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Resumo:
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Doutorando em Geografia (IESA/UFG), membro dos grupos de pesquisa Núcleo de Estudos e Pesquisas em Geografia
Agrária e Dinâmicas Terriroriais (NEPAT) e Modos de Produção e Antagonismos Sociais (MPAS). Agradeço à CAPES, ao
CNPq e à UFG pelo apoio à pesquisa.
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Mestrando em Geografia (UFF), membro do Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades
(LEMTO).
Introdução:
Este artigo visa analisar a materialização desta possibilidade de avanço do Capital a partir
do estudo do Sistema de Incentivos dos Serviços Ambientais – SISA – do Acre e sua relação com a
modernização conservadora da agricultura naquele estado, principalmente com foco no Manejo
Florestal Comunitário. Os autores realizaram trabalho de campo, com entrevistas e visitas in loco, e
análise de documentação e bibliografia correlata.
Luta de classes e questão agrária no Acre: breve síntese entre 1980 a 2014
A luta popular dos seringueiros promoveu uma inversão da lógica de apropriação capitalista
construída pelos agentes hegemônicos entre as décadas de 1970 e 1980. Por meio dos empates, e,
posteriormente, pela grande capacidade de articulação política desse segmento da classe
trabalhadora, conseguiu-se reduzir a expansão da pecuária e criar processos fundiários totalmente
inovadores, como as Reservas Extrativistas. Segundo Paula e Silva (2008)
a natureza deixaria de estar subordinada aos interesses imediatos dos capitais
privados e passaria a ser incorporada como um bem público, cuja utilização deveria
levar em conta tanto as demandas sociais das populações da região, quanto as
preocupações mais abrangentes acerca da importância da conservação daquela
paisagem para o planeta (p.88)
Portanto, o histórico do grupo político que estava à frente da Frente Popular do Brasil
possuía proximidade muito maior com os setores ambientalistas e técnicos do que com os
movimentos sociais. Vejamos que, enquanto o movimento dos seringueiros se colocava contrário à
extração de madeira das recém-criadas RESEXs (PAULA, 2005), a FUNTAC, ainda com Jorge
Viana como diretor, desenvolve um projeto pioneiro em parceria com a International Tropical
Timber Organization (ITTO) visando o manejo florestal (ELLER; FUJIWARA, 2006), o que
resultou, ainda em 1988 na criação da Floresta Estadual do Antimary (FEA).
No ano de 2012, sob o primeiro mandato de Tião Viana, ocorreu a fusão da SEF com a
Secretaria de Desenvolvimento Economico, Indústria, Comércio, Serviços, Ciência e Tecnologia
(SEDICT), criando então a Secretaria de Desenvolvimento Florestal, da Indústria, do Comércio e
dos Serviços Sustentáveis (SEDENS). Apesar de apresentada como alteração dos rumos políticos
erguidos ao longo dos dois mandatos de Jorge Viana (1998-2006) e do mandato de Binho Marques
(2007-2010) segundo Humberto e Neto (2012) e por entrevistados durante a pesquisa, nosso
entendimento é distinto.
Ele tem a ambição de abranger o estado como todo, inclusive áreas protegidas federais e
estaduais, assentamentos federais e estaduais e propriedades privadas, por meio de suas políticas,
programas e subprogramas, além das inciativas privadas por meio de projetos individuais que são
pré-registrados e reconhecidos como integrantes do SISA (WWF, 2013). A princípio, foi formulado
como um programa estadual de redução de emissões de gases efeito estufa por desmatamento e
degração (REDD), mas a partir de um processo de revisão e construção que envolveu diversos
atores, mas que tiverem mais peso e influência grandes ONGs ambientais como WWF, Katoomba
Group, IUCN, especialistas em mercados, empresas e bancos, se formulou essa proposta mais
abrangente e ambiciosa (ACRE, 2012).
O SISA possui uma arquitetura complexa, com criação de estruturas, como IMC (Instituto
de Mudanças Climáticas e CDSA (Companhia de Desenvolvimento de Serviços Ambientais), e com
participação de diversas secretarias de estado, principalmente a Secretaria Estadual de
Desenvolvimento Florestal, Indústrias, Comércio e Serviços Sustentáveis (SEDENS), e muitos
atores envolvidos como ONGs, entidades patronais e dos trabalhadores, universidades, bancos
(ACRE, 2010).
