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SUSTENTABILIDADE E EDUCAÇÃO NO SÉCULO


XXI: DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA
CONSTRUÇÃO DE UMA D....

Conference Paper · February 2013

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SUSTENTABILIDADE E EDUCAÇÃO NO SÉCULO XXI: DESAFIOS E
OPORTUNIDADES NA CONSTRUÇÃO DE UMA DEMOCRACIA
SOCIOAMBIENTAL

Gustavo Ferreira da Costa Lima1


Gust3lima@uol.com.br

Introdução

As múltiplas crises que atingem e afligem as sociedades contemporâneas


associadas à questão ambiental, ao mundo trabalho, ao desenvolvimento social, às
desigualdades socioeconômicas, ao acirramento da violência e das guerras, aos riscos
tecnológicos e à dimensão ética da vida social têm produzido perplexidades e debates
que, não raro, convocam a educação como saída redentora aos problemas de alta
complexidade com os quais nos deparamos coletivamente (GIDDENS, 1997, 2000;
BECK, 1992; SACHS, 2002; ANTUNES, 1995; MORIN, 1996). Inegavelmente a
educação tem um papel relevante a cumprir no enfrentamento de todos esses desafios,
embora ela não tenha todo o poder que costumamos nela depositar nem a velocidade de
resposta que a urgência dos processos de crise demanda.

A relação entre a educação e a sustentabilidade se intensificou desde a


Conferência do Rio, em 1992, quando, o discurso de desenvolvimento sustentável,
resultante da Comissão Brundtland, tornou-se a expressão hegemônica em todos os
debates e fóruns focados na relação entre o desenvolvimento e meio ambiente. A partir
de então, este discurso penetrou diversos campos de conhecimento e atividade, entre os
quais o campo educativo. Importa ressaltar, que essa associação entre a educação e a
sustentabilidade despertou sérias controvérsias entre educadores e ambientalistas do

1
Professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais - DCS e do Programa Regional de Pós-
Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA, ambos da Universidade Federal da
Paraíba – UFPB.
2

norte e do sul quando a UNESCO, os governos e centros acadêmicos do hemisfério


norte empreenderam uma campanha que visava substituir a proposta de educação
ambiental - EA, até então hegemônica, por outra proposta de educação para o
desenvolvimento sustentável – EDS. Essa estratégia iniciada na Conferência de
Tessalônica, Grécia, em 1997 e desenvolvida na Conferência de Joanesburgo, em 2002,
consolidou-se em 2005 com o lançamento pela UNESCO da “Década da Educação para
o Desenvolvimento Sustentável” para o período de 2005 a 2014, ainda em vigência.
Esse movimento diplomático, político e pedagógico gerou um debate acirrado que por
falta de espaço neste artigo remeteremos às referências que o problematizam2. Essa
mudança discursiva e semântica, aparentemente banal, suscitou uma reação crítica por
parte, sobretudo, dos pesquisadores latino-americanos porque a entenderam como um
retrocesso na trajetória de lutas por um projeto educativo crítico e transformador que
seria então substituído por um novo projeto de EDS que esvaziava o potencial político-
emancipatório até então acumulado. Em termos resumidos pode-se dizer que o cerne
das controvérsias repousava no caráter vago, ambíguo e contraditório da própria noção
de desenvolvimento sustentável e à sua vulnerabilidade a interpretações e interesses de
grupos de um amplo leque ideológico. Ora, se a definição do desenvolvimento
sustentável é inerentemente ambígua como defender a idéia de que devemos educar
alguém nessa direção?

