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Departamento de Geografia
Programa de Pós-Graduação em Geografia
Niterói - RJ
2015
Diogo Loibel Sandonato
Niterói - RJ
2015
S218 Sandonato, Diogo Loibel.
Políticas ambientais e conflitos territoriais no Acre, Brasil: o Sistema
Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais (SISA) / Diogo Loibel
Sandonato. – 2015.
145 f. ; il.
Orientador: Carlos Walter Porto-Gonçalves.
Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal
Fluminense, Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento
Regional, 2015.
Bibliografia: f. 140-145.
Niter6i
2015
AGREDECIMENTOS
FIGURA 19 - Área dos estabelecimentos agropecuários por condição legal das terras e
grupos de área total..................................................................................................... 188
FIGURA 36 - Identificação dos lotes dos moradores da Floresta Estadual do Mogno. 237
FIGURA 37 - Total de áreas de planos de manejo protocoladas e licenciadas no
Acre............................................................................................................................ 240
TABELA 6 - Programas e políticas apoiados pelo REM KfW por cadeia produtiva ou
atividade..................................................................................................................... 172
TABELA 7 - Entidades apoiadas pelo REM KfW por cadeia produtiva ou atividade.... 173
INTRODUÇÃO........................................................................................................... 24
1.1. Conflito................................................................................................................. 38
1.2. Produção do Espaço............................................................................................. 40
1.3.Território................................................................................................................ 44
1.4. Produção dos espaços capitalistas: acumulação e crise do capital..................... 46
1.5. Acumulação primitiva/por espoliação................................................................... 48
1.6. Atualidade e importância da acumulação por espoliação para o capital.............. 50
1.7. A produção de espaços capitalistas e geração de conflitos territoriais................ 53
1.8. Neoliberalismo ambiental e sistema de normas................................................... 55
1.9. Dimensão epistêmico-política do conflito territorial: a colonialidade do saber e
poder........................................................................................................................... 57
5. CONCLUSÕES....................................................................................................... 291
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 298
ANEXOS.................................................................................................................... 325
INTRODUÇÃO
O ponto de partida
(...) são agentes do desmatamento e limpam uma porção da floresta (muitas vezes
anualmente) para ter terra para agricultura e pecuária de pequena escala para
subsistência (...) Como o agente do desmatamento são os pequenos agricultores e
não o próprio proprietário, este desmatamento não é planejado. Este desmatamento
é tecnicamente ilegal pois esses agentes de desmatamento não têm permissão para
converter florestas em pasto ou terras agrícolas; no entanto, este desmatamento
raramente é processado por autoridades (CARBONCO LLC, s/d apud FAUSTINO,
FURTADO, 2015, pp. 86-87, grifos nossos)
24
projeto garantirá a construção de escola, centro de saúde, oferecerá cursos para as
famílias da área além do principal, garantirá que as famílias não serão expulsas da área,
através de uma pretensa regularização fundiária que destinará para cada família uma
porção de terra de cerca de 100 hectares (área incompatível como o modo de vida das
famílias de seringueiros ali presentes). O projeto que é internacionalmente validado
pelas certificadoras CCBA1 e VCS2 foi utilizado pela FIFA para neutralizar as emissões
da Copa do Mundo (CM AMAZÔNIA, 2013a; FAUSTINO; FURTADO, 2015;
CARBONCO LLC, s/d).
As famílias que moram na área do projeto foram assediadas a assinar um
documento em que declaram ter ciência e acordo com o projeto. Mas várias pessoas
são analfabetas e assinaram sem saber exatamente o que continha nesses documentos
(CM AMAZÔNIA, 2013a; FAUSTINO; FURTADO, 2015). Mesmo assim o projeto foi
certificado pela CCBA, como destacado por FAUSTINO e FURTADO (2015), e a
certificadora apenas ponderou “que este documento era ‘culturalmente inadequado’ pois
não seria ‘apropriado solicitar às pessoas que elas assinem um documento que não
podem ler’” (WRM, 2014 apud FAUSTINO; FURTADO, 2015, p. 82)
A compreensão do funcionamento de um mecanismo como REDD já é complexa
e difícil de entender mesmo para aqueles que estão envolvidos ou estudam esse tipo
de iniciativa. Mais ainda para comunidades em que o tipo de conhecimento técnico-
científico necessário para entender o REDD não existe e não dialoga com os modos de
vida. Isso fica claro em um trecho de uma fala de um morador da área atingida pelo
Projeto Purus:
Eu quero que explique para mim o que é carbono porque pelo que sei este carbono,
pra gente, não vai servir de nada. Pra nós, não serve. Estão tirando daqui para levar
para os EUA... Eles vão vender isso aí pra lá e passar por cima de nós. E nós, o que
vamos fazer? Eles ganharem dinheiro e a gente perder? (FAUSTINO; FURTADO,
2015, p. 82)
1 The Climate Community & Biodiversity Aliance (CCBA) formado pelas ONGs Care,
Conservation International (CI), The Nature Conservay (TNC), Rainforest Alliance e Wildlife
Conservation Society desenvolve padrões para certificar e validar o cumprimento de
salvaguardas socioambientais em projetos de REDD e outros mecanismos (FAUSTINO,
FURTADO, 2015).
2 Verified Carbon Standard (VCS) criado em 2005 pelo Climate Group, International Emissions
Trading Association (IETA), pelo Fórum Econômico Mundial e pelo Conselho Empresarial
Mundial de Desenvolvimento Sustentável para criar normas de validação e certificação de
projetos de carbono (FAUSTINO, FURTADO, 2015).
25
de 17% comparado ao ano anterior. O valor acumulado desse mercado chegou a 1
bilhão de dólares. (GOLDSTEIN; GONZALEZ, 2014). Segundo a plataforma “Climate
Funds Update”, o Brasil é o país que mais recebe fundos destinados a projetos
relacionados ao clima, com cerca de 700 milhões de dólares em investimentos e
doações (CLIMATE FUNDS UPDATE, 2015).
Essa foi minha motivação inicial para estudar os conflitos territoriais no Acre,
especialmente os relacionados ao mercado de carbono. Minha intenção era ir para o
Acre e estudar detalhadamente conflitos relacionados a projetos de REDD de iniciativa
privada.
Mas, meu objetivo já começou a mudar, a partir do contato com uma liderança
histórica da luta do movimento seringueiro, Osmarino Amâncio Rodrigues, pois me dei
conta de que aqueles conflitos faziam parte de um processo mais complexo do que
imaginava. Aqui transcrevo trechos de entrevista que realizamos com Osmarino, eu e o
pesquisador Milson Bettancourt, no Rio de Janeiro em Maio de 2013, antes de eu ir para
o Acre:
Nesse trecho da entrevista Osmarino denuncia a perda de poder por parte dos
seringueiro na Reserva Extrativista Chico Mendes em parte relacionada a novas
determinações que surgiram com a Lei 9.985 de 2000, o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação. As RESEX foram criadas a partir da luta e conquistas dos povos da
floresta, principalmente seringueiros, e tinha por objetivo garantir áreas protegidas e
geridas pelos mesmos, mas reconhecidas e de propriedade do estado. Antes o IBAMA,
órgão responsável à época, supervisionava as áreas extrativistas, mas com o SNUC, é
criado um conselho deliberativo da RESEX que passa a ser presidido pelo IBAMA
(posteriormente ICMBio) o que muda a função do órgão ambiental que passa a ser o
3Entrevista concedida por Osmarino Amâncio Rodrigues [mai. 2013] Entrevistadores: Diogo
Loibel Sandonato; Milson Bettancout. Rio de Janeiro, 2013.
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principal gestor das RESEX (CUNHA; LOUREIRO, 2009). Devido a essas mudanças na
estrutura de poder nas RESEX, Osmarino coloca:
(...) agora chegou uma determinação para o seringueiro, para cada manejo que é feito,
para cada concessão de uma área de terra, que pode ser de 500 mil, 200 mil hectares,
50 mil hectares, as populações daquela área ali ficam sem direito de mexer em uma
palha. Nós já fomos determinados que nós não pode mais matar a nossa paca, que
antes a gente podia comer a nossa caça, nós podia pegar o nosso peixe, agora não
podemos mais, o ICMBio chegou agora na minha colocação lá no seringal e disse que
se eu quiser comer o mel de abelha eu tenho que criar abelha, e a abelha tá lá dentro
da floresta, eu sei onde tá o mel da abelha, agora eu tenho que plantar o açaí, o açaí
tá dentro da floresta. Então hoje virou tudo para o mercado. Aquilo ali virou uma
mercantilização só, os meios naturais, a reserva extrativista tá servindo para o
monopólio, pras indústrias, para ONGs ganhar dinheiro fácil e imediato. Isso está
sendo um impacto muito grande para nós, porque, começaram a expulsar as
comunidades dos seringueiros, lá na minha área agora foram expulsos 5 famílias, por
que estavam tirando madeira pra fazer uma casa. Eu to sendo processado por 60, 70
mil reais de multa, por que eu tava tirando umas estacas pra fazer um corredor, pra
fazer uma manga pra criar porco, sabe, pra cobrir minha casa, pra fazer minha casa,
é tábua pra fazer minha casa e agora eu não posso. Tudo que for fazer agora tem que
ter o manejo, e nós não temos consultoria, nós não somos técnicos, nós não temos
formação catedrática pra fazer a concessão, pra pedir a concessão e fazer o manejo
por que exige uma certa estrutura e nós não temos essa capacidade (...)
Nesse trecho fica explícito conflitos decorrentes dessa estrutura de poder e dos
novos projetos que estão chegando nos territórios, um processo de criminalização dos
moradores da RESEX e uma dimensão epistêmica desses conflitos relacionada ao
saber técnico-científico que tem sobreposto o saber de quem vive no território. Isso é
corroborado por outro trecho em que Osmarino coloca:
(...) criaram a lei do fogo zero, eu sempre usei o fogo pra queimar meu roçado de
subsistência, onde eu plantava o arroz, a macaxeira, o milho, aquilo pra gente comer
no dia a dia, e nós nunca incendiamos a floresta, por que a gente bota um roçadinho
pequeno, 100 x 100, e a gente não deixa o fogo entrar na floresta, a gente tem o maior
cuidado por que a gente vive da floresta, a gente não quer que incendeie o nosso
castanhal, nosso seringal, a gente não quer que mate a nossa caça, e se o fogo invadir
a floresta, então obviamente vai muitas espécies vai desaparecer, a gente tem, a
gente foi que cuidou dessa floresta, não esse pessoal que tão vindo agora ensinar pra
nós como é que tem que ser sustentável, a gente viveu, nascemos e se criamos lá, e
a floresta só tá em pé por que o movimento dos seringueiros se levantou contra a
pecuária, contra a mineração, contra as madeireiras, contra o latifúndio (...)
(...) nas reservas agora eles criaram a onda de açudagem, fazer açude, a Reserva
Chico Mendes já tem um estudo pra fazer mais de 200 açudes, só na RESEX Chico
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Mendes, então vai ser muito açude, de cada barragem daquela que se cria num
pequeno açude, para a exportação, que é peixe, ao mesmo tempo eles estão
preparando essa cadeia produtiva, né, então nós não podemos mais pescar, né, eles
estão tirando o nosso direito, eu tenho que fazer o manejo, eu tenho que me, fazer um
curso pra fazer um açude, né, então, tudo aquilo que era orgânico, tá deixando de ser,
que agora eles chegaram lá dizendo que nós temos que trabalhar a castanha
orgânica, tudo que nós fizemos lá foi sempre orgânico, agora eles estão levando
roundup lá pra dentro, o roundup chega lá com toda a força né (...)
(...) agora no estado do Acre por exemplo, já tá chegando a quase 200 planos de
manejo madeireiro, tá sendo a maior destruição, o estado do Acre é o pioneiro, criou
a primeira lei do mercado de carbono, sabe, então quer dizer, é um investimento que
é... tá sendo contra a vida das populações tradicionais (...) o Estado garantiu essa
logística e pra fazer isso, o manejo, eles estão jogando a força nacional, a polícia
federal, o exército, é tudo pra ir de encontro com o que nós tanto defendíamos que
era uma reforma agrária sob controle dos trabalhadores (...) nós não temos que estar
preocupado com exportação, principalmente de matéria prima, você tá levando a
matéria prima, 1 metro de cubo de madeira, eles estão pagando lá, o mais caro é 40
reais, lá na Amazônia, e chega ali em Belém, você já vende esse metro cúbico por 2
mil dólar, então quer dizer, é um assalto que estão fazendo, né, e o valor é
insignificante, o seringueiro não ganha dinheiro, sabe, o índio não ganha dinheiro,
quem ganha dinheiro é a madeireira, é a ONG, é o empresário, sabe, nós estamos
sendo vendidos junto (...)
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Extrativistas no Acre. Osmarino, em fortes colocações, fala do que viveu e vive dentro
da floresta, da luta histórica do movimento seringueiro e do atual estado da Reserva
Extrativista Chico Mendes, um símbolo da conquista do movimento. Fala dos conflitos
atuais que ele vive no Acre, denuncia a perda de poder por parte dos moradores na
tomada de decisão na Reserva, dos projetos que estão sendo implementados de cima
para baixo, com grande influência de ONGs ambientais. Isso me chamou muito a
atenção, numa área que é símbolo da conquista do movimento seringueiro, hoje os
próprios seringueiros que participaram dessa dura luta, estão sofrendo com a forma com
que a Reserva é gerida.
Chegando no Acre, outro fato central para definir os rumos da pesquisa foi o
contato com o Centro de Memórias das Lutas e Movimentos Sociais da Amazônia (CM
Amazônia). A partir do diálogo com essa organização comecei a compreender melhor a
conjuntura atual do Acre. Começou a ficar claro que tanto o que se passava em Manoel
Urbano, com o projeto Purus, como o que se passava na RESEX Chico Mendes, com
os projetos de manejo madeireiro e açudagem colocados por Osmarino, estava
relacionado a um sistema estadual de incentivos a serviços ambientais, o SISA, com
arquitetura complexa e com diversos atores, considerado “o sistema de serviços
ambientais mais avançado do mundo” (ANDERSON et. al., 2013).
Então comecei a estudar esse sistema, a lei estadual que o consolida, nº 2.308
de 2010, e publicações a respeito do mesmo (ACRE, 2010a, 2012, 2013a). Vi que é
uma estratégia estadual de captação e aplicação de recursos na implementação de
planos e programas do governo estadual que abrange o estado do Acre como um todo,
reservas extrativistas, terras indígenas, assentamentos, unidades de conservação,
propriedades particulares etc. Que integra os serviços ambientais com o
desenvolvimento de cadeias produtivas, como por exemplo, a cadeia da madeira, da
castanha, da borracha, do peixe e até a do gado. Que tem um complexo e diverso
conjunto de agentes que participam do planejamento e implementação desse sistema
no Acre.
Mas por que isso ocorre no Acre? Por que o Acre tem o sistema de serviços
ambientais considerado mais avançado do mundo? Como esse sistema funciona e o
dinheiro flui por ele? Como ele interage com áreas legalmente protegidas? Qual a
relação do dinheiro captado pelos mecanismos de serviços ambientais e o
desenvolvimento das cadeias produtivas? A partir desse momento formulei o que
pretendia pesquisar na dissertação: analisar as propostas e efeitos do planejamento,
regulamentação e execução de políticas e projetos relacionados ao capitalismo verde
no Acre, especialmente o SISA, e os potenciais conflitos territoriais gerados.
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Para tal, como método de investigação, realizamos uma análise qualitativa com
base nos pressupostos conceituais de conflito de Porto-Gonçalves (2013) e produção
do espaço de Lefebvre (2006) entre outras ferramentas, que serão descritos e
desenvolvidos nessa dissertação, ao longo dos capítulos, principalmente no capítulo 1,
rapidamente introduzido na seção a seguir.
Geralmente esses conflitos no Acre estão associados à soberania territorial dos
povos e como esses projetos afetam a dinâmica de reprodução dos mesmos em seus
territórios. Analisamos diversas fontes de documentos, o discurso e a prática dos
principais agentes envolvidos na estabelecidas e a história dos conflitos com suas
negociações, alianças, acomodações e rupturas políticas.
Realizamos levantamento bibliográfico em fontes diversas como livros, artigos,
periódicos jornalísticos, publicações das organizações e órgãos alvos da pesquisa,
sítios com dados dos projetos, leis, decretos, acordos e, quando possível, bancos de
dados de parte dos atores envolvidos. Também realizamos entrevistas
semiestruturadas e acompanhamos de reuniões.
1. Principais Ferramentas
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diferentes ângulos da complexidade dos conflitos territoriais no Acre com suas
dimensões da produção social do espaço, lembrando que elas não são separáveis.
Outro elemento fundamental é entender o atual momento do processo de
acumulação e crise do capital e as formas pelas quais ele se expande, produz novos
espaços. Para tal, com base em autores como Marx, Rosa Luxemburgo e outros mais
recentes como Harvey e Bartra, vamos relacionar a crise do capital com acumulação
primitiva/por espoliação e com os territórios ainda não completamente penetrados pelo
capital, caso por exemplo das terras indígenas e reservas extrativistas, como ocorre no
Acre, onde quase 50% da área do Estado é legalmente regulada como áreas protegidas
(ACRE, 2013b).
Para entender os conflitos territoriais no Acre, é preciso identificar em que escala
operam os principais agentes que estão definindo o que está sendo realizado lá e
através de que formas, quem planeja a produção do espaço (espaço concebido). Quem
define os mecanismos? Quem financia? Quais são as regras? Para tal, precisamos de
mais ferramentas. Milton Santos nos ajuda quando pensamos que o atual padrão de
acumulação capitalista, que ocorre no período técnico-científico-informacional que ora
vivemos, segue as diretrizes do que vem sendo chamado Neoliberalismo, enfim, um
sistema de normas que rege o espaço, o sistema de objetos e sistema de ações
(SANTOS, 2008). Podemos entender que os acordos internacionais, frutos de grandes
convenções e os mecanismos jurídicos e financeiros relacionados a economia verde,
como o SISA no Acre, são parte do Neoliberalismo Ambiental (PORTO-GONÇALVES,
2006; LEFF, 2008), um sistema de normas que é operado principalmente por agentes
que atuam em escala global (grandes ONGs ambientais, empresas, intuições
multilaterais) aliados a gestores e classes proprietárias à escala
nacional/regional/estadual/local e que são aplicadas em territórios como reservas
extrativistas e terras indígenas através do que Milton chama de verticalidades
(SANTOS, 2008).
Como podemos ver na entrevista de Osmarino, no Acre, o saber dos seringueiros
é desqualificado e sujeitos de fora, técnicos, biólogos, engenheiros é que passam a
definir como manejar a floresta, como cortar a madeira, como extrair o mel etc. Isso
demonstra uma relação de saber/poder em que apenas os que detêm recursos para
produzir um determinado conhecimento, técnico-científico, são legitimados, e que
passam a determinar o acesso a extração dos bens naturais dentro de “regras do jogo”
que definem como “racional”. A perspectiva da “gestão racional”, com base no saber
técnico-científico convencional, é fortemente etnocêntrica, marcado pela colonialidade
do saber e do poder (PORTO-GONÇALVES, 2006).
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2. Campo ambiental e bloco hegemônico no Acre
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muito a entender os interesses e posições teórico-políticas envolvidos nos conflitos
territoriais. Ajuda a olhar de forma complexa a história do movimento seringueiro, suas
conquistas e seu atual momento.
Pensando nas disputas dentro do campo ambiental e o processo de confluência
perversa que tivemos, conseguimos entender melhor as posições e alianças atuais de
entidades históricas do movimento como o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS)
e Centro de Formação dos Trabalhadores da Amazônia (CTA). Entender a força
simbólica e o atual uso da imagem de Chico Mendes. Conseguir ir para além da
aparência do discurso ambiental difundido pelo conjunto de atores, que foram
conformando um amplo bloco durante as décadas de 80 e 90, e que atualmente
implementam os projetos de economia verde, e aprofundar a análise dos fatores que
levam a essa conjuntura atual e os conflitos territoriais decorrentes. Além disso nos
ajuda a compreender os distintos padrões de conflitividade que tínhamos a época das
grandes mobilizações do movimento seringueiro e o os atuais padrões derivados das
políticas ambientais aplicadas no Acre.
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e como influiu na estruturação das políticas ambientais no Acre, que por fim
desembocou no SISA.
Também é importante entender a influência das instituições multilaterais e dos
grandes empréstimos internacionais e nacionais, feitos ao longo dos anos por essa
frente ampla que assumiu o poder do Estado. Empréstimos esses que influenciaram o
ordenamento territorial através da formulação do zoneamento ecológico-econômico do
estado, que a princípio foi uma condição que o BID impôs para liberar um dos
empréstimos (SOUZA, 2009). Também influenciaram na definição dos programas e
políticas estaduais que tem relação com o projeto da frente que hegemoniza o poder no
estado e com as políticas ambientais em curso. Dentre os agentes desse bloco de
poder, é importante destacar o papel das grandes ONGs ambientais, internacionais,
nacionais e regionais no processo de construção e manutenção da hegemonia e
também da formulação das políticas ambientais no Acre.
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cada área ou cadeia produtiva. A partir dos primeiros recursos desse programa que
fluem pelo sistema, iremos entender o funcionamento do SISA, a sua relação com os
planos, políticas e programas estaduais e com o desenvolvimento das cadeias
produtivas do Estado.
O SISA tem um avançado aparato de monitoramento e fiscalização das reduções
de desmatamento que envolve diversas estruturas e iremos analisar esse que é um dos
principais objetivos declarados das políticas ambientais do Acre, reduzir o
desmatamento. Veremos também como o dinheiro que chega através dos mecanismos
de redução de emissões de carbono estão sendo aplicados na pecuária extensiva
beneficiando latifundiários. Outro elemento importante são os conflitos gerados por
políticas voltadas para agricultores familiares, seringueiros, ribeirinhos e indígenas,
relacionados com a repressão e proibição da reprodução das condições de vida. A ação
repressora do ICMBio, IBAMA entre outros na proibição do uso dos bens naturais e das
práticas culturais e históricas, como o uso do fogo, intensificou conflitos territoriais no
estado.
O estado do Acre elegeu algumas cadeias produtivas prioritárias. Isso se dá
através de modelos de integração dos diversos agentes das cadeias produtivas, como
por exemplo o modelo da “Parceria Público-privada-Comunitária” (PPPC), em que além
do Estado, através das políticas e programas, isenções fiscais e financiamentos, temos
a iniciativa privada, através, por exemplo, de fundos de investimentos privados (FIPs) e
a participação “comunitária”, através de cooperativas centrais e associações. Esse
modelo tem o exemplo mais claro, na cadeia do peixe, a qual Osmarino cita na entrevista
e iremos descrever melhor para exemplificar esse arranjo.
Nesse capítulo também daremos destaque para a cadeia da madeira,
principalmente ao abordar os planos de manejo comunitário que foram bem explicitados
por Osmarino em sua entrevista e que tem grande importância nos conflitos territoriais
no Acre. Também abordaremos as cadeias da borracha e castanha, importantes tanto
do ponto de vista econômico quando simbólico para os conflitos no Acre e a questão
dos povos indígenas que receberam investimentos. Analisaremos alguns índices sociais
que reforçam as contradições entre o discurso e realidade do que se passa no Acre.
Também abordaremos a repressão e criminalização dos que criticam e se opõe
ao que está sendo implementado no Acre, algo que explicita os conflitos que ocorrem
nesse estado. O bloco hegemônico, que se apropria da imagem de Chico Mendes para
legitimar suas ações, não aceita as críticas, inclusive de antigos companheiros de Chico
na luta seringueira.
Podemos observar um novo padrão de conflitividade para o Acre. Um clara
mudança de postura do antigo bloco no poder e o atual no que diz respeito a interação
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com os movimentos sociais, associações e sindicatos. Isso é explicitado pela mudança
nas características dos conflitos territoriais. Passam de explícita violência dos
assassinatos e expulsões e da estratégia de maior enfrentamento dos movimentos
sociais e sindicatos para conflitos territoriais mais velados que atacam os modos de vida
nos territórios, mas, que ao mesmo tempo trazem políticas sociais e programas, que em
parte são negociadas pelos movimentos sociais, associações e sindicatos. Um
movimento conjunto de espoliação e cerceamento dos direitos das populações junto aos
seus territórios e uma integração dessas populações em cadeias produtivas através das
políticas e programas sociais do Estado.
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CAPÍTULO 1. PRINCIPAIS FERRAMENTAS: O MARCO TEÓRICO-CONCEITUAL
37
básicas. São muito evidentes as potencialidades de se obter um novo conhecimento
sólido a partir do estabelecimento, na pesquisa de uma relação proveitosa sujeito-
sujeito, isto é, uma completa integração e participação dos que sofrem a experiência
da pesquisa (BORDA, 1981, p. 59).
1.1. Conflito
Ele é a manifestação concreta dos antagonismos de grupos e classes e por meio dele
se evidencia a experiência concreta de construção de sujeitos sociais, onde se
configuram a construção de identidades coletivas, de motivações e interesses
compartilhados, estratégias de luta, assim como formas de organização e
manifestação (PORTO-GONÇALVES, 2013, p.2).
38
experiência desafiam a previsão e fogem a qualquer definição estreita da determinação”
(THOMPSON, 1981, p. 189). Influenciado também por Thompson, o estudo de Eder
Sader sobre o processo de emergência de novos sujeitos na conjuntura política
brasileira na década de 80, também valoriza a experiência como fator chave (SADER,
1988). Segundo Sader, esse processo depende: “das experiências vividas e que ficaram
plasmadas em certas representações que aí emergiram e se tornaram formas de o
grupo se identificar, reconhecer seus objetivos, seus inimigos, o mundo que o envolve”
(SADER, 1988, p. 44).
Através do conflito, podemos analisar empiricamente as contradições sociais e
a identificar as classes em luta (PORTO-GONÇALVES, 2013), partindo novamente da
concepção de Thompson, que diz:
39
a conservação, se encontra, de acordo com Lefebvre, o indefinido, a abertura: a
possibilidade de realizar, por meio de uma ação, o projeto” (SCHMID, 2012, p. 93). O
devir fechado de Hegel, aliado ao poder, domina a prática do homem tirando-o a
liberdade. Influenciado por Nietzsche, Lefebvre critica a força da abstração (pensar,
escrever, e da linguagem) e o poder prático (SCHMID, 2012). Também baseado em
Nietzsche, ele vê na arte, da vida cotidiana, a contraposição a abstração da linguagem,
a metamorfose do signo em poesia. Sua dialética é baseada, portanto, na prática social
de Marx e na arte de Nietzsche (SCHMID, 2012). Segundo ele, “Por este meio, a
racionalidade marxista se junta ao pensamento de Nietzsche na elucidação do devir”
(LEFEBVRE apud SCHMID, 2012, p. 95). Ele não quer interpretar ou produzir o devir,
mas analisá-lo. Descobrir ou reconhecer um sentido, um horizonte de possibilidades,
incertezas, probabilidades que permitam formular uma estratégia, sem a certeza de que
seu objetivo será atingido (SCHMID, 2012). Sua dialética “[...] liga três momentos, que
permanecem distintos entre si, sem reconciliá-los numa síntese – três momentos que
existem em interação, em conflito ou em aliança entre si” (LEFEBVRE apud SCHMID,
2012, p. 95). Podemos sintetizar o pensamento dialético de Lefebvre na contradição
entre pensamento e ação social, suplementada pelo ato criativo e poético (SCHMID,
2012).
Essa concepção do conflito, valorizando a experiência vivida, em que podemos
identificar os sujeitos e seus interesses em contradição e movimento, através dessa
dialética aberta tem que ser somada a outra característica fundamental do conflito: ele
é parte das relações sociais e de poder (PORTO-GONÇALVES, 2013). Como colocado
por Tramontani:
As mudanças que transcorrem nas relações sociais e de poder têm nos conflitos
sociais sua expressão privilegiada e, por meio deles, novas (co)relações de forças se
instauram configurando novos padrões de conflitividade no contexto de uma dada
formação social (TRAMONTANI, 2003, p. 5).
Por fim, e talvez o mais importante, é que o conflito é situado, localizado, ocorre
em lugar determinado no espaço. Ele está aberto às condições do lugar e do tempo em
que ocorre e estabelece uma relação de imanência sociedade-espaço (PORTO-
GONÇALVES, 2013). O conflito possui geograficidade, ou seja, está inscrito na terra, é
movido por uma espacialidade ou territorialidade (PORTO-GONÇALVES, 2013).
40
Aqui é importante definirmos o que entendemos por espaço geográfico. Iremos
adotar a visão de que o espaço é a expressão de uma dimensão da sociedade, em
sentido amplo (HAESBAERT, 2012). A sociedade ao constituir-se, constitui o seu
espaço, o qual é condicionante e condicionado por ela (SANTOS, 2008). Ele é material
e simbólico e como nos diz Porto-Gonçalves:
(...) A prática social material tomada como ponto de partida da vida e da análise
constitui o primeiro momento. Ela permanece em contradição com o segundo
momento: conhecimento, linguagem e palavra escrita, compreendidos por Lefebvre
como abstração, como poder concreto e como compulsão ou constrangimento. O
terceiro momento envolve poesia e desejo como formas de transcendência que
ajudam o devir a prevalecer sobre a morte. Lefebvre, porém, não para nessa
suprassunção em transcendência e poesia. Desta maneira, uma figura dialética
tridimensional emerge em que os três momentos são dialeticamente interconectados:
prática social material (Marx); linguagem e pensamento (Hegel); e o ato criativo,
poético (Nietzsche) (SCHMID, 2012, p. 95).
41
Para Lefebvre o espaço e o tempo são relacionais e fundamentalmente históricos
(SCHMID, 2012). Sua teoria da produção social do espaço busca sintetizar e relacionar
campos que geralmente são distanciados: o espaço físico, o mental e o social (FILHO,
2013). Ele reconstitui um processo complexo de descoberta, produção e criação que
ocorre de forma simultânea (LEFEBVRE, 2006).
Segundo Schmid: “O núcleo da teoria da produção do espaço identifica três
momentos da produção: primeiro, a produção material; segundo, a produção de
conhecimento; e, terceiro, a produção de significados” (SCHMID, 2012, p. 104).
Com base em SCHMID (2012), FILHO (2013), HAESBAERT (2009) e o próprio
LEFEBVRE (2006), podemos dizer que partindo dessa correspondência linguística e
dessa dialética triádica, a produção do espaço está associada a três dimensões ou
momentos:
1. A prática espacial: dimensão material da prática social, em que se destaca a
simultaneidade das atividades. Corresponde, na teoria da linguagem, a dimensão
sintagmática, o sistema de articulações e conexões de elementos. Está associada aos
processos e relações de produção e reprodução e troca, em uma relativa coesão
associada aos membros de uma determinada sociedade com o seu espaço. Redes de
interações ou atividades interligadas que residem em uma base determinada. Tem
relação também, com a realidade cotidiana e com competência e performance.
2. A representação do espaço: dimensão relacionada aos signos, códigos, geram uma
imagem, um discurso e também conformam o espaço. Corresponde, na teoria da
linguagem, a dimensão paradigmática, representações com algumas similaridades
podem ser substituídas. Ligado ao espaço instrumental, dos cientistas e planejadores.
Relacionado ao saber em transformação, está associada às descrições, definições,
teorias, disciplinas (principalmente arquitetura, planejamento e ciências sociais), mapas
e plantas. Um esquema organizador ou quadro de referência para comunicação e co-
determinador das atividades. Até certo ponto, tendem para um sistema de signos
verbais, elaborados intelectualmente.
3. O espaço de representação: dimensão simbólica, considerada o inverso da
representação do espaço. Corresponde, na teoria da linguagem, ao processo de
significação que tem relação com um símbolo (material). Está associado a arte, o
imaginário e é fluído e dinamizado, situacional e relacional, ligado ao lado “oculto”,
subterrâneo da vida social, um simbolismo espacial. Assim como a representação do
espaço, com alguns limites, o espaço de representação tende para um sistema, mais
ou menos coerente de símbolos e de signos não verbais.
42
Outro elemento presente no materialismo considerado heterodoxo de Henri
Lefebvre é a sua influência fenomenológica. Ele relaciona as três dimensões da
produção do espaço com a fenomenologia, a relação dos corpos dos sujeitos com o
espaço, contemplando tanto a auto-produção do homem (análise individual) como a
auto-produção da sociedade (análise social) simultaneamente (SCHMID, 2012).
Partindo do enfoque fenomenológico, segundo Schmid (2012), Harvey (2013) e o
próprio Lefebvre (2006), temos a seguinte tríade:
1. Espaço percebido: relacionado ao que pode ser apreendido por meio dos sentidos
(visão, audição, tato, paladar, olfato), a tudo que é percebido e sentido por sua dimensão
material. Segundo Lefebvre: “A base prática da percepção do mundo exterior.”
(LEFEBVRE, 2006, p. 36).
2. Espaço concebido: relacionado ao ato de pensamento, produção de conhecimento e
abstração.
3. Espaço vivido: relacionado ao mundo como ele é experimentado pelos homens no
cotidiano, segundo Harvey citando Lefebvre: “(...) das sensações, imaginações,
emoções e significados incorporados no modo como vivemos o dia a dia.” (LEFEBVRE
apud HARVEY, 2013, p. 19). Aqui temos o indizível, o que não é possível de se esgotar
por análises, algo que só pode ser expresso por meio da arte.
Também é interessante destacar que Lefebvre diferencia períodos, em que a
relação entre os três momentos da produção do espaço tem pesos diferentes. Por
exemplo, como coloca Haesbaert:
Ele contrapõe espaço absoluto a espaço abstrato, numa leitura muito própria de
“espaço absoluto”. Assim, absoluto é o espaço que conjuga todas aquelas dimensões,
sem separá-las, e sob o domínio do espaço vivido, com profundo valor simbólico,
como predominava aproximadamente até o Império Romano. Já no espaço abstrato,
dominante no mundo moderno-capitalista, aquelas dimensões se separam, sob
domínio do funcional ou do instrumental, ou seja, das práticas espaciais, do espaço
concebido. (HAESBAERT, 2009, p. 103)
43
dimensão do cotidiano e da experiência vivida, influência da fenomenologia, e a
dimensão da linguagem, do poder do discurso, provinda da linguística e semiótica. O
espaço é político e estratégico, não pode ser dissociado da ideologia e política (FILHO,
2013). Isso demanda uma análise do espaço que considere as relações de poder e
conflitos que permeiam o social em cada situação (SCHMID, 2012).
Assim, a relação da expressão das relações de poder, que o conflito proporciona,
com sua localização no espaço, sua geograficidade, nos possibilita entender como o
poder se manifesta no espaço. Segundo Porto-Gonçalves: “a análise da espacialidade
dos processos sociais é a análise das relações de poder, dos conflitos, das tensões e
das forças criativas dos ‘homens e mulheres de carne e osso’ (Thompson, 1983)”
(PORTO-GONÇALVES, 2003, p.12).
1.3. Território
Para realizar essa análise, a ferramenta que mais nos ajuda é o conceito de
território, entendido como interação relacional entre diferentes dimensões das relações
de poder espacializadas (espaço dominado e/ou apropriado), sejam elas políticas,
simbólicas, econômicas e jurídico-políticas (HAESBAERT, 2007; 2012). Essa interação
relacional pode ser vista como complexo de forças, complexo de interesses, de
necessidades, desejos (PORTO-GONÇALVES, 2013, p.1).
As relações de poder espacializadas, segundo Lefebvre, podem se dar pela
dominação, um espaço natural transformado por uma técnica e uma prática, e
apropriação no qual, um espaço natural é modificado para servir as necessidades e as
possibilidades de um grupo (LEFEBVRE, 2006). Para Lefebvre, existe uma tensão
permanente entre a livre apropriação do espaço e o domínio do espaço por meio da
propriedade privada, do Estado e outras formas de poder (HARVEY, 2012a). Como
coloca Lefebvre:
44
Podemos dizer que o território se define por relações de poder espacializadas
mais concreto-funcionais, de dominação, em conjugação com relações mais simbólico-
identitárias, de apropriação (HAESBAERT, 2009). Segundo Porto-Gonçalves, “o
território é constituído pela sociedade no próprio processo em que tece o conjunto das
suas relações sociais e de poder“ (PORTO-GONÇALVES, 2003, p.4) e sua construção
adquire diversas feições dependendo da espacialidade a qual está vinculada
prioritariamente, em suas múltiplas dimensões, mas nunca podem ser puramente
funcionais nem puramente simbólicos. Ele é definido pelas relações sociais e contexto
histórico em que os sujeitos, elementos-chave responsáveis, estão inseridos
(HAESBAERT, 2009). Aqui, como coloca Porto-Gonçalves, “é preciso considerar,
sempre, a tríade - Território, Territorialidade e Territorialização. Um mesmo espaço
apropriado e constituído por uma determinada sociedade contém, sempre,
territorialidades distintas” (PORTO-GONÇALVES, 2003, p.4). A territorialidade é um
componente do poder que cria e mantém o contexto geográfico pelo qual
experimentamos o mundo e o dotamos de significado (HAESBAERT, 2009), tem relação
com as relações de poder espacializadas. Como coloca Haesbaert:
45
Entender as diferentes relações de poder espacializadas numa correlação de
forças que gera ou têm relação com conflitos é o ponto chave para nós. O território,
segundo Tramontani “nos permite entender a concretização das relações sociais e de
poder sob o espaço.” (TRAMONTANI, 2003, p.8). Ele coloca em foco, no interior da
dimensão espacial, as problemáticas de caráter político, que envolvem como se
manifestam ou se realizam as relações de poder, em suas múltiplas esferas
(HAESBAERT, 2009). Portanto, conjugando essa concepção de território com o conflito,
temos uma potente maneira de analisar os processos sociais, através dos conflitos
territoriais.
46
(MARX, 1981; LUXEMBURGO, 1984; HARVEY, 2006; 2012b; 2012c). Como Marx
coloca:
O mercado tem por isso de ser constantemente ampliado, e desse modo suas
conexões e as condições que as regulam assumem cada vez mais a configuração de
lei natural independente dos produtores e se tornam cada vez mais incontroláveis.
Essa contradição interna busca um equilíbrio, aumentando o campo externo da
produção. A produtividade, quanto mais se desenvolve, tanto mais conflita com a base
estreita em que repousam as relações de consumo. Ajusta-se perfeitamente a esse
sistema contraditório a circunstância de o excesso de capital estar aliado ao excesso
de população, pois, embora a combinação dos dois aumente a massa de mais-valia
produzida, esse aumento aguçaria a contradição entre as condições em que se produz
essa mais-valia e as condições em que ela se realiza. (MARX, 1981, pp. 281-282)
Em sua ânsia de apropriação das forças produtivas com vistas à exploração, o capital
esquadrinha o mundo inteiro, procura obter meios de produção em qualquer lugar e
os tira ou os adquire de todas as culturas dos mais diversos níveis, bem como de
qualquer forma social. A questão dos elementos materiais da acumulação do capital
está longe de encontrar-se resolvida pela forma material da mais-valia de cunho
capitalista; (...) Para o emprego produtivo da mais-valia realizada é necessário que o
capital disponha cada vez mais do globo terrestre todo a fim de ter uma oferta
qualitativa e quantitativa ilimitada no condizente aos respectivos meios de produção.
(LUXEMBURGO, 1984, pp.23-24)
47
O capital precisa de espaços ainda não penetrados por suas relações para
conseguir realizar a mais-valia, espaços que ele consegue exercer grande influência
nas forças produtivas materiais e humanas a fim de suprir suas demandas tanto de
matérias-primas, como de mercados para seus produtos (LUXEMBURGO, 1984). Além
disso, existe a questão da constante necessidade de ampliação da força de trabalho,
como Rosa Luxemburgo fala:
Essa relação entre o capital e espaços não capitalistas é reconhecida por Marx
através do processo de acumulação primitiva (MARX, 2013). Mas, para ele, esse
processo foi/é principalmente uma condição histórica para o desenvolvimento do
capitalismo, a necessária separação da força de trabalho dos seus meios de produção
e formação dos primeiros capitais para que as relações de produção capitalistas se
desenvolvessem (MARX, 2013). Segundo ele:
Ele aborda as distintas formas em que esse processo ocorreu, dentre elas o
roubo dos bens da igreja, alienação de domínios estatais, furto da propriedade comunal,
transformação da propriedade feudal e clânica em propriedade privada, destruição do
vínculo entre agricultura e a indústria doméstica rural, espoliação de bens da América,
guerras comerciais e dívidas públicas, (MARX, 2013). Mas Marx já aponta um caminho
que parcialmente contradiz sua condição apenas enquanto gênese do capital, quando
diz:
48
finalmente se expressa pela centralização em poucas mãos de capitais já existentes
e pela descapitalização (a nova forma de expropriação) de grande número de
capitalistas (MARX, 1981, p. 283)
1) Extrair principais fontes das forças produtivas: terra, caça, florestas virgens,
minérios, pedras preciosas e metais, produtos exóticos como a borracha etc.;
2) “Liberar” força de trabalho e submetê-la ao capital, para o trabalho;
3) Introduzir a economia mercantil;
4) Separar a agricultura do artesanato; (LUXEMBURGO, 1984, p.32)
Outro autor que reafirma essa questão é José de Souza Martins ao abordar a
escravidão moderna e o desenvolvimento capitalista. Analisando os investimentos
capitalistas em agropecuária, principalmente na Amazônia, ele reforça que relações
arcaicas, como a escravidão, ocorrem simultaneamente ao capitalismo considerado
desenvolvido (MARTINS, 2009). Para ele, a expansão territorial do capital nessa
49
situação se deve, por um lado a grandes incentivos e subsídios dados pelo governo, e
por outro, do uso de mão-de-obra que não está submetida as relações capitalistas,
principalmente na produção do empreendimento, formação das fazendas de gado.
(MARTINS, 2009). O capital não só dissolve relações sociais que dificultam sua
reprodução ampliada, como também se apropria e recria, em certas situações, relações
não capitalistas, como a escravidão (MARTINS, 2009). Aqui ele vê a importância do
processo de acumulação primitiva, e coloca:
(...) o trabalho escravo tem sido utilizado sobretudo fora do processo de trabalho
propriamente dito, isto é, fora do processo normal e permanente de produção
propriamente capitalista. Nesse sentido, é uso de trabalho em tarefas próprias de uma
situação de acumulação primitiva. Conceito que, aliás, ganha melhor definição se,
além de considerarmos a expropriação que força a entrada do trabalhador no mercado
de trabalho, considerarmos, também que esse momento de expropriação dos meios
de vida se prolonga na superexploração da força de trabalho. (...) Quando se pensa
na acumulação primitiva como processo e não como rótulo, pode-se entender que é
processo que pode ter, e tem, ritmo mais ou menos lento. Por isso, além de ser um
requisito histórico da acumulação capitalista (e não necessariamente um requisito
simultâneo dessa acumulação em todos os ramos e momentos da produção), a
acumulação primitiva pode se mesclar e se confundir com a reprodução do capital
(MARTINS, 2009, pp. 81-82).
50
que parte da capacidade excedente anterior seja absorvida. Também pode se dar por
deslocamentos espaciais que produzem novos espaços e liberam ou produzem novos
ativos para absorção de excedentes de capital: criação de novos mercados, nova
divisão territorial do trabalho, acesso a novos recursos, novas capacidades produtivas,
novas regiões como espaços dinâmicos de acumulação do capital e expansão de
relações sociais e arranjos institucionais capitalistas em formações sociais preexistentes
(como regras de contrato e formas de gerenciamento de propriedade privada). Por fim,
por uma combinação das duas formas anteriores de deslocamentos, produzindo
deslocamento tempo-espaciais.
Tivemos um grande processo de reestruturação da acumulação do capital, em
parte gerada pelo problema da sobreacumulação, no início da década de 70, que
segundo Harvey (2012a), foi uma transição de um período de acumulação capitalista
fordista para um período de acumulação capitalista flexível. Esse novo período envolve
um confronto com a rigidez do fordismo, estimula a flexibilidade dos processos de
trabalho, mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Está associado
por rápidas mudanças nos padrões do desenvolvimento desigual. Também se
caracteriza pelo surgimento de novos setores produtivos e mercados, e inovações no
setor financeiro, tecnológicas e organizacionais. As economias de escala,
características do período fordista, são substituídas por economias de escopo, produção
variada de bens e preços baixos em pequenos lotes, que atendem a uma gama bem
mais ampla de necessidades do mercado, cada vez mais fluídas. O novo período é
marcado por deslocamentos espaciais e temporais que geraram um fenômeno de
“compressão do espaço-tempo”, em que os processos de tomada de decisão são
muitos mais rápidos e quase que imediatamente são difundidos de forma cada vez mais
ampla (HARVEY, 2012a).
Essas mudanças também foram acompanhas por reformulações nas normas e
regras que regulavam o sistema de acumulação, o que configurou o que mais tarde foi
chamado de neoliberalismo, caracterizado pelas práticas político-econômicas de
fortalecimento dos direitos individuais a propriedade privada; das instituições de
mercado e de livre comércio; das privatizações e desregulações (como a quebra
unilateral pelos EEUU do acordo de Bretton Woods) combinadas com a intensificação
da competição; da livre mobilidade de capital entre setores, regiões e países; da
precarização das relações de trabalho e repressão das organizações de trabalhadores
(HARVEY, 2008).
A partir dessa transição, se tornou cada vez mais acentuada a acumulação
primitiva ou por espoliação ou despossessão (HARVEY 2012a, 2012b, BARTRA, 2013),
processos de mercantilização e privatização que integram novas partes do mundo ao
51
capitalismo e que geram expulsão de populações camponesas, convertem formas
diversas de direito de propriedade em direitos exclusivos de propriedade privada,
mercantilizam formas de trabalho e suprimem formas alternativas de produção,
envolvem a apropriação e cooptação de realizações culturais e sociais preexistentes,
mercantilizam formas culturais, históricas e da criatividade intelectual e geram
apropriação de bens naturais (considerados ativos produtivos) como a água, terra, as
florestas, o ar.
Para Armando Bartra, que prefere o termo acumulação primaria, é importante
relacionar a espoliação dos bens comuns com a valorização do que foi expropriado
através da exploração do trabalho, ou seja, articular essa acumulação primária ao
processo de reprodução ampliada do capital, e isso se dá pela monopolização sobre um
determinado bem e geração de uma renda com isso (BARTRA, 2013). Esses preços de
monopólio de bens essenciais para reprodução da vida, inclusive a humana, pagamos
todos nós, não só como consumidores, mas também como produtores assalariados ou
não que geram trabalho excedente, fundamental para geração de mais-valor, que está
por de trás de qualquer renda. Ele coloca, baseado em Marx: “detrás de toda ‘renta’, lo
que hay es plusvalía y, en sentido estricto, un reparto desproporcionado de la plusvalía
social entre los capitales rentistas y los no rentistas.” (BARTRA, 2013, pp. 105-106).
Nesse caso não é através de um investimento produtivo que o capital se valoriza, mas
sim por meio do monopólio privado sobre um bem limitado (BARTRA, 2013). Bartra
também afirma, que o processo de acumulação primária é fundamental para o capital
devido a fatores sociais e ambientais necessários a produção capitalista que não podem
ser produzidos internamente e devem, portanto, ser transformados em mercadorias e
passar a integrar sua acumulação (BARTRA, 2013). Assim, ele conclui:
52
mas também patentes tecnológicas, de softwares, da informação, das partes do
mercado que tem relação com demandas constantes e fundamentais como
alimentação, saúde e educação (BARTRA, 2013).
Nesse trabalho, entendemos que a produção de novos espaços capitalistas, nos
quais a acumulação por espoliação cumpre um importante papel, são fundamentais para
que o capital lide com suas permanentes contradições internas, visíveis através das
crises financeiras. Nesse sentido, analisaremos os mecanismos da chamada “economia
verde”, não apenas na perspectiva da legitimação de um discurso através da disputa
ideológica, que ocorre dentro do campo ambiental (o que será desenvolvido no capítulo
2), mas também como forma do capital lidar com suas crises e seguir no processo de
acumulação, o que também tem sido apontado por outros autores. Para Larry Lohmann,
a criação e consolidação de mecanismos de mercado relacionados ao clima está
ocorrendo em um contexto de necessidade do capitalismo de produzir novas formas de
expansão e superar a última manifestação da crise econômica do sistema (LOHMANN,
2009). O capital, com sua voracidade e a intensidade de suas crises, especula, ou
melhor cria, ativos ambientais no mercado financeiro e expropria bens naturais e sociais
(MOURA; DURÃO, 2011). Essa linha também é colocada por Fabrina Furtado que diz:
53
principalmente apropriados por grupos sociais que os conformam com seus sentidos
próprios, com suas territorialidades e, assim, se configuram conflitos territoriais. Aqui é
interessante a leitura de Milton Santos que nos indica que o território pode ser usado
por agentes hegemônicos como um recurso, para suprir suas demandas particulares
enquanto para os agentes hegemonizados, ele é um abrigo em que constantemente se
recriam estratégias de sobrevivência (SANTOS apud HAESBAERT, 2012). Segundo
ele: “Na interação território-sociedade, o território participa num sentido explicitamente
relacional, tanto como ‘ator’ quanto como ‘agido’ ou ‘objeto da ação’” (SANTOS apud
HAESBAERT, 2012, p. 59).
O conflito territorial aqui configurado se dá em múltiplas escalas, onde os grupos
sociais envolvidos têm capacidades distintas de ação configurando uma determinada
correlação de forças assimétrica. As formas pelas quais operam nessas distintas
escalas são importantes para compreensão do conflito territorial. Agentes hegemônicos
que pensam o território como recurso, planejam e projetam sua utilização. Esse
planejamento ou representação do espaço (espaço concebido) é uma redução da
realidade, conforme a visão dos agentes que o pensam. Quando o projeto sai do papel,
os conflitos se dão no espaço vivido (LEFEBVRE apud LASCHEFSKI; ZHOURI, 2010).
Como coloca Porto-Gonçalves:
Assim, a ordem trazida pela ação dos agentes hegemônicos (que operam em
escala global), gera desordem localmente, não só porque produzem mudanças
funcionais e estruturais, mas principalmente por que essa ordem não faz sentido
localmente, pois tem como objetivo o mercado global (SANTOS, 2008). São
54
verticalidades que segundo Santos, tem um “efeito desintegrador das solidariedades
locais então vigentes, com a perda correlativa da capacidade de gestão da vida local”
(SANTOS, 2008, p. 285). A concepção dominante de planejamento se choca com outras
concepções sobre a utilização do espaço, desenvolvendo conflitos ambientais que se
materializam quando são transferidas para o espaço vivido (LASCHEFSKI; ZHOURI,
2010).
A produção dos espaços capitalistas e seu correspondente ordenamento
territorial é ao mesmo tempo o desordenamento territorial do território pré-existente.
Como coloca Haesbaert:
(...) podemos afirmar que, assim como não há ordem sem desordem, ordenamento
sem desordenamento, também não há territorialização sem desterritorialização, ou
seja, precisamos destruir ou deixar um território para construir ou ingressar em um
outro (Deleuze e Guattari, 1995). Para sermos mais precisos, todos os nossos atos
interferem, de forma mais ou menos acentuada, em processos permanentes de des-
re-territorialização (HAESBAERT, 2006, p.5).
55
mecanismos da chamada “Economia Verde” como os mercados de carbono, pagamento
por serviços ambientais etc.
Esse neoliberalismo ambiental busca debilitar as resistências culturais e da
natureza, imbricando os conflitos locais à escala global. Tenta legitimar o espólio dos
bens naturais, por exemplo, pressionando as populações indígenas a valorizar sua
cultura e bens enquanto “capital natural” e aceitar compensações econômicas pela
cessão desses bens (LEFF, 2008).
Podemos dizer que esse neoliberalismo ambiental tem sua condição de
possibilidade associado ao que Milton Santos chamou de meio técnico-científico-
informacional, no qual o casamento entre ciência e técnica é a base material e ideológica
do discurso e prática do capital (SANTOS, 2008). Como ele coloca:
Essa união entre técnica e ciência vai dar-se sob a égide do mercado. E o mercado,
graças exatamente à ciência e a técnica, torna-se um mercado global. A ideia de
ciência, a ideia de tecnologia e a ideia de mercado global devem ser encaradas
conjuntamente e desse modo podem oferecer uma nova interpretação à questão
ecológica, já que as mudanças que ocorrem na natureza também se subordinam a
essa lógica (SANTOS, 2008, p. 238).
