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Enrique Leff

Racionalidade
ambiental
a reapropriagao social da natureza

TRADUJO DE
Luis Carlos Cabral

CIVILIZACÁO BRASILEIRA

Rio de Janeiro
2006
COPYRIGHT Enrique Leff, 2004

CAPA
Evelyn Grumach

PROJETO GRÁFICO
Evelyn Grumach e Jodo de Souza Leite

TÍTULO ORIGINAL EM ESPANHOL


Racionalidad ambiental: la reapropiación social de la naturaleza

CIP-BRASIL.CATALOGAVIO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Leff, Enrique
L523r Racionalidade ambiental: a reapropriagáo social da
natureza / Enrique Leff; tradugáo Luís Carlos Cabral. - Rio
de Janeiro: Civilizagáo Brasileira, 2006.

Tradugáo de: Racionalidad ambiental: la reapropiación


social de la naturaleza
Inclui bibliografia
ISBN 85-200-0710-4

1. Ecologia humana. 2. Desenvolvimento sustentável -


Aspectos ambientais. 3. Educagáo ambiental. 4. Política
ambiental. 5. Poluigáo - Aspectos ambientais. 6. Poluigáo -
Aspectos sociais. I. Título.

CDD 304.2
05-3604 CDU 504.3

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Impresso no Brasil
2006
Para Jacquie e Tatiana
e á memória de Sergio
Sumário

APRESENTFOO

PRÓLOGO 15
CAPÍTULO 1
A teoria objetiva do valor, a revolugáo científico-tecnológica e as forgas
produtivas da natureza 29
INTRODK.ÁO 31
ORIGEM DO VALOR 32
TRABALHO SIMPLES, TRABALHO ABSTRATO, TRABALHO COMPLEXO 34
VALOR E PROGRESSO TÉCNICO 36
A LEI DO VALOR E A LEI DA OFERTA E A DEMANDA 38
VALOR E MAIS-VALIA 40
COMPOSIÁO ORGÁNICA DO CAPITAL E APROPRIAqÁO PRODUTIVA DA NATUREZA 41
AS FORq.AS PRODUTIVAS DA CIÉNCIA E A DESVALORIZA.ÁO DO VALOR 43
TRABALHO MANUAL E TRABALHO INTELECTUAL: TEORIA QUANTITATIVA
E QUALITATIVA DO VALOR 44
DESENVOLVIMENTO DAS FOKAS PRODUTIVAS/RELAOES SOCIAIS DE PRODK.ÁO 46
O CONCEITO DE NATUREZA EM MARX 48
VALOR QUALITATIVO, PODER DO CONHECIMENTO E REAPROPRIAÁO SOCIAL
DA NATUREZA 57
A CRÍTICA PÓS-MODERNA AO CONCEITO DE VALOR 62
CAPÍTULO 2
A complexidade ambiental e o fim do naturalismo dialético 75
INTRODMO 77
A ÉTICA AMBIENTALISTA E A NATURALIZA410 DA SOCIEDADE 79
MONISMO ONTOLÓGICO E HOLISMO ECOLÓGICO: A NEGA.ÁO DO NATURALISMO DIALÉTICO 83
DIALÉTICA E TOTALIDADE, ECOLOGIA E SISTEMAS 87
A CRÍTICA DE SARTRE AO MONISMO ONTOLÓGICO E AO NATURALISMO DIALÉTICO 94
MONISMO-DUALISMO. O PROBLEMA DO CONHECIMENTO 101
NATURAL DIALÉTICO, ECOLOGIA POLÍTICA E RACIONALIDADE AMBIENTAL 110
CAF
CAPÍTULO 3
EC(
O retorno da ordem simbólica: a capitalizagáo da natureza e as estratégias
O Si
fatais do desenvolvimento sustentado 121
SABI
A OBJETIVAGNO DO MUNDO E A METÁSTASE DO CONHECIMENTO 123
GLO
A CRISE AMBIENTAL E O DISCURSO DA SUSTENTABILIDADE 133
CON
A CAPITALIZAGNO DA NATUREZA E AS ESTRATÉGIAS FATAIS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO 139
ECO
A GEOPOLÍTICA DA BIODIVERSIDADE, A MUDANGN CLIMÁTICA E O DESENVOLVIMENTO
DESI
SUSTENTADO 145
SABI
EQÜIDADE E SUSTENTABILIDADE: DISTRIBUIGN. 0 ECOLÓGICA E INTERCÁMBIO DESIGUAL 150
POLÍ
CONSTRUINDO NOVOS TERRITÓRIOS DE VIDA: PARA UMA POLÍTICA DA DIFEREK.A,
ECOI
DA IDENTIDADE, DO SER E DO TEMPO 157
CON

CAPÍTULO 4 GÉN
ÉTIC,
A lei-limite da natureza: entropia, produtividade neguentrópica
e desenvolvimento sustentável 169
A LEI DA ENTROPIA E O VALOR ECONÓMICO 171 CAP

ENTROPIA, BIOECONOMIA E ECONOMIA ECOLÓGICA 180


Rac
INTR
ENTROPIA, VIDA E ECOLOGIA 188
HABI
A FONTE DE NEGUENTROPIA: FOTOSSÍNTESE E PRODUTIVIDADE PRIMÁRIA DE RECURSOS BIOLÓGICOS 198
ÉTIG
NEGUENTROPIA, SUSTENTABILIDADE E CULTURA 204
INTEI
TEMPO E ENTROPIA, A CONSTRIMO DE UM FUTURO SUSTENTÁVEL 210
RACI

CAPÍTULO 5
CAP
A construgáo da racionalidade ambiental 221
A GLOBALIZAGNO ECONÓMICA E A MORTE DA NATUREZA 223
Cu]

A CRÍTICA DA ECOLOGIA E A RACIONALIDADE ECONÓMICA 227


MUD
LIMITES DO MERCADO. VALORIZAGNO DO AMBIENTE E PRODUGNO DE SENTIDOS 233
DIVE
RACIONALIDADE AMBIENTAL: ESTADO E SOCIEDADE 239
RACI
MAX WEBER E O CONCEITO DE RACIONALIDADE 242
PATR
A CONSTRMO DO CONCEITO DE RACIONALIDADE AMBIENTAL 248
AS O
RACIONALIDADE AMBIENTAL SUBSTANTIVA 256
RACIONALIDADE AMBIENTAL TEÓRICA 257
A CU
RACIONALIDADE AMBIENTAL TÉCNICA OU INSTRUMENTAL 258
RACIONALIDADE AMBIENTAL CULTURAL 259
RACIONALIDADE ECONÓMICA/RACIONALIDADE AMBIENTAL 262
ÉTICA PARA A VIDA E RACIONALIDADE AMBIENTAL 266
CAPÍTULO 6
Ecologia política e saber ambiental 277
279
O SABER E O DISCURSO AMBIENTAL
SABER AMBIENTAL E SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO 281
GLOBALIZAq.Á O ECONÓMICA E COMPLEXIDADE AMBIENTAL 288
COMPLEXIDADE E DIFEREN9N. IDENTIDADE E OUTRIDADE 293
ECOLOGIA POLÍTICA E SABER AMBIENTAL 300
DESNATURALIZAÁO DA NATUREZA E CONSTRIMO DO AMBIENTE 304
SABER ENCARNADO/SABER ARRAIGADO 308
POLÍTICA CULTURAL/POLÍTICA DA DIFERENQN 310
ECOLOGIA POLÍTICA/EPISTEMOLOGIA POLÍTICA 314
CONSCIÉNCIA DE CLASSE, CONSCIÉNCIA ECOLÓGICA, CONSCIÉNCIA DE ESPÉCIE 321
GÉNERO E ECOFEMINISMO: FALOCRACIA, DIFEREN91 E EQüIDADE 326
ÉTICA, EMANCIPP40, SUSTENTABILIDADE 335

CAPÍTULO 7
Racionalidade ambiental, outridade e diálogo de saberes 345
INTRODMO 347
HABERMAS E A RACIONALIDADE COMUNICATIVA 350
ÉTICA, ONTOLOGIA E SABER EM LEVINAS: O TODO, O OUTRO FUTURO, O INFINITO 360
INTERDISCIPLINARIDADE, INTERCULTURALIDADE, INTERSUBJETIVIDADE E DIÁLOGO DE SABERES 374
RACIONALIDADE AMBIENTAL E FUTURO SUSTENTÁVEL: OUTRIDADE, SIGNIFICÁNCIA E SENTIDO 388

CAPÍTULO 8
Cultura, natureza e sustentabilidade: pulsáo ao gasto
e entropia social 403
MUDANKA GLOBAL E SUSTENTABILIDADE: RACIONALIDADE E CULTURA 405
DIVERSIDADE CULTURAL, AUTOGESTÁO COMUNITÁRIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 414
RACIONALIDADES CULTURAIS E RACIONALIDADE PRODUTIVA 418
PATRIMÓNIO DE RECURSOS NATURAIS: COMPLEMENTARIDADES ECOLÓGICAS E CULTURAIS 423
AS CONDKÓES CULTURAIS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:
PRODUTIVIDADE ECOTECNOLÓGICA E RACIONALIDADE AMBIENTAL 428
A CULTURA E A PULSÁO AO GASTO: A PARTE MALDITA 435
CAPÍTULO 9
O movimento ambiental pela reapropriagáo social da natureza:
seringueiros, zapatistas, afro-descendentes e poyos indígenas
da América Latina 451
A ECOLOGIA POLÍTICA E OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS 453
REVALORIZinÁ0 E REAPROPRIAÁO DA NATUREZA: EQÜIDADE SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL 463
DEMOCRACIA AMBIENTAL E GESTÁO PARTICIPATIVA DE RECURSOS AMBIENTAIS 468
DEGRADK.ÁO AMBIENTAL E PRODIMO DE POBREZA 476
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO E

AUTOGESTÁO PRODUTIVA 481 AR

DIREITOS HUMANOS E AUTONOMIA. LUTAS SOCIAIS PELA REAPROPRIAÁO DA NATUREZA 486 DE


A AMBIENTALIZA.ÁO DAS LUTAS CAMPONESAS, AS POPULAOES INDÍGENAS

E AFRO-DESCENDENTES 490 0I
MOVIMENTOS DE REAPROPRIKÁO DO MUNDO E DE RE-EXISTÉNCIA 501 nec
de
mu
BIBLIOGRAFIA 515
par
ÍNDICE ONOMÁSTICO 533 per
ÍNDICE TEMÁTICO 537 trat
sim
da I
des.
neg
da,
e oi
cid
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dag
que
eles
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dial
nal
mei

10
Apresentagáo

A REAPROPRIAV∎0 SOCIAL DA NATUREZA - A INVEKÁO


DE UMA RACIONALIDADE AMBIENTAL

O livro que ora ternos em máos é, sobretudo, um elogio ao pensamento, á


necessidade da filosofia, aqui feita género de primeira necessidade. E, mais,
de urna filosofia que se quer cúmplice da vida e que se pensa a partir do
mundo, da physis, e náo da meta física — assim mesmo separado. E o faz a
partir de urna problemática cuja ligeireza de tratamento tem servido para
perpetuar sua gravidade — o ambiente. Na companhia de Enrique Leff, o
tratamento do tema está longe de ser urna catástrofe ecológica, mas é visto,
sim, como urna `crise de civilizagáo, da cultura ocidental, da racionalidade
da modernidade, da economia do mundo globalizado'. É, sobretudo, a crise
desse pensamento que se impós ao mundo negando o outro, a comegar pela
negagáo desse outro absoluto — a natureza, o ambiente. Essa natureza nega-
da, porque haveria de ser dominada corno nos convidavam Descartes, Bacon
e outros modernos, se manifesta hoje náo somente por meio de urna conhe-
cida lei da física — a entropia — mas, sobretudo, por meio do aquecimento
global e seus efeitos estufa e outros como a mudanga climática global, as
amplitudes térmicas cada vez mais acentuadas, assim como pelas secas, inun-
dagóes, furacóes, incéndios e veróes e invernos insuportáveis. Hoje sabemos
que nos maiores problemas com que se defronta a humanidade em todos
eles a racionalidade moderno-colonial se mostra parte: o efeito estufa e a
matriz energética fossilista; a vaca louca e outras doengas como a febre asiá-
tica e a gripe do frango trazem dentro de si essa matriz de pensamento e sua
tecno-lógica que, subordinada á lógica económica, inclusive do capital, náo
dialoga com a natureza, porque a quer subordinar, e assim náo deixa que a
natureza opine selecionando aquilo que selecionamos, como fazem há pelo
menos 10.000 anos os diferentes poyos e suas diferentes matrizes de racio-

11
ENRIQUE LEFF

nalidade com toda a riqueza de sabores — os modos como se sabe (saber)


pelo con-tato com a língua, pelos cheiros, pelos sons, pelos tatos que, por
estes sentidos, conclamam a visáo a ser com, que nos conclama a que se
seja/esteja próximo — proxemia — e náo a visáo sobre — a tele + visáo, ou
a visáo de sobrevóo de Hannah Arendt ou o panopticum benthamiano que
Michel Foucault nos trouxe. É, sobretudo, no diálogo com esses outros bár-
baros, selvagens, índios, negros, camponeses, trabalhadores manuais,
homossexuais, mulheres, afro-descendentes, judeus, ciganos e tantos e tan-
tas negado/as juntamente com a natureza, que Enrique Leff vé a emergéncia
de urna Racionalidade Ambiental. Assim, o pensamento dialoga com o
mundo, com os mundos de vida.
Náo nos iludamos pensando encontrar aqui um novo paradigma — a
racionalidade ambiental — para a construgáo de um novo modelo, ídolos
para os gregos que, como tais, tendem, sempre, para a idolatria e a abando-
nar o diálogo com os entes, com os seres e, assim, a nos impedir de simboli-
zar o mundo a partir de cada qual, falsa seguranga que a ciéncia moderna
levou ao limite. É como se Enrique estivesse ouvindo o capitáo de Moby
Dick, personagem de Melville, dizendo "todos os meus meios sáo racionais.
Só meus objetivos sáo loucos". Na expressáo racionalidade ambiental o acen-
to está mais do lado do ambiente, lugar da coexisténcia do diverso, do que no
da racionalidade, como esclarece o autor. No mesmo movimento do pensa-
mento Enrique Leff nos convida a alargar a compreensáo da racionalidade
para além de sua matriz eurocéntrica com sua pretensáo universalista —
pensamento que se pensa de lugar nenhum — e aposta nas múltiplas matri-
zes de racionalidade enquanto potencial criativo da humanidade. Assim, os
saberes locais ganham um estatuto epistémico que Ihes reconhece sua singu-
laridade e, assim, traz em seu seio urna outra ética, uma ética da outridade
(Emanuel Levinas). Mais do que urna apologia da diferenga o que se vé aqui
germinando é urna política da diferenga, posto que, como bem sugere o títu-
lo do livro, a racionalidade ambiental está sendo gestada na reaproprialo
social da natureza. E as lutas pela reapropriagáo social da natureza sáo lutas,
ao mesmo tempo, epistémicas e políticas, como diz Luís Macas, líder indíge-
na Presidente da Conaie — Confederagáo Nacional das Organizagóes
Indígenas do Equador — onde a linguagem, abrigo aberto ao outro dos sen-
tidos, joga um papel instituinte. Dar nome próprio é se apropriar, é fundar

12
RACIONALIDADE AMBIENTAL

er) mundos de vida e, assim, o território e as territorialidades ganham urna


s or dimensáo central no pensamento de Leff.
se Esse percurso do pensamento de Leff se faz num in-tenso diálogo de des-
ou construlcio epistemológica, inclusive de seu próprio pensamento. É como se
ue Enrique Leff estivesse des-cobrindo o que a sua própria trajetória de conhe-
ar- cimento havia deixado nas sombras. Marx, Canguilhem e Althusser, autores
is, em que Leff tanto havia se inspirado, sáo aqui convidados para urna nova
n- conversa abrindo um novo diálogo e, assim, explorando seus (próprios e
ia deles) limites.
o Nesse livro, Enrique Leff nos convida a urna outra relagáo entre o pen-
samento e o ser. Recusa a ilusáo logocéntrica, no limite totalitária, que acre-
a dita poder reduzir o real ao conceito. "Mundo, mundo/ se eu me chamasse
l os Raimundo/ seria urna rima e náo urna solugáo" (Carlos Drummond de
o- Andrade). Contra o monismo epistemológico, Enrique Leff afirma a diversi-
li— dade ontológica do real e nos convida a aceitar a irredutibilidade da nature-
na za á representagáo, á palavra, ao simbólico. E o faz explorando a enorme
by poténcia criativa do pensamento, da linguagem, da teoria, de que esse pró-
.s. prio livro é a melhor prova, para submeté-lo ao diálogo com/contra outros
n- saberes. Sáo radicais as implicagóes dessa recusa ao logocentrismo posto que
10
sabe das estratégias de poder sempre implicadas no saber. Daí a des-
ba-
construgáo da teoria do valor de Marx, da teoria geral dos sistemas de von
de Bertalanffy, da teoria da complexidade a /á Edgar Morin que Leff procede
com elegáncia, rigor, consisténcia, erudigáo e coragem diante da catástrofe e
da encruzilhada que o pensamento moderno ao colonizar o mundo nos
rí-
envia. Da des-construgáo também de um senso comum ecológico que con-
os
dena o consumo por meio de um moralismo que ignora "a pulsáo ao gasto"
u-
(George Bataille) que tanto pode ser catastrófica guando submetida a urna
le
lógica económica que se abstrai da materialidade do mundo, como pode ser
ui generosa como no potlach, no dom de dar o máximo ao outro. O que náo
u- se pode ignorar é essa pulsáo ao gasto, essa pulsáo ao maravilhoso que é um
° dom de nossa espécie. "Poeticamente, o homem habita esta terra", como nos
is, diz o poeta Hólderlin.
P- É exatamente por reconhecer esse mundo próprio do homem e da
es mulher pela cultura, de viver, de só viver, pela simbolizagáo que Leff radica-
liza na crítica ao reducionismo económico e sua tecno-lógica, ao mesmo
ar tempo em que abre as técnicas ao diálogo com as culturas, com a racionali-

13
ENRIQUE LEFF

dade. Contra essa ilusáo logocéntrica de dominar pelo pensamento Leff


indaga sobre a "história do que náo foi e do que ainda náo é (externalidade
denegada, possibilidade subjugada, outridade reprimida), mas que tragado a
partir da poténcia do real, das forgas que estáo em jogo na realidade, e da
criatividade da diversidade cultural, ainda é possível que seja". Assim, Leff
nos oferece pistas do que seria a utopia de um futuro sustentável com base
no potencial neguentrópico da vida e da criatividade da diversidade, do
encontro com o outro e da fertilidade da diferenga. Para Leff é mais do que
a toleráncia para com o outro, posto que o outro náo se deve tolerar, mas,
sim, ver a "epifania dos rostos" (Levinas), a alegria da diferenga. Enfim, um A
livro que ao pensar dá o que pensar e mais do que encerrar o real no pensa- oc
mento nos diz, simplesmente, que "as coisas estáo no mundo/ só que eu pre- liz
ciso aprender" (Paulinho da Viola). ec

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Carlos Walter Porto-Gongalves so
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A problemática ambiental emerge como urna crise de civilizaljo: da cultura
ocidental; da racionalidade da modernidade; da economia do mundo globa-
lizado. Náo é uma catástrofe ecológica nem um simples desequilíbrio da
economia. É a própria desarticulagáo do mundo ao qual conduz a coisifica-
gáo do ser e a superexploragáo da natureza; é a perda do sentido da existen-
cia que gera o pensamento racional em sua negagáo da outridade.* Ás mar-
gens do precipício, diante da morte entrópica do planeta, surge a pergunta
sobre o sentido do sentido, além de toda hermenéutica. A crise ambiental
gerada pela hegemonia totalizadora do mundo globalizado — pela vontade
homogeneizante da unidade da ciéncia e a unificagáo forgada do mercado —
náo é alheia ao enigmático lugar do eu diante do outro que Rimbaud ques-
tiona ao afirmar "je est un autre", dando início á desconstrugáo do eu,
sacudindo-o da complacencia de sua mesmice na autoconsciéncia do sujeito
da ciéncia e langando-o ao encontro da alteridade; ou a dissociagáo entre o
Ser e a significagáo do mundo — a falta de correspondencia entre as pala-
vras e as coisas — que Mallarmé assinala ao apontar a ausencia de qualquer
rosa na palavra rosa.
A crise ambiental, como coisificagáo do mundo, tem suas raízes na natu-
reza simbólica do ser humano; mas cometa a germinar através do projeto

*Ao longo deste livro (como fiz em publicagóes anteriores) utilizarei a palavra outridade
(otredad em espanhol) para me referir e explorar o conceito fundamental da obra de
Emmanuel Levinas, ao qual ele próprio se refere usando a palavra alteridade. O próprio
texto haverá de justificar a introdugáo deste conceito no discurso filosófico — ainda des-
conhecido pelos dicionários — guando quisermos nos referir ao encontro com o Outro —
o absolutamente outro — que náo se conforma com os sentidos que foram atribuidos pelo
discurso filosófico — do pensamento dialético ao pensamento pós-moderno — e na fala
corrente, á alteridade (Nota do Autor).

15


ENRIQUE LEFF

positivista moderno que procura estabelecer a identidade entre o conceito e de


o real. A crise ambiental náo é apenas a falta de significagáo das palavras, a ex
perda de referentes e a dissolugáo dos sentidos que o pensamento da pós-
modernidade denuncia: é a crise do efeito do conhecimento sobre o mundo. fo:
Indo além das controvérsias epistemológicas sobre a verdade e a objetivida- di'
de do conhecimento e do problema da representagáo do real através da teo- tei
ria e da ciéncia, o conhecimento voltou-se contra o mundo, interveio nele e vil
deslocou-o. de
Antes de apresentar-se como um problema do conhecimento no campo en
da epistemologia, esta crise da racionalidade moderna se manifestou na sen-
sibilidade da poesia e do pensamento filosófico. Mas a crítica á razáo do an
Iluminismo e da modernidade, iniciada pela crítica da metafísica (Nietzsche,
Heidegger), pelo racionalismo crítico (Adorno, Horkheimer, Marcuse), pelo ap
pensamento estruturalista (Althusser, Foucault, Lacan) e pela filosofia da he
pós-modernidade (Levinas, Deleuze, Guattari, Derrida) náo tem sido sufi- pl•
ciente para nos mostrar a radicalidade da lei limite da natureza diante dos su;
desvarios da racionalidade económica. Esta precisou mostrar-se no real da do
natureza, fora da ordem simbólica, para fazer justita á razáo. A crise ao
ambiental irrompe no momento em que a racionalidade da modernidade se ap
traduz em uma razáo anti-natura. Náo é uma crise funcional ou operativa da co
racionalidade económica imperante, mas de seus fundamentos e das formas
de conhecimento do mundo. A racionalidade ambiental emerge assim do im
questionamento da hipereconomizagáo do mundo, do transbordamento da foi
racionalidade coisificadora da modernidade, dos excessos do pensamento p1(
objetivo e utilitarista. m(
A crise ambiental é um efeito do conhecimento — verdadeiro ou falso
— do real, da matéria, do mundo. É urna crise das formas de compreensáo de
do mundo a partir do momento em que o homem surge como um animal gis
habitado pela linguagem, que faz com que a história humana se separe da reí
história natural, que seja urna história do significado e do sentido atribuído pro
pelas palavras ás coisas e que gera as estratégias de poder na teoria e no saber rel
que revolveram o real para forjar o sistema mundo moderno. te(
As mestigagens culturais havidas ao longo da história da humanidade pa
fundiram códigos genéticos e códigos de linguagem através das diversas for- co
mas culturais de significagáo e apropriagáo cultural da natureza. A raciona- na
lizagáo económica do mundo, fundada no projeto científico da modernida- de

16
RACIONALIDADE AMBIENTAL

de, chegou a esquadrinhar os números mais íntimos da natureza, até fazer


explodir a energia do átomo, descobrir os buratos negros do cosmo e pene-
trar no código genético da vida. Ao longo da história, as cosmovisóes e as
formas do conhecimento do mundo criaram e transformaram o mundo de
diversas maneiras. Mas o que há de inédito na crise ambiental do nosso
tempo é a forma e o grau em que a racionalidade da modernidade vem inter-
vindo no mundo, socavando as bases de sustentabilidade da vida e invadin-
do os mundos de vida das diversas culturas que conformam a raga humana,
em una escala planetária.
O conhecimento tem desestruturado os ecossistemas, degradado o
ambiente, desnaturalizado a natureza. Náo se trata apenas do fato de que as
ciéncias se transformaram em instrumentos de poder, de que esse poder se
aproprie da poténcia da natureza, e de que esse poder seja usado por alguns
homens contra outros homens: o uso bélico do conhecimento e a superex-
ploragáo da natureza. A racionalidade da modernidade está carcomendo
suas próprias entranhas, como Saturno devorando a sua progénie, socavan-
do as bases de sustentabilidade da vida e pervertendo a ordem simbólica que
acompanha sua vontade ecodestrutiva. Á epistemologia ambiental já náo se
apresenta apenas o problema de conhecer um mundo complexo, mas sim
como o conhecimento gera a complexidade do mundo. A reintegragáo da
realidade através de urna visáo holística e de um pensamento complexo é
impossível porque a racionalidade do conhecimento para apreender e trans-
formar o mundo invadiu o real e transtornou a vida. A transgenesis e a com-
plexidade ambiental inauguram urna nova relagáo entre ontologia, episte-
mologia e história.
A crise ambiental náo é apenas a passagem da modernidade á pós-mo-
dernidade, urna trota epistémica marcada pelo pós-estruturalismo, o ecolo-
gismo e a desconstrugáo, a emergéncia de um mundo que vai além da natu-
reza e da palavra. Náo é urna mudanga cultural capaz de ser absorvida pela
própria realidade ou escapar da razáo. A crise ambiental inaugura urna nova
relagáo entre o real e o simbólico. Mais aquém da perda de referentes da
teoria, mais além da identidade do Logos com o real e da significagáo das
palavras sobre a realidade, a entropia nos confronta com o real, mais do que
com uma lei suprema da matéria: nos situa dentro do limite e da poténcia da
natureza, na inauguragáo de sua relagáo com a ordem simbólica, a produgáo
de sentidos e a criatividade da linguagem. Contra a epopéia do conhecimen-

17
ENRIQUE LEFF

to por apreender urna totalidade concreta, objetiva e presente, a epistemo- te,


logia indaga sobre a história do que náo foi e do que ainda náo é (externali- sal
dade denegada, possibilidade subjugada, outridade reprimida), mas que tra- fe,
gado a partir da poténcia do real, das forgas que estáo em jogo na realidade, no
e da criatividade da diversidade cultural, ainda é possível que seja. É a uto- sig
pia de um futuro sustentável. da
Entre as dobras do pensamento moderno, emerge urna racionalidade pr
ambiental que permite desvelar os círculos perversos, os aprisionamentos e feí
encadeamentos que amarrara as categorías do pensamento e os conceitos pa
científicos ao núcleo da racionalidade de suas estratégias de dominagáo da ví'
natureza e da cultura. Em surdina, através da neblina dos gases de efeito
estufa que cobre a terra e cega as idéias, este livro vai desentranhando o efei- pa
to da racionalidade teórica, económica e instrumental na coisificagáo do ne
mundo, até chegar ao ponto abismal no qual despenca a crise ambiental. qu
Mostra as causas epistemológicas desta crise, das formas de conhecimento set
que, ancoradas na metafísica e na ontologia do ente, chegam a desestruturar en,
a organizagáo ecossistémica do planeta e a degradar o ambiente. Critica os
conceitos através dos quais a filosofia preservou zelosamente a compreensáo tac
do mundo — o valor, a dialética, a lei, a economia, a racionalidade — e a qu
esperanga de sua transcendéncia através da auto-organizagáo da matéria, da to
organizagáo da vida e da cultura, da reconciliagáo dos contrários ou de urna car
ecologia generalizada. A ideologia do progresso e do crescimento sem limi- a
tes topa com a lei limite da natureza, iniciando a ressignificagáo do mundo de
para a construgáo de urna racionalidade alternativa. do
A racionalidade ambiental reconstrói o mundo a partir da flecha do do
tempo e da morte entrópica do planeta, mas também a partir do poder da exi
neguentropia e da ressignificagáo da natureza pela cultura. A condigáo exis- viv
tencial do homem se torna mais complexa guando a temporalidade da vida ma
enfrenta a erosáo de suas condigóes ecológicas e termodinámicas de susten- col
tabilidade, mas também guando se abre ao futuro através do poder do dese- idé
jo, da vontade de poder, da criatividade da diversidade, do encontro com a bel
outridade e da fertilidade da diferenga.
A desconstrugáo da razáo que as forras ecodestrutivas de um mundo
insustentável desencadearam e a construgáo de urna racionalidade ambien- un,
tal náo sáo apenas um empreendimento filosófico e teórico. Estáo arraiga-
das em práticas sociais e em novos atores políticos. Trata-se, ao mesmo cri:
RACIONALIDADE AMBIENTAL

00- tempo, de um processo de emancipagáo que implica a descolonizagáo do


hali- saber submetido ao domínio do conhecimento globalizante e único, para
tra- fertilizar saberes locais. A construgáo da sustentabilidade é o desenho de
ade, novos mundos de vida; transforma o sentido dos signos que definiram os
uto- significados das coisas. Náo é urna descrigáo do mundo que projeta a reali-
, dade atual em diregáo a um futuro incerto, e sim a des-crigáo do já escrito,
ade prescrito, inscrito no conhecimento da realidade, do saber consabido que se
os e fez mundo. A racionalidade ambiental recupera o sentido críptico do ser
itos para desenterrar os sentidos sepultados e cristalizados, para restabelecer o
da vínculo com a vida, com o desejo de vida, para fertilizá-la com o húmus da
eito existéncia, para que a tensáo entre Eros e Tanatos se resolva a favor da vida,
fei- para que a morte entrópica do planeta seja revertida pela criatividade
do neguentrópica da cultura. Se o Iluminismo gerou um pensamento totalitário
tal. que terminou aninhando a pulsáo da morte no corpo, nos sentimentos, nos
nto sentidos e na razáo, a racionalidade ambiental é um pensamento que se
rar enraíza na vida, através de uma política do ser e da diferenga.
os A racionalidade ambiental inquire e questiona os núcleos férreos da
sáo racionalidade totalitária porque deseja a vida. Formula novos raciocínios
ea que alimentem sentimentos que mobilizem a agáo solidária, o encantamen-
da to com o mundo e a erotizagáo da vida. Constrói saberes que antes de arran-
ma car sua verdade ao mundo e sujeitá-lo á sua vontade dominadora, nos levem
mi- a viver o enigma da existéncia e a conviver com o outro. A ética da outrida-
do de náo é dialética dos contrários que leva á redugáo, exclusáo e eliminagáo
do adversário — do outro oposto —, inclusive na transcendéncia e redengáo
do do mundo onde se impóe um pensamento dominante. A ética ambiental
da explora a dialética do um e do outro na construgáo de urna sociedade con-
is- vivencial e sustentável. Isso implica náo apenas a desconstrugáo do Logos,
ida mas também da unidade e do pensamento único corno eixo dirigente da
en- construgáo civilizatória — desde o monoteísmo da tradigáo judaica até a
se- idéia absoluta hegeliana —, para poder pensar e viver a outridade, para esta-
a belecer urna política da diferenga.
A racionalidade ambiental indaga assim sobre a fundagáo do uno e o
do desconhecimento do outro, que levou ao fundamentalismo de urna unidade
'en- universal e á concepgáo das identidades como mesmidades sem alteridade,
ga- exacerbada no processo de globalizagáo no qual irrompe o terrorismo e a
mo crise ambiental como decadéncia da vida, como vontade de suícídio do ser e

19
ENRIQUE LEFF

extermínio do outro, como a perda de sentidos que acarreta a coisificagá'o tr


do mundo e a mercantilizagáo da natureza. A racionalidade ambiental pro- n(
cura conter a alteragáo dos contrários como dialética da história para cons- m
truir um mundo como convivéncia da diversidade. nc
Este livro náo é mais uma tentativa de compreender, interpretar e ressig- Pt
nificar a realidade, para harmonizar a globalizagáo económica e o pensa-
mento da complexidade. Náo se trata de reembaralhar as cartas para adivi- lu
nhar o futuro no jogo de azar da sustentabilidade. Pois o que entranha a ris
crise ambiental náo sáo apenas os limites dos signos, da lógica, da matemá-
tica e da palavra para apreender o real; náo sáo apenas as falhas da lingua- m
gem para dizer e decidir o mundo. A palavra que nomeou e designou as coi- lo
sas para forjar mundos de vida transformou-se em um conhecimento. E o en
conhecimento já náo apenas nomeia, descreve, explica e compreende a rea- pa
lidade. A ciéncia e a tecnologia revolvem e alteram o real que procuram
conhecer, controlar e transformar. pe
A racionalidade ambiental desconstrói a racionalidade positivista para fo:
marcar seus limites de significagáo e sua intromissáo no ser e na subjetivida- qu
de: para assinalar as formas como atravessou o corpo social, intervindo nos en
mundos de vida das diferengas culturais e degradando o ambiente em escala da
planetária. A racionalidade ambiental inaugura um novo olhar sobre a rela- en
gáo entre o real e o simbólico urna vez que os signos, a linguagem, a teoria e en
a ciéncia se tornaram conhecimentos e racionalidades que reconfiguraram o sis
real, recodificando a realidade como um mundo-objeto e urna economia- qu
mundo. A racionalidade ambiental constrói novos mundos de vida na rear- on
ticulagáo entre a cultura e a natureza que, mais além de urna vontade de for-
gar a identidade entre o real e o simbólico, é um monismo ontológico, reco- tec
nhece sua dualidade e diferenga na constituigáo do humano. Da alteragáo da set
natureza e da razáo que se expressa na crise ambiental emerge urna nova do
racionalidade para reconstruir o mundo, que vai além da ontologia e da co :
epistemologia, a partir da outridade e da diferenga. do
Este livro nasce de pegas brutas cinzeladas sobre a dura pedra do pensa- no
mento no qual foram tomando forma, há vinte e cinco anos, minhas primei- to<
ras reflexóes sobre epistemologia ambiental e ecologia política. Retomei to.
alguns desses textos, á medida que indagava neles sobre alguns dos núcleos die
ou blocos da racionalidade da modernidade — sobretudo o pensamento e o on
discurso crítico da modernidade — frente aos quais se foi delineando, con- mL

20
RACIONALIDADE AMBIENTAL

iáo trastando e construindo o conceito de racionalidade ambiental: o valor eco-


ro- nómico; o pensamento ecológico; o discurso e a geopolítica do desenvolvi-
ns- mento sustentável; a entropia no processo económico; as relagóes de poder
no saber; a relagáo entre cultura e natureza; os movimentos sociais de rea-
ág- propriagáo da natureza. Estes textos se encontravam aprisionados em seu
sa- magma original como aqueles escravos de Michelangelo em que a forma
'vi- luta para brotar de sua origem marmórea. Em sua sintaxe teórica, a catego-
ja a ria de racionalidade ambiental assomava como uma intuigáo apenas insinua-
ná- da. Volto ao cinzel para libertar estes textos de sua forma arcaica, para dar
xa- movimento á roca original de seu pensamento indagador, para descontruí-
oi- los e reconstruí-los a partir da perspectiva de urna racionalidade ambiental
o emergente que póe a descoberto os limites do pensamento da modernidade,
ea- para pensar a condigáo do tempo da sustentabilidade.
am Os textos de cada capítulo sáo escravos de seu tempo, das formas de
pensamento, dos giros de linguagem e da sintaxe teórica através dos quais
ara foram articulados e estruturados. O tempo volta a golpear a pedra dura na
la- qual as idéias se cristalizam para deixar que uma nova seiva flua de suas
los entranhas. Como em urna pintura em movimento na qual as diversas cenas
la da paisagem epistémica váo se expressando na tela fluida do tempo, se
la- entretecem os discursos e argumentagóes da episteme moderna, até que váo
ce emudecendo, silenciados por suas próprias contradigóes e seus limites de
o significagáo, para dar voz, assim, a essa outridade que é o saber ambiental
a- que estabelece os pontos de referéncia e as linhas de demarcagáo a partir de
ir- onde se configura urna nova racionalidade.
r- A racionalidade ambiental vai se constituindo ao contrastar-se com as
o- teorias, o pensamento e a racionalidade da modernidade. Seu conceito foi
da sendo gestado na matriz discursiva do ambientalismo nascente, para ir crian-
va do seu próprio universo de sentidos. Este livro é a forja deste conceito. Sua
da construgáo teórica náo é a de urna crescente formalizagáo ou axiomatizagáo
do conceito para mostrar sua verdade objetiva, mas a da emergéncia de
•a- novos sentidos civilizatórios que se forjam no saber ambiental, mais além de
todo idealismo teórico e da objetivagáo do mundo através do conhecimen-
ei to. A racionalidade ambiental se forja em uma ética da outridade, em um
os diálogo de saberes e em uma política da diferenga que váo além de toda
o ontologia e de toda epistemologia que pretendem conhecer e englobar o
n- mundo, controlar a natureza e sujeitar aos mundos de vida.

21
ENRIQUE LEFF

O primeiro capítulo aborda o conceito de valor, no qual Karl Marx con


me]
funda um dos pilares do pensamento crítico da economia convencional.
este
Indo além da historicidade do conceito de valor-trabalho por efeito do pro-
par
gresso tecnológico, sua desconstrugáo adquire novas perspectivas ao con-
trastar o princípio de um valor objetivo com os princípios da racionalidade rez1
ambiental. O segundo capítulo questiona o pensamento ecológico — princi-
palmente a proposta do naturalismo dialético de Murray Bookchin — e teói
debate a questáo do monismo-dualismo ontológico na perspectiva da com- dial
plexidade ambiental. O capítulo 3 indaga sobre o deslocamento da ordem pia
simbólica e do entendimento do mundo pela hiper-realidade gerada pelo san
conhecimento. O pensamento de Jean Baudrillard se funde no discurso e na Hal
geopolítica do desenvolvimento sustentável, reformulando a sustentabilida- des!
de como um novo encontro entre o real e o simbólico. O capítulo 4 avanga prir
nesse propósito ao confrontar a teoria económica a partir da lei limite da prez
entropia, comparando as contribuigóes de Nicholas Georgescu-Roegen e de ami
Ilya Prigogine e atualizando minha proposta para a construgáo de um para- dial
digma de produgáo sustentável e produtividade neguentrópica. O capítulo 5 te d
ocupa o centro do livro para desenvolver o conceito de racionalidade ord
ambiental a partir do pensamento crítico de Max Weber sobre a racionalida- sab<
de da modernidade. No capítulo 6, retomo o tema do saber ambiental e das out
relagóes de poder que ali se entretecem a partir de Michel Foucault, abrin- tida
do uma reflexáo crítica no campo da ecologia política sobre a sustentabili-
dade e levando o pensamento da pós-modernidade até uma política do ser, o lii
da diferenga e da diversidade cultural. O capítulo 7 aborda a construgáo da rint
racionalidade ambiental balizando-a pelo postulado da racionalidade comu- por
nicativa de Jürgen Habermas e atraindo o pensamento ético de Emmanuel se c
Levinas sobre a outridade ao campo ambiental para pensar a construgáo de mas
um futuro sustentável como um diálogo de saberes. No capítulo 8, desenvol- que
vo a aplicagáo do conceito de racionalidade ambiental na relagáo cultura- mar
natureza como campo privilegiado da reconstrugáo da relagáo do Real e do ja fi
Simbólico na perspectiva da sustentabilidade; parto de meus argumentos
dad
anteriores sobre a construgáo de uma racionalidade produtiva assentada na
real
significagáo cultural da natureza, atualizando urna reflexáo sobre as relagóes
tal c
entre cultura ecológica e racionalidade ambiental e enlato-os no pensamen-
to de George Bataille sobre o dom e a pulsáo ao gasto. O capítulo 9 leva a met
reflexáo sobre a racionalidade ambiental á sua construgáo social, através da civil

22
RACIONALIDADE AMBIENTAL

constituigáo de novos atores políticos e de seu desdobramento nos movi-


mentos ambientalistas emergentes. Retomo aqui minhas reflexóes sobre
estes movimentos sociais e a relagáo entre pobreza e degradagáo ambiental,
para olhar a reinvengáo de identidades nas lutas de reapropriagáo da natu-
reza e a cultura das populagóes indígenas, camponesas e locais.
A racionalidade ambiental é construída no debate com a racionalidade
teórica que habita a visáo materialista da história de Marx, o naturalismo
dialético de Bookchin, a retórica pós-moderna de Baudrillard, a lei da entro-
pia de Georgescu-Roegen, a termodinámica dissipativa de Prigogine, o pen-
samento da complexidade de Morin, a racionalidade comunicativa de
na Habermas e a ontologia de Heidegger. O livro discute os aportes e limites
la- desses autores e dos grandes relatos fundados em conceitos-esséncias dos
ca princípios ordenadores que geraram urna visáo realista e objetiva, omnicom-
da preensiva e totalitária do mundo, de onde vai emergindo a racionalidade
de ambiental: do valor-trabalho, da auto-organizagáo generativa, evolutiva e
»a- dialética da matéria e da ecologizagáo do mundo; da entropia como lei limi-
)5 te da natureza e morte inelutável do planeta; da organizagáo simbólica como
de ordenadora da relagáo entre cultura e natureza; das relagóes de poder no
b- saber; da diferenga diante da ontologia genérica do Ser; de urna ética da
ias outridade que vai além da racionalidade comunicativa; da invengáo de iden-
tidades, que vai além de todo o essencialismo.
li- O livro vai desconstruindo estes blocos de racionalidade levando-os até
o limite de sua significáncia, onde ficam aprisionados em seu próprio labi-
da rinto teórico e discursivo, para descobrir seus pontos cegos e encontrar a
u- porta de saída entre as sombras do impensado e do que resta pensar. Os nós
el se desatam, o tecido se destece, os conceitos se dissolvem, se esfumagam,
de mas sáo tecidas novas tramas discursivas pelas quais avanga um questionário
)l- que abre caminhos para o pensamento em uma exploragáo infinita, onde é
a-
mantido o sentido da procura de urna compreensáo do mundo que náo este-
lo
ja fixada por um paradigma e urna estrutura teórica que forcem urna identi-
os
dade entre o real possível e tuna idéia estabelecida, onde a construgáo da
na
realidade fique submetida a urna lei. Esta é a trama da racionalidade ambien-
es
tal que se mostra no olhar fino que recorre ás teorias que sustentaran e sub-
n-
meteram o mundo, para tecer uma nova razáo que ilumine novos sentidos
a
Ja civilizatórios e construa novas realidades.

23
ENRIQUE LEFF

Passo a passo, o conceito de racionalidade ambiental vai se contrastan- goh


do com os conceitos que sustentam a racionalidade da modernidade até um
levá-los a seus próprios limites de compreensáo da complexidade ambiental. um,
A racionalidade ambiental aparece como um conceito mediador entre o ape
material e o simbólico, um pensamento que recupera o potencial do real e o sabe
caráter emancipador do pensamento criativo, arraigado nas identidades cul- terr
turais e nos sentidos existenciais, em uma política do ser e da diferenga, na cáo
construgáo de um novo paradigma de produgáo sustentável fundado nos estr
tur¿
princípios da neguentropia e da criatividade humana. A racionalidade
neg
ambiental reivindica urna nova relagáo teoria-práxis, uma política de concei-
res.
tos e estratégias teóricas que m obilizem as agóes sociais para a sustentabili-
de
dade. Indo além do realismo totalizador das teorias que deram suporte ao
uma
pensamento da modernidade, a racionalidade ambiental procura repensar a
visn
relagáo entre o real e o simbólico no mundo atual globalizado, a mediagáo
valc
entre cultura e natureza, para confrontar as estratégias de poder que atraves- lénc
sam a geopolítica do desenvolvimento sustentável. de s
O livro náo é urna collage de meus escritos anteriores sobre estes temas. mas
Estes foram enxertados, amalgamados e entretecidos, abrindo vasos comu- viol
nicantes e reconstituindo o corpo textual no qual vai se construindo o con- Sáo
ceito de racionalidade ambiental. Estes textos foram pegas chaves deste grar
tapete discursivo; serviram como bastidor e pano de fundo nos quais se das
desenha este conceito. Estas idéias saltam para fora de sua imagem represen- tece
tativa para mover-me pelo mundo, onde a racionalidade ambiental é cons-
truída nos processos sociais de reapropriagáo da natureza. Desta maneira, racil
vai se articulando um pensamento e um discurso com um conjunto de práti- até
cas produtivas e processos políticos, onde o conceito de racionalidade am- nalio
biental vai se delineando, adquirindo substáncia e atributos, desenrolando- bral
se ao contrastar com os núcleos e esferas de racionalidade teórica e com pro- frag
cessos de racionalizagáo social da modernidade, e aplicando-se na constru- ordc
gáo de sociedades e comunidades sustentáveis. ama
A elaboragáo deste livro implicou um trabalho de artesáo, no qual usei retal
meus próprios rascunhos e ensaios para elaborar um quadro maior; eles se gual
reacomodaram no espato discursivo e na arquitetura do livro, estabelecen- mate
do novas perspectivas e iluminando o centro ocupado pelo personagem ordc
principal: a racionalidade ambiental. Este tecido discursivo náo é o de um para

24
r

RACIONALIDADE AMBIENTAL

In- gobelino, e sim um tapete de diferentes texturas; os textos se entrelagam em


tté um jogo de contextos, em diferentes planos e perspectivas, sem aspirar a
al. urna representagáo final. Muitas das reflexóes apresentadas no livro foram
:o apenas esbogadas: a relagáo entre cultura e racionalidade, entre o ser e o
o saber; a incorporagáo do saber em identidades e o arraigamento do saber no
ul- território da vida; os processos sociais e as formas culturais de reapropria-
na gáo da natureza, dos servigos ambientais e dos bens comuns do planeta; as
estratégias de poder que perrriitam construir um mundo de diversidades cul-
:os
turais, um processo de globalizagáo que articule ilhas de produtividade
de
neguentrópica e um futuro sustentável construído por um diálogo de sabe-
ei-
res. Sáo brechas abertas para continuar pensando e construindo: os valores
ili-
de mediagáo de uma ética da outridade, que, sem reduzir a diversidade a
ao
urna unidade-valor, permitam ás autonomias proliferar sem temer o relati-
ra
vismo axiológico gerado pelo culto á unidade asseguradora que estabelega
áo
valores para a convivéncia das diferengas que contenham a explosáo da vio-
S-
!
léncia e a animosidade em relagáo ao outro pela confrontagáo de interesses,
de sentidos, de regimes de verdade e de matrizes de racionalidade: a legiti-
ts. magáo social de um direito á diferenga que feche a passagem á dialética da
u- violéncia dos contrários como explicagáo e vontade da evolugáo da história.
n- Sáo fios soltos e pontes levadigas, como lianas á espera que outros símios
Ite gramáticos, epistémicos e políticos se abracem nelas para passear pelas copas
se das árvores e das florestas do saber. É um tecido aberto a ser seguido, entre-
n- tecendo as idéias que nascem da racionalidade ambiental.
is- Náo faltará quem questione a relagáo que estabelego entre o conceito de
'a, racionalidade ambiental e as esferas das sensibilidades, da ética, e do saber,
ti- até agora externas á ordem da racionalidade formal e instrumental, da racio-
n- nalidade económica, jurídica e tecnológica que constituíram a coluna verte-
o- bral do projeto de modernidade. Mas esta modernidade comegou a
o- fragmentar-se e está inundada por ilhas de irracionalidade. No entanto, a
u- ordem da cultura, os processos de significagáo e a produgáo de sentido se
amalgamam com a razáo enquanto sáo razoáveis; as diversas culturas em sua
ei relagáo com a natureza, ao construir suas formas de significagáo entre lin-
;e guagem e realidade — entre o real e o simbólico —, constroem diferentes
matrizes de racionalidade. A racionalidade ambiental articula as diversas
u ordens culturais e esferas do saber, indo além das estruturas lógicas e dos
paradigmas do conhecimento.

25
ENRIQUE LEFF

O conceito de realidade ambiental vai se constituindo, assim, em um el


suporte de pensamento crítico que náo pretende constituir um paradigma A
científico, um conhecimento axiomatizado e sistematizado capaz de induzir rr
um processo de racionalizagáo até a consecugáo de objetivos e meios instru-
mentalmente tragados da sustentabilidade, um conceito capaz de "finalizar- tc
se" através do pensamento teórico e da agáo social. Este livro, consistente ri
com a condigáo do saber ambiental, aspira a desconstruir a racionalidade cc
opressora da vida, mas como linguagem na qual se expressa, náo poderá tc
dizer urna última palavra. Abre caminho para fazer caminhos, para lavrar
territórios de vida, para encantar a existéncia, fora dos cercos de objetivida-
de de urna razáo de forga maior que anule os sentidos da história. gr
Escrevo no México e a maior parte deste livro foi elaborada durante os sc
anos em que trabalhei no Programa das Nalóes Unidas para o Meio ar
Ambiente, como coordenador da Rede de Formagáo Ambiental para a ac
América Latina e o Caribe. É possível que o que está plasmado neste livro cc
poderia ter sido pensado e escrito em qualquer lugar do planeta. Mas a sil
poténcia da racionalidade ambiental foi manifestada a mim pela presenta e E;
a vivéncia da riqueza ecológica e cultural desta maravilhosa regiáo do P(
mundo; foi ela que conduziu minha reflexáo sobre estes temas. Muitas cc
notas, idéias e textos foram construídos nas incontáveis viagens nas quais é
construímos aliangas com governos e universidades; solidariedades com El
grupos académicos, sociais e sindicais em favor da educagáo ambiental. As cc
reflexóes deste livro se entrelagam com um movimento social cada vez mais id
amplo por urna Ética da Sustentabilidade que se expressa em um Manifesto m
pela vida; muitos nomes se inscrevem na construgáo de um Pensamento in
Ambiental Latino-americano e de uma Alianga pela Educagáo Ambiental, na 13 (

qual se destacam os esforgos da Confederagáo de Trabalhadores da Educagáo


da República Argentina (CTERA). No campo aberto pela ecologia política, a PI
racionalidade ambiental dialoga com os movimentos sociais pela construgáo su
de sociedades sustentáveis e pela reapropriagáo de sua natureza e seus terri-
tórios de vida. Este livro nasce e se insere nesse processo social de construgáo
de um futuro sustentável.
Todos os nomes! Sáo incontáveis aqueles que eu teria de mencionar para
deixar claro minha gratidáo ás pessoas que, em diferentes momentos, esti-
mularam e impulsionaram o pensamento plasmado neste livro, que deixa-
ram sua marca através de textos, de diálogos, de debates; de presentas e de
RACIONALIDADE AMBIENTAL

um encontros; de solidariedades e de cumplicidades; de vida compartilhada.


Aqueles que de forma mais patente excitaram meu pensamento e atraíram
zir minha pulsáo por pensar e minha paixáo por escrever estáo mencionados
ru- nas referéncias bibliográficas ao longo do livro, em minhas aliangas e conta-
zar- tos com seus pensamentos. Sáo presentas sem as quais este livro náo existi-
tnte ria. Pois náo há pensamento que náo surja do contexto de seu tempo, em
ade congruéncia ou discordáncia com o que já foi afirmado por alguém e escri-
lerá to por outro, desde o Alef até o 'Omega da cultura humana. Outras presen-
'rar gas, mais próximas, acompanharam meu caminho através de convites para
da- ministrar cursos e fazer conferéncias, escrever um texto, compartilhar con-
gressos e seminários, nos quais o diálogo ao vivo estimulou minhas reflexóes
os sobre estes temas. Como fazer justita a todos aqueles que ao longo destes
eio anos, ao convocar-me para um colóquio, me levaram a pensar e a escrever;
>a a aos colegas e aos interlocutores que ao debater estes temas me tornaram
vro consciente de novos problemas a respeito dos quais tinha que pensar, de po-
is a sigóes que era necessário fundamentar, de argumentos que faltava elaborar?
;a e Este pensamento está enlatado nas redes de economia ecológica, ecologia
do política e educagáo ambiental nas quais forjei aliangas de idéias e de vida
itas com admiráveis amigas e amigos ambientalistas, cuja lista, para sorte minha,
aais é extensa. Devo agradecer, também, aos alunos do meu seminário de
om Ecologia Política da Universidade Nacional Autónoma do México (Unam),
As com os quais estabelecemos um espato para o debate e a livre circulagáo de
v ais idéias. E, sobretudo, a essas presentas e auséncias que formam o tecido ínti-
Isto mo de minha vida, meus pais, minhas irmás e meu irmáo, amigas e amigos
nto imprescindíveis, dentre os quais destaca-se a presenta de Carlos Walter
na Porto-Gongalves, irmáo de aventuras e solidariedades teóricas, políticas e
náo humanas, e da tradugáo deste livro para o portugués; e meu universo mais
a, a próximo, onde brilha a luz de Jacquie, de Tatiana e de Sergio, artífices e
gáo suportes de minha existéncia.
r ri-
cáo ENRIQUE LEFF

ara 18 de novembro de 2004


sti-
xa-
, de

27
r

CAPÍTULO 1 A teoria objetiva do valor, a revolugáo


científico-tecnológica e as forgas
produtivas da natureza
INTRODUÁO

Os economistas de todas as escolas assinaram o atestado de óbito da teoria


do valor como o princípio que haveria de assentar o processo de produgáo
sobre alicerces objetivos e em uma substáncia material, seja nas forgas da
natureza ou na poténcia do trabalho. Sem essa áncora do real, o processo
económico ficou determinado pelas leis cegas do mercado, subjetivado pelo
interesse individual, guiado pelo espírito empresarial e sustentado pelo
potencial tecnológico que, convertidos em princípios de uma ciéncia econó-
mica, legitimaram uma racionalidade desvinculada das condigóes ecológicas
da produgáo, de um juízo moral sobre a distribuigáo da riqueza e das formas
de significagáo cultural da natureza.
Nem o ecomarxismo — em sua "contribuigáo á crítica da economia
política" — nem a economia ecológica — em seus esforgos por incorporar
as condigóes ecológicas e económicas do processo produtivo — lograram
restaurar um princípio e urna substáncia de valor como fundamento do pro-
cesso económico. Nesse vazio teórico, germinou a teoria do "valor total" do
neoliberalismo ecológico e da economia ambiental. 1 Nesse contexto, urna
hermenéutica da teoria do valor em Marx e de ordem epistemológica e dis-
cursiva do materialismo histórico cobra dividendos para descobrir as razóes
da desvalorizaldo do valor dentro da própria teoria em que se inscreve seu
conceito, ou seja, as limitagóes da racionalidade teórica que compreende a
dialética social da qual o conceito de valor é fundamento.
A análise da teoria de valor mostra a historicidade da teoria marxista da
produgáo e abre uma reflexáo sobre as formas dominantes de exploragáo da
natureza e do trabalho no momento atual — a capitalizagáo da natureza
assim como os processos de apropriagáo e distribuigáo desigual a partir das
estratégias de poder inscritas na lógica do mercado e da racionalidade do

31
ENRIQUE LEFF

conhecimento. Essas indagagóes abrem novas perspectivas para a constru- tali


gáo de uma racionalidade ambiental na qual a forga do trabalho, as poten- res
cialidades da natureza, o poder da ciéncia e da tecnologia e a poténcia do
saber sao mobilizados por interesses sociais diferenciados e valores culturais de
diversos em relagáo a urna economia sustentável. clas
cor
obj
em
ORIGEM DO VALOR hisi
paz
A teoria do valor nao é o centro a partir do qual se tragada um círculo per- COr,
feito do pensamento marxista. Entretanto, a teoria do valor-trabalho consti-
tuiu um dos pilares mais sólidos e urna argumentagáo fundamental do mate- daC
rialismo histórico como uma teoria objetiva e quantitativa, seguindo os cáno- rial
nes epistémicos das ciéncias naturais de seu tempo. Com a teoria do valor- góe
trabalho, Marx questiona as bases ideológicas da ciéncia económica emer-
gente e projeta um princípio explicativo do processo de produgáo capitalista. agá
Em Smith, a teoria do valor ainda se encontrava aprisionada no jogo de tos
representagóes e similitudes que constitui a configuragáo epistemológica do per
saber na era clássica, que resulta em uma circularidade tautológica da rela- de
gáo trabalho-mercadoria (Foucault, 1966). Com Ricardo, aparece o traba- hur
lho como princípio gerador do valor, mas este se resolve na categoria de gáo
salário ou em urna mercadoria-padráo. Em Marx, a categoria de tempo de que
trabalho socialmente necessario aparece como a substancia do valor; é o lho
princípio estrutural e quantitativo que permite um conhecimento objetivo emi
sobre a dinámica do capital. A teoria do valor constitui assim o nó concei- tral
tual que enlata o conjunto de processos económico-sociais que dáo conta do acic
processo de produgáo. A natureza, que havia sido a fonte originária do valor des:
na doutrina fisiocrática, é desterrada do campo da economia, relegada como mei
objeto de trabalho á fungáo de dotar o processo económico de matérias- reía
primas e recursos naturais. Para Marx, "o concreto é concreto por ser a sín- corj
tese de múltiplas determinagóes". A teoria do valor explica urna dessas Nes
determinagóes, aquela que, inserida no modo de produgáo capitalista, a qi
impulsiona o desenvolvimento das forras produtivas. Essas forgas produti- rest
vas se desenvolvem em relagáo á mudanga tecnológica gerada nas relagóes vez;
sociais de produgáo que opóem, no campo da luta de classes, a classe capi- c

32
RACIONALIDADE AMBIENTAL

stru- talista (proprietários dos meios de produgáo) á classe proletária (possuido-


ten- res da forra de trabalho).
a do O materialismo histórico debateu amplamente o processo que haveria
rais de determinar a superagáo do modo de produgáo capitalista, entre a luta de
classes e o desenvolvimento das forgas produtivas. Náo percebeu, porém, os
constrangimentos impostos pelos pressupostos de objetividade que a teoria
objetiva do valor havia legado da episteme de seu tempo a seu projeto de
emancipagáo. As armas do método dialético permitiram ao materialismo
histórico desvelar as causas da exploragáo social e da natureza, mas foi inca-
paz de ver a própria historicidade da teoria do valor, quer dizer, a forma
per- como a teoria do valor haveria de desvalorizar-se dentro de sua própria dia-
nsti- lética histórica, antes de ser destituída pela revolugáo proletária. A positivi-
nate- dade do valor foi negada pelo objetivismo da racionalidade teórica do mate-
,áno- rialismo histórico. Mas deixemos que o próprio Marx expresse as contradi-
alor- góes de seu pensamento.
mer- Para Marx, toda mercadoria tem urna utilidade particular, resultado da
lista. ag'áo de um trabalho específico que transforma objetos de trabalhos distin-
,o de tos para produzir urna diversidade de valores intercambiáveis. Mas o que
a do permite que esses trabalhos distintos possam ter urna unidade fundamental
rela- de medida é que eles podem ser reduzidos a um certo desgaste de energia
-aba- humana, de "músculos, nervo e cérebro". É, certamente, o modo de produ-
a de gáo capitalista em sua construg'áo da realidade, e náo Marx e sua teoria, o
o de que dessubstancia o homem de seu ser para reduzi-lo á pura forga de traba-
;éo lho, a essa fungáo que dá, dentro do modo de produgáo capitalista, suporte
tivo empírico á teoria do valor-trabalho. Para Marx, o trabalho produtivo é um
ncei- trabalho simples e direto que resulta, em geral, da aplicagáo da máo para
a do acionar os meios de produgáo que transformam a matéria. A generalizagáo
calor desse tipo de trabalho surge do progresso técnico que, com o desenvolvi-
orno mento da grande indústria, vai transformando as formas de trabalho (em
rias- relagáo á sua diversidade de movimento e complexidade no uso da energia
sín- corporal e mental) até reduzi-las a um trabalho manual simples e repetitivo.
ssas Nesse sentido, a determinagáo que faz do tempo de trabalho a unidade sobre
i sta, a qual se estabelecem as equivaléncias do intercámbio de mercadorias é
uti- resultado do movimento histórico que gera o progresso técnico que, por sua
góes vez, produz o princípio empírico da teoria quantitativa do valor na dinámi-
api- ca do modo de produgáo capitalista. Nesse sentido Marx afirma que

33
ENRIQUE LEFF

A utilizagáo da quantidade de trabalho como única medida de valor, sem qL


que importe a sua qualidade, supóe por sua vez que o trabalho simples se clt
transformou no pivó da indústria [e que] os trabalhos se igualaran pela re
subordinagáo do homem á máquina ou pela divisáo extrema do trabalho. 2 lic
M
sei

TRABALHO SIMPLES, TRABALHO ABSTRATO, TRABALHO COMPLEXO

O fundamento teórico da teoria do valor gira em torno do conceito de tra-


balho abstrato. Na teoria marxista, este conceito representa o núcleo produ-
tor e a substáncia dos fenómenos económicos; mas, por sua vez, é o resulta-
do de um processo histórico que produz o trabalho simples e direto como
princípio produtor de valor. Desta maneira, Marx elude tanto o individua-
lismo metodológico da economia vulgar como o idealismo racionalista que
a realidade histórica produz a partir do pensamento. Nesse sentido, Marx ha'
afirma tífi
pri
Esta abstragáo do trabalho em geral náo é o resultado mental de urna tota- COI

lidade concreta de trabalhos. A indiferenga a respeito do trabalho particular I110

corresponde a urna forma da sociedade na qual os individuos passam com du


facilidade de um trabalho a outro [...] O trabalho converteu-se, entáo, náo tra
apenas em urna categoria, mas na própria realidade, em um meio de produ- cíp
zir a riqueza em geral. 3 for

Marx reconheceu a historicidade dos conceitos do materialismo históri- lhc


co ao afirmar que gác
na(
As categorias mais abstratas, apesar da sua validez (por causa de sua abstra- del
gáo) para todas as épocas, náo sáo menos, dentro dessa determinagáo abs- es
trata, o produto de condigóes históricas, e náo tém sua plena validez do que prc
para Blas e dentro de seu limite. 4 ser
imj
Marx enfrentou o fetichismo abstrato da economia vulgar baseado em po]
urna relagáo aistórica entre fatores da produgáo (capital e trabalho) partin- prc
do das condigóes de empirismo produzidas pela história, quer dizer, aquelas prc

34
RACIONALIDADE AMBIENTAL

r, sem que geraram o trabalho produtivo de valor como efeito das relagóes sociais
des se de produgáo capitalista. Dessa maneira, embora questione a reificagáo da
n pela realidade que produz o modo de produgáo capitalista e sua aparente natura-
lidade que faz ver as relagóes como relagóes entre coisas, a teoria crítica de
Marx se alimenta das bases empíricas e epistémicas das ciéncias naturais de
seu tempo

O valor da troca aparece assim como a determinagáo dos valores de uso na


sociedade, como urna determinagáo que Ihes concerne enquanto coisas e
e tra- gratas á qual se substituem urna á outra no processo de troca segundo rela-
rodu- góes quantitativas determinadas; formam equivalentes, assim como os cor-
sulta- pos químicos simples se combinam segundo relagóes determinadas e for-
como mam equivalentes químicos. 5

a que O pensamento marxista náo conseguiu superar a teoria do valor, que


Marx haveria de encontrar seus limites na própria historicidade de seu objeto cien-
tífico e em urna realidade que iria se transformando como efeito de sua pró-
pria dinámica interna. Esta haveria de gerar a náo-correspondéncia entre os
tota- conceitos atemporais do materialismo histórico — modo de produgáo, for-
icular magáo social, relagóes sociais de produgáo, desenvolvimento das forgas pro-
com dutivas — e os conceitos temporais que constituem a teoria do valor — o
, náo trabalho abstrato e o tempo de trabalho socialmente necessário como prin-
rodu- cipios da acumulagáo de capital —, cuja temporalidade depende das trans-
formagóes próprias da realidade á qual correspondem.
Embora o trabalho abstrato, em sua manifestagáo empírica como traba-
'stóri- lho simples e direto, seja a fonte de todo valor, na realidade sua determina-
gáo quantitativa náo surge da aplicagáo de um tempo de trabalho indetermi-
nado. Para que o trabalho abstrato produza urna quantidade de valor, ele
bstra- deve ser um tempo de trabalho socialmente necessário. O caráter necessário
abs- e social do trabalho significa, por um lado, o fato de que os valores de uso
o que produzidos como cristalizagáo de um determinado tempo de trabalho repre-
sentam urna "utilidade" real no mercado das mercadorias. Mas, além disso,
implica que o tempo de trabalho que determina seu valor de troca depende
lo em por sua vez do desenvolvimento das forgas de trabalho que determinam sua
artin- produtividade. 6 Nesse sentido, é necessário compreender a forma como o
uelas progresso técnico afeta o tempo do trabalho social produtor de valor.

35
ENRIQUE LEFF

Urna vez que o desenvolvimento da grande indústria reduz todo o traba-


lho á aplicagáo de movimentos simples e diretos, cada progresso impóe cer-
tas condigóes médias de intensidade para a aplicagáo da forga de trabalho,
de maneira que em tempos iguais produz igualmente valores iguais. Dessa
forma, o valor que qualquer mercadoria contém será ponderado pela inten-
sidade média requerida por sua fabricagáo? 7 Mas, ao mesmo tempo, o pro-
gresso técnico faz variar a produtividade da forga de trabalho, de modo que
estabelecer o tempo de trabalho socialmente necessário que resulta no pro- me]
cesso de inovagáo e difusáo técnica constituiu um problema teórico e técni- duo
co fundamental para a teoria marxista do valor. pro
lucí
teói
sári
VALOR E PROGRESSO TÉCNICO
éa
síve
O cálculo em valor apresenta, de início o problema de determinar quais sáo rior
as condigóes técnicas que definem o tempo de trabalho socialmente necessá- góe:
rio em urna formagáo capitalista na qual existe unta heterogeneidade de téc- con
nicas e uma produtividade diferenciada das forgas produtivas, náo só entre con
os diversos setores produtivos, mas, também sim, inclusive, nas indústrias
gáo
produtoras de um mesmo valor de uso. Na obra de Marx, surge urna confu-
sáo teórica a esse respeito, já que em algumas passagens o tempo de trabalho
hipe
socialmente necessário aparece como determinado pela técnica mais produ-
pros
tiva, enquanto em outras o valor é estabelecido pelas condigóes técnicas enti
médias de um dado momento. Quando Marx analisa o efeito da máquina a inda
vapor sobre a produgáo de tecidos, afirma que depois da sua introdugáo os
sáo
valores de uso produzidos em condigóes técnicas inferiores reduziram seu devl
conteúdo de valor; o tempo de trabalho que os produziu ou que os continua
zag5
produzindo se desvaloriza, uma vez que "o produto da hora de trabalho
co 1
individual náo representava mais do que urna hora social de trabalho e náo
con]
chegava a mais do que a metade social de seu valor". 8 No entanto, em outras
que
passagens de O capital Marx atribui o estabelecimento do tempo de traba-
fúgi
lho socialmente necessário ás condigóes técnicas médias, e náo á técnica
por
mais produtiva. Nesse sentido, Marx afirma que
tivic
xo,

36
RACIONALIDADE AMBIENTAL

O valor individual de cada pega produzida em condigóes (técnicas) excep-


aba- cionais ficará abaixo do valor social [...já que] necessita de menos trabalho
cer- do que a massa dos mesmos artigos produzidos em condigóes sociais médias
dho, [...] Deve-se levar em consideragáo que o valor de um produto significa náo
Iessa seu valor individual e sim seu valor social, e este está determinado pelo
tren- tempo que custa, náo em um caso particular, mas em média. 9
pro-
que Interpretando de outro modo a questáo do tempo de trabalho social-
pro- mente necessário, poderemos chegar á conclusáo de que o capitalista indivi-
5cni- dual que adota urna nova técnica reduz o tempo de trabalho necessário para
produzir suas mercadorias, o que Ihe dá urna maior mais-valia relativa e urna
lucratividade superior á de seus concorrentes. Mas, esse náo é um critério
teórico satisfatório para determinar o tempo de trabalho socialmente neces-
sário corno determinante da formagáo de valor. Se a técnica mais produtiva
é a que estabelece o tempo de trabalho socialmente necessário, entáo é pos-
sível considerar que as mercadorias produzidas em condigóes técnicas infe-
sáo
riores sofrem urna desvalorizagáo. Mas, se este for determinado pelas condi-
ssá-
góes técnicas médias, entáo dependeria tanto do processo de difusáo técnica
téc-
como do peso específico do conjunto de técnicas que em cada momento
tre
conformam as condigóes médias das forgas produtivas envolvidas na produ-
ias
gáo de determinado bem.
fu-
Qualquer solugáo que se dé a este problema teórico repercutirá nas
ho
hipóteses sobre a eliminagáo progressiva da lei do valor. Se a técnica mais
du-
produtiva é a que determina o tempo de trabalho socialmente necessário,
cas
entáo a aparigáo de urna tecnologia totalmente automatizada em um setor
aa
industrial desvalorizaria todos os artigos produzidos nele. No entanto, se
os
sáo as condigóes técnicas médias, entáo a desaparigáo da teoria do valor
seu
deveria esperar que se produzisse urna generalizagáo completa da automati-
ua
zagáo dos processos produtivos. Marx procura resolver este problema teóri-
ho
co postulando que "o trabalho de uma produtividade excepcional conta
ao
como trabalho complexo ou cria em um determinado tempo mais valor do
as
que o trabalho social médio do mesmo género".lo Sem dúvida, este subter-
' a-
fúgio teórico náo resolve a questáo de fundo e apresenta novos problemas:
ica
por um lado, nada indica que todo progresso técnico, ao aumentar a produ-
tividade do trabalho, deva ao mesmo tempo requerer um trabalho comple-
xo, caso em que as condigóes empíricas que permitem definir o trabalho

37
IP"

ENRIQUE LEFF

simples e direto como determinante da formagáo do valor seriam eliminadas ecos


pelo desenvolvimento tecnológico. Por outro lado, só a redugáo do trabalho por
complexo á condigáo de trabalho simples permitiria uma avaliagáo da quan- e re,
tidade de valor que produz. M. Rubel afirma assim que "a redugáo do traba- náli;
lho complexo á condigáo de trabalho simples náo é um fato da experiéncia, dada
ao contrário do que Marx afirma em Crítica. [...] e em O capital. Em rela- um
gáo ás leis que regem esta redugáo, elas náo foram jamais formuladas em simr
nenhum livro de O capital."11 perc
Dessa forma, o tempo de trabalho socialmente necessário, como deter- prio
minante empírico e quantitativo da formagáo do valor, vai se transforman- mon
do em princípio abstrato, cujos efeitos seriam perceptíveis através dos pre- ao g
gos do mercado e de urna demanda que fixariam, como resultado, o tempo vai s
de trabalho destinado a produzir cada mercadoria. A concorréncia dos capi- lado
tais no mercado seria o processo encarregado de traduzir á sua unidade dem
quantitativa simples o valor variável das mercadorias provenientes das dife-
rentes atividades produtivas, nas quais as inovagóes tecnológicas se produ- duza
zem em diferentes tempos, afetando de forma variável a produtividade da dade
forga de trabalho. 12 Marx afirmaria assim que merc
valor
A lei do valor determina quanto de seu tempo disponível a sociedade pode
prod
gastar para produzir cada tipo de mercadoria. Na divisáo manufatureira do
res p
trabalho, o número proporcional fixado primeiramente pela prática, depois
jos e
pela reflexáo, governa a priori a título de regra a massa de trabalhadores
mina
envolvidos em cada fungáo específica; na divisáo social do trabalho, náo
atua se náo a posteriori, como necessidade fatal, oculta, muda, visível só nas sua
variagóes barométricas dos pregos do mercado, que se impóem e dominam cono
[...] a arbitrariedade irregular dos produtores mercantis. 13 times
góes
da of
tura 1
A LEI DO VALOR E A LEI DA OFERTA E A DEMANDA que a
revah
Através da divisáo em segmentos técnicos gerada pelo processo de acumula-
gáo ampliada do capital, o princípio empírico e quantitativo do processo
económico capitalista vai se transformando em urna esséncia invisível, só
perceptível através de seus efeitos no movimento dos pregos do mercado. A

38
RACIONALIDADE AMBIENTAL

[actas economia política aparece, assim, constituída, como qualquer outra ciéncia,
∎alho por conceitos que representam a estrutura oculta da matéria que determina
uan- e regula suas manifestagóes empíricas (assim como o inconsciente na psica-
.aba- nálise, os genes na biologia ou os núcleos atómicos na física). A particulari-
ncia, dade epistemológica do materialismo histórico reside na transformagáo de
rela- um princípio ao mesmo tempo teórico e empírico — o tempo de trabalho
s em simples e direto gerado em um momento histórico determinado —, o qual
perde seu suporte empírico e teórico como resultado da dinámica do pró-
[eter- prio processo económico que explica. A lei do valor, que em um primeiro
man- momento aparece como causa determinante da lei da oferta e da demanda,
pre- ao gerar a substáncia em torno da qual se equilibram os pregos de mercado
Impo vai subordinando sua hierarquia teórica até converter-se em um efeito regu-
capi- lado pela concorréncia dos capitais individuais e pela lei da oferta e da
dade demanda do mercado.
dife- Marx indica claramente que, para que um certo tempo de trabalho pro-
odu- duza valor, ele deve produzir, ao mesmo tempo, um valor de uso, uma utili-
l e da dade, um bem para o qual exista uma demanda efetiva. Nesse sentido, toda
mercadoria para a qual náo exista urna demanda perde automaticamente seu
valor. No modo de produgáo capitalista, tanto a oferta como a demanda sáo
pode
produtos da dinámica da acumulagáo capitalista e náo do livre jogo de fato-
ra do res produtivos no mercado ou de um princípio subjetivo fundado em dese-
pois
jos e necessidades dos homens. Sáo as leis do valor e da mais-valia que deter-
lores
minam a oferta de mercadorias, ao mesmo tempo que induzem e modelam
náo
sua demanda. O desenvolvimento das forgas produtivas como resultado da
5 nas
concorréncia dos capitais individuais e a procura de novos setores de inves-
inam
timento para a revalorizagáo da mais-valia produzida influem nas orienta-
góes da ciéncia e da tecnologia e determinam a quantidade e a diversidade
da oferta de mercadorias. Tal processo modifica, ao mesmo tempo, a estru-
tura do emprego, a distribuigáo da renda e a demanda efetiva, de maneira
que a mais-valia gerada possa realizar-se no intercámbio de mercadorias, e
revalorizar-se novamente para alimentar a reprodugáo ampliada do capital.
mula-
esso
1, só
o. A

39
ENRIQUE LEFF

VALOR E MAIS-VALIA ca
af
Marx demonstra, na teoria da mais-valia, que o processo económico náo é
determinado pelas leis do mercado que regulam a oferta e a demanda e o
livre jogo de fatores produtivos, mas pela luta de classes que, dentro da
estrutura social capitalista, mobiliza o progresso técnico e a distribuigáo eco-
nómica entre capitalistas e trabalhadores. Com a lei do valor, busca uma
medida quantitativa do processo económico que se produz como efeito dessa
estrutura, e náo como resultado do jogo de categorias económicas como o
salário, o custo de produgáo e o lucro. Por essas razóes, a lei da oferta e da cal
demanda, mesmo podendo anular a posteriori urna certa quantidade de valor va:
constituído pela aplicagáo de um tempo de trabalho, náo pode se converter ter
no princípio constitutivo do valor.
A determinagáo que as condigóes técnicas imprimem sobre o tempo de o(
trabalho socialmente necessário volta a apresentar-se através do conceito de ét
mais-valia relativa. O progresso técnico aparece ali como um processo deter- pro
minado pela dinámica da acumulagáo capitalista, permitindo que se extraia sal
uma mais-valia relativa crescente da forra de trabalho, urna vez que as lutas se
proletárias limitam a possibilidade de se incrementar a mais-valia absoluta
através de um aumento da duragáo ou intensidade da jornada de trabalho. 14
Oincremtodapuvnsiútrapoduebns-lári
CO
diminui o valor da forga de trabalho ao reduzir o tempo de trabalho social-
PR(
mente necessário para sua manutengáo, de maneira que o capitalismo pode
apropriar-se entáo de urna maior parte do valor produzido durante a jorna-
Oj
da de trabalho. Dessa maneira, a produgáo de mais-valia relativa através da
qué
redugáo do tempo de trabalho necessário se vincula aos efeitos que a redu-
ple
gáo do tempo de trabalho socialmente necessário exerce sobre a produgáo lhc
do valor. O progresso técnico, ao mesmo tempo que desvaloriza o capital e ria
as mercadorias que produz, aumenta a mais-valia relativa que extrai da forga fixi
de trabalho, contrariando a tendéncia de redugáo da taxa de lucro. Esses cor
processos se conjugam para aumentar a taxa de lucro do capitalista inovador pri
no setor de bens-salário. No entanto, para fins teóricos, é necessário anali- to
sar separadamente o aumento da taxa de lucro produzida pelo incremento ten
da mais-valia relativa do qual surge como efeito da desvalorizagáo do capi- vo;
tal fixo instalado pela incorporagáo de um avango técnico por parte de um efe

40
r-

RACIONALIDADE AMBIENTAL

capitalista diante de seus concorrentes. Marx funde ambos os processos ao


afirmar que
náo é
aeo O capitalista que adota urna técnica aperfeigoada se apropria, em conse-
ro da qüéncia, em forma de sobretrabalho, de urna parte maior da jornada de tra-
)eco- balho do que seus competidores. Ele faz por conta própria o que o capital
urna faz larga e genericamente na produgáo de mais-valia relativa. 15
dessa
mo o O capitalista que emprega uma técnica aperfeigoada desvaloriza as mer-
e da cadorias produzidas pelos concorrentes através de técnicas menos produti-
valor vas. Mas isso náo lhe permite apropriar-se de mais sobretrabalho, porque o
erter tempo de trabalho necessário só é reduzido através da generalizagáo da uti-
lizagáo de um progresso técnico na produgáo de bens-salário. Ao passo que
o de o capitalista inovador extrai sobrelucros enquanto sua inovagáo técnica náo
to de é generalizada, a mais-valia relativa que ultrapassa a taxa média do lucro é
eter- produzida pela generalizagáo do incremento da produtividade dos bens-
traia salario. Ao eliminar a especificidade desses dois processos, a teoria do valor
lutas se confunde com a teoria da mais-valia.
luta
0. 14

ário
COMPOS00 ORGÁNICA DO CAPITAL E APROPRIA40
cial-
PRODUTIVA DA NATUREZA
ode
rna-
O problema do cálculo do tempo de trabalho socialmente necessário, ou da
's da
quantidade de valor que uma mercadoria contém, torna-se ainda mais com-
edu-
plexo guando consideramos que este valor náo é apenas produto do traba-
ugáo lho vivo direto que a máquina extrai do trabalhador, mas que toda mercado-
tal e ria incorpora também uma parte proporcional do valor contido no capital
orca fixo, quer dizer, nas matérias-primas, bens intermediários e equipamentos
sses consumidos na produgáo de um valor de uso determinado. As matérias-
ador primas e bens intermediários que entram na composigáo de um novo produ-
ali- to transferem a este seu valor original, o qual se soma ao que produz o
ento tempo de trabalho socialmente necessário empregado no processo produti-
api- vo; seu valor se vé afetado, como o de qualquer outra mercadoria, pelos
um efeitos do progresso técnico no tempo de trabalho socialmente necessário

41
ENRIQUE LEFF

para produzi-los. O caso da maquinaria e dos equipamentos é diferente, ca


posto que a quantidade de valor que esses meios de produgáo transferem ao en
produto náo depende só do valor que incorporam no processo de produgáo do
dos bens de capital, mas também de seu ritmo de utilizagáo física e obsoles- de
céncia técnica, assim como do lapso de tempo em que conservam sua fungáo de
produtiva antes de serem substituídos por bens de produgáo mais produtivos. de
Marx pressupóe que "o tempo de reprodugáo do capital corresponde ao de
tempo necessário para seu consumo". 16 Dessa forma, duas técnicas que con- M.
tém o mesmo valor, mas distinta durabilidade devido á sua constituigáo
material como valores de uso, teráo transmitido o mesmo valor ao produto,
e se a composigáo orgánica do capital mencionado é proporcional á sua
duragáo, ambas as técnicas teráo produzido a mesma mais-valia, o que per-
mite sua recapitalizagáo ao término do uso do equipamento. Isso poderia
constituir urna hipótese pertinente a urna teoria abstrata do capital, mas, na
realidade, a concorréncia entre capitais, a substituigáo de um equipamento
por outro mais produtivo depende do ritmo de produgáo de uma inovagáo
tecnológica, assim como de um equilíbrio dos benefícios inerentes ao poder
monopolista de uma tecnologia mais produtiva diante dos custos de urna
rápida reposigáo do capital investido. Isso faz com que o tempo de reprodu-
gáo do capital e sobretudo sua revalorizagáo na forma de uma inovagáo tec- AS
nológica náo correspondam ao seu tempo de uso natural.
Quando um equipamento é substituído antes do fim de seu uso natural, A]
de sua obsolescéncia técnica ou de sua revalorizagáo económica, isto náo ap:
implica, logicamente, que o valor que transmitiu ás mercadorias que produ- cal
ziu durante sua vida útil tenha sido igual ao valor total transferido por um au
equipamento similar que funcione durante um período mais longo nas máos ás
de um concorrente incapaz de introduzir alguma inovagáo tecnológica. O de.
valor que uma máquina transmite ás mercadorias que produz náo depende- col
ria, entáo, apenas de seu próprio valor, mas sim do tempo de produgáo e eqi
incorporagáo de urna inovagáo tecnológica que determina o tempo útil de de
transmissáo de valor, distinto do tempo "normal" de operagáo da máquina
em questáo. Em todo caso, seja pela lei da concorréncia ou pelo processo de po
inovagáo tecnológica, surge daí um grau de indeterminagáo na lei do valor. pa
A parte alíquota do valor que um equipamento transfere ás mercadorias que ná
sáo produzidas com ele depende do tempo que se mantenha operando como
resultado da concorréncia entre capitais; mas a substituigáo dos bens de de]

42
RACIONALIDADE AMBIENTAL

fi nte, capital depende, por sua vez, da aparigáo de uma inovagáo técnica. No
ao entanto, a criatividade que gera urna inovagáo — que eleva a produtividade
gáo dos novos equipamentos e as condigóes técnicas médias da produgáo —
les- depende cada vez mais de investimentos no setor tecnológico, mas náo está
gáo determinada pelo tempo de trabalho manual ou intelectual aplicado a urna
vos.
. descoberta científica e seu desenvolvimento tecnológico, nem pela quantida-
e ao de de valor destinado á produgáo desses conhecimentos. Nesse sentido,
on- Marx afirma que
igáo
uto, O progresso incessante da ciéncia e da tecnologia dota o capital de urna
sua potencialidade de expansáo, a despeito, dentro de certos limites, da magni-
per- tude das riquezas das quais se compóe [...] o progresso da poténcia produ-
eria tiva do trabalho que se produz sem o concurso do capital que se encontra
, na em fungáo, mas da qual se beneficia guando troca de pele, o deprecia tam-
nto bém mais ou menos durante um intervalo de tempo no qual continua fun-
gáo cionando sob sua antiga forma.»
der
ma
du-
tec- AS FORCAS PRODUTIVAS DA CIÉNCIA E A DESVALORIZnÁ0 DO VALOR

ral, A partir do momento em que acumulagáo de capital induz a produgáo e a


náo aplicagáo tecnológica da ciéncia como um requisito para a reprodugáo do
du- capital, torna-se impossível calcular o valor contido no capital incorporado
um a urna nova técnica, e em conseqüéncia a quantidade de valor que transmite
áos ás mercadorias que produz. A introdugáo desses novos meios de produgáo
.O desvaloriza o maquinário e o equipamento que continuam operando, assim
de- como o valor das mercadorias que produzem. Dessa forma, o valor que o
oe equipamento velho transmite ao produto já náo depende apenas do tempo
de de trabalho que contém e que extrai da forga de trabalho. O valor de urna
ina máquina no momento em que aparece urna nova tecnologia no mercado náo
de pode ser reavaliado a partir do tempo de trabalho socialmente necessário
or. para produzir a nova maquinaria, senáo a partir de sua produtividade, que
ue náo tem uma relagáo quantitativa com o custo e o tempo de trabalho neces-
mo sários á sua produgáo. Seu valor se torna incalculável, posto que já náo
de depende do tempo de trabalho vivo direto aplicado na produgáo de bens de

43
ENRIQUE LEFF

produgáo e de consumo, mas de um trabalho intelectual médio, irredutível


a trabalho simples direto. Dessa maneira váo sendo destruídas as bases con- PI
ceituais necessárias para fundar urna teoria quantitativa do valor e abrem-se se
as vias para urna teoria qualitativa do valor; mas esta náo está isenta dos pro- lis
blemas de toda teoria que tente se fundar no princípio de um cálculo objeti- en
vo de valor. se:
O progresso técnico é urna necessidade inerente do capital para elevar a ex
produgáo de mais-valia relativa e, ao mesmo tempo, para desvalorizar-se e o
vencer os efeitos do aumento da composigáo orgánica do capital sobre a ten- de
déncia de redugáo da taxa de lucro. Mas esse processo de valorizagáo- rec
desvalorizagáo-revalorizagáo do capital é produzido em um movimento ec
contraditório que vai deslocando a formagáo do valor como o princípio sál
determinante da dinámica do capital. Em geral, toda revalorizagáo do capi- let
tal incorporado a urna nova tecnologia implica a introdugáo de um capital do
fixo com menor valor e com menor capacidade para extrair valor da forga "fc
de trabalho. 18 ces
pe;
Tal
pól
TRABALHO MANUAL E TRABALHO INTELECTUAL: TEORIA tral
QUANTITATIVA E QUALITATIVA DO VALOR tiví
sen
O problema fundamental para a elaboragáo de urna teoria qualitativa do sim
valor, mantendo os princípios básicos do pensamento marxista, surge da fon
desarticulagáo que se produz entre as condigóes de produgáo do valor a par-
tir do tempo de trabalho e do processo de desenvolvimento das forgas pro- da
dutivas; pois, se as condigóes técnicas das forgas produtivas sáo as que con- nan
ferem ao trabalho o caráter de socialmente necessário, a própria produgáo ser
destas forras produtivas — naturais e tecnológicas — aparece como um pro- lho
cesso externo á produgáo de valor, 19 ou como um processo historicamente exti
uniforme, que náo afeta, portanto, as relagóes de valor. 20 Marx náo integra cid
o processo de inovagáo tecnológica ao ciclo de rotagáo do capital ao consi- a re
derar que "as forras naturais que se oferecem gratuitamente podem ser valc
incorporadas ao processo de produgáo, em que atuaráo com maior ou de
menor eficácia. O grau desta depende dos métodos e dos progressos cientí- rén(
ficos que náo custam nada ao capitalista". 21 rece

44
RACI0NALIDADE AMBIENTAL

tível A partir do momento em que se concebe o desenvolvimento das forgas


con- produtivas como um processo independente da formagáo do valor, rompe-
n-se se a coeréncia da teoria do valor como determinante da acumulagáo capita-
pro- lista. Essa desarticulagáo teórica é produzida também pela falta de conexáo
entre o trabalho manual e o trabalho intelectual como determinantes do de-
senvolvimento das forgas produtivas. Ainda que Marx admita náo apenas a
rar a existéncia do trabalho complexo diante do trabalho simples, considerando-
-se e o até como uma categoria conceitual para dar conta do trabalho coletivo
ten- dentro de uma hierarquia de forgas de trabalho, o trabalho intelectual apa-
gáo- rece sempre como urna propriedade que o capital extrai da classe proletária
ento e que concentra para explorar sua forga de trabalho. 22 Mas a conexáo neces-
;ípio sária entre o valor produzido pela exploragáo do trabalho manual (do pro-
:api- letariado) e do trabalho intelectual que incrementa o poder de exploragáo
piral do capital nunca se torna explícita. Posto que a ciéncia aparece como uma
orca "forga produtiva independente do trabalho", náo é possível articular o pro-
cesso de inovagáo que dá ao trabalho seu caráter socialmente necessário nem
pensar no progresso tecnológico como efeito da formagáo de valor.
Tampouco é possível incorporar o conceito de valor ás forgas naturais que
póem em marcha a ciéncia para a produgáo de mercadorias. Dessa forma, o
trabalho científico, e sua cristalizagáo no desenvolvimento das forgas produ-
tivas que o capital adota, aparecem como um trabalho nao produtivo, no
sentido capitalista, quer dizer, náo produtor de valor. Apenas o trabalho
do simples direto que esses meios de produgáo extraem da forga de trabalho é
da fonte de valor e, como tal, fator determinante da dinámica do capital.
ar- O trabalho científico adquire outra perspectiva na teoria da mais-valia e
ro- da circulagáo. Marx afirma que, no sistema capitalista, "o objetivo determi-
on- nante da produgáo é a mais-valia. Náo se considera, pois, produtivo a náo
ao ser o trabalhador que produz uma mais-valia para o capitalista, e cujo traba-
ro- lho fecunda o capital". 23 Fecundar o capital náo significa, simplesmente,
te extrair urna mais-valia do processo produtivo, mas implica, também, a capa-
ra cidade de reproduzir as condigóes de exploragáo da forga de trabalho. Para
si- a reprodugáo ampliada do capital, náo basta extrair urna quantidade de
er valor que possa se recapitalizar em forma de capital fixo ao término do uso
ou de uma maquinaria ou equipamento. A acumulagáo capitalista e a concor-
t í- réncia entre capitais tornam necessário que a mais-valia produzida, para ser
recapitalizada, se cristalize em meios de produgáo de urna produtividade

45
ENRIQUE LEFF

crescente, 24 quer dizer, em um progresso tecnológico. Nesse sentido, náo há capi


trabalho mais fecundo para o capital do que o trabalho científico-tecno- outi
lógico, já que, mais do que o trabalho simples direto, permite que a mais-
valia produzida no processo direto possa ser recapitalizada e o ciclo do capi-
tal possa ser reproduzido. Além do mais,

ao descobrir novos materiais úteis ou novas qualidades da matéria já em


uso, a máquina [a ciéncia em geral] multiplica as esferas de inversáo para o
capital acumulado. Ao apontar os métodos adequados para a reutilizagáo
das sobras [do capital] no curso circular da reprodugáo e do consumo
social, converte, sem concurso algum do capital, esses náo-valores em tan-
tos outros elementos adicionais da acumulagáo. 25

Por tudo isso, embora a produgáo de valor dependa cada vez mais do
trabalho simples direto, a revalorizagáo do capital depende cada vez mais do
trabalho científico e da inovagáo tecnológica. Na medida em que a própria
acumulagáo capitalista determina urna tendéncia para a substituigáo crescen-
te do trabalho vivo direto e sua conjugagáo com a aplicagáo direta das for-
gas da ciéncia na produgáo de mercadorias, tende a desaparecer a determi-
nagáo específica do valor como princípio fundamental da dinámica estrutu-
ral do capita1. 26

DESENVOLVIMENTO DAS FORCAS PRODUTIVAS / dete


RELACÓES SOCIAIS DE PRODUJO nar
do c
A mudanga na dinámica do capital gerada pela revolugáo científico-tecnoló- dugá
gica apresenta o problema de se pensar a dialética entre o desenvolvimento fico.
das forras produtivas e a transformagáo das relagóes sociais de produgáo. men
Posto que o valor produzido pela forga de trabalho é o fundamento para a inch.
compreensáo do processo económico, Marx afirma que, "se a produgáo do a
pudesse efetuar-se sem trabalho algum, náo existiria nem valor, nem capital, de p
nem produgáo de valor". 27 Dessa maneira, Marx transita do momento his- o
tórico pretérito que produziu as condigóes sociais para que se pensasse na lho 1
formagáo de valor como sendo o princípio fundamental da dinámica do dorii

46
RACIONALIDADE AMBIENTAL

náo há capital, a um futuro utópico, no qual todo trabalho teria desaparecido. Em


tecno- outro texto, Marx afirma:
mais-
D capi- O intercámbio de trabalho vivo contra trabalho materializado, em outras
palavras, a determinagáo do trabalho social enquanto oposigáo entre capi-
tal e trabalho assalariado, constitui o último desenvolvimento da relagáo de
já em valor e do sistema de produgáo fundado sobre o valor. Sua condigáo perma-
para o nente é a massa do tempo de trabalho imediato, o quantum de trabalho
lizagáo aplicado enquanto fator decisivo de produgáo de riqueza. Mas, á medida
nsumo que a grande indústria se desenvolve, a criagáo da verdadeira riqueza
m tan- depende menos do tempo e da quantidade de trabalho empregados que da
agáo dos fatores postos em movimento no curso do trabalho, cuja podero-
sa eficácia náo tem comparagáo com o tempo de trabalho imediato que a
lais do produgáo consome; depende mais do estado geral da ciéncia e do progres-
lais do so tecnológico [...] Quando, em sua forma imediata, o trabalho houver dei-
rópria xado de ser a grande fonte de riqueza, o tempo de trabalho cessará e deve-
escen- rá deixar de ser a medida do trabalho, assim como o valor de troca deixará
as for- de ser a medida do valor de uso. O sobretrabalho das massas humanas dei-
;termi- xará de ser a condigáo do desenvolvimento da riqueza geral [...] A partir
;trutu- daí, a produgáo fundada sobre o valor de troca é abolida, e o processo ime-
diato da produgáo material se despoja de sua forma e de suas contradigóes
miseráveis.28

O desenvolvimento das forgas produtivas aparece, assim, como o fator


determinante da transformagáo das relagóes sociais de produgáo, ao elimi-
nar a lei do valor. 29 Daí que alguns teóricos pós-marxistas tenham desloca-
do o centro da exploragáo social na era da automatizagáo do modo de pro-
cnoló- dugáo capitalista á razáo tecnológica e á racionalidade do pensamento cientí-
mento fico.» A revolugáo científico-tecnológica foi ocupando o centro do pensa-
dugáo. mento crítico sobre o devenir histórico e a dialética social, convertendo-se,
para a inclusive, em um meio transcendente para a libertagáo do homem, deslocan-
Idugáo do a um segundo plano a luta de classes na transformagáo das relagóes sociais
apital, de produgáo e a mudanga social. 31
to his- O progresso tecnológico gerou urna substituigáo progressiva do traba-
isse na lho manual direto pelo trabalho intelectual indireto na produgáo de merca-
ica do dorias, até que a determinagáo quantitativa do valor-trabalho chegou a desa-

47
ENRIQUE LEFF

parecer. O desenvolvimento das forras produtivas levou a produgáo de tec


riqueza a depender cada vez mais do uso das forgas naturais de produgáo rer
magnificadas pela ciéncia e pela tecnologia do que do trabalho vivo direto, prc
gerando a eliminagáo da produgáo fundada na lei do valor. No entanto, as
transformagóes do processo de trabalho geradas pela cientifizagáo da produ-
gáo náo eliminaram as relagóes sociais de produgáo capitalista — as formas
assimétricas de propriedade-apropriagáo e de exploragáo-controle social —
fundadas no poder sobre os meios de produgáo de urna classe capitalista que
hoje baseia seu poder económico e político na capitalizagáo da natureza e na
propriedade privada do conhecimento científico e tecnológico.
A teoria do valor ficou enredada em suas insuficiéncias, incoeréncias e
contradigóes, que levaram a urna hermenéutica de conceito de natureza que
a subjaz como urna metafísica da produgáo, de urna dialética transcendental
que, fundada em um conceito da natureza, ilumina e guia o pensamento
marxista tanto em sua lucidez como em suas obscuridades. unE
forr
real
entr
O CONCEITO DE NATUREZA EM MARX "int
coro
O princípio de um valor objetivo, do valor-trabalho formado por um tempo soci
de trabalho socialmente necessário, de urna lei social como principio do conl
pensamento crítico sobre a "economia vulgar", da construgáo teórica que elab
exteriorizou a natureza do processo de formagáo de valor, remete a um desa
fundo ontológico e epistemológico, a um conceito de natureza como base de com.
objetividade dos processos materiais, inclusive da objetividade do processo e so,
social que reifica a realidade ao considerá-la corno relagóes entre coisas. No
materialismo histórico, a história perde sua naturalidade; mas, ao mesmo
tempo, fica enredada nas malhas de uma racionalidade objetivista, de uma com
ordem ontológica que orienta a praxis social através de uma teleologia da gia
história fundada na produgáo. físic(
Alfred Schmidt realizou urna exegese de El concepto de naturaleza em do ic
Marx (Schmidt, 1976), sobre o saber de fundo no qual se produz a teoria ante
marxista e que orienta a prática política. Essa concepgáo naturalista da his- hum
tória se expressa na obra filosófica de Marx como urna categoria ontológi- cons
ca, mais do que como um conceito da natureza construído dentro de sua Mar:

48
RACIONALIDADE AMBIENTAL

áo de teoria do modo de produgáo capitalista. O conceito de natureza de Marx


dugáo remete, assim, a urna categoria ontológica transistórica que permitiria com-
lireto, preender a totalidade do mundo:
Ito, as
Irodu- o processo laboral produtor de valor de uso em seu movimento histórico (e)
urnas a interpretagáo recíproca de natureza e sociedade, tal como se produz no
:ial — seio da natureza como realidade que abarca ambos [...] a sociedade se mos-
ta que tra por sua vez como um contexto natural [...] no sentido metafísico de uma
e na teoria da totalidade do mundo [...] A natureza para Marx é um momento da
práxis humana e ao mesmo tempo a totalidade do que existe [...] O concei-
cias e to marxista da natureza resulta idéntico ao da realidade em conjunto (Ibid.,
a que 11, 12, 23, 25).
dental
nento A elevagáo a urna categoria ontológica do "conceito" de natureza opera
urna confusáo entre a categoria do Real e a categoria do Natural. Dessa
forma se obstaculiza o caminho para urna ontologia que permita captar o
real constituído por diferentes níveis de materialidade, assim como a relagáo
entre o Real e o Simbólico na constituigáo de urna racionalidade social. A
"interpretagáo recíproca de natureza e sociedade" náo é considerada aqui
como a articulagáo ou indeterminagáo entre processos naturais e processos
e mpo sociais, mas se reduz á interiorizagáo do mundo pela práxis humana que
o do constitui um "todo natural". A partir dessa concepgáo da natureza, Schmidt
a que elabora urna interpretagáo fenomenológica do marxismo. Dessa forma,
a um desarticula o conceito de valor de uso do conceito de valor de troca para
se de construir urna apresentagáo metafísica e aistórica da relagáo entre natureza
cesso e sociedade, entre o homem e sua atividade produtiva, reduzindo o ser do
s. No real, da natureza e da história á existéncia do homem.
esmo Ao formalismo mecanicista que parte de Descartes e Newton, assim
urna corno ao racionalismo do a priori kantiano, o marxismo opóe urna ontolo-
tia da gia da práxis histórica que náo logra desprender-se do pano de fundo meta-
físico de um conceito realista da natureza. Com Feuerbach, se dá a transigáo
em do idealismo transcendental de Kant e Hegel ao subjetivismo humanista que
:eoria antecede a Marx e que influi em seus escritos de juventude. 32 A práxis
a his- humana se converte no princípio do real para o homem, no processo de
lógi- constituigáo de seu mundo, de seu conhecimento e de sua transformagáo.
e sua Marx náo se deteve nessa fenomenologia da história: seu aporte fundamen-

49
ENRIQUE LEFF

tal consistiu em descobrir a estrutura socioeconómica na qual se enqtradra a de si


práxis humana, as determinagóes do processo histórico no qual se produz cial
toda a prática social. O postulado epistemológico do primado do real sobre tam
o pensamento, da práxis sobre a consciéncia, foi o ponto de inflexáo funda- assir
mental para urna epistemologia materialista da história: do natural, físico- post
biológico; do social, histórico-simbólico. Isso levou á diferenciagáo dos tula (

níveis de materialidade que conformam o real, abrindo o pensamento críti- de el


co para escapar da visáo subjetivista e naturalista da história. Quando Marx gori:
menciona, em O capital, a submissáo do homem a "leis naturais" sobre as Para
quais náo tem nenhum domínio, refere-se ás leis objetivas da história. A em
determinagáo mecanicista da natureza dá curso á naturalidade de urna deter- sáo
minagáo histórica, das leis do valor e da mais-valia. Marx afirma, assim, que
cap ii
O ato da visáo [...] é urna relagáo física entre coisas físicas. Mas a forma técni
valor e a relagáo de valor dos produtos do trabalho náo tém absolutamente (Lefl
nada a fazer com sua natureza física. É apenas urna relagáo social determi- 1
nada entre os homens a que reveste aqui para eles a forma fantástica de urna dent
relagáo entre coisas (Marx, 1965: 606) [El capital, op. cit., pp. 88-9]. lism<
o mi
O conceito de práxis abre a possibilidade de superar o monismo natura- apare
lista de Feuerbach, quer dizer, o caráter abstrato de urna ontologia geral que cont:
relaciona a natureza e toda a consciéncia a seu respeito ao processo vital da valor
sociedade e em que a relagáo entre o Real e o Saber fica reduzida a um conhe- dugá
cimento sobre a natureza, 33 como urna consciéncia prática do mundo. 34 A mune
metafísica da natureza que subjaz á filosofia da práxis desconhece a especifi- critic
cidade do conhecimento científico como apreensáo cognoscitiva do real — e Com
de suas aplicagóes técnicas — em face de outras formas de saber que surgem efeitl
do caráter prático transformacional da práxis social. O predomínio da cate- aparo
goria ontológica da Natureza langou urna cortina de fumaga que impediu que em C
se pensasse ordem ontológica própria da natureza dentro da teoria do modo
de produgáo capitalista, assim como o papel que desempenham a produgáo e
a aplicagáo de conhecimentos científicos na acumulagáo capitalista.
s
O conceito de natureza em Marx náo é, simplesmente, urna categoria
c
ontológica oniabrangente subjacente á dialética transcendental da história.
O conceito da natureza se concretiza tanto nos pressupostos ontológicos e
no tecido teórico-discursivo do materialismo histórico como na construgáo e

50
RACIONALIDADE AMBIENTAL

idra a de seu objeto teórico. Dessa forma, os conceitos de valor e de renda diferen-
roduz cial levam á intervengáo dos processos naturais, na medida em que estes afe-
sobre tam o tempo de trabalho socialmente necessário á produgáo de mercadorias,
anda- assim como as taxas de mais-valia e de lucro. Dessa perspectiva, toda pro-
físico- posta monista sobre a unidade natureza-sociedade aparece como urna pos-
o dos tulagáo ideológica. Para o materialismo histórico, náo existe nem a socieda-
críti- de em geral nem a natureza em geral, senáo como objetos empíricos ou cate-
Marx gorias metafísicas incapazes de serem articuladas em um discurso científico.
bre as Para a teoria da história, os modos de produgáo articulam o meio ambiente
da. A em que se desenvolvem; por sua vez, a natureza existe como processos que
deter- sáo apreendidos teoricamente pelos diferentes ramos das ciéncias físico-
a, que biológicas e se inserem, através do conhecimento tecnológico, no processo
capitalista de produgáo. Dessa forma, produz-se uma articulagáo teórica e
forma técnica entre a natureza e a sociedade no processo capitalista de produgáo
Tiente (Leff, 2001a, cap. 1).
ermi- Marx náo apenas vé a unidade do mundo como a unificagáo transcen-
uma dental de natureza e sociedade através do processo de trabalho. O materia-
lismo marxista náo consiste no fato de que "tudo é matéria", ou em pensar
o mundo como "urna determinagáo metafísica segundo a qual todo ente
aura- aparece como material de trabalho". O materialismo histórico procura dar
1 que conta da estrutura social que converte a natureza em objetos de trabalho, em
:al da valores de uso naturais capazes de serem incorporados ao processo de pro-
nhe- dugáo de valor e de mais-valia. O materialismo marxista náo é urna visáo do
34 A
.
mundo como urna relagáo entre coisas: isto é justamente aquilo que Marx
ecifi- criticou como o fundamento metafísico da alienagáo dos sujeitos sociais.
-e Com a transformagáo da mercadoria em fetiche, Marx póe a descoberto o
rgem efeito ideológico produzido pelo processo capitalista de produgáo, que faz
cate- aparecer a realidade como uma relagáo entre coisas. Por isso, Marx, afirma
i que em Grundrisse que
nodo
áo e O materialismo tosco dos economistas, que trata as relagóes sociais da pro-
dugáo dos homens e as determinagóes que as coisas recebem enquanto se
;ora subsumem sob essas relagóes, como se fossem propriedades naturais das
ória. coisas, é, igualmente, um tosco idealismo, e inclusive fetichismo, pois atri-
:os e bui relagóes sociais ás coisas, como se fossem determinagóes imanentes a
ugáo Blas, e assim mistifica tais relagóes (cit. em Schmidt, 1976: 148).

51
ENRIQUE LEFF

Marx dá, assim, o primeiro passo contra a metafísica naturalista ao de


demarcar o materialismo histórico de uma visáo naturalista da história do for
realismo ingénuo da dialética da natureza de Engels, e de uma visáo monis- coi
ta que haveria de reduzir a compreensáo do mundo a urna dialética abstrata pri
entre sujeito e objeto do trabalho, a urna fenomenologia transcendental que, ed
no processo laboral, conduziria urna teleologia histórica até a desalienagáo lóg
do homem diante da natureza. No entanto, essa demarcagáo do pensamen- mil
to coisificador que Marx denuncia lucidamente náo foi suficiente para supe- de
rar a metafísica da natureza que acompanha a dialética transcendental ins-
crita no processo laboral e que continuará confirmando o saber de fundo do ent
naturalismo dialético do ecologismo emergente. 35 Su2
A conversáo da natureza em objetos de trabalho e de seus produtos em culi
mercadorias, o intercámbio generalizado entre esses produtos em fungáo do eml
tempo de trabalho socialmente necessário — de seu valor —, náo é um pres- vor
suposto filosófico materialista nem uma dialética do processo laboral da his- de
tória humana em geral, e sim da estrutura social, da racionalidade teórica e det
prática e do modo de produgáo da sociedade capitalista. Schmidt só vé no tral
trabalho "uma manifestagáo da forga natural"; desconhece as determinagóes
históricas e económicas da acumulagáo capitalista que modificam os proces- des
sos de trabalho e suas taxas de exploragáo em fungáo da luta de classes: a do par
capitalista, para elevar a taxa de lucro e para encontrar novas fontes de pro- pri(
dugáo de valor e de mais-valia; a do proletariado, para reduzir a jornada de cas,
trabalho e melhorar suas condigóes de vida. con
Schmidt evita identificar sua hermenéutica marxista com urna dialética tras
da natureza ou urna visáo evolucionista da história. Dessa maneira, afirma sob
que náo se deve subsumir a história natural na social nem aplicar as leis mei
naturais diretamente ás relagóes sociais, como ocorre com o darwinismo do
social, no qual "a história humana é um apéndice da história natural, e suas pro
leis de movimento sáo meras formas fenoménicas das leis biológicas". No létic
entanto, urna certa visáo ecológica náo deixou de orientar a compreensáo da tivc
organizagáo social e do processo produtivo. Para Schmidt, a chave do pro- cen
cesso de intercámbio em Marx estaria no conceito de Stoffwessel (que a ver- o sr.
sáo inglesa traduz por metabolism e a castelhana por intercambio organico);
e afirma que, "com o conceito de intercámbio orgánico, Marx descreve o
processo social segundo o modelo de um fenómeno natural" (Schmidt,
1976: 99). Schmidt "descobre" na nogáo de Stoffwessel um conceito central

52
RACIONALIDADE AMBIENTAL

sta ao de O capital— que, na realidade, apenas sinaliza o aspecto geral de trans-


da do formagáo da matéria no processo de trabalho — para adjudicar a Marx urna
rionis- concepgáo ecológica da sociedade. 36 Ao subsumir as formas sociais de apro-
astrata priagáo da natureza nos momentos abstratos de um intercámbio de matéria
al que, e de um intercámbio de valor, abriu-se urna via falsa a uma antropologia eco-
Inagáo lógica que quisesse pensar a formagáo social como urna articulagáo das deter-
amen- minagóes formais-históricas da lei do valor e das condigóes materiais a partir
; supe- de uma análise energético-ecológica dos processos de trabalho.
al Schmidt procura responder aos problemas que a inter-relagáo dialética
do entre natureza e sociedade apresenta na teoria do conhecimento de Marx.
Sua exegese dos textos marxistas leva-o a ver no trabalho o marco que vin-
:os em cula a legalidade própria da matéria aos objetivos humanos, de maneira que,
; áo do embora as "leis da natureza subsistan a despeito e fora da consciéncia e da
pres- vontade dos homens", elas só sáo apropriáveis por este "através das formas
ya de seu processo laboral" (Schmidt, 1976: 112). Schmidt absorve, assim, as
e determinagóes sociais na naturalidade dos objetivos humanos. Através do
vé no trabalho, o homem submeteria as leis naturais a seus próprios objetivos. 37
lagóes Os objetivos do trabalho dependem, por um lado, das necessidades e
roces- desejos subjetivos do homem e, por outro, das leis do material de que dispóe
;: a do para atingir a satisfagáo. No entanto, nem o sujeito é o princípio de seus pró-
e pro- prios desejos e necessidades, nem as leis da natureza sáo imanentes e estáti-
ida de cas, nem a ciéncia é em si mesma uma via de libertagáo. Marx apresenta o
conhecimento do processo histórico que condiciona o desejo humano, para
klética transformá-lo em urna demanda crescente por mercadorias, e que opera
firma sobre o desejo de saber que determina o processo de produgáo de conheci-
as leis mentos científicos; náo para submeter a matéria e a natureza aos "objetivos
nismo do homem", mas sim á lógica do capital. Schmidt vé a história como um
e suas processo orientado pelos objetivos do homem em abstrato; o processo dia-
". No lético entre natureza e sociedade se converte no meio para alcangar os obje-
"áo da tivos do ser humano. A atividade teleológica do homem é o processo trans-
pro- cendental que permite ao sujeito reunir os momentos separados do objeto e
a ver- o sujeito do trabalho, da sociedade com a natureza:
nico);
eve o Apenas com a vida orgánica, com a aparigáo do homem como sujeito auto-
midt, consciente e ativo, póde a natureza reunir-se consigo mesma, pois no traba-
ntral lho esta se desfaz de si mesma, e o homem se contrapóe a si mesmo, segun-

53
ENRIQUE LEFF

do diz Marx, como "substancia natural" e como "poténcia natural" que se tc


impóe objetivos. O ser para si do homem consiste em sua capacidade de
fazer com que a natureza trabalhe para ele em seu mecanismo e em seu qui- tr
mismo, através dos quais os objetivos humanos sáo realizados. A atividade c<
teleológico-finita do homem náo rompe a conexáo da natureza. Para
explicá-la náo se requer nenhum princípio que a transcenda. Os objetivos
que no cometo sáo externos á natureza náo apenas se servem dela, mas tém,
por sua vez, causas naturais (Schmidt, 1976: 120).

Dessa forma, Schmidt identifica a vida orgánica com a história. O valor


de troca e o valor de uso perdem suas determinagóes específicas; o intercam- O
bio de mercadorias pode ser reduzido, em última instancia, a um intercambio de
de matéria, a um metabolismo, posto que "o que vale para uma substancia de
natural tratada isoladamente em reina° aos estados de sua transformagáo de
caracteriza, em geral, a reina° existente entre o homem e a natureza na his- pa
tória da sociedade". Essa concepgáo das relalóes entre a natureza e a socieda-
de surge como um reflexo da "unidade contraditória dos momentos do de
conhecimento em Marx, em que se interpenetram, por mediagáo da práxis tói
histórica, o realismo gnosiológico e o subjetivismo" (Schmidt, 1976: 121). mí
O papel predominante da práxis na transformagáo do mundo é um cir
argumento fundamental da filosofia marxista, mas náo se restringe a urna tól
mediagáo entre um realismo objetivista e um humanismo subjetivista. A prá- na
xis no mundo moderno náo está guiada por processos de cognigáo nem pela pr,
emergéncia de urna consciéncia do mundo dentro de urna fenomenologia luz
biologista, mas se inscreve dentro do ordenamento ontológico e epistemoló- ni<
gico que configura urna racionalidade social determinada. O que caracteriza arr
a mudanga da episteme na modernidade é que as coisas deixam de ser per-
cebidas em sua reina° de diferengas e similitudes; a palavra deixa de desig-
nar a coisa; o real aparece como efeito de um processo de produgáo a partir
das estruturas e do princípio da vida, da língua e da história (Foucault,
1966). Ali se insere a práxis histórica em um conjunto de práticas sociais, de
práticas produtivas, de práticas discursivas.
Nas Teses sobre Feuerbach, Marx critica o materialismo tradicional por
ter concebido a realidade como objeto dado na intuigáo e náo corno ativida-
de sensorial humana, como práxis. Schmidt desconhece o efeito do proces-
so capitalista na objetivagáo da realidade e na materialidade do conhecimen-

54
RACIONALIDADE AMBIENTAL

que se to. Para ele, se no período pré-capitalista — antes do conhecimento moder-


de de no — predominava o saber sensualista do real, a sociedade industrial teria
qui- transformado as condigóes deste saber objetivo em uma subjetivagáo cres-
vidade cente da realidade. Dessa maneira, afirma que
. Para
jetivos "como no comego da idade moderna a natureza se reduz cada vez mais a um
LS tém, momento das atividades sociais, as determinagóes da objetividade váo
entrando gradualmente no sujeito [de maneira que] só seria cognoscível, em
sentido estrito, o que é feito pelos sujeitos" (Schmidt, 1976: 136).
valor
rcám- O primado materialista da práxis fica assim reduzido a uma fenomenologia
ámbio do sujeito. É o sujeito quem produz o real através de seu trabalho, orienta-
táncia do para seus objetivos; náo é um modo de produgáo específico aquilo que
Tiagáo determina a subjetividade dos indivíduos. A subjetivagáo da realidade que
rn his- parte da separagáo entre objeto e sujeito no processo de trabalho leva á urna
cieda- reabsorgáo do social no natural. Foi isso que, no humanismo do jovem Marx
os do dos Manuscritos parisienses, abriu as portas á utopia de uma teleologia his-
ráxis tórica, na qual se produziria a reconciliagáo entre o homem e a natureza. O
1). materialismo dialético, entendido como urna ontologia geral do real, parti-
é um cipa desse impossível projeto de unificagáo positivista do saber. Nem a his-
urna tória é um caso particular dessa ontologia geral fundada na categoria de
prá- natureza, nem a natureza fica subsumida em urna ontologia transistórica da
pela produgáo. A epistemologia realista da teoria crítica marxista impede a disso-
logia lugáo da natureza e da sociedade na ordem de urna identidade entre huma-
oló- nismo e naturalismo, cuja diferenga foi colocada claramente pela crise
eriza ambiental, mostrando que
per-
esig- É parte inerente e essencial da civilizagáo que avanga como domínio orga-
artir nizado o fato de que a natureza, rebaixada a mero material dos objetivos
ault, humanos, se vingue dos homens fazendo com que estes só possam dominá-
s, de la através de urna repressáo cada vez maior da sua própria natureza [...]
Decerto, urna sociedade que continuasse a se alimentar através de um inter-
por cámbio orgánico com a natureza, mas que ao mesmo tempo estivesse estru-
ida- turada de tal forma que pudesse renunciar á exploragáo excessiva desta,
ces- permitiria que fosse ressaltada ainda mais claramente a verdade do momen-
en- to realista da teoria do conhecimento de Marx, quer dizer, a natureza é,

55
ENRIQUE LEFF

também, algo existente em si, a despeito da intervengáo manipuladora dos at


V2
homens (Schmidt, 1976: 161, 177).
m
A construgáo de tal sociedade ecológica náo poderia ser, pois, o simples
desenvolvimento de urna teleologia histórica guiada pelos desígnios da natu-
reza ou de um sujeito transcendental da história. A construgáo de urna racio-
nalidade ambiental haverá de ser o resultado de urna práxis social que impli-
que urna desconstrugáo da metafísica naturalista que subjaz á teoria social e
á compreensáo do mundo, quer dizer, a urna estratégia e a urna política do
conhecimento. Na dialética da história, o capitalismo rompe com a unidade
entre a sociedade e a natureza; a sociedade se separa de sua organicidade
originária e o modo de produgáo instaura a racionalizagáo do domínio da
natureza. Nesse sentido, Schmidt afirmava

Em comparagáo com a determinagáo concreta que o processo laboral assu-


me em sua forma especificamente capitalista, algo propriamente aistórico e
natural é inerente ás formas que o precedem [...] Só depois da passagem ao
capitalismo, o domínio sobre a natureza adquire urna qualidade nova: só
entáo o processo laboral, definido em um primeiro momento por Marx
como igual em suas determinagóes gerais para todas as épocas da sociedade,
se transforma em um processo social de produgáo, em sentido estrito, para
cujas análises náo bastam aquelas determinagóes gerais [...] que caracterizam do
momentos particulares da produgáo pré-burguesa. O que a crítica da econo- cia
mía política estuda e quer explicar é, sobretudo, a "separagáo" entre essas pri
condigóes inorgánicas da existéncia humana e, essa existéncia, uma separa- tiv
gáo que apenas se realizou plenamente na relagáo entre trabalho assalariado
e capital (Schmidt, 1976: 200-1, 205). da
un
Em todo caso, o conceito de natureza, já na transcendéncia da separagáo
com a sociedade em urna visáo organicista ou económica do mundo, náo
logra emancipar-se do objetivismo que foi impresso na racionalidade econó-
mica pela ontologia naturalista e objetivista do mundo. A crítica da razáo VA
económica de Marx fica enredada na própria compreensáo do "natural", na ER
cumplicidade entre a naturalizagáo e a economizagáo do mundo, na concep-
gáo do progresso civilizatório, sobredeterminado e condicionado pela base As
económica, pelo modo de produgáo, na dialética transcendental que leva, ea
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ra dos através do modo de produgáo capitalista, a subordinar o valor de uso ao


valor abstrato, á lógica do mercado, alienando o ser na coisificagáo do
mundo. Como assinala Echeverría,
mples
natu- segundo ele (Marx), para construir um mundo próprio, a vida moderna pre-
racio- cisa repousar sobre um dispositivo económico peculiar, coerente na subordi-
lmpli- nagáo, sujeigáo ou subsungáo do processo "social-natural" de reprodugáo da
Icial e vida humana sob um processo "social-artificial" apenas transitoriamente
ica do necessário: o da reprodugáo do valor mercantil das coisas na modalidade de
idade urna "valorizagáo do valor" ou "acumulagáo do capital". Na base da vida
idade moderna, atua, de maneira incansavelmente repetida, um mecanismo que
io da subordina sistematicamente a "lógica do valor de uso", o sentido espontáneo
da vida concreta, do trabalho e do desfrute humanos, da produgáo e do con-
sumo dos "bens terrenos", e da "lógica" abstrata do "valor" como substáncia
assu- cega e indiferente a toda concregáo e apenas necessitada de validar-se com
rico e urna margem de lucro em qualidade de "valor de troca". É a realidade impla-
ao cável da alienagáo, da submissáo do reino da vontade humana á hegemonia
va: só da "vontade" puramente "coisificada" do mundo das mercadorias habitadas
Marx pelo valor económico capitalista (Echeverría, 1998: 63).

y para O modo de produgáo capitalista submete a natureza á lógica do merca-


rizam do e ás normas de produgáo de mais-valia, ao mesmo tempo que as poten-
cono- cialidades da natureza e do ser humano se convertem em objetos de apro-
essas priagáo económica. Mas isso náo anula os processos organizativos e produ-
:para- tivos da natureza e os sentidos das culturas. O fenómeno da vida e os pro-
triado cessos neguentrópicos de organizagáo ecológica, dominados pela racionali-
dade da produgáo capitalista, estáo latentes, esperando ser incorporados a
urna nova racionalidade produtiva.
ragáo
, náo
-onó-
VALOR QUALITATIVO, PODER DO CONHECIMENTO
razáo
1 ", na E REAPROPRIA.ÁO SOCIAL DA NATUREZA
ncep-
base As reflexóes anteriores mostram a importáncia que Marx atribuiu á ciéncia
leva, e ao progresso tecnológico no processo de reprodugáo do capital e na supe-

57
ENRIQUE LEFF

ragáo do modo de produgáo capitalista. Sem dúvida, suas análises nunca t


levaram a conceituar o caráter determinado e determinante do trabalho y
intelectual e da produgáo científica no processo contraditório de valoriza-
gáo-desvalorizagáo-revalorizagáo do capital pelo efeito do desenvolvimento
tecnológico das forgas produtivas. Marx reconhece o caráter determinante c
da lei do valor e da mais-valia no desenvolvimento do conhecimento cientí- d
fico e suas aplicagóes tecnológicas para elevar a produtividade dos processos
produtivos e para a revalorizagáo do capital. Mas náo chegou a caracterizar
esse "setor" produtor de conhecimentos, nem a integrar o trabalho intelec- vi
tual como trabalho produtivo dentro do processo económico e da própria
valorizagáo do capital.
As análises de Marx partem do efeito produzido pelo trabalho intelec- ci
tual incorporado aos meios de produgáo na elevagáo da produtividade no
trabalho manual, ou seja, em seu efeito sobre o tempo de trabalho socialmen-
te necessário que é afetado pela concorréncia entre capitais e pelos ciclos de CC
circulagáo do capital. Mas o trabalho intelectual náo é considerado como um m
processo determinado e determinante do processo de reprodugáo do capital. se
Isso náo teria maior importáncia se o papel desempenhado pela produgáo de
conhecimentos fosse acessório para o processo de valorizagáo do capital, ou ap
se este pudesse ser explicado a partir da lei do valor. Mas, no estudo da cir- ra
culagáo do capital e da concorréncia entre capitais, o conceito de valor se
torna cada vez mais elusivo, e o próprio Marx admite as dificuldades que tu
enfrenta para apreender a partir daí o movimento real do capita1. 38 as
A revolugáo científico-tecnológica, desencadeada pela dinámica do
capital, levou á dissolugáo do princípio que deu fundamento á teoria do
valor, quer dizer, o trabalho simples e direto como determinante quantitati-
1 pr
de
pe
vo da produgáo de mercadorias. Este fato tem duas repercussóes fundamen- da
tais para o pensamento marxista. A primeira se refere á relagáo orgánica de
entre teoria e práxis, entre racionalidade e agáo social; a segunda, á especi- cír
ficidade epistemológica da ciéncia da história. As condigóes de sustentabili- pr,
dade da produgáo apresentam a necessidade de se dar novo significado aos al;
conceitos do materialismo histórico para entender as determinagóes do pro- co
cesso de produgáo e de reprodugáo do capital na inovagáo e na aplicagáo de zal
conhecimentos científicos e tecnológicos, assim como para poder conceituar prl
a fungáo produtiva do trabalho intelectual e da natureza no processo de dé
reprodugáo-transformagáo do capital. Mas, mesmo gerando esses avangos efe

58
RACIONALIDADE AMBIENTAL

nunca teóricos para integrar as fungóes manuais e intelectuais do trabalho produti-


abalho yo ás potencialidades produtivas da natureza, o condicionamento social da
doriza- produláo de conhecimentos náo poderá reduzir-se ás determinagóes que Ihe
imento sáo importas pela formagáo cada vez mais indeterminada do valor no pro-
inante cesso de reprodugáo ampliada e ecologizada do capital. O poder explicativo
cientí- do conceito de valor e da teoria da produgáo nas condigóes de produgáo de
xessos conhecimentos vai se esfumando, náo obstante o fato de que as leis científi-
terizar cas e os meios tecnológicos sejam de fato os maiores suportes de desenvol-
ntelec- vimento das forgas produtivas.
)rópria O conhecimento das determinagóes socioeconómicas da produgáo de
conhecimentos em sua fungáo produtiva é deslocado, assim, para o condi-
ntelec- cionamento histórico a respeito da produgáo de conhecimentos em sua fun-
ade no gáo teórica de apreensáo do real e na forma como o conhecimento transfor-
almen- ma o mundo. Isso haverá de levar á indagagáo sobre a construgáo da teoria
dos de económica e da racionalidade que dali se desprende em relagáo ao conheci-
mo um mento e á transformagáo do mundo real. Esta indagagáo, fundamental para
:apital. se compreender a crise ambiental como urna crise do conhecimento, ultra-
agá° de passa as capacidades de compreensáo que o materialismo histórico pode
'tal, ou aportar e haverá de levar á sua desconstruláo para construir urna nova
da cir- racionalidade social e produtiva. 39
alor se A dialética entre o conhecimento e a transformagáo do mundo consti-
es que tuiu a "totalidade orgánica" do pensamento marxista. Marx náo pensou que
as leis internas do capital levariam diretamente á dissolugáo do modo de
cica do produgáo capitalista. Mas, ao apresentar a dinámica do capital como efeito
)ria do de leis objetivas e quantitativas, abriu o caminho para que Lukács (1923)
ntitati- pensasse no surgimento da consciéncia de classe como produto desta legali-
lamen- dade. Dessa maneira, a prática revolucionária adquiria um caráter objetivo,
gánica determinado pelas leis internas do capital. Quando a lei do valor como prin-
especi- cipio quantitativo determinante das transformalóes sociais desaparece, as
ntabili— práticas políticas deixam de ser o efeito de um mecanismo automático. A
ido aos agáo social náo é o efeito de um determinismo teleológico, e se inscreve no
lo pro- contexto de urna racionalidade que outorga os sentidos e valores da organi-
agáo de zalá° social. A história, a luta de classes e os movimentos populares sáo os
ceituar processos que geram e transformam as estruturas sociais e as leis de suas ten-
Isso de déncias temporais. Essas estruturas náo se transformam simplesmente como
wangos efeito de leis imanentes, mas sim pelas relagóes de poder que se desenvol-

59
ENRIQUE LEFF

vem em seu seio. As práticas sociais transformam a realidade social e modi-


ficara dessa forma suas leis internas. Por isso náo existem leis absolutas que mi;
comandem a práxis, mas esta náo se realiza alheia ás determinagóes e condi-
e ir
góes que configuram urna racionalidade social.
de
A revolugáo científico-tecnológica está operando urna transformagáo do
da
141 processo de trabalho e intervindo na natureza. As forgas da natureza, mag-
gia
nificadas pela ciéncia, converteram-se nas forgas predominantes da produ-
des
gáo da riqueza, ao mesmo tempo que o equilíbrio dos sistemas ecológicos se
gra
apresenta como urna condigáo de sustentabilidade do processo económico. A
rail
complexidade ambiental que articula os processos de produtividade ecológi-
rec
ca e de inovagáo tecnológica e que aninha na constituigáo de identidades cul-
net
turais e de sentidos existenciais substitui, progressivamente, o tempo de tra-
balho como determinante da produgáo de valores de uso e de mercadorias. A
méi
produtividade da natureza, o desenvolvimento científico, o equilíbrio ecoló-
obj,
gico, a inovagáo tecnológica e os valores culturais constituíram-se em condi-
eco
gáo sistémica do processo económico.
cos
A produgáo e a distribuigáo de riqueza dependem de estratégias de pro-
exp
dugáo e apropriagáo do conhecimento. Esses processos naturais e cognosci-
de
tivos náo sáo determinados pela lei do valor. Sem dúvida, as descobertas
con
científicas tampouco sáo produzidas simplesmente, como se fossem o efeito
das
de uma lógica interna da ciéncia — do crescimento do conhecimento atra-
vés da livre criagáo ou do planejamento do empreendimento científico; pela
nati
refutagáo e verificagáo de suas hipóteses e teorias (Popper, 1973); pela estru-
apr ,
tura e revolugóes dos "paradigmas" científicos" (Kuhn, 1970) —, nem por
urna razáo tecnológica (Marcuse, 1967), independentes da dinámica social,
par
da pulsáo de conhecer e das estratégias de poder no saber (Foucault, 1980).
mal
A criagáo científica e a inovagáo tecnológica náo se convertem em novos
ami
princípios determinantes do desenvolvimento sustentável nem fundara urna
seu
ética do conhecimento capaz de dirimir e solucionar os conflitos em torno
apr
da apropriagáo produtiva da natureza. O que foi dito anteriormente implica
abri
a necessidade de pensar e de construir urna nova racionalidade produtiva
tal 1
sustentada pelos princípios da entropia e da complexidade ambiental, inte-
grando as formagóes ideológicas, a produgáo científica, os saberes pessoais
e coletivos, os significados culturais e as condigóes "reais" da sustentabilida-
de ecológica. 4 °

60
RACIONALIDADE AMBIENTAL

e modi- A economia fundada no tempo de trabalho foi substituída pela econo-


Itas que mia baseada no poder do conhecimento científico como meio de produgáo
condi-
e instrumento de apropriagáo da natureza. 41 A acumulagáo e a concentragáo
de capital já náo se baseiam táo-somente na superexploragáo da natureza e
11"áo do
da máo-de-obra barata do Terceiro Mundo, mas, também, em novas estraté-
a, mag-
gias de apropriagáo capitalista da natureza dentro da nova geopolítica do
produ-
desenvolvimento sustentável (ver capítulo 3, infra), incluindo a apropriagáo
gicos se
gratuita e a pilhagem dos recursos genéticos, a subavaliagáo dos bens natu-
mico. A
rais e dos servigos ambientais e o acesso subvencionado a hidrocarburetos e
ecológi-
recursos hídricos que mantém urna agricultura supercapitalizada e um pla-
des cul-
neta hiperurbanizado.
de tra-
A valorizagáo da complexidade ambiental implica transformar a atual
orias. A
métrica que reduz a diversidade ontológica e axiológica do mundo a valores
o ecoló-
objetivos, quantitativos e uniformes do mercado a urna teoria qualitativa de
a condi-
economia sustentável, capaz de integrar os processos económicos, ecológi-
cos e culturais em um pluralismo epistemológico e axiológico capaz de
de pro-
expressar os antagonismos entre a racionalidade económica e a racionalida-
nnosci-
de ambiental — incluindo a multiplicidade de racionalidades culturais que a
mbertas
conformam — nos processos de apropriagáo da natureza e da incorporagáo
o efeito
das condigóes ecológicas de sustentabilidade dos processos produtivos.
no atra-
A complementaridade dos valores objetivos e subjetivos atribuídos á
co; pela
natureza na construgáo de urna racionalidade ambiental demanda novas
l a estru- aproximagóes que permitam integrar a valoragáo das condigóes ecológicas
lem por
de sustentabilidade e os significados e sentidos da natureza construídos a
a social,
partir da cultura — através das identidades que se forjam na relagáo entre o
,1980).
:

material e o simbólico — que se expressam nos direitos comunitários e


n novos
ambientais das populagóes indígenas e camponesas para a reapropriagáo de
2111 urna
seu património de recursos naturais (ver capítulo 8, infra). Dessa maneira,
m torno
apresenta-se a necessidade de desconstruir a racionalidade económica,
implica
abrindo novas perspectivas para a construgáo de urna racionalidade ambien-
r odutiva tal orientada por um ecossocialismo democrático e sustentável.
tal, inte-
pessoais
tabilida-

61
ENRIQUE LEFF

A CRÍTICA PÓS-MODERNA AO CONCEITO DE VALOR

A teoria marxista do valor-trabalho teve seu desenho desfeito e foi se dissol-


vendo pelas próprias contradigóes internas de seu arcabougo teórico ante a
mudanga tecnológica; foi sufocada pelo próprio peso de sua armadura con-
ceitual, de suas bases epistémicas, de sua objetivagáo da realidade histórica.
Na raiz dessas "contradigóes", há urna razáo mais profunda. A perda de
referenciais na realidade é a maneira como se manifesta o "erro metafísico e
epistemológico" da teoria económica e dos conceitos de produgáo, de traba-
lho, de necessidade e de escassez que fundam a racionalidade económica da
modernidade. Se o pensamento pós-moderno procura na gramática as fon-
tes da ideologia da representagáo que tem burlado o sentido da existéncia
humana (Derrida, 1967), Baudrillard centra sua críticaao marxismo no pró-
prio conceito de produláo. Marx náo somente teria apresentado em O capi-
tal urna teoria da ordem produtiva de seu tempo, mas sim uma ontologia
transistórica fundada no princípio de produgáo e no código da economia
política. O materialismo histórico teria ficado cativo da lógica da represen-
tagáo, que o materialismo dialético náo foi capaz de transcender:

Náo obstante seu radicalismo na análise lógica do capital, a teoria marxista


mantém um consenso antropológico com as opinióes do racionalismo oci- mia
dental na forma definitiva que adquire no pensamento burgués do século desa
XVIII. Ciéncia, técnica, progresso, história... nessas idéias ternos toda urna ea1
civilizagáo que compreende a si mesma como produtora de seu próprio fune
desenvolvimento e que adquire sua forga dialética para completar a huma- mes
nidade em termos de totalidade e felicidade. Marx também náo inventou os ra u
conceitos de génese, desenvolvimento e finalidade. Náo mudou nada que mut
fosse básico: nada em relagáo á idéia do homem produzindo a si mesmo em cia e
sua determinagáo infinita, e transcendendo-se infinitamente até seu próprio nórr
fim [...] Diferenciar os modos de produgáo náo questiona a evidéncia da impl
produgáo como urna instáncia determinante. Apenas generaliza o modo da ficas
racionalidade económica sobre toda a história humana, como o modo gené-
rico do devir humano [...] O homem náo é apenas explorado como forga de
trabalho por um sistema de economia política capitalista, mas também está
metafisicamente sobredeterminado como um produtor pelo código da eco-

62
RACIONALIDADE AMBIENTAL

nomia política [...] Necessidades e trabalho sáo a dupla potencialidade do


homem ou sua dupla qualidade genérica. Esse é o mesmo domínio antropo-
dissol- lógico no qual o conceito de produgáo se esboga como o "movimento fun-
i ante a damental da existéncia humana", que define urna racionalidade e urna
ta con- sociabilidade aprop riadas para o homem [e que] generaliza o modo da
tórica. racionalidade económica sobre toda a história humana, como o modo gené-
rda de rico do devir humano [...] Quando se apresenta a hipótese de que nunca
ísico e houve e nunca haverá nada a ndo ser o modo único de produlcio regido pela
traba- economia política capitalista [...], entáo inclusive a generalizagáo "dialéti-
rica da ca" desse conceito é apenas a universalizagáo ideológica dos postulados
as fon- desse sistema [...] Para questionar o processo que nos submete ao destino da
anda economía política e ao terrorismo do valor, e para repensar a descarga e o
o pró- intercambio simbólico (Bataille), os conceitos de produgáo e de trabalho
) ca pi- desenvolvidos por Marx [...] devem ser resolvidos e analisados como concei-
ologia tos ideológicos, interconectados com o sistema geral de valor. E para encon-
nomia trar um domínio que vá além do valor económico [...] devemos romper o
resen- espelho da produljo no qual se reflete toda a metafísica do Ocidente
(Baudrillard, 1980, cit. em Poster, 1988: 104 - 5, 113).

arxista A própria dialética do modo de produgáo capitalista, objeto da econo-


oci- mia política, chega ao limite de seu poder explicativo; seus conceitos se
sécu lo desatam e evapora-se seu poder explicativo. O vínculo entre o valor de uso
la uma e a demanda, assentados na necessidade e na utilidade, e o valor de troca,
róprio fundado na equivaléncia dos trabalhos e das utilidades, se dissolve, ao
huma- mesmo tempo que a "lógica do valor de troca" se torna autónoma, configu-
tou os ra um código geral no qual se subsume ao ser de todas as coisas, e vai trans-
la que mutando as necessidades, os desejos e as utilidades em urna mesma substan-
ho em cia etérea de valor, fora de todo referente e de todo sentido. O código eco-
róprio nómico gira vertiginosamente acima de toda lógica e de toda razáo. É o
cia da império da lei estrutural do valor sobre o valor de uso cingido a urna signi-
do da ficagáo cultural:
gené-
rga de Esta revolugáo consiste em que os dois aspectos do valor, que algumas vezes
Tí está se pensou que estivessem coerente e eternamente vinculados, como por
a eco- urna lei natural, se desarticulam: o valor referencial se nulifica em beneficio

63
ENRIQUE LEFF

do jogo estrutural do valor. A dimensáo estrutural ganha autonomia


excluindo a dimensáo referencial, estabelecendo-se sobre a morte desta últi- dada
ma. Terminara os referenciais da produgáo, da significagáo, do afeto, da regir
substáncia, da história, toda equivaléncia de conteúdos "reais" que davam era
seu peso ao signo ao ancorá-lo com um certo peso de utilidade e de gravi-
dade — sua forma de equivalente representativo. Tudo isso permanece
mesmo substituído por outro estágio do valor, o da relatividade total, da
comutatividade generalizada, da simulagáo combinatória. Simulagáo no
sentido de que agora em diante os signos se intercambiaráo entre si mesmos
sem interactuar com o real [...] A mesma operagáo ocorre no nível da forra
de trabalho e do processo de produgáo: a eliminagáo de todas as finalidades
de conteúdo da produgáo permite que esta funcione como um código, e
permite ao signo monetário evadir-se em urna especulagáo indefinida fora
de toda referéncia ao real da produgáo (Baudrillard, 1976: 18).

