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constante (re)construção
Anelize Queiroz Amaral1
Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar o processo de constante (re)construção do
campo da Educação Ambiental, pautado na sua trajetória nacional e internacional, como forma de
compreender sua constituição e consolidação, bem como as bases dos pensamentos que permeiam
esse campo. Tal panorama realizado a partir de textos publicados em periódicos e de levantamentos
já realizados em livros e bancos de dissertações e teses, possibilitou indicar tendências e
perspectivas que foram se constituindo no campo que nos permitem apresentar e questionar de que
Educação Ambiental estamos nos referindo em nossos discursos e o que, afinal, questionamos
quando nos referimos a Educação Ambiental Crítica. Então, afinal, o que toda essa trajetória nos
ensinou e aponta, como sendo possíveis caminhos para a Educação Ambiental?
Abstract: This article has the objective to present the process of constant (re) construction of the
field of Environmental Education, based on its national and international trajectory, as a form of
comprehending its constitution and consolidation, as well as the basis of the thoughts that permeate
this field. Such panorama realized through published texts in periodicals and from surveys already
carried out in books and dissertation and thesis databases, has made it possible to indicate trends
and perspectives that were becoming the field that allows us to present and question what
Environmental Education we are referring to in our discourses and what, after all, we question
when we refer to Critical Environmental Education. So, after all, what has this whole trajectory
taught us and points out as being possible paths for Environmental Education?
1Docente Adjunta do Curso de Ciências Biológicas da Universidade Tecnológica Federal do Paraná -UTFPR. E-mail:
any_qa@hotmail.com
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Panorama histórico de la temática ambiental y educación ambiental: un campo en
constante (re) construcción
Resumen: Este artículo tiene como objetivo presentar el proceso de constante (re) construcción del
campo de la Educación Ambiental, pautado en su trayectoria nacional e internacional, como forma
de comprender su constitución y consolidación, así como las bases de los pensamientos que
permean ese campo. Este panorama realizado a partir de textos publicados en periódicos y de
levantamientos ya realizados en libros y bancos de disertaciones y tesis, posibilitó indicar
tendencias y perspectivas que se fueron constituyendo en el campo que nos permiten presentar y
cuestionar de qué Educación Ambiental nos estamos refiriendo en nuestros discursos y lo que, al
final, cuestionamos cuando nos referimos a la Educación Ambiental Crítica. Entonces, después de
todo, lo que toda esa trayectoria nos enseñó y apunta, como posibles caminhos para la Educación
Ambiental?
Introdução
Neste trabalho, procuramos, inicialmente, fazer uma síntese do que consideramos
relevante em relação aos aspectos concernentes à questão ambiental e apresentar um breve
panorama histórico referente à temática ambiental e a Educação Ambiental.
Observa-se, no decorrer dos anos, que os problemas ocasionados ao/no ambiente
provocaram uma crise ambiental2, que se manifesta por meio de uma ruptura entre
sociedade-natureza. Crise, esta, eivada de desigualdade na distribuição de custos e
benefícios, alteração antrópica dos ciclos biológicos, perda da biodiversidade, poluição do
ar e da água, infertilidade do solo, acúmulo de resíduos, entre outros aspectos que apontam,
de fato, para uma situação crítica que, de acordo com Leff (2001, 2009, 2010) se instaura
no âmbito de uma crise civilizatória e/ou do conhecimento.
O reconhecimento desse quadro como sendo de crise e a maior visibilidade das
diferentes situações de degradação ambiental começaram a tornar-se de domínio público
nas décadas de 1960 e 1970, período marcado pela ditadura militar, no Brasil, e a
efervescente manifestação da sociedade em vários países. Nessas décadas surgem diversos
movimentos ambientalistas, que segundo Magacho (2017, p.57)3, foram “desencadeados
por conflitos socioambientais e que visam à construção de novas formas de relação com a
natureza a partir da transformação do modo de produção”. Tais movimentos alcançaram
2 Em parte do discurso em torno da problemática ambiental podemos observar a associação que alguns autores fazem
com a ideia de crise ambiental, na tentativa de explicá-la. Nesse sentido, é válido pensar que existem diferentes
tendências e enfoques sobre a crise ambiental, que passam por visões ecológicas, mas, também, economicistas e
ideológicas (VALENTIM, 2016, p.16).
