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AS REPRESENTAÇÕES MENTAIS SOCIALMENTE

CONSTRUÍDAS E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CURSO DE


TURISMO E MEIO AMBIENTE DA FECILCAM

LEANDRO, Zilda Ferreira1

Resumo: Sabendo da importância das concepções primárias que as pessoas carregam consigo e
o poder que as mesmas possuem no agir, pensar e sentir em relação ao mundo (na sua forma
tanto material quanto imaterial) e às outras pessoas, perguntamos: quais as concepções que os
alunos do curso de turismo e meio ambiente trazem consigo? E a partir disso, pensar uma forma
mais efetiva tanto em nível de conteúdo quanto de forma para ministrar a disciplina de
Educação Ambiental. Lançamos mão da teoria das representações sociais como instrumento não
só de investigação como de intervenção dentro dessa nova proposta. Também essa teoria está
descrita no corpo do texto e foi relacionada com a EA e como as representações poderão ajudar
nessa nova proposta de EA. Foi aplicado um questionário para um grupo de 37 alunos do 1º
ano do Curso de Turismo e Meio Ambiente(turma de 2004) e 31 (turma de 2005) , um
instrumento elaborado a partir dos referenciais teóricos apresentados por Moscovici (1978). O
objetivo do questionário foi perceber quais representações existem no imaginário dos alunos em
relação aos conceitos e representações em relação ao meio ambiente, natureza, impacto
ambiental, crise ecológica e a relação psicológica que eles desenvolveram em relação à natureza
durante sua história de vida. Os dados coletados foram sistematizados por temas e simbologias e
foram analisados qualitativamente sob a ótica da bibliografia estudada sobre representações e
concepções sociais. Além do arcabouço teórico apresentado, analisamos também as respostas
dos questionários respondido pelos 37 alunos do primeiro ano do curso de Turismo e Meio
ambiente (ano 2004) e 31 questionários do ano de 2005. Observou-se pouca variação entre a
turma de 2004 e de 2005 das respostas analisadas. A visão romântica e estética da natureza
predominou em ambas as turmas e pouca relações dos níveis econômico ou sóciopolíticos foram
relacionados ao tema, evidenciando uma relação antropocêntrica e fragmentada em relação ao
meio- ambiente.

1
Mestre em Educação Ambiental pela UEM. Professora do Departamento de Turismo e Meio Ambiente
da FECILCAM. zildaleandro@hotmail.com
INTRODUÇÃO

Procurando entender as razões da crise ambiental, sem precedentes, que se apresenta


desde o século XX e como ela se configura até os dias atuais, pode-se facilmente
constatar que não se trata apenas de um problema econômico, mas de uma crise social,
de valores e de posturas diante do mundo.

Sabemos que a idéia de meio ambiente entendido como um conjunto de mecanismos


isolados diminuiu as possibilidades de compreensão e reflexão sobre o mundo, criando
uma fragmentação e compartimentação dos saberes que tornou impossível obter “uma
visão intrínseca da rede sistêmica” (BRANDÃO, 2003). Este processo se apóia a partir
de uma visão mecânica e reducionista, que separa e segrega as ligações entre social,
econômico, ambiental, político e cultural. “A inteligência que só sabe separar,
fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os problemas,
unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia as possibilidades de compreensão e
reflexão” (MORIN, 2000).

Sabemos também, que essa fragmentação e compartimentação dos sistemas impede que
o homem entre em contato com as realidades complexas que constituem seu ambiente.
Dessa forma, a compreensão dos bens ambientais como “recursos naturais”, sua
utilização baseada quase que exclusivamente em critérios econômicos, bem como o
abismo social provocado em parte pela má distribuição dos benefícios deles advindos e,
finalmente, a desigualdade nas conseqüências dos impactos ambientais provocam uma
crescente degradação ambiental, entendida, desta forma, como sócio-ambiental.

