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Acta Scientiarum

http://www.uem.br/acta
ISSN printed: 1679-7361
ISSN on-line: 1807-8656
Doi: 10.4025/actascihumansoc.v36i2.23626

Pesquisa-ação, formação de professores e diversidade


Michel Jean Marie Thiollent e Maria Madalena Colette*

Programa de Pós-graduação em Administração, Universidade do Grande Rio, Rua da Lapa, 86, 20021-180, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
Brasil. *Autor para correspondência. E-mail: contato@laboratoriocriativo.art.br

RESUMO. O objetivo desse artigo é discutir os rumos e os princípios da metodologia de pesquisa-ação,


como alternativa de tipo qualitativa em ciências sociais aplicadas, em particular no contexto da educação e
da formação de professores, levando em conta ações pedagógicas emancipatórias vinculadas a universidades
e à educação permanente. Em contraposição à tendência uniformizadora decorrente do modelo neoliberal
de gestão e de educação, delineia-se a afirmação da diversidade cultural das pessoas, grupos,
comportamentos, formas de expressão, conhecimentos e saberes. Essa metodologia assegura a diversidade,
quando bem conduzida, devido à participação e à autonomia dos próprios interessados envolvidos no
processo, aos quais não se pode impor um modelo externo e único a respeito do conhecimento e da ação.
Nessa perspectiva, e inspirado na realidade brasileira, o presente estudo apresenta uma visão geral sobre a
pesquisa-ação; enfatiza suas contribuições em prol de movimentos contra-hegemônicos; aborda as
especificidades dessa metodologia na educação e na formação de professores; e busca elencar pontos a
serem observados para o fortalecimento da pesquisa-ação na educação e em especial na formação de
educadores.
Palavras-chave: pesquisa-ação, formação de professores, diversidade cultural.

Action research, teacher formation and cultural diversity


ABSTRACT. The trends and principles of Action Research (AR) methodology as a qualitative alternative
in applied Social Science are discussed within the context of education and teacher formation.
Emancipatory pedagogical activities linked to universities and to continuous education are taken into
account. Contrastingly to the unifying tendency derived from the neoliberal model of management and
education, the insistence on cultural diversity of people, groups, behaviors, forms of expression, knowledge
and learning is outlined. The methodology, when well-managed, ensures diversity due to participation and
autonomy of those involved in the process. Within such a perspective and particularly involved in the
Brazilian conditions, current analysis provides an overview on action research; emphasizes its contribution
in favor of contra-hegemonic groups; discusses the specifics of action research in education and teacher
formation; and lists items to strengthen action research in education and especially in teacher formation.
Keywords: action research, teacher formation, cultural diversity.

O professor, como o artista, o filósofo e o homem de letras, somente


pode realizar seu trabalho adequadamente se se sentir como um
indivíduo dirigido por um impulso criativo interior, e não dominado
e restringido por uma autoridade externa (BERTRAND RUSSEL,
apud MCKERNAN, 2009, p. 30).
Nossos professores precisam de cursos novos e imaginativos em
investigação qualitativa e pesquisa-ação educacional (MCKERNAN,
2009, p. 150).

Introdução impor um modelo único de educação estabelecido


em função de leis ou normas preestabelecidas. O
As práticas de formação de professores devem ser
objetivo é propor uma metodologia que se adapte à
concebidas em sintonia com a diversidade das
diversidade das situações, construindo conteúdos e
situações sociais e culturais em que se encontram os
procedimentos adequados às necessidades e à cultura
educandos: situações de jovens e adultos; indígenas;
dos interessados.
quilombolas; produtores rurais; pescadores;
situações de gênero; situação de risco de crianças; O respeito à diversidade cultural supõe o
educação ambiental; entre outras. Não se trata de reconhecimento da razão de ser de identidades

