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Trabalho apresentado no III ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, realizado

entre os dias 23 a 25 de maio de 2007, na Faculdade de Comunicação/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil.

UMA PERSPECTIVA EDUCACIONAL DA RELAÇÃO ENTRE


CULTURA E AMBIENTE

Natanael Reis Bomfim1

RESUMO

Esse artigo, resultado da nossa prática de pesquisa, ensino e extensão nos cursos de
Graduação e Pós-Graduação de Licenciatura em Geografia e Cultura e Turismo, tem como
objetivo discutir a relação entre cultura e ambiente numa perspectiva educacional. Assim,
nos inspiramos nas propostas educacionais e ambientais do MEC e UNESCO, para sugerir
alguns espaços educativos de reflexão, práticas e atitudes sustentáveis no ambiente.

Palavras-chaves: Cultura, ambiente, espaços educativos.

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Professor Adjunto de Cartografia da Universidade Estadual de Santa Cruz – Ilhéus – Bahia-Brasil. Doutor
em Educação pela Universidade do Quebec a Montreal. natanaelreis@uol.com.br; natan@uesc.br.
Introdução

A relação entre cultura e meio ambiente tem sido tratada de diversas formas pela
abordagem antropológica. Aqui, visamos apresentar uma destas abordagens, entretanto
associando-a à perspectiva educacional. Assim, analisaremos o conceito de cultura
evocando a sua origem e função numa tentativa de compreender a sua relação com o
conceito de meio ambiente. Em seguida, buscaremos analisar o processo educativo como o
fomentador de reflexões e ações dos sujeitos, sobre as questões culturais e ambientais, nos
seus diversos grupos e espaços educativos. Finalmente, a partir do saber construído e
instituído, faremos algumas reflexões sobre a temática e sugeriremos algumas propostas de
ação para possíveis mudanças de práticas e atitudes sócioambientais.

A relação entre cultura e meio ambiente

Sobre os conceitos de cultura e meio ambiente, evocamos as bases epistemológicas,


da Filosofia e Antropologia para explicar a natureza, a função e a relação dos mesmos.
Assim, para Rosseau (1712-1778) apud Crespo (2000), a cultura seria definida como
bondade natural, interioridade espiritual, imaginação, solidariedade espontânea. Já para
Hegel (1770-1831) apud Crespo (2000), a concepção de cultura está relacionada com as
diversas maneiras como os homens vão compreendendo, representando e se relacionando
com os vários elementos da sua existência: o trabalho, a religião, a linguagem, as artes e a
política. Percebemos assim, que Rosseau (1712-1778) centra suas idéias no individuo, para
enumerar os elementos constituintes da cultura, enquanto Hegel (1770-1831) estabelece
uma relação entre o indivíduo, suas características, suas práticas sociais e as representações
dessas práticas. Percebemos, então uma relação estreita entre os dois conceitos, aquela das
características naturais dos indivíduos e sua interação com os elementos de sua existência.
Atualmente, segundo Williams (1969) Thompson (1988) e Hall (1997), Canclini
(1998), o conceito de cultura se funde e se confunde a experiência e tendência de sua
formação. Nessa perspectiva, cultura pode ser definida como consumo, modo de vida,
hábitos, crenças, manifestação artística, conjunto de técnicas e informações. Portanto a
cultura está estreitamente ligada às ações, às representações coletivas, às regras e condutas
(DURKHEIM) e às lutas de classes (MARX).

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Nessa linha de pensamento, o conceito de meio ambiente não se restringe ao
ambiente físico e biológico, mas inclui também as relações sociais, econômicas e culturais.
O substantivo “ambiente” e o adjetivo “ambiental vêm sendo utilizado do forma
generalizada e, as vezes, equivocada. Segundo Cristofoletti (1994), o termo “ambiente”,
possibilita ser aplicado em escala geográfica que vai do local ao global, podendo-se falar
de ambientes lacustre, social, cultural, familiar, das plantas, entre outros. Entretanto, para a
problemática ambiental há a necessidade de utilizar conceitos bem definidos e enunciados
que permitam a operacionalização dos procedimentos metodológicos. Logo o meio
ambiente deve ser entendido como a relação entre os componentes físicos e humanos das
diversas paisagens que compõem o espaço geográfico. Nessa perspectiva, a relação entre
cultura e meio ambiente deve ser tratada de diversas formas pela abordagem antropológica
em dois segmentos básicos: O primeiro parte dos estudos etnográficos que evocam a escola
norte americana chamada de “Ecologia Cultural”; as representações simbólicas de
categorias tempo, sociedade e espaço. Em geral esses estudos tentaram fazer uma relação
do humano com a ecologia, sociedade e cultura. Para tal, o homem considerado como um
ser social depende de seu modo de vida que, por sua vez, ele mesmo produz e reproduz. Ele
é entendido nos seus aspectos singulares, inseparáveis, inclusive naqueles inerentes às suas
ações e relações sociais. Portanto, a partir dessas idéias, é possível afirmar que o modo de
vida do homem não existe sem ações sociais, essas que dão sentido as relações dele com
seus semelhantes e com os objetos. O modo de vida ocorre num espaço social, produzido
pelo homem cujo substrato é o espaço natural, um lugar de ocorrência das práticas sociais.
O segundo segmento, toma os fundamentos básicos dos estudos etnográficos para
discutir questões e planejar ações integradas sobre os temas: ambientalismo,
desenvolvimento sustentável, multiculturalismo, pluriculturalismo e currículo numa
perspectiva interdisciplinar, no âmbito da educação formal e informal bem como das
políticas públicas e gestão democrática de comunidades sustentáveis.