Diante desses problemas, se torna evidente a necessidade da substituição de uma


mentalidade racionalista e individualista por uma mentalidade ampla que consiga
realizar uma compreensão sistêmica das relações entre ser humano-ambiente e ser
humano-ser humano, configurando um novo paradigma. “Mais do que nunca a natureza
não pode ser separada da cultura e precisamos aprender a pensar “transversalmente” as
interações entre ecossistemas, mecanosfera e universos de referência sociais e
individuais” (GUATTARI, 1990). Torna-se indispensável o desenvolvimento de uma
educação renovadora, libertadora, que promova o desenvolvimento de uma
compreensão mais crítica e socialmente justa do mundo.
“A Educação Ambiental nasce dessa emergência, de se criar uma percepção renovada
de mundo, e devido à sua natureza interdisciplinar, polifacetada e holística ela consegue
reunir os elementos necessários para promover a compreensão de forma reflexiva e
crítica à população” (DIAS, 2001). Por meio dessa nova percepção as pessoas podem
compreender a natureza complexa do ambiente de forma a sensibilizar-se para o
envolvimento na prevenção e solução dos problemas sócio-ambientais.

Sendo assim, a Educação Ambiental não só pode levar a situar um acontecimento,


informação ou conhecimento em seu contexto, mas também incitar a perceber como
este o modifica. Percebe-se, a partir disso, que qualquer ação ou sistema possui ligação
com o todo, e que a dinâmica das relações não exclui ou separa, mas agrega o amplo, o
diverso e o incerto.

Preocupa-nos a questão da EA como está sendo hoje veiculada pelas instituições de


ensino e pela necessidade de se construir um tema transversal, que possa ser implantado
e trabalhado nas redes de ensino, que realmente possa mudar o agir dos estudantes.
Pensamos que, para essa construção, será preciso ouvir as vozes que vem dos alunos do
curso de Turismo e Meio Ambiente que poderão atuar em sua trajetória profissional em
projetos de EA de comunidades ou constituir como um tema transversal a questão
ambiental em sua atuação profissional mesmo quando esta for de cunho meramente
tecnológico ou imediatista. Quais as necessidades destes alunos? Quais suas
alternativas? Como eles vivem e conhecem o seu ambiente? Como a escola pode atuar
dentro de uma proposta de Educação Ambiental, buscando efeitos concretos em seus
alunos e na comunidade?

As respostas a estas questões mostram-nos a importância de levantar e entender, a


priori, as concepções que os alunos tem de termos tão comumente usados, mas com
significados diversos, presentes em seu imaginário.

O objetivo é descobrir e comparar tais concepções pretendendo assim contribuir para


uma Educação Ambiental diferenciada da oficial (que gosta de treinar, adestrar e
ensinar regras sem explorar a formação dos alunos e sem considerar a influência das
concepções no agir do indivíduo no mundo), bem como descobrir formas e maneiras de
atuar mais eficazmente tanto em relação à comunidade de forma que tal atuação possa
ser um caminho facilitador para a emergência daquilo que chamaremos de “consciência
ecológica”.

Retomando esta discussão em nível acadêmico, temos nas grades curriculares a


disciplina de Educação ambiental que foi imposta pela nova LDB e que tem por função
promover a consciência ambiental nos alunos, a conservação do meio ambiente e o uso
racional dos recursos naturais.

Assim, o trabalho realizado no país está engajado no “espírito” estratégico de que a


educação da ambiental é ponto fundamental para consolidar as ações de Educação
Ambiental em um processo permanentes, no âmbito dos currículos das instituições de
ensino, visando a melhoria da qualidade de vida, através da mudança de hábitos e da
construção de valores que incorporem a dimensão social, cultural e econômica para
defender e preservar os recursos naturais para as presentes e futuras gerações (LDB).

Atualmente a prática das instituições governamentais, através do ensino formal procura


viabilizar mudanças de atitudes, comportamentos e valores essenciais criando uma
nova visão de mundo através de uma estratégia meramente protecionista. Há muitas
publicações na área de EA: boa parte delas já é criticada por Brugger (1994), Mazzotti
(1998), Maturana (1995) entre outros, por não se vincularem à ecologia e serem mais
“resíduos” do cienticismo do que ciência. Porque apresentam caráter basicamente
informativo e descritivo em detrimento de uma de ação realmente transformadora, tanto
a níveis de valores quanto a níveis de ações concretas e efetivas.

Avançamos e retrocedemos em diversos momentos, mas sem encontrarmos uma


proposta pedagógica que, além de dar a direção na busca do conhecimento, também
engajasse as questões sócio-econômicas atuais, as quais perpassam toda estrutura
governamental de educação.

