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The Anthropological Path in Sci-Fi Films: Blade Runner 2049’ study from the
Perspective of the Mediatic Imaginary
RESUMO
O presente artigo tem por escopo o estudo da narrativa exposta no filme Blade Runner
2049 (EUA, 2017), dirigido por Denis Villeneuve, a partir da perspectiva da mitocrítica
proposta pelo antropólogo Gilbert Durand. O autor postula que há perenidade entre as
antigas mitologias e as narrativas modernas correntes na literatura, no cinema e em
outros produtos culturais midiáticos. Ainda que o mito não seja nomeado ou apareça
diretamente nessas narrativas, ele está presente, em um nível latente, sustentando o
sentido desses textos culturais. A intenção do estudo é desvelar o mito, que subjaz na
narrativa deste filme, em relação à questão da revelação de um milagre e de uma
revolução para a liberdade dos replicantes. O tratamento metodológico ou,
mitodológico, é a mitocrítica. Os resultados apontam que o mito presente é o das
passagens bíblicas como o nascimento de Moisés, o milagre da gravidez de Rachael e a
presença do antagonista Niander Wallace, que remete à figura de um Deus criador de
milhões de replicantes, aos quais chama de anjos, e que deseja invadir o Éden e retomá-
lo.
ABSTRACT
This article is about the study of the narrative exposed in the film Blade Runner 2049
(EUA, 2017) directed by Denis Villeneuve from the perspective of the myth criticism
proposed by the anthropologist Gilbert Durand. The author postulates that there is
continuity between the ancient mythologies and the current modern narratives in
literature, in the cinema and other cultural media products. Although that myth is not
named nor appears directly in these narratives, it is present on a latent level, sustaining
the meaning of those cultural texts. The intention of this study is to unveil the myth that
lies beneath this film, related to the question of the revelation of a miracle and a
revolution for the freedom of replicants. The methodological or mythological approach
is myth criticism. The results point out that the present myth has biblical passages such
as the birth of Moses, the miracle of Rachel’s pregnancy and the presence of the
antagonist Niander Wallace that refers to the figure of a God who created millions of
replicants, to whom he calls angels and he wants to invade Eden and resume it.
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INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo fazer um exercício de desvelar mitos arcaicos que
estão presentes nos textos culturais midiáticos contemporâneos.
O filme de ficção científica Blade Runner 2049 (Blade Runner 2049, EUA),
lançado em 2017 e dirigido pelo canadense Denis Villeneuve, revela-nos as questões de
mitos bíblicos inseridas na narrativa tanto de forma explícita quanto velada.
A película também trata de questionamentos da existência, identidade, memória,
autoconhecimento, verdade e da relação do homem com a bioengenharia, no caso dos
modelos replicantes.
De acordo com os fundamentos metodológicos da Antropologia do Imaginário,
com destaque à mitocrítica, proposta por Gilbert Durand, os mitos arcaicos presentes no
inconsciente coletivo (Jung, 2000) ascendem para o plano da consciência e circulam na
cultura de massa.
Com a finalidade de compreender a metodologia em questão e sua contribuição
para os modos de interpretação do tempo presente e para que os mitos venham à tona, é
importante destacar que embora os mesmos permaneçam arcaicos, vêm adaptados e
moldados.
Blade Runner 2049 é, acima de tudo, reflexivo, complexo e instigante. O diretor
trouxe a essência de Blade Runner – O Caçador de Andróides (Blade Runner), dirigido
por Ridley Scott e lançado em 1982, ao dar mais profundidade à história dos replicantes.
A intenção deste artigo não é realizar uma análise fílmica nem técnica, mas
apresentar um estudo sob o ponto de vista da mitocrítica, pela perspectiva do
antropólogo Gilbert Durand.
O ser humano precisa de mitos, de narratividade, do simbólico para a (re)
significação de si mesmo e para o sentido da vida. Assim, olhar o mito que está por
detrás do filme Blade Runner 2049 significa compreender o que está velado na
narrativa, pois são passagens bíblicas moldadas para o contemporâneo, no universo da
ficção científica.
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“O mito o ajuda a colocar sua mente em contato com esta experiência de estar vivo.”
