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Inconsciente Social

Coleção Clínica Psicanalítica


Títulos publicados
1. Perversão
Flávio Carvalho Ferraz
2. Psicossomática
Rubens Marcelo Volich
3. Emergências Psiquiátricas
Alexandra Sterian
4. Borderline
Mauro Hegenberg
5. Depressão
Daniel Delouya
6. Paranoia
Renata Udler Cromberg
7. Psicopatia
Sidney Kiyoshi Shine
8. Problemáticas da Identidade Sexual
José Carlos Garcia
9. Anomia
Marilucia Melo Meireles
10. Distúrbios do Sono
Nayra Cesaro Penha Ganhito
11. Neurose Traumática
Myriam Uchitel
12. Autismo
Ana Elizabeth Cavalcanti
Paulina Schmidtbauer Rocha
13. Esquizofrenia
Alexandra Sterian
14. Morte
Maria Elisa Pessoa Labaki
15. Cena Incestuosa
Renata Udler Cromberg
16. Fobia
Aline Camargo Gurfinkel
17. Estresse
Maria Auxiliadora de A. C. Arantes
Maria José Femenias Vieira
18. Normopatia
Flávio Carvalho Ferraz
19. Hipocondria
Rubens Marcelo Volich
20. Epistemopatia
Daniel Delouya
21. Tatuagem e Marcas Corporais
Ana Costa
22. Corpo
Maria Helena Fernandes
23. Adoção
Gina Khafif Levinzon
24. Transtornos da Excreção
Marcia Porto Ferreira
25. Psicoterapia Breve
Mauro Hegenberg
26. Infertilidade e Reprodução Assistida
Marina Ribeiro
27. Histeria
Silvia Leonor Alonso
Mario Pablo Fuks
28. Ressentimento
Maria Rita Kehl
29. Demências
Delia Catullo Goldfarb
30. Violência
Maria Laurinda Ribeiro de Souza
31. Clínica da Exclusão
Maria Cristina Poli
32. Disfunções Sexuais
Cassandra Pereira França
33. Tempo e Ato na Perversão
Flávio Carvalho Ferraz
34. Transtornos Alimentares
Maria Helena Fernandes
35. Psicoterapia de Casal
Purificacion Barcia Gomes
Ieda Porchat
36. Consultas Terapêuticas
Maria Ivone Accioly Lins
37. Neurose Obsessiva
Rubia Delorenzo
38. Adolescência
Tiago Corbisier Matheus
39. Complexo de Édipo
Nora B. Susmanscky de Miguelez
40. Trama do Olhar
Edilene Freire de Queiroz
41. Desafios para a Técnica Psicanalítica
José Carlos Garcia
42. Linguagens e Pensamento
Nelson da Silva Junior
43. Término de Análise
Yeda Alcide Saigh
44. Problemas de Linguagem
Maria Laura Wey Märtz
45. Desamparo
Lucianne Sant’Anna de Menezes
46. Transexualidades
Paulo Roberto Ceccarelli
47. Narcisismo e Vínculos
Lucía Barbero Fuks
48. Psicanálise da Família
Belinda Mandelbaum
49. Clínica do Trabalho
Soraya Rodrigues Martins
50. Transtornos de Pânico
Luciana Oliveira dos Santos
51. Escritos Metapsicológicos e Clínicos
Ana Maria Sigal
52. Famílias Monoparentais
Lisette Weissmann
53. Neurose e Não Neurose
Marion Minerbo
54. Amor e Fidelidade
Gisela Haddad
55. Acontecimento e Linguagem
Alcimar Alves de Souza Lima
56. Imitação
Paulo de Carvalho Ribeiro
57. O tempo, a escuta, o feminino
Silvia Leonor Alonso
58. Crise Pseudoepiléptica
Berta Hoffmann Azevedo
59. Violência e Masculinidade
Susana Muszkat
60. Entrevistas Preliminares em Psicanálise
Fernando José Barbosa Rocha
61. Ensaios Psicanalíticos
Flávio Carvalho Ferraz
62. Adicções
Decio Gurfinkel
63. Incestualidade
Sonia Thorstensen
64. Saúde do Trabalhador
Carla Júlia Segre Faiman
65. Transferência e Contratransferência
Marion Minerbo
66. Idealcoolismo
Antonio Alves Xavier
Emir Tomazelli
67. Tortura
Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes
68. Ecos da Clínica
Isabel Mainetti de Vilutis
69. Pós-Análise
Yeda Alcide Saigh
70. Clínica do Continente
Beatriz Chacur Mano
71. Inconsciente Social
Carla Penna
Coleção Clínica Psicanalítica
Dirigida por Flávio Carvalho Ferraz

Inconsciente Social

Carla Penna
© 2014 Casapsi Livraria e Editora Ltda.
É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, para qualquer finalidade, sem
autorização por escrito dos editores.

Editor: Ingo Bernd Güntert


Gerente Editorial: Fabio Melo
Coordenadora Editorial: Marcela Roncalli
Assistente Editorial: Cíntia de Paula
Produção Editorial: Casa de Ideias
Produção Digital: Estúdio Editores.com

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Angélica Ilacqua CRB-8/7057

Penna, Carla
Inconsciente social / Carla Penna. - São Paulo : Casa do Psicólogo, 2014. - (Coleção clínica
psicanalítica / dirigida por Flávio Carvalho Ferraz).

Bibliografia
ISBN 978-85-8040-445-6

1. Psicanálise de grupo 2. Indivíduo (psicologia) 3. Grupos sociais 4. Pesquisa psicanalítica I.


Título II. Série III. Ferraz, Flávio Carvalho

14-0161 CDD 158.213-0976

Índices para catálogo sistemático:


1. Psicanálise de grupo

Impresso no Brasil
Printed in Brazil

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Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à

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Para minha mãe, Maria Cecília, que me ensinou a amar as ideias.
Para meu pai, Fernando, que me ensinou a amar os pacientes.
Sumário
Agradecimentos
Prefácio: Novas perspectivas dos conhecimentos e
práticas psicanalíticas – o conceito de inconsciente
social, por Luís Cláudio Figueiredo
Introdução
Capítulo I – Reflexões em torno de uma sociedade dos
indivíduos
A modernidade e a construção da ideia de indivíduo
A sociologia de Georg Simmel
A sociologia formal, o estudo das formas de
sociação nas relações indivíduo-sociedade
Norbert Elias e o modelo de representação dos
indivíduos interdependentes
A individualização e a balança nós-eu na sociedade
dos indivíduos
A teoria das figurações
Aproximações entre Georg Simmel e Norbert Elias
Capítulo II – A psicologia das multidões do século
XIX
Do indivíduo à multidão no século XIX
O século XIX e o apogeu da civilização europeia:
perspectivas e medos
O surgimento da psicologia das multidões no século
XIX
Gabriel Tarde: as leis da imitação, a ciência da
opinião e as multidões
Gustave Le Bon e a psicologia das multidões
Capítulo III – A psicologia das massas do século XX
A psicologia das massas de Sigmund Freud
Massa, inconsciente e laço libidinal
Circuito pulsional nos vínculos grupais: uma
questão econômica
A natureza ilusória das formações grupais
A herança da psicologia das massas freudiana
A psicologia das massas de esquerda: o freudo-
marxismo e a Escola de Frankfurt
Duas contribuições críticas sobre a psicologia das
massas freudiana: Lukács e Adorno
Capítulo IV – A pesquisa psicanalítica com os grandes
grupos: a construção de um arcabouço teórico
O trabalho com pequenos grupos no século XX
O trabalho com grupos durante a Segunda Guerra
Mundial: a experiência de Northfield
A psicodinâmica dos grandes grupos
Rumo à formulação de novos pressupostos básicos
Pierre Turquet e a teoria de Oneness
Lawrence, Bain e Gould e a teoria de Me-Ness
Earl Hopper e o quarto pressuposto básico
A pesquisa psicanalítica com grupos: uma reflexão
Capítulo V – Os grandes grupos no mundo
contemporâneo
Vamik Volkan e os grandes grupos étnico-nacionais
A regressão nos grandes grupos
Capítulo VI – O inconsciente social
Antecedentes: as origens do conceito
O inconsciente social: em busca de uma definição
Uma reflexão sobre o inconsciente social
Conclusão
Referências
Agradecimentos
Este livro é o resultado da tese de doutorado defendida no Programa de
Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC-RIO em 2012. Assim,
agradeço a Claudia Amorim Garcia, pela cuidadosa orientação, e ao
CCPG/PUC-RIO e a Capes pela bolsa concedida.
Luís Cláudio Figueiredo e Flávio Carvalho Ferraz têm minha gratidão
devido ao interesse e ao apoio que possibilitaram a publicação deste
trabalho.
Meus agradecimentos vão ainda para os mestres Júlio de Mello Filho,
José Carlos Carpilovsky, Jayme Bisker, José Barbosa Vasco (in
memoriam), José Cândido Bastos, Luiz Carlos Osório e David Zimerman,
companheiros na psicoterapia analítica de grupo no Brasil.
Esses agradecimentos estendem-se a Earl Hopper e Haim Weinberg, que
encabeçam o projeto que investiga o Inconsciente Social em pessoas,
grupos e sociedades, e para Malcolm Pines, pelo acolhimento. Não poderia
deixar de registrar aqui a importância e a riqueza das interlocuções com
colegas da Group Analytic Society International, em especial Marina
Mojovic, Robi Friedman, Juan Tubert-Oklander, Reyna de Tubert, Göran
Ahlin, Martha Gilmore, Gila Ofer, Svein Tjelta, Thor Island e Macário
Giraldo, com quem compartilho o entusiasmo pelo trabalho com grandes
grupos.
Agradeço ainda o apoio e o incentivo de colegas da psicanálise e dos
amigos Teresa e Paulo Fernando Andrade, Andrea Seixas Magalhães,
Maria Lucia Amado, Alexandre Katahlian, Fernanda e Ney Marinho, Lia
Nazareth, Ana Sofia Nava, Cláudio Sarmento, Mariana Fontes, Aurea
Lowenkron, Jochen Kemper, Edson Lannes, Issa Damous e Martha Silva.
Minha grande família não poderia ficar de fora, especialmente Carlos e
Renato pelo amor e paciência com que têm acompanhado tantos desafios.
Por fim, agradeço a palavra justa de Roberto Bittencourt Martins.
Prefácio: Novas perspectivas dos
conhecimentos e práticas
psicanalíticas – O conceito de
inconsciente social
Convocado a participar de uma banca de doutorado na PUC-RJ pela
amiga Claudia Amorim Garcia, tive a sorte de vir a ler a tese de Carla
Penna. Não a conhecia.
Seja pelo texto, seja por sua defesa, fiquei imediatamente convencido de
que valeria a pena publicar o trabalho e, se possível, numa editora e numa
coleção de peso, como é a Casa do Psicólogo e, especialmente, esta
coleção dirigida por Flávio Carvalho Ferraz. O livro que ora se edita tem
tudo para ser uma contribuição importante no campo da psicanálise no
Brasil no momento atual: incide em um terreno complexo onde se
mesclam questões filosóficas, histórico-sociológicas, metapsicológicas e
clínicas. E quanto a esta última dimensão, trata-se tanto da clínica no
sentido estrito quanto da clínica ampliada, a clínica do social.
O texto reparte-se em muitas temáticas e em muitos planos que se
entrecruzam. Há questões históricas, desde a história dos modos de
subjetivação modernos e contemporâneos até a história das teorizações
sociológicas e psicanalíticas sobre estes fenômenos e processos: por
exemplo, a criação e disseminação das teorias e práticas de psicanálise de
grupos, mas também as resistências a estas áreas de saber e fazer no Brasil
e no mundo (Inglaterra, França, EUA, e hoje em diversos outros países,
como Israel). Há questões epistemológicas acerca das relações entre
condições de vida social e os projetos de conhecimento que aí se
engendram.
Há questões metapsicológicas, como a discussão fundamental e central
sobre o conceito de “inconsciente social”.
Há questões clínicas relativas às práticas analíticas e terapêuticas
endereçadas aos grupos e, particularmente, aos grandes grupos, desde os
trabalhos pioneiro no pós-guerra até os dias de hoje. Em todos estes
campos o trabalho de Carla Penna traz ao leitor brasileiro informações
significativas e atualizadas, sendo ela uma ativa participante, em nível
nacional e internacional, da renovação e ampliação do interesse nos
conhecimentos e implicações da consideração deste objeto de pesquisa,
essencialmente multidisciplinar e interdisciplinar. Aliás, toda a produção
de Freud trazia as marcas desta vocação multi e inter, intrínseca à própria
psicanálise desde seus começos. Restringir o alcance da psicanálise ao
enquadre padrão do consultório, bem como restringir seus fundamentos às
experiências do sujeito individual em tratamento é, de certa forma, ficar
aquém do projeto freudiano, como o atestam os seus textos ditos “sociais”.
A amplitude do campo abarcado por Carla Penna, a complexidade não
só de seu objeto de pesquisa, mas a das linhas de pensamento que ela traça
e cruza fazem de seu livro um objeto multiuso; nosso conhecimento e
nossa reflexão são levados a muitas regiões e nos ajudam a entender,
principalmente, as interrelações entre todas as direções de pensamento
minuciosamente desdobradas diante de nós em cada capítulo.
Para o meu gosto pessoal, o maior proveito que pude tirar da leitura da
tese e da releitura do livro está ligado à “reportagem” (histórica e
atualizada) dos trabalhos com grandes grupos e ao conceito de
inconsciente social. Desconhecia completamente, e creio que este seja o
caso da maioria dos leitores brasileiros, o grande trabalho que vem se
fazendo com os grandes grupos, um trabalho analítico e terapêutico em
que se enfrentam problemas coletivos, frequentemente gerados por
situações de conflito crônico e agudo: guerras, cenários de embates
radicais, muitas vezes resultando em tragédias – extermínios, carnificinas,
genocídios – vale dizer, situações de trauma coletivo. Seja para as
gerações que participaram, e ainda participam, como vítimas passivas ou
ativas, destas catástrofes; seja para as “vítimas indiretas” – como as
gerações a quem os efeitos de tais acontecimentos infaustos foram
transmitidos (a chamada transmissão transgeracional do trauma), o
trabalho com grandes grupos vem trazendo uma oportunidade de
elaboração psíquica indispensável, além de ser uma fonte de
conhecimentos renovados.
Quanto ao conceito de “inconsciente social”, embora preceda a criação
destes dispositivos clínicos contemporâneos (devemo-lo ao americano
Burrow e à Foulkes, na Inglaterra), é recuperado, renovado e posto a
trabalhar de uma forma até então desconhecida.
Não é um conceito de fácil apreensão. Carla Penna, em um dos capítulos
finais do livro repassa a origem do conceito e as tentativas atuais de
definição por parte de autores que estão em plena atividade.Suas
definições ainda são tentativas, hesitantes, incompletas e, muitas vezes
contraditórias, como nos revela a exposição sobre os trabalhos de Hopper,
Weinberg e Dalal.
O que podemos dizer acerca deste conceito é, em primeiro lugar, que
implica em um modo de ser freudiano indo além de Freud: neste conceito
vai se explicitando o projeto freudiano de não separar a psique do
indivíduo das condições sociais e histórica de via, isto é, não separar a
psicologia social da psicologia social. O conceito de inconsciente social
nos promete a elaboração desta ideia básica. Isso se entrevê mesmo nas
tentativas ainda incertas e não totalmente convincentes de autores como os
acima mencionados. Acredito que a dimensão intersubjetiva do
inconsciente – em que se criam e articulam fantasias e defesas
compartilhadas – poderia ser retomada a partir da obra do casal Baranger,
na Argentina e Uruguai, e de seus seguidores como Antonino Ferro. Nos
Estados Unidos, Thomas Ogden também poderia ser aproximado a esta
perspectiva intersubjetiva com seu conceito de “terceiro analítico”.
Além da articulação com a noção de campo inconsciente dinâmico e
compartilhado destes autores, o conceito de inconsciente social – ao
menos tal como pensado por Dalal: o social como inconsciente – talvez
também merecesse uma articulação com a noção de inconsciente como
campo, desenvolvido pelo psicanalista brasileiro Fabio Hermann: o
inconsciente para este autor é sempre e apenas a lógica emocional que
determina as relações cotidianas, algo totalmente de-substancializado,
menos entificado ainda do que seria uma “matriz”. A definição de Dalal
parece ir nesta direção e poderia sem mais bem elaborada com as ideias do
pensador brasileiro.
Do meu ponto de vista pessoal,muito se ganharia, sobretudo, se a
problemática do inconsciente fosse retomada a partir de Freud. Seria bom
que na avaliação da pertinência do conceito de inconsciente social
discriminássemos melhor entre os conteúdos inconscientes recalcados – os
que estiveram no centro das preocupações freudianas na chamada
“primeira tópica”, a teoria topográfica da mente – e osprocessos
inconscientes recalcantes – as dimensões inconscientes do eu, do supereu e
mesmo do isso enquanto pulsionalidade anterior à representação e,
portanto, anterior ao recalque, tais como os conhecemos a partir da
segunda tópica, ou teoria estrutural da mente.
Não parece haver dúvidas que os conteúdos recalcados devam ser
considerados a partir das formas da cultura e da moralidade vigentes.
Assim sendo, são compartilhados entre os membros da sociedade em um
dado momento porque todos estão em alguma medida sob o domínio desta
moralidade. Mas isso não nos bastaria para falar em inconsciente social.
Na verdade, desde Freud sabemos das raízes sociais e históricas do
supereu. Pode-se mesmo afirmar que nesta instância está a mais evidente
presença da intersubjetividade e da coletividade no psiquismo do
indivíduo, na forma de interdições, prescrições, normas e valores
compartilhados e transmitidos. Nesta medida, o conceito de inconsciente
social poderia ser visto como uma expansão da problemática superegóica.
Autores pósfreudianos foram também se dando conta de que os
mecanismos e processos inconscientes de defesa radicados no eu, seguem
modelos sociais e históricos e coletivos. Por exemplo, um filme como “O
Lobo de Wall Street”, mais do que incriminar (ou desculpar) o personagem
central Jordan Belfort, aponta para dimensões da cultura, das quais Belfort
tira um grande proveito (mesmo na carreira recente de vendedor da arte de
vender). No entanto, é claro que desmentidos, recusas, dissociações,
idealizações, e esta grande defesa maníaca quase intransponível que a
película testemunha, não são defesas só dele. Jordan Belfort é apenas um
hábil manipulador destes traços de personalidade totalmente
compartilhados, algo que o torna também um espécimen exemplar da
“doença”, algo mais complexo que apenas um aproveitador da boa fé
alheia. Aliás, boa fé de quem e aonde? O filme de Scorcese nos parece,
assim, tão instrutivo sobre o alcance do inconsciente social (como quer
que venha a ser definido) quanto os bons textos que adotam este conceito,
e mesmo dos que não o usam, mas tentam fazer a psicanálise das
coletividades, como os que enfocaram, por exemplo, o nazismo e outros
totalitarismos.
Mais difícil seria incluir no “inconsciente social” a pulsionalidade pura,
anterior à entrada no campo das representações, a pulsionalidade ainda não
simbolizada. No entanto, certas interpretações metapsicológicas
contemporâneas – como a de Laplanche – também enxergam o isso como
resultado de uma implantação do inconsciente do adulto, com sua
sexualidade, agressividade e recalques – na subjetividade do bebê. Ou seja,
visto deste modo (o que não me parece muito correto, aliás) a dimensão
intersubjetiva de certa forma se introduz mesmo nesta instância que,
segundo Freud, seria a mais diretamente ligada à nossa animalidade
somática. Mesmo sem irmos tão longe quanto Laplanche, podemos pensar
que a pulsionalidade se não é criada pelo encontro intersubjetivo, é
despertada por ele, quando a pulsão é evocada pelo encontro com seu
objeto. Sendo assim, o conceito de inconsciente social poderia incluir,
ainda que não totalmente, a própria pulsionalidade nas suas figuras mais
brutas, mais arcaicas, e menos “civilizadas” e históricas.
Estas observações em nada reduzem o valor do que vem sendo feito
pelos diversos autores que se dedicam às práticas terapêuticas com
grandes grupos (entre os quais a autora deste livro), e aos
desenvolvimentos do conceito de inconsciente social que lhe servem de
base e de norte e que, a rigor, só poderá ir sendo elaborado neste contexto
clínico.
O que podemos desejar neste momento é que o livro encontre muitos
leitores, que estes se disponham a entrar neste campo fascinante, e que a
própria autora e seus colegas prossigam na tarefa de nos oferecer um
conceito de inconsciente social mais maduro e operacional.
Luís Cláudio Figueiredo
São Paulo, fevereiro de 2014.
Introdução
A princípio, esta pesquisa tinha o objetivo de investigar os principais
motivos do declínio da psicoterapia analítica de grupo no país,
especialmente porque parecia inexplicável a quase extinção do interesse
nessa modalidade de atendimento no Brasil. Inúmeras justificativas pouco
satisfatórias, baseadas no senso comum e na observação factual,
circulavam no meio psicanalítico, mas nenhuma parecia oferecer respostas
plausíveis à questão. Como um país tão vasto, necessitado de assistência
especializada, não se utiliza de práticas grupais em maior escala?
Inserida na conjuntura sociocultural das décadas de 1960 e 1970, na
efervescência de um momento em que os ideais coletivos eram almejados,
as psicoterapias de grupo de base analítica viveram, na segunda metade do
século XX, um período de grande crescimento e valorização (Mello
Franco, 2003). No Brasil, não foi diferente. A maioria dos psicanalistas da
época atendia grupos terapêuticos. Em contrapartida, esse tipo de trabalho
sofreu entraves durante a ditadura militar no país, retraindo-se de forma
brusca e decerto traumática nas instituições públicas, embora ainda
florecesse nos consultórios (Rangel, 1996). Entrou em declínio, a partir
dos anos 1980, quando a grupalidade das décadas anteriores parece ter sido
substituída pelo crescimento da cultura narcísica (Lasch, 1979), que
transformou o eu em foco central de preocupação e interesse. A partir de
então, observou-se uma resistência ao trabalho com grupos terapêuticos e
uma diminuição na procura por esse tipo de atendimento. Além disso,
ocorreu uma redução drástica no interesse de profissionais pela formação
e atendimento em grupo e, aos poucos, ao longo dos últimos anos, as
principais sociedades de formação de psicoterapeutas de grupo no país
encerraram suas atividades, embora ainda existam sociedades dedicadas à
formação. Ademais, outras modalidades de atendimento grupal, como o
psicodrama e as terapias cognitivo-comportamentais, prosperaram no país.
Hoje, apesar do evidente desinteresse tanto pelo estudo teórico de
grupos quanto pela psicoterapia analítica de grupo na academia e nas
sociedades formadoras, verifica-se, na prática, especialmente em âmbito
institucional, a realização de um grande número de grupos. A recepção, o
acompanhamento, o encaminhamento e a psicoterapia de inúmeros
paciente são realizados geralmente em grupo (Zimmermann, 1971).
Aparentemente, no entanto, e a despeito de suas qualidades terapêuticas, a
eleição do tratamento em grupo visa apenas a solucionar problemas de
necessidade imediata, como o grande volume de pacientes, demandas
pontuais ou encaminhamento rápido para outros serviços. As indicações
carecem de uma verdadeira apreciação das qualidades intrínsecas do
tratamento grupal, ignorando ainda suas especificidades, seus pressupostos
teóricos e até mesmo suas vantagens e desvantagens.
Contudo, na Europa e nos Estados Unidos, a situação é bem diferente.
Práticas institucionais e privadas continuam a se servir do modelo grupal e
não existem sinais de declínio ou desinteresse, mas, ao contrário, pode-se
observar um dinamismo na clínica e desdobramentos teórico-técnicos em
torno de novas linhas de pesquisa (Pines, 1998). É possível também
constatar uma ampliação do arcabouço teórico das práticas grupais que
incorporou mudanças da psicanálise contemporânea e discussões na
interface com a sociologia e ciências afins, dando margem ao surgimento
de novos desafios para o trabalho grupal. Assim, verifica-se no exterior a
realização de atendimentos grupanalíticos com um arcabouço teórico
renovado, que inclui o atendimento de psicóticos e pacientes difíceis
(Pines, 1983, 1998); o que outrora era geralmente contraindicado
(Zimmermann, 1971). Soma-se a isso a imensa valorização, na Europa, do
trabalho com grandes grupos ainda pouco conhecido dentro de um enfoque
psicodinâmico no Brasil.
A constatação desse novo estado de coisas foi determinante para que
fosse escolhida outra direção. A pesquisa voltou-se desse modo para os
novos desdobramentos teórico-clínicos com grupos, em especial para a
investigação sobre os grandes grupos, cuja psicodinâmica específica não
pode ser observada no setting de pequenos grupos, além de apontarem para
a importância do contexto social na produção subjetiva.
O trabalho com grandes grupos deve suas origens aos desdobramentos
dos experimentos com grupos realizados no hospital de Northfield, na
Inglaterra, durante a Segunda Guerra Mundial. Northfield foi o berço do
trabalho com grupos permitindo que, no pós-guerra, diferentes linhas de
pesquisa de orientação analítica se estabelecessem na Inglaterra
(Hinshelwood, 1999). A primeira deu origem aos trabalhos com
comunidades terapêuticas e reuniu em torno de Tom Main, Pat de Maré,
Malcolm Pines e Maxwell Jones (Main, 1983; Pines, 1983, 1998)
trabalhos que vislumbravam o ambiente hospitalar como um todo
integrado − como um grande grupo − permitindo que o atendimento
psiquiátrico considerasse não apenas o paciente, mas o contexto onde ele
estava inserido. Outra importante linha de pesquisa originada em
Northfield surgiu através da criação do Institute of Human Relations, na
clínica Tavistock, em 1946, que se dedicou à pesquisa com grupos,
lideranças e, mais tarde, com organizações através dos esforços de Bion,
A. K. Rice, Eric Trist e Ezriel, entre outros (Pines, 1989; Harrison, 2000).
Além disso, sob a liderança de Foulkes, um dos psiquiatras de Northfield,
o trabalho com pequenos grupos deu origem à fundação, na década de
1950, da Sociedade de Grupanálise de Londres que, a partir dos anos 1970,
começou a se voltar inicialmente nos Congressos de Grupanálise e, mais
tarde, dentro do próprio Instituto de Formação da Sociedade para a
investigação da psicodinâmica dos grandes grupos (Kreeger, 1975).
A década de 1970 foi um período de grandes transformações não só no
mundo contemporâneo, como também na psicanálise − através da atenção
dirigida à clínica dos pacientes difíceis − e no trabalho com grupos.
Assim, a partir de Pierre Turquet (1975) e Kreeger (1975), na Inglaterra,
de Anzieu (1975) e Kaës (1975), na França, a pesquisa com grupos voltou
seu interesse para a investigação de angústias primitivas e aspectos
agressivos, regressivos e pré-edípicos presentes nos pacientes difíceis e
também encontrados na psicodinâmica dos grupos. Nesse sentido, as
pesquisas caminharam para além das considerações enunciadas por Freud
sobre o funcionamento grupal ao se debruçarem não apenas sobre a ideia
do líder como pai edipiano simbólico, mas sobre os momentos pré-
edípicos das formações grupais (Kaës, 1975; Chasseguet-Smirgel, 2003;
Kernberg, 1998). Foi justamente dentro dessa conjuntura, focalizada na
observação dos aspectos primitivos presentes nos grupos, que a pesquisa
encaminhou-se para a investigação da psicodinâmica dos grandes grupos
não estruturados. Nesses grupos, é possível observar a presença de
relações objetais operações defensivas e agressividade muito primitivas
(Kreeger, 1975; Kernberg, 1998). Em grandes grupos não estruturados
predominam mecanismos psicóticos, deflagrados diante da ameaça da
perda de identidade que o indivíduo sofre quando em uma situação de
grande grupo. A dificuldade de manutenção de fronteiras psíquicas, a
comunicação truncada, a presença de ansiedades paranoides e de
identificações projetivas maciças levam os indivíduos, no grande grupo, a
se protegerem da ameaça à individualidade por meio de uma regressão a
estados pré-edípicos e uma tendência à fusão e à homogeneização
(Kernberg, 1998, 2003).
A psicodinâmica própria do trabalho com grandes grupos − seja em
settings artificialmente criados como os dos Congressos de Grupanálise,
seja em grupos, comunidades ou sociedades naturalmente organizadas −
aponta inexoravelmente para a intrínseca e inevitável relação entre o
contexto sócio-histórico e as formações grupais. De fato, a pesquisa com
grupos sempre envolveu, desde o início, uma íntima relação com as
transformações na cultura e na sociedade, vivendo momentos de grande
valorização em períodos de crise e de grandes conflitos internacionais
(Freud, 1919a; de Maré, 1974; Martins, 1986; Harrison, 2000).
Atualmente, a pesquisa com grandes grupos vem sendo utilizada na
investigação de culturas e sociedades, em conflitos intra e intergrupais e
em intervenções em larga escala em comunidades traumatizadas (Hopper,
2003b; Volkan, 2004, 2006a; Alderdice, 2008; Friedman, 2010).
A constatação da estreita relação entre o trabalho com grupos e o
contexto social, especialmente quando se refere à investigação sobre os
grandes grupos, permitiu, portanto, a observação, desde os anos 1960, de
manifestações do que Foulkes (1964, 1975a) identificou como o
inconsciente social. Entretanto, o conceito permaneceu praticamente
inexplorado até o alvorecer do século XXI, quando as investigações com
grandes grupos intensificaram-se, principalmente após a queda do Muro
de Berlim e o Onze de Setembro, momentos nos quais situações
envolvendo conflitos e traumas massivos em sociedades transformaram-se
em fonte de preocupação de um grande número de profissionais.
Partindo da observação da interação em grandes grupos e tendo em vista
observações clínicas sobre trauma e transmissão psíquica transgeracional
em diferentes culturas, Earl Hopper (2003a, 2003b), da Inglaterra, e Haim
Weinberg (2006), de Israel/Estados Unidos, encontraram argumentos
teóricos que permitiram avançar na pesquisa sobre o inconsciente social.
Assim, nos últimos anos, organizaram um grupo de trabalho que reúne
grupanalistas e psicanalistas de vários países do mundo em torno do
esforço de definir o inconsciente social. Em setembro de 2011, o primeiro
volume de uma trilogia intitulado The Social Unconscious in Persons,
Groups and Societies foi publicado, organizando e elucidando dúvidas
sobre o conceito. Dessa maneira, embora ainda existam divergências
quanto à formulação do inconsciente social, é possível defini-lo como:
“[...] a existência de arranjos sociais, culturais e comunicacionais
presentes em uma cultura ou sociedade dos quais as pessoas não estão
conscientes” (Hopper, 2001, p. 10).
Assim, sistemas sociais apresentam culturas e padrões de comunicação
inconscientes que foram coconstruídos, internalizados, partilhados,
herdados e transmitidos às outras gerações pelos próprios membros do
sistema social (Hopper & Weinberg, 2011, p. XLIV). O inconsciente social
é um conceito ainda em construção. Neste trabalho, será discutido no
contexto dos grandes grupos, no qual o inconsciente social se manifesta de
maneira contundente.
Dessa forma, esta pesquisa procura realizar − dentro de uma perspectiva
teórico-histórica, contando ainda com o arcabouço teórico da psicanálise e
da grupanálise − uma investigação sobre os grandes grupos, desde o
surgimento da psicologia das multidões no final do século XIX e a sua
transformação na psicologia das massas do século XX até chegar, com
nova roupagem, ao século XXI com o nome de grande grupo. A
investigação sobre o inconsciente social permeia, como pano de fundo, a
análise dos fenômenos de grandes grupos em diferentes períodos
históricos e revela como os mitos, as fantasias, os temores e as defesas
cocriadas na cultura e na sociedade em cada época influenciaram, de
forma indelével, os pontos de vista, as ideologias e os discursos presentes
nas multidões, nas massas e, finalmente, nos grandes grupos.
Assim, o primeiro capítulo concentra-se na explicitação das bases
epistemológicas que circunscreveram essa reflexão, uma vez que os
trabalhos analíticos com grupos, em geral, se utilizam de um paradigma
intersubjetivo procurando se afastar de dicotomias modernas que
polarizaram o estudo das relações indivíduo-sociedade durante muitos
anos. Por essa razão, o capítulo apresenta e critica o individualismo
moderno − tema que norteou importantes debates promovidos pelas
ciências sociais no final do século XIX e ao longo do século XX − para em
seguida revelar, com auxílio da sociologia, através das formas de sociação
de Georg Simmel (1908) e da teoria das figurações de Norbert Elias
(1970), visões mais integradas das relações indivíduo-sociedade. A
proximidade nas postulações desses dois autores sobre a questão, aliada à
importância das figurações e das interdependências de Elias (1970) na
construção do arcabouço teórico da grupanálise inglesa, revela como o
trabalho com grupos apoia-se em um paradigma que contempla essas
inter-relações (Dalal, 1998).
As reflexões sobre as relações entre indivíduo e sociedade que
estiveram no centro do debate das ciências humanas e sociais ao longo do
século XIX conduziram à discussão sobre o comportamento e à psicologia
das multidões, foco de interesse teórico no final do século XIX. Assim, a
partir da influência de teorias individualistas, das discussões sobre as
oposições entre indivíduo-sociedade e das profundas modificações
político-sociais ocorridas no final do século XIX, nasceu a necessidade de
investigação do fenômeno das multidões.
O segundo capítulo apresenta o início dos estudos sobre o
comportamento e a psicologia das multidões, voltando-se para a análise
sociopsicológica do fenômeno empreendida por Gabriel Tarde (1891) e
Gustave Le Bon (1895). As multidões do século XIX constituíram-se
como um contraponto à elite conservadora da época, revelando o principal
receio presente no inconsciente social do século XIX: o temor da
insurgência das multidões. Vistas como incontroláveis e irracionais, seu
perigo residia no fato de que representavam a expressão de forças
revolucionárias que se contrapunham aos ideais de bem-estar individual e
solidez da família e do Estado Moderno. Foi assim, em um contexto que
envolvia forças de homogeneização e heterogeneização, na tensão
provocada entre os movimentos de massa e os indivíduos, que teve início
o século XX.
No terceiro capítulo, são examinados o nascimento da sociedade de
massas e do homem-massa, descritos por Ortega y Gasset (1926), e a
revolução que Freud (1921) empreendeu nas descrições da psicologia das
multidões do século XIX, convertendo-as, no século XX, em psicologia
das massas. A leitura psicanalítica sobre as massas substituiu visões que
conferiam importância às suas características hipnótico-sugestivas,
substituindo-as pela importância dos processos inconscientes, dos vínculos
libidinais, das identificações e das instâncias ideais.
Ao longo do século XX, duas grandes guerras mundiais e a presença de
movimentos totalitários acabaram convertendo a preocupação com o
comportamento das massas na necessidade de encontrar formas de
controlá-las e governá-las (Moscovici, 1981). Dessa forma, o debate sobre
a psicologia das massas − associado às discussões que envolviam a
psicanálise e aos estudos socioculturais nas décadas de 1920 e 1930 −
encontra nos trabalhos dos freudo-marxistas um exame dessas inter-
relações por meio da tentativa de conciliar as propostas do marxismo às da
psicanálise (Zaretsky, 2006). A Escola de Frankfurt é abordada ainda nesse
capítulo devido à intrínseca relação entre seus principais expoentes e a
psicanálise, em especial através de suas discussões sobre a psicologia das
massas e seus líderes e sobre a análise das relações entre psicanálise e
cultura (Rouanet, 1986). Nesse debate, fica claro como a preocupação que
rondou o inconsciente social do século XX residia na necessidade de
compreender a influência de ideologias e lideranças inescrupulosas sobre
as massas de forma a prevenir e evitar que novas tragédias provocadas
pelos fascismos e totalitarismos do século XX voltassem a acontecer
(Adorno, 1947, 1951).
O capítulo quatro dedica-se à apresentação e discussão da
psicodinâmica dos grandes grupos e às tentativas de conceitualização de
novos pressupostos básicos que se somariam aos postulados por Bion
(1970) para o funcionamento grupal (Turquet, 1975; Lawrence, Bain &
Gould, 1996; Hopper, 2003b). Por meio da discussão sobre as primeiras
experiências com pequenos grupos no início do século XX, é possível
delinear as principais orientações teórico-técnicas que permitiram que, na
Segunda Guerra Mundial, os experimentos de Northfield se constituíssem
o turning point das grupo-terapias e dessem origem, no pós-guerra, às
principais vertentes dos trabalhos com grupos na Inglaterra (Hinshelwood,
1999; Harrison, 2000). O trabalho com grandes grupos deriva, em grande
parte, dos desdobramentos dessas confluências.
No quinto capítulo, a pesquisa com grandes grupos prossegue através da
apreciação de grandes grupos étnico-nacionais presentes no mundo
contemporâneo e estudados pelo psicanalista cipriota Vamik Volkan (1997,
2002, 2004, 2006a, 2006b). Realizado na interface entre a psicanálise, as
relações internacionais, a ciência política e a história, o trabalho de Volkan
debruça-se sobre países em conflito ou em processo de reestruturação,
como os do Leste Europeu, e sociedades submetidas a traumas massivos.
Acometidos por processos de massificação e vivendo sob regressão, os
grandes grupos de Volkan apresentam especificidades que permitem o
aprofundamento na investigação psicanalítica da psicodinâmica dos
grandes grupos, vistos como povos ou nações, e favorecem ainda a
compreensão da estruturação interna de grupos fundamentalistas. Além
disso, sua pesquisa contribui para o incremento de estudos sobre
lideranças, luto patológico, trauma e transmissão psíquica transgeracional,
não apenas em indivíduos ou famílias, mas também em sociedades
(Volkan, 2002, 2004, 2006a). As investigações de Volkan, apesar de não
abordarem explicitamente a questão do inconsciente social, contribuíram
para o seu desenvolvimento.
O último capítulo trata da origem e definição do conceito de
inconsciente social e de sua importância para a investigação de pessoas,
grupos e sociedades (Hopper & Weinberg, 2011). Seu estudo,
intrinsecamente relacionado à psicodinâmica dos grandes grupos, promete
redimensionar investigações psicanalíticas contemporâneas,
especialmente em relação às questões traumáticas e à transmissão psíquica
transgeracional. Além disso, renova as pesquisas − iniciadas pelos freudo-
marxistas e frankfurtianos − que envolvem a psicanálise e os estudos
socioculturais, fornecendo elementos para a investigação em torno da
produção de subjetividade em sociedades afetadas por traumas massivos
sob regimes totalitários ou pós-totalitários.
Capítulo I
Reflexões em torno de uma sociedade dos
indivíduos

A modernidade e a construção da ideia de indivíduo


A modernidade representou uma grande mudança no pensamento
ocidental, devido à ideia de progresso e à valorização da noção de
indivíduo, em substituição às tradições antigas e ao dogmatismo medieval
(Marcondes, 2006). O indivíduo moderno surgiu a partir de influências
humanistas, iluministas e românticas que o alçaram à condição de centro
do universo, com autonomia de espírito e razão, liberdade,
responsabilidade e subjetividade psicológica (Figueira, 1981; Bezerra,
2002). Dessa forma, através de um percurso que abarcou um período
compreendido entre o Antigo Regime e a Revolução Francesa, entre a
ascensão da burguesia e a criação do sujeito romântico-sentimental do
século XIX, ocorreu uma série de transformações que consolidou na época
moderna a noção de indivíduo (Ariés & Duby, 1983; Elias, 1994).
A ideia de indivíduo faz parte de uma mudança histórica que envolveu a
passagem de uma visão de mundo alicerçada na religião, no transcendente
e na diminuição do poder das instituições mais antigas, para dar lugar a
concepções secularizadas e a um racionalismo cartesiano, centralizado nas
potencialidades individuais (Elias, 1987). A fronteira que separou a
sociedade moderna das sociedades tradicionais pode ser traçada a partir de
uma revolução individualista que produziu no seio das sociedades uma
profunda alteração de valores. A perda da supremacia político-ideológica
da Igreja, o surgimento dos Estados modernos, a formação do político
enquanto domínio separado do religioso foram acontecimentos
concomitantes que deram lugar ao surgimento do individualismo como
ideologia. Assim, o conceito de indivíduo moderno foi construído
gradualmente, de forma que o individualismo como vemos hoje é
historicamente determinado – nasceu fruto do Humanismo do
Renascimento e dos ideais iluministas, representando uma grande ruptura
com o passado.
A revolução individualista efetuou um deslocamento na ênfase
conferida à sociedade como um todo – holismo – para o indivíduo humano
que passou a ser tomado como a encarnação da própria humanidade –
individualismo (Figueira, 1981, p. 59). Nas sociedades tradicionais, os
valores se concentravam na ordem, na hierarquia e na tradição orientando
os seres humanos a agirem em conformidade com o social, contribuindo
como homens coletivos, para o desenvolvimento global da sociedade.
Figueira (1981) afirmou que, nesse caso, o homem era concebido como
um ser social que derivava o que tinha de humano da sociedade como um
todo, da qual é parte integrante. Já nas sociedades modernas
individualistas, a ênfase encontrava-se nos atributos, nas exigências e no
bem-estar de cada indivíduo. Assim, o ser humano passou a ser visto como
elementar e indivisível, ao mesmo tempo que passou a ser um ser
biológico e pensante. Cada homem em particular, enquanto “indivíduo da
espécie (individuum), encarna o todo da humanidade, que é composta por
indivíduos” (p. 60).
Foi somente com o estudo realizado por Alexis De Tocqueville em
1835, acerca da sociedade americana, e publicado como A Democracia na
América que a análise do individualismo, outrora vinculado a um “cego
instinto egoísta, vício do coração” (Tocqueville, 1979, p. 119) deixou de
apresentar uma conotação pejorativa, passando a fazer parte de um corpo
teórico, ligado ao pensamento democrático-liberal. Nesse sentido, Jasmin
(2005) aponta que o conceito de individualismo passou a assumir uma
nova conotação a partir de A Democracia na América (2000):
O fenômeno particular do contexto da modernidade anunciado por
Tocqueville teve como ponto de partida a noção de que a sociedade
democrática está fundada no individualismo, um fenômeno
particular ao contexto da modernidade e distinto do tradicional
egoísmo (p. 54).
Jasmin (2005) afirma que em Tocqueville o individualismo tinha uma
origem democrática e essa noção espraiava-se por todo corpo social,
desenvolvendo-se à medida que se igualavam as condições dos indivíduos,
terminando por configurar-se como algo intrínseco à sua própria natureza.
Dumont (1985) acreditava que o individualismo era capaz de distinguir
a ideologia moderna de todas as outras, ressaltando que a configuração
individualista de ideias e valores que nos é hoje familiar nem sempre
existiu, nem surgiu de um dia para o outro. Através de uma perspectiva
histórica, o autor buscou as características do individualismo moderno na
herança clássica e na tradição judaico-cristã, ressaltando as diferenças
entre o mesmo e aquele encontrado entre os antigos cristãos:
Algo no individualismo moderno está presente nos primeiros
cristãos e no mundo que os cerca, mas não se trata exatamente do
individualismo que nos é familiar. Na realidade, a antiga forma e a
nova estão separadas por uma transformação tão radical e tão
complexa que foram precisos nada menos que dezessete séculos de
história cristã para completá-la, e talvez prossiga ainda em nossos
dias (p. 36).
Machado (2005) chama a atenção para a importância da citação de
Dumont que apontava para as constantes transformações na ideia de
indivíduo que abarcaram, desde os primórdios da tradição judaico-cristã,
passando pelas concepções trazidas pela Reforma Protestante e Calvino,
até os dias de hoje. Para compreender o ponto de vista de Dumont (1992),
é necessário considerar a configuração de dois tipos de sociedades
distintas que apresentam um deslocamento da ênfase valorativa da
sociedade como um todo − holismo − para um tipo de sociedade em que o
indivíduo humano passou a encarnar a humanidade como um todo −
individualismo (Figueira, 1981, p. 60). Entretanto, o que se deve enfatizar
na análise de Dumont é que o mundo moderno colocou todo um sistema de
valores tradicionais “de cabeça para baixo”. A sociedade, outrora
organizada em torno de uma coletividade, transformou-se na
Modernidade, em uma associação de indivíduos autônomos. Se nas
sociedades pré-modernas a ideia de indivíduo era algo da ordem do
impensável e do não humano, o mundo moderno tratou de transformar as
realizações individuais em sociedade no objetivo maior da existência
humana (Dumont, 1992). De fato, a ideologia moderna, baseada nos
princípios cardinais de igualdade e liberdade, supôs como princípio único
a representação valorizada da ideia do indivíduo, ou seja, a humanidade
passou a ser constituída de homens e cada um desses homens, apesar de
suas particularidades, carregava consigo a essência da humanidade. Assim,
o indivíduo adquiriu um status quase sagrado, absoluto, sendo concebido
como uma mônada (p. 52). Essa constatação levou Dumont a afirmar que
todo grupo humano era constituído de mônadas e que a sociedade era nada
menos que uma associação e, de certo modo, uma simples coleção de
mônadas. Nesse sentido, sua análise caminhou para a crítica de um
pretenso antagonismo existente entre indivíduo e sociedade, afirmando
que esse tipo de visão era parte integrante da ideologia moderna, sendo
pouco satisfatório para a observação da sociedade como um todo (p. 55).
Criticando esse tipo de antagonismo, Dumont (1985) afirmou que “o
mundo ideológico contemporâneo é tecido pela interação de culturas que
teve lugar, desde, pelo menos, o final do século XVIII, sendo feito através
das ações e reações do individualismo e de seu contrário” (p. 30). Dessa
forma, numerosas ideias e valores considerados modernos foram, na
realidade, o resultado de uma história cujo transcurso, “modernidade e não
modernidade, ou mais exatamente, as ideias e valores individualistas e
seus contrários, combinaram-se intimamente” (p. 30). Nesse sentido,
Coutinho (2009) ressalta que a análise de Dumont sobre o individualismo
articulou a consolidação da concepção de indivíduo enquanto ser uno,
responsável pelos seus atos e autônomo ao surgimento do cidadão
moderno, célula mínima do Estado democrático da Modernidade. O
individualismo em Dumont remontava, portanto, ao contrato social e às
origens do pensamento democrático, fundamentando a sociedade política
em bases onde os direitos eram iguais para todos, seguindo os postulados
de Hobbes, Locke e Rousseau (p. 57).
Assim, o estudo do individualismo se mistura com a própria história da
ideologia moderna, configurando-se como paradigma de organização
social entre o século XVI e XIX. No entanto, sua conceitualização sofreu
uma evolução não linear ao longo do tempo, através de movimentos
articulados e simultâneos como “versões do mesmo processo de
constituição das subjetividades modernas, através de lutas e acomodações,
entre esferas públicas e privadas” (Figueiredo, 1996, p. 110), participando
da constituição da ideologia moderna em seu caráter filosófico, político,
econômico e religioso. De fato, na atualidade, tanto as ciências humanas
quanto as ciências sociais fazem amplo uso do conceito e é possível
observar na configuração social do mundo ocidental como a questão do
individualismo perpassa as relações humanas. Entretanto, para Machado
(2005), a visão de individualismo atual não se apresenta mais marcada
pela visão de reconhecimento e cooperação entre os homens, conforme a
tradição liberal, mas por um distanciamento cada vez maior entre eles. É
como se na atualidade preponderasse uma indiferença entre os homens,
algo como o que Simmel (1903) chamou de “arrogância blasé” (p. 18) ou
que mais tarde Elias (1987) identificou através da “parábola das estátuas
pensantes” (p. 86), que retrataram o isolamento decorrente da
individualização do mundo moderno – Homo Clausus. De fato, Machado
(2005) afirma que a indiferença entre os homens decorre da dinâmica
estabelecida nas sociedades ocidentais, na qual os indivíduos vivem cada
vez mais próximos uns dos outros em termos espaciais, embora ao mesmo
tempo permaneçam fechados em si mesmos.
Em O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia
moderna (1985), Dumont analisou o processo histórico que originou a
ideologia moderna do individualismo, utilizando o arcabouço teórico da
antropologia social e empregando como metodologia a análise
comparativa entre a sociedade moderna ocidental e a sociedade tradicional
indiana. Estudando a hierarquia do sistema de castas na Índia e a figura
emblemática do renunciante espiritual, investigou a cultura individualista
ocidental desde seus primórdios. A análise sociológica de Dumont (1992)
teve que fazer uso de uma posição metodológica específica para conseguir
levar a cabo a investigação do sistema social ocidental e do sistema de
castas, visto que eram ideologicamente opostos.
Dentro dessa perspectiva, é impossível compreender a ideologia do
sistema de castas enquanto a ideologia moderna for tomada como verdade
universal (Dumont, 1992, p. 48). O individualismo é produto da cultura
ocidental moderna e para uma efetiva análise sociológica é fundamental
uma distinção do conceito de individualismo no plano ideológico – ou
seja, como um sistema de ideias, crenças e valores do indivíduo – e no
plano da realidade (Figueira, 1981, p. 58). Assim, Dumont encontrou dois
significados distintos para a palavra indivíduo. O primeiro remetia ao
sujeito empírico da fala, do pensamento e da vontade, homem particular e
amostra indivisível da humanidade, presente em todas as sociedades e
matéria-prima da sociologia. O segundo significado se referia ao ser moral
racional e independente, essencialmente não social, sujeito normativo das
instituições, tal como definido pela ideologia moderna e presente nas
concepções ideológicas de indivíduo e sociedade (Dumont, 1992, p. 57).
Dumont observou que a palavra indivíduo envolvia, portanto, uma
polissemia que permitia na análise sociológica confundir agentes
empíricos com indivíduos, quer dizer, tomar como indivíduos sujeitos que
não eram indivíduos e não se representavam como tal. Dessa forma, em
uma sociedade como a indiana, não seria possível trabalhar com a
categoria de indivíduo da mesma forma como poderia acontecer em uma
análise antropológica realizada no mundo ocidental (Figueira, 1981, p.
60). Então, Dumont considerava o individualismo um obstáculo para o
conhecimento sociológico, na medida em que a categoria indivíduo
acabava muitas vezes sendo utilizada na pesquisa em ciências sociais para
descrever realidades onde não se justificava seu emprego, como no estudo
da sociedade de castas da Índia (p. 59). Esse tipo de visão generalizada,
tipicamente moderna, produziu distorções e resultados pouco satisfatórios,
levando Dumont (1992) a afirmar que era tarefa da sociologia procurar
“preencher a lacuna que a mentalidade individualista introduziu quando
confundiu o ideal e o real” (p. 53).
Contudo, foi Georg Simmel (1957) quem, ainda no início do século XX,
muito antes do estudo de Dumont, propiciou uma análise ampla e decisiva
para a compreensão da questão individualista, identificando na história
ocidental duas revoluções individualistas. A primeira remontava ao
contrato social de 1789, a partir do qual os indivíduos passavam a ser
considerados unidades equivalentes diante do todo social, dando origem,
no século XVIII, ao individualismo de singleness, centrado na liberdade e
na igualdade entre os indivíduos. A segunda ocorreu no século XIX,
organizada em torno da liberdade e da desigualdade existentes entre os
indivíduos, produzindo o individualismo de uniqueness. A primeira
revolução aproximou-se mais dos ideais iluministas e apontava para uma
revolução quantitativa, em que o indivíduo emergia destacado do conjunto
social, representado através dos ideais da Revolução Francesa de
igualdade, liberdade e fraternidade. A segunda foi uma revolução
individualista qualitativa, de uniqueness, que enfatizou a singularidade do
indivíduo moderno, único, introspectivo, aos moldes do ideário romântico
do século XIX (Figueira, 1981, p. 91).
No individualismo de singleness, ou individualismo latino (Simmel,
1989), ocorreu uma individualização que se processou a partir das
mudanças da Modernidade, tendo como efeito o surgimento de um homem
singular, mas que se apresentava como portador de um arquétipo de um
caráter de um temperamento universal. Segundo Simmel (1989), esse
universal era ligado a um conceito, uma forma, uma lei, que determinava
as existências singulares, das quais cada indivíduo era representante, tanto
por natureza quanto por vontade própria. Assim, nesse modelo de
individualismo, a tendência do indivíduo era a de ser uma individualidade
que tinha sua própria liberdade, mas que se percebia como um
representante de um arquétipo humano. O ser humano universal, o ser
humano em geral, mais do que o ser humano particular e diferenciado,
encontrava-se, portanto, no centro do pensamento da época. Em todo ser
humano, habitava o humano universal, como elemento essencial que
apresentava, no entanto, em sua essência, as leis gerais da matéria
(Simmel, 1957, p. 219). Dessa forma, Simmel (1989) acreditava que o
individualismo do homem do Renascimento era um individualismo
sociobiológico, baseado em uma igualdade natural dos indivíduos.
De fato, o século XVIII encontrou o indivíduo preso a uma série de
vínculos de caráter político, corporativo, agrário e religioso que havia se
tornado opressiva, destituída de significado. Diante de tais restrições,
“ergueu-se o grito de liberdade e igualdade e fez-se necessária uma
mudança significativa, baseada na crença da plena autonomia dos
indivíduos nas relações sociais e intelectuais” (Simmel, 1903, p. 27).
Assim, o individualismo de singleness foi o fruto de uma confluência de
diversos fatores e, é possível considerar que, em sua elaboração político-
econômica, houve por parte da sociedade a “valorização e a promoção da
livre concorrência dos interesses individuais como ordem natural das
coisas” (Simmel, 1957, p. 217). Já em sua elaboração sentimental, a
influência das ideias de Rousseau – para quem a violência exercida sobre
os homens pela sociedade historicamente constituída é a origem de toda
decadência e de todo mal (p. 218) – contribuiu ainda para a afirmação do
indivíduo em face à sociedade. Em termos políticos, os ideais igualitários
da Revolução Francesa estiveram presentes e a influência da filosofia de
Kant e Fichte produziu o eu como suporte do mundo, fazendo da
autonomia absoluta o valor moral por excelência (p. 219).
Entretanto, ao longo do século XIX, ocorreu uma dissolução da síntese
que fundamentava a constituição recíproca das noções de igualdade e
liberdade, resultando em uma segunda revolução individualista (Simmel,
1957). Dessa forma, a ideia de liberdade se manteve, mas a de igualdade
não mais se sustentou, emergindo a necessidade da diferença. Esse foi o
individualismo de uniqueness, ou individualismo germânico (Simmel,
1989), que designava uma individualidade em torno de uma unidade única
e insubstituível, tributária, ao lado do liberalismo econômico do século
XVII, das influências do romantismo alemão no século XIX e das
consequências da divisão econômica do trabalho. Liberados dos vínculos
hierárquicos do passado, os indivíduos passaram a desejar distinguir-se
entre si. O importante não era mais o indivíduo livre como tal, mas o fato
de este ser um ser único e distinto. A escala de valores humanos deixou de
ser constituída pelo ser humano em geral presente em cada indivíduo,
passando a se valorizar a unicidade e a insubstituibilidade qualitativas de
cada um.
No individualismo de uniqueness, as influências da filosofia de
Schopenhauer e da metafísica de Schleiermacher estavam presentes,
contudo foi talvez através do romantismo (Goethe) que o individualismo
alemão se inseriu na consciência do século XIX (Simmel, 1957). Na
verdade, o ethos romântico criou a base da consciência da experiência
desse individualismo, que encontrou na alma romântica do indivíduo
absoluto, acabado e autossuficiente, sua mais forte expressão. Dessa
forma, o individualismo alemão decompôs a síntese do século XVIII que
fundava a igualdade sobre a liberdade e vice-versa, introduzindo a
desigualdade. Nesse sentido, Coutinho (2009) afirma que o pressuposto
básico para a hipótese de Simmel sobre as duas revoluções individualistas
foi a progressiva ênfase na desigualdade entre os indivíduos,
diferentemente da igualdade preconizada nos lemas norteadores da
Revolução Francesa. Assim, é possível afirmar que a segunda revolução
individualista pôde conferir maior ênfase à desigualdade entre os
indivíduos – em substituição à proposta igualitária (presente nos lemas
norteadores da Revolução Francesa) do individualismo de singleness.
Em suma, a cultura europeia moderna produziu o conceito de indivíduo
como equação entre o eu e o mundo. O individualismo de singleness
permitiu a liberdade e a igualdade entre os indivíduos, o que determinou o
liberalismo racionalista da França e da Inglaterra, enquanto o
individualismo de uniqueness propiciou a unicidade e a incomparabilidade
entre os indivíduos, dentro de um ponto de vista germânico (Simmel,
1957). Na constituição dos princípios econômicos, o século XIX
seguramente uniu as duas variações de individualismo. A doutrina da
liberdade e da igualdade encontrava-se na base da livre concorrência,
enquanto a ideia de personalidades únicas e diferenciadas foi a base
fundamental da divisão de trabalho. Esses dois grandes princípios – a
concorrência e a divisão do trabalho – foram responsáveis ao mesmo
tempo e de forma indissociável pela economia e pela constituição social
dos indivíduos no século XX (p. 225).
As contribuições de Simmel sobre o individualismo foram ainda
fundamentais para a compreensão das transformações sociais ocorridas ao
longo do século XX, no qual a crescente industrialização e o crescimento
das metrópoles e da vida social serviram de palco para a consolidação da
ideia de indivíduo tal como é pensado hoje (Elias, 1987; Figueiredo, 1996;
Bezerra, 2002). É possível ainda afirmar que o individualismo de
uniqueness descrito por Simmel, na medida em que se referia a uma
dimensão subjetiva e singular do indivíduo, foi fundamental para o
nascimento da psicanálise e para a constituição da ideia de sujeito
(Figueiredo, 1996).

A sociologia de Georg Simmel


Os trabalhos de Simmel datam do início do século XX, período em que
a sociologia ainda não havia adquirido status oficial, de maneira que,
nessa época, diversos intelectuais apresentavam uma formação eclética e
seus trabalhos versavam sobre filosofia, psicologia, história, sociologia e
economia. Segundo Evaristo de Moraes Filho (1983), Simmel era um
escritor prolífico e brilhante conferencista que se entregava ao estudo dos
mais variados assuntos de forma enciclopédica. Faltava-lhe, no entanto,
certa disciplina acadêmica, o que dificultou sua carreira universitária,
acrescido ao fato de ter ascendência judaica. Com Weber e Tönnies,
fundou a Sociedade Alemã de Sociologia. Após sua morte, sua obra ficou
um tanto obscurecida, em grande parte devido ao formalismo sociológico
que consagrou Marx, Weber e Durkheim como pais fundadores da
sociologia (Waizbort, 2000). Entretanto, nas últimas décadas, sua obra tem
atraído atenção pela atualidade e relevância com que aborda temas de
interesse para o mundo contemporâneo, como a filosofia do dinheiro, a
vida nas grandes metrópoles ou a questão do individualismo.
Ainda para Moraes Filho (1983), não é fácil apontar suas filiações
teóricas, na medida em que Simmel raramente referia-se a suas fontes,
entretanto a influência de Kant foi notória em seu pensamento. O dualismo
entre forma e matéria está sempre presente em seus escritos, bem como
um psicologismo e o vitalismo, que fizeram parte de sua obra até o final,
quando já enfermo dirigiu então sua atenção para reflexões sobre a
filosofia da vida. Da mesma forma que Moraes Filho, Vandenberghe
(2005) acredita que a filosofia de Simmel apresentava uma síntese
sofisticada de neokantismo, através da oposição entre formas, conteúdos e
um vitalismo devido à ideia de interação.

A sociologia formal, o estudo das formas de


sociação nas relações indivíduo-sociedade
Uma das preocupações de Simmel em Sociologia (1908a) era apontar
diretrizes para a construção da ciência da sociologia. Na época, a principal
dificuldade era encontrar um conjunto de problemas singulares que,
deixado de lado por outras ciências, tivesse no conceito de sociedade um
elemento a partir do qual se visualizasse um ponto nodal comum.
Entretanto, mesmo quando esses elementos apontavam para a
possibilidade de uma unidade temática, uma investigação mais
aprofundada esbarrava sempre na ideia de sociedade, levando Simmel
(1908a) a indagar: como é possível a sociedade?
A busca dessa resposta conduzia sempre para a ideia de indivíduo, na
medida em que era notória a afirmação e a crença de que “só existem
indivíduos e somente a eles podem ser atribuídas realizações e
experiências” (Simmel, 1908a, p. 60). Dentro desse ponto de vista, a
sociedade era uma abstração indispensável para fins práticos e para uma
possível síntese dos fenômenos, mas não um objeto real que existisse além
dos indivíduos e dos processos que eles vivenciavam. No entanto, se
somente as existências individuais eram verdadeiras, não se podia falar de
fenômenos que aconteciam na realidade em termos coletivos e a sociedade
passava a ser, portanto, um conceito abstrato. Entretanto, todos os
agrupamentos e as configurações coletivas que eram objeto de
investigação não poderiam ser constituídos apenas pelas particularidades
das formas individuais de existência envolvidas (Simmel, 1917, p. 12). A
sociedade não era uma mera representação, ainda que ela só existisse
graças aos elementos particulares diante dos quais assumia uma posição
independente. De fato, o que se podia conhecer cientificamente sobre os
indivíduos humanos eram apenas traços específicos e singulares que se
apresentavam em situações de influência recíproca e que exigiam
compreensões e deduções independentes. Entretanto, somente quando em
interação, era possível realmente compreender esses elementos (Simmel,
1908a).
A sociedade em Simmel era, portanto, uma resultante das ações e das
reações dos indivíduos entre si, isto é, de suas interações. Tratava-se de
processos psíquicos “intermentais” (Moraes Filho, 1983, p. 20), cujos
suportes, como sujeitos de ação, eram os indivíduos, as suas consciências
e a totalidade da sua vida psíquica. Assim, a sociedade significava que os
indivíduos estavam ligados uns aos outros por intermédio de influências
mútuas que exerciam entre si e pela determinação recíproca que exerciam
uns sobre os outros, formando uma unidade, uma sociedade (Simmel,
1917, p. 18). Nesse sentido, para Simmel (1908a), a sociedade não era algo
estático e acabado, pelo contrário, era sempre algo que acontecia que
estava acontecendo, em constante vir a ser. Esse processo fundamental
Simmel nomeou de Verguellschaftung – socialificação, que significa
“mais do que sociedade”. No Brasil, o termo foi traduzido, segundo
Moraes Filho (1983, p. 21), seguindo as sugestões dos simmelianos norte-
americanos, por sociação, para evitar confusões com socialização e com
associação.[1]
Em Sociologia (1908a), Simmel propôs como disciplinas científicas três
espécies de sociologias que se completavam: a sociologia geral, a
sociologia filosófica e a sociologia pura ou formal. A sociologia geral era
um subproduto da sociologia formal e tinha como objeto a análise de
processos particulares em diferentes estágios de desenvolvimento, bem
como as bases das instituições sociais e da vida histórica a nível social e a
nível individual (p. 26). Já a sociologia filosófica preocupava-se com os
aspectos epistemológicos e metafísicos da sociedade, repensando os
pressupostos metodológicos da disciplina, favorecendo a análise através
de uma perspectiva trans-sociológica do indivíduo (p. 35). A sociologia
pura ou formal tinha por objeto as formas sociais como organizadoras da
matéria social, na medida em que conferiam a elas estrutura e
continuidade. Tratava-se, portanto, de identificar relações duráveis,
irredutíveis e independentes, isto é, formas que se diferenciavam dos
conteúdos concretos que eram infinitamente variáveis e que se
apresentavam no universo das relações intersubjetivas quer na família, na
escola, no exército ou na igreja (Moraes Filho, 1983, p. 24). O objetivo era
sempre atingir a forma final.
A sociologia formal de Simmel configurou-se então como disciplina
autônoma, diferenciada das outras ciências sociais, especializada na
análise das formas de sociação. Como estudo sistemático das formas
estruturantes dos processos de interação, a sociologia formal era uma
sociologia interacionista que analisava não apenas as interações
interindividuais, mas também as instituições e as organizações como
interações de interações.
O processo básico de sociação se constituiu através dos impulsos,
interesses e objetivos dos indivíduos, assim como pelas formas que essas
motivações assumiam. Dessa forma, no processo de sociação, tornava-se
necessária a distinção entre a forma e o conteúdo, no entanto, assim como
não existiam formas vazias, não havia conteúdo sem forma. Com essas
noções, Simmel (1908a) procurava encontrar não a matéria da vida social,
mas a forma pela qual a sociologia era feita, ou seja, quais as formas de
sociação que compunham a sociedade. A sociologia formal tinha como
objetivo abstrair indutivamente as formas de sociação de seus conteúdos,
isto é, dos materiais vivos, dos conteúdos que preenchiam essas formas,
buscando encontrar aquilo que estruturava as interações (Vandenberghe,
2005, p. 84). Ou seja, a sociação era a forma realizada de diversas
maneiras, em que os indivíduos se constituíam como uma unidade, na qual
podiam realizar seus interesses. Assim, somente quando as formas de
sociação humana fossem estabelecidas, poderia-se pensar em resolver a
questão do que era sociedade.
Ao longo de dez capítulos e treze digressões, organizados e publicados
em dois volumes da Sociologia de 1908a, Simmel procurou analisar,
descobrir e exemplificar essas condições formais, revelando as
combinações e as interações entre os indivíduos e as distinções
metodológicas entre forma e conteúdo no domínio da vida social. Levine
(1971) aponta nada menos do que seiscentas formas de sociação diferentes
apresentadas por Simmel ao logo de sua obra. Essas formas se reuniam em
linhas gerais em torno de processos sociais (divisão do trabalho,
encontro), tipos sociais (o estrangeiro, o pobre, o cínico) e formações
desenvolvimentais (cruzamento de círculos sociais, desenvolvimento da
personalidade etc.) (p. 54).
Dentre alguns dos capítulos apresentados em Sociologia (1908a) que
exemplificavam algumas formas de sociação, encontra-se a
“Determinação quantitativa dos grupos sociais” (Simmel, 1908a, p. 90),
no qual Simmel analisou tipos de interação entre membros de pequenos e
de grandes grupos, procurando identificar características produzidas de
acordo com condições numéricas grupais. No que se referia aos pequenos
grupos, o autor apresentou exemplos relacionados à interação, tanto nas
sociedades socialistas de pequeno porte, quanto nas seitas religiosas ou
nas inter-relações aristocráticas. Quanto aos grandes grupos, sua análise se
reportava às massas e a questões relativas às interações e ao tamanho do
grupo, bem como à coesão e ao radicalismo (p. 91).
Os processos de dominação e subordinação que se referiam à dinâmica
das interações entre dominante e dominado no interior da sociedade
também foram objeto de análise das formas de sociação simmelianas. A
dominação era uma forma de interação específica e estava diretamente
relacionada à subordinação e a fatores de inclusão e exclusão, coerção e
dominância, autoridade, prestígio e liderança, presentes nas inter-relações
sociais (Simmel, 1908a, p. 107).
O conflito enquanto interação foi ainda outra importante forma pura de
sociação (Simmel, 1908a, p. 122) tão fundamental à vida coletiva quanto o
próprio consenso. O conflito se destinava a resolver dualismos divergentes
entre os componentes da sociedade e funcionava como um modo de atingir
algum tipo de unidade, ainda que através da aniquilação do adversário.
Para Simmel, o conflito era inerente às relações entre os homens e
significava a própria negação da unidade embora acabasse funcionado
como força integradora do grupo. Não era patológico, tampouco nocivo à
vida social, pelo contrário, era condição para a sua própria manutenção,
além de ser um processo fundamental para a mudança entre formas de
organização (Moraes Filho, 1983, p. 23).
Já na análise da competição (Simmel, 1908a), que também considerava
uma forma indireta de conflito, Simmel atribuiu a ela uma função
sociativa e civilizadora. Isto é, se por um lado no conflito existia uma
hostilidade que motivava a disputa e que poderia levar até a aniquilação
mútua dos concorrentes, causando prejuízos à sociedade como um todo,
por outro lado, do ponto de vista da sociedade, a competição oferecia uma
motivação subjetiva produzindo valores sociais objetivos. Na competição,
cada uma das partes concorrentes buscava uma aproximação, um
conhecimento maior da outra parte, o que terminava por criar novos
vínculos e conexões que produziam um efeito sociativo (p. 139).
Existia ainda uma forma de sociação que se constituiu como importante
ferramenta de análise das formas de interação social representada pelo
jogo. De fato, para Simmel (1917), as forças, as carências e os impulsos
reais da vida produziam modalidades de comportamento que podiam se
expressar através desse modelo, em que as formas tornavam-se autônomas
em relação aos conteúdos. A coqueteria revelou, por meio do erotismo e
da arte da sedução, uma interação que envolvia um jogo dinâmico de
aproximações e afastamentos do objeto de desejo apresentado através de
um comportamento coeso, mas de oposições polares, composto de ações e
reações interativas. No caso da coqueteria, o importante eram as formas
presentes no jogo de sedução e não o conteúdo veiculado. Essas formas,
apresentadas no jogo, eram formas de sociação que remetiam a outro
importante conceito simmeliano no estudo da sociologia formal: o
conceito de sociabilidade (p. 59).
A sociabilidade funcionava como forma lúdica de sociação, ou seja,
revelava um processo em que conteúdo e forma da existência social
encontravam-se separados. As formas adquiriam na sociabilidade uma
vida própria, livre dos conteúdos materiais, revelando, através de uma
sequência de ações e reações, configurações puras sem qualquer finalidade
objetiva (Simmel, 1917, p. 62). Na sociabilidade estava compreendido
tudo o que se poderia definir com base na forma sociológica do jogo.
Dessa forma, os jogos de sociedade (p. 72) se constituíam como a livre
expressão das formas de sociabilidade. Assim, em todas as formas de
sociação estabelecidas entre os seres humanos – tais como o desejo de
ganhar ou superar o outro, a troca, a formação de partidos, a oposição e a
cooperação, o engodo, a revanche – era possível entrever a dinâmica de
um jogo. Neste, os elementos ganhavam vida própria e eram movidos por
reações de atração e repulsa, movimentos que faziam parte da interação
mútua entre os indivíduos.
Assim, para Simmel (1908a), uma sociação resultava da interação do
indivíduo com seus pares e o jogo de interações entre eles era o substrato
vivo do social: “A sociedade como tal não existe; há somente indivíduos
em interação” (p. 61). Dessa forma, as interações e a reciprocidade de ação
entre os indivíduos eram a condição necessária e suficiente da sociedade.
Assim, como a sociedade pressupunha o indivíduo, o indivíduo
pressupunha a sociedade, e a conexão entre eles realizava-se pela
interação, sendo, portanto, veículo de sociação – quando os indivíduos
formavam uma unidade em interação – e de socialização, porque era
somente através de um agir entre eles que se tornavam produtores e
produtos de uma sociedade.
Nesse momento, a pergunta feita por Simmel no início de Sociologia
(1908a) retorna: como a sociedade é possível? Muitos anos mais tarde,
Norbert Elias procurou respondê-la.

Norbert Elias e o modelo de representação dos


indivíduos interdependentes
Segundo Heinich (2001), o lugar de Norbert Elias na história intelectual
não é fácil de definir, devido à originalidade e diversidade de temas a que
se dedicou. Judeu, nascido na Alemanha no final do século XIX, depois de
estudar medicina e filosofia, graduou-se em sociologia. Sua trajetória de
vida poderia ser confundida com a própria história do século XX, marcada
pelas grandes guerras e pelo antissemitismo. Talvez sua biografia
acidentada tenha levado seu pensamento a ultrapassar as fronteiras
habituais de uma única ciência, englobando contribuições que envolveram
diversas áreas do conhecimento. O pensamento intelectual de Norbert
Elias obteve um reconhecimento tardio, no entanto, a multiplicidade de
temas que abordou conduziu a campos inexplorados da pesquisa em
ciências humanas e sociais.
A sociologia de Norbert Elias sofreu influências diretas de Georg
Simmel, Max Weber e Karl Marx (Garrigou & Lacroix, 1997), estando
estreitamente vinculada à sociologia da cultura que, no século XX,
encontrava-se em processo de formação e institucionalização na Europa
(Neiburg & Waizbort, 2006). Embora suas contribuições tenham sido
pouco utilizadas pela psicanálise, a influência freudiana estava presente
em muitas de suas ideias. Elias desempenhou ainda um importante papel
na construção do arcabouço teórico da grupanálise inglesa, visto que foi
um dos principais articuladores, junto a Foulkes (1964), da fundação da
Sociedade de Grupanálise de Londres.
Em relação à questão do individualismo moderno, Norbert Elias
apresentou ainda importantes contribuições para a análise das relações
entre indivíduo e sociedade, na medida em que, ao conceber o mundo
social como uma rede de relações, vislumbrou a dimensão coletiva das
identidades individuais.