Segundo Mata (1996) a palavra meio deve ter significado concreto na vida dos sujeitos,
sinalizar o seu entorno, o local onde se vive, se movimenta, enfim, espaços próximos,
contrariando a idéia de “portal verde”, muitas vezes difundida nas escolas e na
comunidade em geral, cujas implicações são:
[...] associar meio ambiente a um altar sagrado, prometido, contemplado de
longe e nunca acontecido e, por isso mesmo, cada vez mais distante, se não
cambiante para o irreal. Por continuar longínquo e inacessível, não está ao
meu alcance cuida-lo. O meio ambiente é sempre e mais do outro. E, com
isso a diligência é terceirizada. A difusão social da responsabilidade social
com o meio, nessa perspectiva, faz do detentor de poder aquisitivo o seu
maior, se não o único visitante; o que não significa por si só, o seu grande
zelador. A outra implicação é de banir do seu contexto imediato, do seu
cotidiano, a visagem de meio ambiente. A vivência é próxima e o meio é
distante (...). Assim concebendo, deixa de expropriar-se de sua condição
primária de existência por escapismo do direito a um meio satisfatório e
decente de vida (p. 121).

Como diria Morin (2000), pensar a educação é pensar a organização e construção


social: a Natureza, como o meio onde ocorre o desenvolvimento de diferenciadas
manifestações de vida; a História, como o cenário do processo de transformação da
humanidade; o Trabalho, como o processo através do qual o homem constrói e
reconstrói continuamente a realidade; e o Conhecimento, como construção coletiva
acumulada através dos tempos na relação homem/natureza/homem. A educação nestes
moldes, portanto, é Ambiental.

Representação social

Para que possamos pensar em uma proposta de EA, é preciso partir dos significados que
o ambiente e seus elementos tem para estas pessoas, como coloca Teixeira Coelho
(1994) – buscar a “pedagogia do imaginário” como base de um projeto de EA.

O pensar sobre o que é a natureza, qual a natureza do homem, qual o papel do homem
na natureza, atravessa quase 25 séculos de história e remonta mesmo, ao próprio
surgimento do homem no mundo. Estas questões que acompanham o homem em sua
trajetória, tentavam ser resolvidos por ele através da criação de histórias, mitos,
explicações da realidade elaboradas individualmente ou compartilhadas pelo grupo
social.
Esta imagem da realidade que incide em nossas condutas cotidianas está impregnada
dos paradigmas dominantes e possui as características do momento histórico em que
vivemos.

Por isso as representações são sociais e se constituem em elementos fundamentais no


estudo da vida cotidiana, pois o sujeito vai realizar “operações mentais” que serão
organizadas em uma “rede semântica” que dará coerência às informações,
aproximando-as o mais possível da realidade. Para expressar e explicar essas suas
concepções, o sujeito usará signos e símbolos que chamamos de “significantes”, pois
são elementos destacados da realidade ou da experiência e trazidos para a concepção
expressada. Cada concepção traz significantes do quadro de referência em que os alunos
estão inseridos. O sujeito raramente tem consciência de suas concepções, é portanto
sempre difícil fazer com que as expresse, sobretudo quando se trata de comportamentos
habituais para ele, uma realidade familiar. (REIGOTA, 1998).

Segundo Moscovici (1978) as visões individuais ou coletivas da realidade (pois a


elaboração individual da realidade social não exclui a formulação de visões
compartilhadas com interpretações semelhantes dos acontecimentos), resultam em
representações que circulam nos discursos carregados pelas palavras, veiculadas em
mensagens e imagens generalizadas pelos meios de comunicações, cristalizadas nas
condutas e posturas dos sujeitos. Por isso tem um caráter social e uma função específica
na sociedade, ou seja contribui para os processos de formação de condutas e de
orientação das comunicações.

A idéia de Moscovici (1978 p. 32) é de que “a representação social é uma forma de


conhecimento socialmente elaborado e partilhado, tendo um objetivo prático e
concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”.

