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ORGANIZADORES
DESENVOLVIMENTO E
conflitos
AMBIENTAIS
Belo Horizonte
Editora UFMG
2010
C) 2010, Os autores
C) 2010, Editora UFMG
Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização
escrita do Editor.
CD): 574.5
CDU: 504
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12 DESENVOLVIMENTO E CONFLITOS AMBIENTAIS
••
Este livro reúne as contribuições feitas por diferentes pesquisadores
do país e do exterior durante o I Seminário Nacional sobre Desenvolvimento
e Conflitos Ambientais 3 Elas permitem uma reflexão crítica ao chamado
paradigma da Modernização Ecológica, que orienta os discursos, debates
e ações hegemônicas do campo ambiental na atualidade. Longe de um dis-
curso uníssono, contudo, os autores expressaram as diversas possibilidades
que compreendem as investigações e as interações que recobrem sociedade,
natureza e meio ambiente, questionando, assim, as posturas homogeneiza-
doras que subsumem os complexos processos sociais e os diversos sujeitos
neles envolvidos.
Consequentemente, este livro pretendeu, então, reunir as reflexões
que provocassem um questionamento epistemológico das categorias hoje
correntes na pesquisa e na ação ambiental, notadamente desenvolvimento,
sustentabilidade, territorialidade, equidade, conservação, consenso, par-
ticipação, sociedade civil, gestão, entre outras. Esse questionamento com
vistas à produção de um conhecimento crítico revela-se atualmente ainda
mais pertinente frente à crescente explicitação, nos discursos oficiais e nos
órgãos de comunicação, da oposição entre desenvolvimento e meio ambiente.
Contraposição latente, mas camuflada nas últimas duas décadas, como visto
Desenvolvimento e conflitos ambientais: uni novo campo de investigação 17
-
Conflitos ambientaik»istributivosi
Rees, 1996), que tem como objetivo calcular, de forma mais detalhada, o
superconsumo do "Norte" às expensas do "Sul". A ONG Amigos da Terra cal-
culdu que o "espaço ambiental"4 da Holanda, em 1993, era aproximadamente
15 vezes maior do que o seu próprio território (Buitenicamp et al., 1993).
ida-e----"
Essa (!díi-t- colLfigic-a"(Martínez-Alier, 1999, p. 216) dos países ricos
poderia, entãci:Ser vista como um contrapeso à dívida econômica dos países
pobres. Esse conceito combinou a crítica dos limites do crescimento do atual
modelo de desenvolvimento com a questão da justiça entre "Norte" e "Sul", o
que permitia também a vinculação da questão ambiental com as abordagens
dos teóricos latino-americanos ao analisarem a dependência estrutural dos
países "da periferia". Dessa forma, alguns autores utilizam o conceito de troca
econômica-ecológica desigual (Montibeller, 2004; Rice, 2007; Roberts; Parks,
2008) como_ alegoria ao termo "troca socioeconômica desigual",. _ usado pela
escola da teoria da dependê:na-à. Ségundo essas abordagens estruturalistas, a
rédnção do consumo nos países ricos seria necessária como forma de permitir
que os países "dependentes" consigam elevar o consumo interno para garantir
as condições dignas de vida para toda a população. A esse proposito,du4)
(1999) sublinhou as desigualdades sociais internas em países como o Brasil,
lembrando quea s i.rst
jáji_Lião se refere necessariamente às diferenças entre
Estado-nações, mas, de modo geral, às elites ricas que vivem à custa do espaço
ambiental dos segmentos mais pobres no seu próprio pais.
_ .
Cabe destacar que os estudos que abordam o "espaço ambiental" e a
‘`pegada ecológica" focalizam os conflitos ambientais distributivos apenas
de forma abstrata e quantitativa. Eles fornecem, portanto, subsídios às abor-
dagens que visam à transformação da sociedade industrial, questionando o
consumo material nas sociedades ditas modernas.