3 Ler Magacho (2017): Pesquisa em Educação Ambiental e Movimentos Sociais: um estudo sobre teses e dissertações
brasileiras.
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ressonância nacional e internacional, influenciando de forma definitiva a opinião pública
para enfrentar esse cenário, possibilitando à sociedade o debate e a reflexão sobre a
problemática socioambiental.
Nos anos que se seguem às décadas de 1960 e 1970, é possível perceber a
emergência de diversos questionamentos relacionados à questão ambiental nos setores
mais diversos da sociedade contemporânea (CARVALHO, 2000). A emergência do
ambientalismo, que se une às lutas pela liberdade democrática, manifesta-se por meio de
ações de organizações da sociedade, como, por exemplo, as manifestações contrárias à
construção da grande barragem da Usina Hidroelétrica de Itaipu Binacional e o embates
promovidos por Chico Mendes. Especificamente, no caso brasileiro, essas manifestações
emergem na década de 1970, no contexto da ditadura militar.
Segundo Brugger (2004, p.30), a burguesia e o governo ditatorial militar
declaravam que a pior poluição é a da miséria, discurso que atraiu capitais estrangeiros
para o país, sob o pretexto de que esses capitais se traduziriam em desenvolvimento.
Segundo a autora,
Concomitantemente cresce, em nível mundial, a pressão em torno da
questão ambiental, obrigando as instituições estrangeiras a colocarem
exigências para a realização de investimentos no Brasil, ou seja, “sem
preservação não há dinheiro”. Assim, antes que se houvesse enraizado
aqui um movimento ecológico, o Estado tratou de criar diversas
instituições para gerir o meio ambiente, a fim de viabilizar a entrada dos
investimentos pleiteados. Em tais instituições, apesar de haver técnicos
efetivamente preocupados com as condições de vida, o que prevalece é a
política global de atração de investimentos e não o valor intrínseco da
questão ambiental (grifo da autora) (BRUGGER, 2004, P. 31).
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prevalência do comportamentalismo, que promove a domesticação do sujeito e o impede
de apresentar questões incômodas. A saber:
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fortalecimento do movimento ambientalista mesmo com os obstáculos impostos pela
ideologia dominante.
Diversos eventos ocorreram desde então. Dentre muitos que foram significativos,
podemos mencionar os que seguem na figura 1, considerados significativos e que tiveram
grande impacto junto à sociedade, lembrando, no entanto, que muitos outros não estão aqui
sendo considerados e incluídos na síntese apresentada. O importante é não deixarmos de
entender que é o conjunto de todas essas ações que contribuiu, de forma expressiva, para a
consolidação do campo, a partir de um processo dinâmico, plural e contraditório, que
caracteriza a sua história no Brasil e nos diferentes países.
Cabe, aqui, ressaltarmos que a síntese que propomos não esgota os acontecimentos
desse campo, de forma monolítica e linear, mas, cumpre a intenção de apresentar um breve
panorama, que é explorado por meio de elementos relevantes, em seguida, no corpo do
texto. A finalidade de apresentarmos esse panorama implica na tentativa de construir
algumas pistas sobre caminhos pelos quais os atuais modelos de relação sociedade-
natureza foram sendo elaborados no decorrer da história. Partindo de um período em que o
homem era o centro do universo, hoje encontramos possibilidades de questionar essas
relações entre sociedade-natureza a partir de uma mirada que não desconsidera o processo
histórico marcado por resistência, disputas e diálogos.
No sentido do processo histórico, parece-nos pertinente dizer que, antes mesmo da
Revolução Industrial, o ser humano já deixava suas marcas de degradação no ambiente. No
entanto, essas são marcas que não se aproximam dos impactos gerados na modernidade,
com a intensa exploração promovida nesse período.