Desse debate emerge a constatação de que as noções de desenvolvimento


sustentável e de sustentabilidade3 podem ser entendidas como produtos de um campo

2
TILBURY, D. (1996). Environmental education for sustainability in Europe: philosophy into practice.
Environmental Education and Information, vol. 16, nº 2, Salford, UK. CARVALHO, I. C. de M. (2002).
O “ambiental” como valor substantivo: uma reflexão sobre a identidade da educação ambiental. In: L.
Sauvé, I. Orelana e M. Sato (orgs.) Textos escolhidos em Educação Ambiental de uma América à outra.
Montreal: Publications. LIMA, G. F. da C. (2003). O discurso da sustentabilidade e suas implicações para
a educação. Ambiente & Sociedade, NEPAM/UNICAMP, Campinas, vol. 6, nº 2, jul/dez. JICKLING, B.
(1992). Why I don’t want my children to be educated for sustainable development. The Journal of
Environmental Education, vol. 23, nº 4, Heldref Pub., Washington DC, USA. MEIRA, P. (2005). Elogio
da educação ambiental. In XII Jornadas Pedagógicas da Educação Ambiental. ASPEA: Associação
Portuguesa da Educação Ambiental.
3
Embora alguns autores diferenciem essas duas noções neste texto entende-se que a noção de
sustentabilidade deriva do debate sobre o desenvolvimento sustentável e retira dele as principais
característica de sua significação.
3

social – o campo ambiental -, no sentido elaborado por Bourdieu (2001; 2004), onde
uma rede plural de agentes e forças socioambientais disputa o sentido legítimo do termo
e o direito de definir as estratégias mais adequadas à sua realização. Viola e Olivieri
(1997: 212-213) compartilham essa compreensão quando ponderam:

“Em outras palavras, a luta pelo significado legítimo do desenvolvimento sustentável, expressa
diversas categorizações e classificações fundadas, obviamente em práticas diferentes e ligadas a
múltiplas cosmovisões provenientes de uma pluralidade de pontos de vista essencialmente
conflitantes. ... Em outras palavras, os diferentes atores do ambientalismo formulam e pleiteiam
suas diferenças internas dentro desse campo de significado, denominado ambientalismo
multissetorial. ... Nesse sentido, pode-se afirmar que as diversas posições do ambientalismo em
relação ao significado da “transição em direção a uma sociedade sustentável” implicam lutas
simbólicas pelo poder de produzir e de impor uma visão legítima de sustentabilidade.

Compreender o desenvolvimento sustentável e a educação como objetos sujeitos a


múltiplas interpretações, a conflitos entre grupos e interesses sociais, a diversos
modelos de gestão da vida pública que se refletem nos destinos e na qualidade de vida
de indivíduos e coletividades é definir seu caráter eminentemente político. Esse caráter
político da sustentabilidade e da educação coloca-nos, portanto, a questão e o arbítrio de
decidir se desejamos orientar tanto um quanto outro à conservação ou a transformação
da ordem e das relações sociais constituídas.

1. A educação política para a sustentabilidade

Como vimos acima, a direção que daremos à educação e à sustentabilidade


depende da construção de um projeto social que passa inevitavelmente pela democracia,
pela ética e pela política.
Histórica e filosoficamente a educação desempenha duas funções sociais básicas que
são respectivamente a reprodução da cultura das gerações passadas e a ruptura e
renovação dessa cultura para atender ao dinamismo e complexidade histórico-social,
para suprir lacunas no conhecimento humano e para transformar injustiças e opressões
que limitam a emancipação humana e social. Isso compõe um movimento histórico
condicionado pela dialética entre continuidades e rupturas.
Quando discutimos e experimentamos crises sociais e ambientais articuladas,
caracterizadas por profunda desigualdade social, baixa participação social e política,
4

escassa discussão ética, crescente degradação ambiental, evidências de aquecimento


global, multiplicação de eventos climáticos extremos, expansão de processos
desordenados de urbanização com todas as suas conseqüências, estamos buscando
respostas capazes de transformar esses cenários não de conservá-los. Portanto, é preciso
que o processo educacional seja capaz de se posicionar politicamente e de discernir pela
crítica os diversos projetos socioambientais que disputam o mesmo campo da
sustentabilidade e seus respectivos objetivos sociais e político-pedagógicos. Como a
noção de sustentabilidade não é auto-explicativa é preciso qualificá-la. Nesse sentido
importa indagar: O que vamos sustentar? A economia, o ambiente ou a sociedade? Para
quem vamos sustentar? Para alguns ou para todos? Como vamos sustentar? Por via
democrática ou autoritária, ou ainda, com ênfase no mercado, no estado ou na sociedade
civil?