A individualização e a balança nós-eu na sociedade


dos indivíduos
A ideia de indivíduo, paradigmática da modernidade ocidental, bem
como inúmeros conceitos utilizados hoje na vida cotidiana encontram-se
impregnados pelo racionalismo moderno, transformando em oposições
dualistas o que no passado era visto de forma mais integrada. Nesse
sentido, a partir de três ensaios redigidos ao longo de cinquenta anos e
reunidos em A Sociedade dos Indivíduos (1987), Norbert Elias apresentou
uma importante contribuição para a sociologia do século XX quando
propôs uma reflexão sobre a aparente oposição indivíduo-sociedade que
norteava grande parte do mal-estar ocidental contemporâneo.
De acordo com Elias (1970, 1987), a oposição entre indivíduo e
sociedade transmitiu uma visão equivocada dessa relação na medida em
que não seria através de antinomias, mas pelas interdependências entre os
indivíduos e a sociedade que a análise deveria se encaminhar. Tomando
essa premissa como base, o trabalho de Elias teve como meta principal a
compreensão do processo social que conduziu ao desenvolvimento da
individualização nas sociedades modernas. Segundo Heinich (2001), Elias
empreendeu o que ele próprio denominou de uma “revolução copernicana”
ao tratar das questões que envolviam indivíduo e sociedade, não como
relações estanques, “mas como processos relacionais, portanto
dessubstancializados, e evolutivos, no sentido de serem contextualizados e
historicizados” (p. 130).
No início de A Sociedade dos Indivíduos (1987), Elias afirmou que a
relação da pluralidade de pessoas com a pessoa singular, chamada de
indivíduo, bem como a relação da pessoa singular com a pluralidade de
indivíduos não parecia ser nada clara no mundo moderno. Apesar do fato
de as análises sobre o assunto terem utilizado conceitos como indivíduo e
sociedade, elas se apresentavam de maneira antagônica e dicotômica. O
primeiro conceito concebia o ser humano como uma entidade existente em
pleno isolamento, enquanto o segundo oscilava entre dois polos opostos e
equivocados (1987). Assim, por um lado, era possível compreender a
sociedade como a mera acumulação de pessoas individuais e, por outro,
ela podia ser vista como um objeto que existia para além dos indivíduos.
Tal estado de coisas fazia com que “o ser humano singular, rotulado de
indivíduo, e a pluralidade das pessoas, concebida como sociedade,
parecessem duas entidades ontologicamente diferentes” (p. 7). De acordo
com Elias (1987), a sociedade só existia porque reunia um grande número
de pessoas e somente funcionava porque isoladamente as pessoas a faziam
funcionar. No entanto, sua estrutura e suas grandes transformações
históricas independiam das intenções de qualquer pessoa em particular.
Partindo dessa definição, Elias (1987) afirmou que a resposta para essas
questões conduzia a “dois campos opostos”. Por um lado, existia a ideia de
que as “formações sócio-históricas eram concebidas, planejadas e criadas
por diversos indivíduos ou organismos, como se fossem uma criação
racional e deliberada de uma obra realizada por pessoas individuais” (p.
13). Já de acordo com outro ponto de vista, o indivíduo não desempenhava
papel algum nas transformações sócio-históricas. Nesse caso, os modelos
conceituais utilizados para a explicação da questão eram provenientes das
ciências naturais, especialmente da biologia e visavam a interpretar e a
explicar os processos sociais de longa duração através de uma
cientifização do pensamento (Landini, 2005). Nesse ponto de vista, “a
sociedade é considerada como uma entidade orgânica, supraindividual que
avança inelutavelmente para a morte” (Elias, 1987, p. 14), ou seja, essas
concepções viam como inevitável um percurso único de ascensão e de
declínio das sociedades. Eram abordagens que procuravam explicar as
formações e os processos sócio-históricos pela influência de “forças
supraindividuais anônimas” (p. 18) e consideravam que “os processos
sociais se constituíam como ciclos vitais que se repetiam
inescapavelmente da mesma forma” (p. 64).
Em relação às visões psicológicas sobre o assunto, Elias apontou
também para controvérsias. Por um lado, algumas tentativas de
compreensão das relações entre os seres humanos viam o indivíduo
singular, como “algo que poderia ser isolado e elucidado na estrutura de
suas funções psicológicas sem relação com os demais indivíduos” (Elias,
1987, p. 68). Por outro lado, correntes na psicologia social ou de massa
não reservavam nenhum lugar às funções psicológicas individuais –
atribuindo à sociedade uma origem supraindividual e às massas uma alma
própria que transcendia as almas individuais – acreditando que as
formações sociais possuíam uma anima coletiva ou uma mentalidade
grupal e que a sociedade era uma mera acumulação aditiva de indivíduos
(p. 15).
Na sequência, Elias (1987) afirmou criticamente que “é como se as
psicologias do indivíduo e da sociedade fossem duas disciplinas
completamente distinguíveis, como se houvesse um abismo intransponível
entre indivíduo e sociedade” (p. 14) alertando para o fato de que esse
abismo entre indivíduo e sociedade não existia na realidade, pois
“ninguém duvida de que os indivíduos formam a sociedade e que toda
sociedade é uma sociedade de indivíduos” (p. 14). Nesse sentido, Henry
(1997) ressalta que as palavras indivíduo e sociedade para Elias designam
processos distintos e indissociáveis, ressaltando que a reflexão sobre a
questão deve passar de um ponto de vista substancialista para um modo de
pensamento relacional (p. 146). Entretanto, inúmeros entraves dificultam a
reflexão sobre tais antinomias, já que tradicionalmente os seres humanos
se percebem como indivíduos e têm uma noção do que é a sociedade
embora suas ideias sobre esses conceitos nunca cheguem a coalescer
(Elias, 1987). De fato, foram séculos de cartesianismo e de uma profunda
e arraigada noção de indivíduo – livre, uno e autônomo – fundamentando a
experiência do homem contemporâneo.
Em 1939, época da confecção do primeiro ensaio da Sociedade dos
Indivíduos, ganhava corpo e importância na psicologia a teoria da Gestalt,
fundada em torno da ideia de que o todo é maior do que a soma de suas
partes (Lewin, 1948). Embora as teorias gestálticas estivessem presentes
desde o início do século na Alemanha, entendendo os fenômenos
psicológicos como um conjunto autônomo, indivisível e articulado em
suas configurações, organizações e leis internas, Elias (1987, p. 16)
encontrou na Gestalt um elemento de apoio para a compreensão mais
profunda do fenômeno indivíduo-sociedade. Dessa forma, através de
exemplos retirados da dança e da música, analisou as relações entre a parte
e o todo tanto em composições musicais quanto em passos de dança e
coreografias e pôde construir modelos conceituais que facilitaram a
reflexão sobre a intrínseca relação entre indivíduo e sociedade (p. 25).
Partindo dessas analogias, Elias (1987) revelou que a sociedade era mais
do que a mera aglomeração de indivíduos. Na verdade, esses exemplos
tinham em comum a ideia de que “é necessário desistir de pensar em
termos de substâncias isoladas, únicas, e começar a pensar em termos de
relações e de funções” (p. 25).
Assim, partindo da premissa de que seria um erro aceitar sem
questionamentos a natureza antitética dos conceitos de indivíduo e
sociedade, Elias (1987) propôs-se a investigar a origem desses conceitos.
Os termos individual e social podiam ser encontrados em todas as línguas
europeias, tendo uma origem comum em sociedades medievais (p. 129).
Esses termos, no entanto, nem sempre fizeram parte do vocabulário da
sociedade ocidental e houve momentos na história em que a ideia de
individual e social não existia ou não fazia sentido. Dentro desse ponto de
vista, as considerações de Elias conduzem às sociedades holistas, em
especial à indiana, estudadas por Dumont, nas quais a ideia de indivíduo
só podia ser atribuída (em seu negativo) à figura do renunciante espiritual
(Dumont, 1985).
O conceito de indivíduo é, portanto, recente, tendo sido construído ao
longo de um processo no qual a identidade-eu e a identidade-nós (Elias,
1987, p. 173) foram-se mesclando e diferenciando, em um continuum
sócio-histórico e evolutivo das sociedades primitivas para as sociedades
modernas, dando a ideia de serem ontologicamente diferentes (p. 56). Nas
sociedades mais primitivas, o sentido de nós era muito mais marcado, e a
vida e o trabalho em comunidade, as tradições e o panteísmo religioso
conduziam a uma vida centrada na coletividade. O eu tinha pouca
importância e a sobrevivência da comunidade era vital. A concepção do eu
humano e do mundo, outrora alicerçadas na religião e no poder
hierárquico, deram lugar na modernidade a concepções secularizadas e ao
surgimento de novas formas de “autoconsciência”, autônomas e
individuais, que se relacionam com o surgimento do individualismo
moderno e com a crescente “individualização no processo social” (p. 102).
Essas transformações derivavam-se da comercialização crescente, da
formação dos Estados, da ascensão de ricas classes aristocráticas e urbanas
nas sociedades modernas. Nestas, a divisão de funções e o monopólio dos
bens e dos valores sociais acabaram se estabelecendo, gerando uma
enorme modificação no caráter econômico e psicológico do
comportamento humano que favoreceu um processo de individualização
(p. 56). Desse modo, Elias pôde afirmar que a formação individual de cada
pessoa dependia intrinsecamente das modificações históricas do padrão
social e da estrutura das relações humanas, ou seja, para ele “a
individualização era contingente ao processo civilizador” (p. 102). Nesse
sentido, os avanços no processo de individualização durante a Renascença
não foram consequência de mudanças isoladas, mas eventos sociais
resultantes de uma profunda transformação na sociedade, provocada pela
desarticulação de antigos grupos hierárquicos e alterações na posição e no
estrato social desses grupos. Foram, em suma, fruto de uma reestruturação
específica nas relações humanas. Assim, de forma gradual e
principalmente construída, foi nascendo o conceito de indivíduo:
A imagem que fazemos do homem hoje teve uma emergência tardia
na história da humanidade, começando lentamente a partir de
pequenos círculos na sociedade antiga [...] e a partir do
Renascimento, quando foram se formando, lentamente, em diversas
sociedades, até serem presumidas como um dado (Elias, 1987, p.
81-85).
Dessa maneira, o que hoje se assemelha a um conceito universalmente
válido pode ser percebido como algo que foi instituído através de um
processo histórico relativamente recente. De fato, a imagem que os seres
humanos têm hoje de si enquanto indivíduos não deve ser presumida como
dada a priori, mas como o resultado dessas transformações específicas que
afetaram, segundo Elias (1987), as três coordenadas básicas da vida
humana: a formação e posicionamento do indivíduo dentro da estrutura
social, a própria estrutura social e a relação dos seres humanos sociais
com os acontecimentos do mundo não humano (p. 85).
A relação entre a identidade-eu e a identidade-nós, denominada por
Elias (1987) de balança nós-eu, não se estabeleceu tampouco de uma vez
por todas no decurso da história, estando também sujeita a transformações
muito específicas. Na atualidade, a função primordial da palavra indivíduo
transmite a ideia de que todo ser humano é uma entidade autônoma,
diferente dos demais. Desse modo, é característico na estrutura das
sociedades ocidentais que as diferenças entre as pessoas, sua identidade-
eu, sejam mais valorizadas do que aquilo que elas têm em comum, sua
identidade-nós. Nas sociedades mais simples, ocorria justamente o
contrário, já que era comum que a identidade-nós suplantasse a
identidade-eu. O Estado romano republicano da Antiguidade foi um
exemplo clássico de um momento histórico em que o sentimento de
pertencer à família, à tribo e ao Estado, isto é, à identidade-nós de cada
pessoa isolada, tinha muito mais peso do que hoje na balança nós-eu.
Assim, a identidade-nós era praticamente inseparável da imagem da
pessoa individual. A ideia de um indivíduo sem grupo, de uma pessoa
despojada de referência ao nós fazia naquele momento muito pouco
sentido (p. 130). Consequentemente, não havia nem a necessidade de um
conceito universal relativo à pessoa isolada enquanto entidade “quase
agrupal”, nem tampouco uma palavra nas línguas antigas que designasse o
equivalente ao conceito de indivíduo.
As transformações sociais e psíquicas de grupos relativamente
pequenos, que agiam de forma imediatista, com necessidades simples e de
satisfação incerta, em grupos mais populosos, com divisão mais nítida e
especializada de funções e necessidades mais diversificadas, provocaram
alterações significativas na balança nós-eu (Elias, 1987, p. 102). Ao longo
desse processo, um número cada vez maior de pessoas passou a viver em
torno de uma crescente dependência mútua e com tarefas
progressivamente mais especializadas, ao mesmo tempo os indivíduos
foram se diferenciando cada vez mais uns dos outros (p. 108).
Essas mudanças culminaram na individualização dos seres humanos no
processo social, bem como propiciaram transformações psicológicas nas
inter-relações entre as pessoas e mesmo no interior de cada uma delas
(Elias, 1987, p. 113), que levaram ao “desenvolvimento da
autoconsciência, a contenção de impulsos e a postergação de
necessidades” (p. 110). O processo de individualização, bem como o
crescente controle das forças naturais pelos seres humanos, só foram
possíveis, no entanto, dentro de um contexto e de uma estrutura social
organizada, mediante novas e mais complexas interdependências,
características das sociedades industrializadas que também possibilitaram
“um processo crescente de autocontrole dos afetos e dos instintos de curto
prazo ao longo do processo civilizador” (Neiburg & Waizbort, 2006, p.
225). Assim, o processo civilizador seguiu em uma dada direção na qual o
autocontrole passou a ter um papel cada vez mais importante na
construção de um mundo civilizado em detrimento de forças coercitivas
externas (Landini, 2005, p. 45). O estabelecimento de padrões sociais de
comportamento, através de uma crescente internalização de hábitos e
contenção de impulsos, determinou as mudanças psicológicas necessárias
à criação de uma diferente estrutura social. De fato, o que ocorreu foi
resultado da íntima conexão entre a estrutura social e a economia dos
afetos, isto é, a inter-relação entre a dinâmica social e a dinâmica
psicológica no processo civilizador (Landini, 2005).
A teoria do processo civilizador e as noções de processo social foram
alvo de severas críticas da comunidade científica que, através de uma
compreensão errônea baseada no senso comum, insistiam em seu pretenso
evolucionismo ou no caráter teleológico da sociologia eliasiana (Neiburg
& Waizbort, 2006, p. 9). Tais resistências baseavam-se na “dificuldade de
compreensão da dimensão temporal das figurações sociais, identificando
apressadamente ‘transformação’ e ‘gênese’ com ‘evolução’” (Neiburg &
Waizbort, 2006, p. 12). Na verdade, a teoria do processo civilizador
descrevia as investigações sociogenéticas e psicogenéticas sobre o
processo de civilização de uma forma articulada e interdependente que
possibilitava a análise de diferentes dimensões de um mesmo fenômeno
histórico-social (Garrigou & Lacroix, 1997). Apesar de não nos determos
com maior profundidade em considerações sobre as intrínsecas relações
entre o processo civilizador e a relação indivíduo-sociedade, a ideia de
processo – evolutivo, mas não linear (Menell, 1997) – foi fundamental na
leitura de Elias sobre o indivíduo e a sociedade. Dentro dessa perspectiva,
Elias (1987) postulou que a relação indivíduo-sociedade “era tudo menos
imóvel” (p. 146) estando em constante transformação, refletindo as
mudanças ocorridas ao longo do processo civilizador tanto na maneira
como a sociedade era compreendida quanto na maneira como as diferentes
pessoas que formavam essas sociedades entendiam a si mesmas, isto é,
como relacionavam-se com sua autoimagem e a composição social –
aquilo que denominou de habitus (p. 150) – dos indivíduos.
O conceito de habitus foi intensamente analisado por Elias em Os
Alemães (1989), sendo largamente utilizado na sociologia contemporânea
e tendo sido incorporado por Pierre Bourdieu (1986) à sua obra dentro de
uma perspectiva conceitual bastante semelhante (Mennell, 1997). O
habitus evidenciou a dependência do indivíduo em relação aos
comportamentos ao mesmo tempo aprendidos e próprios de um
determinado grupo, não estando, contudo, relacionado à livre escolha do
indivíduo. Assim, o conceito de habitus englobou desde comportamentos
mais individualizados até comportamentos mais compartilhados pelos
componentes de um mesmo grupo que, para Elias, poderiam ser os
membros de uma mesma identidade-nós ou de uma identidade nacional
específica (Elias, 1987, p. 172; Heinich, 2001, p. 131). O conceito de
habitus em Elias possibilitou contornar as dicotomias entre indivíduo e
sociedade, revelando que as emoções e disposições vividas em nível
individual estavam estreitamente relacionadas a processos coletivos de
incorporação inconsciente de padrões e comportamentos sociais (Heinich,
2001, p. 132). Nesse sentido, Elias acreditava que o habitus social de um
indivíduo fornecia o solo para o florescimento das diferenças pessoais e
individuais de forma que a individualidade de uma pessoa representava,
em certo sentido, a elaboração pessoal de um habitus social comum (Elias,
1987, p. 172).
Essas questões fizeram parte de muitas das ideias veiculadas através da
teoria sobre o processo civilizador, desenvolvidas na década de 1930, mas
somente publicadas em 1968. A ideia de processo civilizador vista em
conjunto com a noção de processo social teve em Elias uma inspiração
muito específica, ancorada na sociologia da cultura de Weber em processo
de formação e institucionalização (Neiburg & Waizbort, 2006, p. 8). Na
apresentação para a língua portuguesa de O processo civilizador (1990
[1939a], 1993 [1939b]), Renato Janine Ribeiro afirmou que Elias adotava
a tese de que a condição humana era uma lenta e prolongada construção do
próprio homem, rompendo assim com a ideia de uma natureza já dada,
bem como com a ideia da inteligibilidade última do ser, ou seja, “nem a
condição humana era absurda, pois ela descrevia um sentido, nem este era
conferido fora das relações humanas” (Elias, 1939b, p. 9).

A teoria das figurações


O termo figuração ou configuração[2] foi cunhado por Elias como
contraponto à noção de Homo Clausus – que significava “homem fechado
em si mesmo” ou “personalidade fechada” – expressão que traduzia para o
autor o estágio das ciências sociais no final do século XIX e início do XX
(Elias, 1987). Nesse sentido, o conceito de figuração surgiu devido à
necessidade de eliminar a dualidade entre sujeito e objeto e de afirmar a
impossibilidade de priorizar o individual sobre o social ou vice-versa.
Dessa forma, a noção de interdependência encontrava-se intimamente
ligada à ideia de um equilíbrio de forças, relacionando-se ainda a
processos de estigmatização e de tensões na desigualdade (Elias, 1970).
Evidentemente apresentava uma inspiração estruturalista, mas sua
dinâmica alterou o contexto da análise das oposições dualistas para
relações entre sistemas e jogos de força. Em todo caso, promoveu o
deslocamento do debate outrora restrito a questões do indivíduo para a
dinâmica dos grupos sociais em diferentes campos interpenetráveis (Elias,
1987, p. 264).
Em obras como Sociedade de corte (1969) e A Sociedade dos indivíduos
(1987), Elias tratou das interdependências associando-as, na primeira obra,
à organização da corte francesa durante o Antigo Regime e, no terceiro
ensaio da Sociedade dos indivíduos, à Guerra Fria. Ele acreditava que a
compreensão sociológica da importância das interdependências ainda
estava em seu início na medida em que o paradigma da tradição intelectual
ocidental continuava a se basear em um duplo dualismo de sujeito/objeto,
causa/efeito. Nesse sentido, o dualismo ontológico, a representação de um
mundo cindido em sujeitos e objetos, dava a impressão de que os sujeitos
poderiam existir sem os objetos. Assim, quando se observava, no plano
ontológico, “unidades que se encontravam em relação de interdependência
funcional, estávamos diante de sistemas que não podiam ser apreendidos
dentro de um modelo mecânico de causa e efeito” (Elias, 1987, p. 82).
Assim, a questão se tratava de mudar radicalmente de modelo de
representação do mundo social – ou de paradigma sociológico –
substituindo a causalidade linear que ligava substâncias separadas pela
circularidade da “interdependência de funções” (Heinich, 2001, p. 118).
Aprender a pensar em termos de interdependências ou de figurações seria
abandonar um raciocínio centrado em individualidades ligadas umas às
outras para pensar em termos de relações, necessariamente variáveis, entre
posições definidas pelo sistema entre essas relações.
Em Introdução à sociologia (Elias, 1970), obra tardia do autor, mas que,
para ele mesmo, “desenvolve-se como continuação das teorias anteriores e
como ponto de partida crítico destas” (p. 11), Elias apresentou sua
concepção sobre o que seria a sociologia criticando as polaridades que
tradicionalmente envolviam a relação indivíduo-sociedade, apresentando
como alternativa de análise a teoria das figurações e o modelo das relações
interdependentes entre os indivíduos. Nesse sentido, afirmou a
necessidade de substituição de uma relação egocêntrica (p. 13) do
indivíduo com a sociedade reorientando-a para a compreensão do conceito
de sociedade através do modelo de representação de indivíduos
interdependentes e da teoria das figurações (p. 14). Sua preocupação
fundamental residia na tentativa de promover novas formas de pensamento
que escapassem do egocentrismo do indivíduo e da tendência à
antropomorfização dos conceitos para uma percepção das interconexões e
das figurações encontradas nas relações entre as pessoas (p. 28).
Em Elias (1987), as inter-relações e as interdependências remetiam à
ideia de que a sociedade consistia em uma rede de relações, um todo
relacional, onde o social era concebido como um sistema de relações entre
grupos e indivíduos interdependentes. As figurações possibilitavam que a
reflexão escapasse de um monismo sociológico “que dicotomiza o
indivíduo (encapsulado) e a sociedade (como ente externo) na medida em
que valoriza as ligações entre as mudanças na estrutura da sociedade e a
constituição psíquica dos indivíduos” (Carneiro, 2005, p. 4).
Valendo-se de um artifício metafórico para descrever a relação
indivíduo-sociedade, Dalal (1998) propõe, a partir da observação da obra
de Elias, que os indivíduos são ligados uns aos outros por uma série de
elastic bands (p. 87), o que significa que suas atividades e seus
pensamentos são determinados pelo grupo. De acordo com Dalal, a
reflexão sobre as interdependências remete às relações de poder, ou seja,
“a noção de figuração dá um tiro mortal contra o existencialismo e as
ideias humanísticas de livre-arbítrio ou livre escolha de nosso destino, já
que precisamos nos habituar à ideia de um outro dentro de nós mesmos”
(p. 90). Dalal afirma que o que Elias propunha com o conceito de
figuração e com a rede de interdependências não era uma ênfase nas
restrições exercidas pelas estruturas sociais, como se elas existissem como
uma realidade objetiva, acima dos indivíduos que as produzissem. Na
verdade, Elias evitava reduzir a sociedade aos indivíduos ou considerá-los
meros “fantoches” do social procurando, ao contrário, demonstrar que as
forças sociais eram exercidas pelas pessoas umas sobre as outras e sobre
elas mesmas, o que só poderia ocorrer através de relações de poder. Desse
modo, pensar em termos figuracionais seria complexificar os modelos de
dominação e as relações de poder existentes na sociedade, na medida em
que o poder não poderia mais ser concebido como uma ação que viesse de
fora e de uma só direção. Dentro de uma figuração, existiria um equilíbrio
de forças que determinaria o comportamento de seus componentes (Dalal,
1998). De fato, as ideias de Elias apontam para a sociogênese dos grupos
sociais atenta às relações de tensão e poder que se estabelecem entre e
intragrupos buscando examinar, no todo do campo social, as estruturas
fundamentais que imprimem aos acontecimentos uma orientação e uma
morfologia específica.
As relações de interdependência que ligam os indivíduos e que
constituem os grupos sociais podem ser representadas pelo modelo do
jogo (Garrigou & Lacroix, 1997, p. 75). Um jogo nada mais é do que uma
figuração particular em que os indivíduos estão unidos por vínculos de
interdependências que dão sentido a suas ações. No jogo, existe uma
relação de forças em interação e nele cada parte desempenha uma função
em relação às demais. Nunca se pode jogar sozinho, pois jogar é sempre
um “jogar com” (Elias, 1970, p. 77). Nesse sentido, em Elias (1970), as
interdependências entre os homens ocorriam como equilíbrios de poder,
como um jogo de forças diretamente ligado aos processos de diferenciação
da sociedade. Através da dinâmica estabelecida entre os jogadores de um
jogo coletivo como o futebol, o xadrez ou até mesmo dentro de uma
sociedade hierárquica ou uma nação, poderia ser encontrado um modelo
didático para a análise dos diferentes níveis de integração nas sociedades
(p. 99) Assim, o tecido das relações humanas expresso pelo conceito de
figuração seria constituído através de uma rede de jogadores
interdependentes, compreendendo desde jogos mais simples, como os
encontrados no nível da competição primária (p. 83), até jogos
sofisticados (p. 108). A ideia da figuração como um jogo possibilitaria
distinguir uma série de polaridades que definiria um sistema de
interdependências complexas, tornando possível analisar grupos sociais
cujas grandes dimensões impediriam o observador comum de abarcá-los
em sua totalidade. Em outros termos, a figuração não seria nada além de
um sistema de interações, ou seja, seria a estrutura social observada ao
nível do indivíduo (p. 177).
Segundo Neiburg e Waizbort (2006), foi no conceito de figuração que
Elias revelou seu vínculo com a sociologia dos tempos de sua formação,
isto é, com a sociologia simmeliana. Na verdade, trata-se da
conceitualização formal de algo que, na sociologia de Simmel,
permanecera restrito ao registro analítico, como foi apresentado em
Sociologia (Simmel, 1908a). Embora Elias, ao formular o conceito de
figuração, não tenha se referido à obra de Simmel, Neiburg e Waizbort
(2006) comentam que:
Não são apenas as afinidades e diferenças eletivas e explícitas, mas
também as implícitas que constituem a constelação de um
pensamento; e a compreensão de um autor depende tanto da
percepção de sua linhagem – de quem se quer fazer herdeiro e o que
quer herdar – como pelos ocultamentos que articula que revelam
domínios figuracionais específicos, entrecruzados por relações de
poder (p. 9).
De fato, tanto Simmel quanto Elias pertenciam a uma mesma tradição
intelectual e se o primeiro permaneceu pouco valorizado por algumas
décadas, o segundo, por sua vez, obteve apenas um reconhecimento tardio
e sua obra encontra-se atualmente submetida a compreensões teóricas
errôneas que associam seu pensamento ao desenvolvimentismo histórico e
a mecanismos de controle social (Ghiraldelli Jr., 2007).

Aproximações entre Georg Simmel e Norbert Elias


A concepção do social apresentada por Norbert Elias era muito
semelhante à de Georg Simmel na medida em que para ambos o social era
um conjunto de relações. De fato, Leopold Waizbort (2001) defende a tese
de que os elementos fundantes e fundamentais da sociologia de Elias
derivam da obra de Georg Simmel. Nesse sentido, tanto para Simmel
quanto para Elias, o todo – seja isso uma sociedade, um grupo ou uma
comunidade – é um todo relacional constituído pelo conjunto de relações
que se estabelecem entre os elementos que o compõem. Essas relações são
relações em processo que se fazem, desfazem e refazem em um constante
vir-a-ser.
Segundo Waizbort (2001), a primeira decorrência da concepção
sociológica dos dois autores diz respeito à relação entre indivíduo-
sociedade. Dentro dessa perspectiva, não existe indivíduo ou sociedade
como entidades separadas ou autônomas, isto é, os indivíduos fazem a
sociedade e esta faz os indivíduos. Assim, “os conceitos de indivíduo e
sociedade isolados não existem sendo, portanto, da ordem do mito, pois o
que faz a sociedade acontecer é o conjunto de relações que se estabelecem
entre os indivíduos” (p. 92).
Em Simmel, a unidade, o todo, consiste na interação entre as partes em
relação mútua que se estende infinitamente, em processo, como um tecido
que se tece continuamente. O mundo de Simmel é, portanto, um mundo de
relações. Waizbort (2001) chama a atenção para o fato de que, em Simmel,
falava-se de sociação e não de sociedade, na medida em que a ênfase
deveria recair sobre a ideia de processo, de continuidade. Isto é, a
sociologia simmeliana era uma sociologia de processos que postulava uma
concepção dinâmica e relacional da sociedade como forma de sociação. A
sociologia de Norbert Elias seguia o mesmo trajeto. Para Waizbort (2001),
quando Elias se referia aos entrelaçamentos e às interdependências que
configuravam a sociedade através do conceito de figuração, ele se referia
na verdade às formas de sociação apresentadas por Simmel.
Enquanto Simmel procurava compreender a gênese das interações
humanas e dos conceitos relacionais, colocando em questão as concepções
modernas de unidade, Elias, por sua vez, trabalhava as relações entre
unidade e multiplicidade transpostas para o registro de indivíduo e
sociedade através do conceito de figuração Waizbort (2001, p. 103).
Assim, a ideia de interação acabou assumindo um papel fundamental nas
relações entre indivíduo e sociedade.
Em Simmel (1908, 1917), a ideia de jogo surgiu como forma de
sociação, presente no contexto da sociabilidade (jogos de sociedade), nas
relações de dominação e subordinação, na coqueteria e no conflito. Em
Elias (1970), o jogo era utilizado como modelo através do qual os
fenômenos de interdependência funcional e os entrelaçamentos que
conectam os indivíduos se realizavam. O jogo serviria, portanto, para
pensar os relacionamentos entre os grupos sociais, compreendidos como
conjuntos de relações de interdependências. No entanto, Elias foi mais
além ao afirmar que os jogos revelavam as relações de poder existentes no
social (Elias, 1970, p. 102) Essa noção, embora não explicitada na
Sociologia (1908a) de Simmel, pode ser intuída em sua teorização.
Assim, parece que quanto mais se adentra na sociologia simmeliana e
eliasiana, mais se encontram pontos em comum. Na verdade, para ambos,
tratava-se de uma sociologia baseada na relação entre os grupos sociais e
preocupada com relações de tensão e poder que se estabeleciam inter e
intragrupos (Waizbort, 2001, p. 109). Sua importância, dentre inúmeras
contribuições para o campo da sociologia, residiu em desferir um golpe
mortal no individualismo e nas dicotomias existentes desde a era moderna
nas relações entre indivíduo e sociedade.
Em suma, parece impossível avançar na pesquisa contemporânea em
campos como os da sociologia, da psicanálise, da psicologia social ou da
grupanálise enquanto “a construção teórica da ponte indivíduo-sociedade
não for investida de renovados esforços” (Rodrigues, 1991, p. 12). Nesse
sentido, especialmente no que diz respeito à psicanálise e à psicologia dos
grupos, é fundamental um pensamento que elimine as dicotomias entre
indivíduo e sociedade valorizando justamente as formas de sociação, as
figurações e as interdependências. Assim, contando com um renovado
arcabouço teórico, a reflexão poderá encontrar novas e mais integradas
dimensões. Nesse sentido, a própria psicanálise oferece um caminho a ser
retomado e não custa recordá-lo através das palavras proferidas por Freud
logo no início de Psicologia de grupo e análise do ego (1921) quando, se
referindo ao contraste entre psicologia individual e psicologia social,
afirmou:
Apenas raramente e sob certas condições excepcionais a psicologia
individual se acha em posição de desprezar as relações desse
indivíduo com os outros. Algo mais está envolvido na vida mental
do indivíduo, como um modelo, um objeto, um auxiliar, um
oponente, de maneira que, desde o começo, a psicologia individual,
nesse sentido ampliado mas inteiramente justificável das palavras
é, ao mesmo tempo, também psicologia social (p. 91).

[1] Embora tanto Leopold Waizbort (2000, 2001) quanto Frédéric


Vandemberghe (2005) não utilizem o termo sociação, preferindo traduzir
Verguellschaftung por associação, seguiremos nesta reflexão a sugestão da
tradução de Verguellschaftung por sociação, tal como apresentada por
Moraes Filho (1983).
[2] Elias utiliza em inglês os dois termos figuration (figuração) e
configuration (configuração) para designar o mesmo conceito. Durante
grande parte de sua obra, empregava o termo configuração, entretanto, já
no final de sua carreira, passou a questionar a palavra, devido ao
significado do prefixo con em latim, passando a adotar daí em diante o
termo figuração (Landini, 2005). No Brasil, as traduções utilizam ambos
os termos, havendo uma tendência entre os tradutores oficiais e os
estudiosos ao emprego de figuração, que será aqui utilizada.
Capítulo II
A psicologia das multidões do século XIX

Do indivíduo à multidão no século XIX


No capítulo anterior, foi possível acompanhar historicamente a
importância do individualismo na construção e consolidação do mundo
moderno. De fato, essa noção encontrava-se intrinsecamente ligada ao
desenvolvimento do pensamento democrático-liberal na modernidade.
Dentro dessa perspectiva, o individualismo se expandiu por todo o corpo
social nos século XVII, XVIII e XIX, misturando-se à própria história da
ideologia moderna e terminando por tornar-se algo intrínseco à natureza
humana. Entretanto, como Elias (1987) apontou, a ideia de indivíduo foi
construída ao longo da modernidade, sendo para Moscovici (1981) “a
invenção mais importante de todos os tempos” (p. 25). Nesse contexto,
Simmel (1957) identificou dois tipos de individualismo que
acompanharam as mudanças político-ideológico-sociais da história
ocidental nos séculos XVIII e XIX. Fortemente influenciadas pelos ideais
da Revolução Francesa, pelo contrato social, pelo liberalismo nascente e
posteriormente pelo romantismo − que acentuou ainda mais o caráter
único do indivíduo − o individualismo firmou-se como produto último da
cultura moderna.
Entretanto, se por um lado a modernidade sustentou-se em seu
desenvolvimento econômico-social na noção necessária de indivíduo, as
transformações pelas quais o mundo moderno atravessou conduziram
também a uma nova preocupação, a questão do número[3] (Reynié, 1988).
No período medieval, os indivíduos se enquadravam em “solidariedades
coletivas” feudais ou comunitárias onde as noções de público e privado se
confundiam sem haver muitas distinções entre a vida privada e a vida
pública (Ariés & Duby, 1983, p. 7), o que significava que muitos atos da
vida cotidiana realizavam-se em público, em um espaço comunitário
(Elias, 1989). A partir da ascensão do ideário burguês e, mais tarde, no
século XVIII, do cultivo da privacidade, intimidade e autenticidade,
próprios do modelo individualista − atrelados ao iluminismo e ao
romantismo da modernidade − a experiência privada dos indivíduos
passou a ser extremamente valorizada e colocada em oposição à esfera
pública totalmente diferenciada (Sennett, 1998).
Justamente na esfera pública, em específico, através das transformações
desencadeadas no mundo moderno pela Revolução Francesa, observou-se
a questão das multidões pela primeira vez como fenômeno isolado
(Canetti, 1960), desencadeando grandes preocupações e inúmeras
investigações ao longo do século XIX. Foi a historiografia de Hippolyte
Taine (1874-1893) − atualmente denominada precursora dos estudos em
psico-história na França[4] (Van Ginneken, 1992) − que, em sua
investigação minuciosa do comportamento das turbas, dos girondinos e
dos jacobinos nos diversos episódios da Revolução Francesa, chamou a
atenção do mundo moderno para o problema das multidões. Assim,
durante o século XIX, especialmente no último quarto, as preocupações e
as investigações de intelectuais voltaram-se para esse novo foco de
interesse. Se, por um lado, a ideia de indivíduo já era uma noção
incorporada ao corpo social da época e, de um ponto de vista histórico-
social, o individualismo é produto e paradigma da modernidade, do outro,
pode-se evidenciar que o surgimento da ideia de multidão parece ganhar
sentido apenas no século XIX. Isto é, embora as multidões tenham sempre
existido desde a Antiguidade Clássica (Moscovici, 1981), a ideia de
multidão como uma entidade com comportamento e características
próprias só surgiu no contexto da modernidade do século XIX, associada
ao crescimento das cidades, ao progresso industrial, ao capitalismo e ao
advento do proletariado.
Assim como antes do Renascimento era impossível pensar na ideia de
indivíduo isolado, a noção de grupo, substrato da ideia de multidão − que é
considerada um grupo espontâneo, desorganizado −, surgiu também
apenas na modernidade tardia. A partir da investigação realizada por
Anzieu (1993) sobre as origens da palavra grupo, é possível refletir sobre
o surgimento dessa noção. De fato, grupo é uma das mais recentes
palavras das línguas ocidentais, tendo sido importada da Itália para a
França, no final do século XVII, para designar toda reunião de pessoas
vivas. Antes, as línguas antigas não dispunham de um termo para designar
uma associação ou agrupamento de pessoas. Fernández (2006) acrescenta
que a palavra groppo ou gruppo teve origem no Renascimento italiano e,
portanto, apenas na modernidade, quando foi empregada para definir um
groppo escultórico, ou seja, um grupo de esculturas localizadas em um
pátio ou jardim, as quais adquiriam harmonia e significado plástico ou
estético ao serem rodeadas ou observadas de longe em seu conjunto.
Contudo, somente a partir do século XIX − quando a sociedade volta-se
para a observação e a preocupação com o fenômeno das multidões − a
palavra “grupo” adquiriu um uso mais coloquial, sofrendo uma expansão
vertiginosa em sua conceituação, mantendo-se, porém, como um dos
termos mais confusos da língua moderna, não havendo até hoje um
equivalente léxico para a ideia de um grupo pequeno ou restrito. A ideia da
inexistência de uma palavra que designasse os grupos até um período tão
tardio da civilização conduz à reflexão de que os agrupamentos
adquiriram, na cultura, tardiamente uma relevância suficiente que
permitisse essa noção fazer parte da produção de representações do mundo
social. Tal evidência parece comprovar a hipótese de que as ideias de
grupo e multidão surgiram realmente tardiamente na história. Com efeito,
é possível afirmar que as transformações da modernidade, o paradigma
individualista e as consequentes oposições cartesianas, em especial as que
opõem indivíduo e sociedade ou indivíduo e multidão, conferiram
representação e destaque à multidão somente a partir da Revolução
Francesa, quando o fenômeno adquiriu significado no mundo moderno.

O século XIX e o apogeu da civilização europeia:


perspectivas e medos
O século XIX foi o período marcado pelo impacto econômico e social
representado pela Revolução Industrial iniciada na Grã-Bretanha (1780) e
pelas mudanças político-ideológicas advindas da Revolução Americana
(1775-1787) e da Revolução Francesa (1789-1799). A Revolução
Industrial foi responsável pelo início da modernização econômica, da
consolidação do capitalismo e da projeção do poder ocidental,
notadamente o europeu, no mundo. As revoluções Americana e Francesa,
inspiradas na vertente liberal do Iluminismo, desenvolveram e expandiram
o ideal de liberdade, igualdade de direitos, soberania popular e democracia
alterando radicalmente os fundamentos econômicos, sociais, políticos e
culturais do Ocidente.
Em termos de análise histórica (Schnerb, 1996), o século XIX abrangeu
o período de 1815 a 1914. Embora os conflitos entre o Antigo Regime e a
ideologia de 1789 ainda não estivessem terminados, a Europa da
restauração do século XIX encontrou uma fase de grande desenvolvimento
e apogeu. Após a era revolucionária e napoleônica, verificou-se uma
progressiva transformação nas técnicas de fabricação e transporte que,
através das melhorias propiciadas pelos inventos originários do século
XVIII, realizaram vertiginosas transformações no modo de vida europeu.
A burguesia europeia começava a usufruir das vantagens que a economia
industrial e liberal podia proporcionar e o debate entre a ordem tradicional
e o liberalismo burguês se acirrava devido em parte à inquietude
despertada pela pobreza da crescente população urbana, fato que foi
responsável por profundas mudanças político-sociais (Schnerb, 1996).
A despeito de uma conjuntura econômica ainda um pouco desfavorável
em seu início, no decorrer do século, a Europa consolidou sua hegemonia
no mundo enquanto a burguesia atingia o poder nos países europeus onde
predominavam as atividades financeiras, o comércio e a indústria. A
Revolução Industrial revelou a ascensão do capitalismo, entretanto as
terríveis condições sociais em que esta se processou provocaram o
nascimento de uma classe operária que a partir desse momento passou a se
opor à burguesia triunfante. O século XIX marcou ainda os fundamentos
do progresso e da independência americana e se, por um lado, propiciou a
eclosão da política colonialista europeia na África e na Ásia, culminou,
por outro, com o fim do escravismo nas Américas.
Desde o século XVIII, o crescimento da população na Europa avançou.
Se, por volta de 1700, eram 600 milhões de habitantes, em torno de 1800,
o número passou para 900 milhões. Esse número não cessou de aumentar
ao longo do século XIX principalmente devido ao progresso das pesquisas
médicas e científicas que terminaram por reduzir os anteriormente
elevadíssimos índices de mortalidade (Schnerb, 1996). Em termos de
investigação de patologias mentais, o século XIX foi também fundamental
para a diminuição do preconceito em relação aos alienados dando espaço
para o desenvolvimento das pesquisas de Kraepelin, Janet, Charcot,
Krafft-Ebing. A atmosfera cultural da Viena do final do século XIX
concentrava, no mundo ocidental, a fascinação por doenças mentais e
problemas sexuais, o que conduziu, na virada do século, ao surgimento da
psicanálise (Bettelheim, 1956). O século XIX foi influenciado também
pelo Romantismo surgido na Alemanha como expressão de uma
inquietude e de uma reação idealista à cultura racional iluminista.
Pessimista, aristocrático, impregnado de religiosidade e nostalgia
tradicionalista, o Romantismo sofreu grande influência das correntes
individualistas que enalteciam a cultura medieval e a tradição clássica
(Visentini & Pereira, 2008).
O intenso conflito em que se defrontavam − de um lado, o Antigo
Regime e seus prolongamentos coloniais e, de outro, as novas forças,
burguesas e populares − marcou o século XIX. De fato, o século em
questão propiciou uma profunda metamorfose nos indivíduos que,
submergidos na multidão das ruas das cidades em crescimento, nas
oficinas, nas fábricas e nas aglomerações políticas, deram lugar a um novo
tipo de indivíduo. A mecanização rápida das indústrias, representada pela
máquina a vapor e pela concentração de trabalhadores assalariados,
transformou as cidades em campos de batalha onde as classes populares se
confrontavam com a burguesia dando lugar à ascensão “virulenta e
maciça” da classe trabalhadora (Moscovici, 1981, p. 34). De alguma
forma, o clássico trabalho de Tonnïes (1887), que apresentou a passagem
da Comunidade (Gemeinschaft) para a Sociedade (Gesellschaft), relata e
metaforiza a transição que se processava. Para Moscovici (1981), a análise
de Tonnïes descreveu o momento em que uma coletividade espontânea e
natural, fundamentada em alianças de sangue, relações fraternas e coesão
de crenças, deu lugar a uma coletividade fria, artificial e coercitiva,
repousada no contrato de interesses, em um sistema de vantagens mútuas e
na lógica da ciência (p. 33). Assim, a modernidade tornou-se responsável
pelo fim das antigas comunidades e, a partir do século XIX, as cidades e as
províncias tenderam à homogeneização, assemelhando-se nos valores, nos
gostos e até na língua.
Os Estados Nacionais adquiriram no século XIX um papel muito
importante, dando origem ao espírito patriótico e ao surgimento dos
nacionalismos. A ideia de soberania nacional, de autonomia como
expressão de liberdade e uma concepção romântica de povo (Volksgeist)
contribui para a ideia de nação dando novas bases para ao Estado moderno.
O nacionalismo revelou uma das principais ideologias do século e de
início, ao potencializar fatores etnográficos, linguísticos, religiosos e
geográficos, acabou favorecendo uma política de maior consideração às
minorias religiosas propiciando, entre outras realizações, a emancipação
dos judeus. Entretanto, de uma ideologia democrática e progressista,
gradativamente passou a uma força reacionária na Europa (Stackelberg,
2002).
O declínio da fé tradicional, o desenvolvimento das instituições e do
ensino público, os progressos no pensamento livre e as lutas pelo sufrágio
universal marcaram a consolidação dos avanços liberais no século XIX.
No entanto, esses avanços não ocorreram sem problemas e os ideais
republicanos custaram a consolidar-se nos países europeus. As conquistas
da burguesia firmavam-se lentamente através de processos evolutivos e de
minirrevoluções – como as de 1820 e de 1830 (Visentini & Pereira, 2008).
A situação da Inglaterra no século XIX era bastante diferente da dos
demais países europeus. Foi através de um “esplêndido isolamento”
(Visentini & Pereira, 2008, p. 78) que o país consolidou sua hegemonia na
Europa e a Pax Britannica, principalmente através das vantagens obtidas
com a Revolução Industrial, o liberalismo econômico e a política colonial.
Do alto de sua primazia, a Inglaterra vigiava a balança continental e
exercia sua influência nos mares e demais continentes, estruturando uma
ordem mundial liberal e um “império informal”.
Por outro lado, a Alemanha chegou ao século XIX de forma muito
distinta da França ou da Inglaterra. Assim como nos Estados italianos, os
alemães encontravam-se defasados dos demais países europeus ocidentais
em termos de desenvolvimento histórico-econômico. O Sacro Império
Romano-Germânico, que havia encontrado grande importância ao longo
dos séculos XVII e XVIII, tinha sido esmagado pelo surgimento de novos
centros econômicos na Europa Ocidental, desintegrando-se em múltiplos
Estados independentes, entre os quais se destacavam a Áustria e a Prússia.
Apesar de diferentes projetos que visavam à unificação alemã, o país
congregava variadas etnias, permanecendo fundamentalmente agrário e
dominado por uma forte aristocracia territorial. A unidade alemã dependia
do fortalecimento político e econômico de um Estado em que os ideais
liberais tinham pouca penetração e a defesa do princípio das
nacionalidades se impunha. Ainda que rejeitassem a ideologia da
Revolução Francesa e se opusessem à França, a Prússia desempenhou com
afinco seu papel na modernização do Estado e, através de Bismarck e do
apoio das forças militares e conservadoras, sofreu um vertiginoso
desenvolvimento do capitalismo industrial, consolidando a primazia do
Império Alemão ou Segundo Reich (Stackelberg, 2002). A Áustria
encontrou um desenvolvimento diferente, e Viena, no final do século XIX,
era um centro cultural de prestígio, onde a música, o teatro e as artes
alcançaram um florescimento sem igual (Bethelheim, 1956).
Com efeito, a consolidação do capitalismo imprimiu uma nova
configuração econômico-social que teve efeitos visíveis para a sociedade
do século XIX. Dentre as principais mudanças, é possível constatar o
surgimento da classe operária que passou a representar um novo e grave
problema social, gerando, no restante da população, um sentimento de
insegurança e um temor quanto à sua insurgência. Dessa forma, a época se
caracterizou por uma crônica efervescência e uma constante ameaça de
insurreição popular que encontrou nas manifestações de rua, nas lutas
sindicais, nos motins, nas greves, nas revoluções de 1830 e 1848 e na
Comuna de Paris (1871) seu modo de expressão (Visentini & Pereira,
2008, p. 72).
Esses episódios tiveram uma profunda repercussão e influenciaram
profundamente o pensamento da época, visível na literatura do século
XIX. A capacidade dos escritores de captar e antecipar os fenômenos das
multidões e os conflitos sociais que nelas estavam embutidos revelava o
âmago do espírito da época. Alessandro Manzoni, importante escritor do
início do século XIX, em I Promesi Sposi (Os noivos, 1827), parece ter
sido o primeiro a retratar as características da multidão e seus líderes em
um romance − no qual descreve um episódio violento em que uma
multidão faminta e reivindicatória, inflamada de paixão e com capacidade
intelectual comprometida diante da miséria e da fome, destrói armazéns
italianos − antecipando descrições que foram largamente utilizadas no
final do século pelos estudiosos das multidões (Nye, 1995). Flaubert, em
Educação sentimental (1869), descreveu a clara conexão entre as ações e
declarações das multidões e suas reivindicações em torno de ideais como a
soberania democrática e foi também através dele que se pôde conhecer o
magnetismo das multidões e seus irracionais estados mentais. No entanto,
foi Émile Zola, em Germinal (1885) e Le Débâcle (1892), que conferiu na
literatura destaque às histéricas e aos selvagens ao comparar seus
comportamentos aos das multidões, apresentando ainda, em diversas
novelas, as delicadas dinâmicas estabelecidas entre os líderes e a multidão
(Nye, 1995). Alguns críticos literários, como o português Torres (2007),
apontam para a importância de Zola na compreensão do tema ao afirmar
que o autor foi capaz de penetrar profundamente na psicologia das
multidões quando descreveu seu comportamento na pouco conhecida
novela Lourdes (1894), em que uma multidão pacífica e generosa reúne-se
em torno da promessa de uma religião mais justa, estando pronta a ser
conduzida por um líder conservador (Torres, 2007, p. 733). Em Lourdes,
Zola foi original ao analisar as características da multidão religiosa, capaz
de estabelecer coesão, de apresentar nobres ideais e conferir uma visão
mais positiva, totalmente distinta do senso comum da época que
costumava enfatizar apenas os aspectos negativos e aterrorizantes
encontrados na multidão. Nesse sentido, Torres (2007) afirma que Zola foi
o primeiro autor a conferir outro olhar para as multidões, antecipando uma
mudança de tom nos estudos sobre o assunto.
No século XIX, o inimigo parecia estar localizado na “hidra
revolucionária” representada pelo proletariado (Schnerb, 1996). Cada vez
mais a classe operária se inflamava de ideais de justiça em busca de maior
igualdade social. Nesse momento, as ideias marxistas exerceram um papel
fundamental propondo uma nova e transformadora ordem social. Dessa
maneira, fazendo uso das palavras de Marx sobre os movimentos
revoltosos no século XIX, “a barbárie reaparece, mas dessa vez é
engendrada no próprio seio da civilização e dela faz parte integrante”
(Marx citado por Engels, 1842, p. 89). Mais tarde, Engels (1842) afirmou
que, no século XIX, “a luta de classes entre o proletariado e a burguesia
passa ao primeiro plano na história dos países avançados da Europa” (p.
89).
Os conflitos entre capital e trabalho desenvolveram-se na Europa no
período de 1815 a 1848. Da tensão entre o progressismo e o
conservadorismo, decorreram diversos movimentos revolucionários no
estilo de conjuras, sociedades secretas e barricadas que visavam
solucionar o crescente descontentamento das classes assalariadas
(Visentini & Pereira, 2008). Esses movimentos foram duramente atingidos
em seus propósitos quando, em 1848, Karl Marx (1818-1883) publicou o
Manifesto comunista. A teoria marxista provocou uma revolução no
pensamento moderno. Marx, Émile Durkheim e Max Weber acabaram
sendo considerados os arquitetos da moderna ciência social (Ho Kim,
2007). Marx realizou uma profunda crítica às sociedades capitalistas
tomando como base uma concepção materialista da história ao
compreender de forma dialética as inter-relações entre os processos
sociais (Burguiére, 1986).
O socialismo surgiu em uma época na qual tanto o romantismo quanto o
anarquismo − ao qual Marx se opunha radicalmente (Schnerb, 1996) −
eram movimentos que representavam o espírito de época do século XIX.
Foi, contudo, nesse contexto, que as ideias radicais do socialismo se
difundiram tendo como pano de fundo a influência do êxodo do campo
para as grandes cidades. Embora o socialismo pudesse chegar ao poder por
vias pacíficas, as revoluções do século XIX apresentavam ruas repletas de
uma multidão de agitadores e manifestantes reivindicando mudanças que
ameaçavam o status quo das classes dominantes.
Foi também durante o século XIX que o movimento anarquista ganhou
força transformando-se no “pior inimigo” (Blainey, 2005) das monarquias.
Em torno de 1880, por intermédio do príncipe russo Kropotkin, o
anarquismo se propagou rapidamente pela Europa (Tarde, 2005, p. 175).
Presentes na Itália, na França e na Espanha, onde se aliaram de início aos
socialistas, os anarquistas desprezavam a propriedade privada e os
parlamentos, bem como nutriam rancor pelos líderes nacionais. Suas
armas consistiam na insuflação de greves gerais; pelas mãos dos
anarquistas, muitos líderes nacionais foram assassinados. Os mais radicais
já eram chamados na época de terroristas e suas ações despertavam o
temor da população, levando os intelectuais da França e da Itália às
primeiras investigações sobre o assunto (Laqueur, 1977). Tanto nos textos
de Gabriel Tarde (1892) e Gustave Le Bon (1895) quanto nas análises
sobre as multidões criminosas de Scipio Siguele (1891) indagações sobre
o comportamento dos anarquistas estavam presentes, fossem como pano
de fundo para o surgimento de investigações sobre as multidões e o crime,
fossem como ameaça à sociedade do final do século XIX. Nesse sentido, é
possível afirmar que as ações do movimento anarquista, que provocavam
pânico e incerteza, representavam as aspirações de uma sociedade em
mudança prenunciando as transformações que ocorreriam ao longo do
século XX.
Assim, foi na França do século XIX, através do embate entre
conservadores e liberais, quando os movimentos populares ganharam
força, que a pesquisa sobre a psicologia das multidões se desenvolveu. Seu
surgimento se encontra, portanto, diretamente ligado às profundas
mudanças que ocorreram ao longo do século XIX, especialmente na
França. Por outro lado − guardando a mesma perspectiva de análise psico-
histórica (Van Ginneken, 1992; Lowenberg, 1996) − é possível observar
que as diferenças e especificidades que envolveram o desenvolvimento
antiliberal e antidemocrático da Alemanha e em parte da Itália
(Stackelberg, 2002) no século XIX permitiram compreender como a
psicologia das multidões do século XIX transformou-se na psicologia das
massas do século XX. Isto é, na Europa Ocidental, os desdobramentos da
política das nacionalidades no século XIX acabaram sendo responsáveis
no século XX pelo desencadeamento de duas Guerras Mundiais e por
genocídios em massa que transportaram o estudo da psicologia das
multidões para o âmbito da psicologia das massas.
Dessa forma, é visível que, a partir do século XX, a influência da
psicanálise freudiana, da teoria marxista e da Escola de Frankfurt permitiu
que novos instrumentos de análise fossem desenvolvidos para a
compreensão do comportamento das multidões conferindo ainda um novo
status para o que se transformou, ao longo do século XX, na psicologia das
massas. Ainda dentro dessa nova perspectiva, o foco de análise acabou
deslocando-se e concentrando-se no estudo do papel das lideranças, bem
como na necessidade de controle e domínio das massas. Nesse aspecto, a
psicologia das multidões do século XIX, através das ideias de Tarde e Le
Bon, contribuiu largamente para que a psicologia das massas do século XX
ganhasse forma.
Dessa maneira, o que de início era visto como uma multidão
ameaçadora pelas forças conservadoras ameaçadas em seu status quo
resultou na formação de um novo foco de interesse e estudo que teve
importância fundamental ao longo do século XX, levando autores como
Moscovici (1981) a afirmar que, no início do século passado, era segura a
vitória das massas (p. 9).

O surgimento da psicologia das multidões no século


XIX
Desde a Revolução Francesa, a história dos confrontos de multidões
chamava a atenção de historiadores, fosse pelas manifestações
espetaculares de violência coletiva, fosse pelo horror e pelo temor que a
visão da barbárie provocava ou ainda apenas pelo mero interesse que os fat
divers, apresentados nos mais variados episódios de violência coletiva,
despertavam na curiosidade dos seres humanos (Farge, 1986). O
florescimento da história das mentalidades permitiu que se lançasse um
olhar contemporâneo às diversas formas de violência ordinária e cotidiana
que passaram a ser definidas como constitutivas das relações sociais. Isto
é, tal forma de visão dos fatos estendeu a compreensão das relações de
violência no âmbito da vida civil, econômica e do trabalho. Por outro lado,
a análise das instituições repressoras e dos dispositivos de poder
apresentados por Foucault (1969, 1979) na década de 1970 revolucionou a
maneira de pensar a questão da violência e das relações de poder. De fato,
a violência é parte constitutiva do contrato social (Farge, 1986) e sua
investigação propiciou a compreensão das relações entre forças no seio
das sociedades. Nesse sentido, o interesse despertado pelas manifestações
coletivas e o medo e o horror da insurreição das multidões no século XIX
despertaram a atenção dos historiadores e intelectuais da sociologia
nascente da época para o estudo da psicologia das multidões dando início
às investigações sobre o tema e à preocupação com a compreensão dos
comportamentos coletivos.
Entretanto, até que a multidão fosse objeto de reflexão teórica, um
longo caminho teve de ser percorrido para que a questão do número
(Reynié, 1988) fosse considerada um elemento importante. Assim, a partir
dos movimentos revolucionários iniciados em 1789, a questão do número
entrou na cena política e inaugurou o estudo de novas disciplinas como a
estatística social, a teoria do direito e a teoria política, inspirando ainda a
literatura e a teoria literária e conferindo uma identidade aos seres
humanos quando agrupados. Contudo, o século XIX foi o século das
teorias pessimistas do número, que sempre associavam a multidão à
barbárie, à violência e à irracionalidade (Wolton, 1988). Reynié (1988)
apontou que, antes do aparecimento do Estado Moderno, no período
precedente à Revolução Francesa, a questão do número era apenas um
problema administrativo, relacionado à repartição de massas
populacionais, ao equilíbrio urbano, à higiene ou meramente à avaliação
estatística. A partir do período revolucionário do final do século XVII, ela
entrou definitivamente na cena política e desde então não se fez mais
política sem se considerar o papel das multidões (Wolton, 1989). Nesse
sentido, é possível compreender a afirmação de Moscovici (1981) de que
“a psicologia das multidões é como a economia política, uma das ciências
do homem cujas ideias tem feito história, quer dizer, tem marcado de
maneira concreta os feitos de sua época” (p. 29).
No entanto, até que as multidões passassem a se constituir objeto de
investigação científica, inúmeras questões sobre seu comportamento
foram enunciadas ao longo do século XIX, podendo ser resumidas em uma
pergunta: o que é uma multidão? (Moscovici, 1981, p. 98). A resposta a
essa pergunta resultou em três linhas de pensamento consideradas a
princípio insuficientes por Moscovici (1981), mas, cujo desfecho resultou
no surgimento da ciência das multidões.
A primeira tentativa de definição das multidões afirmava que “são
conglomerados de indivíduos que se reúnem à margem das instituições e
contra as instituições [...] são associais e formadas por associais”
(Moscovici, 1981, p. 98). Nesse sentido, eram o resultado da
decomposição dos grupos e das classes sociais e correspondiam à plebe, ao
“populacho” ao lumpenproletariat (p. 98). Tratavam-se de homens e
mulheres sem identidade reconhecida à margem do tecido social, retirados
dos guetos, vivendo fora da lei e dos bons costumes. Eram perturbações,
rupturas no funcionamento da sociedade, representando desordem social e
hostilidade. Dessa forma, as multidões não podiam constituir matéria de
ciência ou mesmo um fenômeno novo ou importante a ser investigado,
sendo assim, vistas apenas como epifenômenos (p. 99).
A segunda resposta à pergunta inicial afirmava que as multidões eram
loucas e alimentavam sonhos obscuros, reunindo fãs enlouquecidos ou
pessoas em delírio em torno de um líder. As multidões extravagantes
revelavam proezas ou atos criminosos na mesma proporção, e seu caráter
fora do comum, delirante e patológico sempre encantou a sociedade.
Entretanto, afora esse caráter espetacular, não deveriam despertar nenhum
outro interesse.
Já a terceira resposta − a de que as multidões eram criminosas, capazes
de destruir tudo o que vissem pela frente ou de cometer os crimes mais
terríveis, resistindo à autoridade e às leis − mereceu maior destaque, pois
foi através dessa ideia que o estudo das multidões transformou-se em uma
nova ciência no século XIX (Moscovici, 1981, p. 101). Assim, embora,
desde a Revolução Francesa, já se pensasse no caráter criminoso das
multidões e já houvesse inúmeros relatos e descrições sobre o
comportamento histérico e violento das multidões (Van Ginneken, 1992), é
possível observar que, no final do século XIX, os fenômenos de multidão
se multiplicavam, assustando as autoridades temerosas em relação aos
políticos extremistas e à democracia liberal e instigando os intelectuais e a
população em geral. A observação de que por sugestão os indivíduos
comuns poderiam se transformar dentro da multidão, apresentando
comportamentos atemorizantes, colocou em pauta a metamorfose
experimentada pelos indivíduos nas aglomerações dando lugar ao
surgimento da psicologia das multidões.
Assim, a nova disciplina veio dar sentido a ideias que já eram
conhecidas e debatidas tanto pela historiografia quanto pela literatura
francesa quase cem anos antes. Entretanto, a importância e a sedução da
psicologia das multidões devem-se à cumplicidade de toda uma sociedade
com um temor e um forte sentimento vivenciado na época − e que fazia
parte do inconsciente social do século XIX − que atribuía às multidões
tendências assustadoras que levavam os indivíduos a manifestar
comportamentos aparentemente inexplicáveis (Moscovici, 1981).
Dessa forma, principalmente na França, com Henri Fournial (1866-
1932), Gabriel Tarde (1843-1904) e Gustave Le Bon (1841-1931), e na
Itália, com Cesare Lombroso (1835-1909) e Scipio Sighele (1868-1913),
surgiu uma geração de intelectuais dedicada ao estudo das multidões. Foi,
contudo, necessário esperar que o século XX chegasse para precisar seu
sentido e conferir ao estudo uma acepção mais científica (Moscovici,
1981, p. 13). Vale ressaltar que o viés investigativo centrado na psicologia
das multidões no século XIX coincidiu com o nascimento das ciências
sociais na França e com o estudo da criminologia inaugurando um período
criativo e profícuo no campo da psicologia coletiva.
A caracterização das massas como irracionais ou selvagens por natureza
dominou por muito tempo o pensamento de seus estudiosos no século
XIX, levando-os a erigir uma ciência da multidão centrada inicialmente
em torno da interpretação do comportamento coletivo como um fenômeno
patológico. Embora na atualidade muitas interpretações sobre o
comportamento das multidões já possam ser enunciadas dentro de outros
critérios de análise, segundo Nye (1995), essas afirmações ainda se
baseiam em visões essencialmente polarizadas. As multidões ainda são
vistas como: “racionais ou irracionais, anômicas ou extremamente
motivadas, extensões do comportamento social ou excrescências
patológicas” (p. 6). Nesse sentido, Moscovici (1981) foi preciso:
[...] urbanas ou trabalhadoras, as multidões foram psiquiatrizadas e
criminalizadas de um só golpe no século XIX. Se pode observar
nelas sintomas de patologia e desvio da conduta normal. Tratam-se
de excrescências insanas em um corpo são, e se deve expulsá-las o
quanto antes. Em suma, plebeias, loucas ou criminosas as
multidões se consideram resíduos, enfermidades da ordem social
existente. Não têm nem realidade, nem interesse por si mesmas (p.
101).
Assim, somente no século XX, a corrente pessimista e o temor outrora
associado às multidões serão substituídos − por meio da influência da
ciência da opinião e da propaganda − pela exploração política e pelo
controle exercido por lideranças carismáticas. Dessa forma, o que era
temido no século XIX passará a ser manipulado, controlado e docilizado
no século XX.
Antes de aprofundar a investigação, é importante ressaltar que os
termos massa e multidão são empregados pelos autores ora como
sinônimos − como fez Moscovici (1981) ao afirmar que “uma multidão,
uma massa, é o animal social que rompeu suas rédeas” (p. 13) − ora de
forma diferenciada, quando optam por empregar um dos termos. Dessa
maneira, é possível encontrar o termo multidão tendo sido empregado nas
análises de Siguele, Tarde, Le Bon e Moscovici. Por outro lado, o termo
massa foi empregado por Freud, Ortega y Gasset e os frankfurtianos, o que
parece evidenciar que o termo multidão tenha sido empregado nas
primeiras investigações realizadas no final século XIX, enquanto o termo
massa passou a ser utilizado nas análises empreendidas a partir do século
XX, quando o estudo do tema recebeu novo status acadêmico-científico.

Gabriel Tarde: as leis da imitação, a ciência da


opinião e as multidões
Nascido em Sarlat, Gabriel Tarde (1904-1943) foi um jurista, filósofo e
sociólogo francês e um dos primeiros pensadores da criminologia
moderna. Sua trajetória escolar revelou um aluno brilhante e, se, por um
lado, a saúde frágil o prejudicou, por outro, propiciou tempo disponível
para o estudo de Leibniz (1646-1716), que notadamente influenciou seu
pensamento. Paralelamente à carreira de magistrado, Tarde desenvolveu
estudos sobre a criminologia, ciência que avançava na época. Inicialmente
adepto, mas depois adversário das premissas de Alexandre Lacassagne
(1843-1924) e Cesare Lombroso (1835-1909), rejeitou veementemente as
teorias que remetiam à origem psíquica e biológica da criminalidade
preferindo valorizar seus aspectos sociológicos e psicológicos. Enquanto
Lombroso acreditava que as multidões eram compostas de indivíduos com
tendências delinquentes, postulando a inclusão da psicologia das
multidões como parte da antropologia criminal, Tarde (1893) defendia a
importância do “meio social” em detrimento da valorização conferida pela
escola italiana aos caracteres biológicos na explicação do crime,
analisando o comportamento das multidões sobre um viés mais analítico e
comportamental.
Contemporâneo, interlocutor e opositor de Durkheim (1858-1917),
Tarde participou dos primeiros debates que deram origem ao nascimento
da sociologia francesa. Sua obra As leis da imitação (1890), em que
descreveu a relação entre os comportamentos sociais e as tendências
psicológicas individuais, transformou-o em um dos grandes atores dos
debates da segunda metade do século XIX nos meios intelectuais. Apesar
do pensamento sociológico de Tarde ter se mantido eclipsado no século
XX em função da escola durkheimiana, atualmente sua obra vem sendo
redescoberta e reeditada na França – em uma verdadeira “tardomania”
como enunciou Mucchielli (2000, p. 161) − e sua influência é notável
entre autores que trabalham nas fronteiras da sociologia e da psicologia.
Nos Estados Unidos, tem sido visto como um dos fundadores da psicologia
social e, na França, foi redescoberto a partir dos anos 1960 por Gilles
Deleuze e mais recentemente por Bruno Latour, que fez de Tarde um dos
precursores da teoria de l’ácteur-réseau[5] (Reynié, 1988, p. 92; Latour,
2001). Na opinião de Mucchielli (2000), além de poder ser considerado
hoje como o precursor da sociologia moderna, suas análises serviram de
inspiração para Michael Maffesoli (2000) forjar o conceito de tribo
(Mucchielli, 2000, p. 160).
De fato, Consolim (2008a) aponta para a posição central de Tarde no
campo intelectual parisiense em torno de 1890. As ideias do autor
representavam uma importante solução ideológica para os debates que
ocorriam no combate republicano contra o socialismo. As opções teóricas
de Tarde se afinavam com a modernização conservadora da época, e suas
ideias tiveram papel fundamental para o amplo movimento de oposição à
sociologia durkheimiana. Em uma época em que a ascensão institucional
dependia de intrincadas relações de poder e posicionamentos políticos,
Tarde consolidou uma carreira onde seu conservadorismo intelectual e
social foi determinante e sua legitimidade decorria do compromisso com
valores científicos e republicanos em oposição ao socialismo, ao
darwinismo social e a Durkheim. Mesmo não tendo constituído uma
escola ou tendo feito discípulos, podendo ser visto como um outsider,
Tarde ocupou uma posição de destaque nas ciências sociais, sendo
responsável pela criação do termo “psicologia social” (Consolim, 2008a,
p. 15).
A diversidade psicológica dos indivíduos era em Tarde (1890) a
instância básica das agregações coletivas. A realidade social não era uma
construção homogênea que se impunha ao indivíduo, mas o resultado de
laços sociais dinâmicos como a invenção, a imitação, a resistência e a
adaptação, frutos da interação entre os indivíduos. Nesse sentido, a
realidade social e o consenso democrático eram construções progressivas
dos indivíduos baseadas em processos de imitação e nas condutas
pessoais. Foi assim que Tarde propôs, em As leis da imitação (1890), duas
noções para explicar os movimentos sociais: a imitação e a invenção. A
imitação seria o princípio constitutivo das comunidades humanas, que
seriam definidas como: “uma coleção de seres na medida em que estão se
imitando entre si” (p. 76). A inspiração para a ideia de imitação em Tarde
estava diretamente relacionada à filosofia de Leibniz na medida em que
retomou o conceito de mônada[6] (1714) para conceber os indivíduos
como um grande conjunto de reflexos que interagiam como em um jogo de
espelhos, onde “cada indivíduo se vê e se espelha no semelhante, julga e é
julgado pelo outro, de maneira que naturalmente se observa e se reconhece
no outro, fazendo como o outro” (Wolton, 1989, p. 5). Assim, Tarde
acreditava que a história se apresentava como uma sucessão de fluxos
imitativos diferentes, ou seja, uma sucessão de modelos que podiam
ocasionar imitação por um grande número de indivíduos.
Em Tarde, portanto, “a imitação é o próprio vínculo social” (Reynié,
2005, p. XXI) estabelecido através da opinião pública e não a partir uma
verdade determinada aprioristicamente. Isto é, a opinião seria criada no
seio da sociedade, sendo veiculada, transmitida e legitimada por ela em
conjunto com todo o seu sistema de crenças e valores. A opinião, a
ideia[7] ou o desejo de um tornaria-se gradativamente a opinião, a ideia ou
o desejo de um grande número de pessoas. Assim, o futuro de uma
inovação seria a sua propagação universal, facilitada pela sugestão,
levando Tarde (1890) a afirmar que “o fenômeno da imitação de um
indivíduo pelo outro e depois por uma multidão provém da sugestão que
não é nada mais do que uma forma de sonambulismo e depois de
hipnotismo” (p. 45). Nesse aspecto, Tarde se afinava com o pensamento de
sua época quando as pesquisas de Bernheim, Richet e Binet sobre a
hipnose ganhavam corpo e a importância do fenômeno da sugestão e da
sugestionabilidade das multidões ganhavam relevo.
Entretanto, foi por meio da imitação que sua obra se aproximou da
psicanálise nascente. Nesse sentido, a imitação seria fundamental para a
compreensão do fenômeno das multidões e é possível constatar que a
maneira como o autor a concebeu se assemelha ao conceito de
identificação postulado por Freud em Psicologia de grupo e análise do ego
(1921). A semelhança entre os conceitos de imitação em Tarde e
identificação em Freud levaram o suíço Fischer (1961, citado por
Moscovici, 1981, p. 321) a postular uma continuidade entre os dois
conceitos. De fato, a importância que Tarde conferiu à imitação, chegando
a considerá-la como o “vínculo social em si” (Reynié, 2005, p. XXI), pode
ser remetida à identificação apresentada por Freud (1921) como “a mais
remota expressão de um laço emocional” (p. 133), ou seja, como origem
do laço social por excelência. De fato, Freud conhecia as ideias de Tarde,
chegando a citá-lo em Psicologia de grupo e análise do ego (1921),
contudo, foi categórico ao afirmar que o que o autor denominava de
imitação, ele chamava de sugestão (p. 113). Entretanto, após uma
investigação mais apurada da obra tardeana, é possível afirmar que os dois
conceitos não são equivalentes como Freud supunha. Embora o conceito
de identificação só tenha sido devidamente explicitado em 1921, ele
remonta, em Freud, à Interpretação dos sonhos (1900), sendo
provavelmente contemporâneo ao desenvolvimento da ideia de imitação
de Tarde.
Em A opinião e as massas (Tarde, 2005), encontram-se reunidos textos
do autor sobre opinião e multidão que representaram um marco na teoria
sociológica de grande número (Reynié, 2005). Muitos dos textos ali
apresentados giravam em torno da psicologia coletiva, em especial o
estudo sobre O público e a multidão, de 1898, bem como As multidões e as
seitas criminosas, de 1893. Em termos gerais, os trabalhos de Tarde
reuniam reações contra o temor de uma desordem fatal que as multidões
do século XIX ameaçavam produzir apontando ainda para a importância
da opinião pública e da crescente formação de públicos que mobilizavam a
intelectualidade da época. Essa questão foi ilustrada através do
emblemático caso Dreyfus[8] (1859-1935), que acirrou debates e dividiu a
opinião pública e a elite intelectual francesa. As batalhas políticas e de
opinião em torno do “affair Dreyfus” deram vida ao nascente
antissemitismo moderno, favorecendo ainda a disputa pública entre
agitadores de esquerda e políticos conservadores que, a partir desse
episódio, passaram a se utilizar de uma retórica própria para mobilizar e
manipular grandes multidões (Nye, 1995). Na verdade, Nye (1995) afirma
sobre o episódio que “a política de massas moderna e todas as questões
relacionadas aos ódios nacionais, conflitos de raça ou classe, tiveram sua
origem no ‘cadinho’ do caso Dreyfus” (p. 13).
A opinião, em Tarde (1898), propagava-se graças ao movimento social
da imitação que se produzia a cada instante e de forma imperceptível.
Assim, toda a vida social e, por conseguinte, toda a opinião eram
reduzidas a uma sugestão. Uma opinião poderia nascer do encontro de uma
ideia e de um indivíduo e poderia ou não coincidir com uma opinião já
existente, propagando-se como ideia/opinião nova reforçando ou não o
status quo. O que importa é que a lei da imitação caracterizaria o
movimento, o fluxo e o refluxo das ideias e necessidades, gostos e crenças
nas sociedades (Tarde, 1890). Seria como se as leis de imitação
correspondessem a um ideal de progresso do século XIX em que a
aceleração e a circulação de opiniões estivessem acompanhadas da
diminuição das fronteiras sociais, ampliando a propagação de ideias acima
de credos, clãs ou classes sociais. Nesse sentido, as leis de imitação de
Tarde foram precursoras de fenômenos contemporâneos, tais como a
moda, a volatilidade de ideias, ideais e crenças. Assim, se antes a
imposição de opiniões ou ideias se fazia de forma autoritária, a partir das
observações de Tarde, ela passou a se dar de forma persuasiva através da
opinião pública.
Dessa forma, é possível constatar em Tarde a impossibilidade da livre
escolha das opiniões, marcadas em grande parte pelo fenômeno da
imitação. Nesse sentido, Tarde é bastante atual, pois suas concepções
remetem às críticas ao individualismo moderno, desferindo um golpe
mortal nas crenças de liberdade e igualdade do homem do Iluminismo,
visto como senhor de sua racionalidade e destino. Além disso, a psicologia
das multidões em Tarde revelou a impossibilidade da existência do
indivíduo sem o social, corroborando com as ideias desenvolvidas no
mesmo período na Alemanha por Simmel (1908a) sobre a sociedade e as
formas de sociação, bem como com a teoria das figurações proposta por
Elias (1970).
A concepção tardeana contribuiu para a emergência de uma teoria
moderna sobre a opinião pública dando-lhe um conteúdo sociológico ao
transformá-la em objeto de estudo. Tarde foi o primeiro autor a teorizar
sobre uma nova forma de relação social de massa que ele nomeou de
público. Pela primeira vez na história, as multidões não precisavam mais
se encontrar reunidas em um mesmo lugar e, através da noção de público,
foi possível imaginar multidões dispersas, sem contato físico, mas que, no
entanto, apresentavam características similares às das multidões reunidas.
Assim, para Tarde, desde a invenção da imprensa, começou a aparecer um
tipo de público completamente distinto, que não parou de aumentar e cuja
extensão indefinida foi uma das marcas características de seu tempo,
configurando o que passou a denominar não mais psicologia das
multidões, mas a psicologia do público. Essa observação o levou a
concluir, diferentemente de Le Bon, que imaginou o século XIX como a
era das multidões (Le Bon, 1895), que o século XIX constituía a era dos
públicos (Tarde, 1898, p. 14). Nesse sentido, Reynié (2005) afirma que o
trabalho de Tarde apresentou os primeiros elementos de uma nascente
ciência da opinião pública. Contudo, ao desenvolver sua análise apoiando-
se nas semelhanças e nas diferenças entre público e multidão, ofereceu
uma análise do público que só enriqueceu e pormenorizou o estudo das
multidões. Em suma, embora as ideias de Tarde fossem de grande
interesse por terem sido precursoras do desenvolvimento da ciência de
opinião pública, da propaganda e dos estudos sobre as sociedades de massa
no século XX, o que mais interessa captar em sua obra são as análises da
imitação, do contágio, da sugestão e da hipnose, fenômenos cruciais na
investigação das multidões, temas que serão discutidos em Tarde.
Desde a Idade Moderna, surgiu um público diferente que se multiplicou
de forma indefinida e que aos poucos se disseminou entre os indivíduos
criando correntes de opinião (Tarde, 1898, p. 6). A esses fenômenos Tarde
deu o nome de multidão e, em sua visão, parecem ser constituídos de um
feixe de contágios psíquicos produzidos por contato físico. Na verdade, o
vínculo estabelecido entre os indivíduos nas multidões seria da ordem de
uma simultaneidade de convicções ou paixões, de vontades
compartilhadas, transmitidas por contágio, em um mesmo momento por
um grande número de homens.
Segundo Tarde (1898), não existia palavra em latim ou grego que
correspondesse ao que hoje se entende por público, embora na Antiguidade
existissem palavras que designassem povo, assembleias, corpos eleitorais
ou até mesmo multidões. De fato, multidões parecem ter existido desde os
tempos do Coliseu romano ou mesmo das audiências que ocorriam em
torno de Péricles ou Cícero. Na Idade Média, também não havia a noção
de público, embora possam ser encontradas descrições de “feiras,
peregrinações de multidões tumultuosas, dominadas por emoções piedosas
ou belicosas, cóleras ou pânicos” (p. 10). A noção de público como tal só
se constituiu no Antigo Regime por volta do reinado de Luís XIV quando
então multidões corriam para presenciar a coroação de reis nas grandes
festas ou nas insurreições. No entanto, somente a partir da Revolução
Francesa, a ideia de público tomou corpo em função da influência da
imprensa e do jornalismo que tiveram grande importância no desenrolar
da revolução. Nesse sentido, é possível constatar na análise de Tarde a
estreita correlação entre público e multidão, que aparecem aqui como
praticamente equivalentes. Entretanto, a partir do século XIX, o
aperfeiçoamento da locomoção e a rapidez nas comunicações tornaram
possível a transmissão de ideias a todos os públicos. Para Tarde (1898), foi
nesse momento que se estabeleceu a diferença entre público e multidão:
A multidão é o grupo social do passado; depois da família, é o mais
antigo de todos os grupos sociais. Ela é incapaz de se estender além
de um pequeno raio, quando seus líderes cessam de tê-la in manu e
quando ela deixa de ouvir a voz deles, a multidão desaparece (p.
13).
Em Tarde (1898), a multidão era a forma de agrupamento mais natural
que poderia ser encontrada na história, sendo diferente de outras
aglomerações sociais. Dentro dessa perspectiva, passantes em uma rua
movimentada, viajantes reunidos em uma estação de trem ou em um
vagão, camponeses em uma feira estavam agrupados fisicamente, mas não
socialmente. Embora não se conhecessem ou não houvesse nenhum grau
de cooperação entre eles, essas pessoas carregavam consigo a virtualidade
de um agrupamento social (p. 148). Assim, se a ocasião exigisse, essas
pessoas poderiam se associar espontaneamente formando uma multidão.
Desse modo, através de uma série de graus intermediários, um agregado
rudimentar, fugaz e amorfo pode se tornar uma multidão que, mais tarde,
se estiver suficientemente organizada, poderá se transformar em um grupo
organizado, que o autor denominou de corporação monástica ou
regimental (p. 146).
Os membros de uma multidão eram considerados por Tarde (1898)
inferiores em inteligência e em moralidade, apresentando, por um lado,
uma previsibilidade e, por outro, uma instabilidade em seu
comportamento. A previsibilidade do comportamento de uma multidão
podia ser associada à questão da nacionalidade, já que o comportamento
dos indivíduos em uma multidão decorria em grande parte de similitudes
étnicas apresentadas que se somavam ou se reforçavam e nunca por suas
diferenças que, na multidão, neutralizavam-se. Isto é, Tarde acreditava que
as individualidades em uma multidão tendiam a se atenuar em proveito de
um “tipo nacional” (p. 16) que eliminaria as diferenças e tenderia a
sobressair-se no comportamento da multidão. Nesse sentido, Tarde
apontou para o caráter previsível do comportamento dos indivíduos na
multidão, tais como a obediência ao líder e a tendência à homogeneização
que podem ser determinadas em função da similaridade de raça e nação.
Em um primeiro momento, esse tipo de perspectiva − adotada tanto por
Tarde quanto por Le Bon − que associava o comportamento das multidões
às especificidades da raça, parece conservador e ultrapassado, fruto de
pontos de vista em voga no século XIX devido à influência do darwinismo
social. Entretanto, dentro de uma visão contemporânea, pode remeter às
reflexões em torno do inconsciente social (Weinberg, 2007; Hopper &
Weinberg, 2011) de culturas que têm seu comportamento afetado e
influenciado por restrições e repressões de ordem inconsciente que
determinam as atitudes de um grupo ou nação específica. Nesse sentido, o
que, no século XIX, era atribuído à raça nas diferenças encontradas no
comportamento das multidões, no século XXI pode girar em torno de
especificidades e diferenças culturais.
Além disso, Tarde (citado por Reynié, 2005) estabeleceu ainda uma
correlação entre as diferenças e oscilações de comportamento
apresentadas pelas multidões e características encontradas no universo
feminino e animal:
A multidão entre as populações civilizadas é sempre uma mulher
selvagem ou uma faunesa, menos que isso, um bicho impulsivo e
maníaco, joguete de seus instintos e de seus hábitos maquinais, às
vezes um animal de ordem inferior, um invertebrado, um verme
monstruoso em que a sensibilidade é difusa e que continua a agitar-
se em movimentos desordenados depois de secionada sua cabeça,
confusamente distinta do corpo (p. IX).
Assim, em Tarde (1893), “a multidão é feminina” (p. 172), caprichosa,
docilmente revoltada, nervosa com bruscas mudanças psicológicas,
oscilando do furor à ternura, da exasperação ao riso. Pode ser ainda pueril
e bestial, covarde ou extremamente corajosa, devido à mobilidade de
humor e à fácil sugestão. Essa comparação parece estar ligada às
representações sociais do sexo feminino no final do século XIX,
associando a mulher a um comportamento facilmente sugestionável,
intempestivo e imprevisível como o observado nas histéricas ou nas
reivindicações das sufragistas.
Tarde definiu ainda as multidões em termos de amor e ódio. As
multidões de amor podiam ser capazes dos mais incríveis prodígios e das
mais altruísticas realizações. De fato, as multidões de festa e de alegria
foram de grande importância para a tessitura e o estreitamento dos
vínculos sociais ao longo da história. Por outro lado, as multidões de ódio,
quando revelavam seu furor, eram capazes de cometer as piores
atrocidades, envoltas em um delírio destruidor e por vezes canibal (Tarde,
1898, p. 42). Em linhas gerais, uma multidão criminosa não agia inspirada
por vingança ou pela necessidade de punição de crimes reais, tampouco
por um sentimento de justiça social, mas inflamada por uma “justiça dos
tempos primitivos” (p. 50) e também por uma confiança no líder, em uma
credulidade que se aproximava ao estado de sonho ou de hipnose. Nesse
sentido, o comentário de Tarde de que “as multidões não são apenas
crédulas, elas são loucas” (p. 51) ajuda a compreender o fascínio hipnótico
que conduz a multidão criminosa.
Tarde (1898) afirmava poder encontrar nas multidões características
semelhantes às de povos primitivos e de neuróticos, afirmando ainda a
semelhança do comportamento das multidões e de pacientes psiquiátricos
quando estes oscilavam entre polos extremos que iam da excitação à
depressão, passando por alucinações coletivas e paranoia (p. 52). Foi
assim que em Tarde a credulidade da multidão, quando girava em torno de
uma ideia, podia levar ao desencadeamento de um delírio coletivo de
perseguição e medo em relação a crimes imaginários (Tarde, 1893, p. 166).
A análise de Tarde aponta para o fato de que a multidão era extremamente
sensível a uma espécie de hipnose coletiva, fomentada pela sugestão, pela
credulidade e pelo contágio que se estabelecia entre os indivíduos. Essas
afirmações também encontraram eco nas considerações de Le Bon sobre o
contágio, a hipnose, bem como na ideia de que as multidões podem sofrer
de alucinações coletivas (Le Bon, 1895, p. 123). Dentro dessa perspectiva,
as considerações de Tarde anteciparam tanto discussões atuais sobre o
comportamento projetivo das massas e dos grandes grupos (Kernberg,
1998; Volkan, 2004) quanto discussões sobre o amor e a hipnose que Freud
irá retomar e desenvolver em Psicologia de grupo e análise do ego (1921).
A atualidade de Tarde em relação à investigação das multidões referia-
se ainda à importância conferida ao líder. A ideia da existência de um líder
era um dos principais fatores que distinguia uma multidão de
agrupamentos variados. A natureza do vínculo com seus líderes e a
comunhão de crenças ou desejos que os uniam marcavam o
comportamento das multidões. Assim, o fato de as multidões estarem
reunidas em torno do líder levou-o a concluir que: “multidão atrai e
admira multidão e o sentimento de número embriaga os homens reunidos
os fazendo desprezar o homem isolado, a menos que este consiga
deslumbrá-los ou enfeitiçá-los” (Tarde, 1898, p. 39). Nesse sentido, é
possível observar que a questão do líder e de sua intencionalidade −
embora ainda se restringisse aos fenômenos da imitação, do contágio e da
influência hipnótica − já adquiria destaque em Tarde, prenunciando a
importância que o problema das lideranças apresentaria para a psicologia
das massas do século XX.
As ponderações de Tarde sobre a influência do líder na condução do
comportamento das multidões remetia às preocupações com o crime
coletivo e com as ações terroristas dos movimentos anarquistas. Partindo
das multidões, mas deslizando para a análise do que nomeou de
corporações − que mais tarde passaram a ser estudadas como grupos
organizados e como pequenos grupos − Tarde (1893) dedicou-se à análise
do comportamento de seitas e grupos criminosos, em especial da “seita
anarquista” e de suas relações com suas crenças e com seus líderes (p.
173). Ou seja, revelou que, por trás das atividades de uma corporação ou
de uma multidão organizada, existia sempre a crença em um líder.
Contudo, suas observações, apesar de guardarem certa atualidade,
restringiam-se às considerações relacionadas às típicas preocupações do
século XIX com questões de raça e predestinação orgânica, embora já
conferissem alguma importância a motivações de origem psicológica ou
social (p. 180). Nesse sentido, é possível constatar que suas teorias
estavam em sintonia com as principais inquietações do século XIX − o
anarquismo, a ameaça socialista, as greves, a revolta do proletariado, as
discussões sobre raça e nacionalidade e a nascente opinião pública − que
davam expressão ao inconsciente social do século XIX.
Embora Moscovici (1981) aponte para o fato de que grande parte das
ideias de Tarde seja hoje trivial, é importante reconhecer que sua obra
inaugurou um dos capítulos mais importantes das ciências sociais pelo
fato de ter definido as relações entre público e multidão, desenvolvendo
ainda a nova ciência da opinião pública. Suas principais contribuições à
psicologia das multidões residem na importância que conferiu ao líder
como aquele que transforma a multidão espontânea, anárquica e natural −
que é encontrada na origem de toda a vida social − em uma multidão
artificial e organizada. Essa multidão disciplinada está na base da
constituição dos grupos organizados e do social (p. 198). Além disso, a
descrição do conceito de imitação, bem como a importância que conferiu à
sugestão e ao papel do líder, permitiu avaliações contemporâneas que
conduziram à observação de que “a obra de Tarde sobre a psicologia das
multidões apresenta um parentesco importante com a obra de Freud” (p.
321). Nesse sentido, suas considerações podem ser vistas como mais
próximas das elaborações freudianas do que os trabalhos do próprio Le
Bon (Van Ginneken, 1992).
Em suma, a obra tardeana em seu conjunto oferece com precisão a
dimensão da investigação das multidões que se processava sobre o tema
no século XIX revelando, mais do que as descobertas, os temores e o
fascínio de um século de progresso e promessas. Em Tarde, a psicologia
das multidões, através dos fenômenos da imitação e da sugestão, foi a
principal responsável pela expansão dos fenômenos de comunicação e é
possível considerar que suas ideias foram fundamentais para os
desdobramentos que a psicologia das multidões adquiriu no século XX
quando a política e os meios de comunicação erigiram uma nova cultura,
transformando a psicologia das multidões em psicologia das massas. A
obra de Tarde, assim como a de Le Bon, com a qual guarda inúmeras
semelhanças, permite o mergulho no espírito de uma época que marca em
definitivo o início do estudo da psicologia e da sociedade de massas.