_
Entretanto, é necessário salientar algumascdiferençal no que se refere
ás soluções propostas a partir desse referencial. Uma linha de argumentação
-destaca a necessidade de mudanças tecnológicas no âmbito da "moderniza-
ção .ecológica", defendendo abordagens vinculadas à economia ambiental
baseadas em teorias econômicas clássicas ou neoclássicas. Para a reestru-
turação das sociedades urbano-industriais em direção à "sustentabilidade",
seria preciso uma revolução da "eficiência" na produção industrial a fim de
se pouparem recursos naturais e energia. Essa abordagem não questiona o
modelo capitalista ou sequer o modelo de industrialização. Ao contrário,
a produçacnte-novirfiéruilogias "limpas" é entendida como resultado de
investimentos de empresas em pesquisa e desenvolvimento (P&D), os quais
apenas poderiam ser garantidos por meio do crescimento econômico. Assim,
20 DESENVOLVIMENTO E CONFLITOS AMBIENTAIS
sustenta-se o modelo atual pela defesa das chamadas indústrias limpas como
fontes geradoras de emprego assalariado, bem como a subsequente geração
de mércados como meio de inserção social.
Outras vertentes chamam atenção para o fato de que o sistema capitalista
- e suas contradições - seria o responsável_pela desigualdíae na_ —cirst.gtuição
dos recursos e sua concefitração nas mãos de alguns poucos. Consequente-
mente, tais vertentes elaboram o discurso da troca ecológica-desigual para
reivindicar a superação do cápit_alismo por um sisterha ecossocialist
Para amenizar os conflitos entre essas linhas de pensamento, algumas
propostas defendem que, além da revolução da eficiência, seria igualmente
necessária uma revolução da "suficiência", para se repensar o conceito de
crescimento econômico e o consumo ilimitado como parâmetros de quali-
dade ,de vida nas sociedades modernas. Assim, promovem-se valores que
sustentam "estilos de vida solidários", baseados em princípios do "bem viver
ao invés do muito possuir" (Loske; Bleischwitz, 1996; Weizsãcker; Lovins;
Lovins, 1997).
Contudo, os_ conflitos ambientais distributivosAjo se restring_em apenas
ao nível discursivo dos grandes debates ambientais. No mundo real, há inú-
,
meros conflitos que —envolvem o acesso aos recursos das florestas, da agua„dos
minérios,
_ entre outros. Um dos exemplos mais ilustrativos remete à guerra
no Iraque, em que o acesso ao petróleo pelos países industrializados configura
um fator de suma importância. Outros exemplos remetem àquelas situações
envolvendo o acesso à água entre Estados Unidos e México (exploração do
Rio Colorado para a irrigação na Califórnia), Turquia e Síria (construção da
barragem Ataturk para fins de irrigação) e entre Jordânia e Israel (conflito
sobre o acesso da água do Lago Genezaré). Nesse sentido, esta coletânea apre-
senta análises dos conflitos sobre a água no espaço urbano bem como os casos
concretos em torno da transposição do Rio São Francisco, o regulamento da
pesca e suas consequências para os ribeirinhos desse rio.
Outro exemplo remete aos agrocombustíveis no contexto do debate sobre
matriz energética e mudanças climáticas. Nesse caso, os conflitos ambientais
distributivos se referem a um sistema agroexportador que fornece combustí-
veis para os países desenvolvidos, ou melhor, as camadas sociais mais ricas,
enquanto grande parte da população, nas áreas de origem, não só será privada
do acesso a essa mercadoria tão valorizada, como terá a base material da sua
própria existência comprometida. No entanto, a questão não se esgota. Pelo
contrário, remete ainda a outro tipo de conflito em torno das necessidades
extensionistas por parte dos agrocombustíveis, quer dizer, a demanda por
Desenvolvimento e conflitos ambientais: um novo campo de investigação 21,
conflito pode ser resolvido com a substituição por outros produtos, sem que
a indústria em si seja questionada.
As lutas em torno dos conflitop arn entais espaciais são, portanto,
bastante heterogêneas. O que 1 a Harvey 96) aq_res_ponar
u as
. militâncias
_
particulares
_ contra
_ um lixão aqui ou uma fábrica acolá, dinâmickque, na sua
concepção, desafia o movimento pela Justiça Ambiental no que concerne à I I
elaboração de um prOjeto comum de transformação da sociedade.
_
Há que se observar ainda que, no caso de uma luta que se concentra no
fechamento ou na deslocalização de uma atividade causadora de impactos
ambientais, os processos podem também desencadear uma transformação
em direção a um conflito ambiental territorial. Essa é a situação que envolve
os atingidos por contaminação, ou por exposição a uma emissão ameaçadora
para a qualidade de vida, que se sentem obrigados a se deslocalizar.