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constituídas em torno das especificidades de classe em sala de aula. Esse método se aplica também à
social, etnia, gênero, sexualidade, região, religião, capacitação docente.
profissões etc. Essa diversidade pode se situar em Entretanto, sua viabilidade tem sido maior em
vários níveis: iniciativas avulsas, ou elaboradas em função de
- o das pessoas e grupos diferenciados; determinados públicos, do que nos tipos de ensino
- o dos comportamentos e formas de expressão, formal, estritamente regulamentados ou
símbolos, culturas, idiomas minoritários; padronizados por exigências institucionais
- O dos conhecimentos (relacionados com previamente definidas. E sua adoção de forma
diferentes paradigmas) e saberes eruditos e abrangente implica
populares, experiências profissionais etc. [...] uma escolha de sociedade na qual o
No contexto da globalização ocorre um fato determinismo da ciência e a determinação política
contraditório: de um lado, as minorias podem deixam de se excluir mutuamente. Ao contrário, a
encontrar canais de difusão de suas ideias com mais pesquisa-ação tenta assumir suas divergências em
facilidade, por outro, a mídia e os modos de gestão um equilíbrio continuamente renovado (EL
impõem uma crescente uniformização. A ANDALOUSSI, 2004, p. 138).
diversidade cultural tende a ser reduzida pela Os princípios da pesquisa-ação predispõem os
padronização e pela mercantilização da cultura e da participantes ao reconhecimento da diversidade, já
educação. As culturas locais e regionais acabam que eles estão diretamente envolvidos na preparação
sendo marginalizadas. Em reação à redução da e na concretização de sua própria formação,
diversidade cultural, diferentes ações podem ser escolhendo tanto o conteúdo como os
desencadeadas. procedimentos. E, complementando, El Andaloussi
Apesar de, atualmente, a educação configurar-se (2004, p. 139) diz que
como uma área de atividades rica em aplicações de
pesquisa-ação no Brasil (THIOLLENT, 2013), com [...] a implicação do ator na pesquisa e do
pesquisador na ação leva, obrigatoriamente, a uma
o neoliberalismo a partir dos anos 80,
reorganização social, com redistribuição dos papéis,
[...] a educação tem sido crescentemente, e de das funções e do sentimento de responsabilidade no
maneira similar ao que acontece nos Estados desenvolvimento da educação e, por isso mesmo, no
Unidos, concebida como um grande e promissor da cidade.
negócio. [...] pessoas e instituições ganhando muito
dinheiro com a venda de kits educacionais [...] Nessa perspectiva, da pesquisa-ação na formação
rotulados como ‘construtivistas’ ou o que estiver e no trabalho docente que busca assegurar a
mais em moda no momento (ZEICHNER; DINIZ- participação e a diversidade cultural pela via da
PEREIRA, 2005, p. 67, grifo dos autores). educação, inicialmente, apresentamos um breve
Nesse contexto, a pesquisa-ação pode contribuir panorama sobre essa metodologia, composto da
para elucidar as ações e suas condições de sucesso, introdução e do tópico: ‘Origens e desenvolvimento
assessorando os grupos interessados na luta contra a da pesquisa-ação’. Em seguida, traça-se uma
homogeneização, contra as discriminações e a favor perspectiva alternativa, com ênfase em suas
da liberdade de expressão. Sem dúvida, existem contribuições para um movimento contra-
várias concepções filosóficas e várias possibilidades hegemônico: ‘Alternativa metodológica e práticas
técnicas para atuar nesse sentido, mas aqui universitárias emancipatórias’; ‘Contraposição ao
privilegiamos a concepção e as práticas da pesquisa- modelo neoliberal’; ‘Poder de afirmação’. Nos
ação que já possuem uma longa tradição na área últimos tópicos, salientam-se as especificidades
educacional e em diferentes países (EL educacionais: ‘Pesquisa-ação em educação’; ‘Ação
ANDALOUSSI, 2004; MCKERNAN, 2009; Educacional’; ‘Docente-pesquisador’; ‘Pesquisa-ação
MORIN, 2010). e formação dos professores’. Finalizamos com a
A pesquisa-ação acoplada à ação pedagógica já conclusão ‘Para renovar a pesquisa-ação’.
existe nos níveis fundamental, médio, superior e,
mais ainda, nas modalidades de formação destinadas Origens e desenvolvimento da pesquisa-ação
a grupos específicos, levando em conta aspectos A pesquisa-ação tem sua origem na abordagem
como: classe social, etnia, gênero, profissões, proposta nos EUA, na década de 1940, como ‘Action
trabalho, campo/cidade, níveis de renda, exclusão, Research’ em psicologia social, por Kurt Lewin
faixas etárias, saúde, meio ambiente etc. Procura-se, (1890-1947). Tal proposta conheceu grande
cada vez mais, trazê-la como proposta de trabalho desenvolvimento nas décadas seguintes na Grã-
pedagógico completo, interagindo com o currículo Bretanha e nos países escandinavos. Nas áreas de
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organização e educação, tem sido utilizada numa [...] a escolha do assunto, os métodos e as hipóteses
