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Revista Zeiki

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EMERGÊNCIA CLIMÁTICA E REFLEXÃO DA PRÁXIS NA


ARQUITETURA E URBANISMO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

CLIMATE EMERGENCY AND REFLECTION OF PRAXIS IN


ARCHITECTURE AND URBANISM: AN EXPERIENCE REPORT

RESUMO
Este artigo apresenta um relato de experiência na disciplina de Técnicas Alternativas da
Construção Civil do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Estado do Mato
Grosso (UNEMAT), ministrada no primeiro semestre de 2023, e aborda a relação entre
mudanças climáticas e os desafios enfrentados na prática e ensino da Arquitetura e Urbanismo.
Com o objetivo de incentivar o engajamento dos discentes nesse debate, foi proposta uma
atividade que consistiu na elaboração de um artigo, em dupla, e foi desenvolvida por meio de
aulas expositivas, debates e assessorias coletivas. Na primeira parte do artigo, é apresentada
uma contextualização histórica dos debates ambientais, tratados em sala de aula, com o objetivo
de evidenciar as complexidades e contradições entre as diferentes perspectivas teóricas
analisadas. A segunda parte consiste em um breve relato do desenvolvimento do artigo pelos
alunos. De maneira geral, percebeu-se ótimos debates e propostas, o que evidencia o interesse
e engajamento dos discentes na atividade, todavia, é importante ressaltar que esta deve ser vista
enquanto um processo contínuo, e não como um fim em si mesma. O aprofundamento e a
reflexão crítica requerem uma percepção de construção em andamento, ou seja, uma práxis em
que crítica e prática se moldam mutualmente e constantemente, fortalecendo o compromisso
ético e ambiental enquanto futuros profissionais e sujeitos políticos.
Palavras-chave: Desenvolvimento Sustentável. Mudanças Climáticas. Ecologia Política.
Ensino de Arquitetura e Urbanismo.

ABSTRACT
This article presents an experience report in the Alternative Techniques in Civil Construction
course in the Architecture and Urbanism program at the State University of Mato Grosso
(UNEMAT), taught in the first semester of 2023, and addresses the relationship between
climate change and the challenges faced in the practice and teaching of Architecture and
Urbanism. In order to encourage student engagement in this debate, an activity was proposed
which consisted of the development of an article in pairs, through lectures, debates, and
collective assessments. In the first part of the article, a historical contextualization of
environmental debates discussed in class is presented, aiming to highlight the complexities and
contradictions among the different theoretical perspectives analyzed. The second part consists
of a brief report on the development of the article by the students. In general, excellent debates
and proposals were noticed, demonstrating the interest and engagement of the students in the
activity. However, it is important to emphasize that this activity should be viewed as an ongoing
process, rather than an end in itself. Deepening and critical reflection require a constant and
mutual molding of theory and practice, strengthening the ethical and environmental
commitment of future professionals and political subjects.
Keywords: Sustainable Development. Climate Change. Political Ecology. Teaching
Architecture and Urbanism.
1 INTRODUÇÃO
Diante do atual contexto global de crises ambientais, sanitárias e sociais, torna-se cada vez mais
necessário o aprofundamento da reflexão sobre o papel do ensino e da prática da Arquitetura e
Urbanismo na construção de cidades mais justas e resilientes, e na democratização e acesso de
moradias dignas e sustentáveis.
A mudança climática é um desafio complexo que gera novas problemáticas e aprofunda outras
já existentes, demandando que a questão ambiental seja transversalizada em todos os debates,
áreas e formações, de maneira coletiva e transdisciplinar, tendo como propósito promover
mudanças estruturais, tanto sociais, quanto materiais. Nesse contexto, a Arquitetura e o
Urbanismo, como parte do campo do ambiente construído, desempenham papel crucial na
superação da reprodução de um modelo de construção que contribui para o desastre ambiental,
além do seu papel político na luta pelo acesso à moradia digna e a construção de cidades
resilientes.
Este artigo surge desta inquietação, e tem por objetivo provocar a reflexão acerca da
necessidade de um aprofundamento da relação entre a questão ambiental e o ensino e prática
da Arquitetura e Urbanismo, por meio do relato de uma atividade realizada no primeiro
semestre de 2023, na disciplina de Técnicas Alternativas da Construção Civil, na Universidade
do Estado do Mato Grosso (UNEMAT), campus Barra do Bugres/MT.
A primeira parte da atividade foi desenvolvida a partir de aulas expositivas, leitura de artigos e
debates em sala acerca de temas que contextualizam o desenvolvimento sustentável e outros
conceitos fundamentais, tais como resiliência, adaptação, mitigação, entre outros que serão
tradados na primeira parte deste artigo. Além disso, foram apresentadas diferentes perspectivas
ambientais, com o objetivo de trazer maior complexidade ao debate e o desenvolvimento da
análise crítica.
A partir das questões levantadas em sala de aula, a segunda etapa consistiu no
desenvolvimento, em dupla, de um artigo que tivesse como tema geral “o papel do(a)
arquiteto(a) no contexto de mudanças climáticas”. Os alunos definiram o que analisariam em
seu artigo, e englobou uma diversidade de assuntos, desde materiais e técnicas alternativas ou
não convencionais como proposta de uma arquitetura sustentável, às questões urbanas, como a
importância da regularização fundiária, plano diretor, plano de resiliência das cidades.
Tratando-se de um relato de experiência, este artigo buscou descrever os principais pontos da
atividade, que incluíram duas aulas expositivas desenvolvidas a partir da revisão bibliográfica
sobre desenvolvimento sustentável, especialmente a partir de Adams (2009) e seu livro “Green
development: environment and sustainability in a developing world”, além de relatórios
produzidos pelo Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) e pelo Painel Brasileiro
de Mudanças Climáticas (PBMC), entre outros. Além disso, foi disponibilizado aos alunos
leituras complementares que deveriam ser feitas antes das aulas, dando suporte a uma melhor
qualidade do debate.
A crise climática impõe desafios significativos para a Arquitetura e Urbanismo, exigindo
formas de projetar, construir edificações e espaços públicos que minimizem o impacto
ambiental. Além disso, é fundamental colocar no centro do debate as desigualdades
socioespaciais, históricas nas cidades brasileiras, tendo como objetivo a qualificação e
adaptação dos diferentes contextos urbanos diante dos efeitos das mudanças climáticas. Dessa
forma, nas considerações finais são tratadas algumas questões a partir da atividade realizada, e
que podem direcionar outros debates acerca do papel social, político e ambiental da Arquitetura
e Urbanismo.

