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EA NAS ESCOLAS E UNIVERSIDADES

ISSN: 1887-2417
eISSN: 2386-4362

Ecoformação: uma estratégia para refletir


os princípios da Carta da Terra
na formação humana
Eco-formation: a strategy to reflect the principles of
the Earth Charterin human development
Rosana Gonçalves da Silva e Vera Margarida Lessa Catalão.Universidade de Brasilia (Brasil).

Resumo
Este trabalho aborda a realização de uma ecoformação-pesquisa desenvolvida com
professorase crianças em uma escola públicade ensino fundamental pública situada em
Brasília –Distrito Federal, Brasil. O princípio da solidariedade entre as comunidades de vida
articulou as atividadesdurante a pesquisa, em que entrelaçamos a educação ambiental,
linguagem poética e ecologia humana na formação humana. A ecoformação foi uma
das estratégias utilizadas para criar coletivamente um espaço educador sustentável,
bem como, um processo intersubjetivo de produção de conhecimento enraizado na
experiência e construído de forma cooperativa, afetiva e lúdica. Essa relação deu relevância
ao conhecimento produzido e articulado na interação e integração dos seus autores. A
experiência estética e a afetividade facilitaram a mobilização dos participantes da pesquisa
na identificação dos problemas da sua comunidade a partir de uma observação atenta
sobre os ambientes natural/construído da escola, de relações interpessoais harmônicas e
da adoção de uma atitude responsável para com o seu território. A partir do conhecimento
vivencial da Carta da Terra foi instalado um processo de conscientização e reflexão sobre os
espaços educativos, considerando a noção de cuidado como forma humana de sustentação
da vida e o agir local para pensar o agir global.
Astract
This paper deals with the realization of an eco-formation-research developed with teachers
and children in a public elementary school located in Brasilia -Distrito Federal, Brazil. The
principle of solidarity between the living communities guided the activities during the
research, in which are joint environmental education, poetic language and human ecology
in human development. The eco-formation was one of the strategies used to collectively
create a sustainable educative space as well as an inter-subjective process of knowledge
production rooted in experience and built upon cooperative, affectionate and playful
modes. This relationship added relevance to the knowledge produced and articulated in the
interaction and integration of their authors. The aesthetic experience and affection facilitated
the mobilization of the research participants in identifying their community’s problems
starting from a close observation of the school`s natural/built environment, the harmonic
interpersonal relationships and the adoption of a responsible attitude towards their territory.
From the experiential knowledge of the Earth Charter, it was settled a process of awareness
and reflection on the educational spaces, considering the notion of care as a human form of
life support and a way of acting locally to think the global acting.

DOI: 10.17979/ams.2015.2.20.1671 ambientalMENTEsustentable


ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20 1313
xullo-decembro 2015, ano X, vol. II, núm. 20, páxinas 1313-1330
Rosana Gonçalves da Silva e Vera Margarida Lessa Catalão

Palavras chave
Educação ambiental, Escola sustentável, Formação Humana.
Key-words
Environmental Education, Sustainable School, Human Development.

Os fios da trama ato educativo, essencialmente, pela trans-


formação do modo de ver e de pensar
tal processo para a construção de novos
O presente texto apresenta as reflexões significados, que podemos reconhecer o
tecidas coletivamente, a partir de uma fato de que somos todos aprendentes e
experiência de ecoformação realizada na ensinantes, construindo uma coletividade
Escola Classe Granja do Torto (Brasília, pensante.
Distrito Federal – Brasil). Esta experiência
formativa foi desenvolvida com profes- Portanto, o investimento a se fazer para
soras e crianças dessa escola pública, a Educação que queremos pressupõe
como uma das estratégias utilizadas para uma ação concreta de transformação do
criar coletivamente um espaço educador mundo, de envolvimento, que as coisas se
sustentável durante uma pesquisa-ação transformem com a participação dos di-
desenvolvida como parte da investiga- versos atores em seus múltiplos ambien-
ção acadêmica em curso na Universida- tes formadores. Uma Educação com uma
de de Brasília (2012-2016). “As tessituras multiplicidade de abordagens que possa
do conhecimento transdisciplinar na teia nutrir e despertar a multidimensionalidade
complexa da formação humana” é uma humana.
ecoformação-pesquisa que nasceu do
desejo de investigar as interações entre as Esse processo pode ser fertilizado pela
bases físicas, biológicas e sócio-culturais Educação Ambiental. Compreendemos
propostas por MORIN, de modo a realizar que a Educação Ambiental tem como um
vivências educativas estruturadas pela dos seus eixos primordiais o estudo das
relação entre a Linguagem Poética e a relações dos seres com seu meio ambien-
Ecologia Humana. Esta relação nos indica te e busca, acima de tudo, a solidarieda-
um constante diálogo entre uma atitude de, a ética com estética, a igualdade e o
criativa e eticamente cuidada, a partir da respeito à diferença, por meio de práticas
valorização das experiências cotidianas interativas e dialógicas. A Educação Am-
na escola. biental traz em primeiro plano, caminhos
de organizações simbólicas e de sentido,
As relações citadas acima sinalizam que com a função de pensar o real e de criar
é na possibilidade de re-significação do novas atitudes e comportamentos, diante