56
Porto-Gonçalves em 1996. Afinal, elas fazem parte do novo sistema de regulação social,
da nova governabilidade, como diz o novo léxico que esse campo vem propondo
(PORTO-GONÇALVES, 1996). Essa governança realizada pelas ONGs fica ainda mais
clara se considerarmos a concepção de Estado ampliado de Gramsci, que considera
além da hegemonia de um grupo político no poder, as organizações “privadas” que
sustentam essa hegemonia (COUTINHO, 2011).
Por tanto, a produção dos espaços capitalistas, a espacialização de suas
relações de poder, envolve sujeitos que operam em escalas globais através de normas
e uma tecnociência orientadas para a produção desses espaços. Isso não ocorre sem
gerar conflitos territoriais. Para o capital, os novos espaços que ele penetra, são
recursos para sua acumulação, mas para os sujeitos em seus territórios, são vitais para
reprodução das suas condições de vida.
57
dominação sob hegemonia eurocentrada. Esse específico universo é o que será
depois denominado como a modernidade. (QUIJANO, 2009, p. 74)
A partir dessa leitura, a matriz descolonial faz uma crítica epistêmica a produção
de conhecimento com a hegemonia eurocêntrica e destaca a importância do lugar de
enunciação de que fala o pesquisador/investigador. A produção do conhecimento é
sempre situada e o locus de enunciação é essencial que seja explicitado, é o lugar
geopolítico e corpo-político do sujeito que fala (GROSFOGUEL, 2009). Para Grosfoguel:
58
deslegitimando outras formas que são consideradas particularísticas, incapazes de
serem universalizáveis (GROSFOGUEL, 2009). Segundo Costa, “(...) a produção de
conhecimento atende a um princípio circular e auto-referenciado, de sorte que “novos”
conhecimentos construídos sobre uma base de representação determinada reafirmam,
ad infinitum, as premissas inscritas nesse sistema de representações” (COSTA, 2006,
pp. 85-86). Isso faz com que todas as experiências que não estejam no que se definiu
como “centro”, sejam tratados a partir de sua funcionalidade, semelhança ou divergência
com esse padrão normativo definido pelas relações de poder, por sua ausência ou
incompletude em face do padrão moderno das sociedades ocidentais (COSTA, 2006).
Como coloca Grosfoguel:
(...) A pretensa superioridade do saber europeu nas mais diversas áreas da vida foi um
importante aspecto da colonialidade do poder no sistema-mundo colonial/moderno. Os
saberes subalternos foram excluídos, omitidos, silenciados e/ou ignorados.
(GROSFOGUEL, 2006, p. 405).
Por isso, entre outras razões, a matriz descolonial critica a maior parte da
produção de conhecimento científico, como eurocêntrica e que pouco ou nada valoriza
os autores que não sejam dos centros hegemônicos de poder. O pensamento
descolonial valoriza a produção de conhecimento baseada em outras epistemes,
racionalidades, cosmogonias, vindas dos subalternos como conhecimentos
fundamentais e, deste modo, trazem uma perspectiva crítica do conhecimento
hegemônico e das relações de poder envolvidas (GROSFOGUEL, 2009), e os vê como
essenciais para avançar na emancipação e superação da dominação/exploração, uma
justiça cognitiva (SANTOS, 2009).
Essa crítica epistemológica que o pensamento descolonial traz é uma ferramenta
importante para o nosso trabalho pois ajuda a desconstruir a colonialidade do saber e
do poder, presente na produção científica e tecnológica e que são vetores fundamentais
dos conflitos territoriais e que tendem a ser ocultadas. Como coloca Porto-Gonçalves:
59
poder (PORTO-GONÇALVES, 2006), e o sistema técnico-científico que reproduz,
segundo Santos, tende “(...) a competir vantajosamente com os sistemas técnicos
precedentemente instalados, para impor ao uso do território ainda mais racionalidade
instrumental” (SANTOS, 2008, p. 221).
A análise dos conflitos territoriais gerados pela produção de novos espaços
capitalistas regulados por normas e políticas apresentadas com ambientais, precisa
levar em consideração o caráter epistemológico desses conflitos. Como coloca um dos
fundadores da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), Luis
Macas “(...) o debate em torno da sustentabilidade é um debate epistêmico e político.”
(PORTO-GONÇALVES, 2012).
Com base no conjunto de reflexões e ferramentas apresentadas nesse capítulo,
iremos analisar as propostas e efeitos do planejamento, regulamentação e execução de
políticas e projetos relacionados ao capitalismo verde no Acre, especialmente o SISA,
os potenciais conflitos territoriais gerados. Para tal guiamos a análise, principalmente,
como exposto acima, pelo o conflito e suas características. A partir dele e em sua
articulação com o território, temos uma forma de identificar as formas e processos pelos
quais as relações sociais se especializam, através dos conflitos territoriais. Para articular
as múltiplas escalas e dimensões da espacialização das relações de poder, que são
materiais, imateriais, de dominação e apropriação achamos que a teoria de produção
do espaço de Henri Lefebvre oferece grande ajuda. Henri Lefebvre considera as
relações de produção capitalista, sua dinâmica de acumulação, em sua escala mais
ampla, mas articula isso com as relações de poder produzidas através do conhecimento
e também a influência das escalas menores, do cotidiano, do espaço vivido. Essa
articulação, os três momentos da produção do espaço, traz a possibilidade de entender
os conflitos territoriais em sua complexidade. Com base em sua teoria e nos trabalhos
de Schmid (2012), Harvey (2013) e Haesbaert (2009) podemos sintetizar os em três
momentos, que sempre caminham simultaneamente ligados dialeticamente:
60
desenvolvem ao passo que constroem valores, experiências sociais cotidianamente e
incorporam emoções e significados no modo como vivemos (espaço vivido);
61
CAPÍTULO 2 – CAMPO AMBIENTAL E BLOCO HEGEMÔNICO NO ACRE
Para entender por que o Acre se tornou o grande local de incubação, uma
espécie de laboratório, de políticas ambientais relacionadas aos mecanismos de
serviços ambientais, culminando no Sistema de Incentivos aos Serviços Ambientais
(SISA), primeiro precisamos entender o contexto geográfico, histórico e ideológico que
permeia esse sistema, o que faremos na parte inicial do presente capítulo. Depois
descreveremos sua arquitetura e funcionamento, os programas que possibilitaram sua
implementação e os arranjos que o tornam viável. Por fim detalharemos os recursos
alocados pelo programa REDD Early Movers financiado pelo banco alemão KfW.
62
Figura 1. Entidades que participaram da Rio+20, da Cúpula dos Povos e Fórum Empresarial.
Fonte: SANDONATO et. al. 2014.
63
À medida que o espaço parece encolher numa “aldeia global” de telecomunicações e
numa “espaçonave terra” de interdependências ecológicas e econômicas – para usar
apenas duas imagens conhecidas e corriqueiras -, e que os horizontes temporais se
reduzem a um ponto em que só existe o presente (o mundo do esquizofrênico), temos
de aprender a lidar com um avassalador sentido de compressão dos nossos mundos
espacial e temporal (HARVEY, 2012a, p. 219).
64
a mudança na experiência capitalista (compressão do espaço-tempo), também
constituem uma forma de legitimar o sistema vigente, que justifique sua aceitação.
Para analisar esse movimento de mudança de discurso, recorremos aos autores
Boltanski e Chiapello, que retomando a tese de Weber do “espírito do capitalismo”
(WEBER, 1999) e fazem uma leitura de que o capital atualiza esse “espírito” de acordo
com as mudanças na sociedade (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009). Segundo eles:
Para manter seu poder de mobilização, o capitalismo, portanto, deve obter recursos
65
fora de si mesmo, nas crenças que, em determinado momento, têm importante poder
de persuasão, nas ideologias marcantes, inclusive nas que lhe são hostis, inseridas
no contexto cultural em que ele evolui. O espírito que sustenta o processo de
acumulação, em dado momento da história, está assim impregnado pelas produções
culturais que lhe são contemporâneas e foram desenvolvidas para fins que, na maioria
das vezes, diferem completamente dos que visam a justificar o capitalismo
(BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009, p. 53).
66
sociedade se relaciona com as estruturas objetivas e as forças da economia.
Ainda segundo Bourdieu (1996, 2001), os campos possuem estruturas objetivas,
que são definidas pelas posições que os diversos agentes (indivíduos ou instituições)
que participam de cada campo, pelas disposições que esses agentes adquirem a
mediada que participam do campo (o habitus), e suas regras de funcionamento
específicas. Sem querer adentrar especificamente na complexidade do pensamento do
autor, entender a realidade do meio ambiente como um campo ambiental ajuda a
entender que as lutas e as disputas entre os diversos agentes fazem parte de uma lógica
própria, onde o próprio discurso é forjado no interior do campo, e como ele se relaciona
com outros campos da sociedade. O capital cultural que os agentes adquirem no campo
é que determina, ou limita, as ações dos outros agentes no campo.
Podemos dizer que desde a década de 60, vem se consolidando um campo
ambiental (CARVALHO, 2001; COSTA; 2005), em que tensões e disputas entre forças
sociais, com graus diferentes de visibilidade e poder, se desenvolvem. No seu interior,
temos aqueles que questionam o desenvolvimento e todas as suas implicações e que
estão relacionados, segundo Porto-Gonçalves:
Como também estão no campo aqueles que deslocam o debate enquanto uma
questão técnico-científica, como por exemplo, o Clube de Roma conformado por
grandes empresas mundiais como Fiat, XEROX, Ollivetti, Remington Rand, IBM, que
articulava os interesses do grande capital multinacional aos técnicos e cientistas. Esse
Clube financiou o estudo Limites do Crescimento (1971) que argumentava que a
“capacidade suporte” do planeta estava se esgotando (PORTO-GONÇALVES, 2002b;
2006).
Esse trabalho foi influenciado pelo pensamento neomalthusiano do final da
década de 60, que prevalecia à época, como se pode ver em duas publicações
importantes: em 1966, Paul Ehlich publicou “The Population Bomb”, cujo argumento
central afirmava que a capacidade humana de produção de alimentos só seria maior à
67
custa de uma grande devastação ambiental e que o grande crescimento populacional
levaria milhões de pessoas a passarem fome já a partir das décadas de 70 e 80; em
1968, Garret Hardin publicara “Tragedy of the Commons”, no qual defendia que a
disputa dos bens comuns por uma população cada vez maior geraria sua destruição e
que era necessário que esses bens fossem privatizados ou geridos pelo Estado para
evitar que eles fossem explorados de forma destrutiva (COSTA; 2005). É importante
destacar que Hardin iria posteriormente reavaliar suas próprias conclusões e também
criticaria a apropriação de seu trabalho, inclusive reescrevendo o artigo da Tragédia dos
Comuns mais de uma vez (HARDIN, 1998).
O relatório Limites do Crescimento teve grande importância na primeira grande
Conferência Mundial sobre Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972 (PORTO-
GONÇALVES, 2002b). Nessa conferência, também teve papel de destaque em sua
organização um ator muito importante dentro do campo ambiental, o Banco Mundial, em
que seu então presidente, Robert MacNamara, afirmara publicamente durante o evento
a necessidade de se conciliar crescimento econômico e respeito ao meio ambiente
(PEREIRA, 2011). Desde então, a questão ambiental passou a ser institucionalizada,
principalmente em instituições supranacionais (PORTO-GONÇALVES, 1996) e a
ganhar importância nas relações internacionais, constituindo um dos principais vetores
da nova des-ordem mundial (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006).
Como afirma Porto-Gonçalves “(...) veremos aproximações e tensões no interior
do campo ambiental entre perspectivas mais tecnocientíficas e outras mais abertamente
preocupadas com questões culturais e políticas” (PORTO-GONÇALVES, 2006 p. 68) e
que “(...) quase sempre, se procura deslocar o debate do terreno público para o terreno
tecnocientífico, como se esses dois campos fossem excludentes” (PORTO-
GONÇALVES, 2002b, p40). A disputa dentro do campo ambiental resulta em um
discurso que é mais legitimado, levando em consideração o que Zhouri coloca:
68
tecnologias alternativas, assimilando uma das características da subjetividade da
modernidade, a crença na capacidade redentora da técnica, ou no fetiche da tecnologia
(NOVAES, 2007), onde grandes setores empresariais relacionados à restruturação da
acumulação do capital, como as indústrias ligadas aos novos materiais, à
microeletrônica e à biotecnologia, se envolveram fortemente (PORTO-GONÇALVES,
1996). Pouco a pouco começa a ganhar muita força uma linha, baseada numa
racionalidade econômica, com o discurso da eficiência (melhoria de procedimentos de
produção) e da escala (menor consumo de matérias para produção), em que não se
questiona o objetivo, que é a acumulação capitalista (ACSELRAD, 2004a). Aqui é
importante destacar a ponderação de Acselrad:
69
processos biológicos são considerados análogos a economia de produtos e excedentes,
ou seja, como afirma Acselrad, pensa “(...) os sistemas vivos como compostos de um
‘capital/estoque’ a reproduzir e de um ‘excedente/fluxo’ de biomassa, passível de ser
apropriado para fins úteis sem comprometer a massa de ‘capital’ originário.”
(ACSELRAD, 2004a, p. 2).
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
(CNUMAD), conhecida também como ECO-92, foi o palco que consolidou e difundiu a
noção de “desenvolvimento sustentável” baseado no relatório Brundtland e fortaleceu
ainda mais dentro do campo ambiental e visão ambientalista técnico-científica e
neoliberal que recentemente culminou na noção de “economia verde”. Segundo Ribeiro
(2011), já na ECO-92, as grandes empresas transnacionais se pintavam de verde
apoiando projetos de conservação, “educação” ambiental, selos verde, etc., mas nunca
questionando o modelo produtivo e de consumo, “solucionando” os problemas
ambientais com tecnologias e negócios “verdes” em que seria possível o lucro e a
melhoria do ambiente. Como o neoliberalismo ambiental ainda está sendo forjado e
existem disputas dentro do campo ambiental, também dessa conferência saem
mecanismos contraditórios, que ainda consideravam o papel do Estado e da sociedade
como mediadores da questão ambiental, como a Agenda 21 e os Princípios da
Conferência. A proposta aparentemente nova da “economia verde” consolida o mesmo
caminho neoliberal, mas com processos mais intensos de produção de novas
tecnologias (nanotecnologia, transgênicos, biologia sintética, geoengenharia) e
mercantilização da natureza (RIBEIRO, 2011).
Como forma de assimilar a crítica gerada pela crise ambiental, no processo de
constituição de um novo espírito para o capitalismo, a racionalidade econômica induz,
numa forma de simular e perverter o pensamento ambiental, o discurso da
sustentabilidade, onde o equilíbrio ecológico e a justiça ambiental seriam conseguidos
pelo crescimento econômico orientado pelos mecanismos do livre mercado, buscando
conciliar dessa forma, os contrários da dialética do desenvolvimento (LEFF, 2008). Aqui
podemos dizer, segundo Acselrad, que temos a “(...) lógica da chamada modernização
ecológica, que estaria privilegiando a esfera econômica em relação à política: traduz-se
o meio ambiente em economia para não explicitar o que de conflito político ele encerra.”
(ACSELRAD, 2004a, p. 9).
Com a força da concepção de “desenvolvimento sustentável” dentro do campo
ambiental, também ganha muito peso uma ideia de consenso, em que termos como
parceria, participação, negociação, comunidade e sociedade civil, que faziam parte do
léxico das lutas por direitos como acesso aos bens naturais, ao território, ao espaço,
aos serviços urbanos, são apropriados e ressignificados pelo neoliberalismo, em uma
70
confluência perversa (DAGNINO, 2004), em que agora as responsabilidades passam
do Estado para a sociedade e os direitos são tratados de forma mercadológica
(ZHOURI, 2007). Exemplo desse processo de apropriação e ressignificação é o uso por
agências oficiais e de financiamento como o Banco Mundial de termos como “população
local”, que pode se referir tanto às comunidades indígenas como também às empresas
madeireiras voltadas para a exportação (ZHOURI, 2006), assim como “resolução de
conflitos”, onde a “resolução” sempre resulta no convencimento (pelas ideias ou pela
força) das comunidades pela aceitação dos projetos estrangeiros nos seus territórios
(FURTADO; STRAUTMAN, 2012). Nesse mesmo sentido de fortalecer a ideia de
consenso, Acselrad afirma:
Um meio ambiente único é então evocado para soldar as forças sociais da cidade. O
discurso ambiental serve também para isto; não exclusivamente, mas é, também,
apropriado por este viés – o de que o “ambiente” é uno, diz respeito a todos, é supra-
classista e justifica devermos darmos-nos as mãos, fazer uma só e inelutável política
para protegê-lo. No entanto, mesmo que em nome do interesse de todos, é a política
de algum grupo que será feita. (ACSELRAD, 2007, p. 4)
4 A sigla ONG deve ser interpretada não mais como Organizações NÃO-Governamentais, mas
sim como Organizações NEO-Governamentais, como já sugerira Porto-Gonçalves em 1996
71
conferências ambientais (PORTO-GONÇALVES, 2006; HAESBAERT; PORTO-
GONÇALVES, 2006; PEREIRA, 2011) e culmina na consagração da “economia verde”
na última grande conferência ambiental, a Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável (CNUDS), conhecida também como Rio+20.
72
Figura 2. Formas de fluxo de carbono consideradas no mecanismo de reduções de emissões
por desmatamento e degradação (1). Fonte: EPRI, 2012.
73
A demanda por estímulo e regularização desse mercado fez com que o Brasil,
em 2009, aprovasse a Política Nacional sobre Mudança Climática (PNMC) com o
pretexto de reduzir em quase 40% as emissões de gases até 2020, compromisso
assumido internacionalmente. Esse conjunto de medidas, em que a redução de
desmatamento seria responsável por 80% das reduções de emissões, opera na lógica
do mercado de carbono, em que a PNMC cria a demanda pela redução das emissões
e delega ao mercado, através de autorização de emissões de bônus e créditos de
carbono por setores tidos como “limpos” (PACKER 2012). Também temos um projeto
de lei (PL nº 195/2011) tramitando no congresso, com o objetivo de regulamentar o
mercado de REDD/REDD+ estabelecendo o Certificado de Redução de Emissões por
Desmatamento e Degradação Florestal (CREDD), título mobiliário representativo de
uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) (PACKER, 2012). O projeto de lei cria direitos
sobre o carbono ou a propriedade privada do ar, transformando as florestas e territórios
em “lastros”, garantindo a emissão dos títulos que são comercializados e comprados
por agentes privados que pagam por “serviços” ambientais realizados pelos detentores
das florestas e territórios (GLASS, 2012). Esses “ativos verdes”, resultantes de créditos
ou bônus de carbono, serão negociados na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa)
e no final de 2011, foi criada a Bolsa Verde do Rio (BVRio), com o objetivo de promover
o mercado de ativos ambientais (PACKER, 2012).
A partir da COP-10 da Convenção da Diversidade Biológica em Nagoya, em
2010, ganhou peso político no debate sobre a conservação da biodiversidade um estudo
chamado “The Economics of Ecosystems and Biodiversity” (TEEB) que propõe um
instrumento que possibilitaria precificar todas as interações entre os seres vivos
(MOURA; DURÃO, 2011). Podemos dizer que a origem desse tipo de proposta vêm de
muitos antes e já na década de 70, Robert Costanza, economista ecológico já elaborou
a disciplina de “serviços ambientais” na qual atribuía um valor econômico para as
interações e características ecológicas (CONSTANZA et al. apud FAUSTINO;
FURTADO, 2015). A partir de então, as bases para o mecanismo de Pagamento por
Serviço Ambiental (PSA) começa a serem desenvolvidas.
A partir dessa lógica, são determinados “fornecedores” que podem vender e
compradores desses “serviços”, o que demanda para tal transação a padronização de
unidades que podem ser quantificadas, verificadas e certificadas (KILL, 2014; WRM,
2012 apud FAUSTINO; FURTADO, 2015). Dessa forma temos um processo de
simplificação da complexidade social e ecológica da biodiversidade (FAUSTINO;
FURTADO, 2015), um reducionismo tanto econômico, quanto biológico.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), em seu
relatório preparatório para Rio+20 “Rumo a Economia Verde – Caminhos para o
74
Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza” enfatiza o papel do REDD+
de facilitar a transição para uma “economia verde” (PNUMA, 2011) e mesmo em
períodos de crise financeira, existem grandes investimentos relacionados ao
desenvolvimento desses mecanismos, provindo principalmente dos EUA através da
Agência Internacional para o Desenvolvimento dos EUA (USAID) (MORENO, 2011).
Durante a Rio+20, a síntese desse processo de defesa da mercantilização e
privatização dos bens naturais ocorreu com a consolidação da “economia verde” como
proposta para enfrentar a problemática ambiental. Ela se apoia basicamente em 3
pilares segundo Ribeiro (2011): 1. Uma maior mercantilização e privatização dos bens
naturais que passam a ser considerados “serviços” para os mercados financeiros; 2.
Novas tecnologias e grande aumento da produção e consumo de biomassa; 3. Um
marco regulatório que permita essas políticas ambientais.
Segundo sistematização realizada por FURTADO e FAUSTINO, (2015), hoje as
principais fontes para esse tipo de mecanismo são: Fundo de Parceria de Carbono
Florestal (BIRD), criado em 2007; Programa das Nações Unidas (UN-REDD), criado em
2008; Programa de Investimento Florestal – Fundo Estratégico Climático (BIRD), criado
em 2009; Parceria Florestal Mundial de REDD+ que envolve 58 países e foi criado em
2010; REDD Early Movers (KfW) que conta com apoio do GIZ e foi criado em 2012 e
Fundo Amazônia (BNDES), fundo voluntário que tem financiamentos bilaterais como da
Noruega e Alemanha e de empresas como Petrobrás e foi criado em 2008.
Apesar da retórica em favor desses mecanismos, quando analisamos a dinâmica
do mercado ao qual estão inseridos, os limites de superar problemas ambientais ficam
evidentes. Para pagar o “custo da oportunidade” do não desmatando das florestas,
precisa haver uma demanda pelos créditos de compensação e, por tanto, o crescimento
das atividades que geram a necessidade de comprar esses créditos, atividades essas
que geram um aumento da poluição e emissão de gases do efeito estufa (MORENO,
2011). Então, vemos um atrelamento da chamada “economia marrom” a “economia
verde”, pois quanto maior for a atividade industrial e do agronegócio, maior é o valor dos
“ativos ambientais”. (PACKER, 2012). Além disso, como o central é a redução de
emissões, créditos podem ser gerados por projetos de recuperação de áreas
degradadas com monocultivos florestais, o que não tem efetividade na recuperação de
biodiversidade. Também não existe obrigação, por parte do investidor ou empresa, de
levar em consideração as áreas próximas aos projetos em execução. Essas áreas
podem ser afetadas quando o desmatamento evitado em nas áreas dos projetos de
REDD/REDD+, “vaza” ou pressiona áreas de territórios próximos. (MORENO, 2011)
Mas, para além dessas pressões “indiretas”, o REDD/REDD+ é uma forma de
integrar novas áreas ao mercado capitalista, principalmente terras públicas ou territórios
75
de povos indígenas, quilombolas e camponeses, gerando um processo de
mercantilização e de especulação desses territórios e, portanto, de tensões entre
territorialidades (PORTO-GONÇALVES, 2006, 2012). Como muitas das áreas que estão
sendo incorporadas, principalmente na Amazônia, têm dinâmicas de apropriação
comunitária da terra, quase sempre consuetudinárias, não baseadas no nosso direito
formal, distintas da lógica da propriedade privada e por tanto com regulação jurídica
formalmente precária, são mais suscetíveis as pressões geradas pelos processos de
privatização e mercantilização dos mecanismos de REDD e REDD+ (PORTO-
GONÇALVES, 2012). São áreas vulneráveis a violação dos direitos humanos e ao
consentimento livre, prévio e informado, entre outras, criando ou acirrando processos
de conflito (MORENO, 2011).
Além disso, os projetos de REDD limitam as práticas desses povos nos
territórios, algo recorrente nas políticas ambientais no Brasil conforme afirma Porto-
Gonçalves (2006) alertando que unidades de conservação estão sendo criadas sem a
primazia do controle e gestão dos bens naturais pelas populações originárias, passando
para ONGs e empresas a administração do “uso racional dos recursos naturais”.
76
melhorar sua imagem pública e colocá-lo com um agente importante no debate das
políticas ambientais (PEREIRA, 2011).
Porém isso não alterou em nada sua política neoliberal, apenas abrindo uma
nova oportunidade em sua agenda com respeito a mercantilização dos bens naturais.
Com a legitimidade do discurso do “desenvolvimento sustentável”, promoveu um regime
internacional de normas direcionado as instituições, em que os Estados só seriam aptos
a conseguir empréstimos mediante a restruturação das legislações nacionais
relacionadas aos bens naturais, que possibilitassem o livre comércio destes como
”ativos ambientais” (PEREIRA, 2011).
Uma importante ferramenta que possibilitou o “esverdeamento” do Banco e o
aumento do seu poder de influência nas políticas ambientais foi a criação do Fundo
Global para o Meio Ambiente (Global Environmental Facility – GEF) que lhe possibilitou
administrar recursos de projetos ambientais internacionais. Com a legitimidade
conferida pela ECO-92, com a presença de 118 chefes de Estado, o Banco Mundial,
através do GEF passou a ser a principal fonte multilateral de financiamento para
implementação da Agenda 21 (PEREIRA, 2011).
Outra força muito importante dentro do campo ambiental que gerou mudanças
significativas no rumo do debate ambiental é representada pelas grandes ONGs
ambientalistas que ganharam cada vez mais influência nas conferências ambientais da
ONU e também nos governos nacionais, especialmente nos países periféricos do
capitalismo (DIEGUES, 2008). Elas que antes tinham uma postura de enfrentamento
aos grandes projetos de desenvolvimento financiados principalmente pelo Banco
Mundial, passaram a ser parceiras e cogestoras de projetos financiados pelo Banco,
tendo maior poder de influência nas políticas de gestão ambiental (ZHOURI, 2006;
PEREIRA, 2011; DIEGUES, 2008). Isso pode ser exemplificado pelo discurso de uma
das maiores ONGs ambientalistas, a World Wildlife Fund (WWF), que no momento de
um lançamento de campanha de suas estratégias florestais, em 1995, colocou a
prioridade nas interações positivas, construção de consenso e soluções comuns para
as questões de conservação e manejo florestal (ZHOURI, 2006). Temos então a
tendência a hegemonização do “ambientalismo de resultados”, em que, como diria
Zhouri “(...) as organizações voltam-se para uma acomodação ao paradigma dominante
de adequação ambiental, no bojo do atual modelo de sociedade” (ZHOURI, 2006, p.153)
Essas grandes ONGs ambientalistas como WWF, a Conservation International
(CI) e The Nature Conservancy (TNC), têm uma concepção preservacionista, com
tendência a separar os aspectos sociais dos ambientais. Enfatizam os “perigos para a
biodiversidade” como perda de ambientes naturais, introdução de espécies exóticas,
fragmentação dos ambientes e prioritariamente investem seus esforços na criação de
77
unidades de conservação integrais apartadas da interação com a espécie humana, além
de mecanismos financeiros para compensação e regulação dos problemas ambientais
(DIEGUES, 2008; ESCOBAR, 1998). Como elas têm o apoio de organização financeiras
multilaterais como o Banco Mundial ou instituições como a Agência dos Estados Unidos
para o Desenvolvimento Internacional (USAID), há fartura de recursos para implementar
ou financiar suas ações, principalmente em países periféricos do capitalismo que não
possuem recursos. Assim, essas ONGs atuam de diferentes formas, realizando
treinamentos e formações, identificando áreas prioritárias para conservação e
realizando planos de manejo, geralmente para áreas de proteção integral. Fazem isso
seguindo critérios externos que tem mais relação com as instituições que as financiam
do que com as especificidades dos locais aonde os planos de manejo são colocados
em prática, gerando conflitos com as comunidades locais que muitas vezes são
expulsas de suas áreas originárias (DIEGUES, 2008; PORTO-GONÇALVES, 2006).
Outro mecanismo importante que as grandes ONGs ambientalistas apoiam e
ajudam a executar, utilizando o conhecimento técnico e a eficiência com base no
“desenvolvimento sustentável” é a criação de certificação “verde” de produtos, o que
pode ser demonstrado pelas políticas de manejo florestal construídas principalmente
para a Amazônia. Essas grandes ONGs ambientalistas associadas ao setor madeireiro
desenvolveram um mecanismo de certificação de madeira chamado Forest Stewardship
Council (FSC), com base na “construção de consensos” e assim facilitando práticas
industriais orientadas para eficiência na produção. Apesar dos defensores da
certificação alegarem que ela beneficia “comunidades locais”, ela basicamente beneficia
as grandes indústrias madeireiras de exportação (ZHOURI, 2006). Zhouri afirma que
“Como lugares vazios no contexto do mercado global, as florestas são reduzidas ao
estatuto de mercadoria para a sustentabilidade do hegemônico modelo econômico”
(Zhouri, 2006, p.165).
Outro exemplo de certificação “verde” mais recente e emblemático da
“construção de consensos” é o “selo verde” atribuído pela WWF em parceria com
empresas como Bunge, Cargill, Monsanto, Nestlé, Shell, Syngenta, Unilever para a
produção de “soja responsável” no Brasil, em 2011, ao Grupo Maggi, um dos maiores
produtores de soja do mundo que tem áreas com plantio de soja em largas extensões
principalmente no Mato Grosso (CM AMAZÔNIA, 2013b). Podemos ver que a retórica
do “esverdeamento” pode ser empregada largamente, incluso em situações como essa,
em que um modelo de produção que para muitos é predatório e altamente impactante
para o ambiente é considerado “verde” por esse selo.
78
Nos projetos relacionados a mecanismos de serviços ambientais, os
compromissos firmados em contrato, pelos “fornecedores” de “serviços” ambientais,
geram obrigações e restrições que muitas vezes excluem práticas tradicionais de
agricultura e extrativismo realizadas nos territórios, criminalizando seus detentores
(MORENO, 2011, 2012, PACKER, 2012). Por exemplo, o programa Bolsa Verde do
governo federal brasileiro gera, para os beneficiários, obrigações de cumprimento de
metas de redução de emissões, requisitos do termo de adesão, que quando não
cumpridos, além da perda da bolsa, podem gerar multas por práticas como os roçados
de subsistência (PACKER, 2012). Esses projetos prejudicam as práticas realizadas por
esses povos e também atingem a soberania dos territórios. Temos um exemplo claro
disso no caso dos índios Munduruku que firmaram um contrato com a empresa irlandesa
Celestial Green (especializada no mercado de carbono). A empresa teria livre acesso a
extensão de 2,3 milhões de hectares do território Munduruku, localizado no município
de Jacareacanga (PA), e direito de propriedade de quaisquer benefícios gerados pela
biodiversidade da área durante o período do contrato (30 anos). O Contrato também
proibiria os índios de utilizarem suas terras sem a prévia autorização da empresa
compradora dos “serviços” ambientais (PACKER, 2012; GLASS, 2012; SALOMON,
2012). Esse contrato acabou sendo invalidado pelo ministério público federal devido as
condições do mesmo. Entretanto, segundo informações da Fundação Nacional do Índio
(FUNAI), existem mais 30 contratos parecidos ao assinado pelos índios Munduruku
(SALOMON, 2012).
Apesar da hegemonia do discurso neoliberal de consenso do “desenvolvimento
sustentável”, dentro do campo ambiental ainda estão presentes outras perspectivas
sobre o debate, que se originaram em parte nas mobilizações sociais do final da década
de 60. Como afirma Acselrad (2004a):
79
mecanismos de mercado relacionados ao meio ambiente, e como resultado produziram
a Carta de Belém, em que não aceitam tais mecanismos como solução, pois são formas
de fortalecer o poder econômico e político dos principais agentes, em detrimento das
populações, e permitem que os países industrializados continuem poluindo (CARTA DE
BELÉM5, 2009,). Em Abril de 2010, em Cochabamba na Bolívia, na Conferência
Mundial dos Povos sobre Mudanças Climáticas e os Direitos da Mãe Terra, o “Acuerdo
de los Pueblos” produzido condenou o REDD, que segundo o documento, está violando
a soberania dos Povos, seus direitos e os direitos da Natureza. (CMPCC, 2010).
Simultaneamente a COP-16, em Cancún no México, ocorreram diversas encontros e
manifestações contrárias às políticas do mercado de carbono. A declaração do Fórum
Internacional de Justiça Climática afirmou que o REDD tem como objetivo incorporar ao
mercado terras férteis e bens naturais através de contratos que visam o controle dos
territórios, violando a soberania territorial e constituem uma contra reforma agrária em
escala global (FORO INTERNACIONAL DE JUSTICIA CLIMÁTICA, 2010). Várias
declarações foram produzidas, fruto da resistência às posições oficiais favoráveis ao
REDD/REDD+ na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável
(Rio+20). Uma das mais contundentes foi a denúncia dos conflitos explicitada pela
declaração “Não ao REDD+! na Rio+20”:
80
processo de apropriação, mercantilização e controle dos bens naturais que existem nos
territórios campesinos e indígenas (VIA CAMPESINA, 2012). Já em 2013, durante a VI
Conferência Internacional da Via Campesina, em um dos documentos produzidos é
colocado, que dentre mecanismos da chamada “Economia Verde”, o REDD/REDD+
deve ser imediatamente detido e a dívida climática e ecológica dos países centrais do
capitalismo deve ser enfrentada (VIA CAMPESINA, 2013).
Durante o Abril Indígena de 2013, jornada de luta dos povos indígenas, realizada
devido ao avanço de diversas ameaças aos seus territórios, um ponto claro colocado na
“Declaração da mobilização indígena nacional em defesa dos territórios indígenas” foi a
crítica ao projeto de lei (PL 195/11) que prevê a instituição de um sistema nacional de
REDD+. Segundo o documento: “em flagrante desrespeito ao princípio constitucional
que prevê usufruto exclusivo das terras pelos próprios povos indígenas, o PL elege,
dentre outras, as terras indígenas como objeto de projetos de REDD+.” (ABRIL
INDÍGENA, 2013). Durante a COP de Lima, em 2014, os projetes de REDD+ foram
julgados no Tribunal Internacional da Natureza em que foi colocado que enquanto a
natureza for considerada propriedade na lei, não haverá justiça para as comunidades,
o clima e a natureza (Redd-Monitor.org apud FAUSTINO; FURTADO, 2015)
A perspectiva proposta por Martinez-Alier (2002) do “ecologismo dos pobres”,
em que os sujeitos sociais são os ameaçados pela contaminação das indústrias,
camponeses ameaçados pelas construção de barragens ou pelos grandes latifúndios
com monocultores, e que lutam e resistem ao processo de espoliação, aponta para um
caminho que se leve em consideração outras matrizes de se pensar a sustentabilidade,
pensando também na diversidade cultural e equidade.
Existe “um processo de resistência ao “alisamento” do território e à abstração
das diferenças” (PORTO-GONÇALVES, 2013, p. 1). Leff afirma que:
(...) emergem hoje em dia lutas de resistência dos povos a submeter-se às regras
homogeneizantes do mercado globalizado: a serem reduzidos a elementos de um
“capital humano”, a dissolver seus valores e estilos de vida (LEFF, 2006, p. 236).
81
2.2. Confluência perversa no campo ambiental e conformação do bloco
hegemônico no Acre (localização no tempo e no espaço)
Agora que já situamos o debate nesse campo ambiental com disputar de poder
em uma correlação de forças desigual e introduzimos os mecanismos do capitalismo
vede, abordaremos mais especificamente o Acre melhorando o contexto de nossa
problemática. Para entender por que o sistema que estudamos foi formulado no Acre é
importante resgatar o contexto geográfico-histórico desse estado, principalmente da
década de 70 para cá, e os sujeitos que foram fundamentais para esse contexto.
Também é importante entender como a dinâmica de disputas dentro do campo
ambiental influenciou um movimento de inflexão e aproximação de sujeitos que antes
eram antagônicos e como foi construído um bloco de poder hegemônico fundamental
para implementar e legitimar as políticas que construíram as bases para o SISA.
As elaborações contidas nessa seção, serão parte de publicação conjunta com
o orientador dessa publicação, professor Dr. Carlos Walter Porto-Gonçalves.
Os altos cursos dos rios Purus e Juruá, grandes afluentes da margem direita do
rio Amazonas6, vêm sendo palco de originalíssimas iniciativas político-institucionais.
Desde a segunda metade dos anos 1980 que a região vem contribuindo para imprimir
um novo sentido ao campo ambiental através do que viria, mais tarde, a ser conhecido
como “ecologismo dos pobres” (MARTINEZ-ALIER, 2002), “ecologismo popular” e
“ecosocialismo”, onde a questão social aparece imbricada com a questão ambiental.
O/as seringueiro/s tiveram um papel protagônico ao colocarem essa região no centro do
debate mundial nesses anos 1980. Por outro lado, e com/contra essa corrente do
“ecologismo dos pobres”, “ecologismo popular” e “ecosocialismo”, surge uma outra
perspectiva onde a questão ambiental é vista como oportunidade de negócio, como
oportunidade de lucro, como um novo campo para a acumulação de capital. Para essa
corrente, veremos, a questão técnica aparece como fundamental.
Não é a primeira vez que essa região passara a ser objeto de interesses e notícia
no cenário internacional. A região que viria a ser conhecida como Acre começou a
ganhar o atual contorno jurídico-territorial com o chamado “ciclo da borracha” que, nessa
região específica da Amazônia, se estendeu de 1870 a 1920. O Tratado de Ayacucho,
de 1867, que tratava das fronteiras entre o Brasil e a Bolívia reconhecia explicitamente
82
que os limites entre os países “estavam às cegas”, o que indica o caráter periférico e
marginal da região até finais do século XIX e inícios do século XX.
Por essa época, os/as seringueiros/as sob o comando dos “patrões seringalistas”
e suas “correrias” protagonizaram a inserção à divisão internacional capitalista do
trabalho com o mono-extrativismo da goma elástica (a borracha). Sublinhe-se a
expressão mono-extrativismo na afirmação anterior, haja vista a Amazônia se
caracterizar, até o “ciclo da borracha”, por ofertar uma enorme variedade de frutos,
ervas, resinas, madeiras, peles e peixes que configurava uma pauta de exportação com
centenas de produtos onde nenhum deles ultrapassava mais que 3% do total (SANTOS,
1980). Registre-se que a ocupação humana da Amazônia remonta a cerca de 11.200
anos, segundo Anna Roosevelt (ROOSEVELT et. al., 1996), período que corresponde
ao recuo da última glaciação – a Glaciação Würm ou Wisconsin – quando os climas do
planeta ficaram mais úmidos e as amplas áreas de savanas que cobriam a Amazônia
atual passam a ser “colonizadas” pela floresta, como coloca Aziz Ab’Saber (AB’SABER,
1997). Todo esse período, de mais de onze milênios de coevolução entre a formação
da floresta e a ocupação humana plasmaram um rico acervo de conhecimentos de caça,
coleta, pesca, agriculturas, culinárias, medicinas e arquiteturas, enfim, de povos que
com suas culturas souberam tirar proveito de uma floresta que oferece, em média, de
40 a 70 toneladas de biomassa líquida (produtividade biológica primária) por
hectare/ano.
Ao período da borracha considerado áureo pelos seringalistas e casas aviadoras
ligadas à sua exploração, segue-se a perda de liderança amazônica, particularmente
brasileira, no mercado internacional do látex que passa ao controle britânico através de
suas colônias asiáticas. No Acre, aquela história ancestral de mais de 11.000 anos a
que veio se juntar a história de finais do século XIX e inícios do XX, virá se somar uma
história ainda mais recente protagonizada pelos/as seringueiros/as que sobreviveram
ao ciclo da borracha depois dos anos 1920 que, em vez de continuarem a fazer
“correrias”, tiveram que aprender com os povos originários modos de
conviver/sobreviver com a floresta. Afinal, o legado do seringalismo patronal (1870-
1920) não só proibia que se plantasse ou se criasse o que quer que fosse, não só para
manter o seringueiro-produtor de borracha comprando tudo que necessitasse no
“barracão do patrão”, no “puesto gomero”, como também para que maximizasse a
produção de borracha na medida em que a coleta do látex estava restrita ao período do
ano que não chovia e, como sabemos, os dias sem chuva são os que se deve lavrar a
terra. Nesses dias, os seringueiros estavam proibidos pelos patrões de lavrarem a terra
e, deste modo, deviam dedicar todo seu tempo à coleta do látex. A região do rio Acre-
Purus era, particularmente, benfazeja para a exploração do látex pois é a área na
83
Amazônia que dispõe de mais dias sem chuvas, cerca de 180 dias/ano. Em suma, o
seringueiro que sobreviveu ao seringalismo patronal sequer tinha algo para comer como
legado daquela época: a borracha não se come e só servia como mercadoria, como
valor de troca. Enfim, muitos ex-patrões seringalistas a partir da decadência do
seringalismo mono-extrativista foram gozar das imensas riquezas que acumularam,
principalmente em Fortaleza, no Rio de Janeiro, em Manaus ou em Belém. Os/as
seringueiros/as que permaneceram se viram obrigados a diversificar a extração de
frutos e resinas da floresta, obtendo dos indígenas ensinamentos que lhes foram vitais
e começaram a praticar a agricultura e a criação de pequenos aninais para subsistência,
que antes também estavam proibidos7. Passaram, ainda, a constituir família, o que
também antes estavam proibidos, agora se casando com uma índia. Enfim, com a crise
do seringalismo patronal um novo Acre começa a emergir onde os/as seringueiros/as
cumprem um papel relevante construindo uma nova relação com a floresta e com os
povos que nela habitavam ancestralmente.
São esses/essas seringueiros/as autônomas/os que vão colocar o Acre
novamente no centro de um debate de interesse mundial nos anos 1980, quando a
região volta a ocupar as manchetes internacionais, agora em virtude da ação desses
grupos sociais até então invisibilizados. E, mais, os/as seringueiros/as que antes, no
sistema do seringal-empresa, do seringalismo patronal, co-protagonizaram as
“correrias”, agora, se manifestam aliados politicamente aos indígenas com a Aliança dos
Povos da Floresta.
A Amazônia passa a viver uma nova fase da sua ocupação geográfica a partir
dos anos 1960, fase essa marcada por dois macroprocessos que lhes são externos e
que, a princípio, eram independentes entre si:
De um lado, um macroprocesso geopolítico interno ao país em que a região
passa a estar integrada fisicamente à rede de transportes ao centro-sul do país, com
construção da Rodovia Belém-Brasília (1962) e, mais tarde, com a integração à região
Nordeste do país, com a Transamazônica (1970). Esse processo de integração imposto
à região pelas elites empresariais, burocráticas e militares desde uma perspectiva
externa à região, se aliará ao grande capital internacional ainda que sob um discurso
nacionalista de “integrar para não entregar”, como se dizia à época da ditadura. Grandes
7Em censo demográfico realizado no então Território Federal do Acre, em 1910, cerca de 75%
da população era de homens e somente 25 de mulheres. Ou seja, com essa relação entre os
gêneros não era uma sociedade o que se constituía no Acre.
84
grupos empresariais do setor de mineração serão convidados a investir na região em
parceria com a empresa estatal Vale do Rio Doce para explorar a bauxita, o ferro, o
caulim e outros minérios no maior complexo de exploração mineral em produção no
mundo: a Projeto Grande Carajás. Toda a logística de estradas de rodagem (Belém-
Brasília e Transamazônica) e ferrovias (E.F. Carajás), de energia (Tucuruí), portuária
(Barcarena, no Pará, e Itaqui, no Maranhão) será acompanhada de um sistema de
normas, como diria Milton Santos, onde se destacam subsídios e isenções fiscais para
investimentos na região, como os polpudos subsídios para a energia para as industriais
mineiras, altamente consumidoras de energia como a indústria do alumínio que explora
bauxita.
De outro lado, um macroprocesso que se desenvolve à escala global e que
introduz um novo vetor geopolítico na nova ordem mundial: o vetor ecológico. O marco
normalmente tomado para isso é a Conferência sobre Meio Ambiente convocada pela
ONU em Estocolmo, em 1972. Como vimos no debate do campo ambiental, existe uma
disputa com correlação de forças desigual que definem os rumos desse vetor ecológico
e neoliberalismo ambiental promove uma geopolítica que aprofunda desigualdades.
Os dois macroprocessos acima enunciados vão se encontrar tendo a Amazônia
como um palco privilegiado, e o Acre em particular. A Conferência de Estocolmo
estabeleceu um novo princípio nas relações internacionais ao introduzir o tema
ambiental como estruturante nas relações entre países e suas relações com as
empresas. O governo brasileiro, então uma ditadura sob tutela militar aliada ao
capitalismo internacional em plena Guerra Fria, criará imediatamente, em 1973, uma
Secretaria Especial de Meio Ambiente, a SEMA, ligada diretamente à Presidência da
República, o que não é qualquer coisa numa ditadura. Sua missão era, sobretudo,
garantir que as mega-obras projetadas pelo regime (Rodovia Transamazônica,
Hidrelétrica de Tucuruí e de Balbina, Estrada de Ferro Carajás, Porto de Itaqui, para nos
restringirmos às obras amazônicas) cumprissem aquelas exigências ambientais para
obter o aval do Banco Mundial e outras organizações do sistema de poder mundial para
que pudessem captar os investimentos necessários. Surge um ambientalismo
burocrático a serviço dos megaprojetos estatais-empresariais8.
8 Registre-se que grande parte da devastação da Amazônia e da enorme dívida externa legada
pela ditadura contou com o aval do capital internacional e das organizações multilaterais. O
processo de democratização que se seguiu não se estendeu à auditoria da dívida ecológica e
financeira. Eis um tema que permanece aberto na agenda política.
85
Desde então, uma nova leitura se impõe sobre a Amazônia agora não mais somente
como uma reserva9 inesgotável de recursos e como futuro10 dos países que sobre ela
exercem soberania. A região se torna um verdadeiro “hot spot” do debate ambiental
mundial onde aparece ainda como se fosse a “última fronteira” de natureza prístina.
Verdades pseudocientíficas passam a circular como a “Amazônia, pulmão do mundo”
repetida ad nauseam. Todavia, pouco a pouco um consenso científico vai sendo
produzido sobre a região que a coloca no centro do debate ambiental planetário,
sobretudo pelo papel da floresta na dinâmica climática global, sua riqueza hídrica e a
enorme riqueza em biodiversidade, o que não é qualquer coisa diante dos novos
paradigmas científico-tecnológicos que começam a se desenhar, em particular, a
engenharia genética e novos materiais.
A Amazônia passa, então, a ser disputada, por cima, por setores capitalistas
apoiados em dois paradigmas científico-tecnológicos distintos:
b) Um paradigma que vai tentar se apropriar da tradição milenar dos povos da região de
viver com a “floresta em pé”. Desse paradigma faz parte um setor tecnologicamente de
ponta, bioengenharia e de novos materiais sobretudo, que requer a preservação de
amplas áreas para a pesquisa de material genético e outros novos materiais. Um novo
tipo de latifúndio começa a se desenhar, o latifúndio genético, onde o Estado cumpre
um papel de guardião estratégico ao criar unidades de conservação ambiental restritas,
grandes empresas mineradoras terem suas sedes nos países capitalistas centrais, o faz,
paradoxalmente, muito vulnerável às denúncias de suas ações. Seus enormes ganhos
derivados, inclusive da renda de monopólio (renda absoluta e renda diferencial por teor) permite
concessões a la carte.
86
com base no paradigma eurocêntrico que separa a natureza da sociedade. Esse setor
estabelece relações de outro tipo com as populações tradicionais, pois depende em
grande parte do conhecimento tradicional dessas populações como fonte de
conhecimento. Mais que biopirataria, como comumente se chama este tipo de roubo,
estamos diante não de roubo de plantas e animais, mas sim de roubo de conhecimento
sobre essas plantas e animais, logo etnobiopirataria. Também associado a esse
paradigma estão os interesses, a partir das áreas legalmente protegidas como unidades
de conservação e terras indígenas, de utilizar essas áreas como reserva para
especulação financeira através de mecanismos de mercado relacionados aos serviços
ambientais, como Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD),
assim como estoque de madeira e outros bens para futura exploração. Através desse
paradigma os territórios das populações tradicionais passam a ser alvo dos interesses
desses novos setores empresariais gerando novos conflitos territoriais. Aqui, esse
corrente técnico-científica de um ambientalismo da “floresta em pé” se afirma em grande
parte apoiado por grandes corporações empresariais e, através delas, muitas ONGs12.
12 Mais tarde um pacto territorial entre essas duas correntes se fará em torno dos zoneamentos
econômico-ecológicos pela mediação de gestores estatais.
13 “Gaúcho” passou a ser uma designação genérica para todo sulista que migrava para a
Amazônia em virtude da predominância dos que vinham do Rio Grande do Sul. A mentalidade
colonial dos filhos de imigrantes italianos e alemães, principalmente, se fará sentir na “fronteira”
contra os “caboclos”, indígenas e “nordestinos”.
14 Registre-se que a Cia. Vale do Rio Doce, assim como a extinta Cia. Siderúrgica Nacional –
CSN - foram criadas em 1942 como parte das negociações do governo brasileiro para sair de
sua posição de neutralidade na guerra e oferecer a borracha para os Aliados contra o Eixo, haja
vista que a maior parte da goma elástica, artigo tecnicamente estratégico, estava na Ásia.
87
2.2.1.2. A Aliança dos Povos da Floresta: um outro protagonista desde abajo
88
Essa rede de alianças se articulava em várias direções e escalas: na base, os
Sindicatos de Trabalhadores Rurais - STRs - comandavam os “Empates” e, com a ajuda
do jornal “O Varadouro: um jornal da selva” e do Centro de Trabalhadores da Amazônia
– CTA – ampliavam a organização da base político-comunitária com base na educação
apoiada no método Paulo Freire e, à escala nacional, se articulavam com a Central
Única dos Trabalhadores – CUT- no campo sindical; com os Comitês de Apoio aos
Povos da Floresta (Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro) no campo do movimento
popular envolvendo ambientalistas, artistas, intelectuais, cientistas e também ativistas
do movimento sindical e, ainda, à escala nacional com o Instituto de Estudos
Amazônicos – IEA - com sede em Curitiba17, através de quem se articulavam
internacionalmente obtendo apoio político e material de organizações como Ashoka e
Environmental Defense Fund – EDF18.
É importante destacar a importância das relações do movimento seringueiro com
o IEA e o EDF entre outros para o futuro do movimento e para a conformação do bloco
de poder que se constituirá no Acre em finais dos anos 1990 como veremos mais à
frente. A aproximação com essas ONGs, que tanto ajudaram a dar visibilidade
internacional para luta dos seringueiros no Acre, também foi o começo de uma relação
que pressionará por mudar o sentido do movimento pelas relações que essas ONGs
ambientalistas mantêm com as organismos multilaterais e organizações financeiras,
sendo que essas últimas são protagonistas do que chamamos deslizamento do caráter
público do Estado para o setor privado corporativo.
Os Povos da Floresta através dos camponeses florestais, conforme os designa
o antropólogo acreano e professor da Unicamp Mauro Almeida, com seus “Empates”
emprestam uma enorme legitimidade à luta em defesa da Amazônia, de dentro para
fora. As elites políticas brasileiras buscavam, às tontas, alternativas diante do
protagonismo desses grupos sociais em suas lutas contra a expropriação e a
devastação ao mesmo tempo. Ao mesmo tempo que estavam fazendo “Empates” em
Boca do Acre, ou em Xapuri ou em Brasileia estavam também em Nova Iorque ou em
Londres articulando a luta pela Terra, com maiúscula, pois assim demonstravam a
dimensão planetária de sua luta local. Estavam também em Brasília como dirigentes da
CUT fazendo a luta pela terra, com minúscula, ainda que emprestando um sentido
país (ou numa região, como a América Latina) que acabara de sair de uma ditadura, empresta
legitimidade para quem o nega mesmo que essa negação venha de um campo não-liberal. A
“confluência perversa”.
17 Inicialmente coordenado pelas antropólogas Mary Allegretty e Lucia Helena de Oliveira Cunha.
18 A figura do antropólogo Stephan Schwartzman, do EDF, foi fundamental nas articulações nos
89
própria a essa luta19 como luta por território. Ou, ainda, se fazendo presente no “Empate”
realizado em pleno Rio de Janeiro, em 1987, quando obrigaram o então governador do
Acre, Sr. Flaviano Mello, a mudar sua agenda pública naquela cidade quando procurava
atrair investidores para o Acre. Em vez de “vender o Acre”, como seus opositores
denunciavam, o governador teve que dar explicações públicas sobre os atentados
contra trabalhadores rurais que haviam sido baleados em Xapuri em sua luta pela
terra/território na véspera de sua visita ao Rio de Janeiro. Em menos de 24 horas
dezenas de ativistas convocados pelo Comitê de Apoio aos Povos da Floresta daquela
cidade haviam ocupado o Clube de Engenharia onde o governador iria fazer sua
exposição exigindo explicações do governador.