perspectiva de reconstrução e de adaptação no que o pesquisador elabora no início só podem
contexto do pós-guerra. Por sua vez, a pesquisa compor um anteprojeto que, uma vez negociado
com os atores, pode tomar um rumo bem diferente
participante cresceu a partir da década de 1960,
(2004, p. 137).
principalmente na América Latina, na educação
popular, sob a influência de Paulo Freire, Carlos Quanto aos ‘tipos e graus de participação’ nos
Rodrigues Brandão e outros. Mais tarde, na década projetos, de acordo com a tipologia de Henri
de 1980, no plano internacional, houve um trabalho Desroche, o nível de participação no processo de
de aproximação e convergência em particular sob a pesquisa-ação não é sempre igual, pode variar entre
influência de Orlando Fals Borda, que cunhou o oito graus distribuídos em três dimensões:
termo Participatory Action Research, - hoje - explicação, aplicação e implicação. A combinação das
prevalecente em muitos organismos de educação e ponderações nas três dimensões estabelece níveis de
planejamento social ou ambiental. participação que oscilam entre o máximo,
Atualmente, a pesquisa-ação e a pesquisa caracterizando a pesquisa-ação integral, e o mínimo
participante existem de forma diversificada, com qualificado de ‘ocasional’ (DESROCHE, 2006). A
várias tendências e tipos de proposta bastante participação na pesquisa não é vista, então, como
distantes, ou até divergentes, mas há também muita característica definida, como se fosse de tipo ‘é’ ou
proximidade, ou tentativas de aproximação. Por ‘não é’. É uma propriedade mutável que pode ter
vezes, a marcação das diferenças aparece por meio de diversas formas e intensidades. Pode ir crescendo ao
adjetivos, assim, temos: longo do projeto, o que é desejável, ou decrescendo,
Pesquisa-ação clássica, derivada da psicologia o que é preocupante.
social de Kurt Lewin (1946, 1965); A pesquisa-ação integral, tal como é concebida
Pesquisa-ação educacional, na tradição de L. por Morin (2004), é coordenada de modo a propiciar
Stenhouse (1998) e J. Elliott (1990, 1993); um entendimento entre os pesquisadores e os
Pesquisa participante (de tradição latino- demais participantes. No início, há um contrato
americana, com Paulo Freire (1979, 1981) e Carlos formal ou informal estabelecido entre as partes, a
R. Brandão (1981 ); respeito dos objetivos e dos procedimentos da
Pesquisa-ação participante (convergência pesquisa-ação. A participação é assegurada como na
desenhada por Orlando Fals Borda (1984, 1988); tipologia de Desroche em três aspectos: explicação,
Pesquisa-ação cooperativa, na linha de Henri aplicação e implicação. Por sua vez, a mudança
Desroche (2006); desejável é definida pelo conjunto dos participantes.
Pesquisa-ação integral e sistêmica, elaborada por O discurso é apropriado pelos diversos
André Morin (2004); interlocutores no sentido de estabelecer uma
Pesquisa-ação existencial, proposta por René linguagem comum podendo chegar ao consenso.
Barbier (2002); Finalmente, a ação é planejada em seus aspectos
Pesquisa-ação e pesquisa participante segundo a estratégicos e táticos, alcançando resultados que
concepção de Reason e Bradbury (2001), com serão analisados e avaliados. Assim, contrato,
experiências em vários contextos sociais, ambientais, participação, mudança, discurso e ação constituem
comunitários; cinco princípios fundamentais da pesquisa-ação
Pesquisa-ação colaborativa em educação, integral. Posteriormente, o autor acrescentou outros
apresentada por Kenneth M. Zeichner (2008). princípios para dotar a pesquisa-ação de uma
As diferenças que existem entre as escolas ou dimensão sistêmica (MORIN, 2004).
Quanto aos ‘quadros de referência das ciências
tendências, em geral, correspondem a diferenças
sociais e humanas’, o método pode ser inserido em
culturais ou linguísticas entre partes do mundo. A
certas perspectivas filosóficas. Isso não quer dizer
nosso ver, é preciso respeitar essas diferenças, mas é
que a pesquisa-ação se confunda com a discussão
também possível superá-las. Diante dos atuais filosófica, pois seu objetivo não é a reflexão filosófica
desafios educacionais, os partidários da pesquisa- em si, trata-se apenas de encontrar no quadro de
ação e da pesquisa participante deveriam deixar de referência associado à filosofia, uma orientação
lado suas eventuais divergências e trabalhar de modo teórica para conduzir a pesquisa e a construção de
coordenado, para conceber propostas aplicáveis em significações ancoradas na observação e na ação.
situações reais, enfrentando os problemas de modo Entre as tendências filosóficas mais solicitadas,
participativo com os interessados. Inclusive, porque, encontram-se: abordagem histórico-crítica; teoria da
ao se adotar o caminho da pesquisa-ação, como El práxis; teoria crítica; teoria da ação comunicativa;
Andaloussi afirma, marxismo humanista; fenomenologia;
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existencialismo; pragmatismo; praxiologia; Essa proposta se apresenta como condição a ser