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do consumismo na nossa sociedade, e de precisamos de uma ecopedagogia cujo


estimular a mudança de valores individu- centro é a vida:
ais e coletivos.
[...] considera as pessoas, as culturas,
os modos de viver, o respeito à iden-
Essa mudança de valores pode ser oxi-
tidade e à diversidade. Considera o
genada pelos princípios éticos contidos
ser humano em movimento, como ser
na Carta da Terra. Em essência, a Carta
“incompleto e inacabado”, como diz
da Terra defende os direitos de todas as Paulo FREIRE (1997), em permanente
formas de vida, o cuidado com a natureza formação, interagindo com os outros e
e com o presente e futuro da Terra. A Car- com o mundo. A pedagogia dominan-

ta da Terra esclarece que todos devemos te centra-se na tradição, no que está


congelado, no que produz humilhação
compartilhar a responsabilidade de me-
para o aprendente pela forma como o
lhorar o mundo em que vivemos. Assim,
aluno é avaliado. Na ecopedagogia, o
ela é um documento inspiração ética e tem educador deve acolher o aluno. A aco-
um grande potencial educativo, ainda, não lhida, o cuidado, é a base da educa-
suficientemente explorado nos contextos ção para a sustentabilidade promovida
educativos. desde 2002 pelas Nações Unidas com
a criação de uma “Década” dedicada a
ela. (GADOTTI, 2001, p. 15, 16)
O projeto Carta da Terra inspira-se
em uma variedade de fontes, incluin-
do a ecologia, as tradições religiosas, Na escola, além do gesto amoroso para
a literatura sobre ética global, o meio com todas as formas de vida e a imple-
ambiente e o desenvolvimento, a expe- mentação da educação para a sustenta-
riência prática dos povos que vivem de
bilidade, precisamos refletir sobre o que
maneira sustentada, além das declara-
sustenta o ecossistema escola e o que
ções e dos tratados intergovernamen-
tais e não governamentais relevantes. pode promover a solidariedade nas rela-
Nesse sentido, ela é um complemento ções. Ainda, que ações e atitudes virtuo-
imprescindível da Década da Educa- sas podem contribuir com a formação de
ção para o Desenvolvimento Sustentá- professores e estudantes, incluindo a sus-
vel. (GADOTTI, 2010, p. 13)
tentabilidade na educação?

Para incorporar esta visão amorosa, nós


A mudança de paradigma passa por uma
precisamos superar os métodos fragmen-
linguagem capaz de atinir as mentes e
tados e as pedagogias pragmáticas, uti-
corações das pessoas, e que nos ajude a
litaristas, voltadas para a uma educação
rever nosso padrão de desenvolvimento.
individualista e distanciada da coopera-
E, de posse de uma linguagem é possível
ção e da partilha sensível na produção do
imaginar, inventar, classificar, descrever,
conhecimento no âmbito da escola. Nós

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Rosana Gonçalves da Silva e Vera Margarida Lessa Catalão

relacionar, refletir. E, na integração mente- A sensibilidade nos contextos escolares


-corpo, a criatividade surge como uma e até mesmo em várias situações do coti-
criatividade autêntica e necessária para a diano, ainda é considerada apenas como
construção de abordagens metodológicas oposto da lógica e irrelevante para a cons-
em Educação Ambiental baseadas nos trução de conhecimento. MORIN nos traz
recursos da sensibilidade e da linguagem a sensibilidade como partícipe da comple-
poética. xa condição humana.

Uma transformação necessária é a cons- A rede nervosa mergulha as suas raízes


cada vez mais ramificadas, apertadas,
trução de uma razão sensível que desem-
profundas, no interior do organismo,
boca na sensibilidade, no ritmo da vida
suscitando exprimindo aquilo que a
com suas paixões que, como nos orienta
constitui a própria intimidade de um ser:
MAFFESOLI, “vão tornar-se alavancas me- a sua sensibilidade. A partir daí, a sensi-
todológicas que podem servir à reflexão bilidade transforma os acontecimentos
epistemológica, e são plenamente opera- exteriores que afetam o ser em aconte-

tórias para explicar os múltiplos fenôme- cimentos interiores. (1999, p. 203)

nos sociais, que, sem isso permaneceriam


incompreensíveis” (1998, p. 53). Ao considerar o papel da sensibilidade e
da criatividade na educação de nossas
Uma educação transformadora que se crianças, estamos ligando o seu mundo
qualifica na relação entre educando-mun- interno com o seu mundo externo. Pois, o
do, encontramos na Ecologia Humana. caminho para essa ligação é a dimensão
“Invoca-se para a educação o desafio de dos símbolos e dos sentidos da poética
formar novas gerações capazes de superar da vida.
os limites e os impasses das gerações an-
teriores e do nosso padrão civilizatório ge- É a linguagem poética que vai fazer
este percurso e superar uma visão
rador da crise ambiental contemporânea”
maniqueísta, que separa educação
como nos ensina CATALÃO (2009, p. 255).
crítica de Ecologia Humana. Entendo
Ecologia Humana é um ponto de encon- ser necessário o contato sensível com
tro das ciências humanas e das ciências a natureza para encontrar o ser inteiro
físicas e biológicas. A Ecologia Humana para o inteiro ambiente. Nesse sentido,
trabalha novas perspectivas educativas e a Ecologia Humana integra a sensibili-
dade à razão crítica. Quando falamos
“explora as potencialidades dos aprendi-
em ambiente inteiro, estamos falando
zes exercitando, além da racionalidade, a
em todas as dimensões do ser. (SILVA,
sensibilidade, o imaginário, o pensamento
2008, p. 60,61)
intuitivo e o sentimento de si e do mundo”
(2009, p. 263).

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Com essa pesquisa buscamos a expres- (...) O método da complexidade pede


são criativa e uma estética compartilhada, para pensarmos nos conceitos, sem
nunca deixá-los por concluídos, para
onde o sujeito se autoriza a mostrar sua
quebrarmos as esferas fechadas, para
singularidade, a dimensão criativa que for-
restabelecermos as articulações entre
taleça a formação humana, pois esta ha- o que foi separado, para tentarmos
bita entre o sujeito e suas camadas mais compreender a multidimensionalidade,
profundas de expressão, compreendendo para pensarmos na singularidade com
a arte como expressão que pode ser vivida a localidade, com a temporalidade,

na vida cotidiana. para nunca esquecermos as totalida-


des integradoras.