É nesse contexto que, em 1987, é instituída no Acre a Fundação de Tecnologia
do Acre - FUNTAC - que se orgulha de ter sido uma iniciativa de engenheiros florestais20.
Um dos primeiros financiamentos para estudos da FUNTAC foi fornecido pela
International Timber of Tropical Organization (Organização Internacional de Madeira
Tropical – ITTO - por sua sigla em inglês) que disponibilizaria US$ 1 milhão de dólares
para o estudo da cubagem de madeira que poderia justificar a abertura de uma estrada
para o Pacífico. Desde então, e cada vez mais, se fala de “uso racional da floresta”,
quase sinônimo do uso que os engenheiros florestais formulam, como se o uso que os
seringueiros e os povos indígenas fazem fosse desprovido de racionalidade21. Já ali, em
1987, se instaurava uma divisão de projetos políticos de modo bem claro, conforme
veremos.
O ano de 1987 mostra o alcance político das ações do movimento dos
seringueiros e da Aliança dos Povos da Floresta não só com seus “Empates” locais e
nacionais, ou com os prêmios internacionais que Chico Mendes, sua liderança mais
expressiva, havia sido laureado, como o Prêmio Cidadão Global 500 do PNUMA entre
outros, mas, principalmente, pelo impacto da denúncia junto ao Banco Mundial em Nova
Iorque, das instituições implicadas no não-cumprimento das responsabilidades junto às
comunidades indígenas e na proteção do meio ambiente acordadas no financiamento
19 Não só com sua proposta de Resex, mas também com a resolução que submeteu e viu ser
aprovada no IV Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais realizado em Brasília em 1985 que
reza que “a reforma agrária deve respeitar os contextos sociogeográficos e culturais específicos”.
20 Os engenheiros florestais têm uma formação profundamente marcada pela matriz
eurocêntrica, cartesiana, e atravessada por um viés econômico mercantil onde a floresta é vista
como recurso. Destaque-se que o estudo das florestas tropicais não faz parte dos currículos da
maior parte das universidades que os formam.
21 Um desses engenheiros, o Sr. Jorge Viana, mais tarde seria um político de destaque no Acre.
Ele chegou a afirmar, logo que chegara ao governo, que quem conhecia a floresta eram os
engenheiros florestais e não os ecologistas, o que desqualificava outros conhecimentos que não
fossem o dos engenheiros, como o dos seringueiros e dos povos indígenas que, sabemos,
mantinham fortes relações com os ecologistas.
90
da BR 364. Os empréstimos internacionais ao Brasil chegaram a ser suspensos
momentaneamente, logo após as denúncias que Chico Mendes havia feito em Nova
Iorque. Definitivamente, os Povos da Floresta passam a ser agentes
locais/regionais/globais e o Acre voltava a estar no mapa do mundo, agora através do
protagonismo dos camponeses, como os seringueiros, e dos povos indígenas.
A tensão política atinge níveis máximos em diferentes escalas sobretudo em final
dos anos 1980. E, para isso, muito contribuiu a conjuntura política nacional que dava
contornos ainda mais (in)tensos às tensões que se abriam com o protagonismo dos
Povos da Floresta em suas articulações internacionais, que já destacamos. O Brasil,
com o fim da ditadura, vivia um clima de maior liberdade de organização política e de
liberdade de imprensa, clima esse ainda mais aguçado em termos de explicitação de
projetos políticos com a Assembleia Nacional Constituinte (1988) e a primeira eleição
direta para a presidência da República desde 1960 que se realizaria em 198922.
A questão fundiária estava sendo abertamente debatida, com o movimento dos
trabalhadores rurais pautando a questão (da reforma) agrária, o movimento indígena
ganhando grande visibilidade e, ainda, com o debate e posterior consagração na nova
Constituição do direito das populações negras remanescentes de quilombo terem seus
territórios reconhecidos. Enfim, a questão fundiária estava em aberto debate.
A tensão no campo brasileiro não podia ser maior: as oligarquias fundiárias
passaram a lançar mão amplamente da prática de atear fogo às matas e aos campos
em suas propriedades para, assim, garantir que suas terras estavam sendo usadas não
sendo, pois, improdutivas, haja vista que a lei determinava que as terras improdutivas
eram passíveis de desapropriação para fins de Reforma Agrária. Essas mesmas
oligarquias latifundiárias passaram a defender suas propriedades “na marra” depois do
fim da ditadura e não foram poucos os leilões de gado para comprar armas organizados
pela União Democrático (sic) Ruralista, a UDR. O período entre 1985 e 1990 registra o
maior número de assassinatos no campo no Brasil, conforme série histórica da
Comissão Pastoral da Terra 1985-2014. A violência institucionalizada na ditadura
passava a ser privatizada, como se vê. As queimadas generalizadas e a violência contra
os que lutavam pela terra/pelo território indicam que, para esses setores, a defesa do
patrimônio é mais importante que a defesa da vida, seja a vida em sentido amplo - das
plantas, animas e das águas – seja a vida dos que lutam pela terra/por território.
22O prestígio de Chico Mendes no movimento sindical chegou a mobilizar certos setores para a
lançar sua candidatura como vice na chapa que seria encabeçada por Luiz Inácio Lula da Silva,
nas eleições de 1989. Com seu assassinato o nome e Júlio Barbosa chegou a ser debatido na
convenção do PT como candidato à vice-presidente.
91
Em 22 de dezembro de 1988, explodia nas manchetes dos jornais de todo o
mundo a notícia do assassinato de Chico Mendes por fazendeiros ligados à União
Democrática Ruralista. Só depois do assassinato de Chico Mendes são decretadas as
primeiras RESEXs que traziam em si um outro paradigma de relação sociedade-
natureza que estava em curso nas propostas dos movimentos sociais. Assim, vemos
como os paradigmas são concretamente instituídos, sobretudo quando trazem outros
horizontes de sentido dos grupos/classes sociais/etnias/povos e nacionalidades
subalternizados e contra o padrão de saber/poder dominante. Não se trata somente de
uma questão epistêmica, embora o seja, mas sobretudo de uma questão epistêmico-
política. Estamos diante de uma situação emblemática em que movimentos sociais se
mostram formuladores intelectuais no melhor sentido da palavra. E, no caso, das
Reservas Extrativistas o conceito e o paradigma que sugerem foi forjado concretamente
com sangue.
92
questão social com a criação das Reservas Extrativistas23. Chico Mendes, assim como
Osmarino Amâncio Rodrigues, vão afirmar que “a Reserva Extrativista é a reforma
agrária dos seringueiros”.
É interessante observar que as primeiras reservas extrativistas anunciadas
depois do assassinato de Chico Mendes não foram criadas na sub-região da Amazônia
mais devastada, a Amazônia Oriental (Sul de Sudeste do Pará, Norte do Mato Grosso
e do Tocantins e Oeste do Maranhão), nem tampouco em Rondônia onde os projetos
de colonização dirigidos pelo Estado e pela “colonização espontânea” provocaram as
maiores extensões de áreas desmatadas. Ao contrário, será no Acre que serão
decretadas as primeiras RESEXs onde entre os ativistas que agiam junto com os STRs,
com o CNS e sua rede de apoio (jornal “O Varadouro”, CTA e IEA e alguns
pesquisadores de algumas universidades como a UFAC, UnB, USP e UFF,
principalmente) falava-se abertamente que havia de se evitar a “rondonização do Acre”.
Com isso, indicava-se que devia se evitar a colonização com base nas pequenas
propriedades que avançavam sobre a floresta “amansando a terra” para os grandes
fazendeiros com o avanço da “pata do boi”, como diziam. Essa compreensão era bem
diferente daquela que predominava na Amazônia Oriental, região onde além do avanço
dos grileiros/fazendeiros/madeireiros incentivados pelo governo, houve uma luta
renhida de camponeses do Nordeste e das demais regiões do país em busca de um
pedaço de terra, migração essa também em parte incentivada e tolerada pelos governos
ditatoriais, seja na perspectiva geopolítica de “integrar para não entregar”, seja para
garantir mão de obra barata para os grandes projetos que empreendiam24. A região do
Sul e Sudeste do Pará concentrará o maior número de trabalhadores rurais assentados
do país.
A originalidade do Paradigma que os seringueiros propõem, que tem nas
RESEXs seus princípios ético-políticos e que se consagrou após o assassinato de Chico
Mendes, colocou o Acre no centro do debate político ambiental numa região que era o
centro desse debate no mundo: a Amazônia. Até mesmo no campo dos direitos
humanos propriamente ditos o movimento dos seringueiros e o Acre têm um papel
fundamental: os primeiros mandantes de assassinato de um trabalhador rural a serem
presos, julgados e condenados no Brasil foram justamente os que mandaram matar
Chico Mendes. E foi exatamente a visibilidade política conquistada pelos seringueiros
23 À mesma época são criados pelo INCRA, e com os mesmos princípios que as RESEXs, os
Projetos de Assentamento Agroextrativistas.
24 Ficou famosa a frase atribuída ao ditador General Emílio Garrastazu Médici: "Homens sem
terras do Nordeste para terras sem homens na Amazônia" ao justificar a construção da rodovia
Transamazônica.
93
do Acre que trouxe ao Brasil centenas de jornalistas de todo o mundo para acompanhar
o júri que culminou nessas condenações.
A repercussão da luta dos seringueiros e dos Povos da Floresta colocou o Acre
no centro do debate ambiental planetário e foi responsável por trazer a Conferência da
ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – a CNUMAD – para o Rio de Janeiro,
em 1992. Sem dúvida, o assassinato de Chico Mendes desempenhou um papel decisivo
para que assim fosse. E o Rio de Janeiro assistiu a primeira grande jornada mundial de
movimentos sociais quando mais de 100 mil ativistas se reuniram no Aterro do
Flamengo no 1º fórum paralelo às reuniões protagonizadas pelo sistema de poder
mundial em torno da ONU.
Nos inícios dos anos 1990, e ainda no calor das queimadas na Amazônia e dos
assassinatos que se perpetravam no campo, com destaque para a Amazônia e entre os
quais o de Chico Mendes foi o de maior repercussão, inclusive mundial, o Grupo dos 7
países mais ricos do mundo cria um programa piloto para a proteção das florestas
tropicais – PP-G7. Os movimentos sociais, com o CNS à frente, vão exigir sua
participação nesse fórum afirmando, com isso, um componente que marcava a cultura
política dos movimentos sociais que lutaram contra a ditadura e pela democratização do
país: o protagonismo dos movimentos sociais. Enfim, reivindicavam que a política não
se restringia ao Estado e aos governos. Na conjuntura política tensa que envolveu a Rio
92, em que alguns setores militares chegaram a ver uma conspiração internacional para
tomar a Amazônia, quando ativistas de movimentos sociais, sobretudo das populações
tradicionais da Amazônia, transitavam com grande mobilidade em diversas escalas,
inclusive internacionalmente, o governo brasileiro propõe a criação de um Conselho
Nacional de Populações Tradicionais e, com isso, atrai os movimentos para operar na
escala de poder nacional. Novas ambiguidades se instauram nessa instância política
entre o caráter público e o caráter privado no interior do Estado mesmo, onde há a
tendência que a política tradicional tem de se separar da vida social, que é o terreno a
partir de onde os movimentos sociais inventam a política. Sabemos como a política
tende a ser vista a partir do instituído, das instituições do estático – Estado – e, assim,
a ignorar os processos/sujeitos instituintes - o movimento.
É importante destacar também que o PP-G7 será gerido pelo Banco Mundial e
não só proporcionou maior institucionalização do CNS através da participação no
Conselho Nacional de Populações Tradicionais, mas também um maior contato com o
próprio Banco Mundial e sua rede de colaboradores no processo de implementação do
PP-G7 com agências de fomento e ONGs ambientalistas. O programa contou com
financiamento de US$ 428 milhões e 28 projetos dentro os quais os primeiros tiveram
relação com a criação de uma política nacional de manejo dos recursos naturais
94
(FAUSTINO; FURTADO, 2015). A partir dessa relação entre PP-G7 e organizações do
movimento social se formou a articulação do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), com
a finalidade de acompanhar e negociar a implementação do programa. O GTA também
cumprirá um papel importante na mudança de atuação de organizações na Amazônia
(CM AMAZÔNIA, 2012). Aqui temos um dos marcos importantes para entendermos os
rumos que o movimento tomará posteriormente. Já destacamos acima como o começo
da relação com o IEA e EDF foi importante nesse processo de articulação nacional-
internacional do movimento dos seringueiros. Essas organizações foram responsáveis
pela articulação internacional captando fundos e apoios para o movimento seringueiro
e, ao mesmo, proporcionaram um progressivo aumento de contato entre as mesmas.
Essas ONGs operam com fundos captados de empresas, fundações e governos e, em
sua maior parte, operam com a “lógica do consenso” enquanto entidades mediadoras.
Esse caráter das ONGs provocará, pouco a pouco, uma profunda mudança na cultura
política dos movimentos sociais cuja história é marcada por lutas sociais e conflitos de
caráter público. Isso fez com que, progressivamente, as estratégias adotadas fossem
cada vez mais direcionadas a perspectivas integradas ao sistema de valores
dominantes como, por exemplo, em lugar do ativismo a assessoria e a competência
técnica; em lugar da política o mercado (PAULA, 2004), onde cada vez mais se observa
a profissionalização da mediação social.
Toda essa mudança terá profundas implicações com os princípios ético-políticos
das RESEXs que, inclusive, explicitam que são os próprios interessados que devem ter
a prerrogativa de propor e gerir esses espaços25. Para isso, o Estado deve emitir um
documento de “concessão de direito real de uso” por um prazo de 30 anos, renovável,
para a unidade territorial assim definida como RESEX. Enfim, a RESEX não é um
conceito meramente técnico é, sobretudo, político onde a cultura das populações – seu
notório saber – se mostrou capaz de nos legar um patrimônio de vida que a sociedade,
através do Estado, por esse meio está formalmente reconhecendo. Mais que espaço,
mais que terra, se quer território: autonomia.
Como se vê, uma nova dialética complexa se instaura nas lutas sociais nos anos
1990 e o campo ambiental, por toda significação que adquire na nova ordem geopolítica,
25Chico Mendes chegou a afirmar que se quiserem acabar com as Reservas Extrativistas era só
começar a decretá-las sem que seja por iniciativa das populações previamente organizadas e
que, assim, se manifestem e as reivindiquem.
95
é um campo fértil de disputas e para experimentações26, como as que emanam do
campo das lutas populares e democráticas, como a proposta das RESEX e o desenho
de um outro paradigma de relação sociedade-natureza, como assinalamos acima. Por
outro lado, já em 1987 tanto à escala regional amazônica, com destaque para o Acre,
como à escala global, uma perspectiva empresarial, que privilegia o debate político no
campo técnico vai começar a dar passos importantes e, pouco a pouco, aglutinará em
torno de si um conjunto de agentes e instituições em tensão com/contra os movimentos
sociais e sua cultura política de direitos e de participação protagônica. No Acre, essas
iniciativas podem ser claramente identificadas na FUNTAC e a visão da floresta forjada
por engenheiros em perspectiva de mercado. O caráter contraditório entre as diferentes
perspectivas pode ser visto no antagonismo entre o governo que fundaria a FUNTAC e
o movimento dos seringueiros, como vimos em 1987. O episódio acima narrado do
“Empate” no Clube de Engenharia no Rio de Janeiro, onde cada um estava em lados
opostos, é sintomático.
No cenário internacional é, também, em 1987 que a ONU lança o Relatório
Brundtland sob o título Nosso Futuro Comum onde, pela primeira vez no campo
ambiental é sistematizada uma proposta em que o desenvolvimento capitalista em sua
perspectiva mercadológica não é questionado, como vinha sendo com a Contracultura
e a Nova Esquerda desde os anos 1960 e de onde emana o movimento ambientalista.
Ao contrário, no Relatório Brundtland o desenvolvimento é recuperado e passa a ser
adjetivado como ambiental: desenvolvimento sustentável27. Tudo indica que o
substantivo – desenvolvimento – não pode ser discutido como tal e, no máximo, pode
receber adjetivos como esse - desenvolvimento sustentável - eis a nova panaceia.
Pode-se apontar a CNUMAD, a Rio 92, como um momento de bifurcação no
interior do campo ambiental e, para o “ecologismo popular”, talvez tenha sido seu
momento de maior visibilidade. Desde então, uma nova “governança global” começa a
se impor. Nele, o Estado passa a ser capturado por uma lógica mais explicitamente
privatista e, dessa perspectiva, a se impor sobre a sociedade sob a influência cada vez
maior das grandes corporações e seus intelectuais (think thanks). O Consenso de
Washington é o seu desenho estratégico.
Nesse novo contexto, serão enormes os desafios que se apresentarão para os
movimentos sociais que haviam construído uma forte cultura democrática e que
26 Sobretudo para a questão das escalas geográficas de poder haja vista que com a questão
ambiental nossa casa já não é somente o estado territorial onde nascemos, mas também o
planeta. A soberania se torna mais complexa e outros grupos sociais até então marginalizados
comparecem à cena política nacional e global desde o local.
27 É interessante que a afirmação do desenvolvimento como sustentável não tenha sido resultado
de um diagnóstico das causas e dos porquês de o desenvolvimento até ali ser insustentável.
96
reivindicavam participação na política e viam o Estado como um lugar privilegiado de
mediação do interesse público, do bem comum. Todavia, os anos 1990 passamos a ver
o Estado perdendo seu caráter público. A perspectiva nutrida pelos movimentos sociais
de afirmação de direitos passa a ser substituída pela ideia de “qualidade de vida”; a ideia
de participação vai ganhando um sentido individualizante; a responsabilidade social
deixa de ser uma questão pública e passa a ser “responsabilidade social e ambiental”
de empresas (quase sempre através de ONGs), enfim, os movimentos sociais vão se
ver diante das Organizações que de Não-Governamentais passam a ser Neo-
Governamentais. Nesse sentido, é importante registrar como o ideário chamado de
neoliberal se fortalece com seu discurso de menos-governo e mais mercado através de
organizações que se dizem não-governamentais. Hoje sabemos o quanto as políticas
que se dizem de menos-governo se afirmaram capturando o Estado. Ou seja, em lugar
do velho liberalismo que procurava limitar a ação do Estado para proteger o cidadão,
passamos a ter a colonização do Estado pela lógica privada com sua captura pelas
grandes corporações. As ONGs terão um papel fundamental nessa nova governança
estabelecendo um fino e sofisticado controle social através de assessorias que pouco a
pouco substituem o velho protagonismo dos sindicatos e dos partidos políticos e outras
formas de mobilização na luta por justiça e reconhecimento dos grupos sociais
subalternizados. Com as organizações Neo-governamentais o controle social se faz a
partir de baixo. Evelina Dagnino aponta que há um deslocamento de sentido de
cidadania e de solidariedade que, segunda ela:
97
serem criminalizados. A socióloga Evelina Dagnino lembra-nos, como exemplo desse
deslocamento de sentido, a afirmação do então Presidente, o sociólogo Fernando
Henrique Cardoso, que acusava o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o
MST, de ser “um movimento político”. Ora, o MST era um movimento que emanara de
uma gama de movimentos de reinvenção da sociedade brasileira em luta contra a
ditadura, onde a política era recuperada no protagonismo dos movimentos sociais. A
desqualificação de movimentos justamente por serem políticos dá conta do novo espírito
de época que estamos vendo nascer onde a política passa a ser negada.
O Acre vai ser um lugar privilegiado nesse embate teórico-político, sobretudo
porque tinha um movimento social que, tal como o MST à época, era bastante
prestigiado e, assim, aquele estado passou a atrair as atenções dos organismos
internacionais e das organizações neo-governamentais internacionais articuladas às
organizações sobretudo locais acreanas que passam a ser objeto de forte assédio. Um
novo bloco de poder estava se forjando no Acre articulado a partir do campo ambiental.
Essa inflexão começa a ser sentida lá mesmo no interior do movimento dos
seringueiros onde o assédio das ONGs e dos organismos internacionais vai impor,
pouco a pouco, sua agenda política. Já destacamos que o mundo seringueiro não é um
mundo onde a integração ao mercado seja algo estranho, afinal, os migrantes foram
atraídos para a Amazônia no “ciclo da borracha” para produzir algo que não tinha
nenhum valor de uso para eles. No entanto, esse novo momento será de grande tensão.
Os seringueiros que tanto haviam lutado para que o Acre e Xapuri entrassem no mapa
político verão, inclusive, a sede da entidade que tão criativamente haviam fundado, o
CNS, ser transferida para Brasília. Verão seus estatutos serem alterados, com destaque
para a retirada da exigência de que todos seus dirigentes tivessem que estar associados
a algum sindicato de trabalhadores o que, como vimos, consagrava o protagonismo dos
segmentos sociais de trabalhadores. O CTA, entidade que tanto contribuiu para o
processo de formação comunitária e para uma cultura política de participação com o
método Paulo Freire, verá seus quadros serem cada vez mais predominantemente de
engenheiros florestais e menos de educadores, como, até então, havia sido.
As mediações das ONGs ambientalistas nacionais (IEA) e internacionais (EDF,
UICN, CI, WHRC, WWF) passarão a imperar e junto com as políticas que se impunham
desde os organismos internacionais com o aval das elites locais/nacionais que
deslizavam o Estado do público para o privado, passarão a falar mais de economia, de
geração de emprego e renda, do que de organização comunitária, de reforma agrária,
de autonomia das RESEXs. O movimento seringueiro, agora em maior diálogo com o
Estado, devido a necessidade de garantir a implementação de políticas públicas nas
RESEXs passam a focar o debate em questões de “desenvolvimento” (SILVA, 2006).
98
Até mesmo o “notório saber” dos seringueiros será inferiorizado pela exigência
de que a RESEX, como toda UC segundo o SNUC, deve ter um plano de manejo feito
por “técnicos”. Talvez aqui possamos falar de um segundo assassinato de Chico
Mendes! Afinal, foi o saber ancestral do indígena em parte assimilado pelos
camponeses da floresta como os seringueiros, que nos haviam legado todo esse
patrimônio de vida que a floresta encerra. Subordinar seu “notório saber”, já comprovado
em sua eficácia – a floresta-que-aí-está - a um “saber técnico”, repõe uma visão colonial
que tantos males tem trazido à Amazônia e seus povos.
28 A Floresta Estadual do Antimary foi formalizada pelo Decreto 046 de 07 de Fevereiro de 1997.
99
penetração no movimento social, a partir de projetos e apoios e, assim, deu enorme
capilaridade política a esse novo bloco de poder (CAMELY, 2009; PAULA, 2013). Como
já vimos, as ONGs, ambientais e outras, vêm se constituindo como parte da nova
governança através da ação de instituições multilaterais, como o demonstra o
pesquisador João Márcio Pereira (PEREIRA, 2011) que estudou a relação do Banco
Mundial com grandes ONGs ambientalistas durante as décadas de 80 e 90 e observou
que essas organizações passaram de críticas aos projetos financiados pelo banco a
parceiras na execução das suas políticas.
A ação da WWF é reveladora desse processo como componente do bloco de
poder que estamos descrevendo no Acre, sobretudo por meio de ações conjuntas
às organizações do movimento social, onde cada vez mais tem influência, através da
formação com cursos e assessoria para o desenvolvimento das cadeias produtivas de
produtos da floresta e fortalecimento de cooperativas (CAMELY, 2009, PAULA, 2013).
Em trecho de entrevista realizada, em 14 de maio de 2014, com Alberto Tavares que foi
coordenador do escritório da WWF antes de assumir o cargo de diretor presidente da
CDSA, ele fala da atuação dessa ONG no Acre:
(...) então o WWF começou trabalhar, trabalhou e trabalha com uma série de ações
em estruturação de cadeias produtivas, que vão desde as cadeias produtivas de
pesca (...) ao manejo também das cadeias produtivas florestais, madeireiras e não
madeireiras. As não madeireiras principalmente castanha e borracha, mas também
olha de copaíba (...) E ao longo do tempo se trabalhou principalmente essa questão
de estruturar essas cadeias produtivas não numa perspectiva só manejo, então
ensinar as pessoas a fazerem uma boa prática, não adianta as pessoas produzirem e
não ter mercado pra elas comercializar. Então começa a se olhar, que mais do que só
trabalhar o manejo, tem que se trabalhar a cadeia como um todo. (informação verbal29)
Em outro trecho, ele explicita como a WWF pensou sua atuação em diversos
pontos das cadeias produtivas:
29
Entrevista concedida por Alberto Tavares [mai. 2014] Entrevistador: Diogo Loibel Sandonato.
Rio Branco, 2014.
100
financeiros etc.... que estão e que são necessários estarem naqueles coletivos, por
que cadeias produtivas são coletivos, não é um ator só que faz (...)
(...) ai a gente veio, começou a trabalhar muito forte com Xapuri, onde surgiu esse
movimento aqui no Acre e depois disso é um momento, vamos dizer de contradição
ao regime dominante da época, político, e teve toda uma estratégia de fortalecimento
para base, sindicatos, cooperativas, essas ações lá. (...) (informação verbal30)
30
Entrevista concedida por Ricardo Mello [mai. 2014] Entrevistador: Diogo Loibel Sandonato. Rio
Branco, 2014.
31 O Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais do Acre (PESACRE) nasce de
parceria entre a Universidade Federal do Acre com a Universidade da Flórida (CM AMAZÔNIA,
2012).
101
os submete a uma orientação voltada para ocupar o poder institucional (PAULA, 2004).
Vemos, assim, a diminuição do protagonismo dos movimentos sociais com a influência
progressiva das ONGs ambientalistas e de seus financiadores, institucionalmente
apoiados no PT no Acre.
O bloco de poder também atrai parte da elite local32. Vale lembrar também que
Jorge Viana, engenheiro florestal também foi quadro técnico da FUNTAC. Já eleito em
1992 como prefeito de Rio Branco, Jorge Viana começa a consolidar institucionalmente
o novo bloco de poder, que cada vez se torna mais forte sobretudo após a vitória eleitoral
em 1998, com a conquista do governo do estado com a denominada Frente Popular do
Acre, que contava com 12 partidos sendo a maior parte de setores conservadores, entre
eles o PSDB de quem o PT, à escala nacional, era antagonista (CM AMAZÔNIA 2013b,
PAULA & DA SILVA, 2008). Em trecho de entrevista concedida pelo professor da UFAC
Silvio Simione da Silva em 23 de julho de 2014, ele comenta esse processo:
(...) A medida que uma parte dessa elite acreana, sobretudo vinculada a alguns nomes
da política, como a família Viana, Raimundo Angelim, família Mâncio Lima, são
famílias tradicionais de direita que vêm da Arena (...) famílias de extrema direita com
discurso mais progressista aproxima-se do PT e fazem aliança e ai automaticamente
a um processo de endireitamento do partido (...) (informação verbal33)
Carismático, convincente e seguro, ele foi capaz de buscar aliados e apoiadores até
mesmo em setores historicamente hostis à esquerda e ao Partido dos Trabalhadores.
(CM Amazônia, 2013b, p.2).
32 Talvez o melhor exemplo, sejam os irmãos Tião e Jorge Viana, herdeiros de uma família
tradicional na política do estado, filhos de Wildy Viana, deputado estadual pela ARENA (1967 e
1979) e deputado federal (1979 e 1987), e sobrinhos do governador (1979 e 1983) Joaquim
Falcão Macedo, indicado pelo General Ernesto Geisel (CM AMAZÔNIA, 2013b).
33
Entrevista concedida por Silvio Simione da Silva [jul. 2014] Entrevistador: Luiz Henrique
Gomes de Moura. Rio Branco, 2014.
102
Em trecho de entrevista, Silvio Simione também comenta essa apropriação
simbólica:
(...) qual a importância dessa elite acreana da direita que vêm pro PT e ela consegui
aliados fortes que diziam e se dizem de esquerda (...) é por que eles dão uma
legitimidade que essa burguesia não constitui no lugar que ela está, a burguesia não
produziu no Acre, como não produziu quase em lugar nenhum, significados que dê
sustentação seus projetos que ela emplaca depois. E transformar o discurso do
relatório de Bruntland como um discurso do ideal do Chico Mendes é importante, por
que 98% dessa população nunca nem sequer ouviu falar no relatório de Bruntland e
acha ainda que foi o Chico Mendes que criou o termo desenvolvimento sustentável
(...)
(...) No momento que o poder político do estado muda, que ai entra o Jorge Viana na
prefeitura depois estado, todo esse processo (...) a WWF acompanhou e começou
também muito mais priorizar um aporte, suporte a materialização de políticas públicas,
na questão de você, a possibilidade de você aumentar a área de atuação, então você,
o estado ele tem uma dimensão maior então a gente começou a trabalhar muito
próximo ao governo (...)
Em outro trecho ele explicita qual a principal forma de atuação hoje da WWF no
estado:
(...) a gente deu uma mudança muito grande de apoiar iniciativa direto, iniciativa
indireta a partir de políticas públicas, essas foi uma mudança que a gente teve de perfil
de atuação aqui no estado. Então essa, tem muitas, então a gente acabou, que a
gente fazia essa costura direto, antigamente a costura era direto, como não tinha
interlocução estadual, a gente fazia a costura direto com as agremiações, então
acabou que agora ficou muito mais no âmbito das políticas (...)
103
Em publicação analisando a participação da sociedade civil nos conselhos
estaduais do Acre, Meneses-Filho (2008) coloca: “Não se formaram novos quadros na
Sociedade Civil, enquanto que os quadros da Sociedade Civil vieram para o Governo.”
(MENESES-FILHO, 2008, p. 42). Ricardo Mello também comentou esse processo no
Acre:
(...) como o estado, ele acaba sendo, visto como um parceiro muito próximo, acabou
que é uma coisa que todo mundo queria que o estado fosse, então acabou que, todo,
grande parte do potencial da sociedade civil, ela acabou migrando para o governo,
então teve um esvaziamento do terceiro setor do estado (...)
(...) a grande maior parte das pessoas que são os gestores hoje na administração
pública, ou vieram do movimento social ou de organizações não governamentais, a
grande maioria (...) (informação verbal34)
(...) Muitas práticas se justificam, pois como várias lideranças dos movimentos sociais
(do campo, da cidade e da floresta) assumem cargos da Administração Estadual, há
uma diminuição do poder de embate. Então, da condição de contestadores, passam
a ser difusores de um Projeto de “Desenvolvimento Sustentável”, que não tem raízes
locais, tampouco expressam propósitos de transformação (SILVA, 2005), pois está
enraizada em princípios neoliberais de mercado, embora se proponha outa base de
matrizes produtivas e tecnológicas para a região. (SILVA, 2006, pp. 173-174)
34
Entrevista concedida por Rodrigo Neves [mai. 2014] Entrevistador: Diogo Loibel Sandonato.
Rio Branco, 2014.
104
(...) As condições políticas que permitiram a realização dessas adaptações resultam
da confluência de três elementos fortemente articulados: 1) rearticulação do bloco de
poder estadual sob a direção de frações das velhas e novas oligarquias; 2)
Assimilação subordinada dos movimentos sociais a esse bloco de poder através do
que Antonio Gramsci (1978) denominou como “transformismo”; 3) Adesão
subordinada a matriz neoliberal e aos agentes nacionais e internacionais que a
fomentam na forma de financiamentos e investimentos. (PAULA, 2012, p 10)
Por tanto, um bloco hegemônico composto por parte da elite local acreana, parte
do comporto técnico e científico do estado, ONG locais, regionais, nacionais e
internacionais, algumas lideranças dos movimentos sociais e sindicalismo e a influência
de instituição multilaterais como o Banco Mundial se fortalece e passar a direcionar as
políticas estaduais a partir de 1999, com a conquista do governo pela Frente Popular do
Acre.
35Não é demais lembrar que o financiamento pela ITTO à FUNTAC, ainda nos seus inícios, e da
qual Jorge Viana era parte do corpo técnico como engenheiro florestal, fora feito justamente para
105
Figura 3. Marina Silva e Jorge Viana, em 1998, em Washington, com o cineasta Adrian Cowell,
em busca de apoio para o projeto de desenvolvimento sustentável do Acre. Fonte:
http://amazone-se.blogspot.com.br/
fazer a cubagem de madeira para que, eventualmente, pudesse justificar a abertura de uma
estrada para o Pacífico.
106
Entre as condicionalidades impostas pelo Banco nas negociações do PDSA,
estava a criação e ampliação de unidades de conservação e ampliação de uma política
de exploração florestal madeireira (SOUZA, 2009, 2012). Em função dessas
condicionalidades, o governo do Acre, a partir da Lei 1.426 de 27 de dezembro de 2001,
institui o Sistema Estadual de Áreas Naturais Protegidas (SEANP) e regulamenta as
concessões florestais que, entre outras coisas, possibilitou a intensificação da
exploração privada de madeira em florestas públicas. (SOUZA, 2009). É importante
destacar que a regulamentação das concessões florestais só foi possível por que no
ano anterior, foi instituído o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC)
através da Lei nº9.985 e nele está contido a definição de Florestas Públicas Estaduais
que enfatiza a exploração “sustentável” dessas florestas (FAUSTINO; FURTADO,
2015).
Já apoiado no ZEE, no PDSA e no SEANP são criadas as unidades de
conservação de proteção integral, como o Parque Estadual do Chandless com 693.970
ha, e outras de uso sustentável, como as Florestas Estaduais do Mogno, da Liberdade
e do Gregório totalizando 486.320 ha (FUNBIO, 2014). Segundo o relatório do
programa, a meta era inicialmente criar 1 milhão de hectares de florestas estaduais com
a finalidade de exploração florestal e as estimativas, ao final da primeira fase do
programa, já eram de num futuro próximo disponibilizar 1 milhão e 700 mil hectares de
florestas estaduais para exploração florestal36 (BID, 2014; VEROCAI et. al. 2012). Com
a concessão de florestas públicas, inclusive para o manejo empresarial, também
regulamentada pela mesma lei estadual de 2001, conhecida como lei florestal, se
estimulou fortemente a exploração de madeira. Isso ficou ainda mais consolidado
quando, em 2006, foi aprovado a Lei Federal 11.284 que regulamentou a concessão de
florestas públicas em escala nacional. Esta lei possibilita concessões de até 40 anos
para empresas explorarem as áreas. É importante destacar que essa lei foi aprovada
na gestão de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente e que quadros de seu
ministério já tinham atuado na área de manejo florestal no Acre, como por exemplo,
Tasso Azevedo, que era diretor do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola
(IMAFLORA) e trabalhava com certificação Forest Stewardship Council (FSC) (CM
AMAZÔNIA, 2013b). Dentro da política de estímulo a exploração florestal, também
podemos citar que o Plano Regional de Reforma Agrária do Acre de 2004 a 2007 previa
a destinação de 400 mil hectares para implementação de Projetos de Assentamento
Florestais (PAF) que também destinam áreas públicas para exploração privada (PAULA,
36 No relatório foi contabilizada a área da Floresta Estadual de Jurupari que ainda está em
processo de criação, a época cobrindo 1.194.382,22 ha e a Floresta Estadual do Antimary, criada
antes do programa do BID, em 1988, relacionada a projeto do ITTO, com 45.686 ha.
107
2004). A partir do ZEE e de políticas e programas implementados com financiamento de
instituições multilaterais e apoio das ONGs ambientais, cada vez aumenta o
comprometimento territorial no Acre, no qual áreas são destinadas principalmente para
exploração dos bens naturais secundarizando os direitos dos povos que ali vivem
(SOUZA, 2012). A Reforma Agrária, ideia defendida por Chico Mendes, Osmarino
Amâncio Rodrigues e outros líderes seringueiros, inclusive afirmando que a RESEX era
Reforma Agrária dos seringueiros, sequer é mencionada.
O Sistema Estadual de Áreas Naturais Protegidas (SEANP) é composto pelo
conjunto de unidades de conservação (federais, estaduais e municipais) existentes ou
em criação, reservas legais de propriedades, áreas de proteção permanente, áreas
destinadas ao manejo florestal e parte das reservas indígenas. Segundo dados do
governo, o Acre possui hoje 45,6% de seu território em áreas protegidas, sendo 9,5%
representado por UCs de Proteção Integral; 14,5% são Terras Indígenas e 21,6%
compreendem UCs de Uso Sustentável (Reservas Extrativistas, Florestas Nacionais e
Estaduais) (ACRE, 2011a):
Figura 4. Mapa com mosaico de áreas protegidas do Acre: 1 – Parque Nacional da Serra do Divisor; 2 –
Estação Ecológica do Rio Acre; 3 – Parque Nacional Chandless; 4 – RESEX do Alto Juruá; 5 –
RESEX Chico Mendes; 6 - RESEX Alto Tarauacá; 7 – RESEX Cazumbá-Iracema; 8 – Floresta
Nacional Macauã; 9 – Floresta Estadual do Antimary; 10 – Complexo de Florestas Estaduais do
Mogno, Gregório e Liberdade; 11 - Complexo de Florestas Estaduais do Jurupari; 12 – Floresta
Nacional Santa Rosa do Purus. Fonte: ZEE Acre, 2006.
108
Na mesma lei florestal, de 2001, foi criado o Fundo Estadual de Florestas (FEF)
e o Conselho Florestal Estadual (CFE). O FEF foi criado para receber dinheiro
relacionada a exploração florestal de áreas públicas, doações, empréstimos entre outros
e o CFE foi criado para fiscalizar a aplicação dos recursos. O Conselho possui
representantes do governo e sociedade civil (com 25 membros) e possui entre suas
atribuições, além de acompanhar o FEF e o desenvolvimento florestal no estado,
aprovar a criação de novas florestas estaduais, reservas extrativistas e de
desenvolvimento sustentável, aprovar taxas e tarifas relacionadas a exploração florestal
privada de áreas públicas. Esse conselho cumprirá um papel importante na arquitetura
de participação da sociedade civil na execução das políticas ambientais no Acre. O
fundo estadual de florestas é aplicado no fomento florestal; serviços ambientais;
planejamento, implementação e gestão de unidades de conservação de uso
sustentável; reposição florestal; divulgação e educação florestal; pesquisa em prol do
desenvolvimento do setor florestal.
Pode-se verificar que, já no começo da gestão da Frente Popular no Acre (que
está no poder desde 1999), foram criadas importantes ferramentas técnicas e
institucionais - SEANP e o Fundo Estadual de Florestas, ZEE e do PDSA - para
operacionalizar a exploração pelo capital da “floresta em pé” sob o manto do discurso
do desenvolvimento sustentável. Já nessa lei florestal de 2001, está explicitada a
possibilidade de investimentos relacionados aos serviços ambientais o que demonstra
que essa perspectiva é desenvolvida no Acre a 14 anos, pelo menos.
As primeiras ações da gestão Jorge Viana demonstram a grande influência de
instituições multilaterais como BID e BIRD no ordenamento territorial do estado a partir
das condicionalidades dos grandes empréstimos e programas e também como foi feito
um pacto político-territorial, institucionalizado pelo ZEE. Esse “pacto de uso sustentável
do território”, na retórica de um dos documentos do governo (ACRE, 2009), fica explícito
por outra declaração de Marina Silva, presente em uma publicação de seu gabinete,
quando ainda senadora, em 2001:
109
O Zoneamento Econômico Ecológico estabelece, na verdade, um pacto territorial, em
que fica estabelecida uma zona para o desenvolvimento do agronegócio mais
relacionado como paradigma da “extração destrutiva”, denominada “consolidação de
sistemas de produção sustentáveis” com 24,4% (zona 1 da figura 5) do território e uma
zona destinada para o capital associado ao “latifúndio genético” através do discurso do
desenvolvimento sustentável com a “floresta em pé”, com seus mecanismos de serviços
ambientais e exploração de bens da floresta, principalmente madeira através do manejo
florestal. Essa zona é denominada “uso sustentável dos recursos naturais e proteção
ambiental” e cobre do 49,5 % do território (zona 2 da figura 5), composta por unidades
de conservação, terras indígenas e projetos de assentamento diferenciados (PAE, PDS,
PAF). Além dessas 2 zonas, também temos a zona de “áreas prioritárias para o
ordenamento territorial” com 25,9 % (zona 3 da figura 5) e a zona de “cidades do Acre”,
com 0,2 % (zona 4 da figura 5) (ACRE, 2010b). Abaixo vemos 4 mapas com as referidas
zonas do ZEE do Acre:
Figura 5. Mapas de gestão territorial a partir do Zoneamento Econômico Ecológico. Fonte: ZEE Acre, 2006.
110
capacidade de organização, condições de saúde precárias e muitas vezes comunidades
isoladas; as zonas especiais de desenvolvimento (ZEDs), áreas com infraestrutura e
investimentos consolidados destinadas a consolidação de cadeias produtivas, e uma
ferramenta para pensar o ordenamento de terras indígenas, o Etnozoneamento com a
finalidade de gerar maior contato entre o poder público e os povos indígenas e subsidiar
os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTI) que são a base para posterior
entrada de políticas públicas e financiamento de projetos direcionados aos indígenas
(ACRE, 2010b; 2010c). Essas ferramentas possibilitam um refinamento da escala de
ação e penetração das políticas do estado e também possibilitam a formulação de ações
específicas para comunidades isoladas e territórios indígenas.
Com isso, o novo bloco de poder no Estado articulou os interesses dos diferentes
setores do capital de forma não conflitante e abriu espaço para futuras interações
sinérgicas, conforme veremos adiante. As chamadas “economia verde” e “economia
marrom”, como nos falam Moreno (2012) e Packer (2012) se complementam e se
reforçam, pois, quanto maior a pressão sobre a floresta, mais dinheiro deve ser pago
para compensar o “custo da oportunidade” de não desmatar. Assim, o paradigma da
extração destrutiva, o agronegócio por exemplo, deve receber uma compensação por
não desmatar mais áreas e implementar a pecuária extensiva.
A articulação dos interesses desses setores será a base para o desenvolvimento
das políticas e programas ambientais, com perspectiva técnica e empresarial, realizadas
por esse bloco de poder (elite local, grandes ONGs ambientais, partidos políticos, corpo
técnico de entidades públicas, instituições multilaterais e algumas lideranças do
movimento social) que passa a hegemonizar institucionalmente o estado a partir de
1999 com a vitória da frente popular representada por Jorge Viana. Em trecho de
publicação Silva (2006) comenta o projeto de “desenvolvimento sustentável do Acre:
(...) Este nasce com “os pés” em alguns dos ideais de lutas sociais dos seringueiros,
mas o “o resto do corpo, inclusive a cabeça”, estarão plantados nas pautas das
agências internacionais, sob as teses preconizadas no Relatório Bruntland (“Our
Future Common”). Assim, o Acre começava a se tornar um portal de experiências de
alternativas produtivas no espaço agrário, mas que trazem em si a condição ambígua
de, sob um discurso social e ecológico, firmar muito mais bases para a ação da
iniciativa privada do que para a real firmação de condições de vida melhor ao homem
da floresta. (SILVA, 2006, 173)
111
CAPÍTULO 3 - SISTEMA DE INCENTIVOS AOS SERVIÇOS AMBIENTAS DO ACRE
(...) você tem um caldo, um conjunto de apoio político, movimento social, ONGs,
modelo de desenvolvimento sustentável, novas políticas públicas, bancos
financiadores (...) existe uma possibilidade ai que é a gente fazer um projeto de REDD,
esse é o contexto mais geral, mais amplo (...)
Por tudo isso, o Estado do Acre, que há muito se impôs o desafio de se recriar com
uma base ética fundamentada na proteção da floresta e das culturas dos povos que
nela vivem, tem por meta o estabelecimento de uma política ambiental que esteja
transversalmente introduzida nas políticas do Estado em geral. (ACRE, 2010a, p. 3)
37
Rodrigo Neves à época da entrevista era Procurador Geral do Estado do Acre, foi responsável
por grande parte acompanhamento jurídico na elaboração do SISA e já foi presidente do Instituto
de Mudanças Climáticas (IMC) do Acre.
112
Em entrevista em 16 de maio de 2014 com Monica Julissa de Los Rios de Leal,
que já foi quadro da SEMA e hoje é diretora técnica do IMC, ela demonstra essa ligação
com o planejamento do governo:
(...) o SISA não é um projeto, não é um projeto de REDD, então ele não ser um projeto
de REDD e sim uma política de estado de redução de emissões, então ele tem que
estar baseado na implementação de estratégias, políticas e programas do estado na
área do desenvolvimento econômico que leve a uma contínua redução de emissões.
Então nesse sentido, o arranjo institucional do SISA, ele vêm complementar um
arranjo institucional do Estado, então as instâncias do SISA, de gestão do SISA se
articulam a todo o aparato do estado de implementação de políticas públicas, seja no
setor produtivo, seja no setor de meio ambiente. (...) (informação verbal38)
(...) O SISA em realidade, ele acaba pegando todo o arranjo de programas e políticas
do estado que estão dentro do eixo do Plano Plurianual, do eixo de economia de baixo
carbono desse plano de governo, e que estavam dentro do plano de governo anterior,
dentro do economia sustentável, agora passou a se chamar economia de baixo
carbono mas é a mesma coisa (...) ai, dentro desse eixo nós temos então foco tanto
no setor econômico, quanto na gestão ambiental e territorial e de fiscalização e
controle. Com essas três linhas de ação, a gente consegue direcionar soluções aos
vetores que promovem o desmatamento no estado.
38
Entrevista concedida por Monica Julissa de Los Rios de Leal [mai. 2014] Entrevistador: Diogo
Loibel Sandonato. Rio Branco, 2014.
113
No plano plurianual 2012-2015 temos referência a Política Estadual de
Incentivos aos Serviços Ambientais cuja meta:
114
(...) em um mundo em que aumenta a demanda por estoques de recursos naturais
estratégicos finitos, serviços ambientais e bens comuns globais como chuva,
regulação climática, suprimento de água e biodiversidade podem e vão,
eventualmente ser reconhecidos e valorizados nos mercados globais.
(SCHWARTZMAN, 2015, p. 11, tradução nossa)
A partir dessa concepção explicitada acima, o SISA foi estruturado como uma
ferramenta para apoiar a transição para um desenvolvimento com baixas emissões de
carbono ou em inglês Low Emissions Development (LED)40, articulando e alimentando
o conjunto de políticas ambientais, através da captação de recursos provindos da
quantificação e precificação de bens naturais e interações ecológicas, ou na linguagem
de seus promotores, “coletar, analisar e valorar os produtos e serviços ambientais”
(NEVES, 2010, p. 10). Segundo a publicação que contem a Lei do SISA (2010a):
40A prioridade que as emissões de gases, principalmente o CO2, ganha para os defensores do
“desenvolvimento sustentável” se deve ao fato de que, até agora, o mercado de carbono é o
mais estruturado, dentre os chamados “serviços ambientais”.
115
“a floresta em pé”, mas também para apoiar as áreas já convertidas, “(...) aumentando
a produtividade e oportunidades de mercado para setores da economia rural”
(ALENCAR et al., 2012, p.8), com a justificativa de melhorar a eficiência produtiva e
evitar a conversão de novas áreas. Segundo a visão do IPAM, expressa em Alencar et
al. (2012):
A transição do Estado do Acre para este modelo de baixas emissões de carbono deve
levar em consideração o custo de manutenção da floresta em pé em relação as
atividades de conversão florestal, de forma a minimizar o “custo de oportunidade”
dessa transição. (ALENCAR et al., 2012, pp. 8-9)
Como visto na citação acima, a lógica que direciona a “transição para uma
economia de baixo carbono” é o custo de oportunidade. Ainda segundo o IPAM, para
calcular esse custo:
116
implementado por estruturas do poder público estadual. Por ser uma das primeiras
experiências desse tipo de inciativa e devido ao contexto propício para o seu
desenvolvimento no Acre, esse sistema é considerado um dos mais avançados do
mundo (FISHBEIN; LEE, 2015; SCHWARTZMAN, 2015) e um laboratório para o
desenho desses sistemas (ALENCAR et al., 2012).
Passando de um projeto de pagamento por serviços ambientais com foco em
áreas específicas para um sistema estadual de incentivos aos serviços ambientais,
tivemos uma mudanças de abordagem. Ele passa ter um escopo ambicioso, agora
abrange o estado do Acre por completo, inclusive as áreas geridas pelo governo federal,
como unidades de conservação e assentamentos federais, como também as
propriedades privadas além das terras indígenas (ANDERSON et. al., 2013). Além
disso, diferente de uma abordagem de projeto, esse sistema jurisdicional é transversal
as políticas ambientais do Estado, intervêm na paisagem42 e cadeias produtivas e os
benefícios provindo pela captação dos recursos do sistema são prioritariamente
aplicados através de incentivos gerados por políticas públicas em vez de pagamentos
diretos. Como já destacamos, ele interage com as políticas dos eixos presentes no plana
plurianual e plano de governo e foi pensando para interagir principalmente com todas
as ações que objetivam reduzir o desmatamento.
Para que o sistema funcione a partir do seu primeiro programa estruturado, o
ISA Carbono, precisam ser contabilizadas as “emissões evitadas” de dióxido de carbono
através do desmatamento e degradação do estado como um todo. Essas “emissões
evitadas" são calculadas com base numa coeficiente de desmatamento ou nível de
referência estimado a partir das taxas de desmatamento já realizadas e
consequentemente as emissões já lançadas. Esse nível de referência é utilizado para
gerar a chamada linha de base que é projetada para os anos futuros. Ela deve ser
utilizada como referência como coloca o IPAM:
42
Nesse caso e nas demais vezes que nos referimos a categoria de paisagem nesse trabalho, utilizamos
uma definição da Ecologia de Paisagem baseada em Metzger (2001) que define paisagem como: “(...)um
mosaico heterogêneo formado por unidades interativas, sendo esta heterogeneidade existente para pelo
menos um fator, segundo um observador e numa determinada escala de observação” (METZGER, 2001,
p.4)
117
A lógica utiliza é a seguinte: caso não sejam realizadas ações para redução do
desmatamento, ou como colocam os formuladores e promotores desse tipo de
mecanismo, continue o “business as usual”, a projeção é que o desmatamento continue
seguindo essa linha de base. Por tanto, com base nas ações, políticas e projetos que
reduzem o desmatamento, as taxas devem diminuir e ficar a baixa da linha de base e a
diferença é contabilizada como emissões evitadas que podem ser transformadas em
créditos de carbono.
Com isso ganha centralidade os métodos de cálculo de desmatamento e
consequentemente o cálculo das linhas de base, visto que dependendo da linha de base
assumida, a diferença entre ela e as taxas atuais estimadas de emissões pode ser
menor ou maior, o que se traduz em mais ou menos créditos e em última instância, mais
ou menos dinheiro. Aqui temos uma das razões para o Acre fortalecer seu próprio
sistema de monitoramento de desmatamento através da Unidade Central de
Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto (UCEGEO), criado em 2008 e vinculada
a FUNTAC.
O SISA e o programa ISA Carbono seguem a Política Nacional de Mudanças
Climáticas (PNMC) de 2009 que regulamentou um nível de referência e uma linha de
base para a região amazônica com base nos dados do PRODES/INPE para não gerar
posterior incompatibilidade com um possível programa nacional de REDD. O sistema
também adota os dados do PRODES/INPE de desmatamento para calcular as
“emissões evitadas” pela mesma razão. O nível de referência da PNMC foi calculado a
partir nas taxas de desmatamento para o período de 1996 até 2005 e segundo sua
regulamentação, deve ser ajustado para baixo a cada 5 anos com base no mais recente
intervalo de desmatamento de 10 anos. Isso significa que, com esse ajuste, a margem
que corresponderia aos créditos de carbono é ajustada a cada 5 anos, diminuindo a
possibilidade de geração de créditos.
Aqui temos 2 pontos interessantes de serem destacados. O primeiro é que como
o nível de referência é calculado a partir de taxas de desmatamento realizadas para o
período de 1996 a 2005, quanto maior for o desmatamento nesse período, maior o nível
de referência, o que possibilita uma maior geração de créditos. Devido a isso é
interessante para o Acre que ele comprove que desmatou mais para o referido período.