2 BREVE HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MUDANÇAS


CLIMÁTICAS
Apesar do uso do conceito do desenvolvimento sustentável ser relativamente recente, algumas
décadas, a sua gênese é longa, visto que este debate surge em um contexto marcado por um
histórico de eventos e organizações internacionais, além de políticas que pautavam a
preservação do meio ambiente. Desde o fim do século XIX, iniciativas preservacionistas e
conservacionistas surgiram na Europa, Estados Unidos, Austrália, etc.
Dessa forma, na primeira parte, contextualizo brevemente os debates que antecederam o
desenvolvimento sustentável; como o conceito surge e se difunde; e como este é apropriado por
correntes como o ambientalismo de mercado, pela Organização das Nações Unidas (ONU),
além das críticas realizadas pela Ecologia Política, com o intuito de trazer diferentes
perspectivas ao debate.
Com relação às mudanças climáticas, os relatórios mais recentes, produzidos pelo IPCC e
PBMC, trazem considerações específicas para formulação de políticas públicas voltadas às
adaptações e mitigações na escala das cidades e também alertas e recomendações na escala dos
edifícios. Nesse sentido, foram tratados em sala estes dados específicos dos relatórios, que
incidem mais diretamente no campo da Arquitetura e Urbanismo.
Por fim, com os dados das mudanças climáticas, a polissemia da sustentabilidade e as diferentes
formas de compreender os problemas ambientais, foram colocadas algumas questões aos
alunos: Como a Arquitetura e Urbanismo se posiciona? Há apenas uma forma de se posicionar?
A partir do que foi apresentado, qual o conceito de sustentabilidade o seu artigo se apoiará?
2.1 Raízes do Desenvolvimento Sustentável
As relações entre ser humano e natureza são diversas, pois refletem a pluralidade de
cosmovisões das sociedades, grupos e indivíduos. É central este reconhecimento, mas é preciso
enfatizar que, a partir da difusão da modernidade ocidental, foi se consolidando uma forma
hegemônica e antropocêntrica de relação entre sociedade/cultura e natureza, a ideia de domínio
do ser humano sobre a natureza.
Para Latour (1993), a modernidade ocidental se baseou em uma série de dualismos ontológicos,
tais como natureza/cultura, objeto/sujeito, humano/não-humano. Com o avanço da ciência, a
industrialização e as novas tecnologias, a natureza foi apropriada enquanto recurso natural e
econômico, ao mesmo tempo que degradada e explorada de maneira predatória.
Nesse contexto, de uma suposta modernidade com bases no avanço científico e domínio do ser
humano sobre a natureza, surgem, no fim do século XIX, algumas preocupações em relação à
fauna e flora. A partir das iniciativas preservacionistas, diversos parques nacionais foram
criados em diferentes países, como o Parque Yellowstone nos Estados Unidos, criado em 1872.
Além disso, surgiram as organizações voltadas à conservação na Grã-Bretanha - Commons
Open Spaces and Footpaths Preservation Society, Royal Society for the Protection of Birds,
entre outros.
Adams (2009) argumenta que a crescente popularidade da caça representou um risco para a
extinção da fauna e foi um fator central na criação de instituições e organizações dedicadas à
conservação da vida selvagem nessa época. Essa preocupação vinha da elite colonial, que
praticava a caça nas colônias africanas, como atividade social, além disso, esta era importante
economicamente, sobretudo pelo comércio de marfim. À medida que as armas se tornaram mais