E, sem dúvida, mesmo que o signo monetário parega liberar-se de todo


referente como valor de uso e flutuar no gozo pleno de urna espetacular A
especulagáo sem urna ancoragem no real, náo consegue desprender-se de seu cípic
vínculo com a natureza. O discurso do desenvolvimento sustentável é uma simu
das expressóes mais claras desse simulacro, mediante o qual todo o real é
dessubstanciado de seu ser e ao mesmo tempo recodificado pelo signo uni-
tário do mercado, gerando a hipereconomizagáo do mundo (ver capítulo 3,
infra). E, sem dúvida, o real continua resistindo e respondendo a essa falha
da teoria desde a lei limite da natureza. Das entranhas do processo económi- c
co continuam sendo gestados os efeitos destrutivos da natureza que have- c
riam de se manifestar com o crescimento da economia global, na crise
ambiental. É isso o que gerou na teoria económica urna preocupagáo com a
suas "externalidades" — as condigóes ecológicas da produgáo —, buscando a
internalizar o que foi negado e ignorado pela teoria acerca do mundo sobre-
determinado pela estrutura económica, por um devenir conduzido pela 1
idéia de progresso, por urna liberagáo dependente do desenvolvimento das suste
forgas produtivas guiadas pela ciéncia e pela tecnologia. O mundo objetiva- estáo
do pela necessidade de manter um processo crescente de produgáo, guiado que t
pelo princípio de realidade gerado pela racionalidade tecnoeconómica, se res e,
encontra com seu Outro, com o ambiente. prial

64
RACIONALIDADE AMBIENTAL

momia Para Baudrillard, o deslocamento da economia política do signo — fun-


eta últi- dada em um sistema de representagóes — para o campo da simulagáo —
eto, da regida pela lei do código — significa o fim da era da produgáo e o início da
davam era da simulagáo:
gravi-
A "economia política do signo" resultava ainda de tuna extensáo da lei do
nanece
valor da mercadoria e de sua verificagáo no domínio dos signos. Enquanto
tal, da
a configuragáo estrutural do valor pura e simplesmente póe um ponto final
gáo no
no regime da produgáo e da economia política, assim como no da represen-
lesmos
tagáo e dos signos. Tudo isso, junto com o código, cambaleia com a simula-
a forga
gáo [...] Fim do trabalho, fim da produgáo, fim da economia política. Fim da
l idades
dialética significante-significado que permitiu a acumulagáo do saber e do
ligo, e
sentido, o sintagma linear do discurso cumulativo. Fim simultáneo da dialé-
la fora tica valor de troca-valor de uso, que tornava possível a acumulagáo da pro-
dugáo social. Fim da dimensáo linear do discurso e das mercadorias. Fim da
era clássica do signo. Fim da era da produgáo (Baudrillard, 1976: 20).
le todo
acular A queda da lei do valor marca uma mutagáo epistémica a partir do prin-
de seu cípio de realidade inscrito na metafísica da representagáo, para a ordem do
é urna simulacro e da simulagáo:
real é
uni- O princípio de realidade coincidia com urna determinada fase da lei do
tulo 3, valor. Hoje, todo sistema cambaleia na indeterminagáo, toda a realidade é
a falha absorvida pela hiper-realidade do código e da dissimulagáo. É o princípio
nómi- de simulagáo o que nos rege agora, no lugar do antigo princípio de realida-
have- de. As finalidades desapareceram; somos gerados por modelos. Náo há mais
i crise ideologia; só há simulacros. Para apreender a hegemonia e a feitigaria do
o com atual sistema — da revolugáo estrutural do valor —, devemos restituir toda
ocando a genealogia da lei do valor e dos simulacros (Baudrillard, 1976: 8-9).
sobre-
o pela A nova geopolítica da globalizagáo económica e do desenvolvimento
to das sustentável e as estratégias de apropriagáo da natureza a ela inerentes náo
jetiva- estáo mais fundadas em urna teoria do valor, mas numa estratégia simbólica
luiado que tem por objetivo recodificar todas as ordens do ser em termos de valo-
*ca, se res económicos. Da coisificagáo da natureza como condigáo de sua apro-
priagáo produtiva pelo capital, passamos a urna hipereconomizagáo do

65
ENRIQUE LEFF

mundo. A superagáo da racionalidade capitalista náo apenas apresenta a


necessidade de resolver suas contradigóes com o trabalho assalariado e com
as condigóes ecológicas da produgáo como urna "segunda contradigáo do
capital" (J. O'Connor, 1991); ao mesmo tempo, leva ao questionamento do
pensamento metafísico que reduziu o mundo a entes e a natureza a coisas, e
que em sua fase atual de globalizagáo económico-ecológica tritura a realida-
de e engole os mundos de vida para submeté-los ao código global do valor
económico. Nesse sentido, Baudrillard apresenta a necessidade de transcen-
der os pressupostos metafísicos que fundamentam os conceitos da economia bus
política e o conceito de valor económico: em
estr
A idéia de que um conceito náo é meramente urna hipótese interpretativa e (ver
sim urna tradugáo do movimento universal está fundada na pura metafísica. bast
Os conceitos marxistas náo fogem disso. Por tanto [...] o conceito de histó- abai
ria também deve ser concebido como histórico [...] e iluminar apenas o con- e n(
texto que o produziu, abolindo-o. No entanto, no marxismo a história é refe
transistorializada, se redobra em si mesma e, como conseqüéncia, se univer- ralis
saliza [...] Dessa maneira, ao universalizar-se, cancelou sua "diferenga", em sam
urna regressáo á forma dominante do código e á estratégia da economia
política [...] Isso indica a presente forma explosiva e mortal dos conceitos
críticos. Enquanto se constituem em universais, deixam de ser analíticos e al
cometa a religiáo do sentido [...] Estabelecem-se como se expressassem urna
"realidade objetiva". Convertem-se em signos: significantes de um "real"
significado [...], e caíram no imaginário do signo, ou na esfera da verdade. Já va d
náo estáo mais na esfera da interpretagáo e ingressaram na simulaláo repres- géti(
siva (Poster, 1998: 114). ecor
dos
A metafísica da produgáo e do trabalho que se expressa no discurso teó- de y
rico do materialismo histórico náo se resolve pelo pensamento dialético que 199,
o funda e deveria pensar sua transcendéncia. O materialismo náo logra g
liberar-se do propósito de objetivar a natureza, inscrito e enquistado que está dom
na própria teoria:
pola
Apenas o trabalho funda o mundo objetivo e o homem histórico [...] só o -q
trabalho fundamenta urna dialética real da superagáo e da realizagáo [...] A com
culminagáo dialética de tudo isso é o conceito de natureza como "o corpo pós-,

66
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ta a inorgánico do homem": a naturalizagáo do homem e a humanizagáo da


com natureza [...] a dialética de meios e fins que está no coragáo do princípio de
) do transformagáo da natureza [...] implica virtualmente a autonomizagáo dos
) do meios (a autonomizagáo da ciéncia, da tecnologia e do trabalho; a autono-
as, e mizagáo da produgáo como atividade genérica; a autonomizagáo da própria
[ida- dialética como esquema geral de desenvolvimento) (Poster, 1988: 107-8).
alor
cen- A metafísica da produgáo migrou para o pensamento ecológico em
nnia busca dessa superagáo, tanto no discurso de urna ecologia política fundada
em uma dialética (ecologizada) da natureza (ver capítulo 2, infra) como nas
estratégias do desenvolvimento sustentável para a capitalizagáo da natureza
iva e (ver capítulo 3, infra). A emergéncia do pensamento ecologista é o último
isica. bastiáo a tentar recuperar o pensamento dialético, procurando resolver o
Listó- abandono do homem atual entre a extrema objetivagáo do mundo no valor
con- e no código económico, e sua reintegragáo ao intercámbio simbólico sem
ria é referentes — sem suportes, ancoragens e sentidos — no real. Mas esse natu-
iver- ralismo dialético também náo logra escapar da vontade de domínio do pen-
1 , em samento "universal e objetivo" que leva a
Dmia
itos "racionalizar as sociedades primitivas [...] e a decodificá-las de acordo com
e al seus próprios conceitos" (Poster, 1988: 115).
urna
eal" Procuraremos em váo urna teoria pós-marxista do valor, urna lei objeti-
.á va do valor, que náo seja urna folha de cálculo de despesas e balangos ener-
res- géticos, um habitáculo de instrumentos económicos voltados á valorizagáo
económica dos bens e servigos ambientais, e dos valores subjetivos entendi-
dos como preferéncias do consumidor. Além de preconizar urna diversidade
teó- de valores (Altvater, 1993) ou um pluralismo epistemológico (Norgaard,
que 1994), náo foi formulada urna nova teoria económica que conjugue as for-
gra gas da natureza com os significados culturais da natureza, que vá além do
lestá domínio do valor económico.
A construgáo de urna nova racionalidade que supere a dicotomia e a
polaridade entre o mundo hipereconomizado e o mundo hipersimbolizado
só o — que o libere do simulacro do excesso de objetividade — náo se apresenta
.]A como urna superagáo da necessidade económica e do acesso a um mundo de
arpo pós-escassez — além da produgáo onde o homem aparece como um "ser

67
ENRIQUE LEFF

para o consumo", invadido pela ficgáo do signo, a simulagáo de realidades lól


virtuais e os modelos semiológicos que seduzem o sujeito. O superdimensio- na
namento do homem como ser produtivo, a recodificagáo económica da vida pe
humana, fecha as perspectivas para que se olhe a produgáo a partir de novos da
pontos de vista ao desconhecer os limites e as potencialidades da natureza, me
assim como os saberes e as racionalidades que se configuram na diversidade est
cultural. Para transcender o objetivismo da racionalidade, é necessário fun- sig
dar outra racionalidade produtiva, em que o valor renasceria dos significa-
dos atribuídos á natureza pela cultura, quer dizer, pelos valores-significados bu]
das culturas. "te
Da mesma maneira que a narrativa do horno economicus converte o ser dei
humano em forga de trabalho, o discurso ecológico lhe atribui urna fungáo em
de guardiáo da biodiversidade na ordem económico-ecológica do desenvol- rez
vimento sustentável. A codificagáo do ser como elemento aleatório do capi- nat
tal é redobrada pelo naturalismo implícito no conceito de natureza e do e s(
valor de uso. A racionalidade ambiental transcende assim as intengóes de um
urna teoria económica ou ecológica do valor, pois estas remetem a um valor nat
objetivo que elude o ser cultural. O que está em jogo nos conflitos ambien-
tais náo se dirime nem através do valor económico objetivo, nem por valo-
res ecológicos culturalmente atribuídos á natureza. Nesse sentido, Sartre
afirmou que

O fundamento do valor náo é o ser: se o fosse, o valor dependeria de algo


que náo é minha decisáo, minha vontade, e deixaria de ser um valor para
mim. Pelo contrário, o valor se mostra em urna liberdade "ativa", urna liber-
dade que "o faz existir como valor apenas pelo fato de reconhecé-lo como
tal". Por isso, "minha liberdade é o único fundamento dos valores, e nada,
absolutamente nada, me justifica se adoto este ou aquele valor, esta ou
aquela escala de valores" (Givone 1995: 234).

A produgáo e a economia devem ser redimensionadas dentro de urna


nova racionalidade. Para isso, será necessário repensar os conceitos marxis-
tas de relagóes sociais de produgáo e desenvolvimento das forgas produtivas
a partir dos potenciais da natureza e dos sentidos da cultura. Isso implica
deslocar a teoria económica fundada na produtividade do capital, no traba-
lho e na tecnologia, até um novo paradigma baseado na produtividade eco-

68
RACIONALIDADE AMBIENTAL

alidades lógica e cultural, em uma produtividade sistémica que integre o domínio da


mensio- natureza e o universo de sujeitos culturais dentro das perspectivas abertas
L da vida pela complexidade ambiental (Leff, 2000). A controvérsia entre a racionali-
le novos dade económica e a racionalidade ambiental nas perspectivas do desenvolvi-
,atureza, mento sustentável levam a contrapor á lógica do valor de troca — da lei
ersidade estrutural do valor — urna racionalidade produtiva fundada em valores-
Irio fun- significados. A racionalidade ambiental leva a repensar a produgáo a partir
gnifica- das potencialidades ecológicas da natureza e das significagóes e sentidos atri-
ificados buídos á natureza pela cultura, além dos princípios da "qualidade total" e da
"tecnologia limpa" da nova ecoindústria, assim como da qualidade de vida
rte o ser derivada da "soberania do consumidor". A racionalidade ambiental que daí
fungáo emerge se distancia de urna concepgáo conservadora e produtivista da natu-
esenvol- reza para converter-se em urna estratégia para a reapropriagáo social da
do capi- natureza, baseada na valorizagáo cultural, económica e tecnológica dos bens
za e do e servigos ambientais da natureza. A racionalidade ambiental desemboca em
lgóes de uma política do ser, da diversidade e da diferenga que reformula o valor da
1m valor natureza e o sentido da produgáo.
ambien-
or valo-
), Sartre

de algo
f lor para
na liber-
lo como
e nada,
esta ou

de urna
marxis-
odutivas
implica
i o traba-
de eco-

69
ENRIQUE LEFF

NOTAS
ma
op.
1. 0 conceito de "valor económico total" — a soma do valor real direto, do valor
de uso indireto, do valor de opgáo e do valor intrínseco — expressa a vontade onívora
da economia ambiental em recodificar o mundo — a todas as coisas e todos os valores —
"o •
em termos de capital (capital natural, capital humano, capital científico e tecnológico). O
car
conceito de "valor económico total" é uma estratégia totalitária para a apropriagáo eco- sid.
nómica do mundo, desde o valor económico atual dos bens naturais e dos servigos nác
ambientais até os valores contingentes atribuídos a essa natureza humana que se expres- nác
sam na "vontade de pagar" de indivíduos ecologicamente preocupados e empresários
conservacionistas.
2. K. Marx, "Misére de la philosophie", em Euvres, Économie. I, Paris, Gallimard, das
1965, pp. 28-9. "M
3. K. Marx, "Introduction générale á la critique de l'économie politique", em
Euvres, op. cit. p. 259. "Indiferente á matéria particular dos valores de uso, o trabalho
cos
que cria um valor de troca é por esta mesma razáo indiferente á substancia particular do
próprio trabalho. [...] representa um trabalho homogéneo, indiferenciado [...] trabalho pro
no qual a individualidade do trabalhador foi apagada [...] o trabalho que cria valor de vali
troca é trabalho genérico abstrato [...]. Para medir os valores de troca das mercadorias cap
com base no tempo de trabalho que Blas contém é necessário que os diferentes trabalhos gar
sejam reduzidos a um trabalho indiferenciado, homogéneo, simples, a um trabalho de e so
igual qualidade, que nao se distinga a náo ser por sua quantidade. [...só entáo] o tempo os li
de trabalho materializado nos valores de uso das mercadorias é por sua vez a substancia ves
que faz deles valores de troca. [...] e a medida que determina a quantidade de seu valor. tal"
[...] Esta redugáo aparece como uma abstragáo [...] Trata-se, sem dúvida, de urna abstra-
gáo que a cada dia se traduz em atos no processo da producáo. A resolugáo de todas as
mercadorias em tempo de trabalho náo é urna abstragá'o maior, nem menos real [...] do
que a resolugáo de todos os corpos orgánicos no ar." K. Marx "Critique de l'économie
politique", em Euvres op. cit. pp. 280-1. vol;
4. K. Marx, "Introduction", (Euvres..., op. cit. pp. 259-60. acui
5. K. Marx, "Critique", Euvres, op. cit, p. 285. des(
6. "Por aumento da forga produtiva ou da produtividade entendemos, de urna do
maneira geral, urna mudanga nos processos que reduzem o tempo socialmente necessá- capi
rio para a produgáo de urna mercadoria, de tal forma que uma quantidade menor de tra- pan-
balho conquista a forga de produzir mais valores de uso." (K. Marx, "Le capital", vol, I, da e
em Euvres [...], op. cit., p. 852) da p
7. "Toda forga de trabalho individual é igual a outras, enquanto tiver o caráter de técn
uma forga social média e funcionar como tal [de maneira que] náo empregue na produ-
sua
gáo da mercadoria nada mais do que o tempo de trabalho necessário no entretempo, ou part
no tempo de trabalho socialmente necessário." (K.Marx, "Le capital", vol. 1, en CEuvres, cüo
op.cit., p.556). A ra
8. K. Marx, "Le capital", vol.1, em cEvres, op. cit. p. 566. "Suponhamos que um to d
artigo represente seis horas de trabalho. Quando se produz urna invengáo que permite lho,
produzi-lo [...] em tres horas, o artigo já produzido, que circula no mercado, náo terá mei(

70
RACIONALIDADE AMBIENTAL

mais do que a metade de seu valor primitivo." (K. Marx, "Le capital" vol. 1, em (Euvres,
op. cit. p. 1031).
valor
9. Ibid, p. 854.
úvo ra
10.Ibid, p. 856. Maximilian Rubel indica em seus comentários á obra de Marx que
Ces-
"o texto alemáo fala de `potenzierte Arbeit', sublinhando o adjetivo, o que pareceria indi-
0). O
car que náo se trata de um trabalho qualificado, mas sim de um trabalho de maior inten-
eco-
sidade. A tradugáo inglesa diz intensified labour'" (op. cit., p. 1661). Isso, sem dúvida,
vigos
náo esclarece o problema, posto que se trata da introdugáo de urna inovagáo técnica, e
rpres-
náo apenas de um aumento da intensidade do trabalho.
;arios
11.Ibid., p. 1636.
12."Para aplicar uma medida similar, devemos contar com urna escala comparativa
mard,
das diferentes jornadas de trabalho: é a competigáo que estabelece esta escala" (K. Marx,
"Misére de la philosophie", em cEuvres, op. cit. p. 28).
", e m
13.Marx dirá no livro III de O capital que os valores "se dissimulam atrás dos pre-
balho
gos de produgáo e os determinam em última instáncia" (K. Marx, op. cit., p. 1592).
lar do
14."0 modo de produgáo se considerava definido guando examinamos a mais-valia
balho
proveniente da duragáo prolongada do trabalho. Mas, como é necessário ganhar mais-
lor de
valia pela transformagáo do trabalho necessário em sobretrabalho, já náo basta que o
dorias
capital, deixando intactos os processos de trabalho tradicionais, se contente em prolon-
)alhos
gar simplesmente sua duragáo. Entáo, lhe é necessário transformar as condigóes técnicas
ho de
e sociais" (K. Marx, "Le capital", em (Euvres, op. cit., p. 852). "Uma vez estabelecidos
:empo
os limites da jornada de trabalho, a taxa de mais-valia náo pode elevar-se a náo ser atra-
táncia
vés do incremento da intensidade ou da produtividade do trabalho" (K. Marx, "Le capi-
valor. tal", op. cit., p. 1003).
bstra-
15.Ibid, p. 856.
das as 16.K. Marx, Grundrisse, vol. 3, Anthropos, Paris, 1968, p. 305.
...] do
17.K. Marx, "Le capital", Guvres, op. cit., p. 1112.
nomie 18.Marx aponta que, "estando dadas as bases gerais do sistema capitalista, o desen-
volvimento dos poderes produtivos do trabalho social surge sempre a um certo ponto da
acumulagáo para converter-se, a partir daf, em um mecanismo mais poderoso. [—] O
desenvolvimento das poténcias produtivas do trabalho social que o progresso menciona-
urna
do acarreta manifesta-se através das mudangas qualitativas [...] na composigáo técnica do
c essá-
capital [...] ou seja, a massa de ferramentas e de materiais aumenta cada vez mais em com-
le
paragáo com a soma de forgas de trabalho necessárias para fazé-los funcionar. Na medi-
I,
da em que o incremento do capital se volta ao trabalho mais produtivo, diminui a deman-
da por este em proporgáo da sua própria magnitude. [...] Essas mudangas na composigáo
ter de
técnica do capital se refletem em sua composigáo valor, no crescimento progressivo de
► rodu-
sua parte constante a expensas de sua parte variável. [...] Sem dúvida, o decréscimo da
DO, OU
parte variável do capital em relagáo com sua parte constante, essa mudanga na composi-
luvres,
gáo valor do capital, apenas indica distantemente a mudanga em sua composigáo técnica.
A razáo é que o progresso das capacidades de trabalho, que se manifesta pelo incremen-
ue um
to do equipamento e dos materiais postos em movimento por urna soma menor de traba-
mite
lho, faz também diminuir de valor a maior parte dos produtos que funcionam como
o terá
meios de produgáo" (K. Marx, "Le capital", iEuvres, op. cit., pp. 1134-5).

71
ENRIQUE LEFF

19. "Ternos introduzido o desenvolvimento das forgas produtivas como um elemen- 2


to exterior" (K. Marx, Grundisse, vol. 2, Euvres, op. cit., p. 145). d,
20. "0 desenvolvimento progressivo das forgas produtivas sociais atua uniforme- rr
mente ou quase sobre o tempo de trabalho exigido para a produgáo das diferentes mer- ci
cadorias" (K. Marx, "Critique de l'économie politique", em CEuvres, Économie. 1, op. vi
cit., pp. 289-90. 111
21. K. Marx, "Le capital", Livro I, em cEuvres, Économie. I, op. cit., p. 931.
22. "0 que os trabalhadores parcelários perdem se concentra diante deles no capi- n:
tal. A divisáo manufatureira lhes opóe as poténcias intelectuais da produgáo como a pro- ro
priedade de outro e como um poder que os domina. Essa cisá'o cometa a surgir a partir
da cooperagáo simples. [...] se desenvolve na manufatura, que mutila o trabalhador ao sc
ponto de reduzi-lo a urna parcela de si mesmo; completa-se ao fim com a grande indús- tu
tria que faz da ciencia urna forga produtiva independente do trabalho e a envolve no ser-
vigo do capital" (K. Marx, "Le capital", cEuvres, op. cit. p. 905). qi
23. Ibid., p. 1002. 11(
24. "A mais-valia é conversível em capital, em razáo de o produto líquido no qual cié
esta mais-valia existe já conter os elementos materiais de um novo capital" (K. Marx, "Le di
capital", Euvres, op. cit. p. 1084). re
25. Ibid, pp. 1111-2. ra
26. "Na medida em que o tempo — quantum de trabalho — surge do capital como
o único elemento determinante da produgáo, o trabalho direto tomado corno princípio qu
de criagáo dos valores de uso desaparece, ou ao menos é reduzido quantitativa e qualita- co
tivamente a um rol certamente indispensável, mas subalterno, em relagáo ao trabalho na
científico em geral, da aplicagáo tecnológica das ciencias naturais, e da forga produtiva su.
geral que é resultado da organizagáo social do conjunto da produgáo" (K. Marx, ex
"Principes d'une critique de l'économie politique", em (Euvres, op. cit. vol. 2, p. 301).
27. K. Marx, "Principes", em (Euvres, Economie. II, op. cit., p. 250. hu
28. Ibid., pp. 305-6.
29. "Enquanto o progresso da produgáo reside na mecanizagáo e na industrializagáo san
extensiva, o capital constitui sua forma de movimento eficiente, adequada. Em escala his- de
tórica, podemos encontrar ali urna certa justificativa da existencia do capital, enquanto sol
forma social externa, transitória, do desenvolvimento da civilizagáo. [...] as relagóes de so(
produgáo náo sáo senáo urna forma de movimento das forgas produtivas" (Richta, 1969: del
30-4). nic
30. "A razáo, enquanto pensamento conceitual ou enquanto comportamento, pro- for
duz, necessariamente, a dominagáo. O logos é a lei, o comando, a ordem pelo poder do
for
conhecimento" (Marcuse, 1968: 190).
31. "A mudanga política náo pode converter-se em mudanga social e qualitativa a
col
náo ser na medida em que mudasse o sentido do progresso técnico, quer dizer, na medi-
da em que possa desenvolver urna nova tecnologia. [...] Para que a realidade possa ser se
transcendida, é condigáo necessária previa que esta se cumpra; realizando-se, constitui- sos
ria, ao mesmo tempo, a racionalidade que permitiria essa transcendencia [...] Se a racio-
nalidade tecnológica alcangasse sua perfeigáo, traduziria a ideologia em realidade, e de
transcenderia ao mesmo tempo a antítese materialista desta cultura" (Marcuse, 1968: di fi

72
RACIONALIDADE AMBIENTAL

n elemen- 252, 255, 258). Saltam á luz as contradigóes ás quais leva este "pensamento dialético": a
dominagáo é produzida náo por urna estrutura social e sim por urna "razáo tecnológica";
uniforme- mas as condigóes de seu desaparecimento sáo a plena realizagáo do desenvolvimento
;mes mer- científico-tecnológico. No plano político, implica que a libertagáo depende do desenvol-
nie. I, op. vimento das forgas produtivas e da automatizagáo generalizada dos processos de traba-
lho, e náo de urna prática política tendente a transformar as relagóes sociais de produgáo.
31. 32.Para Feuerbach, "a metafísica ou lógica só é uma ciéncia real, imanente, guando
s no capi- náo se separa do chamado espírito subjetivo [...] Só o homem é a realidade, o sujeito da
1mo a pro- razáo. É o homem o que pensa, náo o eu, náo a razáo" (cit. em Schmidt, 1976: 22).
;ir a partir 33."A natureza é o único objeto de conhecimento. Inclui em si tanto as formas da
[lhador ao sociedade humana como, também, inversamente, só aparece mental e realmente em vir-
ade indús- tude dessas formas" (Schmidt, 1976: 25).
ve no ser- 34.Schmidt se apóia em Ideologia alemd e nos Manuscritos parisienses de Marx, em
que se afirma que "a natureza, entendida como separada do homem, náo é nada para o
homem", para asseverar que, para Marx, as ciéncias "náo proporcionam nenhuma cons-
no qual ciéncia imediata da realidade natural, porque a relagáo humana com esta náo é primor-
rx, "Le dialmente teórica, mas sim de caráter prático-transformacional; náo "existe" uma natu-
reza historicamente náo modificada que seja objeto de conhecimento das ciéncias natu-
rais" (Schmidt, 1976: 28, 46).
*tal como 35.Dessa maneira, o próprio Schmidt afirmava: "A natureza se torna dialética por-
princípio que produz o homem como sujeito mutável, conscientemente ativo, que é enfrentado
qualita- como `poténcia natural'. No homem se relacionam o meio de trabalho e seu objeto. A
trabalho natureza é o sujeito-objeto do trabalho. Sua dialética consiste em que os homens mudam
rodutiva sua natureza enquanto tiram gradualmente da natureza externa seu caráter estranho e
. Marx, exterior, mediam-na consigo mesmos, fazem-na trabalhar teleticamente para eles [...] a
p. 301). dialética do processo laboral como processo natural se amplia á dialética da história
humana em geral" (Schmidt, 1976: 56-7).
36."É certo que toda natureza está mediada socialmente, como também o é, inver-
rializagáo samente, que a sociedade está mediada naturalmente como parte constitutiva da realida-
escala his-
de total. Este último aspecto da vinculag'áo caracteriza a especulagáo latente em Marx
enquanto
sobre a natureza." Schmidt fica enredado nessa identificagáo especular entre natureza e
elagóes de
sociedade ao afirmar que "o sujeito e o objeto de trabalho estáo, em última instancia,
hta, 1969:
determinados pela natureza; no processo imediato de trabalho [...] no intercámbio orgá-
nico entre homem e natureza, o aspecto material se impóe a suas determinagóes históricas
ento, pro-
poder do
formais; no processo de intercambio, que se baseia no processo laboral, as determinageles
formais históricas se impóem a seu aspecto material" (Schmidt, 1976: 87, 97, 99-100).
alitativa a
37."Os conteúdos teléticos perseguidos no trabalho sáo limitados tanto para Hegel
como para Marx. Em ambos há uma limitagáo objetiva determinada pelo material de que
na medi-
possa ser se dispóe e por suas leis, e urna limitagáo subjetiva estabelecida pela estrutura de impul-
constitui- sos e necessidades do homem" (Schmidt, 1976: 114).
e a racio- 38.Dessa forma, diante das dificuldades para explicar a equalizagáo da taxa de lucro
alidade, e de setores produtivos com tempos de circulagáo e com composigáo orgánicas de capital
se, 1968: diferentes, Marx escreve: "Pode parecer que a teoria do valor seja aqui incompatível com

73
ENRIQUE LEFF

o movimento real e os fenómenos específicos da produgáo, e que seja necessário renun-


ciar a compreender estes últimos" (K. Marx, Ibid: 945).
39.Das cinzas da "revolugáo" como significante da mudanga, da novidade, da insur-
géncia, da emancipagáo e da justita na modernidade, a desconstruldo é o mot d'ordre do
pensamento e da condigáo pós-modernos. Dessa maneira, a reconstituigáo das relagóes
sociais de produgáo e o desenvolvimento das forgas produtivas sáo parte de um mesmo
processo de desconstrugáo do logocentrismo das ciéncias (Derrida, 1989) nas quais se
forja a racionalidade económica, da desligitimagáo do regime hegemónico de seu discur-
so e da legitimagáo de outros saberes, abrindo o curso para novos jogos de linguagem que
obedecem a regras diferentes, que "deslocam a idéia de razáo e substituem o princípio de
urna metalinguagem universal por uma pluralidade de sistemas formais e axiomáticos
capazes de argumentar enunciados denotativos [...] o que haverá de conduzir á `inven-
gáo' do contra-exemplo, quer dizer, á inteligibilidade; trabalhar a argumentagáo é procu-
rar o `paradoxo' e legitimá-lo com novas regras do jogo do raciocínio" (Lyotard, 1979).
40. Ver os capítulos 4 e 5 infra. Karl Polanyi apresentou um critério fundamental
para romper a visáo objetivista e positivista da ciéncia, náo apenas ao inscrever dentro do
processo de produgáo de conhecimentos objetivos a pulsáo epistemofílica do cientista e
seu "saber pessoal" (Polanyi, 1958), mas também ao tirar o Real do cerco da realidade
presente e esbogar a idéia do futuro como a potencialidade do Real e do Conhecimento,
questionando a idéia de sua identidade e correspondéncia: "O Real é aquilo que se espe-
ra que se revele indeterminadamente no futuro [—] o ideal de exatidáo deve ser abando-
nado" (Polanyi, 1946: 10).
41. A legitimagáo dos direitos de propriedade intelectual sobre os recursos genéticos
da biodiversidade e o poder de invadir as regióes tropicais do Terceiro Mundo com pro-
dutos transgénicos expressam o poder dessa economia ecologizada e cientificizada.

74
flun-

sur -
eoe
d so

smo
is se
scur-
1 que
.z) de
ticos CAPÍTULO 2 A complexidade ambiental e o fim
ven- do naturalismo dialético
ocu-
79).
lental
to do
ista e
dade
lento,
espe-
ndo-

ticos
1 pro-
1
INTRODUJO

A decomposigáo do conceito de valor — do valor-trabalho ao valor-


símbolo —, que procurava estabelecer as condigóes materiais da produgáo
como princípio da organizagáo económica e um princípio de realidade na
compreensáo da história, culminou na capitalizagáo da natureza e na hipe-
reconomizagáo do mundo. A racionalidade económica levou á recodificagáo
do mundo — de todos os entes e ordens ontológicos — em termos de valor
económico, mas ficou sem um referente e sem suporte na ordem da nature-
za. Nem a dialética da natureza, nem a dialética da história conseguem com-
preender e transcender esse processo que, partindo da sujeigáo do ser á
metafísica, desemboca no império da ordem económica que converte o ser
em ser para a produlcio, em horno economicus. A excessiva objetivagáo da
natureza na ordem económica produz seu reflexo deformado na antropolo-
gia, que estabeleceu a análise da cultura através de urna estrutura simbólica
sem relagáo com a natureza. Dali nasce a preocupagáo em voltar á natureza
esquecida para arraigar o pensamento no Real, para recuperar um "paradig-
ma perdido" (Morin, 1973), que, como fonte de objetividade, abra a possi-
bilidade de recompor o mundo dividido e fragmentado pelo conhecimento.
Ali escorrega o pensamento crítico em diregáo a um pensamento da comple-
xidade que se inscreve dentro da episteme emergente do ecologismo. O
colapso ecológico incitou um retorno á natureza. A crise ambiental se
expressa como urna angústia da separagáo da cultura de suas raízes orgáni-
cas, procurando reconstituir a ordem social a partir de suas bases naturais de
sustentagáo. O ecologismo emerge corno um dos movimentos sociais mais
significativos do final do século XX, procurando restituir as condigóes
impostas pela ordem natural á sobrevivéncia da humanidade e a um desen-
volvimento sustentável. Esse movimento está levando á revalorizagáo das

77
ENRIQUE LEFF

A ÉTICA AM
relagóes económicas, éticas e estéticas do homem com seu entorno, pene-
trando nos valores da democracia, da justita e da convivéncia entre os
A teoria so,
homens; e entre estes e a natureza.
aproximad
O ecologismo náo se constituiu apenas como um movimento de defesa
a converter
da natureza, mas como urna nova cosmovisáo baseada na compreensáo do
no método
mundo como sistema de inter-relagóes entre as populagóes humanas e seu
história do
entorno natural. Isso alimentou um pensamento da complexidade, fundado
trugáo do s
em urna ecologia generalizada (Morin, 1977, 1980, 1993). Essa visáo ecolo-
lismo real.
gizada do mundo foi transferida ao campo do social: da filosofia, da políti-
temológica
ca e da economia. Dessa maneira, nascem a ecologia humana, a bioética e a
Sartre e Le
ecologia profunda (Deval e Sessions, 1995; Naess e Rothenberg, 1989;
ainda o disc
Jonas, 2000), buscando arraigar a ordem social e moral em urna ontologia
Se Mar
da natureza e da vida, enriquecida pela complexidade da organizagáo ecoló-
materialism
gica. Este reenraizamento do social em suas bases naturais implicou, porém,
ca inscreve:
um desconhecimento da ordem simbólica que, a partir dos significados da
gáo ecológic
linguagem e da organizagáo da cultura, organizam os mundos de vida do ser
suas origen:
humano, suas relagóes sociais e suas relagóes de poder, as quais náo podem
do homem
subsumir-se dentro de um sistema de relagóes ecológicas e serem compreen-
hierarquias
didas dentro de urna ordem biológica.
classes e de
Nesse campo ideológico, surgiu a corrente ecoanarquista de Murray
corno a exp
Bookchin (1989, 1990), com a pretensáo de fundamentar a ecologia social
dessas relag,
em uma filosofia natural — um ecologismo dialético —, para orientar a
mica ao Ion
construgáo de urna sociedade ecológica. A ecologia social náo aporta apenas
de globaliza
urna análise da sociedade a partir de seus condicionamentos ecológicos e das
gias de pock
complexas inter-relagóes de seus processos; procura, ao mesmo tempo, con-
ca, que eme
duzir as estratégias e práticas do ecologismo para um processo de descentra-
A filoso
lizagáo baseado na criatividade da vida e na autogestáo das comunidades
que carrega
sobre seu processo de desenvolvimento. A ecologia social de Bookchin
processos ct
orienta novos estilos de vida e formas de organizagáo social baseados em
com a natul
urna teoria de evolugáo ecossocial, em que os princípios ecológicos adqui-
do poder e
rem valor ontológico como urna "verdade objetiva libertadora" para cons-
estratégica,
truir urna "sociedade ecológica". Seu projeto de fundar a filosofia política
estágios de :
do ecologismo em urna renovada dialética da natureza e em urna ética
tico as contr
"ontológica" apresenta problemas á teoria e á agáo social capazes de assen-
ria prescrita
tar as bases teóricas e forjar os sentidos existenciais para a construgáo de
afirma:
urna racionalidade ambiental.

78
RACIONALIDADE AMBIENTAL

A ÉTICA AMBIENTALISTA E A NATURALIZK.ÁO DA SOCIEDADE


pene-
litre os
A teoria social dividiu-se em dois grandes campos: o da teoria crítica e o da
aproximagáo empírico-analítico-positivista da realidade. A dialética chegou
defesa
a converter-se no fundamento teórico e ideológico do racionalismo crítico,
sáo do
no método (o materialismo dialético) que fundamenta o conhecimento da
s e seu
história do sistema capitalista (o materialismo histórico), e orientaria a cons-
ndado
trugáo do socialismo. O pensamento dialético sobreviveu á queda do socia-
ecolo-
lismo real. Mesmo tendo perdido o sentido ontológico e a supremacia epis-
políti-
temológica que pretenderam outorgar-lhe desde Hegel, Engels e Lukács até
ica e a
Sartre e Lefebvre, diante da lógica formal a dialética continua inspirando
1989;
ainda o discurso teórico e político.
tologia
Se Marx procurou basear o socialismo no método de pensamento do
ecoló-
materialismo dialético, Bookchin procura construir urna sociedade ecológi-
wrém,
ca inscrevendo a razáo dialética em uma base ontológica sólida: na organiza-
dos da
gáo ecológica da natureza. Bookchin entende que a degradagáo ecológica tem
do ser
suas origens na dominagáo do homem pelo homem, assim como no domínio
odem
do homem sobre a natureza, e rastreia os momentos históricos em que essas
preen-
hierarquias e formas de dominagáo se estabeleceram nas desigualdades de
classes e de género; mas a eliminagáo dessas formas de iniqüidade aparece
lurray
como a expressáo de urna racionalidade ecológica, sem reconhecer as fontes
social
dessas relagóes de dominagáo na ordem simbólica e na racionalidade econó-
ntar a
mica ao longo da história, nem suas formas atuais no discurso e nas políticas
apenas
de globalizagáo económico-ideológica. Sua dialética náo emana das estraté-
s e das
gias de poder plasmadas nas formagóes discursivas da globalizagáo económi-
, con-
ca, que emergem dos interesses em conflito pela apropriagáo da natureza.
entra-
A filosofia da natureza de Bookchin é baseada em urna teoria evolutiva
dades
que carregaria o gérmen de uma sociedade ecocomunitária, ignorando os
kchin
processos culturais de significagáo que orientaram a co-evolugáo do homem
los em
com a natureza. Bookchin procura rearraigar a ordem simbólica, as fontes
adqui-
do poder e a mudanga social na natureza e náo na razáo crítica ou na agáo
cons-
estratégica, de maneira que a evolugáo da sociedade ecológica para seus
olítica
estágios de autoconsciéncia viria a dissolver em seu desenvolvimento dialé-
ética
tico as contradigóes anteriores e as opressóes da história. A liberdade já esta-
assen-
ria prescrita e predestinada pela ordem biológica. Nesse sentido, Bookchin
;áo de
afirma:

79
ENRIQUE LEFF

O que unifica a sociedade com a natureza em um contínuo gradual e evolu- libertário


tivo é o extraordinário grau em que os seres humanos, vivendo em urna valores ec
sociedade racional e ecologicamente orientada, incorporam a criatividade escassez
da natureza [...] As formas de vida que criam e alteram conscientemente o
A idéil
países mai;
ambiente, através de maneiras que o tornam mais racional e ecológico,
crise econí
representam urna vasta e indefinida extensáo da natureza para [...] a evolu-
nómico e j
gáo de uma natureza completamente autoconsciente [...] Dada esta concep-
gáo econó
gáo da natureza como urna história acumulativa de níveis cada vez mais
pobreza m
diferenciados de organizagáo material (especialmente de formas de vida) e
cos que in
de subjetividade crescente, a ecologia social estabelece urna base para uma
"abundánc
concepgáo significativa da humanidade e sobre o lugar da sociedade na evo-
nem as raí.
lugáo natural [...] A humanidade se converte, de fato, em urna expressáo
te, nem as
potencial da natureza convertida em um processo autoconsciente e autofor-
ficos que h
mativo (1989: 35 - 7: 201).
cas". A hil
sociedade
Bookchin sugere que a conduta humana náo deve ser vista simplesmen-
sistema eco
te como urna resposta adaptativa ao ambiente, já que, a partir das potencia-
tecnológico
lidades e da criatividade da natureza, a consciéncia pode orientar as agóes
dos países
individuais e a evolugáo social na diregáo da liberdade:
dade de cc
hiperconsu
Pelas próprias raízes biológicas de seu poder mental, eles [os seres humanos]
que favores
estáo literalmente constituídos pela evolugáo para intervir na biosfera [...]
Bookcl
sua presenta no mundo da vida marca uma mudanga crucial na diregáo da
que estáo 1
evolugáo, desde uma principalmente adaptativa a outra que, ao menos
sobre a trar
potencialmente, é criatíva e moral (Bookchin, 1989: 72).
ral viria a u
nário. Sem
Bookchin assenta sua dialética em urna moral naturalista, e define como
económico
racional o pensamento e as adíes que se constituem e comportam conforme
dos princíp
as leis ecológicas. A subjetividade humana e o conhecimento surgem como
organizagál
extensóes da evolugáo natural, urna vez que esta chega ao seu último estágio
ciéncia e dI
na autoconsciéncia do homem. Bookchin sugere assim a necessidade de se
Bookchin
"voltar a entrar no contínuo de evolugáo natural e ali desempenhar um papel
baseada em
criativo" (1989: 73). No entanto, náo oferece um pensamento estratégico a
éticos que 1
essa reconstrugáo social. Esse processo de liberagáo dependeria de urna ética
processo lil
naturalista que tersa de emergir e seguir o desenvolvimento espontáneo da
evolugáo biológica. A consciéncia ecológica tersa que gerar um movimento

80
RACIONALIDADE AMBIENTAL

!volu- libertário mundial baseado em um interesse humano unificado, guiado pelos


valores ecoanarquistas que emergem da generalizagáo da condigáo de pós-
t urna
escassez da sociedade atual. 1
idade
A idéia de um processo global que estaria levando o mundo (inclusive os
:nte o
países mais industrializados) a um estágio de pós-escassez é questionada pela
crise económica, pelas dificuldades de se elevar as taxas de crescimento eco-
:volu-
nómico e pela crescente desigualdade económica na dinámica da globaliza-
ncep-
gáo económica, assim como pela persistente destruigáo da natureza e da
ma is
pobreza no mundo. Bookchin náo parece perceber os limites termodinámi-
ida) e
cos que impedem que se continue a acelerar o progresso na diregáo dessa
r urna
"abundáncia" que, por sua vez, vai minando as bases ecológicas do planeta,
l evo-
nem as raízes das desigualdades da ordem económico-ideológica dominan-
.essáo
te, nem as estratégias do poder que bloqueiam a difusáo dos avangos cientí-
tofor-
ficos que haveriam de "libertar" a humanidade de suas cadeias "pré-ecológi-
cas". A hipótese de que a riqueza da sociedade levará á transigáo a urna
sociedade ecológica é ainda menos convincente; náo há indícios de que o
men-
sistema económico tenha capacidade de se ecologizar, de que o progresso
incia-
tecnológico possa desmaterializar a produgáo, de que haja urna vontade real
agóes
dos países em reduzir suas emissóes de gases de efeito estufa, de que a socie-
dade de consumidores tenha a intengáo de rechagar generalizadamente o
hiperconsumo nem de que haverá urna mudanga nas preferéncias pessoais
anos]
que favorega os valores do ecologismo, da frugalidade e da solidariedade. 2
a ]...]
Bookchin sustenta sua argumentagáo em princípios morais e filosóficos
lo da
que estáo longe de ser confirmados pela história atual e de apoiar sua idéia
renos
sobre a transigáo a urna "sociedade ecológica". Para Bookchin, a moral natu-
ral viria a unificar a raga humana em um novo empreendimento (r)evolucio-
nário. Sem dúvida, os instrumentos de controle ideológico, tecnológico e
KMTIO
económico oferecem obstáculos á incorporagáo das condigóes ecológicas e
arme
dos princípios de eqüidade social e democracia política por novas formas de
orno
organizagáo produtiva e social, assim como á emergéncia de urna nova cons-
:ágio
ciéncia e de estratégias de poder capazes de modificar a ordem dominante.
le se
Bookchin sustenta um amplo debate com a ecologia profunda. Se esta é
,apel
baseada em urna bioética normativa, a ecologia social repousa em princípios
ico a
éticos que teriam de emergir de urna consciéncia evolutiva para conduzir o
ética
processo libertador da humanidade em sua era ecológica:
o da
ento

81
IE
ENRIQUE LEFF

Os princípios ecológicos que deram forma ás sociedades orgánicas reemer- libidina


gem na forma de princípios sociais para dar forma á utopia [...] a reemergén- desde as
cia "dos poyos" [...] deve tratar de questóes que se definem melhor como de" (Boc
problemas éticos e náo simplesmente económicos. Apenas por um ato da socie
supremo de consciéncia e de probidade ética esta sociedade poderá mudar de da na
o que é fundamental (Bookchin, 1971/1990: 23, 41). cidade d
e do poc
A representagáo societária que emerge da ecologia social aparece como nos e ná
urna forga moral capaz de controlar a economia e ajustar a tecnologia a con- sustentó:
digóes ecológicas que permitam a sobrevivéncia dos poyos e urna produgáo ral" dese
sustentável. Bookchin procura na natureza esse princípio ético capaz de agáo esti
exercer um controle sobre os atuais processos ecodestrutivos e de guiar a dos atore
sociedade até a sustentabilidade. Embora reconhega o caráter criativo da atualizac
natureza e náo desconhega a idéia da ecotecnologia, ele náo considera a e de mu
fecundidade e os potenciais de sua organizagáo ecossistémica como base socioaml
para gerar urna nova economia fundada nos potenciais ecológicos da natu- urna "sol
reza e nos sentidos provenientes da diversidade cultural.
Sua visáo da utopia como realizagáo completa de um projeto revolucio-
nário do qual se encarregaria a dialética interna da natureza continua sendo
refém do totalitarismo ideológico e teórico. 3 Essa idéia da mudanga social MONISM(
que deve conduzir a urna sociedade ecológica contrasta com a proposta de A NEGAq.)
construir urna racionalidade ambiental a partir da emergéncia do saber
ambiental e das transformagóes do conhecimento que este induz (Leff, Com o F
1986/2000; 2001a; 2001b), que implicam urna "revolugáo permanente" e a contínuo
incompletude do conhecimento. Dentro dessa racionalidade ambiental, a ao terrer
utopia se apresenta como urna política da diversidade e da diferenga, funda- logia soc
da nas potencialidades da natureza, na tecnologia e na cultura, que se cons- — o nal
trói socialmente através de urna teoria política e de agóes estratégicas, e náo epistemo
por urna simples "atualizagáo" do real existente. as produ
Bookchin revolve os sedimentos do pensamento dialético para articular corno "se
urna retórica messiánica e libertadora sem urna visáo crítica da mudanga lético qu
social. Sua narrativa de urna sociedade desalienada, sem classes e sem pro- meira na
priedade privada ignora a dialética do poder e do desejo que constituem a do contíi
natureza humana, e náo chega a apresentar urna teoria estratégica e urna natureza
prática capaz de desconstruir o sistema dominante e de construir urna Book
ordem social alternativa. O anarquismo de Bookchin é "urna emergéncia elaborad:

82
RACIONALIDADE AMBIENTAL

eemer- libidinal das pessoas, corno urna revolta do inconsciente social que vem
nergén- desde as lutas mais antigas da humanidade contra a dominagáo e a autorida-
r como de" (Bookchin, 1971/1990: 21). Dessa maneira, ele "vincula a reconstrugáo
um ato da sociedade á reconstrugáo da psique". Unindo os tragos da espontaneida-
mudar de da natureza humana á evolugáo biológica, Bookchin confunde a especifi-
cidade da natureza humana (a ordem simbólica, do inconsciente, da cultura
e do poder) com a ordem biológica, ignorando assim os obstáculos (huma-
e como nos e náo naturais) que impedem a transigáo a um desenvolvimento justo e
a con- sustentável através de estratégias simbólicas e políticas. 4 Esta "filosofia natu-
odugáo ral" desemboca em urna espontaneidade afastada do pensamento crítico e da
paz de aláo estratégica. Suas profundas raízes ecológicas resultam na passividade
guiar a dos atores sociais do ecologismo, á espera de que as forgas da natureza sejam
tivo da atualizadas na sociedade através de um processo natural de autoconsciéncia
idera a e de mudangas espontáneas. Essa teoria náo consegue explicar a crise
lo base socioambiental e desenvolver urna estrategia efetiva para a construgáo de
a natu- urna "sociedade ecológica".

olucio-
sendo
a social MONISMO ONTOLÓGICO E HOLISMO ECOLÓGICO:
osta de A NEGAÁO DO NATURALISMO DIALÉTICO
3 saber
(Leff, Com o propósito de estabelecer um campo teórico unificado para ver seu
ate" e a contínuo evolutivo e expandir o funcionamento da natureza (sua dialética?)
2ntal, a ao terreno da sociedade e do pensamento, Bookchin procura fundar a eco-
funda- logia social em um monismo ontológico. As categorias da natureza e do ser
e cons- — o natural, o cultural e o social — perdem sua especificidade ontológica e
;, e náo epistemológica. A natureza da natureza se confunde com as formas do ser;
as produgóes humanas (o pensamento, a cultura e a história) aparecem
rticular como "segunda natureza". Bookchin procura elaborar um naturalismo dia-
udanga lético que lhe permita "derivar organicamente a segunda natureza da pri-
m pro- meira natureza [...], usando um modo de pensamento que distingue as fases
ituem a do contínuo evolutivo de onde emerge a natureza segunda, preservando a
e urna natureza primeira como parte do processo (1990: 164)".
ir urna Bookchin encontra nesse naturalismo dialético o que de maneira mais
rgéncia elaborada o "pensamento da complexidade" desenvolve como um processo

83
ENRIQUE LEFF

de "auto-organizagáo da physis" na perspectiva de urna "ecologia generali- O pensa


zada" (Morin, 1977, 1980). A segunda natureza aparece assim corno um
formagáo
epifenómeno da evolugáo "natural" da natureza. Essa concepgáo da realida-
dade como
de pode descrever, mas náo oferece urna explicaláo para a constituigáo da
(nunca idea
hierarquia, da dominagáo, do patriarcado, das classes e do Estado, que
mento dos p
foram emergindo através desse desenvolvimento. Essa filosofia naturalista
digáo social
náo pode apreender o "ponto de inflexáo" onde a cultura emerge da natu-
o concreto
reza, e a diferenga irredutível do real e do simbólico.
múltiplas qu
Bookchin tenta forjar urna dialética da natureza nos moldes da ecologia,
ca idealista (
desenvolver novas "formas da razáo que sejam orgánicas e que ao mesmo
tempo conservem suas qualidades críticas" (Bookchin, 1990: 11). Procura, ser urna lógi,
assim, estabelecer a superioridade do naturalismo dialético diante da razáo urna autocoi
analítica e da teoría dos sistemas. 5 Nessa perspectiva, Bookchin critica com No mate
acerto a racionalidade científica que olha a realidade social como urna com- urna necessic
pilagáo de dados, sem reconhecer que estes sáo a objetivagáo de urna deter- classes e da:
minada visáo do mundo, urna construgáo social do real. Com sua obsessáo Engels (1961
pela objetividade dos dados, as variáveis e os fatos, a visáo científica perde dialético enr
de vista a potencialidade do real, a fertilidade do devir, a abertura para a mínio onto1(
novidade, o campo do possível e a construgáo do futuro. Essa racionalidade no pensamei
nega a utopia como um projeto prospectivo gerador de mudangas sociais. pios gerais d
Em Dialética do iluminismo, Horkheimer e Adorno haviam afirmado: quantidade <
estes pudess<
O iluminismo é totalitário [...] O iluminismo reconhece a priori como ser e representam
acontecer apenas aquilo que se deixa reduzir a urna unidade: seu ideal é o dade de se el
sistema, do qual se deduz tudo e qualquer coisa. Nesse ponto náo se distin- nagóes, a dir
guem as suas versóes racionalista e empirista [...] Apesar de todo o pluralis- rial. Isso foi
mo dos campos da pesquisa, o postulado de Bacon de urna scientia univer- desde a física
sales é táo hostil ao que náo é possível relacionar como a mathesis universa- tórico e a psi
lis de Leibiniz ao salto. A multiplicidade das figuras fica reduzida á posigáo "idealismo"
e ao ordenamento, a história, ao fato, as coisas, á matéria [...] A unificagáo
da fungáo intelectual pela qual se cumpre o domínio sobre os sentidos, a Hegel rei
reduláo do pensamento á produláo de uniformidade, implica o empobreci- da teolol
mento tanto do pensamento como da experiéncia (Horkheimer e Adorno, absoluto
1944/1969: 19, 52). maneira,
Engels a
táo apaix

84
RACIONALIDADE AMBIENTAL

:rali- O pensamento dialético oferece princípios gerais para perceber a trans-


um
formaláo do real. Sem dúvida, para que essa lógica possa apreender a reali-
lida-
dade como conhecimento concreto, deve haver urna correspondéncia
o da
(nunca identidade) entre o pensamento e o real que se manifesta no movi-
que
mento dos processos materiais. Para Marx, a dialética se expressa na contra-
¡lista
diláo social como urna relagáo estrutural entre interesses de classe opostos;
latu-
o concreto se condensa no conceito corno a articulagáo de determinagóes
múltiplas que tornara inteligível a realidade. Assim, Marx inverteu a dialéti-
ogia,
ca idealista de Hegel e fundou o materialismo dialético. A dialética deixa de
smo
aura, ser urna lógica que se forma na mente como reflexo da realidade ou que gera
urna autoconsciéncia dos homens através de um processo evolutivo.
com No materialismo histórico, a razáo dialética surge no pensamento como
om- urna necessidade de apreender um processo social gerado pelo confito entre
eter- classes e das contradigóes internas do capital corno modo de produgáo.
ssáo Engels (1968) procurou dar urna base ontológica mais geral ao materialismo
erde dialético enraizando-o em urna dialética da natureza. Indo além do predo-
ira a mínio ontológico do ser sobre o pensar e da práxis sobre a teoria presente
jade no pensamento de Marx, Engels quis ajustar as leis da natureza aos princí-
iais. pios gerais da dialética (totalidade, negagáo e contradigáo; transformagáo de
quantidade em qualidade; relagáo do todo com as partes), de maneira que
estes pudessem ser confirmados pela realidade. No entanto, esses princípios
ser e representam apenas urna aproximagáo metateórica que náo supre a necessi-
Iéo dade de se elaborar conceitos teóricos específicos para apreender as determi-
stin- nagóes, a dinámica própria e as transformagóes de qualquer processo mate-
alis- rial. Isso foi o que o desenvolvimento da ciéncia produziu no século XIX,
iver- desde a física, a biologia evolutiva e a termodinámica até o materialismo his-
ersa- tórico e a psicanálise. Bookchin acerta ao apontar os desvarios da dialética no
i¡áo "idealismo" de Hegel e no "materialismo" de Engels:
aláo
os, a Hegel reificou a dialética como um sistema cosmológico que se aproximou
reci- da teologia ao tentar reconciliá-la com o idealismo, com o conhecimento
Irno, absoluto e com o desenvolvimento de um logos místico [...] Da mesma
maneira, a dialética se mesclou com um precário materialismo guando
Engels a revestiu com as "leis" do materialismo dialético [...] Engels estava
táo apaixonado pela matéria e pelo movimento como "atributos" irredutí-

85
ENRIQUE LEFF

veis do Ser que em seu trabalho a cinética baseada no movimento tendeu a indagagáo
invadir sua dialética do desenvolvimento orgánico (Bookchin, 1990: 15). so a urna
de auto-oi
Bookchin tem razáo em sua crítica a Engels; mas a mesma crítica pode- cia humar
ria ser aplicada a ele, pois está táo apaixonado pela evolugáo e pela ecologia vado que
como modelo para a dialética da natureza que a transfere acriticamente á lógico sob
ordem social. 6 Bookchin procura resgatar o pensamento dialético amalga- O nat
mando-o na evolugáo biológica, e estabelecer uma filosofia da natureza que do na tecr
possa guiar a agáo social através de leis racionais e objetivas. Como resulta- construgát
do, postula uma ontologia organicista e uma ecologia generalizada. Book- estratégial
chin afirma que seu "naturalismo dialético pode responder a perguntas tais foi descer
como: o que é a natureza?; qual é o lugar da humanidade na natureza?; o desejo e d,
que é a forra da evolugáo natural e qual é a relagáo da sociedade com o o desejo e
mundo natural?". Pensa que o naturalismo dialético "pode dar coeréncia se e da orl
[...e] agregar urna perspectiva evolutiva ao pensamento ecológico [...] apesar simbólico.
da rejeigáo de Hegel á evolugáo natural e seu recurso ás teorias mecanicistas e o conhec
da evolugáo que estavam em yoga um século antes" (Bookchin, 1990: 16). da reflexái
Mas como podiam os princípios gerais da razáo dialética dar coeréncia O m o(
e oferecer urna perspectiva evolutiva á ecologia? O caráter evolutivo da eco- lética da tr
logia provém de seu objeto científico, de cuas articulagóes conceituais com a terminará(
biologia evolutiva e com as teorias dos sistemas complexos, e náo do pensa- pelo códig
mento metafísico. Certamente, a ecologia pode "informar" a agáo social cia da con
para internalizar as condigóes ecológicas de urna organizagáo e de urna pro- cionista pc
dugáo sustentável; mas isso náo implica a necessidade de "ecologizar" o nificagáo e
pensamento humano e de generalizá-lo para explicar a consciéncia social e a lógicas que
agáo política. A ecologia contribui para a análise dos sistemas complexos esta o códi
emergentes (Funtowicz e Ravetz, 1994); no entanto, náo conduz á reconver- dos autóm
sáo da ordem social dentro de um modelo ecológico nem á fundagáo de urna "auto-orga
sociedade ecológica dentro dos princípios do naturalismo dialético. reza da nat
Bookchin está á procura de urna filosofia da natureza que possa apoiar
urna moral da "isonomia". A ética da natureza foi, certamente, pervertida
pelo predomínio da epistemologia sobre as condigóes ontológicas do ser; a
racionalidade científica da modernidade — do mecanicismo ao positivismo DIALÉTICA E
lógico e ao estruturalismo — cristalizou-se em urna racionalidade do domí-
nio sobre a natureza. A fenomenologia abre urna via para a reconstrugáo das O material
diversas formas do ser em sua relagáo com a natureza, mas justamente essa samento e

86
RACIONALIDADE AMBIENTAL

eu a indagaláo implica um impossível retorno a urna filosofia natural. O regres-


5). so a urna metafísica da natureza — concebida corno um processo evolutivo
de auto-organiznáo da natureza que alcanla seu último estágio na conscién-
ode- cia humana, na moral e no conhecimento — resulta em um idealismo reno-
ogia vado que reduz o pensamento crítico a urna auto-reflexáo do organismo bio-
te á lógico sobre a consciéncia do sujeito do conhecimento e da náo social.
lga- O naturalismo ontológico e o essencialismo ecologista perderam senti-
que do na tecnologiznáo do mundo atual e na percepgáo da história corno urna
alta- construláo social através da linguagem e da cultura, da ordem simbólica e de
)ok- estratégias de poder no saber (Foucault). O sujeito autoconsciente da ciéncia
tais foi descentrado pela psicanálise, descobrindo as raízes inconscientes do
?; o desejo e do poder. Nada é menos "natural" do que o sujeito e a consciéncia,
mo o desejo e o poder. A dialética encontra seu sentido no campo da psicanáli-
ncia se e da organiza0o cultural corno a negagáo do orgánico e a emergéncia do
esar simbólico. Nessa perspectiva, o sujeito náo poderá alcarnar a idéia absoluta
estas e o conhecimento total; náo atingirá sua realizagáo e sua completude através
6). da reflexáo da natureza no conhecimento como um ato de autoconsciéncia. 7
ncia O modelo da biologia evolucionista já náo corresponde a nenhuma dia-
eco- lética da transcendéncia. O real aparece modelado pelo caos, o azar e a inde-
ma terminnáo, segundo o paradigma que inaugura a ordem da vida organizada
risa- pelo código genético (Monod), e pela incerteza e o caos determinista na cién-
cial cia da complexidade (Prigogine). 8 No entanto, a troca do paradigma evolu-
)ro- cionista por um código genético também náo poderia gerar urna via de reu-
"o nificagáo do real com o simbólico. Nisso fracassam as perspectivas epistemo-
ea lógicas que procuram ancorar-se e assentar-se em uma natureza objetiva (seja
xos esta o código genético, a ecologia generalizada ou a organiznáo cibernética
✓er- dos autómatos), para estabelecer o fio condutor que, guiando o processo de
ma "auto-organiznáo da physis", permitiria unificar em um "método" a "natu-
reza da natureza" e o "conhecimento do conhecimento" (Morin). 9
)iar
ida
r; a
mo DIALÉTICA E TOTALIDADE, ECOLOGIA E SISTEMAS
mí-
das O materialismo dialético, através do qual Engels pretendeu unificar o pen-
ssa samento e a matéria, náo sobreviveu á prova da história e da razáo crítica.

87
ENRIQUE LEFF

No entanto, o pensamento dialético encontrou solo fértil na ecologia e na O pode


teoria de sistemas guando autores como Lukács, Kosik e Goldmann Ihe (inclusi
deram um novo sentido, colocando a categoria de totalidade numa posigáo renga e
privilegiada, acima dos princípios de negagáo e contradigáo: níveis a
abstrat,
Náo é o predomínio dos motivos económicos na explicagáo da história o preendi
que distingue de maneira decisiva o marxismo da ciéncia burguesa, mas sim geneil
o ponto de vista da totalidade. A categoria de totalidade — o predomínio de, enq
universal e determinante do todo sobre as partes — constitui a esséncia do particul
método que Marx tomou de Hegel e transformou para construir a base ori- táo nec
ginal de uma ciéncia completamente nova [...] O predomínio da categoria evolugá
de totalidade é o suporte do princípio revolucionário na sociedade (Lukács, urna lóg
1923/1960: 39). 1990: 1

A categoria de totalidade converteu-se no cavalo de Tróia que introdu- Bookch


ziu a Idéia Absoluta no território do materialismo dialético. Com a incorpo- teoria de si
ragáo paradigmática da teoria geral de sistemas como um método transdis- materiais ni
ciplinar para a articulagáo das ciéncias, a categoria de totalidade perdeu seu gico. Bookc
sentido revolucionário. Bookchin criticou acertadamente a teoria geral de tico capaz d
sistemas (Von Bertalanffy, 1976) por seu enfoque positivista e sua falta de gem com a ;
bases ontológicas; em troca, hipostasiou a ecologia como base material e simbólica, c
conhecimento de um processo de auto-organizagáo que se desenvolve "dia- nova sociec
leticamente" em diregáo a um estado acabado de completude e totalidade. (que gera ut
A evolugáo dos ecossistemas naturais, o comportamento dos sistemas alto a consti
complexos e o devir no pensamento dialético compartem, como princípios ral, históric
comuns, a novidade e a emergéncia. Ao subsumir a dialética como método correspond
de pensamento e argumentagáo (a dialógica, a negagáo, a oposigáo dos con- ordens do r
trários) na ecologia, a razáo crítica se dissolve na evolugáo biológica, na cos, náo pe!
organizagáo ecológica e na cibernética; a dialética se converte em inter- ecológicos a
relag'áo, interdependéncia e retroalimentagáo. Bookchin estabelece um para- A comp
lelo entre o pensamento orgánico e a dialética como opostos ao pensamen- integrar os
to analítico e á abstragáo formal. O pensamento orgánico-dialético seria como um sis
superior á teoria de sistemas precisamente porque o primeiro pode explicar diferencial
os processos materiais diferenciados que sáo reduzidos pela teoria dos siste- epistémica,
mas a suas estruturas analógicas comuns: ta, pela teor,
ras analógic,

88
RACIONALIDADE AMBIENTAL

a e na O poder da tradigáo orgánica ocidental — mais precisamente da dialética


lhe (inclusive no alto nivel conceitual de Hegel) repousa na construgáo da dife-
osigáo renga entre fenómenos naturais e sociais desde o que está implícito em seus
níveis abstratos, náo em [...] reduzir sua rica concregáo articulada a "dados"
abstratos e logicamente manipuláveis [...] A dialética [...] procura com-
tória o preender o desenvolvimento dos fenómenos a partir de seu nível de horno-
sim geneidade abstrata, latente na rica diferenciagáo que marcará sua maturida-
)mínio de, enquanto a teoria de sistemas procura reduzir os fenómenos desde sua
icia do particularidade altamente articulada até o nivel de abstragáo homogénea
ise ori- táo necessária á simbolizagáo matemática. A dialética [...] é uma lógica da
tegoria evolugáo que vai da abstragáo até a diferenciagáo; a teoria dos sistemas é
,ukács, urna lógica de involugáo que vai da diferenciagáo até a abstragáo (Bookchin,
1990: 153).

trodu- Bookchin acerta ao assinalar o caráter aontológico e reducionista da


,:orpo- teoria de sistemas. Mas seu reconhecimento da diferenciagáo de processos
msdis- materiais náo é coerente com a postulagáo que faz de um monismo ontoló-
eu seu gico. Bookchin procura basear sua argumentagáo em um naturalismo dialé-
;mi de tico capaz de apreender a especificidade dos diferentes processos que emer-
Lita de gem com a auto-organizagáo da natureza, desde a matéria física até a ordem
erial e simbólica, desde a evolugáo biológica até a consciéncia dos sujeitos de uma
"dia- nova sociedade ecológica. Nessa visáo do "desenvolvimento da matéria"
iade. (que gera uma maior complexidade e processos de diferenciagáo), passa por
;temas alto a constituigáo de novas ordens ontológicas — a ordem simbólica, cultu-
icípios ral, histórica e social — e as formas específicas de conhecimento que lhes
iétodo correspondem, quer dizer, cuas ordens epistemológicas. As diferentes
s con- ordens do real devem ser apreendidas mediante conceitos teóricos específi-
ca, na cos, náo pela extensáo dos princípios da biologia evolutiva e dos sistemas
inter- ecológicos até a sociedade.
, para- A compreensáo do mundo como "totalidade" apresenta o problema de
amen- integrar os diferentes níveis de materialidade que constituem o ambiente
seria como um sistema complexo, e a articulagáo do conhecimento dessas ordens
,plicar diferenciadas do real, para dar conta destes processos. Nessa construgáo
siste- epistémica, o pensamento dialético foi seduzido pelo pensamento organicis-
ta, pela teoria de sistemas — procurando a unidade das ciéncias nas estrutu-
ras analógicas de diferentes ordens de materialidade — e pelo estruturalis-

89
ENRIQUE LEFF

mo genético, a partir do qual a evolugáo do pensamento e dos conceitos ordem si:


parece emergir do desenvolvimento complexo da matéria. Nesse sentido, nicista ac
Kosik viu "a reunificagáo do real através das analogias estruturais entre os 1971, 19
mais diversos domínios da realidade", ao grau em que "todas as esferas da dos proc
realidade objetiva sáo sistemas ou agregados de elementos que exercem, uns da orden
sobre os outros, uma influéncia recíproca". Kosik, entretanto, adotou uma (Lacan, 1
postura crítica do reducionismo monista ao afirmar que A dif
o concrel
só urna compreensáo dialética dos aspectos ontológicos e epistemológicos de ser reduz
urna estrutura e de um sistema podem dar urna solugáo fértil e evitar os organiza(
extremos do formalismo matemático e de uma ontologia metafísica [...] as emergénc
analogias estruturais entre as diferentes formas das relagóes humanas (lin- to, que ni
guagem, economia, parentesco etc.] podem levar a urna compreensáo mais ralizagáo
profunda e a urna explicagáo da realidade social somente se forem respeita- gáo de coi
das tanto as analogias estruturais como a especificidade dos fenómenos con- Esses com
siderados (Kosik, 1970: 31). subsumir-
capaz de t
Em uma visáo que integraria o estruturalismo genético ao pensamento lógicos sál
dialético, Kosik pensou a diferenciagáo ontológica entre a matéria e o ser rentes ord
como urna hierarquia de níveis de complexidade de diferentes estruturas na A ton.
transformagáo evolutiva da totalidade concreta: "no pensamento dialético, mológica
a realidade é concebida e representada pela totalidade, que náo é apenas um ordens on
conjunto de relagóes, fatos e processos, mas inclui também sua criagáo, sua mento cor
génese e sua estrutura (Kosik, 1970: 34)." tiplas de
No entanto, Kosik acabou adotando urna epistemologia realista e urna haver um;
visáo evolutiva dos conceitos ao afirmar que a complexidade emergente da náo emerl
matéria se reflete no processo evolutivo de produgáo teórica. Dessa manei- reflexo da
ra, argumentou que, para apreender processos materiais de complexidade organizan
crescente (matéria física, sistemas vivos, ordem simbólica), as categorias que ciéncia de
se aplicara nos primeiros níveis (os dos processos mecánicos) servem corno sos incons
urna primeira aproximagáo que pode ser enriquecida através de categorias pensamen
lógicas mais elaboradas. No entanto, os conceitos teóricos náo evoluem em cimento.]
um processo progressivo de adequagáo do pensamento á realidade. Como O conceit(
argumentaran o racionalismo crítico e a epistemologia estruturalista, os sos materi
conceitos mecanicistas e organicistas funcionaram corno obstáculos episte- ontológica
mológicos na construgáo de conceitos que correspondem á organizagáo da de conhec

90
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ritos ordem simbólica e social (Bachelard, 1938). A aplicagáo de urna visáo meca-
[tido, nicista aos sistemas biológicos velou a inteligibilidade da vida (Canguilhem,
re os 1971, 1977), assim como a extensáo dos princípios organizadores da vida e
as da dos processos ecológicos á sociedade humana desconhece a especificidade
uns da ordem histórica e simbólica; do poder, do desejo e do conhecimento
urna (Lacan, 1971; Foucault, 1966, 1969).
A diferenciagáo da matéria e dos conceitos (única maneira de apreender
o concreto da articulagáo de processos que constitui o ambiente) náo pode
os de ser reduzida á emergéncia de novos tragos, caracteres e fungóes na auto-
ar os organizagáo da matéria vivente. A "evolugáo" do ser langa ao mundo a
.] as emergéncia de formas diferentes de organizagáo da matéria e do pensamen-
(lin- to, que náo podem ser reduzidas a um monismo ontológico baseado na gene-
mais ralizagáo de princípios ecológicos. Coloca-se, assim, urna necessária produ-
)eita- gáo de conceitos para apreender a especificidade de diferentes ordens do real.
con- Esses conceitos náo podem ser reduzidos ás categorias gerais da dialética nem
subsumir-se na biologia evolutiva como urna teoria orgánica transdisciplinar
capaz de unificar o natural e o social. Tais princípios ontológicos e epistemo-
ento lógicos sáo condigóes necessárias para que se apreenda a articulagáo das dife-
D Ser rentes ordens do real: física, biológica, história e simbólica. 10
s na A totalidade como concregáo da complexidade é uma categoria episte-
ico, mológica que pode ser aplicada como princípio metodológico a diferentes
um ordens ontológicas. Nesse sentido, a totalidade concreta aparece no pensa-
sua mento como uma categoria para apreender a síntese das determinagóes múl-
tiplas de um processo. Para que o conceito represente o concreto, deve
ma haver uma forma de correspondéncia objetiva com o real. Essa concregáo
da náo emerge dos fatos e dos dados "puros" da realidade, nem resulta de um
ei- reflexo da natureza na consciéncia subjetiva. A natureza, a matéria e o ser se
de organizam em ordens ontológicas distintas, que náo tém nenhuma "cons-
ue ciéncia de si" (o sujeito psicológico náo tem uma consciéncia de seus proces-
mo sos inconscientes). A totalidade concreta dessas ordens materiais aparece no
ias pensamento conceitual por meio da produgáo de objetos teóricos de conhe-
em cimento. Tal processo epistemológico dá sentido, significado e valor ao real.
o O conceito apreende a realidade em sua "correspondéncia" com os proces-
os sos materiais, dando, assim, tonta da especificidade das diferentes ordens
te- ontológicas do real. No entanto, essa relagáo entre o conceito de seu objeto
da de conhecimento, o real e a realidade empírica nunca alcanga a identidade

91
ENRIQUE LEFF

ciéncia, pel
no processo de "representagáo cognoscitiva" do ser e do ente. Em conse-
na conscién
qüéncia, o real e o simbólico náo podem fundir-se em um monismo ontoló-
O sabe;
gico que faria corresponder urna natureza a urna lógica por meio da auto-
verdade coi
reflexáo da matéria na mente em um processo ecológico evolutivo.
O desejo qu
Ante o predomínio do uso instrumental da ciéncia moderna, Bookchin
to encantou
vé na ecologia a possibilidade de "restaurar e inclusive transcender o estágio
trumental,
libertador das ciéncias e filosofias tradicionais" (1971/1980: 80). No entan- diferenga e
to, a ecologia — corno a teoria geral dos sistemas — náo se torna revolucio- rando o am
nária por seu enfoque integrador e por sua vontade de totalidade. Além essa fonte d
disso, a ecologia se generalizou e estendeu-se até os domínios da história — de (Leff, 20
da ordem simbólica e social —, desconhecendo o caráter específico da natu- O proje
reza humana — as relagóes de poder, os interesses sociais, o desejo humano, de de estenl
a organizagáo cultural, a racionalidade económica —, que náo podem ordens da ni
subsumir-se em urna ordem ecológica genérica e generalizada. retórica met
O ecologismo procura recuperar as conexóes entre o todo e as partes, crítica do ar
em um sentido tanto dialético e transcendental corno existencial: procura, dialética ao
através de um método para pensar a complexidade, reconciliar a harmonia nalidade am
do indivíduo no cosmos que havia sido rompida tanto pela alienagáo do lético deve
homem diante da criagáo divina como da ordem social — do cosmo, do para examir
logos e da pólis —, desde os gnósticos até a deriva do niilismo no existencia- ambiental e
lismo. Essa separagáo entre a ordem cósmica e o ser humano náo é apenas gáo de uma
um sintoma de uma ordem social totalitária opressiva e alienante, mas a con- O pensa
digáo do ser humano como ser simbólico." articulagáo
A vontade de identidade e totalidade do monismo ontológico foi ques- derivam de
tionada tanto pelo estruturalismo crítico como pelas teorias pós-estrutu- incorporand
ralistas. Quando vemos a natureza e a sociedade a partir da perspectiva da de emergent
cultura e da ordem simbólica — do sentido e dos valores; do inconsciente e interesses so
do desejo —, torna-se impossível aspirar á totalidade. O ambiente pode ser urna "socied
conceitualizado como uma estrutura socioecológica complexa que incorpo- métodos da
ra bases ecológicas de sustentabilidade e condigóes sociais de eqüidade e explicam a r
democracia. No entanto, os princípios e valores que guiam a reorganizagáo pensamento
da sociedade como urna nova utopia aparecem como um desejo que induz frontagáo df
um interminável processo de transformagáo social e do saber que nenhum Além de urm
conhecimento — por mais holístico que seja — pode saciar. Esta "falta em positividades
ser" e "falta de conhecimento" náo pode ser preenchida pelo progresso da pensamento

92
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ciéncia, pelo poder da tecnologia ou pela atualizagáo da natureza orgánica


conse-
na consciéncia humana.
ontoló-
O saber ambiental vem, assim, questionar a pretensáo de se alcangar a
a auto-
verdade como a identidade de um saber holístico com urna realidade total.
O desejo que anima a procura por urna unidade e totalidade do conhecimen-
lokchin
to encantou e aprisionou os seres humanos a um mundo homogéneo e ins-
estágio trumental, reprimindo a vitalidade e a produtividade do heterogéneo, da
entan- diferenga e da diversidade no campo do conhecimento e da cultura, igno-
olucio- rando o ambiente como o grande Outro dos paradigmas positivistas, como
Além essa fonte de criatividade que impulsiona a construgáo de outra racionalida-
ória — de (Leff, 2001a, 2001b, 2003). 12
[a natu- O projeto de basear a dialética em um conceito de totalidade e a vonta-
omano, de de estender seu domínio de aplicagáo a um campo que inclua todas as
Podem ordens da natureza, da matéria, do espírito e do ser levam á geragáo de urna
retórica metafísica, em lugar de contribuir para a elaboragáo de urna teoría
partes, crítica do ambiente. Nesse sentido, é necessário reavaliar a contribuigáo da
tocura, dialética ao conhecimento crítico capaz de guiar a construgáo de uma racio-
rmonia nalidade ambiental e de urna sociedade ecocomunitária. O pensamento dia-
gáo do lético deve se reatar aos processos emergentes da complexidade ambiental
no, do para examinar os efeitos do pensamento metafísico e científico na crise
tencia- ambiental e para reorientar a ciéncia, o pensamento e a agáo para a constru-
apenas gao de urna racionalidade ambiental.
a con- O pensamento da complexidade abre novas abordagens para entender a
articulagáo de processos materiais, além dos limites da compreensáo que
i ques- derivam de seus paradigmas científicos específicos e da razáo instrumental,
strutu- incorporando princípios éticos e valores culturais. Contudo, a complexida-
tiva da de emergente nao incorpora necessariamente o conhecimento crítico, os
iente e interesses sociais e as formagóes ideológicas que orientara a construgáo de
>de ser uma "sociedade ecológica" e de urna racionalidade ambiental. Em face dos
corpo- métodos da complexidade que emergem da ecologia e da cibernética, que
Jade e explicam a realidade corno sistema de inter-relagóes e retroalimentagóes, o
izagáo pensamento dialético causa a fertilidade da contradigáo discursiva e a con-
induz frontagáo de interesses que mobilizam o processo de construgáo social.
nhum Além de urna dialética fundada na negociagáo, a antítese e a alternáncia de
ta em positividades no horizonte do devir histórico e a emergéncia da novidade, o
sso da pensamento dialético demarca territórios e abre a invengáo do futuro na

93
ENRIQUE LEFF

relagáo do ser com a outridade e com o nada como origem e fonte da criati- mesmo
vidade do inédito. 13 deman
A reorganizagáo da sociedade como urna rede de ecocomunidades des-
centralizadas para alcangar os objetivos de sustentabilidade deve levar a defi- A resp
nir criticamente a transigáo para urna nova ordem social que rompa com a te pertiner
hegemonia do mundo centralizado, unificado e totalitário. Enquanto a polí- tionament
tica do consenso procura ajustar os interesses de diferentes atores a um "fu- transforma
turo comum" (WCDE, 1987) dentro da ordem económica insustentável e paz de exp
como racic
dominante, mediante a agáo comunicativa (Habermas, 1989, 1900), o pen-
Sartre
samento dialético revela a oposigáo de forgas e interesses na apropriagáo
afirmando
social da natureza. O pensamento complexo prové um esquema heurístico
para analisar processos inter-relacionados que determinam as mudangas
A dialé
socioambientais, enquanto a dialética, como pensamento crítico, ilumina o
magáo
caminho interminável de realizagáo — uma revolugáo permanente no pen-
process
samento e de transformagáo social —, que mobiliza a sociedade para a cons- objeto,
trugáo de urna nova racionalidade social. urna ra
metodc
tar a in)
ne o int
A CRÍTICA DE SARTRE AO MONISMO ONTOLÓGICO mostra,
E AO NATURALISMO DIALÉTICO to
tórico e
Em sua Crítica da razdo dialética, Sartre desenvolveu urna das reflexóes de um r
modernas mais lúcidas do pensamento dialético e também urna postura filo- a ser pe
sófica diante da metafísica naturalista. Sartre afirma que o caráter crítico da
razáo dialética é a forma de pensamento que torna inteligível a agáo huma- Essa rel
na no contexto da história. Mas também situa a dialética em seu contexto theia de He
histórico, perguntando-se pelas condigóes que permitem a esta forma de apreensáo c
pensamento apreender o "histórico real". A partir da razáo crítica, Sartre e conhecim
interroga assim a historicidade e os fundamentos da razáo dialética: pensamento
redugáo da
O materialismo histórico tem esse trago paradoxal de ser ao mesmo tempo "negagáo di
a única verdade da história e uma total indeterminalcio da verdade. Esta ver- relax áo entr
dade totalitária fundou tudo, menos sua própria existéncia [...] Assim, o pode ser ex(
marxismo se mostra a nós, os ideólogos, como o desvelamento do ser e, ao histórico. N

94
RACIONALIDADE AMBIENTAL

:riati- mesmo tempo, como urna interrogagáo que permanece no nível de urna
demanda insatisfeita (Sartre, 1960: 118).
s des-
defi- A resposta a esse "paradoxo" do pensamento dialético é particularmen-
:om a te pertinente nos dias de boje, diante da crise do marxismo, diante do ques-
tionamento de seu status teórico e de seu sentido praxiológico para guiar as
polí-
transformagóes sociais do nosso tempo. Se o materialismo histórico é inca-
n "fu-
paz de explicar sua verdade, entáo será necessário repensar a razáo dialética
ável e
corno racionalidade teórica, pensamento metodológico e agáo política.
) pen-
Sartre aborda a questáo ontológica e epistemológica da razáo dialética
riagáo
afirmando que
rístico
langas
A dialética é um método e um movimento no objeto: se funda [...] na afir-
nina o
maláo básica que concerne tanto á estrutura do real e á nossa práxis [...] o
) pen-
processo de conhecimento responde á ordem dialética e o movimento do
L cons- objeto é em si dialético, e estas duas dialéticas fazem urna só [...] que define
uma racionalidade do mundo [...] A razáo dialética vai além do campo da
metodologia. Ela expressa [...] o que é o universo total: náo se limita a orien-
tar a investigagáo, nem a prejulgar as formas de aparigáo dos objetos [...] defi-
ne o mundo como deveria ser para que o conhecimento dialético seja possível,
mostra, ao mesmo tempo, [...] o movimento do real e o do nosso pensamen-
to [...] A única unidade possível da dialética como lei de desenvolvimento his-
tórico e da dialética corno conhecimento em movimento deve ser a unidade
exóes de um movimento dialético. O ser é a negagáo do conhecer e conhecer chega
a filo- a ser pela negagáo do ser (Sartre, 1960: 119, 131, destaques meus).
co da
'uma- Essa relagáo paradoxal entre o ser e o conhecer náo é a que sugere a ale-
itexto theia de Heidegger, que se refere a urna verdade que está sempre em fuga da
na de apreensáo do real pelo pensamento. A "unidade" da dialética entre história
Sartre e conhecimento náo implica um movimento homogéneo da matéria e do
pensamento, nem um simples reflexo da história no pensamento nem a
redugáo das duas esferas no campo unificado do monismo ontológico. A
: empo "negagáo dialética" entre o conhecimento e o ser no campo da história — a
a ver- relagáo entre o conhecimento e o movimento dos processos sociais reais —
o pode ser exemplificada com a "extingáo" da teoria do valor no materialismo
e, ao histórico. Nesse sentido, a teoria do valor-trabalho é negada pelo desenvol-

95
ENRIQUE LEFF

vimento das forgas produtivas gerado pela mudanga tecnológica na reprodu- Ser e o
gáo das relagóes capitalistas de produgáo: seu valor teórico é confrontado epistem
pelo movimento histórico que vai eliminando a base material sobre a qual o
conceito de valor — o tempo de trabalho socialmente necessário — se fun- Ná
dou como a fonte da mais-valia e da acumulagáo de capital. 14 ser
A dialética entre história e conhecimento mostra o movimento da histó- pen
ria na ordem teórica — as relagóes entre a história do pensamento, das um
idéias filosóficas e da produgáo científica e o movimento da história — que, dese
a partir de urna metafísica do mundo como "natureza da natureza", conduz rién
ao efeito do pensamento e do conhecimento na construgáo da ordem histó- dad
rica pela objetivagáo e coisificaláo do mundo. Nesse sentido, a desconstru- de si
gáo da ordem histórica implica a necessidade de desconstruir a ordem teóri- la se
ca. Essa relagáo dialética entre conceitos teóricos e mudanga histórica rime
aplica-se a todas as categorias filosóficas e á relagáo entre razáo crítica e prá- harn
xis social. A transformagáo das condigóes de produgáo determina a necessi- inve
dade de novos conceitos para apreender a dinámica da economia capitalista pode
em sua fase pós-industrial e ecológica. e se,
Sartre examina "os limites, a validez e a extensáo da razáo dialética" dese]
(Sartre, 160: 120) e sustenta que "a práxis desborda ao conhecimento em gam
sua eficácia real" (p. 122). A razáo dialética — guando considerada como
urna forma de pensamento ou incorporada ao processo evolutivo da nature- O es
za — pode orientar, mas náo prevé nem predetermina o que é gerado pela vés da ce
práxis. A potencialidade (a criatividade e indeterminagáo) da práxis trans- científica
cende o pensamento.ls Esse é o significado da relagáo dialética entre a teo- específic
ria e os movimentos sociais na construgáo de urna racionalidade ambien- o real sá
ta1. 16 No entanto, o monismo ontológico de Bookchin elude a pergunta pelo cias: ná(
sentido do pensamento dialético e se afirma no ecologismo que unificaria o gerais de
ser e o pensamento através da evolugáo da matéria até alcangar a autocons- em expe
ciencia da natureza. A física moderna fundou um novo racionalismo leis com
(Bachelard, 1938/1972); Bookchin procura reconstruir o pensamento dialé- Bookchit
tico a partir do evolucionismo ecológico eludindo a questáo epistemológica ignorand
da relagáo entre as formas do ser e do conhecer. A história da razáo dialéti- lismo dia
ca nada mais é do que a história da dificuldade de se reconciliar a dialética lutivo;
com lei do ser e como forma de pensamento: de seu significado na ordem da organism
natureza, do pensamento e do conhecimento. Na Idéia Absoluta de Hegel, pensame
o pensamento é, ao mesmo tempo, constitutivo e constituído, unificando o Sartre afi

96
RACIONALIDADE AMBIENTAL

:odu- Ser e o Conhecimento. Mas essa posigáo idealista encerra uma contradigáo
ltado epistemológica. Pois, como afirma Sartre,
[ual o
Ifun- Náo existe urna contradigáo insuperável entre o conhecimento do ser e o
ser do conhecimento? O erro foi tentar conciliar ambos, apresentando o
aistó- pensamento como o ser, levado pelo mesmo movimento da história como
1, das um todo [...] se o conhecimento náo é o todo, entáo seguiria seu próprio
• que, desenvolvimento como urna sucessáo empírica de momentos, e essa expe-
► nduz riéncia dará o que é experimentado como contingéncia e náo como necessi-
histó- dade [...] nada pode autorizar [o conhecimento] a decidir que o movimento
1stru- de seu objeto segue seu próprio movimento, nem que [o pensamento] regu-
teóri- la seu movimento pelo de seu objeto. Se o ser material, a práxis e o conhe-
:órica cimento sáo realidades irredutíveis, náo teríamos, entáo, que apelar a urna
p prá- harmonia preestabelecida para conciliar seus desenvolvimentos? [...] Se a
cessi- investigagáo da verdade deve seguir uma aproximagáo dialética, como
alista poderíamos provar, sem idealismos, que se reúne com o movimento do Ser;
e se, contrariamente a isso, o conhecimento deve permitir que o Ser se
tica" desenvolva por suas próprias leis, como evitar que os processos [...] apare-
o em gam apenas como fatos empíricos? (Ibid: 122).
orno
ture- O estruturalismo marxista ofereceu urna resposta a esta pergunta atra-
pela vés da construgáo de objetos de conhecimento e da produgáo de conceitos
rans- científicos das diferentes esferas ontológicas (Althusser, 1969). As formas
teo- específicas de organizagáo dos diversos processos materiais que conformam
bien- o real sáo apreendidas através da construgáo dos objetos teóricos das cien-
pelo cias: náo se reduzem a princípios dialéticos que corresponderiam a leis
ria o gerais de Ser nem a objetos empíricos da realidade. Os conceitos teóricos,
ons- em experimentagáo com a realidade, provam a "correspondéncia" de suas
ismo leis com as regularidades de processos materiais específicos. Por sua vez,
ialé- Bookchin tenta fundar sua teoria em um monismo ontológico (ecológico),
gica ignorando o problema do conhecimento na razáo dialética. Em seu natura-
aléti- lismo dialético, a natureza chega a ser autoconsciente em um processo evo-
ética lutivo; este se estende ao reino do pensamento como um epifenómeno do
m da organismo biológico, sem urna reflexáo crítica sobre as condigóes de ser, do
egel, pensamento e da relagáo de conhecimento. Antecipando-se a Bookchin,
do o Sartre afirmou:

97
ENRIQUE LEFF

O monismo materialista tem buscado substituir de maneira muito superficial Ao en


o dualismo da materialidade do pensamento e do ser total. No entanto, dessa razáo dia
maneira restabeleceu como antinomia [...] o dualismo entre o Ser e a momento
Verdade [...] Náo há conhecimento propriamente dito. O ser náo se manifes- teórico a s
ta mais, de forma alguma: simplesmente evolui segundo suas próprias leis ma do cot
[...] até que alcanga sua própria [autoconsciéncia] sem a reflexáo crítica do maneira, r
pensamento, que até agora the deu seu significado dialético [...] Quando o si mesma
materialismo dialético procura estabelecer uma dialética da natureza, o Sua teoria
resultado náo é urna síntese geral do conhecimento humano, e sim uma sim- gáo atuali2
ples organiznáo de fatos [...] O objeto do pensamento é a natureza tal corno soas, para
é; o estudo da história é urna especificagáo do mesmo: devemos seguir o Sartre
movimento que engendra a vida da matéria, ao homem das formas elemen- o significa
tares de vida, a história social das primeiras comunidades humanas. Essa con-
cepgáo tem a vantagem de dissolver o problema: apresenta a dialética como Engels
exterior: a natureza humana residiria entáo fora, em uma regra a priori, em exatan
uma natureza extra-humana, em uma história que cometa com as nebulosas tica qu
[...] tudo volta sempre á totalidade da história natural, em que a história é [...] lid
uma especificagáo [...] No entanto, o princípio absoluto de que "a natureza a razác
é dialética" náo é passível de ser verificado (Sartre, 1960: 123 - 125).
homen
volvim
a valid
O monismo ontológico e o naturalismo dialético de Bookchin derivam
enquar
da autoconsciéncia do sujeito teórico e do ator social, sem uma reflexáo
raciona
sobre o sentido crítico do pensamento e o significado estratégico da agáo
tas e sL
social. Ao ecologizar a dialética, Bookchin cai no mesmo erro de Engels: riqueza
pensa que o objeto do materialismo dialético é a natureza (ou a sociedade) enquan
como tal. Dessa maneira, afirma que: "é nessa racionalidade humana que a tese in(
natureza finalmente atualizou sua própria evolugáo da subjetividade através brir na
de longos éons de desenvolvimento neurónico e sensorial" (Bookchin, incondi
1990: 161). 0 pensamento fica ali reduzido á epigénese de um processo do que
evolutivo, a "um ato reflexo" com a coisa significada e náo como um ato sig- procedi
nificante que recrie o Real. O conceito aparece como a reflexáo da realida- nalidad
de na consciéncia e náo como um processo de produgáo social de significa-
dos. Hoje em dia, nem a lingüística nem a psicanálise nem a epistemologia O para
pós-estruturalista poderiam autorizar tal identidade entre o conceito e o fundar uml
real, a palavra e a coisa. como a refl

98
RACIONALIDADE AMBIENTAL

rficial Ao enraizar a dialética na ecologia, Bookchin nega a especificidade da


, dessa razáo dialética dentro da ordem simbólica para introduzi-la como um
er e a momento do Ser na evolugáo biológica. Com isso, procura dar fundamento
znifes- teórico a seu discurso ecoanarquista, mas ao custo de desconhecer o proble-
as leis ma do conhecimento e sua relagáo com a construgáo do real social. Dessa
ica do maneira, perde sua fungáo reflexiva, sem a qual a narrativa gira ao redor de
ndo o si mesma sem estabelecer urna conexáo entre teoria crítica e práxis social.
eza, o Sua teoria "ecoevolucionista" conduz á passividade, esperando que a evolu-
a sim- gáo atualize as potencialidades da matéria na consciéncia ecológica das pes-
como soas, para dissolver as contradigóes da história entre natureza e sociedade. 17
guir o Sartre critica assim a visáo que impóe á natureza leis dialéticas e destaca
emen- o significado da dialética no movimento da sociedade:
a con-
como Engels critica Hegel por impor á matéria as leis do pensamento. Mas isso é
ri, em exatamente o que ele faz guando forga as ciéncias a verificar a razáo dialé-
>liosas tica que descobriu no mundo social. Apenas no mundo histórico e social
[...] lidamos verdadeiramente com a razáo dialética [...] se existe algo como
ória é
a razáo dialética, isto se descobre e se baseia na e pela práxis humana, de
ureza
homens situados em urna certa sociedade, em certo momento de seu desen-
volvimento. A partir desse descobrimento devemos estabelecer os limites e
a validez da evidéncia dialética: a dialética será efetiva como método
•vam
enquanto continuar sendo urna lei necessária á inteligibilidade da estrutura
exáo
racional do ser [...] é no interior de urna sociedade, que tem suas ferramen-
agáo
tas e suas instituigóes, que descobriremos os fatos materiais — pobreza ou
Igels:
riqueza do subsolo, fatores climáticos etc. — que a condicionam [...]
Jade) enquanto a dialética da natureza náo pode ser objeto a náo ser de urna hipó-
ue a tese metafísica. Os passos seguidos pelo espírito, que consistem em desco-
ravés brir na práxis a racionalidade da dialética, para projetá-la como urna lei
-hin, incondicional no mundo inorgánico e voltar dali ás sociedades proclaman-
esso do que a lei da natureza, sua opacidade irracional, a condiciona, sáo um
sig- procedimento aberrante [...] que recoloca, em nome do monismo, a racio-
lida- nalidade prática do homem fazendo a história (Sartre, 1960: 128-129).
fica-
logia O paradoxo do monismo ontológico de Bookchin, com o qual pretende
leo fundar urna filosofia que sustente sua ecologia social, é que a teoria aparece
como a reflexáo da evolugáo natural no pensamento, unificando a matéria e

99
ENRIQUE LEFF

a mente. Dessa maneira, o real chegaria a ser transparente em sua expressáo ser do ent
no pensamento. Esse idealismo ecológico se opóe a todo princípio materia- lece com
lista do conhecimento, em que a dialética do concreto se constrói através de que náo
estratégias teóricas capazes de apreender o real, que náo é manifestado por homem de
meio dos sentidos e dos dados puros da realidade. Essa é a condigáo inelu- via de um
dível do conhecimento humano, em que o pensamento pode liberar proces- Jonas pro,
sos ou perverter a realidade através de estratégias de poder inscritas na preserve
ordem do saber (Foucault). Mas náo há nada na ordem natural que conte- homem",
nha o germe dessa perversáo; nada no reino da natureza nos pode revelar o ser em sec
enigma da produgáo de sentidos que mobiliza a mudanga social e a possibi- za das coi:
lidade de construir urna nova ordem social que incorpore os princípios eco- mundo en
lógicos na moral humana, na organizagáo social e na produgáo sustentável. logia da n1
Jonas procura em seu Princípio vida urna saída para a "metafísica dualis- gia da dife
ta" do existencialismo de Heidegger, a qual náo resolve o dilema de um dua- lidade soci
lismo que deixa o ser humano desamparado diante de um cosmo indiferen-
te; diante de urna natureza que náo o contém; diante de uma ética sem fun-
damento ontológico:
MONISMO-
A expressáo de estar atirado ao mundo é o resto de urna metafísica dualista
para cujo uso o ponto de vista metafísico carece de todo direito. Como se () pensaml
pode estar atirado sem alguém que atire e um lugar a partir do qual se atire? ciéncias, es
O existencialista diría melhor se dissesse que o ser humano — esse si pró- ciado o rea
prio consciente, preocupado, que sente — foi atirado pela natureza. Se isso do espírito
aconteceu de maneira cega, ternos que o ser dotado de visáo é um produto gáo entre
do cego, o que se preocupa, um produto do despreocupado, e que uma longo da h
natureza teleológica foi suscitada ateleologicamente. (Jonas, 2000: 301). lismo e o ic
tesiano, en
No entanto, essa reflexáo, antes de deixar a descoberto a inconsisténcia série de dí
da ontologia heideggeriana, como "restos de urna metafísica dualista", colo- natureza-ci
ca em evidéncia a compreensáo limitada de Jonas sobre esse problema. Pois lativos. O
do ser biológico emerge o ser consciente como um processo epigenético, teorias dua
urna vez que o ser-aí está no mundo deixa de estar "atirado pela natureza". campos ten
Por isso é inútil querer reintegrar a existéncia a urna origem natural em lugar ta, sem hav
de afiangá-la na difererm insalvável da ordem natural e da ordem simbóli- góes filosóf
ca. O rompimento entre o homem e o ser total que está na base do niilismo Desde
náo é apenas o resultado de urna operagáo do pensamento que dissociou o de Prigogin

100
RACIONALIDADE AMBIENTAL

Issáo ser do ente, como denunciou Heidegger, e sim da dissociagáo que se estabe-
tria- lece com a emergéncia da ordem simbólica que estabelece urna diferenga
és de que náo pode ser reintegrada á ordem natural. Por isso, querer salvar o
) por homem do isolamento ou da alienagáo do todo ao qual está condenado, pela
nelu- via de um naturalismo dialético, eliminaria a idéia do homem enquanto tal.
oces- Jonas procurará um "caminho que evite a alienagáo dualista e ainda assim
1s na preserve o suficiente da intuigáo dualista para conservar a humanidade do
)nte- homem", postulando urna ética fundada em "urna ontologia da natureza do
:lar o ser em seu conjunto" e em "um princípio que se possa descobrir na nature-
ssibi- za das coisas". 18 Além dos malabarismos desta ética objetiva para manter o
eco- mundo em um equilíbrio instável entre monismo e dualismo e em urna onto-
áve I . logia da natureza, a encruzilhada da sustentabilidade convoca a urna ontolo-
aalis- gia da diferenga e urna ética da outridade para construir urna nova raciona-
dua- lidade socia1. 19

fun-

MONISMO-DUALISMO. O PROBLEMA DO CONHECIMENTO


alista
no se O pensamento ocidental, obcecado pelas idéias universais e a unidade das
¡tire? ciéncias, está sendo questionado no pensamento pós-moderno por ter disso-
pró- ciado o real e o simbólico, as ciéncias lógico-fáticas da natureza e as ciéncias
isso do espírito. A separagáo entre pensamento e realidade assim como a disjun-
Iduto láo entre o ser e o ente remontara á filosofia grega, e se expressaram ao
uma longo da história do pensamento em posigóes controversas entre o materia-
1 ). lismo e o idealismo. Sua ruptura se torna extremada com o pensamento car-
tesiano, em que a dissociagáo entre a idéia e a matéria se multiplica em uma
.ncia série de díadas polares: mente-corpo, objeto-sujeito, razáo-sentimento,
:olo- natureza-cultura, antropologia-biologia, ciéncias empíricas e saberes especu-
Pois lativos. O pensamento ecologista se debate assim entre teorias monistas e
t ico, teorias dualistas sem ter alcangado urna clara sistematizagáo dos diferentes
za". campos temáticos e programas de investigagáo em que tal dilema se apresen-
ugar ta, sem haver logrado esclarecer as controvérsias entre diferentes aproxima-
bóli- lóes filosóficas: ontológicas, epistemológicas e metodológicas.
i smo Desde a filosofia transcendental de Kant até a ciéncia da complexidade
ou o de Prigogine, a epistemologia procurou dissolver o dualismo ontológico que

101
ENRIQUE LEFF

se estabeleceu como um princípio metodológico para a produgáo de conhe- definível d


cimento científico a partir da disjungáo entre objeto e sujeito do conheci- cias no tod
mento: sáo as formas possíveis de conhecimento (categorias a priori do ordens "hi
entendimento, conceitos e objetos de conhecimento) as que organizam as 1991). 20 1
regularidades dos fenómenos do mundo para o entendimento. O conheci- conhecime
mento é uma relalito de conhecimento que busca apreender a matéria, a conhecime
natureza, através de urna correspondéncia entre o pensamento e a realidade, da apropri
entre o conceito e o real, entre a palavra e a coisa. Além das "teorias do em um ter
reflexo" (da realidade no pensamento), objeto do empiriocriticismo de ontológico
Lenin (1908), as teorias fenomenológicas e biológicas do conhecimento par- sem fissurl
tem da intencionalidade do ser (Husserl), dos esquemas de pensamento e Real; uma
agáo em seus processos de adaptagáo e transformagáo do meio (da realida- cas culturai
de), que estabelecem uma dialética na qual a natureza é incorporada no pen- esquemas
samento, ou mediante a qual o pensamento que emerge no processo de prática soc
auto - organizaláo procura sua correspondéncia (ajuste/equilíbrio) com a rea- antropolog
lidade (Piaget, 1968). Dessa maneira, a ciéncia viria neutralizar a possível
"autonomia" da ordem simbólica no ordenamento do mundo através do Um mc
conhecimento objetivo. Toda hermenéutica interpreta a realidade referindo- esquern
se a urna realidade; o construtivismo náo é uma liberdade da imaginagáo que cos de,
ultrapasse e vá além do real. O conhecimento cria uma correspondéncia binagác
entre o real e o simbólico; mas, longe de fundi-los em uma identidade tificagá
monista, a epistemologia náo conseguiu dissolver sua diferenga. objetive
O ecologismo procura a reunificagáo natureza-cultura pela via de um ou o
monismo ontológico que encontraria seu complemento em uma epistemolo- dentro
gia e em uma metodologia derivadas de um pensamento da complexidade. com pr
No entanto, o debate teórico em torno do monismo-dualismo náo se resol- de class
ve pela vontade de dissolver a separagáo entre o Real e o Simbólico em urna co) atra
visáo totalizadora e oniabrangente do mundo. O problema já náo se apre- dos con
senta em termos de separagóes absolutas entre estes pares de ordens opostas.
Estes se tornam cada vez mais elásticos, o raciocínio que procurava justificar O racic
sua perfeita separagáo ou sua unificagáo ideal cede diante da presenta de possível su
"entes híbridos" e da construgáo de novos esquemas de um pensamento rentes culta
complexo nos quais se apresentam as inter-relagóes e interagóes entre o idéia de qu
material e o simbólico. idealismo.
Dessa maneira, o pensamento ecologista pós-moderno incorporou em truída pela
suas narrativas urna posigáo antiessencialista — a recusa a uma "natureza" co é lícito t(

102
RACIONALIDADE AMBIENTAL

conhe- definível do homem que remeta sua existéncia a urna ordem objetiva de essén-
mheci- cias no todo da natureza — e a compreensáo do mundo como um conjunto de
iori do ordens "híbridas" entre o orgánico, o simbólico e o tecnológico (Haraway,
zam as 1991). 20 Da mesma maneira, a idéia de enraizamento (embeddednes) do
mheci- conhecimento e da encarnagáo (embodyment) do saber fala — mais além do
.éria, a conhecimento pessoal e da intervengáo do sujeito na produgáo científica, ou
lidade, da apropriagáo subjetiva de conhecimentos objetivos — de seu assentamento
rias do em um território e de sua incorporagáo em certas identidades. O monismo
mo de ontológico do ecologismo trata de descobrir ou construir urna organicidade
to par- sem fissuras entre ideologias, cosmologias, teorias e ordens ontológicas do
ento e Real; urna unificagáo entre processos cognitivos, fenómenos naturais e práti-
alida- cas culturais. O rigor epistemológico nem sempre tem acompanhado os novos
o pen- esquemas de pensamento que procurara acomodar os pressupostos teóricos á
oso de prática social do ecologismo. Nesse sentido, dentro dos debates atuais da
a rea- antropologia ambiental, Philippe Descola defende
ssível
és do Um modelo transformacional para dar conta dos amplamente implícitos
rindo- esquemas de práxis através dos quais cada sociedade objetiva tipos específi-
o que cos de relagóes com seu ambiente. Cada variagáo local resulta de urna com-
éncia binagáo particular de trés dimensóes básicas da vida social: modos de iden-
idade tificagáo ou o processo pelo qual as fronteiras ontológicas sáo criadas e
objetivadas em sistemas cosmológicos tais como o animismo, o totemismo
e um ou o naturalismo; modos de interagáo que organizam as relagóes entre e
molo- dentro das esferas dos seres humanos e dos seres náo-humanos de acordo
idade. com princípios tais como reciprocidade, depredagáo ou protegáo; e modos
resol- de classificagáo (basicamente o esquema metafórico e o esquema metoními-
urna co) através dos quais os componentes elementares do mundo sáo representa-
apre- dos como categorias socialmente reconhecidas (Descola e Pálsson, 1996: 17).
ostas.
tificar O raciocínio teórico é atraído pelo interesse investigativo. Embora seja
ca de possível sustentar que os conceitos de natureza que se depreendem de dife-
ento rentes culturas e momentos históricos sáo "construídos", isso náo apóia a
tre o idéia de que o Real seja uma construgáo social sem cair no mais aberrante
idealismo. Embora náo devamos transpor a visáo dualista do mundo cons-
u em truída pela cultura ocidental aos mundos das culturas tradicionais, tampou-
ureza" co é lícito tentar reconstruir o pensamento pós-moderno a partir das cosmo-

103
ENRIQUE LEFF

logias pré-modernas. Devemos, pois, nos precaver de transpor as categorias Para


de ontologia e epistemologia ao pensamento das sociedades tradicionais, ou tivas coi
de estender seus processos cognitívos ao terreno da sociedade racionalizada. 21 natureza
Atesmoniapdret aosprgmdeínvtiaáo conceito
da antropologia ambiental, no sentido de que permitiria transcender o deba- monismo
te entre universalismo e relativismo, e dessa maneira continuar tratando a em recor
natureza e a cultura como substáncias autónomas, "abrindo o caminho para e pensar,

urna verdadeira compreensáo ecológica da constituigáo de entidades indivi- que se pi


duais e coletivas" (Descola e Pálsson, 1996: 98). Dessa maneira, o dilema material
ontológico-epistemológico é transferido para o terreno de um pragmatismo entáo as
metodológico que abre urna lógica combinatória das diversas formas cultu- chegar a
dedugáo,
rais de produgáo de sentido e designagáo e significados á natureza, pois,
do desen
segundo afirma Descola,
das coisa
e transfo
As entidades que formam nosso universo só tém significado e adquirem
imaginár
identidades através das relagóes que as constituem enquanto tais. Ainda que
Esse
as relagóes sejam anteriores aos objetos que conectam, elas próprias se atua-
logias pc
lizam no processo pelo qual produzem seus termos. Urna antropologia náo
separagól
dualista seria, entáo, urna espécie de fenomenologia estrutural na qual sáo mundos
descritos e comparados sistemas locais de relagáo, náo como redes funcio- relagáo d
nais que diferem em suas respectivas escalas e tipos de conexóes [...] mas de á per
sim como variagóes dentro de um grupo de transformagóes, como um con- transforn
junto de combinagóes estruturadas por compatibilidades e incompatibilida- ordem-d<
des entre um número finito de elementos. Entre esses elementos, figurariam ra atuam
relagóes de objetivagáo humanas e náo humanas, modos de categorizagáo, mológico
sistemas de mediagáo e tipos de possibilidades (affordances) técnicas e pers- é um sisto
pectivas orientadas para ambientes específicos. Urna vez que tenhamos nos é socialm
desfeito da velha retícula octogonal natureza-cultura, poderá surgir urna urna epig
nova paisagem antropológica multidimensional, na qual as tochas de pedra sombra,
e os quarks, as plantas cultivadas e o mapa do genoma, os rituais de caga e mos adm
a produgáo de petróleo possam chegar a ser inteligíveis corno urna série de biológica
variagóes dentro de um único conjunto de relagóes que abarque seres huma- simbólica
nos e náo humanos (Descola e Pálsson, 1996: 120 - 1). encontro
A teso
simbólicc

104
RACIONALIDADE AMBIENTAL

lgorias Para além de todo evolucionismo e do sentido sociológico das perspec-


ou tivas construtivistas; para além do fato concreto de que os conceitos de
:ada. 21 natureza sáo construgóes ideológicas, teóricas e discursivas; para além de o
igaáo conceito intervir e transformar a natureza, o ponto nodal do debate entre
deba- monismo e dualismo como problema ontológico e epistemológico repousa
indo a em reconhecer a própria condigáo do ser e do conhecer, a diferenla entre ser
o para e pensar, entre o real e o simbólico. Esta é uma premissa fundamental para
indivi- que se possa evitar o criacionismo e o idealismo, assim como seu duplo, o
Mema materialismo e o determinismo objetivo. A partir dali, podem-se tragar
itism o entáo as pontes, os enlaces e as inter-relagóes entre o real e o simbólico para
chegar a entender como as formas de compreensáo do mundo, de indugáo e
cultu-
dedugáo, dos processos cognitivos, da construgáo de paradigmas teóricos e
pois,
do desenvolvimento de tecnologias se desdobram sobre a ordem material
das coisas, estruturando e desestruturando os processos ónticos, intervindo
e transformando a natureza e gerando entes híbridos, feitos de símbolos e
uirem
imaginários, de matéria biológica e de artefatos tecnológicos.
• a que
Esse debate se inscreve no campo da epistemologia e náo no das gnosio-
atua- logias populares, das cosmovisóes dos poyos, em que náo se estabelecem
a náo separagóes entre a ordem natural e a simbólica, entre o mundo material e os
al sáo mundos de vidas das pessoas. O dilema entre monismo e dualismo é o da
ncio- relagáo da linguagem e da ordem simbólica com o real e o material: respon-
] mas de á pergunta de como existe o real, como conhecemos o real, e como se
con- transforma a natureza conduzida náo apenas por suas "leis internas" — sua
ilida- ordem-desordem — e sim pelos modos como a conhecemos, e dessa manei-
ariam ra amamos (com ela, sobre ela). Esse posicionamento ontológico e episte-
agáo, mológico é necessário para escapar ao biologismo, no qual o conhecimento
pers- é um sistema adaptativo á natureza, e ao construtivismo, em que a natureza
s nos é socialmente construída e interpretada pelo pensamento. Se a consciéncia é
urna uma epigénese do organismo, mas, ao emergir, náo se mantém como sua
pedra sombra, se o conhecimento náo é um mero reflexo do ser no pensar, deve-
aga e mos admitir que todo conhecimento teórico — para além das determinagóes
irle de biológicas da intuigáo, da cognigáo e da consciéncia — se organiza na ordem
mma- simbólica — da linguagem que significa as coisas —, e a partir dali vai ao
encontro do real.
A tese dualista náo implica um separatismo maniqueísta entre o real e o
simbólico; aponta a impossível fusáo e confusáo de ambas as ordens. Pois é

105
ENRIQUE LEFF

ficado. A sigi
condigáo do conhecimento e da ordem simbólica sua infinita reflexáo sobre
nito de relag.
o real. O pensamento que se dirige ao objeto de sua reflexáo pertence á
a cultura e a
ordem simbólica (o inconsciente, a linguagem, a ideologia, o saber); o
conhecimento implica um desdobramento entre o real e seu conceito, entre cidade auto
os processos convertidos em "objetos de conhecimento" e a teoria através da pela unidade
qual procuramos compreendé-los, apreendé-los, transformá-los. Esclarecer gem humana
O real é 1
essa questáo leva a especificar o sentido do real e a diferenciá-lo da realida-
digmas cient
de, para evitar polarizar as perspectivas epistemológicas entre o realismo
determinista e o construtivismo hermenéutico, em que o real náo teria exis- dinámica do:
tencia própria e estaria social e historicamente construído. Pois todas as cos- há correspon
movisóes e epistemologias mudam a interpretagáo dos processos materiais, cas e as teori
mas náo erradicam o real; nenhuma idéia concebida pelo homem e pela cul- epistemológi,
tura transforma a dinámica do universo nem a constituigáo do átomo, os conformado
quais continuam apresentando-se á inteligibilidade da razáo. Por mais que o da por entes,
inconsciente e a cultura estejam estruturados pela ordem simbólica, esta náo económica n
acaba absorvendo e negando o real que sustenta o vínculo estrutural com o racionalidad(
imaginário e o simbólico. O próprio fato de que a natureza sofreu uma inter- real, construi
vengáo da ciencia e da tecnologia — o conhecimento do átomo e da genéti- assim como
ca — náo funde o princípio dualista que fundamenta o conhecimento cien- ram e constr(
tífico moderno em um monismo ontológico. no saber.
Mesmo guando as cosmovisóes das culturas "tradicionais" — em seus Na dialét
mitos, ritos, narrativas e práticas sociais — náo evidenciara urna concepgáo realidade ton
"dualista" e, ao contrário, dáo um testemunho de que seu ser e seu sentir se ques interdisc
fundem com a natureza, náo fica eliminado o dilema de se saber se a unida- no real gera
de cultura-natureza é obra da natureza que se manifesta na linguagem ou se tecnologia e
é urna forma específica usada pela língua para organizar a percepgáo, a cog- com a realida
nigáo e a significagáo da natureza. Essa questáo náo foi resolvida pela inves- monismo ont
tigagáo etnolingüística — desde Humboldt até Descola, passando por realidade e a
Whorf, Sapir e Lévi-Strauss —, entre os universais lingüísticos, as determi- lógica" gerad
nagóes da natureza, os arquétipos do inconsciente, as estruturas do pensa- res, na medi
mento e a emergéncia da consciencia. A desnaturalizagáo da natureza náo tecnológico-e
preender. Ma
arrasta consigo o ocaso do real.
O real e o simbólico náo se fundem em urna identidade e em urna mes- temológica er
mice. Da mesma maneira que o conhecimento náo se encerra em uma reali- A realida(
das formas de
dade fixa fazendo um conceito corresponder ao real, a fonte de sentido da
mas de conhe
palavra e da linguagem náo se esgota em urna relagáo de significante e signi-

106
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ficado. A significáncia e a reinterpretagáo do mundo se dáo em um jogo infi-


;obre
nito de relagáo entre o real e o simbólico, entre as palavras e as coisas, entre
Ice á
a cultura e a natureza, que náo se encerra no monismo ontológico da capa-
r);
cidade autogenética da matéria, nem no monismo epistemológico guiado
entre
pela unidade da Idéia Absoluta, os a priori da razáo e os universais da lingua-
és da
gem humana.
recer
O real é o referente dos objetos de conhecimento das ciéncias, dos para-
tlida-
digmas científicos que procurara apreender racionalmente a estrutura e a
ismo
dinámica dos processos materiais e simbólicos. Nesse nível epistemológico,
exis-
há correspondéncia, mas náo identidade entre o ser dessas ordens ontológi-
; cos-
cas e as teorias e conceitos gerados para compreendé-los. Náo há monismo
Tiais,
epistemológico; a teoria náo é urna cópia do real que explica. O real está
a cul-
o, os conformado por ordens ontológicas diferenciais. A realidade está constituí-
da por entes, por coisas, por realidades construídas socialmente. A ordem
que o
económica náo é imanente. Foi produzida através da constituigáo de urna
a náo
DM o
racionalidade económica que, mais do que um modelo de compreensáo do
real, construiu urna realidade á sua imagem e semelhanga. Marx descobre
nter-
assim como as relagóes de classe no modo de produgáo capitalista estrutu-
néti-
ram e constroem a racionalidade económica corno urna estratégia de poder
cien-
no saber.
Na dialética entre o real e o simbólico, o conhecimento que intervém na
seus
realidade tornando-a cada vez mais complexa náo se completa com os enfo-
Ináo
ques interdisciplinares e um saber holístico. A intervengáo do conhecimento
tir se
no real gera a hiper-realidade; produz esses cyborgs, feitos de organismo,
nida-
tecnologia e texto (Haraway, 1991). Mas a hibridagáo do conhecimento
DU se
com a realidade náo dissolve o dualismo entre o real e o simbólico em um
cog-
monismo ontológico no qual se confundiria o conhecimento que constrói a
wes-
realidade e a natureza que participa do conhecimento. A "hibridagáo onto-
por
lógica" gerada pelo conhecimento implica urca nova ciéncia e novos sabe-
res, na medida em que a transgénese gera urna nova ordem orgánico-
tecnológico-económica que as ciéncias estabelecidas náo alcangam com-
náo
preender. Mas isso náo dissolve a diferenga ontológica, metodológica e epis-
temológica entre o real e o simbólico no momento do conhecimento.
mes-
A realidade se constrói socialmente e conforma mundos de vida através
eali-
das formas de conhecer essa realidade que é modelada e moldada pelas for-
o da
mas de conhecé-la. O essencialismo e o apriorismo que resultam do pensa-
igni-

107
ENRIQUE LEFF

mento racional ocidental remetem á imutabilidade das coisas do mundo, a do mundo.


um entendimento da realidade presente como princípio imanente do ser e cia do exis
como urna objetividade ao qual o conhecimento deve ajustar-se como neces- alteridade
sidade histórica e devir inelutável. Esse é o erro das epistemologias positivis- uma totalic
tas, que partem da objetivagáo e coisificagáo do mundo para depois dialética qi
converté-lo em razáo suprema do real existente e na qual está predestinada cognosciti%
a realidade possível. É esse princípio de racionalidade que foi questionado
tanto pela "ciéncia da complexidade" (Prigogine e Stengers, 1984) como A sexul
pelo pensamento pós-moderno. sentes c
Hermann Broch expressa admiravelmente, nas reflexóes do poeta lidade c
Virgílio, o indissolúvel dualismo entre o mundo da palavra e o mundo da se torna
matéria: a multi
median
Nomes e nomes [...] o nome das coisas criadas junto com as coisas partir
nunca mais poderá o poeta reclamar sua dignidade, náo, nem ao menos se Pensar-
o trabalho primordial da poesia fosse o de exaltar os nomes das coisas, ah, com ele
inclusive guando soa seu momento maior, o de conseguir langar um olhar É a cok
até a fonte criativa da fala, sob cuja luz profunda voa a palavra para a coisa, o outro
a palavra intocada e casta na fonte do mundo da matéria, o poema, ainda
que capaz de duplicar a criagáo em palavras, nunca foi capaz de fundir a A liber
duplicagáo em urna unidade, incapaz de fazé-lo porque a reversáo aparente, samento a
a adivinhagáo, a beleza, porque todas essas coisas que determinam, que se forma, del.:
fazem poesia, tém lugar unicamente no mundo duplicado; o mundo da dos e nas c
palavra e o mundo da matéria permaneceram separados, duplo o lar do esséncias a
mundo, duplo o lar do ser humano, duplo o abismo do espato criativo, mas restituí-la
dupla também a pureza do ser [...] a qual levava em si mesma a semente da mento cria
destruigáo do mundo, a falta de castidade básica da existéncia (Broch, ma monist
1945: 188). xar fluir o
virtualidad
O que está em jogo na questáo do monismo-dualismo é a liberdade.
Pois, se tanto a consciéncia como o saber estáo contidos no "todo" do real esséncia, m
existente, a liberdade náo tem mais horizontes que os do azar dentro dos O mon
códigos genéticos ou os da necessidade predeterminada pelo código econó- tituigáo sin
mico. Há, assim, novidade e emergéncia, mas náo há liberdade e vida recria- to. A natura
da pela ordem simbólica, a palavra e a significagáo que se afiangam na vida por urna es
apesar dos constrangimentos da realidade, da objetividade e da coisificagáo responde n

108
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ido, a do mundo. O dualismo é a conseqüéncia inevitável da condigáo de existén-


ser e cia do existente, da hipóstase do eu e seu deslocamento até sua relagáo de
teces- alteridade com o mundo, com os outros, com o Outro fora do Mesmo, de
itivis- urna totalidade ensimesmada, ceja a do ecologismo, da fenomenologia ou da
epois dialética que remetem ao Uno e ao Mesmo. É a própria condigáo do sujeito
inada cognoscitivo como ser simbólico. Por isso, Levinas afirma que
mudo
como A sexualidade, a paternidade e a morte (as relagóes náo objetivas nem pre-
sentes que emergem da ordem simbólica) introduzem na existéncia urna dua-
poeta lidade que concerne ao próprio existir de cada sujeito. O existir enquanto tal
do da se torna duplo. A nogáo eleática do ser domina a filosofía de Platáo, na qual
a multiplicidade se subordina ao uno e o papel do feminino está pensado
mediante as categorias de passividade e atividade, reduzido á matéria [...] A
ts [...1 partir de Platáo, o ideal do social será procurado em um ideal de fusáo.
nos se Pensar-se-á que, em sua relagáo com o outro, o sujeito tende a identificar-se
• ah, com ele, abismando-se em urna representagáo coletiva, em um ideal comum.
olhar É a coletividade que diz "nós" que, voltada ao sol inteligível, á verdade, sente
coisa, o outro junto a si e náo diante de si (Levinas, 1993: 137-8).
ainda
ndir a A liberdade que renasce dessa diferenga ontológica é o que abre o pen-
rente, samento a "participar do (livre) jogo da idéia, reativar a agáo soberana da
fue se forma, deixar ser as coisas que sao, significa náo tanto transferir nos senti-
i o da dos e nas cores as puras harmonias inteligíveis, nem muito menos revelar as
ar do esséncias arquetípicas, mas sim liberar a realidade do princípio da razáo e
► , mas restituí-la ao puro ser por si" (Givone, 1995: 83). Essa relagáo do pensa-
te da mento criativo e do potencial do real náo pode se dar dentro de um esque-
roch, ma monista. Só o dualismo deixa ser ao Ser e libera o pensamento para dei-
xar fluir o potencial do conceito na esfera autónoma do pensamento e na
virtualidade do ser. É o pensamento livre o que permite afirmar urna onto-
Jade. logia náo essencialista, enquanto "náo segue um ditame, náo realiza uma
real esséncia, mas cria deixando ser" (Givone, 1995: 95).
dos O monismo ontológico naturaliza a dialética despojando-a de sua cons-
onó- tituigáo simbólica; perde seus referentes no real e seu sentido no pensamen-
cria- to. A natureza ecologizada emigra até urna referencialidade artificial, gerada
vida por uma estratégia discursiva que procura reordenar o mundo, mas que náo
,agáo responde nem corresponde mais com urna construgáo a partir da poténcia

109
ENRIQUE LEFF

do real em seu vínculo criativo com o pensamento. O monismo ontológico lógicos e


anula a dialética entre o ser e o pensar, a diferenga entre o real e o simbóli- da de ur
co, para forjar um sistema de equivaléncias em urna combinatória que tende real, e sis
a igualar o status ontológico das coisas, do ser e da razáo. contradi
A racionalidade ambiental procura forjar um pensamento que náo pre- ficagáo d
tende nem imitar, nem representar, nem simular, nem modelar a natureza e apropria
a ordem ecológica. Procura recuperar a potencialidade do real e do pensa- de saber(
mento para construir outra realidade possível. O problema do dualismo — á diversil
que pode ser tragado na modernidade a partir da sua origem cartesiana pera sua
como o problema da separagáo mente-corpo (Rorty, 1979) — é apresentado resiste á
na pós-modernidade em termos diferentes. Além do dualismo entendido do o fim
como a separagáo entre a res cogitans e a res extensa; além da crítica á meta- nómica d
física da representagáo; além de todo esse maniqueísmo e polaridades de A die
marcos e entidades sem conexáo, a epistemologia da complexidade ambien- perverso:
tal se abre a partir da diferenga indissolúvel entre o Real e o Simbólico em volvimen
diregáo a processos nos quais o conhecimento se torna corpo e terra ao necessida
enraizar-se em um Território e incorporar-se no Ser. passadas
um princ
vimento
potencial
NATURAL DIALÉTICO, ECOLOGIA POLÍTICA E desenvoll
RACIONALIDADE AMBIENTAL um progr
de na aut
O pensamento dialético, que havia sido "o método" da teoria crítica, se nos princ
enfrenta com a razáo de seu raciocínio, a prova de sua aplicagáo para a cons- Além dise
trugáo de urna racionalidade ambiental através de um diálogo de saberes. seguir un
Essa revisáo se faz necessária na medida em que o pensamento dialético interpela(
escorrega para as figuras retóricas do simulacro discursivo. 22 O futuro sus- volvimeni
tentável aparece como urna utopia no horizonte de um devir, no qual engenhar
Bookchin confia que a tecnologia e a dialética social poderáo dissolver a ten- O nat
sáo entre o existente e o real possível, e conduzir a transigáo até uma nova idéias, fo:
ordem social. Esse anarquismo leva, na teoria, ao individualismo metodoló- próprio o
gico e, na prática, á "agáo espontánea" para a construgáo de uma "socieda- por signif
de ecológica". 23 mologias
O valor revolucionário do pensamento dialético náo é um poder ima- naturalisn
nente da matéria contido na produtividade da natureza, nos potenciais eco- que deten

110
RACIONALIDADE AMBIENTAL

:ológico lógicos e nos poderes da tecnologia; este se alimenta da criatividade deriva-


simbóli- da de um princípio de antítese e negagáo do real que náo é intrínseco ao
te tende real, e sim á fertilidade da outridade que é desencadeado pela dialógica, pela
contradigáo dos sentidos que se manifesta nas formas diferenciadas de signi-
pre- ficagáo do real e nos interesses discordantes na compreensáo do mundo e na
tureza e apropriagáo da natureza. A dialética que se expressa através de um diálogo
pensa- de saberes é o que produz urna revolugáo permanente em diregáo ao novo e
ismo — á diversidade de urna sociedade ecológica. 24 Nesse sentido, a dialética recu-
rtesiana pera sua fungáo como "motor da história" e da historicidade do real, que
sentado resiste á vontade de congelar a sociedade e proscrever o futuro, proclaman-
tendido do o fim da história para manter a inércia reprodutiva da racionalidade eco-
á meta- nómica dominante.
ades de A dialética, como movimento transcendental da história, teve efeitos
ambien- perversos no materialismo histórico guando viu na tecnologia e no desen-
lico em volvimento das forgas produtivas o meio para transcender a alienagáo e a
:erra ao necessidade. Para Bookchin, o reino da liberdade seria alcangado depois de
passadas as fases necessárias de exploragáo e dominagáo que justificariam
um princípio de escassez objetiva, e que se dissolveriam através do desenvol-
vimento das forgas produtivas da sociedade e da realizagáo espontánea das
potencialidades da natureza. O naturalismo dialético que se desenha como
desenvolvimento de urna potencialidade intrínseca da natureza pressupóe
um progresso até a totalidade e a completude, como a realizagáo da verda-
de na autoconsciéncia da espécie humana. Esse discurso idealista, fundado
(tica, se nos princípios da evolugáo biológica, anula a dialética como razáo crítica.
a cons- Além disso, desconhece a dialética da história, na qual a natureza, antes de
aberes. seguir um processo evolutivo próprio, é significada, sofre interferéncia e é
alético interpelada pela cultura e pelas estratégias de poder que atravessam o desen-
ro sus- volvimento e a aplicagáo da ciéncia e da tecnologia (da biotecnologia e a da
o qual engenharia genética) nos atuais processos de capitalizagáo da natureza.
r a ten- O naturalismo dialético, como princípio organizativo da realidade e das
ta nova idéias, foi deslocado até a teoria construtivista e hermenéutica, em que o
todoló- próprio conceito de natureza aparece como urna construgáo social, mediada
ocieda- por significagóes culturais. Os recursos naturais se definem através de cos-
mologias e valores culturais, por interesses sociais e poderes económicos. O
er ima- naturalismo dialético desconhece as estratégias do poder do conhecimento
ais eco- que determinam o campo teórico e político da questáo ambiental. Na era da

111
ENRIQUE LEFF

globalizagáo económica e ecológica, a história náo se mobiliza pelo desen- ter evolur
volvimento espontáneo da natureza, mas sim pelo conflito de interesses utopia, d(
sociais pela apropriagáo da natureza que se expressam boje em dia nas estra- real e orc
tégias discursivas e na geopolítica de desenvolvimento sustentáve1. 25 náo é" na
Confrontando os enfoques do estruturalismo genético e a teoria de sis- antemáol
temas, Bookchin tenta ecologizar o pensamento dialético e guiar práticas A rac
ecocomunitárias inspiradas no conceito hegeliano de atualizalao. Este apa- potencial,
rece como uma expressáo que sintetiza a dialética entre a potencialidade da as reinó(
idéia e a transformagáo do real. Para Bookchin, o trago mais importante da racionalic
dialética é sua capacidade para apreender a potencialidade do ser. Assim, das em di
enfatiza a propriedade de "autodesenvolvimento [como] a atualizagáo com- bólicas: p
pleta da potencialidade em suas ricas fases auto-incorporativas de cresci- nológicos
mento, diferenciagáo, maturagáo e totalidade [que] nunca sáo táo completas trugáo de
como para deixar de ser a potencialidade de um desenvolvimento ainda tui aos at
mais amplo" (1990: 167). A partir densa perspectiva de atualizagáo, transigáo
Bookchin propóe: ambiental
expressa
modificar a dialética filosófica [...] para converté-la em um modo ecológico te atuali2
de pensamento [...] Urna dialética ecológica teria que responder ao faro de Bookchin
que Aristóteles e Hegel náo trabalharam com urna teoria evolutiva da natu- ga e confl
reza [...] corno para substituir a nogáo de scala naturae pela nogáo de um autoconsc
rico e mediado contínuo [...] "Atualidade", para usar o termo hegeliano, é
a culminagáo no momento da maturidade, de maneira que a objetividade do Urna
potencial, que afirmo ser crucial para desenvolver uma verdadeira ética rencia
objetiva, se subordina á sua atualizagáo. Ao dar urna enfática prioridade his- o papi
tórica á natureza como base do processo de entendimento, a dialética eco- mento
lógica nos obriga a reformular termos hegelianos corno o "real" e o "atual" media,
(1909: 167-9). nuo (1

Bookchin procura superar o idealismo hegeliano pelo qual o real se Assim


atualiza em seu conceito, agregando-lhe o peso da "objetividade do poten- em urna e(
cial" do "que está necessariamente latente no potencial". Bookchin muda a uma "cres
énfase no significado que lhe dá Hegel como a realizagáo racional do poten- um movin
cial, pela realizagáo de um devir inscrito na poténcia objetiva da natureza e sua ética
base do "processo de entendimento", através de cujas mediagóes se configu- fique legit
ra uma "ética objetiva", de maneira que a atualidade estaria inscrita no cará- ca, assim,

112
RACIONALIDADE AMBIENTAL

lesen- ter evolutivo dos processos ecológicos. Dessa maneira, elimina o sentido da
resses utopia, do conhecimento e da agáo social; do potencial da relagáo de ordem
estra- real e ordem simbólica; das relagóes de outridade que geram "o que ainda
náo é" na perspectiva de um futuro sustentável, e que náo estáo inscritas de
ie sis- antemáo na ordem da natureza.
áticas A racionalidade ambiental, como construgáo social e realizagáo de um
apa- potencial, pode ser "atualizada" (realizada) através do saber, a agáo social e
tcle da as relagóes de outridade, náo por um processo evolutivo da natureza. A
ne da racionalidade ambiental emerge das potencialidades e possibilidades conti-
Issim, das em diferentes processos materiais, ordens ontológicas e formagóes sim-
com- bólicas: potenciais ecológicos, significados culturais, desenvolvimentos tec-
xesci- nológicos, estratégias políticas e mudangas sociais. Esses processos de cons-
pletas trugáo de urna sociedade ecológica sáo mobilizados por um saber que consti-
ainda tui aos atores sociais do ambientalismo, que geram a mudanga social e a
,agáo, transigáo para a sustentabilidade. Assim, o conceito de racionalidade
ambiental — síntese de valores, racionalidades e sentidos civilizatórios —
expressa o real como poténcia do que pode "chegar a ser" (o potencialmen-
lógico te atualizável) na realidade. No entanto, o naturalismo dialético de
kro de Bookchin, purificado de todo princípio de contradigáo, outridade, diferen-
natu- ga e conflito social, aparece como um processo de evolugáo, atualizagáo e
le um autoconsciéncia da natureza:
kno, é
de do Urna visáo ecológica da dialética inclinaria a filosofia dialética para a dife-
ética renciagáo mais do que para o confito e redefine o progresso para enfatizar
le his- o papel da elaboragáo social no lugar da competigáo social. É desenvolvi-
1 mento, náo apenas "mudanga"; é derivas o, náo simples "movimento"; é
medialdo, náo apenas "processo"; e é acumulativa, náo um simples contí-
nuo (Bookchin, 1990: 170).

se Assim, Bookchin enraíza seu ecoanarquismo em uma filosofia natural e


Dten- em uma ecologia generalizada na qual o progresso seria alcangado através de
da a urna "crescente autoconsciéncia e reciprocidade" (Ibid.), mais do que por
)ten- um movimento histórico que emerge de interesses opostos. Essa projegáo de
eza e sua ética naturalista é coberta por um véu dialético para que sua ideologia
figu- fique legitimada como discurso científico e filosófico. O ecologismo deslo-
cará- ca, assim, a história e a cultura (a ordem social e simbólica). A dialética se

113
ENRIQUE LEFF

funde na ecologia, seguindo o sonho de Engels de ver a dialética como a entant(


reflexáo da natureza de maneira mais orgánica. gáo de
Goldmann, um dos últimos pensadores modernos a indagar sobre a fun- o socia
gáo da dialética como pensamento utópico e o seu papel na transformagáo as mud
da realidade social, concebeu-a como estruturas significantes, aproximando política
o pensamento dialético do campo da racionalidade, em uma postura inter- puta de
mediária entre a razáo hegeliana e o naturalismo evolucionista: traditói
viment
Quando lidamos com as ciéncias humanas e, sobretudo, com a história e a naturez
cultura, o conceito principal de inteligibilidade, o de estrutura significante, É urna
representa, ao mesmo tempo, urna realidade e uma norma, precisamente por- la Gong
que define ao mesmo o motor real e o fim para o qual essa totalidade se orien-
ta: a sociedade humana [...] Náo devemos supor que a natureza evolui pro- Por
gressivamente para estruturas legais, geométricas ou causais; no entanto, a Essí
hipótese de um história dominada pelas tentativas de criar estruturas de cres- um
cente significagáo e coeréncia, para alcangar, ao final, uma sociedade transpa- con
rente, composta táo apenas por tais estruturas, é urna das principais hipóteses ma
positivas no estudo das realidades humanas (Goldmann, 1959: 111). poli
disc
Diante dessas posturas racionalistas, que anunciariam o fim da filosofia 1110(

(do pensamento crítico) na construgáo de urna realidade, Marcuse (1937/ cia,


1968) havia afirmado que "guando a razáo se realizou como a organizagáo dig¿
racional da humanidade, a filosofia ficou sem objeto". O materialismo histó- trar,
rico procurou basear-se em urna razáo crítica para construir o socialismo imp
como urna sociedade mais racional. Bookchin critica o economicismo do nig¿
materialismo histórico e postula a fundamentagáo ecológica da sociedade. No me
entanto, se a economia explica as potencialidades de urna ordem social racio- den
nal, se a consciéncia é a auto-reflexáo no pensamento de urna racionalidade defi
ecológica, entáo a filosofia e a razáo crítica ficaram, claramente, sem objeto. um
A civilizagáo humana está longe de ter chegado ao fim da história, do 200
pensamento e do sentido. A sociedade moderna está transitando para urna
ordem global que procura resolver o conflito em torno da apropriagáo da Ad
natureza pela via de urna política de consenso e da democracia, que supere a abre os
contradigáo e a luta de classes, submetendo todas as ordens do ser á lei uni- sustenta
versal do mercado. Urna política de convivéncia na diversidade tende a subs- ca) ou e
tituir o significado da diferenga como oposigáo e negagáo do outro. No contrad

114
V

RACIONALIDADE AMBIENTAL

como a entanto, esse progresso rumo a formas e meios mais pacíficos para a resolu-
gáo de conflitos náo autoriza urna visáo organicista da sociedade. Ao reduzir
.e a fun- o social a urna ordem ecológica generalizada, náo leva em consideragáo que
Irmagáo as mudangas históricas sáo geradas por interesses conflitantes e por forgas
imando políticas opostas. A dialética socioambiental se expressa através de urna dis-
.a inter- puta de sentidos em torno da construgáo do futuro e mobiliza posigóes con-
traditórias que se encontram nos caminhos que váo em diregáo ao desenvol-
vimento sustentável e aos interesses envolvidos na apropriagáo social da
tória e a natureza. Mas a dialética náo está inscrita na natureza, e sim no pensamento.
lificante, É uma dialógica marcada pela procura e encontro de sentidos. Como assina-
Inte por- la González Casanova, é contradigáo entre sentidos diversos e opostos:
se orien-
lui pro- Por dialética se entendem as tentativas de se dar sentido ás contradigóes.
tanto, a Essas tentativas variam conforme o sentido que se queira dar ás palavras de
de cres- um discurso ou aos fatos de uma oposigáo. Variam conforme se pense nas
transpa- contradigóes da vida, da história humana, de uma civilizagáo, de um siste-
ipóteses ma social, de um modo de produgáo e dominagáo, de um estado ou regime
político. A procura dialética está concentrada em encontrar o sentido de um
discurso, de um texto em seu contexto, ou da vida e da história, ou da
:ilosofia modernidade, do capitalismo, do socialismo, do comunismo, da democra-
(1937/ cia, realmente existentes e alternativos. O sentido é procurado nas contra-
nizagáo digóes presentes e entre contradigóes com história, passado e futuro, desen-
o histó- tranhadas desde o andar e o lutar [...] A dialética varia [...] de acordo com a
:'alismo importáncia que se dé ou náo ás interagóes entre os atores como interdefi-
s mo do nigóes de alguns atores por outros nos fatos e nos conceitos; isto é, confor-
de. No me se postule ou náo que é impossível compreender uma pessoa sem consi-
ti racio- derar as relagóes com o outro, conforme se aceite ou rechace que um se
alidade define em parte porque o outro redefine o um e o obriga a redefinir-se, e
Dbjeto. um obriga o outro, até sem querer, a se redefinir (González Casanova,
fria, do 2004: 215 - 6).
ra urna
agáo da A dialética nasce, se expressa e desemboca na relagáo de alteridade que
upere a abre os sentidos da história. Nisso consiste o radicalismo da dialética atual. A
lei uni- sustentabilidade náo é jogada entre duas lógicas opostas (económica/ecológi-
a subs- ca) ou em um campo de combinagóes teóricas e discursivas que anulam suas
ro. No contradigóes — suas diferengas ontológicas, epistemológicas, semánticas,

115
ENRIQUE LEFF

políticas — através do predomínio da racionalidade económica ou de urna NOTAS


racionalidade comunicativa, mas no campo antagónico dos interesses em
torno da reapropriaçáo da natureza, no princípio de diferenga que se decan- 1. "No
ta em um campo político, na abertura á outridade, a um diálogo de saberes. ficar a hure
A dialética social que leva á construgáo de sociedades sustentáveis náo é guia- [urna sociec
livre para r(
da pelo paradigma da ecologia e sim pela configuragáo de novas identidades cia é livre p
e saberes que entram em jogo na revalorizagáo e ressignificagáo da natureza. da pobreza
A racionalidade económica e instrumental dominante nega a ordem eco- confirmar
lógica. Os princípios de organizagáo, estabilidade e produtividade ecológica todos. Por
permeiam o pensamento para produzir urna nova utopia e prover novas bases sociedade si
ambientalis
materiais capazes de sustentar urna ordem social alternativa, mais orgánica e estratégias r
democrática. Abre-se assim a história no sentido de novas opgóes e possibili- do anulam
dades para orientar a mudanga social e a organizagáo produtiva, fundadas em lógico" gen
bases ecológicas. Nessa perspectiva, a natureza recupera seu lugar no proces- 2. Bool
so produtivo, como condigáo de sustentabilidade e como potencial ecológi- na introdul
náo muda d
co. Mas a agáo social orientada no sentido da construgáo de sociedades sus- sua visáo al
tentáveis náo se baseia na filosofia do naturalismo dialético, mas sim na exce- 3. Bool
dencia do ser e do pensar, que, além da geratividade da matéria, da significa- entre realich
gáo entre a palavra e a coisa, da relagáo de conhecimento entre o conceito e este estilo di
o real, abre o caminho para a construgáo de uma racionalidade ambiental. 26 gáo do proc
mudar para
4. "A c
O pensamento dialético poderá fertilizar essa nova racionalidade eluci- desenvolvirr
dando o campo conflitivo dos interesses em jogo e os processos estratégicos próprio equ
no campo do poder que mobilizam as mudangas ambientais globais e os pro- que possa er
5. "A r
cessos de reapropriagáo da natureza. No entanto, a ordem social náo poderá
ram em con
reduzir-se á ordem biológica; a ética, o poder e o conhecimento náo poderáo como um pi
subsumir-se nas leis da evolugáo biológica e na organizagáo ecológica da (Bookchin,
natureza para ver emergir dali uma sociedade ecológica. O ecologismo, como 6. Book
forma de entendimento que orienta as práticas de convivencia e as agóes e sua extraoi
no desenvol,
sociais de transformagáo do mundo, impede-nos de dar conta das estratégias
7. Laca'
de poder pela apropriagáo social da natureza e orientar a construláo de urna vel encontro
racionalidade ambiental. A racionalidade ambiental penetra as malhas nebu- o saber náo
losas da metafísica da representagáo, do imaginário dialético, da teoria do 1976: 777).
conhecimento, para repensar a relagáo entre o Real e o Simbólico na dimen- 8. É o (
indeterminis
sáo do ser e do saber. 27 O totalitarismo da realidade coisificada e do mundo mico: a final
objetivado colocou um ponto final no materialismo dialético. lidade está al

116
RACIONALIDADE AMBIENTAL

de urna NOTAS
sses em
decan- 1."Nossa maior necessidade é criar um interesse geral do ser humano que possa uni-
saberes. ficar a humanidade como um todo [...] náo existe a mais remota possibilidade de que
) é guia- [urna sociedade ecológica livre] possa ser alcangada hoje, a menos que a humanidade seja
livre para rechagar as nogóes burguesas de abundancia, precisamente porque a abundan-
itidades cia é livre para todos" (Bookchin, 1989: 171-170). Hoje em dia, o avango da pobreza e
atureza. da pobreza extrema no mundo, assim como as desigualdades económicas, estáo longe de
em eco- confirmar a transigáo para urna sociedade onde a abundancia esteja disponível para
:ológica todos. Por sua vez, a divergéncia entre interesses e estratégias para transitar até urna
as bases sociedade sustentável assim como a resisténcia das comunidades indígenas e dos grupos
ambientalistas em seguir as políticas do "desenvolvimento sustentável" guiado pelas
tánica e
estratégias neoliberais para capitalizar a natureza através dos mecanismos do livre merca-
ossibili- do anularla a possibilidade da unificagáo da humanidade em torno de um interesse "eco-
adas em lógico" geral (ver capítulos 7-9, infra).
proces- 2. Bookchin reviu sua posigáo sobre a viabilidade de urna sociedade de pós-escassez
ecológi- na introdugáo á segunda edigáo (1990) de seu livro Pos-scarcity society. No encanto, isso
náo muda de maneira fundamental os pressupostos éticos e teóricos básicos que norteiam
des sus- sua visáo a respeito da construgáo de urna sociedade ecológica.
na exce- 3. Bookchin idealiza a utopia como urna revolugáo total: pressupóe que a tensáo
ignifica- entre realidade e potencialidade "continuará surgindo até que a utopia seja alcangada [...]
nceito e este estilo de vida e os processos conducentes ao mesmo sao indispensáveis na reconstru-
enta1. 26 Ido do processo revolucionário, para despertar suas sensibilidades para tudo o que deve
mudar para que a revolugáo seja completa" (Bookchin, 1971/1990: 17, 18).
4. "A crenga na agáo espontánea é parte de urna crenga ainda maior: a crenga no
e eluci- desenvolvimento espontáneo. Cada desenvolvimento deve ser livre para encontrar seu
tégicos próprio equilibrio [...este] implica desatar as forgas internas do desenvolvimento para
os pro- que possa encontrar sua ordem auténtica e sua estabilidade" (Bookchin, 1971/1990: 23).
poderá 5. "A razáo convencional repousa na identidade, náo na mudanga [...] O que tive-
ram em comum pensadores desde Heráclito em diante [...] é urna visáo da realidade
oderáo como um processo evolutivo: do Ser corno um devir em contínuo desenvolvimento"
ica da (Bookchin, 1990: 13,13).
, como 6. Bookchin admira assim "a extraordinária coeréncia que oferece a razáo dialética
alóes e sua extraordinária aplicabilidade á ecologia, particularmente a urna ecologia enraizada
no desenvolvimento evolutivo" (Bookchin, 1990: 16).
atégias
7. Lacan serviu-se do reverso do pensamento dialético para apresentar esse impossí-
e urna vel encontro da verdade com o saber: "A verdade náo é outra coisa senáo aquilo do qual
nebu- o saber náo pode se inteirar do que sabe a náo ser fazendo atuar sua ignoráncia" (Lacan,
ria do 1976: 777).
i men- 8. É o que permite a Baudrillard afirmar que, "concluida a evolugáo dialética, é o
indeterminismo descontínuo do código genético que rege a vida — o princípio teleonó-
undo
mico: a finalidade já náo está na conclusáo, nem há conclusáo nem determinagáo; a fina-
lidade está ali adiante, inscrita no código" (Baudrillard, 1976: 92).