Gustave Le Bon e a psicologia das multidões


Nascido em Nogent-le-Rotrou, na Normandia, Charles-Marie Gustave
Le Bon (1841-1931) estudou medicina prática na Universidade de Paris e,
embora não tenha completado o curso, escreveu sobre uma variedade de
assuntos que incluíam fisiologia, ótica, fotografia, antropologia, tabaco,
adestramento de animais, civilizações orientais, psicologia, política e
sociologia (Van Ginneken, 1992). Sua vida acadêmica foi marcada pela
falta de recursos econômicos e por suas ambições junto ao cultivo das
letras e da alta cultura, fato que marcou sua disposição de “intelectual
livre” (Nye, 1995) e de detentor de algumas escolhas profissionais
contraditórias. Após a experiência como médico na guerra franco-
prussiana (1870), seu interesse pareceu ter se afastado da medicina indo
em direção à sociologia e à psicologia nascentes. Para Consolim (2008b),
após esse período, Le Bon, deixou de lado o otimismo perante o progresso
social e adotou uma visão pessimista e fatalista do social.
Assim, sua carreira profissional evoluiu na contramão das tendências de
especialização no mundo científico que dominavam a França de sua época
seguindo um curso peculiar que se, por um lado, conferiu-lhe
sobrevivência financeira, prestígio e destaque, por outro, fechou-lhe as
portas para a almejada academia (Nye, 1995). Sua carreira intelectual foi,
portanto, bastante conturbada e instável. Ambicioso, tendo em vista sua
posição social modesta, buscava fazer sucesso diante do grande público,
mesmo que isso lhe custasse o desprezo por parte dos especialistas e da
academia. Entretanto, seu círculo de amizades era intenso e contava com
homens de Estado, literatos e cientistas, entre eles Théodule Ribot e
Gabriel Tarde, o filósofo Bérgson, o matemático Poincaré e o ilustre Paul
Valéry, bem como as princesas Marthe Bibesco e Marie Bonaparte
(Moscovici, 1981).
Le Bon parece ter intuído exatamente a que sua época aspirava e sua
ânsia por uma resposta levou-o a trabalhar incessantemente como outsider
mesmo à margem dos círculos oficiais e com a pecha de vulgarizador
científico. Como editor da Flammarion entre os anos 1902 e 1931, obteve
destaque na edição de mais de duzentos títulos da coleção Bibliothèque de
philosophie scientifique (Consolim, 2004). De uma maneira geral, sua
obra obteve grande sucesso e repercussão tendo sido lida e traduzida para
mais de dezesseis línguas (Nye, 1995). Assim, influenciado pelas
premências da época, Le Bon publicou, principalmente a partir da década
de 1990, uma série de trabalhos de cunho psicológico, fato que levou sua
obra a ser considerada fundamental para o nascimento da psicologia na
França (Moscovici, 1981; Nye, 1995).
Por meio de um caráter peculiar de “investigador diletante” (Moscovici,
1981, p. 74), aprimorou-se como periodicista e alcançou grande
penetração de ideias. A resistência que os meios acadêmicos ofereciam ao
seu trabalho alimentava seu êxito no campo político e social. O talento de
Le Bon parecia estar ligado à sua capacidade de captar e traduzir em
palavras o espírito de sua época, ou seja, a conjuntura social, os temores e
as aspirações características do final do século XIX. Moscovici (1981)
afirma que suas obras refletiam a conjunção de ideias novas e
progressistas com a antiga tradição das letras. Por outro lado, postula que
ele possuía uma sensibilidade especial para detectar pensamentos e ideias
que pairavam no ar naquela época, entre as quais se destacava o
inquietante fenômeno psicológico das multidões, que pululavam no século
XIX, seja nos movimentos populares e trabalhistas, seja nas situações de
barbárie, na ameaça do socialismo ou do terrorismo anarquista.
A Psicologia das multidões (1895) de Le Bon surgiu circunscrita em
torno das teses conservadoras do século XIX que se afinavam com a
vanguarda política e intelectual da época, sofrendo influência do
evolucionismo de Herbert Spencer, da psiquiatria de Bernheim e da
psicologia experimental de Théodule Ribot (Moscovici, 1981). A nova
disciplina que Le Bon procurou erigir não foi, portanto, uma criação
original, pois suas premissas se apropriavam de conceitos e teorias
científicas advindas do discurso médico, psiquiátrico e antropológico
(Consolim, 2004). Dessa maneira, teses sobre hierarquias sociais,
hereditariedade das raças e crenças coletivas influenciaram − da mesma
forma que o fizeram com Tarde − suas postulações sobre o comportamento
das multidões. Dentro dessa perspectiva, Le Bon era um evolucionista que
atribuía à hereditariedade um papel fundamental na psicologia individual
ou coletiva (Consolim, 2008a). Le Bon encontrava-se ainda bastante
afinado com o desenvolvimento científico no século XIX. Muitos dos
conceitos dos quais se utilizava, tais como imitação, sugestão, hipnose e
contágio, foram importados da École de Salpêtrière, de Charcot e da École
de Nancy, de Bernheim (Van Ginneken, 1992). Dentre as inúmeras
contribuições da medicina do século XIX para o estudo das multidões, Le
Bon passou a adotar em suas teses a teoria de Bernheim, para quem a
hipnose era um processo de sugestão do médico sobre um indivíduo
através da manipulação da imaginação do paciente que ficava
sugestionado por ideias, imaginações ou atos − principalmente se fosse
mulher, criança ou um representante de povos primitivos que afirmava
serem mais sugestionáveis. Desse modo, a sugestão hipnótica passou a ser
um fenômeno que ocorria no contexto de uma relação hierárquica, isto é,
de poder, associando indivíduos superiores e inferiores (Nye, 1995).
Le Bon colocou as multidões no centro da interpretação do mundo
moderno, professando em suas teses o conflito social que se processava
entre as elites e o povo, representado pelas multidões. A percepção da
realidade ameaçadora em que a França estava mergulhada no final do
século XIX levou Le Bon a buscar um antídoto contra as desordens que as
multidões provocavam através da psicologia ainda embrionária. Assim,
formulou a hipótese da existência de uma alma nas multidões, formada
por impulsos elementares e organizadas em torno de fortes crenças pouco
sensíveis à experiência ou à razão. Para compreender a alma das
multidões, Le Bon (1985) propôs o estudo de sua constituição mental, isto
é, de suas formas de sentir, pensar, agir.
Do mesmo modo que a alma dos indivíduos obedecia a um
hipnotizador, a alma das multidões obedecia a sugestões de um líder ou
condutor, que lhe impunha sua vontade fazendo que, como em um estado
de transe, as multidões executassem ordens que não seriam jamais
obedecidas por indivíduos isolados. Le Bon, visivelmente decepcionado
com a democracia parlamentar francesa, apontou a incapacidade dos
dirigentes das nações de se relacionar e lidar com as multidões como um
dos motivos para as dificuldades que ocorriam no mundo conturbado
europeu do século XIX e que se relacionavam, de uma forma ou outra,
com a irrupção e o descontrole das multidões. Nesse sentido, o antídoto
era simples. Para Le Bon, bastava conhecer as leis das multidões e saber
reconhecê-las para aprender a controlá-las. Nye (1995) afirma que dentro
dessa perspectiva:
A nova disciplina (a psicologia das massas) seduzia mais
fortemente as elites democráticas que viam nela um instrumento
conceitual que confirmava seu medo mais profundo das massas,
mas que lhes proporcionava também um conjunto de regras com a
ajuda das quais podia manipular e dominar o potencial violento das
massas (p. 24).
Infelizmente, a receita de Le Bon dada a dirigentes de Estados em
inúmeros encontros em salões franceses não foi apenas seguida pelos
círculos militares e pelas democracias nascentes do século XIX, mas
serviu de inspiração para líderes totalitários. É sabido que tanto Mussolini
quanto Hitler (Moscovici, 1981, p. 89) foram dedicados leitores e
apreciadores das ideias de Le Bon. Adorno e Horkheimer (1944) afirmam
que Mein Kampf se caracterizava por uma adesão profunda de Hitler às
argumentações sobre as multidões de Le Bon que foram transformadas em
cópias baratas repletas de clichês de valor pretensamente científico
(Moscovici, 1981, p. 90). Ao longo do século XX, a obra de Le Bon
influenciou muitos democratas como De Gaulle, mas também foi utilizada
literalmente por ditadores inescrupulosos que a transformou em regras
inflexíveis de ação acabando por serem consideradas como protofascistas
(p. 91).
Aqui cabe uma indagação. Como um autor de reputação controvertida,
elitista, conservador, apoiado em pressupostos científicos datados e
ultrapassados, pode ainda ser hoje referência em um estudo tão complexo
quanto o das multidões? O natural seria que sua obra, baseada em
premissas há muito tempo abandonadas, de cunho considerado
antidemocrático, tivesse perdido com o tempo o interesse ou a importância
no estudo da psicologia das multidões. Entretanto, Nye (1995) é preciso ao
afirmar que todos os subsequentes comentadores do tema, de Sigmund
Freud e Robert Park (fundador da Escola de Chicago) a Theodor Adorno e
Elias Canetti, foram obrigados a absorver ou a refutar suas ideias, mas
nunca puderam ignorá-las. Mesmo as mais recentes teorizações sobre o
coletivo prestam sua homenagem a Le Bon (Nye, 1995, p. 13).
Procurando compreender essa indagação, Moscovici (1981) afirma que
a novidade apresentada por Le Bon não está simplesmente no fato de ele
ter associado os meios da sugestão à política, mas, sobretudo, no de
transpor uma perspectiva estritamente jurídica, que tratava o problema das
multidões de um ponto de vista exclusivamente criminal, buscando na
psicologia uma explicação plausível para as desordens provocadas pelas
multidões naquele momento. Assim, parece que sua principal contribuição
foi ter mostrado que as multidões são, antes de tudo, um fenômeno social
cuja compreensão requer situá-las em uma nova perspectiva: não mais a
do direito ou da economia política, mas a da psicologia. De fato, embora
Le Bon apresentasse uma visão pessimista sobre as multidões, sua obra é
fundamental por ter conferido importância ao caráter inconsciente das
multidões, e essa foi sem dúvida uma de suas principais contribuições.
Embora Le Bon afirmasse que a consciência podia ser individual, ele
não se referia ao inconsciente como um inconsciente individual e, nesse
sentido, suas concepções poderiam se assemelhar, em um primeiro
momento, ao inconsciente coletivo postulado por Jung. Entretanto,
apoiava-se em uma visão biológica de inconsciente afirmando que o
“substrato inconsciente é formado por influências hereditárias que contém
resíduos ancestrais que constituem a alma de uma raça” (Le Bon, 1895, p.
33). Moscovici (1981) afirma que o inconsciente de Le Bon representava
muito mais do que um resíduo ancestral de uma nação ou de uma raça,
“ele retira sua força da herança de uma longa série de gerações, cada uma
das quais lhe acrescenta mais alguma coisa” (p. 303). Análises baseadas
em conceitos como raça ou tradição parecem hoje ultrapassadas, contudo,
em Le Bon, desempenhavam um papel preponderante na investigação do
comportamento das multidões na medida em que todos os elementos
civilizatórios que as compunham tornavam-se “expressão exterior da alma
das multidões” (Le Bon, 1895, p. 81). Assim, Le Bon chamava de “raça
histórica” aquilo que era construído a partir de experiências vividas por
gerações e que determinavam – através de suas tradições e instituições – o
comportamento de um povo. Dessa forma, a cultura, o desenvolvimento, a
história e as tradições de uma raça eram capazes de imprimir
características peculiares ao seu comportamento de forma inconsciente
quando em situação de multidão. Nesse processo, o tempo era o terreno
onde germinavam as opiniões e as crenças das multidões, acumulando um
imenso resíduo de pensamentos sobre o qual nasciam as ideias de uma
época. Suas raízes remontavam a um passado longínquo de uma raça e no
momento em que certas ideias ou manifestações eclodiam em uma
multidão, um longo período de gestação as havia preparado. Le Bon
parecia falar de um tipo de multidão, em que os fatores inconscientes eram
regidos por uma herança filogenética e, portanto, eram multidões
qualitativamente diferentes em virtude de revelarem manifestações
inconscientes de um determinado grupo social. A análise de Le Bon
parece, desse modo, dirigir-se a uma multidão vista como um povo ou
uma nação, em que a transversalidade de sua história se combinava à
horizontalidade do aqui-e-agora na determinação das diferenças de
comportamento encontradas nas multidões. Assim, mesmo que
influenciada por correntes biologizantes e darwinistas ultrapassadas, sua
concepção de inconsciente − embora bastante distinta do inconsciente
individual freudiano − parece guardar semelhanças com o inconsciente
filogenético de Freud (1923) e com os estudos atuais sobre transmissão
psíquica em famílias e sociedades (Kaës, 2001; Volkan, 2002; Faimberg,
2005). Além disso, podem ser feitas aproximações com o conceito de
inconsciente social, pesquisado pela grupanálise (Hopper & Weinberg,
2011).
Mesmo que a ideia de inconsciente de Le Bon fosse bastante distinta da
noção do inconsciente freudiano, é importante destacar que a percepção do
caráter inconsciente do comportamento das multidões permitiu uma
análise de suas características psicológicas que se afastou da lógica que
considerava a multidão como uma enfermidade, uma excrescência da
ordem social existente. Moscovici (1981) aponta que a ideia genial de Le
Bon foi sua oposição a esse tipo de conceituação, preferindo afirmar que a
multidão tinha como característica principal a fusão dos indivíduos em um
espírito e um sentimento comum que esmaeceriam as diferenças
individuais e diminuiriam a capacidade intelectual, favorecendo o grupo
em detrimento do indivíduo. A universalidade desses efeitos seria capaz
de provocar uma transformação que afetaria os indivíduos reunidos em
uma multidão. Dessa forma, as ideias que preponderavam sobre o caráter
criminoso das multidões caíram por terra, sendo meras ilusões nas
palavras de Moscovici (p. 103). Assim, seria fundamental conhecer a
psicologia das multidões e seu modus operandi com o intuito de governá-
las, já que as leis e as instituições humanas exerciam pouca influência
sobre sua natureza impulsiva. De fato, as multidões podiam revelar-se
violentas ou anárquicas, sendo capazes de cometer atos de ferocidade e
barbárie. Entretanto, seriam capazes de exibir uma moralidade elevada,
mostrando-se altruístas e heroicas (Torres, 2007), mais justas do que
qualquer indivíduo isolado, demonstrando uma aparente contradição que,
no entanto, a psicologia das multidões seria capaz de esclarecer. Para Le
Bon (1895), portanto, não havia nada de demente ou patológico nas ações
praticadas pelas multidões. Na maioria dos casos, elas se constituíam de
indivíduos normais que, reunidos, sentiam, raciocinavam e relacionavam-
se em um plano psíquico distinto, isto é, apresentavam uma vida mental
característica. Assim, dentro de um ponto de vista psicológico “são uma
realidade autônoma, organizada em uma forma coletiva, uma forma
coletiva de vida” (p. 125). A multidão representava para Le Bon a matéria-
prima das instituições políticas, a energia virtual dos movimentos sociais
e o estado primitivo de todas as civilizações. Nesse sentido, Moscovici
(1981) afirmou:
[...] o último soberano da Idade Moderna é o poder das multidões
[...] Enquanto nossas antigas crenças cambaleiam e desaparecem,
enquanto as velhas colunas da sociedade desabam sucessivamente,
a ação das multidões é a única força que nada ameaça e cujo
prestígio sempre aumenta. A idade que entramos será
verdadeiramente a era das multidões (p. 20).
Le Bon estava verdadeiramente convencido de que o século XIX
prenunciava o advento de uma era das multidões e, de fato, como Ortega y
Gasset (1926) anos mais tarde analisou − através da observação da
tendência à homogeneização e à coletivização da vida moderna e do
conceito de “homem-massa” − o triunfo das massas verdadeiramente se
impôs sobre a sociedade ocidental (p. 68).
Observando a alma coletiva, Le Bon (1895, p. 81) constatou que as
aptidões intelectuais e a individualidade na multidão desapareciam, dando
lugar a um partilhar de qualidades ordinárias e um sentimento de
invencibilidade. Essas diferentes características estavam diretamente
relacionadas ao contágio mental que era considerado o elemento central na
constituição das multidões. Em Le Bon, o contágio estava também
associado à ideia de hipnose e sua excessiva sugestionabilidade. Assim,
tanto o contágio quanto a sugestão remetiam ao estado de fascinação do
indivíduo em relação ao hipnotizador (p. 35) e, portanto, as modificações
psíquicas que ocorriam em um indivíduo quando em uma multidão seriam
análogas às que ocorriam com o indivíduo sob hipnose. Isto é, os estados
coletivos eram análogos aos estados hipnóticos. Os indivíduos na multidão
encontravam-se em um estado crepuscular entre a vigília e o sono; sua
consciência seria menos ativa, deixando-se levar ora por um êxtase
místico, como em sonho, ora pelo pânico e pelo pesadelo (Moscovici,
1981, p. 109). Nesse sentido, é fato que, ao fazer parte de uma multidão,
um indivíduo se porta de forma diferente na medida em que desaparece a
personalidade consciente e os aspectos inconscientes predominam, ficando
o indivíduo submetido à sugestão e ao contágio de sentimentos e ideias,
agindo como um autômato diante da multidão ou do líder. A sugestão
explicaria perfeitamente por que um indivíduo em uma multidão é
diferente de um indivíduo isolado, da mesma forma que, em sono
hipnótico, é diferente de em estado de vigília. Dessa maneira, “a sugestão
determina a fusão do indivíduo com a multidão” e a hipnose funciona
como “modelo para a relação com o condutor” (p. 117). Essas afirmativas
reforçaram a importância da sugestão e da hipnose na psicologia das
multidões, pois, para Le Bon, a hipnose era o modelo principal dos atos e
das reações dos indivíduos nas relações sociais, o que explica por que
eram necessárias, na multidão, a recriação e encenação de uma espécie de
teatro hipnótico, capaz de fixar a atenção da multidão, desviando-a da
realidade e estimulando sua imaginação.
Assim, para Le Bon (1895), é possível constatar que a psicologia das
multidões realizava uma série de transformações nos indivíduos. O
desaparecimento da personalidade consciente, o predomínio de
mecanismos inconscientes, a orientação por meio da sugestão e do
contágio de sentimentos e ideias, bem como a influência hipnótica do
condutor eram características dos indivíduos na multidão. Além disso, há
ainda a intolerância, o autoritarismo e o conservadorismo presentes no
comportamento das multidões. A incapacidade de raciocinar, a ausência de
julgamento e de espírito crítico conduziam as ações das multidões,
movidas por pensamentos, imagens e sentimentos ambivalentes e
exagerados. Todas essas transformações que ocorrem nas multidões são
descritas como uma “descida do homem a vários graus na escala de
civilização” (p. 36). Moscovici (1981) chega a afirmar que o pensamento
do indivíduo na multidão é um “pensamento automático” (p. 131) que se
opõe a outras formas de pensamento como o pensamento simbólico. É
possível constatar ainda que a sugestionabilidade e a credulidade
excessiva, acrescidas ao pensamento automático, poderiam levar os
indivíduos nas multidões a serem acometidos por alucinações coletivas, o
que remete novamente à profunda importância do contágio, da sugestão,
da hipnose e da influência do líder − hipnotizador e condutor das
multidões. Nesse aspecto, como ainda não era possível analisar a questão
das multidões em termos do fenômeno da regressão − enunciado anos
mais tarde por Freud (1921) e atualmente considerado onipresente no
comportamento das multidões − Le Bon, assim como Tarde, associava as
características das multidões ao comportamento das “formas inferiores de
evolução” (Le Bon, 1895, p. 39) identificadas na época como o selvagem,
a mulher e a criança.
Outro importante aspecto encontrado nas multidões era o fato de que a
sugestão era sempre uma ilusão, e ideias ou sentimentos simples ou
exagerados acabavam sendo compartilhados com os demais indivíduos por
contágio e sugestão. A questão das ilusões estava diretamente relacionada
às crenças transmitidas nas multidões e tanto as ilusões quanto as crenças
podiam ser construídas, manipuladas e dirigidas pelo seu condutor. Ou
seja, as multidões necessitariam de crenças, de ideias ilusórias que as
movimentassem e que conduzissem suas ações, quer elas tivessem
motivações de cunho prático, imediato, ou quer tivessem ideais sublimes:
Desde a aurora das civilizações, os povos sempre sofreram a
influência das ilusões, e foi aos criadores de ilusões que eles
ergueram mais templos, estátuas e altares. Ilusões religiosas
outrora, ilusões filosóficas e sociais atualmente (Le Bon, 1895, p.
103).
As crenças e as ilusões na visão leboniana assemelhavam-se muito às
ideias que Freud mais tarde discutiu em O futuro de uma ilusão (1927)
sobre o papel das religiões e das ilusões na formação do processo
civilizatório, já que foi através das ilusões que o homem fugiu da barbárie
e construiu civilizações. Foi assim que as ilusões adquiriram uma função
primordial na construção do mundo civilizado, e o papel do líder foi
fundamental nessa condução.
Não somente o líder e suas crenças imprimiam uma direção para as
multidões, mas também as convicções, principalmente se reveladas
através da religião quando uma espécie de sentimento religioso dominava
a multidão, terminando por direcionar suas ações. Esse sentimento
implicava em uma adoração a um ser supostamente superior,
personificado na figura de um líder que provocava medo e submissão cega
às suas ordens. A intolerância e o fanatismo das multidões tornariam
impossível a discussão de seus dogmas, levando a uma necessidade
premente de difundi-los em larga escala e, nesse contexto, eram
considerados inimigos aqueles que se opunham às suas crenças ou aos seus
líderes. É possível constatar, no modelo da multidão religiosa, a
inequívoca influência da sugestão, do contágio e o caráter hipnótico e
condutor do líder. Além disso, a estrutura interna que regia o
funcionamento de uma multidão religiosa estava diretamente relacionada,
em Le Bon, à alma das multidões e à relação com o líder. Isto é, por mais
que suas ações se originassem do poder e da vontade de monarcas ou
líderes, todas as manifestações eram provenientes, no fundo, da alma das
multidões.
No século XIX, a preocupação com as multidões criminosas deixava
pouco espaço para o surgimento de outras perspectivas de análise, no
entanto, na medida em que o século XX se avizinhava e a análise
psicológica das multidões progredia, a investigação sobre as multidões
parecia transferir-se para a esfera política. Nesse momento, começava a se
consolidar a ideia de que elas podiam ser controladas e manipuladas por
um líder carismático. Observadas, podiam ser transformadas em objeto de
estudo e pesquisa científica de métodos de governo para os homens de
ação ou chefes de Estado. Essa era a ambição de Le Bon, a de “erigir uma
nova ciência que proporcionará uma solução e um método ao problema do
governo das sociedades de massa” (Moscovici, 1981, p. 108). De fato, foi
Consolim (2008a) que possibilitou o esclarecimento da dúvida que
permeou a transformação do termo multidão − característico da
denominação de grupos biológicos ou psicologicamente inferiores, como a
plebe ou o populacho no século XIX − para o termo massa, característico
do século XX, porque, no século XIX, especialmente na última década, a
palavra massa havia se tornado apanágio das esquerdas, ficando excluída
de qualquer referência ou análise de cunho republicano que caracterizava
as pesquisas de Tarde ou Le Bon. Assim, partindo das investigações sobre
as atemorizantes multidões do século XIX, foi possível chegar à
psicologia das massas do século XX. Nesse processo, as pouco percebidas
multidões religiosas do século XIX tiveram ainda um papel de transição
por apresentarem uma estruturação interna e um modus operandi, baseado
na fé compartilhada entre os membros e na organização em torno de um
líder ou de uma ideia poderosa, que mais tarde foi destrinchada pela
psicologia das massas freudiana. Dessa forma, é possível afirmar que o
tipo de multidão que passou despercebido pela psicologia das multidões
do século XIX acabou contribuindo para dar um novo contorno à pesquisa
ao substituir a multidão turbulenta e feroz por uma massa artificialmente
organizada em torno de um ideal, na presença de um líder carismático e
com características previsíveis e controláveis. Esse foi o modelo em que
se baseou toda a psicologia das massas no século XX, no qual a figura do
líder é central.
Le Bon (1895) afirmava que, nos grupos humanos, o líder possuía um
papel considerável, do qual a multidão não poderia prescindir. Os
condutores seriam homens enérgicos, de ação, pouco afeitos ao
pensamento ou à reflexão, de vontade momentânea e pouco duradoura. A
visão de Le Bon sobre os líderes era pouco lisonjeira já que enfatizava,
dentre suas características, o despotismo, a pouca clarividência e a
obstinação diante de ideias defendidas como uma fé religiosa que não
admitia dúvidas ou incertezas. A maior ou menor influência do líder
estava também diretamente relacionada ao poder de suas palavras e à
capacidade que estas possuíam de transformar ideias e crenças em
imagens que adquiriam um poder mágico e transformador na multidão. A
capacidade de raciocínio dos indivíduos na multidão se enfraquecia diante
de suas convicções e eles pareciam estar dispostos a sacrificar valores
pessoais e a própria vida em função da ideia defendida. Nessa situação, o
que estava em jogo era o poder manipulador dos líderes, pois “conhecer a
arte de impressionar as multidões é conhecer a arte de governá-las” (p.
70). Por meio de sua capacidade de manipulação, o líder conseguia obter
da multidão docilidade e submissão surpreendentes. Sua capacidade de
persuadir e amealhar prestígio era vista por Le Bon como elemento
fundamental no processo. Isto é, um líder ou uma ideia investida de
prestígio seriam, através do contágio, imediatamente imitados, impondo a
uma geração certos modos específicos de sentir e de traduzir pensamentos.
Assim, embora Le Bon tenha se debruçado de forma inegável sobre o
fenômeno da liderança nas multidões destacando os efeitos do contágio, da
sugestão, da hipnose e do prestígio, sua análise permaneceu superficial e
foi somente Freud, em Psicologia de grupo e análise do ego (1921), ao
apresentar a libido e as identificações como responsáveis pelo laço social,
que a reflexão sobre as massas pôde se complexificar.
Outra importante contribuição de Le Bon (1895) para a psicologia das
multidões remete à divisão que propôs para multidões ao classificá-las em
homogêneas ou heterogêneas. Embora a classificação das multidões
apresentada por Le Bon conferisse excessiva importância à raça, sua visão
apresentava uma atualidade conceitual na descrição de multidões efêmeras
ou organizadas. Baseando-se em uma nomeclatura que ressaltava sua
heterogeneidade ou homogeneidade, suas classificações estão em plena
sintonia com as demais que vieram daí por diante. A enumeração dos
critérios de heterogeneidade e homogeneidade foi importante para a
compreensão dos diferentes tipos de multidão, entretanto já apontavam
para diferenciações que seriam definitivas na compreensão da estrutura
interna dos grupos do século XX. Assim, é possível afirmar que, se, no
século XIX existia um predomínio do estudo de multidões espontâneas
sem grande nível de organização e de grupos de ordem mais homogênea,
no século XX, principalmente após o estudo dos grupos organizados de
McDougall e Freud, a análise dirigiu-se para as multidões artificiais e os
pequenos grupos organizados em torno de um líder. Dentro dessa
perspectiva, a influência das lideranças ocupou um papel fundamental nos
estudos psicológicos, sociológicos e políticos sobre as massas no século
XX. Entretanto, através das transformações do mundo contemporâneo a
partir da década de 1970 − quando foi possível considerar que o estudo dos
grupos organizados já havia consolidado um lugar de destaque no ideário
contemporâneo e nas práticas psicológico-assistenciais − o interesse
científico voltou-se para o estudo de grandes grupos não estruturados e
para a necessidade de investigação de sua psicodinâmica.
Em suma, a psicologia das multidões em Le Bon constitui um campo
imenso de pesquisa. Apesar de ter sido um autor ao mesmo tempo
controvertido e em sintonia com sua época, suas ideias foram ponto de
partida para quase tudo o que é dito até hoje sobre a psicologia das
multidões. No entanto, embora possamos afirmar que como ciência a
psicologia das multidões tenha sido criada por Le Bon, após sua morte e
na segunda metade do século XX, sua obra passou por um momento de
ostracismo nas ciências sociais (Consolim, 2008a; Moscovici, 1981). De
fato, mesmo redimensionada pela análise freudiana, manipulada ao
extremo por ditadores de direita ou esquerda, parece esgotada, dissecada
ao extremo, não fornecendo qualquer novidade para um leitor desavisado.
Entretanto, vislumbram-se, nas entrelinhas das mais conhecidas
afirmações de Le Bon, certas nuances que adquirem novos significados no
contexto do mundo atual, principalmente quando algumas asserções
lebonianas são atualizadas à luz da psicanálise contemporânea. Se no
século XIX Le Bon se utilizava de uma psicologia que trabalhava com a
sugestão, o contágio e a hipnose e fazia uso de uma visão ainda incipiente
de inconsciente para explicar o comportamento das multidões, após Freud
foi possível pensar as multidões através de um renovado arcabouço
teórico. Nesse sentido, os fenômenos identificatórios, o inconsciente, as
instâncias ideais, os mecanismos de regressão, clivagem e projeção foram
fundamentais para o avanço das pesquisas sobre o assunto. Na segunda
metade do século XX, Bion (1970) e os pressupostos básicos, onipresentes
nos grupos, bem como o conhecimento das áreas de transicionalidade
(Winnicott, 1971), dos envelopes psíquicos (Anzieu, 1993) e dos espaços
compartilhados (Kaës, 2005) conferiram renovadas perspectivas de
análise. Durante o século XX, a investigação sobre a psicologia das
multidões deu lugar à ação das massas e dos grupos organizados, tendo
como teorias de base as ideias de Tarde e Le Bon. A teorização passou a se
concentrar no fenômeno das massas e os movimentos totalitários do
século XX são a prova desse fato. No momento atual, quando novas
configurações políticas ainda tecem seus contornos, o interesse pela
compreensão do fenômeno das massas se renova. Embora mais de um
século tenha se passado e a investigação seja facilitada pela experiência
vivenciada ao longo do século XX, o comportamento das multidões
continua a desafiar os estudiosos. Antes de passar para a próxima etapa – a
da análise detalhada da psicologia das massas e dos grupos organizados
empreendidas no século XX – a afirmação de Le Bon (1895), antecipando
um enigma tão familiar à psicanálise, atualiza-se, fomentando a discussão
que prossegue:
As multidões são como a Esfinge da antiga parábola: é preciso
saber resolver os problemas que a psicologia delas nos apresenta ou
se resignar a ser devorado por elas... (p. 97).

[3] Question du nombre, no original em francês. Esse termo é também


empregado nos estudos sócio-históricos franceses sobre multidões e
massas (Reynié, 1988, p. 7).
[4] Taine revolucionou a historiografia do século XIX ao imprimir um
estilo totalmente original à sua escrita em Les Origines de La France
Contemporaine (1874-1893), mesclando a análise histórica com a
psicologia evolucionista da época. Suas obras exerceram influência
determinante na nascente psicologia das multidões de Sighele, Tarde e Le
Bon (Van Ginneken, 1992).
[5] A teoria de ácteur-réseau, “ator-rede” em português, vem sendo
desenvolvida por Bruno Latour para descrever uma forma de investigação
sociológica, influenciada pelo pragmatismo, em que não é o pesquisador
que estabelece os parâmetros a serem investigados, mas os atores
envolvidos no processo (Latour, 2001).
[6] A contribuição mais importante de Leibniz para a metafísica é a sua
teoria sobre as mônodas, expostas em Monadologia, de 1714. As mônadas
estão para a realidade metafísica da mesma forma que os átomos estão
para os fenômenos físicos sendo os elementos de todas as coisas. As
mônadas são formas, substâncias simples que fazem parte das compostas e
por isso são eternas, indivisíveis, sujeitas às suas próprias leis, sem
interação mútua, cada uma refletindo o próprio universo dentro de uma
harmonia preestabelecida (Marcondes, 2006).
[7] Reynié (2005, p. XVII) aponta em Tarde uma equivalência entre os
conceitos de opinião e ideia, que são a todo momento substituídos um pelo
outro e empregados indiferentemente.
[8] O caso Dreyfus teve como origem um erro judicial em que a vítima foi
o capitão Dreyfus. O episódio dividiu a sociedade francesa durante doze
anos (1894-1906). A revelação do escândalo através de um artigo de 1898,
J´Accuse, de Emilé Zola, provocou uma série de crises sociais e políticas
inéditas na história da França, dividindo duramente a opinião pública e a
imprensa em campos opostos. O caso Dreyfus expôs as fragilidades da
Terceira República, revelando ainda, com a ajuda de uma imprensa forte e
influente, o nacionalismo e o antissemitismo francês.
Capítulo III
A psicologia das massas do século XX
À medida que o século XX se avizinhava, o peso das multidões sobre os
acontecimentos políticos e históricos passou a promover profundas
transformações na sociedade. Fosse pelo voto ou pela insurreição ou
mesmo pela crescente conscientização da população sobre seu poder
transformador como multidão organizada, a sociedade foi aos poucos
ganhando novos contornos e novas formas de organização política (Van
Ginneken, 1992). Como Cassirer (1946) observou, a partir do século XX,
principalmente no período entre as guerras mundiais, ocorreram crises na
vida político-social que levaram o mundo a enfrentar problemas
inteiramente novos, especialmente mudanças radicais nas formas de
pensamento político. Esse período iniciado na Primeira Guerra Mundial
marcou a irrupção das massas com suas formas de pensamento e crenças
próprias. Por outro lado, as transformações econômico-sociais iniciadas no
século XIX deram lugar no século XX a novas formas de vida coletiva, a
uma nova sociedade, à sociedade de massas (Ortega y Gasset, 1926).
Nesse momento, ocorreu uma metamorfose nos indivíduos que foram
transformados em seres anônimos − em público, como denominava Tarde
(2005) − pela influência da propaganda, dos meios de comunicação, da
sugestão e da manipulação dos líderes. A pressão no sentido de uma
conformação a um modelo coletivo resultou na tendência à massificação
na qual os indivíduos deram lugar aos homens-massa:
Triunfa hoje, sobre toda a área continental, uma forma de
homogeneidade que ameaça consumir a sociedade. Por toda parte
tem surgido o homem-massa, um homem feito de pressa, montado
simplesmente sobre poucas e pobres abstrações [...] Esse homem-
massa é o homem previamente esvaziado de sua própria história,
sem entranhas de passado, dócil [...] Não é um homem, é apenas
uma carcaça de homem; carece de um dentro, de uma intimidade
própria, inexorável e forma inalienável, de um eu que não se possa
revogar (Ortega y Gasset, 1926, p. 12).
De fato, essas mudanças nos indivíduos e na própria sociedade já
vinham sendo prenunciadas pela psicologia das multidões, entretanto não
geraram nem proletarização dos homens, nem socialização da economia
como outrora havia se pensado. Pelo contrário, assistiu-se, a partir do
século XX, à massificação, uma mistura entre categorias sociais
heterogêneas, maiorias e minorias, proletários e capitalistas, todos
formando um complexo humano homogêneo: uma massa composta por
homens-massa que se transformaram nos novos protagonistas da história
(Moscovici, 1981, p. 39). A poesia e o conceito de flâneurie de Baudelaire,
tanto quanto as descrições sobre a Metrópole e vida mental, de 1903, ou o
indivíduo blasé de Georg Simmel (1903), já prenunciavam essas
mudanças desde o final do século XIX. Alguns anos mais tarde, Walter
Benjamin (1936) criticou o novo estatuto da arte comprometida pela
massificação da cultura. Entretanto, foi José Ortega y Gasset, em uma
série de artigos publicados a partir de 1926 em um diário madrileno e
reunidos em A rebelião das massas, quem deu consistência à percepção
dessas mudanças analisando de forma transparente e crítica o homem-
massa e o fenômeno da sociedade de massas nascente.
Preocupado com os rumos do liberalismo individualista nos moldes do
século XVIII, Ortega y Gasset (1926) indagava-se sobre os caminhos
tomados pela sociedade moderna onde a valorização do coletivismo,
característica do século XIX, ameaçava o status quo dos indivíduos ao
propor novas formas de organização político-social que terminaram
levando as massas ao poder (p. 35). De fato, a influência da propaganda e
o crescimento das cidades e da opinião pública comprometeram o
discernimento dos indivíduos que, transformados em homem-massa
terminaram submetidos às influências da cultura de massa na produção e
na comunicação de opiniões:
Há um fato que, seja para o bem ou para o mal, é o mais importante
para a vida pública europeia neste momento. Esse fato é o advento
das massas ao pleno poderio social. Como as massas, por definição
não devem nem podem dirigir sua própria existência e muito menos
reger a sociedade, a Europa enfrenta atualmente a crise mais grave
que possa ser enfrentada por povos, nações ou culturas [...] Chama-
se a rebelião das massas (p. 35).
Assim, na opinião de Ortega y Gasset (1926) o que caracterizou o século
XX foi a ascensão das massas e do homem-médio que tomou conta da
civilização moderna aderindo à cultura das massas. Assim como os
teóricos conservadores do século XIX, ele não acreditava na capacidade
das massas de se autogovernarem − “as massas reinam, mas não
governam” (Moscovici, 1981, p. 73) − e voltava grande parte de suas
indagações para o futuro de uma sociedade massificada em que as
diferenças pareciam terem sido abolidas e os indivíduos regredidos
deixavam de ter opiniões e projetos próprios sentindo-se até confortáveis
por serem “idênticos aos demais” (Ortega y Gasset, 1926, p. 38). Nesse
sentido, prenunciava crises em cadeia justamente pela tendência da
sociedade de criar homogeneidades e também porque intuía que tamanha
massificação da cultura seria uma ameaça à sociedade e ao seu governo (p.
43).
Embora Ortega y Gasset apresentasse um ponto de vista reacionário e
elitista sobre a questão das massas, suas considerações apontaram para o
fato de que as massas haviam se convertido em elementos onipresentes na
sociedade, passando a ocupar um papel-chave na política e na cultura
moderna. Foi assim que, captando as mudanças profundas na sociedade, a
investigação sobre as multidões deixou de se interessar pela mera
descrição fenomenológica de seu comportamento, causas e efeitos para se
converter no desejo de conhecê-las para exorcizá-las e governá-las com o
objetivo de encontrar formas de ação e controle sobre seus efeitos. Dessa
forma, a pergunta dirigida aos homens da ciência no século XIX sobre a
multidão ampliou-se no século XX, sendo agora endereçada aos homens
de poder com o objetivo de saber o que fazer com as massas (Van
Ginneken, 1992).
Assim, a partir do século XX, a psicologia das multidões passou a ter
que responder a duas perguntas básicas: como surgiu a sociedade de
massas? Como ensinar às classes dirigentes a governá-la? Dessa maneira,
o aparente mistério que rondava a compreensão do comportamento das
multidões no século XIX transformou-se na tentativa de desvendar, no
século XX, não só o enigma de sua formação, mas também os caminhos do
governo das massas. Foi assim que o estudo da psicologia das multidões
do século XIX deu lugar, no século XX, à psicologia das massas e,
“através desse golpe de estado intelectual, a psicologia das multidões
colocou as massas no coração de uma visão global da história do século
XX” (Moscovici, 1981, p. 41). Seus precursores estavam convencidos de
terem encontrado na psicologia das massas “o fio de Ariadne do labirinto
das relações de poder” (p. 45), do qual, sem o conhecimento de sua
psicologia, governantes e governados ficavam subjugados à
irracionalidade das multidões. Dessa forma, a psicologia das multidões
deixou de ser instrumento de investigação da sociedade atemorizada do
século XIX para ser objeto de pesquisa e exploração política no século
XX, pois tudo levava a crer que: “a política é a forma racional de explorar
o fundo irracional das massas e a sua psicologia o confirma” (Moscovici,
1981, p. 53).
Da mesma maneira que a psicologia das multidões retratava a sociedade
do século XIX, a psicologia das massas, imersa na sociedade de massas,
buscava responder às perguntas do século XX preocupada com o homem-
massa e com o seu governo. Assim, foi do seio do conservadorismo, das
democracias liberais do século XIX, que, no século XX, a sociedade
conheceu o apogeu das massas. Dentro dessa perspectiva, parecia que a
solução para rebelião das massas passava a depender essencialmente do
conhecimento de sua psicologia e, através dessa investigação, foram
apostadas as fichas dos movimentos político-sociais e das lideranças do
século XX. Hermann Broch (citado por Moscovici, 1981) captou bem essa
tendência resumindo-a na ideia de que “as novas verdades políticas estarão
fundadas nesse século sobre as verdades psicológicas, e a humanidade terá
que se dispor a abandonar a época econômica de sua evolução para entrar
na época psicológica” (p. 42). Prenunciando essa visão que parece ter
englobado todo o espírito investigativo do século XX, Freud redigiu
Psicologia de grupo e análise do ego (1921). Sua análise resultou em uma
verdadeira revolução na compreensão da psicologia das massas na medida
em que, sob a ótica psicanalítica, dentre valiosas contribuições para o
tema que serão a seguir discutidas, foi fiel ao espírito de sua época,
centrando suas investigações sobre as massas na figura do líder, fenômeno
que parecia resumir a principal pergunta feita sobre as massas no decorrer
do século XX.

A psicologia das massas de Sigmund Freud


A influência que a psicologia das massas produziu sobre a sociedade
desde que se constituiu como um fenômeno a ser investigado − pela
filosofia, psicologia, literatura ou política − não parou de ser exercida.
Dentre inúmeras contribuições que concorreram para a construção do
corpo político-social do século XX, a psicologia das multidões instigou e
revolucionou a pesquisa sociológica revelando a influência dos fatores
inconscientes. Embora Tarde e Le Bon se referissem a uma concepção de
inconsciente bastante distinta da de Freud e empregassem largamente os
conceitos de imitação, sugestão e hipnose, eles foram autores
fundamentais para que Freud pudesse, a partir da psicologia das multidões,
dar seu grande salto rumo à psicologia das massas.
As preocupações freudianas e o contexto histórico que serviram de
cenário para Freud erigir sua teoria sobre a psicologia das massas eram
bastante distintos daquele encontrado na França do final do século XIX.
Logo após o fim da Primeira Guerra Mundial, ao longo do ano 1919, uma
série de tratados, especialmente o de Versalhes, marcou o fim dos
impérios centro-europeus. Apesar de consideráveis perdas territoriais, a
Alemanha transformara-se em uma “monstruosidade geográfica” (Gay,
1989, p. 349). Na Áustria, a situação não foi diferente: renúncias
territoriais, economia precária, moeda desvalorizada e população faminta
faziam parte de uma Viena que fora esplendorosa, mas que agora se
encontrava transformada em “um monstro hidrocéfalo” (p. 350). Além
disso, como o próprio Freud afirmou em carta de 1920 a Kata Levy, “a
onda reacionária deve se instalar por aqui, depois que a revolucionária não
trouxe nada de agradável” (p. 356), vislumbrando tempos sombrios com a
ascensão dos totalitarismos e o recrudescimento do antissemitismo
(Betthelheim, 1956).
Embora não se saiba definir ao certo o interesse de Freud sobre a
questão das massas, é possível inferir que a influência dos terríveis anos
do pós-guerra em um Freud já sexagenário foi determinante para que ele
voltasse sua preocupação, na maturidade, aos fenômenos sociais (Gay,
1989). Outro motivo diretamente ligado a este pode ser enunciado nas
próprias palavras de Freud em um pós-escrito à sua autobiografia (Freud,
1926) quando revelou ter retomado na velhice alguns de seus interesses da
juventude:
Fios que no curso do meu desenvolvimento se haviam enredado
começam então a separar-se; interesses que eu adquirira num
estádio mais avançado de minha vida ficaram para trás, enquanto
outros mais antigos e originais se tornaram proeminentes mais uma
vez [...] Meu interesse, após fazer um détour de uma vida inteira
pelas ciências naturais, pela medicina e pela psicoterapia, voltou-se
para os problemas culturais que há muito me haviam fascinado,
quando eu era um jovem quase sem idade suficiente para pensar (p.
89-90).
De fato, um pouco antes da Primeira Guerra, Freud já tinha inaugurado
a pesquisa sobre as questões culturais através da teorização sobre o
“advento do social” (Enriquez, 1990, p. 46) em Totem e tabu (1913).
Assim, na maturidade, a partir da década de 1920, as investigações
freudianas caminharam em duas direções. A primeira conduziu a
consideráveis modificações metapsicológicas que resultaram na
elaboração da segunda tópica (Mezan, 1982, 1996), enquanto a segunda
dirigiu-se para a produção de trabalhos dedicados à cultura.
Partilhando das mesmas opiniões de Peter Gay, Moscovici (1981)
afirma que o interesse de Freud pela psicologia das multidões ia ao
encontro de suas preocupações com a conjuntura da época. De fato, a
ilusão nutrida por grande parte dos intelectuais do século XIX, entre eles o
próprio Freud, quanto ao alcance das conquistas civilizatórias da
humanidade deram lugar, após a Primeira Guerra, a um período de
desesperança pela triste constatação de que nem os regimes políticos, nem
o otimismo ou pacifismo puderam impedir que os homens se deixassem
levar pelo ódio, pela destruição e pela demagogia. Da mesma forma, as
promessas dos movimentos das massas oprimidas não se concretizaram e
as esperanças outrora depositadas na democracia liberal acabaram dando
lugar aos movimentos totalitários e antissemitas.
Existe ainda para Moscovici (1981) uma motivação estritamente
científica na atenção que Freud conferiu à psicologia das massas e que
envolveu a importância da sugestão hipnótica na história da psicanálise e
na psicologia das multidões. A sugestionabilidade e a hipnose,
onipresentes na psicologia das multidões, exigiram que Freud retomasse e
renovasse antigas investigações sobre o enigma da sugestão (Freud, 1921,
p. 113; Moscovici, 1981, p. 282-285). Entretanto, em sua pesquisa,
distanciou-se tanto da imitação de Tarde e da sugestão mútua e do
prestígio dos líderes de Le Bon (1895) quanto do princípio de indução
direta de McDougall (1920) ao associar sugestão à libido (Freud, 1921, p.
114). Inspirando-se em Moscovici (1981), Costa (1989) acredita que o
segundo encontro de Freud com a sugestão hipnótica na psicologia das
massas teve importância fundamental por deslocar as reflexões
psicanalíticas do âmbito individual para o universo das massas. Perguntas
sobre o pai da horda primeva, sobre como ocorria a formação de um grupo
ou qual seria a origem da cultura passaram a ser foco de interesse
revelando manifestações antes desconhecidas do psiquismo humano
(Moscovici, 1981, p. 288; Costa, 1989, p. 59). Dessa forma, foi possível
para Freud revolucionar em psicologia das massas não só a visão sobre o
tema da sugestão e da hipnose, mas desencadear pesquisas que
caminharam do individual para o social. Transferindo a importância
outrora atribuída ao fenômeno sugestivo e à hipnose para a libido, Freud
(1921) revolucionou a reflexão sobre o tema ao afirmar que as relações
amorosas, ou seja, o investimento libidinal, através do poder agregador de
Eros, constituía a essência da mente grupal. Assim, a ideia de que a
sugestão seria um fenômeno irredutível e essencialmente primitivo no
psiquismo humano foi definitivamente substituída em Freud pelo conceito
de libido que possibilitou pensar que a “sugestão não está baseada na
percepção ou no raciocínio, mas em um vínculo erótico” (p. 161).
Em O tratamento psíquico (ou mental), de 1905, Freud pela primeira
vez demonstrou interesse pelos fenômenos coletivos, apontando, ainda que
de forma rudimentar, para os efeitos dos agrupamentos humanos nas
crenças dos indivíduos:
A crença piedosa do indivíduo é intensificada pelo entusiasmo da
multidão em meio à qual ele faz, em regra, sua peregrinação até o
local sagrado. Todos os impulsos mentais de um indivíduo podem
ser enormemente aumentados por uma influência do grupo tal
como esta (p. 304).
Entretanto, somente quinze anos mais tarde, retomou o tema das massas
em Psicologia de grupo e análise do ego,[9] publicado em 1921 e escrito
entre 1919 e 1920, justamente no auge do período pós-guerra quando
“experimentava a miséria em seu próprio lar” (Gay, 1989, p. 350). O
trabalho foi escrito em um dos piores invernos vienenses, quando Freud,
submetido a uma “verdadeira dieta de fome” − Hungerkost (p. 351) − sem
luz ou calefação redigia à luz de velas em “um quarto cortantemente frio”.
Martins (1986a), retratando a atmosfera da concepção da obra, afirmou:
Na época Freud tinha 64 anos e os tempos eram difíceis: os clientes
escasseavam, uma inflação galopante fazia minguar seus recursos e
sua situação financeira era desanimadora. Ao lado ainda sofria,
quase conjuntamente, a morte de sua filha Sofia e de seu amigo
Anton Von Freund (p. 44).
Apesar da conjuntura desfavorável, Freud transformou a visão sobre o
tema das multidões ao apresentar uma leitura otimista sobre a constituição
do laço social, baseada nas identificações entre os indivíduos e na
colocação do líder no lugar do ideal do ego. Para Semprún (2002),
Psicologia de grupo e análise do ego (1921) inaugurou o século XX sendo
um livro crucial para sua compreensão e, em certa medida, premonitório
em relação ao que iria ocorrer na Europa nos próximos anos. O contexto
em que foi produzido, justamente após o término da Primeira Guerra
Mundial, apresentou o pensamento de um Freud que substituiu um
investimento pessoal libidinal, inicialmente favorável ao Império Austro-
Húngaro, por argutas reflexões sobre a guerra e a morte iniciadas a partir
de 1915 em Reflexões para os tempos de guerra e morte e concluídas na
correspondência Por que a guerra? trocada com Einstein em 1933. Assim,
as indagações sobre a guerra e a morte prepararam o terreno para o
trabalho sobre a psicologia das massas, redigido em um período histórico
em que “chegava ao fim uma série de paixões germânicas e os valores
democráticos estavam ameaçados pela insurgência de uma nova lei, a lei
das massas” (Semprún, 2002, p. 20).

Massa, inconsciente e laço libidinal


Em Psicologia de grupo e análise do ego (1921), Freud inaugurou sob a
ótica psicanalítica o estudo da psicologia das massas imbuído do desejo de
empreender uma análise da vida coletiva dos indivíduos destacando o
conflito entre a vida instintual − e a consequente necessidade de satisfação
narcísica dos desejos individuais − e os vínculos grupais. Com uma visão
transformadora e crítica, empreendeu uma análise do eu dentro do
contexto da psicologia coletiva, tomando de empréstimo as descrições da
psicologia das multidões do século XIX para erigir a psicologia das
massas do século XX. A análise de Freud sobre as massas caminhou sob
duas vertentes distintas. A primeira se propunha a explicar a psicologia
das massas tendo como base as modificações que se processavam no
indivíduo, já a segunda dava continuidade às suas investigações
metapsicológicas, especialmente as iniciadas em Sobre o narcisismo: uma
introdução (1914) e Luto e melancolia (1917 [1915]), que tiveram
prosseguimento em O ego e o id (1923).
Na introdução do trabalho, Freud (1921) foi revolucionário ao afirmar
que “desde o começo, a psicologia individual [...] é, ao mesmo tempo,
também psicologia social” (p. 91). Na opinião de Enriquez (1990), o livro
começou polêmico, em suas palavras, como uma “bomba”, ao questionar a
oposição entre psicologia individual e social devido ao fato de a descrição
de Freud ter eliminado as pretensões caracterológicas do século XIX na
tentativa de definir tipos de personalidade e doenças baseados em critérios
biológicos, confirmando a ideia de que a psicologia do indivíduo estava
diretamente relacionada ao contexto em que se inseria e ao tecido das
relações sociais. Assim, Freud (1921) parece ter conferido um tiro mortal
a certas tendências antropológicas que procuravam ignorar a inter-relação
entre o psiquismo individual e coletivo na explicação de fenômenos
sociais, apontando para a necessidade da alteridade na constituição
subjetiva e no estabelecimento das relações sociais (Enriquez, 1990, p.
54). Nesse sentido, Enriquez (1990) atribui ao trabalho sobre as massas
uma perspectiva inovadora que contribuiu para a fundação da psicologia
social rastreando o vínculo que reúne indivíduo e social e que
necessariamente envolve o outro “como modelo, objeto, auxiliar ou
oponente” (Freud, 1921, p. 91).
Figueiredo (1996), por outro lado, afirma que Freud ofereceu em
Psicologia de grupo e análise do eu (1921) uma interpretação conjunta e
articulada dos processos sociais e individuais, procurando situar-se
justamente na imbricação essencial entre os dois. Dentro dessa
perspectiva, “os processos individuais passaram a se articular de forma
incontestável com a dimensão social da existência, ou seja, com o vasto,
complexo e variado campo de relações com o outro” (Figueiredo, 1996, p.
1). De fato, Freud apresentou a família como a primeira formação grupal
reportando-se às relações estabelecidas pelos indivíduos desde a mais
tenra infância, ratificando a importância e a influência do outro na
constituição subjetiva. Embora sua visão sobre a inter-relação entre os
processos individuais e sociais tenha demorado anos para ser
verdadeiramente compreendida, foi através dessa ótica que Freud
desenvolveu o trabalho sobre as massas (Semprún, 2002).
Fazendo uso da psicologia das multidões do século XIX, mas
empregando o arcabouço teórico da psicanálise − até então utilizado
apenas para a compreensão de fenômenos individuais − seu intuito era o
de destrinchar o comportamento das massas e de compreender seu poder
de influência sobre os indivíduos, postulando as seguintes perguntas: o que
é um grupo?[10] Como ele exerce influência na vida psicológica de um
indivíduo? Qual a natureza das mudanças psicológicas que ele produz?
(Freud, 1921, p. 95). Para respondê-las, Freud (1921) tomou como base
primordialmente a obra de Le Bon (1895), embora tivesse conhecimento
das pesquisas tanto de Siguele (1891, p. 107) quanto de Tarde (1898, p.
113). Desde o início, criticava a ideia difundida da existência de uma
mente coletiva não encontrando nas análises de Le Bon um elemento que
pudesse justificar sua postulação. Contrapôs-se, assim, à ideia de mente
coletiva de seus predecessores recorrendo ao conceito de inconsciente,
reiterando a primazia dos fatores inconscientes no comportamento das
multidões. Nesse sentido, as características descritas por Le Bon diziam
respeito, dentro de uma visão psicanalítica, à simples suspensão do
recalque das pulsões dos indivíduos em multidão. Isto é, as características
atribuídas aos indivíduos em multidão seriam apenas manifestações de seu
inconsciente na situação grupal.
O indivíduo na massa encontrava-se sob a influência de tendências
inconscientes responsáveis pelos aspectos psíquicos individuais e também
pelo comportamento nas massas, em que a diminuição do recalque
promovia um sem-número de manifestações pulsionais e a intensificação
dos afetos. Na massa, os indivíduos eram levados à regressão psíquica,
afetiva e intelectual, mergulhando em um estado semelhante ao da
fascinação encontrada pelo hipnotizado na relação com o hipnotizador
(Freud, 1921, p. 145). É possível observar que Freud (1921) corroborava
com muitas descrições feitas por Le Bon sobre a psicologia das multidões,
especialmente aquelas que conferiam destaque aos processos
inconscientes − embora sua concepção de inconsciente diferisse
radicalmente da de Le Bon − à regressão, à redução da capacidade
intelectual, bem como à influência das crenças e das ilusões. Para Freud,
assim como para Tarde (2005) ou Le Bon (1895), a associação da mente
grupal à vida mental dos povos primitivos, das crianças e dos neuróticos
era um ponto central. Entretanto, Freud se distanciou desses autores por
recusar a atribuição dessa ligação a fatores biológicos e evolucionistas ou
ainda a visões racistas e elitistas, ratificando novamente a primazia dos
fatores inconscientes (Costa, 1989). De fato, muitas das ideias de Le Bon
foram partilhadas por Freud, tais como o contágio, a sugestão e a própria
condição hipnótica. No entanto, sob a ótica psicanalítica, o alcance dessas
análises em Le Bon era restrito e Freud fez pensar que a massa só
acentuava as forças que usualmente guiavam os indivíduos, na medida em
que não acreditava, como Le Bon, na existência de uma separação radical
entre o comportamento da massa e o do indivíduo (Enriquez, 1990, p. 59).
Portanto a neurose na massa seria apenas uma ampliação da neurose
individual, própria da condição humana (Freud, 1921, p. 103). Da mesma
maneira, Freud acreditava que a forma com que Le Bon descrevia a
importância do líder era pouco consistente. Apesar de o último ter tecido
inúmeras considerações sobre o prestígio e a influência dos líderes, Freud
não observou em seu relato a clara elaboração de um princípio subjacente
que pudesse definir sua relevância efetiva. De certa forma, aproveitou a
ocasião para criticar os teóricos do século XIX por não terem
compreendido a real importância do líder para as multidões, apesar de
terem dado grande importância ao papel do condutor. Assim,
instintivamente agrupadas, sob a influência de um chefe, fascinadas por
uma intensa fé, imbuídas pelo misterioso e fascinante prestígio do líder, as
multidões, ficavam hipnotizadas pela figura do líder. Embora Freud (1921)
tenha valorizado a obra de Le Bon, que classificou como “um retrato
brilhantemente executado da mente grupal” (p. 105), principalmente pelo
fato de ele ter dado destaque aos processos inconscientes, foi firme ao
apontar que suas descrições não conferiam muita novidade ao que já havia
sido dito por outros autores[11] e pela própria literatura do século XIX (p.
107).
Afastando-se da análise do que considerava de caráter efêmero, como as
multidões passageiras estudadas por Siguele, Tarde e Le Bon, Freud (1921)
voltou-se para a investigação das multidões artificiais, estáveis na forma
de associações permanentes, chamadas de grupos organizados, tomando
como base as considerações de William McDougall (1838-1871) no livro
The group mind (1920). Raciocinando da mesma forma que Tarde já havia
feito anteriormente, ao separar a análise das multidões passageiras das
multidões artificiais, Freud mergulhou na pesquisa sobre as multidões
organizadas. De início, apresentou a diferença estabelecida por McDougall
entre uma multidão ocasional,[12] que não possuía nenhum tipo de
organização, e uma multidão que, apesar de aparentemente desorganizada,
revelava rudimentos de organização, possibilitando a observação dos
fundamentos da psicologia coletiva (Freud, 1921, p. 109). A condição para
a mudança de uma multidão ocasional para um grupo organizado era a de
que seus membros deveriam partilhar algo em comum uns com os outros
como um interesse ou emoção específica ou ainda uma influência
recíproca mesmo que de forma inesperada ou imprevisível (McDougall,
1920, p. 33). Assim, quanto maior fosse o grau de homogeneidade
encontrado entre os membros de uma multidão, quanto mais o indivíduo
estivesse fundido a ela, perdendo o limite de sua individualidade, mais
facilmente seria possível que esse grupo se transformasse de multidão
desorganizada em multidão psicológica. A exacerbação ou intensificação
das emoções parece ter definido em McDougall (1920) o meio pelo qual
uma multidão organizada se formava e a maneira pela qual os indivíduos
eram levados a partilhar essa emoção comum e intensificada que poderia
ser explicada pelo “princípio de indução direta da emoção” (p. 37). Isto é,
na multidão, os indivíduos tendiam a perder o senso crítico, deixando-se
contaminar por uma mesma emoção e fazendo com que a interação mútua
ficasse aumentada. Na multidão, portanto, prevalecia o contágio
emocional (Freud, 1921, p. 109), já descrito pelos autores do século XIX.
Guardando algumas ressalvas, McDougall (1920) corroborava com as
ideias de Le Bon sobre as características das multidões conferindo-lhes
também inteligência diminuída, sugestionabilidade e impulsividade,
contrastando, entretanto, essas características com as do grupo organizado.
Buscando definir as particularidades da vida mental coletiva, concentrou-
se em analisar o conceito de consciência coletiva (p. 43). Influenciado
pelo positivismo de Comte e Spencer e por analogias entre a vida animal e
a vida em sociedade, procurou comprovar a existência de uma consciência
coletiva que promovia a cooperação e o compartilhar de experiências em
grupo. Apesar de não ter encontrado evidências suficientes que
justificassem sua hipótese, sua análise sobre o exército[13] apresentou o
panorama do qual Freud partiu para apresentar a visão psicanalítica sobre
o grupo organizado. Os estudos antropológicos de McDougall fizeram
ainda com que ele inferisse a existência de um “espírito grupal” (p. 87)
responsável por um crescente envolvimento e responsabilização do
indivíduo perante a comunidade através do desenvolvimento de um
sentimento de pertencimento (Harrison, 2000, p. 31). As asserções de
McDougall na descrição do grupo organizado, contrastando com as
características das multidões, parecem ter sido, na opinião de Harrison
(2000), seu maior mérito. Sem dúvida, suas pesquisas contribuíram para o
estudo dos pequenos grupos no século XX, principalmente porque
apresentaram uma visão mais otimista dos grupos organizados, destacando
suas características intrínsecas, especialmente a homogeneidade que
conduzia à coesão grupal.
A partir da análise das multidões artificiais, em especial da Igreja e do
Exército, Freud (1921) afastou-se definitivamente das pesquisas do século
XIX revelando, com a investigação dos grupos organizados, novas
particularidades sobre o funcionamento das massas. O estabelecimento de
uma relação emocional com os membros do grupo e com o líder, bem
como um compartilhar de valores ou crenças e interação, quer por
colaboração, quer por rivalidade com outros grupos, eram condições
fundamentais para o estabelecimento de grupos organizados nos quais
predominavam estabilidade, continuidade e estruturação interna (p. 111).
Foi assim que, tendo a libido e a força agregadora de Eros como aliadas,
Freud promoveu uma análise dos grupos organizados valendo-se do
artifício da ilusão alimentado por seus membros de que o líder, fosse ele
Cristo, o comandante ou o chefe, amava todos os participantes com um
amor igual[14] (p. 120). Assim, o núcleo fundamental de sua exposição de
1921 consistiu na afirmativa de que o cerne do funcionamento grupal
estava no vínculo libidinal estabelecido entre os membros do grupo e o
líder. Desse modo, um grupo é mantido unido pela força agregadora de
Eros que faz com que o indivíduo abandone sua individualidade e suas
demandas pulsionais para identificar-se horizontalmente com os demais
membros do grupo, harmonizando-se com eles a ponto de impedir que as
iniciativas individuais concorram na reunião do grupo, levando à formação
de um “indivíduo grupal” (p. 149).
Nesse ponto, o conceito de identificação torna-se essencial na
compreensão da natureza dos vínculos libidinais nos grupos, tendo
adquirido, segundo Laplanche e Pontalis (1983), valor central na obra
freudiana, na medida em que através das identificações o indivíduo
humano se constitui. Embora Freud já tivesse se referido à identificação −
em cartas enviadas a Fliess ou na descrição de sua relação com os
fenômenos histéricos e com o sonho ou nos estudos sobre narcisismo e
homossexualismo (p. 295) − foi somente em 1921 que se dedicou a
investigá-la, apresentando-a como a mais remota expressão de laço
emocional com um objeto (Freud, 1921, p. 133). Nesse trabalho, ressaltou
o papel da identificação na resolução do complexo de Édipo quando o
abandono do investimento libidinal nas figuras parentais deu lugar às
identificações e à relação com a cultura. Na psicologia de grupo, a
importância da identificação foi capital, pois permitiu compreender que o
ego de uma pessoa poderia ser “moldado segundo o aspecto daquele que
foi tomado como modelo” (p. 134). Isto é, o laço mútuo estabelecido em
um grupo baseava-se na identificação estabelecida entre seus membros
que, identificados entre si, tomavam o líder como modelo.
Assim, partindo da natureza dos laços libidinais no grupo, Figueiredo
(1996) comenta, a partir de Freud, que nos grupos artificiais as
vinculações eróticas ocorriam em dois eixos. No eixo horizontal, os
membros do grupo ligavam-se libidinalmente e com mesmo grau de
intensidade uns aos outros. Já no eixo vertical, seus membros estavam
ligados ao líder, ao chefe, figura substituta do pai primordial da horda
primeva, elaboração derivada das articulações freudianas realizadas em
Totem e tabu (1913). De fato, para Freud (1921), a psicologia das massas
envolvia um estado de regressão a uma atividade mental primitiva
semelhante ao da horda primeva. No grupo haveria uma revivescência da
horda primeva e os atos individuais acabavam sendo abolidos dando lugar
ao funcionamento coletivo. Entretanto, embora os membros do grupo
estivessem sujeitos a vínculos emocionais compartilhados, o chefe era
livre, ou seja, a exigência de igualdade era somente atribuída aos membros
do grupo, ao líder era permitido um status diferenciado e todos desejavam
ser dirigidos por ele. O líder da horda primeva possuía poucos vínculos
libidinais, não amava ninguém, somente a si mesmo, isto é, sua natureza
era dominadora, absolutamente narcisista.
Contudo, para a manutenção do laço libidinal no grupo organizado, era
necessário um equilíbrio entre as forças horizontais e verticais e uma boa
dose de ilusão contra a irrupção de forças psíquicas contrárias à
manutenção da coesão do grupo responsável pela construção de uma série
de defesas grupais contra a dissolução desses vínculos. Nesse sentido,
Freud (1921) chamou a atenção para as consequências do desprezo aos
laços libidinais no grupo organizado tomando como exemplo o Exército,
ao atribuir parte do fracasso do militarismo prussiano na Primeira Guerra
Mundial e do aumento das neuroses de guerra − tratadas em grupo pela
primeira vez por Ernst Simmel[15] (Freud, 1919a, 1921) − à fragilidade do
laço emocional que unia esse exército submetido a um rigoroso tratamento
por parte de seus oficiais (Freud, 1955 [1920]). Dentro dessa perspectiva,
Freud acreditava que, submetidos ao medo ou ao pânico coletivo, os
indivíduos passavam a se preocupar apenas com a sua própria existência e
o grupo era levado à desorganização ou a desagregação. Nessas ocasiões,
ocorria um afrouxamento nos laços libidinais que mantinham o grupo
unido e a própria ilusão do amor do líder se desfazia (Freud, 1921, p. 123).
De fato, a ideia de libido, introduzida por Freud, transformou as
concepções sobre o assunto, pois, para que um grupo se mantivesse unido
e para que seus componentes abrissem mão de sua própria individualidade
no grupo, era necessário que, além de estarem ligados por laços libidinais
ao grupo e ao líder, tivessem a ilusão da igualdade de seu amor.

Circuito pulsional nos vínculos grupais: uma questão


econômica
Embora Freud (1921) tenha se apoiado na natureza dos laços libidinais
nas formações grupais, seu maior ou menor grau de coesão ou mesmo sua
própria desagregação dependiam não só do grau de identificação entre
seus membros e com o líder, mas também de um equilíbrio entre os
investimentos libidinais do indivíduo seja em seu próprio eu, seja na
vinculação grupal. Assim, no contexto do grupo, sobrevém o narcisismo
coletivo e o indivíduo identificado com os demais investe seu ideal de ego
no grupo. Nesse sentido, torna-se importante ressaltar que Freud afirmava
que a identificação de um indivíduo em um grupo tinha sempre uma
natureza ambivalente na medida em que acreditava que toda a relação
emocional íntima entre duas pessoas continha sempre sentimentos de
aversão e hostilidade (p. 128). Nos grupos, não poderia deixar de ser
diferente; Freud apropriou-se da metáfora dos porcos-espinho de
Schopenhauer para demonstrar a necessidade de uma distância ótima entre
os membros de um grupo na garantia de uma coexistência pacífica, pois
também nos grupos concorriam tendências ambivalentes que levavam os
indivíduos ora à preservação da individualidade, ora à necessidade de
vinculação grupal. O equilíbrio, a distância ótima entre essas duas
tendências, parecia ser, portanto, a chave para o convívio em grupo.
Contudo, como Freud (1921) observou, na formação de um grupo, a
possível hostilidade entre seus membros tendia a desaparecer e os
indivíduos passavam a se comportar como se fossem uniformes,
igualando-se entre si. Portanto, a condição básica para a adesão a um
grupo dependia da possibilidade dos indivíduos investirem parte do
narcisismo individual na identificação com o grupo e com o líder para, a
partir desse momento, limitados em seu narcisismo individual, adquirirem
um narcisismo coletivo que propiciava o investimento em atividades
grupais. Assim, é possível concluir que a questão das relações indivíduo e
grupo parecia estar relacionada não apenas à vinculação libidinal, às
identificações ou mesmo à ambivalência emocional, mas a questões
econômicas que concorrem para um equilíbrio de forças, um nível ótimo
de investimento libidinal que garante ou não a manutenção do vínculo
grupal.
Freud (1921) acreditava que as limitações narcísicas existentes nos
grupos eram produzidas devido ao laço libidinal estabelecido entre seus
membros, entretanto chamou a atenção para o fato de que tamanha
limitação do narcisismo − contrariando as expectativas que apontavam
para a manutenção do laço apenas mediante o lucro obtido na colaboração
entre pessoas − tenderia a se prolongar nas relações entre os indivíduos
através da solidificação de seus laços no social (p. 130). Dessa forma,
Freud (1921) ressaltou que:
[...] no desenvolvimento da humanidade como um todo, do mesmo
modo que nos indivíduos, só o amor atua como fator civilizador no
sentido de ocasionar a modificação do egoísmo em altruísmo (p.
130).
Nessa citação, a relação entre narcisismo e psicologia das massas fica
evidente, na medida em que é possível observar nas formações grupais a
limitação do narcisismo dos indivíduos: “o amor por si mesmo só conhece
uma barreira: o amor pelos outros, o amor pelos objetos” (Freud, 1921, p.
130). Foi assim que, em psicologia das massas, Freud afirmou que o amor
punha um freio no narcisismo, tornando-se por isso mesmo agente
civilizador ao transformar egoísmo em altruísmo (p. 157). É exatamente
nesse ponto que a análise de Costa (1989) sobrevém, pois o principal
objetivo de Freud em psicologia das massas parecia ser o de encontrar os
limites à expansão narcísica dos indivíduos no social. Nesse sentido:
[...] a condição de possibilidade da renúncia ao narcisismo é o
estado social da massa; por outro lado, (Freud) sugere que na massa
os indivíduos perdem suas individualidades, alienando-as em
proveito do líder (Costa, p. 67).
Essa afirmação revela como para Freud parecia existir uma oposição
entre “o estado de indivíduo e o estado de massa” (Costa, 1989, p. 67), que
pode ser compreendida em termos da polarização entre o investimento
libidinal no eu ou no grupo ou mesmo entre o narcisismo individual e o
narcisismo coletivo. Esse tipo de dicotomia sustentava-se em tradições do
racionalismo moderno que opunham mente e corpo, indivíduo e sociedade.
Entretanto, em vez de refletir sobre a questão em termos dualistas, o ponto
de vista econômico da psicanálise permite investigar o assunto em termos
quantitativos. Isto é, é evidente que parte do narcisismo individual tem
que ser deixado de lado no pertencimento a qualquer tipo de grupo e a
afirmação freudiana de que “a massa se constitui como o maior antídoto
contra o narcisismo” (Freud, 1921, p. 135) comprova a assertiva. Nas
massas, os indivíduos sofrem uma limitação na realização do amor sensual
substituindo-o por identificações e pela eleição de um líder que foi
colocado no lugar de ideal ao qual o ego se submete (p. 147). Os
investimentos libidinais baseados na colaboração mútua entre os membros
do grupo − possibilitadores do trabalho em comum, das mais altas
realizações humanas, mas também das mais temíveis atrocidades − são
alcançados por meio da limitação de uma parcela do narcisismo
individual, realizada com o auxílio da identificação, das instâncias ideais,
dos mecanismos sublimatórios e da idealização. Assim, o ideal do ego
surge no grupo como o substituto do narcisismo e o que o indivíduo
“projeta diante de si como sendo seu ideal é o substituto do narcisismo
perdido de sua infância na qual ele era o seu próprio ideal” (p. 111).
Contudo, mesmo que o narcisismo individual pareça ter sido substituído
por um narcisismo coletivo, a problemática dos ideais ratifica mais uma
vez que a questão é econômica, na medida em que os investimentos
libidinais, seja no próprio indivíduo, seja no grupo, encontram-se sempre
às voltas com a esfera narcísica. Nesse sentido, parece ocorrer apenas uma
transformação do narcisismo individual, que na massa se vê
comprometido com o coletivo, e é justamente através dessa transformação
que os grupos se mantêm coesos e integrados no social. No entanto, o
equilíbrio das formações grupais é tênue e envolve tensões internas que
buscam neutralizar no interior do grupo a ambivalência de sentimentos, a
agressividade e a suspensão do recalque que são ameaças constantes à
união grupal.
Nas formações grupais, devido à necessidade de manutenção da
identificação entre os membros, a ambivalência de sentimentos parece não
ter lugar e o grupo é investido de características positivas que favorecem
sua coesão. Por outro lado, os sentimentos hostis e agressivos são
projetados para fora. Freud (1921) afirmou que, na expressão de antipatias
ou aversões que as pessoas nutriam por estranhos, era possível identificar
a expressão do amor por si mesmo, isto é, o narcisismo (p. 129). Sem
dúvida, os investimentos libidinais no grupo garantem a preservação do
indivíduo às expensas duma presteza em odiar e agressivamente rejeitar o
outro ou aquilo que é diferente. Dessa forma, se o narcisismo das pequenas
diferenças (Freud, 1921, 1930) funciona, por um lado, como amálgama
para a ilusão de coesão nos grupos, por outro, promove a projeção de tudo
aquilo que é hostilizado e rejeitado, mas que é fundamental para a
preservação grupal. O narcisismo das pequenas diferenças parece repousar
sobre o intrincamento pulsional que envolve as pulsões de vida e de morte,
contribuindo tanto para a manutenção da coesão grupal quanto para a
projeção das pulsões agressivas no mundo externo. Nesse sentido, o
conceito é fundamental para a compreensão da psicodinâmica dos grupos
étnico-nacionais e das massas contemporâneas em que ódios ancestrais se
acirram e são maciçamente projetados em grupos rivais (Segal, 1987;
Volkan, 2004).
Uma reflexão sobre o narcisismo das pequenas diferenças remete a
outro texto de Freud, O estranho (1919b), contemporâneo à psicologia das
massas em que afirmou que os sentimentos de estranheza têm uma raiz
nos complexos infantis. Assim, embora, na acepção comum do termo,
aquilo que é estranho − unheimlich − possa parecer não familiar, Freud
associou a questão do estranho “àquilo que é familiar − heimlich − e há
muito tempo estabelecido na mente, mas que se alienou desta através do
processo de recalque” (p. 301). Se o que causou estranhamento era algo
familiar que foi recalcado, a reflexão sobre a oposição entre variados
grupos ganha novas formas de compreensão. Isto é, nos agrupamentos
humanos, a manutenção da coesão muitas vezes se dá à custa de uma
necessidade de oposição ou hostilidade para com os demais grupos.
Movidos pelo narcisismo das pequenas diferenças que se expressam por
sentimentos de estranheza, repulsa, ódio ou indiferença, os membros de
um grupo criam rivalidades com outros grupos humanos. Entretanto, os
afetos, que “estranham”, depositam e projetam nos demais grupos, podem
ser justamente aqueles que um dia pertenceram a eles mesmos, mas que
foram recalcados e que agora retornam modificados. A pesquisa sobre o
estranho é importante para a análise dos fenômenos grupais e em
psicanálise merece maior exploração especialmente em relação às suas
relações com as questões narcísicas e especulares através do duplo, bem
como na relação como a compulsão à repetição e à pulsão de morte. No
trabalho com grupos, junto com o narcisismo das pequenas diferenças,
parece ser a chave para a compreensão dos mecanismos que movem as
oposições entre grupos.
Embora, ao abordar o narcisismo das pequenas diferenças, Freud tenha
tido a oportunidade de se deter na análise da agressividade e das
expressões da pulsão de morte − que enunciou um ano antes em Além do
princípio do prazer (1920) − presentes nos fenômenos de massa, sua
discussão prosseguiu em torno da força agregadora de Eros nas formações
grupais quando os indivíduos, limitados em seu narcisismo e influenciados
por uma forte ilusão, investiram na afirmação dos laços libidinais com os
membros do grupo. Nesse ponto, Freud parece ter deixado de lado a
oportunidade de inserir uma discussão sobre a pulsão de morte no debate,
preferindo ratificar a importância do amor e dos laços libidinais como
agentes civilizadores.
Mezan (1982) afirma que Freud, valendo-se das elaborações sobre as
pulsões de vida e de morte em Além do princípio do prazer (1920), tentou
confirmar no trabalho sobre a psicologia das massas que, mesmo estando
intimamente relacionado a Thânatos, “Eros visa sempre à ligação,
buscando compor unidades cada vez mais amplas que partem do mero
agregado celular em direção à dimensão social” (Mezan, 1982, p. 267).
Dessa forma, partindo da observação de que elementos exteriores ao grupo
− como raça, religião ou o contexto social − poderiam provocar profunda
hostilidade por parte do grupo, Mezan (1982) concluiu que a ausência de
intolerância ou rejeição dentro do próprio grupo origina-se no tipo de laço
libidinal que existe nos grupos, isto é, de identificações. As identificações
exigem ainda a inibição parcial da sexualidade havendo a substituição do
“amor sensual” pelo “amor carinhoso” (Freud, 1921, p. 143). Assim, sejam
de ordem sexual, carinhosa ou grupal, as vinculações libidinais
estabelecidas entre os indivíduos “são diferentes formas de expressão do
movimento de inclusão e assimilação característico de Eros” (Mezan,
1982, p. 268).
Na manutenção da estabilidade e na permanência dos grupos artificiais,
Figueiredo (1998) aponta para a ideia de que as pulsões sexuais, que
usualmente reúnem e cimentam as massas artificiais, podem também
gerar efeitos disruptivos e desagregadores, chamando a atenção para
questões que foram deixadas de lado por Freud na reflexão de 1921. Desse
modo, Figueiredo (1996) propõe que seja reconsiderado o papel das
pulsões de morte na manutenção dos grupos artificiais, seja na inibição
das metas sexuais inerentes e fundamentais para o estabelecimento dos
laços sociais entre os membros do grupo, seja pela função que exerce na
redução das tensões intragrupais e neutralização de tendências afetivas,
fatores indispensáveis para a consolidação da vida dos grupos organizados
(p. 1).
Em psicologia das massas, Freud (1921) apontou para a inibição dos
objetivos sexuais nas relações grupais e para diferentes formas de
investimento objetal e vinculação libidinal. Nesse sentido, Figueiredo
(1996) recorda que toda ligação libidinal é, em sua origem, sexual e que
metas sexuais são inibidas nas formações grupais visando prioritariamente
à estabilização e à manutenção dos vínculos sociais. Apoiando-se em
Freud, afirma que, quando as metas sexuais são atingidas e as pulsões
libidinais satisfeitas no grupo, o desinvestimento libidinal se torna
inevitável e as ligações ficam provisoriamente enfraquecidas, levando a
um período de repouso, refratário a novas excitações (p. 2). No entanto,
chama a atenção para outro efeito sobre os vínculos libidinais − que pode
ser antagônico, mas igualmente prejudicial para a vida em sociedade −
quando as metas sexuais não são inibidas. Nessa situação, a não inibição
das metas sexuais no grupo pode ser observada através de um excesso de
ligação erótica encontrado pela da formação de casais no interior do grupo
− descrito posteriormente por Bion (1970) por meio do pressuposto básico
de acasalamento − que termina por obstaculizar e enfraquecer os
investimentos libidinais horizontais e verticais do grupo (p. 3). O casal
formado afasta-se dos compromissos coletivos e altruísticos com o grupo
dando vazão aos prazeres egoístas da dupla. Esse tipo de fenômeno pode
ainda tomar conta do grupo em sua totalidade, levando seus componentes
a investir maciçamente a libido uns nos outros na expectativa de obtenção
de prazer através do grupo. Assim, fortemente identificados, afastam-se do
mundo externo e da vida coletiva para se concentrarem na satisfação
libidinal alcançada unicamente através do vínculo grupal. Essas
conformações grupais podem ser observadas na vida das tribos (Maffesoli,
2000) e dos grupos homogêneos contemporâneos que retiram o prazer de
suas existências da vida grupal. Assim, é possível constatar que o conflito
entre o narcisismo individual e o narcisismo coletivo atualiza-se no grupo,
levando Figueiredo (1996) a afirmar que:
É preciso, portanto, inibir as metas sexuais e, ao mesmo tempo, dar
livre curso à circulação libidinal nos dois eixos (horizontal e
vertical) acima referidos para que haja na massa energia suficiente
para mantê-la unida e organizada, mas não tanta energia que
produza, ao contrário, sua desagregação, seja pela via do erotismo
desenfreado, seja pela via da agressividade incrementada (p. 3).
Nesse sentido, a discussão de Figueiredo (1996) aponta mais uma vez
para a questão econômica presente nas vinculações grupais, bem como
para a necessidade de uma circulação libidinal ótima nas relações
intragrupais. Embora em seu exemplo alerte para a questão da formação
de relações eróticas no grupo via acasalamento (Bion, 1970), ratifica a
necessidade de se evitar no grupo a formação de tais vínculos, na medida
em que eles fogem da horizontalidade identificatória proposta por Freud
para os membros dos grupos organizados. Nesse ponto, é possível levantar
a questão de que uma excessiva vinculação erótica nos grupos pode
envolver não apenas um casal, mas todos os seus componentes, fazendo
com que ocorra um investimento libidinal maciço no grupo. Isto é, o
excesso de ligação erótica dentro do grupo produz um investimento
elevado no narcisismo coletivo e a energia libidinal deixa de circular,
concentrando-se apenas nas realizações narcísicas obtidas através do
vínculo grupal. Essa excessiva vinculação revela, da mesma forma que na
ligação erótica do casal grupal, uma tendência ao desligamento do mundo
externo, o que é prejudicial às realizações em sociedade. Entretanto,
parece ser uma tendência significativa em termos de vinculações grupais
e, anos mais tarde, Didier Anzieu (1993) e René Kaës (1997) descreveram-
na em termos de “ilusão grupal” quando os indivíduos colocavam o grupo
no lugar do ideal de ego como forma de proteção contra angústias
primitivas e avassaladoras (Anzieu, 1993). Assim, em termos econômicos,
o equilíbrio ótimo de um grupo exige o investimento de um quantum de
energia que seja suficiente para a manutenção dos vínculos horizontais e
verticais e, ao mesmo tempo, essa energia tem de ser estável de forma a
não comprometer sua vitalidade, nem tampouco promover sua
desagregação (Figueiredo, 1996).
Dentro dessa perspectiva, a questão parece sempre oscilar, como afirma
Costa (1989), entre a identificação entre os membros do grupo e o controle
de sua expansão narcísica. Assim, a questão coloca-se novamente em
termos econômicos no sentido da necessidade de evitar vinculações
eróticas excessivas nos grupos através da preservação de seu narcisismo
coletivo via identificação. Nesse ponto, Costa (1989) aprofunda a
relevância dos fenômenos identificatórios encontrados nos processos
grupais na medida em que as identificações são operações que promovem
semelhanças, reduzindo ou até eliminando as diferenças entre membros de
um grupo. Isto é, a inibição das metas sexuais torna-se mais fácil em
grupos intensamente identificados, o que facilita a criação de um ambiente
mais homogêneo (Figueiredo, 1996, p. 4). Entretanto, se por um lado o
investimento libidinal erótico dá lugar às identificações no grupo e estas,
por sua vez, são responsáveis pela manutenção do laço grupal, por outro,
favorecem a construção de um ambiente propício à instalação da ilusão de
igualdade entre seus membros acarretando um processo de
homogeneização que poderá trazer consequências desastrosas.
Em termos econômicos, a homogeneidade garante, por um lado, a
inibição das metas sexuais via identificação, sobrevivência e atração
mútua entre os membros do grupo, por outro, aumenta a tendência a deixar
de fora, a mandar para fora tudo aquilo que é diferente ou se contrapõe à
coesão entre os membros e o desejo da homogeneidade grupal (Rickman,
1938; Figueiredo, 1996). Nesse sentido, o narcisismo das pequenas
diferenças contribui para o processo de homogeneização de forma que,
para a preservação do grupo, torna-se necessária a projetação, no mundo
externo ou em outro grupo estranho, dos maus sentimentos, do
ressentimento, do ódio e da ambivalência produzidos em seu interior. Isto
é “a violência e a agressividade serão descarregadas no vizinho, no
estranho, que não é como nós” (Costa, 1989, p. 67). Assim, é para fora do
grupo que são enviados os mais intensos e não sublimáveis impulsos
eróticos, e esse mecanismo concorre para o equilíbrio das energias
libidinais no interior do grupo garantindo ainda sua coesão interna.
Através dessa consideração, Figueiredo (1996) pode afirmar que a
homogeneização é condição indispensável para a coesão dos grupos
artificiais, pois contribui para a inibição das ligações eróticas e, mais do
que isso, é possível afirmar que a homogeneização dá a ilusão de uma
estabilidade no circuito libidinal nas formações grupais. Entretanto, o
equilíbrio é complicado, pois essa balança também envolve o circuito
pulsional. Se, como Freud (1921) afirmou, Eros é responsável pelo
estabelecimento dos laços libidinais existentes no grupo, a pulsão de vida
se encontra presente tanto na coesão grupal quanto nas realizações e
intervenções grupais no mundo externo. Contudo, se por um lado, as
pulsões de vida mantêm as identificações e o grupo unido, por outro, na
coesão excessiva, pode ocorrer um desinvestimento no ambiente e uma
estagnação do grupo, voltado unicamente para interesses egoístas, mais
afeitos à pulsão de morte. Nesse sentido, Figueiredo (1996) recorda que
Freud afirmou, em Além do princípio do prazer (1920), a partir da vida
erótica, que o encontro de diferenças era capaz de promover excitações e
de gerar tensões e que, nesse caso, a ligação erótica iria contra à redução
de tensão, às tendências de repouso, opondo-se ao retorno ao inorgânico, à
morte. Dentro dessa visão, a tendência à homogeneização procura, através
das identificações, eliminar as diferenças e, se a igualdade se instala, a
ligação dá lugar ao desligamento e a pulsão de morte predomina.[16]
Além de pouco investigada, a influência das pulsões de morte na
manutenção dos vínculos grupais é vital para a análise dos fenômenos de
massa, especialmente no mundo contemporâneo, onde o modelo de
funcionamento grupal, baseado na coesão grupal, na horizontalidade de
laços e na verticalidade na relação com o líder − postulado por Freud
(1921) para grupos heterogêneos e artificiais como a Igreja e o Exército −
parece ser cada vez menos frequente. De fato, em grupos em que os papéis
são hierarquicamente definidos apesar da homogeneidade criada através
das identificações entre os membros, a relação com o líder coloca-o em
um patamar diferenciado quando o líder pode ser amado, obedecido,
idealizado e temido. Entretanto, diferentemente disso, atualmente
verificamos grupos firmados em torno de uma excessiva homogeneidade,
ilusão de igualdade e forte identificação entre os membros, onde parece
não existir uma identificação com o líder ou ideal comum almejado. As
relações são estabelecidas de forma regressiva em torno de idealizações do
próprio grupo e as identificações são no máximo do tipo adesivas, adictas
ou imitativas, não deixando espaço para a diferenciação entre os membros
(Zimerman, 1993, p. 82). O desejo de pertencimento e a fusão
indiferenciada ao grupo homogeneizado tornam-se então o único objetivo
almejado (Anzieu, 1993). Nessas formações grupais, a presença da pulsão
de morte é indelével e silenciosa na incansável tarefa de fazer a libido
retornar ao estado de narcisismo primário absoluto em que o encontro com
a diferença e a alteridade é abolido (Figueiredo, 1996, p. 5). Em
contrapartida, para a sobrevivência desse tipo de grupo, o grau de repulsão
e agressividade projetada no mundo externo é elevado (Rickman, 1938;
Hopper, 2003b; Volkan, 2004). Figueiredo (1996) admite que a
compreensão psicanalítica dessas questões deve levar em consideração o
narcisismo de morte postulado por Green (1988) ao se referir à tendência
ao “um indiferenciado” que revela a busca por um narcisismo absoluto que
persegue o zero, o neutro. Nesse sentido, o repouso na unidade do neutro é
procurado de todas as maneiras, inclusive através do amor, e envolve não
mais um Eros que promove ligação e movimento, “um Eros que busca e
promove diferenças, mas do Eros platônico, que procura uma unidade
perdida” (Figueiredo, 1996, p. 5).
Durante o século XX, a discussão sobre a tendência à homogeneização,
foi praticamente unânime nas reflexões sobre os fenômenos grupais e as
tendências à regressão, à homogeneização e ao investimento do ideal do
ego observadas nos grupos, deram margem a pesquisas psicanalíticas, a
partir da década de 1970, que revelaram uma série de mecanismos
psicológicos e defesas que os indivíduos constroem quando em situação de
grupo (Kreeger, 1975; Turquet, 1975; Anzieu, 1993; Segal, 1987). Na
França, Didier Anzieu (1993) e René Kaës (1997) refletiram sobre a
tendência à homogeneização através do conceito de ilusão grupal, e
Chasseguet-Smirgel (2003) observou a presença nos grupos ideológicos de
desejos inconscientes de retorno ao útero materno representados, no grupo
regredido e homogeneizado, por um “útero branco”. De fato, a regressão
no grupo facilita a homogeneização, seja pela ilusão de fusionamento
indiferenciado entre seus membros, seja pela necessidade de, para se
manterem livres do perigo externo, projetarem maciçamente sua própria
destrutividade através do emprego da força ou da violência. As pesquisas
atuais em grupanálise, após terem se debruçado sobre as questões relativas
à homogeneidade e à coesão nos grupos, sofreram uma reversão de
perspectiva na virada do milênio convergindo para o exame dos processos
de incoesão que revelaram a presença de mecanismos de agregação e
massificação nos grupos (Hopper, 2003b). Além dessa mudança, a
grupanálise passou a se dedicar à investigação de forças concorrentes e
contrárias ao pleno funcionamento grupal, tais como clivagens,
identificações projetivas, agressão, ódio, defesas psicóticas, falta de
comunicação, que são representadas pelo que Nitsun (1996) denomina de
antigrupo.
A constante ameaça à homogeneização nos grupos leva não só a
reflexões sobre a pulsão de morte, mas também envolve indagações sobre
as tendências regressivas e os fenômenos psicóticos presentes nas
formações grupais. A análise freudiana atribuiu a regressão, tanto na
massa quanto no grupo organizado, ao tipo de investimento libidinal que
acontece nos grupos quando as metas sexuais e a libido objetal são
substituídas, graças à identificação, por uma regressão da libido a
investimentos de caráter narcísico (Freud, 1921). É possível então afirmar
que a regressão a formas de funcionamento características do processo
primário são inegáveis nas formações grupais, bem como é facilmente
identificável a presença de mecanismos psicóticos nos comportamentos de
grupo. Por outro lado, em grupos artificiais, podem ser encontradas
relações que remetem ao funcionamento em nível de processo secundário
e que envolvem o trabalho organizado, a diferenciação de papéis e a
preservação da individualidade de seus componentes. Nesse sentido, a
diferenciação apresentada anos mais tarde por Bion (1970) entre grupo de
pressuposto básico e grupo de trabalho contribuiu para a análise da
questão. Nos grupos de trabalho, a atitude é orientada para a realidade e
para a ação no ambiente, já nos grupos de pressupostos básicos –
dependência, luta e fuga e acasalamento – predominam angústias e
mecanismos psicóticos que perturbam o funcionamento grupal
(Hinshelwood, 1999).
Assim, é possível observar que as formações grupais apresentam
diferentes conformações que variam de acordo com o maior ou menor
equilíbrio na balança dos investimentos libidinais e pulsionais dos
componentes no grupo. Novamente, a metáfora do porco-espinho de
Schopenhauer pode ser utilizada desta vez para afirmar que a distância
intermediária obtida através do equilíbrio no circuito pulsional é
fundamental para o destino do grupo. Se seus membros estiverem
próximos demais, serão levados à fusão, à indiferenciação, entretanto, se
mantiverem uma distância ótima, podem preservar sua individualidade e
serem levados à atividade engajada. Então, parece que a problemática das
relações grupais encontra-se sempre envolvida em uma questão
econômica.

