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RO B ERTA O LIVEIRA LIMA Além de um certo ‘terror nutricional”, a revolu-

ROBERTA OLIVEIRA LIMA


ROBERTA OLIVEIRA LIMA ção verde, a revolução genética e a biofortifica-
ção, ao influenciarem o padrão agroprodutivo no
Diante de um processo evolutivo que transformou o modo de se
mundo e prometerem “acabar com a fome do
Doutora em Sociologia e Direito pela Universidade praticar a agricultura no planeta através de um simbolismo revolucio-
planeta”, de forma contraditória, parecem ter
Federal Fluminense - UFF na linha de conflitos nário cujo sentido é disputado e apresenta amplitude polissêmica de
transformado a fome contemporânea em um
socioambientais rurais e urbanos (2018). Mestre compreensão ao encontrar em seu caminho entusiastas ou críticos ao
fenômeno rural, no qual a maior parte da popula-
em Gestão de Políticas Públicas pela UNIVALI modus operandi de se produzir alimentos para a humanidade é que se
ção faminta do mundo constitui-se de agriculto-
(2012) na linha de pesquisa Políticas Públicas: construiu a presente pesquisa. res empobrecidos pela revolucionária transição
Aspectos Socioculturais, Territorialidade e Susten-
Ao emergir o problema da escassez de alimentos no mundo e sua de regimes alimentares.
tabilidade Ambiental. Graduação em Direito pela
posterior solução, outro problema estava por emergir através de um Nesse contexto, a soberania alimentar poderia
UNIVALI (2010). Licenciada em Ciências Sociais
segmentado grupo de atores envolvidos em disputas retóricas e narra- ser considerada um modelo civilizacional que
pela Faculdade Avantis (2017). Atuou como
tivas, onde, de um lado, temos o agrobussiness afirmando ser impossí- combina a crítica conjuntural à “segurança

AGRO(TECH) OU
membro da equipe de consultoria do PNUD/Euro-
vel produzir fora do atual modelo e impondo melhorias e avanços alimentar neoliberal” – como um jogo de poder
social e Secretaria de Reforma do Judiciária no
tecnológicos como a transgenia e a biofortificação. Por outro lado, de corporações, eivados de estratagemas em que
aperfeiçoamento da Política Justiça Comunitária.
agroexportação não se confundiria com “alimen-
Foi pesquisadora do Projeto MDS/SISAN 01/2013 temos cientistas e organizações diversas alertando que o sistema

AGRO(TECH) OU AGRO(TÓXICO)?
tar o mundo” e alimento não se confundiria com

AGRO(TÓXICO)?
que visou o fortalecimento do Sistema Nacional utilizado para “acabar com o problema da fome” deve passar ao largo
mercadoria.
de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) nos de elementos cooptados pelo mercado financeiro mundial, e que é
Diante desse cenário, o livro acompanha o
estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas preciso respeitar a soberania alimentar dos povos, propiciar segurança
enfrentamento de imbricadas questões através
Gerais e seus respectivos municípios (2015-2017). alimentar e o acesso ao direito humano à alimentação adequada para
de produções técnico-científicas e técnico-jurídi-
Coordenadora PIBIC/UNESA na área de Direito que a solução do problema da fome/insegurança alimentar chegue a cas com especial ênfase para a atuação do
Ambiental. Parecerista da Revista Direito e Política
um patamar realmente claro de resolução.
SUSTENTABILIDADE, RISCOS, FUTURAS
Ministério Público Federal no enfrentamento de
(A1) e da Revista Novos Estudos Jurídicos (B1).
Assim, será constante na obra a presença de discursos tratados GERAÇÕES E JUSTIÇA AMBIENTAL referidas problemáticas e demonstra que a
Colunista da Revista Eletrônica Caos Filosófico e
como contramajoritários e críticos ao atual modelo agroprodutivo e preocupação do órgão ministerial pode ser
Colaboradora dos sites Justificando e Empório do
que asseveram de forma constante em suas falas que o modelo utiliza- sintetizada através da seguinte indagação: o agro
Direito. Professora de Direito Ambiental, Direito
do pelo agronegócio brasileiro é tóxico e danoso à saúde e nutrição é tóxico em níveis comprometedores ao meio
Internacional, Direitos Humanos, Sociologia Geral
humana, bem como ao meio ambiente, sendo impossível ser mantido a ambiente, saúde humana e segurança alimentar?
e Jurídica. Advogada.
Em caso positivo, ou em caso de dúvidas,
longo prazo.
podemos continuar a arriscar direitos em nome
A questão é: para garantir alimentos à humanidade, presente e
de potenciais suspeitas?
futura, seria preciso, paralelamente, comprometer saúde, nutrição
A abordagem dos questionamentos acima
humana e recursos ambientais, caso os críticos do atual modelo agroa-
suscitados ocorreu da forma mais multidisciplinar
limentar dominante estejam corretos em suas análises? Existiria um e abrangente possível, ainda que sem a pretensão
equacionamento entre necessidades emergenciais: comida ou meio de esgotarem-se os caminhos adentrados. Assim,
ambiente, saúde e segurança alimentar? Teria sido decidido pelo caso o leitor desse trabalho decida, por exemplo,
modelo agro(tóxico) produtivo dominante no Brasil ser preferível focar-se em uma área específica como a saúde
existirem futuras gerações doentes ao invés de futuras gerações poten- pública, o meio ambiente, a nutrição humana, as
cialmente famintas? ciências sociais ou jurídicas, encontrará aqui
placas indicativas para um trajeto que se mostra-
rá muito mais extenso do que o demonstrado na
presente obra.
AGRO(TECH) OU
AGRO(TÓXICO)?
SUSTENTABILIDADE, RISCOS, FUTURAS
GERAÇÕES E JUSTIÇA AMBIENTAL
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

AGRO(TECH) OU
AGRO(TÓXICO)?
SUSTENTABILIDADE, RISCOS, FUTURAS
GERAÇÕES E JUSTIÇA AMBIENTAL

G RU PO M U LT I F OC O
Rio de Janeiro, 2019
Copyright © 2019 Roberta Oliveira Lima.

direção editorial Grupo Multifoco


preparação e revisão Nalba Lima de Souza
projeto gráfico e capa Caroline da Silva
fotografia Bence Balla Schottner | Unplash

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to d os os direitos re serva d os .

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00000z Sobrenome, Nome.


Título do livro / Nome do autor − Rio de Janeiro: Editora Multifoco; Ano.

N° de p.

ISBN: 978-85-5996-xxx-xx

1. Assunto Geral. 2. Assunto específico.


I. Título

CDD: 000.00
00-0000 CDU: 000.00
Ao Eterno, que terna e eternamente nos ama.
Não precisei de ler São Paulo, Santo Agostinho,
São Jerônimo, nem Tomás de Aquino,
nem São Francisco de Assis —
Para chegar a Deus.
Formigas me mostraram Ele.
(Eu tenho doutorado em formigas).
Manoel de Barros

Tenho o privilégio de não saber quase tudo.


E isso explica o resto.
Manoel de Barros
AGRADECIMENTOS

Há uma nota no livro de Eclesiastes1 que fala que: “terminar


algo é melhor do que começar.” Eis-me aqui, começando os
agradecimentos da tese, no momento em que ela se finda em
sua maior parte.
Agradecer é também lembrar e lembro-me agora do Semi-
nário de Teses, que começou após a greve do ano de 2015, a
qual atrasou o início do segundo semestre em dois meses ou
mais, e que me pegou em um momento tumultuado de vida
que misturava problemas familiares, financeiros e de saúde,
com uma distância de mais de 1.300 km entre a cidade de Bal-
neário Camboriú/SC, onde residia, e a cidade de Niterói/RJ
– local da realização das aulas do Seminário.
Naquele momento, eu tinha decisões a tomar: “jogar a toa-
lha” e abortar a ideia de prosseguir o doutoramento ou tentar
fazer das “tripas-coração” e encarar viagens semanais – com
o dinheiro e o tempo que não saberia de onde viriam e com
a força que minha saúde fazia querer deixar faltar. Foi nesse

1. Ou como diz a versão tradicional do cânon bíblico, segundo a tradução de


João Ferreira de Almeida: “Melhor é o fim das coisas do que o princípio delas.”.
Eclesiastes 7:8.

IX
9
contexto tormentoso, que se levantaram gigantes a me segurar,
não apenas como pesquisadora, mas como humana, mulher
e amiga.
Em primeiro lugar, falo e agradeço ao meu companheiro
de vida, Júlio César Moreira de Jesus, que resolveu ficar e me
segurar em meio a esse “momento-turbilhão-de-vida” e que
operacionalizou comigo as idas e passagens às quintas-feiras
de madrugada, no primeiro e quase único voo entre Navegan-
tes e Niterói, e que me buscava todas as sextas-feiras de ma-
drugada, no retorno do Rio de Janeiro. Como já cantou Chi-
co Buarque: “sou tua menina, viu e ele (tu) é o meu rapaz...”.
Te amo!
Para completar os 1.300 km que me distanciavam das
aulas, em um trajeto de ida e volta que levava dois dias, duas
pessoas dessa turma tão especial de doutoramento se fizeram
mais do que amigos. De minhas angústias, nasceram dois ir-
mãos de tese: Wagner de Oliveira Rodrigues e Carolina Pereira
Lins Mesquita. Ele, incentivando-me a não desistir, pedindo
para que eu fosse em “pelo menos uma aula” e conversasse
com Ana e Wilson e, só depois, pensasse no que fazer; e Caro-
lina ou “Carol Lins-da”, como costumo chamá-la, que me abriu
sua casa, seu carro e suas caronas para que entre meu percurso
de ida e volta eu obtivesse em seu lar o carinho da sua compa-
nheirinha canina Cristal, bem como deliciosas refeições e uma
cama quentinha que me acolhia o cansaço até a hora em que
a alta madrugada me chamava a despertar e, novamente, voar
para Santa Catarina.
Para encurtar o tom novelesco que acabou contaminando
o trecho acima, fui à primeira aula do Seminário de Teses, que
já havia começado em duas semanas anteriores. Eu era, naque-
le momento, uma mistura de incertezas e medos que quase me
paralisavam, mas então, ali, naquela primeira aula que partici-
pei, o tal ponto de inflexão chegou e começou a me puxar para
a concretude da pesquisa, dos instigantes debates, das leitu-
ras intrigantes e de tudo que eu precisava para aquele tempo e

X
momento. Desistir já não era opção. Finalizei, em janeiro, o Se-
minário de Teses, sentindo que “sei que sou um tanto bem maior”,
como canta o Fernando Anitelli e sua trupe do Teatro Mágico,
e só fui capaz de sentir “esse ser um tanto bem maior” por ter
sido apoiada pelos gigantes de coração acima mencionados.
Não poderia deixar de agradecer a minha família, e, de
forma especial, menciono minha sogra Irene, que me acolheu
em sua casa durante o período de aulas de doutoramento com
amor e carinho. Agradeço ao meu pai (in memoriam) pelas se-
mentes plantadas, acho que te orgulharias de teus frutos. Agra-
deço minha mãe e irmãs e lembro, nesta hora, de Manoel de
Barros, que certa feita escreveu: “tenho em mim um atraso de
nascença...eu fui aparelhado para gostar de passarinhos”. Talvez
– mesmo sendo a primogênita entre minhas irmãs, tenha nas-
cido com esse atraso de “estudar demais”, como elas mesmas
nunca entendem, e também tenha sido “aparelhada” para gos-
tar dos passarinhos chamados vida acadêmica, pesquisa e suas
discussões, descobertas e inquietações. Finalmente, agradeço
as minhas avós maternas, Amélia Teodoro e Maria Estelina da
Conceição. Uma sulista e outra nordestina, ambas analfabetas,
mas inspiradoras em sua devoção e exemplo de vida. Reco-
nheço nelas minha ancestralidade pluriétnica e sei que se hoje
estou aqui, como mulher, percorrendo o caminho da emanci-
pação e do conhecimento, muito eu devo a trajetória de vida
de vocês.
Para não correr o perigo de ser injusta ou esquecer no-
mes, agradeço aos meus amigos e amigas fiéis, que tanto me
acolheram em horas de conversa e presença, como em horas
de ausência e silêncio por conta da pesquisa e escrita da tese.
Vocês sabem quem são e o quanto os amo.
Por fim, mas não menos importante, agradeço aos meus
alunos e alunas, vocês me ensinam demais. Estar em sala pode
ser cansativo, mas é sublime.

XI
SUMÁRIO

RESUMO.......................................................................................... 15
ABSTRACT...................................................................................... 17
ABREVIATURAS E SIGLAS.......................................................... 19
LISTA DE ILUSTRAÇÕES............................................................. 22
LISTA DE TABELAS....................................................................... 25
LISTA DE QUADROS..................................................................... 26
LISTA DE MAPAS........................................................................... 27
LISTA DE GRÁFICOS.................................................................... 28

INTRODUÇÃO................................................................................ 30
Referencial teórico-metodológico............................................. 36

1. “SOMOS OS FILHOS DA (R)EVOLUÇÃO”: AGROTÓXICOS,


TRANSGÊNICOS E ALIMENTOS BIOFORTIFICADOS.............45
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A RELAÇÃO HO-
MEM-NATUREZA E A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS ......... 45
1.1.1 A relação do Homem com a natureza e a Produção de
Alimentos.................................................................................. 49
1.2 REVOLUÇÃO VERDE: ESTUDO DO CONTEXTO HISTÓ-
RICO E SOCIAL DE SURGIMENTO......................................... 51

XII
1.3 REVOLUÇÃO VERDE, REVOLUÇÃO GENÉTICA E BIO-
FORTIFICAÇÃO: AGROTÓXICOS, TRANSGÊNICOS E ALI-
MENTOS BIOFORTIFICADOS, COMO FILHOS DA REVOLU-
ÇÃO?.............................................................................................. 57
1.3.1 Biofortificação: o filho caçula da revolução?.............. 74

2. (R)EVOLUÇÃO SUSTENTÁVEL OU COMPROMETIMENTO


DO PRESENTE DAS FUTURAS GERAÇÕES? SUSTENTABILI-
DADE, RISCO E JUSTIÇA AMBIENTAL.................................. 109
2.1 SUSTENTABILIDADE E/OU DESENVOLVIMENTO SUS-
TENTÁVEL: ORIGEM E CONCEITOS.................................... 109
2.2 FUTURAS GERAÇÕES E SOLIDARIEDADE INTERGERA-
CIONAL: NASCIDOS E NÃO NASCIDOS?............................. 125
2.2.1 Escolas ético-filosóficas, equidade intergeracional e fu-
turas gerações......................................................................... 127
2.3 SOCIALIZAÇÃO DOS RISCOS E JUSTIÇA AMBIENTAL
EM FACE DO USO DE AGROTÓXICOS: FUTURO SUSTEN-
TÁVEL OU RUPTURA DA EQUIDADE INTERGERACIO-
NAL?........................................................................................ 141
2.3.1 Justiça ambiental no Brasil.......................................... 158
2.3.2 Sociedade de Risco: tenho fome ou tenho medo?......172

3. “OS FILHOS” DA (R)EVOLUÇÃO EM CAMPO: AGRO(TE-


CH) OU AGRO(TÓXICO)?......................................................... 195
3.1 AGROTÓXICOS E PESQUISAS NACIONAIS: SUSTENTA-
BILIDADE, RISCO E JUSTIÇA AMBIENTAL........................ 206
3.2 AGROTÓXICOS E PESQUISAS INTERNACIONAIS: SUS-
TENTABILIDADE, RISCO E JUSTIÇA AMBIENTAL........... 243
3.2.1 Carta aberta Monsanto................................................. 263
3.3 AGROTÓXICOS E PESQUISAS NACIONAIS E INTERNA-
CIONAIS SOBRE A CONTAMINAÇÃO DO LEITE HUMANO,
INFÂNCIA E FUTURAS GERAÇÕES..................................... 270

XIII
4. REVOLU-AÇÃO? O GRUPO DE TRABALHO (GT) AGROTÓ-
XICOS E TRANSGÊNICOS DA 4ª CÂMARA DE COORDENA-
ÇÃO E REVISÃO (CCR) DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
(MPF) ............................................................................................ 304
4.1 USO DE PRODUÇÕES TÉCNICO-CIENTÍFICAS NAS
FORMULAÇÕES DAS ACPS.................................................... 315
4.1.1 ACP 02/2013/MA ....................................................... 315
4.1.2 ACP 03/2014/DF e ACP 04/2014/DF .................... 325
4.1.3 ACP 05/2014/MT ....................................................... 342
4.2. ACPs E USOS E CONTEXTOS DOS TERMOS SUSTENTA-
BILIDADE, RISCO, JUSTIÇA AMBIENTAL E FUTURAS GE-
RAÇÕES ..................................................................................... 349
4.2.1 ACP 01/2006/RS ........................................................ 349
4.2.2 ACP 02/2013/MA ....................................................... 352
4.2.3 ACP 03/2014/DF e ACP 04/2014/DF ..................... 355
4.2.4 ACP 05/2014/MT ....................................................... 360
4.3 DECISÕES JUDICIAIS: USO DE PRODUÇÕES TÉCNICO-
-CIENTÍFICAS E USOS E CONTEXTOS DOS TERMOS SUS-
TENTABILIDADE, RISCO, JUSTIÇA AMBIENTAL E FUTU-
RAS GERAÇÕES ....................................................................... 363
4.3.1 Decisão e Sentença ACP 01/2006/RS ...................... 364
4.3.2 Decisão ACP 02/2013/MA ........................................ 366
4.3.3 Decisão ACP 03/2014/DF ......................................... 371
4.3.4 Decisão ACP 04/2014/DF ......................................... 378
4.3.5 Decisão e Sentença ACP 05/2014/MT..................... 389
4.4 MPF E MÍDIAS SOCIAIS ................................................... 408

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................... 424


Sobre finais e começos ............................................................. 431

REFERÊNCIAS ............................................................................. 442


ANEXOS ........................................................................................ 455

XIV
RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo científico geral inves-


tigar a relação entre o discurso produzido no campo técni-
co-científico (ou técnico-operativo), as Ações Civis Públicas
disponibilizadas no GT Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR
do Ministério Público Federal – MPF e as respectivas decisões
judiciais que envolvem questões relacionadas ao uso dos agro-
tóxicos, buscando analisar os usos que são feitos do conheci-
mento técnico e o tratamento de temas como sustentabilidade
e/ou desenvolvimento sustentável, futuras gerações, risco e
justiça ambiental. Para atingir referido objetivo, a tese estru-
turou-se com os seguintes objetivos específicos: a) Analisar as
disputas do campo técnico-científico recortadas pelo tema dos
agrotóxicos e compreender os usos e os contextos em que são
acionados temas como sustentabilidade e/ou desenvolvimen-
to sustentável, futuras gerações, justiça ambiental e risco; b)
Examinar junto ao GT Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR
do Ministério Público Federal – MPF, os usos que são feitos das
produções técnico-científicas sobre agrotóxicos nas formula-
ções das Ações Civis Públicas – ACPs e nas decisões judiciais
correlatas; e c) Identificar a emergência nos processos e nas

15
decisões judiciais, de questões relacionadas à sustentabilidade
e/ou desenvolvimento sustentável, futuras gerações, risco e
justiça ambiental, bem como compreender as circunstâncias e
os sentidos que são atribuídos a tais temas. Para este trabalho,
explorou-se um rol de documentos, ações e decisões judiciais
que possuem uma forte interface entre o técnico, o político
e o empírico, conforme ficou melhor demonstrado ao final,
sendo a base empírica fundamentada nas Ações Civis Públicas
disponibilizadas no GT Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR
do Ministério Público Federal – MPF, nas decisões judiciais de
primeira instância e na amostragem de algumas inserções do
MPF na rede social facebook sobre o tema agrotóxicos. No que
tange a metodologia empregada utilizei a pesquisa qualitati-
va, ainda que elementos quantitativos estejam expressos em
algumas análises, pois busquei trazer dados representativos
de realidades distintas em relação ao uso de agrotóxicos. Por
fim, diante de um cenário político-social pós-impeachment e
pós-democrático, onde as bancadas ruralistas e os retrocessos
socioambientais parecem ter ganhado uma velocidade ainda
mais espantosa do que nos governos que os antecederam, in-
vestigar as disputas produzidas no campo técnico, buscando
analisar os usos que são feitos do conhecimento técnico-cien-
tífico e o tratamento dos temas já mencionados, apresentaram
atuais e intrigantes pontos de contribuição para se pensar a
utilização dos agrotóxicos no país, sendo alcançados, de forma
satisfatória, os objetivos gerais e específicos pretendidos.

Palavras-chave: Agrotóxicos; Sustentabilidade; Risco; Futuras


gerações; Ministério Público Federal; Técnica.

16
ABSTRACT

The objective of the present work was to investigate the re-


lationship between the discourse produced in the techni-
cal-operational field, that Class Actions made available in the
Agrotoxic and GMO WG of the 4th CCR of the Federal Public
Prosecutor’s Office (MPF) and the respective judicial deci-
sions involving issues related to use of agrotoxics, seeking to
analyze the uses made of technical-scientific knowledge and
the treatment of themes such as sustainability and/or sustain-
able development, future generations, risk and environmental
justice. In order to achieve this objective, the thesis was struc-
tured with the following specific objectives: a) To analyze the
disputes of the technical-scientific field related to the topic of
pesticides and to understand the uses and contexts in which
themes such as sustainability and /or sustainable development
are triggered , future generations, environmental justice and
risk; b) To examine, together with Agrotoxic and GMO WG of
the 4th CCR of the Federal Public Prosecutor’s Office (MPF),
the uses that are made of technical-scientific productions on
pesticides in the formulations of Class Actions and related ju-
dicial decisions; and c) Identify the emergence of processes
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

and judicial decisions, issues related to sustainability and /or


sustainable development, future generations, environmental
risk and justice, as well as to understand the circumstances
and meanings that are attributed to such issues. For the re-
search, a list of documents, investigations, actions and judicial
decisions that have a strong interface between the technical,
the political and the empirical was explored, as it was better
demonstrated at the end of the research, being the empirical
base based on the Class Actions of the Federal Public Prose-
cutor’s Office provided in the Agrotoxic and GMO WG of the
4th CCR of the 4th CCR of the MPF, in the first instance court
decisions and in the sampling of some insertions of the Fed-
eral Public Prosecutor’s, MPF, in the facebook social network
on the subject of pesticides. Regarding the methodology em-
ployed, I used qualitative research, although quantitative el-
ements are expressed in some analyzes, since I have tried to
bring data representative of different realities in relation to the
use of pesticides. Finally, in the face of a post-impeachment
and post-democratic political-social scenario, where the ru-
ralist groups and socio-environmental setbacks seem to have
gained an even more astonishing speed than in the previous
governments, to investigate the disputes produced in the tech-
nical field, seeking to analyze the uses made of technical and
scientific knowledge and the treatment of the themes already
mentioned, presented current and intriguing points of contri-
bution to think about the use of pesticides in the country, and
the satisfactory general and specific objectives .

Keywords: Agrotoxics; Sustainability; Risk; Future genera-


tions; Federal Public Ministry; Technique.

18
ABREVIATURAS E SIGLAS

ABRASCO Associação Brasileira de Saúde Coletiva


ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social
CCR Câmara de Coordenação e Revisão do MPF
CF Constituição Federal
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente
CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional
CTNBio Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
DDT Dicloro-difenil-tricloroetano
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EMBRATER Empresa Brasileira de Assistência Técnica e
Extensão Rural
EPA Agência de Proteção Ambiental americana
EUA Estados Unidos da América
FAO Organização das Nações Unidas para
limentação e Agricultura

19
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

FBSSAN Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança


Alimentar e Nutricional
IARC Agência Internacional de Pesquisas em Câncer
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis
ICP Inquérito Civil Público
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
INCA Instituto Nacional do Câncer
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária
LMR Limites máximos de resíduos
MAPA Ministério da Agricultura Pecuária e
Abastecimento
MIP Manejo Integrado de Pragas
MPE Ministério Público Estadual
MPF Ministério Público Federal
MTD Melhor Técnica Disponível
OMS Organização Mundial da Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
PARA Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos
PIB Produto Interno Brasileiro
PIDESC Pacto Internacional sobre os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais
PNDA Programa Nacional de Defensivos Agrícolas
PNRUA Programa Nacional de Racionalização do Uso
de Agrotóxicos
PNAPO Política Nacional de Agroecologia e Produção
Orgânica
PRONARA Programa Nacional para Redução de Uso de
Agrotóxicos
SC Santa Catarina
SIA Sistema de Informações sobre Agrotóxicos
SINITOX Sistema Nacional de Informações Toxicológicas
SIAGRO Sistema de Monitoramento do Comércio e
Uso de Agrotóxicos do Estado do Paraná

20
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

SINDAG Sindicato Nacional das Indústrias de


Defensivos Agrícolas
STF Supremo Tribunal Federal
PNSAN Política Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional
PR Paraná
SISAN Sistema Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional
SUS Sistema Único de Saúde
RS Rio Grande do Sul

21
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Sistema agrícola de insumos internos ......................... 68


Figura 2: Sistema agrícola de insumos externos ........................ 69
Figura 3: Imagens dos produtos comercializados no site da em-
presa Monsanto do Brasil .............................................................. 72
Figura 4: Comerciais do site Monsanto ....................................... 73
Figura 5: Números da Soja Monsoy ............................................. 74
Figura 6: Histórico das revoluções agrícolas .............................. 78
Figura 7: Biofortificação e parceiros ............................................ 84
Figura 8: Boletim FBSSAN .......................................................... 106
Figura 9: Conflitos Ambientais no Brasil de acordo com o
Ejatlas ............................................................................................. 150
Figura 10: Página Inicial do Mapa de Conflitos Envolvendo Injus-
tiça Ambiental e Saúde no Brasil................................................ 167
Figura 11: Agricultura e a agroindústria e seus impactos para a
saúde da população e meio ambiente ........................................ 225
Figura 12: Localização dos pesquisadores que citaram agrotóxi-
co, defensivo agrícola ou pesticida em seu currículo lattes ... 235
Figura 13: Distribuição, por estados do Brasil, dos pesquisadores
que citaram agrotóxico, defensivo agrícola ou pesticida em seu
currículo lattes .............................................................................. 236

22
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Figura 14: Categorias dos estudos utilizando o glifosato no Brasil


(%) .................................................................................................. 237
Figura 15: Fernanda Porto/Greenpeace.................................... 287
Figura 16: ODS relacionados de forma integrada e multisseto-
rial. .................................................................................................. 295
Figura 17: Desenhos do Atlas OMS ............................................ 300
Figura 18 : Exposição de fotos – o custo humano dos agrotóxi-
cos ................................................................................................... 303
Figura 19: GT Agrotóxicos e Transgênicos............................... 307
Figura 20: Tabela com informações de procedimentos judiciais e
administrativos MPF .................................................................... 310
Figura 21: Municípios responsáveis pela produção de soja no es-
tado do Maranhão......................................................................... 321
Figura 22: Processo n. 21371-49.2014.4.01.3400, originário da
ACP 03/2014/DF ......................................................................... 326
Figura 23: Processo n. 21372-34.2014.4.01.3400, originário da
ACP 04/2014/DF ......................................................................... 326
Figura 24: Facebook MPF, 11 de janeiro de 2015 .................... 410
Figura 25: Facebook MPF, 03 de junho de 2015 ...................... 410
Figura 26: Facebook, 31 de agosto de 2015 .............................. 411
Figura 27: Facebook MPF, 17 de fevereiro de 2016................. 412
Figura 28: Facebook MPF, 18 de janeiro de 2016 retrospectiva ...
......................................................................................................... 412
Figura 29: Facebook MPF, 27 de novembro de 2015 .............. 413
Figura 30: Facebook MPF, 21 de abril de 2016 ........................ 413
Figura 31: Facebook MPF, 12 de setembro de 2016 ................ 414
Figura 32: Facebook MPF, 04 de janeiro de 2017 .................... 414
Figura 33: Facebook MPF, 25 de outubro de 2016 .................. 415
Figura 34: Facebook MPF, 06 de agosto de 2016 ..................... 416
Figura 35: Facebook MPF, 18 de dezembro de 2016 ............... 416
Figura 36: 19 de dezembro de 2018........................................... 417
Figura 37: Facebook MPF, 17 de agosto de 2016 ..................... 418
Figura 38: Facebook MPF, 24 de agosto de 2016 ..................... 418
Figura 39: Facebook MPF, 17 de outubro de 2016 .................. 419
Figura 40: Facebook MPF, 21 de outubro de 2016 .................. 419

23
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Figura 41: Facebook MPF, 07 de janeiro de 2017 .................... 420


Figura 42: Facebook MPF, 13 de junho de 2017 ...................... 420
Figura 43: Facebook MPF, 24 de maio de 2019 ........................ 421
Figura 44: Facebook MPF, 25 de junho de 2018 ...................... 421
Figura 45: Facebook MPF, 25 de novembro de 2017 .............. 422

24
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Classificações de conflitos no atlas de justiça ambiental


(Ejatlas) ......................................................................................... 151
Tabela 2: Conceitos utilizados pelo Movimento de Justiça Am-
biental Global ................................................................................ 155
Tabela 3: Resultado de pesquisas sobre a contaminação do leite
humano por organoclorados....................................................... 273
Tabela 4: Caracterização da amostra (n=62) de nutrizes de Lucas
de Rio Verde- MT, 2010 .............................................................. 275
Tabela 5: Total de amostras detectadas e frequência de detecção
de agrotóxicos analisados em leite humano em amostras (n=62)
de nutrizes residentes em Lucas de Rio Verde – MT, 2010 ... 276
Tabela 6: petição n. 6969/2014 (ACP 03/2014/DF).............. 342

25
LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Tarefas na construção de problemas ambientais..... 38


Quadro 2: Como a Revolução Verde Distorce as comparações ..70
Quadro 3: Biodiversidade x Biofortificação.............................. 104
Quadro 4: Evolução no consumo de agrotóxicos e fertilizantes
no Brasil entre os anos de 2002 e 2011 ..................................... 222
Quadro 5: Quadro demonstrativo dos efeitos e/ou sintomas agu-
dos dos efeitos crônicos dos agrotóxicos .................................. 224
Quadro 6: Sistema de monitoramento de SAN – Matriz de indi-
cadores ........................................................................................... 250

26
LISTA DE MAPAS

Mapa 1: Brasil: Mortes por Agrotóxico de Uso Agrícola – por


Circunstância (1999-2009)......................................................... 207
Mapa 2: Bebês intoxicados por agrotóxicos (0 a 12 meses)... 290
Mapa 3: Níveis de PCB no leite materno (OMS, 2017, p. 72) ...298

27
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Atores que frequentemente se mobilizam por Justiça


Ambiental ...................................................................................... 153
Gráfico 2: Evolução dos casos registrados de intoxicação huma-
na por agrotóxicos no Brasil entre 1999 e 2008 – Dados do Sini-
tox ................................................................................................... 209
Gráfico 3: Circunstância da Intoxicação ................................... 210
Gráfico 4: Ministério da Saúde/SINAN..................................... 210
Gráfico 5: Brasil: uso de agrotóxicos por cultura (2009) ....... 217
Gráfico 6: Evolução da área plantada de arroz, feijão, mandioca,
cana-de-açúcar, soja e milho, no Brasil, entre 1990 e 2014 ... 219
Gráfico 7: Participação das 13 maiores empresas de agrotóxicos
nas vendas mundiais .................................................................... 220
Gráfico 8: Distribuição por região de pesquisadores brasileiros
que citaram em seus currículos algum tipo de efeito crônico de
agrotóxico (%) .............................................................................. 237
Gráfico 9: Intoxicação por agrotóxico/faixa etária 2001-2006 ....
......................................................................................................... 288
Gráfico 10: Intoxicação por agrotóxico/faixa etária 2007-2013 ..
......................................................................................................... 289
Gráfico 11: Intoxicação e classificação por idade .................... 291

28
A obrigação de suportar nos dá o direito de saber.
Jean Rostand
INTRODUÇÃO

Inicialmente, informo que, apenas aqui na introdução e nas


considerações finais, escreverei na primeira pessoa do sin-
gular de forma mais aparente. O emprego do “nós” se fará
presente em todos os capítulos da tese, pois considero que o
protagonismo da escrita na obtenção de um título doutoral não
se organiza em forma de monólogo, mas de diálogos diversos,
os quais estarão explorados ao longo das várias dezenas de pá-
ginas produzidas na feitura deste trabalho.
Escolho o “nós” e o protagonismo dialogal por considerar
que apesar da tarefa da escrita ser solitária e dolorosa, tive uma
constante e incessante interface com os livros, com a internet,
com artigos científicos, tabelas, números, dados, documentos,
campo de pesquisa, além, é claro, da parceria fundamental do
professor orientador, Valter Lúcio de Oliveira, que me acolheu
no meio do inesquecível Seminário de Teses – capitaneado por
Ana Motta e Wilson Madeira de forma estupenda, aceitando
o desafio de já me conduzir à qualificação do projeto de tese.
Assim, usarei a primeira pessoa do plural com a tranquilidade
de quem se sabe apoiada em ombros de gigantes de multiface-
tadas matizes e características.

30
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

E é nesse caminhar não linear e dialogal que é a vida e a


pesquisa acadêmica que passo a tecer algumas considerações
sobre o problema de pesquisa da tese, seu objeto, lugar de ob-
servação, hipóteses e metodologia.
Tive como pergunta-problema o seguinte questionamento:
“quais lógicas e sentidos podem ser identificados nas relações
estabelecidas entre o discurso produzido no campo técnico-
-científico (ou técnico-operativo), nas Ações Civis Públicas
disponibilizadas no GT Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR
– MPF e nas respectivas decisões judiciais no tratamento de
questões relacionadas ao uso dos agrotóxicos e temas como
sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável, futuras
gerações, risco e justiça ambiental?
Diante de tal problemática, o estudo apresentou como
objetivo científico geral: investigar as lógicas e os sentidos
que podem ser identificados nas relações estabelecidas en-
tre o discurso produzido no campo técnico-científico (ou
técnico-operativo), as Ações Civis Públicas disponibilizadas
no GT Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR do Ministério
Público Federal – MPF e as respectivas decisões judiciais que
envolvem questões relacionadas ao uso dos agrotóxicos, bus-
cando analisar os usos que são feitos do conhecimento técni-
co-científico e o tratamento de temas como sustentabilidade
e/ou desenvolvimento sustentável2, futuras gerações, risco e
justiça ambiental.
Para atingir o objetivo geral da pesquisa, a tese apresentou
como objetivos específicos:
a) Analisar as disputas do campo técnico-científico recor-
tadas pelo tema dos agrotóxicos e compreender os usos e os
contextos em que são acionados temas como sustentabilidade
2. No segundo capítulo deste trabalho, ficará melhor aclarada a presença de re-
feridos termos, muitas vezes tratados como sinônimos e outras diferenciados
por teóricos que discutem o tema. Meu interesse em relação ao termo reside
no fato dele se relacionar a ideia de uma projeção de desenvolvimento para
presentes e futuras gerações. Fato este que também será melhor explorado em
tópico próprio deste trabalho.

31
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

e/ou desenvolvimento sustentável, futuras gerações, justiça


ambiental e risco;
b) Examinar junto ao GT Agrotóxicos e Transgênicos da
4ª CCR do Ministério Público Federal – MPF, os usos que são
feitos das produções técnico-científicas sobre agrotóxicos nas
formulações das Ações Civis Públicas – ACPs e nas decisões
judiciais correlatas; e
c) Identificar a emergência nos processos e nas decisões
judiciais, de questões relacionadas à sustentabilidade e/ou
desenvolvimento sustentável, futuras gerações, risco e justiça
ambiental, bem como compreender as circunstâncias e os sen-
tidos que são atribuídos a tais temas.
Para o equacionamento do problema, levantei as seguintes
hipóteses:
a) O campo técnico-científico é cenário de disputas e os
usos e contextos de termos como sustentabilidade e/ou de-
senvolvimento sustentável, futuras gerações, risco e justiça
ambiental podem se mostrar extremamente divergentes mes-
mo dentro de um cenário homogeneamente majoritário ou
contramajoritário;
b) Os usos e produções técnico-científicas por parte do
MPF e dos juízes federais são tão acionados quanto a própria
legislação atinente ao tema durante a produção das respectivas
peças processuais; e
c) A utilização das questões relacionadas a sustentabilida-
de e/ou desenvolvimento sustentável, futuras gerações, risco e
justiça ambiental, assim como as circunstâncias e sentidos que
são atribuídos a tais temas pelo campo técnico-jurídico ainda
são inexpressivas e, quando existentes, apresentam um viés
conceitual multivariado.
Algo que me instigou desde o início da pesquisa foi a
atuação do Ministério Público Federal, o qual ganhou gran-
de notoriedade com sua operação Lava Jato, mas que não se
circunscreve a sua área mais famosa de atuação, tendo ou-
tros interessantes eixos temáticos como Direitos do Cidadão;

32
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos em


Geral; Meio Ambiente e Patrimônio Cultural; Populações In-
dígenas e Comunidades Tradicionais; entre outros. Todavia,
e talvez já adiantando um pouco um dos pontos observados
no capítulo que trata especificamente do campo técnico-jurí-
dico do MPF, foi possível observar ecos de sua famosa ope-
ração no próprio GT de Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª
Câmara de Coordenação e Revisão – 4ª CCR e que apresenta
uma coletânea de documentos atinentes ao tema agrotóxicos
e transgênicos.
Os documentos acima mencionados encontram-se dispo-
nibilizados para consulta pública no endereço eletrônico do
GT Agrotóxicos e Transgênicos e compõem-se de um rol de
materiais diversos, onde optei pelo recorte das Ações Civis
Públicas – ACPs, já disponibilizadas pelo próprio GT e cujas
petições iniciais publicizadas perfaziam um total de 05 ações,
ajuizadas no período compreendido entre os anos de 2006 a
2014, com atuação local ou nacional por parte dos Procurado-
res da República que as subscreveram.
Nessa investigação do campo técnico-jurídico, também op-
tei por analisar as decisões judiciais de 1ª instância que compu-
seram todas as ACPs, sendo instigante perceber que, assim como
em determinados casos – como a da já mencionada e notória
operação Lava Jato3, que possui uma forte simbiose entre a atu-
ação do chefe da força-tarefa de procuradores, Deltan Dallagnol
e o juiz de primeira instância, Sérgio Moro, podemos ter uma
simbiose ou um afastamento significativo entre os pleitos do Mi-
nistério Público Federal e respectivas decisões judiciais.
Saliento que para melhor compreensão da operacionaliza-
ção do campo técnico-jurídico, busquei instrumentalizar-me,
3. Faço a referência à Lava Jato em alguns momentos da tese porque referida
operação, em seus contornos midiáticos e políticos, acabou também afetando
a forma de se “operar no campo jurídico” de forma intensa e com reverberares
que ainda estão sendo estudados e compreendidos, mas que trouxeram uma
notável insegurança jurídica aos profissionais da área. Acredito que, passados
alguns anos, talvez se tenha um direito marcado invariavelmente por essa cisão.

33
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

anteriormente, no capítulo 3, de estudos técnico-científicos de


ordem médica, ambiental e nutricional, precipuamente, além
de documentos e relatórios de instâncias internacionais, como
ONU, OMS, FAO e o Tribunal de Opinião, ocorrido em Haia
em 2016 e batizado de Tribunal Monsanto que abarcam, em
suas abordagens, argumentos próximos aos levantados pelos
procuradores do MPF nas ACPs analisadas nesta tese.
Os dois primeiros capítulos da tese, por sua vez, possuem
uma maior carga teórica-conceitual, sendo que o primeiro ca-
pítulo aborda a evolução da relação do homem com a natu-
reza, bem como o desenvolvimento histórico-social da meca-
nização agroprodutiva através da Revolução Verde, Revolução
Genética e Biofortificação. O segundo capítulo, por seu turno,
aborda os termos e conceitos relacionados à sustentabilidade
e/ou desenvolvimento sustentável, futuras gerações, risco e
justiça ambiental
Ademais, utilizei em muitas de minhas referências a ex-
pressão técnico-operativo ou técnica-científica ou técnica-ju-
rídica, pois a discussão em torno da técnica, bem como as dis-
putas do campo agroprodutivo – que dividi entre majoritários
e contramajoritários, são disputas de ordem técnica. A escolha
pelo termo técnico-operativo também se apresenta como viá-
vel na medida em que explora um rol de documentos, pesqui-
sas, ações e decisões judiciais que possuem uma forte interface
entre o técnico, o político e o empírico, conforme ficará me-
lhor demonstrado nos dois últimos capítulos da tese.
Conforme acima mencionado, uma constante na tese será
a presença de discursos do campo técnico-operativo, sendo
tratadas como contramajoritárias e críticas ao atual mode-
lo agroprodutivo dominante no Brasil, as produções técnicas
que asseveram, de forma constante em suas falas, que o mo-
delo utilizado pelo agronegócio brasileiro é tóxico e danoso à
saúde e nutrição humana, bem como ao meio ambiente, sen-
do impossível ser mantido a longo prazo. Referido grupo, in-
siste, inclusive, na transição para sistemas alternativos, como

34
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

a agroecologia e similares. Já o sistema agroprodutivo domi-


nante, aqui denominado como majoritário, com seu modelo de
cultivo em larga escala de monoculturas e utilização de insu-
mos químicos, diz abertamente que fez essa opção agro(tech)4
industrializada para poder “alimentar o mundo” em suas pre-
sentes e futuras gerações.
A questão é: para garantir alimentos à humanidade, pre-
sente e futura, seria preciso, paralelamente, comprometer saú-
de, nutrição humana e recursos ambientais, caso os críticos do
atual modelo agroalimentar dominante estejam corretos em
suas análises? Existiria um equacionamento entre necessida-
des emergenciais: comida ou meio ambiente, saúde e seguran-
ça alimentar? Teria sido decidido pelo modelo agroprodutivo
dominante no Brasil ser preferível existirem futuras gerações
doentes a futuras gerações famintas? Ou trazendo à lume o
pensamento de Ulrich Beck (2011, p. 50; 59): “Na concorrên-
cia entre a morte pela fome, visivelmente iminente, com a morte
por intoxicação, iminente mas invisível, impõe-se a premência do
combate à miséria material”.5
No que tange à expressão, “presentes e futuras gerações”,
a mesma foi utilizada, muitas vezes, relacionada à figura da
criança – em sua primeira infância, do adolescente, da perpe-
tuação da espécie humana na terra, seu presente e futuro, mes-
mo que não se realize um recorte etário, jurídico ou biológico

4. Decidi adotar referida expressão por considerá-la representativa da ideia


presente, principalmente, no agronegócio e seu modelo agroprodutivo, que de-
fende que o uso de agrotóxicos, maquinários e monocultivos é procedimento
simbolicamente tecnológico e avançado, conforme veremos ao longo da tese.
5. Inclusive, recordo-me agora de uma aluna que me relatou a conversa entre
seu marido e dois rapazes que disputam jogos de videogame com ele pela in-
ternet e que são alunos de Agronomia no Mato Grosso. Quando ela e o marido
questionaram os estudantes sobre o uso de agrotóxicos naquele estado e o
quanto ele poderia ser potencialmente danoso ao meio ambiente, saúde e nu-
trição humana, os mesmos asseveraram que não conheciam outro meio de se
produzir alimentos e que as doenças eram um dos males menores e, ao final,
vaticinaram com a seguinte máxima, relatada pela aluna com cara de espanto e
indignação de que: “o câncer mata devagar, mas a fome mata rápido.”

35
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

específico durante a pesquisa.6 Todavia, foi realizada uma bre-


ve discussão ético-filosófica sobre o termo em tópico próprio
deste trabalho.

REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

As técnicas pretendidas no estudo partiram de eixos conecta-


dos pelos termos técnico-operativo, técnico-científico e técni-
co-jurídico de forma mais incisiva, através da revisão biblio-
gráfica e documental para se delinear o quadro geral da análise
pretendida na pesquisa.
Também me apoiei em Hannigan (1995, p. 44;48) e em
sua abordagem construcionista tratada em sua obra Sociologia
Ambiental. Segundo referida abordagem, uma grande parte da
produção dos problemas ambientais é protagonizada por espe-
cialistas de áreas e comunidades específicas de conhecimento
como médicos, advogados, sociólogos, cientistas, gestores pú-
blicos, operadores políticos, os quais formam um mosaico no
qual emerge a teoria social construcionista, que busca adotar
uma postura um tanto quanto agnóstica com o escopo de po-
der otimizar a forma como as pessoas dão significação a deter-
minados problemas sociais.
Em relação ao construcionismo, tenho ainda que a cons-
trução dos problemas ambientais costuma sustentar-se em três
principais eixos: reunião, apresentação da tarefa e contestação.
Na tarefa de reunião de exigências ambientais, busquei, inicial-
mente: a descoberta e a elaboração do problema. Para tanto,
foram realizadas uma série de atividades específicas para de-
signar o problema, diferenciá-lo de outros problemas que se
apresentem de forma parecida e, mais interessantemente: de-
terminar a base legal, moral ou técnica de uma exigência, bem

6. Mesmo reconhecendo que essa representação é múltipla e variada para a


sociedade e suas representações, aqui acionaremos o disposto na bibliografia e
documentos utilizados durante a pesquisa.

36
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

como buscar os meios operativos para se produzir alguma ação


de melhoria (HANNIGAN, 1995, p. 58).
Diante do problema de pesquisa levantado na tese, um fato
que me chamou a atenção, dentro da perspectiva construcio-
nista, é o que relaciona a existência dos problemas ambientais
com uma frequente origem no âmbito da ciência. Desta fei-
ta, problemas como o envenenamento por pesticidas e aque-
cimento global, por exemplo, têm uma forte ligação com as
descobertas e exigências científicas, possuindo uma base física
mais impositiva, fato esse que me levou a explorar, em capítulo
próprio deste trabalho, esta base técnico-científica de forma
mais abrangente.
Vale observar o fato de que o construcionismo não se mos-
tra útil apenas como opção teórica, mas tem utilidade como
ferramenta analítica, a qual será utilizada em alguns momentos
deste trabalho, através da análise das exigências formuladas,
dos formuladores dessas exigências e o processo que faz emer-
gir referidas exigências. Assim, no que se refere à formulação de
exigências, é preciso que se levantem algumas questões, como
a que se refere ao fato dos “formuladores de exigências” esta-
rem filiados a organizações específicas, movimentos sociais,
profissionais, grupos de interesse ou, mais recentemente, os
costumeiros lobbys ou bancadas, como as que temos no Brasil.
Não é à toa que na formulação de alguns problemas sociais,
teremos expressividade da participação de médicos e cientis-
tas, outros de funcionários públicos e advogados, bem como
nos meios de comunicação social, através da criação de pautas
jornalísticas ou páginas em redes sociais e afins (HANNIGAN,
1995, p. 50; 52).
Sintetizando melhor o pensamento de Hannigan, apre-
sento o quadro abaixo, reproduzido de sua obra Sociologia
Ambiental e que trata das tarefas na construção dos proble-
mas ambientais.

37
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Quadro 1: Tarefas na construção de problemas ambientais.


HANNIGAN (1995, p. 59).

Conforme já salientado no quadro acima, para que os pro-


blemas ambientais venham a emergir, é necessário que sejam
legitimados em múltiplas áreas como comunicação social,
ciência, público, meios políticos e jurídicos, os quais serão
explorados em maior ou menor dimensão ao longo deste tra-
balho. Sendo que, uma das formas de se atingir a legitimida-
de é através do uso de táticas e estratégias retóricas, as quais,

38
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

ao invés de seguirem uma ordem cronológica, adotam um dis-


curso cada vez mais polarizado.
Investigar a relação entre o discurso produzido no campo
técnico-operativo, as ACPs do GT Agrotóxicos e Transgêni-
cos da 4ª CCR do MPF e as respectivas decisões judiciais que
envolvem questões relacionadas ao uso dos agrotóxicos, bus-
cando analisar os usos que são feitos do conhecimento técni-
co-científico e o tratamento de temas como sustentabilidade
e/ou desenvolvimento sustentável, futuras gerações, risco e
justiça ambiental, fizeram-me trilhar um pouco da proposta
sistematizada em já referenciado quadro, uma vez que, em vá-
rios momentos, apontam-se eixos e atividades que serão per-
cebidas no desenvolvimento deste trabalho.
Neste sentido e ao longo desta pesquisa, percebi que a
temática de discussão proposta parece estar emergindo com
elementos atinentes, não apenas a um problema social, mas
também sociológico ambiental, dentro da perspectiva cons-
trucionista apresentada por Hannigan (1995), com a presença
dos eixos de reunião, apresentação da tarefa e contestação e
suas atividades primárias, fóruns centrais, construções de pro-
vas científicas, morais ou legais, predominância de papéis, po-
tenciais armadilhas e estratégias para o êxito.
Assim, dentro do tema pesquisado, quando de sua abor-
dagem socioambiental, foi possível vislumbrar grupos hetero-
gêneos como as ecofeministas, os ecologistas profundos, além
de outros críticos da sociedade pós-industrial que têm tendên-
cia para a adoção das denominadas “retóricas de retidão”, que
justificam a consideração dos problemas ambientais sob bases
estritamente morais. Por outro lado, existem os denominados
“pragmáticos ambientais” que defendem versões do desenvol-
vimento sustentável e que costumam se apossar da denomina-
da “retórica da racionalidade” (HANNIGAN, 1995, p. 65-66).
Para concluir, passo a enumerar seis fatores trazidos por
Hannigan (1995, p. 74-75) como necessários para a cons-
trução com êxito de um problema socioambiental, os quais,

39
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

conforme já mencionado, nortearão algumas das análises pre-


sentes no decorrer deste trabalho, sendo elas:

1. Autoridade científica capaz de validar as exigências;


2. Existência de pessoas que atuem como “propagado-
ras” e que possam estabelecer a ligação entre ambien-
talismo e ciência;
3. Atenção por parte dos meios de comunicação, nos
quais o problema é visto como algo novo e relevante;
4. Dramatização do problema em termos simbólicos e
visuais;
5. Incentivos econômicos para tornar uma ação positiva;
6. Emergência de um patrocinador institucional que as-
segure legitimidade e continuidade.

Conforme as referências e observações acima enumera-


das, construí o fluxograma abaixo para melhor visualização da
proposta através dos fatores acima citados e que, aparecerão
em maior ou menor evidência, ao longo do desenvolvimento
da presente pesquisa. A variedade de cores foi acionada ape-
nas como instrumento estético para melhor configuração visu-
al dos elementos supramencionados.

Fluxograma 1: Construção Social de Problemas Ambientais.


(Hannigan, 1995, p. 74-75).

Friso, todavia, que estas não serão as únicas categorias de


análise a serem exploradas no presente trabalho, mas que são
categorias que ora se “costurarão” a outras que lhes comple-

40
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

mentem ou que as contraponham, com o escopo de produzir o


estudo mais abrangente possível do tema que pretendi pesquisar.
Assim, será possível verificar que, ao longo do trabalho,
busquei acionar algumas outras categorias clássicas e, até mes-
mo, indispensáveis para o estudo do problema que explorei,
como o conceito de campo, como orbital dos fenômenos so-
ciais, seus eixos estruturados, arenas de lutas, representações,
ambiguidades, disputas, atores, (BOURDIEU, 2002), pois em
alguns momentos da pesquisa, por exemplo, será perceptível a
disputa simbólica de termos entre a indústria agroprodutiva e
setores da agroecologia e suas respectivas pesquisas. Fato este
que me levou à obra “Os usos sociais da ciência”, que argu-
menta que no campo científico estão inseridos os agentes e as
instituições que produzem, reproduzem ou difundem a ciência
e que tal campo é na verdade um mundo social como outros,
mas que obedece às leis sociais mais ou menos específicas.
(BOURDIEU, 2004, p. 20-21; 29).
Com o intuito de construir uma visão mais complexa e sis-
têmica da problemática proposta para a pesquisa, bem como
uma análise social baseada em riscos, trouxe também o pensa-
mento de Ulrich Beck em sua obra Sociedade de Risco em tó-
pico próprio deste trabalho. Segundo a compreensão proposta
por BECK (2011, p. 10):

O reverso da natureza socializada seria a socialização


dos danos à natureza, sua transformação em ameaças
sociais, econômicas e políticas sistêmicas da sociedade
mundial altamente industrializada. Na globalidade da
contaminação e nas cadeias mundiais de alimentos
e produtos, as ameaças à vida na cultura industrial
passam por metamorfoses sociais do perigo: regras
da vida cotidiana são viradas de cabeça para baixo.
Mercados colapsam. Prevalece a carência em meio à
abundância. Caudais de demandas são desencadeados.
Sistemas jurídicos não dão conta das situações de fato.

41
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

As questões mais prementes provocam desdém. Cuida-


dos médicos falham. Edifícios de racionalidade cien-
tífica ruem. Governos tombam. Eleitores indecisos fo-
gem. E tudo isso sem que a susceptibilidade das pessoas
tenha qualquer coisa que ver com suas ações, ou suas
ofensas com suas realizações, e ao mesmo tempo em
que a realidade segue inalterada diante de nossos sen-
tidos (sem destaque no original).

Para Beck (2011, p. 10-11), o discurso presente na socie-


dade de risco é marcado pela indiscernibilidade dos perigos,
sua dependência do saber, sua supranacionalidade, a “desa-
propriação ecológica”, a mudança súbita de normalidade em
absurdo e que, através de casos emblemáticos, como o de
Chernobyl, podem ser categorizados como uma trivial descri-
ção da realidade.
A proposição que faço na tese é de origem qualitativa do
ponto de vista metodológico, ainda que possua elementos
quantitativos em suas análises, assim, busquei trazer dados
representativos de realidades distintas em relação ao uso de
agrotóxicos. Frise-se que, ainda que não sejam apresentadas
todas as exigências atreladas às regras da pesquisa social empí-
rica, busquei demonstrar uma certa teoria social prospectiva,
empiricamente orientada, mesmo não abarcando todas as sal-
vaguardas metodológicas. Realidade semelhante a trazida por
Ulrich Beck, (2011).
Também escolhi explorar o problema proposto pelo viés
da justiça ambiental, trazendo as perspectivas do racismo am-
biental (BULLARD, 1996), ecologismo dos pobres e movimen-
to global de justiça ambiental (MARTINEZ-ALIER), além dos
autores do tema no Brasil (HERCULANO, MADEIRA FILHO,
FIRPO, PACHECO e ACSERALD).
São também apresentadas construções teóricas sobre
sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável (BOFF,
SACHS, FREITAS, ONU) e futuras gerações na percepção do

42
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

direito ambiental (AYALA, MORATO LEITE, STONE e outros)


e da filosofia (CAMARA, JONAS, HABERMAS e outros).
Ainda em relação ao referencial teórico-metodológico e
procurando não me alongar muito, trago, nesse instante, Jac-
ques Ellul, que já na década de 1950 afirmava a existência de
embates técnicos com numerosas informações que parecem se
contrapor em seu próprio campo, fato que ficará muito notó-
rio desde o primeiro capítulo deste trabalho.
Para Ellul (1968, p. 18), certos progressos técnicos aca-
bam por gerar incertezas permanentes e em longo prazo e
que, particularmente, no campo do meio ambiente e da saúde
parecem despontar de forma exemplar. Para o autor em co-
mento, a criação do desenvolvimento tecnológico desenfreado
e irrefletido necessita sempre de novos instrumentos e técni-
cas para resolvê-lo, sendo os problemas de saúde pública e de
segurança alimentar alguns dos quais são sistematicamente re-
formulados para que recebam soluções técnicas, ao invés de
soluções políticas.
Destaco, também, que dentro do esforço de compreensão
e de escolha de referidas categorias de pesquisa, considerei
que os referenciais e recortes acima demonstrados se mostra-
ram como pertinentes quando se tem em mente o fato de que a
própria construção da temática socioambiental possui um viés
multifacetado, capaz de concatenar um conjunto filosófico,
ideológico, científico, político e jurídico variado.
Por fim, diante de um cenário político-social pós-impea-
chment e pós-democrático7, onde as bancadas ruralistas e os
retrocessos socioambientais parecem ter ganhado uma ve-
locidade ainda mais espantosa do que nos governos que os

7. Expressão cunhada pelo juiz de Direito Rubens Casara em seu livro “Estado
Pós-Democrático: neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis”, onde afirma
que: Hoje, poder-se-ia falar em um Estado Pós-Democrático, um Estado que, do
ponto de vista econômico, retoma com força as propostas do neoliberalismo, ao
passo que, do ponto de vista político, se apresenta como um mero instrumento de
manutenção da ordem, controle das populações indesejadas e ampliação das con-
dições de acumulação do capital e geração de lucros.” (CASARA, 2017, p. 16-17)

43
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

antecederam, tenho a forte impressão de que investigar as dis-


putas produzidas no campo técnico-operativo, buscando ana-
lisar os usos que são feitos do conhecimento técnico-científico
e o tratamento de temas como sustentabilidade e/ou desen-
volvimento sustentável, futuras gerações, risco e justiça am-
biental podem ter atuais e intrigantes pontos de contribuição
para se pensar o modelo agroprodutivo majoritário no país.
Somos o celeiro do mundo, já disseram alguns, alimentaremos
e protegeremos esse mesmo mundo e suas presentes e futuras
gerações como afirmam os entusiastas da Revolução Verde e
seus desdobramentos, ou o “agro que é pop, que é tech e que é a
indústria-riqueza do Brasil”8 nos agro-intoxicará?

8. Alusão à propaganda veiculada no horário nobre da Rede Globo de Televi-


são no ano de 2017.

44
1. “SOMOS OS FILHOS DA (R)EVOLUÇÃO”:
AGROTÓXICOS, TRANSGÊNICOS E
ALIMENTOS BIOFORTIFICADOS

Inicialmente, abordaremos, ainda que de forma breve, a relação


existente entre o homem e o meio ambiente natural e como
isso pode ser refletido no seu modelo alimentar. Assim, prin-
cipiamos este capítulo com os marcos históricos da relação ho-
mem-natureza, tecendo algumas considerações sobre a produ-
ção de alimentos em diferentes estágios da evolução humana.
Após, passamos ao estudo do contexto de surgimento da
Revolução Verde, mecanização da agricultura e o quase inse-
parável binômio: agrotóxicos e transgênicos, além da recente
inserção dos alimentos biofortificados no cenário revolucioná-
rio proposto pelo modelo do agrobusiness mundial.

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A RELAÇÃO


HOMEM-NATUREZA E A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS

Em apertada síntese, descreveremos algumas das bases histó-


ricas e culturais que compõem as representações da nature-
za no mundo ocidental, relatando um pouco como a natureza
apareceu retratada no imaginário da civilização ocidental e

45
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

como algumas dessas concepções são frutos das relações so-


ciais experimentadas em cada época.
Utilizando-nos, inicialmente, da divisão proposta por
Froehlich (2002), dividimos as relações do homem com a na-
tureza em estágios distintos da história da civilização ociden-
tal, sendo algumas das etapas citadas a seguir:
A) Natureza mágica – nesta etapa de concepção do homem
com o meio ambiente natural temos uma relação marcada pela
formação de conceitos míticos. Esse período corresponde ao
pré-classicismo grego.
B) Natureza na Antiguidade Clássica – este período é mar-
cado pela influência das concepções aristotélicas da nature-
za. Aqui se reivindicava um mundo natural regido por leis de
cunho fundamental e hierárquico.
C) Natureza como símbolo da criação divina – nesta
concepção a natureza é representada como obra do Supremo
Criador, fruto da predominância do cristianismo, sendo carac-
terística da Idade Média. Nessa época, criaram-se metáforas
que aduziam que a natureza era uma espécie de livro escrito
pelas mãos de Deus e que continha, portanto, em seu interior,
mensagens divinas a serem decifradas.
D) Natureza e Idade Moderna – neste momento civiliza-
tório, a relação com a natureza já não é a de um “livro escrito
por Deus”, mas pela ascensão do iluminismo e seus valores ra-
cionais e científicos. Tem-se que o mundo e, consequentemen-
te, a natureza, possuíam leis explicáveis através de métodos de
investigação rigorosos, que incluíam a experimentação e a ma-
tematização. A presença de Deus não é negada, mas ao invés de
ser compreendida como escritura divina, ela agora é representa-
da como uma máquina feita pelo “divino relojoeiro” que coloca
a responsabilidade de sua manutenção e operação nas mãos do
ser humano. Todavia, próximo à metade do século XVIII, os físi-
cos passaram a questionar se realmente essa máquina tinha uma
relação com o divino, ocorrendo uma ruptura entre o padrão
racional e científico iluminista e o finalismo aristotélico.

46
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Trataremos, a seguir, de algumas concepções mais con-


temporâneas acerca da relação homem-natureza, agora base-
ados na abordagem de Diegues (2001).
E) Ecologia profunda (Deep Ecology) – é um enfoque
essencialmente biocêntrico e que, diferentemente da fase fi-
nal da era moderna, racional-científica e iluminista, volta-se
a influência espiritualista, seja de viés cristão ou de religiões
orientais, aproximando-se, em certos momentos, de uma qua-
se cultuação do mundo natural.
Por ter esse condão biocêntrico, a ecologia profunda afir-
ma não existir diferenças entre seres humanos e não-humanos,
considerando que o mundo natural possui valores próprios
que independem da classificação clássica antropocêntrica ado-
tada por boa parte da civilização contemporânea.
F) Modernização Ecológica, ecocapitalismo ou ecotecno-
cracia – ao contrário da ecologia profunda, tem sua base firma-
da em uma matriz antropocêntrica de relação do homem com
a natureza e que tem como mote a crença de que a tecnologia
e o mercado são capazes de estabelecer uma relação “susten-
tável” com a natureza. Para essa forma de representação, a na-
tureza não perde o sentido realista, seja como recurso natural,
matéria-prima, ou produto a ser consumido.
Esse conceito encontra-se bem sedimentado em boa parte
dos países ditos “desenvolvidos” que hoje produzem “produtos
verdes”, tecnologia ambiental e até uma denominada “economia
verde”. Seu discurso de que o desenvolvimento econômico não
precisa parar, mas deve ser sustentável dos pontos de vista social
e ambiental, encontrou eco em diversas corporações e está pre-
sente no corpus normativo e nas instâncias operativas que tra-
tam de diversas temáticas socioambientais brasileiras, conforme
analisaremos em capítulo e tópico específico deste trabalho.
G) Ecologia Social – Nesta concepção, a degradação am-
biental é tratada como fruto direto do capitalismo. Assim
como marxistas, o seu principal idealizador, Murray Bookchin
(1964), via na acumulação capitalista a força motriz da devas-
tação do planeta.
47
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Para a concepção ecológica-social, os seres humanos de-


vem ser vistos, primeiramente, como seres sociais e não como
uma espécie diferenciada – diferentemente da proposta dos
ecologistas profundos, por exemplo. Sendo seres sociais, cons-
tituem-se em grupos diferentes como: pobres e ricos; brancos
e negros; jovens e velhos, etc. Diferentemente dos marxistas
clássicos, ao criticarem a noção de Estado, propõem uma so-
ciedade democrática, descentralizada e baseada na propriedade
comunal de produção. São considerados anarquistas e utópicos.
H) Ecossocialismo ou ecomarxismo – apresenta suas ori-
gens no movimento de crítica interna do marxismo clássico,
quando trata da concepção deste em relação ao mundo natural,
principalmente a partir da década de 60. Para os ecomarxistas,
a visão da natureza trazida por Karl Marx era estática, pois a
considerava apenas em virtude da ação transformadora do ho-
mem, por meio do processo de trabalho.
I) Ecofeminismo – Com a efervescência dos movimentos
feministas contemporâneos e buscando-se compreender fato-
res geradores da dominação feminina, surgiu o denominado
movimento ecofeminista que tem as mais variadas interpre-
tações, haja vista o fato de que vários são os feminismos.
O ecofeminismo tem buscado aliar aos debates feministas
questões de preservação e manutenção da vida saudável e dig-
na, em todas as suas formas.
Vandana Shiva (1995), que terá suas análises sobre trans-
gênicos e monoculturas trazidas mais à frente deste trabalho,
explica que os movimentos ecofeministas e ecológicos conver-
gem no sentido de buscar a construção de formas que viabili-
zem uma melhor convivência no planeta, opondo-se, portanto,
a dupla exploração capitalista e patriarcal do ecossistema e das
mulheres, para que assim seja possível o alcance de um ponto
de encontro para o desenvolvimento sustentável.
O ecofeminismo pode ser considerado como originário de
diversos movimentos sociais – de mulheres, pacifistas e am-
bientalistas – no final da década de 1970 que, em princípio,

48
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

atuaram unidas contra a construção de usinas nucleares. Algo


importante de comentarmos é que o movimento ecofeminista
trouxe à tona a relação estreita existente entre a exploração e a
submissão da natureza, das mulheres e dos povos estrangeiros,
pelo poder patriarcal. (SHIVA,1995).
Conforme já comentamos, várias são as linhas que compõem
os movimentos feministas. Assim, é salutar termos em mente que
o ecofeminismo abrange várias formas de expressão e teorias,
podendo ser dividido em três tendências majoritárias: Ecofemi-
nismo clássico; Ecofeminismo espiritualista do terceiro mundo e
Ecofeminismo construtivista (PULEO, 2013, p. 10; 2002, p. 37).
Por fim, vimos até o presente momento que a historicidade
dos discursos acerca da natureza é inegável e, na medida em
que as relações sociais se desdobram em novas necessidades
materiais para a manutenção de determinado tipo de socie-
dade, percebemos que a concepção da natureza acompanhou
essa mudança.

1.1.1 A relação do Homem com a natureza e a Produção de


Alimentos

E se somos Severinos iguais em tudo na vida,


Morremos de morte igual, mesma morte severina:
Que é a morte de que se morre
De velhice antes dos trinta,
Demboscada antes dos vinte
De fome um pouco por dia
De fraqueza e de doença
É que a morte severina
Ataca em qualquer idade,
E até gente não nascida.
João Cabral de Melo Neto,
in: Morte e vida Severina

49
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Falar da produção de alimentos é falar da relação do homem


com a natureza, de sua luta e de seu objetivo de satisfazer ne-
cessidades vitais, sendo a obtenção de alimentos uma dessas
necessidades vitais carecedoras de atendimento (PARDO,
2003, p. 109).
A produção de alimentos, a partir de métodos agropas-
toris, remete-se a estágios muito iniciais que apresentam os
vestígios do homem no planeta. Nesse sentido, a agricultura é
reconhecida como instrumento para a produção de alimentos
desde o período neolítico, aproximadamente 10.000 anos A.C.
(GRIGG, 1987, p. 79).
No período Neolítico, temos notícias de que os parâme-
tros da alimentação humana tradicional foram estabelecidos:
cultura de cereais – nomeadamente trigo e centeio; criação de
carneiros; cabras; bois e porcos. Esse parâmetro é explicado
por Flandrin e Montanari (2008, p. 36), como decorrente do
desequilíbrio entre a população e os recursos alimentares dis-
poníveis, de modo que a agricultura e a criação de gado corres-
ponderiam à necessidade de intensificar a produtividade das
principais espécies consumidas. Segundo Grigg (1987, p. 79),
nesse período, a agricultura sedentária passou lentamente a
ser estabelecida em boa parte dos grupos sociais a que se tem
referência na época.
A agricultura se manteve em padrões semelhantes durante
séculos de história da humanidade, tendo seu percurso trans-
formado de forma mais perceptível em meados dos séculos
XVIII e XIX, todos os eventos simbólicos que marcaram esse
estágio da sociedade ocidental, especificamente a europeia,
ocorrendo o avanço da chamada agricultura moderna, como
fruto da mecanização da lavoura e da utilização de insumos
químicos. Segundo Ehlers (2008, p. 14), pode ser denomina-
da como a primeira Revolução Agrícola, com mudanças na
agricultura e pecuária ocorridas a partir do século XVIII em
várias regiões da Europa. O termo revolução foi utilizado em
razão da aproximação mais acentuada das atividades agrícolas

50
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

e pecuárias, o que resultou no aumento de produção em dife-


rentes regiões da Europa Ocidental, portanto, uma revolução
(EHLERS, 2008, p. 14).
Todavia, temos principal interesse pela Revolução Verde
e seus desdobramentos, na qual os contornos do atual modelo
agroprodutivo dominante já começam a se destacar através da
industrialização da técnica agrícola com implemento de ma-
quinários e inserção de insumos químicos. Assim, passamos à
análise de referida revolução e seus prolongamentos no tópico
que segue.

1.2 REVOLUÇÃO VERDE: ESTUDO DO CONTEXTO


HISTÓRICO E SOCIAL DE SURGIMENTO

As transformações da relação do homem – ser social, com o


meio ambiente natural no qual está inserido acabam sendo ge-
radoras de desdobramentos variados, sendo que no tópico an-
terior exploramos os reflexos de referida mudança através da
forma como o ser humano foi se relacionando com a natureza
e seu consequente reflexo na produção de alimentos.
Iniciada a revolução industrial e seus desdobramentos so-
ciais, políticos, econômicos e ideológicos, os quais inaugura-
ram uma nova era da humanidade – pelo menos dentro de uma
concepção eurocêntrica da história – percebemos os incre-
mentos tecnológicos nas mais variadas áreas da vida humana,
entre eles – e como não poderia deixar de ser, desafortunada-
mente, a guerra.
Nesse cenário, vale trazer ao palco a presença de Willian
Boyce Thompson (1869-1930) que fez fortuna nos Estados
Unidos da América (EUA), através da exploração de minas de
cobre nas montanhas de Montana e que foi imbuído pela Cruz
Vermelha, em outubro de 1917, na liderança de uma missão
humanitária na Rússia – em plena revolução bolchevique.
Segundo o livro Meia-Noite em Bhopal (LAPIERRE,

51
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

MORO, 2014)9, o industrial Thompson trocou a indumentá-


ria executiva por uma vestimenta militar, acrescentou mais 1
milhão de dólares às subvenções do governo estadunidense e
partiu para a Rússia, voltando de lá convencido de que a paz no
mundo dependia de uma distribuição equânime de alimentos e
que com a projeção exponencial de crescimento da população
mundial, fazia-se necessário o incremento em tecnologia para
o desenvolvimento de plantas e sementes resistentes. Assim,
relata-se no livro em comento, que: surgiu, no ano de 1924, o
Boyce Thompson Institute For Plant Research, um centro de pes-
quisa agronômico ultramoderno, espaçoso e distante cerca de
uma hora de Nova York (LAPIERRE; MORO, 2014, p. 41-42).
Na história contada pela narrativa de Lapierre e Moro
(2014), percebe-se que para o florescer daquilo que seria deno-
minado como Revolução Verde estavam presentes elementos
que compõem a categorização de emergência de um problema
socioambiental, como a existência de autoridades científicas
que iriam trabalhar no Boyce Thompson Institute; a existência
de “propagadores”, na própria figura do mecenas da tecnologia
de combate à fome, Willian B. Thompson; a atenção dos meios
de comunicação da época noticiando o feito de tão importante
industrial, bem como os incentivos econômicos para se tor-
nar uma ação positiva – a erradicação da fome no mundo e a
emergência da figura de Thompson como patrocinador para
assegurar a legitimidade e continuação do problema levantado.
Todavia, ao mesmo tempo em que emergia o problema da
fome mundial e o panorama de necessidade de se “alimentar
o mundo” para que a paz viesse a surgir, com a legitimação
da questão através de diversos fatores, como os acima explici-
tados, outros problemas não imaginados estavam por nascer,
conforme perceberemos ao longo deste capítulo.
9. Livro de Dominique Lapierre e Javier Moro que trata da contaminação por
nuvens tóxicas exaladas da fábrica de pesticidas da empresa Union Carbide na
cidade de Bhopal, no coração da Índia, e que deixou dezenas de milhares de
mortos, milhares de feridos e continua a causar danos à população local mais
de três décadas passadas do ocorrido.

52
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Ao instituto de Willian B. Thompson, uniram-se potências


como a empresa Union Carbide que, como veremos mais adian-
te, será a protagonista da denominada “tragédia em Bhopal”,
e que, na primeira grande guerra mundial (1914-1918), con-
quistou sua primeira glória ao permitir que o gás hélio desti-
lado em seus alambiques fizesse subir os dirigíveis nos céus
da França para avistar a inimiga artilharia alemã, bem como
outras glórias utilizadas na guerra como pastilhas de carvão
ativado nas máscaras antigas que protegeram os pulmões de
milhares de soldados nas trincheiras e 25 anos depois, na se-
gunda guerra mundial, sua colaboração mais potente: a primei-
ra bomba atômica nascida no Manhattan Project. (LAPIERRE;
MORO, 2014, p. 42-43).
É possível perceber, através de relatos, como os acima
narrados, que no alvorecer do desenvolvimento tecnológi-
co do século XX, muitas descobertas ocorridas na época fo-
ram catalisadas para a indústria bélica. Todavia, encerradas
as guerras, criada a ONU – Organização das Nações Unidas e
agências como a FAO – Organização das Nações Unidas para
a Alimentação e a Agricultura, o arsenal bélico e tecnológico
produzido em décadas de animosidade precisava ser desloca-
do para alguma área que fosse tão agregadora da humanidade
como a guerra.
Tragicamente, ainda que a guerra seja dilapidadora de vi-
das e do meio ambiente natural de forma geral, ela consegue
aglutinar em torno de si exércitos apaixonados e coesos, além
de inúmeros mercenários, o que a torna tão atrativa, agrega-
dora e, literalmente, explosiva para a humanidade até os dias
de hoje.
Ao buscar-se uma saída para o direcionamento de toda tec-
nologia produzida por duas guerras mundiais e tentar evitar a
repetição de cenas como a de soldados e prisioneiros de guer-
ra, além de civis dos mais variados locais da Europa em esta-
do de inanição grave, foi que se pensou em recrutar um novo
exército, agora não mais para a “fabricação de uma guerra”,

53
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

mas para a “produção de comida” em um mundo assolado por


duas grandes guerras mundiais.
A Union Carbide, por exemplo, notória e gloriosa colabora-
dora nas grandes guerras mundiais, em menos de uma geração
– no pós segunda guerra, alçou o patamar de líder no pelotão
de empresas multinacionais, com a produção de incontáveis
produtos, como gases industrializados utilizados na indústria
petroquímica, fabricação de especialidades metalúrgicas e
toda uma gama de produtos de plástico de grande consumo,
além de uma quantidade quase infinita de produtos que faziam
com que o slogan “se é bom para a Carbide é também bom para
a América e, por conseguinte, para o mundo” fosse credibilizado
(LAPIERRE; MORO, 2014, p. 44).
Consequentemente, quando a Union Carbide buscou se
lançar na aventura de produção de pesticidas para “ajudar a
combater a fome no mundo”, nada de mais coerente com seu
passado e experiência pretérita poderia se mostrar ofertado.
Agora, passadas as guerras, sua finalidade era a de livrar a
humanidade dos insetos que roubavam os alimentos dos se-
res humanos e, assim, seu prestígio somente aumentava, bem
como os valores de suas ações.
Sempre é bom lembrar que o desenrolar de tratativas como
as acima referenciadas se dá numa perspectiva ocidentalizada
e protagonizada pelos ditos países desenvolvidos, pois até hoje
encontramos “mundos assolados” em guerras civis, religiosas,
econômicas e naturais, onde a fome se fez passado, se faz pre-
sente e, provavelmente, se fará futuro.
Mas, voltando ao nosso cenário inicial de Mundo Ocidental,
pós segunda-guerra mundial, é que se verificam as tratativas
para a convocatória desse novo exército – não mais claramente
destruidor, mas produtor de alimentos.
Conforme vimos no primeiro item deste capítulo, a ali-
mentação é, também, expressão social, a forma com que nos
alimentamos, os alimentos que escolhemos para colocarmos
sobre nossas mesas, bem como as pessoas que escolhemos

54
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

para compartilhar o “partir do pão”, diz muito de cada um de


nós, como cultura e sociedade.
Parece-nos, assim, que diante do esfacelamento promovi-
do por duas grandes guerras, nada seria mais justo do que a
junção da sociedade pós-guerra ao redor de uma grande mesa
de comunhão e união.
Desta feita, além de se fazer emergir o problema da escas-
sez de alimentos no mundo, havia um corpo técnico e científi-
co que afirmava, de forma categórica, que a forma de produção
de alimentos aplicada há milênios pela humanidade não mais
se fazia adequada, uma vez que era incapaz de produzir o mon-
tante necessário de alimentos para a população que habitava o
planeta e que passaria a habitá-lo nos futuros anos de acordo
com as projeções e dados produzidos em pesquisas e estudos
por esses mesmos técnicos. A insistência de cientistas, aliada
ao furor do mercado econômico que se reerguia, ganhava cor-
po em um discurso que garantia que era preciso “acabar com
a fome no mundo” e que, para tanto, a mudança no paradigma
de produção de alimentos era premente.
O modo de produção de alimentos da época era considera-
do insuficiente e, se agora estavam todos de posse de uma De-
claração Universal de Direitos Humanos, de uma Organização
das Nações Unidas – ONU e de uma agência de alimentação e
agricultura – FAO, em prol da defesa e bem da humanidade,
parecia que não mais se poderia permitir que desgraças, como
a ausência de alimentos, assolassem ainda mais o planeta e sua
população sofrida.
Nesse contexto, aparentemente humanitário e solidário,
surgiram descobertas como a semente de trigo batizada de So-
nora 23, pelo agrônomo estaduninese Norman Borlang, futuro
prêmio Nobel da Paz, que conseguiu criar a já referida semente
produtora de uma colheita de fortes espigas, resistentes ao ven-
to e às diferentes iluminações e chuvas torrenciais. Além disso,
com alguns talos mais curtos e menos apetitosos, era possível
obter uma maturação mais rápida e, consequentemente, várias

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A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

colheitas anuais em uma mesma safra – era a personificação da


Revolução Verde (LAPIERRE; MORO, 2014, p. 75).
Todavia, a Revolução já apresentava seus ruídos não previs-
tos, assim é que os agricultores da Índia, para onde elas foram
levadas para teste pela própria Union Carbide, viram que para
que as sementes produzissem com alto rendimento e múltiplas
colheitas, era preciso doses muito maiores de água e adubo.
Logo, em cinco anos (1966-1971), a Revolução Verde multi-
plicou por três o adubo consumido na Índia e, com a reduzida
base genética utilizada para potencializar o alto rendimento
associado ao monocultivo, as vulnerabilidades de doenças e
insetos se multiplicaram (LAPIERRE; MORO, 2014, p. 75).
Para efeitos de conclusão deste primeiro tópico, o que pa-
rece ser perceptível até o presente momento é o fato de que
momentos marcantes da humanidade como a Revolução Bol-
chevique e as duas grandes guerras mundiais tinham em seus
bastidores ricos empreendedores que, em nome de uma pro-
pagada solidariedade, apresentaram-se como patrocinadores
da mudança do padrão de produção de alimentos no mundo.
Mais adiante, veremos que certos ciclos se repetem, pois, atu-
almente, a biofortificação vem sendo propagada por bilioná-
rios do quilate de Bill Gates e esposa.
Parece-nos que os discursos que são empunhados por es-
ses “salvadores” são, muitas vezes, no sentido de que é pre-
ciso reagir e projetar o futuro e assim, dentro desse contexto
pós-guerras e artificialização da vida, surgiu a denominada Re-
volução Verde. Temos, então, um aparente paradoxo, pois os
“salvadores” das pessoas famintas do mundo são justamente
aqueles que concentram renda e poder e que estão imiscuídos
em guerras bélicas ou não. E é nesse caldo financeiro, cultural
e combativo que a agricultura se mecaniza e os agrotóxicos,
transgênicos e alimentos biofortificados tecem protagonismos
relevantes, conforme trataremos no tópico a seguir.

56
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

1.3 REVOLUÇÃO VERDE, REVOLUÇÃO GENÉTICA E


BIOFORTIFICAÇÃO: AGROTÓXICOS, TRANSGÊNICOS
E ALIMENTOS BIOFORTIFICADOS, COMO FILHOS DA
REVOLUÇÃO?

Não precisamos desses experimentos irresponsáveis


que criam novas ameaças para a biodiversidade
e para nossa saúde; não necessitamos de
soluções de nutrientes impostas por
homens poderosos sentados em lugares
distantes, que são totalmente ignorantes
da biodiversidade dos nossos campos e dos
nossos pratos, e que não terão de aguentar as
consequências de seu poder destrutivo.
Precisamos colocar a segurança alimentar
nas mãos das mulheres para que a última
entre elas e a última das crianças possam
partilhar das dádivas de biodiversidade
da natureza.
Vadanda Shiva, ativista indiana

Passadas pouco menos de duas décadas do movimento mais


intenso da denominada Revolução Verde, Rachel Carson, al-
çada ao grau de “celebridade científica” – amada e odiada por
sua denúncia ao “elixir da morte” – DDT, no livro Primavera
Silenciosa (1962)10 questionou a premissa do uso intensivo de
produtos químicos na agricultura.
É importante mencionarmos que a obra de Rachel Car-
son marcou um despertar do chamado ecologismo político,
e a relevância do livro Primavera Silenciosa encontrou-se na
coragem de Carson de arguir que já era tempo de pôr fim às

10. Apesar da referência inicial à data de 1962, ano de lançamento nos EUA da
obra Primavera Silenciosa, trabalharemos com referências de 2010, obra tra-
duzida pela editora Gaia no Brasil, razão pela qual a obra consultada aparecerá
entre parênteses, enquanto a data original entre colchetes.

57
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

“pílulas calmantes de meias verdades” (CARSON, 2010, p. 16)


quando desnudou, de forma pública, os efeitos nocivos de uma
tecnologia transplantada da indústria bélica para a agricultura
e que se disseminou globalmente após a Segunda Guerra Mun-
dial, com o projeto político-ideológico da Revolução Verde
(ABRASCO, 2015, p. 27).
Na época do lançamento do livro de Rachel Carson, a tese
que hoje pode parecer trivial para alguns grupos, mostrou-se
escandalosa, uma vez que sugeria que a população dos EUA
estava sendo envenenada lentamente pelo mau uso de pestici-
das químicos.
É preciso frisar que o contexto de escrita da obra de Carson
foi o de fim de duas guerras mundiais e do ápice da denomi-
nada guerra fria. Nesse contexto histórico-social, a indústria
química – que conforme já vimos foi uma das principais be-
neficiárias da tecnologia pós-guerra, encabeçou, também, um
dos principais papéis no imaginário estadunidense de prospe-
ridade e domínio.
O DDT, tão ferozmente atacado pela autora em comento,
era visto como um produto mágico que possibilitou a vitória
sobre pragas de insetos na agricultura e as velhas doenças
transmitidas por insetos, assim como a bomba atômica havia
destruído os inimigos militares dos Estados Unidos (CARSON,
2010, p. 12).
Segundo Linda Lear que prefacia a obra que nos referimos:

A população atribuía aos químicos, trabalhando em


seus aventais brancos e engomados em remotos la-
boratórios, uma sabedoria quase divina. Os resultados
de seu trabalho eram ornamentados com a presunção
de beneficência. Nos Estados Unidos pós-guerra, a ci-
ência era Deus e a ciência era masculina. (LEAR apud
CARSON, 2010, p. 12). (sem destaque no original).

58
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

O prefácio da obra também informa que o livro Primavera


Silenciosa foi o produto da inquietude da autora que desafiou,
de forma deliberada, a sabedoria de um governo que permitia
que substâncias tóxicas fossem lançadas no meio ambiente an-
tes de saber as consequências de seu uso de longo prazo.
Frise-se, nesse momento, que até os dias de hoje, a realidade
de uso de produtos químicos nos EUA continua da mesma for-
ma, primeiro lança-se o produto e após, fazem-se os experimen-
tos, os quais se dão com a própria população feita de cobaia.11
Continuando a tratar da pesquisa de Rachel Carson, ela
descreveu como os inseticidas à base de hidrocarbonetos clo-
rados e fósforo orgânico eram capazes de alterar os processos
celulares das plantas, animais e, por implicação, dos seres hu-
manos. A autora denunciava que a ciência e a tecnologia ha-
viam se tornado servas do afã mercadológico em sua busca de
lucros e controle de espaços e, em vez de proteger a população
de danos potenciais, o governo estadunidense agia na contra-
mão, dando seu aval para que uma variada gama de produtos
químicos fosse lançado no mercado sem qualquer prestação de
contas (CARSON, 2010, p. 15).
Apesar do contexto de produção científica vivenciado por
Carson, em meio a uma ciência que era “deus-homem”, a au-
tora conseguiu atrair prestígio e marcos ao Movimento Ecolo-
gista e do Direito Ambiental, conseguindo influenciar gerações,
despertando um engajamento ambiental, social e moral de uma
nação que é tratada como “experimento humano” até a contem-
poraneidade, além de tratar o resto do mundo com muito menos
gentileza do que a compartilhada com seus próprios cidadãos.
A relevância de primavera silenciosa perpassou décadas
e culminou com a proibição do DDT nos EUA no início da
década de 1970, e em outros países, ainda na mesma década.
No Brasil, todavia, a sua retirada ocorreu de forma fracionada,

11. Conforme relata o documentário “The Human Experiment”. Nesse ponto,


o Brasil conta com uma legislação muito mais protetiva e avançada do que a
estaduninense.

59
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

pois a primeira leva de retirada ocorreu apenas em 1985, pas-


sados mais de 23 anos da denúncia de Carson e que compreen-
deu o cancelamento de sua autorização. Após, em 1998, teve
seu uso proibido em campanhas de saúde pública e, somente,
nos idos de 2009, teve seu banimento definitivo com a publi-
cação da Lei n. 11.936/2009, que proibiu sua fabricação, im-
portação, exportação, manutenção, estoque, comercialização e
uso no país, ou seja, passados 47 anos da denúncia protagoni-
zada por Rachel Carson (ABRASCO, 2015, p. 96).
O quadro de longa demora de retirada do DDT do Brasil
pode ajudar na compreensão da razão por que outros produ-
tos químicos, atestados cientificamente de forma indiscutível,
como danosos à saúde e ao meio ambiente e proibidos em ou-
tros países, continuam em circulação no Brasil. Baseados em re-
latórios da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA,
tem-se a informação que dos 50 agrotóxicos mais utilizados
nas lavouras de nosso país, 22 são proibidos na União Euro-
peia, o que faz do Brasil o maior consumidor de agrotóxicos já
banidos de outros países (ABRASCO, 2015, p. 96).
Ressalvamos que essa relação entre agrotóxicos banidos
do país, consumo de agrotóxicos per capita no Brasil e demais
informações correlatas serão tratadas em tópico próprio deste
trabalho. Neste momento, cabe apenas, a reflexão sobre o fato
de que dentro da construção socioambiental de um problema,
como o que ora tratamos, nem sempre a autoridade científica
capaz de validar exigências ambientais em um local, valida-
rá em outro e que os demais itens enumerados por Hannigan
(1995), parecem realmente subsidiar explicações sobre a ra-
zão de um produto como o DDT ser banido nos EUA da década
de 70 e, no Brasil, apenas em 2009, e porque ainda, estamos
enfrentando o desafio de “banir os banidos”.
Um outro ponto que merece destaque dentro da perspec-
tiva construcionista e que parece ser nevrálgico dentro dos
questionamentos de Carson, nos remete a sua influência como
propagadora da problemática da contaminação através da sua

60
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

pesquisa que ligava ambiente e saúde. Sua retórica purista, que


a fazia questionar o direito moral do governo dos EUA de dei-
xar seus cidadãos desprotegidos diante de substâncias que eles
não poderiam evitar fisicamente e nem questionar publica-
mente. Para Carson, a terminologia correta não seria agrotóxi-
co ou inseticida, mas sim biocida e tanto em seu livro como em
um depoimento na Comissão criada no Congresso americano
para discussão da tema, afirmou que um dos direitos humanos
mais básicos deveria ser o direito do cidadão de estar prote-
gido em seu lar contra a intrusão de venenos aplicados por
outras pessoas (CARSON, 2010, p. 15-16).
Sobre a expressão biocidas e através de um debate baseado
nos princípios ecológicos, explorando a forma como a vida na
Terra está conectada a cada elemento, a autora propôs:

[...] há muitas [substâncias químicas] que são usadas na


guerra da humanidade contra a natureza. Desde meados
da década de 1940 mais de duzentos produtos químicos
básicos foram criados para serem usados na matança de
insetos, ervas daninhas, roedores e outros organismos
descritos no linguajar moderno como ‘pestes’, e eles são
vendidos sob milhares de nomes de marcas diferentes.
Esses sprays, pós e aerossóis são agora aplicados quase
universalmente em fazendas, jardins, florestas e resi-
dências – produtos químicos não seletivos, com o po-
der de matar todos os insetos, os ‘bons’ e os ‘maus’, de
silenciar o canto dos pássaros e deter o pulo dos peixes
nos rios, de cobrir as folhas com uma película letal e
de permanecer no solo – tudo isso mesmo que o alvo
em mira possa ser apenas umas poucas ervas daninhas
ou insetos. Será que alguém acredita que é possível lan-
çar tal bombardeio de venenos na superfície da Terra
sem torná-la imprópria para toda a vida? Eles não de-
viam ser chamados ‘inseticidas’, e sim de ‘biocidas’
(CARSON, 2010, p. 23-24).

61
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Carson questionou em sua obra a razão que levou uma ci-


vilização a optar por travar uma guerra contra a vida, sendo
um dos questionamentos da obra Primavera Silenciosa o fato
dos agrotóxicos não serem compreendidos como armas de
uma guerra não declarada, cujas vítimas humanas e não hu-
manas eram ocultadas por uma ciência cerceada por interes-
ses econômicos ou justificadas por esta mesma ciência como
efeitos colaterais do emprego de uma tecnologia apresentada
como indispensável. (ABRASCO, 2015, p. 28)
No campo de disputas inserido pelo uso de agrotóxicos na
produção de alimentos, a retórica da ocultação ou da justifi-
cação parece se fazer presente até os dias de hoje por aque-
les que defendem o modelo mecanicista e agroindustrializado
de produção de alimentos. Por essa razão, o alarme soado por
Rachel Carson em Primavera Silenciosa representou um duro
golpe contra os argumentos propagandeados até então pelas
indústrias agroquímicas. Não é à toa que nessa época, junta-
mente com o discurso da ocultação ou justificação e em parce-
ria com segmentos da denominada ciência institucionalizada,
surgiu um terceiro e poderoso estratagema: a desqualificação,
conforme noticia o próprio Dossiê Abrasco, que possui em sua
concepção uma visível influência do método de abordagem
adotado por Rachel Carson. O próprio Dossiê Abrasco (2015,
p. 28) frisa que a autora em comento provou o gosto amargo
da execração pública, uma vez que sofreu inúmeras acusações
e ameaças quando ousou questionar o sistema de poder corpo-
rativo em plena era Macarthista.
Passadas décadas do ocorrido, percebemos que alguns ciclos
relacionados a pesquisadores, denúncias e ação governamental
parecem se repetir, mas trataremos de forma mais específica
sobre essa questão em capítulo próprio deste trabalho.
Apenas para exemplificarmos o tipo de situação enfren-
tada por Rachel Carson, ao ousar enfrentar os “filhos da Re-
volução Verde”, bem como seus pais ricos e furiosos, cite-se
o título nada convencional de um artigo publicado na época,

62
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

denominado de “Silêncio, Sra. Carson” (DARBY, 1962)12, que


através de pesquisadores recrutados pela indústria agroquímica
contra as revelações apresentadas em Primavera Silenciosa, bus-
caram calar e ridicularizar sua voz de denúncia, além de procura-
rem culpabilizá-la pela morte de milhões de pessoas por malária
ou dengue, uma vez que seus estudos foram determinantes para
o banimento do DDT no mundo (ABRASCO, 2015, p. 27-28).
Rachel Carson pareceu não estar disposta a dissociar a
ciência da ética, a fim de atender a interesses empresariais.
Abaixo, reproduzimos uma de suas reflexões sobre a super-
produção e os impostos pagos pelos contribuintes dos EUA,
onde ela joga algumas luzes na razão de tal conduta por parte
da indústria e do governo:

[...] Dizem-nos que o uso intenso e em expansão de


pesticidas é necessário para manter nossa produção
agrícola. Entretanto, será que nosso problema real
não é a superprodução? Nossas fazendas, apesar das
medidas para reduzir a área destinada à produção e
pagar os fazendeiros para não produzir, têm produzi-
do colheitas de um excesso tão espantoso que o con-
tribuinte norte-americano de impostos em 1962 está
pagando mais de 1 bilhão de dólares ao ano em custos
totais do programa de armazenamento do excesso de
alimentos produzidos. E será que contribui para me-
lhorar a situação quando um setor do Departamento de
Agricultura tenta reduzir a produção enquanto outro
declara, como fez em 1958: “acredita-se de modo geral,
que a redução nas áreas de cultivo sob as condições do
banco da terra estimularão o interesse no uso de pro-
dutos químicos para obter uma produção máxima nas
terras conservadas para o cultivo.” (CARSON, 2010, p.
25). (sem destaque no original).

12. Informação pessoal de Raquel Rigotto constante do Dossiê ABRASCO


(2015, p. 28).