117
ENRIQUE LEFF

9. Baudrillard se demarca desse afá de unificagáo monista criticando os teóricos para 18. "A
quem "o código deve ter um assento 'objetivo'; que trono melhor do que a molécula e a damento de
genética? Monod é o teólogo severo dessa transcendéncia molecular; Edgar Morin é seu em seu con
acólito extático [...] Em cada um, o fantasma do código, que é equivalente á realidade do `subjetivo']
poder, combina-se com o idealismo da molécula [...] uma vez mais encontramos o sonho revisáo da i
delirante de reunificar o mundo sob um princípio unitário" (Baudrillard, 1976: 92). obter urna
10. Em contraposigáo á visáo sistémica e ecológica da sociedade, o conceito de autocumpri
ambiente se constrói como urna ordem emergente de complexidade que articula proces- seguiria um
sos materiais e simbólicos — físicos, biológicos, culturais, sociais — que implicam dife- do si mesmc
parte da na
rentes ordens ontológicas e epistemológicas (Leff, 2001a: caps. 1 e 2). Este conceito se
coisas (Jona
opóe ás tendéncias ao formular urna lei geral para unificar as distintas ordens ontológi-
19. Cf.
cas do real; assim, questiona a possibilidade de encontrar um princípio na organizagáo da
20. A e
natureza que pudesse ser estendido até a ordem do simbólico, da cultura e da mudanga
a ontologia
social.
e do Simból
11. "Assim, pois, precisamente em virtude de que o homem é superior a toda a natu-
lógicas com
reza, o que o distingue e singulariza, o espírito, já náo nos leva a considerar seu ser como
mestigadas j
pertencente a um nivel superior dentro da totalidade do ser, e sim, pelo contrário, desig-
mias e emig
na o abismo insuperável que o separa do resto da realidade. Apartado da comunidade do
refere ao ef
ser em um todo, é precisamente sua consciéncia quem faz dele um estranho no mundo, e
tecnologia c
em todo ato de verdadeira reflexáo dá novas provas de que essa é sua condigáo. Tal é o
do organisrr
estado do homem. Acabou-se o cosmos, com cujo logos imanente pode se sentir aparen-
vida, tecnoll
tado o meu próprio; acabou-se a ordem do todo, na qual o homem tem seu lugar pró-
que a compi
prio" (Jonas, 2000: 282). os enuncia.
12. Cf. caps. 5 e 6, infra. 21. Poi;
13. Louis Althusser (1970) afirmava que, para Lenin, a fungáo da filosofia é a de tra- suas formas
gar linhas de demarcagáo no campo teórico. Demarcar posigóes na teoria e na política é orientara su.
dizer náo, afirmar o que náo é, o que náo cabe na totalidade do sistema teórico e social náo é claro
estabelecido. É o náo diante de urna idéia, urna proposta, urna afirmagáo, um estado de tempo objet
coisas. É a criatividade do pensamento que diz o que náo é para dar curso ao que ainda analogias en
náo é. Esse náo náo é apenas uma afirmagáo que contradiz o afirmado com um discurso aquelas herc
positivo; náo é o Náo da falsificagáo de urna teoria. A racionalidade ambiental se demar- que no pens
ca da racionalidade dominante para delinear o terreno onde haverá de construir sua dife- contas, idea
renga e dizer o ainda náo da palavra, do pensamento e da agáo. existe um pc
14. Cf. cap. 1, supra. as participag
15. Emmanuel Levinas irá ressignificar esta proposta como a construgáo do mundo sem passar
a partir da outridade, mais além da ontologia. (cf. cap. 7, infra). novas invest
16. Cf. cap. 9, infra. pela classific
17. "Como poderia o homem 'empírico' pensar? Diante de sua própria história, ele de seres, con
fica táo inseguro como diante da natureza: a lei náo gera por si mesma o conhecimento 22. 0 d
da lei. Ao contrário: se é aceita passivamente, transforma seu objeto em passividade, eli- afirma: "ass
minando toda possibilidade de recolher suas partículas de experiéncias em urna unidade inconsciente
sintética [...] se a razáo dialética há de ser a racionalidade, deve oferecer a Razáo de suas náo conhece
próprias razóes" (Sartre, 1960: 127). uma "falta ei

118
y

RACIONALIDADE AMBIENTAL

)s para 18."A resposta que a ontología acabasse dando ainda poderia voltar a levar o fun-
ula e a damento do dever desde o eu do homem, aonde havia sido relegado, á natureza do ser
a é seu em seu conjunto [...] A reunificagáo [entre ontologia e ética; entre o reino 'objetivo' e o
ade do `subjetivo'] só pode efetuar-se [...] a partir do lado `objetivo', quer dizer, mediante uma
sonho revisáo da idéia de natureza [...] Da diregáo interna de sua evolugá'o total quigá se possa
2). obter urna determinagáo do homem de conformidade com a qual a pessoa, no ato de seu
tito de autocumprimento, esteja tornando realidade um interesse da substancia original. Dali se
)roces- seguiria um princípio da ética que em última análise náo estaria fundado na autonomía
n dife- do si mesmo nem nas necessidades da sociedade, mas sim em uma atribuigáo objetiva por
tito se parte da natureza do todo [...] em um princípio que se possa descobrir na natureza das
coisas (Donas, 2000: 326-327).
tológi-
19.Cf. cap. 7, infra.
Lgáo da
20.A emergéncia de um mundo constituído por ordens híbridas do ser rompe com
adanga
a ontología e a epistemologia herdeiras do pensamento metafísico. A hibridagáo do Real
e do Simbólico náo é a retroalimentagáo e articulagáo de ordens ontológicas e epistemo-
a natu- lógicas como as concebe um pensamento da complexidade. Náo sáo ordens culturais
r como mestigadas pela integragáo de ratas e a compenetragáo dos valores gerados pelas exoga-
, desig- mias e emigragóes cada vez mais aceleradas em um mundo globalizado. A hibridagá'o se
lade do refere ao efeito do conhecimento sobre o real que conhece, da vida pelos símbolos e a
ndo, e tecnologia que a invadem. De maneira que um cyborg náo se comporta seguindo as leis
al é o do organismo, os objetivos da tecnologia e os sentidos de um texto: é uma conjungáo de
paren- vida, tecnologia e símbolos; mas náo existe ainda urna ciencia que a descreva e um saber
r pró- que a compreenda, além de sua percepgáo como entes e existentes, desde a narrativa que
os enuncia.
21.Pois, embora seja possível postular que nas sociedades primitivas ou tradicionais
e tra- suas formas de simbolizagáo da natureza, seus imaginários e suas formas de identificagáo
ítica é orientam suas agóes configurando "esquemas de práxis" que "objetivara seu ambiente",
social náo é claro o sentido no qual "as fronteiras ontológicas sáo criadas por, e ao mesmo
do de tempo objetivadas em, sistemas cosmológicos". Sobre a impossibilidade de estabelecer
ainda analogias entre as cosmovisóes e processos cognitivos das culturas "náo ocidentais" e
scurso aquelas herdeiras da metafísica, a ontologia e a epistemologia, Roger Bastide assinalava
emar- que no pensamento ocidental, "ao lado de um pensamento de articulagáo (no final das
dife- coritas, identificador) que faz com que os conceitos penetrem uns nos outros, também
existe um pensamento de divisáo, que separa, delimita, isola os conceitos, urna vez que
as participagóes náo funcionam a náo ser dentro de um determinado domínio do cosmos,
undo sem passar de um setor ao outro. O pensamento africano, tal como se depreende de
novas investigagóes, náo pode ser definido nem pela participagáo de Lévy-Brühl, nem
pela classificagáo de Durkheim. Ambos sáo complementares, já que a classificagáo náo é
a, ele de seres, como entre os ocidentais, e sim de forgas e participagóes" (Bastide, 2001: 258).
ento 22.0 discurso de Bookchin é profuso no uso retórico da dialética. Dessa maneira,
e, eli- afirma: "assim como a abundáncia invade o inconsciente para manipulá-lo, assim o
'dade inconsciente invade a abundáncia para liberá-la" (1971/1990: 14). Mas o inconsciente
suas náo conhece abundáncia nem totalidade alguma; ao contrário, se organiza a partir de
urna "falta em ser" (Lacan) que impede ao sujeito alcangar sua plenitude. Bookchin des-

119
ENRIQUE LEFF

conhece esta verdade e afirma: "Quando estamos diante do umbral da sociedade da pós-
escassez, a dialética social cometa a amadurecer [...] O que devemos criar para substituir
a sociedade burguesa náo é apenas a sociedade sem classes imaginada pelo socialismo, e
sim a utopia náo repressiva concebida pelo anarquismo" (pp. 15-6). A liberagáo da
repressáo reclama, além de urna retórica da emancipagáo, urna teoría e urna estratégia
política efetivas para a construgáo de urna nova racionalidade social.
23. "Os problemas da `transigáo' que ocupou os marxistas por quase um século se
eliminam náo apenas através dos avangos da tecnologia, mas sim pela própria dialética
social. Os problemas da reconstrugáo social foram reduzidos a tarefas práticas que
podem ser resolvidas espontaneamente por atos autoliberatórios da sociedade"
(Bookchin, 1971/1990: 62).
24. Cf. cap. 7, infra.
25. Cf. cap. 3, infra.
26. "Náo se pode conceber esta abordagem como um conhecimento no qual o sujei-
to cognoscente se reflete e se absorve. Seria destruir, simultaneamente, esta exteriorida-
de do ser, por uma reflexáo total á qual aporta o conhecimento. A impossibilidade da
reflexáo total náo deve ser apresentada negativamente como a finitude de um sujeito cog-
noscente que, mortal e de antemáo comprometido com o mundo, náo acede á verdade,
mas sim na medida da excedéncia da relagáo social na qual a subjetividade permanece
cara a cara com a verdade [...] e náo se mede por ela [...] A multiplicidade supóe, pois,
urna objetividade determinada pela impossibilidade de urna reflexáo total, na impossibi-
lidade de confundir em um todo o eu e o náo eu" (Levinas, 1977: 234).
27. Cf. cap. 6, infra.

120
la pós-
)stituir
smo, e
;áo da
ratégia

:ufo se
alética
as que
:dade" CAPÍTULO 3 0retorno da ordem simbólica:
a capitalizaláo da natureza e as
estratégias fatais do desenvolvimento
sujei- sustentado
orida-
ade da
o cog-
rdade,
ianece
, pois,
ossibi-
A OBJETIVA00 DO MUNDO E A METÁSTASE DO CONHECIMENTO

Com o advento da modernidade e da racionalidade do Iluminismo, a natu-


reza náo apenas foi fraturada e fragmentada. O conceito de natureza pura e
simplesmente fracassou. Sem uma ordem ontológica que contenha o ser,
sem um cosmo ordenador do mundo, sem urna natureza capaz de oferecer
referenciais precisos ao conhecimento, leis traduzíveis em normas de vida e
sentidos existenciais, a ordem simbólica foi deslocada, caiu em delírio. A
dialética hegeliana e o materialismo dialético, ambos herdeiros da metafísi-
ca e arrastados para o naturalismo e objetivismo pela ordem do saber da
modernidade, foram incapazes de resolver a divisáo entre o real e o simbó-
lico. Na pós-modernidade, o jogo de opostos se abre para um pensamento
da diferencia, enredado pelo simulacro da ordem simbólica:

Trabalhar sobre os indecidíveis, como faz Derrida, significa desconstruir o


texto da metafísica mostrando que as oposigóes nas quais ele se articula sáo
apenas diferengas; ao mesmo tempo menos e mais do que oposigóes;
menos, porque os termos opostos se dáo ncio em correspondéncia com urna
estrutura originária fraturada, mas sim apenas em virtude de urna decisáo,
de um golpe de dados, que os constitui corno opostos sem nenhum funda-
mento; mas essa decisáo náo é o lugar de urna possível conciliagáo, posto
que eh é um náo-lugar, por sua vez puro vestígio de um original que náo se
manifesta e náo pode se manifestar, e, nesse sentido, o indecidível revela a
oposigáo como mais do que oposigáo, dado que a mostra corno insuperável.
A dualidade que náo pode ser reduzida á unidade é assim contagiada por
um delírio que a multiplica em um processo sem fim (Vattimo, 1998: 135).

123
ENRIQUE LEFF

A vontade de conhecimento engendrada pela epistemologia gerou um realidade


excesso de objetividade no mundo. A ánsia de iluminar o mundo através da mesmo te
razáo até torná-lo transparente, de nomear e normatizar as coisas com pala- cia para c
vras e uma linguagem para designá-las sem ambivaléncia, de ordenar a reali- real, na
dade empírica com formulagóes lógicas e fórmulas matemáticas até alcangar rente fati(
a verdade absoluta, engendrou urna realidade onipresente no horizonte da Mas essa
natureza humana. Esta hiper-realidade deslocou a ordem simbólica. O exis- urna muta
tente aparece e mostra-se em um jogo de espelhos entre o ser burlado pela ceito e o c
sedugáo do objeto e o discurso sarcástico que dele emerge, como um jogo de lidade gei
simulagóes entre o modelo e o real modelado por desígnios de urna razáo sem estratégia:
sentidos nem referentes. A simulag
Baudrillard articula urna narrativa sobre o reflexo deformado do conhe- objeto que
cimento e do real, sobre as certezas apoiadas nos princípios de cientificida- acima e al
de, determinagáo e objetividade que sustentam o projeto epistemológico da questionai
modernidade. Baudrillard vé nas estratégias fatais do Objeto a forma como pio de rea
o ente se torna cenário em um mundo coisificado, no qual a realidade "apa- gáo e na p
rece" diante do sujeito fora de todo devir, de toda história, de toda causali- A hipe
dade, de toda referencialidade. A aparigáo (produgáo) dessa hiper-realidade resultado
em um mundo tornado extremamente objetivo desloca a ontologia do real as formas 1
para uma estratégia de simulagáo. Os modelos náo representara a realidade, tivagáo do
mas a simulam; e, ao simulá-la, a constroem á sua imagem e semelhanga. tor ao suje
náo causa,
O modelo, ao contrário do conceito, náo é da ordem da representagáo, mas tornam-se
sim da ordem da simulagáo (virtual, aleatória, dissuasiva, sem referéncia) e sem razáo
é um contra-senso total querer aplicar-lhe a lógica de um sistema de repre- magia, a fi
sentagáo [...] que trata da indiferenla profunda ao princípio da realidade sob gáo do coi
o golpe da perda de toda ilusáo. Todos os velhos dispositivos de conheci- incerteza.
mento, o conceito, a cena, o espelho, procuram criar ilusáo, sublinham urna Se a ve
projegáo verídica do mundo. As superfícies eletrónicas carecem de ilusáo, por um su]
oferecem o indecidível (Baudrillard, 1983: 97, 96). objetiva, te
samento"
A hiper-realidade é a contrapartida do modelo, da realidade que emer- enigma que
ge da tentativa de moldá-la e apreendé-la mediante o conhecimento objeti- talizaram e
vo até forgar a identidade entre o conceito e o real. O modelo e o real ficam que extrai
presos dentro de sua própria ficgáo. Por isso, a construgáo do mundo deri- linguagem
vou em uma impossibilidade de apreender o real, engendrou uma hiper- tase do cor

124
RACIONALIDADE AMBIENTAL

gerou um realidade que está fora de toda ontologia e de toda epistemologia. Ao


através da mesmo tempo que a ciéncia se aferra ao ideal positivista da unidade da cién-
com pala- cia para controlar o mundo através da correspondéncia entre o conceito e o
lar a reali- real, na "era do código" o conhecimento se aparta cada vez mais de seu refe-
é alcangar rente fático, para construir realidades virtuais e mundos de vida flutuantes.
rizonte da Mas essa "queda" na relagáo entre o mundo e o pensamento náo poderia ser
a. O exis- urna mutagáo natural do objeto, e a hiper-realidade — a deformagáo do con-
rlado pela ceito e o desmoronamento do real — é o efeito da construgáo social da rea-
m jogo de lidade gerada pelas formas dominantes de conhecimento do mundo. As
razáo sem estratégias fatais do Objeto foram geradas pela hiperobjetivagáo do mundo.
A simulagáo da realidade vem dessa relagáo especular entre o modelo e o
do conhe- objeto que se olham frente a frente a partir dessa orden imaginária que paira
entificida- acima e além da relagáo entre o real e o simbólico. Será necessário, pois,
plógico da questionar a racionalidade gerada pelo princípio de representagáo, o princí-
rma como pio de realidade que produz urna hiper-realidade que se degrada na simula-
jade "apa- gáo e na perda de referentes entre a idéia e o ente, o conceito e o real.
causali- A hiper-realidade — a monstruosidade do Mundo Objeto — náo é
-realidade resultado de urna evolugáo da matéria, de urna teleologia da existéncia. Sáo
;ia do real as formas de conhecimento do ente e das coisas que foram geradas pela obje-
realidade, tivagáo do mundo. Dali nasce essa hiper-realidade que langa um olhar sedu-
l hanga. tor ao sujeito para enredá-lo em sua simples presenta, em urna atualidade
náo causada e sem perspectivas. A metafísica e a racionalidade científica
t acáo, mas tornam-se corpo em forma de Objeto, corpo gangrenado sem sensibilidade,
feréncia) e sem razáo e sem sentido. Se nas sociedades pré-científicas predominaram a
r de repre- magia, a fatalidade do destino e os enigmas da natureza, agora é a interven-
lidade sob gáo do conhecimento na natureza e nas coisas que desencadeia o risco e a
e conheci- incerteza.
pham urna Se a verdade náo haverá de se mostrar no objeto nem será dali extraída
de ilusáo, por um sujeito; se já náo é possível derivar a verdade de urna determinagáo
objetiva, teremos que questionar a epistemologia como "mecanismo do pen-
samento" que transforma o mundo, e perguntar ao oráculo do saber sobre o
pie emer- enigma que move seus desígnios. Pois, mais além do conceito no qual se cris-
to objeti- talizaram as determinagóes do real, além do encadeamento de significantes
real ficam que extrai a verdade oculta das coisas, as estratégias de poder penetraran na
ndo deri- linguagem até saturar e esgotar as fontes de significagáo do real. Essa metás-
va hiper- tase do conhecimento ultrapassa aquilo que Lévi-Strauss chamava de exces-

125
ENRIQUE LEFF

so de significante, quer dizer, o fato de que a significagáo transborda sempre (Derrida,


aquilo que é designado por um significante.' mento bá
A crise ambiental e a "catástrofe" de nossos mundos de vida náo foram
provocadas pela proliferagáo dos significados desencadeados depois de Um e:
Babel, e sim pela saturagáo do sentido e dos sentidos provocados pelo con- a irru]
ceito que procura aprisionar e fixar a realidade. A verdadeira fatalidade da gáo a
hiper-realidade do mundo náo é a do excedente de significante que está valore
radicado no poder de significagáo e sentido da palavra, da linguagem, dos valore
sonhos e da poesia. As estratégias fatais sáo a resposta de um Mundo Objeto hipen
que transbordou o sujeito do conhecimento. Sua sedugáo é produzida em desap,
sua retirada da significagáo e em sua queda em um vazio de sentido. Náo é nalida
o nada do qual emerge o pensamento; náo é a relagáo de outridade e o infi- evoluc
nito inefáveis que mobilizam a palavra. É esse todo — ao qual aspira o pro- respoi
jeto epistemológico mais que qualquer coisa, o que congelou o mundo
em urna transparéncia glacial que já náo é tocada pelo calor da palavra e o O am
siléncio do olhar. É a negagáo da ordem simbólica pelo domínio da pura uma nova
objetividade, pela pretensáo de urna objetividade verdadeira, casta e pura, zonte inv
universal e total. A entropizagáo do mundo é efeito da objetivagáo descarri- (Leff, 200
lada por uma racionalidade repulsiva a toda razáo, a todo conhecimento. desarticul,
Trata-se do desencadeamento de efeitos além de qualquer causa determiná- vel gratas
o conheci
vel, ali onde a multicausalidade, a articulagáo de ciéncias e o diálogo de
saberes —
saberes náo alcangam compreender, apreender e controlar a erosáo do
ultrapassa
sistema-mundo-objeto.
teoria de s
Esse descarrilamento é produzido em outra via diferente daquela pela
de urna m
qual Rilke via que o que acontece está sempre adiante do que pensamos e de
de científi
nossas intengóes de alcangá-lo, do fato de o real estar sempre fugindo do
lada por t
conhecimento. Vivemos em urna realidade produzida pela epistemologia
como con:
que se converteu em geradora de efeitos que náo sáo previsíveis nem podem O sab ■
ser atendidos pela teoria. Trata-se de um objeto — um sistema — que recha- dade pelo
ga todo saber, no qual inclusive o pensamento da complexidade e a ecologia lista de ap
generalizada sáo transformados em um modelo de simulagáo da realidade, logia do ol
no qual toda transcendéncia fica bloqueada por um sistema de objetos que [...] e sim
funciona como um mecanismo ecológico-cibernético fora de toda vontade e deamento:
sentido. O excesso de centralidade do objeto e da objetividade do conheci- Mas as fa
mento conduziu a crítica pós-moderna ao logocentrismo da ciéncia maneira

126
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ipre (Derrida, 1967, 1989), gerando um descentramento dos objetos de conheci-


mento básico em diregáo ao seu ambiente externalizado (Leff, 2001a).
ram
de Um exemplo dessa excentricidade das coisas, dessa deriva na excrescéncia, é
a irrupgáo, em nosso sistema, do acaso, da incerteza e da relatividade. A rea-
da gáo a esse novo estado de coisas náo foi um abandono resignado dos velhos
está valores, mas sim urna louca sobredeterminagáo, urna exacerbagáo de seus
dos valores de referéncia, de fungáo, de finalidade, de causalidade [...] urna
jeto hiperdeterminagáo: redundáncia da determinagáo no vazio. A finalidade náo
em desaparece em benefício do aleatório, mas sim em beneficio de urna hiperfi-
io é nalidade, de urna hiperfuncionalidade [...] a hipertelia náo é um acidente na
infi- evolugáo de algumas espécies animais, e sim esse desafio de finalidade que
pro- responde a urna indeterminagáo crescente (Baudrillard, 1983: 11-2).
ndo
eo O ambiente vai se configurando assim dentro como um novo saber e de
)ura urna nova racionalidade no campo da externalidade das ciéncias, no hori-
ura, zonte invisível do conhecimento, além das fronteiras do Mundo Objeto
arri- (Leff, 2001a, 2001b, 2003). 2 Além da possibilidade de recompor o mundo
nto. desarticulado mediante um pensamento da complexidade, que seria inteligí-
vel gratas a urna articulagáo de ciéncias e um diálogo de saberes aberto para
iná-
o conhecimento náo científico — urna hibridagáo entre ciéncias, técnicas e
) de
saberes —, o conhecimento sucumbe ante a hiperobjetivalíto do mundo que
1 do
ultrapassa a capacidade de entendimento racional do sujeito através de urna
teoria de sistemas, de um método interdisciplinar, de urna ética ecológica ou
pela
de urna moral solidária. O mundo objetivado e coisificado pela racionalida-
de
de científica e económica desencadeia uma reagáo que náo pode ser contro-
do
lada por urna gestáo racional do risco e aniquila de antemáo toda utopia
gia
como construgáo social de um futuro sustentável.
lem O saber, que náo resulta da dedugáo da razáo nem por indugáo da reali-
dade pelo pensamento, é seduzido e eludido pelo objeto. O projeto raciona-
igia lista de apreensáo do mundo a partir da razáo é confrontado por urna onto-
tele, logia do objeto que náo se transforma "segundo os encadeamentos racionais
que [...] e sim segundo um ciclo incessante de metamorfoses, conforme os enca-
le e deamentos sedutores das formas e das aparéncias" (Baudrillard, 1983: 167).
Mas as formas e aparéncias do Objeto náo seduzem o sujeito pela mesma
cia maneira como este é atraído pelo sensualismo que leva ao conhecimento

127
ENRIQUE LEFF

empírico, mas sim por códigos e desígnios que se configuram na ordem sim- tes no qu.
bólica, dentro de estratégias de poder no saber que regem a metamorfose ca que rel
dos objetos e a metástase do sistema de conhecimentos. rio puro,
Baudrillard passa da metafísica da representagáo á metafísica do código: de poder
coloca em cena um discurso que simula as manifestagóes do Mundo Objeto no objeto
como metáfora do domínio do DNA, do código genético. Além das analo- símile do
gias dos "ismos" — isonomias, isomorfismos — do estruturalismo, das teo- tadas por
rias "anti" que geraram o racionalismo crítico, das doutrinas da lógica dialé- mundo; n
tica e do pensamento da complexidade, do campo social construído em lhanga do
torno da produgáo e do trabalho, da ética e da moral; além da ontologia, da tipo da ex
significagáo e do sentido da palavra, o mundo pós-moderno aparece como indiferenc
um jogo de simulagóes entre o DNA como operador das possibilidades de
manipulagáo dos códigos genéticos e os códigos de linguagem que os imitam Mais
em urna pura simulacro do ente. O discurso científico e teórico é cúmplice sob ur
desse simulacro modelado e camuflado pelo disfarce do código genético: nada a
químic
Os grandes simulacros construídos pelo homem passam de um universo de código
leis naturais a um universo de forgas e tensóes de forgas e, hoje, a um uni- ming b
verso de estruturas e oposigóes binárias. Depois da metafísica do ser e das cionai:
aparéncias, depois da energia e da determinagáo, a metafísica da indetermi- Mono(
nagáo e do código [...] É efetivamente no código genético que a "génese dos
simulacros" encontra hoje sua forma mais acabada. No limite de um exter- O mur
minio sempre crescente das referéncias e finalidades, de uma perda de simi- de e a pós•
litudes e das designagóes, encontramos o signo digital programático, cujo nagáo, cau
"valor" é, puramente, tático, na intersegáo de outros sinais [...] cuja estrutu- se afasta
ra é a de um código micromolecular de comando e controle [...] Assim se ca através
desenha o modelo estratégico atual que [...] reencontraremos, sob o signo para chega
rigoroso da ciéncia, em O acaso e a necessidade, de Jacques Monod. nova racioi
Concluída a evolugáo dialética, é o indeterminismo descontínuo do código que permit
genético o que regula a vida — o princípio teleonómico: a finalidade já náo O poch
está localizada na conclusáo; já náo há nem fim nem determinagáo; a fina- de nomear
lidade está inscrita de antemáo no código (Baudrillard, 1976: 86, 92). de aparénc
urna realid;
A metafísica do simulacro cancela toda idéia da história e todo projeto va de marc
de transigáo para um propósito pensado, antecipado e projetado por urna apreender
utopia. O intercámbio simbólico fica enredado em um mundo sem referen- da magia e

128

RACIONALIDADE AMBIENTAL

n sim- tes no qual a teoria teria se emancipado do Real. Mais além da hermenéuti-
orfose ca que ressignifica os fatos e acontecimentos, está a narrativa como imaginá-
rio puro, sem referentes reais, mas que náo mascara menos urna estratégia
bdigo: de poder que náo é o da coisa em si, e sim do poder simbólico depositado
objeto no objeto, no mundo objeto. O mesmo jogo teórico de Baudrillard é um fac-
analo- símile do mundo regido por regras do código genético, descobertas e inven-
as teo- tadas por Monod. A genética se converte assim no modelo organizador do
t dialé- mundo; regenera a metafísica da representagáo; desta vez á imagem e seme-
do em lhanga do código genético; engendra a clonagem da realidade como protó-
gia, da tipo da existéncia, produz um ideal desidealizado, uma cultura da diferenga
como indiferenciada:
des de
tmitam Mais urna vez encontrarnos o sonho delirante da reunificagáo do mundo
mplice sob um princípio unitário [...] Está posto que o programa atual náo tem
nada a ver com a genética; é um programa social e histórico. O que a bio-
química hipostasiou é o ideal de urna ordem social regulada por um certo
rso de código genético ou um cálculo micromolecular de PBS (planning program-
m uni- ming budgetary system) que irradia o corpo social com seus circuitos opera-
r e das cionais. A tecnocibernética desvela aqui sua "filosofia natural", como
termi- Monod a ela se refere (Baudrillard, 1974: 141).
se dos
exter- O mundo atual está enredado em urna encruzilhada entre a modernida-
e simi- de e a pós-modernidade; transita por urna ponte sobre o vazio de determi-
, cujo nagáo, causalidade, objetividade, estrutura e unidade do conhecimento que
trutu- se afasta do paradigma mecanicista da ciéncia que corre sob seus pés; avan-
sim se ga através da incerteza e da perda de referencialidade empírica do conceito
signo para chegar á outra margem, a de um mundo complexo que demanda uma
onod. nova racionalidade para orientar agóes políticas e estratégias emancipatórias
ódigo que permitam fazer frente ao discurso da simulagáo que nos seduz.
já náo O poder de sedugáo do objeto sobre a razáo reafirma a impossibilidade
a fina- de nomear o mundo e designar a condigáo humana, sempre á deriva no jogo
. de aparéncias que náo pode salvar nenhuma estratégia de representagáo, de
urna realidade sempre em fuga do conceito; náo é apenas mais uma tentati-
rojeto va de marcar o limite da produgáo, da epistemologia em sua pretensáo de
r urna apreender a realidade para regulá-la e controlá-la; para ultrapassar o reino
feren- da magia e do saber através da razáo e da ciéncia, para chegar através do

129
ENRIQUE LEFF

Iluminismo á claridade das coisas e ao reino da liberdade, ali onde transluz O dis
a transparéncia do mal. A transparéncia do objeto, sem tempo nem lugar, dade, don
leva ao deslocamento do ente para fora de toda representagáo e do ser para apreendei
fora de todo sentido. É o obsceno fora de cena, a máscara transparente das Objeto M
coisas sem imagem, arrancadas da ordem simbólica que Ihes dá sentido, que dido o ref
deixa entrever seu verdadeiro rosto no rastro onde sáo fatiados os restos do expressa r
corpo do conhecimento e se dessangra o ser das coisas. É o mento) es
linguagen-
Fim do secreto [e a] irrupgáo da transparéncia [...] que dá um fim ao hori- exsuda.
zonte do sentido. A saturagáo dos sistemas os leva ao seu ponto de inércia E, no
[...] ás teorias flutuantes, satélites de um referente ausente [...] paisagem do Objeto, o
crescimento á excrescéncia, da finalidade á hipertelia, dos equilíbrios orgá- decompos
nicos ás metástases cancerígenas. É o lugar de uma catástrofe e náo de urna cidade do
crise (Baudrillard, 1983: 29). onde se n
objeto em
O real enlouquece dentro da prisáo a que é submetido pelo conhecimen- cujos enur
to, gerando urna hiper-realidade que escapa á ordem do simbólico. A racio- vado exer<
nalidade económica é "hipertélica, no sentido de que náo tem outro objeti- rientar su:
vo além do crescimento sem consideragáo pelos limites" (p. 36). 0 pensa- corrida en
mento metafísico em sua universalidade, a ciéncia em seu domínio do real, Para B
coisificaram e objetivaram o mundo no ponto em que criaram um Objeto conhecime
que transborda todo projeto possível de conhecimento do mundo. Assim, a como o MI
racionalidade moderna gerou urna monstruosidade incognoscível e incon- forma de <
trolável que nos devora. Essa transmutagáo da ordem do real e do simbóli- fatal. É o :
co, essa ruptura do espelho da representagáo, faz com que a reintegragáo do mento. A t
mundo seja urna ilusáo que está além do propósito de abrir o cerco das cien- to da invas
cias para a interdisciplinaridade e um diálogo de saberes, para compreender fe da hipe:
a nova ordem híbrida do real: os objetos transgénicos. Estamos irremedia- seu própri,
velmente enredados pelo simulacro de vida que é gerado pela transgénese da seu fim,
cultura pós-moderna, pela sedugáo de urna ordem pervertida pelo império humano di
do Objeto. Náo se trata da sedugáo da pura presenta do objeto, de sua apa- cios desse
rigáo de forma inusitada: uma lua, um olhar, um fato insólito; náo é a sedu-
gáo exercida pelo objeto estético: um quadro, urna paisagem, urna mulher. Os sist:
A sedugáo da hiper-realidade e do transobjeto é de outra ordem; é a da inter- zem se
vengáo do simbólico no real que leva a desnaturalizar a natureza e a con- energia
verté-la em ficgáo e maquiagem do real. Do pre

130
RACIONALIDADE AMBIENTAL

transl u z O discurso de Baudrillard reflete a condigáo do sujeito na pós-moderni-


n lugar, dade, dominado e seduzido pelo Objeto. Náo é um discurso teórico que tenta
ser para apreender urna realidade. É a manifestagáo textual das estratégias fatais do
ente das Objeto Mundo urna vez rompida a imagem especular do conhecimento, per-
do, que dido o referente de todo saber. Se Deus fala pela boca do profeta, o Objeto se
estos do expressa no texto de Baudrillard. A relagáo de simulagáo (já náo de conheci-
mento) estabelece essa identidade vaporosa e contundente entre o código de
linguagem, o pensamento codificado e os modelos de codificagáo que o gene
ao hori- exsuda.
inércia E, no entanto, diante desse discurso que reconhece o poder absoluto do
3gem do Objeto, o pensamento crítico consegue vislumbrar que este processo de
orgá- decomposigáo (metástase do objeto e do texto) tem seus referentes na criti-
de urna cidade do Objeto Mundo, do mundo ultra-objetivado e hipereconomizado
onde se manifestam os efeitos da crise ambiental. As estratégias fatais do
objeto em si se expressam no discurso do desenvolvimento sustentado, 3 em
ecimen- cujos enunciados se transluzem as estratégias de poder que o mundo objeti-
A vado exerce, a impossibilidade de abrir seus objetos de conhecimento e reo-
objeti- rientar suas tendéncias, seus falsos fundamentos ideológicos para frear a
1 pensa- corrida em diregáo á morte entrópica do planeta.
do real, Para Baudrillard, a estratégia fatal por exceléncia é a teoria. O sujeito do
Objeto conhecimento orientado para um objeto — uma hiper-realidade — aparece
kssim, a como o mais elusivo dos entes, pois a "estratégia" do objeto excede qualquer
incon- forma de conhecimento. Mas o objeto em si náo é o autor dessa estratégia
imbóli- fatal. É o resultado da objetivagáo do ser que opera as formas de conheci-
agáo do mento. A transgénese náo é gerada por um gene maléfico, mas sim pelo efei-
jas cién- to da invasáo tecnológica na vida e na economizagáo do mundo. A catástro-
r eender fe da hiper-realidade se produz na abstragáo do evento puro, que absorve
media- seu próprio significado, que faz com que a origem das coisas coincida com
nese da seu fim, onde a origem e o destino sáo ininteligíveis e estáo fora do jogo
império humano do poder. 4 No entanto, Baudrillard consegue esbogar alguns indí-
ua apa- cios desse lugar, dessa "outra parte" de onde provém a queda:
a sedu-
mulher. Os sistemas racionais da moral, do valor, da ciéncia, da razáo, náo condu-
la ínter- zem senáo á evolugáo linear das sociedades, á sua história visível. Mas a
; a con- energia profunda que impulsiona inclusive estas coisas vem de outra parte.
Do prestígio, do desafio, de todos os impulsos sedutores ou antagónicos,

131
ENRIQUE LEFF

inclusive suicidas, que náo tém nada a ver com urna moral social da história em um pc
ou do progresso (Baudrillard, 1983: 81). A volta ac
diferenga
Ante a queda no vazio dos referentes e dos significados, do homem que manipulal
gira sem rumo nem destino como efeito deste mundo ultra-objetivado, abre- da necessi
se a pergunta sobre o possível retorno á ordem simbólica, sobre a ressignifi- natureza,
cagáo do mundo. Baudrillard náo oferece urna teoria sobre essa possível esconder
reconstrugáo do mundo, mas, sim, tece um discurso que corresponde ás O pensam
estratégias fatais da hiper-realidade que reconhece, que auto-seduz com sua diferenga
"verdade" e fica enredado nos reflexos de sua própria representagáo. Fica infinito de
velada ali a fatura da metafísica que gera essa hiper-realidade, que anula e tidades (cc
sujeita o sujeito na hiperobjetivagáo do mundo. Essa narrativa do mundo tísticas, de
atual relata a realidade transgénica, mas náo constrói sua génese nem aponta de e eman
para urna possível desrealizagáo. O mundo fica enredado pelo Objeto. O Real A ontc
corresponde ao chamado do simbólico. racionalidi
A racionalidade ambiental procura discernir os efeitos do pensamento curso do d
metafísico e científico na hipereconomizagáo do mundo e os impactos e náo é co-n
conseqüéncias da entropizagáo do planeta na pobreza, na iniqüidade e na cimento (a
degradagáo socioambiental. Na diluigáo do real que preconiza o pensamen- gáo da real
to da pós-modernidade, o discurso volta seu olhar para a entropia como a efeito dess
lei-limite da natureza (o Real) diante do desvario e das estratégias fatais do sas estratél
discurso do desenvolvimento sustentado que postula o crescimento sem siva se anir
limites. Se a compreensáo racional do mundo gerou a complexizagáo do ser dobram as
e da morte entrópica do planeta, toda proposta de uma gestáo racional —
científica — do ambiente estaria fundada em urna falácia e condenada ao
fracasso. A racionalidade científica parte de um conceito de natureza já pre-
fixado e inteligível desde a cena primária do ordenamento de um mundo A CRISE AM
sujeito a leis causais. No entanto, isso náo langa o ser á deriva do saber, á
renúncia a toda a inteligibilidade do real, fora da razáo de um pensamento O prín,
para reapropriar-se do mundo. A racionalidade ambiental acolhe a ordem globalizagá
simbólica, o enigma do ser e a vida. natureza di
O pensamento da pós-modernidade veio questionar a racionalidade tal veio que
científica e cuas fontes metafísicas, ontológicas e epistemológicas que estáo ram e legiti
na raiz da crise ambiental. Se a transigáo até a sustentabilidade se dá em urna ra, deslocm
ponte levadiga entre urna modernidade inacabada (irrealizável) e urna pós- lógica apar
modernidade que rompe com o mito da representagáo, tampouco vivemos ordem ecor

132
RACIONALIDADE AMBIENTAL

istória em um puro vazio ontológico, fora de toda necessidade e de toda referéncia.


A volta ao ser e a transigáo a um futuro sustentável estáo tensionadas por urna
diferenga real: o hiperconsumo, que, regido pela lei da demanda através da
m que manipulagáo do desejo, continua remetendo ao imperativo da lucratividade e
, abre- da necessidade da produgáo, da exploragáo do trabalho, da espoliagáo da
ignifi- natureza, da contaminagáo do ambiente; de urna pobreza que náo consegue
)ssível esconder seu rosto. A diferenga náo é uma metáfora — está inscrita no real.
ade ás O pensamento da difereno (Derrida, 1989) se converte em urna política da
im sua diferenga e náo fica recluso na metonímia dos signos e em um encadeamento
). Fica infinito de significagóes fictícias. A diferenga encontra seu referente em iden-
nula e tidades (como raga, pele e cor); a pobreza extrema se expressa acima das esta-
cundo tísticas, de sua fungáo na economia global e das falsas esperangas de igualda-
ponta de e emancipagáo dentro da ordem estabelecida.
) Real A ontologia da simulagáo, o simulacro do Mundo Objeto e o modelo de
racionalidade moderna oferecem o pano de fundo e o fio que tecem o dis-
mento curso do desenvolvimento sustentado corno urna ficgáo, cuja hiper-realidade
ctos e náo é co-natural con o natural, mas sim obra mesma do reflexo do conhe-
e e na cimento (a metafísica, a epistemologia, a ciéncia) na destruigáo e reconstru-
amen-
amo a

sem
ais do

al —
a ao
oser
gáo da realidade. O colapso ecológico e a crise ambiental sáo o sintoma e o
efeito dessas formas de conhecimento, onde hoje em dia se decantam diver-
sas estratégias de poder pela reapropriagáo da natureza. Nessa malha discur-
siva se aninha a insuportável leviandade da globalizagáo económica e se des-
dobram as estratégias fatais do desenvolvimento sustentado.

' pre-

1undo
er, á
ento
rdem

idade
estáo
A CRISE AMBIENTAL E O DISCURSO DA SUSTENTABILIDADE

O princípio da sustentabilidade emerge no discurso teórico e político da


globalizagáo económico-ecológica como a expressáo de urna lei-limite da
natureza diante da autonomizagáo da lei estrutural do valor. A crise ambien-
tal veio questionar os fundamentos ideológicos e teóricos que impulsiona-
ram e legitimaran o crescimento económico, negando a natureza e a cultu-
turna ra, deslocando a relagáo entre o Real e o Simbólico. A sustentabilidade eco-
i pós- lógica aparece assim como um critério normativo para a reconstrugáo da
ros ordem económica, como urna condigáo para a sobrevivéncia humana e para

133
ENRIQUE LEFF

um desenvolvimento durável; problematiza as formas de conhecimento, os O disc


amplamen
valores sociais e as próprias bases da produgáo, abrindo uma nova visáo do
biente e II
processo civilizatório da humanidade.
A visáo mecanicista do mundo produzida pela razáo cartesiana e pela to, a consc
dinámica newtoniana converteu-se no princípio constitutivo da teoria eco- partir da C
nómica, predominando sobre os paradigmas organicistas dos processos da celebrada
limites da r
vida e orientando o desenvolvimento antinatura da civilizagáo moderna.
Dessa forma, a racionalidade económica desterrou a natureza da esfera da gáo ambiei
produgáo, gerando processos de destruigáo ecológica e degradagáo ambiental princípio q
que foram aparecendo como externalidades do sistema económico. A nogáo locando os
de sustentabilidade emerge, assim, do reconhecimento da fungáo que a natu- va, convert
reza cumpre como suporte, condigáo e potencial do processo de produgáo. vés do pro
A crise ambiental se torna evidente nos anos 1960, mostrando a irracio- mais abund
nalidade ecológica dos padróes dominantes de produgáo e consumo, e mar- disposigáo
cando os limites do crescimento económico. Dali surge o interesse teórico e A publi
político em valorizar a natureza com o propósito de internalizar as externa- 1972) difui
lidades ambientais do processo de desenvolvimento. Desse debate emergem ideologia d
as "estratégias do ecodesenvolvimento", promovendo novos "estilos de
desenvolvimento", fundados nas condigóes e potencialidades dos ecossiste- tiva da cont
mas e no manejo prudente dos recursos (Sachs, 1982). A economia se vé Roegen put
imersa em um sistema físico-biológico mais amplo que a contém e condicio- va o vínculc
na (Passet, 1979, Naredo, 1987). Dali haveria de surgir a economia ecológi- que rege a d
ca como um novo paradigma que procura integrar o processo económico á e, com isso,
dinámica populacional e ao comportamento dos ecossistemas (Costanza et económico
al, 1989). custa da per
A economia ecológica langa um olhar crítico sobre a degradagáo ecoló- enfrentando
gica e energética resultante dos processos de produgáo e consumo, tentando É isso o quo
situar o intercámbio económico dentro do metabolismo geral da natureza. efeito da crc
No entanto, a produgáo continua guiada e dominada pela lógica do merca- capacidade
do. A protegáo do ambiente é considerada como um custo e condigáo do avango do d
processo económico, cuja "sustentabilidade" depende das possibilidades de Em resp
valorizagáo da natureza. No entanto, o questionamento da economia a par- estratégias
tir da ecologia náo tem levado á desconstrugáo da racionalidade económica novas forma
dominante e a fundar urna nova teoria da produgáo nos potenciais da natu- cialidades ec
reza e nos sentidos das culturas, e por isso as políticas ambientais continuam capacidade d
sendo subsidiárias das políticas neoliberais. discurso do e

134
RACIONALIDADE AMBIENTAL

O discurso do desenvolvimento sustentável foi oficializado e difundido


D,os
amplamente na raiz da Conferéncia das Nagóes Unidas sobre Meio Am-
o do
biente e Desenvolvimento, celebrada no Rio de Janeiro, em 1992. No entan-
to, a consciéncia ambiental comegou a se expandir a partir dos anos 1970, a
pela
eco- partir da Conferéncia das Nagóes Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,
celebrada em Estocolmo, em 1972. Nesse momento foram apontados os
is da
limites da racionalidade económica e os desafios apresentados pela degrada-
erna.
-a da gáo ambiental ao projeto civilizatório da modernidade. A escassez, como
ental princípio que fundamenta a teoria e a prática económica, mobilizando e des-
ogáo tocando os recursos produtivos de um umbral a outro de sua escassez relati-
natu- va, converteu-se em urna escassez global. Esta já náo pode ser resolvida atra-
áo. vés do progresso técnico, da substituigáo de recursos escassos por outros
aci o- mais abundantes ou do aproveitamento de ambientes náo saturados para a
mar- disposigáo dos dejetos gerados pelo crescimento desenfreado da produgáo.
ico e A publicagáo, em 1972, de Os limites do crescimento (Meadows et al.,
erna- 1972) difundiu pela primeira vez em escala mundial urna visáo crítica da
rgem ideologia do "crescimento sem limites", fazendo soar o alarme ecológico e
)s de apresentando os limites físicos do planeta para prosseguir a marcha cumula-
siste- tiva da contaminagáo e do crescimento demográfico. Em 1971, Georgescu-
se vé Roegen publicou A lei da entropia e o processo económico, em que mostra-
licio- va o vínculo entre o processo económico e a segunda lei da termodinámica
Ilógi- que rege a degradagáo da matéria e da energia em todo processo produtivo,
ico á e, com isso, os limites físicos impostos pela lei da entropia ao crescimento
za et económico e á expansáo da produgáo. O crescimento económico avanga á
custa da perda de fertilidade da terra e da desorganizagáo dos ecossistemas,
coló- enfrentando a inelutável degradagáo entrópica de todo processo produtivo.
ndo É isso o que haveria de manifestar-se no aquecimento global do planeta,
eza. efeito da crescente produgáo de gases com efeito estufa e da diminuigáo da
rca- capacidade de absorgáo de dióxido de carbono pela biosfera, devido ao
do avanlo do desflorestamento.
s de Em resposta a essa crise ambiental, foram propostas e difundidas as
par- estratégias do ecodesenvolvimento, postulando a necessidade de se criar
mica novas formas de produgáo e estilos de vida baseados nas condigóes e poten-
latu- cialidades ecológicas de cada regiáo, assim como na diversidade étnica e na
Riam capacidade das populagóes locais para a gestáo participativa dos recursos. O
discurso do ecodesenvolvimento emerge em um momento em que as teorias

135
ENRIQUE LEFF

da dependéncia, do intercambio desigual e da acumulagáo interna de capital — mais co


orientam a planificagáo do desenvolvimento. No entanto, seu potencial crí- Mundial si
tico foi se dissolvendo em suas próprias estratégias teóricas e práticas. Sua secretário-g
proposta foi se dissolvendo diante da dificuldade de se flexibilizar as insti- degradagáo
tuigóes e os instrumentos da planificagáo para romper a lógica economicis- e gerar uma
ta e internalizar uma "dimensáo ambiental" ao processo de desenvolvimen- condigóes
to. O ecodesenvolvimento ficou enredado nas malhas da teoria de sistemas género hurr
com a qual procurava reintegrar ao sistema económico um conjunto de variá- to sustentá\
veis (crescimento populacional, mudanga tecnológica) e de condigóes como "pro(
ambientais (processos ecológicos, degradagáo ambiental). Esse esquema teóri- sem compre
co alimentou a esperanga de urna prática de planificagáo encarregada de assi- diante, a n(
milar e abolir as externalidades ambientais. O método sistémico haveria assim discursivo e
de resolver os problemas ambientais, com o qual o ambiente se dissolveria no torno da co
terreno do conhecimento e desapareceria do campo da planificagáo.s O discu
A degradagáo ambiental irrompeu na cena política como sintoma de reno comun
urna crise de civilizagáo, marcada pelo modelo de modernidade regido sob interesses
o predomínio do conhecimento científico e da razáo tecnológica sobre a da apropria(
natureza. A questáo ambiental problematiza assim as próprias bases da pro- to sustentad
dugáo: aponta para a desconstrugáo do paradigma económico da moderni- lity, que int(
dade e a construgáo de urna nova racionalidade produtiva, fundada nos limi- dade, implic
tes das leis da natureza, assim como nas potencialidades ecológicas e na cria- natureza, dil
tividade humana. No entanto, a visáo sistémica e pragmática do ecodesen- económico;
volvimento careceu de uma base teórica sólida para construir um novo para- implica a p(
digma produtivo e velou o potencial dos saberes culturais e dos movimentos ambiental é
sociais pela apropriagáo da natureza na transparéncia das práticas da plani- processo ecc
ficagáo ambiental. No entanto, o conceito de ambiente foi cobrando um digáo da sus
sentido estratégico no processo político de supressáo das "externalidades do discurso do
desenvolvimento" — a exploragáo económica da natureza, a degradagáo tornar suste
ambiental, a distribuigáo social desigual dos custos ecológicos e a marginali- mercado, at
zagáo social —, que aumentam acima das mudangas teóricas e práticas pro- recursos e s(
movidas para ecologizar a produgáo e capitalizar a natureza. sobre a capa(
Nos anos 1980, as estratégias do ecodesenvolvimento foram deslocadas lógicas e soc
pelo discurso do desenvolvimento sustentável. Embora essa nogáo já tivesse cesso através
se insinuado a partir dos textos da Estratégia Mundial da Conservagáo, de Além da
1980 — que seria retomada pelas Estratégias para urna vida sustentável alcangar a su,
(IUCN/Unep/WWF, 1991) foi em Nosso futuro comum (WCED, 1987) tilizagáo da n

136
11V

RACIONALIDADE AMBIENTAL

Irtal — mais conhecido como Informe Brundtland, publicado pela Comissáo


crí- Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento por solicitagáo do
Sua secretário-geral das Nagóes Unidas para avaliar os avangos dos processos de
isti- degradagáo ambiental e a eficácia das políticas ambientais para enfrentá-los
icis- e gerar urna visáo compartilhada por todas as nagóes do mundo sobre as
len- condigóes para alcangar a sustentabilidade ecológica e a sobrevivéncia do
mas género humano — que comegou a ser formado o sentido do desenvolvimen-
iriá- to sustentável. Mi se formulou a definigáo do desenvolvimento sustentável
;óes como "processo que permite satisfazer as necessidades da populagáo atual
:óri- sem comprometer a capacidade de atender ás geragóes futuras". Dali em
assi- diante, a nogáo de desenvolvimento sustentável converteu-se no referente
>sim discursivo e no "saber de fundo" que organiza os sentidos divergentes em
a no torno da construgáo de sociedades sustentáveis.
O discurso do desenvolvimento sustentável procura estabelecer um ter-
a de reno comum para uma política de consenso capaz de integrar os diferentes
sob interesses de países, poyos e classes sociais que plasmam o campo conflitivo
re a da apropriagáo da natureza. A ambivaléncia do discurso do desenvolvimen-
pro- to sustentado/sustentável se expressa já na polissemia do termo sustainabi-
irni- lity, que integra dois significados: o primeiro, traduzível como sustentabili-
imi- dade, implica a incorporagáo das condigóes ecológicas — renovabilidade da
:ria- natureza, diluigáo de contaminadores, dispersáo de dejetos — do processo
sen- económico; o segundo, que se traduz como desenvolvimento sustentado,
ara- implica a perdurabilidade no tempo do progresso económico. Se a crise
ritos ambiental é produto da negagáo das bases naturais nas quais se sustenta o
ani- processo económico, entáo a sustentabilidade ecológica aparece como con-
um diláo da sustentabilidade temporal do processo económico. No entanto, o
s do discurso do desenvolvimento sustentado chegou a afirmar o propósito de
lgáo tornar sustentável o crescimento económico através dos mecanismos do
aali- mercado, atribuindo valores económicos e direitos de propriedade aos
)ro- recursos e servigos ambientais, mas náo oferece uma justificagáo rigorosa
sobre a capacidade do sistema económico para incorporar as condigóes eco-
idas lógicas e sociais (sustentabilidade, eqüidade, justita, democracia) deste pro-
esse cesso através da capitalizagáo da natureza.
, de Mém da difícil ecologizagáo da economia, e do impossível propósito de
ível alcangar a sustentabilidade ecológica pela via da economizagáo e da mercan-
87) tilizagáo da natureza, o discurso da sustentabilidade entranha significagóes e

137
ENRIQUE LEFF

valores que transcendem a possível manipulagáo do mundo como objeto. Estes for:
Sustainable development foi traduzido para o francés como développement em relagí
durable, nogáo que, ao colocar um acento no tempo, abre seu significado dade e at
para urna acepgáo fenomenológica e existencial, diante do economicismo do tos dos p
desenvolvimento sustentado e o ecologismo do desenvolvimento sustentá- gico ondr
vel. Pois durable, em francés, acarreta o sentido que lhe foi atribuído por
Henri Bergson em seu debate com Newton, guando, ante a idéia mecanicis-
ta do tempo reversível, propós o conceito de durée como "tempo vivido",
como o tempo de um devir (becoming) (Prigogine e Stengers, 1984: 294). A CAPITAL
A Conferéncia das Nagóes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvi- DO DESEN
mento, celebrada no Rio de Janeiro, em junho de 1992, elaborou e aprovou
um programa global (conhecido corno Agenda 21) para dar institucionalida- As estraté
de e legitimidade ás políticas do desenvolvimento sustentável. Dessa forma, marco da
foi se prefigurando urna estratégia discursiva para dissolver as contradigóes tentabilid:
entre meio ambiente e desenvolvimento. Os acordos do Rio foram renova- bilidade e
dos dez anos depois na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável ambiental
celebrada em Johannesburgo, em 2002, que estabeleceu um Plano de do e pervc
Implementagáo para alcangar os objetivos do desenvolvimento sustenta- um deseco
do/sustentável. necessário
Nesse processo, o discurso do desenvolvimento sustentado/sustentável alcangado,
foi difundido e vulgarizado até se tornar parte do discurso oficial e da lin- rigáo da cc
guagem comum. No entanto, além do mimetismo retórico gerado, náo se cado sáo p
logrou engendrar um sentido conceitual e praxeológico capaz de unificar as ecológicas
vias de transigáo para a sustentabilidade. As contradigóes náo apenas se Na perspe
fazem manifestas na falta de rigor do discurso, mas também em sua coloca- mas ecológ
gáo em prática, guando surgem os dissensos em torno do discurso do desen- tal, mas re
volvimento sustentado/sustentável e os diferentes sentidos que este conceito (privada) e
adota em relagáo aos interesses contrapostos pela apropriagáo da natureza lecido o ar,
(Redclift, 1987; Martínez Alier, 1998; Escobar, 1999, cap. 4). leis clarivic
O ano de 1992 marcou os quinhentos anos da conquista dos poyos da ecológicos
América, da colonizagáo cultural e da apropriagáo capitalista do ambiente e O disci
dos recursos que outrora foram o hábitat dos poyos pré-hispánicos e pré- nómico nej
lusitanos, das culturas mesoamericanas e andinas, dos poyos amazónicos e os limites
patagónicos, das populagóes mestigas e afro-descendentes que foram ocu- sendo inco
pando as terras do continente. Com isso, a emancipagáo dos poyos indíge- procura-se
nas surgiu como um dos fatos políticos mais relevantes do final do século XX. económico

138
RACIONALIDADE AMBIENTAL

)jeto. Estes foram ganhando espagos políticos para legitimar seus direitos culturais
ment em relagáo a seus territórios étnicos; a suas línguas e costumes; a sua digni-
[cado dade e autonomia. Ali está se forjando urna nova consciéncia sobre os direi-
io do tos dos poyos indígenas a autogerir os recursos naturais e o entorno ecoló-
entá- gico onde suas culturas co-evoluíram.
) por
nicis-
ido",
?4). A CAPITALIZ/e00 DA NATUREZA E AS ESTRATÉGIAS FATAIS
rolvi- DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO
•ovou
alida- As estratégias de apropriagáo dos recursos naturais do Terceiro Mundo no
)rma, marco da globalizagáo económica se reconfiguraram nas perspectivas da sus-
ligóes tentabilidade. Ante a impossibilidade de assimilar as condigóes de sustenta-
nova- bilidade e os princípios que orientam a construgáo de urna racionalidade
itáv el ambiental, a política de desenvolvimento sustentado vai desativando, diluin-
io de do e pervertendo as perspectivas abertas pelo conceito crítico do ambiente a
:enta- um desenvolvimento alternativo. Se nos anos 1970 a crise ambiental tornou
necessário que se colocasse um freio antes que o colapso ecológico fosse
itável alcangado, a partir dos anos 1980 o discurso neoliberal anunciou a desapa-
la lin- riláo da contradigáo entre ambiente e crescimento. Os mecanismos de mer-
láo se cado sáo postulados como o meio mais correto de assimilagáo das condigóes
car as ecológicas e dos valores culturais ao processo de crescimento económico.
las se Na perspectiva neoliberal, desaparecem as causas económicas dos proble-
loca- mas ecológicos. A crise ambiental náo é mais um efeito da acumulagáo de capi-
lesen- tal, mas resultado do fato de náo haver outorgado direitos de propriedade
ceito (privada) e atribuído valores (de mercado) aos bens comuns. Uma vez estabe-
ureza lecido o anterior — afirma o discurso do desenvolvimento sustentado —, as
leis clarividentes do mercado se encarregariam de ajustar os desequilíbrios
os da ecológicos e as diferengas sociais, a eqüidade e a sustentabilidade.
ente e O discurso do desenvolvimento sustentado promove o crescimento eco-
pré- nómico negando as condigóes ecológicas e termodinámicas que estabelecem
icos e os limites e possibilidades de urna economia sustentável. A natureza está
ocu- sendo incorporada ao capital mediante urna dupla operagáo: de um lado,
tdíge- procura-se internalizar os custos ambientais do progresso atribuindo valores
) XX. económicos á natureza; ao mesmo tempo, instrumentaliza-se urna operagáo
ENRIQUE LEFF

simbólica, "um cálculo de significagáo" (Baudrillard, 1974) que recodifica o O cap


homem, a cultura e a natureza como formas aparentes de urna mesma essén- imagem, I(
cia: o capital. Assim, os processos ecológicos e simbólicos sáo reconvertidos de sua
em capital natural, humano e cultural, para serem assimilados pelo processo abismo". 1
de reprodugáo e expansáo da ordem económica, reestruturando as condigóes
da produgáo mediante uma gestáo economicamente racional do ambiente. 6 revolu,
A ideologia do desenvolvimento sustentado libera ao mercado, desenca- em sua
deando um processo incontrolado e desregulado de produgáo, um delírio da ascensl
razáo económica, urna urania de crescimento (Daly, 1991). 0 discurso da que as
sustentabilidade aparece assim como um simulacro que nega os limites do ram se
crescimento para afirmar a corrida desenfreada em diregáo á morte entrópi- para ur
ca do planeta. Afirma-se, assim, um processo que se aparta de toda lei de
conservagáo ecológica e reprodugáo social para dar curso a um processo que O que
desborda toda norma, referéncia e sentido para controlá-lo. O discurso da gáo do gal
sustentabilidade opera como urna estratégia fatal, urna inércia cega que se Bataille via
precipita em diregáo á catástrofe. O discurso de Baudrillard se reflete e tureira, ev,
encontra seu referente no discurso do desenvolvimento sustentado e em antieconon
suas manifestagóes da crise ambiental guando afirma que: 86-7). Trat
escassez da
Estamos governados náo tanto pelo crescimento, mas por crescimentos. apresenta
Nossa sociedade está fundada na proliferagáo, em um crescimento que con- de medida:
tinua apesar de náo poder medir-se diante de nenhum objetivo claro. Urna falso princí
sociedade excrescente cujo desenvolvimento é incontrolável, que ocorre que perveri
sem considerar sua autodefinigáo, onde a acumulagáo de efeitos vai de máos reza ecolog
dadas com a desaparigáo das causas. O resultado é um congestionamento A retór
sistémico bruto e um mau funcionamento causado por urna hipertelia: por do conceitc
um excesso de imperativos funcionais, por urna sorte de saturagáo [...] As políticas ne
próprias causas tendem a desaparecer, a se tornar indecifráveis, gerando a ecológico e
intensificagáo de processos que operam no vazio. Enquanto existir urna dis- co guiado i
fungáo do sistema, um desvio das leis conhecidas que governam sua opera- sem urna ft
gáo, sempre existirá a perspectiva de transcender o problema. Mas, guando justo valor
o sistema se precipita sobre seus pressupostos básicos, desbordando seus pia e atuali:
próprios fins, de maneira que náo é possível encontrar-se nenhum remédio, possível sus
náo estamos contemplando mais urna crise e sim uma catástrofe [...] O que do irrefreá;
chamamos de crise é de fato a antecipagáo de sua inércia absoluta mica e sua i
(Baudrillard, 1993: 31-2). nalidade ec(

140
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ao O capitalismo engoliu o mundo, mascarou-o e velou-o em sua própria


én- imagem, levado por "essa estratégia exponencial na qual as coisas, privadas
dos de sua finalidade ou de sua referéncia, se reiteram em um tipo de jogo no
:sso abismo". A hipereconomizagáo do mundo gerou urna
óes
.6 revolugáo nas coisas que náo se dá mais em sua superagáo dialética, mas sim
Ica- em sua potencializagáo, em sua elevagáo á poténcia dois, a poténcia n, dessa
) da ascensáo aos extremos na auséncia de qualquer regra de jogo [...] Parece
da que as coisas, tendo perdido sua determinagáo crítica e dialética, só pude-
do ram se redobrar em sua forma exacerbada e transparente [que] nos leva
Spi- para um éxtase que é também o da indiferenga (Baudrillard, 1983: 38, 46).
t de
que O que está em ato nessa excrescéncia do Mundo Objeto náo é a celebra-
da gáo do gasto, a manifestagáo exacerbada da pulsáo á dissipagáo na qual
e se Bataille via o destino governado pelo excesso, por "urna organizagáo aven-
te e tureira, eventualmente absurda, um projeto de energia devastadora, uma
em antieconomia, um prodígio, um desafio á natureza conservacionista" (1983:
86-7). Trata-se de urna compulsáo ao consumo que, contra o princípio da
escassez da economia, desborda a ideologia do progresso. A questáo náo se
tos. apresenta como um dilema do sujeito — do controle racional diante da falta
;on- de medidas do desejo —, e sim da própria racionalidade económica, cujo
Jma falso princípio de racionalizagáo da escassez o conduz a todos os excessos,
)rre que perverte a ética iluminada pelo pensamento da complexidade e da natu-
áos reza ecologizada.
nto A retórica do desenvolvimento sustentado reconverteu o sentido crítico
por do conceito de ambiente em um discurso voluntarista, proclamando que as
As políticas neoliberais haveráo de nos conduzir para os objetivos do equilibrio
oa ecológico e da justita social pela via mais eficaz: a do crescimento económi-
is- co guiado pelo livre mercado. Esse discurso promete atingir seu objetivo
sem uma fundamentagáo a respeito da capacidade do mercado em dar seu
do justo valor á natureza, desmaterializar a produ0o, reverter as leis da entro-
us pia e atualizar as preferéncias das geragóes futuras. Isto leva a questionar a
io, possível sustentabilidade do capitalismo (M. O'Connor, 1994), quer dizer,
que do irrefreável impulso em diregáo ao crescimento da racionalidade econó-
uta mica e sua impoténcia para deter a degradagáo entrópica que gera. A racio-
nalidade económica resiste á sua desconstrugáo e arma um simulacro no dis-

141
ENRIQUE LEFF

curso do desenvolvimento sustentado, unta estratégia de simulagáo, um jogo subdesenv


falaz de perspectivas — trompe l'oeil —, que burla a percepgáo das coisas e 1974; Em
perverte toda razáo e agáo no mundo em relagáo a um futuro sustentável. O gáo dos re
discurso do desenvolvimento sustentado volta corno um bumerangue, deca- pelo sister
pitando o ambiente como conceito que deve orientar a construgáo de urna definida 1
nova racionalidade social. A estratégia discursiva da globalizagáo se conver- Terceiro 1
te em um tumor semiótico e gera a metástase do pensamento crítico; dissol- patenteáv<
ve a contradigáo, a alteridade, a diferenga e a alternativa, para oferecer-nos so da glot
em seus excrementos retóricos urna revisáo do mundo como expressáo do urna visáo
capital. O ambiente já náo apenas refuncionalizado para valorizar e reinte- tura, fragr
grar suas externalidades dentro da racionalidade económica que o gera, ao para globz
mesmo tempo que o rechaga. O ambiente é reapropriado pela economia, do mercad
fragmentando e recodificando a natureza como elementos do sistema: do mes de um
capital globalizado e da ecologia generalizada. lógicas par
Náo faltou quem quisesse ver na origem comum de seus conceitos a via nómica. A
para reintegrar a economia ao sistema mais amplo da ecologia, pelo reco- resultam e
nhecimento de sua idéntica raiz etimológica: oikos. Mas essa operagáo her- As pol
menéutica e sua tática semiótica náo poderiam unificar os sentidos diferen- opostos cc
ciados dentro dos quais foram construídos os paradigmas da economia e da crescimenl
ecologia, assim como as diferentes cosmovisóes e significagóes culturais em reverter os
que se desenvolveram os saberes sobre a vida e a produgáo, nem dissolver as tribuigáo e
estratégias de poder da economia que dominaram a ecologia. O discurso do jos e os rei
desenvolvimento sustentado colonizou a natureza, convertendo-a em capital O discurso
natural. A forga de trabalho, os valores culturais, as potencialidades do cara as cat
homem e sua capacidade inventiva se transmutam em capital humano. Tudo ignorada a
é redutível a um valor de mercado e representável pelos códigos do capital. forma mais
O capital clona identidades para assimilá-las a urna lógica, a urna razáo, a meno ao q
urna estratégia de poder para a apropriagáo da natureza como meio de pro- discurso de
dugáo e de reprodugáo da racionalidade económica. Dessa maneira, as estra- na porca d
tégias de sedugáo e de simulagáo do discurso do desenvolvimento sustenta- aperto na r
do constituem o mecanismo extra-económico por exceléncia da pós- dugáo, e sir
modernidade para manter o domínio sobre o homem e a natureza. vel", susten
O capital, em sua fase ecológica, está passando das formas tradicionais de meios efica
apropriagáo primitiva, selvagem e violenta dos recursos das comunidades — O dese
a rapina do Terceiro Mundo denunciada por Pierre Jalée (1968) —, dos meca- pado, base<
nismos económicos de intercámbio desigual entre matérias-primas dos países logia foi cl

142
RACIONALIDADE AMBIENTAL

jogo subdesenvolvidos e produtos tecnológicos do Primeiro Mundo (Amin, 1973,


sas e 1974; Emmanuel, 1971), a urna estratégia discursiva que legitima a apropria-
el. O gáo dos recursos naturais e ambientais que náo sáo diretamente internalizados
leca- pelo sistema económico. Através dessa operagá'o simbólica, a biodiversidade é
urna definida como património comum da humanidade, as comunidades do
wer- Terceiro Mundo como um capital humano e seus saberes como recursos
issol- patenteáveis por um regime de direitos de propriedade intelectual. O discur-
r-nos so da globalizagáo aparece assim como um olhar guloso mais do que como
o do uma visáo holística; em lugar de aglutinar e dar integridade á natureza e á cul-
.inte- tura, fragmenta-as como partes constitutivas do desenvolvimento sustentado
a, ao para globalizar racionalmente o planeta e o mundo sob o princípio unitário
›rn ia, do mercado. Essa operagáo simbólica submete todas as ordens do ser aos dita-
1: do mes de urna razáo global e universal. Dessa forma, prepara as condigóes ideo-
lógicas para a capitalizagáo da natureza e a redugáo do ambiente á razáo eco-
a via nómica. As estratégias fatais do discurso do desenvolvimento sustentado
reco- resultam em seu pecado capital: sua gula infinita e insaciável.
, her- As políticas de desenvolvimento sustentado procuram conciliar os lados
eren- opostos contrários da dialética do desenvolvimento: o meio ambiente e o
e da crescimento económico. A tecnologia seria o meio instrumental que poderia
is em reverter os efeitos da degradagáo entrópica nos processos de produgáo, dis-
rer as tribuigáo e consumo de mercadorias (o monstro devora seus próprios dese-
ro do jos e os reintegra ás suas entranhas; a máquina anula a lei natural que a cria).
jpital O discurso do crescimento sustentado ergue uma cortina de fumaga que mas-
:s do cara as causas da crise ecológica. Ante o aquecimento global do planeta, é
rudo ignorada a degradagáo entrópica produzida pela atividade económica — cuja
pital. forma mais degradada é o calor — e nega-se a origem antropogénica do fenó-
"áo, a meno ao qualificar seus efeitos como desastres "naturais". Dessa maneira, o
pro- discurso do desenvolvimento sustentado náo significa apenas mais urna volta
:stra- na porca da racionalidade económica, mas um salto mortal, um vóo e um
enta- aperto na razáo: seu móvel náo é internalizar as condigóes ecológicas da pro-
pós- dugáo, e sim postular o crescimento económico como um processo "sustentá-
vel", sustentado nos mecanismos do livre mercado e na tecnologia, que seriam
is de meios eficazes para garantir o equilíbrio ecológico e a justita ambiental.
es — O desenvolvimento sustentado chegou a proclamar seu triunfo anteci-
leca- pado, baseado nas possibilidades de "desmaterializar a produgáo". 7 A tecno-
aíses logia foi chamada para dissolver a escassez de recursos fazendo a produgáo

143
ENRIQUE LEFF

repousar em um uso indiferenciado de matéria e de energia (Barnet e Morse,


tas sobre
1963); os demónios da morte entrópica seriam exorcizados pela eficiéncia
naturais
tecnológica. A racionalidade tecnológica foi, por sua vez, transferida ao
seja possí
campo da tecnologia. A ecoeficiéncia e o manejo ecossistémico se converte-
especular
ram em instrumentos idóneos para a gestáo do desenvolvimento sustentado,
nhegam c
ampliando o espato biosférico para estender os limites do crescimento eco-
sos natur
nómico. O sistema ecológico funciona como urna tecnologia de reciclagem
aceitem u
e diluigáo de contaminantes; a biotecnologia inscreve os processos da vida
de seu pa
no campo da produgáo, refuncionalizando o espato que dá suporte á produ-
nais de bi
gáo e ao consumo de mercadorias.
As políticas de desenvolvimento sustentado se inscrevem nas vias de
ecológico
ajuste que a economia neoliberal aportaria á solugáo dos processos de degra-
o bem-est
dagáo ambiental e ao uso racional dos recursos ambientais; ao mesmo
custos am
tempo, responde á necessidade de legitimagáo da economia de mercado, que
forma abs
em seu movimento inercial resiste ao estampido que lhe foi determinado
ordem ec(
pela sua inércia mecanicista. Como se fosse urna bola de neve, na queda
gáo, prete
verifica-se a adesáo de urna capa discursiva com a qual se tenta deter seu
corpo
colapso. Assim, prossegue em movimento cego em diregáo a um destino sem
desígni os
futuro, sem horizontes nem perspectivas, que fecha as vias para a descons-
Assim
trugáo da ordem económica antiecológica e impede o tránsito no sentido da
degradan(
nova ordem social, guiada pelos princípios da sustentabilidade ecológica, da
relagáo en
democracia participativa e da racionalidade ambiental.
desenvol%
As estratégias fatais de capitalizagáo da natureza penetraram o discurso
outorga le
oficial das políticas ambientais e de seus instrumentos legais e normativos.
nalidade d
Com base nos objetivos comuns do desenvolvimento sustentado, convocam-
dade privl
se todos os atores sociais (governo, empresários, académicos, cidadáos, cam-
da globali:
poneses, indígenas) para urna operagáo de concertamento e participagáo na
dade, da r
qual se integram as diferentes visóes e mascaram-se os interesses contrapos-
tos em um olhar especular, convergente na representatividade universal de
todo ente no reflexo do capital argentário. Assim, dissolve-se a possibilida-
de de dissentir diante do propósito de um futuro comum, urna vez que o
A GEOPOLí
desenvolvimento sustentado é definido, em boa linguagem neoclássica,
E O DESEND
como urna contribuigáo igualitária do valor que os diferentes fatores da pro-
dugáo adquirem no mercado. 8
No proces
Essa estratégia discursiva procura codificar e reconverter a cultura e a
sua conexi
natureza dentro da lógica do capital. Do mesmo modo, tenta levar as dispu-
lidade da

144
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ase,
tas sobre os sentidos da sustentabilidade e da expropriagáo dos recursos
ncia
naturais e culturais das populagóes para um esquema combinado, em que
a ao
seja possível dirimir os confiaos em um campo neutro. Através desse olhar
ate-
especular (especulativo), pretende-se que as populagóes indígenas se reco-
ado,
nhegam como capital humano, que ressignifiquem seu património de recur-
eco-
sos naturais e culturais (sua biodiversidade) como um capital natural, que
gem
aceiten.' urna compensagáo económica negociada pelo dano ou pela cessáo
vida
de seu património de recursos naturais e genéticos ás empresas transnacio-
)dai-
nais de biotecnologia. Estas seriam as instáncias encarregadas de administrar
racionalmente os "bens comuns da humanidade" em benefício do equilíbrio
s de
ecológico e de garantir a distribuigáo eqüitativa de seus benefícios, de lograr
gra-
o bem-estar da sociedade atual e o das geragóes futuras. Da valorizagáo dos
smo
custos ambientais se passa á legitimagáo da capitalizagáo do mundo como
que
forma abstrata e norma generalizada das relagóes sociais. Esse simulacro da
lado
ordem económica, que levita sobre as relagóes ecológicas e sociais de produ-
tecla
láo, pretende libertar o homem das cadeias da produgáo para reintegrar seu
seu
corpo exausto á metástase da ordem simbólica em que se configuram os
sem
desígnios do desenvolvimento sustentado.
ons-
Assim, as estratégias do capital para reapropriar-se da natureza váo
o da
degradando o ambiente em um mundo sem referentes nem sentidos, sem
t, da
relagáo entre o valor de troca e a utilidade do valor de uso. A economia do
desenvolvimento sustentado funciona dentro de um jogo de poder que
arso
outorga legitimidade á ficgáo do mercado, conservando os pilares da racio-
vos.
nalidade do lucro e o poder de apropriagáo da natureza fundado na proprie-
:am-
dade privada do conhecimento científico-tecnológico. As estratégias fatais
:am-
da globalizagáo económica conduzem a urna nova geopolítica da biodiversi-
) na
dade, da mudanga climática e do desenvolvimento sustentado.
pos-
1 de
ida-
le o
A GEOPOLÍTICA DA BIODIVERSIDADE, A MUDAN9\ CLIMÁTICA
iica,
E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO
aro-

No processo de objetivagáo do mundo, o valor de troca desvinculou-se de


ea
sua conexáo com o real, a economia se desprendeu da condigáo de materia-
>pu-
lidade da natureza e da necessidade humana; a generalizagáo dos intercám-

145
ENRIQUE LEFF

bios comerciais se converteu em lei universal, invadindo todos os domínios multip


do ser e os mundos de vida das gentes. Com a invengáo da ciéncia económi- tórios
ca e a institucionalizagáo da economia como regras de convivéncia univer- rizado:
sais, teve início um processo de cinco séculos de economizagáo do mundo. corno (
Tal processo de expansáo da racionalidade económica chegou a seu ponto
de saturagáo e a seu limite, por efeito de sua extrema vontade de globalizar biodiv(
o mundo devorando todas as coisas e traduzindo-as aos códigos da raciona- princíp
lidade económica, razáo que sustenta a impossibilidade de pensar e agir con- de aprc
forme as condigóes da natureza, da vida e da cultura. Esse processo econó- As
mico náo apenas exsuda externalidades que seu próprio metabolismo eco- valoriz
nómico náo pode absorver; mas, além disso, através de sua crenga funda- urna pr
mentalista e totalitária, se encrava no mundo destruindo o ser das coisas — fungáo
a natureza, a cultura, o homem — para reconverté-las a sua forma unitária enorme
e universal. consórc
Nesse sentido, o processo de globalizagáo — os crescentes intercámbios poyos e
comerciais, as telecomunicagóes eletrónicas com a interconexáo imediata de é o refe
pessoas e fluxos financeiros que parecem eliminar a dimensáo espacial e serem t
temporal da vida, a planetarizagáo do aquecimento da atmosfera e, inclusi- dade é
ve, a aceleragáo das migragóes e das mestigagens culturais — foi mobilizado qual se
e sobredeterminado pelo domínio da racionalidade económica sobre os como a!
demais processos de globalizagáo. A hipereconomizagáo do mundo induz a biodivei
homogeneizagáo dos padróes de produgáo e de consumo, e atenta contra No
um projeto de sustentabilidade global fundado na diversidade ecológica e logizadc
cultural do planeta. qual o c
Desde as origens da civilizagáo ocidental, a disjungáo entre o ser e o ente góes quo
que opera o pensamento metafísico preparou o caminho para a objetivagáo lizagáo
do mundo. A economia afirma que o sentido do mundo está na produgáo; a da impo
natureza é coisificada, desnaturalizada de sua complexidade ecológica e con- seguime
vertida em matéria-prima de um processo económico; os recursos naturais desejos
tornam-se simples objetos da exploragáo do capital. Na era da economia diversid
ecologizada, a natureza deixa de ser um objeto do processo de trabalho para processo
ser codificada em termos do capital. Mas isso náo devolve o ser á natureza, também
mas a transmuta em urna forma do capital — capital natural —, generalizan- a seu lim
do e ampliando as formas de valorizagáo económica da natureza. Nesse sen- da os lin
tido, junto ás formas de exploragáo intensiva, promove-se um uso "conser- Ecor
vacionista" da natureza. A biodiversidade aparece náo apenas como urna Joan Ma

146
RACIONALIDADE AMBIENTAL

Lios multiplicidade de formas de vida, mas como "reservas da natureza" — terri-


mi- tórios e hábitat de diversidade biológica e cultural — que estáo sendo valo-
Ter- rizados por sua riqueza genética, seus recursos ecoturísticos e sua fungáo
do. como coletores de carbono.
nto Mas, a partir de que critérios se poderia atribuir um valor económico á
izar biodiversidade e aos servigos ambientais que oferece? E, além disso, sob que
Lna- principios científicos, éticos e económicos sáo estabelecidas as novas formas
:on- de apropriagáo dessas riquezas biológicas do planeta?
As políticas que estáo sendo desenhadas e aplicadas na conversagáo e
valorizagáo económica da biodiversidade náo respondem táo-somente a
ida- urna preocupagáo pela perda de espécies biológicas e por sua importante
s— fungáo no equilibrio ecológico do planeta. A biodiversidade revelou-se um
ária enorme banco de recursos genéticos que sáo a matéria-prima dos grandes
consórcios das indústrias farmacéuticas e de alimentos. No entanto, para os
bios poyos que se encontram assentados nas áreas de maior biodiversidade, este
a de é o referente de significagóes e sentidos culturais que sáo transtornados ao
al e serem transformados em valores económicos; por outro lado, a biodiversi-
lusi- dade é a manifestagáo do potencial produtivo de um ecossistema, ante o
qual se projetam as estratégias possíveis de seu manejo sustentável, assim
os como as formas de apropriagáo cultural e económica de seus territórios de
uz a biodiversidade.
ntra No discurso do desenvolvimento sustentado, a fase atual do capital eco-
ca e logizado e da capitalizagáo da natureza aparece como um novo estágio no
qual o capital seria capaz de exorcizar seus demónios e resolver as contradi-
ente lóes que o tém acompanhado desde sua acumulagáo originária até a globa-
Lgáo lizagáo económica atual. No entanto, tendo chegado ao seu limite e diante
o; a da impossibilidade de estabilizar-se como organismo vivo, o capital dá pros-
:on- seguimento a uma inércia expansionista, que descarrega sobre a natureza os
trais desejos do processo de "criagáo destrutiva" do capital. A geopolítica da bio-
mia diversidade e da mudanga climática náo apenas prolonga e intensifica os
'ara processos anteriores de apropriagáo destrutiva dos recursos naturais, mas
eza, também altera as formas de intervengáo e apropriagáo da natureza, levando
can- a seu limite a lógica económica, enquanto sua inércia de crescimento desbor-
s'en- da os limites de sustentabilidade do planeta.
ser- Economistas ecológicos como René Passet, Herman Daly, José Neredo e
ima Joan Martínez Alier perceberam as limitagóes que o mercado tem para regu-

147
ENRIQUE LEFF

ceituais qt
lar efetivamente os equilíbrios ecológicos e sua capacidade para internalizar
tantas, co
os custos ambientais através de um sistema de normas legais, de impostos ou
processo
de um mercado de licengas transacionáveis para a redugáo das emissóes de
relagáo da
gases que causara o efeito estufa e o aquecimento global do planeta. Su-
urna ecole
gerem assim que a economia deve contrair-se aos limites de urna expansáo
em termos
que assegure a reprodugáo das condigóes ecológicas de urna produgáo sus- produgáo
tentável e de regeneragáo do capital natural, de um princípio de precaugáo proletariac
baseado no cálculo de risco e na incerteza e em limites impostos através de por seus ví
um debate científico-político afastado do mercado. 9 o desenvol
No entanto, a racionalidade económica carece de flexibilidade e malea-
cultura for
bilidade para ajustar-se ás condigóes de sustentabilidade ecológica do plane-
do ser e as
ta. O debate político foi enriquecido pelos aportes da ciéncia a respeito dos
O mar
riscos ecológicos do desflorestamento, da erosáo genética e do aquecimento código gl o
global, mas náo logrou livrar-se das razóes de forra maior do mercado. A lei desenvolvi
da entropia, que estabelece os limites físicos e termodinámicos do cresci- lizagáo eco
mento económico, é negada pela teoria e pelas políticas de desenvolvimen- economia.
to sustentado. Mas a teoria crítica da economia baseada nas leis da nature- sobre a cal
za, antes de ter fundado a positividade de um novo paradigma económico das ativida(
(de urna economia ecológica), abriu as comportas ao campo emergente da dade das tr
ecologia política, onde o debate científico se desloca para os conflitos
ambientais. O terna da sustentabilidade se inscreve nas lutas sociais pela Go ngalves,
apropriagáo da natureza, orientando a reflexáo teórica e a agáo política para políticas de
o propósito de desconstruir a lógica económica e construir urna racionalida- le do proce
de ambiental. 10 rando as in,
A geopolítica do desenvolvimento sustentado se configura no contexto ficiéncia dz
da globalizagáo económica que, ao mesmo tempo que sustenta urna desna- estratégias
turalizagáo da natureza — a transgénese que invade a vida —, promove urna tico se uner
estratégia de apropriagáo que procura "naturalizar" — dar carta de natura- máticas e á
lizagáo — a mercantilizagáo da natureza. Nessa perversáo do "natural", los de regrc
brincam as controvérsias entre a economizagáo da natureza e a ecologizagáo rigor concei
da economia. A essa morte da natureza sobrevive o "sobrenatural" da ordem A geop(
simbólica na ressignificagáo política e cultural da natureza. gáo das cor
As formas emergentes de intervengáo da natureza, assim como as novas bi odiversi clz
manifestagóes de seus impactos e riscos ecológicos, colocaram no senso do de carbo
comum e na retórica oficial nogóes antes reservadas aos meios científicos e Dessa mane
académicos; essa terminologia se inscreve dentro de novas estratégias con-

148
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ceituais que alimentam a ecologia política, onde se expressam visó- es confli-


lar
tantes, conflitos de interesses contrapostos e estratégias diferenciadas no
ou
processo de reapropriagáo da natureza. A economia política, engatada na
de
relagáo da forra de trabalho, do capital e da terra, se desloca em diregáo a
lu-
urna ecologia política na qual os antagonismos das lutas sociais se definem
áo
em termos de identidade, territorialidade e sustentabilidade. As relagóes de
as-
produgáo e as forgas produtivas já náo sáo estabelecidas entre o capital e o
áo
proletariado industrial — entre capital, trabalho e tecnologia; sáo redefinidas
de
por seus vínculos com a natureza. No novo discurso sobre a biodiversidade e
o desenvolvimento sustentável, os conceitos de território, de autonomia e de
ea-
cultura foram convertidos em conceitos políticos que questionam os direitos
do ser e as formas de apropriagáo produtiva da natureza. 11
los
O manejo ecossistémico dos recursos naturais é regido agora por um
rto
código global de ajuste ás condigóes do mercado. Com o "mecanismo de
lei
desenvolvimento limpo" (MDL), estabelecido dentro das políticas da globa-
ici-
lizagáo económico-ecológica, procura-se induzir a restauragáo ecológica da
en-
economia. Este "mecanismo" é baseado em enganosas certezas científicas
re-
sobre a capacidade de absorgáo (captura, seqüestro) de carbono por parte
ico
das atividades agrícolas e das reservas de biodiversidade, sobre a funcionali-
da
dade das taxas de desconto de urna economia especulativa e a eficácia do
tos
mercado para converter as terras em novos "latifúndios genéticos" (Porto-
ela
Gongalves, 2002a, 2002b) para fins do desenvolvimento sustentado. As
ara
políticas de desenvolvimento sustentado se fundam em um suposto contro-
b-
le do processo de longo prazo através do automatismo do mercado, igno-
rando as incertezas que regem os processos económicos e ambientais, a ine-
ao
ficiéncia das políticas públicas e os interesses encontrados a respeito das
m-
estratégias de apropriagáo da natureza. A candura teórica e o interesse polí-
ala
tico se unem á fascinagáo pelas fórmulas científicas, á sofisticagáo das mate-
máticas e á fé no mercado, sem que as premissas sobre as quais esses mode-
los de regressáo múltipla em diregáo ao náo-saber sáo construídos tenham
áo
rigor conceitual.
:m A geopolítica do desenvolvimento sustentado vé com otimismo a solu-
gáo das contradigóes entre economia e ecologia; propóe a reconversáo da
'as
biodiversidade em coletores de gases de efeito estufa (principalmente dióxi-
so
do de carbono) e estabelece novos direitos transacionáveis de contaminagáo.
>e
Dessa maneira, deixa nas máos do mercado o balango possível entre econo-
n-

149
ENRIQUE LEFF

mia e ecologia, salda antecipadamente a dívida ecológica dos países indus- dos agria
trializados e os absolve do excedente de suas cotas de emissóes, estendendo sas de bic
a mancha ecológica sobre a biosfera, enquanto induz a reconversáo ecológi- controle
ca forrada dos países do Terceiro Mundo para as finalidades globais do Para
desenvolvimento sustentado. (MDL) e
céia de ur

Trans
EQÜIDADE E SUSTENTABILIDADE: DISTRIBUIDO vimer,
ECOLÓGICA E INTERCÁMBIO DESIGUAL qüénc
espec
Depois dos esquemas de substituig'áo de importagóes e industrializagáo divers
inspirados nas teorias da dependéncia em yoga nos anos 1960 e 1970, as
economias latino-americanas voltaram a basear suas economias em sua fron- Sobre
dosa natureza — em sua generosa dotagáo de recursos naturais e servigos seu valor 1
ambientais e em suas vantagens comparativas nos mercados verdes emergen- carbono e
tes —, orientando-as para a exportagáo dentro das estratégias e mecanismos gáo da na
do desenvolvimento sustentado. Ao mesmo tempo que as normas da susten- biodiversi
tabilidade, os regimes ambientais e os certificados verdes fazem surgir novas bono e ás
formas de protecionismo comercial disfargadas de competigáo por qualida- neoliberal
de ambiental e conservagáo ecológica, o crescimento económico sustentado No er
ecologicamente náo deixa de ser um simulacro, cujas falácias ficam patentes por ecossi:
na erosáo da biodiversidade — apesar das reservas da biosfera e dos sistemas urna hipót
de áreas protegidas —, na perda de sustentabilidade dos ecossistemas, no conservas;
aquecimento global e nas crises económicas e financeiras dos países do Sul. eqüitativa.
Na era da produgáo intensiva de conhecimento, esse "fator estratégico pregos da
da produgáo" concentra-se nos países do Norte, tanto no setor industrial dos, sujeit•
como no agrícola. Isso náo se deve apenas ao maior número de cientistas e flitos ambi
tecnólogos em atividade e á sua capacidade de financiar um sistema de pes- produtivo
quisas altamente produtivo. Deve-se, sim, á implementagáo de urna estraté- pelas mata
gia de poder que levou esses países a estabelecer direitos de propriedade gas de erni;
intelectual dentro da nova ordem global da OMC, abrindo a possibilidade cumprir su
para que consórcios transnacionais de biotecnologia se apropriem da rique- do desborc
za genética dos países biodiversificados e invadam seus territórios com pro- transagóes
dutos transgénicos. A distribuigáo ecológica desigual gerada por esses a captura c
"mecanismos de desenvolvimento sustentado" aprofundou a dependéncia os países p

150
7

RACIONALIDADE AMBIENTAL

ndus- dos agricultores do Sul através do regime de patentes, que permite ás empre-
Lendo sas de biotecnologia captar grandes benefícios económicos provenientes do
)lógi- controle e da exploragáo dos recursos genéticos (Bellmann, et al., 2003). 12
is do Para alguns pesquisadores, o mecanismo de desenvolvimento limpo
(MDL) e o mecanismo de implementagáo conjunta (MIC) oferecem a pana-
céia de urna tripla lucratividade — económica, social e ecológica —, porque

Transferem capitais dos países industrializados para os países em desenvol-


vimento sáo beneficiadas as zonas rurais mais pobres onde, com fre-
qüéncia, están localizadas as matas que mantém a cobertura florestal, em
especial a das matas primárias, elemento crucial para a preservagáo da
zagáo diversidade biológica tropical (Castro, 1999). 13
7 0, as
fron- Sobre a premissa do "valor total da biodiversidade" — que concentra
.vigos seu valor em sua riqueza genética, sua capacidade de absorgáo do dióxido de
rgen- carbono e sua oferta de riquezas cénicas essas estratégias de revaloriza-
ismos gáo da natureza sáo justificadas mediante sofisticados cálculos do valor da
'sten- biodiversidade baseados na atribuigáo de pregos á fungáo de captura de car-
novas bono e ás taxas de desconto que conformam os modelos de simulagáo do
alida- neoliberalismo ambiental (Pearce e Moran, 1994).
Litado No entanto, os cálculos sobre a capacidade de "seqüestro de carbono"
entes por ecossistemas clímax e plantagóes comerciais sáo mais urna ficgáo do que
emas urna hipótese científica verificável, capaz de traduzir-se em urna política de
s, no conservagáo ecológica efetiva e em uma distribuigáo económico-ecológica
Sul. eqüitativa. 14 Mais elusiva é a aplicagáo de taxas de desconto para atualizar os
égico pregos da captura de carbono e os processos económico-ecológicos associa-
strial dos, sujeitos a altos graus de incerteza, assim como ás lutas sociais e os con-
;tus e flitos ambientais dos que dependem das formas de apropriagáo e de manejo
: pes- produtivo da biodiversidade. Com a captura virtual do excedente de carbono
:raté- pelas matas tropicais e do valor arbitrário que adquire nos mercados de licen-
dade las de emissáo de gases de efeito estufa, os países industrializados pretendem
dade cumprir sua responsabilidade em relagáo ao aquecimento global do planeta e
ique- do desborde de sua mancha ecológica além de suas fronteiras nacionais. Essas
pro- transagóes náo se estabelecem através de um valor real e de pregos justos para
:sses a captura do carbono, mas sim pelo poder negociador das partes. Posto que
!ncia os países pobres vendem barato suas fungóes na captura de carbono — da

151
ENRIQUE LEFF

mesma maneira como fazem com o petróleo, os recursos estéticos e as rique- Aléi
zas genéticas que sáo abrigadas por suas reservas de biodiversidade —, os paí- ca da bi
ses do Norte encontram neste artifício legal (na fictícia justita do mercado e cionais
do comércio justo) um salvo-conduto para liquidar suas dívidas ecológicas, distribu
sem que isso signifique uma redugáo efetiva de suas emissóes a níveis que gáo eco:
assegurem o equilíbrio ecológico e a sustentabilidade do planeta. de nova
Esta é a eficácia da retórica e da política do desenvolvimento sustentado tribuigáo
e de suas estratégias de simulagáo, que ao mesmo tempo que concentra o conserv:
poder económico sobre a natureza, elude o interesse global pela conserva- qualidac
gáo e burla os direitos coletivos das populagóes indígenas. Dessa maneira, a gáo eco
mercantilizagáo da natureza sob a geopolítica económico-ecológica emer- (Pengue.
gente aprofunda as diferengas entre países ricos e pobres usando os princí- interesse
pios do desenvolvimento sustentável. A nova globalidade justifica as vanta- de, devz
gens comparativas entre os países do Norte e os do Sul, que se véem cons- incalcuU
trangidos a valorizar a capacidade de seus solos, suas matas e sua biodiversi- A ge
dade para absorver os excedentes de emissóes de gases de efeito estufa dos compara
países ricos e a mercantilizar em condigóes náo eqüitativas os recursos gené- de sua o
ticos e ecoturísticos de suas reservas de biodiversidade. As diferengas entre valorizas
países centrais e periféricos náo resultam mais apenas da pilhagem e da supe- Sul tem
rexploragáo dos recursos. As assimetrias da distribuigáo ecológica sáo camu- os efeito:
fiadas sob as novas fungóes atribuídas á natureza pela lógica do "desenvolvi- no Cone
mento limpo". de furacc
Para alguns governos, essas políticas resultam positivas tanto no plano Niño ou
económico como no ecológico. O caso da Costa Rica tornou-se exemplar franja int
por suas políticas de desenvolvimento sustentado sob as regras do MDL e Por <
dos MIC, promovendo a conservagáo da biodiversidade e a plantagáo de capacida
matas artificiais para incrementar a capacidade de captura das emissóes capital n
excedentes dos países do Norte. Nesse sentido, a biodiversidade adquire um campos t
papel económico passivo e enganoso no balango das emissóes de gases de naturais
efeito estufa e dos processos de mitigagáo do aquecimento do planeta. Esse assume a
intercámbio de fungóes parece trazer benefícios aos países tropicais: em populag¿
troca da artificializagáo dos ecossistemas do Norte, do avango da industria- cedendo
lizagáo e da agricultura altamente capitalizada e tecnologizada, o Sul se per- sustentáv
mitiria o luxo de viver de uma "economia natural" — da generosidade da tar — quo
máe terra aproveitando as "vantagens comparativas" da localizagáo geo- cantis qu,
gráfica de seus territórios para a captura de gases de efeitos estufa. de de seu

152
RACIONALIDADE AMBIENTAL

rique- Além da lógica da distribuigáo de custos e benefícios da gestáo económi-


)s paí- ca da biodiversidade submetida ás regras do mercado, seus efeitos transgera-
:ado e cionais sáo incalculáveis e inatualizáveis. Assim, a disputa sobre urna justa
igicas, distribuigáo dos benefícios derivados dos recursos genéticos — da apropria-
is que gáo económica da informagáo genética, da bioprospecgáo e da implantagáo
de novas espécies transgénicas — náo é dirimida em termos de urna justa dis-
ntado tribuigáo de lucros económicos, mas sim pelo impacto de longo prazo na
ntra o conservagáo da biodiversidade e em seus efeitos na seguranga ecológica e na
serva- qualidade de vida da gente, princípios e objetivos que náo entram na avalia-
eira, a gáo económica do negócio da biotecnologia e dos cultivos transgénicos
emer- (Pengue, 2000). Daí que o "princípio de precaugáo", assim como as visóes e
)rincí- interesses dos poyos sobre as formas de uso e apropriagáo da biodiversida-
vanta- de, devam prevalecer sobre a incerta contabilidade do valor económico
cons- incalculável desses impactos.
iversi- A geopolítica do desenvolvimento sustentado coloca em jogo vantagens
fa dos comparativas derivadas da localizagáo geográfica dos países e da distribuigáo
gené- de sua oferta e de seus riscos ecológicos. Além dos possíveis benefícios da
; entre valorizagáo da biodiversidade, a situagáo geográfica dos países tropicais do
supe- Sul tem um efeito perverso na concentragáo de impactos ambientais. Assim,
camu- os efeitos da diminuigáo da carnada de ozónio concentram-se na Antártica e
tvolvi- no Cone Sul, e os desastres ecológicos e humanos ocasionados pelo impacto
de furacóes e fenómenos meteorológicos derivados de fenómenos como El
plano Niño ou La Niña tendem a se manifestar com maior forga e freqüéncia na
li piar franja intertropical do planeta.
DL e Por outro lado, a geopolítica da globalizagáo confere ao mercado a
"o de capacidade de internalizar os custos ambientais e de constituir um novo
Issóes capital natural com os bens e servigos ambientais que até agora tém sido
ice um campos tradicionais de apropriagáo e manejo de um património de recursos
;es de naturais e bens comunitários que funcionam fora do mercado. Além disso,
. Esse assume a priori a vontade dos poyos do Terceiro Mundo — em particular
s: em populagóes indígenas e camponesas — de colaborar com este propósito,
tstria- cedendo ás iniciativas do mercado temas fundamentais do desenvolvimento
per- sustentável — manejo de recursos naturais, pobreza rural, seguranga alimen-
de da tar — que vinculam estas populagóes com seu entorno em práticas náo mer-
geo- cantes que asseguram a auto-suficiéncia das comunidades e a sustentabilida-
de de seus ecossistemas.

153
ENRIQUE LEFF

Os impactos ecológicos gerados pela globalizagáo económica estáo, por emergent(


sua vez, afetando formas ancestrais de convivéncia e de manejo sustentável zir as emir
da natureza. Dessa maneira, os desastres "naturais" se converteram nos últi- interesses
mos anos em um "motivo de forga maior" que tem obrigado as comunida- tos ecológ
des indígenas e camponesas a abandonar suas práticas milenares de uso do dugáo" qi
fogo no sistema de roca queimada, muitas vezes acusadas de serem as causa- increment
doras dessas tragédias "ecológicas". Seria mais justo reconhecer que o aque- capacidad
cimento global do planeta — que náo foi gerado em primeira instáncia pelos elevando
poyos indígenas e pelas populagóes locais e para o qual contribuem em orienta ne
menor escala — tornou mais vulneráveis suas economias e mais arriscadas blema nác
suas práticas, constrangendo suas opgóes para um desenvolvimento susten- increment
tável autónomo em relagáo ás estratégias globais do desenvolvimento sus- bono em f
tentado. aos incén(
Ao lado da dissimulagáo de uma suposta distribuigáo eqüitativa dos gases de e
benefícios derivados das mudangas no uso do solo e na valorizagáo econó- a fonte, u,
mica dos servigos ambientais que o MDL induz, a eqüidade ante o problema própria
do aquecimento global formulou-se em termos da redugáo dos níveis atuais lidade se t
de emissóes e de cotas entre países e entre pessoas. A redugáo proporcional de econón
por países, como fora apresentado desde o inicio na Convengáo sobre do planeta
Mudanga do Clima, estaria aceitando corno base desse esforgo global as esses procl
desigualdades existentes entre nagóes, e condenando os países em desenvol- mento susi
vimento — incluindo al a China e a Índia — ao subdesenvolvimento. Diante A acar
desse critério, Agarwal e Narain (1991) propuseram urna distribuigáo ecoló- cios de me
gica por habitante — a qual favoreceria os altos índices demográficos desses sos interna
países — e a formagáo de um fundo para o desenvolvimento sustentável. Na economia
realidade, nenhuma dessas opgóes oferece urna solugáo para a morte entró- como a re
pica do planeta gerada pela racionalidade económica dominante. Para alcan- impossível
gar os objetivos da sustentabilidade e da eqüidade, será necessário descons- assim comí
truir a racionalidade económica e construir uma racionalidade ambiental mobilizagá
fundada no principio de produtividade neguentrópica.15 mático rec
Hoje em dia, o sinal mais eloqüente do limite ecológico ao crescimento nutre a res]
económico e á produgáo de entropia está dado pelo desequilíbrio ecológico tabilidade.
causado pelo aquecimento global e a capacidade de captura e diluigáo do gual e da ri
dióxido de carbono pela biosfera e os oceanos. Os mecanismos que deriva- do desenv(
ram dos acordos alcangados para a implementagáo do Protocolo de Kioto tativa de i]
no marco da Convengáo sobre Mudanga do Clima (com seus mercados económico

154
RACIONALIDADE AMBIENTAL

por emergentes sobre cotas e direitos de contaminagáo), náo permitiriam redu-


:ável zir as emissóes além daqueles níveis que náo contradissessem as condigóes e
últi- interesses do mercado: o crescimento económico, a valorizagáo de seus cus-
iida- tos ecológicos segundo as regras do mercado e a "desmaterializagáo da pro-
D do dugáo" que torne possível o progresso tecnológico. A aposta do MDL é
[usa- incrementar a captura dos excedentes de gases de efeito estufa através da
que- capacidade de fotossíntese e biossíntese das matas, dos solos e dos oceanos,
lelos elevando os umbrais e níveis do equilíbrio ecológico do planeta. O MDL se
[ em orienta nesse sentido, mas, ao mesmo tempo, propóe que a solugáo do pro-
adas blema náo deve residir em última instancia na captagáo do CO2 através do
;ten- incremento da biomassa do planeta, pois existe sempre o risco de que o car-
sus- bono em forma vegetal cedo ou tarde seja expulso para a atmosfera devido
aos incéndios florestais, queima de lenha e outros processos que formam
dos gases de efeito estufa. Propóe-se assim reduzir a emissáo destes gases desde
Drió- a fonte, uma solugáo tecnológica para a degradagáo entrópica gerada pela
ema própria tecnologia (Fearnside, 2001). 16 A curva dessa debilitada sustentabi-
s lidade se tornará assintótica antes de cruzar as coordenadas da racionalida-
onal de económica, estabilizando os ritmos de emissóes e o equilíbrio entrópico
)bre do planeta. A racionalidade económica e a tecnologia náo poderáo reverter
11 as esses processos de degradagáo ambiental e orientá-los para um desenvolvi-
[vol- mento sustentável.
ante A acanhada operatividade do MDL, sujeita ao funcionamento de artifí-
oló- cios de mercado, assim como a ratificagáo e o cumprimento dos compromis-
:sses sos internacionais por parte dos governos e as resisténcias a desacelerar a
Na economia em benefício do ambiente levaram a propostas mais radicais,
tró- como a reclamagáo da dívida ecológica dos países pobres. Mesmo sendo
zan- impossível calcular o valor atual utilizando taxas retroativas de desconto,
J ns- assim como dar um valor crematístico real aos bens e servigos ambientais, a
ntal mobilizagáo social em torno da dívida ecológica náo deixa de ser um caris-
mático recurso ideológico e político que, ao nomear a iniqüidade histórica,
[nto nutre a resisténcia á globalizagáo e apóia as agóes políticas a favor da susten-
;ico tabilidade. No entanto, a solugáo da dívida ecológica, do intercambio desi-
do gual e da náo eqüitativa distribuigáo de benefícios no marco da geopolítica
iva- do desenvolvimento sustentado, será impossível dentro de urna regra eqüi-
oto tativa de intercambio, pois, além da incomensurabilidade dos valores —
dos económicos, ecológicos, culturais — envolvidos,

155
ENRIQUE LEFF

estamos em urna sociedade na qual o intercámbio se torna cada vez mais Alérr
improvável, na qual as coisas podem cada vez menos ser de fato negociadas, dades pa
porque se perderam as regras ou porque o intercámbio, ao generalizar-se, produtivi
fez emergir os últimos objetos irredutíveis ao intercámbio, e estes se conver- ecológico
teram em uma verdadeira encruzilhada [...] O incambiável é o objeto puro, cial prod
aquele cuja poténcia impede que seja possuído ou intercambiado oferece n
(Baudrillard, 193: 52). tentável,
do. Trata
Ademais, é impossível cegar á eqüidade através do intercámbio, porque de novos
este supóe forrar o valor de mercado como unidade de medida, e assim se
perde o valor ecológico e cultural da natureza, que é desprovida, irremedia-
velmente, de sua qualidade substantiva e se desnaturaliza para ser codifica-
CONSTRUI
da como valores económicos. Como aponta Gorz, "a ordem baseada no
DA DIFERE
mercado é fundamentalmente ameagada guando a gente percebe que nem
todos os valores sáo quantificáveis, que o dinheiro náo pode comprar tudo,
Em face c
e que aquilo que náo é possível comprar é algo essencial, ou até o essencial
as leis do
(Gorz, 1989: 116)."
tempo (L
Nesse campo de controvérsias e de procura por opgóes, o predomínio
(CNDH,
das estratégias de valorizagáo económica da natureza exclui alternativas de
democrát
manejo produtivo da biodiversidade, o qual vem gerando uma oposigáo das reafirmal
populagóes indígenas e camponesas a submeter o valor de suas matas á fun- da cultura
gáo de captura do carbono. O MDL náo representa um instrumento neutro mais alto
para os diferentes países e atores sociais do desenvolvimento sustentável. As degrada&Z
vantagens recebidas por alguns países dificilmente podem ser generalizadas sentido cli
como um modelo ou uma norma para outras regióes e comunidades que náo A sus
entram de modo táo decidido no jogo da "implementagáo conjunta". 17 As culturais e
transagóes económico-ecológicas — como o intercámbio de dívida por natu- res sociais
reza — atuam em espagos e montantes marginais, de maneira que suas estra- lizam pote
tégias compensatórias náo conseguem frear as causas e os efeitos ecodestru- necessida(
tivos gerados pela racionalidade económica dominante. O progresso tecno- O territór
lógico orientado para a reconversáo ecológica está diminuindo os ritmos de reconstrui
produgáo de gases de efeito estufa, mas náo chega a reverter um processo suas forma
que já excedeu os umbrais do equilíbrio ecológico e comegou a desencadear tégias de
severos impactos no ambiente e na humanidade, sobretudo nos territórios e onde as si
nas comunidades mais vulneráveis. os limites

156
RACIONALIDADE AMBIENTAL

mais Além do simulacro do desenvolvimento sustentado, abrem-se possibili-


adas, dades para a construgáo de uma nova economia, fundada náo apenas na
ir-se, produtividade económico-tecnológica e nas estratégias do conservadorismo
ayer- ecológico, mas sim em uma nova racionalidade produtiva baseada no poten-
miro, cial produtivo dos ecossistemas e na apropriagáo cultural da natureza. Isso
iado oferece novos caminhos á geragáo de formas diversificadas de produgáo sus-
tentável, deslindando-se do mercado como lei suprema do mundo globaliza-
do. Trata-se da desconstrugáo da racionalidade económica e da construgáo
rque de novos territórios de vida.
m se

fica-
CONSTRUINDO NOVOS TERRITORIOS DE VIDA: PARA UMA POLÍTICA
a no
DA DIFERENCA, DA IDENTIDADE, DO SER E DO TEMPO
ne m
udo,
Em face do processo de globalizagáo regido pela racionalidade económica e
ncial
as leis do mercado, está emergindo uma política do lugar, do espato e do
tempo (Leff, 2001c) mobilizada por novos direitos culturais dos poyos
iínio
(CNDH, 1999; Sandoval e García, 1999), legitimando regras mais plurais e
is de
democráticas de convivéncia social e de reapropriagáo da natureza. Nessa
) das
reafirmagáo das identidades manifesta-se o real da natureza e o verdadeiro
fun-
da cultura diante de urna lógica económica que, tendo sido construída no
utro mais alto grau de racionalidade do ser humano, gerou um processo de
1. As degradagáo socioambiental que afeta as condigóes de sustentabilidade e o
adas sentido da existéncia humana.
náo A sustentabilidade está enraizada em bases ecológicas, em identidades
7 As
culturais e em territórios de vida; desdobra-se no espato social, onde os ato-
atu- res sociais exercem seu poder de controle da degradagáo ambiental e mobi-
nra- lizam potenciais ambientais em projetos autogerenciados para satisfazer as
tru- necessidades e aspiragóes que a globalizagáo económica náo pode cumprir.
mo- O território é o locus dos desejos, demandas e reclamos da populagáo para
s de reconstruir seus mundos de vida e reconfigurar suas identidades através de
suas formas culturais de valorizagáo dos recursos ambientais de novas estra-
lear tégias de reapropriagáo da natureza. Se a economia global gera o espato
os e onde as sinergias negativas da degradagáo socioambiental tornam patentes
os limites do crescimento, no espato local sáo forjadas novas territorialida-
ENRIQUE LEFF

des (Guattari, 1989) e emergem as sinergias positivas da racionalidade mento úr


ambiental para construir um novo paradigma de produtividade ecotecnocul- zindo a c4
tura1. 18 Suas geografias sáo as marcas que os movimentos sociais váo deixan- de do rez
do sobre a biosfera para inscrever-se em seu território, escrever sua história ambienta
e reapropriar-se da natureza (Porto-Gongalves, 2001). ral), assui
O território é lugar porque ali se assenta urna identidade na qual se enla- O ter
gam o real, o imaginário e o simbólico. O ser cultural elabora sua identida- como ecc
de construindo um território, fazendo dele sua morada. As geografias seus temí
tornam-se verbo. As culturas, ao significar a natureza com a palavra, a con- tempo ná
vertem em ato; nomeando-a, constroem territorialidades através de práticas ciclos ecc
culturais de apropriagáo e manejo da natureza. 19 Suas terras "comuns" náo é entretec
sáo terras livres nem natureza virgem; estes espagos foram significados pela mundos I
cultura, trabalhados, percorridos, transformados, convertidos em territórios Diante da
étnicos e culturais, em face da racionalidade do capital e do Estado lidade arr
Moderno que promovem um desenvolvimento económico que quis se des- pela racic
prender da natureza dominando-a e instrumentando-a, tornando-a "recurso palavra n4
natural" (Thompson, 1998). A globalizagáo económica é insustentável por- Urna
que desvaloriza a natureza, ao mesmo tempo que desterritorializa e desen- construíd:
raíza a cultura de seu lugar. O mercado vai erradicando o espato vivido dade, peli
como processo determinante da transformagáo do meio. Diante da raciona- nhecimen
lidade do capitalismo mundial integrado, reafirmam-se hoje as geografias de de vida
das culturas, o que gera urna "tensáo de territorialidades" da qual emergem valoriza o
novos atores sociais que deslocam o espato no qual se constroem novos sen- forjar sua
tidos existenciais e práticas produtivas, em que se reconfiguram as identida- sendo fert
des em sua luta de resisténcia diante da globalizagáo do mercado para reafir- sentidos e :
mar seu ser na natureza. var os uso
Precipitam-se no território tempos diferenciados em que se articulam dicionais,
identidades culturais e potencialidades ecológicas. É o lugar onde convergem projetam
os tempos da sustentabilidade: os processos de restauragáo e produtividade Objeto pro
ecológica, de inovagáo e assimilagáo tecnológica, de reconstruláo de identi- como resil
dades culturais. O slogan "pensar globalmente e agir localmente", táo tenaz- como afiri
mente promovido pelo discurso do desenvolvimento sustentado/sustentável, ecol ógico-
foi urna artimanha para induzir as culturas locais ao pensamento único e o a signific
saber de fundo da racionalidade económica de um mundo hegemónico no significad(
qual náo cabem "outros mundos". No entanto, os desafios da sustentabilida- ta pelos ce
de e da democracia, da entropia e da outridade rompem o cerco do pensa-

158
RACIONALIDADE AMBIENTAL

,idade mento único globalizado e o deslocam para as singularidades locais, condu-


aocul- zindo a construgáo de urna racionalidade capaz de amalgamar a potencialida-
i;ixan- de do real (ecologia) e o sentido do simbólico (cultura): urna racionalidade
istória ambiental que acolha a diferenga (as diversas matrizes de racionalidade cultu-
ral), assumindo sua relatividade e sua incomensurabilidade.
enla- O tempo se estrutura ao redor de eventos significativos, tanto sociais
ntida- como económicos, como observava Evans Pritchard. Cada cultura define
,ra fi as seus tempos através de suas cosmologias e de seus sistemas simbólicos. O
a con- tempo náo é apenas a medida de eventos externos (fenómenos geofísicos,
7áticas ciclos ecológicos, processos de degradagáo e regeneragáo da natureza), mas
>" náo é entretecido através da história nas formas culturais de significagáo de seus
1s pela mundos de vida, na atualizagáo de identidades étnicas e seres culturais.
tórios Diante da codificagáo económica da natureza do ser e do tempo, a raciona-
;stado lidade ambiental libera a natureza designada pela metafísica e consignada
e des- pela racionalidade económica, para restituir-lhe seu lugar na cultura e na
;curso palavra nova.
por- Urna nova política do lugar, da identidade e da diferenga está sendo
iesen- construída a partir do sentido do ser e do tempo nas lutas atuais pela identi-
vivido dade, pela autonomia e pelo território. O que subjaz ao clamor pelo reco-
ciona- nhecimento dos direitos á sobrevivéncia, á diversidade cultural e á qualida-
;rafias de de vida dos poyos é urna política do ser, do devir e da transformal&o, que
ergem valoriza o direito de cada indivíduo, de cada poyo e de cada comunidade a
Is sen- forjar sua própria vida e construir seu futuro. Os territórios culturais estáo
ntida- sendo fertilizados por um tempo que recria as estratégias produtivas e os
sentidos existenciais. Náo é apenas a reivindicagáo dos direitos de se preser-
var os usos e costumes dos poyos, suas línguas autóctones e suas práticas tra-
zulam dicionais, e sim uma política cultural para a reconstrugáo de identidades que
Irgem projetam seres individuais e coletivos para um futuro, indo além do Mundo
'idade Objeto prefixado e excludente. A política da diferenga se manifesta, assim,
denti- como resisténcia á hegemonia homogeneizante da globalizagáo económica e
tenaz- como afirmagáo da diversidade criativa da vida a partir de sua heterogénese
tável, ecológico-cultural. A produgáo que objetiva a natureza entranha por sua vez
4;:e e o a significagáo da natureza e da produgáo cultural de valores de uso-
o no significado, rompendo o cerco objetivador e totalizador da produgáo impos-
ilida- ta pelos códigos da racionalidade económica:
ensa-

159
ENRIQUE LEFF

A dimensáo semiótica do processo de reprodugáo social consiste em um das di


produzir-cifrar e em um consumir-decifrar objetos-significagóes que só Baudr
podem ser levados a cabo na medida em que um código diferente de todos
os que regem os seres vivos puramente naturais [...] e compor/decompor O►
livremente a forma do objeto prático é um produzir/consumir significagóes raí
que joga com os limites do código, que supera a obediéncia cega das regras de
que regem sua realizagáo (Echeverría, 1998: 186). 5W

de
A sustentabilidade emerge como urna fratura da razáo modernizadora, que
que leva a construir urna racionalidade produtiva fundada no potencial eco-
lógico da biosfera e nos sentidos civilizatórios da diversidade cultural. A ad
racionalidade ambiental náo é a atualizagáo da razáo pura na complexidade cor
ambiental; é urna estratégia conceitual que orienta urna práxis de emancipa- ext
gáo do mundo hiperobjetivado e do logocentrismo do conhecimento. É um prc
retorno á ordem simbólica para ressignificar o mundo. No entanto, a instau- um
ragáo de valores culturais náo se dá como urna atribuigáo de códigos pré- des
designados á natureza. A idade náo é uma esséncia inscrita no código da cul-
tura. A autonomia se estabelece em um processo de resisténcia e confronta- No
gáo á racionalidade económica e á geopolítica do desenvolvimento sustenta- nhecim
do. Nesse processo, sáo reinventados os significados, interesses e direitos da singular
cultura em relasáo á natureza. Mas, se a sustentabilidade tem por condigán culturas
desprender-se do peso do Mundo Objeto e da hiper-realidade gerada pelas dialétic
formas dominantes de conhecimento, tampouco poderá realizar-se na abs- dissolve
tragáo da ordem simbólica sem referentes nem conexóes com o real. A recu- reza, en
peragáo do sentido da vida se enlata assim com os potenciais e os limites da do mun
natureza e da cultura. nutrida(
A política da diferenga fundada em uma ontologia do ser e da ética da Od
outridade projeta-se na perspectiva de urna reconstrugáo do mundo e de reconh(
urna abertura da história. A política da diferensa emerge de um ponto de convertí
saturagáo da globalizagáo e como resisténcia ao cerco imposto sobre o ser termos
diverso por um pensamento único e homogeneizante. O direito á diferenga eqüidad
é uma reivindicagáo fundada no princípio primogénito do ser, mas que se to sustei
manifesta como reagáo aos princípios de universalidade, naturalidade, supe- tégia de
rioridade promovida pelo processo de globalizagáo, que váo absorvendo e COMO o
desprovendo de substantividade as diversas formas do ser. A política da dife- A p(
renga náo emerge nem da confrontagáo nem do consenso das singularidades engloba(

160
RACIONALIDADE AMBIENTAL

n um das distintas culturas que surgiram ao longo da história, pois, como assinala
ae só Baudrillard,
:odos
Tipor Outras culturas nunca reclamaram a universalidade. Como nunca reclama-
agóes ram ser diferentes até que a diferenga lhes foi injetada pela forga como parte
egras de um tipo de guerra do ópio cultural. Essas culturas vivem com base em
sua própria singularidade, sua própría excepcionalidade, na irredutibilidade
de seus próprios rituais e valores. Náo encontram consolo na ilusáo letal de
dora, que todas as diferengas podem conciliar-se — ilusáo que para elas só signi-
eco- fica seu aniquilamento [...] Dominar os símbolos universais da outridade e
al. A a diferenga é dominar o mundo [...] Na lógica da diversidade na unidade, do
dade consenso das diferengas, o radicalmente Outro é intolerável: náo pode ser
cipa- exterminado, mas também náo pode ser aceito, de maneira que tem que
UM promover-se o outro negociável, o outro da diferenga. É aqui que cometa
tstau- urna forma mais sutil de extermínio, urna forma que envolve todas as virtu-
, pré- des da modernidade (Baudrillard, 1993: 132, 133). 20
a cul-
onta- No entanto, a etapa em que as culturas viviam na inocéncia e no desco-
enta- nhecimento de sua "diferenga", habitando simplesmente a autonomia de sua
os da singularidade, ficou para trás na história da humanidade. No encontro de
digáo culturas, o conquistador que se impóe ao outro conquistado desencadeia a
¡pelas dialética do senhor e do escravo. O processo de globalizagáo da economia
abs- dissolveu o mundo de coexisténcia da diversidade; ignora a cultura e a natu-
ecu- reza, englobando-as no código de valor de mercado. A hipereconomizagáo
es da do mundo avanga subjugando culturas, moldando a diferenga, eludindo a
outridade e ignorando seu grande Outro: o ambiente.
:a da O discurso da globalizagáo económica, ao mesmo tempo que apregoa
e de reconhecimento ás diferengas étnicas, apresenta urna estratégia para
:o de converté-las ao credo das leis supremas do mercado e para recodificá-las em
o ser termos de valores económicos. Mesmo tendo incorporado o princípio de
•enga eqüidade ao imperativo da sustentabilidade, as políticas de desenvolvimen-
le se to sustentado incrementaram as desigualdades sociais ao induzir urna estra-
upe- tégia de assimilagáo e extermínio do ambiente e da diversidade cultural
do e como o absolutamente outro da racionalidade económica.
ife- A política da diferenga é uma política de resisténcia da cultura a ser
Jades englobada pelo mercado e pela razáo económica; a partir desse princípio de

161
ENRIQUE LEFF

Apern
demarcagáo da globalizagáo económica, constrói-se urna nova racionalidade
rengas sus
que emerge da potencia do ser (da natureza, da cultura, da tecnologia), da
ca que em
hibridagáo de processos materiais e simbólicos que abrem a via para um
gáo entre
mundo inter-relacionado e interdependente que náo tem mais um eixo cen-
É o enrai;
tral e um único pólo de atragáo, mas sim se constitui na convivencia de indi-
sentido (c
vidualidades singulares, de diversidades culturais e de racionalidades dife-
campo po
renciadas em novos territórios existenciais.
A ret(
A outridade que vem do ambiente náo se manifesta apenas em sua pre-
estratégia
senga antagónica, como uma reagáo á racionalidade dominante e um proces-
positivo ic
so inelutável de decomposigáo; aparece, sobretudo, como princípio ontoló-
ideológicc
gico do ser (Heidegger) e um valor ético (Levinas) que abrem alternativas á
de apropri
globalizagáo homogeneizante. Nessa perspectiva, a diferenciagáo náo é um
tos tradici,
processo "virulento", a metástase que leva á clonagem por contágio da con-
A resis
tigüidade e a legitimar as desigualdades ecossociais, dando continuidade á
versáo das
narrativa baudrillardiana. A "fatalidade" da degradagáo ambiental náo vem
emergem
de um "agente náo humano"; sua "hiper-realidade" é produto do pensa-
vontade de
mento globalizador e coisificante, da epistemologia e das formas de conhe-
além de In
cimento que avangam afirmando sua positividade, objetivando o mundo e
partir dos
negando o nao-saber (Bataille, 2001).
A geor
Baudrillard torna transparente, tematiza e temporaliza as estratégias
uma geop(
fatais da hiper-realidade que irrompe na cena do mundo (do pensamento)
joga de un
na pós-modernidade. No entanto, a simulagáo e o simulacro náo sáo ineren-
civilizagáo
tes ao real-em-si, a uma esséncia ontológica das coisas. Sáo um efeito do
dos (Fouc
conhecimento sobre o real, mas estáo ao mesmo tempo na própria "nature-
ambiental
za" da ordem simbólica. Refletem, no mundo, a impossibilidade de nomear
novos terri
a diferenga como "estrutura originária", a proibigáo de proferir o nome de
ontologias,
um "deus" como origem e causa de todas as coisas.
cimento qu
dos que hal
A différence, apenas anunciada, desaparece, se oculta ao identificar-se com
A capit
as diferengas efetivas que constituem a concatenagáo do significante.
de resistérb
Nomear a diferenga náo faz nada além de abrir o sistema das diferengas que
tal, como tl
constituem o simbólico em sua efetiva estrutura diferencial; revela as dife-
tórico de r(
rengas como différence, quer dizer, em sua natureza de simulacros [...] de
tagáo de pc
vestígios sem original, e desse modo submetidas a uma sorte de epoché, de
tabilidade
suspensáo do consentimento metafísico que as archai sempre pretenderam
se articulan
no ámbito da mentalidade representativa (Vattimo, 1985: 134).

