT, a Rede CNT, a Rede Globo, a Rede
Record e a Rede Manchete. Ainda nesse ano, devido aos altos custos de direito de transmissão
e produção da programação esportiva, a Band tentou adquirir um patrocinador, dessa maneira,
no dia 22 de dezembro, seu departamento de esportes passou para as mãos da Traffic Sports
Marketing, empresa de marketing esportivo que se encontrava associada à CBF e à
Confederação Sul-Americana de Futebol. No dia 9 de outubro de 1999, João Saad faleceu de
câncer generalizado, desta maneira, seu filho, João Carlos Saad, comumente conhecido como
Johnny Saad, sucedeu o cargo de proprietário e presidente do conglomerado de mídia.
Em 1998, a Rede Bandeirantes de Televisão possuía 11 emissoras próprias que, com 68
afiliadas, formavam um total de 79 emissoras de sinal aberto em VHF, entre geradoras e
retransmissoras mistas espalhadas por todo o país, garantindo uma cobertura de mais de 90%
do território nacional. A Rede Bandeirantes de Televisão era a segunda rede física — em
número de emissoras — do Brasil.

3.3 Os anos 2000 e a busca de uma identidade


O Site Memória TV (2022) afirma que a Bandeirantes começou os anos 2000 com chave
de ouro, já que a rede exibiu a Copa do Mundo de Clubes da FIFA, também conhecida como
Campeonato Mundial de Clubes. O evento teve suas partidas desempenhadas nas cidades de
São Paulo e Rio de Janeiro. Para a alegria da Band, os direitos de transmissão do Mundial
pertenciam à Traffic. Em função disso, a Rede Globo não pôde mostrar as partidas ao vivo.
Portanto, na final dos jogos (dia 14 de janeiro, às 20h) a Band, com seus 54,4 pontos de
audiência (sua maior pontuação até então), superou a Rede Globo, que, exibindo seu programa
jornalístico "Globo Repórter", havia conseguido cerca de 12,2.
A Bandeirantes, conforme explica o Site Band/Uol (2022), continuava com uma
programação bem diversificada. Em 2001, munido de brigas de família e conflitos entre
consumidores e vendedores, o vespertino "Hora da Verdade" se reunia às demais atrações do
canal de segunda à sexta. Detendo quatros como "Revelação de Segredo", "O Real e o
Sobrenatural" e "Desabafo", Márcia Goldschmidt conversava com diversas pessoas, as quais
eram convidadas a contar seus dramas.
Segundo rumores, por motivo do acúmulo de dívidas de aproximadamente R$ 9
milhões, o contrato existente entre a TV Bandeirantes e a Traffic Marketing Esportivo chegou
ao fim em 2002 e, de fato, a parceria entre as duas organizações acabou. Em vista disso, a
emissora voltou a gerir seu setor esportivo de maneira integral. Em 13 de maio de 2002, ela
estabeleceu um canal de esportes via TV por assinatura, o BandSports, que, se caracteriza pela
informalidade e diversidade de modalidades e tem vários programas, como: o Ace BandSports,
Acelerados, Baita Amigos, BandSports News, Depois do Jogo, Encontro com Craques, Super
Motor, Tour da Bola, Race Show, Os Donos da Bola.
Sob o comando de Marcos Mion, entre 18 de fevereiro e 4 de outubro de 2002, o
programa de auditório "Descontrole" estreou. Na época, por conta de sua passagem pela MTV
Brasil, Mion fazia sucesso com o público jovem. O Brasil Urgente teve uma nova estreia com
uma nova versão com Roberto Cabrini em dezembro e mais tarde, em 2003, o programa passou
a ser comandado por Roberto Luiz Datena, já que Cabrini foi transferido para o Jornal da Noite,
em que apresentava reportagens de caráter investigativo.
Mantendo a tradição de promover os debates presidenciais nas eleições, em 4 de agosto
de 2002, a Rede Bandeirantes realizou o primeiro debate entre os candidatos a presidente da
República: Anthony Garotinho (PSB), Ciro Gomes (PPS), José Serra (PSDB) e Luiz Inácio
Lula da Silva (PT).
Entre o fim de 2002 e o início de 2003, a Band enfrentou uma crise financeira. Em
janeiro de 2003, a emissora vendeu uma parte de sua grade horária (no caso, a faixa das 20h30
às 21h15) para o programa apresentado pelo missionário R. R. Soares, da Igreja Internacional
da Graça de Deus, o "Show da Fé". O Show do Esporte, anteriormente apresentado por Valle,
teve sua duração reduzida a uma hora, bem como certos eventos transmitidos pela atração foram
incluídos no BandSports. Em 2004, após anos em exibição, o show saiu do ar e, no dia 12 de
outubro de 2003, o "Jogo da Vida", programa sobre relacionamentos, assumiu os domingos.
Apresentando um dos maiores sucessos de sua teledramaturgia, em 2005, a TV
Bandeirantes não apenas exibiu, como também, produziu a novela infanto-juvenil "Floribella",
a qual tratava-se de uma adaptação da argentina Floricienta. Já em 6 de novembro, o "Programa
do Raul Gil" passou para as mãos da emissora e, posteriormente, migrou para o SBT, visto que
o apresentador que dava nome ao entretenimento encontrava-se descontente com as
interferências da emissora sobre o seu programa. No mesmo ano, em março, a TV Terra Viva
foi inaugurada pela rede, concentrando-se em entrevistas, coberturas e debates acerca do
agronegócio. (SITE BAND/UOL, 2022).
A Rede Bandeirantes mantinha uma estratégia de diversificar para atender diferentes
segmentos. Em março de 2005, o Grupo Bandeirantes levou ao ar o canal Terraviva, voltado
para os interesses e defesa do setor de agronegócios. Em sua grade de programação, o canal
exibia então telejornais, programas de entrevistas, debates, dicas, drops informativos, cotações
e previsão do tempo, programas de música, rodeio e de compras. Além disso, realizava a
cobertura das principais feiras agropecuárias do país, transmitindo leilões ao vivo, presenciais
e virtuais
Outra estratégica, segundo Jorge (2022), foi o investimento no segmento de TV por
assinatura. Os canais Bandnews e Bandsports iniciaram o fornecimento de conteúdo exclusivo
para operadoras de telefonia. Um acordo com o UOL garantiu o acesso online, de qualquer
parte do mundo, aos noticiários do Bandnews. Em 2005, a Rede Bandeirantes contratou também
comunicadores importantes como Raul Gil e Claudete Troiano.
Na campanha eleitoral de 2006, a Rede Bandeirantes realizou o primeiro debate entre
os candidatos à presidência da República, mediado pelo jornalista Ricardo Boechat. Em 2008,
os jornalistas Boris Casoy, Rosana Hermann e a apresentadora Daniela Cicarelli estrearam na
Rede Bandeirantes.
Sob essa nova direção, em parceria com a argentina Eyeworks, o programa humorístico
"Custe o que Custar" (CQC) entrou na grade horária, trazendo notícias e fatos importantes
semanalmente. O CQC ficou no ar de 2008 a 2015 e se tornou um dos programas mais populares
e de maior audiência da Bandeirantes, sendo um humorístico com sátiras políticas. Era um
programa diário e chegou a ter oito temporadas e 339 episódios, com vários apresentadores,
sendo que a maior parte hoje está na Globo ou YouTube.

3.4 Década de 2010

Em 2010, a Bandeirantes marcou presença entre as emissoras que realizaram a cobertura


da Copa do Mundo Fifa, a qual ocorreu na África do Sul. Ao exibir a Copa do Mundo de Futebol
Feminino, mais especificamente a partida entre o Brasil e os Estados Unidos, a Band alcançou
a liderança na lista de audiência em 10 de julho de 2011, ultrapassando as demais emissoras.
Então, nesse mesmo ano, a atração "Acredite Se Quiser", com episódios produzidos pela Sony,
estreou, contando histórias inimagináveis às sextas-feiras com Felipe Folgosi.
Originado na rádio da década de 90, o humorístico "Pânico na Band" chegou a casa em
2012 por meio de uma colaboração com a Jovem Pan, que permaneceu até 2017. A atração era
renovada todo ano com novas temporadas e contava com diversos quadros, como o Jornal do
Boris, o Programa Amaury Dumbo, o Drama de Lapela, Avenida Barril, Eu Preciso de um
Companheiro, Pânico Trollagens, Vovozinho Chapadão e o Talk Show nas Alturas, aos quais
fizeram parte da temporada de 2012. Além disso, a comédia foi indicada a várias premiações,
conquistando, desse modo, o "Meus Prêmios Nick" com a vitória de Eduardo Sterblitch como
"humorista favorito"; o Troféu Internet ao ganhar como "Melhor programa humorístico"; o
Prêmio Rock Show na categoria Programa de TV e demais.
Em 2014, a versão brasileira do maior reality gastronômico do mundo foi ao ar, o
conhecido MasterChef Brasil. Inicialmente a competição culinária era apresentada por Ana
Paula Padrão e pelos chefs Paola Carosella, Henrique Fogaça e Erick Jacquin, que atuavam
como jurados frente aos competidores. Mas, a partir da edição de 2021, Carosella foi substituída
por Helena Rizzo. Ao passo que as primeiras oito temporadas foram gravadas nos estúdios da
Band São Paulo, em novembro de 2021, os Estúdios Vera Cruz tornaram-se palco para as
gravações, após o fechamento de um contrato de 3 anos. A estreia do MasterChef rendeu a
quarta posição à rede no ranking de audiência.

3.5 Estrutura atual da emissora

A Band por anos foi considerada por muitos como o canal do esporte, com coberturas
da NBA, Copa do Mundo, Fórmula 1, Campeonatos brasileiros e internacionais, Sinuca, Boxe,
etc. Diversos programas voltados para o esporte e até o reality show “Joga 10” com Zagallo,
Dunga e Bebeto que desenvolveram um circuito de avaliação baseado nos principais
fundamentos do futebol e eles também foram os jurados. Nomes importantes também marcaram
no esporte da Band, como Luciano do Valle e Álvaro José.
Em sua estrutura e programação nunca faltou a diversidade. Hoje, é umas das quatro
maiores emissoras do Brasil, mas vem perdendo audiência e fica atrás da Globo, Record e SBT.
Nos últimos anos, o Grupo Bandeirantes vinha passando por diversos problemas familiares e
financeiros fazendo com que vendesse parte do seu horário nobre na TV para o Missionário
R.R. Soares com o programa Show da Fé que esteve no ar de 2003 a 2021, com isso apesar da
entrada de dinheiro que ajudou a Band em seus piores momentos financeiros, a emissora teve
grande queda de audiência e perdendo um pouco da sua essência. Atualmente a Band vem
tentando voltar sua imagem de um canal do jornalismo e principalmente do esporte.
Na programação atual da Band na TV aberta, constata-se que de segunda a sexta-feira
sua programação conta 19 atrações sendo 9 programas informativos com o “Bora Brasil”,
“Brasil Urgente” e “Jornal da Band”, 5 esportivos com programas renomados como “Jogo
Aberto” e “Os Donos da Bola”, e 5 de diversidades dentre eles o Faustão da Band, que foi uma
das grandes apostas da emissora e responsável por tirar o “Show da Fé” da programação.
Acontece que o programa do apresentador Fausto Silva não conseguiu atingir a meta que a
emissora esperava, com uma média de 3,5 pontos de audiência, no dia 15 de setembro de 2022
o programa teve 2,2 pontos em São Paulo. Com isso, a Band se viu novamente forçada a vender
horários para o Missionário R.R. Soares. O seu programa voltou a grade horária da Band, mas
em novo horário, das 06h às 08h, logo após o primeiro telejornal do canal.

4. ANÁLISE DO BRASIL URGENTE: SENSACIONALISMO E


ESPETACULARIZAÇÃO DA NOTÍCIA

4.1 Histórico do Brasil Urgente

O programa da Rede Bandeirantes teve sua estreia comandada pelo jornalista Roberto
Cabrini no dia 03 de dezembro de 2001. Desde o começo, o programa era conhecido por suas
polêmicas, reportagens rápidas e com focos em casos policiais. Neste momento, sua audiência
era, em média, de 6 pontos. Em 2003, Cabrini foi realocado dentro da Band, sendo promovido
para o Jornal da Noite. Com isso, José Luiz Datena foi colocado como responsável pelo Brasil
Urgente. Datena levantou a audiência do programa, atingindo uma média de 9 pontos e um pico
de 11, ficando em segundo lugar no Ibope em algumas situações.
Em 2008, Datena pediu demissão e foi Luciano Faccioli, que estreou em 16 de junho
daquele ano. Facciolli não ficou à frente do Brasil Urgente por muito tempo. Em 30 de julho
de 2011, a emissora declarou a volta de Datena para a emissora e, em agosto de 2011, o
apresentador voltou ao comando do programa. Após essa mudança, o programa só foi alterado
em 2018, quando seu apresentador passou a apresentar um programa de entretenimento, o
Agora é com Datena. Com essa alteração, seu filho, Joel Datena, assumiu o comando do
programa.
Com o fim do Agora É Domingo, renomeação do programa Agora é com Datena, o
apresentador José Luiz Datena retornou ao comando do Brasil Urgente em 31 de dezembro de
2018. Desde então o programa vem marcando cerca de 4 pontos de audiência diariamente,
ocupando a faixa das 16 horas.

4.2 A figura de Datena

José Luiz Datena nasceu em 19 de maio de 1957, sendo jornalista, locutor, apresentador,
radialista e político brasileiro. Seu maior sucesso é a apresentação do programa Brasil Urgente
da Rede Bandeirantes. Começou sua carreira em uma rádio em sua cidade natal, Ribeirão Preto,
e logo trocou o radialismo pela televisão, cobrindo esportes e outros temas. Após subir no
palanque do candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi demitido da TV Globo em
1989. A convite do narrador Luciano do Valle, estreou na Rede Bandeirantes como jornalista
esportivo, atuando como repórter e locutor. Quase uma década depois, trocou a emissora pela
RecordTV, onde apresentava o programa Cidade Alerta. Em 2002, depois de passar pela Rede
TV!, Datena voltou para a Band para apresentar o Brasil Urgente e o programa de viagens No
Coração do Brasil.
Foi apresentador da Rede Record entre os anos de 1996 e 2003, com breve passagem na
Rede TV! em 2002, onde apresentou o programa Cidade Alerta. No dia 29 de julho daquele ano,
encerrou seu contrato com a emissora e voltou para a Rede Bandeirantes. Na Band, apresentou
o programa nacional Brasil Urgente e o local SP Acontece, voltando a apresentar o primeiro no
dia 08 de agosto. Além dos programas na televisão, apresentava um programa matinal na Rádio
Bandeirantes. Em 2012, apresentou o game show Quem Fica em Pé?, que contava com cerca
de 10 participantes e o vencedor era quem não caísse no buraco. Em fevereiro de 2018, saiu do
programa policial para se dedicar a seu programa semanal aos domingos, Agora é Com Datena,
encerrado pouco tempo depois, fazendo o apresentador voltar ao Brasil Urgente.
Durante a entrevista que concedeu ao programa Mulheres, em 2014, revelou seu desejo
de parar de apresentar programas policiais, como é o caso do Brasil Urgente. Já em sua vida
política, Datena foi anunciado pelo Partido Progressista como candidato à prefeitura de São
Paulo no ano de 2015. Apesar disso, ainda estava filiado ao Partido dos Trabalhadores e, ao
trocar de partido, não confirmou sua candidatura. Em 18 de janeiro de 2016, após descobrir
acusações de corrupção dentro do partido, desistiu de sua candidatura. No ano seguinte, filiou-
se ao Partido Republicano Progressista onde ficou apenas 6 meses. Chegou a cogitar disputar a
Presidência ou o Senado em 2022, por diversos partidos, mas desistiu.

4.2.1 POLÊMICAS ENVOLVENDO O APRESENTADOR

Em julho de 2010, o apresentador José Luiz Datena fez associações preconceituosas


entre criminalidade e descrença religiosa, acusando os que não acreditam em Deus como
responsáveis pela degradação da sociedade. No começo de dezembro, o Ministério Público
Federal em São Paulo moveu ação em tribunal pedindo uma retratação com duração mínima do
dobro do tempo dos comentários.
Em 2019, um processo por assédio sexual foi movido contra Datena pela jornalista
Bruna Drews, membro da equipe do Brasil Urgente e do Agora é com Datena. A mulher
afirmava que José Luiz teria afirmado ser “um desperdício” ela se relacionar com outras
mulheres, usando de palavrões e palavras ofensivas contra a jornalista. Sobre essa acusação o
homem negou afirmando ser casado, pai de 5 filhos e avô de 6 netos, dizendo que apenas
elogiou a repórter por sua beleza e competência.
Durante o agravamento da pandemia da Covid-19 em Manaus, no dia 15 de janeiro de
2022, o programa Brasil Urgente cedeu espaço para o presidente Jair Bolsonaro. Na entrevista,
Bolsonaro fez a afirmação falsa de que o Supremo Tribunal Federal (STF) o impediu de
combater a pandemia, algo que o próprio órgão negou após repercussão.
Datena deu o apelido de “Monstro da Mamadeira” para Daniele Toledo, que foi acusada
de matar a filha usando cocaína. A mulher foi presa e espancada pelas demais detentas durante
várias horas. Posteriormente, Toledo foi inocentada e publicou um livro onde dizia: “Foi o
Datena que me apelidou desse jeito. Não tenho raiva dele, nem ódio, mas mágoa sempre fica.
Até agora não chegou nenhum pedido de retratação da parte dele”.
Uma fala dita pela mulher durante o lançamento de seu livro em 2016 pode marcar como
o sensacionalismo afeta casos como o de Daniele Toledo. “Se o Datena não tivesse colocado
esse apelido, talvez o caso não ficasse tão emblemático, e eu não sofreria tanto”.

4.3 O motivo do sucesso do sensacionalismo


Baseando-se no texto escrito por Gabriel Neto (2015), é possível afirmar que a busca
incessante pelo entretenimento é algo que vem moldando a sociedade a algum tempo. Os
âmbitos mais comuns de foco destes casos são a política e a religião, porém, o sensacionalismo
tem grande foco em situações criminais, algo que lhe rende grande audiência. A violência
midiática é consumida como qualquer outro produto, como um noticiário ou novela, pela
população.
Em seu programa, Datena tem o mesmo hábito quando imagens de vítimas e acusados
são mostradas nas telas. O apresentador profere ofensas aos suspeitos, os condenando mesmo
antes do julgamento ser feito pelas autoridades. Em casos como o de Daniele Toledo, a acusação
veio do programa Brasil Urgente, porém, o Ministério Público inocentou a mulher. Mesmo
com uma declaração de inocência sendo feita pelas autoridades, Toledo e diversas outras
vítimas do sensacionalismo vivem uma vida onde as falas do apresentador reverberam.
Segundo o autor, o uso constante de catástrofes, mortes, acidentes e tragédias é usado
para fugir da realidade que vivenciamos na sociedade atual. Em uma vida cotidiana, simples e
tranquila, é preciso situações como estas serem expostas na mídia para que a sociedade saia da
realidade em que vive.
Uma estratégia usada pelo Brasil Urgente e outros programas sensacionalistas é
“novelificar” os casos que são representados durante a faixa. Exemplo claro desta situação é o
programa Linha Direta da Rede Globo, que representava casos criminais reais e permitia que o
telespectador escolhesse o final a ser seguido. O uso da ficção para esses casos é problemático,
permitindo que os espectadores tenham ainda mais fixação das situações representadas e que o
consumo do programa ou semelhantes seja ainda maior.
O Brasil Urgente e programas desse segmento exploram todas as situações, crimes em
periferias e bairros ricos, tragédias e assassinatos, quanto mais violência o caso tiver, melhor é
para a mídia. Em casos onde o inimigo não é uma pessoa específica, como aconteceu no
Incêndio da Boate Kiss em Santa Maria, essa midiatização é mais complicada. Neste caso, o
público negou aquilo que era falado pela mídia e o sensacionalismo presente nos programas.
Outra marca recorrente nos programas sensacionalistas é o uso de linguagem de baixo
calão e condenação de suspeitos ou acusados de crimes retratados. É possível ouvir Datena
falando “o rapaz foi morto na porrada” e “deram um pau nele” ao se referir a um rapaz que,
supostamente, foi jogado em uma lagoa e morto. Isso não é apenas um fato isolado, sendo
possível perceber isso em diversas edições do programa.

4.4 Casos marcantes no Brasil Urgente

CASO ELOÁ CRISTINA

Conhecido como o mais longo caso de cárcere privado do Estado de São Paulo, a
adolescente Eloá Cristina foi sequestrada e mantida como refém por mais de 4 dias pelo seu ex-
namorado, Lindemberg Fernandes Alves, em sua casa. Tudo teve início no dia 13 de outubro
de 2008, quando Eloá e três amigos foram surpreendidos por Lindemberg enquanto faziam um
trabalho escolar na casa da vítima.

Figura 1
Eloá Cristina durante sequestro

Fonte: Reprodução/Internet

Após cerca de 100 horas, a polícia invadiu o apartamento onde Lindemberg mantinha
Eloá e Nayara, após liberação dos colegas, porém a operação terminou de maneira trágica. O
suspeito disparou contra os reféns ao ouvir a equipe entrando no local. A vítima principal, Eloá,
morreu com um tiro na cabeça e outro na virilha, enquanto Nayara ficou ferida após levar um
tiro no rosto.
Toda a situação foi televisionada por diversas emissoras, inclusive a Rede Bandeirantes.
Flashes e entradas ao vivo aconteciam diariamente em todas as emissoras, mostrando as
negociações e ações entre a polícia e o suspeito. Enquanto ainda mantinha Eloá como refém,
Lindemberg deu entrevistas para Zelda Mello, Sônia Abrão e alguns outros jornalistas. Além
disso, a imagem mais conhecida do caso foi feita após a conversa do suspeito com a repórter da
Rede TV!. No dia 13 de fevereiro de 2012, em seu julgamento, Lindemberg Alves Fernandes
foi condenado há 98 anos e 10 meses de prisão pelos 12 crimes pelos quais foi julgado.
Quanto à cobertura da TV Bandeirantes sobre o crime, apesar de estar presente no
local do sequestro durante os quatro dias, a emissora não entrevistou Lindemberg em nenhum
momento. No programa Brasil Urgente, José Luiz Datena criticou a atuação, focando em Sônia
Abrão, dizendo que era um absurdo que pessoas não qualificadas tentem assumir o lugar de
negociadores da polícia.
Mesmo com essa fala de Datena, no dia do velório de Eloá, o programa transmitiu a
situação ao vivo. Enquanto dividia a tela com os familiares da vítima em seu velório, o
apresentador leu uma entrevista concedida por Rodrigo Pimentel, ex-capitão do Bope, que
caracterizava a cobertura feita pela Rede Globo, Record e Rede TV! como criminosa. O âncora
afirmou diversas vezes que não queria fazer aquilo, mas se sentiu compelido a fazer após ser
atacado por Sônia Abrão após sua fala contra a cobertura feita por esta.