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O processo educativo e sua participação na construção de uma sociedade sustentável

Todo processo educativo seja na família, seja na escola, ou nos grupos sociais, tem
implícita e explicitamente a intenção de adaptar os indivíduos ao ambiente em que estão
inseridos, de lhes fazer reproduzir as práticas e conhecimentos socialmente aceitos. Por
isso, não poderíamos nem falar nem promover cultura, educação sem levar em conta o
ambiente socialmente construído. Assim, é o ambiente e as representações que se tenha
dele, através dos atores sociais da comunidade, que determinam o teor práxico da formação
humana: as representações sociais como um conjunto de saberes que orientam as práticas
sociais e das práticas sociais que forjam novos saberes e orientam as representações
(MOSCOVICI, 1964; BOMFIM, 2004). Por exemplo, no trabalho de Regina Farias,
mestranda do PRODEMA - UESC (Programa de Desenvolvimento Regional e Meio
Ambiente), sobre a relação entre a Mata da Boa Esperança, Ilhéus – Bahia e a comunidade
do seu entorno. Ela busca investigar as representações sociais da Mata da Boa Esperança,
construídas pelos sujeitos que aí vivem. Assim, os resultados dessa pesquisa podem
orientar suas práticas sociais (como caçar, pescar, retirar lenha da mata, etc. de forma
sustentável), Por outro lado, as práticas sociais exercidas nesse ambiente podem orientar
novas representações e gerar novos saberes que auxiliem as políticas de planejamento e
gestão ambiental.
Pensar em práticas e representações sociais no espaço geográfico é associar
comunidade e ambiente, envolvendo, sem dúvida, educação, cultura e sociedade. Segundo
Silva (2005), não formamos o homem para que eles, individualmente, construam suas
sociedades particulares, os valores pelos quais queiram ser guiados ou uma cultura com a
qual se sintam mais identificados. Essas dimensões nos são dadas quando nascemos, e à
medida que os grupos com os quais interagimos nos introduzem no ambiente e nos
capacitam moral, lingüística, valorativa e culturalmente para pertencer e ser pertencente de
uma coletividade (CODO, 1997; MARTÍN-BARÓ, 1989; LANE, 1989;). Eis ai a relação
entre cultura e meio ambiente, tratando da questão da representação e identidade individual,
social e espacial (WOODWARD, 2000; BOMFIM, 2005).
Nesse sentido, faz-se necessário discutir os problemas da natureza associados com
todas as dimensões da vida e do nosso modo de vida, considerando assim como problemas
sócio-ambientais (LEFF, 2002). Entretanto, é preciso ir além dos discursos vazios ditos

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“conscientizadores” a respeitos dos processos de degradação da vida e do meio ambiente,
para ações e discursos pragmáticos que ressaltem a importância sobre a relação entre nosso
modo de vida ,nossas relações e o mundo que realmente queremos.
Para tal, corroboramos a idéia de (MORIN apud DEMO, 2002) sobre realidade
complexa e os apelos de Leff (2002) para uma construção de um saber ambiental
interdisciplinar que nos permitam compreender as relações dessa realidade. Essa
compreensão é significativa na medida em que se valoriza o conjunto de sabres do senso
comum integrando-os ao conhecimento científico num confronto dialógico a fim de que
surjam novos saberes, novas orientações éticas e novas práticas humanas.
Essa perspectiva exige uma educação, cujo processo auxilie os indivíduos à
compreenderem essa realidade sócioambiental complexa, através da relação respeitosa e
ética com os outros e com o ambiente.
Essa orientação é, sem dúvida, utópica, mas como torna-la factível? Desde que
nossas aspirações sejam menos utilitaristas e imediatistas. Como desviar essa orientação da
perspectiva housseauniana de cultura, ou seja, de homens naturalmente bons ou de uma
educação que possa tornar os homens bons? Desde que a finalidade ontológica seja uma
ética universal, entendendo os homens como historicamente constituídos e, portanto, suas
práticas como resultado de confrontos ideológicos, valorativos e políticos.