Segundo Meyer (1991), Reigota, (1996), entre outros a questão do fracasso da educação
científica, está, entre outras razões, ligada ao fato de que não se olha para quem
aprende. Isto significa conhecer as concepções dos alunos para que possam ser levadas
em consideração e nortear o processo didático-pedagógico.
À investigação da gênese do conhecimento humano acompanha a evolução das ciências
e a consolidação do método científico, até os nossos dias com as pesquisas de
Claparéde, Wallon e Piaget. Estes pesquisadores buscavam definir, caracterizar e
entender o modo de pensar individual e até onde ele era uma imposição coletiva.

Este aspecto coletivo do modo de pensar foi retomado e recolocado por Moscovici
(1978) na atual psicologia social através da “identificação de um conjunto de crenças,
concepções, valores, característicos de uma sociedade, centrando-se em objetos que
poderíamos qualificar de paradigmáticos ou, ao menos, significativos para uma
determinada população” (p. 78).

Desse modo, como pensamento do complexo, a Educação Ambiental, por meio da


Percepção Ambiental, pode promover uma sensibilização e tomada de consciência do
ser humano para as questões sócio-ambientais. Consciência e sensibilização construídas
por meio de interpretações mediadas pela cultura e por estímulos sensoriais que
auxiliam na compreensão das inter-relações entre ser humano e meio ambiente.

Ao mesmo tempo em que as pessoas são convidadas a perceberem novos


aspectos da realidade ambiental através de uma vivência na natureza,
mediante estímulos e elementos diferentes daqueles do cotidiano que
vivenciam, elas não são somente despertadas para as necessidades
emergenciais da conservação do meio ambiente e da manutenção de índices
de qualidade ambiental, mas também são convidadas a despertarem para um
questionamento sobre atitudes relacionadas à conquista ou resgate da
qualidade de vida, percebendo, comparando e valorizando aspectos do dia-a-
dia sob outros modos e perspectivas (GUIMARÃES, 2004).

Assim, cada indivíduo através de sua própria percepção constrói uma compreensão
diferente diante de cada experiência vivenciada. “Percepção, atitudes e valores
preparam-nos, primeiramente a compreender nós mesmos. Sem a autocompreensão não
podemos esperar por soluções duradouras para os problemas ambientais que
fundamentalmente são problemas humanos” (TUAN, 1980).

As experiências ambientais são vivenciadas e representadas por cada pessoa de forma


diferente, e como meio de expressão dessas experiências, o homem por ser criativo,
relacional e dialógico utiliza a linguagem para estabelecer um intercâmbio entre
estímulos e respostas. Estímulos estes que permitem a captação e representação de
realidades e que, através da ação criadora, permitem uma interpretação dos fatos e uma
construção da identidade pessoal e/ou coletiva.

A linguagem une, constitui e representa uma sociedade, e através do fazer


artístico o homem desvela o mundo e a si mesmo” (BRANDÃO, 2003), e a arte,
como linguagem, resgata “a dimensão do homem como ser social e cultural,
leitor e intérprete, criador e criatura (BUORO, 1996).

Neste trabalho, nosso objetivo identifica-se com o referencial teórico-metodológico de


Concepções de Moscovici, uma vez que a pesquisa busca captar os elementos que o
aprendente integrou em sua noção de mundo através dos espaços sociais em que viveu
ao longo de sua vida, e das elaborações que fará para levantar e analisar os problemas
que este mundo apresenta. Ou seja optamos então, neste estudo, pela abordagem das
“concepções”, que o autor citado conceitua como:

[...] um processo pessoal, através do qual um aprendente estrutura


progressivamente os conhecimentos que integra. Esse saber elabora-se, na
grande maioria dos casos, num período bastante longo de sua vida, a partir
de sua arqueologia, isto é, da ação cultural parental, de sua prática social de
criança na escola, da influência das diversas mídias e, mais tarde, de sua
atividade profissional e social de adulto (clube, família, associações, etc.) (p.
94).

Através da análise que essa ferramenta permite, o aprendente organizar o mundo, ou um


aspecto do mundo, de maneira tal que possa entende-lo, agir sobre ele, adaptar-se a ele
ou fugir dele, ao menos num certo nível.

Essas teorias vem fundamentar o objeto deste estudo, as concepções a respeito dos
problemas ecológicos apresentada pelos alunos da disciplina de Educação ambiental do
curso de Turismo e Meio Ambiente – da Fecilcam, suas imagens, seus problemas
ambientais e sociais.