CASO ISABELLA NARDONI

Figura 2
Isabella Nardoni

Fonte: Reprodução/Internet

Em 29 de março de 2008, Isabella de Oliveira Nardoni foi jogada da janela do


apartamento de seu, Alexandre Nardoni. Inicialmente, Alexandre e sua esposa, Anna Carolina
Jatobá, alegaram que o apartamento tinha sido invadido, porém isso não esclareceu o caso.
Após perícia no apartamento e celulares de Alexandre e Anna Carolina, os profissionais
informaram que a planta do apartamento era incompatível com a versão dada pelo pai de
Isabella.
O julgamento de Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni começou em 22 de março
de 2010 e durou cinco dias. O juiz Maurício Fossen, apoiado na decisão do júri popular,
condenou Anna Carolina Jatobá a 26 anos e 8 meses de prisão e Alexandre Nardoni a 31 anos
e 10 dias.
Quanto à cobertura da TV Bandeirantes sobre o crime, o caso teve cobertura nacional
feita pelo Brasil Urgente e é usado até os dias atuais como exemplo em casos onde um dos pais
é acusado de matar o filho. Porém, o fato mais marcante no telejornal referindo-se ao caso
Isabella Nardoni foi a fala proferida por José Luiz Datena durante reportagem no dia do
julgamento do pai e da madrasta da vítima.
O repórter Márcio Campos foi o escolhido para cobrir o julgamento do casal, ficando
na porta do tribunal onde acontecia o júri popular. Enquanto dividia a tela com o homem,
Datena afirmou que seria preciso um milagre para que Alexandre Nardoni e Anna Carolina
Jatobá se livrassem daquela situação. Campos tentou desconversar a acusação feita pelo âncora,
porém o mesmo disse que estava fazendo aquela afirmação baseada em provas técnicas. Além
dessa fala, o apelo emocional foi ponto marcante da cobertura do programa Brasil Urgente
sobre o caso. Durante a transmissão do julgamento, Datena afirmou que ele, sua equipe e a
sociedade tinham se apegado demais à situação de Isabella e de sua família, como se “tivessem”
também perdido “uma filha, uma neta”.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É perceptível através do artigo como o sensacionalismo é parte da sociedade e tem apelo


em relação a violência cotidiana vivenciada no país. Programas como Brasil Urgente e Cidade
Alerta fazem sucesso com o sofrimento alheio e buscam, sempre, uma história pior do que a
outra em busca constante pela audiência.
Como Danielle Toledo afirma em seu livro, se o sensacionalismo não fornecesse tanta
visibilidade para casos ainda não resolvidos, situações como a dela não seriam tão recorrentes.
Danielle não é a única a ser condenada pelo sensacionalismo e inocentada pela justiça e,
enquanto esse tipo de programa ainda existir, não será a última.
REFERÊNCIAS

BAND/UOL. 70 anos no ar: Chegada da Band marca a história da TV brasileira. Portal


Band/UOL. São Paulo, 17 de setembro de 2020. Disponível em
https://www.band.uol.com.br/noticias/70-anos-no-ar-chegada-da-band-marca-a-historia-da-tv-
brasileira-16310397. Acesso em 27 de setembro de 2022.

FREITAS, Roselita Lopes de Almeida. Notícias do Bandeirante. O Jornalismo de Rádio e TV


na Bandeirantes. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Comunicação. Escola de Comunicação e Artes (ECA). Universidade de São Paulo (USP), 2008,
297p.

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1997.

JORGE, Vladymir Lombardo. Rede Bandeirantes. Centro de Pesquisa e Documentação de


História Contemporânea do Brasil (CPDOC). Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro.
Disponível em http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/rede-
bandeirantes. Acesso em 08 de outubro de 2022.

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo - I neurose. 9.ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1997.

RONDELLI, Elizabeth. Imagens da violência: práticas discursivas. Tempo Social. Revista


Sociologia. USP. São Paulo, v.10, n.2, 145-157, out. 1998.

SILVA NETO, Gabriel Lage da. Discursos do medo. Sensacionalismo e banalização da


violência na televisão brasileira. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Semiótica. PUC-SP, 2015, 90p.
Capítulo 50

Queda dos anjos:


Um estudo sobre o posicionamento da Victoria’s Secret e o consumidor cidadão

Luana de Pinho Rocha (PUC-MG)

RESUMO: Essa pesquisa tem como objetivo analisar o papel do consumidor na mudança de
valor de marcas, utilizando como estudo de caso a Victoria’s Secret. Para o desenvolvimento
do trabalho foram utilizados conceitos como consumidor cidadão, marca, englobando seus
valores e posicionamentos, plataformas digitais, diversidade e representatividade. A partir dos
conceitos levantados, foi feita a análise dos posicionamentos da VS (Victoria’s Secret),
considerando seus estorvos e consequências, como o fim do VS Fashion Show, desfile anual da
marca. Como resultado do trabalho, foi possível analisar a dificuldade da marca em atualizar-
se as pautas sociais contemporâneas e em observar o comportamento de seu consumidor.
Ocasionando em perda de valor de mercado e de consumidores.

PALAVRAS-CHAVE: Marca. Consumidor cidadão. Diversidade. Victoria’s Secret.


Plataformas Digitais.

1. INTRODUÇÃO

O meio digital e o universo das redes trouxeram inúmeras mudanças à nossa rotina,
nossas formas de comunicar, buscar e gerar conhecimento. A popularização da internet e das
plataformas digitais conferem acessibilidade e abertura para pessoas e propiciam novos espaços
de debate e percepção de realidades. Nesse ambiente de interação social, pautas como as de
questões raciais, feminismo e diversidade ganharam destaque e transformaram-se em um
argumento usado para crescer digitalmente e captar seguidores e ouvintes. A relação entre
consumidor e empresa tem se tornado uma demanda cada vez mais presente no entendimento
de gestão de marcas, devido à popularização da internet e à intensa atenção e fácil acesso dos
consumidores às comunicações e ações da empresa. Nesse sentido, uma questão importante se
coloca para a observação dos avanços do mercado de consumo: que forma o consumidor e as
pautas sociais contemporâneas interferem e impactam no valor das marcas? Orientada por essa
pergunta central, esta pesquisa trabalha a história da Victoria's Secret, marca famosa de lingerie
que vivenciou repercussões negativas ao tentar ir de encontro com desejos de seus clientes. A
decisão de manter tradições e não atualizar-se a contextos contemporâneos fez com que a marca
vivesse transtornos e mudanças radicais em sua estrutura. Dessa forma, este trabalho nasce com
o intuito de compreender como o consumidor e as pautas sociais contemporâneas impactam nos
valores da Victoria Secret, refletindo como sua resposta e ações prejudicaram sua evolução.
Para a análise e reflexão do tema, foi importante compreender o conceito de consumidor
cidadão a partir do cenário de mercado atravessado pela convergência midiática. Utilizando do
conceito de Weiser (2012) e considerações de Jenkins ( 2006 ), pode-se compreender o
consumo de commodities e seus reflexos no comportamento dos consumidores e em suas
expectativas quanto clientes, alcançando assim o conceito de consumidor cidadão a partir do
cenário de mercado atravessado pela convergência midiática. Em complemento, precisou-se
entender como as plataformas digitais podem ser espaços de debate e manifestação. De acordo
com teorias de D'Andrea (2020) foi possível causar a relação e entendimento da relevância do
local para a atuação do consumidor cidadão. Para isso, tambem foi importante investigar como
a noção de diversidade impacta nos meios de comunicação, utilizando de teóricos como
Bernardes (2019) para compreender o conceito e como o consumidor cidadão por meio das
plataformas digitais consegue atuar e impactar marcas. Como estudo de caso, foi necessário
analisar a história da Victoria’s Secret e os impactos das decisões sobre diversidade, bem como
suas comunicações e projetos. Buscou-se compreender seus valores e suas colocações ante
pautas de diversidade e suas eventuais mudanças de posicionamento devido à atuação dos
consumidores perante a marca.
Por envolver a perspectiva de branding e marketing, a pesquisa utilizou ponderações de
Kotler (2017), Angus e Westbrook (2019) apresentando perspectivas sobre marca e gestão, que
serviram para analisar as possíveis mudanças nas estratégias de comunicação da marca,
buscando averiguar a legitimidade/efetividade das ações.
O atual trabalho serve para compreender os possíveis transtornos vivenciados por uma
marca que apresenta dificuldades para acompanhar mudanças e/ou novos posicionamentos
criticados por seu consumidor, utilizando a Victoria’s Secret como estudo de caso.
Este projeto surge com a intenção e desejo de entender a importância do público e da
internet na manutenção de uma imagem positiva de modo a planejar os posicionamentos e
estratégias de marca e o impacto que pode se ter no valor de marca ao não ouvir e adotar as
opiniões e comentários do consumidor.
2. CONSUMIDOR CIDADÃO

A humanidade é formada por pessoas diversas, complexas e extremamente adaptáveis,


estando assim suscetíveis a processos constantes de mudança. Conforme a sociedade cresce e
evolui, o consumidor também sofre transformações em seu comportamento. Conforme explica
Kotler (2021), o marketing passou por diversos estágios, que acompanham o desenvolvimento
do mercado, da sociedade, da tecnologia e, sobretudo, do comportamento do consumidor.
Nesse sentido, acreditamos que o conceito de consumidor 5.0 de Kotler ajuda a entender
o consumidor cidadão e como a mudança na forma de consumo influencia o mercado, já que a
definição de consumidor não deve ser reduzida a um mero reflexo geracional, mas sim
relacionada às práticas de consumo e suas transformações. Para o autor, o consumidor 5.0,
caracterizado por ser prático, ativo, informado, engajado e mais atento aos valores de marca,
traz mudanças significativas para o mercado ao integrar-se ao meio digital. Com a
popularização da internet e a democratização das plataformas digitais, maior condição de
diálogo e poder de criação de conteúdo, abre-se espaço para uma maior demanda de
atendimento. Com o meio digital e a necessidade crescente de um espaço para serem ouvidos,
novas plataformas de opinião e de pesquisa foram desenvolvidas para atender o consumidor e
coletar informações para os gestores de marca. Além dos sites de opinião, as redes sociais
tornaram-se veículo de avaliação e busca de informações dos clientes.
Observa-se assim que progressivamente o consumidor requer mais da marca,
demandando posicionamentos e opinões que combinem com seus ideais e visões de mundo.
Junto à Internet e às diferentes adaptações e evoluções da sociedade, surgem pautas e debates
novos que demandam atenção e adequações vistas como necessárias. Com tal característica, é
possível analisar que o advento da internet, além de trazer conectividade e informações para a
vida das pessoas, tem um forte peso nas transformações dos consumidores e nas relações de
consumo. Esse movimento proporciona “[...] uma realidade na qual forças horizontais,
inclusivas e sociais sobrepujam as forças verticais, exclusivas e individuais, e comunidades de
consumidores tornaram-se cada vez mais poderosas” (KOTLER, 2017, p. 21).
A inclusão passou a ser uma nova tendência. Com a democratização da internet e a
maior participação das minorias em espaços de debate, percebe-se um aumento da exigência da
diversidade nas comunicações, embora ainda seja pouco atendida. Para Kotler (2017), as mídias
sociais ressignificaram a forma como as pessoas interagem entre si, facilitando que
desenvolvam relacionamentos sem desafios e em qualquer lugar, viabilizando a inclusão social
e instigando às pessoas a sensação de pertencerem às suas comunidades.

O conceito de confiança do consumidor não é mais vertical. Agora é


horizontal. No passado, os consumidores eram facilmente influenciados
por campanhas de marketing. Eles também buscavam e ouviam
autoridades e especialistas. Entretanto, pesquisas recentes em diferentes
setores mostram que a maioria dos consumidores acreditam mais no
fator social (amigos, família, seguidores do Facebook e do Twitter) do
que nas comunicações de marketing. A maioria pede conselhos a
estranhos nas mídias sociais e confia neles mais do que nas opiniões
advindas da publicidade e de especialistas (KOTLER, 2017, p.27).

Em virtude de uma maior autoridade, os consumidores passaram a projetar em seus


ambientes certos comportamentos nas relações de consumo. Para Angus e Westbrook (2019),
atualmente, os consumidores não dependem mais de marcas para obterem o que desejam. Tudo
está disponível na praticidade de um toque, o que favoreceu maior interação entre as pessoas,
que buscam umas às outras para obter informações sobre onde comprar e como comprar o
melhor produto a custo menor. Assim, passam a entender o poder de comunidade no meio
digital, sendo mais ativos nos posicionamentos e comunicações de marcas.
Com isso, as pessoas estão mais conscientes em relação ao histórico de produtos,
serviços, marcas e principalmente seus devidos papeis na sociedade (ANGUS, WESTBROOK,
2019). No contexto do consumidor 5.0, Weiser (2012) traz uma abordagem que ajuda entender
o conceito de consumidor cidadão, o ativismo de commodity. Se agora o consumidor procura
expressar sua individualidade e se torna mais consciente no ato da compra, o mercado tende a
adaptar-se à nova prática, aumentando os esforços em aproveitar essa nova retórica política e
social.
Para a autora, “o ativismo de commodities reformula e reinstala formas e práticas do
ativismo social (e político) em commodities comercializáveis e assume uma forma específica
dentro da cultura da marca”. 163

O ativismo de commodities toma forma dentro da lógica e da


linguagem de branding (gestão de marca) e é um exemplo
convincente da ambivalência que estrutura a cultura de marca. Esse
tipo de ativismo não apenas ilustra as contradições, contingências e
paradoxos que moldam o capital de consumo hoje, mas também
exemplifica as conexões - às vezes suaves, às vezes contraditórias -

163
Tradução nossa. No original: “Commodity activism reshapes and reimagines forms and practices of social (and
political) activism into marketable commodities and takes specific form within brand culture” (Sarah Weiser,
2012, p.16)
entre merchandising, ideologias políticas e cidadania do consumidor
(WEISER, 2012, p. 17).

Em sua crítica, Weiser afirma que por conta da falsa ideia de que a compra pode ser um
ato na mudança da sociedade, cidadãos entendem que podem atender suas responsabilidades
cívicas apenas passando seu cartão, vendendo o conforto de acreditar que está atuando como
cidadão consciente e atuante nas pautas sociais. Uma tática de marketing que funciona, devido
também à pressão social de estar antenado ativo - e ao pouco interesse em atuar politicamente.
Entende-se que essa demanda política é dinâmica, já que mudamos e adaptamos com
frequência, buscando novas formas de atender os nossos ideais de futuro. Assim, marcas usam
dessa flexibilidade para atender às necessidades momentâneas, estando sempre em constante
aprovação dos olhares críticos dos consumidores e das novas pautas que possam surgir.
Jenkins (2006, p. 30) ressalta que “a circulação de conteúdos – por meio de diferentes
sistemas de mídia, sistemas administrativos de mídias concorrentes e fronteiras nacionais –
depende fortemente da participação ativa dos consumidores”. Essa participação também deve
ser entendida como a combinação da participação do usuário e a exploração das empresas. “O
trabalho dos consumidores também é trabalho imaterial, trabalho que fomenta as relações
afetivas e formas de conhecimento criativo. Este conhecimento criativo é aquele que expande
a flexibilidade (e, consequentemente, a ambivalência) da própria marca” (WEISER, 2012, p.
44)164. Além da participação necessária, apontada por Jenkins, o consumidor cidadão é
incentivado a produzir conteúdo e divulgar informações das marcas que consome, tornando-se,
também, um papel social/trabalho imaterial, como explicado por Weiser.
Consumidor cidadão, então, é aquele que entende que seu consumo ou suas escolhas de
consumo são atos políticos e geram impacto direto ou indireto na empresa, nas relações de
trabalho e na sociedade em si. Utilizando das mais diversas plataformas e espaços digitais,
encontra a sensação de poder e a falsa ideia que suas compras são a solução para os problemas
do mundo. Com a democratização da internet, cada vez mais pessoas têm acesso às diversas
plataformas digitais em que ferramentas de conversa e troca de informações viraram portal de
disseminação de conteúdo. Estamos vivendo a convergência midiática, onde um tweet com
informações de um jornal pode viralizar ao ser comentado em uma ferramenta no Instagram. A
circulação da informação deixa de ser papel exclusivo da mídia televisiva e passa a ser também

4 164Tradução nossa. No original: the labor of consumers is also immaterial labor, work that produces affective
relationships, and form of creative knowledge. This creative knowledge is one that expands the flexibility (and
consequently the ambivalence) of brand it self (Sarah Weiser, 2012, p. 44)
do consumidor e produtor do conteúdo, que compartilha e comenta em suas diversas
plataformas digitais.

3. PLATAFORMAS DIGITAIS

Atualmente, é difícil acreditar como seria a vida sem a era digital. A humanidade está
se habituando à internet e ao que ela é capaz de oferecer, e cada vez mais esse meio tem se
afirmado como uma ferramenta relevante de poder.165 Várias ferramentas, canais e novas
possibilidades permitiram o crescimento de plataformas166, ajudando a conectar pessoas e
promover interações. São ferramentas mudam a forma como se consome e relaciona com a
compra. Segundo Jenkins (2006, p.30), vivemos a era da convergência midiática, vista como
um espaço “onde as velhas e as novas mídias colidem, onde mídia corporativa e mídia
alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem
de maneiras imprevisíveis", um ambiente em que há uma troca de informação maior e mais
dependente do consumidor.
Aparentemente, à medida que novas ferramentas surgem, são conectadas ao invés de
substituídas. Canais grandes de televisão estão espalhando seus conteúdos televisivos para
diversas plataformas, atingindo mais pessoas e possibilitando maior interação com seu público.
Esse ambiente mais acessível permite que mais pessoas ganhem voz para expressar e produzir
conteúdos, em diferentes níveis, porém de alguma forma, causando uma mudança em como
recebe-se informações.

O consumo tornou-se um processo coletivo (…) Nenhum de nós pode


saber tudo; cada um de nós sabe alguma coisa; e podemos juntar as
peças, se associarmos nossos recursos e unirmos nossas habilidades.
A inteligência coletiva pode ser vista como uma fonte alternativa de
poder midiático. Estamos aprendendo a usar esse poder em nossas
interações diárias dentro da cultura da convergência. Neste momento,

165 De acordo com relatórios da We Are Social e a Hootsuite, 4,66 bilhões de pessoas usam a Internet e 4,20
bilhões de usuários de mídia social existem em todo o mundo.
166 De acordo com D'Andrea (2020) - “Um aspecto que consolida e singulariza a ideia de “plataforma online” é a

crescente adoção de uma arquitetura computacional baseada na conectividade e no intercâmbio de dados. Baseadas
em robustas infraestruturas – em geral nomeadas como servidores “na nuvem” –, as plataformas se consolidam a
partir de um modelo centralizado de fluxos informacionais e financeiros. ” (2020, p. 14). Mais adiante, o autor
completa o pensamento sobre a noção de plataforma: “uma plataforma online é uma arquitetura projetada para
organizar interações entre usuários – não apenas usuários finais, mas também entidades corporativas e órgãos
públicos”. (2020, p. 19)
estamos usando esse poder coletivo principalmente para fins
recreativos, mas em breve estaremos aplicando essas habilidades a
propósitos mais “sérios” (JENKINS, 2006, p. 31).

Jenkins (2006) percebia como o novo meio possibilitaria um espaço mais diverso e
melhor representado, com a democratização do meio digital mais pessoas relatam suas
experiências e visões, conseguindo debater e construir melhores narrativas de futuro. Segundo
Jenkins, pode-se acreditar no potencial da inteligência coletiva como alternativa a grande
comunicação de massa.
O ambiente virtual traz a possibilidade de acompanhar diversas formas de conteúdo; o
ambiente oferece um leque extenso de canais e plataformas em que as pessoas dividem
experiências e opiniões. Muitas plataformas digitais surgiram como espaço para compartilhar
status do dia a dia, atualizações sobre a vida e maior vínculo com as pessoas, porém, conseguiu
tornar-se mais que isso. Ao se criar um espaço para conversar sobre a programações, um livro,
uma série ou reality, tem- se a possibilidade da troca de informações, experiências do que foi
consumido.

Em uma sociedade multicultural, conversar sobre as diferenças de


valores torna- se um mecanismo pelo qual diferentes grupos sociais
podem aprender mais sobre como cada um percebe o mundo;
portanto, há um valor real na fofoca que se alastra no mundo virtual,
e não em comunidades de contato direto, face a face (JENKINS,
2006, p. 119).

À medida que as vozes são ouvidas, tem-se maiores chances de entender o


conhecimento de outras comunidades e assim, aprender mais da existência e da diversidade
cultural humana. Em uma plataforma como o Twitter, Facebook e Instagram podem surgir
ideias de manifestações e organizações que busquem mudar o futuro ou apenas a comoção de
um grande grupo em torno de uma causa maior. E esses grupos, podem impactar a sociedade,
a cultura, os debates, a forma como pensamos e até como consumimos.

4. MARCA

O INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) define marca como “todo sinal
distintivo, visualmente perceptível, que identifica e distingue produtos e serviços, bem como
certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificações técnicas”.
Sendo assim, o objetivo das marcas é causar familiaridade com relação ao cliente e gerar valor
de mercado à empresa, facilitando o processo de convencimento na compra e instigando a
fidelidade e a confiança no produto.

Uma marca é, portanto, um bem ou serviço que agrega dimensões que,


de alguma forma, o diferenciam de outros produtos desenvolvidos para
satisfazer a mesma necessidade. Essas diferenças podem ser funcionais,
racionais ou tangíveis - isto é, relacionadas com o desempenho do
produto. E podem também ser mais simbólicas, emocionais ou
intangíveis - isto é, relacionadas com aquilo que a marca representa ou
significa em termos abstratos (KOTLER, 2012, p. 258).

Para Kotler, a construção de uma marca deixa de ser integralmente da empresa e torna-
se parte recepção de seu consumidor, levando em consideração o lado humano, dos sentimentos
e percepções intangíveis. O que se percebe é a relevância do público como contribuinte para o
desenvolvimento dessa marca, estando em constante mudança e sujeita a novas interpretações.
A construção de uma identidade e a manutenção dessa familiaridade com o cliente permitem a
valorização de uma empresa e assim de seus produtos. Essa geração de valor é conhecida como
Brand Equity ou em português, valor de marca. “O brand equity é o valor agregado atribuído a
bens e serviços. Esse valor pode se refletir no modo como os consumidores pensam, sentem e
agem em relação à marca, bem como nos preços, na participação de mercado e na lucratividade
gerada pela marca” (KOTLER, 2012, p. 260)
O valor de marca é o determinador das percepções e forças que a marca construiu ao
longo de sua história. Esse valor é mutável e composto por diversos indicativos, ou aspectos
que precisam funcionar em sintonia, para que sejam reconhecidos pelo público e pelo mercado.
Para a manutenção desse valor, existe a necessidade de uma gestão constante do que é
comunicado e repassado ao consumidor, surgindo o termo posicionamento de marca (em inglês,
Branding, um setor encarregado das decisões, veiculações e associações que a empresa deseja
provocar através de estratégias de posicionamento).