A complexidade ao mesmo tempo que é


A espiral metodológica
concentração na direção do saber total

é também, o antagonismo desta concen-
tração. A atitude, portanto, para não nos
Um mundo complexo que comporta uma
curvarmos às dificuldades da pesquisa é
riqueza infinita de aprendizados, o mé-
o “uso estratégico da dialógica” (Ibid., p.
todo da pesquisa buscou caminhos de
192). A totalidade torna-se possível no
reciprocidade entre coração e mente em
jogo das interações parte-todo e do con-
uma atitude de encontro<>relação com o
fronto das polaridades onde os conceitos
mundo e que ainda se configura como um
lutam, complementam e dialogam entre si.
mundo a conhecer. Assim, vamos nos en-
Nesta perspectiva, a complexidade como
corajando para “prosseguir na aventura do
orientação teórica e a transdisciplinarida-
conhecimento que é diálogo com o univer-
de, como base das estratégias da ação,
so”. A abertura ao diálogo como estratégia
nos ajudaram a fazer travessias, refinando
para adentrar no “mundo concreto e real
nossa compreensão de educação como
dos fenômenos”, ao “visível complexo”
nascimento ou mesmo em outra perspec-
que fora dissolvido (MORIN, 1998, p. 190,
tiva, como uma ação contínua e para a
191). Precisamos desse diálogo aberto
vida inteira. Portanto, os sujeitos envolvi-
para poder fazer o que MORIN (Ibid., p.
dos nos processos educativos como su-
192) distinguir estratégia de método.
jeitos que querem ser inteiros. A ilusão do
estado de fragmentação não sustenta um
(...) A estratégia é a arte de utilizar as in-
processo educativo que intenciona anelar
formações que aparecem na ação, de
integrá-las, de formular esquemas de os mundos físico, biológico e cultural.
ação e de estar apto para reunir o má-
ximo de certezas para enfrentar as in- A experiência em espiral inicia-se com a
certezas. (...) O que chamamos de mé- adoção metodológica da Pesquisa-ação
todo é um memento, um “lembrete”.

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Rosana Gonçalves da Silva e Vera Margarida Lessa Catalão

Existencial (BARBIER, 2002) que re-habi- gem e uma compreensão de cada situação
lita o sensível e a reintroduz o sujeito na em sua singularidade. Cada fenômeno é
construção do conhecimento. Ela promo- único e deve ser observado como tal. Ao
ve um movimento dialógico que reúne for- mesmo tempo, o fenômeno acontece em
ma e conteúdo, tendo como foco o pro- um contexto e não está isolado, não pode
cesso na criação de eixos que fortalecem ser generalizado, mas ele carreia situa-
o pensar junto e a leitura de mundo como ções dialógicas e dialéticas. As situações
prática da realidade, que implica em reco- da pesquisa na perspectiva existencial re-
nhecer nosso lugar no contexto coletivo. querem um desenvolvimento no/do coleti-
vo. Pois, “as partes estão coerentemente
A Pesquisa-ação está ligada à problemática ligadas, de uma maneira multidimensional e
da abordagem Transversal, sendo assim: multirreferencial” (Idem, 2003, p. 45).

[...]esta abordagem de pesquisa rom- BARBIER diz que cada sujeito está ligado
pe com a dicotomia sujeito/objeto na a si e ao seu corpo, às suas emoções e
investigação dos fenômenos. Quebra
aos seus desejos, às suas memórias e aos
com a imparcialidade no percurso da
seus universos de significações internas, a
pesquisa, pois, o observador no ato
de observar já está intervindo. Esta cada detalhe da vida e a tudo que faz sen-
abordagem metodológica fertiliza- tido para ele. “A pessoa está igualmente li-
-se na transversalidade, que sinaliza a gada em uma relação ou a vários grupos (a
autoria, a inventividade e a autonomia qual pertence ou de referência)”. É com o
nos processos educativos, pois, privi-
grupo que o sujeito, em sua singularidade,
legia a corporeidade, a arte, a discus-
desenvolve “a estratégia coletiva, o jogo
são e reflexão dos temas propostos na
perspectiva de uma educação integral. das alianças e das lideranças, os efeitos
(SILVA, 2008, p. 41,42) das artimanhas e dos desafios”. É na rela-
ção com o grupo que operacionalizamos
Portanto, “o espírito da criação está no “mecanismos” de cuidado, de sentidos,
cerne da Pesquisa-ação Existencial”. Ela “de defesa individuais e coletivos”. Por-
favorece maior interação com outras possi- tanto, “estar situado” é uma outra forma
bilidades metodológicas e viabiliza a estru- de falar sobre implicação (ibid., p. 46).
tura e organização de estratégias concretas
de atuação. A Pesquisa-ação Existencial Essa reflexão coopera com a noção de
expressa-se “como uma arte de rigor clí- implicação, que é essencial à metodologia
nico, desenvolvida coletivamente, com o adotada, sobretudo, ela nos ajudou a pen-
objetivo de uma adaptação relativa de si ao sar as outras estratégias fundamentais da
mundo” (BARBIER, 2002, p. 67,68). Esta Pesquisa-ação existencial: a formação do
arte de rigor clínico configura uma aborda- grupo de pesquisador coletivo e a escuta

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Ecoformação: uma estratégia para refletir os princípios da Carta da Terra...