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Figura 1 – Breve panorama histórico concernente à Temática Ambiental e Educação
Ambiental
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1969 1970 1972 1975
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1989 1991 1992
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2000 2002 2005 2007
[...] a indústria química multimilionária não iria permitir que uma antiga
redatora do governo, uma cientista sem doutorado e nenhuma filiação
institucional, conhecida apenas por seus livros líricos sobre o mar,
minasse a confiança pública em seus produtos ou questionasse a sua
integridade. Estava claro para a indústria que Rachel Carson era uma
mulher histérica cuja visão alarmista do futuro podia ser ignorada ou,
caso necessário, silenciada (LEAR, 2010, p.17).
Numa época em que “a ciência era Deus, e a ciência era masculina” (LEAR, 2010,
p.12), a aceitação de um debate público não estava em questão; nesse período a população
calava-se diante de um governo que os impossibilitava de questionar publicamente. Mas,
Carson não aceitou tais condições, “frutos da cobiça e ignorância, contra as quais ela se
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sentiu compelida a testemunhar”. Assim, Primavera Silenciosa, tornou-se a construção de
uma inquietude, que desafiou o governo que permitia a utilização de substâncias tóxicas no
ambiente sem os devidos estudos de suas consequências a longo prazo.
Assim, cabe reconhecer que foi a partir de muitas lutas e disputas, provocadas pelo
pensar e (re)pensar a relação sociedade-natureza que as primeiras iniciativas e referência à
Educação Ambiental foram anunciadas. Historicamente, a expressão Educação Ambiental
foi mencionada, pela primeira vez, em um artigo publicado em 1965, por ocasião do
Encontro The Keele Conference on Education and the Countryside, na Grã-Bretanha.
Porém, existem registros que mencionam que a utilização do termo Educação Ambiental
data de 1948, em um Encontro da União Internacional para a Conservação da Natureza
(UICN), em Paris (BRASIL 2017; MORALES, 2008). Entretanto, apenas uma década
depois, em 1975, a Educação Ambiental foi reconhecida, efetivamente, como um campo
pertencente à Educação, quando do evento em Belgrado que será mencionado em
momento oportuno deste texto.
Para descrevermos melhor esse percurso histórico, convém voltar a 1968, quando
Aurélio Peccei4,
[...] promoveu em Roma um evento com 30 pesquisadores provenientes
de dez diferentes países, incluindo cientistas, educadores e economistas, a
fim de discutir o dilema da humanidade. Do encontro, surgiu o Clube de
Roma, uma organização informal, que estabeleceu como finalidades:
promover o entendimento de componentes variados (econômicos,
políticos, ecológicos) que formam o sistema global e chamar a atenção
para uma nova maneira de entender e promover iniciativas e planos de
ação (MOTA et. al., 2008, p.12).
4 Aurelio Peccei, um italiano que começou sua carreira na indústria, recebeu o Prêmio Lindbergh por sua liderança como
fundador e presidente do The Club of Rome. O clube, promoveu a criação de estudos que ajudaram a rever as formas
fundamentais pelas quais indivíduos, corporações e governos planejavam e gerenciavam seu desenvolvimento futuro
(http://lindberghfoundation.org/dr-aurelio-peccei).
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atingido [...]. Assim, sugeriu-se que deveriam ser tomadas medidas para
gerar uma curva de acomodação para o consumo desses recursos (MOTA
et. al., 2008, p.12).
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Ainda na década de 1970, destacamos a Primeira Conferência Intergovernamental
de Educação Ambiental, em Tbilisi, na Geórgia, ocorrida no ano de 1977.
Na década de 1980, apesar das discussões e documentos gerados nos períodos
anteriormente mencionados, intensos problemas ocasionados no/ao ambiente chamaram a
atenção da sociedade, entre eles, para citar apenas dois: Bhopal5 (1984) e Chernobyl6
(1986).
De acordo com Angeli (2017, p.16) muito embora esses problemas ocasionados
no/ao ambiente, “sejam vistos comumente como acidentes ou catástrofes, na maioria das
vezes tratam-se, na verdade, de crimes ambientais, os quais refletem a lógica econômica do
nosso modelo de desenvolvimento”. Concordamos com Angeli (2017) e, nessa perspectiva,
ressaltamos, no contexto brasileiro, o caso da contaminação com o Césio 137, em Goiânia,
que teve um impacto público pioneiro (1987)7, e, muito recentemente, em 2015, um dos
maiores crimes ambientais do país, o rompimento da barragem pertencente à empresa de
mineração Samarco, propriedade da Vale S.A. e BHP Billiton Brasil Ltda., no município
de Mariana (MG)8. Vejamos:
aumento da potência de um dos reatores da central, o que provocou uma explosão, liberando material radioativo,
considerado 500 vezes maior do que o que foi liberado pela bomba de Hiroshima. Nesse evento catastrófico, 31 pessoas
morreram, mas efeitos a longo prazo continuam sendo contabilizados (MARQUES, 2016).