Posicionamento é a ação de projetar a oferta e a imagem da empresa


para que ela ocupe um lugar diferenciado na mente do público-alvo.
O objetivo é posicionar a marca na mente dos consumidores a fim de
maximizar a vantagem potencial da empresa. Um posicionamento
eficaz de marca ajuda a orientar a estratégia de marketing,
esclarecendo a essência da marca, identificando os objetivos que ela
ajuda o consumidor a alcançar e mostrando como isso é feito de
maneira inigualável. Todos na empresa devem assimilar o
posicionamento da marca e usá-la no contexto da tomada de decisão.
(...) O resultado do posicionamento é a criação bem-sucedida de uma
proposição de valor focada no cliente, isto é, um motivo convincente
pelo qual o mercado-alvo deve comprar determinado produto
(KOTLER, 2012, p. 264).

Entende-se que marca é a mistura de posicionamentos e decisões tomadas pela empresa em


conjunto com as associações e interpretações de seu público, que resultam em uma
contabilização de seu valor de marca, podendo ele ser positivo ou negativo.

5. DIVERSIDADE E REPRESENTATIVIDADE

Ao entender o meio digital e o impacto que tem gerado na forma como comunicamos e
aprendemos, percebe-se que as plataformas digitais possibilitaram que mais grupos tivessem o
poder para reivindicar seu espaço na mídia, em um movimento que predispõe, portanto, uma
maior busca por representação de identidades e o anseio pela diversidade. A ideia de
diversidade está ligada à reunião das diferenças, sejam elas sociais, econômicas, raciais ou
culturais. Pode-se afirmar que a diversidade não é refletida nos meios de comunicação, uma
vez que se dá pouca visibilidade ao que é diferente do padrão midiático, como comprova a
pesquisa feita pela agência SA365, que evidencia a falta de diversidade e real representatividade
nas publicidades brasileiras. De acordo com a pesquisa feita em 2019, 87% das campanhas
estudadas expunham pessoas brancas, enquanto apenas 34% delas tinham representação de
pessoas negras; apenas 5% representavam pessoas gordas e 1% pessoas com PSD. O pior
indicador da pesquisa foi em relação à população indígena, com 0% representatividade. 167
Os meios de comunicação ainda são marcados por estereótipos, exclusões e
preferências. O padrão representado na mídia é conhecido por dar visibilidade a pessoas com
características especificas: altas, magras, jovens, brancas, cisgêneras e, em sua maioria,
masculinas. Esse formato excludente da indústria tem sido impactado com a democratização da
internet e com a maior relevância do consumidor cidadão para o mercado. Nota-se que as
marcas passam a ser criticadas e expostas pela falta de diversidade e representatividade em suas
campanhas e materiais midiáticos.

167ESTUDO: EXISTE DIVERSIDADE NA COMUNICAÇÃO DOS ANUNCIANTES BRASILEIROS?. Elife.


Disponível em: < https://elife.com.br/index.php/2020/07/01/estudo-diversidade/ > Acesso em 10 mar. 2022.
Atualmente, os meios de comunicação de massa têm sido um
importante veículo na divulgação e construção dos padrões de beleza
e de exclusão social, pois, enquanto dispositivo de poder a serviço de
uma comunicação baseada nas fórmulas de mercado atualiza
constantemente as práticas coercitivas que atuam explicitamente
sobre a materialidade do corpo (GISELE FLOR, 2009, p. 2)

Se somos formados por diferentes experiências, visões ideológicas, vontades e


necessidades, não podemos esperar que uma única representação cause identificação com todos.
Para saber a importância da representação nas comunicações, empresas e meios sociais,
precisamos entender seu significado. Bernardes (2019, p. 71) reflete sobre a representação de
mulheres negras em campanhas e afirma que a representatividade "poderia ser definida como o
conjunto de ações e sentidos que (re)configuram a representação, atribuindo a ela valores
específicos”. A representação torna-se algo maior que a simples inclusão de pessoas diferentes
em campanhas e peças publicitárias; é fundamental perceber a forma como essas pessoas são
comunicadas, posicionadas e celebradas dentro dos conteúdos midiáticos.
Para o estudo, consideramos a noção de representatividade como o ato de tornar visível
um grupo, uma classe ou uma nação através de ações, sentidos e representações que provoquem
a valorização ou maior percepção daqueles representados.

6. METODOLOGIA

Para a primeira parte deste trabalho, uma pesquisa bibliográfica foi realizada com a
intenção de compreender melhor o papel do consumidor cidadão nos debates de diversidade,
principalmente no setor de moda. A fim de analisar empiricamente a relação entre marcas e
consumidores a partir das questões que rondam os debates sobre diversidade e
representatividade, usaremos a marca Victoria Secret’s como objeto, abordada como um estudo
de caso. Segundo Robert K. Yin (2001, p.11), “em geral, os estudos de caso representam a
estratégia preferida quando se colocam questões do tipo "como" e "por que", quando o
pesquisador tem pouco controle sobre os eventos e quando o foco se encontra em fenômenos
contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real”.
O estudo de caso funciona para essa pesquisa devido à intenção em investigar uma
ocorrência dentro de um contexto social e histórico e seus reflexos na sociedade e na marca em
questão. A fim de ajustar o estudo ao formato do artigo, o corpus do trabalho foi recortado a
partir de uma pesquisa exploratória que investigou brevemente a história da Victoria Secret’s,
considerando as alterações mais bruscas relacionadas aos valores da marca. Identificamos
quatro marcos históricos, que formam o corpus da investigação: o surgimento do desfile e das
Angels como forma de comunicação e construção de identidade e valor de marca, a campanha
“the perfect body”, de 2014, utilizada para explicar o poder do consumidor cidadão na
desvalorização da marca, o posicionamento transfóbico e gordofóbico de Ed Razeek (chefe de
marketing da VS) em 2018 e, por fim, a mudança de posicionamento e tentativa de reconstrução
da imagem da marca.
Para a análise desse recorte, mobilizaremos os conceitos abaixo, que formam o
referencial teórico da pesquisa.

Quadro 1
Termos e conceitos

Para o estudo, tornou-se necessária a análise do conteúdo de canais informais de


comunicação, de redes sociais e sites com abordagem de moda e atualidades, além de canais
informativos da área da marketing para aprofundamento teórico e referência de pesquisa de
mercado.

7. CONTEXTUALIZAÇÃO

Para refletir sobre as transformações relacionadas ao posicionamento de marca da


Victoria Secret’s nos últimos anos, considerando os marcos históricos selecionados como
corpus desta pesquisa, é necessário entendermos, também, as alterações no contexto mundial e
cultural, que aparentemente contribuíram para a formação de novos questionamentos sociais.
Para falar sobre o impacto da campanha “the perfect body” no ano de 2014, precisamos entender
o que aconteceu até a chegada desse evento. 2014, foi definindo como o melhor ano para as
168
feministas, de acordo com a revista Time. Movimentos como #YesAllWoman, #heforshe,
#RapeCultureIsWhen169 foram tópicos muito comentados no Twitter, ganhando espaço no
trendtopics170 e comprovando que o mundo (ou pelo menos grande parte dele) estava mais
interessado e disposto a debater questões relacionadas ao tema. Outro exemplo que atesta o
crescimento desses debates são os prêmios dedicados a mulheres. A jornalista e escritora
americana Gloria Steinem, conhecida por sua importância nos debates e atuações como
feminista ganhou, em 2013, a maior condecoração civil dos Estados Unidos, a medalha
presidencial da liberdade. Junto à Gloria, outro grande feito no ano de 2013 foi o prêmio
concedido à Malala, influente feminista que recebeu o prêmio Nobel da paz, a mais nova mulher
a receber essa honraria, aos 17 anos.
Apesar dos avanços, o feminismo que ganhava forma era um feminismo ainda pouco
inclusivo. Movimentos como o #SolidarityIsForWhiteWomen 171 trouxeram reflexões sobre
como os assuntos da pauta feminista ainda não valorizavam ou davam local de fala para pessoas

168
THIS MAY HAVE BEEN THE BEST YEAR FOR WOMAN SINCE THE DAWN OF TIME. Time.
Disponível em: < https://time.com/3639944/feminism-2014-womens-rights-ray-rice-bill-cosby/> Acesso em 12
mar. 2022
169
#YesAllWoman, hashtag dedicada a compartilhar e divulgar relatos de misoginia e violência contra as
mulheres. Disponível em: < https://www.theguardian.com/commentisfree/2014/may/28/yesallwomen-barage-
sexism- elliot-rodger> Acesso em 12 mar. 2022.
170
#HeForShe, Chamada criada para incentivar e valorizar o apoio dos homens a luta por equidade de gênero.
Disponível em: < https://www.heforshe.org/pt-br> Acesso em 12 mar. 2022.
#RapeCultureIsWhen, manifestação contra artigo escrito pela americana Caroline Kitchens. Com a intenção de
mostrar como a cultura do estupro está presente em situações do dia a dia.Disponível em: <
https://www.mic.com/articles/86187/rapecultureiswhen-is-the-perfect-answer-to-everyone- who-denies-rape>
Acesso em 12 mar. 2022.
171
Hashtag com o objetivo de chamar atenção para o fato do feminismo ainda ser pautado nos ideais e perspectivas
de mulheres brancas.
não brancas e transgêneras.
Em 2014, é possível ver mais representatividade nos filmes e séries.“Orange is the new
black”, série premiada na Netflix que aborda a população feminina carcerária americana,
expondo e refletindo sobre homoafetividade, transexualidade, negritude e empoderamento
feminino é um bom exemplo de uma abordagem midiática mais dedicada à questão da
diversidade. A série foi indicada para 14 categorias do Emmy e ganhou três naquele ano. De
2016 a 2018, temas como feminismo, representatividade e política ganharam a atenção da mídia
e do público. Figuras relevantes entraram na política americana, como, por exemplo, Kamala
Harris, Catherine Cortez e Tammy Duckworth, representando respectivamente pessoas de
descendência latina, indiana e Tailandesa. Junto a elas, Danica Roem, como primeira mulher
transgênero a atuar no legislativo estadual, assumindo a função de deputada da Câmara dos
Delegados. Infelizmente mesmo assim, 2018 foi marcado como o ano com maior número de
mortes de mulheres transgêneros já registrados no país, 172 sendo que, nessa mesma pesquisa,
72% das mortes eram de mulheres trans negras173. Em forma de crítica e busca por justiça, pelas
mortes registradas e pelos dados de brutalidade policial para com pessoas negras, surge o
Movimento Black Lives Matte174r, que ganhou maior visibilidade 2020 com o caso de George
Floyd175, que pessoas ao redor do globo participaram fisicamente e/ou digitalmente da passeata,
causando grande impacto e reflexão em diversas plataformas, nos Estados Unidos e em outros
países. 176
Em 2021, Rachel Levine foi a primeira mulher trans a conseguir um cargo político para
função nacional como secretária assistente de saúde. Ainda em 2021, após a eleição e vitória
como vice presidente, Kamala Harris foi nomeada a segunda mulher mais poderosa do mundo
de acordo com a Forbes177.

172 A NATIONAL EPIDEMIC: FATAL ANTI TRANSGENDER VIOLENCE IN AMERICA IN 2018. Human
Rights Campaign. Disponível em: < https://www.hrc.org/resources/a-national-epidemic-fatal-anti- transgender-
violence-in-america-in-2018 > Acesso em 12 mar. 2022.
173 A NATIONAL EPIDEMIC: FATAL ANTI TRANSGENDER VIOLENCE IN AMERICA IN 2018. Human

Rights Campaign. D i s p o n í v e l e m: < https://assets2.hrc.org/files/assets/resources/ AntiTransViolence-


2018Report-Final.pdf>. Acesso em 12 de março de 2022.
174 Movimento em busca do fim da supremacia branca e em critica à violência infligida a comunidades negras.
175 George Floyd foi um afro-americano morto por estrangulamento cometido por um policial branco em

americano, o caso ficou famoso e é um dos nomes mencionados no movimento Black Lives Matter - HOW
GEORGE FLOYD DIED, AND WHAT HAPPENED NEXT. The New York Times. Disponível em: < https://
www.nytimes.com/article/george-floyd.html> Acesso em 12 mar. 2022.
176 THE GLOBAL IMPACT OF GEORGE FLOYD. CBS News. Disponível em: < https://www.cbsnews.com/

news/george-floyd-black-lives-matter-impact/> Acesso em 12 mar. 2022.


177 THE WORLD’S MOST POWERFUL WOMEN. Forbes. Disponível em: < https://www.forbes.com/power-

women/#6e5e5bbf5e25> Acesso em 12 mar. 2022.


8. VICTORIA’S SECRET: CONSTRUÇÃO E ADAPTAÇÃO DE MARCA

No final dos anos 70, Roy Raymond, empresário americano, percebe uma oportunidade
no mercado ao concluir que ele e outros homens tinham dificuldade de entrar em lojas de
lingerie, devido a um estigma da época178, associado a homens que iam em tais lojas.19
Raymond idealiza então um espaço que buscasse atender essa demanda, construindo uma loja
receptiva ao público masculino. Conforme explica matéria publicada em 2021 no site Pequenas
empresas grandes negócios, as inspirações do empresário foram a era Vitoriana e os bordeis do
período, que culminaram em um espaço decorado com sofás de veludo vermelho, luzes baixas
e cortinas de cetim, escolhidos para atrair e criar um ambiente convidativo para os homens. 179
Surge assim a Victoria Secret’s, os segredos de Victória, sendo o segredo a lingerie, o que se
esconde por baixo das roupas.

Figura 1
Antes e depois da administração de Wexner
Fonte: Compilação do autor

Montagem feita a partir de imagens do site Blog da Lingerie, 2014 Disponível em: <
https://blogdalingerie.com.br/o-catalogo-da-victorias-secret-ao-longo-
dos-anos/) > Acesso em: 28/04/2022

Mesmo com certo sucesso, a loja desenvolvida por Raymond chega a beirar a falência

178 De acordo com o site do mega curioso, era comum pensar que homens que iam em lojas de lingerie seriam
pervertidos. Disponível em https: www.megacurioso.com.br/artes-cultura/120484-victorias-s-secret-a-
controversa-historia-de-marca. Acesso em 12 de março de 2022.
179 LIVRO DE HISTÓRIA: VICTORIA’S SECRET. Vogue. Disponível em: < https://www.vogue.pt/livro-de-

historia-victoria-s-secret?photo=v33.jpg> Acesso em 12 mar. 2022.


devido a problemas relacionados a gestão e é comprada por Leslie Wexner em 1982 180, que
segue com a ideia de um espaço convidativo e atraente ao público masculino, mas, ajustando o
foco para outro consumidor principal: as mulheres. Wexner busca outras formas de identificar
a marca e induzir a compra das consumidoras. Adota uma paleta com tons de rosa, branco e
preto, em seus posicionamentos de marca utilizando de simbologias associadas ao universo
feminino e ao empoderamento das mulheres, junto à escolha de oferecer mercadorias focadas
no dia a dia, com atrativos além do universo de lingeries, como: perfumes, cremes e roupas
esportivas.

9. ANJOS NA PASSARELA

No início dos anos 1990 a marca já estava estabelecida e conhecida como uma das
maiores marcas de lingerie no mundo; em 1995 possuía 670 lojas espalhadas pelos Estados
Unidos e lançava seu primeiro desfile, sendo o início de uma nova era para a empresa. Em 1998,
Leslie Wexner decidiu destacar um grupo de modelos que já faziam parte dos desfiles para
representarem a imagem da empresa com um novo título, as Angels, chamadas assim por
usarem, no desfile, asas junto às lingeries. A proposta é usar a imagem de anjo como um ser
fantasioso, intocável, puro e belo (mas, ao mesmo tempo, extremamente sensuais, já que trajam
lingeries) para associar às modelos escolhidas como principais da marca. Helena Christensen,
Karen Mulder, Daniela Peštová, Stephanie Seymour e Tyra Banks foram nomeadas como
primeiras Angels das passarelas. As modelos ganhavam “Asas” e a cada desfile apareciam com
novos modelos e combinações com as peças de Lingerie. As asas trazem a ideia de puridade
associada à sexualização das modelos; mulheres esbeltas com o padrão fantasioso almejado
pela VS (Victoria Secret’s), a inalcançável perfeição.
O show tornou-se um sucesso, em 2001. A rede de TV ABC comprou os direitos da
transmissão do programa e o desfile se tornou um entretenimento de grande relevância anual,
mais de 12 milhões de telespectadores assistiram naquele mesmo ano. O show seguiu até 2018,
data de seu encerramento, com grandes espetáculos musicais, fantasias chamativas, palcos

180 A HISTÓRIA DA VICTORIA’S SECRET. Globo. Globo. Disponível em: < https://revistapegn.globo.com/
Banco-de-ideias/Moda/noticia/2021/06/historia-da-victorias-secret-das-lojas-que-agradavam-os-homens-ao-
final-tragico-do-fundador.html> Acesso em 03 mar. 2022.
grandiosos e pouca diversidade na escalação das modelos. 181 A criação das Angels e a forma
como a VS definiu sua passarela foram escolhas de posicionamento significante para a marca,
pois a destacou ainda mais no mercado, popularizando o evento e provocando uma legião de
admiradores ao redor do globo. O evento se tornou o desfile de moda mais assistido do mundo,
transmitido em 192 países.182 Shows deslumbrantes, com mudanças de palcos e estéticas,
diferentes cantores escolhidos dentre os mais populares do momento e fantasias bem
trabalhadas faziam do show da VS um espetáculo de entretenimento, que foi descrito pela
Forbes como “o truque de marketing mais extravagante do arsenal da linha de lingerie" 183. Mais
que moda, o evento causava grande repercussão na mídia devido às grandes apresentações
musicais e ao universo em torno da vida fabulosa das Angels, tornando-as celebridades, com
intensa atenção de revistas, paparazzi, canais de fofoca, saúde e beleza da mulher, posicionando
muitas delas nas listas de modelos mais bem pagas de acordo com a Forbes. 184

As modelos devem passar por audições rigorosas para garantir que não
apenas pareçam absurdamente em forma, mas também incorporem a
personalidade de garota amigável da marca. No cabelo e na maquiagem,
esses personagens hiper amigáveis posaram para selfies e discutiram
seus regimes de treino com entusiasmo efusivo (SITE da FORBES,
2015). 185

Essa construção irreal das Angels passa a ser comentada como ultrapassada a partir de
alguns anos, razões comentadas adiante no texto, e a movimentação por mudança se inicia com
manifestações de consumidoras através de plataformas online.186

181 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=Hhpil9sKmPM> Acesso em 12 mar. 2022. e SO HOW


DID THE CONCEPT OF AN ANGEL FIRST COME ABOUT AND WHY IS IT BEING
ABANDONED. INSIDER. Disponível em: < https://www.businessinsider.com/victorias-secret-angels-rise-
history-iconic-models-photos-2021-6#so-how-did-the-concept-of-an-angel-first-come-about-and-why-is-it-
being-abandoned-3> Acesso em 12 mar. 2022.
182 VICTORIA’S SECRET RAZÕES QUE LEVARAM A GRIFE A CANCELAR SEU FAMOSO DESFILE.

Época Negócios. Disponível em: <https://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2019/11/victorias- s e c r e t


- 3 -r az oes - q u e-l evar a m - gr i fe- can cel ar - seu -fa moso- d esfi l e-
anual.html#:~:text=A%20audi%C3%AAncia&text=Mas%20o%20interesse%20passou%20a,site%20TV%20b
y%20the%20Numbers.> Acesso em 12 mar. 2022.
183 De acordo com a apresentação de 2015, Disponível em: < https://www.dailymotion.com/video/x3heky2 >

Acesso em 12 mar. 2022.


184 THE BUSINESS OF THE VICTORIA’S SECRET FASHION SHOW. FORBES. Disponível em: <

https://www.forbes.com/sites/natalierobehmed/2015/12/08/the-business-of-the-victorias-secret-fashion-show/?
sh=59df96c675cf> Acesso em 12 mar. 2022.
185 Tradução nossa. No original: “models must undergo rigorous auditions to ensure they not only look unnaturally

fit but also embody the brand's girl-next-door persona. In hair and makeup, these hyper-friendly characters posed
for selfies and discussed their workout regimes with effusive enthusiasm.”THE WINGS: INSIDE THE
2015 VICTORIA’S SECRET FASHION SHOW. FORBES.
186 THE VICTORIA’S SECRET FASION SHOW: A $50 MILLION CATWALK. FORBES. Disponível em: <
10. A QUEDA DOS ANJOS E A CRIAÇÃO DE NOVAS ASAS

No cenário comentado anteriormente, 2014 foi um ano onde assuntos sobre diversidade
e representatividade de corpos já eram presentes, assim como pautas de empoderamento
feminino e valorização da mulher. Nesse cenário, a VS lançou sua nova campanha “The perfect
body”187. A campanha, criada para para divulgar a nova coleção “body” da linha de lingerie,
que seria em teoria “perfeita”, acabou causando reação critica do público ao associarem a
imagem de corpo perfeito às imagens das Angels. A Victoria’s Secret já carregava seu ideal
padrão de corpo com seu time de modelos tradicionais: altas, magras e em maioria brancas.
Com a veiculação dessa campanha, o que foi interpretado é que o corpo representado pelas
Angels, teria sido afirmado como “perfeito” (ou ideal), causando incomodo e movimentação de
fãs.
Por meio de plataformas digitais, algumas consumidoras incomodadas decidiram se
manifestar contra a peça publicitária. Frances Black, consumidora da marca, foi a maior
envolvida na manifestação. Criando a hashtag, #IAmPerfect, junto a outras consumidoras,
iniciou uma petição e abaixo-assinado solicitando o pedido de desculpas da Victoria’s Secret e
a remoção da campanha. Frances era, na época, estudante de jornalismo, com menos de 800
seguidores em sua plataforma do twitter, se uniu a outras pessoas impactadas pela campanha e
causou repercussão suficiente para provocar mudanças. Com mais de 32 mil assinaturas31, o
abaixo-assinado criado pela jovem não só chegou aos ouvidos da marca, mas também virou
motivo para a mudança do bordão, de “the Perfect Body” para “A Body For Every Body”32.