162
RACIONALIDADE AMBIENTAL

Apenas o real manifestado na crise ambiental devolve esse jogo de dife-


iade
rengas suspenso na ordem simbólica a um referente material: leva a diferen-
1, da
ga que emerge do jogo abstrato da linguagem á diferenga que produz a rela-
um
gáo entre o real e o simbólico, o conhecimento e o mundo, o ser e o saber.
cen-
É o enraizamento no mundo e nos mundos de vida da lei (natureza) e do
ndi-
sentido (cultura). É a colocagáo efetiva de urna política da diferenga no
life-
campo posto em conflito pela apropriagáo social da natureza.
A retórica do desenvolvimento sustentado é fundamentalmente urna
pre-
estratégia de poder que transfere o controle da produgáo da teoria a um dis-
)ces-
positivo ideológico. Essa operagáo simbólica funciona dentro dos aparatos
oló-
ideológicos do capital transnacional procurando legitimar as novas formas
ras á
de apropriagáo da natureza ás quais já náo se poderiam opor apenas os direi-
um
tos tradicionais á terra, ao trabalho ou á cultura.
con-
A resisténcia á globalizagáo leva a desativar o poder de simulagáo e per-
de á
versáo das estratégias da globalizagáo económico-ecológica. Diante disso,
vem
emergem novos direitos ambientais e culturais (Leff, coord., 2001) e urna
nsa-
vontade de poder para construir urna racionalidade social e produtiva que,
nhe-
além de burlar o limite como condigáo da existéncia, refunde a produgáo a
do e
partir dos potenciais da natureza e dos sentidos da cultura.
A geopolítica do desenvolvimento sustentado/sustentável se inscreve em
.gi as
uma geopolítica do conhecimento, em estratégias de poder no saber onde
nto)
joga de um lado o conhecimento hegemónico produzido pelo modelo da
Iren-
civilizagáo européia, e, de outro, os saberes excluídos, subjugados, coloniza-
do
dos (Foucault, 1980; Lander, 2000; Mignolo, 2000). A racionalidade
re-
ambiental atravessa esse campo de forgas. Arraigar a sustentabilidade em
lear
novos territórios de vida implica, além de construir novas epistemologias e
de
ontologias, gerar estratégias do saber para enfrentar as estratégias do conhe-
cimento que colonizaram os saberes e as práticas de seres culturais diferencia-
dos que habitam um planeta biodiverso.
:om
A capitalizagáo da natureza está gerando, assim, diversas manifestagóes
nte.
de resisténcia cultural ao discurso e ás políticas do neoliberalismo ambien-
que
tal, como também novas estratégias para a reapropriagáo do património his-
Life-
tórico de recursos naturais e culturais dos poyos. Dá-se assim uma confron-
de
tagáo de posigóes entre as estratégias para assimilar as condigóes de susten-
, de
tabilidade aos mecanismos de mercado e os movimentos de resisténcia que
.am
se articulam através da construgáo de novas formas de significagáo e valori-

163
ENRIQUE LEFF

NOTAS
zagáo cultural da natureza, assim como de um novo paradigma de sustenta-
bilidade no qual os recursos ambientais aparecem como potencialidades
1. "A
capazes de reconstruir o processo económico dentro de uma nova racionali- pro fusáo
dade produtiva, elaborando um projeto social fundado nas autonomias cul- ni ficante
turais, na democracia e na produtividade da natureza (Leff, 2000). Isso [...] A sedo
implica, por sua vez, reconectar a ordem simbólica e cultural, deslocada e todo signi
tido e real
alienada, com a ordem do real, com a natureza como urna lei-limite e como mundo ter
potencial para a construgáo de um mundo sustentável. A racionalidade do seu lug,
ambiental enfrenta dessa maneira as estratégias fatais da globalizagáo e do mos comp
desenvolvimento sustentado. ve rdadeira
2. Cf.
3. O c
de poder e
sustentabil
ficados atr
como nos
desenvolvi;
políticas e
diferenciag
políticas qt
te, nas pers
desenvolvir,
dentro das
distingue di
racionalida,
"sustainabl■
uma consisi
so mantém
tentado/sus
4. "0 o
na maior cli
que a proxi
lidade de vc
cia do muno
mais os lim
absorvente,
isso fosse pc
de transparí
seria para tc
vez iguais:
comegou ve,

164
tenta- NOTAS
dades
1. "A idéia de que o significante antecede, dispersado por todas as partes, em urna
Lonali- profusáo que felizmente jamais esgota o significado. Essa ordem superabundante do sig-
as cul- nificante é a da magia (e da poesia); náo é urna ordem do azar nem da indeterminagáo
). Isso [..] A sedugáo mágica do mundo deve ser reduzida, aniquilada. E o será no dia em que
cada e todo significante tiver recebido um significado, guando tudo se tiver convertido em sen-
como tido e realidade. Teremos chegado, evidentemente, ao fim do mundo. Literalmente, o
mundo terá chegado ao seu fim 'guando todos os encadeamentos sedutores tenham cedi-
lidade do seu lugar aos encadeamentos racionais. Essa é a empresa catastrófica com a qual esta-
D edo mos comprometidos: resolver toda a fatalidade na causalidade ou na probabilidade... é a
verdadeira entropia" (Baudrillard, 1983: 168).
2. Cf. caps. 5-7, infra.
3. 0 discurso do desenvolvimento sustentado/sustentável é um campo de estratégias
de poder e de disputa dos sentidos diferenciados que adotam o conceito e as políticas de
sustentabilidade. Se bem que náo existe urna definigáo clara e consensual sobre os signi-
ficados atribuídos ao conceito de sustentabilidade (sustainable development), no Brasil,
como nos países de fala portuguesa, tem-se adotado de forma generalizada a expressáo
desenvolvimento sustentável, que em si náo distingue as diferentes acepgóes, sentidos,
políticas e agóes sociais alternativas mobilizadas por dito conceito. Neste livro farei uma
diferenciagáo básica entre desenvolvimento sustentado para referir-me ao discurso e ás
políticas que inscrevem a sustentabilidade dentro da racionalidade económica dominan-
te, nas perspectivas da economía ambiental e das políticas neoliberais; e designarei como
desenvolvimento sustentável as teorias, políticas e agóes que colocara a sustentabilidade
dentro das condigóes ecológicas e culturais de um processo de reconstrugáo social que se
distingue do cerco da racionalidade económica e que se orienta para a construgáo de uma
racionalidade ambiental. Em alguns casos, mantenho a tradugáo oficial ao portugués de
"sustainable development" como "desenvolvimento sustentável", sem que isso implique
urna consistencia com o sentido teórico-político do conceito. Em outras, onde o discur-
so mantém a ambivaléncia e polivaléncia desses termos, fálarei de desenvolvimento sus-
tentado/sustentável.
4. "0 esquizofrénico foi privado de toda a cena, aberto a tudo apesar de si mesmo
na maior das confusóes [...] O que o caracteriza é menos o afastamento do real [...] do
que a proximidade absoluta, a instantaneidade total das coisas, sem defesa, sem possibi-
lidade de volta, o fim da interioridade e da intimidade, a superexposigáo e a transparén-
cia do mundo, que o atravessam sem que possa fazer-lhes frente. Já náo pode produzir
mais os limites do seu próprio ser, já náo pode refletir-se mais: náo é senáo urna tela
absorvente, urna placa giratória e insensível de todas as suas redes de influencia [...] Se
isso fosse possível, esse éxtase obsceno e generalizado de todas as fungóes seria o estado
de transparencia desejado, o estado de reconciliagáo do sujeito e do mundo, no fundo
seria para todos nós o juízo final e já teria tido lugar. Duas eventualidades enormes, tal-
vez iguais: nada ainda aconteceu, nosso mal-estar vem do fato de que nada no fundo
comegou verdadeiramente (libertagáo, revolugáo, progresso...): utopia finalista. A outra

165
ENRIQUE LEFF

eventualidade é que tudo já aconteceu. Já estamos muito além do fim. Tudo o que era 12. Hoj
metáfora se materializou, colapsou na realidade. Nosso destino está ali: é o fim do fim. grandes cort
Estamos em um universo transfinito" (Baudrillard, 1983: 76). triais, como
5. "Á medida que o sistema dispóe de políticas referentes ao meio ambiente, este últi- 13. As
mo se estreita: o bom éxito de tais políticas se avaliará [...] pela própria desaparigáo do con- sáo traduzid
ceito de meio ambiente, que terminará por ser assimilado ao sistema" (Sachs, 1982: 36) em relagáo
6. "As condigóes da produgáo náo sáo apenas transformadas pelo capital. Devem, restamento
também, ser transformadas através do discurso [...] Urna vez completada a conquista cujos solos s
semiótica da natureza, torna-se imperativo o uso racional e sustentável do ambiente. Ali que eles abso
está radicada a lógica subjacente dos discursos do desenvolvimento sustentável e da bio- 14. Na
diversidade" (Escobar, 1995: 202-3). ecossistemas
7. Este foi o projeto prometéico empreendido pelo Wuppertal Institut e pelo World de carbono 1
Resources Institute com o propósito de reduzir o uso de recursos naturais por unidade mesmo tem'
de produto gratas ao aumento da eficiéncia tecnológica e á mudanga na estrutura da e na apropri
demanda. 15. Ver
8. Esse discurso conciliador pretende reunir todos os grupos de interesse para alcangar 16. Enc
consensos e dirimir conflitos socioambientais, sem perceber, que embora existam interesses matas no m(
e posigóes negociáveis, existem outros fatores que náo poderáo harmonizar-se no "concer- Amazónia ac
to" dos protagonistas do drama atual da desigualdade social e da insustentabilidade. biodiversidai
9. Neste sentido, ante a ficgáo do seqüestro do carbono pela natureza e da tomada especulativo:
da natureza como refém pela economia, posturas mais lúcidas e críticas da economia eco- carbono em
lógica afirmam que "este objetivo de redugáo deve ser fixado fora do mercado, através 17. Nes
de um debate científico-político em um terreno de incertezas factuais e científicas, o Indígenas sol
mesmo que da política de interesses. Assim, a questáo náo é a internalizagáo exata das saram sua ol
externalidades no sistema de pregos (o qual é impossível no caso de tratar com aconteci- caria "uma fi
mentos futuros e incertos), segundo as indicagóes de um mercado ecologicamente de gases de e
ampliado" (Martínez-Alier e Roca, 2000: 459). sáo de sumic
10. Cf. caps. 6 e 9, infra. terras e terrii
11. 0 conceito de território sintetiza, melhor que nenhum outro, a reaproximagáo colonialismo
entre o real e o simbólico no campo da ecologia política, entre modelos cognoscitivos, de nossas ter
suportes materiais e agóes sociais nas formas humanas de ser no mundo. A diferenga do vatizagáo de
espato geográfico, o território sempre foi o espato habitado por relagóes de poder, espa- inclusáo de s
gos demarcados onde se estabelecem domínios e propriedades, onde se semeiam e culti- energia de c
vas as culturas. Sáo espagos étnicos. Além da sintomática transposigáo metafórica da carbono que
política do espato geográfico, que moveu a história pela conquista de territórios ao ter- 18. Ver
reno mais etéreo das idéias em que se demarcam objetos de conhecimento e se estabele- 19. O st
cem os domínios disciplinares do saber (Foucault, 1980), o território é "lugar" de signi- por onde caz
ficagáo de práticas, hábitat de culturas, suporte do Ser, ao mesmo tempo que o ser cul- identidade q
tural forja seus territórios simbólicos e existenciais em relagáo com o real que habita. A 20. A cr
relagáo cultura-natureza é jogada no território, em termos de territorializagóes e dester- contexto de
ritorializagóes (Guattari, 2000), que sáo as formas de se dar urna geografia á terra a par- dialético da
tir de práticas nas quais se reconfiguram identidades (Porto-Gongalves, 2001) (veja-se cal seráo des
cap. 6, infra.)

166
RACIONALIDADE AMBIENTAL

que era 12.Hoje em dia, os cinco gigantes da biotecnologia concentram mais riqueza que os
do fim. grandes consórcios das indústrias de petróleo e as transnacionais de outros setores indus-
triais, como indicam as análises de Silvia Ribeiro e Hope Shand (Leff e Bastida, 2001).
Iste últi- 13.As estratégias "win win" do mecanismo de desenvolvimento limpo muitas vezes
-

do con- sáo traduzidas em projetos e agóes "lose lose". Como observam Martínez-Alier e Roca
-

1: 36) em relagá'o á conversáo de 75 mil hectares de bosque andino no Equador para seu reflo-
Deve m, restamento com eucaliptos e pinheiros: "guando se plantam pinheiros em seus páramos,
>nquista cujos solos sáo muito ricos em matéria orgánica, é liberado mais carbono do que aquele
mte. Ali que eles absorveráo: urna solugáo lose lose" (Martínez-Alier e Roca, 2000: 461).
-

da bio- 14.Na realidade, sáo o manejo de matas nativas e os processos de regeneragáo de


ecossistemas secundários os que apresentam maiores capacidades de captura de dióxido
) World de carbono pela intensificagáo da fotossíntese nos processos de formagáo de biomassa, ao
anidade mesmo tempo que oferecem maiores oportunidades de emprego na gestáo participativa
rtura da e na apropriagáo coletiva de seus produtos (cf. Leff, 2000).
15.Ver cap. 4, infra.
alcangar 16. Enquanto grupos de interesse esgrimem esse argumento contra a inclusáo das
Lteresses matas no mecanismo de desenvolvimento limpo, as organizagóes de base do Brasil e da
`concer- Amazónia advogam sua inclusáo. Claramente, o que defendem é seu interesse para que a
e. biodiversidade e as matas continuem sendo um território e um hábitat, diante dos critérios
tomada especulativos daqueles que náo vivem na biodiversidade sobre o perigo da acumulagáo de
nia eco- carbono em forma de matéria vegetal que eventualmente seria devolvida á atmosfera.
através 17. Neste sentido, os índios representados no I Fórum Internacional dos Povos
'ficas, o Indígenas sobre as Mudangas Climáticas em Lyon, Franga, em setembro de 2000, expres-
:ata das saram sua oposigáo á inclusáo dos sumidouros de carbono no MDL porque isso signifi-
:onteci- cada "uma forma menor de considerar nossos territórios e terras á captagáo ou liberagáo
am ente de gases de efeito estufa, o que é contrário á nossa cosmovisáo e filosofia de vida. A inclu-
sáo de sumidouros levará, além do mais, a uma nova forma de expropriagáo de nossas
terras e territórios e á violagáo de nossos direitos que culminaria em uma nova forma de
imnáo colonialismo [...] cremos que [o MDL] é urna ameaga através da contínua invasáo e perda
;citivos, de nossas terras e territórios e a apropriagáo deles através do estabelecimento ou da pri-
Inga do vatizagáo de novos regimes de áreas protegidas [...] Opomo-nos terminantemente á
r, espa- inclusáo de sumidouros, plantagóes, plantas de energia nuclear, mega-hidroelétricas e de
e culti- energia de carváo. Além do mais, nos opomos ao desenvolvimento de um mercado de
rica da carbono que ampliaria o alcance da globalizagáo".
ao ter- 18.Ver cap. 4, infra.
nabele- 19.0 seringueiro tomou seu nome da árvore da seringa, e chama-se seringal o lugar
e signi- por onde caminha e luta para estabelecer seu ser e funda um território onde forja uma
er cul- identidade que dá sentido e sustentagáo á vida.
bita. A 20.A crítica dessa lógica de reunificagáo, consenso e negociagáo das diferengas no
dester- contexto de urna racionalidade comunicativa e urna proposta para superar o princípio
a par- dialético da conciliagáo dos contrários a partir do princípio ético de uma outridade radi-
veja-se cal seráo desenvolvidas no cap. 7, infra.

167
CAPÍTULO 4 A lei-limite da natureza: entropia,
produtividade neguentrópica e
desenvolvimento sustentável
A LEI DA ENTROPIA E O VALOR ECONÓMICO

No devir da humanidade, a economia surge a partir do momento em que os


poyos e as nagóes comegaram a inventar diversos modos de produgáo que
implicavam diferentes formas de apropriagáo da natureza. Estas constituí-
ram no início economias de subsisténcia que, á medida que as sociedades evo-
luíram para estruturas cada vez mais hierárquicas, geravam excedentes que
foram concentrados pelas classes mais poderosas. Mais adiante, com o desen-
volvimento do transporte naval, intensificaram-se as relagóes de intercámbio
comercial entre as diversas culturas. Este comércio foi incrementado no auge
do capitalismo mercantil, baseado na exploragáo da natureza de abundantes
recursos dos territórios conquistados pelas poténcias monárquicas européias;
mais tarde, no auge do capitalismo industrial, foi dando lugar ao intercámbio
desigual entre mercadorias naturais e tecnológicas, até chegar ao momento
atual de intervengáo biotecnológica e capitalizagáo da natureza.
Com a generalizagáo do intercámbio mercantil, surge no mundo a
ordem da economia. No entanto, esta só vai penetrar no imaginário social
de maneira generalizada no momento em que se instaura como lei que legi-
tima seu funcionamento. A produgáo teórica cometa a desempenhar sua
fungáo simbólica a partir da emergéncia da ciéncia económica inaugurada
por Smith e Ricardo no século XVIII. É nesse momento que a economia
cometa a reger a ordem humana. Para além do esquema marxista, que vé a
evolugáo da organizagáo social a partir de seus modos de produgáo e das con-
digóes materiais da existéncia, a partir do surgimento da ciéncia económica se
estabelece urna racionalidade que cometa a dominar a ordem natural das coi-
sas do mundo, as formas de produgáo de riquezas, as regras de intercámbio de
mercadorias e o valor da natureza. Esta ordem económica, fundada no "equi-
librio" dos fatores de produgáo sob o princípio da escassez, vai construindo

171
ENRIQUE LEFF

urna racionalidade que leva, a princípio, á desnaturalizagáo da própria natu- dos signos,
reza e á insustentabilidade do processo de produgáo. go parecen
A ciéncia económica nasce dentro da visáo mecanicista que fundamenta vel seduz o
o paradigma científico da modernidade, que assim é estendido ao campo da cado sem
produgáo. A economia emerge como ciéncia da classificagáo racional de pensament
recursos escassos e do equilíbrio dos fatores da produgáo: capital, trabalho e determinisi
esse fator "residual" — a ciéncia e a tecnologia — em que repousa a elevagáo natureza e
da produtividade e que se converteu na forga produtiva predominante. Dessa emerge a e
maneira, a natureza é desnaturalizada, fracionada e mutilada; sua organizagáo se impóe
ecossistémica e termodinámica é ignorada e convertida em recursos naturais mento sust
discretos, em matérias-primas usadas como simples insumos no processo de sua conexá
produgáo, que náo sáo produtoras de urna substáncia de valor. A natureza é Essa ps
concebida como um bem abundante e gratuito, como urna ordem que tem olhar críticl
capacidade própria de regeneragáo, cuja existéncia náo dependa diretamente go e do obj1
do comportamento económico. A natureza é remetida a um "campo de exter- a hiperobje
nalidade" do sistema económico. este procesa
A natureza está se vingando desse desprezo da humanidade. A degrada-
gáo ecológica do planeta surge como urna explosáo de urna verdade ontoló- Urna re'
gica negada pela teoria económica. Com a crise ambiental, a economia náo gáo do
enfrenta mais problemas de escassez relativa de recursos — aquela que era radical.
resolvida pelo progresso tecnológico e a abertura de novos campos de ditávarr
exploragáo da natureza —, e sim urna escassez global que náo é "natural" e que por
sim gerada pela destruigáo das condigóes ecológicas de sustentabilidade da a favor
economia global, como resultado dos níveis de entropia gerados em escala ma, ex(
planetária pelo processo económico: desflorestamento e perda da cobertura desta. A
vegetal, contaminagáo do ar, água e solos, aquecimento global. substán(
A crise ambiental irrompeu em um mundo no qual a economia ficou davam s
desprovida de lei e de valor, no qual a natureza se desnaturaliza e se coisifi- de: sua
ca, em que a dialética procura ancorar-se nas leis da natureza, em que o ocupa sl
mundo se converte em urna hiper-realidade onde o simbólico parece perder ria e sin
sua referencialidade e sua conexáo com o real.' Exatamente nesse ponto, se inter
guando as estratégias do código económico triunfam sobre a lei do valor, (Baudril
guando os conceitos perdem sua referéncia no real, guando o simbólico
parece emancipar-se do fático e a ecologia fracassa em sua tentativa de enrai- A econc
zar o mundo na ordem da vida; guando o projeto da racionalidade científi- camento da
ca entra em colapso e o mundo parece flutuar na incerteza e na relatividade ontológico.

172
RACIONALIDADE AMBIENTAL

atu- dos signos, guando a hiper-realidade gerada pelas estratégias fatais do códi-
go parecem burlar o pensamento e o discurso do desenvolvimento sustentá-
n-Ita vel seduz o interesse prático ao procurar um equilíbrio guiado por um mer-
da cado sem valores; guando o construtivismo e a hermenéutica conduzem o
1 de pensamento á conformidade e ao jogo de sentidos, mais além de qualquer
lo e determinismo ontológico; guando sáo vencidas a lei e a norma fundadas na
tgáo natureza e na ética; nesse vazio ontológico e nesse reino da dissimulagáo,
essa emerge a entropia como lei-limite da racionalidade económica. A natureza
tgáo se impóe ás falácias, ás ficgóes e ás especulagóes do discurso do desenvolvi-
erais mento sustentado: as de urna ordem simbólica autónoma desprendida de
) de sua conexáo com o real.
za é Essa psicose do conhecimento do mundo náo é a invengáo de um novo
tem olhar crítico do mundo pós-moderno que faz prevalecer o domínio do códi-
ente go e do objeto, mas sim resultado da racionalidade económica que produziu
:ter- a hiperobjetivagáo, hipereconomizagáo e hiperecologizagáo do mundo. É
este processo económico o que gerou
ida-
oló- Uma revolugáo [que] pós fim á economia "clássica" do valor, urna revolu-
náo gá'o do próprio valor que, além de sua forma mercantil, a leva á sua forma
era radical. Esta revolugáo consiste em que os dois aspectos do valor, que acre-
; de ditávamos serem coerentes e que estavam eternamente vinculados como
1" e que por urna lei natural, estáo desarticulados, o valor referencial se nulifica
da a favor do jogo estrutural do valor. A dimensáo estrutural torna-se autóno-
cala ma, excluindo a dimensáo referencial, estabelecendo-se sobre a morte
cura desta. Acabaram-se os referenciais de produgáo, de significagáo, de afeto, de
substáncia, de história, toda essa equivalencia com conteúdos "reais" que
cou clavan.' seu peso ao signo ao ancorá-lo com urna certa carga útil, de gravida-
sif i- de: sua forma de equivalente representativo. O outro estágio do valor
:e o ocupa seu lugar, o da relatividade total, da comunicagáo geral, combinató-
•der ria e simulatória. Simulagáo no sentido de que de agora em diante os signos
no, se intercambiaráo entre eles sem intercambiar-se por nada com o real
lor, (Baudrillard, 1976: 18).
tico
rai- A economia é a ordem na qual se manifesta mais radicalmente o deslo-
tífi- camento da razáo moderna, o desprendimento da teoria de seu referente
ade ontológico. A racionalidade económica transformou o ser humano em homo
ENRIQUE LEFF

economicus, despojando-o de sua relagáo simbólica com a natureza para do te:


submeté-lo á agáo mecánica das leis do mercado. A economia promoveu um de cri
crescimento sem limites, negando as condigóes (potenciais e constrangimen- conce
tos) da natureza. Na teoria económica da natureza, aparece como uma fonte desde
infinita de recursos disponíveis para sua apropriagáo e transformagáo eco- o pro,
nómica guiada pelas leis do mercado; sua falha provém de sua visáo do pro- muda
cesso económico como um fluxo circular de valores económicos e pregos de cesso
fatores produtivos. No entanto, a partir da análise termodinámica, a produ- mo se
gáo aparece como um processo irreversível de degradagáo entrópica, de tares 1
transformagáo de baixa em alta entropia. A externalizagáo da natureza do tente
sistema económico é, justamente, o efeito do desconhecimento da entropia 1971:
(a segunda lei da termodinámica), que estabelece os limites impostos pela
natureza ao crescimento económico, ocultando as causas da crise ambiental Para
e da insustentabilidade ecológica da economia. mento da
O conceito de entropia enfrenta a racionalidade económica guando da renda
apresenta um limite ao crescimento económico e á legalidade do mercado, quer much
ao mesmo tempo que estabelece um vínculo com as leis da natureza que nómica de
constituem as condigóes — físico-biológicas, termodinámicas e ecológicas cesso ecor,
— para urna economia sustentável. Entre os precursores da economia ecoló- lada das ce
gica que abordaram as condigóes ecológicas do processo económico, sua obsess
Nicholas Georgescu-Roegen (1971) foi quem desvelou a íntima relagáo vam as pe
entre economia e natureza, ao definir a relagáo fundamental que há entre o campo da
processo económico e a segunda lei da termodinámica. 2 A entropia surge, da mecáni,
assim, como urna lei-limite que a natureza impóe á expansáo do processo cias natura
económico. Dessa maneira, desvela a última causa da insustentabilidade da a termodii
racionalidade económica que emerge da falha constitutiva da ciéncia econó- descobrim
mica. Georgescu-Roegen afirma que o "pecado original" da economia deve mais tarde.
ser atribuído á visáo mecanicista que fundamenta seu paradigma científico incremente
desde sua origem e a acompanha em seus desenvolvimentos e aplicagóes até foi o de de
os nossos dias: eficiéncia r
A lei d
Pois o pecado está ali, mesmo guando vemos o processo económico exclu- imperativo
sivamente a partir do ponto de vista físico [—] A disciplina económica, no Em sua prc
forma em que foi professada de maneira geral até agora, é táo fortemente deou as sin
mecánica como pensamos, via de regra, que é a mecánica clássica [—] A Nesse senti
mesma falha foi incorporada á economia por seus fundadores, que, segun- mica troca

174
RACIONALIDADE AMBIENTAL

para do testemunho de Jevons e Walras, náo tinham uma aspiragáo maior que a
um de criar uma ciéncia económica seguindo o padráo exato da mecánica [...] a
men- concepgáo do processo económico como uma analogia mecánica dominou
fonte desde entáo, por completo, o pensamento económico. Nessa representagáo,
1 eco- o processo nem induz a mudanga qualitativa alguma, nem se vé afetado pela
► pro- mudanga qualitativa do ambiente no qual se encontra ancorado. É um pro-
os de cesso isolado, autocontido e aistórico — um fluxo entre produgáo e consu-
rodu- mo sem saídas nem entradas, como é pintado pelos livros de textos elemen-
:a, de tares [...] em nenhum dos numerosos modelos económicos existe uma ver-
za do tente que dé conta da contribuigáo perene da natureza (Georgescu-Roegen,
ropia 1971: 1, 2).
pela
iental Para Georgescu-Roegen, esse mecanismo está na base do desconheci-
mento da contribuigáo da natureza ao processo económico; tanto no estudo
ando da renda de Ricardo, em que a terra aparece como um fator imune a qual-
cado, quer mudanga qualitativa, como na teoria da produgáo e da reprodugáo eco-
a que nómica de Marx, para quem a natureza que se oferece gratuitamente ao pro-
igicas cesso económico náo contribui para a formagáo de valor, ficando desvincu-
:coló- lada das condigóes da produgáo. O "paradoxo" da história da economia e de
nico, sua obsessáo mecanicista é que na época em que Jevons e Walras apresenta-
lagáo vam as pedras angulares da economia moderna, as revolugóes teóricas no
itre o campo da física — da termodinámica estatística, da teoria da relatividade e
urge, da mecánica quántica — derrubavam o dogma mecanicista, tanto nas cien-
cesso cias naturais como na filosofia. Porém, mais paradoxal ainda é o fato de que
le da a termodinámica havia surgido como uma física do valor económico. 3 O
:onó- descobrimento da lei da entropia, formulada por Sadi Carnot em 1824 e
deve mais tarde, em 1856, por Claussius, foi impulsionado pela necessidade de se
tífico incrementar a eficiéncia da tecnologia. O problema que colocaram para si
:s até fui o de determinar as condigóes sob as quais seria possível obter uma maior
eficiéncia no trabalho mecánico produzido por uma unidade de calor livre.
A lei da entropia é filha da racionalidade económica e tecnológica, do
xclu- imperativo de se maximizar a produtividade e minimizar a perda de energia.
a, na Em sua procura da ordem, controle e eficiéncia, essa racionalidade desenca-
lente deou as sinergias negativas que haveriam de levar á degradagáo da natureza.
]A Nesse sentido, a escassez como princípio que fundamenta a ciéncia econó-
gun- mica troca de sinal e adquire um novo significado. O problema dos limites

175
ENRIQUE LEFF

do crescimento náo surge do esgotamento dos recursos naturais (renováveis crescente


e náo renováveis), nem dos limites da tecnologia para extraí-los e da á extras
transformá-los; nem sequer dos crescentes custos de geragáo de recursos gáo de hid
energéticos. Os limites do crescimento económico sáo estabelecidos pela lei- direto dest
limite da entropia, que rege os fenómenos da natureza e conduz o processo (termoelét
irreversível e inelutável da degradagáo da matéria e da energia no universo. rosos do fi
A Terra náo escapa densa lei universal; mas, nesse minúsculo ponto de nossa 1986: 138
galáxia, tal processo é acelerado pela imposigáo de uma racionalidade eco- A lei c
nómica que incrementa e magnifica a transformagáo da matéria e da energia converte-s<
de baixa entropia a estados de alta entropia, cuja manifestagáo mais clara, na dez da teor
atualidade, é o aquecimento global do planeta. do mais, a
A acumulagáo de capital, as taxas de exploragáo dos recursos e os co muda o
padróes dominantes de consumo chegaram a ultrapassar a capacidade de clássica do
carga e de diluigáo dos ecossistemas, levando a formas e ritmos sem prece- vidade eco:
dentes de degradagáo ecológica, de extingáo biológica, de erosáo de solos e trabalho, e:
de destruigáo de biodiversidade. Ao apontar a necessidade imperativa de se tuita, e, poi
internalizar as condigóes ecológicas e culturais para um desenvolvimento valor econ
sustentável, eqüitativo e diverso, a crise ambiental náo levou apenas ao ques-
tionamento da racionalidade económica prevalecente e á revisáo do papel produgáo d
da natureza na economia. A racionalidade económica revolveu os mecanis- processo ec
mos de auto-organizagáo dos sistemas biológicos que sustentam o equilíbrio da utilidad
ecológico global do planeta, dos quais dependem tanto a produtividade pri- degradagáo
mária dos ecossistemas como os processos de regeneragáo da natureza, des- como a trar
truindo as condigóes de sustentabilidade da economia. O mercado é incapaz de energia
de atribuir valores económicos á produtividade da natureza e aos servigos rais" (Drag.
ambientais que correspondam ás condigóes ecológicas para um desenvolvi- O vínci
mento sustentável. Além disso, estes sáo incomparáveis com os valores da da econom
eqüidade social e da diversidade cultural. A racionalidade económica náo pada da ne
pode inserir-se nas leis biológicas, nem lhe é possível incorporar os direitos tes e a ilusa
coletivos, os interesses sociais e as normas institucionais para o manejo par- produgáo".
ticipativo democrático dos recursos naturais. crescimentc
Hoje em dia, o problema do esgotamento dos recursos naturais náo se dos servigo
apresenta apenas em termos das reservas provadas de hidrocarburetos e da energia -
minerais no planeta. A despetrolizagáo da economia é um imperativo que processo ec
náo se impele a partir de condigóes técnicas, económicas e mesmo políticas restabelece
de acesso, apropriagáo e transformagáo dos hidrocarburetos, mas sim da signos do n

176
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ráveis crescente produgáo de entropia (de gases de efeito estufa, de calor) associa-
los e da á extragáo, transformagáo e consumo de energia fóssil, inclusive a produ-
ursos gáo de hidrocarburetos sintéticos através da liquefagáo do carváo ou o uso
la lei- direto deste elemento, assim corno de outras fontes tradicionais de energia
cesso (termoelétricas a partir da fissáo e fusáo atómica, extragáo de metais náo fer-
'erso. rosos do fundo dos oceanos e energia hidrelétrica) (Dragan e Demetrescu,
nossa 1986: 138-40).
eco- A lei da entropia como condigáo e limite do processo económico
tergia converte-se, assim, em argumento adicional para o questionamento da vali-
-a, na dez da teoria do valor fundada no trabalho e na mudanga tecnológica. 4 Além
do mais, a entropia como condigáo de sustentabilidade do processo económi-
e os co muda o sentido da relagáo do valor económico com a natureza. Pois na lei
le de clássica do valor, e em toda a economia anterior a Georgescu-Roegen, a ati-
rece- vidade económica transformava a natureza em capital económico através do
los e trabalho, em um processo no qual a natureza era abundante, renovável e gra-
de se tuita, e, portanto, inócua em termos de sua contribuig'áo tanto á formagáo do
rento valor económico como á degradagáo entrópica. Pelo contrário, guando se
ques- associa a lei da entropia ao processo produtivo, a contribuigáo da natureza á
)apel produgáo de riqueza material adquire um valor inverso, no sentido de que no
anis- processo económico a matéria e a energia passam da abundáncia á escassez,
íbrio da utilidade á inutilidade e do uso ao dejeto, em um processo inelutável de
pri- degradagáo de entropia. O processo económico poderia ser definido, entáo,
des- como a transformagáo da energia existente em formas utilizáveis para estados
apaz de energia inutilizáveis, oferecendo no caminho apenas "utilidades tempo-
ricos rais" (Dragan e Demetrescu, 1986: 147).
olvi- O vínculo do processo económico com a lei da entropia, a dependéncia
s da da economia á natureza, vem questionar a idéia de urna economia emanci-
náo pada da necessidade, o imaginário de um crescimento económico sem limi-
sitos tes e a ilusáo de que entrarnos em uma era de pós-escassez, que vai "além da
par- produgáo". Ao mesmo tempo, reconhece a escassez material produzida pelo
crescimento económico — o esgotamento de bens naturais, a contaminagáo
o se dos servigos ambientais, a desestruturagáo dos ecossistemas e a degradagáo
OS e da energia — como um efeito da lei inelutável da entropia magnificada pelo
que processo económico. A segunda lei da termodinámica, lei-limite da natureza,
icas restabelece as relagóes entre o real da ordem natural e a ordem simbólica dos
da signos do mercado.

177
ENRIQUE LEFF

Essa constatagáo deu início a urna reflexáo destinada a refundar o pro- planejl
cesso económico a partir dos princípios da termodinámica — desde suas dade e
bases energéticas e suas condigóes ecológicas de sustentabilidade — e para em quo
reconsiderar a teoria do valor económico com base nas leis da natureza. cultura
Nesse sentido, Georgescu-Roegen apontava que
Para C
Urna vez que o processo económico consiste, materialmente, em urna trans- mite ás "ei
formagáo de baixa entropia em alta entropia, quer dizer, em dejeto [calor], organizagá
e posto que esta transformagáo é irreversível, os recursos naturais deveriam ambiente;
representar, necessariamente, urna parte da nogáo de valor económico. E qualidade
porque o processo económico náo é automático, mas sim volitivo, os servi-
os de todos os agentes, humanos e materiais, também pertencem á mesma A desp
faceta dessa nogáo. Em relagáo á outra faceta, deveríamos observar que sos orc
seria totalmente absurdo pensar que o processo económico existe apenas que os
para produzir dejetos. A conclusáo irrefutável é que o produto verdadeiro agora",
desse processo é um fluxo imaterial — o desfrute da vida. Este fluxo cons- peculia
tituí a segunda faceta do valor económico (Georgescu-Roegen, 1971: 18). te pelo
tico, di
Georgescu-Roegen procura fundamentar uma nova teoria económica físicos,
através de um princípio material (a lei da entropia) e de um princípio ético, que o j
cultural e subjetivo (o desfrute da vida). Náo é formulada, pois, uma teoria causa fi
quantitativa do valor — urna física da economia —, e se afasta, consciente- gáo qui
mente, de toda tentativa de recuperar a teoria do valor-energia preconizada domíni
por Engels em sua Dialética da natureza. Georgescu-Roegen rompe com os posto
cánones da ciéncia objetiva e abre um campo heurístico mais abrangente e nenhun
integrado ao processo económico, reconhecendo o papel exercido pela cul- sive as
tura nas formas de produgáo e na evolugáo do consumo exossomático de urna rt
energia, que geram a degradagáo entrópica da matéria. Nesse sentido, afir- Nenhui
mou que poderia

Ainda que parega paradoxal, a lei da entropia é uma lei elementar da maté- Essa ca
ria que náo nos deixa outra alternativa a náo ser reconhecer o papel da tra- vida perten
digáo cultural no processo económico. A dissipagáo da energia, como é pro- permite quo
clamada por essa lei, se produz automaticamente em toda parte. Isso é assim o establishr
porque a reversáo da entropia, como se vé em cada linha de produgáo, leva géncia da h
a marca indelével da atividade proposta. E a maneira como esta atividade é emergente o

178
RACIONALIDADE AMBIENTAL

) pro- planejada e levada a cabo certamente depende da matriz cultural da socie-


suas dade em questáo [...] A evolugáo depende da matriz cultural da sociedade
para em questáo [...] A evolugáo exossomática abre caminho através da tradigáo
ireza. cultural, e náo apenas através do conhecimento tecnológico (1971: 18-9).

Para Georgescu-Roegen — seguindo Schródinger (1944) —, o que per-


trans- mite ás "estruturas de suporte da vida" (life bearing structures) manter sua
:alor], organizagáo é sua capacidade para sugar energia de baixa entropia de seu
eriam ambiente; mas faz esta fungáo depender, mais que de urna lei física, de urna
ico. E qualidade da ordem vital que denomina propósito (purpose):
se rvi-
resma
-
A despeito de suas inclinagóes filosóficas, todos reconhecem que os proces-
.r que sos ordenadores, que sáo "muito mais complexos e muito mais perfeitos
penas que os de qualquer dispositivo automático conhecido pela tecnologia até
:deiro agora", ocorrem apenas nas estruturas de suporte da vida. Essa atividade
cons- peculiar dos organismos vivos é caracterizada de maneira muito transparen-
18) . te pelo demónio de Maxwell, o qual separa de seu ambiente altamente caó-
tico, dirigindo as partículas de gás para algum propósito definido [—] Os
imica físicos, em oposigáo aos sociólogos positivistas, admitiram, um após outro,
que o propósito é um elemento legítimo das atividades da vida, em que a
eoria causa final está em seu próprio direito, mas náo leva a nenhuma contradi-
ente- gáo guando se aceita a complementaridade no lugar do monismo [...] O
izada domínio dos fenómenos da vida representa um caso muito especial [...]
m os posto que a vida se manifesta por um processo entrópico que, sem violar
nte e nenhuma lei natural, náo pode derivar-se completamente dessas leis... inclu-
I cul- sive as leis da termodinámica! Entre a ordem físico-química e a da vida há
o de urna ruptura mais profunda do que a mecánica e a termodinámica.
afir- Nenhuma forma de causalidade que pudesse ajustar-se a outros fenómenos
poderia fazé-lo para as ciéncias da vida (1971: 190-4).

zaté- Essa característica peculiar do mundo orgánico é o que faz com que a
tra- vida pertenga a urna ordem ontológica diferente da do resto da natureza e
pro- permite que a bioeconomia evite a epistemologia mecanicista.s No entanto,
ssim o establishment económico mostrou-se incapaz de se comover ante a emer-
leva géncia da lei da entropia no cenário da ciéncia. É sintomático que a ciéncia
de é emergente da complexidade, que questiona radicalmente as crengas e certe-

179
ENRIQUE LEFF

zas que guiaram a percepgáo do devir e o sentido civilizatório da humanida- Sepas


de (a idéia de progresso, a reversibilidade dos processos, o crescimento sem desor
limites) tenha tido táo pouca repercussáo no pensamento teórico e na cons- surge
ciéncia cotidiana do mundo. 6 Esse enigma nos leva a indagar sobre as impli- estrut
cagóes da lei da entropia para a construgáo de urna racionalidade ambiental e vidad
a transigáo a um futuro sustentável. mesm
A lei da entropia vincula o processo económico ás leis da natureza den- Náo 1
tro do nosso planeta vivo. No entanto, a bioeconomia náo conseguiu chegar degra
a urna definigáo consistente do conceito de entropia dentro da pluralidade pretal
teórica e da dispersáo discursiva dos diversos campos onde foi formulada, gáo di
nem de sua transferéncia e tradugáo com o devido rigor teórico e epistemo- tema
lógico para fundar um conceito económico de entropia. Essa exigéncia teóri- Roege
ca náo significa forgar urna unificagáo terminológica ou um princípio cientí-
fico, abandonado ao longo da história do conceito de entropia dentro de A no
seus diferentes paradigmas teóricos. Trata-se, na verdade, de dar coeréncia "resistén(
ao conceito na economia dos diferentes discursos teóricos, aos usos científi- tempo, á
cos e metafóricos que foram produzidos, desde a teoria clássica de Carnot- inesgotávl
Claussius sobre sistemas próximos do equilíbrio, a termodinámica estatísti- bioeconor,
ca de Boltzmann e a termodinámica das estruturas dissipativas de Prigogine, compreen
até suas aplicagóes nos processos ecológicos, económicos, culturais e sociais. xorável d.
Isso significa, por sua vez, a necessidade de assumir, tanto temporal como racional(
espacialmente, o conceito de entropia como potencial e como limite do pro-
heurística
cesso económico deste planeta e na perspectiva da transigáo para um estado
fio é o de
de sustentabilidade ecológica e termodinámica.
sos negue:

da nature
definir e c
ENTROPIA, BIOECONOMIA E ECONOMIA ECOLÓGICA
do urna re
do planeta
Georgescu-Roegen introduziu a lei da entropia na crítica da economia con- nifica reví
vencional, readaptando o conceito tal como fora formulado pela teoria clás- termo diM
sica da termodinámica dos processos próximos ao equilíbrio (mais que da (Boltzmar
termodinámica estatística ou das estruturas dissipativas) para aplicá-la ao assim com
processo económico, em que verá sua manifestagáo empírica na perda irre- logia e da
cuperável de matéria e energia útil (reciclável), tanto no sistema ecológico conta da i
como dentro do processo económico.? Nesse sentido, afirma que digma bioi

180
RACIONALIDADE AMBIENTAL

anida- Separar e classificar (sorting) náo é, no entanto, um processo natural [...]


to sem desordenar (shuffling) é a lei elementar e universal da matéria. Por isso,
cons- surge a aparente contradigáo entre as leis físicas e a faculdade distintiva das
impli- estruturas de suporte de vida (life-bearing structures) [...] É através dessa ati-
ental e vidade peculiar que a matéria viva mantém seu próprio nível de entropia,
mesmo que o organismo individual sucumba, finalmente, á lei da entropia.
a den- Náo há nada de errado em dizer que a vida se caracteriza pela luta contra a
±hegar degradagáo entrópica da simples matéria. Mas seria um erro crasso inter-
lidade pretar essa asseveragáo no sentido de que a vida pode prevenir a degrada-
ulada, gáo do sistema em sua totalidade, incluindo o ambiente. A entropia do sis-
;temo- tema total deverá ser incrementada, com vida ou sem ela (Georgescu-
teóri- Roegen, 1971: 192).
cientí-
tro de A nogáo da entropia como lei-limite da natureza permite enfrentar a
réncia "resisténcia em reconhecer nossas limitagóes em relagáo ao espato, ao
entífi- tempo, á matéria e á energia" (1971: 6) e o desejo de encontrar urna fonte
arnot- inesgotável de energia: o movimento perpétuo, o crescimento sem limites. A
tatísti- bioeconomia proposta por Georgescu-Roegen assenta assim as bases para a
ogine, compreensáo da insustentabilidade da economia a partir do incremento ine-
ociais. xorável de entropia nos processos de produgáo e consumo induzidos pela
COMO
racionalidade económica. A bioeconomia se apresenta como urna teoria
O pro-
heurística que vincula a economia ás leis da termodinámica. Seu maior desa-
estado
fio é o de integrar o funcionamento da entropia como lei-limite aos proces-
sos neguentrópicos geradores de ordem, vida, criatividade e produtividade
da natureza. As imprecisóes que surgem daí remetem ao problema de se
definir e concretizar as leis da entropia no campo da economia, estabelecen-
do urna relagáo entrópica-neguentrópica entre a organizagáo ecossistémica
do planeta Terra, o processo económico e o universo que as contém. Isso sig-
t con- nifica revisar o sentido teórico e prático das leis da entropia, provenientes da
' clás- termodinámica clássica (Carnot, Claussius), a termodinámica estatística
ue da (Boltzmann) e da termodinámica das estruturas dissipativas (Prigogine),
-la ao assim como do sentido de suas aplicagóes no campo da ecologia, da tecno-
irre- logia e da economia, para dar consisténcia a um conceito de entropia que dé
ógico conta da integragáo desses processos que confluem e configuram um para-
digma bioeconómico, quer dizer: de urna economia baseada nas leis da natu-

181
ENRIQUE LEFF

reza e dos sentidos da cultura que abra as vias da sustentabilidade no contex- O inci
to da globalizagáo económico-ecológica. do em reli
O conceito económico de entropia precisa, assim, ser definido em sua sintética d
escala planetária e nos níveis locais em que opera. Isso significa romper o processos
imaginário de urna lei geral da entropia no sentido de urna degradagáo ine- processo
lutável e irreversível que atuaria da mesma maneira em escala cósmica e pla- extraindo
netária, nos processos próximos ao equilíbrio (processos tecnológicos) e nos viva (bion
processos afastados do equilíbrio (processos biológicos, ecológicos, económi- bioenergia
cos). Certamente, a vida no planeta Terra náo haverá de mudar o curso da lei pia gerada
universal da entropia em escala cósmica nem a seta do tempo na vida terrena. te. No ent
Mas esse náo é o problema teórico e prático da economia diante da natureza o sistema
em termos da conservagáo da vida no planeta e da sustentabilidade económi- cada ser vi
ca e social. O desafio que se apresenta é o de saber se a produtividade da vida de suas re]
é capaz de equilibrar a degradagáo entrópica gerada pela racionalidade econó- matéria e
mica, a qual, em vez de criar ordem do caos (Prigogine), gera entropia a par- em diferer
tir da ordem da natureza, revertendo o princípio de consumo produtivo da relagáo coi
natureza (Marx) em consumo improdutivo, entrópico e insustentável. Ve jam
Georgescu-Roegen atrai o conceito de entropia para um novo terreno urna reser
teórico, aplicando o princípio da segunda lei da termodinámica ao processo radiante.
macroeconómico e ampliando-o através de sua "quarta lei da entropia", biomassa a
para incluir, junto com a degradagáo da energia útil, a perda irrecuperável sistémica.
da matéria no processo económico. No entanto, Georgescu-Roegen náo ela- resultado (
bora uma nova economia sobre os princípios da vida e as potencialidades da dos fluxos
organizagáo ecológica do planeta; náo incorpora um conceito de neguentro- entropia qi
pia (partindo de Schródinger) que, além da crítica ao processo económico a rega a entr
partir da entropia como lei-limite da natureza, dé fundamento a urna bioe- fera, na ati
conomia propriamente dita, fundada na produtividade da vida. É certo que, até as tran
mesmo dentro de um sistema aberto e afastado do equilíbrio da economia, para mante
náo escapa á degradagáo entrópica, proveniente tanto do desgaste e dos láo para tu
limites da reciclagem de materiais (a quarta lei) como da degradagáo da um ecossis
energia utilizada (segunda lei), ao passar de energia baixa a energia de alta produz, de
entropia, e por sua transformagáo em calor. Mas isso náo significa ignorar com ou sen
os processos neguentrópicos que emergem da organizagáo dos sistemas eco- ta a entrop
lógicos na biosfera como fonte de urna produtividade sustentável e sustenta- biomassa n
da e como único processo capaz de equilibrar os processos económicos res- George
ponsáveis pela degradagáo entrópica da Terra. blema da d

182
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ntex- O incremento da entropia na economia e na biosfera deve ser formula-


do em relagáo á produtividade neguentrópica proveniente da fungáo fotos-
n sua sintética da natureza e da produgáo subseqüente de entropia gerada pelos
per o processos metabólicos da matéria viva e sua transformagáo tecnológica no
) ine- processo económico. Sabemos que todo organismo vivo se mantém vivo
pla- extraindo neguentropia de seu ambiente, e que a fotossíntese gera matéria
e nos viva (biomassa) captando e transformando a energia radiante do sol em
rómi- bioenergia, através de complexos processos biológicos e ecológicos. A entro-
da lei pia gerada pelos sistemas vivos é, certamente, externalizada em seu ambien-
rena. te. No entanto, subsiste urna ambigüidade na definigáo das fronteiras entre
areza o sistema vivo e seu entorno, o qual deve ser estabelecido náo tanto para
Ami- cada ser vivo individual como em categorias de ecossistemas selecionados e
. vida de suas relagóes com seus processos "internos" de circulagáo de nutrientes,
:onó- matéria e energia, assim como de suas relagóes com seu entorno próximo
. par- em diferentes níveis espaciais, até o funcionamento global da biosfera e sua
ro da relagáo com o espato cósmico.
Vejamos o caso de um ecossistema biodiverso (a mata tropical intocada,
reno urna reserva natural), que atua como um verdadeiro coletor de energia
:esso radiante. Esse sistema suga energia solar e a processa para converté-la em
pi a", biomassa a partir da fotossíntese e gragas á sua complexa organizagáo ecos-
rável sistémica. Esse ecossistema, natural ou sob manejo, gera entropia como
• ela- resultado dos processos metabólicos ao longo de todas as cadeias tróficas e
ls da dos fluxos de matéria e energia no ecossistema. Mas como determinar a
itr o- entropia que ali se produz e como definir e delimitar o sistema que descar-
Lco a rega a entropia que produz e dissipa — em ecossistemas contíguos, na bios-
>ioe- fera, na atmosfera — a partir da absorgáo e da biossíntese da energia solar,
que, até as transformagóes de matéria e energia que se operam no ecossistema
mia, para manter-se em equilíbrio dinámico através de seus processos de evolu-
dos láo para um estado clímax ou de sucessáo ecológica? Como determinar que
da um ecossistema biodiverso gera mais entropia do que a neguentropia que
alta produz, de maneira que a afirmagáo de que o sistema total produz entropia
Drar com ou sem vida adquira sentido? Em que sentido e magnitude se incremen-
ta a entropia do sistema Terra ao aumentar as matas, a biodiversidade e a
nta- biomassa na biosfera?
res- Georgescu-Roegen náo adota uma aproximagáo ecossistémica do pro-
blema da degradagáo entrópica. Segue o princípio termodinámico da física,

183
ENRIQUE LEFF

adotando-o para entender o desgaste da matéria e da energia nos processos acesso a(


económicos. A extensáo das leis da entropia ao campo da bioeconomia racionali
levou a entender os processos de degradagáo ecológica inseridos em um pro- ambiente
cesso mais geral, que caracteriza a morte entrópica guiada pela seta do ecologia
tempo, como resultado tanto de urna lei cosmológica inelutável do universo da racior
como da degradagáo entrópica gerada pelo processo económico guiado pelo um deser
signo unitário do mercado, e cuja manifestagáo empírica mais clara, hoje em produtiv
dia, é o aquecimento global da Terra. como un
A economia ecológica propós integrar a economia como um subsistema
que opera dentro de um processo mais amplo, que inclui as condigóes bio-
I nativa.
Os p,
geoquímicas e ecológicas da produgáo. Nesse sentido, o comportamento matérias-
económico deveria desenvolver-se como uma extensáo dos sistemas vivos, urna ofer
submetendo-se a economia ao sistema mais amplo da ecologia humana, e ambienta
reconstruindo a racionalidade económica a partir dos princípios da ecologia dame ntal
e da termodinámica (Georgescu-Roegen, 1971; Passet, 1979; Grinevald, vel, os be
1993). Para assegurar um processo produtivo sustentável tentou-se, a partir produtiv
das perspectivas da economia ecológica, articular o processo económico como de
com as fontes da vida, e sujeitar a economia ás condigóes ecológicas do sis- da natur(
tema ambiental. O processo económico aparece, assim, integrado aos pro- digóes qt
cessos termodinámicos que regem a transformagáo da matéria e da energia dade de
nos diferentes momentos de produgáo, distribuigáo e consumo. No entanto, de supor
náo se atinge a reconversáo ecológica da economia acrescentando, simples- gáo fund
mente, aos cálculos económicos standard, urna avaliagáo ecológica e uma As cc
medida energética da ineficiéncia das externalidades do processo económi- cial para
co: a diminuigáo de rendimentos energéticos, o desflorestamento e a perda da pelas I
da fertilidade da terra, as deseconomias do crescimento e a degradagáo da pela e
ambiental, a dissipagáo crescente de massa e energia. Tais processos sáo energia s
incomparáveis com os pregos de mercado e náo podem ser avaliados em ter- funciona
mos estritamente económicos (Martínez-Alier, 1995). 8 sos de au
O paradigma emergente da bioeconomia é baseado, pois, em um concei- emergeni
to físico-económico de entropia e em urna visáo sistémica das inter-relagóes pectiva
dos processos económicos com o ambiente biogeoquímico. Esse novo olhar transflux
sobre a produgáo, a partir das leis da termodinámica, ajudou a entender o as bases I
crescente fluxo de energia degradada que conduz á insustentabilidade ecoló- dinámicc
gica do processo económico, assim como á erosáo da biodiversidade e á exa- desmistif
cerbagáo do conflito que surge das lutas sociais pela sobrevivéncia e pelo cimento

184
RACIONALIDADE AMBIENTAL

:essos acesso aos recursos naturais ante a crescente escassez ecológica gerada pela
omia racionalidade económico-tecnológica dominante. No entanto, essa visáo do
pro- ambiente como restrigáo, como custo e como limite imposto pelas leis da
ta do ecologia e da termodinámica é insuficiente para reverter as atuais tendéncias
verso da racionalidade económica em diregáo á degradagáo entrópica. Para atingir
pelo um desenvolvimento sustentável, é necessário internalizar a contribuigáo da
je em produtividade ecológica no processo económico e conceber o ambiente
como um potencial para a construgáo de uma racionalidade produtiva alter-
;tema nativa.
s bio- Os processos biológicos que contribuem para a formagáo de um stock de
lento matérias-primas haviam sido considerados até antes da crise ambiental como
vivos, urna oferta gratuita de recursos naturais. Agora sáo avaliados pela economia
ala, e ambiental como um custo do crescimento económico. No entanto, na fun-
>logia damentagáo de um novo paradigma produtivo de uma economia sustentá-
!vald, vel, os bens e servigos ambientais devem ser entendidos como um potencial
partir produtivo que depende tanto dos limites físicos e da escassez de recursos
mico corno de estratégias sociais que possam administrar os potenciais ecológicos
lo sis- da natureza. Os sistemas vivos náo estabelecem apenas um conjunto de con-
; pro- dilóes que a economia deve respeitar e funcionam como umbrais da capaci-
lergia dade de carga dos ecossistemas. A natureza, como um conjunto de sistemas
unto, de suporte da vida, potenciais ecológicos e de servigos ambientais, é condi-
iples- láo fundamental para a existéncia de uma economia sustentável.
uma As condigóes ecológicas da produgáo aparecem, assim, como um poten-
lómi- cial para um processo alternativo de produgáo. Essa possibilidade foi nega-
Derda da pelas correntes dominantes da economia e foi insuficientemente explora-
lagáo da pela economia ecológica e a bioeconomia. Tais escolas reconhecem que a
s sáo energia solar atua como fonte primária da vida e que os organismos vivos
n ter- funcionam como sistemas complexos emergentes, que gratas a seus proces-
sos de auto-organizagáo retardam a degradagáo entrópica. Esses paradigmas
incei- emergentes questionam o modelo mecanicista da economia a partir da pers-
agóes pectiva de sua ineficiéncia energética e da entropia crescente gerada pelo
olhar transfluxo (throughput) de energia nos processos produtivos que destroem
Ser o as bases biológicas e ecológicas da produgáo. Por sua vez, os sistemas termo-
coló- dinámicos abertos e as estruturas dissipativas oferecem uma base científica á
exa- desmistificagáo dos falsos fundamentos da ideologia do progresso e do cres-
pelo cimento económico ilimitado. No entanto, o processo de produgáo de bio-

185
ENRIQUE LEFF

massa a partir da fotossíntese e sua contribuigáo á produgáo económica O esql


foram subestimados pela bioeconomia. Portanto, foram subvalorizados nómica e
paradigmas alternativos de desenvolvimento sustentável baseados na produ- entendida
tividade da natureza — de urna economia alimentada pela energia solar e que a "utili
sintetizada pelas plantas verdes (Georgescu-Roegen, 1993a) — como estra- em suport(
tégias viáveis para urna economia ecológica fundada no princípio da produ- rede com
tividade ecotecnológica. A entropia deve passar de um conceito crítico a um nós" (1971
conceito positivo. Isso significa passar das leis da entropia como limite da requer a el
economia aos processos dissipativos como um potencial para a definigáo de
processos 1
um paradigma de produgáo sustentável, quer dizer, para urna bioeconomia
permita ori
baseada na produtividade neguentrópica proveniente do processo fotossin-
no estratég
tético e da organizagáo ecológica da biosfera, da organizagáo simbólica e da
No esfi
significagáo cultural da natureza.
conomia de
Edwin Schródinger (1944) concebeu a vida na terra como um processo
feriram a d
termodinámico que é nutrido pela extragáo da entropia negativa do univer-
confusóes c
so. Essa fonte de vida se traduz em um processo de produgáo de biomassa e
dade econc
recursos vegetais através da captura e transformagáo da energia radiante do
vérsias mui
sol pela fotossíntese. Dessa maneira, os processos neguentrópicos se conver-
tem em um potencial produtivo, em um recurso da natureza usado pelo pro- mulagáo ci(
cesso económico. Georgescu-Roegen chegou a afirmar, seguindo a idéia de Boltzmann
Schródinger, que "toda estrutura geradora de vida se mantém em um estado economia e
de quase equilíbrio extraindo baixa entropia do ambiente e transformando- Com a
a em entropia mais alta" (Georgescu-Roegen, 1971: 10). No entanto, náo princípio d
chegou a extrair as conseqüéncias teóricas e práticas desse princípio, pois, energia atrl
para ele, como para muitos de seus seguidores, o processo neguentrópico só de dejetos
se manifestava na vida passageira dos seres vivos, mas, seguindo o princípio gem que se
da máxima poténcia de Lotka (1922), terminava incrementando os níveis de contaminar,
entropia do sistema, já que sos náo sáo
di retamente
Um ser vivo pode evitar táo-somente a degradaláo entrópica de sua própria náo invalide
estrutura. Náo pode evitar o incremento da entropia no sistema total, que tecnológico
consiste em sua estrutura e seu ambiente [e] a presenta da vida leva a entro- qualquer
pia do sistema a se desenvolver mais rapidamente do que aconteceria de dutivo no p
outra maneira (Georgescu-Roegen, 1971: 11). co de entro]
de matéria
de energia c

186
RACIONALIDADE AMBIENTAL

5mica O esquema de Georgescu-Roegen compreende a vida, a atividade eco-


zados nómica e o consumo como processos que se alimentam de baixa entropia,
rodu- entendida esta como "condigáo necessária para que urna coisa seja útil". Daí
olar e que a "utilidade" da terra e sua contribuigáo ao valor económico se traduzam
estra- em suporte de urna produtividade neguentrópica, já que "a terra é a única
rodu- rede com a que podernos enredar a forma mais vital de baixa entropia para
a um
nós" (1971: 278). 9 No entanto, Georgescu-Roegen náo dá esse passo, o qual
ite da
requer a elaboragáo de um conceito económico de entropia que inclua os
áo de
processos neguentrópicos para dar-lhe a consisténcia teórica necessária que
iomia
permita orientar suas aplicagóes práticas ao campo da bioeconomia no terre-
Dssin-
no estratégico da sustentabilidade.
a e da
No esforgo desenvolvido para se elaborar um novo paradigma de bioe-
conomia derivado das leis da termodinámica, estas se estenderam e se trans-
icesso
feriram a diferentes campos teóricos, discursivos e práticos, criando "muitas
iiver-
confusóes conceituais e terminológicas [...] sobre a entropia, a vida e a ativi-
assa e
dade económica" (Grinevald, 1993: 251). Nesse sentido, surgiram contro-
te do
nver- versias muito variadas sobre o uso do significado da entropia, desde a for-
1 pro- mulagáo científica da segunda lei da termodinámica por Carnot-Claussius e
!ia de Boltzmann até Prigogine, incluindo-se al os usos heurísticos no campo da
stado economia e da sociedade.
Indo- Com a "quarta lei da entropia", Georgescu-Roegen amplia o segundo
náo princípio da termodinámica para abranger a degradagáo da matéria e da
pois, energia através do processo económico, quer dizer, da perda irrecuperável
zo só de dejetos e resíduos pelo sistema económico e das tecnologias de recicla-
cípio gem que se acumulam na biosfera, atmosfera e estratosfera como partículas
is de contaminantes e como energia degradada em forma de calor. Esses proces-
sos náo sáo redutíveis a urna lei unitária e quantitativa, nem se desprendem
diretamente das acepgóes clássicas das leis da entropia. 10 No entanto, isso
Spria náo invalida sua manifestagáo como urna lei-limite do processo económico-
que tecnológico, pois o fato da perda inelutável de matéria e energia útil em
atro- qualquer transformagáo da natureza, e em particular em seu consumo pro-
a de dutivo no processo económico, se mantém verdadeiro. O conceito heurísti-
co de entropia implica um significado prático que permite conectar a perda
de matéria nos processos de produgáo e consumo, assim como a degradagáo
de energia disponível como efeito do processo económico, quer dizer, como

187
ENRIQUE LEFF

produto da obsolescéncia planejada e da lógica do crescimento económico, ta sobre (


e náo apenas pelo desgaste normal dos valores de uso. ca, sua fa
A limitagáo da bioeconomia de Georgescu-Roegen surge de sua concep- versível,
gáo da relagáo entre economia e entropia dentro de um sistema fechado, rar a con
sem ter considerado suficientemente o fato de que a biosfera é um sistema vas. Para
aberto que recebe energia radiante do sol, que é transformada em biomassa disponív¿
através da fotossíntese. A bioeconomia náo deve restringir-se á incorpornáo dizer, del
das limitagóes estabelecidas pelas condigóes ecossistémicas da terra e termo- de ciclos
dinámicas impostas pelo universo ao crescimento económico: a capacidade energia a
de carga para certos processos de produgáo, o equilíbrio ecológico para a O co
produgáo de gases de efeito estufa, a escassez e as condigóes de renovabili- gia como
dade dos recursos naturais. A bioeconomia — como é expresso pela síntese tir desse
de seus significantes — deveria passar de seu conceito crítico á fundagáo de ral a med
um novo paradigma económico, concebido a partir do processo neguentró- os ecólog
pico produtor de biomassa através da fotossíntese, sustentado por ecossiste- tativas er
mas auto-organizados. Nesse sentido, as perspectivas do desenvolvimento dos ecoss
sustentável náo devem limitar-se a estabelecer um corpo de normas que con- Váric
trolem as tendéncias dos padróes de produgáo e consumo e a degradnáo da lei de
entrópica, mas, sim, orientar a construgáo de um paradigma de desenvolvi- segundo •
mento sustentável a partir de processos ecotecnológicos baseados no poten- dinámica
cial produtivo dos sistemas vivos e da organizagáo cultural. A construgáo de No entan
urna bioeconomia fundada na organizagáo neguentrópica da vida e nos absorven(
potenciais ecológicos do planeta requer urna revisáo crítica da forma como na compl
o conceito de entropia foi assimilado pela biologia e pela ecologia. que um ir
nizagáo e
própria vi
um cresci
ENTROPIA, VIDA E ECOLOGIA meno da
estruturas
Joseph Lotka estendeu os princípios da segunda lei da termodinámica (tanto tentabilid
no sentido teórico de Claussius aplicado aos sistemas termodinámicos próxi- ria em sus
mos do equilíbrio como na termodinámica estatística de Boltzmann) das cién- Esse
cias físicas ao campo da biologia. Lotka afirmou que a selegáo natural aumen- deragáo -
ta a masca total do sistema orgánico, incrementando o fluxo total de energia até a biosi
através do sistema enquanto existir um gradiente inutilizado de matéria e de mos vivos
energia disponível. Mais além das interpretagóes desse postulado determinis- gico, man

188
RACIONALIDADE AMBIENTAL

rico, ta sobre o incremento na produgáo de entropia associado á evolugáo biológi-


ca, sua falha fundamental consiste em ver a evolugáo como um processo irre-
cep- versível, mas unidimensional, de degradagáo entrópica, deixando de conside-
ado, rar a complexidade do ordenamento neguentrópico das estruturas dissipati-
ema vas. Para Lotka, "a maximizagáo da produgáo de entropia é relativa ás fontes
assa disponíveis de energia e vías existentes para a dissipagáo da energia", quer
agá() dizer, depende dos acertos estruturais dos ecossistemas, das cadeias tróficas e
mo- de ciclos de nutrientes e energia e da "exploragáo competitiva de fontes de
lade energia ambiental bem definidas" (M. O'Connor, 1991: 114-5).
ra a O conceito de entropia foi incorporado mais tarde ao campo da ecolo-
bili- gia como uma medida da ordem e da complexidade dos ecossistemas. A par-
tese tir desse pressuposto, a ecologia procurou relacionar a produtividade natu-
de ral a medidas de diversidade e complexidade dos ecossistemas. No entanto,
tró- os ecólogos enfrentaram urna dificuldade: a de estabelecer relagóes quanti-
iste- tativas entre a diversidade de espécies, a complexidade e a produtividade
;rito dos ecossistemas e traduzi-las em termos e unidades de entropia. 11
:on- Vários seguidores de Georgescu-Roegen reafirmaran o funcionamento
igáo da lei de produgáo máxima de entropia a partir das formulagóes de Lotka,
>lvi- segundo o qual, quanto mais complexo e organizado é um ecossistema, sua
ten- dinámica maximiza a produgáo de entropia que é expulsa para o ambiente. 12
) de No entanto, náo se pode inferir do fato de que o sistema vivo se organize
nos absorvendo entropia negativa de seu entorno (Schródinger) que o aumento
1mo na complexidade do sistema — sua produtividade neguentrópica — impli-
que um incremento paralelo de entropia produzida pelo maior grau de orga-
nizaláo e complexidade do sistema ecológico. A sustentar tal afirmagáo, a
própria vida se tornaria impossível ou seria muito limitada, pois entranharia
um crescimento da entropia da biosfera; a neguentropia explicaria o fenó-
meno da vida e algumas "ilhas" de organizagáo e ordem que emergem das
estruturas dissipativas, mas náo poderia constituir-se no fundamento da sus-
nto tentabilidade da vida, e menos ainda do processo económico, que continua-
ixi- ria em sua inelutável trajetória em diregáo á morte entrópica do planeta.
én- Esse "paradoxo" apresenta a necessidade de definir o sistema sob consi-
en- deragáo — a partir de um ecossistema natural sob conservaláo ou manejo
gia até a biosfera —, o qual náo apenas funciona corno um conjunto de organis-
de mos vivos, mas sim como um sistema que, gratas a seu ordenamento ecoló-
Lis- gico, mantém urna produtividade sustentável e sustentada de matéria vege-

189
ENRIQUE LEFF

tal a partir da fotossíntese. A estrutura do ecossistema ordena processos eco- dutividad


nista das
lógicos: a circulagáo e reciclagem de matéria e de energia, os processos de
um valor
sucessáo ecológica e de evolugáo biológica. Isso nos leva a indagar em que
dos pela
sentido (e em que escalas de magnitude) o funcionamento do ecossistema e
micos e te
a sucessáo ecológica que maximizara a captagáo de energia solar e de produ-
política ds
tividade natural — quer dizer, a produgáo neguentrópica de biomassa —
do planeta
poderiam maximizar a produgáo de entropia que o sistema expulsa para
e no aque,
fora de suas fronteiras e pela definigáo de seus entornos. A aplicagáo do con-
tropicais
ceito de entropia aos sistemas ecológicos abre urna série de perguntas: a) a
de dióxid
organizagáo de sistemas ecológicos complexos — sua produtividade neguen-
organizad
trópica, seu metabolismo e sua evolugáo dos organismos vivos — degrada
do, a proc
necessariamente o ambiente circundante?; b) assim, como delimitar espa-
o verde ac
cialmente a fronteira e o espato externo no qual todo ecossistema comple-
O que
xo expulsa sua entropia para manter seu processo de auto-organizagáo, esta-
para urna
bilidade e produtividade?; c) como é possível medir a produgáo de máxima
mente a r
entropia dos processos de fotossíntese e produtividade ecológica dos ecos-
absorgáo c
sistemas?; d) qual seria o sentido dessa maximizagáo de entropia gerada
ra, mais de
pelos mecanismos auto-organizadores dos ecossistemas em estado clímax de
economia
equilíbrio ou de sucessáo ecológica?; e) que tipo de relagáo a produtividade
biomassa e
ecológica (neguentrópica) mantém com a produgáo de entropia?
ca e do me
A resposta a estas perguntas nos permitiria discriminar entre a entropia
damentar
que gera o processo fotossintético (o calor produzido pela reagáo química
volviment(
da fotossíntese), a entropia que produz o metabolismo de cada organismo
de duas est
vivente e a dissipagáo de energias conjugadas do ecossistema como macroor-
tado suger
ganismo pelos intercámbios energéticos dos diferentes níveis tróficos do
tas pelo ris
ecossistema e, em urna escala maior, da biosfera. Mesmo assim, será neces-
lóes para (
sário estabelecer claramente o sistema e o entorno nos quais cada um desses
dios flores
níveis e formas de degradagáo da energia dissipam sua entropia: o ecossiste-
própria vic
ma, a biosfera, a atmosfera, ou, por fim, o universo, onde, efetivamente, a
a tornam p
entropia haverá de continuar aumentando, havendo ou náo vida na Terra.
de entropi
Será necessário elucidar as relagóes existentes e os equilíbrios possíveis entre
conceitual
ordenamento neguentrópico e degradagáo entrópica a partir da fungáo
do compor
ordenadora do ecossistema e da produtividade natural que gera a fotossín-
James
tese e a transformagáo na energia de baixa entropia das plantas.
tivos ao est
Dentro da concepgáo da bioeconomia fundada no princípio de máximo
cos como s
poder, o problema da sustentabilidade, do ordenamento ecológico e da pro-

190
RACIONALIDADE AMBIENTAL

dutividade neguentrópica dos ecossistemas complexos, o valor conservado-


; eco-
nista das reservas de biodiversidade e das matas adota um sentido relativo e
os de
um valor temporal limitado que, no entanto, seriam neutralizados e supera-
que
dos pela degradagáo entrópica gerada pelos processos metabólicos, econó-
:ma e
micos e tecnológicos da biosfera. Nesse sentido, e dentro do debate da geo-
rodu-
política da sustentabilidade, e dos efeitos da crescente degradagáo entrópica
sa —
do planeta — que se traduz na crescente produgáo de gases de efeito estufa
para
e no aquecimento global do planeta —, náo tersa sentido preservar as matas
Icon-
tropicais e as reservas de biodiversidade como coletores de radiagáo solar e
: a) a
de dióxido de carbono, já que os processos neguentrópicos que levam á
guen-
organizagáo desses ecossistemas complexos incrementariam, como resulta-
grada
do, a produgáo de entropia. Ficaria questionada a possibilidade de devolver
espa-
o verde ao planeta.
mple-
O que está em jogo é a pertinéncia de pensar e impulsionar a transigáo
, esta-
para uma economia baseada em fontes renováveis de energia (fundamental-
ixima
mente a radiagáo solar), o que significa o incremento da capacidade de
ecos-
absorgáo dos excedentes de emissóes de carbono, transitando, dessa manei-
erada
ra, mais do que a urna economia de estado estacionário (Daly, 1991), a uma
Lax de
economia baseada em equilíbrio entre a produtividade neguentrópica de
idade
biomassa e a produgáo entrópica dos processos de transformagáo tecnológi-
ca e do metabolismo dos seres vivos. Entre a argumentagáo teórica para fun-
:ropia
damentar uma bioeconomia e as razóes que orientam as políticas do desen-
ímica
volvimento sustentável, existe urna contradigáo expressa pela confrontagáo
sismo
de duas estratégias opostas. Assim, a geopolítica do desenvolvimento susten-
TOM- -
tado sugere que se limite a capacidade de acumulagáo de carbono nas plan-
DS do
tas pelo risco eventual de que as próprias políticas económicas gerem condi-
ieces-
lóes para que esse carbono se derrame sobre a atmosfera, através de incen-
lesses
dios florestais naturais ou induzidos, entre outras causas. Dessa maneira, a
asiste-
própria vida do planeta e a organizagáo de seus ecossistemas complexos que
nte, a
a tornam possível aparecem como as causas "naturais" da produgáo máxima
[erra.
de entropia, o que acaba sendo um argumento ilógico, urna contradigáo
entre
conceitual e um fato náo validado, empírica e experimentalmente, no nível
ingáo
do comportamento entrópico dos sistemas vivos.
pssín-
James Kay aplicou os princípios da termodinámica de processos dissipa-
tivos ao estudo de ecossistemas, adotando urna análise dos processos ecológi-
ximo
cos como sistemas auto-organizativos, holárquicos e abertos (self-organizing
i pro-

191
ENRIQUE LEFF

holarchic open systems). A partir da perspectiva de urna ciéncia "pós-nor-


exergi
mal", postula um conceito de integridade ecológica 13 que assume a incerte-
um nc
za e é baseada na teoria das catástrofes, do caos determinista e da termodi-
Esse é
námica dos processos dissipativos afastados do equilíbrio (Kay et al, 1999).
Confo
Adotando e adaptando as propostas de Schródinger, Margalef e Prigogine,
dados
os autores sustentam que um sistema neguentrópico se organiza absorvendo
esgota
exergia (energia de alta qualidade) de seu entorno (energia solar e outras
despre
fontes de energia útil) e mantém a organizagáo de sua estrutura ao dissipar
do pell
essa exergia, evitando, assim, a tendéncia ao equilíbrio termodinámico.
Nesse sentido, e seguindo o principio de Lotka, observam que "os processos
auto-organizativos dissipativos emergem sempre que há suficiente exergia Nessa
disponível para lhes dar suporte. Os processos dissipativos reestruturam as ma aprove
que, quant
matérias-primas disponíveis de maneira que dissipam a exergia". 14
eficazment
No entanto, a pergunta fundamental fica sem resposta: quanta exergia é
dissipada em relagáo á exergia acumulada como organizagáo neguentrópica? outro proc
De que forma se dissipa a exergia dentro do próprio sistema e no entorno, lado, essa
gerando entropia (calor) que se difunde a ecossistemas contíguos e se refle- da ciéncia '
te até a atmosfera? O que significa, concretamente, este principio, em ter- argumental
mos da sustentabilidade do planeta e da sustentabilidade local? Com que ticidade" d
base empírica se afirma que a entropia global aumenta e qual é a resultante dos proces
final em termos de urna degradagáo global da energia como "custo" das conservacic
"ilhas de neguentropia" (de biodiversidade, de complexidade ecossistémica, como um p
de produtividade ecológica) gerados pelos processos neguentrópicos? utiliza a ext
Para estes autores, a dinámica dos ecossistemas segue dois momentos a um ponto
alternados e complementares: em um primeiro momento, o ecossistema Essa ar,
absorve exergia até levá-la a um umbral no qual emergem os processos dis- negociagóc
sipativos: matas tropi
reduzir os 1
A primeira trajetória é o ramo termodinámico que vai da "exploragáo" á um desenvc
"conservag'áo" que culmina na comunidade "clímax". O atractor biológico carbono —
é o sistema autotrófico (por exemplo, urna mata). O cánone se manifesta, favorecesse
por exemplo, como o crescimento do bosque até alcangar sua maturidade e tamento,
é energizado pela energia solar. No entanto, no processo de incrementaláo níveis de er
do uso da energia solar, e em conseqüéncia da construgáo de mais estrutu- seria, eventr
ras, mais energia é acumulada na biomassa. Isso tem o efeito de afastar-se servagáo da:
mais e mais do equilíbrio conforme se desenvolve. Quando [...] o acidente poral de mi

192
RACIONALIDADE AMBIENTAL

inevitável (fogo, vendaval, irrupgáo de pragas) acontece, de repente muita


nor-
exergia fica disponível em forma de biomassa morta. Esta exergia energiza
erte-
um novo atractor biológico, o sistema heterotrófico ou de decomposigáo.
iodi-
Esse é o ramo termodinámico que corre da "descarga" á "reorganizagáo".
1 99).
Conforme o sistema progride nesse caminho, desprende os nutrientes guar-
;ine,
dados enquanto utiliza a exergia acumulada. Por fim, a exergia guardada se
Indo
esgota e o sistema heterotrófico entra em colapso. No entanto, no processo
itras
desprendeu os nutrientes necessários para que reemerja o sistema alimenta-
;ipar
do pela energia solar (Kay et. al., 1999: 14).
rico.
Issos
Nessa análise, o fogo ou as pragas irrompem na dinámica do ecossiste-
r.rgia
ma aproveitando a exergia acumulada na biomassa. Surge daí o paradoxo de
m as
que, quanto mais efetivo é o processo de organizagáo neguentrópica, mais
eficazmente o sistema usa a exergia, mais provável é que seja consumido por
gia é
outro processo auto-organizativo (fogo, irrupgáo de pragas etc.). Por outro
rica?
lado, essa narrativa "científica" que pretende transcender o determinismo
rno,
efle- da ciéncia "normal" fica enredada no esquematismo e na linearidade de sua
argumentagáo: há um tempo de acumulagáo e outro de dissipagáo. A "holis-
ter-
que ticidade" da análise sistémica náo se desprende de urna visáo parcializada
ante dos processos complexos. Quando essa perspectiva é aplicada ao manejo
das conservacionista das matas e á biodiversidade, tal "modelo" se apresenta
rica, como um processo no qual a conservagáo leva a um ponto no qual o sistema
utiliza a exergia disponível táo intensamente quanto possível, mas isso a leva
'os a um ponto de maior risco, pois é o ponto mais distante do equilíbrio.
Essa análise estaria, assim, dando bases á argumentagáo dentro das
dis- negociagóes do "mecanismo de desenvolvimento limpo" contra o uso das
matas tropicais como seqüestradoras de carbono, como urna medida para
reduzir os níveis de aquecimento global. 15 No contexto das políticas para
),, um desenvolvimento sustentável, o incremento da capacidade de captura do
Tico carbono — causa do aquecimento global —, mediante urna intervengáo que
sta, favorecesse a organizagáo neguentrópica de produgáo de biomassa (reflores-
le e tamento, manejo e aproveitamento dos bosques), geraria no futuro maiores
gáo níveis de emissóes, já que o carbono acumulado nas plantas e nas matas
ttu-
seria, eventualmente, devolvido á atmosfera. As argumentagóes sobre a con-
-se
servagáo das matas trocam de sinal guando sáo restritas a urna fungáo tem-
nte poral de mitigagáo, e guando as perspectivas sáo abertas pela proposta de

193
ENRIQUE LEFF

urna nova racionalidade produtiva que favorece o reflorestamento do plane- que r(


ta e a magnificagáo da produtividade fotossintética e ecológica como base de Roege
urna nova economia neguentrópica. táo so
Essa polémica deve nos levar a analisar mais de perto o sentido teórico sistem
e prático dos processos entrópicos e neguentrópicos na construgáo da sus- delimi
tentabilidade. Por ora, náo parecem existir bases científicas solidamente fun- riamer
damentadas para se afirmar que a produtividade neguentrópica proveniente ao incl
da fotossíntese e do ordenamento ecológico — que é incrementado pela gescu-
maior complexidade e diversidade do ecossistema — maximize por sua vez que co
a produgáo de entropia como resultado dos processos metabólicos de cada
organismo e dos intercámbios de matéria e energia dentro do ecossistema Como
natural ou sob manejo. O sentido — entrópico-neguentrópico — desses pro- cífica, coi
cessos dependerá da estrutura de cada ecossistema natural, assim como das Maxwell"
estratégias de conservagáo, manejo e transformagáo de seus recursos bióti- de urna ca
cos e abióticos. O valor heurístico do conceito de entropia, ainda sem poder um equilíE
aportar valores e medidas comensuráveis da ordem, complexidade e equilí- bono e ga:
brio ecológico, abre a possibilidade de se abordar a relagáo entre a produti-
por sua ve
vidade neguentrópica e os processos de degradagáo entrópica do metabolis-
temas diss
mo dos sistemas vivos e do processo económico-tecnológico de transforma-
sua ordem
gáo da matéria.
energia de
Grinevald (1993), seguindo Vernadsky, pai da geoquímica, observou
Nesse
que os organismos vivos desempenham fungóes auto-organizativas e produ-
ma compl(
tivas através de complexas inter-relagóes estabelecidas por comunidades
magáo, re(
biológicas com o ambiente biogeoquímico. Através de ciclos de matéria e
natural do
energia e das retroalimentagóes que mobilizam os processos de evolugáo
biológica e sucessáo ecológica, as perdas de energia disponível sáo substituí- sustentabil
das constantemente pela energia solar. Só guando esses complexos mecanis- estruturas
mos se alteram pela intervengáo do homem — como nos sistemas agrícolas energia út
intensivos ou no uso de insumos energéticos de origem fóssil — a entropia mais comí
cresce pela diminuigáo dos "mecanismos" ecológicos encarregados de man- haveria air
ter a produtividade natural. Da mesma maneira, o desmatamento diminui a la no ecoss
capacidade de diluigáo da biosfera do excesso de dióxido de carbono gera- ra?; como
do pela indústria. Grinevald observou que Pois existe:
rentes vial
Vernadsky adotou a idéia, partilhada com Bergson, Auerbach e muitos mais matér
outros pensadores anteriores a Schrbdinger, de que a vida é um processo como ener,

194
RACIONALIDADE AMBIENTAL

Ilane- que reverte o incremento da entropía, e náo, como enfatizara Georgescu-


ise de Roegen, que acelera o incremento do fluxo de entropia. O caso é urna ques-
táo sobre a diferenga entre sistemas fechados e abertos, de sistemas totais e
órico sistemas delimitados. As estruturas vivas sáo sistemas abertos e dissipativos
sus- delimitados, sempre acoplados a um sistema global, o ambiente. Contra-
: fun- riamente á visáo de que a vida é uma ordem oposta á degradagáo da energia e
dente ao incremento da entropia, ou que ao menos a retarda, a conclusáo de Geor-
pela gescu-Roegen é a de que a atividade da vida acelera de fato o fluxo de energía
a vez que conecta o organismo vivo ao ambiente total (Grinevald, 1993: 247).
cada
tema Como observa Grinevald, "a vida também é urna poténcia natural espe-
pro- cífica, com urna atitude propositiva ordenadora corno um demónio de
o das Maxwell". A atividade "ordenadora" da organizagáo ecológica é o suporte
bióti- de urna capacidade de produtividade neguentrópica, cuja fungáo é manter
>oder um equilíbrio ecológico do planeta, absorvendo o excesso de dióxido de car-
quilí-
bono e gases de efeito estufa gerados pelo processo económico. O'Connor,
iduti-
por sua vez, argumenta contra a idéia generalizada no sentido de que os sis-
bolis-
temas dissipativos incrementara a entropia global do sistema para manter
Irm a-
sua ordem, contribuindo assim para o aquecimento global pela dispersáo de
energia degradada em forma de calor. 16
xvou
Nesse sentido, a dissipagáo e a degradagáo de energia em um ecossiste-
•odu-
ma complexo e altamente produtivo aparecem como potenciais de transfor-
lades
magáo, reorganizagáo e produtividade, que operam tanto na produtividade
lria e
natural dos ecossistemas como no equilíbrio de entropia-neguentropia e da
ugáo
sustentabilidade global do planeta. Aqui se complementara a emergéncia de
tituí-
estruturas diferenciadas, a reorganizagáo de energia livre, a degradagáo da
anis-
colas energia útil e a dissipagáo da entropia. Se, efetivamente, os ecossistemas
-opia mais complexos e produtivos degradam mais energia em forma de calor,
-nan-
haveria ainda que perguntar-se: até onde se dissipa esse calor ?; corno circu-
:mi a la no ecossistema e contribui para a produtividade neguentrópica da biosfe-
;era- ra?; como se diferencia do calor proveniente da contaminagáo industrial?
Pois existem diferentes qualidades de calor — diferentes exergias — e dife-
rentes vias de dissipagáo. O ecossistema mais complexo poderia degradar
_ritos mais matéria e energia, mas essa se recicla no ecossistema como nutrientes e
:esso como energias utilizáveis, ao mesmo tempo que o calor evapora a água que,

195
ENRIQUE LEFF

em forma de chuva, contribui para a produtividade do ecossistema. De sociais e ec


maneira que a degradacáo da energia náo é um processo irreversível linear, dade negue
nem o calor produzido se manifesta diretamente no aquecimento global do Além c
planeta. 17 ecológica 1
O conceito de entropia mostra-se, assira, em sintonia com seu referente, Mesmo quf
os processos termodinámicos. Náo é um conceito unívoco que integre os á certeza e
diferentes processos e vias nos quais a matéria e a energia se organizara e se dade, ele
dissipam. A entropia reflete a crise de identidade entre o conceito e o real na económico
teoria da representacáo, náo pela falta de correspondéncia e de sentido para urna compi
apreender os processos naturais, mas por falta de determinacáo dos proces- ecológica e
sos naturais e sociais a que se refere e á variedade de níveis de organizacáo racionalida
que náo se reduzem a urna lei natural e a um sentido unívoco do conceito. para saber
Além dos usos teóricos e metafóricos do conceito de entropia para com- sível de pro
preender o caos, a desordem, a desorganizacáo, a ineficácia, a perda de ener- finalmente
gía útil e a irreversibilidade do tempo em suas aplicacóes a processos afasta- como o fati
dos do equilíbrio epistemológico das ciéncias naturais (a entropia na comu- de neguent
nicacáo, na organizacáo burocrática e empresarial), além de seu caráter heu- gico que as
rístico, seu sentido se decanta nos diferentes processos e realidades que con- O prol
formam o campo da sustentabilidade: náo só na incerteza, probabilidade e complexid
irreversibilidade dos processos, mas também como lei-limite da natureza em ordem e pi
face da lei do mercado e da racionalidade económica, que se manifesta na impossibilii
degradacáo da energia e no aquecimento global do planeta. destes proc
A lei da entropia como lei-limite da natureza atrai a ordem simbólica digma negi
para um mundo terreno. Náo devolve a natureza a urna ordem ontológica mento dos
que pudesse oferecer seguranca e completude ao ser desamparado pelo des- temas ecolc
locamento da ordem simbólica, mas urna natureza tornada complexa, mar- para a cons
cada pelo caos e pela incerteza. Sem retorno á natureza determinista, a urna pia gerada 1
natureza capaz de conter e dar sentido ao ser, a entropia estabelece a cone- reconstrucí
xáo com o real, vínculo sem o qual a ordem simbólica se desborda para urna futuro sustl
órbita delirante. Além da polissemia do conceito de entropia e das diferen- vo que finte,
tes acepcóes teóricas da segunda lei da termodinámica (Carnot, Claussius, cial ecológi
Boltzmann, Prigogine), há um Real que se expressa como lei-limite irrevogá- humana).
vel, a que deve constranger-se a racionalidade económica antes de se lancar
na perdicáo de seu gozo pela via das estratégias do poder do mercado. A
renúncia a tal deleite abre caminho para a construsáo de outras relacóes

196
RACIONALIDADE AMBIENTAL

. De sociais e ecológicas de produgáo fundadas nos potenciais do real (produtivi-


dade neguentrópica) e em novas formas de significagáo da natureza.
ti do Além do propósito de modelar processos termodinámicos, a economia
ecológica propóe uma intervengáo racional que reoriente suas dinámicas.
mte, Mesmo que o reconhecimento das estruturas dissipativas signifique renunciar
e os á certeza e ao controle dos processos que intervém na gestáo da sustentabili-
e se dade, ele náo se reduz a urna observagáo desinteressada dos eventos
tl na económico-ecológicos. Os conceitos de entropia e de neguentropia oferecem
para urna compreensáo heurística dos processos de ordenamento e produtividade
Ices- ecológica em relagáo aos processos de degradagáo entrópica gerados pela
lgáo racionalidade económica em suas formas de intervengáo na natureza; servem
para saber que o consumo produtivo da natureza induz um processo irrever-
om- sível de produgáo de entropia no sentido de degradagáo de energia útil, e
ner- finalmente de produgáo de calor, como forma degradada da energia, assim
ista- como o fato de que este processo só pode ser compensado pela produtivida-
mu- de neguentrópica de biomassa, contribuindo assim para um equilíbrio ecoló-
ieu- gico que assegure condigóes de sustentabilidade á vida e á economia."
:on- O problema da sustentabilidade náo se esgota em urna compreensáo da
le e complexidade em termos de flutuagóes, irreversibilidade, estruturagóes,
em ordem e possibilidade (Prigogine). O problema náo apenas se estriba na
na impossibilidade de se dar uma medida termodinámica comensurável e exata
destes processos. O problema teórico e prático da construgáo de um para-
lica digma neguentrópico de produgáo náo se apresenta em termos do acopla-
mento dos processos auto-organizativos e dissipativos á co-evolugáo de sis-
les- temas ecológicos e económicos, mas sim das estratégias teóricas e políticas
lar- para a construgáo social de uma racionalidade ambiental que reduza a entro-
ma pia gerada pelos processos económico-tecnológicos dominantes e mobilize a
ne- reconstrugáo ecológico-económica-cultural do sistema produtivo para um
ma futuro sustentável. Trata-se, pois, da construgáo de um paradigma produti-
en- vo que integre a ordem ecológica (a produtividade neguentrópica e o poten-
us, cial ecológico) com a ordem simbólica (a significagáo cultural, a criatividade
gá- humana).
;ar
A
íes

197
ENRIQUE LEFF

A FONTE DE NEGUENTROPIA: FOTOSSÍNTESE E PRODUTIVIDADE processo n


PRIMÁRIA DE RECURSOS BIOLÓGICOS cessos de a
sucessáo ec
A fotossíntese é o processo neguentrópico mais significativo para a constru- dos proces
gáo de urna bioeconomia corno um paradigma positivo fundado no poten- geram alta
cial produtivo da natureza. Mesmo sendo certo que a fotossíntese do plane- mas ecológ
ta Terra náo reverte a entropia global do universo, é determinante na diná- produgáo e
mica ecológica da biosfera, incluindo o processo económico. O processo dutores de
fotossintético e a organizagáo da vida na biosfera, que extraem "entropia e da recicla
negativa" — no sentido de Schródinger significara diferentes escalas físi- maximizar
cas e temporais em relagáo aos processos metabólicos e á dissipagáo da ordem pro(
entropia em sua organizagáo ecológica. A produgáo de entropia em qual- George
quer organismo vivente na terra — a morte entrópica de cada indivíduo — pia até a coi
assim como a morte entrópica do universo correspondem a processos dife- embora a y
renciados em escala, tempo e significado em relagáo á formagáo neguentró- pode evitar
pica de biomassa através da fotossíntese. te. A lei da
O processo económico está inserido em um sistema ecológico planeta- vida e á ativ
rio e cósmico que é um sistema aberto no qual a matéria vegetal é criada com esse fat
extraindo entropia negativa do sol. As descargas de entropia desse processo lógica e na
de auto-organizagáo náo alteram o tempo em que o sol se extinguirá. produgáo si
Qualquer coisa que ocorra ao homem e ao planeta Terra náo afetará o pro- ca derivada
cesso de expansáo do universo, nem incrementará sua entropia cósmica em lógica. Para
níveis significativos. Por outro lado, a maneira como a fotossíntese expulsa e a validade
entropia para seu entorno mais próximo (para a biosfera, a atmosfera e a brio, com os
estratosfera), depende da ordem ecossistémica global do planeta, da dinámi- de natural d
ca populacional e do processo económico dos quais se desprendem os pro- brio, com a
cessos metabólicos, de produgáo, transformagáo e consumo gerados pela nológicos cc
produgáo de entropia no planeta. sustentável.
A construgáo de um paradigma ecotecnológico de produgáo, baseado A constr
em um equilíbrio entrópico-neguentrópico do processo económico, requer ca a necessic
assim a diferenciagáo dos distintos processos (níveis e escalas) onde opera a envolvidos,
transformagáo da matéria e da energia na natureza e na produgáo, os pro- sistema bioec
cessos ecológicos, tecnológicos e económicos. As leis da entropia em siste- um estado d.
mas fechados e próximos do equilíbrio náo se aplicam a sistemas abertos dis- no equilíbric
sipativos afastados do equilíbrio, como é o caso dos organismos vivos, da da massa e e
inovagáo científica ou ainda da cultura. Devemos, pois, distinguir entre o tróficas dos

198
RACIONALIDADE AMBIENTAL

processo neguentrópico pelo qual se forma a matéria vegetal de outros pro-


cessos de auto-organizagáo biológica e ecológica — a evolugáo biológica, a
sucessáo ecológica, o metabolismo dos organismos vivos —, e diferenciá-los
;tru- dos processos técnicos industriais que degradam a energia útil disponível e
ten- geram alta entropia em forma de calor, contaminagáo e dejetos. Nos siste-
ane- mas ecológicos, urna maior ordem, complexidade e estabilidade se associa á
iná- produgáo ecológica, enquanto os sistemas tecnológicos aparecem corno pro-
esso dutores de entropia apesar de suas possíveis retroalimentagóes cibernéticas
Dpia e da reciclagem de matcriais e energia. Se os sistemas tecnológicos tendem a
físi- maximizar a degradagáo entrópica, os sistemas ecológicos funcionam como
) da ordem produtiva neguentrópica.
ual- Georgescu-Roegen náo levou sua crítica da economia fundada na entro-
D — pia até a construgáo de urna verdadeira bioeconomia, já que em sua opiniáo,
Efe- embora a vida se caracterize por ser um processo neguentrópico, náo se
tró- pode evitar a degradagáo do sistema em sua totalidade, incluindo o ambien-
te. A lei da entropia aparece, assim, como urna pulsáo de morte intrínseca á
etá- vida e á atividade económica. No entanto, a racionalidade ambiental rompe
iada com esse fatalismo teórico para basear urna economia na produtividade eco-
Isso lógica e na criatividade humana, como um potencial capaz de gerar urna
irá. produgáo sustentável através do incremento da produtividade neguentrópi-
)ro- ca derivada da fotossíntese, dos processos biológicos e da organizagáo eco-
em lógica. Para isso, náo se devem a entropia do universo, sempre em aumento,
alsa e a validade das leis da entropia em sistemas fechados próximos do equilí-
ea brio, com os fluxos de matéria e energia nos ecossistemas e sua produtivida-
mi- de natural derivada de seu caráter de sistemas abertos, afastados do equilí-
pro- brio, com a degradagáo entrópica gerada pelos processos económicos e tec-
tela nológicos com os quais se inter-relacionam em um paradigma de produgáo
sustentável.
ido A construgáo de um paradigma de produtividade neguentrópica signifi-
aer ca a necessidade de definir as diferentes escalas e os diferentes processos
aa envolvidos, assim como as fronteiras do que se considera o ambiente para o
ro- sistema bioeconómico. A questáo fundamental na perspectiva de se alcangar
te- um estado de sustentabilidade da vida e da produgáo no planeta Terra está
lis- no equilíbrio entre a formagáo neguentrópica da biomassa e na degradagáo
da da massa e energia nos processos metabólicos dos seres vivos, das cadeias
o tróficas dos ecossistemas e na transformagáo tecnológica nos processos de

199
ENRIQUE LEFF

produgáo. A engenharia ecológica pode reduzir em termos relativos a inevi- impossível a


tável degradagáo entrópica dos processos tecnológicos, quer dizer, contri- produtivas
buir para desmaterializar a produgáo para resistir á lei da entropia, mas entrópico-ne
jamais poderá lograr reciclar por completo os desejos nem evitar o irrever- to, o sentidc
sível caminho para a morte de um organismo específico. No entanto, os sis- para questio
temas vivos e os ecossistemas extraem da energia radiante do sol a "entropia cultural, que
negativa" que requerem para seus processos de auto-organizagáo e para tituigáo de e;
criar matéria viva através da fotossíntese. de associada;
Para analisar as possibilidades de se colocar em prática esse novo enfo- ticas que lhe
que bioeconómico, baseado no conceito da produtividade ecotecnológica e A teoria
nos princípios de urna racionalidade ambiental, é importante avaliar o equi- as con di góes
líbrio atual entre a produgáo neguentrópica de biomassa e a degradagáo degradando
entrópica gerada pelo processo económico, e fazer urna análise prospectiva suporte ao e(
a respeito das mudangas necessárias no conhecimento, nas instituigóes e nas mica náo po(
práticas produtivas, para orientar a transigáo para urna economía co- vez, seja capa
evolutiva (Norgaard, 1984, 1994), de maneira que a produtividade neguen- processos sir
trópica dos recursos naturais possa estabilizar a degradagáo entrópica dos determinam
processos de transformagáo económicos e tecnológicos. Para isso, é necessá- apropriagáo c
rio avaliar a capacidade atual de formagáo de biomassa na biosfera, assim tativo dos rec
como elaborar políticas e estratégias orientadas para a produtividade susten- Para dar
tável dos recursos naturais, incrementando a produtividade de biomassa atra- necessário co
vés de processos de alta eficiéncia fotossintética e de novas tecnologias ecoló- sentidos do o
gicas capazes de reduzir a degradagáo entrópica dos processos produtivos. dissipativas. 2
Nesse sentido, formula-se a construgáo de um paradigma de produtivi- entropia, dese
dade ecotecnológica que concebe o desenvolvimento sustentável corno um pica fundada
equilíbrio entrópico-neguentrópico dos processos tecnológicos e ecológicos, tados pela in(
relacionando os fluxos de matéria e energia á produtividade sustentável de licos e tecnol,
bens e servigos. No nível ecológico, as inovagóes devem ser orientadas para /do que incor
reduzir a degradagáo da energia utilizável. Além disso, a biotecnologia pode formagáo de
incrementar a eficiéncia dos processos fotossintéticos e de sucessáo ecológi- de biomassa
ca para maximizar a produtividade ecológica e os processos de absorgáo de neles urna pr(
gases de efeito estufa. 19 des humanas
A realiza/cio desse paradigma ecotecnológico se concretiza através de ecologia — n
valores e práticas culturais. A cultura medeia as práticas do desenvolvimen- mas, a conser
to sustentável a partir do momento em que estas sáo concebidas como pro- emissáo e dila
cessos de gestáo participativa e de apropriagáo coletiva da natureza. É preocupada c

200
RACIONALIDADE AMBIENTAL

inevi- impossível avaliar em termos de entropia as agües criativas, organizativas e


ontri- produtivas de toda organizagáo cultural e seus efeitos no equilíbrio
, mas entrópico-neguentrópico e na sustentabilidade global do planeta. No entan-
-ever- to, o sentido que as estruturas dissipativas aportam ao campo social serve
)s sis- para questionar toda urna tradigáo no campo da antropologia ecológica e
ropia cultural, que desde White e Steward véem a evolugáo cultural como a cons-
para tituigáo de estruturas hierárquicas de poder que váo ganhando complexida-
de associadas a um inexorável incremento na degradagáo das fontes energé-
enfo- ticas que Ihe servem de suporte (Adams, 1975).
;ica e A teoria económica legitimou urna racionalidade produtiva que destrói
equi- as condigóes de sustentabilidade do processo económico, desestruturando e
lagáo degradando os processos de auto-organizagáo dos sistemas viventes que dáo
activa suporte ao equilíbrio ecológico do planeta Terra. Esta racionalidade econó-
e nas mica náo pode submeter-se a urna ordem ecológica mais ampla que, por sua
a co- vez, seja capaz de incorporar a especificidade da organizagáo sociocultural —
guen- processos simbólicos, interesses sociais, estruturas institucionais —, que
a dos determinam em última instáncia os processos de significagáo, valorizagáo e
:essá- apropriagáo da natureza e as condigóes sociais para o uso sustentável e eqüi-
assim tativo dos recursos naturais.
'sten- Para dar bases teóricas e operativas a esse novo paradigma produtivo é
atra- necessário construir o conceito de produtividade ecotecnológica a partir dos
coló- sentidos do conceito de entropia no campo da bioeconomia e das estruturas
'os. dissipativas. 20 Para isso, é necessário construir um conceito heurístico de
utivi- entropia, destacando tanto as potencialidades de urna produgáo neguentró-
o um pica fundada na organizagáo ecológica da biosfera como os limites apresen-
ticos, tados pela inelutável degradagáo entrópica gerada pelos processos metabó-
el de licos e tecnológicos. Isso levaria á criagáo de um novo paradigma de produ-
para Ido que incorpora tanto as condigóes entrópicas de todo processo de trans-
pode formagáo de massa e energia como o processo neguentrópico de formagáo
► lógi- de biomassa a partir dos processos fotossintéticos da biosfera, para basear
ío de neles urna produgáo sustentável de valores de uso para satisfazer necessida-
des humanas culturalmente diferenciadas. Esse fato foi evitado tanto pela
Ss de ecologia — mais preocupada com a produtividade primária dos ecossiste-
[nen- mas, a conservagáo da biodiversidade, os processos de desflorestamento, a
pro- emissáo e diluigáo dos gases de efeito estufa — como pela bioeconomia —
:a. É preocupada com a degradagáo entrópica do processo económico — e pela

201
ENRIQUE LEFF

economia ecológica, interessada em atribuir pregos ás fungóes de sumidou- que a quant


ro das matas. biosfera fiq
A construgáo de sociedades sustentáveis significa a necessidade de cons- entanto, o
truir um paradigma de produtividade ecotecnológica — incluindo sua grande, mas
expressáo nas teorias e práticas agroecológicas e agroflorestais —, capaz de em um equi
transformar a racionalidade económica dominante através da ativagáo de tividade pri
novos princípios produtivos fundados na produtividade ecológica sustentá- energia de (
vel do planeta. Além dos mecanismos compensatórios propostos pelo nómicos. Es
Protocolo de Kioto, essa nova racionalidade produtiva, partindo do poten- dos process
cial fotossintético do planeta e da produtividade neguentrópica da biomas- renovável a
sa, seria capaz de absorver os excedentes de produgáo de gases de efeito mas ecológi
estufa gerados pelo processo económico que, guiado por sua inércia de cres- isso, é nece
cimento e por sua incapacidade de submeter-se ás condigóes de equilíbrio para magnif
ecológico, acelera a marcha em diregáo á morte entrópica do planeta. Isso gáo em bior
leva á necessidade de se avaliar o potencial para sustentar uma populagáo apropriagáo
humana que muito possivelmente chegará a 12 bilhóes ao longo deste sécu- A princi
lo, sem acelerar as tendéncias ao esgotamento dos recursos náo renováveis, massa da ter
o incremento da contaminagáo dos servigos ambientais e a emissáo de gases em urna taxi
de efeito estufa com seus efeitos no aquecimento global do planeta. entanto, a fc
O potencial produtivo proveniente da formagáo de biomassa foi consi- valores de u
derado insuficiente para responder ás necessidades da populagáo humana cessos tecno
atual. 21 No entanto, a produgáo de biomassa na biosfera foi estimada na necessidades
ordem de 2,4 x 10 12 toneladas métricas, com urna taxa de formagáo anual pode aumen
de 1,7 x 10 11 , equivalente a 10 19 quilocalorias (Rodin et al., 1975),22 incrementen
enquatogsréicdeonmaulécdonrem suporte tecr
8,1 x 10 16 quilocalorias (WRI, 1990). No entanto, a produtividade primaria baseados na
declinou em ritmos crescentes nas últimas décadas devido aos procedimen- de agroquín
tos de desflorestamento e erosáo dos solos. Ao mesmo tempo, o incremento orientado pl
na extragáo e consumo de fontes náo biológicas de energia (petróleo, gás, transformar
carváo, energia hidráulica) aumenta a entropia da biosfera. Ambos os pro- dade primári
cessos alteram as estruturas e os processos auto-organizativos dos ecossiste- de regenerag
mas dos quais depende a formagáo de biomassa, e afetam o equilíbrio geofí- urna alta pro
sico entre o oxigénio e os gases de efeito estufa na atmosfera, incidindo de mo humano
maneira conjugada no aquecimento global do planeta. mitirá que o I
Até agora foi subestimado o potencial da energia solar para construir tagáo de dió:
uma economia baseada nos potenciais ecológicos do planeta. 23 Considera-se equilibrio. A

202
RACIONALIDADE AMBIENTAL

idou- que a quantidade de energia solar que pode ser captada e transformada pela
biosfera fique entre 1 e 2% do total de energia que chega ao planeta. No
cons- entanto, o ponto em discussáo náo é se esta porcentagem é pequena ou
sua grande, mas sim o quanto é suficiente para sustentar urna economia baseada
az de em um equilíbrio entrópico-neguentrópico. A energia equivalente da produ-
áo de tividade primária líquida dos ecossistemas ainda excede a quantidade de
:entá- energia de origen fóssil que é produzida e consumida pelos processos eco-
pelo nómicos. Esses dados sáo importantes para se ver as potencialidades atuais
ioten- dos processos naturais e transitar de uma economia contaminante e náo
)mas- renovável a uma economia enraizada nas fontes de neguentropia dos siste-
efeito mas ecológicos e na produtividade sustentável de recursos renováveis. Para
cres- isso, é necessário gerar práticas agroecológicas e agroflorestais orientadas
líbrio para magnificar a capacidade de captura de energia solar e sua transforma-
L. Isso gáo biomassa, assim como estratégias que permitan urna distribuigáo e
ilagáo apropriagáo mais eqüitativas dos recursos ambientais do planeta.
sécu- A principal fonte dessa bioeconomia é o potencial de formagáo de bio-
áveis, massa da terra. O potencial biológico da formagáo de biomassa foi estimado
gases em uma taxa anual média de 8% nos ecossistemas tropicais do planeta. No
entanto, a formagáo de biomassa náo aparece como urna produgáo direta de
:onsi- valores de uso, de maneira que esta biomassa diferenciada deve seguir pro-
mana cessos tecnológicos de transformagáo para produzir bens que satisfagam as
da na necessidades humanas. A produtividade primária líquida dos ecossistemas
anual pode aumentar através de processos fotossintéticos e biotecnológicos que
75 ) , 22 incrementen os rendimentos ecológicos sustentáveis em vez de destruir o
1m de suporte tecnológico da produgáo, corno no caso dos sistemas agrícolas
mária baseados na homogeneizagáo de cultivos comerciais e na aplicagáo intensiva
imen- de agroquímicos. O desenvolvimento científico e tecnológico deve ser
tiento orientado para incrementar processos de produtividade primária e para
gás, transformar seus produtos em valor de uso de baixa entropia. A produtivi-
pro- dade primária dos ecossistemas pode ser transformada através de processos
;siste- de regenernáo seletiva dos ecossistemas. Isso náo apenas permitirá gerar
uma alta produgáo sustentável das espécies de maior interesse para o consu-
do de mo humano sem degradar o potencial produtivo dos ecossistemas, mas per-
mitirá que o manejo da sucessáo secundária magnifique a capacidade de cap-
struir tagáo de dióxido de carbono por esses processos dissipativos afastados do
»ra-se equilíbrio. A biotecnologia pode incrementar a produtividade ecológica pre-

203
ENRIQUE LEFF

tidos existen
servando a capacidade produtiva dos ecossistemas complexos, dando um
pós-normal"
manejo produtivo e sustentável aos recursos naturais (Leff, 2000).
Esse paradigma de produtividade ecotecnológica náo tem como finali- pativo de tor
e Ravetz, 19!
dade alcangar um crescimento sustentado da economia, posto que, mesmo
recuperando e magnificando a produtividade neguentrópica e a capacidade Os enfoc
de produgáo de biomassa, a biosfera apresenta limites ecológicos e termodi- rístico, conec
námicos que deveráo levar, ao lado de processos demográficos e produtivos, urna nova pe
a um "equilíbrio dinámico" que conserve o potencial dessa "ordem produti- fluéncia dos
cos, ecológic
va". Nessa perspectiva, é possível prever um cenário em que a populasáo
humana chegará a um estado estacionário no curso do presente século, bilidade, náo
enquanto se opera a transigáo da presente ordem económica insustentável cessos físicos
como lei-limi
para um sistema bioeconómico sustentável. Ao mesmo tempo, promove-se a
da da ordem
apropriagáo social dos bens e servigos ambientais — das estruturas dissipati-
cos de entrof
vas da biosfera — na construgáo de uma racionalidade ambiental para edifi-
em seus camr
car sociedades sustentáveis.
mos do equilí
mica de estru
fóricos, náo
energia (a set
NEGUENTROPIA, SUSTENTABILIDADE E CULTURA
ordem a parti
A crise ambiental impós a necessidade de se internalizar as condigóes ecoló- neguentropia
gicas para dar bases de sustentabilidade á economia. O mundo converteu-se sustentabilida
num sistema complexo que desborda as capacidades das ciéncias naturais e sociedade org
sociais para apreender suas dinámicas emergentes, imprescindíveis com base de nas formal
nos domínios disciplinares do conhecimento. Dessa maneira, impós-se a ambiental, no
necessidade de reconstruir os paradigmas científicos e elaborar novas apro- vés das racion
ximagóes sistémicas e métodos interdisciplinares para apreender a comple- A econom
xidade ambiental, transcendendo o espato restrito da articulagáo das disci- tado náo leva
plinas científicas e abrindo um espato para a incorporagáo de novos saberes. constrangimel
A necessidade de novos métodos interdisciplinares para estudar a com- ambientais da
plexidade dos sistemas socioeconómicos e para democratizar o conhecimen- nhecendo os
to, como base para uma gestáo sustentável do potencial ambiental, levou á Georgescu-Ro
revisáo das concepgóes do mundo geradas pela visáo mecanicista da realida- processo econ
a que podem
de, deslocando o conhecimento quantitativo, unitário e matematizado das
ciéncias para paradigmas heurísticos mais abrangentes — ainda que menos colapso do sise
mensuráveis mais arraigados no interesse social e mais próximos dos sen- dade, da maté

204
RACIONALIDADE AMBIENTAL

tidos existenciais e dos mundos de vida da gente. Dessa maneira, a "ciéncia


um
pós-normal" incorpora os saberes das populagóes para um processo partici-
pativo de tomada de decisóes na apropriagáo social da natureza (Funtowicz
tali-
e Ravetz, 1993; 1994).
ano
Os enfoques provenientes da lei da entropia adquirem um caráter heu-
ade
rístico, conectando seus significados científicos aos seus sentidos sociais em
)di-
uma nova percepgáo da ordem ecológica e do processo económico. A con-
fluéncia dos diferentes fenómenos termodinámicos nos processos económi-
uti-
cos, ecológicos, tecnológicos e sociais, que forja um paradigma de sustenta-
gáo
bilidade, náo significa a comensurabilidade nem uma fácil tradugáo dos pro-
alo,
cessos físicos, biológicos e sociais nos quais a lei da entropia se expressa
lvel
corno lei-limite da natureza, como potencial produtivo ou como urna medi-
se a
da da ordem cultural. O deslocamento da polissemia dos conceitos científi-
Iati-
cos de entropia, de seus valores quantitativos e probabilísticos delimitados
lifi-
em seus campos de experimentagáo — a termodinámica de sistemas próxi-
mos do equilíbrio, de urna medida de ordem física e cultural, da termodiná-
mica de estruturas dissipativas — para seus significados heurísticos e meta-
fóricos, náo evapora a verdade científica em uma ficgáo. A degradagáo da
energia (a seta do tempo) e a criatividade e produtividade da matéria (da
ordem a partir do caos) sáo signos e realidades da dialética entre entropia e
neguentropia — entre natureza e cultura — na qual se jogam os sentidos da
Dló-
sustentabilidade. Pois, além do sentido metafórico que nos permite ver a
a-se
sociedade organizada como uma estrutura dissipativa, a ordem cultural inci-
lis e
de nas formas e graus em que a lei da entropia se expressa na degradagáo
>ase
ambiental, no equilíbrio ecológico e na produtividade ecotecnológica, atra-
;e a
vés das racionalidades produtivas e dos hábitos de consumo de cada cultura.
■ ro-
A economia convencional e as perspectivas do desenvolvimento susten-
Dle-
tado náo levaram em conta os limites físicos, as condigóes ecológicas, os
sci-
constrangimentos sociais e os sentidos culturais que constituem as condigóes
res.
ambientais da sustentabilidade. O neoliberalismo ambiental continua desco-
)m-
nhecendo os aportes críticos da bioeconomia, que desde S oddy até
en-
Georgescu-Roegen e Daly apontaram a inelutável degradagáo entrópica do

processo económico. Sem escapatória possível da lei da entropia, o máximo
da-
a que podem aspirar as políticas do neoliberalismo económico é retardar o
das
colapso do sistema através de seus programas de conservagáo da biodiversi-
los
dade, da matéria e da energia; de suas estratégias para "desmaterializar a
en-

205
ENRIQUE LEFF

produgáo" sujeita aos avangos da tecnologia "limpa", do controle das emis- ecotecnológ
sóes de gases de efeito estufa e seus efeitos no aquecimento global através tentável, ni(
das licengas transacionáveis de emissóes; e da mudanga dos padróes de pro- góes de proa
dugáo e de consumo fundados em urna ética empresarial e na "soberania" dos da cultL
dos consumidores. Na melhor das hipóteses, essas agóes poderáo desacele- processos vi
rar o ritmo de destruigáo ecológica para continuar marchando com passo solar em um
mais lento, mas náo menos firme, pelo caminho que conduz ao colapso eco- Esse par
lógico e á morte entrópica do planeta. cendem a cr
A mudanga social e as transformagóes produtivas orientadas para a sus- processo prc
tentabilidade náo resultam da extensáo do conceito de entropia á ordem as condigóes
cultural e ao campo social ou da aplicagáo das leis da termodinámica e dos valecente, a
principios da ecologia á gestáo ambiental. O caráter organizativo dos siste- nalidade am
mas ecológicos e o funcionamento dos sistemas termodinámicos devem cas, investigl
orientar processos produtivos sustentáveis, mas isso significa a assimilagáo potencialida,
cultural dos conceitos de entropia e de neguentropia. A transigáo para a sus- Esse novo pa
tentabilidade náo é conduzida pela aplicagáo de leis naturais á sociedade, tos humanos
mas sim por significados e estratégias sociais — que incluem valores cultu- das comunid
rais, desejos humanos e poderes políticos —, que colocam em jogo os para- nio de recur
digmas científicos e tecnológicos, mas que váo mais além da aplicagáo com- urna nova tec
pulsiva de uma engenharia ecológica e de urna energética social, baseadas ca e de racioi
nas teorias da ecologia e da termodinámica. 24 ca antiecológ
A visáo entrópica da economia dissipa as ilusóes de que a reciclagem tec- sidade cultur
nológica de materiais, a desmaterializagáo da produgáo e o crescimento eco- nos potencia]
nómico sem limites, que emergem da racionalidade económica e tecnológi- A constri
ca dominantes, possam conduzir á construgáo de sociedades sustentáveis. tentabilidade
Ao mesmo tempo, os propósitos do desenvolvimento sustentável e da justi- pelo controlo
ga ambiental se baseiam em valores culturais e sociais que mobilizam a socie- intervém na
dade pela autonomia e a participagáo em processos de reapropriagáo da cia, a autono
natureza, que transcendem a incorporagáo dos conceitos científicos de á incorporagl
entropia e auto-organizagáo como forma de conhecimento e objetivos tica. Dos prir
sociais. As pessoas lutam por principios de autodeterminagáo sem fundar se desprende
estas demandas legítimas nas leis da entropia. No entanto, diante das pers- naturais náo
pectivas pouco promissoras do "desenvolvimento sustentável", a racionali- humana sobr(
dade ambiental, informada pelo conceito de entropia, postula um novo guiados pelas
paradigma produtivo baseado nas potencialidades neguentrópicas dos ecos- mas sem uma
sistemas naturais e da organizagáo cultural. O paradigma de produtividade via de constri

206
RACIONALIDADE AMBIENTAL

!mis- ecotecnológica abre a possibilidade de se transitar para uma economia sus-


-avés tentável, moldando o desenvolvimento das forgas produtivas com as condi-
pro- lóes de produtividade e equilibrio ecológico e com as significagóes e senti-
tnia" dos da cultura, balanceando a inelutável degradagáo entrópica de todos os
cele- processos vivos e produtivos com a transformagáo neguentrópica da energia
lasso solar em urna fonte sustentável de recursos bióticos.
eco- Esse paradigma de produlcio neguentrópica envolve processos que trans-
cendem a crítica que foi aberta pela lei-limite da entropia á concepgáo do
sus- processo produtivo e á teoria económica. Além do propósito de internalizar
dem as condigóes ecológicas de sustentabilidade á racionalidade económica pre-
dos valecente, a construgáo de um paradigma produtivo fundado em urna racio-
;iste- nalidade ambiental significa a necessidade de desenvolver estratégias teóri-
v em cas, investigagóes científicas e agóes práticas que abram as vias para que as
agáo potencialidades da natureza se convertam em urna fonte ativa de riqueza.
sus- Esse novo paradigma náo pode ser construido apenas sobre a base dos direi-
[ade, tos humanos e culturais que plasmara o novo discurso da sociedade civil e
altu- das comunidades rurais por suas autonomias, seas territórios e seu patrimó-
>ara- nio de recursos naturais. É necessário basear tais estratégias políticas em
:o m- urna nova teoria da produgáo. Os princípios de produtividade ecotecnológi-
adas ca e de racionalidade ambiental confrontara assim a racionalidade económi-
ca antiecológica imposta aos potenciais da natureza e aos sentidos da diver-
tec- sidade cultural, dando suporte a um novo paradigma económico, baseado
eco- nos potenciais da natureza e nos sentidos da cultura.
ógi- A construgáo de urna racionalidade ambiental e a transigáo para a sus-
veis. tentabilidade significara processos sociais que náo sáo conduzidos apenas
a sti- pelo controle social das leis da termodinámica. Os processos sociais que
cie- intervém na gestáo dos recursos e de apropriagáo da natureza — a democra-
1 da cia, a autonomia, a autogestáo produtiva — náo se juntam nem se reduzem
de á incorporagáo de leis físico-biológicas pela ordem simbólica cultural e polí-
vos tica. Dos principios e perspectivas que emergem dos processos dissipativos
dar se desprende que o manejo ecossistémico (neguentrópico) dos recursos
ers- naturais náo poderia seguir urna via predeterminada e que toda intervengáo
ali- humana sobre esses processos ecossistémicos seguiria caminhos alternativos,
)vo guiados pelas preferéncias dos atores sociais até diferentes estados possíveis,
:os- mas sem urna certeza absoluta sobre a emergéncia de novos processos nessa
ade via de construgáo de um futuro sustentável. Dessa maneira, a construgáo da

207
ENRIQUE LEFF

sustentabilidade estará guiada por urna ressignificagáo e revalorizagáo social Isso sig
da natureza que haverá de conduzir até a apropriagáo cultural dos processos organizativ
ecológicos. decisóes e r
Essa mudanga de perspectiva desloca o enfoque determinista que orien- trugáo de u
taría urna possível planificagáo das práticas sociais baseada na previsáo do ca se integr
comportamento dos ecossistemas. O problema náo se complica apenas por- saberes na
que os ecossistemas sáo sistemas complexos auto-organizativos, mas porque ultrapassa
sáo afetados pela economia global e por urna diversidade de práticas de de correspc
apropriagáo da natureza, em que, para moldar o ecossistema (conservá-lo, Os modelo!
manejá-lo), intervém náo apenas os conhecimentos científicos, mas os dife- processos,
rentes saberes culturais. De maneira que, urna vez que aceitamos o grau de nificagáo e
liberdade (de incerteza) através do qual se modifica (ás vezes de forma catas- xa da maté
trófica) o comportamento dos ecossistemas, o papel da ciéncia ecológica na expressa no
tomada de decisóes náo é táo-somente o de informar sobre os cenários pos- pies reflexo
síveis, sobre "as possibilidades ecológicas" (atratores) para saber quais pro- entropia e
mover e quais desestimular" (Kay, 2001: 7). A questáo é saber como have- Simbólico q
ráo de evoluir os ecossistemas para urna produtividade sustentável e susten- Os mov
tada considerando sua intervengáo a partir das diferentes cosmovisóes e dados nos p
valorizagóes culturais da natureza. volvimento
Essa proposta transcende as perspectivas ecológicas abertas pelos pro- acordo con
cessos dissipativos dos sistemas holárquicos abertos, ao fazer intervir na ambiental, i
complexidade do manejo ecossistémico a ordem simbólica e cultural. Na na gestáo pi
perspectiva da construgáo de urna racionalidade ambiental, a dinámica dos tário. 26 Nes
ecossistemas náo se rege pelo jogo de "atratores" que conduzem os destinos saberes amt
incertos dos sistemas evolutivos através de suas flutuagóes e estados catas- produtivid¿i
tróficos. A "criatividade" e o "propósito" se inscrevem como condigáo do plasmam na
real na ordem simbólica, da significagáo e do sentido. Os saberes culturais digma de su
váo guiando, modulando e atuando sobre os processos ecossistémicos para a novas forr
levá-los a estados de maior produtividade ecotecnológica (máxima utiliza- námicas e e(
gáo de exergia e produtividade neguentrópica), de maneira que os riscos volvimento
ecológicos implícitos nesses processos (por exemplo, o uso do fogo) se con- dades centr
vertem em processos socialmente intervindos, controlados e reorientados globalizagác
pelo conhecimento, o saber e a agáo social. Dessa maneira, prepara-se urna de um munc
mudanga de paradigma social de produgáo, fundado nas bases e princípios produzam si
da termodinámica, assim como nas significagóes culturais, no manejo parti- Enquanto a
cipativo dos recursos e na apropriagáo social da natureza. desgasta as

208
RACIONALIDADE AMBIENTAL

)cial Isso significa passar da idéia de sistemas ecológicos como sistemas auto-
:ssos organizativos, e do novo papel atribuído á ciéncia pós-normal na tomada de
decisóes e na orientagáo das agóes para um futuro sustentável, 25 para a cons-
-ien- trugáo de urna racionalidade ambiental, em que a complexidade ecossistémi-
D do ca se integra á complexidade ambiental que emerge a partir da cultura e dos
por- saberes na gestáo participativa da natureza. Tal complexidade ambiental
rque ultrapassa os marcos de urna termodinámica de segunda ordem e o principio
s de de correspondéncia entre o modelo teórico e urna realidade complexizada.
á-lo, Os modelos morfogenéticos causais, de autocatálise e retroalimentagóes de
dife- processos, se deslocam até o campo da relagáo da ordem simbólica, da sig-
u de nificagáo e do sentido que se forjam na ordem cultural e na ordem comple-
atas- xa da matéria. A assimilagáo cultural da ordem complexa do real que se
:a na expressa nos processos entrópicos, caóticos e neguentrópicos náo é um sim-
pos- pies reflexo da complexidade do mundo externo na mente. A dialética entre
pro- entropia e neguentropia expressa esse novo encontr o do Real com o
[ave- Simbólico que reconstrói o campo da economia.
;ten- Os movimentos sociais pela apropriagáo dos processos produtivos, fun-
les e dados nos potenciais da natureza e da cultura, estáo levando assim ao desen-
volvimento de estratégias de manejo sustentável dos recursos naturais de
pro- acordo com os princípios de autonomia cultural, eqüidade social e justita
✓na ambiental, internalizando as condigóes da natureza e a lei-limite da entropia
. Na na gestáo produtiva da biodiversidade em escala local e no ámbito comuni-
dos tário.26 Nessa hibridagáo de processos biofísicos, culturais e económicos, os
inos saberes ambientais das comunidades haveráo de incorporar o princípio de
atas- produtividade neguentrópica, gerando novas práticas produtivas que se
Ddo plasmara na construgáo de urna nova racionalidade produtiva e em um para-
irais digma de sustentabilidade. A construgáo de sociedades sustentáveis conduz
para a novas formas de organizagáo social que incorporam as condigóes termodi-
liza- námicas e ecológicas da produgáo para alcangar os propósitos de um desen-
scos volvimento sustentável, diversificado e eqüitativo. Diante do rumo de socie-
con- Jades centralizadas, segmentadas e desiguais submetidas aos desígnios da
idos globalizagáo económica e á normatividade ecológica, abre-se a alternativa
urna de um mundo sustentável, integrado por comunidades descentralizadas que
pios produzam suas condigóes de vida em harmonia com seu entorno ecológico.
arti- Enquanto a economia de mercado gera urna tendéncia homogeneizante que
desgasta as fontes da produgáo ecológica e da diversidade cultural, a racio-

209
ENRIQUE LEFF

nalidade ambiental orienta a construgáo de urna sociedade neguentrópica As fors


baseada em redes económicas locais e regionais, abrindo novas possibilida- poder!
e da Te
des para um desenvolvimento democrático e sustentável.
tes ven

dárias:
TEMPO E ENTROPIA, A CONSTRMO DE UM FUTURO SUSTENTÁVEL
gas da t

A bioeconomia de Georgescu-Roegen se inscreve no domínio da teoria É esta


"negativa", como parte do pensamento reativo, que diz náo á economia na qual o F
convencional, que marca seu inelutável limite entrópico, que transgride, ta e fixada
princípio u
mas náo transcende a ordem do pensável e do possível dentro da racionali-
interpretan
dade estabelecida. O "descobrimento" das estruturas dissipativas pós por
terra o princípio científico da segunda lei da termodinámica surgido das
condigóes ideais dos sistemas próximos do equilíbrio. A seta do tempo indi- A afirm
ca o caminho inelutável para a morte entrópica do planeta, mas também a Terra,
criatividade da matéria e o sentido irreversível do tempo. afirmag
Nietzsche adiantou-se a Prigogine nessa percepgáo do mundo como o Ser [.
devir — corno ser-sendo ao caráter construtivo da matéria e do ser, do como a
mundo aberto ao futuro e a irreversibilidade do tempo, diante do mecanis- conside
mo e da metafísica que instauraram um pensamento que afirma a realidade sorvida
imutável, a verdade além do sentido, ali onde inclusive a dialética, o conhe-
Nietzsc
cimento e o pensamento crítico aparecem como "forgas reativas" ao devir,
onde o positivismo erige urna barreira contra o tempo. Prigogine abre urna seta do tem
nova visáo da ciéncia para a ordem a partir do caos e criatividade da maté- de mecanic
ria, que, em última instáncia, teria de ser aplicada e confirmada em seus ter- visáo do set
mos mais gerais na ordem social da história humana, um paradigma que o campo so,
haveria de resolver o dualismo entre ciéncia e filosofia. E, no entanto, a é urna estru
caracterizagáo genérica das estruturas dissipativas náo dissolve a diferenga de desatam(
entre a temporalidade da matéria e a temporalidade que forja a ordem sim- tuagóes e d,
bólica, do tempo como "matéria" fundamental do ser e da existéncia huma- urna afirma
na; do futuro aberto pelas relagóes de outridade (Levinas) e pela vontade de e que passa
poder (Nietzsche)• 27 Nesse sentido, Nietzsche, esse primeiro desconstrutor desejo de
da ordem metafísica e científica, apontava que transformar
um "agencia
iniciar um

210
RACIONALIDADE AMBIENTAL

As forras reacionárias triunfam, a negagáo vence dentro da vontade de


›ica
poder! Náo se trata apenas da história do homem, mas da história da vida,
da-
e da Terra, pelo menos em sua face habitada pelo homem. Por todas as par-
tes vemos o triunfo do "nao" sobre o "sim", da reagáo sobre a asao.
Inclusive a vida se torna adaptativa e reguladora, é reduzida a formas secun-
darias: já nem sequer compreendemos o que significa agir. Inclusive as for-
gas da terra se esgotam sobre esta face desolada (Deleuze, 2000: 33).