7 Césio – 137 (Goiânia, 1987): grave acidente que ocorreu pela contaminação de radioatividade no Brasil, quando um
aparelho utilizado para radioterapia foi encontrado sem seu devido manejo em uma clínica desativada. A falta de
conhecimento de catadores, provocou um rastro de contaminação considerado de nível 5, o maior desastre radioativo do
mundo fora de usinas. Após alguns dias, os catadores venderam o aparelho para um dono de ferro velho, que o
desmontou e encontrou no seu interior uma cápsula de Césio – 137, se encantando pelo brilho do material, levando para
dentro de sua casa. O material foi apresentado para diversas pessoas e familiares, sendo o símbolo marcante desse
acidente a menina de 6 anos, Leide das Neves Ferreira, sobrinha do dono do ferro velho. A menina se encantou tanto pelo
brilho do Césio-137 que passou no seu corpo à noite e, logo após, fez um lanche, ingerindo material radioativo. Leide se
tornou a primeira vítima desse desastre, mas muitas pessoas foram expostas e morreram (CHEMELLO, 2010).
8 Barragem da Samarco (Mariana – MG, 2015): ocorreu pelo rompimento da barragem de rejeitos da mineradora
Samarco, causando uma enxurrada de lama que devastou seis localidades de Mariana, além do município de Bento
Rodrigues. A lama tóxica continua deixando seu rastro em Minas Gerais e Espírito Santo, causando assoreamento,
diversos impactos socioeconômicos e ambientais (CAMARGO, 2016).
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destruição por onde passou. Muitas famílias ainda estão desabrigadas,
quase seis meses após o ocorrido, a disponibilidade de água potável na
região ficou comprometida, o acontecimento deixou também pessoas
feridas e alguns mortos. E, no que se refere aos impactos diretamente
relacionados com o ambiente natural, o acontecimento em Mariana, só
para citar alguns, liberou cerca de 62 milhões de metros cúbicos de
rejeitos de mineração compostos, entre outros elementos, por óxido de
ferro e lama, com potencial para devastar ecossistemas inteiros. Essa
lama atingiu as regiões no entorno da barragem, bem como o Rio Doce e
seus afluentes, derrubando matas ciliares, comprometendo a vida
aquática; muitos peixes e outros organismos aquáticos morreram por
onde a lama passou (uma das principais atividades da região era a pesca),
chegando ao mar. Mas, antes de chegar ao mar, a lama também afetou o
ph e empobreceu os solos por onde passou. Alguns pesquisadores
acreditam na possibilidade de infertilidade permanente do solo, devido a
sua desestruturação química, quando a lama secar totalmente
(CAMARGO, 2016, p.18).
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Ainda em sua tese, Carvalho (1989) aponta outros exemplos, como a ocupação da
região amazônica e suas consequências em termos de agressão à natureza; no Rio Grande
do Sul, a poluição da Lagoa dos Patos, causada por dejetos industriais; a baía de Criciúma,
em Santa Catarina, também é apontada pela intensa exploração do carvão; no norte e
nordeste, vários são os exemplos, mas cabe ressaltarmos a construção do Porto de Suape,
em Pernambuco, para cuja execução foi necessário dinamitar o maior recife de coral do
Hemisfério Sul. Finalmente, destacamos que a tese de Carvalho (1989) trouxe um alerta
importante, já sendo mencionados os projetos de grandes barragens, problemas esses
diretamente relacionados com a questão central da tese da qual esse artigo se origina, a
saber: Educação Ambiental e a dimensão política: um estudo de caso do programa de
formação de educadores ambientais da Usina Hidroelétrica Itaipu Binacional.