sensível. Estas duas estratégias estrutura- 109) para pensar a prática docente com
ram a metodologia. as contribuições da linguagem poética
como instrumento fundamental para que a
O trabalho de campo foi realizado na Es- sensibilidade se abra, não somente para o
cola Classe Granja do Torto, envolvendo os conhecimento, mas para uma ação impli-
educandos e os seus professores em uma cada e concreta em educação ambiental.
diversidade de atividades artísticas/cultu-
rais e estratégias auto-eco-coformativas. A abertura ao sensível é, também, a aber-
O curso de ecoformação teve carga ho- tura para um olhar mais ecológico do meio
rária de 40h como estratégia de pesquisa e das relações entre espécies, pensan-
para a composição do grupo de pesquisa- do a vida e a educação com toda a sua
dor coletivo. As oficinas ecopedagógicas complexidade. A escuta sensível faz essa
foram o espaço de convivialidade, onde mediação como estratégia na pesquisa.
as expressões criativas e simbólicas fe- A escuta sensível é a presença integral,
cundaram um processo para os sentidos e revela-se como a articulação da audição
significados, uma abertura epistemológica <> olhar <> pele <> olfato <> paladar em
qualitativa para ampliar a nossa compre- sintonia com o intelecto<>sensibilidade.
ensão das complexidades sujeito-objeto. Esta estratégia é de caráter clínico, pois,
Todo o trabalho era iniciado e encaminha- percebe, com todos os sentidos, as situa-
do com rodas de conversa, no sentido de ções e suas singularidades. Temos ainda,
potencializar a escuta sensível. um sentido meditativo em que “o pesqui-
sador deve saber sentir o universo afetivo,
Portanto, a ecoformação foi tomada como imaginário e cognitivo do outro para ‘com-
o ambiente favorável para a composição preender do interior’ as atitudes e compor-
do pesquisador coletivo. A intenção foi tamentos, o sistema de ideias, de valores,
despertar uma ideia força que atraísse as de símbolos e de mitos” (BARBIER, 2002,
pessoas pela compreensão de que educa- p. 94). A compreensão desde o interior é
ção se faz no plural com os sujeitos e seus definida como existencialidade interna e
desejos cambiantes, na qual todos somos por meio desta, podemos trabalhar com
aprendentes. A ecoformação foi o nicho um grupo na aceitação do outro, de seus
ecológico de relações, onde pudemos nos sistemas de crenças e valores. Pois, a
aproximar e criar laços de confiança. Tra- escuta sensível acolhe “multirreferenciali-
balhamos portanto, na perspectiva da au- dade” (ARDOINO, 1998), é preciso “saber
to-eco-organização denominada por MO- escutar o ‘lugar’ diferencial de cada um no
RIN (1997), incluindo o “cuidado político, campo das relações sociais para poder es-
ético, estético e cultural como transversa- cutar sua palavra ou sua capacidade cria-
lidades irredutíveis” (MACEDO, 2012, p. dora” (BARBIER, 2002, p. 95).

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Rosana Gonçalves da Silva e Vera Margarida Lessa Catalão

A partir de tudo que foi dito, agregamos à plexa ou sistema, dotada de qualidades
espiral as contribuições da complexidade, desconhecidas ao nível dos componentes
em seus vários princípios - auto-organiza- ou indivíduos. De acordo com MORIN, as
ção, recursividade, realimentação, aleato- ideias de organização e sistema ainda es-
riedade, espontaneidade e bifurcações. tão dissociadas. O sistema é o caráter fe-
nomênico e global das inter-relações cuja
Para MORIN, a dialógica ordem/desordem/ disposição constitui a sua organização. O
organização e sua complexidade surgem que liga os dois conceitos é o conceito de
ao se verificar “empiricamente que fenô- interrelação que dotada de estabilidade ou
menos desordenados são necessários, em regularidade toma um caráter organizacio-
certas condições, em certos casos, para a nal e produz um sistema. Temos a partir do
produção de fenômenos organizados, que conceito trinitário:
contribuem para o aumento da ordem”
(2011: 92). O princípio dialógico por meio
de inúmeras inter-retroações está presen-
te e em ação no mundo biológico, físico
e antropossocial. Para a compreensão
dessas inter-retroações, faz-se necessá-
Figura 1: conceito trinitário. Fonte: MORIN
ria a reintrodução do sujeito na produção
(1997, p. 101)
do conhecimento, rearticulando a relação
indivíduo-sociedade-espécie, adentrando
Um sistema na perspectiva moriniana diz
o sentido de sistema e organização.
respeito à unidade complexa do todo
inter-relacionado, portanto as partes po-
O sistema é concebido como unidade or-
dem também constituir-se sistemas em
ganizada de inter-relações entre elemen-
uma outra estrutura de organização.
tos, ações ou indivíduos. Essa interação
da organização e do sistema são três
Para tratar da complexidade do real, MO-
faces de um único fenômeno, o conceito
RIN propõe o paradigma da distinção-
trinitário que pode ser compreendido
-conjunção-multidimensionalidade para
como um conceito em três, três concei-
superar o paradigma da disjunção-redu-
tos em um. Está no átomo, na molécula,
ção–unidimensionalidade. Não se trata de
na sociedade, nas estrelas e é um modo
abandonar e sim integrar “a unidade abs-
organizacional de pensar a realidade (MO-
trata do alto (holismo) e do baixo (reducio-
RIN, 1997: 102). A organização transforma,
nismo)” (2011: 22). O autor propõe ainda
produz, liga, mantém, ou seja, é a dispo-
o princípio da “recursão organizacional”
sição de relações entre componentes ou
como um processo em que os produtos
indivíduos, que produz uma unidade com-