A Victoria's Secret ouviu o público e fez uma mudança positiva,


embora não tenhamos recebido nenhum pedido de desculpas ou
declaração. Esta ainda é uma conquista incrível! Estamos muito
felizes. Muito obrigado a cada pessoa que assinou esta petição,
compartilhou e ajudou a espalhar a mensagem da nossa campanha!
Vamos torcer para que os anunciantes recebam a mensagem de que o
body shaming nunca é aceitável!” (Black, Frances 2014).

https://www.forbes.com/sites/natalierobehmed/2015/11/10/the-victorias-secret-fashion-show-a-50-million-
catwalk/?sh=69f27d9a58bc> Acesso em 12 mar. 2022.
187 Em português: O corpo perfeito. Campanha disponível em : < https://www.b9.com.br/52782/campanha-da-

victorias-secret-que-destaca- corpo-perfeito-e-rejeitada-pela-audiencia/ >Acesso em: 29/04/2022


Embora tenha começado de forma pequena, pelo Twitter, a #IamPerfect causou impacto
ao colocar a marca em xeque. A notícia se espalhou pelas plataformas, sendo comentada na
BBC, Huffington Post, Dayton Daily News, NY Post, Business Insider 188 e plataformas
brasileiras de comunicação, como : Veja SP40, Exame41, Meio E Mensagem42 e
Publigcitários43. Além de criar ruído na comunicação com seu consumidor final, acabou
gerando oportunidade de crescimento e valorização de marcas concorrentes e não concorrentes
que souberam aproveitar o momento.
O acontecimento poderia ter sido uma oportunidade de aprendizado e de mudança para
a marca, mas foi o ponto inicial para a associação dela à falta de diversidade. A partir da
campanha “The Perfect Body”, a VS passou a ser considerada atrasada no novo contexto de
diversidade e inclusão, sofrendo inclusive no setor financeiro, considerado por Randal Konik,
analista da Jefferies Group como uma marca quebrada, devido aos resultados de vendas em
2017 e 2018: "o ambiente escuro da loja, a sexualidade conspícua da oferta e o marketing
impetuoso estão cada vez mais em descompasso com o que os consumidores modernos
desejam. 189
A insistência e dificuldade da marca em trazer diversidade de corpos para a passarela já
eram um incômodo dentre boa parte dos espectadores do desfile, a falta de novas ideias e
atualizações já afetavam a audiência que caía ano após ano. Para somar a situação que já era
considerada preocupante por analistas financeiros, uma entrevista para a Vogue causou
movimentação ainda maior nos meios digitais. Pouco antes da estreia do desfile do ano de 2018,
Vogue divulgou sua recém entrevista com Ed Razeek, até então chefe e diretor de marketing
da Victoria’s Secret, onde, além de assumir que não tinha a intenção de incluir modelos
transgêneros e nem modelos com físicos mais diversos, comentou que esses corpos não seriam

188 VICTORIA’S SECRET CHANGES COURSE ON ‘PERFECT BODY’ ADS. BBC News. Disponível em:
<https://www.bbc.com/news/blogs-trending-29958907> Acesso em 12 mar. 2022. CAMPANHA “THE
PERFECT BODY” DA VICTORIA’S SECRET GERA POLÊMICA. Huff post. Disponível em: <
https://www.huffingtonpost.fr/news/iamperfect/> Acesso em 12 mar. 2022.
ANÚNCIO DA VICTORIA’S SECRET PERFECT ‘BODY’ PROVOCA REAÇÃO COM #IAMPERFECT.
Dayton daily news. Disponível em: < https://www.daytondailynews.com/news/national/victoria-secret- perfect-
body-sparks-backlash-with-iamperfect/lDo7GkBRjEmkiPEJJKjqjM/> Acesso em 12 mar. 2022.
CAMPANHA “PERFECT BODY” DA VICTORIA’S SECRET CAUSA POLÊMICA. New york post.
Disponível em: < https://nypost.com/2014/10/31/victorias-secret-perfect-body-campaign-sparks-backlash/.>
Acesso em 12 mar. 2022.
VICTORIA’S SECRET SPARKS OUTRAGE WITH ‘PERFECT BODY’ CAMPAIGN. Business Insider.
Disponível em: < https://www.businessinsider.in/victorias-secret-sparks-outrage-with-perfect-body-campaign/
articleshow/44997892.cms> Acesso em 12 mar. 2022.
189 PETIÇÃO CRITICA IDEAL DE CORPO PERFEITO. Meio&Mensagem. Disponível em: <

https://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/2014/11/05/peticao-critica-ideal-de-corpo-
perfeito.html> Acesso em 12 mar. 2022.
capazes de vender a fantasia pregada pela marca 190. O comentário foi muito criticado por uma
grande quantidade de consumidoras49 e por pessoas famosas envolvidas com a marca, como,
por exemplo, a cantora Halsey, que chegou a se apresentar no desfile, mas ficou incomodada
com o posicionamento de Razeek e fez um post poucos dias depois em suas redes sociais em
apoio a mulheres não encaixadas na fantasia descrita por Razeek50
Após mobilização online, influenciadoras que também promovem o discurso a favor da
aceitação de corpos decidiram dar suas versões de fantasia, alfinetando a VS. Modelo Nicolette
Manson usou como legenda “Não sou seu anjo. Fizemos essa foto que já que a VS não faz.” Já
Modelo Ashley Graham usou a#BeautyBeyondSize em sua foto, reforçando a ideia de que
beleza não está associada ao tamanho.
Após repercussão e manifestações críticas ao posicionamento, a VS liberou um pedido
de desculpas público de Ed em suas redes sociais, que dizia ter feito um comentário insensível.
Pedindo desculpas e comentando que contrataria sim modelos transgênero. Encerrou o texto
dizendo admirar e respeitar a jornada dessas mulheres em abraçarem sua real identidade. Meses
após a viralização do comentário de Razeek, a marca divulgou em suas redes sociais a
nomeação da modelo Barbara Palvin como nova Angel da marca, buscando atender o pedido
por representações de corpos mais diversos. Parte do público, ficou feliz e viu como positivo
as asas da Barbara, já que simbolizava uma mudança ao contratarem alguém com corpo mais
realista. Porém, ouviu-se muito sobre o incomodo à colocação de que ela seria Plus size, já que,
além de magra, a modelo pesa 55kg. Em comparação a marcas concorrentes, a iniciativa da VS
e nomeação de Palvin como Plus Size foi vista pelo canal de noticias Hypeness como prova de
que a marca necessitaria de uma redefinição. Além de Palvin, a marca divulgou também a
contratação de Valentina Sampaio como primeira modelo transgênero da marca, indo de
encontro ao posicionamento de Ed Razeek, que revelaria sua saída do cargo alguns dias depois
do anúncio. 191

190 PERFEITO É IMPERFEITO: RESPOSTAS A CAMPANHA THE PERFECT ‘BODY’, DA VICTORIA’S


SECRET. Plugcitarios. Disponível em: < https://plugcitarios.com/blog/2014/11/07/perfeito-e-imperfeito-
respostas-campanha-perfect-body-da-victorias-secret/> Acesso em 12 mar. 2022.
QUANDO SERÁ O MOMENTO CERTO PARA O VICTORIA'S SECRET FASHION SHOW LANÇAR
MODELOS PLUS SIZE?. Fashionista. Disponível em: < https://fashionista.com/2017/11/victorias-secret-vs-
fashion-show-plus-size-models > Acesso em 12 mar. 2022.
CLASSIFICAÇÃO DE TV: ‘VICTORIA’S SECRET FASHION SHOW’ CAI NOVAMENTE, NBC VENCE
NOITE LENTA. Variety. Disponível em: < https://variety.com/2016/tv/news/victorias-secret-fashion-show-
ratings-1201934728/> Acesso em 12 mar. 2022.

191 A VICTORIA’S SECRET FASHION SHOW NÃO PODE ESCAPAR DA CONTROVÉRSIA, POIS O
ARTISTA CRITICA A ‘FALTA DE INCLUSÃO’. The Washington Post. Disponível em: < https://
www.washingtonpost.com/arts-entertainment/2018/12/03/victorias-secret-fashion-show-cant-escape-
controversy-performer-slams-lack-inclusivity/> Acesso em 12 mar. 2022. Em sua postagem, diz não tolerar a falta
As contratações foram vistas como positivas e tiveram movimentação e grande
engajamento para a marca, como a postagem da VS de revelação da Palvin que obteve mais de
710.000 likes em um dia, ficando até então como a publicação mais curtida do perfil.56 Ainda
assim, as vendas, valores de mercado e lojas físicas estavam sofrendo com a soma das decisões
tomadas pela marca. Ainda no inicio de 2019, a VS anunciou a previsão de fecharem 53 lojas
físicas, somando-se as 30 já encerradas no ano de 201857. As vendas foram apresentadas com
uma queda de 3% no mesmo ano, enquanto marcas concorrentes, como a Aerie, divulgaram
crescimento de 32% no mesmo período. Como resultado da baixa audiência58 caindo ano após
ano e da repercussão do comentário de Razek, o show de 2018 foi o último produzido pela
marca. A justificativa e a confirmação do fim do desfile foi dada por Leslie Wexner no final do
ano de 2019, afirmando que o desfile não se encaixava mais no padrão de programa televisivo
e que estariam repensando tudo sobre o negócio, dando abertura para acreditar que possíveis
inovações e intervenções seriam feitas. 192
Embora iniciadas as tentativas de mudança, o mundo foi pego de surpresa pela pandemia de
2020, ocasionando no oportuno fechamento das lojas, que acabou se tornando uma
oportunidade para a VS reavaliar as campanhas e projetos, voltando em 2021 com diferentes
abordagens e propostas para limpeza da imagem.
A primeira decisão da marca em 2021 divulgada em junho foi o fim das Angels, com o
argumento de que elas não eram mais culturalmente relevantes. A marca anunciou a
substituição das Angels pelo grupo de ativistas, influenciadoras e empreendedoras, que
assumiram o papel de porta-vozes e consultoras de diversidade da marca.62 O grupo foi

de inclusão, complementando que a aceitação completa é a única fantasia que apoia. Fonte: The Washington Post,
2018. Disponível em:< https://www.washingtonpost.com/arts-entertainment/2018/12/03/victorias-secret-fashion-
show-cant-escape-controversy-performer-slams-lack-inclusivity/https://www.washingtonpost.com/arts-
entertainment/2018/12/03/victorias-secret-fashion-show-cant-escape-controversy-performer-slams-lack-
inclusivity/ > Acesso em: 29/04/2022
192 HERE IS WHY VICTORIA’S SECRET HAD A HUGE FALL FROM GRACE IN 2018. Insider. Disponível

em: < https://www.businessinsider.com/victorias-secret-rough-2018-what-went-wrong-2018-12> Acesso em 12


mar. 2022. VICTORIA’S SECRET VAI RELANÇAR SEU DESFILE ANUAL DE MODA - SEM SEUS ANJOS.
Insider. Disponível em: < https://www.businessinsider.com/victorias-secret-angels-annual-fashion-show-will-
run-again-2021-
7#:~:text=Victoria's%20Secret%20canceled%20its%20runway,literally%20everything%22%20ab
out%20the%20business> Acesso em 12 mar. 2022.
THE RISE, FALL AND COMEBACK OF VICTORIA’S SECRET. Insider. Disponível em: < https://
www.businessinsider.com/victorias-secret-rise-and-fall-history-2019-5#it-also-hired-its-first-openly-ransgender-
model-26> Acesso em 12 mar. 2022. VICTORIA’S SECRET IT’S TRYING TO MAKE A COMEBACK.
Insider. Disponível em: < https:// www.businessinsider.com/victorias-secret-rise-fall-comeback-2021-10>
Acesso em 12 mar. 2022. VICTORIA’S SECRET IS WORKING WITH FORMER ANGELS.. Insider.
Disponível em: < https:// www.businessinsider.com/victorias-secret-works-with-former-angels-ditches-scantily-
dressed- models-2021-7> Acesso em 12 mar. 2022.
formado por personalidades como a atleta Megan Rapino, a atriz Priyanka Chopra, a modelo
trans brasileira Valentina Sampaio e modelo plus size Paloma Elesser.
A VS divulgou o investimento de 90 milhões de dólares em iniciativas de diversidade e
anti-assédio sexual, em reposta a críticas de investidores e acionistas.63 Junto a isso, em
entrevista, o novo CEO Martin Waters, comentou que a marca está com intenções de retornar
com o desfile, reforçando que redefinirão o evento para que seja culturalmente relevante nos
anos que virão64 e deixando em evidência a realização de que a marca precisava estar de acordo
com os tempos atuais.
Hoje, é possível ver a mudança nos posicionamentos da marca, que traz campanhas mais
diversas e com menor construção das imagens em volta de fetiches. Resta saber se essas novas
tomadas atitudes serão suficientes para o retorno da marca e do desfile como já chegou a ser.
Por meio da análise da Victoria’s Secret, pode-se observar por meio de campanhas como a "The
Perfect Body”, que a participação do consumidor cidadão estava em crescimento nas
plataformas digitais e, com as mudanças em suas decisões de compra, buscavam marcas que
estivessem atualizadas às suas necessidades. A maior participação motivou engajamento e
sinergia na tomada de decisões da empresa.
O caso escolhido serviu para exemplificar o impacto que consumidores comuns podem
causar nas percepções envolvendo pautas sociais, nesse caso, pautas de diversidade e
representatividade, ocasionando a alteração de uma campanha inteira. A entrevista e
depoimento de Ed Razeek e sua repercussão seguem na mesma linha de análise, mostrando que
decisões e comunicações feitas podem gerar implicações irreversíveis, principalmente em
ambientes digitais, onde o compartilhamento e acesso a noticias se torna muito mais veloz e
abrangente. Em um ambiente tão plural e com rápida dissipação de conteúdo, as plataformas,
como descritas por D’Andrea: "uma plataforma online é uma arquitetura projetada para
organizar interações entre usuários – não apenas usuários finais mas também entidades
corporativas e órgãos públicos”. (2020, p. 19), deve ser intensamente estudada, para que essa
interação entre marcas e usuários possa ser de crescimento e valorização da imagem e
identidade da marca.
Para que uma marca como a Victoria’s Secret seja impactada em seus valores e também
no campo financeiro, é necessário grande insatisfação de seu público consumidor. A análise da
situação da VS indica que os responsáveis pelas decisões e posicionamentos de marca não
estavam alinhados com a evolução, percepção e modificação dos valores e desejos de seus
compradores, causando prejuízos relevantes e problemáticos para o crescimento e
sobrevivência da empresa. Problemas estes que sucederam no cancelamento e repercussão
negativa de um dos maiores desfiles de moda do mundo e da desvalorização de profissionais,
até antes consideradas as melhores e mais bem pagas do ramo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A intenção da pesquisa foi entender de que forma o consumidor cidadão e as pautas


sociais contemporâneas interferem e impactam no valor das marcas. Através do estudo de caso
da Victoria’s Secret, a pesquisa se propôs a exemplificar, analisar e identificar os erros
cometidos pela empresa e os estorvos vivenciados pela mesma. A partir do estudo feito e a
relação com conceitos e termos, como os de consumidor cidadão, plataformas digitais,
diversidade e marca, pode-se perceber a desatenção da empresa a pontos chave em sua
manutenção de valor no mercado. Essa análise beneficia e enriquece o debate em torno dos
posicionamentos das marcas e a participação do consumidor e do público geral nas decisões da
organização.
A marca da Victoria’s Secret foi construída através de um olhar masculino, tendo uma
visão deturpada do que uma mulher deve ser e parecer. Ainda com a chegada de Wexner e a
mudança na estética visual e nos produtos, a marca manteve sua essência. Embora, por muitos
anos, tenha sido considerada moderna por reproduzir os desfiles em grandes canais televisivos,
com suas famosas Angels e grandes espetáculos musicais, mudaram- se os anos, as percepções
de mundo e a VS passou a ser vista como desatualizada, ultrapassada e insensível para os
tempos atuais e para os novos valores de seus consumidores, afetando a imagem que a empresa
causava na mente do público e também nas ações e resultados financeiros da companhia.
Por meio de estudos sobre consumidor cidadão associado a pautas de diversidade e
plataformas digitais, foi possível destrinchar os acontecimentos da VS e os impactos
ocasionados em consequência. O estudo de caso da VS mostrou que a relevância e popularidade
não são sinônimos de imunidade. O atendimento às considerações das críticas, valores e
conhecimentos de seu público deve ser constante e projetado nas comunicações e decisões da
marca. Em 2018, ao não executar esse atendimento sofreu a repercussão do consumidor, que
mais do que nunca, é extremamente ativo ao meio digital. Em 2020, ao finalmente adotar uma
identidade mais diversa e inclusiva em suas campanhas, está atrasada em comparação às marcas
concorrentes que já assumiam essa postura a mais tempo.
Foi possível perceber que o momento atual da marca é de reparo e de resgate do tempo
perdido. O atraso na realização de mudanças custou muito para a empresa, que precisará de um
esforço para retornar, evidenciar sua nova construção e alterar o passado gravado na mente dos
consumidores. O desfile como ferramenta de marketing, caso seja retomado, deve ser alinhado
à atualidade, expectativas e olhares críticos de sua audiência, composta por consumidores
cidadãos que tendem a interferir cada vez mais na essência e na atuação das marcas como um
todo.

REFERÊNCIAS

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(GRIS). 1. ed. Belo Horizonte: PPGCOM UFMG, 2001. 258 p.

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YIN, Robert. Estudo de caso: planejamentos e métodos. Porto Alegre: ARTMEO, 2001.
SEÇÃO 7

Artigos relacionados à pesquisas de


mestrado e doutorado
Capítulo 51

“De direita ou de esquerda?” – Engajamento, credibilidade e plataformização em


tempos de eleição presidencial no Brasil

Mayara da Costa e SILVA (UNB)


Liliane Garcia RUFINO (UDF)

RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar as notícias sobre eleição presidencial que
foram publicadas no perfil do Instagram do Metrópoles, no período de agosto a outubro de
2022, identificando a busca pelo engajamento e credibilidade diante do contexto da
plataformização. O estudo ancora-se na fundamentação teórica sobre plataformização (POELL,
NIEBORG E VAN DIJCK, 2020), engajamento e credibilidade (SAAD; 2021). A partir de uma
análise crítica ancorada na crítica que as pessoas fazem no ambiente digital (SOARES E
SILVA; 2022), foi feita uma netnografia (KOZINETS, 2014) no qual identificou-se que um dos
motivos para que o Metrópoles tenha ganhado muitos questionamentos dos públicos quanto à
sua credibilidade tem relação com a busca incessante por engajamento. Isso é visto, por
exemplo, no formato que os títulos das notícias são construídos de maneira a cooptar atenção.

PALAVRAS-CHAVE: Engajamento; Credibilidade; Plataformização; Análise Crítica;


Jornalismo; Plataformização;

1. INTRODUÇÃO

Pesquisa realizada, em 2020, pelo Reuters Institute, da Universidade de Oxford, a


Digital News Report, revelou que, pela primeira vez, no Brasil, as pessoas passaram a consumir
mais notícias pelas plataformas de mídias sociais digitais como o Instagram, Twitter e
Facebook, do que pela televisão ou rádio (DIGITAL NEWS REPORT, 2020).
É diante desse contexto que se faz necessário compreender a relação entre jornalismo e
plataformização, temática, estudada por Saad (2021), a qual considera que um dos pilares para
entender essa relação na atualidade se faz por meio do entendimento de que há um
deslocamento de papeis sociais: as plataformas de mídias sociais digitais como o Instagram
assumem um lugar de propagadoras, distribuidoras e produtoras de notícias e o jornalismo que
sempre foi visto como uma fonte de informação credível passa a ser criticado e questionado
pelos públicos (SAAD, 2021).
Diante desse contexto, esta pesquisa busca compreender as temáticas de engajamento e
credibilidade no jornalismo diante do fenômeno da plataformização. Para isso, é feita uma
análise crítica do jornalismo realizado pelo Metrópoles, um dos veículos de comunicação
digitais mais acessados do Centro-Oeste brasileiro (METRÓPOLES, 2021;2022; DIGITAL
NEWS REPORT, 2020;2021). Para a realização da análise foi utilizada a metodologia da
netnografia que é uma pesquisa qualitativa de observação e que pode incluir elementos como
análise textuais, coleta de dados arquivais, entre outras estratégias de coleta e análise de dados
(KOZINETS, 2014).
O período de realização da netnografia no perfil do veículo Metrópoles no Instagram
foram os meses de agosto, setembro e outubro de 2022 por representarem os momentos de
preparação e realização para as eleições para Presidente do Brasil 193, tanto no primeiro, quanto
segundo turno, o que gerou grande repercussão no Brasil e fora dele. Foram analisados
exemplos de notícias em que suas construções representaram a busca pelo engajamento e os
tipos de questionamentos feitos pelos públicos nos comentários dessas notícias em torno da
credibilidade jornalística praticada pelo veículo.
Como um dos resultados, a pesquisa apontou que um dos motivos para que o jornalismo
praticado pelo Metrópoles tenha ganhado muitos questionamentos quanto à sua credibilidade
tem relação com a sua busca incessante por engajamento: enquanto os likes (curtidas) e a busca
por visibilidade nas plataformas de mídias sociais digitais forem as molas propulsoras desse
tipo de jornalismo praticado no ambiente digital no contexto da plataformização, mais espaço
para cobranças dos públicos vai criar, sobretudo quando essas críticas estão atreladas ao
contexto histórico e político em que se vive: o futuro de uma nação e o futuro da democracia
representado pela eleição presidencial.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. É tempo de plataformização – o engajamento e a credibilidade no jornalismo

193
As eleições presidenciais ocorreram no período de 2 de outubro – primeiro turno – e 30 de outubro –
segundo turno - de 2022. Até então, Jair Messias Bolsonaro, do Partido Liberal (PL) era o Presidente do Brasil
(mandato de 2019 até 2022). No entanto, Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), ganhou as
eleições no segundo turno e se tornou presidente do Brasil no dia 01 de janeiro de 2023.
As plataformas têm gerado mudanças na sociedade, seja em relação à tecnologia,
economia, política ou na comunicação. Cada vez mais, tudo o que se faz depende de
infraestruturas digitais advindas de grandes empresas de plataformas como Google, Amazon,
Facebook, Apple e Microsoft (VAN DIJCK, 2019). Se as plataformas são as responsáveis por
envolver essas interações sociais com a circulação de dados e algoritmos, a plataformização é
o processo que envolve as relações entre infraestruturas, economia, estruturas governamentais
das plataformas digitais e as práticas culturais (POELL, NIEBORG E VAN DIJCK, 2020) e
que também está presente em outros setores sociais como o jornalismo que passa a ter a sua
rotina produtiva alinhada à lógica de funcionamento das plataformas.
Saad (2021) explica que nesse contexto da plataformização as pessoas também passam
a cobrar, por meio dessas plataformas, a seriedade, a qualidade e a credibilidade do trabalho
jornalístico. Isso também tem a ver com o a responsabilização da mídia ou a accountability
que pode ser vista hoje de uma nova maneira: a partir do ambiente digital. Gomes e Paulino
(2019) explicam que accountability significa, em termos gerais, responsabilidade jornalística,
ou seja, a palavra tem o sentido de prestação de contas, assim, as pessoas podem buscar os
veículos de comunicação para que esses prestem contas do que fazem e se responsabilizem.
Por outro lado, à medida que o jornalismo tenta se adaptar e entender essa lógica de
funcionamento das plataformas de mídias sociais digitais, há também um jogo de poder entre
os veículos de comunicação e plataformas que tentam atrair a atenção das pessoas. Uma das
maneiras de medir essa atenção dada pelos públicos é por meio do engajamento, a métrica que
as plataformas como o Instagram utilizam para avaliar o quanto e como as pessoas estão
envolvidas com aquele perfil em específico (MARTINS, 2021). Dessa maneira, esta pesquisa,
entende por engajamento a métrica que as plataformas usam para mensurar como e quantos
seguidores se envolvem com outro perfil e isso pode ser contabilizado, por exemplo, por meio
do número de curtidas e comentários (MEIO E MENSAGEM, 2022).