Dados: discussão e análise

Foi aplicado um questionário para um grupo de 37 alunos do 1º ano do Curso de


Turismo e Meio Ambiente(turma de 2004) e 31 (turma de 2005) , um instrumento
elaborado a partir dos referenciais teóricos apresentados por Moscovici (1978). O
objetivo do questionário foi perceber quais representações existem no imaginário dos
alunos em relação aos conceitos e representações em relação ao meio ambiente,
natureza, impacto ambiental, crise ecológica e a relação psicológica que eles
desenvolveram em relação à natureza durante sua história de vida. Os dados coletados
foram sistematizados por temas e simbologias e foram analisados qualitativamente sob
a ótica da bibliografia estudada sobre representações e concepções sociais. Além do
arcabouço teórico apresentado, analisamos também as respostas dos questionários
respondido pelos 37 alunos do primeiro ano do curso de Turismo e Meio ambiente (ano
2004) e 31 questionários do ano de 2005.

Turma de 2004 e 2005


MEIO AMBIENTE

Em relação a este tema, resumidamente, pudemos constatar que 80% dos questionários
descreveram meio ambiente como “espaço físico onde o homem vive”, ou “local
harmônico entre animais e vegetais” “Tudo o que está a nossa volta”. (30%) dos alunos
se referiram a “ harmonia dos elementos” , “equilíbrio” . Donde podemos observar uma
visão idealizada. O meio ambiente foi ligado também ao local onde estão inseridos
todos os elementos da natureza fisicamente. Conceitualmente podemos dizer que meio
ambiente foi definido como local geográfico onde os elementos da natureza estão
presentes fisicamente. Observa-se uma confusão generalizada entre natureza e meio
ambiente. As respostas variaram em termos das dimensões naturais ou técnicas de
natureza. Em nenhum momento alguém mencionou o homem como sendo parte do
meio ambiente, onde ele também vive, como um ser natural.

Embora a expressão meio ambiente tenha sido amplamente confundida com natureza,
sabemos que a questão ambiental diz respeito ao modo como a sociedade se relaciona
com a natureza e isso inclui também as relações dos homens entre si.

NATUREZA
Todas as respostas a respeito do que é natureza foi definido pelos alunos como sendo os
elementos que tem vida ou não (fauna, flora, rios, montanhas etc.) “elementos que
propiciam a vida na terra e o lazer do homem”, “natural independente, o que não é feito
pelo homem”, ou “tudo o que Deus criou”. Na turma de 2005 observamos uma
concepção também recorrente: “tudo o que não foi afetado pelo homem”. Ou seja, a
concepção de natureza foi definida pela oposição a de homem, de cultura e de história.
Natureza e cultura se excluíram. Essa parece ser uma concepção generalizada nas duas
turmas.

Essa concepção hegemônica de natureza pode se explicar pela ideologia judaico-cristã,


monoteísta que concebe a terra criada por um único Deus todo poderoso, que após lhe
dar forma, ordenou a seus habitantes que crescessem, se multiplicassem e exercesse
domínio sobre todas as coisas – inanimadas ou que movessem sobre ela. É possível que
essa crença tenha transformado a natureza em um inimigo a ser derrotado e os recursos
naturais a serviço do bem estar do homem. Contribuindo também para a separação
homem-natureza.

No entanto, como podemos ler na fundamentação teórica, só isso não bastaria para
perpetuar a situação até as raias da destruição. Mas outras leituras e formulações
contribuíram no seio das relações econômicas se propagaram e se materializaram. A
divisão sociedade-natureza foi assinalado por Descartes na sexta parte do discurso do
método, como visto anteriormente, e isso deu um impulso decisivo. O paradigma
cartesiano de ciência, então, foi o alicerce teórico e prático de um modo de produção
que modificou, sem precedentes históricos, a relação dos homens entre si e com a
natureza: o modo de produção que nasceu com a revolução industrial. A partir do
surgimento do capitalismo, as relações mercantis cresceram e as antigas comunidades
com suas culturas tradicionais foram se esfacelando e sendo absorvidas pela “cultura
tecnológica”. As cidades e o estilo de vida industrial e consumista tornaram-se
sinônimos de cultura e civilização, opostos ao viver no campo.