construtivismo; construcionismo social. A incentivada para promover a democratização e a
abordagem escolhida pelo pesquisador deve ser emancipação através das práticas universitárias.
claramente definida e explanada em função dos Existem exemplos de experiências desse tipo em
objetivos, evitando confusões ou mesclagem de várias universidades no Brasil, em particular em
posições distanciadas. Nesse processo, o pesquisador campi avançados ou em políticas de interiorização,
desempenha um trabalho construtivo fundamental, onde há projetos de integração de atividades da
porque, em geral, a metodologia ativa não foi universidade com a formação de professores de
diretamente respaldada pelos fundadores das ensino médio ou fundamental e em projetos
referidas tendências nas épocas, por vezes remotas, interdisciplinares envolvendo educação, saúde e
em que foram esboçadas. meio ambiente.
As implicações teóricas e metodológicas dessa Nas décadas recentes, cresceu consideravelmente
escolha têm sérias consequências sobre os objetivos o interesse em pesquisa-ação nas universidades
e possíveis resultados da pesquisa. As tendências em brasileiras, superando as antigas objeções relativas à
questão oferecem quadros de referência falta de objetividade ou ao suposto engajamento
diferenciados, porém nunca intercambiáveis. Mas, social ou político dos pesquisadores. A metodologia
algumas perspectivas são fundamentalmente ocupa um espaço importante nos projetos e
incompatíveis com a possibilidade de pesquisa-ação programas de Extensão Universitária. Segundo
ou de participação entre observador e observado, Toledo (2013), em levantamento tomando por base
como por exemplo, do positivismo, do formalismo as três principais universidades públicas paulistas,
ou do estruturalismo. multiplicaram-se as dissertações e teses baseadas em
pesquisa-ação: 228 na década de 2000, contra 40 na
Alternativa metodológica e práticas universitárias década anterior. As áreas de maior presença são as de
emancipatórias
educação e de saúde. Além disso, tanto em extensão
Em seu conjunto, as propostas de pesquisa-ação e como em pesquisas de pós-graduação, a pesquisa-
pesquisa participante constituem uma alternativa ação é também bastante solicitada para conceber e
metodológica à pesquisa convencional realizar projetos de grande porte, vinculados a
(THIOLLENT, 2011). Esta última é vista como políticas públicas, projetos internacionais e
coleta de dados limitados, por meio de programas sociais de governo. Observa-se, ainda, seu
procedimentos impositivos e sem participação dos uso recente em áreas técnicas diversificadas:
interessados na obtenção e na interpretação dos engenharia, ergonomia, arquitetura, sistemas de
resultados. Em diversas de suas formas, a pesquisa- informação, enfermagem, agroecologia etc.
ação se insere em práticas pedagógicas, tanto em
educação de jovens e adultos, quanto na formação Contraposição ao modelo neoliberal
docente, com propósito emancipatório. Há também Ao longo das últimas décadas, muitos autores
rica tradição de aplicação em trabalhos com têm analisado e criticado os efeitos das políticas e
participação popular ou comunitária ou com atuação transformações neoliberais na educação (APPLE,
em movimentos sociais. 2005; SANTOMÉ, 2003). Boa parte dos autores
Embora a pesquisa-ação seja um método de enfatiza os aspectos negativos dessas políticas que
pesquisa vinculado à ação, não deve ser confundida levam à precarização da profissão docente,
com uma técnica de mobilização política ou social. padronização dos conteúdos e esvaziamento do
Todavia, em certos casos, com objetivos bem pensamento crítico, submissão das instituições de
cogitados por seus proponentes, pode auxiliar na ensino às leis do mercado, exclusão de certas
produção de conhecimento, tendo em vista a camadas sociais etc.
afirmação de causas públicas, de direitos da Para enfrentar essa situação, podem ser
coletividade ou de denúncia de situações existenciais promovidas ações de grupos e redes que superem o
insuportáveis. individualismo, criem um espaço de reflexão crítica
Santos (2010) remete ao papel da pesquisa-ação e de capacitação coletiva com base em diferentes
no contexto das universidades do século XXI. A visões e com vários interlocutores – e não no
metodologia é vista pelo autor como geradora de monólogo prescritivo dos ‘gerencialistas’
projetos, situada na interface entre docência, modernizadores (GAULEJAC, 2007), que só falam
pesquisa e extensão universitária e tida como em ‘agregar valor’, ‘competir’, ‘cortar custos’,
estratégia de promoção de uma ‘ecologia dos ‘aumentar o desempenho’, ‘alavancar recursos’,
saberes’, ao propiciar a troca entre conhecimentos ‘satisfazer o cliente’, ‘alcançar a qualidade total’,
científicos e saberes populares, sociais ou culturais. reduzindo a indicadores numéricos todos os
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aspectos da vida social e, inclusive, as questões unicidade do modelo de ensino, geralmente