comuns e os assentamentos coloniais e as ferrovias avançaram, vastas regiões do sul da África
foram gradativamente esvaziadas de sua vida selvagem.
As instituições conservacionistas pautavam a preservação a partir do poder colonial sobre as
terras africanas, pressionando, na década de 1930, por meio dos relatórios produzidos pelo
recém consolidado International Office for the Protection of Nature (IOPN). Embora haja um
certo foco sobre os países africanos no período entre guerras, concomitantemente ocorrem
pressões internas nos países europeus, com a proposta de parques nacionais.
Na primeira metade do século XX surgem iniciativas de pesquisa científica voltadas à
preservação e eventos nacionais e internacionais relacionados à proteção da natureza, como o I
Congresso Internacional para a Proteção da Natureza em Paris, em 1923. No Brasil, em 1934,
ocorre a Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza, no Rio de Janeiro.
A Conferência brasileira foi patrocinada pelo Governo Provisório de Getúlio Vargas e
organizada pela Sociedade dos Amigos das Árvores. O evento, marcado por uma atmosfera
nacionalista, importava o discurso moderno, principalmente dos Estados Unidos e dos países
europeus, a partir da formulação política baseada no conhecimento científico – sobretudo na
Ecologia1 –, por meio de um Estado forte e capaz de executar as normas que garantissem a
conservação do patrimônio natural brasileiro (FRANCO, 2002).
No começo do mesmo ano da Conferência, foi aprovado, por decreto, o Código Florestal, um
marco na legislação ambiental brasileira. Embora houvesse um consenso sobre a importância
do Código, durante a Conferência foram levantadas preocupações sobre a sua aplicação, e
também algumas proposições, como: campanhas educacionais, com a implementação de
disciplina da silvicultura nas escolas primárias e secundárias brasileiras; a proteção das
paisagens, por meio do resguardo dos sítios pitorescos, entre outras ações.
Tanto no contexto brasileiro, quanto externamente, duas vertentes se difundiam nos debates, a
preservacionista e a conservacionista. De acordo com Franco (2002), enquanto a corrente
conservacionista tinha caráter mais pragmático, de conservação dos recursos naturais a partir
de um uso racional destes, a perspectiva preservacionista focava na sua fruição estética e uma
certa transcendência espiritual proporcionada pela exuberância da natureza selvagem.
Se em um primeiro momento, o debate ambiental foi fortemente influenciado pela ciência
ecológica, a partir das ideias conservacionistas, outro aspecto passou a ganhar foco: o
econômico. Para estes pragmáticos, tratava-se de um recurso natural dotado de valor
econômico, um insumo importante ao desenvolvimento, portanto, deveria ser utilizado de
maneira racional.
Naquele mesmo ano, 1934, também foi promulgado o Código das Águas, que desempenhou
um papel crucial na centralização do poder do Estado sobre os recursos hídricos. Embora tenha
expressado preocupações com a conservação e o uso múltiplo da água, este código adotou uma
abordagem setorial, com destaque para a produção de energia hidroelétrica, considerada a base
para a modernização brasileira (TSUTSUI; EMPINOTTI, 2021).
Dessa forma, fica evidente que o debate ambiental, desde o início, teve caráter político. Seja
através das pesquisas e políticas colonialistas interessadas na conservação da vida selvagem na