Para Acselrad (1992) os problemas ambientais expressam, na verdade, conflitos


pelo acesso e uso dos recursos naturais, contrapondo interesses privados e interesses
públicos. Segundo essa visão, as lutas socioambientais têm por objetivo atribuir caráter
público ao meio ambiente comum, já que a crise ambiental é resultado da invasão da
esfera pública pela esfera privada.

Sendo assim construir uma educação política para a sustentabilidade supõe o


exercício crítico de diferenciar os diversos projetos político-pedagógicos que tematizam
a sustentabilidade para descobrir seus objetivos sociais, as concepções político-
pedagógicas que os fundamentam e os interesses a que eles atendem. Assim, é possível
indagar se os projetos sob análise estão a serviço da reprodução ou da transformação das
relações socioambientais e que conceitos e valores fundamentam suas práticas.

2. A contribuição da sociedade civil

Testemunhamos a todo instante e pelos mais diferentes meios e mídias o fato de que
as sociedades capitalistas contemporâneas têm sido hegemonicamente regidas pela
esfera econômica. Somos condicionados por ideologias liberais e neoliberais, por
relações de mercado se sobrepondo a outros critérios, por estímulos crescentes de
consumo, que por sua vez definem a cidadania, colonizam nossos desejos e sonhos de
felicidade e por valores culturais de competição, eficiência, aquisitividade, sucesso
econômico e individualismo entre outros. Sabemos, por outro lado, que a sociedade
humana é composta pela interação entre as esferas econômica do mercado, do estado e
5

da sociedade civil que, embora se relacionem mutuamente mantêm cada uma delas
características próprias que definem sua função, ação e identidade. Desde as décadas
finais do século XX, com o advento da globalização econômica, temos assistido um
duplo movimento social que se manifesta na expansão da esfera do mercado e,
simultaneamente, na atrofia da esfera estatal. Esse duplo movimento decorre
diretamente da crise do Estado como agente promotor do desenvolvimento e gestor das
demandas sociais e de sua substituição por uma hegemonia político-ideológica de feição
neoliberal, marcada pelo estado mínimo, com conseqüentes impactos sobre as políticas
sociais; pela privatização das empresas e serviços públicos, pela regulação da inflação e
das finanças, pela desregulamentação das leis trabalhistas e incentivo aos processos de
produção flexíveis, de alta intensidade tecnológica que favoreceram a figura do
desemprego estrutural e a fragilização das lutas sindicais (COHEN, 2003;
ANDERSON, 1995). Diante desse cenário qual a importância e a contribuição da
sociedade civil e dos movimentos sociais?

Embora no contexto social capitalista o Estado esteja revestido de uma ambigüidade


estrutural – que o divide em funções de promotor da economia privada e regulador dos
direitos sociais e ambientais – ele permanece sendo o agente social com maior poder de
limitar os excessos e externalidades produzidas pela iniciativa privada em sua missão de
reproduzir a lógica acumulativa do capital. Diante da fragilização crescente do Estado
resta o recurso à sociedade civil e seus movimentos sociais o papel de limitar a ação
danosa do setor privado e de resgatar e fortalecer a gestão democrática do Estado. Ou
seja, cabe nesse sentido à sociedade civil e seus agentes valorizar e defender a esfera
pública não-estatal enquanto apóia a democratização do Estado e da vida social como
um todo. Estamos cientes de que a sociedade civil não se constitui apenas como um
reino de virtudes, ela compreende contradições e a disputa entre forças emancipatórias e
conservadoras. Contudo, por ser um universo orientado predominantemente pelo
princípio público não-estatal tende a concentrar pessoas e grupos sociais identificados
com causas sociais de interesse das maiorias (HABERMAS, 1984; VIEIRA, 2011).