••
, Tendo como referência essas modalidades de conflitos ambientais, esta
coletânea encontra-se organizada em quatro partes. A primeira delas, "Inserção
do Brasil na economia-mundo e conflitos ambientais", traz contribuições
de Henri Acselrad e Gustavo das Neves Bezerra sobre o processo de difusão
de técnicas de "resolução de conflitos ambientais" na América Latina, seus
esquemas de construção da realidade, bem como o modo como qualificam
a problemática ambiental. O texto de Klemens Laschefski, "Agrocombus-
tíveis: a caminho de um novo imperialismo ecológico?", discute o papel dos
agrocombustíveis como alternativa energética para a solução às mudanças
climáticas em nível mundial, acentuando os problemas sociais e ambientais
gerados pela expansão das monoculturas de cana-de-açúcar, entre outras. Em
"Amazônia: território do capital e territórios dos povos", Jean Pierre Leroy
analisa as disputas materiais e simbólicas entre o capital e os grupos locais
da Amazônia, evidenciando o totalitarismo presente nas diferentes formas
de apropriação do território pelo mercado e os conflitos gerados por essa
apropriação Tratando o desenvolvimento como expressão da acumulação de
capital em grande escala, ampliação da economia mercantil, apropriação de
terras, de rotas e de recursos, Arsênio Oswaldo Seva Filho relaciona a emer-
gência dos conflitos à inserção do Brasil na economia-mundo, focando sua
análise nos problemas intrínsecos e graves da expansão petrolífera, mineral,
metalúrgica e hidrelétrica nas Amazônias. Encerrando essa seção, Raquel
Maria Rigotto, Alice Maria Correia Pequeno Marinho, Ana Ecilda Lima
Ellery, José Levi Furtado Sampaio e Soraya Vanini Tupinambá discutem os
aspectos históricos dos modelos de produção da região do Baixo Jaguaribe,
Ceará, dando enfoque ao recente processo de modernização agrícola e às
transformações que o agronegócio da fruticultura promove no território de
vida das comunidades humanas da região.
A Parte 2 é intitulada "Conflitos ambientais, gestão e apropriação
dos recursos naturais". Contrário à redução da dimensão do conflito pela
perspectiva técnico-administrativa, José Esteban Castro faz uma análise
interdisciplinar dos conflitos pela água em áreas urbanas do México, conflitos
estes marcados por situações de injustiça ambiental. Norma Valencio realiza
uma análise sociológica e crítica da interlocução de pescadores artesanais,
portadores de uma identidade territorializada em trecho do Rio São Francisco,
e os denominados agentes da modernidade, portadores do conhecimento
especializado, chamando atenção para o processo de desacreditação pública da
pesca artesanal. O texto de Antônio Jeovah de Andrade Meireles e Luciana de
Souza Queiroz sintetiza os danos socioambientais da monocultura de camarão
no litoral do Nordeste do Brasil, atividade econômica que tem mercantilizado
28 DESENVOLVIMENTO E CONFLITOS AMBIENTAIS
Notas
1AQUINO, Y.; LIMA, D. Dilma diz que recursos do Pré-sal vão acelerar redução da pobreza.
In: AGÊNCIA BRASIL, 29 set. 2009. Disponível em: http://www.agenciabrasil.gov.br/
noticias/2009/09/29/materia.2009-09-29.3397896837/view. Acesso emi 28 out. 2009.
\
2 A noção de conflitos ambientais surgiu na corrente da ecologia política crie se preocupava com a
justiça ambiental, movimento que surgiu nos anos 1980, nos Estados Unklos (Robbins, 2004).A
discussão foi trazida para o Brasil por Henri Acselrad (2004).
3 O I Seminário Nacional sobre Desenvolvimento e Conflitos Ambientais foi realizado pelo Grupo
de Estudos em Temáticos Ambientais (Gesta) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
no período de 2 a 4 de abril de 2008, na UFMG, em Belo Horizonte.
4 C) espaço ambientà é definido pela quantidade de energia, recursos não-renováveis, água, madeira
e área cultivada com produtos agricolas.
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