Devido a isso o IPAM coloca:
118
2005 foi 30% mais alta que a taxa média de desmatamento pelo PRODES na mesma
época (ALENCAR et. al., 2012, p.28)
(...) Apesar de usar o PRODES como principal fonte de dados, o Acre possui um
programa próprio de monitoramento do desmatamento que detecta em torno de 20%
a mais desmatamento que o sistema federal e que, se usado como base para o nível
de referência, pode indicar um grande pool de redução de emissões e
potencialmente mais créditos por emissão evitada para o programa ISA
Carbono. (ALENCAR et. al., 2012, p.9)
A UCEGEO foi utilizada para demonstrar que o desmatamento do Acre foi maior
que a estimativa do PRODES/INPE para o período de 1996-2005, mas para os últimos
anos não tem divulgado seus dados gerados para o desmatamento no Acre (a última
publicação é de 2013 com dados de 2011 e 2012) o que é no mínimo intrigante. Para
ilustrar essa questão colocamos abaixo uma figura que compara diferentes
metodologias de cálculo de nível de referência e linha de base elaborada pelo IPAM
(ALENCAR, et. al., 2012). Nela, o cenário 1 utiliza a abordagem da PNMC, com dados
do INPE/PRODES e o cenário 2 foi feito com base em dados da UCEGEO. Além disso,
como o IPAM defende que o nível de referência não seja ajustado, ele colocou nos 2
cenários níveis de referência com e sem ajuste:
119
Figura 6. Níveis de referência e meta utilizados para calcular o desmatamento evitado e as
emissões do Estado do Acre, seguindo a metodologia usada pelo o Prodes (A) e dados do
UCGEO (B); o cenário 1 de níveis de referência segue a abordagem do Governo Federal; o
cenário 2 de níveis de referência é baseado no nível de referência que não é ajustado para baixo
a cada 5 anos. A meta é estimada como sendo 42% mais baixa do que o cenário 1 dos níveis de
referência. Fonte: ALENCAR et. al., 2012.
O outro ponto que vale a pena ser destacado é a questão do ajuste do nível de
referência adotado pela PNMC. Como o ajuste diminui os créditos potencias de carbono,
ele é criticado pelo o IPAM:
(...) Esse ajuste carece de justificativa, uma vez que a lógica econômica por trás da
dinâmica do desmatamento poderá não mudar em um período tão curto de tempo.
(ALENCAR et. al., 2012, p. 28)
O IPAM (ALENCAR et. al., 2012) defende que os níveis de referência não sejam
ajustados, ou seja, que se assuma que as taxas de desmatamento serão as do
120
“business as usual”. Esse tipo de disputa pela definição dos níveis de referência e linhas
de base explicita algo que já comentamos: a relação desses mecanismos com o aqui
chamado “business as usual” ou apelidado de “economia marrom”. Ou seja, quanto
maior o desmatamento, maior o potencial de “emissões evitadas”, maior o crédito e mais
dinheiro. Isso faz com que organizações que estão envolvidas nesse tipo de iniciativa
assumam modelos de projeção de desmatamento que desconsideram possíveis ações
e políticas que diminuam o desmatamento e que não tenham relação direta com esses
mecanismos que operam na lógica de mercado.
121
(...) proteção das florestas; o manejo florestal e as cadeias produtos florestais; a
intensificação de práticas agrícolas, pecuárias, silviculturais e agroflorestais
associadas à restauração de áreas degradadas, de forma a valorizar as florestas e
reduzir a pressão por novas áreas desmatadas (ACRE, 2010a, p. 42).
Partindo do escopo definido pelo Programa ISA Carbono, que visa redução de
emissões de gases de efeito estufa oriundos de desmatamento e degradação, ao fluxo
de carbono, ao manejo florestal sustentável e à conservação, manutenção e aumento
dos estoques de carbono florestal (REDD+) (ACRE, 2013a), as atividades incentivadas
são:
Os principais incentivos relacionados a este programa incluem: a promoção da
transição da produção agropecuária para sistema mais produtivos, reduzindo a
necessidade de expansão das mesmas e, portanto, evitando novos desmatamentos;
o aumento do valor econômico da floresta em pé, visando melhorar a qualidade
de vida dos povos dependentes da floresta e aumentar a conservação das florestas;
e, finalmente, a distribuição de benefícios por serviços ambientais, com base na
comercialização de créditos de carbono, provenientes do desmatamento evitado e
também do sequestro de carbono através de regeneração e restauração florestal.
(ACRE, 2013a, p. 4, grifos nossos)
(...) você saiu do nível de projeto para programa, e ainda de programa para sistema,
não dá pra falar em pagamento, é um grande, um modelo, é a criação de uma série
de incentivos para estabelecimento de um novo modelo de desenvolvimento, então
incentivo pode ser por meio de recursos financeiros, mas pode ser por incentivo fiscal,
pode ser por novos programas, pode ser por entrega de áreas, pode ser apoio técnico,
pode ser por N instrumentos que estão disponíveis pro Estado incentivar o
desenvolvimento desses novo modelo de desenvolvimento (...)
122
A Lei Nº 2.308 estabeleceu os critérios que regem a repartição de benefícios oriundos
do SISA e portando do Programa ISA Carbono. Por exemplo, o Art. 2 inciso IX e X
fazem referência à ‘Justiça e equidade na repartição dos benefícios econômicos e
sociais oriundos dos produtos e serviços vinculados aos programas associados a esta
lei; e transparência, eficiência e efetividade na administração, gestão, monitoramento,
avaliação e revisão do sistema e de seus programas’. (ACRE, 2014b, p. 45)
(...) (1) a distribuição das categorias fundiárias no estado e (2) setores (extrativista,
agrícola, florestal e pecuário) que devem receber atenção e em que momento. A
combinação destes dois pontos resulta na valorização da floresta e na diminuição da
pressão por novos desmatamentos. (ACRE, 2014b, p. 27)
123
O que o IPAM propõe é uma abordagem de estoque-fluxo, justificando que dessa
forma todos seriam beneficiados, tanto os que conservam quanto os que reduzem o
desmatamento e:
(...) a repartição de benefícios, ela deve, dentro do SISA, ela deve atender tanto
aqueles, vamos dizer assim, provedores de serviços ambientais que geram fluxo, isto
é, desmatamento, tentando readequar, de alguma forma incentivar a readequar seu
sistema produtivo e diminuir o fluxo, quanto aqueles que promovem conservação e de
alguma forma apoiar ou incentivar essas populações a continuar fazendo
conservação. Isso a gente denominou de uma abordagem de estoque-fluxo (...)
124
Figura 7. Modelo híbrido de repartição de benefícios considerando a abordagem estoque-fluxo
e abordagem programática. Fonte: ALENCAR et. al., 2012.
Na entrevista com Mônica de Los Rios, ela também cita essa abordagem e
relaciona mais uma vez com as políticas que compõe o plano plurianual:
(...) Considerando que o estado, ele tem um plano plurianual onde ele tem programas
e políticas destinados a cada um desses atores, que visam obviamente, dinamizar a
economia desses setores, melhorar a qualidade de vida desses setores, então a
repartição de benefícios para cada um desses setores viria através dessas políticas,
então é o que a gente chamou de estoque-fluxo-programática, por que é uma
combinação de ambos. E essas políticas, elas sempre são readequadas conforme a
situação corrente, ela sempre vai ser diferente (...)
Com base nessa abordagem, o IPAM sugere uma estratégia para o Acre de
investir em um programa de pecuária:
125
Nesta abordagem, o estado rapidamente intervém em diminuir o desmatamento,
atacando o principal vetor de conversão florestal – o setor da pecuária - aumentando
assim, a probabilidade de diminuir o desmatamento em escala significativa e criando
uma grande redução de emissões que deverá ser usada para gerar os recursos
financeiros necessários para pagar os outros programas setoriais.” (ALENCAR et. al.,
2012, p.35)
Esse debate de “fluxo” justifica que muitos recursos sejam investidos nos setores
que mais realizam o desmatamento, e no caso do Acre, faz com que o IPAM sugira o
investimento na pecuária para que ela se torne mais eficiente e por tanto, reduza o fluxo
e gere mais créditos. Isso embasa a criação do subprograma de “Pecuária Sustentável”
do programa ISA Carbono. Podemos observar que a questão do fluxo de carbono
associada a questão ao custo de oportunidade, demonstram que a lógica de
mecanismos como o REDD é direcionada pela dinâmica do mercado. O custo de
oportunidade para não realizar a pecuária é alto e como ela é uma atividade que gera
muito fluxo (desmatamento), dentro da lógica desses mecanismos, investir na pecuária
é uma estratégia considerada boa. Outra questão levantada pelo IPAM e que demonstra
a possiblidade de sistemas jurisdicionais dialogarem com o agronegócio é:
126
(...) prevê-se a utilização dos Fundos de Meio Ambiente e de Floresta, além do aporte
de recursos provenientes de acordos bilaterais ou multilaterais sobre o clima; de
doações realizadas por entidades nacionais e internacionais, públicas e privadas; de
fundos públicos nacionais, tais como o Fundo Nacional sobre Mudanças do Clima; da
comercialização de créditos relativos a serviços e produtos ambientais; investimentos
privados ao se consagrar um modelo público-privado na Agência de Serviços
Ambientais, empresa de economia mista que responde a um dos principais desafios,
o de fazer participar o setor público e o privado em parceria para vencer tão grande
desafio; e, por certo, recursos orçamentários próprios do Estado. (NEVES, 2010, p.12)
(...) dentro da regra da lei, a gente foi criando alguns instrumentos que permitiam, veja
bem, é como se fosse uma matriz, de instituições, instrumentos de execução e
modelos financeiros (...) então você pode numa relação matricial, de combinação, uma
análise combinatória, se você fizesse uma análise combinatória, você poderia ter essa
instituição, com esse instrumento nesse modelo, essa instituição com esse
instrumento nesse modelo (...) então você pode nessa análise combinatória ter N
possibilidades dentro do sistema (...) Pode ser um país que queria fazer uma doação
para cuidar de uma área específica, como pode ser uma empresa pra fazer uma
compra de créditos de um território indígena, como pode ser um sócio da nossa
empresa que vai investir em um projeto em uma área pública pra venda pra terceiros,
como pode ser a criação de uma nova empresa com investimento privado pra
reflorestamento que vai gerar crédito, então você pode ter uma variedade gigantesca
de instrumentos em que o crédito de carbono ele é quase como um coringa, se vai
utilizando esse coringa, que é o produto desse processo, é o crédito, e esse crédito
serve de coringa pra incentivar qualquer um desses modelos, pode ser usando fundo
público, fundo privado, fundo de investimento, empresa, novas empresas, sociedade
de proposta específica, doação, sociedade, novos empreendimentos, é uma
127
variedade gigantesca, e isso é proposital, isso não torna o sistema menos seguro e
não torna menos auditável, ele torna o sistema flexível o suficiente para se adaptar a
projetos, a programas, programas nacionais e internacionais.
Com base nessa flexibilidade, o Acre realizou já, logo que a lei foi implementada,
alguns acordos visando operacionalizar o SISA. Por exemplo o acordo realizado com a
Califórnia, que está em vias de regulamentar um programa de cap-and-trade43, em que
por exemplo termoelétricas de carvão poderiam compensar parte de suas emissões com
créditos de carbono que poderiam vir do Acre e também do estado de Chiapas no
México, que fez parte do acordo (ALENCAR et. al., 2012; ANDERSON et. al., 2013).
Segundo FURTADO e FAUSTINO (2015), em 2011 foi criado um grupo de trabalho para
elaborar mecanismos técnicos, jurídicos e metodológicos para conseguir ligar os
programas jurisdicionais do Acre e Chiapas com o programa de cap-and-trade da
Califórnia, mas, como colocam as autoras:
(...) Devido à luta social de organizações da Califórnia e dos Estados Unidos como um
todo, além de questões políticas internas, embora o sistema cap-and-trade da
Califórnia tenha sido lançado em 2013, o mesmo ainda não permite a compra de
créditos internacionais de compensação das emissões locais, incluindo os de créditos
de REDD. (FAUSTINO; FURTADO, 2015, p. 70)
Além desse acordo com a Califórnia, em 2012 o Acre também assinou acordos
para implementar sistemas de cap-and-trade, no qual o programa ISA carbono poderia
compensar as emissões de São Paulo, Rio de Janeiro e do BNDES (ANDERSON et.
al., 2013).
O sistema foi pensando para integrar tanto as áreas públicas, inclusive as áreas
sem regularização fundiária44, como também propriedades privadas, que podem se
beneficiar por parte das políticas públicas, como também pelos projetos especiais que
128
descreveremos melhor. O Programa ISA Carbono já está funcionando e tem a função
de captar recursos para dar sustentabilidade financeira para implementação das demais
ações do sistema (ALENCAR et. al., 2012). A lei de 2010 que promove uma abordagem
jurisdicional permite para o programa:
(...) creditação na escala estadual e na escala de projetos. A Lei do SISA permite que
ações do Programa ISA Carbono possam ser executadas pela iniciativa pública ou
privada. Portanto, atividades de projetos de privados são permitidos desde que estes
sejam reconhecidos e integrados como parte do Programa ISA Carbono. (ALENCAR
et. al., 2012, p. 5)
Agora, por meio de subprogramas e projetos, o enfoque está sendo dirigido a escalas
menores. Essa abordagem distingue o ISA Carbono da grande maioria de
experiências de REDD documentadas no mundo, que geralmente iniciam projetos em
locais específicos, sem um sistema para integrar a jurisdição inteira (EPRI, 2012 apud
ANDERSON et. al., p. 40).
129
internacional, favorecendo assim, a biodiversidade e a definição de uma proporção de
floresta nativa por área de floresta plantada;
- melhoria do manejo florestal;
- melhoria da agricultura e manejo de pastagens que levem a redução de emissões e
conservação dos solos. (ACRE, 2014b, p. 29)
Tanto os planos de ação quanto os projetos especiais, que são de ordem mais
local, para serem reconhecidos como parte do SISA precisam ser registrados e
regulamentados, assim evitando sobreposição de contabilidade de créditos (ACRE,
2013a; NEVES, 2010). A abordagem aninhada permite a compatibilidade entre essas
diversas escalas de ações e sobre isso, Rodrigo Neves coloca que:
(...) permite que você tenha um projeto, mas de alguma forma esse projeto esteja
encaixado dentro do programa estadual. Que permita um programa estadual, mas que
este programa estadual de alguma forma esteja aninhado dentro de uma estratégia
nacional. E você permite uma flexibilidade ou uma capacidade institucional de que
esse modelo nacional, ele se encaixe em outro, ou se adeque a um eventual sistema
internacional (...)
130
final de 2014 (FAUSTINO; FURTADO, 2015). Mas é importante destacar que esse tipo
de projeto é de interesse do estado do Acre e é estimulado e, como colado, já é previsto
no sistema. Para nós, o que o governo do Acre tenta fazer, para garantir a legitimidade
do SISA, é se dissociar de qualquer experiência conflitiva que já tenha vindo a público.
Como, principalmente o Projeto Purus já foi denunciado internacionalmente por várias
entidades, ele ainda não tinha sido cadastrado dentro do SISA.
Essa abrangência que confere uma grande diferença do SISA para outras
experiências de serviços ambientais no mundo, segundo a WWF (2013), confere ao
sistema maior segurança jurídica:
Essa abordagem oferece uma base robusta para um regime de REDD no âmbito
estadual e evita os problemas potenciais que podem surgir quando projetos de REDD
são desenvolvidos dentro de jurisdições políticas sem linhas de base e sem
instituições oficiais estabelecidas – o que ocorre frequentemente em outras regiões
do mundo. (ANDERSON et. al., 2013, p. 60)
(...) A gente tem diálogos com empresas e com setores públicos e países que tem
interesse de investir por que a gente tem essa fortaleza institucional, técnica e
científica do que a gente está fazendo. Desse “low emissions development”, que a
gente nem chama mais de REDD, é o nosso LED, que tem fortaleza na nossa política
pública.
Uma dos grandes argumentos utilizados para defender o SISA é essa questão
das garantias jurídicas e institucionais dadas pelo Estado, ou como coloca o IPAM, “(...)
A estrutura do SISA é um excelente exemplo da institucionalização de garantias
socioambientais em termos jurisdicionais”. (ALENCAR et. al., 2012, p.13). Além da
questão da contabilidade do carbono e das linhas de base de desmatamento apontadas
pela WWF, os proponentes desse sistema colocam que por ser mediado pelo Estado, o
SISA garante o controle social e o respeito aos direitos e interesses da população. Seria
uma grande salvaguarda como é colocado:
Por tudo isto, está claro que o Governo e a sociedade acreana se anteciparam em
alguns anos com as mesmas preocupações, já expressas por instituições de direitos
humanos sobre o risco que os mecanismos de compensação podem trazer para
populações tradicionais e indígenas. Razão pela qual o Governo assume a
responsabilidade de garantir que estes riscos não venham se instalar no Estado,
131
estruturando o SISA como uma grande salvaguarda construída a muitas mãos.
(ACRE, 2012, p. 51)
Para que esse arranjo desenhado para o SISA seja colocado em prática, uma
arquitetura complexa foi criada com base em estruturas já existentes, mas também com
a criação de novas, como por exemplo o Instituto de Mudanças Climáticas e
Regulação de Serviços Ambientais - IMC e a Companhia de Desenvolvimento de
Serviços Ambientais (CDSA).
Essa arquitetura se baseou na premissa, presente no documento de descrição
do ISA Carbono (ACRE, 2013b), de que o SISA possui 3 esferas:
132
responsável por parte das atribuições de regularização fundiária do estado também tem
uma relação direta com o sistema.
133
(...) fomentar a elaboração de ações e projetos, bem como estabelecer e desenvolver
estratégias voltadas à captação de recursos financeiros e investimentos nos
programas, subprogramas e projetos, buscando investidores privados para tornarem-
se sócios do processo. Terá possibilidade, também, de captar recursos financeiros
oriundos de fontes públicas, privadas ou multilaterais, criando planos de ação e
projetos viáveis. Poderá, dessa maneira, criar uma competência específica que a
permitirá assessorar a concepção e a execução de projetos privados, quando se
estabelecer uma relação volitiva entre as partes, ou seja, quando expressamente
solicitado pelos potenciais proponentes (NEVES, 2010, p. 16)
134
(1) Devido a uma reforma administrativa realizada, através da Lei Complementar Nº 300 de 9 de
Julho de 2015, várias atribuições relacionadas a política florestal do Acre que eram da SEDENS
passaram para a SEMA. Dentre elas, algumas estruturas centrais para o funcionamento do SISA:
a CDSA e Fundo Florestal. Além disso o IMC que antes era vinculado à Secretaria Estadual de
Ciência e Tecnologia (SECT), também passou a ser vinculado a SEMA. O presente trabalho não
teve condições de analisar essa reforma administrativa mais a fundo e as possíveis motivações
da mesma.
(2) O Comitê Gestor de Mudanças Climáticas, apesar de previsto em lei, não tem funcionado
como instância deliberativa do IMC e planejamento do SISA e sim um Comitê Executivo Gestor,
que não foi previsto em lei, com a presença de PGE, SEDENS, IMC, CDSA e EMBRAPA.
135
- Comitê Científico: Prof. Dr. Carlos Afonso Nobre; Prof. Dr. Daniel Nepstad; Prof. Dr.
Irving Foster Brown; Prof. Dr. Luiz Gylvan Meira Filho; Prof. Dr. Elfran Amaral; Prof. Dr.
José Antônio Sena do Nascimento (baseado no Decreto nº 4.301 de 18 de julho de
2012, Decreto nº 6.183 de 7 de agosto de 2013, Decreto nº 8.651 de 15 de novembro
de 2014 e Decreto nº 8.724 de 3 de dezembro de 2014)
- Comitê Gestor de Mudanças Climáticas: SEMA; SEDENS; PGE; IMAC; ITEACRE;
IMC.
- Coletivo de Conselhos: Conselho Estadual de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia
– CEMACT; Conselho Estadual de Florestas; Conselho de Desenvolvimento Rural
Florestal Sustentável – CDRFS.
- GT Indígena: IMC; Fundação Nacional do Índio (FUNAI); Comissão Pró-Índio do Acre
(CPI-AC); Forest Trends; Assessoria Especial de Assuntos Indígenas do Gabinete do
Governador - AEIA; Associação Sociocultural Yawanawá – ASCY; Associação do
Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre – AMAIAC; Organização de
Professores Indígenas do Acre – OPIAC; Associação do Povo Indígena do Rio Humaitá
– ASPIRH; Associação de Cultura do Povo Indígena do Humaitá – ACIH; Organização
dos Povos Indígenas do Alto Rio Purus – OPIHARP; Associação de Jovens Hunikui do
Jordão – AJHJ; Associação de Seringueiros Kaxinawá do Rio Jordão – ASKARJ;
Organização de Mulheres Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de
Rondônia– SITOAKORE; Associação Katukina do Campinas – AKAC (baseado na
Resolução nº 001 de 20 de agosto de 2012)
Além das estruturas e entidades diretamente envolvidas na execução do SISA,
explicitadas acima, muitas outras estruturas e entidades envolvidas nas políticas
ambientais também interagem com o sistema, mesmo que de forma indireta. Aqui
vamos apenas destacar a Secretaria de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar
(SEAPROF) que tem um papel importante em muitas políticas executadas no Acre como
veremos posteriormente.
Sobre essa arquitetura algumas observações são relevantes. Primeiro, a
ouvidoria foi a última estrutura do SISA46 a ser implementada enquanto que a CDSA foi
uma das primeiras. Outra questão fundamental é que a CDSA, como destacado pelo
IPAM (ALENCAR et. al., 2012), não é subordinada inteiramente a burocracia estatal mas
pode receber “ativos” do Estado, o que já foi garantido por lei estadual. Ela teria uma
vantagem com relação a outras empresas:
136
(...) A primeira parte da estratégia da CDSA está projetada para tirar vantagem do
principal ativo da CDSA e de sua vantagem comparativa, que é o direito de gerir e/ou
vender ativos e créditos de serviços ecossistêmicos criados em terras do estado.
(CDSA, s/d, p. 10)
47O atual diretor presidente é Alberto Tavares que como já destacamos é ex-gestor do escritório
da WWF do Acre, no qual ficou 8 anos. Isso não é coincidência, mas algo recorrente no Acre.
Podemos observar alguns quadros chave que migram de estrutura para estrutura, sejam órgão
do estado ou privados, para garantir a implementação do projeto do bloco hegemônico no poder.
Eufran Amaral já foi secretário da SEMA, presidente do IMC e hoje diretor da EMBRAPA-AC.
Rodrigo Neves, além de Procurador Geral do Estado do Acre também já foi presidente do IMC.
137
inteiro, se tiver alguma coisa, comitê tem dúvida, ingressou um recurso, nós queremos
mais informações de como vai ser esse modelo de reflorestamento, vai lá, a
companhia vai lá e vai prestar informações para o comitê (...)
(...) é condição suprema para que a gente consiga fazer esse sistema funcionar, que
a gente tenha legitimidade. O dia que fizer alguma coisa, que esta turma dos
conselhos e do comitê achar que está tudo errado e que aquilo não deveria ser feito,
acabou matou. A gente perde a credibilidade e acabou o sistema. Por que o dia que
os próprios comitês, os conselhos, começarem a dizer, gente, para com isso, está
tudo errado, não sei o que, como é que você vai conseguir andar com uma estrutura
dessa (...)
O que podemos ver por esse trecho da entrevista é que é colocado grande peso
na importância da CEVA e do Coletivo de Conselhos na garantia do controle social do
sistema. Na próxima sessão entraremos em maiores detalhes sobre a dinâmica dessas
instâncias na pretensa garantia dos interesses e direitos e no controle social do SISA.
A WWF, em sua publicação a respeito do SISA, analisou a arquitetura do sistema
pensada para garantir o controle social da mesma e ponderou:
138
Lembrando que a WWF tem grande inserção no Acre e assessorou na
construção do SISA, é importante destacar essa visão que permeia o sistema, de
“eficiência de gestão” que não deve ser diminuída pela transparência e participação
popular.
Posteriormente também analisaremos melhor qual a relação da CDSA com a
ANAC e o como isso interfere no funcionamento do SISA até o momento, visto que por
enquanto os recursos que fluíram pelo sistema não foram conseguidos através da
CDSA, mas sim em negociações e propostas construídas de forma mais ampla como é
o caso dos contratos com o banco alemão KfW que analisaremos em detalhe mais à
frente.
Uma das grandes virtudes defendidas pelos que difundem o SISA é o seu
processo de construção que, segundo afirmam, teve a participação da sociedade
(ACRE, 2012). A proposta inicial foi divulgada e enviada para 120 pessoas de diversas
organizações, além de ser discutida de forma presencial em 5 reuniões, 3 oficinas e um
seminário técnico com um total de 174 pessoas consultadas diretamente o que gerou
mais de 300 recomendações (ACRE, 2012). Analisemos, mas atentamente, como se
deu essa participação.
Entre as entidades que participaram das primeiras etapas de elaboração da
proposta temos a WWF, IPAM, IUCN, GIZ, EDF, Forest Trends, The Woods Hole
Research Center, Biofílica (NEVES e LIMA, 2010; ACRE, 2012). Essas organizações
tiverem grande influência no processo de elaboração da proposta, inclusive financiando
parte do processo. Em trecho da entrevista, Mônica de Los Rios do IMC destaca que:
(...) o IPAM, que tem sido um parceiro bastante importante na definição conceitual
sobre o próprio SISA, o WWF, uma ONG internacional, mas com presença no estado
já a algum tempo, que também ajudou nessa, e contribuiu nessa definição conceitual,
a GiZ que é parceira do estado já quase, acho que desde a década de 90, já é parceira
do estado, inclusive na parte de cooperação técnica para implementação do
zoneamento, para ordenamento territorial, então tem sido uma parceira grande do
estado (...)
139
(...) a gente apoio o estado desde o começo, desde a concepção, a elaboração de
estudos estratégicos, parcerias para negociações internacionais (...)
A GIZ, WWF e IUCN aportaram R$ 240 mil nas etapas iniciais de construção.
(ANDERSON et. al., 2013). Além disso, também ocorreu uma oficina com especialistas
em mercado em São Paulo para colher recomendações (ACRE, 2012). Segundo
Rodrigo Neves, em trecho de entrevista:
(...) então a gente não podia fazer uma coisa que tivesse uma, que tive resistência
social, por exemplo, tinha que ter uma coisa que fizesse sentido para as comunidades,
mas também não podia fazer um negócio, ah, faz absoluto sentido pra comunidade
mas ninguém compra, então você tem que perguntar pra quem vai comprar,
perguntamos pro mercado, fomos na BOVESPA, fomos pra desenvolvedores de
projeto, potenciais compradores, potenciais parceiros de desenvolvimento de
projetos, e a gente foi ouvindo, perguntado, pra que isso dê certo, o que, na sua visão,
um sistema, na realidade um sistema não, um projeto do Acre precisa (...)
140
constitui em um conjunto de projetos individuais, mas de políticas mais abrangentes.
Muito embora tenham existido esforços para criação dessas capacidades, os
membros dos conselhos ainda não se sentem confiantes quando o assunto é o
SISA, dada a sua complexidade e interconexão com várias políticas (ACRE, 2014d,
p. 32, grifos nosso)
(...) a gente tem um problema muito sério de comunicação. A gente não sabe nada
sobre a Ceva, a gente não troca informação. É uma luta para saber como está esse
projeto sobre o KfW (...) Aqui tem um esvaziamento dos indígenas, já perderam o
interesse. Não tem dinheiro para eles vir. Esse negócio de que o índio é problema tem
que acabar dentro do governo do Acre. (Brasil, 2013 apud FAUSTINO; FURTADO,
2015, p. 74)
141
governamental e com o alinhamento à perspectiva da economia verde e com o
pressuposto da fatalidade do projeto. Tal metodologia inviabilizaria a criticidade e a
autonomia das comunidades, que têm menos acesso à informação, menos
familiaridade com a linguagem específica utilizada e estão mais necessitadas de
políticas públicas, dadas as suas vulnerabilidades históricas. (FAUSTINO; FURTADO,
p. 68)
(...) não foi uma Lei criada de cima para baixo, mas expressa todos os anseios dos
setores da sociedade diretamente e indiretamente impactados por ela, sendo o que
possibilitou a sua aprovação na Assembleia Legislativa por maioria absoluta.” (ACRE,
2012, p.49-50)
142
tem a participação de CMACT, CDRFS, CEF que pretensamente garantiria participação
social na construção das políticas públicas é utilizado. Por isso iremos analisar em maior
detalhe esses conselhos.
Como já descrevemos anteriormente, o Conselho Estadual de Florestas (CEF)
foi criado junto do Fundo Estadual Florestal em 2001 a partir da Lei 1.426. O conselho
“(...) é o órgão superior de caráter colegiado, normativo e deliberativo, responsável pela
definição da política, dos planos e das estratégias florestais do Estado” (MENESES-
FILHO, 2008, pp. 11-12). O Conselho Estadual de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia
(CEMACT) foi criado através da Lei nº 1.022 de 1992. É um órgão colegiado, deliberativo
e normativo que integra o Sistema Estadual de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia -
SISMACT, na condição de órgão Superior. Entre suas funções estão planejar ações de
ciência, tecnologia e meio ambiente que dialoguem com as realidades locais e propiciem
desenvolvimento sustentável (MENESES-FILHO, 2008). O Conselho Estadual de
Desenvolvimento Rural e Florestal Sustentável (CDRFS) foi criado a partir do Decreto
2.544 de 2000 e modificado pelo Decreto 8.423 de 2003. Ele tem a função de pensar o
Programa Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável – PDRFS, o Programa
Estadual de Reforma Agrária e ações do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar – PRONAF no estado do Acre (MENESES-FILHO, 2008).
Em estudo justamente sobre a dinâmica de funcionamento e participação da
sociedade civil no Acre, Luis Meneses-Filho48 (2008) registrou importantes elementos.
Avaliando a dinâmica de funcionamento desses três conselhos, os principais
coordenadores dos mesmos fazem revelações importantes. Sobre o CEMACT, o estudo
colheu a avaliação de 2 coordenadores importantes à época, Carlos Edgard de Deus49,
que presidiu o conselho de 1999 até 2006, e Eufran Ferreira do Amaral50 que presidiu o
conselho a partir de 2007. Em trecho da publicação de Meneses-Filho (2008) analisando
esses conselhos é colocado:
(..) ‘Nenhum Governo vai correr o risco de perder o controle do processo, sempre
estivemos preocupado em ter o controle’. O papel da Presidência é muito de mediação
de conflitos e interesses, mas sua dedicação é inferior à necessária pois, ao mesmo
tempo que preside o fórum deliberativo, ele é responsável por coordenar o executivo.
(...) (MENESES-FILHO, 2008, p. 39)
48 Luis Meneses-Filho foi coordenador da WWF no Acre e hoje é da ONG Global Cannopy.
49 Carlos Edgard de Deus é atual Secretário de Meio Ambiente do Estado
50 Eufran Ferreira Amaral já foi Secretário de Meio Ambiente, presidente do IMC e hoje é diretor
da EMBRAPA-AC
143
Além de explicitar o forte direcionamento dado pela coordenação do conselho,
Meneses-Filho (2008) a partir de entrevistas com membros do conselho, coloca
dificuldades da sociedade civil pautar suas demandas:
(...) a maior parte das pautas é definida pelo Governo e os conselhos são usados
para referendar as pautas. Outra colocação dos membros da Sociedade Civil é que
assuntos de pauta sugeridos pelos conselheiros levam muito tempo para entrar na
pauta, a reação do presidente é que a demanda do executivo é grande e dinâmica e,
por outro lado, por muitas vezes não havia quórum para realização das reuniões,
consequentemente, as demandas dos conselheiros entravam na pauta quando havia
tempo livre sendo relegadas ao segundo plano. (MENESES-FILHO, 2008, p. 40,
grifos nossos)
(...) Em geral, a gestão é fraca por que tem estrutura amadora. Não tem Secretaria
Executiva delineada, não tem pessoa encarregada por fazer a pauta, não há formação
e informação para os conselheiros. Conselheiros não lêem documentos e decidem
com base em informações superficiais (...) (MENESES-FILHO, 2008, p. 47)
Na condição de presidente por vários anos, Gilberto Siqueira coloca que não
existe uma organização básica das reuniões e que os conselheiros deliberam sem se
aprofundar no tema. Mais do que isso ele coloca:
144
Nesse trecho citado acima, ele explicita quais as organizações direcionam as
pautas e deliberações dos referidos conselhos, no caso bancos, empresas e ONGs51.
Ele ainda expõe a precariedade da participação das organizações que deveriam
representar os interesses populares:
(...) Conselheiros não tem formação para estarem ali representando uma organização
e emitem opiniões irresponsáveis (...) Antes do Governo do PT havia um Movimento
Social mais forte. Hoje os quadros do movimento social estão no Governo, e há uma
confusão de papéis. (MENESES-FILHO, 2008, p. 48)
(...) Profissionais de diversas áreas das ciências sociais assessoraram nos anos 1980
lideranças de movimentos sociais e comunidades de base, transformando suas
demandas em projetos e iniciativas-piloto que, posteriormente, foram levados ao
cerne do governo quando estes profissionais passaram a fazer parte da administração
pública. (BROSE, 2014, p. 289)
145
do objetivo estratégico do plano de governo associado à economia justa, limpa,
saudável e com base florestal, e a partir de outubro de 2007, assume a presidência dos
referidos conselhos no lugar do Secretário de Planejamento, também coloca pontos
importantes:
(...) No geral não tem pessoal dedicado para realizar a memória, a convocação com
antecipação, o envio de documentos para análise prévia à reunião ou não tem equipe
ou quem é responsável não tem a experiência necessária (...) Quem participa tem
pouca capacidade de decidir, quando não domina o assunto, ou tem tendência de
frear o processo ou de acatar o que está sendo proposto (MENESES-FILHO, 2008, p.
47, grifos nossos)
Fábio Vaz aponta os mesmos problemas colocado por Gilberto Siqueira no que
diz respeito a organização das reuniões dos conselhos e também a capacidade de
decisão dos membros. Além disso, analisando fatores que interferem na qualidade de
participação da sociedade ele coloca: (...) A origem destes espaços: sendo demanda de
atores externos e não legítima de setores da sociedade local (...) (MENESES-
FILHO, 2008, p. 49). A partir das entrevistas e pelo conhecimento da dinâmica da
tomada de decisão no Acre, Meneses-Filho conclui:
146
propor políticas (...) as organizações, cada vez mais, estão atreladas a projetos
políticos partidários voltados a processos eleitorais e não mais em sua missão como
organização. Isto estimula um processo competitivo entre as organizações,
dificultando a união em torno de interesses comuns. Esta situação é agravada em
função da desqualificação, despreparo e descompromisso de lideranças para
representar os interesses de sua base e; conforme citado por diversos membros da
Sociedade Civil, tanto ONGs como as próprias representações de classe, muitas
vezes as lideranças são cooptadas pela injeção de dinheiro público através de
convênios e salários gerando atrelamento político e partidário. (MENESES-FILHO,
2008, p. 69, grifos nosso)
53
Atas da primeira reunião ordinária de 2011, segunda reunião ordinária de 2012 e segunda reunião
ordinária de 2013.
147
(...) É de praxe em espaços como o CDRFS e CEMACT, a publicação das resoluções
em Diário Oficial, no entanto, as resoluções do CFE nunca foram publicadas no
Diário Oficial. Gilberto Siqueira afirma que os encaminhamentos são sempre prestado
contas à Sociedade no âmbito dos espaços, fato este discordado pelos membros
da Sociedade Civil. (MENESES-FILHO, 2008, p. 68-69, grifos nossos)
Além da questão da débil participação nos conselhos, temos uma outra pretensa
garantia dos interesses e direitos dos povos e comunidades através das chamadas
“salvaguardas socioambientais”. O Acre é um ativo participante dos fóruns de discussão
e deliberação de salvaguardas socioambientais, inclusive integrando a Iniciativa
Internacional REDD+ SES. Essa iniciativa se refere a construção de padrões
socioambientais para REDD+ e foi coordenado pela Aliança para o Clima, Comunidade
e Biodiversidade (CCBA, em inglês), composta pelas ONGs Conservation Internacional
(CI), Care, The Nature Conservancy (TNC), Rainforest Alliance e Wildlife Conservation
Society e pela CARE Internacional (FAUSTINO; FURTADO, 2015). Segundo seus
formuladores os padrões foram: “(...) discutidos e elaborados através de um processo
participativo e inclusivo com representantes de governos, ONGs e sociedade civil em
diversos países do mundo com floresta tropical.” (ACRE, 2014b, p.61). Mas problemas
com esse tipo de proposta já foram analisados onde as salvaguardas foram aplicadas.
Segundo FAUSTINO e FURTANO (2015), algumas dessas experiências:
148
são validados por essas certificadoras. Sobre isso, questionamos Mônica de Los Rios,
que inclusive é membro da Iniciativa Internacional REDD+ SES, e ela me respondeu:
(...) para um auditor externo, por exemplo, um contrato de compra e venda é suficiente,
por exemplo, da terra, só que o contrato de compra e venda, não necessariamente
significa que ele foi executado, então isso pode trazer problemas futuros (...) é por que
justamente no entendimento dos auditores, geralmente são auditores estrangeiros,
entidades estrangeiras, no entendimento aquele documento atende o requerimento
que está lá, então ele vai na caixa, é sim ou não, não tem mais ou menos, não tem
escrito mais ou menos, não é um degrade de cinzas, é sim ou não, preto e branco,
tem o documento? Tem, está aqui, tem esse outro documento? Tem, está aqui, mas
não há uma análise da elegibilidade do documento, aliás, da elegibilidade tem, mas
não há uma análise desse documento realmente atender na íntegra o requerimento
(...)
Sobre esse padrão adotado no Acre, perguntamos para Mônica de Los Rios se
ele fortalecia pontos que as certificadoras para projetos tinham fragilidades,
principalmente a questão de conflitos territoriais fundiários e ela me respondeu:
(...) está mais fortalecido, mas nem... mas fortalecido por que antigamente no VCS
não considerava salvaguardas, então nos requerimentos de projeto é apenas
quantificação de carbono, dentro do padrão VCS, no âmbito jurisdicional já não, ele já
traz um componente de salvaguardas, que não me define a salvaguarda tem que ser
assim ou tem que ser assado, ele simplesmente me dá a liberdade de usar algum
149
padrão que me demonstre o alcance de salvaguardas socioambientais, mas não me
define, não me qualifica como é esse alcance, vamos dizer assim, então está mais
fortalecido, está, mas de repente nem tanto. (...)
Princípio 1: Os direitos a terras, aos territórios e aos seus recursos são reconhecidos e respeitados pelo
SISA e seus programas.
Princípio 2: Os benefícios do SISA e seus programas são compartilhados equitativamente entre todos os
titulares de direitos e atores relevantes.
Critério Ponto Condição Avaliação
2.2. Mecanismos 2.2.2. Existência de Parcialmente - Ainda faltam procedimentos
transparentes, procedimentos administrativos cumprido transparentes e acessíveis para revisão
participativos, transparentes e eficazes para (com das opções, equidade, eficácia e eficiência
eficazes e eficientes que o gerenciamento dos fundos lacunas) do SISA no desenho dos mecanismos de
são estabelecidos e a distribuição dos benefícios distribuição dos benefícios.
para a divisão ocorram em tempo oportuno e
equitativa dos apresentem uma relação custo- - Ainda precisa melhorar a comunicação
benefícios do SISA e benefício adequada. entre as diferentes esferas de governança
seus programas 2.2.3. Existência de Parcialmente e adotar procedimentos de publicação de
entre e dentro dos procedimento transparente e cumprido informação que permita maior
150
grupos de titulares acessível para revisão das (com transparência e acesso a informação por
de direitos e atores opções, equidade, eficácia e lacunas) parte da sociedade civil.
relevantes, levando- eficiência do Programa no
se em conta os desenho dos mecanismos de
benefícios, custos e distribuição dos benefícios.
riscos socialmente
diferenciados.
Princípio 3: O SISA e seus programas melhoram a segurança dos meios de vida em longo prazo e o bem-estar
dos Povos Indígenas e das comunidades locais com atenção especial às mulheres e às pessoas mais
vulneráveis.
Critério Ponto Condição Avaliação
3.1. O SISA e seus 3.1.1. Os beneficiários do SISA e Parcialmente - Embora a dinâmica dos conselhos varie
programas geram seus programas reconhecem cumprido ao longo do tempo de avaliação deste
impactos positivos que têm recebido benefícios, relatório, ainda precisa-se de um
adicionais sobre a impactos adicionais positivos procedimento formal dos Conselhos
segurança em longo relacionados à segurança em Estaduais para monitoramento e avaliação
prazo dos meios de longo prazo dos meios de vida e das políticas públicas, utilizando como
vida e a melhoria do a melhoria do bem-estar pela insumo os relatórios produzidos pelo
bem-estar dos Povos participação nas iniciativas SIPLAGE.
Indígenas e das implementadas no âmbito dos
comunidades locais, programas do SISA. - Ainda falta um Plano de Comunicação do
com atenção SISA e seus programas com período
especial para definido para atualização das informações,
mulheres e as bem como, o formato da informação a ser
pessoas mais disponibilizado.
marginalizadas e/ou
vulneráveis. - Não está estabelecido um fluxo para
3.2 Existe avaliação 3.2.1. Existência de Parcialmente avaliação dos relatórios produzidos pelo
participativa dos procedimento de avaliação cumprido SIPLAGE através dos instrumentos de
impactos culturais, participativa de monitoramento e participação estabelecidos pela lei.
sobre os direitos de comunicação dos impactos
humanos, previstos e reais, tanto positivos
ambientais e como negativos, da implantação
econômicos, tanto de iniciativas no âmbito do SISA
positivos como e seus programas, sobre
negativos, do aspectos sociais, culturais, de
Programa Isa direitos humanos, ambientais e
Carbono para os econômicos deste programa
Povos Indígenas e para os beneficiários do
comunidades locais, Programa.
com atenção
especial para
mulheres e as
pessoas mais
vulneráveis,
incluindo os
impactos previstos e
reais.
Princípio 4: O SISA e seus programas contribuem para boa governança, para os objetivos mais amplos de
desenvolvimento sustentável e para justiça social.
Critério Ponto Condição Avaliação
4.1 As estruturas 4.1.1. O SISA e seus programas Parcialmente - Não está estabelecido o período de
para governança do contribuem com os objetivos e cumprido atualização das informações, bem como, o
SISA e seus governança das políticas, formato da informação a ser
programas são programas e planos (inclusive o disponibilizada no Portal da
definidas de modo seu fortalecimento) pertinentes Transparência.
claro, transparente, nos âmbitos federal, estadual e
efetivo e municipal – e ambientais, - Ainda precisa ser estabelecido um
responsável. econômicos, de direitos mecanismo de divulgação dos relatórios
humanos, culturais – de execução do SISA e seus programas.
151
considerando aspectos
relacionados à equidade, - Nos processos de monitoramento e
eficácia, eficiência e efetividade avaliação do SIPLAGE não estão incluídos
por meio de mecanismos que os aspectos relacionados à equidade,
assegurem a participação efetiva eficácia, eficiência e efetividade, de forma
dos beneficiários (as) nas complementar ao monitoramento das
decisões. salvaguardas.
4.2. O SISA e seus 4.2.1. Informação adequada Parcialmente
programas sãosobre o SISA e seus programas cumprido - Não está estabelecido o período de
coerentes com as é disponível publicamente. atualização das informações, bem como, o
políticas, estratégias formato da informação a ser
e planos relevantes disponibilizada.
em todos os níveis e
existe uma
coordenação eficaz
entre agências/
organizações
responsáveis pelo
desenho,
implementação e
avaliação do SISA e
seus programas e
outras agências/
organizações
relevantes.
4.3. Informação 4.3.1 Informação sobre o Parcialmente
adequada sobre o gerenciamento financeiro do cumprido
SISA e seus SISA e seus programas é
programas está disponível publicamente.
publicamente 4.3.2 Relatórios financeiros do Parcialmente
disponível para SISA e seus programas são cumprido
promover publicados regularmente.
conscientização
geral e boa
governança.
Princípio 5: O SISA e seus programas mantêm e melhoram a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos.
Critério Ponto Condição Avaliação
5.1 A biodiversidade 5.1.1. Existência, no SISA e seus Parcialmente - Baixa implementação efetiva dos
e os serviços programas, de procedimento cumprido instrumentos legais para proteção da
ecossistêmicos para identificação, priorização e biodiversidade nas UCs;
potencialmente mapeamento da biodiversidade e
afetados pelo SISA e dos serviços ecossistêmicos. - Falta ainda um processo de articulação
seus programas são interinstitucional e levantamento de
identificados, iniciativas que contribuam para a
priorizados e manutenção e melhoria da biodiversidade
mapeados. as quais poderiam ser potencializadas
5.3 O SISA e seus 5.3.1 O SISA e seus programas Não pelo SISA;
programas não incluem medidas para identificar, cumprido
causam a conversão monitorar e propõe ações para - Ainda falta sinergia entre o SISA e o
ou degradação de mitigar os impactos negativos e SIPLAGE para incorporar a análise de
florestas naturais ou potencializar os impactos impactos positivos e negativos do SISA na
outras áreas positivos. gestão das unidades de conservação e na
importantes para a 5.3.2. O feedback do Não manutenção da sua biodiversidade.
manutenção e monitoramento é usado para cumprido
melhoria da desenvolver medidas para
biodiversidade e dos mitigar ainda mais os potenciais
serviços impactos ambientais negativos,
ecossistêmicos e acentuar os positivos.
identificados como 5.3.3. O plano de monitoramento Não
prioridade inclui indicadores para medir a cumprido
152
biodiversidade e os serviços
ecossistêmicos afetados pelo
próprio SISA e seus programas,
identificados a partir do
conhecimento tradicional e da
pesquisa científica.
Princípio 6: Todos os titulares de direitos e atores relevantes participam de maneira plena e eficaz do SISA e
seus programas.
Critério Ponto Condição Avaliação
6.3 O desenho, 6.3.2 Conhecimento, habilidades Parcialmente - Precisa-se ainda da estruturação da
implementação e e sistemas de manejo Cumprido ouvidoria para que as possíveis disputas
avaliação do SISA e tradicionais com relevância para relacionadas com o SISA e seus
seus programas o SISA e seus programas são programas efetivamente possam ser
consolidam, identificados. direcionadas pela mesma.
respeitam e apoiam 6.3.3 O SISA e seus programas Parcialmente
o conhecimento, consolidam, respeitam e apoiam Cumprido - Ainda precisa-se de um procedimento
habilidades e o conhecimento, habilidades e formal de aplicação do CPLI para o uso de
sistemas de manejo sistemas de manejo tradicionais conhecimentos tradicionais,
dos titulares de relevantes. principalmente de povos indígenas.
direitos e atores,
inclusive dos Povos - Não existe um procedimento para
Indígenas e das averiguação se os representantes
comunidades locais. repassam informações para os seus
6.4 O SISA e seus 6.4.2 Titulares de direitos e Parcialmente representados, na escala estadual
programas atores são informados a respeito Cumprido requerida para o SISA.
identificam e usam de mecanismos para
processos para reivindicações e têm acesso aos
efetiva resolução de mesmos.
reivindicações e 6.4.4. Existência de serviço de Parcialmente
disputas assessoria jurídica disponível e Cumprido
relacionadas ao acessível para os provedores de
desenho, serviços ambientais beneficiários
implementação e do SISA e seus programas e para
avaliação do SISA e as instituições interessadas no
seus programas, tema.
incluindo disputas
referentes aos
direitos sobre terras,
territórios e recursos
relacionados ao
programa.
Princípio 7: O SISA e seus programas cumprem com as leis locais e nacionais, tratados, convenções e outros
instrumentos internacionais relevantes.
Critério Ponto Condição Avaliação
7.1 O SISA e seus 7.1.3 Os Provedores de Serviços Parcialmente - Ainda falta um detalhamento: de que
programas cumprem Ambientais Beneficiários do Cumprido maneira o SISA e seus programas
com as relevantes SISA e seus programas e as contribuirão de forma explícita para
leis locais, nacionais instituições interessadas no melhorar o respeito, a proteção e
e tratados tema têm capacidade de cumprimento dos direitos humanos, em
internacionais, assim compreender, implementar e concordância com essas leis e tratados.
como monitorar requisitos legais deste Cabe mencionar que essas atividades
Sistema. requererão de recursos ainda não
7.2 Onde o SISA e 7.2.1. O SISA e seus programas Não previstos.
seus programas não estabelecem procedimento de cumprido
forem consistentes revisão para abordar - Ainda não se tem um procedimento
com a legislação inconsistências entre os específico para levantamento de
estadual ou nacional padrões, tratados internacionais, inconsistências com os marcos legais
ou com relevantes convenções ou instrumentos e o internacionais, nacionais e estaduais.
tratados, marco legal local ou nacional de
convenções ou inserção do programa.
153
outros instrumentos - Precisa-se ainda de um programa de
internacionais, um formação de lideranças dos diferentes
processo de revisão segmentos sociais que compõem os
será conduzido para conselhos para o adequado
resolver as acompanhamento do SISA.
inconsistências.
54Em anexo colocamos alguns exemplos de solicitações não cumpridas ou cumpridas apenas
parcialmente para exemplificar a dificuldade de conseguir informações que na teoria deveriam
ser públicas.
154
presente momento, dezembro 2015, não existem novos documentos no site do IMC.
Mais um exemplo de “transparência” na implementação do SISA.
No Acre, podemos ver uma versão extremamente elaborada de uma arquitetura
de “pseudoparticipação comunitária” baseada nos conselhos estaduais e na retórica das
salvaguardas ambientais. Toda esse arranjo complexo que tem sua materialização no
SISA serve como legitimação das ações realizadas pelo bloco de poder hegemônico no
estado, formado, como vimos anteriormente, por parte elite local, grandes ONGs
ambientais, partidos políticos, corpo técnico de entidades públicas, instituições
multilaterais e algumas lideranças do movimento social.
Apesar do SISA ser um sistema jurisdicional com mediação do estado, nada
garante a proteção do interesse público, visto que o bloco hegemônico no poder pauta
suas ações visando interesses particulares. Em trecho de entrevista, Rodrigo Neves
explicita esse ponto quando fala da formulação do sistema:
(...) e depois a gente fez a interface com o próprio mercado, o que o mercado precisa
pra que essas reduções de emissões que a gente está tendo aqui tenham valor. Por
que não adianta também tu fazer tudo isso, fazer todo sentido, cumprir todos os
princípios e como eu disse, você chega pro mercado, ele fala, olha, mas isso não tem
confiabilidade, o mercado não aceita isso, não paga. Também a gente estaria
investido tempo, recursos e dinheiro sem a gente ter a contrapartida desse esforço.
Então a gente percebeu que a gente precisava dar segurança jurídica para esse
processo e segurança institucional, por isso a questão da lei e por isso a criação de
uma série de instituições que garantissem a perpetuidade desse sistema (...)
155
desmatamento, faz com que o mesmo possa aportar grande parte dos recursos nos
setores que fizeram o pacto político-territorial institucionalizado pelo ZEE e são vetores
do desmatamento no Acre: pecuaristas (associados a “extração destrutiva” e
madeireiros (nesse caso associados ao setor da “floresta em pé” como veremos).
(...) ele está sustentado, assim como eu falei, em três, vamos dizer assim, políticas de
estado. Aquelas que promovem produção sustentável, aquela que promove
156
monitoramento e controle e aquela que promove ordenamento territorial e
regularização fundiária.
A relação do SISA com essas políticas de estado são justificadas por Mônica da
seguinte forma:
(...) Por que que tem que ser considerado todas essas políticas? Por que elas visam
trabalhar os principais causadores do desmatamento que é: uma, a falta de
regularização fundiária, então o que acontece com a falta de regularização fundiária,
se eu tenho uma estrada, facilmente a estrada leva ao desmatamento se eu não tiver
uma regularização fundiária, se não tiver um ordenamento territorial que me defina
quais são as diretrizes de uso daquela região e se eu não tenho políticas para fomento
da produção sustentável definindo as diretrizes de uso para aquela região, se eu não
tenho um monitoramento pra saber se o que foi definido de diretriz de uso para aquela
região realmente está sendo cumprido, então, a falta de monitoramento e controle, a
falta de política de dinamização de uma economia que leve a sustentabilidade, então,
o desmatamento, ele é decorrente de várias faltas e deficiências que a gente tem,
principalmente na região amazônica (...)
Com base nessa concepção exposta acima o governo estruturou um conjunto
de políticas que fazem parte tanto do plano plurianual quanto o plano e governo do
estado do Acre. É importante destacar, como é colocado pelo próprio governo:
Trazemos esse ponto para reforçar que já debatemos o contexto em que foi
formulado o ZEE do Acre e que ele, através do pacto político territorial realizado “por
cima”, consolida os interesses os setores hegemônicos do estado.
