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Introdução
Diante do intenso quadro de degradação socioambiental, novos
caminhos devem ser construídos na busca da sustentabilidade ambiental e da
justiça social. Sob essa ótica, a Educação Ambiental (EA), por sua natureza
renovadora de paradigmas, pautada na interdisciplinaridade e na
transdisciplinaridade, tem promovido significativos avanços, agregando, ao
diálogo, diferentes áreas do conhecimento.
A EA surgiu a partir da percepção do comprometimento dos sistemas
que dão sustentação à vida e, consequentemente, da sua qualidade.
Problematiza as causas da crise socioambiental e, de acordo com Maia (2015),
é apontada como uma das mais importantes alternativas de enfrentamento
dessa crise. A EA também é considerada um campo do conhecimento que
ainda está em construção, agregando contribuições de diferentes
epistemologias, o que a torna um campo polissêmico (SAUVÉ, 2005).
A problemática socioambiental, devido a sua abrangência e gravidade,
tornou-se uma preocupação contemporânea, que vem se destacando dentre
inúmeros outros problemas. Esse aspecto tem produzido calorosos debates,
entre os mais variados setores da sociedade, na busca por caminhos que
levem à mitigação ou solução dessa problemática. Esses caminhos, em sua
maioria, acabam sendo polarizados entre soluções técnicas (pautadas na
Ciência Moderna/Aplicada/Tecnologia) e discussões críticas e éticas (pautadas
nas Ciências Humanas), sustentadas por Karl Marx, Max Weber, Hans-Georg
Gadamer, Martin Heidegge e Edmund Husserl. Ambos os caminhos merecem
ser problematizados pela EA, a partir do entendimento de que o ambiente é
complexo.
Diante desse cenário, este artigo visa promover uma reflexão sobre os
limites e potencialidades das duas possibilidades apresentadas, a partir dos
revista brasileira princípios da EA, na perspectiva da Teoria da Complexidade, de Edgar Morin
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(2015a; 1997). Entendemos que cada um dos caminhos citados se pauta em
epistemologias distintas e, em alguns aspectos, até mesmo, antagônicas,
sendo que a primeira adota uma perspectiva de ciência objetiva (explicativa),
pautada em grandes referências, como Rene Descartes, Francis Bacon,
Auguste Comte; enquanto que a segunda, uma ciência compreensiva, definida
como Ciências Humanas, é baseada em outros grandes nomes, como Karl
Marx, Max Weber, Hans-Georg Gadamer, Martin Heidegge, Edmund Husserl.
Consideramos que a Teoria da Complexidade, de Edgar Morin (2015a),
propicia uma condição diferenciada para a abordagem dessa problemática
teórica e conceitual, pois, além de entender a realidade e o ambiente em sua
complexidade, propõe o diálogo entre as Ciências Naturais e as Ciências
Humanas. Do mesmo modo, a EA promove esta aproximação, visto que,
enquanto campo do conhecimento, agrega, especialmente, as Ciências
Naturais e as Ciências Humanas. Ao inserimos Morin nesse debate,
acreditamos que este possa transcender a polarização, que vem ocorrendo na
EA.
O presente artigo é, portanto, um ensaio teórico e reflexivo, tendo como
foco as possibilidades de enfrentamento dos problemas socioambientais
vivenciados por nossa sociedade.
Para tanto, abordaremos, em um primeiro momento, os princípios da
EA e a sua articulação com a Complexidade. Em seguida, a discussão será
conduzida no sentido de problematizar os dois caminhos apontados como
alternativa de mitigação ou solução para a crise ambiental, passando por
discussões de ordem epistemológica e política, trazendo luz para as origens
dessa polarização. Finalmente, adentramos às contribuições da Teoria da
Complexidade para esse debate.
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Constitui-se grande desligamento das ciências da natureza
daquilo a que se chama prematuramente de ciências do
homem. De fato, o ponto de vista das ciências da natureza
exclui o espírito e a cultura que produzem essas mesmas
ciências, e não chegamos a pensar o estatuto social e histórico
das ciências naturais. Do ponto de vista das ciências do
homem, somos incapazes de nos pensar, nós seres humanos
dotados de espírito e de consciência, enquanto seres vivos
biologicamente construídos (MORIN, 2014, p. 16-17).
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Considerações finais
Discutir limites e potencialidades da tecnologia para a solução da
problemática socioambiental é fundamental para o campo da EA. A partir da
reflexão realizada neste artigo, evidencia-se a necessidade de um diálogo entre
a ciência moderna/aplicada e uma ciência compreensiva, reflexiva e crítica.
Entendemos que cada um dos caminhos citados é pautado em
epistemologias distintas e, em alguns aspectos, antagônicas, e que,
recorrentemente, são tratados de maneira distinta na produção acadêmica. Por
outro lado, a problemática socioambiental, devido à multiplicidade de
dimensões envolvidas, não permite abordagens reducionistas. Assim, vemos
que a Teoria da Complexidade, de Edgar Morin, fornece melhores condições
para essa reflexão, demonstrando que ambos os caminhos são insuficientes,
se abordados isoladamente.
Apesar dos avanços científicos e tecnológicos e da consistente e vasta
produção nas Ciências Humanas, os problemas socioambientais continuam a
avançar a passos largos. A gravidade desse quadro impõe mudanças
profundas, ou seja, exige uma ética complexa que tem como missão o “religar”.
Da integração entre a Tecnologia e um pensar crítico e ético podem
emergir novas possibilidades de enfrentamento da tão propalada crise
socioambiental. Por outro lado, sabemos que muitos obstáculos deverão ser
superados para que o diálogo aconteça de maneira simétrica, mas enfrentar o
desafio é necessário para que um novo caminho possa ser construído.
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