Nele se contempla muito mais que um programa relacionado aos mecanismos de mercado de
carbono, presentes programa jurisdicional de Incentivos aos Serviço Ambiental Carbono (programa
ISA Carbono) que é o que está mais desenvolvido, mas também programas relacionados a
biodiversidade, água e recursos hídricos, beleza cênica natural, regulação do clima, conhecimentos
tradicionais e conservação e melhoramento do solo (ACRE, 2010).
As florestas, por si só, são um tema de debate complexo. Desde sua definição, onde a União
Internacional das Organizações de Pesquisa Florestal encontrou 624 distintas definições (LUND,
2002), até sua histórica relação com os seres humanos, esse é um conceito de grande polêmica. A
complexidade aumenta quando, no entanto, trabalha-se com o manejo florestal.
Rigoroso estudo empreendido por Medina e Pokorny (2011), aborda oito diferentes
experiências de manejo florestal comunitário, de pequena e grande escala. A primeira constatação
relevante é que, diferentemente do preconizado, o MFC não desenvolveu o domínio dos
camponeses sobre todo o processo, tendo estes se restringindo a algumas etapas. Embora os projetos
de pequena escala apresentem baixa rentabilidade, é neles que as famílias mais estão envolvidas nas
diversas fases do MFC, desde a delimitação das áreas até o beneficiamento da madeira.
Outra conclusão dos autores é que nenhuma das experiências verificou rentabilidade
econômica frente a outras práticas produtivas tradicionais, como roçados, criação de animais e
extrativismo. O “céu de brigadeiro” apontado pelos defensores do manejo, na realidade, se desenha
de outra forma
Não se coloca na ordem do dia o que o prof. Carlos Walter Porto-Gonçalves chama de
democracia desde abajo, ou seja, a partir dos conhecimentos e capacidades das próprias
comunidades. A histórica conquista dos seringueiros, ao reinventar a reforma agrária na Amazônia
com a criação das RESEXs (PAULA;SILVA, 2008), que abriu os horizontes para uma nova
possibilidade de reconhecimento da relação ser humano-natureza e, ao mesmo tempo, de
subordinação da renda da terra aos interesses coletivos, transformou em calvários dessas
populações. A ordem hegemônica, pautando a emergência de uma crise ambiental mundial,
reconquistou a possibilidade de dominar esses territórios.
O que está se impondo com o MFC é lógica oposta, subsumindo essa produção camponesa à
lógica da indústria de caráter global. A impossibilidade de domínio dos meios de produção por parte
dos camponeses inicia-se já no inventário, onde o cientificismo é dominado por expertos em
estatística e modelagem matemática – e não necessariamente em botânica, sendo a identificação
normalmente destinada a algum camponês local – passando pela extração – não mais com
motosserra e carro-de-boi, mas sim com diferentes tratores de corte e arraste – pelo beneficiamento
– que, como aponta Araújo (2011), fica restrito à grande indústria de caráter global – e
comercialização. É, portanto, a materialização da lógica capitalista, onde a entrada de dinheiro de
um capitalista3 transforma a matéria prima em mercadoria por meio do trabalho (em todas essas
instâncias da cadeia produtiva) e realiza seu lucro ao comercializá-la: a fórmula D-M-D’.
Essa conformação produz uma profunda alteração no modo de vida das famílias. A relação
com a floresta, que anteriormente possuía alto grau daquilo que chamou de metabolismo (FOSTER,
2005), passa a ser simbolicamente e materialmente alterada pela lógica da produção alienada. Como
afirma Aquino (2011), ao se adotar essa forma atual de gestão dos recursos florestais, os
camponeses da floresta tiveram que se adaptar a essa nova maneira de exploração florestal que o
atual sistema exige.
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Embora os primeiros MFCs tenha sido organizados com apoio financeiro do Governo e organismos internacionais, a
pesquisa a campo permitiu identificar que já a agentes privados que iniciam o processo, como o a Cooperfloresta.
Para uma crítica sobre o caráter privado e ausência de processo cooperado nesta empresa, cf. CARVALHO, R.S.
Desenvolvimento, sustentabilidade e manejo madeireiro em comunidades no sudoeste da Amzônia: um olhar para
além da engenharia florestal. Dissertação de mestrado, Departamento de Engenharia florestal/UFLA. 2009.