Antes do SISA, em 2009, dialogando com a inciativa do Plano Nacional de
Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal (PPDCAM) e também com
a Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC), o Acre elaborou a seu Plano
Estadual de Prevenção e Controle do Desmatamento no Acre (PPDC-AC).
Basicamente, esse plano direcionou e deu mais ênfase à redução de desmatamento e
emissões de gases que passou a ser transversal ao conjunto de políticas já existentes.
Foram propostas metas voluntárias de redução de desmatamento em 80% até 2020 e
de emissões de gases de efeito estufa em aproximadamente 165 milhões de toneladas
de CO² equivalentes. Para tal, o plano foi organizado nos eixos comentados por Mônica
157
em: ordenamento territorial e fundiário, cadeias produtivas agroflorestais e
práticas “sustentáveis” e monitoramento e controle e fiscalização (ACRE, 2010c).
Segundo a concepção do governo do Acre, a “economia sustentável” que
estrutura as políticas de estado guia os planos plurianuais desde 2004 (ACRE, 2014d).
No Plano Plurianual de Governo para o período de 2012 – 2015, os eixos do PPDC
citados por Mônica estão organizadas dentro das “Políticas de Gestão Territorial e
Desenvolvimento Sustentável do Acre” que podem ser sintetizadas abaixo:
Eixo Estratégico de Economia Sustentável do Plano Plurianual de Governo para o período de 2012 - 2015.
Programa Objetivo Metas (1)
1. Investir mais de 100 milhões - 400% de elevação da produção de pescado (passando de 5 mil
Industrializ na consolidação do setor ton./ano para 20 mil ton./ ano), garantindo o processamento de toda
ação industrial e ampliar o modelo a produção;
de Parcerias Público-
158
Privadas Comunitárias - Duplicação da capacidade instalada de produção de preservativos
(PPPC). masculinos da fábrica de preservativos masculino Xapuri, passando
a produzir 200 milhões de unidades por ano;
- Certificação Florestal;
- Restauração Florestal.
159
Tabela 2. Programas do Eixo Estratégico de Economia Sustentável do Plano Plurianual de
Governo para o período de 2012 - 2015. Fonte: Elaboração própria a partir de ACRE, 2011a.
Mônica de Los Rios também explicita esse ponto além de demonstra o principal
objetivo do sistema, funcionar com um catalisador:
160
Dentro dessa perspectiva, o governo do Acre considera que vêm realizando
ações relacionadas ao programa ISA Carbono desde que a Frente Popular do Acre
assumiu o governo em 1999:
(...) considera-se a data de início do Programa coincidente com a data da Lei Estadual
1.277 de 03 de janeiro de 1999 e suas modificações, conhecida como Lei Chico
Mendes, a qual estabelece o pagamento por serviços ambientais aos extrativistas por
meio de subsidio no valor da borracha e produtos florestais extrativistas. A data de
início da quantificação do programa será a partir de 01 de agosto de 2006, quando de
fato inicia-se a redução expressiva e consistente nas taxas do desmatamento (ACRE,
2013a, p.8)
(..) Desde 99 tem uma lei de subsídio a produção de borracha nativa, que que é isso?
Isso é incentivo a serviço ambiental, por que um seringueiro de casa, faz um recorrido
na sua terra, faz vigilância, faz reconhecimento, interage com aquele meio, leva seu
filho, faz o processo educativo do que é lidar com a floresta, extrair a sua sobrevivência
da floresta, tem uma relação intima produtiva e mística com a floresta (...) esse
princípio que quando lá em 99 se cria a Lei Chico Mendes de subsidio da borracha, é
pensando na mesma coisa, é reconhecer que essas populações prestam um serviço
ou potencializam os serviços ecossistêmicos (...)
Por tanto, os recursos que entraram no Acre desde que a Frente Popular
assumiu o governo, são considerados como parte da mudança rumo ao
“desenvolvimento sustentável”. Para financiar essa “transição”, o Acre articula diversos
recursos:
(...) O que o SISA faz é aumentar a abrangência dessas políticas para eu superar
essas faltas, então, obviamente o SISA não é a única fonte, por exemplo, se alguém
161
me perguntar que o REDD reduziu tantas toneladas de carbono, eu vou dizer não
sozinho. Porque além do KfW, tem outros investimentos do estado que vêm de
empréstimo que o estado faz pra tentar consolidar ou demonstrar que isso daí é
possível (...)
Abaixo elaboramos uma tabela com os principais programas (na maior parte
empréstimos) que financiam as ações no Acre que descreveremos brevemente na
seção posterior:
162
Cadastra BNDES Doação de Apoiar a implantação do Cadastro R$ 16,8 2013
Ambiental Rural (Fundo fundo voluntário Ambiental Rural (CAR) e a adesão milhões
Acre Amazônia) ao Programa de Regularização
Ambiental (PRA) no estado do Acre
Acre: Incêndios BNDES Doação de Apoiar as ações de monitoramento, R$ 13,3 2012
Florestais Zero (Fundo fundo voluntário prevenção e combate ao milhões
Amazônia) desmatamento decorrentes de
incêndios florestais e queimadas
não autorizadas no Estado do Acre,
por meio de capacitação e
aquisições de veículos e
equipamentos de apoio para os
Batalhões de Educação, Proteção e
Combate a Incêndios Florestais do
Corpo de Bombeiros Militar do
Estado do Acre.
Programa BNDES Empréstimo Consolidação da economia do Acre R$ 1,47 2002 a
Integrado de através de investimentos em bilhão 2011
Desenvolvimento infraestrutura viária e urbana,
Sustentável do logística, cadeia produtiva de
Estado do Acre alimentos, turismo, indústria e
(PIDS), fases I a modernização da gestão pública.
IV
Programa de BNDES Empréstimo R$ 449 2012
Apoio ao milhões
Investimento dos
Estados e Distrito
Federal
(Proinveste)
Programa BNDES Empréstimo Recursos do Tesouro Nacional, que R$ 342 2009
Emergencial de visaram compensar as perdas de milhões
Financiamento arrecadação e de transferências
aos Estados e federais, decorrentes da crise
Distrito Federal econômica naquele período.
(PEF), fases I e II
Programa REDD KfW Doação € 25 2013 e
Early Movers KfW condicionada milhões 2014
fase I e II
Tabela 3. Principais programas que financiam as ações no Acre.
O conjunto de políticas, programas e projetos, que são a base para o SISA, foram
formuladas sob grande influência das ONGs ambientais e principalmente dos Bancos,
que financiaram, através de grandes programas, a implementação de todas essas ações
propostas.
Além do PDSA financiado pelo BID, que teve sua primeira fase entre 2002 e
2010, tivemos o início de uma fase 2 em 2012, com 72 milhões de dólares emprestados
pelo BID. O programa segue a mesma tendência, direcionado para o estímulo da
exploração florestal no estado como podemos ver em parte de suas metas destacadas
aqui: a criação da Floresta Estadual do Jurupari, também com o objetivo de concessões
163
para exploração florestal; concessão florestal de 240.000 ha da F.E. do Gregório;
criação de 180.000 ha de projetos de manejo florestal comunitário; certificação FSC do
manejo florestal comunitário; criação e manutenção de ramais, necessários para
logística de exploração madeireira; fundo de investimento privado destinado a
reflorestamento com fins econômicos.
Também temos, desde 2009, um programa financiado pelo BIRD chamado
Programa de Inclusão Social e Desenvolvimento Econômico Sustentável (ProAcre). O
programa, com empréstimo de 120 milhões de dólares do BIRD, propõe, entre suas
ações, apoiar as comunidades rurais mais isoladas através dos Planos de
Desenvolvimento Comunitário (PDC). Esses planos que são elaborados junto às
comunidades por ONGs, como PESACRE, CTA e SOS Amazônia, que são contratadas
como consultoras e promovem, como coloca SOUZA (2009), um “ordenamento ou
adequação para o desenvolvimento sustentável, especialmente dentro de Unidades de
Conservação, Terras Indígenas e projetos de assentamento” (SOUZA, 2009, p. 17).
Direcionado aos indígenas, o programa apoiou a elaboração de planos de gestão
territorial e ambiental com o etnozoneamento nas terras indígenas. Os PDCs estão
articulados com o conjunto de políticas, como certificação da propriedade rural, roçados
sustentáveis, estímulo ao manejo florestal comunitário entre outras (DOC PROSER), e
como são direcionados principalmente para comunidades de mais difícil acesso, são
uma das formas de capilarizar as políticas e também direcionar as comunidades para
integrar as cadeias consideradas prioritárias. O programa teve um financiamento
adicional - o PROSER - de 150 milhões de dólares, em 2013.
Além do BIRD e BID, outro grande financiador é o BNDES que desde 2002 tem
investido no Programa Integrado de Desenvolvimento Sustentável do Acre (PIDS) que
já está em sua quinta fase. Em sua primeira fase, o programa apoiou principalmente
ações de infraestrutura e urbanização, mas já na segunda fase, em 2005, começam a
ser investidos recursos nas cadeias produtivas consideradas prioritárias pelo estado. O
programa, apoia ações em várias áreas, mas dialogando com as políticas ambientais
do Estado estão, principalmente, as ações de industrialização e fortalecimento das
cadeias produtivas, como por exemplo, na cadeia da madeira com o programa de gestão
de florestas, apoiando a construção de polos moveleiros e complexos industriais
florestais. Cumpre um papel importante nos arranjos PPPC, principalmente nos
investimentos dos complexos agroindustriais. Somando recursos adicionais do
Programa Emergencial de Financiamento aos Estados e Distrito Federal (FEF),
acessado pelo Acre em 2009, e também o Programa de Apoio ao Investimento dos
Estados e Distrito Federal (Proinveste), acessado em 2012, o Acre já tomou emprestado
2,2 bilhões de reais do BNDES no período 2002 a 2012 (BRAGA; RAMOS, 2014).
164
Outra fonte de recursos importante, principalmente por estar diretamente ligada
as políticas ambientais, é o Fundo Amazônia que também é gerido pelo BNDES. Com
recursos de doações principalmente da Noruega e Alemanha e da Petrobras, o Fundo
é direcionado para ações de redução de desmatamento e emissões de gases do efeito
estufa e promoção da conservação e uso sustentável das florestas na Amazônia
(FUNDO AMAZÔNIA, 2015). O Acre possui 3 projetos propostos pelo estado apoiados
pelo Fundo: um projeto de fortalecimento do combate ao fogo, através de melhorias nos
sistemas de monitoramento e controle e aquisição de equipamentos para o corpo de
bombeiros do Estado, aprovado em 2012 com 13,3 milhões de reais; um projeto de
implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR)55, aprovado em 2013 com 16,8
milhões de reais; e o principal recurso, um projeto de apoio à política de valorização do
ativo ambiental florestal que foi aprovado em 2010, com aporte de 60 milhões de reais
(FUNDO AMAZÔNIA, 2015). O dinheiro que vêm do Fundo, basicamente apoia a
estruturação e o fortalecimento institucional e a implementação das políticas
relacionadas a redução do desmatamento e, também, do próprio SISA, constituindo o
primeiro recurso para sua implementação (WWF, 213).
Além dos programas negociados pelo governo do estado, existem outros
projetos aprovados pelo Fundo Amazônia com entidades que atuam no Acre. Segundo
dados do portal do Fundo, a WWF tem um projeto chamado “Pesca Sustentável”, que
iniciou em 2014 e que tem apoio de 3,2 milhões de reais do Fundo. O objetivo principal
é o manejo e estabelecimento de acordos de pesca, principalmente com relação a pesca
do Pirarucu. A Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-AC) também tem projeto aprovado pelo
Fundo em 2015, no valor de R$ 3,1 milhões de reais, mas que ainda não teve início. O
projeto visa promover a cadeia de valor de produtos agroflorestais manejados. O Fundo
também apoia um projeto da SOS Amazônia, que além de abranger o Acre, também é
destinado a alguns municípios do estado do Amazonas com ações de desenvolvimento
de cadeias produtivas de óleos vegetais, cacau silvestre e borracha. O projeto teve início
em 2015 e prevê um total de aproximadamente 10 milhões de reais. Por fim, temos
também um projeto da Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Estado
do Acre (COOPERACRE) apoiado pelo Fundo com valor de cerca de 5 milhões de reais
para o fortalecimento da cadeia da castanha e de polpa de frutas. Ele teve início em
2014 (FUNDO AMAZÔNIA, 2015).
55O Cadastro Ambiental Rural foi instituído a partir da reforma do Código Florestal, Lei nº 12.651,
de 25 de maio de 2012, gera um banco de dados com base nas informações ambientais, como
por exemplo os remanescentes de vegetação nativa, de todas as propriedades no Brasil. A partir
dele é possível mapear os “ativos” ambientais o que possibilita a posterior comercialização
desses “ativos”, devido as possibilidades de compensação do novo Código Florestal, inclusive
na Bolsa Verde do Rio (BVRio).
165
Abaixo fizemos uma síntese das principais políticas e programas do Acre em
uma linha do tempo para ajudar a compreender a relação das mesmas com o SISA:
Figura 9. Linha do tempo dos principais programas, políticas e leis ambientais do Acre.
166
O programa REM foi desenvolvido após a COP 15 de Copenhague56 para
estimular o desenvolvimento e implementação de ações pioneiras de REDD, tanto nas
fase de implementação como de funcionamento. O foco são sistemas jurisdicionais
como o do Acre que foi o primeiro beneficiado. O programa é financiado pelo fundo de
energia e clima do governo alemão (Energie-und Klimafonds, EKF) comissionado pelo
ministério para cooperação e desenvolvimento (BMZ) e implementado pelo KfW e pela
cooperação alemão GiZ (Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit) (STECHER;
EHRINGHAUS, 2013). Segundo a WWF (ANDERSON et. al, 2013), o recurso desse
fundo provêm de impostos da Alemanha gerados por transações realizadas dentro do
sistema de troca de emissões (ETS) da União Europeia, chamadas AAUs (Unidades de
Quantidade Atribuídas ou Assigned Amount Units, que são compostas por unidades
comercializáveis de uma tonelada equivalente de dióxido de carbono – 1 tCO2e).
O governo do Acre negociou o programa REM com o banco alemão KfW e,
diferentemente das doações do Fundo Amazônia (BNDES), o aporte dos recursos pelo
banco no Acre tem outras condicionantes além da questão da comprovação de
reduções no desmatamento. Como coloca Mônica de Los Rios, definindo a transação
como uma “doação condicionada” em trecho de entrevista:
(...) essa primeira transação do KfW, essa foi uma doação condicionada, vamos dizer
assim, eu te dou mais você reduz desmatamento. Essa doação condicionada, ela
tinha umas outras condições, não somente redução do desmatamento (...)
Rodrigo Neves defini o programa REM como um híbrido entre venda e doação:
(...) Chega o KfW, o KfW, o modelo dele é de, é um modelo em que eles fazem,
propuseram um negócio que é algo que fica a meio termo entre uma venda e uma
doação, é um híbrido de uma venda com doação. Pra fazer essa venda com doação
eles precisariam que a gente se comprometesse com algumas coisas, que tivesse a
possibilidade de auditar, e tivesse transparência no processo de gasto, esse foi o
primeiro ponto. (...)
56 15ª Reunião das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas realizada em Copenhague, Dinamarca em 2009
167
do PRODES/INPE que monitora o desmatamento na Amazônia. Esses créditos devem
ser comprovados, validados, registrados e “aposentados” ou desativados, ou seja, não
podem ser novamente comercializados. Para tal uma empresa que realiza esse tipo de
registro chamada Markit foi contratada. O período contabilizado pela negociação é de
2011 até 2015, correspondente a 2 contratos firmados com o banco, e a tonelada de
CO2 foi negociada por US$ 5. A tabela abaixo resumi a negociação:
(1) Esses valores estavam previstos no início de execução do programa mas não
necessariamente foram repassados. Em 2013 estavam previstos 7,8 milhões de euros. Como a
análise se baseia em relatórios até junho de 2014, não temos exatamente os valores das
parcelas executa em 2014 e prevista para 2015. O programa pode se estender até 2016.
(2) Os valores convertidos em reais foram retirados dos relatórios execução do Programa REDD
Early Movers KfW de 2013 até junho de 2014.
(...) No âmbito dos recursos transacionados com o KfW, foi algo a nível estadual, então
deverá considerar todos os setores que a lei define, que são todos. Então deverá vir
recursos para quem faz fluxo, deverá vir recurso para quem faz conservação. E ai eu
168
estou falando de todos os setores. Então, os extrativistas, produtores rurais pequenos,
médios, grandes, indígenas (...)
(...) o setor privado é crucial para transformar o setor rural assim como a pecuária. Na
implementação da repartição de benefícios, nós tentamos apoiar políticas capazes de
redirecionar o engajamento de atores privados para sistemas produtivos mais
sustentáveis através de incentivos diferenciados (...) (KFW, 2014, p. 8, tradução
nossa)
Com base nessa perspectiva ficou acordado que os recursos do KfW devem ser
investidos prioritariamente em 2 programas de governo: direcionados às cadeias
produtivas sustentáveis e à economia de baixo carbono. Dentre as ações pensadas
para o programa de economia de baixo carbono e incentivadas pelo KfW, de acordo
com o plano plurianual de 2012-2015 estão:
169
programa e os outros 30% poderia ser utilizado para fortalecimento institucional das
estruturas que fazem parte do SISA. Segundo o relatório de aplicação dos recursos:
(...) A primeira, de até 30 % do total dos recursos para ações de fortalecimento e
consolidação do SISA. Para esta linha são contempladas as instituições que
contribuem diretamente (IMC, CDSA, FEF) ou indiretamente (IMAC, UCEGEO,
EMBRAPA, ITERACRE) com o funcionamento do SISA. (...) Os outros 70% são todos
relacionados com os beneficiários seguindo a diretriz de apoio às cadeias produtivas
sustentáveis e a implantação de dois subprogramas: i) Subprograma indígena e,
ii) Subprograma produção familiar sustentável (...) (ACRE, 2013d, p. 2, grifos nossos)
Baseado nos relatórios de execução do programa REM até Junho de 2014 e nos
convênios e cooperações firmados relacionados ao programa e publicados no Diário
Oficial até Novembro de 2015 temos os 2 cenários57 abaixo:
Cenário 1 Cenário 2
R$ 13.031.503,30 R$ 14.631.503,30
; 22% ; 19%
Fortalecimento Fortalecimento
Institucional Institucional
Figura 10. Alocação dos recursos do Programa REM KfW. Fonte: ACRE, 2012b, 2013c, 2013d, 2014e, 2014f,
2014g, 2014h.
57
Já debatemos a questão da falta de transparência de implementação do SISA anteriormente e
aqui temos mais um exemplo. Tivemos que construir esses 2 cenários por que não temos certeza
sobre alocação de todos os recursos do programa REM. Isso se deve ao fato de que, apesar ter
sido planejado, os relatórios de execução do programa não são publicizados e nem todos os
convênios e cooperações são publicados no diário oficial identificando que a fonte do recurso
provem do programa REM KfW. O detalhamento dos dados que conseguimos sistematizar sobre
os recursos estão na parte dos anexos.
170
(1) Cenário 1 - Dados de recursos já destinados presentes nos relatórios de acompanhamento
de execução do Programa REDD Early Movers KfW de 2013 até junho de 2014 e nos convênios
e cooperações firmados posteriormente, presentes no Diário Oficial do Acre até Novembro de
2015 de forma identificada;
(2) Cenário 2 - Adiciona recursos de convênios e cooperações presentes no Diário Oficial mas
que não estão explicitamente identificadas como relacionadas ao REM KfW
Com base nesses cenários, de 74% até 97% dos recursos previstos, cerca de
R$ 80,1 milhões, do programa REM já foram alocados. Abaixo temos uma tabela com
as estruturas do SISA que foram fortalecidas com esse recurso:
171
(1) Essa atividade representaria parte do cenário 2, ou seja, não temos certeza se faz parte dos
recursos alocados pelo KfW.
172
Cadeia Entidades apoiadas
produtiva
ou
atividade
Madeira COOPERFLORESTA; Associação de produtores agrícolas do PAF Havaí; Central De Cooperativas De
Produção dos Moveleiros e Marceneiros do estado do Acre (UNIMMAC); Associações de moradores das
Florestas Estaduais (Antimary e Igarapé Sossego)
Peixe Cooperativa de Piscicultores do Vale do Juruá (COOPERPEIXE JURUÁ); Prefeitura do município de
Jordão; Cooperativa de Produtores de Grãos de Brasiléia (COOPGRÃOS); Associação dos Moradores e
Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes de Assis Brasil (AMOPREAB); Associação dos
Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes de Xapuri (AMOPREX); Cooperativa de
Produtores Familiares e Economia Solidaria da Floresta do Mogno (COOPERMOGNO); Cooperativa de
Produtores e Criadores Rurais de Peixe de Bujari (COOPEIXE BUJARI); Central de Cooperativas dos
Piscicultores do Acre (ACREPEIXE); Associação Agroextrativista da Reserva Extrativista do Rio
Liberdade; empresa PROJETO PACU - Aquicultura LTDA;
Pecuária Centro de Formação dos trabalhadores e trabalhadoras na Agricultura do estado do Acre - CFTT
Borracha Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre (COOPERACRE); AMOPREAB; FUNTAC
(Natex); Cooperativa Agroextrativista de Tarauacá (CAET) (1)
Indígena CPI; AMAIAC; Prefeitura do Município de Jordão; Associação Agroextrativista Poyanawa do Barão e
Ipiranga (AAPBI); Associação Ashaninka do Rio Amônia (APIWTXA); ASPIRH; Associação dos
Seringueiros, Agricultores e Artesão Kaxinawá de Novo Olinda (ASPAKNO); ASCY; Associação dos
Produtores e Agroextrativista Hunikui do Caucho (APAHC); Associação Sócio Cultural e Ambiental
Kuntamanã (ASCAK) (1); Associação dos Produtores e Criadores Kaxinawa da Praia Carapanã (ASKPA)
(1); Cooperativa Agroextrativista Yawanawá (COOPYAWA) (1)
Agricultura Central Cooperativas do Vale do Juruá (CENTRAL JURUÁ) (1); CAET; Associação Agroextrativista da
e reserva extrativista do rio liberdade; Cooperativa das Produtoras de Biscoito de Goma de Cruzeiro do Sul
Silvicultura (COOPERBISCOITOS); Prefeitura do Município de Jordão; Cooperativa Sonhos de Todos
(COOPERSONHOS); Associação de moradores do projeto de assentamento Envira as margens do
igarapé diabinho e Rio Envira/Projeto Envira União; Associação dos seringueiros e agricultores da RESEX
Alto Juruá; Associação agroextrativista do Rio Tejo; Associação agroextrativista do Rio Juruá; Associação
Agro-extrativista São Francisco de Assis do Riozinho da Liberdade; Associação dos pequenos produtores
agroflorestais da comunidade São Vicente; Associação Agroextrativista Fortaleza Acreana;
COOPERMOGNO; Cooperativa dos Produtores de Agricultura Familiar e Economia Solidaria de Nova
Cintra (NOVA CINTRA)
Outros Associação Agro-extrativista São Francisco de Assis do Riozinho da Liberdade
Tabela 7. Entidades apoiadas pelo REM KfW por cadeia produtiva ou atividade. Fonte: ACRE, 2012b,
2013c, 2013d, 2014e, 2014f, 2014g, 2014h.
(1) Essas entidades recebem apoio com base no cenário 2, ou seja, não temos certeza se fazem
parte dos recursos alocados pelo programa do KfW.
173
- Fortalecimento da cadeia extrativista da borracha através do pagamento do
subsídio da borracha.
(...) se a gente está falando que o mecanismo que está ativo no SISA hoje, o primeiro
ativo foi o de REDD, a gente tem que olhar também quais são aquelas cadeias que
174
mais pressionam a floresta que você possa olhar pra elas e investir, parte do recurso,
a outra parte, como é REDD+, é olhar pra aquelas que tradicionalmente conservar
floresta e você focar pra elas, é por isso que o SISA tem investimento previstos, o
SISA hoje entendendo o recurso do KfW, tem recursos para o extrativismo, no caso
do Acre, entenda-se principalmente moradores de reservas extrativistas, produção
familiar, entenda-se ai o programa estadual de certificação da propriedade rural, que
trabalha essa questão de redução, de eliminação do uso do fogo através de práticas
agroflorestais e o setor da pecuária (...)
175
CAPÍTULO 4 – POLÍTICAS AMBIENTAS E NOVO PADRÃO DE CONFLITIVIDADE
NO ACRE
176
Existe uma tendência por parte das secretarias de estado como também por
parte de ONGs ambientais com atuação no Acre, como por exemplo a WWF e IPAM,
de responsabilizar principalmente agricultores familiares e assentamentos rurais pela
maior parte do desmatamento nos últimos anos (ANDERSON et. al., 2013; ALENCAR
et. al., 2012; ACRE, 2013e). Analisaremos mais de perto essa questão, inclusive por
que a identificação dos principais vetores do desmatamento é o subsídio para a
formulação das estratégias das políticas de comando e controle, com caráter mais
repressor, e a definição de alocação de recursos, os incentivos do SISA.
Segundo dados do PRODES/INPE, nos últimos anos o desmatamento no Estado
foi irregular apresentando alguns anos com aumentos consideráveis como por exemplo
2012, com 305 km2, e 2014 com 312 km2, como podemos ver no gráfico abaixo:
883
728
Km²/ano
592
547
441 419 398
280 305 312
254 259
221
184 167
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Figura 11. Desmatamento bruto anual no Acre. Fonte: PRODES/INPE 2015.
177
Figura 12. Concentração do desmatamento em 2007 e projetado até 2030. Fonte: IPAM, 2009.
Outro elemento importante é que desde que o SISA e o programa ISA Carbono
foram implementados em 2010, o desmatamento tem apresentado uma tendência de
crescimento. A queda apresentado do ano de 2004 até 2007 acompanhou uma
tendência geral para os estados da Amazônia, o que não necessariamente teve grande
influência das políticas ambientais específicas do Acre, já os aumentos observados
desde 2010 no Estado, seguem um padrão distinto da região amazônica, como
podemos ver no gráfico abaixo:
178
Percentual de incremento anual de desmatamento no Acre e
na Amazônia
0,8
0,74
0,7 0,66
0,59
0,6
0,54 0,55
Taxa média (%)
0,59
0,57 Amazônia
0,5
0,5
0,4 0,36 0,36 0,36 0,43
0,340,34 0,44 0,37 Acre
0,26 0,36 0,28
0,3 0,33 0,25
0,27 0,33 0,23
0,24 0,27 0,26 0,17 0,19 0,19
0,2 0,26 0,22 0,150,16
0,24 0,14
Figura 13. Comparação entre desmatamento bruto anual na Amazônia Legal e Acre. Fonte:
PRODES/INPE 2015.
7 6,67
6,44
5
4,36
4,08 4,24
(%)
4 3,70 3,75
3,00 3,11
3 2,62 2,79
2,56
2,31 2,24
1,97
2 1,58
0
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
179
Dentro da retórica utilizada para gerar e comercializar os créditos de carbono, o
governo do Acre justifica que vêm realizando ações no sentido de reduzir o
desmatamento no estado desde 1999 como já citamos (ACRE, 2013a). O programa ISA
carbono contabiliza as reduções de emissões a partir de 2006, justificando que a partir
de então o estado tem reduções expressivas e consistentes nas taxas de desmatamento
(ACRE, 2013a). Mas os dados demonstram, primeiro que as reduções do Acre
acompanham o padrão geral de queda da Amazônia e mais importante, as taxas de
desmatamento no Acre seguem um padrão irregular justamente após a implementação
do SISA em 2010.
Através de seu sistema estadual de geoprocessamento, a UCEGEO, o Acre
também vêm monitoramento o desmatamento no Estado, inclusive relacionando com
categorias fundiárias, apesar de não divulgar os dados todos os anos como o INPE faz.
Em seu único documento divulgado publicamente em 2013, os dados de desmatamento
de 2011 e 2012 são analisados. A análise aponta que a maior parte dos desmatamento
nesses anos, foram de pequenas áreas, a maior parte entre 0,5 e 3 hectares (ACRE,
2013e). O estudo infere a partir disso que que essa dinâmica de desmatamento se deve
principalmente à agricultura familiar. Mas é importante destacar que o estudo não faz a
correlação das áreas desmatadas com dados fundiários para reforçar essa tese
(ANDERSON et al., 2013).
Outro ponto importante é que a metodologia da UCEGEO difere do INPE como
destacado no relatório publicado pela CEPAL, IPEA e GIZ (CEPAL; IPEA; GIZ, 2014)
Comparando as análises feitas pelas duas entidades mostra diferenças significativas
entre a participação de pequenas áreas para o Acre. Segundo o INPE, a participação
de pequenas áreas com até 6,5 ha no total desmatado era de 36% em 2004 e 27% em
2006, mas a partir de 2007 caiu bastante chegando a apenas 4% em 2012. Já áreas
entre 6,5 a 12 ha eram 21% em 2004 e subiram para 55% em 2012 e áreas de 12 a 25
ha passaram de 19% em 2004 para 30% em 2012. Por essa metodologia, nos anos
recentes, as áreas entre 6,5 e 25 ha representam 80% da área desmatada em 2012.
Já para a UCEGEO, áreas menores que 6 ha foram responsáveis por 96,9% do
total desmatado em 2011 e 93,5% em 2012. Mesmo considerando a diferença de
metodologia e também de resolução já que a UCEGEO consegue identificar e mapeia
polígonos de até 0,54 ha e o INPE/PRODES apenas polígonos de 6,25 ha ou maiores
o que pode ocasionar subregistros de áreas pequenas desmatadas, as análises das
duas entidades diferem significativamente e demonstram mais uma vez a necessidade
de aprofundamento da análise sobre os principais responsáveis pelo desmatamento no
Estado.
180
Com relação as categorias fundiárias, a análise presente na publicação da
UCEGEO faz um detalhamento dos desmatamentos em assentamentos rurais,
unidades de conservação e terras indígenas, mas não analisa as propriedades privadas
e áreas em disputa fundiária ou sem ordenamento, que são responsáveis juntas por
metade do desmatamento nos anos analisados, como podemos ver na tabela e nos
gráficos abaixo:
Assentamentos Rurais
36% Unidades de
Conservação
50%
Terras Indígenas
11%
Propriedades Privadas e
áreas em disputa ou sem
3% ordenamento
Figura 15. Incremento do desmatamento no Acre por classe fundiária em 2011. Fonte: Adaptado
de ACRE, 2013e.
181
Incremento do desmatamento em 2012 no Acre por
categoria fundiária
Assentamentos Rurais
Unidades de Conservação
39%
49%
Terras Indígenas
Propriedades Privadas e
10% áreas em disputa ou sem
ordenamento
2%
Figura 16. Incremento do desmatamento no Acre por classe fundiária em 2012. Fonte: Adaptado
de ACRE, 2013e.
182
(1) Zoneamento Ecológico-Econômico, Livro Temático Vol. 5 (2011) - Fonte: SEMA/AC, IBAMA,
ITERACRE, INCRA, 2006.
(2) Caracterização Socioambiental das Bacias Hidrográficas do Estado do Acre (2009) Fonte:
ZEE-AC, Fase II, 2006, banco de dados ambientais do governo do Acre.
(3) Plano Estadual de Prevenção e Controle do Desmatamento do Acre (2010) - Fonte: IMAC,
SEMA/AC, 2008.
(4) O Sistema de Incentivos Por Serviços Ambientais do Estado do Acre, Brasil (2013) - Fonte:
WWF, Dados dos assentamentos e terras públicas, em disputa ou não ordenadas estimados a
partir de base de dados geográficos da UCEGEO (não publicados), 2010.
(5) O estado da Amazônia: Uso da Terra (2013) - Fonte: IBGE, ,2007,2010; IMAZON, ISA, 2012;
INCRA,2002.
(6) Parte das variações encontradas estão relacionadas a unidades de conservação que estão
em processo de retificação dos perímetros. Também podem ser fonte de variação a sobreposição
de unidades de conservação com terras indígenas.
(7) Variações se devem a estudos que consideram áreas que ainda não estão demarcadas e
algumas vezes ainda não estão completamente identificadas.
(8) Existem variações relativas a área oficial demarcada pelo INCRA e área real que os
assentamentos ocupam. Também foram criados novos assentamentos desde os estudos mais
antigos.
(9) Os dados do ZEE, que são os mais discrepantes, consideraram que algumas propriedades
particulares não estão georeferênciadas, sendo assim, não se pode afirmar com absoluta certeza
quanto de área real existem sob o domínio particular, portanto, para não existir superposição de
dados, foram extraídas 70% das propriedades particulares, entre os intervalos até 50,00 ha, 50,1
a 100,00 e 15% no intervalo de 101,00 a 500,00 ha, imóveis cadastrado no SNCR e que estão
localizados nos Projetos de Assentamentos e nas Áreas de Proteção de Uso Sustentável.
(10) Terras em discriminação sub judice; Terras Arrecadadas, sem destinação, por serem de
difícil acesso; Terras originadas do deslocamento da nova Linha Cunha Gomes e áreas que
ainda não foram discriminadas (terras devolutas). Por não se ter condições técnicas de se
mensurar a área real, para efeito de cálculo, os valores foram obtidos através da dedução de
todas as demais áreas; Terras dominicais estaduais (lotes titulados e a titular).
(11) Parte da variação no tamanho total do Estado se deve a mudança na linha Cunha Gomes
que foi reconhecida pelo STF e pelo IBGE em 2006. Também pode existir variação devido a
áreas que são parcialmente sobrepostas, como unidades de conservação e terras indígenas ou
assentamentos e propriedades particulares que podem ser contabilizadas 2 vezes.
183
Porcentagem Desmatamento Porcentagem da área
Categoria Área (1.000 da área total acumulado até total desmatada do
fundiária km²) do Estado 2010 (km²) Estado
Terras Indígenas 24 14,6 249,41 1,2
Unidades de
Conservação 51,1 31,1 1434,12 6,9
Propriedades
Particulares 32,2 19,6 6547,08 31,5
Projetos de
Assentamentos(1) 16,4 10 7274,54 35
Terras em
processo de
definição(1) (2) 25,6 15,6 4447,86 21,4
Terras sem
definição 14,9 9,1 810,59 3,9
Total 164,2 100 20784,4 (3) 100
Tabela 10. Desmatamento acumulado por categorias fundiárias no Acre, Brasil. Fonte:
Elaboração própria com dados de ANDERSON et. al., 2013 e PRODES/INPE, 2015.
(1) Dados estimados a partir de base de dados geográficos da UCEGEO (não publicados).
(2) Terras discriminadas, ou terras discriminadas e arrecadadas.
(3) Desmatamento acumulado total para o Acre até 2010 segundo INPE/PRODES.
Na tabela 10 utilizamos dados da WWF (ANDERSON et. al, 2013) que, como
observado na tabela 9, considera que as propriedades privadas ocupam 19,6% do Acre,
bem diferente dos dados do ZEE (ACRE, 2011b) em que a categoria fundiária de
propriedade privada ocupa 30,75%. Isso se deve principalmente pela variação da
categoria de áreas ainda não ordenadas ou em disputa, que para WWF, ocupam 24,7%
enquanto que nos dados do ZEE ocupam 13,6%. Isso vai influenciar no desmatamento
atribuído para cada categoria dependendo de que dados são utilizados. Mesmo assim,
consideram o total desmatado por cada categoria, a propriedade privada é a segunda
que mais desmatou até 2010, com 31,5% e se somarmos com as áreas em processo
de definição temos 52,9 % do desmatamento acumulado até 2010.
Também sobre essa questão, considerando a análise presente no relatório da
CEPAL, IPEA e GIZ (CEPAL; IPEA; GIZ, 2014), também vemos que a propriedade
privada tem grande relevância para o desmatamento no Acre, como podemos observar
na tabela abaixo:
184
Categoria Desmatamento bruto anual (PRODES/INPE)
Fundiária 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
(Km2) (%) (Km ) (%) (Km ) (%) (Km ) (%) (Km ) (%) (Km ) (%) (Km2) (%)
2 2 2 2 2
Terras Indígenas 1 1 1 1 4 1 2 1 6 2 3 1 2 1
Unidades de 0 0 1 1 3 1 1 1 5 2 6 2 0 0
conservação de
proteção integral
Assentamentos 97 42 59 36 95 33 60 37 96 36 101 34 84 31
Glebas federais 5 2 5 3 5 2 5 3 4 2 7 2 8 3
Unidades de 10 4 8 5 27 9 6 4 33 13 27 9 24 9
conservação de
uso sustentável
Outros (privado) 119 51 89 55 154 53 89 55 122 46 153 51 154 56
Total 231 163 288 162 266 297 272
Tabela 11. Desmatamento bruto anual por categoria fundiária no Acre, Brasil. Fonte: CEPAL;
IPEA; GIZ, 2014 com dados do PRODES/INPE.
A ONG IMAZON monitora o desmatamento na Amazônia e em sua metodologia
também explicita a contribuição das categorias fundiárias de assentamentos rurais,
unidades de conservação e terras indígenas no desmatamento, mas não explicita a
contribuição da propriedade privadas. Abaixo vemos uma tabela elaborada para o Acre
com base nos dados dos boletins mensais de desmatamento do IMAZON:
185
contribui com cerca da metade do desmatamento encontrado58. Além disso, a maior
contribuição dos assentamentos rurais foi em 2009 com cerca de 33%, das unidades de
conservação, com 21%, e as terras indígenas com 26% foi em 2013.
Incluindo dados sobre estrutura fundiária do estado, conseguimos analisar
melhor a categoria fundiária da propriedade privada. A questão fundiária do Acre é
complexa devido a história da região, com títulos de terra expedidos pelos Governos do
Amazonas, República da Bolívia, ex-Estado independente do Acre, pelo o Estado atual,
a partir de 1962 (ACRE, 2011b). Podemos observar nos gráficos abaixo, com dados de
2006 do Censo Agropecuária do IBGE que a maior parte dos estabelecimentos (24.285,
88%) tem até 200 hectares e que grande parte da área (1.591.611, 45,2%) está nas
mãos de poucos estabelecimentos maiores que 500 hectares (1.173, 4,21%). Isso
demonstra uma grande concentração fundiária, um índice de Gini de 0,716 com os
dados de 2006:
Número de estabelecimentos
agropecuários por tamanho (2006)
1.173; 4,21%
2.175; 7,80%
Até 200 ha
De 200 a menos de 500 ha
Maiores que 500 ha
24.530;
87,99%
Figura 17. Número de estabelecimentos agropecuários por grupo de área total. Fonte: Censo
Agropecuário/IBGE, 2006
58A metodologia utilizada nos boletins do IMAZON não coloca o total de desmatamento de cada
categoria fundiária, apenas destacando alguns assentamentos, unidades de conservação ou
terras indígenas que segundo eles tiveram um incremento grande nas taxas de desmatamento.
186
Área dos estabelecimentos agropecuários
por grupo de área total (2006)
493.265;
Privados até 200
14,02% ha
920.724;
26,16% Privados de 200 a
menos de 500 ha
Privados maiores
que 500 ha
1.591.611; 513.819;
45,22% 14,60% Outras condições
legais
Figura 18. Área dos estabelecimentos agropecuários por grupo de área total. Fonte: Censo
Agropecuário/IBGE, 2006
187
De 500 a
menos de 692 448.394 22 12.556 4 2.257 1 X 71 47.824
1000 ha
De 1000 a
menos de 247 347.530 3 3.244 2 X 1 X 5 5.000
2500 ha
De 2500 ha
124 795.687 5 27.000 0 0 1 X 0 0
e mais
3.026.15
TOTAL 20.410 3.347 206.152 95 7.371 309 6.704 3.717 273.038
4
Tabela 13. Número de estabelecimentos e área dos estabelecimentos agropecuários por condição legal
das terras e grupos de área total. Fonte: Censo Agropecuário/IBGE, 2006. (OBS: Os dados das Unidades
Territoriais com menos de 3 (três) informantes estão desidentificados com o caractere X.)
800.000
700.000
600.000
Hectares
Ocupadas
500.000 Em parceria
400.000 Arrendadas
Sem titulação definida
300.000 Próprias
200.000
100.000
0
Até 10 ha De 10 a De 20 a De 50 a De 100 a De 200 a De 500 a De 1000 a De 2500
menos de menos de menos de menos de menos de menos de menos de ha e mais
20 ha 50 ha 100 ha 200 ha 500 ha 1000 ha 2500 ha
Figura 19. Área dos estabelecimentos agropecuários por condição legal das terras e grupos de área total. Fonte:
Censo Agropecuário/IBGE, 2006
188
Número de estabelecimentos por condição legal e grupo
de tamanho
8000
7000
Número de estabelecimentos
6000
5000 Ocupadas
Em parceria
4000
Arrendadas
3000
Sem titulação definitiva
2000 Próprias
1000
0
Até 10 ha De 10 a De 20 a De 50 a De 100 a De 200 a De 500 a De 1000 a De 2500
menos de menos de menos de menos de menos de menos de menos de ha e mais
20 ha 50 ha 100 ha 200 ha 500 ha 1000 ha 2500 ha
Figura 20. Número de estabelecimentos agropecuários por condição legal das terras e grupos de área
total. Fonte: Censo Agropecuário/IBGE, 2006
189
imóveis rurais cadastrados. Também o intervalo dos grupos de área desses dados do
SNCR é bem mais grosseiro, trabalhando com apenas 3 grupos de tamanho, mas é
relevante observar que 184 imóveis rurais detém 44% de toda área cadastrada. Com
base nesses dados e segundo documento do ZEE (ACRE, 2011b), cerca de 21.157
imóveis rurais estão cadastrados sob domínio particular, compreendendo propriedades
particulares, propriedades particulares com parte destas definidas como apossamento,
posses a justo título, e, posses por simples ocupação. Apenas 92 imóveis com mais de
10.000 hectares, representam 0,4% desses imóveis e ocupam 44% das áreas
cadastradas com 2.545.650 hectares. As propriedades com menos de 100 hectares que
somam 19.154 imóveis, ocupam apenas 1.002.232 hectares.
Como esses dados podemos observar que a categoria fundiária das
propriedades privadas, que como já destacamos, tem relevante papel na dinâmica do
desmatamento no Acre, tem grande concentração fundiária com a maior parte da área
nas mãos de latifundiários. O que torna a situação mais complicada é que o próprio
INCRA tem dificuldade de acompanhamento como explicitado por um comentário em
uma das oficinas realizadas para formulação das políticas públicas:
190
que os assentamentos ocupam. Também foram criados novos assentamentos desde os estudos
mais antigos.
191
realizadas (ACRE, 2013e; ANDERSON et. al., 2013; ALENCAR et. al., 2012) não expõe
a diferença entre categorias fundiárias no que diz respeito a quantidade de pessoas que
utilizam essas áreas na hora de considerar os principais responsáveis pelo
desmatamento. Isso é fundamental para entendermos as estratégias adotadas tanto
para fiscalização e punição do desmatamento, quanto para a alocação de recursos.
Como veremos a frente, órgãos como IBAMA e ICMBio direcionam a maior parte dos
esforços de suas ações repressoras nos agricultores familiares e extrativistas.
Outra informação fundamental para entender a dinâmica do desmatamento no
Acre é o uso e ocupação do solo. Os dados da série histórica do IBGE de 1970 até 2006
demonstram ao longo do tempo as atividades priorizadas pelos estabelecimentos
agropecuários como podemos ver na figura com a tabela abaixo:
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
1970 1975 1980 1985 1995 2006
Matas plantadas 1.313 2 257 2.443 11.298 7.785
Matas naturais 3.913.859 4.047.566 5.109.207 4.597.272 2.327.114 2.225.506
Pastagens plantadas 22.256 70.113 197.996 257.681 552.193 891.733
Pastagens naturais 41.098 53.991 66.206 68.345 62.020 159.586
Lavouras temporárias 31.242 37.675 53.852 51.665 59.419 100.639
Lavouras permanentes 4.065 3.512 22.756 17.054 16.520 63.630
Figura 21. Áreas dos estabelecimentos agropecuários em hectares por utilização das terras.
Fonte: Séries históricas IBGE.
192
Classes de uso e 2008 2010 2012
cobertura do solo Área total (%) Área total (km²) (%) Área total (km²) (%)
(km²)
Agricultura anual - - 3,79 0,02 26,23 0,13
Área não observada 385,99 2,01 210,93 1,07 229,34 1,13
Área urbana 231,22 1,20 199,49 1,01 226,18 1,12
Somando as classes de pasto com solo exposto, pasto limpo, pasto sujo e
regeneração com pasto temo aumento de 67,71% em 2008 para 70,21% o que reforça
que a maior parte das áreas desmatadas são convertidas em pasto e essa tendência
continua. Os dados presentes nos inventários de emissões realizado pela EMBRAPA-
AC nos anos de 2010 e 2012 também demonstram essa realidade:
Categoria Total 2004 Área Total 2010 Área Total 2012 Área
de uso da (ha) convertida (ha) convertida (há) convertida
terra (%) (%) (%)
193
4.1.2. Pecuária
Como vimos a partir dos dados de uso e ocupação do solo, a maior parte das
áreas desmatadas no Estado do Acre são destinada para formação de pastos, mais de
84% das áreas em 2012, e a tendência é de que esse processo se amplie visto que
grande parte dos pastos está degradada, o que faz com que os produtores precisem de
novas áreas (ANDERSON et. al.,2013). A partir dessa informação vamos olhar com
mais atenção a pecuária, principal atividade econômica do Acre com 92% de suas
transações em 2010, com 498 milhões de reais (ALENCAR et. al., 2012). O rebanho
bovino do estado vêm crescendo e está principalmente relacionado a pecuária de corte
como podemos ver na figura abaixo:
2.500.000 100.000
Número de cabeças de gado
2.000.000 80.000
Leite (1000 L)
1.500.000 60.000
1.000.000 40.000
500.000 20.000
0 0
1974 1980 1986 1992 1998 2004 2010
Figura 22. Série histórica com tamanho do rebanho bovino e produção de leite no Acre. Fonte:
Pesquisa Pecuária Municipal/IBGE, 2013.
194
Número de estabelecimentos agropecuários que produziram leite no ano
de 2006 (Unidades) por grupo de cabeças de bovinos e grupo de área de
pastagem
1800 De 500 ou mais
1600 cabeças
1400 De 100 a 499
Número de estabelecimentos
cabeças
1200
De 50 a 99 cabeças
1000
800 De 20 a 49 cabeças
600
9 a 19 cabeças
400
200 De 5 a 8 cabeças
0
Maior De 1 a De 2 a De 5 a De 10 a De 20 a De 50 a De 100 a De 200 a De 500 e Produtor De 3 a 4 cabeças
que 0 e menos menos menos menos menos menos menos menos mais ha sem área
menor de 2 ha de 5 ha de 10 ha de 20 ha de 50 ha de 100 de 200 de 500 de De 1 a 2 cabeças
que 1 ha ha ha ha pastagem
Figura 23. Número de estabelecimentos agropecuários que produziram leite no ano de 2006 (Unidades)
por grupo de cabeças de bovinos e grupo de área de pastagem. Fonte: Censo Agropecuário, IBGE, 2006.
1200 400.000
1000
800 300.000
600 200.000
400
200 100.000
0 0
De 2 a De 5 a De 10 a De 20 a De 50 a De 100 a De 200 a De 500 e
menos menos menos menos menos menos menos mais ha
de 5 ha de 10 ha de 20 ha de 50 ha de 100 de 200 de 500
ha ha ha
Área
Figura 24. Número de estabelecimentos, com mais de 50 cabeças de gado, e efetivo de bovinos
com relação ao tamanho do estabelecimento – Pecuária de corte e leite. Fonte: Censo
Agropecuário, IBGE, 2006.
195
Efetivo de bovinos e número de estabelecimentos agropecuários em 31/12 por
grupos de área total
450.000 6000
400.000
5000
Nº de estabelecimentos
350.000
Nº de cabeças
300.000 4000
250.000
3000
200.000
150.000 2000
100.000
1000
50.000
0 0
ProdutorAté 10 ha De 10 a De 20 a De 50 a De 100 a De 200 a De 500 a De 1000 De 2500
sem área menos menos menos menos menos menos a menos ha e mais
de 20 ha de 50 ha de 100 de 200 de 500 de 1000 de 2500
ha ha ha ha ha
Nº de cabeças
Nº de estabelecimentos
Figura 25. Efetivo de bovinos e número de estabelecimentos agropecuários em 31/12 por grupos
de área total (2006). Fonte: Censo Agropecuário, IBGE, 2006.
Nas figura 23 e 24, podemos ver que a maior parte dos estabelecimentos que
produzem leite no Acre tem até 50 hectares e menos de 50 cabeças de gado e que a
maior parte gado de corte está em propriedades maiores que 500 hectares. A pecuária
leiteira é praticada na maior parte das vezes pela agricultura familiar (EMBRAPA-AC,
2014). Na figura 25, temos que a maior parte dos estabelecimentos com gado tem entre
50 e 100 hectares, 5.611 unidades, mas a maior parte do rebanho, 397.212 cabeças,
está em apenas 123 propriedades de mais de 2.500 hectares.
Outro elemento que demonstra a prioridade dada a pecuária no Estado é que a
maior parte do crédito rural é direcionada a essa atividade. Isso tem uma relação
importante com o desmatamento pois os nove municípios que foram responsáveis por
75% do desmatamento entre 2006 e 2008, em sua maioria tiveram um crédito para
pecuária maior do que para outras atividades agrícolas, ou seja, no Acre o crédito para
atividade pecuária está associado ao aumento de áreas desmatadas para formação de
pastagens (CEPAL; IPEA; GIZ, 2014). A atividade é mais rentável próxima as rodovias
que possibilitam uma logística mais barata, principalmente na região oriental do Acre
onde as condições de transporte são melhores (ALENCAR et. al., 2012), pressionando
áreas naturais como por exemplo a Reserva Extrativista Chico Mendes.
196
Por esse caminho que estamos seguindo, temos que a maior parte das áreas
desmatadas no Acre foram convertidas em pasto e que a maior parte da pecuária do
estado é realizada na grande propriedade privada que detêm a maior parte do rebanho.
Apesar disso o Acre tem desenvolvido políticas ambientais que beneficiam esse setor
do agronegócio. A partir da consolidação do ZEE em lei, Lei 1.904 de 2007, foi elaborada
a Política de Valorização do Ativo Ambiental Florestal (PVAAF), composta por um
conjunto de programas, políticas e ações baseada no ordenamento territorial proposto.
Sua aplicação foi pensada prioritariamente para as regiões de influência das rodovias
federais (BRs 364 e 317) e estaduais.
Voltado principalmente para o setor da “extração destrutiva” do agronegócio,
identificamos um esforço na regularização do passivo ambiental gerado pelo histórico
de descumprimento da legislação ambiental, em particular o Código Florestal Brasileiro
por esse setor da sociedade. Para atender esse objetivo foi elaborado um programa que
flexibiliza as leis ambientais com vários mecanismos de compensação além da
suspensão de multas. A partir do ZEE e da PVAAF foi possível reduzir de 80% para
50% a manutenção de Reserva Legal na zona de “consolidação de sistemas de
produção sustentáveis”, por exemplo, que comentamos no capítulo 2 (figura 5).
Aderindo ao programa, além da possibilidade de recuperação por plantio ou
regeneração natural, os proprietários poderiam compensar a Reserva Legal com áreas
em outras propriedades, doação de área destinada para unidades de conservação ou
depósito no Fundo Estadual de Florestas.
Também foi pensado um programa para recuperação de áreas degradadas com
linhas de crédito, assistência técnica, equipamentos públicos. Nesse programa já
começa a se desenhar o que posteriormente seria o “Subprograma de Pecuária
Sustentável” que já citamos, que tem como objetivo estimular uma pecuária mais
eficiente e consequentemente reduzir a abertura de novos pastos com ações de
implementação de sistemas silvipastoris, recuperação de pastos e melhoria do
rendimento de número de cabeças por hectare. Segundo o plano de governo de 2015-
2018:
197
Como colocamos no capítulo 2, o programa REM do KfW alocou pelo menos 4,6
milhões de reais para esse subprograma em ações de reforma de pastos, mecanização
de áreas, assistência técnica e difusão do programa para os pecuaristas do Estado.