Joseph Campbell
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Ao narrar essas histórias divinas e criadoras e atualizá-las no tempo, com o
objetivo de eternizá-las, o mito estabelece para o homem religioso o modelo exemplar
dos deuses que impregna toda a vida profana. O mito passa a estabelecer modelos
sagrados para o homem nas práticas mais comuns da vida profana: lavrar a terra,
alimentar-se, descansar, viver em família; todas essas ações passam a ser balizadas pelo
modelo estabelecido pelos deuses e disseminadas por meio da narrativa mítica.
O processo de construção do sagrado na narrativa mítica se dá pelo
encadeamento de razões explicativas. Para narrar a existência de algo, é preciso
descrever como essa realidade veio a existir. Para justificar esse como, é preciso
explicar o porquê desta criação. Desta forma, em um mesmo movimento, a narrativa
mítica estabelece um propósito existencial para tudo o que existe e revela a irrupção do
sagrado nos liames da vida profana.
Blade Runner 2049 refere-se às narrativas bíblicas, mas vem moldado ao mundo
contemporâneo, em que a replicante Rachael gera uma criança em seu ventre, o que é
visto como um milagre perante os outros replicantes. A criança significa a liberdade
para essa raça de replicantes: é ter a liberdade de escolha e não servir mais aos humanos
na escravidão.
MÉTODO
Ali onde a dialética bloqueada não consegue penetrar, a imagem mítica fala
diretamente à alma.
Gilbert Durand
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Entende-se por “bacia semântica” aquilo que irriga, como se fosse um rio dos nossos
inconscientes, em que as raízes saem dessa bacia para buscar novos sentidos e novas
(re) significações aos mitos enraizados.
Para esse método, aplica-se a mitocrítica, que se percebe como o imaginário
atualizado, que reprime e exclui o imaginário em potencial e, com isso, multiplica-se
nas redundâncias para ocupar o lugar de outro. As raízes se dispersam e se colocam nos
campos do imaginário. Nas palavras de Durand (1994, p.74), são processos míticos que
se manifestam pela redundância imitativa de um modelo arquetípico.
RESULTADOS
Assim como um rio é formado por seus afluentes, uma corrente nitidamente
consolidada necessita ser reconfortada pelo reconhecimento, o apoio das autoridades
locais e das personalidades e instituições.
Gilbert Durand
4. Chefe: “E cadê a criança? Isso não é possível. Ela era uma replicante.
Grávida. O mundo é construído sobre um muro que separa as espécies.
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Diga a qualquer dos lados que não há muro e você terá uma guerra. Ou um
massacre. Então, o que você viu não aconteceu.”.
17. Recepcionista ao Agente K: “Eu estava com os meus pais, e foram 10 dias
na escuridão. Todas as máquinas congelaram. Quando as luzes voltaram,
tudo tinha sido apagado. (...) Só restou o que estava em papel.” (0:31:07).
18. Luv: “Outro número de série pródigo que retorna. Um caso aberto há 30
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anos que se encerra. Todos os registros de memória da época foram
danificados no blecaute. Mas, às vezes, há fragmentos. (0:32:08).
19. Luv: “Bem-vindo de volta, senhor. Queria revisar o novo modelo antes do
envio?”.
20. Wallace: “Um anjo nunca deve entrar no reino do céu sem um presente.
Pode ao menos anunciar: uma criança nasceu?”.
21. Wallace: “Nós fazemos anjos a serviço da civilização. Sim, já houve anjos
maus. Eu faço Anjos bons agora. (...) Deveríamos ser donos das estrelas.”.
22. Wallace: “Este pasto infértil, vazio, e salgado, bem aqui (Wallace toca no
ventre do novo modelo da replicante). O espaço morto entre as estrelas. E
este, o lugar que temos que trocar pelo céu.”. Logo em seguida, ele a
mata. (0:41:18).
25. Joi (Inteligência Artificial) para o Agente K: “Eu sempre soube que você
era especial. Talvez por isso. Um filho, do útero de uma mulher. Parido no
mundo. Desejado. Amado.” (0:56:37).
26. Na busca pela verdade, o Agente K tem uma revelação de uma memória
sua, que pode ter sido ou não implantada. (1:14:28.
27. Joi ao Agente K: “Eu sempre te disse. Você é especial. Nascido. Não
feito. Escondido com carinho. Um menino de verdade. Um menino de
verdade precisa de um nome de verdade. Joe.” (1:14:41).