63
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

A análise de pontos controversos, como o da superprodu-


ção em um cenário alimentado pelo discurso da futura subpro-
dução de alimentos, é de extrema relevância e demonstra que,
além dos aspectos tributários trazidos por Carson na citação
acima, outros interesses e recursos estavam em jogo.
Observamos que a contradição de interesses parece ser
observável em diversos momentos de efervescência da Revo-
lução Verde e, em determinados momentos, se explicita, como
no desastre de Bhopal 13– Índia, ocorrido em 1984 e que pro-
duziu, na época, cerca de 4 mil mortes diretas e centenas de
milhares (entre 200 a 500 mil)14 de feridos e afetados pelos
efeitos crônicos do vazamento de 40 toneladas de gases tóxicos
– isocianato de metila e hidrocianeto, utilizados no processo
de fabricação de agrotóxicos por parte da Union Carbide – já
mencionada quando da abordagem do histórico de surgimento
da Revolução Verde e hoje pertencente a também gigante Dow
Química (ABRASCO, 2015, p. 96).
O contexto que abarca a relação do homem com a natu-
reza e se reflete na produção de alimentos, conforme temos
buscado demonstrar até agora, cinge-se da predominância da
artificialização das técnicas produtivas através da utilização de
transgênicos – OGMs, fertilizantes de origem industrial, uso
de agrotóxicos e incrementos de alimentos biofortificados.
O Brasil, ainda que não tenha sido berço de nascimento
da Revolução Verde, conquistou, ao lado de países como Ín-
dia, um solo fértil para o crescimento dos filhos da Revolução
Verde e adotou como padrão agroprodutivo a exportação do
alimento-mercadoria em forma de commodities, sendo susten-
tado por diversas políticas públicas que visam facilitar e am-
plificar a expansão e acumulação capitalista da agricultura.15
13. Voltaremos aos efeitos de desastres e contaminações químicas sobre a saú-
de humana no capítulo 03 desse trabalho.
14. As estimativas não são precisas, uma vez que até a presente data, passadas
3 décadas do “acidente”, nenhuma punição formal ou mesmo um “pedido de
desculpas” às populações atingidas ocorreu. (LAPIERRE; MORO, 2014, p. 346)
15. Ainda que não seja tema específico dessa pesquisa, mas apenas para que

64
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Assim, além de detentores do título de maior merca-


do consumidor de agrotóxicos do mundo e segundo maior
mercado consumidor de transgênicos do mundo (FIOCRUZ,
ABRASCO et.al), temos um mercado controlado por 6 grandes
grupos transnacionais: Syngenta, Bayer, Basf, Dow, DuPont e
Monsanto e uma oferta de fertilizantes concentrada em 3 gru-
pos transnacionais, controladas desde 2007, pela Bunge, Yara e
Mosaic. Ressalte-se que esse movimento de controle é recente
e que até a data de 1992 as empresas Ultrafértil e Fosfértil, am-
bas da Petrobras, controlavam a oferta de fertilizantes no país.
Temos também que 26% do comércio varejista de alimentos
no Brasil está controlado por grupos econômicos transnacio-
nais, como Nestlé, PepsiCo e Coca-Cola, entre outras similares
(ABRASCO, 2015, p. 104).
Reencontraremos as empresas acima citadas em outros
momentos e capítulos deste trabalho, por hora, fiquemos com
os dados acima apresentados e que buscam demonstrar a ex-
tensão de seu poderio e controle de mercado.
Ainda em relação ao tema agrotóxicos e transgênicos é im-
portante refletirmos sobre o que diz outra atual expoente do
combate à industrialização e artificialização da produção agrí-
cola através de produtos químicos, Vandana Shiva, que em seu
livro “Monoculturas da mente” alerta para o fato de que:

Também na agricultura a mentalidade reducionista


criou a safra de monoculturas. O milagre das novas se-
mentes tem sido comunicado muito frequentemente

seja possível situarmo-nos, minimamente, nos frutos mercantis da Revolução


Verde no país, temos informações que o dinheiro oferecido pelos governos
para os negócios agroprodutivos brasileiros é tanto que em pesquisa de CAR-
VALHO (2012) foi apontado que o agronegócio recebia cerca de R$ 90 bilhões
de crédito e gerava um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 120 bilhões, de um
total do PIB agrícola de R$ 160 bilhões e que as dívidas agrícolas de 2005 a
2008 geraram 15 leis e 115 atos do Conselho Rural para sua renegociação, ou
seja, um grande favorecimento aos aliados dos grupos econômicos transnacio-
nais de insumos. (CARVALHO, 2012 apud ABRASCO, 2015, p. 104)

65
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

pela sigla VAR (Variedades de Alto Rendimento). A ca-


tegoria VAR é crucial no paradigma da revolução verde.
(SHIVA, 2003, p. 56).

Shiva (2003, p. 56) informa, todavia, que ao contrário do


que é sugerido pelo termo VAR, não existe uma medida neutra
ou objetiva de “produtividade”, que esteja fundamentada em
um sistema de cultivo baseado em sementes milagrosas que
têm um rendimento maior comprovado, quando em compa-
ração com um sistema de cultivo tradicional e complementa:
“agora tem aceitação universal a afirmação de que não existem
termos observacionais neutros nem nas mais rigorosas disci-
plinas científicas, como a física”. Todos os termos são estabe-
lecidos pela teoria”.
A categoria VAR, logo, também não é um conceito observa-
cional neutro, alerta Shiva. Assim, para a autora, o significado e
a mensuração do VAR são determinados pela Teoria e pelo Pa-
radigma da Revolução Verde, que conforme vimos, tem em seus
bastidores uma rica indústria química (SHIVA, 2003, p. 56).
Shiva diz ainda que:

A categoria de VAR da Revolução Verde é essencial-


mente uma categoria reducionista que descontextualiza
propriedades tanto das variedades autóctones quanto
das novas. Como processo de descontextualização, os
custos e os impactos são externalizados e a comparação
sistêmica com alternativas é impossibilitada. (SHIVA,
2003, p. 56).

Exemplificando o que afirma, a referida autora menciona que:

Em geral, os sistemas de cultivos envolvem uma inte-


ração entre o solo e a água e os recursos genéticos das
plantas. Na agricultura nativa, por exemplo, os sistemas
de cultivo incluem uma relação simbiótica entre solo,

66
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

água, plantas e animais domésticos. A Agricultura da


Revolução Verde substituiu essa integração no nível
da propriedade rural pela integração de insumos
como as sementes e os produtos químicos. O pacote
semente/produto químico estabelece suas próprias in-
tegrações particulares entre os sistemas de solo e água
que, no entanto, não são levados em conta na avaliação
da produtividade. (SHIVA, 2003, p. 57). (sem destaque
no original).

O que se percebe com a ideia defendida no livro em co-


mento é que a estratégia da Revolução Verde tem por obje-
tivo aumentar a produtividade de um único componente de
uma propriedade rural – monocultivo, ao custo da redução de
outros componentes e aumento dos insumos externos. Assim,
uma comparação feita nesses termos, é considerada, por de-
finição, tendenciosa na visão da autora, pois busca tornar as
novas variedades “extremamente produtivas”, mesmo que no
nível dos sistemas, não o sejam (SHIVA, 2003, p. 57).
Os sistemas agrícolas tradicionais, por seu turno, se ba-
seiam em sistemas de rotação de culturas com variedade e di-
versidade a cada safra, enquanto a Revolução Verde, conforme
já vimos, baseia-se na monocultura de OGMs.
Para Shiva (2013, p. 57), a avaliação da produtividade de
diversas safras produzidas em sistema misto e de rotação de
culturas nunca é vista de forma realista, pois o que se faz é
destacar o rendimento de uma única planta, como trigo ou mi-
lho, e compará-lo com a produtividade de novas variedades.
Ocorre que, segundo a autora, mesmo que a produtividade de
todas as safras fosse incluída, não é possível fazer a conversão
da medida de produção de legumes em uma medida equivalen-
te de trigo, por exemplo, seja como alimentação ou interação
com o ecossistema, uma vez que possuem funções distintas.
Uma comparação nesses moldes precisa envolver sistemas
inteiros e não pode ser reduzida à comparação de um fragmento

67
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

de um sistema agrícola, pois em sistemas agrícolas tradicio-


nais, por exemplo, a produção envolve a conservação das con-
dições de produtividade.
Shiva (2013, p. 57) é contundente em sua crítica ao siste-
ma de medida de rendimento e produtividade do paradigma da
Revolução Verde quando afirma que este se encontra divorcia-
do do entendimento de que os processos de aumento da pro-
dução agrícola afetam os processos que mantêm as condições
da produção agrícola, e que essas categorias reducionistas de
rendimento e produtividade, além de provocarem uma des-
truição maior, afetando safras futuras, também exclui a per-
cepção das diferenças dramáticas entre dois sistemas distintos
em termos de insumo.
Abaixo, mostramos uma figura que retrata o sistema agrí-
cola de insumos internos defendido pela autora. Podemos
observar que é um sistema de cultivo que se baseia exclusi-
vamente em insumos orgânicos internos, com sementes e fer-
tilidade do solo tendo por origem comum a própria fazenda de
cultivo e com o controle de pragas sendo realizado pela rota-
ção de culturas.

Figura 1: Sistema agrícola de insumos internos (SHIVA, 2013, p. 60).

68
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

No pacote da Revolução verde, todavia, o sistema agrícola


ativado é outro, com safras atreladas à aquisição robusta de
insumos sob a forma de sementes, fertilizantes químicos, pes-
ticidas, petróleo e irrigação intensiva e acurada, conforme ve-
rificamos na figura a seguir.

Figura 2: Sistema agrícola de insumos externos (SHIVA, 2013, p. 62).

Nos dizeres de Shiva (2003, p. 57-58), uma produtividade


elevada não é intrínseca às sementes, mas uma função da dis-
ponibilidade dos insumos necessários que, por sua vez, têm
consequências ecologicamente destrutivas para o ecossistema.
Para melhor ilustrar a tese relativa à produtividade pretensa-
mente revolucionária da mecanização e artificialização do sis-
tema agroprodutivo, hoje dominante no Brasil e em boa parte

69
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

do mundo, a autora em comento produziu o quadro compara-


tivo abaixo:

Quadro 2: Como a Revolução Verde Distorce as comparações.


(SHIVA, 2013, p. 59).

A comparação deveria ocorrer entre dois sistemas de cul-


tivos distintos SC1 e SC2, com a inclusão do leque de insumos
e produtos acionado por cada sistema. Além disso, a compara-
ção de SC2 seria diferente, caso ele não recebesse imunidade
em termos de uma avaliação ecológica e a base de análise es-
tratégica produzida pela Revolução Verde que distorce a com-
paração entre PS1 e PS2. (SHIVA, 2013, p. 59).
É importante ressaltarmos que o discurso de Vandana
Shiva, assim como o de Rachel Carson, enquadra-se no que
podemos denominar de contramajoritário em relação ao sis-
tema agroprodutivo. Se, a já falecida Rachel Carson, passou
por perseguições pessoais e científicas e tentativas variadas
de desqualificação, ocultação ou justificação, passadas algu-
mas décadas e de forma muito similar, Vandana Shiva, física,

70
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

ecofeminista e ativista ambiental, parece compartilhar da mesma


sina de perseguições e entraves já protagonizados por Carson.
Mas, se os discursos contra a Revolução Verde e seus fi-
lhos mais portentosos: agrotóxicos e transgênicos são mino-
ritários, o que seriam então os discursos majoritários? Para
respondermos a essa indagação é preciso “passearmos” pelos
sites de empresas como Syngenta, Bayer, Basf, Dow, DuPont e
Monsanto, as quais apresentam seus “filhos revolucionários”
com roupagem e discurso frontalmente diverso ao já estudado
até agora.
Para o presente comparativo, proposto neste trabalho,
utilizaremos a Monsanto como norteador de estudo em sua
abordagem agromercadológica em relação aos transgênicos,
agrotóxicos e biofortificados, cientes de que as demais empre-
sas supra referidas possuem abordagem semelhante. Bayer e
Monsanto16 inclusive, foram fundidas no ano de 2016, o que
demonstra o quanto o trabalho dessas empresas é coeso.
Navegando pelo site da Monsanto, temos a informação
de que a empresa pesquisa e trabalha com o melhoramento
de variedades de soja, milho, sorgo, algodão e hortaliças, as
quais são adaptadas às diferentes condições de solo e clima
brasileiro e que, em todo o mundo, a empresa investe mais de
16. A Bayer comprou a Monsanto por 66 bilhões de dólares. Referida aquisi-
ção corporativa pareceu dar origem ao que é, de longe, a maior corporação de
agronegócio do mundo. Segundo os resultados financeiros de 2015, as duas
empresas têm um volume de negócios combinado de US$ 23,1 bilhões. Nin-
guém do ramo pode igualar-se a elas. Os jovens casais Syngenta / ChemChina
e Dupont / Dow as seguem de longe (US$ 14,8 e 14,6 bilhões, respectivamen-
te), e a Basf está em quarto lugar, com US$ 5,8 bilhões. Assim, a Bayer e a Mon-
santo controlam, juntas, cerca de 25% do mercado mundial de pesticidas; e de
30% das vendas de sementes agrícolas — tanto as geneticamente modificadas
quanto as convencionais. Considerando-se somente as plantas transgênicas –
OGMs, as duas corporações juntas atingem uma clara posição de monopólio,
com mais de 90%. Referida aquisição pode gerar o aumento dos preços e a
diminuição de escolhas para os agricultores do mundo. Mais informações po-
dem ser consultadas em: Dossiê Monsanto: em risco, a alimentação do mundo.
Disponível em: <https://outraspalavras.net/posts/dossie-monsanto-em-ris-
co-a-alimentacao-do-mundo/>. Acesso em: 05 fev. 2017.

71
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

US$ 1,4 bilhão por ano em pesquisa e desenvolvimento de pro-


dutos novos e que buscam proporcionar aos agricultores um
“portfólio amplo, diferenciado, de alta tecnologia e com caracte-
rísticas específicas para cada região.”17
Percebemos, incialmente, a abordagem mercadológica
com a utilização de termos, como: “portfólio”, “diferenciado”,
“investe”, “produtos”, “alta tecnologia” o que nos remete ao
fato de que se lida com a dimensão do alimento-mercadoria,
fruto de um imbricado processo agroindustrial e produtivo
que movimenta bilhões, e que precisa ofertar aos seus agri-
cultores-consumidores produtos diferenciados, tecnológicos
e competitivos.
Abaixo, “pinçamos” algumas imagens dos produtos ofe-
recidos pela empresa em seu endereço eletrônico, onde as
sementes de soja e milho, dois dos “carros-chefes” do agro-
negócio brasileiro apresentam-se como produtos com logo-
marca própria:

Figura 3: Imagens dos produtos comercializados no site da empresa


Monsanto do Brasil.

A abordagem da produtividade também ocorre de modo


mercadológico, não sendo realizado qualquer comparativo

17. Dados retirados do site da Monsanto para o público brasileiro e disponí-


veis no endereço: <http://www.monsanto.com/global/br/produtos/pages/
sementes.aspx>. Acesso em: 09 fev. 2017.

72
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

como o proposto por Shiva (2013) em sua obra. A seguir,


apresentamos uma das inserções comerciais localizadas no
sítio eletrônico que estamos estudando e que começa com a
indagação sobre os resultados da produtividade da região de
trabalho do agroconsumidor.

Figura 4: Comerciais do site Monsanto (MONSANTO, 2017).

Observe-se que a indagação traz consigo uma proposição,


observar os resultados de produtividade da região e realizar
um comparativo com os híbridos da marca DEKALB em agro-
consumidores de todo o Brasil.
Na figura abaixo, para melhor ilustração do proposto pela
empresa, eles apresentam os números da Soja Monsoy e infor-
mam que trabalham intensamente para atingir os melhores re-
sultados de produtividade e apresentam, de forma detalhada,
as suas “completas estruturas de trabalho” (SIC), informando,
ainda que, buscam sempre reunir o conhecimento dos téc-
nicos com a experiência de sojicultores e, assim, apresentar
os resultados das variedades da semente Monsoy, afirmando,
enfaticamente, que os números são um sucesso com médias
comprovadas – ainda que não especificadas, evidentemente,
na propaganda – de produtividade de 69,4 sc/ha para a região
Norte e 71 sc/ha para a região Sul na safra de 2015/2016.

73
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Figura 5: Números da Soja Monsoy (MONSANTO, 2017).

Importante notarmos que este padrão de mecanização e


artificialização da agricultura através de agrotóxicos e transgê-
nicos vem se prologando no tempo e no espaço e se os filhos
da chamada Revolução Verde foram em um primeiro momen-
to os agrotóxicos e depois os transgênicos, hoje já se fala em
novos desdobramentos da própria Revolução Verde, no qual
teríamos transitado do “esverdeamento” para a Revolução Ge-
nética – OGMs, estando, atualmente, na fase da chamada bio-
fortifação dos alimentos.

1.3.1 BIOFORTIFICAÇÃO: O FILHO CAÇULA DA REVOLUÇÃO?

Em relação ao tema da biofortificação de alimentos é válido


mencionarmos o estudo produzido pelo Fórum Brasileiro de
Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional – FBSSAN que
tem acompanhado o debate sobre a manipulação de plantas
destinadas a aumentar o conteúdo de micronutrientes e que
afirma em publicação de agosto de 2016 que as intervenções
no campo da biofortificação tem ocorrido sob uma ótica tec-
nocrata, sendo financiada por interesses privados e decidindo
em lugar da sociedade o que, pretensamente, seria bom para
essa mesma sociedade (FBSSAN, 2016, p. 6).

74
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O documento formulado pelo FBSSAN informa que apre-


senta seus subsídios ancorado em discussões pretéritas com
parceiros e especialistas de diversos setores, através de reu-
niões realizadas desde o ano de 2010 e aponta como marco
inicial o Congresso Brasileiro de Agroecologia (novembro de
2013 – POA/RS), seguido pelo Congresso Brasileiro de Nu-
trição (setembro de 2014 – Vitória/ES); a Oficina sobre Bio-
fortificação de Alimentos no Conselho Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (novembro de 2014 – Brasília/DF);
o Congresso Internacional de Nutrição Especializada (maio
de 2015 – RJ/RJ); o Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva
(julho de 2015 -Goiânia/GO) e a V Conferência Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (CNSAN) – Atividade in-
tegradora “Biofortificação de alimentos: contexto e controvér-
sias” (novembro de 2015 – Brasília/DF). 18
Em relação a uma conceituação, o relatório do FBSSAN
(2016) informa que o significado do termo biofortifica-
ção, as definições a ele atribuídas e suas representações, na
prática, divergem completamente, fato que não nos causa
18. Segundo o documento da FBSSAN, para a construção dos argumentos e
reflexões apresentados ocorreram contribuições de diversos militantes e es-
tudiosos da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Sendo listados
os responsáveis direitos pela construção do texto, os quais mencionamos a
seguir: Anelise Rizzolo (Universidade de Brasília/ OPSAN/CONSEA/ABRAS-
CO); Élido Bonomo (Universidade Federal de Ouro Preto / FBSSAN); Elisa-
betta Recine (Universidade de Brasília/ OPSAN/CONSEA/ABRASCO); Fabio
Gomes (Instituto Nacional do Câncer – INCA); Fernanda Bairros (Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul / Rede de Mulheres Negras para SSAN /
FBSSAN); Inês Rugani Ribeiro de Castro (Instituto de Nutrição da Univer-
sidade do Estado do Rio de Janeiro); Juliana Casemiro (Universidade do Es-
tado do Rio de Janeiro/ FBSSAN); Juliana Dias – Malagueta (Comunicação/
Universidade Federal do Rio de Janeiro – doutoranda – HCTE); Leonardo
Melgarejo (Associação Brasileira de Agroecologia (ABA)/ AGAPAN/PPGP
Agroecosistemas-UFSC); Maria Emília Pacheco – Federação de Órgãos de
Assistência Social e Educacional (Fase)/ FBSSAN/ ANA; Mónica Chiffoleau
– Malagueta (Comunicação/ Universidade Federal do Rio de Janeiro – douto-
randa – HCTE); Sonia Lucia Lucena Sousa de Andrade (Universidade Federal
de Pernambuco – professora aposentada); Vanessa Schottz (Universidade Fe-
deral do Rio de Janeiro – Campus Macaé/ FBSSAN). (FBSSAN, 2016, p. 6-7)

75
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

estranhamento, uma vez que o contexto de produção de ali-


mentos é alvo de disputas das mais variadas, não podendo ser
esperada uniformidade conceitual de tão recente terminologia.
Assim, temos na palavra biofortificação um exemplo vívi-
do de como a definição de determinados conceitos e termos
podem ter repercussões técnicas e políticas divergentes de
acordo com quem usa o termo e em qual contexto.
Partindo para uma tradução literal do termo que tem suas
origens no latim e no grego, temos que fortis (latim) significa
forte; e bios (grego) significa vida. Portanto, o termo bioforti-
ficação se refere à ação de “potencializar/tornar forte a vida”.
A partir dessa breve digressão literal, podemos chegar a duas
conclusões iniciais: a primeira, é que se assume com o termo
o fato de que a vida pode ser ou estar “fraca” e, em segundo,
se é preciso potencializar/tornar forte essa “vida fraca”, isso
ocorrerá por intermédio de alguém ou algo e através de uma
ação externa.
O documento do FBSSAN (2016, p. 8) joga algumas luzes
sobre o termo e suas definições ao dizer que:

[...] as definições e uso do termo surgem no âmbito das


estratégias de correção técnica da baixa ingestão de
micronutrientes pela população. Por isso significam a
manipulação genética de plantas com o objetivo de
aumentar a concentração de alguns micronutrientes
específicos na planta. Ou seja, o termo que promete
tornar a vida, ou um ser vivo mais forte, na verdade
significa fazer uma planta, ou parte de uma planta
comestível, expressar uma maior concentração de
um micronutriente em seu conteúdo. (sem destaque
no original).

Chama-nos a atenção o fato de que – se no início da Re-


volução Verde – era preciso modernizar a agricultura atra-
vés da mecanização e artificialização química e se durante a

76
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

revolução genética era preciso avançar nesses rumos inicial-


mente propostos pela Revolução Verde, na era da biofortifica-
ção, promove-se a ideia de que um alimento pode ser produ-
zido de “forma fraca”, enquanto outro pode ser produzido de
“forma forte” e com melhor qualidade nutricional através da
adição de micronutrientes específicos.
A Rede Biofort19 define biofortificação como “um processo
de cruzamento de plantas da mesma espécie, gerando culti-
vares mais nutritivos.” (FBSSAN, 2016, p. 8), o que, segundo
os pesquisadores que produziram o documento da FBSSAN,
que aborda o tema da biofortificação, na prática traduz-se pela
manipulação de cultivares para obter maiores teores de ferro,
zinco e vitamina A1, por exemplo.
O relatório FBSSAN (2016) continua afirmando que:

A definição forjada por iniciativas de correção técnica-


-artificial das deficiências de micronutrientes cooptou
um termo e o distorceu induzindo muitos gestores e a
população a enxergarem um alimento, seja um grão,
um tubérculo, uma leguminosa, ou uma fruta ou hor-
taliça “biofortificada” como um alimento melhor,
mais forte, mais nutritivo, mais saudável, quando ele
simplesmente tem uma concentração maior de um ou
outro micronutriente em específico.

A definição, faz mau uso do termo e provoca enga-


no, ao induzir a população a pensar que a vida, neste
caso, plantas e partes de plantas que servem de ali-
mento, são fracos e inferiores aos “biofortificados”, o
que não é verdade. A força da natureza se baseia na di-
versidade e riqueza de todo o ecossistema e não na ca-
pacidade individual de uma ou outra espécie de exercer
um superpoder. (FBSSAN, 2016, p. 8-9). (sem destaque
no original).
19. Uma das difusoras do termo e da estratégia no Brasil (FBSSAN, 2016, p. 8)

77
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

A seguir, para melhor visualização, uma ilustração pro-


duzida pelo boletim do FBSSAN (2016) mostrando esses
três momentos da modernização da agricultura e seus princi-
pais protagonistas:

Figura 6: Histórico das revoluções agrícolas (FBSSAN, 2016, p. 04).

78
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Podemos observar que empresas como a Monsanto, Bayer


e Syngenta, por exemplo, atravessam as “revoluções”, inician-
do sua jornada com a Revolução Verde, passando para a Revo-
lução Genética e depois, como no caso expresso da Syngen-
ta demonstrado no quadro acima, chegam ao atual contexto
de biofortificação de sementes. Outro fator que nos chama a
atenção é o que se refere ao fato de que, se a Revolução Ver-
de, teve em Thompson e seu instituto um mecenas, conforme
mencionamos no início deste trabalho, a Revolução Genética
e a Biofortificação parecem ter encontrado seus mecenas nas
figuras dos multimilionários Bill e Melinda Gates e sua funda-
ção, que iniciou sua atuação por vias filantrópicas na África
durante a Revolução Genética e, atualmente, financia os pro-
gramas da Harvest Plus e SUN de biofortificação de sementes,
recebendo, inclusive, críticas em relação à produção de bana-
nas biofortificadas20 e geneticamente modificadas. Além disso,
o programa HarvestPlus também é financiado pela empresa
Syngenta, produtora de agrotóxicos e transgênicos.
Aqui, parece-nos que estamos diante de uma questão im-
bricada, pois, de um lado, temos o problema da escassez de
alimentos no mundo sendo gerida por pessoas atreladas ao ca-
pital financeiro e todo o status quo garantidor da falta de ali-
mentos nas mais diversas mesas do mundo se arvorando como
patrocinadoras do fim desse mesmo problema. De certa forma,
todo o modo produtivo que eles patrocinam parece “criar esse
problema” e temos, paradoxalmente, os mesmos “criadores de
problemas” se oferecendo como portadores de solução.
Solução essa que é representada em discursos como o de
Carson, Shiva, Abrasco e outros, como intoxicadora dos so-
los, desequilibradora dos ecossistemas, aniquiladora da so-
berania alimentar, comprometedora do equilíbrio climático,

20. Para maiores informações sobre as críticas às bananas biofortificadas é


possível acessar Goldberg M. GMO-bananas are going into human trials – why
this won’t end well. 22 junho 2014. Disponível em: <http://livingmaxwell.
com/gmo-bananas-human-trials-bill-gates>. Acesso em: 05 mar. 2017.

79
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

entre outras externalidades socioambientais negativas trazidas


por um modelo tecnológico e mercadológico de agroprodução
o qual vem sendo encampado de forma diligente por nosso
mercado global.
Assim, temos que ao emergir o problema da escassez de
alimentos no mundo e sua posterior solução, outro problema
estava e está por emergir, dependendo dos atores envolvidos
e das disputas de retóricas e narrativas, onde de um lado, te-
mos o agrobussiness, afirmando ser impossível produzir fora
do atual modelo e impondo melhorias e avanços tecnológicos
como a biofortificação e, por outro lado, temos cientistas e
organizações diversas alertando que o modus operandi utili-
zado para “acabar com o problema da fome” deve passar ao
largo das questões lançadas pelo mercado financeiro mundial,
e que é preciso respeitar a soberania alimentar dos povos,
propiciar segurança alimentar e o acesso ao direito humano
à alimentação adequada para que a solução do problema da
fome/insegurança alimentar chegue a um patamar realmente
claro de resolução.
É importante relatar a interferência do setor comercial
sobre pesquisas e tomadas de decisões, assim, temos que
apesar do Brasil ter seus estudos sobre biofortificados, em
sua quase totalidade, conduzidos pela Embrapa – empresa
pública, a implementação desse projeto tem em sua origem
e desenvolvimento em uma forte participação de empresas
e fundações privadas.
No relatório do FBSSAN (2016, p. 16) são colacionadas
informações sobre os currículos lattes dos acadêmicos respon-
sáveis pelos estudos de biofortificação, sendo mencionada a li-
gação desses pesquisadores com uma série de empresas como
Monsanto, Bayer, Mosaic, Ceres e Giz e as páginas na inter-
net21, que trazem conteúdo sobre biofortificação e que citam
diversas empresas comprometidas com o agrobusiness, como
21. Exemplos são as páginas citbiofort.com.br, embrapa.br, cgiar.org, harves-
tplus.org e agrosalud.org

80
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Fibria, Polímata, Unilever, Pioneer, PepsiCo, entre outras gi-


gantes do setor alimentício.
Nesse instante, é interessante darmos uma pausa no estu-
do do relatório do FBSSAN (2016), e nos debruçarmos sobre
a página da Embrapa na internet que conta com um texto em-
blemático de autoria de Marília R. Nutti, vinculada à Embra-
pa Agroindústria de Alimentos, Rio de Janeiro, RJ intitulado
“A História dos projetos HarvestPlus, AgroSalud E BioFORT
no Brasil” e publicado no ano de 2011. Em pouco mais de 10
páginas, a autora menciona os marcos históricos e os princi-
pais envolvidos no processo de biofortificação no país.
Em apertada síntese, podemos extrair do documento al-
gumas informações relevantes e que mostram que, apesar de
recente – iniciado em 2002, o empreendimento denominado
Biofortificação tem caminhado de forma célere no país.
Segundo o relatório de Nutti (2011, p. 01), em abril de
2002, o presidente da Embrapa, Alberto Duque Portugal, so-
licitou que ela, então Chefe Geral da Embrapa Agroindústria
de Alimentos, participasse em Washington da reunião técnica
que iria discutir a proposta do Programa Desafio em Bioforti-
ficação (BCP – Biofortification Challenge Program), sendo que
a Embrapa, inicialmente, participaria apenas com o cultivo da
mandioca. A reunião de dois dias foi coordenada por Joachim
Voss, diretor geral do CIAT, que foi auxiliado por Howarth
(HOWDY) Bouis, economista do The International Food Po-
licy Research Institute (IFPRI), e Joe Tohme, especialista em
melhoramento genético e biólogo molecular do Centro Inter-
nacional de Agricultura Tropical (CIAT); participaram ainda
Ross Welch, da Universidade de Cornell, e Robin Graham, da
Universidade de Adelaide, além de 40 outros membros para
decidir os ajustes à proposta que em dois meses seria apresen-
tada para financiamento.
No mesmo ano, em novembro de 2002, Howdy Bouis,
Joe Tohme e Ross Welch visitaram a Embrapa Agroindústria
de Alimentos, no Rio de Janeiro, com o intuito de avaliar as

81
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

possibilidades de colaboração na área de ciência e tecnologia


de alimentos. Nesta ocasião, ficou estabelecida a liderança do
projeto no Brasil, através da Embrapa Agroindústria de Ali-
mentos e, a partir de 2003, foram elaboradas as propostas de
trabalho do Projeto Biofortificação de Produtos Agrícolas para
Nutrição Humana – sendo este o principal componente do
HarvestPlus no Brasil. (NUTTI, 2011, p. 01)
O projeto inicial buscou definir as denominadas popula-
ções segregantes de mandioca, feijão e milho com potencial
agronômico e maior valor nutricional (teores mais elevados de
Ferro, Zinco e Pró-vitamina A), o que, segundo Nutti (2011, p.
02): “poderia melhorar a saúde da população e promover o desen-
volvimento sustentável, maior igualdade social e maior uso desses
produtos no mercado internacional”
Ao longo do trabalho, perceberemos termos/conceitos
como saúde, desenvolvimento sustentável e igualdade social
portando significados e significantes diferentes de acordo com
os atores envolvidos no protagonismo do tema/conceito. Nes-
se momento, vale notarmos que o discurso de Nutti (2011),
sintetizado nas duas linhas reproduzidas acima, coloca os con-
ceitos supramencionados como carecedores de uma “melhora”
que será permitida através da utilização do que ela denomina
de “produtos”.
No ano seguinte, 2003, as propostas de acordos para co-
ordenação e as atividades relativas à mandioca, feijão e milho
foram assinadas com a disponibilização dos recursos para o
início dos trabalhos e, nos dois primeiros anos, foram selecio-
nadas e multiplicadas cerca de três mil variedades de mandio-
ca, feijão e milho – aproximadamente mil de cada cultivo, que
foram avaliadas quanto aos teores de ferro, zinco, carotenóides
totais e betacaroteno. Referidas ações contaram com apoio de
várias universidades, em todos os centros da Embrapa, sendo
este ponto uma questão de extrema relevância, pois foi através
da orientação de dissertações de Mestrado de alunos da UFRJ,
que a professora Lúcia Maria Jaeger de Carvalho deu início,

82
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

em 2005, aos primeiros estudos de retenção de beta-caroteno,


em mandioca, e ferro e zinco, em feijão, para estimar as perdas
destes nutrientes durante o processamento e o armazenamen-
to. A Unicamp e a Unesp tiveram como pesquisadoras desta-
cadas as professoras Délia Amaya e Mieko Kimura, as quais
desenvolveram metodologia para identificação e quantificação
de carotenóides nos diferentes cultivos do projeto, sendo que
referida pesquisa resultou na publicação da metodologia criada
em um handbook da série HarvestPlus, bem como permitiu a
realização de três treinamentos internacionais para as equipes
do projeto – em Campinas (2003), Tanzânia (2005) e Pequim
(2006) (NUTTI, 2011, p. 03).
Observe-se que teremos discursos científicos a embasarem
argumentações que frontalmente se contrapõem no campo
técnico-operativo. A diferença nevrálgica é que a quantidade
de recursos financeiros e inserção mundial gerida pelos seto-
res que defendem a tecnologização da agricultura são infinita-
mente superiores do que aqueles que estão em mãos de pesso-
as como Carson – já falecida, Shiva, pesquisadores da Fiocruz
ou Abrasco, entre outros, sendo esclarecido, mais uma vez, o
quão contramajoritários são os discursos que questionam as
“revoluções” do sistema de produção de alimentos e o quão
difícil parece ser “furar um cerco” tão poderoso e lucrativo de
produção alimentar que se encontra estruturado em gigantes
bases financeiras do capitalismo mundial.
Nutti (2011, p. 03) informa que uma página na internet foi
criada, facilitando a comunicação entre os mais de 750 mem-
bros e 100 instituições. Em 2004, os responsáveis pelo Harves-
tPlus no CIAT – Centro Internacional de Melhoramento de Mi-
lho e Trigo (CIMMYT), Centro Internacional da Batata (CIP),
Consórcio Latino-americano do Caribe para Apoio, Pesquisa
e Desenvolvimento da Mandioca (CLAYUCA) e Embrapa, sa-
bendo que robustos recursos seriam destinados para pesquisas
na África e Ásia, decidiram apresentar proposta complemen-
tar de projeto de biofortificação para América Latina e Caribe

83
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

e para financiamento pela Agência Internacional Canadense


para o Desenvolvimento (CIDA). Assim, em 2004, o Projeto
AgroSalud, coordenado pelo CIAT foi aprovado, sendo inicia-
do no ano seguinte e complementando o HarvestPlus no mon-
tante de US$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de dólares)
para um período de cinco anos.
Para melhor vislumbramos a dimensão desses arranjos, se-
gue gráfico, constante no próprio texto elaborado pela Embra-
pa que estamos a documentar:

Figura 7: Biofortificação e parceiros (NUCCI, 2011, p. 05).

Conforme percebemos pela imagem acima, o projeto pre-


vê uma integração de dimensões globais, com a presença de
países da América Latina e Caribe, África e Sudeste Asiático,
com a expectativa de que o Brasil seja responsável pelo desen-
volvimento e transferência não só dos cultivos biofortificados,
mas também da tecnologia pós-colheita para estes cultivos.
No ano de 2005, foi realizado, em Brasília, o Simpósio
“Biofortificação no Brasil: Agricultura para Prevenção de
Deficiência de Micronutrientes”, organizado pela Embrapa e
pelo HarvestPlus. No evento, o então Ministro da Agricultura,

84
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Pecuária e Abastecimento, Roberto Rodrigues, apresentou o


Projeto de Biofortificação para a sociedade brasileira.
Nesse momento, é necessário um aparte, uma vez que não
se explica como foi realizada essa “apresentação para a socie-
dade brasileira”, uma vez que uma das grandes críticas já levan-
tadas pelo FBSSAN e aprofundada mais adiante, versa sobre
a questão da biofortificação no Brasil. Essa crítica é de que a
referida pauta atinente aos alimentos biofortificados tem pas-
sado ao largo de uma discussão democrática, pois princípios
caros ao universo jurídico, como o acesso à informação, parti-
cipação comunitária, prevenção e precaução – específicos do
Direito Ambiental, cuja positivação se encontra acolhida em
nosso plexo normativo apresentam-se violados e esquecidos.
Voltando ao Simpósio de 2005, Nutti (2011, p. 05) informa
que estavam presentes representantes dos Ministérios da Saúde,
Desenvolvimento Social (Fome Zero), Desenvolvimento Agrá-
rio e Ciência e Tecnologia, além do Presidente da Embrapa, bem
como representantes do setor privado e universidades. Para a au-
tora, o evento teve boa exposição na mídia – sem que, novamen-
te, ela adentre em maiores especificações sobre qual mídia está
se referindo, bem como se atingiu o objetivo esperado de fazer o
tema da biofortificação emergir no cenário social brasileiro.
Ressalta Nutti (2011, p. 05) que todos os responsáveis por
cultivos do projeto HarvestPlus apresentaram suas propostas
de trabalho, debatendo com os órgãos financiadores e futuros
parceiros e que no decorrer de 2005, ela e José Luiz Viana de
Carvalho realizaram visitas técnicas a diferentes instituições
no Senegal, Gana, Nigéria, Quênia, Etiópia, Uganda e Tanzânia,
que se mostraram dispostas a integrar a rede de biofortificação
e a receber capacitação para análise de carotenóides. A autora
também ressalta que, posteriormente, laboratórios de Moçam-
bique, Síria, Índia e China foram visitados e auditados para
identificação de necessidades, aquisição de equipamentos e in-
serção no programa HarvestPlus. No total, cerca de 20 labora-
tórios foram visitados e auditados no período de 2005 a 2008.

85
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Ainda no final do ano de 2005, em dezembro, a Embra-


pa Mandioca e Fruticultura Tropical lançou as cultivares BRS
Gema de Ovo e BRS Dourada, com maiores teores de beta-ca-
roteno e cuja indicação de cultivo se dá para a região do Recôn-
cavo Baiano e Tabuleiros Costeiros. Novamente, Nutti (2011,
p. 05), destaca que houve grande presença na mídia, sem aden-
trar em pormenores e informa que ocorreu a distribuição das
sementes biofortificadas para os pequenos agricultores.
Durante o ano de 2006, feijão caupi e trigo foram inseri-
dos como cultivos no projeto HarvestPlus, sendo realizada em
Teresópolis a primeira reunião anual dos projetos HarvestPlus
e AgroSalud, que contou com a presença de 45 participantes,
entre os quais pesquisadores de universidades e instituições
estaduais e federais.
No ano de 2007, dezembro, através da reunião de 150 par-
ticipantes e posterior assinatura de convênio, o Estado do Ma-
ranhão, notório por seus índices de insegurança alimentar e
subnutrição, foi o primeiro a estabelecer parcerias com os Pro-
gramas AgroSalud e HarvestPlus através de uma organização
em rede de instituições ligadas ao governo do Estado e prefei-
turas, além da Agência Estadual de Pesquisa Agropecuária e
Extensão Rural do Maranhão – AGERP, Secretaria de Estado
de Desenvolvimento Social do Maranhão – SEDES, Conselho
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA,
Fundação de Amparo à Pesquisa do Maranhão – FAPEMA e
universidades envolvidas com nutrição, além, evidentemente,
do apoio da EMPRAPA alocada no estado.
Na sequência, o Estado de Sergipe foi o segundo a aderir à
rede de biofortificação, onde instituições como CONSEA, Em-
presa de Desenvolvimento Agrário do estado de Sergipe – EM-
DAGRO e Secretaria do Estado da Inclusão, Assistência e Desen-
volvimento Social – SEIDES poderiam trabalhar lado a lado com
a Embrapa Tabuleiros Costeiros e a Universidade Federal de
Sergipe – UFS, para reverter o quadro de deficiência de vitami-
nas e minerais que atinge, sobretudo, as crianças de até 6 anos.

86
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Assim, em junho de 2008, em Aracaju, os projetos Agro-


Salud e HarvestPlus apoiaram o lançamento das variedades
BRS Pontal e Agreste de feijoeiro comum com maiores teo-
res de ferro e zinco, desenvolvidas pela equipe da Embrapa
Arroz e Feijão, bem como a cultivar de feijão caupi, Xiquexi-
que, com maior produtividade e maiores teores de ferro e
zinco, desenvolvida pela equipe da Embrapa Meio-Norte.
(NUTTI, 2011, p. 06)
Em novembro de 2007, na cidade de Niterói, foi realiza-
da a Segunda Reunião Anual de Biofortificação no Brasil dos
projetos HarvestPlus e AgroSalud. Na ocasião, cerca de 80 par-
ticipantes ficaram reunidos durante três dias para o compar-
tilhamento de ideias, resultados e propostas. As reuniões têm
sempre essa dimensão global, com participantes do projeto da
Índia, China, Peru, Colômbia, México e Estados Unidos, assim
como representantes de instituições governamentais e do se-
tor privado.
É relatado no documento da Embrapa que ocorreu uma
forte exposição midiática dessa reunião, inclusive se fazendo
menção ao trabalho de Soraya Pereira da Silva, jornalista da
Embrapa Agroindústria de Alimentos, que foi posteriormen-
te integrada ao projeto e que, segundo relato de Nutti (2011,
p. 07): “aumentou drasticamente o nosso relacionamento com os
meios de comunicação”.
Em 2008, foi proposto e aprovado o projeto BioFORT:
Biofortificação no Brasil – desenvolvendo produtos agrícolas
mais nutritivos. Referido projeto possuía financiamento do
Fundo de Pesquisa Embrapa – Monsanto, com recursos de
R$ 1.086.661,00, sendo apresentada uma contrapartida de R$
1.700.000,00 em infraestrutura, salários de pesquisadores e
pessoal de apoio. O projeto BioFORT aglutinou onze unida-
des da Embrapa – Agroindústria de Alimentos, Arroz e Feijão,
Mandioca e Fruticultura Tropical, Milho e Sorgo, Hortaliças,
Meio-Norte, Tabuleiros Costeiros, Semiárido, Soja, Cerrados e
Trigo e universidades como: UFRJ, Unesp e UFS, entre outras.

87
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Continuando o estudo do histórico de evolução da biofor-


tificação no Brasil, temos que a primeira reunião do comitê
gestor do BioFORT foi realizada em novembro de 2008, em
Aracaju, ocasião em que se definiu que a III Reunião Anual
de Biofortificação seria realizada na mesma cidade, em junho
de 2009, e que reuniu cerca de 200 pesquisadores e técnicos
ligados à produção de alimentos biofortificados.
Na ocasião, foram lançados dois novos produtos: a man-
dioca Jari, com maiores teores de betacaroteno (pró-vitami-
na A) e uma cartilha sobre o cultivo e consumo de batata-
-doce, além de uma Vitrine Tecnológica e dia de campo, no
Campo Experimental de Nossa Senhora das Dores. (NUTTI,
2011, p. 07-08).
Nesse mesmo evento, o Programa HarvestPlus apresentou
conjuntamente os cultivos melhorados (SIC) de arroz, feijão,
feijão-caupi, mandioca, batata-doce, milho e abóbora. Além
disso, sementes, ramas e manivas destes cultivares foram dis-
tribuídas para 40 agricultores do Assentamento de Santana dos
Frades para testarem os cultivos. Na ocasião, realizou-se ainda
um almoço comunitário entre os participantes da reunião e os
agricultores, e parte do grupo visitou a escola no Município de
Pacatuba onde os cultivos haviam sido testados com as crian-
ças, como parte da merenda escolar (NUTTI, 2011, p. 08).
Nesse momento, é válida a reflexão de alguns pontos que
serão melhor esmiuçados ao longo deste trabalho, mas que já
merecem atenção, como as expressões utilizadas no relatório
de Marília Nutti, a qual fala que é “apresentado um novo pro-
duto: a mandioca Jari”. A retórica utilizada pela pesquisadora e
gestora do projeto da Embrapa parece revelar o quanto o dis-
curso mercadológico está arraigado às práticas da biofortifica-
ção encampadas pela Embrapa.
Outro ponto que nos chama a atenção é a distribuição das
sementes biofortificadas aos assentados de Santana dos Fra-
des. Assim como em tempos pretéritos havia a distribuição
dos insumos agrícolas compostos pelo “combo”: agrotóxicos e

88
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

transgênicos, agora distribuem-se as sementes biofortificadas.


De certa forma, é como se aquele velho adágio de que “é pre-
ciso mudar as coisas para que elas continuem as mesmas”, se
cumprisse na seara agroprodutiva brasileira, abarcando desde
os membros do agrobussiness aos pequenos produtores.
Se considerarmos como verdadeiros os discursos contra-
majoritários que se contrapõem a este modelo agroprodutivo,
talvez possamos traçar um paralelo um pouco mais grotesco,
no qual seja possível vislumbrarmos que a postura do lobby da
biofortificação tem abordagem semelhante ao traficante de
drogas do imaginário popular que primeiro oferece a droga
sem custos nenhum e, assim, produz um narcodependente que
será seu “cliente/joguete” no futuro. Estaria o atual modelo
agroprodutivo em busca de agrodependentes?
No caso do fornecimento gratuito de sementes biofortifi-
cadas aos assentados do interior do Estado de Aracaju, temos
que os frutos da agrodependência – caso estejam corretos os
discursos contramajoritários – não se dão apenas para o agri-
cultor, mas para o solo. De acordo com estudos já explanados
neste primeiro capítulo e aprofundados ao longo deste traba-
lho, a agroprodução artificializada produz empobrecimento
do solo, declínio da biodiversidade, entre outros fatores, que,
conforme podemos imaginar, levam a uma certa forma de “de-
pendência química” do solo aos insumos criados pelas gigantes
do setor.
Por fim, chama a atenção o fato de que têm sido realizados
testes dos biofortificados cultivados em crianças de uma Esco-
la Municipal de Paracatu, sem serem fornecidos mais detalhes
sobre o caso. Mais adiante deste trabalho veremos que os efei-
tos de agrotóxicos e transgênicos têm consequências distin-
tas entre crianças e adultos e então, pergunta-se: seriam essas
crianças de Paracatu, município pobre do interior nordestino,
cobaias de tenra idade? Teriam seus pais e professores consci-
ência do perigo que é ser objeto de teste para tecnologias ainda
em implantação e de recentíssima inserção no país?

89
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Mais uma vez fazendo-se uma alusão a alguns princípios e


leis do Direito, seara que também se insere essa pesquisa, te-
mos que princípios contidos na Constituição Federal de 1988
e no Estatuto da Criança e do Adolescente como proteção in-
tegral, condição peculiar de pessoas em desenvolvimento pa-
recem passar ao largo de observações e talvez, pelo contrário,
sejam alvo de violações com testes como estes ocorridos com
as crianças de Paracatu.
Em relação à construção de um problema socioambiental,
conforme as categorias propostas por Hannigan (1995) e ado-
tadas para algumas análises que aqui serão realizadas, perce-
bemos que os protagonistas do movimento da biofortificação
em terreno pátrio tem buscado legitimação através da mídia,
ciência, público, política e legislação, pois não podemos es-
quecer que o ano de 200522 foi marcado pela vigência da nova
Lei de Biossegurança, a qual, propositadamente ou não, teve
como cortina de fumaça, a discussão sobre células-troncos de
embriões, mas que conteve em seu âmago a possibilidade da
legalização da transgenia no país.
Ainda em relação à III Reunião Anual de Biofortificação
no Brasil tem-se a notícia que Carmela Rivero, vice-presidente
da PepsiCo para América Latina participou de referida reunião
e ao vislumbrar uma oportunidade desta empresa utilizar os
cultivos biofortificados na produção de alimentos mais saudá-
veis, abriu a possibilidade da líder do projeto no Brasil, Marilia
Nutti, apresentar o “Progresso da Biofortificação no Brasil” na
reunião do grupo ASHA, em White Plains, NY, para a alta di-
reção da PepsiCo.
Segundo consta no relatório elaborado pela própria Nutti
(2011, p. 08) esta apresentação foi realizada em julho de 2009,
sendo dado o primeiro passo para o estabelecimento da parceria

22. Lei n. 11.105/2005, que regulamentou parcialmente os incisos II, IV e V,


do § 1º, do art. 225 da CF/88 e estabeleceu normas de segurança e mecanis-
mos de fiscalização e atividades que envolvam os organismos geneticamente
modificados – OGMs e seus derivados.

90
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

entre a Embrapa e a PepsiCo, com a proposição do Brasil ser o


local para o desenvolvimento do projeto-piloto para o desen-
volvimento de produtos biofortificados. A autora e José Luiz
Carvalho visitaram as unidades de produção e de pesquisa da
Elma Chips, em Itu e Valinhos para avaliar, em conjunto com
a equipe, inclusive jurídica da PepsiCo, as oportunidades de
parceria, e no final de 2009, esta foi oficializada, sendo ofi-
cialmente aprovada em 2011, após visita em meados de 2010
de Mehamood Khan, CEO – Global Nutrition Group e Chief
Scientific Officer – PepsiCo ao Brasil e relevante apoio, ao lon-
go do ano de 2011, de Derek Yach, Vice President, Global He-
alth Policy – PepsiCo.
O documento em comento ainda faz interessante alusão a
uma reportagem veiculada em abril de 2011 no Jornal Nacio-
nal, que possui alcance médio de audiência de 70 milhões de
espectadores, sobre a merenda escolar servida no município
de Itaguaí, utilizando os cultivos biofortificados. Para a autora
do documento, referida reportagem “coroou os esforços de toda
a equipe envolvida no projeto BioFort”. A reportagem, de forma
geral, informa que escolas públicas de quatro cidades começa-
ram a testar uma merenda reforçada, mais rica em vitaminas
e minerais, mas de igual sabor. Informa que as sementes plan-
tadas na horta passam por um rigoroso processo de seleção,
uma vez que se tratam dos chamados alimentos biofortificados
– mais nutritivos do que os convencionais – conforme reforça
a reportagem do Jornal Nacional23. (NUTTI, 2011, p. 08).
Ato contínuo, a matéria segue informando que os alimen-
tos biofortificados:

[...] não sofrem nenhuma modificação genética. Mas são


cultivados em laboratório. Os pesquisadores separam

23. Quando em busca de referida matéria, o vídeo já não apresenta conteúdo


disponível, mas a matéria escrita pode ser encontrada em: <http://g1.globo.
com/jornal-nacional/noticia/2011/04/escolas-de quatro-cidades-comecam-
-testar-supermerenda-vitaminada.html>. Acesso em: 05 mar. 2017.

91
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

as plantas de melhor qualidade, na aparência, no valor


nutricional, na resistência e na produtividade e fazem o
cruzamento entre elas.

“Seriam aquele alimento, vamos dizer assim, com a sua


melhor forma possível, o máximo que a gente pode tirar
de uma planta. Não é um receituário médico é o almoço
e a janta do dia a dia”, explicou o agrônomo da Embrapa
José Luiz Carvalho.

O projeto nasceu para suprir carências de vitaminas


e minerais constatadas em crianças de várias regiões.
Promete evitar casos de anemia por falta de ferro e zin-
co e problemas de visão por falta de vitamina A.

No prato preferido dos brasileiros, os ganhos, segundo


os pesquisadores, são significativos. No arroz conven-
cional encontramos em média 12 miligramas de zinco
e 2 miligramas de ferro por quilo. No biofortificado, os
números sobem para 18 de zinco e o dobro de ferro.

No feijão tipo carioca a diferença por quilo passa de 50


miligramas de ferro para 90. E de 30 miligramas de zin-
co para 50. (JORNAL NACIONAL, 2011). (Sem desta-
que no original).

A reportagem segue informando que em Itaguaí, no estado


do Rio de Janeiro, os alimentos biofortificados já são servidos
na merenda de oito escolas municipais e informa que o desen-
volvimento das crianças vai ser avaliado por médicos e nutri-
cionistas, sendo esperados bons resultados já no fim desse ano.
Depois da primeira experiência em Paracatu, em Aracaju,
agora já temos mais escolas, conforme visto acima, inclusive
com a veiculação dos alimentos biofortificados em uma mí-
dia de massa como o Jornal Nacional. Dois aspectos merecem

92
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

comentários nesse momento: o fato de afirmarem que ainda que


sejam produzidos em laboratório, os alimentos biofortificados
não são geneticamente modificados, sem maiores esclarecimen-
tos quanto a isso. Outro fator que chama a atenção é o que relata
que as crianças estavam, ao tempo da reportagem, consumindo
referidos alimentos sem acompanhamento médico, mas que pas-
sariam a ser acompanhadas e que se esperavam bons resultados.
Tal situação é, no mínimo, estranha; primeiro faz-se o teste, de-
pois o acompanhamento médico e esperam-se bons resultados?
Em busca de resultados que apontassem se referido acom-
panhamento foi feito em anos posteriores, encontramos nos
Anais da V Reunião de Biofortificação no Brasil, realizada de
13 a 15 de outubro de 2015, em São Paulo, um artigo com di-
versos pesquisadores em parceria com Marília Nutti (2015, p.
99), intitulado: “Introdução de alimentos biofortificados na
merenda escolar: as crianças gostam dos produtos?
Segundo relata o resumo do artigo, foi conduzido um es-
tudo com 327 crianças regularmente matriculadas em escolas
rurais localizadas no município de Itaguaí – RJ, com as quais
foram realizados testes de aceitação, através de uma escala
hedônica facial de 9-pontos, variando de “super ruim” (1) a
“super bom” (9). Os resultados apresentados pelo estudo de-
monstraram que os produtos obtiveram boa aceitação pelos
alunos, com médias que variaram de 6,4 até 8,2, sendo con-
cluído que a biofortificação é uma alternativa viável a ser em-
pregada na merenda escolar de Itaguaí e que poderá contribuir
para a melhoria na qualidade nutricional da dieta das crianças
(NUTTI et. al, 2015, p. 99).
Ao longo dos referidos anais, nenhuma referência é fei-
ta sobre os impactos na saúde das crianças consumidoras de
alimentos biofortificados, considerando que boa parte das
pesquisas relatadas apontaram testes feitos em crianças na
primeira infância. Parece não haver uma preocupação por
parte dos pesquisadores de alimentos biofortificados em re-
lação à proteção dessa parte da população que, pelas suas

93
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

particularidades, pode ser vista como presente e futura geração.


A grande questão posta no artigo é: crianças gostam ou não de
alimentos biofortificados?
O que norteia as pesquisas e preocupações do projeto Bio-
Fort/Embrapa é a receptividade do consumidor mirim, o qual
parece ter encontrado em crianças pobres do interior do Rio
de Janeiro um nicho de testes. Ao mesmo tempo, percebe-se o
quanto se busca refinar a relação do alimento como produto/
mercadoria a ser “gostado/ aprovado”.
Todavia, o movimento de expansão da biofortificação
parece irrefreável e em expansão contínua e global, pois a 1ª
Conferencia Mundial de Biofortificação foi realizada em Wa-
shington em Novembro de 2010, e contou com a presença de
cerca de 300 participantes, discutindo pautas que iam desde
a pesquisa até a transferência do produto ao consumidor. O
evento contou com participação de 6 membros da rede de Bio-
fortificação no Brasil, que foi citado como exemplo a ser segui-
do pelo Diretor Geral do HarvestPlus, Howdy Bouis durante
a abertura da Conferência. Palavras do próprio Howdy Bouis
reproduzidas no documento de Nutti (2011, p. 10) dão conta
que: “Se alguém quiser conhecer o futuro da biofortificação preci-
sa conhecer os trabalhos desenvolvidos Brasil”.
Um fato singular sobre o Brasil, ressaltado na Conferência, é
o de que somos o único país que conduz trabalhos simultâneos
de melhoramento com oito culturas básicas: arroz, feijão, feijão-
-caupi e trigo para maiores teores de ferro e zinco; mandioca,
milho, abóbora e batata-doce para maiores teores de vitamina A.
Para finalizarmos o histórico trazido por Marília Nutti em
2011, ela informava que havia a possibilidade de parceria com
a empresa Votorantim Metais para a submissão de projeto em
responsabilidade social e finaliza seu relato informando que:

Contaremos ainda com o inestimável apoio financei-


ro das empresas, como a Nestlé, Monsanto do Bra-
sil, PepsiCo do Brasil, AgroBios, IZA e Votorantim

94
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Metais, além de órgãos de financiamento como CNPq


e BNB, sem deixar de mencionar os diversos órgãos
estaduais, municipais, cooperativas e associações.
(NUTTI, 2011, p. 12). (sem destaque no original).

Após esse apanhado histórico da lavra da própria dirigente


do projeto de Biofortificação da Embrapa no país, voltemos ao
documento produzido pelo FBSSAN (2016) e suas observa-
ções que salientam que o programa HarvestlPlus, apadrinhado
por Bill e Melinda Gates, através de seu braço africano batiza-
do de SUN tem trabalhando na implementação do que deno-
minam de “Revolução Verde” na África, através do pacote de
sementes, fertilizantes e agrotóxicos.
No referido documento do FBSSAN, traz-se a informação
de que a rede BioFort é o braço brasileiro da HarvestPlus e
ressalta doações recebidas por empresas como a Monsanto, na
ordem de R$ 1.000.000,00 de reais – não sendo à toa, portan-
to, que a empresa conste nos agradecimentos de Marília Nutti,
conforme transcrevemos há pouco. Nutti, inclusive, é aludi-
da no documento do FBSSAN (2016) quando se informa que
houve resistência por parte da gestora da BioFort no comparti-
lhamento de informações sobre o projeto, mesmo quando so-
licitada pela Cooperativa de Trabalho, Educação, Informação e
Tecnologia de Autogestão – EITA.24
Segundo os autores do documento do FBSSAN:

A Monsanto provavelmente não entregou R$ 1 mi-


lhão de reais ao BioFort sem saber onde esse dinhei-
ro seria aplicado e qual o retorno que a empresa teria.
No entanto, tais termos negociados com a Monsanto e
outros atores do setor comercial obviamente não foram
24. Mais informações em: Nota técnica: Programa de Biofortificação de Ali-
mentos no Brasil: desenvolvendo produtos agrícolas mais nutritivos. Encami-
nhada pela Embrapa em resposta à solicitação de informações feita pelo EITA.
Disponível em: <http://www.bf.eita.org.br/resposta_LAI.pdf>. Acesso em:
05 mar. 2017.

95
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

revelados na resposta do BioFort ao EITA, que ofere-


ceu a contraditória justificativa de que “as atividades
envolvem interesses de agentes privados (nacionais
e estrangeiros), cujo acesso privilegiado lhes permi-
tiram se anteciparem ao Estado”. Contraditória, por-
que a Monsanto, assim como os outros financiadores
do setor comercial, são agentes privados, com interesse
na matéria, envolvidos no projeto, e que, portanto, tem
acesso privilegiado. (FBSSAN, 2016, p. 19).

Um relatório internacional expôs, segundo o documento


do FBSSAN (2016) alguns eufemismos usados para esconder
os interesses das empresas, o qual reproduzimos a seguir:

Quando a Tabela de Fatos 15 do Scaling Up Nutrition


(SUN) se refere a “assegurar acesso a vitaminas e mi-
nerais essenciais”, isto se traduz em adicionar micronu-
trientes a comidas, ingredientes culinários ou alimentos
ultraprocessados. Através do SUN Bussiness Network,
empresas como Britannia, DSM, Nutriset, Cargill,
BASF, Unilever e Ajinomoto estão interessadas em
expandir a demanda por seus produtos no mundo.
“Práticas de agricultura para incrementar a disponi-
bilidade de sementes ricas em nutrientes” quer dizer
que empresas como BASF e Cargill estão tentando
afirmar que existem sementes pobres em nutrientes
e que a solução é disponibilizar sementes transgêni-
cas ou adicionar produtos químicos sintéticos no solo
para aumentar a concentração de certos nutrientes
nos alimentos produzidos.25 (FBSSAN, 2016, p.20).
(sem destaque no original).
25. Mais informações disponíveis em: Gomes FS. Artificial mends to food sys-
tems. In: Dederichs-Bain B &Ramm WC eds. Food fortification: A “techno-fix”
or a sustainable solution to fight hiddenhunger? Bonn: Welthungerhilfe/terre
deshommes, 2014. Disponível em: <http://www.welthungerhilfe.de/filead-
min/user_upload/Mediathek/Mediathek_int/Fachpapiere/Welthungerhilfe-
-Food-Fortification-Study-2013.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2017.

96
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Conforme Nutti (2011) retratou quando fez o resgate his-


tórico do desenvolvimento da biofortificação no país, existe
um inegável e gigantesco interesse da indústria de alimentos
nos biofortificados. Todavia, o documento do FBSSAN (2016,
p. 20), traz, em tom de alerta, a informação de que o finan-
ciamento da maior parte das pesquisas neste campo é realiza-
do por empresas interessadas em resultados positivos para a
biofortificação. Consequentemente, pontos importantes como
a investigação dos efeitos adversos da biofortificação; a reali-
zação de análises de custo-benefício que comparem tal inter-
venção, com o uso de alimentos da agrobiodiversidade e estra-
tégias de diversificação alimentar; e a avaliação dos impactos
econômicos de tal intervenção sobre a resultante dos preços, o
controle e patente das sementes, bem como os custos ambien-
tais e outros impactos não são abordados.
As percepções do documento do FBSSAN (2016), em rela-
ção à produção de alimentos biofortificados, parecem se coadu-
nar com aquelas constantes nas próprias produções da BioFort
que confirmam sua preocupação mercadológica em detrimento
de outros fatores, como os citados no parágrafo anterior. O tra-
tamento dado aos alimentos por parte de projetos como Bio-
fort e empresas como a HarvestPlus parece ser o do “alimento-
-mercadoria”, no qual o capital empregado por gigantes do setor
agroquímico deve ser devolvido com lucros e dividendos.
O documento do FBSSAN continua suas críticas a Harves-
tPlus quando esta afirma que desenvolve sementes ricas em nu-
trientes, garantindo que estas cresçam bem, se não melhor, que
aquelas que os agricultores costumam plantar. Afirma, ainda, a
HarvestPlus que sabe que as sementes biofortificadas irão prover
melhor nutrição quando consumidas de distintas formas, repre-
sentando um futuro mais saudável para famílias, comunidades e
países”26 (HARVEST PLUS, 2015, apud FBSSAN, 2016, p. 20).

26. Mais informações podem ser colhidas no endereço eletrônico da própria


Harvest Plus. Disponível em: <http://www.harvestplus.org/content/about-
-harvestplus>. Acesso em: 05 mar. 2017.

97
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

A crítica do documento do FBSSAN em relação a Har-


vestPlus, prolonga-se e informa que afirmações como a acima
relatadas são carentes de evidências efetivas ou têm base em
evidências viciadas, pois eles já afirmam de antemão que pro-
movem a difusão de sementes biofortificadas de forma ampla
entre consumidores e agricultores. Logo, se assumem uma po-
sição de difusores de sementes biofortificadas, ressalta o do-
cumento do FBSSAN, não se pode esperar qualquer investiga-
ção sobre efeitos adversos financiada ou conduzida por eles.”
(FBSSAN, 2016, p. 21)
O estudo produzido pelo FBSSAN, no ano de 2016, con-
tinua sua crítica afirmando que as pesquisas produzidas pela
HarvestPlus são voltadas para estudos que apoiam suas con-
vicções, interesses e metas e que são poucos os relatos que
avaliaram a efetividade da biofortificação. Destacam, inclu-
sive, duas pesquisas produzidas por Christine Hotz27, que
27. Para acessar as informações sobre as pesquisas de Christine Hotz, é pos-
sível consultar os seguintes artigos: HOTZ, C; LOECHL C; de BRAUW A; EO-
ZENOU, P; GILLIGAN, D; MOURSI, M; MUNHAUA, B; VAN JAARSVELD, P;
CARRIQUIRY, A; MEENAKSHI, JV. A large-scale intervention to introduce
orange sweet potato in rural Mozambique increases vitamin A intakes
among children and women. Br J Nutr 2012; 108(1):163-76;
HOTZ, C; LOECHL, C; LUBOWA, A; TUMWINE, JK; NDEEZI, G; NANDUTU-
MASAWI, A; BAINGANA R, CARRIQUIRY, A; de BRAUW A; MEENAKSHI,
JV; GILLIGAN, DO. Introduction of β-carotene-rich orange sweet potato
in rural Uganda resulted in increased vitamin A intakes among children
and women and improved vitamin A status among children. J Nutr 2012;
142(10):1871-80 apud FBSSAN, 2016, p. 21
HAAS, JD; VILLALPANDO S; BEEBE S; GLAHN R; SHAMAH T; BOY, E. The
effect of consuming biofortified beans on the iron status of Mexican school
children. Conference abstract; The FASEB Journal. 2011; 25:96.6;
VANJAARSVELD PJ, Faber M; TANUMIHARDJO, SA; NESTEL P; LOMBARD
CJ; BENADÉ, AJ. Beta-carotene-rich orange-fleshed sweet potato improves
the vitamin A status of primary school children assessed with the modi-
fied-relative-dose-response test. Am J ClinNutr 2005; 81(5):1080-7.
LOW, JW; ARIMOND, M; OSMAN, N; CUNGUARA, B; ZANO F; TSCHIRLEY,
D. A food-based approach introducing orange-fleshed sweet potatoes in-
creased vitamin A intake and serum retinol concentrations in young chil-
dren in rural. Mozambique. J Nutr 2007; 137(5):1320-7.
JAMIL, KM; BROWN KH; JAMIL M; PEERSON, JM; KEENAN, AH; NEW-
MAN, JW; HASKELL, MJ. Daily consumption of orange-fleshed sweet

98
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

coordenou e gerenciou um portfólio de pesquisa multimilio-


nário para a HarvestPlus e que em seus trabalhos descreve es-
tratégias de marketing para criar demanda pelas sementes em
Moçambique e Uganda, mesmo que não se tenha produzido
qualquer investigação sobre efeitos adversos – o que está, frisa
o documento do FBSSAN (2016, p. 21): “bem alinhado com a
política do HarvestPlus de promover sementes entres os agricul-
tores e consumidores.”
O documento do FBSSAN (2016) continua alertando que
nas pesquisas produzidas por HOTZ (2012), termos como,
‘efeitos adversos’, ‘perigos’, ‘segurança’ não chegam a ser men-
cionados. Além disso, salienta que os estudos foram conduzi-
dos com populações em situação muito vulnerável, o que, por
si só, mereceria redobrada atenção e cuidado com potenciais
efeitos adversos.
Continuando sua análise sobre as pesquisas produzidas pela
HarvestPlus, o documento do FBSSAN (2016, p. 21) destaca
que alguns produtos foram testados em crianças, sem qualquer
avaliação de potenciais efeitos adversos, perigo ou segurança e
sem informar aos pais os potenciais riscos de participação no
estudo, fato este extremamente grave e, como já comentado ao
longo deste capítulo, violador de direitos e garantias.
O que é interessante notarmos nestes panoramas opostos
apresentados pela Embrapa/BioFort (2011), e pelo FBSSAN
(2016), é que são retratados contextos em que o discurso do
combate à fome parece ser cooptado pela indústria alimentícia
para alavancar o desenvolvimento tecnológico da agricultura
por parte de grandes empresas, assim como ocorreu com a Re-
volução Verde e com a Revolução Genética.
Outro ponto preocupante trazido pelo documento do FBS-
SAN (2016) alerta para o fato de que o projeto BioFort, apesar
de ser apresentado como grande trunfo pelos entusiastas do

potato for 60 days increased plasmaβ-carotene concentration but did not


increase total body vitamin A pool size in Bangladeshi women. J Nutr 2012;
142(10):1896-902.

99
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

projeto é, na verdade, catalisador de preocupação, uma vez que


pode gerar a perda da biodiversidade e perda da autonomia na
produção de diversas culturas tradicionais em cada país.
Além disso, o documento do FBSSAN (2016) informa que
foi assim no caso dos transgênicos, que nos idos da década de 90
prometiam aumentar a produtividade, facilitar o manejo de cul-
turas e incrementar os ganhos, além de reduzirem a utilização
de agrotóxicos, mas que, após 10 anos de utilização nas lavouras
brasileiras, demonstraram que, contrariamente, cada vez mais
as plantas se tornam resistentes e a produtividade cai, exigindo
mais insumos e custando mais caro. 61% da área agricultável do
Brasil é plantada com transgênicos, fato que coloca em risco a
soberania do país, pois as sementes são de propriedade das em-
presas, além de não ter sido erradicada a fome no mundo e no
Brasil com tanta tecnologia (FBSSAN, 2016, p. 22-23).
Parece existir um processo de apropriação privada das se-
mentes que seria comprometedor da soberania alimentar e que
a lógica que permeia os biofortificados é a mesma: monopoli-
zar o desenvolvimento das sementes e tornar os agricultores
dependentes. O documento do FBSSAN (2016) traz comentá-
rios interessantes, esboçando a percepção que permeia a fei-
tura deste trabalho, a qual reproduzimos abaixo e que afirma:

Há uma luta teórica pela produção e apropriação de


conceitos no campo discursivo e subjetivo da susten-
tabilidade. Esta também é uma disputa de sentidos.
No campo político, o destino da natureza e da huma-
nidade aposta em um processo de criação de sentidos
(mais do que verdades) e em sua estratégia de poder.
As formações discursivas podem deformar, criar sub-
terfúgios e perverter o sentido das palavras e das coi-
sas; mas também podem transgredir os significados já
atribuídos e gerar novos sentidos. Nessa luta, os signifi-
cados das noções como biodiversidade, território, auto-
nomia e autogestão estão sendo reconfigurados dentro

100
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

de estratégias discursivas em que se “fazem direitos”,


como o Direito Humano à Alimentação Adequada
(DHAA), inserido na Constituição Brasileira em 2010
(FBSSAN, 2016, p. 24). (sem destaque no original).

O documento do FBSSAN prossegue dizendo que o embate


da palavra, que acaba por ordenar de forma simbólica a produ-
ção de sentidos encontra-se no epicentro da problemática ali-
mentar e que é um jogo de expressões que se propõe a ocultar
as reais condições econômicas em que comida barata e em larga
escala é produzida. O documento continua afirmando que:

A eficiência e a produtividade industrial caminham


com a fome e a subnutrição de um lado; e a obesidade,
seguida de transtornos alimentares e doenças crôni-
cas, do outro.

Os jogos de palavras permitem contornar as reais cau-


sas de problemas como a fome oculta, ou seja, a carên-
cia no organismo de vitaminas e minerais vitais. Hoje,
a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e
Agricultura (FAO) estima que existem cerca de 2 bilhões
de pessoas nessa situação. No entanto, os problemas
complexos são tratados com soluções exclusivamente
técnicas, dentro de uma perspectiva de pensamento
reducionista, assim chamada porque considera apenas
uma dimensão ou um aspecto do problema em ques-
tão (FBSSAN, 2016, p. 24). (sem destaque no original).

É interessante observar na citação acima que a solução


dada ao problema da fome parece ser eivada de respostas téc-
nicas e reducionistas, fato que nos desafiou e desafiará durante
a discussão a ser trazida ao longo deste trabalho.
Nesse momento, vale a lembrança de Josué de Castro, que
desde a década de 40, ampliou o reconhecimento das distintas

1 01
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

formas e expressões da fome e afirmava que provocar sistema-


ticamente um aumento considerável e ordenado da produção
agrícola não é uma questão de pura técnica agronômica, sendo
um problema econômico (CASTRO, 1984, p. 08).
Castro (1984, p. 08-09) continuou suas digressões afir-
mando que:

Não se pode criar uma agricultura moderna sem


considerável despesa de equipamento. Não se pode
fornecer esse equipamento sem criar a indústria ne-
cessária. Não se pode tornar a indústria e a agricultura
fregueses recíprocos, fazê-las interdependentes, sem
distribuir metodicamente a população ativa de acordo
com certa divisão do trabalho e sem que se organize,
entre as diversas partes dessa população, uma distri-
buição da renda nacional, de modo a permitir o inter-
câmbio entre elas. E ainda: não basta criar a capacidade
aquisitiva, a capacidade de intercâmbio. Faz-se mister
aumentar progressivamente essas capacidades, aumen-
tar a renda nacional. Será isso possível? Ainda neste
ponto a resposta é positiva: não é impossível uma vez
que tal desideratum já foi conseguido nos países mais
adiantados. (sem destaque no original).

Para Josué de Castro, a abordagem do problema da fome


no Brasil, deveria ser feita com a percepção, em primeiro lu-
gar, de que esta era consequência do seu passado histórico e
de grupos humanos sempre em conflito com os quadros na-
turais. Luta, remontada ao histórico de construção do país, no
qual o colonizador era indiferente a tudo que não significasse
vantagem direta e imediata para os seus planos de explora-
ção mercantil desdobrada em ciclos sucessivos de economia
destrutiva, ou pelo menos desequilibrante de aspectos da saúde
econômica da nação. Assim, tivemos ciclos exploratórios ini-
ciados com o pau-brasil, seguidos do ciclo da cana-de-açúcar,

1 02
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

mineração, café, extração da borracha, e, finalmente, a da in-


dustrialização artificial, para ficarmos apenas nos maiores ci-
clos. Em última análise, referido desajustamento econômico e
social foi consequência da inaptidão do estado político para
servir de poder equilibrante entre os interesses privados e o
interesse coletivo (CASTRO, 1946, p. 293).
O que acontecia no passado e relatado por Castro (1946)
no trecho acima, parece continuar a se repetir. Temos, por
exemplo, o relatório do IFPRI (sigla em Inglês do Instituto In-
ternacional de Pesquisa em Política Alimentar) que trata do
índice global da fome e que dedica apenas um parágrafo do
documento de 56 páginas para falar das causas da fome, evi-
tando a menção das pressões de corporações transnacionais
para controlar o sistema alimentar, entre outras causas estru-
turais. Além disso, em nome da ajuda humanitária urgente aos
flagelados pela fome e para justificar uma suposta solução,
forja-se ou se superestima um problema, conforme já inicia-
mos uma discussão sobre referida percepção, ao longo deste
1º capítulo e que aqui é trazido no documento do FBSSAN
(2016), que continua informando que a Organizações ligadas
às Nações Unidas, como o Fundo Internacional para o Desen-
volvimento Agrícola – IFAD, a Organização das Nações Unidas
para Alimentação e Agricultura – FAO, o Programa Mundial de
Alimentos – WFP e a Organização Mundial da Saúde – OMS
divergem e não apresentam estimativas robustas do tamanho
do problema da fome no mundo (FBSSAN, 2016, p. 09).
Fato que merece observação é o que abrange o contexto
desafiador de mudanças climáticas, o qual deveria apontar
para um incentivo à diversificação alimentar e biodiversidade,
ao passo que a estratégia da biofortificação caminha no sentido
do estreitamento da oferta de variedades e concentração de
produção de sementes.
O relatório do FBSSAN (2016) critica a biofortificação
quando, por exemplo, observa que a manipulação genética de
plantas para obter uma maior concentração de micronutrientes

1 03
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

promove uma certa exclusão ou discriminação de determi-


nadas espécies de plantas, ao invés de valorizar a diversidade
presente na variedade nutricional. Sendo, também, catalisador
de movimento de monocultivo que tem por consequência a
erosão genética dos biomas brasileiros.
As críticas continuam sendo tecidas pelo FBSSAN quando
relatam que a iniciativa de biofortificação no Brasil, ao avançar
de forma dissociada das demais políticas públicas oficiais de ali-
mentação, saúde, agroecologia e segurança alimentar do país,
podem trazer, por consequência, a exposição do país inteiro à
riscos desnecessários para a saúde, agricultura e meio ambiente.
Abaixo, reproduzimos quadro produzido pelo boletim do
FBSSAN (2016) e que elenca uma série de comparativos entre
a iniciativa da biofortificação e a proteção da biodiversidade
e que sintetizam alguns dos pontos já colacionados ao longo
desse trabalho.

Quadro 3: Biodiversidade x Biofortificação(FBSSAN, 2016, p. 05).

104
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Outro ponto interessante de mencionarmos liga-se ao fato


de que a temática da segurança alimentar é intersetorial por
natureza, mas que as referências aos debates com CONSEA, SI-
SAN e similares passam ao largo do resgate histórico produzido
pela coordenadora da Embrapa/BioFort, Marília Nutti, ao ex-
planar sobre a trajetória dos alimentos biofortificados no país.
E por falarmos em resgate histórico da presença dos bio-
fortificados no Brasil, o FBSSAN em seu boletim informativo
produziu linha do tempo que parece demonstrar que, em rela-
ção à inserção da biofortificação no país, não parecem ocorrer
grandes dissensos. Podemos observar pela imagem reprodu-
zida logo abaixo que a linha do tempo apresentada por Nutti
(2011), em nada difere da linha do tempo apresentada pelo
FBSSAN e que, apesar de referida autora não aparecer refe-
renciada diretamente no documento a seguir reproduzido,
aparecerá referenciada ao final do boletim como uma das
fontes consultadas.

1 05
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Figura 8: Boletim FBSSAN (2016, p. 04).

Quase ao fim deste primeiro capítulo, lembramo-nos de


Bourdieu (2002), ao percebemos o quanto o campo da solução
do problema da fome no mundo é disputado por diferentes

106
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

atores que procuram através de eixos estruturantes como go-


vernos, políticas públicas, modelo agroalimentar, entre outros,
imprimir significações próprias e que deem conta da domina-
ção que pretendem incutir.
Nas palavras do próprio autor:

O que faz o poder das palavras e das palavras de or-


dem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a
crença na legitimidade das palavras e daquele que as
pronuncia, crença cuja produção não é da competên-
cia das palavras.

O poder simbólico, poder subordinado, é uma forma


transformada, quer dizer, irreconhecível, transfigurada
e legitimada, das outras formas de poder: só se pode
passar para além da alternativa dos modelos energéti-
cos que descrevem as relações sociais como relações de
força e dos modelos cibernéticos que fazem delas rela-
ções de comunicação, na condição de se descreverem
as leis de transformação que regem a transmutação
das diferentes espécies de capital em capital simbó-
lico e, em especial, o trabalho de dissimulação e de
transfiguração (numa palavra, de eufemização) que
garante uma verdadeira transubstanciação das relações
de força fazendo ignorar-reconhecer a violência que
elas encerram objetivamente e transformando-as assim
em poder simbólico, capaz de produzir efeitos reais
sem dispêndio aparente de energia. (BOURDIEU, 2002,
p. 15). (sem destaque no original).

Temos que disputas simbólicas e retóricas à parte, o fato


é que a discussão dos modelos agroalimentares no Brasil pa-
rece passar ao largo de uma discussão que se possa ter por
democrática e que a história revela que nem sempre o interes-
se público na saúde da população será a força motriz de criação

1 07
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

de insumos para a produção agrícola. Vide o caso do DDT na


década de 60, denunciado por Carson e só retirado oficial e to-
talmente de circulação do país em 2009, ou o fato de que ainda
não enfrentamos o banimento de agrotóxicos já banidos em
vários países do mundo e uma série de prováveis inseguranças
de ordem ambiental, nutricional e de saúde pública, conforme
veremos no capítulo terceiro deste trabalho.
Por fim, pegamos emprestadas as palavras de Philip McMi-
chael (2016), que na obra “Regimes Alimentares e Questões
Agrárias” aponta para o fato de que talvez o regime alimen-
tar do capital tenha feito eclodir uma crise agrária de grandes
proporções, que parece agora estar registrada em um movi-
mento crescente para estabilizar o campo, proteger o planeta
e fomentar a soberania alimentar no combate a novas investi-
das contra culturas agrícolas, quanto a oposição à “cadeia de
valor” e apropriação de terras. Nesse contexto, a soberania
alimentar poderia ser considerada um modelo civilizacional
que combina a crítica conjuntural à “segurança alimentar neo-
liberal” – como um jogo de poder de corporações, eivados de
estratagemas em que agroexportação não se confundiria com
“alimentar o mundo” e alimento não se confundiria com mer-
cadoria ou commodities (MCMICHAEL, 2016, p. 36; 201).28
Passamos agora ao segundo capítulo da tese, que se de-
bruçará sobre temas como sustentabilidade e/ou desenvolvi-
mento sustentável, futuras gerações, risco e justiça ambiental
e suas construções conceituais.

28. Para maiores informações sobre o tema da SAN – Segurança Alimentar e


Nutricional sugerimos as obras de Renato Maluf, uma de nossas maiores refe-
rências nacionais sobre o tema e que relata as trajetórias de enfrentamentos
de SAN..

108
2. (R)EVOLUÇÃO SUSTENTÁVEL OU
COMPROMETIMENTO DO PRESENTE DAS
FUTURAS GERAÇÕES? SUSTENTABILIDADE,
RISCO E JUSTIÇA AMBIENTAL

Viver é muito perigoso


Riobaldo
(Grande Sertão: Veredas, João Guimarães Rosa).

O termo sustentabilidade parece emergir como uma termi-


nologia disputada por setores díspares como o do agronegó-
cio e o da agroecologia, por exemplo. O interesse pelo termo
sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável converge
para os estudos do presente trabalho, na medida em que en-
tendemos que ao tratarmos sobre as disputas do campo técni-
co-científico que tratam de modelos agroprodutivos que usam
agrotóxicos, precisamos compreender os usos e contextos em
que são acionados termos como sustentabilidade, risco, justiça
ambiental e futuras gerações, objeto de nossa pesquisa em sua
interface com estudos técnico-científicos, ações do MPF e de-
cisões judiciais correlatas.

2.1 SUSTENTABILIDADE E/OU DESENVOLVIMENTO


SUSTENTÁVEL: ORIGEM E CONCEITOS

Iniciamos nossa pesquisa sobre a origem e alguns dos conceitos


da palavra sustentabilidade através da obra “Sustentabilidade:

109
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

O que é – O que não é”, do teólogo e filósofo Leonardo Boff,


que apresentou uma reflexão crítica e integradora da susten-
tabilidade nas vésperas da Rio + 20, a Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente realizada no Brasil, vinte anos
depois da ECO-92.
Logo no início de sua obra, Boff (2015) mergulha na cen-
tralidade do tema quando discute as contradições e as perspec-
tivas sobre o planeta terra, o qual ele denomina como “Nossa
Casa Comum”. Salientamos que as reflexões trazidas pelo au-
tor em comento são originadas de outras obras anteriores, uma
vez que, desde a década de 1980, ele tem se dedicado às ques-
tões pautadas pela temática ecológica e socioambiental, bem
como a ecoespiritaualidade.29
Já no prefácio da obra, Boff (2015, p. 09) traz que:

[...] Há poucas palavras mais usadas hoje do que o


substantivo sustentabilidade e o adjetivo sustentável.
Pelos governos, pelas empresas, pela diplomacia e pelos
meios de comunicação. É uma etiqueta30 que se procu-
ra colar nos produtos e nos processos de sua confecção
para agregar-lhes valor. (sem destaque no original).
29. Para maiores informações sobre a vasta obra do autor, colacionamos algu-
mas de suas publicações a seguir: Ética e ecoespiritualidade (1984); Ecologia,
mundialização e espiritualidade (1993); Nova era: a emergência da consciên-
cia planetária (1994); Ecologia: grito da terra, grito dos pobres (1995); Prin-
cípio Terra: a volta à Terra como pátria comum (1995); Saber cuidar: ética do
humano – compaixão pela terra (1999); O casamento entre o céu e a terra:
contos dos povos indígenas do Brasil (2001); Terra América: imagens com
Marco Antonio Miranda (2003); Responder florindo: da crise da civilização a
uma revolução radicalmente humana (2004); Mundo eucalipto: os fatos e mi-
tos de sua cultura com José Roberto Scolforo (2008); Opção Terra: a solução
para a Terra não cai do céu (2009); Cuidar da Terra, proteger a vida (2010);
El planeta Tierra: crisis, falsas soluciones, alternativas (2011); As quatro eco-
logias: ambiental, política e social, mental e integral (2012); O cuidado neces-
sário: na vida, na saúde, na educação, na ecologia, na ética e na espiritualidade
(2012) e O TAO da libertação: explorando a ecologia da transformação com
Marie Hathaway (2012). (BOFF, 2015).
30. Nesse momento e antes de continuarmos a discutir a questão da sustenta-
bilidade, nos questionamos de maneira breve nessa nota em relação ao termo
“orgânico”. Será ele também convertido em uma futura “etiqueta”?

11 0
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Notamos, inicialmente, a divisão feita pelo autor entre o


substantivo que ele denomina pela palavra sustentabilidade, e
o adjetivo cognominado sustentável, e que sua vasta utilização
ocorre pelos mais variados setores, todavia, ele logo alerta para
a questão de que, frequentemente, ocorre de fato o que ele de-
nomina por “falsidade ecológica” ao se utilizar a palavra sus-
tentabilidade para ocultar reais problemas ambientais como a
agressão à natureza, contaminação química dos alimentos e de
marketing comercial, apenas com o escopo de venda e lucro,
pois, na maioria das vezes que se anuncia a sustentabilidade ou
algo sustentável, isso, geralmente, não o é (BOFF, 2015, p. 09).
Outra interessante ilustração para discutirmos a tal “eti-
queta da sustentabilidade” sobre produtos, é a referência à ati-
vidade do greenwash, ou seja, prática de “pintar de verde” para
trazer a ilusão ao consumidor que busca produtos não quimica-
lizados, em tese, limpos, ecológicos e saudáveis. Entretanto, é
necessário o senso crítico e a compreensão mais apurada para
que se possa identificar o que de fato é sustentável e o que não é.
Anotamos aqui compreensão trazida por Boff (2015,
p. 10), sobre a atual situação do planeta, considerada por ele
de grande dramaticidade, pois a economia, a política, a cultura
e a globalização seguem um curso que não pode ser considera-
do sustentável pelos níveis de pilhagem de recursos naturais,
além da geração das desigualdades e de conflitos intertribais e
outros esgarçamentos sociais que se produzem. Desta forma, o
autor considera a mudança como algo iminente, sob o prisma
de se colocar em risco o futuro de nossa espécie e de danifica-
ção grave do equilíbrio do planeta e diz que:

O pior que podemos fazer é não fazer nada e deixar que


as coisas prolonguem seu curso perigoso. As transfor-
mações necessárias devem apontar para um outro
paradigma de relação para com a terra e a natureza,
bem como a invenção de modos de produção e con-
sumo mais benignos. Isso implica inaugurar um novo

111
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

patamar de civilização, mais amante da vida, mais eco-


amigável e mais respeitoso dos ritmos, das capacidades
e dos limites da natureza.

[...]
Mais do que outrora, caberia usar, com propriedade,
a palavra revolução, não no sentido da violência ar-
mada, mas no sentido analítico de mudança radical
do rumo da história para permitir a sobrevivência da
espécie humana, de outros seres vivos e da preserva-
ção do Planeta Terra.

É neste contexto de urgência que formulamos nossas


reflexões sobre a sustentabilidade. São apenas iniciais,
sem a pretensão de serem conclusivas. [...] Como tudo
se globaliza, a sustentabilidade, mais do que qualquer
outro valor, deve também ser globalizada. Se olharmos
o futuro da humanidade e da Mãe Terra pelos olhos
de nossos filhos e netos sentiremos, imediatamente,
a necessidade de nos preocuparmos com a sustenta-
bilidade e de criar meios de implementá-la em todos
os campos da realidade. (BOFF, 2015, p. 10-11). (sem
destaque no original).

Mencionamos, neste momento, que o discurso trazido por


Leonardo Boff parece se encaixar naquilo que temos denomi-
nado como contramajoritário, pois conforme referido pelo
próprio autor, a expressão sustentabilidade tem sido tratada
como etiqueta a ser agregada aos mais variados produtos dos
mais diversos setores, além de muitas vezes ser braço auxiliar
do greenwash e de não discutir a fundo mudanças no atual mo-
delo econômico e paradigma civilizacional global.
De forma geral, o autor combate, de forma veemen-
te, a aparente falsidade, ou mesmo eufemismo, em relação à
sustentabilidade, ao mesmo tempo em que aponta algumas

112
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

alternativas para a consolidação de uma sustentabilidade verí-


dica e integralizadora de todos os tipos de vida no planeta. Se-
gundo ele, antes de definirmos melhor o que seja sustentabili-
dade, é possível avançar e procurar mostrar o que ela significa
de forma fundamental que é:

o conjunto dos processos e ações que se destinam a


manter a vitalidade e a integridade da Mãe Terra, a pre-
servação de seus ecossistemas com todos os elemen-
tos físicos, químicos e ecológicos que possibilitam a
existência a e reprodução da vida, o atendimento das
necessidades da presente e das futuras gerações, e a
continuidade, a expansão e a realização das potenciali-
dades da civilização humana em suas várias expressões.
(BOFF, 2015, p. 14). (sem destaque no original).

Em relação ao atual modelo de produção e acumulação, o


autor em comento enfatiza que o planeta não resistirá às explo-
rações e às manipulações oriundas das tecnologias sujas ou das
mais sutis, que utilizam a genética e a nanotecnologia, mas que
agridem sistematicamente o equilíbrio vital do planeta através
do uso intensivo de agrotóxicos e pesticidas que continuamen-
te destroem micro-organismos, modificam a qualidade do solo
e da água e, consequentemente, alteram a vida.
Observamos que na obra de Boff (2015), o conceito de sus-
tentabilidade trazido não é o da década de 1970, mais precisa-
mente do ano de 1972, quando ocorreu a Primeira Conferência
Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente, ou Conferência
de Estocolmo31 ou a definição clássica de Desenvolvimento

31. Em relação à Conferência de Estocolmo, a ideia embrionária de sustenta-


bilidade está presente nas referências feitas às presentes e futuras gerações e a
proteção ambiental, presentes nos princípios 01 e 02, os quais reproduzimos a
seguir: A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, re-
unida em Estocolmo de 5 a 16 de junho de 1972, e, atenta à necessidade de um
critério e de princípios comuns que ofereçam aos povos do mundo inspiração
e guia para preservar e melhorar o meio ambiente humano,

113
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Sustentável construída a partir da Comissão Mundial sobre


Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1984, através do Re-
latório Brundtland. Para o autor, o conceito de “sustentabi-
lidade” já possui mais de 400 anos e apresenta em sua obra
um tópico que trata da pré-história da sustentabilidade, infor-
mando que na Alemanha, em 1560, na Província da Saxônia,
surgiu a preocupação pelo uso racional das florestas, para que
estas pudessem se regenerar e se manter permanentemente,
surgindo então a palavra Nachhaltigkeit¸ que significava “sus-
tentabilidade”. No entanto, apenas no ano de 1713, novamente
na Saxônia, com o Capitão Hans Carl Von Carlowitz, a palavra
“sustentabilidade” se transformou em um conceito estratégico
através de pesquisas elaboradas pelo mesmo Capitão Carlowitz
que elaborou um verdadeiro tratado em latim – língua científi-
ca da época, sobre a sustentabilidade (nachhaltig wirtschaften:
organizar de forma sustentável) das florestas, intitulada como
Silvicultura Econômica e que propunha o uso sustentável da
madeira, adotando o lema: “devemos tratar a madeira com cui-
dado, caso contrário, acabar-se-á o negócio e cessará o lucro e,
a partir dessa iniciativa, começou-se a estimular o replantio de
árvores desflorestadas” (BOFF, 2015, p. 33).
Após abordar a pré-história do conceito de sustentabilida-
de, Boff (2015, p. 34) adentra na definição clássica de Desenvol-
vimento Sustentável construída a partir da Comissão Mundial
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1984, cujo lema

Princípio 1 - O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e


ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de quali-
dade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a
solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações
presentes e futuras. A este respeito, as políticas que promovem ou perpetuam
o apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras
formas de opressão e de dominação estrangeira são condenadas e devem ser
eliminadas.
Princípio 2 - Os recursos naturais da terra incluídos o ar, a água, a terra, a flora
e a fauna e especialmente amostras representativas dos ecossistemas naturais
devem ser preservados em benefício das gerações presentes e futuras, me-
diante uma cuidadosa planificação ou ordenamento. (ONU, 1972).

114
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

era “Uma agenda global para a mudança” e que resultou, em


1987, no relatório da Primeira-ministra norueguesa, Gro Har-
lem Brundtland, intitulado “o Nosso futuro comum” ou tam-
bém denominado de Relatório Brundtland.
Em referido relatório, expressamente aparece a expressão
“Desenvolvimento Sustentável”, definido como: “aquele que
atende às necessidades das gerações atuais sem comprometer
a capacidade das gerações futuras de atenderem as suas neces-
sidades e aspirações.”
O autor em comento considera que esta definição tornou-
-se costumeira e se impôs em quase toda a literatura a respei-
to do tema, mas busca aprofundar e problematizar a questão
apontando críticas aos atuais modelos de sustentabilidade, ao
enumerar os seguintes tópicos: o modelo-padrão de desenvol-
vimento sustentável: sustentabilidade retórica; melhorias no
modelo-padrão de desenvolvimento; o modelo de neocapita-
lismo: ausência de sustentabilidade; o modelo do capitalismo
natural: a sustentabilidade enganosa; o modelo da economia
verde: a sustentabilidade fraca; o modelo do ecossocialismo: a
sustentabilidade insuficiente; o modelo de ecodesenvolvimen-
to ou da bioeconomia: sustentabilidade possível; o modelo da
economia solidária: a microssustentabilidade viável; o bem-
-viver dos povos andinos: a sustentabilidade desejada (BOFF,
2015, p. 39-61).
Uma das críticas iniciais de Boff (2015, p. 40) aos vários
modelos de sustentabilidade dá conta de que, na maior parte
dos casos, a sustentabilidade é mais aparente do que real, mas
que, de toda forma, há uma busca genuína por parte de em-
presas e países, pois estes não se sentem seguros frente aos
atuais rumos que a humanidade vem tomando e que muitos
já se dão conta de que não será possível “ter futuro” caso não
ocorram transformações substanciais, e que várias propostas
vêm sendo formuladas, ainda que boa parte delas tente manter
o atual modelo de desenvolvimento, apenas imprimindo-lhe
uma aparência de sustentabilidade.

11 5
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Interessante notarmos que falar de sustentabilidade é, tam-


bém, mencionar o modelo-padrão de desenvolvimento susten-
tável como normalmente gestado pelas empresas e expresso
em discursos corporativos que assim dizem que: “para ser sus-
tentável o desenvolvimento deve ser economicamente viável,
socialmente justo e ambientalmente correto”. Ou seja, trata-se
do famoso tripé chamado de Triple Botton Line – A linha das
três pilastras que deve garantir a sustentabilidade. Referido
conceito foi criado em 1990 pelo britânico John Elkington,
fundador da ONG SustainAbility, cuja proposta é exatamente
divulgar esses três momentos como necessários a todo o de-
senvolvimento sustentável. Utilizou-se, em referida constru-
ção, os três “pês”, Profit, People, Planet – produto/renda, popu-
lação e planeta, como sustentáculos da sustentabilidade.
Em relação a uma conceituação de Boff (2015, p. 107) so-
bre sustentabilidade, ele diz que:

A sustentabilidade é toda ação destinada a manter as


condições energéticas, informacionais, físico-químicas
que sustentam todos os seres, especialmente a Terra
viva, a comunidade de vida e a vida humana, visando
sua continuidade e ainda atender as necessidades da ge-
ração presente e das futuras, de tal forma que o capital
natural seja mantido e enriquecido em sua capacidade
de regeneração, reprodução e coevolução.”

Fica nítido, no discurso levantado por Leonardo Boff, a


preocupação com as futuras gerações, a crença na urgência de
mudança nos paradigmas de produção, consumo e de constru-
ção da organização da sociedade global de uma forma solidária.
Não temos como nos alongarmos em relação às diversas
críticas e disputas em relação à terminologia sustentabilidade,
uma vez que só essa discussão renderia obra apartada, como
a própria produzida por Leonardo Boff (2015) e brevemente
explorada ao longo de poucas páginas deste trabalho. Todavia,

11 6
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

além das abordagens clássicas trazidas por este autor, bem


como as críticas que ele mesmo inovadoramente formula e
que, em apertada síntese, podem ser entendidas como críticas
concentradas no antropocentrismo vinculante das mais diver-
sas propostas de desenvolvimento sustentável, as quais bus-
cam criar uma ilusória percepção de que o homem está fora da
natureza, quando deveria ser buscada uma práxis integradora
de sustentabilidade, de perspectiva sistêmica, ecocêntrica e/
ou biocêntrica, para nos utilizarmos de suas próprias palavras
na obra já mencionada.
Todavia, parece-nos que um elemento é comum nas abor-
dagens da ONU, quando da Conferência de Estocolmo ou do
Relatório Bruntdtland: a preocupação com as futuras gerações,
fato que muito nos interessa e que será explorado em tópico
próprio neste mesmo capítulo.
Por hora, prosseguimos com mais um crítico ao conceito
de desenvolvimento sustentável ou sustentabilidade, que é
Joan Mártinez-Alier, conhecido por estudos como o do “Eco-
logismo dos Pobres” e pela organização de pesquisas que bus-
cam conhecer a existência ou não de um Movimento Global
por Justiça Ambiental e criador do Atlas Global de Justiça Am-
biental o qual estudaremos de forma mais detida também em
subtítulo específico neste capítulo. No que pertine ao conceito
de sustentabilidade, Martinez-Alier (2015) afirma que o cres-
cimento verde e o desenvolvimento sustentável são contradi-
tórios, pois considera que não há como existir um crescimento
que seja verde, mas sim algo que seja falsamente considerado
verde. Para o autor, falar em desenvolvimento sustentável em
economias baseadas em petróleo, carvão e cobre é enganar
as pessoas.
Partindo para mais um teórico do tema sustentabilidade
que faz inserções críticas sobre o assunto, chegamos a Igna-
cy Sachs (1993; 2009), através de sua Teoria das Dimensões
da Sustentabilidade, na qual defende que o desenvolvimento
sustentável está encoberto por 08 dimensões, quais sejam:

117
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

ecológica, econômica, social, cultural, psicológica, territorial,


política nacional e internacional. Cada dimensão possui ins-
titutos e características próprias, devendo conceber que o de-
senvolvimento sustentável somente é alcançado quando todas
estiverem delineadas.
Sachs (2009, p. 49-50) entende que a ética imperativa da
solidariedade sincrônica com a atual geração deve somar-se à
solidariedade denominada diacrônica, representada pelas futu-
ras gerações. O postulado ético de responsabilidade para com
o futuro de todas as espécies vivas na Terra inclui presentes e
futuras gerações, portanto. Todavia, os economistas continu-
am habituados a pensar em termos de anos, no máximo, dé-
cadas, enquanto a escala de tempo da ecologia se amplia para
séculos e milênios e que, simultaneamente, é preciso observar
como nossas ações afetam locais distantes de onde acontecem,
implicando todo o planeta ou até mesmo a biosfera.
Ignacy Sachs, assim como Leonardo Boff, apresenta-nos
pressupostos para que continuemos nos questionando sobre
a possibilidade de se pensar em sustentabilidade na vigência
de um sistema capitalista de mercado. Nessa perspectiva de
sustentabilidade, sem uma mudança estrutural, referido autor
indaga: Os grupos mais vulneráveis teriam as mesmas condi-
ções de desenvolvimento sustentável?
De forma mais recente, em artigo para a revista Ambiente
e Saúde, o professor José Eli da Veiga propõe o que ele de-
nomina como um aggiornamento32 do que ele referencia como
o ideal que se tornou o “desenvolvimento sustentável”, sendo
este a grande utopia contemporânea.
Inicialmente, Veiga (2017, p. 233) defende que ao invés de
se buscar ampliar a lista do que ele define como contorcionis-
mos, tão comuns, em infrutíferas tentativas de promover um
suposto “conceito” de desenvolvimento sustentável, seria mais
prudente que a análise de referida expressão começasse por
separar os argumentos científicos disponíveis sobre seus dois
32. Termo que em italiano significa atualização.