Retomando a linha de pensamento que já delineamos anteriormente, fatos como os
descritos mostram que a confiança cega nas panaceias da ciência para solucionar os
problemas ambientais configura um equívoco, como explana Zizek (2011), quando explica
que para enfrentar os problemas socioambientais é necessário fazer escolhas e tomar
decisões, enfatizando que, além de não serem, somente, técnicos, tais problemas são
eminentemente políticos. Nesse caso, trata-se de uma questão de posicionamento frente às
diversas questões de ordem coletiva, que dizem respeito a um bem comum. Trata-se de
uma questão política que requer a participação da coletividade.
Entendemos que, quando se trata de posicionamentos, na maioria das vezes, a
tomada de decisão não considera no processo decisório os atores principais ou lhes é
delegado o papel de coadjuvantes, obrigando-os a estabelecer lutas para reafirmar seus
próprios posicionamentos políticos. Tal é o caso de Vandana Shiva9 e dos embates10
mobilizados por Chico Mendes11, que geraram reverberações internacionais.
No início da década de 1980, a Organização das Nações Unidas - ONU retomou o
debate sobre as questões ambientais apresentadas na Conferência das Nações Unidas sobre
o Meio Ambiente Humano. É interessante relembrar que tal período coincide com a fase da
abertura política no Brasil, após o fim da ditadura militar.
9 Vandana Shiva (Índia): cientista, ativista do ecofeminismo e filósofa. Criou a Fundação para Investigação Científica,
Tecnológica e Ecológica, tendo como um dos seus objetivos impulsionar a agricultura ecológica por meio do Programa
Navdanya, além do estudo e manutenção da biodiversidade (AGOGLIA, 2010).
10 O empate/embate foi o método de luta criado pelos seringueiros para impedir o desmatamento
(http://memorialchicomendes.org/chico-mendes/).
11 Chico Mendes (Brasil): um ecologista a frente de seu tempo, defensor da floresta e dos direitos dos seringueiros,
organizou trabalhadores do Estado do Acre para protegerem o ambiente ( suas casas, família e terras) contra as ações dos
fazendeiros. Chico Mendes ganhou reconhecimento internacional e viu suas ações tornarem-se realidade antes do seu
assassinato, entre elas está a criação de reservas extrativistas para preservação de áreas indígenas, desapropriação do
Seringal Cachoeira, de Darly Alves da Silva (AGOGLIA, 2010).
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A retomada dessas discussões referentes às questões ambientais possibilitou à
ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, chefiar a Comissão Mundial sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento Humano, para estudar o assunto. A comissão foi criada em
1983, após uma avaliação dos dez anos da Conferência de Estocolmo, com o objetivo de
promover audiências em todo o mundo e produzir um resultado formal das discussões. O
documento final desses estudos, apresentado em 1987, e chamado Nosso Futuro Comum
ou Relatório Brundtland, menciona a proposta de repensarmos os modelos de
desenvolvimento e aponta para as possibilidades de um desenvolvimento sustentável. De
acordo com o relatório, desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades
do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas
necessidades.
O Relatório Brundtland, a partir do conceito de desenvolvimento sustentável,
estabeleceu novas formas de encarar o desenvolvimento econômico e muitos trabalhos
acadêmicos passaram a fazer referência a essa nova perspectiva, porém, sem nenhuma
reflexão crítica ou até mesmo com desconhecimento das diversas contradições que esse
conceito incorpora. Assim, Camargo (2016) aponta para diversas compreensões que vão
sendo elaboradas para caracterizar esse conceito, a partir da sistematização dos dados por
ele analisados em sua dissertação a partir de teses e dissertação do banco de dados Earte.
Vejamos:
[...] alguns estudos entendem os conceitos de sustentabilidade e de
desenvolvimento sustentável como sinônimos, enquanto outros indicam
diferenças ideológicas entre eles e, ainda, alguns autores não consideram
o desenvolvimento sustentável como um conceito propriamente dito. [...]