Ainda mais recursos estão previstos para o setor. Em documento de planejamento de
aplicação de recursos do programa do KfW foi previsto um investimento total de 20
milhões de reais, envolvendo além das ações citadas, apoio para melhoramento
genético do gado. (CEVA, 2014). Em trecho de entrevista, Alberto Tavares fala sobre o
programa:
(...) a gente está no trabalho de desenhar o que vem a ser esse subprograma pecuária,
já existe diálogo com os setores e existe já recurso também destinado a que? A se
conseguir fazer uma transição de uma pecuária extensiva de baixa produtividade para
uma pecuária intensiva ou mais intensiva com alta produtividade, com tecnologia de
melhoramento genético, com manejo de pastagens, com as estratégias conhecidas,
pela EMBPAPA e por diversos atores que trabalham nesse setor (...)
Além dessas ações, estão pensados estímulos creditícios, como previsto pelo
IPAM (ALENCAR et. al.,2012), o subprograma poderia facilitar: “(...) acessar a linha de
crédito ABC (Agricultura de Baixo Carbono), que fornece empréstimos apoiando uma
transição para uma pecuária e agricultura de baixo carbono (...)” (ALENCAR et. al, 2012,
pp.35-36). No plano estratégico de gestão da CDSA isso também é abordado:
Além disso, no mesmo plano estratégico é colocado uma das possíveis funções
da CDSA no desenvolvimento do subprograma:
59A Aliança da Terra foi fundada em 2004 e é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público (OCIP) que tem como objetivo de promover o conceito de “Produzindo Certo”, que nada
mais é do que certificar empreendimentos e propriedades do agronegócio que são consideradas
“sustentáveis” que aderem a um cadastro de “compromisso socioambiental”. Um dos seus
idealizadores foi Daniel Nepstad, antigo membro do IPAM e WHRC e hoje um dos principais
membros do Earth Innovation Institute. Entre seus parceiros estão o Grupo Amaggi, Unilever,
Monsanto, IPAM, WHRC, entre outros
198
(...) A CDSA poderia facilitar o acesso a financiamento através do desenvolvimento
de programas que permitam o apoio (ou da participação no desenvolvimento) de
pacotes integrados de financiamento com o Governo Federal, bancos e com o setor
privado para alavancar fundos, existentes ou potenciais, não provenientes da CDSA.
(CDSA, s/d, p. 17)
Esse subprograma foi elaborado com consultorias do IPAM que tem divulgado
sua proposta de pecuária com “desmatamento zero” (ALENCAR et. al., 2012) e como já
citamos no capítulo 2, trabalha na lógica de custo de oportunidade. Segundo eles: “(...)
O custo de oportunidade de manutenção das florestas do Acre é expresso
principalmente através do lucro potencial principalmente da pecuária” (ALENCAR et. al.,
2012, p. 24). O mercado dessa atividade no Acre tem grande potencial, segundo a
mesma publicação:
(...) A indústria que pode estar mais bem posicionada para aproveitar o acesso aos
novos mercados é a pecuária. Esta indústria compreende 92% da receita estadual de
exportação e pode crescer através da intensificação das áreas de pastagens
existentes (ALENCAR et. al., 2012, p. 22)
(...) Nossas análises preliminares indicam que a transição para um setor de pecuária,
baseada no desmatamento zero, que cresça a uma taxa de 3,5% por ano e pode dar
lucro aos produtores ao mesmo tempo em que gera um montante de redução de
emissões suficientes para abastecer o SISA e o programa ISA Carbono. (ALENCAR
et. al., 2012, p.35)
Entretanto, como podemos observar no estudo que foi um dos subsídio para
pensar o subprograma (ALENCAR et. al., 2012), do ponto de vista econômico, a melhor
estratégia é intensificar parte das áreas e abrir outras. O estudo calcula a rentabilidade
líquida para pecuária de 2010 a 2012, considerando cenários de crescimento do
rebanho de 2,2% e 3,5% ao ano, preços da carne de R$65, R$85 e 105R$ a arroba e
intensificação das pastagens de 25, 50, 75 e 100%:
199
Figura 26. Rentabilidade líquida da pecuária de 2010 a 2021. Fonte: ALENCAR et. al.,
2012, p.43
200
financiamento da atividade no Acre (ACRE, 2010c). Até um dos membros do comitê
científico do SISA, que ajudou na formulação e implementação do sistema tem suas
dúvidas sobre essa estratégia. Em trecho de entrevista realizada em 27 de agosto de
2014 com Irvin Foster Brown60, quando perguntado sobre a questão do recurso do SISA
ir para pecuária com a justificativa de promover uma pecuária mais eficiente que
desmate menos, ele respondeu:
Aqui podemos ver de forma mais explicita que temos interações de benefício
mútuo entre o setor da “extração destrutiva”, nesse caso representando pelo
agronegócio da pecuária extensiva em latifúndios, com o setor da “floresta em pé” com
esse Subprograma “Pecuária Sustentável” que aloca recursos captados através da
redução de emissões de gases nesse setor do agronegócio. As áreas que “lastreiam”
os créditos de redução de desmatamento ficam imobilizadas, gerando conflitos
territoriais, pois as famílias não conseguem usufruir dos bens necessários para
reproduzir seus modos de vida, e os recursos provindos dos créditos estimulam uma
atividade que gera mais desmatamentos e conflitos no Estado.
Essas estratégias adotadas no Acre foram importantes referências para a
reforma do Código Florestal Brasileiro que ocorreu em 2012. Podemos ver a influência
das políticas do Acre no que condiz a regularização do passivo, que no código recebeu
o nome de Programa de Regularização Ambiental (PRA) e toda a parte relacionada a
serviços ambientais, com a instituição, por exemplo, da Cota de Reserva Ambiental
(CRA), que pode ser comercializada. No novo Código a CRA é definida como “título
representativo de vegetação nativa” e pode ser comercializado entre produtores que
60É interessante destacar que Irvin Foster Brown é do Woods Hole Research Center (WHRC),
além de ser membro do comitê científico do SISA e professor da UFCA, e o IPAM que tem
promovido essa proposta da pecuária “sustentável” é praticamente um braço do WHRC no Brasil.
61 Entrevista concedida por Irvin Foster Brown [ago. 2014] Entrevistador: Diogo Loibel
201
mantêm a reserva legal e os que não a mantêm (BRASIL, 2012 apud FAUSTINO;
FURTADO, 2015, p. 33). Essa cota pode ser comercializada em uma bolsa
especializada, a Bolsa de Valores Ambientais do Rio de Janeiro (BVRio) que já tem pelo
menos 2 milhões de hectares de imóveis rurais cadastrados (FAUSTINO; FURTADO,
2015).
Também nessa reforma, se introduz a possiblidade de pagamentos ou incentivos
por serviços ambientais, inclusive, dando brecha para que os estados possam ter seus
próprios sistemas subnacionais, como é o caso Acre com o SISA (ACRE, 2014b, 2014c).
Em entrevista concedida na missão da Plataforma DHESCA, um membro do governo
afirmou que o artigo 41 do no código “é praticamente uma transcrição do artigo 1º da
Lei do SISA e ainda:
(...) a lei nacional, se baseou na lei do SISA, para estabelecer uma regra nacional (...)
há praticamente um encaixamento do que a gente tem na legislação estadual para
essa legislação nacional que é o Código Florestal (informação verbal, FAUSTINO;
FURTADO, 2015, 2015, p. 71)
Não é por acaso que Jorge Viana, senador pelo Acre, foi relator das mudanças
e André Lima, também do IPAM, que foi um dos principais consultores na elaboração
da Política de Valorização do Ativo Ambiental Florestal, também teve papel importante
na articulação dos interesses do setor da “floresta em pé” nessa reforma. Várias
publicações fazem uma análise crítica da reforma do Código Florestal e demonstram os
interesses por trás da mesma que além de beneficiar o setor da “extração destrutiva” de
diversas formas como anistia de multas, flexibilização e incentivos para regularização
ambiental, impedimento da reforma agrária pelo conceito de função social da terra e
facilitação de fraudes e novas grilagens de terra, também demonstram os claros
interesses do setor da “floresta em pé”, privilegiando o setor da indústria da silvicultura
e dos especuladores de área de florestas através de mecanismos como o das cotas
ambientais descritas acima. Destacamos as publicações de Larissa Packer (2011;
2015), Gerson Teixeira (2011), Via Campesina (2011), Repórter Brasil (2011) e Luiz
Henrique Gomes de Moura (2014).
4.1.3. Agricultura
202
vive no campo relativamente grande, em assentamentos rurais temos por volta de
30.000 famílias, nas unidades de conservação de uso direto, cerca de 10 mil famílias
(segundo dados do INCRA consultados em 2015) e em terras indígenas cerca de 13 mil
indígenas (segundo censo de 2010 do IBGE), as áreas abertas utilizadas para o plantio
não tem aumentado significativamente, oscilando nos últimos anos, como podemos ver
na figura abaixo:
146.928
94.431
Hectares
Figura 27. Área plantada total no estado do Acre. Fonte: Produção Agrícola Municipal, IBGE, 2013.
203
Área plantada e produção de Milho
50.000 140.000
45.000
120.000
40.000
Produção (toneladas)
100.000
Área plantada (ha)
35.000
30.000
80.000
25.000
60.000
20.000
15.000 40.000
10.000
20.000
5.000
0 0
1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
Figura 28. Área plantada e produção de milho no estado do Acre. Fonte: Produção Agrícola
Municipal, IBGE, 2013.
204
possibilitam a mecanização para preparação do solo o que dificulta ainda mais a
realização do plantio dessas mudas. Em uma das entrevistas realizado com moradores
de colocação em Brasiléia, nos foi colocado que todas as mudas foram deixadas no
centro de uma das comunidades dentro da RESEX sem os devidos cuidados e porcos
comeram todas elas. A promessa de mecanização de áreas é inviável para a maior parte
das famílias dentro da RESEX, onde é impossível e até, na teoria, proibido a entrada de
máquinas e mecanização do solo.
Com relação a uso de adubação verde, também a falta de acompanhamento e
assistência técnica não garantem a efetividade dessa prática. Em trecho de entrevista
realizada em 4 de agosto de 2014 com Antônio Batista de Araújo mais conhecido como
Tota, um dos membros da ONG PESACRE, responsável pelo acompanhamento técnico
na RESEX Chico Mendes, principalmente na região de Assis Brasil, ele coloca:
(...) Não foi muito bom por que quando a gente entrou o governo tinha feito uma
distribuição de mucuna, né, que é a semente para recuperação do solo, eles tinham
feito, só distribuído muita mucuna, mas sem nenhuma assistência técnica, então ficou
muito difícil de trabalhar, por que quando a gente entrou pra trabalhar já, o pessoal já
estava desacreditado. Há isso ai não dá certo, isso ai não funciona, não da certo de
jeito nenhum, eu nem quero saber de mucuna, quero inventar outra coisa, o negócio
ficou muito mais difícil de trabalhar e não surtiu muito efeito (...) foi poucas pessoas
que aderiram a essa proposta (...) enquanto pode queimar, eu vou queimar por que
tenho mais garantia, esse negócio aqui vai dar muito trabalho. Não deu muito
resultado. Não tenho hoje nenhum produtor aqui, que ele realmente trabalhe só com
essa prática sem usar o fogo (...) (informe verbal62)
(...) a gente só acredita que isso vai conseguir fluir esse trabalho quando de verdade
for proibido, por que enquanto que não for não vai ter condição não, assim, por mais
que as pessoas saibam, visita, leva lá, nós já fizemos intercâmbio, né a gente já
provou que dá certo, já foi feito muito isso e trabalhando também outras alternativas
como a criação de galinhas e outras coisa que a gente vem a trazer pra melhorar a
renda, e a gente sente essa dificuldade (...) as famílias aderirem e ai é aquele negócio,
é você pegar pra obrigar, você não consegue obrigar ninguém (...) as pessoas pra
aderirem vai ser difícil pra caramba, acho que só com uma pressão mesmo (...) só
vai fluir, não vai mudar, mas fluir, 2016, o ministério público disser agora quem botar
62
Entrevista concedida por Antônio Batista de Araújo [ago. 2014] Entrevistador: Diogo Loibel
Sandonato. Assis Brasil, 2014.
205
um palmo de fumaça vai ser penalizado e começar realmente a penalizar alguém
mesmo, vai começar algumas pessoas começar a trabalhar essa outra prática, mas
enquanto não chegar lá eu tenho quase certeza que vai ser empurrando e não flui
muito isso não (...)
(...) o fogo zero eu acho muito difícil de ser alcançado, lá no Paraná, no sul de Santa
Catarina, Minas Gerais, já não tem quase mais nada, a agricultura dominou né, os
espaços são tudo mecanizados, você quase não vê mais o uso do fogo pra agricultura
ou qualquer outra coisa. Aqui, a pessoa tem um imóvel e quer converter uma floresta
tropical tal como a nossa, com 400 toneladas de carbono por hectare, se não for com
fogo, muitos lugares é impossível você fazer, até daria pra fazer com a máquina, mas
eu ia ter um custo tão elevado que torna inviável, além de causar outros danos no
solo, por exemplo que você está com máquina pesada lá trabalhando, tirando
madeira, e ai você vai levar essa madeira pra onde? A galhada e tudo isso, você pode
enlear em algum lugar e deixar apodrecendo lá, mas será que é melhor que queimar?
Se você deixar apodrecendo se tá gerando metano, que é muitas vezes mais
prejudicial que o CO2 que é o principal produto da queima, né. Então assim, tudo isso
tem que ser pesando. Nas cabeceiras dos rios aqui do Acre não tem nem como chegar
uma máquina pra fazer um desmatamento. Então assim, o desmatamento que é legal,
a pessoa tem direito, em um imóvel aqui na Amazônia é 20%, a primeira conversão
206
da floresta para outro tipo de uso, se não com o uso do fogo, hoje eu vejo assim como
dificuldade da pessoa pode fazer isso. (informe verbal63)
(...) a parte de alternativas é reclamação que inclusive eu fiz dentro da comissão (...)
dentro da comissão o foco maior é no combate, na questão da articulação das
instituições pra combate ao fogo e a questão da alternativa está muito pulverizada (...)
“Esse discurso já foi ouvido, as políticas, as promessas do governo, são antigas, mas
depois que a oficina acabar os representantes do governo vão embora e os pequenos
produtores ficam largados. O Ministério Público Estadual e o governo só sabem cobrar
e proibir; “(ACRE, 2010c, p. 71)
(...) Mas uma das coisas que mudou significativamente, foi a liberdade de se usufruir
dos bens comuns. A população tradicional, ou seja, os seringueiros, quem mora na
floresta, sempre utilizou a técnica rudimentar de usar o fogo pra limpar a área de
63
Entrevista concedida por Diogo Selhorst [ago. 2014] Entrevistador: Diogo Loibel Sandonato.
Rio Branco, 2014.
207
produção de subsistência e hoje sem que tenha se levado outra alternativa que
substitua essa técnica – e isso é um agravante porque sem produzir o sentido que se
tem de viver na zona rural é você ter a alimentação básica garantida, ou seja, você ter
certeza de que quem trabalha na terra não passa fome - essa população fica cada vez
mais ameaçada em função de uma recomendação do Ministério Público Estadual que
determina “fogo zero” pra todo o estado, inclusive a partir desse ano de 2012. (CIMI,
2012b, p. 38)
Devido ao grande potencial conflitivo dessa ação, em 2013, ela foi revertida em
parte permitindo o uso do fogo em áreas de até 3 hectares para pequenos produtores.
Mas a pressão e criminalização sobre a atividade continuam, devido às metas impostas
pelas políticas ambientais. Ainda sobre essa questão do “fogo zero”, Diogo explicita que
apesar da possibilidade dada pela justiça, não necessariamente o uso do fogo pelos
pequenos será respeitado e permitido pelo IMAC:
(...) Então eu acho que tem um benefício dessa ação civil pública que foi colocar isso
pra ser discutido pela sociedade, mas até a justiça entendeu que pra algumas
atividades não tem como substituir ainda, e concedeu que até 3 hectares poderia ser
autorizado para fins de agricultura de subsistência e o IMAC, tem uma portaria do
IMAC que fala não, nós vamos dar licença para até 1 hectare. Ai entra numa outra
discussão que, para o IMAC dar uma licença, uma autorização, a pessoa tem que
estar toda regularizada, tem que ter documento do imóvel, e isso não é a realidade da
maioria das pessoas, então assim, é uma coisa muito complexa, muito complexa.
(...) E tem um povo nativo que não é levado em consideração nessa região, o qual
vive da pesca, da caça, da castanha, do roçado de subsistência. Esse povo está se
tornando para os governantes o principal empecilho para implementar os
megaprojetos. Estão sendo criminalizados por uma coisa que sempre fizeram. Agora
foi decretado em nossa região “fogo zero”, todo mundo tem que cozinhar à lenha.
Como você vai decretar “fogo zero”, quando o seringueiro cozinha à lenha? O
trabalhador precisa do carvão para fazer comida, da lenha para fazer a comida, e
queimar o seu roçado para plantar a macaxeira, o milho, criar os seus bichinhos. Nós
trabalhamos com leguminosas, não vamos desmatar na beira dos igarapés, ou
derrubar a floresta, pois dependemos da floresta para nossa sobrevivência.
(SINDISPREV-RS, 2012)
Dialogando com essa estratégia de reduzir o uso do fogo, também foi fortalecido
um programa de certificação de propriedades rurais, consolidado na Lei 2.025 de 2008,
que prevê pagamentos de bônus (que varia de R$ 500,00 a R$ 600,00 por ano), na
208
lógica de pagamento por serviços ambientais (PSA), para adoção de práticas
condizentes com o planejamento da produção para essas áreas, com o objetivo,
segundo seus elaboradores, de reduzir a pressão do desmatamento, principalmente nas
áreas de influência de rodovias (ACRE, 2009). O programa, que foi inspirado em projeto
do PESACRE, possui grande apoio de um projeto da SKY da Inglaterra em parceria com
a WWF chamado “SKY Rainforest Rescue” que está em execução desde 2009 e já
recebeu mais de 6 milhões de libras esterlinas (LAVRATTI; TEJEIRO; STANTON,
2014). Também recebeu recursos do KfW dentro do conjunto de políticas voltadas para
agricultura. Além disso o programa possibilita, segundo documento de governo:
As propriedades que aderem ao programa, além de não poder mais usar o fogo
na produção, são progressivamente direcionadas a integrar cadeias produtivas
“prioritárias”, dialogando com outras políticas como, por exemplo, o programa de
Florestas Plantadas que veremos abaixo (ACRE, 2009; NEVES, 2010).
As políticas direcionadas a essas populações são, por um lado, de maior
fiscalização e punição, por outro, de integração de forma subordinada, quando viável
logisticamente (proximidade de ramais e rodovias), em cadeias produtivas consideras
prioritárias pelo governo. Em trecho de entrevista com Mônica de Los Rios, ela explicita
isso:
(...) Nas cadeias das áreas, por exemplo, abertas, uma questão que está sendo
trabalhada, é a parte do programa de certificação, com apoio não somente em
assistência técnica (...) a parte de implantação de estrutura para escoamento de
produção, a parte de organização de associativismo e fortalecimento do
associativismo, dos produtores, e tem, por exemplo, georreferenciamento, apoio nos
planos de uso das propriedades, enfim, então tem no programa de certificação, que
são produtos, são produções não de alta escala, mas são produções, vamos dizer
assim, de produtos de subsistência (...) mas está ligada sempre dentro do programa
de certificação, a escolha sempre acaba sendo do produtor, que cadeias, mas ela,
tem algumas linhas já a serem fortalecidas pelo plano do governo, então o
recurso vai direcionado a isso (...)
209
Assim, podemos ver como o capital começa a penetrar espaços onde antes a
mediação do dinheiro não era tão forte. A lógica do PSA estimula essa penetração. Em
vez de produzir o milho para ração para os animais em pequenas áreas de agricultura
de subsistência, as famílias passam a ter que comprar a ração, uma vez que cada vez
mais se impossibilita essa atividade, com a justificativa das metas de redução de
desmatamento e queimadas. Há uma gradativa perda de autonomia e soberania
alimentar. Em outro trecho da entrevista com Mônica de Los Rios, ela coloca que é
possível reduzir o desmatamento de forma consistente se:
(...) Isso seria possível conseguir se a gente fizer com que esses produtores todos,
eles estejam dentro de uma cadeia produtiva que lhe propicie o ganho de renda e ao
mesmo tempo faça com que ele proteja sua floreta, não vá além da reserva legal, por
que hoje o que tem é, ah não, eu preciso comer, a justificativa é eu preciso comer,
e vai vai vai comendo floresta (...)
210
destaque para grandes latifundiários do agronegócio, possam se regularizar, passando
a ter suas multas suspensas e acessar incentivos e linhas de crédito, compensando seu
passivo com o ativo presente em outras áreas, como por exemplo florestas estaduais
que são criadas com o objetivo de exploração de madeira. Ativo esse que, inclusive,
pode ser monocultivo de árvores do Programa de Florestas Plantadas, que segundo
governo:
64 Aqui cabe destacar que o conceito de floresta nesse caso segue a definição da FAO e PNUD
que consideram que monocultivos de árvores são floresta o que possibilita a ideia que a
silvicultura em larga escala recupera áreas, beneficiando grandes empresas com incentivos e
demais benefícios inclusive certificações ambientas como o selo FSC. Como coloca o WRM
(2003): Um dos principais problemas enfrentados por aqueles que lutam contra as plantações de
árvores em grande escala é a confusão (gerada pela FAO) entre florestas e plantações
(classificadas como florestas "naturais" e florestas "plantadas"). A definição do Conselho de
Manejo Florestal (FSC, em inglês) só faz aumentar essa confusão, pois afirma que as plantações
são florestas: "Plantação: áreas florestais carentes das principais características e dos
elementos-chave dos ecossistemas naturais, como resultado do plantio ou de tratamentos
silviculturais". Chamando as plantações de "áreas florestais", essa definição permite ao FSC
incluir as plantações em sua relação de "florestas certificadas". (WRM, 2003, p. 25)
211
Figura 29. Área de florestas plantada no PAE Cachoeira. Foto: Diogo Loibel Sandonato
Esse programa de florestas plantadas não é efetivo para a maior parte dos
pequenos agricultores pelos mesmos problemas que já abordamos com relação a
implementação dos SAFs dos roçados sustentáveis. Devido à dificuldade de
mecanização de áreas ou falta de acompanhamento de assistência técnica, mudas são
perdidas antes mesmo antes de serem plantadas. Essa constatação de que a maior
parte dos benefícios ficam para os grandes produtores é reforçada, inclusive, por uma
crítica feita em uma das oficinas realizadas pelo governo em comunidades para discutir
suas políticas:
212
As políticas do governo (regularização dos passivos) são muito direcionadas para os
grandes produtores (p. ex: reflorestamento). As propostas são inviáveis aos pequenos
e, como consequência, há grande rejeição às políticas propostas; (ACRE, 2010c, p.
70)
“(...) O Fundo Florestal existente, por exemplo, deveria beneficiar as UCs geridas pela
SEMA mas não o faz (...) O Fundo está voltado atualmente para o produtor
agroflorestal, então não está diretamente beneficiando as UCs.” (FUNBIO, 2014, pp.
37-38).
O relatório realizado pela CEPAL, IPEA e GIZ sobre as políticas públicas do Acre
também vai na mesma linha, afirmando que o Fundo Estadual de Florestas que poderia
ser acessado por áreas protegidas ainda não está operacional (CEPAL; IPEA; GIZ,
2014). Isso apesar de que em sua publicação de 2013, a WWF afirmar que até
novembro de 2012 o fundo acumulava mais de 2,7 milhões de reais quer seriam
destinados, segundo eles, para ações de reflorestamento, mas sem especificar que tipo
de ação (ANDERSON et. al.,2013).
Essa lógica de ativo e passivo vai ser ainda mais potencializada com a
implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), ferramenta criada e
regulamentada na reforma do Código Florestal. Como já comentamos, o novo Código
teve influência de quadros do bloco hegemônico do Acre e por tanto existe grandes
semelhanças das políticas estaduais com partes do Código. A partir da implementação
desse cadastro no Acre, a intenção do governo é migrar seu programa de regularização
do passivo ambiental para o Programa de Regularização Ambiental (PRA) instituído
com o novo Código Florestal. O programa de certificação estadual também migraria
para se adequar ao novo código, visto que seguem a mesma lógica. Com o CAR, os
“ativos ambientais” de todas as terras, incluindo as griladas e com conflito fundiário, são
mapeados e cadastrados o que permite comercialização de Cotas de Reserva
Ambiental (CRA) para os que detém o “passivo”, principalmente o agronegócio. Isso
pode ser feito numa escala nacional através da BVRio. Como o Acre possui grande
parte de sua área coberta por florestas, tem muito “ativo” para ser comercializado. Como
já colocamos, existe um projeto aprovado junto ao Fundo Amazônia (BNDES) de 16,8
milhões para fazer essa transição.
213
4.1.4. Modelos de participação e a Parceria Público Privada Comunitária (PPPC)
214
Segundo a retórica utilizada, a forma de combater o desmatamento e
consequentemente as emissões seria intervir nos diversos pontos dessas cadeias
produtivas consideradas “sustentáveis”. Em trecho de entrevista com Mônica de Los
Rios ela esclarece essa estratégia:
(...) Então quais são essas cadeias estratégicas, pra manter a redução do
desmatamento? Uma dessas cadeias estratégicas está voltada para o extrativismo, a
valorização do extrativismo, a recuperação do extrativismo. Então quais são as
cadeias principais que precisam de consolidação, isto é não somente ir lá apoiar o
produtor (...) você tem que pensar em todos os pontos da cadeia, desde o produtor
até a fase final da produção que é qual produto transformado com aquela produção
(...) Então o apoio vem, por exemplo, não somente para assistência técnica na área
da produção, mas também para fortalecimento organizacional, competição com o
mercado e etc.... (...) Então, o apoio vai desde assistência técnica, de melhoria da
produtividade, nesse setor, até os outros pontos da cadeia (...)
(...) A política industrial praticada pelo atual governo envolve investimentos diretos e
incentivos fiscais, financeiros e locacionais. Os investimentos diretos são
realizados na forma de parceria com a iniciativa privada e as comunidades que
produzem a matéria prima (PPC). Especialmente nas pequenas indústrias, acontece
a parceria exclusivamente com as comunidades de produtores. As formas de
parceria PPC já operam na indústria madeireira, moveleira, de castanha, na
agroindústria de aves e de suinocultura. A parceria público-comunitária já existe nas
pequenas indústrias de óleos vegetais, peixe e biscoitos. Este tem se mostrado o
caminho apropriado para mudar o padrão de especialização da economia. (ACRE,
2014a, p. 83, grifos nossos)
215
Em trecho da entrevista com o professor da UFAC, Silvio Simione da Silva, ele
comenta as origens da proposta de PPPC dentro da Frente Popular:
(...) o Jorge Viana ele tinha um discurso muito forte, que ele estava criando a base
estruturante para industrialização do Acre, e essa criação da base estruturante seria
o que, era mais precisamente a implementação do sistema rodoviário que agora já
não era mais problema ecológico (...) e junto com esses eixos de estruturação que ele
foi fomentando e tentando fortalecer essa vocação de cada município, município
pesqueiro, por diante, era ele criar industrias, e ai a ideia era, criar indústria e atrair
empresários pra cá, não era nenhuma base social, e ai criou-se a maldição do PPPC
(...)
(...) O modelo de gestão originário dos movimentos sociais não interessa ao modelo
de desenvolvimento que o estado quer propor, esse modelo coletivo, quase de
colegiado, que as cooperativas fomentaram não tem isso ai (...) quando o movimento
social percebeu a possibilidade da parceria e do dinheiro, o movimento social tranquilo
aceito, quem não quer dinheiro? Todo mundo quer dinheiro. As cooperativas
216
aceitaram dinheiro. Bom até que o dinheiro estava chegando, estava tranquilo, estava
ótimo. Só que chegou um dado momento que o governo do estado começou a querer
interferir (...) o governo estadual destruiu as iniciativas de movimento social por que o
modelo de gestão que ele queria era outro, não era esse modelo colegiado, de
participação popular, ele quer o modelo empresarial que trabalha com escala de
mercado, com tecnologia, com todas essas coisas, e que permita que grupos
empresariais externos e até internos se formem e apossem disso daí (...)
(...) A COOPERACRE ninguém nem participou (...) foi criado por pessoal de governo
lá, acharam que era importante ter um associação das associações pra representar
(...) já veio pronto (...) (informação verbal67)
Em outra trecho da publicação de Nunes (2008) ele cita Silva que destaca a
relação da criação da cooperativa com os objetivos do governo com as cadeias
“sustentáveis”:
(...) as que estão sendo instituídas (pois é assim que são formadas como metas
políticas) aparecem como instrumentos de ‘entrada’ (subordinadas e acatando um
217
projeto vindo de cima para baixo), para as propostas de novas formas de inserções
produtivas no âmbito da produção geral e da sociedade, sob metas do “Projeto de
Desenvolvimento Sustentável” do “Governo da Floresta” (SILVA, 2005 apud NUNES,
2008, p. 73)
68 No começo da década de 2000, a WWF foi um ator chave no consórcio Amazoniar, do qual
também faziam parte o Centro de Trabalhadores da Amazônia (CTA), Associação de Defesa
Etno Ambiental Kanindé, Conselho Brasileiro de Manejo Florestal (FSC-Brasil) e SOS Amazônia
e que era financiado pela Agência de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional do
Governo dos Estados Unidos (USAID). Um dos principais objetivos desse consórcio era estimular
o fortalecimento da cadeia produtiva da madeira através do “lobby” a favor do manejo madeireiro
“sustentável” junto as comunidades e em espaços de formulação de políticas públicas. (FSC;
WWF; SOS AMAZÔNIA; CTA; KANINDÉ, 2007)
218
cooperativas não segue um modelo democrático de cooperativismo pautado em um
debate político de empoderamento e autonomia, mas sim uma lógica de empresa de
terceirização de serviços. Segundo informações coletadas pela Plataforma DHESCA:
(...) De acordo com moradores do PAE Porto Dias, a Cooperfloresta foi criada de forma
muito “atropelada”, sem muita discussão, “dentro de um mês”, sendo hoje “mais
empresa que cooperativa”. Representante do STTRX afirmou ainda que a
Cooperfloresta “não funciona dentro dos conceitos de cooperativismo” (...)
(FAUSTINO; FURTADO, 2015, informação verbal, p. 47)
219
A interação considerada de maior complexidade se dá através da Parceria
Público Privada Comunitária (PPPC). Nesse modelo, além de grandes aportes de
recursos por parte do estado e da participação das comunidades, que
fundamentalmente funcionam como fornecedoras de matéria prima e força de trabalho,
entra o capital privado na forma de investimentos, principalmente nos complexos
agroindustriais associados e em ações das empresas criadas para gerir a cadeia. Nesse
arranjo, que é o mais estimulado pelo governo do Acre para impulsionar as cadeias
produtivas e integrar os povos da floresta, geralmente é criada uma empresa de
sociedade anônima, em que as ações são em parte do governo, parte do capital privado
e uma pequena parcela das comunidades. Para que tal arranjo funcione as pequenas
associações e cooperativas precisam se organizar em uma cooperativa central,
processo esse catalisado pelo governo. Além disso, o governo, através da Agência de
Negócios do Acre (ANAC69), empresa de capital misto (público e privado), também pode
participar do arranjo, inclusive, comprando ações das empresas criadas para cada
cadeia produtiva. Entrevistamos em 15 de agosto de 2014 Inácio Moreira Neto, diretor
da ANAC que nos ajudou a esclarecer em um dos trechos da entrevista a estratégia
pensada para a ANAC:
69
Já citamos no capítulo 2 que a ANAC detêm parte do capital de outra empresa “híbrida”, a CDSA.
70
Entrevista concedida por Inácio Moreia Neto [ago. 2014] Entrevistador: Diogo Loibel
Sandonato. Rio Branco, 2014.
220
industrial da cadeia e depois passa o patrimônio, primeiro para a ANAC, que já em parte
privada. Inácio esclarece essa etapa:
(...) por que, como é que funciona, o governo constrói o empreendimento, depois ele
valoriza, através de, faz um laudo e diz olha, essa obra custa 18 milhões, ele
integraliza na ANAC e quando a ANAC vai montar o negócio, ela pode entrar tanto
com dinheiro como com bens. Por exemplo, no casa dessas a gente entrou com os
bens, a gente alugou os bens e ai a gente pega a iniciativa privada que vai pra dentro
pra tocar (...)
(...) por que, o que a ANAC quer fazer, deu certo a cadeia produtiva, nós queremos
vender as nossas ações, né, pra outros investidores, sai do negócio e deixa o negócio
numa parceira o privado e o comunitário. É estratégico essa união do privado e do
comunitário, por que o comunitário ele acaba, tendo uma fidelidade dos insumos com
essa, com a indústria, com a empresa.
Isso já aconteceu por exemplo na cadeia de aves. Com relação a essa cadeia,
temos o complexo agroindustrial da Acre Aves em Brasiléia. Com investimentos
públicos, principalmente por meio do BNDES, o complexo é administrado por capital
privado com 94% das ações e a Cooperativa de Produtores de Aves do Alto Acre
(Agroaves) com 6%. O governo também ajuda com implantação de criadouros e
assistência técnica rural (CEPAL; IPEA; GIZ, 2014). Aqui o estado vendeu suas ações
da empresa deixando a relação entre o privado e “comunitário”, como colocar Inácio em
outro trecho da entrevista:
(...) A Acraves foi o projeto inicial que deu certo e hoje não tem participação do governo
(...) foi o mesmo modelo, hoje ela só comunitário e público né? Privado que digo (...)
O que o governo pretende, por meio da ANAC é alavancar essas cadeias e atrair
capital privado ao mesmo tempo que garante a matéria-prima que muitas vezes está na
mão do “capital comunitário”. O economista Ronald Polanco, ex-deputado estadual e
atual conselheiro Tribunal Estadual de Contas comenta em trecho de entrevista
concedida em 18 de agosto de 2014 que para o arranjo:
(...) O estado volta a ter um papel importante e ai o setor privado, em regiões como a
nossa, se a gente não fizer isso, em boa parte de alguns capitais, patrimônios
221
principalmente naturais, está na mão das comunidades, então essa ideia do público
privado e comunitário aqui é negócio que deve prosperar (...) (informe verbal71)
Para tal acesso aos bens que estão nas mãos das comunidades, um dos papéis
da ANAC é organizar as cooperativas, como por exemplo na cadeia de suínos com a
Dom Porquito, na região do Alto Acre. O governo apoia na parte de produção, com
construção de galpões de engorda entre outras ações e também fez grande aporte de
recursos em um frigorífico, inclusive com empréstimo do Banco da Amazônia de 26
milhões de reais (FRIGORÍFICO...2014). Inácio descreve a participação da ANAC no
processo de constituição da cadeia:
(...) Mas nós temos a do suíno. A do suíno também que é a Dom Porquito, uma
empresa também que a ANAC é sócia, ela está mais situada ali na região do alto acre
que é Xapuri, Brasiléia, Epitaciolândia e Assis Brasil. Nós estamos com, construímos
55 galpões, a empresa Dom Porquito construiu 55 galpões e funciona assim. Tem as
matrizes que são os suínos que tem uma origem de DNA, eles ficam em um berçário,
e lá tem a reprodução que é feita, com tantos dias que o suíno passou por todo o
processo de vacina, é castrado, tudo direitinho, ele é entregue a esse criador na zona
rural lá desses municípios e com (...) 3 meses ele está pronto pro abate, então o
caminhão passa recolhendo e deixando os suínos novos (...) nós identificamos as
pessoas que tinham aptidão com essa cultura do suíno e depois de identificar essas
pessoas, foi construído um galpão e agora nós estamos já em fase de reunião para
esses 55 constituírem a cooperativa (...) então a princípio, nós implantamos lá,
estamos fazendo reunião, criando estatuto e tudo pra criar a cooperativa, o mesmo
modelo que a gente fez com peixe, criando a cooperativa, a ideia é a gente doar
algumas ações nossas da ANAC (...)
(...) Isso a Sadia, a Perdigão utiliza muito isso lá no sul né, por exemplo com frango,
com suíno, utiliza muito. Então a diferença aqui, é que lá é a relação, é uma relação
de, a Sadia entrega o frango, tem uma margem de lucro, tem esse acompanhamento
técnico mas, esse criador, ele não tem participação na empresa. O nosso aqui, além
de a gente tem uma política que ele tem uma cadeia produtiva que ajuda no sustento
dele e que pra nós ajuda ele a não, a diminuir a pressão na floresta, pra não fazer o
desmatamento. E ele se torna dono, essa cooperativa que é organizada, o presidente
71
Entrevista concedida por Ronald Polanco [ago. 2014] Entrevistador: Diogo Loibel Sandonato.
Rio Branco, 2014.
222
da cooperativa ou um representante escolhido por ele faz parte do conselho de
administração dessas empresas que nós estamos criando.
223
milhões de reais, seja com o estímulo ao manejo madeireiro em arranjos PPPC, parte
com a COOPERFLORESTA, parte em outros arranjos com 8 milhões de reais. Mas a
frente daremos destaque ao arranjo PPPC que certamente recebeu mais recursos e
também é o exemplo que demonstra de forma mais clara a complexidade desse arranjo,
a cadeia do peixe.
Nos arranjos PPPC temos várias pontos positivos para o capital privado. O
fornecimento de matéria-prima por meio das cooperativas e associações deixa a cargo
dessas todas as dificuldades da produção, inclusive contribuindo para processos de
precarização do trabalho. O aporte financeiro inicial necessário para estruturação de
toda a cadeia fica por conta do governo que, para tal, tem que cada vez mais se
endividar com bancos nacionais e multilaterais. Participando desse tipo de parceria
mista, o capital privado também consegue acessar benefícios de políticas públicas que
são destinadas apenas para agricultura familiar, como por exemplo os mercados
institucionais do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) (CEPAL; IPEA; GIZ, 2014).
A perspectiva do governo nesse tipo de arranjo é progressivamente destinar mais
espaço para o capital privado até que a parceira finalmente se torne Privada
Comunitária. Os investimentos públicos funcionariam apenas como um estímulo inicial
para o processo.
Em trecho de entrevista realizada em 28 de agosto de 2014 com o professor
José Fernandes do Rêgo, secretário da Secretaria de Articulação Institucional (SAI), ele
comentou a visão do governo sobre o arranjo PPPC:
(...) isso faz parte da nossa estratégia, o PPPC, público privado comunitário e o PC,
público comunitário, e o público privado. Você pode ter essa várias alternativas (...)
Nós temos o caso da piscicultura, os complexos florestais, da castanha, vamos ter da
borracha agora, então isso é uma coisa definida e é o nosso caminho, primeiro por
que, um dos motivos para pensarmos nas parceiras é ainda a pouca força e o pouco
capital que tem o setor privado no estado, então a gente tem que colocar, na verdade
numa avaliação que nós fizemos, eu fiz um comentário lá, eu falei o comentário, o
seguinte: o Acre é, digamos assim, o estado mais Keynesiano do Brasil, ai o
governador se levantou e falou: e tenho grande orgulho disso. Então na verdade é
uma coisa já definida, nós somos Keynesianos, nós sabemos que temos que
socializar o investimento. Então eu tenho que colocar um investimento lá, do público
né, pra que junto com o privado e com o comunitário a gente tenha, primeiro uma
equação certa da realização do investimento, e uma equação social certa. (...)
(informação verbal72)
72
Entrevista concedida por José Fernandes do Rêgo [ago. 2014] Entrevistador: Diogo Loibel
Sandonato. Rio Branco, 2014.
224
Aqui vemos mais uma grande vantagem para o capital privado que tem a
tendência de se apropriar por completo do controle das cadeias. Com o aumento da
complexidade do arranjo, diminui a capacidade de participação política e financeira das
parcelas comunitárias Sibá Machado, um dos defensores desse modelo, aponta riscos
e limites da participação comunitária nos arranjos de alta complexidade quando diz:
“Nesta fase a propriedade dos meios de produção fica quase sempre no modelo PPP,
na qual a tradição do capital é assumir também a propriedade dos meios de produção
no setor primário (a terra), ou no máximo realizar uma integração com a mini e a
pequena produção, dado o volume dos investimentos e a complexidade
administrativa, tecnológica e comercial deste processo produtivo. O custo financeiro
de um investimento de Alta Complexidade requer que o Estado entre com a maior
parte ou todo, inibindo o Capital Comunitário de participar do processo.” (MACHADO,
2009, p. 76).
225
em funcionamento. Em trecho de entrevista, o professor Rêgo do SAI explica a
estratégia do governo:
(...) Por que a piscicultura? Por que nós estávamos insistindo muito tempo, fazendo
uma discussão meio estéril de desmatar ou não desmatar, essa briga com a oposição
né. O nossos problema é outro. Primeiro, valorizar os ativos florestais, valorizar a
floresta, o que que a gente vai transformar em valor na floresta. (...) Então veja, por
que a gente pensou na piscicultura? (...) Então eu tenho o objetivo de valorizar a
floresta, de conservar, de preservar e tudo mas eu tenho que produzir alguma coisa
que possa gerar renda, então nós podemos usar primeiro o solo, solo já descoberto,
desmatado, desflorestado de forma intensiva. Podemos manejar a água que é outro
fator de produção e podemos manejar por exemplo serviços ambientais de modo que
eu não, nós estávamos centrados, não desmatar (...) tem que ser atividades
intensivas, primeiro delas, a piscicultura que usa pouco espaço e produz muito valor
em pouco espaço (...)
(...) nós estamos na Amazônia, rica em água né, por que que a gente não organiza
essa cadeia produtiva? então que que nós fizemos, chamamos esses empresários,
dissemos olha, a gente tem como fazer um complexo de piscicultura onde a gente
tenha lá, o alevino, por que eles tinham dificuldade de ter acesso ao alevino, ao peixe
com uma boa origem né, e o preço era caro, então que a gente possa ter lá o alevino,
possa ter a ração e possa ter o frigorífico (...) o que nós fizemos, identificamos a área,
pegamos os engenheiros mecânicos do estado, criamos uma planta e dissemos tá
aqui, essa é a indústria que a gente tá querendo (...) essa matriz aqui, dá conta de 20
toneladas que é a capacidade que a gente quer chegar. Alguns empresários que já
mexiam com peixe entram como sócios e outros (...) o investimento inicial era de 500
mil, nós somos 18 sócios, são 16 empresários autônomos, a ANAC (...) hoje tá na
casa de 58 milhões já, Peixes da Amazônia, por que teve todo equipamento, veio da
Dinamarca, a fábrica de ração é a única da região Norte que é ração para peixe
carnívoro (...)
73Vale a pena destacar novamente que atualmente o principal diretor da empresa é Fábio Vaz
de Lima, marido de Marina Silva que até meados de 2014 era secretário adjunto da principal
226
milhões de reais (ACRE...2015). Além do complexo de Rio Branco que tem a parte de
criação de alevinos, fábrica de ração e frigorífico, também estão previstos um frigorífico
para Cruzeiro do Sul (CEPAL; IPEA; GIZ, 2014). Parte das ações dessa empresa
pertence ao governo, através da ANAC, parte vem de investimentos de alguns
empresários do Acre, inclusive da pecuária como coloca o professor Rêgo da SAI em
trecho de entrevista:
(...) empresários grandes, que tem agropecuária de corte, estão correndo para
piscicultura por que é pelo menos 4 ou 5 vezes mais rentável, do que a pastagem
extensiva entendeu? Então na verdade essa é a nossa estratégia (...)
(...) e ai o outro principal nosso, que que nós fizemos, o governo do estado tem a
SEAPROF que já estava fazendo açudes, que era uma forma de diminuir a pressão
sobre a floresta, por que o homem do campo, tá lá, se não tem uma outra cadeia
produtiva que ele explore, ele ia derrubar pra vender madeira, então a gente, com
essa cadeia produtiva do peixe nessa fase de organização tinha uma outra secretaria
que estava fazendo açudes, fizemos 3.700 açudes. Ai já a ANAC via SEDENS
organizou nos 22 municípios cooperativas de criador de peixes, então com os 22
municípios, cada um com a sua cooperativa com os criadores de peixe, nós fizemos
uma central que é a COOPERPEXIE, que é uma central das cooperativas. A ANAC
fez um investimento em ações, por que a composição dessas empresas sociedade
anônima, capital fechado e a ANAC investiu 18 milhões nesse investimento, 18
milhões em ações, nós doamos 3 milhões e 200 para a cooperativa, colocamos a
cooperativa na empresa, com acento no conselho de administração (...)
(...) você vai ter aqui milhares de famílias que hoje vivem de roçado e que vão estar
integrados dentro de outra cadeia produtiva, que não desmata, que ela vai atuar só
em áreas abertas, e que a força produtiva dela vai estar toda concentrada naquilo
ali, ela nem consegue, nem que ela quisesse, ela tem como cuidar daquilo e
roçar. No final o que que vai acontecer, você vai ter uma redução de desmatamento,
227
com a redução de desmatamento você gera novo crédito, esses novos créditos
geram novos recursos que podem ser inseridos em qualquer um desses modelos
dessa matriz que a gente falou antes (...)
(...) a cadeia produtiva, por exemplo, tem alevinos que foram distribuídos, vendidos
no início do ano, por que que o frigorífico inaugurando agora é estratégico, por que
quando o alevino é jogado no açude e alimentado, com 10 meses ele está com 2
quilos, ele está pronto pro abate, então, a inauguração do frigorífico agora dá a
garantia daquele criador que tem lá o alevino, ele pode agora vender esse alevino e
adquirir alevinos novos né, por que o peixe já está com 2 quilos (...)
(...) Fora isso, nós incluímos na merenda escolar o peixe, que ai a gente, é uma política
de governo, que a ANAC cumpre um papel, a SEAPROF cumpre um outro, e a
educação também está adquirindo o miúdo do peixe que a gente chama, pra merenda
escolar, mais saudável né (...)
(...) existe um FIP que foi o BNDES que criou, ai tu vai ver o tipo de complexidade que
o negócio vai dando e como tem efeitos interessantes. O BNDES criou um FIP e a
gente criou, a gente tem a ANAC, foi criado uma empresa chamada Peixes da
Amazônia, que não é a CDSA, que é uma empresa privada, a ANAC é sócia em ações.
Começou o estado sócio de ações e dez privados sócios também. Começou assim.
Ai o Estado pegou parte das ações que tinha dentro dessa companhia e doou para
associações de pequenos produtores. Doou, 20% da companhia. O BNDES, através
desse FIP, que é um FIP exclusivo para empreendimentos de desenvolvimento
228
sustentável, ele tinha 80 milhões de reais pra investir, mas ele só poderia investir se
ele alcançasse 100 milhões. Eles já tinham lá conseguido 15, o estado do Acre
colocou mais 5 milhões dentro desse FIP para tornar ele ativo. Esse FIP investiu mais
15 milhões dentro do negócio, se tornou sócio de mais 20%. (...) E ai os privados são
sócios lá, de 51%. Eles são sócios de 51%. Então você vê, o que a gente fez, olha o
arranjo que a gente está fazendo, que é sempre o que a gente tenta fazer. A gente
está fazendo uma parceria público-privado-comunitário, é um modelo que você não
vai encontrar em lugar nenhum. Você tem PPP, PPPC, isso não existe. O estado é
sócio de uma parte, associações de pequenos produtores são sócios de outra, e
privados são sócios de outra. O estado paralelamente criou um programa de
piscicultura e está construindo 5.000 tanques para pequenos produtores, pequenos.
(...) Junto essa companhia aqui está criando um laboratório para criação dos alevinos
e de ração, a mais moderna do Brasil. Só vai ter equivalente lá. (...)
O FIP foi criado pelo BNDES, que é o maior investidor do fundo mas também
conta, além da ANAC, com o Banco do Estado do Pará (Banpará), Grupo Jarina e a
empresa Kaeté investimentos, que foi escolhida para gerir o fundo (AMAZÔNIA...2015).
Além da cadeia do peixe, o FIP já investiu 5 milhões na cadeia de aves, através da
Acreaves e 15 milhões na cadeia de suínos, na Dom Porquito (KAETÉ, 2015). Segundo
o site da empresa Kaeté:
(...) a equipe da Kaeté Investimentos tem uma vasta experiência com questões de
sustentabilidade trabalhando em organizações da sociedade civil (ONGs) e no
desenvolvimento de negócios sustentáveis (florestas plantadas e nativas, alimentos
processados, produtos florestais madeireiros e não madeireiros) (KAETÉ, 2015)
229
Figura 31. Complexo agroindustrial de piscicultura da Peixes da Amazônia S.A.: Fonte:
http://www.kaeteinvestimentos.com.br; Secretaria de Comunicação do estado do Acre (SECOM).
230
Figura 32. Diagrama representando o arranjo PPPC da empresa Peixes da Amazônia S.A.
Legenda: Flechas: Azuis – acionistas; Rosas – financiadores; Pretas – bens ou integrantes;
Verdes – apoios na assistência técnica e construção dos tanques e açudes; Vermelhas – apoio
no “fortalecimento comunitário” através da “organização das cooperativas”; Amarelas – relações
de compra e venda.
(...) ai pegaram uma máquina lá, fuçaram a área de um cara pra mostrar que estava
fazendo açude, entupiram (...) pegaram um trator, foram lá e pegaram uma hora ai pra
231
ir atrás de uma área pra mostrar que estão fazendo, pra filmar, pegaram o trator e
entupiram a nascente do cara lá embaixo (...) (informação verbal74)
74
Entrevista concedida por Dalmo Rufino da Silva [mai. 2014] Entrevistador: Diogo Loibel
Sandonato. Xapuri, 2014.
232
intensidade, é qualitativamente distinta daquela existente na era do fordismo. Esta era
movida centralmente por uma lógica mais despótica; aquela, a do toyotismo, é mais
consensual, mais envolvente, mais participativa, em verdade mais manipulatória.
(ANTUNES, 2002, pp. 20-21)
(...) na lógica da integração toyotista, deve pensar e agir para o capital, para a
produtividade, sob a aparência da eliminação efetiva do fosso existente entre
elaboração e execução no processo de trabalho. Aparência porque a concepção
efetiva dos produtos, a decisão do que e de como produzir não pertence aos
trabalhadores. (...) (ANTUNES, 2002, p 21)
(...) Para Tragtenberg (2005), as propostas ensejadas pelo capital a partir dos anos
1960, que vão desde políticas de estímulo à participação do trabalhador nas decisões
de assuntos marginais até à participação nos lucros e resultados, são, na verdade,
uma “pseudo-participação”, pois quem, de fato, participa e controla a produção nesta
nova fase de acumulação é o capital financeiro. (NOVAES; DAGNINO, 2010, p. 245)
4.1.6. Madeira
233
Nesse tópico aprofundaremos a análise da importância da cadeia da madeira
para as políticas ambientais promovidas no Acre e como ela explicita articulações de
diversos recursos e sujeitos e também conflitos territoriais gerados pelo espólio e
imobilização de bens nos territórios dos povos das florestas. A maior parte das reflexões
aqui presentes, formuladas durante a pesquisa de mestrado, foram feitas em parceria
com o pesquisador Luiz Henrique Gomes de Moura e foram apresentadas no SINGA de
2015 (MOURA et. al, 2015).
Apesar da retórica de sustentabilidade e as políticas ambientais destinadas a
redução de desmatamento, uma das cadeias mais estimuladas no Acre é a cadeia da
madeira. Observando mais de perto o setor que opera com base no paradigma da
“floresta em pé” temos um dos grandes focos das políticas de governo, já explicitado
nas primeiras ações da Frente Popular. Para tal foi criado um Programa de Gestão de
Florestas para impulsionar planos de manejo madeireiro em áreas de florestas públicas
e privadas. Foram realizadas ações, como implementação de um escritório de manejo,
para facilitar e agilizar o processo de licenciamento. Segundo o Plano de Outorga
Florestal Estadual de 2013: “o Estado possui reserva (ou ativos florestais) florestal capaz
de sustentar o crescimento da atividade madeireira” (ACRE, 2013f, p. 16). A partir do
ZEE foram mapeados 6 milhões de hectares de florestas potencialmente aptas para
exploração florestal (ACRE, 2013f). A madeira é uma das principais cadeia que tiveram
recursos alocados pelo programa REM KfW além de ser a principal motivação do PDSA
do BID. Fortes estímulos para a exploração de madeira nas unidades de conservação
como florestas estaduais (das quais muitas foram criadas já com esse objetivo) e mais
recentemente reservas extrativistas tem relação com as políticas articuladas pelo SISA.