A natureza ilusória das formações grupais


Nos textos em que se dedicou à cultura, Freud (1921, 1927, 1930)
destacou o conflito entre a necessidade de satisfação narcísica dos desejos
individuais e a vida civilizada que exigia a renúncia de satisfações
pulsionais na garantia de uma vida segura e protegida dos perigos da
civilização. De fato, a satisfação imediata das pulsões foi sempre um
obstáculo para a criação de vínculos sociais duradouros e as formações
grupais estáveis esperavam a substituição das demandas individuais pelo
ideal do grupo (Freud, 1921, p. 164). Entretanto, para que os indivíduos
renunciassem à plena realização pulsional e internalizassem as regras
culturais, a civilização deveria prover algum consolo narcísico (Costa,
1989). Foi assim que, em O futuro de uma ilusão (1927), Freud apresentou
três espécies de compensações para a vida dos indivíduos em civilização,
retomando o tema do narcisismo das pequenas diferenças e explicitando a
função da religião e da arte. De fato, a satisfação narcísica oferecida pela
realização dos ideais culturais funcionava como antídoto para a
hostilidade dirigida contra a civilização ou mesmo para dentro do próprio
grupo cultural, contudo eram saídas que considerava neuróticas, preços
inevitáveis para a vida em civilização (Costa, 1989, p. 73). Apenas a arte e
o trabalho intelectual eram vistos por Freud como compensações
satisfatórias para o homem, embora não os considerasse como uma saída
possível para as massas. Com sua conhecida intolerância e atitudes
ambivalentes, fascinadas e submetidas às lideranças, as massas, embora
fossem peças fundamentais para a constituição dos laços sociais, eram
também − devido a seu caráter regressivo e narcísico − o berço da vida de
fantasia e da ilusão.
Dessa forma, a reflexão sobre a relação entre as formações grupais e a
ilusão torna-se essencial. No texto freudiano, o conceito de ilusão
encontra-se presente desde a Interpretação dos sonhos (1900), passando
por uma série de outros trabalhos, marcadamente aqueles relacionados à
cultura, sempre apontando para o aspecto de realização de desejo. Garcia
(2007) descreve um longo percurso para as formações ilusórias na obra
freudiana, em que já em 1908, em Escritores criativos e devaneio (1908),
é possível, mesmo que a posteriori, inferir sobre o conceito. Por meio da
relação entre o brincar, a fantasia do adulto e a criação literária, Freud
postulou que tanto o brincar da criança quanto a fantasia do adulto eram
realizações de desejos. Em Sobre o narcisismo: uma introdução (1914), a
ideia de satisfação de desejo foi apresentada na relação com a formação do
ideal, pois o ideal do ego representava uma tentativa de reencontro com a
experiência mítica de completude característica do narcisismo primário,
funcionando ainda como defesa contra o reconhecimento por parte do
sujeito de sua condição de desamparo e dependência. Assim como Garcia
(2007) aponta, a realização de desejo que caracteriza o que viria a ser
conceituado como ilusão surgiu para Freud associada a uma manobra
defensiva e a uma proteção compensatória contra a inevitabilidade da
dependência e do desamparo (p. 169). Nesse aspecto, é possível
depreender que, dentro de um registro essencialmente narcísico, a
primeira formação de um ideal representou uma defesa, uma proteção
contra o desamparo.
Em Além do princípio do prazer (1920), o antagonismo entre indivíduo
e cultura foi descrito como da ordem do pulsional, sendo o recalcamento o
agente responsável pela inserção dos indivíduos no social. A hostilidade e
a oposição diziam respeito a um conflito entre as questões narcísicas
individuais e às exigências impostas pela vida em sociedade. Garcia
(2007) ressalta que o caráter defensivo da ilusão passou, a partir desse
texto, a ocupar um lugar central na teorização freudiana sobre o conceito,
já que, com o advento da segunda tópica e o interjogo entre as pulsões de
vida e de morte, a dialética entre o recalque e as pulsões ganhou corpo.
Nesse sentido, Freud (1920) apresentou o aspecto benévolo da ilusão que,
como defesa, protegia os indivíduos da inevitabilidade da morte e da
tendência de retorno ao inanimado própria da pulsão de morte (p. 60).
Assim, para Garcia (2007), a ilusão passou a funcionar em 1920 como uma
tentativa de negação da ordem pulsional, principalmente no que se refere à
compulsão à repetição e à pulsão de morte, descrita como ilusão benévola,
diferenciando-se do que Freud havia apresentado no trabalho sobre
narcisismo de 1914, em que o desejo era da ordem de um retorno a um
estado de completude narcísica (p. 170).
Na Psicologia dos grupos e análise do eu (1921), Garcia (2007) revela
como a realização de desejo e a necessidade de proteção se articulavam na
elaboração do conceito de ilusão na medida em que, no funcionamento
grupal, prevaleciam tanto a tentativa de preservação do princípio do prazer
quanto a crença no amor do líder. Assim, postula que a ilusão representou,
em 1921, não apenas a “tentativa de resistir à instauração do princípio de
realidade e, consequentemente, o desejo narcísico de manutenção do
princípio do prazer, mas também a possibilidade de sustentação do laço
social através da ilusão do amor do chefe” (p. 170). Dessa forma, Garcia
(2007) propõe que a ilusão, através de seu aspecto protetor e defensivo,
pode ser vista como locus de origem das formações culturais. Assim, em
psicologia das massas, é possível intuir a natureza ilusória das formações
grupais, pois, se por um lado, os grupos demandam limitações no
narcisismo individual, propondo uma vida no coletivo, por outro,
garantem através do laço social e do pretenso amor do líder, uma proteção
ilusória para o indivíduo.
Em O futuro de uma ilusão (1927), a ilusão pôde ser vista como uma
defesa contra o reconhecimento da efemeridade da vida, assim como o
lugar onde as formações culturais se originavam, através dos ideais, da
arte e da religião. Nesse sentido, houve avanço na discussão sobre a ilusão
e Freud (1927) definiu que o que era característico da ilusão era o fato de
ela derivar “dos mais antigos, fortes e prementes desejos humanos,
provenientes de uma necessidade de proteção contra o desamparo da
infância” (p. 43). Em 1927, Freud afirmou que, enquanto os ideais e a arte
representavam a preservação das mais sublimes aquisições humanas na
vida em cultura, promovendo uma reconciliação com as imposições
civilizatórias, as religiões eram compensações que protegiam os
indivíduos do desamparo, promovendo e alimentando gratificações
ilusórias através da preservação de uma vida psicológica infantil e de uma
neurose coletiva. A ilusão religiosa era para Freud (1927) uma ameaça
para a humanidade, embora apontasse para seu componente de realização
de desejo e para a inevitabilidade do que denominou de rochedo das
ilusões. Assim, em O futuro de uma ilusão (1927), Freud refletiu sobre a
natureza da civilização ratificando a inevitabilidade das crenças e das
ilusões na manutenção do laço social, afirmando que as ilusões ofereciam
uma proteção aos indivíduos contra o adoecer psíquico.
Assim como Garcia (2007), Enriquez (1990) alerta para o novo lugar
concedido à noção de ilusão em O futuro de uma ilusão (1927). Enquanto
em 1921 a importância e a crença, carregada de desejo no amor do chefe,
foram fundamentais para a instauração do grupal, sendo elementos
necessários à teoria de objeto, do ego e do ideal do ego, em 1927, a ilusão
foi o elemento essencial para a instauração do processo civilizador, já que
ofereceu proteção aos indivíduos contra o desamparo estrutural para os
seres humanos dentro da acepção freudiana (p. 94). Dessa maneira, as
formações coletivas adquiriam um papel preponderante na luta contra a
neurose individual, embora, em alguns casos, a substituíssem pela neurose
coletiva, participando ainda ativamente na construção da própria
civilização (p. 81). Assim, tanto para Garcia (2007) quanto para Enriquez
(1990), a ilusão e seu corolário, a crença, puderam assim ser vistos como
conceitos-chave para a compreensão e a interpretação da psicologia
coletiva e do psiquismo individual.
De fato, observando as formações grupais, sejam multidões efêmeras ou
grupos organizados, reunidos ou não em torno de um líder, é possível
considerar que tanto umas quanto as outras não diferem entre si na relação
que estabelecem com a ilusão. Isto é, a despeito de um maior ou menor
compromisso com a vida em civilização ou com os diferentes níveis de
limitação do narcisismo individual encontrados nos diversos tipos de
agrupamento, verifica-se nas massas a mesma necessidade de crença no
amor do líder (ou em uma ideologia), colocado no lugar do ideal do ego.
Dentro dessa perspectiva, a importância da ilusão é central na discussão
sobre as massas e de uma maneira geral na formação e na manutenção dos
grupos. Na medida em que a ilusão funciona como uma defesa contra o
desamparo original, encontrando-se na base das formações coletivas e
culturais, é possível afirmar que apesar da libido ser o principal elemento
agregador nas massas e as identificações serem as formas mais remotas de
laço social, sem a presença da ilusão, nenhum grupo se mantém. Foi assim
que Semprún (2002), fazendo um jogo de palavras com o título de O
futuro de uma ilusão, apontou para a “ilusão de um futuro”, observando
que os líderes carismáticos, mais do que promoverem a identificação entre
os membros de um grupo e sua idealização, procuravam garantir, através
da ilusão, a promessa de um futuro para seus seguidores, promovendo a
perpetuação do grupo e a cristalização de suas relações (p. 22).

A herança da psicologia das massas freudiana


Embora intimamente relacionada com a cultura e a sociedade do século
XIX, a psicologia das multidões não fazia alusões aos conflitos entre as
necessidades pulsionais e a vida em cultura. Foi apenas a partir da
psicologia das massas que esses conflitos foram trazidos à tona. Tanto nas
multidões do século XIX quanto nas massas do século XX, os indivíduos
ficavam submetidos à influência do inconsciente e dos desejos pulsionais,
mas isso não parecia provocar de início um conflito com a vida em
civilização. Pelo contrário, através do estabelecimento dos laços
identificatórios e das limitações narcísicas, as massas, dentro da visão
psicanalítica, terminaram por exercer seu papel no jogo civilizatório ao se
unirem em laços amorosos tomando um líder como objeto, colocando-o no
lugar do ideal do ego. Assim, no século XX, o comportamento das massas
não concretizou as mais terríveis previsões enunciadas sobre as multidões
no século XIX. A partir da ótica freudiana, as massas passaram a ser peças
fundamentais na constituição dos laços sociais, sendo o berço das
transformações narcísicas exigidas para a vida em civilização e tendo o
líder como seu condutor e principal fator agregador.
De acordo com Costa (1989), a teoria que Freud desenvolveu sobre as
massas não representou apenas uma de suas contribuições para a teoria da
cultura, mas foi uma verdadeira revolução no interior da teoria
psicanalítica. Em sua opinião, a análise que Freud fez sobre as massas
permitiu o surgimento de novas ideias sobre a questão dos totalitarismos
no século XX, lançando ainda uma luz sobre o problema do amor, da
opressão e sobre a servidão voluntária em uma alusão à La Boétie (1548,
p. 66). Entretanto, postula que a psicologia das massas freudiana foi, no
fundo, um prolongamento das preocupações de Freud na defesa dos
princípios que havia enunciado sobre o conflito psíquico. Seu principal
objetivo era demonstrar que “uma vez destituído de seu papel de agente da
razão ou embaixador do princípio da realidade e dos processos
secundários, o ego já não poderia mais ser o primus movens do recalque”
(p. 71). Assim, a psicologia das massas fazia parte do esforço freudiano de
solucionar a questão do ego, bem como a da problemática da origem e
funcionamento dos ideais. Embora o trabalho sobre as massas envolvesse
as mais significativas observações freudianas feitas sobre o social, as
descrições sobre seu funcionamento tinham como principal objetivo
favorecer investigações metapsicológicas (Costa, 1989).
Dentro de uma perspectiva semelhante, mas com outro enfoque,
Moscovici (1981) afirma que a psicologia das massas freudiana
representou uma virada radical em sua teoria e, portanto, na própria
psicanálise. Antes dos textos dedicados à cultura, havia uma teoria restrita
ao indivíduo, à família, à neurose e ao sonho. No seu primeiro encontro
com a hipnose, a teoria psicanalítica inicial trabalhava com três noções
chave: a libido, para explicar o universo próprio do indivíduo; o
inconsciente, para analisar sua vida mental, e o complexo de Édipo, para
definir o campo de conflito entre a criança e o pai (p. 331). A partir do
segundo encontro com a hipnose, no entanto, Freud pôde criar uma ciência
sobre as massas, investigando a origem da cultura e da espécie humana.
Foi então que se desprendeu do “familiarismo, desenhando o perfil de um
antiédipo na escala da civilização, e este perfil, o de um profeta, Moisés!”
(p. 222).
Semprún (2002), por sua vez, considera que Psicologia das massas e
análise do ego desempenhou um papel importante dentro da obra
freudiana e ressalta também sua importância no que se refere à construção
do pensamento sobre o século XX. Embora tenha sido, como o próprio
Freud assinalou − em 1923 em uma carta a Romain Rolland −, “um livro
modesto”, dedicado ao estudo inicial de temas que ele nunca mais voltou a
abordar, sua redação foi fundamental para a compreensão e o
desenvolvimento da história do século XX (Roudinesco & Plon, 1997, p.
163). Para Semprún (2002), teses defendidas por Hannah Arendt,
Hermman Broch, Elias Cannetti, Adorno e Sartre nunca poderiam ter sido
postuladas sem a existência do trabalho sobre as massas em que Freud
reuniu de maneira ímpar espírito crítico, modéstia e clareza (p. 22).
Enriquez (1990) afirma que, de uma maneira geral, Psicologia das
massas e análise do ego desperta na maioria dos analistas e comentadores
de Freud um interesse polido que não condiz com a magnitude da obra.
Enriquez (1990) refere-se, então, especificamente à afirmativa freudiana
segundo a qual as formações coletivas nascem de ilusões e funcionam
como neuroses coletivas, além disso, desviam os indivíduos de seus
objetivos sexuais diretos, gerando um constante conflito entre o ego e o
ideal do ego (superego) (p. 77). Por outro lado, ratifica que o vínculo
libidinal em Freud é originário, apontando para a natureza intersubjetiva
das relações humanas e sua fonte encontra-se na ligação promovida por
Eros (p. 53). No entanto, foi preciso que o século XX seguisse seu curso
para que Psicologia de grupo e análise do ego pudesse adquirir seu
verdadeiro status dentro da obra freudiana. Assim, através de um olhar
contemporâneo e que de certa forma aposta na ampliação da pesquisa
psicanalítica no século XXI, Enriquez (1990) afirma:
[...] a mensagem desse livro só poderia ser negada ou ocultada. Foi
necessário que o tempo da desilusão chegasse para que esse texto
lúcido pudesse enfim ser lido sem tomar partido e ser considerado
pelo que ele é: o texto inaugural (fascinante, obscuro e incerto) de
uma disciplina nova: a psicossociologia, ciência dos grupos, das
organizações e das instituições (p. 78).

A psicologia das massas de esquerda: o freudo-


marxismo e a Escola de Frankfurt
Desde as primeiras discussões sobre as multidões do século XIX até as
mais argutas análises do século XX, a psicologia das massas sempre
esteve relacionada à explicação não apenas dos fenômenos psicológicos,
mas também de questões políticas, históricas e culturais, passadas e
presentes. Se, no final do século XIX, a psicologia das multidões
representou reações atemorizadas às confluências socioculturais, no
decorrer do século XX, suas análises se tornaram críticas contundentes à
sociedade. De conservadora e liberal, tornou-se instrumento de
manipulação ideológica fascista e revolucionário de esquerda (Moscovici,
1981, p. 293). De fato, a primeira geração que se interessou pela
psicologia das multidões no século XIX apresentou uma visão
conservadora e atemorizada e suas análises visavam a salvaguardar a
ordem social ameaçada, criando um escudo protetor contra as revoluções
que se avizinhavam. Na opinião de Adorno e Horkheimer (1985), esse tipo
de reflexão sobre as multidões deixou de lado uma tradição filosófica que
remontava à Política de Platão, chegando a Bacon e Nietzsche, que, apesar
de localizarem na multidão o inimigo da verdade, acreditavam no poder e
na capacidade do indivíduo de furtar-se à adoração de ídolos coletivos (p.
83). Nesse sentido, a psicologia das multidões acentuou a oposição entre
indivíduo e massa. Isso pode ser claramente evidenciado através dos
conceitos de “alma de classe” e “alma de raça”, de Le Bon, ou “massa
organizada” e “massa desarticulada”, de McDougall (p. 83). Essa
polarização trouxe consequências indeléveis para a psicologia das
multidões, já que, ao postular uma malignidade inerente às massas, criou a
necessidade de um poder que as mantivesse sob controle, legando ao
século XX a necessidade premente do controle das multidões. Ao mesmo
tempo, forneceu um poderoso instrumento de corrupção totalitária
(Adorno & Horkheimer, 1944).
A geração seguinte de investigadores passou a se preocupar com as
massas por acreditar que elas poderiam constituir, graças ao seu poder de
influência, um freio à revolução e às formas de dominação demagógica.
Foi assim, com o objetivo de investigar essas relações, que nasceu no
século XX uma psicologia das massas revolucionária e de esquerda cujas
perguntas giravam em torno de: por que as massas não podiam ser levadas
à revolução se suas condições econômicas e sociais deixavam a desejar?
Como era possível que a maioria oprimida aceitasse sua opressão pela
minoria? Quais os impedimentos psicológicos que as detinham?
(Moscovici, 1981, p. 296). Nesse sentido, é possível observar que muitas
de suas questões remontavam às reflexões propostas alguns séculos antes
sobre a servidão voluntária por La Boétie (1548).
Moscovici (1981) recorda que, durante os anos em que Freud se dedicou
aos trabalhos sobre psicanálise e cultura, todos os grandes temas relativos
à psicologia das multidões − a fusão dos indivíduos na massa, o poder dos
líderes, a origem das crenças e da religião e a sua conservação no
inconsciente dos grupos envolvidos, bem como o enigma da submissão
dos homens ou a arte de governá-los – foram abordados pela psicanálise
(p. 293). Nesse sentido, Freud parece ter realmente legado um tratado
completo para a compreensão da psicologia das massas e, para Adorno e
Horkheimer (1956), suas contribuições tiveram consequências
sociológicas profundas que levaram a articulações entre massa e poder.
[17] Na mesma época em que os escritos freudianos foram produzidos,
especialmente no período entre as duas grandes guerras, a psicanálise
encontrou um grande incremento nos países socialistas, como Hungria e
Rússia, dando lugar ao desenvolvimento de uma vertente que ficou
conhecida como freudo-marxista. Dessa forma, Moscovici (1981) afirma
que muitos dos ensaios que procurava uma síntese entre marxismo e
psicanálise situavam-se no terreno da psicologia das massas.
O freudo-marxismo foi uma corrente intelectual que atravessou a
história do pensamento psicanalítico de 1920 a 1975, tanto de um ponto de
vista doutrinal, através das relações entre freudismo e marxismo, quanto
de um ponto de vista político nas relações entre comunismo e a psicanálise
em diversos países da Europa e da América Latina (Roudinesco & Plon,
1997). Em seu início, especialmente nas décadas de 1920 e 1930, seu
objetivo era o de “utilizar a psicanálise em sua dimensão crítica,
associando-a ao marxismo, concebido como crítica da ideologia”
(Rouanet, 1986, p. 18). Seus principais representantes, embora tivessem
perspectivas variadas, foram: Wilhelm Reich, Otto Fenichel, Erich
Fromm, Paul Federn, Ernst Simmel e, especialmente na América Latina,
Marie Langer. Era consenso entre todos que tanto o freudismo quanto o
marxismo eram doutrinas de libertação do homem e poderiam ser
articuladas ao paradigma da revolução socialista.
Historicamente, as primeiras tentativas de integrar o pensamento de
Freud e de Marx tiveram como marcos históricos a revolução bolchevique
em 1917 e a ascensão de Hitler ao poder em 1933 (Zaretsky, 2006). Após a
tomada do palácio de inverno em Moscou em 1917 e a confluência de uma
série de manifestações políticas em Viena, Praga e Alemanha, bem como a
chegada ao poder dos comunistas na Hungria, a psicanálise passou a ser
utilizada como fenômeno explicativo para questões relativas à ideologia
burguesa e à cultura da época. Na primeira fase da revolução, havia, na
URSS, uma grande simpatia pela psicanálise e, na Hungria, sob o governo
de Béla Kun, a psicanálise teve grande desenvolvimento. Inspirado pela
necessidade de tratamento das neuroses de guerra, o Congresso de
Budapeste (1918) deu lugar à instituição de terapia em massa financiada
pelo Estado. Além disso, refletindo as mudanças ocasionadas com a
Primeira Guerra Mundial, a psicanálise nos anos 1920 e 1930 revestiu-se
de caráter social com a estatização de inúmeros serviços de atendimento
médico e psicológico na Hungria e criação de clínicas de cunho social
como a Tavistock, na Inglaterra, ou a Postdamerstrasse, dirigida por
Eittington, em Berlim (Zaretsky, 2006, p. 124). Em 1923, Freud chegou a
afirmar que a psicanálise a baixo custo era uma necessidade social e que
“pacientes especialmente sujeitos à neurose estavam afundando na
pobreza” (p. 124). A massificação da análise implicava em uma função,
mais do que analítica, verdadeiramente pedagógica, dos analistas da época
que incluía até a distribuição de cartilhas psicanalíticas para as classes
trabalhadoras. O entusiasmo e o desejo de anexar a psicanálise ao
bolchevismo eram tantos que Lênin chegou a afirmar que o “freudismo
tinha se tornado uma mania” (p. 128). Contudo, com a morte de Lênin, as
experiências culturais chegaram ao fim e apesar do incentivo de Trotsky, a
psicanálise foi banida e substituída completamente pela reflexologia
pavloviana.
Já no lado ocidental, surgiram linhas de raciocínio que utilizavam o
arcabouço teórico da psicanálise para compreender a visão de mundo
socialista. Com o objetivo de investigar o que acontecia na confluência do
psicológico com o social, em primeiro lugar, através de Federn e Fromm,
ganhou corpo a psicologia das massas revolucionária e de esquerda
(Moscovici, 1981). Em Contribuições à psicologia da revolução: uma
sociedade sem pai (1919), Federn examinou o comportamento coletivo da
geração austríaca pós-Primeira Guerra Mundial, que, sob uma reação à
falência da aristocracia e da monarquia, mas movida por projetos utópicos
e por um “parricídio inconsciente”, desejava a criação de uma sociedade
sem pai sem se dar conta de que poderia ser vítima do conformismo, da
alienação e do totalitarismo (Federn, 1919, citado por Moscovici, 1981).
Obras como essa eram favoráveis à criação de uma nova ética que pudesse
congregar os indivíduos em uma sociedade fraternal, organizada em massa
e baseada em um modelo idealizado de relação paterno-filial (Moscovici,
1981, p. 295).
Entretanto, a psicanálise seguiu rumos distintos na região bolchevique e
social-democrática no mundo pós-guerra. Nas democracias sociais
ocidentais, as experiências de cunho psicanalítico-social, realizadas nos
anos 1920 e 1930 na Europa, foram fundamentais para o desenvolvimento
de linhas teóricas e técnicas psicanalíticas nos anos subsequentes
(Harrison, 2000; Zaretsky, 2006). Por outro lado, seu destino no mundo
socialista é hoje praticamente desconhecido nos meios psicanalíticos,
como comenta Rouanet (1986):
Um dos fenômenos mais estranhos da história do conhecimento é o
silêncio tumular que parece ter se abatido sobre os freudo-
marxistas dos anos 20 e 30 e ao qual sucumbiu, em especial, sua
teoria da ideologia e seu processo de ideologização (p. 63).
Roudinesco e Plon (1997) alegam que os freudo-marxistas foram
perseguidos tanto pela International Psychoanalytical Association (IPA) −
especialmente na gestão de Ernest Jones, que preferiu desenvolver
políticas de “salvamento da psicanálise” na Alemanha nazista − quanto
pelo próprio movimento comunista, que após o entusiasmo inicial e sob o
governo de Stálin, passou a considerar a psicanálise apenas uma “ciência
burguesa” (Roudinesco & Plon, 1997).
De fato, como Zaretsky (2006) argumenta mesmo no apogeu da Nova
Política Econômica Russa, psicanálise e bolchevismo guardavam inúmeras
diferenças e uma contradição fundamental. No bolchevismo, “o conceito
de vida pessoal era inexistente, baseando-se em uma ilusão, em um mero
desvio da vida comunal” (p. 128). Apesar de as teses marxistas
considerarem a sociedade e não o indivíduo como realidade última, elas
acreditavam no desenvolvimento das relações entre a psicanálise e
marxismo e, mais do que isso, vislumbravam a possibilidade utópica de
anexar a psicanálise aos pressupostos teóricos e à visão de mundo
marxista (Rouanet, 1986). Contudo, a psicanálise nada tinha de utópica,
pelo contrário, Freud tinha uma visão pessimista sobre a vida em
civilização e fazia do indivíduo conflituado sua pedra angular. Tanto em
sua vida pessoal quanto em seus trabalhos, revelava uma arguta
racionalidade e uma premente necessidade de manter-se longe de qualquer
tipo de ilusão ideológica ou não (Freud, 1933). Dentro dessa perspectiva,
Freud mantinha-se reticente quanto a qualquer associação ideológica entre
psicanálise e marxismo ou a outro sistema político qualquer e permanecia
fiel à visão do homem como indivíduo. Assim, Zaretsky (2006) ressalta
que Freud procurava desvencilhar-se de qualquer tentativa de associação
da psicanálise e a um sistema político, pois “a psicanálise parecia ser a
única pátria de Freud” (p. 129). Da mesma maneira, Moscovici (1981)
recorda que em carta a Zweig, Freud afirmou que “apesar de todas as
minhas insatisfações com os sistemas econômicos atuais, não tenho
esperança de que o caminho seguido pelos soviéticos conduza a um
melhoramento” (p. 293). Roudinesco e Plon (1997) foram mais além
afirmando que ele mantinha até certa hostilidade ao comunismo e aos
freudo-marxistas.
Tanto na Alemanha quanto na Áustria, as ameaças de um governo
socialista no início do século deram origem ao crescimento do nacional-
socialismo que denotava que a revolução fracassara e que a antirrevolução
se aproximava. O debate freudo-marxista incidia justamente sobre essa
questão na tentativa de fornecer uma explicação sobre a eficácia das
ideologias e sobre seu efeito desmobilizador sobre as consciências
operárias. As ideologias enraizavam-se ao longo do processo de
socialização dos indivíduos através das sucessivas privações pulsionais
que a família e as demais instâncias da sociedade impunham aos
indivíduos. Nessa visão, a dissolução do complexo de Édipo resultava na
identificação não apenas com a figura paterna, mas com todo o sistema de
valores por ele encarnados e, assim, na constituição do superego, a
autoridade seria internalizada dando origem à ideologia. Dessa forma, “o
recalque é o elemento-chave que assegura a penetração da ideologia e
determina a vulnerabilidade do psiquismo humano à sua influência”
(Rouanet, 1986, p. 24). Mais do que isso, em termos teóricos, os freudo-
marxistas foram capazes de identificar a influência recíproca entre as
ideologias e os processos psíquicos gerando a ideia de que “o aparelho
pulsional [...] é totalmente plástico podendo ser modificado e
reestruturado pela influência da ideologia” (Fenichel, 1934, citado por
Rouanet, 1986, p. 30).
Mesmo que o movimento freudo-marxista tenha se dispersado ao longo
do tempo, ele teve uma grande importância na história do
desenvolvimento da psicanálise. Muitas de suas ideias acabaram
assimiladas pelos sistemas teóricos desenvolvidos por Reich e Fromm,
tendo sido ainda fundamentais nas análises desenvolvidas posteriormente
sobre psicanálise, cultura e massas pela Escola de Frankfurt. Assim,
embora as tentativas de integração entre as doutrinas freudiana e marxista
no período, bem como os trabalhos de Federn, Fromm e Reich, nessa
primeira fase, sejam relativamente conhecidos, tendo inclusive sido
ressuscitados com nova roupagem muitos anos mais tarde pela New Left
americana, grande parte do que foi produzido naqueles anos permaneceu
de uma maneira geral desconhecido (Rouanet, 1986).
Dentre as principais iniciativas que procuraram associar psicanálise e
marxismo, as contribuições de Reich (1933) utilizaram-se da psicanálise,
do materialismo dialético e do materialismo histórico para investigar as
raízes do processo de ideologização e seus efeitos sobre as consciências
operárias, promovendo reformulações na teoria freudiana que redundaram
na elaboração de uma teoria da genitalidade e uma teoria do caráter.
Entretanto, a preocupação excessiva de Reich com a ideia de que a
repressão sexual era um instrumento de poder que exercia papel
fundamental no processo de ideologização radicalizou-se de tal modo que,
além de afastá-lo da psicanálise tradicional, terminou também por levá-lo
à rejeição do marxismo (Rouanet, 1986).
Em Psicologia de massas do fascismo (1933), Reich utilizou sua teoria
da economia sexual na investigação do fascismo que via como a
“expressão do caráter irracional do homem, cujas necessidades biológicas
primárias e impulsos têm sido reprimidos há milênios” (p. 123). Assim,
em vez de considerar o fascismo como fruto de uma política ou da
situação de opressão econômico-social, via nele a expressão de uma
estrutura inconsciente que se estendia à coletividade e que era fruto da
insatisfação sexual das massas. Nesse sentido, Roudinesco e Plon (1997)
afirmam que Reich retomou a questão da psicologia das massas de forma
oposta tanto a Le Bon quanto a Freud, dando-lhe um conteúdo
radicalmente novo e calcado na repressão da sexualidade. Moscovici
(1981), por sua vez, afirma que Reich, utilizando-se da psicanálise,
procurou compreender Hitler e o movimento nazista a partir da psicologia
das massas. No trabalho de 1933, considerava a ideologia nazista como
uma manifestação da ordem patriarcal e via o nacional-socialismo como
uma reação de pânico da burguesia alemã diante do perigo bolchevista
(Rouanet, 1986). Reich ignorava, na opinião de Moscovici (1981), que o
movimento que criticava através da psicologia das massas havia se
utilizado da mesma psicologia através de Le Bon para se autoengendrar.
Isto é, se, por um lado, Reich se interessava pela psicologia das massas
como meio de explicar a realidade social, por outro, Hitler se utilizara
desta aplicando-a a mesma realidade (p. 296). Nesse sentido, parece que a
psicologia das massas tem sido utilizada como instrumento de poder tanto
pela direita quanto pela esquerda na construção e manipulação da
realidade, ao mesmo tempo que tem sido também empregada na análise
crítica das entranhas do processo sócio-histórico.
Outro importante colaborador do debate freudo-marxista foi Erich
Fromm, especialmente no período que envolveu os anos 1920 e 1930,
quando procurou compreender as ideologias como produto da interação
entre aparelho pulsional e as condições socioeconômicas (Rouanet, 1986,
p. 51). Ou seja, para ele a ideologia encontrava-se no cruzamento entre o
psíquico e o social e a psicanálise deveria ter a função de explicar como se
processava no indivíduo a transposição psíquica das condições
socioeconômicas. Assim, dentro dessa lógica, a história do indivíduo se
encontrava perpassada pelo contexto societário e o caráter dos indivíduos,
ou de uma cultura, era por isso historicamente determinado. Assim,
quando as bases socioeconômicas de uma sociedade mudavam, a mesma
coisa poderia acontecer com a função social da estrutura libidinal (Jay,
1973, p. 93). Empregando ainda a noção de caráter formulada por Reich,
postulou a existência de um caráter social que seria a soma dos traços
comuns a todos os indivíduos inseridos na mesma condição social
(Rouanet, 1986). Entretanto, o caráter social não era contingente, mas sim
um padrão normativo que, formulado sob a forma de ideologia, modelava
através do processo de socialização e internalização da cultura, as
personalidades individuais (Rouanet, 1986). Após 1934, fugindo do
nazismo, Fromm fixou-se nos Estados Unidos, aproximando-se da
corrente psicanalítica de inspiração culturalista (Roudinesco & Plon,
1997). No entanto, as reflexões que promoveu sobre as profundas
influências das ideologias e da ordem social sobre o indivíduo o levaram
mais tarde a vislumbrar a ideia da existência de um inconsciente social
(Fromm, 1962, 1976), que foi retomada no século XXI pelos teóricos da
grupanálise.
O movimento freudo-marxista, apesar de quase esquecido na atualidade,
foi referência para o surgimento da Escola de Frankfurt, que acabou se
constituindo como uma das mais marcantes influências do pensamento
ocidental no século XX. Rouanet (1986) lembra que muitas das teses
defendidas pela Escola de Frankfur, também por Althusser e Gramsci,
foram na verdade reedições de ideias originalmente abordadas pelos
esquecidos freudo-marxistas. De fato, as diferenças entre a Escola de
Frankfurt e os freudo-marxistas não são radicais e, no período de 1923 a
1933, justamente quando Reich e Fromm deram suas principais
contribuições, mantiveram um frutífero diálogo (Rouanet, 1986).
Entretanto, após esse período inicial, as críticas dos frankfurtianos ao
revisionismo psicanalítico representado pelas tendências culturalistas de
Fromm aliada ao recrudescimento da Sexpol de Reich, após 1934,
afastaram-os de vez do contato com os frankfurtianos. Ou seja, muitos dos
principais expoentes do freudo-marxismo terminaram por se afastar das
raízes do pensamento que visava a conjugar psicanálise e marxismo. Além
disso, as mudanças no próprio marxismo consolidado como sistema
político, após os anos 1930, encaminharam a reflexão para outras direções
(Rouanet, 1986).
A Escola de Frankfurt foi uma iniciativa de um grupo de pensadores
alemães que fundaram, em 1923, sob o custeio de Felix Weil, o Institute of
Social Research de Frankfurt com o objetivo promover pesquisas e
teorizações de cunho marxista que pudessem ser uma alternativa aos
conflitos teóricos que dividiam o marxismo da época (Musse, 1997).
Embora tenha mantido seu nome associado a Frankfurt, durante toda a sua
existência o Instituto permaneceu vinculado à cidade apenas durante o
período da República de Weimar (1919-1933). Em 1929, foi fundado o
Instituto de Psicanálise de Frankfurt, que forneceu ainda um grande
incremento às relações desses teóricos com a psicanálise. Entretanto, após
Hitler ter assumido o posto de chanceler em 1933, o Instituto acabou
sofrendo várias mudanças e muitos de seus principais colaboradores
fugiram da Alemanha e fixaram-se inicialmente em Genebra (Suíça),
depois em Paris (França) e finalmente em Nova York (Estados Unidos),
onde se manteve até o final da Segunda Guerra Mundial. Após o exílio na
América, o Instituto retornou para a Alemanha, embora alguns de seus
membros tenham permanecido nos Estados Unidos. Em atividade até hoje,
o Institute of Social Research continua a produzir resultados teóricos
expressivos como a teoria crítica, corpo teórico-metodológico que
inicialmente reunia diversos autores, como Theodor Adorno, Herbert
Marcuse e Walter Benjamin, em um programa interdisciplinar comum sob
direção de Max Horkheimer (Jay, 1973).
A Escola de Frankfurt abarcava um imenso universo de temas de
discussão que envolvia psicanálise, política, sociedade, cultura e arte. Seu
objetivo era proceder a um exame crítico da sociedade em geral em seus
aspectos econômicos, culturais e de produção de conhecimento a partir de
uma perspectiva marxista renovada, isto é, sem estar presa ao historicismo
ou ao materialismo (Rouanet, 1986). De fato, a tradicional teoria marxista
parecia não poder explicar adequadamente o turbulento e inesperado
desenvolvimento da sociedade socialista da União Soviética, tampouco o
surgimento do nacional-socialismo e do capitalismo no decorrer do século
XX. Dessa forma, as análises dos primeiros frankfurtianos apontavam para
uma investigação do desenvolvimento político-social, do contexto
histórico, da cultura de massas e do modernismo estético. Assim, através
de uma reflexão crítica e dialética que contemplava principalmente as
contribuições da psicanálise − com lugar de destaque para a psicologia das
massas − e também da sociologia weberiana e do existencialismo, entre
outras influências, buscavam efetuar transformações no social através de
uma nova praxis (Jay, 1993). Na opinião de Ortiz (1985), as análises da
Escola de Frankfurt encontravam-se marcadas por uma reflexão sobre o
mundo desencantado característico da conjuntura política dos anos 1930.
A presença dos movimentos totalitários, em especial o fascismo, conferiu
o tom pessimista dessas análises e, mesmo no período americano da
Escola, suas investigações sobre a sociedade americana se encontravam
comprometidas com as teses construídas para a compreensão dos
mecanismos de dominação na Alemanha (p. 1).
Representante seminal da Escola de Frankfurt, Horkheimer, em Teoria
tradicional e teoria crítica, de 1937, afirmou:
A teoria crítica da sociedade tem como objeto os homens como
produtores de todas as suas formas históricas de vida. As situações
efetivas, nas quais a ciência se baseia, não são para ela uma coisa
dada, cujo único problema estaria na mera constatação e previsão
segundo as leis da probabilidade. O que é dado não depende apenas
da natureza, mas também do poder do homem sobre ele. Os objetos
e a espécie de percepção, a formulação de questões e o sentido da
resposta dão provas da atividade humana e do grau de seu poder (p.
144).
Assim, a teoria crítica estava direcionada para a totalidade da sociedade
em sua especificidade histórica e tinha como objetivo facilitar a
compreensão crítica de seus pressupostos de forma a favorecer a
emancipação dos indivíduos. Os frankfurtianos visavam, portanto, a uma
crítica filosófica e psicológica da sociedade baseada nas categorias de
razão e natureza, através dos diversos entrelaçamentos entre a
racionalidade e a realidade social e entre a natureza e as suas formas de
dominação (Horkheimer, 1975). Opunham-se ainda às visões de mundo
positivistas, cientificistas ou observacionais. Baseando-se em Max Weber,
Horkheimer argumentava que as ciências sociais eram diferentes das
ciências naturais, pois era impossível estabelecer generalizações ou criar
leis gerais a partir da experiência, já que as ideologias moldavam o
pensamento e o contexto histórico (Musse, 1997).
Para Rouanet (1986), é difícil reunir todas as contribuições da Escola de
Frankfurt dentro de uma única definição específica, já que o movimento
abarcou desde o marxismo ortodoxo dos anos 1930 até a dialética negativa
do final dos anos 1960. Sua história envolveu um período tão amplo que se
confunde, de certa forma, com a própria história do século XX. De fato, as
mudanças históricas ocorridas na primeira metade do século XX − que
contemplaram desde a integração do proletariado à sociedade e a
Depressão dos anos 1930 até as transformações do pós-guerra nos Estados
Unidos − foram pensadas, vivenciadas, tematizadas e debatidas no âmbito
da Escola de Frankfurt (Musse, 1997). Essas mudanças acabaram também
se refletindo na mutação teórica do próprio objeto de estudo da Escola de
Frankfurt e na sua relação com a psicanálise. Entretanto, é possível
afirmar que sua essência encontrava-se na relação dialógica entre Freud e
Marx e que “ambas as doutrinas funcionam como limites negativos uma
da outra, relativizando-se, e relativizando pretensões totalizantes”
(Rouanet, 1986, p. 76). Segundo Rouanet (1986): “Se a Escola de
Frankfurt é a crítica da ideologia e a crítica da cultura, o é, em grande
parte, através de Marx e Freud; mas o é também contra Marx e Freud” (p.
76).
Isto é, para Rouanet (1986), a teoria crítica encontrou na psicanálise não
apenas um meio de expressão em sua contundente crítica à sociedade, mas
também “descobriu através dela suas características intrínsecas, seu
próprio estilo, sua própria maneira de pensar” (p. 116). Nesse sentido, é
impossível realizar uma crítica da cultura sem realizar uma crítica da
psicanálise, na medida em que ambas se encontram em relação dialética.
[...] o freudismo não é para a Escola de Frankfurt uma influência: é
uma interioridade constitutiva, que habita seu corpo teórico e
permite à teoria crítica pensar seu objeto, pensar-se a si mesmo, e
pensar o próprio freudismo enquanto momento de cultura (p. 11).
Assim, o corpo teórico da psicanálise ajudou a teoria crítica a pensar
sobre si mesma, a pensar sobre o todo e a pensar o indivíduo enquanto ser
particular mediatizado pelo todo. A influência da psicanálise esteve
presente em grande parte do trabalho do Institute of Social Research,
principalmente a partir dos anos 1940. Mesmo depois do retorno do
Instituto à Alemanha, essa relação persistiu tanto no trabalho teórico
quanto no empírico e, em 1956, uma edição especial homenageou o
centenário de nascimento de Freud (Jay, 1973). Anos mais tarde, em Eros
e civilização (1970), Marcuse buscou ainda um Freud revolucionário
relacionando a pulsão de morte com a estrutura da sociedade capitalista.
Dentre os trabalhos de orientação psicanalítica produzidos pela Escola
de Frankfurt que tiveram importância para a compreensão da questão das
massas e de seus líderes, destaca-se A personalidade autoritária (Adorno
et al., 1950), extensa pesquisa de campo desenvolvida na Universidade da
Califórnia, nos anos 1944 a 1947, que envolveu uma equipe
interdisciplinar encabeçada por Adorno. Com o intuito de investigar o
preconceito e a discriminação social, combinando conceitos da sociedade
industrializada com crenças irracionais arraigadas nos indivíduos, os
autores analisaram o surgimento de uma “espécie antropológica” que
chamaram de homem autoritário (Adorno et al., 1950). Debruçando-se
sobre as predisposições psicossociais para o fascismo, procuravam
identificar traços fascistas ou uma mentalidade fascista presentes, de
forma consciente ou inconsciente, nas sociedades modernas democráticas
como os Estados Unidos da América. A partir da análise das
predisposições dos indivíduos para o antissemitismo, observaram que,
nesse tipo de comportamento, existia a tendência à idealização de um
determinado grupo com o qual se identificavam − os in-group − e a
projeção de aspectos negativos em grupos com os quais se
contraidentificavam − os out-groups − e que eram objeto de preconceito
(Carone, 1995, p. 3). Ora, os mecanismos psicológicos envolvidos nesse
processo já haviam sido apontados por Freud em 1921, entretanto, Carone
(1995) afirma que os estudos contidos em A personalidade autoritária
aprofundaram o conhecimento da dinâmica do preconceito. Assim, a partir
dessa investigação que congregou a “fertilização recíproca de diferentes
ramos das ciências sociais e da psicologia” (Adorno et al., 1950, p. 3), foi
possível circunscrever os fatores sociopsicológicos que tornaram possível
o surgimento do tipo autoritário na sociedade moderna. Dessa forma, foi
atribuído o nome de personalidade autoritária ou síndrome autoritária ao
conjunto de características de personalidade atribuídas a um tipo de
sujeito potencialmente capaz de desenvolver uma mentalidade fascista
(Adorno et al., 1950). Uma vez formada, a síndrome autoritária
funcionava como uma estrutura de personalidade, mais ou menos
permanente, que atuava no modo do sujeito selecionar os estímulos
ideológicos que o clima cultural de sua época propiciava, assim como nas
suas opções e comportamentos políticos (Carone, 1995). Nessa descrição,
é possível observar os meios que a teoria crítica empregou para analisar o
entrelaçamento entre desenvolvimento psicológico do indivíduo à luz da
psicanálise e as formações culturais e ideológicas que determinaram seu
caráter e comportamento:
Embora a personalidade seja produto do ambiente social passado,
uma vez desenvolvida, deixa de ser um mero objeto do ambiente
contemporâneo. O que se desenvolveu é uma estrutura dentro do
indivíduo que é capaz de selecionar os vários estímulos que lhe são
impingidos e que é capaz de iniciar suas próprias ações no contexto
social; algo que embora seja sempre modificável é muitas vezes
resistente a mudanças fundamentais (Adorno et al., 1950, p. 6).
Na verdade, as análises desenvolvidas na pesquisa sobre a
personalidade autoritária revelam como o indivíduo era visto pela teoria
crítica, “fruto de certa época sendo o resultado ao mesmo tempo de
processos históricos e de eventos sociais contemporâneos” (Adorno et al.,
1950, p. 4). A Personalidade Autoritária foi a primeira tentativa
rigorosamente científica de estudar a questão da ideologia, verificando sua
relação com a personalidade dos indivíduos através da utilização dos
instrumentos da psicologia social e da psicologia clínica (Carone, 2002).
Dando continuidade à pesquisa sobre as relações entre as afiliações dos
indivíduos aos grupos e à ideologia, Adorno et al. (1950) acreditava que
era necessária, para o desenvolvimento bem-sucedido de uma ideologia
fascista, uma base nas massas. Assim, a submissão e cooperação ativa
entre indivíduos se combinariam em uma conjuntura que, manipulada pelo
líder fascista, mobilizaria de forma inconsciente as necessidades
emocionais e os medos primitivos e irracionais dos indivíduos. A
propaganda das ideias fascistas utilizava-se de técnicas que promoviam
tanto a idealização dos líderes quanto suspeitas paranoicas dirigidas aos
out-groups. Essas técnicas empregavam artifícios retóricos que, de modo
repetitivo e padronizado nos discursos, dotavam os líderes de alto poder
persuasivo sobre a massa (Carone, 2002). Ou seja, o sucesso da
propaganda da ideologia fascista baseava-se na manipulação da psicologia
popular, dos anseios inconscientes das massas e da forma como as
ideologias construíam-se no psiquismo dos indivíduos. Essas ideias já
eram conhecidas desde o século XIX, entretanto, adquiriram nova
roupagem e profundidade crítica a partir da psicologia das massas
freudiana e das análises empreendidas pelos frankfurtianos, em especial
Adorno et al. (1950), Adorno (1951) e Löwenthal e Guterman (1949).
Assim, as pesquisas sobre as massas desenvolvidas pelos frankfurtianos
conferiram importância a uma psicologia social de massas
psicanaliticamente orientada para o estudo de ideologias contemporâneas,
dentre as quais o fascismo foi uma expressão paradigmática (Carone,
2002). Além disso, forneceram o solo para investigações no século XXI
sobre os grandes grupos e o inconsciente social.
Então, o que se constata é a profunda importância da psicologia das
massas freudiana nos desdobramentos das análises sobre a sociedade das
massas, bem como sobre o estudo das ideologias e lideranças. Dentro da
ótica da esquerda política, a psicologia das massas soube estar presente no
palco das principais discussões do século XX. Nesse sentido, a pesquisa
prossegue através de duas análises críticas da Psicologia de grupo e
análise do eu (1921) produzidas por György Lukács e Theodor Adorno,
que demonstraram como a psicologia das massas foi utilizada pelo
marxismo e pela Escola de Frankfurt na realização de uma crítica
contundente à psicanálise e na reflexão sobre a ideologia fascista.

Duas contribuições críticas sobre a psicologia das


massas freudiana: Lukács e Adorno
György Lukács, filósofo marxista húngaro, teve grande importância no
cenário intelectual do século XX. Influenciado por Kant e Hegel, aderiu ao
clandestino Partido Comunista Húngaro em 1918. Inicialmente voltou a
atenção para o desenvolvimento das ideias leninistas no campo da
filosofia redigindo, em 1923, a importante coletânea de ensaios conhecida
como História e consciência de classe, trabalho que teve influência
inspiradora para a Escola de Frankfurt (Musse, 1997). Nesse mesmo ano,
participou da “semana de trabalho marxista”, organizada por Felix Weil e,
embora nunca tenha sido um membro da Escola, suas posições em 1923
eram muito próximas ao espírito frankfurtiano (Musse, 1997). Tendo sido
contemporâneo tanto dos freudo-marxistas quanto dos frankfurtianos,
manteve-se independente dessas duas poderosas influências firmando-se
como um marxista convicto, crítico contundente da psicanálise e do
pensamento não marxista de sua época (Musse, 1997).
Um ano após a publicação da Psicologia de grupo e análise do ego
(1921), Lukács, em A psicologia das massas em freud (1922) deu vazão a
contundentes críticas à psicanálise através de sua leitura do texto
freudiano argumentando para o fato de que quando a psicanálise voltava-
se para a análise da cultura, ela não levava em conta a totalidade do
fenômeno social, partindo sempre do “ser humano insulado, isolado da
sociedade capitalista e de seu modo de produção” (p. 220). Dessa forma, a
psicanálise equivocava-se ao tratar de “peculiaridades humanas enquanto
qualidades permanentes e imanentes ao homem e prescritas pela natureza”
(p. 220) e estaria, portanto, “invertendo a essência dos fenômenos sociais
ao tentar explicar relações sociais a partir das consciências individuais, ao
invés de capturar suas determinações” (p. 220). Em sua opinião, na
psicologia das massas, Freud cometia os mesmos erros que atingiam suas
teorias sobre a psicologia individual, pois desconsiderava a importância
das condicionantes econômicas, sociais e históricas, atendo-se apenas ao
individual. Assim, em relação à análise das multidões artificiais em Freud,
comenta:
[...] não é preciso dizer que ele não discerne entre um ou outro
exército: sob sua ótica, os exércitos camponeses da Roma antiga, os
exércitos medievais de guerreiros [...] e as massas mobilizadas da
Revolução Francesa são exatamente as mesmas psicologicamente
falando... (p. 223).
Dessa forma, Lukács (1922) acreditava que Freud compreendia as
massas a partir do indivíduo e de suas relações amorosas, observando-as
sempre da mesma forma a despeito de sua composição social, número de
membros ou estados de organização. Assim, não capturava o problema em
seu verdadeiro sentido, pelo contrário, desvalorizava sua importância
permanecendo preso a uma leitura burguesa e reacionária das massas. Na
tentativa de fugir de uma visão pejorativa, característica dos intelectuais
do século XIX que diminuíam o valor moral ou intelectual das multidões,
caia em uma armadilha igualmente “aprisionante” ao valorizar em excesso
a relação entre a massa e o líder, fixando-se em uma “superestimação do
líder” (p. 223). Isto é, ao alocar a questão central das massas em suas
relações com a liderança explicando o fenômeno através da teoria da
sexualidade e das relações primárias entre pai e filho, deixava de
considerar todos os determinantes históricos e sociais envolvidos na
questão, especialmente o fato de que as massas revelavam características
inerentes à luta de classes da sociedade burguesa. Na verdade, Lukács
acreditava que “Freud, de um modo inteiramente acrítico, compreende a
vida emocional do homem sob o capitalismo avançado como um fato
primário trans-histórico” (p. 222). Nesse aspecto, afirma que a psicologia
freudiana é:
[...] essencialmente burguesa, pois negligencia os fatos mais
básicos da história, a fim de construir teorias interessantes e
profundas através de uma abstração mistificadora que envolve
desde fenômenos superficiais a fatos espirituais meramente
construídos (p. 223).
Para Lukács (1922), a psicanálise permanecia fechada em um círculo de
pseudoproblemas e falsas respostas enquanto não se apercebia do caráter
social, classista de seus paradigmas. Na verdade, o que é possível observar
através das críticas de Lukács é que sua visão sobre a realidade social e a
subjetividade diferia muito da ótica da psicanálise tradicional. Na
perspectiva marxista clássica dentro da qual Lukács se inseria, a realidade
social e a subjetividade se encontravam atravessadas pelas dimensões
subjetiva e objetiva constituindo-se através dos processos dialéticos que
perpassavam as relações entre indivíduo-sociedade (Silva, 2008). Além
disso, a concepção de sujeito em Lukács encontrava-se diretamente
relacionada ao que denominava de processo de tomada de consciência,
apresentado um ano após sua crítica sobre as massas freudianas em
História e consciência de classe de 1923, que atrelava a discussão da
formação da consciência à luta de classes (Silva, 2008). De fato, segundo
Politzer (1968, citado por Silva, 2008), não existe no marxismo clássico
uma concepção de subjetividade que possa ser reduzida a dimensões
individuais, psicológicas ou de personalidade, na medida em que estas
estão sempre determinadas por perspectivas críticas e sócio-históricas.
Dentro dessa perspectiva, parece não existir uma autonomia do psíquico e
do individual em relação aos seus determinantes macrossociais.
As duras críticas apresentadas por György Lukács sobre psicologia das
massas exemplificam de forma contundente como as análises da época,
especialmente as de cunho político-ideológico, recebiam as influências da
psicanálise. Embora possam ser atualmente apreciadas como instrumento
de reflexão sobre as contribuições e limitações da psicanálise clássica na
reflexão sobre temas que vão além do âmbito individual, essas análises
críticas, em primeiro lugar, revelaram a incompatibilidade paradigmática
entre psicanálise e marxismo.
No início da década de 1950, no auge dos desdobramentos da Escola de
Frankfurt, encontramos um segundo trabalho, A teoria freudiana e o
modelo fascista de propaganda (1951), desta vez, desenvolvido por
Theodor Adorno, baseado no texto freudiano de 1921 que empreendeu uma
arguta reflexão sobre as relações entre psicologia das massas e o fascismo.
Adorno (1951) parece ter compreendido em todas as suas particularidades
a contribuição freudiana sobre as massas, articulando-a ainda com os
principais acontecimentos políticos do século XX. Segundo Moscovici
(1981), Adorno buscava, na investigação sobre a psicologia das massas,
uma reflexão sobre as possibilidades de liberação e resistência das massas
à autoridade, apostando ainda que seria possível ultrapassar as repressões
e os impedimentos que bloqueavam a rebelião contra a ordem social e o
totalitarismo (p. 294).
A análise de Adorno dissecou ponto a ponto, em seus mais importantes
desdobramentos, o texto freudiano. Inicialmente revelou como, desde a
época de Le Bon, a psicologia das massas foi utilizada por agitadores e
líderes inescrupulosos para a criação de “expedientes” que tinham como
principal objetivo a regulação das massas. A propaganda fascista dirigia-
se, portanto, para as massas que, vistas como uma unidade estrutural
submetida a um ideal político e a uma propaganda psicológica maciça e
calculada, racionalmente acabavam sendo controladas (Adorno, 1951, p.
118). Embora a preocupação original de Freud, em psicologia das massas
de 1921, não fosse de ordem política, mas sim psicanalítica, ele intuiu a
ascensão e a natureza dos movimentos de massa fascistas em seus
aspectos puramente psicológicos, intuição que Adorno atribuiu à
possibilidade de Freud ter inconscientemente captado as confluências de
sua época, antecipando tendências que ainda estavam latentes (p. 119). Na
verdade, para Adorno, o problema da psicologia das massas encontrava-se
relacionado às mudanças sociais do século XX que testemunhavam a
ascensão das massas e o declínio do indivíduo, crise que foi vislumbrada
por Freud nas relações dos indivíduos com o mundo civilizado (p. 120)
[18] e, de certa forma, intuída pela “necessidade dos indivíduos de se
entregarem às influências e restrições das agências coletivas presentes no
mundo exterior” (p. 120).
Partindo das descrições realizadas sobre a multidão por Le Bon, Adorno
(1951) chamou atenção para o fato de que Freud não as desprezou,
tampouco revelou o tradicional desdém que a maioria dos investigadores
do século XIX apresentava em relação às massas. Em vez disso, fugindo
das descrições costumeiras, indagava-se sobre os mecanismos conscientes
e inconscientes que determinavam sua constituição (p. 122). A pesquisa
psicanalítica rejeitava a hipótese do instinto gregário, procurando
investigar quais as forças psicológicas que resultavam na transformação
do indivíduo na massa. Nesse sentido, Adorno apontou para a importância
da descoberta freudiana de que aspectos regressivos e inconscientes
encontravam-se envolvidos no comportamento das massas em vez de
apostar em mecanismos psicológicos primitivos e irredutíveis
onipresentes nas multidões como se acreditava no século XIX. Apoiando-
se ainda na descoberta freudiana do laço emocional que unia os indivíduos
no grupo, verificou a presença do mesmo tipo de vínculo libidinal no
mecanismo da manipulação fascista (p. 121).
Dessa forma, fazendo uso da psicanálise e da leitura freudiana sobre as
massas, foi possível para Adorno discorrer sobre a manipulação fascista
que, a serviço de líderes carismáticos, utilizava-se dos vínculos libidinais
para exercer o controle demagógico das massas. O fascismo procurava
manter a energia libidinal dos indivíduos a seu dispor de modo a conduzir
a massa à realização de seus objetivos políticos. Mais do que defender um
ideal, seu objetivo era o de manipular − através de líderes, meios
autoritários e mecanismos inconscientes − a massa regredida,
homogeneizada e, portanto, dominável. Além de ser uma manifestação da
destrutividade, uma recorrência do arcaico ou das primitivas relações
paterno-filiais, o fascismo era a própria reprodução desses fenômenos
inconscientes no seio da civilização, valendo-se da promoção de uma
atitude passivo-masoquista da massa em relação à imagem do líder
(Adorno, 1951, p. 122).
Adorno (1951) apontou para o fato de que, embora as massas descritas
por Freud se reunissem em torno de vínculos amorosos e pelo amor ao
líder, mesmo que de forma sublimada, essa relação não era tão clara no
fascismo. Isto é, nas massas fascistas integradas artificialmente, a
referência ao amor parecia totalmente excluída e, para exemplificar sua
argumentação, referiu-se a Hitler, que não desempenhou o papel de pai
amoroso, mas de autoridade ameaçadora (p. 124). Com esse exemplo, foi
possível descrever o padrão libidinal encontrado no fascismo, que se
utilizava do autoritarismo − e de técnicas demagógicas e hipnóticas − para
manipular uma massa sensível e obediente, porém regredida. Valendo-se
da relação hipnótica, revelou um indivíduo fascinado, mas submetido ao
despertar da herança arcaica, reproduzindo na massa as relações entre o
indivíduo primevo e o pai temido da horda. Assim, constatou que a
agitação fascista encontrava-se centrada na ideia do líder, não importando
se ele liderava realmente ou não, porque o que estava em jogo era a
imagem do líder que reanimava a ideia do pai primitivo, poderoso e
ameaçador (p. 125). Por outro lado, a irracionalidade do seguidor surgia
como uma convicção que se baseava na vida erótica dos indivíduos. O
mecanismo psicológico envolvido nessa relação era, portanto, de ordem
erótico-libidinal e o vínculo estabelecido baseava-se na identificação.
Nesse ponto, a análise de Adorno aprofundou-se na investigação do caráter
narcisista e primitivo dos processos identificatórios com o objetivo de
encontrar as raízes passivo-masoquistas das relações de submissão dos
indivíduos em relação ao líder em estágios pré-identificatórios em que a
imagem dos líderes assumia “a aparência de uma ampliação da própria
personalidade do sujeito, a forma de uma projeção coletiva de si mesmo,
mais do que a imagem do pai” (p. 126).
Nessa discussão, Adorno (1951) enfatizou a importância do mecanismo
da idealização e das instâncias ideais, já apresentados por Freud, para
aprofundar a análise do fascismo e das relações da massa com os líderes
transformados pelo indivíduo comum, através da idealização, em “imagem
de si mesmo, livre das manchas da frustração e de descontentamento” (p.
126). Constatou, assim, que a comunidade popular fascista comportava-se
de maneira semelhante à apresentada pela definição freudiana de massa na
qual os indivíduos projetavam na figura do líder o seu ideal de ego. Dessa
forma, “a imagem do líder fascista gratificava o duplo desejo do seguidor
em se submeter à autoridade e ser ele mesmo a autoridade” (p. 127). Na
leitura de Adorno, a construção psicológica do líder apresentada por Freud
coincidia com o protótipo do líder fascista.
De fato, uma das principais afirmações freudianas sobre a psicologia
das massas referia-se à questão dos indivíduos no grupo colocarem o líder
e o próprio grupo no lugar de ideal do ego. Adorno afirmou que a
personalidade fascista lidava com o extermínio do superego individual que
era substituído por um ego grupal (p. 128). A individualidade era assim
substituída por identificações entre os componentes e com a autoridade
coletiva e o que era bom para o grupo passava a ser bom para o membro
daquele grupo. Esse mecanismo revelou como, através das identificações,
poderia surgir no grupo uma tendência a um “igualitarismo malévolo”, a
uma fraternidade excessiva que levava o indivíduo à perda de um senso
crítico e a uma conformidade com os ideais do grupo. Essa tendência, que
era um componente importante da propaganda fascista e do próprio
fascismo, foi mais tarde, já no século XXI, examinada nas análises
empreendidas por Hopper (2003b) e Volkan (2004, 2006a) sobre os
processos de massificação encontrados nos grandes grupos regredidos. As
considerações de Adorno sobre a psicologia das massas foram ainda
influenciadas pelas análises sobre os demagogos fascistas americanos
empreendidas por Löwenthal e Gutterman em 1949 e pela pesquisa que
acabara de realizar com inúmeros colaboradores sobre o preconceito. Em
A personalidade autoritária (1950), Adorno e seus colaboradores
observaram que, através da identificação, um indivíduo preconceituoso
tendia a se submeter a um ego grupal, às espensas de seu próprio ego ideal,
que ficava virtualmente fundido aos valores externos apresentados pela
cultura (p. 32).
Da mesma forma que na dinâmica interna dos grupos organizados, onde
existia uma distinção profunda entre os que são amados dentro do grupo e
os que, por estarem fora, são rejeitados, observava-se também no fascismo
a tendência do grupo, coeso e fortemente identificado com um ideal, de
projetar para fora os sentimentos hostis. Assim, com o intuito de manter a
homogeneidade e a sobrevivência grupal “as pessoas amam os que se lhe
assemelham e odeiam o que lhes é diferente” (Adorno, 1951, p. 130). Essa
tendência a rejeitar e a eliminar o grupo externo foi definida por Adorno
como uma “força integradora negativa” (p. 131) que encontrava suporte no
ambiente através das diferenças de religião, gênero ou de raça. Nesse
ponto, Adorno observa que Freud deixou de abordar, na psicologia das
massas, essa “integração negativa” que se alimentava das pulsões
destrutivas, preferindo utilizar-se do conceito de narcisismo para
compreendê-las. No entanto, reconheceu que somente em Mal-estar na
civilização (1930) o papel da pulsão de morte seria reconhecido como
fundamental para o processo (p. 131).
A investigação empreendida por Adorno (1951) sobre a psicologia das
massas freudiana foi um instigante exemplo da utilização de reflexões
psicanalíticas no campo da cultura, da história e da política e seu principal
objetivo parece ter sido o de aprofundar as reflexões sobre o tema,
procurando responder às questões que a psicologia das massas de esquerda
propunha sobre as relações na sociedade de massas. De fato, a psicologia
das massas forneceu aos frankfurtianos um campo profícuo para a análise
do contexto sociopolítico do século XX, permitindo a observação das
dimensões psicológicas envolvida nas relações de poder. A constatação da
identificação da massa com o líder supremo que oferecia, através de uma
ilusão, um substituto psicológico para as faltas e frustrações individuais
propiciou ainda uma reflexão sobre o perigo envolvido na apropriação da
psicologia das massas pelos opressores (p. 137). Cabia, no entanto, aos
indivíduos se conscientizarem sobre o que os levava a se converter em
massa para que assim pudessem opor uma resistência consciente aos
processos que os conduziam à massificação (Adorno & Horkheimer, 1944,
p. 87). Dessa maneira, especialmente no pós-guerra, as indagações
frankfurtianas giravam em torno das ideologias, das formas de
totalitarismo e do perigo da manipulação das massas. Esses
questionamentos tinham como pano de fundo o imenso receio de que o que
havia acontecido na Europa pudesse repetir-se novamente, levando um
retorno da sociedade esclarecida à barbárie (Adorno & Horkheimer, 1985).
Nesse sentido, o fantasma de Auschwitz, apresentado por Adorno em
Educação após Auschwitz, em 1947, parecia conduzir o esforço dos
frankfurtianos, que viam, na educação para a autonomia e no
desenvolvimento do poder de reflexão, o instrumento primordial para
evitar que pesadelos como aquele jamais se repetissem (Adorno, 1947, p.
104).
Refletindo sobre a importância da investigação sobre as massas
empreendida pela Escola de Frankfurt, Ortiz (1985) afirma que a crítica da
cultura frankfurtiana substituiu a noção de classe do marxismo pela de
massa, dando ênfase aos processos de dominação e as relações de poder.
No entanto, ressalta que o conceito de massa não foi inventado pela Escola
de Frankfurt e encontrava-se marcado por uma herança conservadora
proveniente tanto das ideias de Le Bon (1895) e Tarde (1890), no século
XIX, quanto do próprio Ortega y Gasset (1926) no início do século XX. Os
frankfurtianos, profundamente influenciados por Freud, rejeitavam esse
tipo de visão apontando para o fato de que ela escamoteava posições
ideológicas de caráter nitidamente conservador em relação à classe
operária. Não obstante, Ortiz (1985) afirma que existiam pontos em
comum entre os frankfurtianos e as ideias preconizadas por Le Bon e
Ortega y Gasset (Ortiz, 1985). O primeiro ponto diz respeito à análise da
sugestionabilidade das multidões e à manipulação pelos líderes
carismáticos, que encontrou um paralelo nos estudos frankfurtianos sobre
o nazismo. O segundo ponto traz reflexões em termos das tendências das
massas à homogeneização, característica apontada por Ortega y Gasset
(1926) como prevalente nas sociedades de massas e na personalidade do
homem-massa. Assim, a ameaça de igualdade antes atribuída às multidões
dirigiu-se no século XX para o homem médio − o homem-massa de Ortega
y Gasset (1926) − que passou a reunir as características outrora atribuídas
à multidão indiferenciada. Nesse sentido, havia o temor de que em termos
civilizatórios pudesse ocorrer um retrocesso cultural no mundo
contemporâneo que conduzisse incondicionalmente à barbárie. Dessa
forma, mesmo tendo se originado de perspectivas teóricas diametralmente
opostas, contribuições dos teóricos conservadores sobre as massas
acabaram adquirindo novas conotações que foram absorvidas pelas visões
críticas dos frankfurtianos.
É possível, então, concluir que, tendo passado por um momento
conservador no século XIX e depois por uma etapa marcada pela
consolidação e afirmação da sociedade de massas no século XX, a
psicologia das massas sofreu uma verdadeira guinada para a esquerda no
decorrer do século XX, convertendo-se em instrumento crítico e sensor da
própria sociedade de massas. Graças às influências de Freud e seus
seguidores − nas figuras de Reich e Fromm, que contribuíram com os
frankfurtianos, e em especial de autores do calibre de Adorno e Marcuse −
a psicologia das massas pôde seguir fazendo história, empreendendo uma
trajetória intrinsecamente atrelada às mudanças político-sociais do século
XX. Além disso, foi possível observar e comprovar historicamente que o
fenômeno das massas, mais do que reproduzir o Zeitgeist de um período
histórico, seja o do século XIX ou o do século XX, representa, presentifica
e corporifica a ação das moções pulsionais que se encontram presentes no
âmago do inconsciente social de uma época.