É esta a face obscura do positivismo, a faceta reducionista do niilismo,


ria
na qual o Real e o Desejo se anulam em urna realidade estabelecida, impos-
nia
ta e fixada através das formas que o conhecimento e a moral adotam, em um
de,
princípio universal e unitário que nega o múltiplo e o devir. Nesse sentido,
ali-
interpretando Nietzsche, Deleuze observa:
)or
las
A afirmagáo é a mais alta poténcia da vontade. Mas, o que é o afirmado? A
di-
Terra, a vida. Mas, que forma tém a Terra e a vida guando sao objeto de
na
afirmaláo? [...] O que o niilismo condena e se esforga em negar náo é tanto
o Ser [...] é mais o múltiplo, é mais o devir. O niilismo considera o devir
no
como alguma coisa que se deve expiar e que deve ser reabsorvida no Ser;
do
considera o múltiplo como alguma coisa injusta que deve ser julgada e reab-
ás-
sorvida no Uno (Deleuze, 2000: 43).
de
ie-
Nietzsche — a partir da vontade de poder — e Prigogine — a partir da
'ir,
seta do tempo — abrem o pensamento ao devir para desconstruir a realida-
na
de mecanicista da economia. Mas isso significa algo mais do que estender a
té-
visco do ser e do devir aberta pelas estruturas dissipativas de Prigogine para
o campo social. Sobretudo precisamos entender que a vontade de poder náo
ue
é urna estrutura dissipativa, que o princípio do eterno retorno 28 é um jogo
a
de desatamento da ordem simbólica que náo segue um esquema geral de flu-
ga
tuagóes e desestabilizagóes para abrir-se ao novo. É urna negagáo que abre
n-
uma afirmagáo que vai além da dialética da negagáo do pensamento crítico
a-
e que passa á construgáo de urna nova racionalidade. Pois só a ativagáo do
le
desejo de vida poderá desconstruir a epistemologia objetivista do ente e
3r
transformar a teoria económica para gerar urna teoria da produgáo que seja
um "agenciamento" dos potenciais da natureza e sentidos da cultura; para
iniciar um movimento social de transformagáo e apropriagáo das estruturas

211
ENRIQUE LEFF

NOTAS
dissipativas a servigo da vida, da vida humana, da construgáo de um mundo
durável, de mundos de vida diversos e de sociedades sustentáveis. Nesse sen- 1. "0
tido, abre-se a possibilidade para a construgáo de um novo paradigma de Hoje, todo s
produgáo sustentável que se inscreve no processo de construgáo de urna realidade de
racionalidade ambiental. que substitu
dos por moc
1976: 8-9).
2. Ante
impossibilidi
mente, á exi
pp. 157-181
3. "A ru
co e, basicar
como a mai:
somente um
todos os nívt
4. Ver c
5. Georj
náo confund
— com o prc
reza inerte, r
mais radical 1
lico, no senti
base mais pr(
za e sociedad
sos biológico
dissipativas (
pela linguage
6. Georj
filosóficas e
lei da termo(
ás formulag&
como advertt
as remotas in
pia náo pode,
ticas desta or(
de diversidad
morte térmica
a consciéncia
7. A ent
geral, e ao mi
apresenta o "

212
RACIONALIDADE AMBIENTAL

NOTAS
ndo
sen- 1. "0 princípio de realidade coincidia com urna determinada fase da lei do valor.
a de Hoje, todo sistema cambaleia na indeterminagáo, toda a realidade é absorvida pela hiper-
ama realidade do código e da simulagáo. Agora somos regidos pelo princípio de simulagáo,
que substituiu o velho princípio de realidade. As finalidades desapareceram; somos gera-
dos por modelos. Náo há mais ideologia; náo há nada além de simulacros"(Baudrillard,
1976: 8-9).
2. Antes de Georgescu-Roegen, Frederick Soddy (1877-1956) havia percebido a
impossibilidade de se manter um crescimento exponencial da economia, devido, justa-
mente, á existencia da lei da entropia (cf. Martínez-Alier e Schlüpmann, 1991, cap. VIII,
pp. 157 - 181).
3. "A nova ciencia da termodinámica comegou como uma física do valor económi-
co e, basicamente, ainda pode ser considerada assim. A própria lei da entropia emerge
como a mais económica de todas as leis naturais [posto que] a lei da entropia é táo-
somente um aspecto de um fato mais geral, pois esta lei é a base da economia da vida em
todos os níveis" (Georgescu-Roegen, 1971: 3).
4. Ver cap. 1, supra.
5. Georgescu-Roegen afirma sua posigáo dualista diante do monismo mecanicista, e
náo confunde a "causa final" — a teleonomia e o acaso que caracterizam a vida (Monod)
— com o propósito da vida humana. Georgescu-Roegen mantém a diferenga entre natu-
reza inerte, natureza viva e natureza humana. No entanto, náo vai indagar no domínio
mais radical e fundamental da diferenga entre natureza e cultura, entre o real e o simbó-
lico, no sentido do propósito como significagáo, desejo e vontade humana, que está na
base mais profunda do dualismo ontológico e epistemológico das relagóes entre nature-
za e sociedade. Pois náo se deve confundir o acaso e a teleonomia que guiam os proces-
sos biológicos (Monod), ou as flutuagóes, desequilibrios e irreversibilidade das estruturas
dissipativas (Prigogine), com o propósito orientado e extraviado pela ordem simbólica,
pela linguagem, pelo desejo e pelo poder.
6. George Steiner adverte que náo existe uma história adequada das implicagóes
filosóficas e psicológicas da lei da entropia; e pergunta-se sobre a influencia da segunda
leí da termodinámica na sensibilidade e na linguagem, sobretudo em relagáo ás idéias e
ás formulagóes lingüísticas a respeito dos tempos futuros. A pergunta náo é ociosa, pois,
como adverte Steiner, "o bom senso só é medianamente convincente guando replica que
as remotas imensidades do tempo consideradas pelas especulagóes teóricas sobre a entro-
pia podem comover urna imaginagáo sá, que as magnitudes e as generalidades estatís-
ticas desta ordem náo sáo vividas de um modo concreto [...] Mas, qualquer que seja o grau
de diversidade individual e cultural, existe um ponto no tempo, existem coordenadas da
morte térmica, em que a ameaga da entropia máxima poderla carregar-se de realidade para
a consciencia coletiva" (Steiner, 1992/2001: 168).
7. A entropia como "lei-limite da natureza", que compreende em sua forma mais
geral, e ao mesmo tempo concreta, a diversidade de processos de degradagáo ambiental,
apresenta o "paradoxo" de que o próprio conceito de entropia se afasta das condigóes de

213
ENRIQUE LEFF

equilibrio termodinámico (Claussius), de probabilidade estatística (Boltzmann) e das energia disl


estruturas dissipativas (Prigogine), em que adquire seu valor científico, para voltar-se ao to, náo foi
campo da economia como um conceito heurístico, mas que, ao mesmo tempo, é o signi- entropia in1
ficante mais eloqüente do abandono da natureza por parte da economia. pio se restri
8. Passet (1985) enfatizou a necessidade de se conceber a interdependéncia da esfe- os compon
ra produtiva e do ambiente, sem reduzir os processos ecológicos a uma lógica de merca- (Gianpietro
do nem o processo económico ás leis da ecologia e da termodinámica. Dessa maneira, 12.Ne
propós que os "mecanismos reguladores com os quais o ambiente natural e as sociedades poiético est:
asseguram sua reprodugáo" deveriam ser aplicados a um conjunto de normas capazes de para captar
constranger o processo económico (gestión normative sous contrainte). De forma similar, do sistema).
Daly (1991) propós um conceito forte de sustentabilidade a partir do qual o crescimento de entropia
económico deveria ser controlado para náo ultrapassar o limite que permita a renovagáo qüéncia dee
do stock de recursos naturais. clagem e de
9. A nogáo de "terra" se aproxima da concepgáo do ecossistema como "ecossistema Em conseqü
recurso", como organizagáo vital que funciona como coletor e transformador de radia- complexida(
gáo solar em biomassa, como princípio de produtividade neguentrópica. Pois a terra náo 13."O
é apenas uma fonte de baixa entropia; é, ao mesmo tempo, o suporte ecossistémico da temas para a
bioprodutividade económica. de mílho. O
10. Mayumi explicou bem os motivos pelos quais náo se pode considerar a "quarta midas por p
lei" como uma lei científica, como as leis da entropia de Claussius ou Boltzmann. Nesse algum estad(
sentido, argumenta que "o conceito de entropia é, em esséncia, entropia da difusáo da produtividac
energia. Em conseqüéncia, a degradagáo da matéria em bloco ao nível de nossos sentidos gas) sempre (
náo pode ser tratada nos termos da entropia em termodinámica" (Mayumi, 1993: 403). vemos recon
Lozada vai mais além em sua crítica ás aplicagóes do conceito de entropia, afirmando operagáo qu(
com Prigogine a impossibilidade de se unificar os campos da entropia nos níveis de micro (Kay e Schne
e macro, desde as máquinas térmicas até os processos económicos e a escala cósmica do 14. Em
universo (Lozada, 1993: 396). intercámbio
11. Margalef observou que "a analogia formal de expressóes utilizadas para compu- período afast
tar um índice de diversidade das proporgóes de indivíduos que caem em diferentes espé- zidos localrm
cies, com expressóes de entropia, náo justifica que se fundamentem as propriedades ter- amplo no qu
modinámicas dos ecossistemas em valores de índices de diversidade". No entanto, ele no sentido gl
próprio afirma que "é apropriado falar da entropia produzida para sustentar urna unida- F
' 15.0 di
de de biomassa no ecossistema; esta entropia é proporcional, em termos gerais, ao fluxo te do .aquecii
total de energia. Se o sistema tem muitos níveis tróficos, o fluxo de energia por unidade "As emissóes
de biomassa é menor porque uma fragáo da energia passa através dos diferentes níveis. tribuigáo sub,
Em um sistema sujeito a mudangas freqüentes, nos quais uma alta proporgáo da substán- período 198:
cia dos produtos primários é decomposta por bactérias, a energia é usada de modo inefi- secundárias (
ciente e, relativamente, se produz mais entropia por unidade de tempo e unidade de bio- toneladas de
massa do que em um ecossistema mais diverso e eficiente" (Margalef, 1968: 19-21). Por considerando
sua vez, Giampietro (1993: 206), revisando o princípio de máximo poder de Lotka, afir- So mando-se
mou que "os sistemas auto-organizados mostram urna tendencia natural a evoluir para do solo, á pa'
desenhos — transformagóes energéticas, padróes hierárquicos, controles de retroalimen- (sem conside,
tagáo ou agóes amplificadoras — que tornam possível um aumento da quantidade de dios em boscr

214
RACIONALIDADE AMBIENTAL

e das energia disponível e seu uso eficiente para sustentar sua estrutura e fungóes". No entan-
-se ao to, náo foi desenvolvido um método para medir a evolugáo desta ordem complexa, sua
signi- entropia interna e suas descargas de entropia no exterior. A aplicabilidade deste princí-
pio se restringe pela "dificuldade de definir fronteiras claras no espato e no tempo para
a esfe- os componentes que interagem em um sistema hierárquico de múltiplos níveis"
nerca- (Gianpietro, 1993: 207-208).
tneira, 12.Nesse sentido, Günther afirma que "o processo ordenador deste sistema auto-
:clades poiético está associado á sucessáo dos ecossistemas até a maximizagáo de sua capacidade
zes de para captar energia solar e produzir entropia" (nesse caso: calor térmico que se exporta
imilar, do sistema). Isso poderia ser o reflexo de urna mudanga em diregáo á máxima produgáo
mento de entropia do sistema, já que "o sistema (vivo) aumenta em organizagáo e em conse-
vagáo qüéncia decresce sua entropia interna guando sáo incrementados os mecanismos de reci-
clagem e de retroalimentagáo que evoluem conforme o sistema se afasta do equilibrio.
istema Em conseqüéncia, esperaríamos que a produgáo máxima de entropia incrementasse a
radia- complexidade do sistema" (Günther, 1993: 268, 265).
ra náo 13."0 conceito de integridade ecológica significa "deixar de administrar os ecossis-
ico da temas para alcangar um estado fixo, seja urna mata clímax ideal e prístina ou um campo
de milho. Os ecossistemas náo sáo coisas estáticas, mas sim entidades dinámicas consti-
qu arta tuidas por processos auto-organizativos. Os objetos de manejo que signifiquem manter
Nesse algum estado fixo em um ecossistema ou a maximizagáo de alguma fungáo (biomassa,
sáo da produtividade, número de espécies) ou minimizar alguma outra fungáo (irrupgáo de pra-
ntidos gas) sempre conduziram ao desastre em algum ponto, náo importa sua boa intengáo. De-
403). vemos reconhecer que os ecossistemas representam um equilibrio, um ponto ótimo de
nando operagáo que está em permanente mudanga para adaptar-se a um ambiente em mutagáo"
micro (Kay e Schneider, 1994: 8).
ica do 14.Em outra parte, Kay reitera que "os sistemas em náo-equilíbrio, através de seu
intercambio de matéria e/ou energia com o mundo externo, podem manter-se por um
ampu- período afastados do equilibrio termodinámico em estados estacionários estáveis produ-
s espé- zidos localmente. Fazem isto ao custo de incrementar a entropia do sistema 'global' mais
es ter- amplo no qual se assentam; em conseqüéncia, seguindo a segunda lei, a entropia global,
to, ele no sentido global, deve ser incrementada" (Kay, 2000: 4).
unida- 15.0 desflorestamento e a mudanga do uso do solo aparecem como causa crescen-
) fluxo te do aquecimento global ao lado das emissóes provenientes dos combustíveis fósseis:
ndade "As emissóes de carbono através da mudanga do uso de terras tropicais indicam urna con-
níveis. tribuigáo substancial ao aquecimento global. Para os países tropicais, á escala mundial no
bstán- período 1981-90, as emissóes líquidas do desmatamento de vegetagáo natural e matas
inefi- secundárias (incluindo tanto os fluxos de biomassa como de solos) foram de 2,0 x 10 9
le bio- toneladas de carbono (t C), correspondentes a 2,0 - 2,4 x 109 do equivalente de C em CO 2
1). Por considerapt quecimnoadtsrPocldeKit.
afir- Somando-se a isso as emissóes de 0,4 x 10 9 t C devido a mudangas de categorias no uso
r para do solo, á parte o desflorestamento, chega-se a um total para a mudanga do uso da terra
limen- (sem considerar a captagáo de matas intactas, queimas recorrentes de savanas ou incen-
ide de dios em bosques intactos) de 2,4 x 10 9 t C, equivalente a 2,4-2,9 x 10 9 toneladas de car-

215
ENRIQUE LEFF

váo equivalente do CO2. Levando-se em conta as emissóes anuais médias de combustí- um potenc
veis fósseis de 6,0 x 10 9 t C no período 1981-90 [...] os 2,4 x 10 9 das emissóes prove- plexo de r1
nientes da mudanga do uso da terra representam 29% do total combinado" (Fearnside, te, da evol
2001: 171). cultural e
16. "A dispersáo de 'calor degradado' de um sistema em seu ambiente, ao lado da 21.
dispersáo de materiais, freqüentemente é considerada como o epítome da degradado usadas por
irreversível de estruturas de energia potencialmente `úteis' (Georgescu-Roegen, 1971) mento dos
[...] Mas esta 'clissipagáo náo deve ser vista como uma degradagáo e sim como uma face- Roegen,
ta de urna reestruturagáo organizacional" (O'Connor, 1991: 105). 22. Es
17. Omar Masera (informe pessoal). seu valor c
18. O'Connor observou que "a inter-relagáo entre diferentes níveis de estrutura, duzem, as
entre constrangimentos ao nível macro e atividades ao nível micro, conduz para urna a comunid.
fenomenologia complexa de estabilidade e mudanga em diferentes escalas espaciais e toneladas e
temporais". Nesse sentido, observa que "a multiplicidade de escalas relevantes em termos produtivas
de estrutura e mudanga, cada urna das quais requer suas próprias modalidades de análi- ocorrem m
se, é a razáo pela qual as medidas e conceitos de organizagáo unidimensionais resultam disparidad(
táo desprovidos de utilidade [assim como o fato de que] o conceito de entropia em si náo toneladas,
pode servir muito como urna variável explicativa de tendéncias organizacionais guando eficiéncia g
prevalecen condigóes afastadas do equilíbrio [pois] mesmo aceitando que a produgáo de ria líquida
entropia está associada inelutavelmente a toda a mudanga e atividade de desenvolvimen- visível na s
to, náo é óbvio que o curso particular dos eventos, históricos e outros, possa explicar-se anuais de a
em forma dedutiva dos princípios da termodinámica" (O'Connor, 1991: 108, 111, 113). Essas colhei
No entanto, esta idéia se mantém em um nível de abstragáo e relatividade ao sugerir que comparadas
"todo tipo de diferentes modelos e conceitos — multifacetados e mais ou menos situados se incremer
e específicos — sáo necessários e pertinentes á análise de sistemas socioeconómicos e que a prodi
ecológicos", sem especificar as relagóes entre economia e ecologia, produgáo entrópica e matéria sec
neguentrópica. extragáo en
19. Przybylsky Tadeusz (1993) enfatizou o valor da entropia na relagáo com o equi- (toneladas e
líbrio ecológico dos gases atmosféricos do planeta (oxigénio e dióxido de carbono). O dizer, 8.00(
desflorestamento diminui a produgáo de biomassa e, como resultado, reduz a taxa de elétrica, carl
assimilagáo do dióxido de carbono pela atmosfera. Dessa maneira, o conceito de entro- Para urna pr
pia se relaciona com o equilíbrio ecológico. A redugáo da biomassa incrementa a entropia sária urna su
ao degradar o ordenamento ecológico e a produtividade neguentrópica do processo o petróleo,
fotossintético. A destruigáo dos ecossistemas florestais, a erosáo das terras férteis e a energéticas
desertificagáo favorecem a acumulagáo de gases de efeito estufa e o aquecimento global por biomass
do planeta. lizar as chan
20. Em textos anteriores, propus o conceito de produtividade ecotecnológica como cial do biogl
a articulagáo de dois níveis de produtividade: a produtividade primária dos ecossistemas 23. Qui
— a produgáo de biomassa proveniente da fotossíntese — e a produtividade tecnológica origem solar
que transforma os recursos naturais em valores de uso naturais e em mercadorias para o cessa anual!'
consumo humano (Leff, 1975) Esse paradigma produtivo foi apresentado como urna Essa cifra ce
"racionalidade produtiva alternativa" que daria suporte a urna "sociedade neguentrópi- que corresp(
ca" (Leff, 1984). Nessa estratégia conceitual, a produgáo sustentável é concebida como mil vezes mc

216
RACIONALIDADE AMBIENTAL

bustí- um potencial sinérgico que emerge, sincronicamente, da articulagáo de um sistema com-


n-ove- plexo de recursos naturais, processos tecnológicos e valores culturais, e, diacronicamen-
nside, te, da evolugáo dos processos de sucessáo ecológica, inovagáo tecnológica, organizagáo
cultural e mudanga social (Leff, 2000).
do da 21."A energia solar está aqui desde a emergencia das plantas clorofílicas. Foram
dagáo usadas por milenios [...] mas náo em urna medida que pudesse sustentar um desenvolvi-
1971) mento dos setores vitais da vida exossomática a que estamos habituados" (Georgescu-
I face- Roegen, 1993a: 14).
22.Estas sáo estimativas teóricas, já que a equivalencia entre o peso da biomassa e
seu valor calorífico depende do estado de oxidagáo das moléculas de carváo que se pro-
utura, duzem, as quais variam entre 3-10 Kcal/g. A produgáo primária líquida total da biosfera,
a urna a comunidade de todos os organismos da superfície da Terra, é ao redor de 170 x 10 9
ziais e toneladas de matéria orgánica seca ao ano. As comunidades terrestres sáo em média mais
erraos produtivas que as marinhas, e mais ou menos duas tercas partes da produtividade global
análi- ocorrem na Terra. Devido á acumulagáo de biomassa em forma de madeira na terra, a
iultam disparidade da biomassa é ainda maior; a biomassa na terra é de algo como 1.800 x 109
si náo toneladas, mais de mil vezes a biomassa em forma de plantas e de pláncton marinho. A
uando eficiéncia global da produgáo primária é de por volta de 0,27% para a produgáo primá-
iáo de ria líquida e 0,6% para a produgáo primária bruta em relagáo á energia do sol na regiáo
rimen- visível na superfície da Terra. O homem recolhe ao redor de 1.200 x 106 toneladas
icar-se anuais de alimentos vegetais e ao redor de 90 x 106 de alimentos animais da biosfera.
113). Essas colheitas e as descargas de energía provenientes da indústria sáo ainda pequenas se
ir que comparadas com a biosfera como um todo, mas as pressóes do homem na biosfera estáo
nados se incrementando de maneira exponencial (Whitaker, 1975). Outros autores estimam
icos e que a produgáo fotossintética total por ano é de cerca de 220 bilhóes de toneladas de
pica e matéria seca (Hall e Rosillo-Calle, 1999: 101-2, 109, 118). Esta contrasta com "urna
extragáo energética anual de cerca de 3.500 milhóes de petróleo, 2.000 milhóes de tep
equi- (toneladas equivalentes de petróleo) de gás natural e 2.400 milhóes tep de carváo, quer
O dizer, 8.000 tep escassas de recursos fósseis, destinadas a cobrir a demanda de energia
xa de elétrica, carburantes, energia de calefagáo e matérias-primas para a indústria química [...]
antro- Para urna produgáo média de urnas 15 toneladas de matéria seca por hectare seria neces-
tropia siria uma superfície de cultivo ou de arvoredo inferior a 12 milhóes de km 2 para superar
,cesso o petróleo, o gás natural e o carváo como energias fósseis que cobrem as necessidades
is e a energéticas do mundo (na suposigáo de que toda a energia fóssil fosse substituída apenas
Jobal por biomassa e essa fosse cultivada, exclusivamente, para sua combustáo direta, sem uti-
lizar as chamadas substancias residuais do cultivo de produtos comestíveis, nem o poten-
corno cial do biogás procedente de dejetos orgánicos)" (Scheer, 2000: 81-82).
:emas 23.Quanto á capacidade de substituigáo das fontes fósseis por matérias-primas de
ógica origem solar na indústria química, Scheer observa que até 1989 "a indústria química pro-
ara o cessa anualmente 900 bilhóes de toneladas de matérias básicas fósseis em todo o mundo.
urna Essa cifra contrasta com tuna produgáo anual da biosfera de 170 trilhóes de toneladas,
:rópi- que correspondem táo somente á superfície terrestre do globo, [quer dizer] quase duas
:orno mil vezes mais do que se necessita para elaborar seus produtos petroquímicos" (Scheer,

217
ENRIQUE LEFF

2000: 269). No entanto, sua argumentagá'o se baseia mais na crescente contaminagáo coragáo
química e nos riscos á saúde, e na necessidade de transitar para tecnologias limpas, do que des
que na construgáo de uma nova racionalidade produtiva fundada nos potenciais neguen- limite e
trópicos do planeta. Certamente a diversidade biológica na qual toma corpo esta produ- afirma c
tividade natural enfrenta o critério até agora dominante da vantagem que oferece a terrível
homogeneidade das matérias-primas de origem fóssil, sobretudo guando a este se agrega aos ouvi
o das economias de escala. Náo obstante, a correta avaliagáo dos custos e riscos ecológi- las necel
cos envolvidos, assim como a biosseguranga e a distribuigáo económica e ecológica, se dos, par
convertem em critérios para promover economias locais de menor escala, porém mais 28.
sustentáveis. A aposta de Scheer coincide com a nossa proposta de uma produtividade Mesmo,
ecotecnológica sustentada fundada nos princípios da racionalidade ambiental, guando do anal
observa que "sobre a base de energias e matérias-primas solares voltam a ser possíveis as organiza
retroalimentagóes do desenvolvimento económico global com os ciclos tecnológicos, necessid
com estruturas de economia e cultura regional estáveis e com instituigóes democráticas" Mesmo
(2000: 32). 2000: 4
24. A prescrigáo de urna determinada ordem social em termos de sua entropia resul- irreversi
ta elusivo guando, efetivamente, urna sociedade mais hierarquizada e desigual — como habita a
tem sido a sociedade capitalista, a experiéncia histórica do socialismo real e a atual ainda ná
ordem global — induz processos mais entrópicos de uso e transformagáo da natureza do o querer
que sociedades tradicionais menos hierarquizadas e mais "ecológicas". Nesse sentido, heurístic
Giampietro afirmou que "guando o sistema analisado é um sistema com urna dinámica desejo a.
complexa que envolve diversos níveis, sua caracterizagáo de seu comportamento como vontade
`ordenado' ou 'desordenado' se torna elusiva; isso significa que a associagáo freqüente do futuro?
incremento de entropia como um aumento da 'clesordem' só pode explicar-se por uma
avaliagáo 'antropomórfica', mais que como mudangas nos níveis de entropia" (Giam-
pietro, 1993: 219). Em todo caso, a assimilagáo dos conceitos de entropia e neguentro-
pia na organizagáo social abrem uma via para a construgáo de sociedades sustentáveis.
25. Nesse sentido, James Kay afirma que "no paradigma pós-normal, o papel do
cientista na tomada de decisóes se desloca da inferéncia do que haverá de ocorrer, quer
dizer, fazer predigóes que sáo a base de decisóes, ao de prover os tomadores de decisóes
e a comunidade com uma apreciagáo [...] de como o futuro poderá evoluir [...] A ciéncia,
fazendo uso de diferentes tradigóes epistemológicas, ajuda a identificar constrangimen-
tos conhecidos e possibilidades dos sistemas holárquicos abertos. Um diálogo explora o
desejável e o factível, e os concilia em uma visáo de como prosseguir. Os cientistas infor-
mam este diálogo prevendo as narrativas através de um processo do qual participam
como iguais ao lado de outros na tarefa de articular a visáo e de identificar caminhos para
o futuro" (Kay, et al., 1999: 8, 18).
26. Ver cap. 9, infra.
27. Haveria que indagar sobre o tempo desses acontecimentos: sobre o tempo inter-
no da dessujeitagáo e criatividade; sobre os tempos políticos da mudanga social; sobre os
tempos que se engancham com esses tempos cósmicos, biológicos e termodinámicos, mas
cuja temporalidade náo é urna temporalidade genérica das flutuagóes e criatividade da
matéria. Pois as "setas do desejo por outra margem" (Nietzsche) sáo langadas de um

218
RACIONALIDADE AMBIENTAL

rinagáo coraláo que náo bate no mesmo ritmo da seta do tempo da entropia universal. Haverá
pas, do que desentranhar os enigmas desse tempo que transforma o saber da entropia, da lei-
ieguen- limite e potencial da natureza, em urna vontade de poder, pois em sua lucidez o louco
produ- afirma diante dos ouvidos surdos do mundo dominado: "Meu tempo ainda náo é. Este
:rece a terrível acontecimento ainda está a caminho, ainda vagabundeando; ainda náo chegou
agrega aos ouvidos dos homens. O relámpago e o trováo necessitam de tempo; a luz das estre-
cológi- las necessita de tempo; os atos necessitam de tempo; ainda depois de terem sido realiza-
lica, se dos, para serem vistos e ouvidos" (Nietzsche, 1974: III, 125).
n mais 28. 0 eterno retorno, como é próprio de todo devir, náo é o retorno do Mesmo ao
[vidade Mesmo, náo é urna compulsáo pela repetigáo do Ser, nem se inscreve, além de um senti-
liando do analógico ou metafórico, no jogo de retroalimentagóes no processo de auto-
íveis as organizagáo da matéria. "Regressar é precisamente o ser do devir; o uno do múltiplo, a
5gicos, necessidade do azar. Há que evitar fazer do eterno retorno um retomo do Mesmo... O
áticas" Mesmo náo regressa, o regressar e apenas ele é o Mesmo do qual devém" (Deleuze,
2000: 46). 0 eterno retorno náo é a manifestagáo de urna identidade inamovível; é a
I resul- irreversibilidade do tempo vivido, o jogo de urna memória inelutável e indefectível que
• como habita a repressáo e a abertura do Ser na abertura para o futuro, para o porvir, para o que
a atual ainda náo é do Ser em seu devir. Afirmagáo enigmática entre a vontade e o pensamento,
.eza do o querer e a agáo na produgáo da "liberdade da vontade" que ultrapassa a compreensáo
:ntido, heurística de uma termodinámica aplicada á ordem de ser-aí. Pois o que desencadeia o
'árnica desejo ao ponto de que a vontade de poder querer dé lugar a um querer poder, que a
como vontade de poder gere a poténcia da agáo capaz de desconstruir o passado para abrir o
nte do futuro?
Ir urna
Giam-
entro-
veis.
pel do
quer
!cisóes
.éncia,
;imen-
lora o
infor-
zipam
s para

inter-
)re os
mas
de da
um
CAPÍTULO 5 A construláo da racionalidade
ambiental
A GLOBALIZAV1/40 ECONÓMICA E A MORTE DA NATUREZA

A crise ambiental foi o grande desmancha-prazeres na comemoragáo do


triunfo do desenvolvimentismo, expressando urna das falhas mais profundas
do modelo civilizatório da modernidade. A economia, a ciéncia da produgáo
e distribuigáo, mostrou seu rosto oculto no disfarce de sua racionalidade
contra natura. O caráter expansivo e acumulativo do processo económico
suplantou o princípio de escassez que funda a economia, gerando urna escas-
sez absoluta, traduzindo-se em urn processo de degradagáo global dos recur-
sos naturais e servigos ambientais. 1 Este fato se torna manifesto na deterio-
ragáo da qualidade de vida, assim como na autodestruigáo das condigóes
ecológicas do processo económico U. O'Connor, 1988). A degradagáo eco-
lógica é a marca de urna crise de civilizagáo, de urna modernidade fundada
na racionalidade económica e científica corno os valores supremos do proje-
to civilizatório da humanidade, que tem negado a natureza como fonte de
riqueza, suporte de significagóes sociais e raiz da co-evolugáo ecológico-
cultural. Apesar da marca indelével dessa falta, a queda do socialismo real
converteu-se em um argumento triunfalista para a racionalidade económica
unipolar, para a expansáo e globalizagáo do mercado sem contrapesos polí-
ticos e de um novo crescimento, com controles ecológicos, mas sem limites.
Nesse sentido, a viabilidade do desenvolvimento sustentável converteu-
se em um dos maiores desafios históricos e políticos do nosso tempo. Dali
surgiu o imperativo de ecologizar a economia, a tecnologia e a moral. Nessa
perspectiva se inscrevem as tentativas da economia neoclássica para interna-
lizar as externalidades ambientais com os critérios da racionalidade econó-
mica, ou os da economia ecológica para fundar um novo paradigma, capaz
de integrar os processos ecológicos, populacionais e distributivos aos pro-
cessos de produáo e consumo. A economia ambiental (a economia neoclás-

223
ENRIQUE LEFF

sica dos recursos naturais e da contaminagáo) supóe que o sistema económi- Iluminisr
co pode internalizar os custos ecológicos e as preferéncias das geragóes futu- homem d
ras, atribuindo direitos de propriedade e pregos de mercado aos recursos ca newto
naturais e servigos ambientais, de maneira que estes pudessem integrar-se ás modelo n
engrenagens dos mecanismos de mercado que se encarregariam de regular o e potenci
equilíbrio ecológico e a eqüidade social. No entanto, a reintegragáo da natu- materiais
reza e da economia enfrenta o problema de traduzir os custos de conserva- mercado.
gáo e restauragáo em urna medida homogénea de valor. A economia ecoló- A ton
gica assinalou a incomensurabilidade dos processos energéticos, ecológicos da visibili
e distributivos com a contabilidade económica, assim como a impossibilida- ficas soba
de de reduzir os valores da natureza, da cultura e da qualidade de vida á con- paradigm
digáo de simples mercadorias,2 e os limites que impóem as leis da entropia lógico ani
ao crescimento económico. A valorizagáo dos recursos naturais está sujeita a complacé
temporalidades ecológicas de regeneragáo e produtividade, que náo corres- campo ca
pondem aos ciclos económicos, e a processos sociais e culturais que náo produtiva
podem reduzir-se á esfera económica. A internalizagáo das condigóes ambien- do homet
tais da produgáo implica, assim, a necessidade de caracterizar os processos desnudad
sociais que subjazem e desde onde se atribui um valor — económico, natural fratura te,
— á natureza. nicana an
A crise de recursos deslocou a natureza do campo da reflexáo filosófica No er
e da contemplagáo estética para reintegrá-la ao processo económico. A natu- nal — ter
reza deixou de ser um objeto de trabalho e uma matéria-prima para piaeda i
converter-se em uma condigáo, um potencial e um meio de produgáo. A freio no
conservagáo dos mecanismos reguladores e processos produtivos da nature- — fundad
za aparecem assim como condigáo de sobrevivéncia e fonte de riqueza, indu- processo
zindo processos de apropriagáo dos meios ecológicos de produgáo e a defi- nómicas
nigáo de novos estilos de vida. No entanto, a problemática ambiental supe- montandc
ra o propósito de realizar "ajustes (ecológicos) estruturais" no sistema eco- lizar a nat
nómico e de construir um futuro sustentável através de agóes racionais com volvimern
ajuste a valores ambientais. clarividen
Desde tempos imemoriais a sociedade humana tem incorporado normas des socia
morais que provaram ser fundamentais para a sobrevivéncia e a convivéncia torno dol
humanas. A proibigáo do incesto foi uma lei interna da cultura que o homem para ecoll
aprendeu antes de ser formulada por algum antropólogo, e o mito de Édipo económic
marcou a condigáo do desejo a partir de onde foi tragada a história da sub- tóes estáo
jetividade e da cultura humana. No entanto, a racionalidade científica do ticas ambi

224
RACIONALIDADE AMBIENTAL

iómi- Iluminismo construiu um projeto ideológico que pretendia emancipar o


futu- homem das leis-limite da natureza. Dessa maneira, a razáo cartesiana e a físi-
:ursos ca newtoniana modelaram urna racionalidade económica baseada em um
-se ás modelo mecanicista, ignorando as condigóes ecológicas que impóem limites
llar o e potenciais á produgáo. A economia foi se desprendendo de suas bases
natu- materiais para ficar suspensa no circuito abstrato dos valores e pregos do
ierva- mercado.
.coló- A tomada de consciéncia a respeito dos limites do crescimento que surge
licos da visibilidade da degradagáo ambiental — mais que das formulagóes cientí-
ilida- ficas sobre a segunda lei da termodinámica — desponta como urna crítica ao
con- paradigma normal da economia. Na beira do precipício, soou o alarme eco-
ropia lógico anunciando urna catástrofe táo inesperada corno impensável na auto-
eita a complacéncia do progresso científico-ecológico, e a convicgáo, tanto no
mes- campo capitalista como no socialista, de que o desenvolvimento das forgas
; náo produtivas abriria as portas para urna sociedade de pós-escassez e á liberagáo
bien- do homem do reino da necessidade. Ao ser levantado o véu teórico e ficar
essos desnudada a realidade flagrante da degradaláo ambiental, apresentou-se urna
itural fratura teórica e social de maiores conseqüéncias do que a revolugáo coper-
nicana ante o poder teológico construído em torno do sistema ptolemaico.
ófica No entanto, o paradigma económico — o sistema científico e institucio-
iatu- nal — tem sido incapaz de assimilar a crítica apresentada pela lei da entro-
para pia e da racionalidade económica. Em face das propostas de colocar um
o. A freio no crescimento e da transiláo a urna economia de estado estacionário
cure- — fundados no reconhecimento das leis da termodinámica que condenam o
ndu- processo económico e a degradaláo entrópica —, a teoria e as políticas eco-
defi- únicas procuram eludir o limite e acelerar o processo de crescimento,
upe- montando um dispositivo ideológico e urna estratégia de poder para capita-
eco- lizar a natureza. Daí emergem o discurso neoliberal e a geopolítica do desen-
zom volvimento sustentável, reafirmando o livre mercado corno mecanismo mais
clarividente e eficaz para ajustar os desequilíbrios ecológicos e as desigualda-
mas des sociais. Além dos obstáculos epistemológicos, das controvérsias em
ocia torno dos sentidos da sustentabilidade e do enfrentamento de interesses
iem para ecologizar a economia e dissolver as "contradilóes" da racionalidade
tipo económico-tecnológica — formal-instrumental — dominante, várias ques-
ub- tóes estáo no centro dessa polémica, como, por exemplo, a eficácia das polí-
do ticas ambientais para incorporar os valores da natureza, seja mediante ins-

225
ENRIQUE LEFF

trumentos económicos (subsídios, impostos e incentivos; contas verdes e espagos


indicadores de sustentabilidade) ou de normas ecológicas que estabelegam económ
as condigóes externas que deve assumir a economia de mercado. Nesse mas vive
espectro de reformas da racionalidade económica se situa o debate das pos- assim co
síveis solugóes tecnológicas (tecnologias mais limpas, desmaterializagáo da absorvid
produgáo), assim como o lugar dos valores e a moral dos indivíduos para te. Se ur
corrigir os desvios do sistema económico através de urna ética conservacio- evidente
nista e da "soberania dos consumidores". nem um
A crise ambiental colocou a descoberto a insustentabilidade ecológica da de rever
racionalidade económica. Daí o propósito de internalizar as externalidades de social
socioambientais do sistema económico ou de submeter o processo económi- tar a poi
co ás leis ecossistémicas nas quais se inscreve. Isso apresenta o problema da diversidr
incomensurabilidade entre os sistemas económicos e ecológicos, entre pro- como va
cessos físicos, biológicos, termodinámicos, culturais, populacionais, políti- nova raci
cos e económicos, que conformam diferentes ordens de materialidade, e a dade. Pa]
diferenga das possíveis estratégias para compatibilizar políticas económicas fios apre:
e ambientais e para transitar para um desenvolvimento sustentável. Tres
grandes vertentes foram apresentadas para enfrentar os desafios da sustenta-
bilidade:
A CRÍTICA
a) a economia ambiental que procura incorporar as condigóes ambien-
tais da sustentabilidade — os processos energéticos, ecológicos e culturais Desde o
externos ao sistema económico —, através de urna avaliagáo de custos e racionan(
benefícios ambientais e sua tradugáo em valores económicos e pregos de reza e do
mercado. sociedad(
N a economia ecológica que estabelece o limite entrópico do processo económic
económico e a incomensurabilidade entre processos ecológicos e os meca- hegeliana
nismos de valorizagáo do mercado, procurando desenvolver um novo para- raízes soc
digma que integre processos económicos, ecológicos, energéticos e popula- cal; prov(
cionais. cesso de
c) a possibilidade de pensar e construir urna nova racionalidade produ- modinám
tiva, fundada na articulagáo de processos ecológicos, tecnológicos e cultu- (Georges(
rais que constituem um potencial ambiental de desenvolvimento sustentável. ma
reza. Isso
Urna questáo fundamental nesse debate se refere á possibilidade de glo- baixa ente
balizar e estender a racionalidade económica para todas as comunidades e ria como

226
RACIONALIDADE AMBIENTAL

rdes e espagos de sociabilidade, quer dizer, a capacidade de universalizar a razáo


.legam económica diante das limitagóes que lhe impóe a própria natureza dos siste-
Nesse mas vivos e dos ecossistemas (suas condigóes de conservagáo e regeneragáo),
is pos- assim como os valores culturais de poyos e comunidades que resistem a serem
-,áo da absorvidos pela lógica do mercado e reduzidos ás razóes do poder dominan-
s para te. Se urna argumentagáo fundamentada e coerente, assim como a realidade
vacio- evidente, mostram que nem a eficácia do mercado, nem a norma ecológica,
nem urna moral conservacionista, nem urna solugáo tecnológica sáo capazes
;ica da de reverter a degradagáo entrópica, a concentragáo de poder e a desigualda-
idades de social geradas dela racionalidade económica, entáo é necessário apresen-
nómi- tar a possibilidade de outra racionalidade, capaz de integrar os valores da
ma da diversidade cultural, os potenciais da natureza, a eqüidade e a democracia
e pro- como valores que sustentara a convivéncia social e corno princípios de urna
políti- nova racionalidade produtiva, em sintonia com os propósitos da sustentabili-
le, e a dade. Para isso é necessário elucidar os princípios que fundamentam os desa-
imicas fios apresentados pela construgáo de urna racionalidade ambiental.
Trés
itenta-

A CRÍTICA DA ECOLOGIA E A RACIONALIDADE ECONÓMICA


lbien-
iturais Desde o socialismo utópico e o marxismo, e até o racionalismo crítico, a
stos e racionalidade económica foi criticada por fundar-se na exploragáo da natu-
los de reza e do trabalhador, por seu caráter concentrador do poder que segrega a
sociedade, aliena o indivíduo e subordina os valores humanos ao interesse
)cesso económico e instrumental. 3 Se Marx colocou sobre bases sociais a dialética
meca- hegeliana, o ecologismo está refundando a economia política a partir de suas
para- raízes socioecológicas. A crítica ecológica á racionalidade económica é radi-
>pula- cal; provérn da constatagáo de que o processo económico implica um pro-
cesso de transformagáo de massa e energia, regido pela segunda lei da ter-
rodu- modinámica, que decreta um inelutável processo de degradagáo entrópica
:ultu- (Georgescu-Roegen, 1971). 0 processo económico está imerso em um siste-
tável. ma ecológico que é aberto, mas finito; portanto, está sujeito ás leis da natu-
reza. Isso significa que todo processo produtivo transforma recursos de
glo- baixa entropia em dejetos de alta entropia, que tanto a reciclagem de maté-
des e ria corno o movimento perpétuo sáo impossíveis. 4

227
ENRIQUE LEFF

O condicionamento ecológico e termodinámico de todo processo pro-


res e os
dutivo náo é apenas um problema teórico. Sua manifestagáo na realidade é
a apropril
visível nos índices crescentes de destruigáo ecológica (degradagáo de ecossis-
Nesse sent
temas complexos dos quais dependem a conservagáo da biodiversidade e a
vimento a
regeneragáo de recursos renováveis provenientes da energia solar, a fonte
ecodestrut
inesgotável de energia limpa mais importante); contaminagáo (produgáo de
As prc
dejetos que ultrapassam a capacidade de diluigáo dos ecossistemas terres-
tema ecos
tres, aéreos e aquáticos) e degradagáo de matéria e energia, manifesta no
enfrentam
aquecimento global do planeta.
nismos or
Os países do Norte se empenharam em encontrar uma solugáo tecnoló-
curto praz
gica para a escassez global de recursos mediante processos mais eficazes que
expansivo
diminuam o consumo de matéria e energia, e elevem a produtividade dos
procedent,
recursos naturais. Assim, o Wuppertal Institut, da Alemanha, envolveu-se
basta, assi
em um ambicioso projeto que explora a possibilidade de desmaterializar a
algum moi
produgáo em um fator de quatro até dez vezes (Hinterberger e Seifert,
a escala e I
1995). Além das dificuldades reais que tal pretensáo enfrentou, a redugáo da
tabilidade
quantidade de massa e energia que entra, se transforma e degrada em cada
adequagáo
processo produtivo individual e no processo económico global tem um limi-
urna nova
te. A tecnologia náo poderá chegar a alimentar o processo de produgáo com
Nessa
massa e energia diferenciada (Barnett e Morse, 1963), nem alcangar urna
sustentada
reciclagem total de dejetos; menos ainda poderá negar e exorcizar os demó- posta por
nios da degradagáo entrópica. De maneira que, se a economia global segue
é insustent
um ritmo positivo de crescimento, a relativa diminuigáo da entropia pela
possível se
desmaterializagáo da produgáo passível de ser conseguida pela inovagáo tec- mica — á
nológica cedo ou tarde será anulada pelo próprio crescimento económico.
"código gt
O que está em jogo é a possibilidade de estabilizar a economia (sua escala
neoliberail
global), por um lado, e por outro, equilibrar o balango entre entropia e
tentado, n
neguentropia do processo económico. 5 Por isso, náo há solugáo meramente questiona
tecnológica para urna economia sustentável a náo ser a criagáo de outra
1994). A e
racionalidade produtiva que permita um equilíbrio entre produgáo neguen- que ultrap
trópica de biomassa a partir da fotossíntese e a transformagáo entrópica dos
do sistema
recursos finitos do planeta. 6 A produgáo em grande escala que promove a bal e gene'
globalizagáo económica náo compensa, mediante as vantagens comparativas
para uma
do comércio internacional e do mecanismo de desenvolvimento limpo, a
seguintes r
destruigáo dos ecossistemas, o sepultamento de práticas tradicionais, a vul-
nerabilidade, o risco ecológico e a inseguranga económica diante dos pode-

228
RACIONALIDADE AMBIENTAL

so pro-
res e os ziguezagues do mercado mundial. A globalizagáo económica acelera
idade é
a apropriagáo destrutiva da natureza e a degradagáo entrópica do planeta.
ecossis-
Nesse sentido, a diversidade cultural e a diversificagáo de estilos de desenvol-
ade ea
vimento atuam como um princípio conservacionista que desativa os efeitos
a fonte
ecodestrutivos da produgáo em grande escala para o mercado globalizado.
agá° de
As propostas da economia ecológica e da tecnologia para submeter o sis-
terres-
tema económico ás suas condigóes ecossistémicas de sustentabilidade
esta no
enfrentam as condigóes ecológicas da sustentabilidade dentro de seus meca-
nismos operativos.? O sistema económico, fundado na rentabilidade de
Icnoló-
curto prazo, náo pode funcionar a náo ser como um processo cumulativo e
zes que
expansivo, alimentando-se de stocks e fluxos crescentes de matéria e energia
de dos
procedentes dos ecossistemas locais e da ecoesfera global do planeta. Náo
lveu-se
basta, assim, postular a estabilizagáo da economia (e da populagáo) em
alizar a
algum momento no próximo século, sem questionar a possibilidade de deter
Seifert,
a escala e desconstruir a economia para internalizar as condigóes de susten-
náo da
tabilidade ecológica. A ecologizagáo da economia náo é um problema de
m cada
adequagáo de ritmos e escalas, mas de mudanga de estrutura e construgáo de
m limi-
uma nova racionalidade.
áo com
Nessa perspectiva, náo apenas é impossível um crescimento económico
ar urna
sustentado; também uma economia de estado estacionário, tal como pro-
demó-
posta por Daly (1993), regida pelos princípios da racionalidade económica,
1 segue
é insustentável no longo prazo. No marco dessa racionalidade, a única saída
ia pela
possível seria uma estratégia de decrescimento; mas a racionalidade econó-
:áo tec-
mica — á diferenga das sementes terminator — náo tem inscritos em seu
ómico. "código genético" os mecanismos de sua própria desativagáo. As políticas
. escala
neoliberais, orientadas a recuperar e manter um crescimento económico sus-
-opia. e
tentado, negam as leis da termodinámica. Por isso a economia ecológica
'mente
questiona os programas neoliberais de crescimento sustentado (Quiroga,
outra
1994). A economia global, em sua inércia cumulativa, alcangou urna escala
eguen-
que ultrapassa os limites de sustentabilidade do planeta; as externalidades
ica dos
do sistema geraram um estado de escassez absoluta, urna deseconomia glo-
nove a bal e generalizada. A partir dessa perspectiva, surgiu a proposta de transitar
rativas para urna "economia de estado estacionário" (Daly, 1991) baseada nos
npo, a seguintes princípios:
a vul-
pode-

229
In
ENRIQUE LEFF

a) que os recursos náo renováveis sejam explorados a ritmos que permi- estacionáril
tam sua reposigáo por recursos renováveis; 8 humanidad
b) que as emissóes de dejetos náo excedam a capacidade de assimilagáo levar a ecor
dos ambientes locais e do ecossistema planetário. boa admini
queira que
O estado estacionário seria aquele no qual se mantém constantes tanto tável estaria
a populagáo como o stock de artefatos ou capital exossomático. Daly adota ca e a espera
o conceito de capital de Fisher, como um stock, quer dizer, um inventário de O problema
bens de produgáo, bens de consumo e corpos humanos. A satisfagáo de económico,
necessidades se entende como um fluxo incomensurável que se traduz em cionário. M
um "bem psíquico" (Daly, 1993: 326). Para atingir tal estado, Daly sugere de trinta an
deixar que a economia opere dentro de certas "condigóes físicas de equilí- mais de vint
brio ecológico que devem ser impostas ao mercado em termos de agregados solugóes atr,
quantitativos de ordem física" (1003: 249). A possibilidade de introduzir racionalidad
essas reformas na economia dependeria do "crescimento moral" das pes- e alcangar u
soas, e de urna hierarquia de valores objetivos, capaz de ordenar e ajustar processo lev
interesses diversos, controlando o mercado e reordenando a economia. Em gáo da racio
urna economia assim normatizada, um aviáo su
neste mundo
Os pregos de mercado náo deveriam determinar as taxas de fluxo massa- A difere
energia através da fronteira economia-ecossistema ou determinar a distri- processos, é
buigáo de recursos entre diferentes pessoas [...] A primeira é urna decisáo ambiental.
ecológica, a segunda urna decisáo ética que deve determinar os pregos, ao seu campo d
invés de ser determinada por eles (Daly, 1993: 374 5).
-
alteridade e
de e globaliz
A proposta de Daly constitui, náo um modelo axiomatizado de urna todas as esfe
racionalidade ecológica para a sustentabilidade, mas sim um conjunto de sua própria
princípios — ecológicos, morais e religiosos — que deveriam conduzir á natureza e a
agáo racional de acordo com certos valores e certas condigóes de sustentabi- de sustentab
lidade. Nesse sentido, a economia ecológica estaria propondo urna norma á economia ec
racionalidade formal do capital. Em princípio, ninguém poderia se opor aos um ajuste de
objetivos buscados por esta regulagáo social e ecológica do mercado. 9 E, no so histórico
entanto, náo é claro que a economia possa conduzir sua fungáo de atribuir zar e a legith
racional e eficientemente fatores produtivos e recursos, deixando que as Se o cres
condigóes ecológicas e distributivas sejam fixadas por princípios e valores nómica náo 1
extra-económicos. Daly reconhece que mesmo urna economia de estado construir ota

230
RACIONALIDADE AMBIENTAL

)ermi- estacionário seria insustentável e deixa nas máos de Deus os destinos da


humanidade. Dessa maneira, afirma que sua proposta náo poderia senáo
ilagáo levar a economia "a um estado de quase equilíbrio, como uma estratégia de
boa administragáo [...] para cuidar da criagáo de Deus pelo tempo que ele
queira que dure" (Daly, 1993: 280). 0 destino do desenvolvimento susten-
tanto tável estaria langado numa encruzilhada, entre o fatalismo da morte entrópi-
adota ca e a esperanga na vontade divina. Isso náo oferece saídas á crise do sistema.
ri o de O problema náo está em definir as regras que devem normatizar o processo
áo de económico, mas sim nas vias de transigáo para urna economia em estado esta-
az em cionário. Mas náo há sinais perceptíveis em parte alguma — depois de mais
;ugere de trinta anos de ter-se apresentado os limites entrópicos do crescimento,
lquilí- mais de vinte anos de políticas neoliberais e mais de 15 anos de urna busca de
gados solugóes através do paradigma emergente da economia ecológica — de que a
)duzir racionalidade económica contenha os mecanismos para poder desacelerar-se
s pes- e alcangar um estado estacionário (em equilíbrio com a natureza), sem que o
ijustar processo leve a seu colapso, e com isso ao da própria natureza. A desconstru-
a. Em láo da racionalidade económica seria táo quimérica como tentar transformar
um aviáo supersónico em pleno vóo em um helicóptero capaz de aterrissar
neste mundo antes de estatelar-se contra o tempo. E no entanto...
nassa- A diferenciagáo de racionalidades, além da incomensurabilidade entre
distri- processos, é fundamental para pensar a construgáo de urna racionalidade
ecisáo ambiental. A economia náo mostrou ser uma disciplina capaz de delimitar
DS, ao seu campo de conhecimento, de acolher outras racionalidades, de abrir-se á
alteridade e á alternativa. Ao contrário, é urna razáo totalitária, que se expan-
de e globaliza, que impóe um processo de racionalizagáo que vai ocupando
urna todas as esferas da vida social e da ordem ecológica. A economia tende, por
to de sua própria "natureza", a transpor a esfera da produgáo para capitalizar a
rzir á natureza e a cultura. A incorporagáo pela economia das condigóes ecológicas
rtabi- de sustentabilidade, assim como sua desaceleragáo e reconversáo para urna
.rn a á economia ecologicamente sustentável, náo é um problema metodológico, de
T aos um ajuste de contas entre paradigmas teóricos; implica sobretudo um proces-
E, no so histórico no qual as estratégias de poder no saber levaram á institucionali-
ibuir zar e a legitimar a racionalidade económica.
le as Se o crescimento económico náo é sustentável e se a racionalidade eco-
lores nómica náo contém os mecanismos para sua desativagáo, entáo é necessário
tado construir outra racionalidade produtivaque possa operar conforme os prin-

231
ENRIQUE LEFF

Em um <
cípios da sustentabilidade. Se os recursos da natureza sáo limitados, se a
locais, a nol
segunda lei da termodinámica é inescapável, se a seta do tempo é inelutável
do mercado
e se manifesta na desestruturagáo dos ecossistemas e na degradagáo do
nem estratél
ambiente; se a capacidade da ciéncia e da tecnologia para reverter a entro-
economia gl
pia e para desmaterializar a economia é ilusória e incerta; entáo urna razáo
locais suster
guiada pelo instinto de sobrevivéncia e pela erotizagáo da vida deve levar a
de diversas i
humanidade a procurar novas vias civilizatórias, antes de ficar enredada na
mais viável
complacéncia generalizada dentro do fanatismo totalitário da ordem econó-
A comp,
mica estabelecida, na trenca de que isso representa um estágio mais alto do
biológica, ci
desenvolvimento da civilizagáo e que expressa a vontade dos deuses. Além do
real, do ima
propósito de incorporar os custos ecológicos dentro de uma racionalidade
da epopéia 1
que os rechaga e exclui, é necessário formular urna nova economia que fun-
e é esta con
cione sobre a base dos potenciais ecológicos do planeta, do poder do saber,
de utopia,
da ciéncia e tecnologia, e das formas culturais de significagáo da natureza.
construgáo r
Para a economia ecológica e a biotecnologia, os limites entrópicos
náo racionai
devem acoplar-se a urna moral que limita o consumo exossomático. No
mercado. Iss
entanto, a solugáo náo está em urna ética da frugalidade e do tempo livre,
rar os aspect
mas sim em uma reorientagáo do desejo para gerar novos processos emanci-
de vida dos 1
patórios e a construgáo de um novo paradigma produtivo fundado na pro-
dutividade ecológica, nos valores culturais, nos significados subjetivos e na
criatividade humana. A construgáo de um novo paradigma produtivo funda-
do em princípios e bases de racionalidade ambiental implica urna estratégia
LIMITES DO M
de desconstrugáo da racionalidade económica através de atores sociais capa-
E PRODUJO
zes de mobilizar processos políticos que conduzam a transformagóes produ-
tivas e do saber para alcangar os propósitos de sustentabilidade, mais do que
O problema
através de normas que possam impor-se ao capital e aos consumidores para
rar as condig
reformar a economia. Além da capitalizagáo da natureza pela via de urna
sibilidade de
racionalizagáo económico-ecológica formal, a sustentabilidade se debate no
mercado, ma
campo emergente da ecologia política, onde entram em jogo as percepgóes
zagáo do mui
e interesses dos grupos majoritários da sociedade, das populagóes do
sáo ao cresci
Terceiro Mundo e dos poyos indígenas, que resistem a serem globalizados,
implica um u
reduzidos á condigáo de produtores e consumidores de um sistema de mer-
de de supone
cado esverdeado. Diante das perspectivas do desenvolvimento sustentável,
capacidade d
esses movimentos sociais reivindicam seus espagos de autonomia para
e, em última
reapropriar-se de seu patrim 'ónio de recursos naturais e culturais e para defi-
tanto na deg,
nir novos estilos de vida. 10

232
RACIONALIDADE AMBIENTAL

Em um cenário de diversidade cultural, soberania nacional e autonomias


,sea
locais, a nova ordem sustentável náo poderá se construir pela globalizagáo
itável
do mercado, mas sim através de processos socioculturais nos quais se defi-
o do
nem estratégias de apropriagáo, uso e transformagáo da natureza e em que a
ntro-
economia global haverá de reconstituir-se como a articulagáo de economias
razáo
locais sustentáveis. Tais processos de transformagáo implicaráo o encontro
var a
de diversas racionalidades, algo muito mais complexo e complicado, porém
la na
mais viável como estratégia de sustentabilidade que os ditames do mercado.
:onó-
A complexidade ambiental — que emerge do encontro da ordem física,
:o do
biológica, cultural e política; de ontologias, epistemologias e saberes; do
m do
real, do imaginário e do simbólico — náo é mais que resultado do fracasso
dade
da epopéia homogeneizadora da racionalidade económica da modernidade;
fun-
e é esta condigáo-limite da modernidade o que reabre a história a mundos
aber,
de utopia, de criatividade e de possibilidades. Daí a necessidade de uma
Ea.
construgáo racional do futuro, que renove as utopias, que inclua os aspectos
)icos
náo racionais (desejos, aspiragóes, valores) que náo se reduzem a valores de
. No
mercado. Isso implica compreender as injustigas do sistema atual e incorpo-
liv re,
rar os aspectos irracionais do ser que ao fim e ao cabo definem a qualidade
anci-
de vida dos homens e mulheres que habitam este mundo.
pro-
e na
nda-
tégia
LIMITES DO MERCADO. VALORIZADO DO AMBIENTE
:apa-
E PRODK.ÁO DE SENTIDOS
odu-
1 que
O problema da valorizagáo da natureza e da cultura corno meio para assegu-
para
rar as condigóes de sustentabilidade do sistema náo se deve apenas á impos-
urna
sibilidade de atribuir-lhes pregos reais e justos através dos mecanismos do
e no
mercado, mas também ás conseqüéncias éticas que acarreta a hipereconomi-
góes
zagáo do mundo. A contradigáo entre economia e ecologia surge da compul-
s do
sáo ao crescimento da racionalidade económica. Essa dinámica económica
dos,
implica um uso crescente de matéria e energia, toca nos limites da capacida-
-ner-
de de suporte, da resisténcia e das condigóes de regeneragáo da natureza; da
hrel,
capacidade de diluigáo e reciclagem ecológica de residuos dos ecossistemas
tiara
e, em última instáncia, do inelutável incremento da entropia, manifesto
lefi-
tanto na degradagáo de energia utilizável no processos tecnológicos como

233
ENRIQUE LEFF

na desestruturagáo de ecossistemas dos quais depende a produgáo neguen- O coral


trópica de biomassa. organiza,
As limitagóes do mercado para regular os processos ecológicos que pressóes
constituem a base de sustentabilidade do processo económico náo apenas se crítica el:
devem a que os processos económicos, ecológicos e energéticos sejam inco- mas sua •
mensuráveis, mas também ao fato de sua "mobilizagáo" depender de racio- vida ecos
nalidades culturais diferentes e específicas. Pelo próprio caráter dos recursos XIX sup
naturais e dos servigos ambientais como bens comuns e "posicionais" lucro [...
(Hardin, 1968), conforme os recursos váo se esgotando, desestruturando e descrevel
saturando, os ecossistemas perdem seu caráter de valores de uso, limitando era result
o funcionamento da racionalidade económica (Altvater, 1993). 11 A capitali- dos eran-
zagáo da natureza individualiza os recursos e as pessoas, isto é, os abstrai dos fossem al
sistemas ecológicos e culturais em que adquirem seu valor e seu sentido do que ui
como bens comuns e comunitários (Thompson, 1998). 0 individualismo trole dos
metodológico implícito naquilo em que se apóia a racionalidade económica cados ap:
cria a ilusáo de que as pessoas poderiam evitar o colapso ecológico através [...J a con
de sua consciéncia cidadá, suas demandas individuais e sua "soberanía" tória foi
como consumidores. O sentido da existéncia e da qualidade de vida sáo pri- tado de u
sioneiras do mercado. O sujeito ecologizado se pareceria com aquele famo- governo
so baráo de Münchhausen, que se salva de afogar-se no pántano no qual caiu nómicos
puxando seus próprios cabelos (Pécheux, 1975: 30).
Diante da crítica ecológica, a razáo económica construiu sua própria A racion
defesa. A teoria do equilíbrio e do crescimento reafirmou falácias teóricas legitimar seu
como suas premissas verdadeiras. Dessa maneira, pressupóe que o valor dos ta da moderr,
recursos será incrementado conforme o aumento das taxas de juros; que esta conduta dos
implica um ritmo paralelo de crescimento económico, e que essas variáveis lucratividade
estabelecem a taxa ótima de exploragáo dos recursos naturais. O sistema nizagáo socia
económico supóe a existéncia de agentes económicos racionais, cujo com- lizagáo econe
portamento é coerente com os sinais do mercado. Isso levou a hipostasiar as práticas tr
um princípio racionalista do homem como agente económico — sua consti- das sociedad
tuig'áo como horno economicus —, sem ver que é justamente a instituciona- carentes de r
lizagáo da teoria económica a que gera sujeitos ideológicos que váo ajustan- sas sociedade
do seu comportamento como sujeitos "racionais", urna vez que foram con- seu mundo le
vertidos em produtores e consumidores para o mercado. A racionalidade é incorporado
urna construgáo social e náo o resultado da evolugáo natural da civilizagáo significagáo,
humana: códigos cultu

234
RACIONALIDADE AMBIENTAL

eguen- O conflito entre o mercado e as exigéncias elementares de urna vida social


organizada forneceu ao século XIX sua dinámica e produziu as tensóes e
os que pressóes típicas que finalmente destruíram essa sociedade [...] A verdadeira
enas se crítica da sociedade humana, náo que estivesse baseada na economia [...]
a inco- mas sua economia estava baseada no próprio interesse. Tal organizagáo da
racio- vida económica é inteiramente antinatural [...] Os pensadores do século
!cursos XIX supuseram que em suas atividades económicas o homem lutava pelo
onais" lucro [...] que em sua atividade económica tenderiam a reger-se pelo que
ando e descreveram corno racionalismo económico, e que toda conduta contrária
itando era resultado de uma ingeréncia externa. Disso se depreendia que os merca-
apitali- dos eram instituigóes naturais, que surgiriam naturalmente se os homens
rai dos fossem apenas deixados em paz. Assim, pois, nada poderia ser mais normal
entido do que um sistema económico que consistia em mercados e sob o único con-
alismo trole dos pregos do mercado, e urna sociedade humana baseada em tais mer-
cómica cados aparecia, portanto, como a meta de todo progresso [...] Na realidade
através [...] a conduta do homem em seu estado primitivo e através do curso da his-
rania" tória foi quase contrária á implicada nessa opiniáo [...] o mercado foi resul-
áo pri- tado de urna intervengáo consciente e com freqüéncia violenta por parte do
famo- governo que impós a organizagáo mercantil á sociedade para fins náo eco-
al caiu nómicos (Polanyi, 1992: 327 8).
-

rópria A racionalidade económica desenvolveu urna estratégia de poder para


!óricas legitimar seu princípio de racionalidade fundado em um modelo cientificis-
or dos ta da modernidade. Dessa perspectiva, náo apenas se define como racional a
le esta conduta dos atores sociais que se regem pelas motivagóes do mercado, da
riáveis lucratividade e da utilidade, mas se procura deslegitimar os modos de orga-
istema nizagáo social guiados por outros valores. No discurso apologético da globa-
, com- lizaláo económica (que engloba o discurso do desenvolvimento sustentado),
stasiar as práticas tradicionais, assim como as demandas das comunidades locais e
:onsti- das sociedades náo capitalistas, aparecem como direitos e valores, mas
ciona- carentes de racionalidade. A racionalidade que rege o comportamento des-
astan- sas sociedades "tradicionais" náo se constitui através de leis "objetivas" de
1 con- seu mundo ideal e material, embora em toda organizagáo cultural o real seja
lade é incorporado nos mundos de vida dos sujeitos sociais através de processos de
zagáo significagáo, de racionalizagáo e de produgáo de sentidos, em diferentes
códigos culturais.

235
ENRIQUE LEFF

A globalizagáo económica instala a soberania do consumidor no lugar vidade e


da soberania dos poyos, que em seus processos históricos estabelecem as timentos
regras de coesáo e solidariedade social e os imaginários coletivos que defi- diferente
nem as necessidades e desejos das pessoas dentro de organizagóes culturais tes for m
diferenciadas. Desses princípios emergem hoje em dia as lutas de resisténcia náo sáo i
dos poyos a submeter-se ás regras homogeneizantes do mercado globaliza- de ambie
do: a serem reduzidos a elementos de um "capital humano", a dissolver seus uma lógi
valores e estilos de vida. A partir da ética, surge urna crítica á racionalidade A ins
económica, colocando o caráter irredutível dos princípios de autonomia, homem,
solidariedade e auto-suficiéncia á razáo reducionista do mercado. A reivin- unidimer
dicagáo da qualidade de vida no debate ambiental vai mais além da percep- Ao mesm
gáo economicista sobre a produgáo e administragáo do ócio e do tempo gerar out
livre. O desenvolvimento sustentável náo apenas está guiado pela racionali- civilizató
dade do equilíbrio ecológico, mas pela "finalidade" do prazer e do gozo, o ética amt
que dá maior complexidade ao significado da produgáo e do consumo. O se limitar
bem-estar, devorado pelo desejo, náo se esgota nem na acumulagáo de bens nalizem a
nem na frugalidade do consumo, mas sim na qualidade de vida derivada de direito po
processos de significagáo cultural e em sentidos subjetivos do valor da vida. menta. A
E estes sáo táo reais e fundamentais para os cidadáos do mundo da abundán- servacion
cia como para as comunidades indígenas que reclamam seus direitos de ser, éticos em
assim como condigóes económicas, políticas e ecológicas para satisfazer suas pagament
necessidades básicas. procedim
A lógica do mercado deu lugar a um processo de racionalizagáo tecno- dico, as ci
lógica fundado no controle e na eficiéncia social, fechando as vias a outras patrim ó ni
opgóes históricas. As cosmovisóes das culturas tradicionais, fundadas em preservá-1
urna visáo mais orgánica da vida e da relagáo com a natureza, foram substi- mico com
tuídas pela visáo mecanicista que emerge da racionalidade cartesiana e da captura d
Revolugáo Industrial. A pós-modernidade está gerando urna cultura da dife- ecoturístic
renga, da outridade e da qualidade de vida. Em face dos postulados do fim a apropri:
da história e das ideologias, abre-se urna nova procura de sentidos subjeti- Nessa per.
vos, existenciais e civilizatórios. Isso implica uma revisáo da dicotomia que sáo em va
a modernidade gerou entre razáo e sentimentos, entre fundamentos racio- ca mercan
nais e princípios morais, entre as ciéncias duras, os saberes pessoais e as prá- No er
ticas tradicionais das diferentes etnias, que integram conhecimentos empíri- de democ :

cos e valores culturais. Nesse sentido, a racionalidade ambiental questiona a mecanism


racionalidade da modernidade, para valorizar outros princípios de produti- apenas en

236
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ugar vidade e convivéncia. Isso leva a descobrir que as práticas cotidianas, os sen-
n as timentos, os saberes empíricos e as tradigóes, os mitos e os ritos constituem
defi- diferentes matrizes de racionalidade que dáo coeréncía e sentido ás diferen-
irais tes formas de organizagáo cultural. As diferentes racionalidades culturais
:ncia náo sáo integráveis em um padráo único ou estandardizado de racionalida-
liza- de ambiental; náo se submetem ao modelo hegemónico e uniformizador "de
seus uma lógica polar, dicotómica e excludente" (Oliveira Cunha, 1996).
Jade A insustentabilidade ecológica e a impossível valorizagáo económica do
mia, homem, da cultura, da ecologia a longo prazo apresentam o limite da via
ivin- unidimensional e reducionista da racionalidade económica e instrumental.
cep- Ao mesmo tempo, abre-se a possibilidade de pensar futuros alternativos e de
mpo gerar outros valores e princípios produtivos para construir novos sentidos
nali- civilizatórios, desde a valorizagáo do diverso e do qualitativo. No entanto, a
lo, o ética ambiental é incapaz de conter a destruigáo da natureza enquanto esta
o. O se limitar, simplesmente, a estabelecer códigos de conduta que se institucio-
bens nalizem através de normas sancionáveis dentro dos princípios jurídicos do
[a de direito positivo que a lógica formal da racionalidade económica comple-
brida. menta. As políticas da sustentabilidade estáo recodificando os valores con-
dan- servacionistas dentro da racionalidade do mercado, traduzindo os princípios
! ser, éticos em urna avaliagáo de custos, em urna vontade e disponibilidade de
suas pagamento, em que o substantivo da cultura passa a ser negociado através de
procedimentos jurídicos normais e traduzido em dinheiro. Nesse marco jurí-
cno- dico, as comunidades indígenas só poderiam aspirar a reapropriar-se de seu
itras património histórico de recursos mostrando sua vontade e capacidade para
; em preservá-lo como reservas de biodiversidade, convertendo-o em valor econó-
bsti- mico como reservas de recursos genéticos, espagos cénicos e capacidade de
e da captura de carbono. Dessa maneira, estas podem ser pagas como recursos
dife- ecoturísticos ou serem capitalizadas por empresas de biotecnologia dispostas
fim a apropriar-se de seu capital genético e de seu valor económico potencial.
ijeti- Nessa perspectiva, só se poderia preservar a natureza através de sua reconver-
que sáo em valores transacionáveis no mercado. Assim, a racionalidade económi-
.cio- ca mercantiliza a natureza, as condutas ecológicas e os valores culturais.
prá- No entanto, a natureza e a cultura resistem a tal obrigagáo. O princípio
píri- de democracia na gestáo dos recursos naturais náo pode converter-se em um
na a mecanismo de sujeigáo que legitimaria a participagáo na tomada de decisóes
luti- apenas enquanto os sujeitos assumissem urna posigáo negociadora no esque-

237
ENRIQUE LEFF

ma contábil fixado pela racionalidade económica. A gestáo democrática da


neoliberal,
biodiversidade implica um processo de conciliagáo que permita dirimir con-
nova rada
fiaos, mas que também abra opgóes para diferentes estratégias de apropria-
pois, incori
gáo, gestáo e transformagáo da natureza, dentro dos princípios de racionali-
plexidade
dade ambiental.
das respost
Diante do império da racionalidade económica, a única agáo racional é para gerar
a que reconhece seu "princípio de realidade", ante o qual a única opgáo pos- Devemos c
sível é a que conduz 'ás estratégias de adaptagáo e sobrevivéncia do mais condigóes
apto. No entanto, reconhecer o mundo em que vivemos náo implica que sua nos princíp
racionalidade seja garantia de sobrevivéncia de eqüidade e de sustentabilida- rar estratég
de de longo prazo. Desativar ou desacelerar a inércia do processo económi- urna racion
co poderia desencadear um colapso do sistema que, além do mais, talvez
tivesse efeitos negativos para a sociedade e o meio ambiente. Mas isso náo
leva a outorgar razáo a esse modelo ou carta de naturalidade como produto
da evolugáo da civilizagáo humana ou capacidade ao mercado para recom- RACIONALID
por o mundo. Nenhuma ciéncia permite reconhecer que esta seja a única ou
a melhor via para o futuro da humanidade. Assim como a revolugáo cientí- A nova raci,
fica confrontou a ordem teológica de seu tempo ao tirar a Terra do centro lhas da raci
do universo e colocá-la em seu lugar incerto no cosmo, urna mudanga de frontagáo
racionalidade deve operar-se agora em face de urna ordem social construída tém, com a
sobre a base de um interesse económico que náo oferece garantias de susten- campo da e
tabilidade e de justita para a humanidade. A construgáo de urna nova racio- dade econó
nalidade — urna racionalidade ambiental — é a grande transformaldo que ambiental
havia imaginado Karl Polanyi na liberdade de urna sociedade complexa gagáo para
diante da hipereconomizagáo do mundo e da pretensáo auto-reguladora do da a capacic
mercado. se, assim, a
A questáo da sustentabilidade coloca a civilizagáo humana, já saturada corpo das ci
de incógnitas, de riscos e incertezas, numa encruzilhada. Hoje percebemos a de integrar
crise da racionalidade económica sobre a qual foi construído o mundo sos da orde
moderno. Mas, ao mesmo tempo, desmoronaran os referentes teóricos e mudangas s
ideológicos, as cosmogonias e as utopias, para guiar urna transformagáo da produtiva fi
realidade, para construir urna racionalidade que oriente e dé viabilidade á giu um per':
transigáo a um desenvolvimento sustentável e democrático. Para responder plinares par
ao desafio do ambientalismo diante do limite da razáo económica, náo basta assim como
o diagnóstico certeiro da destruigáo ecológica do planeta, a finitude da exis- góes do cor
téncia humana e a morte entrópica do universo. No limite do paradigma 1994). Essa

238
RACIONALIDADE AMBIENTAL

a da neoliberal, em face do abismo do fim da história, é necessário construir urna


con- nova racionalidade para criar (e náo descobrir) novos mundos. Devemos,
)ria- pois, incorporar os limites e potencialidades do Real que emergem da com-
nali- plexidade ambiental, assim como as condigóes do ser, e rastrear os signos
das respostas possíveis na imaginagáo sociológica e na criatividade política,
ial é
para gerar respostas ao risco ecológico e aos desafios da sustentabilidade.
pos- Devemos construir alternativas racionais, fundadas no saber atual sobre as
nais
-
condigóes ecológicas do processo produtivo, nos valores da democracia e
sua nos princípios da diversidade cultural. Isso implica a necessidade de elabo-
ida- rar estratégias para desconstruir esta racionalidade insustentável e construir
urna racionalidade ambiental.
lvez
náo
luto
om- RACIONALIDADE AMBIENTAL: ESTADO E SOCIEDADE
a ou
:ntí- A nova racionalidade que se forja nos interstícios dos escombros e nas mura-
ntro lhas da racionalidade que funda a modernidade náo surge somente da con-
a de frontagáo com a racionalidade económica, mas com o todo social que a con-
aída tém, com a ordem jurídica e o poder do Estado. O ambiente emerge do
ten- campo da externalidade ao qual foi langado pela centralidade da racionali-
cio-
dade económica e o logocentrismo das ciéncias. Dessa maneira, a questáo
que ambiental veio problematizar as teorias científicas e os métodos de investi-
exa gagáo para apreender urna realidade em vias de complexizagáo que desbor-
Ido da a capacidade de compreensáo dos paradigmas estabelecidos. Apresentou-
se, assim, a necessidade de interiorizar um saber ambiental emergente no
ada corpo das ciéncias naturais e sociais, para construir um conhecimento capaz
)s a de integrar a multicausalidade e as relagóes de interdependéncia dos proces-
ido sos da ordem natural e social que determinara, condicionam e afetam as
,s e mudangas socioambientais, assim como para construir urna racionalidade
da produtiva fundada nos princípios do desenvolvimento sustentável. Daí sur-
eá giu um pensamento da complexidade (Morin, 1993) e métodos interdisci-
Ser plinares para a investigagáo de sistemas complexos (García, 1986, 1994),
sta assim como urna estratégia epistemológica para fundamentar as transforma-
lóes do conhecimento que induz a questáo ambiental (Leff et al., 1986,
ma
1994). Essa estratégia conceitual parte de um enfoque prospectivo sobre a

1 239
ENRIQUE LEFF

construgáo de urna racionalidade social aberta para a diversidade e a com- a organiza


plexidade, que confronta o processo de racionalizagáo da modernidade fun- ambientali
dado na busca de urna unidade da ciéncia e na unificagáo do mundo através social e pa:
do mercado, o que implica a necessidade de abrir as ciéncias sociais e a refle- A ques
xáo sociológica á questáo ambiental, já que por um cor
turais. Esse
Historicamente, a eleigáo das grandes dimensóes analíticas na ciéncia social xidade no
[...] foi feita sem referéncia a consideragóes ecológicas: a nogáo hegeliana a o social e o
respeito da racionalidade encarnada pelo Estado; a visáo marxista da luta lógicas e te
de classes como "motor da história"; os estados "naturais" de desenvolvi- gem a anál,
mento de Comte; os "ótimos" de Pareto [...] Em conseqüéncia, a interface se tornam r
vital homem-ambiente, a análise de vínculos entre fenómenos do ambiente reza. Os pi
natural e a atividade socioeconómica humana é radicalmente incompleta. (perda de f
Afora os consideráveis avangos da ecologia humana [...], náo existe nenhum e miséria e:
paradigma teórico acordado [...] Como resultado, as metodologias de inves- e dos recur
tigagáo tendem a ser ad hoc [...] ou indesejavelmente rígidas para sua apli- mento e de
cagáo a fenómenos do "mundo real" [...] Boa parte da teoria sociológica gáo do bem
está orientada á estrutura e náo aos processos, e tende a concentrar-se nas os sistemas
instituigóes. Isso levou a trés problemas específicos: os de estabilidade e A resol
mudanga, de fronteiras e de inflexibilidade. A sociologia tem dificuldade incorporar
para abordar a mudanga porque seus modelos foram estáticos e suas apro- económicos
ximagóes dos processos de mudanga social foram apriorísticos. Teve pro- económica
blemas com as fronteiras porque a énfase nas instituigóes levou a urna ten- lidade ambi
déncia a enfocar processos dentro e entre elas e a ignorar a riqueza das inte- vagáo de ur
ragóes informais [...] freqüentemente foi incapaz de explicar fenómenos ambiente n:
bem comprovados, porque náo se enquadram em nenhum de seus paradig- que orienta
mas explicativos (Walker, 1987: 760, 774). sociais; a so
gáo dos pro,
A construgáo de urna racionalidade ambiental é um processo de produ- Ihe permita]
gáo teórica e de transformagóes sociais. A racionalidade ambiental é urna priedade e
categoria que aborda as relagóes entre instituigóes, organizagóes, práticas e tiva e descer
movimentos sociais, que atravessam o campo conflitivo do ambiental e afe- que permita
tam as formas de percepgáo, acesso e usufruto dos recursos naturais, assim gragáo intel
como a qualidade de vida e os estilos de desenvolvimento das populagóes. abertura de
Esse conjunto de processos sociais — em que se entrelagam as relagóes entre A conste
as formagóes teóricas e ideológicas, a produgáo de saberes e conhecimentos, social que p:

240
RACIONALIDADE AMBIENTAL

t com- a organizagáo produtiva e as práticas sociais induzidas pelos valores do


le fun- ambientalismo — orienta as agóes para construir urna nova racionalidade
ttravés social e para transitar a urna economía global sustentável.
refle- A questáo ambiental é urna problemática eminentemente social, gerada
por um conjunto de processos económicos, políticos, jurídicos, sociais e cul-
turais. Esse campo emergente foi abordado por um pensamento da comple-
t social xidade no qual predomina urna visáo ecológica do mundo. A conexáo entre
liana a o social e o natural esteve guiada pelo propósito de internalizar normas eco-
da luta lógicas e tecnológicas ás teorias e ás políticas económicas, deixando á mar-
nvolvi- gem a análise do conflito social e as relagóes de poder que ali se plasmam e
terface se tornam manifestas em torno das estratégias de apropriagáo social da natu-
lbiente reza. Os processos de destruigáo ecológica e degradagáo socioambiental
npleta. (perda de fertilidade dos solos, marginalizagáo social, desnutrigáo, pobreza
enhum e miseria extrema) foram resultado de práticas inadequadas de uso do solo
inves- e dos recursos naturais, que derivam de um modelo depredador de cresci-
ta mento e de padróes tecnológicos guiados pela racionalidade da maximiza-
láo do benefício económico de curto prazo, o qual despeja seus custos sobre
-sena os sistemas naturais e sociais.
dade e A resolugáo dos problemas ambientais, assim como a possibilidade de
uldade incorporar condigóes ecológicas e bases de sustentabilidade aos processos
s apro- económicos — de internalizar as externalidades ambientais na racionalidade
re pro- económica e nos mecanismos do mercado — e para construir urna raciona-
na ten- lidade ambiental e um estilo alternativo de desenvolvimento, implica a ad-
ts valáo de um conjunto de processos sociais: a incorporagáo dos valores do
ambiente na ética individual, nos direitos humanos e nas normas jurídicas
tradig- que orientam e sancionam o comportamento dos atores económicos e
sociais; a socializagáo do acesso e a apropriagáo da natureza; a democratiza-
láo dos processos produtivos e do poder político; as reformas do Estado que
rrodu- Ihe permitam mediar a resolugáo de conflitos de interesse em torno da pro-
urna priedade e aproveitamento dos recursos e que favoregam a gestáo participa-
:icas e tiva e descentralizada dos recursos naturais; as transformagóes institucionais
e afe- que permitam urna administragáo transversal do desenvolvimento; a inte-
assi m graláo interdisciplinar do conhecimento e da formagáo profissional e a
agóes. abertura de um diálogo entre ciéncias e saberes náo científicos.
entre A construgáo de uma racionalidade ambiental é um processo político e
rotos, social que passa pela confrontagáo e concertagáo de interesses opostos; pela

241
ENRIQUE LEFF

reorientando de tendéncias (dinámica populacional, crescimento económi- racionalida


co, padróes tecnológicos, práticas de consumo); pela ruptura de obstáculos social e nos
epistemológicos e barreiras institucionais; pela inovagáo de conceitos, méto- natureza e
dos de investigagáo e conhecimentos e pela construgáo de novas formas de nalidade de
organizagáo produtiva. O saber ambiental, mesmo em suas construgóes teó- O cono
ricas e conceituais mais abstratas, emerge do questionamento de urna racio- Weber faz (
nalidade insustentável, com o objetivo prático de solucionar problemas e de e sua mater
elaborar políticas de desenvolvimento sustentável (Walker, 1987; Dwedi, de e em pa
1986). Em um sentido mais crítico e propositivo, o saber ambiental se orien- racional coi
ta para a construgáo de urna nova racionalidade social. Nessa perspectiva, as racionalizas
formagóes teóricas e ideológicas, assim como as práticas do ambientalismo, condutas sc
emergem com um sentido prospectivo e utópico, reorientando valores, ins- racionalida(
trumentando normas e estabelecendo políticas para construir sociedades agáo que se
sustentáveis. cas, legitirm
O saber ambiental adquire um sentido estratégico na reconstrugáo da gáo da socie
realidade social (Mannheim, 1936, 1940). 0 saber ambiental se configura a e agóes soci
partir de seu espato de externalidade e negatividade, como um novo concei- truídos, que
to epistémico no qual se desenvolvem as bases conceituais para abordar a titucionais e
realidade complexa na qual se articulara processos de diferentes ordens de
materialidade (física, biológica, social), fundamentando e promovendo a 1) Racic
construgáo de urna nova racionalidade social, que incorpora as condigóes mento, tant(
ecológicas e sociais de um desenvolvimento eqüitativo e sustentável. Essas zando estas
transformagóes teóricas e sociais implicara a necessidade de elucidar os pro- de objetivos
cessos ideológicos, os interesses sociais e as formas de organizagáo que se segundo val(
plasmam na ética, nos princípios e nos objetivos do movimento ambientalis- tico, religios
ta, assim corno a praxeologia que orienta a agáo social para a construgáo de e absoluto d
urna racionalidade ambiental. puramente e
minada por
por um hábi
Weber d
MAX WEBER E O CONCEITO DE RACIONALIDADE trumental e
cionais da e(
A questáo ambiental confronta a racionalidade que constituiu urna camisa- permite o co
de-forga na qual se forjou a modernidade — a orientagáo da agáo para fins tos cada vez
preestabelecidos; a preeminéncia da razáo económica e tecnológica, a hipe- racionalidad
reconomizagáo e hiperobjetivagáo do mundo — para construir urna nova culo em capi

242
RACIONALIDADE AMBIENTAL

nómi- racionalidade, que recupere o sentido do pensamento e da agáo na ordem


iculos social e nos mundos de vida das pessoas, que integre a razáo e os valores, a
méto- natureza e a cultura. Para isso, será necessário recuperar o conceito de racio-
las de nalidade de Weber e atraí-lo para a problemática atual da sustentabilidade.
s teó- O conceito de racionalidade constitui a pega-chave para a análise que
racio- Weber faz da constituigáo da sociedade moderna: as formas da consciéncia
Ls e de e sua materializagáo na racionalidade das instituigóes sociais da modernida-
de e em particular o racionalismo da cultura ocidental, que orienta a agáo
orien- racional com definigáo de objetivos e dessa maneira conduz um processo de
iva, as racionalizagáo que legitima tais objetivos e mobiliza desejos, aspiragóes e
lismo, condutas sociais para alcangá-los. Nesse contexto teórico-metodológico, a
s, ins- racionalidade social é definida como o sistema de regras de pensamento e
dades agáo que se estabelecem dentro de esferas económicas, políticas e ideológi-
cas, legitimando determinadas agóes e conferindo um sentido de organiza-
láo da gáo da sociedade em seu conjunto. Essas regras orientam processos, práticas
gura a e agóes sociais para determinados fins, através de meios socialmente cons-
oncei- truídos, que se refletem em sistemas de crengas, normas morais, acertos ins-
rdar a titucionais e padróes de produgáo. Para Weber, a agáo social pode ser:
1ns de
ndo a 1) Racional segundo fins: determinada por expectativas no comporta-
digóes mento, tanto de objetos do mundo exterior como de outros homens, e utili-
Essas zando estas expectativas como "condigóes" ou "meios" para a consecugáo
,s pro- de objetivos próprios racionalmente avaliados e perseguidos. 2) Racional
iue se segundo valores: determinada pela crenga consciente do valor — ético, esté-
ntalis- tico, religioso, ou de qualquer outra forma como se o interprete — próprio
¡áo de e absoluto de determinada conduta, sem relagáo com o resultado, ou seja,
puramente em méritos desse valor. 3) Afetiva, especialmente emotiva, deter-
minada por afetos e estados sentimentais atuais. 4) Tradicional: determinada
por um hábito arraigado (Weber, 1983: 20).
Weber distingue tipos distintos de racionalidade — teórica, formal, ins-
trumental e material ou substantiva —, que operam sobre as esferas institu-
cionais da economia, do direito e da religiáo. A racionalidade teórica, que
imisa- permite o controle consciente da realidade, através da elaboragáo de concei-
a fins tos cada vez mais precisos e abstratos, se articula na modernidade a uma
hipe- racionalidade formal, cuja expressáo mais contundente e dominante é o cál-
nova culo em capital, que rege os modos de produgáo e os mundos de vida das

243
ENRIQUE LEFF

pessoas. Essas concepgóes do mundo se refletem na esfera jurídica nas regras cazes. A rac
processuais abstratas do direito, e na esfera económica se traduzem em teo- de axiológic
rias da produgáo e em princípios do cálculo económico que determinara as rentes. Ness
formas sociais de apropriagáo da natureza, da exploragáo de recursos e na agáo tradici
degradagáo do ambiente. A racionalidade instrumental implica a consecugáo economias
metódica de determinado objetivo prático através de um cálculo preciso de suportam ot
meios eficazes. Na esfera económica, traduz-se em uma elaboragáo e uso de Para W
técnicas eficientes de produgáo e em formas eficazes de controle da nature- formal, sob
za, assim como na racionalidade do comportamento social para alcangar ciona com
certos objetivos (económicos, políticos); na esfera do direito, se plasma nos dade instrur
ordenamentos legais que normatizam a conduta dos agentes sociais.
A racionalidade material ou substantiva ordena a agáo social em padróes O centre
baseados em postulados de valor. Se bem que a opgáo entre distintos siste- mento e
mas de valores náo possa justificar-se racionalmente, a forma como os sujei- consegui
tos orientara suas agóes conforme entes valores é suscetível de avaliagáo em ao extre
termos de processos de racionalizagáo ideológica, de consisténcia de suas
"exigéncias" e "mandatos", e da eficácia de agóes sociais para alcangar seus O conce
objetivos. Weber afirmará que o conceito de racionalidade material sentidos se <
trou sua for(
é completamente equivocado. [Nele] se apresentam exigéncias éticas, políti- o funcionan
cas, utilitárias, hedonistas, estamentais, igualitárias ou de qualquer outra de racionali(
classe e desse modo se medem as conseqüéncias da gestáo económica [...] tica ambien
segundo valores e fins materiais [...] Atua estritamente de um modo racional sociais e nati
segundo valores quem, sem consideragáo das conseqüéncias previsíveis, age da sobre os c
a servigo de suas convicgóes sobre o que o dever, a dignidade, a beleza, a nómicos e ji
sabedoria religiosa, a piedade ou a transcendéncia de urna "causa", qualquer sociais; que
que seja o seu género, parecem ordenar-lhe. Urna agáo racional segundo a eficácia aos
valores é sempre [...] urna agáo segundo "mandatos" ou de acordo com "exi- Nesses terml
géncias" que o ator cré dirigidas a ele (e em relagáo ás quais o ator se cré — mais que
comprometido) (Weber, 1983: 64 5; 20 1).
- - de processos
depredadora
Os postulados de valor variara em conteúdo, compreensáo e coeréncia de outra raci
interna em sua relagáo com as bases materiais que dáo suporte a toda a0o so de gestác
que conduz á sua consecugáo. No entanto, a agáo orientada por valores orientada pe
pode também romper ou extrapolar os princípios da racionalidade formal e Na análi
instrumental dentro de um esquema de relagóes entre objetivos e meios efi- significagáo

244
RACIONALIDADE AMBIENTAL

regras cazes. A racionalidade substantiva acolhe a diversidade cultural, a relativida-


teo- de axiológica e o conflito social que emergem entre valores e interesses dife-
tam as rentes. Nesse sentido, a racionalidade substantiva náo é um campo restrito á
s e na agio tradicional, guiada pelo costume, pela dominagáo de gerontocracias e
cugáo economias patrimoniais, mas abre-se para outros valores mais atuais que
iso de suportam ou enfrentam os princípios da racionalidade formal e instrumental.
aso de Para Weber, o protótipo da racionalidade moderna é a racionalidade
ature- formal, sobretudo em sua expressáo na racionalidade económica que fun-
:angar ciona com base em um cálculo em capital e á qual se subordina a racionali-
la nos dade instrumental. Assim, considera que

tdróes O centro de gravidade do desenvolvimento técnico está em seu condiciona-


siste- mento económico; sem o cálculo racional como base da economia e, por
sujei- conseguinte, sem a existéncia de condigóes histórico-económicas concretas
áo em ao extremo, tampouco teria surgido a técnica racional (Weber, 1983: 49).
e suas
.r seus O conceito de racionalidade em Weber náo é um conceito unívoco; seus
sentidos se especificam em cada uma das esferas de racionalidade 12 e mos-
trou sua forra teórica no campo da sociologia para explicar a constituigáo e
políti- o funcionamento do Estado moderno e da empresa capitalista. O conceito
outra de racionalidade abre importantes perspectivas para a análise da problemá-
:a [..] tica ambiental; náo por sua referéncia direta á relagáo entre processos
cional sociais e naturais, mas sim porque torna possível refletir de maneira integra-
is, age da sobre os diferentes processos — ideológicos, técnicos, institucionais, eco-
eza, a nómicos e jurídicos — que permitem pensar, legitimar e sancionar agóes
alquer sociais; que determinam as transformagóes da natureza e dáo coeréncia e
ndo a eficácia aos princípios materiais e aos valores éticos do ambientalismo.
"exi- Nesses termos de formas de racionalidade e de processos de racionalizagáo
se cré — mais que de modos de produgáo —, é possível compreender o complexo
de processos sociais que determinam a constituigáo de relagóes de produgáo
depredadoras da natureza, ou que projetam a agáo social para a construgáo
•éncia de outra racionalidade produtiva, até a colocagáo em prática de um proces-
. agáo so de gestáo participativa da sociedade sobre seus recursos produtivos,
Llores orientada pelos objetivos de um desenvolvimento sustentável.
mal e Na análise da conduta humana, Weber coloca o acento no conceito da
)s efi- significagáo vivida ou de sentido subjetivo, á diferenga de Pareto, que des-

245
ENRIQUE LEFF

vagáo dos pr
carta os aspectos subjetivos como um desvio ou resíduo da conduta lógica
ideal. Weber abre, assim, a possibilidade de incorporar ao estudo da racio- táo ambienta
góes técnica!
nalidade social os aspectos qualitativos dos valores culturais, assim como as
ambiental, qi
motivagóes e forras sociais que se plasmam no campo da ecologia política.
desenvolvimi
Enquanto Pareto ressalta os tragos ideais comuns, Weber compreende os sis-
inventários
temas sociais e intelectuais dentro de seus tragos singulares. Com o conceito
património e
de racionalidade substantiva, Weber rechaga a validade de uma hierarquia
universal de objetivos, contrapondo urna diversidade de valores e estabelecen- 1996), para i
tais aos instri
do a incomensurabilidade de objetivos e meios entre diferentes racionalida-
manejo dos r
des. 13 Os processos de racionalizagáo — movimentos sociais, transformagóes
Os princ:
teóricas, ordenamentos jurídicos — que orientam a construgáo de urna racio-
tionados pela
nalidade ambiental sáo suscetíveis de serem sistematizados e de lhes serem
dade do dese
atribuídas prioridades, mas náo é possível estabelecer neles urna ordem hie-
ta está domir
rárquica de racionalidade. 14 Nesse sentido, Weber abre o pensamento socio-
dade ambiem
lógico para a análise da diversidade cultural, dos sentidos subjetivos e dos
tiva, que inc.
valores éticos que mobilizam os atores sociais do ambientalismo em uma pers-
sobre o quan
pectiva afim com os princípios de pluralidade política e diversidade cultural.
e os potencia
O conceito de racionalidade, como um sistema de raciocínios, valores,
ecotecnológi
normas e agóes que relaciona meios e fins, permite analisar a coeréncia de
implica a nec
um conjunto de processos sociais que intervém na construgáo de urna teoria
execugáo, e c
da produgáo e da organizagáo social fundada nos potenciais da natureza e
agóes sociais
nos valores culturais. O conceito de racionalidade ambiental permitiria sis-
A constit
tematizar os princípios materiais e axiológicos de sua teoria, organizar a
sustentabilida
constelagáo de argumentos que configuram o saber ambiental, e analisar a
formagáo da :
coeréncia e eficácia do conjunto de agóes deslocadas para a consecugáo de
das práticas
seus objetivos. Ao mesmo tempo, permite ver a confrontagáo e a conviven-
mentam seus
cia de racionalidades que náo se submetem a urna lógica unificadora, suas
de ambiental
estratégias de poder e o diálogo possível que estabelecem em urna política da
cipativa da sc
diferenga. 15
um saber am
O pensamento ambiental elaborou princípios conceituais, políticos e éti-
ao comporta:
cos que sustentam urna teoria alternativa do desenvolvimento, que incorpo-
organizagóes
ra os potenciais da natureza e os valores da democracia participativa a novos
que deveriam
esquemas de organizagáo social. Esta teoria está legitimando um conjunto
ambiental exi
de direitos que normatizam o comportamento social para gerar estratégias
modernidade
materiais e mobilizam agóes sociais para gerar estratégias alternativas de
trugáo da raci
produgáo, assim como novos padróes de consumo e estilos de vida. A efeti-

246
RACIONALIDADE AMBIENTAL

valáo dos princípios do ambientalismo requer instrumentos eficazes de ges-


;ica
táo ambiental. Assim foram sendo elaborados ordenamentos legais e inova-
:io-
góes técnicas para o controle da contaminagáo e a avaliagáo do impacto
1 as
ambiental, que normatizam a tomada de decisóes a respeito de projetos de
Lca.
desenvolvimento; do mesmo modo, apresentou-se a necessidade de elaborar
sis-
inventários e indicadores de sustentabilidade (Cepal, 1991) e contas do
tito
património dos recursos naturais e culturais (Sejenovich e Gallo Mendonza,
uia
1996), para incorporar as condigóes ecológicas e as externalidades ambien-
en-
tais aos instrumentos do cálculo económico e avaliar práticas alternativas de
da-
manejo dos recursos.
óes
Os princípios de racionalidade económica e tecnológica sáo assim ques-
donados pelas condigóes ecológicas e pelos princípios de diversidade e eqüi-
em
dade do desenvolvimento sustentável. Assim como a racionalidade capitalis-
iie-
ta está dominada por urna racionalidade formal e instrumental, a racionali-
:io-
dade ambiental se sustenta em princípios de racionalidade teórica e substan-
los
tiva, que inclui os valores da diversidade étnica e cultural, do qualitativo
sobre o quantitativo. Esses valores se articulam com os princípios materiais
al.
e os potenciais produtivos que sustentam um paradigma de produtividade
:es,
ecotecnológica 16 para impulsionar um desenvolvimento sustentável. Isso
de
implica a necessidade de elaborar seus próprios instrumentos de avaliagáo e
aria
execuláo, e os meios que assegurem a eficácia das estratégias políticas e das
ae
kóes sociais para alcangar seus objetivos.
sis-
A constituigáo de urna racionalidade social fundada nos princípios de
ra
sustentabilidade implica um conjunto de processos de desconstrugáo e trans-
ra
formagáo da racionalidade económica assim como dos aparatos ideológicos,
de
das práticas institucionais e das instáncias de poder que legitimam e instru-
mentam seus procedimentos e suas agóes. A construgáo de urna racionalida-
zas
de ambiental implica a administragáo transversal do Estado e a gestáo parti-
da
cipativa da sociedade para o desenvolvimento sustentável, a construgáo de
um saber ambiental interdisciplinar, a incorporagáo de normas ambientais
ao comportamento dos agentes económicos, as condutas individuais e as
organizagóes sociais. Mas, além de apresentar novos valores, objetivos e fins
que deveriam ser orientados pelo pensamento e a agáo racional, a questáo
ito
ambiental expressa a crise da racionalidade na qual foi fundado o projeto de
ias
modernidade. A racionalidade ambiental é construída a partir da descons-
de
trugáo da racionalidade económica e científica da modernidade.
•ti-

247
ENRIQUE LEFF

A CONSTRUYO DO CONCEITO DE RACIONALIDADE AMBIENTAL pela idéia c


meios eficaz
O discurso ambientalista aponta para um conjunto de mudangas institucio- to da razáo
nais e sociais necessárias para conter os efeitos ecodestrutivos da racionali- originária n
dade económica e assegurar um desenvolvimento sustentável. A sociedade preensáo de
capitalista gerou um processo de racionalizagáo formal e instrumental cres- lizagáo forn
cente, que moldou todos os ámbitos da organizagáo burocrática, os métodos económica -
científicos e os padróes tecnológicos, assim como os diversos órgáos do A crítica
corpo social e os aparatos do Estado, penetrando na pele e na intimidade co a que —
dos mundos de vida das pessoas. A questáo ambiental náo apenas apresenta e Marcuse -
a necessidade de introduzir reforma no Estado, de incorporar normas ao sigáo dessa 1
comportamento económico, de produzir técnicas para controlar os efeitos relagáo a es:
contaminantes e dissolver as externalidades sociais e ecológicas geradas pela poderia ser
racionalidade do capital. Questiona sobretudo a possibilidade de alcangar a náo pensad(
sustentabilidade dentro da racionalidade social fundada no cálculo econó- modernidac
mico, na formalizagáo, controle e uniformizagáo dos comportamentos (Heidegger),
sociais e na eficiéncia de seus meios tecnológicos. preensáo, de
Os princípios de racionalidade nos quais se fundou a civilizagáo moder- poderá valor
na induziram um processo global de degradagáo socioambiental que dilapida ráo de mobi
as bases de sustentabilidade do processo económico, minando os princípios morte simbó
de eqüidade social e negando os valores da diversidade. A questáo ambiental der como a s
abre assim novas perspectivas ao desenvolvimento, descobrindo novos nalidade, é
potenciais ecológicos e sociais, transformando os sistemas de produgáo e de destruiu as 1
conhecimento, estabelecendo novos princípios éticos que — antes e além de atual. Tal de:
toda ontologia, de toda epistemologia e de todo imperativo de objetividade, nio do critér
eficácia e produtividade — reorientam o comportamento da sociedade numa capaz de ori(
racionalidade alternativa. outros princ
Mas em que sentido podemos falar de "racionalidade" — de outra A racion
racionalidade — guando pretendemos desmascarar e desconstruir os pró- implica um e
prios alicerces que dáo corpo e sentido ao conceito moderno de racionalida- imaginar, de
de? O conceito de racionalidade permanece dominado (codificado, repre- contexto, as
sentado) pelo princípio de uma condugáo "racional" do pensamento e da oposigáo de
agáo para alcangar objetivos racionalmente estabelecidos. Isso instaura um submeter a n
critério discriminatório na razáo, no pensamento e na agáo entre as diferen- nalizar um si
tes formas de ordenamento simbólico e de significagáo do mundo, assim co- tal. A diferer
mo nos comportamentos sociais — nas tradigóes, costumes e emogóes se expressa

248
RACIONALIDADE AMBIENTAL

pela idéia de alcangar objetivos preestabelecidos da construgáo social de


meios eficazes. A dicotomia entre a razáo (um tipo particular de ordenamen-
titucio- to da razáo), os sentimentos e os comportamentos exacerbou a disjungáo
:ionali- originária no pensamento metafísico ocidental entre o ser e o ente na com-
:iedade preensáo do mundo. E é esse processo globalizante e totalitário de raciona-
al cres- liznáo formal — cuja expressáo mais acabada é a racionalidade científica e
rétodos económica — o que conduziu á crise ambiental.
,áos do A crítica á racionalidade da modernidade ultrapassa o pensamento críti-
midade co a que — de Marx a Habermas, passando por Weber, Horkeimer, Adorno
resenta e Marcuse — se recorreu para combater as formas de manifestagáo e impo-
mas ao siláo dessa racionalidade na sociedade. E, no entanto, o distanciamento em
efeitos relagáo a esse cerco de racionalidade formal, instrumental, capitalista náo
las pela poderia ser urna renúncia á razáo, á condugáo da agáo através de sentidos
angar a náo pensados. Este salto para fora do imperativo categórico da razáo da
econó- modernidade implica colocar o pensamento a servigo do "por pensar"
mentos (Heidegger). Esse novo pensamento coloca em jogo diversas formas de com-
preensáo, de entendimento, de valoragáo. O abstencionismo da razáo náo
moder- poderá valorizar potenciais ocultos nem desentranhar os sentidos que have-
lilapida ráo de mobilizar a agáo social diante da morte entrópica do planeta e da
ncípios morte simbólica da humanidade. Além do propósito de Weber de compreen-
Lbiental der como a sociedade moderna foi construída a partir dos axiomas da racio-
novos nalidade, é necessário compreender as vias pelas quais esta racionalidade
áo e de destruiu as bases de sustentabilidade e os sentidos existenciais do mundo
dém de atual. Tal desconstrugáo do processo histórico construído sobre o predomí-
vidade, nio do critério de racionalidade vai ao encontro de urna nova racionalidade
e numa capaz de orientar as agóes sociais para um futuro sustentável, sobre a base de
outros princípios teóricos e éticos.
outra A racionalidade ambiental que orienta a construgáo da sustentabilidade
)s pró- implica um encontro de racionalidades — de formas diferentes de pensar, de
nalida- imaginar, de sentir, de significar e de dar valor ás coisas do mundo. Nesse
repre- contexto, as contradigóes entre ecologia e capital váo além de urna simples
ro e da oposigáo de duas lógicas abstratas contrapostas; sua solugáo náo consiste em
ira um submeter a racionalidade económica á lógica dos sistemas vivos ou em inter-
iferen- nalizar um sistema de normas e condigóes ecológicas na dinámica do capi-
árn co- tal. A diferenga entre a racionalidade ambiental e a racionalidade capitalista
les —, se expressa na confrontagáo de interesses sociais arraigados em estruturas

249
ENRIQUE LEFF

institucionais, paradigmas de conhecimento, formas de compreensáo do náo se dedi


mundo e processos de legitimagáo, que enfrentam diferentes agentes, classes guiada pela
e grupos sociais. A racioi
As agóes e políticas ambientais náo se circunscrevem nos princípios de lógica no pi
uma racionalidade ecológica, pois, como observou George Canguilhem, dade e urna
apesar de a evolugáo biológica ser um processo finalizado (teleonomia), questiona a
faltam-lhe seus órgáos de legitimagáo. A "lógica" da unidade económica nalidade cie
camponesa e o "estilo" étnico de urna cultura remetem a racionalidades nalidade,
sociais constituídas como sistemas complexos de crengas, comportamentos, "irracionali
agóes e práticas, irredutíveis a uma lógica comum e unificadora. A raciona- A trans
lidade ambiental náo é a expressáo de urna lógica, mas sim um nó complexo ambiental ii
de processos materiais e simbólicos, de raciocínios e significados construídos comuns de
por um conjunto de práticas sociais e culturais, heterogéneas e diversas. Os aparatos do
princípios que organizara esses processos e lhes dáo sentido, através de da questáo
regras, meios e fins socialmente construídos, ultrapassam as leis derivadas da discurso e d
estrutura de um modo de produgáo. Por isso o propósito de resolver as con- flito através
tradigóes entre a lógica do capital, a dinámica dos processos ecossistémicos e global" e ei
as leis biológicas deve prevenir-se para náo cair em uma fácil analogia entre a saber ambie
organizagáo dos sistemas sociais e os sistemas biológicos. 17 um propósi
Além da ecologizagáo da ordem social, a construgáo de urna racionalida- infinidade
de ambiental apresenta a intervengáo de um conjunto de processos sociais: ambiental. I
a reforma democrática do Estado para canalizar a participagáo da sociedade dade ambiei
na gestáo dos recursos; a reorganizagáo transversal da administragáo públi- explícitos e
ca; a formagáo de uma ética ambiental; a construgáo de um novo saber, que meios; de n
além de sua relagáo de objetividade com o mundo se dá em sua relagáo com cas e valore
o ser. O princípio de gestáo participativa dos recursos ambientais tem impli- teorias e co
cagóes que ultrapassam a incorporagáo dos critérios de racionalidade ecoló- conjunto 1
gica dentro dos instrumentos de racionalidade económica, no comporta- orientar as j
mento dos atores sociais do movimento ambientalista e nas práticas da ges- mo e legan
táo ambiental. A racionalidade ambiental náo é, pois, a expressáo de urna sociais para
lógica ou de uma lei (do valor, do mercado, da entropia, do equilíbrio eco- sustentável.
lógico); é a resultante de um conjunto de normas, significados, interesses, Nesse "
valores e agóes que náo se dáo fora das leis da natureza, mas que a socieda- tro da norrr
de náo se limita simplesmente a imitar. Assim, a dialética entre lógicas opos- valores: ao
tas se traduz em urna dialética social que induz transformagóes do conheci- tantiva, a ca
mento e das bases materiais dos processos produtivos. É uma dialética que dos princíp

250
RACIONALIDADE AMBIENTAL

sáo do náo se deduz de urna ontología do real, mas que emerge de urna dialógica
classes guiada pela outridade.
A racionalidade capitalista associou-se á racionalidade científica e tecno-
Dios de lógica no propósito de incrementar a capacidade de controle social da reali-
[ilhem, dade e urna eficácia crescente entre meios e fins. A problemática ambiental
Lom i a), questiona a legitimidade desta racionalidade social fundada em urna racio-
cómica nalidade científica que aparece como o instrumento mais elevado de racio-
lidades nalidade, capaz de resolver, a partir de seu crescente poder de predigáo, as
lentos, "irracionalidades" ou externalidades do sistema. 18
aciona- A transigáo de urna racionalidade capitalista para urna racionalidade
riplexo ambiental implica a confrontagáo de interesses e a combinagáo de objetivos
truídos comuns de diversos atores sociais que incidem em todas as instáncias dos
sas. Os aparatos do Estado (Althusser, 1971). Estes configurara o campo conflitivo
tvés de da questáo ambiental, que prevalece e se manifesta além do propósito do
idas da discurso e da política de desenvolvimento sustentado de dissolver esse con-
as con- flito através de um consenso mundial em torno dos desafios da "mudanga
riicos e global" e em face do "futuro comum" da humanidade. Nesse contexto, o
entre a saber ambiental se apresenta como um pensamento crítico que avanga com
um propósito estratégico, transformando os conceitos e métodos de uma
nalida- infinidade de disciplinas e construindo novos instrumentos para a gestáo
ambiental. Isso conduz a um primeiro nível na construgáo de uma racionali-
:iedade dade ambiental, que implicaria o ordenamento de um conjunto de objetivos,
públi- explícitos e implícitos, do desenvolvimento sustentável; de instrumentos e
er, que meios; de métodos e técnicas de produgáo; de regras sociais, normas jurídi-
ío com cas e valores culturais; de sistemas de conhecimento e de significagáo; de
impli- teorias e conceitos. A racionalidade ambiental estaria constituída por um
ecoló- conjunto de critérios para a tomada de decisóes dos agentes sociais, para
[porta- orientar as políticas públicas, normatizar os processos de produgáo e consu-
ges- mo e legitimar as agóes e comportamentos de diferentes atores e grupos
le urna sociais para alcangar certos fins definíveis e objetivos de desenvolvimento
[o eco- sustentável. 19
Tesses, Nesse "primeiro nível", a racionalidade ambiental intervém ainda den-
)cieda- tro da norma que conduz o pensamento e a agáo segundo novos objetivos e
; opos- valores: ao integrar processos de racionalidade teórica, instrumental e subs-
mheci- tantiva, a categoria de racionalidade ambiental permite analisar a coeréncia
ca que dos princípios do ecologismo em suas formagóes discursivas, as reformas

251
ENRIQUE LEFF

administrativas do Estado, as normas jurídicas e as mudangas institucionais, valores e pr


para alcangar certos objetivos estabelecidos. A racionalidade ambiental arti- paráveis col
cula as bases materiais, os instrumentos técnicos, as normas legais e as agóes rio de medi
sociais em uma perspectiva integrada, e funciona como um conceito heurís- cessos ecok
tico para analisar e orientar os processos e as agóes ecologistas até esses obje- ambientais
tivos. No entanto, o sentido da racionalidade ambiental ultrapassa os objeti- argumentag
vos do ordenamento ecológico. A racionalidade ambiental é construída e Weber havil
concretizada através da relagáo entre a teoria e a práxis que surge no terre-
no prático de urna problemática social generalizada, orientando o saber no A come,
campo estratégico do poder e da agáo política. A categoria de racionalidade produgá
ambiental dá coeréncia aos enunciados teóricos do discurso ambiental e á de renta
eficácia em seus momentos de "expressáo", quer dizer, ao poder transforma- em dinh
dor do conceito em suas aplicagóes práticas. 2° difíceis
A orientando de critérios e agóes para alcangar os objetivos da sustenta- natural
bilidade implica urna praxeologia que dé eficácia aos diversos processos que de uma
conduzem as agóes sociais para a concretizagáo de seus objetivos, e em suas forma cc
estratégias de poder diante da racionalidade capitalista, considerando as isso, cab
diferengas e o antagonismo entre ambas as racionalidades, pois, como obser- produzir
va Marcuse, [...] A im
tural pa:
No desenvolvimento da racionalidade capitalista, a irracionalidade se con- apóia en
verte em razáo: razáo como desenvolvimento desenfreado da produtivida- postulad
de, conquista da natureza, ampliagáo da massa de bens; mas irracional, por- ciéncia p
que o incremento da produtividade, do domínio da natureza e da riqueza for o val
social se convertem em forras destrutivas (Marcuse, 1972: 207). cia [...] I
natureza
A superexploragáo dos recursos naturais e da forra de trabalho, a degra-
dagáo ambiental e a deterioragáo da qualidade de vida, antes problemas E, como
marginais (embora funcionais) para o sistema económico, foram adquirindo rial chegam
em seu processo cumulativo e expansivo do capital um caráter crítico para segunda:
seu crescimento. Daí o propósito de internalizar as externalidades ambien-
tais refuncionalizando a racionalidade económica e seus paradigmas de Como cr
conhecimento reorientados para os objetivos da sustentabilidade. No con- a experié
ceito de racionalidade ambiental prevalece um valor de adaptaláo e convi- formal e
vencia sobre a vontade de domínio da natureza no qual se fundam a racio- única cla:
nalidade capitalista e os paradigmas da ciéncia moderna. Os princípios, ro [—] ap

252
RACIONALIDADE AMBIENTAL

valores e processos que constituem urna racionalidade ambiental sáo incom-


arti- paráveis com urna racionalidade capitalista e irredutíveis a um padráo unitá-
lóes rio de medida; nem as preferéncias dos consumidores futuros, nem os pro-
rrís- cessos ecológicos de longo prazo, nem os valores humanos, nem os direitos
lbje- ambientais sáo traduzíveis a valores monetários atuais. Adiantando-se ás
jeti- argumentagóes da economia ecológica e á diferenciagáo de racionalidades,
la e Weber havia afirmado que
rre-
- no A comparagáo de processos produtivos de distinta natureza com meios de
'ade produgáo de distintas classes e múltipla aplicabilidade é coisa que o cálculo
eá de rentabilidade da exploragáo resolve para seus fins servindo-se dos custos
ma- em dinheiro, enquanto para o cálculo natural se oferecem aqui problemas
difíceis que náo podem ser resolvidos de um modo objetivo [...] o cálculo
lta- natural ndo poderia resolver o problema da imputaldo do rendimento total
que de urna exploragáo a seus "fatores" e disposigóes particulares, da mesma
luas forma como o cálculo de rentabilidade em dinheiro hoje faz isso; e que por
► as ísso, cabalmente, o atual abastecimento de massas por meios de exploralóes
;e r- produzindo em massa opóe a mais forte resisténcia áquela forma de cálculo
[...] A impossibilidade de uma solugáo racional (aos problemas do cálculo na-
tural para urna "socializagáo plena") apenas indicaría [...] que este náo se
on- apóia em postulados técnicos, mas em todo socialismo de convicOes em
da- postulados éticos de outra classe, igualmente absolutos; coisa que nenhuma
or- ciéncia pode empreender [...] A racionalidade formal e material (seja qua/
eza for o valor que a oriente) discrepam em princípio em qualquer circunstán-
cia [...] Pois a racionalidade formal do cálculo ndo diz em si nada sobre a
natureza da distribuigáo dos bens naturais (Weber, 1983: 78, 79, 80, 83).
ra-
tas E, como insiste Weber, se a racionalidade formal e a racionalidade mate-
do rial chegam a "coincidir", náo é senáo pela pressáo da primeira sobre a
.ra segunda:
n-
ie Como critério racional da produgáo para um número máximo de homens,
n- a experiéncia dos últimos decénios mostra a coincidéncia da racionalidade
formal e material, em razáo do tipo de impulsos que póem em movimento a
D- única classe de agáo social económica que é adequada ao cálculo do dinhei-
S, ro [...] apenas em conexáo com a forma de distribuigáo dos ingressos a racio-

253
ENRIQUE LEFF

nalidade formal pode nos dizer algo sobre o modo de abastecimento mate- outra racic
rial (Weber, 1983: 83). cagóes culi
c) uma
Além do sentido que adquire esse primeiro nível de compreensáo e apli- funcionais
cabilidade dos princípios de uma racionalidade ambiental, entendida como desenvolvi
novos imperativos e objetivos a alcangar, esta náo poderia reduzir-se a urna da racional
investigagáo de operagóes ou a um método sistémico com o propósito de zes — que
organizar mais eficazmente meios limitados para alcangar os objetivos — a transigác
mais ecológicos e complexos, porém quantificáveis — da sustentabilidade. poder do n
O ambientalismo questiona a racionalidade formal e instrumental da civili- d) urna
zagáo moderna — a codificagáo e valorizagáo da natureza em termos de um góes que cc
cálculo de capital e a racionalidade económica guiada pelas forgas cegas do sas, que dá
mercado —, para construir outra racionalidade, fundada em outros princí- tivas. A rac
pios e valores, em outros forgas materiais e meios técnicos, através da mobi- ambientais
lizagáo de recursos humanos, naturais, culturais e gnosiológicos que impe- lidade forro
dem que suas estratégias possam ser avaliadas em termos do modelo de
racionalidade gerado pelo capitalismo. Trata-se, entáo, de analisar os pro- Além d.
cessos de legitimagáo e as possibilidades de realizagáo dos propósitos trans- racionalidal
formadores do ambientalismo, diante das restrigóes impostas a seu processo apresenta o
de construgáo pela institucionalizagáo dos mecanismos de mercado, da que esta pa
razáo tecnológica e da lógica do poder estabelecidos. A racionalidade lizada, com
ambiental se constrói, assim, mediante a articulagáo de quatro níveis de te de urna s
racionalidade: para a comí
produtivil
a) uma racionalidade material ou substantiva que estabelece o sistema de
movimento
valores que normatizam os comportamentos sociais e orientam as agóes para
racionalidac
a construgáo de urna racionalidade social fundada nos princípios teóricos
social. No el
(saber ambiental), materiais (racionalidade ecológica) e éticos (racionalidade
meios "ecoll
axiológica) da sustentabilidade.
rar a incerte
b) uma racionalidade teórica que constrói os conceitos que articulam os
valores da racionalidade substantiva com os processos materiais que a sus- multicriteril
tentam. A teoria torna inteligível urna concepgáo da organizagáo social em outros saber
seu conjunto e dessa maneira orienta a agáo prática para a sua construgáo.
Fora de toda lógica que se construiria em urna racionalidade formal que
codifica e constrange todas as ordens de racionalidade (como a lógica formal
do capital), a racionalidade teórica ambiental dá suporte á construgáo de

254
RACIONALIDADE AMBIENTAL

late- outra racionalidade produtiva, fundada no potencial ecológico e nas signifi-


cagóes culturais de cada regiáo e de diferentes comunidades.
c) urna racionalidade técnica ou instrumental que produz os vínculos
apli- funcionais e operacionais entre os objetivos sociais e as bases materiais do
DMO desenvolvimento sustentável através de agóes coerentes com os princípios
urna da racionalidade material e substantiva, gerando um sistema de meios efica-
3 de zes que inclui um sistema tecnológico adequado e urna praxiologia para

s --- a transigáo a uma racionalidade ambiental, assim como as estratégias de


ade. poder do movimento ambiental.
vili- d) urna racionalidade cultural, entendida como um sistema de significa-
um lóes que conforma as identidades diferenciadas de formagóes culturais diver-
s do sas, que dá coeréncia e integridade a suas práticas simbólicas, sociais e produ-
ncí- tivas. A racionalidade cultural estabelece a singularidade de racionalidades
obi- ambientais heterogéneas que náo se submetem á lógica geral de urna raciona-
we- lidade formal, mas alimenta a constituigáo de seres culturais diversos.
) de
aro- Além da incomparabilidade entre os princípios, processos e objetivos de
ans- racionalidades diferentes, a conformagáo de uma racionalidade ambiental
.?.sso apresenta o problema de sua construgáo teórica e social, da possibilidade de
, da que esta possa funcionar como urna praxiologia, "corno toda atividade fina-
ade lizada, com possibilidade de ter uma 'lógica' que lhe assegure a eficácia dian-
de te de urna série de restrigóes" (Godelier, 1969: I, 18). Isso tem releváncia
para a compreensáo do processo social de construgáo de um paradigma de
produtividade ecotecnológica, assim como para a análise da eficácia do
t de
movimento ambientalista para reverter os custos sociais e ambientais da
'ara
racionalidade económica dominante e para construir outra racionalidade
cos
social. No entanto, esta racionalidade transcende um novo esquema de fins e
ade
meios "ecologizados", inclusive aqueles que boje em dia procuram incorpo-
rar a incerteza dos processos ecológicos e os processos dissipativos, a análise
i os
multicriterial na forma de tomada de decisóes e abertura da ciéncia para
, us-
outros saberes e em urna gestáo ambiental participativa.
em

áo.
lue
nal
de

255
ENRIQUE LEFF

RACIONALIDADE AMBIENTAL SUBSTANTIVA 9) A dis


nómica e 1
A questáo ambiental se revela urna problemática social do desenvolvimento, 10) O 1
apresentando a necessidade de normatizar os processos de produgáo e con- auto determ
sumo que, sujeitos á racionalidade económica e á lógica do mercado, degra- ecologicarm
daram o ambiente e a qualidade de vida. Dessa crise ambiental surgem novos
valores e forgas materiais para a construgáo de urna nova ordem social que
vai se plasmando como princípios das formagóes discursivas do ambientalis-
mo e fundamentos de uma racionalidade ambiental: RACIONALIC9

1) 0 direito de todos os seres humanos ao pleno desenvolvimento de A racionalid


suas capacidades, a um ambiente sáo e produtivo e ao desfrute da vida em seus valores
harmonia com seu meio ambiente. suporte a un
2) Os direitos dos poyos á autogestáo de seus recursos ambientais para produgáo de
satisfazer suas necessidades e orientar suas aspiragóes a partir de diferentes forgas prodi.
valores culturais, contextos ecológicos e condigóes económicas. rando novas
3) A preservagáo da base de recursos naturais e dos equilibrios ecológi- pirado na ec,
cos do planeta como condigáo para um desenvolvimento sustentável e sus- ecológica e a
tentado, que satisfaga as necessidades atuais das populagóes e preserve seu A racion
potencial para as geragóes futuras. conceitual oi
tiva, fundad
4) A avaliagáo do património de recursos naturais e culturais da huma-
lados e princ
nidade, incluindo o valor da diversidade biológica, a heterogeneidade cultu-
um conjunto
ral e a pluralidade política.
dutivas fund
5) A abertura da globalizagáo económica para urna diversidade de esti-
produtividac
los de desenvolvimento sustentável, fundados nas condigóes ecológicas e
co vai se rel
culturais de cada regido e de cada localidade.
científicas, t<
6) A eliminagáo da pobreza e da miséria extrema, a satisfagáo das neces-
produtividac
sidades básicas e o melhora da qualidade de vida da populagáo, incluindo a
naturais con
qualidade do ambiente, os recursos naturais e as práticas produtivas.
políticos e e
7) A prevengáo de catástrofes ecológicas, da destruigáo dos recursos ecossistemas
naturais e da contaminagáo ambiental. políticas e ec
8) A elaboragáo de um pensamento complexo que permita articular os A teoria
diferentes processos que constituem a complexidade ambiental, compren- formagóes id
der as sinergias dos processos socioambientais e sustentar um manejo inte- te os difereni
grado da natureza. rial da racion

256
RACIONALIDADE AMBIENTAL

9) A distribuigáo da riqueza e do poder através da descentralizagáo eco-


nómica e da gestáo participativa e democrática dos recursos naturais.
Lento, 10) 0 fortalecimento da capacidade de autogestáo das comunidades e a
con- autodeterminagáo tecnológica dos poyos, com a produgáo de tecnologias
legra- ecologicamente adequadas e culturalmente apropriáveis.
lovos
11 que
italis-
RACIONALIDADE AMBIENTAL TEÓRICA

ito de A racionalidade ambiental náo pode concretizar-se táo-somente a partir de


la em seus valores morais, mas deve enraizar-se em processos materiais que dáo
suporte a uma racionalidade social alternativa, reconstituindo as relagóes de
; para produjo do homem com a natureza e reorientando o desenvolvimento das
rentes forras produtivas com base na sustentabilidade. Esses princípios estáo inspi-
rando novas teorias, desde as ecosofias e o pensamento da complexidade ins-
ológi- pirado na economia até os enfoques emergentes da bioeconomia, a economia
e sus- ecológica e a economia ambiental, para gerar uma economia sustentável.
/e seu A racionalidade ambiental teórica aparece, assim, como uma produgáo
conceitual orientada para a construgáo de urna racionalidade social e produ-
tiva, fundada em novos valores e potenciais. Ao dar congruéncia aos postu-
iuma-
lados e princípios de urna racionalidade social e produtiva, permite acelerar
cultu-
um conjunto de processos materiais que dáo suporte a novas estratégias pro-
dutivas fundadas no potencial que o ambiente oferece, articulando níveis de
esti-
produtividade ecológica, cultural e tecnológica. Tal potencial ecotecnológi-
icas e
co vai se realizando em um processo prospectivo que orienta as práticas
científicas, tecnológicas e culturais para construir e objetivar esses níveis de
leces- produtividade. Apresenta-se, assim, a articulagáo de um sistema de recursos
ndo a naturais com um sistema tecnológico apropriado e com sistemas culturais,
políticos e económicos que normatizam e condicionam a construgáo de
: ursos ecossistemas produtivos integrados ás forgas produtivas e ás relagóes sociais,
políticas e económicas de diferentes formagóes ambientais (Leff, 2000).
lar os A teoria ambiental sistematiza, dá coeréncia aos postulados de valor das
Teen- formagóes ideológicas do discurso ambientalista e organiza conceitualmen-
inte- te os diferentes processos naturais e sociais que constituem o suporte mate-
rial da racionalidade ambiental, contrastável, em seus espagos de aplicagáo e

257
ENRIQUE LEFF

em fungáo de seus objetivos diversos, com as práticas produtivas derivadas avaliado


da racionalidade económica ou tecnológica dominante. Dessa forma, a dominar
racionalidade teórica orienta a elaboragáo dos instrumentos de gestáo Daí se al
ambiental e do desenvolvimento sustentável. qualitati
contas di
multicrit
entanto,
RACIONALIDADE AMBIENTAL TÉCNICA OU INSTRUMENTAL ecologia
logizada
A racionalidade técnica ou instrumental estabelece os meios que conferem objetivá\
sua eficácia á gestáo ambiental, incluindo as ecotécnicas e tecnologias lim- diversida
pas, os instrumentos legais e os arranjos institucionais das políticas ambien- substanti'
tais, assim como as formas de organizagáo do movimento ambiental de onde
surgem as forgas sociais e as estratégias de poder para transformar a racio-
nalidade económica dominante. O propósito de internalizar os custos ecoló-
gicos e as externalidades ambientais no cálculo económico e de gerar um RACIONAL
potencial ambiental para um desenvolvimento sustentável apresenta a neces-
sidade de se elaborar um conjunto de instrumentos económicos, legais e téc- Weber co
nicos, de processos de legitimagáo e de dispositivos de poder, tudo isso para tados emi
traduzir os objetivos da gestáo ambiental em agóes, programas e mecanis- ras cultur
mos concretos para a construgáo de urna sociedade ecológica. literatura;
A ineficácia da planificagáo e da gestáo ambiental náo se deve apenas ao ram sistet
fato de o discurso ambiental ter sido constituído como um discurso crítico nais; os si
(Marcuse) ou um "juízo racional independente" (Mannheim) para reverter família —
os efeitos da racionalidade capitalista, mas que carece dos instrumentos téc- lidade, qu
nicos para construir, a partir dos elementos da racionalidade teórica e subs- vas que s
tantiva, os instrumentos de uma racionalidade funcional e operativa. Pelo 224). Est
contrário, o propósito de ecologizar a economia e a sociedade foi cooptado diversidac
pelo discurso do desenvolvimento sustentado, e as práticas de planificaláo suprema (
do Estado foram marginalizadas por políticas neoliberais. Ao mesmo tempo, Webe
a geopolítica do desenvolvimento sustentado converteu-se em um processo sar as mat
de racionalizagáo económica e tecnológica que converte a sustentabilidade cionais.
em um fim objetivável e solúvel mediante unta racionalidade económica e o valor ch
instrumenta1. 21 desconstt
No entanto, os valores que constituem a racionalidade substantiva e os ordem hc
princípios da gestáo ambiental impedem que seus projetos e processos sejam diferengal

258
RACIONALIDADE AMBIENTAL

adas avaliados com os instrumentos da racionalidade económica e instrumental


[a, a dominantes, e reduzidos a urna unidade de medida homogénea e de cálculo.
stáo Daí se apresentou a necessidade de elaborar novos indicadores de caráter
qualitativo e quantitativo, para dar coeréncia a essa nova racionalidade:
contas do património natural e cultural, indicadores ambientais e métodos
multicriteriais de tomada de decisóes, avaliadores da qualidade de vida. No
entanto, a ética ambientalista e os processos sociais inscritos no campo da
ecologia política rompem o modelo de urna racionalidade instrumental eco-
logizada e complexizada, mas orientada para objetivos preestabelecidos e
Tem objetiváveis por urna lógica económica ou ecológica. A abertura para a
lim- diversidade cultural e para a diferenga aparece como o que existe de mais
substantivo na racionalidade ambiental.

icio-
:oló-
. um RACIONALIDADE AMBIENTAL CULTURAL
Ices-
téc- Weber considera a cultura como um conjunto de esferas ou sistemas conec-
para tados empiricamente com o racionalismo ocidental. Assim, reconhece esfe-
anis- ras culturais de valor que compreendem a ciéncia e as técnicas, as artes, a
literatura, o direito e a moral; sistemas culturais de aléío, nos quais se elabo-
ao ram sistematicamente essas tradilóes em ámbitos organizativos institucio-
ítico nais; os sistemas centrais de aldo — economia capitalista, Estado moderno,
rter família —, que fixam estas estruturas na sociedade, e os sistemas de persona-
téc- lidade, que estabelecem as disposigóes para a agáo e as orientagóes valorati-
ubs- vas que subjazem o comportamento metódico na vida (Habermas, 1989:
Pelo 224). Estas esferas culturais de valor, mesmo em sua incomparabilidade e
Lado diversidade, se inscrevem em um processo de racionalizagáo dessa cultura
agáo suprema da modernidade que emerge do princípio de racionalidade.
yo, Weber náo se refere á dispersáo do conceito de racionalidade para pen-
esso sar as matrizes de racionalidade (de pensamento-agáo) das sociedades tradi-
lude cionais. No entanto, o princípio de racionalidade substantiva que estabelece
ca e o valor da diversidade e do processo de diversificagáo ecológica e cultural
desconstrói o conceito de racionalidade cultural entendido como urna
e os ordem homogénea — e inclusive hegemónica — para plasmá-lo em suas
:jam diferengas irredutíveis. Apesar de este princípio de diversificagáo ter acom-

259
1
ENRIQUE LEFF

urna ordem
panhado a evolugáo da natureza e da cultura, náo foi até agora o princípio
ambiente. Al
de urna consciéncia ética ou de urna deontologia universal.
de vulnerabil
A categoria de racionalidade integra as diversas formas organizacionais
para os culth
culturais e as racionalidades das diferentes formagóes socioeconómicas, dos
peito de ter s
poyos e comunidades, que constituem as nagóes do mundo globalizado. Os
práticas trad
valores do ambientalismo incluem o direito dos poyos á ressignificagáo e á
norma e regr
reapropriagáo da natureza que habitam, e o princípio de gestáo ambiental
urna raciona
implica a participagáo direta das comunidades no manejo de seus recursos.
local. Nesse
A racionalidade ambiental náo é a racionalizagáo dos valores intrínsecos da
económica qi
natureza ou de urna "esséncia" das culturas. Os valores "intrínsecos" da
de económici
natureza que reclamam as políticas conservacionistas já sáo um valor cultu-
a racionalida
ral atribuído á natureza. Os valores que se entrelagam nas práticas tradicio-
nais e condu2
nais de urna formagáo cultural incorporara certos princípios da organizagáo
des e novas r
ecológica do meio em que se assentam e florescem os diversos grupos étni-
Por outro la(
cos; por sua vez, a cultura imprime seu selo na natureza através de suas for-
direitos — es
mas de significagáo do meio e dos usos socialmente sancionados dos recur-
tos culturais.
sos. A racionalidade ambiental acolhe assim as diferentes formas culturais de
to e igualdad
aproveitamento dos recursos das comunidades para satisfazer suas necessi-
locais onde a
dades fundamentais e sua qualidade de vida. Nesse sentido, a racionalidade
nos usos e co
ambiental cultural organiza e dá especificidade ao processo de mediagáo
Mas, enq
entre a sociedade e a natureza, através dos estilos étnicos e das normas cul-
váo penetran,
turais de aproveitamento dos recursos naturais. 22
tar os valore
A racionalidade ambiental cultural estabelece um vínculo entre o princí-
ambiental se
pio de diversidade cultural e sua realizagáo dentro de organizagóes culturais
que leva a su
específicas. Dessa maneira, conduz a um diálogo de saberes, entre os saberes
moderna, atr
encarnados em identidades culturais e os saberes que, a partir da ética, da
antropologia.
técnica e do direito, fortalecen as identidades e capacidades locais. O pro-
de juízo rack
cesso de racionalizagáo ambiental implica, assim, a realizagáo de um proces-
logia evolutiv
so de desconstrugáo da cultura dominante e hegemónica para incorporar os
tivos".23 A ras
valores de urna cultura ecológica e ambiental, ao mesmo tempo que se abre
de económica
ao encontro dos valores de outras culturas e urna política da interculturali-
dade, que náo está isenta de contradigóes e antagonismos.
A política cultural que emerge no encontro de racionalidades culturais
se confronta com os princípios da racionalidade ambiental substantiva — do
conjunto de princípios e valores ecológicos que vem se legitimando como