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e efeitos são ao mesmo tempo causais e “envolver-nos no processo de compreen-


produtores do que os produziu e o “prin- são, apropriação e expressão do mundo”
cípio holográfico” que reconhece não ape- e promover práticas educativas que “tor-
nas a parte no todo, mas o todo na parte. nem possível o desenvolvimento de nos-
“Hoje, a nossa necessidade histórica é sas próprias capacidades” (GUTIÉRREZ,
encontrar um método capaz de detectar, e 2002: 94).
não ocultar, as ligações, as articulações, as
solidariedades, as implicações, as imbrica- Aprendemos com GUATTARI (1990) que
ções, as interdependências e as complexi- as revoluções contemporâneas ocorrem
dades” (MORIN, 1997: 19). de forma molecular quando coletivos
inovadores se encontram e resistem ao
Os caminhos na perspectiva da invenção/ padrão hegemônico. Encontraremos as
criação nos levam a compreender o jogo possibilidades de consolidar sistemas de
das interações e a produção de conheci- ação coletiva entre educadores a partir da
mento torna-se mais rica quanto mais ri- construção de culturas de cooperação, da
cas são as interações, a diversidade física participação em movimentos pedagógi-
e biológica, na sua natureza, traz “a ideia cos, nos quais estejam presentes dinâmi-
e a imagem do fogo heraclitiano eructan- cas mais amplas de reflexão e disponibili-
te, trovejante, destruidor e criador é pre- dade para a renovação.
cisamente a do caos original donde saiu o
logos” (MORIN,1997: 60). A complexidade Nessa perspectiva, a Educação Ambiental
dialoga com a incerteza nos processos de instaura o espaço de aprendizagem em
pesquisa e produção de conhecimento, um sentido amplo e significativo, envol-
nos fala de um novo universo que mantém vendo o ato educativo em sua integrali-
sua generatividade, abalando os concei- dade. Faz acontecer a ciranda nossa de
tos e associando os contraditórios. cada dia: o cotidiano e a existência como
essências da formação humana para que
A proposta metodológica da pesquisa a convivência cotidiano-escola seja um
baseia-se na teoria da complexidade, constante diálogo entre tempos/espaços
portanto, considera a organização que educativos.
reúne organicamente as coisas da “física
ao homo” em uma certa “diversidade de Encontramos na arte a ligação do mundo
ações, transformações e produções” (MO- interno com o mundo externo no sujeito.
RIN, 1997: 145, 151). Para tanto, necessi- Pois, o caminho para essa ligação é a di-
tamos de intervenções pedagógicas efe- mensão dos símbolos e dos sentidos da
tivas. Necessitamos mediar espaços para poética da vida. A linguagem poética faz
promover a aprendizagem que signifique este percurso para superar uma visão ma-

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Rosana Gonçalves da Silva e Vera Margarida Lessa Catalão

niqueísta, que separa educação crítica de


Ecologia Humana. Entendemos ser neces-
sário o contato sensível com a natureza
para encontrar o ser inteiro para o inteiro
ambiente. Nesse sentido, a Ecologia Hu-
mana integra a sensibilidade à razão críti-
ca. Quando falamos em ambiente inteiro,
estamos falando em todas as dimensões
do ser.

Assim, aproveitamos para introduzir a Figura 3: Espiral da ecoformação. Fonte: Rosana


GONÇALVES DA SILVA, projeto de qualificação
Abordagem Triangular sistematizada des-
da pesquisa, 2014.
de os anos 1980, por Ana Mae Barbosa
e em um processo de construção coletiva
A imagem sintetiza alguns princípios do
em que a autora contou com uma rede de
Método da Complexidade selecionados
colaboradoras. A natureza epistemológica
para a criação das estratégias em Arte/
da Abordagem Triangular revela-se como
Educação e Educação Ambiental. O cam-
um sistema que inter-relaciona:
po de sentido foi o ambiente estético da
própria escola, considerando que ela está
em Brasília e no coração do Cerrado. Toda
a articulação metodológica para a ecofor-
mação compreendeu a noção de sujeito-
-intérprete e a visão de um ser mais sen-
Figura 2: Sistematização da abordagem triangu- sível, bem como, um modo de encarar a
lar Fonte: BARBOSA (2009) vida com mais cuidado e respeito pelos
seres vivos, estabelecendo um laço entre
O triangulo como metáfora da triangula- as estratégias com o ser no mundo da pe-
ção cognoscente para Ana MAE deve im- dagogia Freireana. E, é assim, que a Carta
pulsionar “a percepção de nossa cultura, da Terra (In GADOTTI, 2000) constituiu o
da cultura do outro e relativizar as normas conjunto de princípios e atitudes trabalha-
e valores da cultura de cada um”. E nessa dos nas atividades poéticas e pedagógi-
reconstrução e reorganização direta com cas nas oficinas. O movimento da Carta da
a realidade aprendida com Paulo FREIRE, Terra na perspectiva da Educação e pela
“a abordagem triangular respeita a ecolo- “Ecopedagogia” (GUTIÉRREZ, 2002) es-
gia da educação” (BARBOSA, 2009: XXXII, clareceu o tema sustentabilidade.
XXXI).

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Ecoformação: uma estratégia para refletir os princípios da Carta da Terra...