[9] A edição brasileira das Obras Psicológicas completas de Sigmund


Freud apresenta em Psicologia de grupo e análise do ego a palavra grupo
como equivalente à palavra alemã Masse, que é mais abrangente. Para
Peter Gay, essa é uma tradução infeliz. O título da obra em alemão é
Massenpsychologie und Ich-Analyse e, portanto, a palavra grupo escolhida
pela Standard Edition para Masse foi inadequada (Gay, 1989, p. 362).
Entretanto, vale ressaltar que Freud utilizou a palavra Masse para se
referir e traduzir tanto o group de McDougall quanto a foule de Le Bon
(Freud, NT ESB, v. XVIII, 1976, p. 91), o que provavelmente inspirou a
tradução brasileira a empregar o termo grupo tanto para a massa quanto
para o grupo organizado. Por outro lado, Roudinesco e Plon (1997)
afirmam que James Strachey, ao traduzir o termo alemão Massen por
group em lugar de mass, optou por uma tradução que envolvia uma
concepção reducionista do social, característica da psicologia social norte-
americana. As traduções francesas também não foram mais precisas, já
que Freud escolhera o termo Massen em vez da palavra Menge para
traduzir o termo francês foule, empregado por Le Bon em sua obra,
privilegiando a conotação política que o primeiro termo em alemão
carregava. No entanto, os tradutores franceses, preocupados em manter a
ligação com a obra de Le Bon, optaram pela palavra foule para traduzir
Massen. Somente nas últimas versões francesas é possível observar o
retorno à opção freudiana pela palavra massa (Roudinesco & Plon, 1997,
p. 613).
[10] Leia-se massa.
[11] Segundo Van Ginneken (1992), tem sido atribuída apenas a Le Bon a
paternidade da psicologia das multidões, entretanto essa afirmação
desconsidera a importância capital de alguns de seus predecessores como
Siguele (1891) e, em especial, o pioneiro e pouco conhecido Henri
Fournial, hoje considerado “o elo perdido da psicologia das multidões”
(Van Ginneken, 1992, p. 8-9).
[12] McDougall nomeia os grupos com organização rudimentar,
praticamente imperceptível, como crowd ou mob, traduzidos aqui por
multidão ou turba (McDougall, 1920, p. 27).
[13] Em McDougall, os objetivos compartilhados pelo exército como
grupo organizado conduziram à elevação de princípios éticos e morais e da
inteligência grupal, direcionando as ações e realizações sempre, é claro, à
obediência ao líder (McDougall, 1920, p. 70). Embora se afaste das
características encontradas nas multidões na descrição do grupo
organizado, seus argumentos ficam muito aquém da análise que Freud fez
logo após sobre essas formações.
[14] Essa ideia não é mais do que a remodelação idealística de um estado
de coisas na horda primeva, onde todos os filhos sabiam que eram
igualmente perseguidos pelo pai primevo e o temiam igualmente (Freud,
1921, p. 158).
[15] Ernst Simmel, diretor do hospital de Posen (Silésia), utilizando o
método catártico (de ab-reação ativa) em grupo, foi o primeiro a aplicar os
conhecimentos analíticos de forma experimental ao tratamento de
neuróticos de guerra. Suas práticas contrastavam com as que até então
eram utilizadas pelo exército austríaco, que empregava choques elétricos
para “curar” e devolver rapidamente os soldados para o front. Seu trabalho
recebeu honrarias e foi elogiado pelo próprio Freud em Introdução à
psicanálise e as neuroses de guerra (1919a) (Martins, 1986b, p. 45).
[16] Dentro dessa perspectiva, Segal (1987) recorda que “determinadas
seitas religiosas como a dos Cristãos Renascidos ou outras seitas
semelhantes mostram a pulsão de morte de forma quase pura, através do
aspecto de nirvana da pulsão de morte como descrita por Freud” (Segal,
1987, p. 160). Volkan (2004), examinando a estrutura interna de grupos
fundamentalistas, também chamou atenção para a natureza do vínculo
libidinal estabelecido entre membros dessas formações grupais e sua
especial relação com líderes de tendências narcísicas ou psicopáticas
(Kernberg, 2003).
[17] A articulação entre massa e poder rendeu relevantes trabalhos sobre
as massas no século XX, dentre eles Massa e poder (1960) de Elias
Canetti, que foi considerado um dos mais importantes ensaios sobre o
tema partindo de suas próprias observações sobre as massas nazifascistas
na Alemanha.
[18] Aqui cabe ressaltar que justamente no período pós-Primeira Guerra
Mundial, a preocupação de diversos intelectuais da época, entre eles
Freud, centrava-se justamente na crise que se abatia sobre as expectativas
outrora nutridas sobre o mundo moderno civilizado, o que foi ilustrado de
forma emblemática por Paul Valéry em La crise de l’esprit de 1919: “Nós,
civilizações, sabemos agora que somos mortais. Tínhamos ouvido falar de
mundos inteiros desaparecidos, de Impérios que se afundaram com todos
os seus homens e máquinas, perdidos na indevassável profundidade dos
séculos, com deuses e leis, academias e dicionários [...] Agora vemos que
o abismo da história é suficientemente amplo para que nele caiba a
totalidade do mundo. Sentimos que uma civilização tem a mesma
fragilidade que a vida” (p. 90).
Capítulo IV
A pesquisa psicanalítica com os grandes
grupos: a construção de um arcabouço
teórico
O século XX foi marcado pelo surgimento dos homens-massa (Ortega y
Gasset, 1926), da sociedade de massas e da psicanálise freudiana, mas foi
também, ao longo desse século, que começaram a surgir os primeiros
trabalhos terapêuticos com pequenos grupos. Dessa forma, o século XX,
além de ter presenciado o nascimento das psicoterapias de grupo, assistiu
à consolidação de seu arcabouço teórico-clínico. Após a Segunda Guerra
Mundial, o trabalho com grupos teve um grande avanço e muitas das
experiências reunidas durante a guerra, aliadas às contribuições da
psicologia, da psicanálise e das ciências afins acabaram fornecendo as
bases para o desenvolvimento do estudo sobre os grandes grupos. A
apreciação de seus antecedentes históricos permite acompanhar os
caminhos que foram sendo traçados pela psicoterapia de grupo até voltar-
se, já na década de 1970, para a pesquisa sobre a psicodinâmica dos
grandes grupos que reuniram, sob nova roupagem, renovadas
investigações sobre a psicologia das massas, renomeadas dessa vez de
grandes grupos.

O trabalho com pequenos grupos no século XX


Em termos intuitivos, os efeitos curativos e profiláticos promovidos
pelos grupos já eram conhecidos desde os primórdios da humanidade
através de práticas empreendidas por feiticeiros ou pajés de tribos
primitivas. Na Grécia Antiga, existem registros de que, no templo de
Apolo, em Epidauro, pessoas com perturbações físicas ou psicológicas
eram assistidas por sacerdotes que fomentavam a intercomunicação e o
compartilhar de angústias em grupo. No século XVIII, Mesmer realizava
em grupo sessões hipnóticas e, no século XIX, Emile Coué, através de um
método impregnado pelo pensamento positivista, fazia sessões coletivas
de autossugestão (Martins, 1986b). Considera-se, no entanto, que o
primeiro grupo terapêutico surgiu em 1905 quando o tisiologista
americano Joseph Pratt, do Boston Dispensary, criou intuitivamente o
método das classes coletivas, que consistia de uma aula semanal para vinte
pacientes em grupo sobre higiene e tuberculose, seguida de perguntas e
discussões com os médicos sobre a doença (Mello Filho, 2000). Esse
método instituía uma série de recompensas e punições de ordem moral
semelhante a um sistema de notas e parecia “utilizar de modo sistemático
e deliberado as emoções coletivas em busca de uma finalidade
terapêutica” (Grinberg, Langer & Rodrigué, 1957, p. 23).
Os precursores dos trabalhos com grupos eram, em sua maioria, clínicos
ou leigos e a orientação de seus trabalhos tinha em geral objetivos
profiláticos. Embora Freud nunca tenha trabalhado com grupos, as
primeiras tentativas de aplicação da psicanálise aos grupos remontam às
iniciativas de alguns de seus dissidentes, como Adler que, antes da
Primeira Guerra, desenvolveu um trabalho em grupo com operários e em
clínicas de orientação infantil (Schneider, 1973). Durante a Primeira
Guerra Mundial, Ernst Simmel procurou tratar neuróticos de guerra em
grupo através do método catártico (ab-reação ativa), tendo obtido menções
elogiosas, inclusive do próprio Freud por seu trabalho (Freud,
1919a/1974). Outro dissidente, dessa vez um ex-analisando de Jung,
Trigant Burrow − que desde a década de 1910 já postulava “a base social
da consciência” (Petergato & Petergato, 2013) –, desenvolveu nas décadas
de 1920 e 1930 a “phyloanálise” visando a explorar, na companhia de seu
antigo paciente, Shields, a natureza social do comportamento humano (p.
XXXVI). Embora tenha sido um dos introdutores da psicanálise nos
Estados Unidos, Burrow desejava ampliar o método psicanalítico, pois
acreditava nas profundas influências do social na determinação das
neuroses individuais. Assim, desenvolveu a investigação do que foi
chamado de “método grupal da psicanálise” (Pines, 2003a, p. 45), que
valorizava o ser humano como um todo e em interação com o contexto
social. Entretanto, suas inovações, arrojadas para a época, fizeram com
que fosse definitivamente proscrito do meio psicanalítico (De Maré, 1974,
p. 63; Petergato & Petergato, 2013). Pat de Maré (1974) considera que,
embora o trabalho de Burrow tenha sido desacreditado pela comunidade
psicanalítica, suas articulações apontavam para a real consideração dos
fenômenos sociais na determinação da doença mental. Nesse sentido,
Pines (2003a) afirma que as experiências com grupos de Burrow podem
ser consideradas hoje precursoras das comunidades terapêuticas e do
pensamento intersubjetivo e muitas de suas teses podem parecer
atualmente óbvias, mas, na época em que foram enunciadas, trouxeram
incômodo e rejeição.
De acordo com Zimmermann (1971), após um período inicial de
trabalhos com grupos de natureza didática ou repressiva, surgiu na Europa,
com Moreno e o Psicodrama, a abordagem grupal psicodramática. Assim,
através do “teatro espontâneo”, apareceram os primeiros grupos
terapêuticos propriamente ditos, bem como, em 1931, a denominação
psicoterapia de grupo, que possibilitou um novo status para um tipo de
prática psicoterápica diferenciada, a terapia de grupo. A partir de Moreno,
o trabalho com grupos pôde adquirir um espaço próprio, afastando-se tanto
das técnicas do tratamento individual quanto das análises sociológicas ou
psicológicas das massas e dos grupos existentes até então (De Maré,
1974).
Durante a década de 1930, destacou-se ainda o trabalho em grupo que
deu origem, em 1935, nos Estados Unidos, aos Alcoólicos Anônimos.
Reunindo inicialmente um médico de Ohio e um corretor alcoólatra de
Nova York, a amizade e a troca de experiências relativas ao alcoolismo os
levaram a abandonar a bebida. A difusão desse trabalho deu-se em cadeia
e o método acabou sendo transposto para outros países e outros tipos de
dependências tóxicas (Mello Filho, 2000). Ainda na mesma década, as
contribuições de Slavson foram responsáveis pela introdução do trabalho
com pequenos grupos de crianças criando o setting grupal. Embora seu
objetivo terapêutico fosse o indivíduo no grupo e não o grupo per se e suas
concepções sejam hoje vistas como ultrapassadas, o tipo de “análise
individual em grupo” que Slavson praticava ainda é utilizada atualmente
em diversas práticas grupais. Schilder foi ainda outro analista que teve
grande importância para o desenvolvimento da psicanálise com grupos,
embora sua técnica envolvesse a prescrição concomitante de terapia
individual e grupal para os pacientes (Schneider, 1973).
Nas décadas de 1930 e 1940, foi notória a importância e a influência de
Kurt Lewin (1948), que empregou, nos Estados Unidos, princípios das
ciências sociais e da Gestalttheorie ao trabalhar com grupos,
desenvolvendo uma hipótese central − a de que “o grupo é um todo cujas
propriedades são diferentes da soma das partes” − que foi fundamental
para a construção do arcabouço teórico das práticas grupais. Abandonando
as ideias de seus predecessores, passou a observar o grupo como
constituído por um campo dinâmico de forças, com clima e lideranças
específicas, em que as relações de figura-e-fundo promoviam diferentes
visões sobre um mesmo processo grupal (Mello Filho, 2000). A teoria de
campo foi a primeira a incluir na dinâmica individual a importância da
relação com o meio e nisso residiu sua maior contribuição para o
desenvolvimento tanto do pensamento psicanalítico sobre grupos quanto
da grupoterapia a partir da Segunda Guerra Mundial. De acordo com
Hinshelwood (1999, 2007), a noção de “grupo-como-um-todo” tinha uma
forte presença na psicologia das décadas de 1930 e 1940 e, portanto, teve
grande influência no desenvolvimento do pensamento de Rickman, Bion e
Foulkes sobre grupos. Entretanto, parte das diferenças na abordagem
grupal desses autores pode ser observada na forma como cada um
absorveu os conceitos de campo. Rickman (1938), desde a Primeira Guerra
Mundial, já atribuía importância ao contexto social em suas investigações
psicanalíticas e a influência das teorias de campo já podiam ser
claramente observadas em seu trabalho no War Office Selection Board[19]
durante a Segunda Guerra Mundial (Harrison, 2000). Já para Bion, o
contato ocorreu em Northfield e, mais tarde, dentro da Clínica Tavistock
que sofria influência das teorias de campo desde a viagem de Eric Trist
aos Estados Unidos em 1934 (Hinshewood, 1999). A noção de “grupo-
como-um-todo” favorecia a ideia de que no grupo atuava um campo social
de forças, e “tomando essa premissa como base, Bion transformou-a em
objeto de estudo dando início à investigação psicanalítica dos grupos em
Northfield” (p. 472). Foulkes foi também marcado pela Gestalt e pelas
relações de figura-e-fundo na postulação de suas teorias para os grupos
terapêuticos − iniciados em Exeter em 1939 – entretanto, essa influência
surgiu através do contato, ainda na Alemanha, com o neurologista Kurt
Goldstein, que investigava as complexas conexões entre as redes cerebrais,
postulando que o sistema nervoso central reagia às lesões de forma global
e não localizada como se supunha na época (Hinshelwood, 1999; Nitzgen,
2011). Além disso, sua cooperação com Karl Manheim, na Franfkfurt dos
anos 1930, especialmente com seu assistente Norbert Elias, levaram-no a
considerar a intrínseca interdependência entre indivíduo e sociedade como
se um ou outro se alternasse nas posições de figura-e-fundo que
compunham um único e integrado todo.
Sem dúvida, as contribuições de diferentes teorias e do trabalho clínico
de diversos pioneiros da psicoterapia de grupo foram tentativas
importantes para o desenvolvimento da teoria e da técnica dos trabalhos
com grupos. Em algumas dessas experiências, o contexto sociocultural
ocupava um papel secundário ou permanecia totalmente obscurecido,
embora fosse possível observar que as relações de transferência, dual ou
cruzada, apresentavam um lugar de destaque. Contudo, era impossível
ignorar o contexto em que essas iniciativas estavam inseridas e mesmo em
segundo plano essas interferências eram visíveis. Nesse sentido, de Maré
(1974) afirma que, desde seus primórdios, as psicoterapias grupais sofriam
influências do que transcorria na cultura. De início, isso aconteceu através
da psicanálise e das ideias marxistas depois da psicologia da Gestalt e da
teoria de campo e, mais tarde, da teoria da comunicação. Embora de
orientações distintas, essas teorias tinham em comum o fato de postularem
que “não é o indivíduo ou o grupo, a parte ou o todo que é primário, mas o
interstício da intercomunicação, interação e inter-relação que representa o
papel primário nas relações indivíduo-grupo” (p. 62). Nesse sentido, é
possível observar que as palavras de de Maré apontavam, dentre a
influência de inúmeras teorias, para a profunda importância, no trabalho
com grupos, de uma visão integrada de indivíduo e sociedade como foi
apresentada na teoria das figurações de Elias (1970).
De fato, parece que a grande discussão teórica que envolve o trabalho
com grupos diz respeito à maior ou menor importância conferida às
relações indivíduo-grupo e suas interdependências. Esse debate teve
reflexos no próprio processo de constituição do arcabouço teórico-técnico
das psicoterapias com grupos. A ênfase conferida ora ao indivíduo no
grupo ora ao grupo propriamente dito parece ter acompanhado não só a
trajetória das psicoterapias de grupo e da psicanálise, mas também a
própria transformação do pensamento científico ao longo do século XX.
Ancorado nessa visão, Osório (2007) apontou para as mudanças que
levaram nas terapias grupais ao “abandono do paradigma linear, que
atribuía excessiva importância ao intrapsíquico, para dar lugar ao
paradigma circular” (p. 65), conferindo ênfase à intersubjetividade e
eliminando as dicotomias entre indivíduo e grupo. Nesse sentido, sua
análise recaiu sobre os diferentes valores atribuídos ao indivíduo e ao
grupo na trajetória do desenvolvimento das técnicas grupais. Descrevendo
as substanciais diferenças de enfoques, apresentou a psicoterapia pelo
grupo, que teve como representante principal o modelo de Pratt, que
utilizava o grupo para atingir objetivos específicos no indivíduo, e a
psicoterapia em grupo, tal como desenvolvida por Slavson, em que a
valorização centrava-se no indivíduo dentro do grupo (p. 70). Mais tarde,
tendo em vista o desenvolvimento da psicanálise, das teorias de campo e
da comunicação, foi possível observar o surgimento de abordagens
psicoterápicas que colocaram em perspectiva a psicodinâmica do grupo
em si, a psicoterapia do grupo, tal como foi feito por Bion (1970) na
Segunda Guerra Mundial e por Grinberg, Langer e Rodrigué (1957) na
Argentina. Além disso, através do conceito de vínculo, postulado por
Pichon-Rivière (1980, 1988), o contexto intersubjetivo, através de um
pareamento com o intrapsíquico, pode ser valorizado. Dessa forma, Osório
(2007) afirma que as teorias desenvolvidas por Pichon-Rivière foram
aquelas que promoveram uma “verdadeira adequação epistemológica à
circunstância de que é o grupo, e não o indivíduo, o objeto de análise da
psicoterapia de grupo” (p. 54). Por último, sempre acompanhando as
evoluções no pensamento do século XX, surgiu a psicoterapia de grupo,
encabeçada pelos desdobramentos da grupanálise de Foulkes (1946) que se
esforçaram por construir um paradigma próprio para o trabalho com
grupos, onde o contexto cultural, a interdependência entre indivíduo-
sociedade (Elias, 1970) e uma interface com a sociologia, a antropologia e
a filosofia puderam ser valorizados. Somam-se a essas perspectivas, as
contribuições de Anzieu (1993) e Kaës (1997), entre outros expoentes da
Escola Francesa que se empenharam a partir da década de 1960 em
desenvolver uma visão genuinamente psicanalítica dos grupos.

O trabalho com grupos durante a Segunda Guerra


Mundial: a experiência de Northfield
Embora iniciativas isoladas, nem sempre de orientação psicanalítica, já
viessem sendo realizadas antes da Segunda Guerra Mundial,[20] foi
durante a guerra que o trabalho com grupos teve um grande avanço. Nesse
sentido, Martins (1986a) aponta que o tratamento grupal adquiriu
importância justamente nos períodos de guerra quando os indivíduos
foram compelidos a assumir novos papéis em uma sociedade conturbada
ao ingressarem em um grupo artificial, o Exército (p. 68). De fato, diante
da necessidade de seleção e agrupamento de oficiais e mais tarde de
tratamento e reabilitação, inúmeros psiquiatras ingleses que fizeram parte
do War Office Selection Board, na Segunda Guerra Mundial, começaram a
se interessar por abordagens grupais (Harrison, 2000). Antes de 1942,
havia na Inglaterra poucos psiquiatras treinados para a tarefa e muitas das
lições aprendidas na Primeira Guerra haviam se perdido ou foram
desacreditadas no início da Segunda Guerra (p. 75). Contudo, embora o
exército tentasse evitar, desde o início da Segunda Guerra, os problemas
psiquiátricos eram muitos e conduziam um largo contingente às deserções,
ao suicídio ou ao alcoolismo grave (King, 1998). Dessa forma, no início da
guerra, manter os soldados na ativa transformou-se em um objetivo a ser
alcançado por psiquiatras inexperientes em hospitais de emergência como
o de Mill Hill, onde Maxwell Jones ensaiou, a partir de 1942, os primeiros
experimentos com as comunidades terapêuticas, ou de Northfield, berço
dos trabalhos com grupos (Pines, 1998).
Dentro dessa conjuntura, era premente o estabelecimento de novas
estratégias para lidar tanto com a seleção quanto com a reabilitação de
oficiais. Na Marinha e na Aeronáutica, os psiquiatras de orientação
neurológico-organicista assumiram as iniciativas, já no exército, J. R.
Rees, diretor da Clínica Tavistock, em 1934, foi convidado à consultoria
psiquiátrica e assim pôde recrutar colegas de orientação psicodinâmica
como Ronald Hargraves − que assumiu a liderança da psiquiatria do War
Office Selection Board − Eric Trist, Wilfred Bion, Harold Bridger, Tom
Main, James Anthony e Foulkes para a tarefa (Harrison, 2000, p. 86). John
Rickman aderiu ao grupo e, como psicanalista experiente,[21] parecia
estar ciente de tudo o que se passava no exército naquela época. Na
opinião de Harrison (2000), ele teve papel fundamental não só na seleção e
reabilitação de oficiais, mas também na orientação e inspiração teórico-
clínica dos trabalhos realizados pelos colegas mais jovens (Main, 1983;
Harrison, 2000, p. 270).
Assim, foi dentro desse contexto, no hospital Northfield Army Neurosis
Center, em Birminghan, na Inglaterra, entre 1942 e 1946, que o trabalho
grupal teve seu turning point e o atendimento da ala de reabilitação foi
entregue, em dois períodos distintos, a psiquiatras de orientação
psicanalítica (Harrison, 2000). No chamado primeiro experimento, que
ocorreu no inverno de 1942-1943, Rickman e Bion desenvolveram um
projeto que envolveu de cem a duzentos recrutas internados e que foi
pioneiro na compreensão dos fenômenos grupais. Cada psiquiatra ficava
responsável por uma ala no hospital e, quando Rickman e Bion assumiram
sua ala, encontraram-na suja e desorganizada, repleta de soldados
desmotivados e apáticos (Main, 1983). Segundo Pines (1989), em vez de
autoritariamente imporem a ordem militar ou uma rotina rígida,
introduziram um tratamento psicodinâmico que permitia, de início, que os
pacientes dessem livre curso à sua desorganização. Assim, através de uma
atitude mais receptiva na ala, a disciplina foi restaurada e os pacientes
tratados como soldados puderam voltar gradativamente à ativa. Contudo, a
atitude de Rickman e Bion, aparentemente avessa à hierarquia militar,
causou um impacto negativo na rotina hospitalar provocando também
insatisfação no restante do staff (Main, 1983, p. 205). Dessa forma, tendo
em vista a ala de reabilitação como um todo − the-group-as-a-whole −
Bion e Rickman reuniram durante seis semanas os pacientes em grupos,
“grupos sem líder” − leaderless group project. Os pacientes realizavam
exercícios físicos e reuniões diárias para discutir os problemas do aqui-e-
agora e esclarecer tensões intragrupais. Rickman e Bion avaliavam assim
como cada membro funcionava no grupo como um todo em termos de
aptidão relacional, liderança e solução de dificuldades (Bléandonu, 1993;
Harrison, 2000).
Embora o primeiro experimento em Northfield tenha sido interrompido
de forma prematura e inexplicada[22] pelo exército e os dois psiquiatras
tenham sido afastados da unidade − segundo Main (1983, p. 205), o
segredo nunca revelado em biografias ou relatos sobre o primeiro
experimento é que Bion foi demitido de Northfield − a experiência foi
suficiente para que relatos sobre ela fossem publicados a partir de 1943 na
conceituada revista The Lancet (Hinshelwood, 1999) e, anos mais tarde,
Bion a relatasse no clássico Experiências com grupos, em que apresentou
sua teoria sobre o funcionamento grupal, descrevendo a existência de uma
mentalidade grupal e de uma cultura própria aos grupos (Harrison, 2000).
Bion (1970) observou que a situação de grupo modificava
fundamentalmente a relação entre os indivíduos e postulou a presença de
fenômenos específicos que só aconteciam nas situações grupais. Assim,
inicialmente através da experiência no Hospital de Northfield (1942-1943)
e depois na Clínica Tavistock, Bion construiu uma teoria sobre o
funcionamento dos grupos, verificando a existência de um campo grupal
que se processava em dois níveis. O primeiro nível era o da
intencionalidade consciente, que ele chamou de grupo de trabalho (p. 88),
porque nele todos os integrantes estavam voltados para a tarefa proposta.
O segundo nível era o da interferência de fatores inconscientes, que o
autor denominou de grupo de supostos básicos regido por desejos
recalcados, angústias e defesas que se configuravam sempre com a
prevalência ou a alternância de três tipos de estrutura de funcionamento
(Bléandonu, 1993, p. 77). Bion (1970) descreveu três tipos de pressupostos
básicos: dependência, luta e fuga e acasalamento. No pressuposto básico
de dependência, o grupo se comportava como se um de seus membros
fosse capaz de tomar a liderança e garantir que todas as necessidades do
grupo fossem satisfeitas (p. 57). Por sua vez, o pressuposto básico de luta-
fuga representava a convicção inconsciente do grupo como um todo de que
existia um inimigo a ser evitado e que só poderia haver “duas técnicas de
autopreservação no grupo, luta ou fuga” (p. 55). O terceiro pressuposto
básico, o de acasalamento, correspondia à crença coletiva inconsciente de
que os problemas ou necessidades do grupo poderiam ser solucionados por
um casal que, no futuro, geraria um “Messias” que resolveria os
problemas do grupo. Os pressupostos básicos, sempre inconscientes, não
seriam estanques, superpondo-se e flutuando o tempo todo em qualquer
tipo de agrupamento, fazendo parte de um sistema protomental definido
como “um todo no qual o físico, o psicológico e o mental permanecem
indiferenciados” (p. 91).
Bion (1970) formulou ainda a hipótese de uma mentalidade grupal que
faria o grupo funcionar como uma unidade, formada pela vontade ou
desejos do grupo em certo momento, para a qual cada indivíduo
contribuiria, anônima e inconscientemente, usando sua valência (p. 105),
isto é, sua capacidade de entrar em combinação psicológica com o outro.
O interjogo da mentalidade grupal dos desejos de seus participantes
formaria a cultura do grupo que englobaria, por sua vez, a estrutura e as
tarefas propostas ao grupo, distribuindo papéis entre seus membros,
criando lideranças, enfim, reunindo em uma síntese os movimentos
surgidos da vontade coletiva e da vontade individual de seus membros (p.
57).
O segundo experimento com grupos em Northfield − já no final da
guerra, entre os anos 1944-1946, que reuniu Foulkes, Harold Bridger e
Tom Main (de Maré, 1983; Harrison, 2000), entre outros, − ocorreu dentro
um contexto mais conturbado no hospital, pois os pacientes eram em
maior número e chegavam em condições precárias, desta vez provenientes
do campo de batalha que avançava em novos fronts, especialmente no
norte da França. Nesse cenário complexo, mas mais receptivo à
grupoterapia, foi possível para Foulkes iniciar, a partir de 1945, o
treinamento semanal, através de grupos de discussão teórico-técnicos, dos
novos psiquiatras da ala de reabilitação. Essa iniciativa acabou difundindo
o trabalho grupal por todo o hospital e, sem dúvida, a repercussão positiva
do trabalho realizado anteriormente por Bion e Rickman, aliado ao apoio
institucional, e a experiência de Harold Bridger[23] conferiu um suporte
mais consistente à empreitada. Além disso, a influência do invisible
college − que reunia uma ativa correspondência e troca de experiências
entre Hargreaves, Rickman, Bridger e Main − contribuiu com importantes
sugestões para o desenvolvimento do trabalho grupal dentro das unidades
(Main, 1983; Harrison, 2000). De fato, os esforços pareciam caminhar
para uma visão mais abrangente do tratamento dos pacientes que
considerava não só o tratamento das patologias individuais, mas também a
valorização das atividades ocupacionais em Northfield, que era visto agora
como uma comunidade terapêutica ou “an hospital-as-a-whole-with-its-
mission” (De Maré, 1983; Harrison, 2000). Nesse sentido, cabe ressaltar
que a guerra estava no fim e que os esforços dos psiquiatras envolviam
agora a reintegração dos ex-combatentes à vida civil.
Nessa empreitada, Tom Main − psiquiatra e psicanalista, membro do
War Office Selection Board − teve ainda um papel fundamental em
Northfield, onde procurou desenvolver as atividades do hospital dentro do
enfoque das comunidades terapêuticas que também tiveram seu
nascimento no local. Inspirado pelo termo therapeutic camp or community,
cunhado em 1939 por Sullivan, Main procurou em 1945 transformar
Northfield em uma comunidade terapêutica. Assim, devido à experiência
em Northfield, foi considerado o verdadeiro introdutor das comunidades
terapêuticas[24] dentro do enfoque psicodinâmico na Inglaterra (Harrison,
2000; Pines, 1989). Dentro de uma perspectiva que considerava o
funcionamento global do hospital, envolvendo pacientes e staff, Main
tinha como objetivo analisar os determinantes inconscientes que
entravavam a rotina de Northfield, promovendo ainda a transição de uma
posição passiva do paciente para um papel ativo e influente em seu próprio
processo de reabilitação (Main, 1983, p. 200; Harrison, 2000, p. 217). Esse
tipo de posicionamento era revolucionário para a época e encontrou
barreiras no próprio hospital de onde Main se desligou em 1946, contudo,
suas ideias puderam ser postas em prática nos trinta anos subsequentes
quando trabalhou no Cassel Hospital, em Londres, expandindo o modelo
das comunidades terapêuticas de enfoque psicanalítico por toda a
Inglaterra (Pines, 1989). Após a guerra, Tom Main e Maxwell Jones
desenvolveram de forma independente o trabalho com as comunidades
terapêuticas (Main, 1983). Relembrando a experiência de Northfield, Main
(1983) apontou para a importância da análise das entranhas das
instituições com o objetivo de investigar os processos terapêuticos e
antiterapêuticos envolvidos e no papel desempenhado pelo que denominou
de cultura do grupo que, em sua opinião, era o ingrediente principal das
relações institucionais (p. 201).
Entre o desligamento de Bridger em 1945 e a saída de Main em 1946,
Foulkes foi designado para assumir a grupoterapia no hospital. Guardando
as diferenças marcantes em relação ao primeiro experimento realizado por
Rickman e Bion, o segundo experimento em Northfield introduziu de
forma eficaz a grupoterapia na reabilitação dos oficiais. Desde 1943, já
aconteciam no hospital alguns grupos terapêuticos realizados de forma
isolada em uma ala de reabilitação por Foulkes e Martins James. De
acordo com Harrison (2000), esses primeiros grupos já contavam com
tradicionais dificuldades enfrentadas nas grupoterapias clássicas, como a
questão da seleção, as transferências negativas − com Foulkes
especialmente − e silêncios prolongados que dificultavam o trabalho ainda
em experimentação. Contudo, no final de 1944, Foulkes deu início a um
grupo fechado com nove pacientes especialmente selecionados, fato que
facilitou o desenvolvimento da técnica e terminou por garantir o sucesso
da grupoterapia no hospital (p. 234). Entretanto, o posicionamento de
Foulkes deu origem a problemas institucionais e ele foi acusado de ter
burlado regras do regulamento oficial. Novamente em Northfield, um
psiquiatra parece ter entrado em conflito com a administração por ter
ignorado o contexto militar em favor do bem-estar dos pacientes. Desta
vez, o objetivo era o desenvolvimento da técnica grupal em detrimento do
trabalho conjunto com o resto do staff, naquele momento, demasiadamente
envolvido com a transformação do hospital em uma comunidade
terapêutica. Diferentemente do que aconteceu com Rickman e Bion, a
crise foi contornada e suas intervenções tornaram-se importantes para a
dinâmica hospitalar. Assim, por volta de 1945, o trabalho com grupos
conduzido por Foulkes tinha uma rotina estabelecida em Northfield,
contando com pacientes reunidos em grupos de oito a dez desde a
admissão (p. 237). Um Foulkes mais integrado à dinâmica do hospital
circulava por suas alas, especialmente nas unidades mais problemáticas
visando a alcançar um ambiente hospitalar mais coeso e saudável (de
Maré, 1983). Nos grupos terapêuticos, seu objetivo era o de estabelecer
uma livre discussão flutuante, possibilitando aos pacientes uma
participação ativa em seu restabelecimento e um florescimento da
criatividade pessoal no “aqui-e-agora” antes do retorno à vida civil (Pines,
1989).
Os experimentos realizados com grupos em Northfield revelaram duas
formas distintas de trabalho com grupos que, segundo a análise de
Hinshelwood (1999, 2007), estabeleceram diferenças fundamentais nas
abordagens grupais na Inglaterra até os dias de hoje. Em Northfield, as
premências do exército pareciam se opor às premências dos indivíduos e
esse conflito ficava evidente nas técnicas empregadas na reabilitação dos
oficiais e nos próprios desentendimentos que ocorriam no hospital que
opunham as diretrizes da conduta com os pacientes, revelando duas
culturas diferentes e opostas, a do exército e a dos médicos, melhor
dizendo, a “cultura militar e a cultura do cuidado” (Hinshelwood, 1999, p.
477). As diferenças residiam, portanto, nos objetivos dos trabalhos
realizados com os grupos no hospital. De acordo com Hinshelwood (1999),
os experimentos de Bion e Rickman inseriam-se dentro da “cultura
militar”, pois o objetivo principal não era o cuidado terapêutico
propriamente dito dos pacientes em reabilitação − embora tenham
alcançado sucesso terapêutico (Harrison, 2000) −, mas a intervenção no
grupo como um todo. A pesquisa de Bion procurava dar conta do
fenômeno grupal inserido em um campo de forças e a atenção parecia
residir na compreensão psicanalítica das relações grupais e na elevação da
moral das tropas através de um sentimento de pertencimento ao grupo, ao
exército. Para Hinshelwood (1999), eram “grupos de atividade inseridos
em uma cultura militar” (p. 476). Em contrapartida, os grupos de Foulkes
se apoiavam em outra perspectiva e − embora se inserissem no contexto
do “hospital-como-um-todo” − eram grupos predominantemente
terapêuticos. A preocupação principal era com o restabelecimento do
paciente como indivíduo através da comunicação facilitada e da livre
discussão flutuante no grupo. Nesse sentido, eram “grupos verbais
inseridos em uma cultura do cuidado” (p. 476). Essas diferenças de visão
do grupo como objeto de investigação ontológica ou objeto de intervenção
terapêutica delineadas em Northfield marcaram, daí em diante, diferentes
linhas de pesquisas com grupos mais ou menos direcionadas para o social
ou para o indivíduo, para a interface com outros saberes ou para a clínica
propriamente dita na Inglaterra (Hinshelwood, 1999, 2007).
Ao final do ano 1945, dificuldades na coordenação técnica das
diferentes alas, aliadas ao grande número de comboios abarrotados de ex-
combates que chegavam, acabaram desarticulando o serviço e o próprio
Foulkes já reclamava do excesso de pacientes, da falta de suporte para o
trabalho grupanalítico e do conflito com o staff não médico. The group
spirit começava a desaparecer do hospital (de Maré, 1983). Com a
desmobilização das tropas no imediato pós-guerra, os principais cérebros
de Northfield começaram a se dispersar. Main e Foulkes deixaram o
hospital em 1946 e, no final de 1948, o exército terminou fechando
Northfield que, após intensa atividade, encontrava-se em condições
precárias de manutenção e higiene (Harrison, 2000). Durante muitos anos
não se soube ao certo o que realmente aconteceu em Northfield, embora
sua importância tenha sido mitificada pelos profissionais da área.
Destrinchando as experiências ocorridas no hospital, os resultados
surpreendem, pois, se por um lado, revelam como as neuroses de guerra
forçaram os psiquiatras da época a experimentar novas ideias − que
acabaram sendo fundamentais para o desenvolvimento da psicopatologia,
da psiquiatria social, da psicoterapia de grupo, da psicanálise, da
socioterapia, da arteterapia e para o surgimento das comunidades
terapêuticas −, por outro, ilustram a dificuldade do trabalho analítico em
instituições que tendem como qualquer agrupamento humano a rejeitar,
boicotar ou excluir o que lhe parece estranho ou novo. Apesar disso,
provenientes das diferentes tendências delineadas na condução dos
experimentos no hospital, duas grandes correntes de trabalho com grupos
de orientação psicanalítica surgiram a partir das experiências de
Northfield. De um lado, a grupanálise de Foulkes, que incorporou a teoria
clássica freudiana, a sociologia de Norbert Elias e as contribuições de Kurt
Goldstein aplicadas à situação de pequenos grupos e que levaram à
fundação da Sociedade de Grupanálise de Londres na década de 1950. Por
outro lado, fomentaram, no pós-guerra, na clínica Tavistock, trabalhos
desenvolvidos por Bion, Rice, Trist e Ezriel e a criação da Tavistock
Institute of Human Relations em 1946 (Kreeger, 1975).

A psicodinâmica dos grandes grupos


Se, antes da Segunda Guerra Mundial, havia na Inglaterra reticências
em relação ao emprego da psicanálise fora da relação dual no consultório,
a experiência da guerra levou à transposição bem-sucedida da abordagem
psicodinâmica para outros settings, especialmente no trabalho com grupos
como aconteceu no exército. Isso provocou uma alteração nos rumos da
psicanálise inglesa do pós-guerra e um grande número de psiquiatras que
estiveram em Northfield se tornaram, mais tarde, psicanalistas (King,
1998). O impacto da guerra sobre a psicanálise conduziu as investigações
para novos fronts com importantes desdobramentos teórico-técnicos que
se fizeram presentes no desenvolvimento das teorias de Bion e Winnicott,
entre outros e na grupanálise inglesa. No campo da psiquiatria social, as
comunidades terapêuticas transformaram-se em uma realidade nos
principais hospitais da Inglaterra, embora com o tempo, como ressaltou
Harrison (2000), tenham abandonando a forte ligação que tinham em
Northfield com a psicanálise e com a reabilitação de pacientes. Como o
próprio Main (1983) apontou, foram tão difundidas e aplicadas a tão
diferentes contextos − prisões, escolas, igrejas, centros para viciados,
hospitais gerais, programas comunitários, unidades de admissão − que
acabaram perdendo seu significado original e o termo acabou sendo
transformado em bandwagon[25] para uma série de experiências
institucionais (p. 214). Mesmo assim, o trabalho iniciado por Main com
comunidades terapêuticas, em 1946, mas difundido por Maxwell Jones − a
partir de 1953, dentro de uma abordagem sociopsicológica − permitiu,
dentro do contexto hospitalar, o desenvolvimento de “práticas grupais
relacionadas não apenas ao tratamento de pacientes, mas também à
observação de aspectos inconscientes das instituições vistas como um todo
integrado” (p. 217). Assim, de acordo com Main (1983), os tratamentos
grupais transformaram-se nos principais instrumentos de intervenção nas
comunidades terapêuticas. Dessa forma, foi possível para Schneider e
Weinberg (2003) concluírem que o trabalho com as comunidades
terapêuticas na Inglaterra permitiu que os hospitais psiquiátricos
passassem a ser vistos como grandes settings terapêuticos, e essas
experiências lançaram a semente da vertente de trabalho com grupos que
mais tarde ficou conhecida sob o nome de grande grupo (p. 14).
No Tavistock Institute of Human Relations, as inovações psicossociais
renderam frutos em maior escala e um grande número de trabalhos passou
a ser desenvolvido na interface da psicanálise com as teorias sobre
relações grupais e sistemas sociais, bem como com a psicologia das
organizações e, mais tarde, já nos anos 1980, com o social-dreaming de
Gordon Lawrence (1982) (Pines, 2003a). Embora a área de interesse
dentro do Institute of Human Relations tenha mudado de foco,
abandonando a pesquisa com grupos em psiquiatria e doença mental
iniciada na Segunda Guerra, para dirigir-se e consolidar-se na segunda
metade do século XX na análise das organizações, das lideranças e do
trabalho, as pesquisas desenvolvidas incorporaram muitas das lições
aprendidas em Northfield, especialmente as de Bion, mas também as de
Bridger e Main, integrando pesquisas sobre indivíduos, grupos,
organizações e os chamados sistemas sociais (Hinshelhood, 1999;
Harrison, 2000). Todas essas contribuições foram fundamentais para que
pesquisas pioneiras relacionadas à aplicação de conceitos psicanalíticos
aos sistemas sociais, como as desenvolvidas por Elliott Jacques (1955) e
Isabel Menzies Lyth (1961) − que postularam, através da análise do
comportamento de trabalhadores em uma fábrica e de um grupo de
enfermeiras, respectivamente, o conceito do funcionamento dos sistemas
sociais como defesa contra angústias primitivas −, fornecessem o
background necessário para que a investigação da psicodinâmica dos
grandes grupos fosse possível a partir da década de 1970. Além disso, a
Universidade de Leicester, em sintonia com o Institute of Human
Relations, passou a promover, a partir de 1957, sob a coordenação de A. K.
Rice e Pierre Turquet, colaboradores de Bion nos grupos da Clínica
Tavistock, conferências que reuniam participantes em grandes grupos com
o objetivo de analisar seu comportamento no aqui-e-agora do grupo para
investigar, dentro de um viés psicanalítico, a vida inconsciente dos grupos
e das organizações, as lideranças e a questão da autoridade (Turquet,
1975). Essas experiências foram relatadas por Rice, em 1965, no clássico
Learning for leadership (Kreeger, 1975).
Os desdobramentos da psiquiatria, da psicanálise e da grupanálise na
Inglaterra, que permitiram o desenvolvimento de trabalhos envolvendo
grandes grupos − ora relacionados às comunidades terapêuticas, ora
vinculados às instituições ou mesmo às pesquisas organizacionais na
Tavistock − deram origem ainda ao surgimento de outra vertente do estudo
sobre grandes grupos, dessa vez dentro da Sociedade de Grupanálise de
Londres. A partir de 1972, passaram a ser incluídas, nas conferências da
sociedade, atividades experienciais em torno de grandes grupos. Pouco
tempo mais tarde, tais experiências foram incorporadas ao currículo
obrigatório dos Institutos de Formação em Grupanálise, sendo hoje uma
realidade nas sociedades na Europa (Schneider & Weinberg, 2003).[26]
De acordo com Schneider e Weinberg (2003), definir os objetivos de um
grande grupo pode ser uma pergunta capciosa, já que grandes grupos
políticos, sociais ou culturais sempre existiram na sociedade. Os
grupanalistas ingleses, no entanto, criaram artificialmente settings de
grandes grupos com o objetivo de investigar o comportamento dos
indivíduos nesse contexto e de pesquisar de forma experiencial, como em
um laboratório, sua psicodinâmica. Dentro dessa perspectiva, é possível
afirmar que, embora com novos objetivos, a investigação sobre grandes
grupos redimensionou o estudo da psicologia das multidões realizado no
século XIX como também ampliou as investigações dos psicanalistas e
dos estudiosos da Escola de Frankfurt sobre a psicologia das massas do
século XX. O objetivo principal do trabalho com grandes grupos passou a
ser a observação dos aspectos conscientes e inconscientes do
comportamento e da interação dos indivíduos em grandes settings com
especial atenção para o contexto sociocultural e para as relações sociais e
institucionais (Schneider & Weinberg, 2003).[27] Nesse sentido, os
grandes grupos podem ser considerados como instrumentos mais atuais de
pesquisa sobre a psicologia das massas, pois permitem observar a
instabilidade e a sugestionabilidade que acometem os indivíduos diante de
um grande número de pessoas, revelando como podem ser suscetíveis à
regressão, às lideranças, à influência de processos inconscientes ou mesmo
à sugestão (Shaked, 2003, p. 150).
A importância dos grandes grupos reside na forma como permitem a
compreensão profunda de aspectos da cultura e da sociedade. Além disso,
possibilitam, através do confronto entre as diferenças, novas formas de
compreensão e diálogo entre os indivíduos ou grupos sociais. Assim, nas
palavras de Patrick de Maré (1991):
[...] enquanto a psicanálise explora o indivíduo através da
associação livre e os pequenos grupos examinam as famílias
através da livre discussão flutuante, somente os settings dos
grandes grupos podem explorar através do diálogo o contexto social
e cultural no qual todos nós residimos como espectadores
desamparados (p. XVIII).
Patrick de Maré (1991) foi um pioneiro na organização de grandes
grupos, possivelmente porque, além de ter estado em Northfield e ter
participado do início das comunidades terapêuticas, pertencia a uma
geração de analistas que passaram a valorizar a intersubjetividade e o
contexto sociocultural. Lembrando que Freud já havia apontado em Mal-
estar na civilização (1930), para aplicação terapêutica do conhecimento
psicanalítico à análise das neuroses sociais: “podemos esperar que um dia
alguém se aventure a se empenhar na elaboração de uma patologia das
comunidades culturais” (Freud, 1930, p. 169), de Maré e a primeira
geração de grupanalistas procuraram teorizar sobre grandes grupos tendo
como instrumento de trabalho suas próprias vivências institucionais.[28]
Em 1975, Lionel Kreeger organizou a primeira coletânea de artigos sobre
o tema − The large group: dynamics and therapy − que, na opinião de
Pines (2003a), ainda guardava uma ligação direta com os trabalhos
pioneiros realizados na Segunda Guerra Mundial. Através de artigos com
forte orientação kleiniana, hoje considerados clássicos, apresentavam
investigações em torno das possibilidades do trabalho com grandes
grupos. Para Wilke (2003a), a primeira geração que trabalhou com grandes
grupos − à exceção de Patrick de Maré − tinha uma visão pessimista sobre
suas possibilidades na medida em que valorizava em excesso seus
aspectos regressivos e os estados psicóticos induzidos no grupo em
detrimento das novas formas de comunicação, do “aprender com a
experiência” e do potencial transformador do grande grupo (p. 86). Na
verdade, Wilke (2003a) aponta para a ambivalência do “pai fundador”,
Foulkes, em relação às possibilidades de trabalho com grandes grupos e a
sua nítida preferência pelos pequenos (Kreeger, 1975). Isso pode ser
intuído desde sua participação em Northfield quando, excessivamente
preocupado em desenvolver a técnica dos pequenos grupos, como se estes
pudessem funcionar como uma “vacina sociopsicológica” (Wilke, 2003a,
p. 87; Hinshelwood, 2007), mantinha-se distante das experiências que os
demais colegas − de Bion à Main − desenvolviam em torno das análises do
grupo como um todo. Wilke (2003a) chamou atenção para o fato de que a
geração de Foulkes, Tom Main e Pierre Turquet encontrava-se marcada
pelo trauma do fascismo e da Segunda Guerra Mundial e esses
profissionais − embora desconfiados ou reticentes quanto às reais
possibilidades do trabalho em grandes grupos − desejavam ardentemente
criar instrumentos de diálogo e de intervenção sociopsicológica que
fizessem face aos totalitarismos do século XX. Nesse aspecto, é possível
apontar para uma convergência de suas motivações internas, como
pensadores do século XX, com a dos frankfurtianos do pós-guerra, que
também, embora de forma totalmente distinta, realizavam pesquisas que
tinham como pano de fundo o temor e o horror do retorno do fascismo
(Adorno, 1947, 1951; Adorno et al., 1950). Dessa forma, fica nítido que,
em diferentes campos de pesquisa, o trauma da Segunda Guerra Mundial
encontrava-se no âmago do inconsciente social de toda uma geração de
intelectuais do século XX, influenciando e determinando grande parte de
seus pensamentos e de suas produções.
A partir da análise de Wilke (2003a), é possível compreender por que
somente em 2003, isto é, 28 anos após a publicação do primeiro livro
sobre o assunto, uma nova coletânea de artigos, The large group revisited,
organizada por Stanley Schneider e Haim Weinberg, foi publicada visando
a completar lacunas, dirimir dúvidas e explicitar conceitos sobre os
grandes grupos. Nesse sentido, é possível evidenciar, em comparação com
a primeira publicação, que o trabalho com grandes grupos havia se
consolidado, abrindo frentes em novos settings, incorporando
contribuições de teorias psicanalíticas mais atuais e principalmente
diminuindo temores em torno de suas possibilidades e aplicações. Neste
aspecto, parece que foi necessário que 28 anos se passassem para que o
método se firmasse e para que as questões que preocupavam a primeira
geração pudessem ser devidamente elaboradas, dando espaço para que
diferentes linhas de trabalho, dentro de uma perspectiva mais otimista,
fossem apresentadas. De fato, a pesquisa com grandes grupos parece ter
demorado a se desenvolver e somente no final do século XX – quando uma
nova ordem político-econômica impôs-se no mundo contemporâneo e a
Guerra Fria deu lugar ao mundo globalizado, aos conflitos étnico-culturais
e à ameaça terrorista − a necessidade da investigação da psicodinâmica
dos grandes grupos fez-se premente. Contudo, questões em torno de seu
funcionamento persistem e mesmo hoje, quase quarenta anos após as
primeiras experiências com grandes grupos, suas aplicações e seus
objetivos ainda geram controvérsias e muitos profissionais simplesmente
rejeitam-no, mantendo-se fixados a preconceitos ou a polarizações que
privilegiam o “bom e acolhedor pequeno grupo” em detrimento do “mau e
ameaçador grande grupo” (Wilke, 2003a, p. 89). Essas dicotomias são,
para Wilke (2003a), o reflexo das visões pessimistas e otimistas que ainda
dominam o trabalho com grandes grupos.
Embora de início não tivessem caráter terapêutico, atualmente é
possível encontrar trabalhos realizados em settings de grande grupo em
centros de tratamento psiquiátrico na Inglaterra, nos Estados Unidos
(Lipgar, 2003), na Europa Central (Sérvia e Hungria), em Israel
(Springman, 1975) e na Escandinávia – especialmente na Noruega, onde
grandes grupos com mais de vinte anos de história acontecem
regularmente em Institutos de Psiquiatria e de treinamento de
profissionais de saúde (Island, 2003, 2013). Essas intervenções
evidenciaram os efeitos terapêuticos do trabalho com grandes grupos tanto
com pacientes psiquiátricos, especialmente os mais graves (Schneider &
Weinberg, 2003) quanto com o staff médico institucional (Island, 2013).
Ou seja, o grande grupo possibilita uma mobilização positivada das
transferências institucionais em prol do melhor relacionamento
interequipes e a maior participação dos pacientes internados no seu
próprio tratamento, facilitando ainda seu processo de reintegração social
(Springman, 1975; Lipgar, 2003). Mesmo assim, não há consenso em
relação às suas funções terapêuticas, porque são grupos que apresentam
consideráveis dificuldades de manejo, quase não permitindo a abordagem
de questões individuais e porque favorecem a regressão, mobilizando de
forma extremada sentimentos de solidão e desamparo, representando,
portanto, uma ameaça à identidade pessoal (Turquet, 1975). Entretanto,
podem funcionar de forma terapêutica, especialmente se forem
desenvolvidos regularmente, pois favorecem o contato intenso dos
indivíduos com seus próprios sentimentos no aqui-e-agora do grupo,
provocando experiências relacionadas ao estabelecimento de fronteiras e
limites entre o eu-e-o-outro e o-eu-e-o-grupo. Essas vivências
favoreceram a pesquisa remetendo ainda a articulações teóricas com os
conceitos psicanalíticos de pele psíquica e envelopamento grupal (Anzieu,
1993; Kaës, 1975), continente (Bion, 1959), área e espaço transicional
(Winnicott, 1971) e limite (Green, 1974; Kernberg, 1998). Na opinião de
Kreeger (1975), corroborada por muitos analistas, os grandes grupos
propiciam experiências que permitem uma nova e amplificada dimensão
da experiência pessoal, raramente experimentada nas análises pessoais (p.
16). Dessa forma, há um consenso de que nos grandes grupos é possível
aprender sobre os mecanismos de defesa primitivos, o medo da
fragmentação psicótica, a fragilidade da comunicação e sobre o potencial
destrutivo das culturas (Wilke, 2003a; Island, 2013).
A definição de um grande grupo, quais são seus objetivos, se tem ou não
funções terapêuticas, qual o número ótimo de participantes, como manejá-
los, exige investigação cuidadosa, talvez porque os grandes grupos
exponham aspectos das relações humanas que ainda não puderam ser
devidamente investigados pela psicanálise dos grupos (Pines, 2003a). Por
outro lado, foi possível constatar que, no decorrer do século XX, a teoria e
a técnica do trabalho com os pequenos grupos tinham sido exaustivamente
examinadas, contudo, havia aspectos das relações humanas que só
poderiam ser observados no contexto do grande grupo (Hinshelwood,
1987; de Maré, 1991). Esse fato justificaria, portanto, a atenção voltada
daqui para frente para o estudo dos grandes grupos (Hinshelwood, 1987, p.
14; De Maré, 1991, p. 26). De fato, como postula Kernberg (1998), os
processos grupais em geral, sejam através de pequenos ou de grandes
grupos, impõem uma ameaça básica à identidade pessoal que se traduz
pela “ativação de níveis psicológicos primitivos que incluem relações
objetais primitivas, operações defensivas primitivas e agressão primitiva
com características pré-genitais” (p. 19). Contudo, nos grandes grupos,
esses processos inconscientes podem ser mais facilmente observados e
trabalhados.
Mas como se define um grande grupo? Em termos de tamanho, os
pequenos grupos envolvem poucas variações de número. Enquanto em um
jantar à mesa ou em um pequeno grupo terapêutico o número ótimo varia
entre sete a doze participantes, em um médio grupo é possível trabalhar
com dezesseis componentes − segundo Turquet (1975), porque
corresponde ao número de peças de um tabuleiro de xadrez − ou até de
vinte a trinta participantes, pois, de acordo com de Maré (1991), ainda
podem ser observados comportamentos dentro de parâmetros semelhantes
aos dos pequenos grupos. Já a partir de quarenta participantes até
aproximadamente cem, a formação apresenta características e
psicodinâmica de grande grupo (Turquet, 1975). No entanto, considerando
os grandes grupos étnicos, políticos e sociais, dentro da ótica apresentada
por Volkan (2002), podem ser incluídos milhares de participantes.
De acordo com Schneider e Weinberg (2003), o número elevado de
membros em um grande e não hierarquizado grupo provoca uma diluição
na transferência e nos laços afetivos dificultando o reconhecimento mútuo
e a familiaridade entre os componentes. Além disso, prejudica o contato
face-a-face impedindo a criação de intimidade ou de identificações
secundárias, desencadeando a formação de subgrupos ou provocando ainda
uma tendência ao isolamento, ao anonimato ou à alienação, em que até a
identidade de gênero deixa de ser relevante (Kreeger, 1975). Nesse
sentido, a disposição do setting − em dois a cinco círculos concêntricos − é
crucial e tem como objetivo facilitar a proximidade e a visualização dos
participantes entre si, evitando a criação de um espaço que “de forma
fantasmática lembre um grande e cavernoso corpo sem a possibilidade de
ser continente ou ainda metaforicamente falando um grande útero vazio e
estéril” (Schneider & Weinberg, 2003, p. 16). No entanto, segundo os
autores, a disposição do grupo em círculos concêntricos, com uns
componentes de costas para os outros, pode facilitar o surgimento de
sentimentos ambivalentes, falsas hierarquias e angústias paranoides. Todas
essas características fazem com que os indivíduos no grande grupo
regridam e vivenciem a situação como uma ameaça à integridade física e à
identidade. Contudo, se os participantes conseguem sobreviver à ameaça
identitária provocada no grande grupo e continuam a se debruçar sobre a
dinâmica grupal, o diálogo torna-se possível, levando à elaboração de
problemáticas e à formação de um grupo de trabalho (Bion, 1970).
Dessa forma, apesar de apresentarem enormes desafios em sua
composição e manejo e terem, como Kreeger (1975) ressalta, “um
potencial para o bem ou para o mal” (p. 25) − afirmação que novamente
reporta às indagações dos teóricos do século XX e dos frankfurtianos em
relação ao poder das massas − os grandes grupos, dentro de uma visão
positivada como a apresentada por Patrick de Maré (1991), favorecem o
desenvolvimento da capacidade de dialogar. Ou seja, promovem um
enquadre onde, dentro de um fórum livre e democrático, o indivíduo,
mesmo ameaçado em sua individualidade, pode, durante 90 minutos,
expressar-se e ouvir-se de forma poucas vezes experimentada, movendo-se
do ressentimento e do ódio para a genuína relação com seus pares (p. 3).
Segundo de Maré (1991), essa é uma das principais vantagens do grande
grupo na medida em que ele promove a cidadania, “incentivando o diálogo
e através dele transforma o grande grupo em uma comunidade de
interesses, isto é, em uma Koinonia”[29] (p. 4).
Entretanto, atingir o consenso e o diálogo no grande grupo não é fácil,
na medida em que em grandes grupos abundam mecanismos psicóticos,
principalmente porque a ameaça da perda de identidade remete os
indivíduos no grupo a estágios precoces do desenvolvimento e ao uso de
defesas primitivas como clivagens e identificações projetivas (Kreeeger,
1975; Kernberg, 1998). Nesse sentido, Weinberg (2006) chega a afirmar
que os “processos projetivos são o pão com manteiga dos grandes grupos”
(p. 23). De fato, a dificuldade de manutenção de fronteiras psíquicas
delimitadas, a comunicação truncada, a presença de angústias primitivas e
de identificações projetivas maciças conduzem os indivíduos no grande
grupo a uma regressão a estágios pré-edípicos (Kernberg, 1998). Na
psicodinâmica do grande grupo, predominam, portanto, processos
projetivos facilmente despertados pela ausência de continente e fluidez de
fronteiras, como também pela aparente estrutura caótica vista no setting
do grupo que facilita a regressão e o despertar de angústias de
fragmentação, desintegração e perda de senso de realidade. O indivíduo,
no grande grupo, sente-se ameaçado e isolado, como se estivesse solto em
uma multidão, sendo forçado pela massa a abdicar de parte de sua
individualidade para aderir aos objetivos do grupo. Assim, sentimentos de
desamparo diante do caos que parece tomar conta do grupo são constantes,
levando o indivíduo ao medo do breakdown (Winnicott, 1993a), à ameaça
de aniquilação − considerada por Hopper (1991) como a ansiedade
primária presente nos grandes grupos − ou mesmo à angústia de
desintegração (Kohut, 1988; Schneider & Weinberg, 2003). Dessa forma, é
comum observar que os indivíduos procuram proteger-se no grande grupo
recorrendo a estratégias simples como sentar-se perto de conhecidos ou a
formar subgrupos da mesma nacionalidade, religião ou afinidade eletiva,
garantindo a sobrevivência no grupo através de vínculos libidinais
reconhecíveis ou estabelecidos anteriormente, que transmitem a sensação
de segurança, assegurando ainda fronteiras confiáveis (Turquet, 1975).
Somam-se a essas dificuldades a questão dos líderes e dos condutores
do grande grupo, que mereceriam um capítulo à parte devido às
controvérsias que despertam em torno de tentativas de definição de um
“tipo ideal” de condutor (Kernberg, 2003; Wilke, 2003b). Para a primeira
geração de grupanalistas, conduzir um grande grupo[30] se assemelhava
“à tarefa de São Jorge lutando contra o dragão” (Kreeger, 1975, p. 28), em
face à intensa mobilização de afetos e de fenômenos psicóticos e
projetivos que exauriam o condutor na difícil missão de conter o grupo,
manter seus limites e facilitar a comunicação (Kreeger, 1975, p. 26-28;
Turquet, 1975, p. 78). Já dentro de uma visão mais otimista como a de
Patrick de Maré (1991), a tarefa do condutor era a de estabelecer conexões
entre os participantes por meio da habilidade de fomentar no grupo o
companheirismo (p. 45). Dentro dessa perspectiva, Wilke (2003a) constata
que os diferentes estilos de condução oscilavam entre visões mais ou
menos pessimistas sobre a tarefa, como também variavam de acordo com
enfoques que privilegiavam abordagens bionianas ou foulkesianas sobre o
grande grupo. Contudo, ressalta que, apesar de inúmeras controvérsias e
diferentes formas de intervenção, competentes condutores deveriam
valorizar uma visão integrada dos dois estilos, conjugando, dentro de uma
perspectiva bioniana, a compreensão das defesas presentes nos grupos com
o desenvolvimento de formas mais flexíveis que fomentassem a
comunicação e o diálogo dentro da tradição foulkesiana (p. 102).
Assim, constata-se que visões mais pessimistas como as da primeira
geração de estudiosos ou visões mais otimistas como a dos grupos
Koinonia de Patrick de Maré (1991), os grandes grupos realizados
regularmente na Escandinávia (Island, 2013) conferiram diferentes
perspectivas à investigação dos grandes grupos. Controvérsias à parte,
dentro de uma visão equilibrada, é possível investigar suas potencialidades
e aplicações, mas também suas dificuldades e limites.
Um importante desdobramento da pesquisa com grandes grupos
originou-se a partir da observação dessas experiências em contextos
transculturais. Realizados inicialmente nos congressos internacionais,
esses encontros têm possibilitado aos seus participantes não só a
elaboração de questões de relacionamento interpessoal, mas também a
experiência de confrontação com diferentes normas culturais e situações
de conflito e diferença social. Ou seja, em um sentido mais ampliado, eles
favorecem a compreensão dos processos sociopolíticos em geral (Shaked,
2003). Após a queda do Muro de Berlim, os grandes grupos passaram a ser
utilizados como instrumento de intervenção psicossocial em situações de
crise e conflito entre culturas como, por exemplo, na Faixa de Gaza
(Friedman, 2010), na antiga Iugoslávia (Mojovic, 2007) ou em
negociações políticas no Leste Europeu, no Oriente Médio (Volkan, 1997,
2004, 2006a) e na Irlanda do Norte (Alderdice, 2008). Os trabalhos com
grandes grupos na atualidade incorporaram as pesquisas psicanalíticas
com trauma e transmissão psíquica, ampliando essas investigações para as
sociedades e a análise das culturas (Volkan, 1997, 2004, 2006a). Por meio
da psicodinâmica do grande grupo, mitos, lendas e a própria história de
uma determinada cultura se fazem presente, trazendo para o campo grupal
conflitos, traumas e defesas existentes nessas diferentes realidades. A
revelação desses processos inconscientes conduziu à investigação das
manifestações do inconsciente social nos grandes grupos e na cultura
(Hopper, 2003a; Hopper & Weinberg, 2011).
A questão da psicodinâmica do indivíduo no grande grupo sempre
fomentou discussões, pois a ambivalência de seu comportamento, até
mesmo a clivagem que parece tomar conta do indivíduo, que oscila entre
aderir ao grupo ou isolar-se, requer investigação. Segundo Foulkes (1964),
existem sempre tendências contraditórias nos grupos, uma visando à
coesão e outra à desintegração. Nas teorias de Bion (1970), observa-se
uma permanente oscilação entre forças contrárias conscientes e
inconscientes, verificadas através da alternância entre os supostos básicos
e entre estes e o grupo de trabalho. É possível ainda identificar que Bion,
em Experiências com grupos (1948), discutiu a ambivalência presente no
indivíduo entre o desejo de pertencimento ao grupo e o desejo de
preservação de sua individualidade (p. 85). Isto é, o indivíduo no grupo
está sempre em luta: uma parte de si deseja ardentemente reunir-se ao
grupo, filiando-se totalmente a ele, compartilhando com os demais tarefas
e aspirações, em contrapartida, outra parte do indivíduo busca isolar-se do
grupo e da “própria essência da grupalidade (groupishness)” (p. 85),
mantendo suas diferenças e preservando o eu. A discussão sobre o
comportamento do indivíduo no grande grupo atualiza o debate,
conferindo novas perspectivas de investigação, como serão vistas a seguir
nas tentativas de conceitualização de novos pressupostos básicos presentes
na psicodinâmica dos grandes grupos.

Rumo à formulação de novos pressupostos básicos


A década de 1970 assistiu à consolidação dos trabalhos com pequenos
grupos não só na Inglaterra, como também na Argentina e nos Estados
Unidos. Na França, teve seu apogeu com novos conceitos sobre a
psicodinâmica grupal introduzidos pelas investigações psicanalíticas
empreendidas por Anzieu (1975), Kaës (1975) e Chasseguet-Smirgel
(2003). A pesquisa parecia concentrar-se na questão dos ideais, das
lideranças, da agressividade e da regressão nos grupos, fazendo com que
as investigações se voltassem para fenômenos bastante primitivos da
psicodinâmica grupal. Nesse sentido, é possível constatar que as análises
pareciam ir além das considerações freudianas apresentadas em psicologia
das massas, ao se debruçarem não mais sobre a ideia do líder como pai
edipiano simbólico conduzindo a reflexão para momentos pré-edípicos das
formações grupais e revelando a importância das ilusões e das fantasias de
fusão com uma mãe onipotente. Segundo Mello Franco (2003):
[...] a riqueza da atividade grupal reside na possibilidade da
captação de determinados níveis bastante profundos e arcaicos das
manifestações inconscientes (pré-simbólicas) e na possibilidade de
simbolizá-las (p. 18).
Mais do que constatar essa tendência, é possível notar que a pesquisa
com grupos parece ter percorrido um caminho similar ao das investigações
da própria psicanálise freudiana. Se, no final do século XIX, a discussão
psicanalítica centrava-se em torno da hipnose e dos mecanismos catárticos
e, no século XX, caminhou em direção a uma metapsicologia baseada no
conflito neurótico e nas configurações edípicas, a partir dos anos 1970,
dedicou-se à investigação dos fenômenos pré-edípicos, das patologias
narcísicas e dos estados limite (Green, 1974). Dentro dessa mesma
perspectiva, a pesquisa com grupos no século XIX atinha-se ao caráter
hipnótico, sugestivo e ameaçador das multidões, enquanto, no século XX,
dedicou-se tanto à construção do campo grupal e à psicodinâmica dos
pequenos grupos analíticos, como também a investigações sobre a
psicologia das massas e seus líderes. Contudo, a partir da década de 1970,
a pesquisa voltou-se para a investigação das angústias primitivas, dos
aspectos agressivos, regressivos e pré-edípicos encontrados nas formações
grupais. Foi justamente dentro dessa conjuntura, focalizada na observação
dos aspectos primitivos presentes nos grupos, que a investigação
psicodinâmica com os grandes grupos não estruturados encontrou espaço
para se desenvolver. Nesse sentido, a partir dos anos 1970, parece ter
ocorrido uma transformação na pesquisa sobre as massas, porém o
interesse não estava mais relacionado ao seu caráter ameaçador como no
século XIX ou tão centralizado na relação da massa com o líder como
ocorreu no século XX. Dessa vez, a investigação caminhou dentro de uma
nova orientação que valorizou a psicodinâmica dos grandes grupos, em
seus aspectos mais regressivos, contando ainda com uma análise realizada
na interface da grupanálise e da psicanálise com a sociologia, a
antropologia e, mais recentemente, com a psicopolítica e a psico-história.
A partir dessas novas possibilidades, foi natural que a pesquisa com
grandes grupos não estruturados prosseguisse não só na Tavistock ou na
Sociedade de Grupanálise de Londres, mas também junto a psicanalistas
envolvidos com trabalhos grupais. Foi nesse contexto que o psicanalista
Pierre Turquet (1975) deu início à investigação da psicodinâmica dos
grandes grupos, seguido por Lawrence, Bain e Gould (1996) e Earl Hopper
(2003b) na busca da formulação de novos pressupostos básicos que
dessem continuidade à pesquisa iniciada por Bion.