260
RACIONALIDADE AMBIENTAL

urna ordem ecológica universal, incluindo os novos direitos humanos no


pio
ambiente. Assim, por exemplo, o aquecimento global gerou urna condigáo
de vulnerabilidade e risco em relagáo ás práticas tradicionais de uso do fogo
lais
para os cultivos itinerantes. Dessa maneira, a racionalidade ecológica (a des-
dos
peito de ter sido causada pela racionalidade económica e náo pelas próprias
Os
práticas tradicionais) impóe urna razáo de forga maior que se converte em

norma e regra de proibigáo de práticas produtivas que operavam dentro de
ital
urna racionalidade ecológica, outrora sustentável e arraigada na cultura
30S.
local. Nesse sentido, a racionalidade ecológica se funde com a racionalidade
da
económica que confronta as racionalidades culturais locais. Se a racionalida-
da
de económica foi a que dominou, subjugando e excluindo as culturas, agora
ltu-
a racionalidade ecológica constrange o desdobramento das práticas tradicio-
:io-
nais e conduz a partir da cultura ecológica a configuragáo de novas identida-
gáo
des e novas práticas dentro da geopolítica do desenvolvimento sustentável.
tni-
Por outro lado, a democratizagáo dos direitos humanos — o direito a ter
For-
direitos — está levando ao encontro de suas diferengas em diversos contex-
:ur-
tos culturais. Assim, os direitos da mulher impóem urna condigáo de respei-
; de
to e igualdade que vai penetrando como um juízo externo nas comunidades
:ssi-
locais onde a submissáo e a opressáo da mulher ainda estáo interiorizadas
ade
nos usos e costumes de suas culturas patriarcais.
gáo
Mas, enquanto os valores ecológicos e os direitos culturais emergentes
:ul-
vio penetrando nos regimes de racionalidade vigentes, chegando a confron-
tar os valores culturais tradicionais, ao mesmo tempo a racionalidade
ambiental se erige como urna barreira contra o processo de racionalizagáo
ais
que leva a submeter as culturas tradicionais aos cánones da racionalidade
res
moderna, através de sua extensáo aos paradigmas das ciéncias sociais e da
da
antropologia. Tim Ingold (1996) critica com razáo a aplicagáo dos modelos
ro-
de juízo racional (rational choice) e da conduta adaptativa derivada da eco-
logia evolutiva para compreender o comportamento desses homens "primi-
OS
tivos".23 A racionalidade ambiental cultural se delimita assim na racionalida-
)re
de económica e ecológica dominante.
iii-

ais
do
no

261
ENRIQUE LEFF

FtACIONALIDADE ECONÓMICA/RACIONALIDADE AMBIENTAL para os Tu


trumentos
A construgáo de urna racionalidade ambiental implica um "processo de gáo de pro
racionalizagáo" que confere legitimidade aos critérios de tornada de deci- em diferen
sóes e que orienta um conjunto de agóes em diregáo aos objetivos do desen- de diversid
volvimento sustentável. A construgáo de urna racionalidade ambiental é a ter mais qu
realizagáo de urna utopia, 24 de um projeto social que surge como resposta a vimento cc
outra racionalidade que teve seu período histórico de construgáo, de legiti- unidade de
magáo, de institucionalizagáo e de tecnologizagáo. A racionalidade ambien- razáo" que
tal emerge debatendo-se e avangando através da racionalidade capitalista que mico que
se plasma na esfera económica, tecnológica, política e cultural do regime civi- princípios o
lizatório hegemónico e dominante. O processo de transigáo para a sustenta- A crise
bilidade se caracteriza pela oposigáo de interesses e perspectivas de ambas as natureza, d
racionalidades, por suas estratégias de dominagáo e por suas táticas de nego- modernida
ciagáo. É um processo transformador de formagóes ideológicas, práticas ins- e os juízos
titucionais, fungóes governamentais, normas jurídicas, valores culturais, e os novos
padróes tecnológicos e comportamentos sociais inseridos em um campo de que perveri
forras no qual se manifestam os interesses de classes, grupos e indivíduos, que sentido fon
dificultam ou mobilizam as mudangas históricas para construir essa nova racionalida
racionalidade social. A construgáo da racionalidade ambiental se inscreve em consciente,
urna dialética social, que implica um conjunto de processos políticos e sociais vida depen
que expressam a confrontagáo de duas "lógicas" opostas. compreensí
Na esfera da racionalidade económica, a racionalidade formal e instru- administráv
mental é dominante, fundamentando-se e legitimando-se nos valores da grama de gc
produtividade e na eficiéncia que chegou a gerar urna "razáo tecnológica" implica a in
(Marcuse, 1968). Por seu lado, a racionalidade ambiental se apóia mais em vidade, diar
seus valores (pluralidade étnica, racionalidades culturais, economias auto- urna realida
gestionárias náo acumulativas, diálogos de saberes) do que em seus meios A subm
instrumentais. O conceito de qualidade de vida e de qualidade ambiental gáo do equi
como objetivos da estratégia ambiental de desenvolvimento sustentável co-evolugác
funda sua racionalidade nos valores qualitativos de suas metas, em urna nizag'áo das
racionalidade substantiva entendida como sistema de significagóes e valores tentabilidac
culturais caracterizado por sua diversidade, por uma política da diferenga e tivos que cn
uma ética da outridade. que domin
A diferenga entre essas duas racionalidades (seu caráter incomparável) ambiental
ultrapassa a possibilidade de transformar os objetivos do desenvolvimento ambiente e

262
RACIONALIDADE AMBIENTAL

para os quais apontam os propósitos de racionalidade económica e seus ins-


trumentos tecnológicos. A racionalidade ambiental, construída pela articula-
so de láo de processos ecológicos, tecnológicos e culturais — com sua expressáo
deci- em diferentes espacialidades e temporalidades —, assim como os princípios
esen- de diversidade cultural e de eqüidade social em torno de objetivos de cará-
al é a ter mais qualitativo, impedem que se avalie a gestáo ambiental do desenvol-
)sta a vimento como urna fungáo objetiva generalizável e quantificável em urna
egiti- unidade de medida. Nesse sentido, a racionalidade ambiental implica "outra
bien- razáo" que parte da crítica á racionalidade tecnológica e do cálculo econó-
a que mico que conformam o instrumental da civilizagáo moderna orientada pelos
civi- princípios de lucratividade, da eficiéncia e da produtividade imediatas.
:enta- A crise ambiental se apresenta como urna manifestagáo da exclusáo da
Das as natureza, da cultura e da subjetividade do núcleo duro de racionalidade da
nego- modernidade. No entanto, os critérios científicos para ecologizar a economia
Ls ins- e os juízos éticos para incorporar á ordem social os novos valores ambientais
arais, e os novos direitos humanos náo parecem tocar o coragáo da racionalidade
Do de que perverte o sistema. A ética e o pensamento ecologista náo geraram um
3, que sentido forte o bastante para conter o ímpeto expansionista e globalizador da
nova racionalidade económica. A racionalidade ambiental é urna racionalidade
re em consciente dos limites do racional, quer dizer, do fato de que a qualidade de
pciais vida depende de processos subjetivos, de valores que náo sáo plenamente
compreensíveis e expressáveis através de um código universal, que náo sáo
istru- administráveis por uma regra objetiva nem instrumentalizáveis por um pro-
es da grama de governo comprometido com a sustentabilidade. A qualidade de vida
gica" implica a irrupgáo da diferenga, da diversidade cultural e do valor da subjeti-
is em vidade, diante do modelo de urna racionalidade objetiva que fixou o real em
auto- uma realidade presente inalterável e insustentável.
neios A submissáo da natureza ás leis do mercado coloca em risco a preserva-
ental co do equilíbrio ecológico e da complexidade organizativa que sustenta sua
tável co-evoluláo com as diversas culturas que integram a raga humana. A orga-
urna nizagáo das culturas e dos ecossistemas aparece assim como condigáo de sus-
lores tentabilidade, como um conjunto de princípios criativos e potenciais produ-
iga e tivos que orientam a reconstrugáo social diante da racionalidade económica
que domina o valor da vida e o sentido da existéncia. A racionalidade
ável) ambiental reconhece os diferentes processos materiais que constituem o
ento ambiente e a complexidade de suas inter-relagóes. Nesse sentido, conduz á

263
ENRIQUE LEFF

construgáo de um paradigma de produtividade ecotecnológica que se funda atribuídos á


na articulagáo de um sistema de recursos naturais com um sistema de signi- quais depen
ficagóes culturais e um sistema tecnológico adaptado ás condigóes de susten- mas comple
tabilidade dos ecossistemas e de autogestáo das comunidades. Este sistema tecnológico
produtivo se funda no potencial sinérgico de suas relagóes; articula a diná- A primeira
mica de processos ecológicos dos quais dependem a produtividade ecológi- góes ecológ
ca da natureza, os processos culturais de co-evolugáo, inovagáo e apropria- enraíza na
gáo da natureza, e os processos tecnológicos que transformam os recursos subsisténcia
naturais em meios de satisfagáo social. em suas ide
A racionalidade ambiental se constrói integrando as esferas de raciona- Nessa persp
lidade teórica, substantiva, material, instrumental e cultural. Isso implica do por uma
que esta racionalidade náo se sustenta simplesmente em princípios de urna gia política
ética conservacionista, mas que tais valores se convertem em princípios pro- Essas di
dutivos que dáo coeréncia a urna nova teoria da produgáo, a qual requer priagáo da I
mecanismos que Ihe déem eficácia, alimentando-se e orientando os avanlos meios para
e aplicagóes da ciéncia e da tecnologia. Nesse sentido, a racionalidade dade econói
ambiental produz uma nova teoria da produgáo orientada para estabelecer entre a visá(
um equilíbrio entre a produgáo neguentrópica de biomassa e recursos reno- concepgáo c
váveis e a inelutável degradagáo entrópica na transformagáo produtiva da na maneira
natureza. Esse paradigma ecotecnológico está regulado por racionalidades góes sociais
culturais diversas, quer dizer, pelos processos cognoscitivos e de significa0o mundo, assi
cultural que permitem urna apropriagáo coletiva das novas teorias, técnicas e natureza a
métodos por parte das próprias comunidades em um processo descentraliza- processos d
do de produgáo. É em nivel local que se definem as racionalidades ambientais convivéncia
de uma nova racionalidade produtiva que orienta a co-evolugáo ecológico- dos ecossist(
cultural através de estratégias de manejo sustentável dos recursos naturais. Tal mo metodol
racionalidade produtiva náo tem pretensóes de universalidade e hegemonia. A partir
Cada cultura deverá delimitar e dar sentido ao sistema de recursos naturais e vagáo e cres
tecnológicos que constituem suas formas de apropriagáo e transformagáo da lúvel contra
natureza. A construgáo de uma racionalidade ambiental apresenta, assim, a jetivos, ou n
articulagáo das economias regionais e locais á ordem global. urna racion
A partir desses princípios surge a contraposigáo entre racionalidade eco- funda os pr,
nómica e racionalidade ambiental. A primeira tenta medir (e dessa maneira arraigam a d
controlar) os valores da diversidade cultural e biológica, os processos de de económi
longo prazo, as diferengas sociais e a distribuigáo ecológica através da con- pobreza e da
tabilidade económica. A segunda incorpora os valores culturais diversos tir dessa situ

264
RACIONALIDADE AMBIENTAL

Funda atribuídos á natureza e a incomparabilidade dos processos ecológicos dos


signi- quais dependem a resiliéncia, os equilíbrios e a produtividade dos ecossiste-
'sten- mas complexos e da biodiversidade, assim como dos processos culturais e
;terna tecnológicos dos quais depende a sustentabilidade do processo económico.
diná- A primeira busca regular os princípios ecológicos, incorporando as condi-
Dlógi- lóes ecológicas e culturais á ordem económica estabelecida. A segunda se
)pria- enraíza na racionalidade das sociedades locais e suas economias de auto-
:ursos subsisténcia, fundadas mais nos valores tradicionais de culturas diversas e
em suas identidades próprias, que dáo sentido á produgáo com a natureza.
:iona- Nessa perspectiva, a sustentabilidade se constrói como um processo marca-
'plica do por urna dispersáo de interesses sociais que plasmara o campo da ecolo-
: urna gia política dentro de projetos culturais diversos.
; pro- Essas duas racionalidades se definem pelos diferentes modos de apro-
equer priagáo da natureza e se caracterizam por diferentes princípios, valores e
angos meios para alcangar seus objetivos. Assim, a contraposigáo entre racionali-
idade dade económica e racionalidade ambiental náo é uma confrontagáo teórica
elecer entre a visáo mecanicista da racionalidade formal e das leis do mercado e a
reno- concepgáo orgánica e dos sistemas ecológicos, mas se manifesta sobretudo
va da na maneira como as motivagóes individuais, as normas culturais e as institui-
dades lóes sociais interiorizam urna regra mecanicista ou urna visáo ecologista do
cagáo mundo, assim como pelas diferentes formas de valorizagáo significativa da
icas e natureza a partir de diferentes racionalidades culturais. Nesse sentido, os
aliza- processos de significagáo e as práticas culturais desenvolvidas através da
convivéncia com as condigóes de resisténcia, conservagáo e produtividade
, gico- dos ecossistemas se contrapóem á racionalidade que emerge do individualis-
s . Tal mo metodológico da economia.
onia. A partir dessa perspectiva é possível saldar a controvérsia entre conser-
rais e vagáo e crescimento, entre ecologismo e desenvolvimento, como uma inso-
lo da lúvel contradigáo entre princípios de racionalidade económica e valores sub-
ir', a jetivos, ou na submissáo dos valores éticos ao predomínio dos princípios de
uma racionalidade formal através de urna racionalidade ambiental que
eco- funda os princípios da sustentabilidade nos potenciais da natureza que se
ieira arraigan' a diferentes racionalidades culturais. A supremacia da racionalida-
is de de económica desmorona ante a evidéncia da deterioragáo ambiental, da
con- pobreza e da desigualdade social crescentes no mundo que construiu. A par-
Tsos tir dessa situagáo-limite se constrói a racionalidade ambiental através de um

265
ENRIQUE LEFF

conceito que integra as condigóes ecológicas de produgáo sustentável aos urna ética
processos de significagáo que conformam formas diversas de organiznáo cánones pi
cultural. A controvérsia entre racionalidades se desloca do terreno neutro da cípios mai!
discussáo teórica ao das estratégias sociais pela apropriagáo da natureza. ríos
e a ética 1
Os pri:
cursivas e
ÉTICA PARA A VIDA E RACIONALIDADE AMBIENTAL intrínsecos
e refuncio:
No discurso e nas políticas do desenvolvimento sustentado vém sendo outro lado
cunhados um conjunto de slogans e clichés com os quais se pretende confor- e operacio:
mar urna certa ética do desenvolvimento sustentável. Enunciados de princí- bases mate
pios tais como "pensar globalmente e agir localmente", o princípio da pre- tivo altern1
caugáo, as responsabilidades comuns mas diferenciadas, o consentimento sociais no
prévio informado etc., que surgem a partir dos Princípios do Rio promulga- direitos co
dos na Conferéncia sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento celebrada no estratégias
Rio, em 1992, adquiriram direito de cidadania, plasmando-se em urna Carta maneira, o
da Terra. Inspirados no pensamento e em urna teologia (ecológica) da liber- car uma ni
tagáo (Boff, 1996), estes princípios náo apenas circulam no imaginário abs- ecológica,
trato da consciéncia ecológica de uma cidadania ambiental emergente e nos dade const
instrumentos legais que servem para normatizar condutas e sancionar agóes cia formal
de atores sociais. Por sua vez, váo se inserindo nas formagóes discursivas e de racional
na negagáo de interesses que entram em jogo nos instrumentos da governa-
bilidade do desenvolvimento sustentado. Dessa maneira, urna certa "ética A racio
do desenvolvimento sustentável" vai sendo tecida nas disputas entre as náo pe
regras de biosseguranga e os imperativos do crescimento económico, entre quer di
regras comerciais da OMC e os regimes ambientais dos Acordos Ambientais a uma/
Multilaterais, e nas negociagóes das Convengóes sobre Mudanga Climática abstrah
e Biodiversidade. Os princípios de racionalidade substantiva levam tensáo ás ser inte
vias nas quais váo se moldando os acordos internacionais para conduzir mental
"racionalmente" agóes combinadas para um "desenvolvimento sustentável". ponto (
No entanto, os enunciados "éticos" que se plasmam no discurso do ticamer
desenvolvimento sustentável náo chegam a constituir urna deontologia, quer idéia tc
dizer, um conjunto de princípios que através do consenso alcancem legitimi- (Haber,
dade e operatividade para reorientar os processos de racionalizagáo da cul-
tura global; náo constituem princípios universais que levem a estabelecer

266
RACIONALIDADE AMBIENTAL

aos urna ética formal e a orientar agóes racionais segundo valores, dentro dos
lgáo cánones prevalecentes da racionalizagáo social. Menos ainda o sáo os prin-
o da cípios mais críticos e raciais de urna ética ambiental que antepóe aos crité-
dos ecológicos os princípios de diversidade cultural, a política da diferenga
e a ética da outridade (PNUMA, 2002).
Os princípios éticos do ecologismo foram assimilados ás estratégias dis-
cursivas e ás políticas do desenvolvimento sustentado; inclusive os valores
intrínsecos que fundamentam urna política conservacionista sáo codificados
e refuncionalizados dentro do processo de racionalizagáo económica. Por
ndo outro lado, os princípios éticos do ambientalismo radical sáo sistematizados
for- e operacionalizados através de conceitos, teorias e técnicas para construir as
ncí- bases materiais de uma nova racionalidade social e de um paradigma produ-
pre- tivo alternativo. Estes se moldam em um ideário que mobiliza novos atores
:rito sociais no campo da ecologia política, e através da legitimagáo de novos
lga- direitos coletivos chegam a incidir nas políticas ambientais e a gerar novas
1 no estratégias produtivas, instrumentos tecnológicos e normas jurídicas. Dessa
irta maneira, os valores do ambientalismo se traduzem em potenciais para edifi-
Der- car urna nova ordem económica mundial sobre bases de sustentabilidade
ibs- ecológica, de eqüidade social e diversidade cultural. A ética da sustentabili-
nos dade constrói estratégias de poder que deslocam o requisito de sua coerén-
:líes cia formal como condigáo de legitimidade para reintegrar-se a urna ordem
as e de racionalidade formal e operativa, no sentido apontado por Habermas:
na-
tica A racionalidade dos valores que subjazem ás preferéncias de agáo se mede
: as náo pelo seu conteúdo material, mas sim por suas propriedades formais,
are quer dizer, vendo se sáo fundamentais o bastante para poder servir de base
tais a urna forma de vida regida por princípios. Apenas os valores que podem ser
:ica abstraídos, e generalizados e transformados assim em princípios, que podem
ás ser interiorizados como princípios basicamente formais e aplicados procedi-
Izir mentalmente, podem exercer urna forga orientadora de agáo intensa a
11". ponto de transcender as situagóes concretas, e, no limite, penetrar sistema-
do ticamente em todos os ámbitos da vida, pór sob a forga unificadora de uma
ler idéia toda urna biografia e inclusive a história inteira de grupos sociais
ni- (Habermas, 1989: 232).
ul-
:er

267
ENRIQUE LEFF

A ética ambiental náo é urna consciéncia de espécie nem um saber de almeja&


fundo que, ao unificar a humanidade em torno de um princípio ecologista vos e ob
genérico, pudesse ser acolhido pela racionalidade económica ou por urna ve um p
nova ordem ecológica "formal e operativa". Náo é urna moral de época, pré-dese
como a ética protestante, que se constituiu em um modo racional de vida na parado'«
ascensáo do sistema capitalista (Weber, 1930). A ética ambiental surge e se seria tau
inscreve em diferentes racionalidades culturais, como no exemplo do budis- horizont
mo primitivo, que Weber considera como urna ética racional "no sentido de valores r
um domínio sempre vigilante de todas as tendéncias naturais, mas com um estáo visi
fim totalmente distinto" (Weber, 1983: 487). A racionalidade ambiental náo tável esta
considera esses princípios e valores corno objetivos para os quais haveria que um porvi
inventar os meios eficazes para sua consecugáo. A racionalidade ambiental A ra(
rompe o pressuposto que constitui a categoria de racionalidade, entendida Weber e
como a condugáo racional de agóes e meios segundo fins predeterminados. (baseado:
Os propósitos destes valores, ao constituir-se em objetivos quantificáveis e a estabili(
mensuráveis, abririam a possibilidade para instrumentalizar urna gestáo tualment(
racional da sustentabilidade. própria c
A ética ambiental náo é uma consciéncia de espécie nem um saber de idéia wel
fundo que, ao unificar a humanidade em torno de um princípio ecologista construgá
genérico, pudesse ser acolhido pela racionalidade económica ou por urna te mais 'c
nova ordem ecológica "formal e operativa". Náo é urna moral de época, bem asser
como a ética protestante, que se constituiu em um modo racional de vida na al enreda
ascensáo do sistema capitalista (Weber, 1930). A ética ambiental surge e se
inscreve em diferentes racionalidades culturais, como no exemplo do budis- sim atrav(
mo primitivo, que Weber considera como uma ética racional "no sentido de fins e for
urna autoridade sempre atenta a todas as tendéncias naturais, mas com um humanos
objetivo totalmente distinto" (Weber, 1983: 487). A racionalidade ambien- efetivo da
tal náo considera esses princípios e valores como objetivos para cuja conse- ríos e sim
cugáo teria que inventar meios eficazes. A racionalidade ambiental rompe o Os va
pressuposto constituído pela categoria de racionalidade, entendida como a alcangam
consecugáo racional de agóes e meios segundo fins predeterminados. Os fundamen
propósitos destes valores, ao constituir-se em objetivos quantificáveis e men- res, fatos
suráveis, abririam a possibilidade de se instrumentalizar urna gestáo racional caso dos r
da sustentabilidade. o resguar(
A racionalidade ambiental rompe com a supremacia do princípio de bióticos e
racionalidade instrumental; nenhum fim justifica meios que pervertam o fim vezes se d

268
RACIONALIDADE AMBIENTAL

:r de almejado; os propósitos da sustentabilidade náo sáo fins plenamente objeti-


gista vos e objetiváveis. Posto que a construgáo de sociedades sustentáveis envol-
urna ve um processo temporal, o fim está em um futuro que náo é plenamente
>oca, pré-desenhado. Toda racionalidade obstinada em alcangar o fim cairia no
la na paradoxo de anular o futuro como criatividade que ultrapassa os processos;
e se seria tautológica, redundante e totalitaria. A racionalidade ambiental abre
udis- horizontes e futuros nos quais os fins náo justificam os meios porque seus
[o de valores modulam seus meios. Mas os fins também náo estáo dados, náo
1 um estáo visíveis nem sáo previsíveis, pois a possibilidade de um futuro susten-
náo tável está guiada pelo encontro com a outridade e a abertura voltada para
que um porvir através de um diálogo de saberes. 25
Intal A racionalidade ambiental ultrapassa, assim, o marco conceitual de
idida Weber e de Habermas, no sentido de que os processos de racionalizagáo
Lelos. (baseados em valores) só podem atuar sobre as ordens da vida social porque
eis e a estabilidade das ordens legítimas depende de que sejam reconhecidas, fac-
:stáo tualmente, pretensóes de validade tais que possam ser atacadas a partir da
própria ordem em que se realizam. A ética ambiental náo se conforma á
:r de idéia weberiana de compreender sua diversidade "mediante a adequada
gista construgáo de tipos racionais, quer dizer, destacando as formas internamen-
urna te mais `conseqüentes' de comportamento prático dedutíveis de premissas
'oca, bem assentadas" (Weber, 1963: 252, em Habermas, 1989: 258). Weber fica
la na al enredado nas malhas teóricas do racionalismo idealista. A racionalidade
e se substantiva náo se estabiliza e legitima pela construgáo de tipos racionais e
idis- sim através de estratégias de poder, onde, mais além da dispersáo de valores,
o de fins e formas de argumentagáo — inclusive os consensos sobre os valores
um humanos ou ecológicos —, os valores se confrontam na prática com o poder
>ien- efetivo da racionalidade económica e seus instrumentos materiais, imaginá-
nse- nos e simbólicos.
pe o Os valores ambientais penetram com dificuldade nas consciéncias;
no a alcangam reconhecimentos relativos porque, em muitos casos, náo podem se
. Os fundamentar em um conhecimento factual, em urna correlagáo entre valo-
nen- res, fatos e experiéncias; entre racionalidade substantiva e material — é o
anal caso dos riscos ecológicos, da transgénese, da ambivaléncia da bioética entre
o resguardo de valores tradicionais e religiosos associados a seus recursos
de bióticos e as probabilidades de suas aplicagóes medicinais —, que muitas
fim vezes se dissolvem em sua confrontagáo com as razóes de forga maior da

269
ENRIQUE LEFF

racionalidade dominante. Os valores entram em um jogo de dissimulagóes A ética


dentro de estratégias de poder nas quais váo se legitimando os sentidos rela- na verdade
tivos e nunca definitivos de relagóes de valores-interesses que conduzem de valor da vi,
formas ambíguas para processos de racionalizagáo (de normatividade ecoló- se com o s<
gica). Estes valores náo sáo formalizáveis em urna lógica e na ordem de urna 11
razáo que "se converteu em urna `finalidade sem fim', que, precisamente por
isso, pode ser utilizada para qualquer fim" (Horkheimer e Adorno, 1969).
A racionalidade muda de sinal guando é formulada a partir da perspec-
tiva da existéncia que Nietzsche langou como resposta ao niilismo a que nos
leva a racionalidade da modernidade. Nesse sentido, afirmava que

O sentimento da falta de valor foi atingido guando se compreendeu que o


caráter global da existéncia náo deve ser interpretado nem com o conceito
de "fim", nem com o conceito de "unidade", tampouco com o conceito de
"verdade". Com isso náo se consegue nem se alcanga nada; falta a unidade
abarcadora na pluralidade do acontecer; o caráter da existéncia náo é "ver-
dadeiro" [...] já náo se tem no absoluto nenhum fundamento para per-
suadir-se de um mundo verdadeiro (Deleuze, 2000).

Heidegger deslocou o sentido da verdade oculto em urna nogáo de razáo


e um critério de verdade nos quais náo havia espato para o sentimento nem
para a "irracionalidade" de agóes que se mostraram incompatíveis com os
códigos e interesses dos processos de racionalizagáo social conduzidos pelo
pensamento único e hegemónico que levou a coisificar e objetivar o mundo,
excluindo o sentimento e os valores éticos da ordem do racional. Nesse sen-
tido, afirmou

Talvez o que aqui [...] chamamos de sentimento ou estado de ánimo seja


mais racional e mais pertinente, porque é mais aberto ao ser do que toda
razáo, que convertida, entretanto, em ratio, foi interpretada equivocada-
mente como racional. O olhar de relance ao irracional, como o embriáo do
racional irreflexivo, prestou um servigo singular. O conceito corrente de
1
coisa convém, certamente, em todo o tempo a cada coisa. Apesar disso, neo
capta a coisa existente, mas a assalta (Heidegger, 1958: 48).

270
RACIONALIDADE AMBIENTAL

nóes A ética ambiental rompe, assim, os esquemas de racionalidade fundados


rela- na verdade objetiva e abre perspectivas a urna nova racionalidade na qual o
In de valor da vida possa se reencontrar com o pensamento e a razáo amalgamar-
coló- se com o sentido da existéncia.
! urna
e por
69).
spec-
e nos

que o
aceito
ito de
idade
"ver-
per-

razáo
nem
am os
pelo
ando,
sen-

) seja
toda
cada-
lo do
te de
, náo
ENRIQUE LEFF

NOTAS [...] A ecos


mica dos tal
1. "A escassez de recursos é o que torna possível e necessário o cálculo económico vel se a raci
racional. Mas, paradoxalmente, seu próprio éxito no processo de crescimento e expan- em um siste
sáo levou a um déficit na qualidade de vida da natureza, dissolvendo por sua vez o prin- do" (Altvat<
cípio da escassez e, portanto, da própria racionalidade económica" (Altvater, 1993: 6). sibilidade d.
2. Náo existe um instrumento económico, ecológico ou tecnológico de avaliagáo de atuagáoi
com o qual se possa calcular o "valor real" da natureza na economia. Contra a pretensáo 10. Vei
de reduzir os valores diversos do ambiente a urna unidade homogénea de medida, 11. "O
William Kapp (1983) advertiu já a partir de 1970 que, na avaliagáo comparativa da racio- mas sim a u
nalidade económica, energética e ambiental, intervém processos heterogéneos, para os ou usadas. (
quais náo pode haver um denominador comum. Além da impossibilidade de unificar pode ser reí
esses processos materiais heterogéneos, a própria economia ficou sem urna teoria objeti- o caráter de
va do valor (ver cap. 1, supra). cípio orden
3. Nesse sentido, Weber assinalou que "o cálculo rigoroso do capital está, além do converte aq
mais, vinculado socialmente á 'disciplina de exploragáo' e á apropriagáo dos meios mate- dades de cri
riais de produgáo, ou seja, á existéncia de urna relaldo de dominaldo" (Weber, defendendo
1922/1983: 83). mico e socil
4. Ver cap. 4, supra. valor de troj
5. "Finalmente, o que importa náo é o impacto do progresso tecnológico no consu- fazer necess
mo de recursos por unidade de PIB, mas sim o incremento na taxa de esgotamento dos da, mesmo
recursos (da poluigáo e degradagáo entrópica) que resulta de dito progresso" (em Daly, vista dos lin
1993: 93). ma, os limit
6. Ver cap. 4, supra. lidade econ(
7. Os instrumentos teóricos da economia neoclássica, cobertos por seu véu de racio- 12. O1
nalidade formal, mostraram sua falácia e inconsisténcia. Assim, a validade da "regra de adotam dife
Hotelling", que estabelece que os custos de extragáo da unidade marginal do recurso mento sistei
devem crescer a urna taxa igual á taxa de interesse do mercado, regulando assim equilí- domínio te(
brios ecológicos e económicos e aproximando-os de um ótimo social, é refutada pela racionalizag
aplicagáo de políticas económicas que tém gerado um acelerado desequilíbrio ecológico mediante o
e degradagáo ambiental. Habermas,
8.A substituigáo de recursos náo renováveis por renováveis se baseia no fato de que, 13.Par
"enquanto que o esgotamento nos forga a explorar progressivamente recursos de menor lógico origi
teor, o transfluxo total de matéria e energia deverá incrementar-se de maneira a gerar o qualquer ou
mesmo transfluxo líquido dos minerais requeridos para manter os stocks constantes. 14. "A
Também urna fragáo maior do capital constante terá que dedicar-se a meios cada vez avango diali
mais intensivos em capital para aproveitar recursos minerais [—] A economia de estado eixo de uml
estacionário procura conduzir a economia ao aproveitamento máximo possível de ener- to de procel
gia solar e recursos renováveis e a afastar-nos das práticas insustentáveis atuais de viver de urna soci
sobretudo do capital geológico acumulado" (Daly, 1993: 379). dividem par
9. Neste ponto concordam outros autores. Para Altvater, "o erro do discurso neoli- e lutando cc
beral náo está na énfase na formagáo através do mercado de pregos relativos, mas sim no mentos nác
fato de erigir-se como o principio racional que estrutura todas as esferas da vida social 1984: 44).

272
RACIONALIDADE AMBIENTAL

[...] A economia de mercado [...] surgiu da descontextualizagáo da racionalidade econó-


mica dos lagos sociaís existentes [...] Hoje, a posterior evolugáo da sociedade só é possí-
imico vel se a racionalidade económica dos procedimentos do mercado se enraíza firmemente
xpan- em um sistema social complexo de regulagáo do dinheiro e da natureza fora do merca-
prin- do" (Altvater, 1993: 255, 260). 0 desenvolvimento sustentável dependeria assim da pos-
,: 6). sibilidade de ecologizar e democratizar o mercado, delimitando e normatizando o campo
liagáo de atuagáo da economia.
ensáo 10.Ver caps. 8-9, infra.
'dida, 11. "0 valor de uso dos bens posícionais náo está ligado a mercadorias índividuais,
racio- mas sim a um ambiente de cuja qualidade depende a possibilidade de serem produzidas
ira os ou usadas. O consumo, distribuigáo e acumulagáo de produtos nos limites ecológicos náo
ificar pode ser regulado pelo mercado e através do dinheiro, posto que simplesmente náo tém
lbjeti- o caráter de bens que possam ser consumidos livremente de maneira individual. O prin-
cipio ordenador da racionalidade económica, com seus sinais de pregos e pagamentos, se
m do converte aqui em um princípio de desordem que sufoca a economia. A falta de oportuni-
mate- dades de crescimento deve trazer á discussáo critérios de atribuigáo que náo continuem
eber, defendendo a justita como resultado dos procedimentos do mercado. Os sistemas econó-
mico e social reclamam uma reorganizagáo fundamental guando a produgáo regida pelo
valor de troca só é capaz de criar valores de uso com urna capacidade limitada para satis-
ansu- fazer necessidades. Em conseqüéncia, a acumulagáo capitalista de modo algum é limita-
D dos da, mesuro guando a tendéncia expansionista do capital náo reconhega fronteiras. Em
Daly, vista dos limitados recursos e da capacidade de sustentabilidade da terra como ecossiste-
ma, os limites ecológicos voltam-se para limites sociais e finalmente barreiras á raciona-
lidade económica" (Altvater, 1993: 230).
acio- 12. 0 próprio Weber admite que os conceitos de racionalidade ou racionalizagáo
ra de adotam diferentes acepgóes segundo se tratem do "tipo de racionalizagáo á qual o pensa-
:urso mento sistemático submete uma imagem do mundo, como o resultado de um crescente
4uilí- dominio teórico da realidade mediante conceitos cada vez mais precisos, ou entáo a
pela racionalizagáo no sentido da consecugáo metódica de um determinado objetivo prático
ígico mediante o cálculo cada vez mais preciso dos meios adequados" (Weber, 1963: 265, cit.
Habermas, 1989: 228).
que, 13. Para Weber, "a defesa do pluralismo cultural se baseia em um pluralismo axio-
enor lógico originário, no qual cada valor representa urna forma especial táo válida como
rar o qualquer outra" (Gil Villegas, 1984: 46).
ntes. 14. "A história náo pode sujeitar-se ao significado transcendental do inexorável
vez avango dialético da razáo hegeliana ou das leis evolucionistas de qualquer tempo ou ao
tado eixo de urna única esfera institucional, tal como a economia [...] A história é um labirin-
mer- to de processos de racionalizagáo que chegam a constituir-se em orden legítimas dentro
river de uma sociedade. Alguns desses processos convergem, outros chocam, outros mais se
dividem para coincidir em um momento futuro e alguns chegam a se sobrepor, surgindo
colí- e lutando com outros processos em diversas esferas. Por essa razáo, os distintos procedi-
n no mentos náo podem hierarquizar-se em um padráo legal de evolugáo" (Gil Villegas,
)sial 1984: 44).

273
ENRIQUE LEFF

15. Ver caps. 6 e 7, infra. os obstáculos


16. Ver cap. 4, supra. estabelecidos
17. "Para poder identificar a composigáo social com o organismo social, no sentido agáo estratég
próprio deste termo, seria necessário poder falar das necessidades e das normas de vida inscrever-se e
de um organismo sem resíduo de ambigüidade. [...] Mas basta que um indivíduo se inter- náo é projetá
rogue em urna sociedade qualquer a respeito das necessidades e das normas desta socie- 25. Ver
dade e as impugne, sinal de que estas necessidades e essas normas náo sáo as de toda a
sociedade, para que se capte até que ponto a norma social náo é interior, até que ponto
a sociedade, sede de dissidéncias contidas ou de antagonismos latentes, está longe de
apresentar-se como um todo. Se o indivíduo questiona a finalidade da sociedade, náo é
este, por acaso, o sinal de que a sociedade é um conjunto unificado de meios, carentes,
precisamente, de um fim com o qual se identificaria a atividade coletiva permitida pela
estrutura?" (Canguilhem, 1971: 202-3).
18. "0 argumento racionalista da suposta comunidade da ciéncia afirma que a cién-
cia proporciona um controle preditivo acumulativo do meio ambiente e sua posigáo evi-
dentemente privilegiada nesse sentido sobre todos os demais sistemas de crengas conhe-
cidos é uma pedra de toque universal de racionalidade" (Hesse, 1985: 174).
19. Nesse nível se estabelecem, por exemplo, as normas ecológicas industriais; os
sistemas de áreas protegidas e reservas da biosfera; os cálculos da pegada ecológica, as
contas verdes e os indicadores de sustentabilidade; a legislagáo ambiental e os sistemas
normativos da geopolítica do desenvolvimento sustentável, incluindo os critérios e nor-
mas estabelecidos nas convengóes de biodiversidade e mudanga climática.
20. "A riqueza de um conceito científico se mede por seu poder deformador. Esta
riqueza náo pode ser atribuída a um fenómeno isolado ao qual seria atribuída urna rique-
za cada vez maior de caracteres, e seria cada vez mais rico em assimilagáo [...] Haverá que
deformar os conceitos primitivos, estudar suas condigóes de aplicagáo e, sobretudo,
incorporar as condigóes de aplicagáo de um conceito no próprio sentido do conceito. É
nessa última necessidade que reside o caráter dominante do novo racionalismo, corres-
pondente a uma forte uniáo da expressáo e da razáo" (Bachelard, 1938: 61).
21. Ver cap. 3, supra.
22. Ver cap. 8, infra.
23. Nesse sentido, Tim Ingold (1996: 42) afirmou que "a selegáo natural aparece
(enquanto modelo de explicagáo do comportamento do catador-coletor) náo como um
processo do mundo real, mas como uma reflexáo da razáo no espelho da natureza, con-
ferindo ao teórico o pretexto para exibir modelos de comportamento como se fossem
explicagóes do comportamento". Ingold sustenta, assim, que, mais do que estar inscritas
em uma determinagáo genética ou em um código cultural, suas condutas respondem a
um processo de "habilitagáo" (enskillment) que deriva de suas habilidades perceptivas e
cognoscitivas diante das mudangas do meio.
24. Para além da utopia de Mannheim como o campo de possibilidades que constrói
o pensamento propositivo na conexáo que estabelece com a poténcia do real e a mobili-
zagáo da agáo social para a consecugáo de seus objetivos, a utopia ambientalista se apre-
senta como um projeto realizável através de estratégias de poder e de saber para vencer

274
RACIONALIDADE AMBIENTAL

os obstáculos que apresenta o pensamento dominante como representante dos interesses


estabelecidos. A utopia náo é uma transcendéncia, mas a realizagáo do possível através da
itido náo estratégica. A utopia adquire novas perspectivas no pensamento de Levinas, ao
vida inscrever-se em uma ética da outridade, que abre um infinito em que a meta a alcangar
nter- do é projetável como agáo consciente dirigida com vistas a fins previsíveis.
ocie- 25. Ver cap. 7, infra.
>da a
onto
;e de
iáo é
ntes,
pela

cién-
) evi-
mhe-

is; os
:a, as
:emas
nor-

Esta
ique-
á que
tudo,
ito. É
mes-

arece
o um
con-
Issem
critas
!em a
vas e

istrói
obili-
apre-
encer

275
CAPÍTULO 6 Ecologia política e saber ambiental
O SABER E O DISCURSO AMBIENTAL

A problemática ambiental abriu um novo campo do saber — e do poder no


saber — que se desdobra nas estratégias discursivas e nas políticas do desen-
volvimento sustentável. O saber ambiental náo emerge do desenvolvimento
normal e interno das ciéncias, mas do questionamento á racionalidade
dominante. Esta problematizagáo das ciéncias — a crítica a seu logocentris-
mo e seu fracionamento em áreas compartimentadas do conhecimento —
induz a transformagáo de diferentes paradigmas do conhecimento para
internalizar um saber ambiental "complexo".
A complexidade dos problemas sociais associados a mudangas ambien-
tais globais abre o caminho para um pensamento da complexidade e a méto-
dos interdisciplinares de investigagáo, capazes de articular diferentes conhe-
cimentos para abranger as múltiplas relagóes, causalidades e interdependén-
cias que estabelecem processos de diversas ordens de materialidade: física,
biológica, cultural, económica, social. No entanto, a demanda por um saber
integrado para a compreensáo dos processos socioambientais náo se satisfaz
nem se esgota em um pensamento unificado pelos isomorfismos estruturais,
a formalizagáo lógica e a materializagáo dos processos objeto de diferentes
campos de conhecimento, em uma teoria geral de sistemas (Bertalanffy,
1976), nem se restringe a um método interdisciplinar capaz de integrar os
conhecimentos, disciplinas e saberes existentes (Leff, 2001a, cap. 1). 0
saber ambiental surge de urna problemática social que ultrapassa os objetos
do conhecimento e o campo de racionalidade das ciéncias. A questáo
ambiental emerge de uma problemática económica, social, política, ecológi-
ca, como uma nova visáo do mundo que transforma os paradigmas do
conhecimento teórico e os saberes práticos. Pelo caráter global dessa proble-
mática social do conhecimento teórico e do saber, a questáo ambiental inau-

279
ENRIQUE LEFF

gura urna nova perspectiva de análise no campo da sociologia do conheci- tituídas po


mento. gias de poc
As perspectivas langadas por Foucault no campo do saber permitem ver antropolol
a irrupgáo do saber ambiental como efeito da saturagáo dos processos de integrado
racionalizagáo da modernidade e dos paradigmas científicos — a teoria eco- tradicionai
nómica, o pensamento sistémico, a ecologia generalizada — como dispositi- desenvolvi
vos de poder nesse processo de racionalizag'áo. O saber ambiental se inscre- II vas, e em s
ve nas formagóes ideológicas do ambientalismo e nas práticas discursivas do A partí
desenvolvimento sustentável, incorporando novos princípios e valores: de rando no t
diversidade cultural, de sustentabilidade ecológica, de eqüidade social e de interesses <
solidariedade transgeracional. Mas, sobretudo, se apresenta com um sentido desenvolvi]
crítico da racionalidade dominante e com um sentido estratégico na constru- titucionais
gáo de uma racionalidade ambiental. Dessa maneira, o saber ambiental se induzindo
entretece nas teorias e práticas discursivas do desenvolvimento sustentável, temáticos e
transformando saberes e conhecimentos, e reorientando o comportamento
de agentes económicos e atores sociais.
No discurso emergente sobre a mudanga global incorporam-se diversos
temas relativos á ecologizagáo da ordem económica mundial: a inovagáo de SABER AMBI
tecnologias "limpas", adequadas e apropriadas para o uso ecologicamente
sustentável dos recursos naturais; a recuperagáo e o melhoramento das prá- A questáo
ticas tradicionais (ecologicamente adaptadas) de uso de recursos para a auto- na, como u
gestáo comunitária dos mesmos; o marco jurídico dos novos direitos como urna
ambientais, a normatividade ecológica internacional e a legislagáo nacional saber ambil
das políticas ambientais; a organizagáo do movimento ecologista; a interio- foi produzi,
rizagáo do saber nos paradigmas do conhecimento, nos conteúdos curricu- se abre para
lares dos programas educativos e nas práticas pedagógicas, e o surgimento ciplinas, pa
de novas disciplinas ambientais. e complexl
A partir dessa perspectiva de análise, é possível ver surgir as formagóes ordens de r
discursivas do saber ambiental e do desenvolvimento sustentável como de racional]
estratégias conceituais e como efeitos de poder no campo da ecologia políti- concentran.
ca, em que se expressa o conflito social da mudanga global em suas relagóes mulado o el
com o conhecimento, em que seus conceitos circulam e se transformam, giu a preoci
seus significados sáo legitimados e manipulados através do jogo de interes- de capazes
ses opostos de países, instituigóes e grupos sociais. O saber ambiental náo que determ
conforma urna doutrina homogénea, fechada e acabada; emerge e se desdo- menos aten
bra em um campo de formagóes ideológicas heterogéneas e dispersas, cons- góes do con

280
RACIONALIDADE AMBIENTAL

eci- tituídas por urna multiplicidade de interesses e práticas sociais; nas estraté-
gias de poder inscritas no discurso teórico das ciéncias (economia, ecologia,
ver antropologia, direito); no saber camponés e das comunidades indígenas
de integrado a seus sistemas gnosiológicos, seus valores culturais e suas práticas
:.co- tradicionais de uso da natureza; no saber ambiental inscrito nas políticas de
siti- desenvolvimento sustentável, em suas estratégias e em suas práticas discursi-
cre- vas, e em seus instrumentos normativos e jurídicos.
s do A partir daí é possível apreender o saber ambiental que vai se configu-
: de rando no tecido discursivo da mudanga global, na disputa de sentidos e os
de interesses em conflito que atravessam o campo ambiental e as políticas de
tido desenvolvimento sustentável; captar sua insergáo em diferentes espagos ins-
tr u- titucionais e sua incorporagáo em diferentes domínios do conhecimento,
d se induzindo transformagóes diferenciadas nos objetos científicos, seus campos
ivel, temáticos e suas práticas disciplinares.
;rito

rsos
D de SABER AMBIENTAL E SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO
ente
prá- A questáo aparece como um sintoma da crise da razáo da civilizagáo moder-
uto- na, como urna crítica da ordem social e do modelo económico dominante, e
itos como urna proposta para fundamentar urna racionalidade alternativa. O
)nal saber ambiental problematiza o conhecimento científico e tecnológico que
rio- foi produzido, aplicado e legitimado pela racionalidade formal dominante, e
icu- se abre para novos métodos, capazes de integrar os aportes de diferentes dis-
:nto ciplinas, para gerar análises mais abrangentes e integradas da realidade global
e complexa na qual se articulam processos sociais e naturais de diversas
¡Cies ordens de materialidade, assim como saberes inseridos em distintas matrizes
1m o de racionalidade. Os problemas gnosiológicos da problemática ambiental se
,líti- concentraram em seus aspectos axiológicos e metodológicos. Assim foi for-
;óes mulado o estudo dos valores que impulsionam a consciéncia ambiental e sur-
am, giu a preocupagáo em elaborar um pensamento e um método da complexida-
res- de capazes de apreender as inter-relagóes entre processos naturais e sociais
náo que determinam as mudangas ambientais globais. No entanto, tem se dado
do- menos atengáo ás raízes epistemológicas da crise ambiental e ás transforma-
ms- lóes do conhecimento que induz a problemática ambiental.

281
ENRIQUE LEFF

A questáo ambiental aparece como urna problemática social e ecológica 1)A ot


generalizada de alcance planetário, que mexe com todos os ámbitos da orga- nicos atra
nizagáo social, os aparatos do Estado e todos os grupos e classes sociais. Isso ci entífico-t
induz um amplo e complexo processo de transformagóes epistémicas no 2) A in
campo do conhecimento e do saber, das ideologias teóricas e práticas, dos tentes em
paradigmas científicos e os programas de pesquisa. Esses processos náo sáo elaboragáo
produzidos pelo desenvolvimento interno das ciéncias nem se atém somen- nares e de
te ás políticas científicas e tecnológicas, quer dizer, á aplicagáo dos conheci- 3) A p
mentos existentes aos fins do desenvolvimento sustentável. A conflitividade determinar
social colocada em jogo pela crise ambiental questiona, por sua vez, os inte- cas, a cons
resses disciplinares e os paradigmas do conhecimento estabelecidos, assim tuigáo de n
como as formagóes teóricas e ideológicas que, como dispositivos de poder cimento, c
na ordem da racionalidade formal e científica, legitimam a ordem social atuais para
estabelecida — a racionalidade económica e jurídica que legitimaram e ins- A parti
titucionalizaram as formas de acesso, propriedade e exploragáo dos recursos ambiental
naturais —, que aparece á luz do saber ambiental como a causa última da na oriental
degradagáo socioambiental. urna "dime
Dessa perspectiva, a construgáo de urna racionalidade ambiental impli- táo do des(
ca a necessidade de desconstruir os conceitos e métodos de diversas ciéncias políticas cit
e campos disciplinares do saber, assim como os sistemas de valores e as cren- trumentos
gas em que se funda e que promovem a racionalidade económica e instru- prevalecent
mental na qual repousa uma ordem social e produtiva insustentável. Essas 41 fins da sust
transformagóes ideológicas e epistémicas náo sáo efeitos diretos identificá- As técn
veis a partir do questionamento do conhecimento por diversas classes duos e a in(
sociais: implicam processos mais complexos, que póem em jogo os interes- quado e api
ses de diferentes grupos de poder em relagáo á apropriagáo dos recursos lógicos das
naturais, aos interesses disciplinares associados á identificagáo e apropriagáo de dano ec,
de um saber dentro do qual se desenvolvem as carreiras científicas e profis- de capital r
sionais que se desdobram nas diversas instáncias institucionais do poder e na tenta-se int
tomada de decisóes. Nesse sentido, o saber ambiental abre urna nova pers- mas náo se
pectiva á sociologia do conhecimento. consciéncia
A problemática ambiental provoca efeitos desiguais na transformagáo de nas crengas,
diferentes disciplinas e paradigmas na produgáo, integragáo e aplicagáo de ma os métc
conhecimentos. O saber ambiental emergente questiona e reorienta o desen- lecer um pr
volvimento do conhecimento em, pelo menos, trés níveis: No e nti
que orienta

282
RACIONALIDADE AMBIENTAL

lógica 1)A orientagáo da investigagáo e a aplicagáo de saberes científicos e téc-


orga- nicos através de urna demanda social de conhecimento e de políticas
s. Isso científico-tecnológicas.
:as no 2) A integragáo de processos diversos e de um conjunto de saberes exis-
s, dos tentes em torno de um objeto de estudo e de urna problemática comum, e a
jo sáo elaboraláo de um conhecimento integrado através de métodos interdiscipli-
)men- nares e de sistemas complexos (García, 1986: 1994).
nheci- 3) A problematizagáo dos paradigmas teóricos de diferentes ciéncias,
ridade determinando a reelaboragáo de conceitos, o surgimento de novas temáti-
s inte- cas, a construgáo de objetos interdisciplinares de conhecimento e a consti-
assim tuiláo de novas disciplinas ambientais que ultrapassam os objetos de conhe-
poder cimento, os campos de experimentagáo e os esquemas de aplicagáo dos
social atuaís paradigmas teóricos (Leff, 1986b, 2001a).
e ins- A partir de seu lugar no espato de exterioridade das ciéncias, o saber
cursos ambiental gera urna demanda de saber que repercute no desenvolvimento,
rna da na orientagáo e na aplicagáo de conhecimentos. O propósito de internalizar
urna "dimensáo ambiental" nas práticas da planificagáo económica e na ges-
impli- táo do desenvolvimento sustentável exige o desenho e a implementagáo de
éncias políticas científicas e tecnológicas para produzir os conhecimentos e os ins-
cren- trumentos que a refuncionalizagáo ecológica da racionalidade económica
nstru- prevalecente exige, e para operar como um meio eficaz na consecugáo dos
Essas fins da sustentabilidade.
tificá- As técnicas de despoluigáo, os processos de reciclagem de dejetos e resi-
duos e a inovagáo de "ecotécnicas" configuram um sistema tecnológico ade-
l asses
teres- quado e apropriado, mas náo transformam os principios teóricos e metodo-
:ursos lógicos das ciéncias físicas ou biológicas. Com a incorporagáo de "fungóes
7iagáo de dano ecológico" nas fungóes de produgáo, com a aplicagáo do conceito
tofis- de capital natural e os instrumentos económicos para a gestáo ambiental,
r e na tenta-se internalizar as externalidades ambientais ao processo económico;
pers- mas náo se questiona a estrutura paradigmática da economia neoclássica. A
consciéncia ambiental produz mudangas na percepgáo da realidade social,
áo de nas crengas, comportamentos e atitudes dos atores sociais, mas náo transfor-
áo de ma os métodos das ciéncias sociais. Nessa perspectiva, só é possível estabe-
.esen- lecer um programa débil para a sociologia ambiental do conhecimento.
No entanto, o conjunto de princípios, valores, processos e finalidades
que orientam a construgáo de urna racionalidade ambiental problematiza os

283
ENRIQUE LEFF

paradigmas de conhecimento dominantes e gera transformagóes teóricas em


"lei básica
diversos campos da ciéncia. Isso permite formular um "programa forte" de
ca o increi
sociologia do conhecimento, através dos efeitos provocados pela questáo
1971) —, e
ambiental — como urna problemática social externa, complexa e generaliza-
pologia, qu
da — no desenvolvimento e na aplicaço de diferentes ciéncias, através de
ca, de adap
interesses e condigóes sociais opostos. Este programa forte de sociologia do
conhecimento constrói-se sobre novas bases epistemológicas, ao mesmo te" dos ecc
tempo que a problemática ambiental gera novos objetos de conhecimento e Mais recen
interesses teórico-práticos que ultrapassam o campo das disciplinas tradicio- fenomenol(
nais. Por sua vez promove novas metodologias para a integragáo dos saberes Pálsson, 19
existentes e a colaboragáo de diferentes disciplinas para a explicagáo de rea- tienda, taxl
os efeitos d
lidades complexas: induz a produgáo de novos conceitos e a construgáo de
no funciona
novos paradigmas do conhecimento.
As mudangas epistémicas que problematizam as ciéncias a partir do A geogi
saber ambiental dependem, por sua vez, das estruturas do conhecimento de trand, 198;
cada campo do conhecimento, que as tornam mais dóceis ou mais rígidas escalas tem
para incorporar um saber ambiental. O saber ambiental náo é um saber priagáo do:
oniabrangente e totalizador capaz de ser incorporado pelos diferentes para- construir i.
digmas teóricos. Pelo contrário, o saber ambiental vai se configurando como mesmo mol
um campo de externalidade específico a cada um dos objetos de conheci- paisagem, u
mento das ciéncias constituídas. Nesse sentido, a contribuigáo das ciéncias dos que pr(
sociais á definigáo de um "paradigma ambiental" é um processo no qual, ao explicagóes
mesmo tempo que as ciéncias sociais se orientam em torno do conceito de A econ(
ambiente e se integram em um campo ambiental do conhecimento, um saber tal natural,
ambiental emergente vai se valorizando dentro dos paradigmas teóricos e das "capacidad(
temáticas tradicionais das ciéncias sociais. urna nova e
As disciplinas mais profundamente questionadas pela problemática ca sobre a si
ambiental acabam sendo as ciéncias sociais e as ciéncias naturais mais próxi- a bioeconor
mas das relagóes entre sociedade e natureza, como a geografia, a ecologia e co (George:
nário da ec
a antropologia. Essas transformagóes náo apenas implicam disciplinas práti-
incorporar
cas, com a etnobotánica e a etnotécnica, para recuperar os saberes técnicos jl
dinámica d,
das práticas tradicionais de uso dos recursos, mas incluem os paradigmas
teóricos de diversas ciéncias biológicas e sociais. ,193;J.O'
Nesse sentido, a antropologia ecológica evoluiu da antropologia cultu- Esses pr
náo se proc
ral de Steward — que via no "nível de integragáo sociocultural" a articula-
investigagác
gáo da organizagáo cultural com as condigóes de seu meio ambiente — e da
ser explicad

284
RACIONALIDADE AMBIENTAL

cas em
"leí básica de evolugáo de White" — para quem a evolugáo da cultura impli-
te" de
ca o incremento no controle e uso de energia (Adams, 1987; Rappaport,
uestáo
1971) —, em diregáo ao neofuncionalismo e ao neo-evolucionismo em antro-
Taliza-
pologia, que incorporam os princípios da racionalidade energética e ecológi-
vés de
ca, de adaptagáo funcional de populagóes ao meio e a "capacidade de supor-
gia do
a es m o te" dos ecossistemas na explicagáo da organizagáo cultural (Vessuri, 1986).
ento e Mais recentemente, surgiu uma antropología ambiental com urna perspectiva
fenomenológica, questionando os enfoques da ecologia evolutiva (Descola e
rdicio-
Pálsson, 1996). De sua parte, a ecologia funcional gerou os conceitos de resi-
aberes
liéncia, taxa ecológica de exploragáo e capacidade de carga, para incorporar
le rea-
os efeitos das práticas produtivas e dos processos económicos na estrutura e
gáo de
no funcionamento dos ecossistemas (Gallopín, 1986).
.tir do A geografia e a ecologia procuraran novos campos de colaboragáo (Ber-
trand, 1982; Tricart e Killian, 1982) para "espacializar" a ecologia e dar-lhe
nto de
rígidas escalas temporais, de modo que lhe permita captar os mecanismos de apro-
saber priagáo dos recursos naturais através dos processos de produgáo rural e
para- construir unidades operacionais de manejo dos recursos naturais. Do
como mesmo modo, surgiram novos campos da geografia física e da ecologia da
nheci- paisagem, urna geografia e urna ecologia humanas, assim como novos méto-
éncias dos que procuram integrar a análise cartográfica da geografia descritiva ás
ial, ao explicagóes da ecologia ao estudo dos ecossistemas (Toledo, 1994a).
lto de A economia neoclássica respondeu ao desafio com os conceitos de capi-
saber tal natural, de "fungóes de dano", "máximo rendimento sustentável" ou
s e das "capacidade máxima de exploragáo" dos recursos naturais na construgáo de
uma nova economia ambiental, e gerou um debate com a economia ecológi-
nática ca sobre a sustentabilidade forte e débil (Pearce e Turner, 1990, Daly, 1991);
próxi- a bioeconomia incorporou a lei da entropia á análise do processo económi-
co (Georgescu-Roegen, 1971) e propós a transigáo para um estado estacio-
ogia e
nário da economia (Daly, 1991). Por sua vez, o ecomarxismo procurou
práti-
incorporar as condigóes económicas da produgáo e os processos naturais da
micos
dinámica do capital no desenvolvimento de suas forgas produtivas (Leff,
igmas
1993; J. O'Connor, 2001).
Esses processos de transformagáo ambiental dos paradigmas das ciéncias
cultu-
náo se produzem por um desenvolvimento interno de seus programas de
:icula-
investigagáo, mas por urna demanda externa. Tal processo tampouco pode
- e da
ser explicado como urna "finalizagáo das ciéncias" (Bahme et al., 1976), no

285
ENRIQUE LEFF

sentido de que a partir de seu amadurecimento se abririam a urna multipli- cessos de 11


cagáo de suas aplicagóes técnicas para solucionar problemas socioeconómi- interna das
cos. Nessas transformagóes do conhecimento, influíram fortemente o surgi- desenvolvir
mento e o amadurecimento dos campos teóricos da termodinámica dos sis- insere assin
temas abertos e da ecologia. Ambos os domínios geraram um processo trans- curso ambi<
disciplinar, estendendo seus principios, conceitos e métodos para outros social, de c
campos do conhecimento. ambiental 1
O potencial de transformagáo transdisciplinar do saber e de aplicabilida- racionalidal
de das ciéncias depende da estrutura teórica de cada urna das ciéncias que a constituir
sáo convocadas e demandadas pela questáo ambiental. Dessa forma, a antro- trugáo de u
pologia mostrou ser um campo particularmente aberto e dócil á sua urna produl
"ambientalizagáo". Isso náo depende apenas do fato de que a organizagáo volvimento
cultural está sustentada por urna base natural onde se entrelagam as forma- A racioi
góes ideológicas e se desenvolvem as práticas produtivas que lhes permite contém um
viver nesse meio (o mermo poderia argumentar-se da dependéncia cega da cas e mudar
economia de sua base natural de sustentagáo). É o desenvolvimento e a racionalida<
maturagáo da antropologia evolucionista e funcionalista o que torna esses realidade
segmentos mais suscetíveis de "ambientalizar-se" do que outras disciplinas, sociais cont
como a antropologia estrutural. realizagáo
Por sua vez, os paradigmas dominantes da economia foram muito mais das ciéncias
a realidade
resistentes a incorporar os princípios ambientais. Além do aporte crítico á
nalizagáo, r
economia a partir da segunda lei da termodinámica (Georgescu-Roegen,
ambientais
1971), náo foi fácil incorporar as normas e as condigóes ecológicas de uma
relagáo con
economia sustentável, os processos de longo prazo e os valores da sustenta-
transformac
bilidade e a eqüidade aos paradigmas tradicionais da economia. Náo obstan-
licos que dá
te o imperativo de transitar para uma economia sustentável, o paradigma
á verifican
neoclássico náo se "finaliza" ecologizando a economia. O propósito de dar
de práticas
bases de sustentabilidade á economia exige a redefinigáo dos principios da
nalidade arr
economia e a elaboragáo de um novo paradigma produtivo para constituir
ambiental y
formagóes económico-socioambientais que incorporem a oferta de recursos lhe confere
naturais, os tempos de regeneragáo e os potenciais ecológicos nos processos existencial.
produtivos. com a racio
As categorias de racionalidade ambiental e de saber ambiental aparecem referente, at
assim como constructos teóricos capazes de articular um conjunto de forma- vagóes do c
góes ideológicas e discursivas, de crengas e comportamentos sociais, de pro- sociais ás qu

286
RACIONALIDADE AMBIENTAL

tipli- cessos de legitimagáo e institucionalizagáo do saber, com a racionalidade


ómi- interna das ciéncias e com a aplicagáo de novos conhecimentos e técnicas ao
urgi- desenvolvimento das forras produtivas da sociedade. O saber ambiental se
s sis- insere assim nos enunciados explicativos, valorativos e prescritivos do dis-
rans- curso ambiental, em suas estratégias de produgáo de sentido, de mobilizagáo
aros social, de organizagáo política, que se concretizam nas práticas da gestáo
ambiental e na construgáo de sociedades sustentáveis fundadas em urna
lida- racionalidade ambiental. Dessa maneira, é possível pensar as relagóes entre
que a constituigáo do saber ambiental e das disciplinas ambientais com a cons-
ltro- trugáo de um paradigma fundado nos processos materiais que dáo suporte a
sua urna produtividade ecotecnológica, orientado pelos objetivos de um desen-
agá° volvimento eqüitativo, sustentável e duradouro.
rma- A racionalidade ambiental que conduz a construgáo da sustentabilidade
.mire contém um sentido prospectivo em um processo de transformagóes históri-
;a da cas e mudangas sociais em que a teoria se enlata com a práxis. O conceito de
) ea racionalidade ambiental se concretiza no próprio processo de construgáo da
esses realidade da qual dá conta. Isso leva a indagar a forma pela qual as ciéncias
inas, sociais contribuem para explicar os processos sociais que convergem para a
realizagáo dos objetivos de uma racionalidade ambiental. A cientificidade
das ciéncias sociais náo se limita ao conhecimento objetivo que produz sobre
mais
a realidade social cristalizada através do processo histórico passado de racio-
co
nalizagáo, mas também como as condigóes de "verificagáo" das utopias
gen,
ambientais cuja "realizagáo" orientam. O saber ambiental se confirma em
uma
relagáo com as bases materiais e os sentidos que sustentam seu potencial
Tita-
transformador, em sua eficácia para mobilizar os processos naturais e simbó-
;tan-
licos que dáo suporte á construgáo de uma racionalidade social alternativa e
gma
verificagáo histórica de seu potencial transformador, na sustentabilidade
dar
de práticas de manejo dos recursos, na legitimagáo dos princípios de racio-
s da
nalidade ambiental, na eficácia do movimento ambiental. A racionalidade
ituir
ambiental gera um processo de racionalizagáo teórica, técnica e prática, que
rSOS
lhe confere sua coeréncia conceitual, sua eficácia instrumental e seu sentido
ssos existencial. A partir dessa convalidagáo interna se confronta e se contrasta
com a racionalidade social prevalecente no processo de construgáo de seu
cena referente, através de processos de racionalizagáo que se manifestam nas ino-
ma- vagóes do conhecimento, nas transformagóes produtivas e nas mudangas
)ro- sociais ás quais conduz.

287
ENRIQUE LEFF

O saber ambiental é mobilizado nos "momentos" de problematizagáo


mento (LE
complexi
do conhecimento disciplinar prevalecente. Por um lado, é "empurrado"
ambiental
pelas causas da crise ecológica, que implica um questionamento do saber
da naturei
teórico e instrumental da racionalidade social dominante. Por outro lado, o
saber ambiental é "devorado" por uma racionalidade social alternativa, por Nossa
dade. O Ic
um saber prospectivo que projeta uma nova visáo da realidade, reorientan-
mica cond
do os avangos do conhecimento para seus objetivos. O saber ambiental tece
res e as id
urna complexa dialética entre realidade social e conhecimento: náo é apenas
da raciona
uma resposta teórica mais adequada a urna realidade social mais complexa a
ocidental:
partir de aproximagóes holísticas e sistémicas. O saber ambiental questiona
certezas so
as teorias que tém legitimado e instrumentalizado a racionalidade social pre-
ficou cindi
valecente e formula a necessidade de elaboragáo de novos paradigmas do
gerada cor
conhecimento e novos saberes para construir outra realidade social. Essas
homogene
características do saber ambiental — seus efeitos nas crengas e comporta-
dade ambil
mentos dos agentes sociais, assim como no desenvolvimento das ciéncias e
mundo ecc
disciplinas sociais — fertilizam o terreno para fundar urna ecologia política
que se con:
do saber ambiental.
O sabe
dade cient
partir das
flui a seiva
GLOBALIZAA- 0 ECONÓMICA E COMPLEXIDADE AMBIENTAL
apreender
constituirá
A crise ambiental náo é uma catástrofe ecológica, mas o efeito do pensamen-
reflexo de
to com o qual ternos construído e destruído o mundo globalizado e nossos
ambiental
mundos de vida. Essa crise civilizatória se apresenta como um limite no real
a construgZ
que ressignifica e reorienta o curso da história: limite do crescimento econó-
pensament,
mico e populacional; limite dos desequilíbrios ecológicos e das capacidades
cesso de au
de sustentagáo da vida; limite da pobreza e da desigualdade social. A crise
lógica que
ambiental é a crise do pensamento ocidental, da metafísica que produziu a
herdado de
disjungáo entre o ser e o ente, que abriu o caminho á racionalidade científi-
A racio
ca e instrumental da modernidade, que produziu um mundo fragmentado e
lizador pan
coisificado em seu afá de domínio e controle da natureza. A crise ambiental
se expressa como um questionamento da ontologia e da epistemologia com lidade do t.,
para restaba
as quais a civilizagáo ocidental compreendeu o ser e as coisas; da ciéncia e
preensdo e
da razáo tecnológica com as quais dominou a natureza e economicizou o
desnaturali:
mundo moderno. A crise ambiental é, sobretudo, um problema do conheci-

288
RACIONALIDADE AMBIENTAL

mento (Leff, coord., 1986/2000) que leva a repensar o ser e suas vias de
r áo
lo" complexidade, para reabrir os canais da história e dar curso ao saber
ber ambiental no sentido da reconstrugáo do mundo e da reapropriagáo social
), o da natureza.
Nossa percepgáo do mundo foi cercada pela racionalidade da moderni-
?or
dade. O logocentrismo do conhecimento moderno e a racionalidade econó-
an-
ece mica conduziram um processo de globalizagáo que tende a unificar os olha-
nas res e as identidades de um mundo diversificado e complexo. A construgáo
:a a da racionalidade ambiental implica, pois, a desconstrugáo do pensamento
ocidental: remete á compreensáo do pensamento que se enraizou em falsas
una
certezas sobre o mundo; a descobrir e a reavivar a complexidade do ser que
>re-
ficou cindido e bloqueado pela positividade do ente, por urna epistemologia
do
gerada com o fim de apropriar-se do mundo coisificando-o, objetivando-o,
esas
rta- homogeneizando-o. A racionalidade da modernidade ultrapassa a complexi-
dade ambiental ao topar com seus limites, com a alienagáo e a incerteza do
as e
mundo economizado, arrastado por um insustentável processo de produgáo
tica
que se constituiu no eixo sobre o qual gira o processo de globalizagáo.
O saber ambiental problematiza o pensamento metafísico e a racionali-
dade científica, abrindo novas vias de transformagáo do conhecimento a
partir das margens da ciéncia e da filosofia modernas. No saber ambiental
flui a seiva epistémica que reconstitui as formas do ser e do pensar para
apreender a complexidade ambiental. Se o que caracteriza o homem é a
len- constituigáo do ser pelo pensar, a questáo da complexidade náo se reduz ao
reflexo de urna realidade complexa no pensamento. A complexidade
ssos
ambiental emerge do encontro de um mundo em vias de complexidade com
real
a construgáo do pensamento complexo. O saber ambiental se distingue do
nó-
.des pensamento da complexidade que concebeu a complexidade como um pro-
cesso de auto-organizagáo da matéria, da qual emerge urna consciéncia eco-
rise
tu a lógica que viria completar e recompor o mundo fragmentado e alienado,
herdado dessa civilizagáo em crise, através do pensamento sistémico.
tífi-
lo e A racionalidade ambiental rompe com esse pensamento sistémico e tota-
Ztal
lizador para reconstruir o mundo a partir da ontologia do ser, da potencia-
lidade do real, do sentido da ordem simbólica e de urna ética de outridade;
om
para restabelecer o vínculo entre o ser, o saber e o pensar. Esta via de com-
la e
preensáo e acesso á complexidade ambiental faz sua entrada pela porta da
uo
sci-
desnaturalizagáo da história que culminou na tecnificagáo e economicizagáo

289
ENRIQUE LEFF

do mundo, em que o ser e o pensar foram seduzidos e absorvidos pela racio- projeto epis
nalidade formal e instrumental da modernidade, ou seja, pelo cálculo e a nhecimento
planificagáo, pela determinagáo e a legalidade. Este mundo dominado, com as bases da
sua falsa seguranga, chega a seu limite e se expressa na crise ambiental. A sional, da ci
complexidade ambiental náo chega por urna evolugáo "natural" da matéria co do mund
e do homem que os conduz para um mundo tecnificado e economicizado, ambiente. C
mas corno um efeito da intervengáo do pensamento no mundo. S ó assim é partir da fati
possível dar um salto para fora do ecologismo naturalista e situar-se no verdade a pl
ambientalismo como política do conhecimento e da diferenga, no campo do Na críti
poder, no saber ambiental, em um projeto de reconstrugáo social a partir do como adequ
reconhecimento da diversidade e o encontro com a outridade. multiplicida
A sustentabilidade é a marca de urna crise de urna época que interroga verdade, ma
as origens de sua emergéncia no tempo atual e sua projegáo até um futuro mobilizado j
possível, que leva á construgáo de urna racionalidade alternativa fora do infinito, o ir
campo da metafísica, do logocentrismo e da racionalidade económica que dizer-se e pc
produziram a modernidade insustentável (Leis, 2001). A construgáo da pelo pensara
racionalidade ambiental remete á reconstituigáo de identidades através do dizer sua ver
saber. A complexidade ambiental implica urna reformulagáo do conheci- Os sentir
mento e um novo saber; contém urna reapropriagáo do mundo a partir do de interesses
ser, através do poder no saber e da vontade de poder, que é um querer saber. des" náo é
A solugáo da crise ambiental — global e planetária — náo poderá se dar Como verda
apenas pela via de urna gestáo racional da natureza, do risco ecológico e da a forga dos s
mudanga global. A crise ambiental interroga o conhecimento, questiona o seres que for
projeto epistemológico que procurou a unidade, a uniformidade e a horno- rais, sentido;
geneidade do ser e do pensar; o projeto de unificagáo do mundo através da carregadas dl
idéia absoluta e da razáo totalizadora; a idéia de sua transcendéncia e a tran- dades do rea
sigáo para um futuro sustentável, negando o limite, o tempo e a história. A magáo de nu
crise ambiental desloca a pergunta sobre a natureza da natureza e o ser no dam a reconl
mundo a partir da seta do tempo e da lei da entropia como condigáo da vida, de verdades s
desde a morte como lei-limite na cultura que constituem a ordem simbólica, sado — que c
do poder e do saber; a partir da diferenga, da diversidade e da outridade que discurso da c
abrem o canal da história. urna violéncil
A crise ambiental é o resultado do desconhecimento da lei da entropia, como forma
que desencadeou no imaginário economicista a ilusáo de um crescimento lidade domin
sem limites, de urna produgáo infinita. A crise ambiental anuncia o fim desse néutica ambil
projeto. Mas por isso sua solugáo náo poderia se basear no refinamento do que atravessa

290
RACIONALIDADE AMBIENTAL

racio- projeto epistemológico e científico que resultou na crise ambiental, o desco-


do e a nhecimento da lei e a alienagáo do homem. O saber ambiental desconstrói
), com as bases da lógica unitária, da verdade absoluta, do pensamento unidimen-
ital. A sional, da ciéncia objetiva; do crescimento sem limites, do controle científi-
latéria co do mundo, do domínio tecnológico da natureza e da gestáo racional do
:izado, ambiente. O saber ambiental inaugura urna nova compreensáo do mundo a
ssim é partir da falta de conhecimento, da incompletude do ser e a historicidade da
-se no verdade a partir das relagóes de poder no saber.'
ipo do u. Na crítica ao projeto epistemológico positivista que busca a verdade
rtir do como adequagáo entre o conceito e a realidade, a hermenéutica abre urna
multiplicidade de sentidos na interpretagáo do real. Náo é o abandono da
erroga verdade, mas um deslocamento de seu sentido para a construgáo do mundo
futuro mobilizado pela verdade como causa (Lacan), do desejo que abre o ser até o
)ra do infinito, o inédito, o possível; de urna verdade que se forjará na pulsáo por
:a que dizer-se e por fazer-se, na necessidade de dizer o indizível, que transitará
láo da pelo pensamento, o saber e a agáo, e á qual sempre faltará a palavra para
vés do dizer sua verdade, definitiva e total.
n h e ci- Os sentidos que forjam o mundo se constroem discursivamente a partir
rtir do de interesses sociais diferenciados. No entanto, essa irradiagáo de "verda-
saber. des" náo é urna mera dispersáo de certezas subjetivas e saberes pessoais.
se dar Como verdades virtuais, estáo tensionadas entre as potencialidades do real e
o e da a forga dos sentidos do ser construídos e transmitidos através do tempo; de
ona o seres que forjam suas "verdades" sobre a natureza a partir de códigos cultu-
iomo- rais, sentidos coletivos e significagóes pessoais. As verdades, como utopias
vés da carregadas de sentido, se constroem confrontando os limites e as potenciali-
tran- Jades do real; na compreensáo de um mundo predeterminado; na confor-
ria. A magáo de mundos de vida a partir de uma diversidade de sentidos que aju-
ier no dam a reconstituigáo do ser em um tempo complexificado; na recuperagáo
vida, de verdades silenciadas — que exigem uma exegese do siléncio, do náo pen-
ólica, sado — que deixou ao passar pela história o domínio da natureza através do
e que discurso da ciéncia objetiva. Essas verdades sáo respostas á introjegáo de
uma violéncia repressiva — da palavra perdida, da subjugagáo de saberes —
op i a, como forma de resisténcia e estratégia de emancipagáo em face da raciona-
lento lidade dominante que questiona sua identidade e sua autonomía. A herme-
desse néutica ambiental náo é apenas a interpretagáo dos sentidos dos discursos
:o do que atravessam o campo da sustentabilidade para construir um consenso e

291
ENRIQUE LEFF

urna verdade comum. A construgáo de um mundo sustentável fundado na gáo do pe


diversidade cultural terá de resultar do enlace dos sentidos diferenciados de entranhál
seres diversos que se encontram e fecundam no presente, projetando-se na que se un
história sem poder sempre dizer suas intengóes, recuperar sua memória pas- de vida qi
sada e prever seu futuro. e da agáo,
A incerteza, o caos e o risco sáo, ao mesmo tempo, efeito da aplicagáo
do conhecimento que pretendia anulá-los e condigáo intrínseca do ser e do
saber. A complexidade ambiental abre urna nova reflexáo sobre a natureza
do ser, do saber e do conhecer; sobre a articulagáo de conhecimentos na COMPLEXII
interdisciplinaridade e sobre o diálogo de saberes, em que se entretecem
subjetividades, valores e interesses na tomada de decisóes e nas estratégias A comple:
de apropriagáo da natureza. O saber ambiental questiona as formas em que complexo
os valores sáo incorporados ao conhecimento do mundo, abrindo um espa- evolui atn
go para o encontro entre o racional e o moral, entre a racionalidade formal um procel
e a racionalidade substantiva. ecologi zas
A complexidade ambiental se apresenta como resposta ao constrangi- náo é só a
mento do mundo e da natureza pela unificagáo ideológica, tecnológica e (Prigogine
económica do conhecimento. A natureza explode para liberar-se do domi- incorpora
nio das ciéncias, abrindo os canais da história a partir das potencialidades da tividade e
natureza complexa, a partir da atualizagáo do ser através da história e sua O amt
projegáo ao futuro através das possibilidades abertas pela produtividade — o absol
ecológica, pela poténcia do pensamento e pela fecundidade da outridade. dominante
Nesse sentido, a racionalidade ambiental desencadeia urna revolugáo do pensar —,
pensamento, urna mudanga de mentalidade e urna transformagáo do conhe- nalidade a
cimento, para construir um novo saber que funda uma nova racionalidade e emerge da
orienta a construgáo de um mundo sustentável, justo e democrático. É um de o munc
reconhecimento do mundo que habitamos. do simbóli
A crise ambiental remete a urna pergunta sobre o mundo, sobre o ser e homogene
o saber. A complexidade ambiental abre urna nova compreensáo do mundo ao infinitiv
através dos saberes e conhecimentos arraigados em cosmologias, ideologias, O sabe
teorias e práticas que están nos alicerces da civilizagáo moderna, no sangue incorporar
de cada cultura, no rosto de cada pessoa. Nesse saber do mundo — sobre o do. A rack
ser e as coisas, sobre suas esséncias e atributos, sobre suas leis e condigóes de no enlace
existéncia em toda a tematizagáo do conhecimento, subjazem nogóes identidade
que deram fundamento e se enraizaram nos saberes culturais dos poyos e opostas a t
nos saberes pessoais. O saber ambiental implica um processo de desconstru- toda globa

292
RACIONALIDADE AMBIENTAL

lo na láo do pensado para pensar o ainda náo pensado, para desentranhar o mais
[os de entranhável de nossos saberes e para dar curso ao futuro porvir. É um saber
.se na que se sustenta na incerteza e no "ainda náo" do saber, movido pelo desejo
a pas- de vida que se projeta para a construgáo do inédito, através do pensamento
e da agáo, na perspectiva do infinito, na diferenga e na alteridade.
cagáo
e do
ureza
os na COMPLEXIDADE E DIFERENCIA. IDENTIDADE E OUTRIDADE
:ecem
tégias A complexidade ambiental náo é a ecologizagáo do mundo. O pensamento
n que complexo ultrapassa a visáo cibernética de urna realidade que se estrutura e
espa- evolui através de um conjunto de inter-relagóes e retroalimentagóes, corno
Drmal um processo de desenvolvimento que vai da auto-organizagáo da matéria á
ecologizagáo do pensamento (Morin, 1977, 1980, 1986). A complexidade
rangi- náo é só a incorporagáo da incerteza, o caos e a possibilidade da natureza
gica e (Prigogine, 1997). 0 saber ambiental reconhece as potencialidades do real,
dom í- incorpora valores e identidades no saber e interioriza as condigóes da subje-
les da tividade e do ser na construgáo de urna racionalidade ambiental.
e sua O ambiente é a falta de conhecimento que impulsiona o saber. É o outro
idade — o absolutamente outro — diante do espírito totalitário da racionalidade
dade. dominante. O saber ambiental se projeta até o infinito do impensado — o por
10 do pensar —, reconstituindo identidades na reapropriagáo do mundo. A racio-
onhe- nalidade ambiental conduz ao reposicionamento do ser através do saber;
lade e emerge da poténcia do real, a forga e a mobilizagáo do desejo que transcen-
É um de o mundo totalitário. O ambiente é o outro complexo na ordem do real e
do simbólico, que transcende a realidade unidimensional e sua globalidade
ser e homogeneizante, para dar curso ao porvir de um futuro sustentável, aberto
undo ao infinitivo pelo poder da criatividade, da diversidade e da diferenga.
pgias, O saber ambiental náo é apenas um pensamento alternativo capaz de
ingue incorporar os saberes subjugados na retotalizagáo de um mundo ecologiza-
bre o do. A racionalidade ambiental gera o inédito no encontro com a outridade,
les de no enlace de diferengas, na complexidade dos seres e na diversificagáo de
pgóes identidades. No conceito de ambiente subjazem urna ontología e urna ética
vos e opostas a todo princípio homogeneizante, a todo conhecimento unitário, a
istru- toda globalidade totalizadora. O saber ambiental enfrenta as estratégias de

293
ENRIQUE LEFF

dissolugáo das diferengas em um campo comum e sob urna lei universal. mico sem 1
Dessa maneira, fertiliza o campo de urna política da diferenga, de conviven- da conscié
cia no dissenso. evolugáo d
A complexidade ambiental é o espato onde se encontram e enlagam a com a eme
complexidade do real e do conhecimento, do ser e do saber, do tempo e das racionalida
identidades. A complexidade ambiental é o entrelagamento da ordem física, gia de pod
biológica e cultural; a hibridagáo entre a economia, a tecnologia, a vida e o gáo natural
simbólico. Essa complexidade do real náo surge a partir de um novo olhar O proj,
— holístico, interdisciplinar — para um mundo cuja complexidade lhes é conhecime
imanente, mas que foi invisível para os paradigmas disciplinares. Mais além do da verd.
da complexidade crescente das ordens ónticas que emergem no processo de sáo, do pril
auto-organizagáo da physis (a passagem do mundo cósmico á organizagáo to do mun
vivente e á ordem simbólica), a matéria complexificou-se pela re-flexáo do mundo alie
conhecimento sobre o real. O conhecimento, em vez de constituir um con- as regras de
junto de teorias e formas de organizagáo do pensamento para o entendimen- lidade; pele
to das coisas e do mundo objetivo, passou a ser uma ordem conceitual e um do.2 A ideo
conjunto de artefatos que intervém e transformam o real, que tecnologizou dárias a um
e economicizou o mundo. A relagáo da teoria com o real náo é mais urna manifestag.
simples relagáo de conhecimento. Mais além das relagóes que se estabelecem inalterável.
entre o ideal e o material na ordem da cultura e nas racionalidades das socie- As estr
dades "tradicionais" (Godelier, 1984), a racionalizagáo e a tecnologizagáo moderno si
do conhecimento na modernidade o levaram a intervir e desordenar o pró- a compreer
prio ser das coisas. Dessa maneira, o ser biológico chegou a hibridar-se com ciéncia mol
a razáo tecnológica e com a ordem discursiva gerando novos entes — horizonte d
cyborgs — feitos de organismo, tecnologias e signos (Haraway, 1991, 1997; científico d
Escobar, 1995, 1999). e o princípi
O real sempre foi complexo; as estruturas dissipativas sempre existiram e as estrutu
e sáo mais reais do que os processos reversíveis e em equilíbrio da termodi- saber ambie
námica clássica. A ciéncia simplificadora, ao ignorar o real, construiu urna possibilida(
economia mecanicista e urna racionalidade tecnológica que negaram as racionalida(
potencialidades da natureza; as aplicagóes do conhecimento fracionado, do ram os para
pensamento unidimensional, da eficiéncia tecnológica, aceleraram a degra- dos; das m.
dagáo entrópica do planeta por efeito de suas sinergias negativas. A crise marcado pe
ambiental é a primeira crise do mundo real produzida pelo desconhecimen- lizagáo do c
to do conhecimento, desde a concepgáo científica do mundo e o domínio mas das cié]
tecnológico da natureza que geram a falsa certeza de um crescimento econó- to unidimei

294
RACIONALIDADE AMBIENTAL

Tsal. mico sem limites. O pensamento da complexidade náo é apenas a resposta


vén- da consciéncia a esse "esquecimento". A complexidade ambiental náo é a
evolugáo da natureza para formas de complexidade crescente que culminam
am a com a emergéncia de uma "consciéncia ecológica". A construgáo de urna
das racionalidade ambiental — que reconhece a complexidade — é urna estraté-
•sica, gia de poder no saber (Foucault, 1980) que náo corresponde a uma evolu-
aeo lb natural até níveis superiores de autoconsciéncia.
>lhar O projeto positivista procurava assenhorear-se no mundo através de um
tes é conhecimento que iria emancipando o homem da ignoráncia e o aproximan-
além do da verdade. A ciéncia — que se pensava libertadora do atraso e da opres-
o de sáo, do primitivismo e do subdesenvolvimento — gerou um desconhecimen-
agáo to do mundo, um conhecimento que náo sabe de si mesmo; que rege um
D do mundo alienado do qual desconhecemos seu conhecimento especializado e
con- as regras de poder que o regem. O conhecimento náo representa mais a rea-
nen- lidade; pelo contrário, construiu urna hiper-realidade na qual se vé refleti-
um do. 2 A ideologia náo é mais o falso e a ciéncia, o verdadeiro. Ambas sáo soli-
izou darias a uma concepgáo do mundo que construiu uma realidade que, em sua
urna manifestagáo empírica, lhe confirma sua verdade absoluta, intemporal e
cem inalterável.
>cie- As estratégias fatais que a hiper-realidade destila do mundo pós-
tgáo moderno sáo reflexos do poder cimentado pela civilizagáo ocidental, desde
Dró- a compreensáo metafísica do mundo até as armaduras dos paradigmas da
: o ni ciéncia moderna. Se desde Hegel e Nietzsche a náo-verdade já aparece no
;— horizonte da verdade, a própria ciéncia foi descobrindo as falhas do projeto
1 97; científico da modernidade, desde a irracionalidade do inconsciente (Freud)
e o princípio da incerteza (Heisenberg), até o encontro com a seta do tempo
ram e as estruturas dissipativas (Prigogine). O pensamento da complexidade e o
)di- saber ambiental acolhem a incerteza, a irracionalidade, a indeterminagáo e a
tma possibilidade no campo do conhecimento. A partir da externalidade da
t as racionalidade modernizante; dos núcleos do conhecimento que configura-
do ram os paradigmas das ciéncias, seus objetos de conhecimento e seus méto-
;ra- dos; das margens do logocentrismo das ciéncias, emerge um novo saber,
Pise marcado pela diferenga (Derrida, 1989). 3 O saber ambiental náo é a retota-
en- lizagáo do conhecimento a partir da conjungáo interdisciplinar dos paradig-
nio mas das ciéncias, o sentido unívoco da racionalidade formal e o pensamen-
lÓ- to unidimensional que gera a razáo tecnológica; olha para os horizontes

295
ENRIQUE LEFF

invisíveis da ciéncia, abre os caminhos do impensável da racionalidade mo- tidades n


dernizadora e permite que sejam ouvidas novas harmonias nos contrapontos COMO um

e dissonáncias dos saberes. por uma


O saber ambiental abre um novo campo de nexos interdisciplinares do ser e
entre as ciéncias e um diálogo de saberes; é o encontro entre a ciéncia obje- enfrenta
tivadora e um saber que condensa os sentidos que se forjaram no ser através até a lógi
do tempo. A complexidade ambiental é a re-flexáo do tempo no real (Pri- complexil
gogine) e no ser (Heidegger). É um entrecruzamento de tempos: de tempos mento for
cósmicos, físicos, biológicos e económicos; dos tempos que se configuram marcado
nas teorias sobre o mundo e nas cosmovisóes das diversas culturas ao longo ser é pens
da história. Náo é táo-só o enlagamento dos tempos objetivados na história, todo ser
das historicidades diferenciadas do real, da historicidade do pensamento constituer
que se fez história real; do encontro de processos levados pela seta do tempo para a cor
até a catástrofe ecológica. É a emergéncia de novos tempos, em que se arti- tuem no
culam as temporalidades da evolugáo biológica com os tempos fenomenoló- valores —
gicos; os ciclos da vida, os ciclos económicos e a inovagáo tecnológica; é a gáo da nai
transmutagáo dos tempos que induz a transgénese, a atualizagáo de tempos A recc
vividos na invengáo de novas identidades e a emergéncia de novos mundos namento
de vida. dos de vid
A ciéncia moderna náo apenas negou o tempo da matéria; mas também princípio
o da história. Hoje o tempo se manifesta na irreversibilidade dos processos se formula
afastados do equilíbrio e do tempo que aninhou no ser cultural que renasce ra desde o
do jugo da dominagáo e da opressáo, expressando-se através do siléncio, urna utopi
que foi o grito eloqüente de urna violéncia que paralisou a fala dos poyos. des da nati
Hoje, os movimentos de emancipagáo dos poyos indígenas e das nagóes reapropria
étnicas estáo descongelando a história; suas águas fertilizara novos campos zado, os pi
do ser e fluem para oceanos cujas marés abrem novos horizontes de tempo. tidades for
Hoje, a história se está refazendo no limite dos tempos modernos; no ressur- cultura se
gimento de velhas histórias e na emancipagáo dos sentidos reprimidos por guram-se a
urna história de conquista, de submissáo e de holocausto. Estas histórias ser coletiv,
ancestrais, que em sua quietude pareciam ter perdido a memória, despertam de ancora]
para ressignificar tradigóes e reconfigurar identidades, abrindo novos canais onde conf
no fluxo da história. lógica. A a
A complexidade ambiental leva a repensar o princípio de identidade for- em estratél
mal — que afirma a mesmice do ente — em face da complexidade que nalidade at
emana da diversidade, da pluralidade e da outridade. A reinvengáo das iden- dos da culi

296
RACIONALIDADE AMBIENTAL

mo- tidades na perspectiva da globalizagáo confronta a idéia do ser humano


ntos como um ser-aí genérico — ser para a morte —, para ver o mundo habitado
por uma diversidade de identidades que constituem as formas diferenciadas
iares do ser e contém os sentidos coletivos dos poyos. A identidade resiste e
obje- enfrenta a imposigáo do pensamento externo sobre o ser, das etnociéncias
7avés até a lógica da globalizagáo ecológico-económica. O chamado ao ser na
(Pri- complexidade dissolve o sentido da identidade como igualdade do pensa-
npos mento formal e da identificagáo do sujeito ancorado em seu "eu" subjetivo,
num marcado pelo limite de sua existencia. No pensamento da complexidade, o
Dngo ser é pensado mais além de sua condigáo existencial geral (o constitutivo de
ória, todo ser humano) para penetrar no sentido das identidades coletivas que se
ento constituem a partir da diversidade cultural, mobilizando os atores sociais
mpo para a construgáo de um mundo sustentável. As novas identidades se consti-
arti- tuem no campo de tuna política da diferewa, no encontro de interesses e
loló- valores — muitas vezes antagónicos — de novos atores sociais pela apropria-
i; é a láo da natureza.
npos A reconfiguragáo do ser e das identidades na globalizagáo é o reposicio-
ndos namento dos indivíduos e dos poyos no mundo; é a reconstrugáo dos mun-
dos de vida das pessoas. É nessa relagáo do ser, do pensar e do saber que o
ibém princípio da identidade adquire sentido pleno. É a partir da identidade que
Issos se formula o diálogo de saberes na complexidade ambiental como a abertu-
iasce ra desde o ser constituído por sua história até o inédito e o impensado; até
uma utopia arraigada no ser e no real, construída a partir das potencialida-
ivos. des da natureza e dos sentidos da cultura. As identidades se reconstituem na
góes reapropriagáo do mundo e de seus mundos de vida. Em um mundo globali-
lpos zado, os processos de mestigagem cultural implicam a reconstrugáo de iden-
ipo. tidades fora de todo essencialismo que remeta a tuna raiz imutável e a urna
sur- cultura sem história. No contexto da complexidade ambiental, reconfi-
por guram-se as identidades culturais na ordem emergente dos novos direitos do
arias ser coletivo, em um processo de resisténcia cultural que parte, como ponto
tam de ancoragem, de urna origem, uma tradigáo e uma situagáo, a partir de
nais onde confronta as estratégias de poder da globalizagáo económico-eco-
lógica. A afirmagáo das identidades se apóia em direitos que se inscrevem
for- em estratégias de vida que confluem para a construgáo social de urna racio-
que nalidade ambiental, arraigada nas condigóes da natureza (o real) e nos senti-
len- dos da cultura (o simbólico).

297
ENRIQUE LEFF

A reconfiguragáo das identidades na complexidade ambiental leva a tempo e da


interrogar as formas de assentamento do ser coletivo em seu território e em to das ider
sua cultura; sua resisténcia e permanéncia no tempo. Se a racionalidade subjugado;
científica procura legitimar-se na relagáo de verdade entre o conceito e o dade "fria'
real, a racionalidade ambiental é a ordem em que o saber encontra seu enrai- memória ft
zamento no ser. Essas identidades, sem deixar de nomear-se desde sua ori- rocha do si
gem — ética, nacional, religiosa — se complexificam em um processo de tando seus
mestigagens étnicas e de hibridagóes culturais, para constituir identidades recolocand
inéditas que váo se inventando através de estratégias de poder para se enrai- de suas estr
zar em um território, para reapropriar sua natureza e sua cultura. O inclí1
No jogo democrático e no espato da complexidade, a identidade náo é complexific
apenas a reafirmagáo do uno na intoleráncia aos demais; é a reconstitukao generalizad
do ser pela introjegáo da outridade — a alteridade, a diferenga, a diversida- ra, o ser in<
de —, no vínculo entre natureza e cultura, através de um diálogo de saberes. lizagáo, da
Este é sentido do jogo dialógico: a abertura á complexizagáo de um mesmo seu patriml
autonomia
no encontro com os outros leva a compreender a identidade como conserva-
genas estáo
gáo do uno e do mesmo na incorporagáo do outro em um processo de com-
recupera su
plexizagáo no qual as identidades sedentárias se tornam transumantes, híbri-
a necessida<
das, virtuais. Assim se reconstituem as identidades na pós-modernidade: a
nómica. Set
partir de urna ontología náo essencialista, fora do individualismo no qual o
por uma his
eu que fala se reconhece e se afirma em identidades individuais, errantes e
recusa de se
passageiras; a partir da falta em ser de todo ser e diante de um outro, em um de dominad
campo náo suturado nem saturado; a partir da palavra através da qual se modernidac
expressa a existéncia do ser cultura, mais além das mestigagens culturais e seu futuro;
das hibridagóes genéticas nas quais fora possível delinear os tragos de ori- recupera o
gem e a esséncia constitutiva de sua identidade. Hoje, guando o sujeito indi- vra no tem
vidualizado está sempre em processo de deixar de ser alguém com identida- sua verdade
de para fundir-se no anonimato coletivo — como as moedas que se fundem riedade de i
em um signo económico unitário, como as mercadorias que se confundem urna ontolo;
no padráo-ouro e no dinheiro circulante —, as identidades emergem no ser gia política
e se enraízam no território através do saber. cado pela cl,
Ser a saber; espato e tempo; território e identidade. Encruzilhada e A come
reencontro. O ser que permanece e ao mesmo tempo devém se reconstitui e tempos que
se projeta para um futuro sustentável em um mundo em vias de se comple- ecossistémic
xificar. O ser se complexifica pela complexidade do real, do pensamento, do múltiplas da

298
RACIONALIDADE AMBIENTAL

:va a tempo e das identidades, cuja manifestacáo mais eloqüente é o renascimen-


e em to das identidades étnicas. O indígena, este ser marginalizado, dominado,
dade subjugado; este ser forjado em uma sociedade "tradicional", em urna socie-
)eo dade "fria", sem tempo, sem racionalidade; em um mundo no qual sua
nrai- memória foi perdida na história da dominagáo, onde sua fala encalhou na
ori- rocha do siléncio e da submissáo. Este ser revive no tempo atual transpor-
;o de tando seus tempos imemoriais, fixando-se de novo em seu território,
iades recolocando-se em mundo globalizado a partir de suas lutas de resisténcia e
1nrai- de suas estratégias de reapropriagáo da natureza.
O indígena ressignifica sua história e recoloca seu ser em um mundo
náo é complexificado corno o Outro da globalizagáo económica e da economia
uigáo generalizada. Diante das estratégias de capitalizagáo da natureza e da cultu-
rsida- ra, o ser indígena se situa dentro do discurso da sustentabilidade, da globa-
lizagáo, da democracia; posiciona-se em face das estratégias de controle de
peres.
seu património natural para reafirmar suas identidades e reclamando sua
!esmo
autonomia como seu direito de ser e seu direito ao território. Os poyos indí-
serva-
genas estáo reconstituindo suas identidades em um processo que náo apenas
com-
recupera sua história, sua memória e suas práticas tradicionais, mas formula
híbri-
a necessidade de reconfigurar seu ser indígena em face da globalizagáo eco-
ide: a
nómica. Seu protesto náo é apenas a reivindicagáo de urna dívida ecológica
jual o
por urna história de conquista e submissáo; é o direito de ser diferente, sua
ntes e
recusa de ser integrado á ordem económico-ecológica globalizada, á unida-
m um de dominadora e á igualdade ineqüitativa do processo de racionalizagáo da
aal se modernidade. É o direito a um ser coletivo que revive seu passado e projeta
rais e seu futuro; que reconhece sua natureza e restabelece seu território; que
e ori- recupera o saber e a fala para localizar-se em seu lugar, para dizer sua pala-
, indi- vra no terreno estratégico do desenvolvimento sustentável, para construir
atida- sua verdade a partir de territórios autónomos que se entrelagam na solida-
ndem riedade de identidades coletivas diversas. Da ontologia do ser dos entes, de
ndem urna ontologia do ser-aí genérico (ser para a morte do ser humano), a ecolo-
lo ser gia política é fundada em urna ontologia do ser diverso, do Ser cultural mar-
cado pela diferenga. 4
ada e A complexidade ambiental emerge da confluéncia de processos e de
:itui e tempos que bloqueiam a complexidade do pensamento, degradam a trama
Tiple- ecossistémica e erodem a fertilidade da vida; que subjugaram as identidades
o, do múltiplas da raga humana. A crise ambiental é resultado da sujeigáo, submis-

299
ENRIQUE LEFF

sáo, dominio e desconhecimento do real complexo, do tempo complexo, do figuraláo


ser complexo. Dessa coagáo da razáo, do real e do ser, emerge a forra da urna racio
complexidade, as sinergias do ser complexo em que se enlagam tempos, em A eco]
que se entretecem identidades, em que se amalgamam culturas, em que se mais recen
"hibridam" a natureza, a cultura e a tecnologia, em que se bifurcam proces- radical do:
sos com sentidos diversos em diregáo á diferenciagáo do ser. É a face que na, mais a
abre um legue de luzes multicoloridas, em diferentes freqüéncias, para um ecológica <
mundo infinito e um futuro sustentável. a ecologia
falta de rei
lico, de un
tudo que é
ECOLOGIA POLÍTICA E SABER AMBIENTAL nas os con
explorar sc
O saber ambiental náo emerge da profundidade das ciéncias para voltar a o mundo g
submergir e a dissolver-se na racionalidade teórica e nos paradigmas preva- Se o ol
lecentes de conhecimento. O saber ambiental constitui urna nova racionali- rou a visáo
dade e uma nova episteme. Mais além da evolugáo do pensamento socioló- aberto ao a
gico, desde o estruturalismo até o surgimento de uma "ecologia generaliza- lagáo, tem
da" e do "pensamento da complexidade", o saber ambiental rompe o espe- realidade
lho da representagáo e da especulagáo de um mundo objetivado e a transpa- objetivado
réncia do conhecimento. O saber ambiental é uma concepgáo crítica do reconfigun
conhecimento que exerce uma vigiláncia epistemológica sobre as condigóes sociais e pi
sociais de produgáo do saber e do efeito do conhecimento sobre o real, que neste novo
se desdobra em estratégias de poder no saber dentro da globalizagáo rar, derrull
económico-ecológica. moderna e
A ecologia política emerge nessa nova perspectiva do saber, nessa politi- cado adqui
zagáo do conhecimento pela reapropriagáo social da natureza. A ecologia A ecolc
política se encontra assim no momento de fundagáo de seu campo teórico- e na contra
prático, na construgáo de um novo território do pensamento crítico e da mentos e n
agáo política. Situar esse campo na geografia do saber náo significa apenas ramificagóe
delimitar seu espato, fixar suas fronteiras e colocar membranas permeáveis lógica, o di]
para facilitar os intercámbios teóricos e metodológicos com disciplinas adja- cultura-nati
centes. Melhor, implica desbravar o terreno, deslocar as rochas conceituais paradigma
e mobilizar o arado discursivo que conformam esse novo campo do saber, que ainda
para estabelecer as bases seminais que déem identidade e suporte a esse novo mos metafe
território; para pensá-lo em sua emergéncia e em sua transcendéncia na con- para ir norr

300
RACIONALIDADE AMBIENTAL

:o, do figuragáo da complexidade ambiental de nosso tempo, na construgáo de


ga da urna racionalidade ambiental e no horizonte de um futuro sustentável.
,s, em A ecologia política em princípio langa urna pergunta sobre a mutagáo
iue se mais recente da condigáo existencial do homem. Partindo de urna crítica
-oces- radical dos fundamentos ontológicos e metafísicos da epistemologia moder-
e que na, mais além de urna política fundada na diversidade biológica, na ordem
um ecológica e na organizagáo simbólica que dáo sua identidade a cada cultura,
a ecologia política vem interrogar a condigáo do ser no vazio de sentido e a
falta de referenciais gerada pelo domínio do virtual sobre o real e o simbó-
lico, de um mundo onde, citando Marx segundo Marshall Berman (1988),
tudo que é sólido desmancha no ar. Á ecologia política concernem náo ape-
nas os conflitos de distribuigáo ecológica; ela também assume a tarefa de
explorar sob nova luz as relagóes de poder no saber que se entretecem entre
dtar a o mundo globalizado e os mundos de vida das pessoas.
)reva- Se o olhar do mundo a partir da hermenéutica e do construtivismo supe-
onali- rou a visáo determinista da história e o objetivismo do real, se o mundo está
icioló- aberto ao acaso e á incerteza, ao caos e ao descontrole, ao desenho e á simu-
raliza- lagáo, ternos que nos perguntar que grau de autonomia tem a hiper-
espe- realidade do mundo hipereconomicizado, ultra-ecologizado e ultra-
tnspa- objetivado sobre o ser. Em que sentido se orientam o desejo e a utopia na
ca do reconfiguragáo do mundo guiado por interesses individuais, imaginários
digóes sociais e projetos coletivos? Que relagóes e estratégias de poder emergem
.1, que neste novo mundo no qual o bater de asas das mariposas pode chegar a alte-
zagáo rar, derrubar e reconstruir as armaduras e as camisas-de-forga da civilizagáo
moderna e das rígidas estruturas do poder e do conhecimento? Que signifi-
politi- cado adquirem a liberdade, a identidade, a existéncia, a vontade de poder?
)logia A ecologia política constrói seu campo de estudo e de agáo no encontro
árico- e na contracorrente de diversas disciplinas, pensamentos, éticas, comporta-
) e da mentos e movimentos sociais. Mi colidem, confluem e se confundem as
penas ramificagóes ambientais e ecológicas de novas disciplinas: a economia eco-
eáveis o direito ambiental, a sociologia política, a antropologia das relagóes
adja- cultura-natureza, a ética política. A ecologia política náo constitui um novo
ituais paradigma de conhecimento ou urna nova ordem social. Ocupa um campo
saber, que ainda náo adquiriu nome próprio; por isso, é designada com emprésti-
novo mos metafóricos de conceitos e termos provenientes de outras disciplinas
t con- para ir nomeando os conflitos derivados da distribuigáo desigual e as estra-

301
ENRIQUE LEFF

des econór,
tégias de apropriagáo dos recursos ecológicos, os bens naturais e os servigos que se assu
ambientais. As metáforas da ecologia política se tornam solidárias do limite trumentos
de sentido da globalizagáo regida pelo valor universal do mercado para lan- que surgem
gar o mundo a urna reconstrugáo das relagóes do real com o simbólico, da
propriagáo
produgáo com o saber. Nesse c
A ecologia política emerge no Hinterland da economia ecológica para idéia da díi
analisar os processos de significagáo, valorizagáo e apropriagáo da natureza,
dentro dos
nem pela atribuigáo de normas ecológicas á economia; esses conflitos
trumentos c
socioambientais se formulam em termos de controvérsias derivadas de for-
nómica dos
mas diversas — e muitas vezes antagónicas — de significagáo da natureza,
gica póe a d
em que os valores políticos e culturais ultrapassam o campo da economia
bio desigual
política, inclusive de urna economia política dos recursos naturais e servigos
recursos nat
ambientais. Daí surge essa estranha politizagáo "da ecologia".
é consubstai
Na ecologia política aninharam-se termos que derivam de campos con-
resulta de si
tíguos — por exemplo, a economia ecológica —, corno o de distribuigáo
rexplorou s
ecológica,5 definido como urna categoria para abranger as externalidades
Essa dívida
ambientais e os movimentos sociais que emergem de "conflitos distributi-
que consiga
vos"; quer dizer, para dar conta da carga desigual dos custos ecológicos e
um despojo
seus efeitos nas variedades do ambientalismo emergente, incluindo movi-
culturas que
mentos de resisténcia ao neoliberalismo, de compensagáo por danos ecoló-
eficaz e efici
gicos e de justita ambiental. A distribuigáo ecológica compreende, pois, os
Hoje, a
processos extra-económicos (ecológicos e políticos) que vinculara a econo-
taliza através.
mia ecológica á economia política, em analogia com o conceito de distribui-
prospecgáo
gáo em economia, que desloca a racionalidade económica ao campo da eco-
das empresa
nomia política. O conflito distributivo introduz na economia política do
de das nagóc
ambiente as condigóes ecológicas de sobrevivéncia e produgáo sustentável,
ta o territóri
assim como o conflito social que emerge das formas dominantes de apro-
cia e o patri]
priagáo da natureza e a contaminagáo ambiental. No entanto, a distribuigáo
na história. 1
ecológica aponta para processos de valoragáo da natureza que náo corres-
Tal diferenga
ponden aos critérios de racionalidade económica para a atribuigáo de pre-
turais estabe
gos de mercado e custos crematísticos ao ambiente, mobilizando atores
vel entre dív:
sociais por interesses materiais e simbólicos (de sobrevivéncia, identidade,
buigáo ecoló
autonomia e qualidade de vida), mais além das demandas estritamente eco-
O campe
nómicas de propriedade dos meios de produgáo, de emprego, de distribui-
território da
gáo de renda e de desenvolvimento. A distribuigáo ecológica se refere á
ras do ambie
repartigáo desigual dos custos e potenciais ecológicos, dessas "externalida-

302
RACIONALIDADE AMBIENTAL

des económicas" que sáo incomparáveis com os valores do mercado, mas


visos que se assumem como novos custos a serem internalizados pela via de ins-
imite trumentos económicos, de normas ecológicas ou dos movimentos sociais
lan- que surgem e se multiplicam em resposta á deterioragáo do ambiente e á rea-
o, da propriagáo da natureza.
Nesse contexto, vem se configurando um discurso reivindicativo sobre a
para
idéia da dívida ecológica, como um imaginário e um conceito estratégico
'reza, dentro dos movimentos de resisténcia á globalizagáo do mercado e seus ins-
flitos trumentos de coergáo financeira, questionando a legitimidade da dívida eco-
e, for- nómica dos países pobres, boa parte deles da América Latina. A divida ecoló-
'reza,
gica póe a descoberto a parte mais perversa, e até agora oculta, do intercam-
lomia
bio desigual entre países ricos e pobres, quer dizer, a destruigáo da base de
Tilos
recursos naturais dos países "subdesenvolvidos", sujo estado de pobreza náo
é consubstancial a urna esséncia cultural ou á sua limitagáo de recursos, mas
; con-
resulta de sua insergáo em urna racionalidade económica global que supe-
uigáo
rexplorou sua natureza, degradou seu ambiente e empobreceu seus poyos.
dades
Essa divida ecológica resulta incomensurável, pois náo há taxas de desconto
ibuti-
que consigam atualizá-la nem instrumento que possa medi-la. Trata-se de
icos e
um despojo histórico, do avassalamento da natureza e subjugagáo de suas
movi-
culturas que é mascarada por um mal concebido efeito da dotagáo e do uso
eficaz e eficiente de seus fatores produtivos.
ois, os
Hoje, a "pilhagem do Terceiro Mundo" (Fanon) se reveste e instrumen-
:ono-
taliza através dos mecanismos de apropriagáo da natureza pela via da etnobio-
ribui-
prospecgáo e dos direitos de propriedade intelectual dos países do Norte e
I eco-
das empresas transnacionais de biotecnologia sobre os direitos de proprieda-
:a do
de das nagóes e poyos do Sul. Para estes últimos, a biodiversidade represen-
tável,
ta o território onde estáo arraigados os significados culturais de sua existen-
apro-
cia e o património de recursos naturais e culturais com o qual coevoluíram
uigáo
na história. Esses valores culturais sáo intraduzíveis em valores económicos.
Tal diferenga irredutível entre racionalidade económica e racionalidades cul-
pre-
turais estabelece o umbral e o limite entre o que é negociável e intercambiá-
tores
vel entre divida e natureza, e o que impede que se anule o conflito de distri-
Jade,
buigáo ecológica em termos de compensagóes económicas.
eco-
O campo da ecologia política se abre num horizonte que ultrapassa o
ibui-
território da economia ecológica. A ecologia política se localiza nas frontei-
ere á
ras do ambiente que pode ser recodificado e internalizado no espato para-
ilida-

303
ENRIQUE LEFF

digmático da economia, da valorizagáo dos recursos naturais e dos servigos natureza é r


ambientais. A ecologia política se estabelece no campo do conflito pela rea- siologia ocio
propriagáo da natureza e da cultura, ali onde a natureza e a cultura resistem real, mas tal
á homologagáo de valores e processos (simbólicos, ecológicos, políticos) Esse process
incomparáveis e a serem absorvidos em termos de valor de mercado. É ah em que as "
que a diversidade cultural adquire direito de cidadania como urna política da certa ordem
diferenla, de urna diferenga radical, mais além da distribuigáo eqüitativa do mar um pro
acesso e dos benefícios económicos derivados da atribuigáo de um valor á era suficient
natureza. ontológico,
de sua legali
ceitual que 1
principios es
DESNATURALIZADO DA NATUREZA E CONSTRUYO DO AMBIENTE e seu corres'
Náo é f,
No curso da história do pensamento ocidental, a natureza aparece como fundamentai
urna ordem ontológica e urna categoria oniabrangente de todas as ordens do frágeis e inst
real. Mais além de sua existéncia em si — seu caráter óntico —, a natureza sem bastante
se constrói como o referente necessário do imaginário da metafísica e da ecologia pol
representagáo, no qual a natureza se re flete na idéia da natureza. Este imagi- zas": de "n1
nário dualista é o que sustenta a epistemologia empírica e positivista de toda (Escobar, 19
teoria do conhecimento e da própria filosofia, que se estabelece como o bolos — de
"espelho da natureza" (Rorty, 1979). 0 natural se converteu em um argu- reivindica a
mento fundamental para legitimar a ordem existente, tangível e objetivo. O conhece e ir(
natural foi hipostasiado como o que tinha "direito de ser". Na modernida- da economia
de, a natureza se converteu em objeto de domínio das ciéncias e da produ- seus regimes
gáo, ao mesmo tempo que foi expulsa do sistema económico; ignorou-se poder, na dis
assim a ordem complexa e a organizagáo ecossistémica, enquanto se foi coi- da natureza.
sificando como objeto de conhecimento e matéria-prima do processo pro- Náo é sc
dutivo. A natureza foi desnaturalizada ao ser transformada em recurso den- político, náo
tro do fluxo unidimensional do valor e da produtividade económica. Essa naturais de
naturalidade da ordem das coisas e do mundo — a naturalidade da ontolo- apropriagáo
gia e a epistemologia da natureza — foi construindo uma racionalidade con- correntes int
tra natura, baleada em leis naturais inexpugnáveis, inelutáveis, inalteráveis. dominado e
Nesse sentido, a crise ambiental é uma crise da natureza, náo apenas ressignificadc
corno crise ecológica, mas como conceito ontológico de natureza que está na ecologia prol
base epistemológica da compreensáo, exploragáo e exclusáo da natureza. A (Donas, 2000

304
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ervigos natureza é um dos conceitos mais amplos do dicionário metafísico e da gno-


ela rea- siologia ocidental. O natural náo apenas se confunde com o material e com o
esistem real, mas também outorga carta de naturalizagáo a um certo estado de coisas.
&ticos) Esse processo de legitimagáo ficou inscrito nas ciéncias a partir do momento
o. É ali em que as "leis naturais" náo apenas foram estabelecidas como leis de urna
ítica da certa ordem ontológica da natureza, mas foram sendo designadas para legiti-
itiva do mar um processo de racionalizagáo social, nesse campo de poder onde náo
valor á era suficiente que a ciéncia ditasse as leis que organizam um espato teórico-
ontológico, mas sim onde a naturalidade das coisas acentuava a razáo de ser
de sua legalidade. A natureza adquire, assim, urna enorme plasticidade con-
ceitual que lhe permite estender-se ao campo sociocultural associando-se aos
princípios essencialistas que estabelecem a naturalidade da ordem ontológica
e seu correspondente campo de conhecimento.
Náo é fácil desconstruir e desprender-se desse naturalismo. As idéias
e como fundamentais da ecologia ainda estáo cimentadas em metáforas, em nogóes
de ns do frágeis e instáveis, contraditórias e polissémicas, em termos sugestivos, mas
tatureza sem bastante coeréncia conceitual suficiente. Neste dicionário de termos da
ca e da ecologia política aparecem termos como "naturezas" e "regimes de nature-
imagi- zas": de "natureza orgánica", "natureza capitalizada", "tecnonatureza"
de toda (Escobar, 1999);6 ou os "entes híbridos" — de organismo, tecnologia e sím-
:orno o
argu-
bolos — de Donna Haraway (1991, 1997). A ecologia política náo apenas 11
reivindica a natureza esquecida e submetida pela ordem económica que des-
:tivo. O conhece e nega a organizagáo ecossistémica do real natural; ao demarcar-se
lernida- da economia política e da economia ecológica, combate a naturalizagáo de
produ- seus regimes, politiza os territórios ecológicos e os inscreve na esfera do
orou-se poder, na disputa de sentidos e nos conflitos sociais pela apropriagáo social
foi coi- da natureza.
so pro- Náo é senáo nos anos 1960 que a natureza se converte em referente
so den- político, náo apenas de uma política de Estado para a conservagáo das bases
:a. Essa naturais de sustentabilidade do planeta, e sim corno objeto de disputa e
ontolo- apropriagáo social, ao mesmo tempo que surgem fora da ciéncia diversas
de con- correntes interpretativas, nas quais a natureza deixa de ser um objeto que é
r.ráveis. dominado e desmembrado para converter-se em um corpo a ser seduzido,
apenas ressignificado, reapropriado. Dali emergem as diversas ecosofias — desde a
está na ecologia profunda (Naess, 1989; Devall e Sessions, 1985), uma ética da vida
reza. A Gonas, 2000) ou uma teologia "ecológica" da libertagáo (Boff, 1996); do

305
ENRIQUE LEFF

ecossocialismo (O'Connor, 2001) e o ecoanarquismo (Bookchin, 1970, Mais


1989, 1990) — que nutrem a ecologia política. Nessas perspectivas, a eco- ambiental
logia vem a desempenhar um papel preponderante no pensamento reorde- enfatizand
nador do mundo. Converte-se em um paradigma que, baseado na com- geografad
preensáo do real e do conhecimento como um sistema de inter-relagóes, ambiental
orienta o pensamento e a agáo em urna via reconstrutiva. Dessa maneira, salves, 20(
estabelece-se o campo de urna "ecologia generalizada" (Morin, 1980), gáo biológi
configurando-se diversas teorias e metodologias que iluminam e espreitam o habitaram,
campo da ecologia política, desde as teorias de sistemas e os métodos inter- tificagáo e
disciplinares até o pensamento da complexidade. natureza c(
A irrupgáo da complexidade ambiental induziu uma mudanga epistemo- cultura glo
lógica e societária — na passagem do paradigma mecanicista a um ciber- geneizante
nético-termodinámico-ecológico —, que, embora contraponha ao fraciona- A ecol
mento das ciéncias a visáo holística de um mundo entendido como um siste- racionalida
ma de inter-relagóes, interdependéncias e retroalimentagóes, náo renuncia á da naturez1
sua vontade objetivadora do mundo. Gerou-se, assim, um novo centralismo cos, a ecol(
teórico que, embora comegasse a enfrentar o logocentrismo das ciéncias, na perspec
náo rompeu o cerco do pensamento totalizador assentado na lei unitária e história de
globalizante do mercado. A "ecologia" foi se fazendo política e a política foi novas idem
se "ecologizando", ao mesmo tempo que a totalidade sistémica se abre desde nificada, df
uma ordem natural onipresente para a ordem simbólica e cultural, para o vel dos rec
terreno da ética e da justita (Borrero, 2002). levou á inv
As correntes dominantes de pensamento ecológico que alimentam a tas na Ama:
agáo social váo complexificando a natureza, mas náo conseguem sair da so das comí
visáo naturalista que, desde a biossociologia até os enfoques sistémicos e á Tais identic
ecologia generalizada, náo conseguiram romper o cerco de naturalizagáo do reconstrug2
mundo no qual a lei natural objetiva e vela as estratégias de poder que atra- magáo da n
vessam ao longo da história as relagóes sociedade-natureza. Por isso, a ecolo- A ecolc
gia política é o campo de uma luta pela desnaturalizagáo da natureza: das além de tos
condigóes "naturais" de existéncia, dos desastres "naturais", da ecologiznáo ralidades di
das relagóes sociais. Náo se trata apenas de adotar urna perspectiva constru- entre econl
tivista da natureza, mas sim urna política, em que as relagóes entre seres ordem siml
humanos, e entre eles e a natureza, se constroem através de relagóes de poder cagáo de or
(no saber, na produgáo, na apropriagáo da natureza). Nesse sentido, a ecolo- creve, assin
gia política transgride os processos de "normalizagáo" das idéias, os compor- Seu olhar e
tamentos e as políticas assentadas em uma ontologia naturista do mundo. futuros sus

306
RACIONALIDADE AMBIENTAL

1970, Mais além dos enfoques ecologistas, novas correntes do pensamento


a eco- ambiental estáo contribuindo para a desconstrugáo do conceito de natureza,
enfatizando que a natureza é sempre urna natureza marcada, significada,
com- geografada. Dáo conta disso os recentes estudos da nova antropologia
agóes, ambiental (Descola e Pálsson, 2001) e da geografia ambiental (Porto-Gon-
meira, salves, 2001), que mostram que a natureza náo é apenas produto da evolu-
.980), gáo biológica, e que, além da coevolugáo entre a natureza e as culturas que a
itam o habitaram, hoje se desdobram estratégias cognoscitivas e criativas de reiden-
inter- tificagáo e reapropriagáo de suas "naturezas". A ressignificagáo política da
natureza confronta, assim, a natureza capitalizada e tecnologizada por urna
;temo- cultura globalizada que boje em dia impóe seu império hegemónico e homo-
ciber- geneizante sob o domínio da tecnologia e o signo unitário do mercado.
ciona- A ecologia política se estabelece no encontro, confrontagáo e enlace de
siste- racionalidades distintas e heterogéneas no conflito social pela apropriagáo
incia á da natureza. Para além de pensar estas racionalidades como opostos dialéti-
alismo I cos, a ecologia política olha a constituigáo dessas matrizes de racionalidade
Incias, na perspectiva de uma história ambiental, cujas origens remontam a urna
tária e história de resisténcias anticolonialistas e antiimperialistas e de onde nascem
ica foi novas identidades culturais em torno da defesa de urna natureza cultural sig-
desde nificada, desdobrando estratégias inovadoras de "aproveitamento sustentá-
para o vel dos recursos" dentre as quais sáo exemplares o movimento social que
levou á invengáo da identidade do seringueiro e de suas reservas extrativis-
Ltam a tas na Amazónia brasileira (Porto-Gongalves, 2001), assim como no proces-
air da so das comunidades negras do Pacífico da Colómbia (Escobar, 1999, cap. 7).
.os e á Tais identidades se configuraram através de lutas de resisténcia, afirmagáo e
iáo do reconstrugáo do ser cultural diante das estratégias de apropriagáo e transfor-
atra- magáo da natureza que a globalizagáo económica promove e impóe.
ecolo- A ecologia política se abre assim ao campo do poder que define, para
a: das além de todo naturalismo ou apriorismo da razáo, espacialidades e tempo-
izagáo ralidades diferenciadas da relagáo entre o real, o simbólico e o imaginário;
nstru- entre economia, tecnologia e cultura; entre o orgánico, a tecnologia e a
seres ordem simbólico-discursiva; de suas conexóes na escala global e a multipli-
poder cagáo de ordens híbridas em escala local e cultural. A ecologia política se ins-
colo- creve, assim, no processo político de construgáo de novos mundos de vida.
npor- Seu olhar está nos confiaos ambientais que se inscrevem na construgáo de
lo. futuros sustentáveis, na perspectiva de urna heterogénese que náo é a de

307
ENRIQUE LEFF

uma história natural e uma evolugáo biológica. Na invengáo do futuro,


redefine-se o sentido da utopia como construgáo do possível pela agáo polí- A fungí
tica, pelo pensamento crítico e por urna ética do bom e do justo, para além urna ép
da generatividade biológica do mundo e da emergéncia do virtual. déncia
foi o p
Fungáo
ficante
SABER ENCARNADO/SABER ARRAIGADO certo n
exigiarr
O imaginário da representagáo que fundamenta o projeto epistemológico da cagáo d
teoria do conhecimento se sustenta em um pressuposto dualista: a separagáo geral, e
entre o corpo e a mente. Depois de quatro séculos desse debate que ocupou Husser]
tantas geragóes de filósofos — de Descartes, Bacon e Spinoza até Nietzsche, palavra
Wittgenstein e os filósofos pós-modernos desconstrucionistas (Derrida, la. Ern
Levinas) náo é mais possível manter a discussáo em termos de urna res urna re<
cogitans fora do pensamento. O problema do dualismo concentrou-se em [...] Me
investigagóes e reflexóes em torno das relagóes (ou a falta delas) entre a vra ante
mente e o corpo. No entanto, hoje em dia teria pouco sentido discutir se as que a ac
idéias da mente se expressam no real ou se os processos mentais nada mais operagá
sáo que a manifestagáo de processos orgánicos. Mais além da incorporalao em elab
dos efeitos labirínticos do inconsciente nas formas de somatizagáo do desejo, gáo, par
da manifestagáo dos sonhos, dos pensamentos e dos estados anímicos nas medida
ondas cerebrais, mais além do debate em torno do sentido e das falácias de cagóes,
uma teoria do conhecimento, boje em dia o fato incontestável ao qual a eco- posso"
logia política responde é o do desconhecimento que invade e penetra o corpo A signifi
da vida: a estrutura genética do organismo e a organizagáo ecossistémica da mediará
biosfera. Nesse sentido e náo em outra dimensáo do debate sobre o dualismo to origir
ontológico e epistemológico e da relagáo mente-corpo, idéia-matéria, hoje "algo"
em dia se reformula a questáo das relagóes entre o conhecimento e a vida em esséncia
termos da personificagáo de um enraizamento do conhecimento. 7 9, itálicc
Desde Wittgenstein até Foucault, as investigagóes em torno das relagóes
que a estrutura da língua e do discurso mantém com o pensamento tornaram Hoje, a
complexas as formas como urna linguagem, urna fala, urna formagáo discur- ente, no org
siva moldam o pensamento e, dessa maneira, abrem as diversificadas vias de observar, ni
sentido que orientara e conduzem a agáo que se faz corpo social numa rela- tecnologizan
gáo de outridade. Nesse sentido, Levinas assinalou que cimento que

308
RACIONALIDADE AMBIENTAL

uro,
A fungáo fundamental do discurso no surgimento da razáo foi ignorada até
ilém urna época muito recente. A fungáo do verbo se compreendia em sua depen-
déncia diante da razáo: o verbo que reflete o pensamento. O nominalismo
foi o primeiro a dar ao verbo outra fungáo: a de instrumento da razáo.
Fungáo simbólica da palavra que simboliza o náo pensável, antes que signi-
ficante de conteúdos pensados, este simbolismo remetia á associagáo com
certo número de dados conscientes, intuitivos, que, sendo suficientes, náo
exigiam do pensamento. A teoria náo tinha outro objetivo a náo ser a expli-
o da cagáo de urna diferenga entre o pensar, incapaz de apontar para um objeto
agáo geral, e a linguagem que parecia referir-se a ele. Diferenga que a crítica de
Ipou Husserl mostrou como de caráter aparente, ao subordinar completamente a
;che, palavra á razáo. A palavra é urna janela; caso se torne véu, há que rechagá-
:ida, la. Em Heidegger, a palavra esperangosa de Husserl toma a cor e o peso de
a res urna realidade histórica. Mas continua ligada ao processo da compreensáo
em [...] Merleau-Ponty [...] mostrou que o pensar descarnado, que pensa a pala-
tre a vra antes de pronunciá-la, o pensamento que constitui o mundo da palavra,
se as que a adere ao mundo — previamente constituído de significagóes, em urna
mais operagáo sempre transcendental —, era um mito. Já o pensamento consiste
2/do em elaborar o sistema de signos, na língua de um poyo ou de urna civiliza-
sej o, gáo, para receber a significagáo dessa própria operagáo. Vai á aventura, na
nas medida em que náo parte de urna representagáo prévia, nem dessas signifi-
s de cagóes, nem de frases a articular. O pensamento quase opera, pois, no "eu
eco- posso" do corpo. Opera no antes de representar ou de constituir esse corpo.
)rpo A significagáo surpreende o próprio pensamento que o pensou [...] Náo é a
a da mediagáo do signo que faz a significagáo; a significagáo (cujo acontecimen-
smo to original é o cara a cara) é que torna possível a fungáo do signo [... Esse]
hoje "algo" que se chama significagáo surge no ser com a linguagem, porque a
em esséncia da linguagem é a relagáo com o Outro (Levinas, 1977/1997: 218-
9, itálicos meus).
roes
ram Hoje, a teoria e o conhecimento intervém de outra maneira no ser, no
:ur- ente, no organismo, no corpo. A ciéncia se torna tecnologia; náo se limita a
s de observar, mas penetra o real, desnaturalizando-o, dessubstantivando-o,
ela- tecnologizando-o. O dualismo entre o conceito e o real da relagáo de conhe-
cimento que reduz a compreensáo do mundo a essa identidade, que dentro do

309
ENRIQUE LEFF

regime de racionalidade procura a adequagáo entre a natureza e a idéia, passa ramificar-


ao do instrumento que disseca, sintetiza, cola e faz explodir o núcleo do ser Vatti m o,
entre a mesmice e a diferenga. 8 O problema do conhecimento se desloca para confronta
os efeitos do conhecimento; da relagáo teórica com o real, abre-se a relagáo de á univ<
entre o saber e o ser em um processo de reapropriagáo do mundo. Nessa mu- universal,
danga de contexto que apresenta o problema da reencarnagáo e o reenraizai- reduzir as
mento do saber, na biosfera, nos territórios de vida e no corpo da existéncia. formais, e
O conhecimento e o saber se enraízam no solo vital da biosfera e se enraíza o
incorporam á existéncia por diversas vias de intervengáo. Os conhecimentos onde náo
tecnologizados, as tecnologias médicas e as tecnologias agrícolas, os agro- tradiciona
químicos e os dejetos tóxicos, invadem a terra, a água, o ar e o corpo atra- que emana
vés de seus produtos transgénicos; mas também invadem a existéncia através consenso <
das estratégias de poder no saber que penetrara tanto no corpo das institui- urna holm
góes como no corpo humano, através de ideologias que orientara comporta- Falam
mentos e moldam os sentimentos. Por outro lado, os saberes ambientais se góes entre
enraízam na terra através de novas práticas políticas, sociais e produtivas. O espécies,
saber ambiental vai se conformando no próprio processo no qual se confi- em nenhui
gura uma identidade na qual vai encarnando e arraigando, desdobrando-se resposta a
em práticas e tornando-se habitus (Bourdieu). negada e e
A ecologia política abre a interrogagáo sobre se o mundo "pode ser góes de p<
redefinido e reconstruído a partir da perspectiva de múltiplas práticas cultu- humano, e
rais, ecológicas e sociais encarnadas em modelos e lugares locais" (Escobar, que sáo ob
1999: 370). É possível construir urna racionalidade global que conduza os A part
destinos da humanidade (e do planeta) sobre a base de urna política e de urna Escobar pt.
estratégia de conexáo de racionalidades ambientais locais, que fagam da
diversidade ecológica e cultural a base de urna economia e de um saber dife- significado
renciados? A ecologia política delimita e abona um novo campo teórico- significánc
prático no qual o saber encarna o ser e se arraiga na terra, em territórios cursivas, rr
existenciais e mundos de vida. tido. Dess2
e os legitin
nos) que o
"direitos d
POLÍTICA CULTURAL./POLÍTICA DA DIFERENCA Mas a
de distribu
A diferenga é sempre urna diferenga ontológica e radical; está fundada na pela difere]
raiz do Ser, cujo destino é diferenciar-se e diferir-se; diversificar-se, zagáo. A in

310
RACIONALIDADE AMBIENTAL

passa ramificar-se e reedificar-se (Heidegger, 1957/1988; Derrida, 1967, 1986;


do ser Vattimo, 1985; Deleuze e Guattari, 1989). 9 O pensamento da diferenga
ca para confronta o pensamento unitário, aquele que procura acomodar a diversida-
relagáo de á universalidade e submeter o heterogéneo á medida de um equivalente
isa mu- universal, fechar o círculo das ciéncias em urna unidade de conhecimento,
lraizai- reduzir as variedades ontológicas do ser ás homologias de suas estruturas
téncia. formais, e encaixar as idéias em um pensamento único. A economia política
ra e se enraíza o trabalho teórico de desconstrugáo do logos no campo político,
Tientos onde náo basta reconhecer a existéncia da diversidade cultural, dos saberes
s agro- tradicionais, dos direitos indígenas, para depois tentar resolver o conflito
o atra- que emana de suas diferentes formas de valorizagáo da natureza pela via do
através consenso e da eqüidade que procuram resolver a diferenga em urna equagáo,
nstitui- ora homologia, urna mesmice.m
'porta- Palmos da ecologia política, mas a ecologia náo é política em si. As rela-
rtais se góes entre seres vivos e natureza, as cadeias tróficas, as territorialidades das
ivas. O espécies, inclusive as relagóes de depredagáo e dominagáo, náo sáo políticas
confi- em nenhum sentido. Se a política é levada ao território da ecologia, é corno
ndo-se resposta ao fato de que a organizagáo ecossistémica da natureza tem sido
negada e externalizada do campo da economia e das ciéncias sociais. As rela-
1de ser góes de poder emergem e se configurara na ordem simbólica e do desejo
cultu- humano, em sua especificidade e diferenga radical com os outros seres vivos
;cobar, que sáo objeto da biologia.
uza os A partir dessa perspectiva, ao referir-se ás "ecologias da diferenga",
le urna Escobar póe o acento na nogáo de "distribuigáo cultural", corno os confiaos
am da que emergem de diferentes significados culturais, pois "o poder habita os
T dife- significados e os significados sáo a fonte do poder" (Escobar, 2000: 9). A
órico- significáncia na qual se molda o poder é produzida dentro de estratégias dis-
itórios cursivas, mobilizando atores sociais para certos objetivos carregados de sen-
tido. Dessa maneira, surgem movimentos que reivindicara valores culturais
e os legitimam corno direitos humanos. Pois é pela via dos direitos (huma-
nos) que os valores culturais entrara no campo do poder para enfrentar os
"direitos do mercado".
Mas a nogáo de distribuigáo cultural pode chegar a ser táo falaz como a
de distribuigáo ecológica, guando se esquece que a cultura está constituída
da na pela diferenga e é submetida a um processo de homologagáo e homogenei-
ar-se, zagáo. A incomparabilidade náo se dá apenas dentro da própria ordem cul-

311
ENRIQUE LEFF

tural, em que náo existe urna equivaléncia nem tradugáo possível entre sig- A políti(
nificagóes diferenciadas. A distribuigáo sempre apela a urna matéria homo- e posigóes.
génea: a renda, a riqueza, a natureza, a cultura, o poder. Porém, mais além atribui á di/
do direito genérico a ter direitos, e em particular aos direitos da cultura, os mas a abre a
valores que dáo substáncia a cada cultura, objeto de direito, sáo radialmen- Dessa mane
te heterogéneos. Nesse sentido, os direitos culturais implicara transcender samento úni
tanto os princípios gerais do direito positivo corno a idéia genérica do ser al tória para a
heideggeriano, ainda herdeiros de urna ontologia universal, específica e direito a dif
localizada; do ser que, sendo, abre a história para a diferenga a partir de seu que ainda n
"ser diferente". A ecologia política opera um processo similar ao que Marx partir do reí
realizou com o idealismo hegeliano, ao "pór sobre seus pés" a filosofia da A ecolol
pós-modernidade (Heidegger, Derrida), ao voltar ao Ser e á diferenga a tribuigáo dt
substáncia de urna ecologia política. A diversidade essencial da ordem sim- significagóel
bólica e cultural se converte em matéria da política da difereno. existéncia qi
Mas a diferenga de valores e visóes culturais náo se converte por direito culturais á r
próprio em forga política. A legitimagáo dessa diferenga que lhe dá valor e dade de ben
poder provém de urna sorte de efeitos de saturagáo da homogeneizagáo for- mas culturai
gada da vida induzida pelo pensamento metafísico e pela racionalidade Isso está lev:
modernizante. É da resisténcia do ser ao domínio da homogeneidade hege- cular e forta
mónica, da coisificagáo objetivante, da igualdade ineqüitativa, que surge a da construgl
diferenga no encontro com a outridade, na confrontagáo da racionalidade tal e uma p
dominante com o que lhe é externo e com aquilo que exclui, rompendo com vozes do Fói
a identidade da igualdade e a unidade do universal. Dessa tensáo, estabelece- dos (subcorr
se o campo de poder da ecologia política, da demarcagáo do pensamento As reivi
único e a razáo unidimensional, para valorizar a diferenga do ser e converté- genéricos dc
lo em um campo de forgas políticas. duais, sáo i
Hoje é possível afirmar que "as lutas pela diferenga cultural, as identida- reclama um
des étnicas e as autonomias locais sobre o território e os recursos estáo con- afirma Escol
tribuindo para definir a agenda dos conflitos ambientais mais além do
campo económico e ecológico", reivindicando as "formas étnicas de alteri- Náo é n
dade comprometidas com a justita social e a igualdade na diferenga" argumen
(Escobar, 2000: 6, 13). Essa reivindicando náo se justifica em um essencialis- tura e al
mo étnico nem em direitos fincados nos princípios jurídicos e metafísicos do gáo da di
indivíduo, mas sim no direito do Ser; tanto nos valores intrínsecos da natu- testagáo.
reza e direitos humanos diferenciados culturalmente corno no direito a dis- tivo [...]
sentir dos sentidos preestabelecidos e legitimados por poderes hegemónicos. conectad