11 8
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

componentes essenciais, quais sejam: o substantivo desenvol-


vimento e o adjetivo sustentável.
Segundo ele, mesmo ciente que tal dissecação possa levar a
conclusão de que se trata apenas de uma espécie de quadratura
no interior do círculo, não se impossibilitaria que a interpreta-
ção do sentido histórico da junção política desses dois termos
e de sua acelerada legitimação global nas últimas três décadas
fosse feita, bem como a discussão do que existe de válido, sério
e objetivo nessa noção, o que poderia vir a ser uma ótima vaci-
na contra muitas ilusões que ela tende a difundir. Além disso,
frisa o autor, separar o joio do trigo permite que o desenvolvi-
mento sustentável possa ser mais conscientemente assumido
como um dos mais generosos ideais civilizadores.
Veiga (2017, p. 233) esclarece em suas notas introdutórias
do artigo em comento que, assim como o mais antigo anseio
por “justiça” (ou “justiça social”), e mesmo o bem recente em-
penho pelos “direitos humanos”, nada assegura que o ideal ex-
presso no ideário de desenvolvimento sustentável seja de fato
possível e realizável, todavia, aclara que esses e outros valores
compõem a visão de futuro sobre o qual as civilizações con-
temporâneas deveriam alicerçar suas esperanças. Por isso, são
utópicos no melhor sentido desse qualificativo.
Quando enfrenta, especificamente, o termo desenvolvi-
mento, Veiga (2017, p. 35) informa que há diversas razões para
que se considere que a ideia de desenvolvimento permaneça
como objeto de controvérsia. Não apenas porque o uso dessa
noção continua a ser ferrenhamente combatido por ativistas
da educação ambiental, mas também porque, de forma mais
implícita, ou indireta, conflita com a tese do “decrescimento”.
Nesse sentido, afirma Veiga (2017, p. 235):

Afinal, uma das dimensões essenciais do ideal do de-


senvolvimento continua a ser justamente o crescimento
econômico. E isso não poderia estar mais explícito do
que no oitavo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável

11 9
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

(ODS-8) estabelecido pela Agenda 2030, cujo enuncia-


do é “promover o crescimento econômico sustentado
[...]”.

Não foi outro o problema que desafiou Tim Jackson a


lançar em 2011 o livro Prosperidade sem Crescimen-
to, evitando o termo desenvolvimento. O propósito
dos economistas ecológicos, cujas ideias foram bri-
lhantemente sintetizadas nessa obra, sempre foi o de
relativizar o papel desempenhado pelo crescimento
econômico naquilo que tanto pode ser chamado de
desenvolvimento, como de prosperidade ou de pro-
gresso. Com certeza, um dia será necessário decres-
cer crescendo, ou, como disse Edgar Morin (2011, p.
36) “simultaneamente crescer e decrescer”. Isto é,
será necessário fazer crescer os serviços, as energias
renováveis, os transportes públicos, a economia plural
(que inclui a economia social e a solidária), as obras
de humanização das megalópoles, as agriculturas e
pecuárias alternativas.

Ao mesmo tempo será imprescindível fazer decres-


cer as intoxicações consumistas, a alimentação in-
dustrializada, a produção de coisas descartáveis e/
ou que não podem ser consertadas, a dominação dos
intermediários (principalmente cadeias de super-
mercados) sobre a produção e o consumo, o uso de
automóveis particulares e o transporte rodoviário de
mercadorias (em favor do ferroviário). Algo muito
parecido ao que alguns expoentes da social demo-
cracia europeia chegaram a chamar de “crescimento
seletivo”. (sem destaque no original).

No mesmo artigo, o autor lembra que a definição de de-


senvolvimento vem sendo incansavelmente repetida desde

120
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

1990 nos relatórios anuais elaborados pelo PNUD – Progra-


ma das Nações Unidas para o Desenvolvimento, nos quais o
desenvolvimento é percebido como a possibilidade de as pes-
soas viverem o tipo de vida que escolheram, e com a provi-
são dos instrumentos e das oportunidades para que façam
tais escolhas.
Após, o autor trata do termo sustentabilidade e reconhe-
ce que à medida que a sustentabilidade foi se constituindo em
um novíssimo valor – comparável a outros bem mais antigos,
como justiça, liberdade ou igualdade –, tal noção acabou por
passar por um intenso processo de banalização. A ponto de
ser apropriada como leitmotiv central de estratégias de propa-
ganda empresarial. Todavia, diferentemente de alguns autores
que acabam por rechaçar o ideário da sustentabilidade, Veiga
(2017, p. 237-238) considera que apesar das disputas em rela-
ção ao tema, é altamente positivo notar que em poucas déca-
das referida temática tenha passado de mero alvo de zombarias
a trunfo a ser ostentado e que críticos ao termo como Enrique
Leff ou David Deutsch apresentam o que ele denomina como:
um tique bem recorrente entre os que não percebem que sustenta-
bilidade não é conceito, mas sim um valor.” Emenda, ainda, que
esse não é o deslize central de tais críticos, mas que eles er-
ram pior quando realizam a avaliação histórica, pois nos 36
anos que se passaram desde que o projeto de um desenvolvi-
mento sustentável começou a inspirar a estratégia mundial de
conservação (IUCN-UNEP-WWF, 1980), ou mesmo um novo
ideário político (BROWN, 1981), a sustentabilidade não ces-
sou de ganhar força social, como ainda há pouco confirmou
o lançamento da Agenda 2030 e seus 17 ODS – Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável.
No mesmo artigo, o autor trata, como cerne da susten-
tabilidade, a ideia de que as gerações futuras merecem tanta
atenção quanto as atuais e que em seu âmago está uma visão
de mundo dinâmica, na qual transformação e adaptação são
inevitáveis, mas dependem de elevada consciência, sóbria

12 1
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

prudência e muita responsabilidade diante dos riscos e, princi-


palmente, das incertezas (VEIGA, 2017, p. 240-241).
Partindo-se para a discussão sobre desenvolvimento susten-
tável/sustentabilidade no campo jurídico, temos a obra “Susten-
tabilidade: Direito ao Futuro” de Juarez Freitas, agraciada pela
Medalha Pontes de Miranda da Academia Brasileira de Letras
Jurídicas e referência sobre o tema na seara do Direito.
Freitas (2012, p. 15) afirma, na introdução de seu livro,
após revisar boa parte da mais qualificada produção biblio-
gráfica33 sobre o tema, que a sustentabilidade merece acolhida
como princípio constitucional que busca promover, a longo
prazo, o desenvolvimento propício ao bem-estar pluridimen-
sional – social, econômico, ético, ambiental e jurídico-político,
com reconhecimento à titularidade dos direitos fundamentais
das gerações presentes e futuras.
Afirma ainda o autor que:

As gerações presentes e futuras, sem renúncia ad-


missível, ostentam, segundo o novo paradigma, o di-
reito fundamental à ambiência limpa, com mitigações
e adaptações imperiosas e, sobremodo, com medidas
antecipatórias de prevenção e precaução, coisa que só
se alcança com base na reviravolta profunda do esti-
lo de pensar, produzir e consumir. A sustentabilidade
aparece, nessa linha, com dever ético e jurídico-políti-
co de viabilizar o bem-estar no presente, sem prejuízo
do bem-estar futuro, próprio e de terceiros. (JUAREZ,
2012, p. 15). (sem destaque no original).
33. Em consulta às referências do autor ao final da obra encontramos uma
série de autores internacionais como professores estadunidenses e europeus,
entre os quais citamos Amartya Sen, William Nordhaus, Thomas Friedman,
Jonathan Lash, Edgar Morin, Jeroen C. J. M. van den Bergh, Anthony Giddens
Annie Leonard, Martin Dal, Margo Wilson, Niles Eldredge, Robert Solow, Dale
Jamieson, Gabrielle Walke, David King, Laura Perez Bustamante, Jean-Pierre
Dupuy, Ricardo Luis Lorenzetti. Além de autores nacionais como José Eli da
Veiga, Ingo Wolfgang Sarlet, José Rubens Morato Leite, Paulo Affonso Leme
Machado, Eduardo Gianetti, André Trigueiro, Fátima Portilho, Alessandra
Galli, Vladimir Freitas, entre outros.

12 2
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

A obra de Freitas (2012) é composta de mais de 300 pági-


nas e 10 capítulos que tratam do conceito de sustentabilidade,
sua natureza multidimensional, seu valor constitucional, suas
falácias e armadilhas argumentativas, sua indispensável su-
peração dos vícios políticos, seu novo paradigma, sua relação
com o novo direito administrativo e, por fim, a responsabilida-
de do Estado e sua nova interpretação jurídica.
Destacamos, para efeitos de estudo deste capítulo, o con-
ceito proposto para o princípio da sustentabilidade trazido
pelo autor em comento que assim enuncia:

Trata-se de princípio constitucional que determina,


com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do
Estado e da sociedade pela concretização solidária do
desenvolvimento material e imaterial, socialmente in-
clusivo, durável, equânime, ambientalmente limpo,
inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar,
preferencialmente de modo preventivo e precavi-
do, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar.
(FREITAS, 2012, p. 41). (sem destaque no original).

O autor defende, logo após a enunciação de referido con-


ceito, que, da maneira como formulado, o desenvolvimento
sustentável não é uma contradição em termos34, tampouco
se confunde com delirantes perspectivas sobre o crescimen-
to econômico sem fim, pois considera que em sua construção
conceitual conseguiu reunir elementos indispensáveis para
um conceito operacional de sustentabilidade eficaz, quais se-
jam: 1) Natureza de princípio constitucional diretamente apli-
cável; 2) Eficácia – encontro de resultados justos e não mera
aptidão para produzir efeitos jurídicos; 3) Eficiência – uso de
meios idôneos; 4) Ambiente limpo – descontaminado e sau-
dável; 5) Probidade – inclusão explícita da dimensão ética;
34. Juarez Freitas cita nesse momento as críticas de Anthony Giddens ao ter-
mo desenvolvimento sustentável.

123
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

6) Prevenção – dever de evitar danos certos; 7) Precaução –


dever de evitar danos altamente prováveis; 8 – Solidariedade
intergeracional – com o reconhecimento dos direitos das ge-
rações presentes e futuras; 9) Responsabilidade do Estado e
da sociedade e 10) Bem-estar – acima das necessidades ma-
teriais e que nenhum desses elementos deve faltar ao concei-
to sob pena da ocorrência de um reducionismo indesejável
(FREITAS, 2012, p. 41).
Um especial ponto que nos chama a atenção na obra de
Freitas (2012, p. 73; 79), é o de que a sustentabilidade deter-
mina, em uma dimensão tópico-sistemática, “a universalização
concreta e eficaz do respeito às condições multidimensionais da
vida de qualidade, com o pronunciado resguardo do direito ao
futuro, além de ser empática e intergeracionalmente solidária”.
Até o presente momento, o que nos parece restar claro é
que, sejam em concepções majoritárias, como as apresentadas
pela ONU em Estocolmo ou no Relatório Brundtland, ou em
construções mais holísticas e contramajoritárias, como a de
Leonardo Boff, ou Ignacy Sachs, bem como em abordagens
jurídicas, como a de Juarez Freitas, a expressão “gerações pre-
sentes e futuras” se mostra inclusa de forma inequívoca junto
ao conceito de sustentabilidade.
Para melhor vislumbre dessa questão, passaremos, no tó-
pico a seguir, a discutir sobre o termo futuras gerações e, para
tanto, tentaremos descobrir se dentro do ponto de vista ético-
-filosófico existe uma definição conceitual majoritária, contra-
majoritária ou até mesmo uniforme.

124
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

2.2 FUTURAS GERAÇÕES E SOLIDARIEDADE


INTERGERACIONAL: NASCIDOS E NÃO NASCIDOS?

Não herdamos a terra de nossos antepassados,


a tomamos de nossos filhos.
Antoine Saint-Exupéry

Sobre o tema futuras gerações e a concepção ética-filosófica,


iniciaremos nosso estudo tratando da obra de Guilherme Cos-
ta Câmara, promotor de justiça que escreveu tese de doutora-
do pela Universidade de Coimbra abordando o tema do Direito
Penal do Ambiente e a Tutela das Gerações Futuras, publicada
no ano de 2016. Salientamos que as publicações sobre o tema
das gerações futuras e sua proteção judicial não parecem ter
ainda granjeado expressividade no país, principalmente na
seara jurídica, que tende a se pautar pela dogmática já posta,
mas conforme iremos perceber ao longo deste tópico, a discus-
são das futuras gerações não possui marcos jurídico-dogmáti-
cos fixos e precisos em nossa legislação pátria ou na legislação
internacional.
Na obra do autor supramencionado somos informados, de
forma introdutória no capítulo II, que a discussão jurídico-fi-
losófica subjacente à questão da proteção penal das gerações
futuras está relacionada ao surgimento de uma consciência
antecipatória que busca aflorar um novo “cuidado-de-perigo”
que pode estar relacionado ao reflexo de uma consciência de
risco ampliada, na busca de uma reconfiguração axiológica,
que se assenta na emergência de valores transgeracionais ra-
dicados em um zelo sem precedentes para com as gerações
futuras, que o autor informa estar atrelado ao interesse de pro-
teção surgido com o movimento ambientalista na Conferência
de Estocolmo (1972).
Câmara (2016, p. 92-93) considera que novos perigos aflo-
raram com os imparáveis avanços tecnológicos e que é pre-
ciso construir um discurso ético-jurídico que se volte para a

125
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

construção da justiça intergeracional, mas traz questionamen-


tos sobre a concretização desse marco-legal, pois informa que
não existe sequer acordo acerca do lapso temporal que defina
o trânsito de uma geração a outra, estimando-se que deva os-
cilar entre quinze a quarenta anos e colaciona diferentes opi-
niões acerca do espaço tempo que transcorre de uma geração
à outra, citando Tácito que fala de quinze anos,; Heródoto que
menciona trinta e três anos e meio; Thomas Jefferson que traz
a ideia de dezenove anos e Bowen, Davis e Kope, que baseados
em um modelo científico-financeiro, propõem a idade de qua-
renta e quatro anos.
A emergência dessa preocupação com a proteção jurídica
das futuras gerações pode ser considerada como expressão do
surgimento dos denominados direitos de solidariedade, haja
vista a existência dos denominados perigos transgeracionais
associados aos problemas da acumulação, ou seja, perigos
que transcendem de forma diacrônica a fronteira individual,
suplantando os marcos temporais que apartam as gerações e
que podem gerar as denominadas vítimas civilizatórias, frutos
da manipulação genética, contaminação de produtos alimentí-
cios, comercialização de medicamentos arriscados (CÂMARA,
2016, p. 94-95).
O autor em comento se socorre da filosofia moral para
tentar responder a questionamentos em relação à proteção das
futuras gerações e quem elas seriam, apresentando alguns in-
teressantes questionamentos que transcrevemos abaixo:

Podem pessoas ainda não nascidas ter direitos? Têm


as gerações futuras direitos pugnáveis contra as gerações
atuais? Possuímos deveres e obrigações em relação a
pessoas que ainda não existem? Quais futuras gerações
estariam a carecer dessa tutela: as que nos são mais
contíguas, ou qualquer geração em nós radicada no
abismo temporal de um porvir linear quase infinito?

126
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Esse é apenas um pequeno catálogo de formulações


provocativas que o problema da tutela das vindouras
gerações atrai para a reflexão quer jurídico-penal quer
jusfilosófica. (CÂMARA, 2016, p. 96). (sem destaque
no original).

A seguir, analisaremos um pouco das escolas ético-filosó-


ficas que tratam do tema justiça entre gerações e quem seriam
ou não seriam essas futuras gerações e abordaremos, em breve
resumo, as ideias de John Rawls35, Joel Feinberg, Alfred North
Whitehead, Hans Jonas, Jürgen Habermas, Claus Roxin, entre
outros, sobre justiça entre gerações, uma vez que a questão
proposta para estudo no presente trabalho, apesar de trazer à
tona o questionamento sobre presentes e futuras gerações e a
justiça e solidariedade intergeracional, não se concentra nesse
aspecto de forma principal, ainda que seja questão instigante e
que talvez mereça mais aprofundamento de estudo por parte
da sociologia e do direito.

2.2.1 Escolas ético-filosóficas, equidade intergeracional e


futuras gerações

John Rawls (2002) elaborou em sua obra, uma Teoria da


Justiça, uma análise de corte pragmático e filosófico que abor-
da, entre outros temas, a questão da justiça entre gerações. Em
sua teoria da justiça como equidade estabeleceu que a justi-
ça há de se aplicar a todos os membros da comunidade hu-
mana, estejam eles a viver intra ou intertemporalmente, tendo
elencado ao menos três ordens de direitos a que fariam jus as
gerações supervenientes, os quais são: o direito a um adequa-
do nível de poupança; o direito à conservação dos recursos

35. Apesar da perspectiva esboçada nesta tese ser de cunho predominante-


mente decolonial, a contribuição do liberal John Rawls acabou por encaixar-se
de maneira interessante na abordagem do presente tema.

127
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

naturais e ao meio ambiente natural e o direito a uma política


genética racional.
De forma nuclear, o entendimento esposado por Rawls é
de que não é possível a concepção de uma teoria da justiça sem
que os cidadãos da sociedade atual primeiro resolvam o pro-
blema da justiça intergeracional que, em última análise, exige
que se mantenha para o futuro a igualdade de oportunidades
atualmente existentes. Nesse caminho surge também a ideia
de “poupança justa” que entende que cada geração é respon-
sável pela contribuição de uma situação melhor para a geração
posterior e que o não atendimento dessa premissa implicaria
em injustiça para com as futuras gerações. Para Rawls, a res-
ponsabilidade da atual geração para com as gerações futuras
deve chegar apenas às gerações contíguas – ou seja, limita-se
aos netos, estabelecendo, dessa maneira, a ideia de um gênero
de responsabilidade diacrônica crescente, parecendo assentar
dessa maneira, sua teoria em preocupações parentais e relacio-
nada a um interesse emocional que se achega aos descendentes
imediatos (CÂMARA, 2016, p. 98 -99).
Joel Feinberg posiciona-se de maneira favorável à constru-
ção de um direito das gerações futuras em relação às atuais ge-
rações e que referidos direitos deveriam corresponder às atu-
ais obrigações de proteção do meio ambiente, fundamentadas
não apenas em uma noção de “amor ao próximo”, mas sim fun-
dada em uma questão de justiça. Para o autor em questão, não
é feita a marcação temporal, não importando qual a distância
de tempo, não importando a existência das esferas de contigui-
dade, diferentemente de Rawls, portanto. Para Feinberg, as ge-
rações futuras terão interesses nas gerações atuais na medida
em que nós, os de hoje, já podemos afetar para melhor, ou para
a pior, sua realidade. Por não trazer uma limitação de caráter
temporal, é considerado metafísico demais para alguns de seus
críticos, mas se defende afirmando que, tal como ocorre com
os embriões de nossos tetranetos, que são pessoas em um sen-
tido potencial, somente em um sentido “bem mais fraco” que

128
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

os primeiros e que, todavia, os porvindouros – enquanto enti-


dade coletiva – virão de toda forma (CÂMARA, 2016, p. 102).
De maneira semelhante a Feinberg, temos o pensamento
de Whitehead que ao tratar do tema da justiça intergeracional
afirma que o longo encadeamento de gerações acaba por se
constituir em uma comunidade única e que passado e futuro
se fundem em uma “metafísica relacional”, qual seja, toda a
raça humana que deve ser considerada indivisível em sua in-
teireza, uma vez que todos os indivíduos fariam parte de uma
mesma família e de um mesmo todo orgânico. Assim, o efeito
do presente sobre o futuro é tema de interesse da ética, pois ao
futuro pertenceria a decisão final se uma determinada ação é
eticamente boa ou má, ao passo que o conceito relacional de
bem comum estaria assentado no bem da espécie como um
todo (CÂMARA, 2016, p. 105).
Temos, dessa maneira, até agora, marcos temporais rígi-
dos com (Rawls) e marcos temporais metafísicos (Feinberg e
Whitehead). A seguir trataremos de Hans Jonas e o que ele de-
nomina como princípio da responsabilidade e, conjuntamente,
falaremos de Habermas e sua ideia de expansão da liberdade
diacrônica e a emergência de uma autocompreensão ética
da humanidade.
A perspectiva trazida por Hans Jonas deflui de suas refle-
xões de fundo ético acerca dos novos perigos existenciais que
têm sido enfrentados pela comunidade humana e, para tanto,
alude ao que denomina de uma ética para a “civilização tecno-
lógica”, uma vez que a ciência que se mostrava como promessa
de melhoria da vida humana, tem se convertido em ameaça.
Para ele, o atual estágio da humanidade, denominado de ci-
vilização tecnocientífica, requer uma nova ética capaz de re-
forçar a expansão da responsabilidade do homem para com o
futuro e, assim, propõe que essa nova ética contribua para a
garantia da permanência da vida humana no planeta e enun-
cia as seguintes formulações: a) aja de modo a que os efeitos
de tua ação sejam compatíveis com a permanência de vida

129
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

autenticamente humana sobre a terra; b) aja de modo a que os


efeitos de tua ação não se tornem destrutivos para as possibili-
dades futuras dessa vida (CÂMARA, 2016, p. 107).
Dentro da proposta feita por Hans Jonas, o progresso tec-
nológico se desvela como uma séria ameaça para a perpetua-
ção da espécie humana sobre o planeta e seria irresponsável
desenvolver novas tecnologias, tais quais as atuais técnicas
de combinação genética (Revolução Genética), uma vez que
representam riscos potenciais para a humanidade e nem
a essência e nem a existência das futuras gerações deve ser
posta em risco em face de algum eventual proveito por parte
das gerações atuais.
Quando olhamos para a perspectiva de Hans Jonas para
todo o avanço técnico-científico da humanidade e pensamos
na revolucionária proposta do agrobussiness, talvez cheguemos
facilmente à conclusão de que o atual modelo agroprodutivo é
comprometedor da segurança das futuras gerações e lastrea-
dor de uma provável ruptura da solidariedade intergeracional.
Hans Jonas entende que a responsabilização ética reque-
rida deve ser operacionalizada através do que ele denomina
como heurística do medo, pois perante as incertezas do futuro
deverá sempre prevalecer um prognóstico catastrófico, e essa
redoma de medo deve executar um papel de caráter terapêuti-
co e curativo, capaz de despertar os homens da indiferença e
conduzi-los a uma ética da responsabilidade para com o futuro
e que os conduzirá a um redimensionamento das margens da
tradicional ideia de responsabilidade. Câmara (2016, p. 109,
nota 407) ainda informa que:

JONAS, assim como BECK, REES e HANS KÜNG, par-


tilham da opinião de que os instrumentos de direito
são “insuficientes para lidar com novos problemas”,
daí que atribuem um “papel decisivo à autorregula-
mentação social” – que cabe ser impulsionada por uma
nova ética e por uma nova racionalidade – com vista a

130
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

obter-se uma “radical mudança dos estilos de vida”.


(sem destaque no original).

Em relação a essa compreensão dos riscos e avanços


científicos, bem como sua relação com o nosso tema de es-
tudo, utilizaremos de pesquisa um pouco mais detida sobre a
proposta de risco formulada por Ulrich Beck em tópico pró-
prio deste trabalho. Compartilhamos, todavia, a impressão
de que os mecanismos jurídicos são insuficientes para lidar
com os novos problemas – principalmente quando tratarmos
do campo técnico-jurídico representado pelo MPF e seu GT
Agrotóxicos e Transgênicos.
Jünger Habermas, de maneira parecida com a de Hans Jo-
nas, ainda que menos complexa, trata do estabelecimento de
uma nova ética em face da emergência do que ele denomina
como “novíssima genética”, pois são os atuais processos de in-
tervenção no genoma humana que podem vir a ocasionar o
que ele denomina como “o aparecimento de uma densa cadeia
geracional de atos pela qual ninguém poderá ser chamado a pres-
tar contas, visto atravessar, unilateral e verticalmente, a rede con-
temporânea de interações” (HABERMAS, 2006, p. 39).
A análise habermasiana direciona-se no sentido de fazer
realçar uma forte preocupação com a preservação da identi-
dade da espécie humana, principalmente quando posta em
perspectiva, face ao atual comportamento da tecnociência
que parece avançar e colocar em perigo a própria dignidade
humana ao ampliar a denominada “liberdade diacrônica ou
transtemporal” que poderá implicar em uma futura “eugenia
liberal” não focada apenas na eliminação de determinadas pa-
tologias, mas na possibilidade da criação de uma “progenitura
geneticamente programada” e que pode constituir-se em um
tipo de discricionariedade capaz de interferir nas próprias ba-
ses somáticas da “autorrelação espontânea e da liberdade ética
de uma outra pessoa” e, na situação de tal ocorrência, levar
a tênue relação entre coisas e pessoas e as gerações futuras

13 1
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

poderão pedir contas aos programadores de seus genomas,


responsabilizando-os por eventuais consequências indesejá-
veis das condições orgânicas de partida da sua vida (HABER-
MAS, 2006, p. 53).
Nos dizeres de Câmara (2016, p. 114): “cabe-nos agora per-
guntar, se diante da “magnitude dos novos perigos” – a clamar
por uma mais estendida autocompreensão ética da humanidade,
e a instigar uma moralização da natureza humana, ou sua insti-
tucionalização mediante instrumentos jurídicos.”
Após vislumbrarmos de forma sintética o atual estágio de
pensamento ético-filosófico acerca do “mundo vindouro” e
que referidas preocupações ético-filosóficas parecem ter um
escopo na emergência de novos riscos e perigos que carac-
terizam a época em que vivemos, tempo este que parece re-
clamar uma nova ética, uma nova racionalidade e quem sabe
uma nova dogmática jurídica, referenciamos que alguns refle-
xos dentro da dogmática jurídica penalista já têm se insurgi-
do, parecendo demonstrar, dessa maneira, que a proteção das
futuras gerações, pelo menos nessa área do universo jurídico,
parece começar a emergir. Como exemplo desse fato, citamos
os juristas estudados por Câmara (2016, p. 116-121), quando o
mesmo traz Stratenwerth e sua concepção de um direito penal
do risco como direito voltado à tutela protetiva das futuras ge-
rações, bem como Bernd Schünemann36 quando este trata da
preservação da espécie como bem jurídico de primeira gran-
deza, além de Claus Roxin que enxerga a proteção das gerações
futuras como desafio do direito penal do futuro e que, apenas
de forma gradual, a doutrina começa a atentar-se para o fato de
que a “tutela das gerações futuras” consiste em uma nova área
de atuação do direito penal.

36. Referido autor considera que a proteção das gerações futuras merece ser
uma das principais atividades do direito penal moderno e sustenta que o prin-
cípio do bem jurídico não deve ser abandonado, mas ampliado para fazer do
dever de tutela do ambiente uma “norma fundamental de valor universal”.
Prioritária, então, é já a “preservação da própria espécie.”

132
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Continuando com Câmara (2016, p. 126-127), destacamos


interessante citação que assim diz:

Ainda no plano da discussão jurídico-filosófica subja-


cente à questão da proteção penal das gerações futuras,
insta exprimir que na dimensão em que o Homem não
é uma entidade metafísica, sequer uma ilusão subjeti-
va ou uma abstração intangível e imune a toda e qual-
quer sorte de condutas, alguns comportamentos são
dotados de macrolesividade sincrônica (genocídio,
terrorismo, etc.); outras tantas condutas, a seu turno,
são portadoras de ofensividade de distinta ordem –
ofensividade diacrônica -, que pode, notadamente, por
acumulação, refratar-se sobre a essência, a dignidade
e a continuidade existencial da espécie humana, mor-
mente quando atingidos forem contextos de vida a que
estamos indissoluvelmente associados.

Nesse instante e, após a citação acima, fazemos um aparte


para tratarmos de algo que será melhor explicitado no terceiro
capítulo, quando da abordagem da proposta do Tribunal Mon-
santo em transformar as práticas da referida empresa como
ecocidas e a própria modificação do Tribunal Penal Interna-
cional, que abarcou em 2016, em seu arcabouço legal, a pos-
sibilidade da existência do crime de ecocídio, ou seja, caso
estejam corretos os argumentos daqueles que advogam pela
insustentabilidade e lesividade do atual modelo agroprodutivo
dominante – engendrado pelas grandes corporações do agro-
negócio e seu pacote de agrotóxicos e transgênicos. A busca
da criminalização de referidas condutas e modelos produtivos
se mostra potencialmente instigante para a reflexão que nos
propomos no presente estudo, pois caso uma empresa como
a Monsanto acabe no banco dos réus do Tribunal Penal Inter-
nacional, acusada por ecocídio, as ACPs do MPF que estudare-
mos mais adiante, bem como as decisões judiciais que lhe são

13 3
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

correlatas, passariam por prováveis ressignificações.


Câmara (2016, p. 127-128) defende que ao nos desinte-
ressarmos pela preservação dos fundamentos básicos da vida
para as atuais e futuras gerações, não importando, qual seja
essa geração futura, estaremos vocalizando uma atitude de in-
superável egoísmo, através de uma negação ao “outro” e uma
negação do direito à existência do gênero humano. O autor
lembra que a própria Constituição Federal37 brasileira reco-
nhece de forma expressa o dever de solidariedade para com
as futuras gerações, o que ao seu ver é um dever, no limite,
para com a própria espécie humana e considera que a justiça
intergeracional coloca-se a serviço não de uma parcela da hu-
manidade, que pode ser fragmentada no espaço-tempo isolá-
vel ou delimitável, mas sim da humanidade como substância
real atemporal a que o Direito com todas as suas limitações de
índole garantística – deve servir e prestar vassalagem.
A proposta que surge da pesquisa de Câmara (2016, p.
129-131) é no sentido de que há uma conexão de vida interge-
racional – a qual ele denomina de humanidade, que pode ser
entendida como as atuais gerações e as futuras e que a proteção
do ambiente natural é também a proteção da própria humani-
dade intergeracionalmente panoramizada e conclui que não há
como categorizar as futuras gerações em marcos temporais ou
tratá-las como bem jurídico autônomo e necessitado de uma
hiperantecipada tutela. 38

37. Artigo 225 que trata da proteção ambiental. Trataremos de forma mais
detida de textos legais no 4º capítulo.
38. Ost é um dos que esboçam a preocupação na construção de pontes exis-
tenciais entre as gerações humanas, utilizando a questão ambiental como um
dos paradigmas mais evidentes do que ele denomina como “risco de discronia”,
que segundo o autor, revelaria a situação de destemporalização na proteção
do meio ambiente, na medida em que admite que o comportamento dos seres
humanos contemporâneos repercute de forma direta nas condições existen-
ciais das futuras gerações, uma vez que a degradação e a poluição ambiental
aumentam cumulativamente para o futuro.
Ost continua suas afirmações, informando que cabe ao Direito e ao Estado,
sem desconsiderar a responsabilidade de forma individualizada dos membros

13 4
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

A seara do Direito Ambiental já lida com a perspectiva de


proteção das futuras gerações com uma maior intimidade e
com mais tempo, haja vista o fato do artigo 225 da CF/8839
brasileira reconhecer expressamente o direito ao meio am-
biente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras
gerações e para aclarar um pouco mais a discussão sobre a lo-
calização das futuras gerações, se entre nascidos ou não nasci-
dos, passamos a algumas abordagens através da perspectiva do
Direito Ambiental e da denominada equidade/solidariedade
intergeracional.
Patryck de Araújo Ayala, em interessante trabalho sobre
“Direito e Incerteza: a proteção jurídica das futuras gerações
no Estado de Direito Ambiental” (2002, p. 164), ressalta que:

[...] o reconhecimento da solidariedade como ele-


mento de sustentação de uma ética de alteridade e
integridade, que emerge dos novos direitos e mode-
los jurídicos propostos, constitui o marco teórico ade-
quado para a caracterização do princípio da equidade
intergeracional, que proporciona elementos adequa-
dos ao tratamento dos novos direitos, nominados por
Weiss como planetary intergenerational rights (direitos
intergeracionais planetários).

De acordo com Ayala (2002, p. 165), o estudo dos novos di-


reitos fundamentais exige uma proposta de leitura do ambien-
te pelo Direito Ambiental através de uma abordagem que, além

de determinada comunidade, sincronizar os diferentes ritmos entre o ser hu-


mano e a natureza e entre as gerações presentes e as futuras, de modo que seja
regulada a responsabilidade e os deveres para com os “seres ainda virtuais,
colocados em relação a nós, em relação aos nossos contemporâneos, numa
situação de dependência radical e total assimetria” (OST, 1999, p. 39; 81)
39. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se
ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações. (sem destaque no original)

135
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

de jurídica, seja essencialmente ecológica, solidária e transdis-


ciplinar. Assim, a consideração jurídica de uma nova ética de
interação entre os sujeitos relacionados passa por uma ética
da alteridade; ética do cuidado. O autor continua informando
que a existência de uma responsabilidade baseada em deveres
perante as futuras gerações reflete-se em mudanças no sentido
jurídico genericamente vinculado à sua compreensão. A res-
ponsabilidade que aqui se trata em nada pode ser relacionada
à imputação por faltas, reparação por prejuízos ocorridos em
algum momento no passado ou, ainda, culpar alguém por atos
passados, mas importa uma missão assumida coletivamente
perante a proteção de um bem comum e perante as futuras
gerações, e de forma compartilhada (e não acumulada) entre
as gerações que se sucedem.
A ela, Ost (2002, p. 06) refere-se como uma responsabili-
dade planetária, responsabilidade que não pode ser compre-
endida como responsabilidade que orienta ações autônomas
e independentes para a proteção do bem comum (ambiente)
e das futuras gerações, porque, como explica o filósofo fran-
cês, o respeito ao meio ambiente passa necessariamente por
uma responsabilidade perante as futuras gerações. É essa
abertura dialógica espacial e temporal que permite seja inte-
grada a equidade no discurso de integridade, possibilitando
a interação dialógica entre o valor ético da alteridade com os
textos jurídicos.
Na doutrina ambientalista nacional ainda é bastante escas-
sa a produção científica que procure atribuir ênfase ao tema da
equidade intergeracional, todavia, quando de sua abordagem,
procura-se destacar, principalmente, sua vinculação direta
com a aplicação do princípio da precaução, que deveria pro-
jetar temporalmente as variáveis de incerteza sobre a pericu-
losidade das atividades ou comportamentos, como faz Derani
(1997, p. 167):

136
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Precaução é cuidado (in dubio pro securitatè). O prin-


cípio da precaução está ligado aos conceitos de afas-
tamento de perigo e segurança das gerações futuras,
como também de sustentabilidade ambiental das
atividades humanas. Este princípio é a tradução da
busca da proteção da existência humana, seja pela
proteção de seu ambiente como pelo asseguramento
da integridade da vida humana. A partir desta premis-
sa, deve-se também considerar não só o risco iminente
de uma determinada atividade como também os riscos
futuros decorrentes e empreendimentos humanos, os
quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvol-
vimento da ciência jamais conseguem captar em toda
densidade. (sem destaque no original).

Weiss (1992) informa que o reconhecimento expresso


nos instrumentos legais sobre a responsabilidade perante as
futuras gerações serve como importante elemento norteador
para a definição e implementação de princípios legais inter-
nacionais para a realização da justiça entre gerações passadas,
presentes e futuras.
Para Ayala (2002, p. 169) a teoria da equidade intergera-
cional possui bases profundas nos textos dos instrumentos in-
ternacionais e cita como exemplos a Carta das Nações Unidas,
o Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
a Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos,
a Convenção Internacional sobre os Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, a Convenção sobre a Prevenção e Punição
do Crime de Genocídio, a Declaração Americana dos Direitos
e Deveres do Homem, a Declaração sobre todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher, a Declaração sobre os Direi-
tos da Criança, a Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, a Convenção-Quadro sobre a Mudança do
Clima, a Convenção sobre a Diversidade Biológica, a Declaração

137
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

e Programa de Ação de Viena.40


Fica perceptível, até aqui, a existência de diversos instru-
mentos de proteção dos direitos humanos que revelam uma
crença fundamental na dignidade de todos os membros da so-
ciedade humana e na equidade de direitos que se projeta tanto
no tempo como no espaço, ainda que, saliente-se: esse tempo
e espaço não se mostram quantificados, conforme já vimos
quando da análise ético-filosófica do que poderia ser conside-
rada “futura geração”, ou seja, o discurso sobre a proteção do
meio ambiente para as futuras gerações parece ser bem mais
sedimentado do que a definição de quem são presentes e futu-
ras gerações.41

40. Há certas categorias de ações que podem ser identificadas como potencial-
mente agressivas aos direitos intergeracionais, enumeradas entre as seguintes:
a) danos cujos impactos não podem ser seguramente contidos através do espa-
ço ou através do tempo, tais como os desastres nucleares; b) danos aos solos,
tomando-os incapazes de suportar vida animal ou vegetal; c) destruição de
florestas tropicais suficiente para diminuir significativamente a diversidade de
espécies na região e a sustentabilidade dos solos; d) poluição do ar e transfor-
mações terrestres que induzam mudanças significativas no clima; e) destrui-
ção do conhecimento essencial para entender os sistemas naturais e sociais;
f) destruição de monumentos culturais que países desconheçam fazer parte
do patrimônio comum da humanidade; g) destruição de feitos notáveis desen-
volvidos pelas gerações presentes que possam beneficiar as futuras gerações,
como livrarias e bancos genéticos h) destruição dos elementos das culturas
tradicionais. A composição de todos esses elementos permite que se reconhe-
ça fundamentalmente, como aspecto inovador deste princípio, uma dimensão
que será útil ao desenvolvimento desta pesquisa, que é o de enfatizar um con-
trole de resultados decisórios no direito do ambiente. (WEISS, 1992)
41. Ayala (2002, p. 173) considera que quando as gerações futuras tomam
corpo, seus membros adquirem o direito de utilizar a Terra e de se beneficia-
rem dela, bem como a obrigação de cuidá-la para seus contemporâneos e para
quem lhes suceda.” Conforme explica o autor, os direitos das futuras gerações
como dado digno de avaliação e interesse e dentro da nova racionalidade am-
biental permitem a condição de realização de um modelo de justiça ambiental,
que agora é intergeracional. Ainda que não seja possível reconhecer e identifi-
car individuadamente os titulares dos interesses a serem protegidos mediante
obrigações impostas em diferentes espécies, espaços e graus, tais direitos po-
dem ser considerados como coletivos, existindo “[...] seja qual for o número e
a identidade dos indivíduos que compõem cada geração”.

13 8
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Morato Leite (2012, p. 32) relaciona a defesa do meio am-


biente a um interesse intergeracional e a necessidade de um
desenvolvimento sustentável, o qual é destinado a preservar
os recursos naturais para as gerações futuras e invoca a per-
cepção de que a proteção antropocêntrica do passado vem per-
dendo fôlego na medida em que estão em jogo a proteção não
apenas das gerações atuais, mas também das futuras gerações.
O parâmetro ético é também trazido à baila pelos juristas
ambientais e, nesse sentido, vale notar a contribuição do mi-
nistro do STJ, Hermann Benjamin (2001, p. 57) que assim diz:

[..] Pelo ponto de vista da geração atual, proteger uma


determinada espécie ameaçada de extinção pode não
valer a pena, diante de eventuais sacrifícios exigidos,
principalmente econômicos. Mas se incorporamos o
futuro — o desejo de deixar como herança tal espécie
para as gerações que nos sucederão — a decisão em
favor da preservação ganha muito mais força e legitimi-
dade. (sem destaque no original).

Voltando para Ayala (2002, p. 171), o mesmo trata dos di-


reitos planetários e das obrigações que coexistem em cada ge-
ração, segundo ele – na dimensão intergeracional, há uma re-
lação entre as futuras gerações – para quem as obrigações são
devidas, e as gerações atuais – que estão vinculadas aos direi-
tos das gerações passadas. Dessa forma, os direitos das futuras
gerações estão vinculados necessariamente às obrigações das
gerações presentes. O autor continua informando que, no con-
texto intergeracional e de obrigações planetárias, os direitos
existentes entre membros das gerações presentes derivam da
constituição do que ele denomina de relação intergeracional,
que é explicada como a relação que cada geração possui com
aquelas que a antecederam e aquelas que ainda virão.42
42. Sinaliza ainda referido autor que os direitos planetários intergeracionais
devem também estar vinculados a certas normas procedimentais que são

139
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Uma das mais marcantes contribuições da teoria da equidade


intergeracional é o reconhecimento de que os direitos planetários
intergeracionais devem ser compreendidos enquanto direitos co-
letivos, distintos de direitos individuais, uma vez que advogam a
tese de que as gerações mantêm esses direitos, enquanto grupos,
em relação com outras gerações – passadas, presentes e futuras.
Uma percepção que nos marca é que essa interpretação jurídi-
ca, em parte, parece se amoldar às percepções ético-filosóficas
já estudadas, principalmente àquelas que aduzem que proteção
das futuras gerações se encaminha para o encontro com a própria
proteção da humanidade e sua perpetuação.
Reafirmando o caminho doutrinário-jurídico de tratamen-
to às futuras gerações, Benjamin (2001, p. 74), ao reproduzir a
lição de Cristopher Stone, salienta que as gerações futuras dão,
em nosso modelo global, mais peso à equação da proteção do
meio ambiente, pois permitem que os interesses dos não-nas-
cidos, os nossos descendentes, sejam somados aos do presen-
te, obrigando-nos, desta forma, a refazer os cálculos.
Por fim, a pergunta que nos fazemos é: seria este o cami-
nho a ser seguido no tratamento das “futuras gerações”? Jun-
tar-se à “equação mencionada” por Stone apenas os interesses
dos não-nascidos? E, em relação às crianças na primeira in-
fância – seres em peculiar condição de desenvolvimento, não
seriam elas, também – e ao mesmo tempo – presente e futura
geração? Seriam as futuras gerações definidas por padroni-
zações temporais e biologizantes, ou sua proteção e amparo
importantes para a realização de normas substanciais e destaca entre elas o
acesso à informação e a garantia de participação pública, no que se pode reco-
nhecer e considera que o princípio da equidade intergeracional congrega uma
série de princípios que podem ser utilizados como condições fundamentais
para ordenar processos de decisão, pois considera não se tratar de um com-
promisso que é apenas jurídico e dogmático, mas é também um compromisso
que é antes social e, principalmente cultural, face ao que Häberle trata por um
princípio de abertura da cultura estatal. (AYALA, 2002, p. 174) Observamos
que a opção por uma sociedade solidária permite considerar que a cultura
estatal se mantenha aberta aos interesses das futuras gerações, sendo este um
aspecto que é antes de jurídico, cultural.

14 0
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

está ligada à própria perpetuação da espécie humana como


propõem alguns jusfilósofos acima estudados? E mais, caso o
atual modelo agroprodutivo majoritário seja realmente poluen-
te e insustentável, como defendem algumas correntes contra-
majoritárias, poderíamos considerar que suas potenciais ações e
contaminações se encaminhariam para o comprometimento do
presente das futuras gerações e da própria humanidade, além de
romperem com a solidariedade/equidade intergeracional?
Para melhor avaliarmos os questionamentos que ora nos
propomos, passamos, no tópico a seguir, a analisar os estudos
dos Movimentos por Justiça ambiental (BULLARD, HERCU-
LANO, MARTINEZ-ALIER, ACSERALD, et. al).

2.3 SOCIALIZAÇÃO DOS RISCOS E JUSTIÇA


AMBIENTAL EM FACE DO USO DE AGROTÓXICOS:
FUTURO SUSTENTÁVEL OU RUPTURA DA EQUIDADE
INTERGERACIONAL?

Quando tudo se converte em ameaça, de certa forma


nada mais é perigoso. Quando já não há saída, o melhor afinal
é não pensar mais na questão. O fatalismo ecológico do fim dos
tempos faz o pêndulo dos ânimos oscilar em todas as direções.
Agir é de todo modo ultrapassado. Talvez os ubíquos e
perenes pesticidas possam ser contornados com o retorno aos
insetos, ou com uma taça de champanhe?
Ulrich Beck
(Sociedade de Risco, p. 43-44)

Ao percorremos o caminho de investigação a que nos propu-


semos e que tangencia aspectos multivariados, como a (r)evo-
lução dos modelos agroprodutivos, seu potencial destrutivo
ou (in)sustentável e seus desdobramentos para com as futuras
gerações no planeta, também nos desafiamos a tentar enxergar
sob o prisma de algumas chaves interpretativas significativas,

141
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

como a teoria da Sociedade de Risco, de Ulrich Beck, e os


Movimentos por Justiça Ambiental e a forma como emerge
(ou não), a relação entre o discurso do campo técnico e os
processos promovidos pelo MPF, as respectivas decisões ju-
diciais que envolvem questões relacionadas a agrotóxicos e os
usos que são feitos de termos como sustentabilidade, risco e
justiça ambiental.
Em relação ao Movimento por Justiça Ambiental, ele sur-
giu, inicialmente, nos EUA, em meados da década de 80, sendo
o fruto de uma articulação criativa entre lutas de caráter social,
territorial, ambiental e de direitos civis.
Acselrad (2017, p. 02), informa que nos EUA, a partir do
final dos anos 60, redefiniu-se, em termos ambientais, um
conjunto de embates contra as condições inadequadas de sa-
neamento, de contaminação química de locais de moradia e
trabalho e disposição indevida de lixo tóxico e perigoso. Nos
anos 70, houve a mobilização dos sindicatos que ficaram pre-
ocupados com saúde ocupacional, grupos ambientalistas e or-
ganizações de minorias étnicas articularam-se para elaborar
em suas respectivas pautas o que entendiam por “questões
ambientais urbanas”.
Sobre esta época, Acselrad (2017, p. 02) comenta que al-
guns estudos já apontavam que ocorria a distribuição espacial-
mente desigual da poluição de acordo com a raça das popula-
ções a ela mais expostas, e que nos idos de 1976-77 diversas
negociações foram realizadas, buscando estruturar coalizões
que fizessem entrar na pauta das entidades ambientalistas tra-
dicionais o combate à localização de lixo tóxico e perigoso,
predominantemente, em áreas de concentração residencial de
população negra.
Todavia, a constituição de um movimento veio a ter sua
afirmação a partir de uma experiência concreta de luta inaugu-
rada em Afton, no Condado de Warren, na Carolina do Norte,
em 1982, quando a população local tomou conhecimento da
iminente contaminação da rede de abastecimento de água da

142
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

cidade, caso fosse nela instalado um depósito de “policlorinato


de bifenil”, o que acabou por gerar protestos maciços por parte
dos habitantes do Condado, que, inclusive, deitavam-se diante
dos caminhões que para lá traziam a perigosa e poluente carga.
Na ocasião, surgiu a percepção de que o critério racial es-
tava fortemente presente na escolha da localização do depósito
daquela carga tóxica. Ocorreu, então, a radicalização da luta,
que resultou na prisão de 500 pessoas. Todavia, a população
de Afton era composta majoritariamente de afrodescenden-
tes – 84% do total e o Condado de Warren possuía uma por-
centagem significativa de 64% de afrodescendentes, enquanto
o Estado da Carolina do Norte respondia pelo percentual de
24%. Logo, diante de tais evidências – que se mostravam mais
do que meras coincidências, estreitaram-se as convergências
entre o movimento dos direitos civis e dos direitos ambientais
(TROY, 1995, p. 278).
Fato interessante de mencionarmos é que, apesar de nasci-
do de lutas de base contra iniquidades ambientais em um nível
local, o movimento culminou por elevar a “justiça ambiental”
à condição de questão central na luta pelos direitos civis e, ao
mesmo tempo, induziu a incorporação da desigualdade am-
biental na agenda do movimento ambientalista, tradicional-
mente elitista e conservacionista, diga-se de passagem.
O Movimento de Justiça Ambiental, descrito por Acselrad
(2017, p. 03), utilizou como estratégia de resistência e estrutu-
ração de luta a produção de conhecimento através de indicado-
res próprios, uma vez que percebia o conhecimento científico
sendo correntemente evocado em estratégias de redução das
políticas ambientais. Nesse instante, lembramo-nos das pro-
posituras defendidas por Hannigan (1995), na parte introdu-
tória deste trabalho, quando este menciona que a emergência
de problemas ambientais normalmente carece da legitimação
científica. Dessa forma, o caminho percorrido pelo Movimen-
to de Justiça Ambiental estadunidense parece ter buscado
na produção de indicadores próprios um dos elementos

143
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

legitimadores de sua luta e da necessidade dela emergir como


problema socioambiental a ser observado.
Ainda no que tange à produção de indicadores, destaca-
mos um momento crucial desta experiência, que foi a pesquisa
realizada por Robert D. Bullard, em 1987, a pedido da Comis-
são de Justiça Racial da United Church of Christ, que mostrou
que “a composição racial de uma comunidade é a variável mais
apta a explicar a existência ou inexistência de depósitos de re-
jeitos perigosos de origem comercial em uma área.”
Segundo Acselrad (2017, p. 03):

A partir desta pesquisa, evidenciou-se que a propor-


ção de residentes que pertencem a minorias étnicas
em comunidades que abrigam depósitos de resíduos
perigosos é igual ao dobro da proporção de minorias
nas comunidades desprovidas de tais instalações.
O fator raça revelou-se mais fortemente correlaciona-
do com a distribuição locacional dos rejeitos perigosos
do que o próprio fator baixa renda. Portanto, embora
os fatores raça e classe de renda tenham se mostrado
fortemente interligados, a raça apresentou-se como um
indicador mais potente da coincidência entre os locais
onde as pessoas vivem e onde os resíduos tóxicos são
depositados. (sem destaque no original).

A partir dos resultados obtidos na pesquisa acima referen-


ciada, o reverendo Benjamin Chavis cunhou a expressão “ra-
cismo ambiental” para designar “a imposição desproporcional
– intencional ou não – de rejeitos perigosos às comunidades de
cor” (PINDERHUGHES, 1996, p. 241).
Apresentam-se aqui uma coleção de elementos contrama-
joritários, pois além dos fatores classe, raça e renda, temos uma
pesquisa encabeçada por um movimento religioso, na figura
de um reverendo, algo que nos remete à luta de outro reveren-
do – Marthin Luther King Jr., no mesmo solo estadunidense,

14 4
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

em busca de igualdade de direitos civis entre negros e brancos.


Dentre os fatores explicativos da produção de desigual-
dade ambiental e racismo ambiental, Acserald (2017, p. 03)
explica que se alinham a disponibilidade de terras baratas em
comunidades de minorias e suas vizinhanças, a falta de oposi-
ção da população local por fragilidade organizativa e carência
de recursos políticos dessas mesmas comunidades, bem como
a falta de mobilidade espacial das “minorias” em razão de dis-
criminação residencial e, por fim, a sub-representação delas
nas agências governamentais responsáveis por decisões de lo-
calização dos rejeitos.
Nos desdobramentos evolutivos de referido movimento, a
partir de 1987, pesquisadores iniciaram estudos sobre as liga-
ções entre problemas ambientais e injustiça social, procurando
elaborar os instrumentos de uma “avaliação de equidade am-
biental”, em 1990 a Environmental Protection Agency – EPA, do
governo dos EUA, criou um grupo de trabalho para estudar o
risco ambiental em comunidades de baixa renda. Em 1992, ela
reconheceria que os dados até então disponíveis apontavam
tendências perturbadoras, sugerindo, por esta razão, maior
participação das comunidades de baixa renda e minorias no
processo decisório relativo às políticas ambientais.
Sublinhamos que, um pouco antes, em 1991, os seiscen-
tos delegados presentes na I Cúpula Nacional de Lideranças
Ambientalistas de Povos de Cor aprovaram os “17 princípios
da justiça ambiental”, estabelecendo uma agenda nacional
para redesenhar a política ambiental estadunidense de modo
que fosse incorporada a pauta das “minorias”, as quais com-
punham-se das comunidades ameríndias, latinas, afro-ameri-
canas e ásio-americanas, tentando, desta forma, mudar o eixo
de gravidade da atividade ambientalista nos EUA (BRADEN,
1994, p. 10).
O Movimento de Justiça Ambiental acabou consolidan-
do-se como uma rede multicultural e multiracial nos EUA e
internacionalmente, articulando entidades de direitos civis,

145
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

grupos comunitários, organizações de trabalhadores, igrejas e


intelectuais no enfrentamento do, inicialmente denominado,
“racismo ambiental”, como uma forma de racismo institucio-
nal, e que buscou fundir direitos civis e preocupações ambien-
tais em uma mesma agenda, para assim avançar na superação
de vinte anos de dissociação e suspeita entre ambientalistas e
movimento negro.
Mencionamos, nesse instante, uma interessante observa-
ção de Martinez-Alier (2015, p. 35), que diz que a luta nos
EUA pela justiça ambiental é um movimento social organizado
contra casos locais de “racismo ambiental” e que possui fortes
vínculos com o movimento dos direitos civis, de Marthin Lu-
ther King dos anos de 1960 e que é possível afirmar que dada
dimensão deve-se a aspectos como racismo e antirracismo as-
sumidos na sociedade estadunidense, ou seja, esse movimento
é produto dessa mentalidade.
Para Martinez-Alier (2015, p. 35):

Muitos projetos sociais nas áreas centrais das cidades e


áreas industriais em várias partes do país têm chamado
a atenção a respeito da contaminação do ar, da pintura
com chumbo, dos centros de transferência do lixo mu-
nicipal, dos dejetos tóxicos e outros perigos ambientais
que se concentram em bairros pobres ou habitados por
minorias raciais. Até muito recentemente a justiça am-
biental como um movimento organizado permaneceu
limitado ao seu país de origem, muito embora o eco-
logismo popular ou ecologismo dos pobres constitu-
am denominações aplicadas a movimentos do terceiro
mundo que lutam contra os impactos ambientais que
ameaçam os pobres, que constituem a ampla maioria da
população em muitos países.

A convergência entre a noção rural terceiro-mundista, do


ecologismo dos pobres, e a noção urbana de Justiça Ambiental,

14 6
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

tal como é utilizada nos Estados Unidos é objeto de estudo de


Martinez-Alier (2015, p. 37) no seu livro O Ecologismo dos
Pobres, quando este considera que o ecologismo dos pobres
é um movimento mais difuso e estendido em nível mundial
e que ambos podem ser entendidos como integrantes de uma
só corrente e que, nos EUA, um livro sobre o Movimento de
Justiça Ambiental poderia ser facilmente intitulado como
“o ecologismo dos pobres e as minorias”, uma vez que esse
movimento luta em favor de grupos minoritários e contra o
racismo ambiental no país.
Martinez-Alier (2015, p. 38) continua explicando que o
Movimento pela Justiça Ambiental é potencialmente impor-
tante sempre que se dispõe a tratar, não apenas em nome de
minorias localizadas em solo estadunidense, mas também,
das maiorias residentes fora do país – as quais nem sempre
estão definidas em termos raciais e que buscam envolver-se
em temas como biopirataria e biossegurança e a problemática
das mudanças climáticas, ou seja, para além da temática local/
territorial de contaminações. O mesmo autor menciona que o
Movimento pela Justiça Ambiental herda do movimento dos
direitos civis dos EUA a sua inserção na proposta de resistência
não violenta.
A seguir, analisaremos as propostas feitas por Joan Marti-
nez-Alier, Leah Temper, Daniela Del Bene e Arnim Scheidel
em artigo intitulado “Is there a Global Environmental Justice
Movement?”43 que traz algumas questões atinentes a modelos
agroprodutivos, segurança alimentar e soberania alimentar e
sua relação com a justiça ou injustiça ambiental dos atuais mo-
delos agroprodutivos dominantes.
Os autores acima mencionados iniciam sua abordagem in-
formando que há um crescente número de conflitos de distri-
buição ecológica ao redor do mundo por conta das mudanças

43. Na época da realização desaa pesquisa o artigo não estava disponível para
o português, mas pode ser traduzido livremente como: “existe um movimento
global de justiça ambiental?”

147
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

do metabolismo da economia em termos de fluxos crescentes


de energia e materiais, e que o Atlas da Justiça Ambiental –
Ejatlas, busca demonstrar a existência de um movimento glo-
bal rural e urbano para o meio ambiente que, desde os anos 80
e 90, através de variadas atuações, vêm buscando desenvolver
um conjunto de atuações que envolvam temas como racismo
ambiental, epidemiologia popular, ambientalismo dos pobres
e indígenas, biopirataria, dívida ecológica, justiça climática,
soberania alimentar, apropriação de terras, entre outros. Es-
ses termos nasceram do ativismo socioambiental, mas são
também ocupados por ecologistas políticos, acadêmicos e eco-
nomistas ecológicos que, por sua vez, contribuíram com ou-
tros conceitos para o Movimento Global de Justiça Ambiental,
como a expressão “pegada ecológica”, por exemplo.
Um conceito relacionado à justiça ambiental trazido pelos
autores do artigo que agora comentamos é o do “ecologismo
dos pobres” aplicado na esfera rural e indígena. A conexão ex-
plícita entre o Movimento de Justiça Ambiental, nos Estados
Unidos, e o ecologismo dos pobres foi estabelecida por Mar-
tinez-Alier, 1997; Guha e Martinez-alier 1997, 1999; Varga
et al., 2002, e cimentado após a morte de Chico Mendes, em
1988,44 em sua luta contra o desmatamento no Brasil, e de Ken
Saro-Wiwa e seus companheiros de Ogoni no Níger Delta, em
1995, quando estes lutavam contra a extração de petróleo e
queima de gás pela Shell. Esse ecologismo dos pobres se mos-
tra politizado e reconhece a dialética existente entre o capita-
lismo expandido e a acumulação em escala global.45

44. Infelizmente o Brasil continua sendo um dos países mais perigoso do mun-
do para ambientalistas com 50 mortes registradas em 2015, segundo um le-
vantamento da ONG britânica Global Witness, ficando à frente das Filipinas
(33 mortes), Colômbia (26), Peru (12) e Nicarágua (12) também denuncia-
dos. No total, 185 pessoas perderam a vida no ano de 2014 defendendo suas
terras e o meio ambiente em 16 países. Disponível em: <https://oglobo.globo.
com/sociedade/sustentabilidade/brasil-o-pais-com-mais-assassinatos-de-
-ambientalistas-no-mundo-diz-ong-19542977#ixzz4lDQZFopAstest>. Acesso
em: 27 jun. 2017.
45. Tais tipos de resistência não se limitam aos pobres. Em meados da déca-

14 8
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

O Ejatlas é um inventário de 1600 casos (outubro de 2015),


e é uma boa fonte ainda não explorada para se descobrir ter-
minologias utilizadas nas organizações de justiça ambiental
pelo mundo, suas ações e redes. Mais adiante, traremos alguns
quadros que fornecem uma longa lista de termos, por vezes
inter-relacionados (MARTINEZ-ALIER; LEAH; DEL BENE E
SCHEIDEL, 2016, p. 02).
Um outro fato que nos chamou a atenção é o que relaciona
a produção de indicadores e conhecimentos do Atlas, que se
baseia na ecologia dos saberes (Sousa Santos, 2007), que será
mencionada, por exemplo, pelos responsáveis pela elaboração
do Dossiê Abrasco (2015), a ser estudado em capítulo próprio
deste trabalho. Coadunando-se às pauta contramajoritárias, o
Ejatlas mapeia conflitos de distribuição ecológica dependentes
da co-produção de conhecimento entre acadêmicos e ativis-
tas e torna visíveis muitas injustiças ambientais e instâncias
de resistência que permaneceriam escondidas de outra forma,
seguindo, assim, os passos do Movimento de Justiça Ambiental
dos Estados Unidos, que foi desde o início um movimento que
se baseou na ciência liderada pela comunidade e em ação par-
ticipativa. Referida metodologia faz com que as comunidades
sejam protagonistas na produção do conhecimento e não me-
ramente objetos de estudos (MARTINEZ-ALIER; LEAH; DEL
BENE E SCHEIDEL, 2016, p. 02).
A estruturação do Ejatlas na internet é através de uma pla-
taforma online com capacidade para filtrar mais de 100 cam-
pos, sendo os conflitos classificados ou filtrados por: commo-
dity, empresa, país, formas de mobilização – de bloqueios a
referendos locais, atores sociais envolvidos, tipos de impactos
ambientais, sociais, de saúde e econômicos e por resultados
referentes a diferentes eventos.46
da de 1990 foram publicados livros que analisavam a oposição às barragens
(MCCULLY, 1996) e plantações de árvores (CARRERE e LOHMANN 1996),
enquanto Leonardo Boff’ (1995) fazia as conexões entre pobreza e meio am-
biente. (MARTINEZ-ALIER; LEAH; DEL BENE e SCHEIDEL, 2016, p. 01).
46. Para mais detalhamentos sobre o Atlas da Justiça Ambiental é possível

149
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Em relação ao Brasil, temos a seguinte imagem extraída do


referido site e que mostra que os conflitos são divididos por
país, temas e cores, conforme esmiuçaremos em sua metodo-
logia de conceitos e níveis mais à frente nesta mesma seção.

Figura 9: Conflitos Ambientais no Brasil de acordo com o Ejatlas. Dis-


ponível em: <https://ejatlas.org/country/brazil>. Acesso em: 29 jun.
2017.

Os conflitos no Ejatlas são classificados em dez categorias


(1º nível), e todas as classificações relevantes de segundo nível
podem ser adicionadas, conforme tabela a seguir. Assim, por
exemplo, um conflito nascido de um projeto de mineração de
cobre seria classificado como mineral – minérios (1º nível),
embora também se relacione com o 2º nível de “captação de
terras” e apresente consequências sobre a água.

acessar o link: https://ejatlas.org/. A plataforma está em inglês e não encon-


tramos local para mudança de idioma, o que parece se chocar um pouco com
o discurso da ecologia de saberes, haja vista o fato de que países latino-ame-
ricanos não possuem em sua esmagadora maioria o inglês como língua pátria
e muitos de seus ativistas não têm formação acadêmica aprofundada. Acesso
em: 27 de jun. de 2017.

150
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Tabela 1: Classificações de conflitos no atlas de justiça ambiental


(Ejatlas). (MARTINEZ-ALIER; LEAH; DEL BENE E SCHEIDEL,
2016, p. 05).

No que tange ao conflito entre modelos agroprodutivos, de


acordo com a tabela acima, temos, por exemplo, o 1º nível que
trata de biomassa e conflito de terras e como segundo nível, a
aquisição de terrenos, plantações de árvores, exploração ma-
deireira, produtos não-madeireiros, desmatamento, agrotóxi-
cos, OGMs, agrocombustíveis, biopirataria, produção intensiva
de alimentos (monocultura e gado), entre outros.
Alguns resultados preliminares do Ejatlas são apresenta-
dos no artigo que estamos comentando, e em relação aos ti-
pos de conflitos mais representados pelo Ejatlas até abril de
2015, havia os conflitos sobre mineração (21%), extração
industrial de combustíveis fósseis (19%), conflitos de terra
(17%) e conflitos de gerenciamento de água (14%), particular-
mente hidrelétricas.

151
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Em relação aos conflitos em áreas rurais, até abril de 2015,


a maioria dos conflitos em Ejatlas eram de áreas rurais – 63%.
Enquanto o Movimento de Justiça Ambiental dos EUA nasceu
em áreas urbanas, o Ejatlas concentra-se em conflitos rurais
em que se diminuíram ou foram negados o acesso a recursos
ambientais locais ou que envolvem sua degradação, bem como
a relação conflituosa com instituições governamentais e cor-
porações que podem vir a afetar as comunidades locais e seus
meios de subsistência.
Em relação às grandes corporações e aos conflitos envol-
vendo Justiça Ambiental, são citadas no artigo empresas do
setor de combustíveis fósseis – Royal Dutch, Shell, Chevron
Corporation, Exxon Mobil Corporation. O setor de mineração
menciona a BHP Billiton47, Barrick Gold Corporation. Do setor
agroprodutivo, é citada a Monsanto, somente (MARTINEZ-A-
LIER; LEAH; DEL BENE E SCHEIDEL, 2016, p. 04)
Em relação aos atores sociais envolvidos nos conflitos, o
artigo mostra através de gráfico próprio, que os atores que
mais frequentemente se mobilizam contra projetos são grupos
organizados localmente, e que os resultados preliminares mos-
tram uma alta ocorrência de casos envolvendo comunidades
indígenas e tradicionais, além de grupos etnicamente discri-
minados. O Ejatlas mostra uma preocupação com o recorte de
gênero e busca demonstrar o protagonismo das mulheres em

47. Lembramos que a BHP Billiton é uma das responsáveis pela derramamento
de rejeitos de mineração que acabaram por ceifar a vida de 19 habitantes do
distrito de Bento Ribeiro, no município de Mariana em Minas Gerais e que se
estendeu com sua lama tóxica por mais de 600 km ao longo do Rio Doce e que
até agora não possui nenhuma condenação nas esferas administrativas, cível e
penal no país. O caso ficou popularmente conhecido como “Caso Vale-Samar-
co” ou “Tragédia de Mariana” e é um dos maiores “acidentes” ambientais já
ocorridos no planeta e o maior acidente mundial com barragens em 100 anos.
Mais informações sobre o caso podem ser acessadas em: <http://agenciabra-
sil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-01/desastre-em-mariana-e-o-maior-aci-
dente-mundial-com-barragens-em-100-anos>. ou no site do MPF: <http://
www.mpf.mp.br>. que designou uma força-tarefa própria para o caso. Acesso
em: 26 de jun. de 2017.

1 52
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

conflitos ecológicos, apesar de alertar que no gráfico produ-


zido elas não se encontram suficientemente representadas. A
seguir, reproduzimos a figura, conforme consta no artigo que
ora comentamos:

Gráfico 1: Atores que frequentemente se mobilizam por Justiça Am-


biental (MARTINEZ-ALIER; LEAH; DEL BENE E SCHEIDEL, 2016,
p. 05).

Em relação ao vocabulário empregado pelo Movimento de


Justiça Ambiental ao redor do mundo, é apresentado, em qua-
dro próprio, um conjunto de conceitos com origens fora do
ambiente acadêmico – em sua maioria, e que são usados pelo
Movimento de Justiça Ambiental Global. As definições curtas
e as datas de origem desses conceitos são fornecidas na tabela
que reproduziremos logo abaixo e poderemos notar que exis-
tem poucos conceitos de origem acadêmica, como exceção de
alguns termos como: “classe trabalhadora”, “ambientalismo”
e “pegada ecológica”, que estão presentes por também serem
utilizados pelo movimento de justiça ambiental global.

153
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

154
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Tabela 2: Conceitos utilizados pelo Movimento de Justiça Ambiental


Global (MARTINEZ-ALIER; LEAH; DEL BENE E SCHEIDEL, 2016,
p. 07-08).

O primeiro conceito listado pela tabela acima é o de Justiça


Ambiental, seguido pelo conceito de Racismo Ambiental, tal
qual foi concebido nos EUA e sua relação com os movimen-
tos de direitos civis que já comentamos ao longo deste tópico.

155
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Em relação aos conceitos que nos interessam e que estejam


ligados à modelos agroprodutivos e contaminações, temos o
conceito de biopirataria, popularizado de acordo com a tabela
acima por Vandana Shiva, já estudada em nosso trabalho
No Brasil, aparece o conceito de “desertos verdes” e que
tem sua significação nas plantações de eucalipto no Espírito
Santo e outras regiões. Tal conceito emergiu através do traba-
lho da Rede Alerta contra o deserto verde, em 1999, e revelou
o conflito entre a explosão de exportação de celulose e campo-
neses locais, pesquisadores e ativistas.
O conceito de “soberania alimentar” também se faz pre-
sente na tabela e foi introduzido no início dos anos 90 pela Via
Campesina, movimento internacional de agricultores, campo-
neses e trabalhadores sem-terra e se coloca contra a agricul-
tura corporativa, particularmente contra agrocombustíveis e
plantações de árvores exóticas
O que percebemos, ao final da leitura do artigo de Alier;
Leah; Del Bene e Scheidel (2016) é que as propostas ali feitas
são de origem contramajoritária e analisam, entre outros pon-
tos, que os conflitos de distribuição ecológica estão em grande
parte relacionados ao crescimento e às mudanças no metabo-
lismo social, o qual é concomitante ao crescimento econômico,
e não deixam de mencionar como o comportamento particular
de diferentes corporações, regimes de propriedade, especula-
ções financeiras sobre matérias primas, grau de democracia
dos países, além da presença das populações indígenas sejam
calculados como elementos conflitantes.
Os autores também afirmam acreditar na existência de um
Movimento Global para a Justiça Ambiental, ainda que a quase
totalidade dos conflitos no Ejatlas sejam locais e visem queixas
locais específicas, uma vez que referidos eventos locais per-
tencem às classes de conflitos que aparecem regularmente em
outras partes do mundo, ou porque eles aumentam a questão
do conflito para um nível global mediante conexões e redes de
movimentos e que, ao fazê-lo, eles realmente criam e operam

156
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

em uma escala global. Além dos atores envolvidos nos con-


flitos, apresentarem certas semelhanças, das empresas serem,
por vezes, as mesmas e as formas de mobilização serem, em
certa medida, semelhantes. (MARTINEZ-ALIER; LEAH; DEL
BENE E SCHEIDEL, 2016, p. 13).
Martinez-Alier; Leah; Del Bene e Scheidel (2016) comen-
tam ainda sobre os ganhos e perdas ambientais e que estes,
muitas vezes, são injustos em sua distribuição e apresentam
preocupação com as futuras gerações de seres humanos, além
de preocupação com as presentes gerações. Finalizam infor-
mando que o mapeamento ofertado pelo Ejatlas é um meio de
mostrar, não apenas injustiças, mas também, as instâncias de
resistência à captação de terra e água, poluição por extração
de petróleo, mineração ou disposição de resíduos, ameaças
incertas de tecnologias, como pulverização de pesticidas ou
energia nuclear, demonstrando como os movimentos globais
para a justiça ambiental estão se espalhando geograficamen-
te, globalizando suas reivindicações, compartilhando recursos
e tornando-se, cada vez mais, redesenhados entre si. Por fim,
mencionam que o Movimento Global para a Justiça Ambiental
é formado por esses muitos focos locais de resistência e por or-
ganizações intermediárias de base rural ou urbana que desen-
volveram seus próprios conceitos e vocabulários e que, tudo
isso, parece atestar a existência de um movimento global rural
e urbano para o meio ambiente (ALIER; LEAH; DEL BENE E
SCHEIDEL, 2016, p. 14).
Percebemos do exposto até o presente momento que o
Movimento de Justiça Ambiental parece estar procurando se
internacionalizar para construir uma resistência global em
virtude das dimensões globais da reestruturação espacial da
poluição, e nesse movimento de internacionalização é que
analisaremos, no tópico a seguir, como este movimento tem se
desenvolvido em nosso país.

1 57
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

2.3.1 Justiça ambiental no Brasil

No Brasil, a discussão sobre justiça ambiental vem amadure-


cendo desde os anos 90, principalmente após a conferência
denominada como “Rio 92” ou “Eco 92” ou CNUMAD – Con-
ferência das Nações Unidas para o Meio ambiente de 1992.
No entanto, foi em 2001, com a criação de Rede Brasileira de
Justiça Ambiental – por ocasião do Seminário Internacional
de Justiça Ambiental e Cidadania, realizado na cidade de Ni-
terói/RJ no mesmo ano, que o conceito pareceu se difundir e
influenciar vários movimentos sociais e organizações locais.48
Segundo a obra Direito e Justiça Ambiental, organiza-
da por Wilson Madeira Filho, há uma pluralidade semântica
em relação ao termo Justiça ambiental que pode tanto abor-
dar populações marginalizadas, como populações tradicionais
ou excluídos socialmente face aos prejuízos inerentes a uma
política desenvolvimentista e ecologicamente prejudicial. Há
uma pluralidade de debates e abordagens acerca do conceito
de Justiça Ambiental, pois percebeu-se que este se trata de um
conceito praticamente desconhecido, restando a impressão de
que o termo Justiça Ambiental, nas palavras do próprio Madei-
ra Filho (2002, p.11):

Refere-se antes a uma qualidade técnica, como a luta


pela criação de Varas de Justiça especializadas para jul-
gamentos referentes à tutela ambiental e, em especial,
para a apreciação de ações civis públicas ambientais; ou
ainda, tratar-se-ia de nova dimensão da administração
pública, conferindo maior poder de polícia às secretarias

48. Neste momento é necessário mencionarmos todo o protagonismo da Uni-


versidade Federal Fluminense, principalmente na pessoa da professora Selene
Herculano, bem como do próprio professor Wilson Madeira Filho e do profes-
sor Napoleão Miranda, através de profícuo trabalho entre o ICHF – Instituto
de Ciências Humanas e Filosofia e o PPGSD – Programa de Pós-Graduação em
Sociologia e Direito na concretização de tão importante acontecimento para o
surgimento do Movimento de Justiça Ambiental no Brasil.

158
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

locais que se incumbiriam de aspectos fiscalizatórios,


promovendo a proteção do patrimônio ambiental.

A abordagem de Madeira Filho (2002, p. 47) na época, so-


bre o conceito de Justiça ambiental merece menção, uma vez
que ele salientou que:

Em um momento em que se discute o conceito de Jus-


tiça Ambiental – ou sendo mais perversamente críti-
co, em que não se discute, apenas se consolida uma
categoria delineada há sete anos, em novos fóruns
onde, a despeito do tema Justiça, a presença dos pro-
fissionais e de pesquisadores do Direito é pouco tole-
rada, motivando Jornadas interdisciplinares do Direito
em paralelo -, podem estar a revelar uma estratégia de
delimitação do espaço semântico (e de delimitação de
espaços político-acadêmicos). Não apenas no que se
refere a garantir para o termo Justiça ambiental a lei-
tura sociológica americana de comunidades afetadas
pela socialização do risco e da poluição oriundos de
um modelo desenvolvimentista irracional, em contra-
partida a uma visão meramente tecnicista do Direito
de reduzir-se a questão a uma subclassificação da ad-
ministração judiciária, contentando-se com a criação
de varas ou tribunais ambientais, cujas questões pode-
riam permanecer sendo julgadas pela ótica do antigo Di-
reito civil. Mas, sobretudo, parece-nos, ao termo Justiça
Ambiental se iria garantir, sociologicamente, o conceito
de reivindicações de classe, absorvendo o paradigma
ambientalista em seus discursos, estariam revitalizan-
do mecanismos e antigas estratégias de enfrentamento
contra o Estado (sem destaque no original).49

49. Na ocasião da obra que referenciamos, o professor Wilson Madeira Filho


continuou informando que o Movimento por Justiça ambiental no Brasil evita-
va o Direito também por uma estratégica questão de conveniência, haja vista o

1 59
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

O que se percebeu na época, foi que a luta pela construção


de uma categoria denominada como Justiça Ambiental estava
sendo construída em seu sentido mais lato e, não, como inte-
grante de um poder com laivos discricionários como o Poder
Judiciário, em clara renúncia ao positivismo jurídico.
Essa relação um tanto quanto conflitiva entre Direito e Mo-
vimentos Sociais no tocante à Justiça Ambiental não parece ser
eco do ocorrido nos EUA, uma vez que lá o Direito não esteve
alijado do conceito de Justiça Ambiental, pois participou da
militância, não ocorrendo qualquer confusão com o Judiciá-
rio ou a máquina estatal, uma vez que em casos, como o de
MELA50 – Mães da Zona Leste de Los Angeles, um grupo femi-
nino que havia sido derrotado em todas as instâncias e se
reorganizou para provocar a mudança na legislação e, assim,
obter posterior vitória judicial. O que pareceu ficar claro à
época é que a Justiça Ambiental estadunidense angariou su-
cesso ao superar esse impasse entre Direito e Movimentos
Sociais, pois o Direito acabou por se tornar um parceiro das
reivindicações políticas, ao passo que a técnica jurídica fez
emergir novas percepções de fatos sociais e criar os devidos
nexos de causalidade, como, por exemplo, as lesões corporais
em função de distúrbios causados por agrotóxicos, sua inde-
nização, demonstrando o nexo de causalidade entre a compra
do veneno e o financiamento bancário instituído para esse
fim. Dessa forma, a Justiça ambiental passaria pela exigência
de uma responsabilidade social das empresas como cláusula
de um contrato entre estas e a sociedade (MADEIRA FILHO,
2002, p. 53).
Por fim, conclui Madeira Filho (2002, p. 53) que “Justiça
Ambiental não evita o Direito. Justiça ambiental é Direito. E o
Direito não ser muitas vezes reconhecido como ciência ou como um âmbito do
pensamento acadêmico, e ser confundido com os aportes ideológicos que con-
sideram o Direito e suas faculdades como sucursais do Poder Judiciário con-
servador e braço legalista do poder público. (MADEIRA FILHO, 2002, p. 48).
50. Para mais informações consultar BULLARD, Robert (org).Confrontions en-
vironment Racism – voices from the Grassroots. Boston: South End Press, 1996.

1 60
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Direito é uma ciência incompleta que necessita que as ciências


sociais venham ao seu socorro”.51
Uma outra linha interpretativa sobre o conceito de justiça
ambiental defende que “para falar de justiça ambiental é im-
portante falar de injustiça ambiental e isto tem a ver com o fato
de que certas populações são afetadas pelo que o desenvolvi-
mento econômico produz”, diz Marcelo Firpo Porto, coorde-
nador da pesquisa do Mapa da Injustiça Ambiental. “Além de
sustentabilidade, é preciso haver justiça social, para que nenhum
grupo seja desrespeitado em sua dignidade em nome do progresso
econômico”, completa.52
Interessante notarmos, neste momento e mais uma vez, a
preocupação em realizar a separação entre o que seja justiça
ambiental e o que seja legislação ambiental ou Direito, pois
passados 10 anos do evento mencionado por Madeira Filho
(2002) em sua obra, temos Porto (2012), afirmando que a le-
gislação ambiental está relacionada ao marco legal, leis, nor-
mas de vários setores que estejam envolvidos na proteção do
meio ambiente, saúde e demais direitos do cidadão, enquanto a
justiça ambiental relaciona-se com as mobilizações que as pró-
prias comunidades atingidas, bem como a sociedade utilizam
para reverter ou evitar injustiças em nome do crescimento e
do progresso.53
51. Uma interessante crítica proposta por MADEIRA FILHO (2002, p. 48) tra-
ta das tendências marxistas que se pretendeu emprestar ao Movimento por
Justiça Ambiental no Brasil, que parecia reproduzir o “aparelhamento” de di-
versos movimentos sociais do país, clonando-os, via ambiente acadêmico, em
uma teorização sociológica que teria feito “coincidir” o conceito de conflitos
socioambientais com o histórico de lutas sindicais no país.
52. Entrevista concedida por Marcelo Firpo Porto a Adriano Wild intitulada
Pesquisador fala sobre importância do Mapa da Injustiça Ambiental. Dispo-
nível em: <http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/
detalhe/30657>. Acesso em: 25 jun. 2017.
53. Os conflitos podem envolver a disputa por terras indígenas, quilombolas
e da reforma agrária com a expansão do agronegócio. De acordo com Marcelo
Firpo, até mesmo uma alternativa de geração energética supostamente susten-
tável pode gerar injustiças ambientais, o pesquisador exemplifica citando o
caso de algumas localidades do Nordeste, como no Ceará, onde a construção

161
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

De acordo com Acselrad, Mello e Bezerra (2009, p. 47),


no Brasil ainda são recentes as pesquisas que buscam exami-
nar, na forma de indicadores, a coincidência existente entre
áreas de degradação ambiental e locais de moradia de popu-
lações despossuídas. Os autores em comento consideram que
isso não pode correr de forma diferenciada, quando se leva em
conta o pensamento ecológico hegemônico, além de parte da
pesquisa acadêmica que não opera de forma articulada o trata-
mento das condições ambientais e sociais.
Boff (2011) parece compartilhar do mesmo entendimento
de Acselrad, Mello e Bezerra (2009), ao mencionar que:

A responsabilidade social é insuficiente, pois ela não


inclui o ambiental. São poucos os que perceberam a re-
lação do social com o ambiental. Ela é intrínseca. Todas
as empresas e cada um de nós vivemos no chão, não
nas nuvens: respiramos, comemos, bebemos, pisamos
os solos, estamos expostos à mudanças dos climas,
mergulhados na natureza com sua biodiversidade, so-
mos habitados por bilhões de bactérias e outros micro-
organismos. Quer dizer, estamos dentro da natureza e
somos parte dela. Ela pode viver sem nós como o fez
por bilhões de anos. Nós não podemos viver sem ela.
Portanto, o social sem o ambiental é irreal. Ambos vêm
sempre juntos.

Continuando com Acselrad, Mello e Bezerra (2009, p.


48), observamos que os mesmos questionam a ideia de que
todos são igualmente afetados pelos efeitos da crise ambien-
tal ou a compreensão de que o risco ambiental é democrá-
tico, e consideram tal percepção problemática, visto que
referida percepção viabiliza o isolamento da dimensão am-
biental em relação às demais dimensões, excluindo do debate
e operação de parques eólicos desestruturaram comunidades tradicionais e
geraram diversos impactos socioambientais.

1 62
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

os cenários em que se produzem e nos quais são sentidos os


problemas ambientais54.
Igualmente, para essa cosmovisão, o meio ambiente é
visto de forma homogênea e, portanto, os efeitos deletérios
causados em sua apropriação também o são, de modo que a
poluição e o risco ambiental se apresentam como democráti-
cos. Dessa perspectiva decorre uma atuação direcionada pela
afirmação do mercado, pela crença sobre o progresso técnico
e por um falso consenso político. Veremos, logo mais à frente
deste mesmo capítulo, que o sociólogo Ulrich Beck considera,
de forma um tanto quanto divergente, essa questão da demo-
cracia ou não na socialização dos riscos e danos ambientais
(ACSELRAD, BEZERRA E MELLO, 2009, p. 11; 15).
Em relação a um conceito do que seja justiça ambiental, o
Movimento de Justiça Ambiental estudado por Acselrad, Mello
e Bezerra (2009, p. 16) assim define o termo:

É a condição de existência social configurada através


do tratamento justo e do envolvimento significativo de
todas as pessoas, independentemente de sua raça, cor
ou renda, no que diz respeito à elaboração, desenvol-
vimento, implementação e aplicação de políticas, leis
e regulações ambientais. Por tratamento justo enten-
da-se que nenhum grupo de pessoas, incluindo-se
aí grupos étnicos, raciais ou de classe, deva supor-
tar uma parcela desproporcional das consequên-
cias ambientais negativas resultantes da operação de

54. Além disso, segundo Acselrad (2010) ao identificar a todos como igual-
mente afetados, também se induz a compreensão de que todos se apresentam
homogeneamente como responsáveis pela produção dessa realidade. Disso re-
sulta que o problema assim apresentado direciona a solução nos exatos limites
em que foi definido, de modo a excluir as demais dimensões, em especial a so-
cial. Tal limitação conduz, portanto, à elaboração de instrumentos e políticas
públicas ambientais de amplitude reduzida. In: LEITE, José Rubens Morato;
FERREIRA, Heline Sivini; BORATTI, Larissa Verri (Orgs.). Estado de direito
ambiental: tendências. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 95.

1 63
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

empreendimentos industriais, comerciais e municipais,


bem como das consequências resultantes da ausência ou
omissão destas políticas.55 (sem destaque no original).

Outra obra que destacamos no país é organizada por Mar-


celo Firpo Porto, Tânia Pacheco e Jean Pierre-Leroy e trata da
Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil: o mapa dos conflitos56.
No prefácio da obra, informa-se que os mapas foram criados
com base na vivência de movimentos sociais, populações tra-
dicionais e comunidades impactadas pelos projetos desenvol-
vimentistas e que utilizam como categorias de análise as vulne-
rabilidades socioambientais e sua relação com a saúde coletiva,
quando estes se integram a alguns elementos da complexa ca-
deia de determinação da saúde – especialmente entre os gru-
pos populacionais que se situam à margem da inclusão cidadã.
Relatam que as informações detalhadas no mapa não constam
da base de dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística ou do DATASUS – Dados do Sistema Único de
Saúde, e que o material georreferenciado foi construído tendo
por base as informações existentes sobre situações de confli-
tos vivenciadas por grupos populacionais que têm sido atingi-
dos por processos econômicos, além de intervenções que se
relacionam à geração de infraestrutura como energia, e que
referidos processos econômicos acabam por gerar rupturas e
impactos nos sistemas sociais, econômicos e ambientais dos
territórios em que vivem.
Referidos autores declaram em sua obra que a experiência
do Mapa de Conflitos ainda não possui paralelo em outras par-
tes de mundo com relação à escala, objeto e método, e que esse

55. BULLARD, R. D. Dumping in Dixie: Race, Class and Environmental Qua-


lity. San Francisco/Oxford: Westview Press, 1994 apud ACSELRAD, Henri;
MELLO, Cecília C.do A.; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que é justiça am-
biental. p. 16.
56. Referida obra é inspirada no trabalho iniciado também em uma plataforma
eletrônica e interativa que pode ser acessada através do link: <http://www.
conflitoambiental.icict.fiocruz.br/>.

164
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

trabalho expressa uma forma operacionalizada pela “ecologia


dos saberes” (SOUSA SANTOS).57
Destacamos, do livro homônimo ao endereço eletrônico
do Mapa de Conflitos, o capítulo 4, intitulado: “injustiça am-
biental nos campos e nas cidades: do agronegócio químico-de-
pendente às zonas de sacrifício urbanas” e que está assinado
por Marcelo Firpo Porto. Notamos duas expressões interessan-
tes utilizadas nesse capítulo: uma, refere-se à denominação do
modelo agroprodutivo, como químico-dependente, e a desig-
nação da ideia de justiça ambiental, através da inserção do su-
fixo “in”, o que nos remete a percepção de que o autor entende
que de fato há um modelo agroprodutivo que vulnerabiliza, de
forma diferenciada, determinadas parcelas da população em
determinadas localidades, e destaca que a expansão do agrone-
gócio, do monocultivo e da utilização de agrotóxicos influen-
cia na migração entre campo e cidade, bem como no conjunto
da população que consome os alimentos contaminados.
Segundo Porto (2013, p. 133):

Monocultivos representam a negação da agroecologia e


da agricultura familiar justa e sustentável; a biodiver-
sidade é compreendida como “praga” a ser combatida
numa guerra química contra a natureza, marcando o ca-
ráter químico-dependente desse modelo de produção

57. Por mais que os autores informem não haver modelo semelhante no mun-
do, encontramos certas semelhanças de referida base de dados georreferencia-
da no EJatlas, o qual efetivamente tem alcance global, conforme apresentado
nesse trabalho, bem como temos localmente o trabalho desenvolvido desde
2007 pela UFMG e que mapeou os conflitos ambientais do Estado de Minas
Gerais e que pode ser acessado pelo link: <http://conflitosambientaismg.lcc.
ufmg.br/observatorio-de-conflitos-ambientais/mapa-dos-conflitos ambien-
tais>. Todavia, acreditamos que o pioneirismo nesse sistema de georreferen-
ciamento partiu dos organizadores brasileiros, que trazem na introdução da
obra um breve histórico do surgimento das pesquisas e encontros que cul-
minaram com a atual base de dados modelada através de mapas, bem como
apontam em sua base de dados na internet como uma de suas páginas na rede
mundial de computadores o próprio EJatlas.

1 65
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

agrícola que pretende transformar a natureza em um


grande empreendimento fabril.

Entramos no século XXI marcados pela expansão dos


monocultivos, padrão exemplar de produção do agro-
negócio capitalista voltado para o comércio internacio-
nal em uma economia globalizada. Atualmente 90% da
produção mundial de alimentos são provenientes de
apenas 15 espécies vegetais e oito animais [...]. (sem
destaque no original).

Da abordagem acima descrita, destacamos dois pontos:


um, é o que parece apontar que, na leitura feita pelo autor aci-
ma, o atual modelo agroprodutivo seria insustentável e que se
trata de um discurso eivado das características contramajoritá-
rias já esposadas ao longo de várias partes deste trabalho, uma
vez que questiona o atual modelo agroprodutivo, bem como
o sistema de produção de riquezas, de socialização dos dados,
entre outros.
O segundo ponto que chamamos a atenção informa que a
expansão do monocultivo no país é a principal atividade eco-
nômica geradora de conflitos e injustiças ambientais no mapa,
respondendo por cerca de 1/3 dos casos. Em relação à percep-
ção da amplitude das contaminações químicas e transfronteiri-
ças, a obra traz intrigante dado que dá conta da contaminação
de ursos polares no ártico por DDT, por exemplo (PORTO, et.
al, p. 138).
Segundo relata o Mapa de Conflitos, o tema do agronegócio
e da expansão dos monocultivos, bem como da contaminação
por agrotóxicos e os problemas daí advindos estão presentes
em todas as regiões do país. Os monocultivos estão relacio-
nados à produção de grãos – soja e milho e seus agravantes,
soja transgênica e glifosato; árvores plantadas e que provocam
“desertos verdes” – eucalipto e pinus; os biocombustíveis – ca-
na-de-açúcar para o etanol e soja para o biodiesel; pastos para a

166
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

produção extensiva de bovinos e a fruticultura de exportação.


Assim, a expansão das regiões de monocultivo entra em rota
de colisão com povos indígenas, comunidades quilombolas, ri-
beirinhos, pescadores artesanais, pequenos produtores e gru-
pos ambientalistas que buscam proteger ecossistemas amea-
çados, além da contaminação por agrotóxicos das populações
expostas, sobretudo os trabalhadores e moradores de áreas
onde ocorre a pulverização aérea (PORTO, et. al, p. 145-147).
Abaixo, reproduzimos o número de conflitos que apare-
cem no mapa quando fazemos a busca pelo termo “mono-
cultura”, além de buscarmos demonstrar o próprio layout da
plataforma construída:

Figura 10: Página Inicial do Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça


Ambiental e Saúde no Brasil. Disponível em: <http://www.confli-
toambiental.icict.fiocruz.br/index.php>.

O que parece ser perceptível, até o presente momento, é


que o Movimento da Justiça Ambiental vem avançando e tem
estendido o seu foco para além da questão racial, indo, so-
bretudo, para a questão de classes e até mesmo de relações
internacionais. Nesse instante, rememoramos o emblemá-
tico “Memorando Summers” que, em 1991, trazia a seguinte

1 67
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

informação, que apesar de restrita, acabou “vazando” para


o conhecimento público. O teor do memorando dizia em um
de seus trechos: “cá entre nós, o banco mundial não deveria in-
centivar mais a migração de indústrias poluentes para os países
menos desenvolvidos?”.58
Mencionamos que tais citações, como a reproduzida pelo
memorando acima, ofertam fortes indícios da produção de de-
sigualdade em termos de proteção ambiental no planeta. Para as
regiões pobres é que se têm dirigido os empreendimentos eco-
nômicos mais danosos em termos ambientais e ao traçarmos um
paralelo, com a questão explorada neste trabalho, fica difícil não
associarmos o mesmo “espírito do Memorando Summers” em
tratativas orquestradas em países em desenvolvimento como
Brasil e Índia, não por acaso, berços do atual modelo agroprodu-
tivo alocado em inúmeros insumos químico-dependentes.
Próximos de finalizarmos esta seção, temos que as lutas por
Justiça Ambiental, tal como caracterizadas no caso brasileiro,
parecem combinar com as palavras de Acserald (2010, p. 114):

A defesa dos direitos a ambientes culturalmente especí-


ficos – comunidades tradicionais situadas na fronteira
da expansão das atividades capitalistas e de mercado;
a defesa dos direitos a uma proteção ambiental equâ-
nime contra a segregação socioterritorial e a desigual-
dade ambiental promovida pelo mercado; a defesa dos
direitos de acesso equânime aos recursos ambientais,
contra a concentração das terras férteis, das águas e do
solo seguro nas mãos dos interesses econômicos fortes
no mercado. Mas cabe ressaltar também a defesa dos
direitos das populações futuras e como os represen-
tantes do movimento fazem a articulação lógica entre
lutas presentes e “direitos futuros”? propondo a inter-
rupção dos mecanismos de transferência dos custos

58. Citação retirada da obra de ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília C.do A.;
BEZERRA, Gustavo das Neves. O que é justiça ambiental. p. 07.

168
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

ambientais do desenvolvimento para os mais pobres.


pois o que esses movimentos tentam mostrar é que, en-
quanto os males ambientais puderem ser transferidos
para os mais pobres, a pressão geral sobre o ambiente
não cessará (sem destaque no original).