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O Agente K vai ao encontro da Dra Ana Stelline, a pessoa responsável
pelos implantes de memórias. Segue o diálogo (1:18:18):
29. Ana: “Bom, tem um pouco de cada artista em sua obra. Mas eu fui
trancada numa câmara estéril aos 8 anos, então, se quisesse ver o mundo,
eu tinha que imaginá-lo. Fiquei com ótima imaginação. (...) Replicantes
levam vidas difíceis, criados para fazer o que não queremos. Não posso
ajudar o seu futuro, mas posso lhes dar boas memórias para vocês
recordarem e sorrirem. E se você tem memórias autênticas, tem reações
humanas verdadeiras.”.
34. Deckard: “Porque estávamos sendo caçados. Não queria que a criança
fosse encontrada, desmembrada, dissecada. Às vezes, pra amar alguém é
preciso ser um desconhecido.”
36. Freysa: “Eu estava lá. Vi um milagre vir à luz. Um rostinho perfeito
chorando pra mim, com a fúria de um trovão.”.
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37. Agente K: “Você estava com ela? A Rachael?”
38. Freysa: “Ela morreu nos meus braços. Escondemos a criança e juramos
manter nosso segredo. Por isso que o Sapper deixou que você o matasse.
Eu sabia que o bebê significava que nós somos mais que meros escravos.
Se um de nós pode ter um bebê, somos donos de nós mesmos.”.
42. Freysa: “Rachael teve uma filha. Com meus próprios olhos, eu a vi
nascer. Eu a vesti de azul, quando chegou a hora de ela partir.” (2:06:55).
44. Freysa: “Você pensou que fosse você? Pensou não foi? Todos queríamos
que fôssemos nós. É por isso que acreditamos.” (2:07:31). Diálogo
entre Deckard e Wallace (2:09:13):
46. Wallace sobre Rachael: “Nunca lhe ocorreu que foi por isso que você foi
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convocado até lá? Projetado para fazer nada além de se apaixonar por
ela lá, naquele momento. Tudo para fazer aquele único espécime
perfeito? Isto é, se você foi projetado. Amor... ou precisão matemática.
Sim... Não...”
50. “Morrer pela causa certa é a coisa mais humana que podemos fazer.”
“Porque você nunca viu um milagre.”
51. Agente K para Deckard: “Está livre para conhecer sua filha agora.”
(2:29:31)
Fonte: DVD Blade Runner 2049
DISCUSSÃO
Uma coisa que se revela nos mitos é que, no fundo do abismo, desponta a voz da
salvação.
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Joseph Campbell
Para Fátima Regis (2012, p. 40), muitas obras de ficção científica usam
elementos mágicos, religiosos ou sobrenaturais, aliás, percebe-se que há várias
personagens na filmografia de ficção científica que têm nomes bíblicos, como ocorre
em Blade Runner 2049.
O filme é marcado por várias passagens bíblicas, como a da revelação de um
milagre, em que podemos nos referir à mãe de Jesus, grávida de um Messias que vem
trazer as palavras de Deus ao seu povo, ou nos reportar à história de Moisés. Nascido
entre os hebreus, na época em que o antigo Império Egípcio ordenava que todos os
homens hebreus fossem mortos; para salvá-lo, sua irmã o esconde em um cesto e o
coloca no rio. A filha do faraó observa o rio, vê o cesto e pede para as escravas o
pegarem. No filme, a personagem Freysa vê apenas com um olho, é uma das que fazem
parte do novo exército dos replicantes, foi ela quem fez o parto de Rachael. E é ela
quem enxerga o milagre na criança. Freysa é a junção da irmã de Moisés - que ajuda a
esconder a criança - e a princesa que olha para além do rio e salva o milagre.
Moisés foi resgatado pela filha do faraó e criado na família real. A criança
nascida de Rachael, Ana, é escondida pelos replicantes, e será revelada no momento
certo. É adotada por outra família e trabalha indiretamente para Niander Wallace, o
antagonista, que precisa dessa criança para construir um novo Éden, como ele mesmo
diz. Moisés recebe uma mensagem de Deus para que liberte seu verdadeiro povo, os
hebreus, da escravidão e da opressão do poderoso faraó. Em seu trabalho, Ana implanta
as memórias nos replicantes, para que eles se sintam mais humanos. Moisés e Ana
foram criados por seus antagonistas.