Dos trabalhos analisados, a maior parte se mostrou crítica em relação ao
conceito de desenvolvimento sustentável, atribuindo-o à “ideologia
burguesa” do capitalismo. Contudo, a valorização desse conceito também
foi identificada em alguns outros trabalhos analisados, alguns indicando,
inclusive, a importância do conceito para o campo da Educação, no
sentido de se substituir a “Educação Ambiental” por uma “Educação para
o Desenvolvimento Sustentável”, o que para outros trabalhos, no entanto,
parece ser inconcebível. Em um trabalho encontramos referência ao
conceito de desenvolvimento sustentável não como um “conceito”, mas
como uma “ideia força”, uma mobilização para alcançar a
sustentabilidade (CAMARGO, 2016, s/p).
Assim sendo, de acordo com a análise feita por Camargo (2016, p.44):
12 Ler Bauman (2008): Vida para consumo: A transformação das pessoas em mercadoria.
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As diversas causas mencionadas por Sobrinho (2008), que estão sendo deixadas na
natureza pelo modelo de produção capitalista, fizeram com que pensadores e a sociedade
passassem a questionar e perceber uma possibilidade, na Educação, para o enfrentamento
desse atual modelo de relação sociedade-natureza, marcado, cada vez mais, pelas
disparidades sociais e por uma forma irresponsável de estar no mundo.
Foi nesse cenário caracterizado pelo agravamento dos diversos problemas
ocasionados ao/no ambiente, que, já no início dos anos 1980, começou a se impor a
necessidade de incluir na arena dos debates ambientais as propostas relacionadas com os
processos educativos, de forma a buscar outros caminhos para repensar a relação
sociedade-natureza.
Diante desse quadro, Carvalho (1989, 2006, 2015) afirma que essa percepção
acerca dos problemas gerados no/ao ambiente desencadeou um processo de busca de
compreensão dos padrões de relação sociedade-natureza e das estratégias para a mitigação
desses problemas.
No entanto, Carvalho (1989) reconhece e aponta os limites de uma visão ufanista
relacionada ao processo educativo:
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Fica evidente a dificuldade que se têm quando esse entendimento está desprovido
de reflexões de diferentes ordens, o que impossibilita a compreensão dos seus limites, e o
resultado é que esse processo educativo passa a ser revestido de certa ilusão pedagógica
(LIBÂNEO, 1985 citado por CARVALHO, 1989, p.169), em uma visão salvacionista
(CARVALHO 1989; LAYRARGUES, LIMA, 2014).
Retomando o exposto na Figura 1, observa-se que, no decorrer das diversas
discussões mencionadas, foi em 1988, com a promulgação da Constituição Federal que se
delinearam as incumbências do Poder Público no sentido de promover a Educação
Ambiental em todos os níveis de ensino (CF, artigo 225, Capítulo VI, inciso VI). Assim, o
espaço educacional começa a ganhar forças em tais discussões, questionando discursos
predominantemente naturalistas e conservacionistas.
De acordo com Loureiro (2012), a partir da década de 1990, a Educação Ambiental
como um campo vinculado à produção do conhecimento passa a ter publicações de
destaque para as discussões e avanços do campo, período em que foram defendidas as
primeiras teses e dissertações. Assim, na caudal dessas discussões, vale lembrarmos que,
em 1989, ocorreu a publicação da primeira tese referente à Educação Ambiental no Brasil:
A Temática Ambiental e a Escola de 1º. Grau, desenvolvida pelo pesquisador Luiz
Marcelo de Carvalho.
Assim, foi na evolução dos diálogos desse período que a construção de
conhecimento no campo começou a se delinear e, com a abertura política e o retorno de
diversos exilados do período da ditadura militar, a questão ambiental ganhou força, o que
favoreceu o desenvolvimento do campo no país.
Nesse período, a Educação Ambiental brasileira passa a reconhecer a dimensão
social em seus diferentes debates, abandonando um perfil predominantemente
conservacionista. Cabe aqui mencionar, que na década de 1990 a problemática do lixo
ganhou destaque nos diversos setores que discutiam soluções para esse problema, o que
evidenciou na época uma perspectiva pragmática, “fruto da lógica do cada um faz a sua
parte” (LAYRARGUES; LIMA, p. 29, 2014).