3. METODOLOGIA E CORPUS DE ANÁLISE


Para a realização desta pesquisa, foi feita uma netnografia no perfil do veículo
Metrópoles no Instagram durante os momentos de preparação e realização para as eleições para
Presidente do Brasil – primeiro e segundo turno - compreendendo assim, os meses de agosto,
setembro e outubro, de 2022. Das 137 notícias publicadas no feed do Instagram nesse período,
foram selecionadas 13 que configuram como o corpus de análise e exemplificam em suas
construções a busca pelo engajamento, ou seja, maior número de curtidas, e os tipos de
questionamentos feitos pelos públicos nos comentários dessas notícias em torno da
credibilidade jornalística praticada pelo veículo. Essas notícias foram selecionadas a partir de
dois critérios: maior número de curtidas e notícias que abordavam sobre os candidatos à
presidência do Brasil – Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro. O quadro abaixo
apresenta o título, a data e o número de curtidas dessas notícias analisadas.

Quadro 1 – Notícias utilizadas na análise netnográfica

Fonte: elaboração própria (2023)

Para Kozinets (2019) a netnografia permite entender e responder questões relacionadas


às práticas culturais, vivências, experiências, comportamento, identidades, significados, e
muitos outros aspectos que foram criados e/ou influenciados pelo consumo da tecnologia. Não
existe uma fórmula para a realização da netnografia, mas Nascimento et al (2022) explicam que
a netnografia é uma maneira de compreender as experiências culturais que ocorrem no ambiente
online e que para isso pode-se estudar os traços online, as interações e a socialidade que as
pessoas deixam registradas na internet. Elas também explicam que na netnografia as análises
dependem do insight do pesquisador, ou seja, é o pesquisador quem define quais as melhores
escolhas para análise e quais materiais devem ser analisados (NASCIMENTO ET AL, 2022).
Além da netnografia, este trabalho também faz uso do estudo da crítica de mídia a partir
do pensamento de Soares e Silva (2022) no qual as pessoas tecem críticas nos materiais
veiculados pela mídia como nas notícias e essas interações sociais de crítica servem como
materiais de estudo. Para isso foram usados três exemplos de notícias que serviram como
materiais do estudo da crítica da mídia. São elas:1) Lula “recupera” 2 dos 18 estados onde
Haddad perdeu, mas segue atrás de Bolsonaro em 9 UFs; 2) A três dias da eleição, Datafolha
aponta Lula com 53%, Bolsonaro com 47% e 3) Pesquisa CNT: Lula tem 53, 5% e Bolsonaro,
46,5% dos votos válidos. A seguir são apresentadas a análise e discussão dos resultados.

4. “DE DIREITA OU DE ESQUERDA”? – COMPREENDER A HISTÓRIA PARA


COMPREENDER A POLARIZAÇÃO POLÍTICA NO BRASIL EM TEMPOS DE
ELEIÇÃO PRESIDENCIAL

Aprofundamentos teóricos e conceituais no campo da História e das Ciências Políticas


não são os objetivos deste artigo, mas é importante compreender breves apontamentos
históricos para entender a polarização política no Brasil que servirá para clarear de forma
pragmática e objetiva uma linha de raciocínio que perpassa pelo contexto brasileiro histórico,
social, cultural, econômico e político. Para tanto, faz-se necessário introduzir brevemente
conceitos que são utilizados na atualidade, muitas vezes até de forma superficial ou errônea.
No Brasil, o exercício da democracia é recente e cortado por um período importante de regime
ditatorial, sendo assim, eleições com real participação popular só ocorreram a partir de 1945 e
se estendeu até 1964, quando o golpe militar cessa o exercício democrático e somente em 1985
o país retoma redemocratizado sendo que em 1989 ocorre a primeira eleição presidencial direta
(SINGER 1998).
Das terminologias que serviriam para alinhar os eleitores brasileiros às suas ideologias
e, por consequência, às suas escolhas políticas quanto ao que tange à política econômica e
social, é de direita-esquerda, que é uma importante escala dentro do sistema de classificação de
partidos políticos, desde a Revolução Francesa, no século XVIII, embora ao longo do tempo e
em seus contextos, as definições de esquerda-direita tenham passado por variações
(MADEIRA; TAROUCO, 2011).
É importante salientar que, mesmo a escala esquerda-direita seja a mais utilizada no
contexto brasileiro, o que tem sido observado historicamente é que o autoreconhecimento do
eleitorado dentro deste espectro é coerente quanto à identificação dos partidos políticos na
escala, mas em maioria não foram capazes de apresentar significado ao que seria esquerda e
direita no campo político, portanto, a compreensão popular se mostrou mais intuitiva do que
estruturada de forma cognitiva (SINGER 1998).
Singer (1998) explica que, em 1989, quando o Brasil passou por sua primeira eleição
presidencial após a redemocratização, foi observado que no segundo turno houve uma
polarização política onde as pessoas experimentaram a identificação ideológica dentro da escala
de esquerda-direita após uma longa fissura do exercício democrático.
Definir direita-esquerda não é simples porque são conceitos que variam no espaço e no
tempo, além de que os critérios estão relacionados às pautas e agendas dos partidos políticos.
Em relação ao Brasil, desde a redemocratização, já era possível observar o alto grau de
generalidade nos programas partidários, o que distancia os partidos políticos brasileiros das
categorias utilizadas nas avaliações dos manifestos produzidos pelos partidos onde seria
possível categorizar objetivamente dentro do espectro da esquerda-direita (MADEIRA;
TAROUCO, 2011).
Por conta da complexidade na discussão teórica quanto ao que se refere esquerda-
direita, o presente artigo adota então como critério que nas eleições de 2022 aqui analisadas, os
dois principais candidatos na disputa, Luiz Inácio Lula da Silva, representando o Partido dos
Trabalhadores (PT), se alinha como partido de esquerda (ESTRUTURA PARTIDÁRIA, 2023),
enquanto o candidato Jair Messias Bolsonaro do Partido Liberal (PL), embora não expresse
literalmente o espectro político como direitista, apresenta em suas falas à sociedade, ataques à
esquerda e cuja propaganda política referente às eleições de 2022 faz críticas diretas à esquerda
e exalta a direita o que traz o embasamento de auto declaração como político de direita.
(BOLSONARO; 2022).
Essa polarização política vista em 1989 e citada por Singer (1998) também foi vista nas
eleições presidenciais de 2022. Isso também se tornou nítido nos comentários que as pessoas
fizeram nas notícias publicadas pelo veículo de comunicação Metrópoles. A figura 1 traz o
print de notícia publicada no dia 27 de agosto e intitulada como Lula “recupera” 2 dos 18
estados onde Haddad perdeu, mas segue atrás de Bolsonaro em 9 UFs que recebeu 6.407
curtidas.
Figura 1
Exemplo de comentários fazendo críticas ao Metrópoles

Fonte: Metrópoles (2022)

Nessa notícia é possível identificar, por meio dos comentários, pessoas favoráveis ao
candidato Bolsonaro e dizendo que o Metrópoles é uma mídia de esquerda como diz o seguinte
comentário: “Ó mídia da esquerda! Bolsonaro 2022, aceita que dói menos”. A imagem que o
Metrópoles usa, com Bolsonaro de um lado, na cor azul, e Lula de outro, na cor vermelha,
também traz a ideia dessa polarização política.
A simbologia que a cor vermelha carrega e a associa aos movimentos de esquerda,
surgiu durante a Revolução Francesa, em 1791, quando a guarda nacional assassinou cinquenta
manifestantes no que viria se chamar “Massacre do Campo de Marte”, já que havia uma lei que
obrigava o hasteamento de uma bandeira vermelha para alertar que eventuais tumultos e
manifestações seriam dispersados com uso de força para que os participantes pudessem se
dispersar e evitar o confronto (COSTA, 209). Entretanto, nesse dia a bandeira vermelha não foi
hasteada e desde então o vermelho passou a ser usado pelos manifestantes e gradualmente se
tornou a cor que representaria movimentos trabalhistas, sindicatos e partidos políticos de
esquerda (COSTA, 2019).
Outro ponto importante a se considerar é que esses discursos polarizados nas eleições
de 2022 ressurgem com a ideia de antigos inimigos a serem combatidos, como em uma luta
épica que possivelmente surge no imaginário popular muito mais embasado em senso comum
do que fundamentado na História com o chamado “fantasma” do Comunismo versus uma
insurreição Fascista advinda do processo de radicalização de parte do eleitorado brasileiro.
Em 1847, Karl Marx e Friedrich Engels publicavam na Europa o Manifesto Comunista,
tratado que traria a perceptiva de que a História humana é marcada, caracterizada pelas lutas de
classes e, ao analisar o próprio cenário, Marx e Engels identificavam que a luta de classes em
que se inseriam era entre a burguesia e o proletariado, uma vez que a burguesia era redentora
dos meios de produção e explorariam a mão de obra dos proletariados para gerar lucro (MARX;
ENGELS, 2005).
As críticas feitas no Manifesto Comunista eram direcionadas aos meios de produção
capitalista por considerar esse sistema econômico injusto e por criticar arduamente a burguesia.
No Manifesto Comunista são elencadas categorias de socialistas, que como fica nítido no
documento, eram advindos da Revolução Francesa e considerados como movimentos burgueses
e por tanto, a terminologia adotada então para diferenciar o grupo comprometido com uma
revolução dos proletariados por uma sociedade igualitária era de comunistas, que eram então
uma vertente de extrema-esquerda do socialismo, o socialismo revolucionário (MARX E
ENGELS, 2005).
Em 1880, Friedrich Engels apresenta que, a partir das análises feitas por Karl Marx,
quanto à dinâmica do capitalismo, os ideais socialistas que ambos desenvolveram, eram então
uma forma estruturada de ciência, distanciando do socialismo utópico que criticavam e
consolidando o socialismo científico. Engels (2005) reitera que existem lutas de classes e que
dessa dicotomia vem a exploração ativa em busca do lucro, em detrimento aos proletariados e
propõe que a solução para essa relação injusta se daria a partir da tomada dos meios de produção
pelos trabalhadores e que, de forma natural, o processo levaria à diluição da autoridade política
do Estado (ENGELS, 2005).
Compreender os contextos históricos é o que torna possível revisitar um evento do
passado conhecendo o cenário em que se situava. Em cada contexto histórico existe uma
cultura, uma forma de pensar predominante: os conhecimentos que certo povo possuía, a
maneira que interagiam com suas descobertas, tudo isso remonta ambientes aos quais são
passíveis de observações sem que haja o erro de atribuir concepções de um outro tempo, uma
outra cultura e um outro contexto para onde se olha hoje o que resultaria em uma perspectiva
anacrônica. É o caso, por exemplo, de se ter cuidado ao criar determinismos de que algo ou
alguém é de direita ou de esquerda como se tem observado nos comentários feitos pelas pessoas
nas notícias publicadas pelo Metrópoles ao afirmarem que o veículo é de esquerda.
Outro ponto importante é compreender que quando Marx e Engels (2005) trazem o
conceito de socialismo científico, estes estão inseridos em uma tendência intelectual de seu
tempo e espaço. Engels (2005) afirma que era necessário situar o socialismo na realidade para
que ganhasse então o status de ciência. Ele, inclusive, diferenciou a estrutura que ele e Marx
apresentavam de outras ideias que consideravam obsoletas, limitadas, antiquadas ou utópicas e
o que Engels atribui a este feito, onde elevariam o socialismo à uma ciência e em que Marx
deveria ter sido capaz de compreender a dinâmica do capitalismo (ENGELS, 2005).
Vale também fazer um outro adendo: os avanços das descobertas no campo das Ciências
Naturais emergiam no decorrer do século XIX até seu ápice, no século XX. Dentre todas as
ciências, o maior destaque era na Física que possuía metodologias rígidas, livre de
ambiguidades e munida de leis universais cujas características eram almejadas para todos os
campos do conhecimento (HOBSBAWM, 1995).
Embora o século XX passe a questionar o caráter previsível e infalível da ciência, o
contexto de Marx e Engels é anterior às descobertas que trariam incertezas até mesmo para a
Física, o que possibilita compreender a motivação para aproximar suas ideias do que era
considerado como mais objetivo e assertivo às ciências naturais (HOBSBAWM, 1995).
Por outro lado, as Ciências Humanas e as Ciências Sociais Aplicadas onde o Jornalismo se
encontra, são dinâmicas e vivas. Assim como não se pode determinar a posição e a velocidade
de um elétron na Física, simultaneamente, conceitos existem em relação ao tempo e ao espaço
e dessa forma, definir o que é o espectro político esquerda-direita, socialismo/comunismo,
depende diretamente do contexto a que se trata. Mas durante as eleições presidenciais de 2022
foi comum ver pessoas associando o candidato Lula, do Partido dos Trabalhadores (PT), ao
comunismo e o candidato Bolsonaro ao fascismo.
Além disso, comentários criticando o jornalismo praticado pelo Metrópoles e
questionando sua credibilidade também foram encontrados como ilustram as figuras 2 e 3:
Figura 2
Exemplo de comentário fazendo críticas ao jornalismo praticado pelo Metrópoles

Fonte: Metrópoles (2022)

Figura 3
Exemplo de comentário questionando a credibilidade do jornal

Fonte: Metrópoles (2022)

No dia 27 de outubro de 2022, o Metrópoles publicou no feed do Instagram a notícia A


três dias da eleição, Datafolha aponta Lula com 53%, Bolsonaro tem 47% que recebeu 13.052
curtidas. Um dos comentários foi “Imprensa podre. Pare de divulgar pesquisas mentirosas!
Sejam imparciais como deve ser um jornalismo sério. Vou parar de seguir e falar aos meus
amigos não acreditar nessa mídia”. Esse comentário vai de encontro ao que Saad (2021)
explicou de que diante do contexto da plataformização existe um deslocamento de papeis
sociais em que as plataformas de mídias sociais digitais como o Instagram assumem um lugar
de propagadoras, distribuidoras e produtoras de notícias e o jornalismo que antes era visto como
fonte credível pelas pessoas passa a ser criticado e questionado. Assim, as pessoas cobram a
qualidade e a credibilidade do trabalho jornalístico como exemplifica o comentário da
seguidora.
Outro apontamento histórico importante a se entender é que na História,
conceitualizações são demasiadamente complicadas e que não existe um único socialismo ou
comunismo, são diversas as linhas de pensamento no decorrer do tempo, em seus contextos
históricos e diversas denominações são utilizadas, ressignificadas e adaptadas, assim como a
esquerda esteve representada em uma diversidade de partidos políticos com linhas ideológicas
distintas. Durante as eleições presidenciais no Brasil, também se tornou comum associar o PT
ao comunismo.
O manifesto de fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) apresenta pautas que se
alinham à esquerda no espectro político. (COMISSÃO NACIONAL PROVISÓRIA, 1979).
Consideram seu nascimento nas lutas sociais, buscando a defesa dos interesses de proletariados
e se opondo aos interesses das elites. Antes mesmo do lançamento do manifesto de fundação
formalizada do partido, em 1979 foi divulgada a Carta de Princípios, onde o partido que se
estruturava afirmava que o compromisso com a democracia seria plena e diretamente exercida
pelas massas, justificando que o socialismo não existiria sem a democracia e tão pouco existiria
democracia sem socialismo. Defendia também na carta que o partido almejava uma sociedade
socialista e democrática (COMISSÃO NACIONAL PROVISÓRIA, 1979).
Vale ressaltar que as imagens do PT e de Lula se misturam, uma vez que ele fez parte
da fundação do partido e é o seu maior representante lançado como candidato à presidência em
1989 às primeiras eleições diretas após o período ditatorial (BRASIL, S/D). A participação de
Lula foi significativa nas eleições de 1989, chegando ao segundo turno e perdendo por pequena
diferença de votos. Lula voltou a concorrer em 1994 e 1998, quando foi derrotado pelo ex
presidente Fernando Henrique Cardoso. Já em 2002 Lula se tornou presidente do Brasil pela
primeira vez, sendo reeleito em 2006 (BRASIL, S/D) e agora em 2023.
No contexto brasileiro, a narrativa do comunismo se tornou um risco e por tanto, passou
a ser transformado em um vilão, um inimigo a ser combatido. Esse processo de demonização
do comunismo vem a partir do governo de Getúlio Vargas. Piozzi (1983) explica que Vargas
assumiu a liderança do país em 1930, após um golpe de Estado. No primeiro momento, Vargas
manteve em seus discursos a consciência de que os ideais socialistas traziam consigo a
promessa de justiça social, enquanto o liberalismo, a velha democracia liberal e capitalista
decaía, entretanto, com esta linha de pensamento em seus discursos ele pretendia evitar levantes
revolucionários por parte dos trabalhadores inspirados pela Revolução Russa (PIOZZI, 1983).
Piozzi (1983) explica que Getúlio Vargas lançou mão de uma postura populista com
políticas trabalhistas para controlar os operários e evitar insurreições e em 1935 passou a
perseguir e reprimir o comunismo no país. A xenofobia era marcada no governo de Vargas, que
rejeitava quaisquer influências que considerasse externa ou alheia à realidade brasileira,
incluído o comunismo (PIOZZI, 1983) que passa ser uma desculpa e motivação para que Vargas
instaurasse uma ditadura que se justificaria na necessidade de defender o país do risco de uma
tomada de poder pelos comunistas.
O discurso da pátria em risco de um golpe comunista foi a narrativa adotada por Getúlio
Vargas para absorver todo o poder político para si, subordinando os poderes judiciários e
executivos e fechando o Congresso Nacional, nascendo então o regime nomeado de Estado
Novo, em 1937 (RIBEIRO, 2008). A imprensa e o rádio eram parte dos mecanismos de
manutenção de poder através das propagandas ideológicas veiculadas e da censura que passa a
ser institucionalizada em 1939 (RIBEIRO, 2008).
Ribeiro (2008) conta que a propaganda política era amplamente utilizada para fomentar
a visão popular sobre o comunismo como uma ideologia nociva, perigosa e que este inimigo
“vermelho”, como eram chamados em propagandas, justificaria as ações ditatoriais do governo.
Apesar de toda a perseguição e repressão que o governo de Vargas impunha sobre o
comunismo, em 1935, levantes importantes levaram o governo a intensificar ainda mais a
repressão e centenas de estrangeiros foram expulsos do país acusados de envolvimento com o
comunismo, independentemente de ter ou não vínculo, bens ou família no Brasil (RIBEIRO,
2008).
Ribeiro (2008) acrescenta que a morte também era destino para os que se alinhassem às
ideologias comunistas e que somente em 1945 o governo de Getúlio, buscando amenizar sua
imagem autoritária e ditatorial, dando pequenos passos na direção da democracia, anistiou os
comunistas. Lembrando que o cenário internacional era de combate ao nazi-fascismo
(RIBEIRO, 2008).
Em 1694, o Brasil sofreu mais um golpe e passou a ser comandado sob uma ditadura
militar que, mais uma vez, teve em alta a narrativa do risco comunista (WASSERMAN, 2006).
Havia, por exemplo, uma campanha contra o governo do então presidente, João Goulart, que
era encabeçada por empresários, burocratas, setores da igreja católica e artistas que financiavam
massivamente, através do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), políticos,
propaganda, material impresso, viagens para palestras, grupos anticomunistas, entre outras
medidas para desestabilizar o governo, incluindo artigos que produziam e pagavam para
veicular em meios de comunicação importantes sobre o risco iminente do comunismo pelo país
(WASSERMAN, 2006).
Um aspecto importante da propaganda anticomunista da época era o envolvimento de
religioso advindo dos católicos e que ganhariam muito destaque na mídia com seus textos
ideológicos que compuseram na construção do imaginário popular a imagem do comunismo
como risco iminente. Potencializado pelas instabilidades políticas internacionais, a criação de
um inimigo, de um mal maior, de um risco eminente, na forma do comunismo foi de grande
importância dentro dos mecanismos que possibilitaram o Golpe de 1964 (BETT, 2010).
Diante desses apontamentos históricos, percebe-se que a polarização política não é
recente no cenário brasileiro e que de tempo em tempo o espectro esquerda-direita é explorado
como uma dualidade extremada, entretanto, nem os manifestos dos partidos políticos, nem os
discursos dos políticos e nem as simbologias adotadas são rígidas, imutáveis e intrínsecas a um
ou outro polo do espectro político. A lealdade ideológica na política por parte de seus agentes
não é absoluta. Acordos, adoções de pautas alheias, concessões e alianças são medidas
frequentes tanto em eleições quanto em todo o mandato dos políticos eleitos.
Na democracia, a intenção é levar para a política representantes de variadas alas, grupos
e demandas populares e a coexistência de pluralidades de planos de governo e representações
partidárias que levam a necessidade de flexibilização das ideologias e, consequentemente, da
localização dos políticos no espectro político. Ou seja, pela necessidade de deliberar em
conjunto com variadas demandas e pautas, políticos que se enquadram em uma área no espectro
político de esquerda-direita, eventualmente tomarão decisões, defenderão pautas, votarão por
algum projeto, se posicionarão de forma divergente à sua origem no espectro político e isso
torna evidente que, embora exista polarização, ela é mais nítida nos eleitores engajados, pois,
ao nosso ver, seus representantes quando eleitos, tendem mais a agir de forma a fazer
manutenção do próprio poder e autoridade, do que defender ideologias e alinhamentos no
espectro político.
Outro apontamento que se faz a partir das análises é que durante as eleições
presidenciais, o veículo de comunicação Metrópoles recebeu muitos questionamentos dos
públicos quanto à sua credibilidade. Isso tem a ver logicamente com o momento de polarização
política que o país vivia naquele momento das eleições, mas também se deu porque o veículo
de comunicação Metrópoles tem buscado acompanhar as lógicas das plataformas e com isso
tem usado imagens e títulos na construção de suas notícias para cooptar atenção das pessoas o
que resulta em mais acessos e consequentemente gera engajamento: quanto mais pessoas
curtem e comentam, mais engajamento o veículo tem na plataforma e mais alcance e
visibilidade consegue. No entanto, enquanto a busca por esse engajamento for a mola
propulsora do jornalismo praticado pelo Metrópoles, mais espaço para cobranças dos públicos
vai sendo criado ainda mais quando essas críticas estão atreladas ao contexto histórico e político
em que se vive.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo buscou analisar as notícias sobre eleição presidencial que foram publicadas
no perfil do Instagram do Metrópoles, no período de agosto a outubro de 2022, buscando
identificar características e motivações de engajamento e credibilidade diante do contexto da
plataformização. Para isso, o artigo utilizou referenciais teóricos sobre plataformização,
(POELL, NIEBORG E VAN DIJCK, 2020), engajamento e credibilidade (SAAD; 2021). A
partir de uma análise crítica ancorada na crítica que circula pela sociedade, ou seja, por meio
das pessoas que emitem suas opiniões e se expressam no ambiente digital (SOARES E SILVA;
2022), foi feita uma netnografia (KOZINETES, 2014) no qual identificou-se que um dos
motivos para que o Metrópoles tenha ganhado muitos questionamentos dos públicos quanto à
sua credibilidade tem relação com a busca incessante por engajamento e isso é visto na forma
que as notícias são construídas, sobretudo pelo título, que é escrito de maneira a cooptar
atenção.
Dessa maneira, mais importante do que a palavra dura escrita, são as influências, as
relações, as consequências de cada um destes elementos políticos. Se até na Física que, por anos
foi considerada uma ciência objetiva e inflexível, existem limitações ao iluminar um elétron,
entender sua órbita e suas interações nos permite desenvolver e aprofundar conhecimentos do
micro ao macroscópico, e assim são os conceitos nas Ciências Humanas e nas Ciências Sociais
Aplicadas: eles dependem de suas órbitas temporais, geográficas e de suas interações humanas.
A História não se repete, mas são fontes de onde podemos beber para compreender o contexto
histórico social econômico e cultural atual em que vivemos desconhecer essas fontes nos
tornam vulneráveis aos que pretendem se utilizar de mecanismos antigos para manipular a
própria realidade.
6. REFERÊNCIAS

AMARAL, A; NATAL; G. VIANA, L. Netnografia como aporte metodológico da pesquisa em


comunicação digital. Revista Famecos/PUCR. Porto Alegre. 2009.