A partir do exposto é possível pensar as possibilidades de articulação entre a EA e


os movimentos sociais. Vimos acima porque a sociedade civil e os movimentos sociais
têm na sociedade atual um papel relevante. Lembre-se que a educação ambiental é
herdeira direta dos ambientalismos e deles retirou, historicamente, as características
6

mais significativas de sua identidade. Faz sentido, assim, que a educação ambiental e as
escolas preocupadas com as transformações sociais e ambientais se aproximem e
apóiem os movimentos sociais enquanto forças orientadas à defesa das causas públicas.

Entendo, nesse sentido, que a EA sintonizada com esse propósito dispõe de duas
esferas de ação e interação com os movimentos sociais: a) uma esfera de ação educativa
formal que se desenvolve em espaços escolarizados e b) uma esfera de ação educativa
não-formal que ocorre em espaços comunitários. No caso da ação educativa formal, que
nos interessa no momento, a interlocução com os movimentos sociais não seria sempre
direta, mas propiciada por parcerias, atividades solidárias, visitas mútuas, palestras, dias
de campo e atividades comunitárias. Essa relação entre as escolas e movimentos sociais
pode ser complementada através do próprio processo educativo quando a escola pode
promover e legitimar os movimentos sociais inserindo-os como temática no currículo. E
como é possível essa inserção no currículo? Ela pode se dar através de uma abordagem
da relação entre sociedade e ambiente que problematize: as razões de existência dos
movimentos sociais; suas bandeiras de luta; seu papel político e pedagógico na
sociedade, sua contribuição na diagnose social e na revitalização da democracia; a
relação e as possibilidades de cooperação entre a escola e a comunidade; os conflitos e
interesses com os quais estão envolvidos; suas relações com o Estado, a democracia, o
mercado, as ONGs e as mídias entre outras esferas da sociedade; as identidades e
ideologias que os definem; suas finalidades sociais, políticas e culturais, suas relações
com o meio ambiente, com a educação e com os ambientalismos. Ou seja, falar da
relação entre a EA e os movimentos sociais é falar de uma EA comprometida com a
cidadania socioambiental e com a esfera pública que desenvolve práticas e saberes
comprometidos com a participação social e com a construção de uma sustentabilidade
democrática (GOHN, 2012; LIMA, 2013; LOUREIRO, 2008).

3. Alguns potenciais da educação ambiental em contextos escolarizados

Dentre os múltiplos potenciais de construção de uma educação ambiental orientada


para uma sustentabilidade democrática abordaremos alguns caminhos possíveis de
desenvolvimentos relacionados ao currículo, aos projetos e às próprias práticas
escolares cotidianas. Em todos estes contextos a educação ambiental vem sendo
desafiada a superar os limites disciplinares tradicionalmente reproduzidos nas escolas e
7

a substituí-los por currículos, projetos e práticas pedagógicas de feição interdisciplinar,


compatíveis com a própria natureza complexa e multidimensional da educação
ambiental. O desafio da interdisciplinaridade não é um projeto simples porque implica
em mudanças institucionais, políticas, culturais, epistemológicas, metodológicas e
pedagógicas que não se processam no curto prazo. De algum tempo pra cá ouvimos os
reclamos mudancistas e assistimos aos ensaios de renovação discursiva que, entretanto,
ainda estão em processo de construção e concretização práticas. É um processo
transitivo com diversas camadas que vão desde o plano imaterial do conhecimento e dos
discursos aos planos mais densos das instituições, das políticas públicas educacionais,
da formação superior, dos conflitos e disputas entre áreas disciplinares, das capacitações
continuadas dos professores, dos currículos e da organização escolar. A educação
ambiental como campo de conhecimentos e de atividades novo, complexo e
inerentemente interdisciplinar se defronta e convive desde seu nascimento com tais
desafios e vai criando caminhos e respostas a eles. Assim, a educação e a questão
ambiental não são objetos exclusivos da biologia ou da geografia, mas de todas as
ciências e, além disso, de todas as formas de conhecimento do senso comum,
tradicionais, artístico, e religiosos.