Além dessa analogia, há outra que pode ser feita: trata-se do milagre que é a
gravidez da replicante Rachael, que assim como a Raquel da Bíblia, esposa de Jacó, era
estéril, mas consegue ter dois filhos, o primeiro deles é José, considerado especial por
Jacó, e o segundo é Benjamin. É durante o parto de Benjamin que Raquel morre, da
mesma forma que Rachael, a replicante, também morre ao dar a luz. No filme, o
antagonista Niander Wallace diz a Deckard: “E Deus lembrou-se de Raquel e a ouviu e
a tornou fértil”.
Em Blade Runner 2049, ocorre um blecaute, uma escuridão total que dura 10
dias, em que todos os dados que estavam em drives e computadores somem, e só restam
as informações anotadas em papel. Esse blecaute pode aludir às trevas e, depois, à luz,
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com a chegada dessa criança. O velho papel, a única maneira segura de salvar as
informações, remete aos velhos pergaminhos, além de ser um recurso fundamental para
esconder Ana, pois alguns replicantes colocam rastros falsos, para o momento certo da
revelação.
O antagonista Niander Wallace tem a aparência de um messias como Jesus
Cristo ou de um profeta cego que, ao proferir suas palavras, enxerga além. Ele é “O
Salvador” na figura distorcida, que se considera um Deus e quer construir um novo
paraíso com os anjos bons (replicantes).
No filme há a presença de simbologias como a da árvore e a do cavalo de
madeira. Rachael é enterrada perto da árvore seca, que não possui mais folhas, mas que
significa o ciclo da vida. Essa árvore tem uma aparência que remete ao inverno, imagem
que alude também à velhice e à morte. Deckard deixa um cavalo de madeira para a
filha, Ana. Segundo o livro dos Símbolos, a significação do cavalo é que ele voa pela
paisagem, com o estrondo dos seus cascos, como se quisesse fugir da própria pele por
amor à liberdade. É isso o que Deckard deseja a sua filha: a liberdade, e para protegê-la,
por amor, tem que abandoná-la.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Blade Runner 2049 é um filme que tem como gênero a ficção científica e que
traz em sua narrativa algumas passagens da Bíblia como pano de fundo - esses mitos
enraizados que vêm para o presente. Em suas obras, o diretor Denis Villeneuve costuma
mostrar mitos, revelações e a relação bíblica, um exemplo desses elementos encontra-se
no filme Incêndios (Incendies, 2011) em que o Mito de Édipo é velado assim como a
jornada do herói para a mulher.
É fundamental ressaltar a importância que Blade Runner 2049 concede à
memória, ao sentir-se vivo e humano, em uma época em que vivemos mais para o
visual, sem dar valor à capacidade de lembrar.
As alusões às passagens bíblicas precisam ser moldadas para o mundo
contemporâneo, ao serem levadas para um universo da ficção científica e tecnologia,
para que o público possa ver com outro olhar, com outra forma da narratividade.
O personagem do agente K ajuda a desvelar o milagre da criança, em que salva
Deckard para o encontro com sua filha. Este filme é uma obra importante por ter esta
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leitura simbólica e filosófica que discute a identidade, a individualidade e o
autoconhecimento.
É na trajetória do Agente K, por este caminho das passagens bíblicas, que ocorre
a inversão dos fatos, quando ele sente empatia por Deckard e tem a percepção de que
precisa proteger essa criança e, ao fazê-lo, não será mais o caçador e, sim o caçado. É a
partir da revelação do nascimento da criança, gerada por Rachael e Deckard, e por
acreditar que ele possa ser ela, que o agente K inicia seu caminho na busca de sua
própria identidade e seu autoconhecimento, em que ele se questiona sobre ter uma alma.
E é nesta mesma trajetória que o espectador/leitor descobre as questões
profundas do ser, por meio de mitos, do imaginário e do simbólico que o movem para
este universo da ficção-científica para desvelar os mistérios da sua narratividade.
REFERÊNCIAS
BATCHELOR, Mary. Bíblia em 365 Histórias. São Paulo: Edições Paulinas, 2016.
CAMPBELL, Joseph; MOYERS, Bill. O Poder do Mito. São Paulo: Palas Athena,
1990.
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JUNG, Carl Gustav. 9/1 Obra Completa – Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo.
Petrópolis: Editora Vozes, 2019.
ROSSI, Luiz Alexandre Solano. Nos Passos de Moisés. São Paulo: Paulus, 2013.
Filme:
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