1
A Ecologia surgiu no final do século XIX, nos países europeus (Dinamarca, Alemanha e Reino Unido) e nos
Estados Unidos, tendo como foco a descrição e análise da vegetação.
África, pelos europeus, como internamente, a partir de uma certa importação do debate
ambiental no Brasil, de caráter modernizador e científico, além de objeto de propostas
nacionalistas de desenvolvimento econômico e de identidade, por meio da preservação do
patrimônio natural nacional.
3.2 Pós-Segunda Guerra Mundial e as concepções do Desenvolvimento Sustentável
O contexto do pós-guerra, de intensas articulações entre os países, foi propício à difusão do
debate ambiental na segunda metade do século XX. A criação da Organização das Nações
Unidas (ONU) em 1945, o seu braço, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO), e sobretudo o Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA), criado após a Conferência de Estocolmo, em 1972, foram centrais à
circulação do debate do desenvolvimento sustentável.
Desde o fim da guerra e ao longo da década de 1950, as Conferências Gerais da UNESCO
abarcaram o tema da conservação da natureza, com especial atenção aos países africanos –
recém independentes (ADAMS, 2009). A partir da década de 1960, os debates foram
influenciados por algumas publicações importantes, vale destacar a obra “Primavera
silenciosa”, escrito por Rachel Carson em 1962, que alertava sobre os perigos do uso
indiscriminado de agrotóxicos na agricultura, e como isso poderia causar danos irreversíveis ao
meio ambiente e à saúde humana; e em 1968, o livro “Tragédia dos comuns”, de Garret Hardin,
um importante expoente das ideias neomalthusianas que se difundiram nas décadas seguintes.
Embora o debate ambiental tenha um histórico pregresso2, discutido acima, o evento que
marcou globalmente o tema foi a Conferência de Estocolmo, em 1972. A princípio, a motivação
por trás da decisão da ONU em realizar tal conferência, veio dos países industrializados.
Durante o evento, os países em desenvolvimento permaneceram desconfiados das intenções dos
países desenvolvidos, visto que as críticas em relação à poluição gerada pela industrialização
eram interpretadas como uma forma de impedir o desenvolvimento econômico dos países que
ainda estavam em processo de industrialização.
Dessa forma, o tema do desenvolvimento apareceu com frequência no debate. Os princípios
definidos pela ONU (1972) refletiam essa preocupação: o desenvolvimento não deveria ser
prejudicado pela proteção ambiental (Princípio 11), pois o desenvolvimento econômico e social
seria necessário para melhorar o meio ambiente (Princípio 8), sendo o papel do planejamento