Com relação ao currículo importa examiná-lo por uma perspectiva crítica que não o
considera apenas como instrumento neutro de organização do conhecimento, mas como
uma construção social e política que seleciona, classifica e hierarquiza os
conhecimentos disponíveis e produzidos socialmente. Neste sentido, cabe à educação
ambiental que aspira à transformação, politizar a crise ambiental, compreender seus
significados e sua gênese social, explorar os conflitos entre interesses privados e
públicos que se manifestam como problemas ambientais, as ambigüidades do projeto
oficial de desenvolvimento sustentável, verificar a distribuição de riscos ambientais no
interior da sociedade e identificar os caminhos de mudança e as possibilidades
individuais e coletivas de resistência à degradação. Nessa tarefa importa ter em conta
que o currículo não é apenas uma seleção de conteúdos e de diretrizes pedagógicas
escritas em algum lugar, mas todas as mensagens veiculadas direta ou indiretamente no
ambiente escolar através das relações sociais cotidianas – com suas atitudes e valores -,
da organização do espaço escolar, das práticas e rituais desenvolvidos nesses espaços e
em sua relação com a comunidade e o entorno que a cercam (CAVALCANTE, 2005,
SILVA, 2005). Então, vale não apenas o que se ensina pela frente, mas principalmente o
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que se ensina pelas costas, isto é, pelo exemplo. A articulação e coerência entre teoria e
prática, que caracteriza a práxis, é outro aspecto a ressaltar já que de pouco adianta um
mar de boas intenções que não se convertem em práticas cotidianas e pedagógicas nas
salas e nas atividades desenvolvidas. Por fim, mas não menos importante, aparece a
questão de incorporar no currículo a cultura, o ambiente e os problemas do local onde o
processo educativo se verifica.

Em relação à sustentabilidade o currículo pode nortear tanto as concepções de meio


ambiente, de crise e questão ambiental como a forma de abordá-los, mais ou menos
reducionista, interdisciplinar, multidimensional. Pode utilizar o espaço escolar como
laboratório educativo trabalhando as questões do lixo, da coleta seletiva, da reciclagem,
do composto orgânico, das hortas agroecológicas, da arborização do espaço e do
entorno, da pesquisa botânica, da biodiversidade local e da alimentação saudável entre
outros possíveis. Pode favorecer vínculos, visitas, convites e parcerias com os
movimentos sociais e ambientais, com representações do poder público e do setor
privado vinculados direta ou indiretamente com as temáticas ambientais. Pode-se
considerar, nesse sentido, os assentamentos de reforma agrária, tribos indígenas,
comunidades tradicionais remanescentes – caiçaras, quilombolas, extrativistas - as
associações ambientalistas, sindicatos de trabalhadores de ramos de atividade
pertinentes, as prefeituras, câmara de vereadores, IBAMA/ICMBio, parques públicos,
unidades de conservação, jardins botânicos e zoológicos, estações de tratamento de água
e esgoto, aterros sanitários e lixões, compainhas de eletricidade, unidades alternativas de
geração de energia, usinas de etanol e unidades de produção empresariais selecionadas.
Em todas essas atividades importa exercitar o pensamento crítico e a visão dos direitos
cidadãos ao conhecer os processos, sua história, os interesses que os motivam e os
eventuais conflitos observados em sua formação e desenvolvimento. Assim, é possível
tecer as relações sociais, culturais, ambientais, éticas, políticas e econômicas que
constituem os conhecimentos adquiridos e discutidos (LIMA, 2013).