Considerações finais

Diante do exposto não podemos concluir nada e sim sugerir algumas propostas.
Para tal, nos inspiraremos nos PCN’S/MEC (Parâmetros Curriculares Nacionais) e nas
finalidades desta educação para o ambiente de acordo com a UNESCO, logo após a
Conferência de Belgrado (1975).

O primeiro documento propõem aos educadores trabalharem, História, Ciências,


Geografia, entre outras de forma interdisciplinar e de acordo com a realidade dos alunos,
inserindo temas transversais como multuculturalismo, pluriculturalismo, conservação,
preservação, sustentabilidade e riscos ambientais. O segundo tem a finalidade de contribuir
para a formação de uma população mundial consciente e preocupada com as questões
ambientais. Portanto, uma população capaz de refletir, pensar e agir individualmente e

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coletivamente no espaço geográfico a fim de resolver os problemas atuais, bem como
impedir que eles se repitam.

Portanto, localmente, sugerimos nos diversos espaços educativos (escola, família,


trabalho, lazer, etc.) forjar uma reflexão, que leve o sujeito, ao enriquecimento cultural, à
qualidade de vida e à preocupação com o equilíbrio ambiental, a partir de sua própria
prática social. Por outro lado, em tempos como estes, em que as relações de poder entre as
diferentes culturas e nações bem como as desigualdades sociais tornam-se mais evidentes,
apelamos par um esforço em nível mundial para aumentar os investimentos em pesquisa
científica relacionada aos estudos culturais e ambientais, a fim de contribuir com currículos
que questionem e interroguem o processo de subordinação e dominação entre nações; com
um conhecimento que permita a formulação de gestão pública politicamente correta, ou
seja, com a participação efetiva e democrática da comunidade e governo.

Bibliografia consultada

BERGER, P.L. e LUCKMAN, T. A construção social da realidade. Editora Vozes. 1999.

BOMFIM, N. R. Représentation sociale de l’espace et enseignement-apprentissage de


la géographie scolaire chez les élèves favelados d’une ville au nord-est du Brésil. Tese
de doutorado publicada pela Universidade do Quebec em Montreal (2004).

BONIN, L. F. R. B. Indivíduo, Cultura e Sociedade. In: Psicologia Social


Contemporânea, Maria das G. C. Jacques, Marlene, N. Strey, et all (Orgs.). Editora Vozes.
1998.

CRESPO, R. A. Cultura e ideologia. In: Nelson Dacio Tomazi (Org.), Iniciação à


Sociologia (p.173-180). Atual Editora, 2000.

CRISTOFOLETTI, A. Impactos no meio ambienteocasionados pela urbanizição no mundo


tropical. In: O novo mapa do mundo, Natureza e sociedade de Hoje: Uma leitura
geográfica. Maria Adélia de Souza; Milton Santos et all. (Orgs.) São Paulo: Hucitec-
Anpur, 1994, p.127-138.

DEMO, P. Introdução à Sociologia: Complexidade, interdisciplinaridade e


desigualdade social. Editora Atlas, 2002.

GARCÍA CANCLINI, N. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade.


São Paulo: EDUSP, 1998.

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HALL, S. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo.
Educação & Realidade , n.22, v.2, 1997, p.15-46.

JACQUES, M da G. Identidade. In: Psicologia Social Contemporânea, Maria das G. C.


Jacques, Marlene, N. Strey, et all (Orgs.). Editora Vozes. 1998.

LANE, Silvia T. M. e CODO, W (Orgs.). Psicologia Social: o homem em movimento.


São Paulo: Brasiliense, 1997.

LEFF, H. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade e poder.


Petrópolis: Vozes, 2002.

MARTÍN-BARÓ, I. Sistema, grupo y poder: Psicologia Social desde Centroamérica II,


El Salvador: UCA Editores, 1997.

MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E CULTURA (1997). Parâmetros Curriculares


Nacionais, história e geografia no ensino fundamental. Brasília-DF.

MOSCOVICI, S. (1976). La psychanalyse : son image et son public. France : PUF.

NELSON Dacio Tomazi (Org.), Iniciação à Sociologia (p.173-180). Atual Editora, 2000.

SIQUEIRA, M.J.T. e NUERNBERG, A. H. Linguagem. In: Psicologia Social


Contemporânea, Maria das G. C. Jacques, Marlene, N. Strey, et all (Orgs.). Editora Vozes.
1998.

THOMPSON, E. P. A. A formação da classe operária inglesa. Rio Paz e Terra, 1998.

TITTONI, J. e JACQUES, M. da G. C. Pesquisa. In: Psicologia Social Contemporânea,


Maria das G. C. Jacques, Marlene, N. Strey, et all (Orgs.). Editora Vozes. 1998.

WILLIAMS, R. Cultura e Sociedade, 1780-1950. São Paulo: Nacional, 1969.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In:


Silva, T.T. (Org.). Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais.
Petrópolis: Vozes, 2000, p.7-72.

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