morais. Esse discurso em instituições de ensino, se imposto, abrem-se múltiplas perspectivas e os atores
levado ao extremo, acarreta a precarização da podem escolher as que consideram mais adequadas a
situação dos docentes e o esvaziamento do conteúdo seus objetivos, que não são, evidentemente, pessoais
do ensino. e aleatórios, mas, objetos de discussões e de
No espaço de reflexão crítica, o objetivo é reconhecimento social entre aqueles que não se
encontrar alternativas ao ‘pensamento único’, à alinham automaticamente ao modelo único.
mentalidade capitalista e aos modelos de atividades O poder afirmativo se concentra em torno de
que lhe são associados, difundindo informações e identidades culturais que podem ser de classe, etnia,
relatos de experiências que se contrapõem à visão gênero, região etc. Com isso, não se reproduz a visão
dominante. Contrariamente, o ideário imposto é universal que, por muito tempo, foi prevalecente no
propagado por meio de rankings em todas as mundo da educação pública. Ademais, a afirmação
atividades, que se aplicam a indivíduos, produtos, dá ênfase à autonomia e à liberdade de expressão de
empresas, periódicos científicos, universidades e docentes e discentes.
outras instituições. Estimula-se a corrida para se A aceitação da diversidade cultural estende-se,
chegar ao primeiro lugar ou se manter no topo da também, à aceitação da diversidade de estilos de
lista, com uma visão impregnada pela ideologia da trabalhos acadêmicos que não deveriam ser
hipercompetição e da mercantilização de toda engessados em um padrão único. Autores
atividade humana. canadenses com Morin et al. (2007) observam que,
O sistema de ranqueamento deixa a uns poucos o em particular, os estudos e pesquisas sobre
direito de falar mais alto, sendo que os demais experiências pessoais de profissão ou de vida sofrem,
devem se calar. Em vez de promover um espaço de por vezes, certos tipos de discriminação no mundo
interlocução, para que se forme uma comunidade acadêmico. Entretanto, a metodologia de pesquisa-
interpretativa, promove-se uma corrida ação e os estudos de caso que se preocupam em
individualista na qual é bom manter segredos e não estabelecer elos entre saberes, ciências e ações,
facilitar o trabalho dos outros. Excessivas exigências melhoram a qualidade desse tipo de trabalho e
burocráticas e discutíveis critérios de avaliação das favorecem a aceitação da diversidade cultural.
publicações vêm complicar a vida universitária e o
potencial de criatividade coletiva (DEL REY, 2013). Pesquisa-ação em educação
A competição leva a privilegiar os elementos do Embora possa ser aplicada em qualquer área de
topo, ao passo que impede a solidariedade e a conhecimento relacionada com uma atividade na
cooperação nos esforços, além de escassear os qual haja interação entre seres humanos e entre estes
recursos que seriam disponíveis para um maior e seu ambiente, a pesquisa-ação encontra na
número. educação uma vocação particular. Ainda que seja
El Andaloussi (2004) afirma que a orientação do comum vincula-la à educação de adultos e à
processo de pesquisa-ação determina a natureza de formação permanente, a educação formal de níveis
sua abertura e que, de acordo com os diferentes médio, fundamental ou superior, também pode ser
valores democráticos, pode ser: ‘simplesmente objeto da pesquisa-ação, por vezes, indiretamente,
representativa’, com espaço limitado aos pela capacitação de professores.
participantes no processo e com distinção entre No processo de educação associado a essa
envolvidos na reflexão e envolvidos na prática; proposta metodológica, a relação entre pesquisa (fase
‘cooperativa’, não viabiliza a emancipação de cada de investigação) e a ação educacional pode ser de
um e nem a apropriação dos resultados por todos; ou tipo sequencial. Primeiro, os grupos pesquisam o
‘participativa implicante’, um sistema aberto no qual contexto de atuação, os atores, suas identidades,
a democracia é tomada como valor e como modo necessidades e expectativas. Com base nesse
cultural que permite trocas, informação e formação levantamento, estabelece-se a programação de uma
mútua. ação educacional que é ponto de partida para outras
investigações retroativas. É uma sequência que foi
Poder de afirmação inspirada na linha de Paulo Freire (investigação/
O poder afirmativo, mesmo que seja minoritário, tematização/ programação da ação), que foi
permite opções alternativas no currículo. Por sistematizada na década de 1980 por Gajardo (1986)
exemplo, em vezes de ensinar conteúdos vinculados e Pinto (1989) e que pode existir de diversas formas
ao ideário neoliberal, nas áreas econômicas e sociais e com várias modalidades de retroalimenção entre as
é possível oferecer como eletivas algumas disciplinas fases. As ações decorrem de um amplo trabalho de
sobre a Economia Solidária. Quando se recusa a tematização e reflexão junto com os interessados. Já
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a tradição de pesquisa-ação educacional de língua Atualmente, a pedagogia aberta se mantém viva,