2
Em 1968 ocorreu a Conferência da Biosfera em Paris, em muitos aspectos, segundo McCormick (1989 apud
ADAMS, 2009) a Conferência de Estocolmo simplesmente desenvolveu ideias já levantadas nesse evento em
Paris.
racional de resolver os conflitos entre a questão ambiental e o desenvolvimento (Princípio 14).
Para isso, a Declaração de Estocolmo indica o planejamento integrado de desenvolvimento
(Princípio 13) e assistência financeira e tecnológica aos países subdesenvolvidos (Princípio 9).
Esses princípios foram utilizados como uma estratégia para reduzir as desconfianças dos países
subdesenvolvidos e promover uma conciliação entre desenvolvimento econômico e proteção
ambiental.
Embora a Conferência de Estocolmo tenha debatido as interfaces entre desenvolvimento e
preservação do meio ambiente, o termo “desenvolvimento sustentável” se consolidou na década
de 1980, a partir de dois importantes documentos: “Estratégia Mundial para a Conservação”,
publicado em 1981 pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e o Fundo
Mundial para a Vida Selvagem (WWF), com o apoio do PNUMA; e o “Relatório Brundtland”,
mais conhecido como “Nosso Futuro Comum”, elaborado em 1987 pela Comissão Mundial
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU.
O Relatório de Brundtland (WCED, 1987) define o desenvolvimento sustentável como o
desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das
gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades. Atenta que uma sociedade em
que a pobreza e a desigualdade são persistentes está sempre vulnerável a crises, entre elas, a
crise ecológica. Para atingir esse objetivo, é fundamental garantir que as necessidades básicas
de todos sejam atendidas e que todos tenham a oportunidade de buscar uma vida melhor e
realizar suas aspirações.
O conceito de sustentabilidade surge em um contexto marcado por um processo histórico de
integração econômica, social e cultural em escala global, impulsionado principalmente pelas
transformações no sistema produtivo e pelas inovações tecnológicas. A globalização, um
processo complexo e contraditório, associada e impulsionada pelo neoliberalismo, é o contexto
em que surge a sustentabilidade, segundo Leff (1998), indicando um limite e orientando a
mudança de rumo no processo civilizatório. Para o autor, a sustentabilidade ecológica se
apresenta como um critério normativo para reconstruir a ordem econômica, uma condição
essencial para a sobrevivência humana e um suporte para alcançar um desenvolvimento
durável, ao mesmo tempo em que se problematizam as próprias bases da produção.
O conceito foi amplamente difundido na Conferência Rio 92, além disso, o evento foi marcado
por um crescente consenso científico das mudanças climáticas, pelos dados observados na
década de 1980, a partir do primeiro relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do
Clima (IPCC), publicado em 1990.
Atualmente, o entendimento mais difundido sobre o desenvolvimento sustentável se baseia no
plano conhecido como “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, criado em 2015
pela ONU, que propõe 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS): 1) Erradicação
da pobreza; 2) Fome zero; 3) Boa saúde e bem-estar; 4) Educação de qualidade; 5) Igualdade
de gênero; 6) Água limpa e saneamento; 7) Energia acessível e limpa; 8) Emprego digno e
crescimento econômico; 9) Indústria, inovação e infraestrutura; 10) Redução das desigualdades;
11) Cidades e comunidades sustentáveis; 12) Consumo e produção responsáveis; 13) Combate
às alterações climáticas; 14) Vida debaixo d’água; 15) Vida sobre a terra; 16) Paz, justiça e
instituições fortes; 17) Parcerias em prol das metas.
Embora os discursos soem alinhados, é fundamental apontar que não há um consenso sobre a
sustentabilidade, trata-se de um discurso em disputa (SUGAHARA; RODRIGUES. 2019). De
acordo com Veiga (2010), a sustentabilidade tem raízes nas reflexões de duas disciplinas: na
ecologia, embasada em pesquisas sobre a capacidade de resiliência e equilíbrio dos