BETT, I. A (Re)invenção Do Comunismo: discurso anticomunista católico nas grandes


imprensas brasileira e argentina no contexto dos golpes militares de 1964 e 1966. 2010. 262 f.
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BOLSONARO (programa eleitoral 2min38seg - TV) - "Governo de direita ensina a pescar"


(1º.set.2022). 2022. (2 min.), son., color. Legendado. Disponível em:
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Capítulo 52

O Rádio como mediador da Cultura Popular em São Paulo:


capital, litoral e interior

Elvis Wanderley dos Santos (Universidade Paulista)

RESUMO: Esta pesquisa tem como objetivo principal estudar o Rádio como o agente mediador
da cultura popular no estado de São Paulo. O objeto do trabalho são as quatro emissoras de
Rádio que foram escolhidas dado a sua localização geográfica dentro do estado: na capital
paulista, Rádio Capital AM 1040 kHz; na região de Araçatuba, Rádio Clube FM 96,3 kHz; no
Vale do Paraíba, Super Rádio Piratininga AM 750 kHz; e a última no litoral, Rádio Guarujá
AM 1550 kHz. Dentro deste estudo foram feitas uma compreensão das grades de programação
das rádios utilizando a técnica de análises de conteúdo (BARDIN, 2011) e ainda uma reflexão
sobre a importância do rádio contemporâneo, tornando possível um novo modelo de formatos
que acompanhe o legado histórico, mas também que possibilite novas práticas conforme os
atuais hábitos de consumo midiáticos.

PALAVRAS-CHAVE: Rádio, Cultura Popular, Cultura, Comunicação.

1. INTRODUÇÃO

Numa sociedade em que o novo surge a cada instante, principalmente com a velocidade
crescente das novas tecnologias, o meio rádio vem se transformando e trazendo novas
tendências. O modelo do rádio em pleno século XXI tem como objetivo, além de transmitir
informações, formar cidadãos que construam e transformem o conhecimento como instrumento
de participação popular. Observando-se as transformações ocorridas no nosso cotidiano, sente-
se a relevância que o rádio representou e representa na sociedade.
Com todas estas mudanças no mundo, o rádio até hoje permanece ocupando papel de
destaque na cultura popular, devido principalmente a sua penetração em lugares distantes e
isolados, e também por atingir tantos sujeitos na sociedade independente de seus níveis
culturais. O rádio na sua essência continua sendo um veículo de comunicação ágil, popular,
barato, com maior alcance e menor custo em sua produção.
No Brasil, o rádio é o meio de comunicação que atinge mais pessoas. A televisão atinge
uma grande parte da população ao mesmo tempo, mas só o rádio com sua mensagem simples e
direta chega a mais pessoas. De acordo com dados publicados na Revista Veja, o Ibope afirma
que no estado de São Paulo existem pessoas mais sintonizadas no rádio do que na tv. Em
pesquisa recente da Kantar Ibope Media (2018), afirma que 78% das pessoas entrevistadas no
Brasil para o Book de Rádio (edição 2018), confirmam que confiam no rádio. Ainda de acordo
com o estudo, nas 13 regiões metropolitanas do país, 86% da população tem o hábito de escutar
rádio. Com este recorte a pesquisa ainda explicita que de cada cinco pessoas entrevistadas, três
ouvem rádio todos os dias em média. A pesquisa ainda confirma que na maioria dos casos as
pessoas ouvem rádio em casa, como um companheiro frequente em qualquer lugar. Mas de
acordo com o estudo nas grandes cidades as pessoas escutam o rádio nos seus deslocamentos
de carro. Na grande São Paulo, são 83% de ouvintes com 4h35m diária de exposição ao meio.
Diante dessas considerações, esta pesquisa trata do rádio como mediador da cultura
popular em São Paulo. Entre os autores trabalhados, destacamos Nestor Garcia Canclini (2011),
que fundamenta os estudos na área da globalização e cultura; o pesquisador Antônio Adami
(2014), que em muitos dos seus trabalhos constrói referências sobre o rádio como grande
mediador da cultura popular; Stuart Hall (2005), que estuda o campo da identidade cultural; e
Jesus Martin Barbero (2013), que estuda as identidades latino-americano compreendendo a
cultura e as suas mediações.
Uma pesquisa científica se justifica pela relevância social e também científica. Sendo
assim, será possível identificar a sua importância como valor histórico cultural, pois se trata de
um legado para a sociedade atual e futura. Assim, a pesquisa será construída através de um
recorte de quatro rádios paulistas, que foram divididas da seguinte forma: uma rádio na capital
do estado, outra na região de Araçatuba, uma no litoral paulista e outra no Vale do Paraíba,
desta forma conseguimos mapear as principais regiões do Estado de São Paulo. Neste contexto
faremos uma análise de conteúdo da grade de programação destas emissoras, que são: Radio
Capital, KwZ 1040 AM, na capital paulista; na região de Araçatuba, à Rádio Clube, KwZ 96,3
FM; no Vale do Paraíba, à Super Rádio Piratininga, KwZ 750 AM; e na baixada santista, a
Rádio Guarujá, KwZ 1550 AM.
Diante dos desafios da comunicação na contemporaneidade, o rádio ainda é uma mídia
muito popular, ele está presente em mais de 90% dos domicílios brasileiros, assim sendo essa
mídia deve ser estudada devido ao fato de influenciar no cotidiano da sociedade.
O objetivo deste nosso estudo é analisar por meio de levantamento bibliográfico e entrevistas a
construção do rádio como agente mediador da cultura popular em São Paulo. Pretendemos
analisar a construção da cultura popular no contexto do Rádio e identificar os processos
culturais nas rádios pesquisadas através da sua programação. Desse modo, pretendemos utilizar
referências que evidenciem a importância do meio rádio na construção e mediação da cultura.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

O conceito de cultura tem sido abordado em inúmeras áreas. Independentemente da


grande variedade de obras sobre o tema, este, está longe de ser entendido na sua profundidade.
Assim sendo, evoluiremos o texto com base em artigos e livros, para melhor entendermos
algumas das discussões sobre o assunto. Segundo Burke (2003, p.43), “a teoria da cultura não
foi inventada ontem. Ao contrário, ela se desenvolveu gradualmente diante do modo como as
pessoas e os grupos têm refletido a respeito das mudanças culturais através dos séculos”.
As diferenças entre as culturas existentes é o que denominamos de diversidade cultural,
quanto às tradições, aos costumes, à organização familiar, à linguagem, à religião, e à política,
bem como outras características das pessoas que habitam um determinado local. Na visão de
Brant: “Diversidade cultural, portanto, quer dizer que a cultura e suas diversas manifestações
são um recurso imprescindível e perecível, não-renovável, que permite a sobrevivência de um
“ecossistema” (BRANT, 2005, p.84).
Portanto, nosso objetivo é trazer o poder que o meio radiofônico pode ter como
influenciador da cultura local. Nesse contexto, demonstrando seu papel nesse processo da
construção cultural e social ao penetrar no cotidiano do indivíduo, e por estar presente no dia-
a-dia das pessoas, desde sua invenção. Como aponta Napolitano (2008, p.13), no que se refere
à importância do meio rádio: “Até o final dos anos 1950, ele era uma peça obrigatória em quase
todos os lares, dos mais ricos aos mais pobres. Fenômeno de massa desde os anos 1930, base
da expansão da rica cultura musical brasileira [...]”
O termo cultura vem do latim colere, e pode ter sentidos diversos, tais como: habitar,
cultuar, cultivar, cuidar, prosperar. Com a antropologia, no final do século XIX e começo do
século XX, alguns conceitos são trabalhados, entendidos como um conjunto de costumes,
valores, crenças e comportamentos que os seres humanos participam no mundo onde vivem,
como aponta Melo (1975, p.109): “o fenômeno cultural vem sendo tradicionalmente analisado,
numa visão antropológica, como acervo de experiências, acúmulo de iniciativas que o homem
desenvolve no sentido de transformar a natureza e aperfeiçoar a sociedade”.
Nesse sentido, ao estudarmos a cultura temos sempre que pensar nos seres humanos,
como aponta Santos (1994, p.8): “cultura diz respeito à humanidade como um todo e ao mesmo
tempo a cada um dos povos, nações, sociedades e grupos humanos”. Isso significa que a cultura
é um conceito global e vem sendo discutida desde que o contato entre os povos se intensificou
e as tecnologias os aproximou.
Para Edgar Morin (1967): “[...] uma cultura constitui um corpo complexo de normas,
símbolos, mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade, estruturam os instintos,
orientam as emoções” (MORIN, 1967, p.17, apud MELO, 1975, p.109), sendo assim, entender
cultura requer entendimento no que diz respeito às diversas formas de existência: crenças,
valores, costumes, comportamentos, conhecimentos, hábitos.
Complementando a visão de Morin, Santos (1994) diz que: “Cultura é uma preocupação
em entender os muitos caminhos que conduziram os grupos humanos às suas relações presentes
e suas perspectivas de futuro” (SANTOS, 1994, p.7). Partindo dessa ideia, a cultura pode ser
considerada como algo que diz respeito a forma cotidiana de viver, por parte de um grupo
humano através dos tempos. Morin diz que podem existir mais de um tipo de cultura: “uma
“cultura” que define, em relação à natureza, as qualidades propriamente humanas do ser
biológico chamado homem, e, de outro lado, culturas particulares segundo as épocas e as
sociedades” (MORIN, 2011, p.5).
Já Brandão e Duarte (1990) nos fazem pensar na dimensão da cultura sobre os diversos
aspectos que constituem a evolução dos seres humanos:

A cultura surge das relações que os homens travam entre si e com o


meio em que vivem, em busca da própria sobrevivência. É um produto
do trabalho do homem e de tal forma inerente à sua vida, que podemos
afirmar que não existe ser humano sem cultura, bem como que todo ser
humano é produto de sua cultura. Em outras palavras, o homem é
produto e produtor da cultura (BRANDÃO e DUARTE, 1990, p.9).

Partindo deste ponto de vista, a cultura pode ser o resultado da participação do ser
humano em contextos ambientais e sociais, tornando-se a adaptação do homem aos diversos
ambientes em que convive. Pela cultura, o ser humano pode vencer obstáculos, superar
dificuldades e modificar seu habitat.
Assim, a cultura pode estar também associada à educação e sabedoria, como algo
aprendido e adquirido. Por esse ponto de vista, cultura significa o nível educacional,
pertencendo aqueles julgados letrados. Desta forma, o termo cultura pode ser usado para
discriminar os que não tem conhecimento e, todavia, considerados sem cultura, indo de
encontro à ideia de Brandão e Duarte citada acima. Para Santos (1994), cada realidade cultural
tem sua própria racionalidade, e a compreensão dos aspectos racionais é importante na luta
contra o preconceito.
Já de outra perspectiva, a cultura pode ser o conjunto de características comuns do
comportamento, referindo-se à personalidade e à vida social da pessoa, sendo a adaptação desta
em diferentes ambientes pelos quais passa e vive, como aponta Da Matta (1986):

Para nós, “cultura” não é simplesmente um referente que marca uma


hierarquia de “civilização”, mas a maneira de viver total de um grupo,
sociedade, país ou pessoa. Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia,
um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado
grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas (DA
MATTA, 1986, p. 123).

A cultura, entretanto, pode ter aspectos tangíveis e intangíveis, que ajudam a construir
a realidade social dos que a integram, estabelecendo normas e valores. As normas de
comportamento, contudo, são reguladas por regras que permitem diferentes variações dentro da
cultura, permitindo a compressão das diferenças entre os homens e as sociedades, que segundo
Da Matta (1986, p.126): “Essas diferenças seriam resultado das diversas configurações ou
relações que as sociedades estabelecem no decorrer de suas histórias”.
Complementando essa visão, a cultura pode ser vista como os costumes de um
determinado grupo ou localidade, com base nas atividades, hábitos e situações cotidianas dos
indivíduos que fazem parte dos mesmos. A sociedade está em perene interação, em que cada
cultura possui sua maneira de funcionar. Quando a sociedade é entendida em seus contextos,
pode-se evitar a criação de estereótipos e prevenir conflitos.

Todo sistema cultural tem a sua própria lógica e não passa de um ato primário
de etnocentrismo194 tentar transferir a lógica de um sistema para outro.
Infelizmente, a tendência mais comum é de considerar lógico apenas o próprio
sistema e atribuir aos demais um alto grau de irracionalismo (LARAIA, 1986,
p.90).

Mesmo nos dias de hoje, o etnocentrismo ainda não foi vencido. Quando certas questões
tais como identidade, crenças, política, opiniões etc., são discutidas, o etnocentrismo mante-se

194
antrpol visão de mundo característica de quem considera o seu grupo étnico, nação ou nacionalidade
socialmente mais importante do que os demais.
presente com toda sua carga ideológica, permitindo que conflitos e destruições continuem
ocorrendo indiscriminadamente.
Isso nos mostra que, quando o ser humano observa o mundo sob a ótica de sua cultura,
ele está propenso a considerar seu ponto de vista como o correto. Esse tipo de comportamento
pode levar a conflitos sociais, pois membros de um grupo ou sociedade, tendem a tratar
oriundos de outros grupos ou sociedades com diferença. No entanto, é no contato com outras
culturas e na descoberta de novos hábitos que as sociedades tendem a reafirmar ou modificar
sua cultura original, reconstruindo sua identidade permanentemente. O processo cultural, para
Lévi-Strauss (2001), é uma coligação entre as culturas:

Esta coligação consiste em um pôr comum (consciente ou inconsciente,


voluntário ou involuntário, intencional ou acidental, procurado ou obrigado)
das possibilidades que cada cultura encontra no seu desenvolvimento
histórico; finalmente admitimos que esta coligação era tanto mais fecunda
quanto se estabelecia entre culturas mais diversificadas (LÉVI-STRAUS,
2000, p. 91).

Assim, os estudos sobre cultura podem colaborar para o combate e até mesmo para a
eliminação do preconceito, por proporcionar o entendimento dos processos de transformação
pelos quais as sociedades passam, ajudando-nos a refletir nossa realidade social e o construindo
de identidades culturais.
Cultura para Laraia (1986, p.740) é: “uma lente através da qual o homem vê o mundo”.
Para ele (1986, p.82), “nenhum indivíduo é capaz de participar de todos os elementos de sua
cultura”, podendo ele conservar aspectos de sua cultura, bem como absorver outros costumes
culturais, e define cultura como sendo “o modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral
e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim
produtos de uma herança cultural, ou seja, resultado da operação de uma determinada cultura”
(LARAIA,1986, p.68).
Ulmann (1991), retrata a cultura como tendo dois sentidos. Um é que cultura define o
modus vivendi que o ser humano desenvolve em conjunto com a sociedade. Outro mais restrito
é a cultura como modus vivendi global em que um certo grupo participa. Desta maneira, ele
define cultura como sendo “a superação daquilo que é dado pela natureza. Logo, é aquilo que
o homem transforma” (ULMANN, 1991, p.84), e afirma que: “a cultura ao mesmo tempo liberta
e restringe, promove e coíbe, desvencilha e impõe freios” (ULMANN, 1991, p.89). Assim, a
cultura assume um papel transformador, podendo também restringir.
Semelhantemente para Santos (1994), a cultura pode ter dois sentidos, porém diferentes
dos retratados por Ulmann (1991). Para Santos (1994), a cultura tem aspectos da realidade
social, sendo tudo o que caracteriza a existência social de um povo. O outro sentido refere-se
aos conhecimentos, ideias e crenças de um povo, assim como a maneira com que eles existem
na vida social. Santos (1194) ressalta que a cultura não é uma realidade estanque, para ele, “se
a cultura não mudasse, não haveria o que fazer senão aceitar como naturais as suas
características e estariam justificadas, assim, as suas relações de poder” (SANTOS, 1994, p.83).
Podemos identificar em Canclini (2011) as diferentes formas de entender a cultura tendo
como referência o aporte da globalização, que organiza os sistemas culturais, não mais pelo
culto ou massivo. Importante destacar que ele elucida claramente que a cultura já não mais
diferencia classes sociais devido a uma maior circulação de bens simbólicos, ampliando o
processo de hibridização, deste modo, aparecendo novas formas de identidade social.
Fica perceptível que o conceito de cultura é muito difícil de ser definido, e que essa
dificuldade ocorre por falta de definições, mas pelo excesso e pela discrepância em torno da
temática. Entretanto, as ideias e conceitos se interligam formando conexões entre si. Para alguns
autores, o ser humano necessita da cultura para a sua subsistência, outros acreditam que os
recursos culturais podem ser regras que moldam determinados indivíduos e comunidades.
Contudo, analisar estas distintas interpretações de autores sobre a cultura, pode ser relevante a
fim de melhor utilizarmos suas ideias em pesquisas e estudos, e para compreendermos melhor
a nossa sociedade.
O conceito de ”popular“ é muito difícil de definir. Para Hall (2009, p 233), a tradição
popular cria um dos principais locais de impedimento de comandar e “reformar” o povo. Sendo
assim a cultura popular tem sido por muito tempo relacionada às questões da tradição e das
formas tradicionais da vida. Ainda Hall explica que a cultura popular permanentemente foi luta
e resistência, como também, apropriação e expropriação. Define o autor, “no estudo da cultura
popular, devemos sempre começar por aqui com duplo movimento de conter e resistir, que
inevitavelmente se situa no seu interior”. Segundo Hall:

(...) o essencial em uma definição de cultura popular são as relações que


colocam a ‘cultura popular’ em uma tensão contínua com a cultura
dominante. Trata-se de uma definição de cultura que se polariza em
torno dessa dialética cultural. Considera o domínio das formas e
atividades culturais como um campo variável. Observa o processo pelo
qual as relações de domínio e subordinação são articuladas. Trata-se de
um processo pelo qual algumas coisas são ativamente preferidas para
que as outras possam ser destronadas. (STURT HALL, 2009, p. 241)
No caso da contradição e das práticas contra hegemônicas na cultura popular, Hall
influenciado pelos estudos de Gramsci, destaca:

A cultura popular é um dos locais onde a luta a favor ou contra a cultura


dos poderosos é engajada; é também o prêmio a ser conquistado ou
perdido nessa luta. É a arena do consentimento e da resistência. Não é
a esfera onde o socialismo ou uma cultura socialista – já é formada –
pode simplesmente ser “expressa”. Mas é um dos locais onde o
socialismo pode ser constituído. É por isso que a cultura popular
importa. (STURT HALL, 2009, p. 246)

Ainda sobre o debate da cultura popular, podemos identificar segundo Edson Farias
(1997, p122), que existe uma frente de contradições acerca do universo da esfera cultural, com
destaque na diversidade sociosimbólica. O autor argumenta numa mudança da cultura popular,
entre “resistência” e a “manipulação”, pois com o surgimento da sociedade de massa
assimétricas e heterogêneas, os processos se tornam relativizados.

(...) os elementos de circulação e fluxos informativos-comunicacionais


redefinem na base a categoria mesma de cultura popular, fazendo-a
interagir num contexto espesso dos relacionamentos sociais
globalizados e transculturais. Isso não significa a eliminação dos
arranjos populares-nacionais, mesmo porque os Estados-Nações
constituem ainda agentes decisivos na cena mundial. Conquanto
percebe-se que as transformações no conceito, dão margem a introduzir
no debate outras armadilhas identitárias não redutíveis à matriz
romântica que circunscreve a cultura popular no lugar pátrio originário,
e tampouco aos níveis distintamente estanques de organização de
cultura, mas desloca-se cada vez mais para as apropriações e aos usos e
às modalidades de hibridismo que tomam contornos (EDSON FARIAS,
1997, P. 40)

Sendo assim, existe uma complexidade que qualifica os fundamentos da cultura popular
na contemporaneidade, principalmente pelo que define hibridismo, como sociedades fluidas.
Neste contexto podemos citar Nestor García Canclini (2011, p. 206), quando ele destaca a
importância da desconstrução do popular:
A bibliografia sobre cultura costuma supor que existe um interesse intrínseco dos
setores hegemônicos em promover a modernidade e um destino fatídico dos populares que os
arraiga às tradições. Os modernizadores extraem dessa oposição a moral de que seu interesse
pelos avanços, pelas promessas da história, justifica sua posição hegemônica, enquanto o atraso
das classes populares as condena à subalternidade. Se a cultura popular se moderniza, como de
fato ocorre, isso é para os grupos hegemônicos uma confirmação de que seu tradicionalismo
não tem saída; para os defensores das causas populares torna-se outra evidência da forma com
a dominação os impede de ser eles mesmos. (NESTOR GARCÍA CANCLINI, 2011, p. 206).
A proposta, segundo Canclini, passa por uma mudança bem aprofundada do conceito
da cultura popular. Neste sentido, o que podemos chamar de comunicação massiva, segundo os
folcloristas pode prejudicar as tradições populares. A mídia quando trabalha com às tradições
populares, assume um papel de concorrente do folclore, pois o popular é definido pela mídia
como lógica do mercado, se integrando aquilo que podemos definir como indústria cultural. O
popular é desta forma o que vende, que agrada multidões e não o que é produzido pelo povo.
Pesquisas recentes que discutem a questão da cultura popular, colocam em relevância
novos modelos para pensar as tradições e suas transformações. Para Canclini (2011, p 239), o
termo tradição não provoca, uma recusa à mudança, do mesmo modo que a modernização não
exige a extinção das tradições, desta forma os grupos tradicionais não têm como destino ficar
de fora da modernidade.
Para finalizar, Canclini ainda destaca que a importância do conceito do popular se dá
principalmente pela reconstrução de um trabalho que possa integrar várias especialidades.