Deste modo, a ecopedagogia instaurou o das crianças. Momento em que pode-


espaço de aprendizagem em um sentido mos refletir juntos que “planejar é pro-
amplo e significativo, envolvendo o ato nunciar o mundo para modifica-lo; pla-
educativo em sua integralidade: o coti- nejar é um ato dialógico e humanizador;
diano e a existência como essências da planejar propicia importantes vivencias
formação humana. Para tanto, necessita- educativas; planejar é integrar a escola
mos de intervenções pedagógicas efetivas à realidade local; planejar é compre-
para mediar espaços e “envolver-nos no ender que um outro mundo é possível;
processo de compreensão, apropriação e planejar é construir sentido para o cami-
expressão do mundo” e promover práticas nhar da comunidade escolar; planejar é
educativas que “tornem possível o desen- reiterar a natureza plural e democrática
volvimento de nossas próprias capacida- da escola”(CARIA, 2011, p. 107 et seq.)
des” (GUTIÉRREZ, 2002: 94). Esse espaço • Roda de conversa: momento para re-
necessário de produção de conhecimento flexão dos conteúdos e vivencias, bem
coletivo nos colocou como percurso eco- como, encaminhamentos necessários
formativo, o seguinte anelamento: ao andamento do trabalho.

• Corporeidade: momento inicial com o po- Os elementos foram articulados conforme


tencial de estimular a presença e a parti- o tema/conteúdo (Apêndice D) envolvido
cipação criativa e inteligente do corpo. em cada encontro. Assim, pudemos ex-
• Roda de abertura: introdução do tema perimentar uma diversidade de estraté-
do encontro, trazendo questões e/ou gias formativas ao conferir singularidade
inserções de um poema, música, pen- a cada encontro. A inspiração do roteiro
samento, autor, etc. veio da minha pesquisa de mestrado1
• Momento de criação: propõe potenciali- (2008) e do curso Água como matriz eco-
zar a criatividade e a imaginação, fazen- pedagógica2 (2008). “Tudo isso dentro de
do uso de uma diversidade de materiais uma metodologia participativa que permite
e a troca de conhecimentos, a partir de a apropriação de noções ambientais e a
um tema gerador;
• Linguagem poética: favorece a percep- 1 SILVA, Rosana G. O papel da sensi-
ção do espaço criativo singular, a capa- bilidade e das linguagens poéticas nos proces-
sos formativos em Educação Ambiental – Uma
cidade de instituir o novo, envolve tam- Ciranda Multicor. Dissertação de Mestrado,
bém, a expressão artística e abordagem Brasília: Universidade de Brasília - Faculdade de
Educação 2008.
conceitual e técnica da arte como área
2 Roteiros de um Curso D’Água: Água
de conhecimento; como matriz ecopedagógica, Educação e Gestão
• Ensaio poético: planejamento coletivo sustentável das águas no Cerrado. Vera LESSA
CATALÃO e Maria do Socorro RODRIGUES
da ação para contemplar a participação (orgs). UNESCO/UnB. Brasília (2008).

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Rosana Gonçalves da Silva e Vera Margarida Lessa Catalão

emergência de potencialidades humanas Os roteiros das oficinas foram referencia-


integradoras de manifestações humanas dos nos princípios da Carta da Terra e no
culturais e naturais capazes de obedecer Método da Complexidade. A Carta da Ter-
e guiar forças da Vida” (CATALÃO, RODRI- ra pertence ao gênero narrativo, portan-
GUES, 2008, p. 10). to, resgata dimensões afetivas com o ser
que nos correspondemos, amplia nosso
O diferencial do curso de formação foi a conhecimento do outro e alimenta nosso
participação das crianças. O aprendiza- imaginário de modo a criar uma plurali-
do vivencial pela Carta da Terra pode ser dade de ações que abrigam as múltiplas
mobilizado pelo objetivo educacional que dimensões humanas. Já, o Método nos
inclui o uso de “processos educacionais oferece perspectivas de produção de co-
flexíveis e contextualizados”. nhecimento diferenciadas ao entrelaçar as
esferas física, biológica e sócio-cultural.
Esses processos devem oferecer “expe-
riências e reflexões que estejam fortemen- Ainda, a ecopedagogia viabilizou a po-
te relacionadas e enraizadas na realidade tencialização dos projetos existentes na
contextual dos alunos. Tais processos escola. Deste modo, tivemos acesso aos
devem envolver diretamente os alunos e projetos realizados e eles foram contem-
abordar suas prioridades o máximo pos- plados nos encontros com professores e
sível” (GADOTTI, 2010, p. 95). Promover crianças. Um exemplo é o projeto “Virtu-
a participação da criança em uma eco- des” e o projeto “Gentileza gera gentileza”,
formação, significa ainda, um aprendiza- ambos trabalham com o desenvolvimento
do que coopera com as noções de ética de atitudes que convergem com a Carta
e estética na escola, colaborando com o da Terra. A partir do princípio “comunida-
desenvolvimento da cidadania e agregan- de de vida “trabalhamos com valores e vir-
do tais noções ao relacionamento do ser tudes, indo além ao encorajar uma “visão
humano e a natureza/cultura. biossensível” (GADOTTI, 2010, p. 91).