Seja o manejo empresarial ou “manejo comunitário” com arranjos de PPPC como
descrevemos, a madeira é um dos principais bens explorados no Acre, sendo a principal
atividade econômica de base florestal representando 80% da receita florestal
(ALENCAR et. al., 2012). Podemos observar um aumento da exploração com destaque
para madeira em tora a partir de 2010, já com o SISA regulamentado em lei, nos dados
sobre extração de madeira abaixo:
234
Exploração de Produtos Florestais Madeireiros
1200000 90000
80000
1000000
70000
Quantidade (m³)
Lenha (m³) Madeira em tora (m³) Lenha (R$ 1.000) Madeira em tora (R$ 1.000)
Figura 33. Exploração de produtos florestais madeireiros. Fonte: PEVS, IBGE, 2014.
350.000
20.000 300.000
250.000
15.000
200.000
10.000 150.000
100.000
5.000
50.000
0 0
2007 2008 2009 2010 2011 2012
235
Parte dessa queda, que podemos observar em 2012 nos dados acima, pode ter
relação com a menor adesão ao sistema de DOFs e guias estaduais comuns ao longo
dos anos presentes do relatório:
250
200
150
100
50
0
2007 2008 2009 2010 2011 2012
Figura 35. Usuários emissores de DOF e Guias Estaduais comuns no Acre. Fonte: FREIRE,
2014.
236
realocadas para as margens da BR-364, cada uma recebendo um lote de 100 hectares
(ACRE, 2013f) como podemos ver na figura abaixo com o exemplo da Floresta do
Mogno:
Figura 36. Identificação dos lotes dos moradores da Floresta Estadual do Mogno. Fonte: Plano
de manejo mogno. 2012.
237
Isso representava a inviabilização de sua tradicional produção extrativista. Muitos
seringueiros que viveram essas situações têm explicado que para continuar na terra,
sob tais condições, tiveram que “se tornar um colono sulista em suas próprias terras”
(PAULA; SILVA, 2008b, p. 92).
238
Financiador
Arranjo PPPC REM (KfW) PIDS (BNDES) PDSA (BID)
Complexo de Apoio por meio de fomento Financiamento Ramais; Certificação Florestal; planos
Xapuri da produção das áreas dos complexos de manejo florestal, planos
manejadas pela industriais operacionais; Treinamento e
COOPERERFLORESTA capacitação para produtores,
Complexo de Planos de manejo florestal e empresas, e associações de
Tarauacá assistência técnica produtores em diversos elos da
Soar Floresta Juruá Apoio por meio de fomento cadeia do manejo florestal; Estudos
da produção no PAF Havaí de viabilidade técnica para manejo
florestal em áreas isoladas; reforma
de UGAIs;
Tabela 19. Arranjos PPPC de madeira e financiadores em diversos pontos da cadeia produtiva.
239
Total de áreas de planos de manejo protocoladas e
licenciadas no Acre
1.200.000
Área (hectares) 1.000.000
800.000
600.000
400.000
200.000
0
Área total (ha) Área licenciada (ha)
Público 533.403,68 37.094,13
Comunitário 37.970,17 22.573,51
Empresarial 395.321,98 224.166,63
(...) Hoje, o manejo florestal comunitário já supre parte substancial das demandas da
indústria florestal local (...) As comunidades que detém planos de manejo têm suas
240
áreas florestais mais valorizadas e protegidas, além de que parte de seus moradores
e lideranças são capacitados para a atividade florestal. (...) Para aumentar a eficiência
e valorizar o produto florestal acreano, várias iniciativas foram tomadas para permitir
o acesso a novas tecnologias e a matéria-prima legal para o setor industrial. Neste
sentido, vários Polos Moveleiros foram e estão sendo implantados nos principais
municípios do Estado. Os polos são estruturas de referência para o setor moveleiro,
oferecendo serviços especializados, como a manutenção de equipamentos,
capacitação e design (ACRE, 2013f, pp. 47-48)
Madeira bruta,
Madeira bruta, serrada ou afim
serrada ou afim
Compensados e
66.163.35
52.254.6 54.615.4 Compensados e 75.647.50 Laminados
Laminados 1; 46%
93; 48% 18; 51% 0; 53% Madeira
Madeira beneficiada
beneficiada
Figura 38. Exportações de madeira de 1997 a 2014 no Acre, em valor (US$) e peso (kg líquido). Fonte:
Aliceweb, MDIC, 2015.
241
Valor bruto da produção industrial (R$
Fábricas de produtos de madeira e móveis
50 70.000
1000)
20 30.000
20.000
10
10.000
0 0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Figura 39. Fábricas de produtos de madeira e móveis – unidades e produção. Fonte: Pesquisa
Industrial Anual, IBGE, 2015.
Com esses dados podemos concluir que a maior parte da madeira extraída no
estado não é beneficiada. É importante destacar o papel de uma das principais
madeireiras que atuam no Acre, a Laminados Triunfo Amazônia, oriunda do Mato
Grosso do Sul. Esta empresa foi atraída pelos benefícios concedidos pelo governo
estadual e se instalou no Parque Industrial de Rio Branco em 2003. Cerca de 60% da
produção da empresa é exportada, principalmente para a Europa, correspondendo a
70% do PIB de exportação do Acre. (CASTRO; FERNANDES; CARVALHO, 2012).
Outros 30% são destinados aos estados do sul e sudeste do país, ficando apenas 10%
no comercio estadual. Segundo os autores, para garantir matéria-prima, a empresa
adquiriu um total de 7.497 ha no município de Sena Madureira, de onde extrai 40% da
madeira consumida. Outros 30% advêm dos contratos com a COOPERFLORESTA,
25% vem áreas de privadas de fazendeiros e 5% da madeireira Ouro Verde, de Xapuri.
Segundo Inácio da ANAC:
Entre suas metas, o programa de florestas direciona parte dos esforços para
integrar os povos que vivem nas áreas destinadas a exploração florestal através do
Manejo Florestal Comunitário. Ações como facilitar o licenciamento, melhorar
infraestrutura para produção e escoamento e acompanhar os planos de operação
242
anuais (POA) fizeram com que, em 2010, existissem 366 famílias e 41.884 hectares de
planos de manejo em 21 comunidades (ACRE, 2010c).
Segundo dados mais recentes, em 2010 existiam 180 planos de manejo
comunitário no Estado e em 2014 esse número passou para 960 planos e cerca de
180.000 hectares (SCHWARTZMAN, 2015). Abaixo colocamos um mapa elaborado
dentro do contexto do PDSA II do BID, mas que ajuda a ter uma ideia das áreas
destinadas a projetos de manejo comunitário no estado do Acre:
Figura 40. Áreas destinadas a projetos de manejo florestal comunitário no Acre. Fonte:
BAZZANELLA, 2012.
Das áreas de manejo comunitário, pelo menos 22.000 hectares são certificados
com o selo FSC (ACRE, 2013f). Existe um estímulo por parte do governo, inclusive com
subsídios, para que os projetos de manejo comunitários sejam certificados por selos
internacionais como o FSC. É o caso da certificação do primeiro projeto de manejo
comunitário de madeira na Amazônia realizado no Projeto Agroextrativista Chico
Mendes (ANDERSON et. al., 2013).
A certificação FSC serve como uma forma de legitimação, conferindo
supostamente “sustentabilidade ambiental e social” a esse tipo de exploração de
243
madeira e é realizada principalmente pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e
Agrícola (IMAFLORA) nos projetos do Acre. Segundo o Instituto: “a certificação florestal
visa conservar os recursos naturais, proporcionar condições justas de trabalho e
estimular boas relações com a comunidade” (IMAFLORA, s/d apud FAUSTINO;
FURTADO, 2015, p. 30). Porém, por exemplo, moradores do PAE Chico Mendes
criticam o IMAFLORA:
O Imaflora vem aqui. Vocês conhecem, né? Eles estiveram na minha casa. Eles [o
pessoal do Imaflora] vêm entrevistar a gente. Eles são as pessoas que vêm aqui para
corrigir, só que eles não vão para os cantos que é necessário ir. Só vão para os cantos
melhor que tem. Eles perguntaram coisa demais. Por que a senhora vai sair? Não vou
continuar porque não quero derrubar a minha mata. Amanhã, como vou fazer? O
pessoal do Imaflora é tipo o IMAC. O que eles ver aqui eles ficam calados e, aí, eles
vão pra São Paulo. Aí, vem de lá pra cá. Quando chegam lá mandam umas cartas
(Informação verbal, FAUSTINO; FURTADO, 2015, p. 50)
Na tabela abaixo segue a lista de entidades certificadas pelo selo FSC no Acre
em 2012:
244
(...) legitima os monocultivos de eucalipto e o manejo madeireiro na Amazônia,
jogando para os consumidores a responsabilidade de selecionar os produtos
pretensamente produzidos sem causarem agressão à natureza. Além de ampliar
desproporcionalmente o impacto das escolhas individuais, o mito da certificação
ambiental considera o certificador (geralmente uma ONG) como órgão imparcial, não
comprometido com os interesses da indústria. Na prática, é fácil conferir a
inconsistência desse pressuposto. (CM AMAZÕNIA, 2012, p. 11)
Em publicação que analisa a certificação FSC, Freis e Laschefski (2003)
colocam:
245
animais e extrativismo. O “céu de brigadeiro” apontado pelos defensores do manejo, na
realidade, se desenha de outra forma:
246
aponta Araújo (2011), fica restrito à grande indústria de caráter global – e
comercialização. As comunidades participantes na maior parte das vezes, apenas
cedem as áreas que quando inventariadas não podem ser utilizadas para outros fins.
Em trecho de informação verbal recolhido pela Relatoria da Plataforma DHESCA, fica
explícito os conflitos territoriais gerados pelo manejo na Floresta Estadual do Antimary:
Eu tinha 1.600 hectares e hoje tenho 100. Perguntei se podia seringar ao redor e me
falaram que não. Não consigo seringar porque as estradas ficam entupidas. Para ter
renda, vendo refrigerante. Não posso plantar, nem seringar. Vou morrer de fome
depois de velho? Estou há 20 anos aqui (FAUSTINO; FURTADO, 2015, informe
verbal, p. 44)
(...) a maioria desse manejadores lá, eles entraram na onda do manejo lá, a
exploração de madeira, mais pensando no ramal, pra tirar a madeira, vai ter o ramal
(...) e eles acharam que o ramal ia até na porta da casa deles, todos ali iam ter um
ramal dando na porta da casa, e não, e ai a máquina vai lá, o skidder vai lá dentro
pega a madeira e traz por carreador, ai tem uns lá que estão dando a cara, já não
estão aceitando, não querem vender a madeira mais, por que eles não estavam tanto,
nem interessado no valor da madeira, eles queriam mais o ramal (...)
Segundo o estudo conduzido por Medina e Pokorny (2001), quanto mais intensa
a escala de produção do projeto de manejo, mais próximo dos sistemas empresariais
se encontra. Da mesma forma, esses processos de escala mais intensa (como o caso
dos PAE Cachoeira e do PAE Porto Dias) encontram grande similitude com os
processos empresariais no que tange à terceirização das etapas mais tecnificadas. Aqui
podemos dizer que a COOPERFLORESTA age como empresa que terceiriza etapas da
produção (inventário, extração). O trabalho de Segatto (2012) aponta para o
licenciamento de 50 mil m³ por ano em nome da COOPERFLORESTA. Apesar de estar
sob o “manto” do sistema cooperativista, a relação com as famílias “manejadoras” é
bastante limitada, impositiva e, do ponto de vista financeiro, nebulosa (CARVALHO,
2009; NEGRET, 2010).
Mesmo trabalhos defensores do manejo florestal apontam a diversidade de
interesses envolvidos nessa questão. Segundo Alavalapati e Zarin (2005), a
rentabilidade econômica é prioridade para um grupo de interesse articulado ao manejo
247
florestal, que são os concessionários privados. Os autores levantam ainda dois grupos:
i) as comunidade locais e povos indígenas e ii) as ONGs. O primeiro visa garantir a
demarcação de seus territórios, seus direitos tradicionais e de usufruto. O segundo visa
ampliar a área protegida de floresta, articulando criação de unidades de conservação e
pagamento por serviços ambientais. Para isso, segundo os autores:
(...) 90% é prancha, é beneficiamento muito precário, quase tora (...) o cara transforma
uma tora em prancha com uma moto-serra, então não tem nem equipamento, ou seja,
é coisa muito precária, a agregação de valor via beneficiamento da madeira é um
desafio que tem que rolar (...) aqui devido a produtividade da floresta mesmo, a
quantidade mesmo que tu tem lá de madeira, ela não te permite tu vender pranchão
ou tora, ela não te permite fazer isso, por que tu vai ganhar pouquíssimo dinheiro (...)
mesmo no Porto Dias (...) o negócio da agregação, de agregar, de chegar na fruteira,
não chegou nem na mesa, não chegou nem na esquadrilha (...) (informe verbal 76)
76
Entrevista concedida por Écio Rodrigues [ago. 2014] Entrevistador: Diogo Loibel Sandonato.
Rio Branco, 2014.
248
(...) na realidade o polo é ínfimo, se você ver a divisão de matéria prima, o polo é
ínfimo, uma vez que eles trabalharam, fazendo caixilho, mesas, então são as coisas
mais específicas, o grande foco são para os madeireiros, por que a madeireira pega,
ela faz, ela produz todo o material (...) longarinas que falam né e pranchas, essas
coisas e ai exportam, entendeu? (...) o grande mercado mesmo para essas madeiras
são os madeireiros (...) (informe verbal77)
Na teoria, esse tipo de manejo foi concebido para que as próprias comunidades
beneficiassem a madeira, mas isso não ocorre como coloca Dalmo, do ICMBio de
Xapuri:
(...) queria ou não queria, é um manejo comunitário, mas a exploração é industrial, vai
pra indústria né, se fosse comunitário para usar lá, pra serrar lá, ou pra beneficiar ali
mesmo, os cara tirassem ali, cada um tirasse a sua madeirinha, né, botasse lá uma
serrariazinha móvel, marcenaria, enfim, ia agregar valores né (...)
Uma boa tora custa R$ 1.000 e até R$ 3.000. É muito caro. Conseguimos um acordo
num determinado momento inclusive com o governo e o Ministério Público para que
os madeireiros fornecessem o m3 a R$ 400, mas as madeireiras só davam as toras
pequenas, escondiam as toras boas. Ou seja, não funcionou (...) Com tanta
exploração de madeira no Acre, temos dificuldades de conseguir madeira, e a
responsabilidade é do governo (FAUSTINO; FURTADO, 2105, Informação verbal, p.
44)
77
Entrevista concedida por Renato Farias [jul. 2014] Entrevistadores: Luiz Henrique Gomes de
Moura; Diogo Loibel Sandonato. Xapuri, 2014.
249
exportação (EXPLORAÇÃO...2015). Pelas entrevistas que realizamos na RESEX Chico
Mendes e PAE Equador, para as famílias, além do valor irrisório pago, ficam os impactos
negativos nas áreas de floresta como a diminuição da caça, aumento de sub-bosque
com cipós com espinhos que dificultam a coleta de castanha e extração de borracha
entre outros.
Isso também foi observado pela missão da plataforma DHESCA realizada no
Acre para apurar as denúncias de violações de direitos humanos nas diversas políticas
ambientas do Estado. Os impactos sistematizados pela relatoria relatados pelas famílias
são: estão i) a ausência de regularização da propriedade da terra para as comunidades;
ii) redução do território para práticas tradicionais e de subsistência e proibição de formas
de manejo dos agroecossistemas, como a utilização de fogo para abertura/renovação
dos roçados; iii) obstrução das “estradas de seringa”, caminho por onde os seringueiros
chegam às árvores para extrair o látex; iv) baixa remuneração e atraso nos pagamentos;
v) insegurança sobre o futuro da regeneração da floresta; vi) baixa participação da
comunidade na elaboração do inventário e no planejamento do manejo (FAUSTINO;
FURTADO, 2015).
Crítica também existiram nas falas em uma oficina de políticas públicas
promovidas pelo governo:
250
Figura 41. Áreas com manejo florestal “comunitário” dentro no PAE Cachoeira e da RESEX
Chico Mendes, Xapuri, Acre. Fotos: Luiz Henrique Gomes de Moura
Devido a essa proposta não trazer benefícios concretos para quem vive nas
áreas exploradas, não se combate a ilegalidade, algo colocado em outra fala dessa
oficina:
(...) chegou um caba [um homem] meio louco aqui, um engenheiro do CTA que
convidou a Associação para participar do manejo. Então, passamos três dias falando
de manejo. E nos colocaram duas alternativas, ou manejo ou acabar com a nossa
251
[suas] terra por causa das invasões dos madeireiros. O que convenceu a gente foi a
garantia de que a gente ia conseguir vender a madeira. Acreditei tanto, por tanto
tempo, mas, olhando bem, foi uma forma de tirar a tradição do seringueiro. O manejo
é coisa de engenheiro. Seringueiro tira borracha e sabe vender, tira castanha e sabe
vender, mas madeira não. (informação verbal, FAUSTINO; FURTADO, 2015, pp. 48-
49)
Na verdade, o manejo aqui não é comunitário porque a gestão não está na mão da
comunidade. Nenhum dos comunitários tem condição de trabalhar na negociação com
o madeireiro porque vai ser engando. Já tomamos calote e está na justiça. Uma coisa
é um engenheiro chegar lá (no IMAC), outra coisa é eu (informação verbal,
FAUSTINO; FURTADO, 2015, pp. 48-49)
252
debatemos, como piscicultura e manejo florestal, estão pensada ações para apoiar a
cadeia da castanha, basicamente melhorando logística e infraestrutura e para apoiar a
cadeia da borracha com distribuição de materiais para o corte da seringa, subsídios
entre outras ações. Os recursos já definidos e destinados pelo KfW foram quase todos
para estimular a borracha, seja com logística e transporte, materiais ou como subsídios
para produção com 10,1 milhões de reais. Abaixo colocamos uma tabela com as
diversas ações pensadas para o subprograma Territorial Extrativista:
253
Principais produtos do extrativismo no Acre
25000 16000
14000
20000
12000
x(R$ 1.000)
10000
Toneladas
15000
8000
10000 6000
4000
5000
2000
0 0
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Açai (fruto)
Castanha do Brasil
Borracha (látex coagulado e líquido)
Açaí (fruto) - valor da produção
Castanha do Brasil - valor da produção
Borracha (látex coagulado e líquido) - valor da produção
Figura 42. Principais produtos do extrativismo no Acre. Fonte: Produção da Extração Vegetal e
Silvicultura, IBGE, 2015.
Apesar dessa cadeia não ter tido até o momento da presente análise recursos
alocados especificamente pelo programa do REM KfW, ela com certeza é impulsionada
no estado com recursos tanto do PDSA do BID como do BNDES. O programa estadual
de apoio a essa cadeia viabilizou a implantação de usinas, compra de caminhões,
construção de galpões comunitários para armazenar a castanha colhida em pontos de
recolhimento e ainda recebe assistência técnica para melhorar as práticas dos
produtores extrativistas (CEPAL; IPEA; GIZ, 2014).
Como vimos essa cadeia é organizada numa estratégia público “comunitária”
com recursos públicos provindos principalmente do BNDES possibilitaram a
COOPERACRE hoje gerir 3 unidades de beneficiamento de castanha, com capital de
11 milhões de reais, que faz com que o Acre seja o maior processador de castanha para
exportação do Brasil (ANDERSON et. al., 2013; SCHWARTZMAN, 2015). Além do
beneficiamento da castanha, essa central de cooperativas também faz beneficiamento
de polpas de frutas, principalmente o açaí, na maior parte com frutas compradas de
outros estados (SCHWARTZMAN, 2015). É importante destacar que a COOPERACRE
é um importante agente de implementação das políticas estaduais. Além da castanha e
borracha, cadeia que ela tanto é responsável pela logística de recolhimento do látex,
254
como também por pagar os subsídios para a produção que são repassados pelo
governo do estado e federal, ela também tem maquinário utilizado para auxiliar na
implementação das florestas plantadas e abertura de ramais que apoiam inclusive as
atividades de manejo florestal. Já citamos o modelo empresarial da COOPERACRE e
isso é bem importante para entender como ele atua em relação aos seus “cooperados”.
Um dos principais motivos da organização em cooperativas para produção e
comercialização da castanha é para evitar o intermediário chamado de “marreteiro” e
assim garantir um preço melhor na venda para as famílias cooperadas. Mas desde a
falência das cooperativas mais locais com a CAEX e CAPEB e a criação da
COOPERACRE isso não é mais garantido. Em trecho da entrevista com Duda Mendes,
também “cooperado”, quando perguntamos sobre a venda da castanha e qual seria o
benefício da relação com a COOPERACRE ele coloca:
(...) as vezes vende pra marreteiro (...) para COOPERACRE, por que hoje eu não vou
dizer que ela tem muita diferença do marreteiro, a COOPERACRE funciona quase do
mesmo jeito que o marreteiro, com gente marretando aqui dentro (...) então é um
marreteiro um pouco, meio disfarçado né (...)
(...) tinha como objetivo incorporar mais de 3.000 famílias ao programa e elevar a
produção a um patamar acima de 4.000 toneladas/ano. Segundo o relatório, em 2010
o programa envolvia cerca de 1.700 famílias, apesar dos reajustes do subsídio. Desde
o decreto, o estado investiu mais de R$ 11 milhões no pagamento dos subsídios.
(CEPAL; IPEA; GIZ, 2014 p. 49)
Isso sem contar os 10,1 milhões de reais injetados pelo programa REM KfW
nos últimos anos. Ainda segundo relatório da CEPAL (2014), a produção de borracha
do Acre que representava 40% do valor da produção nacional em 2002, em 2011
representava apenas 20% e a produção de borracha nativa está em queda constante.
Como podemos observar na figura 42, apesar da melhora do valor, relativa
principalmente aos subsídios, a produção continua caindo. Segundo a CEPAL, IPEA e
GIZ (2014):
255
apesar dos subsídios e da estrutura de compra de látex por parte da Natex.” (CEPAL;
IPEA; GIZ, 2014, p.49)
(...) a Natex, hoje ela está pegando látex de outros municípios, Rio Branco, de outros
produtores que não são seringueiros, alguns seringais de cultivo que tem, por que o
nativo não está abastecendo 100% (...) no estudo de elaboração do projeto, uma
logística que é viável pra fazer a coleta do látex para ela é em um raio de 100 km,
então ela fica só com o Alto Acre mesmo (...) (informação verbal79)
78 Mais conhecida como Leide Aquino, ela é esposa de Júlio Barbosa de Aquino, liderança
histórica do movimento seringueiro, que já foi prefeito de Xapuri e hoje é Secretário Nacional de
Meio Ambiente do PT. Um ponto relevante de se destacar é que existe um grande poder
acumulado nas mãos de poucas lideranças históricas do movimento seringueiro nessa. O
exemplo disso é que o irmão de Júlio Barbosa, Dionísio Barbosa de Aquino é o presidente da
COOPERFLORESTA e seu filho Sebastião Aquino é o presidente da Associação de Moradores
e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes de Xapuri (AMOPREX), entidade
fundamental para decidir as ações dentro da RESEX CHICO MENDES, visto que é a detentora
dos direitos reais de uso de parte da reserva.
79
Entrevista concedida por Maria Araújo Aquino [jul. 2014] Entrevistadores: Luiz Henrique
Gomes de Moura e Diogo Loibel Sandonato. Xapuri, 2014.
256
comprando o látex de áreas de mais fácil acesso e com maiores escalas de produção,
como por exemplo propriedades com monocultivos que ficam nas margens de estradas
do que promover a logística necessária para o recolhimento do látex em regiões com
ramais ruins no interior da RESEX Chico Mendes. Em trecho de entrevista com Dalmo,
do ICMBio de Xapuri, ele comenta sobre as propriedades fora da reserva que possuem
monocultivos de seringa e vendem para Natex que compra por um preço melhor:
(...) tá o pessoal fora da reserva também, tem essas florestas plantadas, por que está
incentivando essas florestas plantadas também, fora da reserva, principalmente fora
da reserva é isso, o preço que tá vendendo né (...) por que tem muita gente que tem
floresta plantada antiga, de 10, 20 anos atrás, antes dessa coisa, e agora estão
vendendo (...)
(...) Lá na Chico Mendes, com a extração da borracha, a um tempo atrás (...) boa parte
da borracha que usada ali, não sei se tu sabe ela vêm do Mato Grosso e do estado
de São Paulo (...)
257
ver na fachada de uma das indústrias de beneficiamento de castanha da
COOPERACRE em Xapuri na figura abaixo. A cadeia da borracha cumpre um papel
mais retórico do que econômico dentro das perspectivas das “cadeias sustentáveis
prioritárias” pensadas pelo governo, assim como dentro do programa REM do KfW visto
que a extração da borracha nativa nas estradas de seringa continua em constante
declínio.
Figura 43. Usina de beneficiamento de castanha da COOPERACRE em Xapuri. Fonte: Diogo Loibel
Sandonato
4.1.8. Indígenas
258
(FAUSTINO; FURTADO, 2015). Segundo o Coordenador do CIMI que atua na região,
Lindomar Padilha, a situação do Acre é bem conflitiva devido:
(...) desde 2003, nenhuma Terra indígena é demarcada aqui no estado do Acre e
também no entorno, em toda essa região da Amazônia Ocidental, isso tem resultado
em uma série de conflitos que tem, embora esses conflitos sendo negados, e as vezes
omitidos, enfim, mas eles estão acontecendo e cada vez ficando mais acirrados e os
nervos também mais aflorados, então, nós partimos do maior problema que é o
problema do acesso à terra, nós estamos numa realidade em que 85% das terras
estão de posse dos não, verdadeiramente, vamos dizer assim, donos, no caso tem 21
Terras Indígenas ainda por serem demarcadas sem nenhuma providência (...) a
regularização fundiária é um problema gravíssimo na nossa região e isso, daí decorre
uma série de outros problemas que também não são menos graves, daí os conflitos
pela posse da terra, as ameaças, enfim, a uma série de outros fatores que agregam a
essa situação do território (...) (EBC, 2014)
(...) pra se ter uma ideia, em menos de um ano, a liderança indígena que é o cacique
Francisco Jaminawa, já sofreu três atentados, graças a deus, nenhum obteve
sucesso, de leva-lo a óbito, mas fizeram com uma das lideranças indígenas daquele
povo. Concretamente esse povo vive hoje numa área de menos de 2 hectares de terra
sendo que a terra indígena concretamente tem mais de 200 mil hectares de terra,
então eles estão com menos de 2 hectares, é um absurdo, eles não tem acesso nem
a água para beber. Então a terra está totalmente invadida por fazendas e é um
exemplo claro, por que Sena Madureira está a menos de 250 km daqui da capital Rio
Branco, quer dizer, é muito próximo, a cidade de Sena Madureira é muito próxima do
centro de decisões do estado, e no entanto esses povo não tem a menor opção e o
Estado é omisso, pra não dizer conivente até com essa situação gravíssima que esse
povo Jaminawa vive e é um povo absolutamente sem-terra, não tem nenhum tipo de
assistência e a situação dos Jaminawa é um exemplo de tantos outros que nós temos
vivenciado aqui na nossa região lamentavelmente (...) (EBC, 2014).
259
Indígenas (PGTIs) construídos a partir do etnozoneamento, ferramenta implementada
pelo ZEE do Acre. Segundo o governo estadual:
(...) Para promover uma relação mais estreita entre o poder público e os povos
indígenas, foi utilizado o etnozoneamento, conceituado como “um instrumento de
diagnóstico, zoneamento e planejamento dos povos indígenas para a gestão dos seus
territórios, sendo elaborado de forma participativa com o intuito de contribuir com a
autonomia indígena”. (ACRE, 2010c, p. 80)
(...) servirão de base para a assistência técnica e financeira dos subprojetos sobre:
sistemas agroflorestais; práticas agroflorestais sustentáveis para a venda de produtos,
enfatizando o uso de sementes nativas; ampliação da criação de pequenos animais
(galinhas, porcos, etc.), e a construção de pequenos açudes e repovoamento com
espécies nativas de peixes e quelônios em rios e lagos. (...) (ACRE, 2010c, p. 80)
260
que objetivam tornar a criação de peixes uma importante alternativa de renda para as
famílias kaxinawá, a partir de potencialidades da floresta. (EMBRAPA, 2015)
Para que o governo do estado consiga ter essa “relação mais estreita” com os
povos indígenas, foi elaborado uma forma muito eficiente de influenciar as Terras
Indígenas, a formação dos Agentes Agroflorestais Indígenas. Segundo Gavazzi (2012):
Os agentes formados pela CPI-AC e que recebem uma ajuda de custo através
do programa PROACRE do BIRD, tem o objetivo de promover os planos de gestão nas
terras indígenas, articulados com as políticas estaduais pensadas, ou seja, são os
incentivadores das políticas dentro das terras indígenas. Em trecho do relatório da
CEPAL, IPEA e GIZ é citado o caráter de atrelamento como iniciativas do governo
estadual:
(...) Outra frente de atuação do governo estadual era constituída pela busca de apoio
ao desenvolvimento econômico dos povos indígenas, entre outros, pelas iniciativas
de estruturação de uma vertente especifica de assistência técnica e extensão rural
indígena na Seaprof e pelo apoio ao movimento dos chamados agentes agroflorestais
indígenas. Este havia emergido de uma série de cursos de formação inicialmente
realizados pela organização indigenista Comissão Pró-Índio do Acre (CPI), mas, ao
longo dos anos, vem evoluindo para uma consolidação como categoria formalmente
reconhecida e engajada em promover a conservação e o uso sustentável dos recursos
naturais nas terras indígenas. (CEPAL; IPEA; GIZ, 2014, p. 86)
261
Um grande objetivo do programa REM KfW é destinar recursos para políticas
direcionadas aos indígenas, inclusive como uma condição do banco para o pagamento.
Como vimos, dentro da arquitetura do SISA, existe um GT Indígena com o objetivo de
garantir a participação ativa dos povos indígenas na construção do sistema, mas que
na prática é direcionado pelas ONGs que assessoram os indígenas no Acre,
principalmente a CPI-AC e a importante ONG internacional Forest Trends, que inclusive
foi uma das formuladoras, em parceria com o IMC, da publicação “Serviços Ambientais,
incentivos para a sua conservação, SISA: dialogando com os Povos Indígenas” (ACRE,
2013g). Nesse contexto, para aplicar os recursos provindos do KfW, foi elaborado um
“Edital indígena” do SISA dentro desse GT Indígena. Nesse edital que prevê o
investimento de 3 milhões de reais em 2 anos, as propostas foram encaminhadas por
cada associação indígena e deveriam cumprir princípios construídos nesse GT Indígena
dentre os quais estavam o fortalecimento dos PGTIs e dos agentes agroflorestais
indígenas (ACRE, 2014i). Os projetos devem ter por objetivo:
Por tanto, as principais ações custeados pelo programa REM KfW foram
promover a formação e pagamento de Agentes Agroflorestais Indígenas e ações dos
Planos de Gestão Territorial e Ambiental, que até o momento de nossa análise
somavam 5,3 milhões de reais. Em trecho de entrevista, Rodrigo Neves comenta sobre
o aporte de recursos do KfW para indígenas através do edital:
(...) Então desse recurso aqui, tem 1 milhão de reais, pra contração de 200 e alguma
coisa, 250 ou alguma coisa, agentes agroflorestais indígenas. Isso aqui, ele vai lá em
cada comunidade, não é cada nação indígena não, é cada comunidade indígena vai
ter uma pessoa lá pra ajudar eles a desenvolver e implementar os PGTIs. Então ai já
é um exemplo de como as reduções que a gente conseguiu no passado, que é coisa
que a gente vendeu, que a gente transacionou com o KfW, é coisa que já aconteceu,
não é coisa pro futuro, entendeu? É coisa que já aconteceu ou está acontecendo ao
longo de 2014 e 2015. Ingressa recurso em um fundo público e esse fundo público
abre um edital pra contratação de agentes agroflorestais que vai trabalhar em cada
uma das comunidades (...)
262
Aqui novamente os recursos do KfW interagem com recursos de outro programa,
no caso o PROACRE, do BIRD, que também direciona recursos para esses fins e
também parte do recurso do Fundo Amazônia do BNDES.
Dentro da mesma linha de mercantilização e precificação de bens e relações, o
SISA tem a previsão de construir um programa de “incentivo aos conhecimentos
tradicionais” que é voltado principalmente para os povos indígenas. Em trecho de
entrevista, Mônica de Los Rios comenta essa perspectiva:
(...) como a CDSA está com o papel de elaborar, vamos dizer assim, os mecanismos
e as ações, o plano de ação ou o subprograma que vêm a ser do termo indígena (...)
(...) Dentro dos povos tem uma divisão; existem uns que acham o esquema
interessante, e estes estão mais na frente da construção do SISA, e outros que
acreditam que o processo não está bem construído, que é uma resposta capitalista
para um problema causado pelo capitalismo. Estes últimos estão dentro da discussão,
mas não fazem parte do esquema. Tem outra parte que participa ativamente, inclusive
recebendo parte dos créditos (FAUSTINO; FURTADO, 2015, pp. 72-73)
Uma liderança do povo Huni Kui, também citado pelo relatório da plataforma
DHESCA coloca:
(...) O Brasil está violando a Convenção 169, porque os povos indígenas não foram
consultados sobre o REDD e ele está se movendo para a frente. O segundo impacto
263
do REDD é que dividiu os líderes indígenas, que antes estavam unidos em defesa dos
territórios e da Mãe Terra. Um terceiro impacto do REDD é que resultou na cooptação
de alguns líderes, que aceitaram dinheiro e eles nem sequer sabem de onde vem esse
dinheiro e o que significa. Outro impacto é que o governo do Brasil, porque está
abrindo suas portas a este mecanismo de compensação de carbono, é que ele é
evisceração das leis e do quadro legal sobre os direitos dos povos proteger os nossos
direitos aos nossos territórios (KAXINAWÁ, 2014 apud FAUSTINO; FURTADO, 2015,
p. 73)
264
indígenas isolados na fronteira do Brasil com o Peru. Essa construção não teve EIA-
Rima e nem consulta a Funai e ICMBio, além das comunidades e associações
indígenas. A estrada trouxe uma intensificação da exploração ilegal de madeira assim
como caça predatória nas terras indígenas (CIMI, 2015).
O segundo caso é emblemático para demonstrar a profundida do projeto de
“desenvolvimento sustentável” do Acre. Segundo o relatório do CIMI:
(...) Desde a década de 1980 que a Petrobrás vem fazendo pesquisas para identificar
a existência de petróleo na região do Vale do Juruá, no Acre, e do Vale do Javari, no
Amazonas. Desde 2011 o processo de prospecção e extração de petróleo e gás tem
ocorrido sem que tenha sido feita uma consulta prévia às populações indígenas
afetadas, conforme determinam a Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT. O
Ibama isentou a empresa contratada de apresentar o Relatório de Impacto Ambiental
(Rima). Rasgaram a floresta em diversos pontos e foram detonadas toneladas de
dinamites, muito próximo à terra indígena. Um dos blocos comprados pela Petrobrás
(n. 9) fica a apenas 10 km das terras de vários povos, inclusive isolados, na região de
fronteira com o Peru. (CIMI, 2015, p. 63)
(...) Na saúde humana, as cerca de 600 substâncias químicas, entre metais pesados,
radioativos e cancerígenos, têm provocado uma alta incidência de câncer (até 20
vezes mais), morte de animais, alterações de funções sexuais e reprodutivas,
infertilidade e anomalias genéticas entre a população, nas regiões afetadas. (NÃO
FRACKING BRASL, 2015)
265
expectativas de desenvolvimento para região do Vale do Juruá. O problema são as
técnicas utilizadas para a extração do gás, que é a fratura da rocha. (...) É certo o risco
trazido pela injeção dessa água misturada no subsolo, com a possibilidade de se
contaminar os aquíferos. O Alto Juruá é nascente de rios e igarapés que alimentam
simplesmente a maior bacia hidrográfica de água doce de superfície do mundo, a
Bacia Amazônica. A água é a maior riqueza da região. Estudam afirmam que o
Aquífero Juruá é o segundo maior da Região Norte, ficando atrás apenas do aquífero
de Alter do Chão, no Estado do Pará. Estudos recentes confirmam que esse tipo de
exploração prejudica, inclusive, o agronegócio, porque o gado, ao beber água
contaminada, contamina a carne, que é o carro-chefe da economia brasileira.
(DEPOIS...2015)
Outro aspecto importante de ser avaliado sobre o Acre e que tem influência das
políticas ambientais que estão sendo aplicadas no estado desde o início da gestão da
Frente Popular, são alguns índices sociais. Além da questão da redução de
desmatamento, uma das principais justificativas empregada pelo governo para
implementar a maior parte dessas políticas, é a melhoria da condição de vida dos povos
da floresta.
A princípio é necessário ponderar que as concepção usada por muitos relatórios
de índices sociais não necessariamente contemplam os modos de vida dos diferentes
povos que habitam a região. É importante se atentar a questão da construção da
pobreza, muitas vezes influenciada por bancos de desenvolvimento como explicitado
por Arturo Escobar em seu livro “La invención del Tercer Mundo: Construcción y
desconstrucción del desarrollo” (2007) e por João Márcio Mendes Pereira em seu artigo
“O Banco Mundial e a construção político-intelectual do ‘combate à pobreza” (2010).
Segundo o Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), em 2010 existiam 133.410
pessoas na situação de extrema pobreza no Acre, predominantemente na região rural,
a maior taxa da Região Norte, mas utilizando o critério a partir do rendimento familiar
per capita de R$ 70 mensais (CEPAL; IPEA; GIZ, 2014). Existe o perigo de se interpretar
modos de vida que tem pouca mediação por dinheiro como situação de extrema
266
pobreza. Isso inclusive pode ser utilizado de pretexto para introdução de políticas que
geram conflitos territoriais e ferem os modos de vida dessas populações. Esse é o caso
do “Plano Acre Sem Miséria” (PASM) que segundo o relatório da CEPAL, IPEA e GIZ
(2014) tem orçamento de R$ 852,9 milhões provindos de diversas fontes, inclusive o
PROACRE financiado pelo BIRD. Como vimos os Planos de Desenvolvimento
Comunitário (PDCs) são mais orientados a promover as cadeias de interesse do
governo, geralmente direcionando as comunidades a realizar atividades que não
necessariamente dialogam com as necessidades e modos de vida.
Considerando as ressalvas feitas acima sobre as concepções que permeiam
esses índices sociais, iremos considerar alguns deles. Com relação ao Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) que leva em consideração as variáveis
longevidade, educação e renda, temos a seguinte figura abaixo comparando os Estados
que compõe a Amazônia Legal com base nos dados do Atlas Brasil do PNUD (2015):
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
1991 2000 2010
Figura 44. Índice de Desenvolvimento Humano Municipal do Brasil e Estado da Amazônia Legal.
Fonte: Atlas Brasil, PNUD, 2015.
267
O índice de Gini para concentração de renda no estado é de 0,63 também um dos piores
da região norte. Importante destacar que a concentração de renda no Acre praticamente
não se alterou de 1991 até 2010 segundo os mesmo dados (PNUD, 2015)
Abaixo vemos uma tabela com parte dos dados do relatório de Índice de
Progresso Social (IPS) para os Estado da Amazônia Brasileira, do IMAZON (SANTOS
et. al., 2014), que apesar de em parte seguir as mesmas concepções de índices como
IDHM e uma concepção de desenvolvimento questionável, não dá um peso tão grande
para o fator financeiro o que é interessante para nossa análise:
Água e saneamento 21,02 28,42 30,98 42 31,1 33,11 41,82 38,6 36,94
Moradia 80,01 68,95 67,49 58,4 69,39 84,03 76,84 61,99 85,04
Segurança pessoal 50,36 48,11 60,24 44,18 51,92 51,51 53,08 62,28 51,09
Saúde e bem-estar 71,67 68,81 73,89 72,44 72,35 72,64 67,05 68,47 72,92
Sustentabilidade 78,46 81,72 87,24 85,19 77,58 88,95 71,07 66,39 76,16
dos ecossistemas
Tabela 22. Índices de Progresso Social da Amazônia. Fonte: SANTOS et. al., 2014.
268
leitos hospitalares (CEPAL; IPEA; GIZ, 2014). Segundo dados presentes no Atlas Brasil
do PNUD (2015), apesar da melhora de 1991 até 2010, a mortalidade infantil do Acre
ainda era a maior da região norte com o índice de 23,01, bem acima do Brasil com 16,7.
Nos dados da tabela podemos observar que os índices para o Acre de nutrição e
cuidados médicos básicos, o segundo pior, água e saneamento básico, segundo pior e
saúde e bem-estar, terceiro pior, demonstram problema nesse campo.
Segundo dados sistematizados pelo geógrafo Eduardo Girardi com base no
banco de dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da ONG Repórteres Sem
Fronteira e do Ministério do Trabalho e Emprego, entre 2003 e 2012 foram resgatados
109 trabalhados em situação análoga à escravidão ou em situação degradante no Acre,
todos trabalhando em fazendas (CEPAL; IPEA; GIZ, 2014). Vale lembrar que uma das
principais fontes de trabalho escravo no Brasil é a agropecuária realizada em grandes
latifúndios da região Norte, e essa é a principal atividade econômica do Acre. Além
disso, o Acre é o terceiro estado da região norte com maior exploração de mão-de-obra
infantil principalmente em áreas rurais (CEPAL; IPEA; GIZ, 2014).
Como podemos observar por esses dados, as populações do Acre sofrem com
diversos problemas estruturais, que quando articulados com as políticas trazidas, as
tornam ainda mais vulneráveis e os conflitos mais profundos. A missão da relatoria da
Plataforma DHESCA (FAUSTINO; FURTADO, 2015) concluiu em suas averiguações
que os territórios em que projetos de economia verde estão sendo realizados as
populações:
269
tiveram seus pertences destruídos e 380 ameaçadas por pistolagem. Ainda de acordo
com os dados da CPT, a violência contra a população na Amazônia diminuiu mas:
(...) Houve uma redução de 30% no número de pessoas, em relação a 2012. O Acre,
porém, é exceção: o número de conflitos cresceu 33%, com 53 conflitos registrados,
contra 40 em 2012, passando de 16.550 pessoas envolvidas, para 25.193, 52% a
mais. (CPT, 2014, pp. 87-88)
270
pensada a partir do ZEE. A tabela foi feita por Fábio Vaz de Lima, que na época ainda
era subsecretaria da SEDENS:
Tabela 23. Articulação de diferentes investimentos com atividades e regiões no Acre. Fonte:
LIMA, 2014.
271
um potencializador dessas ações (...) esse sistema está, e tem que assim ser, cada
vez mais acoplado a uma base de políticas públicas (...)
(...) A gente fez um segundo contrato com o KfW no qual a gente está propondo gastar
100% com a ponta, que a gente já está estruturando com recurso daqui. Esse modelo
pode ser um modelo completamente diferente com outros, a gente pode, com outros
parceiros, por exemplo. A gente está conversando com algumas empresas que
querem criar uma empresa conjunto com a gente pra fazer reflorestamento, pra
desenvolver toda uma cadeia que possa estar vinculada não só com madeira, mas
com produção de energia, no qual a nossa parcela de sociedade nesse novo
empreendimento é a entrega de créditos de carbono que a gente tenha. Qual vai
ser o benefício? A gente diz, olha, tem que investir tanto com seringueiro, envolvendo
comunidades tradicionais, etc. etc....tem que envolver tantas mil famílias dentro
desse novo projeto. E ai o que que vai acontecer? A gente tem que ter atividades
que gerem, que a economia ande, que tenham sustentabilidade econômica social e
etc. Então nesse caso aqui, qual é o benefício das comunidades? É que elas sejam,
a gente vai moldando novos negócios que não existem hoje e que não existiriam se a
gente não tivesse o sistema e fazendo sempre esse processo inclusivo, oh tem que
colocar, faz parte do contrato que inclua tantas mil famílias, tais tipos de atividades
em tantos territórios e tantos não sei o que (...)
272
(...) Por exemplo a cadeia, vamos supor da borracha, com o recurso do estado, ou
com recurso próprio ou com recurso já captado, a capacidade do governo de apoiar
as famílias nisto é X, com o REDD seria 2X, do setor madeireiro, com recurso do
governo e de outras fontes de financiamento é X, com o REDD seria 2X, então a ideia
é ampliar a nossa capacidade de atendimento, que hoje é baixa, nós temos no setor
rural, 40.000 produtores aproximadamente, dos quais eu posso te dizer que eu
acredito que nem 20% a gente consegue atender diretamente. Então se eu ainda
tenho um passivo bastante grande de atendimento, eu ainda preciso de um volume
de recursos bastante grande, então a ideia com o SISA e com o REDD é aumentar
essa abrangência de atendimento e de incorporação desse passivo que está aqui
dentro dessas cadeias produtivas, por isso que o programa Carbono do estado, ele
não pode ser caracterizado como um projeto de REDD, por que as reduções nesse
nível jurisdicional, elas só se mantem, se cada um desses produtores está inserido
numa cadeia produtiva sustentável que no lugar de promover desmatamento,
ela promove conservação (...)
“(...) Em seus territórios históricos, os povos da floresta são excluídos dos processos
de decisão sobre seus próprios futuros ou, ainda mais grave, são considerados
obstáculos ao desenvolvimento e progresso. Nesse sentido, a política de economia
verde também caracteriza-se por uma maneira de integrá-los ao sistema de produção
e consumo hegemônico.” (FAUSTINO; FURTADO, 2015, p. 103)
(...) o SISA em realidade é assim: nós temos o “bolo” aqui, várias coisas, você falou
da piscicultura, tem o frigorífico, tem outro sistema industrial madeireiro, tem outro
sistema industrial da borracha, sistema industrial dos tacos de madeira, então tem
várias camadas desse “bolo”, que já estão prontas. O SISA é a cereja no bolo (...)
Para operacionalizar esse processo, a CDSA cumpre papel chave. Ela tem
direito por lei de receber parte dos “ativos ambientais” do estado e pode usa-los em
diversos tipos de investimento, como o exemplo que Rodrigo Neves citou acima. Como
coloca Mônica:
273
(...) a tarefa da companhia é a partir das reduções de emissões, ela atrair investidores
de REDD, e usar para as finalidades de construir esse “bolo” aqui, de colocar aliás,
de colocar a cereja nesse bolo (...) ou várias cerejas (...)
(...) Então ela tem no seu papel institucional três grandes eixos, o principal, quer dizer,
os 2 principais de ser uma promotora, provocadora, estimuladora dos negócios
relacionados a serviços ambientais, que estejam promovendo e fortalecendo os
serviços ambientais. Isso significa, pode significar a elaboração de planos de trabalho
com setores ou com áreas territoriais, pode ser participando ou sendo a proponente
de projetos específicos. Ela também tem um outro eixo que é a de gestão dos ativos
ambientais gerados pelos projetos que ela participa, ou gerados no âmbito do
programa jurisdicional do Acre, que é o próprio SISA, e nesse casa o recorte do
programa ISA carbono, que é o primeiro programa criado depois do estabelecimento
da lei (...)
(...) A CDSA também pode ser um atraente coinvestidor para o setor privado por sua
capacidade de desenvolver projetos de REDD+ em terras do estado. Quase 30% das
emissões evitadas estimadas no Acre estão em terras públicas, e as futuras reduções
de emissões criadas nessas terras provavelmente exigirão investimento em planos de
gestão para as comunidades tradicionais e extrativistas que lá residem, fiscalização
ambiental, etc. (CDSA, s/d, p. 18)
274
(...) um agente de desenvolvimento e estabelecimento de diálogo inter-setorial sobre
oportunidades de negócios e de, vamos dizer assim, arranjos de projetos e iniciativas
que possam fazer esse tipo de, digamos de, de estímulo a, comunitários, ou
proprietários privados ou negócios ou empresas, possam estar fazendo isso (...).
Além de atuar como uma ponte para o capital penetrar espaços de mais difícil
acesso direto como unidades de conservação e terras indígenas, ela também atua para
minimizar o risco do investimento privado:
(...) CDSA tem a oportunidade de utilizar os fundos de forma estratégica para reduzir
o risco do investimento privado e comunitário em atividades de REDD+ e LED para
que mais e mais desse investimento seja atraído para essas atividades no Acre ao
longo do tempo, uma vez que os riscos são mais bem conhecidos e podem ser
administrados por meio de diversas ferramentas. (CDSA, s/d, pp.15-16)
Outro ponto importante para entender esse processo é a relação da CDSA com
a ANAC. Como colocado por Alberto na fala sobre a concepção do SISA, ele considera
que o sistema trabalha com produtos e serviços. Quando ele fala do objetivo da criação
da CDSA, comenta sobre os papeis das duas empresas mistas:
(...) a ANAC é esse ser focado para cadeias produtivas de bens, se pensou então na
concepção do SISA que era necessário se pensar em um agente, vamos dizer assim,
de negócios, uma, no caso ai, a companhia, que pudesse estar voltada para as
cadeias produtivas dos serviço, então ai nasce a CDSA, na sua concepção, dados os
modelos de S.A., que é regulamentado em legislação brasileira, então ela nasce com
essa natureza inicialmente de focar essa, vamos dizer assim, sua missão para
trabalhar o que seriam as oportunidades e as possibilidades de promoção desses
serviços ecossistêmicos. (...)
(...) como a gente é sócio e participa das reuniões e dos planejamentos, na verdade é
o seguinte, o recurso que entra na CDSA é fruto de um crédito gerado de carbono,
pra a gente ter esse crédito, o nosso crédito que a gente tem hoje, foi o que a gente
deixou de emitir de carbono (...) então assim, esse é o nosso crédito, então daqui pra
frente, pra gente aumentar os créditos na CDSA (...) a ANAC tem que cada vez mais,
a CDSA identificar que existe por exemplo, um desmatamento ou índice que está
aumentando na região tal, como é que a gente identifica uma outra forma de a
população que está morando ali possa ter uma fonte de renda que diminui essa
275
pressão na floresta, então quando identificou, seja na aldeia indígena, seja qualquer
comunidade rural, ai o papel da ANAC é organizar o comunitário em forma de
cooperativa e ir industrializando né, minimamente, ou se não organizando essa cadeia
produtiva (...)
(...) Além disso, a CDSA pode ser capaz de monetizar seus créditos ecossistêmicos
de maneira mais lucrativa se puder demonstrar que o uso de fundos vai atrair, direta
ou indiretamente, outras fontes privadas de capital. (CDSA, s/d, p. 15)
(...) a gente tem uma parceria com uma ONG que é o “Global Canopy Programme”
que é pra pensar, chamasse “unlocking forest finance”, ou seja, desbloqueando
finanças para florestas, ou seja como você captar recursos para investimento em
cadeias produtivas, que você sabe que a grande questão, o custo de oportunidade
das cadeias produtivas florestais tem menos vantagem hoje, na sua forma
tradicional que as cadeias produtivas não florestais tem, então é o custo de
oportunidade que é uma desvantagem para floresta em pé, a gente tem que
encontrar, estamos buscando formas e arranjo para que esses mecanismos possam
atrair investimentos e que de fato, orientados por princípios de internalizar as
80Interessante notar que nas publicações a respeito do sistema praticamente não se comenta o
papel da ANAC para o funcionamento do SISA.
276
chamadas externalidades, ou seja, de que considerar as variáveis sociais e
ambientais como algo relevante, ainda assim, possam garantir que essas cadeias
produtivas sejam viáveis no mercado, então estamos buscando esses mecanismos.
(...)
277
associativismo, sociobiodiversidade, a água, a preservação de solo, todos esses
elementos dos outros serviços ambientais, eles já estão embutidos (...) A grande
sacada que a gente está tendo que provavelmente vai acontecer é o seguinte: não
tem como rastrear um quilo de boi, é um custo muito grande, não tem como rastrear
uma grama de soja pra saber se ele está protegendo recursos hídricos, se ele está
protegendo as comunidades, etc. etc... (...) Talvez o grande salto que a gente vai ter
é, criar grandes áreas, macrorregiões, no nosso caso um estado inteiro no qual, a
gente embuta todas as políticas públicas de desenvolvimento econômico com controle
social, com redução de emissões, com garantia de proteção das comunidades, e ai
você garanta com que os produtos que sejam dessa região sejam comprados com um
selo completo, incluindo tudo, e não só a questão de carbono.
(...) O projeto político do Governo Estadual desde 1999 procura tornar realidade o
sonho de Chico Mendes e do movimento dos seringueiros, por meio de propostas de
desenvolvimento que melhorem o modo de vida do povo do Estado e, ao mesmo
tempo, permitam o uso sustentável com a valorização da floresta e a sua conservação.