ecossistemas; e na economia, acompanhada da expressão "desenvolvimento sustentável", que
questiona o atual padrão de produção e consumo. No segundo caso, na economia, existem
múltiplas divergências entre as correntes teóricas, assim como nas mais diversas perspectivas
que foram surgindo ao longo da difusão do debate nas demais áreas do conhecimento.
Para o ambientalismo de mercado, as tentativas do Estado em criar normas sobre o uso de
recursos são ineficientes, baseados na obra “Tragédia dos Comuns”, essa visão neoliberal
defende que os recursos coletivos são propensos à superexploração e degradação, enquanto
recursos privados são gerenciados de maneira eficiente, portanto, melhor conservados. Propõe
uma sustentabilidade intermediada pelas forças do mercado, pois, para estes, quanto mais
mercantilizada a natureza e, portanto, uma precificação dos bens e serviços ambientais, maior
seria a eficiência da gestão ambiental (ADAMS, 2009).
Essa perspectiva foi largamente difundida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco
Mundial (BM) que influenciaram os Estados Nacionais à privatização dos seus recursos
naturais, agências, infraestruturas, etc. especialmente nos países periféricos, sob o argumento
do ajuste estrutural.
Embora as propostas de sustentabilidade da ONU teçam críticas ao modelo de desenvolvimento
vigente, ela não se propõe disruptiva à lógica capitalista industrial, destarte foi denominado por
Jatobá, Cidade e Vargas (2009) como ambientalismo moderado, e como Desenvolvimento
Sustentável Mainstream3 por Adams (2009).
Já as perspectivas críticas fizeram inúmeros contrapontos à essas propostas conciliatórias entre
sustentabilidade e o desenvolvimento. A Ecologia Política, por exemplo, contesta as
interpretações neomalthusianas sobre os problemas ambientais, pois o problema não teria
origem no crescimento populacional em si, mas nas desigualdades sociais que estruturam as
sociedades, pois os custos e benefícios do desenvolvimento são distribuídos de maneira
desigual.
Um ponto central é que para os ecologistas políticos as condições ambientais ou ecológicas são
compreendidas como resultados de processos políticos e sociais conectados em diversas
escalas, desde o local ao global (BRYANT; BAILEY, 1997). “Todas as relações entre o
ambiente e as pessoas são políticas, assim como todo desenvolvimento é ideológico” (ADAMS,
2009, p. 227, tradução nossa), portanto, o desenvolvimento é produto das relações de poder, e
precisa ser compreendido não como consenso, mas como um discurso e prática ideológica.
Para Lipietz (2002), do ponto de vista do interesse coletivo, é preciso esclarecer as vantagens
da sustentabilidade por meio de um intenso debate ideológico e cultural, fazendo progredir os
valores e normas da ecologia. “Para além da política e de seus conteúdos, é a instância política,
seu campo e seus métodos, que deve ser reconstruída” (p. 7). Trata-se de um pensar a política
na instância do local ao global, e do global ao local, ou seja, “pensar globalmente e agir
localmente”, assim como “pensar localmente e agir globalmente” (Ibid., p. 7).
Destarte, esta breve contextualização do desenvolvimento sustentável foi trabalhada em sala de
aula com o objetivo de demonstrar aos alunos, a partir de uma perspectiva histórica dos debates
ambientais, a sua complexidade e contradições, ou seja, de que não há um único entendimento
da questão! Outro ponto essencial foi desnudar a relação imbricada entre a questão ambiental e
as relações de poder e política, para que além de uma reprodução discursiva, possamos situar e
nos posicionar nas pesquisas acadêmicas e nas práticas profissionais.
3.3 Mudanças Climáticas e os relatórios do clima
Nesta parte da atividade, foram trabalhados com os alunos alguns dos principais conceitos em
relação às mudanças climáticas, como resiliência, adaptação e mitigação, vulnerabilidade e
risco. Além disso, foram utilizados os dados extraídos dos relatórios produzidos pelo IPCC
(2023) e pelo PBMC (2016), entre outros materiais.