Acserald (2010, p. 114-115) prossegue sua ilação dizendo


que ao ser feita a ligação entre o discurso genérico sobre o fu-
turo e as condições históricas concretas pelas quais, no presen-
te, se está definindo o futuro, é possível fazer a junção estra-
tégica entre justiça social e proteção ambiental, inclusive pela
afirmação de que, para barrar a pressão destrutiva sobre o am-
biente de todos, é preciso começar protegendo os mais fracos e
questiona: “como identificar a pressão predatória exercida sobre
os mais fracos? ora, a “chantagem locacional dos investimentos” é
o mecanismo central, nas condições de liberalização hoje prevale-
centes” através da imposição de riscos ambientais e de trabalho
às populações destituídas, uma vez que na ausência de políti-
cas ambientais de licenciamento e de fiscalização de atividades
apropriadas e sem políticas sociais e de emprego consistentes,
as populações mais pobres e desorganizadas acabam por su-
cumbir às promessas de emprego seja em qual condição for,
e que a dinâmica desses movimentos sugere, portanto, que a
condição de destituição de certos grupos sociais pode ser um
elemento-chave a favorecer a rentabilização de investimentos
em processos poluentes e perigosos.
Diante da perspectiva esboçada por Henri Acserald no pa-
rágrafo acima, rememoramos a tragédia de Bhopal, trazida no
primeiro capítulo deste trabalho, ou de casos como o da pulve-
rização por acidente em cima de uma escola rural em Pontal do
Buriti59, no interior do Mato Grosso, gerando uma verdadeira
“chuva de veneno” em crianças e adolescentes, com sequelas

59. Para mais detalhes é possível acessar o filme “Pontal do Buriti - brincando
na chuva de veneno” Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-
qHQdWwZcGlg>. Acesso em: 22 jun. 2017

1 69
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

na saúde até os dias de hoje. Pensamos, também, no leite ma-


terno contaminado em Lucas de Rio Verde – que trataremos
no próximo capítulo e nas crianças e adolescentes com defici-
ências físicas em Campo Verde60.
Pelo que colhemos até agora, sobre a percepção geral dos
Movimentos por Justiça Ambiental em sua amplitude, temos
que os mecanismos de mercado trabalham no sentido da pro-
dução da desigualdade ambiental – os mais baixos custos de
localização de instalações com resíduos tóxicos “coincidem”
com as áreas onde os pobres moram e para simbolizar de for-
ma mais explícita o que parece ser uma das ideias mais coesas
dos diversos movimentos que empunham a bandeira da justiça
ambiental, reproduzimos a situação abaixo, narrada por Henri
Acserald em seu artigo Justiça Ambiental – novas articulações
entre meio ambiente e democracia:
60. O Ministério Público Estadual do Mato Grosso iniciou em 2012 um proces-
so de investigação para levantar possíveis causas que levaram ao alto índice de
menores de idade como portadores de algum tipo de deficiência na cidade de
Campo Verde (140 km ao Sul de Cuiabá). Em levantamento preliminar feito
pelo projeto “Jornada da Inclusão” no ano de 2012, apontou-se que das 242
pessoas cadastradas como portadoras de deficiência, 122 são menores de 18
anos. O Ministério Público investiga a relação entre o índice de deficiências
registrado e o uso indiscriminado de agrotóxico na cidade, uma vez que Cam-
po Verde é uma das cidades destaque na produção agrícola no Mato Grosso.
Segundo o Ministério Público Estadual, para realizar a investigação, serão con-
sultados especialistas em agrotóxicos, médicos, além de visitas e entrevistas
aos portadores de deficientes. Será observado se as pessoas acometidas por
deficiência residem próximas a áreas de plantio. Também será solicitada uma
análise da água consumida pelas pessoas que são objeto de estudo. Além do
levantamento das causas das deficiências, serão verificados aspectos relacio-
nados às condições em que essas pessoas vivem, se estão tendo acesso à edu-
cação, saúde, entre outros direitos. O caso da cidade de Lucas de Rio Verde
que contaminou o leite materno também está sendo investigado pelo Ministé-
rio Público Estadual. In: Mídia News. Agrotóxico pode ter gerado deficiência
em adolescentes. Disponível em: <http://www.midianews.com.br/conteudo.
php?sid=3&cid=132357>. Acesso em: 02 jul. 2017. A investigação do MPE ain-
da não está concluída, tendo sido realizadas uma audiência pública em 2015,
além de ter sido criado um Fórum de Discussão e Combate aos Agrotóxicos,
mas em termos de condenações ou responsabilizações, nada de concreto ainda
se realizou.

170
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

“A morte de uma criança de um ano de idade, ocorri-


da em maio de 2000 na baixada fluminense no Rio de
Janeiro, por intoxicação com produtos tóxicos com que
brincava em um terreno baldio situado ao lado de sua
casa, chamou a atenção para o descalabro do lançamen-
to descontrolado de resíduos industriais perigosos nos
espaços públicos, notadamente nos bairros habitados
por populações de baixa renda. Apenas diante de ocor-
rências como esta, tem-se aberto espaço para a discus-
são mais geral sobre a desigualdade social na exposi-
ção da população aos riscos ambientais em nosso país.
Este debate parece ainda ter sido pouco aprofundado,
inclusive pelas próprias forças democráticas. Cabe a
pergunta: como os movimentos sociais no Brasil pode-
riam melhor articular a questão dos riscos ambientais
com o debate sobre as condições de existência da po-
pulação e com o processo de construção de direitos no
país? Como evidenciar a dimensão ambiental do proje-
to de construção democrática da sociedade brasileira?
Como fazer entender que os incêndios florestais em
Roraima, a seca no Nordeste, a desigual exposição dos
grupos sociais aos riscos da poluição são a expressão
do mesmo processo de produção da desigualdade am-
biental que distancia ricos e pobres, brancos e negros
em nosso país?” (sem destaque no original).

Para efeitos de conclusão do presente tópico, caso a leitu-


ra ofertada pelas propostas de Justiça Ambiental, assim como
os dados que serão acionados no próximo capítulo, através
das pesquisas técnico-científicas produzidas pela ONU, OMS,
Abrasco, Fiocruz, entre outros61 estejam corretos, poderemos
61. Trazemos aqui outro dado que simboliza um pouco do que pretendemos
discutir e que informa que uma pesquisa divulgada em 2006 pela Cruz Ver-
melha e pelo Grupo de Trabalho Ambiental dos Estados Unidos a partir do
sangue de cordões umbilicais apontou que os bebês começam a se contami-
nar ainda no ventre da mãe, pois foram detectadas, nas amostras, substâncias

17 1
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

concluir que o atual e majoritário modelo agroprodutivo é in-


sustentável e comprometedor da solidariedade intergeracional
de parcelas específicas de populações residentes em locais
pontuais do planeta.
Nesse diapasão, levantamos a hipótese de que podemos
considerar as crianças – principalmente àquelas na primeira
infância – possuidoras de condições particulares de vulnera-
bilidade e situação peculiar de pessoa em desenvolvimento,
como uma dessas parcelas específicas de populações. Aliada à
vulnerabilidade ambiental e social, adicionaríamos a vulnera-
bilidade intergeracional. Assim, poderíamos considerar a cate-
goria intergeracional como uma categoria de vulnerabilidade a
ser inserida e pensada pelos movimentos de Justiça Ambien-
tal. Por fim, encerramos esta seção com indagações que tal-
vez sejam melhor aclaradas por Ulrich Beck na sequência e
questionamos se sua concepção de uma sociedade imersa em
riscos nos auxiliará. Será que a desigualdade ambiental sempre
distancia ricos e pobres? E em relação à primeira infância e
futuras gerações: nascidos e não-nascidos, é possível fazer tal
separação? Acompanhemos o tópico a seguir.

2.3.2 Sociedade de Risco: tenho fome ou tenho medo?

O diabo da fome é combatido com


o belzebu da potenciação do risco.
BECK, 2011, [1986], p. 51

Conforme já trouxemos no item anterior, a questão da pro-


teção das futuras gerações está relacionada ao surgimento de
uma consciência antecipatória que se relaciona a um novo

tóxicas como derivados do petróleo, mercúrio e pesticidas. Entre as cerca de


287 substâncias tóxicas detectadas, 180 causam câncer em seres humanos ou
animais, 271 são tóxicas para o cérebro e para o sistema nervoso, e 208 causam
defeitos de nascença ou desenvolvimento anormal.

172
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

“cuidado-de-perigo” e que parece se ligar a uma consciência


de risco ampliada e estar assentada na emergência de valores
transgeracionais, como a própria proteção das gerações futu-
ras, surgida com todo o ideário da noção de sustentabilidade,
já estudado em item anterior.
Para iniciarmos a presente abordagem, utilizaremos o pen-
samento de Castel (2005, p. 95), que ao analisar a sociedade
francesa moderna, caracterizou-a como uma sociedade de in-
divíduos, e em dado momento de seu estudo sobre inseguran-
ça social, indaga sobre: “o que é ser protegido”? Após referida
indagação, Castel (2005, p. 98) parte para a constatação de que
as sociedades modernas são construídas sobre o alicerce da
insegurança, pois não encontram em si mesmas a capacidade
de assegurar proteção. Salienta, inclusive, em contraste, que
nas sociedades pré-industriais, a segurança do indivíduo era
garantida a partir de sua pertença à comunidade: a chamada
proteção de proximidade.
No que se refere à proteção, o autor em comento distingue
dois tipos: a proteção civil62 e a proteção social e considera que
o sentimento de insegurança se refere à possibilidade de estar à
mercê de qualquer eventualidade. Se o indivíduo não estiver as-
segurado contra esses imprevistos, passaria a viver a insegurança.
Para Betina Hillesheim e Lílian Rodrigues da Cruz (2008),
no artigo “Risco, Vulnerabilidade e Infância: algumas aproxi-
mações”, ao se reportarem a Spink (2001), informam que a
noção de risco permitiu a exploração das mudanças que vêm
ocorrendo nas formas de controle social que nos possibilitam
mencionar a ideia de uma transição da sociedade disciplinar,
formação típica da modernidade clássica, para a sociedade de
risco, formação emergente na modernidade tardia.”
Em relação ao vernáculo “risco” e sua forma de se relacio-
nar com o futuro, a referenciação surgiu na era pré-moderna,

62. A proteção civil que diz respeito aos bens e às pessoas em um estado de
direito, já a proteção social se relaciona aos riscos de doenças, aos acidentes,
ao desemprego, à incapacidade de trabalho devido à idade

173
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

mais especificamente no período de transição da sociedade


feudal para as novas formas de territorialidade que originaram
os denominados Estados-Nação, e embora possuamos a cons-
ciência de que a humanidade tenha sempre enfrentado perigos,
sejam aqueles causados por ela mesma ou aqueles decorrentes
de catástrofes naturais, guerras ou vicissitudes cotidianas, a
palavra risco não estava disponível no léxico até então exis-
tente, sendo tais eventos definidos como perigos, fatalidades
ou dificuldades. Foi apenas no século XIV que a palavra ris-
co emergiu na língua catalã, e, mais tarde, nas línguas latinas
(século XVI) e anglo-saxônicas (século XVII), sendo utilizada
para se referir à possibilidade de ocorrência de eventos futu-
ros, em um momento em que este passa a ser pensado como
passível de controle (HILLESHEIM; CRUZ, 2008, p. 193).
O que podemos intuir, até o presente momento, é que a
noção de risco parece estar atrelada a própria modernidade.
Desta feita, nos valemos da teoria da Sociedade de Risco, que
tem em Ulrich Beck um de seus principais idealizadores e que
se insere no contexto das proposições teóricas que procuram
explicar as modificações ocorridas, principalmente, a partir
da segunda metade do século XX. Segundo Beck (2011. p.23):
“Na modernidade tardia, a produção social da riqueza é acompa-
nhada sistematicamente pela produção social de riscos”.
O mesmo autor continua explicando em sua obra que con-
tra as ameaças da natureza, a humanidade aprendeu a construir
cabanas e guardar informações e conhecimento, mas diante das
ameaças que ele denomina como de segunda natureza, absor-
vidas pelo sistema industrial, somos praticamente indefesos.
Salienta Beck (2011, p. 9-10) que diante dessas ameaças, cap-
tadas pelo sistema industrial, somos praticamente indefesos.
Os perigos apresentam-se juntos ao cotidiano e viajam com o
vento, a água, escondendo-se com o que há de mais vital à pró-
pria vida – ar, comida, roupa, objetos domésticos, atravessam
barreiras controladas de proteção da modernidade. Quando,
depois do acidente, ações de defesa e prevenção já não cabem,

174
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

resta, aparentemente, uma única atividade: desmentir. Ação


de apaziguamento que gera medo e que, associada ao grau de
suscetibilidade generalizada condenada à passividade, alimen-
ta sua agressividade. Essa atividade residual, diante do risco
residual realmente existente, encontra na inconcebilidade e
imperceptibilidade do perigo seus cúmplices mais eficazes.
Percebemos que em tragédias como a de Bhopal – ocorrida
há mais de 30 anos e trazida no primeiro capítulo deste estu-
do ou no recente Tribunal Monsanto, que será oportunamente
abordado nessa obra, as atitudes das grandes corporações ges-
toras dos modelos agroprodutivos alocados em agroquímicos é
a de mostrar uma aparência sustentável, segura e benéfica para
a humanidade, desmentindo toda e qualquer possibilidade de
risco para a população mundial. Os governos não apresentam
linha diferente, lembremos, pois, de Chernobyl e da série de
desmentidos e omissões perpetrados pelos agentes estatais de
mais variados escalões.63
Todavia, o que nos chama a atenção e nos leva a trazer o
pensamento de Ulrich Beck para o presente trabalho relacio-
na-se à forma como ele analisa a distribuição de riquezas e de
riscos no seio social e sua relação com o modelo agroproduti-
vo dominante, que em alguns momentos parece se aproximar,
e muito, das percepções dos Movimentos de Justiça Ambiental
estudados até agora, e em o outros, parece fazer leitura diversa
da mesma realidade por ambos investigada. As críticas tecidas
pelo autor em comento direcionam-se, também, para o fato de
que os próprios argumentos críticos trazidos em relação à tec-
nologia e indústria se mostram essencialmente tecnocráticos e
naturalistas, sem que ocorra a integração devida com as estru-
turas sociais de poder e distribuição das burocracias, normas,
racionalidades vigentes, bem como deixam escapar as consequ-
ências sociais, políticas e culturais do risco da modernização.

63. Para melhor aprofundamento da questão, sugere-se a leitura da obra Vo-


zes De Tchernóbil - A História Oral Do Desastre Nuclear Livro por Svetlana
Aleksiévich.

175
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Beck (2011, p. 29-30) ilustra o que acima mencionamos


com um exemplo:64

O conselho de especialistas para questões ambientais


afirma em seu laudo que “no leite materno são frequen-
temente encontrados beta-hexaclorociclohexano,hexa-
clorobenzeno e DDT em concentrações consideráveis
(Rat der Sachverständigen für Umwelftfragen, 1985, p.
33). Essas toxinas estão presentes em pesticidas que,
nesse ínterim, já foram retirados de circulação. Sua
origem seria inexplicável (ibid). Em outra passagem,
afirma-se: “a exposição da população ao chumbo é,
na média, inofensiva (p. 35). O que se esconde por
detrás disso? (sem destaque no original).

A resposta oferecida por Beck (2011, p. 30) merece co-


mentários, pois ele defende que talvez seja possível fazer a
analogia e a seguinte distribuição:

[...] dois homens têm duas maçãs. Um come ambas.


Logo, na média, cada um comeu uma. Adaptada à
distribuição de alimentos em escala mundial, essa
afirmação significaria: “na média”, todos os seres hu-
manos da Terra estão bem alimentados. O cinismo é
evidente nesse caso. Numa parte do planeta, as pessoas
morrem de fome, na outra, os efeitos decorrentes da so-
brenutrição acabaram por se transformar num ônus de
primeira ordem. Pode ser que em relação a poluentes
e toxinas essa afirmação não seja cínica. Que, portan-
to, a exposição média também seja a exposição real de
todos os grupos populacionais. Porém, temos certeza?
64. Salientamos que esse trecho da obra terá um pouco mais de citações dire-
tas do que os demais produzidos até agora, pois consideramos que a maneira
como Ulrich Beck formula algumas de suas proposições se mostram tão agu-
das e precisas que talvez a paráfrase pudesse roubar-lhe a riqueza dos detalhes
que o autor busca exprimir com maestria em suas conceituações.

176
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Nãos será necessário, ao menos para que essa afirmação


seja defensável, saber quantas toxinas mais as pessoas
serão obrigadas a inalar e ingerir? Surpreendente é a
naturalidade com que se demanda pela “média”. Quem
demanda a “média” já está nesse modo excluindo
as situações socialmente desiguais de ameaça. Mas
é justamente disto que não se tem certeza? Existem
talvez condições de vida e grupos para os quais o
teor de chumbo-e-todo-o-resto “na média inofen-
sivo” represente um risco de vida? A frase seguinte
do laudo afirma: “somente nos arredores de emisso-
res industriais são encontradas por vezes concen-
trações críticas de chumbo entre as crianças.” (sem
destaque no original).

A crítica feita por Ulrich Beck a relatórios, como o que ele


questiona na citação acima, estende-se aos laudos ambientais
e de contaminação que, para ele, não costumam inserir a dife-
renciação social em suas análises e destaca – quando se refere
à menção das crianças no relatório acima exemplificado, que
esta diferença se tangencia por um critério meramente etário
– biologizante, e que não leva em conta peculiaridades regio-
nais e que percebe que o pensamento científico e social geral,
em relação aos problemas ambientais, são considerados sob o
prisma da natureza, tecnologia, medicina e economia, havendo
um déficit de pensamento social em um momento em que a
sociedade se mostra altamente desenvolvida e industrializada,
e que nem mesmo os próprios sociólogos têm se dado conta
dessa ausência.
Assim, ao mesmo tempo em que se questionam as distri-
buições de poluentes, toxinas, impactos sobre a água, o ar, o
solo e os alimentos e ocorre a exposição em mapas coloridos
a um público apavorado, não se leva em conta a consequência
para grupos em particular, mas para todas as pessoas – inde-
pendentemente de renda, educação, profissão e dos respectivos

17 7
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

hábitos e possibilidades de alimentação, habitação e lazer –


analisando-se, unicamente, as substâncias tóxicas, seus efeitos
e sua distribuição regional (BECK, 2011, p.30 -31).
Beck (2011, p. 31) defende que referidas análises sobre
substâncias tóxicas alocadas em categorias das ciências natu-
rais, movimentam-se entre o falacioso discurso de preocupa-
ções biológicas e sociais ou uma consideração da natureza e
do meio ambiente, que deixa de lado a preocupação de grupos
de pessoas e os significados sociais e culturais que possam vir
a ser-lhes imputados. Ao mesmo tempo, não se considera que
as mesmas substâncias tóxicas podem vir a ter um significado
inteiramente diferenciado por conta de fatores como idade,
sexo, hábitos alimentares, tipo de trabalho, níveis de informa-
ção e educação, entre outros. Inclusive, diz o autor, que um dos
problemas mais graves é a investigação voltada, unicamente,
para as substâncias tóxicas isoladas, e que não levam em conta
a concentração tóxica no ser humano.

Aquilo que pode parecer “inofensivo” num produto


isolado talvez seja consideravelmente grave no “re-
servatório do consumidor final”, algo em que o ser
humano acabou por se converter no estágio avançado
da mercantilização total. Trata-se, nesse caso, de uma
falácia categorial: uma análise de toxicidade que tome
por base a natureza de forma geral ou produtos iso-
lados não tem condições de responder à questão da
inocuidade, de todo modo não enquanto “gravidade”
ou “inocuidade” tiverem algo a ver com as pessoas que
ingerem ou aspiram a substância. [...] É sabido que a
ingestão de vários medicamentos pode anular ou re-
forçar o efeito de cada um deles. Mas é sabido que
(ainda) nem só de vários medicamentos vive o ser hu-
mano. Ele também inspira as substâncias tóxicas no ar,
bebe a água, come as dos alimentos, etc. Em outras pala-
vras: as inocuidades acumulam-se consideravelmente.

178
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Tornam-se elas desse modo – como é o caso comum


das adições de acordo com as regras da matemática –
sempre mais inócuas? (BECK, 2011, [1986], p. 31).
(sem destaque no original).

Nessa hora, vale rememorarmos um trecho da obra de Ra-


chel Carson, já citada no capítulo 01 deste trabalho, quando ela
analisa a contaminação de peixes por DDT e informa, dentre
alguns estudos comparativos, que não é possível acrescentar
pesticidas à água em lugar algum sem ameaçar a pureza da água
em todos os lugares e que, raramente ou nunca, a natureza fun-
cionará como um compartimento fechado e separado. Ela che-
ga a citar um simbólico caso que reproduziremos a seguir:

Em 1943, o Arsenal das Montanhas Rochosas do Corpo


Químico do Exército, situado perto de Denver, começou a
fabricar materiais bélicos. Oito anos mais tarde, os equipa-
mentos do arsenal foram alugados a uma empresa privada
de petróleo para a produção de inseticidas. Mesmo antes
da mudança de operações, porém, relatórios misteriosos
começaram a aparecer. Fazendeiros a muitos quilômetros
da fábrica começaram a relatar doenças desconhecidas
entre os animais; queixavam-se de vultosos prejuízos às la-
vouras. A folhagem amarelava, as plantas não chegavam à
maturação e muitos cultivos morriam rapidamente. Houve
relatos de doenças entre os seres humanos, que algumas
pessoas relacionaram aos demais problemas.

As águas da irrigação nessas fazendas derivavam de poços


rasos. Quando as águas dos poços fundos foram examina-
das (em um estudo em 1959, de que participaram muitos
órgãos estaduais e federais) descobriu-se que eles conti-
nham grandes variedades de produtos químicos. Cloretos,
cloratos, sais de ácido fosfórico, fluoretos e arsênico haviam
sido despejados pelo Arsenal das Montanhas Rochosas

179
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

em lagoas de retenção durante os anos em que esteve em


funcionamento. Aparentemente, as águas subterrâneas
entre o arsenal e as fazendas haviam sido contaminadas
e os resíduos haviam levado de sete a oito anos para per-
correr uma distância de cerca de 5 quilômetros sob o solo
desde os reservatórios até a fazenda mais próxima. Essa
infiltração havia continuado a se espalhar e contaminado,
a seguir, uma área de extensão desconhecida. Os pesquisa-
dores não sabiam de nenhum meio de conter a contamina-
ção ou deter seu avanço.

Tudo isso já havia sido ruim o bastante, mas, nesse episó-


dio, o aspecto mais misterioso e provavelmente mais sig-
nificativo a longo prazo foi a descoberta do exterminador
de ervas daninhas 2,4D em alguns poços e reservatórios
do Arsenal. Certamente essa presença era o bastante para
explicar os danos às lavouras irrigadas com aquela água.
Mas o mistério estava no fato de que o Arsenal jamais fa-
bricara 2,4D em nenhum estágio de suas operações.

Após um estudo longo e cuidadoso, os químicos da fábrica


concluíram que o 2,4D havia se formado espontaneamente
nos reservatórios expostos ao ar livre. Havia-se formado
lá a partir de outras substâncias despejadas pelo Arsenal;
na presença do ar, da água e da luz do Sol, e sem a inter-
venção de químicos para a produção de um novo produto.
(CARSON, 2010, [1962], p. 50-51).

Continuando um pouco mais com Carson (2010, p. 54-


55), a mesma traz dados expostos de forma dramática e que
buscam explicar um pouco do título de seu livro “Primavera
Silenciosa”, em que menciona a mortandade de inúmeros pás-
saros e, portanto, o silenciar de seu canto durante a primavera
estadunidense. Algumas percepções da autora parecem corro-
borar as observações exaladas por Ulrich Beck 20 anos depois.

180
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Segundo ela:

[...] Como aconteceu em 1954, nenhuma evidência de


doença infecciosa foi descoberta durante o exame das
aves mortas. Mas quando alguém pensou em analisar
os tecidos graxos dos mergulhões, descobriu-se que es-
tavam cheios de DDD, na concentração extraordinária
de 1.600 partes por milhão. A concentração máxima
aplicada na água foi de 1/50 partes por milhão. Como
o agente químico pode se acumular em quantidades tão
prodigiosas nos mergulhões? Esses pássaros, é claro,
comem peixes. Quando os peixes do lago Clear foram
também analisados, o quadro começou a tomar forma
– o veneno fora captado pelos organismos menores,
concentrara-se e fora transmitido para os predadores
maiores [...] Em uma sequência que lembra a parlenda:
“Cadê o toucinho que estava aqui?”: Os grandes carnívo-
ros comeram os carnívoros menores, que comeram os
herbívoros, que comeram o plâncton, que absorveram
o veneno da água. Descobertas mais extraordinárias
ainda foram feitas mais tarde. Nenhum traço de DDD
foi encontrado na água logo após a última aplicação do
produto químico. Mas o veneno não havia deixado re-
almente o lago, havia simplesmente penetrado no teci-
do da vida que o lago sustenta. [...] Toda essa cadeia
de envenenamento, portanto, parece se apoiar sobre
uma base de plantas minúsculas que devem ter sido
os concentradores originais. Mas e quanto à extremi-
dade oposta da cadeia alimentar – o ser humano que,
provavelmente na ignorância de toda essa sequência
de eventos, armou a sua vara de pescar, fisgou um pu-
nhado de peixes e águas do lago Clear e levou-os para
fritar em casa para o jantar? Qual seria o efeito de
uma forte dosagem de DDD, ou quem sabe de repe-
tidas dosagens, sobre ele? (sem destaque no original).

181
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Voltamos para Beck (2011, p. 33), que também utiliza um


exemplo representativo quando diz que:

A mulher que, em seu apartamento de três cômodos


num subúrbio de Neuperlach, amamenta seu peque-
no Martin de três meses de idade, encontra-se desse
modo numa “relação imediata” com a indústria quí-
mica, que fabrica pesticidas, com os agricultores, que
se veem obrigados, em razão das diretrizes agrícolas da
Comunidade Europeia, a recorrer à produção massiva es-
pecializada e à sobrefertilização, e por aí afora. Até onde
se podem ou devem buscar efeitos colaterais é algo que
continua em grande medida incerto. Até mesmo na car-
ne de pinguins antárticos foi encontrada recentemente
uma superdose de DDT. (sem destaque no original).

Para Beck (2011, p. 33), exemplos como os citados por


ele e até mesmo o que colacionamos, podem nos remeter a
duas reflexões: “primeiro, que riscos da modernização emergem
ao mesmo tempo vinculados espacialmente e desvinculadamente
com um alcance universal; e segundo, quão incalculáveis e impre-
visíveis são os intricados caminhos de seus efeitos nocivos.”
O olhar que o autor lança para os riscos na era da moder-
nização é extremamente interessante, pois ele aduz que algo
que se encontra conteudística-objetiva, espacial e temporal-
mente separado acaba sendo aleatoriamente congregado e,
desse modo, estabelecendo uma relação de responsabilidade
social e jurídica. Ocorre que, por serem suposições casuais, são
também teoria e, como tais, necessitam ser conceitualmente
adicionadas e presumidas como verdadeiras, acreditadas e
que, nesse mesmo sentido, os riscos são invisíveis e a causali-
dade suposta, segue como sendo algo mais ou menos incerto e
provisório. Assim, no que diz respeito à consciência do risco,
teríamos uma consciência teórica e, consequentemente, cien-
tificizada (BECK, 2011, p. 33).

1 82
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Referido autor menciona que é um momento de expansão


do método científico e que, basicamente, existe uma dúvida
metódica, sobre as próprias bases da ciência e que para além da
cientificização simples, em que a dúvida metódica é colocada
sobre o externo e preexistente à ciência (a natureza, o homem,
a sociedade), nessa segunda gênese civilizatória, a ciência se
torna objeto de questionamento: trata-se do que Beck nomeia
como cientificização reflexiva e que, segundo ele (2011, p.
248) “os atores da ruptura são as disciplinas da autoaplicação
crítica da ciência sobre a ciência: teoria da ciência e história da
ciência, sociologia do conhecimento e da ciência.
A obra desenvolvida por Ulrich Beck é robusta e traz ele-
mentos interessantíssimos para que utilizemos sua perspectiva
dentro da investigação que nos propomos, uma vez que ficará
extremamente perceptível, ao longo da presente pesquisa, o
quanto a discussão e disputa em torno da técnica – seja ela
agroecológica, ou agronegocial está posta.
Todavia, para não nos alongarmos muito, nos concen-
traremos a partir de agora na perspectiva Beckiana de riscos
específicos de classe e globalização dos riscos civilizacionais
que oferecerão, em determinado momento, uma aproximação
da perspectiva dos Movimentos de Justiça Ambiental, estuda-
dos no tópico anterior e, em outros momentos, um aparente e
frontal afastamento.
Para Beck (2011, p. 44):

Tipo, padrão e meios de distribuição de riscos diferen-


ciam-se sistematicamente daqueles da distribuição da
riqueza. Isto não anula o fato de que muitos riscos sejam
distribuídos de um modo especificado pela camada ou
classe social. A história da distribuição de riscos mostra
que estes se atêm, assim como as riquezas, ao esquema
de classe – mas de modo inverso: as riquezas acumulam-
-se em cima, os riscos embaixo. Assim, os riscos pare-
cem reforçar, e não revogar, a sociedade de classes.

183
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Dessa forma, podemos concluir que, de certo modo, os


mais abastados economicamente teriam como comprar segu-
rança e liberdade em relação ao risco, e que essa realidade,
por vezes, impõe-se até hoje em relação a algumas dimensões
centrais do risco. Exemplificamos com o fato de que os riscos
de sobrecarga, irradiação e contaminação em locais de traba-
lho são distribuídos desigualmente de acordo com a categoria
profissional e que são, principalmente, os vizinhos mais aces-
síveis aos grupos de menor renda da população, no entorno
dos centros de produção industrial, por exemplo, que serão
onerados, a longo prazo, com a contaminação por diversos po-
luentes (BECK, 2011, p. 41-42).
Exemplificamos, citando os menos abastados economica-
mente, fazendeiros do interior dos EUA, como os noticiados
por Rachel Carson, populações miseráveis que viviam em seus
barracos contíguos à Union Carbide em Bhopal, ou nossos agri-
cultores familiares e empregados das fazendas em zonas de
fronteiras de expansão do agronegócio do Brasil, além das já
mencionadas crianças que se amamentam do leite das mães empre-
gadas ou moradoras das áreas contíguas a esses cinturões verdes.
A capacidade de lidar com as situações de risco também
são diferenciadas de acordo com a classe social, renda e edu-
cação. Nas palavras de Beck (2011, p. 42): “um bolso suficiente-
mente cheio é capaz de colocar alguém em posição de refestelar-se
como ovos de “galinhas felizes” e folhas de “alfaces felizes”
Educação e sensibilidade à informação podem abrir no-
vas possibilidades de relacionamentos com as contaminações,
assim, por exemplo, pode-se evitar determinados produtos
como fígados de vacas velhas, com altos teores de chumbo ou
por meio de técnicas nutricionais, optar-se pela variedade do
cardápio semanal e, assim, fazer com que os metais pesados
presentes nos peixes consumidos e cuja origem seja do Mar
do Norte e os aditivos presentes na carne suína sejam diluí-
dos, complementados ou relativizados pelas substâncias que
compõem o chá. Logo, cozinhar e comer convertem-se numa

184
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

espécie de química alimentar implícita, numa espécie de co-


zinha do diabo com pretensão minimizadora. Ainda assim, é
muito provável que, em resposta às notícias de contaminação
na imprensa e na televisão, surjam hábitos de alimentação e de
vida que se orientem pela antiquimificação e que, em meio às
camadas mais educadas e abastadas ocorra a maior conscienti-
zação em relação à alimentação (BECK, 2011, p. 42).
Para ele (2011, p. 42-43):

Poder-se-ia deduzir, a partir disto que, justamente em


razão dessa postura refletida e financeiramente lastre-
ada em relação aos riscos, velhas desigualdades sociais
são consolidadas num novo patamar. É justamente des-
se modo, contudo, que não se chegará à base da lógica
distributiva dos riscos.

Paralelamente ao aprofundamento das situações de ris-


co, reduzem-se as rotas de fuga e as possibilidades com-
pensatórias de caráter privado, ao mesmo tempo em
que se disseminam. A potenciação dos riscos, a impos-
sibilidade de contorná-los, a abstinência política, assim
como o anúncio e a venda de possibilidades privadas
de escape, implica-se mutuamente. É possível que esses
dribles privados ainda ajudem em relação a alguns ali-
mentos; mas já no fornecimento de água estão todas as
camadas sociais interligadas pelo mesmo encanamen-
to; e basta lançar um olhar às “florestas esqueléticas”
dos “idílios campestres”, distantes das indústrias, para
que fique claro que as barreiras específicas de classes
caem também por conta dos teores tóxicos do ar que
todos respiramos. A única proteção realmente eficaz
sob essas condições seria não comer, não beber e não
respirar. E mesmo isto ajuda apenas em parte. Afinal,
todos sabem o que acontece às pedras – e aos cadáveres
enterrados. (sem destaque no original).

185
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Em relação à globalização dos riscos civilizacionais, Beck


(2011, p. 43) diz que se a reduzirmos a uma fórmula, seria
a de que “a miséria é hierárquica, o smog é democrático” e
que, com a ampliação dos riscos advindos da modernização,
acabam por se relativizar as diferenças e fronteiras sociais. Ob-
jetivamente falando, é como se os riscos produzissem, dentro
de seu raio e alcance e entre as pessoas por eles afetadas, um
efeito equalizador.
Nesse ponto, defende Beck (2011, p. 43) que:

Reside justamente sua nova força política. [...] socieda-


des de risco simplesmente não são sociedades de clas-
ses; suas situações de ameaça não podem ser concebi-
das como situações de classe, da mesma forma que seus
conflitos não podem ser concebidos como conflitos de
classe. Isto fica ainda mais claro se tivermos em conta
o feitio peculiar, o padrão distributivo específico dos
riscos da modernização: eles possuem uma tendência
imanente à globalização. A produção industrial é acom-
panhada por um universalismo das ameaças, indepen-
dentemente dos lugares onde são produzidas: cadeias
alimentares interligam cada um a praticamente todos
os demais da face da Terra. Submersas, elas atravessam
fronteiras. O teor de acidez do ar carcome não apenas
esculturas e tesouros artísticos, mas há muito corroeu
também os marcos de fronteira. Mesmo no Canadá aci-
dificam-se os mares, mesmo nos extremos setentrio-
nais da Escandinávia morrem as florestas. (sem desta-
que no original).

Desta feita, produz-se o que o autor denomina como “efei-


to bumerangue” e que é explicado por Beck (2011, p. 44) da
seguinte maneira:

186
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Contido na globalização, e ainda assim claramente dis-


tinto dela, há um padrão de distribuição dos riscos no
qual se encontra um material politicamente explosivo:
cedo ou tarde, eles alcançam inclusive aqueles que os
produziram ou que lucraram com eles. Em sua disse-
minação, os riscos apresentam socialmente um efeito
bumerangue: nem os ricos e poderosos estão seguros
diante deles. Os anteriormente “latentes efeitos cola-
terais” rebatem também sobre os centros de sua pro-
dução. Os atores da modernização acabam, inevitável
e bastante concretamente, entrando na ciranda dos pe-
rigos que eles próprios desencadeiam e com os quais
lucram. Isto pode ocorrer de diversas formas. (sem des-
taque no original).

Se pegarmos, como exemplo, a agricultura, teremos nas


palavras de Beck (2011, p. 45) que:

Os antigos “efeitos colaterais imprevistos” tornam-se


assim efeitos principais visíveis, que ameaçam seus
próprios centros causais de produção. A produção de
riscos da modernização acompanha a curva do bume-
rangue. A agricultura intensiva de caráter industrial,
fomentada com bilhões em subsídios, não somente faz
aumentar dramaticamente em cidades distantes a con-
centração de chumbo no leite materno e nas crianças.
Ela também solapa de múltiplas formas a base natural
da própria produção agrícola: cai a fertilidade das lavou-
ras, desaparecem espécies indispensáveis de animais e
plantas, aumenta o perigo de erosão do solo. Esse efeito
socialmente circular de ameaça pode ser generalizado:
sob a égide dos riscos da modernização, cedo ou tar-
de se atinge a unidade entre culpa e vítima. No pior,
no mais inconcebível dos casos – o cogumelo atômi-
co – isto é evidente: ele aniquila inclusive o agressor.

1 87
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Torna-se claro, nesses casos, que a Terra se transfor-


mou num assento ejetável, que não mais reconhece di-
ferenças entre pobre e rico, branco e preto, sul e norte,
leste e oeste.

Em relação à percepção das futuras gerações, chegamos a


nos indagar se o que Beck (2011) propõe na situação a seguir
seria uma evidência da quebra da equidade intergeracional
diante do atual modelo civilizatório imerso em riscos. Veja-
mos a citação:

Na civilização avançada, que surgiu para abolir as des-


tinações, para oferecer às pessoas possibilidades de
escolha, para libertá-las de constrições naturais, aca-
ba surgindo uma nova destinação global, de alcance
mundial, fundada na ameaça; destinação esta diante da
qual a possibilidade de escolha individual dificilmente
se sustenta, pela razão de que, no mundo industrial, os
poluentes e venenos estão entrelaçados com a base na-
tural, com a consumação elementar da vida. A vivên-
cia dessa suscetibilidade ao risco interdita à escola torna
compreensível muito do impacto, da ira impotente e
da “sensação de não haver amanhã” com que muitos,
ambiguamente e exercendo uma crítica forçosamente
construtiva reagem à mais recente realização da civi-
lização tecnológica: é possível chegar a estabelecer e
manter uma distância crítica diante de algo de que não
se pode escapar? Deve-se abrir mão da distância crítica
e refugiar-se no inevitável, com escárnio ou cinismo,
indiferença ou júbilo, apenas porque se trata de algo
de que não se pode escapar. (BECK, 2011, p. 49). (sem
destaque no original).

Em relação às novas desigualdades internacionais e a equali-


zação das situações de ameaça, Beck (2011, p. 49-50; 55) diz que:

188
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

A equalização mundial das situações de ameaça não


deve, entretanto, camuflar as novas desigualdades so-
ciais no interior da suscetibilidade ao risco. Estas sur-
gem particularmente quando – ao menos em escala in-
ternacional – situações de classe e situações de risco se
sobrepõem: o proletariado da sociedade de risco mun-
dial instala-se ao pé das chaminés, ao lado das refinarias
e indústrias químicas, nos centros industriais do Ter-
ceiro Mundo. A “maior catástrofe industrial da história
(Der Spiegel), o acidente tóxico na cidade indiana de
Bhopal, chamou a atenção da opinião pública mundial
para esse fato. As indústrias de risco foram transferi-
das para os países com mão de obra barata. Isso não
aconteceu por acaso. Existe uma sistemática “força de
atração” entre pobreza extrema e riscos extremos. [...]
E um tolo ingênuo ainda presumiria que os responsá-
veis pela triagem não sabem o que fazem. Também fala
em favor desse processo a comprovada “alta aceitação”
de uma população provincial desempregada (!) diante
de “novas” tecnologias (capazes de gerar empregos).
[...] A perda iminente de postos de trabalho é procla-
mada aos quatro ventos, de modo a manter frouxas as
amarras das estipulações e controles de valores máxi-
mos para as emissões de poluentes ou para que sequer
se investiguem certos resíduos tóxicos detectados nos
alimentos. Em virtude da precaução diante dos pos-
síveis efeitos econômicos, sequer se mantém regis-
tro de categorias inteiras de substâncias tóxicas, elas
não existem juridicamente e, por isto mesmo, podem
circular livremente.

Ulrich Beck parece estar ciente de vários pontos de ten-


são que englobam o atual modelo agroprodutivo, pois já le-
mos aqui suas colocações sobre as retóricas de desqualificação
e ocultação de dados técnico-científicos; presenciamos sua

189
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

percepção acerca do risco da bioacumulação de produtos tóxi-


cos e o quanto estes podem afetar de forma desproprocional
algumas populações mais vulneráveis; percebemos seu olhar
para com o futuro da humanidade; e, no que tange à utilização
de agrotóxicos e a própria realidade da Revolução Verde e seu
discurso de combate à fome, Beck (2011, p. 50; 59) também
faz interessantes ilações que reproduziremos abaixo:

A miséria material e a cegueira diante do risco coin-


cidem. “Um especialista em desenvolvimento relata o
manuseio imprudente com pesticidas, no caso, no Sri
Lanka: “o DDT é espalhado com as mãos, as pessoas fi-
cam polvilhadas de branco”. Na ilha caribenha de Tri-
nindad (1,2 milhão de habitante), foram registrados nos
anos de 1983 um total de 120 casos de morte por pesti-
cidas. “Um fazendeiro: ‘se você não passa mal depois da
pulverização, é porque não pulverizou o bastante.’

Para essas pessoas, as complexas instalações das indús-


trias químicas, com seus imponentes tubos e tanques
são símbolos caros do sucesso. A ameaça de morte nelas
contida fica, em contraste, invisível. Para eles, os ferti-
lizantes, inseticidas e herbicidas que elas produzem são
vistos, antes de mais nada, sob a ótica da libertação da
precariedade material. São pré-condições da “revolução
verde”, que – sistematicamente apoiada pelas nações
industriais do Ocidente –aumentou nos últimos anos a
produção de gêneros alimentícios em 30%, em alguns
países da Ásia e da América Latina em até 40%. O fato
de que, enquanto isto, a cada ano sejam “pulverizadas
sobre pomares e campos de algodão, arroz e tabaco [...]
várias centenas de milhares de toneladas de pestici-
das” acaba sendo ofuscado por esses êxitos tangíveis.
Na concorrência entre a morte pela fome, visivelmente
iminente, com a morte por intoxicação, iminente mas

190
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

invisível, impõe-se a premência do combate à miséria


material. [...] a luta contra a fome e pela autonomia
compõe o escudo através do qual os riscos, de todo o
modo imperceptíveis, são abafados, minimizados e, em
decorrência, potencializados, disseminados e, final-
mente, devolvidos aos ricos países industriais ao longo
da cadeia alimentar [..] Competentes para tanto são to-
dos e ninguém. Todos, aliás, com apenas um dos pés. O
outro está na arena da luta pelo seu emprego (sua ren-
da, sua família, sua casinha, seus cuidados com o carro,
suas férias dos sonhos etc. Quando isto se perde, o indi-
víduo – com ou sem toxina – está na pior).

Uma outra interessante passagem da obra de Beck (2011,


p. 55-56) trata da perseguição científica, que será melhor estu-
dada no próximo capítulo. Assim diz a citação:

[...] Ao mesmo tempo, afiam-se os instrumentos da “su-


peração” definitória do risco e brandem-se os respecti-
vos machados: aqueles que apontam os riscos são difa-
mados como “estraga-prazeres” e produtores de riscos.
Assume-se que sua demonstração dos riscos “não são
comprovadas”. Os efeitos para o ser humano e o meio
ambiente por eles apontados são tomados por exagero
desmedido” [...] A confiança na ciência e na pesquisa é
professada. [...] É precisamente com o avanço da socie-
dade de risco que se desenvolvem como decorrência as
oposições entre aqueles que são afetados pelos riscos e
aqueles que lucram com eles. Da mesma forma, aumen-
ta a importância social e política do conhecimento, e
consequentemente do acesso aos meios de forjar o co-
nhecimento (ciência e pesquisa) e disseminá-lo (meios
de comunicação de massa). A sociedade do risco, é
nesse sentido, também a sociedade da ciência, da mídia
e da informação. Nela, escancaram-se assim as novas

1 91
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

oposições entre aqueles que produzem definições de


risco e aqueles que as consomem. Essas tensões, entre
subtração do risco e comércio, produção e consumo de
definições de riscos, atravessam todos os âmbitos de
atuação social. Encontram-se aí as origens primárias
das “disputas definitórias” em torno da “extensão, do
grau e da urgência dos riscos”.

A canibalização mercantilizante dos riscos favorece um


vaivém generalizado entre velamento e desvelamento
de riscos – com o resultado de que, no fim das contas,
ninguém mais sabe se o “problema” não é afinal a “so-
lução” ou vice-versa, quem lucra com o quê, quando é
que as autorias são estabelecidas ou ocultadas por conta
das especulações causais, ou então se todo o discurso
em torno do risco não é expressão de uma dramaturgia
política deslocada, que pretende na verdade algo intei-
ramente distinto (sem destaque no original).

No que tange a uma solidariedade global, Beck (2011, p.


57-58) também traz alusiva consideração, que reproduzimos
abaixo:

Nesse sentido, a sociedade de risco produz novas


oposições de interesse e um novo tipo de solidarieda-
de diante da ameaça, sem, porém, que se saiba ainda
quanta carga ela pode comportar. Na medida em que as
ameaças da modernização se acentuam e generalizam,
revogando, portanto, as zonas residentes de imunida-
de, a sociedade de risco (em contraposição à socieda-
de de classes) desenvolve uma tendência à unificação
objetiva das suscetibilidades em situações de ameaças
globais. Assim, amigo e inimigo, leste e oeste, em cima
e embaixo, cidade e campo, preto e branco, sul e norte
são todos submetidos, no limite, à pressão equalizante

1 92
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

dos riscos civilizacionais que se exarcebam. Sociedades


de risco não são sociedades de classes- mas isto ainda
é pouco. Elas contêm em si uma dinâmica evolutiva de
base democrática que ultrapassa fronteiras, através da
qual a humanidade é forçada a se congregar na situação
unitária de autoameaças civilizacionais. [...] Enquanto
as sociedades de classes são organizáveis em Estados
Nacionais, as sociedades de riscos fazem emergir “co-
munhões de ameaça” objetivas, que em última instân-
cia somente podem ser abarcadas no marco da socie-
dade global. O potencial de autoameaça civilizacional
desenvolvido no processo de modernização faz assim
com que também a utopia de uma sociedade global se
torne um pouco mais real, ou ao menos mais premen-
te. Exatamente como quando as pessoas do século XIX
precisaram, sob a pena de naufragar economicamente,
aprender a submeter-se às condições da sociedade in-
dustrial e do trabalho assalariado – da mesma forma
elas precisarão, hoje e no futuro, sob o açoite do apo-
calipse civilizacional, aprender a sentar-se à mesa e a
encontrar e a implementar soluções para as ameaças
autoinfligidas capazes de atravessar todas as fronteiras.
[...]. (sem destaque no original).

Percebemos que na transição da sociedade de classes para


a de risco, conforme proposta por Ulrich Beck (2011, p. 59-
60), começa a diferenciar-se a qualidade da solidariedade, e
o lugar do sistema axiológico da sociedade “desigual”, ou de
classes, é ocupado pelo sistema da sociedade “insegura” ou de
risco. Assim, o sonho da sociedade de classes seria fornecer
acesso a todos que querem e devem compartilhar do bolo.
A meta da sociedade de risco, por seu turno, guia-se pela máxi-
ma: “todos devem ser poupados do veneno”. A força motriz da
sociedade de classes pode ser resumida na frase: “tenho fome!”
enquanto o movimento desencadeado com a emergência

1 93
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

da sociedade de risco, ao contrário, é expresso pela afirma-


ção: “tenho medo!” A solidariedade da carência de recursos foi
substituída pela solidariedade do medo. O modelo da socieda-
de de risco marca, nesse sentido, uma época social na qual a
solidariedade, por medo, emerge e torna-se uma força política.
Postas e expostas essas correntes sociológicas que, confor-
me salientamos, em certos momentos convergem e em outros
divergem, a saber, o Movimento por Justiça Ambiental – plural
em sua composição, atores e teorizadores e a Sociedade de Ris-
co, que têm em Ulrich Beck seu idealizador, percebemos que,
mais do que se excluírem, ambas proposições abrem ainda
mais o leque que nos auxilia a pensar como isso se materializa
em pesquisas técnico-científicas e sua posterior relação com o
Poder Judiciário através do MPF e dos juízes de 1ª instância,
conforme veremos nos capítulos adiante.

194
3. “OS FILHOS” DA (R)EVOLUÇÃO EM
CAMPO: AGRO(TECH) OU AGRO(TÓXICO)?

O homem e sua segurança devem constituir a preocupação


fundamental de toda a aventura tecnológica. Nunca se esqueçam
disso quando estiverem mergulhados em seus planos e equações.
Albert Einstein

Há milhares e milhares de brasileiros que ganham salário-mínimo


ou não ganham nada. Portanto, precisam comer comida com defen-
sivo sim, porque é a única forma de fazer o alimento mais barato.
Senadora Kátia Abreu

No 1º capítulo, vimos como a Revolução Verde, a Revolução


Genética e a Biofortificação têm influenciado o padrão agro-
produtivo no mundo. Contudo, diante desse processo evolu-
tivo, algo se apresenta de forma contraditória, pois, segundo
McMicahel (2016, p.04), a fome é hoje um fenômeno rural.
A maior parte da população faminta do mundo constitui-se
de agricultores empobrecidos pela escala evolutiva dos regi-
mes alimentares e, segundo o autor em comento, isso talvez se
constitua como uma crise de alerta de governança e talvez uma
crise terminal de sustentabilidade.
Outros elementos aparentemente contraditórios aos méto-
dos revolucionários de produção de alimentos no mundo vêm
sendo levantados, pois, além da fome, os riscos de contaminação
ambiental e humana, a segurança alimentar, a sustentabilidade

195
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

e a proteção das presentes e futuras gerações são tratadas de


forma crítica em pesquisas que abordam os efeitos do atual
modelo agroprodutivo.
Também vimos no capítulo primeiro, o quanto o discurso
da “erradicação da fome no mundo” se fez presente nos marcos
revolucionários de produção alimentar do planeta e o quanto
ele busca demonstrar que seus avanços são sustentáveis. Toda-
via, neste instante, um questionamento ecoa: Será que ser sus-
tentável é alimentar as presentes gerações ainda que ao custo
de potenciais contaminações humanas e ambientais? Será que
de fato essas contaminações são reais, ou produtos de disputas
técnicas, políticas, jurídicas e retóricas de correntes que se em-
batem na arena agroprodutiva e que têm de um lado o sistema
agroquímico de produção e, de outro, o modelo agroecológico
e similares ou nas palavras de Gerd Sparovek (2017, p. 70-71)
o agro e o eco ou os agroinclinados e os ecoinclinados? Se-
riam tais narrativas incompletas diante de um problema com-
plexo ou existe uma narrativa completa e verdadeira dentro
desta polarização?
Neste cenário de disputas de narrativas e ancorados em
aspectos técnicos para suas intervenções e questionamentos
dentro do campo agroprodutivo, ambos os lados disputam o
papel de modelo agroalimentar sustentável, seguro, ambien-
talmente justo e solidário intergeracionalmente, ainda que
possuam vieses distintos em seus modos de fazer ciência e
produção alimentar.
Conforme já visto, no capítulo anterior, tratamos dos
termos sustentabilidade, risco, justiça ambiental e futuras ge-
rações e no panorama de pesquisas que abordaremos na sequ-
ência deste capítulo, buscaremos analisar os usos e contextos
em que referidos temas são acionados no campo técnico-cien-
tífico crítico aos agrotóxicos e procuraremos compreender o
uso de referidos termos em tais pesquisas e documentos.
Assim, esse será o nosso campo técnico-científico de aná-
lise, o qual, depois, será inter-relacionado com as ações do

196
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

MPF no GT Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR e suas res-


pectivas decisões judiciais.
Conforme já mencionamos na parte introdutória desse tra-
balho, os problemas ambientais costumam ter sua emergência
ligada a fatores diversos, entre eles o âmbito técnico-científi-
co, possuindo, dessa forma, uma base física mais impositiva
– ainda que não exclusiva, como nos casos de envenenamen-
to por agrotóxicos ou de mudanças climáticas, por exemplo.
(HANNIGAN, 1995, p. 58).
A proposição que faremos a seguir é de origem qualitativa
do ponto de vista metodológico, ainda que possua elementos
quantitativos em suas análises. O que nos propomos a fazer,
nesse momento, é trazer dados representativos de uma deter-
minada realidade, a qual dá conta de que agrotóxicos são cau-
sadores de problemas na saúde, nutrição humana, bem como
poluição ambiental.
Trataremos, ao longo do presente capítulo, de obras va-
riadas que contemplam áreas como geografia humana, saúde
coletiva, nutrição, entre outros. Para tanto nos debruçaremos
sobre livros, artigos, relatórios, atlas e demais produções cien-
tíficas e documentais que se mostrem adequadas à abordagem
qualitativa que se pretende aplicar.
A escolha por estudos que buscam enfatizar a inseguran-
ça da utilização de agrotóxicos e transgênicos dentro do atual
modelo agroprodutivo não é aleatória, mas motivada pelo fato
de que o que temos hoje posto é o domínio de um modelo que
utiliza a monocultura, a transgenia e os mais diversos insumos
agrícolas como modelo sustentável e majoritário. Inclusive,
como veremos em alguns apontamentos nesse tópico, boa par-
te das pesquisas científicas sobre o tema são subsidiadas pe-
las gigantes corporações do agrobusiness que, aparentemente,
não pretendem fomentar discussões sobre segurança alimen-
tar, proteção à saúde humana, efeitos sobre a infância e simila-
res, mas tão somente garantirem o incremento das vendas e a
manutenção de seu modelo agroprodutivo como o único capaz

1 97
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

de “saciar a fome do mundo”.


Assim, parece-nos, um tanto quanto natural, que as pro-
duções técnicas e a aceitação de referido modelo pela socie-
dade não se mostrem tão contestados, cabendo-nos investigar
quem são e o que dizem aqueles que se contrapõem ao atual
modelo agroalimentar, mesmo que em determinado momento
desse capítulo façamos um aparte para comentários sobre a
Carta Aberta da Monsanto em resposta ao Tribunal Monsanto,
ocorrido no final do ano de 2016, cujo parecer saiu em 18 de
abril de 2017.
Para melhor sistematização do que se pretende expor, ci-
taremos as obras que conduziram referidas análises de forma
principal, sendo elas:

• Pequeno ensaio cartográfico sobre o uso de agrotóxi-


cos no Brasil (2016): Obra de autoria de Larissa Mies
Bombardi, lançada no ano de 2016 e que apresenta uma
série de mapas e gráficos já apresentados de forma dis-
persa em produção bibliográfica recente da autora, con-
densados em uma única produção e que, segundo ela,
busca facilitar o debate sobre o uso de agrotóxicos na
agricultura brasileira.

• Agrotóxicos no Brasil: um guia para ação em defesa da


vida65 (2011): Publicada no ano de 2011 e organizado
por Flávia Londres da Cunha em parceria com a ANA
65. A parte introdutória da obra, informa que a parceria conjunta com a ANA
– Articulação Nacional de Agroecologia e a RBJA – Rede Brasileira de Justiça
Ambiental busca tratar da visão dos movimentos sociais sobre esse processo
e afirma que os textos apresentados ao longo do livro demonstram acurado e
minucioso cuidado com as fontes e referências, baseando-se em pareceres de
pesquisas e documentos oficiais para que não se abra espaço para a desqua-
lificação rotineira feita por grupos econômicos e até mesmo alguns cientistas
quando da produção de dados por essas organizações.
A abordagem é interdisciplinar e trata de saúde, meio ambiente e agricultura e
objetivou funcionar como um guia para a articulação das redes de agroecolo-
gia, justiça e saúde ambiental, soberania alimentar e economia solidária.

198
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

- Articulação Nacional de Agroecologia e com a RBJA –


Rede Brasileira de Justiça Ambiental.

Nas palavras de Fernando Ferreira Carneiro, prefaciador


da obra, trata-se de uma produção considerada histórica e de
leitura essencial, uma vez que ainda é reduzido o material edu-
cativo produzido pelo setor público informando à população
sobre os riscos do uso dos agrotóxicos no Brasil, sendo o cam-
po de produção de dados sobre o uso de agrotóxicos no país
hegemonizado por quem produz e que preconiza a ideia de um
uso seguro, fato mítico segundo os autores da obra.

• Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agro-


tóxicos na saúde (2015): É uma robusta obra de mais de
600 páginas organizada por Fernando Ferreira Carneiro,
Lia Giraldo da Silva Augusto, Raquel Maria Rigotto, Ka-
ren Friedrich e André Campos Búrigo. Foi lançado em
sua mais nova versão no ano de 2015. Está dividido em
04 partes. A parte 1 (um) trata de Segurança Alimentar
e Saúde e, inicialmente, faz a menção ao fato de que o
processo produtivo agrícola brasileiro está cada vez mais
dependente dos agrotóxicos e fertilizantes químicos.
A parte 2 trata do eixo agrotóxico e saúde ambiental.
A parte 03 do Dossiê Abrasco (2015) recebeu o título
de: conhecimento científico e popular – construindo
a ecologia de saberes, sendo aberta com as palavras de
Boaventura Sousa Santos e a parte 04 aborda a crise do
paradigma do agronegócio e a luta pela agroecologia.

• Greenpeace/Brasil (2017): Desde 1990, o Greenpeace


vem expondo e questionado o modelo agrícola brasi-
leiro, bem como o uso de Organismos Geneticamente
Modificados – OGMs, a expansão da agropecuária so-
bre as florestas nativas, o uso massivo de agrotóxicos e
os impactos socioambientais e climáticos daí advindos,

199
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

os quais, segundo referido documento técnico por nós


analisado, têm comprometido o futuro da nossa alimen-
tação e da resiliência do planeta.

O Greenpeace defende que a transição, para um modelo


de agricultura mais sustentável, tem se mostrado necessária e
urgente, não apenas no Brasil, mas no mundo e convida a so-
ciedade brasileira a refletir sobre o tema e a fazer parte de um
movimento de construção de um futuro alimentar mais saudá-
vel, tanto para as pessoas quanto para o meio ambiente – atra-
vés de um modelo que seja justo, equitativo e inclusivo, tanto
para quem produz, quanto para quem consome.

• Relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU


(2017): Na data de 24 de janeiro de 2017, a Secretaria
do Conselho de Direitos Humanos emitiu Relatório tra-
tando da temática do Direito Humano à Alimentação
Adequada, o qual foi amplamente noticiado nos mais
diversos meios de comunicação de mídia de massa com
uma chamada inicial muito parecida e que dizia de for-
ma geral que a “ONU desmentia a necessidade da utili-
zação de pesticidas para alimentar o mundo”66, inclusive

66. Seguem alguns links onde foram veiculadas as reportagens sobre o tema,
que alcançou variadas publicações nacionais e com diferentes orientações ide-
ológicas e de pauta comunicativa. Relatório da ONU denuncia “mito” de que
pesticidas são essenciais para alimentar o mundo. Disponível em: <http://
www.theuniplanet.com/2017/03/relatorio-da-onu-denuncia-mito-de-que.
html>. Acesso em: 09 mar. 2017. ONU desmente mito de que pesticidas são-
-necessários para alimentar população mundial. Disponível em: <http://
www.hypeness.com.br/2017/03/onu-desmente-mito-de-que-pesticidas-sao-
-necessarios-para-alimentar-populacao-mundial/>. Acesso em: 09 mar. 2017.
Necessidade de pesticidas no combate à fome é um mito, diz ONU: Relatório
sustenta que é possível alimentar as 9,6 bilhões de pessoas que vão habitar a
terra em 2050 sem o uso dessas substâncias. Disponível em: <http://veja.abril.
com.br/ciencia/necessidade-de-pesticidas-no-combate-a-fome-e-um-mito-
-diz-onu/>. Acesso em: 09 mar. 2017. Pesticidas matam 200 mil pessoas por
intoxicação aguda todo ano, alertam especialistas. Disponível em: <https://
nacoesunidas.org/pesticidas-matam-200-mil-pessoas-por-intoxicacao-aguda-

20 0
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

com disponibilização para os leitores do link para aces-


so ao relatório, publicizado nos 6 idiomas oficiais da
ONU: inglês, francês, espanhol, árabe, chinês e russo.

Em nota inicial, a Secretaria informa que o documento foi


redigido em colaboração com o Relator Especial e trata dos
impactos para os direitos humanos da gestão e eliminação de
substâncias e resíduos perigosos. No documento é ofertada,
com ênfase, uma descrição contundente sobre o uso de pes-
ticidas na agricultura mundial e seu impacto nos direitos hu-
manos, sendo realizada uma exposição minuciosa ao longo das
27 páginas do relatório sobre as consequências negativas que
a utilização de pesticidas provoca na saúde humana, no meio
ambiente e na sociedade e que muitas dessas consequências
negativas são subnotificadas ou mantidas nas sombras. O do-
cumento também enfatiza que as normas de proteção comu-
mente estão focadas na segurança alimentar e esquecem de
sua relação com o meio ambiente, direitos humanos, além de
grupos específicos, como trabalhadores rurais, consumidores
e grupos vulneráveis.
O relatório está organizado em 06 partes. A parte 01 é a
introdução. A parte 02 traz advertências sobre o impacto dos
pesticidas sobre os direitos humanos e divide-se em parte A
e B. A parte A trata da saúde humana e a parte B da proteção
ambiental. A parte 03 trata da estrutura normativa e divide-se
em A: Leis de Direitos Humanos, Leis de Proteção Ambiental
Internacional e Código Internacional de Condutas e Práticas
não vinculantes. A parte 04 trata dos desafios planetários dian-
te do atual sistema agroprodutivo com agrotóxicos, abordan-
do os distintos níveis de proteção e outros desafios. A parte
05 apresenta a agroecologia como alternativa ao atual modelo

-todo-ano-alertam-especialistas/>. Acesso em: 09 mar. 2017. ONU denuncia


“mito” sobre pesticida ser essencial para lavoura. Disponível em: <https://
catracalivre.com.br/geral/sustentavel/indicacao/onu-denuncia-mito-sobre-
-pesticida-ser-essencial-para-lavoura/>. Acesso em: 09 mar. 2017.

201
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

extensivo de uso de pesticidas e a parte 06 trata das conclusões


e recomendações finais do relatório.

• Tribunal de Opinião Monsanto (2017): Outro docu-


mento extremamente crítico aos efeitos de agrotóxicos
e transgênicos na saúde humana e meio ambiente e o
atual sistema agroprodutivo dominante foi produzido
pelo Tribunal Internacional Monsanto, que pode ser
considerado como um Tribunal de Opinião. Os deno-
minados Tribunais de Opinião não se enquadram na or-
dem judicial de um Estado, podendo ser considerados
como tribunais extraordinários, nascidos da determina-
ção da sociedade civil.

Segundo o endereço eletrônico criado especificamente


para condensar informações, vídeos e documentos do Tribu-
nal67, ele segue a longa tradição dos Tribunais de Opinião, cria-
dos em 1966, sob o impulso dos filósofos Bertrand Russell e
Jean-Paul Sartre. Em 1979, por iniciativa do senador e teórico
Lelio Basso, o Tribunal Russell-Sartre se estendeu ao Tribunal
Permanente dos Povos. Vários tribunais de opinião já foram
realizados em diferentes países e em vários assuntos68 (TRI-
BUNAL MONSANTO, 2017, p. 9, relatório).
Os Tribunais de Opinião buscam examinar, através de um
método judicial, quais regras seriam aplicáveis a situações ou
acontecimentos de alta problematização e que afetam direta-
mente uma série de grupos de pessoas, bem como a sociedade
em geral. Tem um duplo objetivo: alertar a opinião pública,
as partes interessadas e os decisores políticos para atos que
possam ser considerados inacessíveis ou injustificáveis nos
termos das normas jurídicas. Buscam, dessa forma, contribuir
para o avanço do direito nacional e internacional.

67. Mais informações em: <http://pt.monsantotribunal.org/>.


68. Mais informações em: <http://permanentpeoplestribunal.org/>.

202
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

O início do Tribunal Monsanto69 ocorreu no dia 14 de


outubro de 2016 em Haia, Holanda e as sessões do Tribunal
ocorreram nos dias 15 e 16 no Institute of Social Studies – ISS.
Cinco juízes internacionais ouviram cerca de 30 testemunhas
e especialistas de 5 continentes. O parecer jurídico foi comuni-
cado pelos juízes em 18 de abril de 2017 e também se encontra
comentado neste trabalho.
Como objetivo geral do Tribunal apresentam a obtenção
de julgamento, mesmo simbólico, da empresa Monsanto, re-
alizado por um tribunal com funcionamento e juízes reais e
implementação de mecanismos internacionais que permitam
às vítimas das multinacionais recorrer à justiça.
Como objetivos específicos o Tribunal aponta a avalia-
ção dos fatos imputados à empresa Monsanto e o julgamen-
to dos danos causados pela multinacional em conformidade
com o direito internacional vigente; avaliação das ações da
Monsanto em consonância com o crime de ecocídio e sua
relação com o direito internacional penal; exame da opor-
tunidade de se reformar o Estatuto de Roma, que estabe-
leceu o Tribunal Penal Internacional, para a inserção de o
crime de ecocídio e permissão para que pessoas singulares

69. O Funcionamento do Tribunal operacionalizou-se através da utilização


das seguintes diretrizes jurídicas: Princípios Orientadores das Nações Unidas
sobre Empresas e Direitos Humanos, aprovados pelo Conselho dos Direitos
Humanos da ONU em junho de 2011 e Estatuto de Roma, que está na origem
da criação do Tribunal Penal Internacional (TPI), o qual é competente para
julgar os autores presumidos de crimes de genocídio, crimes contra a huma-
nidade, crimes de guerra e crime de agressão. Os Princípios Orientadores das
Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos de 2011 formularan da
forma mais legítima no plano internacional as responsabilidades das empresas
no que tange aos direitos humanos e estabeleceram que as empresas devem
respeitar a totalidade dos direitos humanos, incluindo o direito à vida, o di-
reito à saúde e o direito a um ambiente saudável. Antes do evento, grupos de
trabalho estudaram o impacto das atividades da Monsanto nas seguintes seis
áreas: direito a um ambiente saudável; direito à saúde; direito à alimentação;
liberdade de expressão; liberdade de investigação acadêmica; crime de eco-
cídio. Informação disponível em: <http://pt.monsantotribunal.org/Como_>.
Acesso em: 22 abr. 2017.

203
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

e coletivas, suspeitas de terem cometido esse crime, possam ser


responsabilizadas judicialmente.70

• FAO (2014): Seguindo nossa abordagem, tratamos do


relatório de 2014 da FAO, que anunciou a saída do Bra-
sil do Mapa da Fome mundial, todavia, não nos atere-
mos a este aspecto da insegurança alimentar, mas aos
resultados e abordagens sobre o tema dos agrotóxicos
na publicação.
• OMS e o Atlas sobre a saúde das crianças e o meio
ambiente: “herdando um mundo sustentável” (2017):
Após 13 anos sem publicar o Atlas da Saúde das Crian-
ças e do Meio Ambiente, a OMS lançou em 2017, na

70. Por fim, colacionamos, de acordo com as informações do site do “Tribu-


nal Internacional Monsanto” os membros do Comitê de Organização. Temos
como primeiro nome citado, Vandana Shiva, já mencionada no primeiro ca-
pítulo deste trabalho e que é portadora de um discurso contramajoritário;
Corinne Lepage, advogada desde 1975 e especialista em questões ambientais,
ex-ministra do Ambiente na França, ; Marie-Monique Robin, jornalista, autora
do documentário mais vendido no mundo, cujo livro tem o mesmo nome, “O
Mundo segundo a Monsanto”; Olivier De Schutter, Co-presidente do Painel
Internacional de Especialistas em Sistemas Alimentares Sustentáveis (IPES-
-Food), professor na Universidade Católica da Lovaina (Bélgica) e antigo Re-
lator Especial da ONU sobre o Direito à Alimentação (2008-2014); Gilles-Eric
Séralini , professor de biologia molecular desde 1991 e pesquisador do Institu-
to de Biologia Fundamental e Aplicada (IBFA) da Universidade de Caen; Hans
Rudolf Herren, presidente e diretor-executivo do Instituto Millenium e pre-
sidente-fundador da Biovision; Arnaud Apoteker, autor do livro “Du poisson
dans les fraises, Notre alimentation manipulée” e coordenador da campanha
contra os OGMs do grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia; Emilie Gaillard,
professora de Direito Ambiental e Direitos Humanos Internacionais na Facul-
dade de Ciências Políticas de Rennes (França) e autora de uma tese intitulada
“Gerações futuras e direito privado: para uma lei das gerações futuras”; Valerie
Cabanes, advogada especialista em direito internacional, com experiência em
direito humanitário e direitos humanos; Ronnie Cummins, coordenador glo-
bal da campanha “Milhões contra a Monsanto” e coautor do livro “Genetically
Engineered Food: A Self-Defense Guide for Consumers”; Andre Leu, autor do
livro, “The Myths of Safe Pesticides”, e presidente da IFOAM Organics Inter-
nacional, o órgão de cúpula mundial para o setor orgânico e que agrega cerca
de 800 organizações em 125 países.

20 4
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

data de 06 de março, a versão atualizada do Atlas que


informa que mais de 25% das mortes de crianças, com
menos de cinco anos, são causadas por fatores ambien-
tais como poluição, falta de saneamento e uso de água
imprópria para o consumo. Anualmente, 1,7 milhões de
meninos e meninas nessa faixa etária morrem porque
vivem em locais insalubres, sendo exploradas, em tópi-
co próprio do Atlas, as contaminações por agrotóxicos
na infância.

Buscamos construir um panorama com pesquisas e docu-


mentos nacionais e internacionais recortados pelo tema dos
agrotóxicos em período recente, 2011-2017 e, em item pró-
prio desse capítulo, apresentaremos o panorama das pesquisas
nacionais e internacionais que se relacionam especificamente
com o tema do leite materno, infância e futuras gerações e sua
relação com os agrotóxicos.
Salientamos, por fim, que referidas pesquisas têm, por ve-
zes, um misto de caráter técnico-científico e operativo, uma
vez que alguns de seus subscritores são pesquisadores com
papel ativo na militância contra o atual sistema agroproduti-
vo alocado em produtos químicos, conforme perceberemos ao
longo dessa seção.
Inclusive, já adiantando um fato que nos chamou a aten-
ção quando da análise de referidos estudos, percebemos o
quanto a própria palavra “uso de agrotóxicos” às vezes aparece
confundida ou, melhor dizendo, utilizada como sinônimo das
palavras: “contaminação”, “insegurança”, “intoxicação”, “expo-
sição”, o que nos faz intuir que muitos dos que pesquisam e
criticam cientificamente a utilização destes produtos parecem
partilhar da compreensão de que não existe um uso seguro de
agrotóxicos para a saúde, nutrição humana e meio ambiente de
presentes e futuras gerações.

205
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

3.1 AGROTÓXICOS E PESQUISAS NACIONAIS:


SUSTENTABILIDADE, RISCO E JUSTIÇA AMBIENTAL

Um fazendeiro: ‘se você não passa mal depois da


pulverização, é porque não pulverizou o bastante
(Der Spigel, n. 05/1984, p. 119
in: BECK, 2012, p. 50).

As pesquisas nacionais que trazem questionamentos e enfren-


tamentos em relação ao uso de agrotóxicos buscam enfatizar
fatores relacionados à saúde pública, intoxicações, riscos e in-
sustentabilidade, desenhando um quadro de potenciais danos
a que estão submetidos fabricantes e consumidores de alimen-
tos produzidos em tais circunstâncias.
Ainda que não seja tão utilizada a terminologia desenvol-
vimento sustentável ou sustentabilidade de forma corriquei-
ra nos estudos a seguir tratados, temos que elementos que se
relacionam ao termo poderão ser percebidos, pois a crítica ao
desequilíbrio entre as áreas ambiental, social e econômica fica
perceptível em muitas narrativas. Em relação à diferenciação
de grupos com maior ou menor grau de vulnerabilidade em re-
lação ao uso de agrotóxicos, também são feitas observações nas
pesquisas, além de menções ao termo justiça ambiental. No que
tange às futuras gerações, teremos excerto próprio tratando da
temática, principalmente no que pertine ao leite contaminado,
nutrizes e bebês, além de referências explícitas ao termo futu-
ras gerações que destacaremos em momento próprio.
Vislumbramos, inicialmente, que o variado grupo de pes-
quisas acessadas, bem como o de pesquisadores citados, bus-
ca enfatizar o quanto é alto o grau de utilização de agrotóxicos,
principalmente em determinadas monoculturas do país, além
de destacarem o fato de que, diante de tão grande uso de agro-
químicos, os casos de intoxicação são subnotificados, pois ainda
que expressem um grande número de pessoas atingidas, não dão
conta de exprimir o real perigo a que a população está exposta.

20 6
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Neste sentido, temos no Pequeno Ensaio Cartográfico So-


bre o Uso de Agrotóxicos no Brasil uma ressalva feita logo no
início da obra quando a autora informa que, no Brasil, calcu-
la-se que para cada caso notificado de intoxicação por agrotó-
xico, existam outros cinquenta casos não notificados (BOM-
BARDI, 2016, p. 04). Sendo elaborado, o mapa abaixo, para
mostrar o número de mortes por agrotóxicos no país entre os
anos de 1999 a 2009.

Mapa 1: Brasil: Mortes por Agrotóxico de Uso Agrícola – por Circuns-


tância (1999-2009) (BOMBARDI, 2016, p. 11).

207
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Dentro dos dados acima cartografados, a pesquisadora


busca revelar um exorbitante número de suicídios no total de
mortes ocorridas por intoxicação via agrotóxicos notificados
pelo SINITOX e que os índices são superiores a 80% em Minas
Gerais e no Espírito Santo, e em alguns estados como Pernam-
buco e Ceará, na região Nordeste do país, o suicídio alcançou
quase 100% dos casos de morte notificadas.
Assim como na obra de Larissa Bombardi (2016), a pes-
quisa coordenada por Flávia Londres (2011) enfatiza alguns
aspectos semelhantes, como a imensa realidade das subnoti-
ficações dos casos de intoxicação e alerta para o fato de que
os registros referem-se, basicamente, aos casos de intoxicação
aguda, o que explicaria a altíssima proporção das tentativas de
suicídio entre os casos registrados, uma vez que os trabalhado-
res que sofrem intoxicações ocupacionais e acidentais, quando
procuram algum atendimento, o fazem em postos de saúde,
ambulatórios ou emergências dos hospitais, que dificilmente
diagnosticam corretamente a intoxicação e rarissimamente re-
gistram os casos.
A obra capitaneada por Londres (2011) registra, similar-
mente a Bombardi (2016), o fato de que a maior parte das in-
toxicações notificadas refere-se às tentativas de suicídio e não
à exposição aos venenos no ambiente de trabalho, o que seria
motivador da não evolução no número de casos registrados
nos últimos dez anos, ao mesmo passo em que informa que au-
mentou o consumo de venenos agrícolas no país, pois o Brasil
alcançou, em 2008, o recorde mundial do uso de agrotóxicos.71
71. Segundo a obra que ora se comenta, na última década o uso de agrotóxi-
cos no Brasil assumiu as proporções mais assustadoras. Entre 2001 e 2008 a
venda no país saltou de pouco mais de US$ 2 bilhões para mais US$ 7 bilhões,
quando alcançou-se a posição de maior consumidor mundial de venenos. Fo-
ram 986,5 mil toneladas de agrotóxicos aplicados. Em 2009 ampliou-se ainda
mais o consumo e ultrapassou-se a marca de 1 milhão de toneladas – o que
representa nada menos que 5,2 kg de veneno por habitante. Dado este que,
veremos mais adiante, continua a crescer, conforme trará o Dossiê Abrasco
(2015). Os dados aqui colacionados são do próprio Sindag (Sindicato Nacional
da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola), o sindicato das indústrias de

20 8
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Todavia, a obra da autora em questão informa que apesar


de todos os aspectos relacionados às subnotificações, tem-se
que o número de intoxicações registrado no país não é despre-
zível e é representativo de uma significativa amostra dos gra-
víssimos riscos aos quais estes produtos expõem a população.
Abaixo, apresentamos gráfico indicativo da evolução dos casos
registrados de intoxicação humana por agrotóxicos no Brasil
entre os anos de 1999 e 2008.

Gráfico 2: Evolução dos casos registrados de intoxicação humana por


agrotóxicos no Brasil entre 1999 e 2008 – Dados do Sinitox (LON-
DRES, 2011, p. 40).

Sobre a realidade já comentada, das circunstâncias da intoxi-


cação serem notificadas majoritariamente como tentativa de sui-
cídio, tem-se o gráfico a seguir onde Flávia Londres (2011) “de-
senha” o quão majoritária é essa estatística em sua perspectiva.

agrotóxicos. (LONDRES, 2011, p. 19)

20 9
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Gráfico 3: Circunstância da Intoxicação (LONDRES, 2011, p. 40).

Na mesma linha, temos o gráfico de Bombardi (2016) que


aborda as circunstâncias de intoxicações por agrotóxicos e
percebemos que a pesquisadora busca informar que as into-
xicações ocorrem expressivamente de forma acidental, ou em
forma de tentativa de suicídio, representada por 37,4% do total
de intoxicações entre os anos de 2007 e 2013.

Gráfico 4: Ministério da Saúde/SINAN (BOMBARDI, 2016, p. 19).

A obra de Londres (2011, p. 53) informa que há uma série


de estudos que indicam haver forte relação entre o uso de cer-
tos agrotóxicos e o alto índice de suicídios entre agricultores,

210
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

uma vez que algumas substâncias podem afetar o sistema


nervoso central, provocando transtornos psiquiátricos como
ansiedade, irritabilidade, insônia ou sono conturbado – com
excesso de sonhos e/ou pesadelos, depressão e, muitas vezes,
levar a pessoa intoxicada ao ato extremo de eliminar a própria
vida – comumente bebendo o veneno usado na lavoura. A au-
tora rememora algumas pesquisas emblemáticas sobre o tema,
entre elas destaca-se estudo de 1996 intitulado “Suicídio e Do-
ença Mental em Venâncio Aires – RS: consequência do uso de
agrotóxicos organofosforados?” com grande repercussão na
imprensa nacional.
Na pesquisa acima citada demonstrou-se, através de do-
cumentos, que em 1992, 3/4 (três quartos) da arrecadação do
Imposto de Circulação de Mercadorias de Venâncio Aires vi-
nha da indústria do tabaco e, que, no ano de 1995, devido a
problemas com estiagem e o consequente aumento de pragas,
elevou-se esta quantidade de 60 Kg para 100 Kg de utilização
de agrotóxicos por hectare, o qual se refletiu num incremen-
to do número de suicídios no mesmo ano no município, que
quase duplicou em relação aos dois anos anteriores, atingin-
do a marca de 37,22 em cada 100 mil habitantes – uma das
taxas mais altas do mundo. A pesquisa salientou que qua-
se 60% destas mortes ocorreram na área rural (LONDRES,
2011, p. 52).
A obra coordenada por Flávia Londres continua trazendo
uma série de outras informações sobre pesquisas que tratam da
temática entre uso de agrotóxicos e suicídios. Entre os dados
apresentados menciona-se a revista Galileu que, em fevereiro
de 2007, publicou uma reportagem investigativa que buscava
relacionar o uso de agrotóxicos e os suicídios, divulgando, en-
tre muitas outras informações, que pesquisadores da Universi-
dade de Santa Cruz do Sul – UNISC, da Universidade Estadual
de Campinas – UNICAMP e da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ pareciam ter encontrado novos indícios de que
o manganês, presente em alguns fungicidas, poderia provocar

2 11
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

danos à saúde humana muito mais graves do que os próprios


organofosforados.
A mesma reportagem mencionava uma pesquisa com agri-
cultores de tomate e de morango no interior de São Paulo, re-
alizada pelo neurologista Henrique Ballalai Ferraz da Univer-
sidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Segundo a pesquisa,
constatou-se que a ansiedade e o nervosismo nas pessoas que
manipulavam agrotóxicos eram altíssimos. Para ele, tanto no
caso do organofosforado, como no do manganês, intoxicações
agudas ou uma exposição longa aos agrotóxicos deixam seque-
las neurocomportamentais que podem evoluir para um quadro
de depressão e que aliado a uma série de problemas econômicos
e sociais, poderia levar ao suicídio. (LONDRES, 2011, p. 52)
A mesma obra informa também que, em julho de 2010, o
jornal Folha de São Paulo publicou longa reportagem relatan-
do casos em que fica evidente a relação entre os agrotóxicos e
os suicídios cometidos por agricultores de Fátima do Sul, no
Mato Grosso do Sul, município com destaque na produção de
algodão, com intensivo uso de venenos, em especial os organo-
fosforados. Segundo a reportagem, em 2004 e 2005 um grupo
de pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul – UFMS fez um levantamento sobre os estados depressivos
em 261 agricultores expostos a organofosforados no municí-
pio. Deles, 149 (57,1%) relataram algum sintoma após o uso de
agrotóxicos e 30 apresentaram distúrbios psiquiátricos meno-
res. 3 tentaram o suicídio. (LONDRES, 2011, p. 52).
A obra de Flávia Londres ainda relata a história de famí-
lias inteiras vitimadas pelos envenenamentos por agrotóxicos
e cita o caso de Antônia de Souza Lucas, 64, mãe de “uns 14”
filhos e que teve 03 filhos vitimados pelo suicídio por envene-
namento por agrotóxicos e uma outra filha que cometeu ten-
tativa. Segundo Londres (2001, p. 53): “São histórias assim que
tristemente se repetem na zona rural, em lavouras onde o uso de
venenos agrícolas por vezes garante a lavoura, mas ao custo de
destruir as famílias.”

2 12
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

No Dossiê Abrasco (2015) os autores ressaltam, por seu


turno, que, no Brasil, a quantidade de sub-registros das intoxi-
cações por agrotóxicos é muito grande, sendo esse fator apon-
tado como uma das grandes vulnerabilidades institucionais do
país, entre outras que se relacionam ao controle e monitora-
mento do uso de agrotóxicos em todo o território nacional.
Relatam os autores:

Como os efeitos agudos desses produtos sobre a saúde


humana são os mais visíveis, as informações obtidas so-
bre essas nocividades vêm dos dados dos sistemas de
informação sobre óbitos, emergências e internações
hospitalares de pessoas por eles intoxicadas. A maioria
dos casos identificados é por exposição ocupacional
ou por tentativas de suicídio. Não temos meios para
proceder à avaliação direta dos efeitos da exposição
decorrentes dos alimentos e das águas contaminadas,
o que concorre para o ocultamento dessa nocividade.
Seria necessário utilizar modelos preditivos com base
no princípio da precaução para estimar as situações
de risco a que estão submetidos os grupos populacio-
nais vulnerabilizados. Os serviços e os profissionais da
saúde nunca foram, e não estão devidamente capaci-
tados para diagnosticar os efeitos relacionados com
a exposição aos agrotóxicos, tais como neuropatias,
imunotoxicidade, alterações endócrinas, alterações
do sistema reprodutor, do desenvolvimento e do
crescimento, e produção de neoplasias, entre outros
danos à saúde. Sem esses diagnósticos, não se eviden-
ciam as enfermidades vinculadas aos agrotóxicos, e
estas se ocultam, em favor dos interesses de mercado.
(ABRASCO, 2015, p. 78).

Os mesmos autores salientam que o Brasil não conta


com um sistema de registros eficiente, capaz de identificar

2 13
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

especificamente os agrotóxicos envolvidos nos casos de into-


xicações agudas e crônicas.
Segundo os autores do Dossiê:

Vários sistemas oficiais registram intoxicações por agro-


tóxicos no país, mas nenhum deles tem respondido
adequadamente como instrumento de vigilância des-
te tipo de agravo (FARIA; FASSA; FACCHINI, 2007). O
Ministério da Saúde (MS) estima que, no Brasil, anual-
mente, existam mais de quatrocentas mil pessoas conta-
minadas por agrotóxicos, com cerca de quatro mil mor-
tes por ano (MOREIRA; JACOB; PERES, 2002).

Intoxicações envolvendo agrotóxicos no Brasil foram


analisadas por Benatto (2002) com base em dados do
Sistema Nacional de Agravos Notificados (Sinan). Se-
gundo esse autor, foi registrado no período de 1996 a
2000 um total de 5.654 casos suspeitos de intoxicação,
com 2.931 casos confirmados (51,43%). O número de
óbitos registrado foi de 227, correspondendo a uma
letalidade de 7,73% no período. As intoxicações se
concentraram em indivíduos do sexo masculino entre
15 e 49 anos, sendo confirmadas pelo critério clínico-
-epidemiológico em 60% dos casos; [...] os acidentes
de trabalho representaram 53,5% das circunstâncias
de intoxicação, seguidos pelas tentativas de suicí-
dio (28,2%) e por intoxicações acidentais (12,9%).
(ABRASCO, 2015, p. 125). (sem destaque no original).

O Dossiê continua informando que, segundo a OMS, na


maioria das situações, a subnotificação ainda se faz muito
presente, portanto, estima-se que para cada caso notificado,
outros cinquenta não o sejam. Assim, imagina-se que exista
uma realidade de outros trezentos mil casos ocultos de intoxi-
cações, que não são identificados por fatores diversos, como a

2 14
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

falta de acesso aos serviços de saúde pela população do cam-


po, as dificuldades enfrentadas pelos médicos em identificar
esse tipo de intoxicação, a falta de preenchimento adequado
das fichas e até o medo dos profissionais da saúde em assumir
tal notificação, haja vista o poder dos grandes fazendeiros do
agronegócio nesses territórios (ABRASCO, 2015, p. 128).
Na publicação do Greenpeace, a autora Aline do Mon-
te Gurgel em seu artigo: Impactos dos Agrotóxicos na Saúde
Humana e a autora Karen Friederich – também colaboradora
do Dossiê Abrasco, e na obra do Greenpeace autora do artigo:
Perigos, Limites e Desafios no Monitoramento sobre o uso de
Agrotóxicos e seus resíduos apresentam suas inquietações em
relação às intoxicações agudas e crônicas causadas por agrotó-
xicos, bem como o elevado consumo destes produtos no país
de forma muito próxima as já apresentadas pelas pesquisas até
aqui acionadas.
Gurgel (2017, p. 44), inclusive, utiliza uma terminologia
parecida com a de Rachel Carson quando trata os agrotóxicos
como potenciais biocidas. Ela também faz proposições pareci-
das com questionamentos feitos ao Tribunal Monsanto e men-
ciona a relação entre agrotóxicos e seu histórico como agentes
de guerra, conforme trecho abaixo:

O potencial biocida dos agrotóxicos é conhecido há


muitas décadas, e diante desta característica, vários
desses foram utilizados em diferentes momentos da
história como agentes de guerra, a exemplo da aplica-
ção do agente laranja (2,4-D e 2,4,5-T) na Guerra do
Vietnã (1962-71); dos gases sarin, soman e tabun na
Guerra do Golfo (1980); e dos ataques com sarin ao
metrô de Tóquio (1995) e nos subúrbios de Damas-
co, na Síria (2013) (Gurgel; Gurgel; Augusto, 2017).
Mais recentemente, os agrotóxicos pertencentes ao
grupo químico dos organofosforados foram apontados
pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como os

215
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

principais suspeitos de terem causado a intoxicação e


morte de dezenas de pessoas em um ataque químico
na província de Idlib, Síria, em abril de 2017 (Orga-
nização Mundial de Saúde, 2017). [...] Os agrotóxicos
podem promover o adoecimento e extinção de espécies
animais e vegetais, assim como o aumento de popula-
ções de espécies resistentes (Pignati; Machado; Cabral,
2007). As exposições podem ocorrer por meio da inala-
ção (respiratória), ingestão (oral) e/ou através da pele
(dérmica) (Costa, 2013). O contato com os agrotóxicos
se dá pela exposição ao ambiente contaminado, nos am-
bientes de trabalho (exposições ocupacionais) ou pela
ingestão de água e alimentos contaminados com seus
resíduos (exposição dietética). Existem ainda os casos
de exposição intencional, usualmente registrados em
tentativas de suicídio. (sem destaque no original).

Gurgel (2017, p. 52) conclui seu artigo dizendo que o mo-


delo produtivo baseado no uso de insumos químicos, tais como
os agrotóxicos, revela-se insustentável e incompatível com a
vida, devendo ser substituído por práticas que privilegiem a
proteção da saúde e da vida como a agroecologia..
Sparovek (2017, p. 75), por sua vez, na mesma obra, diz
em seu artigo que:

[...] Sem dúvida, manter-se nesse caminho não é uma


estratégia sustentável. Em algum momento, seja pela
escassez da capacidade de expandir o modelo, pela ele-
vação dos preços com a internalização das ineficiências
ou impactos, ou pelos efeitos diretos da degradação am-
biental, será necessário rever as bases desse modelo
de produção e torná-lo funcionalmente mais eficien-
te, socialmente mais atrativo e menos impactante ao
ambiente (sem destaque no original).

216
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Em relação aos cultivares, algumas pesquisas buscam de-


monstrar a relação entre a utilização de determinados agro-
tóxicos e os monocultivos, sendo apresentado por Bombardi
(2016) o gráfico abaixo, no qual ela enumera uma diversidade
de culturas marcadas pelo monocultivo e que estão presentes
na linha de frente do agrobusiness brasileiro.

Gráfico 5: Brasil: uso de agrotóxicos por cultura (2009). (BOMBAR-


DI, 2016, p. 24).

Ainda em relação ao gráfico acima, Bombardi (2016, p. 24)


informa que:

É possível notar que a cultura que mais utiliza agrotó-


xicos no país (em termos gerais) é a soja. Percebe-se
que a soja, sozinha, respondeu por quase metade de
todo o agrotóxico vendido no Brasil. Após a soja, se-
guem milho e cana com o segundo e o terceiro lugares,
respectivamente. Vale lembrar que, em geral, o milho é
utilizado como cultura de rotação com a da soja. A soja
e a cana praticamente tiveram sua área de cultivo du-
plicada nos últimos anos, a soja atingindo mais de 22
milhões de hectares e a cana 10 milhões de hectares.

2 17
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Importante relembrar que o Brasil é o segundo maior


produtor de soja e milho e o primeiro em produção de
cana. Não é fortuita, portanto, a conexão entre o agro-
negócio e uso de agrotóxicos, seja pela dimensão des-
tes cultivos, seja pelo modelo agrícola adotado.

É notável, portanto, que os produtos expoentes do agro-


negócio brasileiro sejam aqueles responsáveis, em ter-
mos totais, pelo maior consumo de agrotóxicos. Assim,
os cultivos de soja, milho e cana, juntos, respondem
por praticamente 70% de todo o uso de agrotóxicos
no Brasil. (sem destaque no original).

Em relação às culturas cultivadas, o Dossiê Abrasco (2015,


p. 52), através do cruzamento de dados do IBGE/SIDRA e SIN-
DAG, também traz dados que buscam relacionar a existência
de monocultivos, utilização de agrotóxicos e modelo agroali-
mentar dominante e informa que:

Na safra de 2011, no Brasil, foram plantados 71 milhões


de hectares de lavoura temporária (soja, milho, cana,
algodão) e permanente (café, cítricos, frutas, eucalip-
tos), o que corresponde a cerca de 853 milhões de litros
(produtos formulados) de agrotóxicos pulverizados
nessas lavouras, principalmente de herbicidas, fungici-
das e inseticidas. (IBGE/SIDRA, 1998- 2011; SINDAG,
2011). (sem destaque no original).

O Dossiê informa que alguns alimentos adotados no coti-


diano de boa parte dos brasileiros (arroz, feijão e mandioca)
continuam com a mesma área plantada, enquanto soja, milho,
sorgo e algodão tiveram aumentos significativos de área plan-
tada, o que parece corroborar o fato de que o monocultivo e o
sistema agroindustrial de produção de sementes é de fato algo
tangível no país (ABRASCO, 2015, p. 51).

218
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Abaixo, gráfico apresentado no Dossiê e que pretende de-


monstrar a evolução supracitada entre os anos de 1990 e 2014.

Gráfico 6: Evolução da área plantada de arroz, feijão, mandioca, ca-


na-de-açúcar, soja e milho, no Brasil, entre 1990 e 2014 (ABRASCO,
2015, p. 424).

Nos dados coletados para o presente tópico, há também


menção das empresas transnacionais que exploram o mo-
delo agroprodutivo alocado em produtos químicos. Larissa

219
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Bombardi (2016), através do gráfico a seguir, informa que as


seis empresas que têm maior participação nas vendas de agro-
tóxicos no Brasil, sozinhas, fazem o controle de quase 60%
do mercado.

Gráfico 7: Participação das 13 maiores empresas de agrotóxicos nas


vendas mundiais (BOMBARDI, 2016, p. 27)

Bombardi (2016, p. 27) informa que:

A prevalência desta estrutura oligopolizada é reconhe-


cida pela ANVISA que faz a seguinte avaliação: “as dez
maiores indústrias não competem entre si (...) mes-
mo no caso em que as patentes estão vencidas, tirando
raras exceções, as empresas focam a produção em agro-
tóxicos com ingredientes ativos que não são comercia-
lizados pelas demais empresas, o que gera uma espé-
cie de monopólio sobre os produtos”. (sem destaque
no original).

2 20
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Observamos, também, que são empresas transnacionais,


já mencionadas no primeiro capítulo deste trabalho, como
Syngenta, Mosanto, Dow, Bayer, Basf e Milenia, que constarão
como réus em algumas das ações do MPF no capítulo seguinte
dessa obra.
Em relação à liderança do país no consumo de agrotóxi-
cos, além do dado já citado por Londres (2011), a pesquisa da
Abrasco (2015) e do Greenpeace (2017) endossam referida
afirmação em tom dramático e relatam que, no ano de 2008,
o Brasil ultrapassou os Estados Unidos e assumiu o posto de
maior mercado mundial de agrotóxicos.
O Dossiê Abrasco, inclusive, menciona em tom de alerta,
que dados mais recentes, do ano de 2015, divulgados pelo Ins-
tituto Nacional de Câncer – INCA, dão conta de que o cidadão
brasileiro consome, em média, 7,5 litros de veneno por ano em
consequência da utilização de agrotóxicos. No Rio Grande do
Sul, este nível é ainda mais elevado, chegando a 8,3 litros. Na
região noroeste do Estado é ainda pior, superando os 16 litros
por ano (ABRASCO, 2015, p. 50; 113).
Outro fato que nos chamou a atenção, quando da observa-
ção e análise das pesquisas que ora comentamos, é a preocu-
pação dos críticos do sistema monocultor e agroquímico em
buscar, em sua exposição científica, a apresentação de dados
que contemplem os rigorismos técnicos-científicos do campo
onde atuam. Conforme já comentamos e continuaremos a te-
cer considerações em momento oportuno, a disputa que ora se
opera é de ordem técnica e seu enfrentamento se dá de acordo
com as regras do campo em que estão inseridas. Isso explica
a variedade de gráficos, números, mapas, tabelas e similares
que buscamos apresentar aqui de forma sucinta, todavia vitais
para a melhor visualização da maneira como são apresentados
os elementos de disputas de termos que englobam a temática
que nos propomos a pesquisar, ou como diria Bourdieu (2014,
p. 32): “O paradoxo dos campos científicos, entretanto, é que eles
produzem, ao mesmo tempo, essas pulsões destrutivas e o controle

221
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

dessas pulsões. Se você deseja triunfar sobre um matemático, é pre-


ciso fazê-lo matematicamente pela demonstração ou refutação.”
Reproduzimos, agora, mais um dos quadros do Dossiê
Abrasco (2015), onde se busca ilustrar o crescente consumo
de agrotóxicos e fertilizantes químicos pela agricultura brasi-
leira, o qual traz dados e números do período de 2002-2011.

Quadro 4: evolução no consumo de agrotóxicos e fertilizantes no Bra-


sil entre os anos de 2002 e 2011. (ABRASCO, 2015, p. 52).