Segundo o estudo conduzido por Medina e Pokorny (2001), quanto mais intensa a escala de
produção do MFC, mais próximo dos sistemas empresariais se encontram (Tabela 01). Da mesma
forma, esses processos de MFC de escala mais intensa (como o caso dos PAE Cachoeira e de Porto
Dias) encontram grande similitude com os processos empresariais no que tange à terceirização das
etapas mais tecnificadas.
Há, porém, graças ao discurso ambiental hegemônico, uma subordinação destas fases às
terceira e quarta. Esse processo está em sintonia com o exposto por Foster (2012), quando este
demonstra que, no atual estágio do capital monopolista, o centro da acumulação capitalista está nas
últimas fases da realização da mercadoria, o que explica as determinantes estratégias de marketing e
a obsolescência programada.
Portanto, o manejo florestal deve ser encarado, em sua essência, como uma nova alternativa
de acumulação do capital, em territórios que, graças a luta de classes em outros períodos, eram para
ele impenetráveis. Mesmo trabalhos defensores do manejo florestal apontam a diversidade de
interesses envolvidos nessa questão. Segundo Alavalapati e Zarin (2005), a rentabilidade
econômica é prioridade para um grupo de interesse articulado ao manejo florestal, que são os
concessionários privados. Os autores levantam ainda dois grupos: i) as comunidade locais e povos
indígenas e ii) as ONGs. O primeiro visa garantir a demarcação de seus territórios, seus direitos
tradicionais e de usufruto. O segundo visa ampliar a área protegida de floresta, articulando criação
de unidades de conservação e pagamento por serviços ambientais. Para isso, “tentam estabelecer
estratégias nacionais e internacionais para a proteção da biodiversidade, criar planos de uso da
terra e desenvolver mecanismos de mercado para gerar renda por meio de serviços ambientais”
(p.356).
O “ovo da serpente”, como anteriormente citado, foi gestado com o projeto em parceria
entre a ITTO e a FUNTAC. Após anos de gestação, o projeto de manejo da FEA foi posto em
prática em 1999, com financiamento de 1,8 milhões de dólares da ITTO (AQUINO et al., 2011).
Em 2004 o projeto recebeu o selo da Forest Stewardship Council (FSC), sendo que 66 mil hectares
estavam sob manejo florestal empresarial e outros 11 mil hectares sob manejo florestal comunitário.
O mesmo estudo reconhece que a floresta tropical demora entre 140 e 200 anos para se
recuperar das extrações tradicionais, intervalo de tempo que aumenta consideravelmente com
sistemas de exploração industrial, mesmo que de impacto reduzido. Além disso, os autores citam
mudanças importantes no cotidiano, como regime de trabalho organizado pela prática industrial do
manejo, diferente daquele organizado de acordo com a relação com a natureza e com as relações
sociais construídas no território. Esse processo Negret (2010) reconhece como inserido nos marcos
da flexibilização das relações de trabalho.
Além disso, o manejo impõe uma nova relação territorial do campesinato. Apesar de Aquino
et al (2011) afirmar que “as escolhas são coletivas, trabalha-se com base em regimento criado
pelas associações, monitorando as atividades e aplicando sanções aos que não cumprem as
regras(...), o governo e governo e outras instituições são parceiros (...), mas não ditam regras” (p.
115/116), a realidade é distinta. Como exemplo, o primeiro ponto do acordo entre a ITTO e a
FUNTAC com a comunidade é o fim da abertura das áreas de roçado, prática fundamental para a
manutenção da mínima condição camponesa das famílias (p. 125). Torna-se ainda mais evidente o
caráter subordinador dessa medida no momento em que se constata que essas áreas de roçado
significam cerca de 1% do total da FEA (AQUINO et al., 2011).
Finalmente, as conclusões sobre o impacto do manejo na vida das famílias são reveladoras.
A situação de pobreza não se alterou, chegando os autores a sugerirem que “a assistência técnica
poderia ser continuada, ajudando os comunitários na implantação de outras ações, desta forma
minimizando o impacto negativo da adoção da atividade florestal” (AQUINO et al., 2011:113,
grifo nosso). Ao mesmo tempo, a maioria das famílias “manejadoras” não conhecem de fato o que é
o manejo florestal, em uma relação alienada para com o mesmo, como já mencionado
anteriormente.