inglesa não adota uma sequência de planejamento do apesar de ser minoritária no cenário educacional,
projeto com fases. Nessa perspectiva, há sempre após décadas de predomínio de concepções diretivas,
simultaneidade entre os atos de pesquisa dos instrucionais, behavioristas etc. O uso da pesquisa-
docentes e os atos de ensinar ou de aprender. Trata- ação em educação pressupõe clareza teórica e prática
se de um processo mais complexo, com maior quanto à pedagogia a ser utilizada, recusando por
integração e interação ação-reflexão-ação no princípio as técnicas que excluem todo tipo de
desenrolar do processo formativo. dialogicidade.
Segundo Mckernan (2009), e toda a tradição de
língua inglesa (Stenhouse, Elliott etc.), a pesquisa- Ação educacional
ação educacional interfere no processo pedagógico e A ação educacional a ser estudada e estimulada
na elaboração do currículo. É vista como apoio ao pela pesquisa-ação deve contribuir para transformar
ensino em sala de aula, para melhorá-lo e, além de processos, mentalidades, habilidades e promover
ganhos simbólicos, promove hábitos críticos situações de interação entre professores, alunos e
construtivos necessários para a gestão e a produção membros do meio social circundante.
de conhecimentos mais apropriados Entre outros aspectos da ação, notam-se:
(EL ANDALOUSSI, 2004). O conhecimento Modificação da visão da realidade e do entorno
desenvolvido na escola não está apenas nos livros, da vida escolar;
está embasado em: observação do entorno; Acesso a inovações educacionais;
identificação e resolução de problemas; elaboração e Domínio de diferentes linguagens e técnicas
avaliação de ações; crítica aos conteúdos prontos; específicas;
ampliação do leque de interpretações possíveis. Superação dos limites das trajetórias ou atuações
No contexto da educação de adultos ou educação possíveis, exercendo um efeito de tipo
permanente, destaca-se a concepção idealizada por emancipatório;
Henri Desroche nos anos 1970, na qual o ensino- Aquisição ou afirmação de uma postura ética e
aprendizagem é baseado na experiência social dos política;
educandos que é sistematizada em projetos de Aperfeiçoamento da percepção estética.
pesquisa-ação, com forte interação entre atores e Em cada área onde se pretende aplicar a
autores/pesquisadores (DESROCHE, 2006). Tal pesquisa-ação, é necessário refletir sobre o tipo de
concepção foi analisada e aprofundada por Avanzini ação que será associado à pesquisa. Em educação, a
(1996) e Lago (2011). ação pressupõe conteúdo cognitivo, procedimento
Segundo a interpretação de Lago, a concepção de pedagógico, orientação valorativa, atores que a
educação permanente de Desroche (ou educação de assumam. O lado investigativo do processo deve
adultos ao longo da vida) não se limita à transmissão esclarecer esses aspectos.
de um conteúdo preestabelecido. O processo de A sistematização da experiência adquirida na ação
aprendizagem não remete apenas a meios técnicos. é fundamental para avaliar os resultados dos projetos
Para o educando, é preciso uma profunda reflexão de pesquisa e dos processos formativos que lhes são
sobre si próprio, sobre seu entorno e sobre as associados. A sistematização do conhecimento pode
práticas sociais nas quais ele está engajado. Nesse ser a oportunidade de esclarecer temas e questões
contexto, a pesquisa-ação é vista como estratégia de gerais que atravessam a maioria dos projetos, por
autoformação (THIOLLENT, 2012). exemplo:
Para Morin, a pesquisa-ação entretém uma Condições que despertam o interesse dos alunos
relação privilegiada com a pedagogia aberta, isto é, em estudos de questões significativas. Como
uma pedagogia que deixe muita liberdade aos estimular?
educadores na arte de ensinar e aos educandos em Efeitos da mercantilização da cultura e do saber.
sua aprendizagem. Tal pedagogia aberta pode ser Como resistir?
considerada como denominação genérica, Comparação entre resultados do aprendizado
abrangendo diversas variantes pedagógicas como a realizado com e sem liberdade (autonomia dos
pedagogia cooperativa na perspectiva de Célestin educandos). Como estimular a autonomia?
Freinet (1896-1966) e Henri Desroche (1914-1994), Motivação dos docentes no exercício da
ou mesmo a pedagogia da autonomia desenvolvida profissão. Como implicar-se com maior efetividade?
por Paulo Freire (1921-1997). Entre precursores Meios e formas de atuação contra a degradação
dessa abertura da pedagogia, encontram-se ilustres das escolas. Como melhorar?
homens de letras, como Jean-Jacques Rousseau Geração de conteúdos alternativos ao ideário
(1712-1778) e Liev Tolstói (1828-1910). dominante, por áreas: economia, gestão, estudos
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sociais, letras, pedagogia, comunicação etc. Como O objetivo da aprendizagem escolar não será mais a
produzir de modo criativo? estocagem de conteúdos [...] estes terão função
Geração de conteúdo com base em ações instrumental e deixarão de ser um fim em si mesmo,
passarão a ser eleitos a partir das necessidades
empreendidas a título de experimentação em
individuais e não a partir do princípio arbitrário
situações reais. Como tirar os ensinamentos da
vigente de que todos devem aprender as mesmas
experiência? coisas [...] a aprendizagem deverá ser caminho para
Importância do ensino presencial, com vivências autonomia, como Piaget muitas vezes ressaltou
e ações concebidas e planejadas coletivamente. Com (BECKER, 2005, p. 33).
aproximar as pessoas?
Tipos de argumentação e deliberações para Tornar o docente um pesquisador em suas
estabelecer consenso em decisões ou ações de atividades cotidianas requer uma série de condições
interesse coletivo. Como tomar decisões? sociais, culturais e institucionais que nem sempre
Uso de matérias jornalísticas para a apreensão existem na prática. Por exemplo, um professor de
crítica de problemas de atualidade (em política, ensino médio mal remunerado que, para se
economia, meio ambiente, saúde etc.). Como sustentar, dá aulas em três escolas diferentes, como é
conectar informações concretas com teorias? comum no Brasil, não terá tempo para estruturar sua
Em suma, para ser efetiva, a ação pedagógica docência com base na pesquisa-ação. Não terá
precisa de uma sistematização das experiências e tempo e nem disposição para efetivamente se
conhecimentos que gerou. Tal sistematização está envolver na ação pedagógica, o que dificilmente
também relacionada a um longo processo de ocorre em tais condições. Mas, como afirmou El
avaliação a partir do qual é possível propor novas Andaloussi (2004, p. 142), ao referir-se a professores
mudanças e melhorias. em países em desenvolvimento com experiências
pregressas pautadas na reprodução de conteúdos,
Docente-pesquisador queremos crer que se
Na abordagem de pesquisa-ação, o docente [...] os educadores se conscientizam sobre a
desempenha um papel de pesquisador sobre: o incompatibilidade de seus objetivos e dos meios que
conteúdo do ensino; o grupo; a didática; a utilizam, refletem, então, como pesquisadores,
acerca da construção de novos produtos pedagógicos
comunicação; a melhoria da aprendizagem dos
para reduzir esta incompatibilidade
estudantes; os valores da educação; e o ambiente em
que esta ocorre. O professor-pesquisador tem e, também, sobre a transformação desta realidade