312
RACIONALIDADE AMBIENTAL

re sig- A política da diferenga náo apenas implica diferenciar critérios, opinióes


iorno- e posigóes. Também é necessário entendé-la no sentido que Derrida (1989)
; além atribui á diferensa, que náo apenas estabelece a diferenga no aqui e agora,
ira, os mas a abre ao tempo, ao devir, ao advento do impensado e do inexistente. 11
lmen- Desamnir,dtofchae isórmtondcep-
ender samento único e do mercado globalizado, a política da diferenga abre a his-
ser al tória para a utopia de construir sociedades sustentáveis diferenciados. O
fica e direito a diferir no tempo abre o sentido do ser que constrói no tempo "o
le seu que ainda náo é" (Levinas, 1977), aquilo que é potencialmente possível a
Marx partir do real e do desejo.
fia da A ecologia política reconhece no ambientalismo lutas de poder pela dis-
inca a tribuigáo de bens materiais (valores de uso), mas, sobretudo, de valores-
i sim- significagóes atribuídos aos bens, necessidades, ideais, desejos e formas de
existéncia que definem os processos de adaptagáo/transformagáo dos grupos
lireito culturais á natureza. Náo se trata, pois, de um problema de incomparabili-
alor e dade de bens-objeto, mas de identidades-valoragóes diferenciadas pelas for-
o for- mas culturais de significagáo, tanto da natureza como da própria existéncia.
idade Isso está levando a imaginar e construir estratégias de poder capazes de vin-
hege- cular e fortalecer urna frente comum de lutas políticas diferenciadas na via
irge a da construgáo de um mundo diverso, guiado por urna racionalidade ambien-
idade tal e uma política da diferenga. Desse outro mundo pelo qual clamam as
) com vozes do Fórum Social Mundial, de outro mundo onde caibam muitos mun-
elece- dos (subcomandante Marcos).
nento As reivindicagóes pela igualdade no contexto dos direitos humanos
verté- genéricos do homem, e suas aplicagóes jurídicas através dos direitos indivi-
duais, sáo incapazes de assumir este princípio político da diferenga que
ltida- reclama um lugar próprio dentro de uma cultura da diversidade, pois, como
i con- afirma Escobar,
m do
dteri- Náo é mais o caso de que alguém náo possa contestar a expropriagáo e
inga" argumentar a favor da igualdade a partir da perspectiva da inclusáo da cul-
:ialis- tura e a economia dominantes. De fato, está acontecendo o oposto: a posi-
Ds do gáo da diferenga e a autonomia chegam a ser táo válidas, ou mais, nessa con-
natu- testagáo. O apelo ás sensibilidades morais dos poderosos deixou de ser efe-
dis- tivo [...] É o momento de ensaiar [...] as estratégias de poder das culturas
icos. conectadas em redes e glocalidades, de maneira que possam ser negociadas

313
ENRIQUE LEFF

concepgóes contrastantes do bem e o valor de diferentes formas de vida e enraízam


para reafirmar o predicado pendente da diferenga-na-igualdade (Escobar, natureza.
2000: 21). os sentid

A democracia ambiental náo se forja nas urnas dos partidos verdes ou Urna
ecológicos. Náo é a democracia representativa dos órgáos do Estado, das leis sendo res
do mercado ou da disseminagáo do conhecimento. A democracia ambiental assume u
convoca a uma democracia direta. É o campo da reconstituigáo de identida- identidad
des (políticas) e da reapropriagáo da natureza. A política da diferenga náo só de orden
reconhece a existéncia e o valor dos saberes tradicionais como faz o discur- imutáveis
so do desenvolvimento sustentável com deferéncia, paternalismo e condes- dagáo"
cendéncia. Esses saberes fundam novos direitos do ser cultural e um direito relagáo et
á diferenga, que é o de náo se sujeitar á camisa-de-forga de um imperativo temologil
ecológico nem submeter-se á lei de ferro do mercado. A justita ambiental
está mais além da procura de urna eqüidade na distribuigáo ecológica, na socioamb
compensagáo de danos, na distribuigáo de benefícios da etnobioprospecláo. A con
A democracia ambiental abre a porta a outra justita, a dos direitos coletivos, "ser enq u
a do direito de ser, de criar, de pensar, de produzir, de viver. conhecer
que tem
autenticid
— do em]
ECOLOGIA POLÍTICA/EPISTEMOLOGIA POLÍTICA ontológicl
cam das id
A ecologia política é a política da reapropriagáo social da natureza. Suas fumara o
estratégias náo apenas orientam as aplicagóes do conhecimento, mas se mol- modos de
dam na luta teórica pela produgáo e apropriagáo de conceitos em urna dis- ficados de
puta de sentidos no campo discursivo da sustentabilidade. O ambientalismo Náo se tra
crítico combate as ideologias que sustentam urna racionalidade insustentável objeto sob
e orienta agóes no sentido da construgáo de sociedades sustentáveis em um vidual, pes
campo de confrontagóes teóricas e de relagóes de poder no saber. As catego- te de urna
rias e os conceitos teóricos descem das alturas do pensamento e se enraízam entidades
no campo das lutas políticas. O sujeito, o étnico, a identidade, a difereina simbólica,
deixam de ser categorias epistemológicas e teóricas para converter-se em náo se reg
política cultural, da identidade, da diferenga. 12 Assim se estáo reconfiguran- ordem m c
do os significados de nogóes como biodiversidade, território, autonomia e princípio c
autogestáo, dentro de estratégias discursivas em que se "fazem direitos", sar é derru

314
RACIONALIDADE AMBIENTAL

vida e enraízam em atores sociais e conduzem agóes para a reapropriagáo social da


scobar, natureza. As formagóes discursivas podem deformar, tergiversar e perverter
os sentidos das palavras e das coisas; mas também podem transgredir os sig-
nificados já atribuidos e gerar novos sentidos.
des ou Urna série de termos que estáo moldando o campo ambiental estáo
las leis sendo ressignificados através desta disputa de sentidos. A ecologia política
Sienta! assume urna perspectiva antiessencialista, transcendendo o princípio de
mtida- identidade como esséncias originárias imanentes e inalteráveis e a existéncia
náo só de ordens ontológicas puras, diferenciadas e autónomas que permanecem
discur- imutáveis no ser e no tempo. 13 Enquanto abre urna reflexáo sobre a "hibri-
ondes- dagáo" do material, o textual e o simbólico na ordem ontológica — e da
direito relnáo entre natureza, cultura e tecnologia na ordem económica —, a epis-
Irativo temologia política analisa as relagóes entre ordens ontológicas, processos
)iental cognoscitivos e identidades culturais no campo emergente dos conflitos
ica, na socioambientais.
ecgáo. A compreensáo do mundo deixa para trás o fundamento ontológico do
etivos, "ser enquanto ser" como suporte do projeto epistemológico que levou a
conhecer o mundo — o real, a coisa — como algo que "é", de certo modo,
que tem uma esséncia que define sua unicidade, sua especificidade, sua
autenticidade. Mais além das controvérsias entre projetos epistemológicos
— do empirismo ao logicismo, do realismo ao idealismo —, as fronteiras
ontológicas parecem dissolver-se e os obstáculos epistemológicos se deslo-
cam das ideologias teóricas que precediam e obscureciam com sua cortina de
. S uas fumaga o conhecimento concreto de um real, até um turbilháo de visóes, de
mo- modos de cognigáo e de saberes cujos referentes tampouco outorgam certi-
dis- ficados de veracidade e autenticidade ontológica ao olhar epistemológico.
tlismo Náo se trata apenas do fato de que toda observagáo e todo sujeito afetem o
ntável objeto sob observagáo; náo se trata apenas de dar seu lugar ao sujeito (indi-
m um vidual, pessoal ou coletivo) na construgáo do conhecimento. Estamos dian-
itego- te de urna hibridagáo de ordens ontológicas consideradss até há pouco corno
aízam entidades autónomas e diferenciadas: a ordem física, biológica, cultural,
renga simbólica, tecnológica. Com a intervengáo tecnológica da vida, o orgánico
;e em náo se rege mais pelas leis da biologia, mas sim aparece como uma nova
uran- ordem modelada, desenhada, simulada pela ciéncia e pela tecnologia. O
mia e princípio ontológico do materialismo que fazia o ser prevalecer sobre o pen-
itos", sar é derrubado. As relagóes entre ordens ontológicas e suas correspondentes

315
ENRIQUE LEFF

ordens epistemológicas náo se sustentam mais. Hoje o mundo se constrói (e pulsáo epist(
destrói) a partir das formas e estratégias do conhecimento. O conhecimento espato de pl
intervém no real; transforma-o e reconstitui urna nova dialética entre o ser saber que fo
e o pensar. Mais além da relagáo de conhecimento entre ordens ontológicas irrenunciáve
e gnosiológicas, emerge, na epistemologia ambiental, urna relagáo fluida do desejo e
entre registros, códigos e regimes que inter-relacionam o real, o imaginário explorar o d
e o simbólico, náo apenas no sentido de que as diversas ordens ontológicas riéncia do m
da matéria implicam diferentes formas de raciocínio, de construgóes lógicas, A polític
métodos de investigagáo e procedimentos de verificagáo ou falsificagáo, mas ciais e civili2
nas formas como o real e o simbólico estáo entrelagados por "efeitos de ultrapassa o
conhecimento". Nessa perspectiva, o conhecimento náo se apresenta como em sua vonta
urna apropriagáo cognoscitiva do mundo, mas invade o real, a matéria e a vés de teoria
natureza, transformando-as através de suas estratégias de conhecimento. Por jogadas no e
isso, o conhecimento nunca é neutro (objetivo). Mais além de qualquer inten- um encontro
gáo subjetiva, está atravessado (constituído) por estratégias de poder que conheciment
"encarnam" na matéria, na vida e no ser. e o imaginár
A epistemologia ambiental transcende o jogo de inter-relagóes, interde- mais além de
pendéncias e retroalimentagóes do pensamento complexo, baseado em urna za, a adotar
ecologia generalizada ou em um naturalismo dialético. Mais além de todo modelo de re
naturalismo, localiza-se na ordem simbólica e na produgáo de sentido. A Esse reen
ecologia política náo se desprende da ordem ecológica preestabelecida, nem é que coloca
de urna ciéncia que faria valer urna consciéncia-verdade capaz de vencer os relagáo com
interesses antiecológicos e antidemocráticos, mas no campo político, onde o imaginário d
destino da natureza e da humanidade aposta em um processo de criagáo de
sentidos (mais que de verdades) e em suas estratégias de poder. o real, ficand
A ecologia política formula urna redefinigáo do conhecimento a partir racionalidad(
do saber ambiental. A epistemologia ambiental se estabelece mais além do do simbólico
campo estrito e restrito da filosofia da ciéncia objetiva, dos fundamentos e teoria, do dis
pressupostos dos paradigmas teóricos da ciéncia positivista. Se a epistemo- volvimento
logia "normal" conduz o pensamento no sentido do estabelecimento de de por outras
regras de construgáo do conhecimento científico, da relagáo de verdade via infinita d
entre o conceito e o real, da teoria e da realidade objetiva, a epistemologia ciéncia e da t
ambiental parte do questionamento dos paradigmas fechados do círculo das no real que s
ciéncias a partir do lugar de externalidade que neles ocupa o saber ambien- o campo da v
tal, para aportar uma indagagáo sobre a relagáo do saber e do ser, de sua A episten
mútua relagáo constitutiva. A epistemologia ambiental emerge ali onde a da representa

316
RACIONALIDADE AMBIENTAL

rói (e pulsáo epistemofílica (Freud) se torna vontade de saber (Foucault); nesse


lento espato de permanente tensáo entre a objetividade do conhecimento e o
o ser saber que forja identidades. A epistemologia ambiental surge da tentagáo
gicas irrenunciável do ser em ultrapassar o conhecimento normatizado, a norma
luida do desejo e o saber consabido, para transcender o sido e aventurar-se em
nário explorar o desconhecido, em construir o que ainda náo é através da expe-
gicas riéncia do mundo e o encontro com o outro (Levinas).
A política da diferenga abre-se a urna proliferagáo de sentidos existen-
, mas ciais e civilizatórios que sáo a matéria de urna epistemologia política que
)s de ultrapassa o método do pensamento complexo e o projeto interdisciplinar,
:orno em sua vontade de integragáo e complementaridade de conhecimentos atra-
aea vés de teorias de sistemas, ao reconhecer as estratégias de poder que sáo
Por jogadas no campo do saber reconduzindo, assim, o confito ambiental para
nten- um encontro e um diálogo de saberes. Isso implica urna revisáo radical do
que conhecimento e urna reconceitualizagáo do enlace entre o real, o simbólico
e o imaginário, onde o que está em jogo é a relagáo entre o ser e o saber,
1rde- mais além de toda política da representagáo orientada para copiar a nature-
urna za, a adotar um pensamento complexo e a se submeter á ecologia como
todo modelo de racionalidade (Leff, 2004).
lo. A Esse reenlagamento das relagóes entre o real, o simbólico e o imaginário
nem é que coloca em jogo a entropia como lei-limite da natureza (o real) em sua
er os relagáo com a racionalidade, a cultura e a linguagem (o simbólico), e com o
1de o imaginário do discurso da sustentabilidade. Enquanto o discurso neurótico
o de do desenvolvimento sustentado afirma sua vontade de gozo desconhecendo
o real, ficando no imaginário da teoria á qual dá lugar a razáo económica, a
artir racionalidade ambiental reconhece na lei inelutável da entropia um real fora
i do do simbólico e do imaginário (hors-signifié) (Lacan) antes e mais além da
-os e teoria, do discurso, do texto, que póe uma barreira diante do gozo do desen-
Tno- volvimento sem limites e relanga as utopias na construgáo de outra realida-
de de por outras vias de racionalizagáo e em outra racionalidade. Pois, contra a
lade via infinita de progresso que pretende a racionalizagáo da economia, da
ogia ciéncia e da tecnologia, e da transparéncia do mundo, levanta-se um limite
das no real que se engancha com a estrutura simbólica da linguagem para abrir
ien- o campo da vida possível e de uma economia sustentável.
sua A epistemologia política da diferenga consegue situar-se no imaginário
le a da representagáo da natureza para desentranhar suas estratégias de poder

317
ENRIQUE LEFF

(do discurso do desenvolvimento sustentável). Mais além de urna hermenéu- No nau


tica dos diferentes sentidos atribuídos á natureza, a epistemologia ambiental á tábua de
questiona as formas como a natureza se torna corpo (humano) ao ser habi- exceléncia •
tado pela língua como origem e fonte inesgotável de poder e diferenga. A urna ecolog
natureza é incorporada por diferentes linguagens e culturas, através de rela- de totalizag,
góes simbólicas que contém visóes, razóes, sentimentos, sentidos e interesses Surgem daí
que se debatem na arena política pela apropriagáo material e simbólica da (mente-cori
natureza. É nessa epistemologia política que os conceitos de território- dialética de
regiáo funcionam como lugares-suporte para a reconstrugáo de identidades onde haveri
enraizadas em práticas culturais e racionalidades produtivas sustentáveis, de urna racic
corno hoje o constroem as comunidades negras do Pacífico colombiano. ce bases sóli
Nesse cenário, vel em urna
Mais alé
O território é visto como um espato multidimensional fundamental para a da cultura n
criagáo e recriagáo das práticas ecológicas, económicas e culturais das além de ver
comunidades [...] pode-se dizer que nessa articulagáo entre identidade cul- sua solugáo
tural e apropriagáo de um território subjaz a ecologia política do movimen- pensamento
to social de comunidades negras. A demarcagáo de territórios coletivos lista a origen
levou os ativistas a desenvolver urna concepgáo do território que enfatiza vida. Isso le%
articulagóes entre os padróes de assentamento, os usos do espato e as práti- za e da culta
cas de usos-significados dos recursos (Escobar, 1999: 259-260). antropologia
que as cosmc
A ecologia política leva assim á desconstrugáo da nogáo ideológico- tingáo entre
científica-discursiva da natureza, com o propósito de ressignificar a nature- pectiva fenol
za, quer dizer, de articular a substáncia ontológica do real da ordem biofísi- epistemológi
ca, com a ordem simbólica que a representa, que a converte em referente de as "matrizes
urna cosmovisáo, de urna teoria, de um discurso sobre o desenvolvimento "epistemolog
sustentável. A ecologia política remete, diretamente, ao debate sobre monis- temologia qu
mo/dualismo em que hoje se dilacera o pensamento sobre a reconstru- lado, as cual
gáo/reintegragáo do natural e do social, da ecologia e da cultura, do material racionalizagá,
e do simbólico. É aqui que se tem precipitado o pensamento ecologista, blo- tismo — na
queado por efeito do maniqueísmo teórico e a dicotomia polarizada entre o suscetível de
naturalismo das ciéncias físico-biológico-matemáticas e o antropomorfismo tradicionais
das ciéncias da cultura; urnas atraídas pelo realismo empírico e o ecologis- imperativos e
mo funcionalista; o outro, pelo relativismo do construcionismo e da herme- logias e saber
néutica. corpo da epi

318
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ienéu- No naufrágio do pensamento crítico, filósofos e cientistas agarraram-se


)iental á tábua de salvagáo que lhes foi oferecida pela ecologia como ciéncia por
r habi- exceléncia das inter-relagóes dos seres vivos com seu entorno, levando a
nga. A uma ecologia generalizada que náo consegue desprender-se dessa vontade
e rela- de totalizagáo do mundo do pensamento da complexidade (Morin, 1993).
Iresses Surgem daí todas as tentativas de conciliar esses entes que náo dialogara
lica da (mente-corpo; natureza-cultura; razáo-sentimento) — mais além de urna
itório- dialética de contrários unificados por um criacionismo evolucionista —, de
idades onde haveria de emergir a consciéncia ecológica capaz de saldar as dívidas
táveis, de uma racionalidade antiecológica. Mas esse monismo ecológico náo ofere-
biano. ce bases sólidas para guiar as agóes sociais em diregáo a um futuro sustentá-
vel em uma política da diferenga. 14
Mais além do diagnóstico da civilizagáo ocidental que olha o mal-estar
para a da cultura na dissociagáo do ser e o ente no pensamento metafísico; mais
lis das além de ver a causa da crise ambiental no fracionamento do conhecimento e
de cul- sua solugáo em um pensamento holístico, um método interdisciplinar e o
vimen- pensamento da complexidade, outro eixo crítico adjudica á ontologia dua-
letivos lista a origem e a causa da coisificagáo do mundo e a perda dos sentidos da
nfatiza vida. Isso levou a diversas buscas para urna reunificagáo monista da nature-
; práti- za e da cultura. Nesse campo estáo localizados os esforgos de urna nova
antropologia ambiental (Descola e Pálsson, 2001), a partir da constatagáo de
que as cosmovisóes das sociedades "tradicionais" náo reconhecem uma dis-
5gico- tingáo entre o humano, o natural e o sobrenatural. Sobre a base de urna pers-
ature- pectiva fenomenológica, procuram transladar este "monismo ontológico e
riofísi- epistemológico" ao terreno da cultura e da racionalidade moderna. Porém,
nte de as "matrizes de racionalidade" das culturas tradicionais náo constituem
miento "epistemologias" comensuráveis e suscetíveis de serem assimiladas pela epis-
nonis- temologia que fundou a civilizagáo ocidental e a modernidade. Se, por um
nstru- lado, as culturas tradicionais náo sáo suscetíveis de seguir um processo de
aterial racionalizagáo (como o sáo os ámbitos de valor e as religióes — o protestan-
blo- tismo — na sociedade capitalista), a epistemologia ocidental tampouco é
ntre o suscetível de reacomodar-se ás gnosiologias e cosmologias das sociedades
fismo tradicionais (assim como a racionalidade económica náo se readapta aos
dogis- imperativos e condigóes ecológicas da sustentabilidade). Embora as gnosio-
erme- logias e saberes tradicionais possam inspirar urna política da diferenga, o
corpo da epistemologia que anima e legitima a política da globalizagáo

319
ENRIQUE LEFF

económico-ecológica deve desconstruir-se a partir de seus próprios funda- vés de pro


mentos. maneira n
O pensamento da pós-modernidade inaugura o fim do universalismo e
do essencialismo pela emergéncia de entes híbridos, feitos de organismo, de modos de
símbolos e de tecnologia (Haraway, 1991). Mas é necessário diferenciar esse que ressig
enlace do natural, do cultural e do tecnológico na emergéncia da complexi- Nesse sent
dade ambiental (Leff, 2000) do mundo de vida dos "primitivos" que igno- construgác
rad a separagáo entre o corpo e a alma, a vida e a morte, a natureza e a cul- nizagáo e
tura. A continuidade e a fluidez do mundo primitivo se dáo em um registro
diferente da relagáo entre o real, o simbólico e o imaginário na cultura
moderna. A ecologia política situa-se fora do essencialismo da ontologia oci-
dental e do princípio de universalidade da ciéncia moderna. Pois a ciéncia CONSCIÉNC
gerou, junto com seus universais e genéricos, o homem genérico que se con- CONSCIÉNC
verteu no princípio de discriminagáo dos homens diferentes. Os direitos
humanos normatizam e unificam ao mesmo tempo que segregam e discrimi- A política c
nam. A epistemologia ambiental confronta todos os conceitos universais e natureza q
genéricos: o homem, a natureza, a cultura etc., mas náo para pluralizá-los poderia pr
como "homens", "naturezas" e "culturas" (com suas próprias "ontologias" e
"epistemologias"), mas sim para construir os conceitos de sua diferenga. A urna náo-es
ecologia política haverá de edificar-se e conviver em urna babel de lingua- no — essa 1
gens diferenciadas, que se comunicam e interpretam, mas que náo se tradu- ra com o c
zem em urna linguagem comum unificada. náo é comp
A epistemologia política emerge a partir dessa ordem que inaugura a dos pela hi
palavra, a ordem simbólica de produgáo de sentido. Nessa perspectiva, a conformar-
ecologia política se localiza mais além da ordem ecológica estabelecida; das
inter-relagóes e interdependéncias do pensamento complexo baseado em so. assimilado
"tomadore
urna ecologia generalizada (Morin) ou um naturalismo dialético (Bookchin);
sobrevivénc
de urna ciéncia da complexidade (Prigogine) ou de um princípio de vida que
mudanga cl
faria valer uma consciéncia-verdade capaz de vencer os interesses antiecoló-
globalmente
gicos e antidemocráticos. A ecologia política funda um novo espato onde o
das, o cons
destino da natureza é jogado em um processo de criagáo de sentidos-
pagador) cc
verdades atravessado por estratégias de poder no saber. A questáo da susten-
tologia ou u
tabilidade náo se dirime no terreno do conhecimento, mas no da política, no
nómico par
sentido de que a natureza (a biodiversidade) náo é urna entidade objetiva e
que a própria vida da natureza (o ser, a transformagáo, o devir) depende do disperso de
efeito do poder dos imaginários e formas simbólicas que nela intervém atra- comum, mu

320
RACIONALIDADE AMBIENTAL

Inda- vés de processos de conhecimento. A epistemologia política se arraiga desta


maneira nos territórios da ecologia política; onde os conhecimentos e sabe-
;mo e res ressurgem, se reconfiguram e se enraízam em territórios de vida e em
io, de modos de produgáo, em imaginários sociais, em hábitos e práticas culturais
r esse que ressignificam e reorientam processos sociais para a sustentabilidade.
plexi- Nesse sentido, a construgáo de urna racionalidade ambiental implica a des-
igno- construgáo da racionalidade dominante, que, por sua vez, implica a descolo-
a cul- nizagáo e a emancipagáo de saberes locais.ls
gistro
iltura
a °ci-
encia CONSCIENCIA DE CLASSE, CONSCIÉNCIA ECOLÓGICA,
con- CONSCIÉNCIA DE ESPÉCIE
reitos
:rimi- A política da diferenga ultrapassa o pensamento ecológico, pois o sentido da
sais e natureza que move os atores sociais no campo da ecologia política náo
zá-los poderia proceder nem fundar-se em urna consciencia genérica da espécie
ias" e humana. A "consciencia ecológica" que emana da narrativa ecologista como
[la. A urna náo-esfera que emerge da organizagáo biológica do corpo social huma-
ngua- no — essa formagáo discursiva usada para falar do amor á natureza, se alte-
radu- ra com o cuidado ambiental e promove o desenvolvimento sustentável —
náo é compatível com bases teóricas nem com visóes e projetos compartilha-
ura a dos pela humanidade em seu conjunto. A ética ecológica náo consegue
Ña, a conformar-se como um processo de racionalizagáo capaz de contestar, de ser
L; das assimilado ou transcender a racionalidade económica dominante. Por isso os
o em "tomadores de decisóes" podem antepor a consciencia económica á da
:hin); sobrevivéncia humana e do planeta, e negar as evidencias científicas sobre a
a que
mudanga climática. Os princípios do desenvolvimento sustentável (o pensar
coló-
globalmente e agir localmente, as responsabilidades comuns mas diferencia-
ide o
das, o consentimento previo e informado, ou o princípio do poluidor-
idos-
pagador) converteram-se em slogans que náo chegam a constituir urna deon-
sten-
tologia ou um sistema normativo para moderar e reorientar o processo eco-
a, no
nómico para a sustentabilidade. O movimento ambientalista é um campo
iva e
le do disperso de grupos sociais que, antes de se solidarizar por um objetivo
atra- comum, muitas vezes se confrontam, se diferenciam e se dispersam tanto

321
ENRIQUE LEFF

através do fracionamento de suas reivindicagóes como pela compressáo e o entre o co


uso de conceitos que definem suas estratégias políticas. vida. A tr:
Para que houvesse uma consciéncia de espécie seria necessário que a ritmo que
humanidade em seu conjunto compartilhasse a vivéncia de urna catástrofe riéncia vi%
comum ou de um destino compartilhado por todo o género humano em ter- magóes qu
mos equivalentes, como aquela que levou o silogismo aristotélico sobre a é o deseo
mortalidade do homem a urna consciéncia de si da humanidade. 16 A peste saber, ma
converteu o simbolismo do silogismo em experiéncia vivida, transformando intervenc í
a máxima do anunciado em um imaginário coletivo. De forma semelhante, humana.
a proibigáo do incesto fundou a cultura humana em uma consciéncia gené- Hoje e
rica antes que o simbolismo do complexo de Édipo desse sentido trágico e existéncia
forma literaria a uma "lei cultural" vivida que náo foi instaurada nem por desconhec
Sófocles nem por Freud. O saber constitutivo do ser e da identidade implica e a moral,
um desprendimento da "consciéncia de si" como certeza do sujeito diante de
um mundo objetivo. Está mais próxima de um "sentimento de si" que passa podem
pela experiéncia vivida. 17 civiliza
Na sociedade do risco do mundo atual, a inseguranga global está mais do ser
concentrada na guerra generalizada e na violéncia cotidiana que no perigo mal, é
iminente de um colapso ecológico. A ameaga que se estabeleceu no imagina- unican-
rio coletivo e que mantém o mundo pasmo é a do terrorismo que se mani- déncial
festa em um medo da guerra desenfreada, da derrocada de regras básicas de por si 1
convivéncia e da dissolugáo de uma ética de e para a vida, mais que de urna gosame
consciéncia da revanche de uma natureza submetida e explorada. O holo- tentará
causto e os genocídios ao longo da história humana náo parecem ter deixa-
do como ensinamento a necessidade de urna ética da vida como protegáo Mas es
diante dos interesses do poder. Mais afastada do conhecimento comum, do mas sim o
imaginário coletivo e da experiéncia vivida está a lei-limite da entropia, para pensament
gerar uma consciéncia que responda efetivamente ao risco ecológico e que alimentadc
reconduza a agáo para a construgáo de sociedades sustentáveis. A crise se implante
ambiental que se abate sobre o mundo ainda é percebida como urna premo- de seus lab
nigáo catastrofista, mais do que como um risco ecológico real para toda a um deus, r
humanidade. Talvez por
O conhecimento posto a servigo da produtividade e a ganancia rompe- Moisés, co
ram a relagáo do saber com a trama da vida. O conhecimento convertido em na como n
suporte da razáo económica produz o desconhecimento do ser e proscreve a mento pos;
experiéncia vivida como fonte do saber. A bioética se inscreve nesse debate do logos. (

322
RACIONALIDADE AMBIENTAL

oeo entre o conhecimento como racionalidade formal do capital e urna ética da


vida. A transgénese póe a vida a servigo da rentabilidade económica a um
iue a ritmo que impede que o conhecimento científico, a norma legal e a expe-
,tr ofe riéncia vivida possam gerar urna consciéncia ou um saber sobre as transfor-
ter- magóes que imprime a ordem ontológica e o risco ecológico. O perigoso náo
bre a é o desconhecido ou a vulnerabilidade das agóes desprotegidas por um
peste saber, mas sim o desencadeamento de conseqüéncias imprevisíveis pela
ando intervengáo do conhecimento no real, que se produz fora da consciéncia
ante, humana.
;ené- Hoje em dia a filosofia se debate entre um conhecimento que assegure a
ico e existéncia e a transgressáo do conhecimento humano como a aventura ao
i por desconhecido. Essa encruzilhada do saber é urna tensáo ética entre o desejo
plica e a moral, onde, afirma Levinas,
te de
)assa podemos ver certa concepláo do saber, que ocupa um lugar privilegiado na
civilizagáo ocidental. Unir o mal ao bem, arriscar-se pelos rincóes ambíguos
mais do ser sem afundar-se no mal e, para isso, manter-se mais além do bem e do
trigo mal, é saber [...] Saber é provar sem provar antes de fazer. Mas queremos,
;iná- unicamente, um saber inteiramente experimentado em nossas próprias evi-
rani- déncias. Náo empreender nada sem saber tudo; náo saber nada sem ir ver
rs de por si mesmo, sejam quais forem as desventuras da exploragáo. Viver peri-
urna gosamente — mas em seguranga — no mundo das verdades. Vista assim, a
ol o- tentaqáo da tentagáo é [...] a própria filosofia (Levinas, 1996: 63).
.ixa-
lgáo Mas essa seguranga náo é o que um conhecimento proporciona a priori,
, do mas sim o saber da experiéncia vivida. Náo é ele que provém do logos do
)ara pensamento teórico, da norma racional, mas sim da vida provada, do saber
que alimentado pelo sabor da existéncia. A proibigáo do incesto é um saber que
rise se implanta no ser a partir da experiéncia vivida dos homens, da descoberta
Tro- de seus labirintos como seres simbólicos e biológicos. Náo é a lei ditada por
la a um deus, mas a norma social construída para que a vida seja assegurada.
Talvez por isso essa lei social náo tenha precisado ficar gravada nas tábuas de
pe- Moisés, como mandamento divino, mas se inscreveu na consciéncia huma-
em na corno norma de convivéncia e sobrevivéncia. Por isso náo há conheci-
'e a mento possível da mulher como mulher, do homem como homem, a partir
ate do logos. Conhecer-se passa pela experiéncia sexual e a relagáo amorosa,

323
ENRIQUE LEFF

pela vivéncia existencial, a qual nunca chega a decifrar o enigma da rela0o dos atravé
do amor e a sexualidade com o ser para estabelecer a origem do conheci- ciencia da
mento na diferenga entre os sexos, o nexo do saber com essa fonte originá- enfrentan
ria do ser. advento d,
Para Levinas, a tentagáo da tentagáo a que cede a filosofia é a de cons- oblitera o
truir um saber que conjure os perigos do desconhecido e assegure a existén- humana,
cia. Contra a tentagáo epistemológica de gerar um conhecimento que cerca é o homen
a realidade para controlá-la, o saber que navega entre as águas inquietas da al 1 nologia,
vida, sorvendo-a e saboreando-a, chegando a sabé-la, mas sem chegar nunca mundo de
ao conhecimento, deixando sempre aberta a porta do desejo de continuar falta em se
sabendo e continuar sendo, deixando ao ato de vida a alteridade e a outrida- sível saber
de, que transcende a unidade e a universalidade do conhecimento, para do ser con
poder continuar percebendo ao "outro como outro, como estranho a todo cendéncia
cálculo, como próximo" (1996: 64). Náo ea
Sem dúvida, praticamente todo mundo tem hoje consciéncia de proble- ordem cro
mas ecológicos que afetam sua qualidade de vida; mas estes se encontram outro náo
fragmentados e segmentados segundo sua especificidade local. Mais ainda, cia se conv
nem todas as formas e graus de consciéncia geram movimentos sociais. Ou Eu por obr
melhor, prevalece o contrário, e os problemas mais gerais, como o aqueci- parável e ú
mento global, sáo percebidos a partir de concepgóes muito diferentes, desde que é urna
aquelas que véem ali a fatalidade de catástrofes naturais até as que os enten-
dem como a manifestagáo da lei-limite da entropia e efeito da racionalidade O Outr
económica. O ambientalismo é, pois, um caleidoscópio de teorias, ideolo- gáo, as
gias, estratégias e agóes náo unificadas por urna consciéncia de espécie, salvo se situa
pelo fato de que o discurso ecológico comegou a penetrar todas as línguas e se apro
todas as linguagens, todos os ideários e todos os imaginários. A lei-limite da seu gén
entropia que sustentaria a partir da ciéncia tais previsóes, e os desastres tinguiri
"naturais" que foram desencadeados nos últimos anos, ainda parecem dis- mente
solver sua evidéncia nos cálculos de probabilidades, na incerteza vaga dos condici
acontecimentos, no curto horizonte das avaliagóes e a multiplicidade de cri- COMO a

térios pelos quais sáo elaborados seus indicadores. O que prevalece é urna outro, i
dispersáo de visóes e previsóes sobre a existéncia humana e sua relagáo com de [...]
a natureza, mas náo a diversidade de consciéncias alimentadas por interesses ciona n
e valores diferenciados. ciéncia
A recomposigáo do mundo pela via da diferenciagáo do ser e do sentido espírito
rompe o esquema imaginário de urna combinagáo de interesses diferencia- essénck

324
RACIONALIDADE AMBIENTAL

lagáo dos através de urna racionalidade comunicativa (Habermas, 1990). A cons-


iheci- ciéncia da crise ambiental se baseia na relagáo do ser com o limite, no
iginá- enfrentamento do todo objetivado do ente com o nada que alimenta o
advento do ser, na interconexáo do real, do imaginário e do simbólico que
cons- oblitera o sujeito, que abre o buraco negro de onde emerge a existéncia
istén- humana, o ser e sua relagáo com o saber. O sujeito da ecologia política náo
cerca é o homem construído pela antropologia, nem o ser-aí genérico da fenome-
:as da nologia, mas o próprio ser que ocupa um lugar no mundo, que constrói seu
nunca mundo de vida como "produgáo da existéncia" (Lacan, 1975): o nada, a
inuar falta em ser e a pulsáo de vida que váo impulsionando e entrelagando o pos-
trida- sível saber na produgáo da existéncia, forjando as relagóes do ser e o saber,
para do ser com o sido e o que ainda náo é, da utopia mais além de toda trans-
todo cendéncia prescrita na evolugáo ecológica.
Náo existe consciéncia ecológica porque a transcendéncia náo se dá em
•oble- ordem cronológica, mas sim na relagáo de outridade, e "o absolutamente
rtram outro náo se reflete na consciéncia. Resiste a ela a tal ponto que sua resisten-
Linda, cia se converte em conteúdo de consciéncia [...] A formulagáo da questáo do
s. Ou Eu por obra do Outro torna-me solidário com o outro de uma forma incom-
lueci- parável e única. Solidário náo como o órgáo é solidário com o organismo do
desde que é uma fungáo" (Levinas, 2000: 63-4):
nten-
idade O Outro náo é outro com urna alteridade relativa, como em urna compara-
eolo- láo, as espécies, mesmo sendo as últimas, excluem-se reciprocamente, mas
salvo se situam na comunidade de um género, se excluem por sua defini0o, mas
uas e se aproximam reciprocamente por esta exclusáo através da comunidade de
te da seu género. A alteridade do Outro náo depende de urna qualidade que o dis-
stres tinguiria do eu, porque urna distingáo dessa natureza implicaria precisa-
I dis- mente esta comunidade de género que já anula a alteridade [...] A linguagem
L dos condiciona o pensamento: náo a linguagem em sua materialidade física, mas
cri- como atitude do Mesmo diante do outro, irredutível á representagáo do
urna outro, irredutível á intengáo do pensamento, irredutível a urna consciéncia
com de [...] porque se relaciona com o infinito do Outro. A linguagem náo fun-
lsses ciona no interior de uma consciéncia, me vem do outro e repercute na cons-
ciéncia ao questioná-la [...] Considerar a linguagem como urna atitude do
tido espírito náo leva a desencarná-lo, mas, precisamente, a dar conta de sua
icia- esséncia encarnada, de sua diferenga com relagáo á natureza constituinte,

325
ENRIQUE LEFF

com relagáo á consciéncia pura, destrói o conceito de imanéncia (Levinas,


ra social e
1977: 207, 218).
homens er
VE Emboi
Se o saber ambiental restabelece o saber no ser, qual o espato da relagáo
do e atuan
entre o ser e o ambiente? O ambiente náo é o entorno nem o meio ecológi-
orientam a
co; náo é apenas esse saber que circunda o conhecimento centrado. O
dos proble
ambiente do saber arraigado no ser, do ser constituído por seu saber, é a rede
estruturas
de relagóes de outridade que se estabelecem entre seres diferenciados com pósito exp
seus saberes diferenciados. A consciéncia ecológica se inscreve, assim, em a partir do
urna política da diferenga referida aos direitos do ser e á invengáo de novas ambiental
identidades atravessadas e constituídas em e por relagóes de poder no saber. dade ambi<
legitima su
direitos da
e sensibilid
GÉNERO E ECOFEMINISMO: FALOCRACIA, DIFERENA E EQÜIDADE lógicas de
de suas
Em anos recentes, as reivindicagóes dos direitos da mulher e os debates em do, abrem
torno da questáo do género se somaram ás lutas ambientalistas. Desde o justo?
feminismo radical até o ecofeminismo, o domínio da mulher e a exploragáo A partir
da natureza aparecem como resultado da conformagáo de estruturas sociais láo pode d
hierárquicas, desde o patriarcado e a gerontocracia das primeiras formagóes pode modi
culturais até as divisó:es de classe da sociedade moderna. Assim, urna visáo debate sobr
ecofeminista emancipadora vem associando a sensibilidade e a natureza rarquizagác
orgánica das mulheres ao cuidado da natureza, enlatando dessa maneira as rica do trat
lutas femininas e as ambientais (Shiva, 1991). torno da cc
Além da visáo naturalista que associa o feminismo e a ecologia, a ecolo- e nas relató
gia política questiona os fundamentos das lutas ecofeministas em uma polí- pelo patria'
tica da diferenga. Pois náo se trata, simplesmente, de um movimento a favor no ser pela
da participagáo das mulheres nos assuntos e reivindicagóes ambientalistas ou produz a ot
na promogáo dos direitos cidadáos e de género dentro das perspectivas aber- minista ton
tas pelo desenvolvimento sustentável. O enigma a decifrar e a política a dualismo c(
construir reclamam a compreensáo da forma particular de ser mulher da que conduz
origem biol
perspectiva política que abre urna "visáo" feminista e de género na questáo
causa natur
do poder, da cultura, da organizagáo social, da natureza e do desenvolvi-
dominagáo
mento sustentável, e que vai além do lugar da mulher em urna dada estrutu-
ca, além do

326
RACIONALIDADE AMBIENTAL

evinas,
ra social e das reivindicagóes de igualdade com os lugares privilegiados dos
homens em determinada ordem estabelecida.
Embora náo exista um movimento ecofeminista formalmente constituí-
.el agáo
do e amante, este se expressa nas idéias, teorias e práticas que dáo suporte e
:ol ógi-
orientam as lutas atuais das mulheres para identificar as causas fundamentais
Ldo. O
dos problemas ambientais e os vínculos entre a degradagáo ambiental e as
a rede
estruturas do poder social, económico e político (Mellor, 1997). Esse pro-
)s com pósito expresso do movimento leva a indagar: qual a especificidade do lugar
m, em a partir do qual as mulheres compreendem — enquanto mulheres — a crise
novas ambiental e aportam urna visáo própria para a construgáo de urna racionali-
1 saber. dade ambiental? Há urna afinidade natural das mulheres com a natureza que
legitima suas reivindicagóes sociais e as torna porta-vozes privilegiadas dos
direitos da natureza? Como se inscrevem as formas particulares de cognigáo
e sensibilidade das mulheres e as identidades de género na desconstrugáo das
lógicas de dominagáo? De que maneira as diferentes visóes de género, além
de suas reivindicagóes legítimas de igualdade dentro do modelo estabeleci-
ites em do, abrem perspectivas para um desenvolvimento sustentável, eqüitativo e
esde o justo?
oragáo A partir da formulagáo de Simone de Beauvoir de que nenhuma revolu-
sociais gáo pode dissolver a estrutura social da maneira como a revolugáo social
nagóes pode modificar as diferengas de classe, o ecofeminismo tentou abrir um
a visáo debate sobre o lugar que a diferenga de géneros ocupa nos processos de hie-
tureza rarquizagáo social organizados em torno do falocentrismo na divisáo histó-
eira as rica do trabalho e em seus impactos ambientais. Porém, o debate girou em
torno da condigáo biológica da mulher na divisáo sexual-social do trabalho
ecolo- e nas relagóes de dominagáo dentro das estruturas hierárquicas estabelecidas
a polí- pelo patriarcado. Menor foi o interesse em questionar a brecha instaurada
t favor no ser pela diferenga dos sexos, essa diferenga originária e particular que
;tas ou produz a outridade sexual significada pela linguagem. O pensamento ecofe-
s aber- minista torna como referéncia boa parte do pensamento ecologista sobre o
ítica a dualismo como causa da objetivagáo da natureza e dominagáo da mulher
que conduz á crise ambiental, estendendo a diferenga de género desde sua
5er da
origem biológico-simbólica até sua construgáo socioistórica. Se náo há urna
iestáo
causa natural da diferenga entre os sexos que justifique a desigualdade e a
tvolvi-
dominagáo da mulher — o que leva o debate ao terreno de urna ética políti-
trutu-
ca, além do plano do natural —, a questáo ecofeminista se desloca para urna

327
ENRIQUE LEFF

indagagáo sobre a diferenga dos sexos que, através de processos de significa- urna comp
gáo e na ordem simbólica da cultura, produz efeitos nas formas de identifi- de sua for
cagáo dos sujeitos, nas hierarquias sociais, nas relagóes de dominagáo a par- social, des
tir da diferenga de géneros como construgáo simbólico-social. Pois, além de jogos de 1
todo essencialismo e naturalismo, natural ou
posigáo de
a diferenga dos géneros precede a diferenga dos sexos [...] a diferenga está, gáo com a
desde sempre, na ordem do significante, na ordem simbólica, a partir de onde guagem qi
distribui emblemas e atributos de género. Estes atributos se ressignificam senhor. 18
como diferenga sexual no caminho das identificagóes que levaram o ser superiorid
humano a ser homem ou mulher, ou qualquer combinagáo de ambos [...] por- "lugar" pro
que o conteúdo do que pode ser masculino e feminino náo tem nenhuma económica
essencialidade natural, adquire diferentes modalidades de acordo com urna lugar do fa
historicidade socialmente determinada e com variantes no tempo e no espato O ecos
[...] O que é que conserva um caráter estruturante e fundante? O que é fun- sociais do
dante é a diferenla dos sexos, e essa diferenga é um efeito do significante. Daí nagáo da n
a promogáo ao primeiro plano do significante Falo, que é o significante da o pensame
diferenga. Lugar da repressáo originária, trago que funda o sujeito separando- de uso da I
o, cortando-o, diferenciando-o do Outro, promovido a objeto do desejo já e nem por is
desde sempre perdido [...] Se o falocentrismo é a releváncia do significante gerontocrai
fálico em relagáo á castragáo simbólica, a falocracia emana de urna ordem gáo femini5
totalmente distinta: é a maneira na qual a diferenga se organiza como apro- visáo lineal
priagáo diferenciada de privilégios e poderes. Da diferenga deriva um ordena- formula o r
mento hierárquico de dominagáo e submissáo (Saal, 1998: 24, 33). tabilidade
diferengas.
O que foi dito nos levaria a questionar o papel desempenhado pela inter- masculina,
digáo do incesto na desigualdade dos sexos, o lugar do complexo de Édipo no perspectiva
estabelecimento das relagóes de domínio do homem sobre a mulher e o sen- ta da nature
tido em que a falocracia organiza esse poder de submissáo. O fato de que na estrutur.
desde sempre e em toda cultura existe e funciona urna lei que permite o aces- mulher e d
so de certas mulheres, ao mesmo tempo que formula a interdigáo de outras, saber além
e que sempre existiu urna hierarquizagáo cujas posigóes mais elevadas estáo em determi
reservadas aos homens pareceria confirmar a universalidade do Édipo. Mas, Além d,
se esse domínio náo é de urna ordem natural, tampouco estaria determinado patriarcado
pelo simbólico (fálico). É justamente pela falta em ser que instala a ordem terra com a
simbólica que o desejo desemboca em urna vontade de domínio a procura de ta e cuidad'

328
RACIONALIDADE AMBIENTAL

rifica- uma completude. A partir desse suporte (essa falha), o homem toma recursos
fi- de sua fortaleza física para estabelecer uma supremacia na ordem natural e
a par- social, desenvolvendo estratégias discursivas, teóricas e jurídicas nas quais os
Im de jogos de linguagem se convertem em armas de dominagáo. Náo há nada
natural ou essencial na ordem simbólica que autorize o homem a ocupar urna
posigáo de superioridade. Mas, a partir de uma posigáo de poder em sua rela-
1 está, gáo com a mulher (e com os outros), ele construiu e se apropriou de urna lin-
onde guagem que opera como dispositivo de poder. Construiu seu discurso de
dicam senhor. 18 A hierarquia e o domínio do homem náo se fundam em nenhuma
o ser superioridade legítima. No entanto, a política feminista se sustenta nesse
.1 por- "lugar" preestabelecido para a mulher pela estrutura simbólica e a estrutura
thu ma económica que tem suas origens no dom-intercámbio de mulheres;" no
n urna lugar do falo e das fungóes de produgáo e reprodugáo. 20
Ispago O ecofeminismo, seguindo o feminismo radical, vé nas hierarquias
é fun- sociais do patriarcado a causa principal da destruigáo ecológica e da domi-
:e. Daí nagáo da mulher. O patriarcado aparece como a forma social que organiza
nte da o pensamento, a cultura e as relagóes de género. As cosmogonias e formas
raudo- de uso da natureza sáo mais "ecológicas" em sociedades tradicionais. Mas
jo já e nem por isso as relagóes sociais sáo menos patriarcais e impera menos a
'icante gerontocracia e a dominagáo da mulher. Para essas sociedades, a reivindica-
)rdem do feminista vem de fora, da cultura moderna (ocidental), o que rompe a
apro- visáo linear da origem patriarcal da crise ambiental, ao mesmo tempo que
rdena- formula o problema das reivindicagóes culturais dos poyos diante da susten-
tabilidade e das reivindicagóes de género em um encontro intercultural de
diferengas. Se o conhecimento do mundo aparece como urna construgáo
inter- masculina, seria necessária sua desconstrugáo feminista. No entanto, essa
po no perspectiva ecofeminista náo consegue romper com a concepgáo essencialis-
D sen- ta da natureza e da mulher ou com a visáo construtivista do lugar da mulher
e que na estrutura social. É daí que se formula urna reivindicagáo conjugada da
aces- mulher e da natureza que náo chega a explicitar urna visáo feminina do
utras, saber além de suas atribuigóes naturais, de sua sensibilidade e de seu lugar
estáo em determinada estrutura de poder.
Mas, Além dos papéis atribuídos pela tradigáo, das relagóes de poder que o
inado patriarcado estabelece, das metáforas que comparam a fertilidade da máe
irdem terra com a fungáo biológica reprodutora da mulher, com as tarefas de cole-
ira de ta e cuidado da terra, enfim, da distribuigáo de papéis sociais e a divisáo

329
ENRIQUE LEFF

sexual do trabalho, a política do género formula a questáo de urna diferen- mulher (ges
ga originária e radical: a de ser homem e ser mulher, a diferenga dos sexos resisténcia
como constitutiva da ordem simbólica, lugar onde se inscrevem a língua de inteligén
para atribuir e distribuir os lugares dos seres humanos (mulheres e homens) tos sob o r(
e as coisas do mundo em cosmovisóes e estruturas sociais; lugares onde sen- direito que
tidos sáo gerados, sensibilidades sáo produzidas e sáo atribuidas formas de que o horro(
ser no mundo, de pensar o mundo, de sentir o mundo; lugares onde se esta- recuperar, p
belece a diferenga entre o afá de controle da natureza, a abertura ao enigma ao equipara
da existéncia e a sedugáo do infinito. A partir dessa divisáo originária se separam e d
constroem — culturalmente — as diferengas de género: a razáo, a sensibili- de diferenga
dade e a visáo da mulher e do homem na cultura ocidental (coisificadora e como, na di,
dominante); seus contrastes com as culturas orientais e tradicionais (mais
sensuais, menos possessivas). Sobre esse fundo, a cultura distribui papéis ordem do de
sociais e configura diferentes formas de ser diante da natureza. Esses enig- tica humana
mas e interrogagóes sobre a relagáo do género na ordem do ser, da lingua- sexos, além
gem, da significagáo e do sentido desnaturalizam a questáo do género; buigáo (natu
levam a olhá-la a partir dessa disjungáo náo natural da diferenga dos sexos designam pe
que constitui a ordem simbólica da natureza humana, de onde emanam as questáo que
relagóes de poder e as hierarquias sociais. Dessa maneira, é possível trans- erotismo:
cender o olhar naturalista que procura revalorizar as fungóes e relagóes com
a natureza a partir das capacidades naturais do homem e da mulher, ou das Há, talv<
hierarquias que levam á exploragáo do homem, da natureza e da mulher. ordem rr
O ecofeminismo se debate entre a visáo essencialista da mulher vincula- ordem —
da á natureza por suas condigóes "naturais" e a visáo construtivista que mundo. 1
interroga os processos sociais que levaram a codificar e a hierarquizar as erótico, c
relagóes de género com a natureza. A política da diferenga interroga o pró-
prio do género, da divisáo dos sexos em sua relagáo com o pensamento e a Náo há u
construgáo da realidade; procura entender corno se enlagam a divisáo dos te desse prop
sexos e a constituigáo da ordem simbólica com a disjungáo do ser e o ente, a lógicos) da jt
coisificagáo do mundo e o estabelecimento de hierarquias sociais, quer justita de géi
dizer, a constituigáo e legitimagáo de relagóes de dominagáo do homem identidade e
sobre a mulher e sobre a natureza. A ecologia política enlata, assim, a ordem sexuais. Quai
da natureza, a linguagem, a cultura e o género como agentes conjugados na de género, pa
construgáo das relagóes cultura-natureza. Pois a diferer
Nessa perspectiva, o que distingue a mulher do homem náo é tanto sua justita que da
afinidade com a natureza pelas fungóes orgánico-naturais que cumpre como nutro (será n<

330
RACIONALIDADE AMBIENTAL

mulher (gestagáo, maternidade, cuidado com a casa e a progénie), mas sua


'eren-
resistencia a submeter-se a urna ordem plenamente racional, seu amálgama
sexos
de inteligencia e sensibilidade e sua recusa a dobrar as emogóes e sentimen-
íngua
tos sob o regime da lógica racional. A eqüidade de género demanda um
nens)
direito que náo é apenas o de urna melhor distribuigáo dos lugares e postos
e sen-
que o homem ganhou na sociedade. A reivindicagáo ecofeminista procura
ias de
esta- recuperar, para homens e mulheres, o sentido de uma feminilidade perdida
ao equiparar-se e igualar-se ao homem dentro dos códigos da razáo que
iigma
ria se separan) e dominam o homem, a mulher, a cultura e a natureza. A política
Lsibili-
de diferenga leva, assim, a indagar, além de todo essencialismo, a maneira
lora e como, na divisáo dos sexos, se configura o enigma do género e do erotismo,
(mais como se constitui o caráter simbólico do ser humano onde se inscreve a
ordem do desejo, que marca para sempre o problema da dominagáo e da jus-
)apéis
enig- tila humana. Pois, além dos direitos á igualdade diante da diferenga dos
sexos, além da divisáo dos seres humanos coisificados através de sua distri-
,ngua-
mero; buigáo (natural/simbólica) em géneros (masculino/feminino/neutro), que se
sexos designan) pela diferenga entre o "o" e o "a" os define —, o género como
am as questáo que corresponde ao ser, e ao direito ao ser, se inscreve na ordem do
erotismo:
trans-
s com
Há, talvez, para a justita, um fundamento no dominio da paixáo. É na
ni das
ordem mais equívoca, no domínio exercido a cada instante sobre esta
ncula- ordem — ou essa desordem onde se funda a justita pela qual subsiste o
mundo. Essa ordem, equívoca por excelencia, é, justamente, a ordem do
a que
erótico, o terreno do sexual (Levinas, 1996: 130).
zar as
3 pró-
Náo há urna fonte natural do erotismo nem da justita de género, e dian-
to ea
o dos te desse propósito fracassam os dispositivos teóricos e instrumentais (e ideo-
nte, a lógicos) da jurisprudencia e de urna ética naturalista. Nessa visáo errada da
justila de género, alistaram-se tantas lutas feministas, buscando justita na
quer
identidade e igualdade de direitos: políticos, económicos, ecológicos e
)mem
sexuais. Quando náo se reconhece a originalidade fundacional da diferenga
ordem
de género, passa-se por cima e ao lado do fundamental da justita ambiental.
los na
Pois a diferenga de género e entre os sexos é raiz e abismo do humano, e a
justita que dali emana entre a tentagáo e a responsabilidade em relagáo ao
:o sua
outro (será necessário dizer também a outra), vai além das fungóes socioor-
como

331
ENRIQUE LEFF

gánicas que cada sexo desempenha em urna redistribuigáo de fungóes em O poder da


face da sustentabilidade; vai além dos direitos relacionados á preferéncias e sedugáo é n
ás identidades sexuais. 21 1979). A sec
Para além da génese e a determinagáo da divisáo dos sexos e a diferenga poder é a vc
de género sobre o lugar que ocupam os sujeitos na estrutura social e na dis- forjar uma n
tribuigáo ecológica, a diferenga de género emerge enigmaticamente da fonte cesso de eml
do desejo que abre esta disjungáo do um e urna ontologia da outridade na tos e os reir
qual se jogam as posigóes do masculino e o feminino, e todos os matizes que mulher, um
se expressam na proliferagáo de identidades de género que, certamente, náo um dualismc
pacificam o confito e a luta entre os sexos nem neutralizam a perversáo e a maneira de f
luta pelo poder como forma de falificar (falsificar) a procura pela completu- feminista rac
de do ser. Por isso, o feminismo, o ecofeminismo e as reivindicagóes de sivas, urna n
género, embora se situem dentro de urna política da diferenga, náo se resol- estratégias d
vem em urna fórmula de distribuigáo económica ou ecológica, reatribuindo As mulh
direitos de propriedade e apropriagáo da natureza a partir da reatribuigáo siléncio, nác
de papéis e fungóes socioecológicas que, para além de todo essencialismo, partes prop o
quiseram dissolver toda hierarquia, opressáo e sujeigáo provenientes de cer- se do poder
tas relagóes originárias de poder ditadas pela divisáo dos sexos e as circuns- da ordem sir
tancias de género. o saber e o r
Essa perspectiva náo passa por cima da legitimidade das reivindicagóes radas. Náo
de igualdade de género e de acesso ao trabalho e ás fungóes sociais e ás posi- de cognigáo
góes de poder dentro das estruturas sociais estabelecidas; mas induz a inda- identidades
gagáo sobre as relagóes de género/ambiente a decifrar outros enigmas. Pois, saber que a
certamente, as relagóes de poder que se estabeleceram na longa história de Estabelecer t
dominagáo da mulher e da natureza náo se resolvem pela repartigáo de cotas lado, e a ferr
de poder no mundo coisificado e regulamentado pela sociedade falocéntrica, siadamente s
que coloca o falo como significante da totalidade impossível, da completude transcendent
ilusória originada pela falta originária e urna falha essencial: o vazio em que
se forja a divisáo originária dos sexos e a disjungáo entre o ser e o ente, ali A nogáo
onde se estabelece a marca da diferenga e a outridade, condigáo da vida, abis- principio
mo da existéncia humana. nilidade -
Se o ecofeminismo foi convocado para pensar na possível desconstrugáo culinidad
dessas estruturas do inconsciente e da racionalizagáo teórica para sitiar e nos aparo
tomar de assalto os espagos de poder forjados e conquistados pelos homens, rengas, n.
também deve armar-se com estratégias de poder que, sem serem exclusivas como a p
da mulher, sao mais "femininas" diante das forgas machistas de dominagáo. tura forn

332
RACIONALIDADE AMBIENTAL

es em O poder da sedugáo é mais nobre e sábio do que a imposigáo do poder; a


[das e sedugáo é mais doce, embora nem sempre menos perversa (Baudrillard,
1979). A sedugáo reconduz o poder do desejo — a vontade nietzschiana de
:renga poder é a vontade de poder querer —, abrindo o caminho da história para
La dis- forjar urna nova racionalidade através das relagóes de outridade. Nesse pro-
fonte cesso de emancipagáo, é dado esperar que a mulher fale, formule seus direi-
de na tos e os reivindique. Mas cabe perguntar-se se há urna fala própria da
1s que mulher, um estilo, urna tonalidade, urna sensibilidade que ratifique, se náo
náo um dualismo fundado na diferenga de género, pelo menos urna diferenga na
lo e a maneira de pensar, de sentir e de construir seu mundo. Se for assim, a teoria
pletu- feminista radical implicaria um novo pensamento, novas formagóes discur-
es de sivas, urna nova gramática: urna estratégia de sedugáo como alternativa ás
resol- estratégias de dominagáo.
lindo As mulheres, assim como os indígenas, resistem ao domínio a partir do
uigáo siléncio, náo haveráo de reivindicar seus direitos por urna equalizagáo das
ismo, partes proporcionais do poder de domínio que as subjugou. Para emancipar-
e cer- se do poder real, haveráo de construir o espato teórico entre a organizagáo
cuns- da ordem simbólica e do desejo na génese do sujeito, e a relagáo entre o ser,
o saber e o poder. As pontes entre esses espagos teóricos ficaram dependu-
agóes radas. Náo se vinculou a estrutura do desejo inconsciente ás formas culturais
posi- de cognigáo e suas estruturas epistémicas; os lugares sociais que geram as
inda- identidades de género com as formas de saber e as relagóes de poder no
Pois, saber que atravessam (e sáo atravessadas por) as relagóes de género.
la de Estabelecer urna identidade entre a racionalidade e a masculinidade por um
cotas lado, e a feminilidade, a natureza e a sensibilidade por outro, resulta dema-
trica, siadamente simplista. Haveria, pois, que se indagar o sentido da alteridade
:tude transcendente na qual a feminilidade ocupa um lugar privilegiado:
I que
e, ali A nogáo de alteridade transcendente — obra do tempo — investiga-se, em
abis- princípio, a partir da alteridade-conteúdo, a partir da feminilidade. A femi-
nilidade — e seria necessário ver em que sentido se pode dizer isso da mas-
agá° culinidade ou da virilidade, quer dizer, da diferenga dos sexos em geral —
iar e nos aparece como urna diferenga que contrasta com todas as demais dife-
tens, rengas, náo apenas como urna qualidade diferente de todas as demais, mas
vivas como a própria qualidade da diferenga [...] A diferenga sexual é urna estru-
,gáo. tura formal, mas urna estrutura formal que recorta a realidade de outro

333
ENRIQUE LEFF

modo e condiciona a própria possibilidade da realidade como multiplicida- gáo entre


de, contra a unidade do ser proclamada por Parménides. A diferenga sexual vida e a rr
tampouco é urna contradigáo. A contradigáo do ser e do nada reduz a um e ecologia
a outro, náo deixa lugar para distáncia alguma. O nada se transforma em diferentes
ser, e isso é o que nos conduziu á nogáo de há. A negagáo do ser tem lugar quais o se
no plano do existir anónimo do ser em geral. A diferenga sexual tampouco
é a dualidade de dois termos complementares [...que] pressupóem um todo
preexistente [...] O patético do amor consiste na dualidade insuperável dos
seres. É urna relagáo com aquilo que nos é ocultado para sempre. A relagáo ÉTICA, EM?
náo neutraliza ipso facto a alteridade, mas a preserva. O patético da volup-
tuosidade reside no fato de ser dois. O outro enquanto outro náo é aqui um A ecologia
objeto que se torna nosso ou que se converte em nós mesmos: pelo contrá- mutagáo,
rio, retira-se em seu mistério. Esse mistério do feminino — o feminino, o ligibili dad
essencialmente outro (Levinas, 1993: 74, 128-9). linguagem
dicionário
Acompanhando Levinas, podemos dizer que o ambiente é feminino, por todos os 's
sua relagáo de outridade com o conhecimento positivo: mundo) al
nostálgico
O que me parece importante nessa nogáo do feminino náo é, unicamente, o pensamen
incognoscível, mas certo modo de ser que consiste em furtar-se á luz [...1 esséncia
Todo seu poder consiste em sua alteridade. Seu mistério constitui sua alteri- luta para s
dade [...] Da mesma maneira que com a morte, náo nos enfrentamos nesse de sombra
caso com um existente, mas com o acontecimento da alteridade [...] a essén- racionalil
cia do outro é a alteridade. Por isso, temos buscado essa alteridade na relagáo mam as pi
absolutamente original do Eros, uma relagáo que náo é possível traduzir em inconform
termos de poder [...] trata-se de um acontecimento no existir, mas um acon- tade de po
tecimento diferente da hipótese mediante a qual surge um existente. A ema
Enquanto o existente se realiza no "subjetivo" e na "consciéncia", a alterida- ca, na epis
de se realiza no feminino (1993: 130-1). limite pela
económica
A diferenga entre os sexos náo se estrutura apenas a partir dos lugares ilhado e es
que homens e mulheres ocupam pela castragáo e pelo Édipo. Náo é uma nos sentim
diferenga de esséncias constitutivas na qual o homem é congénere da cultu- O sujeito
ra e a mulher, da natureza; onde a subjetividade do homem se estrutura na fixando-se
produgáo e a da mulher, na reprodugáo. A questáo do género se joga numa de novos al
relagáo de alteridade e nos vaivéns do ser, do tempo e da existéncia, na rela-

334
RACIONALIDADE AMBIENTAL

cida- gáo entre as luzes e as sombras do saber, na relagáo original do Eros, entre a
vida e a morte, na fusáo sexual na qual o homem vem e a mulher se esvai. A
um e ecologia política se abre ao enigma pelo qual a diferenga de género gera
a em diferentes formas de identificagáo, distintas formas de saber e de sentir nas
lugar quais o ser vem á vida e se assombra diante do nada.
ouco
todo
:1 dos
lagáo ÉTICA, EMANCIPA .Á0, SUSTENTABILIDADE
olup-
ii A ecologia política busca sua identidade teórica e política em um mundo em
:ntrá- mutagáo, em que as concepgóes e conceitos que até agora orientaram a inte-
no, o ligibilidade do mundo e a agáo prática parecem desvanecer-se do campo da
Iinguagem significativa. Mas o pensamento dominante resiste a abandonar o
dicionário das práticas discursivas que envolvem a ecologia política (como a
, por todos os velhos e novos discursos que acompanham a desconstrugáo do
mundo) apesar de terem perdido coeréncia teórica e ressoem como o eco
nostálgico de um mundo para sempre passado, para sempre perdido: o do
ite, o pensamento dialético, o da universalidade e unidade das ciéncias, o da
U-1 esséncia das coisas e da transcendéncia dos fatos. E, no entanto, algo novo
.1teri- luta para sair e manifestar-se neste mundo de incerteza, de caos e confusáo,
nesse de sombras e penumbras, onde, através da demoligáo e dos resquícios da
ssén- racionalidade monolítica e monopólica do pensamento totalitário se asso-
lnáo mam as primeiras luzes da complexidade ambiental: lucidez mínima na
r em inconformidade, necessidade de compreensáo, desejo de emancipagáo, von-
Icon- tade de poder.
mte. A emancipagáo do projeto objetivador do mundo fundado na metafísi-
rida- ca, na epistemologia positivista e no pensamento totalizador, levado a seu
limite pela racionalizagáo modernizadora da lógica formal da racionalidade
económica, náo está radicada em uma reivindicagáo do sujeito separado,
;ares ilhado e esterilizado através da ética científica que convidava a náo intervir
urna nos sentimentos nem no desejo na razáo pura e no conhecimento objetivo.
iltu- O sujeito renasce da impossível totalizagáo de urna consciéncia (de espécie),
a na fixando-se na invengáo e proliferagáo de novas identidades, na emergéncia
ama de novos atores sociais habitados pelo desejo e pelo direito de ser no mundo.
-ela-

335
ENRIQUE LEFF

A "morte do sujeito" [...] foi sucedida por um novo e estendido interesse nos necessário
múltiplas identidades que estáo emergindo e proliferando em nosso mundo por náo ut
contemporáneo [...] Talvez a morte do Sujeito [...] tenha sido a principal pre- rida ao po
condigáo desse renovado interesse pela questáo da subjetividade. Talvez seja recuperad
a mesma impossibilidade de seguir referindo as expressóes concretas e finitas entre as ra
de urna subjetividade multiforme a um centro transcendental o que torna relagáo coi
possível concentrar nossa atengáo na própria multiplicidade [...] no próprio foi forjada
momento em que se colapsa o terreno da subjetividade absoluta, também se A vont
colapsa a própria possibilidade de um objeto absoluto [...] Sou um sujeito nómica, ne
precisamente porque náo posso ser urna consciéncia absoluta, porque algo nem como
constitutivamente alheio me confronta; e náo pode haver um objeto puro prazer e fel
como resultado desta opacidade/alienagáo que mostra os tragos do sujeito no desejo de
objeto. Assim, urna vez que o objetivismo desapareceu como um "obstáculo gosto pela ,
epistemológico", tornou-se possível desenvolver todas as implicagóes da
"morte do sujeito" [...] o veneno secreto que o habitava, a possibilidade de Enquar
sua segunda morte: "a morte da morte do sujeito"; a proliferagáo de finitu- de ficgáo e
des concretas cujas limitagóes sáo a fonte de sua forga; e perceber que pode possíveis,
haver "sujeitos" porque a brecha que "o Sujeito" supostamente devia fechar, nunca mais
na realidade náo pode ser preenchida (Laclau, 1996: 20-21), abranger, e
real aos int
A ética ambiental é urna ética da emancipagáo no sentido de urna volta poder perv
ao Ser que contém urna reapropriagáo do mundo: da cultura, das identida- aleatorieda
des, da natureza. É a atualizagáo da vontade de poder. Mas a reativagáo um princíp
dessa vontade está além de qualquer voluntarismo. Sobretudo na "era do cia do pens
vazio" (Lipovetsky, 1986), na qual foi desativada a vontade como agéncia e controlado
dispositivo á máo do sujeito. O sujeito cedeu involuntariamente a urna von- maior.
tade suprema e externa. Parece ter se dissipado, assim, a vontade de libertar- A crise
se dos poderes totalitários: do senhor, do capital, do chefe, do hierarca. dade e univ
Nem a luta de classes nem a rebeliáo parecem abrir portas a essa necessida- racionalida
de de emancipaldo, táo proclamada por Marcuse. A vida flutua em um espa- tecnológica
go vazio, sujeita ao acaso, á incerteza, á entropia, a processos de degradagáo sob o signa
da vida em que a vontade como propósito náo aponta para um fim, urna luz, mundos de
urna saída. A ideologia dominante nos faz desejar conforme os desígnios do cionáveis.
poder estabelecido. A vontade adormeceu e foi depositada num banco que hiperecono
náo responde a nossos interesses, foi delegada a um dispositivo externo para igualdade e
adquirir coisas, bens, inclusive sonhos, desejos, beleza e poder. Já náo é bou sendo

336
RACIONALIDADE AMBIENTAL

e nas necessário nos mobilizarmos, agir, nem desejar. O desejo morre de inanigáo
indo por náo utilizagáo e inutilidade da própria vontade, porque esta foi transfe-
pre- rida ao poder da tecnologia e do mercado. A vontade de poder através da
s seja recuperagáo do sentido náo pode provir da razáo pura, de um consenso
nitas entre as razóes encobertas pelo processo de racionalizagáo. A ética como
orna relagáo com o Outro faz reviver o Ser dos escombros da racionalidade que
iprio foi forjada pelo Mundo Objeto.
m se A vontade de poder (Nietzsche, 1968) náo é a que afirma a razáo eco-
jeito nómica, nem como vontade de exercer seu poder sobre o mundo e as coisas,
algo nem como seu imaginário de conduzir a uma via ilimitada de progresso, de
puro prazer e felicidade. A vontade de poder se inscreve na ética ambiental como
o no desejo de vida (do desejo que habita o ser), de uma vida que anime náo só o
.culo gosto pela vida, mas que dé vida a um pensamento que fecunde a vida huma-
:s da na no caminho de seu poder querer viver.
[e de Enquanto os jogos de linguagem para continuar imaginando este mundo
nitu- de ficgáo e virtualidade sáo infinitos, também o sáo para perseguir futuros
)ode possíveis, construir utopias, para reconduzir a vida. E o pensamento, que
:har, nunca mais será o único nem servirá como instrumento de poder, procura
abranger, enlatar seu poder simbólico e seus imaginários para reconduzir o
real aos interesses da vida. E, se este processo náo haverá de sucumbir ao
'olta poder perverso e anónimo da hiper-realidade e da simulagáo guiadas pela
ida- aleatoriedade das coisas e pelos desígnios dos poderes dominantes, é porque
igáo um princípio básico continua sustentando a existéncia na razáo e na coerén-
do cia do pensamento, em um mundo que nunca será totalmente conhecido e
la e controlado pelo pensamento; que nunca mais será regido por razóes de forja
.on- maior.
tar- A crise ambiental marca o limite do logocentrismo, da vontade de uni-
rca. dade e universalidade da ciéncia, do pensamento único e unidimensional, da
rda- racionalidade entre fins e meios, da produtividade económica e da eficiéncia
tecnológica, do equivalente universal como medida de todas as coisas, que
gáo sob o signo monetário e a lógica do mercado recodificaram o mundo e os
luz, mundos de vida em termos de valores de mercado intercambiáveis e transa-
do cionáveis. A emancipagáo dessa racionalidade se formula como libertagáo da
fue hipereconomicizagáo do mundo. Isso implica ressignificar a liberdade, a
ara igualdade e a fraternidade como princípios de urna moral política que aca-

bou sendo cooptada pelo liberalismo económico e político — pela equaliza-

337
ENRIQUE LEFF

gáo e privatizagáo dos direitos individuais, de fraternidades dissolvidas pelo A ecolo


interesse e a razáo de forga maior —, para renomeá-los na perspectiva de estabelece
urna política da insubordinagáo e da emancipagáo, da eqüidade na diversi- necessário
dade, da solidariedade entre seres humanos com culturas, visóes e interesses natureza,
coletivos, diversos e diferenciados. espagos de
A ecologia política é urna política da diferenga, da diversificagáo de sen- um projeto
tidos; além de urna política para a conservagáo da biodiversidade que seria dominagáo
recodificada e revalorizada como um universal ético ou pelo equivalente política se f
universal do mercado, é a transmutagáo da lógica unitária para a diversifica- política par,
gáo de projetos de construgáo de sociedades sustentáveis. Esta política abre A eman
os sentidos civilizatórios, náo como urna mutagáo da natureza ou o progres- políticas pai
so do conhecimento científico-tecnológico, mas por urna revolugáo da política de
ordem simbólica e urna agenda abolicionista que póem a vontade descons- vontade de
trucionista do pensamento pós-moderno a servigo de urna política da dife- tica e na ord
renga, sob o princípio de liberdade e de sustentabilidade: se pretende
cipagáo do
A agenda abolicionista propóe comunidades autogestionárias estabelecidas direito de S(
de acordo com o ideal de organizaláo espontánea: os vínculos pessoais, as gica e urna j
relalóes de trabalho criativo, os grupos de afinidade, os grupos comunitá- Assim, n
rios e vizinhanlas; fundadas no respeito e na soberania da pessoa humana, ram a ecolo
a responsabilidade ambiental e o exercício da democracia direta "cara a para sujeitar
cara" para a tomada de decisóes em assuntos de interesse coletivo. Esta ecologia poli
agenda aponta para mudar nosso rumo em direláo a urna civilizalcio da tegem sob si
diversidade, urna ética da frugalidade e urna cultura de baixa entropia, rein- guas, urna 131
ventando valores, desatando os nós do espirito, superando a homogeneidade rengas, onde
cultural com a forra de um planeta de poyos, aldeias e cidades diversos mos o sabor
(Borrero, 2002: 136). tória, de cae
mos de dar
O discurso da ecologia política náo é o discurso linear que faz referen- inventaram
cia aos "fatos", mas aquele da poesia e da textura conceitual, que, ao mesmo engenho exti
tempo que enlata a matéria, os símbolos e os atol que constituem seu terri-
tório e a autonomia de seu campo teórico-político, também leva no cerne a
crítica dos discursos dos paradigmas e das políticas estabelecidas, para abrir-
se ao processo de construgáo de urna nova racionalidade a partir dos poten-
ciais da natureza e dos sentidos da cultura, da atualizagáo de identidades e
da possibilidade do que "ainda náo é".

338
RACIONALIDADE AMBIENTAL

pelo A ecologia política náo apenas explora e atua no campo do poder que se
va de estabelece dentro do conflito de interesses pela apropriagáo da natureza; é
versi- necessário repensar a política a partir de uma nova visáo das relagóes da
resses natureza, da cultura e da tecnologia. A ecologia política abre, assim, novos
espagos de atuagáo na complexidade ambiental emergente e se inscreve em
sen- um projeto libertário para abolir toda relagáo hierárquica e toda forma de
seria dominagáo através de movimentos sociais e práticas políticas. A ecologia
dente política se funda em um novo pensamento e em urna nova ética: urna ética
iifica- política para renovar o sentido da vida (Leff, 2002; PNUMA, 2002).
i abre A emancipagáo náo é urna distribuigáo do poder, dos meios e estratégias
► gres- políticas para prover condigóes de produgáo, decisáo e participagáo em urna
lo da política de eqüidade e democracia. A emancipagáo vem mais de dentro, da
vontade de poder que tem suas raízes no ser e náo na ordem jurídica da jus-
tiga e na ordem económica da distribui0o. O "empoderamento" com o qual
se pretende dar voz aos sem-voz náo lhes devolve a palavra própria. A eman-
cipagáo do Ser é a libertagáo da palavra e do pensamento para exercer o
aci das direito de Ser, que está além das reivindicagóes por urna distribuigáo ecoló-
lis, as gica e urna justita ambiental.
initá- Assim, na imaginagáo abolicionista e no pensamento libertário que inspi-
nana, ras a ecologia política, a dissolugáo do poder de urna minoria privilegiada
ara a para sujeitar as maiorias excluídas se converte em urna tarefa prioritária. A
Esta ecologia política é urna árvore cultivada pelos movimentos sociais que se pro-
lo da tegem sob sua folhagem; urna árvore com galhos que enlagam diversas lín-
rein- guas, urna Babel onde haveremos de nos compreender a partir de nossas dife-
dade rengas, onde cada vez que alcemos o brago para alcangar seus frutos deguste-
ersos mos o sabor de cada terreno da nossa geografia, de cada colheita de nossa bis-
tória, de cada vinho de nossa invengáo. Percorrendo esse caminho, havere-
mos de dar nome próprio a sua seiva, como aqueles seringueiros que se
rén- inventaram corno seres neste mundo sob o nome da árvore da qual com seu
smo engenho extraíram o alimento de seus corpos e o espírito de sua cultura.
erri-
ne a
)rir-
ten-
es e

339
ENRIQUE LEFF

NOTAS 8. Horkh
que "náo há se
1. "Durante muito tempo, o indivíduo se identificou gragas á referéncia dos demais ser penetrado
e á manifestagáo de seu vínculo com outro (familia, juramento de fidelidade, protegáo); reflexo mimét
depois se identificou mediante o discurso verdadeiro que era capaz de formular. A con- se o `reconhec
fissáo da verdade se inscreveu no coragáo dos procedimentos de individuagáo por parte a constelagáo
do poder [...] uma `história política da verdade' deveria dar a volta mostrando que a ver- mediata da sír
dade náo é livre por natureza, nem serva do erro, que sua produgáo está toda, inteira, na terminolog
atravessada por relagóes de poder" (Foucault, 1977: 74, 76). ga do existent
2. Ver cap. 3, supra. dade da lingul
3. Pode-se tratar da filosofia (a metafísica, inclusive a ontoteologia) sem deixar que só o existente
se imponha, com esta pretensáo de unidade, a totalidade inatacável e imperial de uma metafísica. Fir
ordem? [...] Poderemos, pois, chamar de diferenla essa discórdia `ativa', em movimento, sucessores, os
de forgas diferentes e de diferenga de forgas que Nietzsche opóe a todo o sistema da gra- coletivo do qu
mática metafísica em todas as partes em que dominam a cultura, a filosofia e a ciéncia" 9. Com o
(Derrida: 23, 53). lismo decisóril
4. "É a presenta de uma pluralidade de ser-aí que impede que se pense a integraláo tato de urna tr
hermenéutica do horizonte da presenta como urna Aufhebung dialética. A resisténcia do tos das massas
outro á integragáo [...] náo é um acidente histórico [...e sim] a condigáo natural de que ficagáo deixa
parte toda interpretagáo" (Vattimo, 1998: 144). (Guattari, 198
5. A distribuigáo ecológica designa as assimetrias ou desigualdades sociais, espaciais, 10. A crít
temporais, no uso que os seres humanos fazem dos recursos e servigos ambientais, cagáo da ecolc
comercializados ou nao, quer dizer, a diminuigáo dos recursos naturais (incluindo a gia com a poli
perda de biodiversidade) e as cargas de contaminagáo (Martínez-Alier, 1997). cista; urna idee
6. Nos trés regimes de natureza que Escobar analisa, o substrato "natural" é orgáni- municáveis, er
co, ecossistémico, biodiverso. A diferenga está na ordem náo natural que o significa e o mo jurídico el
invade, que o "hibrida". As naturezas "orgánicas" se caracterizam por estarem significa- vindicagáo do
das pelo cultural; sua especificidade repousa menos em serem "orgánicas" do que pelo res da res pub)
fato de estarem organizadas culturalmente. A biodiversidade náo é apenas um ente natu- da argumentas
ral ecossistémico gerado pela evolugáo biológica, mas um ente hí b rido de natureza e cul- política da dift
tura, produto da coevolugáo da natureza pelas diferentes formas de significagáo cultural. gra ao mercad,
Sáo naturezas cultivadas, culturalizadas. O regime de naturezas capitalizadas se caracte- Tais suspeitas
riza por estar codificado pelas formas de dominagáo das ciéncias e circunscrito aos pro- ga a urna ética
cessos de valorizagáo do mercado e do capital. O regime da tecnonatureza — ao que nicativa (ver c
Escobar atribui urna autonomia relativa e um caráter criativo e estratégico na produgáo 11. Nesse
de "alteridade" e novidade embora abra possibilidades diferenciáveis dos processos genética, náo
de "hibridagáo" com a natureza "orgánica", náo tem autonomia, enquanto está forte- nificagáo náo
mente determinado pelo processo de racionalizagáo do capital, como no caso da biotec- cena da preser
nologia. Em todo caso, a conjungáo das "naturezas orgánico-culturais" e a "tecnonature- passado e deb
za", enquanto se desprende de sua "naturalidade" e sai dos regimes de racionalizagáo constituindo o
económica, tecnológica, ecológica e cultural que as contém, contribui para a construgáo quer dizer, nei
de regimes de racionalidade ambiental. sário que o sei
7. Ver cap. 2, supra. podemos char

340
RACIONALIDADE AMBIENTAL

8. Horkheimer e Adorno (1969: 41, 214, 37-38) haviam observado o paradoxo de


que "nao há ser no mundo que náo possa ser penetrado pela ciéncia, mas aquilo que pode
lemais ser penetrado com a ciéncia náo é o ser [...] com esta operagáo se cumpre a passagem do
:egáo); reflexo mimético á reflexo controlada. No lugar da adequagáo física á natureza coloca-
A con- se o `reconhecimento por meio do conceito', a assungáo do diverso sob o idéntico. Mas
r parte a constelagáo dentro da qual se instaura a identidade (a imediata da mimese como a
a ver- mediata da síntese, a adequagáo da coisa no cego ato vital ou a comparagáo do reificado
nte ira, na terminologia científica) é sempre a do terror. A apologia metafísica delatava a injusti-
¡a do existente, pelo menos na incongruéncia do conceito e a realidade. Na imparciali-
dade da linguagem científica, a impoténcia perdeu por completo a forga de expressáo, e
:ar que só o existente acha ali seu signo neutral. Esta neutralidade é mais metafísica do que a
le urna metafísica. Finalmente, o Iluminismo devorou náo apenas os símbolos, mas também seus
mento, sucessores, os conceitos universais, e da metafísica náo deixou mais do que o medo ao
da gra- coletivo do qual este nasceu".
iéncia" 9. Com o conceito de rizoma, Guattari fez um "questionamento radical do centra-
lismo decisório que póe em arao indivíduos serializados" e propón "a colocagáo em con-
gragáo tato de urna multiplicidade de desejos moleculares [...] a convergéncia dos desejos e afe-
icia do tos das massas e náo seu reagrupamento em torno de objetivos estandardizados [...] a uni-
de que ficagáo deixa de ser antagónica á multiplicidade e heterogeneidade dos desejos"
(Guattari, 1989: 87).
)aciais, 10. A crítica náo se fez por esperar entre aqueles que véem com suspeita a reivindi-
entais, cagáo da ecologia profunda a um direito á diferenga na qual créem encontrar urna analo-
indo a gia com a política nazista do Blut und Boden; um discurso assimilável pela ideologia fas-
cista; urna idealizagáo de um comunitarismo de comunidades ilhadas, autárquicas e inco-
argáni- municáveis, encerradas em seus territórios e identidades comuns; um temor ao relativis-
ica e o mo jurídico e a uma moral fora de toda norma, á autogestáo e ás autonomias locais; á rei-
jnifica- vindicagáo do dissenso, que romperia a harmonia da convivéncia democrática, "os valo-
re pelo res da res publica em cujo seio só é possível construir livremente, através da discussáo e
natu- da argumentagá'o, o consenso da lei e o interesse geral"; enfim, aqueles que náo véem na
I e cul- política da diferenga senáo um "individualismo democrático" no qual "a ecologia se inte-
iltural. gra ao mercado e se adapta naturalmente ás exigéncias dos consumidores" (Ferry, 1992).
aracte- Tais suspeitas se dissipam guando a política da diferenga se afasta da superfície e se arrai-
)s pro- ga a urna ética da outridade que transcende o conservacionismo da racionalidade comu-
ro que nicativa (ver cap. 7, infra).
iduláo 11. Nesse sentido, Derrida afirmou que "a diferenga [...] náo é mais estática que
icessos genética, náo é mais estrutural que histórica [...] é o que faz com que o movimento da sig-
forte- nificagáo náo seja possível mais que se cada elemento chamado 'presente', que entra em
)iotec- cena da presenta, se relaciona com outra coisa, guardando em si a marca do elemento
sature- passado e deixando-se já fundir pela marca de sua relagáo com o elemento futuro [...]
izagáo constituindo o que se chama de presente por esta mesma relagáo com o que náo é ele [...]
trugáo quer dizer, nem sequer um passado ou um futuro como presentes modificados. É neces-
sario que o separe um intervalo do que náo é ele para que seja ele mesmo [...] é o que
podernos chamar de espagamento, devir-espago do tempo ou devir-tempo do esparto

341
ENRIQUE LEFF

(temporalizagáo) síntese `originária' e irredutivelmente náo-simples [...] náo originária, 18.Para


de marcas, de rastros, de retengóes e de protensóes" (Derrida, 1989: 48). da proibigáo
12. Eric Hobsbawm (1966) fazia notar assim que os conceitos de "identidade cole- manter seu de
tiva", "grupos de identidade", "política da identidade" e "etnicidade" só comegaram a anacronismo
ser usados no discurso político dos anos 1960. Heidegger havia publicado seu livro transgredi-la o
Identidade e diferenla em 1957. 19."0 ir
13. Essa postura antiessencialista emerge tanto de uma visáo fenomenológica como mas se funda :
da termodinámica dos processos afastados do equilíbrio (Prigogine, 1984, 1997) dessa instituigáo a q
complexidade ambiental na qual o ser-sendo destrói sua esséncia. Pois "a existencia náo trata-se de [...
é um dom de direito, urna `vantagem adquirida'; é urna produgáo contingente constante- porto que o p
mente questionada, é urna ruptura do equilibrio, é uma fuga para a frente que se instala é o moviment
em um modo defensivo ou sob um regime de proliferagáo, em resposta a todos estes na exogamia,
cracks, gaps, ruptures..." (Guattari, 1989: 109). Mas, se a identidade e a existencia ultra- tanta forga —
passam o molde rígido de uma esséncia imutável, náo se desprenden de um passado a oposto a um il
partir do qual projetam um futuro. A memória do vivido e a marca do "sido" encarnam náo foi design
na existencia, náo apenas na carne viva da recordagáo dos holocaustos e genocídios sofri- ao menos no
dos pelos poyos, mas em marcas mais sutis e enigmáticas que manifestam no ser aqui- - nhou o valor s
agora o que foi ali entdo e se projetam em diregáo ao que será ld depois, sem que isso
- - - - to [...] Mas est
suba á superfície visível da realidade empírica. Se Prigogine reinstala o sentido do tempo ser regulada al
na matéria — em uma "agencia" das coisas que as incita a desenvolver-se —, o conceito sar o erotismo
de agenciamento que Guattari propóe inscreve a subjetividade humana na transformagáo cobrou um seo
do mundo e de seus mundos de vida. Agenciarnento é a mobilizagáo do que está em repartigáo das
poténcia no real a partir das motivagóes e desejos do sujeito e ao mesmo tempo apropria- mulheres-forgi
gáo desse mundo em transformagáo. No agenciamento do mundo, as identidades se ter- 20. "A ap
ritorializam — se desterritorializam e se reterritorializam; tornam-se corpo e se enraízam dessa complett
na terra. É o devir do Ser-Saber. vezes também
14.Ver cap. 2, supra. góes políticas c
15. Michel Foucault denunciou con rigor as estratégias de poder do conhecimento dutora, apropi
que levararn na história a colonizar, dominar e subjugar aos saberes "outros". A filosofia, seqüéncia, é t:
a sociologia e a pedagogia latino-americanas legaram um rico património de pensamen- "freudo-marxi.
to crítico. Um resumo recente de alguns aportes significativos do pensamento social a mulher se af:
latino-americano no século XX pode ser consultado em Marini, dos Santos e López económica, ma
Segrera (1999). Acerca das novas abordagens sobre a colonialidade dos saberes e das teoria psicanal:
ciencias sociais, ver Mignolo (2000) e Lander (2000). se da racional
16. Pois como afirmou Lacan (1974-5), do enunciado de Aristóteles "todos os (Deleuze e Gu:
homens sáo mortais" se desprende um sentido que só se acomodou na consciéncia guan- 21. Um ca
do a peste se propagou por Tebas, convertendo-a em algo "imaginável" e náo apenas de crito na concel
tuna forma simbólica, urna vez que toda a sociedade se sentiu implicada pela ameaga de definir a palay:
uma morte real. qm. do fundamenta
17. "Esse sentimento elementar náo é a consciéncia de si. A consciencia de si é con- provoca o olha
secutiva á consciencia dos objetos, que só se dá distintamente na humanidade. Mas o sen- tagáo por urna
timento de si varia necessariamente na medida em que quem o experimenta fica ilhado con as quais a
em sua descontinuidade" (Bataille, 1997:105). separar o bom

342
RACIONALIDADE AMBIENTAL

iginária, 18. Para Moscovici, o domínio dos homens tem se escorado no uso que deram á lei
da proibig'áo do incesto, aferrando-se nela como urna lei simbólica transistórica para
de cole- manter seu domínio da ordem estabelecida. Mas, se for assim, seria necessário mostrar o
garam a anacronismo da lei de proibigáo do incesto nas sociedades modernas, a possibilidade de
eu livro transgredi-la e de transcender á culpa por sua transgressáo.
19. "0 intercambio [...] o dom das mulheres póe em jogo os interesses de quem dá,
:a como mas se funda na generosidade. Isto responde ao duplo aspecto do 'clom-intercámbio', da
7) dessa mstituigáo a que se deu o nome de potlach [...] a superagáo e a culminagáo do cálculo [...]
ocia náo trata-se de [...] urna espécie de revolugá'o interna cuja intensidade deve ter sido grande,
nstante- posto que o pavor embargava os espíritos somente em pensar no descumprimento. Este
e instala é o movimento que provavelmente está na origem do potlach das mulheres, quer dizer,
estes na exogamia, do dom paradoxal do objeto da cobiga. Por que teriam se imposto com
la ultra- tanta forga — e em todas as partes — urna sangáo, a da proibigao, se náo houvesse se
tssado a oposto a um impulso difícil de vencer, como é o da atividade genésica? Reciprocamente,
icarnam náo foi designado á cobiga o objeto da proibigáo pelo mero fato da proibigáo? Nao o foi
os sofri- ao menos no princípio? O fato de a proibigáo ser de natureza sexual parece que subli-
er-aqui- nhou o valor sexual de seu objeto. Ou melhor, deu um valor erótico a determinado obje-
que isso to [...] Mas esta evolugáo contraditória estava dada de antemáo. A vida erótica náo póde
tempo ser regulada além de um certo tempo. Ao final, as regras tiveram como resultado expul-
:onceito sar o erotismo fora das regras. Urna vez dissociado o erotismo do matrimónio, este
>rmagáo cobrou um sentido diante de tudo o que fosse material [...] as regras que apontavam a
está em repartigáo das mulheres-objeto de cobiga foram as que asseguraram a repartigáo das
)ropria- mulheres-forga de trabalho" (Bataille, 1997: 218-9).
s se ter- 20. "A apropriagáo do poder, a ocupagan do lugar do falo, a assungáo imaginária
nraízam dessa completude que náo possui, traz como conseqüéncia a anulagáo das mulheres, e ás
vezes também a psicose do filho [...] Nesse campo assim deslindado, onde as reivindica-
góes políticas das mulheres encontram sua legitimidade [...] Dada sua condigáo de repro-
:imento dutora, apropriar-se da mulheres é apropriar-se da produtora de produtores e, em con-
losofia, seqüéncia, é também a primeira expropriagáo" (Saal, 1998: 38). A partir dessa visco
isamen- "freudo-marxista" o feminismo encontraria urna via de emancipagáo na medida em que
) social a mulher se afasta da fungáo reprodutora e se libera desse lugar atribuído pela estrutura
López económica, mas também na medida em que consegue desconstruir o lugar designado pela
s e das teoria psicanalítica ao complexo de Édipo e á lei de proibigáo do incesto, dessujeitando-
se da racionalidade económica e da racionalizagáo das formagóes do inconsciente
► dosos (Deleuze e Guattari, 1985).
a quan- 21. Um caminho para compreender o feminino na ordem do poder talvez esteja ins-
enas de crito na concepgáo de justita proveniente da Biblia (Velho Testamento) que assinala, ao
eaga de definir a palavra sanedrín, como o significante por antonomásia da justita em seu senti-
do fundamental de responsabilidade em relagáo ao outro, em um espago semicircular que
é con- provoca o olhar frente a frente com um vaso de flores onde a justita é' separada da ten-
; o sen- tagáo por urna coroa de flores, e náo pelas muralhas, fronteiras, fortificagóes e cárceres
ilhado com as quais a ordem jurídica e judicial pretenden, em nossas sociedades ocidentais,
separar o bom do mau (Levinas, 1996).

343
CAPÍTULO 7 Racionalidade ambiental, outridade e
diálogo de saberes
INTROD U q.A- O

A crise ambiental é o sintoma — a marca no ser, no saber, na terra — do


limite da racionalidade baseada em uma crenga insustentável: a do entendi-
mento e da construgáo do mundo levado pela idéia de totalidade, universa-
lidade e objetividade do conhecimento que conduziu á coisificagáo e econo-
micizagáo do mundo. O ecologismo é a última tentativa de recuperar a uni-
dade desse mundo alquebrado, fundado nesse mito de origem ancorado na
metafísica, que, com a disjungáo entre o ser e o ente, inicia a odisséia do
mundo ocidental, aventura civilizatória que chega ao seu limite com a crise
ambiental: crise da natureza como degradagáo do ambiente, mas, sobretudo,
crise do conhecimento, que só é possível transcender rompendo o cerco da
mesmidade do conhecimento e sua identidade com o real baseado no imagi-
nário da representagáo, abrindo-se ao infinito a partir de um diálogo de
saberes no reencontro do Ser com a Outridade.
A partir dos anos 1960, a interdisciplinaridade e as teorias de sistemas
apareceram como novas metodologias para articular um conhecimento fra-
donado do mundo (Apostel, 1975; Leff, 1986b). Ao mesmo tempo, vai se
configurando um discurso em torno do desenvolvimento sustentável, o qual
procura atualizar e unificar as visóes do mundo deslocadas pela crise do
desenvolvimento e o limite do crescimento económico. Na perspectiva da
sustentabilidade, ressurge a idéia de futuro — de um futuro sustentável —
no campo da história, de um processo de transformagáo social orientado
por urna ética de solidariedade transgeracional. O discurso do desenvolvi-
mento sustentável deu, assim, alguns princípios que deveriam orientar as
agóes para alcangar os fins da sustentabilidade. Assim, chega-se a formular a
idéia de um "futuro comum" como o "saber de fundo" no qual se inscrevem
os Princípios do Rio, a Carta da Terra, a Agenda 21 e o mais recente Plano

347
ENRIQUE LEFF

de Implementagáo de Johannesburgo. Os documentos nos quais se molda


rentes (<
este ideário — com os problemas a resolver, mecanismos a estabelecer e fins
preensá
a alcangar — conformam urna agenda programática de agóes a empreender,
de políticas a desenvolver, de comportamentos a modificar. Mas esses prin-
tabilidac
cípios náo chegam a constituir urna ética, urna deontologia, urna racionali-
b) A
dade prática ou uma rota crítica para alcangar fins de sustentabilidade.
conflitiv
A sustentabilidade como marca de um limite da racionalidade que orga-
ta sobre
niza o planeta-mundo e os mundos de vida na era da globalizagáo é o hori-
cimento
zonte que permite transcender o fim da história e reabrir o caso do estado
sustentá
final do mundo que, partindo da denominagáo do real, chega ao congela-
c) A
mento de seus significados; náo tanto por um esgotamento da significagáo
conhecir
da linguagem, mas pela codificagáo do mundo sob o signo onipresente, oni-
potente e ominoso da lei económica. A "logística" do desenvolvimento sus-
do a por
tentável vem sendo aplicada como urna ars combinatoria, numa tentativa de
com o0
reintegrar as partes dissociadas e fragmentadas do corpo social, sem um fun-
damento teórico sobre as raízes ontológicas, epistemológicas e éticas dessa
Essel
crise da humanidade. A construgáo de um futuro sustentável implica pensar
guagem •
a abertura da história, o desprendimento da ordem coisificadora e hipereco-
que leva]
nomicizadora do mundo. Aponta para a criatividade humana, a mudanga
percepgá
social e a construgáo de alternativas. É isso o que leva a racionalidade
Para isso
ambiental a pensar na abertura do mesmo até o outro. res e de r
Na profundidade das transformagóes e do reordenamento do mundo
sob a égide da globalizagáo económico-ecológica, está sendo forjado o
a) O
campo de urna ecologia política, onde vém á tona os conflitos em torno da
forma de
apropriagáo social da natureza. Tais processos se expressam em formagóes
relagáo a
discursivas que ressignificam a natureza e confrontam as políticas dominan- social qu(
tes do desenvolvimento sustentado/sustentável. A disputa em torno dos sen-
b) O
tidos da sustentabilidade no campo da ecologia política problematiza os relagáo é
princípios éticos, epistemológicos e ontológicos, atraindo-os de seu campo gia, na cc
originário da metafísica e da filosofia ao do conflito de interesses em torno
da apropriagáo social da natureza. Nesse sentido, abrem-se novas perspecti- Tais
vas de indagagáo sobre os processos sociais que orientam a construgáo de e nos levr
um futuro sustentável. trugáo de
próprio c
a) A superagáo da interdisciplinaridade como urna combinatória e inte- gáo entre
gragáo das perspectivas provenientes das disciplinas existentes e seus refe-
mento de

348
RACIONALIDADE AMBIENTAL

molda rentes (coisificados) do mundo, em diregáo a um diálogo de saberes. A com-


e fins preensáo e a intervengáo social sobre a natureza ultrapassam o campo privi-
e nder, legiado das ciéncias e da racionalidade dominante e levam a pensar a susten-
s prin- tabilidade a partir do encontro de seres constituídos por saberes.
ionali- b) A construgáo de urna racionalidade ambiental dentro de um campo
conflitivo de interesses e concepgóes diversos, que póe em jogo uma dispu-
orga- ta sobre os sentidos da sustentabilidade, problematizando o lugar do conhe-
hori- cimento, da racionalidade, do saber e da ética na construgáo de um futuro
estado sustentável.
∎ngela- c) A construgáo de sociedades sustentáveis transcendendo a relagáo de
lcagáo conhecimento com a objetividade de urna realidade produzida por efeito da
e, oni- globalizagáo e da unificagáo das formas de compreensáo do mundo, abrin-
to sus- do a porta da história a partir da diversidade cultural e a relagáo ética do Ser
tiva de com o Outro.
m fun-
dessa Esses temas póem em relevo o problema da relagáo social através da lin-
pensar guagem e da fala, da comunicagáo intersubjetiva e da relagáo de outridade,
lereco- que levam a questionar e a desconstruir os preconceitos que fundam nossa
idanga percepgáo do mundo desde as entranhas de sua racionalidade dominante.
lidade Para isso haveremos de explorar dual vias para abordar o encontro de sabe-
res e de racionalidades na construgáo do desenvolvimento sustentável:
nundo
jado o a) O conceito de racionalidade comunicativa de Jurgen Habermas, como
rno da forma de entendimento dos processos atuais de racionalizagáo social, em
nagóes relagáo a sua possibilidade de conduzir para a construgáo de um consenso
ninan- social que oriente a agáo social para alcangar um futuro comum sustentável.
Ds sen- b) O conceito de outridade de Emmanuel Levinas, que introduz urna
tiza os relagáo ética, anterior e mais além de toda ontologia e de toda epistemolo-
zampo gia, na construgáo de um porvir sustentável.
torno
specti- Tais vias seráo contrastadas com o conceito de racionalidade ambiental
iáo de e nos levaráo a desenvolver os princípios de um diálogo de saberes na cons-
trugáo de sociedades sustentáveis. Essa indagagáo haverá de problematizar o
próprio conceito do saber (ambiental) para pensar as relagóes de constitui-
e finte- gáo entre o ser e o saber que permitam transcender as relagóes de conheci-
s refe- mento do mundo entre sujeito cognoscente e realidade objetiva; dos limites

349
ENRIQUE LEFF

do cognoscível e a abertura para o Outro e o Infinito a partir de urna pers- A filos(


pectiva ética. A racionalidade ambiental emergirá corno o conceito de urna históril
razáo razoável que transcende a racionalidade sujeita á positividade de um o pensl
presente sem futuro, de uma utilidade sem valores, de um mundo objetiva- autarqi
do sem referentes nem sentidos. análise
O diálogo de saberes é a tensáo dialética do vazio de sentido, do que ontolól
falta dizer guando se colocam em tensáo duas sentengas, duas propostas, dade et
duas argumentagóes, de onde emerge a poténcia da razáo, da palavra, da reconst
fala e do inefável no encontro com a outridade, além da razáo teórica e da co, náo
ontologia do ser. No bojo desse texto, a produgáo teórica que haverá de
produzir-se ao constratar-se pensamentos e teorias é a posta em ato (de Haberr
escritura) de um diálogo no qual a relagáo de outridade dos saberes convo- da retotalií
cados se produz num texto a texto (letra a letra), mais aquém do encontro sistémico e
cara a cara dos atores sociais, os quais, a partir de suas razóes, significagóes saber totali
e práticas, apostam em um futuro sustentável. vantes e de
dental, trar
que sustent
linguagem
HABERMAS E A RACIONALIDADE COMUNICATIVA Habermas

Jurgen Habermas se inscreve na tradigáo do pensamento crítico alemáo que, Introdu


de Marx e Weber a Horkheimer e Adorno, questiona o saber totalizante que normat
se desprende da dialética do Iluminismo e da racionalidade teórica e instru- retoma(
mental como fundamento do pensamento da modernidade. Sem abandonar de racic
tal conceito de racionalidade, procura atualizá-lo e adequá-lo ao caráter da conceit(
sociedade que esta mesma racionalidade gerou. Dessa maneira, postula que gem, qL
"A teoria da agáo comunicativa pode explicar [o fato de que] é a própria
evolugáo social que tem que gerar os problemas que objetivamente abram Com si
aos contemporáneos um acesso privilegiado ás estruturas gerais de seu como a ra2
mundo de vida (1990: 572)." como estab
Nessa perspectiva, declara: "O propósito deste esbogo argumentativo é cotidiana. /1
mostrar que necessitamos de urna teoria da agáo comunicativa se quisermos
abordar boje, de forma adequada, a problemática da racionalizagáo social de fala. Ba:
(1989: 23)." razoável pz
Habermas recusa a totalizagáo do conhecimento e de urna consciéncia expressa ati
genérica. Dessa maneira, assinala que lidade que

350
RACIONALIDADE AMBIENTAL

pers- A filosofia náo pode referir-se hoje ao conjunto do mundo, da natureza, da


urna história e da sociedade, no sentido de um saber totalizante [...] O fato é que
um o pensamento, ao abandonar sua referéncia á totalidade, perde também sua
tiva- autarquia. Pois o objetivo que agora esse pensamento se propóe de urna
análise das condigóes de racionalidade náo permite abrigar nem esperangas
que ontológicas de conseguir teorias substantivas da natureza, a história, a socie-
istas, dade etc., nem as esperangas que abrigou a filosofia transcendental de urna
1, da reconstituigáo apriorística da dotagá'o transcendental de um sujeito genéri-
e da co, náo empírico, de urna consciéncia em geral (ibid: 16 7).
-

á de
1 (de Habermas procura situar a racionalidade do momento atual mais além
nvo- da retotalizagáo do conhecimento pela via da razáo teórica, o pensamento
ntro sistémico e a interdisciplinaridade das ciéncias. No entanto, essa crítica do
góes saber totalizante, da essencialidade ontológica que sustenta as teorias objeti-
vantes e de urna consciéncia geral fundada na idéia de um sujeito transcen-
dental, transfere a supremacia do conceito científico e a categoria filosófica
que sustenta a racionalidade teórica e instrumental a urna razáo imanente á
linguagem como suporte da sua racionalidade comunicativa. Nesse sentido,
Habermas procura

que, Introduzir urna teoria da agáo comunicativa que dé razáo dos fundamentos
que normativos de urna teoria crítica da sociedade [...] dentro da qual pode ser
itru- retomado aquele projeto de estudos interdisciplinares sobre o tipo seletivo
)nar de racionalizagáo que representa a modernizagáo capitalista [a partir] do
r da conceito de razáo comunicativa, de uma razáo imanente ao uso da lingua-
que gem, guando este uso se enderega ao entendimento (1990: 563).
pria
ram Com sua teoria da agáo comunicativa, Habermas procura entender
seu como a razáo objetivamente cindida pode ainda manter uma unidade, e
como estabelecer urna mediagáo entre as culturas de especialistas e a prática
ro é cotidiana. Ante a recusa de um saber totalizador, a racionalidade comunica-
nos tiva enfrenta o desafio de tornar inteligível a dispersáo de enunciados e atos
cial de fala. Baseado em urna teoria da argumentagáo, procura urna fórmula
razoável para alcangar consensos por meio de urna comunicagáo que se
icia expressa através da linguagem racional, superando as sombras de irraciona-
lidade que reflete o fracasso do Iluminismo ante a impossível transparéncia

351
ENRIQUE LEFF

do mundo. Seguindo a tradigáo filosófica do idealismo, do racionalismo e da aquele


fenomenologia, Habermas continua adepto de urna corte de razáo a priori de um
— unitária, universal, genérica — imanente á linguagem, capaz de gerar mas de
consensos entre racionalidades e mundos de vida diferentes. Nessa perspec- express
tiva, afirma que revela t
tico da
o mundo só exige objetividade pelo fato de ser reconhecido e considerado prática
como uno e o próprio mundo por urna comunidade de sujeitos capazes de manife:
linguagem e de agáo. O conceito abstrato do mundo é condigáo necessária vincula
para que os sujeitos que atuam comunicativamente possam entender-se
entre si sobre o que acontece no mundo ou o que se há de produzir no Dessa
mundo. Com esta prática comunicativa se asseguram, por sua vez, do con- responder
texto comum de suas vidas, do mundo da vida que intersubjetivamente crítica. Ne
compartilham. Este vem delimitado pela totalidade das interpretagóes que veis e as n
sáo pressupostas pelos participantes como um saber de fundo. Para poder que possar
aclarar o conceito de racionalidade, o fenomenologista tem que estudar, tural e mol
pois, as condigóes que seráo necessárias para que se possa alcangar comuni-
cativamente o consenso (1989: 30 - 1). as agóe
festagó
Está muito afastada deste mundo ideal de urna intersubjetividade basea- tativos
da em um "saber de fundo" a visáo de urna racionalidade ambiental confor- um mu
mada por matrizes de racionalidade que náo unificam suas visóes, cognigóes consen
e interpretagóes em nenhuma totalidade, e cujos consensos náo dissolvem as validez
diferengas que alimentam a produtividade do diálogo dos saberes que nelas
se inscrevem. Em todo caso, o saber de fundo que estabelece as condigóes de
Nesse
consenso náo apenas é derivado de urna racionalidade instrumental ou de
gamentos
urna verdade preestabelecida. Pois, corno afirma Habermas,
tativa soba
a racionalidade das pessoas náo apenas se manifesta em sua capacidade para áquele no
chegar a um acordo sobre fatos ou para atuar com eficiéncia [...] é evidente ser suscetí\
que, existem outros tipos de emissóes e manifestagóes que, embora náo
estejam vinculadas a pretensóes de verdade ou de eficiéncia, nem por isso uma m
deixam de contar com o respaldo de boas razóes. encarm
tivo, isi
Habermas incorpora á ordem do racional toda agáo que, fundando-se (ibid.:
em valores, seja passível de argumentagáo racional e suscetível a crítica.
Nesse sentido, é racional

352
RACIONALIDADE AMBIENTAL

e da aquele que segue urna norma vigente e é capaz de justificar sua agáo diante
riori de um crítico, interpretando urna dada situagáo á luz de expectativas legíti-
erar mas de comportamento. E inclusive chamamos de racional aquele que
pec- expressa verazmente um desejo, um sentimento, um estado de ánimo, que
revela um segredo, que confessa um feito etc., e que depois convence um crí-
tico da autenticidade da vivéncia assim desvelada, tirando as conseqüéncias
rado práticas e comportando-se de forma coerente com o dito [incluindo as]
s de manifestagóes carregadas de sentido inteligíveis em seu contexto, que estáo
;ária vinculadas a urna pretensáo de validez suscetível de crítica (ibid, 1989: 34).
:r-se
r no Dessa maneira, urna agáo náo é racional somente por ser objetiva e cor-
:on- responder a "fatos", mas por ser argumentável racionalmente e suscetível de
?lite crítica. Nesse sentido, a racionalidade comunicativa exclui as razóes inefá-
que veis e as motivagóes irracionais, considerando válidas táo-só as expressóes
)der que possam estabelecer urna intersubjetividade fundada em um código cul-
dar, tural e modelos de valor compartilhado, de modo que
uni-
as agóes reguladas por normas, as auto-apresentagóes expressivas e as mani-
festagóes e consideragóes valorativas vém completar os atos de fala consta-
sea-
tativos para configurar urna prática comunicativa que sobre o transfundo de
for-
um mundo de vida tende á consecugáo, manutengáo e renovagáo de um
óes
consenso que repousa no reconhecimento intersubjetivo de pretensóes de
n as
validez suscetíveis de crítica (ibid.: 36).
elas
3 de
Nesse sentido, os valores sáo válidos na medida em que remetam a jul-
. de
gamentos objetivos que se expressam através de urna capacidade argumen-
tativa sobre um saber de fundo, delimitando o campo da racionalidade
►ara iquele no qual um fato ou um valor possa fundamentar-se objetivamente e
:nte ser suscetível de crítica. Nesse sentido, considera que
náo
isso uma manifestagáo cumpre os pressupostos da racionalidade se e apenas se
encarna um saber falível, guardando, assim, urna relagáo com o mundo obje-
tivo, isto é, com os fatos, e resultando acessível a um ajuizamento objetivo
►-se (ibid.: 26).
ca.
111^

353
ENRIQUE LEFF

Habermas parte da Seguind


mento do n
versáo cognitiva no sentido estrito do conceito de racionalidade, que está de cognoscil
definido, exclusivamente, pela referéncia á utilizagáo de um saber descriti- comunicativ
yo [...] da utilizagáo náo comunicativa de um saber propositivo em agóes
teleológicas [que nasce] do conceito de racionalidade cognitivo-instrumental essa fati
que, através do empirismo, deixou uma profunda marca na autocompreen- sujeito-c
sáo da modernidade. Esse conceito tem a conotagáo de urna auto-afir- nal dess,
magáo com éxito no mundo objetivo possibilitada pela capacidade de mani- abandon
pular informadamente e de adaptar-se inteligentemente ás condigóes de um forma n1
entorno contingente. [A esta versáo cognoscitiva Habermas acrescenta] a paradign
utilizagáo comunicativa do saber propositivo em atos de fala [incorporan- yo ou cc
do] um conceito de racionalidade mais amplo que se enlata com a velha conceito
idéia de logos. Este conceito de racionalidade comunicativa tem conotagóes mudangz
que em última instáncia remontam á experiéncia central da capacidade de á agáo cc
unificar sem coagóes e de gerar consenso que tem urna fala argumentativa, tativa de
em que diversos participantes superam a subjetividade inicial de seus res- lizagáo d
pectivos pontos de vista e, gratas a urna comunidade de convicgóes racio- cado já n
nalmente motivadas, se asseguram por sua vez da unidade do mundo objetivo dos em si
e da intersubjetividade do contexto em que as atividades sáo desenvolvidas foco da
(ibid.: 27). trumenta

A racionalidade comunicativa se inscreve assim numa concepgáo do Haberrn


mundo objetivo e de urna intersubjetividade ancorada em um eu dono de IIl do no imagii
sua linguagem e de sua razáo. No entanto, a capacidade argumentativa náo do mundo. I
remete nem á verdade nem á justita. Habermas náo consegue desprender-se filosofia da I
da idéia de racionalidade que organiza e limita o entendimento do mundo aos processo
moderno. Dessa maneira, concebe a psicanálise como urna terapéutica basca- pacto social
da na argumentagáo, em que no "processo de auto-reflexáo as razóes desem- racionalidad
penham seu papel; Freud estudou um tipo de argumentagáo correspondente
para o caso do diálogo entre o médico e o paciente". Os sonhos, os desenhos, A diferer
as utopias, a denegagáo e a resisténcia do siléncio — tudo o que estaria estru- precisa d.
turado pela linguagem do desejo inconsciente — estariam fora da esfera da do aqui r
racionalidade comunicativa, pois o racional seria exclusivamente de "urna participa(
pessoa que se mostra disposta ao entendimento e que, ante as perturbagóes lugar a ul
da comunicagáo, reage refletindo sobre as regras lingüísticas" (ibid.: 42). que coor(

354
RACIONALIDADE AMBIENTAL

Seguindo Horkheimer e Adorno, Habermas procura superar o entendi-


mento do mundo a partir do princípio de representagáo e da racionalida-
e está de cognoscitivo-instrumental para elaborar o conceito de urna racionalidade
.scriti- comunicativa fundado numa filosofia da linguagem em que
agóes
nental essa faculdade mimética [que] escapa da conceitualizagáo das relagóes
preen- sujeito-objeto em termos cognitivo-instrumentais [em que] o núcleo racio-
)-afir- nal dessas operagóes miméticas só poderia ficar a descoberto guando se
mani- abandona o paradigma de um sujeito que se representa os objetos e que se
de um forma no enfrentamento com eles por meio da agáo, e é substituído pelo
:nta] a paradigma da filosofia da linguagem, [em que] o entendimento intersubjeti-
poran- vo ou comunicagáo, e o aspecto cognitivo-instrumental fica inserido no
L vel ha conceito, mais amplo, de racionalidade comunicativa. [Isso implica] urna
Itagóes mudanga de paradigma em uma teoria da agáo: mudar da agáo teleológica
ade de á agáo comunicativa; e, por outro lado, uma mudanga de estratégia na ten-
nativa, tativa de reconstruir o conceito moderno de racionalidade que a descentra-
us res- lizagáo da compreensáo do mundo torna possível. O fenómeno a ser expli-
, racio- cado já náo é o conhecimento e a sujekdo de urna natureza objetivada toma-
bjetivo dos em si mesmos, mas a intersubjetividade do entendimento possível [...] O
Dividas foco da investigagáo se desloca, entáo, da racionalidade cognitivo-ins-
trumental para a racionalidade comunicativa (Habermas, 1989: 497, 499).

:áo do Habermas deixa para trás o paradigma do conhecimento do real funda-


>no de do no imaginário da representagáo para aproximar-se de um entendimento
va náo do mundo. Dessa maneira, procura passar da filosofia da consciéncia a urna
ider-se filosofia da linguagem, que daria novas bases á idéia iluminista da razáo e
nundo aos processos de racionalizagáo, no sentido de repensar as condigóes de um
basea- pacto social orientado por um entendimento do mundo e fundado em urna
lesem- racionalidade comunicativa:
xlente
enhos, A diferenga de "representagáo" ou de "conhecimento", "entendimento",
estru- precisa da condigáo de "náo coagido", já que este termo há de ser entendi-
era da do aqui no sentido de um conceito normativo. A partir da perspectiva dos
"urna participantes, "entendimento" náo significa um processo empírico que dá
Dagóes lugar a um consenso fático, mas um processo de recíproco convencimento,
2). que coordena as agóes dos diversos participantes á base de urna motivaqdo

355
ENRIQUE LEFF

por razóes [...] É precisamente isto o que nos autoriza a abrigar a esperanga que se
de obter, através da clarificagáo das propriedades formais da interagáo va e er
orientada para o entendimento, um conceito de racionalidade que expresse nio de
a relagáo que entre si guardam os momentos da razáo separados na moder- camen
nidade, seja rastreando-os nas esferas culturais do valor, nas formas diferen- que a
ciadas de argumentagáo ou na própria prática comunicativa cotidiana Assim,
(ibid.: 500). sujeito
conser
Entretanto, a razáo integradora e consensual que Habermas propóe própril
resulta de urna racionalizagáo do social estabelecido e do pensamento do indivíc
social pelo funcionamento da racionalidade imanente á agáo comunicativa, espécie
mais que de urna política da diferenga capaz de conciliar visóes e interesses
diversos mediante um diálogo de saberes. A racionalidade comunicativa O ent•
seria a que corresponderia á fungáo unificadora do social do estado demo- Habermas
cráticb da modernidade: tentável qt
além do di
Se partimos do fato de que a espécie humana se mantém através das ativida- abre-se par
des socialmente coordenadas de seus membros e de que esta coordenagáo náo se sub
tem que estabelecer-se por meio da comunicagáo, e nos ámbitos centrais estruturagá
por meio de urna comunicagáo tendente a um acordo, entáo a reprodugáo tentabilidai
da espécie exige, também, o cumprimento das condigóes da racionalidade espécie", a
imanente á agáo comunicativa. Estas condigóes se tornam acessíveis na cido e do "
modernidade — quer dizer, com a descentragáo da compreensáo do mundo No enti
e a diferenciagáo de distintos aspectos universais de validez [...] No proces- sáo as forn
so de autopreservagáo, ao ter agora que satisfazer ás condigóes de raciona- pela qual a
lidade da agáo comunicativa, passa a depender das operagóes interpretati- de urna raci
vas dos sujeitos que coordenam sua agáo através de pretensóes de validez gias de pod
suscetíveis de crítica. Daí que a característica da posigáo da consciencia sistémico e
moderna náo seja tanto a unidade de autopreservagáo e autoconsciéncia e muitas ve;
corno essa situagáo de que sáo expressáo da filosofia social burguesa e a filo- tentabilidad
sofia burguesa da história: que o plexo da vida social se reproduz através de resolugái
das agóes "racionais segundo fins" de seus membros, controlados por melos de urna raci
generalizados de comunicagáo, e, simultaneamente, através de urna vontade ro comum"
comum ancorada na prática comunicativa de todos os indivíduos [...] A partir
diferenga da razáo instrumental, a razáo comunicativa náo pode submeter- analisa as r
se sem resistencias a urna autopreservagáo cega. Refere-se náo a um sujeito entendimen

356
RACIONALIDADE AMBIENTAL

-anca que se preserva relacionando-se com objetos em sua atividade representati-


•agáo va e em sua agáo, náo a um sistema que mantém sua coeréncia ou patrimó-
resse
,
nio deslidando-se diante de um entorno, mas a um mundo de vida simboli-
Dder- camente estruturado que se constituí nas contribuigóes interpretativas dos
eren- que a ele pertencem e que só se reproduz através da agáo comunicativa.
liana Assim, a razáo comunicativa náo se limita a dar por certa a coeréncia de um
sujeíto ou de um sistema, mas participa na estruturagáo daquilo que se há de
conservar. A perspectiva utópica de conciliagáo e liberdade está baseada nas
opóe próprias condigóes da socialízagáo (Vergersellschaftung) comunicativa dos
:o do indivíduos, já está inserida no mecanismo lingüístico de reprodugáo da
espécie (ibid.: 506-7).
:esses
:ativa O entendimento do mundo que a racionalidade comunicativa de
emo- Habermas propóe ressoa nas estratégias discursivas do desenvolvimento sus-
tentável que procuram um consenso para a autopreservagáo do planeta,
além do ditame de um imperativo económico, ecológico ou tecnológico, e
ivida- abre-se para um diálogo de interpretagóes (simbolicamente estruturado) que
nagáo náo se submeteria ás razóes de forga maior do sistema, participando na
ntrais estruturagáo daquilo que deve ser preservado. Embora as condigóes da sus-
iugáo tentabilidade náo sejam as que emergem a partir de uma "consciencia de
idade espécie", a socializagáo comunicativa se dá com um fundo de saber estabele-
:is na cido e do "mecanismo lingüístico" de reprodugáo da espécie.
fundo No entanto, o que está em jogo na construgáo de um futuro sustentável
-oces- sáo as formas emergentes de significagáo do mundo e da natureza, razáo
:iona- pela qual a política de sustentabilidade náo leva a um consenso sobre a base
.etati- de urna racionalidade fundada na imanéncia da linguagem, mas das estraté-
didez gias de poder que promovem o saber de fundo da ecologia, do pensamento
éncia sistémico e da lógica do mercado, e de estratégias diferenciadas, divergentes
éncia e muitas vezes antagónicas de reapropriagáo do mundo e da natureza. A sus-
tentabilidade possível será a resultante dessas tensóes — e suas vias políticas
Taves de resolugáo mais que de urna solugáo pela via de um consenso através
neios de uma racionalidade comunicativa, que oriente a construgáo de um "futu-
ntade ro comum".
.]Á A partir dos pressupostos da racionalidade comunicativa, Habermas
ieter- analisa as relagóes ator-mundo como puros tipos de agáo orientada ao
ijeito entendimento e pensa que

357
ENRIQUE LEFF

inteligibilida
analisando os modos de uso da linguagem, pode-se esclarecer o que signifi-
do mundo d:
ca que um falante [...] entabule urna relagáo pragmática com: algo no
mundo objetivo (corno totalidade das entidades sobre as quais sáo possíveis
as novas
enunciados verdadeiros); com algo no mundo social (como totalidade das
truindo a
relagóes interpessoais legitimamente regulamentadas); com algo no mundo
Diante d
subjetivo (como totalidade de suas próprias vivéncias ás quais cada um tem
posigáo e
um acesso privilegiado e que o falante pode manifestar verazmente diante
como me
de um público), relagáo na qual os referentes do ato da fala aparecem ao
vida se n
falante como algo objetivo, como algo normativo ou corno algo subjetivo
intersubje
(Habermas, 1990: 171).
dem desd
mundo ol
Habermas define, assim, o saber como a experiéncia subjetiva que pode
transferir-se para o entendimento e ser tematizada:
A raciona
fenomenológ
Enquanto o assunto se converte em ingrediente de urna situagáo, pode ser
ser no mund
conhecido e ser problematizado como fato, corno conteúdo de uma norma,
diversidade c
como conteúdo de urna vivéncia. Antes de tornar-se relevante para urna
uma razáo u
situagáo, essa própria circunstancia só está dada no modo de urna auto-
mítico e as m
evidéncia do mundo da vida com a qual o afetado está familiarizado intuiti-
vamente sem contar com a possibilidade de urna problematizagáo. Nem
A prova d
sequer é algo "sabido", em sentido estrito, se o saber se caracteriza por
sáo mode
poder ser fundamentado e colocado em questáo. Só os limitados fragmen-
deria de c
tos do mundo da vida que caem dentro do horizonte de urna situagáo cons-
aclarassen
tituem um contexto de agáo orientada para o entendimento que pode ser
gem que r
tematizado e aparecer sob a categoria de saber (ibid.: 176).
prendido ]
A racionalidade comunicativa se constitui, assim, a partir do fundo de
O saber a
um saber, um saber que remete á consciéncia que se levanta acima da evidén-
tradicionais,
cia do mundo da vida para colocar á prova sua objetividade, para ser funda-
um pretenso
mentado e questionado, tematizado e problematizado. O saber sai de sua
razáo econórr
ínterioridade para entrar no ámbito da norma, da objetividade da relagáo
dimento da ri
intersubjetiva, afastado da relagáo ser-saber, dos saberes comuns diferencia-
sustentabilida
dos e de seus dissensos. A outridade (o saber do outro, o saber em poténcia,
pensável desc
o náo-saber) fica fora do entendimento, para dissolver-se na familiaridade
naturalizagáo
da cultura constituída pelo saber comum, para conformar-se ás formas da

358
RACIONALIDADE AMBIENTAL

inteligibilidade do entendimento possível preestabelecidas pelas estruturas


lifi- do mundo da vida:
no
veis as novas situagóes emergem a partir de um mundo da vida que está cons-
das truindo a partir de um acervo cultural de saber que náo é sempre familiar.
ndo
Diante desse mundo, os agentes comunicativos náo podem adotar urna
tem posigáo extramundana, como tampouco podem fazé-lo diante da linguagem
ante como meio dos processos de entendimento gratas aos quais o mundo da
i ao
vida se mantém [...] As estruturas do mundo da vida fixam as formas de
tivo
intersubjetividade do entendimento possível [...] falante e ouvinte se enten-
dem desde e a partir do mundo da vida que lhes é comum, sobre algo no
mundo objetivo, no mundo social e no mundo subjetivo (ibid.: 178-9).
, ode
A racionalidade comunicativa se mantém dentro de urna compreensáo
fenomenológica dos mundos da vida, ignorando a condigáo existencial do
ser
ser no mundo, do saber aberto ao mundo náo objetivo, do saber aberto á
rma,
diversidade de saberes e á outridade, afirmando a necessidade de resgatar
urna
uma razáo universal capaz de iluminar as figuras opacas do pensamento
uto-
Imítico e as manifestagóes incompreensíveis das culturas alheias:
uiti-
%Tem
A prova definitiva de urna teoria da racionalidade com a qual a compreen-
por
sáo moderna do mundo pudesse se assegurar de sua universalidade depen-
zen-
dería de que as figuras opacas do pensamento mítico se iluminassem e se
DriS-
aclarassem de modo que náo só entenderíamos os processos de aprendiza-
ser
gem que nos separam delas, mas perceberíamos também o que ternos desa-
prendido no curso de nossos processos de aprendizagem (ibid.: 568).