Há, ainda, a alteração das relações de poder no território, o que, juntamente com as
alterações produtivas, materializa uma nova territorialidade (RAFESTIN, 1993), onde as relações
sociedade-espaço são agora mediadas por uma pequena elite local. No caso particular do Projeto
Agroextrativista (PAE) Cachoeira, referência no êxito do MFC, estudos que defendem esse
mecanismo produtivo (STONE-JOVICICH, 2007; LIMA et al., 2008;) apontam para a
proeminência de um pequeno grupo familiar:
Os membros desse grupo tinham uma forte relação de parentesco e, em geral,
estavam atentos e tinham acesso privilegiado a informações e oportunidades.
Assim, eles tiveram melhores rendimentos e receitas, mesmo com os baixos
volumes de madeira extraídos e receitas abaixo das expectativas. (STONE-
JOVICICH, 2007:28)
Figura 01. Manejo Florestal Comunitário na Resex Chico Mendes a) Pátio de explanada; b) resíduo
da extração das toras de madeira.
Apesar de todos esses problemas, o manejo florestal segue sendo uma das principais apostas
do governo estadual para o dito “desenvolvimento sustentável”. A partir de nossos estudos a campo
e bibliográfico, entendemos que, longe de ser uma ingênua crença neste processo produtivo, ou uma
legítima tentativa de aprimorá-lo como alternativa real, essa definição estatal está fortemente
atrelada aos interesses do capital nacional e internacional organizado no setor de madeiras.
Figura 02. Volume autorizado para exploração madeireira em tora (m³) – 2003 a 2012
Figura 03. Volume autorizado para exploração madeireira em tora (m³), por regional e modalidade,
em 2012
Embora defendamos essa tese de que o MFC cumpre o papel de escamoteador do manejo
florestal empresarial, é errado entende-lo como processo distinto. Ao contrário, os últimos anos tem
demonstrando um profundo grau de integração entre esses processos, todos culminando no
atendimento do mercado internacional de madeiras tropicais.
O trabalho de Segatto (2012) aponta para o licenciamento de 50 mil m³ por ano em nome da
Cooperfloresta. Apesar de estar sob o “manto” do sistema cooperativista, a relação com as famílias
“manejadoras” é bastante limitada, impositiva e, do ponto de vista financeiro, nebuloso
(CARVALHO, 2009; NEGRET, 2010). Segundo Segatto (2012), o valor pago às famílias é de cerca
de R$ 60,00 por m³ de madeira em tora. Em nossas entrevistas com seringueiros da RESEX Chico
Mendes, onde a Cooperfloresta acaba de iniciar o MFC, o valor pago é de R$ 50,00/m³.
Mesmo do ponto de vista especifico da cadeira produtiva da madeira, esse processo não
demonstra deixar saldos positivos para os municípios atingidos. O estudo de Araújo (2011) é
contundente em apontar como o MFC não beneficia o comercio local em Xapuri, uma vez que as
marcenarias da cidade não são beneficiarias dos produtos oriundos do MFC. Essa matéria prima
possui preço proibitivo para essas pequenas empresas familiares, e os produtos dela resultantes
também são de pouca assimilação nas camadas médias e populares da região.
Conclusões
Embora tenha essa dimensão líquida, do capital financeiro, o SISA também se territorializa.
Neste artigo buscamos desenvolver os elementos específicos do manejo florestal, uma das frentes
de atuação do SISA. Há outras frentes, que precisam ser melhor estudadas, como o plantio
comercial de seringueiras, a consolidação da cadeia produtiva da castanha, os mecanismos de
compensação ambiental e de pagamentos de serviços ambientais e a recém-criada cadeia produtiva
do peixe.
Chegou-se à conclusão que as políticas de mercantilização e financeirização da natureza –
tais como sequestro de carbono e pagamentos de serviços ambientais – produzem dois movimentos
distintos de territorialização do capital: i) imobilizam/controlam a gestão dos territórios
camponeses, subordinando o modo de vida camponês às metas de emissão de gases efeito estufa; ii)
modernizam os territórios camponeses a partir de sistemas de integração campesinato-indústria, em
diferentes cadeias produtivas, ao mesmo tempo em que modernizam a tecnologia e os meios de
produção do latifúndio arcaico acreano, fundamentalmente pecuaristas e seringalistas. Esse
processo tem gerado profundos conflitos internos às comunidades camponesas e indígenas e,
fundamentalmente, destas com projetos tanto de imobilização/controle do território, quanto de
expansão do agronegócio e do latifúndio.
Bibliografia