Há também uma preocupação em expor a origem de referi-


dos dados, sendo que os autores do Dossiê em comento infor-
mam que o uso de agrotóxicos do quadro acima foi calculado
com base em informações divulgadas pelo Sindicato Nacional
da Indústria de Produtos para Defesa Agropecuária (SINDAG,
2009; 2011) e compreende o período de 2008 a 2011. Para
o período de 2002 a 2007 foi feita estimativa utilizando-se o
consumo médio em cada cultura por hectare, através da base
nos dados divulgada pelo IBGE (2011) e sobre a produção anu-
al e em projeção elaborada pelo Ministério da Agricultura, Pe-
cuária e Abastecimento (BRASIL. MAPA, 2010). No tocante à
quantidade de fertilizantes químicos por hectare (kg/ha), foi
feito o cálculo com base em dados divulgados pela Associação
Nacional para Difusão de Adubos (ANDA, 2011), sendo feita
especial referência pelos autores do Dossiê aos casos da soja
(200 kg/ha), do milho (100 kg/ha) e do algodão (500 kg/ha).
(DOSSIÊ ABRASCO (2015, p. 50).
Para os autores do Dossiê, a utilização dos agrotóxicos no
Brasil tem por consequência uma série de problemas para o

222
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

meio ambiente e para a saúde de populações como a do tra-


balhador, especialmente o camponês e suas famílias. Relatam
os autores que essas consequências são, na maioria das vezes,
reflexos do contexto e modo de produção químico-dependen-
te, das relações de trabalho, da toxicidade dos produtos utili-
zados como agrotóxicos e dos micronutrientes contaminados,
bem como pela precariedade dos mecanismos de vigilância
da saúde, além do uso inadequado ou falta de equipamentos
de proteção coletiva e individual. Além disso, comentam que
tal situação é agravada pelas precárias condições socioeconô-
micas e culturais da grande maioria dos trabalhadores rurais,
que ampliam sua vulnerabilidade à toxicidade dos agrotóxicos.
Por fim, informam que são inúmeros os casos de contamina-
ção ambiental resultantes da irresponsabilidade de empre-
sas fabricantes e formuladoras de agrotóxicos, bem como do
agronegócio, que é grande usuário de venenos. Não raramente
populações inteiras são expostas aos riscos da contaminação
(ABRASCO, 2015, p. 124).
Em outro momento do dossiê, os autores colacionam qua-
dro demonstrativo dos efeitos e/ou sintomas agudos dos im-
pactos crônicos dos agrotóxicos. Os sintomas, segundo suas
pesquisas, perpassam desde fraquezas, cólicas abdominais e
vômitos às alterações cromossômicas, cânceres, lesões hepá-
ticas e fibrose pulmonar entre uma variada gama de complica-
ções, conforme podemos visualizar abaixo:

2 23
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Quadro 5: quadro demonstrativo dos efeitos e/ou sintomas agudos


dos efeitos crônicos dos agrotóxicos (ABRASCO, 2015, p. 59).

Dentro do compromisso apresentado pelos pesquisadores


das obras acionadas no presente capítulo, em demonstrar da-
dos de forma clara e cientifizada, reproduzimos a figura abaixo
que relaciona a agricultura e a agroindústria e seus impactos
para a saúde da população e meio ambiente e que busca de-
monstrar a acuidada apresentação visual dos estudos em tela.

2 24
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Figura 11: Agricultura e a agroindústria e seus impactos para a saúde


da população e meio ambiente (ABRASCO, 2015, p. 110- 111).

2 25
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

A preocupação com o meio ambiente e com a saúde do


trabalhador é expressa de forma clara nas pesquisas acionadas,
pois nas palavras da professora Raquel Rigotto, revisora técni-
ca da obra de Londres (2011) e colaboradora do artigo: “O uso
seguro de agrotóxicos é possível?”:

[...] o debate acerca dos agrotóxicos e suas implicações


sobre o ambiente e a saúde humana tem sido majorita-
riamente encaminhado, desde o começo da Revolução
Verde, para a possibilidade e a necessidade de aceitar o
uso deles e estabelecer regras que garantiriam a prote-
ção das diferentes formas de vida expostas a biocidas –
seria o paradigma do uso seguro, também aplicável a
outros agentes nocivos, como o amianto. (RIGOTTO,
2011, p. 48). (sem destaque no original).

Rigotto (2011, p. 48-49) continua suas ilações no sentido


de tentar esclarecer se, no contexto em que se cultivam as la-
vouras cotidianamente no Brasil, seria possível fazer valer o
“uso seguro” dos agrotóxicos e informa que, em um primeiro
momento, se faria necessário considerar a magnitude do uso
de agrotóxicos no país e endossa os dados já referenciados em
outras pesquisas já citadas nesse capítulo.
Questiona a autora, a possibilidade de se implantar efeti-
vamente, em cada local de produção e trabalho, as medidas
mitigadoras de risco e protetoras da saúde e do ambiente, pois
de acordo com o IBGE, a grande maioria dos produtores é
analfabeta ou sabe ler e escrever, mas não frequentou a escola
(39%), quase metade não possui o ensino fundamental com-
pleto (43%), o que totaliza mais de 80% de produtores rurais
com baixa escolaridade. Ainda que baixa escolaridade escolar
não seja sinônimo de pouco conhecimento, uma vez que agri-
cultores são portadores de extenso e fecundo saber popular e
tradicional, não se pode afirmar que esse conhecimento seja
ligado à realidade dos agroquímicos, criação da civilização

2 26
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

ocidental urbano-industrial, pois segundo ela:

Com este perfil, eles vêm sendo culpabilizados e res-


ponsabilizados pela contaminação (e pelo adoeci-
mento!), até mesmo em alguns estudos acadêmicos.

Agravando esta condição de vulnerabilidade, acres-


cente-se que há mais de 1 milhão de crianças com
menos de 14 anos de idade trabalhando na agropecu-
ária, e quase 12 milhões dos trabalhadores são tem-
porários – o que dificulta a capacitação e o acúmulo
de experiência profissional [...] O pulverizador costal,
que é o equipamento de aplicação que apresenta maior
potencial de exposição aos agrotóxicos, é o utilizado
em 973 mil estabelecimentos. As embalagens vazias
são queimadas ou enterradas em 358 mil estabeleci-
mentos. (RIGOTTO, 2011, p. 49;51). (sem destaque
no original).

Diante deste cenário e buscando implementar de forma


consequente e responsável o paradigma do “uso seguro” dos
agrotóxicos, Raquel Rigotto salienta que seria preciso conce-
ber um dispendioso e complexo programa, que incluiria a al-
fabetização dos trabalhadores, a sua formação para o trabalho
com agrotóxicos, a assistência técnica, o financiamento das
medidas e equipamentos de proteção, a estrutura necessária
para o monitoramento, a vigilância e assistência pelos órgãos
públicos, as formas de participação dos atores sociais no pro-
cesso de tomada de decisões, entre outros. O que levaria tem-
po, recursos e à par disto, vidas continuarão sendo ceifadas,
muitas delas na mais tenra idade.
Por fim, conclui que:

Talvez caiba aqui a analogia do “brinquedo perigoso


demais para ficar na mão de criança”: reconhecer que

2 27
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

não temos condições de fazer o uso seguro. Já que


as consequências do uso (in) seguro de agrotóxicos
para a vida são graves, extensas, de longo prazo e
algumas irreversíveis ou ainda desconhecidas... Não
seria o caso de priorizar a eliminação do risco, como
quer a legislação trabalhista? Não estaria na hora de ou-
vir ambientalistas, movimentos sociais, trabalhadores e
profissionais de saúde que vêm, há décadas, falando e
fazendo agroecologia? (RIGOTTO, 2011, p. 52). (sem
destaque no original).

Corroborando o alerta emitido por Raquel Rigotto, temos


pesquisas como a de Abreu e Alonzo (2016) que, em traba-
lho junto à UNICAMP, têm realizado a análise da viabilidade
do cumprimento das medidas ditas como “seguras” para o uso
de agrotóxicos no contexto socioeconômico da agricultura fa-
miliar na cidade de Lavras/MG. Os pesquisadores utilizaram
como método de estudo a aplicação de questionário em 81 pe-
quenas propriedades rurais do município de Lavras/MG, em
2013, nos quais constatou-se que:

(...) os funcionários do comércio são os responsáveis


pela indicação para o uso e aquisição desses produtos;
o transporte e o armazenamento são realizados em
veículos e construções não adaptados às exigências
de segurança; existe inviabilidade técnica para seguir
as medidas relacionadas aos Equipamentos de Proteção
Individual (EPI) e às regras de preparo e aplicação do
agrotóxico; as dificuldades e os custos envolvidos para
a devolução das embalagens vazias são os principais
motivos para a sua não realização; a lavagem das ves-
timentas e EPIs contaminados é feita como atividade
doméstica sem infraestrutura de segurança. (ABREU;
ALONZO, 2015. p. 01). (sem destaque no original).

2 28
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Ainda que não nos prolonguemos muito no estudo de


Abreu e Alonzo (2016), apresentamos a conclusão dos pesqui-
sadores, os quais afirmam que a tecnologia agroquímica não
pode ser utilizada de forma segura dentro do contexto geral de
produção da agricultura familiar.
Gurgel (2017, p. 46), em seu artigo para a publicação do
Greenpeace, parece deixar pistas, assim como Rigotto (2011)
e Alonzo e Abreu (2016) de que o uso de agrotóxicos pode ser
causador de violações à saúde e nutrição humana, bem como
vulnerabilizar grupos específicos, pois destaca, citando um
vasto número de pesquisadores, que:

No que se refere às exposições ocupacionais, observa-


-se que existe um risco diferenciado para trabalhado-
res rurais, uma vez que esses são frequentemente ex-
postos, havendo risco aumentado para a manifestação
de diversas doenças, independente da quantidade de
agrotóxicos a que se expõem (Rothlein et al., 2006;Ye
et al., 2013). Diversos casos de intoxicação ocupacio-
nal por agrotóxicos têm sido reportados na literatura,
indicando que os efeitos tóxicos são conhecidos há
muitas décadas (Ascherio et al., 2006; Davis; Yesava-
ge; Berger, 1978; Srinivasan et al., 2010). O impacto
negativo do consumo de pesticidas é agravado pelas
precárias condições socioeconômicas em que vive a
grande maioria dos trabalhadores rurais, ampliando
a vulnerabilidade dessa categoria (Silva et al., 1999;
Sobreira; Adissi, 2003). Ainda, a associação das exposi-
ções ambiental e ocupacional sugere que o contato com
esses produtos em múltiplos ambientes pode resultar
em maiores níveis de exposição individual (Wang et al.,
2014). Ressalta-se que exposições no ambiente de tra-
balho excedem em magnitude as ambientais (Krieger;
Ross, 1993). Ademais, o maior risco dos trabalhado-
res não é eliminado pelo simples uso de equipamentos

2 29
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

de proteção individual (EPI), havendo estudos que


indicam sua baixa eficiência (Garrigou; Baldi; Dubuc,
2008; Leme et al., 2014; Veiga et al., 2007). (GURGEL,
2017, p. 46).

Observamos, nesse momento, de forma breve que, ainda


que não seja citado claramente o termo justiça ambiental, po-
demos compreender que as críticas feitas pelos pesquisadores
em comento se encaixam em situações contempladas pelo Mo-
vimento de Justiça Ambiental em suas variadas matizes.
Para o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutri-
cional (CONSEA), por sua vez, o uso de agrotóxicos é classi-
ficado como uma das mais severas e persistentes violações do
direito humano à alimentação adequada, indicando situação de
insegurança alimentar e a possibilidade de desenvolvimento
de diversas doenças agudas e crônicas (Conselho Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional, 2012).
Interessante notarmos que, no trecho mencionado por
Gurgel, ou no trecho mencionado pelo CONSEA, assim como
em outros momentos dos estudos até aqui apresentados e de
outros que ainda serão demonstrados, os usos e contextos dos
próprio termos: uso de agrotóxicos, exposição, contaminação
e risco aparecem, às vezes, acionados como sinônimos, bem
como parecem ser reveladores dessa tensão entre o potencial
efeito nocivo dos agrotóxicos e seu uso seguro.
Na nota abaixo, Gurgel (2017, p. 47), ancorada em uma
série de pesquisadores, informa que:

No que diz respeito às baixas doses, há um entendimen-


to equivocado de que a exposição a pequenas quantida-
des de agrotóxicos não produz efeitos tóxicos. De fato,
a toxicologia tradicional sustenta-se no dogma que “a
dose faz o veneno” e, portanto, as maiores concentra-
ções de um produto químico devem ter efeitos maio-
res. Entretanto, nem sempre existe uma linearidade

230
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

na relação dose-resposta. Existe um tipo específico


de efeito denominado hormético, em que doses ele-
vadas causam efeitos inibitórios e baixas doses cau-
sam efeitos estimulatórios (Calabrese, 2005, 2008;
Calabrese; Mccarthy; Kenyon, 1987). A observação de
alterações estatisticamente significantes relacionadas a
danos neuronais, mesmo em doses inferiores ao maior
nível de exposição/dose, em que o efeito adverso não
é observado, reforça a tese de que é possível haver da-
nos a baixas doses (Lukaszewicz-Hussain, 2008). Além
das exposições a baixas doses, as exposições a mis-
turas podem provocar efeitos sinérgicos ou aditivos
(Friedrich, 2013). Estudos das interações toxicológicas
envolvendo a mistura de baixas doses de inseticidas
evidenciaram efeitos sinérgicos e aditivos após a admi-
nistração de diferentes doses e combinações de distin-
tos agrotóxicos (Taillebois; Thany, 2016).

A própria questão do uso e da dose de agrotóxicos será


avaliada em decisão judicial no próximo capítulo da tese e de-
monstra o quanto pode haver divergências de interpretações
dentro do campo técnico-científico em seus vieses operativos,
seja no campo das pesquisas em saúde pública e meio ambien-
te, seja no campo jurídico.
A obra da Abrasco também apresenta questionamentos em
relação a forma de se avaliar a multiexposição ou a exposição
combinada a agrotóxicos, pois, segundo seus pesquisadores, a
grande maioria dos modelos de avaliação de risco servem para
analisar apenas a exposição a um princípio ativo ou produto
formulado, sendo que, na prática, as populações estão expos-
tas a misturas de produtos tóxicos cujos efeitos sinérgicos (ou
de potencialização) são desconhecidos, ou não são levados em
consideração. Além da exposição mista, as vias de penetração
no organismo também são variadas, podendo ser oral, inalató-
ria e/ou dérmica, simultaneamente. (ABRASCO, 2015, p. 73).

23 1
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Os pesquisadores informam que, embora seja corrente a


utilização de mistura de agrotóxicos, na prática agrícola he-
gemonizada pelo mercado e pela política governamental essa
realidade não se mostra contemplada pela lei que regula o uso
de agrotóxicos.
Segundo os autores do Dossiê:

Percebe-se que não há indução para a pesquisa sobre


as interações dessas misturas e sobre a potencializa-
ção dos seus efeitos negativos na saúde, no ambiente
e na segurança alimentar e nutricional.
Outro importante elemento na avaliação da nocividade
do modelo agrícola dependente de agrotóxicos e de fer-
tilizantes químicos é a desconsideração dos contextos
(em que os agrotóxicos são aplicados), os quais são
extremamente vulneráveis em termos sociais, políti-
cos, ambientais, econômicos, institucionais e científi-
cos. Há uma verdadeira chantagem global que impõe
o seu uso. Em nome da fome dos africanos, asiáticos e
latino-americanos, engorda-se o gado que alimenta os
europeus e norte-americanos à custa das externalidades
ambientais e sociais sofridas e pagas por esses povos,
sem que seus problemas de direitos humanos de acesso
à terra, entre outros, estejam resolvidos. (ABRASCO,
2015, p. 77-78). (sem destaque no original).

Outro ponto que parece preocupar os autores do Dossiê tra-


ta do fato de que os desenhos experimentais com animais72 de

72. Mencione-se, nessa hora, um dado preocupante, relatado pelo promotor de


Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul em Catuípe, Nilton Kasctin
dos Santos, ele informa que os testes de agrotóxicos torturam animais, mas são
incapazes de mensurar seu real perigo à saúde humana e ao meio ambiente.
Como exemplo é o caso do Teste Draize que consiste em aplicar a substância
química nos olhos ou na pele (raspada) de animais para medir a toxicidade.
Principalmente coelhos (porque têm olhos grandes e salientes), são amarra-
dos em um instrumento fixo, ficando apenas com a cabeça para fora. O veneno

232
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

laboratório que verificam a toxicidade de um agrotóxico são re-


alizados utilizando uma única via de exposição em cada estudo:
inalatória, oral ou dérmica. Nas palavras dos autores: “Trata-se,
pois, de mais uma limitação dos métodos experimentais e das extra-
polações de resultados para situações descontextualizadas no tocante
à realidade das exposições humanas” (ABRASCO, 2015, p. 74).
Conforme já havíamos comentado no início desse capítulo,
a posição de muitos pesquisadores é engajada, pois, no próprio
Dossiê Abrasco, os estudiosos que o assinam argumentam que a
proteção da saúde pública, com base em ampla segurança, está
inibida pelos interesses do mercado, que, por sua vez, conta
com um arcabouço institucional que lhe dá a blindagem neces-
sária para manter o ciclo virtuoso de sua economia, e assim o
processo de ocultamento se finaliza, em favor da utilização des-
ses produtos técnicos com o suporte dos governos. 73
Salientamos que sobre essa blindagem institucional, te-
remos no último capítulo desta pesquisa algumas ações civis
públicas patrocinadas pelo Ministério Público Federal – MPF
que questionam de forma semelhante esses mecanismos de
blindagem, pela via jurídica.

a ser testado é pingado de quando em quando dentro dos olhos (mantidos


abertos com grampos ou fitas adesivas). E pelo método LD50, o agrotóxico
é ministrado (via oral ou venosa) aos poucos a um grupo de animais (cães,
macacos, coelhos, ratos etc.), até que morra 50%. Todo o grupo, normalmente
em torno de 200 indivíduos, sofre longo processo de tortura, definhando len-
tamente até a morte. Essa forma cruel de experiência científica foi inventada
em 1927 e até hoje é utilizada em larga escala pela indústria química.
73. Os autores do Dossiê chamam a atenção para as plantas transgênicas as quais
não dispensam o uso de agrotóxicos em sua produção, ainda que seu discurso
inicial dispusesse que seria uma tecnologia para inibir o uso de agrotóxicos, pois
no caso da soja Roundup Ready® tolerante ao glifosato, por exemplo, isso não
corresponde à verdade, pois o seu cultivo induz ao maior consumo desse herbi-
cida. O glifosato representa, sozinho, em torno de 40% do consumo de agrotóxi-
cos no Brasil. Também se observa o fenômeno de resistência a esse veneno das
plantas não desejadas, exigindo maior quantidade de sua aplicação e associação
com outros agrotóxicos. Além disso, no processo de colheita dessa soja trans-
gênica, são utilizados como dessecante/maturador, outros herbicidas extrema-
mente tóxicos, como o paraquat, o diquat e o 2,4-D. (ABRASCO, 2015, p. 82).

23 3
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

O que nos parece perceptível, até o presente momento, é


o quanto é possível através de estudos técnico-científicos jus-
tificar ou criticar o mesmíssimo modelo agroprodutivo, o que
nos faz lembrar o quanto o campo científico, nos dizeres de
Bourdieu (2004, p. 23-24) é um campo de forças e um campo
de lutas para conservar ou transformar esse campo de forças.
Se, por um lado, temos aqueles que desejam conservar o sta-
tus quo das Revoluções (verde, genética e biofortificação), outros
grupos parecem querer transformar estruturas nevrálgicas desta
revolução agroprodutiva, pois demonstram em suas pesquisas
dúvidas quanto a própria segurança no uso dos agrotóxicos, além
de questionarem a incidência dos efeitos dos “filhos da revolu-
ção” sobre grupos vulneráveis como trabalhadores rurais, mu-
lheres e crianças, os quais acabam por receber doses despropor-
cionais de dano – (in)justiça ambiental, sem mencionarmos os
riscos demonstrados e que parecem querer alertar para um po-
tencial compartilhamento mundial de risco em toda a sociedade.
Os autores do Dossiê Abrasco tratam abertamente das dis-
putas do campo científico e buscam deixar claro e comentar o
que consideram como a questão da mercantilização da produ-
ção científica, a criminalização de pesquisadores, esboçando,
inclusive, uma breve reflexão crítica sobre o sistema de ava-
liação da pós-graduação e da pesquisa no Brasil e suas impli-
cações para a atividade acadêmica, além de construírem uma
cartografia da produção acadêmica sobre agrotóxicos e saúde
no Brasil74, conforme visualizamos a seguir:
74. Segundo os autores da pesquisa, ela foi realizada no banco de dados da
Plataforma Lattes do CNPq, porque a estrutura de financiamento da pesqui-
sa pública brasileira é fortemente baseada nessa ferramenta, principalmente
na auferição da produção acadêmica de um pesquisador. Desse modo, foi ne-
cessário produzir um mecanismo de extração que acessou cada currículo, e
dele tentou obter informações relevantes. Como a marcação semântica dos
documentos HTML gerados pela plataforma é quase inexistente, alertam que
pode ter havido falhas na extração de alguns dados e que a ferramenta desen-
volvida, juntamente com seu código fonte está disponível na versão virtual
deste dossiê (www.greco.ppgi.ufrj.br/ DossieVirtual). Na obtenção dos da-
dos, os autores explicam que, primeiramente, foi realizada uma busca entre os

23 4
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Figura 12: Localização dos pesquisadores que citaram agrotóxico, de-


fensivo agrícola ou pesticida em seu currículo lattes. O dossiê cita
como fonte o endereço eletrônico: <http://www.greco.ppgi.ufrj.br/
DossieVirtual>. (ABRASCO, 2015, p. 237).

currículos dos pesquisadores/pesquisadoras com título de doutor, utilizan-


do-se as palavras-chave agrotóxico, defensivo agrícola, pesticida, praguicida.
Para que esses currículos fossem considerados dentro do tema “agrotóxicos”,
os seguintes termos também foram buscados: herbicida, fungicida, inseticida,
pulveriza, controle, praga, controle, aplicação, calda, pesticide, organofosfora-
do, piretroide, organoclorado, carbamato, carbamate, organofosforado (orga-
nophosphate), organoclorado (organochlorine), piretroide (pyrethroid). Pos-
teriormente, foram anotadas as ocorrências dos termos acima e das seguintes
palavras: toxicidade, estudo experimental, estudo epidemiológico, saúde do
trabalhador, exposição ambiental, toxicologia ambiental, monitoramento de
resíduo, alimento, solo, água, toxicidade aguda, neurotoxicidade, imunotoxici-
dade, carcinogenicidade, mutagenicidade, teratogenicidade, desregulador endó-
crino. No levantamento, foram encontrados 4.896 currículos de pesquisadores
brasileiros que publicaram artigos, capítulos de livro, resumos e correlatos. A fi-
gura 12, colacionada neste trabalho apresenta a distribuição desses pesquisado-
res nas regiões brasileiras. Dentre as palavras que são utilizadas como sinônimos
para o termo agrotóxico definido na legislação brasileira, as mais citadas foram:
agrotóxico (60% dos pesquisadores), pesticida (39%), defensivo agrícola (19%)
e praguicida (6%). A maioria dos currículos cita o termo agrotóxico, porém 34%
utilizaram exclusivamente termos que não estão citados na Lei n.7.802, de 1989,
que define agrotóxico. (ABRASCO, 2015, p. 236-237).

235
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

O mesmo estudo buscou levantar os pesquisadores do país


que investigam sobre o tema e categorias dos estudos utilizan-
do o glifosato no Brasil, pois segundo o Dossiê, 40% do agro-
tóxico utilizado no país é glifosato, bem como a distribuição
por região de pesquisadores brasileiros que citaram em seus
currículos algum tipo de efeito crônico de agrotóxico, confor-
me se depreende das ilustrações cuidadosamente elaboradas e
reproduzidas abaixo:

Figura 13: Distribuição, por estados do Brasil, dos pesquisadores que


citaram agrotóxico, defensivo agrícola ou pesticida em seu currículo
lattes. (ABRASCO, 2015, p. 238).

236
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Figura 14: Categorias dos estudos utilizando o glifosato no Brasil (%)


(ABRASCO, 2015, p. 244).

Gráfico 8: Distribuição por região de pesquisadores brasileiros que


citaram em seus currículos algum tipo de efeito crônico de agrotóxico
(%) (ABRASCO, 2015, p. 242).

237
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Notamos, pelo mapeamento feito pelos pesquisadores, o


pequeno número de pesquisadores em regiões do agronegó-
cio do país, o pequeno número de pesquisadores que tratam
do trabalhador rural, toxicidade de agrotóxicos ou de questões
afetas ao meio ambiente.
Outra questão que os estudiosos enfrentam são os temas
que tratam dos projetos em conflito de interesses: a penetração
do agronegócio na educação e na saúde públicas, os ataques à
Fiocruz, à Abrasco e ao Inca. Colhemos, do próprio Dossiê, a
impressão de que, em um sistema institucional hostil à críti-
ca, como o da pesquisa científica, a retórica da desqualificação
funciona como a terceira perna do arrimo ideológico que dá
sustentação às práticas autoritárias de restrição à pesquisa in-
dependente e busca legitimá-las. Nas palavras dos autores: “É
isso que explica o fato de assistirmos com espantosa frequência à
criminalização de pesquisadores críticos por meio de processos ju-
diciais e ao estabelecimento de variadas formas de coerção profis-
sional e pessoal” (ABRASCO, 2015, p. 33; 440; 445).
Os autores do Dossiê esclarecem que a Abrasco é uma
entidade que nasceu no contexto das lutas sociais pela re-
democratização do país e que, entre os anos de 2009 e 2011
participou da organização do Encontro Nacional de Diálogos
e Convergências em Agroecologia, Justiça e Saúde Ambien-
tal, Soberania Alimentar, Economia Solidária e Feminismo e
que esse processo de articulação com os movimentos sociais
possibilitou a identificação da dimensão humana que, segun-
do os autores do Dossiê, vive uma crise civilizatória e que se
manifesta em diversas dimensões: econômica, socioambiental,
energética e alimentar. Com base na perspectiva da ecologia
de saberes, o grupo de pesquisadores informa que desenvolveu
uma estratégia metodológica em conjunto com os movimentos
sociais do campo e dos territórios atingidos pelos agrotóxicos,
representados, também, pela Campanha Nacional Permanente
Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
Conforme se depreende do histórico e várias partes já

23 8
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

comentadas do Dossiê até aqui, trata-se de estudo contrama-


joritário, que parece ser atestado pelas palavras dos próprios
autores na apresentação do estudo, quando afirmam:

Sem falsa modéstia, a Abrasco sabe que o nosso dossiê


colocou esse debate – a partir do lugar de uma ciên-
cia não subordinada – na agenda nacional e latino-a-
mericana. O dossiê mostrou significativa potência para
a produção de conhecimentos em processo de diálogos
e convergências de saberes, exercitando a ecologia de
saberes, um caminho que reinstala o desejo que esteve
presente na 8ª Conferência Nacional de Saúde em 1986
e que pode ser sintetizado na definição da saúde como
direito humano. A identificação de numerosos estu-
dos que comprovam os graves e diversificados danos
à saúde provocados por agrotóxicos impulsiona esta
iniciativa. Constatar a amplitude da população à qual o
risco é imposto sublinha a sua relevância: trabalhado-
res das fábricas de agrotóxicos, da agricultura, da saúde
pública e de outros setores; população do entorno das
fábricas e das áreas agrícolas; os consumidores de ali-
mentos contaminados – ou seja, quase toda a popula-
ção, como evidenciam os dados oficiais. (ABRASCO,
2015, Apresentação). (sem destaque no original).

Os autores fazem questão de relatar que o trabalho pro-


duzido no Dossiê é inovador e instigante, mas que é também
composto de uma enormidade de problemas, dada a interdisci-
plinaridade e complexidade do tema em estudo, e que a tarefa
de abordá-lo adequadamente é desafiadora, sendo necessário
o reconhecimento dos limites científicos e que, portanto, não
se trata de um documento exaustivo e completo. Todavia, os
pesquisadores apresentam-se convictos de que conseguiram
angariar, com rigor, as evidências que apresentam e que não
poderiam se prolongar em tempo diante da urgência em trazer

239
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

à público os problemas expostos ao longo de todo o Dossiê.


Destacamos que apenas o Dossiê Abrasco (2015) apre-
senta inquietações com o enfraquecimento do PARA – Pro-
grama de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (PARA/ANVISA).
Segundo o documento:

[...] que o relatório de atividades de 2011 e 2012 do


PARA, divulgado em outubro de 2013 apresenta re-
sultados que repetem aqueles registrados nas versões
anteriores, isto é, a preocupante contaminação de ali-
mentos. Todavia, o mais preocupante é a diminuição
do número de culturas analisadas com resultados
divulgados: em 2009, assim como em 2010, foram
analisadas vinte culturas – abacaxi, alface, arroz, ba-
nana, batata, beterraba, cebola, cenoura, couve, fei-
jão, laranja, maçã, mamão, manga, morango, pepino,
pimentão, repolho, tomate e uva –, mas em 2011 fo-
ram analisadas nove, e em 2012, apenas sete culturas
(BRASIL. ANVISA, 2013c).

Apesar da importância do monitoramento da contami-


nação dos alimentos, deve-se perguntar que medidas
efetivas são tomadas pela Anvisa e pelo Ministério da
Saúde para reduzir essa exposição da população brasi-
leira por meio da alimentação. Por exemplo: o pimentão
tem apresentado resultados insatisfatórios na ordem de
80-90% nos últimos três anos em que a análise foi rea-
lizada. O que tem sido feito sobre isso? O que tem sido
feito sobre os outros alimentos contaminados? (ABRAS-
CO, 2015, p. 476-477). (sem destaque no original).

Pela citação acima e por outros trechos da seção final do


Dossiê, parece-nos que seus autores se mostram preocupados
com o modo como a Anvisa tem abordado a relevância das

24 0
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

contaminações, pois, diferentemente do observado nos rela-


tórios anteriores a 2013, o tom crítico e protetor da saúde pú-
blica desapareceu no último relatório divulgado (ABRASCO,
2015, p. 477).
Notamos, por derradeiro, que a realização do Dossiê
Abrasco parece atender a vários pontos expostos por Hanni-
gan (1995) em suas categorias de construção de um problema
socioambiental, seja em momentos já descritos acima, ou em
citações, como a que reproduziremos a seguir:

As repercussões desta iniciativa têm nos surpreendi-


do. Uma rápida consulta a sistemas de busca na internet
mostra mais de 2.400 citações (em 31 de julho de 2014)
que divulgaram o documento. Na mídia, as reporta-
gens têm se multiplicado em programas televisivos e
em revistas e jornais impressos. De mesmo modo, or-
ganizações, movimentos e entidades pautam o tema
em suas reuniões e atividades, e órgãos dos governos
discutem respostas. Registre-se que a Organização
das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricul-
tura (FAO) recebeu o documento, cumprimentou
a Abrasco pela iniciativa e ofereceu suas contribui-
ções. A Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil,
em seu editorial de abril-junho de 2012, afirma que o
dossiê é “um documento que deve se tornar histórico”.
Esses são alguns exemplos de um cenário de repercus-
sões que sequer podemos monitorar em sua amplitude.
Sem nos afastarmos da necessária humildade, cogita-
mos que este trabalho coletivo pode atualizar hoje no
Brasil o que Primavera Silenciosa, de Rachel Carson,
significou há 50 anos.
[...]
A expectativa é mobilizar positivamente os diferentes
atores sociais para a questão, prosseguindo na tare-
fa de descrevê-la de forma cada vez mais completa,

241
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

caracterizar sua determinação estrutural, identificar


as lacunas de conhecimento e, muito especialmente,
as lacunas de ação voltada para a promoção e a prote-
ção da saúde da população e do planeta. (ABRASCO,
2015, Apresentação). (sem destaque no original).

A obra Londres (2011) também exibiu alguns fatores ou


categorias expostos por Hannigan (1995) que possibilitam a
construção de problemas socioambientais, uma vez que trouxe
à baila autoridades científicas capazes de validar exigências –
diversos pesquisadores de universidades públicas; apresentou
pessoas que atuam como propagadoras – ANA e RBJA e cola-
cionou casos em que os meios de comunicação deram espaço
para tratar da relação entre saúde e agrotóxicos – Folha de São
Paulo, Revista Galileu.
Ao final dessa seção é válido refletirmos no que Bourdieu
fala na obra, Os usos sociais da ciência, pois percebemos que
os críticos técnico-científicos aos agrotóxicos parecem cair na
tentação da construção de uma pretensa ciência pura e autôno-
ma, o que, segundo o autor em comento:

Em outras palavras, é preciso escapar à alternativa da


“ciência pura”, totalmente livre de qualquer necessi-
dade social, e da “ciência escrava”, sujeita a todas as
demandas político-econômicas. O campo científico é
um mundo social global que o envolve. De fato, as pres-
sões externas, sejam de que natureza forem, só se exer-
cem por intermédio do campo, são mediatizadas pela
lógica do campo. (BOURDIEU, 2004, p. 21-22). (sem
destaque no original).

A própria politização que alguns pesquisadores fazem


questão de ostentar, ao se mostrarem engajados em movimen-
tos sociais e correlatos, torna cabível, novamente, as observa-
ções de Bourdieu, quando este diz que:

242
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

O grau de autonomia de um campo tem por indicador


principal seu poder de refração, de retradução. Inver-
samente, a heteronomia de um campo manifesta-se es-
sencialmente, pelo fato de que os problemas exteriores,
em especial os problemas políticos, aí se exprimem di-
retamente. Isso significa que a “politização” de uma
disciplina não é indício de uma grande autonomia
[...]. (sem destaque no original).

Na sequência, traremos o contexto das pesquisas e docu-


mentos internacionais sobre o uso de agrotóxicos, buscando
encontrar similitudes com pontos já abordados dentro do pa-
norama das pesquisas e documentos nacionais.

3.2 AGROTÓXICOS E PESQUISAS INTERNACIONAIS:


SUSTENTABILIDADE, RISCO E JUSTIÇA AMBIENTAL

If you are poor, you are not likely to live long.75


Nelson Mandela

Abordaremos, a partir de agora, algumas pesquisas e docu-


mentos internacionais que tratam de agrotóxicos e os usos e
os contextos que fazem dos termos sustentabilidade, justiça
ambiental e risco, além de outros termos que se mostrarem
pertinentes à compreensão do tema que estudamos.
De forma um pouco diferenciada das pesquisas nacionais,
poderemos perceber a utilização corriqueira do termo sus-
tentabilidade ou sustentável, muitas vezes por influência dos
ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, resultado
de ações tomadas em 2015, após o Acordo de Paris, e imple-
mentadas a partir do ano de 2016.
Outro ponto a destacarmos relaciona-se à menção das
75. Se você é pobre, provavelmente sua vida não será muito longa. (tradução
livre).

243
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

questões legais e suas potenciais violações, bem como propos-


tas para que soluções globais e jurídicas possam vir a ser exe-
cutadas. Semelhante acesso ao campo jurídico só foi possível
verificar, de forma mais clara, no artigo para o Greenpeace, de
autoria de Karen Friederich (2017, p. 58-67), que faz menção
às violações da lei de registro de agrotóxicos, direito humano
à alimentação adequada e saúde e meio ambiente equilibrado,
concluindo que existe fragilidade na legislação brasileira.
De forma geral, os documentos e pesquisas utilizados
nessa seção demonstram dúvidas em relação ao atual modelo
agroprodutivo vigente, enquanto outros se destacam pelo forte
engajamento crítico em relação aos monocultivos, agronegó-
cios, insumos químicos e alimentos transgênicos.
O primeiro dado que destacamos encontra-se expresso no
documento da ONU e menciona que cerca de 200.000 mortes
por intoxicação aguda ocorrem por ano e que 99% dessas in-
toxicações ocorrem nos países em desenvolvimento, nos quais
as legislações que tratam de saúde, segurança e meio ambiente
são aplicadas com menos rigor. O relatório destaca também
que os dados que abordam agrotóxicos são incompletos e que
as taxas de aplicação de pesticidas vêm aumentando de forma
drástica ao longo das últimas décadas76 (ONU, 2017, p. 03).
Notamos, aqui, que o argumento das subnotificações e
76. Corroborando as afirmações feitas, o relatório apresenta a FAO, OMS e
o PNUMA como fontes de pesquisa, conforme referências a seguir, as quais
também podem ser acessadas no relatório original em espanhol, na página 3:
1- Organización de las Naciones Unidas para la Alimentación y la Agricultu-
ra (FAO) y Organización Mundial de la Salud (OMS): International Code of
Conduct on Pesticides Management: Guidelines on Highly Hazardous Pesti-
cides (Roma, 2016), pág. vi. En el informe, los autores examinan únicamente
los plaguicidas empleados en la agricultura y no los denominados plaguici-
das “con fines de salud pública” empleados en el control de enfermedades.
2- Måns Svensson et al., “Migrant Agricultural Workers and Their Socio-E-
conomic, Occupational and Health Conditions – A Literature Review”, Uni-
versidad de Lund (1 de enero de 2013). 3- Lynn Goldmann, Intoxicación por
plaguicidas en niños: Información para la gestión y la acción (Ginebra, FAO,
Programa de las Naciones Unidas para el Medio Ambiente (PNUMA) y OMS,
2004), pág. Site da FAO.

24 4
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

contaminações é trazido agora por uma instituição do porte


da ONU, criticada, por exemplo, na pesquisa de Flávia Londres
(2011, p. 17-18) por ter trabalhado através da FAO e do Banco
Mundial como promotora da difusão do pacote tecnológico da
Revolução Verde. Estaríamos diante de uma quebra institucio-
nal entre setores do agronegócio e a ONU, FAO e similares?
Caso positivo, o que geraria essa ruptura?
O relatório informa que o atual modelo agroprodutivo de-
pendente de pesticidas perigosos é uma solução a curto pra-
zo que prejudica o direito à alimentação e à saúde humana e
ao meio ambiente sadio e equilibrado para as atuais e futuras
gerações. Entre os danos trazidos pelos agrotóxicos, o docu-
mento da ONU informa que há contaminação e desequilíbrio
de ecossistemas com consequências ambientais imprevisíveis
e que entre as consequências previsíveis temos a diminuição
da biodiversidade, empobrecimento do solo e o consequente
declínio de safras e insegurança alimentar.
O relatório afirma que existem efeitos adversos no uso dos
praguicidas, mas que é difícil demonstrar a existência de um
vínculo definitivo entre a exposição a agrotóxicos e o surgi-
mento de doenças. Todavia, explica que essa dificuldade ad-
vém da negação sistemática, por parte da agroindústria, dos
danos infligidos pelos produtos por elas produzidos e comer-
cializados, além das potentes e agressivas táticas de marketing
que são muitas vezes antiéticas e que permanecem trabalhan-
do em prol da negação dos danos dos agrotóxicos ao meio am-
biente e à saúde humana.
Nessa hora, vale rememorarmos o Dossiê Abrasco (2015,
p. 28-34), que traz em suas páginas o alerta sobre as dificulda-
des de pesquisa e divulgação de dados, pois os cientistas não
comprometidos com o agronegócio padecem de perseguições
através de estratégicas retóricas de desqualificação, ocultação
e justificação.
O relatório prossegue, em sua parte introdutória, infor-
mando que os agrotóxicos podem gerar consequências viola-

245
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

doras dos direitos humanos e, em particular do direito humano


à alimentação adequada e do direito à saúde, e que os Estados
devem proteger os direitos de grupos vulneráveis como tra-
balhadores rurais, comunidades agrícolas, crianças e mulheres
grávidas (ONU, 2017, p. 04).
Adiantamos, inclusive, que a abordagem ligada à violação
ao direito humano à alimentação adequada e ao direito à saú-
de será um dos fios-condutores do MPF, em suas ações civis
públicas do GT agrotóxicos e transgênicos, que serão analisa-
das mais adiante. Em relação à menção aos grupos vulneráveis,
acreditamos que, mais uma vez, seja cabível a interpretação de
que, ainda que não se mencione o termo Justiça Ambiental, a
detecção de referidos grupos desproporcionalmente afetados
encaixa-se nas propostas do Movimento de Justiça Ambiental
em suas variadas construções.
A parte introdutória do relatório vai sendo finalizada com
a afirmação, por parte do relator, de que se utilizando de forma
mínima os agrotóxicos, ou mesmo não se utilizando, é possível
produzir alimentos mais saudáveis e ricos em nutrientes e com
maiores rendimentos à longo prazo e sem a contaminação dos
recursos ambientais, da saúde humana ou a violação do direi-
to humano à alimentação adequada e que é preciso fazer essa
transição para práticas agrícolas sustentáveis.
De forma muito parecida com as construções lançadas
pelo Relatório da ONU e Dossiê Abrasco, temos o projeto que
deu origem ao Tribunal Monsanto, baseado em críticas fei-
tas a Monsanto. Segundo o site que hospeda os documentos
e discussões relativos ao Tribunal, a empresa tem conseguido
ignorar os danos à saúde humana e ao meio ambiente causa-
dos pelos seus produtos e, assim, vem mantendo as suas ati-
vidades, consideradas pelos organizadores do Tribunal como
devastadoras, graças a uma estratégia de ocultação sistemática
que se compõe das seguintes atividades: lobby junto das agên-
cias reguladoras e das autoridades governamentais, mentiras e
corrupção, financiamento de estudos científicos fraudulentos,

24 6
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

pressão sobre os cientistas independentes, manipulação dos


órgãos de imprensa, etc. (TRIBUNAL MONSANTO, 2017).
Segundo o parecer do Tribunal, os produtos da Monsanto
são responsáveis por crimes contra a saúde humana ou contra
a integridade do meio ambiente. Assim, buscou-se através da
realização do Tribunal, responsabilizar referida empresa por
violações aos direitos humanos, crimes contra a humanidade
e ecocídio.77
Seguindo nossa abordagem de pesquisas e documentos in-
ternacionais, temos o emblemático relatório da FAO, de 2014,
que anunciou a saída do Brasil do Mapa da Fome mundial. Em
rápida busca sobre o termo “agrotóxico”, encontramos 08 re-
sultados ao longo do relatório de cerca de 90 páginas. No que
pertine à bibliografia, há referência ao Dossiê Abrasco do ano
de 2012. Todavia, apesar da menção na bibliografia, a obra não
aparece citada ao longo do relatório.
Em um dos pontos do relatório da FAO, em que há referên-
cia ao termo agrotóxico, este encontra-se relacionado ao con-
texto de análise das dimensões de produção e disponibilidade
de alimentos e informa que vários indicadores, que constam
no sistema de monitoramento de Segurança alimentar e Nutri-
cional – SAN, são similares aos usados nas esferas internacio-
77. O Tribunal Penal Internacional decidiu, no final do ano de 2016, reco-
nhecer o ecocídio como crime contra a humanidade. O termo ecocídio serve
para designar a destruição em larga escala do meio ambiente. O novo delito,
de âmbito mundial, vem ganhando adeptos na seara do Direito Penal Interna-
cional e entre advogados e especialistas interessados em criminalizar as con-
dutas que sejam agressivas ao meio ambiente. Com o novo dispositivo, em
caso de ecocídio comprovado, as vítimas terão a possibilidade de entrar com
um recurso internacional para obrigar os autores do crime, sejam empresas
ou chefes de Estado e autoridades, a pagar por danos morais ou econômicos.
A responsabilidade direta e penas de prisão podem ser emitidas, no caso de
países signatários do Tribunal Penal Internacional, mas a sentença que carac-
teriza o ecocídio deve ser votada por, no mínimo, um terço dos seus membros.
O Brasil aceita a jurisdição do TPI. CONJUR. Tribunal Penal Internacional
reconhece “ecocídio” como crime contra a humanidade. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2017-fev-12/tpi-reconhece-ecocidio-crime-hu-
manidade>. Acesso em: 22 abr. 2017.

247
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

nais, mas que o país se caracteriza por algumas peculiaridades


em seus identificadores quando demonstra preocupação com
a soberania alimentar, sistemas sustentáveis de produção, uso
de agrotóxicos e de sementes geneticamente modificadas, a
ocupação de grandes áreas de terra pelo monocultivo e a parti-
cipação da agricultura familiar, tanto em relação à ocupação de
terras, quanto à produção de alimentos. Segundo o relatório:

Tratam-se de prioridades destacadas nas instâncias de


discussão participativa e intersetorial no Brasil. Não
são necessariamente indicativos de consenso nacio-
nal, pois a tensão entre as políticas que favorecem o
agronegócio e as que promovem sistemas agrícolas
sustentáveis e a agricultura familiar é grande, po-
rém, ao definir indicadores para monitoramento dessas
questões, ganham visibilidade e evidências para sub-
sidiar o debate. (FAO, 2014, p. 25). (sem destaque no
original).

A seguir, reproduzimos quadro sobre Segurança Alimentar e


Nutricional, sistema de monitoramento e matriz de indicadores:

24 8
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

249
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Quadro 6: Sistema de monitoramento de SAN – Matriz de indicadores


(FAO, 2014, p. 31-32).

Observamos, pelo quadro acima exposto, que o sistema


de monitoramento de SAN, em suas matrizes de indicadores,
apresentam pontos de convergência com o tema da contami-
nação de agrotóxicos, como o item 1.2, que trata da quantida-
de produzida em toneladas de verduras e legumes, segundo
o uso de agrotóxicos, e o item 5.9, que trata do alimento se-
guro e informa no seu subitem 5.9.1 a contaminação de ali-
mentos por agrotóxicos e a porcentagem de amostras irregula-
res (FAO, 2014, p. 31-32). Percebemos que as referências aos

25 0
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

agrotóxicos não são contundentes, apesar da consciência do


embate entre agronegócio e agricultores familiares no país e
preocupações com temas correlatos às contaminações como a
soberania alimentar.
Voltando ao relatório da ONU, em relação aos impactos
ambientais, é levantado o fato de que os pesticidas podem
persistir no meio ambiente durante décadas, podendo, dessa
forma, representarem uma ameaça global e que o uso excessi-
vo de agrotóxicos tem por consequência a contaminação dos
solos, fontes de água, ocasionando a perda da biodiversidade,
destruição de insetos necessários ao equilíbrio ecossistêmico
e redução do valor nutricional de determinados alimentos.
Nessa abordagem, citam o exemplo da China que, segundo
estudos recentes, divulgados pelo próprio governo, apresen-
tam contaminações de moderada à grave de pesticidas e ou-
tros poluentes, o que comprometeu 20% das terras agricultá-
veis do país. É também citado um caso na Guatemala, onde
o agrotóxico malation já matou milhares de peixes, privando
12.000 pessoas em 14 comunidades de sua principal fonte de
alimento e subsistência.
O relatório traz, também, os impactos ambientais nos ani-
mais não-humanos e cita o caso do desaparecimento de abe-
lhas em todo o mundo, que pode ser comprometedor da poli-
nização de cultivos diversos.
Em relação aos impactos ambientais com consequências
na saúde humana, são mencionados os OGMs e citam a forte
relação entre as lavouras transgênicas e a utilização do glifo-
sato, princípio ativo de pesticidas famosos como o Roundup
da Monsanto e que pode apresentar efeitos adversos para o
meio ambiente, biodiversidade, flora e fauna silvestres e que
foi considerado, em 2015, como potencialmente cancerígeno
pela OMS (ONU, 2017, p. 11)78.

78. Mais informações em Centro Internacional de Investigaciones sobre el


Cáncer, “Evaluation of five organophosphate insecticides and herbicides”,
monografías, vol. 112 (20 de marzo de 2015); y Daniel Cressey, “Widely used

25 1
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Em outro momento, que destacamos no relatório, é tratada


da gestão do ciclo de vida e dos impactos dos agrotóxicos e o
documento da ONU tece alguns apontamentos interessantes,
como a rememoração da catástrofe de Bhopal na Índia. O re-
latório da ONU explica, baseado em estudos epidemiológicos,
que pouco depois do acidente ocorreram aumentos significati-
vos no número de abortos e mortalidade de bebês, como con-
cepção de fetos com menor peso, anomalias cromossômicas,
deficiências de aprendizagens e desenvolvimentos de enfermi-
dades respiratórias (ONU, 2017, p. 20).
Assim como na produção de Bombardi (2016), o relatório
da ONU comenta sobre o oligopólio da indústria química e seu
enorme poder e o quanto fusões recentes como a ocorrida en-
tre Monsanto e Bayer, Dow e Dupont, e Syngenta e ChemChi-
na são perigosas, pois juntas, esse pequeno grupo de empresas
controlam mais de 65% das vendas de pesticidas no planeta.
A questão de conflitos de interesse também é suscitada no
documento da ONU, assim como o faz a Abrasco em seu Dos-
siê, uma vez que, segundo o relatório, essas mesmas empresas
controlam cerca de 61% do comércio de sementes e o lobby da
indústria agroprodutiva tem influenciado decisores políticos e
obstruído reformas legislativas e restrições de uso de pestici-
das em um nível planetário.
O trabalho promovido por esse oligopólio, de acordo com
a ONU, estende-se à seara científica através da contestação
de evidências que associam riscos aos produtos por elas co-
mercializados e desenvolvidos, sendo que algumas empresas
têm sido acusadas de forjar provas científicas que suscitem
incertezas sobre os riscos provocados por seus produtos, atra-
sando, assim, as restrições legais que deveriam ser impostas
(ONU, 2017, p. 21).
O mesmo documento informa que há acusações que pe-
sam sobre essas empresas de que elas estariam “comprando”
cientistas para que estes reformulem os aspectos chaves que
herbicide linked to cancer”, Nature News (24 de marzo de 2015) (ONU, 2017).

252
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

envolvem os debates relativos ao setor. Outra prática flagrante


desse conglomerado de empresas é a de se infiltrar nos orga-
nismos federais de regulação dos países, no movimento conhe-
cido por “porta giratória”, dinâmica na qual os empregados se
alternam entre os setores chaves de decisão na esfera pública e
privada, ou seja, há alternância entre os órgãos reguladores da
indústria de agrotóxicos e as próprias indústrias fabricantes. 79
O relatório da ONU é incisivo e continua afirmando que
os fabricantes de praguicidas fomentam associações “pú-
blico-privadas” destinadas a colocar em dúvida sua própria
culpabilidade e que ajudam, em contrapartida, a manter sua
credibilidade. Também realizam constantes doações a entida-
des educativas que levam a termo investigações relativas aos
agrotóxicos. Ocorre que referidas entidades educativas es-
tão passando a depender das indústrias para promover suas
pesquisas, por conta da queda dos investimentos públicos
(ONU, 2017, p. 21).
O documento da ONU exemplifica sua afirmação de co-
optação citando o “caso das abelhas”, quando uma campanha
foi montada na Europa para proibir o uso de neonicotinóides,
tidos como responsáveis pela queda do número de abelhas
no continente. Na ocasião, a indústria química, supostamente
apoiada pela pelo Governo do Reino Unido, contestou publica-
mente as conclusões da Autoridade Europeia para a Seguran-
ça dos Alimentos sobre o risco inaceitável de neonicotinóides
para as abelhas. O relatório da ONU informa que a empresa
Syngenta teria ameaçado processar, de forma individual, os
funcionários da União Europeia envolvidos na publicação do
relatório sobre os neonicotinóides e o extermínio das abelhas
(ONU, 2017, p. 22).
Segundo a ONU, os cientistas que decidem revelar os riscos
para a saúde e meio ambiente de alguns dos produtos comercia-
lizados por essas gigantes corporações do setor agroprodutivo
79. Para maior ilustração desta prática sugere-se o documentário “o mundo
segundo Monsanto”.

25 3
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

passam a enfrentar graves ameaças à sua reputação, e até mes-


mo para si. São citadas, como exemplo, as ações coletivas da
Novartis (atual Syngenta), produtora de atrazina, que finan-
ciou uma campanha para desqualificação dos cientistas cujos
estudos sugeriram adversidades para a saúde e impactos am-
bientais negativos de referido pesticida.80
O Tribunal Monsanto, por seu turno, aborda a liberdade
de expressão e pensamento de pesquisadores, para que estes
fossem protegidos quando denunciassem as más práticas em-
presariais. Segundo o testemunho de agrônomos e biólogos
moleculares, algumas práticas da Monsanto resultaram em
condenações judiciais para a empresa, e entre as más práticas,
podem ser citadas: plantações ilegais de OGMs, estudos que
são evasivos ou distorcem os impactos negativos do Roundup
ao limitar as análises somente ao glifosato, quando o produto é
uma combinação de substâncias, além das campanhas expres-
sivas de desqualificação dos resultados dos estudos científicos
independentes. Para o parecer do Tribunal, esse tipo de estra-
tégia criada pela Monsanto levou, por exemplo, à remoção de
um estudo publicado em uma revista internacional e a perda
do emprego de um cientista em uma agência de saúde governa-
mental. (TRIBUNAL MONSANTO, 2017, p. 45)
Assim, o Tribunal conclui seu parecer afirmando que a
conduta da Monsanto afetou, de forma negativa, o direito à
liberdade – indispensável ao espírito da investigação cien-
tífica e que condutas como intimidação, desqualificação e
descredibilização da pesquisa científica quando se formulam
perguntas sérias sobre a proteção do ambiente e da saúde pú-
blica, bem como o suborno de falsos repórteres investigativos
e pressão sobre os governos vêm transgredir a liberdade in-
dispensável à pesquisa científica. Tais condutas da empresa

80. Para maiores informações, Rachel Aviv, “A Valuable Reputation”, The New
Yorker, 10 de febrero de 2014 e Thomas O. McGarity y Wendy Elizabeth Wag-
ner, Bending Science: How Special Interests Corrupt Public Health Research
(Harvard University Press, 2012).

25 4
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Monsanto privam a sociedade da possibilidade de ter seus di-


reitos fundamentais salvaguardados e afetam de forma negati-
va o direito à informação.
O Tribunal Monsanto, em seu parecer, também relata que o
uso de sementes geneticamente modificadas – OGMs, suscitam
vários questionamentos, uma vez que não existe consenso cien-
tífico sobre os impactos dos transgênicos na saúde humana. A
controvérsia, segundo o Tribunal, inclui um contexto de nebulo-
sidade em torno dos estudos de OGMs e até mesmo a inabilida-
de dos pesquisadores realizarem investigações independentes.
A prática de manipulação sistemática dos estudos científicos e a
influência exercida pela Monsanto sobre cientistas é considera-
da evidente. (TRIBUNAL MONSANTO, 2017, p. 46).
Assim como as publicações nacionais já estudadas neste ca-
pítulo, as pesquisas e documentos internacionais sobre o tema
de agrotóxicos buscam discutir o próprio modelo agroprodu-
tivo, sendo que o relatório da ONU, por exemplo, propõe de
forma clara e direta a transição para o modelo agroecológico
de produção (ONU, 2017, p. 22-23), enquanto o Tribunal Mon-
santo busca, em seu parecer, se municiar de elementos que pos-
sam, inclusive, criminalizar o modelo agroprodutivo químico-
-dependente como ecocida ou, no mínimo, como modelo que
merece severas críticas e que a agroecologia é um modelo alter-
nativo e que respeita o direito humano à alimentação adequada.
(TRIBUNAL MONSANTO, 2017, sumário, p. 01-02).
O relatório conclui que não existe falta de legislação nacio-
nal e internacional em relação ao tema, todavia os instrumen-
tos legais e normativos existentes não têm se mostrado aptos a
proteger os seres humanos e o meio ambiente do perigo trazido
pelos pesticidas, seja pela falta de aplicação, ou implementação
efetiva do princípio da precaução. Aduz, ainda, que existe uma
ineficiência de legislações que tratam das demandas transfron-
teiriças e empresarias, que abarcam o mercado global de pesti-
cidas e cita, como exemplo, a prática generalizada de exportar
pesticidas já proibidos em determinadas partes do planeta para

25 5
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

países em desenvolvimento. Para a resolução dessa problemá-


tica aponta como solução, a ser urgentemente implementada, a
utilização dos mecanismos presentes nas legislações de direitos
humanos (ONU, 2017, p. 24-25).
Na sequência, afirmam a importância do direito interna-
cional dos direitos humanos, enfatizando o direito humano à
alimentação adequada e à saúde e as obrigações dos Estados
em fornecer proteções para todas as pessoas contra o exces-
sivo ou inadequado uso de pesticidas. A partir da abordagem
de princípios dos direitos humanos como universalidade e não
discriminação, asseveram a importância da não violação dos
direitos humanos, especialmente aos grupos vulneráveis, que
sentem, de forma desproporcional, a carga de pesticidas peri-
gosos, o que, ressaltamos mais uma vez, parece demonstrar,
ainda que de forma não expressa em termos, uma configura-
ção de entendimento próxima ao termo Justiça Ambiental.
Nas mesmas conclusões, o relatório da ONU reafirma que,
mais do que proibir ou regulamentar a utilização de determi-
nados pesticidas, o método mais eficaz de longo prazo para
reduzir a exposição a esses produtos tóxicos é afastar-se no
atual modelo agroprodutivo.
O documento ainda traz as palavras do Diretor-Geral da
FAO, ele afirma que se chegou a um ponto de inflexão na agri-
cultura e que o modelo atualmente dominante de produção
agrícola é extremamente problemático, não apenas por conta
dos danos causados pelos agrotóxicos, mas também por seus
efeitos nas alterações climáticas, perda da biodiversidade e in-
capacidade de garantir a soberania alimentar dos povos. Para
que o direito à alimentação chegue ao seu pleno potencial é
preciso que seja tratado, de forma interligada, esse conjunto
de fatores e que os esforços para combater a toxicidade dos
agrotóxicos só será bem sucedida se contemplar os fatores
ecológicos, econômicos e sociais que são incorporados pelas
políticas agrícolas, que devem estar articuladas aos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável, sendo necessária a vontade

25 6
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

política para reavaliar e desafiar os interesses, incentivos e re-


lações de poder que mantém a agricultura industrial depen-
dente dos agroquímicos.81
Em relação às recomendações, o relatório aponta para a
necessidade de a comunidade internacional trabalhar em um
tratado amplo e vinculante, capaz de regular os pesticidas pe-
rigosos durante seu inteiro ciclo de vida e que referida legis-
lação deve levar em conta os princípios dos direitos humanos.
O sugerido instrumento normativo deverá conter as seguintes
diretivas: eliminem-se os padrões duplos, nos quais se permi-
tem distintas regulamentações que prejudicam, normalmente,
os países com sistemas regulatórios mais frágeis; sejam elabo-
radas políticas para a redução do uso de pesticidas em todo o
planeta e um marco de proibição e eliminação progressivas dos
agrotóxicos com alto grau de toxicidade; promovam a agroeco-
logia e, por fim, que seja imputada a responsabilidade – nexo
causal pelos danos provocados pelos produtores de agroquími-
cos (ONU, 2017, p. 26).
Após, o relatório apresenta 18 recomendações aos Estados,
das quais destacamos algumas, como o estabelecimento de
processos imparciais e independentes de avaliação dos riscos e
registro dos agrotóxicos, e que esses processos se baseiem no
princípio da precaução, principalmente com relação aos seus
efeitos para a saúde humana e para o meio ambiente; que se
considere, primeiramente, as alternativas não químicas para
a produção agrícola e que se permita unicamente o registro
de produtos químicos, quando puder ser comprovada sua real
necessidade; sejam promulgadas medidas de segurança e pro-
teção adequadas, capazes de salvaguardar mulheres grávidas
e crianças, além de outros grupos particularmente sensíveis à
exposição a agrotóxicos; que sejam financiados estudos cientí-
ficos capazes de abranger, de forma ampla, os possíveis efeitos
para a saúde dos pesticidas, incluindo a exposição combinada e
81. Panel Internacional de Expertos sobre Sistemas Alimentarios Sostenibles,
From Uniformity to Diversity, (ONU, 2017, p. 6).

257
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

múltipla de agrotóxicos ao longo do tempo; que seja garantida


uma análise regular e rigorosa dos alimentos e bebidas para
determinar os níveis de resíduos perigosos neles, sendo enfa-
tizados os alimentos para o público infantil e gestantes e que
referidas informações sejam publicizadas de formas adequadas
para a população em geral; organizar programas de treinamen-
to para agricultores para conscientizá-los sobre os efeitos no-
civos dos agrotóxicos e mostrar-lhes métodos alternativos de
produção; regular as corporações, de modo que estas respei-
tem os direitos humanos, e evitem danos ambientais durante
todo o ciclo de vida dos pesticidas; imposição de sanções às
empresas que inventem provas ou difundam informações er-
rôneas sobre os riscos para a saúde e meio ambiente de seus
produtos; incentivar a produção orgânica de alimentos me-
diante subsídios e assistência financeira e técnica e, ao mesmo
tempo, eliminar os subsídios aos agrotóxicos e em seu lugar
taxar com impostos os agroquímicos e criar tarifas de importa-
ção e pagamento de taxas pela utilização de agrotóxicos (ONU,
2017, p. 26-27).
Finalizam o relatório advertindo que a população em geral
deve ser informada dos efeitos adversos dos pesticidas para a
saúde humana e seus danos para o meio ambiente e que devem
ser organizados programas de treinamento agroecológicos.
De forma parecida, mas também peculiar, o parecer do
Tribunal Monsanto aborda o que considera ser uma crescente
assimetria entre os direitos concedidos às megacorporações e
às limitações impostas por estas às comunidades locais e às
futuras gerações.
No parecer, citam a ocorrência de audiências do Tribu-
nal da Monsanto, as quais permitiram recolher testemunhos
relacionados a vários impactos na saúde humana e ambiental
– especialmente agricultores, solos, plantas, animais e biodi-
versidade. Os testemunhos também incluíram os impactos da
pulverização dos herbicidas e pesticidas da Monsanto, bem
como os impactos sobre os povos e comunidades indígenas e

25 8
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

a ausência de informação adequada a esses grupos de pessoas.


Munidos dos testemunhos e de pesquisas anteriores, o Tribu-
nal concluiu que a Monsanto envolveu-se em práticas que vêm
impactando de forma negativa o direito a um meio ambiente
sadio e equilibrado, bem como têm um impacto negativo no
direito à alimentação adequada e que as atividades da Mon-
santo afetam a disponibilidade de alimentos para indivíduos
e comunidades e que interferem na soberania alimentar de-
les com suas sementes geneticamente modificadas, que são
custeadas pelos agricultores, que ameaçam a biodiversidade
e cuja contaminação genética tem forçado os agricultores ao
pagamento de royalties.
O parecer do Tribunal também opina sobre a alegada viola-
ção do direito à saúde, tal como previsto no artigo 12 do Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais –
PIDESC, assim como o direito da criança de desfrutar do mais
alto padrão de saúde que possa ser obtido, reconhecido no ar-
tigo 24 da Convenção sobre os Direitos da criança.
O direito à saúde encontra-se interligado com o direito à
alimentação adequada, direito à água, higiene e um meio am-
biente sadio e equilibrado. O Tribunal ouviu em suas audiên-
cias uma série de testemunhas que informaram sobre doenças
congênitas graves, desenvolvimento de linfomas de não-Hod-
gkin, doenças crônicas, envenenamentos e mortes por produ-
tos produzidos pela Monsanto.
O Tribunal, inclusive, menciona que a empresa já produziu
e distribuiu uma série de substâncias perigosas, entre elas, os
policrorobifenilos e os contaminantes orgânicos persistentes –
PCBs comercializados exclusivamente pela Monsanto, entre os
anos de 1935 e 1979, apesar da empresa conhecer seus impac-
tos nocivos. Os PCBs, ademais, foram proibidos durante a Con-
venção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes,
em 2001. Referida substância, segundo o Tribunal, é cancerí-
gena e causa problemas de infertilidade, desenvolvimento fetal
e infantil, além de alterar o sistema imunológico.

259
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

O rol de recomendações da ONU, bem como elementos do


parecer do Tribunal Monsanto acima enumerados parecem ser
demonstrativos de que os termos e conceitos de sustentabili-
dade, risco, justiça ambiental e proteção de futuras gerações,
crianças, mulheres grávidas e bebês se fazem perceber em suas
construções técnicas.
O glifosato também não deixa de ser mencionado pelo
Tribunal, pois o Roundup é considerado por alguns pesquisa-
dores como um produto cancerígeno enquanto outros relató-
rios, como o da Autoridade Europeia de Segurança Alimentar
– EFSA (em inglês), concluem exatamente o oposto. Em um
parecer emitido em 15 de março de 2017, com relação à classi-
ficação do glifosato, a Agência Europeia de substâncias e pro-
dutos químicos – ECHA (em inglês) estimou que o glifosato
não pode ser classificado como cancerígeno, mutagênico ou
tóxico para a reprodução.
O Tribunal, todavia, enfatiza que essa classificação não
leva em conta os riscos da exposição a resíduos presentes nos
alimentos, água potável e até na urina humana.
O parecer consultivo alega que o cultivo e comercialização
das sementes resistentes ao Roundup, através de estratégias
de marketing, resultou em uma ampla distribuição e utilização
dos produtos sendo classificado como um potencial produto
cancerígeno em seres humanos pela agência de Pesquisa sobre
o câncer – IARC (em inglês) ligada à Organização Mundial de
Saúde – OMS. Há também relatos que aduzem à genotoxicida-
de do glifosato em humanos e animais e, por último, mas não
menos importante, o Tribunal relata que existem documentos
internos da Monsanto liberados em março de 2017, como fru-
tos de uma ordem judicial do Tribunal da Califórnia nos EUA,
que mostram que a Monsanto tem manipulado a ciência.
Um ponto não mencionado de forma abrangente em ou-
tras pesquisas, com exceção de curto trecho de autoria de Gur-
gel, na obra do Greenpeace já comentada no tópico anterior,
é também tratada no parecer do Tribunal Monsanto e busca

260
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

relacionar a suposta cumplicidade da Monsanto em crimes de


guerra, os quais estão definidos no Artigo 8, II, do Estatuto do
Tribunal Penal Internacional – TPI ao fornecer o agente Laran-
ja. Entre os anos de 1962 e 1973, mais de 70 milhões de litros
de Agente Laranja (contendo dioxina) foram despejados sobre
aproximadamente 2,6 milhões de hectares de terra. Esse pro-
duto químico desfolhante tem causado severos danos à saúde
da população civil vietnamita. O dano causado aos veteranos
estadunidenses, neozelandeses, australianos e coreanos tem
sido levado aos Tribunais e existem casos de reconhecimento
da responsabilidade da Monsanto.
Devido ao atual estágio da legislação internacional e da
ausência de evidência específica, o Tribunal não pode dar
uma resposta definitiva a esta pergunta. Todavia, parece que
a Monsanto conhecia o modo de utilização de seus produtos
na guerra do Vietnã e as consequências para a saúde huma-
na e para o meio ambiente. O Tribunal entendeu que, caso o
crime de ecocídio fosse adicionado à legislação internacional,
os fatos relatados poderiam ser enfrentados pela jurisdição do
Tribunal Penal Internacional – TPI. (TRIBUNAL MONSAN-
TO, 2017, sumário, p. 5).
Ao analisarmos o parecer consultivo do Tribunal Monsan-
to é importante que relembremos, por exemplo, do capítulo
que trata do contexto histórico-evolutivo da Revolução Verde
e seus desdobramentos, e o quanto alguns pesquisadores afir-
mam que a mecanização da agricultura, sua instrumentaliza-
ção científica e tecnológica acabou por servir como local de
escoamento e absorção da técnica bélica quando já não mais
existiam guerras mundiais a serem travadas, não entre na-
ções, pois agora a guerra mundial era contra o inimigo comum
chamado fome.
A derradeira pergunta feita ao Tribunal consultivo ar-
guiu se as atividades da Monsanto poderiam ser caracteri-
zadas como crime de ecocídio e causadoras de danos graves
ao destruir o meio ambiente e alterar de forma significativa

26 1
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

e duradoura os bens comuns e o funcionamento de deter-


minados serviços do ecossistema dos quais certos grupos
humanos dependem.
Segundo o parecer, a evolução do Direito Ambiental In-
ternacional confirma a crescente consciência de que o dano
ambiental pode afetar, de forma negativa, direitos e garantias
fundamentais da sociedade. Preservar referidos direitos e ga-
rantias para as futuras gerações, bem como a integridade dos
ecossistemas é uma ideia que ganhou força na comunidade in-
ternacional, inclusive com o representante do Tribunal Penal
Internacional – TPI, fornecendo especial atenção às desapro-
priações ilegais de terras e a destruição do meio ambiente.
Todavia, apesar do desenvolvimento de mecanismos de
proteção do meio ambiente, permanece um lapso entre os ins-
trumentos legais e a realidade de proteção ambiental. O Tri-
bunal considera que a legislação internacional deveria deter-
minar agora, e de forma precisa e clara, a proteção do meio
ambiente e o crime de ecocídio. O Tribunal concluiu que, se o
crime de ecocídio for reconhecido, as atividades da Monsanto
possivelmente se encaixarão como tais e que várias atividades
da empresa poderiam ser identificadas por essa infração que
tem causado dano ambiental extenso, de larga duração, grave e
afetado de forma frontal o direito das futuras gerações.
Neste momento, talvez surja uma indagação: e a Monsan-
to? Como encarou o fato de ter um Tribunal de opinião com
seu nome e nas dimensões acima apresentadas?
Mais uma vez, vislumbramos as arenas de disputas que ora
encaramos, em que, nos resultados de pesquisas científicas,
termos como sustentabilidade, risco, justiça ambiental e futu-
ras gerações são acionados e usados em contextos que podem
ser frontalmente divergentes.
Para melhor aclararmos o quanto esse uso de termos pode
ser diferenciado, passamos, a seguir, a tratar da Carta Aberta
da Monsanto divulgada no mesmo dia da publicização do pare-
cer do Tribunal Monsanto em 18 de abril de 2017.

262
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

3.2.1 Carta aberta Monsanto

A Monsanto publicou, em seu site, a denominada “Declaração


da Monsanto sobre as conclusões do Tribunal contra a Mon-
santo”. Não encontramos referida declaração em português,
mas faremos uso da versão em espanhol, aqui traduzida de
forma livre. Não sabemos se a falta do documento transcrito
em português é intencional, haja vista o Brasil – país de língua
portuguesa, ser o maior consumidor de agrotóxicos no mundo,
segundo dados já colacionados neste trabalho, e o 2º maior uti-
lizador/plantador de transgênicos.
O texto de esclarecimento da Monsanto, de autoria do Co-
mitê Global de Direitos Humanos da empresa, afirma que a
empresa segue comprometida com um diálogo com aqueles
que estão verdadeiramente interessados na agricultura susten-
tável, nos direitos humanos à alimentação, na saúde, no meio
ambiente seguro e em quem a empresa é e faz.82
No esclarecimento ofertado pela Monsanto, informa-se
que o Tribunal foi organizado por um seleto grupo de críti-
cos anti-tecnologia na agricultura e anti-Monsanto e que es-
tes atuaram não apenas como organizadores, mas como juí-
zes e jurados. Afirma a Monsanto que o Tribunal não analisou
evidências científicas existentes e os antecedentes jurídicos
de vários temas, e que se organizou com um resultado já
pré-determinado.
A Monsanto continua seus esclarecimentos dizendo que
em um período em que a população busca separar os fatos da
ficção, a opinião não jurídica emitida pelo Tribunal pode ser
mal interpretada e que acredita que os direitos humanos e a

82. Essa nota inicial de esclarecimento da empresa é seguida de marcações em


sua página eletrônica que remetem ao link <http://descubri.monsanto.com.ar/
conversemos/> e que traz uma série de questionamentos de pessoas sobre a
segurança dos produtos da empresa. Apresenta, no mesmo parágrafo, um outro
link que traz perguntas sobre sustentabilidade e mostra os relatórios dos últimos
anos sobre o tema: <http://www.monsanto.com/global/ar/nuestros-compro-
misos/pages/reporte-de-sustentabilidad.aspx>. Acesso em: 24 abr. 2017.

263
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

agricultura merecem um diálogo aberto e reflexivo para ajudar


a encontrar as soluções reais aos desafios da fome, da seguran-
ça alimentar e o papel dos agricultores para alimentar o mundo
em crescimento de maneira sustentável. Afirma a corporação,
em sua defesa, que segue comprometida com seu papel de aju-
da e resolução de referidos desafios e aberta a qualquer pessoa
que queira saber mais sobre ela.83
A carta aberta prossegue tratando o Tribunal como uma si-
mulação apoiada pela Fundação Internacional para Agricultura
Orgânica (IFOAM, em inglês), que é uma espécie de organiza-
ção que abarca as demais organizações de agricultura orgânica
e que seus associados são fundamentalmente contra a agricul-
tura moderna. Por conta disso, a Monsanto alega que seguirá
participando e se dedicando aos questionamentos e consultas
daqueles que estão autenticamente interessados em quem a
empresa é, e no que faz. A empresa solicita em sua carta que
fique registrado que estão posicionados com transparência em
relação ao direito humano à alimentação, saúde e meio am-
biente, bem como a produção sustentável de alimentos.84
A Carta Aberta considera que o Tribunal Monsanto não
passa de um simulacro e que distrai a sociedade sobre a neces-
sidade do diálogo real sobre alimentos e demandas agrícolas
do mundo em total conformidade com os direitos humanos e
continua dizendo que as pessoas interessadas em alimentos,
meio ambiente, biodiversidade e em sua relação com a Mon-
santo precisam saber que os agricultores, ao cultivarem os pro-
dutos da empresa, enfrentam desafios cada vez mais difíceis,
83. Nesse momento a empresa deixa mais uma vez o link de perguntas e res-
postas já enfatizado no início de seu texto: <http://descubri.monsanto.com.
ar/conversemos/>.
84. Importante mencionar que nas afirmações da carta sobre direitos huma-
nos, saúde, meio ambiente, transparência e produção sustentável existem links
que dirigem o leitor para áreas específicas que buscam tratar do tema. Frise-se
que são todas muito bem trabalhadas em termos gráficos e visuais, parecendo
muito mais uma tentativa de marketing e mais um dos portfólios da empresa
do que uma real intenção de comunicação e discussão de referidas categorias
jurídico-sociais.

26 4
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

à medida que a população mundial continua a crescer. Assim,


diz a carta, que a empresa trabalha, diariamente, para oferecer
aos agricultores do planeta uma ampla gama de soluções para
que possam obter melhores colheitas, fazendo com que a terra,
a água e outros recursos naturais produzam melhor e gerem
um prato de alimento equilibrado e, cada vez mais, acessível
para todos.
Para abordar os desafios cada vez maiores, e de forma cada
vez mais colaborativa, a carta aberta afirma que promove o
compromisso com os direitos humanos e dá boas vindas às ge-
nuínas e construtivas conversações com diversidade de ideias
e perspectivas sobre a produção de alimentos e agricultura.
Considera que os diálogos são muito necessários para ajudar a
encontrar soluções sustentáveis85 a estes desafios.
Interessante notarmos que, apesar da empresa se mostrar
aberta a diálogos e conversações que apresentem pluralidade
de ideias e perspectivas sobre agricultura e produção de ali-
mentos no mundo, ela inicia sua carta falando que os organi-
zadores do Tribunal são pessoas anti-tecnologia e anti-Mon-
santo, ou seja, parece se confirmar, em alguma dimensão, a
tese de que aqueles que se contrapõem à empresa tendem a ser
desqualificados, pois o diálogo pode ser plural e diverso, desde
que atrelado ao elemento agroquímico de produção. Fora des-
sas bases, a empresa, pelo menos nesse excerto da Carta, pare-
ce não querer diálogo, mas sim, desqualificar falas contrárias
ao seu modelo agroprodutivo.
Além disso, a palavra sustentabilidade é utilizada como es-
cora de apoio para sua defesa, demonstrando-se o quanto refe-
rido conceito está sendo utilizado para fundamentar a defesa
de modelos díspares, como o agrobusiness e a agroecologia,
por exemplo.
85. Na carta aberta é marcado um “*” que remete ao informe atualizado sobre
sustentabilidade da empresa, relatório de 2016 e que se encontra disponível
no site da empresa e que em muito lembra a tal “etiqueta de sustentabilidade”
mencionada por alguns autores estudados no capítulo que trata do termo sus-
tentabilidade de forma mais conceitual.

265
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Questionamo-nos se a utilização de termos como “susten-


tável” ou “sustentabilidade”, por setores tão diferentes, repre-
senta sinais de um ruir de determinado modelo desenvolvi-
mentista de produção e geração de renda, ou se são apenas
uma forma de apropriação de uma ideia surgida, aparentemen-
te, com um escopo não tão corporativista.
A Carta também afirma acreditar na coexistência de todas
as formas e práticas agrícolas e na liberdade individual dos
agricultores para eleger o método produtivo que tenha mais
adequação para suas metas, ou seja, semear através de métodos
convencionais, ou com sementes modificadas geneticamente e
outras técnicas modernas, ou seguindo práticas orgânicas.
A Monsanto informa que ajuda os agricultores a mitigarem
e adaptarem-se às mudanças climáticas e que seus produtos
e serviços ajudam os produtores rurais a utilizar a ciência no
cultivo de alimentos sustentáveis e de carbono neutro, bem
como tem se comprometido a realizar ações que melhorem a
saúde das abelhas, além de criar um ecossistema mais saudável
para as borboletas rainhas. Também se mostram engajados em
auxiliar as comunidades rurais a preservar seus ecossistemas e
evitar o desmatamento e proteger espécies nativas.
Na Carta da Monsanto colhemos, ainda a informação de
que muitos dos produtos e sementes da empresa atendem tan-
to a produtores convencionais, como agricultores orgânicos,
pois comercializam sementes de hortaliças e produtos micro-
bianos que são aprovados e utilizados por agricultores adeptos
do cultivo orgânico, e que seus investimentos em pesquisas e
serviços são tão úteis para ambas as modalidades de produção:
orgânica e convencional.
Notamos, aqui, uma interessante mudança de semântica,
pois ao invés de utilizar o contraponto agricultura moderna e
agricultura tradicional, como quando se referenciou aos orga-
nizadores do Tribunal, agora, ao se referenciar aos agricultores
– clientes ou potenciais clientes, a nomenclatura utilizada é de
agricultores orgânicos e agricultores convencionais, não sendo

26 6
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

feita nenhuma acusação aos agricultores orgânicos de serem


anti-tecnologia, por exemplo.
Lembramo-nos, inclusive, nesse instante, de entrevis-
ta de Antônio Cândido ao site Brasil de Fato em 201286 onde
ele afirmou que aquilo que se pensa ser a face humana do
capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor,
lágrimas e sangue.
Perguntamo-nos, será que aquilo que parece ser protetivo
da natureza, ou adaptando-se o pensamento de Antônio Cân-
dido, a face socioambiental e sustentável do capitalismo e do
modelo agroprodutivo seria, na verdade, aquilo que outros mo-
vimentos contramajoritários têm arrancado dele com suor, lá-
grimas e sangue através de movimentos por justiça ambiental e
o empunhamento de bandeiras, como solidariedade intergera-
cional e agroecologia que hoje parecem tomar um espaço cada
vez mais expoente, inclusive dentro de órgãos como a própria
ONU, por exemplo?
Por fim, a carta observa que 60% das sementes cultivadas
não são comerciais, mas sementes conservadas e replantadas
pelos agricultores e que estas práticas tradicionais, de replan-
tio e distribuição de sementes, coexistem com as sementes co-
merciais com sucesso em todo o mundo e que permitem aos
agricultores fazerem pessoalmente suas escolhas.
A carta aberta continua ratificando sua crença de que o
evento do Tribunal foi encenado e com um resultado prede-
terminado e que não conduz ao diálogo aberto e profundo que
os direitos humanos e a agricultura necessitam, e merecem,
para que sejam encontrados desafios para a fome, segurança
alimentar e o papel dos agricultores para nutrir a crescente po-
pulação de maneira sustentável.
Fica nítido, no documento da Monsanto, o quanto o “pro-
86. A entrevista completa pode ser acessada no link: <https://www.brasil-
defato.com.br/2017/05/12/morre-o-critico-e-sociologo-antonio-candido-
-leia-uma-de-suas-ultimas-entrevistas/>. BRASIL DE FATO. Morre o crítico e
sociólogo Antonio Candido; leia uma de suas últimas entrevistas. Acesso em:
14 maio 2017.

267
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

blema da fome” e a “necessidade de alimentar o mundo” con-


tinua sendo um dos pontos fortes de defesa e justificação do
modelo agroprodutivo encampado pela Monsanto e demais
empresas que compõem o oligopólio de produtos e sementes
da indústria agroquímica.
A Carta vai sendo finalizada em forma de lamento pela em-
presa, que afirma que algumas pessoas da sociedade podem vir
a ler ou escutar acerca do “Tribunal” e não se darem conta de
que não existe nenhuma conexão legítima com o verdadeiro Tri-
bunal Internacional de Justiça e o Tribunal Penal Internacional.
Mencionamos que esse argumento da Carta Aberta pode
ser percebido como inverídico, uma vez que o Tribunal Penal
Internacional de fato acolheu a possibilidade do ecocídio em
momento posterior à realização do Tribunal de opinião e o Re-
latório da ONU da Comissão de Direitos Humanos mencionou
a necessidade da atuação Tribunal de Justiça Internacional, ou
seja, há uma visível tentativa de esvaziamento do conteúdo
técnico-jurídico de referidas iniciativas.
A carta aberta continua informando que escutar e partici-
par de diálogos construtivos e engajados é muito importante
para a empresa e que esta não tem se furtado em escutar as
preocupações e em trabalhar para compreender, realmente,
como podem comunicar melhor quem é a empresa e o que
ela faz, seja através de diálogos individuais ou comunitários,
ou amplas discussões públicas em fóruns com múltiplas partes
interessadas em todo o mundo e que tem construído parcerias
com muitas comunidades e participado de muitas conversas
online de forma mundial e que tiveram mais de 750 milhões
de interações com pessoas ao redor do globo, nos últimos 20
meses, através dos sites, canais das redes sociais, incluindo o
YouTube, Facebook, Twitter e outras plataformas em várias
línguas como inglês, mandarim, espanhol, português, francês,
japonês, coreano, vietnamita e bahasa indonésio.
Por fim, a carta busca manifestar um sentimento de honra-
dez por parte da empresa que vem recebendo reconhecimento

26 8
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

pelos esforços empreendidos em várias comunidades em


todo o planeta. Finaliza, afirmando que a empresa segue com-
prometida com sua política e prática de direitos humanos,
com a transparência e o diálogo e colaboração e que dá bo-
as-vindas a quem queira saber mais sobre a Monsanto, dire-
cionando, assim como no início da carta, para o link dentro
do site da empresa que comporta perguntas e respostas dos
leitores da carta.
Percebemos, pelo exposto até agora, que na tensão entre
ecoinclinados e agroinclinados (SPAROVEK, 2017) há uma
campo de lutas e forças (BOURDIEU, 2004, p. 23) dentro do
campo científico no qual ambos combatentes não se mostram
dispostos a retroceder em suas posições.
Outrossim, notamos a presença de grupos com discursos
que variam entre a adoção das denominadas “retóricas de reti-
dão” e outros “pragmáticos ambientais” que defendem versões
do desenvolvimento sustentável e que costumam se apossar da
denominada “retórica da racionalidade”, conforme tratamos
com Hannigan (1995. p. 65-66) na introdução deste trabalho.
A seguir, trataremos das pesquisas nacionais e internacio-
nais que tratam da contaminação do leite humano, infância e
adolescência, na medida em que, conforme já explicitamos na
introdução deste trabalho, eles são dotados de condição pecu-
liar de desenvolvimento, ou seja, são “presentes e futuras gera-
ções”, cuja potencial contaminação por agrotóxicos apresenta
efeitos diferenciados.

269
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

3.3 AGROTÓXICOS E PESQUISAS NACIONAIS E


INTERNACIONAIS SOBRE A CONTAMINAÇÃO DO LEITE
HUMANO, INFÂNCIA E FUTURAS GERAÇÕES

Children are one third of our


population and all of our future.87
Painel de promoção da saúde infantil, 1981.

Um menino nasceu, o mundo tornou a começar


João Guimarães Rosa

O tema da contaminação do leite humano por agrotóxicos não


é novo. Rachel Carson, em sua obra sobre contaminação am-
biental e humana por pesticidas, já trazia a questão em tom
de alerta e, no decorrer desse item, iremos colacionar mais
algumas pesquisas nacionais e internacionais que, em algum
momento, abordam a temática.
Entre os estudos que debatem o tema, temos um que cha-
mou particular atenção no país e que foi produzido pela pes-
quisadora Danielly Palma (2011) em sua dissertação de mes-
trado intitulada como “Agrotóxicos em leite humano de mães
residentes em Lucas do Rio Verde – MT”.
A escolha do campo de estudos e coleta de leite mater-
no não foi obra do acaso, pois Lucas do Rio Verde é destaque
nacional para o agronegócio. Segundo Palma (2011, p.52), ao
observar-se a realidade, não apenas do estado de Mato Gros-
so, local específico de sua pesquisa, mas de todas as áreas que
fazem uso intensivo de agrotóxicos, surgiu o questionamento
sobre a relação entre a exposição da população a esses agrotó-
xicos e a contaminação do leite humano. Seu estudo informa
que a resposta é positiva e que a contaminação do leite hu-
mano é ampla e tem por consequência as décadas de poluição
descontrolada do ambiente por produtos tóxicos.
87. Crianças são um terço de nossa população e todo o nosso futuro. (Tradu-
ção livre da autora).

270
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

A pesquisadora faz uma revisão bibliográfica em seu traba-


lho de mestrado no qual busca demonstrar, escorada em auto-
res como Landrigan (2002), entre outros, que desde o século
XVIII, quando a Revolução Industrial trouxe para a sociedade
um avanço das ciências e da produção tecnológica, ocorreram,
conjuntamente, profundas mudanças na relação do homem
com a natureza.
Palma (2011, p. 52-53) prossegue sua pesquisa explicando
que, estudos realizados em várias partes do mundo indicam
contaminação do leite humano por organoclorados e que o uso
indiscriminado dessa classe de substâncias, ao longo do tempo,
fez com que ocorresse a denominada bioacumulação ao longo
da cadeia alimentar, inclusive em humanos. A pesquisadora
acrescenta dados mostrando diversos estudos realizados no
Brasil que podem ser vistos como evidência da contaminação
do leite humano em diferentes regiões do país.
A seguir, citaremos diretamente algumas dessas pesquisas:

Em um estudo realizado por OLIVEIRA (1997), em


Cuiabá, com 32 mulheres, observou-se que 100% das
amostras encontravam-se contaminadas com algum
tipo de substância organoclorada. Os maiores níveis
foram detectados em mulheres que residiam em zona
rural ou que referiram já ter residido e/ou trabalhado
em zona rural.

MELLO (1999) analisou os níveis de organoclorados


em 14 amostras provenientes da Cidade dos Meni-
nos, Rio de Janeiro. Das amostras analisadas do gru-
po exposto 100% apresentaram resultado positivo
para β-HCH, p,p’ DDE e p,p’ DDT; 71,4% para γ-H-
CH e α-HCH e 42,8% para p,p’ DDD. Das amostras
analisadas do grupo não exposto, 100% apresentaram
resultados positivos para α-HCH, γ-HCH e p,p’DDE;
85,7% para β-HCH; e apenas uma amostra apresentou

27 1
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

resultado positivo para p,p’DDT. (PALMA, 2011, p. 53-


54). (sem destaque no original).

Palma (2011, p. 53-55), relata que as cidades de São Paulo


e Belo Horizonte demonstraram contaminação multiresidual
por agrotóxicos organoclorados, em ambas localidades. No es-
tudo, foram analisadas duas amostras compostas, uma de cada
cidade. As amostras faziam parte de um pool de 10 amostras
coletadas, e em todas os níveis mais elevados foram encon-
trados para p,p’DDE, 0,596 mg/g de gordura em São Paulo, e
0,155 mg/g de gordura em Belo Horizonte, seguido do β-H-
CH, 0,027 mg/g de gordura e 0,022 mg/g de gordura, respec-
tivamente. As concentrações dos outros compostos analisados
foram similares, ou na maioria dos casos, abaixo do limite de
detecção do método utilizado (0,001 mg/g de gordura).
A autora, que ora pesquisamos, traz dados de Azeredo
et.al (2008), que atestam níveis de DDT total em amostras de
doadoras ao longo do Rio Madeira, Amazônia, uma região co-
nhecida por seu grande número de casos de malária. Segundo
o estudo em comento, foram analisadas 69 amostras e todas
apresentaram contaminação por DDT e seus metabólitos, va-
riando entre 25,4 a 9361 ng de DDT total/g de lipídeos.
A pesquisadora traz, na página 55 de sua dissertação, uma
tabela com as pesquisas sobre contaminação do leite humano
por agrotóxicos no mundo, a qual apresentamos a seguir e que
reflete o levantamento bibliográfico feito por ela sobre o tema:

272
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Tabela 3: Resultado de pesquisas sobre a contaminação do leite huma-


no por organoclorados.
(PALMA, 2011, p.55).

Um ponto a ser ressaltado, nesse momento e já comenta-


do ao longo deste trabalho, refere-se ao fato de que pesquisas
que possuem temática voltada para a contaminação humana
por produtos químicos costumam ser alvos de embates não
apenas científicos, pois suas conclusões apontam para graves
fatos que levariam, pelo menos em tese, a uma radical mudan-
ça do modelo de desenvolvimento econômico adotado por
muitas nações.
Assim, em relação à pesquisa de Palma (2011), os emba-
tes não deixaram de existir, inclusive circularam publicações
buscando invalidar seus estudos e mencionando que seriam
repetidas as coletas e as análises do leite materno das mães
de Lucas de Rio Verde. A reportagem do site “Turma do Epa”

273
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

intitulada como: “UFMT sonega dados e ameaça guerra ao


agronegócio,” especificamente, aduz que:

[...] Além da repetição da coleta e análise do leite ma-


terno de mães de Lucas do Rio Verde, que já foi anun-
ciada pela Secretaria de Saúde municipal, a Secretaria
de Estado de Desenvolvimento Rural e Agricultura
Familiar (Sedraf) irá formar uma comissão para pro-
mover ações em cima dos resultados apresentados.

O edital de formação desta comissão foi divulgado no


dia 9 de abril no Diário Oficial e será composta por 7
pessoas. A assessoria de imprensa informou que até
sexta-feira (15) os nomes serão conhecidos. O que já
pode ser adiantado é o nome do superintendente de
economia agropecuária e difusão de informações e
mercado da Sedraf, Paulo Bilego, para ocupar a direto-
ria. Dois integrantes do Instituto de Defesa Agropecu-
ária do Estado de Mato Grosso (Indea), 2 da Secretaria
de Estado do Meio Ambiente (SEMA) e 2 da Federação
de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato)
fecharão a comissão. (TURMA DO EPA, 2016). (sem
destaque no original).

Impossível não notarmos o vasto número de representan-


tes ligados ao agronegócio na comissão criada para refazer a
coleta de dados e análise de leite materno das mães de Lucas
de Rio Verde. Mais uma vez, testemunhamos ataques à ciência
baseados em ocultação, justificação e desqualificação de pes-
quisas que se contrapõem ao majoritário modelo agroproduti-
vo de produção alocado em insumos químicos e mecanização
da agricultura.
Abaixo, apresentamos outra tabela extraída da pesquisa da
Palma (2011) e que demonstra a caracterização das amostras
de nutrizes de Lucas de Rio verde:

274
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Tabela 4: Caracterização da amostra (n=62) de nutrizes de Lucas de


Rio Verde-MT, 2010.

Através da análise da tabela acima e de relatos da pesqui-


sadora, entende-se que foram reunidas 62 nutrizes, residentes
em Lucas do Rio Verde-MT, que participaram de questionário
e fornecimento de amostras de leite no período de fevereiro a
junho de 2010.
A tabela acima apresenta mostra variáveis de identificação
materna como idade, raça, estado civil e escolaridade. Pode-
mos observar que 64% das nutrizes apresentavam idade entre
20 e 29 anos. A média de idade encontrada na amostra foi de
26 anos (DP = 6). As raças, branca (53%) e parda (42%) foram
as mais declaradas.
Em relação aos dados profissionais, Palma (2011, p. 68)
informa que foi possível verificar que 21% das nutrizes traba-
lharam na lavoura e que apenas uma nutriz (1,6%) declarou
trabalhar com agrotóxico, na função de engenheira agrônoma
responsável por um armazém de grãos. Além disso, temos al-
gumas nutrizes (6,5%) que trabalham na zona rural, mas não

275
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

trabalham em contato direto com o agrotóxico. Quanto a re-


sidir na zona rural, 43,5% declaram já ter residido por algum
período na zona rural.
Em relação aos filhos das nutrizes pesquisadas, coletamos
do trabalho de Palma (2011, p. 69) que 13% dos bebês nasce-
ram pré-termo, ou seja, com menos de 37 semanas de gestação.
Uma malformação foi evidenciada, um caso de gastroquise, de-
feito na formação da parede abdominal também foi mencio-
nado. Entre os que nasceram com algum problema de saúde
(10%), o caso mais grave foi o de rabdomioma88 cardíaco.
Quanto à amamentação, 74% se alimentam exclusivamente
do leite materno e 26% recebem algum tipo de complemento.
Em relação ao marido/companheiro das nutrizes pesquisadas,
50% moraram na zona rural, 43,5% trabalharam na lavoura.
Outra tabela do estudo de Palma (2011, p. 73) busca de-
monstrar o total de amostras detectadas e a frequência de de-
tecção de agrotóxicos analisados em leite humano.

Tabela 5: Total de amostras detectadas e frequência de detecção de


agrotóxicos analisados em leite humano em amostras (n=62) de
nutrizes residentes em Lucas de Rio Verde – MT, 2010. (PALMA,
2011, p. 77).

88. Espécie de tumor cardíaco.

276
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

A tabela acima demonstra que as amostras de leite huma-


no apresentaram contaminação multiresidual por agrotóxicos,
pois o DDE foi encontrado em 100% das amostras analisadas, o
que sugere uma exposição passada ao DDT, pois Palma (2011,
p. 78) explica que este é o seu metabólito mais estável e foi
bastante utilizado até 1985 na agricultura e até 1998 no con-
trole de vetores.89
O endossulfam, outro “potente agrotóxico”, foi encontra-
do em 44% das amostras analisadas, sugerindo uma exposição
atual, uma vez que é muito utilizado como inseticida na agri-
cultura da região de estudo. As nutrizes que tiveram aborto
apresentaram associação com a presença dos agrotóxicos en-
dossulfam, aldrim e deltametrina. A literatura médica descre-
ve os efeitos desses agrotóxicos sobre o sistema reprodutivo e
hormonal em conformidade com os relatados pelas nutrizes
pesquisadas. O fato de o marido/companheiro trabalhar na
zona rural apresentou associação com a presença de resíduos
de endossulfam e aldrim em amostras de leite analisadas (PAL-
MA, 2011, p. 82-83).
Palma (2011, p. 84) se posiciona de forma crítica em sua
pesquisa e destaca que o processo produtivo agrícola adotado
no município de Lucas do Rio Verde leva o município a um
desenvolvimento insustentável, pois degrada o meio ambien-
te local, polui os recursos hídricos, o solo, o ar, afetando sua
população, acarretando sérios problemas de saúde, sendo a
contaminação do leite das nutrizes residentes em Lucas do Rio
Verde apenas um dos múltiplos efeitos desencadeados por esse
processo produtivo. A pesquisadora também considera que os
serviços de saúde pública municipal devem ficar atentos aos
indicadores de saúde que possam estar relacionados ao uso in-
tensivo de agrotóxicos no município e enumera a incidência
89. Mais uma vez nos lembramos das denúncias de Carson (2010) que já nos
idos da década de 60 denunciou o mal do DDT, fato que refletiu na retirada
do produto dos EUA na década de 70, mas que, conforme já comentamos em
excerto próprio desse trabalho, só foi retirado totalmente de circulação do país
há poucos anos.