Após o desenvolvimento das atividades A experiência atravessou campos de co-


com os professores houve a roda de con- nhecimento distintos, como literatura e ou-
versa em que adequamos o planejamento tras expressões artísticas; conhecimentos
para cada turma. As professoras conside- científicos e tradicionais. Consideramos
raram não somente a idade das crianças, que uma pesquisa ecoformativa no âmbito
também a conexão com o currículo e con- da complexidade e da transdisciplinarida-
teúdos que pudessem conectar à oficina de nos capacita a pensar materialidades
vivenciada. simbólicas. Os produtos que surgiram
foram emergências nascidas não só das

1324 ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20


Ecoformação: uma estratégia para refletir os princípios da Carta da Terra...

nossas águas, mas tal qual o barro foram ciou o cotidiano da escola, novamente, e
a modelagem com o ar, a terra e o fogo na que era necessária outra mudança no pla-
queima que retroalimenta a cultura. nejamento. Com rapidez, eu respondi às
colegas que poderíamos adiantar a “eco
auditoria” para um diagnóstico participa-

Observar, caminhar com tivo e formativo.

sentido e decantar a
Segundo GADOTTI (2010), para uma
experiência coletiva ação coletiva concreto é preciso realizar

uma “eco auditoria” para descobrir as
situações dentro do ecossistema escola,
Com base em tudo o que foi dito, a eco-
nas quais estamos sendo insustentáveis.
formação nos possibilitou a concretização
Assim, precisamos mapear tudo nos es-
de ações coletivas interdependentes em
paços das relações e no espaço físico. É
um trabalhou que se constituiu durante
bem típico do outono uma situação como
um semestre letivo e com a força do co-
esta: a disposição para a mudança e a re-
letivo, ele foi se alterando no caminho. A
flexão refinada das pessoas ao demons-
formação seguiu seu trajeto, fazendo a
trarem uma observação dos movimentos
escuta do cotidiano da escola nos encon-
e suas relações.
tros, nas conversações e na coordenação
pedagógica. Eis que um dia, na porta de
E foi assim que em um dia lindo de outono,
entrada da Escola as diretoras da escola
que abrimos o trabalho de eco-auditoria
perguntaram-me se seria ético mostrar no
com a atividade corporal: “caminhar com
Projeto Político Pedagógico, por meio de
sentido3”:
fotos, a situação da escola. Isto porque,
elas gostariam de evidenciar a situação Ao som de palmas andar livremente
real, mas queriam fazer da forma mais éti- pelo espaço;
ca possível. Eu considerei a atitude como Encontrar um ponto e caminhar em di-
uma forma de manifestar confiança, pois, reção a ele, quando chegar;
Encontrar outro foco;
já havia conversas anteriores da ecodor-
Repetir a caminhada até um ponto de-
mação-pesquisa percolar o PPP. Também,
um gesto político que prima por resolver
3 Caminhar com sentido é uma vivência
a situação sem mascarar a realidade, mas corporal elaborada por Vera CATALÃO, Yara
MAGALHÃES e Joselita SANTOS a partir dos en-
preservando a relação com a hierarquia.
sinamentos de Rolf GELEWSK. A atividade está
publicada em Roteiros de um Curso D’Água:
Água como matriz ecopedagógica, Educação e
Ali mesmo, na porta de entrada, uma in-
Gestão sustentável das águas no Cerrado. Vera
tuição forte me veio e com clareza enun- LESSA CATALÃO e Maria do Socorro RODRI-
GUES (orgs).

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Rosana Gonçalves da Silva e Vera Margarida Lessa Catalão

finido pelo grupo, quando chegar; estimulador, foi algo que nunca tinha
Encontrar outro foco em grupo; vislumbrado. Em nosso cotidiano es-
Repetir a caminhada andando em zig colar, estamos muito preocupados
zag, curva, etc. com a parte pedagógica voltada para
Refletir sobre a caminhada individual e assimilação dos conteúdos e desen-
em grupo. volvimento das habilidades trabalha-
das e não nos damos conta de como
anda o nosso espaço físico, a estrutura
Após esse momento, o grupo expressou
destinada às aprendizagens mútuas.
alguns sentidos da atividade, especial-
Durante nossa auditoria foi possível
mente, o quão ele nos permite estar pre-
identificar inúmeros problemas na es-
sentes; percepção do espaço e do outro trutura física da escola. Observamos
na convivência; atenção à respiração; au- que, alguns problemas são fáceis de
tocentramento e que a objetividade pode serem solucionados, penso que são

vir embebida da leveza. Assim, para o sustentáveis, pois não provocam risco
imediato ao ambiente, como reposição
grupo significou “Compartilhar sentidos,
de lâmpadas, colocação de suporte
impregnar de sentido as práticas da vida
para papel higiênico nos banheiros,
cotidiana e compreender o sem sentido pintura de paredes e portas entre ou-
de muitas outras práticas que aberta ou tras coisas. No entanto, outros proble-
solapadamente tratam de impor-se e so- mas, não dependem da equipe esco-
brepor-se a nossas vidas cotidianamente” lar, pois vão além das possibilidades
da instituição, sem auxílio de pessoal
(GADOTTI, 2010, p. 78). O nosso caminhar
especializado, como por exemplo, re-
com sentido adentrou esse pensamento e,
tirada de entulhos, poda de árvores e
assim, foi proposto o roteiro da Eco audi-
reparos na parte elétrica e de alvenaria,
toria: 1) organizar dois pequenos grupos; tornando o problema insustentável, já
2) caminhar com sentido; 3) identificar que provoca risco de acidente para as
problemas estruturais, fotografar e relatar crianças e funcionários. Foi observado

o processo; 4) refletir sobre ações que po- a necessidade urgente de se retirar so-
bras de materiais de construção loca-
dem modificar a situação. O roteiro foi tra-
lizadas atrás da sala dos professores,
balhado com toda a escola. As reflexões
pois as crianças podem se ferir durante
do pesquisador evidenciam: o recreio. No parquinho, há estacas de
concreto que precisam ser retiradas,
A experiência foi muito interessante, pois em caso de queda de algum aluno
foi um novo olhar sobre os ambien- sobre as mesmas os ferimentos podem
tes onde estamos inseridos todos os ser graves. Há ainda, entulhos, tan-
dias. Pensar o espaço educador com to de construção, quanto de poda da
um olhar crítico, observando o que é área verde, que precisam ser retirados
sustentável e insustentável para um como forma de prevenção à infestação
ambiente eco pedagógico seguro e de bichos peçonhentos. Observarmos