Pierre Turquet e a teoria de Oneness


Pierre Turquet (1975) foi um dos pioneiros no trabalho com grandes
grupos. Veterano do War Office Selection Board, membro da British
Psychoanalytical Society e do Tavistock Institute of Human Relations,
Turquet desenvolveu em parceria com A. K. Rice, a partir de 1957,
experiências com grandes grupos nas conferências promovidas pela
Tavistock na Universidade de Leicester, utilizando métodos similares aos
empregados por Bion com os pequenos grupos (Kernberg, 1998). As
observações sobre o comportamento dos indivíduos em tais grupos
conduziram à conceituação do que foi chamado, na década de 1970 − de
quarto pressuposto básico −, de a teoria de Oneness (ba) O − referente ao
comportamento dos indivíduos dentro de grandes grupos não estruturados
(Kreeger, 1975). Sua morte repentina, em 1975, logo após a postulação da
teoria de Oneness, impediu a continuidade da teorização, embora nas
discussões sobre grandes grupos suas ideias estejam sempre presentes.
Dentro de uma perspectiva kleiniana, a teoria de Oneness apresentou
como influências fundamentais a teoria de Bion sobre os três pressupostos
básicos − dependência, luta e fuga e acasalamento −, mas principalmente o
pouco conhecido trabalho de Rickman (1938), realizado a partir de sua
experiência como médico, em um vilarejo na Rússia Tzarista, entre 1916-
1917, um pouco antes da eclosão da Revolução Bolchevique. A
conferência proferida por Rickman em 1938, na Sociedade Britânica de
Psicanálise, Uniformity and Diversity in Communities, onde descreveu a
experiência, foi somente publicada em uma coletânea de obras póstumas
organizada por Pearl King em 2003 (Hopper, 2003b). No entanto, segundo
Hopper (2003b), o manuscrito circulava entre alguns psicanalistas e
grupanalistas e foi fundamental para que, anos mais tarde, Turquet
desenvolvesse suas ideias sobre um novo quarto pressuposto básico (p.
51). De fato, o artigo de Rickman era pioneiro para a época, sendo fruto de
reflexões psicanalíticas sobre as relações dos indivíduos inseridos no
contexto sociocultural.
Durante a Primeira Guerra Mundial, Rickman serviu como médico
voluntário do Friends War Victim Relief Unit, trabalhando em um vilarejo
no sul da Rússia, entre os anos 1914-1917, que vivia modestamente da
agricultura, sem líderes e em uma condição de homogeneidade de laços,
crenças e intensa coesão. Era uma comunidade homogênea que tinha na
uniformidade, isto é, na homogeneidade, o seu ideal. Por meio de dois
episódios − que revelaram discrepâncias no comportamento agressivo da
comunidade em relação à indulgência com que tratavam seus próprios
membros, mesmo diante de delitos cometidos, e a intolerância que
dirigiam contra estrangeiros, personificada através da agressão contra um
propagandista que os visitou − Rickman (1938) observou a correlação
entre a homogeneidade grupal e a necessidade de segurança. O
comportamento, indulgente com “os nossos” e agressivo com “os outros”,
funcionava como elemento de coesão do grupo e proteção contra o medo
da aniquilação e contra a irrupção de impulsos agressivos individuais.
A conclusão de Rickman (1938) foi de que havia uma diferença
significativa entre o fato de a ameaça contra a coesão vir de dentro ou de
fora do grupo. Isso fazia toda a diferença, pois, no grupo homogêneo sem
líder, a preocupação era a de preservar a ligação que os mantinha unidos,
já que, nesse caso, o próprio grupo funcionava como um ideal. Nesse
sentido, eram grupos que prescindiam da figura do líder, porque o ideal do
ego era o próprio grupo. Em contrapartida, não havia lugar para diferenças
individuais, livre expressão ou qualquer manifestação que pudesse
ameaçar a coesão grupal. Da mesma forma, não eram estimuladas
atividades que propiciassem o surgimento de líderes tampouco a
valorização das capacidades individuais. O objetivo final das reuniões e
das discussões na comunidade era sempre a obtenção do consenso. As
manifestações individuais ou de independência eram vistas como um ato
agressivo e a necessidade de criação de bodes expiatórios, frequente. A
manutenção da coesão grupal parecia ser o objetivo almejado e
afastamentos voluntários e movimentos migratórios de ex-membros da
comunidade eram constantes. Esse último aspecto remete à questão do
manejo da agressividade e a necessidade de tais grupos de manter dentro
da comunidade uma idealizada ausência de agressividade, que era
projetada para fora do grupo ou expressa como um “contra-ataque” à
agressividade externa.
Embora as observações de Rickman sobre o vilarejo russo não sejam
hoje uma novidade, suas contribuições foram pioneiras, pois, além de
terem sido o resultado de investigações psicanalíticas sobre uma
comunidade em um contexto que pode ser chamado de grande grupo,
chamaram atenção para questões econômicas e psicodinâmicas das
formações grupais que permanecem atuais, com destaque para a reflexão
sobre a tendência à homogeneização e à agressividade.
A visão de Turquet (1975) sobre o grande grupo privilegiava, no
entanto, o comportamento do indivíduo dentro do grande grupo mais do
que o próprio grupo como um todo, como propunha Bion (1970). Nesse
sentido, sua teoria procurava descrever a fenomenologia das experiências
individuais e as mudanças no status de pertencimento dos indivíduos
dentro de settings de grande grupo. De uma maneira geral, os participantes
de um grande grupo estariam em busca de uma união com uma força
onipotente que os levaria a se renderem como indivíduos ao grupo com o
objetivo de preservarem sua existência através do desenvolvimento de um
sentimento de totalidade − wholeness − que permitisse ao indivíduo
perder-se em sentimentos oceânicos de união através de uma “inclusão
salvadora” no grupo (p. 132). O pressuposto básico de Oneness apontava
para a transformação do comportamento dos indivíduos em grandes
settings, na medida em que, nesses contextos, os indivíduos sentiam suas
identidades ameaçadas diante da ausência de fronteiras delimitadas do
grupo, do excesso de estímulos, das reduzidas possibilidades
identificatórias e do bombardeamento de ações e reações em seu interior.
Como resposta a essa ameaça identitária, os indivíduos regrediam e a
defesa encontrada era a homogeneização, isto é, a sobrevivência do
indivíduo dava-se através da tentativa de ser igual, semelhante ao outro,
levando a uma fusão com o grupo (p. 92). A partir da ameaça identitária e
da regressão, os indivíduos eram assim levados a um comportamento
caracterizado por inveja, identificações projetivas, medo de aniquilação,
angústia de separação, fusão e skin phenomena (p. 90).
A análise de Turquet (1975) procurava caracterizar a participação do
indivíduo dentro do grande grupo que no momento de sua entrada, passava
a assumir um estado que denominou de Singleton (S)[31] (p. 94). Em
busca de uma relação com os outros participantes, também designados
como Singletons (S), ou de um papel para si mesmo dentro do grupo, o
indivíduo deparava-se com inúmeras dificuldades inerentes à dinâmica do
grande grupo. Em grandes grupos não estruturados, devido, em parte, às
suas dimensões, a comunicação se encontrava descontinuada, e o feedback
social para a comunicação verbal de outros indivíduos era dificilmente
alcançado. Dessa forma, o diálogo ficava dificultado, até mesmo
paralisado, levando ao malogro dos esforços do indivíduo no grupo em
fazer contato com os demais participantes. O tamanho do grupo
mobilizava ainda outras dificuldades em relação ao estabelecimento de
fronteiras seguras e ameaça à própria integridade pessoal. Remetido
apenas a si mesmo, tomado por identificações projetivas múltiplas,
temeroso quanto à agressividade dos demais participantes, o indivíduo
regredia. Tal estado de coisas levava ao medo da aniquilação e à ameaça
da perda da identidade. Em virtude de tamanha ameaça, um Singleton (S)
poderia oscilar entre três estados – Membership Individual (MI),
Individual Member (IM) ou Isolate (I) − que determinavam diferentes
possibilidades de comportamento do indivíduo dentro do grande grupo (p.
94). Esses estados eram intermediários e transitórios e representavam
possibilidades, conscientes ou não, de pertencimento (p. 95). Em última
instância, revelavam a luta interna do indivíduo que ansiava por interagir,
mas que defendia sua individualidade ameaçada diante das poderosas
forças unificadoras, homogeneizantes do grupo.
Dentro dessa perspectiva, mecanismos de fusão e separação estariam
sempre presentes na psicodinâmica dos grandes grupos. Dessa forma,
forças centrípetas concorreriam para levar os indivíduos a se fundir ao
grupo como Membership Individuals (MS), assim como forças centrífugas
poderiam conduzi-los à alienação ou ao isolamento em um estado
denominado Isolate (I). A terceira possibilidade envolveria a manutenção
da individualidade dos membros do grupo e o estabelecimento de um
status designado de Individual Member (IM). Em todo caso, todas as
tendências se relacionavam às diferentes formas de ocupação física e
psíquica do espaço grupal pelo indivíduo e as diferentes formas de sua
adesão ou não ao grupo. Nesse sentido, o comportamento do Singleton (S)
oscilaria dentro do grupo em um estado que Turquet denominou de
transicional, baseando-se na possibilidade do indivíduo mover-se no grupo
em direção a vários estados de pertencimento. O exercício de tais
escolhas, conscientes ou não, seriam as ocasiões em que a individualidade
− I-ness − poderia ser expressa (Turquet, 1975, p. 95-96).
Inserido no grupo, mas ameaçado pela multidão, o indivíduo precisaria
se certificar da continuidade de seu espaço psíquico dentro do grupo e isso
seria obtido através da definição dos limites entre o eu e o outro, “between
the singleton and the skin-of-my-neighbour, or between me and not-me”
(Turquet, 1975, p. 96). Ou seja, no grande grupo, a manutenção da
condição de Individual Member (IM) estaria diretamente relacionada à
possibilidade do indivíduo de manter delimitadas as fronteiras psíquicas
entre o eu e o outro, constantemente ameaçadas pelo bombardeamento de
emoções e ideias vindas de todos os lados no grupo. Portanto, no grande
grupo, seria comum a busca de um asseguramento do limite interno do eu
através do estabelecimento de diferenças entre o eu e o outro obtido por
intermédio de uma vizinhança confiável, isto é, de vizinhos mais ou
menos conhecidos (skin-of-my-neighbour) que pudessem garantir
familiaridade e segurança psíquica, facilitando a preservação da
individualidade ameaçada do Individual Member (IM) (p. 97). A formação
de subgrupos nesse processo seria facilmente evidenciada e protegeria da
fusão total com o grupo ou da perda da identidade pessoal, favorecendo
ainda a busca pelo diálogo. Contudo, os subgrupos poderiam facilitar
polarizações, levando à projeção e à agressividade dirigida contra
subgrupos e antigrupos, reunidos em torno de similaridades como gênero
ou raça, maior ou menor participação no grupo ou status de participante ou
de condutor. Nessa dinâmica, facilmente se observaria a criação de bodes
expiatórios, que, individualmente ou mesmo como membros de um
subgrupo, canalizariam para si a agressividade latente no grande grupo (p.
134). De fato, é evidente que, no grande grupo, a violência pode encontrar
um fácil escoadouro para as angústias latentes, para o medo e para as
múltiplas projeções possíveis de serem contidas em seu interior. Assim, os
subgrupos, bem como Individual Members (IMs), personificados nos
bodes expiatórios, seriam presas fáceis para a expressão da agressividade
projetada no grande grupo.
Em grande parte devido a essa questão, Turquet (1975) afirmava que
talvez fosse mais fácil permanecer um Singleton (S) no grande grupo,
embora isso pudesse significar uma não adesão ao grupo, levando a uma
sensação de isolamento, inadequação ou mesmo autorreferimento. Sem
dúvida, permanecer um Singleton (S) no grupo protegeria da ameaça de
aniquilação ou mesmo “tentativa” do grupo de fazer do Singleton (S) um
Membership Individual (MI) que comungasse dos mesmos valores e
objetivos do grupo. Assim, no grande grupo, o desafio apresentado ao
Singleton (S) pareceria ser o da manutenção de seu status no grupo como
indivíduo − Individual Member (IM) − em vez de sua total adesão à massa
como Membership Individual (MI) em um estado semelhante ao que
Turquet denominou Lumpenproletariat State (p. 107).
No entanto, Turquet (1975) identificou a tendência dos indivíduos a
funcionar no grande grupo como Membership Individuals (MIs).
Pressionados pelas ameaças identitárias e tomados pela regressão, os
indivíduos no grupo acabariam sendo levados a procurar um estado de
homogeneidade sociocultural, caracterizado por uma absoluta igualdade,
semelhança de crenças, nenhuma diferenciação de papéis e o
desenvolvimento de uma linguagem própria (p. 108). Dessa forma, a
tendência à homogeneização seria bastante forte, principalmente devido à
tentativa de neutralização dos efeitos ameaçadores do grande grupo sobre
o indivíduo. Esse tipo de comportamento, facilmente observado nos
grandes grupos ideológico-religiosos ou em diferentes comunidades ou
tribos, seria basicamente aquele que caracterizaria a definição do quarto
pressuposto básico − a Teoria de Oneness – postulado por Turquet. Assim,
através da homogeneização, a fusão dos indivíduos no grupo seria
alcançada e esse estado de coisas funcionaria basicamente como defesa
contra a inveja primária (p. 100).
Nesse ponto, é possível observar na teoria de Oneness a influência das
ideias kleinianas, predominantes no pensamento psicanalítico inglês nas
décadas de 1940 a 1970. De acordo com Turquet (1975), a tendência à
homogeneização funcionaria no grande grupo como uma defesa contra a
inveja, já que para ele a agressividade no grande grupo adquiriria a forma
da inveja − inveja do pensamento, da individualidade, da racionalidade,
enfim, inveja da diferença (p. 105). Nesse aspecto, a teoria de Turquet, ao
postular a homogenização como defesa contra o medo do aniquilamento e
contra a inveja da diferença que poderia surgir, inspirou-se na experiência
russa de Rickman, que apontou para a necessidade de eliminação das
diferenças e das habilidades pessoais dos membros do vilarejo com o
intuito de evitar o surgimento da inveja e preservar a comunhão de crenças
e a homogeneidade de laços da comunidade (p. 143).
Na análise sobre grandes grupos proposta por Turquet (1975), seria
possível constatar que tanto a tendência do indivíduo em buscar e manter
seu status como Individual Member (IM) quanto à tendência à
homogeneização e a sua transformação em Membership Individual (MI)
não seriam as únicas formas de comportamento defensivo para o
indivíduo. A terceira possibilidade, que seria a mais prejudicial para a
psicodinâmica do grupo, ocorreria através de um progressivo
desligamento do indivíduo do contexto grupal, tendo sido descrita por
Turquet como dissaroy[32] (p. 103). Nesse estado, o indivíduo se tornaria
cada vez mais atordoado diante de sua participação no grande grupo,
sentindo-se em desintegração ou em colapso e passando a ansiar pelo
retorno ao seu estado psicológico anterior como indivíduo. Sua
participação ficaria assim caracterizada como Isolate (I). Nesses casos, os
membros do grupo não se integrariam mais no grupo, embora estivessem
presentes fisicamente nele, nem como indivíduos, nem como membros
fusionados, permanecendo alienados. Como consequências, passariam a se
dedicar a tarefas corriqueiras, como consultar a agenda e fazer palavras
cruzadas, ou a protagonizar atitudes bizarras (e agressivas), como deslocar
a cadeira para outro lugar fora dos círculos concêntricos, caminhar ou até
mesmo dançar durante o grupo. Esse tipo de comportamento, por vezes até
psicótico, manteria o indivíduo dentro e fora do grupo ao mesmo tempo,
mas traria resultados nefastos para a dinâmica grupal. Muitas vezes,
poderiam desencadear um estado de caos e de múltiplas clivagens,
caracterizados por comportamentos errantes, polarizados e pela alienação
que acabaria impossibilitando a continuidade do grupo que rapidamente se
desagregaria (p. 103). A possibilidade de pertencimento ao grande grupo
como Isolate (I) seria muito diferente de sua participação como Individual
Member (IM) quando o Singleton (S) − significando indivíduo − luta por
participação na dinâmica grupal. Nesse sentido, é fundamental que, antes
que o estado de Isolate (I) seja incorporado pelos diversos membros do
grupo, os indivíduos encontrem alguma forma de engajamento na
atividade. O anseio por uma ideia, um ideal ou uma meta que justifique a
participação no grupo seria fundamental no processo, pois esses objetivos,
além de fornecerem um continente adequado para o grande grupo,
favoreceriam seu florescimento e a participação em atividades criativas.
Mesmo assim, existiria o risco de que esses ideais comuns, alimentados
por ideias messiânicas ou idealizações, pudessem novamente conduzir à
homogeneização e à fusão no grupo, impedindo o surgimento de um
verdadeiro engajamento nos objetivos grupais. Assim, se em um grande
grupo os indivíduos puderem evitar o risco da homogeneização,
estabelecendo sua participação como Individual Members (IMs), é
possível a criação de um grupo de trabalho − tal como foi postulado por
Bion (1970), em que a individualidade e a diversidade de papéis ficam
preservadas − e as tarefas do grupo podem ser alcançadas (p. 138). Nesse
caso, o grande grupo consegue funcionar de forma semelhante aos médios
ou pequenos grupos, e o diálogo democrático, aos moldes de Patrick de
Maré (1991), poderia acontecer.
A minuciosa análise empreendida por Turquet foi pioneira para a época
e muitas de suas considerações, especialmente as ideias sobre a tendência
à homogeneização e à fusão nos grandes grupos, estão em consonância
com pesquisas desenvolvidas sobre o tema na década de 1970. Além disso,
estão no bojo de importantes desdobramentos teóricos durante esse
período. Dentro dessa perspectiva, é possível observar semelhanças entre o
processo de homogeneização descrito na teoria de Oneness e o fenômeno
da ilusão grupal, apresentado em 1971 na França por Anzieu (1993) e Kaës
(1975). Se, na abordagem da homogeneização de Turquet, a teoria
kleiniana está presente através da regressão, da agressividade e da inveja,
na visão da escola francesa, a homogeneização e a fusão dos membros do
grupo defendem contra angústias primitivas quando os membros
identificados entre si partilham de um ideal de ego comum, colocando o
grupo no lugar do ideal de ego (Anzieu, 1993, p. 65).
Anzieu, em 1975, também investigou a psicodinâmica dos grandes
grupos através de experiências realizadas no ensino. Suas observações o
levaram a apontar para a regressão onipresente em grupos não estruturados
e para a tendência à fusão observada no relacionamento dos indivíduos no
grupo (Anzieu, 1993, p. 64). De acordo com Anzieu (1993), a situação de
grupo provocaria uma regressão ao narcisismo primário, na medida em
que o confronto com os demais membros seria vivido como uma ameaça
angustiante da perda da identidade do ego. Assim, o grupo reavivaria a
ferida narcísica presente nos indivíduos que reagiriam contra a situação,
protegendo-se das ameaças do grupo ou mesmo apresentando um
comportamento de afirmação reivindicadora (p. 64). Dentro dessa
perspectiva, Anzieu (1993) avançou em sua conceitualização, afirmando
que as necessidades pulsionais dos indivíduos estariam amalgamadas em
uma concepção fantasmática do grupo visto como um ego ideal primitivo
que estaria equiparado a um “objeto primário oniprovedor, como a mãe
dos primeiros estágios do desenvolvimento” (p. 68). Dessa forma,
diferentemente do que foi proposto por Freud, o grupo estaria diante de
uma fusão narcísica coletiva com a imagem de uma mãe onipotente. A
ilusão grupal seria, portanto, uma defesa do grupo contra o fantasma da
cena primária. Nesse sentido, os desdobramentos teóricos da reflexão de
Anzieu sobre a questão conduziram à analogia entre o grupo e o sonho em
que o autor aponta para o fato de que toda a situação de grupo seria vivida
como a realização imaginária de um desejo (p. 48). No grupo, como no
sonho, existiria uma tripla regressão, e a psicologia de grupo estaria,
portanto, baseada sobre três conjuntos de ilusões compartilhadas que
teriam como função a negação dos fantasmas originários dos indivíduos. A
primeira − a de que o grupo seria composto de indivíduos iguais − seria
uma ilusão que serviria de defesa contra a cena primária e a angústia de
castração. A segunda − a de que o grupo seria autoengendrado, tendo sido
gerado por partenogênese ocorrida no interior do corpo de uma mãe
fecunda e onipotente (p. 72) − satisfaria o desejo de restauração do
narcisismo perdido da infância, e o grupo fusionado passaria assim a ser o
substituto do objeto perdido (p. 83). A terceira ilusão seria a de que o
grupo por si só seria capaz de curar e reparar as feridas narcísicas se
identificando ainda projetivamente com um seio bom (p. 72).
Prosseguindo na análise da tendência à homogeneização nos grupos não
estruturados, Kernberg (1998) aponta para as investigações de Chasseguet-
Smirgel em L’Ideal Du Moi, de 1975, quando estas expandiram as
considerações de Anzieu sobre a ilusão grupal, sugerindo que o desejo de
fusão entre o ego e o ideal de ego se daria nesses grupos por meio de
mecanismos regressivos, próprios do princípio do prazer, levando a
regressão a estágios muito mais primitivos (Chasseguet-Smirgel, 2003, p.
103). Auxiliada em sua pesquisa pelas contribuições de Grunberger (1965)
sobre a questão do narcisismo, Chasseguet-Smirgel (1975) pesquisou na
França as relações entre o narcisismo e as instâncias ideais e verificou que
o narcisismo seria um estado de plenitude arcaica em que o ego ocuparia o
lugar de seu próprio ideal. Enquanto o superego seria o herdeiro do
complexo de Édipo, o ideal do ego seria o herdeiro do narcisismo
primário, o herdeiro da ilusão infantil de onipotência (p. 98). A separação
da mãe nos primeiros estádios do desenvolvimento perturbaria a
autoestima da criança, criando uma distância entre o eu e o ideal de eu[33]
para o resto da vida. Na medida em que a criança se percebesse
desamparada, a ilusão de uma fusão perfeita com a mãe e com o ambiente
se desmantelaria e, desfeita a experiência original, baseada em uma
autossuficiência absoluta e uma união beatificadora com o mundo, a
criança ficaria acometida por um sentimento de inferioridade (p. 54).
Assim, a lembrança da grandiosidade primordial persistiria no sujeito sob
a forma de uma concepção ideal, o ideal do ego, levando-o a submeter seu
ego a essa instância. No entanto, segundo Chasseguet-Smirgel (2003), o
ideal do ego não se encontraria modelado apenas pela internalização das
instâncias parentais, como havia sido descrito por Freud, mas estaria
diretamente relacionado às experiências primitivas dos sujeitos,
encarnando o desejo humano de retorno ao seio materno (p. 13). As
instâncias parentais introjetadas serviriam depois, como tantas outras
experiências, como elementos que evocariam a perfeição perdida na
infância. Assim, “a evolução humana em seu conjunto brotaria da
nostalgia de um paraíso perdido e os seres humanos estariam sempre em
busca de reencontrá-lo” (p. 23).
Dando continuidade a seus estudos sobre as instâncias ideais,
Chasseguet-Smirgel (2003) deteve-se ainda sobre a análise do fenômeno
grupal, especialmente sobre os grupos submetidos a ideologias. Suas
contribuições revelaram que haveria nos grupos o desejo de fusão entre o
eu e o ideal do eu que estaria relacionado tanto à regressão quanto às
ilusões já anteriormente descritas por Anzieu (1993). As formações
coletivas não estariam, contudo, baseadas na figura paterna ou mesmo nas
instâncias superegoicas, mas se constituiriam através do “cumprimento
alucinatório de uma tomada de posse da mãe pela fratria, segundo um
modo muito regressivo, o da fusão primária” (Chasseguet-Smirgel, 2003,
p. 103). Isto é, em sua opinião, os grupos encontrariam a fantasia
dominante não na submissão ao pai, mas na reunião coletiva com a mãe:
O grupo é autoengendrado, ele mesmo é uma mãe onipotente. Não
se trata de uma organização em torno de um personagem central, o
condutor, senão em todo o grupo, como tal. O grupo representa o
desejo de fusão entre o eu e o ideal do eu pelos meios mais
regressivos (p. 104).
Nessa perspectiva, é importante frisar que Chasseguet-Smirgel (2003)
não desconsiderou a figura do líder − embora não a confundisse com a do
pai da horda primeva − na condução das massas, visto o exemplo do
nazismo. No entanto, a presença do líder no grupo ideológico ativaria o
desejo de união do eu com o ideal do eu. Nesse sentido, Kernberg (1998)
explica que, segundo Chasseguet-Smirgel, os grupos tenderiam, de uma
maneira geral, a selecionar para si líderes que “representassem não os
aspectos paternos do superego proibitivo, mas um pseudopaternal
mercador de ilusões” (p. 18). Isto é, os grupos estariam à procura de
líderes que fornecessem ao grupo uma ideologia, um sistema unificador de
ideias que funcionasse como uma ilusão que viria a confirmar para os
membros “as aspirações narcisistas de fusão do grupo com um ideal de
ego primitivo, com uma mãe pré-edipiana onipotente e provedora”
(Chasseguet-Smirgel, 2003, p. 104). Assim, fortemente identificados entre
si, os indivíduos experimentariam, nos grupos baseados em ideologias,
restaurações narcísicas e sentimentos de grandeza, onipotência e poder.
Nesse sentido, “o ego regredido no grupo, bem como o id e o ideal de ego
primitivo, pré-edípico de cada indivíduo, estariam fundidos na ilusão
grupal” (Kernberg, 1998, p. 18). Chasseguet-Smirgel (2003) chamou ainda
a atenção de que nessas circunstâncias o superego poderia ser desdenhado
por completo no grupo e suas funções poderiam ser assumidas pelos ideais
e por seus preceitos. Se os ideais permitissem ainda a satisfação dos
desejos pulsionais, poderia ocorrer uma completa modificação no caráter
dos indivíduos e um abandono do superego como as que se constataram
nas atrocidades cometidas pela sociedade alemã submetida à ideologia
nazista (p. 113). Essas considerações apontam para a conclusão de
Chasseguet-Smirgel (2003) de que “os grupos ideológicos têm menos sede
de líderes do que de ilusões” (p. 104). Entretanto, cabe ressaltar que a
estrutura fundamentalmente regressiva das formações grupais pesquisadas
por Chasseguet-Smirgel referia-se basicamente a grupos ideológicos,
fundamentados na ilusão. Por outro lado, a autora acreditava que
existiriam grupos em que a dimensão edípica da psique se encontrava
preservada e o líder ocupava o lugar de pai como no esquema freudiano.
Nesse caso, pareciam ser grupos onde os membros se identificam entre si
e com o líder, salvaguardando, contudo, diferenças individuais e papéis
específicos. A análise empreendida por Chasseguet-Smirgel (2003) sobre
as formações grupais repousa em uma classificação dos fenômenos de
grupo que não leva em conta “nem suas dimensões, tampouco sua
organização, mas a tendência ao retorno ao narcisismo primário e ao
estabelecimento de vínculos baseados na ilusão” (p. 114).
Dessa forma, Anzieu (1993) e Chasseguet-Smirgel (2003), como
também Turquet (1975) e Kernberg (1998), apontaram para os fenômenos
pré-edípicos nos grupos e seus efeitos sobre a coesão grupal, parecendo
assim se distanciar da visão freudiana sobre a questão sustentada nas
identificações entre os membros do grupo e nas relações destes com o
líder. Nesse sentido, é importante evitar uma errônea polarização entre
uma visão freudiana meramente edípica do fenômeno grupal contra uma
visão pré-edípica da questão encaminhada por diversos autores,
especialmente pelos franceses. O debate não parece repousar sobre a
natureza edípica ou pré-edípica dos fenômenos grupais − embora esse seja
um critério importante para a discussão − mas sobre a natureza dos
mecanismos psicológicos, desde os mais regressivos, que concorrem para
o estabelecimento ou não da coesão nos grupos, pois, dependendo da
psicodinâmica estabelecida, podem levar tanto à homogeneização quanto
ao grupo de trabalho. É então que é possível notar que as análises dos
autores da década de 1970 − em especial Turquet, Anzieu e Chasseguet-
Smirgel − sobre o fenômeno grupal, mesmo que tenham sido realizadas
através de arcabouços teóricos distintos, tinham como ponto nodal a
questão da uniformidade ou da diversidade nos processos grupais. Isto é, a
ênfase nas discussões pareciam sempre recair na análise dos fatores que
conduziriam ou não à coesão nos grupos.
Na verdade, o fenômeno da homogeneização − que mais tarde puderam
ser apreciados sob a ótica da massificação, característica dos processos de
incoesão (Hopper, 2003b) − e a submissão aos líderes constituíram-se
como uma terrível ameaça às formações grupais ao longo do século XX.
Por um lado, protegiam a integridade físico-psicológica dos indivíduos no
grupo, mantendo a sexualidade reprimida e a coesão grupal girando em
torno de um ideal. Dessa forma, evitavam a agressividade no interior do
grupo que a projetava para fora, imprimindo ainda uma restauração
narcísica em seus componentes. No entanto, pelo fato de essas formações
estarem baseadas em intensa regressão e em uma ilusão protetora, seus
componentes ficavam submetidos às exigências do processo primário e,
portanto, extremamente vulneráveis às lideranças inescrupulosas, a
personalidades narcísicas e a ideologias de cunho totalitário e repressivo.
As contribuições de Turquet sobre a psicodinâmica dos grandes grupos
foram importantes por terem descrito a situação básica para a ativação de
defesas primitivas em grupos de qualquer tamanho (Kernberg, 1998).
Nesse sentido, tanto a identificação entre os membros e a colocação do
líder no lugar do pai da horda primeva (Freud, 1921) quanto a idealização
ilusória do grupo e do líder que levaram ao engrandecimento narcísico
grupal analisado em 1975 por Anzieu e Chasseguet-Smirgel ou até mesmo
os processos de pequenos grupos apresentados por Bion (1970)
desencadearam diferentes formas encontradas pelos indivíduos de se
defenderem da ameaça egoica descrita por Turquet no grande grupo
(Kernberg, 1998, p. 19). Na opinião de Kernberg (1998), mesmo que esses
mecanismos primitivos ficassem obscurecidos ou controlados pela
excessiva burocratização, divisão de tarefas ou mesmo ritualização
observada nas instituições e nos diferentes grandes grupos encontrados no
social, sua importância não poderia ser descartada. Nesse ponto, convém
lembrar que as investigações psicanalíticas sobre as organizações
empreendidas por Jacques (1955) e Menzies Lith (1961) apontavam
justamente para o fato de que toda a estrutura organizacional teria como
objetivo a defesa contra angústias primitivas.
Atualmente, a teoria de Oneness de Turquet (1975) é vista como um
clássico, embora sofra diversas críticas, sendo considerada datada. Na
verdade, isso se deve a três fatores. O primeiro diz respeito ao fato de que
é uma teoria apoiada no individualismo moderno e centrada na discussão
sobre a ameaça que o grande grupo promove à identidade dos indivíduos.
Nesse sentido, seus aportes teóricos baseiam-se em dicotomias cartesianas
que opõem indivíduos e grupos e desconsideram as interdependências
eliasianas, características do paradigma grupanalítico. Em segundo lugar,
é uma teoria que carrega em seu bojo visões kleinianas que valorizam
excessivamente a inveja inata no grande grupo. Nesse ponto, tanto a teoria
psicanalítica quanto a grupanalítica enveredaram por novos caminhos e a
inveja deixou de ser vista como inevitável, principalmente porque outras
teorias sobre o desenvolvimento emocional ganharam espaço (Hopper,
2003b, p. 43). Por último, a teoria de Turquet (1975) não pode mais ser
considerada como um novo pressuposto básico, pois a experiência com
grandes grupos em diferentes settings − e não apenas no das conferências
que Turquet tomou como base − aponta para o fato de que o fenômeno de
Oneness não é universal em grandes grupos (Hopper, 2003b, p. 44). Assim,
embora a preocupação ainda repouse sobre a ameaça à identidade do
indivíduo no grupo, atualmente a ênfase recai na análise dos fenômenos de
incoesão (Hopper, 2003b), nos efeitos da regressão (Volkan, 2004) e no
investimento no potencial transformador e fomentador do diálogo do
grande grupo (de Maré, 1991).

Lawrence, Bain e Gould e a teoria de Me-Ness


Após a teorização de Turquet (1975) sobre a teoria de Oneness como um
quarto pressuposto básico, outros desenvolvimentos surgiram em torno da
tentativa de conceitualização de novos pressupostos básicos. Nesse
sentido, Lawrence, Bain e Gould (1996) ensaiaram, na Clínica Tavistock, a
postulação de um quinto pressuposto básico − a teoria de Me-Ness (ba) M
− que seria a outra face, o lado reverso, da teoria de Oneness de Turquet
(1975), isto é Me-Ness seria Not-Oneness.
Trabalhando como consultores organizacionais, cientistas sociais,
psicanalistas e professores universitários especializados em relações
grupais, Lawrence, Bain e Gould (1996) e outros colaboradores na
Austrália e Estados Unidos observaram, durante a década de 1980 e 1990,
indivíduos de gerações mais jovens em contextos de pequenos e grandes
grupos em conferências e consultorias organizadas pelo Institute of
Human Relations, da Tavistock. Aplicando ideias psicanalíticas e
sistêmicas ao contexto social e tendo como influências fundamentais os
pensamentos de Bion e Turquet − aliados a visões críticas sobre mudanças
ocorridas nas sociedades pós-industriais ocidentais, além de uma forte
influência das ideias de Lasch (1979) sobre a cultura narcísica − os autores
chegaram à formulação de um quinto pressuposto básico (Lawrence, Bain
& Gould, 1996, p. 30).
A postulação desse novo pressuposto básico teve origem na observação
do que os autores consideraram como um fenômeno cultural engendrado
por angústias e medos conscientes e inconscientes dos indivíduos nas
sociedades contemporâneas. A ideia era a de que a vida nas sociedades
ocidentais havia se tornado um risco para os indivíduos, levando-os a um
retraimento narcísico, a uma negação e a um afastamento da realidade em
busca de um mundo interno mais satisfatório e seguro (p. 29). Como pano
de fundo, existiriam as dificuldades político-sociais observadas em um
ambiente externo em transformação como o da Europa, no início da
década de 1990, logo após a queda do Muro de Berlim. De um lado, o
Leste Europeu e as lideranças mundiais passavam por profundas
reconfigurações, dando origem a novos países e a processos de
tribalização e reafirmação das identidades nacionais (p. 32). Por outro
lado, enquanto o capitalismo parecia se fortalecer, levando à constituição
do que se chamou de geração yuppie[34], os indivíduos perdiam a
confiança nas estruturas sociais, acabando remetidos ao seu próprio eu,
evidenciando o que Lawrence, Bain e Gould (1996) denominaram de
“retiradas esquizoides socialmente induzidas” (p. 33). Ou seja, os
indivíduos estariam sendo levados a se comportar de forma esquizoide
devido às condições político-sociais vigentes.
Lawrence, Bain e Gould (1996) observaram que a preocupação com a
eficiência profissional, com a qualidade e com o valor do dinheiro em
detrimento de ideais coletivos e do trabalho em equipe se fazia evidente
nos indivíduos observados nas conferências e consultorias que realizavam
nas décadas de 1980 e 1990. Dessa forma, constataram diferenças
significativas na psicodinâmica dos grandes grupos em relação às
descrições de Turquet na década de 1970. A cultura narcísica dominante
levava os indivíduos nos grupos ao isolamento, à anomia e a uma absoluta
resistência à adesão a qualquer tipo de projeto coletivo. Além disso,
relações hierárquicas ou de dependência com os líderes não aconteciam,
assim como era impossível observar a ideia de qualquer tipo de “união
mística com o coletivo” (p. 38).
Assim, em contraposição à tendência à homogeneização apresentada
pela teoria de Turquet (1975), a teoria de Me-Ness postulou o retraimento
narcísico dos indivíduos como defesa contra a angústia de serem levados à
situação de Membership Individuals (MIs), característica da fusão dos
indivíduos sob o quarto suposto básico de Oneness (Lawrence, Bain & e
Gould, 1996, p. 34). A ameaça de homogeneização justificava a tendência
dos indivíduos a se isolarem e a se retirarem narcisicamente, evitando a
fusão com o grupo, através da apresentação de comportamentos de
dissaroy (Turquet, 1975, p. 103). Através do suposto básico de Me-Ness,
verificou-se que a tendência dos indivíduos era a de participarem do grupo
na qualidade de Isolates (Is), quando diferentes manifestações de
alienação, retiradas narcísicas induzidas por relações atemorizadas com o
social ou mesmo pelo narcisismo patológico, eram apresentadas
(Lawrence, Bain & Gould, 1996, p. 33).
De fato, o que parecia estar em jogo na teoria de Me-Ness era a
impossibilidade dos participantes, devido ao retraimento esquizoide e a
fantasias persecutórias de contaminação e de pureza, de se verem como
membros de um grupo (p. 45). Assim, imaginavam-se como indivíduos
autossuficientes que estavam dispostos a considerar que a realidade última
e única era a do indivíduo –“culture of selfishness” (p. 33). A ansiedade
básica parecia ser a de que se por algum acaso o grupo se tornasse uma
realidade inevitável, ficariam perdidos dentro dele, no entanto,
paradoxalmente, desejavam magicamente atingir o status do grupo de
trabalho, uma vez que, como profissionais, era-lhes exigida a interação
grupal (p. 34).
De acordo com Hopper (2003b), a teoria de Me-Ness só pode ser
compreendida em relação dialética com a teoria de Oneness e, de certa
forma, é possível considerar que as diferenças teóricas que apresentaram
possam ser creditadas às significativas mudanças verificadas no contexto
sociopolítico-cultural das décadas de 1970 e 1990, quando as teorias de
Oneness e Me-Ness foram respectivamente formuladas. Isto é, parece que,
no auge da contracultura e da cultura narcísica, foram produzidas teorias
sobre a psicodinâmica dos grandes grupos que, embora pretendessem ser
universais como os três pressupostos básicos de Bion, revelavam, através
de uma psicodinâmica específica, observada no contexto dos grandes
grupos, o inconsciente social (Hopper & Weinberg, 2011) daquele
momento. Isso não quer dizer que a teoria de Oneness não faça sentido
fora do contexto da década de 1970, ou que a teoria de Me-Ness não reflita
o panorama dos anos 1990. Ambas as postulações se aplicam à
psicodinâmica de grandes grupos, contudo, como a experiência parece
comprovar, através das teorias de Oneness e Me-Ness, determinadas
tendências que se pretendem universais podem, na verdade, ser apenas
reflexos das influências de uma conjuntura ou época específica no
comportamento de indivíduos e grupos.
A teoria de Me-Ness representou uma tentativa de postulação de um
quinto pressuposto básico que fizesse face às mudanças sociopolítico-
culturais observadas no final do século XX, na esperança de que no
alvorecer de um novo século, fossem alcançados “novos modelos de
sociedades mais compatíveis às mudanças que se processavam nas
sociedades Ocidentais” (Lawrence, Bain & Gould, 1996, p. 32). Mais do
que reduzirem suas proposições às questões relativas à cultura narcísica ou
às transformações contemporâneas, as discussões de Lawrence, Bain e
Gould (1996) remontavam às preocupações com as clássicas dicotomias
entre indivíduo e sociedade que vigoravam na cultura desde o
Renascimento (p. 4). Denunciavam, entre outros aspectos, o solipsismo
potencializado ao máximo pelo individualismo exacerbado do final do
século XX e analisado por Elias (1987) através do conceito de Homo
Clausus (Lawrence, Bain & Gould, 1996, p. 50). Dessa forma, esses
autores esperavam que, no século XXI, novas configurações pudessem
advir das relações indivíduo-grupo, libertando os indivíduos da cultura
narcísica para inseri-los em novas bases conceituais − como a do Homines
Aperti proposta por Elias (1987) − que consideravam os indivíduos em
inter-relação e em interdependência (Lawrence, Bain & Gould, 1996, p.
53).
Entretanto, apesar dessa tentativa, o alcance teórico da teoria de Me-
Ness foi muito mais restrito do que o da teoria de Oneness, em grande
parte devido à ausência de um consistente arcabouço teórico psicanalítico
que a sustentasse ou lhe conferisse longevidade (Hopper, 2003b, p. 48).
Assim, a teoria de Me-Ness foi apenas uma tentativa de teorização sobre o
retraimento narcísico do indivíduo como resistência e agressão contra o
sistema social ameaçador. No entanto, suas formulações combinaram de
forma original, ainda que pouco precisa, as influências do panorama
sociocultural da época com ideias winnicottianas (eu/não eu), kleinianas
(ansiedades e defesas persecutórias e esquizoides) e bionianas (ataques aos
vínculos) (Lawrence, Bain & Gould, 1996, p. 46).
Contudo, sua maior contribuição reside no fato de que a teoria de Me-
Ness, talvez mais do que a teoria de Oneness, revelou de forma inequívoca
a influência do contexto cultural no comportamento dos indivíduos e na
formulação de teorias sobre as relações indivíduo-grupo. Através de suas
diretrizes, foi possível depreender não apenas contribuições teóricas
significativas e de valor heurístico sobre o final do século XX, mas
também o Zeitgeist da época. Nesse sentido, os medos, as fantasias, os
mitos e as defesas presentes no inconsciente social de uma cultura
(Hopper & Weinberg, 2011), no caso da sociedade inglesa do final do
século XX, estão presentes. Dessa forma, é possível constatar como o
trabalho com grupos se encontra atravessado pela cultura e pelo social, o
que reflete na construção de suas teorias e na forma como as relações entre
indivíduo-sociedade se produzem. Assim, a apreciação das teorias
psicanalíticas sobre grandes grupos revelam não apenas o contexto em que
esses grupos se inserem, mas também as formas de expressão do
inconsciente social daquele grupo.
A pesquisa sobre novos pressupostos básicos não se extinguiu[35] e,
assim, dando sequência à investigação, Hopper (2003b) apontou para
várias inconsistências teóricas no quinto pressuposto básico de Lawrence,
Bain e Gould (1996) que justificaram a impossibilidade metapsicológica
de se considerar a teoria de Me-Ness como um quinto pressuposto básico
para a vida inconsciente dos grupos. Tais imprecisões na teoria de Me-
Ness, somadas às críticas à teoria de Oneness e à impossibilidade de essa
teoria ser considerada como um quarto pressuposto básico, levaram
Hopper (2003b) a delinear uma alternativa teórica na postulação de um
quarto pressuposto básico, dessa vez, não mais baseado na coesão grupal
como até então vinha sendo desenvolvido nas grupoterapias do século XX.

Earl Hopper e o quarto pressuposto básico


O quarto pressuposto básico postulado por Hopper (2003b) introduziu
uma inovadora perspectiva na reflexão sobre os fenômenos grupais ao
abandonar a investigação dos fatores que levavam à coesão nos grupos
para dedicar-se à análise dos processos de incoesão. Além disso,
transformou a análise e o trabalho com grandes grupos, ampliando sua
investigação para a observação do fenômeno dentro do contexto
sociopolítico-cultural, ou, como Hopper (2003b) denominou, nos sistemas
sociais. Anteriormente, a análise da psicodinâmica dos grandes grupos se
restringia à sua observação em congressos de grupanálise, nas
conferências da Tavistock ou em settings organizacionais, contudo, a partir
das postulações de Hopper (2003b), foi possível investigar e observar o
comportamento de grandes grupos vistos como sistemas sociais,
especificamente em contextos marcados por experiências traumáticas.
A pesquisa de Hopper (2003b) integrou um sólido background
sociológico e psicanalítico às contribuições mais atuais da psicanálise e da
grupanálise. Embora tenha levado em consideração os conceitos clássicos
apresentados por Rickman, Bion, Turquet e Lawrence, Bain e Gould sobre
os grandes grupos, deu um grande salto teórico ao considerar sua
dimensão clínica em intrínseca relação com o trauma, aliando-a a
dimensões socioculturais e à influência do inconsciente social em seus
desdobramentos (Hopper, 2003a; Hopper & Weinberg, 2011).
No passado, de acordo com a visão de Hopper (2003b), as questões
relacionadas à coesão e à integração dos sistemas sociais eram
privilegiadas nos estudos psicológicos e sociológicos em detrimento dos
processos de incoesão ou desintegração, a menos que estes apontassem
para mudanças sociais significativas ou momentos de instabilidade social.
Na visão clássica da psicanálise, os fenômenos de integração nos grupos
estavam baseados nos conceitos de identificação, ideal do ego e relação
com o líder, já a desintegração era explicada em termos de diluição das
identificações, pânico, desautorização do líder ou mesmo ação da pulsão
de morte (Freud, 1920, 1921). Para Hopper (2003b), embora fosse possível
extrair do texto freudiano sobre a psicologia das massas ideias que
conduzissem à reflexão sobre os processos de incoesão nos grupos ou
mesmo a oscilação entre os três pressupostos básicos de Bion pudesse
apontar para uma teoria sobre a incoesão mais do que sobre a coesão
grupal, a questão foi pouco explorada.
De fato, parece que, tanto na psicanálise (Freud, 1921; Anzieu, 1993;
Chasseguet-Smirgel, 2003) quanto na grupanálise (Foulkes, 1964, 1975a),
a coesão grupal foi idealmente almejada, considerada essencial à vida em
sociedade, às relações com os líderes, à comunicação e ao trabalho entre
os pares. Assim, na teoria psicanalítica tradicional, tanto a formação
quanto a manutenção dos grupos terminaram confundidas com a coesão
grupal, que passou a funcionar como uma espécie de amálgama social.
Entretanto, a questão da tendência à homogeneização e à ilusão grupal
revelavam de forma inequívoca que uma coesão excessiva era prejudicial
para o grupo, além de ser perigosa na sua ação no social. Nesse ponto, é
interessante lembrar que, analisando os efeitos negativos da ilusão grupal
nos processos grupais, Kibel (2003) afirma que a ilusão grupal é incoesiva,
levando à ideia de uma falsa coesão, pois permite que “o grupo faça uso de
uma defesa hipomaníaca contra a própria destrutividade interna” (p. 158).
Contudo, se a questão da coesão grupal havia sido crucial para importantes
discussões sobre as multidões e as massas, ela não foi suficiente para a
clínica grupanalítica, desafiada por pacientes difíceis, nem para a análise
da formação dos sistemas sociais.
Nesse ponto, cabe uma explicação que é fundamental para a
compreensão do pensamento de Hopper. Influenciado por sua formação
como sociólogo − tendo sido colaborador de Norbert Elias na
Universidade de Leicester e professor da London School of Economics −
antes de se tornar grupanalista e psicanalista afinado com o grupo dos
Independentes da Sociedade Britânica, Hopper analisou, dentro da tradição
sociológica, as diferenças entre sociedades simples e complexas
(Durkheim, 1893) e suas implicações na compreensão dos fenômenos e
processos sociais. Seu objetivo era o de estabelecer distinções e
similaridades entre grupos e sistemas sociais, distinguindo propriedades
dos grandes grupos que estariam implicadas nessas inter-relações (Hopper
& Weyman, 1975). Uma das principais dificuldades dizia respeito a
distinções importantes entre estados de coesão ou incoesão social que
envolviam diferenças entre agregações, massas, pequenos e grandes
grupos, organizações e sistemas sociais. Nesse sentido, chamou a atenção
para o fato de que, embora muitos psicanalistas e grupanalistas
imaginassem que os sistemas sociais pudessem ser considerados e
investigados como grupos, essa correspondência não era necessariamente
verdadeira. Baseando-se em considerações que envolveram desde a teoria
marxista até a teoria dos sistemas, além de uma vasta experiência clínica
com pacientes e grupos sob condições traumáticas, Hopper postulou que,
somente quando um sistema social − uma sociedade, uma cidade, uma vila
− regride sob a ação de um trauma, ele pode ser analisado como um grupo.
Isto é, sistemas sociais sob efeito de um trauma se comportam como
grupos e grupos traumatizados se comportam como pessoas traumatizadas.
Dentro dessas condições, o isomorfismo entre grupos e sistemas
sociais[36] poderia ser postulado e, assim, o conhecimento sobre um se
aplicaria à investigação do outro (Hopper & Weyman, 1975; Hopper,
2003b, p. 18; Hopper & Weinberg, 2011). Partindo dessa premissa, pode
dedicar-se à investigação de questões que estavam além dos processos de
homogeneização e coesão nos grupos.
A teoria sobre o quarto pressuposto básico − Incohesion:
Aggregation/Massification[37] ou (ba) I:A/M −, proposta por Hopper
(2003b) como universal na vida inconsciente dos grupos e grupos vistos
como sistemas sociais, começou a ser delineada durante a década de 1990.
Tomando por base pacientes traumatizados, observação in loco de
sociedades traumatizadas e experiências com grandes grupos em
conferências ou organizações, Hopper investigou processos de agregação e
massificação presentes nos grandes grupos associando-os ao fenômeno da
incoesão (Hopper, 2003b, p. 58).
O desenvolvimento de uma nova tentativa de conceitualização de um
quarto pressuposto básico parece guardar novamente uma intrínseca
relação com o contexto sociopolítico-cultural e as influências do
inconsciente social (Hopper, 2003a; Hopper & Weinberg, 2011). Da
mesma forma que a valorização de ideais coletivos e a necessidade de
pertencimento a um grupo homogêneo estava presente no contexto social
da década de 1970, quando Turquet elaborou a teoria de Oneness e as
transformações no mundo globalizado, aliadas ao predomínio da cultura
narcísica, que permeavam nos anos 1990 a postulação da teoria de Me-
Ness, uma nova conjuntura influenciava a teorização de Hopper. Dessa
vez, no alvorecer do século XXI, um novo mapa mundial já redistribuía a
Europa e os países do bloco oriental se reorganizavam assolados por
situações traumáticas desencadeadas pelas guerras, pelos conflitos étnico-
raciais e pelas consequências, agora bastante conhecidas na psicanálise,
dos processos de transmissão psíquica transgeracional em famílias e
grupos vistos como sistemas sociais. Após o Onze de Setembro,
polarizações entre o Ocidente e o Islã deslocaram ainda a atenção da
promessa do mundo idealmente globalizado para os processos de
fragmentação e incoesão presentes nas culturas e sociedades. Além disso,
tanto na clínica psicanalítica quanto na grupanalítica, o desafio no
tratamento de pacientes considerados difíceis − narcísicos, borderlines,
adictos − demandava o incremento na pesquisa teórica e o
desenvolvimento de novas estratégias técnicas que fizessem face ao
tratamento desses pacientes (Hopper, 2003b). Portanto, a formulação de
Hopper (2003b), baseada na valorização do trauma e da incoesão nos
grandes grupos, parece ter conferido expressão para inquietações, fantasias
e medos presentes no inconsciente social atual (Hopper & Weinberg,
2011).
Somam-se a isso as observações de Hopper iniciadas na década de 1980
sobre experiências de desamparo e trauma e sua relação com os
pressupostos básicos de Bion, especialmente o da dependência. Sua
observação sobre a oscilação dos três pressupostos básicos nos grupos e a
correlação destes com a inveja e com angústias associadas às posições
esquizo-paranoides e depressivas de Klein, levaram-no a refletir sobre a
impossibilidade teórica dentro do modelo Klein/Bion de se conceitualizar
sobre angústias que fossem mais primitivas do que as esquizoides. No
entanto, provavelmente inspirado pelas investigações dos franceses sobre
as angústias primitivas no grupo (Anzieu, 1993; Chasseguet-Smirgel,
2003, 1985; Kaës, 1997) e pelas considerações winnicotianas sobre o
desenvolvimento emocional primitivo, como também por sua própria
observação clínica, foi possível constatar a presença nos grupos de
angústias de conteúdo mais primitivo do que as veiculadas através dos três
pressupostos básicos de Bion (1970). Assim, a partir da experiência clínica
e de outros aportes teóricos, que foram de Frances Tustin a Winnicott,
Hopper (2003a, p. 56) passou a indagar sobre o que ocorreria a um grupo
se o pressuposto básico de dependência falhasse como defesa, deixando de
dar conta das angústias presentes no grupo. Sua resposta foi a de que seus
membros experimentariam profundos sentimentos de desamparo e medo
do aniquilamento. Nesse sentido, sua teoria associou a ideia de falha na
dependência básica à experiência traumática, tendo em vista que para
Hopper (2003b):
O trauma é sempre uma questão de falha na dependência na relação
com o outro ou em situações que necessitam de continente e
holding tanto na dimensão pessoal quanto no domínio do social (p.
54).
Dessa forma, distanciando-se dos arcabouços teóricos utilizados por
Bion ou mesmo por Turquet − que para Hopper (2003b) provavelmente
dariam espaço à inveja primária como uma expressão da pulsão de morte
(p. 39) −, afirmou que o desamparo e o medo do aniquilamento no grupo
seriam vivências primárias experimentadas na relação traumática com o
objeto e que a dinâmica das defesas associadas ao medo do aniquilamento
poderia dar origem à postulação de novo pressuposto básico (p. 40).
Portanto, para Hopper, a inveja não seria uma expressão da pulsão de
morte, mas funcionaria como uma defesa contra angústias de
aniquilamento associadas ao desamparo experimentado em situações
traumáticas em que a dependência na relação com o objeto falhou (p. 40).
Prosseguindo com essas ideias e com investigações clínicas, Hopper
publicou no International Journal of Psychoanalysis, em 1991, o artigo
Encapsulation as a defense against the fear of annihilation, que
considerava o encapsulamento como uma defesa contra o medo do
aniquilamento. O medo do aniquilamento seria, portanto, uma angústia
primitiva,[38] anterior às angústias esquizo-paranoides clássicas, estando
associado à clivagem inicial e ao medo da fissão e da fragmentação
intrapsíquica, ou mesmo ao temor da desintegração ou da dissolução do
eu. Por se tratarem de fenômenos de natureza mais esquizoide do que
paranoide, os sentimentos persecutórios e a depressão primária a ele
associados acabariam completamente interligados e indiferenciados. Por
sua vez, o encapsulamento − em que sensações, afetos ou representações
relacionadas às situações de trauma precoce ficariam encerrados,
enquistados − seria concebido como um processo introjetivo no qual
ocorreria uma fusão e uma confusão entre partes do self e partes do objeto
abandonado e perdido. Nas palavras de Hopper (2003b):
Em essência, o medo do aniquilamento é experimentado como um
temor de fissão e fragmentação intrapsíquica ou de dissolução e
desintegração do eu. A primeira resposta às angústias de fissão e
fragmentação é uma fusão introjetiva e uma confusão com um
objeto perdido, abandonado e danificado. Contudo, fusão e
confusão estão ainda associadas a angústias psicóticas típicas,
como o medo do sufocamento, do engolfamento, do esmagamento
ou da petrificação (p. 53).
Portanto, o medo do aniquilamento estaria diretamente relacionado às
falhas na dependência inicial e às experiências traumáticas, e as principais
defesas que protegeriam contra essa angústia seriam o encapsulamento e a
dissociação. Em relação ao encapsulamento, baseando-se em Tustin
(1980), Hopper (2003b) propôs dois diferentes tipos. O primeiro seria o
encapsulamento do tipo crustáceo, baseado na fissão e na fragmentação, o
segundo seria do tipo ameboide, baseado na fusão e na confusão (p. 64). A
dissociação seria ainda poderosa defesa contra o medo do aniquilamento e
os estados dissociativos seriam mantidos através das diferentes formas de
encapsulamento do indivíduo que acabariam levando à “autísticas ilhas de
experiência” (Hopper, 1991, p. 31) ou a refúgios psíquicos (Steiner, 1993,
p. 60). O medo do aniquilamento e a utilização de defesas contra este
ficariam ainda intensificados pela impossibilidade de realização dos
processos de luto (Mitscherlich & Mitscherlich, 1975), que não ocorrem
em situações traumáticas e que acabam se perpetuando por gerações.
A importância que Hopper (1991, 2003a, 2003b) conferiu à relação
entre o medo do aniquilamento e as experiências traumáticas foi o
resultado de sua experiência clínica, individual e em grupo − com
sobreviventes do Holocausto e com familiares e vítimas de perpetradores
de atrocidades cometidas na Segunda Guerra −, na Inglaterra e restante da
Europa. Nesse sentido, essas observações aliadas ao trabalho sobre o medo
do aniquilamento foram fundamentais para a postulação de um novo
quarto pressuposto básico, pois Hopper pôde constatar que a incoesão nos
grupos seria a reprodução a nível grupal do medo do aniquilamento que
acomete indivíduos quando submetidos a situações traumáticas (Hopper,
2003b). Isto é, o medo do aniquilamento vivenciado pelos indivíduos em
situações traumáticas reproduziria-se em contextos de grandes grupos
afetados por traumas, pois nessas ocasiões, estaria sempre presente nos
indivíduos uma tendência de se defenderem contra o medo de serem
aniquilados. Assim, com o intuito de se protegerem dessa angústia
primária, surgiria nos indivíduos em contato com o mundo externo ou em
relações grupais um retraimento básico e seus comportamentos oscilariam
inicialmente entre estados de fissão e fragmentação e em um segundo
momento entre estados de fusão e confusão. As reações traumatogênicas
envolveriam, portanto, diferentes defesas patológicas contra o medo do
aniquilamento. Além disso, o autor ressaltou que, no contexto traumático,
o medo de aniquilamento estaria intimamente associado à angústia de
separação, pois a separação de um objeto com o qual se está fusionado ou
que foi perdido prematuramente ou abruptamente é vivida como uma
perda do próprio self. Portanto, o medo do aniquilamento seria uma
resposta ao profundo desamparo vivenciado nas situações de perda,
abandono ou dano em relações interpessoais marcadas pelo trauma. Para
Hopper (2003b), o trauma seria sempre uma consequência de falhas nas
relações de dependência dual ou ambiental (p. 54).
Assim, indivíduos que experimentaram o medo do aniquilamento e suas
vicissitudes dentro de contextos traumatogênicos tenderiam a reproduzir
nas formações grupais ou a formar grupos caracterizados por processos de
incoesão. A incoesão nesses grupos seria caracterizada pela agregação[39]
dos membros em resposta à fissão e à fragmentação ou pela massificação
em resposta a vivências de fusão e a confusão. Além disso, seria possível
encontrar nos processos de incoesão uma oscilação entre esses dois
estados (p. 66). Embora a teoria de Hopper seja aplicada ao contexto dos
grandes grupos, ela também se aplica aos pequenos, pois a observação
clínica de pacientes difíceis, que sofreram falhas na dependência inicial,
mostrou que, quando em tratamento em pequenos grupos, esses pacientes
tendem a apresentar processos de agregação e massificação próprios da
incoesão (p. 91). Isto é, o quarto pressuposto básico se revela no setting de
pequenos grupos através de pacientes difíceis de forma semelhante à que
ocorre na psicodinâmica de grandes grupos.
Agregações e massas foram consideradas por Hopper (2003b) como
duas modalidades bastante simples de formações sociais. Não seriam
propriamente grupos, tampouco uma constelação de pessoas. Também não
seriam multidões, espectadores ou públicos. Em linhas gerais, uma
agregação seria caracterizada por um mínimo grau de atração mútua ou
interdependência entre os indivíduos que, por sua vez, não
compartilhariam identidade de crenças ou valores. Em contrapartida, a
massa seria caracterizada por um máximo grau de atração mútua e
envolvimento entre os participantes e, embora estes não apresentassem
uma relação de interdependência, compartilhariam a ilusão de que
possuiriam as mesmas crenças e valores, mesmo que por um curto período
de tempo. Enquanto uma agregação pareceria apresentar um grau elevado
de individualidade entre seus membros, a massa, pelo contrário,
preservaria muito pouco a individualidade de seus componentes. Uma
agregação seria altamente incoesiva e, embora uma massa aparentasse
apresentar um alto grau de coesão, esta seria apenas transitória. Uma
massa não poderia ser confundida com uma horda, uma turba ou uma
multidão (p. 67). Assim, agregações e massas manifestariam padrões
típicos de interação, normatividade, comunicação e liderança, bem como
exibiriam diferentes estilos de pensamento, sentimento e linguagem
retratando dimensões variadas dos processos de incoesão (p. 70).
Uma massa, assim como Freud descreveu, seria caracterizada pelo
investimento do ideal do ego dos participantes em uma ideia ou em um
líder que seria “o pai arcaico da horda primeva” (p. 72). Contudo, para
Hopper (2003b), o líder de uma massa se assemelharia mais à “mãe
arcaica” (Chasseguet-Smirgel, 2003) e, dessa forma, na massa, os
membros de um grupo procurariam a fusão com um grupo idealizado e
perfeito que inconscientemente buscaria a “maciez do útero-branco da
mãe-grupo” (p. 99).
No que se refere à interação entre os membros de um grande grupo, é
possível observar que, quando a agregação predomina, existe pouca
interação, tendência a dissaroy e Me-Ness (Turquet, 1975; Lawrence, Bain
& Gould, 1996), quase nenhum grau de solidariedade, ignorância ou
mesmo total inobservância em relação às regras e aos padrões esperados
de comportamento (Hopper, 2003b, p. 70). Nesse sentido, em sistemas
sociais devastados por guerras ou situações de conflito, regras
desaparecem, clivagens e diferentes formas de anomia predominam. Além
disso, a concentração de poder nas mãos de uma só pessoa, bem como a
manutenção de hierarquias, fica insustentável. A formação de subgrupos e
contragrupos torna-se onipresente e a sensação de abandono e de
insegurança predominam. Em contrapartida, a interação entre os membros
de um grande grupo caracterizado por processos de massificação surge
marcada pela homogeneidade, pelo fundamentalismo e pela uniformidade
de crenças. A individualidade e a diversidade acabam sendo consideradas
uma rebelião contra as regras do grupo e a homogeneidade cultural é
almejada (p. 71).
No que diz respeito à comunicação no grande grupo, agregação e
massificação apresentam diferenças que remetem à teoria de Oneness
(Turquet, 1975). Em sistemas sociais caracterizados por agregação, a
comunicação torna-se incoerente e, em geral, os indivíduos tendem a
permanecer em silêncio ou a se comportar como Isolates (I) em franco
ataque ao vínculo com o grupo (Bion, 1959). Em geral, apresentam uma
linguagem marcada pela impessoalidade e por eufemismos e a excessiva
burocratização domina a comunicação. Já em grandes grupos dominados
pela massificação, o estado de Membership individual (MI) predomina e
os indivíduos fusionados exibem uma linguagem baseada no “culto à
palavra” e no emprego de jargões compartilhados e específicos daquele
grupo. O silêncio adquire outra conotação e, muitas vezes, denota uma
cumplicidade não verbal ou antiverbal entre os membros que mina as
possibilidades de livre comunicação ou reflexão (Hopper, 2003b, p. 73).
As formas de pensamento também diferem nos dois polos de incoesão. Se,
na agregação, a excessiva abstração, a fria intelectualização, o deboche e o
sarcarsmo são facilmente percebíveis, na massificação, o humor e a
reflexão desaparecem, dando lugar ao truísmo e ao automatismo (p. 74).
A investigação sobre a agressão nos processos de incoesão mereceu
destaque na teorização de Hopper. Muitas vezes, ela não é facilmente
percebida, e seus alvos, formas e funções variam de acordo com os
movimentos do grupo. Hopper (2003b) chama atenção para o fato de que a
agressão no grande grupo geralmente envolve a projeção de grande
quantidade de elementos beta associados a afetos sem representação
(Bion, 1959). A agressão envolve ainda ações marcadas por quebra de
limites, exploração, corrupção, sedução e cumplicidade (p. 75).
No contexto da agregação, a agressividade predomina, e manifestações
de indiferença, hostilidade e retraimento oscilam entre o ódio manifesto e
a agressividade contra tudo e contra todos, isto é, de grupos contra
subgrupos e destes contra outros grupos (Bion, 1959, p. 75). Por sua vez,
na massificação, a agressividade em si é mais disfarçada. Em ambos os
contextos, sentimentos agressivos podem ainda ser sexualizados como nas
formas extremas de sadismo, quando o ódio fica mascarado de amor, a dor
fica inseparável do prazer e os laços sociais são transformados em
subjugação e escravidão (p. 76). Por outro lado, a regulação da agressão
em grupos massificados ocorre através do desenvolvimento de um estilo
de vida ritualizado em função da pressão que o grupo exerce quanto à
conformidade de hábitos e costumes. Além disso, observa-se o
desenvolvimento de diferentes formas de nacionalismo associadas à
purificação da linguagem, da raça e dos valores morais e estéticos. Assim,
se por um lado, é possível constatar que na agregação os fenômenos
agressivos são mais intensos e pouco controlados, na massificação, por
outro lado, a agressividade termina sendo regulada dentro do grupo, mas
projetada para fora contra outros grupos, repudiados por serem percebidos
como estranhos, diferentes ou inferiores, como se fossem
“pseudoespécies”[40] (Erikson, 1968). Como a ritualização, a
sexualização da agressividade e a pseudo-speciation (Erikson, 1968) não
se revelam totalmente eficazes na manutenção da massificação, os
sentimentos agressivos e a agressividade se intensificam necessitando
encontrar novos veículos de escoamento. Nesse sentido, Hopper (2003b)
aponta que, no contexto da massificação, a agressão acaba se tornando
onipresente e em grande parte tem a função de manter a massificação do
grupo. Nos grupos totalitários, o desenvolvimento de hierarquias denota a
superioridade moral ou racial de seus dirigentes em relação à massa
uniformizada e os componentes que resistem a esse modelo terminam
vistos como desviantes ou imorais. Esse tipo de artifício mantém a
conformidade no grupo e permite liberar parte da agressividade no interior
do grupo; no entanto, revela um mecanismo que precisa ser
constantemente alimentado. Outra forma de agressão, onipresente na
massificação, é o desenvolvimento de processos que conduziriam à
anomia e que teriam uma dupla função: atacar a individualidade,
destruindo a identidade pessoal de seus membros, e ajudar a reduzir a
agressividade ao uniformizar os indivíduos e eliminar a inveja pela
diferença (Turquet, 1975). Um exemplo extremo de anomia em um grupo
massificado deu-se através da substituição de nomes próprios por números
como aconteceu na desumanização maciça ocorrida nos campos de
concentração da Segunda Guerra Mundial (Hopper, 2003b, p. 78). De fato,
a universalidade de processos de marginalização, discriminação e
banimento de indivíduos considerados desviantes são práticas
corriqueiras. Isto é, a manutenção de sistemas sociais massificados requer
constante regulação da agressividade no interior do grupo e a criação e
renovação de bodes-expiatórios, bem como “o assassinato moral, pessoal
ou coletivo de indivíduos ou pseudoespécies” (p. 80).
Nem sempre é possível encontrar estados puros de agregação ou de
massificação. Na verdade, para Hopper (2003b), a massificação é uma
estratégia encontrada pelos grupos para lidar com a agressividade que
muitas vezes aparece desenfreada nos estados de agregação. Contudo,
estados de massificação apresentam dificuldades para serem mantidos. Em
geral, a massificação é transitória, frágil e depende do cumprimento de
promessas do líder e de mecanismos de natureza ilusória. Além disso, em
estados de massificação, a execução de tarefas complexas e a formação de
grupos de trabalho ficam tremendamente dificultadas, devido à
homogeneização entre os membros e a eliminação das diferenças e das
habilidades individuais. Assim, o surgimento de obstáculos na manutenção
de uma perfeita massificação é inevitável e subgrupos e contragrupos
começam a aparecer. Em grandes e complexos sistemas sociais, as
hierarquizações e a demanda das elites por privilégios emergem,
comprometendo a total homogeneização da massa. Esta, por sua vez,
tomada pela inveja e sentimentos de exclusão em relação aos membros
dirigentes, torna-se desamparada e sedenta de transformações.
Da mesma forma, com o intuito de se protegerem das dificuldades e
ansiedades associadas aos estados de massificação, muitos sistemas
sociais retornam a estados de agregação e o pânico e as angústias
associadas a esses estados voltam à tona. Entretanto, não se pode observar
nas oscilações entre agregação e massificação movimentos dinâmicos ou
dialéticos que apontem para mudanças. Agregação e massificação são
processos de natureza incoesiva e, portanto, não permitem transformações
sociais, apenas apontam para um longo e infindável processo de repetição
e paralisia social.
Assim como Bion (1970), Hopper (2003b) não analisou os grupos de
trabalho em maior profundidade. Entretanto, afirmou que a incoesão não
permite o desenvolvimento do grupo de trabalho (Bion, 1970), pois:
[...] agregação e massificação são versões grotescas de processos de
autêntica diversidade e unidade que seriam necessárias para a
coesão ótima do grupo de trabalho (Hopper, 2003b, p. 87).
Nesse sentido, seria difícil imaginar, dentre os grupos submetidos a
processos de incoesão, a heterogeneidade e a diversidade de papéis
necessárias à formação de verdadeiros grupos de trabalho. Contudo, em
processos de massificação, a hierarquização, a burocratização e a
normatividade possibilitam certas formas de trabalho, embora sejam
massificadas e repetitivas.
Em suma, para Hopper (2003b), a incoesão pode emergir em todos os
grupos humanos e em grupos vistos como sistemas sociais, desde que
esses grupos ou sistemas sociais tenham vivenciado experiências
traumáticas ou tenham em seu interior membros que foram traumatizados.
Assim, se um grupo familiar estiver traumatizado pela perda do pai, ele
pode regredir para um estado de agregação ou de rivalidade entre os
irmãos ou entre parentes, o que pode conduzir a uma dinâmica familiar
com características de estados de massificação. Também um grupo
analítico com pelo menos um paciente difícil pode expressar fenômenos
de agregação e massificação. Dentro de um escopo mais ampliado, um
sistema social envolvido com a derrota em uma guerra, imigração em
massa ou conflito étnico pode ser compreendido em termos regressivos e
sob estado de agregação ou massificação (p. 85).
O surgimento de relações de pressupostos básicos em um grupo, em
geral, indica que esse grupo encontra-se sob regressão, dominado por
angústias primitivas ou psicóticas, impedido de se constituir como um
grupo de trabalho. Contudo, quando as oscilações do grupo em torno de
pressupostos básicos envolvem o quarto pressuposto básico da incoesão e
a oscilação entre mecanismos de agregação e massificação, a
sobrevivência desse grupo encontra-se verdadeiramente ameaçada
(Hopper, 2003b, p. 86). Quando Hopper postulou um quarto pressuposto
básico baseado na incoesão, ele chamou a atenção não apenas para
importantes questões presentes nos sistemas sociais, como a regressão e o
trauma, mas também dirigiu a atenção para as dificuldades e temores que
eram encontrados no trabalho clínico com grupos. Assim, a investigação
dos processos de incoesão permitiu que a pesquisa se debruçasse sobre
fatores que conduziam à desagregação de pequenos, médios e grandes
grupos − englobando desde problemas com pacientes difíceis em pequenos
grupos a fenômenos de dissaroy, isolamento e anomia nos demais. Isto é,
permitiu que fossem observados, em todos os tipos de grupo, estados de
agregação e massificação que levavam à sua paralisação ou a estados de
dissaroy e, em casos extremos, à sua desintegração. Mais do que isso, a
pesquisa de Hopper permitiu a desmistificação de visões excessivamente
idealizadas sobre as formações grupais, revelando, dentro de uma ótica
mais realista, as dificuldades encontradas atualmente nos processos
grupais.
A teoria de Hopper (2003b) é complexa e é visível que o autor percorreu
um intrincado caminho teórico até sua postulação. De fato, é fácil observar
que os processos de agregação fazem parte do dia a dia dos grupos
humanos, estando presentes nos mais diferentes e inusitados contextos.
Por outro lado, os processos de massificação são bastante conhecidos na
história, especialmente nos movimentos totalitários e nos governos
fascistas presenciados no século XX. É também de conhecimento geral
que os principais teóricos sobre as massas − de Freud (1921) a Canetti
(1960), passando pelos frankfurtianos − deram valiosas contribuições para
a compreensão psicológica e político-social dos mecanismos que
regulavam as massas no século passado. Assim, à primeira vista, a
investigação de Hopper parece apresentar pouca novidade ao estudo das
massas, acrescentando ainda muitas dúvidas de ordem conceitual, em
parte, por ser uma nova teoria que ainda não ultrapassou “a prova do
tempo” e, em parte, porque se dedicou a uma tentativa de integração entre
sociologia, psicanálise e grupanálise na análise da questão. Nesse sentido,
apesar do conceito de incoesão ser de grande utilidade clínica no trabalho
com grupos, Billow (2003) questiona a pertinência de se atribuir às
experiências e defesas psicológicas relacionadas à incoesão o status de
pressuposto básico (p. 155).
No entanto, é nesse ponto que também reside o maior mérito de Hopper,
pois sua pesquisa sobre a vida inconsciente dos grupos permitiu a
apreciação da psicodinâmica das massas/grandes grupos com um
arcabouço teórico atual e interdisciplinar que procurou justamente
construir uma ponte entre a psicanálise e as ciências sociais. Nesse
sentido, um pensamento em termos de interdependências e de figurações
permitiu a Hopper descrever a interligação de aspectos pessoais, culturais
e sociais do fenômeno da incoesão. Além disso, sua teoria permitiu a
compreensão psicológica de diversos processos grupais presentes na
clínica e nas sociedades contemporâneas. É claro que os frankfurtianos já
haviam tentado anteriormente a análise das massas dentro de uma
perspectiva interdisciplinar, contudo, a tentativa de Hopper (2003b) de
conferir um estatuto de pressuposto básico e, portanto, de universalidade,
à agregação e à massificação ampliou a importância do trabalho realizado
no passado, apontando ainda para necessidade de uma continuidade nas
investigações desses processos no mundo contemporâneo.
Além disso, o isomorfismo − apresentado por Hopper (2003b) na
aproximação e utilização de teorias sobre grupos para sistemas sociais
traumatizados − tem sido profícuo. Nos últimos dez anos, investigações de
orientação psicanalítica em países destruídos e traumatizados por guerras
ou acidentes naturais, transmissões psíquicas transgeracionais, elaboração
de lutos coletivos, dinâmica de grupos ideológico-totalitários e
fundamentalistas tem sido beneficiadas pela pesquisa interdisciplinar que
envolve a aplicação de teorias psicanalíticas do indivíduo ao coletivo
(Volkan, 1997, 2002, 2004; Hopper, 2003a, 2003b; Varvin & Volkan,
2008). Isto é, se a Incoesão: Agregação e Massificação − (ba) I:A/M − são,
como Hopper (2003b) propôs, elementos onipresentes na psicodinâmica
dos grupos regredidos, a compreensão de inúmeras questões pode adquirir
redimensionamento. Além disso, investigações sobre grandes grupos
traumatizados promovidas por Volkan (1997, 2002, 2004, 2006a) aliadas à
pesquisa sobre o inconsciente social (Hopper, 2003a; Weinberg, 2007;
Hopper & Weinberg, 2011) prometem contribuir para novos
desdobramentos na pesquisa sobre grandes grupos, culturas e sociedades.
A pesquisa psicanalítica com grupos: uma reflexão
Parece ser um fato inegável a estreita relação entre o trabalho
psicanalítico com grupos e os fenômenos socioculturais, já que as
formações grupais parecem sempre captar o clima de sua época,
antecipando necessidades que muitas vezes ainda estavam inconscientes
para um grande número de indivíduos. Aqui a afirmação de Anzieu (1993)
adquire sentido:
[...] o grupo é uma superfície projetiva para a cultura e para a
sociedade. É um espelho de dois lados, e poder-se-ia retomar, a seu
respeito, a metáfora de Freud atribuindo ao ego uma dupla
superfície, externa e interna, e fazendo dele uma membrana
sensível, ao mesmo tempo, à realidade material e à realidade
psíquica (p. 205).
Embora a citação possa remeter inicialmente ao conceito de envelope
grupal, Anzieu (1993) a utilizou para discorrer sobre a importância das
representações coletivas na ressonância fantasmática nos pequenos
grupos[41], isto é, sobre a influência do universo sócio-histórico na vida
inconsciente desses grupos. A afirmação de Anzieu sobre a vida
fantasmática dos grupos revela a estreita relação entre os fenômenos
individuais e coletivos a partir dos quais “os fantasmas de um indivíduo
podem exercer uma ressonância fantasmática em uma coletividade
pequena ou ampla” (p. 87). Além disso, são ideias que vão ao encontro de
uma visão da psicanálise cada vez mais atrelada à necessidade de
compreensão dos efeitos subjetivos das transformações ocorridas na
cultura.
Não foi por acaso o fato de a pesquisa psicanalítica com pequenos
grupos ter tido o seu desenvolvimento e apogeu ao longo do século XX,
especialmente após a Segunda Guerra Mundial, justamente em um século
em que a sociedade de massas impôs-se com uma força determinante.
Dessa forma, mesmo sendo produto de um século voltado para a
preocupação com as massas, o pequeno grupo floresceu, talvez por ter
funcionado como pièce de resistance, como “antídoto contra a
massificação social” (p. 207) ou mesmo como uma ilusão, um sonho ou a
realização de um desejo (Anzieu, 1993; Kaës, 1997). Dentro dessa
perspectiva, as terapias em grupo e os movimentos grupais espontâneos −
como as tribos de todos os tipos (Maffesoli, 2000) − organizaram-se e
estabeleceram uma realidade indiscutível durante o século XX. O
sentimento de pertencer a um pequeno grupo, a solidariedade, as trocas
grupais e os ideais comuns conferiam a ilusão de que seria possível
restabelecer as relações humanas afetadas pelas guerras, pelo horror ao
fascismo e pelos movimentos totalitários, como também pela
massificação, pelo anonimato e pelas novas relações de trabalho (p. 207).
Assim, não só o trabalho com pequenos grupos, mas as comunidades
terapêuticas da psiquiatria tiveram seu auge. Por outro lado, as pesquisas
com grandes grupos, que desde Northfield (Harrison, 2000) anunciavam-se
como uma possibilidade, revelaram uma realidade em pleno ápice das
transformações do mundo ocidental, quando a valorização do coletivo
esteve na ordem do dia e o individualismo exacerbado e a cultura narcísica
(Lasch, 1979) começavam a se impor e a apresentar suas consequências na
sociedade. No final do século XX e no início do XXI, quando a Guerra Fria
deu lugar às reconfigurações político-sociais do Leste Europeu e da
Europa Central, quando o trauma e a transmissão psíquica transgeracional
tornaram-se categorias teórico-clínicas importantes para a psicanálise
(Kaës, 2001, 2005; Volkan, 2002; Faimberg, 2005), as investigações sobre
grandes grupos se impuseram.
As teorias sobre grandes grupos procuraram descrever fenômenos que
em geral não ocorriam em pequenos grupos, mas que eram preponderantes
em settings de grandes grupos, entretanto, algumas delas, apesar de terem
apresentado sua psicodinâmica específica, mesmo que inadvertidamente,
pareciam ainda estar aprisionadas ao modelo individualista. É fato que
tanto Turquet (1975), na década de 1970, quanto Lawrence, Bain e Gould
(1996), nos anos 1990, investigaram a psicodinâmica dos grandes grupos,
contudo suas teorias encontravam-se distantes do paradigma grupanalítico,
levando a crer que, mesmo entre analistas de grupo, um pensamento em
termos figuracionais ainda era pouco conhecido e estava longe de ser uma
unanimidade (Dalal, 2011). Nesse sentido, é possível constatar que a teoria
de Oneness − postulada por Turquet (1975) no seio da própria Sociedade
de Grupanálise − baseava-se em ameaças identitárias vivenciadas pelos
indivíduos no grupo, parecendo ignorar questões referentes às
interdependências (Elias, 1970). Além disso, conferia excessiva ênfase ao
indivíduo e à teoria kleiniana, inserindo-se em um paradigma que
valorizava os mecanismos intrapsíquicos em detrimento de uma
perspectiva relacional. Da mesma forma, o conceito de Singleton, apesar
de ter sido útil para a compreensão da dinâmica do comportamento do
indivíduo no grande grupo, é uma metáfora do conceito de indivíduo na
modernidade. Assim, as divergências entre a teoria de Turquet (1975) e os
postulados teóricos da grupanálise são evidentes. Apesar disso, os
conceitos de Singleton, Membership Individual, Isolate e Individual
Member – enquanto estados componentes da teoria de Oneness – ainda são
frequentemente utilizados nas discussões sobre a psicodinâmica dos
grandes grupos e nas discussões sobre pressupostos básicos de Lawrence,
Bain e Gould (1996) e Hopper (2003b). Desse modo, o estudo de Turquet
(1975) continua a ser valorizado pelos teóricos da grupanálise, talvez
porque tenha sido pioneiro na pesquisa sobre grandes grupos.
Lawrence, Bain e Gould (1996), apesar de terem traçado um percurso
teórico estritamente relacionado às mudanças encontradas no contexto
político-social da década de 1990, apontando para uma possível inter-
relação entre o ambiente e o comportamento dos indivíduos em grandes
grupos, também não conseguiram realizar um trabalho em termos
genuinamente interdependentes (Elias, 1970). De início, suas ideias
apresentavam uma aparente mudança de enfoque em relação às ideias de
Turquet (1975), entretanto, a teoria de Me-Ness (Lawrence, Bain & Gould,
1996) apresentava-se, em primeiro momento, quase apenas como um
contraponto à teoria de Oneness (Turquet, 1975), permanecendo, portanto,
ainda essencialmente arraigada ao comportamento dos indivíduos no
grande grupo. Do ponto de vista da teoria de Me-Ness, a psicodinâmica
observada nos grupos remetia apenas para o efeito das transformações
socioculturais ocorridas na década de 1990 nos indivíduos e não para a
intrincada relação entre eles.
Apenas a pesquisa apresentada por Earl Hopper (2003b) − que deslocou
o foco de atenção da homogeneização e da coesão grupal, prevalente ao
longo do século XX, para os processos de incoesão nos grupos – foi capaz
de conduzir à novas perspectivas na investigação de grandes grupos,
facilitando ainda a compreensão e o manejo dos pequenos. Além disso,
como Pines (2003b) afirma, Hopper parece enfim ter revelado uma visão
interdependente entre as relações indivíduo-grupo: “Hopper pôde, devido à
sua tripla formação, apresentar uma leitura da questão do grupo
verdadeiramente baseada na inter-relação entre o pensamento psicanalítico
e o social” (p. 162).
Nesse sentido, é possível acreditar que Hopper (2003b) conseguiu
realizar o que Elias tentou: “criar uma ponte entre o indivíduo-grupo, a
sociologia e psicanálise, passando pela grupanálise” (p. 163). Nos tempos
em que era sociólogo, a atenção de Hopper voltava-se para os debates que
envolviam as teorias de coesão social e sistemas sociais simples e
complexos (Durkheim, 1893). Anos mais tarde, na década de 1980, já
como psicanalista e grupanalista, Hopper investigou angústias primitivas,
em especial o medo do aniquilamento e formas de encapsulamento em
pacientes individuais (Hopper, 1991). Nessa época, suas preocupações
encontravam-se atreladas às tentativas da psicanálise e da grupanálise de
lidar com pacientes difíceis. Ou seja, da mesma forma que a psicanálise
buscava alternativas teóricas para lidar com esse tipo de paciente em
tratamento, a psicoterapia de grupo também formulava novas técnicas que
pudessem fazer face aos desafios que os pacientes difíceis impunham ao
tratamento grupal. Isso porque pacientes narcísicos, borderlines,
psicóticos, adictos, psicossomáticos ou excessivamente traumatizados
eram, em geral, contraindicados para grupos analíticos heterogêneos
(Zimmermann, 1971; Zimerman, 1993). No entanto, em grupos
homogêneos, podem apresentar avanços terapêuticos significativos,
embora sejam pacientes que demandem cuidados especiais quando em
grupos analíticos, pois podem levar facilmente o grupo a se dissolver
(Zimmermann, 1971; Zimerman, 1993; Mello Filho, 2000).
A pesquisa de Hopper permitiu verificar a presença de processos de
incoesão tanto nos pacientes difíceis do pequeno grupo − e isso inclui
pacientes traumatizados − quanto no grande grupo traumatizado (Hopper,
2003b). Ou seja, o quarto pressuposto básico de Hopper (2003b) permitiu a
criação de uma interface entre o indivíduo e o grupo, fazendo do paciente
difícil o porta-voz e a própria expressão do quarto pressuposto básico da
incoesão, observável tanto em pequenos grupos quanto em grandes grupos
vistos como sistemas sociais. Nisso parece residir a principal contribuição
de Hopper para o debate, pois, como Pines (2003b, p. 158) e Kibel (2003,
p. 161) apontaram, suas formulações em torno do quarto pressuposto
básico permitem apreciar uma teoria grupanalítica que valoriza as
interdependências entre indivíduo e sociedade.
Outro ponto que chama atenção diz respeito à tendência, observada nos
teóricos da grupanálise de conceitualizar novos pressupostos básicos para
o funcionamento dos grupos. Sem dúvida, o trabalho com grupos pode, nas
palavras do próprio Hopper (2003b) quando o compara historicamente
com o início da Era Cristã, ser dividido entre AB – antes de Bion – e DB –
depois de Bion – tamanha foi a importância e o impacto da postulação dos
pressupostos básicos na teoria grupal (p. 12). No entanto, parece que a
contínua busca por novos pressupostos básicos pode estar relacionada ao
trauma vivenciado pelas terapias analíticas de grupo devido ao inexplicado
abandono de Bion do estudo das formações grupais. Nesse sentido, Mello
Franco (2003) sugere que o afastamento de Bion pode ser associado a uma
experiência traumática que ainda não passou por um processo de luto,
tendo gerado nos grupoterapeutas um sentimento de orfandade (p. 24).
Talvez seja possível, então, compreender a necessidade da postulação de
novos pressupostos básicos como uma tentativa de elaboração do luto pela
perda de pai tão ilustre.
Também, sem deixar de considerar a hipótese de Mello Franco (2003), é
possível imaginar que talvez os três pressupostos básicos formulados por
Bion (1970) tenham sido suficientes para a compreensão e manejo de
inúmeras dinâmicas grupais até o aumento, a partir da década de 1970, do
número de pacientes difíceis e também do incremento do trabalho em
settings de grandes grupos, que apontaram para a necessidade de novas
postulações teórico-técnicas (Pines, 1983, 1998; Nitsun, 1996). A
contribuição de Hopper (2003b) caminha nessa direção, pois, de fato, os
processos incoesivos parecem expressar, a partir do final do século XX, as
principais dificuldades encontradas nos pequenos e nos grandes grupos
contemporâneos. Isto é, no mundo atual, os processos de incoesão
revelam-se presentes tanto nos pacientes difíceis dos pequenos grupos
quanto nos grandes grupos espontâneos e nas sociedades traumatizadas.
Nesse sentido, a homogeneização, a coesão grupal, a ilusão grupal e os três
pressupostos básicos de Bion (1970) podem ser todos apreciados, após a
análise de Hopper (2003b), sob a ótica dos processos incoesivos, o que
parece ser uma visão menos idealizada ou ilusória das formações grupais.
A ressalva fica por conta dos também idealizados pequenos grupos
heterogêneos, que podem ser apreciados como grupos de trabalho (Bion,
1970), e dos médios grupos democráticos de Patrick de Maré (1991; Lenn
& Stefano, 2012). Dentro dessa perspectiva, a psicodinâmica dos grandes
grupos do século XXI aponta para a presença e para as consequências dos
processos de incoesão nos grupos, especialmente em sociedades
regredidas e traumatizadas como será visto nos grandes grupos
contemporâneos estudados por Volkan.

[19] Comitê de Seleção de Oficiais do Ministério da Guerra.


[20] O pioneirismo da Inglaterra foi indiscutível no desenvolvimento da
psicoterapia psicanalítica de grupo, contudo, é fundamental lembrar que,
de forma isolada e absolutamente original, Pichon-Rivière, na Argentina,
deu início em 1938 a trabalhos com grupos no Hospício de las Mercedes.
[21] Rickman interessava-se desde jovem pelas ligações da psicanálise
com o contexto social. Durante a Primeira Guerra Mundial, trabalhou
como médico na Rússia, de onde extraiu experiências sobre o
comportamento coletivo. Ao final da Primeira Guerra, esteve envolvido no
processo de reconstrução e, desde o início da Segunda Guerra, atuou no
War Office Selection Board produzindo ainda artigos sobre os efeitos
psicológicos dos bombardeios aéreos (King, 1938).
[22] De acordo com Pat de Maré (1985, citado por Harrison, 2000), o
comandante de Northfield parece não ter compreendido o trabalho que
Rickman e Bion realizavam no hospital e era consenso que as atividades
da dupla desorganizavam a rotina do hospital, não apresentando resultados
visíveis e imediatos. Harrison acredita que, embora Rickman e Bion
estivessem cientes que seu projeto atingia o objetivo de reintegrar os
pacientes na ativa, imbuindo-os de um espírito grupal e de uma
consciência de seu papel junto ao exército, ambos trabalhavam de forma
independente, com certo grau de arrogância, ignorando a organização do
hospital e a burocracia da administração militar (Harrison, 2000, p. 191).
[23] Harold Bridger comandou, a partir de 1944, a ala de reabilitação de
Northfield. Seu apoio ao trabalho grupal e a importância que atribuiu aos
aspectos sociais na reabilitação dos recrutas – especialmente através da
criação de um clube organizado e gerenciado pelos pacientes para
atividades ocupacionais e profissionais durante a internação – terminou
por conferir a Northfield um ethos que transformou o hospital em uma
verdadeira comunidade terapêutica (Harrison, 2000, p. 208). Mais tarde, as
experiências de Bridger deram origem à socioanálise inglesa.
[24] Maxwell Jones iniciou, no mesmo período, no hospital de emergência
de Mill Hill, um modelo de trabalho semelhante, contudo, fazia uso de
técnicas excessivamente diretivas, que, na época, estavam longe do
modelo das comunidades terapêuticas de orientação psicanalítica
(Harrison, 2000).
[25] Bandwagon significa, em inglês, “carro de propaganda política”. Em
português, traduções aproximadas do termo levam às expressões “carro-
chefe”, “palavra-bonde”.
[26] Na França, Didier Anzieu (1993) trabalhou com grandes grupos em
atividades de ensino que foram fundamentais para a construção da teoria
psicanalítica francesa sobre grupos e verificou que, em grupos não
estruturados, ocorriam regressões que levavam os indivíduos a apresentar
um comportamento com características fusionais, observação que
conduziu à formulação do conceito de ilusão grupal (Anzieu, 1993).
Entretanto, essas pesquisas não caminharam para a investigação sobre
grandes grupos (Pines, 2003a). Recentemente, contudo, investigações
sobre trauma e transmissão psíquica em famílias estão conduzindo os
teóricos alinhados à escola francesa a estudos transculturais que envolvem
grandes grupos (Rouchy, 1987; Le Roy, 1994; Benghozi, 2001).
[27] Embora Adalberto Barreto, psiquiatra cearense, tenha desenvolvido
um método de terapia comunitária em Pirambu que parece se assemelhar a
um trabalho com grandes grupos, suas técnicas não fazem referência às
teorias psicanalíticas sobre grandes grupos e estão centradas na criação de
espaços comunitários de troca e encaminhamento de questões das
comunidades (Grandesso & Barreto, 2007). Por outro lado, encontramos
trabalhos de orientação psicodramática dentro e fora do Brasil que, apesar
de envolverem settings de grandes grupos, partem de diferentes premissas
teórico-técnicas.
[28] Aqui cabe lembrar que, de forma independente e original, Pichon-
Rivière realizou em 1958 a “Experiência Rosario”, que deu origem à
teorização sobre os grupos operativos (Pichon-Rivière, 1980, p. 97), mas
que pode ser visto como um trabalho precursor em um setting de grande
grupo. Mais do que oferecer uma forma inovadora de trabalhar com
grupos, essa experiência − provavelmente desconhecida na Inglaterra da
década de 1970, quando os grandes grupos começaram a ser teoricamente
investigados − pode ser considerada como precursora desse tipo de
abordagem grupal pela forma como vislumbrou o grupo inserido no
contexto social, mesmo que seus principais condutores estivessem
concentrados no objetivo de conceitualizar os grupos operativos. No
revolucionário experimento, realizado na companhia de psicanalistas
argentinos como José Bleger, David Liberman, Cesar Octalagano, Edgardo
Rolla e o apoio de diversas universidades e instituições locais, foram
reunidos, durante três dias, em pequenos grupos − hoje conceitualizados
médios grupos (Lenn & Stefano, 2012) por reunirem de quinze a vinte
pessoas selecionadas aleatoriamente, habitantes da cidade de Rosario que
interagiram em um intensivo e interpretativo trabalho que tinha o objetivo
de alcançar, através das experiências grupais, uma transformação nos
membros da comunidade de Rosario (Pichon-Rivière,1980). Mesmo tendo
se concentrado apenas no trabalho com pequenos grupos (médios grupos),
é visível na experiência Rosario a influência do trabalho com as
comunidades terapêuticas que, na época, vinham sendo desenvolvidas por
Maxwell Jones. Inspirados ainda pelo marxismo, a experiência Rosario
realizou uma investigação de caráter interdisciplinar que visava a
promover intervenções no social através do dispositivo grupal. Nesse
sentido, seus objetivos propunham − de forma similar à que os grandes
grupos da atualidade propõem − intervenções que buscavam a integração,
a comunicação e a transformação da sociedade, através dos grupos
envolvidos. Embora outros experimentos como o realizado em Rosario
não tenham mais acontecido, suas conclusões deram origem à técnica do
trabalho com grupos operativos aplicados à didática, ao ensino, à
instituição e à terapêutica, que passou a ser desenvolvida sob a orientação
de Pichon-Rivière no Instituto Argentino de Estudios Sociales – IADES
(Pichon-Rivière, 1980).
[29] Koinonia é uma palavra grega que significa fellowship em inglês. Em
português, pode ser traduzida como “comunhão de interesses”,
“companheirismo”, “camaradagem” e, no sentido que Pat de Maré
atribuiu, “concidadania e cidadania”. Patrick de Maré (1974) imagina o
grupo como uma Koinonia quando se refere a um estágio ideal e avançado
de inter-relações que pode ser alcançado no processo de grande grupo (de
Maré, 1991, p. 42).
[30] Em geral, um grande grupo pode ter dois ou três condutores, sentados
no primeiro dos círculos concêntricos ou então dispostos estrategicamente
no meio dos participantes.
[31] Singleton (S) é uma expressão retirada do jogo de bridge que se refere
à existência de uma única carta de um naipe na mão de um jogador. O
termo pode ser ainda associado a uma expressão utilizada em
Buckinghamshire, na Inglaterra, para descrever a condição de um pato
isolado, separado de um amontoado de patos – “huddle of ducks” (Turquet,
1975, p. 316).
[32] Dissaroy foi um neologismo criado por Turquet, provavelmente a
partir da palavra francesa désarroi, para designar um estado de completo
atordoamento pelo qual o indivíduo pode passar em situação de grande
grupo (Pines, 1989, p. 319). Hopper (2003b) acredita que um estado de
dissaroy no grande grupo pode ser associado a estados mentais que mais
tarde Bion (1959) denominou de objetos bizarros.
[33] Para Chasseguet-Smirgel, não há diferença entre ego ideal e ideal do
ego.
[34] Lawrence chegou a cunhar, de forma sarcástica, um novo diagnóstico,
que denominou de Post Thatcher Sadism Syndrome, para as patologias
observadas nesses grupos yuppies na Inglaterra (Lawrence, Bain & Gould,
1996, p. 45).
[35] No Brasil, Paulo Cesar Sandler (2001), de forma independente aos
ingleses, postulou a existência de um quarto pressuposto básico que
nomeou Alucinose de Exclusão/Pertinência, permitindo, denre outros
aspectos, a investigação das conturbadas relações grupais dentro das
instituições.
[36] Para uma maior compreensão sociológica da visão de Hopper de
grupos vistos como sistemas sociais, ver Hopper, E. & Weyman, A.
(1975). The sociological view of large groups In: Kreeger, L. (Org.). The
Large Groups: Dynamics and Therapy.
[37] Incoesão: Agregação/Massificação.
[38] “Primitivas sensações de angústia de aniquilamento foram descritas
em termos de insegurança ontológica, medo de explosão ou implosão,
engolfamento, agonias primitivas, medos e terrores sem nome, abjeto e
ambiguidade” (Hopper, 1991, p. 609).
[39] A tradução escolhida para aggregation foi “agregação”. Embora a
palavra “agrupamento” pudesse ser mais adequada ao português, sua
tradução para o inglês é grouping, termo que em grupanálise adquire um
sentido diverso. Assim, esta foi a melhor opção de tradução encontrada.
[40] Pseudoespécies se referem ao conceito de pseudo-speciation de
Erikson, que, a partir de Spengler e estudos sobre sistemas de castas na
Índia, descreve a origem do preconceito no desenvolvimento psicossocial
dos indivíduos (Erikson, 1968).
[41] Essa ideia apresentada por Anzieu no início da década de 1970
(Anzieu, 1993) pode ser associada ao conceito de inconsciente social
também descrito por Foulkes (1964, 1975a) e Hopper e Weinberg (2011).
Capítulo V
Os grandes grupos no mundo
contemporâneo
Muitas das indagações que permeavam as pesquisas no século XX sobre
a psicologia das massas e seus líderes passaram no alvorecer do século
XXI, especialmente após a queda do Muro de Berlim e do Onze de
Setembro, a ser investigadas por psicanalistas e grupanalistas sob o viés
dos grandes grupos. Suas colaborações passaram a ser solicitadas pela
sociedade em geral no esforço de compreensão de questões étnico-
político-sociais (Kernberg, 2001; Hough, 2003; Varvin & Volkan, 2008).
No passado, a análise de dificuldades que envolviam grandes grupos
centrava-se apenas na investigação dos processos sociais e políticos
implicados, deixando de lado a compreensão dos processos psicológicos
coletivos. Entretanto, observa-se na atualidade o emprego de conceitos
psicanalíticos para a investigação da dinâmica de grandes grupos, da
política internacional e do contexto onde conflitos ou traumas massivos
eclodem (Varvin & Volkan, 2008).
É possível, assim, acreditar que o estudo da psicodinâmica e da
psicopatologia dos grandes grupos será como Rangell (2008) afirma: um
grande avanço no alcance da psicanálise atual, envolvendo contribuições
da antropologia, da sociologia, da história e da ciência política, com o
objetivo de compreender os motivos etiológicos inconscientes que levam
grupos ou sociedades a desenvolver determinados tipos de
comportamento. No prefácio de Violência ou Diálogo: reflexões
psicanalíticas sobre terror e terrorismo, Widlöcher (2008) corrobora com
as afirmações de Rangell (2008) a respeito da necessidade de a psicanálise
debruçar-se sobre a investigação da violência coletiva praticada por
grandes grupos, retomando a pergunta de Einstein para Freud em Por que
a Guerra? (1933 [1932]). Parece-lhe que não se trata da psicanálise
responder à pergunta, ou tentar formular respostas prontas acerca das
questões atuais que envolvem conflitos entre nações, terrorismo, racismo
ou genocídio, mas de a psicanálise, por meio do testemunho, da teoria e da
prática clínica, poder opinar sobre complexos fenômenos de massa,
refletindo ainda sobre a compreensão dos efeitos destrutivos desses
processos.
Na verdade, na medida em que a tarefa do psicanalista não é a de
responder às demandas desejantes dos pacientes, mas a de abrir caminhos
que levem do campo pulsional ao civilizatório, produzindo pensamento e
ação no mundo, a atividade reflexiva acerca de aspectos que produzem
mal-estar na atualidade deve despertar a atenção dos psicanalistas (Nozek,
2008). Se, por um lado, é fundamental que os psicanalistas posicionem-se
sobre os grandes temas da humanidade, por outro, não parece que eles
estejam autorizados a falar como autoridades a respeito de assuntos que
envolvem difíceis questões ideológicas. Contudo, em relação aos inúmeros
conflitos que não param de surgir no mundo contemporâneo, torna-se
necessária a insistência por parte dos psicanalistas na substituição da ação
pelo pensamento em prol do civilizado (p. 29). É nesse sentido, retornando
à pergunta de Einstein feita a Freud em Por que a Guerra? (1933 [1932]) e
acompanhando a reflexão de Nosek (2008) sobre a resposta de Freud a
respeito da pulsionalidade destrutiva dos seres humanos, que se pode
refletir que, sem o pensamento, fica-se à mercê do desamparo diante da
destruição, do terror e da violência. Por outro lado, é o horror perante a
violência contra o mundo e o semelhante e a incapacidade de
representação de suas implicações que impulsionam o pensamento e a
busca por novos caminhos. Assim, no momento em que tanto a capacidade
de pensar quanto a relação, visão e respeito ao outro como semelhante
apresentam-se afetados por processos político-ideológicos, psicanálise e
ética se encontram, implicando os psicanalistas no debate.
Desse modo, dentro de uma ótica mais aberta para questões
sociopolítico-culturais, a psicanálise do século XXI promete voltar-se para
a pesquisa de assuntos que, em vez de focalizarem apenas os indivíduos
em oposição e conflito com a civilização, debruçam-se sobre as
interdependências entre os indivíduos, a cultura e o social, especialmente
quando essas relações encontram-se ameaçadas por situações traumáticas.
Inserido nessa visão mais ampliada − que parece ser mais próxima do
pensamente intersubjetivo e das figurações grupanalíticas (Elias, 1970) −
o trabalho do psicanalista cipriota Vamik Volkan é pioneiro na apreciação
da psicodinâmica de grandes grupos étnico-nacionais.
Volkan (2004) alerta para a especificidade da psicologia dos grandes
grupos revelando que, diante de determinadas condições político-sociais
que incluem desde ameaças à identidade grupal, trauma e regressões até
manipulações de lideranças ideológicas, cria-se uma atmosfera que
desencadeia a violência e atos coletivos que afetam a vida das pessoas (p.
11). De certa forma, sua pesquisa parece ampliar os estudos iniciados por
Freud sobre a psicologia das massas e as investigações empreendidas
pelos frankfurtianos na interface entre a psicanálise e a cultura.