27 7
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

de abortos, malformações, neoplasias e doenças neurológicas


como sinalizadores, pois vários agrotóxicos possuem ação mu-
tagênica, teratogênica, carcinogênica, desregulação endócrina
e distúrbios neurológicos e psiquiátricos.
A pesquisadora defende a ideia de que os dados apresen-
tados e discutidos em sua pesquisa demostram um problema
de saúde pública em que trabalhadores e população vizinha às
áreas de produção de soja, milho ou algodão se encontram em
situação de vulnerabilidade, por conta dos efeitos nocivos dos
agrotóxicos sobre a saúde humana.
A autora deixa como sugestões de ações: vigilância em saú-
de para o município pesquisado e as demais cidades do país
centralizadas no modelo agroprodutivo que visem à proibição
da pulverização de qualquer tipo de agrotóxico por avião; li-
mitação da aplicação de agrotóxicos a uma distância mínima
de 500 metros do perímetro urbano ou no entorno de aglo-
merados humanos, criação de animais, nascentes de córregos
e abastecimentos de água potável; implantação de sistema de
notificação e vigilância para as intoxicações agudas e crôni-
cas; realização de vigilância em saúde nos casos de derivas de
agrotóxicos; e implantação de Sistema de Monitoramento de
Resíduos de Agrotóxicos em águas de córregos, rios, lagos,
poços artesianos, no ar, na chuva e nos alimentos (PALMA,
2011, p. 85-86).
Por fim, conclui que apesar de 100% das amostras analisa-
das de leite materno restarem contaminadas, não se deve des-
prezar os benefícios da amamentação para o bebê do ponto de
vista nutricional, imunológico, psicológico e na promoção da
saúde, ainda que danos possam advir por conta da exposição
dos infantes aos agrotóxicos e considera que existe uma ne-
cessidade urgente de se ampliar as avaliações e análises dessas
contaminações do leite humano por agrotóxicos provindos do
processo produtivo agropecuário, coordenado pelo agronegó-
cio, para que seja possível a implantação de medidas de saú-
de coletiva, com participação dos afetados ou agravados, dos

278
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

técnicos da saúde, da agricultura e ambiente, num movimento


com a sociedade civil organizada e articulada com a democra-
cia e justiça ambiental, em busca de outro modelo de agricul-
tura, seja ele agroecológico ou algum que se relacione com o
desenvolvimento da vida, da saúde, da democracia e da felici-
dade (PALMA, 2011, p. 86).
Seguindo as pesquisas sobre o tema específico da contami-
nação por agrotóxicos no leite materno e na primeira infância,
trataremos agora da pesquisadora Paula de Novaes Sarcinelli,
que na obra intitulada “É veneno ou é remédio”, em seu capí-
tulo 02, fala da exposição de crianças e adolescentes a agrotó-
xicos. Segundo a pesquisadora, além dos efeitos tóxico-sistê-
micos, que possuem doses limites de exposição previamente
estabelecidas, há uma enorme preocupação com os efeitos de
longa duração com potencial carcinogênico. A autora informa
que há um crescente número de casos de câncer em crianças.
Somente nos Estados Unidos, cerca de 8.000 novos casos por
ano são registrados e cita estudo de Carroquino (1998) (SAR-
CINELLI, 2003, p. 47).
Na pesquisa feita por Sarcinelli (2003, p. 47), é feita a esti-
mativa de que cerca de 80% a 90% de todos os cânceres sejam
atribuídos a fatores ambientais e relata que, em 1997, a EPA
(Agência de Proteção Ambiental) estadunidense, através do
seu Departamento para a Proteção da Saúde da Criança, pro-
moveu uma conferência sobre causas de câncer passíveis de
prevenção em crianças, visando a ampliação do conhecimento
e o direcionamento de esforços na prevenção de câncer em
crianças relacionados às causas ambientais, e que as recomen-
dações concentraram-se em quatro áreas de pesquisa, quais se-
jam: fatores de susceptibilidade; fatores epidemiológicos e de
risco; marcadores biológicos de exposição e efeito; e medidas
quantitativas de exposição.
A autora descreve, em sua pesquisa, a preocupação com
o impacto potencialmente desproporcional que exposições
a químicos ambientais podem causar na saúde de crianças e

279
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

fetos em desenvolvimento, o que levou a numerosos esforços


políticos e ao desenvolvimento de pesquisas sobre a saúde das
crianças, tais como o estabelecimento do departamento da EPA
para a Proteção da Saúde da Criança, bem como do Comitê
Conselheiro para a Saúde da Criança, e a promulgação do Food
Quality Protection Act – FQPA, em 1996, que desempenhou
importante papel na regulamentação de agrotóxicos, como a
inclusão de políticas preventivas para tratar mais estritamente
dos riscos potenciais dos pesticidas à saúde das crianças (SAR-
CINELLI, 2003, p.45-46).
Notemos que a EPA, surgida alguns anos após o lançamen-
to do livro de Carson (1962), criou um departamento especí-
fico de proteção à saúde da criança. O Brasil, apesar de possuir
avançadíssima legislação de proteção ambiental não desenvol-
veu similarmente nenhum mecanismo de gestão pública – pelo
menos que tenhamos conhecimento de forma institucionaliza-
da – que conjugue a agenda de proteção ambiental e a agenda
de proteção à criança de forma expressa, conforme vem sendo
feito nos EUA.
Para Sarcinelli (2003, p. 47):

Estudos prévios têm sugerido uma associação entre


exposição a agrotóxicos e diferentes tipos de cânce-
res em crianças (Meinert et al., 2000), além de infor-
mar em sua pesquisa que o Instituto Nacional do Cân-
cer e o Programa Nacional de Toxicologia, (National
Cancer Institute – NCI – e National Toxicology Pro-
gram – NTP), ambos dos EUA, avaliaram 51 agrotóxi-
cos no ano de 1990, dos quais 24 demonstraram caráter
carcinogênico em estudos crônicos. Em 1997, a IARC
(Agência Internacional de Pesquisa em Câncer – Inter-
national Agency for Research on Cancer) classificou 26
agrotóxicos com indícios suficientes de potencial car-
cinogênico em animais e 19 com indícios limitados em
animais. (sem destaque no original).

28 0
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

A pesquisadora faz uma revisão de literatura com estudos


envolvendo a relação entre câncer e exposição de crianças a
agrotóxicos entre os anos de 1974 e 1997 (de caso-controle
e corte). Segundo a investigação científica, os casos mais fre-
quentes foram leucemia (18 estudos), neuroblastoma (8), tu-
mor de Wilm (6), sarcoma de tecidos moles (3), osteosarcoma
(10), sarcoma de Ewing (6), linfoma não-Hodgkins (8) e cân-
ceres de cérebro (18), coloretal (2) e testículos (2). A inves-
tigadora, de forma autocrítica, relata que se devam avaliar as
limitações de alguns estudos em aspectos como a quantidade
insuficiente de informações sobre a exposição, número peque-
no de indivíduos expostos e o potencial para viés de resposta,
mas não deixa de mencionar o fato de que muitos estudos re-
velaram riscos aumentados, em maior magnitude do que os
observados em estudos de adultos expostos a agrotóxicos, o
que pode sugerir que as crianças sejam particularmente mais
sensíveis à ação carcinogênica desses agentes químicos (SAR-
CINELLI, 2003, p. 48).
Em relação à exposição da primeira infância à agrotóxicos,
é preciso destacar, segundo a pesquisa que ora se comenta, que
a contaminação pode ocorrer de duas formas distintas e/ou
simultâneas: a contaminação por vias ambientais, que ocorre
em suas casas, escolas, gramados e jardins, bem como pela ali-
mentação e água contaminada e a contaminação ocupacional
que pode ocorrer durante a sua participação em atividades la-
borais da família, através do contato com os pais, quando estes
lidarem com algum destes agroquímicos durante o trabalho. O
mais grave é que a própria poeira domiciliar de um ambiente
doméstico no entorno de uma área rural pode conter um grau
mais elevado de concentração de agrotóxicos do que o próprio
ar, solo e alimentos (SARCINELLI, 2003, p. 43-44).
Em relação à exposição materna, Sarcinelli (2003, p. 44) in-
forma que as exposições infantis iniciam-se na vida intrauteri-
na, através da passagem desses componentes na forma de “ali-
mentos” compartilhados pela placenta e, após o nascimento,

28 1
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

pelo leite materno durante a amamentação e que a excreção


de organoclorados no leite é um meio importante de redução
da carga corpórea da mãe, e, durante o processo de amamen-
tação, a transferência desses compostos tóxicos é passada para
a criança.
Em relação à contaminação do leite, a cientista considera
que deve ser tema merecedor de especial atenção, principal-
mente pelo fato de ser o leite materno a única fonte de ali-
mento para o recém-nascido, que o consome em quantidades
proporcionalmente elevadas. A amamentação é considerada a
principal via de transferência desses resíduos para a criança
junto com a passagem transplacentária. Desta forma, a exposi-
ção a agrotóxicos merece um cuidado maior, visto que a maio-
ria dos agrotóxicos pode produzir efeitos neurotóxicos em or-
ganismos vivos, o que não exclui os seres humanos. Pesa, para
a pesquisadora, neste momento, o fato de que as crianças são
particularmente sensíveis e frequentemente mais suscetíveis
às toxinas químicas que alteram a estrutura ou o funcionamen-
to do cérebro, ainda que essa susceptibilidade seja variável de
acordo com o agente neurotóxico a que se expõe o feto ou a
criança, e conclui que as exposições precoces à neurotoxinas
têm sido associadas às doenças neurológicas e ao retardo men-
tal (SARCINELLI, 2003, p. 50).
Sarcinelli (2013, p. 51) prossegue com informações que
parecem se encaixar em boa parte dos estudos contramajoritá-
rios e críticos ao modelo agroprodutivo baseado em agrotóxi-
cos e menciona que:

Os sintomas neuropsicológicos e neurocomportamen-


tais mais frequentes relacionados à exposição crônica
a agrotóxicos são alterações de vigilância, diminui-
ção de concentração, lentidão no processamento de
informações, alterações da memória, distúrbios de
linguagem, redução de velocidade psicomotora, de-
pressão, ansiedade e irritabilidade (Hartman, 1988).

282
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

A exposição aos agrotóxicos pode representar, por-


tanto, um risco de contaminação e consequentemen-
te de comprometimento do desenvolvimento físico,
emocional e cognitivo de crianças e adolescentes, e
do processo de aprendizagem na escola e no traba-
lho. Em suas atividades laborais, a situação é ainda mais
grave devido aos riscos de acidentes a que, certamen-
te, ficam expostos em decorrência das alterações das
funções neurocomportamentais.

Percebemos que as pesquisas de Sarcinelli (2003) e Palma


(2011), apesar de apresentarem 08 anos de diferença, e dos
galopantes avanços nas mais diversas técnicas de investigação
científica, demonstram semelhanças em muitos pontos e, ain-
da mais, parecem confirmar aquilo que Rachel Carson (1962)
gritou em sua “Primavera Silenciosa”, e Vandana Shiva (2003)
tratou em sua obra “Monocultura da mente”.
Outra pesquisa que se coaduna às pesquisas de Sarcinelli
(2003) e Palma (2011) foi elaborada pelo doutor em Geologia
ambiental, Roberto Naime, para o portal de notícias do MST,
no qual ele afirma que os efeitos dos agrotóxicos são mais noci-
vos em crianças. O artigo foi publicado dia 03 de dezembro de
2015, no sítio eletrônico do MST – Movimento dos Sem Terra.
Naime (2015) inicia seu artigo informando que a pesquisado-
ra Sônia Stertz90, da Universidade Federal do Paraná (UFPR),
registrou que as crianças apresentam níveis duas vezes mais
elevados de pesticidas no sangue e seus efeitos são até 10 vezes
mais intensos do que em adultos. O autor prossegue citando
investigação feita pela Universidade de Berkeley, na Califórnia,
que relata que:

Até a idade de dois anos, crianças produzem pouco de


uma enzima chamada Paraoxonase-1, que auxilia na

90. Sônia Stertz é doutora em Tecnologia de Alimentos, presidente da Socie-


dade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos na Regional do Paraná.

28 3
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

detoxificação ou eliminação de pesticidas organofosfo-


rados. Algumas crianças só atingem níveis normais des-
sas enzimas aos 7 anos”.

O pesquisador defende o consumo dos alimentos orgâ-


nicos por considerar que são alimentos que estão isentos da
contaminação por agrotóxicos e resíduos de forma geral e co-
laciona em seu artigo informações de Heloísa Pacheco, coor-
denadora do ambulatório de Toxicologia da UFRJ, a qual afir-
ma que a exposição a agrotóxicos possui uma responsabilidade
muito maior do que se imagina em casos de câncer e neopla-
sias (NAIME, 2015).
Segundo o artigo de Naime (2015), o agrotóxico no ali-
mento, ao ser ingerido, gera um efeito cumulativo, podendo
levar a uma série de doenças crônicas neurológicas, endócri-
nas, imunológicas e do aparelho reprodutor, como infertilida-
de, diminuição do número de espermatozoides e câncer e que
os agrotóxicos podem ser hidrofílicos ou lipofílicos quando se
combinam com moléculas de água ou gorduras, respectivamen-
te, e se acumulam no organismo, desta forma, são capazes de
induzir a moléstias muito tempo depois de serem acumulados.
É importante mencionar a nota trazida no artigo de pes-
quisador Naime (2015), que trata da pesquisa da médica Sil-
via Brandalise, da Unicamp, a qual estuda as causas de cân-
cer, principalmente entre crianças. Segundo a pesquisadora,
estudos já comprovaram que a exposição aos venenos usados
nas plantações está relacionada com a leucemia e tumores no
cérebro. Ao final de seu artigo, o autor faz um apelo: “conve-
nhamos que ao menos as crianças devem ser preservadas destes
cenários apocalípticos”.
O documento da ONU, já trazido nesse capítulo, também
dedicou tópico próprio às mulheres grávidas e crianças, e, em
linhas gerais, informou que as crianças são mais vulneráveis à
contaminação por pesticidas em razão de sua condição e que,
ao serem expostas a uma dosagem mais elevada por unidade

28 4
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

de peso corporal, apresentam menor capacidade de excreção,


pois possuem, em um nível muito baixo, as enzimas chaves
que desintoxicam os pesticidas e que os impactos sobre a saú-
de incluem desenvolvimento intelectual prejudicado e anoma-
lias de desenvolvimento (ONU, 2017, p. 08).
Em relação às mulheres grávidas expostas aos praguicidas,
o documento da ONU informou que estas se encontram em
maior risco de aborto espontâneo, parto antecipado ou filhos
com problemas congênitos de saúde e que estudos têm encon-
trado regularmente um coquetel de pesticidas nos cordões
umbilicais e primeiras fezes de recém-nascidos, provando ex-
posição pré-natal e que a exposição por pesticidas pode ser fei-
ta por qualquer um dos genitores e que o período mais crítico
de contaminação consiste nos três meses antes da concepção,
para o genitor homem e a exposição materna é mais perigosa
desde o mês antes da concepção até o primeiro trimestre da
gravidez e que recentes evidências sugerem que a exposição
de pesticidas pelas mães grávidas leva a um risco de leucemia
infantil e outros cancros, autismo e doenças respiratórias. O
documento da ONU explica que os pesticidas neurotóxicos
podem atravessar a barreira placentária e afetar o desenvol-
vimento do feto, enquanto outros produtos químicos tóxicos
podem afetar adversamente seu sistema imunológico. 91

91. O documento da ONU colaciona as seguintes pesquisas ao trazer referidas


informações: Alaska Native Health Board, “Traditional Food Contaminants
Testing Projects in Alaska”, julio de 2002; y Gretchen Welfinger-Smith et al.,
“Organochlorine and Metal Contaminants in Traditional Foods from St. Law-
rence Island, Alaska”, Journal of Toxicology and Environmental Health, Parte
A, vol. 74, num. 18 (septiembre de 2011); Beyond Pesticides, “Children and
Pesticides Don’t Mix”, folleto informativo.; Eyhorn, Reducing Pesticide Use,
pág. 9; Enrique Ostrea, Dawn Bielawski y N. C. Posecion, “Meconium analysis
to detect fetal exposure to neurotoxicants”, Archives of Disease in Childhood,
vol. 91, núm. 8 (septiembre de 2006); Red de Acción en Plaguicidas, respuesta
al cuestionario sobre los plaguicidas y el derecho a la alimentación, pág. 3;
Council on Environmental Health, “Policy statement: Pesticide Exposure in
Children”, Pediatrics, vol. 130, núm. 6 (diciembre de 2012). 29 Köhler, “Wil-
dlife Ecotoxicology of Pesticides”. (ONU, 2017, p. 08).

28 5
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Gurgel (2017, p. 50) também trata de forma específica da


contaminação de crianças e defende, através de uma robusta
revisão bibliográfica, a ideia que:
Existem evidências de toxicidade crônica sobre o siste-
ma reprodutivo, que podem afetar células germinativas
e gametas (óvulos e espermatozoides), provocando alte-
rações que podem ser transmitidas aos zigotos, causan-
do morte precoce do embrião (Hales; Robaire, 1996)
ou então malformações no feto. As malformações
fetais são defeitos congênitos que podem estar rela-
cionados à exposição aos agrotóxicos, sendo os mais
comuns: a fenda palatina, defeitos no tubo neural e
nos membros (Roberts; Karr; Council on Environmen-
tal Health,2012). Os danos ao sistema reprodutivo e as
malformações fetais podem estar associadas à exposi-
ção a diversos compostos tais como os organoclorados
(Montes et al., 2010; Shekharyadav et al., 2011; Kry-
siak-Baltyn et al., 2012; Rignell- Hydbom et al., 2012; LI
et al., 2014; Michalakis et al., 2014, 2014), piretroides
(Bian et al., 2004; Xia et al., 2004, 2008; Lifeng et al.,
2006; Sun et al., 2007) e o 2,4-D (Lerda; Rizzi, 1991;
Extension Toxicology Network, 1996; Arbuckle et al.,
1999; Swan et al., 2003; Institute of Medicine, 2014).

[...] Também podem ser observadas desordens psiqui-


átricas e neurodegenerativas como transtornos parkin-
sonianos (Davis; Yesavage; Berger, 1978; Rajput; Uitti,
1987; Joubert; Joubert, 1988; Hertzman et al., 1990;
Meco et al., 1994; Senanayake; Sanmuganathan, 1995;
Liou et al., 1997; Bhatt; Elias; Mankodi, 1999; Montoya-
Cabrera et al., 1999; Müller-Vahl; Kolbe; Dengler, 1999;
Brooks et al., 1999; Shahar; Andraws, 2001; Hsieh et al.,
2001; Mccormack et al., 2002; Arima et al., 2003; Rusy-
niak; Nañagas, 2004; Brahmi et al., 2004; González-Polo
et al., 2004; Shahar et al., 2005; Eaton; Gallagher, 2010;

28 6
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Hashim et al., 2011); e neurotoxicidade do desenvol-


vimento, provocando alterações intelectuais e com-
portamentais em crianças (Roberts; Karr; Council on
Environmental Health, 2012; Burns et al., 2013; Yolton
et al., 2014; Zhang et al., 2014; González-Alzaga et al.,
2015). (sem destaque no original).

Karen Friederich (2017, p. 59), no mesmo documento do


Greenpeace, insere a imagem abaixo na introdução de seu artigo
e expressa o fato de que é preciso pensar nas futuras gerações.

Figura 15: Fernanda Porto/Greenpeace.

Em relação às intoxicações por faixa etária, Bombardi


(2016) informa, no gráfico abaixo, dados contundentes. Segun-
do sua pesquisa, desde 2001 até 2006, a contaminação da po-
pulação “infanto-juvenil”92 respondeu sozinha por cerca de 1/4
92. 0 à 19 (zero à dezenove) anos na divisão trazida pela autora, que não expli-
cita a razão de sua divisão, – se jurídica, psicológica, sociológica, biológica, etc.

287
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

das intoxicações no campo. Fazendo-se a soma dos dados abai-


xo catalogados, chegamos ao número de 26,5% de intoxicações.

Gráfico 9: Intoxicação por agrotóxico/faixa etária 2001-2006 (BOM-


BARDI, 2016, p. 18).

Mudando-se o período de análise, segundo Bombardi


(2016, p. 21), entre os anos de 2007 a 2013, o Ministério da
Saúde registrou 25.106 intoxicações por agrotóxicos de uso
agrícola (notificadas junto a este órgão). Na faixa etária de 0
a 14 anos – houve a notificação de 181 crianças intoxicadas,
sendo que nos estados do Centro-Sul do país as crianças entre
01 e 04 anos, ou seja, crianças na primeira infância, responde-
ram por mais de 30% dos casos e, no Mato Grosso e em Minas
Gerais, essa mesma faixa etária respondeu por mais de 40%
dos casos de intoxicação dentro do intervalo de 0 a 14 anos.
Conforme ilustra o gráfico abaixo:

28 8
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Gráfico 10: Intoxicação por agrotóxico/faixa etária 2007-2013 (BOM-


BARDI, 2016, p. 19).

É, no mínimo, aterrador pensarmos que o panorama apre-


sentado no Pequeno Ensaio Cartográfico de Larissa Bombardi
pode representar uma realidade de envenenamentos e suicí-
dios da infância do campo. E, pior ainda, segundo a própria
autora alerta, no início da obra, são representações baseadas
em dados que padecem de notificação plena.
Dentro dessa realidade, a maior parte das intoxicações
ocorre por via acidental, seguida pelo suicídio (em segundo
lugar), o qual se concentra entre crianças e adolescentes de
10 a 14 anos. Se já não bastasse termos entre 25% (gráfico 03)
a 40% (gráfico 04) de crianças e adolescentes envenenados,
temos ainda esse mesmo grupo cometendo suicídio.
Em obra mais recente, Bombardi (2017) apresenta mapa
que trata, especificamente, da contaminação de bebês, confor-
me visualizaremos a seguir:

28 9
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Mapa 2: Bebês intoxicados por agrotóxicos (0 a 12 meses).

São apresentados, acima, 142 casos de intoxicações de be-


bês, fato que pode ser considerado como a “ponta do iceberg”
das intoxicações no país e revelador da vulnerabilidade das co-
munidades de forma geral. (BOMBARDI, 2017)

29 0
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Em relação à classificação etária, os dados trazidos no livro


de Flávia Londres se alinham aos dados trazidos por Larissa
Bombardi ao informarem que, cerca de1/4 das intoxicações,
ou seja, aproximadamente 25%, atinge a população infanto-ju-
venil na faixa de idade entre 0-19 anos, mesmo padrão etário
utilizado por Larissa Bombardi em sua obra.
As intoxicações de crianças na primeira infância demons-
tram uma certa expressividade dentro do percentual que estão
inseridas, conforme se infere do gráfico a seguir:

Gráfico 11: Intoxicação e classificação por idade (LONDRES, 2011,


p. 40).

Em relação à faixa etária de envenenamentos por agro-


tóxicos, o Dossiê Abrasco também não se mantem silente e
informa que a exposição de crianças pode diferir da exposi-
ção de adultos, pois, fisiologicamente e comportamentalmen-
te, as crianças são, particularmente, sensíveis aos agrotóxicos
em decorrência de sua alta permeabilidade intestinal e da
imaturidade do seu sistema de detoxificação (ATSDR, 2000),

291
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

sendo necessário levar-se em consideração tais peculiarida-


des, quando se avaliam os riscos dos agrotóxicos (ABRASCO,
2015, p. 126).
Inferimos, dos dados acima expostos, que a ideia de Beck
(2011, p. 30 -31), esposada no capítulo anterior, que descrevia
as distribuições de poluentes, toxinas, impactos sobre a água,
o ar, o solo e os alimentos através da exposição de mapas co-
loridos a um público assustado, ao mesmo tempo em que não
levavam em conta a consequência para grupos em particular,
mas para todas as pessoas, não encontra eco na maior parte das
pesquisas contramajoritárias aqui acionadas.
Após 13 anos sem publicar o Atlas da Saúde das Crianças
e do Meio Ambiente, a OMS lançou em 2017, na data de 06 de
março, a versão atualizada do Atlas que informa que mais de
25% das mortes de crianças, com menos de cinco anos, são
causadas por fatores ambientais como poluição, falta de sanea-
mento e uso de água imprópria para o consumo. Anualmente,
1,7 milhões de meninos e meninas nessa faixa etária morrem
porque vivem em locais insalubres.
Chamamos a atenção, nesse momento, para a proximidade
percentual que se apresenta entre os dados do recentíssimo re-
latório da OMS e as informações trazidas por Larissa Bombardi
(2016) e Flávia Londres (2011), que apresentaram perspec-
tivas de mortes de crianças por agrotóxicos de maneira mui-
to similar a essas que tratam dos fatores ambientais de forma
mais ampla.
O documento produzido pela OMS possui 164 páginas e
apesar de ter sido amplamente noticiado em nossa imprensa
e na própria página da OMS do Brasil, não apresenta tradução
para o português, até o presente momento da pesquisa.
No prefácio da obra, apontou-se a relação entre a exposi-
ção das crianças a diferentes ambientes e a influência profunda
que referidos meios desencadeiam em seu crescimento e de-
senvolvimento. As exposições ambientais, positivas ou nega-
tivas, não ocorrem de forma isolada, mas atuam relacionadas

292
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

à nutrição, saúde e bem estar das crianças, que representam


um futuro a ser alimentado e gerido pela humanidade (OMS,
2017, p. 12).
O Atlas informa que o investimento na saúde das crianças,
através da redução da exposição aos riscos ambientais, deve
ter prioridade por parte dos governos mundiais, pois somente
em ambientes saudáveis as crianças têm potencial para se tor-
narem adultos saudáveis, capazes de enfrentar os desafios do
futuro, sendo feita alusão aos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável – ODS.
O documento relata que, apesar do planeta já ter conse-
guido um declínio substancial na mortalidade infantil e na re-
dução de doenças transmissíveis, é preciso superar as falhas
estruturais do passado e avançar para minorar a carga ambien-
tal das doenças em crianças através da redução de ambientes
obesogênicos, melhoria da água e saneamento, limitação da
poluição e eliminação segura de resíduos químicos.
O prefácio da obra destaca que, mais de uma década após a
publicação, Herança do mundo: O atlas da saúde das crianças
e do ambiente em 2004, esta nova edição não se trata de mera
atualização, mas de revisão mais detalhada sobre os desafios
contínuos e emergentes para a saúde ambiental das crianças e
que foram levadas em conta as mudanças nos principais riscos
ambientais para a saúde das crianças nos últimos 13 anos, de-
vido à crescente urbanização, industrialização, globalização e
mudanças climáticas.
Salienta o prefácio da obra, que referida produção técnica
está alinhada com a Estratégia Global para a Saúde da Mulher,
da Criança e do Adolescente, lançada em 2015, que buscou en-
fatizar o fato de que toda criança merece a oportunidade de
prosperar em ambientes seguros e saudáveis e que os ODS –
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são um importante
quadro de referência para que seja possível trabalhar e melho-
rar a vida de todas as crianças (OMS, 2017, p. 12).
O Atlas da OMS informa que as crianças estão no cerne

293
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

dos ODS, pois são elas que herdarão o legado de políticas e


ações ou omissões dos líderes de hoje. A publicação, inclusive,
está dividida de acordo com os ODS, sendo que os ODS 1, 2
e 10 abordam a equidade e a nutrição; o ODS 6 trata de água,
saneamento e higiene; os ODS 7 e 13 chamam a atenção para a
energia, poluição do ar e mudanças climáticas; os ODS 8, 9 e 11
versam sobre infraestrutura de estudos e pesquisas e os ODS 3,
6 e 12 terão nossa especial atenção, pois focam nas exposições
químicas (OMS, 2017, p. 13).
Tratando de forma específica sobre os ODS, temos que o
Brasil participou de todas as sessões da negociação intergover-
namental, quando chegou-se a um acordo que contempla 17
Objetivos93 e 169 metas, envolvendo temáticas diversificadas,

93. Os objetivos são: Objetivo 1. Acabar com a pobreza em todas as suas for-
mas, em todos os lugares; Objetivo 2. Acabar com a fome, alcançar a segurança
alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável; Objeti-
vo 3. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em to-
das as idades; Objetivo 4. Assegurar a educação inclusiva e equitativa de quali-
dade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos;
Objetivo 5. Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e
meninas; Objetivo 6. Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água
e o saneamento para todos; Objetivo 7. Assegurar a todos o acesso confiável,
sustentável, moderno e a preço acessível à energia; Objetivo 8. Promover o
crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e
produtivo e trabalho decente para todos; Objetivo 9. Construir infraestrutu-
ras resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomen-
tar a inovação; Objetivo 10. Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre
eles; Objetivo 11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos,
seguros, resilientes e sustentáveis; Objetivo 12. Assegurar padrões de produ-
ção e de consumo sustentáveis; Objetivo 13. Tomar medidas urgentes para
combater a mudança do clima e os seus impactos (*); Objetivo 14. Conservar
e usar sustentavelmente os oceanos, os mares e os recursos marinhos para
o desenvolvimento sustentável; Objetivo 15. Proteger, recuperar e promover
o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as
florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e
deter a perda de biodiversidade; Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e
inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça
para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos
os níveis; Objetivo 17. Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a
parceria global para o desenvolvimento sustentável. (ONU, 2016)

29 4
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

como erradicação da pobreza, segurança alimentar e agricul-


tura, saúde, educação, igualdade de gênero, redução das desi-
gualdades, energia, água e saneamento, padrões sustentáveis
de produção e de consumo, mudança do clima, cidades susten-
táveis, proteção e uso sustentável dos oceanos e dos ecossiste-
mas terrestres, crescimento econômico inclusivo, infraestru-
tura e industrialização, governança e meios de implementação
A seguir, para melhor visualização dos quadros relaciona-
dos aos ODS acima descritos, temos a seguinte imagem:

Figura 16: ODS relacionados de forma integrada e multissetorial


(OMS, 2017, p. 112).

29 5
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Podemos observar, ainda que não façamos a tradução de


todos os detalhes da imagem, que existe uma correlação entre
os diversos objetivos de forma integrada e multissetorial, uma
vez que são 17 os ODS propostos. Apenas frisamos que um dos
pontos que aparecem em destaque é o da agricultura, que na
figura do quadro acima expressa a necessidade de se alcançar a
redução do uso de pesticidas e do trabalho infantil na lavoura,
sendo representada pela “pétala” verde e com a imagem que
remete a uma criança exercendo atividade rural.
Prosseguindo em nossa análise do Atlas “Herdando um
mundo sustentável” da OMS, o documento ressalta que exis-
tem as ameaças tradicionais à saúde das crianças e as ameaças
emergentes e que, essas últimas, são produtos da industriali-
zação global. Dentro das ameaças classificadas como emer-
gentes, o Atlas da OMS inclui produtos químicos, resíduos
eletrônicos e mudanças climáticas e considera que a toxici-
dade de muitos produtos químicos ainda não foi totalmente
conhecida ou testada, bem como sua regulamentação e segu-
rança não se mostram plenamente satisfatórias e menciona,
entre esses produtos químicos, aqueles provenientes de pes-
ticidas, plásticos e outros produtos manufaturados e que eles
podem encontrar um caminho de contaminação ambiental
que desagua na cadeia alimentar e apresenta especial preocu-
pação com os produtos químicos que acarretam distúrbios no
sistema endócrino, provocando doenças no fígado, tireoide
e neurodesenvolvimento.
O Atlas continua seu desenvolvimento informando que as
crianças têm percursos de exposição única em relação aos pro-
dutos químicos nos alimentos e que os bebês podem ser ex-
postos in utero aos agentes tóxicos na dieta de sua mãe através
da placenta e dos poluentes que passam para o leite materno.
A pesquisa ressalta que nenhuma dessas vias de exposição
ocorre em adultos ou em crianças mais velhas.
Assim como na pesquisa de Palma (2011), e outras corre-
latas que já analisamos ao longo desse capítulo, os cientistas

29 6
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

do Atlas consideram que os benefícios do aleitamento ma-


terno são inquestionáveis e que, portanto, a OMS recomenda
o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade,
com amamentação contínua, juntamente com alimentos com-
plementares apropriados, até dois anos de idade ou mais. No
entanto, ressalva o mesmo documento, que uma criança pode
ser exposta, por exemplo, a POPs no leite materno e que os
POPs – Poluentes Orgânicos Persistentes, assim como os PB-
DEs – Éteres Difenílicos Polibromados, que são substâncias
químicas tóxicas que persistem no ambiente, se acumulam
na cadeia alimentar, particularmente nos tecidos gordurosos
dos animais. A exposição a substâncias químicas perigosas du-
rante os estágios iniciais da vida (feto, lactente e criança) tem
sido associada a um risco aumentado de várias doenças como
alterações no desenvolvimento neurológico, endócrino e de-
senvolvimento do sistema imunológico, obesidade, diabetes e
outras doenças metabólicas (OMS, 2017, p. 72-73)94.
O Atlas traz informações sobre o monitoramento global
previsto na Convenção de Estocolmo e que os inquéritos sobre
o leite humano fornecem resultados que podem indicar pro-
gressos na eliminação de certos POPs.
Como pode ser visto no mapa abaixo, dados atualizados
foram fornecidos sobre os níveis de PCBs no leite materno e a
dose de produtos químicos aos quais os bebês podem ser ex-
postos através da amamentação:

94. Exposição precoce na vida (Grandjean et al, 2015). A exposição precoce


a certos pesticidas pode estar associada a doenças neurodegenerativas, tais
como a doença de Parkinson, numa fase posterior da vida (Grandjean et al.,
2015). Os efeitos de alguns POPs incluem problemas reprodutivos e de desen-
volvimento. Alguns produtos químicos podem danificar o sistema imunológi-
co, interferir com os hormônios, afetar a função neurológica ou causar câncer
(PNUMA, OMS, 2013a, OMS, 2010b).

297
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Mapa 3: Níveis de PCB no leite materno (OMS, 2017, p. 72).

O Atlas da OMS afirma que os contaminantes de POP nas


dietas das mães podem afetar o feto com implicações preco-
ces e de longo prazo e informa que os efeitos podem ter lon-
gos períodos de latência, sendo os lactentes mais sensíveis aos
poluentes químicos do que os adultos e crianças mais velhas
e que essas contaminações podem causar uma variedade de
distúrbios em diferentes fases da vida, sendo elas divididas no
documento da OMS nas seguintes etapas:

• Na infância: asma, câncer e efeitos neurológicos e com-


portamentais;

• Na puberdade: alterações no desenvolvimento normal e


diminuição da capacidade reprodutiva;

• Em adultos: câncer, doenças cardíacas e distúrbios


neurológicos e comportamentais degenerativos. (OMS,
2017, p. 72).

29 8
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

A OMS informa que, para crianças, o estágio de desen-


volvimento, quando a exposição ocorre, é tão crítico quanto
a dose e que exposições ao mesmo produto químico podem
resultar em resultados diferentes em comparação com adultos,
e os resultados podem não ser imediatos, pois dentro da cadeia
alimentar eles se bioamplificam, bioacumulam e persistem ao
longo do tempo, de modo que a exposição a esses produtos
químicos pode continuar, em alguns casos, mesmo após o fim
do uso. Muitos POPs têm potenciais efeitos no desenvolvimen-
to e neurocomportamento e alguns são reconhecidos como
disruptores endócrinos, substâncias que alteram uma ou mais
funções do sistema endócrino e, subsequentemente, causam
efeitos adversos para a saúde em organismos ou seus descen-
dentes (OMS, 2017).
Por fim, o documento traz informações de que, em alguns
casos, os níveis “seguros” podem ser difíceis de se determi-
narem e que os efeitos das misturas químicas são complexos,
quase desconhecidos, e que o uso de alternativas mais segu-
ras, quando disponíveis, são a forma mais eficaz de prevenir
a exposição.
Percebemos, assim, que as informações expostas no Atlas
em muito se assemelham às pesquisas nacionais e internacio-
nais colacionadas nesse capítulo e que tratam do viés crítico ao
sistema agroprodutivo agrodependente.
Ao longo do Atlas, vários desenhos são trazidos, como os
expostos abaixo – do lado esquerdo, e o Atlas encerra-se com a
gravura à direita. Ambas imagens trazem a frase: “don’t pollute
my future” – não polua o meu futuro (tradução livre).

29 9
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Figura 17: Desenhos do Atlas OMS.

Torna-se, cada vez mais perceptível, ao longo dos estudos


aqui relatados, que estamos em um campo de embates técni-
cos que se contrapõem de forma contundente em seus pró-
prios campos de atuação. Lembramos, então, que na década
de 1950, Jacques Ellul (1958), filósofo francês, abordava um
pouco dessa discussão quando dizia que:

Quanto mais o progresso técnico cresce, mais aumen-


ta a soma de efeitos imprevisíveis. Certos progressos
técnicos criam incertezas permanentes e em longo
prazo [...] Processos irreversíveis foram já implemen-
tados, particularmente no campo do meio ambiente
e da saúde. Os problemas ambientais são exemplares.
Criados pelo desenvolvimento tecnológico desenfreado
e irrefletido, necessitam sempre de novos instrumen-
tos e técnicas para resolvê-los. Os problemas de saúde
pública ou de segurança alimentar são sistematica-
mente reformulados de modo que possam receber

30 0
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

soluções técnicas ao invés de soluções políticas.


[...]
O sistema técnico gera mecanismos de exclusão social
devido à própria Técnica. Ele marginaliza um número
crescente de homens e mulheres que perdem pro-
gressivamente a capacidade de se adaptar à sofisti-
cação das técnicas, de seguir o ritmo do trabalho e da
vida social na sociedade tecnicista (L’homme qui avait
presque tout prévu [ O Homen que havia previsto quase
tudo], Paris: Le cherche Midi, 1977.
A Técnica não suporta o julgamento moral [...] no do-
mínio da tecnologia, tudo o que é da ordem do possí-
vel será um dia realizado, para o melhor ou para o pior;
manipulações do genoma humano, inserções de chips
eletrônicos no homem, armas destruidoras [...]. A única
questão é saber em que escalas essas realizações serão
conduzidas e em que medida as forças sociais consegui-
rão limitá-las.

Se a técnica não suporta julgamento moral, como tratou


Jacques Ellul, ela suportaria discussões acerca de um desenvol-
vimento sustentável que prevê o equacionamento e pretenso
equilíbrio entre economia, ambiente e sociedade para com as
atuais gerações e futuras? E o que falarmos dos direitos dos
recém-nascidos, bem como dos ainda não-nascidos em face
do sistema agrodependente e diante de marcos teóricos como
sociedade de risco (BECK) e Justiça Ambiental (BULLARD,
HERCULANO, MARTINEZ-ALIER, ET AL.)?
Quase ao final dessa seção, rememoramos Bourdieu quan-
do ele afirma que:

A luta científica é uma luta armada entre adversários


que possuem armas tão potentes e eficazes quanto o
capital científico coletivamente acumulado no e pelo
campo (portanto, em estado incorporado, em cada um

301
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

dos agentes) seja mais importante e que estejam de


acordo ao menos para invocar, como uma espécie de ár-
bitro último, o veredito da experiência, isto é, do “real”.
Essa “realidade objetiva” à qual todo mundo se refere
de maneira tácita ou explícita não é jamais, em defini-
tivo, aquilo sobre o que os pesquisadores engajados no
campo, num dado momento do tempo, concordam em
considerar como tal, e ela só se manifesta mediante as
representações que dela fazem aqueles que invocam
sua arbitragem (BOURDIEU, 2004, p. 22; 32). (sem
destaque no original).
Por fim, antes de fazermos a transição para o próximo
capítulo e aproveitando as dramatizações visuais (Hannigan,
1995) em relação à contaminação da infância por agrotóxicos,
expostas em uma série de estudos aqui apresentados, exibi-
mos, a seguir, algumas imagens da premiada exposição de fo-
tos do argentino Pablo Ernesto Piovano intitulada, O custo hu-
mano dos agrotóxicos, em que o fotógrafo percorreu mais de
6 mil quilômetros, na Argentina, retratando famílias afetadas
pelo uso massivo de agrotóxicos.

302
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Figura 18: Exposição de fotos – o custo humano dos agrotóxicos (PIO-


VANO, 2016).

303
4. REVOLU-AÇÃO? O GRUPO DE
TRABALHO (GT) AGROTÓXICOS E
TRANSGÊNICOS95 DA 4ª CÂMARA DE
COORDENAÇÃO E REVISÃO (CCR) DO
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Repara bem no que não digo


Paulo Leminski

Para análise dessas instâncias jurídico-operativas iremos nos


guiar pelos termos sustentabilidade e/ou desenvolvimento
sustentável, risco, justiça ambiental e futuras gerações, dentro
da perspectiva de alguns de nossos objetivos específicos, já in-
formados na introdução dessa pesquisa e aqui novamente re-
produzidos, quais sejam: Examinar junto ao GT Agrotóxicos e
Transgênicos da 4ª CCR do Ministério Público Federal – MPF,
os usos que são feitos das produções técnico-científicas sobre
agrotóxicos nas formulações das Ações Civis Públicas – ACPs
e nas decisões judiciais96 correlatas e identificar a emergência

95. Cumpre esclarecer que a pesquisa se debruçou sobre o GT Agrotóxicos e


Transgênicos, mas que esse foi encerrado no ano de 2018, após a defesa da
tese. Dessa forma, os dados aqui apresentados não carecem de atualização em
relação ao GT, pois ele foi extinto. Salutar, ainda, informar que, em uma linha
semelhante de atuação, foi inserido o GT Agroecologia, inclusive com o mes-
mo procurador do GT Agrotóxicos e Transgênicos na coordenação. Maiores
informações em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr4/dados-da
atuacao/grupos-de-trabalho/gt-transgenicos/gt-transgenicos-composicao.
Acesso em: 01 de Ago. 2019. Em relação às decisões judiciais, foi realizada a
atualização dos movimentos processuais até o dia 05 de agosto de 2019.
96. Referidas decisões judiciais, a serem analisadas, serão aquelas disponibili-
zadas pelo próprio GT que ora analisamos ou aquelas que conseguimos loca-

30 4
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

nos processos e nas decisões judiciais, de questões relaciona-


das aos termos em tela, bem como compreender as circunstân-
cias e os sentidos que são atribuídos a tais temas.
De antemão, informamos que, tampouco, pretendemos
“doutrinar”, hábito muito comum dentro da seara jurídica e
que busca fazer novas interpretações legais ou sugestões de
mudanças nas normas jurídicas. Nossa pretensão, interdisci-
plinar, se move muito mais para a busca de como essas mesmas
legislações são aplicadas – ou não, bem como suas disputas
de ordem operativa e percepções aplicativas, além de buscar
observar como o que fica dito em referidas ações e decisões
se relaciona, de alguma forma, aos estudos já desenvolvidos no
presente trabalho. Atentar-nos-emos, também, para o que não
é dito, pois, lembrando o poeta Leminski que certa feita disse:
“repara bem no que não digo”, talvez devamos reparar se algo
“não foi dito” pelo GT Agrotóxicos e Transgênicos do MPF nas
ações civis por eles patrocinadas e disponibilizadas em seu
site; ou no “não dito” pelos juízes federais, em suas decisões;
e o quanto tais silenciares, talvez, tenham, paradoxalmente,
muito a nos dizer.
Desta feita, conforme já citamos no próprio título do capí-
tulo, escolhemos estudar o MPF – Ministério Público Federal,
mais especificamente, o Grupo de Trabalho (GT) de Agrotó-
xicos e Transgênicos, inserido na Temática Meio Ambiente
e Patrimônio Cultural da 4ª Câmara de Coordenação e Revi-
são (CCR) e que, segundo informações constantes na própria
página do sítio eletrônico do MPF, trata, especificamente,
dos temas relacionados à flora, fauna, áreas de preservação,
gestão ambiental, reservas legais, zona costeira, mineração,

lizar os processos nos Tribunais e que disponibilizaram digitalmente o pro-


cessamento das ações com referidas decisões. Salientamos, também, que no
site do MPF existe o campo chamado consulta processual no qual realizamos
as buscas pelos Inquéritos Civis que geralmente antecedem a existência de
uma ACP, todavia, referida área de consulta processual não apresenta o inteiro
teor dos inquéritos, mas apenas sua movimentação entre diferentes setores do
próprio órgão.

305
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

transgênicos, recursos hídricos e preservação do patrimônio


cultural, entre outros97.
No tocante ao GT específico de Agrotóxicos e Transgêni-
cos, a informação constante no site do MPF dá conta de que
referido GT busca proporcionar discussões e articulações com
o Ministério Público, CTNBio, Instituto Nacional de Meio Am-
biente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e demais ór-
gãos integrantes do Sistema de Biossegurança, para que seja
possível a tomada de decisões, bem como a geração de proce-
dimentos tendentes à realização dos objetivos constitucionais
e legais afetos à questão de biossegurança de OGMs, seus deri-
vados e sua correlação com o uso de agrotóxicos.98
Em relação a uma definição do que seja o Ministério Públi-
co, este foi legalmente definido como instituição permanente
e essencial à função jurisdicional do Estado, e que tem por fi-
nalidade a defesa da ordem jurídica, do regime democrático
e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, inclusive
através de ações civis públicas, objetos específicos de nossa
atenção no presente capítulo.99
Importante, também, relatarmos que o Ministério Público
possui autonomia, ou seja, é um órgão independente, não per-
tencente a nenhum dos três Poderes – Executivo, Legislativo e
Judiciário. Além disso, possui autonomia na estrutura do Esta-
do, não podendo ser extinto, ou ter as atribuições repassadas
a outra instituição. Pertencem ao Ministério Público da União
(MPU): o Ministério Público Federal (MPF), Ministério Pú-
blico do Trabalho (MPT), Ministério Público Militar (MPM),
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

97. 4ª CCR – Meio Ambiente e Patrimônio Cultural. Disponível em: <http://


www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr4>. Acesso em: 15 ago. 2017.
98. GT Agrotóxicos e Transgênicos. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/
atuacao-tematica/ccr4/dados-da-atuacao/grupos-de-trabalho/gt-transgeni-
cos. Acesso em: 15 de agosto de 2018>. Acesso em: 15 ago. 2017.
99. Para maiores detalhamentos das funções e atribuições do Ministério Públi-
co temos os artigos 127 ao 130-A da Constituição Federal de 1988.

30 6
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Abaixo, para melhor visualização de como se proces-


sa a divisão em Grupos de Trabalho – GTs, no site do MPF,
segue figura:

Figura 19: GT Agrotóxicos e Transgênicos. Disponível em: <http://


www.mpf.mp.br/atuacao- tematica/ccr4/dados-da-atuacao/grupos-
-de-trabalho/gt-transgenicos>. Acesso em: 15 ago. 2018.

Em tempos de extremada publicização da atuação de al-


guns membros do MPF, principalmente através da ruidosa
operação Lava Jato – que já se estende por anos, informamos
que os procuradores e promotores do Ministério Público têm
a independência assegurada pela Constituição, estando subor-
dinados, hierarquicamente, a um chefe, apenas em termos ad-
ministrativos, todavia cada profissional é livre para seguir suas
convicções, desde que estejam de acordo com a lei.100

100. Como o presente estudo não visa fazer uma análise detalhada daquele
que alguns doutrinadores referem-se como o 4º poder, a saber, o Ministério
Público, sistematizamos nossas informações da forma mais clara e sintética
possível, informações mais acuidadas podem ser colhidas nos livros de Direito
Constitucional ou simplesmente serem consultadas em sites do governo fede-
ral em links como: <http://www.brasil.gov.br/governo/2010/01/ministerio-
-publico>. Acesso em: 15 ago. 2017.

307
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Assim, pela singularidade que envolve referido órgão juris-


dicional, sua recente notoriedade de atuação funcional frente
ao caso Lava Jato e seus desdobramentos operativos, bem como
pelo fato de que podemos encontrar na própria página deste
um GT específico e uma coletânea de documentos atinentes ao
tema agrotóxicos e transgênicos é que optamos por esse campo
de observação em busca de mais informações que nos auxiliem
na resposta da questão-problema esposada no início deste tra-
balho e cujo cenário de composição de análise do problema
buscamos conhecer ao longo dos capítulos anteriores.
Informamos que os materiais disponíveis para consulta
pública no endereço eletrônico do GT Agrotóxicos e Transgê-
nicos compõem-se de um rol de documentos diversos, dividi-
dos na seção “ofícios”, composta pelos seguintes documentos
que são formatados como hiperlinks e que se abrem para do-
cumentos no formato PDF101:
Na seção ofícios, temos os seguintes documentos relacio-
nados: Ofício 1290/2012 – PRR 3ª Região; Ofício 2727-2011
– PRR 3ª Região; Ofício 0216-2008 – PRR 1ª Região; Ofício
Circular n. 08; Ofício Circular n. 07; Ofício Circular n. 06; Ofí-
cio Circular n. 05; Ofício Circular n. 75 – 2007_PRDF; Ofício
Circular n. 04; Ofício Circular n. 03; Ofício Circular n. 02; Ofí-
cio Circular n. 01.
Depois, há outra subdivisão denominada de: Informa-
ções e Notas Técnicas, compostas dos seguintes documentos:

101. Referidos documentos estão disponíveis no link: <http://www.mpf.


mp.br/atuacao-tematica/ccr4/dados-da-atuacao/grupos-de-trabalho/gt-
-transgenicos/documentos-diversos/oficios-1>, tivemos três momentos em
que consultamos referida base de dados, uma vez por ocasião da banca de
qualificação, em maio de 2016, outra por conta da finalização da pesquisa e
banca de defesa de tese e a última com a revisão dos originais da tese para a
publicação em livro e que informam que o GT pesquisado foi extinto no ano de
2018. Em relação à inserção de ACPs, não houve inserção de nova ação quando
das consultas para a escrita deste capítulo em 2017. Ao procedermos a revisão
do texto final, em janeiro de 2018, realizamos nova consulta, onde foi possível
verificar que não existiram mudanças na inserção de novas ações e nem mes-
mo de novas atas. Sendo a última ata datada de abril de 2017.

30 8
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Parecer Técnico e Jurídico n. 02/2015 – 4ªCCR – (Sobre o PL


n. 4148/2008, da Câmara dos Deputados com trâmite atual no
Senado Federal sob o n. 34/2015, que altera e acresce disposi-
tivos à Lei n. 11.105/2005, que estabelece normas de seguran-
ça e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam
organismos geneticamente modificados); NT Interpretação
do artigo 2° do Decreto n. 4680/2003; NT 22-08 Memória de
Reunião CTNBIO; NT 21-08 Memória de Reunião CTNBIO;
NT 13-08 Memória de Reunião CTNBIO; NT 09-08 Memória
de Reunião CTNBIO; Audiência Pública na Câmara dos Depu-
tados – realizada em 08/05/2007; Informações Técnicas 1998
à 2007; IT 232 – 07 Liberações Planejadas CTNBIO
Na mesma página do site, mas também em outra subdivisão,
encontram-se os documentos102 referentes às Ações Civis Públi-
cas, Procedimentos administrativos e Decisões Judiciais, parte
esta que será melhor pormenorizada por nós neste capítulo.
Após, apresentam Tabela com informações acerca de Pro-
cedimentos Administrativos – PAs instaurados no MPF, sobre
a temática OGM.103

102. Referidos documentos encontram-se assim referenciados: ACP 0021371-


49.2014.4.01.3400 – ANVISA – 2014; Decisão Processo n. 0021371-
49.2014.4.01.3400 – 7ª vara federal; ACP – Helicoverpa – 2014; OF 090_gea-
-anvisa-24d – 2014; Recomendação 01-2014 IC 112-2014-26; Recomendacao.
anvisa.reavaliacao.24d – 2013; Recomendacao.ctnbio.sementes.24d – 2013;
Recomendacao-75-2013-benzoato-final; ACP – Anvisa RDC n. 10/2008 –
2014; ACP – Herbicida 2,4D – 2014; ACP – Glifosato – 2013; ICP-cntbio-
-ogms-agrotoxicos – 2013; Acórdão ACP – Milho Bayer – 2014; Processo
51862-73.2013.4.01.3400 Carbendazim – 2013; Recomendação 15/2013 –
ANVISA; ACP CTNBio – Recurso ANVISA; Parecer ACP 0340267 DF meio
ambiente; decisão ACP herbicida em soja transgênica; Relatório da Apelação
Civil 200334000340267; AC876 – Transgênicos; Levantamento ACP-OMG;
Ação Civil Pública sobre milho transgênico; Parecer da Ação Civil Pública n.
2003.34.00.034026-7/DF Agrotóxico e Soja Transgênica-Proteção Ambiental.
103. A tabela pode ser acessada pelo link: <http://www.mpf.mp.br/atuacao-
-tematica/ccr4/dados-da-atuacao/grupos-de trabalho/gttransgenicos/docu-
mentosdiversos/acps/tabela_resumo_de_pa_transgenicos.pdf>. Acesso em:
15 ago. 2017.

30 9
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Referida Tabela é composta de 12 páginas, apenas 06 delas


preenchidas, cuja modelagem, para melhor visualização dos
leitores segue abaixo e cuja integralidade encontra-se no ane-
xo desta tese.

Figura 20: Tabela com informações de procedimentos judiciais e ad-


ministrativos MPF.

Na sequência, apresentam o que denominam por Bi-


bliografia e que possui os seguintes indicativos: PGM e fal-
ta de controle104; PGM Resultados contestados; Plantas

104. Quando clicamos nessa referência, o site do MPF remete a uma listagem
de artigos sobre o tema, os quais colacionamos a seguir conforme constam
na listagem, apenas observamos que se tratam de artigos estrangeiros em sua
grande maioria e que parecem se apoiar na ciência biológica para tratar do
tema. O mesmo acontece com as obras colacionadas para PGM e riscos am-
bientais; PGM e os riscos para a saúde; Na sequência, para efeitos de melhor
visualização do que informamos, segue a listagem de artigos atinentes ao PGM
e falta de controle: , Arnaud et al, 2003, Proc Lond Bio; Brault et al, 2002, Mol
Plant Inter Bio; Cipriano, Carrasco et Arbóis, 2006, Greenpeace; Collonnier et
al, 2003, 7ICPMB; Dalton, 2001, Nature; Domingo, 2000, Science; Greenpeace,
2007; Gregersen et al, 2005, Trans Resh; Hernández et al, 2003, Trans Resc;
Ho et Ching, 2003, ISP; Hofs et al, 2006, INRA, CNRS, MEDD; Jank et Hasl-
berger, 2000, Trends Biotech; Kohli et al, 1999, Plant J; Mellon et Rissler, 2004,

310
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Geneticamente Modificadas – Ministério do Desenvolvimento


Agrário; PGM e riscos ambientais; PGM e os riscos para a saú-
de; Revista dos Tribunais; Smith, Jeffrey M. Genetic Roulet-
te – The documented healtuh risks of genetically engineered
foods/Jeffrey M. Smith. Farfield: yes Books, 2007. 319, sem,
contudo, haver disponibilização de tais materiais.
Há também uma seção de Palestras e apresentações com
as seguintes apresentações: Apresentação 10° Congresso
Brasileiro de Saúde Coletiva 16/17-11-2012 (Parte 1); Apre-
sentação 10° Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva 16/17-
11-2012 (Parte 2); Apresentação MAPA 17-09-2008; Apre-
sentação Secretaria Agricultura Familiar-MDA (26-11-2007);
Apresentação MMA – Programa Agrobiodiversidade (26-11-
07); Apresentação Ibama (26-11-2007).
Por fim, apresentam a seção onde ficam as atas das reuni-
ões do GT entre o período de 2007 a 2017, são elas: Atas 2017
- Reunião 10/04/2017; 2016: Reunião 23/11/2016; Reunião
23/08/2016; Reunião 11/04/2016; Reunião 03/02/2016.
2015: 4° Reunião - 06/11/2015; 3° Reunião 05/10/2015; 2°
Reunião - 03/08/2015; 1° Reunião - 06/07/2015; 2011; 14ª
Reunião (06/07/2011); 13ª Reunião (05/07/2011); 12ª Reu-
nião (08/06/2011); 2010: 11ª Reunião (02/02/2010); 2009;
10ª Reunião (10/03/2009); 2008: 9ª Reunião (17/06/2008);
8ª Reunião (13/05/2008); 7ª Reunião (15/04/2008); 6ª Reu-
nião (18/02/2008); 2007: 5ª Reunião (26 e 27/11/2007); 4ª
Reunião (10/10/2007); 3ª Reunião (17/09/2007); 2ª Reunião
(27 e 28/06/2007);1ª Reunião (09/05/2007).
Frisamos que havia uma contagem contínua das reuniões
no período entre 2007 a 2011. Após, o site não explica, mas
interrompe a postagem de atas de reuniões do GT e reinicia-se
a postagem de atas no ano de 2015, com nova contagem ini-
cial. Informamos que a ata da única reunião ocorrida no ano

UCS; Meza et al, 2001, Trans Research; Quist et Chapela, 2002, Nature; Rön-
ning et al, 2003, Eur Food Res Tech; Steinbrecher, 2002, Econexus; Tabashnik
et Chilcutt, 2004, PNAS.

3 11
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

de 2017, apesar de se apresentar “linkada”, abre, apenas, para


um documento em branco. Em relação às reuniões do ano de
2016, todas as atas abriram e em relação às atas de 2015, as
quais, inclusive, apontam a existência das atas de um período
entre 2006 a 2014, apenas tivemos a informação ao clicar nos
links sugeridos que a página não estava disponível.
Em relação a composição do GT, durante a realização da
pesquisa, segundo a portaria n. 15/2017 do MPF, fazem parte
os seguintes membros:
Titulares: Dr. Marco Antonio Delfino de Almeida (Coorde-
nador), lotado em Dourados (MS); Dra. Fátima Aparecida de
Souza Borghi, lotada em São Paulo (SP); Dra. Ana Paula Carva-
lho de Medeiros, lotada em Porto Alegre (RS) e Dr. Rafael da
Silva Rocha, lotado em Manaus (AM). A atuação desses atuais
membros, assim como de antigos membros de referido GT não
coincidem, em nenhum momento, com a atuação dos procura-
dores subscritores das Ações Civis Públicas – ACPs que anali-
saremos.
De forma inicial, informamos que, para o recorte na esco-
lha das ACPs, utilizamos aquelas disponibilizadas pelo próprio
GT, cujas petições iniciais disponibilizadas perfazem um total
de 05 ações105, ajuizadas no período compreendido entre os
anos de 2006 a 2014, com atuação local ou nacional. Para me-
lhor sistematização e entendimento, as classificaremos em or-
dem cronológica, através da atribuição de número, ano e local
de atuação do procurador subscritor.
Assim temos:

• 01/2006/RS – ACP em face da União e IBAMA para


efetiva fiscalização junto ao entorno da Floresta
105. Apesar da seção Ações Civis Públicas e Procedimentos Judiciais apresen-
tar uma relação maior de documentos enumerados, conforme já descrevemos
na nota 102 desse trabalho, apenas essas 05 ACPs encontram-se disponibili-
zadas. O restante dos documentos é uma mistura de decisões judiciais, notas
técnicas, acórdãos de tribunais e outros que não se inserem no recorte por nós
especificado.

3 12
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Nacional de Passo Fundo (FLONA) tendo em vista a ve-


dação legal de plantio de soja geneticamente modifica-
da nessa área. Referida ação foi assinada pelos procura-
dores da república, Jorge Irajá Sodré e Enrico Rodrigues
de Freitas, em 31 de julho de 2006 na seção judiciária
de Passo Fundo/RS, e nos referenciaremos a ela como
ACP 01/2006/RS.

• 02/2013/MA – ACP em face da União e do Estado do


Maranhão. Insurge-se contra a falta de adequada fisca-
lização no uso do glifosato, notadamente no cultivo de
soja, no Estado do Maranhão, bem como contra a falta
de fiscalização quanto ao armazenamento irregular de
embalagens vazias do agrotóxico e irregular descarte
das embalagens do herbicida glifosato. A ação é da lavra
do procurador da República, Alexandre Silva Soares, na
data de 05 de abril de 2013, na seção judiciária de São
Luiz/MA e a designaremos como ACP 02/2013/MA.

• 03/2014/DF – ACP em face da União e da Agência


Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), visando
compelir a ANVISA a reavaliar a toxicidade de 8 (oito)
ingredientes ativos publicados na Resolução ANVISA
RDC n. 10/2008, quais sejam, parationa metílica, lacto-
fem, forato, carbofurano, abamectina, tiram, paraquate
e glifosato, bem como determinar à União, por meio do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA), que suspenda os registros de produtos que te-
nham como princípio ativo as 8 (oito) substâncias men-
cionadas, até que seja realizada a reavaliação, pela AN-
VISA, sobre a toxicidade daqueles ingredientes ativos.
A ação é da lavra do procurador da república, Anselmo
Henrique Cordeiro Lopes, e é datada de 20 de março de
2014, na seção judiciária de Brasília/DF. Foi designada
como ACP 03/2014/DF.

3 13
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

• 04/2014/DF – ACP em desfavor da União, Ministério


da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA – e
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTN-
Bio. Seu objetivo foi tutelar a saúde humana e o meio
ambiente ecologicamente equilibrado para que fosse
determinado à União, por meio do Ministério da Agri-
cultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que sus-
pendesse o registro dos agrotóxicos que contivessem o
herbicida 2,4-D em suas formulações, enquanto a AN-
VISA não divulgasse os resultados conclusivos acerca
da reavaliação toxicológica do 2,4-D. A ação é, também,
da lavra do procurador da república, Anselmo Henri-
que Cordeiro Lopes, sendo datada do mesmo dia 20 de
março de 2014, na seção judiciária de Brasília/DF que
chamaremos de ACP 04/2014/DF.

• 05/2014/MT – ACP em face do Instituto de Defesa


Agropecuária do Estado de Mato Grosso (INDEA/MT)
e Estado de Mato Grosso (MT), com base na legislação
aplicável, a fiscalizar e não permitir o uso de produtos
agrotóxicos formulados a base da substância denomi-
nada Benzoato de Emamectina, uma vez que tal com-
ponente químico não possui registro no órgão federal
competente (Ministério da Agricultura), nem cadastro
no órgão estadual responsável (INDEA), como exige a
legislação, existindo ainda parecer técnico da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), afirman-
do que o produto é altamente neurotóxico e contrain-
dicando a sua utilização em todo o território nacional,
devido aos graves riscos para a saúde humana. O pro-
curador que a subscreve é Felipe A. Bogado Leite, da
seção judiciária de Cuiabá/MT, na data de 24 de março
de 2014, que chamaremos de ACP 05/2014/MT.

3 14
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Para melhor visualização das análises, de acordo com os


objetivos específicos já esposados, subdividimos o capítulo
em: uso de produções técnico-científicas nas formulações das
ACPs; ACPs e usos e contextos dos termos sustentabilidade,
risco, justiça ambiental e futuras gerações; Decisões judiciais:
uso de produções técnico-científicas e usos e contextos dos
termos sustentabilidade, risco, justiça ambiental e futuras ge-
rações; e MPF e mídias sociais.

4.1 USO DE PRODUÇÕES TÉCNICO-CIENTÍFICAS NAS


FORMULAÇÕES DAS ACPS

4.1.1 ACP 02/2013/MA

A ACP 02/2013/MA coloca-se contra a falta de adequada fis-


calização no uso do glifosato, principalmente no cultivo de
soja, no Estado do Maranhão, bem como contra a falta de fis-
calização quanto ao armazenamento irregular de embalagens
vazias do agrotóxico e irregular descarte das embalagens do
herbicida e é a primeira ação em que observarmos o uso de
produções técnico-científicas, na seção denominada “Objeti-
vos da Demanda”, quando cita o relatório de pesquisa sobre
conflitos socioambientais do Leste Maranhense, produzi-
do pelo Grupo de Estudos Rurais e Urbanos do Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFMA – Universidade
Federal do Maranhão, que informa o quanto o cultivo da soja
com utilização do glifosato na região do Baixo Parnaíba tem
implicado em gravíssimos problemas ambientais, assim como
na precarização das condições de vida e trabalho de milhares
de famílias camponesas na região.
Nesta ação, de forma única, notamos que o apoio técni-
co-acadêmico trazido como um dos objetivos propulsores da
ACP acabou por contribuir com reflexões sociais, haja vista ser
produzido pelo departamento de Ciências Sociais da UFMA.

315
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Reflexões estas que são, também, acolhidas pelo MPF, segundo


o relatório acionado pelo MPF em sua petição inicial para a ins-
tauração da ACP. Alguns dos principais impactos verificados,
em referido relatório, dão conta de destruição de amplas áreas
de chapadas, contaminação por agrotóxico de recursos hídri-
cos e de áreas utilizadas para a produção de alimentos pelos
camponeses, destruição de nascentes, assoreamento de cursos
d’água, entre outros (MPF, 2013, p. 02).
Percebemos, ainda, que as conclusões em muito se coadu-
nam com os fatos já tratados nos estudos, pesquisas e docu-
mentos presentes no capítulo anterior desse trabalho.
Em outro momento, da mesma ação, mais especificamente
na seção “Dos Fatos” é feita a breve contextualização sobre a
identificação inicial do problema com informação da Procu-
radoria Regional da República da 1ª Região sobre a detecção
de resíduos do agrotóxico glifosato acima do permitido pela
legislação em vigor, e uso de herbicida em limite superior ao
definido em lei ou regulamento em lavouras do Paraná. Nesse
sentido, a ACP maranhense informa:

A Procuradoria Regional da República da 1ª Região


encaminhou Ofício-circular subscrito pela represen-
tante do MPF junto ao CTNBio (Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança) informando questio-
namento à citada comissão sobre a ocorrência de
“contaminação” de organismos geneticamente mo-
dificados em 9% em lavoura convencional, deficiente
fiscalização na produção de OMGs (organismos geneti-
camente modificados) pelo Ministério de Agricultura,
Pecuária e Abastecimento, a detecção de resíduos do
agrotóxico glifosato acima do permitido pela legislação
em vigor, no Estado do Paraná, o aumento do uso de
herbicidas na soja RR e outros itens.

316
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

O citado ofício considerou ser possível a ocorrência


das mesmas irregularidades nos outros estados da
Federação. Ao expediente, foi juntada documentação
produzida pela Secretaria de Estado da Agricultura e
do Abastecimento do Estado do Paraná (SEAB) por
meio do qual revela ter coletado 149 amostras de soja
transgênica safra 2005/2006 e detectou resíduos do
agrotóxico glifosato acima do permitido pela legis-
lação em vigor – 10mg/Kg e informou que no caso
da soja RR o aumento do uso de glifosato supera em
muito a redução de outros herbicidas, devido ao fenô-
meno da resistência de plantas.

Esses dados levaram a uma identificação inicial do proble-


ma e ensejaram a instauração de investigações nos demais
estados. Com efeito, observa-se ser o problema de gran-
de amplitude, com contornos nacionais e graves impli-
cações negativas à saúde humana e ao meio ambien-
te, (...). (sem destaque no original). (MPF, 2013, p. 03).

O trecho acima destacado parece nos dar pistas de uma


certa comunicação interna entre as seccionais do MPF de di-
ferentes regiões do país, o que também pode ser observado
em relação as ACPs 03/2014/DF, 04/2014/DF e 05/2014/DF,
com datas de elaboração próximas e com linhas de construção
técnica semelhantes, conforme comentaremos mais adiante.
Outro ponto a ser destacado no presente trecho e observado
em outros momentos da ACP relaciona-se com a utilização do
termo “agrotóxico” e “herbicida” como sinônimos.
O uso de termos como “veneno” ou “pesticidas” aparece
apenas uma vez na ACP em comento, quando da reprodução
de trecho do relatório da UFMA, o qual transcrevemos a seguir:

[...] Também no Relatório do programa de pós-gradua-


ção, observa-se tabela sobre os conflitos socioambientais

3 17
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

causados pelo cultivo da soja (designado do trabalho


como “gaúchos”), na qual foram listados, dentre outros,
os seguintes pontos: recursos hídricos contaminados
com pesticidas, toda área agricultável foi ocupada pela
soja (e pelo eucalipto – o trabalho apresenta dados do
cultivo de soja e do empreendimento da Suzano Papel e
Celulose), despejo de veneno com aviões que contamina
os riachos, mata os animais silvestres e prejudica a saúde
das pessoas (Alto Novo do Riachão – fl. 109 do relató-
rio). (sem destaque no original). (MPF, 2013, p. 08).

Em relação à ACP 02/2013/MA, temos que o uso de dados


técnico-científicos é evidenciado em diversos momentos, seja
quando preconiza que a soja transgênica consome agrotóxicos
acima do permitido em lei ou quando parece reconhecer o de-
nominado fenômeno de resistência das plantas. Outro ponto
a ser destacado refere-se ao fato de que aparenta existir uma
percepção de risco, não aos moldes da teoria de Ulrich Beck,
mas que ainda assim, mostra-se como algo perceptível e de
grande amplitude para o meio ambiente e saúde de seres hu-
manos. Além disso, no tópico “Dos fatos”, a ACP destaca que:

Consoante informa o Relatório de Atividades do IBA-


MA relativo à Operação Ceres, “o glifosato (N-fosfono-
metilglicina, C3H8NO5P) é um herbicida sistêmico não
seletivo (mata qualquer tipo de planta) desenvolvido
para matar ervas, principalmente perenes. O glifosato
é um aminofosfonato análogo ao aminoácido natu-
ral glicina, portanto ocupa o lugar desta na síntese
proteica. Seu nome advém da contração das palavras
glicina+fosfato” (fl 1 do relatório). Um dos produtos
mais comercializados a base do glifosato é o Roundup.
(MPF, 2013, p. 4). (sem destaque no original).

318
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Encontramos, neste momento e mais uma vez ao longo


desta tese, a presença do carro-chefe da Monsanto – o Rou-
ndup, que parece ser objeto de acuidada análise do Ibama em
seu relatório e que serve como uma das bases para a instrução
da ACP que ora analisamos
Prosseguem, dentro da ACP 02/2013/MA, informações
sobre o relatório do Ibama já mencionado e que afirma que
muitas plantas geneticamente modificadas são, simplesmen-
te, modificações genéticas para resistir ao glifosato, como é o
caso da soja RR (Roundup Ready – pronta para o Roundup) e
acrescenta o relatório que, no caso de animais, “os sintomas
de intoxicação só são registrados em contato com uma dose
elevada do produto, o que inibe a avaliação temporal imediata
visto que os sintomas só aparecerão após grande período de
tempo de exposição” (fl. 1 do relatório).106
Outro ponto que se destaca na ACP 02/2013/MA, e que
talvez explique a razão da mesma estar entre uma das 5 ACPs

106. O relatório é reproduzido em um trecho mais amplo e demonstra o quan-


to a técnica científica é um dos instrumentais que embasam referida ACP,
segue trecho: “isso não significa que não haja interferência crônica do glifo-
sato sobre o metabolismo animal e é preciso considerar que na formulação
do Roundup, por exemplo, pois é a marca comercial com maior aceitação no
mercado, constam outros produtos que, em consonância com o glifosato e ou-
tras substâncias no solo, meio ambiente e organismos vivos, acabam tendo
diferentes efeitos colaterais. Para aumentar a eficácia do herbicida e facilitar
sua penetração nos tecidos vegetais, a maioria das formulações comerciais
possui uma substância química surfatante (um composto químico que reduz a
tensão superficial do líquido). Ainda seguindo o exemplo anterior, porém não
devendo ser desconsideradas as demais formulações comerciais no mercado,
a formulação do Roundup é composta de surfatante polioxietileno-amina, áci-
dos de glifosato relacionados, sal de isopropilamina e água. Em função dessa
composição, a formulação do Roundup possui uma toxicidade aguda maior
que o próprio glifosato puro. O surfatante presente no Roundup está associado
com 1-4 dioxano, um agente causador de câncer em animais e potencialmente
causador de danos ao fígado e aos rins de seres humanos. Em decorrência da
decomposição do glifosato registra-se uma substância potencialmente cance-
rígena conhecida como formaldehido. E a combinação do glifosato com nitra-
tos no solo ou em combinação com a saliva origina o Nnitroso glifosato” (fl 2
do relatório). (MPF, 2013, p. 04/05).

319
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

colacionadas como documentos publicados no site do MPF, no


já mencionado GT de Agrotóxicos e Transgênicos, é quando
ela trata da área produtora de soja no estado, bem como do
uso do glifosato em limite superior ao definido em lei ou re-
gulamento, e irregularidades no armazenamento e descarte de
embalagens vazias, fazendo uma abordagem dos impactos am-
bientais e sociais.
É a primeira e única ACP que colaciona, em sua fundamen-
tação, um mapa demonstrando a área de municípios do Estado
do Maranhão que produzem e, ao mesmo tempo, estão afeta-
dos pelo uso de soja transgênica e a combinação de Roundup.
Referido mapa foi extraído do já mencionado relatório do
Ibama, que também ancora a argumentação técnico-científica
da ACP 02/2013/MA. O relatório é fruto da realização de uma
operação batizada de CERES, que em 2008 levantou a infor-
mação de que 34 municípios maranhenses eram responsáveis
por toda a produção de soja no Estado e que destes 34, 13 eram
responsáveis por 94% de toda a soja produzida. A seguir, re-
produzimos o mapa constante na ACP:

320
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Figura 21: Municípios responsáveis pela produção de soja no estado


do Maranhão (MPF, 2013, p. 6).

Podemos observar que a ACP 02/2013/MA não se preo-


cupou em reproduzir com exatidão a fonte do mapa, até por-
que é da natureza do campo jurídico não se utilizar de tais

32 1
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

mecanismos para sua atuação, sendo que, diferentemente, das


produções técnico-científicas do capítulo anterior, a apresen-
tação de mapas, gráficos e similares não é muito comum a esta
seara, sendo este o único mapa reproduzido em todas as ACPs
aqui selecionadas para análise.
Voltando ao mapa acima reproduzido, ele destaca 13 muni-
cípios cuja disposição territorial é bem visualizada em supra-
mencionado mapa, ainda que a leitura das localidades esteja
parcialmente comprometida. Citamos que as regiões destaca-
das são formadas pelos municípios de Balsas, Tasso Fragoso,
Sambaíba, Riachão, São Raimundo das Mangabeiras, Alto Par-
naíba, Fortaleza dos Nogueiras, Buriti, São Domingos do Azei-
tão, Loreto, Anapurus, Carolina, e Brejo.
Outro ponto que destacamos na ACP 02/2013/MA, ainda
na seção “Objetivo da demanda”, trata da falta de condições
adequadas para a armazenagem dos agrotóxicos utilizados
nas fazendas e nos faz lembrar dos estudos de Rigotto (2011;
2015), Abreu e Alonzo (2016), entre outros, os quais argu-
mentam que não há como se falar em uso seguro de agrotóxi-
cos. Em relação a essa realidade de insegurança na utilização
dos pesticidas, pinçamos o trecho abaixo:

Nesse sentido, a autarquia ambiental destacou em suas


conclusões de fl. 8 do relatório que integra o Anexo 2
do ICP/MPF que “das vinte e sete fazendas inspecio-
nadas, 17 possuem galpões adequado para armazenar
produtos agrotóxicos, mas a maioria das propriedades
não possui local para armazenar embalagens vazias
de agrotóxico em condições adequadas à saúde hu-
mana e ao meio ambiente” (grifei).

Em decorrência disso, foram lavrados vários relató-


rios de apuração de infração administrativa ambiental
(RAIA) por “deixar de dar destinação ambiental-
mente adequada a embalagens vazias de agrotóxicos,

32 2
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

conforme determina o Decreto Federal n. 4.074/2002”.

Os impactos ambientais decorrentes do uso do glifosato


foram de forma exemplificativa no relatório produzido
pelo IBAMA, segundo o qual “o efeito do glifosato no
organismo humano é cumulativo e a intensidade da
intoxicação depende do tempo de contato com o pro-
duto. Os sintomas de intoxicação previstos incluem
irritações na pele e nos olhos, náuseas e tonturas,
edema pulmonar, queda da pressão sanguínea, aler-
gias, dor abdominal, perda de líquido gastrointesti-
nal, vômito, desmaios, destruição de glóbulos verme-
lhos no sangue e danos no sistema renal. O herbicida
pode continuar presente em alimentos num período de
até dois anos após o contato com o produto e em solos
por mais de três anos, dependendo do tipo de solo e
clima. (fl.2 do relatório do ICP/MPF)”. (sem destaque
no original). (MPF, 2013, p. 7).

Após lermos o trecho acima destacado, parece aumentar


em nós a percepção de que a ACP se apoia e, muito, em dados
técnicos-científicos, que designamos neste trabalho como con-
tramajoritários, e que buscam trazer alertas sobre os riscos dos
agroquímicos para o meio ambiente, saúde e nutrição humana.
A ACP também destaca trecho sobre a dificuldade de
atuação e fiscalização do Ibama, quando de sua atuação em
campo, buscando demonstrar o quão difícil é a própria pro-
dução de dados técnicos-operativos, conforme se depreende
do trecho abaixo:

Nesse sentido, o IBAMA informou, por meio do Ofí-


cio/GAB n.º 230/10/IBAMA/GEREX/ITZ/MA, que
“em função desta unidade descentralizada do IBAMA
no Estado do Maranhão não possuir em seu quadro
de analistas, profissional com expertise necessária ao

323
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

atendimento imediato dos termos contidos no referido


ofício, e em função das competências e especificida-
des que o tema exige, foi encaminhada cópia de vossa
correspondência à Diretoria de Qualidade Ambiental
do IBAMA”.

De modo semelhante, o Escritório Regional de Par-


naíba do IBAMA informou, por meio do Ofício n.º
043/2010-GABIN/ESREG/IBAMA/PHB, que “em vir-
tude da falta de Analista Ambiental, lotado neste Es-
critório, capacitada para realizar a missão solicitada,
encaminhamos o referido documento a Superinten-
dência do IBAMA no Piauí”. (sem destaque no origi-
nal) (MPF, 2013, p. 10).

Além da falta de pessoal efetivo, a sequência de desdobra-


mentos operativos para que a “missão” de fiscalização da uti-
lização do glifosato no Estado do Maranhão ocorresse possui
contornos nada profissionais, uma vez que a ACP informa que
a Agência de Defesa Agropecuária – AGED foi acionada para
realização da vistoria, mas que se limitou à aplicação de “ques-
tionário termo de visita” para verificar a utilização, adequada
ou não, do uso do glifosato nas propriedades visitadas, ou seja,
deixou a cargo dos próprios proprietários a resposta sobre a
utilização ou não do glifosato de forma irregular. Evidente-
mente, como resposta, nenhuma propriedade se auto imputou
a realização de irregularidades. (MPF, 2013, p. 10-11).
Posteriormente, relata a ACP 02/2013/MA, que a Superin-
tendência do Ibama do Estado do Piauí, ao responder o ofício
em que foi solicitada a enviar analistas para vistorias locais,
acabou por destacar um efetivo técnico para tal atividade.
Assim, os resultados da vistoria foram absolutamente distin-
tos e comprovaram a insegurança ambiental do uso do glifo-
sato no estado do Maranhão para o meio ambiente e para a
saúde humana.

324
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

A dificuldade com a produção de dados técnicos por parte


de setores que atuam, ou deveriam atuar, em parceria operati-
va com o judiciário, serão observados nas ACPs 03/2014/DF
e 04/2014/DF, em sua relação com a Anvisa e CTNBio, por
exemplo, conforme veremos a seguir.

4.1.2 ACP 03/2014/DF e ACP 04/2014/DF

Inicialmente, esclarecemos que optamos por tratar as duas


ACPs acima nominadas de forma conjunta pelo fato delas se-
rem da lavra do mesmo procurador da república, mesma data
de elaboração e mesma seção judiciária. Além disso, conforme
traremos mais à frente, as fundamentações legais, bem como
as argumentações apresentadas e estudos técnico-científicos
acionados têm muitos pontos convergentes.
Ainda, no tocante ao uso de produções de base técnico-
-científica, nas formulações de ações civis públicas por parte
do MPF, temos a informação de que o inquérito civil que está
em apenso à ACP 03/2014/DF contém uma diversidade de
estudos, todavia, quando da consulta do processo no site da
Justiça Federal do Distrito Federal, referidos apensos não se
encontram disponibilizados virtualmente e ao consultarmos a
base de dados do MPF, a mesma apresenta a movimentação
entre setores do órgão jurisdicional de inquéritos, ações e si-
milares, mas não traz o acesso a referidos documentos.
Na imagem abaixo, temos os “prints” das telas da Justi-
ça Federal que mostram a indisponibilidade digital dos In-
quéritos Civis mencionados na ACP 03/2014/DF e na ACP
04/2014/DF.

325
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Figura 22: Processo n. 21371-49.2014.4.01.3400, originário da ACP


03/2014/DF.

Figura 23: Processo n. 21372-34.2014.4.01.3400, originário da ACP


04/2014/DF.

Diante da ausência de dados que compõem os inquéritos


civis que consubstanciaram as ACPs tratadas neste tópico,
deduzimos que os artigos científicos disponibilizados no GT
Agrotóxicos e Transgênicos podem compor o rol dos estudos
técnicos-científicos que formam a base de instrução de referi-
dos inquéritos, além de outros estudos reproduzidos nas pró-
prias ACPs, como o apresentado pela ACP 03/2014/DF e que
traz informações do próprio portal da Anvisa, que destacare-
mos a seguir:

[...]. Vejam-se, a título de exemplificação, as conclusões


e recomendações da própria ANVISA referentes aos in-
gredientes ativos parationa metílica e forato:

326
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Pelo conjunto de efeitos nocivos da parationa metíli-


ca para a saúde humana, especialmente relacionados
com a neurotoxicidade, imunotoxicidade, mutageni-
cidade, toxicidade para o sistema endócrino, repro-
dutor, para o desenvolvimento biológico e por pos-
suir características mais tóxicas para o ser humano
do que testes com animais tenham podido demons-
trar, conclui-se que apresenta as características proi-
bitivas de registro.
(http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/96b-
246804f309971be99bec88f4b6a31/Nota+t%C3%A9c-
nica+da+Parationa+Met%C3%ADlica.pdf?MOD=AJPE-
RES; acessado em 14/03/2014)

Considerando todos os efeitos toxicológicos associa-


dos ao ingrediente ativo Forato e a sua inclusão den-
tre as características proibitivas de registro, especial-
mente a de “possuir características mais tóxicas para
o ser humano do que testes com animais tenham po-
dido demonstrar”, o mesmo deve ter seu uso proibido
no Brasil, de maneira a proteger a saúde dos traba-
lhadores expostos, dos consumidores e da população
em geral.
(http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/
c480ff804f1d75bba8ddbcc88f4b6a31/Nota+T%-
C3%A9cnica+do+forato.pdf?MOD=AJPERES; acessado
em 14/03/2014)
[...].

Finalmente, devemos atentar para a literatura cientí-


fica atualizada [...]. (sem destaque no original). (MPF,
2014, p. 07).

327
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Do excerto acima, colhemos expressões tratadas pela Anvi-


sa e aqui acionadas pelo MPF como “neurotoxicidade”,“imuno-
toxicidade”,“mutagenicidade “efeitos tóxicos”, “carcinogênicos”,
entre outros termos que nos remetem a um variado número
de estudos e documentos tratados no capítulo anterior e que,
conforme entendimento do MPF, se alinham aos mesmos pres-
supostos de risco, insegurança e contaminação para a saúde,
nutrição humana e meio ambiente das pesquisas contramajo-
ritárias já analisadas.
Os fatos narrados na ACP 03/2014/DF visam apurar a ra-
zão da possível demora da Agência Nacional de Vigilância Sa-
nitária – Anvisa em realizar a reavaliação toxicológica dos 14
(quatorze) ingredientes ativos arrolados na RDC n. 10/2008.
Segundo relatado na ACP, a supramencionada resolução in-
formava que a Anvisa reconheceu a necessidade de reavaliar
os seguintes princípios ativos: Cihexatina, Acefato, Glifosato,
Abamectina, Lactofem, Triclorfom, Parationa metílica, Meta-
midofós, Fosmete, Carbofurano, Forati, Endossulfam, Para-
quate e Tiram.
A ACP 03/2014/DF informa que em seu inquérito civil
já foi possível apurar que, através das respostas da Anvisa, 06
princípios ativos já foram reavaliados, sendo eles: Cihexatina,
Endossulfam, Triclorfom, Fosmete, Metamidofós e Acefato.
Estando pendentes de reavaliação as 8 substâncias informadas
no objeto da presente ação.
Destacamos que a ACP 03/2014/MPF informa que, das 06
substâncias já reavaliadas pela ANVISA, 05 foram banidas do
país por terem sido consideradas altamente tóxicas. Apenas a
substância fosmete foi reclassificada, passando a constar como
extremamente tóxica, sendo restringido o seu uso no mercado
nacional, assim como o ingrediente ativo acefato, que teve seu
registro mantido, mas com restrições.
Após essa exposição, ainda na seção “dos fatos” da ACP
03/2014/DF, o membro do MPF conclui que:

328
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

A maioria dos ingredientes ativos reavaliados foram


banidos do mercado nacional por apresentarem um
alto nível de toxidade, demonstrando, portanto, que
a saúde da população brasileira e o meio ambiente es-
tão sendo ameaçados com a morosidade da ANVISA na
reavaliação dos outros 8 (oito) ingredientes ativos res-
tantes, dos quais, se for mantida a mesma proporção de
resultado das avaliações anteriores, presumivelmente,
cerca de dois terços também serão banidos do país por
demonstrarem alto risco e grau de toxidade.

Ressalta-se, ainda, que a necessidade de ser reavalia-


da a toxidade desses princípios ativos pela ANVISA
está respaldada na própria Resolução ANVISA RDC n.
10/2008, a qual reconheceu os graves riscos que os 14
(quatorze) princípios ativos podem oferecer à saúde
da população brasileira e ao meio ambiente (como
de fato oferecem, de acordo com o resultado das seis
primeiras reavaliações), bem como na existência de
estudos científicos (ver anexo 1 do inquérito civil em
apenso) que, reconhecendo o grau de toxidade dessas
substâncias para a saúde humana e para o meio ambien-
te, recomendam o uso em concentração limitada ou a
própria vedação dessas substâncias como princípios ati-
vos de produtos tóxicos sujeitos à comercialização (sem
destaque no original). (MPF, 2014a, p. 06).

Da leitura do trecho acima, primeiramente, percebemos


que a narrativa dos fatos é conclusiva para o MPF, pois ele se
utiliza de expressões como: “conclui-se pelo exposto”, logo no
início do parágrafo e, após, na continuidade da mesma frase,
informa que: “portanto, a saúde e o meio ambiente estão em ame-
aça pela morosidade da ANVISA”. Expressões extremamente
dogmáticas e assertivas, como as exaradas acima, são muito
próprias do jargão jurídico e buscam demonstrar que é preciso

329
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

escolher “um lado” e uma linha de argumentação categórica


a ser sustentada e que, no presente caso, ancora-se em rela-
tos técnico-científicos e na legislação pertinente à saúde e ao
meio ambiente.
Outro ponto que mencionamos como indicativo do uso de
produções técnico-científicas na instrução das ações do MPF
revela-se no uso de expressões como: “alto nível de toxidade”,
“princípios ativos”, as quais parecem ser emprestadas da litera-
tura científica para a construção de demandas jurídico-proces-
suais por parte do procurador da república.
A ACP 04/2014/DF, por sua vez, apresenta como objeto
a tutela da saúde humana e o meio ambiente ecologicamente
equilibrado e prevê que seja determinado à União, na figura do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA,
que suspenda o registro dos agrotóxicos que contenham o her-
bicida 2,4-D em suas formulações, enquanto a Anvisa não di-
vulgar os resultados conclusivos acerca da reavaliação toxico-
lógica do 2,4-D, e que, por meio da Comissão Técnica Nacional
de Biossegurança – CTNBio, a União seja proibida de liberar a
comercialização de sementes transgênicas tolerantes ao 2,4-D
enquanto, mais uma vez, tal autarquia federal não finalizar a
reavaliação toxicológica do referido princípio ativo.
Na seção “dos fatos”, a ACP 04/2014/DF inicia com a nar-
rativa de que os acontecimentos que irá descrever são basea-
dos nos elementos colhidos em dois Inquéritos Civis, os quais
já foram enumerados no início desse tópico.
Referida ACP faz menção à reunião realizada pela 4ª
CCR do MPF, ocasião em que se instaurou o Inquérito Civil
n. 1.16.000.002778/2013-61, e que foi oportunizada a discus-
são sobre o aumento da utilização de agrotóxicos pela própria
utilização de OGMs – Organismos Geneticamente Modifica-
dos, pois eles funcionariam como agentes multiplicadores do
próprio consumo de agrotóxicos e que isso colocaria – ainda
que virtualmente, em risco, os direitos humanos fundamen-
tais à saúde de toda população brasileira, bem como o direito

3 30
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

à alimentação adequada, o direito à biodiversidade dos biomas


brasileiros e ao meio ambiente equilibrado e saudável, segundo
o MPF.
Informa a ACP 04/2014/DF, que diligenciaram à CTNBio
objetivando a suspensão de qualquer deliberação sobre a libe-
ração de OGMs, até que fossem realizadas as audiências pú-
blicas previstas na Lei n. 11.105/2005 (lei de biossegurança),
para que se apurasse a nocividade da liberação de OGMs resis-
tentes à agrotóxicos. A diligência do MPF, ademais, solicitou à
CTNbio que:

Fossem prestadas informações a respeito da existência,


no âmbito da CTNBio, de estudos técnicos perfunc-
tórios sobre os efeitos cumulativos e sinérgicos que
a liberação dos mencionados OGMs poderia ensejar
na multiplicação do emprego de agrotóxicos nas mo-
noculturas de soja e milho do Brasil, com prejuízo à
saúde pública, à qualidade dos alimentos brasileiros, à
biodiversidade nos biomas impactados e ao meio am-
biente equilibrado e saudável. (sem destaque no origi-
nal). (MPF, 2014b, p. 07).

Chamamos a atenção para o fato de que essa é a primeira


ACP em que encontramos referências aos detalhes técnico-
-científicos que mencionam a bioacumulação de agrotóxicos
e monoculturas, bem como sua ligação com prejuízos para a
saúde pública, alimentação adequada e preservação da bio-
diversidade, os quais foram muito mencionados por estudos
contramajoritários explorados no capítulo anteriores deste
trabalho, inclusive em vozes emblemáticas como de Rachel
Carson e Vandana Shiva.
Todavia, a ACP 04/2014/DF informa que a CTNBio
manifestou-se de forma negativa às solicitações, informando,
inclusive, que não realizaria as audiências públicas e nem sus-
penderia os trâmites dos procedimentos administrativos que

331
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

versassem sobre a liberação de OGMs. Continua a ACP em co-


mento a explicar que:

Desse modo, diante da negativa apresentada pela CT-


NBio, o Ministério Público Federal, por meio de sua
4ª Câmara de Coordenação e Revisão e com o deside-
rato de obter informações mais consistentes sobre os
efeitos cumulativos e sinérgicos que a liberação dos
mencionados OGMs resistentes a herbicidas poderia
ensejar na multiplicação do emprego de agrotóxicos,
decidiu que o próprio órgão ministerial seria o res-
ponsável por realizar a audiência pública (que acon-
teceu no dia 12 de dezembro de 2013) para debater
com a sociedade civil os pedidos de liberação comer-
cial de sementes transgênicas de milho e de soja que
seriam resistentes ao herbicida 2,4-D. [...]. (sem des-
taque no original). (MPF, 2014b, p. 07-08).

Conforme já mencionamos, não possuímos acesso a refe-


ridos Inquéritos Civis, mas podemos observar que os mesmos
parecem estar ancorando, e muito, os argumentos do MPF em
bases técnicas-científicas, pois dentro do trecho acima repro-
duzido faz-se menção a variados artigos nacionais e internacio-
nais, os quais municiam o MPF de certezas combativas, pois,
na sequência dos trechos acima reproduzidos, o procurador da
república informa que:

“De outra sorte, todo o material científico apresenta-


do pelos experts da comunidade civil sobre a temática
abordada na referida audiência pública encontra-se
colacionado nos ANEXOS do IC n. 3486/2013-45, as-
sim como os artigos científicos oriundos da literatura
internacional e nacional que demonstram a nocivida-
de do uso do 2,4-D para a saúde humana e para o meio
ambiente encontram-se arrazoados naquele mesmo

3 32
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

apuratório cível (fls. 15-63 e 90-206 do IC n. 3486/2013-


45 e seus respectivos ANEXOS.[...] Por proêmio, deve-
-se enfatizar que o 2,4-D é um dos componentes do
chamado Agente Laranja, utilizado pelos Estados Uni-
dos durante a Guerra do Vietnã. Ele é o terceiro agro-
tóxico mais utilizado no Brasil (5%), depois do glifosato
(29%) e do óleo mineral (6%).” (MPF, 2014, p. 08-09).

Lembramos que a menção ao 2,4-D, como um dos compo-


nentes do Agente Laranja na guerra do Vietnã, já foi aborda-
da em estudos nacionais e internacionais, como o de Gurgel
(2017), para o Greenpeace e pelo próprio Tribunal Monsanto
(2017), conforme mencionado no capítulo anterior.
A ACP 04/2014/DF continua sua narrativa dos fatos infor-
mando alguns dos desdobramentos da audiência pública – que
na visão do subscritor da presente ação, através dos assuntos
abordados e dos inúmeros estudos por ele colacionados nos in-
quéritos civis, são evidências de que o uso do 2,4-D pode cau-
sar grandes malefícios para a saúde humana e meio ambiente.
O MPF, inclusive, anteriormente, havia proferido as reco-
mendações de n. 59/2013/MPF/PR/DF e n. 60/2013/MPF/
PR/DF em face da Anvisa e da CTNBio. A primeira RDC ob-
jetivou recomendar à Anvisa que concluísse a reavaliação to-
xicológica do herbicida 2,4-D, no prazo de 180 dias, contados
do recebimento da RDC. Na ocasião, a Anvisa manifestou-se
por meio de Nota Técnica de n. 57/GGTOX/ANVISA e infor-
mou, através de sua gerência geral de toxicologia, que estava
adotando todas as providências possíveis para a conclusão da
reavaliação toxicológica do 2,4-D, ainda no primeiro semestre
de 2014, e solicitou os estudos científicos que instruíram os
inquéritos civis do MPF.
Em relação à Recomendação de n. 60/2013/MPF/PR/DF,
que teve por escopo solicitar que a CTNBio, antes de deliberar
sobre a liberação comercial de sementes de soja e de milho ge-
neticamente modificadas e que apresentassem resistência ao

333
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

agrotóxico 2,4-D, aguardasse o transcurso de 180 dias de pra-


zo recomendado à Anvisa para procedimento de reavaliação
toxicológica. Em atenção à recomendação, a CTNBio ofertou
resposta através de parecer n. 84/2014/CONJUR-MCTI/CGU,
da lavra de sua consultoria jurídica e que defendia não existir
nenhuma vinculação entre ela e a Anvisa e que, portanto, da-
ria continuidade a seus processos de análise da avaliação de
risco de todos os OGMs tolerantes ao herbicida 2,4-D, e que
a recomendação do MPF não possuía o condão de suprimir o
exercício de competência da CTNBio.
O MPF finaliza sua seção “dos fatos” na ACP 04/2014/DF,
informando que a atuação de ambos os órgãos – MAPA, CTN-
Bio e ANVISA deve ocorrer de forma sistemática, com vistas
à priorização da tutela da saúde humana e do meio ambiente,
e comenta que não pretende desprestigiar a CTNBio ou inva-
lidar suas atribuições legais107, mas que entende que a espera
do órgão pela deliberação da Anvisa poderá lhe ofertar estudo
científico conclusivo sobre a toxicidade do 2,4-D, conforme
exposto no trecho abaixo:

O pedido para que a CTNBio aguarde, até a conclu-


são da reavaliação toxicológica do 2,4-D pela AN-
VISA, para deliberar sobre demandas de suas atri-
buições não está desprestigiando ou invalidando as
atribuições legais conferidas às entidades e aos ór-
gãos governamentais. Pelo contrário, o referido pleito
107. Parece-nos que a situação transcrita evidencia uma certa dose de conflito
institucional-operativo entre MPF e demais órgãos responsáveis pela reava-
liação toxicológica de agrotóxicos no país. Referidos conflitos institucionais
entre MPF e diversos órgãos dos poderes públicos explodiram no país em di-
mensões muito maiores nos anos de 2015 e seguintes. Inclusive, trataremos
em seção própria desse trabalho, a razão de, pelo menos, aparentemente, o
MPF ter diminuído sua pressão sobre a seara dos agrotóxicos em suas ACPs e
na própria documentação constante do GT Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª
CCR, além de tratarmos, de forma abreviada, sobre onde estão atuando alguns
procuradores da república, como o que subscreve as ACPs que estudamos no
presente momento.