Talvez a coisa mais alentadora que esteja ocorrendo com o popular é


que alguns folcloristas não se preocupem só em resgatá-lo, os
comunicólogos em difundi-lo e os políticos em defende-lo, que cada
especialista não escreve só para seus iguais nem para determinar o que
o povo é, mas antes para perguntar-nos, junto aos movimentos sociais,
como reconstruí-lo. (NESTOR GARCÍA CANCLINI, 2011, p.281)

Então, segundo o campo de pesquisa e linha de investigação da realidade, o popular vai


tendo seus aspectos construídos também na América Latina. Contudo ele vai além de um
questionamento de compreensão, mas sim na concepção e construção da colocação dos
argumentos políticos por trás daquilo que se ajustou a denominar “cultura popular”.

(...) o popular não pode ser definido com a nitidez pretendida pelas
análises socioeconômicas de classe. Os componentes culturais híbridos
presentes nas interações de classe impõem o reconhecimento do
conflito e da importância da negociação (...) A negociação está instalada
na subjetividade coletiva, na cultura cotidiana e política mais
inconsciente. Seu caráter híbrido, que na América Latina vem da
história de mestiçagens e sincretismos se acentuam nas sociedades
contemporâneas pelas complexas interações entre o tradicional e
moderno, o popular e o culto, o subalterno e o hegemônico. (NESTOR
GARCÍA CANCLINI, 1995, p.238)

As culturas híbridas consideradas por Canclini como resultado das misturas


interculturais contribuem para assimilação dos vínculos de poder presentes nas interações
ligado às culturas populares. Importante destacar que a cultura popular possui no seu cerne a
prática da tradição reelaborada por meio de especificidade dinâmica, assim apresentada como
as consequências de contágio, que podem ser: mídia, escolarização, mercado, e entre outros, o
que podemos chamar de caráter híbrido. Sendo assim, o processo de construção de definição de
cultura popular requer um maior aprofundamento e compreensão a respeito do tema pois ele é
muito mais amplo, e continua sempre aberto para novas análises no seu campo de estudo.
Mesmo havendo outros agentes transmissores de cultura, é incontestável o papel que os
meios exercem sobre os indivíduos. Breton (1994, p.123) sugere que os meios de comunicação
“passaram a ser o único lugar onde estão as informações que hão de permitir descodificar os
diferentes universos em que evoluímos”, mostrando que os meios de comunicação são
orientadores dos indivíduos na sociedade, possibilitando a eles, saber o que acontece no mundo,
conhecer culturas diferentes e ver o que existe dentro e fora de uma sociedade, e contribuindo:
“para o alargamento da nossa experiência do mundo muito para além do espaço delimitado
pelas fronteiras territoriais que nos rodeiam” (RODRIGUES, 1999, p.23).
A cultura compartilhada pelos habitantes de uma determinada localidade, pode sofrer
significativa influência dos processos hegemônicos dos meios de comunicação. A vida dessas
pessoas tem sido alterada ao longo do tempo, pelas mudanças culturais provenientes de outras
culturas que passam pela ação dos meios de comunicação de massa.
Desde a sua inauguração oficial no Brasil, em 1922, o meio radiofônico e a cultura
caminham lado a lado, especialmente em se tratando da construção da identidade nacional
brasileira. O veículo sempre esteve envolvido nas diversas manifestações culturais de nosso
país, através debates referentes à informação, música, política, religião e esporte. De acordo
com Melo (1975, p.233), “o Rádio é, dentre os canais de comunicação coletiva, em nosso país,
o que oferece mensagens culturais (informativas, educativas ou de lazer) com menor dispêndio
econômico para o receptor”.
A possibilidade de poder levar o rádio a qualquer lugar, e a redução de custos que
gradativamente aconteceu ao longo do tempo, possibilitaram com que se tornasse o meio mais
popular. Até os dias de hoje, o rádio continua tendo papel de destaque no que se refere à rapidez
e objetividade, e também podendo ser um poderoso formador de opinião, por proporcionar
entretenimento e informação aos ouvintes de maneira íntima e informal. Características que
tornam o rádio em um aliado da população e consequentemente um agente no processo cultural.

.
4. RESULTADOS

A nossa pesquisa trabalhou numa compreensão das grades de programação das rádios
utilizando a técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 2011). Para esta metodologia, Bardin
(2011) utiliza três fases de análise: pré-análise, exploração do material e interpretação dos
resultados.
Nesta primeira fase, desenvolveremos um modelo que coloquem as ideias iniciais, nesta
etapa é importante a leitura geral do material eleito para análise. O material deverá ser
investigado e daí usaremos uma sistematização para conduzir a análise. Nesta fase temos, a
leitura flutuante, que é o primeiro contato com os documentos, no nosso caso as grades de
programações, depois a escolha de documentos, definição do corpus, e, depois, a formulação
das hipóteses e objetivos, com a leitura inicial dos dados, e o quarto e último, a elaboração dos
indicadores, que seria a interpretação dos materiais.
Esta escolha dos dados a serem analisados, deve ser seguido as seguintes regras:
Exaustividade: refere-se a diferença de todos os componentes constitutivos da pesquisa.
Bardin (1977) coloca esta regra que não podemos acabar com qualquer um dos seus elementos;
Representatividade: no caso da seleção um número muito maior de dados, importante a
amostragem fazer parte de uma boa representatividade do universo da amostragem (BARDIN,
2011);
Homogeneidade: os documentos usados devem ser homogêneos, obedecendo critérios
certos de escolha e não passar demais particularidade fora dos critérios;
Pertinência: investigar se a fonte documental corresponde devidamente ao objetivo
permitido pela análise (BARDIN, 1977), isto é, tem que está relacionado com o que se
apresentam na pesquisa.
Ainda nesta primeira fase é importante destacar e priorizar as três outras fases que em
síntese são: escolha dos documentos a serem analisados, criação das hipóteses e dos objetivos,
além da elaboração de indicadores que fundamentem a análise final. Sendo assim, escolhemos
as grades de programação das quatro rádios pesquisadas: rádio clube de Araçatuba, rádio
Guarujá do litoral paulista, rádio Piratininga do Vale do Paraíba e Rádio Capital em São Paulo,
com a finalidade de classificar e interpretar os formatos e suas características essenciais na
programação das rádios.
Definimos dentro do conceito sete categorias, tendo como ênfase as grades levantadas
nas emissoras de segunda à sexta, pois é o nosso recorte de sustentação da pesquisa, visto que
existe uma audiência maior nas emissoras durante a semana. Importante destacar que estes
pontos foram levantados através da análise teórica da nossa pesquisa sobre a cultura popular: 1
– categoria de programas religiosos, 2 – categoria de programas musicais, 3 – categoria de
programas esportivos, 4 – categoria de programas jornalísticos, 5 – categoria de programas de
entretenimento, 6 – categoria de programas de debates, e 7 – categoria de programas de
populares.
Na categoria de programas religiosos195, observa-se a presença do que poderíamos
chamar de evangelização ou propagação da difusão da mensagem cristã pelo veículo popular,
poderíamos até caracterizar como o prolongamento do púlpito, pois as igrejas saem dos seus
templos para construir através da comunicação midiática a mensagem de fé. Segundo Helena
Corazza, Jornalista e doutora em Comunicação, autora do livro Comunicação e Relações de
gênero em práticas radiofônicas:
É importante ter presente o contexto mundial, a globalização e, ao mesmo
tempo, as necessidades locais para inserir-nos na cultura. É preciso ter em
conta que, vivemos num momento de pluralidade, de emergência de
subjetividades e de novas formas de expressar a fé. A sintonia com o global
em termos de mundo e de Brasil enriquece a programação local. É ali que a
comunidade precisar sentir-se na sua emissora, naquela emissora que está
preocupada em dar-lhe o melhor em termos de informação, cultura,
entretenimento. É a emissora amiga, que fala com as pessoas, por isso, elas
têm orgulho de tê-la em sua companhia! Os ouvintes precisam se ver no rádio,
precisa falar e a emissora, ser a voz da comunidade
(https://paulinascursos.com/missao-das-radios-catolicas/), em 25/04/2020, às
12h30.

195
Significado segundo o dicionário: “que se refere a religião”, disponível em https://www.dicio.com.br/religioso/
. Acesso em 12 de mai. 2020. Religião significado segundo o dicionário: “crença de que existem forças superiores
(sobrenaturais), sendo estas responsáveis pela criação do universo; crença de que essas forças sobrenaturais regem
o destino do ser humano e, por isso, devem ser respeitadas”, disponível em https://www.dicio.com.br/religiao/.
Acesso em 12 mai. 2020.
Para a categoria de programas musicais196, verifica-se certa aproximação com o
universo nacional e regional, sendo representada por diversos gêneros de músicas, importante
destacar nas grades de programação uma grande quantidade de veiculação de canções sertanejas
por ter como característica o universo popular.
Na categoria de programas esportivos197, abrange no que se refere-se a notícias
principalmente sobre o futebol local, do estado e do país. As mesas de redondas sobre o futebol
são os grandes legados para construção da relação ouvinte e programação, tirada como
fenômeno de audiência, o olhar do esporte, principalmente o futebol traz uma referência global.
De acordo com Crepaldi (2009) “Dentro da perspectiva acerca de cultura popular, no caso
brasileiro, o futebol se enquadra no âmbito da cultura de massa, já que foi absorvido por
diversos estratos sociais”.
O Brasil é conhecido como país do futebol, levando grandes públicos aos estádios e a
buscar informação sobre o assunto. Crepaldi (2009), ainda acrescenta:

O futebol no Brasil vai muito além de uma simples atividade esportiva capaz
de enriquecer cidadãos desprovidos de renda, ele está presente na vida dos
indivíduos desde seu nascimento. Ao mesmo tempo em que meninas
aprendem a brincar com bonecas e a se maquiar, milhões de meninos
brasileiros recebem como presentes em suas infâ ncias, além de carrinhos,
bolas de futebol e camisas dos clubes para os quais pessoas próximas torcem
e insistem em que o pequeno indivíduo também o faça. (CREPALDI, 2009,
p.41.)

Diante de todos estes fatores apresentados a programação esportiva nas rádios possuem
grande valor e importância. De um modo geral trabalham com dificuldade e esforço,
colaborando a difundir e levar os nomes dos clubes para o ouvinte neste esporte de grande apelo
popular.

196
Significado segundo o dicionário: “que pertence a música”, disponível em https://www.dicio.com.br/musical/.
Acesso em 12 de mai. 2020. Música significado segundo o dicionário: “combinação harmoniosa de sons ou
combinação de sons para os tornar harmoniosos e expressivos. Execução de uma composição musical, por diversos
meios. Ação de se expressar através de sons, pautando-se em normas que variam de acordo com a cultura,
sociedade etc. Ato de entender ou de interpretar uma produção musical”, disponível em
https://www.dicio.com.br/musica/. Acesso em 12 de mai. 2020.
197
Significado segundo o dicionário: “relativo ao esporte; desportivo: prova esportiva”, disponível em
https://www.dicio.com.br/esportivo/. Acesso em 12 de mai. 2020. Esporte significado segundo o dicionário:
“conjunto de exercícios físicos que se apresentam sob a forma de jogos individuais ou coletivos, cuja prática
obedece a certas regras precisas e sem fim utilitário imediato; desporto: o esporte aperfeiçoa as qualidades físicas
do homem”, disponível em https://www.dicio.com.br/esporte/. Acesso em 12 de mai. 2020.
No caso da categoria de programas jornalísticos198, principalmente aqueles que tem
como base na informação e na notícia, percebemos uma agenda bastante diversificada que vão
desde a notícias locais, do estado, do país, no âmbito econômico, político, social e cultural, mas
também vale salientar a prestação de serviços e de utilidade pública. O Jornalismo no rádio
transforma o ouvinte em agentes de cidadania, realizam um serviço social.
No dia a dia do jornalismo na rádio, o ouvinte ajuda a construir o roteiro do programa,
pois eles telefonam e denunciam a negligência na prestação de serviços da sua comunidade, e
trazem o olhar cidadão quando eles pautam qualquer situação na cidade onde vivem e telefonam
às rádios para que os problemas sejam resolvidos.
A categoria de programas de entretenimento199refere-se a um conteúdo diferenciado,
proporcionando um momento de lazer e descontração. Existe um maior envolvimento com os
mais variados públicos, podendo tornar este público fidelizado ao programa. Segundo André
Barbosa Filho (2003, p.114.), “o entretenimento é a própria essência da linguagem radiofônica,
cuja contribuição vai do real à ficção”.
Na nossa pesquisa, as rádios trabalham com diversos formatos, proporcionando um
conhecimento cultural, e dentro da sua região algo que possam contribuir com uma feição mais
popular.
Os formatos de entretenimento possuem características e possibilidades
peculiares, entre as quais destacamos: a de ter a capacidade de se combinar
com outros formatos de outros gêneros e de servir de ferramenta para a
informação, o anúncio, a prestação de serviços, para a educação e, até mesmo,
para o entretenimento (FILHO,2003, p.115).

A categoria dos programas de debate200refere-se a uma discussão com interlocutores


que defendem ponto de vista diferentes. Neste formato às rádios promovem uma grande
participação do ouvinte.

198
Significado segundo o dicionário: “é o plural de jornalístico. Relativo a jornal: estilo jornalístico”, disponível
em: https://www.dicio.com.br/jornalísticos. Acesso em 12 de mai. 2020.
199
Significado segundo o dicionário: “Divertimento; o que diverte e distrai; o que é feito como diversão ou para
se entreter: canal de entretenimento; local de entretenimento. Ação ou efeito de entreter; ato de se divertir, de se
distrair.”, disponível em: https://www.dicio.com.br/entretenimento. Acesso em 12 de mai. 2020
200
Significado segundo o dicionário: “Ação de discutir uma questão; discussão, polêmica: tomar parte num debate.
Discussão em que se apresenta os prós e contras de alguma coisa. Análise sobre um tema, assunto, proposta ou
problema, que se realiza geralmente em grupo ou em conjunto: debate sobre o racismo nas escolas. Defesa de uma
ideologia, causa; discussão acalorada; contenda ou altercação”, disponível em: https://www.dicio.com.br/debate.
Acesso em 12 de mai. 2020.
Finalmente, na categoria dos programas de populares201, definimos todos os formatos
que tivessem uma proposta regional, local, principalmente aqueles produzidos na própria
emissora e que tivessem este universo da cultura popular como elemento fundamental.
Na fase posterior, denominada exploração do material, os elementos foram reunidos,
com apoio nas indicações definidas na etapa anterior. De acordo com Bardin (2011, p. 127),
“esta fase, (...), consiste essencialmente em operações de codificação, decomposição ou
enumeração, em função de regras previamente formuladas”. Sendo assim, colocamos numa
tabela todos os programas da grade de programação das rádios. Na terceira fase, os resultados
obtidos foram interpretados e comparados com elementos que podemos contextualizar a cultura
popular.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, pudemos perceber o quanto o rádio ainda hoje, mesmo com todas as novas
tecnologias, vem contribuindo de forma direta e indireta para o processo de disseminação da
cultura popular, seja no âmbito local, regional e nacional. A radiodifusão no Brasil é um
instrumento de grande importância no processo de inclusão social e também na formação dos
cidadãos, além de se destacar como um meio de comunicação de massa de fácil acesso.
O Rádio, além de direcionar diversos conteúdos, alcança as diferentes classes sociais,
do pobre ao rico, do profissional ao analfabeto. Ele é a companhia de todos. Estas diversas
características mostram o valor e sua grande relevância para a sociedade.
No nosso trabalho tivemos a possibilidade de trabalhar com o tema rádio como
mediador da cultura popular dentro do estado de São Paulo, analisando neste prospecto quatro
emissoras, a Rádio Capital, Rádio Piratininga, Rádio Guarujá e a Rádio Clube. O caminho foi
árduo pela forma como trabalhamos o estudo, pois percorremos os quatro pontos do estado, no
interior, no litoral, no Vale do Paraíba e depois na capital paulista, em busca de informações.

201
Significado segundo o dicionário: “Populares é o plural de popular. O mesmo que: transeuntes, vulgares,
anônimos, conhecidos, democráticos, notórios. Que...”, disponível em:
https://www.dicio.com.br/pesquisa.php?q=populares. Acesso em 18 de mai. 2020. Significado da palavra popular
segundo o dicionário do termo popular: “Que pertence ao povo; que concerne ao povo. Que recebe aprovação de
povo; que tem a simpatia da maioria. Muito conhecido; notório: cantor popular”, disponível em:
https://www.dicio.com.br/popular/. Acesso em 18 de mai. 2020
No primeiro momento até pensamos em reduzir a pesquisa, mas como estudioso do
rádio gostaria de ter esta dimensão de um recorte maior pelo significado que é este estudo, mas
também pela importância do estado de São Paulo na história do Rádio no nosso país.
Vale ressaltar a fundamental importância do meu orientador professor Antonio Adami,
neste critério de escolha, pela sua contribuição na pesquisa sobre a história das rádios paulistas.
Fizemos um estudo teórico com alguns pensadores que trazem conceitos sobre cultura, cultura
popular, mediações, diversidade cultural no aspecto geral e também o que é discutido no veículo
rádio dentro da cultura popular. Trabalhamos com Nestor Garcia Canclini (2011), Stuart Hall
(2005), Jesus Martín Barbero (2013), Antonio Adami (2014), entre outros.
Foi importante fomentar dentro do contexto teórico a nossa linha de condução do estudo,
principalmente quando estudamos Canclini (2011), pela referência ao conceito de Hibridização,
quando ele determina as várias intersecções da cultura para compreender o diálogo entre cultura
erudita, cultura popular e cultura de massa. Além dos seus estudos ele destaca que o consumo
é um dos principais traços da cultura contemporânea, e essa sua definição é uma forma de
entender a realidade cultural de cada região.
Ainda trabalhamos com Stuart Hall (2005) e o aprofundamento de entendimentos sobre
o campo da identidade cultural e as culturas nacionais como comunidades imaginadas, e
também as nações modernas como verdadeiros "híbridos culturais", daí o papel importante dos
meios de comunicação, principalmente o rádio como mediador da cultura.
Fomos estudar as programações das emissoras, de segunda à sexta, utilizando análise
de conteúdo no processo desenvolvido por Bardin (2011). Para fazermos a nossa análise foi
necessário dividirmos em sete categorias, neste caso separamos estas categorias por programas:
entretenimentos, religiosos, jornalísticos, debates, esportivos, musicais, e depois uma categoria
de programas populares que identificamos dentre todas os formatos das programações das
rádios pesquisadas.
Foi fundamental no decorrer deste estudo percebermos elementos com características
do popular no contexto regional e local dentro das quatro emissoras pesquisadas. Ainda fizemos
uma análise mais aprofundada com gráficos que mostraram que todas estas emissoras destinam
mais de 50% de sua programação para programas populares.
Importante salientar que dentro do nosso estudo fizemos uma avaliação mais
aprofundada sobre o aspecto da cultura popular e daí nos deparamos com o fenômeno que
evidência os conceitos já trazidos por Hall (2005), quando ele destaca a construção das culturas
hibridas, Canclini (2011), sobre o conceito de hibridização, e ainda o Barbero (2013), quando
ele fala sobre as mediações quanto compreensão da cultura. Daí concluímos que mesmo numa
dinâmica local e regional, há uma compreensão ainda mais aberta para definirmos a construção
da cultura popular nestas emissoras de rádio. A partir desta análise, é importante trazer o caráter
popular como condição de existência e de reafirmação das tradições da cultura de um povo,
determinando sua originalidade e essência, mas sem deixar de lado o contexto da hibridização.
Desde o seu início, o rádio no Brasil foi um meio de comunicação presente na sociedade,
pela sua importância ativa no desenvolvimento cultural e social do país. Portanto, trazer à tona
uma pesquisa desta relevância fomenta no meio acadêmico a importância de exploração dos
estudos no rádio no Brasil.
Por fim, é possível concluir que este trabalho contribui nos estudos do rádio como
mediador da cultura popular, mas também como forma de desenvolver uma análise ainda mais
esclarecedora sobre o papel do rádio em meio a tantas mudanças. Acreditamos, porém, que este
tema não termine para outras análises, e que podem surgir outras pesquisas com objetivo de
fortalecer a compreensão do meio rádio como mediador da cultura. O rádio é sim uma
instituição social, pois são várias práticas que alicerçam as tradições entre as formas com foi
construída dentro do cenário com outras tecnologias, agentes econômicos, atores políticos e
sociedade.
Para entendermos a multiplicidade do veículo rádio, precisamos rastrear as diferentes
conexões que se fazem sob a prática radiofônica. É importante descobrir se estas conexões feitas
em outros momentos da história continuam ativas, principalmente como mediadoras da cultura,
mesmo neste momento de novas convergências. Mesmo assim, com todas estas mudanças que
estão ocorrendo no contexto do rádio, não podemos apagar o seu passado.
Ao concluir estas linhas finais, tentamos dar um encerramento para quatro anos de
estudo. Se encerra um ciclo de investigação sobre o rádio que iniciei no mestrado em 2004,
com a dissertação sobre o Rádio Educativo: um estudo de caso nas escolas municipais na cidade
de São Paulo – Educom.Rádio, que foi defendida em 2006. Desde aquele primeiro trabalho, já
com orientação do prof. Antônio Adami, direcionei meu olhar para o rádio. Nesses mais de 15
anos pude acompanhar grandes transformações no cenário do rádio no Brasil e no mundo.
Ainda assim, esta pesquisa não esgota todos os pontos que eu gostaria de ter trabalhado,
pelo universo que é o Rádio e pelo tempo que não foi suficiente para traçar uma investigação
mais ampla do panorama das emissoras dentro do estado de São Paulo. Colocar mais pontos de
análise necessitaria tempo e recursos que não estavam disponíveis.
É possível concluir que este trabalho contribui nos estudos do rádio como mediador da
cultura popular, mas também como forma de desenvolver uma análise ainda mais esclarecedora
sobre o papel do rádio até hoje como um grande veículo de comunicação. Acreditamos ter
alcançado, com o nosso trabalho, a concretização de um esforço que servirá de ponto de partida
para futuras análises.