Vamik Volkan e os grandes grupos étnico-nacionais


O psicanalista Vamik Volkan (1997, 2002, 2004, 2006) dedica-se desde
1979 a pesquisas de campo em zonas de conflito étnico-racial ou junto a
populações traumatizadas − como a antiga Iugoslávia, Kuwait, Geórgia,
Turquia, Grécia, Albânia, Estônia, Chipre − que envolvem psicanálise e
política internacional e que permitiram a construção de conceitos
psicanalíticos que podem ser utilizados na compreensão e análise de
traumas sociais massivos (Hough, 2003, p. 822). Distanciando-se da
clínica psicanalítica tradicional, mas influenciado pelas ideias de
Winnicott, pelos estudos sobre identidade de Eric Erikson (1950) e pelas
contribuições das psicanalistas Edith Jacobson (1964) e Margareth Mahler
(1982), Volkan dirigiu o Center of Study of Mind and Human Interaction,
fundado em 1987 e fechado em 2005. No centro, localizado na
Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos, passou a desenvolver
pesquisas interdisciplinares visando à compreensão da identidade, dos
comportamentos e das motivações de grandes grupos étnico-nacionais,
como também das questões ligadas à liderança, ao racismo, ao terrorismo
e ao trauma social (Volkan, 1997). Impulsionada pelas reconfigurações
político-sociais ocorridas na década de 1990 em países do Leste Europeu,
Europa Central e na África pós-colonial − que reativaram a questão étnico-
racial como deflagradora de batalhas e genocídios tal qual os que
aconteceram na Iugoslávia e em Ruanda − a pesquisa a respeito dos
grandes grupos encontrou um novo campo a partir da ótica de Volkan
(1997, 2004, 2006a).
Volkan (2006b) acredita que as contribuições da psicanálise são
extremamente relevantes para a compreensão das questões mundiais
relacionadas a identidades étnicas, lideranças políticas, diplomacia,
violência em massa e até mesmo elaboração de estratégias de intervenção
em saúde pública e mental. Corroborando com as ideias de Kernberg
(1998, 2003) de que a experiência psicanalítica no trabalho com crianças e
com a psicopatologia dos estados narcísicos e borderlines tem muito a
contribuir para a compreensão da psicodinâmica dos grandes grupos não
estruturados propõe que o conhecimento psicanalítico sobre essas questões
seja aplicado à psicodinâmica dos grandes grupos. Nesse sentido, Volkan
(2006b) afirma que as relações internacionais que envolvem grandes
grupos são dominadas por mecanismos primitivos de defesa, como
regressão, introjeção, projeção, clivagem, dissociação e recusa frequente
em crianças ou em pacientes difíceis. Acredita, no entanto, que grande
parte dos psicanalistas não parece perceber essa correlação que se revela
profícua na compreensão de fenômenos de grandes grupos (Volkan, 2004).
Assim, influenciado pelas perspectivas psicanalíticas atuais, mas
tomando como ponto de partida a psicanálise freudiana clássica e a
psicodinâmica de grandes grupos étnicos, nacionais, religiosos ou
ideológicos, Volkan (2006b) procura definir uma nova identidade para os
grandes grupos, ressaltando suas diferenças em relação aos pequenos
grupos, aos grandes grupos da grupanálise e às multidões de Le bon. Da
mesma forma que Hopper (2003b), ou até mesmo inspirando-se nele,
Volkan (1997, 2004, 2006a) desenvolveu uma análise de grandes grupos −
submetidos à regressão e a traumas massivos − que parece compartilhar da
mesma perspectiva teórica que permitiu o estabelecimento do
isomorfismo entre grandes grupos e sistemas sociais, proposta por Hopper
(2003b). Dentro dessa leitura, torna-se possível formular teorias
psicanalíticas sobre formações grupais que podem ser utilizadas nas
análises de estados ou nações. Diferentemente de Bion (1970), Turquet
(1975), Kernberg (1998) e Hopper (2003b), Volkan (2006b) definiu os
grandes grupos − agora vistos enquanto povos ou nações − a partir de sua
identidade étnica. Isto é, os grandes grupos de Volkan (1997) são
compostos por milhares ou milhões de pessoas que partilham de uma
identidade nacional comum:
Uma identidade de grande grupo é o resultado da confluência de
uma realidade geográfica, de uma continuidade histórica e de um
compartilhar de um mesmo mito ancestral, além de uma série de
outras características naturalmente partilhadas desde a infância (p.
22).
O sentimento de we-ness (p. 81) que caracteriza a identidade de um
grande grupo apresenta-se apenas quando sua identidade encontra-se
ameaçada por conflitos internos ou externos, pois, na maior parte do
tempo, permanece como uma força latente e invisível. Valendo-se da
psicologia das massas freudiana, critica-a por centrar-se excessivamente
em questões edípicas e deixar de lado os elementos pré-edípicos presentes
nas relações grupais, bem como a função da agressividade e da regressão
na dinâmica das massas. Apesar de criticar “a visão incompleta de Freud”
(Volkan, 2006b, p. 4) sobre o assunto, aproveita-se de sua descrição acerca
da relação dos membros do grupo com o líder para construir uma imagem
que para ele define a psicologia de um grande grupo:
Quando penso a respeito da teoria freudiana clássica sobre grandes
grupos, visualizo pessoas reunidas em torno de um gigantesco
mastro que representa o líder do grupo. Os indivíduos dançam em
torno do mastro identificando-se entre si e idealizando o líder.
Ampliei a metáfora do mastro, imaginando uma lona estendida
sobre as pessoas a partir do mastro para formar uma grande tenda.
A lona representa a identidade dos grandes grupos (p. 5).
Assim, protegidos sob essa tenda ereta, sustentada pelo mastro, que
representa o líder encarregado de manter e proteger a identidade do grande
grupo, grupos e subgrupos variados são iguais e partilham de uma
identidade em comum − we-ness − que se soma como uma segunda pele à
identidade pessoal de cada um dos indivíduos. Eles “estão conectados
entre si não apenas por amarem o mesmo líder, mas por trajarem, neste
sentido, a mesma vestimenta” (Volkan, 1997, p. 27). Dessa forma, o
grande grupo assume sua própria identidade e a lona da tenda passa então
a representar a identidade grupal compartilhada. Seus membros, por sua
vez, esforçam-se para manter a lona ereta, especialmente diante de
ameaças à sua identidade, valendo-se da religiosidade, dos símbolos, dos
rituais e esforços de qualquer espécie − que incluem desde simples ações
que garantam a coesão do grupo até a agressão generalizada − para a
manutenção da lona protetora do grande grupo (p. 28). Dentro dessa visão,
a relação do membro do grupo com o líder, exaustivamente estudada ao
longo do século XX, é apenas um dos aspectos relevantes para a
construção da identidade do grande grupo. Sem deixar de atribuir
importância à questão da liderança, a atenção de Volkan (2004) recai para
a investigação de momentos de estresse coletivo, tais como crises
econômicas, guerras, terrorismo ou acidentes naturais, situações nas quais
o grande grupo regride. Isto é, em situações ameaçadoras, os grandes
grupos, assim como os indivíduos, regridem retomando mecanismos
primitivos de comportamento (Volkan, 2004, 2006b).
Volkan (2004) identificou, a partir de suas observações de campo, certas
características que denominou de “fios” que, entrelaçados, constroem a
identidade dos grandes grupos étnico-nacionais. Ou seja, o entrelaçamento
dos fios são os responsáveis pela tessitura da lona que recobre a tenda do
grande grupo (p. 37). O primeiro fio utilizado nessa trama, que Volkan
denomina de reservatórios compartilhados − shared reservoirs (p. 38) −
encontra suas raízes no desenvolvimento emocional primitivo do
indivíduo, estando ainda em intrincada inter-relação com o ambiente e a
externalidade. Dentro de uma perspectiva psicanalítica que contempla a
intersubjetividade, é sabido que o eu estrutura-se a partir de relações de
objeto onde o ambiente exerce uma influência fundamental. Contudo, até
que ocorra a integração do eu, fenômenos e objetos transicionais
concorrem no processo (Winnicott, 1971). Assim, da mesma forma que
ocorre com o desenvolvimento dos indivíduos nos grandes grupos, podem
existir relações de objeto que podem vir a ser socialmente compartilhadas
como se fossem provenientes de um reservatório de conteúdos não
integrados acionados e externalizados em determinadas situações (Volkan,
1997). Desse modo, nos grandes grupos, existem marcas étnicas,
“imagens-continentes culturalmente significativas” (Volkan, 2004, p. 39),
que funcionam como objetos transicionais socialmente compartilhados −
como a cruz celta dos irlandeses, a saia kilt escocesa ou, quem sabe, a fita
do Senhor do Bonfim brasileira. Essas marcas acabam sendo utilizadas
como reservatórios compartilhados de externalização da identidade do
grande grupo. Em situações de ameaça identitária, quando o grande grupo
regride, é possível assim recorrer a reservatórios compartilhados que
podem assumir a função de objetos transicionais visando à garantia da
manutenção do sentimento de we-ness (Volkan, 1997, p. 93).
No segundo fio responsável pela trama da tenda do grande grupo,
encontram-se as identificações que estão também largamente relacionadas
com os reservatórios compartilhados. As identificações dos indivíduos
estabelecem-se nas relações parentais, mas também no seu ambiente
imediato que participa da estruturação da identidade de grande grupo de
um indivíduo. Características como etnia, língua, tradições culturais ou
mitos são compartilhadas no social, sendo responsáveis pelo
estabelecimento das relações entre os indivíduos e destes com o grupo
(Volkan, 2004, p. 40). São as identificações que levam às identidades
étnicas, religiosas ou nacionais. Estas, por sua vez, reforçam um terceiro
fio da trama que garante a coesão do grupo e a projeção da agressão para o
mundo externo. Esse fio remete ao conhecido comportamento de um grupo
de atribuir “más qualidades” (p. 44) ao grupo adversário, pois grande parte
da identidade de um grupo social constitui-se a partir da projeção do que
não é suportado dentro do grupo para fora, no outro grupo.
Na orquestração das identificações que compõem a identidade do
grande grupo, existe um quarto fio que responde pelo desenvolvimento de
uma relação com o líder e, mais do que isso, refere-se à forma como os
membros de um dado grupo absorvem as demandas impostas por ele. Ou
seja, diante de um líder carismático como foi Lênin ou Gandhi, os
membros do grupo desenvolvem uma identidade grupal compatível com as
premências e com a ideologia proposta pelo líder. Muitas vezes, essas
necessidades chegam a remodelar a realidade política e psicossocial com
consequências construtivas ou destrutivas. Entretanto, dependendo da
situação e da necessidade de conformação às demandas do líder, o grupo
pode ser levado à regressão (Volkan, 2004, p. 46). Nesse sentido, a
reflexão de Volkan encontra-se em sintonia com a afirmação proferida por
Freud na psicologia das massas quando este ressaltou que os “membros do
grupo identificados com o líder se comportam em consideração a ele, por
amor a ele” (Freud, 1921, p. 118).
Até o momento, as teorias de Volkan parecem não apresentar grandes
novidades na compreensão do fenômeno dos grandes grupos, contudo, dois
novos fios que tecem a trama identitária do grande grupo são
representados pelos conceitos de traumas selecionados e glórias
selecionadas − chosen traumas e chosen glories − que são contribuições
que redimensionaram a compreensão de sociedades traumatizadas ou em
conflito (Volkan, 2004, p. 47). A construção desses conceitos remete ao
fato de que observações clínicas de sobreviventes e descendentes de
vítimas do Holocausto têm revelado, de diversas patologias, os efeitos de
longo prazo dos traumas coletivos e pessoais vivenciados por seus
progenitores, propiciando elaborações teóricas sobre trauma, transmissão
psíquica (Abraham & Torok, 1995; Danieli, 1998; Kaës, 2001, 2005;
Correa, 2001; Volkan, 2002; Kupferberg, 2004) e telescopagem de
gerações (Faimberg, 2005). Isto é, a pesquisa psicanalítica observou que
pacientes submetidos a situações traumáticas apresentam-se tomados
pelos efeitos de transmissões psíquicas transgeracionais que envolvem a
transmissão de conteúdos não metabolizados, negativados através de
gerações.
A transmissão psíquica intergeracional é de fundamental importância
para a preservação e conservação da herança cultural de um grande grupo,
contudo, somente pode acontecer por meio do estabelecimento de uma
dinâmica relacional entre duas ou mais gerações, em que uma geração
apoia-se na precedente, apropriando-se à sua maneira daquilo que foi
herdado da outra (Volkan, 2002). Entretanto, isso nem sempre acontece e a
transmissão da herança cultural e social do grande grupo pode ficar
comprometida em diversas situações em que a violência intrafamiliar, ou
político-social, impede que ela ocorra livre de entraves. Nesses casos, a
eclosão de situações de conflito, guerras ou desastres naturais provoca
uma série de traumas cumulativos (não metabolizados) que desencadeiam
inúmeras patologias expressas por transmissão transgeracional, familiar
ou coletiva, cujos limites e espaços subjetivos são abolidos e a
transmissão de conteúdos em estado bruto atravessa as gerações (Danieli,
1998;Volkan, 2002, 2004). Correa (2001) afirma que os traumatismos
cumulativos estão associados a novas expressões de mal-estar na cultura e
que os sintomas de sofrimento psíquico que caracterizam a psicopatologia
contemporânea estão fortemente relacionados às patologias da transmissão
psíquica geracional. Nesse sentido, aponta para falhas na estruturação
psíquica dos sujeitos contemporâneos que desenvolvem formações
psíquicas clivadas, dificultando o estabelecimento de objetos internos
estáveis, além de dificuldades nos processos de simbolização,
representação e construção de sentido que estão intimamente relacionados
aos traumatismos cumulativos e aos lutos patológicos (Correa, 2001, p.
62).
Desse modo, tendo em vista observações históricas e estudos
contemporâneos sobre transmissão psíquica, é possível depreender que
muito da herança filogenética é transmitida não apenas diretamente pela
cultura e pela tradição, mas também por aspectos clivados, denegados,
forcluídos e negativizados, mas ainda ativos ao longo do processo
histórico (Garcia & Penna, 2010). Assim, partindo dessas constatações e
expandindo sua compreensão para o âmbito dos grandes grupos, Volkan
(2002, 2004) passou a observar a consequência de falhas nas transmissões
psíquicas em sociedades traumatizadas. Investigações clínicas revelaram
que traumas vivenciados coletivamente, ou seja, as representações
psíquicas de tragédias compartilhadas são também passíveis de serem
transmitidos psiquicamente. Dessa forma, suas pesquisas ampliaram o
entendimento de questões relativas à transmissão psíquica, principalmente
no que diz respeito aos efeitos de traumas massivos e de traumas
selecionados − chosen traumas (Volkan, 1997, 2002, 2004).
Grandes grupos tendem a sustentar representações psíquicas de eventos
que incluem sentimentos coletivos de triunfo ou fracasso que acabam, ao
longo do tempo, mitificados e fortemente identificados com sua
identidade e autoestima (Volkan, 2004, p. 50). Nesse sentido, traumas
selecionados e glórias selecionadas são transmitidos de geração a geração,
participando na estruturação da identidade pessoal e coletiva e na
construção compartilhada da autoestima do grande grupo. Traumas
selecionados e glórias selecionadas são, portanto, narrativas sociais,
eventos passados ou míticos − representados psiquicamente,
historicamente aceitos e vivenciados como verdadeiros − que têm o
objetivo de amalgamar um grande grupo em torno de uma experiência que
confere unidade e coesão (p. 48). Glórias selecionadas, em geral, afetam
em menor escala a dinâmica dos grandes grupos do que os traumas
escolhidos e consistem em representações sociais de eventos gloriosos −
como a Independência da República ou a Queda da Bastilha − que são
continuamente celebrados e relembrados em datas especiais, paradas ou
materializações coletivas no grande grupo (p. 49). Já os traumas
selecionados podem ser eventos traumáticos − como o Holocausto ou
mesmo a morte dos Kennedy − que remetem a traumas ou sentimentos de
opressão que são lembrados e partilhados socialmente. Dentro dessa
perspectiva:
[...] traumas selecionados são representações psíquicas coletivas
não elaboradas que fizeram um grande grupo experimentar
sentimentos de desamparo, humilhações e perdas e que podem
desencadear vitimização e oposição em relação a outro grupo, visto
como inimigo (Volkan, 2004, p. 49).
Além de constituírem uma marca identitária significativa e transmitida
às novas gerações, os traumas selecionados ficam conectados a conteúdos
não representados dessas vivências traumáticas do grande grupo. Uma vez
que um evento traumático compartilhado transforma-se em trauma
selecionado, o que passa a ser importante não é mais o acontecimento
histórico em si, mas a poderosa marca identitária, religiosa, nacionalista
ou ideológica que ele deixou e que serve como amálgama para o grande
grupo. Como resultado desse processo, um trauma selecionado pode
assumir diferentes facetas e funções naquela sociedade a cada geração.
Atualmente, na Alemanha, é possível observar diferenças no
comportamento da primeira e da segunda geração em relação à elaboração
de seu passado nazista. Se na primeira geração, o trauma vivenciado e a
ligação do povo alemão com a ideologia nazista permaneceram
silenciados, ocultados ou mesmo negados, na segunda geração, a vergonha
e a culpa puderam dar início às tentativas de reparação e elaboração do
passado traumático (Lowenberg, 1996; Danieli, 1998; Volkan, 2002;
Wilke, 2003a). Dentro dessa perspectiva, Volkan acredita que um trauma
selecionado pode assumir diferentes funções na medida em que ele é
transmitido de geração em geração. Se, em uma geração, ele pode
sustentar um sentimento de vitimização coletiva, na geração seguinte, uma
vingança coletiva pode predominar ou mesmo um processo de luto pode
ter início (Volkan, 2004, p. 49). Por outro lado, em tempos de guerra ou
conflito, traumas selecionados − devido ao fato de não terem passado por
um processo de luto coletivo (Mitscherlich & Mitscherlich, 1975) ou não
terem sido elaborados − podem ser manipulados politicamente e
relembrados por líderes pouco escrupulosos que os utilizam para nutrir
ideologias e ratificar a identidade do grande grupo em benefício próprio
(Volkan, 1997). Procurando explicar esse tipo de relação, Volkan (1997)
desenvolveu uma análise de fatores históricos que, em sua opinião,
serviram como combustível para a deflagração da guerra na antiga
Iugoslávia entre 1991 e 1999. Suas investigações revelaram que, em 1989,
Slobodan Milosevic utilizou-se da memória do Príncipe Lazar − herói
morto na Batalha do Kosovo em 1389 que determinou a derrota da Sérvia
pelos turcos − em prol da revivescência do nacionalismo sérvio em
oposição a Bósnia-Herzegovina um pouco antes da guerra. A lembrança do
martírio de Lazar, ocorrida exatamente seiscentos anos antes, foi
conclamada por meio da exposição pública de seus despojos e celebrações
cívicas em todas as pequenas cidades e vilarejos do país que relembraram
seu perecimento nas mãos dos muçulmanos, atualizando o trauma passado
e a humilhação sofrida e reascendendo o desejo de vingança (p. 50).
Nesse sentido, um trauma selecionado pode permanecer adormecido na
memória coletiva, isto é, no inconsciente social (Weinberg, 2007) de um
grande grupo por muitos anos. Em situações em que a identidade do grupo
se encontra ameaçada, ele pode ser reativado por meio da propaganda
política ou por líderes que inflamam a opinião pública contra um suposto
inimigo (Volkan, 2004). No caso da antiga Iugoslávia, Slobodan Milosevic
manipulou as representações psíquicas de eventos ocorridos há seiscentos
anos com o objetivo de atualizar e reativar conflitos ancestrais entre
sérvios e bósnios. De acordo com Volkan (2006b), esse tipo de
aproximação e associação entre eventos é denominado de colapso
temporal − time collapse (Volkan, 2004, p. 50) − e faz com que o trauma
selecionado seja experimentado como se tivesse acontecido ontem. Ou
seja, no colapso temporal, percepções, sentimentos e expectativas em
relação a um herói ou a um episódio passado condensam-se em
percepções, sentimentos ou expectativas nutridas no presente em relação a
outro acontecimento (p. 51).
O sétimo e último fio responsável pela confecção da tenda identitária do
grande grupo são os símbolos que, para Volkan (2004), fornecem a
amarração dos fios. Em geral, em grandes grupos, os símbolos são únicos
− tais como o martelo e foice soviéticos ou a estrela de David dos judeus −
e adquirem significado simbólico através de um longo e inconsciente
processo, sendo facilmente identificáveis e associados àquele grupo, etnia,
nação ou religião. Contudo, quando um grande grupo encontra-se
ameaçado, Volkan (2004) afirma que:
[...] a clara relação entre o significante e significado do símbolo
pode se perder, e seus símbolos podem vir a ser percebidos como o
que a psicanálise chama de protossímbolos − isto é, não mais como
um símbolo que representa a identidade do grupo, mas sim como a
coisa em si (p. 54).
Dessa forma, nesses contextos, os símbolos acabam perdendo seu
significado simbólico, adquirindo uma concretude específica tanto para
aqueles que o utilizam quanto para seus inimigos (p. 72).
Os membros de um grande grupo e seus líderes procuram manter intacta
a trama dos fios que tecem a tenda que recobre a identidade de seu grande
grupo. Entretanto, quando esse tecido fica esgarçado ou ameaça romper-se
diante de conflitos, guerras ou humilhações, seus membros regridem e
empregam esforços conjuntos no sentido de reparação ou de manutenção
da tenda ereta. Assim, com o emprego de vários mecanismos e processos
psicológicos apresentados a seguir, será possível observar a psicodinâmica
de um grande grupo regredido que procura manter sua tenda ereta.

A regressão nos grandes grupos


A questão da regressão sempre foi um objeto privilegiado na análise dos
estudiosos sobre os fenômenos grupais, sendo atualmente um ponto
central na investigação dos grandes grupos. Neles, a regressão ocorre
quando grande número de membros compartilha pensamentos, angústias e
expectativas, especialmente após um evento traumático, que os leva a
apresentar mecanismos de defesa primitivos e padrões de comportamento
e ações que podem ser compreendidos através do conceito de regressão
(Volkan, 2004).
Grande parte das observações de Volkan (1997, 2004, 2006a, 2006b) é
proveniente de trabalhos de campo em sociedades afetadas por conflitos
ocorridos no final do século XX que resultaram de reconfigurações
geopolíticas e acomodações pós-Guerra Fria. Assim, suas descrições sobre
a regressão em grandes grupos apresentam-se fortemente influenciadas
pelas questões sobre liderança que marcaram as massas no século XX. Isto
é, embora as teorias de Volkan (1997, 2002, 2004, 2006) tenham trazido
novas perspectivas de investigação para o século XXI, especialmente as
que estão relacionadas à regressão, ao trauma e à transmissão psíquica,
guardam uma acentuada preocupação com a personalidade e a participação
dos líderes na condução de processos grupais, principalmente em
sociedades que estiveram sob a égide de movimentos totalitários. Nesse
sentido, as considerações psicanalíticas de Chasseguet-Smirgel (2003) −
especialmente sobre os grupos ideológicos e reflexões propostas no artigo
Blood and Nation, de 1996 − e as pesquisas sobre narcisismo patológico,
estados fronteiriços e liderança de Otto Kernberg (1998, 2001, 2003)
foram influências importantes sobre Volkan. Além disso, a observação da
estrutura de grupos envolvidos em cultos religiosos extremados ou de
cunho fundamentalista permitiu a Volkan (2004) a constatação de que
tanto a regressão quanto a liderança ocupam um papel determinante na
condução de suas crenças e de suas ações.
As observações de Volkan sobre o papel do líder ampliaram a
compreensão dos mecanismos defensivos e patológicos utilizados por
grandes grupos. Segundo Volkan (2004), em grandes grupos regredidos, o
papel do líder é crucial, pois, de acordo com o tipo de liderança exercida, é
possível que o grande grupo seja capaz de reunir esforços em direção à
reparação e à progressão ou, na ausência de uma liderança adequada, ser
levado ao caos (p. 62). Além disso, diante de lideranças narcísicas ou
psicopáticas (Kernberg, 1998, 2003) − que Volkan (2004) chama de
lideranças centralizadoras − “regressões malignas de grande grupo” (p. 59)
podem levar à destruição, à morte e até ao genocídio. Nesse sentido, as
considerações de Volkan, apesar de se voltarem para processos
contemporâneos de grande grupo, parecem apresentar − especialmente
quando se reportam à influência e ao papel dos líderes na psicodinâmica
dos grandes grupos − a preocupação com a questão da liderança que nutria
as análises das massas no século XX.
Há uma série de sinais e sintomas que permite identificar a regressão
em grandes grupos sob o domínio de uma liderança centralizadora,
especialmente em processos vivenciados após um evento traumático
(Volkan, 2004). De início, é possível observar a perda da individualidade e
a colaboração cega em torno do líder, fatos que estariam em sintonia com
as ideias de Freud sobre a psicologia das massas.[42] Em sociedades sob
regressão, nas quais se incluem países que viveram sob regimes e
lideranças totalitárias, as hierarquias político-sociais que não se coadunam
com o grupo no poder, são eliminadas e a confiança básica − basic trust
(Erikson, 1950; Winnicott, 1993b) − é substituída pela dependência e
confiança cega − blind trust (Volkan, 2004) − no Estado e no líder.
Clivagens e polarizações são frequentes em grupos regredidos, embora
possam também surgir em grandes grupos não regredidos. As clivagens
podem ocorrer no interior da sociedade, dividindo membros e não
membros de um dado subgrupo e favorecendo ainda o desenvolvimento de
sentimentos e atitudes paranoicas em massa e irrupção da agressividade.
Contudo, clivagens acontecem também de dentro para fora do grupo,
remetendo ao clássico comportamento de projetar imagens clivadas dos
objetos − polarizados em bons/maus, nós/eles, puro/impuro, branco/preto
− no grupo vizinho ou inimigo. Assim, imagens não integradas de objetos
parciais acabam sendo projetadas no outro e o grupo a que o indivíduo
pertence fica idealizado enquanto o outro fica demonizado (p. 67).
Esses efeitos dos mecanismos regressivos envolvem o surgimento de
uma nova moralidade, extremamente rígida e repleta de racionalizações e
devoção ao líder, o que permite, por outro lado, o desenvolvimento de
comportamentos antissociais, “pseudo-speciations” (Erikson, 1968), que
acabam levando à desumanização (Akhtar, 2008) do grupo rival. Essa nova
moralidade ajuda na tarefa de cimentar o lugar do indivíduo
homogeneizado ao grupo, forçando-o a exibir comportamentos, na maioria
das vezes agressivos para entrar em consonância com o grupo e sua
ideologia. Nesse processo, a rotina das relações familiares também fica
afetada e, com o tempo, as próprias imagens inconscientes, a percepção do
mundo e as relações sócio-afetivas acabam modificadas. A motivação
principal passa a ser a preocupação com a manutenção da identidade do
grande grupo e a família fica em segundo plano (Volkan, 2004, p. 69). Em
sociedades muito regredidas, as autoridades e os fatores externos
interferem profundamente nas relações paterno-filiais que acabam
desautorizadas e desacreditadas aos olhos das crianças diante da soberania
do Estado. Foi o que aconteceu na Alemanha nazista, onde um grande
número de dados e informações (Lowenberg, 1996; Koonz, 1987; Danieli,
1998) permitiram comprovar o ataque do nacional-socialismo aos vínculos
familiares e pessoais. Nesse contexto, foi possível observar a efetiva
destruição, nas crianças alemãs, da necessidade de dependência
(Winnicott, 1993a) que arruinou o estabelecimento da confiança básica
(Winnicott, 1993a; Erikson, 1950) e de muitos outros tipos de vínculos por
toda uma geração. Em linhas gerais, essas ligações foram desviadas de seu
curso natural e o vazio deixado por sua ausência foi ocupado por uma
grandiosidade defensiva, uma idealização do Führer e uma confiança cega
na ideologia nazista (Volkan, 2004).
Após a Segunda Guerra Mundial, muitos países europeus viveram sob o
jugo soviético e passaram a viver sob regimes totalitários. Atualmente, a
reconstrução desses países tem revelado o quanto as individualidades
foram prejudicadas em prol do Kollektiv. Na Tchecoslováquia, o
psicanalista Michael Sebek (1992, 1996) desenvolveu a ideia da existência
de objetos totalitários que, quando internalizados, conduzem à
conformação e à obediência às leis do Estado. Também a tcheca Helena
Klimová (2011) estuda as consequências psíquicas do totalitarismo em
indivíduos e grupos, apontando para a formação de falsos self e de falsos
self coletivos em sociedades pós-totalitárias (Klimová, 2011, p. 197).
Esses estudos estão diretamente relacionados às investigações sobre o
inconsciente social.
De fato, quando uma ideologia grupal sacraliza-se, elimina as
necessidades individuais, retirando do grupo homogeneizado qualquer
possibilidade de flexibilização de ideias ou de comportamentos tanto no
interior do grupo quanto em relação ao grupo odiado. De uma maneira
geral, o próprio indivíduo, na tentativa de entrar em consonância com o
grupo, retrai-se, apresentando um comportamento regredido, almejando
ser amado e protegido pelo líder no lugar do pai, retomando ainda desejos,
expectativas e medos infantis. Então, para dar conta desses processos,
mecanismos de defesa primitivos são acionados e projeções e introjeções
são maciçamente utilizadas, bem como o pensamento mágico e o
obscurecimento da realidade (Volkan, 2004, p. 69). O psicanalista William
Niederland (1961), que cunhou o termo “síndrome do sobrevivente”, a
partir de entrevistas com sobreviventes do Holocausto, concluiu que estes,
quando aprisionados, nutriam o mito da existência de uma arma secreta
que seria capaz de libertá-los e salvá-los. O mesmo fenômeno foi
encontrado por Volkan (2004), quando ele visitou o enclave de Nicósia na
Turquia durante o conflito entre turcos e gregos em 1968 e encontrou a
fantasia da existência de uma grande arma que libertaria os turcos do jugo
grego (p. 70). Nesses casos, símbolos e protossímbolos presentes em
sistemas mágicos de crenças são utilizados e compartilhados pelo grupo
como foi o caso da arma salvadora no enclave turco.
Muitas vezes, líderes de grandes grupos regredidos procuram apagar
heranças histórico-culturais ou religiosas substituindo-as por um novo
sistema de crenças, conforme aconteceu nas tentativas de eliminar os
sistemas religiosos na antiga União Soviética (p. 72). Contudo, nessas
situações, não são apenas os sistemas de crenças que tendem a ser
eliminados. A forma como os grupos inimigos são percebidos também se
modifica. O processo de demonização e desumanização[43] do outro
ocorre em estágios. Por meio de clivagens, de projeções maciças e de
associações de caráter anal-sádico, o inimigo torna-se o depositário de
qualidades negativas nele projetadas, passando a ser visto como menos
humano até que possa ser exterminado (p. 72).
Nesse sentido, na visão kleiniana, é possível pensar que, após projeções
maciças e ataques severos aos objetos, o medo da retaliação fica tão
evidente que a urgência em exterminar o objeto odiado se impõe. Assim,
se a regressão no grande grupo for severa e estiver combinada com
lideranças problemáticas, essa regressão pode se tornar “maligna”
(Kernberg, 1998) e conduzir a situações de horror, como limpeza étnica e
genocídio. Nesses casos, o processo de desumanização fica acrescido de
uma excessiva preocupação com o sangue, a contaminação e a purificação
(Volkan, 2004, p. 84). Em grandes grupos regredidos, a fixação no
problema do sangue está relacionada à questão identitária. Volkan (2004)
recorre à contribuição de Chasseguet-Smirgel (1996) para a discussão
quando esta afirma que o sangue é um conteúdo de difícil simbolização (p.
84). Enquanto outras partes do corpo humano podem encontrar
equivalentes simbólicos inconscientes que as protejam de ataques mais
diretos, o sangue – embora, na Igreja Católica, o sangue de Cristo seja
simbolizado na Eucaristia pelo vinho − dificilmente adquire essas
possibilidades e apresenta-se como um protossímbolo ligado à questão da
identidade. Dessa forma, quando as identidades grupais são associadas
com sangue não simbolizado: “[...] e a necessidade de ataque de um grupo
sobre outro não encontra um substituto simbólico adequado, o ímpeto de
atacar é ímpeto de aniquilar” (Volkan, 2004, p. 84).
A purificação, por sua vez, encontra-se relacionada tanto com o sangue
quanto com a necessidade de homogeneização almejada pelo grupo que
busca a purificação em todos os níveis chegando até, em certas
circunstâncias, à limpeza étnica (p. 85). O processo de purificação pode,
no entanto, adquirir uma faceta benigna quando o grupo descarta um
símbolo datado que não satisfaz mais as suas necessidades e busca
continentes mais atualizados que representem de forma positiva a sua
identidade (p. 84).
Na oposição entre dois grandes grupos, acirra-se a necessidade de
manter a identidade diferenciada dos grupos. Nesse sentido, em grandes
grupos em conflito, o estabelecimento e manutenção de barreiras e
fronteiras psicológicas transformam-se em premência. Além disso,
projeções maciças de conteúdos indesejados no grupo rival tornam-se uma
realidade e a criação de barreiras psicológicas entre os dois grupos
envolvidos garante certa regulação nesse processo. Isto é, essas barreiras
permitem um equilíbrio tênue que faz com que as projeções dirigidas ao
grupo inimigo não sofram um “efeito bumerangue” (Volkan, 1997, p. 105)
e revertam seus efeitos para o grupo de origem. Assim, a construção de
barreiras psicoespaciais delimita os espaços e as diferenças de cada grupo,
garantindo ainda a regulação das projeções e introjeções entre os grupos
rivais. Esses processos são também alimentados pelas relações de objeto
parciais, por sentimentos de humilhação e vitimização e pelo narcisismo
das pequenas diferenças (Volkan, 2004, p. 106).
Desse modo, é possível observar que, nos grandes grupos regredidos, a
preocupação com a delimitação das fronteiras psicoespaciais adquire um
significado dinâmico e simbólico importante. Diante de situações de
estresse, as fronteiras espaciais passam a ter uma dupla função: por um
lado, oferecem contenção e proteção física, por outro, favorecem o
estabelecimento de um significado psicológico, já que a representação
psíquica dessas fronteiras torna-se uma espécie de segunda pele simbólica
(p. 73). Assim, as ameaças sofridas nessas fronteiras acabam sendo
vivenciadas como uma ameaça identitária, fenômeno que pode ser
observado pela necessidade de países inimigos de reforçarem suas
fronteiras com muros, cercas e homens armados − como aconteceu com o
Muro de Berlim, ou como hoje acontece na Faixa de Gaza ou na
Cisjordânia – garantindo, desse modo, a integridade da identidade do
grupo. Nesse sentido, refletindo a partir da imagem da tenda do grande
grupo, quanto mais a identidade de um grande grupo encontra-se
ameaçada, mais os seus membros tendem a compartilhá-la como uma
vestimenta, como uma segunda pele que, em muitos casos, substitui até
sua pele original. Nessa discussão, embora Volkan não se refira a Anzieu
(1989, 1993), é evidente que suas considerações podem ser associadas aos
conceitos de pele psíquica, segunda pele e envelopamento grupal,
estudados por Anzieu (1989, 1993), que são fundamentais para a
compreensão da questão dos limites internos e externos na teoria de grupo.
Nos grandes grupos regredidos, é possível fazer uso da ideia de um
envelope psíquico grupal que funciona como uma segunda pele para os
membros do grupo, garantindo um invólucro, um continente que mantém
os indivíduos juntos e protegidos contra ameaças externas. Esse envelope
tem uma face voltada para fora, que filtra e regula as trocas do grupo com
o mundo externo, e uma face voltada para dentro, que abriga pensamentos,
palavras e ações. Dessa forma, seria possível a constituição de um espaço
interno onde a identidade grupal poderia se desenvolver (Anzieu, 1993).
Em situações de ameaça, pode-se imaginar que a dobradura do envelope
grupal ficaria enrijecida e as trocas do grupo com o mundo externo seriam
controladas e contidas por barreiras psicológicas ou mesmo concretas.
Contudo, uma questão econômica aqui se impõe, pois o equilíbrio obtido
na regulação entre as relações com o grupo vizinho é tênue e a pressão
interna dentro do grupo é alta. Assim, a manutenção das barreiras
psicológicas é mantida através da exacerbação do narcisismo das pequenas
diferenças e do recrudescimento dos processos projetivos e introjetivos
que acabam levando à demonização e desumanização.
Grandes grupos em conflito desenvolvem também rituais coletivos que
permitem proteger sua identidade e ratificam as fronteiras entre eles e os
outros. Esses rituais podem ou não se relacionar com o grupo em oposição.
No entanto, marcas simbólicas, como fotografias ou estátuas, reafirmam
diariamente a identidade dos grandes grupos, embora, muitas vezes, seus
membros não estejam conscientes deste fato. Em situações de ameaça,
contudo, líderes fazem uso dessas marcas através da institucionalização de
rituais com o objetivo de manipular a opinião pública a favor do grande
grupo e contra o inimigo (Volkan, 2004, p. 91). A máquina de propaganda
utiliza-se dos símbolos do grupo para aumentar a autoestima ameaçada e
dos símbolos do grupo em oposição para atacar e denegrir a autoestima do
inimigo. Assim, a tensão intragrupal aumenta e reações violentas são
consequências comumente observadas nessas dinâmicas. Grandes grupos
podem também usar seus símbolos de forma exagerada nas chamadas
reações de aniversário quando eventos significativos do passado − traumas
selecionados ou glórias selecionadas − confirmam sua identidade de forma
ritualizada. A recordação desses eventos encontra-se intimamente
associada às perdas, ao desamparo e a lutos não elaborados. Em
sociedades traumatizadas, existe uma impossibilidade de elaboração de
lutos (Mitscherlich & Mitscherlich, 1975) e, até que se desencadeie um
processo de recuperação do tecido social, das relações familiares e
grupais, a sociedade fica tomada por vivências traumáticas em estado
bruto, sem elaboração. Como em indivíduos traumatizados, as sociedades
submetidas a traumas massivos encontram-se presas a um sentido
inconsciente de tempo, a processos de transmissão psíquica
transgeracional e à repetição compulsória de ciclos de vitimização −
humilhação e vergonha − e retaliação (Volkan, 2006a). Dentro dessa
perspectiva, o estudo do inconsciente social nos grandes grupos adquire
importância, pois revela esses conteúdos que permaneceram recalcados e
em estado bruto no inconsciente do grupo afetado, podendo dar início a
um processo de elaboração (Shaked, 2003; Weinberg, 2007, 2009).
A ritualização parece ser essencial tanto para a manutenção de
diferenças identitárias entre os grupos quanto para o estabelecimento e
preservação das fronteiras psicoespaciais. Nesse sentido, a preocupação
com pequenas diferenças adquire um significado relevante. Volkan (1997,
2004) acredita que a descrição que Freud (1921, 1930) fez do conceito de
narcisismo das pequenas diferenças “remetia para formas relativamente
inofensivas de satisfação de pulsões agressivas e de manutenção da coesão
de um grupo” (Volkan, 2004, p. 101). Contudo, a partir da observação de
tantos conflitos sangrentos ocorridos ao longo do século XX, quando a
identidade de um grande grupo encontra-se ameaçada, as pequenas
diferenças deixam de ser inofensivas. Isto é, em situações de regressão de
grande grupo, o narcisismo das pequenas diferenças exacerba-se e a
intolerância quanto às diferenças recrudesce. Dessa forma, o inimigo passa
a ser gradativamente percebido como portador de características e hábitos
indesejáveis, dando início aos processos de demonização e
desumanização. Assim, as pequenas diferenças entre grupos inimigos − até
mesmo no que diz respeito à comida, vestimentas ou arquitetura − acabam
exacerbadas e manipuladas por líderes que pretendem reforçar a
identidade do grupo em torno de sua pessoa. Além disso, a preocupação
com as pequenas diferenças alia-se às preocupações com o reforço das
fronteiras psicoespaciais, percebidas como um espaço que separa os dois
grupos em conflito, facilitando a ilusão de não contaminação entre ambos
(p. 103).
A questão da regressão nos grandes grupos é bastante complexa e talvez
seja possível indagar se, em diferentes níveis, todas as sociedades não se
encontram sempre, de uma maneira ou de outra, regredidas. Contudo, a
psicodinâmica dos processos psicológicos envolvidos em grupos
fundamentalistas apresenta características relevantes, como demonstra a
investigação detalhada empreendida por Volkan (2004) de cultos
religiosos extremados como o da seita Branch Davidian, de David Koresh,
que culminou com o suicídio e assassinato dos 76 membros do grupo em
1993 em Waco, no Texas (p. 113).
O fundamentalismo religioso parece apresentar uma constelação de
sinais e sintomas muito semelhante à de grandes grupos regredidos. Neles,
a relação entre os membros do grupo e o líder reúne as clássicas noções
delineadas por Freud em psicologia das massas, acrescidas de uma relação
com lideranças de características narcísicas ou psicopáticas (Kernberg,
1998, 2003). Um forte sistema de crenças, aliado ao pensamento mágico,
onipotência e vitimização criam o cenário ideal que envolve uma profunda
regressão do grupo e uma confiança cega no líder. A observação desse tipo
de culto religioso indica que o líder, investido de um poder divino e
ilimitado, é capaz − por meio do isolamento social e da criação de uma
comunidade com regras próprias que alteram a moralidade tradicional, as
relações de gênero, familiares, sexuais − de abolir a individualidade de
seus seguidores, fundindo-os ao grupo e submetendo-os à sua autoridade.
Em organizações ideológicas desse tipo, os integrantes buscam substituir
suas identidades pessoais por uma identidade grupal mais satisfatória, uma
segunda pele determinada pela identidade do grupo (p. 122). É possível,
assim, que a adesão a grupos com fortes tendências ideológicas que
prometem identificações e vínculos através da fusão e da homogeneidade
possa preencher falhas do desenvolvimento emocional primitivo,
fornecendo uma segunda pele mais favorável ao indivíduo.
De fato, grupos que envolvem ideologias de cunho fundamentalista
radicalizam o pertencimento do indivíduo ao grupo e a dependência em
relação ao líder. Profundamente regredidos, seus membros, incluindo o
líder, partilham de uma ilusão grupal (Anzieu, 1993) que homogeneiza o
grupo, eliminando as diferenças, protegendo e defendendo contra as
demandas pulsionais internas e as pressões da sociedade. Dentro dessa
perspectiva, as considerações de Chasseguet-Smirgel (2003) sobre o
desejo de fusão do eu com o ideal do eu presente em grupos ideológicos
que levaria “à necessidade de fusão primária e à reunião coletiva com a
mãe” (p. 103) adquire pleno sentido.
As conceitualizações de Volkan sobre grandes grupos regredidos e sobre
grupos religiosos extremados são importantes ainda para a compreensão
da estrutura interna e das ações de grupos ideológicos fundamentalistas de
comportamento violento (Varvin & Volkan, 2008). De fato, sua teoria
possibilitou que ações extremadas, envolvendo terror, destruição maciça,
assassinatos em massa e atos suicidas, fossem contextualizadas,
facilitando o entendimento de realidades que, em geral, são pouco
compreensíveis para cidadãos comuns.
Em suma, a pesquisa de Volkan sobre grandes grupos regredidos e
sociedades traumatizadas é uma contribuição original para o estudo dos
grupos contemporâneos. Suas observações, baseadas em vasta experiência
de campo, apresentam inúmeras perspectivas, contudo, embora seu
arcabouço teórico seja o psicanalítico, suas considerações parecem, por
vezes, apenas fenomenológicas ou excessivamente esquemáticas, como se
o autor estivesse em busca de catalogar fenômenos universais presentes
em grandes grupos regredidos. Nesses momentos seu trabalho carece de
maior aprofundamento psicanalítico, entretanto, ao basear seu estudo no
conceito de identidade, transpondo-o à esfera coletiva, dedicou-se à
pesquisa de um tema importante, embora pouco estudado, mas que vem
atualmente adquirindo importância na psicanálise desenvolvida em países
que estiveram sob regimes totalitários (Mojovic, 2007; Sebek, 1996, 2012;
Pick, 2012). Além disso, é bastante interessante sua capacidade de
compreender psicanaliticamente fenômenos coletivos e utilizar noções
consagradas na psicanálise − como a de espaço transicional de Winnicott
(1971) para descrever reservatórios compartilhados (shared reservoirs) ou
mesmo pensar e exemplificar o uso do objeto transicional na vida adulta e
coletiva. Nesse sentido, muitos de seus conceitos vêm adquirindo, no
arcabouço teórico da pesquisa sobre grandes grupos e sociedades
traumatizadas, um lugar consolidado nas reflexões sobre o assunto. Entre
esses conceitos, a noção de trauma selecionado − chosen trauma (Volkan,
2004, p. 47) – destaca-se, permitindo desdobramentos conceituais que
descortinaram novas possibilidades de pesquisa com transmissão
transgeracional em sociedades e com a revelação de restrições e
recalcamentos do inconsciente social em culturas e sociedades.
A atuação de Volkan na mediação e análise de conflitos internacionais
inaugurou ainda um novo campo de atuação para a psicanálise do século
XXI em interdisciplinaridade com outros saberes. Entre essas novas
possibilidades, destaca-se a metodologia por ele desenvolvida para a
intermediação e fomentação de diálogo em confrontos psicopolíticos,
batizada de “modelo da árvore” (Volkan, 2006a, p. 198), que tem se
revelado como uma forma eficaz de utilizar a compreensão psicanalítica
no âmbito das relações internacionais. Além disso, os métodos que
desenvolveu para o diagnóstico e o desenvolvimento de estratégias de
intervenção em países em dificuldades promoveram uma nova abordagem
para problemas coletivos em nível de saúde pública e psicológica. Uma
intervenção coletiva desse tipo foi proposta por Volkan (1997) a pedido do
governo do Kuwait logo após a guerra com o Iraque, visando a
diagnosticar e intervir psicologicamente nas relações sociais,
especialmente as paterno-filiais estremecidas após o conflito.
No entanto, a análise das teorias sobre grandes grupos de Volkan chama
atenção pelo fato de que o autor não dialoga com outras teorias sobre
grandes grupos e tampouco com os principais expoentes das teorias
grupais, à exceção das de Otto Kernberg (1998, 2001, 2003). Esse tipo de
atitude causa estranheza, principalmente em relação às teorias de Hopper
(2003b), que, além de contemporâneas, apresentam uma interface com
seus trabalhos. Os grandes grupos regredidos de Volkan são os mesmos
grupos regredidos vistos como sistemas sociais por Hopper (2003b). Da
mesma forma, muitas das descrições de Volkan sobre regressão nos
grandes grupos podem ser observadas através da ação do pressuposto
básico de Incoesão: Agregação/Massificação (Hopper, 2003b). Isto é, as
observações de Volkan sobre grandes grupos regredidos − especialmente
em regime totalitários ou em sociedades traumatizados por conflitos −
reportam aos processos de agregação e massificação descritos por Hopper
(2003b) em seu quarto pressuposto básico.
Dentro dessa perspectiva, pode-se apontar que os grandes grupos
regredidos de Volkan exibem processos tipicamente incoesivos e seus
comportamentos oscilam entre os polos de agregação e massificação. Em
situações de crise, regressão e ameaça identitária, o grande grupo
regredido pode ser levado ao caos (Volkan, 2004, p. 62), situação
frequentemente encontrada no polo da agregação descrito por Hopper
(2003b). No contexto da agregação, torna-se impossível a formação de um
grupo, e subgrupos em conflito reforçam o isolamento, o encapsulamento,
a formação de guetos, a indiferença e a hostilidade dos indivíduos.
Tamanho retraimento e polarização acabam levando à anomia. A incoesão
parece dominar e a agressão em todas as suas formas predomina, e, desta
maneira, o grupo severamente atingido parece se esfacelar. Já no polo da
massificação, as características apresentadas por Hopper (2003b)
encontram muitas semelhanças com as descrições de Volkan (2004,
2006a), pois remetem a processos de extrema valorização da uniformidade
do grupo como um todo, utilizando-se, para tal, de mecanismos que
regulam a agressão, como pseudo-speciations (Erikson, 1968),
ritualizações, sistemas de purificação ou mesmo sexualização da
agressividade. Então, embora os objetivos sejam diferentes − Volkan
(2004, 2006a), preocupado com a identidade de grandes grupos regredidos,
e Hopper (2003b), com a psicodinâmica do quarto pressuposto básico de
incoesão −, suas observações são bastante semelhantes e sustentam-se em
investigações que remontam à psicologia das massas freudiana e a
pesquisas da Escola de Frankfurt.
Na verdade, é possível afirmar que as investigações de Hopper e Volkan
parecem ainda estar relacionadas à grande preocupação político-social que
permeou todo século XX: a questão das massas. Entretanto, se, durante o
século XX, a preocupação girava em torno do homem-massa (Ortega y
Gasset, 1926), da relação sujeito/líder (Freud, 1921), do governo das
massas (Moscovici, 1981) e dos regimes totalitários e suas lideranças
(Adorno, 1947, 1951; Adorno et al., 1950; Löwenthal & Gutherman,
1949), no início do século XXI, a perspectiva é diferente. Dessa vez, a
investigação sobre os grandes grupos é o resultado da confluência entre as
descobertas da psicanálise contemporânea − especialmente a partir dos
trabalhos pioneiros de Abraham e Torok (1995) sobre incorporação,
introjeção e luto patológico e das pesquisas sobre transmissão psíquica
(Danieli, 1998; Kaës, 2001; Correa, 2001; Volkan, 2002; Faimberg, 2005)
− e das reconfigurações político-sociais ocorridas em sociedades
traumatizadas do Leste Europeu, da Europa Central e da África pós-
colonial. A partir dessa associação, a observação de processos
psicológicos vivenciados em nível individual e coletivo foi
redimensionada e acabou fornecendo os ingredientes necessários para as
investigações sobre os grandes grupos contemporâneos. Nesse sentido, os
trabalhos de campo empreendidos por Volkan e as observações clínicas de
Hopper privilegiaram justamente a investigação das consequências
traumáticas dos processos de regressão e incoesão em grandes grupos, no
entanto, a reflexão não se limitou às tentativas de prevenir a formação de
grupos massificados e de ideologias e lideranças de cunho totalitário
(Adorno, 1947; Adorno et al., 1950) como se almejava no século XX
(Moscovici, 1981). No século XXI, a análise procura destrinchar a
psicodinâmica dos grandes grupos regredidos com o auxílio das
ferramentas da psicanálise atual, privilegiando a questão do trauma, da
transmissão psíquica transgeracional e da necessidade de elaboração de
lutos coletivos em sociedades traumatizadas. O objetivo é quebrar o ciclo
de compulsão à repetição de experiências traumáticas nessas sociedades
que impedem a recomposição do tecido social esgarçado, condenando-as a
um ciclo de violência, repetição e terror. Dentro dessa perspectiva, tanto
Volkan (2004) quanto Hopper (2003b) apostam na intervenção
psicodinâmica em settings de grandes grupos, embora cada um dos autores
privilegie técnicas diferentes. O primeiro propõe intervenções de campo
com o auxílio de uma equipe interdisciplinar e de uma metodologia grupal
– “o modelo da árvore” (Volkan, 2006a). Já Hopper, seguindo a tradição
grupanalítica, valoriza o trabalho desenvolvido em settings de grandes
grupos e sua estreita relação com as manifestações do inconsciente social,
visando à compreensão e à elaboração em grupo de traumas coletivos
(Hopper, 2003a [1979]).
Dessa forma, apoiada na pesquisa psicanalítica sobre o trauma e suas
vicissitudes e na investigação da psicodinâmica dos grandes grupos no
mundo contemporâneo − especialmente no que diz respeito a seus mitos,
suas defesas, seus traumas e glórias selecionados, seus ciclos de repetição
e violência − a pesquisa sobre o inconsciente social em culturas e
sociedades ganha corpo (Hopper & Weinberg, 2011). As investigações
sobre o conceito prometem ampliar e dinamizar a reflexão psicanalítica
sobre os processos de grandes grupos neste início de século como será
apreciado a seguir.

[42] Na opinião de Volkan (2004), a teorização freudiana de 1921 referia-


se, na verdade, à observação de grandes grupos que ele considerou como
em estados de regressão, a exemplo do Exército ou da Igreja.
[43] O psicanalista Salman Akhtar (2008) contribuiu com a transposição
do conceito de desumanização, postulado por Hannah Arendt (1958), para
a esfera da psicanálise. Suas contribuições forneceram elementos para a
reflexão sobre o processo de desumanização que permitiram a
compreensão psicanalítica de atos de terror, assassinatos em massa e
genocídios perpetrados por grupos ideológicos (Akhtar, 2008, p. 123).
Capítulo VI
O inconsciente social
Dentre as diferentes correntes de orientação psicanalítica no estudo de
grupos, a grupanálise inglesa sempre conferiu uma especial atenção à
dimensão social das relações humanas. Segundo Brown e Zinkin (1994),
Foulkes não buscava apenas desenvolver “um novo método psicoterápico,
mas visava a construir uma nova teoria na qual o indivíduo não poderia ser
apreciado em separado do contexto social, já que este o definiria” (p. 1). A
ênfase que Foulkes atribuiu ao social foi o resultado de sua colaboração
íntima com Norbert Elias, aliada às contribuições teóricas da psicanálise e
da neurobiologia de orientação holística de Kurt Goldstein.[44] Tal
confluência resultou no desenvolvimento de uma técnica grupoterápica
que não concebia o indivíduo separado da sociedade, visto que ambos
representavam diferentes níveis de observação de um mesmo fenômeno
em um todo integrado (Elias, 1987). O desenvolvimento do conceito de
matriz − definida como uma “rede, uma matriz de relacionamentos que
ocorrem em um dado grupo; um solo comum compartilhado que
determina o sentido e o significado de todas as comunicações e
interpretações, verbais ou não verbais” (Foukes, 1964, p. 292) − revelou
como Foulkes (1946, 1964, 1975a, 1990) integrou essas influências. Sua
concepção, contudo, parecia caminhar contra a tendência da psicanálise,
totalmente mergulhada no universo intrapsíquico kleiniano nas décadas de
1940 a 1970.
Foi também durante esse período que a psiquiatria social, o Tavistock
Institute of Human Relations e a grupanálise inglesa, impulsionados pelos
experimentos de Northfield, desenvolveram-se contribuindo para uma
compreensão mais integrada entre as relações indivíduo e sociedade. Além
disso, desde os primeiros grandes grupos realizados nas conferências da
Universidade de Leicester (1946) ou na Sociedade de Grupanálise
(Kreeger, 1975), foi possível detectar a intensidade da emergência de
processos inconscientes − especialmente em contextos marcados pelo
trauma − que pareciam estar além dos indivíduos e dos grupos (Hopper,
2003a). Dessa forma, desde as décadas de 1960 e 1970, reflexões em torno
da possível existência de um inconsciente social começaram a ser intuídas
e esboçadas por Foulkes (1964 [1950]; 1975a) e Foulkes e Anthony
(1957). Pesquisas recentes revelam que o psicanalista Trigant Burrow,
proscrito por Freud da comunidade psicanalítica na década de 1920, já se
referia à ideia de inconsciente social no artigo Social Images and Reality
de 1924 (Petergato & Petergato, 2013). Erich Fromm enunciou o conceito
em 1962 e em 1976, embora não o tenha desenvolvido. Mesmo assim,
qualquer tentativa de postulação mais sistemática parecia ainda distante.
Ideias semelhantes podem ser evidenciadas nas entrelinhas do trabalho
de Jameson (1981) e nos debates entre a antropologia cultural americana e
a antropologia social britânica (Hopper, 2003a, p. 160). A psicanalista
americana Spector-Person (1992) também se referiu à existência de um
inconsciente cultural constituído pela internalização de valores, normas ou
outros elementos essenciais da cultura em uma dada sociedade (Hopper &
Weinberg, 2011). Na França, os psicanalistas Rouchy (1987) e Le Roy
(1994), envolvidos em estudos transculturais, além de Kaës (2005), têm
trazido na atualidade importantes contribuições que podem ser utilizadas
no estudo sobre o inconsciente social (Hopper, 2003a; Hopper &
Weinberg, 2011, p. XXXVI).
Também, o conceito de imaginário social, apresentado por Castoriadis
(1975) que, a partir de uma crítica ao marxismo introduziu uma nova visão
teórica da sociedade, vista como instituição imaginária, guarda
significativas semelhanças com o conceito de inconsciente social da
grupanálise. De fato, embora apresente um viés mais filosófico, baseado
em uma crítica à teoria marxista, Castoriadis (1975) postulou uma teoria
que penetrou nas entranhas das formações histórico-político-sociais. É
possível identificar em Castoriadis (1975) passagens extremamente
próximas do conceito de inconsciente social da grupanálise, tais como:
[...] para que uma significação imaginária exista, são necessários
significantes coletivamente disponíveis, mas sobretudo
significados que não existem sob a forma sob o qual existem os
significados individuais – como percebidos, pensados ou
imaginados por tal sujeito (p. 175).
Ou mesmo ainda, por meio da própria definição de imaginário social:
Este elemento, que dá à funcionalidade de cada sistema
institucional sua orientação específica, que sobredetermina a
escolha e as conexões das redes simbólicas, criação de cada época
histórica, sua singular maneira de viver, de ver e fazer sua própria
existência, seu mundo e suas relações com ele, esse estruturante
originário, esse significado-significante central, fonte do que se dá
cada vez como sentido indiscutível e indiscutido, suporte das
articulações e das distinções do que importa e do que não importa,
origem do aumento da existência dos objetos de investimento
prático, afetivo e intelectual, individuais ou coletivos − este
elemento nada mais é do que o imaginário da sociedade ou da
época considerada (p. 175).
Embora sejam evidentes as semelhanças entre os dois conceitos, os
arcabouços teóricos utilizados por Castoriadis e Foulkes são
completamente distintos e, se Castoriadis tendia mais para a filosofia e a
ciência política, articulando-as com a psicanálise francesa, Foulkes
preocupava-se com as bases epistemológicas da grupanálise, com as
relações indivíduo-sociedade e com a clínica com grupos. Para Nitzgen
(2011), na orientação epistemológica de Foulkes, a noção de inconsciente
social remetia a uma abstração que adquiriu sentido a partir de Castoriadis
(1975) e mais especificamente a partir do que este denominou de “magma
dos processos sócio-históricos” (Nitzgen, 2011, p. 18).
Assim, mesmo que desde a década de 1960 a ideia da existência de um
inconsciente social fosse aventada nos meios grupanalíticos, tentativas de
definição do conceito são recentes. Durante esse período, autores de
diversas orientações e abordagens realmente intuíram a existência de um
inconsciente social ou mesmo de um inconsciente interpessoal, contudo
ainda predominavam combinações difusas entre o inconsciente e o social e
o inconsciente e o cultural (Hopper & Weinberg, 2011, p. XXVIII). Na
grupanálise, o conceito de inconsciente social começou a ser usado no
início, às vezes para se referir aos indivíduos e, às vezes, para falar de
grupos ou sistemas sociais.
A partir da década de 1970, a natureza intersubjetiva das relações de
objeto transformou-se em uma premissa norteadora junto aos psicanalistas
mais afinados com o grupo dos independentes da Sociedade Britânica de
Psicanálise. Hopper (2003a) foi um desses psicanalistas que, partindo de
Foulkes, mas trabalhando na interface com a sociologia e com a
grupanálise, deu início a uma investigação que visava a compreender
como diferentes características de grupos e sistemas sociais eram
internalizados pelos indivíduos, observação que acabou levando-o à
pesquisa sobre o inconsciente social (Hopper, 2003a). A experiência no
trabalho clínico com grandes grupos, trauma e transmissão psíquica foi
fundamental para o desenvolvimento das reflexões que Hopper reuniu em
Social unconscious: selected papers (2003a). Algum tempo depois,
Weinberg juntou-se a ele na investigação sobre o inconsciente social,
contando com sua experiência com grandes grupos em Israel e com o
pioneiro trabalho de pesquisa sobre grandes grupos na web (Weinberg,
2006). Dessa forma, um grupo de trabalho conduzido por Earl Hopper e
Haim Weinberg vem, nos últimos anos, dedicando-se à delineação do
conceito e à sua investigação nos grupos e nas sociedades.

Antecedentes: as origens do conceito


Durante as décadas de 1920 e 1930, a psicanálise viveu uma guinada de
interesse, para o social que se evidenciou tanto na produção teórica quanto
nos tratamentos, como os realizados na Policlínica Psicanalítica de Viena,
mas também através das investigações empreendidas pelos freudo-
marxistas (Zaretsky, 2006). A ênfase outrora conferida unicamente aos
processos psíquicos individuais foi substituída por uma preocupação com
as inter-relações entre o social e a cultura e os efeitos do social sobre a
vida inconsciente. Os trabalhos de Jung (1936) pareciam guardar essa
perspectiva apesar das premissas universalistas que caracterizavam seu
pensamento. Também, muitos dos trabalhos de Freud (1927, 1930, 1933)
sobre a cultura foram escritos nesse período e debruçavam-se sobre os
embates entre pulsão e civilização.
No final dos anos 1920, Foulkes iniciou, em Viena, sua formação como
psicanalista e teve seu pensamento psicanalítico moldado nesse contexto.
De fato, desde os tempos de Viena, convivia com Norbert Elias e Kurt
Goldstein e com as ideias de seu sobrinho Ernst Cassirer. Foulkes sofreu
também a influência dos debates freudo-marxistas, em especial das ideias
de Bernfeld, Otto Fenichel, Homburguer-Erikson, Fromm-Reichmann,
Karen Horney e dos próprios Erich Fromm e Erik Erikson, estes ainda na
fase alemã (Nitzgen, 2011, p. 9). Nessa direção, Nitzgen (2011) considera
que as contribuições dos freudo-marxistas foram fundamentais na
estruturação das bases epistemológicas do pensamento de Foulkes e que o
inconsciente social, apreciado sob esse ângulo, pode ser visto como uma
extensão do debate psicanalítico iniciado por esses psicanalistas que
conferiam um lugar especial às intricadas relações entre os indivíduos, o
social e a cultura.
Em 1930, Foulkes mudou-se para Frankfurt e, embora não tenha
pertencido à Escola de Frankfurt, encontrava-se geograficamente e
intelectualmente próximo a ela[45]. Mais tarde, após a Segunda Guerra
Mundial, quando Foulkes já estava na Inglaterra e muitos psicanalistas e
frankfurtianos haviam imigrado para os Estados Unidos, as discussões
sobre as inter-relações e a influência da cultura e do social no indivíduo
prosseguiram. Erich Fromm – inicialmente em 1962 e, mais tarde, no
terceiro volume de seus escritos póstumos publicados em A descoberta do
inconsciente social (1976) – foi o pioneiro ao empregar o termo
inconsciente social para se referir às formas inconscientes de
internalização do mundo social e às características do mundo social
externo de que não se tem consciência[46] (Hopper & Weinberg, 2011).
Sua definição de inconsciente social aproximava-se do que denominou de
“mente inconsciente da sociedade” (Fromm, 1976, p. 79) e articulava-se
com a noção de filtro social de origem claramente freudiana.
Só quero mencionar aqui brevemente uma direção de investigação
que em minha opinião teria segmento frutífero. Antes de mais nada,
vejamos o conceito de filtro social que determina quais
experiências são permitidas de chegar à consciência. Esse filtro,
que consiste numa língua, numa lógica e costumes (ideias e
impulsos tabus ou permitidos, respectivamente), é de natureza
social. É específico em cada cultura e determina o “inconsciente
social” [...] O recalcamento de certos impulsos e ideias tem uma
função muito real e importante para o funcionamento da sociedade
e, em consequência, todo o aparato cultural serve ao propósito de
conservar intacto o inconsciente social (p. 80).
Essa definição sugere que existem uma língua, uma lógica e costumes,
específicos de cada cultura, que consistem no filtro social responsável
pelo recalque de impulsos e ideias que, por sua vez, compõem o
inconsciente social. Essas ideias de Fromm, entretanto, não tiveram maior
desenvolvimento e, assim, não é possível determinar se sua preocupação
original remontava ao fato de que a origem social de fenômenos e
processos psíquicos em uma dada sociedade pudesse ser inconsciente, ou
se sua atenção girava em torno da observação de determinados fenômenos
e processos psíquicos inconscientes que estavam na base da estrutura da
sociedade (Hopper & Weinberg, 2011, p. XXVI).
Cunhada na interface da psicanálise com o pensamento sociológico, a
grupanálise sofreu outras influências na construção de seu arcabouço
teórico. Além de Karl Mannheim e Norbert Elias − cuja ideia da existência
de um inconsciente social pode ser intuída em diversas passagens de O
processo civilizador (1939) ou no conceito de habitus (1997) − Franz
Borkenau, historiador e sociólogo, membro do Institute of Social
Research, foi ainda uma influência marcante sobre o pensamento
foulkesiano, tendo ainda introduzido Foulkes a Malinowski (Nitzgen,
2011, p. 12). Em 1948, aludindo a essa influência, Foulkes (1948) chegou
a afirmar que, de forma semelhante a Malinowski, que havia substituído a
“antropologia de poltrona pela antropologia à céu aberto”, havia também
em Northfield abandonado “o consultório psiquiátrico em favor de uma
psiquiatria à céu aberto” (p. 17).
Embora tenha, em diversas passagens de sua obra, se referido ao
inconsciente social, Foulkes nunca elaborou sua conceitualização de forma
mais sistemática, nem o utilizou em seu trabalho clínico. Na verdade,
apenas afirmava que existiam diversos fatores e forças biológicas, sociais
e culturais de que as pessoas não se davam conta, envolvidos nas relações
sem se aprofundar na discussão. Sua primeira referência explicita à ideia
do inconsciente social pode ser encontrada no artigo Group therapy (1964
[1950]):
A situação grupanalítica, ao mesmo tempo em que lida com o
inconsciente no sentido freudiano, traz em operação e perspectiva
uma área totalmente diferente da qual o indivíduo não tem
igualmente consciência. Além disso, o indivíduo tão modelado e
compelido por essas colossais forças como por seu próprio id
defende-se totalmente de seu reconhecimento sem estar consciente,
mas de formas e modos bem diferentes. Pode-se assim falar de um
inconsciente interpessoal ou social (p. 52).
Nessa primeira menção ao conceito, Foulkes parte do inconsciente
freudiano individual para refletir sobre a existência de um inconsciente
interpessoal, de um inconsciente social. Para Weinberg (2007), no entanto,
Foulkes deu um passo à frente na definição freudiana de inconsciente,
incluindo em sua formulação a ideia de que forças sociais e
comunicacionais afetavam processos interpessoais e transpessoais.
Contudo, devido à sua formação como psicanalista, essa primeira
definição do conceito encontrava-se muito próxima ao inconsciente
freudiano, revelando um Foulkes ainda muito atrelado às formulações da
psicanálise. Isso também pode ser evidenciado em relação à prática
clínica, quando afirmou que a “tradução do inconsciente social deveria
seguir os mesmos princípios de tradução do inconsciente recalcado
freudiano” (Foulkes & Anthony, 1957, p. 55). Assim, da mesma maneira
com que se utilizou do conceito de associação livre da psicanálise,
transpondo-o para a grupanálise ao postular a livre discussão flutuante (p.
65) no grupo, Foulkes permitiu-se apontar que:
[...] da mesma forma que as associações individuais estavam
relacionadas aos traços mnêmicos, as associações grupais
baseavam-se em um solo comum de um conhecimento inconsciente
dos membros do grupo (Foulkes & Anthony, 1957, p. 28).
Assim, embora suas afirmações sobre o inconsciente social não tenham
adquirido maior desenvolvimento, Foulkes apostava no fato de que a
situação grupanalítica permitiria a exploração do inconsciente social
(Nitzgen, 2011, p. 15).
Em 2003, Lavie (2011) recuperou um discurso de Foulkes,[47]
proferido em 1965 na Hebrew University, que demonstrava sua visão sobre
as interdependências entre indivíduo-sociedade e apresentava ainda uma
clara definição do inconsciente social:
Alguns psicólogos sociais e antropólogos culturais familiarizaram-
nos com uma abundância de observações, demonstrando
lindamente como todos os indivíduos são condicionados por suas
comunidades. [...] Existem consideráveis resistências contra essa
perspectiva de que o ego e o superego, o âmago da personalidade,
sejam socialmente condicionados. Assim que se mostra real e
concreto em nosso dia a dia e em nossa profissão, o homem
moderno agarra-se ansiosamente à sua individualidade e identidade
e quase erroneamente toma como certo [sua individualidade e
identidade] serem ameaçadas por essas observações ao invés de se
dar conta de que são ameaçadas, ao contrário, pela divisão entre o
grupo e seus indivíduos em nossa cultura. Essa transmissão [da
divisão] de geração a geração é um processo inconsciente. O
indivíduo tende a se manter inconsciente [da suposição
erroneamente acima mencionada] em sua própria pessoa e bem
defendido contra o seu reconhecimento. Eu chamei [a combinação
de processos acima] de “inconsciente social”. O ego não pode se
ver assim como alguém que não pode ver dentro de seus próprios
olhos, a não ser no espelho (p. 172).
A citação revela como uma combinação de sentimentos, angústias,
falsas crenças e concepções errôneas constituem o modus operandi do
inconsciente social (Lavie, 2011, p. 172). Nessa passagem, é possível
compreender como Foulkes vislumbrava o inconsciente social, entretanto,
sua preocupação parecia estar mais focada no caráter inconsciente das
falsas dicotomias modernas entre indivíduo e sociedade e sua transmissão
do que no inconsciente social em si.
A última referência sobre o conceito em Foulkes (1975b) aparece em
Problems of large groups, publicado no livro de Kreeger (1975) sobre
grandes grupos. Nesse artigo, discutiu a ideia do inconsciente social
ratificando sua importância enquanto fenômeno multipessoal e não
intrapsíquico. Além disso, em seu livro publicado em coautoria com
James Anthony (1957) afirmou que a herança de um indivíduo não pode
apenas considerar os fatores genéticos ou biológicos herdados, pois a
herança cultural transmitida de geração a geração ocupa um papel
preponderante. Assim:
[...] as culturas e os valores de uma comunidade são
inescapavelmente transferidos para uma criança em crescimento,
pelo pai e pela mãe, assim determinados por sua nação, classe
religião e região particular. Eles são transmitidos verbalmente e não
verbalmente, instintivamente e emocionalmente, 24 horas, de dia e
de noite. Mesmo objetos, movimentos, gestos ou acentos são
determinados dessa maneira, isto é, pela representação da cultura
do grupo (Foulkes & Anthony, 1957, p. 27).
Essa passagem corrobora o comentário de Nitzgen (2011), segundo o
qual as ideias de Foulkes sobre o entrelaçamento entre o desenvolvimento
do indivíduo e a cultura, além de estarem próximas do pensamento
intersubjetivo da psicanálise, aproximam-se das pesquisas de Horkheimer,
Adorno e Fromm quando o Institute of Social Research teve seu início,
ainda na década de 1930, especialmente em relação às investigações sobre
os “fundamentos sociopsicológicos do caráter autoritário” (p. 17).
A perspectiva intersubjetiva apresentada por Foulkes pode ser associada
às concepções teóricas, em especial ao conceito de vínculo, de outro
pioneiro dos estudos sobre grupos, Pichon-Rivière (1980, 1988), que
embora nunca tenha se referido ao inconsciente social, ou mesmo tido
contato com Foulkes, também criticava a oposição entre a psicologia
individual e a psicologia coletiva. De fato, Pichon-Rivière (1980) conferia
ao social e às relações intersubjetivas um papel primordial tanto no
desenvolvimento emocional primitivo quanto no desencadeamento da
doença mental. Seus conceitos de vínculo, grupo interno e esquema
conceitual referencial operativo − ECRO − revelavam como o sujeito
nasce e vive dentro de uma trama vincular que sustenta os processos de
relação e socialização desde o início. O conceito de vínculo substituía,
para Pichon-Rivière, o conceito de relação de objeto. Através do vínculo
estabelecido desde a relação mãe-bebê − definido como “ um mecanismo
de interação, visto como uma Gestalt, ao mesmo tempo bicorporal e
tripessoal” (p. 2) − a criança apreende uma estrutura relacional com o
mundo e o ambiente. Dessa forma, correlações entre as perspectivas de
Foulkes e Pichon-Rivière sobre a interpenetração da cultura e do social nas
relações de início podem ser estabelecidas.
Na verdade, a própria noção de grupo interno, em Pichon-Rivière
(1980), que derivava do conceito de objeto interno proposto por Melanie
Klein, revelava não apenas a importância das relações intersubjetivas na
constituição do psiquismo, mas também o social e a cultura enquanto
partes atuantes nesse processo. O grupo interno é constituído a partir dos
primeiros vínculos internalizados, começando pelo grupo familiar e
extendendo-se por todos os demais grupos com os quais uma pessoa
interage ao longo da vida, entre eles o vínculo transferencial. Funciona
como um cenário interno, moldado pelas primeiras relações objetais, e
esse modelo de relação internalizado define, portanto, a forma como cada
sujeito relaciona-se com cada nova experiência (p. 5). Em última análise, a
concepção de grupo interno aponta para a constante ligação com o mundo
externo, colocando em espiral dialética as relações entre o intrasubjetivo,
o intersubjetivo e a realidade e aproxima-se, dessa forma, das postulações
sobre o inconsciente social. Em ambos é central a influência de
mecanismos conscientes e inconscientes presentes na cultura e na
sociedade que acabam moldando, sem que o indivíduo se dê conta de seus
vínculos com o ambiente, seu grupo interno, seu comportamento e suas
ações no bojo do inconsciente social.
O conceito de ECRO − definido como “o conjunto de conhecimentos, de
atitudes que cada um de nós tem em sua mente (e é adquirido desde as
primeiras relações vinculares) e com o qual trabalha na relação com o
mundo e consigo mesmo” (p. 90) − é também importante para a discussão
sobre o inconsciente social. Tubert-Oklander e Hernández de Tubert
(2004), da Argentina/México, chamaram atenção para sua amplitude,
aproximando-o do conceito de Weltanschauung. Ambos se relacionam a
um conjunto de pressupostos internalizados que se apresentam de forma
inconsciente nos indivíduos e influenciam suas atitudes, entretanto, o
termo em alemão Weltanschauung reúne dois significados distintos (p.
75). Um deles pode ser atribuído a uma visão de mundo que comporta uma
ideologia norteadora para a vida dos indivíduos. Nesse sentido, Freud, em
uma das Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1933 [1932])
− conferência XXXV, A questão de uma Weltanschauung − alertou contra o
perigo da psicanálise se tornar uma Weltanschauung desta espécie.
Entretanto, em segundo sentido, mais afinado com a discussão sobre o
inconsciente social, Weltanschauung pode comportar uma visão de mundo
que inclui diversos elementos, em grande parte, inconscientes como
crenças de todas as espécies, aspirações, intuições, racionalizações,
hábitos sociais, ideais e valores que conduzem a vida dos indivíduos (p.
79). Assim, refletindo sobre essas questões, seria possível aproximar os
conceitos de ECRO e Weltanschauung − na segunda acepção do termo −
aos estudos sobre o inconsciente social, já que todos esses conceitos
apontam para a profunda interdependência nas relações entre indivíduo e
sociedade. Dessa forma, através de determinados ECROS e
Weltanschauung de uma cultura ou de uma época específica, seria possível
conhecer os determinantes inconscientes dessas culturas, isto é, a
expressão nos indivíduos, nos grupos e no social de seu inconsciente
social.
Em seu trabalho com grupos, Bion (1970) referiu-se à existência de uma
mentalidade grupal e a pressupostos básicos que regiam sua vida
inconsciente. A oscilação de pressupostos básicos em um grupo envolve
mecanismos de defesa coletivos para lidar contra a emergência de
angústias psicóticas no interior do grupo. Dessa forma, Weinberg (2007)
afirma que pode se considerar o grupo de pressupostos básicos de Bion
como um exemplo da existência de um inconsciente grupal (p. 308).
Entretanto, Bion nunca se dedicou a esse tipo de questão, estando mais
interessado na investigação do grupo como um todo, voltando, portanto,
sua atenção para o exame da neurose grupal e não para da matriz do grupo
como Foulkes o fez (Hinshelwood, 1999, 2007).
De fato, inúmeras origens para a ideia de inconsciente social podem ser
consideradas e cada uma delas remete a diferentes correntes psicológicas e
sociológicas. Entretanto, torna-se necessária a escolha de um arcabouço
teórico específico e de uma linha investigativa para a enunciação do
conceito. Nesse caso, a interface da grupanálise com a psicanálise e com a
sociologia permite a conceitualização do inconsciente social nas culturas,
grandes grupos e sociedades.