334
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

apenas objetiva que futura decisão do CTNBio (sobre


a liberação comercial de sementes de soja e de milho
resistentes ao 2,4-D) tenha validade por estar fulcra-
da em estudo científico conclusivo sobre a toxicida-
de do 2,4-D, já que a liberação de OGMs resistentes
àquela substância pode ensejar o efeito multiplicador
do referido herbicida, em detrimento da saúde huma-
na e do meio ambiente ecologicamente equilibrado
(MPF, 2014 b, p.11).

Este aparente ar de conflito institucional-operativo entre


MPF e órgãos responsáveis pela reavaliação toxicológica de
agrotóxicos não parece, todavia, ser fruto apenas de suas reco-
mendações à Anvisa e CTNBio, mas também de acontecimen-
tos gestados na audiência pública de 12 de dezembro de 2013,
quando informa-se que a própria gerente-geral de toxicologia
da Anvisa participou, como expositora, e que, naquela opor-
tunidade, já foram apresentados estudos indicativos de que
o 2,4-D traria riscos para a saúde humana, estudos estes so-
licitados pela gerência-geral da ANVISA, ocasião em que, nas
palavras do próprio procurador da república que subscreve a
presente ação foi “enaltecida a existência de literatura científica
atualizada” (MPF, 2014b, p. 23).
Neste momento, ainda que o MPF não tenha trazido à bai-
la os bastidores que envolvem a gerência-geral de toxicologia
da Anvisa, comentamos que no ano de 2012 houve grande
ruído midiático e institucional com a saída do gerente-geral
Luiz Cláudio Meirelles108, que trabalhou durante mais de uma

108. Para melhor ilustração da situação acima descrita, indicamos trecho do


Dossiê Abrasco de 2015, comentado no segundo capítulo desse trabalho, que
trata em seção própria da exoneração do gerente Meirelles, através de entrevis-
ta dele para a Fiocruz, no endereço eletrônico: <http://www.epsjv.fiocruz.br/
noticias/entrevista-2>. Bem como a parte 4 do Dossiê denominada “A crise do
paradigma do agronegócio e as lutas pela agroecologia”. (DOSSIÊ ABRASCO,
2015, p. 467). Por fim, existe a própria Carta de Luiz Claudio Meirelles tratando
do ocorrido e disponível em: <http://bit.do/ana2012>. Acesso em: 15 ago. 2017.

3 35
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

década na autarquia e que foi exonerado após ter denunciado


irregularidades no processo de liberação de seis agrotóxicos.
Assim, percebemos que mais do que não existir um acesso
da Anvisa a alguns estudos técnicos atualizados, existem pres-
sões de toda a sorte a envolver tais reavaliações. Fato que se
coaduna com algumas situações descritas, em documentos e
estudos técnicos do capítulo anterior, que trataram da falta de
liberdade científica, retóricas de ocultação, desqualificação,
perseguição de cientistas e outras situações similares descri-
tas pelo Dossiê Abrasco, ONU e Tribunal Monsanto, de forma
mais acentuada.
Esses imbróglios, entre diferentes instâncias técnico-ope-
rativas, em relação à ingredientes ativos de agrotóxicos, em
muito servem para nos ilustrar o quanto o campo é local de
disputas e também de consagração de vitórias de alguns atores
em detrimento de outros (Bourdieu), bem como nos desve-
lam o quanto se mantêm frouxas determinadas fiscalizações
e reavaliações toxicológicas de produtos químicos ligados ao
sistema agroprodutivo majoritário, em virtude da precaução
diante de desdobramentos econômicos. Ainda é possível, nas
palavras de Beck (2011, p. 55), sequer se manter o registro de
categorias inteiras de substâncias tóxicas, pois “se elas não exis-
tem juridicamente, acabam por poder circular livremente”.
Na ACP 04/2014/DF abre-se um adendo para referências
de aspectos gerais sobre as manifestações clínicas da intoxica-
ção aguda pelo contato com 2,4-D, por ter sido um dos pontos
discutidos na audiência pública de 12 de dezembro de 2013, e
aparecem descritos os seguintes efeitos clínicos:

Foram apresentados os aspectos gerais das manifesta-


ções clínicas de intoxicação aguda levado pelo conta-
to com o 2,4-D. No trato intestinal, foram identificados
os efeitos de dor e queimação na boca, dor abdominal,
vômitos e diarreia; no sistema nervoso central, as ma-
nifestações clínicas se apresentaram com fraquezas

3 36
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

e espasmos muscular, miotonia, mialgia, ocorrendo


logo após a ingestão e progredindo para fraqueza mus-
cular, confusão, cefaleia, tontura, fadiga, visão dupla,
hiporreflexia, parestesias, neuropatia; no sistema car-
diovascular, os sintomas identificados foram taqui-
cardia, arritmia, fibrilação muscular, vasodilatação;
as manifestações clínicas dérmicas foram caracteriza-
das por eritema, irritação, considerando que extensas
áreas expostas poderiam causar alterações sistêmi-
cas, com fraqueza muscular, contrações musculares e
inconsciência; além da verificação de manifestações
clínicas oculares e outras decorrentes da ingestão do
referido herbicida.

Por outro lado, no que tange aos efeitos crônicos


ocasionados pelo herbicida 2,4-D, foram verificadas
perturbações endócrinas, genotoxicidade, reprotoxi-
cidade e potencial cancerígeno para o homem.

Quanto aos efeitos endócrinos, foi enfatizado que, na


literatura científica, um grande número de pesquisas
aponta o 2,4-D como sendo um perturbador endócri-
no, afetando vários processos hormonais e hormônio
dependentes, com efeitos estrogênicos, androgênicos
e antitireoidiano, dificultando o processo de síntese da
progesterona e da prolactina, inibindo o processo de
amamentação em ratos fêmeas alimentadas com uma
dieta de pequenas doses do referido herbicida. [...]

No que pertine aos caracteres reprotóxicos, foi res-


saltado que alguns estudos anotaram perturbações
nas funções reprodutivas ligadas com alterações ge-
néticas em células ovarianas de hamster e em célu-
las testiculares quando expostas ao 2,4-D, durante a
fase adulta. Por outro lado, também foi apontado o

3 37
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

caractere teratogênico do 2,4-D, comprovado diante


das anomalias físicas verificadas nos fetos de ratos
submetidos à experiência científica. [...] Em relação
aos riscos trazidos para o meio ambiente, o 2,4-D foi
apresentado como causador de destruição significati-
va da biomassa vegetal (de várias espécies e especial-
mente daquelas relacionadas aos ambientes agrícolas),
provocando alterações no equilíbrio ecológico, conta-
minando as águas dos rios e dos mares, os seres vivos
presentes nesses ambientes e os seres humanos que se
utilizam desses recursos naturais para sobreviver. Ou
seja, esse composto é altamente tóxico, persistindo
no meio ambiente por não ser facilmente degradado.
(MPF, 2014b, p. 18-19).

Apesar da citação acima ser extensa, consideramos por


bem mantê-la, pois ela nos fornece algumas pistas de análi-
se, senão vejamos: primeiramente, verificamos que o discurso
técnico-científico de base contramajoritária é aqui apropriado
como discurso técnico-jurídico, uma vez que compõe o corpo
da seção “do Direito” de referida ACP 04/2014/DF, sem fazer,
todavia, neste instante, ligação com qualquer documento ane-
xado ao inquérito civil originador dessa ACP ou estudo cientí-
fico similar.109
Outro ponto que nos chama a atenção é que, em algumas
partes que grifamos na citação direta acima, percebemos uma
preocupação do MPF em descrever as perturbações de ordem
reprodutiva e correlatas, como a referência à malformação de

109. Explicamos que o Ministério Público Federal, na figura de seus procu-


radores e diferentemente de juízes de direito – sejam de quais esferas forem,
podem e devem apresentar parcialidade, pois eles representam a figura do
“fiscal da lei”, podendo, portanto, ter postura acusatória diante de fatos por
ele arguidos. Assim, nada mais natural em sua construção discursiva/retórica
e, ao mesmo tempo, técnica-jurídica, que o MPF tome por verdadeira, assim
como um advogado faria em uma causa que patrocina, os dados que considera
mais favoráveis aos pedidos que pleiteia perante a justiça.

338
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

fetos de ratos ou amamentação deles, por exemplo. O que pode


nos passar uma certa impressão de que, ainda que não se en-
contre expressa, na ACP em exame, a tutela de grupos vulne-
ráveis como crianças, ou a proteção e perpetuação da espécie
humana diante da exposição ambiental e de sua saúde à poten-
cial contaminação por 2,4-D.
Na sequência, a ação do MPF continua argumentando, nes-
sa mesma linha, e informando que a literatura científica atual:

Demonstra que o uso do 2,4-D provoca os seguintes


danos: toxicidade aguda; má-formação embrionária;
alterações neurotóxicas, nefrotóxicas, metabólicas e
hormonais; contaminação de leite materno; alteração
dos hormônios estrógenos e andrógenos; alterações he-
matológicas e respiratórias; câncer gástrico, de próstata
e linfoma non-hodgkin. Ademais, impende destacar a
gama de artigos científicos colacionados nos inquéritos
civis que instruem esta inicial (fls. 15-63 e 90-206 do IC
n. 3486/2013-45 e ANEXOS I e II do referido inquéri-
to), inclusive artigos oriundos da base de dados inter-
nacional Pubmed (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pub-
med), sobre os prováveis riscos gerados pelo 2,4-D.110
Assim, nesses termos, é de fundamental importância
invocar o princípio da prevenção. (MPF, 2014b, p. 24).

Já comentamos, mais de uma vez nessa seção, que a ar-


gumentação do MPF, em ambas ACPs, é fortemente ancorada
em estudos técnico-científicos. Todavia, um questionamento
pode emergir: e se tais estudos forem equivocados? Ou se fo-
rem suplantados pelo poder financeiro de gigantes do agrone-
gócio, como a Monsanto?

110. Em consulta a referida base de dados, a qual se encontra em inglês, perce-


bemos que a PubMed se trata de uma base de dados com citações e resumos de
artigos de investigação médicas oferecidos pela Biblioteca Nacional de Medici-
na dos Estados Unidos, a qual também será acionada pela ACP 05/2014/MT.

3 39
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Nesse instante, é interessante observarmos que o MPF pa-


rece não ter deixado de lado tal questionamento, quando se
utiliza, em ambas ACPs, do argumento da precaução, o qual
não advoga pelo que ele denomina como “risco-zero”, confor-
me percebemos nos trechos abaixo:

Dessa forma, ante à existência de uma ameaça de danos


irreversíveis à saúde da população brasileira, nasce a
obrigação das autoridades competentes em agir. Nesse
diapasão, está-se invocando o princípio da precaução
que, atuando na incerteza científica, não advoga “pelo
risco zero”, mas exige que se dê importância à proteção
da saúde pública contra riscos desconhecidos ou insufi-
cientemente esclarecidos. (MPF, 2014 a, p. 16)

Em outra vertente, mesmo se não houvesse estudos


científicos conclusivos sobre os malefícios ocasiona-
dos pelo 2,4-D, ainda assim, remanesceria a obriga-
ção das autoridades competentes em agir diante da
existência de uma ameaça de danos irreversíveis à
saúde e ao meio ambiente, mesmo que os conheci-
mentos científicos disponíveis não confirmassem o
risco – o que parece não ser o caso dos presentes au-
tos. Nesse diapasão, está-se invocando o princípio da
precaução que, atuando na incerteza científica, não
advoga “pelo risco zero”, mas exige que se dê impor-
tância à proteção da saúde pública e ao meio ambiente
contra riscos desconhecidos ou insuficientemente es-
clarecidos. (MPF, 2014 b, p. 24).

A ACP 03/2014/DF e a ACP 04/2014/DF solicitam a de-


nominada “antecipação de tutela”, por conta da verossimilhan-
ça dos dados narrados e do fundado receio de que a demora de
uma decisão judicial ocasione dado irreparável ou de difícil re-
paração, e ancoram suas argumentações informando que a ve-

340
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

rossimilhança está estampada nos fundamentos das petições


iniciais e no reconhecimento da Anvisa acerca da necessidade
da reavaliação dos ingredientes ativos mencionados. O funda-
do receio de dano irreparável ou de difícil reparação decorre
do fato de que as substâncias parationa metílica, lactofem, fo-
rato, carbofurano, abamectina, tiram, paraquate e glifosato e
2,4-D vêm sendo amplamente utilizadas, apesar da existência
de riscos à saúde coletiva. Assim, para o MPF resta incontes-
tável o receio de que a demora no provimento jurisdicional
possa acarretar danos de difícil reparação, ou até mesmo irre-
paráveis à saúde.
Ressalta o MPF, nessa seção, por fim, que não há risco de
irreversibilidade do provimento antecipado: caso o juízo en-
tenda que não seja caso de suspensão dos registros de produ-
tos que contenham os mencionados ingredientes ativos, pois
poderá revogar a determinação de modo que os produtos for-
mulados à base desse organoclorado possam ser novamente
utilizados (MPF, 2014 a, p. 21-22 e MPF, 2014b, p. 27-28).
Ressaltamos que, no dia 25 de março de 2014, ou seja, 05
dias após a assinatura das ACP 03/2014/DF, o MPF peticio-
nou solicitando que fosse juntado estudo do Dossiê Abrasco de
2012 e tabela de produção própria que reproduzimos abaixo:

3 41
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Tabela 6: petição n. 6969/2014 (ACP 03/2014/DF).

Na mesma ocasião, colacionaram a Carta Política da 4ª


Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional,
que defendeu a necessidade de banimento de agrotóxicos já
banidos em outros países e reproduziram, na mesma petição,
moção da Conferência, sendo finalizada a petição com a reite-
ração do pedido de pleito antecipatório.

4.1.3 ACP 05/2014/MT

A ACP 05/2014/MT busca a fiscalização e não permissão do


uso de produtos agrotóxicos formulados a base da substância
denominada Benzoato de Emamectina, uma vez que tal com-
ponente químico não possui registro no órgão federal compe-
tente (Ministério da Agricultura), nem cadastro no órgão esta-
dual responsável (INDEA), como exige a legislação, existindo
ainda parecer técnico da Agência Nacional de Vigilância Sani-
tária (ANVISA
O teor da ACP é eminentemente técnico, pois a possibi-
lidade de utilização de agrotóxicos com o benzoato de ema-
mectina ocorreu através de um contexto ligado à autorização
dos estados em situação de emergência fitossanitária a imple-
mentar o plano de combate da lagarta “helicoverpa armígera”

3 42
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

nas lavouras de soja e algodão. Referida autorização foi aberta


por intermédio do MAPA. Na ocasião, dentre as ações auto-
rizadas pelo governo federal para combater os ataques da la-
garta, restou a referida medida, que permitiria, equivocada-
mente, segundo sustenta o MPF em sua ACP, a importação e
utilização de agrotóxicos com o ingrediente ativo benzoato de
emamectina. O procurador esclareceu em sua ACP que não são
contrários às ações administrativas para o controle de casos
que levem a situações de emergências fitossanitárias, mas que
é preciso observar a legislação pertinente, bem como as nor-
mativas das instâncias técnico-operativas, além de se resguar-
darem os interesses da coletividade.
“O uso de agrotóxicos que contêm o benzoato de emamectina
atende exclusivamente aos interesses econômico e político, des-
considerando os interesses ambientais e, principalmente, a pro-
teção à saúde humana contra uma substância altamente tóxica”,
afirmou o procurador do MPF em sua ACP.111
Interessante fato que permeia a presente ACP e que deli-
neia, de forma muito clara, o campo de disputas que envolve a
temática que estudamos, dá conta de que o Ministério da Agri-
cultura chegou a tentar a aprovação do uso de agrotóxicos que
contivessem o benzoato de emamectina no Comitê Técnico
de Assessoramento para Agrotóxicos – CTA. Todavia, o co-
mitê manifestou-se contrariamente à utilização da substância.
O Ibama também se manifestou sobre o uso do benzoato de
emamectina, afirmando que não há elementos que permitam
justificar seu uso, pelas razões apontadas pela Anvisa. Dife-
rentemente e, talvez, até mais gravemente do que o caso do
2,4-D, estudado na ACP 04/2014/DF, aqui temos um consenso
técnico-científico entre instâncias operativas como Anvisa e
Ibama, por exemplo.

111. Trecho reproduzido de reportagem noticiando a ACP pela própria asses-


soria de comunicação do MPF. Mais informações encontram-se disponíveis
em: <http://www.gvces.com.br/mpf-mt-tenta-impedir-o-uso-de-agrotoxico-
-a-base-de-benzoato-de-emamectina?locale=pt-br>. Acesso em: 31 ago. 2017.

3 43
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Assim, diante desse cenário de disputas, e visando driblar


a situação e atender ao pleito dos produtores rurais, o MAPA
permitiu – por meio da Instrução Normativa n. 13, de 03 de
abril de 2013, que a Secretaria de Defesa Agropecuária – SDA
autorizasse a importação de agrotóxicos à base de benzoato de
emamectina para o controle da praga de lagartas, conferindo
aos órgãos estaduais de fiscalização agropecuária a atribuição
para autorizar o uso desses agrotóxicos. Ocorre que, no estado
do Mato Grosso, o INDEA não exigiu o registro dos agrotóxi-
cos no MAPA, nem mesmo o cadastro perante o órgão estadual
para a utilização nas lavouras.112
Diante desse quadro, inicialmente ocorreu a tentativa de
acordo extrajudicial com o INDEA, após o MPF expedir uma
recomendação ao órgão para que não autorizasse a aplicação
do agrotóxico nas lavouras de Mato Grosso e enviasse a relação
das autorizações que porventura já tivessem sido concedidas,
112. A ACP estudada traz mais detalhamentos dessa disputa em página e nota
de rodapé da na própria ação em estudo quando diz que: “Logo em seguida,
mesmo diante do posicionamento contrário do CTA, o Ministro da Agricul-
tura decidiu unilateralmente atender aos pleitos dos produtores rurais e fez
publicar a Instrução Normativa MAPA n° 13, de 3 de abril de 2013, através da
qual permitiu que a Secretaria de Defesa Agropecuária – SDA, autorizasse a
importação de agrotóxicos a base de benzoato de emamectina, para o controle
da praga de lagartas. Ou seja, o MAPA, em tese, autorizou a importação de
agrotóxicos que não possuem o devido registro no Brasil [...] A liberação da
importação de tais agrotóxicos, sem registro no Brasil, causou forte polêmica
em Brasília, por não observar os procedimentos aplicáveis, caso registrado pe-
los meios de comunicação. A decisão gerou questionamentos, inclusive, den-
tro do próprio setor produtivo, vindos, e.g., da AENDA (Associação Brasileira
dos Defensivos Genéricos), que achou estranho o fato de agrotóxicos sem re-
gistro terem obtido liberação mais célere do que outros já registrados no país,
sendo que todos teriam como alvo o combate à helicoverpa spp <http://www.
agrolink.com.br/biotecnologia/noticia/5-inseticidas-podemcontrolarlagar-
tahelicoverpa_168885.html>. Tal fato sugere a possibilidade da ocorrência de
forte lobby de empresas produtoras/comercializadoras da molécula benzoa-
to de emamectina. O fato gerou, também, questionamentos junto à Comissão
de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados
<http://www2.camara.leg.br/atividadelegislativa/comissoes/comissoesper-
manentes/cmads/noticias/sarney-filho-questiona-liberacao-deagrotoxico-
-sem-registro-no-pais>. Ministério Público Federal in: (MPF, 2014c, página 06).

344
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

mas o INDEA não respondeu satisfatoriamente aos questiona-


mentos feitos pelo subscritor da presente ACP.
Dentro da ACP 05/2014/MT, o MPF também apresentou
um tópico específico onde apontou medidas alternativas para a
emergência fitossanitária ocasionada pela lagarta “helicoverpa
armígera” e baseou a sua linha de argumentação em termos
técnico-científicos, ressaltando que a Empresa Brasileira de
Agricultura e Pecuária – EMBRAPA, orienta que o combate à
praga passe por restabelecimento do equilíbrio dos sistemas de
produção agrícola, com a adoção de medidas emergenciais e de
práticas de Manejo Integrado de Pragas – MIP.
Além disso, colacionaram, ao estudo, informações do Ins-
tituto Mato-grossense do Algodão – IMAmt, que deslocou os
pesquisadores Jean Belot, Patrícia Andrade Vilela, Rafael Gal-
bieri (fitopatologista) e Miguel Soria (entomologista) de seu
instituto para visitarem centros de pesquisas e diversas fa-
zendas australianas nas regiões de Moree, Goondiwindi, Wee
Waa e Narrabri, os quais ficaram impressionados com a forma
como os cotonicultores australianos lidam com a Helicoverpa
spp. (Helicoverpa armigera e Helicoverpa punctigera), praga-
-chave da cultura do algodoeiro na Austrália e responsável por
grandes perdas na produção desde o início do cultivo do algo-
dão naquele país.
Todavia, diferentemente do Brasil, a Austrália, pratica-
mente, não utiliza agrotóxicos e, quando aplicados, são usados
inseticidas seletivos. As experiências australianas são repeti-
damente citadas como exemplo pelas entidades ligadas ao se-
tor agrícola, sendo afirmado, inclusive, que a ideia da utiliza-
ção do benzoato de emamectina partiu do modelo australiano
de controle de pragas na cultura do algodão, pois em caso de
uso de agrotóxicos, para evitar danos ao meio ambiente, a enti-
dade indica a observância de uma ordem preferencial, na qual
o benzoato de emamectina ocupa a penúltima posição, explica
o procurador em sua ACP.

3 45
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

O Comitê Técnico de Assessoramento para Agrotóxi-


cos – CTA, indicou conclusões semelhantes às da Embrapa,
ou seja, que estudos científicos sugerem inúmeras alternati-
vas ao uso do benzoato de emamectina, algumas consideradas
mais eficientes para o controle de lagartas. Desta feita, a ACP
05/2014/MT solicitou, com urgência, que o INDEA fosse proi-
bido de expedir autorizações de aplicação de agrotóxicos que
contivessem o benzoato de emamectina e que as autorizações
já emitidas fossem suspensas.
O MPF/MT, além disso, solicitou que o INDEA fosse obri-
gado a cumprir a legislação que determina que ele é o órgão
fiscalizador e deve impedir a entrada, a comercialização, o ar-
mazenamento e o uso de agrotóxicos que contenham a subs-
tância e apreenda todos os produtos encontrados em Mato
Grosso que contenham o benzoato de emamectina.
Assim como em boa parte das ACPs estudadas até agora,
a valoração e disputa em relação a dados técnico-científicos
faz parte da construção de muitos argumentos utilizados pelo
MPF. Um dado que diferencia a presente ação é que esta, ao
invés de ter uma disputa com órgãos operativos como a Anvisa
e o CTNBio, conforme observamos nas ACPS 03/2014/DF e
04/2014/DF, contrariamente, apoia-se nos dados produzidos
pela Anvisa e também traz estudos, como o Dossiê Abrasco
do ano de 2012113 e a obra de Flávia Londres – Agrotóxicos no
Brasil, um guia em defesa da vida, ambos tratados no capítulo
anterior, além de utilizarem-se de doutrina e jurisprudência
referentes à área específica do Direito Ambiental, com obras
de Paulo Affonso Leme Machado, Superior Tribunal de Justiça
e literatura correlata.
Além dos estudos técnicos da EMBRAPA e IMAmt, já men-
cionados no começo desse tópico, na instrução da ACP, mais
especificamente no item IV-E, são apontados estudos do EPA

113. Na ocasião da propositura da presente ACP não havia saído ainda o dossiê
ABRASCO que trabalhamos no capítulo 03, uma vez que a ação é da data de
2014 e o novo dossiê é do ano de 2015.

346
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

– Agência de Proteção Ambiental dos EUA, conforme observa-


mos no trecho que destacamos abaixo:

Várias análises sobre os efeitos do uso de benzoato de


emamectina foram realizadas pela Agência de Pro-
teção Ambiental (Environmental Protection Agency
– EPA) dos Estados Unidos. As conclusões apresen-
tadas seguem a mesma linha, afirmando que o ben-
zoato de emamectina é altamente tóxico para insetos
benéficos (como abelhas), mamíferos, peixes, aves
e invertebrados aquáticos. A EPA também reafirma
que o benzoato de emamectina é uma potente neuro-
toxina e que ainda existem inúmeras incertezas sobre
a extensão e gravidade dos efeitos decorrentes de seu
uso, sendo que parte dessas incertezas deriva da au-
sência de estudos sobre todas as variáveis relacionadas
à substância.

No Brasil, não existem estudos disponíveis sobre os


efeitos do benzoato de emamectina sobre o meio am-
biente, uma vez que o produto teve seu registro negado
perante ao Ministério da Agricultura, devido ao parecer
contrário da ANVISA. Daí, não existem informações
conclusivas sobre quais impactos o produto irá provo-
car nos ecossistemas presentes no território nacional.

Não existem respostas conclusivas para perguntas


fundamentais relativas ao impacto ambiental espe-
cífico nos ecossistemas do Estado de Mato Grosso,
nem mesmo para impactos de âmbito nacional. Qual
o potencial de transporte no solo (mobilidade, absor-
ção, solubilidade) da substância? Qual o seu grau de
persistência, considerando os mecanismos de degrada-
ção biótica (biodegrabilidade) e abiótica (hidrólise e fo-
tólise)? Qual seu potencial de bioacumulação na cadeia

3 47
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

alimentar dos ecossistemas onde será aplicada? (sem


destaque no original). (MPF, 2014c, p. 33-34).114

O MPF resume suas colocações nesse ponto informando


que estudos realizados em outros países comprovam o elevado
potencial nocivo do benzoato de emamectina para o meio am-
biente, mas que no Brasil vigora a incerteza científica quanto à
extensão desses impactos negativos sobre os biomas nacionais,
fato esse que deve levar à utilização do princípio da precau-
ção e do princípio in dubio pro natura115, sendo assim finalizada
a ACP.
A seguir, passamos a análise dos usos e contextos dos ter-
mos desenvolvimento sustentável e/ou sustentabilidade, ris-
co, justiça ambiental e futuras gerações, dentro das ações civis
públicas em estudo.

114. Referido trecho possui duas importantes notas que aqui colacionamos.
Uma traz o site do EPA pesquisado pelo MPF, que pode ser encontrado nes-
se link: <http://www.epa.gov/pesticides/chem_search/cleared_reviews/
csr_PC-122806_25-Jul-08_a.pdf>. e outra nota fala dos impactos em relação
às populações de abelhas e diz que: “Os impactos extremamente nocivos dos
agrotóxicos sobre as abelhas tem despertado a preocupação dos órgãos ambientais
por todo o mundo, tendo em vista que estudos sobre a ação das abelhas no meio
ambiente apontam a extraordinária contribuição desses insetos na preservação
da vida vegetal e também na manutenção da biodiversidade. Nos ecossistemas
mundiais, as abelhas são os principais polinizadores. No Brasil, sobre o tema,
o IBAMA publicou trabalho intitulado Efeitos dos Agrotóxicos sobre Abelhas
Silvestres no Brasil <http://www.ibama.gov.br/publicadas/publicacao-do-i-
bama-aponta-efeitosdos-agrotoxicos-sobreasbelhas-silvestres-no-brasil>, no
qual são indicadas as consequências dos agrotóxicos sobre as abelhas e pro-
postas medidas para mitigar esses danos.
115. Assim como o Direito Penal possui o princípio do “in dubio pro reu”, o
direito ambiental aloca-se no princípio do “in dubio pro natura” que pode ser
traduzido como: “na dúvida, proteja-se a natureza”.

348
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

4.2. ACPS E USOS E CONTEXTOS DOS TERMOS


SUSTENTABILIDADE, RISCO, JUSTIÇA AMBIENTAL E
FUTURAS GERAÇÕES

Neste tópico, buscaremos identificar a emergência, nas ACPs


já enumeradas, de questões relacionadas aos termos supra-
mencionados, bem como as circunstâncias e sentidos que
são atribuídos a tais temas, inclusive, dentro da própria le-
gislação nacional e internacional acionada pelo MPF em suas
peças processuais.

4.2.1 ACP 01/2006/RS

A ACP acima informa que teve por escopo:

[...] constranger a União, através de seus Ministérios


do Meio Ambiente (MMA) e da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (MAPA), e o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA)
a realização de efetiva de fiscalizações junto ao entorno
da Floresta Nacional de Passo Fundo (FLONA), tendo
em vista a vedação legal de plantio de soja genetica-
mente modificada nessa área. (MPF, 2006, p. 02).

Informamos que a Lei de Biossegurança, datada de 2005,


havia permitido a comercialização de transgênicos no ano an-
terior e que talvez isso explique o fato dessa ACP estar desta-
cada no GT do MPF.
No item II – Dos fatos, destacamos o seguinte trecho:

A soja geneticamente modificada começou a ser plan-


tada irregularmente no Estado do Rio Grande do Sul,
pelo que se tem conhecimento, em meados do ano de
1998, mediante contrabando de sementes da Argentina.

3 49
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

A cultura alastrou-se primeiramente na região sul do


País e posteriormente em outros Estados da Federa-
ção, em virtude de ser economicamente mais viável o
cultivo, eis que é necessário basicamente a utilização
do Herbicida Glifosato de nome comercial Roundup
no controle de ervas daninhas, sendo que o produto
é produzido pela multinacional Monsanto que tam-
bém desenvolveu a tecnologia da transgenia na soja.
A questão referente à liberação do cultivo e comer-
cialização de grãos geneticamente modificados tem
sido alvo de intensa discussão, em face do grau de
incerteza científica quanto aos reflexos no meio am-
biente e na própria saúde humana. (sem destaque no
original). (MPF, 2006, p. 02-03).

Observamos, no excerto acima – ao mesmo tempo em que


levamos em conta o lapso temporal dessa primeira ACP, que
lidar com a emergência de um novo modelo agroprodutivo,
que trazia em seu estofo sementes geneticamente modificadas,
era visto pelos “fiscais da lei”116 como elemento causador de
insegurança jurídica, além de causador de impactos ambien-
tais e objeto de desconhecimento e potencial perigo ao meio
ambiente e à saúde humana haja vista ser novidade advinda da
engenharia genética. Observamos, também, que a referência à
Monsanto e ao agrotóxico glifosato já se fazia presente.
Em relação aos elementos da legislação invocados na
ACP 01/2006/RS, o princípio da precaução e da prevenção
116. Fiscal da Lei ou Custos legis são termos que servem para descrevermos o
Ministério Público e que fazem parte do denominado jargão jurídico ou “juri-
diquês”, como preferem alguns. Outra referência que podemos encontrar em
relação ao Ministério Público é o vocábulo de origem francesa denominado
parquet, que provém da tradição francesa, inclusive, Lebouch, jurista francês,
afirmou a existência de duas espécies de magistraturas: a sentada, representa-
da pelo Juiz, que trabalha sentado nas audiências e exerce suas funções passi-
vamente; e a magistratura de pé, representada pelo Parquet, que é o Ministério
Público, que trabalha em pé, uma vez que seria um órgão provocador, funcio-
nando de forma ativa.

35 0
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

são a base legal do que se pleiteia, e, de forma específica,


podemos elencar os principais dispositivos jurídicos invoca-
dos pelo MPF de Passo Fundo/RS, quais sejam:Constituição
da República, em seu artigo 225, caput, que garante a todos
o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, con-
siderando-o bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletivi-
dade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações.
Aproveitamos para informar que esse é o único momen-
to em que o termo futuras gerações aparece, sendo acionado
como objeto jurídico a ser tutelado na ACP, que ainda faz alu-
são ao princípio n. 15 da Declaração do Rio de Janeiro, mas não
apresenta expressa preocupação com o efeito da insegurança
jurídica das sementes transgênicas para parcelas etárias espe-
cíficas da população. A preocupação com o futuro da humani-
dade fica revelada, apenas, através da menção ao princípio da
precaução e prevenção, que comporta de forma extensiva um
certo vislumbre de preocupação com o futuro da humanidade
e da perpetuação da espécie. Destacamos, inclusive, trecho da
ACP que faz alusão a uma obra da doutrina jurídica ambiental
de Paulo Affonso Leme Machado:

O ínclito pesquisador Paulo Affonso Machado ensina


que o “princípio da precaução, para ser aplicado efe-
tivamente, tem que suplantar a pressa, a precipitação,
a rapidez insensata e a vontade de resultado imediato.
Não é fácil o confronto com esses comportamentos,
porque eles estão corroendo a sociedade contempo-
rânea. Olhando-se o mundo das Bolsas, aquilata-se o
quanto a cultura de risco contamina os setores finan-
ceiros e os governos, jogando na maior parte das vezes,
com os bens alheios. O princípio da precaução não sig-
nifica a prostração diante do medo, não elimina a au-
dácia saudável, mas equivale à busca da segurança do

35 1
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

meio ambiente, indispensável para a continuidade da


vida”. (sem destaque no original). (MPF, 2006, p. 32).

Note-se que a ACP 01/2006/RS não estava presente em


análise feita no item anterior sobre o uso de produções técni-
co-científicas, pois não encontramos referências a pesquisas
técnico-científicas que tratassem de engenharia genética, uma
vez que os estudos apresentados na ACP são da ordem juris-
prudencial e doutrinária, no tocante a pontos da legislação e
sua interpretação.
No que tange à menção do termo sustentabilidade e seus
correlatos, informamos que não encontramos nenhuma refe-
rência ao vocábulo ao longo das 43 páginas que compõem a
ACP 01/2006/RS.
Em relação a percepção de risco, temos a mesma alinhada
aos já comentados princípios da precaução e prevenção, mas
não existe alusão ao arcabouço teórico proposto por Ulrich
Beck. O mesmo ocorre em relação ao conceito de Justiça am-
biental, ou menção a grupos de pessoas vulneráveis.

4.2.2 ACP 02/2013/MA

Referida ACP 02/2013/MA, conforme já detalhado no tópico


4.1.1, trata da falta de adequada fiscalização no uso do glifosa-
to, principalmente no cultivo de soja, no Estado do Maranhão,
bem como da falta de fiscalização quanto ao armazenamento
irregular de embalagens vazias do agrotóxico e irregular des-
carte das embalagens do herbicida.
Na seção “Do Direito”, a ACP, inicialmente, apoia-se na Lei
n. 7.802/89 que trata do ciclo de vida dos agrotóxicos e, em
especial, nos artigos 3º e 6º que tratam do registro de agrotó-
xicos e dos requisitos das embalagens, respectivamente, além
dos artigos 9º e 12º que tratam das competências da União e
da fiscalização do Poder Público. Após, foi citado o Decreto

352
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

n. 4.074/2002 que veio regulamentar referida Lei n. 7.802/89


e, novamente, o MPF evoca a questão das competências, con-
trole, inspeção e fiscalização – Arts. 68 a 80ª, de o referido
Decreto, e cuja reprodução dos artigos ocupam várias páginas
da ACP, mais especificamente, páginas de 16 a 20, com a re-
produção dos textos legais.
Para efeitos de estudo, destacamos o seguinte trecho da
legislação acima referenciada:

Lei n. 7.802/89 – Art. 3º [...] § 6º Fica proibido o regis-


tro de agrotóxicos, seus componentes e afins:

[...] c) que revelem características teratogênicas, car-


cinogênicas ou mutagênicas, de acordo com os re-
sultados atualizados de experiências da comunidade
científica; d) que provoquem distúrbios hormonais,
danos ao aparelho reprodutor, de acordo com pro-
cedimentos e experiências atualizadas na comunidade
científica; e) que se revelem mais perigosos para o
homem do que os testes de laboratório, com animais,
tenham podido demonstrar, segundo critérios técni-
cos e científicos atualizados; f) cujas características
causem danos ao meio ambiente.

Observamos que referido extrato jurídico se relaciona,


em alguma dimensão, às ideias preconizadas nos conceitos de
futuras gerações e risco, estudados em capítulo próprio deste
trabalho, ainda que isso não seja expresso pelo procurador da
república em nenhum momento, pois o mesmo demanda a le-
gislação, apenas, em seu contexto operativo, ligado ao registro
e fiscalização de agrotóxicos, objeto de sua ACP
Em relação à doutrina jurídica presente na ACP 02/2013/
MA, assim como na ACP de 01/2006 /RS, que tratava dos
transgênicos na FLONA de Passo Fundo/RS, traz-se, no-
vamente, o nome de Paulo Affonso Leme Machado, um dos

35 3
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

primeiros pesquisadores da área jurídica-ambiental117


Todavia, a referência doutrinária a Paulo Affonso Leme
Machado não toma mais de um parágrafo das 27 páginas da
ACP 02/2013/MA, conforme mostramos a seguir:

Nesse contexto, também Paulo Affonso Leme Macha-


do pontua que “o Poder Público precisa prevenir na
origem os problemas de poluição e de degradação da
Natureza”, acrescentando que “o risco na produção (da
energia nuclear, por exemplo), na comercialização, no
emprego de técnicas (como biotecnologia) e de subs-
tâncias (como agrotóxicos), tem que ser controlado
pelo Poder Público (art. 225, §1º, V)” (sem destaque no
original). (MPF, 2013, p. 22).

Em relação à utilização do termo sustentabilidade e/ou de-


senvolvimento sustentável, informamos que não encontramos
nenhuma menção ao mesmo.
No que pertine à percepção de risco, não temos a presença
dos conceitos tratados pelo sociólogo alemão Ulrich Beck ao
longo da ACP, ainda que o termo seja encontrado em alguns
momentos na ação e até transcrito em alguns trechos já repro-
duzidos e que tratam dos riscos ambientais da não fiscalização
da utilização do glifosato e outros atos correlatos que estrutu-
raram boa parte da demanda proposta pelo MPF.
Em relação ao conceito de Justiça ambiental ser reconhe-
cido, percebemos que não há alusão formal ao termo, mas que
o mesmo se faz presente através dos dados técnico-científicos
produzidos pelo relatório de pesquisa sobre conflitos socioam-
bientais do leste maranhense do Grupo de Estudos Rurais e
Urbanos do Programa de Pós- graduação em Ciências Sociais

117. Hoje promotor aposentado do Estado de São Paulo, mas ainda atuan-
te na militância ambiental. Ele foi, inclusive, um dos idealizadores da Lei n.
6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente no país, primei-
ro marco legal de uma proteção ambiental macro.

35 4
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

da UFMA e que informa que o cultivo da soja, com uso do glifo-


sato, além de provocar graves problemas ambientais, promove
a precarização das condições de vida e de trabalho de milhares
de famílias camponesas da região do leste maranhense.
Assim, parece-nos que, dentro da pluralidade semântica
existente em relação ao termo Justiça ambiental, que aborda
populações marginalizadas, tradicionais, excluídos socialmen-
te face aos prejuízos inerentes a uma política desenvolvimen-
tista e ecologicamente prejudicial (MADEIRA FILHO, 2002,
p. 11), os camponeses do leste maranhense poderiam vir a ser
um exemplo de populações excluídas socialmente face ao mo-
delo agroprodutivo da região, ainda que tal categorização não
seja expressamente mencionada pelo procurador da república
em nenhum momento de sua peça processual.

4.2.3 ACP 03/2014/DF E ACP 04/2014/DF

Inicialmente, destaca-se, na construção de referidas peças


processuais, a seção enumerada como “Violação aos Direitos
Fundamentais de Proteção à Saúde Humana, à Alimentação
Adequada e ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado”,
e busca-se, em ambas ACPs, relacionar a não reavaliação to-
xicológica do 2,4-D e dos demais ingredientes ativos paratio-
na metílica, lactofem, forato, carbofurano, abamectina, tiram,
paraquate e glifosato, por parte da Anvisa, com a violação dos
direitos fundamentais acima elencados.
Assim, começam as ACPs a trazer as legislações que uti-
lizarão para argumentar sua linha de defesa afirmando que
existem violações desses direitos e avocam, primeiramente,
o artigo 6º da Constituição Federal que, através de Emenda
Constitucional de 2010, elevou ao patamar de direitos fun-
damentais o direito à saúde e o direito à alimentação. Outro
artigo da constituição federal invocada pelo MPF é o 196, que

35 5
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

trata, especificamente, do direito à saúde.118


Notamos, ao longo de ambas ACPs, que existem trechos de
parágrafos idênticos, haja vista, como já falamos, serem ações
da lavra do mesmo procurador da república e serem assinadas
na mesma data. Um dos trechos idênticos, em ambas ACPs,
argumenta que:

Impende destacar que as políticas sociais que visem à


redução do risco de doença e outros agravos são parte
do núcleo essencial dos deveres do Estado na garan-
tia do direito humano fundamental à saúde e à ali-
mentação adequada.

Por outro lado, no que tange ao reconhecimento nor-


mativo internacional da existência de um direito huma-
no à saúde e à alimentação adequada, o Pacto Interna-
cional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(PIDESC), adotado pela Assembleia Geral da ONU em
1966 e ratificado pelo Brasil no ano de 1992 (promul-
gado pelo Decreto n. 591/1992), apresenta como um
dos principais instrumentos internacionais de proteção
dos Direitos Econômicos, Culturais e Sociais. Dentre os
direitos sociais, o referido Pacto consolidou o direito
à alimentação e ao mais elevado nível de saúde físi-
ca e mental, com a seguinte previsão [...]. (sem des-
taque no original). (MPF, 2014 a, p. 8-9; MPF, 2014 b,
p. 12-13).

118. BRASIL. CF/88 - Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimen-
tação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a prote-
ção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 64, de 2010);
BRASIL. CF/88 – Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, ga-
rantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

35 6
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Na sequência dos argumentos acima trazidos, as ACPs re-


produzem os artigos 11 e 12 do PIDESC – Pacto Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais119, e relacionam
referidos dispositivos legais com os fatos narrados nas peças
processuais, defendendo que, para a promoção do direito à
saúde e alimentação enunciados nos artigos mencionados, é
direito da população exigir do Estado que realize ações efeti-
vas para que se alcance o mais alto nível de saúde física e men-
tal, e que a saúde não deve ser compreendida apenas como o
direito de estar sadio. Em relação ao direito à alimentação, ar-
gumentam que o comentário geral do PIDESC inclui o acesso
119. PIDESC - Artigo 11 - 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhe-
cem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequando para si próprio e
sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim
como a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados Partes
tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reco-
nhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional
fundada no livre consentimento.
2. Os Estados Partes do presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental
de toda pessoa de estar protegida contra a fome, adotarão, individualmente
e mediante cooperação internacional, as medidas, inclusive programas con-
cretos, que se façam necessárias para: a) Melhorar os métodos de produção,
conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena utilização dos
conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão de princípios de educação
nutricional e pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários, de ma-
neira que se assegurem a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos
naturais; b) Assegurar uma repartição equitativa dos recursos alimentícios
mundiais em relação às necessidades, levando-se em conta os problemas tanto
dos países importadores quanto dos exportadores de gêneros alimentícios.
PIDESC - Artigo 12 - 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o
direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde
física e mental.
2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o
fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se
façam necessárias para assegurar:
a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o
desenvolvimento é das crianças; b) A melhoria de todos os aspectos de higiene
do trabalho e do meio ambiente; c) A prevenção e o tratamento das doenças
epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas
doenças; d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica
e serviços médicos em caso de enfermidade.

357
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

estável e permanente a alimentos saudáveis, seguros, sadios e


em quantidade suficiente, além de culturalmente aceitos, pro-
duzidos de forma sustentável e sem prejuízo para a implemen-
tação de outros direitos para as presentes e futuras gerações.
Continuando na abordagem da legislação internacional,
eles colacionam os artigos 10 e 12 do Protocolo de San Sal-
vador120 (promulgado pelo Decreto n. 3.321/1999), e argu-
mentam que, após demonstrarem essas legislações nacionais
e internacionais, não restam dúvidas de que o direito à saúde
e à alimentação foram recepcionados como direitos humanos
fundamentais, e relacionam o acesso permanente e estável
da população a alimentos saudáveis e seguros com o direito à
saúde, trazendo na sequência o artigo 225 da Constituição Fe-
deral que trata do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Mais uma vez, as ACPs buscam mostrar que, ao se assegurar
o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, estão
sendo protegidos, também, os direitos individuais à vida e à
dignidade humana e, por consequência, se estaria garantindo a

120. Protocolo de San Salvador - Artigo 10 - Direito à saúde - 1. Toda pessoa


tem direito à saúde, entendida como o gozo do mais alto nível de bem-estar
físico, mental e social; 2. A fim de tornar efetivo o direito à saúde, os Estados
Partes comprometem-se a reconhecer a saúde como bem público e, especial-
mente, a adotar as seguintes medidas para garantir este direito: a. Atendimen-
to primário de saúde, entendendo-se como tal a assistência médica essencial
colocada ao alcance de todas as pessoas e famílias da comunidade; b. Extensão
dos benefícios dos serviços de saúde a todas as pessoas sujeitas à jurisdição do
Estado; c. Total imunização contra as principais doenças infecciosas; d. Pre-
venção e tratamento das doenças endêmicas, profissionais e de outra natu-
reza; e. Educação da população sobre prevenção e tratamento dos problemas
da saúde; e f. satisfação das necessidades de saúde dos grupos de mais alto
risco e que, por sua situação de pobreza, sejam mais vulneráveis. (sem des-
taque no original).
Protocolo de San Salvado - Artigo 12 - Direito à alimentação - 1. Toda pessoa
tem direito a uma nutrição adequada que assegure a possibilidade de gozar do
mais alto nível de desenvolvimento físico, emocional e intelectual; 2. A fim
de tornar efetivo esse direito e de eliminar a desnutrição, os Estados Partes
comprometem-se a aperfeiçoar os métodos de produção, abastecimento e dis-
tribuição de alimentos, para o que se comprometem a promover maior coo-
peração internacional com vistas a apoiar as políticas nacionais sobre o tema.

35 8
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

promoção dos direitos civis e econômico-sociais, aí incluídos


o direito à saúde e alimentação adequada.
Comentamos, em relação às argumentações do MPF em suas
ACPs, que a ideia do direito à alimentação encontra-se presente,
bem como o direito à saúde, conforme resta claro na própria “le-
tra da lei” dos artigos colacionados, entretanto, não verificamos
qualquer ilação maior no que pertine aos conceitos de soberania
alimentar, segurança alimentar e nutricional, modelos agropro-
dutivos ou qualquer menção à solidariedade intergeracional ou
proteção de grupos minoritários, ainda que, por exemplo, o ar-
tigo 10 do Protocolo de San Salvador, em sua alínea “f” determi-
ne que, para que se efetive o direito à saúde, os Estados-Partes
comprometeram-se a reconhecer a saúde como bem público e
adotaram medidas para garantir este direito como a satisfação
das necessidades de saúde dos grupos de mais alto risco e que,
por sua situação de pobreza, sejam mais vulneráveis.
Dentro do esposado pela legislação acima comentada,
não pertenceriam as crianças da primeira infância, bebês,
mulheres grávidas, por exemplo, aos grupos de diferenciada
vulnerabilidade, conforme estudos já apresentados no capí-
tulo anterior e conceitos como justiça ambiental? Acredita-
mos que sim, todavia, parece-nos que o viés de abordagem do
MPF é contundente, porém limitado a aspectos legislativos e
técnico-científicos.
A ACP 03/2014/DF, quando traz o artigo 225 da consti-
tuição federal, que conforme já mencionamos, trata do meio
ambiente ecologicamente equilibrado aborda, conjuntamen-
te, a declaração de Estocolmo de 1972 que em seus princí-
pios 1º e 2º121 tratam, embrionariamente, da sustentabilidade,

121. Declaração de Estocolmo – Princípio 1º - “(o) homem tem o direito fun-


damental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequa-
das, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida
digna, gozar de bem-estar, e é portador solene de obrigação de melhorar o
meio ambiente, para as gerações presentes e futuras...”
Declaração de Estocolmo – Princípio 2º - “(o)s recursos naturais da Ter-
ra, incluídos o ar, a água, o solo, a flora e a fauna e, especialmente, parcelas

359
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

ao propor a preservação do meio ambiente para as presentes e


futuras gerações.
Observamos, ademais, que o MPF utiliza diversas vezes a
menção à palavra risco, sempre associando-a às consequências
da não reavaliação toxicológica dos princípios ativos que são
objeto das ações em comento e sua relação com a saúde hu-
mana e meio ambiente, ou seja, não há menção à construção
sociológica esposada por Ulrich Beck.
Na seção, “do Direito”, ambas ACPs se subdividem no item
6.2 que possui o mesmo título: “Necessidade de Observância
dos Princípios da Precaução, da Prevenção e da Proteção da
Saúde Humana”, e invocam a Lei n. 7.802/89 e o Decreto n.
4.074/2002.
Na ACP 03/2014/DF, após tratar-se da Lei n. 7.802/89
e do Decreto n. 4.074/2002, referida ação invoca a Lei n.
8.080/90 – Lei Orgânica da Saúde, que aparece pela primeira
vez nas ACPs, até então estudadas. A abordagem dessa legisla-
ção não é extensa e se dá pelo viés dos princípios da precaução
e prevenção.
Assim, o MPF advoga que, além dos requisitos de qualida-
de, eficácia e segurança referentes às práticas e produtos de
interesse da saúde, a Vigilância Sanitária deve fazer valer, in-
transigentemente, o princípio bioético do benefício, além dos
princípios da prevenção e da precaução para que seja garantida
a proteção da saúde da coletividade.

4.2.4 ACP 05/2014/MT

Quando vislumbramos a estrutura da ACP acima, percebe-


mos que muito do que será tratado ao longo da ação é formal-
mente parecido, em argumentação técnica-jurídica, com o já
apresentado em outras ACPs estudadas até agora, pois no que
representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em benefí-
cio das gerações atuais e futuras...”.

360
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

tange à legislação aplicável, princípios aplicáveis – precaução


e prevenção e temas correlatos, já tivemos contato em ACPs
anteriores. Ademais, a ACP matogrossense é do ano de 2014,
datada 04 dias após a ACP 03/2014/DF e a ACP 04/2014/DF,
ou seja, não apresenta um lapso temporal significativo.
Apenas para relembrar, mencionamos que a presente ACP
se deu contra o Estado do Mato Grosso e o Instituto de Defe-
sa Agropecuária – INDEA, para impedir o uso de agrotóxicos
que contenham a substância benzoato de emamectina em sua
composição. Referida substância não possuía registro no Mi-
nistério da Agricultura para ser utilizada no Brasil, e a Anvisa
não indicava a utilização da substância, por conta de sua alta
toxicidade para a saúde humana, ao mesmo tempo em que o
INDEA já havia recebido pedidos para utilização de 63 tonela-
das do agrotóxico nas lavouras matogrossenses.
Em relação ao uso do termo sustentabilidade e/ou desen-
volvimento sustentável, percebemos que não existiu uma pre-
ocupação em invocar-se o conceito de desenvolvimento sus-
tentável. O mesmo acontece com a referência ao termo futuras
gerações, que não aparece explicitado, bem como o conceito
de solidariedade ou equidade intergeracional, ainda que se
mencione o artigo 225 da Constituição Federal que trata do
tema, bem como se expressa na ACP uma preocupação com a
saúde e o meio ambiente e a potencialidade de danos que po-
dem vir a ocorrer por conta da liberação, e não fiscalização, do
benzoato de emamectina.
No que tange à percepção de risco, como a proposta por
Ulrich Beck, temos que a palavra risco aparece muitas vezes
ao longo das páginas da ACP 05/2014/MT, mas está sempre
ligada às interpretações da legislação ou dos estudos técnico-
-científicos adotados na ação, como o Dossiê Abrasco e a obra
de Flávia Londres, que tratam, de forma específica, da relação
entre agrotóxicos e seus desdobramentos e riscos para a saúde
e meio ambiente.

36 1
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

No tocante ao termo Justiça ambiental, temos uma cita-


ção da obra de Flávia Londres, na página 19 da ACP 05/2014/
MT, que menciona que as pessoas mais expostas aos perigos
da contaminação pelos agrotóxicos são aquelas que têm con-
tato com eles no campo e cita os aplicadores, preparadores de
caldas e responsáveis por depósitos, que têm contato direto
com os produtos, bem como os trabalhadores que têm contato
indireto com os venenos quando realizam suas atividades de
colheita, roçados e similares. Referida citação reconhece que
tais grupos são alvos de grande risco, mas não adentra de for-
ma mais específica na questão e nem tece comentários mais
aprofundados em relação à percepção do risco e da construção
social deste.
Em relação à legislação invocada, não há grandes inovações,
sendo abordadas algumas instruções normativas do MAPA, a
lei de Agrotóxicos e seu decreto regulamentador, já citados em
outras ACPs estudadas, além de invocarem a Lei n. 8.171/91
- Lei da Política Agrícola e o Decreto n. 5.741/06, que organi-
za o Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária
– SUASA. Em âmbito estadual, citam a Lei n. 8.588/2006 e seu
decreto regulamentador n. 1.651/2013 que trata da temática
de agrotóxicos no Estado do Mato Grosso.
Finalmente, é possível concluir, até o presente momento,
o quanto a busca por uma decisão judicialmente favorável é
acionada por parte dos mais diversos procuradores do MPF
em uma base técnico-jurídica, muito mais do que em uma base
conceitual de termos como sustentabilidade, riscos, justiça
ambiental e futuras gerações ou até mesmo em bases doutriná-
rias e jurisprudenciais.
Percebemos que os procuradores, subscritores das ACPs
estudadas, desejam demonstrar que, ainda que não se tenha
certeza sobre a potencial contaminação do meio ambiente,
nutrição e saúde humana por agrotóxicos, na dúvida, é preci-
so agir de forma precautória, o que converge para a fiscaliza-
ção do uso de glifosato, a suspensão de ingredientes ativos de

362
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

agrotóxicos de farta comercialização no país como o 2,4-D e


outros ingredientes ativos, além da regulamentação do uso de
pesticidas em casos de emergências fitossanitárias, como pa-
rece demonstrar a situação externalizada pelo uso de benzoato
de emamectina, entre outras situações tratadas nas ACPs.
Temos a impressão de que a dúvida, no MPF, não reside
no fato de que “o agro seja tech ou que o agro seja pop”, pois
o arcabouço técnico-científico utilizado nas ACPs entra em
consonância com estudos que tratam das revoluções agropro-
dutivas e o alto consumo de agrotóxicos no país e seu modelo
monocultor. A questão a ser respondida pelo MPF, assim como
a de estudos técnicos do capítulo anterior, aparenta ser: o agro
é tóxico em níveis comprometedores ao meio ambiente, saúde
humana e segurança alimentar? Em caso positivo, ou em caso
de dúvidas, podemos continuar a arriscar direitos em nome de
potenciais suspeitas?
A seguir, acompanharemos as decisões judiciais das ACPs
em comento, bem como o uso que os magistrados fazem de
produções técnico-científicas e dos termos em estudo no pre-
sente capítulo, em sua relação com os agrotóxicos na instru-
mentalização de suas posições.

4.3 DECISÕES JUDICIAIS: USO DE PRODUÇÕES TÉCNICO-


CIENTÍFICAS E USOS E CONTEXTOS DOS TERMOS
SUSTENTABILIDADE, RISCO, JUSTIÇA AMBIENTAL E
FUTURAS GERAÇÕES

Conforme já informado previamente, as decisões de 1ª instân-


cia também serão objeto de análise de referidas ACPs, para que
seja possível vislumbrar se os discursos de referidas instâncias
jurídico-operativas se coadunam, ou se rechaçam, no que tan-
ge ao uso de produções técnico-científicas no embasamento
de suas peças processuais, bem como no uso e contexto que se
fazem dos termos nominados no título desse tópico.

363
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

4.3.1 Decisão e Sentença ACP 01/2006/RS

Começamos informando que, ao final da ACP 01/2016, foram


realizados os seguintes pedidos:

Procedência da ACP e requerimento dos efeitos da


tutela antecipada para que o IBAMA em um prazo
de 20 (vinte) dias apresente os limites territoriais do
entorno da FLONA contidos no raio de 10 Km (dez
quilômetros) e a identificação das propriedades e res-
pectivos proprietários contidas nesses limites, impon-
do multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais); 2º)
dentro desse prazo de 20 (vinte) dias, forneça essas in-
formações para a União; e 3º) após o cumprimento da
obrigação de fazer descrita no 1º item, publique, em um
prazo de 10 (dez) dias, no Diário Oficial da União e nos
jornais de grande circulação dos Municípios atingidos
pela área de vedação, os limites territoriais do entorno
da FLONA onde é vedado o plantio de soja transgê-
nica por três vezes dentro de uma semana; e que seja
determinado à União e ao IBAMA que apresentem, den-
tro de suas esferas de competências, em um prazo de
30 (trinta) dias, a contar da informação do IBAMA, um
plano de fiscalização sobre a área vedada ao plantio
de soja transgênica no entorno da Floresta Nacional
de Passo Fundo (FLONA), sob pena de multa diária de
R$ 10.000,00 (dez mil reais). (sem destaque no origi-
nal). (MPF, 2006, p. 41-42).

Em relação à presente ACP, o processo recebeu o n.


2006.71.04.004855-5/RS122, sendo exarada, na data de 01 de
agosto de 2006, através do juiz federal substituto, Rodrigo Be-
cker Pinto, a seguinte decisão inicial: “Vindas as respostas, ou
122. Referido processo pode ser consultado através do número referenciado
no site: <https://www2.jfrs.jus.br/>. Acesso em: 02 de agosto de 2017.

36 4
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

decorrido o prazo, retornem os autos conclusos para apreciação


do pedido de liminar. Intimem-se.”
A sentença no juízo de Passo Fundo – 1º grau de jurisdição
foi prolatada, entretanto, apenas na data de 01 de abril de 2008,
sendo da lavra do mesmo juiz federal substituto, Rodrigo Be-
cker Pinto, o qual, no ano de 2006, acabou por indeferir o pe-
dido liminar do MPF, que entrou com um recurso denominado
agravo de instrumento, autuado sob n. 2006.04.00.030510-0,
no TRF da 4ª. Região, sendo, então, deferida a antecipação da
tutela recursal.
Após a reforma de sua decisão, o já citado juiz federal jul-
gou procedente o pedido veiculado pelo MPF contra o IBAMA
e condenou referido órgão a: 1) realizar a delimitação e demar-
cação da faixa de 500 metros em projeção horizontal a partir
do seu perímetro; identificar todas as propriedades rurais e
respectivos proprietários abrangidos pela faixa limite de 500
metros; dar publicidade no Diário Oficial da União e em jornais
de circulação nas cidades abrangidas, nos termos da fundamen-
tação; apresentar plano de fiscalização do cultivo e produção
da soja transgênica na faixa delimitada e demarcada. 2) con-
denar a União, nos âmbitos dos seus Ministérios da Saúde, da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Meio Ambiente, a,
de posse das informações fornecidas pelo Ibama, apresentar
plano de fiscalização do cultivo e produção da soja transgênica,
nos moldes dos artigos 1º e 16 da Lei n. 11.105/2005.
A última movimentação processual da ACP 01/2006/RS
é de 29 de fevereiro de 2016, da lavra do Juiz Federal Substi-
tuto na Titularidade Plena, Bruno Polgati Diehl, com decisão
que determina que, após ter vistas da última manifestação da
União, o MPF peticiona (fls. 1670-1671)123 requerendo, em
face do cumprimento integral dos termos acordados, o arqui-
vamento do processo.
123. Observamos que, em pouco mais de 10 anos, o processo já ultrapassou as
1.500 páginas, o que parece ser revelador de que, desde o início das ACPs es-
colhidas pelo GT de Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR do MPF, os temas
são densos e se prolongam no tempo e no espaço.

365
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Na sentença, em relação aos termos pelos quais nos refe-


renciamos, temos que a expressão “futuras gerações” aparece
apenas quando é citado o artigo 225 da Constituição Federal,
não se aprofundando o questionamento sobre a segurança do
modelo agroprodutivo desenvolvido na região, mas apenas
mencionando-se, na parte denominada “Relato”124 da senten-
ça, os argumentos trazidos pelo MPF em sua ACP.
O conceito de sustentabilidade ou desenvolvimento sus-
tentável não aparece evocado em nenhum momento da sen-
tença, bem como o conceito de Justiça Ambiental ou referên-
cia a grupos de populações vulneráveis. Em relação ao termo
“risco”, ele encontra-se albergado na percepção dos princípios
da precaução e prevenção, invocados pelo MPF em sua ACP e
recepcionados pelo juízo federal em sua sentença, sem maio-
res inovações, o mesmo ocorrendo com a legislação invocada.
Não se demonstraram nas decisões judiciais e na sentença,
assim como na ACP que a motivou, a inserção de estudos téc-
nico-científicos sendo acionados como elementos formadores
de convicções das partes ou julgadores.

4.3.2 DECISÃO ACP 02/2013/MA

A ACP, presentemente analisada, recebeu o nº. de processo:


20849-29.2013.4.01.3700/MA125 e, na data de 21 de maio de
2013, foi proferido o seguinte despacho inicial: “faculto a ma-
nifestação prévia dos representantes judiciais da União, do Estado
do Maranhão e da Agência Estadual de Defesa Agropecuária do
Estado do Maranhão – AGED no prazo de 72h.”

124. O elemento “relato”, assim como os “fundamentos” e “dispositivo” são


partes legalmente obrigatórias na elaboração de uma sentença.
125. A movimentação processual pelo número da presente ação pode ser con-
ferida no site do TRF 1, no seguinte endereço eletrônico: <http://processual.
trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php>. Acesso em: 23 de agosto de
2017.

36 6
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Houve manifestações prévias da União e AGED, e o Estado


do Maranhão deixou o prazo transcorrer sem manifestação.
Na data de 24 de julho de 2013, através do juiz federal substi-
tuto, Caio Castagine Marinho, foi proferida a seguinte decisão
inicial: “decisão com deferimento de tutela definida em partes”.
No relatório da decisão inicial, destacamos o seguinte tre-
cho que remete às respostas iniciais da União e da AGED ao re-
portado pela ACP 02/2013/MA do MPF. Em síntese, a AGED
relatou que realiza seu trabalho de fiscalização de maneira re-
gular e que não é responsável pelo controle de licenciamento
ambiental ou do lançamento de produtos agrotóxicos por via
aérea. A União se manifestou como parte ilegítima da deman-
da, sustentando que sua atuação é supletiva e que, portanto,
estaria responsável, apenas, pelo suporte aos demais respon-
sáveis pela fiscalização. O estado do Maranhão, conforme já
relatamos, não se manifestou.
Comentamos que as respostas das partes que integram o
polo passivo da presente demanda chegam a ser pueris, pois
a impressão que nos passam é de que a AGED informa estar
plenamente em dia com suas obrigações, enquanto a União pa-
rece tentar mandar o recado de que “não tem muito o que fa-
zer” em relação à problemática exposta pelo MPF em sua ACP
02/2013/MA.
Serão os argumentos acima esposados acolhidos pelo juí-
zo federal?
Reproduzimos abaixo trecho da decisão inicial para me-
lhor vislumbre da questão:

Parece fora de dúvida, pois, que a utilização indevida


dessa substância – sem a competente fiscalização dos
órgãos de proteção do meio ambiente e de controle
agrícola – vêm comprometendo o equilíbrio e a qua-
lidade de ecossistemas em vários municípios deste
estado. Sobreleva registrar que a ausência de atuação
estatal envolve órgãos e entidade de todas as esferas

367
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

da Federação. Nesse sentido, parece ser inegável a


responsabilidade ambiental da União, bem assim sua
legitimidade para figurar no polo passivo desta ação.

Malgrado o caráter supletivo de sua atuação esteja esta-


belecido em lei (Lei n. 7.802/89, art. 12), – não se me
afiguro possível a interpretação do comando legal em
contraposição à Constituição Federal – que esclarece
ser competência comum da União, dos Estados, do Dis-
trito Federal e dos Municípios proteger o meio ambien-
te e combater a poluição sob qualquer de suas formas.
(sem destaque no original) (CF, art. 23, VI). (DECISÃO
INICIAL. PROCESSO N.: 20849-29.2013.4.01.3700,
2013, p. 7).

O juiz continua argumentando, em sua decisão, que pare-


ceria desarrazoado concluir que, diante da omissão de estados
e municípios, estaria também a União isenta do dever de agir
e apoia seu entendimento em decisão jurisprudencial do Su-
perior Tribunal de Justiça126. O magistrado continua sua linha
de convencimento informando que é visível o risco de dano
ao meio ambiente e a outros interesses difusos e que é preci-
so, através da jurisdição, assegurar a eficácia e a integridade
dos direitos fundamentais – proteção ao meio ambiente, à in-
tegridade física e à vida de um elevado número de pessoas, e

126. Mencionamos que é comum ao “modus operandi” do universo jurídico ou


campo jurídico (Bourdieu) seja por parte de advogados, membros do ministé-
rio público ou juízes, a utilização das jurisprudências dos tribunais superiores
– STJ e STF, principalmente, e TST para o caso da justiça do trabalho, como
elementos basiladores de sua produção documental de petições, decisões, sen-
tenças e similares, sempre acompanhadas da doutrina – que são os estudos
feitos por mestres e doutores da área que alguns denominam por ciência ju-
rídica. As jurisprudências nada mais são do que a manifestação daquilo que é
interpretado e decidido pelos Tribunais em relação a determinados aspectos.
No caso mencionado, o juízo de primeiro grau evoca a posição do STJ para ba-
silar seu entendimento de que a União tem sim responsabilidade e, portanto,
legitimidade para ser parte passiva na presente ACP.

36 8
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

considera o manejo da ACP 02/2013/MA como instrumento


adequado à proteção de referidos direitos fundamentais, so-
bretudo por causa da alta significação ambiental e segurança
pública de tal atuação.
Na decisão, o magistrado também reconhece a urgência
que reside no comprovado risco que a omissão do Poder Públi-
co pode provocar à consolidação de uma situação de gravíssi-
ma degradação ambiental, qual seja, a continuidade do uso in-
correto de substância agrotóxica, que comporta perigo elevado
ao ecossistema local e à saúde humana.
Em relação ao uso das produções técnico-científicas, para
fins de decisão judicial inicial na ACP 02/2013/MA, observa-
mos que o juiz também aciona elementos técnicos-científicos
na operacionalização de sua decisão, pois fez menção, em seus
argumentos, de que os relatórios de fiscalização, os pareceres
e trabalhos científicos que acompanham a petição inicial e os
apensos da ACP 02/2013/MA consubstanciam a necessidade
de se determinar a antecipação de parte dos efeitos da tutela
jurisdicional pretendida pelo MPF.
Assim, apesar de reconhecer referidos dados científicos e
outros pedidos do MPF, o magistrado entende que a tutela não
deve ser concedida em sua totalidade, em referido momento
processual, mesmo se mostrando ciente do teor técnico espo-
sado nos relatórios que ele mesmo referencia, pois afirma en-
tender que seja viável o desenvolvimento do empreendimento
quando demonstrado, no licenciamento ambiental a ser rea-
lizado, que o produtor vem utilizando o produto nos limites
idealmente estabelecidos e, assim, passa as suas considerações
e deferimentos que reproduzimos a seguir:

[...] Com tais considerações, DEFIRO o pedido de an-


tecipação parcial dos efeitos da tutela jurisdicional
para DETERMINAR: I- União, à AGED e ao Estado
do Maranhão, que promova no prazo de 180 (cento
e oitenta) dias, sob pena de multa diária no valor de

369
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

R$ 30.000,00 (trinta mil reais), o levantamento das


condições das lavouras de soja e demais culturas
agrícolas que empreguem o herbicida Glifosato no
Estado do Maranhão, relatórios de vistorias em todas
elas e estudos técnicos necessários a definição da con-
taminação do solo e em corpos hídricos afetados pelo
lançamento do herbicida, com as medidas de correção
pertinente; II) à União e ao Estado do Maranhão, que
realizem. no mesmo prazo e sob pena de incidência
da mesma multa diária do item anterior, análise de
resíduos de Glifosato nos produtos de origem vegetal,
a fim de monitorar a presença excessiva do referido
agrotóxico; III) ao Estado do Maranhão, que no pro-
cedimento de concessão de novas licenças ambientais,
ou renovação dos anteriormente concedidas aos em-
preendimentos agrícolas que façam uso do herbicida
Glifosato observe as seguintes condicionantes/requi-
sitos: a. constatação, da utilização do Glifosato anterio-
res dentro dos limites ideais (...); b. demonstração de
correto descarte das embalagens utilizadas, conforme
dispõe as normas legais sobre o tema; c. vedação da uti-
lização do uso de aeronaves na aplicação do Glifosato.

A inobservância dessas condições implicará a aplica-


ção de MULTA ao Estado do Maranhão, no valor de RS
100.000.00 (cem mil reais) para cada licença ambiental
irregularmente concedida, sem prejuízo do exercício
do poder-dever de fiscalização pelos demais órgãos de
proteção do meio ambiente. À União e ao Estado do
Maranhão, que não admita o usa de aeronaves para
aplicação de herbicida Glifosato, inclusive adotando
medidas de fiscalização e controle pertinentes pelo
Ministério da Agricultura e Pecuária e comunican-
do à situação à Agência Nacional de Aviação Civil –
ANAC (após levantamento da situação), para adoção

370
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

de eventuais providências de controle sobre a aviação.


(sem destaque no original). (DECISÃO INICIAL. PRO-
CESSO n.: 20849-29.2013.4.01.3700, 2013, p. 9-11).

Observamos, da decisão acima exarada, que os pontos ne-


vrálgicos de argumentação giraram em torno da fiscalização,
licenciamento, pulverização aérea, não admitida pelo magis-
trado como adequada para aplicação do glifosato e descarte
correto de embalagens de agrotóxicos.
Percebemos que, até aqui, não apareceu nenhuma termi-
nologia que nos remeta aos termos de análises que nos pro-
pusemos. Assim, ainda que se fale de risco e saúde humana
e proteção ambiental, parece haver carência de um maior en-
frentamento jurídico ou sociológico de conceitos como risco
(Beck), justiça ambiental, sustentabilidade e proteção das pre-
sentes e futuras gerações.
A última movimentação processual da ACP 02/2013/MA
data de 02 de maio de 2019 e trata do indeferimento do pedido de
admissão do Sindicato Nacional de Empresas de Aviação Agrícola
–SINDAG, como amicus curiae na causa. Atualmente o titular da
vara onde corre o processo é Ricardo Felipe Rodrigues Macieira.

4.3.3 DECISÃO ACP 03/2014/DF

Optamos pela separação da análise de decisões das ACPs


03/2014/DF e 04/2014DF, haja vista a tramitação se dar em
varas diferentes e as decisões serem originadas de juízes dife-
rentes. Assim, em relação à ACP 03/2014/DF, ela foi distribuí-
da para a 7ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal
e recebeu o número de processo: 0021371-49.2014.4.01.3400.
A primeira decisão ocorreu na data de 23 de abril de 2014
por parte do juiz federal em auxílio na 7ª Vara, José Márcio da
Silveira e Silva, que apresentou sua decisão em pouco mais de
03 páginas.

37 1
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Em exatos 04 parágrafos, o juiz sintetizou o conteúdo de


28 páginas da ACP 03/2014/DF e trouxe informações de que o
Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vege-
tal – Sindiveg e da FMC Química do Brasil Ltda foram admitidos
como assistentes litisconsorciais das rés. Também informou que
o MPF reiterou o pedido de antecipação dos efeitos da tutela
através de nova petição, onde carreou vários estudos científicos
e notas técnicas sobre as características teratogênicas, carcino-
gênicas e mutagênicas dos ingredientes ativos em questão.
Após seu sucinto relato, o juiz passa a sua decisão, que re-
produzimos em sua quase totalidade na citação abaixo:

Para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela faz-


-se necessária a presença da verossimilhança, suportada
pela prova inequívoca do direito alegado, além do fun-
dado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Nenhum dos requisitos se configura, apesar do zelo


demonstrado pelo MPF ao tratar de matéria tão sen-
sível. A suspensão dos registros dos produtos que se
utilizam dos ingredientes ativos mencionados é de-
cisão que demandaria fortes e inequívocos elemen-
tos no sentido de evidenciar prejudicialidade alar-
mante à saúde humana em primeira consideração.
Não é o que ocorre, entretanto. Tais produtos vêm
sendo utilizados nas lavouras brasileiras há muitos
anos sem registros notórios de danos à saúde. A de-
terminação de suspensão dos registros pela Anvisa
requer estudo aprofundado, de ordem técnico-cien-
tífica, a qual não pode ser abreviada por decisão em
âmbito antecipatório.

Além disso, a própria Anvisa, em sua manifestação pré-


via, reforça a necessidade de longo prazo de análise,
cercado das cautelas de reavaliação toxicológica está em

372
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

pleno curso, e uma decisão judicial precipitada traria


prejuízos não só para a indústria de defensivos agrí-
colas, como, também, para os agricultores, que utili-
zam tais produtos ao longo de anos e não contariam
com a reposição de outros, em substituição, em curto
prazo de tempo.

Em síntese, medida tão drástica e com imensa reper-


cussão em todo o setor agropecuário não se coaduna
com a precariedade da decisão a ser adotada neste
momento processual. É necessário aguardar a for-
mação do contraditório. Ante o exposto, DENEGO A
ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. Admito
o ingresso do Sindiveg e da FMC Química do Brasil Ltda
como assistentes litisconsorciais das rés. Intimem-se as
empresas elencadas às fls. 13 verso a 15 verso (à exce-
ção da FMC) sobre seu interesse em ingressar na ação.
Publique-se. Intimem-se e citem-se as rés.

Após a leitura do trecho decisório acima, temos a impres-


são de que os argumentos técnico-científicos tão apaixonada-
mente advogados pelo MPF em sua ACP 03/2014/DF não são
vistos com o mesmo ardor por parte do juiz federal, que se
limita a afirmar que, apesar do zelo do MPF, não conseguiu
vislumbrar os elementos necessários para que se concedesse a
tutela requerida e determinasse, assim, a suspensão dos 8 in-
gredientes ativos objetos da ACP até o período de finalização
de sua reavaliação toxicológica pelo órgão competente.
Referido trecho decisório é revelador, também, do fato de
que o magistrado não buscou acionar estudos técnico-científi-
cos que se contrapusessem às pesquisas apontadas pelo MPF
em sua peça processual e nem mesmo buscou alguma forma
de perícia ou estudo independente que pudesse guiá-lo a um
caminho decisório que contemplasse o elemento científico em
seu convencimento judicante.

373
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Outro ponto que nos chamou a atenção, na análise de refe-


rida decisão, é o fato de que, em nenhum momento, o juiz cha-
ma agrotóxicos de agrotóxicos, como esposado em toda a ACP
03/2014/DF do Ministério Público Federal, pois percebemos
a utilização de termos como defensivos agrícolas e produtos,
o que parece deixar transparecer um certo entendimento de
que, para o magistrado, talvez, a ideia da toxicidade dos ele-
mentos utilizados nas lavouras brasileiras seja tida como, um
tanto quanto exagerada, sendo mais seguro encampar a ex-
pressão utilizada pelos setores do agronegócio. Corroborando
tal entendimento, temos o trecho no qual o decisor informa
que: “tais produtos vêm sendo utilizados nas lavouras brasileiras
há muitos anos sem registros notórios de danos à saúde.”
Percebemos ainda, pela curta decisão judicial, que não são
concedidas muitas justificativas em relação a não consideração
dos elementos técnico-científicos carreados pelo MPF nos autos
da ação em questão, todavia, parece ser esposada uma preocu-
pação de viés econômico, pois o magistrado afirma que referida
decisão favorável à suspensão dos defensivos agrícolas geraria
prejuízos a indústria produtora e também aos agricultores.
Outro ponto que nos causou curiosidade é porquê, antes
da determinação de citação e intimação das partes rés, o Sindi-
veg – Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa
Vegetal e a FMC Química do Brasil Ltda já se apresentavam
como assistentes litisconsorciais das rés, mesmo sem citação
ou intimação formal, como ficaram sabendo da demanda? Es-
tariam de sobreaviso desde, provavelmente, a instauração do
Inquérito Civil? O nome do Sindicato também chama a aten-
ção, Sindicato de Defesa Vegetal, ou seja, não se busca o nome
agrotóxico, mas a aparência de “defesa vegetal” contra as pra-
gas nas lavouras do país.
No desdobramento processual da demanda, temos que a
disputa não acabou na 1ª decisão denegatória de 23 de abril de
2014, pois o MPF reiterou, mais uma vez, os pedidos de ante-
cipação da tutela no ano seguinte, desta feita informando, em

374
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

sua petição, que ocorreu o banimento de dois ingredientes ati-


vos pela Anvisa: o forato e a parationa metílica. O primeiro por
meio da RDC n. 12, de 13/3/2015, e o segundo, por meio do
Despacho n. 84 da Diretoria Colegiada da Anvisa, e o reconhe-
cimento, pela Organização Mundial da Saúde – OMS, por inter-
médio da International Agency for Research on Cancer – Iarc,
em março de 2015, de que o glifosato é, muito provavelmente,
causador de câncer em seres humanos, informação provenien-
te dos Centros de Informações Toxicológicas dos três estados
da Região Sul do País, que registram inúmeros óbitos causados
pelos ingredientes ativos objeto da RDC n. 10/2008.
A nova decisão diante da reiteração de pedido do MPF na
ACP 03/2014/DF foi exarada em 22 de junho de 2015 e, desta
feita, foi da lavra da juíza federal substituta da 7ª Vara Federal,
Luciana Raquel Tolentino de Moura. Também é uma decisão
sucinta e sustenta que:

O MPF informou, às fls. 1.508, o banimento de dois dos


ingredientes ativos objeto desta ação. Assim, o ingre-
diente forato teve seu banimento regulado pela RDC n.
12 de 13/3/2015, e o ingrediente parationa metílica,
por meio do Despacho n. 84 da Diretoria Colegiada da
Anvisa, aprovada a proposta de RDC para regular seu
banimento [...] Quanto a esses dois ingredientes, por-
tanto, fica evidenciada a perda superveniente do objeto,
considerando que já não há mais interesse processual
pela reavaliação toxicológica, posto que realizada. Sub-
sistem, no entanto, os outros seis ingredientes ativos,
cuja reavaliação toxicológica encontra-se em andamen-
to. Neste particular, a Anvisa informou, em manifes-
tação prévia, que pretendia finalizar os processos de
reavaliação até julho de 2015 (fls. 246). Embora tal
prazo, estabelecido pela própria Anvisa, esteja próxi-
mo de seu termo, não se pode ignorar que esta ação
prolonga-se por mais de quatorze meses, tendo como

375
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

resultado concreto o banimento de apenas dois dos


oito ingredientes ativos sujeitos à reavaliação e, des-
tes dois, um aguarda a publicação da regulamentação
há quase seis meses. Considerando, ainda, as novas
notas técnicas, que abrangem os ingredientes lacto-
fem, carbofurano, abamectina, tiram e paraquate,
com recomendação de banimento em todos os casos,
urge que a Anvisa, como órgão de especial atuação
em todos os setores relacionados a produtos e servi-
ços que possam afetar a saúde da população brasilei-
ra, finalize os processos de reavaliação toxicológica,
os quais se arrastam desde o ano de 2008.

No que se refere à interrupção de concessão de novos


registros de produtos que contenham tais ingredientes,
entendo que ainda seria prematuro determiná-la, de-
vido à ausência efetiva de certeza técnico-científica,
decorrente das reavaliações ainda não finalizadas e
do impacto considerável para a agricultura do país.

Ante o exposto, CONCEDO PARCIALMENTE A AN-


TECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA apenas
para determinar à Anvisa que finalize os processos
de reavaliação toxicológica dos ingredientes ativos
glifosato, lactofem, carbofurano, abamectina, tiram
e paraquate no prazo máximo de noventa dias, fin-
dos os quais deverá informar este Juízo sobre o resul-
tado alcançado.

Apesar de não negar totalmente a antecipação dos efeitos


da tutela, mais de um ano após a primeira decisão denegatória,
parece-nos que a mudança de juízo, a inserção de novos dados
técnico-científicos, e o banimento de 02 dos 08 ingredientes
ativos objetos da ACP 03/2014/DF, não se mostraram sufi-
cientes para a suspensão dos demais ingredientes ativos, ainda

376
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

que a própria juíza mencione que o processo de reavaliação da


ANVISA “se arrasta desde o ano de 2008”.
Além disso, mesmo considerando que existam novas téc-
nicas capazes de auferir a toxicidade dos elementos objetos da
ACP, a juíza entende que a totalidade de estudos técnico-cien-
tíficos trazidos pelo MPF é ainda insubsistente, sem maiores
explicações sobre a base em que ela se sustenta para auferir tal
convencimento sobre a subsistência ou não de estudos cientí-
ficos da própria OMS – Organização Mundial da Saúde, através
da sua agência de combate ao câncer – Iarc, entre outros, como
é o caso da ACP em comento.
Mais uma vez, vemos repetir-se o discurso de preocupação
com a suspensão de referidos ingredientes ativos e a agricultu-
ra do país, bem como o tratamento dos agrotóxicos pelo termo
“ingredientes”, sem maiores fundamentações para referida in-
quietação ou decisão por parte da magistrada, que, paradoxal-
mente, parece se inquietar com a queda da produção agrícola,
mas não com os riscos colacionados pelo MPF em sua ação. E,
assim, concede-se os efeitos da tutela, apenas, de forma parcial
para que a Anvisa, no prazo máximo de 90 dias, apresente re-
avaliação toxicológica.
O processo em análise continua em tramitação, sendo seu
último movimento datado de junho de 2019.
Até o fechamento deste capítulo, em junho de 2019, fi-
zemos uma rápida busca ao site da Anvisa, onde foi possível
encontrar um link com o seguinte questionamento: “quais re-
avaliações encontram-se em andamento na Anvisa?”, vindo logo
abaixo a resposta de que, atualmente, há três reavaliações to-
xicológicas em andamento, dos seguintes ingredientes ativos
de agrotóxicos: Abamectina, Glifosato e Tiram.127 Os demais
ingredientes ativos foram proibidos ou encontram-se em

127. Maiores informações podem ser vistas no site da ANVISA, setor de re-
gularização de produtos – Agrotóxicos. Disponível em: <http://portal.anvisa.
gov.br/registros-e-autorizacoes/agrotoxicos/produtos/reavaliacao-de-agro-
toxicos>. Acesso em: 20 jun. 2019.

37 7
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

processo de proibição ou restrição.


Integram a parte ré da presente ação a Anvisa, a Monsanto,
o Sindiveg, a Nortox, a FMC Química e a Associação Brasileira
dos Produtores de Soja – APROSOJA.
Em relação aos questionamentos sobre usos e contextos
dos termos de análise, temos que sustentabilidade e/ou de-
senvolvimento sustentável não se encontram mencionados
pelos magistrados, assim como não há referência à proteção
das presentes e futuras gerações. Quanto à percepção de risco,
apenas, menciona-se o risco inerente aos insumos químicos e
nada é acionado em relação a proposta feita por Ulrich Beck.
Sobre o termo Justiça ambiental ou reconhecimento de
grupos minoritários, não observamos referências, ainda mais
por se tratarem de decisões enxutas, conforme já menciona-
mos ao longo desse tópico. Chamamos a atenção para o fato de
que, em relação à legislação acionada, não percebemos preocu-
pação em justificar juridicamente ou rebater com um escopo
robusto de leis os argumentos trazidos pelo MPF, por parte dos
magistrados, o que seria apropriado aos aspectos técnico-jurí-
dicos da processualística da seara do Direito.

4.3.4 Decisão ACP 04/2014/DF

No que pertine à ACP que tratou da substância ativa 2,4-D, a


primeira decisão data de 04 de abril de 2014 e se apresenta
em 12 páginas, sendo da lavra do juiz titular da de 14ª Vara
Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, Jamil Rosa de
Jesus Oliveira. Referido ação ganhou o seguinte n. de processo:
0021372-34.2014.4.01.3400.
A decisão traz 04 páginas de relatório e informa que a
União foi intimada a se manifestar sobre o pedido de tutela
antecipada feito pelo MPF e o relatório da decisão comporta
os argumentos da ACP 04/2014/DF- que já conhecemos e os
argumentos da União que passaremos a tratar agora.

378
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Diz a União, em sua resposta, que o 2,4-D é uma das subs-


tâncias químicas mais estudadas no mundo e que está regis-
trado em mais de 70 países e também informa que o MPF se
equivoca quando associa o 2,4- D ao “agente laranja” que é o
2,45-T, sendo tal componente jamais utilizado na agricultu-
ra brasileira. Informa, ainda, que a Justiça Federal do Para-
ná julgou improcedente pedido idêntico ao exposto na ACP
04/2014/DF, sendo produzida, segundo a União, prova peri-
cial conclusiva no sentindo de que o 2,4-D não causa danos aos
lençóis freáticos e tampouco às águas superficiais e que não
existem evidências de seu caráter teratogênico, carcinogênico
e nenhum perigo ao meio ambiente ou à saúde humana.
Por fim, aduz a União no relato da decisão, ora examinada,
que não estão presentes elementos para a não concessão da
tutela e destaca que existe um alto uso do 2,4-D nas culturas de
soja, cana-de-açúcar, milho, trigo, arroz, café, assim como nas
pastagens, arguindo que toda a população brasileira que de-
pende da produção agrícola seria absurdamente prejudicada,
no caso de concessão de liminar, além dos prejuízos de enor-
me conta causados para o país.
Antes de adentrarmos na parte que revela a decisão do
juiz, comentamos a defesa da União que, pelas argumentações
acima expostas, parece não compactuar da mesma pretensão
precautória levantada pelo MPF em sua ACP 04/2014/DF, ao
deixar transparecer a ideia de que se satisfaz com o fato de
haver uma enormidade de estudos sobre o 2,4-D no mundo,
bem como na alusão que faz à decisão judicial que traz “perícia
conclusiva” em ação julgada improcedente pela Justiça Federal
do Paraná. Em tempos de tantas novidades e avanços científi-
cos, a ideia de que uma perícia considerada conclusiva, em um
processo pontual, possa servir como “perícia conclusiva” para
outras ações judiciais, parece projetar a ideia de que, ao usar
dados técnico-científicos, a União lhes fornece um tratamento
um tanto quanto conservador, semelhantemente ao que acon-
tece na aplicabilidade de diversos mecanismos legais de nosso

379
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

ordenamento jurídico, que, por vezes, podem ter seu entendi-


mento e operatividade mantido por décadas, cite-se, apenas
como exemplo ilustrativo, o direito ao divórcio, surgido ape-
nas no final da década de 70 no país.
A questão da dependência da produção brasileira dos insu-
mos químicos, ventilada pela União, sem diferenciação quanto
à base agrofamiliar ou agroindustrial, demonstra o quanto o
elemento econômico pesa nas argumentações de determina-
dos setores que discutem judicialmente a questão. Assim, pas-
semos à análise da decisão do magistrado já comentada, para
que mais alguns pontos que giram em torno da problemática
que se estuda possam se aclarar.
O magistrado inicia sua decisão informando que conside-
ra “absolutamente louvável a preocupação do Ministério Público
Federal, à vista da iniciativa da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária de proceder a reavaliação toxicológico do 2,4-D”, mas
que referida ação não tem o condão de desencadear medidas
de suspensão de comercialização do produto, além de sua
utilização na agricultura brasileira, pois considera que “não
há nada indicativo de que este produto deva ter seu uso ime-
diatamente proibido no país”(decisão de 04 de abril de 2014,
item 12, p. 04).
Prossegue informando que os estudos e opiniões que ba-
silaram a ação do MPF não são conclusivos no sentido de que
o 2,4-D possua níveis de toxicidade acima dos níveis permiti-
dos para os seres humanos e para o meio ambiente, e, assim,
como as decisões da 7ª vara federal em ACP correlata – ACP
03/2014/DF, diz o magistrado que: “Os estudos e opiniões em
que o Autor se baseou para requerer a providência de suspensão
dos registros não são conclusivos no sentido de que referido pro-
duto tem sua toxicidade acima dos níveis considerados seguros
para o ser humano e o meio ambiente, em ordem a reclamar uma
tão drástica medida, sobretudo se se considerar seu uso há tanto
tempo no país e sem notícias ministradas pelo Autor no seu ma-
nuseio ou em decorrência do seu uso na agricultura, que podem

380
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

correr aqui e ali, como ocorrem com outros produtos tóxicos, peri-
gosos e inflamáveis” (decisão 4 de abril de 2014, item 13, p. 05).
Nos itens 14 a 16 o magistrado apresenta as posições anta-
gônicas colhidas da ata de audiência pública de 12 de dezem-
bro de 2013, mas, antes de adentrarmos nesse ponto, comen-
tamos o quanto se torna visível, desde o primeiro parágrafo da
decisão judicial, que aquilo que para o MPF é considerada ro-
busta prova técnica, para o juízo parece em nada depor como
indicativo para a suspensão do 2,4-D. Informa, ainda, que con-
sidera que os laudos técnicos trazidos pelo MPF podem ser
considerados “estudos e opiniões” e se apoia no argumento de
que “sempre foi assim a cultura no país”.
A ata de audiência pública, reproduzida em trechos de qua-
se 04 páginas de decisão, parecem materializar a disputa das
técnicas conflitantes, entre os que consideram não haver peri-
gos para a saúde, meio ambiente e nutrição humana com a uti-
lização do 2,4-D, e seus antagonistas. Na decisão são colaciona-
dos argumentos contrapostos e que, em relação aos defensores
do uso do 2,4-D, aponta os que encampam a ideia de que essa
substância deve ser aplicada de forma tratorizada, e não de
forma aérea, de que não há como não utilizar agrotóxicos na
agricultura atual, que a transgenia causa menos danos ao meio
ambiente, que os agricultores querem ter acesso às melhores
tecnologias e que o Brasil vive um verdadeiro apagão diante
da morosidade em se implantar novas ideias que beneficiem
a produção, bem como questionou-se o uso inadequado como
reflexo do mau uso feito pelos aplicadores dos produtos.128

128. Em relação à aplicação tratorizada, lembramos que o Brasil é um dos pou-


cos países que possuem ainda a pulverização aérea como método de aplicação
de agrotóxicos e que o mencionado apagão parece não condizer com os dados
já ofertados ao longo desse estudo, uma vez que o país pode ser considerado
o maior consumidor de agrotóxicos do mundo e o 2º maior consumidor de
transgênicos. Já a pretensa culpabilização pelo uso inadequado dos agrotóxi-
cos caber aos aplicadores de produto, já tratamos da questão em capítulo pró-
prio desse trabalho.

381
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

O magistrado, também, reproduz os argumentos contrá-


rios ao 2,4 –D, muitos deles já abordados quando da análise da
ACP 04/2014/DF, os quais orbitam em torno do desrespeito
dos órgãos técnicos, estudos científicos, além da influência da
toxicidade do 2,4-D nas colmeias de abelhas e contaminação
de mulheres grávidas. A transcrição dos argumentos conflitan-
tes feita pelo magistrado, parece retratar muito bem imbróglio
entre aqueles que acham que o agro é tech e outros que consi-
deram que o agro é tóxico.
Assim, após apresentar esse panorama, o juiz considera
que um ambiente de absoluto dissenso foi gestado ao se, pre-
tensamente, pensar em proibir a utilização do 2,4-D, e afirma
no item 17 de sua decisão:

Isso não tem sentido, porque nada, absolutamente


nada, é conclusivo. Desses debates participaram pes-
soas dos mais variados interesses, de produtor agrí-
cola a produtor de sementes transgênicas; de técnicos
do Estado a pesquisadores e professores universitários;
de médicos toxicologistas a biólogos, enfim, uma plêia-
de de pessoas expressivamente interessadas na ma-
nutenção ou erradicação do uso do herbicida e das
sementes transgênicas. E mesmo havendo dissenso,
o Ministério Público Federal resolveu promover esta
ação, cerrando fileiras com corrente contrária ao uso
do herbicida e de sementes transgênicas. (sem desta-
que no original).

Interessante, observarmos, a escolha de palavras do magis-


trado, que parece mostrar espanto diante do que ele referencia
como dissenso em relação ao que ele trata como herbicidas
e não agrotóxicos e que considera que o MPF tomou partido
contrário aos herbicidas no cenário de disputas por ele anali-
sado quando da audiência pública já comentada.

3 82
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

A expressão utilizada pelo julgador quando considera a si-


tuação por ele analisada como “sem sentido e que nada, absolu-
tamente nada é conclusivo” pode ser reveladora do quanto o ju-
diciário pode não estar preparado para tratar da materialização
de disputas em torno da técnica, ao mesmo tempo em que nos
causa um certo estranhamento, pois acreditamos que o juiz
poderia esperar consenso se estivéssemos em um simpósio da
Monsanto para sojicultores e similares ou em um Congresso de
agroecologia e afins, não em uma audiência pública que pre-
tendeu colacionar, nas próprias palavras do magistrado: “uma
plêiade de pessoas expressivamente interessadas na manutenção
ou erradicação do uso do herbicida.”
Temos a impressão, diante de afirmações como as acima
expostas, que parece faltar ao magistrado a percepção de ele-
mentos que compõem a sua própria atuação jurisdicional (téc-
nica-operativa), entre os quais, podemos destacar, o de deci-
dir em momentos de dissenso e, mais ainda, ter sempre em
mente que a seara jurídica é elemento de constante evolução
e transformação por conta da presença de posicionamentos
antagônicos. O Direito e a lei, inclusive, se materializam e se
aplicam em meio aos mais amplos dissensos, nas mais variadas
épocas129. Assim, imaginamos que, diante de uma discussão
que claramente orbita entre discursos técnico-científicos que
defendem ou criticam a utilização do 2,4-D na agricultura, há
muito sentido na existência de contrapontos, ao contrário do
que argumenta o juiz em comento.

129. Apenas para utilizarmos uma analogia, sabemos que, certamente, não ha-
via consenso entre abolicionistas e escravagistas no século XIX no nosso país,
sem falar nos terríveis reveses econômicos que a ideia da abolição deveria
provocar na mente da sociedade abastada da época, fato que, pretensamente,
poderia compor os argumentos dos juízes da época da escravidão. Vale lem-
brarmos, inclusive, que, quando da existência da escravidão no país, o Direito
produzia seus juristas e sua doutrina “pró-escravidão”, a qual dava conta, in-
clusive, no Código Civil da época, de que escravos não eram coisas, mas tam-
bém não eram seres humanos dotados de personalidade e dignidade humana
completa, mas seres de natureza jurídica híbrida.