autonomia. Seu ensino está embasado em pesquisa e que restringe por tantas vias a sua prática
não em conhecimentos prontos, codificados em profissional.
material de instrução. Mesmo sendo a sexta economia do mundo,
Professores e alunos não são consumidores de lamentavelmente, nosso país ainda aparece no 88º
conhecimento, são produtores dialogando por meio lugar na classificação mundial da educação e apenas
da pesquisa, com cooperação ou colaboração, a seu 2% dos estudantes quer seguir a carreira de professor
alcance por meio de interações, observações, leitura (BECKER, 2013), o que põe em evidencia a
e reflexão. A participação nas diferentes fases do necessidade de políticas adequadas a uma educação
processo de articulação entre pesquisa e ação e a apropriada.
negociação de cada uma das ações coloca os atores- Todavia, vale lembrar Freire (2011), quando
afirma que a estrutura que se transforma não é
educandos e o pesquisador-educador em uma
sujeito de sua transformação e que, no
situação de formação em que uns aprendem com os
desenvolvimento, o ponto de decisão se encontra no
outros (EL ANDALOUSSI, 2004).
ser que se transforma, apontando para a importância
Isso requer forte motivação e implicação por
de contribuições no terreno das práticas pedagógicas
parte dos professores. Significa o professor dos educadores e da concepção de aprendizagem
abandonar o conceito dominante, de que o como pesquisa-ação educacional que acolhe, valoriza
conhecimento é algo que pode ser transferido da e busca assegurar a participação e a diversidade
cabeça do professor para a cabeça do aluno, e cultural.
assumir o ‘ensino’ como um ato interativo, criativo e
inventivo. Implica o reconhecimento de que cada Pesquisa e formação de professores
aluno tem a sua própria maneira de processar o Mesmo sem referência explícita à pesquisa-ação,
conhecimento adquirido e deve ser tratado como vários autores consideram que a formação de
um indivíduo inteligente e capaz de pensar por si professores se relaciona diretamente com a pesquisa,
próprio. pois uma formação adequada requer o profundo
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conhecimento das situações sociais em que os prática cotidiana [...] se a docência acredita [...] que
professores atuam (ANDRÉ, 2011; MEKSENAS, todas as experiências do sujeito pouco interferem em
2011). A adoção da metodologia só acentua a suas capacidades cognitivas, estará pondo limites
profundos ao desenvolvimento cognitivo do sujeito.
importância a ser atribuída à função de pesquisa no
processo de formação docente, já que essa No processo educacional voltado para mudanças,
perspectiva requer que os próprios professores se Freire (1981) considera três dimensões da
tornem, em parte, pesquisadores. aprendizagem: a dimensão cognitiva - aprendizagem
No contexto escolar, a pesquisa-ação pode de novos conteúdos e informações; a dimensão das
abranger níveis médio e fundamental, em projetos habilidades - desenvolvimento de competências
integrando docentes, pesquisadores de nível superior práticas; e a dimensão das atitudes -
e, também, extensionistas. As atividades comportamentos fundamentais à aplicação de
desenvolvidas nesse quadro abrangem trocas de conhecimentos transmitidos e habilidades
saberes, sistematização de experiências em sala de desenvolvidas e aos relacionamentos daí decorrentes.
aula, liberdade de expressão por parte dos docentes e Nesse sentido, a formação docente deve promover o
alunos, usando diários, jornais, blogs etc. Em seu desenvolvimento de competências que, para além da
conjunto, a capacitação de professores e a atenção ao currículo, levem o docente a desenvolver
aprendizagem promovida por projetos de pesquisa- práticas e relacionamentos condizentes com uma
ação são orientadas por valores de transformação perspectiva emancipadora de sua atividade
social e de melhoria do ensino (ZEICHNER; profissional, assim como dos indivíduos, dos grupos,
DINIZ-PEREIRA, 2008). Mas, no Brasil, a comunidades e contextos de sua atuação.
formação docente dominante tem se concentrado Com a pesquisa-ação educacional, as três
[...] em cursos de preparação inicial, geralmente dimensões da aprendizagem de Paulo Freire se dão
baseados em modelos de racionalidade técnica e, de forma integrada, pela articulação entre pesquisa e
quando existentes, os programas de formação ação. Desenvolver tais dimensões e competências
continuada são normalmente centrados em cursos implica, necessariamente, situá-las face à realidade
teóricos e de curta duração (ZEICHNER; DINIZ- em que estão inseridos os sujeitos envolvidos no
PEREIRA, 2005, p. 67). processo educativo, contribuir para que estes se
Em relação ao movimento internacional de percebam como objetos e sujeitos de mudança e para
pesquisa-ação em educação, Zeichner e Diniz- que venham situar sua atuação profissional como
Pereira (2005) analisam que, nas décadas de 1980 e atuação na sociedade, o que pressupõe a integração
1990, correspondeu a um reconhecimento de que os do próprio desenvolvimento e sustentação a uma
contribuição para com o desenvolvimento da
profissionais produzem teorias que os ajudam a
sociedade.
tomar decisões no contexto da prática e, ainda, que
O projeto de pesquisa-ação pode existir em
serviu como repúdio a reformas de cima para baixo,
diversos formatos e seguindo diferentes fases. O
que concebem os profissionais apenas como
grupo responsável por um projeto pode estruturá-lo
participantes passivos. Por outro lado, os autores
da seguinte maneira: (1) estudos teóricos e
referem-se à heterogeneidade do movimento, com
metodológicos, revisão de bibliografia; (2) oficinas
distintas aplicações da pesquisa-ação, compromissos
com participação de professores em formação;
políticos e ideológicos diversos e variadas (3) interpretação e avaliação dos resultados obtidos
concepções sobre aprendizado dos docentes e em (2) à luz de (1), gerando ensinamentos que serão
aprendizado dos estudantes. Alertam que, apesar de testados em sala de aula. Neste formato, uma
muita evidência na literatura, com relatos e primeira etapa deve alavancar a reflexão
depoimentos que defendem a metodologia para a epistemológica do professor em formação, quanto ao
melhoria da formação profissional, em alguns casos a entendimento de que o conhecimento não é
pesquisa-ação “[...] pode dar maior legitimidade a passivamente recebido, mas ativamente construído
práticas educacionais que reforçam e fomentam pelo sujeito cognoscente e que a função da cognição
iniquidades sociais [...]” (ZEICHNER; DINIZ- é adaptativa e serve à organização do mundo da
PEREIRA, 2005, p. 70). experiência (GLASERSFELD, 1996).
Pautado na concepção epistemológica piagetiana, Num processo coletivo e individual, deve
direcionada para o construtivismo interacionista, ocorrer interação entre os sujeitos da pesquisa-ação e
Becker (2013, p. 66-67) defende: entre cada sujeito e os conteúdos propostos. A
[...] o princípio, de forte incidência prática, de que a pesquisa deve constituir-se como espaço aberto à
teoria professada pelo docente, não importa se de troca de pontos de vista e experiências dos
forma inconsciente, estabelece limitações à sua participantes e à negociação das ações de forma que
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professores e pesquisadores se coloquem em uma Uso de meios informacionais, audiovisuais ou