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DADOS SOBRE ORGANIZADORES E
AUTORES
Organizadores:
Arthur Raposo Gomes – Mestre e doutorando em Comunicação pela Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF, 2022), é jornalista pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ,
2019) e publicitário pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (atualmente UniAcademia,
2017). Tem pós-graduação em Influência Digital pela Faculdade Futura (2021) e em
Comunicação Corporativa, Planejamento e Gestão pela Universidade Cândido Mendes
(UCAM, 2019). Atualmente, é assessor de comunicação da vereadora de São João del-Rei,
Lívia Guimarães e dirigente de Comunicação da Federação Universitária Mineira de Esportes
(FUME). E-mail: arthurraposogomes@gmail.com

Carla Montuori Fernandes – Doutora em Ciências Sociais pela Pontifica Universidade


Católica de São Paulo (PUC-SP), mestra em Comunicação Social pelo Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade Paulista (UNIP), graduada
em Ciências Sociais pela Universidade do Estado de São Paulo (UNICIT) e graduada em
Processamento de Dados pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie. Atualmente, é Professor
Titular do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura das Mídias da Universidade
Paulista (UNIP). E-mail: carla.montuori@docente.unip.br

Luiz Ademir de Oliveira – Professor e pesquisador do Departamento de Comunicação Social


e do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFSJ, bem como do Programa de Pós-
Graduação em Comunicação da UFJF. Doutor e mestre em Ciência Política pelo Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), também tem mestrado em Comunicação
Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Está cursando pós-doutoramento
no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade Paulista
(UNIP), sob a supervisão da professora Dra. Carla Montuori Fernandes, tendo iniciado as
pesquisas em setembro de 2022. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2. E-
mail: luizoli@ufsj.edu.br

Marina Alvarenga Botelho - Doutoranda em Comunicação pelo PPGCOM/UNIP, bolsista


CAPES. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). Graduanda em
Letras pela UFLA e graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de
Fora. E-mail: inabotelho@gmail.com

Willian José de Carvalho - Doutorando em Comunicação no Programa de Pós-graduação em


Comunicação (PPGCOM) da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de
Fora, sob orientação do Prof. Dr. Paulo Roberto Figueira Leal. Mestre em Comunicação pela
mesma instituição. Foi bolsista FAPEMIG na modalidade PAPG - COMUNICAÇÃO
(MESTRADO), sob a coordenação do Prof. Dr. Luiz Ademir de Oliveira. Graduado em
Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ - 2013
a 2017). E-mail: wjcjornalismo@gmail.com
Autores:
Adrianne de Paula Fonseca - Advogada e bacharel em Direito (UNILAVRAS). Mestranda
em Comunicação (UNIP). E-mail: adriannedir@gmail.com

Alexandre Augusto da Costa – Jornalista pela Universidade Presidente Antônio Carlos –


Unipac Lafaiete. Mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF). Doutorando em História pela UFJF na linha de pesquisa “Narrativas, Imagens e
Sociabilidades”. Docente do curso de Publicidade e Propaganda da Unipac Barbacena. E-mail:
alexandrecosta@unipac.br

Alice Marina Lira Lima - Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da


Universidade Federal do Paraná (PPGCOM UFPR) e graduada em Comunicação Social
(Jornalismo) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail:
alice.lima1@hotmail.com

Ana Gabriela Oliveira - Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade


Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: ana.gbriela070@gmail.com

Ana Lígia Barbosa Chaves - Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: analigiaestudos@gmail.com

Ana Luiza Chitarra de Faria - Graduanda no curso de Publicidade e Propaganda pelo Centro
Universitário Presidente Antônio Carlos (Unipac Barbacena-MG), Graduada em Letras -
Licenciatura Dupla pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).
E-mail: 212-001388@aluno.unipac.br

Ana Luíza Hansen Xavier – Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo e Bolsista da


FAPEMIG, no Programa de Bolsa de Iniciação Científica (PIBIC/UFSJ), sob orientação do
professor Dr. Cristiano Otaviano da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).
E-mail: analuhansenxavier@gmail.com

Ana Luíza Vieira Morais – Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: analuizavieirast@gmail.com

André Fellipe da Silva - Estudante de Graduação 8º semestre do Curso de Publicidade e


Propaganda da UNIPAC. E-mail: andrefellipehq@gmail.com

Anna Júlia Braga - Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade


Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: annajbsousa@gmail.com
Antônio Adami - Doutor em Semiótica pela FFLCH/USP (Bolsa CNPq); Pós-Doc em
Comunicação pela Universidad Complutense de Madrid (Bolsa Fapesp); Pós-Doc em
Comunicação pela PUCSP, com estágio na Espanha, na Universidad Autònoma de Barcelona
(Bolsa Fapesp). Pesquisador do Programa em Comunicação da Universidade Paulista e
pesquisador convidado da Faculdad de Ciências de la Información de la Universidad
Complutense de Madrid. Integra os Grupos de Pesquisa Mídia, Cultura e Memória (Brasil) e
Análisis de la divulgación cultural y científica em los médios de comunicación social
(Espanha). E-mail: antonioadami@uol.com.br

Arthur César do Vale Dias - Graduando em Comunicação Social – Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) E-mail: arthurvale777@aluno.ufsj.edu.br

Arthur Raposo Gomes - Mestre e doutorando em Comunicação pela UFJF, é jornalista e


publicitário, tendo especialização em Influência Digital e MBA em Comunicação Corporativa,
Planejamento e Gestão. E-mail: arthurraposogomes@gmail.com

Beatriz D’Almeida Casaro – Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Bolsista de Iniciação Científica pelo
Programa de Bolsa de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq/UFSJ), sob a orientação do professor
Luiz Ademir de Oliveira. E-mail: casaro.bea@gmail.com

Bianca Fabiana de Miranda - Estudante de Graduação 7º semestre do Curso de Publicidade


e Propaganda da UNIPAC. E-mail: biancafmiranda15@gmail.com

Bianca Guedes Martins de Moura - Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: biancagmartinsm@gmail.com

Caio Ferreira da Silva – Jornalista, mestrando em Comunicação pela Universidade Federal


de Juiz de Fora (UFJF), e integrante do grupo de pesquisa Núcleo de Jornalismo e Audiovisual
da Faculdade de Comunicação da UFJF. caioffss84@gmail.com

Carla Montuori Fernandes – Doutora em Ciências Sociais pela Pontifica Universidade


Católica de São Paulo (PUC-SP), mestra em Comunicação Social pelo Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade Paulista (UNIP), graduada
em Ciências Sociais pela Universidade do Estado de São Paulo (UNICIT) e graduada em
Processamento de Dados pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie. Atualmente, é Professor
Titular do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura das Mídias da Universidade
Paulista (UNIP). E-mail: carla.montuori@docente.unip.br

Caroline Santos Teixeira - Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) E-mail: carolst2708@gmail.com
Cecília Rodrigues Mendonça Martins (UFSJ) - Graduanda em Comunicação Social –
Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail:
ceciliarodmm@gmail.com

Cristiano Otaviano - Mestre e Doutor em Estudos Literários pelo Programa de Pós-Graduação


em Estudos Literários da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), é professor e
coordenador do Curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal de São
João del-Rei – UFSJ. E-mail: cristianojornalismo@ufsj.edu.br

Deborah Luísa Vieira dos Santos - Professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e
Propaganda da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE). Doutoranda e Mestra em
Comunicação e Sociedade, pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). E-mail:
deborah.santos@univale.br

Eduardo Expedito Viana - Graduando em Comunicação Social – Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Técnico em Mecânica Industrial (IFSP). E-
mail: eduardoexpedito6c@gmail.com

Elvis Wanderley dos Santos - Jornalista e Sociólogo, possui graduação em Comunicação


Social - Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco (1998), graduação em Ciências
Sociais pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (1997), licenciatura em Geografia
pelo Centro Universitário Claretiano, mestrado em Comunicação pela Universidade Paulista
(2006) e doutorado em Comunicação também pela Universidade Paulista (2020). É professor
titular do curso de Jornalismo da Universidade Paulista (Unip) desde 2005 e coordena o curso
de Jornalismo nos campi Chácara Santo Antônio e Marquês de São Vicente. E-mail:
elvis.santos@docente.unip.br

Ester Beatriz Lidovino Araújo - Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: esterlidovino8@gmail.com

Fabíola Guimarães Monteiro Lêdo Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em


Comunicação da Universidade Paulista (Bolsa CAPES); Mestre pelo Programa de Pós-
graduação em Educação e Desenvolvimento Humano da Universidade de Taubaté; Pós-
graduação em Marketing com Ênfase em Áreas de Competências Gerenciais exigidas pelo
Mercado, ITA / ESPM; Pós-graduação em Administração de Marketing e Comércio Exterior,
INPG; Extensão Universitária em Defesa Nacional, INPG - IINP_PPROV, Brasil; Graduação
em Publicidade e Propaganda. E-mail: fabiolaledo72@gmail.com

Fernando Albino Leme - Mestre e Doutor em Comunicação Social pelo Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade Paulista (UNIP). E-mail:
fernandoalbinoleme@gmail.com

Francielle Antunes Lima - Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: ciellelima05@gmail.com
Gabriela Clara Gomes – Graduanda em Comunicação Social - Jornalismo na UFSJ. E-mail:
biclago@gmail.com

Glenda Hastenreiter Corteleti - Graduanda em Publicidade e Propaganda na Universidade


Vale do Rio Doce. E-mail: glenda.corteleti@univale.br.

Hugo Michel de Melo Pinto - Estudante de Graduação 8º semestre do Curso de Publicidade


e Propaganda da UNIPAC. E-mail: hugomichel15@gmail.com

Isabella Coelho Mol Santos – Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo da


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: coelhoi640@gmail.com

Isabella Mudesto Dias Costa – Mestranda em Comunicação e Sociedade pelo Programa de


Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF), graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela UFJF. Atualmente, atua como
assessora de comunicação na Funalfa, vinculada à Prefeitura de Juiz de Fora. E-mail:
dias.isabella@estudante.ufjf.br

Iuri Fontora Almeida – Graduado em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade


Federal de São João del-Rei (UFSJ), atualmente atua como Assessor de Comunicação da
Prefeitura Municipal de Barbacena. E-mail: iurifontoura@yahoo.com.br

Jhonatan Mata - Doutor em Comunicação pela Ecopós-Universidade Federal do Rio de


Janeiro (UFRJ) /Blanquerna School Barcelona. Professor Permanente no Programa de Pós-
Graduação em Comunicação- PPGCom-UFJF. Jornalista-Mestre em Comunicação- TAE-
Universidade Federal de Juiz de Fora. Coordenador dos Projetos "Música para olhos e ouvidos"
(UFJF) e Amadores, profissionais e seus amálgamas: leituras, feitios e circulações do/no
audiovisual contemporâneo (UFJF). Vice-Coordenador do NJA-Núcleo de Jornalismo e
Audiovisual (UFJF), jhonatanmata@yahoo.com.br

João Gabriel Andrade Ribeiro – Graduado em Comunicação Social – Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: andrade.ribeirojg@gmail.com

Jordana Nery Figueiredo – Graduanda em Comunicação Social - Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei. E-mail: jordana.nery@gmail.com

Jorge Miklos – Doutor em Comunicação e Semiótica (PUC/SP). Professor Titular do


Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Paulista. E-mail:
jorgemiklos@gmail.com

Júlia Alice Resende - Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade


Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: julialiceresende@gmail.com
Júlia Braga – Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de
São João del-Rei (UFSJ). E-mail: juliapbraga13@gmail.com

Julia Meneguelli Franco - Graduanda em Jornalismo pela Universidade Vale do Rio Doce
(UNIVALE). Membro do Grupo de Estudos em Comunicação “Antena”, da UNIVALE. E-
mail: julia.franco@univale.br

Juliana de Souza Russano – Graduanda em Comunicação Social - Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: j.russano.16@aluno.ufsj.edu.br

Karen Gimenez - Mestre em Comunicação pela Universidade Paulista (Unip) jornalista pela
FMU/Fiam , com pós-graduação em Estratégia Empresarial pela Universidade Nove de Julho
(Uninove); geógrafa pela Universidade de São Paulo (USP) com pós-graduação em Formação
e Gestão de Educação à Distância pela Universidade Paulista (Unip). Pesquisadora associada
do Nace – Escola do Futuro USP, da Universidade de São Paulo, professora de pós-graduação
da Universidade Paulista (Unip) nos cursos de Psicologia Organizacional e Engenharia
Logística. Autora de cinco livros e coautora de outros dois. E-mail: karengim@gmail.com

Kátia Hallak Lombardi – Fotógrafa, professora do curso de Comunicação Social/Jornalismo


e membro docente do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de São
João del-Rei (UFSJ). Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-Doutora junto ao Programa de Pós-
Graduação em Letras: Estudos Literários (UFMG) e à Cátedra António Lobo Antunes da
Università Degli Studi Di Milano (UNIMI). katialombardi@ufsj.edu.br

Kethuley Eduarda Ribeiro Martins - Estudante de Graduação 8º semestre do Curso de


Publicidade e Propaganda da UNIPAC. E-mail: ketheduardaribeiro@gmail.com

Lara Cristina Reis dos Santos - Graduanda em Comunicação Social - Jornalismo pela
Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: larareis1738@gmail.com

Lara Karoline Souza de Aquino - Graduada em Comunicação Social pela Universidade


Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: laraaquino.souza@gmail.com

Lara Wiermann Chaves de Oliveira – Estudante do curso de Publicidade e Propaganda do


Centro Universitário Presidente Antônio Carlos (Unipac Barbacena-MG). E-mail:
wiermannlara@gmail.com

Larissa Leite Lima - Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade


Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: larileite73@gmail.com

Laura Pereira Gonçalves – Fotógrafa, redatora e graduada em Comunicação Social –


Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ): laurapereirag2@gmail.com
Leonardo Emerson de Souza Silva – Jornalista formado pela UFSJ. E-mail:
leonardo.232010@hotmail.com

Letícia Fávero Resende - Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade


Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: lfgestaodemidias@outlook.com

Liliane Garcia Rufino – Pós-graduada em Docência no Ensino Superior pelo IESB e


Historiadora pelo UNICEUB. Atualmente é bolsista de iniciação científica (PIBIC) e
Graduanda em Farmácia pelo Centro Universitário UDF. E-mail: liliane.grufino@gmail.com

Lisley Helena Cruz - Graduanda em Comunicação Social - Jornalismo na UFSJ. E-mail:


silvalisleyhelena@gmail.com

Lívia Werneck Silva - Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo da Universidade


Federal de São João del-Rei (UFSJ. E-mail: livia379@aluno.ufsj.edu.br

Lorena Sátiro de Sousa – Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo na UFSJ. E-mail:


lorenaasousa11@gmail.com

Louise Cristina Zin - Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade


Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: louiseczin@gmail.com

Luana de Pinho Rocha – Aluna do 8º período de Publicidade e Propaganda na PUC Minas.


E-mail: luanapinnhor@gmail.com

Lucas Emanuel Maximiano – Graduando em Comunicação Social – Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Graduado em Ciências Sociais pela UEMG,
Bolsista de Iniciação Científica pelo Programa de Bolsa de Iniciação Científica
(PIBIC/CNPq/UFSJ), sob a orientação do professor Luiz Ademir de Oliveira. E-mail:
elaineppmax@hotmail.com

Lucas Guimarães Resende - Graduado em Comunicação Social - Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei. Já produziu pesquisas publicadas nas áreas de
Podcast, Educomunicação e Anarquismo. E-mail: lcsguimares1@gmail.com

Lucas Marcelo Silveira Leite – Graduando em Comunicação Social – Jornalismo na UFSJ. E-


mail: lucasleite5@icloud.com

Lucas Raposo Gomes - Licenciado em Educação Física pelo IF Sudeste MG - Campus


Barbacena, tem formação técnica em Hospedagem, realizada integrada ao Ensino Médio na
mesma instituição. Também é bacharel em Educação Física pela Faculdade Metodista
Grambery e, atualmente, é pós-graduando em Mídias na Educação pela Universidade Federal
de Juiz de Fora. E-mail: lucasraposo22@yahoo.com
Luciene Fátima Tófoli – Doutora em Estudos Literários pelo Programa de Pós-Graduação em
Estudos Literários da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), mestra em Letras pelo
Centro de Ensino Superior (CES) de Juiz de Fora, graduada em Comunicação Social –
Jornalismo pela UFJF. Atualmente, é Assessora Especial para Assuntos Estratégicos da
Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), onde também atua como docente do
Departamento de Comunicação Social (DCOMS). E-mail: luciene.tofoli@gmail.com

Luiz Carlos Gomes Júnior – Mestre em Ciência da Nutrição pela Universidade Federal de
Viçosa (UFV), é doutorando em Saúde Coletiva na Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF), tendo Bacharelado em Nutrição e Licenciatura Plena em Educação Física. É professor
no Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais (IF Sudeste MG) - Campus Barbacena. E-
mail: luiz.carlos@ifsudestemg.edu.br

Matheus Teixeira Batista – Graduando em Comunicação Social – Jornalismo da


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail:
matheusteixeirabatista490@aluno.ufsj.edu.br

Maria Aparecida Ladeira de Cunha – Mestre em Comunicação (UNIP). Doutoranda em


Comunicação (UNIP). E-mail: cidinha.cunha@gmail.com

Maria Eduarda dos Santos Carvalho - Jornalista graduada pela UFSJ. E-mail:
mariaeducvr01@gmail.com

Maria Eduarda Pinheiro de Almeida - Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo


pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail:
mariamaduarda1404@gmail.com

Maria Luiza Valuar Cordeiro - Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Técnico em Informática (IFNMG). E-mail:
maluvaluar7891@gmail.com

Mariana Aparecida Nascimento Silva - Formada no 3° ano do Ensino Médio na Escola


Estadual Ministro Gabriel Passos e atualmente é estudante do 3° período do curso de
Comunicação Social - Jornalismo, na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-
mail: marianascimenton85@gmail.com

Mariana Eduarda Agreste Silva - Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: marianaeduardasilva05@gmail.com

Marina do Amaral Peron – Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: amaralmarina48@gmail.com
Mayara da Costa e Silva – Doutora em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB) e
Mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Atualmente, é Analista
em Comunicação do Conselho Regional de Farmácia do Estado de Goiás (CRF-GO). E-mail:
dacostamay@gmail.com

Mayara Fernanda Resende – Jornalista formada pelo curso de Jornalismo da UFSJ.


Pesquisadora de iniciação científica PIBIB/PIDAf/UFSJ. E-mail: mayaraf.resende@gmail.com

Millena Gonçalves Constantino dos Santos – Graduada em Comunicação Social – Jornalismo


pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail:
goncalvesmillena94@gmail.com

Miller Guglielmo – Bacharel em Comunicação Social em ênfase em Jornalismo (UNICID).


Mestrando em Comunicação (UNIP). E-mail: millergug@gmail.com

Natália Lima Amaral – Graduada em Jornalismo pela Universidade Vale do Rio Doce
(Univale). Jornalista na Assessoria de Comunicação Organizacional (Ascorg) da Univale. E-
mail: natalia.amaral@univale.br

Nathália Ferreira – Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade


Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: nathyferso@gmail.com

Nicolas Toledo Casco – Graduando em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade


Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: nicolas.t.casco@gmail.com

Nicole Guedes de Andrade Suvires – Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo da


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: nicoleguedes.a@gmail.com

Oswaldo Camarez de Almeida – Graduando em Comunicação Social – Jornalismo da


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: oswaldocalmeida@gmail.com

Paolo Demuru - Paolo Demuru (Sassari, Sardenha) é Doutor em Semiótica pela Universidade
de Bologna (Itália) e em Semiótica e Linguística Geral pela Universidade de São Paulo. É
Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Midiática da
Universidade Paulista e pesquisador do Centro de Pesquisas Sociossemióticas da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. É coordenador do Grupo de Trabalho "Práticas
Interacionais, linguagens e produção de sentido na comunicação" da Associação Nacional dos
Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós). E-mail: paolodemuru@gmail.com

Paulo Henrique Caetano – Mestre e Doutor em Linguística pela Universidade Federal de


Minas Gerais (UFMG), graduado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), é docente e pesquisador do Programa Interdisciplinar em Artes, Urbanidades e
Sustentabilidade (PIPAUS) da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), onde também
atua como professor e chefe do Departamento de Comunicação Social (DCOMS). E-mail:
phcaetano@ufsj.edu.br

Rafaella Azevedo Silveira – Jornalista graduada pela UFSJ.


E-mail: rafaellaz.silveira@gmail.com

Ricardo Matos de Araújo Rios – Graduado em Comunicação Social (Jornalismo), pela UFSJ,
Mestre em Relações Internacionais, pela PUC-MG e pela Universidade de Coimbra (Portugal),
e Doutor em Comunicação Social pela UFJF. Professor do Curso de Publicidade e Propaganda
da UNIPAC. E-mail: ricardorios@unipac.br / ricmrios@gmail.com

Richielle Raimunda de Oliveira Santos – Graduanda em Comunicação Social- Jornalismo da


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) E-mail: richioliveira019@aluno.ufsj.br

Rodolfo Ezequiel Sousa Silva – Graduando em Comunicação Social – Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Graduado em História pela UFSJ. E-mail:
rodolfoezsilva@gmail.com

Samantha Ellen de Souza – Mestranda em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Letras


(PROMEL), graduada em Letras e Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela
Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Atua como repórter/estagiária na TV EPTV,
afiliada da Rede Globo, em Varginha e como professora de Português na rede estadual de
ensino. E-mail: samantha970804@gmail.com

Sara Rodrigues de Moraes Bridi – Doutoranda em Comunicação. Pesquisadora do grupo


Comunicação Identidade e Cidadania do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da
Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGCOM/UFJF). E-mail: sarademoraes@gmail.com

Sarah Rodrigues de Castro – Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela


Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Bolsista de Iniciação Científica pelo
Programa de Bolsa de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq/UFSJ), sob a orientação do professor
Luiz Ademir de Oliveira. E-mail: sarahdecastror@gmail.com

Vanessa Maia Barbosa de Paiva – Jornalista (UFES), Mestre em Comunicação (Uff/RJ),


Doutora em Educação (UFES) e Pós-Doutora em Educação (UERJ/RJ). Professora e
pesquisadora do curso de Jornalismo UFSJ/MG. E-mail: vanesssamaia@gmail.com

Verônica Barbosa – Graduanda em Rádio, TV e Internet pela Universidade Federal de Juiz


de Fora (UFJF) e bolsista do Programa de Educação Tutorial na Faculdade de Comunicação
da UFJF. E-mail: veronica.barbosa@estudante.ufjf.br

Veruska Yasmim Paião Rocha – Mestranda em Comunicação pela Universidade Federal de


Juiz de Fora (UFJF), jornalista diplomada pela mesma instituição e integrante do grupo de
pesquisa Núcleo de Jornalismo e Audiovisual (NJA), "Música para olhos e ouvidos" e
Amadores, profissionais e seus amálgamas: leituras, feitios e circulações do/no audiovisual
contemporâneo (UFJF). Bolsista Capes. yasmimadvir@gmail.com

Vitor Fernandes Colares – Graduado em Gestão Pública pela Universidade do Estado de


Minas Gerais (UEMG) e Graduado em Jornalismo pelo Centro Universitário de Belo Horizonte
(UNI-BH), já atuou como repórter/jornalista do Grupo Diários Associados de Minas Gerais
(no jornal Estado de Minas e no Portal Uai) e atualmente é assessor da vereadora Duda Salabert
(PDT), de Belo Horizonte, que se elegeu a primeira deputada federal trans no Brasil. Já foi
assessor do ex-prefeito Alexandre Kalil (PSD) e foi consultor de marketing em diversas
campanhas políticas e eleitorais. E-mail: vfcolares@gmail.com

Wellington de Oliveira Pereira – Mestrando em Comunicação Social na Linha de Pesquisa


Processos Comunicativos e Práticas Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais. Tem
como tema de pesquisa a centralidade da comunicação e de processos de despolitização da
fome para a territorialização do agronegócio no Brasil. É graduado em Comunicação Social -
Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei.. E-mail: well-hc@hotmail.com

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