Creio que os projetos e as práticas pedagógicas socioambientais a serem


desenvolvidos na escola são inseparáveis do acima colocado em relação ao currículo na
medida em que consistem em desdobramentos práticos deste. Nesse sentido, eles
obedecem aos mesmos princípios político-pedagógicos, metodológicos e
epistemológicos já discutidos acima quais sejam: pensamento crítico, problematização e
9

reflexividade, complexidade e multidimensionalidade, criatividade e participação,


aprendizado pela experiência e construção coletiva, valorização da práxis, incorporação
da história e do conhecimento dos educandos e das características sociais e ambientais
do local onde se dá o processo educativo. Os projetos podem ser desde aqueles que
envolvem toda a escola e, quiçá a comunidade do entorno, ou projetos menores de
turmas ou grupos de alunos seja no curto, médio e mais longo prazos. Assim, valem as
idéias, já listadas acima, de projetos intraescolares como os de coleta e reciclagem do
lixo, de compostagem e de hortas escolares como outros extraescolares que incluem a
comunidade, a arborização do bairro e da cidade, trilhas interpretativas em ambientes
naturais, pesquisas sobre o clima urbano, sobre o estado dos parques, dos rios e
unidades de conservação, diagnósticos ambientais e históricos, sobre o consumo
familiar comparado, sobre o bairro, a cidade, sobre a saúde pública, a diversidade
étnica, social e cultural da comunidade ou cidade onde a escola se situa.

Com relação às práticas escolares muitos destes exemplos são válidos e podem ser
adaptados para atividades dentro e fora das salas de aula, envolvendo desde atividades
de levantamento e pesquisa sobre problemas socioambientais de interesse dos alunos
passando por atividades na escola, atividades no bairro e na cidade. Importa que a
aprendizagem considere a compatibilidade entre os temas e a idade dos alunos, assim
como os princípios citados de participação, liberdade, problematização e complexidade.
É possível convidar pessoas que vivem experiências significativas ligadas ao meio
ambiente, desde cientistas até comunidades de catadores de resíduos, ambientalistas e
agentes do governo, grupos artísticos vinculados ao tema e associações do bairro.
Aproveitar diversas mídias como o jornal, as revistas, livros, documentários, filmes de
ficção e internet. Investigar como crianças ou povos de outras regiões do mundo vivem
e resolvem os mesmos problemas, como se relacionam entre si e seu ambiente, como
produzem e consomem e que valores atribuem às experiências vividas.

4. Considerações finais

Discutimos ao longo do texto alguns dos desafios de nosso tempo e o papel que a
educação ambiental pode desempenhar neste contexto. É inegável que a educação não
pode tudo, mas tem um papel relevante e possibilidades de se desenvolver na direção da
conservação ou da transformação da ordem social estabelecida.
10

Em sua relação com a sustentabilidade a tarefa se inicia ao descontruir os diversos


sentidos atribuídos a essa noção marcada pela ambigüidade, politicidade e contradição.
Assim, se vivemos em contextos de crises múltiplas, recortadas por conflitos entre
interesses privados e públicos, cabe à educação explicitar e diferenciar esses sentidos e
afirmar caminhos possíveis de transformação e emancipação.

Vimos, neste contexto, que a educação ambiental é herdeira direta dos movimentos
sociais e dos ambientalismos e ao tematizar a mudança social ela inevitavelmente se
encontra com os anseios da sociedade civil e dos movimentos sociais, sobretudo no
quadro de uma globalização neoliberal que expande os domínios da economia e do
privado enquanto promove a atrofia das forças e funções do estado-nação.

No âmbito particular da escola, a integração entre currículo, projetos e práticas


socioambientais parece ser a via por onde pode trafegar uma práxis sustentável baseada
no exercício crítico, numa abordagem complexa e numa prática política democrática.
Por esse caminho é possível transformar as crises em oportunidades de valorização da
vida e de sua emancipação dos processos opressivos que atingem tanto a dignidade
humana quanto a vitalidade da natureza.

5.Referências bibliográficas

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11

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