perspectiva de formação em que uns aprendem com multimeios. A pesquisa-ação pode ser auxiliada por
os outros. As demais etapas devem seguir recursos de tecnologia da informação, mas de modo
fortalecendo a concepção dialógica e interacionista, a bem delimitado, porque sempre se pressupõe uma
ser introjetada e, posteriormente, aplicada em ‘sala forte interação social que nenhuma tecnologia pode
de aula’. substituir. As situações baseadas exclusivamente em
A assimilação dessa abertura epistemológica tecnologia de informação parecem não ter um efeito
depende de experiências concretas, que educacional duradouro, comparável às da educação
proporcionem ao professor vivenciar o seu próprio presencial e participativa, com múltiplas interações
potencial, abrir mão de respostas prontas e internas e externas à escola.
desenvolver sua capacidade de construir respostas Embora seja uma proposta minoritária no
(BECKER, 2005). O que só pode dar-se desde o cenário da educação, a pesquisa-ação tem futuro,
início do processo de pesquisa-ação se, ao trabalhar considerando a gravidade e a extensão dos problemas
com os conteúdos teóricos, o pesquisador já adotar a serem enfrentados, com a participação dos próprios
instrumentos e elementos didáticos favoráveis a tal interessados, garantia de uma melhor efetividade das
interação. soluções. Essa metodologia pode ter um papel
Amplo leque de métodos e técnicas pode ser importante na capacitação de professores-
associado à pesquisa-ação na educação e, portanto, à pesquisadores atuando em sala de aula junto aos
formação de professores. A atitude de pesquisar e alunos, ou ainda, no âmbito de projetos autônomos
agir em relação ao conteúdo e ao ambiente de ensino ou de extensão.
abre espaço para a criatividade do educador tanto Os processos participativos, à primeira vista, são
quanto dos educandos, que deverão buscar as mais trabalhosos do que a transmissão e assimilação
melhores formas de acessar e de processar os de conteúdos prontos, requerem tempo,
conteúdos de ensino face à realidade em que se envolvimento e atenção a cada passo da ação
situam. Como sujeitos do processo educativo, educativa. Entretanto, entendemos que a
docentes precisam acessar, do campo múltiplo de participação em uma pesquisa-ação, além de ganhos
possibilidades pedagógicas, aquelas mais simbólicos, possibilita aos atores desenvolver e
identificadas com suas possibilidades e com as promover hábitos críticos construtivos, tão
potencialidades e necessidades da comunidade necessários na gestão e na produção de
discente. conhecimentos adequados.
Concordamos com a afirmação de El Andaloussi Nessa perspectiva, a diversidade cultural dos
(2004), de que é necessário repensar o nosso modo participantes, de seus comportamentos e formas de
de conduzir as mudanças, reformando nosso expressão, tem de ser respeitada e fortalecida. Isso
pensamento, adotando uma atitude de ordem constitui uma forma de resistência ao modelo
cultural e não simplesmente técnica ou neoliberal imposto, cuja lógica responde antes a
metodológica. Trata-se, pois, de uma mudança interesses econômicos e políticos de entidades
cultural – relacionada à formação de professores externas, do que à melhoria da vida cotidiana de
neste caso – em que a pesquisa-ação coloca-se como professores e estudantes. Os proponentes da
uma pedagogia de quem está se educando. pesquisa-ação têm, em geral, uma preocupação
centrada em valores humanistas e não em valores de
Considerações finais: para renovar a pesquisa-ação mercado e poder.
educacional
Para renovar e consolidar a pesquisa-ação nas Referências
áreas de educação e formação de professores, várias ANDRÉ, M. O papel da pesquisa na formação e na
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