1326 ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20


Ecoformação: uma estratégia para refletir os princípios da Carta da Terra...

que há alguns espaços ociosos na E foi assim que o olhar distinto e intencio-
área externa da escola que podem ser
nal para com a escola proporcionou diálo-
otimizados para uso dos alunos nos
gos sobre uma árvore imensa e seca, bem
momentos de lazer. (...) Que existe um
espaço comum de convivência, seja
ao lado do prédio. A preocupação era que
ele nossa casa, nossa rua, nosso bair- se ela caísse colocaria todos em perigo.
ro, nossa escola, nossa cidade, nosso Ao passar pelo local com todas as turmas,
estado, nosso país, nosso continente, ficamos bem em frente ao Guapuruvu, ár-
nosso planeta. (Depoimento de profes- vore que morreu já adulta na escola e ga-
sores)
nhou histórico em nossa auditoria.

Trabalhamos durante dois dias, caminhan-


do e observando atentamente cada espa-
ço da escola. Nada escapava aos olhares
das crianças. A ecopedagogia conduz às
crianças a pensarem e repensarem em
suas atitudes com a conservação do pla-
neta, sua diversidade, sua preservação e
mudanças necessárias em nossa socie-
dade. Ao realizar a eco auditoria aa crian-
ças perceberam realmente quais as ne-
cessidades do ambiente em que passam
Figura 5: Espaços ético, estético e ecológico 1.
grande parte de seu tempo e de sua vida. Fonte: acervo coletivo de imagens. Brasília,
Comprometeram-se a cuidar e preservar outono de 2014
seu ambiente escolar.
Nessa experiência coletiva nós trabalhamos
com a atualização do conhecimento, encon-
trando na autoformação (si mesmo), na hete-
roformação (com o outro) e na ecoformação
(com o ambiente) o processo tripolar de for-
mação que aprendemos com PINEAU (2000).
Por se tratar de um processo permanente,
dialético e multiforme, essa tripolaridade nos
confere mais sentido e direção por convocar
um elo mais orgânico na educação.

Figura 4: caminhar com sentido. Fonte: acervo Essa perspectiva “para o acompanhamen-
coletivo de imagens. Brasília, outono de 2014. to do processo auto-eco-co-formativo em

ambientalMENTEsustentable, 2015, (II), 20 1327


Rosana Gonçalves da Silva e Vera Margarida Lessa Catalão

seus diferentes níveis de realidade prática, com as pessoas a se tornarem mais “cons-
ética e teórica” (...) e “o paradoxo da co- cientes e entenderem melhor a importância
-construção de sistemas de conhecimen- da biodiversidade, dos processos naturais e
tos”. (GALVANI, 2008, p. 3). Macrocon- dos serviços de ecossistema proporciona-
ceitos que aprendemos no percurso com dos a todos os seres vivos”.
as crianças tão presentes e pensantes
que nos tiraram do lugar comum ... ex- CATALÃO (2005, p. 06) partilha conosco
pressivas e sensíveis nos emocionaram e que “a partir da observação da teia da
transformaram nossa humanidade. Foram vida é possível perceber como uma ação
ativas na concepção dos espaços e ins- produz uma corrente de reações e assim
piraram cada detalhe do trabalho. Assim, reconhecer no princípio da reciprocidade
o patrimônio da escola aumentou, prenhe a base da sustentabilidade da vida”. Essa
do afeto de cada pessoa da escola, e onde relação do humano com os valores e a
emerge a atitude de cuidado essencial vida revela que ciência buscamos cons-
para a sustentabilidade. truir no diálogo arte/educação/ecologia e
formação. Também, uma ciência que ar-
Durante o período de decantação da nossa ticule uma educação criativa e insurgente
experiência comum, surgiram os espaços e em seus diversos ambientes educativos.
produtos que pensamos e criamos juntos. É Compreender o ser humano e sua arque-
a partir desse laço vital que a Carta da Terra ologia bio/cultural na perspectiva anuncia-
foi tomada como manifesto da Ecologia Hu- da é reconhecer a ecologia humana como
mana para a criação de ambientes éticos, a ciência que:
estéticos e ecológicos na Escola Classe
Granja do Torto. O princípio “Comunidade [...] debruça-se sobre a trama de rela-

de vida” foi um tema que esteve presente ções do ser humano com outros seres
e seu ambiente, tecendo um novo olhar
na fundamentação filosófica do Projeto Po-
que desenha no campo do imaginário
lítico Pedagógico de 2014. A compreensão
um outro paradigma para religação dos
de que todo ser humano deveria se encon- saberes proposta por Edgar Morin. A
trar e comungar com todas as formas de ecologia humana percebe a realidade
vida nos traz a dinâmica de uma vivencia de forma mais holística. O mundo é
ética, vitalmente social, econômica, na- visto de forma integrada e não como
superposição de partes desconecta-
tural e cultural. Uma vez que precisamos
das, sem interação. A visão holística,
evidenciar a ecologia humana como uma
complexa e dialógica constitui a base
contribuição concreta e articuladora de me- de sustentação da ecologia humana.
todologias em ciências humanas. Segundo A interdisciplinaridade e a transdisci-
GADOTTI (2010, p. 91), ao encorajar uma plinaridade orientam a construção de
visão biossensível estaremos cooperando conhecimentos. (Idem, 2009, p. 263)

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Ecoformação: uma estratégia para refletir os princípios da Carta da Terra...

Em<>caminhamentos Referências bibliográficas



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