(ACRE, 2010c, p. 74)
(...) Enquanto isso, parte da referência histórica do Acre, da política do MFS e do SISA
é construída também a partir da subjetividade social e do alcance internacional da
278
história de luta dos seringueiros e povos da floresta e das conquistas de políticas
públicas. A imagem de Chico Mendes e os conceitos de povos da floresta e florestania
que emergiram das lutas sociais do Acre fazem, atualmente, parte do discurso público
não só do SISA, mas do que se poderia denominar de “tendência verde” da economia
da floresta do estado. (FAUSTITNO; FURTADO, 2015, p. 102)
279
fraudulenta, um projeto que não é sustentável, que entrega o potencial natural.
(OSMARINO...2011).
Osmarino, que possui uma colocação na RESEX Chico Mendes foi processado,
acusado de danificar unidade de conservação como coloca em trecho de entrevista
concedida a Luiz Azenha para o Viomundo:
(...) eu mesmo estou sendo criminalizado por que eu estava tirando madeira para fazer
uma casa pra mim e uma casa pra minha mãe na colocação onde eu moro, então o
ICMBio chegou e tentou me criminalizar e eu que recorri (...) (VIOMUNDO, 2014)
(...) A criminalização é tática para o governo do estado. Ele atrelou todo o movimento.
Levou os parentes do Chico Mendes, por exemplo, que receberam cargos
comissionados e salários do governo para fazer o comercial do manejo madeireiro,
ficar contra o movimento, e defender o governo. Nós estamos resistindo a isso há
quatro décadas. (SINDISPREV-RS, 2014)
Para você ter uma ideia, eu tenho mil e duzentos hectares de floresta, e as árvores
têm mais de cem anos. Conheço pessoas que estão com noventa anos e ocupam
aquela área muito antes de mim. Eu vivo da castanha, do látex, da caça, dos produtos
que vendo. Não preciso desmatar a área para sobreviver. Se eu vivo de ovos, por que
vou matar a galinha? Sustentabilidade é isso: diversificar a produção de uma região,
fazer ela gerar riqueza, gerar economia sem ameaçar a fonte de renda. Só que o
manejo da madeira e a construção das hidrelétricas estão destruindo a fonte de renda
de muitas pessoas e ameaçando a vida de gerações futuras. (IHU, 2012).
280
pelo crivo da assembleia dos seringueiros. O SNUC tirou esse poder. Hoje, quem
decide é o conselho deliberativo, criado pelas entidades governamentais. (...) hoje, o
Instituo Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), entidade criada pela Marina Silva
para fiscalizar a floresta e as reservas extrativistas, tem criminalizado as lideranças
dos seringueiros, os quais antes podiam colocar um roçado de subsistência, e já não
podem mais queimar o roçado para plantar a lavoura para a própria subsistência. Hoje,
você não pode mais matar uma caça, porque o ICMBio está proibindo. Então, eles
estão criminalizando as lideranças e a população, fazendo terrorismo dentro da
reserva, andando armado. (SINDISPREV-RS, 2014)
O ICMBio chega nas nossas localidades armados, como se nós fossemos bandidos.
Ali só tem pai e mãe de família, que luta diariamente pelo seu sustento e de seus filhos
(AUDIÊNCIA...2015).
281
com muito sacrifício, trabalho para sustentar minha família e acho isso um desrespeito
a nós da zona rural” (VEREADORES...2015).
Devido aos conflitos causados pelo ICMBio, o Sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais de Xapuri lançou nota em 26 de Agosto de 2015, em que coloca:
(...) A Lei de Crimes Ambientais não protege a tradição de manejo do solo dos povos
das florestas. Ao contrário, os coloca no mesmo patamar daqueles que desmatam
sem autorização em busca do lucro. A tradição criminaliza, enquanto o Plano de
Manejo absolve. As Leis Ambientais descaracterizam as comunidades Extrativistas e
Ribeirinhas. (...) Diante desse quadro, o ICMBio, fiscaliza e autua como criminosos
ambientais àqueles que no passado defenderam a floresta com suas próprias vidas.
Abusa do poder de autuar e amedronta moradores. Tais situações, relatadas ao
Sindicato, não se restringem a Resex Chico Mendes, pois existem relatos de
truculência em outras Unidades de Conservação em nossa Federação. (STTR
XAPURI, 2015)
Como vimos, o STTR de Xapuri mantém uma posição crítica ao ICMBio. Outra
liderança histórica que se opõe aos projetos em curso na RESEX e sofre com
desqualificações devido a isso é Dercy Telles, ex-presidente desse sindicato. Entre as
estratégias dos opositores de Dercy, tentam associa-la aos latifundiários locais,
inclusive da família que teve participação no assassinato de Chico Mendes. Em trecho
de entrevista com Duda Mendes ele demonstra essa estratégia de desqualificação:
(...) o órgão que ajudou antes muito e é o pai da história, é o sindicato, mas o sindicato,
ele distorceu o caminho, o sindicato hoje (...) sou filiado, pago, mas não me representa
mais, por que lá é mais pros fazendeiros (...) pessoas que criou problema por causa
de partido A ou partido B, daí começou a dividir né e chegar ao ponto de se virar
mesmo, e ai pra prejudicou muito nós né, por que o sindicato ele é o, pra melhor dizer,
o pai da história desse movimento, mas hoje não representa mais (...) vai ter uma
eleição no sindicato, tu vê só os cara dos fazendeiros lá votando, ela associou os
caras, caras que ajudaram a fazer todos os problemas ai tudo, hoje os cara votam lá
pra montar a diretoria (...) os fazendeiros é os cara que, não foram, não vou dizer que
foi o cara que matou, mas foi ele junto, que se organizaram através da UDR pra pegar,
matar o Chico né (...) filho dos fazendeiro tudo votando (...)
(...) essas políticas só vem a amordaçar a vida dessas pessoas. Elas ficam sem vez
sem voz. Sem voz porque assinam um contrato que é no mínimo de trinta anos.
282
Disponibiliza a área de moradia delas por trinta anos pra que o governo e as
multinacionais pesquisem e se usufruam de todo o conhecimento da área por uma
mixaria que é insignificante. E o mais grave ainda é que elas não podem mais mexer
na área, elas não podem mais pescar, elas não podem mais tirar madeira para seu
uso, elas não podem mais caçar, elas não podem mais nada. Eu tenho acompanhado
o desenvolvimento dessas políticas, inclusive no Pará, que tem situações aonde um
morador foi preso por abater uma árvore pra fazer uma canoa pra pescar. Então, na
minha opinião, essas políticas nada mais é do que o confinamento dessas populações
dentro do seu próprio território, fazendo com que futuramente elas desistam, porque
não faz sentido você viver no meio de uma floresta sem poder usufruir dos bens que
ela te oferece. A vida não faz sentido (...) (CIMI, 2012b, p. 39).
O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, que luta desde de 2006 contra o
projeto do governo do Estado do Acre e das empresas madeireiras, que sob a batuta
do desenvolvimento sustentável planejaram a exploração na Reserva Extrativista
Chico Mendes para exportação, compreendendo que na lógica do capital não existe
sustentabilidade (...) (COMBATE RACISMO AMBIENTAL, 2012).
(...) Os constantes ataques à sede da CPT Acre, seis invasões entre 2011 e 2013,
sendo duas em janeiro de 2013, são consequência das denúncias realizadas sobre
conflitos em áreas de plano de manejo. (CPT, 2014, p. 88)
283
Já em 2013, em nota pública lançada em Janeiro, denuncia:
(...) Na madrugada do dia 20 para o dia 21 de janeiro último, a sede da CPT do Acre
foi invadida. O local foi destelhado e o forro destruído para permitir o acesso às
dependências. Foram roubados computadores, data show, impressoras, máquinas
fotográficas, além de muitos documentos (CPT, 2013a)
(...) Com esses dois últimos episódios, já são seis os casos de invasões na sede da
CPT no Acre nos últimos dois anos. Julgamos importante destacar o fato dessas
invasões à sede terem se intensificado após a CPT denunciar irregularidades em
planos de manejo florestal e ação de fazendeiros e madeireiros no estado do Acre e
sul do Amazonas, questionando o latifúndio e as novas formas de apropriação dos
meios naturais coletivos para transformá-los apenas em capital para alguns (...)
Somadas às recorrentes invasões, ameaças foram direcionadas ao agente pastoral
que atua no município de Boca do Acre (AM), Cosme Capistano da Silva, bem como,
a Maria Darlene Braga Martins, coordenadora da CPT na região (...) Os signatários
acreditam que as ameaças de morte são feitas tendo em vista a atuação da CPT Acre
nas áreas onde há conflito envolvendo seringueiros, pretensos donos das terras,
grileiros, fazendeiros e madeireiros. (CPT, 2013a).
Pela sétima vez a sede da CPT em Rio Branco, Acre, foi invadida nessa madrugada.
É a quarta invasão somente no mês de janeiro desse ano. Em nota divulgada (...), a
CPT Nacional, o CIMI e a Comissão 8 da CNBB, já haviam denunciado esse claro
sinal de coação contra o trabalho da pastoral no estado (...) (CPT, 2013b)
O Conselho Indigenista Missionário (CIMI), por ter uma posição crítica à política
indigenista do governo do Acre e ONGs indigenistas com atuação local é outra entidade
pastoral que já sofreu ameaças e teve sua sede invadida e depredada mais de uma vez.
A sede da pastoral foi atacada em Setembro de 2014 e em nota publicada no dia 24 do
mesmo mês, o CIMI coloca:
284
Em nova nota emitida após a segunda invasão em Outubro de 2014, a pastoral
declara:
(...) o que a gente quer colocar é que fazem isso conosco, estamos em uma instituição
ligada à igreja católica e historicamente é comprometida com o poder nesse país (...)
então se fazem isso conosco que somos de uma instituição forte, historicamente
estruturada como a igreja católica, imagina o que eles não fazem com, nas
comunidades indígenas, nas comunidades ribeirinhas onde esses povos, essas
comunidades não tem a menor assistência, não tem ninguém. Se fazem isso conosco,
imagina o que não fazem com esses povos, então a gravidade ainda é maior nesse
sentido, por que por exemplo do ponto de vista de bens materiais, entendeu, o prejuízo
é mínimo, mas isso nos remete a uma questão política e histórica, o que está em
questão é intimidação dos povos indígenas, a intimidação dos trabalhadores e
trabalhadoras rurais, isso que nós precisamos remeter (...) (EBC, 2014).
(...) da primeira vez, roubaram nossos sistemas de backup dos nossos computadores,
levaram, as nossas informações que estavam contidas nos nossos computadores,
dessa vez levaram alguns documentos e outros foram queimados, inclusive
documentos históricos, ao longo de 40 anos de nossa atuação, nós perdemos muito
material de filmagem, material de fotos, enfim, foram queimados e outros danificados
e outros simplesmente foram levados, então é completamente do ponto de vista
material, é claro, evidente que a gente lamenta por esse aspecto, mas o aspecto mais
importante a se destacar são mesmo as violências contra o processo de construção
de uma sociedade que realmente fosse voltada para os interesses dos povos e
comunidades tradicionais e isso que é o grave, quer dizer, ao nos atingir, na verdade
não estão nos atingindo apenas, estão atingindo a ideia que a gente ajuda, procura
285
ajudar a construir, que é de um povo, de vários povos com autonomia, com sua
liberdade, com seus direitos respeitados, suas terras definidas e os modos de vida
preservado (...) (EBC, 2014).
(...) em um ano, a CPT aqui do Acre foi invadida por 7 vezes (...) é gravíssimo, como
eu volto a dizer, não pelo aspecto da invasão em si, por que isso na verdade é um
atentado contra os direitos dos povos e comunidades tradicionais, ribeirinhos, das
trabalhadoras e trabalhadores rurais, não é possível que em pleno século 21, nós
tenhamos que ter relação com a posse da terra, com a construção de modos de vida
próprios ainda a bala e a fogo e a espada, isso nós não podemos mais assistir em um
estado de direito em que os direitos deveriam ser respeitados (...) (EBC, 2014).
Em uma das falas sistematizadas pela missão da plataforma DHESCA, uma das
lideranças indígenas do Povo Huni Kui também denuncia ameaças sofridas por aqueles
que não compactuam com as políticas propostas no Acre:
286
modelo é celebrado como primor de harmonia entre desenvolvimento econômico e
conservação da floresta, de seus bens naturais e do modo de vida de seus habitantes.
Com forte apoio dos meios de comunicação, de sindicatos, de ONGs promotoras do
capitalismo verde na região amazônica, de bancos multilaterais, de oligarquias locais,
de organizações internacionais, ele é apresentado como “modelo exitoso” a ser
seguido por outras regiões do Brasil e do mundo (CARTA DO ACRE, 2011, p. 1)
(...) Dentre os mecanismos utilizados a fim de legitimar essa ordem de coisas, ganha
destaque a manipulação da figura de Chico Mendes. A crer no que nos apresentam,
deveríamos considerá-lo o patrono do capitalismo verde. Em nome do seringueiro,
defende-se a exploração de petróleo, o monocultivo da cana-de-açúcar, a exploração
madeireira em larga escala e a venda do ar que se respira (CARTA DO ACRE, 2011,
p. 4).
287
Por fim, a Carta explicita quem são os beneficiados por esse tipo de política
ambiental e aponta para as bandeira de luta que permanecem vivas pelos que resistem
a esse tipo de espólio e exploração:
(...) Ante tal quadro, cumpre perguntar o que mais não caberia nesse modelo de
“desenvolvimento sustentável”. Talvez em nenhum outro momento os pecuaristas e
madeireiros tenham encontrado cenário mais favorável. É por essa razão que cremos
necessário e urgente combatê-lo posto que, sob aparência de algo novo e virtuoso,
ele reproduz as velhas e perversas estratégias de dominação e exploração do homem
e da natureza (...) deixamos aqui nossa reivindicação pelo atendimento das seguintes
demandas: reforma agrária, homologação de terras indígenas, investimentos em
agroecologia e economia solidária, autonomia de gestão dos territórios, saúde e
educação para todos, democratização dos meios de comunicação. Em defesa da
Amazônia, da vida, da integridade dos povos e de seus territórios e contra o REDD e
a mercantilização da natureza. Estamos em luta. (CARTA DO ACRE, 2011, p. 4).
Além dessas iniciativa, que deu mais visibilidade para os conflitos territoriais que
estão ocorrendo no Acre, missões promovidas para averiguar violação de direitos
humanos e conflitos também foram realizadas, produzindo importantes informações e
documentos. Ao longo dessa dissertação eu já me referi diversas vezes ao relatório
produzido pela Plataforma DHESCA que teve como objetivo justamente registrar e
denunciar as violações aos diretos humanos cometidas pelas políticas promovidas no
Acre. Especialmente com relação a repressão de quem se opõe as políticas
implementadas, a Relatoria recomenda ao Ministério Público Federal (MPF) que apure
as denúncias de ameaças físicas e psicológicas às lideranças e as coletivos que
denunciam as contradições da política executadas e coloca:
(...) chama atenção as constantes denúncias e os receios dos sujeitos que questionam
os projetos de economia verde de perseguição, tensão e vigilância institucional contra
os grupos críticos a essas políticas. De toda forma, ficou evidente para essa Relatoria
a baixa capacidade dos representantes dos entes públicos de reconhecerem os
problemas e limitações das ações desses órgãos, que é acompanhada da
desqualificação generalizada das críticas e de um notório esforço em construir uma
espécie de “blindagem”, não havendo um esforço de reflexão autocrítica (Relatoria
FAUSTINO; FURTADO, 2014, p. 103)
288
4.4. Novo padrão de conflitividade no Acre: Conflitos territoriais e perda da
autonomia dos povos da floresta
A partir do que foi exposto acima nesse capítulo, podemos destacar algumas
questões que nos levam a creem que atualmente observamos um novo padrão de
conflitividade no Acre. Esse padrão é associado com as novas formas em que se
articulam os momentos de produção do espaço com as formas atuais de
acumulação capitalista.
No início do presente capítulo fizemos um esforço para demonstrar que o debate
sobre desmatamento realizado pela maioria das entidades e organizações envolvidas,
tem influência de setores que participam do bloco hegemônico de poder no Acre, parte
do agronegócio. A formulação das políticas ambientais de comando e controle com
proibições e multas e de incentivos passa por essa questão e vemos aqui como a
dimensão do espaço concebido, com os ordenamentos territoriais, planejamentos,
regulamentações e políticas públicas, influência na produção do espaço atualmente no
Acre. Um claro exemplo disso é a importância estratégia que dados obtidos por
geoprocessamento nas definições de políticas de redução de desmatamento, algo que
faz com o que o Acre fortaleça seu próprio órgão, a UCEGEO. Isso se dá através de
verticalidades, as vezes trazidas por ONGs ou Bancos de escala internacional, que
não dialogam com o espaço vivido dos seringueiros e agricultores familiares, que por
exemplo, tem o fogo como aliado na reprodução das condições de vida, o que também
demonstra uma dimensão epistêmica do conflito. São as ONGs ambientais que são
reconhecidas por conhecer as “boas práticas” a partir do seu conhecimento técnico-
científico. O campo ambiental, hegemonizado por essa concepção técnico-científica
legitima esse processo.
Como debates que o território tem relação com um processo de apropriação e
dominação relacionados uma determinada correlação de forças, podemos afirmar
que conflitos de ordem territorial ocorrem quando a autonomia sobre o território é
enfraquecida, como vimos com relação tanto as proibições de uso de bens (áreas
imobilizadas para manejo de madeira ou créditos de carbono), técnicas (por exemplo
fogo) mas também quando os sujeitos desses territórios sofrem uma ingerência sobre
que cadeias produtivas adotar e são integrados em arranjos em que as decisões não
passam por suas próprias instâncias deliberativas. Podemos observar o que Rosa
Luxemburgo (1981) chamou de guerra contra economia natural, em que a destruição
de formas de reprodução da vida sem a mediação pelo dinheiro são substituídas por
formas que fazem o capital circular, como por exemplo com o pagamento de serviços
ambientais.
289
Quando falamos da imobilização de partes de territórios e a extração de bens
que não geram benefícios para as comunidades que habitam esses espaços, como no
caso do manejo florestal comunitário, estamos falando de um processo de
acumulação por espoliação. Processo este que está articulado com outras formas de
acumulação através do desenvolvimento das cadeias produtivas através das PPPC.
Quando pensamos no arranjo da cadeia do peixe, que envolve desde dinheiro
provindo das reduções de emissões, através do programa REM do KfW, de latifundiários
locais que investem na Peixes da Amazônia S.A., de um banco nacional de
desenvolvimento, o BNDES, para construção de um grade complexo agroindustrial, de
um fundo privado de investimentos, de uma empresa mista com participação do
governo estadual e a integração das comunidades em escala refinada através diversas
associações e pequenas cooperativas organizadas em uma central de cooperativas,
vemos a complexidade e refinamento do processo de acumulação capitalista no Acre.
Aqui a dimensão do espaço percebido demonstra os arranjos de produções e
reprodução que produzem novos espaços capitalistas no Acre. Um processo de
atrelamento da chamada “economia verde” ou setores da “floresta em pé” com a
“economia marrom”, setores da “extração destrutiva”.
O novo padrão de conflitividade se dá por que esse processo é distinto do que
tivemos, principalmente, nas décadas de 70 e 80, em que os conflitos resultavam em
assassinatos e uma espoliação mais explícita com a expulsão de famílias e a derrubada
da floresta. Os conflitos atuais são predominantemente menos explícitos, visto que
muitas vezes as comunidades que são afetadas são integradas nos projetos, como no
caso do manejo florestal comunitário ou piscicultura, e teoricamente estão sendo
beneficiadas com renda e participação nos lucros das empresas.
Temos um processo perverso de quebra da autonomia dos territórios e expansão
do capital que concentra terra e renda, legitimado pela transfiguração do legado da luta
dos movimentos sociais do Acre, em que o uso da imagem de Chico Mendes é o
exemplo mais claro. Ao mesmo tempo, esse processo reprime quem se opõe ao projeto
da Frente Popular e o bloco hegemônico no poder, com desqualificações, ameaças e
criminalização de lideranças, como vimos acima. O espaço concebido por essa
retórica do “desenvolvimento sustentável” está em conflito com o espaço vivido dos
que ainda tentam sustentar as bandeiras dos movimentos sociais e sindicatos da
década de 70 e 80 de defesa das trabalhadoras, trabalhadores e povos da floresta, uma
reforma agrária que contemple esses povos e a defesa da autonomia em seus
territórios.
290
5. CONCLUSÕES – SÍNTESE E APONTAMENTOS
A experiência do Acre é singular no que diz respeito a luta dos povos da floresta
e as conquistas históricas nesse processo. Durante a década de 70 e 80, o estado
passou por intensos conflitos relacionados a política de expansão do agronegócio em
que muitas pessoas foram assassinadas, dentre elas lideranças históricas dos
sindicatos e movimentos sociais como Chico Mendes e Wilson Pinheiro. Mas com uma
resistência organizada e a formulação de táticas de luta como os Empates, o movimento
seringueiro em aliança com outros, como por exemplo os indígenas, conseguiu alterar
a correlação de forças no estado e barrar a expansão do agronegócio sobre seus
territórios e mais, formulou uma nova concepção de reforma agrária, dialogando com o
modo de vida dos seringueiros e demais povos da floresta, a paradigmática ideia de
Reserva Extrativista. Devido a essa incrível luta, praticamente metade do estado foi
destinado a unidades de conservação e terras indígenas.
As RESEX foram institucionalizadas e a partir de então, um maior diálogo com o
Estado e outras organizações, necessário para garantir a viabilização dessas reservas,
gerou novos desafios para o movimento seringueiro no Acre. Ao mesmo tempo, o
processo de expansão do capital fluiu por outros meios, já que a forma “tradicional” de
espoliação e acumulação implementada na Amazônia sofreu um duro golpe no Acre
com a vitória dos povos da floresta. Aqui começa a se desenvolver um novo padrão de
conflitividade no Estado, menos explícito do que o que ocorreu na década de 70 e 80,
com os muitos assassinatos e derrubadas de áreas de floresta para o latifúndio,
caracterizado predominantemente por conflitos relacionados a perda, por parte do
povos da floresta, de autonomia e gestão sobre os territórios.
A aproximação entre os movimentos sociais e sindicatos com ONGs
internacionais no final da década de 80 e início da década de 90, que gerou um processo
de desmobilização através da “cooperação” e “assessoria” as organizações sindicais e
demais instrumentos de luta, articulado a aproximação do campo técnico-científico
estadual e parte da elite local, criou as bases para que no final da década de 90, um
grupo representado pela Frente Popular do Acre chegasse ao governo do estado e a
partir daí hegemonizasse a política. Isso se deve em parte a prioridade dada pelo PT a
via institucional, promovendo uma política de conciliação de classes e uma frente ampla
de alianças (inclusive com o setor dessas ONGs ambientalistas e seus financiadores),
e também contribuiu para a desmobilização do trabalho de base e o enfraquecimentos
das lutas populares, com lideranças passando a compor o governo.
Uma nova correlação de forças vai se desenhando em que os setores populares
perdem muita força. Com o PT, um novo grupo da burguesia interna acreana ascendeu
291
ao poder, não mais o estereótipo do fazendeiro “de bota suja”, mas sim o “moderno
empreendedor” apoiado na ciência e na técnica rumo ao “desenvolvimento sustentável”.
Isso, aliado a maior influência de grandes programas como PPG-7 do BIRD e PDSA do
BID, foi fundamental para entendermos as políticas ambientais que foram formuladas a
partir de então.
A legitimação do projeto implementado pela Frente Popular é feita pelo uso da
imagem de Chico Mendes e da luta socioambiental dos povos da floresta. O discurso
de luta é apropriado e subvertido, num processo de confluência perversa, legitimando o
desenvolvimento do capitalismo no Acre.
O caso acreano é importante de ser analisado até porque o que ali está se
desenhando o foi nas circunstâncias históricas e não que houvesse um projeto prévio
que ali fosse implantado. Não, o que vem sendo posto em prática pelo bloco de poder
que se estrutura formalmente em torno da Frente Popular, é um projeto de controle
social que assimila, por cima, toda a força vinda de baixo criada pelos movimentos
sociais, o que lhes empresta grande legitimidade. Isso articulado a um discurso que
busca afirmar o “desenvolvimento sustentável” onde todos devem ser integrados e
beneficiados no projeto. Não devemos perder de vista que boa parte dessas agenda
técnico-política vem sendo elaborada junto aos organismos multilaterais e por grandes
ONGs nacionais e internacionais que vêm desempenhando um papel orgânico na nova
governança no direcionamento dado pelo projeto de desenvolvimento proposto para o
estado.
Com a formulação do Zoneamento Ecológico-Econômico, primeira grande
política elaborada durante a gestão da Frente Popular, se explicita as alianças que
garantem a hegemonia desse bloco de poder, quando o ordenamento territorial
realizado gera um pacto que destina áreas para os setores do agronegócio e também
para os setores do capital mais associados a exploração dos bens florestais. Isso gera
as condições para que atualmente, as políticas ambientais beneficiem mutuamente
esses setores como vimos com relação a pecuária no estado. O dinheiro provindo dos
créditos de redução de desmatamento e emissões do SISA, são aplicados em um
programa de pecuária “sustentável”. Isso é possível pela forma com que foi pensada a
arquitetura e a distribuição de “incentivos” do sistema.
Esse processo é articulado a um enfraquecimento dos movimentos sociais e
sindicados e integração dos povos da floresta a cadeias produtivas de interesse dos
setores hegemônicos no estado. Algumas das organizações que lutaram primeiro para
conquistar as reservas extrativistas e depois para conseguir realizar um projeto de
autonomia dentro das mesmas, hoje devido a esse processo de fragilização e
confluência perversa e uma falência do “projeto RESEX” daquela época, são
292
mediadoras da penetração das políticas do bloco hegemônico nos territórios,
juntamente com as ONGs ambientais. Muitas comunidades sofrem com a ausência de
amparo do Estado e políticas públicas, não tendo muita opção se não aceitar as políticas
para as quais são direcionadas. Através das Parcerias Público-Privadas-Comunitárias,
arranjos aplicados a diversas cadeias produtivas do estado como madeira, castanha,
borracha, criação de pequenos animais e piscicultura, o bloco hegemônico consegue
direcionar segundo seus interesses, a produção de áreas como assentamento rurais,
terras indígenas e reservas extrativistas, gerando conflitos territoriais e perda de
autonomia das populações que habitam esses territórios. Além disso, uma política
repressiva de órgãos ambientais apoiada por ONGs ambientais proibi o uso do fogo,
fundamental para garantia da soberania alimentar para os povos da floresta. As florestas
se transformam em “ativos ambientais” e os povos da floresta em “provedores de
serviços ecossistêmicos” que devem ser beneficiados através do fortalecimento de
“cadeias produtivas sustentáveis”, integrando-os a grandes projetos agroindustriais
controlados por grandes empresários e latifundiários do estado.
Outro ponto importante é que o Acre implementa esse projeto com base em
muitos empréstimos, parte deles internacionais, como por meio do BID e BIRD, gerando
um grande endividamento do estado, além de grande influência dessas instituições no
ordenamento territorial do estado (SOUZA, 2011). O estado contrai dívidas, investe nas
cadeias produtivas, criando grandes agroindústrias e depois praticamente “doa” para
iniciativa privada o que foi construído com dinheiro desse empréstimos, o que pode ser
visto como mais um processo de acumulação por espoliação.
O SISA tem diversos braços, como um “polvo”, que atingem tanto as
propriedades privadas como também assentamentos, terras indígenas, unidades de
conservação e áreas em disputa. Ele é um elo e catalisador para “desbloquear as
finanças florestais” e gerar um “custo de oportunidade” atrativo, ou seja, mercantilizar e
precificar os bens e interações sociais e ambientais gerando capital que pode ser
investido nas cadeias do agronegócio, através da atuação da CDSA e ANAC, em um
processo que gera espoliação dos bens nos territórios e exploração da força de
trabalhos das comunidades. Aqui a um grande refinamento e perversidade, visto que
esse processo se dá de forma “velada” e reforçada pelo discurso do desenvolvimento
sustentável ou “de baixas emissões” e pela apropriação e desfiguração do que foi o
legado da luta dos povos da floresta.
Do ponto de vista do epistêmico-político, vemos como o corpo técnico das ONGs
de diversas escalas de atuação e do governo do estado deslegitima o saber popular
com projetos de promoção de “boas práticas” para o manejo dos bens da floresta. O
saber técnico-científico com sua promoção de “eficiência” se impõe através de relações
293
de poder numa correlação de forças desigual, enquanto outras formas de produção de
conhecimento são aceitas apenas no discurso mas não na hora de decidir a gestão do
território e dos bens naturais. Outro ponto importante dessa dimensão do conflito é que
o SISA propõe uma redução da vida na sua complexidade a preços e mercadorias que
podem ser comercializadas. A biodiversidade, interações ecológicas e sociais devem
ser traduzidas em “métricas” possíveis de padronizar commodities para os mercados
globais. Uma violência objetiva e simbólica sem tamanho. Como até o momento essas
métricas ainda estão sendo elaboradas, o carbono, que já está mais avançado nesse
processo se transformou em grande referência. Aqui a reflexão de Camila Moreno
(2009) nos ajuda a pensar esse processo quando coloca que o debate sobre mudanças
climáticas e consequentemente a redução de emissões de dióxido de carbono
funcionam como um novo eixo estruturante para uma narrativa moderno-colonial. Ela
coloca:
(...) A cooptação das comunidades e organizações para este projeto é o que defino
como a “catequese do carbono”. Comparável em escala e escopo à entrada das
missões jesuíticas na região amazônica nos séculos XVII e XVIII, atualmente o
universo indígena amazônico, suas formas de vida e suas cosmologias estão sob uma
investida similar à da evangelização cristã e colonial. Através deste evangelho
contemporâneo, além da floresta – visto por seu potencial como sumidouro e estoque
de ‘carbono’ - tem o propósito de criar valores crematísticos e mercados para os
‘serviços ambientais’, e seus respectivos mercados: água, biodiversidade e
conhecimentos tradicionais. Os Povos Indígenas em sua autonomia política, cultural
e espiritual ficam reduzidos a “prestadores de serviços”, “guardiães da floresta” ou
ainda “guardiães do carbono florestal” e assim subjugados como sujeitos políticos.
(MORENO, 2009, p.7)
294
primeiro e segundo, gera uma modernização conservadora do agronegócio,
marcadamente da pecuária extensiva.
Esse processo não ocorre sem resistências e a explicitação dos conflitos. Hoje,
os que discordam da visão do bloco no poder desde 1999 são alijados, quando não
criminalizados, como vimos recentemente com um desses líderes e também com os
atentados sofridos por duas entidades, como a CPT e o CIMI, que sempre estiveram ao
lado dos seringueiros e dos indígenas e que, hoje, mantém independência diante do
governo da frente popular e dos movimentos a ele assimilado.
Uma das principais contribuições dessa pesquisa é demonstrar de maneira
empírica que o modelo proposto pela chamada “economia verde” ou de um
“desenvolvimento com baixas emissões”, ou como aqui apelidamos “floresta em pé”,
não é contraditório, mas sim sinérgico com o modelo da chamada “economia marrom”
ou “extração destrutiva” do agronegócio, mineração, hidroelétricas, obras de
infraestrutura e assim por diante. Hoje, cada vez mais as ONGs ambientais que provem
o “o desenvolvimento sustentável” se aliam explicitamente as empresas do agronegócio.
Um exemplo disso é o “Katoomba Group” uma articulação internacional coordenada
pela ONG Forest Trends. Em um dos seus encontros de 2014, realizado em Foz do
Iguaçu com o tema “desenvolvendo cadeias de fornecimento de commodities
sustentáveis” tivemos a participação ativa de ONGs como Forest Trends, TNC, GTA,
IPAM, IDESAM e empresas como Marfrig Group, McDonald’s, Syngenta, Grupo Amaggi,
Nestlé, Monsanto, JBS, Cargill entre outras.
Mas essa relação nem sempre é explícita o que pode gerar leituras, na nossa
opinião, equivocadas de conjuntura e de potenciais aliados e inimigos. Falamos isso
com base, por exemplo, no caso da Coordinadoria de las Organizaciones Indigenas de
la Cuenca Amazónica (COICA), importante articulação dos povos indígenas da América
Latina, mas que opta por se aliar a um conjunto de ONGs e empresas associadas aos
mecanismos de mercado de carbono e pagamento por serviços ambientais por
avaliarem que esses teriam um projeto distinto dos grandes empreendimentos que estão
ameaçando os povos indígenas em toda América Latina, como as obras de
infraestrutura e monocultivos do agronegócio. A COISA, com assessoria de ONGs como
Forest Trends, EDF, WWF entre outras, elaborou uma proposta de “REDD indígena”, o
qual submeteu como proposta na COP20 em Lima em 2014 e consiste:
(...) propomos o respaldo oficial ao REDD+ Indígena Amazônico (RIA) e seus setes
projetos pilotos em 5 países com mais de 5 milhões de hectares (...) com a aplicação
prática e sustentável de uma busca por formalizar um “REDD+ de benefícios e
mecanismos, muito além do carbono e do mercado”. O RIA baseado nos princípios
de segurança e consolidação territorial, livre determinação, fundos públicos regulados
295
(sem offset), salvaguardas desde começo, integração com adaptação, consulta
vinculante, entre outros. Nós amazônicos, avançamos com uma alternativa própria
dentro do REDD+ aplicando o direito de adequação de políticas públicas
contemplando o Convênio 169 da OIT (REDD+...2014, tradução nossa)
296
capital. Como já colocamos, o capital em sua dinâmica de acumulação, se expande
constantemente, lidando com suas próprias crises, e se apropria sempre de novos áreas
produzindo novos espaços capitalistas. Os mecanismos do SISA que debatemos são
mais uma forma de expansão do capital articulada e potencializando os outros
processos de acumulação. Esse processo gera conflitos territoriais com o ataque aos
modos e condições de reprodução da vida dos povos em seus territórios. É fundamental
manter a perspectiva crítica e combater esse tipo de “proposta”, uma armadilha para as
organizações e territórios como faz por exemplo a articulação da Via Campesina que
considera a “economia verde” uma falsa solução para crise climática.
297
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<https://osmarinofloresta.wordpress.com/2011/11/11/101/>. Acesso em 20 set. 2013.
REDD+ Más allá del Carbono y del Mercado. Pabellón COICA, 20 de out. 2014.
Disponível em: < http://www.cop20.coica.org.ec/index.php/2011-08-04-23-47-02/2014-
10-20-17-24-29/redd-mas-alla-del-carbono> Acesso em 30 de nov. 2015.
ROOSEVELT, A. C.; LIMA DA COSTA, M.; MACHADO, C. L.; MICHAB, M.; MERCIER,
N.; VALLADAS, H.; FEATHERS, J.; BARNETT, W.; IMAZIO DA SILVEIRA, M.;
HENDERSON, A.; SILVA, J.; CHERNOFF, B.; REESE, D. S.; HOLMAN, J. A.; TOTH,
N.; SCHICK, K. Paleoindian cave dwellers in the Amazon: the peopling of the Americas.
Science 272:373-384, 1996.
SÁ, Claudenor Pinho de; OLIVEIRA, Tadario Kemel de; BAYMA, Márcio Muniz A.;
SILVA, Francisco de Assis Correa; MALAVAZI, Fernando Wagner. Análise econômica
do estabelecimento de um sistema Agrossilvipastoril no Acre. In: 51º Congresso
da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, 2013.
SALOMON, Marta. Por milhões de dólares, índios vendem direitos sobre terras da
Amazônia. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 12 mar. 2012. Disponível em:
<http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,por-milhoes-de-dolares-indios-vendem-
direitos-sobre-terras-da-amazonia,846761,0.htm>. Acesso em 20 jul. 2012.
SANTOS, Boaventura de Souza. Para além do Pensamento Abssal: das linhas globais
a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de Souza; MENESES, Maria
Paula (Orgs). Epistemologias do sul. Coimbra: Edições Almedina S.A., 2009, p. 383-
417.
SEGATTO, C.I.; SILVA, F. B.; AZEVEDO, G.G.; ASSREURY, V.B. Manejo sustentável
da madeira no município de Xapuri/AC. Disponível em
<http://gvpesquisa.fgv.br/relatorios-do-projeto-conexao-local> Acesso em 10 fev 2015.
SHAPIRO, MARK. The Carbon Hunters. Frontline, 11 Mai. 2011. Disponível em:
<http://www.pbs.org/frontlineworld/stories/carbonwatch/2010/05/the-carbon-
hunters.html>. Acesso em 23 jul. 2012.
SOUZA, Israel Pereira Dias de. Ambientalismo e geopolítica: da criação das RESEX
aos corredores da espoliação. In: XIV Congresso Brasileiro de Sociologia, Rio de
Janeiro, 23 p., 2009.
ZHOURI, Andréa. Conflitos Sociais e Meio Ambiente Urbano. Série Documenta Eicos
“Comunidade – Meio Ambiente – Desenvolvimento”, Rio de Janeiro, n.17, p.1-8 ,
2007. Disponível
em:<http://www.psicologia.ufrj.br/pos_eicos/pos_eicos/arqanexos/documenta/documen
ta17 artigo4.pdf>. Acesso em 06 jul. 2013.
Fonte: http://terradedireitos.org.br/2009/10/15/carta-de-belem-os-efeitos-das-
mudancas-climaticas-e-a-politica-de-redds/
Fonte: http://terradedireitos.org.br/2011/10/11/carta-do-acre-em-defesa-da-vida-da-
integridade-dos-povos-e-de-seus-territorios-e-contra-o-redd-e-a-mercantilizacao-da-
natureza/
Para o Brasil, as negociações internacionais sobre clima não podem estar focadas no
debate sobre REDD e outros mecanismos de mercado e sim na transição para um novo
modelo de produção, distribuição e consumo, baseado na agroecologia, na economia
solidária e numa matriz energética diversificada e descentralizada, que garantam a
segurança e soberania alimentar.
Nos comprometemos a seguir lutando a partir destas premissas, e para que todo e
qualquer mecanismo de redução do desmatamento esteja inserido em uma visão
abrangente de políticas públicas e fundos públicos e voluntários que viabilizem nossos
direitos e a vida na Amazônia e no planeta.
Assinam:
Fórum BR 163
Fórum Carajás
FUNDO DEMA
Instituto Terrazul
Rede Cerrado
,.
Univ,,rsidade Federal Fluminense
Vimos por meio desta solicitar desta institui9ao as informa96es abaixo relacionadas cujo
e
objetivo contribuir com parte da pesquisa de disserta9ao de mestrado relacionada ao SISA
(Sistema de Incentive aos Servi9os Ambientais) ea rela9ao deste com as comunidades que
vivem em areas beneficiadas pelos recurses captados por esse sistema no estado do Acre,
em especial, os recurses provindos dos contratos com o banco alemao Ktw.
Reforc;amos essa solicitac;ao para fornentar atividade de pesquisa com base na Lei
12.527 de 18 de Novembre de 20·11 (Lei de acesso a informa9ao) conforme o artigos 10 e 7:
Requeremos o prazo de 10 dias para resposta com base nos art. 11, art. 21 e art. 32 da
mesma lei:
Solicito que as informa96es sejam fornecidas ern forrnato digital, quando disponiveis,
conforme estabelece o artigo 11 , § 5° da lei 12.527/2011.
Na eventualidade de as informac;oes solicitadas nao serem fornecidas, requeiro que seja
apontada a razao da negativa bem como, se for o caso, eventual grau de classificac;ao de
sigilo (ultrassecreto, secrete ou reservado), tudo nos termos do artigo 24, § 1° da Lei
12.527/2011.
Atenciosamente
•·
~
Vimos por meio desta solicitar desta institui9ao as informa96es abaixo relacionadas cujo
e
objetivo contribuir com parte da pesquisa de dissertac;ao de mestrado relacionada ao SISA
(Sistema de lncentivo aos Servic;os Ambientais) e a relac;ao deste com as comunidades que
vivem em areas beneficiadas pelos recurses captados por esse sistema no estado do Acre,
em especial, os recurses provindos dos contratos com o banco alemao KfW.
Refor9amos essa solicita9ao para fomentar atividade de pesquisa com base na Lei
12.527 de 18 de Novembre de 2011 (Lei de acesso a informa9ao) conforme o artigos 10 e 7:
Requeremos o prazo de 10 dias para resposta com base nos art. 11, art. 21 e art. 32 da
mesma lei:
Atenciosamente
b,qs~_LS>ibi-~c~{)
Diogo Loibel Sandonato
(68) 99159541
mphsto@gmail.com
Pesquisador do Laborat6rio de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades -
LEMTO
Mestrando em Geografia pelo Programa de P6s-gradua9ao em Geografia da
Universidade Federnl Fluminense
Orientando do Prof. Dr. Carlos Walter Porto-Gon9alves
Vimos por rneio desta solicitar desta institui9ao as informac;oes abaixo relacionadas cujo
e
objetivo contribuir com parte da pesquisa de dissertac;ao de mestrado relacionada ao SISA
(Sistema de )ncentivo aos Servic;os Ambientais) e a rela9ao deste com as comunidades que
vivem em areas beneficiadas pelos recursos captados por esse sistema no estado do Acre,
em especial, os recurses provindos dos contratos com o banco alemao KfW.
Reforc;amos essa solicita9ao para fomentar atividade de pesquisa corn base na Lei
12.527 de 18 de Novembre de 2011 (Lei de acesso a informa9ao) conforme o artigos 10 e 7:
Requeremos o prazo de 10 dias para resposta com base nos art. 11, art. 21 e art. 32 da
mesma lei:
Solicito que as informac;oes sejam fornecidas em formate digital, quando disponfveis,
conforme estabelece o artigo 11, § !5° da lei 12.527/2011.
Na eventualidade de as informat;6es solicitadas nao serem fornecidas, requeiro que seja
apontada a razao da negativa bem como, se for o caso, eventual grau de classificac;ao de
sigilo (ultrassecreto, secrete ou reservado), tudo nos termos do artigo 24, § 1° da Lei
12.527/2011.
Antecipadamente agradecemos pelas informac;oes prestadas e nos colocamos a
disposic;ao deste 6rgao para quaisquer esc!arecirnentos, assirn como nos cornprometemos a
enviar a essa institui9ao os resultados de nossas investiga96es e, assim, afirmarmos o carater
publico das instituk;oes a que estamos vinculados.
Atenciosamente
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Vimos por meio desta solicitar desta instituic;ao as informac;oes abaixo relacionadas cujo
e
objetivo contribuir com parte da pesquisa de dissertac;ao de mestrado relacionada ao SISA
(Sistema de Incentive aos Servic;os Ambientais) e a relac;ao deste com as comunidades que
vivem em areas beneficiadas pelos recurses captados por esse sistema no estado do Acre,
em especial, os recurses provindo dos contratos com o banco alemao KfW.
As informac;6es solicitadas sao as seguintes:
Atenciosamente
Cenário 2 - Não
Ponta Cenário 1 - Alocado Porcentagem Porcentagem
tenho certeza
Madeira 8.008.200,00 17,28 8.008.200,00 12,59
Peixe 14.003.349,00 30,21 22.828.349,00 35,88
Pecuária 4.650.000,00 10,03 4.650.000,00 7,31
Borracha 4.719.000,00 10,18 10.185.344,37 16,01
Indígena 4.937.574,00 10,65 5.315.659,00 8,36
Floresta Plantada 2.608.249,95 5,63 4.908.249,95 7,71
certificação da propriedade 3.726.416,33 8,04 4.026.416,33 6,33
Café e Açai 3.399.754,20 7,33 3.399.754,20 5,34
Outros 300.000,00 0,65 300.000,00 0,47
Total 46.352.543,48 100,00 63.621.972,85 100,00
Cenário 2 - Não
Sistema Cenário 1 - Alocado Porcentagem Porcentagem
tenho certeza
IMC 8.318.000,00 63,83 8.318.000,00 56,85
CDSA 3.383.700,00 25,97 3.383.700,00 23,13
IMAC 700.000,00 5,37 1.400.000,00 9,57
ITERACRE 60.000,00 0,46 60.000,00 0,41
SECOM 250.000,00 1,92 250.000,00 1,71
FUNTAC 199.803,30 1,53 499.803,30 3,42
CPI 120.000,00 0,92 120.000,00 0,82
SEMA 0 - 600.000,00 4,10
Total 13.031.503,30 100,00 14.631.503,30 100,00
Cenário 2 - Não
Cenário 1 - Alocado Porcentagem tenho certeza Porcentagem
Fortalecimento Institucional 13.031.503,30 21,94 14.631.503,30 18,70
Beneficiários 46.352.543,48 78,06 63.621.972,85 81,30
TOTAL 59.384.046,78 100,00 78.253.476,15 100,00
Recursos do Programa REM KfW alocados em fortalecimento institucional
Estrutura
de
Governo contrato nº convênio Entidade Entidade 2 Entidade 2 valor atividade
Consolidar e ampliar o Sistema Estadual de Incentivos a
Serviços Ambientais do Acre (SISA) como mecanismo
IMC I 001/2013 8.318.000,00 inovador de financiamento de serviços ambientais.
Subtotal 8.318.000,00
TOTAL 8.318.000,00
Realização 01 de sobrevoos.
Realização de 05 visita a campo.
Analise do desmatamento no entorno das unidades de
IMAC 010/2013 100.000,00 produção sustentável do SISA
subtotal 5.920.000,00
O referido Termo de Cooperação Técnica tem por objetivo a cooperação
Associações de entre a SEDENS/FEF e as Associações de Moradores das Floresta
moradores das Estaduais acima citadas, para fomentar a comercialização da produção
florestas estaduais de madeira de origem sustentável do Termo de Permissão de Uso
(Antimary e Igarapé 001/2014 do manejo florestal de 1.400 (mil e quatrocentos) hectares de
030/2014 Sossego) 583.200,00 terras integrantes da Floresta Estadual do Antimary- FEA.
Repasse de recursos financeiro, com encargos, destinados a execução das
ações de Fomento a Comercialização, por meio do mecanismo de
032/2014 COOPERFLORESTA 560.000,00 pagamento per capita da produção sustentável.
O presente Termo de Convênio tem por objeto o repasse de recursos
Associação de financeiros, com encargos, destinados as ações de fomento à produção
produtores agrícolas do florestal do PAF Havaí, por meio do mecanismo de pagamento per capita
048/2014 PAF Havaí 615.000,00 da produção sustentável.
TOTAL+incerto 5.315.659,00
1.200 hectares de seringa
400 Unid. Familiares
007/2013 + 220 mil mudas de açaí
Florestas aditivo sem 550 hectares de açaí
plantadas I diário SEAPROF 2.608.249,95 150 famílias beneficiadas
subtotal 2.608.249,95
Subtotal 2.300.000,00
TOTAL 2.608.249,95
TOTAL+incerto 4.908.249,95
I 002/2013 COOPERMOGNO 222.000,00 Apoio para 215 famílias para produção sustentável.
II 018/2014 Pref. De Jordão 250.000,00 Implantação de Roçados Sustentáveis na REXEX Alto Tarauacá
Aquisição de subprodutos de macaxeira (goma) de x produtores
familiares; Uma unida familiar industrial em funcionamento (pagamento
I 009/2014 COOPERBISCOITO 100.000,00 per capita da produção sustentável)
subtotal 722.000,00
Associação Implantação de ações elegíveis visando o desenvolvimento das Cadeias
Agroextrativista Produtivas Prioritárias e a Produção Agro Extrativista Familiar
021/2014 Fortaleza Acreana 250.000,00 Sustentável.
Associação dos
pequenos produtores
agroflorestais da Implantação de ações elegíveis visando o desenvolvimento e
comunidade São fortalecimento das Cadeias Produtivas Prioritárias (Construção Centro de
022/2014 Vicente 400.000,00 Comercialização de Produtos da Floresta).
Associação
Agroextrativista da Implantação de ações elegíveis visando o desenvolvimento das Cadeias
reserva extrativista do Produtivas Prioritárias (Produção Sustentável).Através da implantação de
029/2014 rio liberdade 250.000,00 roçados sustentáveis.
Associação agro- Implantação de ações elegíveis visando o desenvolvimento e
extrativista são fortalecimento das Cadeias Produtivas Prioritárias na Reserva Extrativista
francisco de assis do do Riozinho Liberdade (Construção Centro de Comercialização de
034/2014 riozinho da liberdade 600.000,00 Produtos Agroextrativistas).
Associação OBJETIVO: Implantação de ações elegíveis visando o desenvolvimento e
agroextrativista do Rio fortalecimento das Cadeias Produtivas Prioritárias (Produção
036/2014 Juruá 202.000,00 Sustentável), na Resex do Alto Juruá
Associação OBJETIVO: Implantação de ações elegíveis visando o desenvolvimento e
agroextrativista do Rio fortalecimento das Cadeias Produtivas Prioritárias (Produção
037/2014 Tejo 186.000,00 Sustentável), na Resex do Alto Juruá.
Associação dos
seringueiros e OBJETIVO: Implantação de ações elegíveis visando o desenvolvimento e
agricultores da RESEX fortalecimento das Cadeias Produtivas Prioritárias (Produção
038/2014 Alto Juruá 228.000,00 Sustentável), na Resex do Alto Juruá.
Associação de
moradores do projeto
de assentamento
Envira as margens do
igarapé diabinho e Rio Implantação de ações elegíveis visando o desenvolvimento e
Envira/Projeto Envira fortalecimento das Cadeias Produtivas Prioritárias (Produção Sustentável)
045/2014 União 300.000,00 no Rio Envira.
subtotal 300.000,00
TOTAL 3.726.416,33
TOTAL+incerto 4.026.416,33
Incentivo a Produção Sustentável do Café para pequenos produtores
rurais e extrativistas visando a redução do desmatamento e do uso do
Café e Açai 027/2014 SEPN 447.500,00 fogo.
Incentivo a Produção Sustentável do Café e do Açaí para pequenos
produtores rurais e extrativistas visando a redução do desmatamento e
028/2014 SEAPROF 2.952.254,20 redução do uso do fogo.
subtotal 3.399.754,20
TOTAL 3.399.754,20
Associação agro-
extrativista são
francisco de assis do Implantação de ações elegíveis visando a realização do II Copão da
Outros 041/2014 riozinho da liberdade 300.000,00 Floresta.
subtotal 300.000,00
TOTAL 300.000,00
Fonte: http://terradedireitos.org.br/2011/10/11/carta-do-acre-em-defesa-da-vida-da-
integridade-dos-povos-e-de-seus-territorios-e-contra-o-redd-e-a-mercantilizacao-da-
natureza/
Carta do Acre
5.2. Alberto Tavares (CDSA) – 12 de Maio de 2014 – entrevista realizada por Diogo
Loibel Sandonato. Rio Branco, AC.
5.3. Ricardo Mello (WWF) – 14 de Maio de 2014 – entrevista realizada por Diogo
Loibel Sandonato. Rio Branco, AC.
5.4. Silvio Simione da Silva (UFAC) – 27 de Julho de 2014 – entrevista realizada por
Luiz Henrique Gomes de Moura. Rio Branco, AC.
5.5. Rodrigo Neves (PGE) – 09 de Maio de 2014 – entrevista realizada por Diogo
Loibel Sandonato. Rio Branco, AC.
5.6. Monica Julissa de Los Rios de Leal (IMC) – 16 de Maio de 2014 – entrevista
realizada por Diogo Loibel Sandonato. Rio Branco, AC.
5.8. Diogo Selhorst (IBAMA) – 14 de Agosto de 2014 – entrevista realizada por Diogo
Loibel Sandonato. Rio Branco, AC.
5.9. Antônio Teixeira Mendes (PAE Chico Mendes) – 15 de Julho de 2014 – entrevista
realizada por Luiz Henrique Moura e Diogo Loibel Sandonato. Xapuri, AC.
5.10. Inácio Moreira Neto (ANAC) – 15 de Agosto de 2014 – entrevista realizada por
Diogo Loibel Sandonato. Rio Branco, AC.
5.11. Ronald Polanco (TCE) – 18 de Agosto de 2014 – entrevista realizada por Diogo
Loibel Sandonato. Rio Branco, AC.
5.11. José Fernandes do Rêgo (SAI) – 28 de Agosto de 2014 – entrevista realizada
por Diogo Loibel Sandonato. Rio Branco, AC.
5.12. Dalmo Rufino da Silva (ICMBio) – 16 de Julho de 2014 – entrevista realizada por
Diogo Loibel Sandonato. Xapuri, AC.
5.13. Écio Rodrigues (UFAC) – 21 de Agosto de 2014 – entrevista realizada por Diogo
Loibel Sandonato. Rio Branco, AC.