O inconsciente social: em busca de uma definição


Definir o que é o inconsciente social não é tarefa das mais fáceis, já que,
em tese, o conceito discute a ideia de inconsciente em culturas e
sociedades. Mesmo após alguns anos de debate, formulações teóricas
consistentes e contribuições de psicanalistas e de grupanalistas de vários
países e de profissionais de orientações afins, como a sociologia, a
psicologia analítica, a teoria sistêmica e o psicodrama, não existe ainda
uma unidade em torno do conceito. Entretanto, diretrizes fundamentais
apresentadas por Hopper e Weinberg parecem formar o consenso de que
existem, nas culturas e nas sociedades padrões de comunicação e interação
específicos que são inconscientes para seus membros, mas que foram
coconstruídos, internalizados, compartilhados, herdados e transmitidos por
eles mesmos (Hopper & Weinberg, 2011, p. XLIV).
Em 2007, Weinberg publicou um artigo em que procurou sistematizar o
conceito diferenciando-o ainda de noções como inconsciente cultural e
inconsciente coletivo. Tomando por base a leitura grupanalítica, afirmou
que, quando duas ou mais pessoas se reúnem, existe um campo
inconsciente compartilhado, ao qual o indivíduo[48] pertence, embora não
esteja consciente de sua existência. Dessa maneira, torna-se possível falar
de um inconsciente relacional que, para ele, é um processo cocriado pelos
indivíduos, mas que remete a algo além das contribuições individuais de
cada um deles (p. 308). Assim, segundo Weinberg (2007), se em um grupo
pequeno é possível observar que dois ou mais indivíduos podem
compartilhar fantasias inconscientes e mecanismos de defesa comuns, é
possível transportar essa mesma possibilidade para comunidades e até
mesmo para sociedades. Desse modo, se é possível constatar a presença de
um inconsciente nos pequenos grupos, pode-se também inferir a existência
de um inconsciente em grupos maiores − o inconsciente social (p. 309).
De forma similar ao inconsciente individual, o inconsciente social
compartilha com o inconsciente freudiano das mesmas características no
que concerne à temporalidade e à espacialidade. Também se caracteriza
pela atemporalidade, permitindo que os indivíduos de um grupo possam
reavivar e alimentar no presente relações e emoções vivenciadas em um
passado remoto, como acontece em determinadas situações de grande
grupo quando colapsos temporais − time collapse (Volkan, 2004, p. 51) −
atualizam emoções recalcadas. Em situações regressivas de grande grupo
ou diante de traumas massivos, fantasias e angústias inconscientes podem
ser reativadas e afetar o comportamento das sociedades em larga escala,
porque, filogenetica e ontogeneticamente, o inconsciente social precede o
inconsciente individual, permitindo que um inconsciente compartilhado
possa ser construído entre desconhecidos (Weinber, 2007, p. 309).
Contudo, não se trata da postulação da existência de um inconsciente
coletivo, como proposto por Jung (1936), ou mesmo da ideia de uma
mente grupal criada através do contágio ou de mecanismos hipnóticos
como se pensava no século XIX, nem meramente da presença do social no
inconsciente (p. 312). Embora o inconsciente social possa, em um
primeiro momento, ser confundido com o inconsciente coletivo junguiano,
eles guardam diferenças significativas entre si. Jung (1936) distinguiu o
inconsciente individual do inconsciente coletivo ao afirmar que o
inconsciente coletivo continha imagens arquetípicas, definidas como
predisposições psíquicas não baseadas na experiência individual, mas de
caráter universal e que se manifestavam em todas as pessoas e culturas. Os
arquétipos não estavam, no entanto, associados a memórias passadas e
seriam formas sem conteúdo que pertenciam à herança filogenética de
todas as sociedades (Hopper & Weinberg, 2011). O inconsciente social por
sua vez, é comum a pessoas de uma cultura específica e está baseado em
memórias compartilhadas por seus membros, especialmente as
traumáticas que podem ser transmitidas por gerações e que permanecem
recalcadas no inconsciente daquele determinado grupo (Weinberg, 2007, p.
315). Além disso, o inconsciente social não apresenta uma perspectiva
mítica ou cósmica como se observa no inconsciente coletivo (Hopper &
Weinberg, 2011, p. l). Apesar dessas diferenças importantes, o conceito de
inconsciente social pode ser aproximado de elaborações teóricas
junguianas mais contemporâneas, como as noções de inconsciente
interpessoal ou inconsciente compartilhado (Fariss, 2011), que formam a
base para a compreensão da realidade como coconstruída através das
relações interpessoais e do processo de socialização.
A ideia de um inconsciente social implica no fato de que existe uma
herança cultural, mitos e motivos desconhecidos e recalcados que
pertencem a uma dada sociedade e que acabam interferindo nas ações, nas
atitudes de seus membros (Weinberg, 2007, p. 315). Dentro dessa
perspectiva, o conceito de matriz postulado por Foulkes (1964, 1975a)
torna-se fundamental para o debate sobre o inconsciente social. Sabe-se
que membros de um mesmo grupo compartilham não só de uma mesma
matriz, isto é, de uma mesma rede de relacionamentos, mas também das
conexões inconscientes estabelecidas no interior daquele grupo. Nesse
sentido, Hopper e Weinberg (2011) acreditam que o conceito de matriz
enunciado por Foulkes (1964, 1975a) pode ser compreendido através do
que os sociólogos chamavam de organização do sistema social. A
organização social de um determinado grupo é multidimensional e implica
em padrões específicos de interação, normas, comunicação e
comportamento, contudo, os autores ressaltam que a palavra matriz
compreende ainda outros significados, podendo ser associada, dentro de
um viés mais clínico, às ideias de mãe, útero. Portanto, a noção de matriz
carrega consigo uma multivariedade e uma multidimensionalidade de
sentidos, podendo ainda ser vista como uma rede sociocultural-
comunicacional (Hinshelwood, 1999). Para Hopper e Weinberg (2011),
Foulkes elaborou a noção de matriz a partir de dois diferentes níveis:
O primeiro nível é o da matriz dinâmica − dynamic matrix – e
refere-se à organização social e comunicacional de um grupo, já o
segundo nível é o da matriz fundadora − foundation matrix − que
retrata o conjunto da organização social de uma sociedade (p.
XLVI).
Os membros de grupo, comunidade ou nação têm em comum uma
matriz fundadora produzida no seio, no âmago, de cada grande grupo ou
sistema social (Foulkes, 1975a, p. 131). Isso significa que: “[...] mesmo
um grupo de estranhos, pertencentes à mesma espécie e mais ou menos à
mesma cultura, partilham de uma matriz psíquica fundadora (foundation
matrix)” (Foulkes, 1973, p. 228).
O conceito de matriz fundadora em Foulkes (1973, 1975a) foi se
delineando aos poucos e se de início apoiava-se na biologia, incluindo a
anatomia e a fisiologia da espécie humana, em clara referência às
influências de Goldstein (Scholz, 2011), passou, com o decorrer do tempo,
a compreender comunicações e sentidos compartilhados e específicos de
um determinado grupo, tais como imagens corporais, linguagem, cultura
ou classe social (p. 2). Dessa forma, a matriz fundadora de um grupo ou de
uma sociedade encontra-se baseada em suas organizações sociais,
culturais e comunicacionais. Entretanto, o conceito remete também ao
lugar de origem de uma série de restrições − constraints − e repressões –
restraints − presentes no grupo (Hopper & Weinberg, 2011). Assim,
embora Foulkes não tenha se dedicado a descrever a matriz fundadora ou
mesmo a analisar sua importância na dinâmica da clínica dos pequenos
grupos, o conceito é considerado hoje fundamental para o estudo do
inconsciente social, pois, compreende os fundamentos da constituição das
sociedades e de seu inconsciente social, envolvendo ainda, em sua origem
e seu desenvolvimento, transmissões psíquicas transgeracionais.[49]
O conceito de matriz tornou possível não só a exploração de aspectos
inconscientes de um determinado grupo, mas também: “[...] a observação
de fatos que não são nem da ordem da objetividade, nem da ordem da
subjetividade, mas que são coconstruídos e intersubjetivos, ou em efeito,
transicionais” (Hopper & Weinberg, 2011, p. XLVI).
Isto é, para sujeitos interpessoais estudados por Foulkes, o mundo social
não estava relacionado nem a um dentro ou a um fora, ou mesmo a um
mundo interno e um mundo externo e social, “mas sim a áreas de
transicionalidade e a objetos transicionais, descobertos ou inventados, ou
precisamente coinventados” (Hopper & Weinberg, 2011, p. XXX). É neste
sentido que Scholz (2003) afirma que a leitura de Foulkes sobre as
relações indivíduo-sociedade introduziu um novo paradigma na
investigação das formações grupais, pois suas descrições envolviam
sempre o que estava “entre” − in between − os membros de um grupo,
permitindo vislumbrar a existência de um inconsciente interativo e
comunicacional (p. 2). As influências de Elias (1970) são claras, revelando
um Foulkes afinado com o pensamento intersubjetivo desde a década de
1950 e trabalhando em uma área que foi definida por Winnicott (1971
[1951]) de transicionalidade. Assim como Scholz (2003) pontuou,
Freidman (2011) acredita que o paradigma criado por Foulkes promoveu a
conceitualização de um inconsciente transpessoal e que este fato
transformou a grupanálise em uma das principais correntes do pensamento
intersubjetivo.
A partir de uma perspectiva um pouco diferente, Werner Knauss (2002),
da Universidade de Heidelberg, afirma que não há a necessidade de se
pensar em um conceito como o de inconsciente social, pois “o
inconsciente grupal, o inconsciente social e o inconsciente coletivo ou
cultural não existem, na medida em que o inconsciente individual já é por
sua própria natureza grupal” (p. 55). Knauss tenciona destacar com sua
afirmação, não a impossibilidade de se vislumbrar um indivíduo fora do
contexto social, mas o fato de que o inconsciente forma − dentro de uma
visão foulkesiana − uma matriz grupal (p. 54). Isso quer dizer que o
inconsciente individual é sempre constituído pelo social internalizado
sendo, portanto, individual e social ao mesmo tempo. A despeito da
relevância das considerações de Knauss (2002), a pesquisa sobre o
inconsciente social prossegue, talvez porque existam fenômenos de grande
grupo e de sistemas sociais que envolvem determinadas ações que
chamam atenção por sua irracionalidade, violência ou mesmo
inexplicabilidade (Varvin & Volkan, 2008).
Atualmente, as principais definições do conceito de inconsciente social
vêm sendo trabalhadas por Hopper (2001, 2003a), Weinberg (2007),
Hopper & Weinberg (2011) e Dalal (1998, 2011) e apresentam algumas
diferenças entre si. Para Hopper (2001), o inconsciente social:
[...] se refere à existência e restrições de arranjos sociais, culturais
e comunicacionais dos quais as pessoas não estão conscientes. Não
estão conscientes na medida em que esses arranjos, não são
percebidos (não conhecidos) e, se são percebidos não são
reconhecidos (negados) e, se são reconhecidos, não são tomados
como problemáticos (dados) e, se são tomados como
problemáticos, não são considerados com um nível ótimo de
desligamento e objetividade (convicção) (p. 10).
Para Hopper, “arranjos” são um eufemismo para sistemas, estruturas e
suas diferentes manifestações, tais como, no caso de sociedades, suas
instituições e organizações específicas (Hopper & Weinberg, 2011, p.
XXX). Não estar consciente, estar fora da consciência − unaware − é
também, para Hopper, um eufemismo para processos inconscientes de
uma maneira geral. Nesse sentido, o inconsciente social envolve o não
consciente, o inconsciente dinâmico, o recalcado, o clivado − split off − e
o pré-consciente, este tanto em relação ao mundo externo quanto às suas
representações internas (p. XXX). Em linhas gerais, o inconsciente social
é mantido através de uma série de defesas contra a emergência de
angústias em relação a fenômenos sociais. Além disso, arranjos sociais,
culturais e comunicacionais podem estar fora da consciência e representar
processos inter-relacionais que envolvem um maior número de pessoas e o
que ocorre entre elas, permitindo associá-los aos conceitos winnicottianos
de realidade compartilhada, transicionalidade e experiência cultural
(Winnicott, 1971).
O estudo sobre o inconsciente social está também diretamente
relacionado às pesquisas sobre o que foi denominado, no século XX, de
processos que envolvem a internalização do mundo social − e que foram
caros aos freudo-marxistas e aos frankfurtianos − propiciando, no entanto,
uma nova dimensão para o debate. Hopper (2003a) afirma que o
inconsciente social sempre se refere às restrições − constraints − que
implicam na forma como os objetos sociais foram internalizados – e às
repressões − restraints − que esses mesmos objetos sofreram. Dentro desta
visão, chama atenção para o fato de que o conceito de restrição −
constraint − provém do trabalho de Durkheim e de outros precursores da
sociologia francesa que utilizaram o termo para discorrer sobre as
restrições − constraints − existentes em relação a fatos sociais (Hopper,
2003a). Nesse sentido, recorda que embora esses autores nunca tenham se
referido à ideia do inconsciente social, eles postulavam a existência de
uma consciência coletiva, fundada em fatores sociais que eram
internalizados e compartilhados em uma dada sociedade, no entanto, essa
ideia não implicava presença de um inconsciente na sociedade (Hopper &
Weinberg, 2011, p. XXXVI). Embora Hopper empregue uma terminologia
às vezes mais afeita à tradição sociológica − que envolve diferenciações
entre os conceitos de constraints e restraints, bem como os termos sistema
social, fato social ou objeto social, pouco empregados no vocabulário
psicanalítico −, sua discussão é importante no que se refere à reflexão
sobre a forma como os objetos sociais são internalizados dentro de uma
visão grupanalítica e psicanalítica.
Na Inglaterra, a discussão sobre o inconsciente social, e especialmente
sobre a constituição dos processos subjetivos a partir da metabolização de
objetos sociais, encontrou no inglês de origem indiana, Farhad Dalal
(1998, 2011) um pensador original. Dalal (1998) afirmou que não foi
prerrogativa de Foulkes ter apontado para o inconsciente social, já que a
formulação do social a priori é uma temática comum a um grande número
de escolas. No entanto, a questão permanece: “como em determinados
locais os seres humanos são levados a partilhar uma visão comum de um
estado de coisas ou a tomar como certos determinados preceitos?” (Dalal,
2011, p. 254). Segundo Dalal (1998), variadas escolas de pensamento
afirmam que a resposta está nas convenções sociais nas quais os
indivíduos estão inseridos desde o nascimento, o que justifica a intuição
do inconsciente social em várias delas. Dessa forma, Dalal (2011) faz uma
apreciação comparativa através das reflexões de Hegel (1807) sobre o
conceito de Zeitgeist, de Marx sobre o conceito de ideologia, e de
Althusser (1969) sobre o caráter inconsciente da ideologia. Além disso,
recorda que Rolland Barthes (1984) abordou a questão das convenções
sociais através do conceito de mitologia, assim como Elias (1991)
destacou o símbolo e o habitus, este também explorado por Bourdieu
(1986). A influência de Michael Foucault (1969) é também especialmente
relevante, já que ele discorreu, por meio dos conceitos de episteme e
discurso, sobre as diferentes formas de experienciar e perceber o mundo.
Todas essas noções podem ser associadas às reflexões sobre o inconsciente
social (Dalal, 2011, p. 256).
Embora tenha conferido importância às ideias de Foulkes sobre o
inconsciente social, a visão de Dalal (1998, 2011) amplia o escopo de
análise do conceito, colocando-o ainda em sintonia com contribuições
psicanalíticas contemporâneas aliadas ao pensamento de Norbert Elias
(1970, 1991) e Foucault (1972), ao afirmar que:
O inconsciente social não é o social no inconsciente, ou seja, não se
trata apenas da forma como alguém é afetado pelo seu sistema
cultural particular. O inconsciente social inclui, mas é maior do que
o que pode ser chamado de inconsciente cultural. O inconsciente
cultural pode ser descrito como consistindo de normas, hábitos e
formas de pensar de uma cultura particular [...] O inconsciente
social inclui as relações de poder estabelecidas entre os discursos
(Dalal, 1998, p. 212).
Concordando com São Tomás de Aquino − que precedeu filósofos como
Marx ou Arendt na afirmação de que “o homem é por sua natureza
político, isto é, social” (Dalal, 2011, p. 257) − considera que as relações de
poder estabelecidas entre os discursos são a própria expressão do social e
o âmago do inconsciente social (p. 249). Desse modo, postula que “o
inconsciente social é um discurso que hierarquicamente ordena outros
discursos” (p. 212) como também é “a representação da
institucionalização das relações sociais de poder na estruturação da
psique” (Dalal, 1998, p. 210). Assim, cada indivíduo já nasce inserido em
uma rede discursiva e esse fato é determinante para o desenvolvimento de
seu self (Dalal, 2011, p. 250).
Dessa forma, para Dalal (1998, 2011), as relações de poder são partes
constitutivas do inconsciente social que se encontra, portanto, permeado
por ideologias e discursos que acabam legitimando um senso comum
absorvido no social, porque as formações discursivas: “[...] veiculam
categorias de linguagem e ideias, mas também práticas que impõem
taxonomias − sistemas de inclusão e exclusão − sobre o mundo e sobre o
psíquico” (Dalal, 2011, p. 258).
A questão reside, no entanto, no fato de que diferentes formas
discursivas privilegiam determinadas formas de pensamento e visão do
mundo que ficam impregnadas no inconsciente social do grupo em
detrimento de outras formas de discurso que são assim descartadas ou
mesmo reprimidas.
A análise de Dalal (1998) chama atenção ainda para o fato de que é
necessária uma distinção do conceito de inconsciente social da noção de
vida inconsciente dos grupos (Freud, 1921), isto é, de proposições que
consideram apenas o impacto do social no inconsciente individual de
outras que apontam para o impacto do social no inconsciente grupal.
Algumas formulações sobre as relações entre social e individual insistem
em uma dicotomização e conduzem a reflexão sobre o inconsciente social
para a ideia de uma mera penetração do social no indivíduo. Ou seja, é
como se individual e social ainda estivessem em relação de causa e efeito,
o que denota uma visão epistemológica ingênua embora a investigação das
influências do social no inconsciente possam trazer importantes
contribuições para a compreensão da questão de como alguém é afetado
por seu próprio sistema social (Dalal, 1998, p. 211; 2011, p. 244). Dalal
alerta, assim, para o equívoco contido na mera substituição do individual
pelo social a priori. Esse tipo de pensamento pode erroneamente valorizar
a ideia do inconsciente social como o elo inicial de uma cadeia linear que
desconsidera as complexidades das relações humanas conduzindo ao
determinismo social, ou a uma “supersocializada concepção de homem”
(Dalal, 2011, p. 251).
Na verdade, o grande diferencial proposto por Dalal na construção do
conceito de inconsciente social baseia-se no fato de que suas ideias
inspiraram-se no que denominou de uma teoria radical de Foulkes −
Radical Foulkes − em oposição a uma teoria clássica foulkesiana −
Classical Foulkes (Dalal, 1998). Nessa análise empreendida em Taking
The group seriously: towards a post-foulkesian group analytic theory, de
1998, Dalal revelou como a teoria de Foulkes influenciada por sua dupla
filiação à psicanálise e a sociologia de Elias se desenvolveu. De acordo
com Dalal (1998), a teoria clássica foulkesiana carregava, em seu esquema
conceitual, o gérmen de uma transformação radical na forma de conceber
as relações indivíduo-sociedade e essa possibilidade transformadora foi
denominada de teoria radical de Foulkes − Radical Foulkes (Dalal, 1998).
Em seu início, a teoria grupanalítica encontrava-se ainda muito atrelada
aos fundamentos da psicanálise, aos paradigmas individualistas e à
formação de Foulkes como psicanalista que conduzia um trabalho com
grupos ainda muito vinculado a essas tradições. Nesse sentido, os
fundamentos teóricos da grupanálise, intrinsecamente ligados ao
pensamento de Norbert Elias, nunca chegaram a ser “levados a sério” nem
por Foulkes, nem pelos grupanalistas, permanecendo, como um caminho a
ser desenvolvido como afirma Dalal em Taking the group seriously (1988).
Segundo Dalal (1998), existem diferentes versões – segundo o autor,
“versão forte” e “versão fraca” – sobre como a noção de social no
inconsciente é percebida. A “versão fraca”, mais afeita à teoria clássica de
Foulkes, parece ser mais ingênua, e, embora confira valor ao social, tem
suas bases atreladas ao individualismo e remete a ideia de um indivíduo,
definido a priori e apenas afetado secundariamente pelo social (p. 211).
Nesse sentido, parece que muitas das discussões sobre a internalização dos
objetos sociais − e muitas delas englobam estudos de freudo-marxistas ou
mesmo algumas análises de frankfurtianos − mesmo sem se darem conta,
estavam profundamente impregnadas pelo racionalismo moderno e pela
noção de indivíduo. Por outro lado, a “versão forte” pertence à teoria
radical de Foulkes, e é representada através da ideia do “social como
inconsciente”. Essa segunda versão sugere que o inconsciente é
estruturado pelo social, o que a aproxima à teoria lacaniana que postula
que o inconsciente é estruturado como linguagem (p. 211). Assim, dentro
dessa perspectiva, o conceito de inconsciente social passa a conter não
apenas os modelos que descrevem a presença do social no indivíduo e do
social no inconsciente, mas também a visão do “social como
inconsciente”.
O inconsciente social em Dalal (1998, 2011) compreende, portanto, as
figurações (Elias, 1970) envolvidas nas relações de poder na sociedade e
as formas como essas relações organizam os sentimentos, os pensamentos,
como também a própria interação com os outros, pois “o inconsciente
social descreve uma estruturada rede que compreende toda existência
humana” (Dalal, 1998, p. 212). Essa rede é composta de elementos
fundamentais: as figurações das interdependências que envolvem as
relações de poder (Elias, 1970), o símbolo (Elias, 1991), a linguagem, o
conhecimento e a experiência (Dalal, 1998). Essa leitura permite Dalal
(1998) afirmar que:
O que é invisível para nós são as regras e as restrições, e as
figurações de poder sociocultural na qual elas estão imersas, todas
as quais que estruturam nosso ser, e é isso que eu tomo como
inconsciente estrutural ou como o inconsciente social (p. 212).
Assim, procurando se afastar das armadilhas de uma visão que prioriza
o pensamento linear − que ora valorizava o indivíduo, ora valorizava o
social – Dalal (2011) propõe uma reflexão em termos eliasianos por
acreditar que através das interdependências figuracionais é possível
alcançar um novo paradigma nas relações indivíduo-sociedade (Elias,
1970). Dentro dessa nova perspectiva, o foco de atenção desvia-se de um
único indivíduo − como se imaginava no paradigma freudiano/kleiniano −
de um indivíduo-em-relação − como no pensamento de Fairbairn ou
Winnicott − ou mesmo de indivíduos-em-relação como no paradigma
grupanalítico − para uma concepção que valoriza indivíduos-em-relações-
sociais conforme imaginado por Norbert Elias (Dalal, 2011, p. 252). A
teoria foulkesiana, portanto, contém um potencial que permite uma virada
do paradigma grupanalítico a partir das ideias sobre as interdependências
figuracionais nas relações indivíduo-sociedade que poderão então ser
ontologicamente priorizadas (Dalal, 1998, p. 13). A partir desse novo
paradigma, o estudo sobre o inconsciente social pode alcançar dimensões
inimagináveis para a clássica discussão sobre a internalização dos objetos
sociais e as inter-relações entre o social, a cultura e os indivíduos (Dalal,
2011, p. 249).
Outro ponto importante é que a reflexão sobre o inconsciente social
permite vislumbrar sua relevância nos grandes grupos contemporâneos,
especialmente nos grupos traumatizados. É através da psicodinâmica de
grandes grupos que desejos, mitos, fantasias, restrições e recalcamentos do
inconsciente social apresentam-se de forma pregnante. Dentro dessa
perspectiva, estabelece-se a relação intrínseca da questão do trauma com o
inconsciente social, aspecto valorizado desde as primeiras análises
empreendidas por Weinberg (2007) sobre o tema:
O inconsciente social é um inconsciente coconstruído e partilhado
por membros de um sistema social como uma comunidade, uma
sociedade, nação ou cultura. Ele inclui angústias, fantasias, defesas,
mitos e memórias compartilhados. Seus tijolos são compostos por
traumas e glórias selecionados (p. 312).
Essa definição de Weinberg (2007) inclui os conceitos de traumas
selecionados e glórias selecionadas postulados por Volkan (1997, 2004),
estabelecendo assim uma conexão direta entre os estudos sobre os grandes
grupos étnico-nacionais, as sociedades traumatizadas e o conceito de
inconsciente social. De fato, ao afirmar que “mitos ou motivações ocultas
podem guiar o comportamento de uma sociedade ou cultura” (p. 316),
demonstra a importância do conceito de inconsciente social para o
trabalho com grandes grupos submetidos a traumas massivos ou
envolvidos com transmissão psíquica transgeracional.
Em sociedades traumatizadas, isto é, em grandes grupos regredidos,
processos de incoesão são preponderantes. Além disso, outros mecanismos
de defesa como clivagem, projeção, idealização, recalcamento e recusa
encontram-se presentes, determinando e influenciando os comportamentos
individuais e coletivos (p. 317). É justamente através do uso dessas
defesas que o inconsciente social se manifesta, bem como através de
pressupostos ou asserções que fazem parte do senso comum na cultura e
que são invariavelmente expressões de seu inconsciente social. Nesse
ponto não somente defesas ou ideias veiculadas pelo senso comum fazem
parte do inconsciente social, pois reflexões psicanalíticas contemporâneas
apontam para as relações entre o inconsciente social, as formas do
negativo (Green, 1993) e a transmissão psíquica (Anzieu, 1975; Correa,
2001), descortinando novos caminhos, tanto para a análise de pacientes
difíceis quanto para a compreensão dos efeitos de transmissões psíquicas
na família e no social (Benghozi, 2001; Correa, 2001; Garcia & Penna,
2010).
Como Weinberg (2007) demonstra, uma sociedade traumatizada faz uso
de mecanismos inconscientes específicos – principalmente mecanismos de
defesa − coconstruídos e compartilhados por seus membros que podem
levar indivíduos, grupos ou até mesmo uma sociedade inteira a agir, em
determinadas circunstâncias, sob influência de seu inconsciente social.
Portanto, o inconsciente social não resulta da mera ocultação de uma regra
ou norma, mas aponta sempre para a presença de uma motivação
inconsciente, de uma defesa ou de um conflito que confere um sentido
para o fato desse conteúdo permanecer inconsciente e justifica a estreita
ligação entre o inconsciente social e as sociedades traumatizadas. Traumas
envolvendo dolorosos eventos resultam na dificuldade de lidar com o
reconhecimento da realidade ou originam defesas que visam a evitar o
contato com memórias traumáticas ou dolorosas. Evitar a recordação
dessas lembranças, o que envolve o emprego de mecanismos de defesa, é,
portanto, para Weinberg (2007), a essência do inconsciente social (p. 316).
A análise de Weinberg aponta ainda para o fato de que a transmissão
psíquica de conteúdos recalcados pode perpassar gerações por séculos.
Esse tipo de reflexão está em sintonia com pesquisas sobre as sociedades
regredidas e traumatizadas estudadas por Volkan, nas quais a transmissão
psíquica transgeracional (Volkan, 2002), a telescopagem de gerações
(Faimberg, 2005) e os traumas e as glórias selecionados (Volkan, 2004)
revelam o inconsciente social do grupo afetado. Através de traumas
selecionados ou glórias selecionadas, uma espécie de trauma ecoante
parece persistir e transmitir-se psiquicamente pelo negativo (Green, 1993),
no inconsciente social das culturas afetadas. Em países como Israel,
Palestina, Alemanha, no Leste Europeu ou na Europa Central essas
constatações são evidentes e a análise e elaboração de conteúdos presentes
no inconsciente social são de fundamental importância para a
compreensão da psicopatologia de muitos fenômenos sociais como
também para o desenvolvimento de estratégias de intervenção (Volkan,
2006a; Friedman, 2010).
A contribuição de Weinberg (Weinberg, 2007; Hopper & Weinberg,
2011) permite concluir que o principal objetivo do trabalho com o
inconsciente social é o de revelar as lembranças traumáticas coletivas e o
impacto dessas memórias inconscientes na sociedade e nos indivíduos.
Nesse sentido, tanto o trabalho investigativo com grandes grupos vistos
como sistemas sociais como com grandes grupos afetados por situações
traumáticas, isto é, grupos onde predominam processos de incoesão
(Hopper, 2003b) redundam em investigações sobre o inconsciente social.
Também a pesquisa com grandes grupos não estruturados, como os
organizados pela Sociedade de Grupanálise de Londres ou pelo Institute of
Human Relations da Tavistock, tem se revelado, desde a década de 1970,
um importante instrumento para o estudo e a exploração dessas questões.
Dentro desses settings, é possível aprender sobre o inconsciente social,
sobre a psicologia das massas e sobre a sociedade como um todo.
Sem dúvida alguma, as sociedades traumatizadas são um campo fértil
para o estudo e a compreensão do inconsciente social. As pesquisas sobre
essas relações ainda estão em seu início e psicanalistas, especialmente
aqueles que viveram sob regimes totalitários, começam a se dedicar à
exploração das inter- relações entre a psique individual e as estruturas e
funções dos sistemas sociais, ou seja, dedicam-se a investigar a produção
de subjetividade em regimes totalitário-ideológicos e seus efeitos sobre a
psicologia e a psicopatologia individual, especialmente após o colapso
invariavelmente traumático desses regimes (de Mendelssohn, 2011). Em
Praga, Helena Klimová (2011) revela, a partir de exemplos clínicos, como
o desenvolvimento individual e psicossocial de sujeitos foi afetado por
anos de totalitarismos − através de seu legado, inscrito na matriz
fundadora tcheca − que remete a transmissões psíquicas transgeracionais,
a identificações com o agressor, a sujeitos falsos self e à compulsão à
repetição de experiências traumáticas (p. 187). Chamando atenção para os
processos de incoesão descritos por Hopper (2003b), Klimová (2011)
descreve estados de agregação e massificação presentes em sistemas
sociais marcados pelo totalitarismo e sua pesquisa revela também os
efeitos dos regimes totalitários sobre os indivíduos que os leva a se fundir
em um “único e coletivo falso self ” (p. 192). Klimová (2011) demonstrou
ainda como esses processos estabeleceram-se ao longo do
desenvolvimento psíquico, especialmente no período de integração do eu
(Winnicott, 1971) e durante a aquisição da linguagem (p. 190). Nessa
direção, parecem também caminhar as conceituações sobre objetos
totalitários, mentes totalitárias e sobre a psicologia individual nos
contextos totalitários, conduzidas pelo psicanalista tcheco Michael Sebek
(1992, 1996, 2012). Essas considerações dão continuidade às reflexões
iniciadas por Dalal (1998, 2011) sobre as relações de poder e o
inconsciente social, descortinando ainda um vasto campo de pesquisa para
a psicanálise.
Na Sérvia, Mojovic (2007, 2011) apresenta aspectos do cotidiano da
antiga Iugoslávia e da desintegração do país com a guerra civil e revela
através da descrição de diversas situações traumáticas vivenciadas em
díades, famílias ou grupos, de que modo a população foi afetada
psiquicamente e como o trauma encontra-se arraigado no inconsciente
social sérvio. Para tal, fez uso do conceito de refúgio psíquico[50]
(Steiner, 1993) ampliando-o para a investigação do trauma no coletivo e
para a transmissão psíquica transgeracional. Refúgios psíquicos sociais
são definidos como “formações sociopsíquicas inconscientemente
cocriadas” (Mojovic, 2011, p. 209) utilizadas como escudos protetores
contra situações traumáticas vivenciadas pelos sérvios. Apesar de
assinalar as consequências do uso patológico dessas organizações no
coletivo, Mojovic (2011) apreciou-as também como um recurso criativo e
protetor, desenvolvido por famílias e grupos de pessoas contra os excessos
traumáticos da guerra concluindo que:
Refúgios psíquicos sociais, inconscientemente formados nas
famílias, organizações ou grupos por conta do trauma massivo,
acabaram se tornando propriedades das matrizes dinâmica e
fundadora do sistema social da Sérvia (p. 211).
O trabalho de Mojovic (2011) aponta, dessa forma, para a existência de
refúgios psíquicos sociais que podem se estabelecer como defesas que se
somam às defesas clássicas no inconsciente social, particularmente em
sociedades traumatizadas, objeto privilegiado de investigação pelos
estudiosos da área, especialmente a partir do final do século XX.

Uma reflexão sobre o inconsciente social


As investigações sobre o inconsciente social abrem novas possibilidades
para a pesquisa psicanalítica tanto em termos de reflexões
metapsicológicas quanto em relação a temas que envolvem as relações
indivíduo-sociedade, conduzindo a territórios desconhecidos que ainda
precisam ser investigados e mapeados. As definições de Hopper, Weinberg
e Dalal apresentam-se como diretrizes que podem nortear diferentes
caminhos investigativos.
A partir de Hopper e Weinberg (2011), é possível mergulhar em um
universo interdisciplinar que examina as intrínsecas relações entre grupos,
vistos como sistemas sociais, e o inconsciente social. Além disso, seus
aportes permitem reflexões psicanalíticas que caminham em duas
direções. A primeira delas refere-se a novas possibilidades de pesquisa em
relação à temática do inconsciente, já que ela problematiza a compreensão
psicanalítica tradicional sobre o inconsciente através da sua discussão
sobre o significado de unawareness (Hopper, 2003a; Hopper & Weinberg,
2011). Isso porque a conotação que atribuiram a não consciência −
unawareness − possibilita investigações sobre os diferentes processos
envolvidos no tornar ou não inconsciente conteúdos que ficam fora da
consciência em grupos vistos como sistemas sociais. Dessa forma, abrem
caminho para pesquisas sobre o inconsciente, sua dinâmica e os processos
defensivos asseverando que o caminho a ser tomado nessa pesquisa vai
depender do que Pines (1998) chamou de “enquadres de referência” (p.
78), isto é, do esquema teórico-conceitual adotado por cada pesquisador.
Outra contribuição relevante de Hopper & Weinberg (2011) diz respeito
à articulação que fazem com a teoria winnicottiana, devido ao fato de que
Winnicott (1971), já no final de sua obra, discutia a questão da cultura e da
sociedade como um fenômeno transicional (Hopper & Weinberg, 2011, p.
XXXII). De fato, em 1971, Winnicott destacou que:
Freud, em sua topografia da mente, não encontrou lugar para a
experiência das coisas culturais. Deu um novo valor à realidade
psíquica interna e disso proveio um novo valor para as coisas que
são reais e verdadeiramente externas. Freud utilizou a palavra
sublimação para apontar o caminho a um lugar em que a
experiência cultural é significativa, mas talvez não tenha chegado
ao ponto de nos dizer em que lugar, na mente se acha a experiência
cultural (p. 133).
Embora nessa passagem Winnicott nem sequer tivesse pensado sobre o
inconsciente social, é possível considerar que a pesquisa sobre a
localização da experiência cultural pode encontrar na reflexão sobre o
inconsciente social, especialmente através do conceito de matriz (Foulkes,
1964), pontos elucidativos. Ambos se referem a uma realidade
compartilhada, cocriada, “mas também herdada, que pertence ao fundo
comum da humanidade, para a qual indivíduos e grupos podem contribuir”
(Winnicott, 1971, p. 138), que não está localizada nem no mundo externo,
nem no mundo interno, na realidade psíquica pessoal, mas que encontra-se
em um espaço cocriado, coinventado, de separação e união que é o espaço
transicional. O conceito de matriz no qual Foulkes (1964) baseou sua visão
das relações indivíduo-grupo descreve a “rede de relacionamentos que
ocorre em um solo comum compartilhado e que determina o sentido e o
significado de todas as comunicações e interpretações de um dado grupo”
(p. 292). Esse conceito e especialmente o de matriz fundadora estão ainda
intrinsecamente relacionados à ideia de inconsciente social. Nesse sentido,
é possível fazer aproximações teóricas entre os conceitos de espaço
transicional/ potencial, matriz e inconsciente social e pensar que a matriz,
tão importante para a grupanálise, encontra-se localizada no espaço
potencial entre indivíduo e ambiente externo, lugar da experiência
cultural, do brincar, mas também da impossibilidade do brincar criativo no
caso da patologia e do trauma.
Uma questão importante apresentada por Hopper (2003a, 2003b) para o
debate reside na importância que o autor confere às questões traumáticas e
à sua conexão com os processos grupais incoesivos. Na verdade, quando se
afastou das análises sobre as formações grupais que priorizavam os
processos de coesão, voltando-se para a explicitação dos processos de
incoesão, ele adequou a pesquisa com grupos às necessidades emergentes
no início do século XXI. Nesse sentido, foi o responsável pelo início de
uma investigação mais detalhada sobre o inconsciente social enquanto
importante ferramenta teórico-clínica para o tratamento de traumas
sociais, e suas contribuições − somadas às de Weinberg − permitiram
aprofundar as pesquisas psicanalíticas sobre transmissão psíquica e formas
do negativo em culturas e sociedades. Dentro dessa perspectiva, a
investigação sobre o inconsciente social da sociedade israelense
empreendida por Weinberg (2009) foi pioneira, apontando para a conexão
entre trauma, transmissão psíquica, grandes grupos e inconsciente social
ao revelar como traumas e glórias selecionados marcaram a trajetória do
povo judeu, e influenciaram a realidade atual e os conflitos dessa
sociedade (Weinberg, 2009).
Por sua vez, a leitura de Dalal (1998, 2011) sobre o inconsciente social
dinamiza o debate, conferindo-lhe um aporte mais filosófico que
contempla interfaces com o pensamento marxista e com a psicanálise
lacaniana, aproximando o estudo do inconsciente social das grandes
discussões contemporâneas ao relacioná-lo com a questão da ideologia e
das formas discursivas. Além disso, permite que o debate sobre o
inconsciente social passe também a abarcar a análise de situações não
traumáticas, deslocando sua apreciação para as relações de poder. Isso
possibilita que a discussão do inconsciente social de sociedades, entre elas
a brasileira, volte-se não apenas para traumas ou glórias selecionados, mas
também para o seu atravessamento por dispositivos de poder, explicitados
por Foucault (1979).
Assim, a discussão sobre as formas de internalização da cultura, ou
mesmo de seus efeitos nos indivíduos e na sociedade – objeto central das
pesquisas empreendido durante todo o século XX − pode adquirir, através
do conceito de inconsciente social, novas perspectivas de análise. A
questão deixou de privilegiar temas que consideravam a influência da
cultura sob o indivíduo, ou do social no indivíduo (Dalal, 2011) para
examinar, dentro de uma perspectiva inter-relacional e figuracional (Elias,
1970) como esses processos são cocriados, coinventados e transmitidos
(Hopper & Weinberg, 2011). Nessa direção, que exige uma interface entre
saberes, o conceito de inconsciente social promete uma nova leitura para
os fenômenos interpessoais e para as relações indivíduo-sociedade,
permitindo investigar a origem e a transmissão de aspectos inconscientes e
recalcados de uma sociedade como também seus efeitos traumáticos e
suas vicissitudes.
Embora a ideia de um inconsciente social não seja novidade, sua
emergência como conceito no início do século XXI deve-se ao atual
contexto sociopolítico-cultural em que predominam os conflitos com
grandes grupos associados a situações traumáticas em nível individual e
coletivo. Assim, da mesma forma que a psicologia das massas conferiu
sentido ao interesse despertado pelo fenômeno das multidões no final do
século XIX, o século XX chegou ao fim deixando um legado traumático −
consequência de duas grandes guerras, da Guerra Fria e de tantos regimes
totalitários − que vem sendo elaborado no bojo dos grandes grupos no
início do século XXI, através do conceito de inconsciente social.

[44] A investigação de Goldstein sobre os danos cerebrais em pacientes


após a Primeira Guerra Mundial o fez ir contra a clássica ideia de que
essas lesões seriam localizadas, afirmando que o sistema nervoso
funcionava de forma global e integrada. Assim, a influência da
neurobiologia de caráter holístico de Goldstein foi fundamental para o
desenvolvimento do pensamento de Foulkes (Nitzgen, 2011, p. 12).
[45] Apesar de Foulkes ter trabalhado no mesmo prédio em que
funcionava a Escola Frankfurt nos anos 1930 e ter frequentado os
seminários sociológicos de Karl Manheim e de seu assistente Norbert
Elias, que aconteciam no primeiro andar do Institute of Social Research,
não foi possível encontrar, apesar de muitos teóricos insistirem nessa
associação, uma relação íntima teórico-conceitual entre os esquemas
teóricos dos frankfurtianos e da grupanálise foulkesiana. As influências
realmente marcantes para a obra de Foulkes foram mesmo as de Kurt
Goldstein e Norbert Elias (Marie Louise Rabe, 1997, comunicação oral;
Nitzgen, 2011).
[46] Hopper recorda que, embora o conceito de inconsciente social tenha
sido esboçado já em 1924 por Trigant Burrow e mais tarde introduzido por
Erich Fromm em 1962, Karen Horney foi a primeira psicanalista a aplicar,
em 1937, a noção de inconsciente social ao trabalho clínico (Hopper,
2003a, p. 159; Hopper & Weinberg, 2011).
[47] Discurso descoberto nos arquivos de Foulkes do Welcome Institute for
the History and Understanding of Medicine, publicado recentemente em
New Psychoanalytical Contribution to Interpersonal Dynamics. Mikbatz –
The Israeli Journal of Group Psychotherapy, 8(1), p. 85-96, 2003.
[48] A palavra indivíduo foi escolhida neste trabalho para designar a
unidade psicológica, entretanto, em passagens do capítulo, alguns autores,
especialmente Hopper, empregaram o termo pessoas − persons – para se
referir a essa unidade. Assim, por questões de uniformidade conceitual, a
palavra indivíduo manteve-se substituindo o termo pessoas.
[49] O segundo volume, em processo de edição, da trilogia de Hopper e
Weinberg sobre o inconsciente social explora as matrizes dinâmicas e
fundadoras de culturas e sociedades, entre elas, a sociedade brasileira e
suas relações com o inconsciente social.
[50] Refúgios psíquicos foram observados em resistências muito intensas
apresentadas por pacientes aparentemente inacessíveis e que paralisavam
o tratamento analítico, sendo definidas como “organizações patológicas
utilizadas por sujeitos que envolvem relações de objeto e sistemas de
defesa altamente estruturados” (Steiner, 1993, p. 65).
Conclusão
As dicotomias que marcaram o pensamento moderno fizeram do
indivíduo a pedra angular das sociedades ocidentais nos últimos séculos.
Isso criou um hiato entre as relações indivíduo-sociedade, indivíduo-
grupo. Tanto autores clássicos, como Georg Simmel (1908a), Louis
Dumont (1985) e Norbert Elias (1970, 1987), quanto contemporâneos
como Richard Sennett (1998), Christopher Lasch (1979) e Alain Ehrenberg
(2000), cada um à sua maneira, têm apontado para as dificuldades que o
modelo individualista acarreta para a vida em sociedade. Georg Simmel
(1908a) e Norbert Elias (1970) procuraram escapar das polaridades da
modernidade desenvolvendo, através das formas de sociação e da teoria
das figurações, diferentes formas de pensar as relações indivíduo-
sociedade. Embora seja visível o esforço empreendido por esses autores de
erigir uma ponte entre o indivíduo e a sociedade, o pensamento ocidental
contemporâneo ainda encontra-se muito arraigado à ideia de indivíduo,
mesmo o modelo individualista já tendo apresentado sinais de desgaste.
Tanto na psicanálise, a despeito do desenvolvimento de um paradigma
intersubjetivo, quanto na grupanálise, por meio de um pensamento em
termos relacionais, ainda persistem reflexões que, mesmo
inadvertidamente, têm como elemento norteador uma visão que opõe
indivíduo e ambiente/sociedade. Dalal (2011) chamou a atenção para a
importância dos trabalhos com grupos afastarem-se de um pensamento
linear e de relações de causa e efeito − que ora colocam o indivíduo, ora o
social a priori − e propõe um novo paradigma para a compreensão dessas
relações. Tal perspectiva permite que o foco de atenção desvie-se de um
único indivíduo, de um indivíduo-em-relação ou mesmo de indivíduos-
em-relação para um paradigma que contemple essas relações de forma
interdependente (Dalal, 2011, p. 252).
Essa mudança de perspectiva, especialmente no trabalho com grupos, é
herdeira da reflexão freudiana de 1921, segundo a qual “a psicologia
individual é, ao mesmo tempo, também psicologia social” (Freud, 1921, p.
91). A afirmativa de Freud possibilitou o início da criação de uma ponte
entre o individual e o coletivo e permitiu que a psicanálise com grupos
pudesse se desenvolver. De início, conhecimentos sobre o funcionamento
psíquico individual foram transpostos para o trabalho com grupos,
entretanto, mais tarde, novos aportes teórico-conceituais foram postulados
para a compreensão da dinâmica grupal e do interjogo de processos
inconscientes. Dessa maneira, ao longo do século XX, o trabalho
psicanalítico com pequenos grupos consolidou-se e encontrou um espaço e
um arcabouço teórico próprio, fazendo uso não apenas de teorias
psicanalíticas, mas de contribuições da teoria da comunicação e da teoria
dos sistemas em interface com outros saberes (de Maré, 1974).
Atualmente, o trabalho com grupos apresenta novos desafios, em parte,
devido ao fato de as transformações do mundo contemporâneo cada vez
mais demandarem a implicação dos analistas em questões fora do âmbito
do consultório ou da instituição. A sociedade atual espera que os
profissionais posicionem-se em relação à violência, ao terrorismo ou aos
traumas coletivos, temas que envolvem relações entre indivíduos e
grupos/sociedade (Varvin & Volkan, 2008). Dessa forma, novos
desenvolvimentos teóricos fizeram-se necessários e a ideia de indivíduos-
em-relação − característica do paradigma grupanalítico que anteriormente
parecia dar conta das necessidades teórico-técnicas das psicoterapias
realizadas em pequenos grupos − deixou de ser suficiente a partir do início
das investigações com grandes grupos porque a transposição de conceitos
da psicodinâmica individual para o pequeno grupo revelou-se insuficiente
para tratar de tão complexas inter-relações. Assim, para atender a uma
perspectiva que pudesse dar conta de indivíduos-em-relações-sociais
(Dalal, 2011), novas interconexões, diferentes interfaces − agora com a
ciência política e a história −, bem como novos isomorfismos,
especialmente aqueles que permitiram que grupos regredidos pudessem
ser estudados como sistemas sociais (Hopper, 2003b), foram postulados,
vindo em auxílio da investigação psicanalítica de grandes grupos.
Os grandes grupos chamaram atenção mesmo quando, ainda na
Antiguidade ou na Idade Média, não podiam ser identificados como tal
(Fernández, 2006). A partir do Renascimento, as teorias sobre grande
número (Reynié, 1988) começaram a despertar o interesse e, mais tarde, as
turbas da Revolução Francesa, as multidões reivindicadoras e religiosas do
século XIX, as massas totalitárias do século XX e até mesmo os grandes
grupos ou as redes sociais do século XXI desafiaram a análise dos
pesquisadores, revelando algo que parecia escapar à compreensão. O
fenômeno grupal, cuja incompreensibilidade levou Le Bon (1895, p. 97) a
associá-lo ao enigma da Esfinge e que está presente tanto no
comportamento das multidões do século XIX quanto na submissão das
massas a líderes inescrupulosos no século XX e na psicodinâmica dos
grandes grupos contemporâneos, é intrigante. Afinal, que tipo de
fenômeno é esse que pode, em diferentes épocas, apresentar roupagens tão
diferentes que evocam teorias explicativas, por vezes, diametralmente
opostas? Como as visões conservadoras de Tarde (1890) e Le Bon (1895)
sobre as multidões do século XIX puderam transformar-se na psicologia
das massas de esquerda estudadas pelos marxistas e pelos frankfurtianos?
De que maneira as relações entre as massas homogeneizadas e seus líderes
no século XX deram lugar aos grandes grupos regredidos e traumatizados
no século XXI? Que tipo de caleidoscópica transformação revela-se
através da psicologia dos grandes grupos?
De início, explicações histórico-sociais pareciam responder, mesmo que
parcialmente, a essas indagações. Além disso, o conceito de Zeitgeist,
introduzido pelo romantismo alemão, permitia a reflexão sobre as
diferentes visões sobre a psicologia das multidões/massas/grandes grupos
apontando para a importância de uma investigação contextualizada desses
processos. Dessa forma, o espírito de época − isto é, o genius seculi, “o
espírito guardião do século” (Herder, 1769, citado por Hegel, 2008 [1830])
− seria o elemento determinante nas reflexões sobre a psicologia dos
grandes grupos em suas diferentes fases. No entanto, a postulação do
inconsciente social, na virada do século XXI, permitiu um
redimensionamento da pesquisa, fazendo com que se procurasse
identificar, em cada época investigada, as motivações coletivas e
inconscientes que guiavam tanto o processo de constituição das massas
quanto as leituras feitas sobre elas (Hopper & Weinberg, 2011). Em 2011,
ao aproximar os conceitos de inconsciente social e Zeitgeist, Dalal (2011)
conferiu ainda maior força à influência do inconsciente social nessa
reflexão que revelou como os medos, os mitos, as restrições, os
recalcamentos, mas também as relações de poder, as ideologias e as
formações discursivas de cada período histórico estavam relacionadas às
diferentes visões e análises sobre a psicologia das massas.
Tendo em mente essa perspectiva, foi possível observar como, no século
XIX, os estudiosos da psicologia nascente observaram o comportamento
das multidões. Influenciados pelo crescimento das populações e das
cidades, pelo surgimento das classes trabalhadoras e pelo receio em
relação aos movimentos anarquistas e revolucionários, os pesquisadores
da época procuraram compreender o fenômeno que começava a delinear-
se, já que, vistas como irracionais, turbulentas ou criminosas, as multidões
eram capazes de congregar os maiores receios, os temores mais
infundados da burguesia individualista e conservadora, que se sentia
ameaçada em seu status quo por uma multidão assustadora. Desse modo, é
possível afirmar que a era das multidões (Le Bon, 1895) reunia o espírito
da época, revelando o principal temor presente no inconsciente social do
século XIX: a multidão.
No entanto, quando o século XX começou a dar seus primeiros sinais “a
rebelião das massas” deu lugar à sociedade de massas e à plasticidade do
homem-massa (Ortega y Gasset, 1926). Dessa vez, as multidões, não mais
criminalizadas e patologizadas, transformaram-se em massas que
precisavam ser lideradas e governadas (Moscovici, 1981). Durante todo o
século XX, a preocupação central em relação às massas − que parecia
residir no âmago do inconsciente social do século XX − consistia em
encontrar formas de controlar sua expansão, submetendo-as às exigências
de seus líderes. Dentro dessa perspectiva, a psicologia das massas
freudiana dedicou-se às identificações dos membros do grupo e da relação
que estabeleciam com o líder. Influenciada pelas grandes guerras e pelos
horrores vivenciados no século XX, a preocupação dos pesquisadores
voltou-se para as tentativas de compreensão de como os seres humanos,
convertidos em massas, eram levados a cometer as atrocidades em nome
de um líder ou uma ideologia (Adorno, 1947, 1951). A partir desse
contexto, a psicologia das massas deu uma guinada teórica deixando-se
permear pela ideologia de esquerda representada pelas tentativas dos
freudo-marxistas de compreender as relações entre os sujeitos e a cultura,
a partir da articulação entre o marxismo e psicanálise (Zarestsky, 2006). A
iniciativa redundou na Teoria Crítica, desenvolvida pela Escola de
Frankfurt, que serviu-se ainda da psicanálise e especialmente da
psicologia das massas freudiana para investigar a personalidade autoritária
e o fascismo enquanto manifestações ideológicas (Rouanet, 1986).
Dentro dessa visão é possível considerar que, ao longo do século XX, a
preocupação com o governo das massas e com os seus líderes norteou as
principais análises em torno do tema, revelando a presença de um mundo
conturbado e estupefato diante da violência crescente que, através de duas
grandes guerras mundiais, destruiu o que as culturas europeias haviam
construído até aquele momento (Valéry, 1919). Essa constatação, que
permaneceu como pano de fundo das grandes discussões promovidas
durante o século XX, permite afirmar que, no inconsciente social,
permaneciam recalcados os maiores temores em relação ao produto dos
embates entre a vida pulsional e a vida civilizada (Freud, 1927/1976, 1930,
1933; Benjamin, 1933; Bion, 1948). A discussão sobre a psicologia das
massas e seus líderes possibilitou constatar que esses temores
permaneceram bastante vivos no inconsciente social do século XX e seus
efeitos sobre o coletivo conferiram direção e sentido às principais
produções intelectuais do período. Nesse sentido, é visível o quanto as
tentativas de compreensão da psicologia das massas, de seus líderes e dos
totalitarismos do século XX influenciaram os mais expressivos pensadores
do século. Além disso, inúmeros esforços foram mobilizados no sentido de
refletir e evitar que as atrocidades vivenciadas no século XX voltassem a
acontecer (Adorno, 1947). Finalmente, todo esse movimento político-
intelectual teve também reflexos no trabalho analítico com pequenos
grupos e no início dos trabalhos com comunidades terapêuticas e com
grandes grupos (Kreeger, 1975).
A principal preocupação no que se refere às investigações sobre
formações grupais durante o século XX girou em torno das tendências à
fusão e à homogeneização apresentadas pelos membros de um grupo
unidos em torno de um ideal ou de um líder (Freud, 1921). A coesão
grupal e uma forte relação membro-líder eram não apenas o objeto central
das investigações, mas também o ideal almejado para as formações
grupais no século XX. Além disso, as análises realizadas reproduziam, no
âmbito dos trabalhos grupais, as mesmas questões que desafiavam o
pensamento sobre as massas no período. Nesse sentido, a formulação do
conceito de ilusão grupal (Anzieu, 1993; Kaës, 1997) descrevia formações
defensivas que refletiam a visão preponderante sobre o funcionamento
grupal − centrada na relação paterno-filial do grupo com seu líder/
ideologia – no século XX. Os leaderless groups, os grupos de pressupostos
básicos e os grupos de trabalho de Bion − mesmo que de forma
diferenciada da simples relação grupo-líder, por estarem centrados na
visão do grupo como um todo e em sua dinâmica inconsciente − pareciam
também ter como meta a almejada coesão grupal. Assim, parece que a
busca pela coesão grupal apontava tanto para o desejo de reunião com o
líder/pai primevo (Freud, 1921), presente no inconsciente social do século
XX, quanto para o temor de que as vicissitudes de uma excessiva coesão
grupal e a relação grupo-líder pudessem ser o leitmotiv para o
estabelecimento de sistemas totalitários. Dessa forma, é possível
identificar, através da discussão sobre a questão da coesão grupal, como as
preocupações que norteavam as indagações sobre as massas no século XX
também incidiam sobre o trabalho analítico com grupos, determinando sua
direção e suas formulações teóricas.
Contudo, a importância atribuída ao líder/pai fragilizou-se a partir da
década de 1970. De fato, as transformações ocorridas na família e nos
valores da sociedade patriarcal foram responsáveis por mudanças nas
relações sociais que, entre outras consequências, passaram a apontar para
uma sociedade sem pai (Mitscherlisch, 1963) e para o declínio das grandes
lideranças e ideologias. Assim, não foi por acaso que, durante a década de
1970, pesquisas com grupos, mesmo que ainda muito concentradas na
questão da coesão grupal, voltaram-se para a investigação de mecanismos
pré-edípicos envolvidos em fenômenos grupais decorrentes não mais da
relação com um pai temido e idealizado (Freud, 1921), mas com uma mãe
provedora e onipotente (Chasseguet-Smirgel, 2003). Nesse mesmo
período, o interesse da grupanálise deslocou-se para a investigação de
grandes grupos que também evidenciavam fenômenos pré-edípicos como
regressões, clivagens, dissociações, isolamento e identificações projetivas
(Turquet, 1975; Kreeger, 1975). Apesar disso, no entanto, as preocupações
teóricas ainda giravam em torno das discussões sobre a coesão grupal e,
nesse sentido, os questionamentos de Lawrence, Bain e Gould (1996),
embora já apontassem para um retraimento narcísico dos indivíduos no
grupo, ainda tinham como referencial a almejada coesão.
Essa predominância em torno da investigação dos fenômenos primitivos
nos grupos manteve-se, embora a transição do século XX para o XXI tenha
revelado a proliferação de grupos espontâneos organizados em tribos, em
torno de características homogêneas, ou mesmo grupos de cunho
fundamentalista. Em ambos os casos, predomina um funcionamento pré-
edípico com tendência à fusão e identificações adesivas e muitos desses
grupos prescindem de lideranças ou de hierarquizações. Surgiu, assim, a
questão sobre o que teria acontecido com as formações grupais do
passado. Grupos de trabalho, grupos heterogêneos com divisões de tarefas,
psicoterapias de grupo, comunidades terapêuticas, grupos com lideranças
ou ideais facilmente identificáveis teriam desaparecido? Seria possível
pensar que a questão do líder, que fora fundamental para os processos
grupais durante todo o século XX teria se diluído no seio da cultura
narcísica e na diminuição da importância da função paterna da
contemporaneidade? Quais seriam as consequências dessas mudanças para
as formações grupais? O que isso teria a ver com os grandes grupos?
A pesquisa com grandes grupos seja em “situações de laboratório”,
como ocorre nas conferências de grupanálise, seja nas investigações
institucionais e organizacionais da Group Relations na Tavistock, ou
mesmo nos grandes grupos vistos como povos ou nações por Volkan
(2006b), apresenta mais perguntas do que respostas, levando-nos
novamente ao enigma da Esfinge apresentado por Le Bon (1895, p. 96). É
possível realizar intervenções clínicas com grandes grupos dentro de um
enfoque analítico? O trabalho com grandes grupos apresenta um efeito
terapêutico? Os grandes grupos permitem modificações subjetivas? Será
mesmo possível que processos de diálogo em situações de conflito e
elaborações coletivas de traumas vivenciados possam ser iniciados em um
grande grupo?
Todas essas questões não encontram respostas fáceis, pois realmente o
trabalho com grandes grupos apresenta uma série de desafios, não só em
termos conceituais, mas também em relação ao seu difícil manejo e à
intensidade da regressão e de sentimentos que mobilizam em seus
participantes (Schneider & Weinberg, 2003). De início, os grandes grupos
eram investigados sob o prisma da coesão grupal e evidenciavam
tendências à fusão e homogeneização bastantes claras, embora a relação
com o líder ocupasse um papel importante na dinâmica (Turquet, 1975).
Muitas das discussões pareciam retomar questões anteriormente aventadas
nos tradicionais trabalhos sobre multidões do século XIX, contudo, com o
auxílio da psicanálise contemporânea, reflexões mais atualizadas
permitiram compreender um pouco mais a psicodinâmica dos grandes
grupos. Nesta conjuntura, Hopper (2003b) passou a investigar os grandes
grupos sob a ótica da incoesão. Preocupado com os pacientes difíceis e a
questão do trauma, que adquiriu grande valorização na virada do século,
debruçou-se sobre a agregação e a massificação presente nos grupos.
Dessa forma, a preocupação com a homogeneização e a fusão nos grupos,
tão caras aos estudiosos do século XX, transformou-se, a partir da análise
de Hopper (2003b), na investigação sobre os processos de agregação e
massificação. Assim, o que antes era visto sob a ótica da coesão passou a
ser apreciado pelo viés da incoesão, e o que era da ordem da fusão e da
homogeneização nas formações grupais passou a ser visto a partir dos
processos de agregação e massificação nos grupos. Essa transformação
pode ser evidenciada, mesmo não tendo sido explicitada, nas investigações
sobre grandes grupos regredidos apresentadas na atualidade por Volkan
(2004, 2006b).
A análise das formações grupais sob o prisma da incoesão revela,
portanto, uma mudança significativa na reflexão sobre a questão das
massas que parece estar no âmago do inconsciente social da época atual.
Se, no século XX, refletir em termos de coesão grupal e desejos de fusão e
homogeneização remetia às ilusões de reunião com o pai idealizado ou
mesmo com a mãe onipotente e provedora e essas tendências expressavam
fielmente os desejos, as fantasias e os mitos presentes no inconsciente
social das massas do século XX, no século XXI, no entanto, tais
propensões não se faziam presentes e novas preocupações se fizeram
evidentes. Nesse sentido, a apreciação dos processos grupais em termos de
incoesão faz todo o sentido. De fato, vivemos em um contexto em que as
promessas de um mundo globalizado, e, portanto, coeso, deram lugar a
rupturas e processos desagregadores que, por sua vez, resultaram em novas
reconfigurações político-sociais nos países do Leste Europeu, Europa
Central e na África pós-colonial. Tais promessas, também deram vazão a
um crescente confronto entre minorias étnico-raciais. Esses fatos apontam
justamente para os processos de incoesão que hoje parecem predominar
enquanto fenômeno central de grandes grupos.
Apesar de a reflexão em termos de incoesão ter revertido a leitura até
então dominante sobre as formações grupais, é possível evidenciar que a
questão das massas, de suas vicissitudes e de seus líderes ainda permanece
como uma grande preocupação mesmo entre os autores contemporâneos.
Essa constatação poderia contrariar as primeiras hipóteses aventadas sobre
as tribos, os grupos homogêneos e fundamentalistas atuais, revelando que
as formações grupais ainda se encontram apoiadas no modelo centrado na
relação membro-líder, mesmo que esse líder não seja mais o pai primevo,
mas tenha sido substituído pela ideologia do próprio grupo (ilusão grupal)
ou pela figura da mãe onipotente e provedora, apontando para processos
mais primitivos. De fato, as formações grupais atuais revelam um
funcionamento mais regressivo e pré-edípico, contudo, o papel atribuído à
liderança e à ideologia ainda permanece sendo uma questão que fomenta o
debate, pelo menos nas análises que Volkan (2004, 2006b) e Kernberg
(1998, 2003) empreenderam. Talvez isso possa ser atribuído ao fato de que
esses autores dedicaram-se ao estudo de formações grupais em
transformação, entretanto, ainda apoiadas e organizadas em torno da
relação grupo-líder, modelo preponderante no século XX. Além disso, são
autores que pertencem a uma geração de intelectuais que vivenciaram
intensamente as confluências sócio-históricas do século XX.
Atualmente, a produção de conhecimento sobre grandes grupos e suas
lideranças parece indicar diferentes vertentes investigativas. No final do
século XX e no início do XXI, um grande número de regimes totalitários
deixou de existir. As sociedades massificadas e traumatizadas investigadas
por Volkan (2004, 2006a) são, em grande parte, países em reestruturação
provenientes do desmantelamento dos regimes comunistas. Além disso, os
recentes fenômenos das redes sociais e as transformações políticas
ocorridas no mundo árabe revelam caminhos ainda desconhecidos, mas
que apontam para a tentativa de estabelecimento de regimes mais
democráticos, embora ainda seja cedo para tal afirmação. No entanto, o
declínio de antigos regimes totalitários desnudou seus efeitos
traumatogênicos sobre as populações submetidas a eles, revelando sérias
consequências psicológicas em níveis individual, familiar e coletivo. Esse
é um ponto fundamental para a discussão psicanalítica dos fenômenos
grupais atuais, pois, através dos conhecimentos produzidos pela
psicanálise contemporânea, é possível hoje constatar o prejuízo que os
traumas coletivos, os lutos não elaborados e as transmissões psíquicas
transgeracionais acarretam para a constituição subjetiva dos indivíduos −
muitos deles diagnosticados como pacientes difíceis (Danieli, 1998;
Correa, 2001; Hopper, 2003a) − e para suas relações familiares e sociais.
Dessa forma, a preocupação com as questões traumáticas e suas
vicissitudes, a necessidade de promover a elaboração de lutos coletivos e
as consequências das transmissões psíquicas transgeracionais no social
acabaram constituindo, no início século XXI, o novo foco de interesse e
preocupação no estudo sobre os grandes grupos.
Em 2002, Semprún fez uma declaração que, inicialmente, pareceu
estranha, mas que, dentro dessa conjuntura, adquiriu sentido. Na ocasião,
declarou que, assim como os anos 1920 e 1930 foram períodos de pós-
guerra, o início do século XXI era também uma era de pós-guerra. A queda
do Muro de Berlim, vista por muitos como o início do século XXI foi
considerada por Semprún (2002) como o final de uma longa “guerra
virtual” − a Guerra Fria − e, portanto, o momento atual deveria ser
analisado como um período de pós-guerra com consequências para ambos
os lados, em especial para países alinhados com o antigo bloco soviético
(p. 20). Dentro dessa linha de raciocínio, seria possível conjecturar que o
início do século XXI estaria marcado por um período de elaboração, no
coletivo, dos traumas vivenciados e/ou transmitidos psiquicamente pelas
guerras e pelos regimes totalitários do século XX. Isso não significa que
vivências traumáticas possam ser consideradas como uma exclusividade
histórica do século XX, mas hoje é possível, com o auxílio da psicanálise,
reconhecer e localizar com toda a intensidade as consequências psíquicas e
sociais das situações traumáticas vivenciadas através das gerações.
Traumas não elaborados e transmitidos transgeracionalmente tendem a
criar um ciclo de repetição e atos extrarrepresentativos que condenam
indivíduos e sociedades à reprodução da dor e violência em pequena ou
larga escala. É assim que o trabalho com grandes grupos e a investigação
sobre o inconsciente social aliam-se ao esforço de revelar o que ficou
ocultado, enquistado e silenciado, dando início a um processo elaborativo
dessas questões traumáticas e prevenindo ainda contra a sua inexorável
repetição. É como se os grandes grupos, o inconsciente social e o trauma
formassem os vértices de um mesmo triângulo.
Portanto, a leitura de Semprún (2002) sobre o início do século XXI
permite contextualizar a questão dos grandes grupos dentro de uma
perspectiva que aponta não mais para o perigo eminente da multidão do
século XIX ou para a manipulação inescrupulosa das massas do século
XX, mas para as consequências traumáticas e sociais dessas
manifestações. Essa leitura revela o quanto a questão do trauma e de suas
vicissitudes está presente no inconsciente social dos grandes grupos atuais,
especialmente porque o início do século XXI parece ser ainda um período
de grandes transformações culturais e sociais, um período de
interregno[51] em que “o que está velho já não governa e o novo ainda não
tem força para fazê-lo” (Bauman, 2009, p. 10). Ou seja, é possível analisar
o momento atual como um período de transição, em que as preocupações e
as vivências traumáticas do século XX ainda não foram elaboradas, mas os
novos rumos da sociedade contemporânea já se avizinham. Essa transição
parece evidente tanto no trabalho com grandes grupos dedicado a
processos de elaboração de traumas coletivos vivenciados no século XX,
mas também a intervenções que vislumbram a promoção de diálogos
democráticos quanto na psicodinâmica dos grandes grupos regredidos,
mas em reestruturação − em progressão (Volkan, 2004) − investigados por
Volkan.
O conceito de inconsciente social permite ainda que questões a respeito
das multidões/massas/grandes grupos sejam ressignificadas. No século
XIX, o inconsciente social, além de favorecer a compreensão da visão que
se tinha na época sobre as multidões, permite reexaminar muitas de suas
características, contextualizando-as historicamente. Além disso, é possível
recuperar uma reflexão empreendida tanto por Tarde (1893) quanto por Le
Bon (1895) sobre as diferenças encontradas no comportamento das
multidões. Dentro de uma leitura que levava em conta o arcabouço teórico
da época e que considerava a influência da hereditariedade e da raça na
determinação dessas diferenças, suas análises foram completamente
abandonadas, ficando inclusive estigmatizadas durante todo o século XX
devido ao seu teor conservador e racista. Hoje, muitas dessas definições, à
luz do conceito de inconsciente social, podem adquirir um novo sentido,
pois o que antes era atribuído à raça e à hereditariedade agora pode ser
analisado em termos de diferenças culturais e de restrições e
recalcamentos no inconsciente social. Dessa maneira, a psicologia das
multidões, embora permaneça circunscrita ao contexto do século XIX,
pode ser reinvestigada e muitos de seus preceitos podem ser analisados
sob nova ótica por meio do conceito de inconsciente social.
Também a discussão sobre os embates entre a vida pulsional e a vida em
civilização − empreendida tanto pela psicanálise e pelas investigações dos
freudo-marxistas quanto pela crítica da cultura produzida pelos
frankfurtianos que permearam todo o século XX, conferindo o Zeitgeist da
época – encontra a partir do conceito de inconsciente social um novo
enquadre. Com a visão de Dalal (1998, 2011) sobre o tema, foi possível
vislumbrar como as relações de poder são partes constitutivas do
inconsciente social permeado por ideologias e formações discursivas.
Nesse sentido, tendo em vista o paradigma proposto por Dalal que
contempla indivíduos-em-relações-sociais (Dalal, 2011), tornou-se
possível refletir sobre as relações indivíduo-sociedade dentro de uma
perspectiva que não se baseia mais nos estudos sobre as formas de
internalização da cultura, por não se apoiar na ideia de que a cultura possa
ser meramente internalizada, como se ela pudesse se infiltrar em um
indivíduo isolado. Pelo contrário, através do novo paradigma e do conceito
de inconsciente social, é possível imaginar que a produção de
subjetividade ocorre em um contexto, desde o início, figuracional,
interdependente (Elias, 1970). Essa reflexão encontra-se ainda em perfeita
sintonia com a leitura intersubjetiva da psicanálise contemporânea,
especialmente com o ponto de vista winnicottiano sobre o
desenvolvimento emocional primitivo, a partir da díade mãe-bebê,
embebida nas formações discursivas e nas relações de poder. As teorias de
Pichon-Rivière (1988) sobre a formação de subjetividade, por meio do
conceito de vínculo, caminham também na mesma direção.
Dessa forma, o estudo do inconsciente social permite retomar reflexões
iniciadas pelos frankfurtianos, principalmente no que diz respeito às
formas de socialização, à psicologia das massas e aos autoritarismos.
Atualmente, isso pode ser evidenciado através do esforço empreendido por
psicanalistas que viveram sob regimes totalitários e agora dirigem suas
investigações para as inter-relações entre a produção de subjetividade e os
processos sociais (Sebek, 1992, 1996, 2012; Danieli, 1998; de
Mendelssohn, 2011; Mojovic, 2007, 2011; Klimová, 2011).
Quando Dalal (1998, 2011) refere-se ao inconsciente social em termos
de relações de poder, ele permite pensar sobre o inconsciente social em
contextos em que as questões traumáticas coletivas não são tão evidentes,
mas relações de poder são extremamente relevantes. Essa visão possibilita
a reflexão sobre o inconsciente social em países nos quais traumas
selecionados (Volkan, 2004) são pouco evidentes, como no Brasil, mas
ancestrais relações de poder entre colonizadores e colonizados, pobres e
ricos, brancos e negros fazem parte da identidade sociopolítico-cultural e
podem ser exploradas pelo viés do inconsciente social (Penna, 2014). A
investigação sobre o inconsciente social brasileiro envolve estudos sobre a
cultura brasileira e uma interface com a sociologia, a história, a
antropologia e a ciência política. Desde o início da colonização brasileira,
é facilmente identificável o modo pelo qual o Brasil foi influenciado por
relações de poder e formações discursivas produzidas pela cultura
europeia. Assim, recorrendo ao conceito de dispositivo de poder postulado
por Foucault (1979), é possível compreender como o sistema colonial,
através de uma “política de disciplinarização e docilização de corpos”
(Foucault, 1979, p. 131), esculpiu e definiu, ao longo de séculos, as
características do povo brasileiro que se encontram nas origens do
inconsciente social – na matriz fundadora (Foulkes, 1964) − do Brasil. Os
dispositivos de poder acabaram instaurando uma estrutura elementar
discursiva no país que determinou a forma de pensar sobre a identidade
nacional e que se reproduz nas atitudes do povo brasileiro (Penna, 2014).
Além disso, o Brasil vive inserido em um contexto que produz um
grande contingente de vítimas diretas ou indiretas da violência, fazendo
com que a população brasileira conviva diariamente com o medo, a
desconfiança e tenebrosas estatísticas de assassinatos – 1.091.125 pessoas
foram mortas entre 1980 e 2010 (Sagari, 2012). Nesse sentido, é possível
conjecturar que a reflexão sobre a questão da violência no país e as
consequências traumáticas que ela desencadeia possa beneficiar-se do
estudo do inconsciente social, que poderá revelar como os processos
inconscientes presentes na cultura produzem e reproduzem ciclos de
trauma e violência.
Por fim, o conceito de inconsciente social desfere mais um golpe mortal
à hegemonia da leitura individualista predominante na modernidade, que
sempre problematizou a definição de indivíduo como um ser insulado,
fora de um contexto inter-relacional (Coutinho & Garcia, 2004). O
conceito de inconsciente social permitiu compreender como os sistemas
sociais e as relações indivíduo-sociedade são coconstruídos,
compartilhados, herdados e transmitidos, eliminando qualquer
possibilidade de considerar o indivíduo e a sociedade como entidades
isoladas ou mesmo em oposição (Hopper & Weinberg, 2011).
Além disso, da mesma maneira que o conceito de inconsciente
freudiano transformou a visão que até então se tinha do sujeito moderno, o
conceito de inconsciente social permite modificar a forma como os
fenômenos culturais e sociais podem ser compreendidos. Isto é, a análise
do inconsciente social aponta para os aspectos inconscientes presentes nas
formações sociais revelando um universo recalcado de mitos, receios,
traumas, ideologias e formações discursivas que atravessam as culturas e
sociedades determinado suas trajetórias, seus saberes e suas ações.
A pesquisa sobre o inconsciente social de culturas e sociedades, a partir
das investigações e dos trabalhos com grandes grupos, ainda está em seu
início e deverá envolver um esforço interdisciplinar no qual a psicanálise
ocupará um papel fundamental. Os grandes grupos permitem um contato
estreito com o inconsciente social e a pesquisa teórica sobre o tema pode
se beneficiar dessa associação. Além disso, as intervenções promovidas
em grandes grupos, tanto por grupanalistas como por analistas filiados ao
Group Relations – pertencente ao tradicional Institute of Human Relations
da Tavistock − são hoje uma realidade. A despeito de suas inerentes
dificuldades, resultados bastante significativos que envolvem a pesquisa
sobre o inconsciente social vêm sendo encontrados no trabalho com
grandes grupos em sociedades traumatizadas do Leste Europeu e da
Europa Central que visam à reestruturação do tecido e das relações sociais
esgarçadas pelos conflitos (Shaked, 2003; Pines, 2003b; Mojovic, 2007).
Grandes grupos têm sido ainda palco de intervenção e promoção de
diálogo em situações de crise e elaboração de traumas coletivos, contextos
nos quais técnicas como social dreaming (Lawrence, 1982) story-telling e
dream-telling (Friedman, 2010) são utilizadas. No processo de paz na
Irlanda do Norte, por exemplo, Lord John Alderdice (2008) teve êxito na
utilização de intervenções teóricas e clínicas nas discussões de grandes
grupos. Atualmente Vamik Volkan, Lord John Alderdice e Robi Friedman
lideram um grupo que investiga as relações entre o Ocidente e o Islã,
realizando intervenções que visam à promoção da paz em settings de
grande grupo. Da mesma forma, em 2011, profissionais da Clínica
Tavistock realizaram sessões de grandes grupos com participantes do
movimento Occupy em Londres. Além disso, desde 2005, Marina Mojovic
realiza na Sérvia o projeto Reflective Citizens que − através de grupos de
reflexão, social dreaming e grandes grupos – promove a criação de
espaços de discussão e elaboração coletiva de traumas vivenciados pelo
povo sérvio.
Assim, embora ainda seja cedo para precisar seu verdadeiro alcance, as
possibilidades de trabalho com grandes grupos são promissoras e
englobam não apenas elaborações de traumas coletivos, intervenções
psicopolíticas e atuações em situações de catástrofe ou terrorismo, mas
prometem ser instrumentos de intervenção em situações de crise pessoal,
familiar, institucional e social. No Brasil, os grandes grupos podem ser
utilizados em intervenções em catástrofes coletivas, em comunidades, no
trabalho com famílias enlutadas ou com vítimas da violência urbana.
Nesse sentido, parece existir, em torno do trabalho com grandes grupos,
um vasto campo de atuação que ainda precisa ser mapeado, mas promete
perspectivas renovadas para o trabalho com grupos no século XXI.
Somado a isso, como Rangell (2008) afirma, a compreensão da
psicodinâmica dos grandes grupos vem sendo cada vez mais reconhecida e
equiparada ao lugar de destaque tradicionalmente concedido à psicanálise
individual, ampliando as considerações freudianas sobre a psicologia das
massas, que originaram o trabalho com grupos no século XX. Assim, da
mesma forma que há pouco mais de cem anos a psicanálise freudiana,
através da postulação do conceito de inconsciente, pôde conferir sentido a
sonhos, traumas e neuroses e ao comportamento das multidões, hoje a
psicanálise dos grandes grupos, através do inconsciente social, permite
uma revolução no que concerne aos fenômenos macrossociais. A revelação
do inconsciente social de culturas e sociedades poderá permitir, em nível
coletivo, uma nova compreensão das interdependências nas relações
indivíduo-sociedade, possibilitando, por meio dos grandes grupos, um
redirecionamento de suas interações que evite ciclos de dor, transmissão
psíquica traumática e violência e possa, por outro lado, conduzir ao
diálogo e à paz. Assim como o tratamento psicanalítico pôde trazer um
novo e inesperado destino para tantos pacientes ao longo do século XX, o
trabalho com grandes grupos poderá também propiciar novos caminhos
para as sociedades do século XXI.

[51] Interregno é um conceito retirado por Bauman (2009) da Antiguidade


Clássica e designa “um hiato de tempo que separa o falecimento de um
monarca soberano até a entronização de seu sucessor”. Nas décadas de
1920 e 1930, foi ampliado por Gramsci para abranger os aspectos
sociopolítico-jurídicos da ordem e, simultaneamente, atingir a condição
sociocultural (Bauman, 2009).
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