Assim, a visão de mundo cartesiana, a nova ordem econômica o individualismo e o


consumismo, como nova forma de viver deu impulso a oposição homem-natureza. A
partir daí, se consolidaram “as leis da natureza” que existem independendo dos homens.
A natureza pode então ser tratada com objetividade e o homem se tornou absoluto em
oposição à natureza, seu objeto.
No entanto sabemos que o conceito de natureza não é natural. Os povos, ditos
primitivos tem uma relação bastante diversa com a natureza. Esses povos, no entanto
não são compreendidos em sua especificidade. São vistos como atrasados em sua
evolução, são interpretados como naturais, pois não tem Estado, escrita, classes sociais,
por isso são vistos como selvagens, isto é, da selva, portanto da natureza. Assim as
diferenças se transformam em hierarquia através do evolucionismo linear e o ecocídio e
o etnocídio caminham juntos.

CRISE E IMPACTO AMBIENTAL


Impacto ambiental foi relacionado em 100% dos casos com “degradação, poluição,
desequilíbrio, tudo que provoca modificação do meio de forma prejudicial”. Somente
uma pessoa descreveu “impacto ambiental” como podendo ser uma modificação
benéfica ao meio ambiente.

Impacto ambiental foi descrito em 100% dos casos, como sendo conseqüência das
alterações dos ciclos da natureza por falta de “consciência humana”. Causando
destruição, extinção de espécies, desequilíbrio. Em nenhum momento alguém
mencionou a própria destruição humana e qual a relação social que marca tal fato. Mas
unicamente as respostas enfatizaram a questão de que os problemas ambientais devem-
se mais a uma crise de gerenciamento da natureza.

Outro fato interessante é que turma de 2005 os graves problemas são “provocados pelo
Homem” e esse homem é visto como um ser genérico, abstrato sem personificação. Que
nos parece uma forma segura de interação eximindo-se da própria responsabilidade,
pois esse “homem” assim como suas “fábricas poluentes” e sua “gana insaciável” está
longe de ser um modelo de identificação. Em nenhuma das respostas podemos verificar
a presença dessa característica tão humana, a agressividade, presente no decurso do
texto, como presente nas próprias pessoas em questão.

Contudo, sabemos que os problemas ecológicos sempre existiram, mas só nos últimos
20 anos que a questão ambiental tem sido problematizada em termos globais. As
hipóteses levantadas segundo fundamentação teórica acima, é que todas as camadas
sociais vem sofrendo com os danos ambientais causadas pela relação nefasta com a
natureza e dos homens entre si. A globalização também ajuda a disseminar as notícias,
pois o mundo tornou-se uma “aldeia global”, todos tomam conhecimento de tudo o que
acontece em todo o planeta.

Não apareceram também nos questionários, respostas que se quer indicassem questões
vinculadas ao poder de destruição da sociedade industrial. Como vimos, na análise
teórica anterior que a crise ambiental é uma crise da civilização, ou seja, um colapso de
um modo de produção baseadas no uso intensivo de recursos não renováveis, altamente
consumidor de energia e com grande fé no progresso a ser atingido pelo avanço da
tecnologia.

A crise ambiental, portanto é muito mais que simples destruição dos ecossistemas,
poluição, desequilíbrios dos recursos naturais, como mencionados nas respostas, mas
também fome, pobreza, falta de controle das armas, decorrente de uma corrida
armamentícia pelo poder, um “homem mais livre” do poder da mídia e do “controle
hipnótico” da ideologia, que nos leva a viver uma realidade e conceitos construídos e
disseminados pelos meios de comunicação, que provoca uma letargia dos sentidos.
Deturpando nossos sentidos de mundo e de realidade (CESARMAN, 1973).