3
Corrente Principal do Desenvolvimento Sustentável (tradução nossa).
As análises dos relatórios do clima focaram nos dados relacionados à Arquitetura e Urbanismo,
como o gasto de energia nas construções, o uso de recursos hídricos, a geração de resíduos
sólidos, a contribuição do setor da construção e da produção de cimento para o efeito estufa, e
as principais patologias nos materiais, como o concreto, devido a maior frequência de variações
de temperatura. Foram analisados os efeitos na escala da cidade, como as ilhas de calor,
inundações e deslizamentos de terra decorrentes das chuvas torrenciais, escassez hídrica e
precariedade das moradias.
Estes dados evidenciam que, caso não haja mudanças estruturais, as mudanças climáticas
tendem a afetar, com maior intensidade, os mais pobres e vulneráveis, que habitam as áreas de
riscos e têm menos recursos e ferramentas para lidar com as consequências das alterações do
clima, ou seja, a condição social incide diretamente na capacidade de resiliência.

3 O DESENVOLVIMENTO DO ARTIGO
A práxis, a partir de Paulo Freire (CARVALHO; PIO, 2017), significa uma prática pedagógica
que considera a experiência dos alunos, suas histórias de vida e suas realidades, e os estimula a
refletir criticamente sobre elas, a fim de transformá-las e construir uma nova realidade. É um
processo que envolve a participação ativa dos alunos na construção do conhecimento.
Dessa forma, partir das aulas expositivas, dos debates em sala, os alunos decidiram, em dupla,
os temas que trabalhariam, tendo como assunto “o papel do arquiteto(a) no contexto de
mudanças climáticas”. Os temas e os objetos de pesquisa foram definidos a partir dos interesses
dos alunos, e abrangeram: habitações autoproduzidas em áreas de risco em Petrópolis/RJ;
estudo de caso da casa do Kdu, localizado em uma favela de Belo Horizonte; o Plano Diretor e
o seu papel em relação às mudanças climáticas; análise do Programa João Pessoa Sustentável;
resiliência, mitigação e adaptação no contexto da Arquitetura e Urbanismo; dois artigos
trataram sobre materiais não convencionais da construção civil, sendo um com foco no adobe
e outro na arquitetura vernacular; ainda na área de materiais, um artigo trabalhou com o uso de
fungos na construção; e, por fim, um artigo analisou as certificações ambientais na construção
civil.
A pluralidade de temas reflete a diversidade de interesses e a própria abrangência de conteúdo
no curso de Arquitetura e Urbanismo, desde assuntos como os materiais de construção, aos
debates políticos, envolvendo o planejamento e gestão das cidades.
Ao longo de três encontros, as assessorias ocorreram de maneira coletiva. Cada dupla
apresentava o andamento da pesquisa, apontando as dúvidas e reflexões aos colegas e ao
professor, gerando debates e sugestões dos que estavam presentes. A escolha da assessoria
coletiva contribuiu para que os alunos conhecessem o trabalho de todos, assim como agregar a
partir do seu conhecimento empírico e/ou teórico, tirar dúvidas que eram comuns aos demais,
e levantar suas inquietações acerca dos temas.
As principais dificuldades estavam relacionadas mais à forma do que ao conteúdo. Uma parte
dos alunos tiveram dificuldade com a estruturação do artigo acadêmico, embora já tivessem
cursado a disciplina que trata de metodologia de pesquisa. Outro entrave foi em relação à escrita
científica, que é um processo que envolve preparo, por exemplo, de leitura. Ficou evidente a
importância de, no curso de Arquitetura e Urbanismo, estimularmos mais a leitura de artigos e
livros, dando as bases para o aluno no processo da escrita e pesquisa.
Em relação ao posicionamento teórico, dos nove artigos, seis se basearam nos debates do
ambientalismo moderado, sobretudo nas concepções propostas pela ONU sobre
desenvolvimento sustentável e mudanças climáticas; dois se alinharam mais à perspectiva do
ambientalismo de mercado, embora, um destes, tenha feito ressalvas e críticas ao longo de sua
análise; e apenas um artigo trouxe uma leitura a partir da perspectiva crítica da Ecologia
Política.
De modo geral, notou-se ótimos debates e ideias, mas que demandariam mais tempo para
aprofundá-los, especialmente as críticas. A construção de repertório e de reflexão crítica é um
processo e que deve ser encarado de modo contínuo, portanto, foi fundamental levar em
consideração a atividade não como um produto final, mas como o ponto inicial para novos
debates, o amadurecimento das ideias, sobretudo repensar a prática e ensino da Arquitetura e
Urbanismo a partir dos desafios postos pelas crises ecológicas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O debate ambiental, historicamente, constituiu-se como um campo interdisciplinar. A
Arquitetura e Urbanismo precisa estar, cada vez mais, presente nestes espaços e promover as
atividades acadêmicas incluindo o tema, a partir de um aprofundamento da história ambiental,
do entendimento das principais correntes ecológicas e ambientalistas, para compreender onde
e como se posicionar, não apenas como profissional, mas como sujeito político.
Por isso, penso que foi fundamental trazer, para além do relato de experiência, a
contextualização histórica dos debates ambientais, trabalhada em sala de aula, para que outros
colegas e alunos interessados possam ter contato e se aprofundar a partir dos autores citados,
mas também que instigue a pesquisa por outras referências teóricas.
Nem a forma de ver o problema, muito menos as propostas de solução estão dadas, não há
consenso. O desenvolvimento sustentável é um discurso em disputa. É preciso compreender na
sua complexidade e contradições para se posicionar.
É necessário que os debates latentes na atualidade, seja o ambiental, o racial, o de gênero, entre
outros, sejam tratados de maneira transversal, ou seja, não apenas como um tópico, mas que
atravessem todas as disciplinas. Além disso, é interessante trabalha-los em processos
pedagógicos ativos e que levem em consideração os desejos e saberes dos alunos.

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