Segundo os autores supracitados, a perspectiva pragmática promove,
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humanos, como uma mera coleção de recursos naturais em processo de
esgotamento, aludindo-se então ao combate, ao desperdício e à revisão do
paradigma do lixo que passa a ser concebido como resíduo, ou seja, que
pode ser reinserido no metabolismo industrial. Deixa à margem a questão
da distribuição desigual dos custos e benefícios dos processos de
desenvolvimento (LAYRARGUES; LIMA, p. 31, 2014).
13
Tem como principais objetivos: recuperar e constituir um acervo das dissertações e teses de EA desenvolvidas no
Brasil ao longo dos anos e realizar estudos descritivos e analíticos acerca dessa produção. Disponível em
http://www.earte.net/.
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nítidos e diversos conflitos entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos, formalismo
idealizado14.
Em decorrência dos diversos eventos ocorridos e compromissos assumidos por
integrantes da sociedade brasileira, no ano de 1994, constituiu-se o Programa Nacional de
Educação Ambiental (PRONEA), elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente – MMA,
em parceria com o Ministério da Educação e Cultura – MEC, anunciando a capacitação de
gestores e educadores ambientais. Tal articulação possibilitou a ampliação da Educação
Ambiental para o contexto escolar que, em 1996, teve sancionada a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB), que evidenciou a questão ambiental na educação escolar e em
decorrência dessa legislação aprovou-se, em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) pelo MEC, definindo o meio ambiente como um dos temas transversais a ser
trabalhados na educação fundamental.
De acordo com Carvalho (1989), Carvalho (2001), Leff (2001), Floriani e Knechtel
(2003), Guimarães (2004), e Morales (2008), em seu processo de institucionalização no
Brasil, a Educação Ambiental esteve eivada de visões iniciais tecnicistas e
conservacionistas, que geraram diversos impasses na sua consolidação, visões que
alimentaram práticas superficiais e pouco reflexivas. No entanto, tais práticas vêm sendo
superadas no decorrer dos anos e, a cada dia, avançando para processos críticos.
Frente o percurso histórico da temática ambiental e da Educação Ambiental
apresentado, observamos, cada vez mais em evidência na sociedade, a ampliação dos
debates sobre os problemas ocasionados no/ao ambiente.
Estamos, aqui, acatando a necessidade de respondermos pelo mundo de forma
intencional, uma vez que, “a Educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o
bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que
seria inevitável [...]” (ARENDT, 1990, p.247).
Discussões acerca da Educação Ambiental em uma perspectiva crítica estão
presentes em toda essa trajetória apresentada. A questão que se coloca é até que ponto
avançamos no que estamos considerando uma perspectiva crítica?
Observa-se no campo, grupos/redes fortalecidos e com produções científicas que
promovem de fato reflexões e ações de resistência a esse modelo de sociedade-natureza,
cuja finalidade é o acúmulo do capital e a exploração do sujeito. Tal mobilização, ilustra o
14 Expressão utilizada por Mello (2002) em seu trabalho de dissertação, no qual tece reflexões sobre o formalismo na
educação ambiental frente aos documentos internacionais e nacionais que consiste em evidenciar um caráter ideal e
fantasioso de recomendação oficial, que, muitas vezes, se encontra distante de diversas realidades.
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que nós educadores do campo somos capazes de construir e resistir em nome do nosso bem
comum. Concluímos com a recomendação que nossas vozes sejam cada vez mais
potencializadas nos diversos contextos do campo, como forma de promover resistência e
enfrentamento, que são condições sine qua non em uma perspectiva crítica.
Precisamos entender a necessidade de todos os atores sociais serem representados
nos diversos espaços de discussão e resistência, trazer suas histórias e questionar relações
de poder e desigualdades sociais, pois, conforme o panorama apresentado, observamos,
ainda hoje, atores sociais que sofrem as consequências de diversas injustiças
socioambientais cometidas em nome do “desenvolvimento”.
Assim, questionar os problemas intrínsecos do atual modelo de relação sociedade-
natureza é uma forma de caminhar para processos críticos que questionem esse modelo de
produção/consumo capitalista. Ou seja, uma forma de ser do mundo e não simplesmente
estar no mundo, uma forma de tomar parte e não, apenas, fazer parte.
Referências
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