383
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Quase ao final da decisão, o magistrado informa que “dian-


te de trechos tratados aqui e ali” de estudo do Ibama, também
referenciados na ACP 04/2014/DF e na audiência pública, não
existem elementos do próprio Ibama que contraindiquem o
uso do 2,4-D.
O vocábulo acionado pelo juiz, através do uso da expres-
são “trechos tirados aqui e ali”, sem demonstrar um esforço de
sistematização de pensamento ou de reprodução dos “trechos
aqui e ali” por ele mencionados soam como indicativos de uma
linha decisória mais intuitiva do que propriamente técnica,
fato que talvez fique mais claro quando analisarmos a decisão
da ACP 05/2014/MT, onde a magistrada utiliza-se de outras
construções frasais e aciona uma base técnica-operativa dife-
renciada ao observado até aqui.
O magistrado continua sua decisão informando que, dian-
te do quadro de incerteza científica quanto aos efeitos do re-
ferido herbicida, não se justifica atender a pretensão do MPF
em sua ACP e que, ainda que exista a potencialidade de danos,
isso sucede de modo geral com produtos dessa natureza e fina-
lidade, bem como considera que não se pode, abruptamente,
retirar do mercado um produto de largo uso na agricultura,
reconhecidamente eficaz no combate às ervas daninhas e res-
ponsável por ganhos na produção agrícola e que não existem
bases de estudos conclusivos.
Sugere o julgador, em sua decisão, que sejam criados deba-
tes amplos e em foros apropriados e que se forneçam aos ór-
gãos competentes, inclusive ao Poder Legislativo, informações
suficientes, claras e tecnicamente irrespondíveis e que não se
pode paralisar a produção e o uso de tão importante herbici-
da, com reflexos na produção de alimentos, pastagens e maté-
rias-primas para a produção de biocombustível, bem como das
empresas geradoras de empregos, divisas e tributos. Por fim,
considera que, embora louvável o trabalho do MPF, o pedido
de antecipação de tutela não pode ser deferido.

384
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Percebemos, até o presente exposto, que ambos juízes, das


distintas varas (7ª e 14ª vara federal de Brasília), parecem de-
cidir ancorar seus argumentos na ideia de que a agricultura no
país já funciona dessa forma há muitos anos, sem, o que eles
denominam como, “graves prejuízos” e que a perda maior para
a nação se daria com a suspensão de referidos ingredientes
ativos por conta dos reflexos comentados no parágrafo acima
e que tratam da produção de matérias-primas, pastagens, ali-
mentos, biocombustíveis e ganhos das empresas, não se co-
mentando, entretanto, sobre saúde, meio ambiente, nutrição
humana ou se acionando termos como sustentabilidade e jus-
tiça ambiental.
No que tange aos usos e contextos dos termos de nossa
análise, temos que não se faz presente, também, a menção às
futuras gerações, mesmo quando se trata da contaminação por
agrotóxicos de mulheres grávidas, pois a informação é vista
pelo magistrado apenas “como um estudo inconsistente e incon-
clusivo, embora louvável, apresentado pelo MPF”.
Em relação ao questionamento sobre a percepção de risco,
temos o mesmo entendimento em relação ao julgamento da
ACP 03/2014/DF, onde menciona-se o risco inerente aos in-
sumos químicos, tão somente.
Um ponto que chamou a atenção do MPF, nessa decisão,
tratou da expressão usada pelo magistrado quando este afirma
que há “um quadro de incerteza científica”. Referida afirmação
foi objeto de um recurso, por parte da procuradoria da repúbli-
ca, denominado de “embargos de declaração”, pois conforme
esmiúça a legislação atinente ao caso, na ocasião de incerteza
científica, é cabível a utilização do princípio do Direito Am-
biental denominado de “princípio da precaução”130.
130. Aproveitamos para comentar, de forma breve, que o desconhecimento de
boa parte dos juristas em relação aos temas ambientais, mesmo aqueles dentro
da seara jurídica, são notórios, sendo vista referida área com um certo desdém
pelos operadores do Direito. Inclusive, neste momento, saio da 3ª pessoa e
me comunico na 1ª para informar que, como professora de Direito Ambiental
que sou, há alguns anos, enfrento, diuturnamente, o desafio de demonstrar o

385
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Por ocasião da resposta aos embargos, o juiz – que não aco-


lheu referido recurso ofertado pelo MPF, na data de 14 de abril
de 2014 informa que:

Nada a prover quando aos declaratórios do Ministé-


rio Público Federal, até porque a incerteza científica
a que me referi na decisão inicial seria para a suspen-
são dos registros, e não para a sua manutenção, pois
“não se justifica suspender os registros atualmente
em vigor, nem de proibir sua comercialização, não
depois de tantas décadas de uso e com potenciais re-
sultados deletérios ainda pouco conhecidos sobre os
quais não há consenso técnico algum.

2- Reconhecer que há risco potencial no agrotóxico não


quer dizer que deve ser proibido, porque até a gasolina,
que se vende por todos os lugares, é potencialmente de-
letéria, mas o uso e o manuseio adequado tornam o com-
bustível seguro, por isso que se diz que a diferença entre
remédio e veneno está na dose ministrada.

3- Em verdade, os “estudos” e “opiniões” [grifo ori-


ginal] trazidos pelo Ministério Público Federal são
cientificamente inseguros para tão drástica medida de
suspensão dos registros. Por isso, concluí “como teme-
rária a suspensão, em antecipação da tutela, dos regis-
tros deferidos pelos órgãos e entidades competentes
na área de produtos agrotóxicos, sem estudos técnicos
conclusivos, o que já está sendo empreendido, no que
concerne ao 2,4–D, pela agência especializada, a título
de reavaliação”. Por essa razão, não invocar o princípio
da precaução [grifo original] que se aplica para defesa,
não de uma tese, mas de toda a sociedade.

quanto o Direito Ambiental é tema relevante e necessário ao desenvolvimento


da, denominada, ciência jurídica.

386
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

5- Os fundamentos do pedido de apresentaram desa-


companhados de certeza científica para a antecipação
da tutela almejada; os agrotóxicos registrados presu-
mem-se legitimamente aprovados [grifo original], até
prova em contrário. [...] Portanto, não há omissão, nem
contradição, daí que rejeito os embargos declaratórios.
(sem destaques no original).

O magistrado começa enfático, assim como em sua primei-


ra decisão, em sede de negação de tutela antecipada, e diz que
não há nada a ser provido em relação aos embargos. Interes-
sante notarmos que em sua justificativa de uma lauda, que se
segue após essa frase, não invoca, em nenhum momento, qual-
quer legislação. Parece-nos que a decisão, apesar de diminu-
ta, está eivada de atecnia jurídica, ainda que sobejando senso
comum, pois, logo no primeiro parágrafo, o juiz informa que
não se justifica a suspensão do registro de agrotóxicos depois
de tantas décadas de uso e com potenciais resultados negativos
ainda pouco conhecidos.
Observamos que a ênfase de que o atual modelo agropro-
dutivo não parece ser danoso ao longo dos anos é novamente
acentuada, assim como em sua decisão inicial e que, portanto,
não há porque determinar a suspensão, pois os riscos ainda são
pouco conhecidos e os “estudos e opiniões” trazidos pelo Minis-
tério Público Federal são cientificamente inseguros”, além de não
existir consenso técnico algum, na percepção do decisor
Referidas afirmações, por parte do magistrado, podem ser
explicadas pela postura extremamente normativista, comum
ao campo jurídico, onde escolhe-se um lado e posiciona-se
“como dono da verdade”, sem maiores explicações. No caso
em tela, observamos que as conclusões do MPF e da justiça
federal de contrapõem frontalmente, ficando cada um enfilei-
rado em seu lado da trincheira e com linhas de defesa que, ba-
sicamente, parecem oscilar entre a convicção do MPF de que
o agro é tóxico e a convicção do juiz federal de que o agro é

3 87
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

tecnicamente seguro por conta do tempo que vem sendo apli-


cado como modelo agroprodutivo no país.
No segundo parágrafo, o juiz traz um argumento que, mais
uma vez, não demonstra a preocupação com o acionamento
da técnica jurídico-operativa ou da técnica-científica, mas
que parece estar muito mais próximo ao senso comum e mera
oposição ao posicionamento do MPF, pois afirma que: “até a
gasolina, que se vende por todos os lugares é potencialmente de-
letéria.” E, mais adiante, emenda, no mesmo parágrafo, argu-
mentando que: “a diferença entre o remédio e o veneno está na
dose ministrada”.
Em qualquer mínimo esforço cognitivo, perceberíamos
que a comparação judicial é de caráter eminentemente retó-
rico e quase sofismático, pois se analisarmos que gasolina, di-
ferentemente do agrotóxico, não tem contato com substâncias
vivas – não vai no prato de ninguém, por exemplo, mas em
motores dos mais variados automóveis e similares já não verí-
amos muito sentido em tal afirmação.
O magistrado, todavia, ao tratar o agrotóxico como poten-
cial remédio ou, contrariamente, potencial veneno, de acordo
com a dose ministrada, nos abre espaço para o possível vislum-
bre de uma discussão já esposada no capítulo anterior e que
trata exatamente da existência do uso (in)seguro de agrotóxi-
cos e doses mínimas ou máximas capazes de causar efeitos de-
letérios e toda a discussão em torno desta temática, como nos
estudos de Gurgel (2017), Alonzo e Abreu (2016), Friederich
(2015) e outros.
Todavia, ao mesmo tempo em que finaliza o penúltimo pa-
rágrafo de sua decisão dizendo que não há certeza científica
para a antecipação da tutela pretendida pelo MPF, em sua ACP,
o magistrado legitima os estudos técnicos da Anvisa, quando
diz que “os agrotóxicos presumem-se legitimamente aprova-
dos” até prova em contrário.
Por fim, noticiamos que o presente processo que envolve
a ACP 04/2014/DF está em trâmite ainda na 14ª Vara Federal

388
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

do Distrito Federal, sendo sua última decisão a determinação


de remessa para o TRF1 – Tribunal Regional Federal da pri-
meira região, pois o juiz federal, atualmente responsável pelo
caso, Waldemar Cláudio de Carvalho131 – o mesmo da decisão
que, em setembro de 2017, ampliou a margem de interpreta-
ção da Resolução 01/1990 do Conselho Federal de Psicologia,
dando margem à aplicação da reversão de reorientação sexual,
ou como alguns popularmente denominam: “cura gay”132 sen-
tenciou pela improcedência da ACP.

4.3.5 Decisão e Sentença ACP 05/2014/MT

Referida ACP recebeu o número de processo: 0004546-


12.2014.4.01.3600, na 2ª Vara Federal do Mato Grosso. Na
data de 27 de março de 2014, a juíza Vanessa Curti Perenha
Gasques emitiu despacho determinando que as partes requeri-
das se manifestassem em 48 horas sobre o pedido liminar, e na
data de 28 de abril de 2014 emitiu sua primeira decisão.
Importante notarmos que prazos na justiça sempre se re-
velam muito mais elásticos do que estamos acostumados, pois
48 horas transformam-se em pouco mais de 1 mês, haja vista
que foi preciso intimar as partes, elas se manifestarem, além de
serem juntadas as respectivas manifestações e, só então, exa-
rada a decisão.

131. No final do ano de 2014, o juiz Jamil Rosa de Jesus Oliveira foi promovido
como desembargador federal pelo critério da antiguidade, conforme notícia
do TRF – Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Mais informações em: <ht-
tps://trf1.jusbrasil.com.br/noticias/137366061/trf-indica-o-juiz-federal-ja-
mil-rosa-de-jesus-pelo-criterio-de-antiguidade-e-define-lista-triplice-para-se-
gunda-vaga-de-desembargador-federal>. Acesso em: 30 ago. 2018.
132. BETIM, Felipe. ‘Cura gay’: o que de fato disse o juiz que causou uma onda
de indignação. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/19/
politica/1505853454_712122.html>. Acesso em: 20 set. 2017. Tal fato nos fez
questionar, ao fim da análise da presente decisão, se a dificuldade em tomar
decisões polêmicas não seria um problema para alguns juízes federais, mas a
dificuldade residiria em tomar decisões contramajoritárias.

389
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

A segunda decisão ainda não tratou do deferimento ou in-


deferimento do pedido de tutela antecipada por parte do MPF
e informou que a Associação Matogrossense dos Produtores
de Algodão – AMPA e a Associação dos Produtores de Soja e
Milho do Estado de Mato Grosso – APROSOJA apresentou pe-
tição com documentos e informações que consideraram ser de
grande valia na tomada de decisões pelo Juízo acerca do caso
dos autos e que entenderam que a liminar requerida nos autos
deveria ser negada e o pedido ser julgado improcedente.
A juíza, então, informou que, embora não tenham formu-
lado pedido expresso de intervenção no feito, as associações
AMPA e APROSOJA manifestaram interesse em prestar infor-
mações e acompanhar o trâmite do presente processo, já que
possuem grande número de associados, e que não vislumbrou
empecilho na participação dessas associações no feito, na qua-
lidade de amicus curiae, principalmente pelo fato de que são
constituídas para defenderem os interesses de seus associados,
os quais, certamente, serão atingidos em suas esferas jurídicas
por eventual decisão exarada nos autos.
Na mesma decisão, a magistrada informou que o INDEA/
MT e o Estado de Mato Grosso manifestaram-se sobre o pedido
de liminar formulado na inicial e que o Ministério da Agricultu-
ra, Pecuária e Abastecimento – MAPA, foi quem decidiu autori-
zar o uso de agrotóxicos à base de benzoato de emamectina em
território matogrossense, mas que não está integrando a lide e
concede prazo de 10 (dez) dias para o MPF promover a emenda
da inicial e requerer a citação da União, na qualidade de litiscon-
sorte passivo necessário e que, após a manifestação da União,
através do MAPA, os autos devem lhe retornar para decisão.
Assim, em 28 de abril de 2014, temos uma decisão de 14
páginas que, de forma diferente das demais decisões analisa-
das até agora, defere o pedido liminar do MPF. A magistrada
fundamenta suas decisões em alguns pontos eminentemente
técnico-jurídicos, com a citação de o art. 225, caput, da Consti-
tuição Federal e alusão ao princípio da precaução.

39 0
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Traz, também, à lume, a Lei n. 12.873, que trata, em seu


artigo 52, das emergências fitossanitárias ou zoossanitárias,
quando for constatada situação epidemiológica que indique
risco iminente de introdução de doença exótica ou praga qua-
rentenária, ausente no país, ou haja risco de surto ou epidemia
de doença ou praga já existente e artigos seguintes que tratam
da questão e, em nível estadual, traz a Lei n. 8.588/2006
Importante notarmos que, na questão suscitada no presen-
te processo, existe uma disputa entre a aplicação da chamada
Lei de Agrotóxicos – Lei n. 7.802/89, já mencionada pelo MPF
em várias de suas ações e a Lei n. 12.873, de 24 de outubro
de 2013, que dispensou a exigência de registro, dispondo, in
verbis, que: “A importação, produção, comercialização e o uso de
agrotóxicos, seus componentes e afins, ao amparo da autoriza-
ção emergencial temporária, prescindem do registro de que trata
o art. 3º da Lei n. 7.802, de 11 de julho de 1989”. Na decisão, a
juíza entendeu que não é caso de aplicação da Lei n. 7.802/89,
mas informa que ainda existem outras questões que merecem
análise, a despeito do afastamento do registro do agrotóxico
que possua o princípio ativo benzoato de emamectina em ór-
gão federal.
A magistrada elenca uma série de itens a serem analisados
em sua decisão, e que o primeiro deles é saber se os agrotóxi-
cos que possuem em sua composição tal princípio ativo são os
únicos que se mostram eficazes no combate à lagarta Helico-
verpa armigera, e informa que os réus e as intervenientes asso-
ciações sustentam que sim, enquanto o MPF entende que não.
Na sequência, e demonstrando o quanto a disputa e dis-
senso entre dados e elementos técnicos ganham peso nas argu-
mentações e ações de referidas instâncias jurídico-operativas,
reproduzimos o seguinte trecho da decisão judicial:

A informação contida no documento “Ações Emergen-


ciais Propostas pela EMBRAPA para o Manejo Integra-
do da Helicoverpa spp. em Áreas Agrícolas”, disponível

391
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

no endereço eletrônico http://www.embrapa.br/alerta-


-helicoverpa (e que também se encontra na página do
Ministério da Agricultura sob o título “Medidas Emer-
genciais de Defesa Sanitária Vegetal”) demonstra que
no âmbito da empresa de pesquisa agropecuária há
outras alternativas ao uso do benzoato de emamectina.

No documento, estabeleceu-se uma ordem de preferên-


cia para a utilização de produtos para o combate à la-
garta, consistindo em: 1) inseticidas biológicos ou libe-
ração de inimigos naturais devidamente registrados; 2)
inseticidas do grupo dos reguladores de crescimento de
insetos; 3) inseticidas dos grupos das diamidas ou espi-
nosinas; 4) inseticidas bloqueadores de Na; 5) insetici-
das do grupo das evermectinas; 6) carbamatos (Tabela
5). Segundo o documento, o benzoato de emamectina
está incluído na Tabela 5 e, nesse caso, sua utilização
seria possível em último caso.

Também na página do Ministério da Agricultura há um


outro documento denominado Programa de Supressão
da Helicoverpa Armigera, no qual não é sugerido o uso
de quaisquer produtos agrotóxicos.

Assim, ao confronto desses dois documentos com as


alegações dos réus permite-se concluir que há ou-
tras alternativas menos gravosas ao meio ambiente
e à saúde humana. (sem destaque no original). (MPF,
2014c, p. 8-9).

A magistrada demonstra, no trecho acima, que, ao con-


frontar os argumentos técnicos trazidos por ambos os lados,
entendeu que existem alternativas menos danosas ao meio
ambiente e continua levantando questões de ordem técnica,
informando que seu segundo item para análise é baseado no

392
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

parecer técnico133 da Anvisa, que concluiu pelo indeferimen-


to do registro do produto técnico à base do ingrediente ativo
benzoato de emamectina, inclusive reproduzindo excerto do
parecer em sua decisão.
A terceira questão enfrentada pela juíza diz respeito aos
danos que a utilização do benzoato de emamectina pode cau-
sar à saúde humana e ao meio ambiente e argumenta que a
documentação trazida pela União, em especial a que se refere
ao processo instaurado no âmbito do Ministério da Agricul-
tura (processo n, 21000.001367/2014-66), indica que o pro-
duto oferece grande possibilidade de causar graves danos ao
meio ambiente. Nesse tópico de análise, o peso de elementos
técnico-científicos é sentido, pois mencionam-se informações
sobre intervalo de entrada de pessoas nas culturas e áreas
tratadas, limitações de uso, precauções de uso e advertências
quanto aos cuidados de proteção ao meio ambiente – produto
altamente perigoso ao meio ambiente e altamente tóxico para
abelhas, peixes e organismos aquáticos.
A juíza transcreve trechos da ficha de informações de se-
gurança de produto químico, relativamente ao benzoato de

133. Segue extrato do parecer constante na página 09 da decisão que ora co-
mentamos: Referido parecer conclui que “A substância benzoato de emamec-
tina demonstra um perfil toxicológico bastante desfavorável, tanto do ponto
de vista agudo como crônico. Particularmente, os efeitos neurológicos são tão
marcantes e severos que as respostas de curto e longo prazos se confundem,
isto é, efeitos tipicamente agudos são observados nos ensaios de longo prazo,
e vice-versa. O produto revelou sinais de neurotoxidade para todas as espécies
e em doses tão baixas, por exemplo, 0,1 mg/kg (LOAEL) em camundongos
CF-1 e 0,5 mg/kg em cães, mesmo em estudos nos quais este efeito não es-
tava sendo investigado. Como demonstrado, cabe ainda destacar, que efeitos
neurotóxicos foram evidenciados em todos os estudos que não tinham por
finalidade avaliar a neurotoxidade do agrotóxico. Incertezas no que diz respei-
to aos possíveis efeitos teratogênicos, e as certezas dos efeitos deletérios de-
monstrados nos estudos com animais corroboram, de forma decisiva, para que
não se exponha a população a este produto, seja nas lavouras ou pelo consumo
de alimentos. Assim sendo, o produto técnico ora em pleito é considerado
impeditivo de registro, do ponto de vista da saúde humana” (fls. 58/59, item
IV, CONSIDERAÇÕES FINAIS).

393
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

emamectina, CCAB 50 WG, e informa que, no tópico identifi-


cação de perigos, está elencado como perigo mais importante
que o produto pode ser nocivo ao homem se não utilizado con-
forme as recomendações. Além disso, produz efeitos adversos
à saúde humana, sendo produto nocivo se: ingerido ou em
contato com a pele, provocando irritação moderada à derme
e irritação ocular. Traz, também, a classificação toxicológica
da Anvisa134, onde o produto está classificado na Classe I – Ex-
tremamente tóxico (fls. 481). Na Classificação do Potencial
de Periculosidade Ambiental IBAMA: Classe I – Produto Alta-
mente Perigoso ao Meio Ambiente.
Assim, conclui a magistrada que o benzoato de emamecti-
na pode causar danos não somente à saúde humana, mas tam-
bém ao meio ambiente, fato que impediria sua utilização, na
forma da legislação ambiental vigente, incluindo a recente Lei
n. 12.873/2013, em especial o art. 53, § 4º, caput, e inciso V.
A quarta questão a ser abordada pela magistrada é a que
diz respeito à previsão do art. 53, § 4º, inciso II, qual seja, de
que o produto agrotóxico tenha antídoto ou tratamento eficaz
no Brasil e informa que não existe antídoto específico para o
produto no Brasil e que isso já justificaria sua concessão de
liminar ao MPF.
Por fim, a última questão a ser abordada pela juíza trata do
fato de que o Estado de Mato Grosso somente permite a admissão,
no território estadual, para armazenamento, comercialização
e uso os agrotóxicos e afins já cadastrados e cujas instruções
de uso estejam integralmente atualizadas no INDEA/MT, con-
forme estabelece o art. 10 da Lei Estadual n. 8.588, de 27 de
novembro de 2006. O § 2º do referido diploma legal estabe-
lece, ainda, que o cadastramento de agrotóxicos e afins fica
condicionado ao prévio registro no órgão federal competente

134. Quando da revisão desses originais para publicação em formato de livro


em 2019, temos, como realidade posta, o fato de o país estar passando por um
novo marco regulatório dos agrotóxicos, com novas classificações da Anvisa
em relação à toxicidade dos pesticidas usados no Brasil.

39 4
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

e, que, segundo o MPF, os produtos agrotóxicos que tenham


o princípio ativo benzoato de emamectina não se encontram
cadastrados no Estado de Mato Grosso e que as partes adversas
silenciaram sobre a questão em suas manifestações.
Assim, considera que após explanar esses 5 pontos de aná-
lise, não vislumbra que exista obstáculo para a concessão de
medida liminar, mas que, pelo contrário, estão presentes os re-
quisitos para a concessão de tutela e chega à conclusão de que
existem outros métodos eficazes e menos nocivos no combate
à praga; que a Anvisa já proibiu o uso de tais produtos; que os
produtos agrotóxicos que possuam o princípio ativo benzoato
de emamectina em sua composição podem causar sérios danos
à saúde humana e graves danos ao meio ambiente, sendo alta-
mente tóxicos; que não há antídoto específico para o caso de
contaminação; que há expressa vedação na legislação estadual
para a admissão de produtos agrotóxicos que não estejam ca-
dastrados no órgão estadual e que não estejam registrados no
órgão federal competente.
Também destaca que em relação à alegação de que a con-
cessão da liminar esgota o objeto da presente ação, entende
que um dano muitíssimo maior está sendo evitado, em face
do grande risco que a utilização do benzoato de emamectina
pode causar à saúde humana e ao meio ambiente e informa
que outras unidades da federação já proibiram a utilização do
benzoato de emamectina em seus territórios, como é o caso da
Bahia e Minas Gerais, informando, por fim, que a República
do Paraguai também suspendeu o uso de tal substância em seu
território e, assim, determina em sua decisão, 3 pontos que re-
produziremos abaixo:

1 - Determinar ao INDEA e ao Estado de Mato Grosso


obrigação de não fazer, a saber, não expedir autoriza-
ções de aplicação de agrotóxicos que contenham a
substância denominada benzoato de emamectina, de-
vendo indeferir a emissão do termo de autorização de

39 5
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

aplicação, inclusive quanto aos pedidos já feitos (infor-


mados no OF.PRES. CDSV. N. 486/2014); (II) suspen-
der os efeitos de todas as autorizações de aplicação de
agrotóxicos que contenham a substância denomina-
da benzoato de emamectina concedidas pelo INDEA;
(III) determinar que o INDEA promova a apreensão e
recolhimento de todos os agrotóxicos contendo ben-
zoato de emamectina que já estejam em território
matogrossense; (IV) determinar que, relativamente
aos agrotóxicos que contenham a substância denomi-
nada benzoato de emamectina, o INDEA e os demais
órgãos do Estado de Mato Grosso dêm cumprimento
às determinações contidas na legislação, notadamen-
te: a) fiscalizando e impedindo a entrada em território
matogrossense, a comercialização, o armazenamento e
o uso de agrotóxicos que contenham em sua composi-
ção o benzoato de emamectina; b) apreendendo todos
os produtos à base do benzoato de emamectina encon-
trados no Estado de Mato Grosso, inclusive aqueles que
foram objeto das autorizações de aplicação expedidas;
c) lavrando os devidos autos de infração e adotando as
demais providências administrativas cabíveis;

2 - Determinar ao INDEA e ao Estado de Mato Grosso,


quanto à apreensão dos agrotóxicos, que os produtos
já presentes em território matogrossense sejam re-
colhidos em local adequado, evitando que os biocidas
sejam deixados sob a responsabilidade de seus adqui-
rentes ou de seus fornecedores, como forma de garantir
o efetivo cumprimento da tutela de urgência, até a pro-
lação da decisão final de mérito nesta demanda. Para
tanto, deve o INDEA indicar a relação dos distribuido-
res – e sua localização – que já obtiveram a autorização
de importação e de aplicação de agrotóxicos e afins que
contenham o ingrediente ativo benzoato de emamectina
no Estado de Mato Grosso; e,
39 6
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

3 - Determinar ao INDEA e ao Estado de Mato Gros-


so, para controle judicial do cumprimento da decisão
liminar, que juntem aos autos, no prazo de 30 (trinta)
dias, provas da efetiva realização das providências
impostas, inclusive cópias das autorizações de impor-
tação e de aplicação já expedidas e dos atos administra-
tivos correlatos.

Referida decisão foi objeto de recurso denominado agra-


vo de instrumento por parte da Associação Matogrossense dos
Produtores de Algodão – AMPA, e a Associação dos Produto-
res de Soja e Milho do Estado do Mato Grosso – APROSOJA,
e foi dado efeito suspensivo à decisão da magistrada favorável
ao pedido do MPF em sua ACP. No andamento de referido pro-
cesso, ainda houve a diligência da juíza em audiência pública
sobre os usos de agrotóxicos nas lavouras matogrossenses na
data de 11 de setembro de 2015135.
Na decisão, que trata desta diligência em audiência pú-
blica, e que data de 21 de agosto de 2015, a magistrada ainda
solicitou a intimação da Procuradoria Regional do Ministério
Público do Trabalho para, querendo, manifestar-se no proces-
so em exame, bem como trazer informações que fossem úteis
sobre o tema discutido, uma vez que sua atuação também en-
globa as condições de trabalho e a saúde dos trabalhadores que
realizam a aplicação do agrotóxico e que sofrem as consequên-
cias dos seus possíveis efeitos nocivos.
A magistrada continua, na decisão de 21 de agosto de 2015,
informando que, no intuito de obter maiores informações para

135. A audiência foi promovida pelo Comitê Multi-Institucional do Sistema


Judicial de Mato Grosso, composto pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso,
Ministério Público do Estado de Mato Grosso, Ordem dos Advogados do Bra-
sil – Seccional de Mato Grosso, Justiça Federal, Defensoria Pública de Mato
Grosso, Defensoria Pública da União, Associação Matogrossense de Magis-
trados (AMAM) e Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso (ESMA-
GIS), na sede da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no município
de Sorriso – MT.

397
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

subsidiar a formação de seu convencimento, considerou ne-


cessária a requisição de informações sobre possíveis casos de
contaminação, na utilização de agrotóxicos que contenham
como princípio ativo benzoato de emamectina, ao Centro de
Informação Anti-Veneno de Mato Grosso, e que a mesma in-
formação também deveria ser requisitada ao Sistema Nacional
de Informações Tóxico-Farmacológicas – SINITOX, vinculado
ao Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecno-
lógica em Saúde – ICICT, e à Fundação Oswaldo Cruz – FIO-
CRUZ, na cidade do Rio de Janeiro.
O que nos chama a atenção, nesse instante é que, dife-
rentemente, das decisões dos juízes das ACPs 03/2014/DF e
04/2014/DF que analisamos anteriormente, na construção
do convencimento judicial da presente ação, existe um esfor-
ço visível por parte da magistrada de se cercar de elementos
técnico-científicos que sustentem sua linha decisória e poste-
rior sentença. Alie-se a isto, o fato de que os juízes das ACPs
03/2014/DF e 04/2014/DF estavam em um centro de acesso
a informações muito mais vasto – Brasília/DF, do que Cuiabá,
no Mato Grosso, mas ainda assim, não demonstraram o esfor-
ço esboçado pela magistrada do presente processo.
Finalmente, a sentença foi prolatada em 12 de maio de
2016, contando com 31 páginas que trazem alguns dos ele-
mentos já arguidos quando da decisão que concedeu a anteci-
pação de tutela ao MPF e outros elementos novos. Nos atere-
mos aos novos elementos, haja vista termos descrito a decisão
em comento e seus desdobramentos de forma acuidada nos
trechos acima.
Na seção da sentença denominada, “do mérito”, que é onde
se evocam os dispositivos legais e fundamenta-se a razão de
decidir, a magistrada modifica seu entendimento em relação à
aplicação da lei de agrotóxicos – Lei n. 7.802/89 e seu respec-
tivo decreto regulamentador – Decreto n. 4.074/2002, e não
a Lei n. 12.873/2013, inclusive descrevendo um emblemático
“jogo de bastidores” que tão bem retrata a materialização da

39 8
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

disputa dentro da arena jurídico-operativa em relação à apro-


vação de determinadas leis. Vejamos a descrição literal da sen-
tença da magistrada no trecho abaixo:

Visando a obtenção de registro emergencial do benzo-


ato de emamectina, houve uma reunião extraordinária
do Comitê Técnico de Assessoramento para Agrotó-
xicos – CTA, órgão previsto no art. 95 do Decreto n.
4.074/2002, em 13/03/2013.

Nesta foi consignado que agrotóxico anterior, sob o


nome PROCLAIM teve pedido de registro indeferido
no Brasil. Tal negativa ocorreu, vez que a ANVISA e o
IBAMA se manifestaram contrariamente, apontando
riscos para fauna e a saúde humana, em virtude de seus
elevados índices de neurotoxicidade.

Posteriormente, em 18/03/2013, o MAPA tentou apro-


var o registro emergencial do produto, o que foi mais
uma vez refutado pelo CTA. O MAPA, contudo, publi-
cou a Instrução Normativa n. 13, de 3/4/2013, permi-
tindo que a Secretaria de Defesa Agropecuária – SDA
autorizasse a importação de agrotóxicos a base de ben-
zoato de emamectina. Na sequência, em 5/4/2013, a
DAS publicou a Instrução Normativa n. 8, autorizando
e definindo os critérios de importação do agrotóxico
em comento, estabelecendo que “não será exigido do
interessado registro do produto junto ao MAPA”

Em 22/4/2013, foi publicada a Instrução Normativa


n. 12 da SDA, a qual dispõe que fica a cargo do órgão
estadual de vigilância sanitária todo o controle sobre a
aplicação do produto.

39 9
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

O INDEA, através da Instrução Normativa Conjunta SE-


DRAF/INDEAMT n. 001/2014, autorizou o uso do benzo-
ato de emamectina em caráter emergencial e temporário
para controle e contenção da praga Helicoverpa armigera.

Importante frisar que os atos praticados pelo Ministério


da Agricultura e Pecuária foram antes da entrada em
vigor da Lei n. 12.873, de 24 de outubro de 2013, bem
como do respectivo decreto regulamentador, n. 8.133,
de 28 de outubro de 2013.

Sendo assim, razão assiste ao MPF em pretender


que a legislação que se aplique à matéria seja a Lei
n. 7.802/89 e o decreto n. 4074/2002, pois ainda
não existia em nosso ordenamento jurídico a Lei n.
12.873/2013. É de se destacar, ademais, que a Lei n.
7.802/89 se encontra plenamente em vigor e não foi
revogada pela Lei n. 12.873/2013, podendo perfeita-
mente incidir sobre o caso em tela.

As instruções normativas expedidas pelo MAPA pos-


suem natureza jurídica de ato administrativo e, por
tal razão, devem estar amparadas pelo princípio da
legalidade, não sendo possível a convalidação do
ato. (sem destaque no original). (JUSTIÇA FEDERAL,
2016, p. 10-11).

Não nos parece obra do acaso tantos movimentos em ins-


tâncias operativas, como CTA, MAPA e similares e, logo em
seguida, a existência de uma nova legislação e de um novo de-
creto regulamentador que flexibiliza a entrada de determina-
dos agrotóxicos no país sem os procedimentos de registro, haja
vista as emergências fitossanitárias.
Assim, a magistrada muda sua análise e passa, na sentença, a
descrever como verificará a validade das instruções normativas

400
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

expedidas pelo MAPA à luz da Lei n. 7.802/89 e Decreto n.


4.074/2002 e, após citar alguns dispositivos legais destas legis-
lações, observa que os agrotóxicos só poderão ser importados
se previamente registrados em órgão federal, e que o registro
de novo produto só poderá ser concedido se sua ação tóxica
sobre o ser humano e meio ambiente for comprovadamente
igual ou menor aos já registrados para o mesmo fim.
Informa, no que tange às emergências quarentenárias, fi-
tossanitárias, sanitárias e ambientais, que o registro não era
dispensável, sendo apenas concedido por prazo determina-
do e em conformidade com “as diretrizes e exigências dos
órgãos responsáveis pelos setores de agricultura, saúde e
meio ambiente”.
Assim, conclui a juíza que as instruções normativas expe-
didas pelo MAPA foram totalmente dissonantes do previsto na
legislação, pois, primeiramente, era necessário registro, mes-
mo nos casos de emergências quarentenárias, fitossanitárias,
sanitárias e ambientais. Além disso, registra que não há deter-
minação que se sigam as diretrizes e exigências dos órgãos res-
ponsáveis e que, tanto a Anvisa, como o Ibama se manifesta-
ram contrariamente à entrada do produto no país, ressalvando
os danos à saúde e ao meio ambiente.
Em item próprio da sentença, ainda na seção, “do mérito”,
surge uma seção intitulada, “da controvérsia sobre o uso do
benzoato de emamectina”, e são trazidos novos dados técni-
co-científicos nos quais a juíza informa que, em pesquisa so-
bre o tema em apreço, facilmente identificam-se estudiosos
e instituições que tratam de uso de agrotóxicos contrários à
aplicação do benzoato de emamectina e inicia sua descrição
de dados técnico-científicos informando que o Paraguai, em
2014, suspendeu o uso da substância, pois o Serviço Nacional
de Qualidade e Sanidade Vegetal e de Sementes do Paraguai
– SENAVE, divulgou nota informando que não havia estudos
conclusivos para garantir a segurança do produto para a saúde
ambiental e humana.

4 01
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

A magistrada também reserva duas páginas de sua senten-


ça para descrever como o site da Embrapa, no campo que trata
sobre o “alerta Helicoverpa”, “perguntas e respostas sobre o
uso de Benzoato de Emamecina”, traz esclarecimentos sobre
o tema e cita, ainda, reportagem veiculada no Globo Rural,
que informava que agricultores do oeste baiano estariam su-
perando o problema da Helicoverpa armígera com defensivo
biológico, a exemplo do que ocorreu na Austrália e Estados
Unidos. Ainda sobre o controle biológico, cita a juíza que o site
do Sistema de Federação da Agricultura e Pecuária do Estado
de Minas Gerais – FAEMG, que representa os produtores ru-
rais daquele estado, veiculou reportagem que dizia que a saída
contra a Helicoverpa armigera estava no combate biológico e
que a EMBRAPA trabalha com o que denomina de biofábri-
ca, que utiliza cerca de 100 mil vespinhas por hectares, sendo
10 por metro quadrado e que conseguiram controlar a lagarta
em comento. Na sequência, a sentença traz reportagem do site
da Pioneer sementes, onde foi publicado um artigo de autoria
do MSc. Eng. Agrônomo André Aguirre Ramos, com o título:
Helicoverpa armigera, o novo desafio da agricultura brasileira,
em que este defende os bioinseticidas, ressaltando os bons re-
sultados obtidos na Austrália.
Assim, aduz a magistrada que muito do que se sustentou
nos autos – e também na audiência pública realizada em 11 de
setembro de 2015, que o benzoato de emamectina é substância
com uso liberado em vários países, merece ser melhor anali-
sado, pois vários países que liberaram o uso do benzoato de
emamectina possuem clima totalmente diferente do brasileiro,
tais como EUA, França, Japão e Canadá e que nas localidades
em que existe o clima frio, este, por si só, já ajuda no combate
às pragas. Para corroborar sua análise, a juíza colaciona repor-
tagem veiculada no Portal DBO, empresa jornalística do ramo
da agropecuária, que informa que a agricultura desenvolvida
em países de clima tropical, como é o caso do Brasil, é pro-
pícia ao aparecimento de muitas pragas, diferente de culturas

4 02
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

desenvolvidas na Europa e Estados Unidos, onde as pragas e


doenças desaparecem durante o período frio.
Continua a sentença trazendo dados da revista Promoalgo,
de abril de 2013, onde se publicou informe tendo como capa
a “Experiência na Austrália”, relatando métodos eficazes para
o combate da lagarta e conclui que é possível verificar, de for-
ma clara, que o uso do benzoato de emamectina não é a única
opção ao combate da Helicoverpa armigera, como sustentam
os réus e intervenientes e frisa, pelo conjunto de dados técni-
co-científicos acionados que, até mesmo nos países em que ele
é permitido, é utilizado como medida de exceção – não como
regra ao combate à larva -, vez que esta pode facilmente se
tornar resistente à substância e, cada vez mais, ser necessária a
aplicação de agrotóxicos nas lavouras.
Continuando com os dados técnico-científicos cotejados, a
sentença traz informações da página do Ministério da Agricul-
tura, na qual há um outro documento denominado Programa
de Supressão da Helicoverpa Armigera, onde não é sugerido o
uso de quaisquer produtos agrotóxicos e informa que da jun-
ção desses dois documentos com as reportagens que tratam
da experiência na Austrália, permite-se concluir que há, sim,
outras alternativas menos gravosas ao meio ambiente e à saúde
humana e ainda afirma que a grande diferença entre a Aus-
trália e o Brasil é que, naquela, há comprometimento do poder
público e dos produtores rurais na execução e acompanhamento
do plano de manejo proposto. No Brasil, aplicou-se a solução mais
fácil e rápida, contudo mais danosa, em total conflito com princí-
pio da precaução.
Por fim, aduz que, em pesquisa realizada no Portal Pub-
Med – US National Library of Medicine National Institutes of
Health, existem estudos reconhecidos pela comunidade cientí-
fica sobre a toxicidade do benzoato de emamectina.136

136. Na sentença são citados os 03 estudos a seguir: O artigo “Developmen-


tal neurotoxicity evaluation of the avermectin pesticide, emamectin benzoate, in
Sprague-Dawley rats” que conclui que houve evidência de neurotoxicidade na

4 03
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Quase ao final da sentença, informa que, ainda como refor-


ço de argumentação, apesar de considerar que todos os dados
trazidos até o presente momento da sentença já se mostraram
mais do que suficientes, considera que deve agregar-se a esses
dados técnico-científicos a informação de que, em 17 de de-
zembro de 2015, foi publicado no DOU, o Decreto n. 8.591, de
16/12/2015, que alterou o §11 do art. 6º do Decreto n. 8.133,
de 28/10/2013, dispondo que a autorização nos casos de es-
tado de emergência fitossanitária pode ser prorrogada um ano
até decisão final sobre o registro e que, em janeiro do ano de
2016, o MAPA publicou a Portaria n. 9, de 12/01/2016, pror-
rogando até 15/01/2017 o prazo de vigência para utilização
do benzoato de emamectina em Mato Grosso. Todavia, a ma-
gistrada informa que o estado de emergência fitossanitária
pressupõe um período curto, como o próprio nome já diz, de
“emergência”, e que não podem ocorrer prorrogações por tem-
po indeterminado, já que o §11 do Decreto supracitado possi-
bilita sua extensão até “decisão final sobre o registro”, fato que
não se sabe quando ocorrerá.
Após, a magistrada rememora em sua sentença os pedidos
formulados pelo MPF em sua ACP e passa a seção “dispositivo”
da sentença, que contém o teor de suas decisões e determina-
ções, as quais reproduziremos de forma integral a seguir:
prole F1 dos ratos Sprague-Dawley, [...]; O “Toxic effects of sub-chronic exposu-
re of male albino rats to emamectin benzoate and possible ameliorative role of Foe-
niculum vulgare essential oil” que aponta resultados que mostram diminuição
dos parâmetros da imunidade como total de leucócitos, linfócitos, monócitos,
plaquetas, proteínas totais, albumina, globulinas IGG e IGM, bem como dano
hepático com aumento das enzimas ALT e ALP e evidências histopatológi-
cas de necrose de coagulação e congestionamento dos vasos no fígado de ratos
albinosmachos; “Detection on emamectin benzoate-induced apoptosis and DNA
damage in Spodoptera frugiperda Sf-9 cell line” que conclui que houve efeitos cito-
tóxicos (dano no DNA e apoptose celular) em celulas Sf-9 in vitro, sendo que es-
sas ações citotóxicas de EMB também passaram para as célusa HE-Lcancerosas
humanas usadas como um grupo de células controle e no ano de 2004, foi regis-
trada na literatura médica um relato de caso de intoxicação aguda por benzoato
de emamectina, em humano, em Taiwan, o que está registrado no artigo “Acute
poisoning with emamectin benzoate”. (JUSTIÇA FEDERAL, 2016, p. 26-27).

404
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

DISPOSITIVO
Por todo o exposto:

1. rejeito as preliminares arguidas;

2. julgo procedente o pedido, com resolução do mé-


rito (CPC, art. 487, inciso I), para determinar que o
INDEA e o Estado de Mato Grosso não autorize a ma-
nipulação, a produção, a pesquisa, a experimentação,
o transporte, o armazenamento, a comercialização
e a utilização, no Estado de Mato Grosso, de agrotó-
xicos não registrados e não cadastrados nos órgãos
competentes e que utilizem a substância benzoato de
emamectina, devendo indeferir a emissão do termo de
autorização de aplicação, inclusive quanto aos pedidos
já feitos;

3. julgo procedente o pedido, com resolução do mé-


rito (CPC, art. 487, inciso I), para determinar que a
UNIÃO não autorize a importação e utilização no Es-
tado de Mato Grosso de agrotóxicos não registrados
e não cadastrados nos órgãos competentes e que uti-
lizem a substância benzoato de emamectina, deven-
do-se indeferir a emissão do termo de autorização de
importação, inclusive quanto aos pedidos já feitos;

4. julgo improcedente o pedido, com resolução do


mérito (CPC, art. 487, inciso I), de que, em caso de
eventual utilização do benzoato de emamectina inde-
vidamente autorizado em território matogrossense,
sejam os réus solidariamente condenados à integral
reparação dos danos, patrimoniais e extrapatrimo-
niais, causados pelo produto ao meio ambiente e à
saúde pública que porventura sejam constatados.

4 05
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Presente o fumus boni juris nas próprias razões de de-


cidir da presente sentença. O periculum in mora se ve-
rifica, vez que a tutela do meio ambiente deve ser con-
cedida à luz dos princípios da prevenção e precaução.
Permitir que o benzoato de emamectina seja amplamen-
te utilizado no Estado de Mato Grosso é permitir que da-
nos ambientais e à saúde humana possam ocorrer sem
intervenção do órgão estatal competente. Sendo assim,
concedo a liminar para que os réus cumpram, a partir
da intimação da presente sentença, os itens 2 e 3 supra.
(sem destaque no original). (BRASIL. 2016, p. 28-29).

Do exposto na presente sentença, temos que existiu um


farto uso, por parte da magistrada, de produções técnico-cien-
tíficas. Percebemos, todavia, que em relação ao conceito de
sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável, a expres-
são não aparece em nenhum momento das decisões ou senten-
ça. Em relação a referência às futuras gerações, observamos
que ela apenas se encontra nominada quando reproduzido o
teor do artigo 225 da Constituição Federal.
No que tange à percepção do termo risco, existe claramen-
te a evocação ao risco que o benzoato de emamectina pode
causar para a saúde humana e para o meio ambiente, mas em
nenhum momento parece haver o acionamento de uma con-
cepção ecológica global de riscos ou algo similar ao concebi-
do por Ulrich Beck em sua teoria da Sociedade de Risco. Já
em relação ao termo Justiça ambiental, presenciamos que não
emerge essa compreensão de que possa estar ocorrendo, no
presente caso do processo, uma injustiça ambiental.
Outro ponto que nos causou reflexão, na presente decisão,
trata do fato de que para negar a tutela antecipada de algumas
ACPs analisadas anteriormente, verificamos que as decisões
foram sucintas e de pouca argumentação técnica, enquanto
que para deferir a liminar ou para sentenciar, as argumenta-
ções por parte da presente magistrada foram numerosas.

406
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Informamos, quase ao final, que em relação ao presen-


te processo, a sentença foi objeto de recurso de apelação ao
Tribunal Regional Federal da 1ª Região, sendo interpostos re-
cursos pelos réus União, Associação Matogrossense dos Pro-
dutores de Algodão – AMPA, Associação dos Produtores de
Soja e Milho do Estado do Mato Grosso – APROSOJA, Estado
do Mato Grosso e Instituto de Defesa Agropecuária do Estado
do Mato Grosso – INDEA/MT, conforme informações de últi-
ma movimentação do processo na data de 22 de novembro de
2016. Referida apelação foi recebida no efeito suspensivo, ou
seja, até julgamento do recurso, a sentença da juíza não surtirá
seus efeitos.
Finalmente, temos que o Ministério da Agricultura, Pecu-
ária e do Abastecimento – MAPA, por meio do Departamen-
to de Fiscalização de Insumos Agrícolas (DFIA), concedeu na
data de 29/11 o registro definitivo para o produto Proclaim
50, a base do ingrediente ativo benzoato de emamectina, sen-
do relatado no site do MAPA que “O produto foi avaliado pelo
ministério quanto a eficiência agronômica e está apto a entrar no
mercado”; “ele também foi avaliado e aprovado pelos órgãos de
meio ambiente e de saúde humana. É seguro e atende a todos os
parâmetros de registro”. (MAPA, 2018)
O ministro à época, Blairo Maggi, disse que:

O registro definitivo da molécula é um marco histórico,


pois demandou todo um esforço conjunto, de vários se-
tores, enquanto permanecia a convivência com a praga.
A partir deste momento, disse ainda o ministro, a
empresa responsável pela substância assume a ga-
rantia de manter um regime de produção e de esto-
que e que deverá atender a todo o mercado brasileiro
(MAPA, 2018).

Assim, temos que, para o presente caso, a ação judicial pro-


posta pelo MPF, quando voltar a ser movimentada, perderá seu

4 07
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

objeto, haja vista a mudança de panorama em relação a toxici-


dade do benzoato de emamectina, que no início do desenrolar
do presente processo foi considerado inseguro pela própria
Anvisa e Ibama e que agora está registrado como algo seguro
para o meio ambiente e saúde humana.
Não houve alterações na fórmula do produto, mas talvez a
presença do acima citado, Blairo Maggi, ministro da agricultu-
ra, agronegociante e originário do estado Mato Grosso, ajudem
a explicar a dinâmica técnico-operativa que transformou, em
poucos anos, um produto de alta toxicidade como o benzoato
de emamectina em algo seguro e definitivamente registrado.
Quase no fechamento deste capítulo, voltamos ao poeta
Leminski e percebemos que “reparar no não dito”, verificar o
que emerge, ou não emerge, nas instâncias jurídico-operativas
que observamos no presente capítulo em relação aos usos e
contextos de termos como sustentabilidade, risco, justiça am-
biental e futuras gerações, bem como o uso de pesquisas téc-
nico-científicas, nos trazem um norte de reflexão e desafios de
estudos de forma ainda mais acentuada, conforme já comen-
tamos ao longo de todo esse tópico de observações e análises.
Para finalizarmos nosso campo documental de pesquisa,
passaremos, a seguir, a observar algumas imagens veiculadas
pelo Ministério Público Federal em sua página oficial no face-
book e o quanto a temática de agrotóxicos e transgênicos têm
ocupado suas postagens nesse período, bem como que mensa-
gens trazem.

4.4 MPF E MÍDIAS SOCIAIS

Informamos, inicialmente, que nos concentramos nas fotos da


“linha do tempo” da página do Facebook do Ministério Público
Federal e que, na data, de 04 de agosto de 2019 – último dia de
nossa pesquisa em relação à página, contava com 3067 fotos e
quase 500 mil “curtidas”.

408
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Examinamos todas as fotos expostas, sendo que a primei-


ra postagem sobre a questão dos agrotóxicos é datada do ano
de 2014, e que o ano de 2016 foi o ano com mais postagens
sobre o tema. Apresentaremos apenas as imagens que tratam
dos agrotóxicos. Em relação à abordagem dos transgênicos,
elas aparecem mais vinculadas ao debate sobre a rotulagem,
ou não, de alimentos que contêm transgênicos, que por hora
é obrigatória no país, apesar de forte pressão para a supressão
de referida legislação.
Informamos que muitas postagens sobre Lava Jato e seus
procuradores são feitas, mas que dada a diversidade de áreas
de atuação temática do MPF, vários outros temas são aborda-
dos em linguagem criativa e própria das redes sociais, como di-
reitos indígenas, questões atinentes ao direito do consumidor,
direito ambiental, entre outros, ainda que as postagens sobre
a atuação da Lava Jato sejam em número irremediavelmente
superior na página de referida rede social.
Começamos a exposição das imagens na sequência e ve-
mos que o MPF, em sua mídia social, endossa o tom de suas
ACPs e em dias simbólicos como o dia 11 de janeiro de 2015,
considerado o dia de controle da poluição por agrotóxico,
quando oferta a imagem à esquerda em que trata dos perigos
dos agrotóxicos. Na rede social, os agrotóxicos não são tratados
como potenciais perigos, mas como reais perigos e enumera-se
a morte de animais, a poluição de rios e solos e a intoxicação
humana como seus efeitos. Na imagem à direita, aproveitando
a semana do meio ambiente, é feita a exposição de um número
que busca alertar os seguidores de sua página no facebook em
relação ao consumo de agrotóxicos no país.

409
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Figura 24: Facebook MPF, 11 de janeiro de 2015.

Figura 25: Facebook MPF, 03 de junho de 2015.

De maneira nada sutil, no avançar do ano de 2015, a página


do MPF vai ofertando imagens como as colacionadas a seguir.
À esquerda, alusão a um bordão comum na internet que diz

41 0
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

originalmente: “keep calm and carry on”, que pode ser traduzi-
do livremente como mantenha a calma e prossiga, aqui subs-
tituído pelos dizeres: “don’t keep calm, você pode estar sendo
envenenado” e a imagem de uma caveira.
O simbolismo da caveira, que pode estar associado a pe-
rigos e mortes, aparece em outras postagens e emitem o mes-
mo tom de alerta. O uso das cores é também alusivo de um
tom emergencial e de espanto, que parece demosntrar que,
para o MPF, sua posição em relação ao uso de agrotóxicos no
país é muito clara e o quanto ele busca gerar, através de suas
postagens, um sentimento de preocupação em relação a sua
toxicidade. Talvez, referida sensibilização em relação aos agro-
tóxicos sirva como estrategia, haja vista as derrotas sofridas
judicialmente no ano anterior de 2014 nas decisões das ACPs
03/2014/DF e 04/2014/DF, já estudadas.
Intui-se que o subjacente a tais postagens, seja a tentativa
de sensibilização da população e, consequentemente, a provo-
cação de um “clamor”, através do qual seria possível insuflar
adeptos ao combate aos agrotóxicos, assim como foram insu-
flados patriotas lavajatistas nas ações de sua famosa operação.

Figura 26: Facebook, 31 de agosto de 2015.

411
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Figura 27: Facebook MPF, 17 de fevereiro de 2016.

Figura 28: Facebook MPF, 18 de janeiro de 2016 retrospectiva.

Há também a exposição de situações onde existem ações


em curso com pedidos do MPF em relação a determinadas
substâncias, assim, temos as imagens abaixo que citam uma sé-
rie de ingredientes ativos que são objetos de ações proibitivas
por parte do MPF. Na imagem da direita, por exemplo, pode-
mos visualizar facilmente que se trata da ACP 03/2014/DF.

412
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Figura 29: Facebook MPF, 27 de novembro de 2015.

Figura 30: Facebook MPF, 21 de abril de 2016.

413
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Figura 31: Facebook MPF, 12 de setembro de 2016

A luta contra o benzoato de emamectina também aparece


retratada, como na imagem abaixo, e pode ser facilmente rela-
cionada a ACP 05/2014/MT:

Figura 32: Facebook MPF, 04 de janeiro de 2017.

414
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

O MPF parece ter em mente, em sua página no facebook, a


percepção de que a produção de alimentos, dentro do atual sis-
tema agroprodutivo, é um grande problema ambiental, como
retrata a imagem da esquerda, a seguir. Na imagem da direi-
ta, aborda o modelo de produção atrelado a monocultivos e o
quanto eles concentram o maior consumo de agrotóxicos. Ao
centro, e mais abaixo, eles apresentam imagem que enumera a
preocupação com os efeitos das intoxicações por agrotóxicos.

Figura 33: Facebook MPF, 25 de outubro de 2016.

41 5
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Figura 34: Facebook MPF, 06 de agosto de 2016.

Figura 35: Facebook MPF, 18 de dezembro de 2016.

41 6
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Figura 36: 19 de dezembro de 2018.

Outro interessante ponto acessado pelo MPF dá con-


ta da tentativa de se mudar a nomenclatura de agrotóxicos
para defensivos fitossanitários, sendo também feitas várias
inserções em tom de alerta, como se percebe nas imagens a
seguir, as quais sempre encontram-se com símbolos de cavei-
ras, cores chamativas e pouco texto, o que é próprio das men-
sagens de redes sociais como facebook, mas que também se
coaduna à retórica utilizada pelo MPF em suas ACPs, a qual
apresenta elementos do que Hannigan (1995) denominou
como retórica da retidão, que possui atrelada a si um elevado
componente moral.

417
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Figura 37: Facebook MPF, 17 de agosto de 2016.

Figura 38: Facebook MPF, 24 de agosto de 2016.

41 8
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Figura 39: Facebook MPF, 17 de outubro de 2016.

Figura 40: Facebook MPF, 21 de outubro de 2016.

41 9
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Figura 41: Facebook MPF, 07 de janeiro de 2017.

Até mesmo a percepção em relação ao tema das futuras


gerações parece se encontrar albergado nas mídias do MPF
quando se observam imagens como a abaixo:

Figura 42: Facebook MPF, 13 de junho de 2017.

420
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

A preocupação com a mudança na legislação e com a isen-


ção fiscal aos pesticidas também se encontra expressa, confor-
me verificamos nas imagens a seguir:

Figura 43: Facebook MPF, 24 de maio de 2019.

Figura 44: Facebook MPF, 25 de junho de 2018.

42 1
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Figura 45: Facebook MPF, 25 de novembro de 2017

Ao final da exposição das imagens acima referenciadas,


temos que alguns dos fatores expostos por Hannigan (1995,
p. 74-75) apresentados na introdução deste trabalho, podem
ser aqui identificados, como por exemplo: Atenção por parte
dos meios de comunicação, nos quais o problema é visto como
algo novo e relevante, aqui representada pela comunicação via
mídias sociais; dramatização do problema em termos simbó-
licos e visuais, perceptível pelas inúmeras caveiras, palavras
e cores escolhidas para as postagens no facebook e emergên-
cia de um patrocinador institucional que assegure legitimi-
dade e continuidade, representado pelo próprio MPF e ACPs
por ele subscritas.
Por fim, através das imagens capituladas neste trabalho, ou
através das ACPs selecionadas pelo GT Agrotóxicos e Transgê-
nicos da 4ª CCR do MPF, percebemos que o discurso contra-
majoritário foi apropriado não apenas pelas ACPs, mas pelas
próprias postagens do facebook do Ministério Público Federal

42 2
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

como bandeira a ser defendida por referida instância técnica-


-operativa, ainda que não encontre eco, muitas vezes, nas ins-
tâncias judiciais de decisão.

423
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tese pretendeu abordou o problema de pesquisa de forma


abrangente e interdisciplinar, buscando alcançar fatores que
se relacionassem ao seu objeto. Conforme já mencionado na
introdução do trabalho, várias áreas foram trazidas à lume du-
rante diferentes momentos da escrita, uma vez que o próprio
tema da potencial contaminação humana por agrotóxicos den-
tro do atual sistema agroprodutivo dominante no país é abor-
dado por instâncias diversas, as quais tratei como instâncias
técnico-operativas ou técnico-científicas.
O presente trabalho começou com a introdução, na qual
foi abordado o problema de pesquisa, seus objetivos, metodo-
logia e hipóteses.
Inicialmente, examinei o processo de evolução do atual
modelo agroprodutivo dominante no país e, para isso, transi-
tei pela Revolução Verde, Revolução Genética e Biofortifica-
ção, sendo que a abordagem do contexto histórico-social das
primeiras fases do atual modelo agroprodutivo foram analisa-
das através de uma perspectiva mais global, com a presença
de autores como Rachel Carson e Vandana Shiva. Em relação
aos alimentos biofortificados, todavia, ancorei-me no material

424
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e


Nutricional – FBBSAN e por estudos da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, uma vez que esse está-
gio, pretensamente revolucionário do sistema agroprodutivo,
tem grande protagonismo brasileiro, pois segundo o Diretor
Geral do HarvestPlus, expoente mundial na produção de ali-
mentos biofortificados: “Se alguém quiser conhecer o futuro
da biofortificação precisa conhecer os trabalhos desenvolvidos
no Brasil”.
O que se evidenciou, desde o início da pesquisa, é o quanto
a solução do “problema da fome no mundo” é disputada por
diferentes atores, guiados por eixos estruturantes (Bourdieu)
como governos, políticas públicas, modelo agroalimentar,
entre outros e que buscam incutir uma significação própria
e, ao mesmo tempo, capaz de dar conta da dominação que
pretendem incutir.
Dentro desse cenário de disputas simbólicas e retóricas, o
estudo do histórico-evolutivo dos modelos agroalimentares no
Brasil passou ao largo de uma discussão democratizada, sendo
que a própria história insistiu em revelar que nem sempre o in-
teresse público na saúde da população foi o fio condutor e cria-
dor de insumos para a produção agrícola. Exemplo emblemáti-
co foi o caso do DDT, na década de 60, denunciado por Carson,
e só retirado oficial e totalmente de circulação do Brasil em
2009. Some-se a isso, o fato de que ainda não enfrentamos o
banimento de agrotóxicos já banidos em vários países do mun-
do. Também percebi, através da pesquisa no capítulo primeiro,
o quanto o discurso da “erradicação da fome no mundo” se fez
presente nos marcos revolucionários de produção alimentar
do planeta.
Assim, ainda de forma inicial, restaram latentes as pala-
vras ditas por Philip McMichael (2016), que apontou para o
fato de que a agroexportação não se confunde com “alimen-
tar o mundo” e alimento não se confunde com mercadoria
ou commodities.

425
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Na sequência de desenvolvimento de capítulos e perqui-


rindo os objetivos específicos da tese, busquei compreender
como foram acionados termos como sustentabilidade, futuras
gerações, justiça ambiental e risco. Abordei, em tópicos pró-
prios, a forma como foi acionado o termo sustentabilidade/de-
senvolvimento sustentável em concepções majoritárias, como
as apresentadas pela ONU em Estocolmo ou no Relatório Bru-
dtland, ou em construções mais holísticas e contramajoritá-
rias, como a de Leonardo Boff, ou Ignacy Sachs, ou em refe-
renciamentos jurídicos como o de Juarez Freitas, sendo que a
expressão “presentes e futuras gerações” se mostrou inclusa
de forma inequívoca junto ao conceito de sustentabilidade nos
mais diversos espectros de análise.
Em relação ao termo futuras gerações, ele foi utilizado
muitas vezes relacionado à figura da criança em sua primeira
infância, ainda que não se tenha realizado um recorte etário,
jurídico ou biológico específico, fato comum ao ambiente ju-
rídico137 e científico138 na representação da infância e afeito
ao pensamento social. Ainda, neste momento, questionei-me
acerca da equidade no potencial envenenamento das presentes
e futuras gerações e que critérios como espacialização, classe
social, cor, renda e outros de natureza vulnerabilizadora fa-
zem com que determinados grupos sociais sejam desigualmen-
te afetados nas presentes e futuras gerações, sendo realizados
estudos acerca do Movimento de Justiça Ambiental em sua
perspectiva global e nacional e percebido que em seus varia-
dos focos, como racismo ambiental, ecologismo dos pobres,
injustiça ambiental e saúde, o modelo agroprodutivo alocado
em monocultura e agrotóxicos é visto como catalisador de lu-
tas por justiça ambiental no Brasil e fora dele.
137. O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) do
ordenamento jurídico brasileiro definiu por critérios etários e biologizantes o
que sejam crianças na primeira infância (até 06 anos incompletos), crianças
(até 12 anos incompletos) e adolescentes (entre 12 e 18 anos incompletos).
138. Perceptível em divisões etárias e biologizantes feitas em estudos como o
de Larissa Bombardi e Flávia Londres no 3º capítulo.

426
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

Questionei a possibilidade de se pensar a categoria interge-


racional como uma categoria de vulnerabilidade a ser inserida
e pensada pelos Movimentos de Justiça Ambiental e considero,
ao final da tese, que inserir a categoria de justiça intergera-
cional como fator de promoção de justiça ambiental seja algo
necessário e enriquecedor aos debates que transitam pelos
Movimentos de Justiça Ambiental.
Em relação às construções teóricas como Justiça Ambien-
tal e Sociedade de Risco, concluí que tanto o Movimento por
Justiça Ambiental – plural em sua composição, atores e teori-
zadores, como a Teoria da Sociedade de Risco – que tem em
Ulrich Beck seu idealizador, não se excluem, mas complemen-
tam-se em certa medida e abrem, ainda mais, o leque que pode
auxiliar a compreensão de como isto se materializa em pesqui-
sas técnico-científicas e sua posterior relação com o Poder Ju-
diciário através do MPF e dos juízes de 1ª instância, conforme
observado no campo empírico.
Na sequência da pesquisa, analisei as disputas do campo
técnico-científico sobre o tema dos agrotóxicos e sua rela-
ção com os termos risco, justiça ambiental, sustentabilidade
e futuras gerações. Através de variadas obras ficou perceptí-
vel o quanto o discurso da contaminação humana, ambiental
e comprometimento da segurança alimentar de presentes e
futuras gerações por agrotóxicos e transgênicos era uma fala
contramajoritária e circunscrita a círculos de pesquisa acadê-
mica, como Fiocruz e similares patrocinadores institucionais
e o quanto os anos de 2016 e seguintes parecem ter sinalizado
uma transição dos discursos contramajoritários para setores
de maior alcance global e maior popularidade no que tange à
propagação institucional, conforme apontaram, por exemplo,
a ONU e a OMS, trazidas nessa tese.
Referidas pesquisas apresentaram, por vezes, um misto de
caráter técnico-científico e operativo, uma vez que alguns de
seus subscritores são pesquisadores com papel ativo na militân-
cia contra o atual sistema agroprodutivo alocado em produtos

427
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

químicos e monocultivos, fato que foi possível auferir atra-


vés da própria palavra “uso” de agrotóxicos, acionada em tais
pesquisas como sinônimo de: “contaminação”, “insegurança”
e “intoxicação”, o que me fez concluir que muitos que pesqui-
sam e criticam, cientificamente, a utilização destes produtos
parecem partilhar da compreensão de que não existe um uso
seguro de agrotóxicos para a saúde, nutrição humana, meio
ambiente e presentes e futuras gerações. Desta forma, para
eles, o uso de agrotóxicos implicaria, automaticamente, em in-
segurança, contaminação e intoxicação das pessoas expostas.
Outro fato que me chamou a atenção, quando da obser-
vação e análise dos temas supramencionados, ligou-se à per-
cepção de que existe uma preocupação dos críticos do sistema
monocultor e agroquímico em demonstrar, em sua exposição
científica, a apresentação de dados que abarquem os rigoris-
mos técnicos-científicos do campo onde atuam, cujo enfren-
tamento se dá de acordo com as regras deste mesmo campo e
que se materializa, visualmente, através da inserção de mapas,
tabelas, gráficos e similares em suas publicações, reproduzi-
das, de forma muito sucinta, nessa obra.
Para um vislumbre prático de como isso de materializava nas
instâncias técnico-operativas do Poder Judiciário, e de acordo
com um de meus objetivos específicos, passei a examinar junto
ao GT – Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª Câmara de Coorde-
nação e Revisão – CCR do Ministério Público Federal – MPF,
os usos que são feitos das produções técnico-científicas sobre
agrotóxicos nas formulações das Ações Civis Públicas – ACPs
e nas decisões judiciais correlatas, bem como busquei identi-
ficar a emergência nos processos e nas decisões judiciais de
questões relacionadas à sustentabilidade e/ou desenvolvimen-
to sustentável, futuras gerações, risco e justiça ambiental, bem
como compreender as circunstâncias e os sentidos que são
atribuídos a tais temas.
Sobre o acionamento de estudos técnicos-científicos, per-
cebi que o MPF demandou, constantemente, expressões como

428
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

“neurotoxicidade”, “imunotoxicidade”, “mutagenicidade”, “efei-


tos tóxicos”, “carcinogênicos”, entre outros termos que reme-
tem a um variado número de estudos e documentos tratados
no capítulo terceiro, os quais, concluí, são emprestados pelo
MPF da literatura científica para a construção de suas deman-
das jurídico-processuais.
O MPF pareceu se mostrar ciente, em suas ACPs, que os
estudos técnico-científicos por ele acionados podem estar
equivocados e se escorou no princípio jurídico da precaução
para legitimar suas demandas, pois tal princípio atua com base
na ideia de incerteza científica e não advoga pelo “risco-zero”
e que, ante à existência de uma ameaça de danos irreversíveis
à saúde da população brasileira, nasce a sua obrigação de agir,
mesmo que os conhecimentos científicos disponíveis não con-
firmem o risco de forma indubitável.
Percebi que, dentro da disputa de ordem técnica, no emba-
te sobre o uso de determinados agrotóxicos, a abordagem utili-
zada pelo MPF em suas Ações Civis Públicas foi quase sempre
distinta das decisões judiciais nas mesmas ações. Assim, seja
através das imagens capituladas nesse trabalho, seja através
das ACPs selecionadas pelo GT Agrotóxicos e Transgênicos da
4ª CCR do MPF, concluí que o discurso contramajoritário foi
apropriado não apenas pelas ACPs, mas pelas próprias posta-
gens do facebook do Ministério Público Federal como bandei-
ra a ser defendida por referida instância técnica, ainda que não
encontre eco, muitas vezes, nas instâncias judiciais de decisão.
Inclusive, foi possível concluir, na análise das ACPs, o
quanto a busca por uma decisão judicialmente favorável é
acionada por parte dos mais diversos procuradores do MPF
em uma base técnico-científica, muito mais do que em uma
base conceitual de termos como sustentabilidade, riscos, jus-
tiça ambiental e futuras gerações ou até mesmo em bases dou-
trinárias e jurisprudenciais.
Outro fator que apareceu de forma contundente no capí-
tulo do campo empírico foi o quanto a falta de fundamentação

429
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

técnico-jurídica na tomada de algumas decisões se fez presen-


te, o que, infelizmente, tem sido elemento corriqueiro em al-
gumas deliberações dentro da seara jurídica.139
Observei, também, que alguns silenciares se mostraram
um tanto quanto gritantes, tanto por parte do MPF como por
parte da justiça federal, e que se ligaram à percepção e utili-
zação dos termos sustentabilidade, justiça ambiental, futuras
gerações e sociedade de risco, os quais se mostraram pouco
ou nada evidenciados dentro das atuações técnico-operativas
e jurídicas no campo de pesquisa analisado.
Referidas ausências são sinalizadoras da necessidade de as
instâncias judiciais buscarem uma maior interface com setores
multidisciplinares para que a legislação já existente seja com-
preendida e aplicada dentro de bases que permitam a opera-
cionalização e até mesmo concretização de alguns dos ideais
presentes nos termos acima comentados, pois em relação ao
próprio princípio da precaução foi possível visualizar enten-
dimentos díspares entre MPF e juízes federais e o quanto a
compreensão mais aprofundada de conceitos como justiça am-
biental, sustentabilidade, sociedade de risco e futuras gerações
poderiam modificar o operar técnico-jurídico.
Em relação às hipóteses levantadas acredito que foi con-
firmada a hipótese de que o campo técnico-científico é ce-
nário de disputas e que os usos e contextos de termos como
sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável, futuras
gerações, risco e justiça ambiental se mostraram divergentes
ou inexistentes.
Para a hipótese que tratou dos usos e produções técnico-
-científicas por parte do MPF e dos juízes federais serem tão
acionados quanto a própria legislação atinente ao tema durante
139. Exemplo simbólico disso foi a condenação do ex-presidente Lula no ano
de 2017, objeto, inclusive, de obra coletiva denominada “Comentários a uma
sentença anunciada – o processo Lula”, assinada por mais de 120 juristas e
que busca demonstrar a parcialidade do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba,
bem como, as atecnias e violações legais produzidas de forma conjunta com o
MPF de Curitiba.

430
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

a produção das respectivas peças processuais, percebi que esse


uso é mais evidente e abrangente por parte do MPF do que dos
juízes federais.
Por fim, na hipótese que tratou das circunstâncias e sen-
tidos que são atribuídos aos temas sustentabilidade e/ou de-
senvolvimento sustentável, futuras gerações, risco e justiça
ambiental pelo campo técnico-jurídico, confirmou-se o fato
de que a utilização das questões relacionadas a estes conceitos
ainda são muito inexpressivas tanto por parte do MPF, quanto
por parte da justiça federal e, quando existentes, apresentam
um viés conceitual multivariado.
Assim, tem-se que dentro dos objetivos específicos perqui-
ridos e das hipóteses levantadas, boa parte da pesquisa conse-
guiu ser atendida de forma satisfatória.
De certa forma, ao terminar essa parte de minhas consi-
derações finais, acredito que esteve presente a abordagem do
problema de pesquisa da forma mais multidisciplinar e abran-
gente possível, ainda que sem a pretensão de esgotar os cami-
nhos que adentrei. Tenho suspeitas de que caso o leitor deste
trabalho decida, por exemplo, focar-se em uma área específica
como a saúde pública, o meio ambiente, a nutrição humana, as
ciências sociais ou jurídicas, poderá encontrar aqui placas in-
dicativas para um trajeto que se mostrará muito mais extenso
do que o por mim demonstrado.

SOBRE FINAIS E COMEÇOS

Exorbitando a pretensão de pesquisa desse trabalho, mas de


forma a tentar não perder alguns pontos que observei e absor-
vi durante o presente estudo, considerei perceptível a relação
entre a ruptura institucional ocorrida com o impeachment da
presidenta eleita Dilma Roussef com o fato de que a curva as-
cendente que parecia despontar na atuação do MPF em relação
à temática dos agrotóxicos e transgênicos retrocedeu.

43 1
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Pareceu-me que a pauta relacionada à insegurança ambien-


tal, nutricional e da saúde da população brasileira foi preterida
pela cruzada anticorrupção capitaneada pelo então juiz federal
Sérgio Moro e pelo procurador da República Deltan Dallagnol.
Ao mesmo tempo e, talvez, paradoxalmente, acredito que as
ACPs tratam de dados técnico-científicos e evocam a legislação
aplicável em similaridade aos “promotores da Lava Jato” com
intensa midiatização e discurso moral, evocando algo parecido
com a denominada retórica da retidão (HANNIGAN, 1995).
Além disso, em alguma medida, parece-me que existe uma
conexão entre a aparente perda de combatividade em relação
à emergência do tema agrotóxicos e transgênicos na instância
operativa do MPF, comentada no capítulo quatro, em razão da
emergência de uma pauta com muito mais “aceite” popular e
apoio midiático – afinal de contas o slogan: “o agro é tech, o
agro é pop, o agro é tudo”140 do horário nobre, é repetido dia-
riamente para milhões de famílias brasileiras, ao mesmo tem-
po em que a luta contra a corrupção – ainda que ‘delimitada
onde está’, conforme nos lembrará para sempre o senador Ro-
mero Jucá, continua a pleno vapor.
Ao fazer uma pesquisa no site google com o nome do
magistrado que assina as decisões da ACP 04/2014/DF, por
exemplo, constatei que ele foi o mesmo responsável pela de-
cisão que suspendeu o passaporte diplomático do filho do ex-
-presidente Lula141. Obviamente, não estou aqui para discutir o
cabimento, ou não, da concessão ou retirada de referido pas-
saporte, mas o quanto alguns juízes federais e procuradores da
república podem se mostrar parciais e voltados ao que alguns

140. Alusão à propaganda veiculada no horário nobre da Rede Globo de Tele-


visão. Para visualização da campanha que vem sendo passada desde o ano de
2016 é possível acessar o link: <https://www.youtube.com/watch?v=nfkcWJ-
QzjH8>. Acesso em: 30 ago. 2017.
141. G1. Justiça manda suspender passaporte diplomático dado a filho de Lula.
Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2012/07/justica-man-
da-suspender-passaporte-diplomatico-dado-filho-de-lula.html>. Acesso em:
13 ago. 2017.

432
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

chamam de antipetismo ou antilulismo e, talvez, seja por isso


que o procurador da república subscritor das ACPs 03/2014/
DF e 04/2014/DF, que analisei, tenha decidido “focar em Lula”
em suas posteriores ações.
Explico: após as ACPs de 2014, envolvendo a temática de
agrotóxicos, o procurador da república Anselmo Henrique
Cordeiro Lopes pareceu ter mudado de área temática, pois teve
seu nome muito noticiado na mídia por conta de entrevista
inicial concedida à Revista Época142, na qual contava sobre a
abertura de investigação contra o ex-presidente Lula, no ano
de 2015, sendo que no ano de 2017 foi alvo de notícia que o
descrevia como o procurador da república que (sic) “Joesley
queria trocar”143. Imagino que a temática sobre agrotóxicos es-
teja longe de ser esgotada nas vias judiciais, mas parece-me

142. Na ocasião o procurador utilizou as redes sociais para se defender da


repercussão de sua entrevista, o que nos faz lembrar do fato observado nacio-
nalmente através do procurador-chefe da operação Lava-Jato Deltan Dallagnol
que sempre recorre às entrevistas em mídias de massa e a sua conta pessoal
na rede social “Twitter”. Recentemente, inclusive, o próprio MPF noticiou um
curso sobre a utilização da rede social “Twitter”, conforme informação obtida
no twitter de Wellington C Saraiva – Conta verificada no twitter: @Wsarai e
coordenador da Assessoria Constitucional da Procuradoria Geral da República
e que trazia o seguinte tweet em 14 de agosto de 2017: “Oficina Conhecendo
Boas Práticas de Uso do #Twitter, na #PGR. O Procurador @AlanMansur, Diretor
da @ANPR_Brasil, fala sobre uso da rede”, a informação estava acompanhada
de imagens e ao se fazer busca em referida mídia social, encontramos várias
imagens e tweets sobre o evento. Mais informações disponíveis em: https://
twitter.com/WSarai. Acesso em: 14 de ago. de 2017.
143. Notoriamente são notícias veiculadas por mídias de massa e que tiveram
protagonismo acentuado quando da ocorrência dos fatos narrados, mais infor-
mações em: BRONZATTO, Thiago e COUTINHO, Filipe. As suspeitas de trá-
fico de influência internacional sobre o ex-presidente Lula: O Ministério Pú-
blico Federal abre uma investigação contra o petista – ele é suspeito de ajudar
a Odebrecht em contratos bilionários. Disponível em: <http://epoca.globo.
com/tempo/noticia/2015/04/suspeitas-de-trafico-de-influencia-internacio-
nal-sobre-o-ex-presidente-lula.html>. Acesso em: 30 ago. 2017; LEITÃO, Ma-
theus. Anselmo Lopes é procurador que Joesley queria ‘trocar’. Disponível em:
<http://g1.globo.com/politica/blog/matheus-leitao/post/procurador-ansel-
mo-lopes-e-o-investigador-que-joesley-queria-trocar.html>. Acesso em: 12
ago. 2017.

43 3
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

que tratar do nome “Lula” traz decisões mais favoráveis, rápi-


das e midiatizadas144 do que enfrentar gigantes do ramo agro-
produtivo como Monsanto, Basf e similares.
Toquei na temática política porque ela se mostrou como
um dos elementos tensionadores das disputas do campo técni-
co-jurídico e técnico-científico analisado nesta tese e percebo
que, enquanto o país trava sua luta contra a corrupção e se
divide entre “coxinhas e mortadelas” e o Lavajatismo impera
em grandes áreas do judiciário, a ascensão de Michel Temer e,
posteriormente, a ascensão de Jair Bolsonaro à presidência da
República fortaleceu ainda mais a pauta do modelo agropro-
dutivo alocado em commodities e agrotóxicos. Símbolo disso,
foi a própria nomeação de Blairo Maggi145 para Ministro da
Agricultura que, com sua bancada no Congresso, vem fazendo
articulações que envolvem o que alguns chamam de “pacote
de veneno” e que visa flexibilizar o processo de registros de

144. Em rápida busca ao google, encontramos as seguintes referências ao nome


do procurador subscritor das ACPs 03 e 04 – Procurador é alvo de ataques e
se defende após reportagem de ... Disponível em: epoca.globo.com/.../procura-
dor-e-alvo-de-ataques-e-se-defende-apos-reportagem-de [...] Época – O procu-
rador da República Anselmo Henrique... | Facebook <https://www.facebook.
com/epoca/posts/10152829009876430>. O procurador da República Ansel-
mo Henrique Cordeiro Lopes diz que está sendo alvo de críticas infundadas,
calúnias e difamações na internet após [...]. ConJur – CNMP começa a discutir
limites de procuradores da República. Disponível em: <http://www.conjur.
com.br/2015-nov.../cnmp-comeca-discutir-limites-procuradores-republica>.
– Foram discutidos os casos dos procuradores da República Anselmo Henrique
Cordeiro Lopes e Valtan Timbó Mendes Furtado [...] Lula faz queixa contra
procurador que pediu sua investigação | Valor ... Disponível em: www.valor.
com.br/.../lula-faz-queixa-contra-procurador-que-pediu-sua-investigacao – O
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrou com uma reclamação discipli-
nar contra o procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes [...]. Acesso em: 12
de ago. de 2017.
145. Inclusive, em uma de suas primeiras viagens como ministro, Blairo Maggi
foi a Índia – a mesma de Bhopal que aqui estudamos e anunciou investimento
de R$ 1 bilhão através da implantação de uma fábrica de agrotóxicos indiana
no Brasil. Mais informações em: http://outraspalavras.net/deolhonosruralis-
tas/2016/09/22/mais-agrotoxicos-maggi-anuncia-investimento-indiano-de-r-
-1-bilhao/>. Acesso em: 30 ago. 2017.

43 4
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

agrotóxicos no país.146 A atual ministra da agricultura não fica


atrás de seu antecessor, tendo sido apelidada de “musa do ve-
neno”, em um cenário com mais de 260 agrotóxicos liberados
em menos de 6 meses no país.147
Quase ao final dessa pesquisa e diante de todo o cenário
já descrito ao longo da tese, pergunto-me se o que ocorre hoje
com a utilização de agrotóxicos é similar ao que ocorreu no
passado com a indústria do tabaco. Esclareço: durante décadas
as corporações fumageiras financiaram pesquisas científicas
em seus próprios laboratórios, bem como em universidades,
escolas de medicina e institutos de pesquisa do câncer.
Trago, inclusive, uma breve analogia com tal indústria, que
durante anos produziu e financiou estudos com o escopo de
criar uma imagem de um pretenso debate científico, quando,
na verdade, já sabia da periculosidade do fumo.148
146. Em relação ao “pacote de veneno”, um projeto de lei merece atenção es-
pecial, trata-se do PL 3200/2015, do deputado Covatti Filho (PP-RS), que alte-
ra toda a normatização e revoga a lei n. 7.802 de 1989, criando uma legislação
completamente diferente. Atualmente, ele está apensado ao PL 6299/2002, de
Blairo Maggi. Há vários projetos tramitando juntos, constituindo o que está
sendo chamado de pacote do veneno. O PL 3200 é o mais preocupante, pois
altera toda a legislação. Informamos, inclusive, que uma questão muito im-
portante da nossa legislação vigente sobre agrotóxicos é que ela submete o
registro dos produtos a um órgão ambiental (IBAMA), a um órgão da Saúde
(ANVISA) e ao Ministério da Agricultura. Pela proposta do deputado Covatti
Filho, a avaliação será feita apenas por um órgão novo a ser criado, a CTNFito,
nos moldes da CTNBio, com 23 membros nomeados pelo ministro da Agricul-
tura – imaginemos a disparidade em relação à representatividade, já que deste
total, um integrante será indicado pelo Ministério da Saúde, um pelo Meio
Ambiente e um por algum órgão de proteção à saúde do trabalhador. Mais in-
formações disponíveis através da entrevista da procuradora da república Ana
Paula Carvalho de Medeiros ao site Sul 21 pelo link: <https://www.sul21.com.
br/jornal/temos-um-pacote-do-veneno-tramitando-no-congresso-nacional-
-alerta-procuradora/>. Acesso em: 24 ago. 2017.
147. VIEIRA, Renata. O que está por trás da política pró-agrotóxicos do gover-
no. Disponível em: https://epoca.globo.com/o-que-esta-por-tras-da-politica-
-pro-agrotoxicos-do-governo-23846894. Acesso em: 04 de Ago. 2019
148. Para uma maior elucidação sobre o tema, vale assistir o documentário
“the human experimente”, disponível no site: https://www.youtube.com/
watch?v=qTZDmTI-kIQ ou ler a entrevista da Revista ihu on-line, intitulada

435
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Fazendo-se um paralelo em forma de questionamento:


representaria o agrotóxico, nos dias de hoje, o que o cigarro
representou no passado? O tabaco foi, inicialmente, tratado
como inofensivo, enquanto sua indústria produtora se esfor-
çava em enganar, distrair e criar estratégias de marketing que
passavam a imagem de que um debate científico sério ocorria,
enquanto instalavam a dúvida acerca do potencial prejuízo do
fumo para a saúde humana – incerteza essa comprada cienti-
ficamente pelas empresas, com vistas à proteção da indústria
contra as demandas legais e legislações restritivas149.
Estaria a indústria agroprodutiva interessada na aplicação
das denominadas “quatro estratégias de defesa do cão” 150, bem
conhecidas do mundo corporativo e que se instrumentalizam
através dos seguintes pontos: 1 – “Meu cão não morde”: que
pode ser entendida como a negação da empresa de que seu
produto cause danos, enquanto desacredita estudos científicos
que apontam que o “cachorro morde”, ou seja, que seu pro-
duto apresenta males para a população; 2 – “Meu cão morde,
mas não morde você”: não existindo mais meios de se negar
os primeiros argumentos científicos de que seus produtos quí-
micos causam mal à saúde da população, a indústria passa a
informar que ainda que seu produto cause mal, sua utilização
“O engano de negar a mudança climática” feita com Naomi Oreskes, profes-
sora de História da Ciência e professora associada de Ciências da Terra e do
Planeta na Universidade de Harvard, com tradução de André Langer e que
faz um paralelo entre o negacionismo hoje presente em relação às mudanças
climáticas e o negacionismo produzido pela indústria do tabaco há décadas
passadas. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/544133-o-engano-de-
-negar-a-mudanca-climatica>. Acesso em: 25 ago. 2017. Seria o atual modelo
agroprodutivo outro elemento-alvo do negacionismo mercadológico ancorado
em estudos técnicos-científicos que visam suscitar dúvidas muito mais do que
esclarecimentos?
149. Sugiro o documentário “A Experiência Humana” que trata, a partir de
seu 25º minuto, da contaminação e desinformação sistemática provocada pela
indústria do tabaco a partir da década de 50, quando se iniciaram os questio-
namentos de seu potencial cancerígeno.
150. As expressões originais vêm da língua inglesa e são: “does not bite”;
“didn’t bite you”; “Bite. Didn’t hurt” e “wasn´t my fault.”

436
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

se dá longe das cidades ou longe da potencial contaminação


de seres humanos, o que leva ao próximo ponto; 3 – “Meu ca-
chorro morde, mas não machuca”: que pretende informar que
as doses de determinado produto químico não são suficientes
para a contaminação da população151; e, por fim, 4 – “Meu cão
mordeu você, machucou, mas não foi culpa dele”: quando a
corporação admite a sua culpa, mas a transfere, afirmando que
foi uma escolha individual consumir determinado produto.
Outro ponto que me trouxe reflexões e inquietações para
futuras pesquisas, ligou-se a ideia de que a provável epidemia
contaminante trazida pelo modelo agroprodutivo baseado no
monocultivo e agrotóxicos seja apenas um sintoma da pró-
pria “epidemia da superprodução” – inerente ao sistema ca-
pitalista, sendo o envenenamento do agronegócio um desdo-
bramento da própria crise que alimenta esse mesmo sistema
capitalista e que o faz, incessantemente, transformar-se, pois
paralelo a todo esse movimento de potenciais contaminações
de alimentos, percebo o alto custo dos produtos orgânicos, os
quais precisam de certificação e etiquetas para sua comerciali-
zação. Ao mesmo tempo em que angaria em suas fileiras gru-
pos sociais voltados a métodos alternativos de produção agro-
alimentar, traz em sua esteira empresários e todo um mercado
de economia verde, ainda que ao custo do greenwashing152,
151. Talvez já se esteja nesta atual esfera de defesa da indústria agroproduti-
va, pois o parecer 01/2015 disponível nos documentos do GT Agrotóxicos e
transgênicos da 4ª CCR do MPF, realizado pelos professores da Universidade
Federal de Santa Catarina – UFSC, Sonia Corina Hess e Rubens Onofre Nodari
informam que o Decreto n. 2.914/2011 que permitiu 0,5ppm de concentra-
ção máxima de glifosato está acima dos padrões aceitáveis para o ser humano
(2015, p. 07).
152. Em livre tradução, “lavagem verde” ou “pintando de verde”, que consiste
na estratégia de promover discursos, anúncios, ações, documentos, propagan-
das e campanhas publicitárias sobre ser ambientalmente/ecologicamente cor-
reto, green, sustentável, verde, eco-friendly e similares, com a intenção primor-
dial de relacionar a imagem de quem divulga essas informações à defesa do
ambiente, mas, na verdade, medidas reais que colaborem com a minimização
ou solução dos problemas ambientais não são realmente adotadas e, muitas
vezes, as ações tomadas geram impactos negativos ao meio ambiente.

437
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

mais compatível com uma noção de alimento-mercadoria.


Pergunto-me: não deveria ser o inverso? O alimento que
possui agrotóxico é que deveria vir etiquetado e certificado,
pois o natural e embrionário é o alimento puro de modifica-
ções genéticas e de veneno. Percebo nesta inversão um fato
sintomático do próprio domínio do sistema agroprodutivo mo-
nocultor e agrodependente.
Mais indagações e apontamentos ligaram-se a impressão
de que vivenciamos um certo “terrorismo nutricional”, no qual
as pessoas já não têm certezas sobre que alimentos ingerir e
que emergem, cotidianamente, em parcelas da sociedade com
melhor poder aquisitivo, as quais externalizam sua preocu-
pação com o risco de alimentos que contêm glúten, lactose e
agrotóxicos, por exemplo. Essas mesmas parcelas da popula-
ção são aquelas com capacidade de adquirir “ovos e alfaces fe-
lizes”, como pontuou Ulrich Beck (2011), e que parecem com-
por o mesmo grupo social com maiores tendências à opção
pelo vegetarianismo ou veganismo.
Ainda que isso não seja meu objeto específico de tese, mas
dentro de uma perspectiva de fim de pesquisa e começo de no-
vas inquietações, percebo que, ao mesmo tempo, em que cer-
tos setores da sociedade parecem sinalizar preocupações com
riscos de ordem alimentar e com o próprio funcionamento do
sistema agroprodutivo, temos grandes corporações e empresá-
rios como Bill Gates153 investindo, não apenas, em alimentos
biofortificados, mas na denominada “carne vegetal”. Seriam
sintomas da crise superprodutiva e agrointoxicante produzida
pelo sistema capitalista e que agora precisa ser vendida como
solução de um problema por ele mesmo criado?
Afirmo o quanto esta questão é complexa e imbricada,
pois, de um lado, existe o discurso da escassez de alimentos no
mundo sendo gerido por pessoas atreladas ao capital financeiro

153. Bill Gates e Richard Branson investem em ‘carne artificial’. Disponível


em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/bill-gates-richar-
d-branson-investem-em-carne-artificial-21744719>. Acesso em: 16 out. 2017.

43 8
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

e todo o status quo mantenedor da desigual distribuição de ali-


mentos nas mais diversas mesas do mundo, que se arvoram
como patrocinadoras do fim deste mesmo problema desde a
Revolução Verde. De certa forma, todo o modelo produtivo
que elas patrocinam parece “criar esse problema” e temos, pa-
radoxalmente, os mesmos “criadores de problemas” oferecen-
do-se como portadores de soluções há décadas.
Sinal disto é que, além de um certo ‘terror nutricional”, a
Revolução verde, a Revolução genética e a Biofortificação, ao
influenciarem o padrão agroprodutivo no mundo e promete-
rem “acabar com a fome do planeta”, de forma contraditória,
parecem ter transformado a fome contemporânea em um fe-
nômeno rural, no qual a maior parte da população faminta do
mundo constitui-se de agricultores empobrecidos pela revo-
lucionária transição de regimes alimentares (MCMICAHEL,
2016, p.04).
Ao mesmo tempo, continuo questionando: seria a emer-
gência da preocupação com a intoxicação ambiental, humana
e nutricional por alimentos com agrotóxicos e transgênicos,
bem como com a potencial insustentabilidade do atual mode-
lo agroprodutivo algo que realmente alcançou os mais abas-
tados e os fez pensar na potencial transição defendida por
Ulrich Beck de uma sociedade de classes para uma sociedade
de riscos como algo iminente? Seriam recomendações como a
da ONU, OMS e Tribunal Monsanto simples recomendações
ou fariam parte de alguma estratégia maior? O potencial jul-
gamento da empresa Monsanto como ecocida pelo Tribunal
Penal Internacional seria sinalizador de mera evolução legis-
lativa? Essas estratégias teriam o viés meramente protetivo de
riscos ou seriam incubadoras de uma transição entre mode-
los agroalimentares capitaneados pelos setores mais abastados
da sociedade? 154

154. Nesse instante caio no risco de me inserir em teorias de tom conspira-


tório e de começar não mais a analisar, mas a profetizar prognósticos sobre o
sistema agroprodutivo do mundo e resolvo parar minhas ilações.

439
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

Estaríamos sendo levados a fazer algumas indagações de


forma contramajoritária e combativa, ou conduzidos em nos-
sos questionamentos como elementos necessários às tran-
sições biofortificantes e vegetarianistas do grande capital?
Ou seria, relembrando Antônio Cândido155, mais um dos mo-
mentos em que aquilo que se pensa ser a face humana do ca-
pitalismo é o que o socialismo arranca dele com suor, lágrimas
e sangue? Será que a agroecologia e todo o combate a modelos
potencialmente agrointoxicadores seriam frutos de sangue,
suor e lágrimas da luta de movimentos contramajoritários?
A minha inquietação inicial, ao ingressar no PPGSD, rela-
cionava-se à potencial contaminação do “leitinho das crianças”
com agrotóxicos e o consequente comprometimento de seu
desenvolvimento. Todavia, agora, se redimensionam diante
de mim algumas reflexões e indago: até que ponto é possível
manter um protagonismo combativo em relação a um determi-
nado modelo agroprodutivo frente às mudanças nos sistemas
agroalimentares que parecem se (retro)alimentar de crises e
superproduções e que “para garantir o leitinho das crianças”156
de seus gestores multimilionários, podem se mostrar capazes
de, literalmente, contaminar com agrotóxicos o “leitinho” de
seres vulneráveis, ao mesmo tempo em que se imiscuem em
retóricas de retidão social, ambiental, nutricional e humanitá-
ria, quando pretendem, tão somente, concentrar em suas mãos
o controle das formas de alimentação no mundo.
Com questionamentos que talvez beirem a “teoria da cons-
piração”, lembro das considerações de Riobaldo que, nas vere-
das do Grande Sertão, me ensinou que: “a gente só sabe bem

155. A entrevista completa pode ser acessada no link: <https://www.brasil-


defato.com.br/2017/05/12/morre-o-critico-e-sociologo-antonio-candido-
-leia-uma-de-suas-ultimas-entrevistas/>. BRASIL DE FATO. Morre o crítico e
sociólogo Antonio Candido; leia uma de suas últimas entrevistas. Acesso em:
14 maio 2017.
156. Fazendo uma alusão à antiga e popular expressão que relaciona o trabalho
árduo ao papel dos mantenedores da casa e garantidores, portanto, do “leiti-
nho das crianças.”

440
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

aquilo que não entende” e que através de sua alma sertaneja


me ensina sempre que: “eu quase que nada não sei, mas des-
confio de muita coisa.” 157
Finalmente, tenho entre minhas maiores desconfianças,
após o trilhar desse longo caminho de pesquisa, a percepção
de que o agrotóxico, (pop)ularizado em nosso modelo agro-
produtivo, visto como elemento (tech)nológico e revolucio-
nário no controle de pragas no campo é tóxico, insustentável,
eivado de perigos e riscos, comprometedor do desenvolvimento
das presentes e futuras gerações, bem como não promotor de
justiça ambiental e intergeracional.

157. Trechos retirados das páginas 25 e 311 in: ROSA, João Guimarães. Grande
Sertão: Veredas. 21 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.

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A – Tabela com informações acerca de Procedimentos Administrati-


vos – PAs instaurados no MPF, sobre a temática OGM:

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A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

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459
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

4 60
R O B E R TA O L I V E I R A L I M A

B – Atas das 7ª e 8ª reuniões ocorridas em 23 de novembro de 2016


e 10 de abril de 2017:

461
A G R O ( T E C H ) O U A G R O ( T Ó X I C O )?

4 62
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