ACONTECIMENTO MARCANTE

Das 37 (turma de 2004) e 31 (turma de 2005) pessoas que participaram da pesquisa


somente 15 relataram acontecimento negativo em relação à natureza, que envolvia
tufão, afogamento ou a palavra perigosa. Os demais mencionaram acontecimentos
naturais como por do sol ou a imagem estética da natureza como fonte de alegria.
Utilizaram palavras como fascinante, linda, maravilhosa. Embora apareça pouco
sentimento hostil em relação a natureza, podemos perceber que a concepção da maioria
das pessoas consultadas tem um valor estético em relação a natureza, pensamos que isso
acontece pois o fato de ter escolhido um curso com ênfase em meio ambiente já
demonstra esse interesse e essa relação positiva com a mesma. Mas ainda podemos
notar um conceito de “servilhismo” no qual a natureza nos serve para alegrar os olhos e
nos acalentar por seus “mistérios” e sua “beleza retumbante”.
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Dos 68 questionários 15 não souberam explicar o termo DS. Os demais o relacionou a
um “desenvolvimento ideal” “exploração responsável” “compatível com a natureza”
“apropriado ao modelo padrão” “equilíbrio entre H e N” “autosustentável” “para o bem
da natureza” . Percebemos uma concepção que podemos chamar de senso comum
disseminados pela mídia. Nenhum dos pesquisados procurou relacionar o tema ao modo
de produção ou teve uma visão questionadora de tais palavras como sendo ideológicas.
O termo desenvolvimento e crescimento foram utilizados indiscriminadamente como
sinônimos. E eles estiveram sempre ligados ao econômico e em nenhum dos casos á
qualidade de vida dos seres no planeta, ou vinculados a problemas sociais de
infraestrutura como saneamento básico ou as relações destrutivas entre as nações.
Observamos que mais uma vez que são concepções ideológicas e representações
fragmentadas e reducionistas de homem x natureza. Fruto de séculos de
condicionamento histórico
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em termos de representação social dominante, meio ambiente, parece sinônimos ou


quase, de natureza e até confundido com ecossistemas. Evidenciou-se nos trabalhos
realizados com os alunos das 2 turmas de Turismo e Meio Ambiente concepções de
meio ambiente antropocêntricas, românticas, estéticas, fragmentadas. Não houve relação
do tema com as dimensões econômicas, político-sociais. O homem destruidor é um ser
genérico, sem identificação consigo mesmo e descontextualizado política e socialmente.
Em nenhum momento houve relação do modo de produção com o tema ou que tipo de
articulação poderia haver entre eles. Somente o Homem com sua Falta de “consciência”
foi constantemente citado.

Esse panorama pede uma reformulação da relação da sociedade pós-industrial com a


natureza e dos homens entre si, isso é muito mais que “falta de consciência para
preservar”. Precisamos nos libertar do pensamento técnico não só para desenvolver
novas tecnologias, mas para repensarmos o futuro.

Pensamos que devemos incluir, ao analisar a questão da crise ambiental, a dimensão


política, econômica que condicionam tal comportamento destruidor e a ideologia que o
legitima a nível institucional e cultural. Uma vez que as organizações escolares, como
organismos de produção cultural, nasceram e se desenvolveram sob a ideologia da
sociedade industrial produzindo e perpetuando valores. Dentro dessa tradição cultural, o
pensamento tende a ser unidimensional, o conhecimento é esfacelado e o homem é
colocado em oposição à natureza. Assim, crenças e valores de nossa sociedade
industrial são passados subliminarmente, através de currículos escolares, uma fé a
crítica na ciência e na tecnologia, como forma de se alcançar o desenvolvimento. Assim,
as respostas estão em consonância com pressupostos filosóficos científicos naturais e
técnicos aos quais são submetidos os estudantes e que criam representações
equivocadas.

Dessa forma, no imaginário dos estudantes o conceito de meio ambiente está longe de
abranger uma totalidade que inclui os aspectos naturais e os resultantes das atividades
humanas, sendo o resultando da interação de fatores biológicos, sociais, físicos,
psicológicos e culturais. A idéia que consideramos é a de que meio ambiente é uma
“segunda natureza” (GONÇALVES, 1990 p.190) que resulta do agir humano, através
do processo do trabalho, sob relações sociais características desse processo, localizadas
no tempo e no espaço, ao procurar satisfazer suas necessidades físicas e psicológicas,
historicamente determinadas.

Portanto, no âmbito institucional, tudo leva-nos a crer que devemos resgatar a dimensão
política e ética da questão ambiental através de uma análise critico-social de toda
trajetória humana na terra e suas relações e inter-relações, ressignificar valores, resgatar
o conceito de ética da relação homem/natureza e homem/homem. Para então pensar
modos diferentes de viver que viabilizem a sobrevivência do e no planeta de todas as
formas de vida.
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