1 de
O saber ambiental torna problemáticos os mundos de vida modernos e
lén-
' tradicionais, e questiona a centralidade, a universalidade e a generalidade de
Ida-
um pretenso saber totalizante ordenador do processo de globalizagáo. A
sua
razáo económica e instrumental e os processos de racionalizagáo no enten-
gáo
dimento da realidade foram saturados e ultrapassados. A transigáo para a
cia-
sustentabilidade anuncia outro saber, outra racionalidade, que transcende o
cia,
pensável desde a ontologia e a epistemologia herdeiras da metafísica e a
ade
naturalizagáo da cultura.'
da

359
ENRIQUE LEFF

A racionalidade comunicativa viria a ser a tentativa póstuma para tornar E GeorE


inteligível o mundo — e os mundos de vida — que gerou a racionalidade
cognoscitiva e instrumental. Nela, a agáo social é mobilizada — normatiza- Náo hav
da, legitimada — pelo comunicável racionalmente e cercada pelos limites sempre
que esta razáo impóe á invengáo de um futuro. O diálogo de saberes se esta- Compóe
belece dentro de uma racionalidade ambiental que rompe o cerco da racio- xa da an
nalidade objetivante e se abre á outridade; procura compreender o outro, sobreviv
negociar e alcangar acordos com o outro, sem englobar as diferengas cultu-
rais em um saber de fundo universal nem traduzir "o outro" em termos do
O futur
"mesmo". O futuro se abre em um diálogo de saberes diferenciados, mas
constrói a p
também com um "diálogo" aberto ao inefável e invisível, em urna espera
outridade e
atenta pelas incógnitas daquilo que náo se apresenta ao conhecimento obje-
relagáo de r(
tivo e á argumentagáo racional: que náo é imanente á ontologia, á razáo e á
cia com um
linguagem. As perspectivas da sustentabilidade se desdobram, assim, no
pensament(
horizonte do encontro do ser com a outridade.
unidade-div
dá na orden
é deferéncia,
ÉTICA, ONTOLOGIA E SABER EM LEVINAS: O TODO, O OUTRO, ca, epistemc
O FUTURO, O INFINITO estar da cult
pecado orig
A racionalidade da modernidade, ao orientar o pensamento e a agáo para pela linguaE
certos fins, construiu diques ao fluxo do tempo no ser. A ciéncia, afirma fundamento
Prigogine, produz um conhecimento fora do tempo; desconhece o passado estado de sít
e o futuro. A racionalidade, que se propóe um fim corno sentido, póe um nem escapar
fim á história; intervém nas gramáticas e conjugagóes dos tempos futuros do, nem pot
das diferentes línguas e bloqueia o campo de significáncia proveniente da te abordou
relagáo aberta pela diversidade cultural na criatividade dos sentidos da natu- comunicativ
reza, na infinita generatividade entre o real e o simbólico. mam os con
Dante teria sido o primeiro a denunciar, em seu "Inferno", os limites do ignora a out
conhecimento e o cerco que ergue ao futuro: A partir
da comunic
Peró comprender puoi entra no diá
che tuna morta
fia nostra conoscenza O rosto
da quel punto, che del futuro desfazer
fia chiusa la porta ele mesr

360
RACIONALIDADE AMBIENTAL

>mar E George Steiner, mais recentemente, adverte que:


dade
Ltiza- Náo haverá história individual nem social, tal como a conhecemos, sem as
nites sempre renovadas fontes de vida que brotam das proposigóes no futuro.
esta- Compóem o que Ibsen chamava de "mentira da vida", a dinámica comple-
acio xa da antevisáo, da vontade, da ilusáo consoladora da qual depende nossa
itro,
sobrevivéncia psíquica e, por que náo, biológica (Steiner, 2001a: 172).
altu-
s do
O futuro humano náo é a evolugáo da natureza. É um tempo que se
mas
constrói a partir de proposigóes de futuro que se formulara em relagóes de
pera
outridade e em um diálogo de saberes. A relagáo de outridade náo é urna
)1)je-
telagáo de referéncia com o Real, de transcendéncia do Ser ou de transferén
)eá
, no cia com um grande Outro. Náo se estabelece na polarizagáo que produz o
pensamento metafísico como a dualidade mente-corpo, sujeito-objeto,
unidade-diversidade. Náo é urna relagáo dialética. A relagáo com o outro se
dá na ordem do ser e do saber; é uma relagáo de diferenga, mas, sobretudo,
é deferéncia, relagáo ética com o outro humano e náo urna relagáo ontológi-
ca, epistemológica ou fenomenológica. Se Heidegger encontra a raiz do mal-
estar da cultura ocidental na disjungáo entre o ser e o ente, Levinas acusa um
pecado original de raízes mais profundas: o da constituigáo do ser humano
)ara pela linguagem. A partir daí recupera um sentido ético capaz de tocar os
rm a fundamentos ontológicos do pensamento que cerca o ser, que o coloca em
ado estado de sítio e o prende á objetividade de um presente sem transcendéncia
um nem escapatória. Pois o conhecimento objetivo, mesmo sendo desinteressa-
cros do, nem por isso deixa de estar marcado pelo modo como o ser cognoscen-
da te abordou o Real. Por isso, todo diálogo guiado por urna racionalidade
nu- comunicativa, além de sua vontade expressa de atingir consensos que diri-
mam os conflitos da "diferenga", fica enredado em um "saber de fundo" que
do ignora a outridade que abre a porta ao futuro.
A partir dessa assertiva, desvela-se outro sentido do discurso, da fala e
da comunicagáo: aquele que se expressa guando se descobre o rosto e se
entra no diálogo com o outro:

O rosto é urna presenta viva, é expressáo. A vida da expressáo consiste em


desfazer a forma pela qual o ente, que se expóe como tema, se dissimula por
ele mesmo. O rosto fala. A manifestagáo do rosto já é discurso [...] Esta

361
ENRIQUE LEFF

maneira de desfazer a forma adequada ao Mesmo para apresentar-se corno O id,


Outro é significar ou ter um sentido. Apresentar-se ao significar é falar agáo do li
(Levinas, 1977/1997: 89). — coisa,
cessos obj
Levinas, afastando-se de Heidegger, postula assim urna ética anterior e do um "e
além de toda ontologia: ser e do r
tempo e a
A esfera primordial que corresponde ao que chamamos o Mesmo só se volta se dá aper
até o absolutamente outro pela chamada do Outro. A revelaldo, em relagá'o gáo de alt<
ao conhecimento objetivante, constitui urna verdadeira inversáo. Em infinito na
Heidegger, certamente, a coexisténcia é formulada como urna relagáo com abertura e
outro, irredutível ao conhecimento objetivo, mas repousa, também, afina' vel, impre
de contas, na relagáo com o ser em geral, na compreensáo, na ontologia. De pudessem
antemáo, Heidegger formula este fundo do ser corno horizonte no qual vel já inscr
surge todo ente, como se o horizonte e a idéia de limite que inclui, e que é mia. O chi
própria da visáo, fossem a trama última da relagáo. Além do mais, em um encont
Heidegger a intersubjetividade é coexisténcia, um nós anterior ao Eu e ao salidade,
Outro, urna intersubjetividade neutra. O cara-a-cara, por sua vez, anuncia mundo pr<
urna sociedade e permite manter um Eu separado (ibid.: 91). vontade, a

O Outro é rosto, mas também é o outro do saber totalizador. O ambien- O Out]


te, compreendido como um saber, aparece como essa externalidade (o abso- bro. A
lutamente Outro) do conhecimento objetivo que procura a mesmidade entre vatura
a palavra e a coisa, a identidade entre o conceito e o real, o reflexo do ente transce
no conhecimento. Por isso, o ambiente náo é urna dimensáo internalizável eu. SU2
ou assimilável dentro de um sistema teórico, urna economia do saber, ou nos pria
paradigmas objetivantes do conhecimento: conhec
urna ex
Se a totalidade náo pode constituir-se, é porque o Infinito náo se deixa inte- ginal do
grar. Náo é a insuficiéncia do Eu que impede a totalidade, mas o Infinito do nal se
Outro [...] Na metafísica, um ser está em relagáo com o que náo poderia podere,
absorver, com o que náo poderia compreender, no sentido etimológico mente 1
deste termo [...] O Mesmo e o Outro náo poderiam entrar em um conheci-
mento que os abarcasse. As relagóes que mantém o ser separado com o que O sabe
o transcende náo se produzem sobre o fundo da totalidade, nem se cristal:- yo. O sabe
zam em sistema (ibid.: 103). internalizái

362
RACIONALIDADE AMBIENTAL

como O infinito náo é existir sem limites, mas a abertura á invengáo do ser pela
falar agáo do limite no real (entropia) e no simbólico (a morte). A realidade do ente
— coisa, dado, fato —, como uma soma articulada de determinagóes de pro-
cessos objetivos, ignora e nega a "indeterminagáo absoluta do há", postulan-
rior e do um "existir sem existentes", negando a existéncia no tempo e o tempo do
ser e do real. O ente que se manifesta na realidade presente se "produz" no
tempo e abre o possível como poténcia indeterminada do ser. A diferenga náo
volta se dá apenas na disjungáo do ser e na diversidade do ser. Se dá em uma rela-
Ilagáo láo de alteridade que rechaga a totalidade e a globalidade, que abre, assim, o
). Em infinito na dialética do Ser do real e do Ser-aí, com o Outro e com o outro. A
) com abertura e fertilidade do ser que surge do encontro com o outro é algo invisí-
afinal vel, imprevisível a partir de urna visáo, um conhecimento e um saber que
ia. De pudessem antecipar-se aos "fatos", ao advento do ser em um devir do possí-
) qual vel já inscrito na poténcia do real como epigénese, novidade, acaso e teleono-
que é mia. O chamado do infinito é a convocagáo áquilo que só poderia provir de
Ls, em um encontro com um outro que náo se conforma nem se dissolve na univer-
1 e ao salidade, generalidade, unidade ou mesmidade do pensamento sobre o
iuncia mundo presente. O que emerge no encontro com a outridade escapa a toda
vontade, a toda idéia e a todo poder sobre sua realizalcio possível:

O Outro me mede com um olhar incomparável áquele com o qual o descu-


abso- bro. A dimensáo de altura na qual se coloca o Outro é como a primeira cur-
entre vatura do ser na qual se sustenta o privilégio do Outro, o desnivelamento da
) ente transcendéncia [...] O outro náo é transcendente porque seria livre como
izável eu. Sua liberdade, ao contrário, é urna superioridade que vem de sua pró-
/U nos pria transcendéncia [...] A relagáo com o Outro náo se converte, corno no
conhecimento, em gozo e possessáo, em liberdade. O Outro se impóe corno
urna exigéncia que domina esta liberdade, e a partir daqui, como mais ori-
a finte- ginal do que tudo o que acontece em mim. O outro, cuja presenta excepcio-
ito do nal se inscreve na impossibilidade ética de matá-lo [...] indica o fim dos
)deria poderes. Se náo posso mais poder sobre ele, é porque ultrapassa absoluta-
ógico mente toda idéia que posso ter dele (ibid.: 109).
nheci-
o que O saber emerge nessa relagáo de outridade com o conhecimento objeti-
-istali- vo. O saber ambiental, com sua criticidade da razáo dominadora, náo é
internalizável nos paradigmas científicos, e sua diversidade e diferenga náo

363
ENRIQUE LEFF

se dissolve na totalidade do conhecimento objetivo nem no saber de fundo O diál


que possibilita um consenso de saberes através de urna racionalidade comu- mia do sei
nicativa. Este "Outro" do conhecimento humana g<
diferencia
náo se abandona á "tematizagáo" ou á "conceitualizagáo" do Outro. Querer conhecime
escapar á dissolugáo no Neutro, formular o saber como um recebimento do para com
Outro [é] a condigáo da linguagem sem a qual o próprio discurso filosófico unitário d(
náo é mais do que um ato truncado [... em] que a aparéncia de um discurso diferencia(
se desvanece no Todo (ibid.: 110). tualidade (
sendo abe
O Ambiente-Outro náo se submete a um saber de fundo; os saberes nos desenvolvi
quais encarna náo se unificam em um consenso guiado por princípios de genética, a
urna racionalidade comunicativa. Essa é a condigáo do diálogo de saberes fera). O sa
como um encontro criativo que abre a porta á emergéncia e á emancipagáo ser com su.
das autonomias, identidades e diferengas, dominadas, excluídas e submeti- de suas
das na homogeneidade e universalidade do mundo, ao a priori racional e ao projetável,
entendimento de urna existéncia para si, que globalizam e engolem a diver- O que
sidade na imposigáo de urna unidade. O diálogo de saberes conduz á hetero- pela palavr
nomia de urna fala dirigida ao outro, em que é possível dar o salto para fora encontra, <
da realidade estabelecida para construir novos mundos de vida: sobre a rea
deando a I
Falar supóe urna possibilidade de romper e comegar. Formular o saber nunca a m(
como o próprio existir da criatura, como o remontar-se, além da condigáo ser pleno, q
para o Outro que funda, é separar-se de toda urna tradigáo filosófica que náo, do ain
procurava em si o fundamento de si própria, longe das opinióes heteróno- tradigáo e
mas. Pensemos que a existéncia para si náo é o último sentido do saber, mas trário da Id
o retornar ao questionamento de si, o retorno para o antes de si na presenta que abre a r
do Outro. A presenta do Outro — heteronomia privilegiada — náo dificul- za e ao ser
ta a liberdade, inverte-a. A vergonha de si, a presenta e o desejo do Outro encontro er
náo sáo a negagáo do saber: o saber é sua própria articulagáo. A esséncia da conviver en
razáo náo consiste em assegurar ao homem um fundamento e poderes, mas reinsergáo (
em questioná-lo e em convidá-lo á justita [...] O outro náo nos afeta como Levinas
aquele que é necessário ultrapassar, englobar, dominar, mas enquanto é que articulo
outro, independente de nós: detrás de toda relagáo que possamos manter que deixa
com ele, que surge novamente absoluto (ibid.: 110, 111). vra lúcida e
cantilizada

364
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ndo O diálogo de saberes é um diálogo entre seres marcado pela heterono-


mu- mia do ser e do saber, por urna outridade que náo se absorve na condigáo
humana genérica, mas que se manifesta no encontro de seres culturalmente
diferenciados; de seres constituídos por saberes que náo se reduzem ao
erer conhecimento objetivo e á verdade ontológica, mas que remetem á justita
) do para com o outro: justita que náo se dissolve nem se resolve em um campo
fico unitário de direitos humanos, mas no direito a ter direitos diversos de seres
irso diferenciados por sua cultura. O diálogo de saberes se forja a partir da vir-
tualidade de todo ser que se dá em urna transcendéncia que é devir, do ser-
sendo aberto ao porvir que náo haverá de emergir pela poténcia de um
nos desenvolvimento ontológico (a auto-organizagáo da matéria, a mutagáo
de genética, a epigénese do desenvolvimento biológico e a emergéncia da noos-
eres fera). O saber se constitui, e o diálogo de saberes se produz, na relagáo do
gáo ser com sua externalidade infinita, no encontro com um ser-Outro, a partir
yeti- de suas diferengas, no horizonte de um infinito que anuncia um futuro náo
; ao projetável, náo previsível, talvez inefável.
;Ter- O que ainda ndo é náo é a impossibilidade do ser, náo é o inominável
;ro- pela palavra que falta e do real inapreensível, mas a poténcia daquilo que se
'ora encontra, que nasce e se constrói desmascarando a opressáo do discurso
sobre a realidade, desvelando o conhecimento que encobre o ser, desenca-
deando a poténcia do real até o infinito, que é horizonte que náo chega
ber nunca a mostrar seu rosto e fazer-se presente, que náo é integrável em um
gáo ser pleno, que se produz mobilizando as auséncias e a falta em ser, a forga do
que náo, do ainda náo, do "menos que nada", que, mais do que elogio da con-
no- tradigáo e da negagáo — do Náo convertido em um novo absoluto, o con-
nas trario da Idéia totalizadora —, é o reencantamento da vida com o infinito
nga que abre a relagáo de outridade; a passagem da indiferenga quanto á nature-
:ul- za e ao ser para a retomada dos sentidos dos mundos de vida a partir do
tro encontro entre seres e saberes nas suas diferengas. Mais do que aprender a
da conviver em um mundo inseguro pela iminéncia do caos e da incerteza, é a
las reinserláo da vida no enigma indecifrável da existéncia humana.
-no Levinas desmascara o efeito silenciador do empirismo, do palavrório
)é que articula dados e fatos (a realidade feita pela denotagáo coisificadora),
ter que deixa com seu rastro de siléncio a impossibilidade de proferir urna pala-
vra lúcida e um ato salvador diante do fim da história na globalizagáo mer-
cantilizada e ecologizada. 2 Dessa maneira, desloca a idéia de verdade como

365
ENRIQUE LEFF

correspondéncia entre o real e o conceito, a palavra e a coisa, o jogo infini- A obje


to de pensamentos, raciocínios e saberes entre seres diversos, diferentes, finalid
diferenciados. É dense questionamento da representagáo da realidade que a o mur
ética sai ao resgate do ser dos desvarios do conhecimento e do encerramen- um sis
to das ciéncias. Daí se estabelece o reencontro entre o real e o simbólico signifi•
como poténcia do ser náo coisificado na realidade avassaladora de uma porto
"razáo de forga maior", lugar onde o diálogo de saberes abre, ainda, um remete
porvir fundado na outridade e na justita. O saber transcende o conhecimen- mesmc
to fundado na relagáo entre objetos. O diálogo de saberes parte da interlo- urna a]
cugáo com um outro que náo está "dado". Contra todo empirismo, Levinas tematil
afirma que
O sabe
o Outro é princípio do fenómeno. O fenómeno náo se deduz dele; náo é mento que
encontrado ao ascender a partir do signo que seria a coisa, para o interlocu- belecidas e
tor que emite esse signo em um movimento análogo á marcha que conduziria tal. O disci
da aparéncia ás coisas em si. Porque a dedugáo é urna maneira de pensar que tir de signi
se aplica a objetos já dados. O interlocutor náo poderia ser deduzido, porque de uma pa
a relaláo entre ele e mim é pressuposta por toda prova (ibid.: 114, 115). Levinas afi
tente em
O diálogo de saberes náo é o diálogo intersubjetivo nem o das coisas em nificagáo
si postas em comunicagáo como entes denotados, como urna relagáo de Mesmo e s
objetos significados pela palavra. O que a palavra póe em jogo é aquilo que
se produz na linguagem, a saber, "o desdobramento positivo da relagáo pací- A signii
fica com o Outro sem fronteira ou sem negatividade alguma" (Derrida, lo que
1998: 120). 0 diálogo de saberes só é possível dentro de urna política da nificagZ
diferenga, que náo é aposta pela confrontagáo, mas pela paz justa a partir de interpr ■
um princípio de pluralidade. É nesse sentido que Levinas afirma que "a uni- mas re(
dade da pluralidade é a paz e náo a coeréncia de elementos que constituem seres ni
a pluralidade" (ibid.: 125). Urna re
O saber ambiental vem, assim, a questionar o sistema discursivo que termo
afirma a realidade realmente existente: a objetividade posta em cena por mas, pe
urna consciéncia que emerge como representagáo de uma realidade presen- recuper
te; a correspondéncia de urna racionalidade com o todo social que esta renovac
mesma racionalidade gerou. A outridade provém do significante que se
manifesta ao falar, pensar e propor "outro mundo" que está em outro lugar O diáh
— utopia — do mundo objetivo e presente, pois: comunicati'

366
RACIONALIDADE AMBIENTAL

fini- A objetividade na qual o ser é pressuposto á consciéncia náo é um resíduo da


nes, finalidade [...] É formulada em um discurso, em uma negociagáo que propóe
ue a o mundo. Esta proposkdo se realiza entre dois pontos que náo constituem
nen- um sistema, um cosmos, urna totalidade [...] A objetividade do objeto e sua
ílico significagáo provém da linguagem. Esta modalidade pela qual o objeto é
urna posto como terna que se oferece inclui o fato de significar: náo o fato de
, um remeter o pensador que o acopla a isso que é significado (e que é parte do
nen- mesmo sistema), mas o fato de manifestar o significante, o emissor do signo,
erlo- urna alteridade absoluta que, no entanto, lhe fala e, pelo mesmo motivo,
rinas tematiza, quer dizer, propóe um mundo (Levinas, 1977/1997: 118).

O saber ambiental funda outra racionalidade, questionando o conheci-


ráo é mento que construiu a realidade atual, contrariando as finalidades preesta-
locu- belecidas e os julgamentos a priori da racionalidade económica e instrumen-
iziria tal. O discurso ambiental é palavra viva que propóe um mundo novo a par-
r que tir de significantes que atribuem novos sentidos ao real e ás coisas; a partir
>rque de urna palavra que espera urna escuta e urna resposta. É nesse sentido que
)• Levinas afirma que "a linguagem náo exterioriza urna representagáo preexis-
tente em mim: póe em comum um mundo até agora meu" (ibid.: 192). A sig-
em nificagáo e a inteligibilidade do mundo náo provém, pois, da falta do
o de Mesmo e sua necessidade de completar-se, mas do "desejo do Outro":
> que
pací- A significagáo se sustenta no Outro que diz ou que entende o mundo e aqui-
rida, lo que sua linguagem ou seu entendimento precisamente tematizam. A sig-
:a da nificagáo parte do verbo em que o mundo é, por sua vez, tematizado ou
ir de interpretado, no qual o significante náo se separa nunca do signo que emite,
uni- mas recupera sempre ao mesmo tempo que expóe [...] A significagáo dos
:uem seres náo se manifesta na perspectiva da finalidade, mas na da linguagem.
Urna relagáo entre termos que resistem á totalizagáo [...] A resisténcia de um
que termo ao outro náo sinaliza aqui o resíduo obscuro e hostil da alteridade,
por mas, pelo contrário, a inesgotável excedéncia [...] A palavra é sempre um
:sen- recuperar o que sempre foi simples signo langado por ela, promessa sempre
esta renovada de esclarecer o que foi obscuro na palavra (ibid.: 119 - 20).
le se
gar O diálogo de saberes náo se conduz pela fórmula da racionalidade
comunicativa baseada em significados objetivos e em códigos de racionalida-

367
ENRIQUE LEFF

de preestabelecidos por um saber de fundo comum; o diálogo de saberes é o nudez,


encontro de interlocutores que ultrapassa toda conceitualizagáo, toda teoria de que j
e toda finalidade guiada por urna racionalidade, que antepóe a justificagáo mos cric
de urna racionalizagáo á razáo e á justita do Outro. Pois, corno afirma por um
Levinas, mos, fin
do prólt
A "comunicagáo" das idéias, a reciprocidade do diálogo já ocultam a essén-
cia profunda da linguagem. Esta reside na irreversibilidade da relagáo entre O diálo,
Eu e o Outro [...] a linguagem só pode falar-se, em efeito, se o interlocutor é de de sentic
o cometo de seu discurso, se permanece, em conseqüéncia, além do sistema, curso que r
se náo está no mesmo plano que eu [...] Os interlocutores como singularida- suas polisse
des, irredutíveis aos conceitos que constituem ao comunicar seu mundo e ao saberes pros
apelar á justificativa do Outro, presidem a comunicagáo. A razáo supóe estas tram, como
singularidades ou estas particularidades, náo a título de individuos ofereci- do novo cor
dos á conceitualizagáo ou que se despojam de sua singularidade para recupe- ginários; ou
rar idénticas, mas precisamente como interlocutores, seres insubstituíveis, ralidade e d
únicos em género, rostos. A diferenga entre as duas teses: "a razáo cria as
relagóes entre o Eu e o Outro" e "o aprendizado do Eu pelo Outro cria a a rima qi
razáo" náo é puramente teórica (ibid.: 124, 263). dos objei
tromagn
A relagáo de outridade funda outra racionalidade. O encontro cara a espato t
cara náo é um encontro no imaginário do visível ou nos reflexos da repre- eventos
sentagáo. O simbólico que se expressa no rosto volta ás fontes do enigma da urna sino
linguagem, a confluencia de significagóes e a disputa de sentidos que ema- 1988: 1(
nan-1 da organizagáo simbólica do real e se exprime na diversidade cultural.
O encontro com a outridade entra em jogo pela linguagem e a fala, além de Mas o c
nomear o novo, abre o caminho á realizagáo do "que ainda náo é". Mas a urna poética
emergéncia do inédito e do inominável passa, também, por essa chamada ao a partir de si
ser a partir da linguagem, do "ainda náo da linguagem" que evoca e convo- mina as diss(
ca a poesia: a escuta. O
outridades e
O poeta; apesar de tudo, o poema [...] Para ser o que deve, o que é capaz de dos á nature
ser — um ato de aproximagáo, um movimento até o Outro — deve come- res? Pois nác
gar com o reconhecimento de sua disparidade, admitir de urna vez por todas tema, é ser a
que fala a partir de outro ámbito e que náo pode se impor, que deve fenómeno e
contentar-se em oferecer a si mesmo, mesmo que ninguém o solicite, em sua ambiental cc

368
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ls é o nudez, no siléncio que o cerca. Nenhum poema pode nascer da convicgáo


eoria de que já existe uma linguagem que une duas coisas distintas; ainda deve-
:agáo mos criar e descobrir o ainda-náo da linguagem: o anseio por urna utopia,
firma por um lugar inexistente. Corno se a partir desse ponto do vazio pudésse-
mos, finalmente, continuar a averiguar onde estarnos (Auster, 1996: 18-9,
do prólogo de Jordi Doce).
Issén-
entre O diálogo de saberes náo aspira á analogia nem á redugáo da diversida-
itor é de de sentido nas homologias de significantes, em sua submissáo a um dis-
tema, curso que recolha seus pontos comuns deixando de lado suas diferengas,
arida- suas polissemias, seus siléncios e suas significagóes criativas. O diálogo de
) e ao saberes produz o absolutamente novo na fusáo dos elementos que se encon-
a estas tram, como em urna reagáo química, em que as propriedades da molécula e
ereci- do novo composto náo estáo contidas em seus átomos e seus elementos ori-
cupe- ginários; ou á produgáo de sentido e do real que surge das sinergias da plu-
iíveis, ralidade e da diversidade guando
ria as
cria a • a rima que criam [...] altera a realidade de cada um. Da mesma maneira que
dos objetos físicos, guando sáo aproximados um do outro, geram forras ele-
tromagnéticas que afetam a estrutura molecular de cada um, mas também o
ara a espato entre eles, alterando seu próprio ambiente, assim dois (ou mais)
epre- eventos que rimam estabelecem urna conexáo no mundo, agregando mais
na da urna sinapse a ser transmitida através do copo cheio da experiéncia (Auster,
ema- 1988: 161).
tural.
m de Mas o diálogo de saberes náo é uma química, nem urna genética, nem
/las a urna poética, pois ali os elementos náo se fundem, náo rimam; encontram-se
da ao a partir de sua outridade absoluta; a harmonia de seus contrapontos náo en-
rayo- mina as dissonáncias entre paradigmas e formagóes discursivas, entre a fala e
a escuta. O que é, entáo, aquilo que se produz na faísca desse encontro de
outridades e diferengas, nessa virtualidade da produgáo de sentidos atribuí-
az de dos á natureza pela criatividade da palavra e a fertilidade do diálogo de sabe-
orne- res? Pois náo basta afirmar que "o mundo chega a ser objeto. Ser objeto, ser
todas tema, é ser aquele do qual posso falar com alguém que atravessou o plano do
deve fenómeno e me associei a ele" (Levinas, 1977/1997: 22). A racionalidade
n sua ambiental complexifica o encontro com a outridade que se dá na epifania do

369
ENRIQUE LEFF

rosto ao associar formas diferenciadas de significar o real, o fenómeno, a rea- ao qual reí
lidade objetiva; ao descongelar os sentidos da natureza, que ficaram fixados saber, o fut
pela palavra, fazendo dialogar "naturezas" que foram denominadas por dife- nológico; r
rentes linguagens. A palavra que encadeia significantes e fixa significados ontologia
desencadeia, por sua vez, novos sentidos. crita no ser
O encontro entre matrizes de racionalidade que articulam o material e o esboga as ic
simbólico em uma diversidade de identidades culturais é plasmada em um que haverá,
campo de relagóes e estratégias de poder no saber, por encobrimentos ideo- rior e póstu
lógicos que velam os olhares, que sujeitam os sujeitos, e que o encontro cara seu pensar'
a cara náo consegue desvelar. O diálogo de saberes está habitado pelo náo- tempo que
saber, pelo impronunciável, por uma marca que está aquém e mais além da
palavra, mais além do ser e do saber. É a abertura á idéia de infinito alimen- O temp
tado pela fome do desejo. O rastro diz Levinas, é "o mais além do qual pro- ser do e
vém o rosto". É com o (
outro h,
o Ausente absolutamente prescrito, absolutamente passado, retirado naqui- mo —
lo que Paul Valéry chama de profond jadis, jadis jamais assez e que nenhu- com o
ma introspecgáo saberia descobrir em Si [...] A idéia do Infinito é Desejo. saber, q
Consiste, paradoxalmente, em pensar mais do que é pensado, conservando- sua dia(
o, no entanto, em sua desmesura em relagáo ao pensamento, em entrar em assegur:
relagáo com o inapreensível, garantindo seu estatuto de inapreensível 1993: 6
(Levinas, 2000.: 67, 64).
O temp
É o trago que olha desde o limite para o infinito e inaugura o possível: ra para o im
do pensame
A clara distingáo entre os diversos possíveis, o dom de ir ao limite do mais compreensá
distante procedem da tranqüila atengáo. O jogo sem volta de mim mesmo, diálogo de s
o ir mais além de todo o dado, exige náo só este riso infinito, mas também horizonte d
esta lenta meditagáo (insensata, mas por excesso). É a penumbra e o equívo- e o náo-sab(
co. A poesia afasta ao mesmo tempo o dia e a noite. Náo pode questionar dade de real
nem pór em agáo este mundo que me ata (Bataille, 1996: 161). go comum (
dade cultura
O saber que habita o ser leva consigo o rastro de algo que foi, que náo — mais alér
procede de, mas que precede a minha existéncia, que náo logro pensar, com- e a produth
preender, dizer. É ante-pensamento por obra da ordem simbólica. Renas- de outridad
cimento a partir da palavra, a fala e o encontro com a outridade. O infinito

370
RACIONALIDADE AMBIENTAL

a rea- ao qual remete a relagáo de Outridade, o tempo que forja, no campo do


Kados saber, o futuro que abre o diálogo de saberes, náo poderia ser um tempo cro-
di fe- nológico; nem sequer se reduz ao tempo existencial ao qual nos remete a
cados ontologia heideggeriana, o do ser para a morte, de urna temporalidade ins-
crita no ser aí. No prefácio do livro que aborda o curso de 1946-7, em que
aleo esboga as idéias (urna fenomenologia da alteridade e de sua transcendéncia)
n um que haveráo de deixar a pegada a ser percorrida em seu pensamento poste-
ideo- rior e póstumo, Levinas reflete e avalia, trinta anos depois, na maturidade de
) cara seu pensamento (Le temps et l'Autre foi publicado em 1979), a idéia de
náo- tempo que ali se anunciava:
1m da
imen- O tempo do Outro náo apresenta o tempo como horizonte ontológico do
1 pro- ser do ente como modo do mais além do ser, como relagáo do pensamento
com o Outro — mediante diversas figuras da sociedade frente ao rosto de
outro homem: erotismo, paternidade, responsabilidade, respeito do próxi-
laqui mo — como relagáo com o Absolutamente Outro, com o transcendente,
enhu- com o Infinito. Urna relagáo ou urna religiáo que náo está estruturada como
esejo. saber, quer dizer, como intencionalidade [...] O tempo [...] significaria, em
ando- sua diacronia, uma relagáo que náo compromete a alteridade do outro,
ar em assegurando, no entanto, sua náo-indiferenga ao pensamento (Levinas,
isível 1993: 68).

O tempo do outro se inscreve no diálogo de saberes como urna abertu-


ível: ra para o impensável (para urna tradigáo, um paradigma, urna racionalidade)
do pensamento do outro e daquilo que fica fora do campo de significagáo e
mais compreensáo de um conhecimento, de uma teoria, de urna cosmovisáo. O
Ismo, diálogo de saberes se situa na perspectiva dessa relagáo de outridade, em seu
nbém horizonte de transcendéncia do ser, em urna espera ativa com o impensado
iuívo- e o náo-saber. O diálogo de saberes náo se produz com a intengáo e a finali-
ionar dade de reabsorver cosmovisóes e racionalidades diferenciadas em um códi-
go comum de linguagem de um mundo feito de muitos mundos, de diversi-
dade cultural e identidades diferenciadas. O saber se inscreve no devir do ser
náo — mais além de todo conhecimento —, pelo agenciamento do náo pensado
com- e a produtividade do invisível. A produgáo da história a partir dessa relagáo
enas- de outridade náo é uma relagáo de conhecimento. Trata-se de urna

371
ENRIQUE LEFF

relagáo com aquilo que, sendo em si mesmo inassimilável, absolutamente O segre


outro, náo se deixaria assimilar pela experiéncia, e com aquilo que, sendo denega
em si mesmo infinito, náo se deixaria com-preender [...] Urna relagáo com entendí,
um In-visível cuja invisibilidade náo procede da incapacidade do conheci- rável cc
mento humano, mas da inépcia do conhecimento enquanto tal — de sua ina- "interio
dequagáo — diante do Infinito do absolutamente Outro (ibid.: 69-70). gáo do
tremos •
A justita náo poderá, entáo, ser produzida pela objetividade do mundo, para nin
mas contra a evidéncia da história, da razáo que produz urna verdade que é soi)
domínio, das normas universais do julgamento: mak=
em dois
É necessário que o julgamento, no qual a subjetividade deve permanecer diferentl
apologeticamente presente, se faca contra a evidéncia da história (e contra como eg
a filosofia, se a filosofia coincide com a evidéncia da história). É necessário exemplc
que o invisível se manifeste para que a história perca seu direito á última mesmo 1
palavra, necessariamente injusta para a subjetividade, inevitavelmente cruel "quem é
[...] A manifestagáo do invisível náo remete á evidéncia. É produzida na com a re
bondade reservada á subjetividade, que náo se encontra assim, simplesmen- do? (Der
te, submetida á verdade do julgamento, mas que é a fonte desta verdade. A
verdade do invisível se produz ontologicamente pela subjetividade que a A idéia
afirma [...] O invisível é o agravo que, inevitavelmente, resulta do julgamen- conhecimeni
to da história visível, mesmo que a história se desenvolva racionalmente. O horizonte dc
julgamento viril da história, o julgamento viril da "razáo pura", é cruel. As mais além dc
normas universais deste julgamento fazem calar a unicidade na qual se sus- ferente ao pt
tenta a apologia e de onde tira seus argumentos. O invisível, ao ordenar-se contenha um
em totalidade, agrava a subjetividade porque, por esséncia, o juízo da histó- por isso é all
ria consiste em traduzir toda apologia em argumentos visíveis e em silenciar do ser com o
a fonte inesgotável da singularidade de onde surgem e da qual nenhum realidade no
argumento poderá dar razáo. Porque a singularidade náo pode ter lugar em láo ética do
urna totalidade (Levinas, 1977/1997: 257). um mundo si
dobra no ter
A subjetividade se comunica com esse segredo nunca desvelado por urna ordem do su
ontologia ou por urna epistemologia, com essa sombra invisível e inefável do para a morte:
ser, além da consciéncia e da intencionalidade representativa, com esse eu dade que, set
estranho que fala: imutáveis dei
lidade como

372
RACIONALIDADE AMBIENTAL

:nte O segredo que é para o outro é o que se revela apenas para o outro Ao
ido denegar este segredo, a filosofia haveria chegado a habitar num mal-
entendido do que há que conhecer, a saber, que há sigilo e que é incompa-
eci- rável com conhecer, com o conhecimento e com a objetividade, como na
ina- "interioridade subjetiva" incomparável que Kierkegaard extrai de cada reta-
gáo do conhecimento do tipo sujeito/objeto [...] Talvez seja ali que encon-
tremos o sigilo, a saber, que náo é urna questáo de conhecer e que está ali
do, para ninguém. Um segredo náo pertence, nunca se pode dizer que este (chez
te é soi) [...] Tal é o Unheimlichkeit do Geheimnis, e devemos questionar, siste-
maticamente, o alcance desse conceito em suas fungóes, de forma regulada,
em dois sistemas de pensamento que se estendem igualmente, embora de
!cer diferentes maneiras, mais além da axiomática do si mesmo ou do chez soi
ltra como ego cogito, corno consciéncia da intencionalidade representativa, por
irio exemplo, e de maneira exemplar em Freud e Heidegger. A questáo do eu
ima mesmo [self]: "quem sou eu?", náo no sentido de "quem sou eu", mas de
ruel "quem é esse eu?" que pode dizer "quem?" O que é o "eu", e o que se passa
L na com a responsabilidade urna vez que a identidade do "eu" treme em segre-
ten- do? (Derrida, 1996: 92).
A
te a A idéia desse outro náo cognoscível questiona a idéia do saber e do
Len- conhecimento que gerou o pensamento metafísico e filosófico. Mas, se o
.O horizonte do devir ao que abre a outridade se dá em urna relagáo que está
As mais além do ser e náo está estruturada como um saber, nem por isso é indi-
;us- ferente ao pensamento. Mesuro que a relagáo do pensamento com o Outro
r-se contenha uma relagáo além de toda ontologia e de toda epistemologia, nem
;tó- por isso é alheia ao ser e ao saber, á relagáo do ser com o saber. O vínculo
:iar do ser com o saber náo é urna relagáo de conhecimento, de representagáo da
um realidade no pensamento, de identidade do conceito com o real. Mas a rela-
em gáo ética do encontro "cara a cara" com o Outro tampouco se produz em
," um mundo separado da ordem ontológica: da poténcia do real que se des-
dobra no tempo para um futuro de possibilidades; de um ser-aí que, na
ma ordem do sujeito e mais além do caráter genérico do ser humano (do ser
do para a morte), encarna como ser no mundo, se enraíza em formas de identi-
eu dade que, sem estarem encravadas em urna ordem intemporal e manter-se
imutáveis dentro de urna estrutura mítica, que, mais além de toda essencia-
lidade como marca inalterável de urna origem que garantira sua imanéncia

373
ENRIQUE LEFF

no ser e sua permanéncia no tempo, conserva e projeta o sido até o que ques procui
ainda náo é. Mas, ao mesmo tempo, nessa relagáo de outridade, o tempo se mento que,
abre para algo novo que náo está prefigurado nem determinado na gerativi- aos princípi
dade da matéria e na poténcia do real; que está mais além do ser, de toda cipl inari dad
ontologia e toda epistemologia. O saber se produz no horizonte de urna dia- centrismo d
cronia que transcende a sincronia dos tempos que confluem em um presen- do mundo;
te, que puderam refletir-se e expressar-se em uma consciéncia que emerge compreend(
"organicamente" da evolugáo do cosmos para a génese de uma noosfera. relagáo ao
Nesse sentido, o diálogo de saberes se inscreve na perspectiva de urna "dia- impossível d
cronia [que] seja mais que uma sincronizagáo, [em que] a proximidade seja Entre as
mais preciosa que o fato de dar-se, que a fidelidade do inigualável seja escorre a or
melhor que a consciéncia de si" (ibid.: 70). que escapan
Nesse sentido, a relagáo com o Outro e a idéia de Infinito desde o tempo res que náo
do Outro permitem pensar o saber ambiental como o campo de externalida- gram em um
de (o Outro) do conhecimento científico, e o diálogo de saberes como a rela- tíficas const
gáo de outridade que abre a história para um futuro sustentável. Mi se cons- dos saberes
trói o campo da racionalidade ambiental na qual as ciéncias e a economia se saber ambie:
confrontam com esse Outro absoluto que é o Ambiente. Nesse encontro, urna "dimen
váo se constituindo identidades estratégicas que váo dialogando com outros de conhecin
que lhes sáo semelhantes enquanto compartilham sua diferenciagáo com o de conhecin
Mesmo comum (o pensamento único); singularidades que haveráo de se conhecimen
situar sempre como um diante do outro, tornando ética, política e pedagó- cias. É a ext<
gica sua relagáo de outridade. Esta é a fecundidade do diálogo de saberes conhecimeni
que, partindo da condigáo existencial do ser e da ética da outridade, se des- cionamento
dobra em um campo de diversidades culturais. o ator dissid
A susten
ria, mas náo
da racionalic
INTERDISCIPLINARIDADE, INTERCULTURALIDADE, cionável a ix
INTERSUBJETIVIDADE E DIÁLOGO DE SABERES dade ou da r
é um campo
A crise ambiental foi associada ao fracionamento do conhecimento. Dessa diálogo de sl
maneira, a compreensáo do mundo atual reclamou um pensamento da com- tos na aprop
plexidade para reintegrar os membros mutilados ao corpo da ciéncia. A do reconhec
interdisciplinaridade e a teoria de sistemas emergem como dispositivos aportara suas
metodológicos para a constituigáo de um saber holístico. Esses novos enfo- lizado; mas i

374
RACIONALIDADE AMBIENTAL

) que ques procuram reintegrar as partes fragmentadas de um todo de conheci-


po se mento que, embora acentue as inter-relagóes dos processos, náo renuncia
ativi- aos princípios de objetividade e unidade do conhecimento. Tanto a interdis-
toda ciplinaridade como a teoria de sistemas se mantém dentro do cerco do logo-
a dia- centrismo das ciéncias, da matematizagáo do saber, da certeza e do controle
esen- do mundo; sáo as novas ferramentas de um saber totalitário que resiste a
nerge compreender o lugar de exterioridade ocupado pelo saber ambiental em
sfera. relagáo ao conhecimento científico. O saber ambiental aparece como um
"dia- impossíve/ das ciéncias. 3
e seja Entre as malhas das teorias de sistemas e os métodos interdisciplinares
1 seja escorre a onda ontológica do real e as significagóes atribuídas á realidade
que escapan' aos paradigmas formais do conhecimento, assim como os sabe-
Impo res que náo estáo na mesma freqüéncia das ciéncias e, portanto, náo se inte-
al i da- gram em um mesmo sistema de conhecimento. 4 As teorias e disciplinas cien-
rela- tíficas constituem paradigmas que edificam obstáculos para a reintegragáo
cons- dos saberes que giram fora de órbita em seus espagos de externalidade. O
nia se saber ambiental problematiza as teorias constituídas para nelas internalizar
urna "dimensáo ambiental" que constitui o impensável de seus paradigmas
,utros de conhecimento. No entanto, o saber ambiental náo vem completar a falta
ora o de conhecimento das ciéncias nem seu propósito é retotalizar e reunificar o
de se conhecimento. O ambiente é a falta irremediável de conhecimento das cién-
lagó- cias. É a exterioridade do saber ambiental que questiona o encerramento do
beres conhecimento objetivador, que, ao forgar a unificagáo do saber, gera o fra-
des- cionamento das ciéncias e o desconhecimento do saber. O saber ambiental é
o ator dissidente do projeto epistemológico totalitário das ciéncias.
A sustentabilidade aparece no horizonte dessa desconstrugáo da histó-
ria, mas náo poderá formular-se como um objetivo a ser alcangado por via
da racionalidade cognoscitiva e instrumental. A sustentabilidade náo é solu-
cionável a partir do conhecimento (da gestáo científica, da interdisciplinari-
dade ou da prospecgáo tecnológica). A construgáo de um futuro sustentável
é um campo aberto ao possível, gerado no encontro de outridades em um
)essa diálogo de saberes, capaz de acolher visóes e negociar interesses contrapos-
com- tos na apropriagáo da natureza. O diálogo de saberes é formulado a partir
ia. A do reconhecimento dos saberes — autóctones, tradicionais, locais — que
tivos aportam suas experiéncias e se somam ao conhecimento científico e especia-
Info- lizado; mas implica, por sua vez, o dissenso e a ruptura com urna via homo-

375
ENRIQUE LEFF

génea para a sustentabilidade; é a abertura para a diversidade que rompe a sustenta-


hegemonia de urna lógica unitária e vai mais além de urna estratégia de apropria
inclusáo e participagáo de visóes alternativas e racionalidades diversas, cujas desejo e
diferengas seriam canalizadas por urna racionalidade comunicativa para lidade, d
fazé-las convergir em um "futuro comum". Levii
Nesse sentido, a aposta em urna política da diferenga está levando á mologia
reinvengáo de identidades culturais e á elaboragáo de novas estratégias de objetivas
reapropriagáo da natureza. Essa política se estabelece em um espato de con- baseada
frontagáo, resisténcia e negociagáo com a globalizagáo económico-ecológica satisfagá
que encontra e se enfrenta com seu Outro nas comunidades indígenas e humana
camponesas locais. No diálogo de saberes, é colocado em jogo um processo enlata á
de reapropriagáo de saberes, de conhecimentos, de discursos. É um campo diálogo d
de debate, confrontagáo e disputa de sentidos no qual se constituem novas e o inefás
identidades, a partir das quais se abre um diálogo entre comunidades e um
bém, o d
intercámbio de experiéncias entre sociedades camponesas e grupos indíge-
assimiláv(
nas. É a aposta política dessa hospitalidade levinasiana, em que a identidade
de ambie
cultural recebe as outras culturas (ao outro) fora da totalidade sistémica,
variedade
como um ato de solidariedade no qual se potencializam mutuamente e em
via de col
que surge algo novo e inédito no campo da história.
saber dos
O diálogo de saberes é formulado na fecundidade da outridade que abre
ambiental
um porvir que náo está dado nem na extrapolagáo do presente nem na con-
para dar I
dugáo racional de um processo de desenvolvimento fundado no conheci-
mento. O futuro — o porvir — está além da geratividade do mundo mate- formas di
rial, da novidade que emerge da evolugáo biológica e da mutagáo genética, A susi
da invengáo e da inovagáo tecnológica. Está além do devir e da transcendén- sensos ql
cia como expressáo de algo contido de antemáo dentro de uma ordem onto- comunica
lógica, epistemológica e fenomenológica; como urna potencialidade do ser, no enconi
do real e da linguagem. A outridade corno o encontro entre mim e vocé, do que o mo
Mesmo com o Outro, abre um mundo para o que pode chegar a ser no inclusáo c
encontro e diálogo entre seres falantes. logo de s¿
Se o ser se transcende em sua relagáo com o outro, isso significa que o da lingual
futuro náo é apenas atualizagáo e transcendéncia da poténcia do real, do ele- lidade e á
mento que desdobra seu ser libertado das barreiras e cadeias que Ihe im- poder. A
póem a realidade, o interesse, a economia, a razáo. O porvir náo é o desen- estratégia:
volvimento dialético do ser ou da matéria no sentido de um futuro sustentá- lidade nác
vel como poténcia do real, da razáo ou da consciéncia. Sem dúvida, rizagáo e ;

376
RACIONALIDADE AMBIENTAL

[pe a sustenta-se e funda urna poténcia do real e se desdobra em um processo de


a de apropriagáo dessa poténcia pelo pensamento; mas é impulsionado pelo
rujas desejo e pela abertura á outridade, que transcende (está mais além de) a rea-
para lidade, do ser e da existencia.
Levinas transcende a fixagáo objetivista e o cerco totalitário da episte-
do á mologia e da ontologia, para compreender a construgáo do mundo — sua
ls de objetivagáo — a partir da outridade; náo escapa, no entanto, a urna ética
con- baseada em urna concepgáo humanista da existencia guiada pelo gozo, pela
ígica satisfagáo,pela felicidade, pela ética corno forma suprema da condigáo
las e humana que rege a significagáo do ser e nosso agir no mundo. Essa visáo se
:esso enlaga á compreensáo do ambiente como o Outro da ciencia e que abre um
impo diálogo de saberes; que náo apenas reconhece o inédito, o incompreensível
tovas e o inefável do Outro que aparece na injustiga e na desigualdade, mas, tam-
e um bém, o direito á diferenga e do absolutamente outro das identidades náo
díge- li
assimiláveis a um código superior de conhecimento e justiga. A racionalida-
dade
de ambiental incorpora, nas relagóes de outridade, o "outro cultural", a
mica,
variedade de formas de compreensáo e significagáo do mundo que abrem a
e em
via de construgáo de um futuro sustentável a partir das formas de ser e de
saber dos poyos. O diálogo de saberes se inscreve em urna racionalidade
abre
ambiental que leva á desconstrugáo da globalizagáo totalitária do mercado
con-
para dar passagem á construgáo de sociedades sustentáveis a partir de suas
heci-
formas diversificadas de significagáo da natureza.
nate-
A sustentabilidade náo é a ecologizagáo do planeta e está além dos con-
Itica,
sensos que unificam mundos de vida orientados por urna racionalidade
idén-
)nto- comunicativa para um futuro comum. O destino é um infinito que se forja
• ser, no encontro de muitos mundos, de mundos que se olham com outros olhos,
é, do que o moldam de outra forma. Os saberes que ali se encontrara admitem a
Ir no inclusáo do náo-ser no ser, em urna relagáo que náo é urna dialética. O diá-
logo de saberes se estabelece em um campo de forgas em que a criatividade
iue o da linguagem e a fala transcendem a rima dos significados atribuídos á rea-
) ele- lidade e á inovaláo pura da palavra. É um diálogo habitado e habilitado pelo
im- poder. A produgáo de sentidos no campo da sustentabilidade emerge em
esen- estrategias de poder no saber. A disputa de sentidos em torno da sustentabi-
entá- lidade náo resulta da polissemia de significantes, mas de estratégias de valo-
vi da, rizagáo e apropriagáo da natureza.

377
ENRIQUE LEFF

As nogóes de desenvolvimento sustentável ou de sustentabilidade adqui- diferencial


rem seu sentido dentro de formagóes discursivas organizadas por estratégias to sustenta
de poder, seja para a recodificagáo da natureza (dos bens e servigos ambien- que tira su
tais) em termos económicos e valores de mercado, seja pela valorizagáo cul- (economic
tural da natureza. As nogóes de desenvolvimento, de biodiversidade, de ter- se inscreve
ritório, de autonomia emergem para configurar estratégias que mobilizam sentagáo d
agóes sociais, que legitimam direitos, que reinventam identidades associadas Pois, come
á reapropriagáo social da natureza. Essas estratégias de poder no campo do
saber ambiental se desdobram no diálogo de saberes entre intelectuais e gru- A relag
pos de base na invengáo de discursos teóricos e políticos que se entretecem, elas, cc
se hibridam, se mimetizam e se confrontam em um diálogo entre as comuni- dualiek
dades e a academia, entre a teoria e a práxis, entre o saber indígena e o conhe- univers
cimento científico da natureza. seu cor
A epifania do rosto como ética que transcende a ontologia do ser deve na real
ser repensada, assim, como um encontro entre seres e um diálogo de saberes mento
na perspectiva de urna racionalidade ambiental, reformulando a relagáo de a re
sociedade-natureza, matéria-cultura, real-simbólico. Pois, junto com a ética sentido
da outridade do vocé e eu, da ruptura com a mesmidade que funda a meta- com top
física e a ciéncia, aparece esse Outro — o ambiente — como externalidade de urna
do logos (das ciéncias objetivantes, da realidade gerada como reflexáo do mar de
conhecimento sobre o real). O saber ambiental emerge ah corno o absoluta-
mente Outro das ciéncias fechadas em seus objetos de conhecimento. O Nessa
Ambiente produz urna significáncia que transcende toda possível transmuta- témico, Le
gáo do Outro no Mesmo, a absorgáo dos diferentes níveis de geratividade da de urna ord
matéria (do cosmos á biosfera e á noosfera) em urna ordem ecológica e um nalizados, c
pensamento holístico que reabsorva suas diferengas em urna nova totalidade violéncia
sistémica. O saber ambiental e o diálogo de saberes conduziriam, assim, a económica
urna "experiéncia do totalmente exterior, táo contraditório em termos como através do 1
urna experiéncia heterónoma" (Levinas, 2000: 53). rosto, que,
A máxima ética que se expressa na epifania do rosto no mandamento mento do o
"náo matarás" transcende, na ordem de uma racionalidade ambiental, o res- se subordin
peito á vida do próximo para deixar que a vida seja e dar vida ao ser. Isso um campo
implica náo matar a diversidade de formas de vida e formagóes culturais; logo adquir
deixar ser a natureza e os significados culturais, a riqueza de seres e de sabe- conflitos pc
res. O diálogo de saberes desativa, assim, a violéncia exercida pela homoge- nalidade co
neizagáo forgada do mundo diverso, pela submissáo de vontades e visóes mento do o

378
RACIONALIDADE AMBIENTAL

lui-
diferenciadas a um discurso universal sobre a natureza e o "desenvolvimen-
Pas to sustentável", pela sujeigáo a um sistema (lógico, ecológico, económico)
en- que tira substáncia do ser para submeté-lo ao poder de uma lógica suprema
:u1- (economicizagáo da natureza, do homem, da cultura). O diálogo de saberes
ter- se inscreve na desconstrugáo do mundo globalizado preso á forma de repre-
am sentagáo da realidade que produz o logocentrismo e o pensamento único.
Pois, como assinala Levinas,
das
do
A relagáo com as coisas, a dominagáo das coisas, esta maneira de estar sobre
;ru-
elas, consiste precisamente em náo abordá-las jamais a partir da sua indivi-
dualidade [que] só existe (e é) acessível a partir da generalidade, a partir do
mi-
universal, a partir das idéias, a partir da lei. Apreendemos a coisa a partir de
he-
seu conceito. A violéncia, que parece ser a aplicagáo de uma forga a um ser,
na realidade nega ao ser toda sua individualidade, tomando-o como ele-
eve
mento de seu cálculo e como caso particular de um conceito. Essa maneira
:res
gáo de a realidade sensível oferecer-se através de sua generalidade, de ter um
sentido náo a partir dela mesma, mas sim a partir de relagóes que sustenta
tica
com todos os outros elementos da representagáo [de um sistema] e no seio
eta-
ade de uma representagáo que já se apoderou do mundo, é o que se pode cha-
do mar de forma desta realidade (ibid.: 2000: 86-7).
ata-
Nessa denúncia da violéncia do conceito, da teoria e do pensamento sis-
.O
témico, Levinas parece reivindicar os saberes subjugados pelo peso do poder
ata-
: da de urna ordem lógica suprema, de uma lei universal, dos saberes institucio-
um nalizados, cujo melhor exame nos foi legado por Michel Foucault. Contra a
ade violéncia da sujeigáo ás relagóes sistémicas sob o domínio da racionalidade
i, a económica e da racionalidade instrumental, levanta-se a voz da outridade
mo através do diálogo de saberes. É ali que Levinas faz intervir a expressáo do
tosto, que, mais do que o reflexo de um pensamento que anima ao conheci-
to mento do outro, convoca a um ato de interlocugáo no qual seres diferentes
-es- se subordinam um ao outro em um diálogo de saberes no qual se estabelece
sso um campo de sentidos plurais que provém da diversidade do ser. Nesse diá-
ais; logo adquirem expressáo seres culturais constituídos por seus saberes, cujos
be- conflitos poderáo ser resolvidos no consenso gerado através de urna racio-
ge- nalidade comunicativa, mas que náo dissolvem suas diferentes no conheci-
" es mento do outro ou em um saber de fundo comum:

379
ENRIQUE LEFF

O que é expresso náo é um pensamento que anima ao outro [autrui], é tam- saber am
bém o outro [autrui] presente nesse pensamento. A expressáo torna presen- náo é a c
tes o comunicado e o comunicante, eles se confundem nela. Mas isso tam- poténcia
pouco quer dizer que a expressáo nos brinda conhecimento do outro Infinito q
[autrui]. A expressáo nos fala de alguém, náo é um dado sobre urna coexis- di al ética.
téncia, náo suscita, além do saber, urna atitude; a expressáo convida alguém abre o m
a falar. A atitude mais direta para um ser Kath Autó náo é o conhecimento mesma cc
que podernos ter dele, mas, precisamente, a negociagáo social com ele [...] tram e di
O ser presente domina ou penetra sua própria aparigáo: ele é o interlocu- nhece sua
tor. Os seres que se apresentam um ao outro se subordinam um ao outro. outridade
Tal subordinagáo constitui o acontecimento prirneiro de urna transigáo É nes!
entre liberdades e de um mandamento [...]. Um ser manda no outro, sem pria relag
que isso seja simplesmente em fungáo de um todo que abraga, de um siste- produz m
ma, e sem que isto seja por tirania (ibid.: 88).
A inte
No dizer de Lenger (em sua entrevista a Levinas), este "mostra fenome- mas n
nologicamente que o Dizer do outro antecede o Cogito e que inaugura pela sofism
primeira vez cada sentido possível de cada pensamento possível" (ibid.; torna
105). Essa relagáo ética desloca a subjetividade transcendental para a exte- locuto
rioridade do ser, que é, ao mesmo tempo, a exteriorizagáo do conhecimen- solitár
to para o saber em relagáo com o ser e o real e náo apenas do eu em relagáo
com o próximo. O diálogo de saberes reenlaga assim a ética, a ontologia e a O diál
epistemologia. É um trancado do real, do simbólico e do imaginário tensio- tividade d
nado pela outridade situada na diversidade cultural. consenso.
Em face do projeto totalizante do conhecimento objetivo e da fixagáo res sociais
do conhecimento no presente, da história baseada em "fatos", de um futuro se negocia
limitado á extrapolagáo das tendéncias da realidade, sem mudangas, sem cria- entre seres
tividade, sem possibilidade, o diálogo de saberes restabelece a relagáo entre o conciliagál
ser e o saber, abre o conceito genérico do ser (Heidegger) para pensar a diver- demais. O
sidade do ser cultural dentro de uma política da diferenga e para a reapro- logo de sa
priagáo do mundo arraigado na reconstituigáo das identidades culturais. tos que ah
O diálogo de saberes póe em contato seres e saberes que náo se subme- relagáo do
tem nem retotalizam como simples variantes do Uno e o Mesmo. Sáo rela- na realida
góes de outridade em relagáo ás suas diferengas irreconciliáveis; mas que, ao objetivida(
mesmo tempo, se dáo em um "fundo" de Outridade, em um espato e um O futL
tempo que estáo fora da positividade do conhecimento, na esfera de um nháo de ui

380
RACIONALIDADE AMBIENTAL

tam- saber ambiental como Outro do conhecimento, nessa transcendéncia que


men- náo é a do "desenvolvimento" daquilo que está na imanéncia do ser e na
tam- poténcia do real, mas nesse devir para o futuro mais além do presente, nesse
tro Infinito que está mais além da transcendéncia orgánica, fenomenológica ou
exis-
,
dialética. É a condigáo existencial do existente — do ser simbólico —, o que
;uém abre o mundo a urna face de diferenciagóes que, sendo galhos de urna
rento mesma condigáo humana, configuram identidades que se vivero, se encon-
[...1 tram e dialogam a partir da relagáo de constituigáo do ser-saber que reco-
locu- nhece sua alteridade fundamental, sua diferenga radical, sua irreconciliável
utro. outridade.
sigáo É nesse sentido que Levinas afirma que "a relagáo com o porvir é a pró-
sem pria relagáo com o outro" (Levinas, 1993: 117). 0 encontro de saberes se
siste- produz mais além da consciéncia e do conhecimento, já que,

A intencionalidade da consciéncia permite ao eu distinguir-se das coisas,


pme- mas náo faz desaparecer o solipsismo [que, como afirma Levinas, náo é um
pe la sofisma, mas a própria estrutura da razáoj, porque seu elemento, a luz, nos
bid.; torna donos do mundo exterior, mas é incapaz de nos encontrar um inter-
Ixte- locutor. A objetividade do saber racional náo elimina em absoluto o caráter
nen- solitário da razáo (ibid.: 105).
agáo
aea O diálogo de saberes náo é, pois, o que se coloca em jogo na intersubje-
risio- tividade da racionalidade comunicativa para dissolver as diferengas em um
consenso. Embora seja certo que as contradigóes entre interlocutores e ato-
agáo res sociais remetem ao campo político da "resolugáo de conflitos", em que
.turo se negociam interesses e se alcangam acordos, isto náo dissolve as diferengas
cria- entre seres culturais. Por isso o diálogo de saberes, mais que uma fusáo ou
tre o conciliagáo entre opostos, produz um excesso que se dá no encontro com os
iver- demais. O que abre a história para o porvir de um futuro sustentável no diá-
pro- logo de saberes náo é apenas o incognoscível, o náo representável de even-
tos que ainda náo afloram á realidade e ao pensamento, mas, também, essa
>me- relagáo do saber com o real e a existéncia que, sem deixar de ter referentes
tela- na realidade, está em um espato de externalidade do conhecimento e da
ao objetividade do presente.
um O futuro sustentável náo é devir de urna consciéncia coletiva, a comu-
um nháo de urna coletividade diante da crise ambiental. A construgáo social da

381
ENRIQUE LEFF

sustentabilidade se dá em outra dimensáo do possível e da criatividade que


cursivo e sI
puderam intervir a partir da consciéncia do sujeito. Póe em jogo aquilo que
sustentaba
emerge de relagóes de outridade. Náo é táo-somente a relagáo que surge do
priagáo da
encontro de indivíduos que se comunicam de seu próprio eu; também
mínio) da t
enfrenta e concilia identidades coletivas que se apresentam diante de um eu
flito ambie
privado. Esses "comuns" náo se dissolvem no que a humanidade tem em
meio do co
comum, na generalidade do humano, em uma consciéncia de espécie. Junto
plinar do s:
com a individualidade do eu, o fato humano se organiza em formagóes cul-
gáo social •
turais diferenciadas, em coletividades de seres com identidades próprias que
diregáo ao
se reconfiguram e atualizam em uma relagáo com o saber, de estratégias de
O diála
poder no saber, que se definem em relagáo com a natureza, com os outros
rem de pos
naturais e com esse Outro que é a racionalidade modernizadora.
urna realick
A outridade que conforma o campo de foros onde se produz o diálogo
manifestar-:
de saberes está além da positividade do conhecimento que fixa a realidade
tos, de falal
em um presente; de um princípio hologramático e de um pensamento holís-
do campo d
tico, em que a parte está num todo e o todo em cada parte em urna totalida-
do ser e do
de de inter-relagóes sem outridades. As relagóes de outridade náo sáo urna
go de dissid
dialética em que o contrário seja internalizável como um alter ego dentro de
em seu tron
um sistema; náo é uma alteridade assimilável em um movimento previsível
todo totalit
ou em um desdobramento do ser, ou na produgáo de urna novidade, na
transparente
emergéncia de urna consciéncia de si a partir de um fundamento ecológico
nar o mund
do ser.
enfrenta, as;
O saber ambiental náo se justifica pela certeza de seus postulados e sua
criminam
correspondencia com a realidade. Seu sentido mais forte é o que estabelece
Diante
com a utopia, como pensamento que mobiliza a construgáo de outros mun-
designar os
dos possíveis e novas realidades sociais, abrindo o cerco do conhecimento
em um senti
consabido. O saber ambiental náo apenas se manifesta no modo propositivo
fundada nác
e argumentativo do discurso no campo conflituoso dos sentidos da sustenta-
gáo a um oh
bilidade. Também se encarna nos imaginários coletivos, as cosmovisóes e
fundada em
formagóes simbólicas que se plasmam nos saberes, técnicas e práticas que
nário da pa!
configuram estilos e identidades culturais e nas formas de organizagáo socio-
cultural produtiva de apropriagáo da natureza.
A fungáo
O diálogo de saberes na construgáo de um futuro sustentável náo pro-
em comu
duz, pois, a síntese e integragáo das ciencias e dos saberes existentes: enlata
cias; mas
palavras, significagóes, razóes, práticas, propósitos que, em suas sintonias e
te alguén
dissonáncias, seus acordos e dissensos, váo formando um novo tecido dis-
esséncia

382
RACIONALIDADE AMBIENTAL

e que
cursivo e social. O diálogo de saberes se manifesta na disputa de sentidos da
o que
sustentabilidade e se expressa por interesses contrapostos em torno da apro-
ge do
priagáo da natureza. Mas o conflito social gerado pela externalizagáo (exter-
nbém
mínio) da natureza náo se reabsorve em urna retotalizagáo do saber. O con-
am eu
flito ambiental náo é solucionável (reintegrável no Uno e no Mesmo) por
• em
meio do conhecimento objetivo da ciencia nem pela reintegragáo interdisci-
Junto
plinar do saber, deslocando a problemática de um conflito pela reapropria-
cul-
¡áo social da natureza. É, sim, onde a interdisciplinaridade se desloca em
as que
diregáo ao diálogo de saberes.
ias de
O diálogo de saberes articula palavras em discursos que váo além e dife-
)utros
rem de postulados de urna axiomática, de urna racionalidade instaurada em
urna realidade, para dar coeréncia e consistencia áquilo que hoje cometa a
iálogo
manifestar-se no encontro e enlagamento de discursividades, de pensamen-
lidade
tos, de falas e de agóes que a relagáo entre o ser e o saber formula. Trata-se
holís-
do campo de urna política da diferenga que póe em movimento urna relagáo
talida-
do ser e do real com o Outro e com o Infinito. O saber ambiental é o espa-
o urna
go de dissidéncia do conhecimento centrado, da epistemologia acovardada
Ltro de
em seu trono unitário e em seu reino universal. O saber ambiental combate
vísível
todo totalitarismo do conhecimento: em seu propósito holista, sistémico,
de, na
transparente; em seu objetivo coisificador e em seu afá de controlar e domi-
lógico
nar o mundo. O saber ambiental náo aspira á totalidade, e sim ao infinito;
enfrenta, assim, o logocentrismo das ciencias e os regimes de poder que dis-
3e sua
criminan' os saberes náo científicos.
belece
Diante de urna epistemologia que procura empunhar a palavra para
mun-
designar os objetos da realidade, no diálogo de saberes a fala é empenhada
mento
em um sentido dialógico em face do outro, em uma construgáo da realidade
ositivo
fundada náo no crescimento do conhecimento que avanga em sua adequa-
stenta-
láo a um objeto preexistente, mas na construgáo de urna realidade possível
isóes e
fundada em urna ética da outridade. Levinas recupera assim o sentido origi-
as que
nário da palavra:
socio-
A fungáo original da palavra náo consiste em designar um objeto para entrar
.o pro-
em comunicagáo com outro, em um jogo que carece de maiores conseqüén-
enlaga
cias; mas sim em assumir a respeito de alguém urna responsabilidade peran-
Dnias e
te alguém. Falar é empenhar interesses humanos. A responsabilidade seria a
lo dis-
esséncia da linguagem [...1 Reconhecer a prioridade do objetivo náo exclui

383
ENRIQUE LEFF

que as pessoas desempenhem um papel: náo há coragáo sem razáo, e náo há própri
razáo sem coragáo (Levinas, 1996: 40, 50). 2000:

O saber náo é o conhecimento que leva á objetivagáo do ser, á fixagáo A rela


do real na realidade, do controle e manipulagáo da natureza e da sociedade, urna transe
mas sim aquele que surge da exigéncia de enfrentar a violéncia do náo-saber zagáo do r
Por isso, a filosofia pode ser definida como "urna subordinagáo de todo ato do enconti
ao saber que cabe possuir sobre esse ato, sendo o saber, justamente, a exigén- creve em 1
cia desapiedada de náo passar ao largo de nada, de superar a congénita estrei- estaria á e5
teza do ato puro e remediar assim sua perigosa generosidade" (ibid.: 64). seio das re
O diálogo de saberes se produz em um novo espato de relagóes que ca da difei
ultrapassa o campo comunicacional estabelecido por regras de racionalida- identidade
de. É um encontro entre seres diferenciados através de discursividades cujos la a ecolog
sentidos transcendem as relagóes entre as coisas do mundo marcadas por ciéncia, o j
signos que, a partir de urna densidade histórica de significados atribuídos á O diáll
consenso a
realidade, foram postuladas, codificadas e afirmadas nas expressóes da lin-
convoca e
guagem ou em suas estratégias argumentativas sobre um "estado de coisas".
no campo
O diálogo de saberes está além da positividade da linguagem que afirma o
gáo social
ser e o pensamento, que se faz presente em toda anunciagáo e predicagáo. O
mais além
diálogo de saberes convoca, também, ao encontro essas sombras do nada
eu que, ab,
que acompanham a criatividade que surge de toda denominagáo das coisas único, do f
do mundo e a emergéncia do novo que emana do encontro de saberes: o zador. O d
irrepresentável, o inefável, o insólito, o inédito; que póe em predicamento que, sem re
todo predicamento que procura instaurar sua realidade e fixar sua presenta tórios do se
como presente intemporal. O ser-saber dialoga com o que ainda náo é e com ca que imp
o que nunca advém ao ser, mas que mobiliza o surgimento do pensamento e
a insurgéncia da agáo. Saber ante outro, ante o outro, o desejo de ser; é pen- gerados sab
sar mais além do que se pensa: de experién
hibridando
O Desejo é arder em um fogo diferente da necessidade que a saciedade to, óbvio o
extingue, pensar mais além do que se pensa. Por causa desse aumento Mas- diversas culi
similável, por causa desse mais além, ternos chamado de Idéia do Infinito a gáo, nem ini
relagáo que vincula o Eu com o Outro. [...] O infinito náo é, entáo, o corre- O diálo
lato da idéia do infinito, como se a idéia fosse urna intencionalidade que se que dialoga
realizara em seu objeto [...I Falar é antes de tudo este modo de vir de trás da duzíveis", fc

384
RACIONALIDADE AMBIENTAL

aáo há própria aparéncia, de trás de sua forma, urna abertura na abertura (Levinas,
2000: 63, 60).

,xagáo A relagáo de outridade abre um devir e um porvir que náo provém de


edade, uma transcendéncia dialética, de urna determinagáo genética, de urna reali-
-saber zagáo do real, de urna produtividade do ser. É urna eventualidade que vera
do ato do encontro do ser e do saber com o impensado. O diálogo de saberes se ins-
xigén- creve em urna política da diferenga que transcende todo ecologismo, que
estrei- estada á espera da emergéncia de urna consciéncia ecológica prefigurada no
4). seio das relagóes ecossistémicas que sustentara a vida do planeta. É a políti-
es que ca da diferenga que impede urna reabsorgáo dos diversos seres, saberes e
salida- identidades no Mesmo, no Uno, seja esta a unidade das relagóes que postu-
la a ecologia generalizada, a unidade dialética dos contrários, a unidade da
cujos
ciéncia, o pensamento único ou o cerco hegemónico da lei do mercado.
as por
O diálogo de saberes náo é um diálogo intersubjetivo na busca de um
iídos á
consenso através de urna racionalidade comunicativa. O diálogo de saberes
da lin-
convoca e se insere em urna política da interculturalidade, que é formulada
oisas".
no campo estratégico do posicionamento de atores sociais ante a reapropria-
irma o
láo social da natureza e a construgáo de um futuro sustentável. Esse futuro
gáo. O
mais além do conhecimento náo é apenas obra da fecundidade do Eu, de um
) nada eu que, aberto ao Outro, transcende o cerco do Mesmo, do pensamento
coisas único, do fim da história por um logos centralizador e um mercado globali-
eres: o zador. O diálogo de saberes se desdobra a partir de identidades próprias
mento que, sem recurso a urna esséncia, se "reconfiguram" inventando novos terri-
esenga tórios do ser, que se demarcam do Grande Outro da globalizagáo económi-
e com ca que impóe sua razdo de foro maior, para falar a partir de novos lugares
rento e do ser. Do arraigamento do ser cultural em identidades e seus territórios, sáo
é pen- gerados saberes ambientais que se encontrara e dialogam em um intercambio
de experiéncias, resolvendo os conflitos gerados por interesses contrapostos,
hibridando as ciéncias com os saberes e práticas tradicionais. Náo é, no entan-
iedade to, óbvio o processo mediante o qual se estabelece o diálogo de saberes, as
o inas- diversas culturas se fertilizam e sáo construídas solidariedades — nem unifica-
'inito a gáo, nem integragáo, nem consenso — entre suas diferengas. 5
corre- O diálogo de saberes como tensáo e solidariedade entre seres culturais,
que se que dialogam a partir de suas diferengas nem sempre integráveis nem "tra-
trás da duzíveis", formula-se como condigáo da democracia no campo da sustenta-

385
ENRIQUE LEFF

bilidade; o que ultrapassa o propósito de urna gestáo do desenvolvimento so póe e


sustentável baseada somente no conhecimento da ciéncia ou no conheci- dente [..
mento especializado, para incluir as diferentes visóes, saberes e interesses Outro o
culturais que participam, fora da ciéncia, dos processos sociais de reapro- que por
priagáo da natureza. Neste sentido, o futuro sustentável náo poderla ser que dou
assegurado mediante uma racionalidade cognoscitivo-instrumental. Melhor, cia a inv
póe em jogo urna multiplicidade de racionalidades e interesses, cuja resul- curso, ui
tante será um mundo mais democrático, diverso, justo, criativo e sustentá- relagáo.
vel, onde nada está assegurado de antemáo. no Mesr
Mas, se a sustentabilidade está "além" de um processo conduzido pelo efetivarr
controle da razáo (científica, interdisciplinar), o diálogo de saberes abre question
caminhos para transitar de um mundo objetivado para a ressignificagáo do
mundo que subverte e transcende urna comunicagáo de valores e urna lógi- A palay
ca que orientaria o processo de desenvolvimento no sentido de um "futuro acesso: náo
comum" (a internalizagáo de uma consciéncia ecológica e de um valor da presente, m:
sobrevivéncia da vida), e á negociagáo de interesses sob a lógica do merca- as possibilic
do. A sustentabilidade convoca a urna palavra nova para reconduzir a histó- "desenvolvii
ria, urna palavra que emerge da relagáo com o outro, que procede de urna O diálogo
diferenga absoluta: fazendo-se e
cimento hol
Esta relagáo entre o Outro e mim, que brilha em sua expressáo, náo termi- coisificados,
na nem no número nem no conceito. O Outro permanece infinitamente entendimem
transcendente, infinitamente estrangeiro, mas seu rosto, no qual se produz mas diferem
sua epifania e que me chama, rompe com o mundo que pode ser comum res se oferec
para nós e cujas virtualidades se inscrevem em nossa natureza e que desen- bio de expe:
volvemos também por nossa existéncia. Mas a palavra procede da diferen- metodologi:
ga absoluta. Ou, mais exatamente, urna diferenga absoluta náo se produz em como o pens
um processo de especificagáo no qual, descendendo de género a espécie, a naridade das
ordem das relagóes lógicas se choca contra o dado que reduz a relagóes: a go de sinerg,
diferenga assim encontrada permanece solidária á hierarquia lógica na qual do mundo a
resulta e aparece sobre o fundo do género comum. A diferenga absoluta, que a geragá
inconcebível em termos de lógica formal, só se instaura pela linguagem. A compreensá(
línguagem leva a cabo urna relagáo entre os termos que rompem a unidade e da disputa
de um género. Os termos, os interlocutores, se absolvem da relagáo ou con- reza e da cul
tinuara sendo absolutos na relagáo. A linguagem se define talvez como o
próprio poder de romper a continuidade do ser ou da história [...] O discur-

386
RACIONALIDADE AMBIENTAL

lento
-
so póe em relagáo com aquilo que continua sendo essencialmente transcen-
[heci- dente [...] No Discurso, a diferenga que se acusa inevitavelmente entre o
-esses Outro como meu tema e o Outro como meu interlocutor, eximido do tema
apro- que por um instante parecia possuí-lo, póe logo em tela de juízo o sentido
a ser que dou a meu interlocutor. Por isso, a estrutura formal da linguagem anun-
;Ihor, cia a inviolabilidade ética do Outro [...] O fato de o rosto manter, pelo dis-
esul- curso, urna relagáo comigo náo o alinha no Mesmo. Permanece absoluto na
entá- relagáo. A dialética solipsista da consciéncia, sempre suspeita de ficar cativa
no Mesmo, se interrompe. A relagáo ética que sustenta o discurso náo é,
pelo efetivamente, urna variedade da consciéncia cujo ralo parte do Eu. Esse
abre questionamento parte do outro (Levinas, 1977/1997: 208-9).
io do
lógi- A palavra nova náo encontra o campo lavrado, nem livres as vias de
ituro acesso: náo só pelas cargas denotativas da linguagem que arrasta a realidade
Dr da
presente, mas sobretudo pelas estratégias de poder no saber, que dificultam
.erca- as possibilidades da sustentabilidade convertendo-as em urna retórica do
adesenvolvimento sustentado", na afirmagáo de um presente insustentável.
urna O diálogo de saberes abre assim urna via de compreensáo do mundo
fazendo-se e transformando-se em sua diversidade, para além de um conhe-
cimento holístico da realidade a partir de saberes objetivos sobre processos
ermi- coisificados, realizados. O conhecimento marginaliza o sujeito e o sentido; o
riente entendimento compreende as relagóes entre processos no encontro das for-
.oduz mas diferenciadas de significagáo do outro, dos outros. O diálogo de sabe-
mum res se oferece como um processo de comunicagáo de saberes, de intercam-
esen- bio de experiéncias e complementagáo de conhecimentos. Mas náo é urna
eren- metodologia para estabelecer urna comunidade de aprendizagem, assim
iz
como o pensamento da complexidade náo é um método para a interdiscipli-
zie, a naridade das ciéncias. O diálogo de saberes náo apenas estabelece um espa-
)es: a lo de sinergias e complementaridades entre os saberes existentes a respeito
qual do mundo atual e a realidade presente, mas aponta para a produgáo (mais
que a geragáo óntico-epistémica-científica-tecnológica) de novas formas de
m. A compreensáo do mundo que emergem do intercambio dialógico de saberes
dade e da disputa de sentidos da sustentabilidade na reapropriagáo social da natu-
reza e da cultura.
con-
no o
wur-
4
387
ENRIQUE LEFF

RACIONALIDADE AMBIENTAL E FUTURO SUSTENTÁVEL: nalidade te


OUTRIDADE, SIGNIFICÁNCIA E SENTIDO racionalida
des que def
O conhecimento só conhece objetos, e também os objetos do conhecimen- e do simbó
to. Conhece objetivando o mundo. Quanto mais o apreende, mais ultrapas- razáo desco
sa o incognoscível, o impensável. O saber ambiental se desdobra na externa- de aberta a(
lidade desse centro, dessa objetividade. O nao-saber do conhecimento alga tica da raci(
seu vóo como águia sobre um abismo, flutuando sobre o vazio do pensa- dade —, pa
mento para deter a queda do ser no nada. O saber ambiental náo aspira á construir ur
retotalizagáo do mundo e á complementaridade do conhecimento pela vía apontam est
do diálogo de saberes. O saber ambiental se constrói como recuperagáo do tentabilidad
ser, abertura do mundo para o possível, liberagáo do cerco do conhecimen- A aberti
to e da jaula da racionalidade. É o sopro de vida que renasce da pulveriza- lizada pela
gáo do conhecimento objetivo, nos interstícios que se abrem de suas fraturas trazer o mui
e na diferenga do ser; pó da terra que se torna solo fertilizando urna nova fungáo criac
racionalidade, outra maneira de pensar o mundo, de viver na terra. surge a partí
Na categoria de racionalidade ambiental, o substantivo é o conceito de res, que que:
ambiente. O ambiente é o saber que emerge no espato de externalidade do ra, a mercar
logocentrismo das ciéncias modernas. A crise ambiental é gerada pelo desco- dade ambier
nhecimento do real — a exclusáo da natureza, a marginalizagáo da cultura, que gerou u
o extermínio do outro, a anulagáo da diferenga —, pela unidade, sistemici- mundo. O f
dade e homologagáo das ciéncias. A problemática ambiental é o efeito que nos quais se
produz a racionalidade formal, instrumental e económica como formas de cas geradorl
conhecimento e em sua vontade de dominagáo, controle, eficácia e econo- reoriente pe
micizagáo do mundo. Mas o ambiente náo é o campo de extermínio da sentida e cor
razáo, espato de exclusividade do inconsciente e do irracional, delírio de o nada do se
urna ética divorciada do julgamento racional. A questáo ambiental inaugura colisóes de c
urna nova racionalidade; é racional porque é pensável (incluindo a ordem do des de recuj
náo pensado e do por pensar); mobiliza saberes e agóes sociais para a cons- interativas gi
trugáo de sociedades sustentáveis. Ali onde
A racionalidade ambiental náo é urna "ecologizagáo" do pensamento do é onde a I
nem um conjunto de normas e instrumentos para o controle da natureza e sustentabil id
da sociedade, para urna eficaz administragáo do ambiente. A racionalidade tura) e sua r
ambiental orienta urna práxis a partir da subversáo dos princípios que orde- encarnado el
naram e legitimaram a racionalidade teórica e instrumental da modernida- urna racional
de. É urna racionalidade — no sentido weberiano — que articula urna racio- zagáo e da ra

388
RACIONALIDADE AMBIENTAL

nalidade teórica e instrumental com urna racionalidade substantiva; é urna


racionalidade aberta á diferenga, á diversidade e pluralidade de racionalida-
des que definem e dáo sua especificidade e identidade á relagáo do material
hecimen- e do simbólico, da cultura e da natureza. A racionalidade ambiental é uma
ultrapas- razáo desconstrutora da racionalidade da modernidade; é urna racionalida-
externa- de aberta ao impensável nos códigos da razáo estabelecida. É uma razáo crí-
ento alga tica da racionalidade dominadora — encerrada em si mesma e cega á outri-
lo pensa- dade —, para pensar a diferenga e o que ainda náo é; é uma categoria para
■ aspira á construir uma realidade que torne possível a realizagáo desses fins aos quais
pela via apontam essas desgastadas palavras (eqüidade, democracia, diversidade, sus-
Tagáo do tentabilidade), para devolver-lhes seu sentido e sua potencialidade. 6
hecimen- A abertura ao futuro náo é um mero reinício da génese do mundo mobi-
iulveriza- lizada pela auto-organizagáo da matéria e pelas infinitas possibilidades de
s fraturas trazer o mundo ao ser pela atribuigáo de significados á realidade mediante a
rr-t a nova fungáo criadora do signo. O futuro sustentável é urna construgáo social que
surge a partir da tensáo produtiva do encontro de seres e do diálogo de sabe-
aceito de res, que questiona o império de urna racionalidade coisificadora e objetivado-
idade do ra, a mercantilizagáo da natureza e a economizagáo do mundo. A racionali-
lo desco- dade ambiental renova a poténcia da palavra para significar a hiper-realidade
t cultura, que gerou urna racionalidade instrumental e as formas de conhecimento do
iistemici- mundo. O futuro sustentável se debate entre a automatizagáo de processos
feito que nos quais se aceleram as intercomunicagóes e a sinapse de conexóes eletróni-
>mas de cas geradoras de realidades virtuais, e a possibilidade de que a história se
e econo- reoriente pela via da recriagáo e multiplicagáo de sentidos — de urna vida
n ínio da
Iírio de
sentida e com sentido — que supere a vertiginosa vertigem da expulsáo para
o nada do ser pelo automatismo auto-reflexivo do cálculo e a aceleragáo de
naugura colisóes de objetos fora de todo significado que ultrapassam as possibilida-
rdem do des de recuperagáo do sentido mediante a comunicagáo de comunidades
L a cons- interativas guiadas por interesses, ideologias e paixóes comuns.
Ali onde a fala se esgota em sua capacidade de gerar comunháo e senti-
iamento do é onde a racionalidade ambiental aparece como urna razáo que orienta a
tureza e sustentabilidade e urna ética pela vida fundada no sentido da existéncia (cul-
ialidade tura) e sua relagáo com o real (natureza); onde o sentido ainda possa ser
ne orde- encarnado em um ser-aí, arraigado e territorializado na terra firme do real:
iernida- uma racionalidade capaz de contrabalangar a projegáo até o vazio da reali-
racio- zagáo e da racionalizagáo, objetivagáo e fragmentagáo do mundo conduzido

389
ENRIQUE LEFF

pelas leis cegas do mercado — de um mercado livre de idéias onde a se enfrent


palavra e o conceito deixam de "tocar" o mundo, de produzir significagóes, liza em
dissolvendo-se na transparéncia de urna realidade na qual náo há mais cria- ceito com
gáo possível. mesmo te
O ponto crucial do futuro sustentável está entre a operatividade de um rais e pro(
processo de geratividade e auto-organizagáo da matéria e do conhecimento sensibilich
(dos mecanismos da mutagáo genética e da evolugáo biológica aos da ino‘ a- sidade cu]
gá° tecnológica e a comunicagáo eletrónica na hiper-realidade virtual), e um tos e conl
devir como criatividade e poesis, um chegar a ser do Ser (Heidegger) através seres difei
da palavra e do pensamento, do sentido e da significáncia, da criatividade da góes de sa
relagáo do real e do simbólico. e heterón•
O diálogo de saberes é o processo que libera o mundo da fixagáo da rea- dade da ic
lidade na generalidade do uno — na globalizagáo de lei universal do merca- com o out
do —, para abrir o horizonte de um mais além; de um porvir cujo motor náo O diá
é a geratividade da physis, mas um campo de possibilidade que se funda na cáncia da 1
potencialidade do real mobilizado pelo desejo de ser e pela significáncia do palavras e
mundo. A racionalidade ambiental está mais além da ontologia, mas náo é e o simbó
puro imaginário. O porvir está iluminado pela responsabilidade em relagáo expulsáo (
ao outro que se expressa na epifania do rosto e que se torna agáo através do que as lín1
diálogo em um fundo de interesses contrapostos pela apropriagáo do galhos da
mundo. Nesse contexto, a responsabilidade como habilidade para responder ral da huir
ao outro se transforma no principio de um diálogo de saberes: e da identi
te semánti
a ativagáo da responsabilidade (decisáo, ato, práxis) sempre terá lugar antes reza no er ,
e mais além de qualquer determinagáo teórica ou temática [...] Dissidéncia,
diferenga, heresia, resisténcia, segredo — tantas experiéncias que sáo para- Hanun
doxais no sentido forte que Kierkegaard dá á palavra. De fato reduz-se a vin- te pro
cular o segredo a urna responsabilidade que consiste [...] em responder, quer senhor
dizer, em contestar o outro, ante o outro e ante a lei (Derrida, 1996: 26). tigóes,
se me ni
O diálogo de saberes é uma relagáo que, além de compreender as rela- nunca
góes ontológicas do mundo, mantém um compromisso de responsabilidade pre ou
com o outro; mas náo é uma pura relagáo ética, pois a ética que assume a talo ún
responsabilidade com o outro náo destrava a fixagáo do espírito totalitario
da realidade globalizada no conhecimento. O diálogo de saberes se inscreve Esta ci
dentro da diferenga que mobiliza atores sociais constituídos por saberes que recriagáo

390
RACIONALIDADE AMBIENTAL

onde a se enfrentam em processos de apropriagáo da natureza. Aqui o saber se loca-


cagóes, liza em outro lugar que náo o conhecimento que tenta correlacionar o con-
lis cria- ceito com a realidade. O saber que constitui o ser é um saber fático, mas, ao
mesmo tempo, é urna constelagáo de sentidos que organizam práticas cultu-
de um rais e produtivas. É um saber que náo renuncia á razáo, mas que a irriga com
imento sensibilidades, sentimentos e sentidos. O diálogo de saberes fertiliza a diver-
inova- sidade cultural; náo é apenas confluéncia, consenso e síntese de pensamen-
), e um tos e conhecimentos, mas urna série sem fim de relagóes de outridade entre
através seres diferenciados, sem síntese dialética, onde as hibridagóes e confronta-
Jade da góes de saberes geram novos potenciais para afiangar identidades singulares
e heterónomas que, em um processo inverso á homogeneidade e á generali-
da rea- dade da idéia universal, fortalece cada autonomia nas sinergias de encontros
m erca- com o outro e o diferente.?
tor náo O diálogo de saberes náo é um mero intercámbio simbólico. A signifi-
Inda na cáncia da linguagem destrava a fixagáo de significados estabelecidos entre as
ocia do palavras e as coisas. O diálogo de saberes reabre o diálogo entre o material
s náo é e o simbólico, entre cultura e natureza. O diálogo de saberes renasce da
relagáo expulsáo da linguagem do paraíso da unidade, depois da Babel, deixando
ivés do que as línguas se enlacem como cipós com urna natureza que desdobra os
gáo do galhos da vida na exuberante biodiversidade do planeta e da riqueza cultu-
ponder ral da humanidade. É a dispersáo que surge dessa explosáo originária do ser
e da identidade na qual a primeira palavra do símio gramático toca a semen-
te semántica em que se enlagam os signos da palavra com os signos da natu-
ir antes reza no erotismo infinito da relagáo entre o real e o simbólico:
déncia,
o para- Hanuman: símio/grama 8 da linguagem, de seu dinamismo e de sua incessan-
e a vin- te produgáo de invengóes fonéticas e semánticas. Ideograma do poeta,
Ir, quer senhor/servidor da metamorfose universal: símio imitador, artista das repe-
26). tigóes, é o animal aristotélico que copia do natural mas, assim mesmo, é a
semente semántica, a semente-bomba enterrada no subsolo verbal e que
is rela- nunca se converterá na planta que espera seu semeador, mas na outra, sem-
ilidade pre outra. Os frutos sexuais e as flores carnívoras da alteridade brotam do
;ume a talo único da identidade (Paz, 1974: 111).
ilitário
tscreve Esta criatividade da história fundada no encontro com a outridade, a
•es que recriagáo do mundo e a construgáo de um futuro, hoje aparece como urna

391
ENRIQUE LEFF

quimera mais do que como urna utopia, guando o terror na era da globali- Deve:
zagáo impóe a desconfianga em relagáo ao outro, guando a sociedade homo- E o qi
geneizada em suas formas de ser e pensar vé em seu semelhante o reflexo E o qi
fantasmagórico de um mesmo que lhe reafirma sua identidade aterrorizada, E ona
esvaziada de significado e de sentido (Heine: Der Doppelg&nger).
E, no entanto, só a relagáo com o outro abre a vida para sair da mesmi-
dade ensimesmada do eu que se afirma na presenta e no empirismo da rea-
lidade. A outridade é a condigáo do ser — do ser ali fora do eu pois, O ser
como especula Paul Auster, "ser está sempre fora, nunca dentro de mim mes- Steiner
mo" (1990: 132). Fazendo soar o chamado do inconsciente freudiano: "wo seja em u
Es war sol Ich werden" e a poética de Baudelaire: "il me semble que je serais
toujours bien lá of4 je ne suis pas", Auster afirma "wherever I am not is the Ser n1
place where I am mysel'. Este enunciado viria a problematizar as propostas exces1
heidegeeriana e levinasiana; a primeira, por pensar o ser como ancoragem e em se
fundamento de toda ontologia; a outra, por pensar todo encontro com a que s<
outridade desde a ipseidade do eu como o lugar de onde a mesmidade pode torna'
olhar o outro, migrar até o outro. O ser fora do próprio eu (self), significa com".
que o ser náo se constitui na afirmagáo do eu a partir das determinagóes que sacrifí
lhe chegam do inconsciente, mas desde urna exterioridade do eu próprio, 20011
em relagáo com o outro. Dizer que sou no lugar no qual náo estou, significa
que náo sou ali, mas em um lugar além, fora do mundo, fora de meu mundo. O diá
Meu ser náo se constitui em urna relagáo interna, mas em urna relagáo com diferencia
urna outridade que náo é a do outro inconsciente ou da condigáo existencial perspectil
do ser para a morte, mas da externalidade do eu e do ser. Sair ao encontro síntese di¿
com o outro é desandar o caminho para chegar a esse lugar onde ainda náo de saberel
sou, onde náo estou, do qual ainda náo há um saber; lugar onde o saber seus saber
encarna no ser; onde o saber se sente e se torna sentido, seguindo a trilha diferencia
apontada por Eliot: culturais <
de sua ori
Para chegar aonde estás, para ir aonde nao estás, tir e desis
Deves ir por um caminho no qual nao há éxtase. entre seres
Para chegar ao que nao sabes humana, e
Deves pegar o caminho que é o caminho da ignorancia. gáo de ra<
Para possuir o que nao possuis, que enlagz
Deves ir pelo caminho da despossessao. pensamen
Para chegar ao que ndo és conhecim<

392
RACIONALIDADE AMBIENTAL

>bah- Deves ir através do caminho no qual ndo és.


DITIO-
E o que ndo sabes é o único que sabes
flexo E o que tens é o que ?ido tens
zada, E onde estás é onde nao estás.

esmi- Eliot, Four quartets


rea-
pois, O ser se tanga ao outro antes de poder totalizar-se em sua interioridade.
mes- Steiner nos previne sobre qualquer saída para a exterioridade do "ser com",
"wo seja em urna relagáo ética ou nas treligas da linguagem:
;erais
is the Ser nos ultrapassa com sua coergáo cega e dispendiosa. Sempre está "em
ostas excesso". Somos levados ante isso até nossa extingáo pessoal [...] Levinas,
;em e em seu diálogo contínuo com a celebragáo do ser de Heidegger, argumenta
om a que só o altruísmo, só a resolugáo de viver para os outros, pode validar e
pode tornar aceitável o terror da existéncia. Devemos transcender o ser para "ser
fica com". Uma nobre doutrina, mas também uma evasáo. Nenhum motivo de
s que sacrifício, nenhuma luta por reparar, vai ao coragáo da questáo (Steiner,
,prio, 2001b: 40).
ii fica
indo. O diálogo de saberes fertiliza a existéncia humana no encontro de seres
com diferenciados. Seu potencial náo está na geragáo de um consenso de visóes e
ncial perspectivas alternativas, de negociagáo de interesses encontrados, de urna
mtro síntese dialética ou urna ética da responsabilidade e da outridade. O diálogo
náo de saberes é urna comunicagáo entre seres constituídos e diferenciados por
>aber seus saberes; na criagáo do ser-aí no saber que se plasma no ser cultural que
Tara diferencia o ser genérico — ser para a morte em urna infinidade de seres
culturais constituídos por identidades próprias, que acarretam urna marca
de sua origem mas, ao mesmo tempo, a reinventam ao diferenciar-se (resis-
tir e desistir) da identidade global e do pensamento único. Esse encontro
entre seres no diálogo de saberes prende e acende a centelha da criatividade
humana, em que a diversidade cultural se torna inovagáo discursiva, hibrida-
gáo de racionalidades e sentidos que se desdobram ramificando processos
que enlagam diversas vias de significáncia entre o simbólico e o real, entre o
pensamento e a agáo; em que os galhos do saber se soltam do tronco do
conhecimento para converter-se em novas raízes e fertilizar novos territórios

393
ENRIQUE LEFF

do ser, do saber: produgáo infinita de sentidos que, entre filiagóes e outrida- bitadas no
des, aduba o solo da fertilidade humana. nem pela
O diálogo de saberes transcende, assim, o solipsismo do sujeito e da A rela
razáo individual e a ipseidade do eu em sua relagáo com o outro. É, sobre- segue con
tudo, o encontro de identidades coletivas fundadas em autonomias cultu- língua e n
rais, a partir de onde se desdobra um diálogo intercultural. É nesse sentido linguagem
e nesse contexto que están emergindo projetos, estudos e movimentos duz pela 1
sociais nos quais a autonomia cultural aparece como condigáo do desenvol- gem— qt
vimento sustentável e uma sociedade fundada na convivéncia de sujeitos um efeito
autónomos baseados em suas diversidades culturais e em urna política da invisível, i
diferenga. 9 nificáncia
O diálogo de saberes náo se dá em uma multirreferencialidade com a O diá]
complexidade do real a partir de um saber de fundo. Pelo contrário, o diá- designagáe
logo de saberes produz um saber sem fundo, aberto ao infinito pela intera- um de sígn
gáo do ser e do saber com o mundo, em que a relagáo do real com o simbó- forjada pel
lico transcende o significado da palavra e da coisa e ultrapassa a relagáo de poder da
significagáo entre o conceito e a realidade. O diálogo de saberes na diversi- sobrevoar
dade cultural e no contexto de uma política da diferenga náo se dá em um emancipa (
saber de fundo porque a comunicagáo é um intercámbio de sentidos, nem olhares; a
sempre e náo de todo convergentes, entre interlocutores com linguagens, está além
significáncias, intengóes e interesses diferentes; sentidos ancorados em um enfrenta se
eu (individual) e em um nós (coletivo) que náo se fundem em um todos, lidades e se
salvo pela condigáo comum de todos os homens como mortais, que afirma já pensado
o silogismo e confirma a experiéncia. energia, ge
Náo há saber de fundo em urna agáo comunicativa que implica um diá- outro, com
logo entre desiguais e diferentes, porque toda comunicagáo procura um tente; com
entendimento, e entender é sempre traduzir (Steiner, 2001a). Toda palavra cido, e con
pronunciada, toda mensagem emitida, todo sentido compartilhado póe em logo prepai
movimento um deciframento e compreensáo a partir do lugar do outro, que dá lugar á 1
náo dissolve sua diferenga em um entendimento comum; o que dissolveria a
significáncia mesma da linguagem e do ser no qual se aninha um significado A fruta
entre signo e referente. Como um jogo intergaláctico, o diálogo de saberes é E a bese
o encontro de sóis que se iluminam, se chocam e se dispersara a partir de Pois as
diferentes trajetórias, trocando luzes e cores, transformando a matéria com E as !vi
um fogo que náo consome a autonomia dos astros que em sua interagáo fun-
dem seus corpos celestiais para gerar novas estrelas que deambulam desor-

394
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ida- bitadas na entropia do firmamento que náo está selado pela palavra divina
nem pela lei universal. Espato exterior á espera da palavra humana.
; da A relagáo entre as palavras e as coisas, entre o conceito e o real, náo con-
bre- segue completar um mundo, nem sequer entre os falantes de uma mesma
Iltu- língua e no seio de urna cultura. Sempre há algo do real que se anuncia na
tido linguagem, embora nem sempre se anuncie pela palavra. A realidade se pro-
-nos duz pela linguagem. Há um algo que é gerado pela significáncia da lingua-
vol- gem — que náo é nem a designagáo da realidade já dada pela palavra nem
litos um efeito de conhecimento — que, no entanto, náo advém á presenta, é
a da invisível, impensável e inefável. Esse algo por vir que nasce da relagáo de sig-
nificáncia entre o real e o simbólico é ativado pelo diálogo de saberes.
,m a O diálogo de saberes abre os sentidos que se fecham e se esgotam na
diá- designagáo do mundo pela palavra, em que a existéncia fica consignada em
:era- um desígnio, em urna dívida-significado-culpa do ser em relagáo á realidade
rrbó- forjada pelo signo e o código, ante a qual o sujeito resignado, submetido ao
o de poder da palavra que fixa o real em urna realidade, deixa de bater asas e
ersi- sobrevoar o mundo em busca de novos significados. O diálogo de saberes
um emancipa o poder da palavra a partir da tensáo de outras linguagens e outros
nem olhares; a partir da outridade do ser e do saber. Tensáo de seres-saberes que
;ens, está além da dialógica e da dialética de sentidos preestabelecidos; que
um enfrenta seres constituídos por saberes encarnados em sentimentos, sensua-
dos, lidades e sentidos que náo se recheiam e saturam na totalidade do já sido, do
irma já pensado, do já atribuído pela palavra. Estes seres-saberes se carregam de
energia, geram sinergias em sua abertura e tensáo com a outridade: com o
diá- outro, com o nada e com o náo-saber; com a diferenga e diversidade do exis-
. um tente; com o advento da existéncia em sua relagáo com o sido, com o conhe-
avra cido, e com o porvir; com o por pensar e com o que ainda náo é. Este diá-
em logo prepara o campo para urna fertilizagáo infinita de sentidos pela palavra,
que dá lugar á palavra nova, pois
ria a
:ado A fruta da estalcio passada foi comida
res é E a besta bern alimentada chutará o prato vazio
r de Pois as palavras do ano passado pertencem á linguagem do ano passado
com E as palavras do ano seguinte esperam urna nova voz.
fun-
sor- Eliot, Four quartets

395
ENRIQUE LEFF

O futuro sustentável será o fruto desse tempo novo, em que a palavra Daí si
possa banhar com seu frescor o ser seqüestrado e o real paralisado pela pala- ginária c1(
vra envelhecida, pela arma teórica que conquistou o ser e encarcerou-o em emerge e
sua realidade. Pois desde a metafísica, o pensamento tem coisificado o relagóes c
mundo, encerrando-o em seus conceitos e categorias (ser, natureza, ente, linguagen
coisa, idéia, mente, corpo). Em toda essa revoada de palavras langadas ao góes de p
vento desde a antiga Babel, a significáncia do mundo se reativa a partir da seja neces
poténcia da fala no movimento do diálogo de saberes (ao contrário do extra- saber e su
viado desejo de construir dicionários e glossários que fixem o sentido dos Náo
conceitos para atingir um consenso e uma compreensáo da complexidade mos do p
ambiental sobre um fundo comum de saber). A racionalidade ambiental náo produtiva
se submete a uma lógica da linguagem, pois a palavra é como o amor ciga- co basead
no: un enfant de Bohéme qui n'a jamais connu de loi. socialismo
É assim que a ética se reencontra com a ontologia e com a gnosiologia de econói
na relagáo do real, do imaginário e do simbólico, no ato de pensar e de sentir, Náo é a ol
de ser no mundo e de construir um mundo a partir de um ser diverso enraiza- produgáo
do em sua cultura, em suas formas de significar seus mundos de vida, a partir Sua objeti
de urna ética da outridade e de uma política da diferenga. A racionalidade ciéncia ná
ambiental na qual se inscreve o diálogo de saberes conduz a um novo concei- saída para
to do social — das relagóes sociais, do tecido social —, em que se inscrevem ridade de
os processos de sociabilidade do ser e do saber. Contra a idéia de que a socia- Levinas al
bilidade proviria da autonomia do sujeito e sua capacidade como falante,
Vigotsky compreendeu que "todas as fungóes psíquicas superiores surgem de A exis
urna colaboragáo social, [que] a linguagem interior surge da diferenciagáo da interic
fungáo originariamente social da linguagem, da progressiva individualizagáo possib
que se produz sobre a base de sua esséncia social" (Marina, 1998: 86). interic
A constituigáo originária do próprio eu proviria de sua esséncia social. A vidadc
outridade encontraria seu fundamento no "humano" sobre a base de seu Co
"ser social". A língua e a faculdade da linguagem náo sáo propriedades indi- e com ,
viduais, mas surgem da sociabilidade originária do ser humano. O que
"supóe admitir que a mente 'individual' é, na realidade, social, em sua géne- seu sir
se e seu funcionamento. A linguagem interior se origina pela introjegáo da fram
fala comunicativa, e dela retém suas propriedades. Os signos, em seu caráter (Levin
externo, sáo instrumentos objetivos da relagáo com outros. Ao se tornarem
interiores, convertem-se em instrumentos internos e subjetivos da relagáo O ser
com um mesmo" (ibid.: 87). mas imane

396
RACIONALIDADE AMBIENTAL

avra Daí surge a pergunta sobre essa "esséncia social", uma sociabilidade ori-
)ala- ginária do ser humano anterior á linguagem e á fala comunicativa, de onde
) e rn emerge e se configura o próprio eu que vai ao encontro do outro. Mas que
lo o relalóes constituem o social, se este tecido náo é feito primordialmente de
:nte, linguagem? Onde encontramos a esséncia social guando esta foge das rela-
s ao góes de produgáo, da significagáo da língua e da ordem da cultura? Talvez
.r da seja necessário rastreá-la na ordem do poder, das estratégias de poder no
ara- saber e sua encarnagáo no ser.
dos Náo podemos hoje conceber a geragáo do humano e do social em ter-
Jade mos do paradigma do progresso fundado no desenvolvimento das forgas
náo produtivas, dessa razáo dialética posta a servigo de um materialismo históri-
ziga- co baseado em sua base económica. Náo apenas pelo fracasso histórico do
socialismo real, mas porque a crise ambiental marca o limite da racionalida-
[ogia de económica e instrumental que orientou os objetivos da modernidade.
Náo é a objetividade da dialética entre forgas produtivas e relagóes sociais de
aiza- produgáo o que abre a história através de suas mudangas revolucionárias.
partir Sua objetividade fica enredada no sistema de representagáo de onde a cons-
dade ciéncia náo consegue desalienar-se da coisificagáo económica do mundo. A
ncei- saída para um mundo sustentável e com sentido existencial está na exterio-
wem ridade desse mundo coisificado e sua abertura para o ser. Nesse sentido,
ocia- Levinas afirma:
ante,
rn de A existéncia do homem permanece fenomenal enquanto continua sendo
io da interioridade. A linguagem pela qual um ser existe para outro, é sua única
agáo possibilidade de existir urna existéncia que é mais do que sua existéncia
interior [...] Entre a subjetividade fechada em sua interioridade e a subjeti-
al. A vidade mal entendida na história está a assisténcia da subjetividade que fala
seu [—] Com a exterioridade, que náo é a das coisas, desaparece o simbolismo
indi- e cometa a ordem do ser [...] O que falta á existéncia interior náo é um ser
que superlativo, que prolongue e amplifique os equívocos da interioridade e de
;éne- seu simbolismo, mas sim urna ordem na qual todos os simbolismos se deci-
o da fram pelos seres que se apresentam absolutamente: que se expressam
ráter (Levinas, 1977/1997: 220, 195).
are m
agáo O ser náo se desvela através de urna esséncia, de urna verdade oculta,
mas imanente. O ser se expressa através de um saber, que náo é um código

1 397
El

ENRIQUE LEFF

interno, mas um tecido de relagáo entre o interno e o externo, entre o mate- cometo ps
rial e o simbólico, entre o objeto e seu ambiente, entre o presente e o devir, estado da
entre o eu e o outro. O ser se constitui em relagáo com um saber e se expres- idéia univ<
sa por um discurso ante outro discurso — como o sentido que náo provém diálogo de
da relagáo unívoca do signo e o significado da coisa, mas do enlagamento de significag¿
um significante com outros significantes em um tecido discursivo. O diálo- ideologias
go de saberes é um diálogo de seres diante de urna exterioridade. Abre o que O diál
o signo fecha ao designar o ser como um ente, corno urna coisa. Póe em jogo saber: as q
novamente a palavra viva, o significante aberto diante de outro significante: volvem en
vida a part
O ser, a coisa em si, náo é, com relagáo ao fenómeno, o oculto. Sua presen- á integragá
ga se apresenta em sua palavra. Colocar a coisa em si como oculta implica- racionaliclz
ria supor que ela é para o fenómeno o que o fenómeno é para a aparéncia. culturais e
A verdade do desvelamento é a verdade do fenómeno oculto sob as aparén- toda relagá
cias. A verdade da coisa em si náo se desvela. A coisa em si se expressa. A no sentido
expressáo manifesta a presenta do ser, náo retirando simplesmente o véu do sociais (cu
fenómeno. É, de seu, presenta de um rosto e a partir daqui, chamada e ensi- mundo. Al(
namento, entrada em relaldo comigo, relagáo ética. Além disso, a expressáo o diálogo d
náo manifesta a presenta do ser ao remontar do signo ao significado. priagáo cul
Apresenta o significante. O significante, aquele que doa o signo, náo é o sig- O diálc
nificado. É necessário ter estado em sociedade de significantes para que o ce neste cal
signo possa aparecer como signo. O significante deve, pois, apresentar ante de, onde n
todo signo, por si mesmo: apresentar um rosto. A palavra [...] desbloqueia autonomia,
o que todo signo fecha no próprio momento em que abre a passagem que gáo/apr opr
leva ao significado, fazendo o significante assistir a esta manifestagáo do sig- que emerge
nificado. Essa assisténcia mede o excesso da linguagem falada sobre a lin- logo de sal
guagem escrita tornada signo [...] A linguagem náo agrupa os símbolos em mundo atuve
sistemas, decifra os símbolos. Mas, na medida em que esta significagáo ori- sobretudo c
ginal do Outro já teve lugar, na medida em que um ente se apresentou e foi nificam sua:
auxiliado, os signos distintos aos signos verbais podem servir de linguagem cultura don
(ibid.: 199). diálogo con
res tradicio
O significante deve representar-se para ressignificar o mundo, para sal- converte er
var a linguagem de seus desvios em toda denotagáo e conotagáo que desde a terapéutica
formagáo social estabelece e cristaliza significados nos imaginários sociais, foi bloquea)
na referéncia do signo com o real, do discurso com a realidade. O novo mas foram

398
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ate- cometo para o qual aponta a sustentabilidade náo pretende um retorno ao


evir, estado da linguagem anterior a Babel, ao gérmen do pensamento único e á
nies- idéia universal, para que o significante possa gerar novos sentidos do real. O
vém diálogo de saberes se inicia a partir de seres diferenciados já habitados por
o de significagóes e saberes que se constituíram em relagáo com mitos e ritos,
iálo- ideologias e imaginários, práticas sociais e paradigmas de conhecimento.
que O diálogo de saberes se estabelece no campo de estratégias de poder no
jogo saber: as que se entretecem em cada constelagáo de saberes; as que se desen-
nue: volvem em relagáo com o saber dominante para reorganizar os mundos de
vida a partir da resisténcia á globalizagáo económica, á colonizagáo do saber,
Isen- á integragáo cultural. O diálogo de saberes é um campo de confrontagáo de
► lica- racionalidades e de hibridagáo de saberes que se enraízam em identidades
ncia. culturais e em práticas de uso da natureza. O social é anterior e está além de
arén- toda relagáo denotativa entre a palavra e a coisa, do signo e do significado,
sa. A no sentido de que nenhuma linguagem logra abstrair-se das significagóes
iu do sociais (culturais) inseridas em estratégias de poder pela apropriagáo do
ensi- mundo. Além dos jogos de linguagem possíveis na produgáo do sentido real,
essáo o diálogo de saberes se inscreve em um processo de ressignificagáo e reapro-
:ado. priagáo cultural da natureza.
D sig- O diálogo de saberes, além de toda estratégia comunicativa, se estabele-
lie o ce neste campo do poder no saber, instaurado no discurso da sustentabilida-
ante de, onde nenhum termo é neutro: onde, inclusive, as nogóes de território,
lueia autonomia, cultura e natureza sáo ressignificados nesse processo de renova-
i que gáo/apropriagáo do mundo. É da disputa dos sentidos da sustentabilidade
D sig- que emerge no social urna criatividade da linguagem posta em jogo pelo diá-
a lin- logo de saberes, que rompe o cerco de racionalidade imposto sobre ao
em mundo atual. O diálogo de saberes dá a máo e abraga os saberes subjugados,
) ori- sobretudo os que deram sustentagáo ás culturas tradicionais e que boje ressig-
e foi nificam suas identidades e se posicionam em um diálogo de resisténcia com a
agem cultura dominante que impóe seu saber supremo. O diálogo de saberes é um
diálogo com interlocutores que perderam a memória e a palavra, cujos sabe-
res tradicionais foram sepultados pela modernidade importa. O diálogo se
sal- converte em indagagáo, exegese e hermeneuse de textos apagados; é urna
sde a terapéutica política para devolver a fala e o sentido de linguagens cujo fluxo
ciais, foi bloqueado. É a recuperagáo dessas "línguas que urna vez foram de fogo,
novo mas foram obliteradas em mudas cinzas" (Steiner, 2001b: 203).

399
ENRIQUE LEFF

NOTAS
Náo é necessário remeter á poesia para questionar o propósito represen-
tativo da linguagem. A arito comunicativa desdobrada para estabelecer con- 1. "Dian
sensos em torno de urna visito e de urna política do desenvolvimento susten- comunicagáo
tável náo é produto da criatividade da linguagem nem do diálogo racional. informagáo,
dever-se-ia cc
O consenso é mobilizado por processos comunicacionais que respondem a
reza enquant<
estratégias de poder que trabalham no próprio tecido do discurso e da polí- 147). Cf. cap
tica, em que os conceitos, os termos e os instrumentos da gestáo do desen- 2. "0 es
volvimento sustentado sito organizados (inovados, negociados, aplicados) mascara, miss
pela lógica do poder da racionalidade dominadora e náo por urna racionali- urna significa(
dado" (Levinl
dade dialógica crítica. O consenso se sustenta em um discurso automático
3. Georg
que se difunde por contágio e mimetismo e náo por uma resposta racional to estável. M.
de interlocutores heterónomos. Os termos se estabelecem pela forga do uso que náo poss<
e da convengáo, sem dar conta da razáo teórica do discurso ou da razáo prá- cagáo entre es
tica que orienta o sentido das agóes. "um agencian
viduagáo subj
A formagáo de urna racionalidade ambiental é um processo de renova-
gáo do mundo, de desconstrugáo dos fundamentos da civilizagáo ocidental relagóes de fo
e das falácias da globalizagáo económica. O diálogo de saberes aponta para ticipar dessa c
um renascimento que náo surgirá da palavra mestra de um deus, mas do a divisáo do tr
encontro dos seres humanos que habitam o mundo desde suas culturas e se [...] O agem
fluxos materia
desde suas condigóes existenciais. O diálogo de saberes náo é a introjegáo dos
ou urna metali
principios preestabelecidos no saber de fundo do pensamento ou de urna de fundo cabe
ética ecologista, mas do encontro de ambos nasce o sentido coletivo, a partir já conhece os <
de suas diversidades e diferengas, seus consensos e dissensos, de suas condi- lizada está pril
góes ecológicas e culturais de existéncia. os fluxos semi(
outras realidac
Em outro lugar que náo o da criagáo filosófica, teórica e poética que 4. Contra
estende suas asas e se torna mundo, a construgáo de um futuro sustentável que se trata de
terá que forjar-se no cadinho de um diálogo de saberes, onde nasce o novo "Projegáo ilógi
no encontro com a outridade, a diversidade e a diferenga; sem hierarquias, um sistema de
a partir do direito humano de fazer-se um lugar no mundo e a ser com os existe nenhur
(Baudrillard, 1
demais. Condigáo de dignidade da existéncia humana que hoje reclama seu 5. Nesse t
direito de reapropriagáo da natureza através da palavra e da fala. ria da traduldo
hermenéutica c
ra dada pode ti
emancipagáo n
suporte episten
isso, apenas sus
RACIONALIDADE AMBIENTAL

NOTAS

)n- 1. "Diante do desenvolvimento da diferenga ontológica, no sentido de urna teoria da


comunicagáo generalizada (que se sirva das contribuigóes da psicologia, da teoria da
al. informagáo, dos estudos sobre a pragmática da comunicagáo, da teoria dos sistemas),
dever-se-ia colocar urna nova meditagáo da diferenga ontológica, como valer-se da natu-
aa
reza enquanto fundo-transfundo-desfundamentagáo natural da cultura" (Vattimo, 1998:
)lí- 147). Cf. cap. 6 supra e cap. 8, infra.
2. "0 espetáculo do mundo silencioso dos fatos está enfeitigado: todo fenómeno
os) mascara, mistifica infinitamente, tornando a atualidade impossível [...] Compreender
ali- urna significagáo náo é ir de um termo da relagáo a outro, perceber relagóes no seio do
dado" (Levinas: 114).
ico
3. George Bataille afirmou que "a ciencia [...] oferece ao pensamento um fundamen-
nal to estável. Mas á margem desse fundamento permanece um inacessível, um impossível
aso que náo posso tampouco eliminar" (Bataille, 1996: 180). Contra urna possível comuni-
rá- cagáo entre esses saberes ímpares reunidos por um saber de fundo, Guattari afirmou que
"um agenciamento coletivo de enunciagáo dirá algo do desejo sem referí-lo a urna indi-
viduagáo subjetiva, sem enquadrá-lo em um tema preestabelecido e sobre significagóes
va-
previamente codificadas. Nessas condigóes, a análise náo poderia instaurar-se sobre as
¡tal relagóes de forga, 'clepois' da cristalizagáo do socius em diversas instancias: melhor par-
ara ticipar dessa cristalizagáo, tornando-se imediatamente político em um momento em que
do a divisáo do trabalho entre especialistas do dizer e especialistas do fazer tende a esfumar-
se se [...] O agenciamento coletivo de enuncialdo póe em interagáo os fluxos semióticos, os
fluxos materiais e os fluxos sociais, além de sua possível recuperagáo em um lingüístico
los
ou urna metalinguagem teórica". Pois, ao tentar fazer convergir a significagáo a um saber
ma de fundo cabe perguntar-se "A quem se fala? A um interlocutor universal? A alguém que
-tir já conhece os códigos, as significagóes e combinagóes possíveis? A enunciagáo individua-
di- lizada está prisioneira de significagóes dominantes. Só um grupo-sujeito pode trabalhar
os fluxos semióticos, quebrar as significagóes, abrir a linguagem a outros desejos e forgar
outras realidades" (Guattari, 1989: 88-9).
me 4. Contra a vontade de unificar ciéncias e saberes tradicionais, Baudrillard afirmou
vel que se trata de dois sistemas heterogéneos que náo podem transcrever-se de um ao outro:
yo "Projegáo ilógica de um sistema operacional, estatístico, informático, simulatório, sobre
as, um sistema de valores tradicionais, de representagáo, de vontade de opiniáo [...] náo
os existe nenhuma relagáo entre um sistema de sentido e um sistema de simulagáo"
(Baudrillard, 1983: 97-8).
eu 5. Nesse terreno, Boaventura de Sousa Santos postulou a "necessidade de urna teo-
ria da traduldo como parte da teoria crítica pós-moderna. É por via da tradugáo e de urna
hermenéutica diatópica que urna necessidade, urna aspiragáo, urna prática em urna cultu-
ra dada pode tornar-se compreensível e inteligível para outra cultura. O conhecimento-
emancipagáo náo aspira a urna grande teoria, mas a uma teoría de tradugáo que sirva de
supone epistemológico ás práticas emancipatórias, todas Blas finitas e incompletas e, por
isso, apenas sustentáveis guando estáo ligadas em rede" (Santos, 2000).

401
ENRIQUE LEFF

6. Ver cap. 5, supra.


7. "Todos os seres humanos possuem um marco cognoscitivo, mas os diferentes
seres humanos possuem marcos diferentes. Os diálogos e contatos entre seres humanos
sao, portanto, processos de constante (e, de fato, infinita) traduláo: entre linguagens e
entre marcos cognoscitivos" (Bauman, 2001: 128, cit. Em Floriani, 2004: 46).
8. Tudo indica que Octavio Paz joga aqui com a ambigüidade possível da expressáo
mono/grama em espanhol posto que "mono" é macaco, símio. Nesse caso, é impossível
em portugués alcanlar a mesma tensáo criativa do poeta. (Nota do revisor ténico).
9. Ver cap. 9, infra.

402
entes
unos
;ens e

.essáo
ssível
,

cApírtno 8 Cultura, natureza e sustentabilidade:


pulsáo ao gasto e entropia social
MUDANg, GLOBAL E SUSTENTABILIDADE:
RACIONALIDADE E CULTURA

A racionalidade económica que se configurou no processo de constituigáo,


expansáo e internacionalizagáo do capital instaurou urna nova cultura glo-
bal, em que se expressa a ordem de racionalidade do processo civilizatório
da modernidade. A teoria económica desempenhou urna fungáo predomi-
nante no processo de legitimagáo e racionalizagáo do capital: do estabeleci-
mento do modo de produgáo capitalista, do desenvolvimento das ciéncias,
do progresso tecnológico e da generalizagáo dos intercámbios mercantis. A
racionalidade económica gerou urna concepgáo do desenvolvimento das
forgas produtivas que privilegiou o capital, o trabalho e o progresso técnico
como fatores fundamentais da produgáo, desterrando de seu campo a cultu-
ra e a natureza. A degradagáo socioambiental emerge como o efeito mais
eloqüente da crise da civilizagáo moderna, construída sobre bases de urna
racionalidade social contra natura que atenta contra a diversidade étnica e
cultural do género humano.
No processo histórico de construgáo da modernidade, a conquista, a
colonizagáo e a integragáo ao mercado mundial das culturas pré-capitalistas
deixaram incompletos os projetos civilizatórios das culturas dos trópicos e
seus processos de coevolugáo com as muito variadas condigóes de seu entor-
no geográfico e ecológico. Com a imposigáo da racionalidade económica na
vida cultural dos poyos, a natureza deixou de ser referente da simbolizagáo
e significagáo das práticas sociais, potencial da riqueza material e suporte da
vida espiritual dos poyos, para transformar-se na fonte de matérias-primas
que alimentou a acumulagáo de capital em escala mundial. O progresso
impulsionado pela acumulagáo de capital e a lógica do mercado, antes de
alcangar o pleno emprego e urna justa distribuigáo da riqueza, gerou um

405
ENRIQUE LEFF

processo de crescimento económico caracterizado pelo intercámbio desigual


1970, e d
entre recursos naturais e produtos tecnológicos. A desigualdade, imanente á
lar da ecc
racionalidade económica, se manifesta em processos de polarizagáo e margi-
práticas c
nalizagáo social, assim como em uma produgáo de pobreza estreitamente
cimento c
associada á degradagáo do ambiente, á destruigáo da base de recursos e á
yo o vale
desintegragáo das formagóes culturais fundadas em suas identidades étnicas,
entre os 1
em suas línguas autóctones e em suas práticas tradicionais. O efeito ecodes-
Sul apare(
trutivo gerado pela racionalizagáo económica do mundo — por seus dispo-
neizadorl
sitivos teóricos, discursivos e lingüísticos de poder —, assim como pelas dis-
sociais e 1
torgóes e desvios das idealizadas condigóes de equilíbrio económico — as
turais. 01
imperfeigóes de mercado —, geraram uma consciéncia crítica sobre a irra-
de melho)
cionalidade ambiental da racionalidade económica.'
terreno di
A crise ambiental coloca a necessidade de dar bases de sustentabilidade
de se pres
ao processo económico, procurando controlar e reverter os custos ecológi-
dicagóes c
cos dos padróes de produgáo e consumo, e seus efeitos na deterioragáo
mónio de
ambiental e na qualidade de vida das maiorias. Essa degradagáo ambiental
Os pr
está associada a processos de desflorestamento, erosáo e perda de fertilida-
iniqüidad
de dos solos, com a contaminagáo de recursos hídricos e o desperdício de
verteram-
recursos energéticos, assim como pela poluigáo ambiental e pelo aumento
gáo. As pc
de riscos ecológicos. O aquecimento global, a desestabilizagáo dos equilí-
custos par
brios ecológicos, o rareamento da carnada estratosférica de ozónio e a con-
durável a
taminagáo dos recursos hídricos do planeta sáo a manifestagáo dessa crise
gerando r
ambiental em escala global. O incremento da pobreza, a marginalidade e a
que procu
deterioragáo da qualidade de vida da populagáo expressam a dimensáo
mercado e
social dessa degradagáo ecológica.
neta, nos
A destruigáo crescente da base de recursos da Terra — assim como os
urna conc
desequilíbrios ecossistémicos que ocasionam estes processos — levou os
assuntos ambientais a ocupar um lugar prioritário na agenda da geopolítica baseiam n
de desenvolvimento sustentável e das "metas do milénio". Isso mostra o democraci
caráter global da degradagáo ambiental e a interdependéncia das condigóes diversidad
de ordem geofísica e ecológica em relagáo aos processos económicos, ás es- pio ético -
produ/cio
truturas institucionais, ás relagóes de poder e ás formas de organizagáo cul-
tural, em escala tanto mundial como nacional e local, que acompanham naturais, c
estes processos de mudanga. Nas últimas trés décadas, vem se desenhando satisfagáo
urna nova geopolítica de apropriagáo da natureza no contexto da globaliza- populagóe
gáo económica. Desde que soou o alarme ecológico no cometo dos anos concebidc
corno urna

406
RACIONALIDADE AMBIENTAL

al
1970, e depois do ocaso do socialismo real, o surgimento da ordem unipo-
á
lar da economía neoliberal esteve acompanhado por avangos nas formas e
;i- práticas da democracia política, na emergéncia da sociedade civil e fortale-
te
cimento dos direitos humanos. A cultura da pós-modernidade póe em rele-
á
vo o valor da pluralidade e da diferenga. Assim, o mundo antes dividido
IS,
entre os pólos capitalismo-socialismo, leste-oeste, centro-periferia, Norte-
:S-
Sul aparece agora atravessado pelas tensóes geradas pela tendéncia homoge-
O-
neizadora da razáo económica, em face da emergéncia de novos atores
iS-
sociais e lutas populares por suas autonomías étnicas e por seus direitos cul-
as
turais. O protesto social contra a deterioragáo ambiental e as reivindicagóes
.a-
de melhora da qualidade de vida estáo levando a questáo ambiental para o
terreno dos direitos humanos. Ao lado do reconhecimento da importáncia
de
de se preservar a biodiversidade do planeta, estáo se legitimando as reivin-
gi-
dicagóes das comunidades indígenas e camponesas para preservar seu patri-
áo
mónio de recursos naturais e culturais.
tal
Os processos de degradagáo ecológica, de desintegragáo cultural e de
la-
iniqüidade social, gerados pela hipereconomicizagáo do mundo, con-
de
verteram-se em custo ecológico-social crescente no processo de globaliza-
tto
gáo. As políticas de desenvolvimento sustentável procuram interiorizar estes
ilí-
custos para garantir as condigóes ambientais de um processo de produgáo
)n-
durável a longo prazo. No entanto, a transigáo para a sustentabilidade está
ise
gerando posigóes teóricas e políticas diferenciadas. Diante das propostas
a
que procuram solugóes tecnológicas, assim como a atribuigáo de pregos de
áo
mercado e direitos de propriedade aos "bens e servigos ambientais" do pla-
os neta, nos movimentos ambientalistas dos países do Sul está se configurando
os urna concepgáo alternativa na qual as condigóes de sustentabilidade se
ica baseiam nos potenciais ecológicos da natureza, na diversidade cultural, na
Lo democracia participativa e numa política da diferenga. Nessa perspectiva, a
íes diversidade ecológica e cultural náo apenas é considerada como um princí-
es- pio ético — como um valor intrínseco, náo mercantil — mas como meios de
ul- produlcio e potenciais produtivos que conformam um sistema de recursos
tm naturais, culturais e tecnológicos capazes de reorientar a produgáo para a
do satisfagáo das necessidades básicas, reconhecendo os valores culturais das
sa- populagóes do Terceiro Mundo. O princípio de diversidade náo apenas é
os concebido como um património cultural que deve ser conservado, mas
como uma condigáo para a construgáo de um futuro sustentável. Esta visáo

407
ENRIQUE LEFF

do desenvolvimento sustentável contém a socializagáo da natureza e de seus Entre


potenciais ecológicos. Dessa maneira, o imperativo da sustentabilidade está que náo
levando á emergéncia de novos movimentos sociais nas áreas rurais do pensado (
Terceiro Mundo pela reapropriagáo de seu património de recursos naturais irracional
e culturais, e pela autogestáo de seus processos produtivos. 2 á "racione
A racionalizagáo da sustentabilidade abre a possibilidade de construir coisas", e
um novo paradigma produtivo, fundado nas potencialidades da natureza e dos princí
na recuperagáo e enriquecimento do conhecimento que ao longo da história tema de r
desenvolveram diferentes culturas sobre o uso sustentável de seus recursos com objet
ambientais. O direito á gestáo participativa no manejo comunitário dos mas socia]
recursos está construindo suas vias de legitimagáo social, assim como os ins- "racionali
trumentos técnicos e legais requeridos para reorientar as decisóes em maté- lógicas do
ria de política económica para os objetivos e valores da sustentabilidade. A sistema, o
orientagáo da agáo social para os objetivos da sustentabilidade mobiliza as "valores d
potencialidades ecológicas negadas pela racionalidade económica e teórica mais abrar
dominantes — ao subjugar os saberes tradicionais, desintegrando as identi- bém urna
dades étnicas onde estáo arraigadas as potencialidades da diversidade cultu- no qual esi
ral —, desencadeando as forgas sociais que ficaram ali bloqueadas, oprimi- sentido T.:
das e marginalizadas. dominado
A construgáo de uma racionalidade ambiental encontra, assim, suas raí- dor da rac
zes mais profundas na cultura, entendida como a ordem que entretece o real exacerbagZ
e o simbólico, o material e o ideal, nas diferentes formas de organizagáo Urna r.
social dos grupos humanos em comunidades e nagóes, nas formas diversas de a uma
em que suas linguagens e suas falas dáo significado aos territórios que habi- estilo étnic
tam e á natureza com a qual convivem e coevoluem. Á diferenga da raciona- que a defir
lidade económica que procura colonizar e reintegrar a diversidade do tural náo e
mundo dentro de seus códigos de compreensáo e de suas estratégias de Se urna rac
dominagáo, a racionalidade ambiental náo é urna ordem suprema que pro- contém em
curaria reorganizar, a partir de seus princípios gerais, o pensamento e as prá- reza e de f
ticas sociais para ajustá-los a certas condigóes objetivas de sustentabilidade, predetermi
estabelecidas a partir de fora e acima das organizagóes culturais que habitan manifesta a
o mundo. Náo é urna ordem superior em que as culturas sáo forjadas em mol- náo se refe
des de aro e gaiolas de ferro, mas ninhos onde germinam suas identidades e já sáo resu
onde reinventam seus sentidos existenciais. A diversidade cultural é o que há ordem cult
de mais substantivo na racionalidade ambiental, o princípio que a constitui que transc
como urna ordem radicalmente diferente da racionalidade económica. determinad

408
RACIONALIDADE AMBIENTAL

eus Entre racionalidade ambiental e ordem cultural há urna estreita relagáo,


está que náo é de identidade. Toda racionalidade se estabelece no domínio do
do pensado e refletido, inclusive guando se abre para a compreensáo do mais
rais irracional e enigmático da existéncia humana. Mesmo guando nos referimos
á "racionalidade" de urna certa ordem ontológica, de urna certa "ordem de
ruir coisas", essas "racionalidades intrínsecas" já se referem a urna codificagáo
za e dos princípios, axiomas e tragos que a caracterizam, que estabelecem um sis-
ória tema de regras que configuram pensamentos e mobilizam agóes de acordo
rsos com objetivos ou valores, ou que conferem sentidos de acordo com as nor-
dos mas sociais preestabelecidas pela tradigáo. Assim, guando aludimos a urna
ins- "racionalidade ecológica", referimo-nos ás condigóes materiais, físicas e bio-
>até- lógicas do conjunto de processos que mantém o funcionamento de um ecos-
Je. A sistema, ou da biosfera, incluindo a incorporagáo de tais condigóes corno
ta as "valores de conservagáo" em urna "ética ecológica". A cultura é urna ordem
frica mais abrangente e significativa do que a de urna racionalidade, embora tam-
enti- bém urna cultura possa ser "intervinda" por urna racionalidade até o ponto
ultu- no qual esta penetra, codifica e invade todas as suas esferas culturais. É nesse
rimi- sentido que o nazismo chegou a ser a expressáo cultural da racionalidade
dominadora do Iluminismo, ou que o totalitarismo objetivador e coisifica-
s raí- dor da racionalidade da modernidade invadiu o erotismo humano até sua
> real exacerbagáo (Horkheimer e Adorno, 1944/1969).
agáo Urna racionalidade cultural pode referir-se aos tragos que dáo identida-
ersas de a urna cultura, sua língua, seus costumes e práticas que configuram um
habi- estilo étnico. Mas a cultura náo fica subsumida na ordem de racionalidade
lona- que a define como urna esséncia ou um caráter imanente. A organizagáo cul-
e do tural náo está orientada por urna teleologia ou por um fim preestabelecido.
as de Se urna racionalidade confere sentidos a urna organizagáo cultural, a cultura
pro- contém em si a capacidade de reorganizar sua relagáo simbólica com a natu-
; prá- reza e de produzir novos sentidos que abrem os significados codificados e
lade, predeterminados por um processo de racionalizagáo. Se a ordem cultural se
)itam manifesta através de "racionalidades culturais" diversas, essas racionalidades
mol- náo se referem, simplesmente, ás cosmovisóes próprias de cada cultura, mas
des e já sáo resultantes do encontro entre racionalidades e culturas, em que a
ae há ordem cultural mantém viva sua capacidade de simbolizagáo e significagáo
stitui que transcende a axiomatizagáo, sistematizasáo e codificagáo por urna
determinada ordem de racionalidade.

409
ENRIQUE LEFF

A cultura — a diversidade cultural — está constituída por "matrizes de Todo


racionalidade". Estas se expressam como "matrizes de sentido", mais do que por (I(
como ordens preestabelecidas de racionalidade, quer dizer, como estruturas muito
culturais organizadas pela linguagem que se reproduzem determinadas por la que
sua própria estrutura. Se a significagáo transcende a ordem racional, a
matriz de racionalidade náo conforma urna retícula de caráter algébrico, xos co
topológico ou geológico, em que se ordenam elementos de um conjunto, em
que se atribuem lugares em um espato ou se assentam em uma pedra funda- A rack
mental os cristais e fósseis das formas da existéncia material e simbólica. Sáo go de sabe]
matrizes de racionalidade no sentido genérico (orgánico) do termo, lugares conhecido
onde se fecunda, aninha e desenvolve o gérmen da significáncia que abre os razáo, mas
sentidos infinitos da cultura. A cultura é a ordem de urna racionalidade sem territóri os
fim, porque o fim constrange o significado para um objetivo e dessa manei- ancestrais <
ra marca o fim do tempo, do infinito. As racionalidades culturais abrem um significagá(
diálogo de saberes que náo se unifica em um consenso, nem táo-só em urna de ressigni
tradugáo ou transmutagáo de sentidos. O diálogo de saberes que se produz góes entre
no encontro entre culturas é um processo de hibridagáo no qual o encontro desprende'
de culturas diferentes se aninha em urna matriz generativa do novo, que náo ordem abei
está inscrita nem determinada na ordem generativa e transformacional de diversidade
urna estrutura genética ou de linguagem. A cultura náo apenas se diversifica,
No pro
mas seus galhos se reencontram, enlagam e hibridam, gerando urna dialética
rando no n
social que, a partir de urna ética da outridade abre e constrói novos sentidos
urna redifin
emanados do "espírito" dos poyos e da fala das pessoas, além das determi-
de reaprop
nagóes do logos, da língua, da economia. É o ato poético — a poesis — que
sua esséncil
recupera o sentido criativo das gramáticas de futuro langadas ao mundo
históri a. Esi
depois de Babel e que desde a existéncia e o encontro de seres culturais
identidade s
diversos gera o que ainda náo advém ao ser: novos mundos de vida. Este
e até o mer<
campo generativo de diversidade de sentidos náo é infinito, e certamente
humanidad
remete á sintaxe dos tempos passados e á conjugagáo dos tempos futuros.
Como afirma Steiner: gáo de outr
meio ecolól
O homem que realmente tenha algo novo a dizer, cujas inovagóes lingüísti- dos existen(
cas náo se limitem ao dizer, mas que se orientem para o que se quer dizer, é sóes particu
excepcional [...] A cultura e a sintaxe, a matriz cultural que a sintaxe define primeiras ct
e delimita, tém forga suficiente para nos reter onde estamos. Esta é a razáo ra até o pro
fundamental por que é impossível que toda língua privada se mostre eficaz. maram culti

410
RACIONALIDADE AMBIENTAL

s de Todo código cujo sistema de referéncias seja puramente individual carece,


que por definigáo, de consisténcia própria. As palavras que falamos encerram
uras muito mais conhecimento; urna carga efetiva muito mais rica do que aque-
por la que possuímos conscientemente; nas palavras, os ecos se multiplicam. O
al, a significado é urna fungáo dos antecedentes sociais e históricos, e dos refle-
rico, xos compartilhados (Steiner, 2001a: 474).
, em
n d a- A racionalidade ambiental se constitui nessa matriz cultural, nesse diálo-
. S áo go de saberes e encontro de outridades; emerge como aquilo que, sendo des-
;ares conhecido pela racionalidade científica e económica, é pensável mediante a
re os razáo, mas que está além da razáo. A ordem da cultura náo é apenas a dos
sem territórios nos quais foram sedimentadas e cristalizadas formas autóctones,
anei- ancestrais e tradicionais do ser cultural, mas sim o de universos abertos á res-
n um significagáo de seus mundos de vida, em processos de mestigagens culturais,
urna de ressignificagáo da natureza, de reinvengóes de identidades, de hibrida-
oduz góes entre o orgánico, o tecnológico e o simbólico. Em um mundo que se
antro desprenden de todo essencialismo ontológico e identitário, a cultura é a
e náo ordem aberta á ressignificagáo do mundo, ao por pensar, á produgáo de urna
de diversidade de mundos possíveis.
iifica, No processo de globalizagáo, as identidades culturais estáo se reconfigu-
lética rando no marco e nas perspectivas do desenvolvimento sustentável, como
itidos urna redifinigáo do ser, em um processo de arraigamento em um território e
ermi-
de reapropriagáo da natureza. A identidade náo renasce simplesmente da
— que
sua esséncia originária e da resisténcia da tradigáo ao longo do tempo e da
undo
historia. Esta se forja em sua relagáo, enfrentamento e demarcagáo com urna
:urais
identidade suprema, aquela que desde a invengáo cultural de um deus único,
Este
e até o mercado global, tragou um projeto de unificagáo do pensamento e da
vente
humanidade, como uma integragáo de suas diversidades e diferengas. A rela-
:uros.
gáo de outridade náo existe nas culturas ilhadas que coevoluíram com seu
meio ecológico. Ali toda ética foi configurada no marco de crengas e senti-
;üísti- dos existenciais organizados na forma de mitos e rituais em suas cosmovi-
izer, é siaes particulares. As culturas se ignoravam entre si. Essa forma de ser das
lefine primeiras culturas se transformou com a sociedade de classes, da escravatu-
razáo ra até o proletariado, e depois com os intercámbios comerciais que aproxi-
dicaz. maram culturas distantes, e, finalmente, com a emergéncia das identidades

411
ENRIQUE LEFF

híbridas, no processo de democratizagáo da cidadania e no renascimento das As or


comunidades indígenas. reconfigu
Depois das guerras tribais e das guerras dos primeiros impérios, é o capi- fica que
talismo — mercantil, industrial, tecnológico, ecológico — que leva á unifi- nacionali(
cagáo forgada da raga humana dentro de uma racionalidade económica e da matizes q
lei suprema do mercado. A ética como responsabilidade em relagáo ao outro socialismo
(ao negro, ao indígena, ao judeu, ao cigano) é a resposta do ser á pressáo nologia a
pela unidade, por um pensamento único, por urna unidade lógica: a da iden- american2
tidade da lógica formal, a do imaginário da representagáo. A lógica do pen- cana, aim,
samento único, do conhecimento transparente, infiltrou-se nos desígnios em univer
gáo ás for
guiados por urna vontade de pureza racial e superioridade cultural, que
entanto, g
levam á submiss'áo, á subjugagáo, á opressáo, á exploragáo, á negagáo e ao
racionalid
extermínio do outro. A emancipagáo a partir do projeto ético da outridade,
através de
e os direitos culturais que abrem urna política da diferenga, se configurara
teriza a m,
nessa resposta e resisténcia ao domínio e imposigáo de urna lógica unitária
nagóes, e <
sobre a diversidade cultural. sivos e de,
Se hoje a pressáo da razáo unitária está levando a urna política da dife- pode ser d
renga e á desconstrugáo da economia globalizada para fundar economias certa racio
regionais e locais baseadas na poténcia da natureza e nos sentidos da cultu- góes econ¿
ra, ao mesmo tempo, a reagáo á razáo hegemónica da lei suprema do merca- que a moc
do gera fundamentalismos radicais que, sem um projeto de reconstrugáo em ordem
cultural para a sustentabilidade dos poyos, se manifestam em urna vontade cia a tais n
desesperada e irracional de morte e destruigáo. Fora de uma política da dife- em proces
renga e do dissenso, exacerba-se a negagáo absoluta do ser engendrada pela impostas p.
afirmagáo de identidades únicas e superiores, que abriram urna confronta- formas de
gáo de fundamentalismos que náo deixa lugar para a construgáo de uma As dife
nova racionalidade para a sustentabilidade e convivéncia da diversidade cul- institucionl
tural. A resisténcia cultural que se torna manifesta na resisténcia á globaliza- pios, norme
gáo do Uno e do Mesmo náo é a defesa de urna identidade imutável, mas a tentabilida(
preservagáo da capacidade de urna cultura reviver, de reorganizar-se, de das cultura
reidentificar-se, de reinventar-se. Além da conservagáo de urna esséncia cul- imposiláo
tural que certifica urna identidade; além de urna etnogénese, a complexida- "racionalid
de ambiental está levando a reconfigurar as identidades em seu cara a cara poyos e as
com o Outro da globalizagáo e os outros da diversidade cultural em um diá- sáo em boa
logo de saberes. brasileira,

412
RACIONALIDADE AMBIENTAL

das As ordens de racionalidade estabelecem complexas relagóes com essa


reconfiguragáo das culturas. O regime de racionalidade económica e cientí-
api- fica que regeu os destinos dos diferentes países e poyos do orbe náo tem
zifi- nacionalidade nem território. Embora seja possível identificar expressóes e
da matizes que caracterizam e diferenciam o capitalismo inglés do francés, o
atr o socialismo soviético do cubano, a ciéncia norte-americana da chinesa, a tec-
ssáo nologia alemá da japonesa, as esferas culturais de cada nagáo — norte-
americana, alemá, francesa, italiana, espanhola, brasileira, argentina, mexi-
ien-
cana, aimará,náuatle, inca, maia etc. — sáo constelagóes que se expandem
pen-
em universos mais amplos do que aqueles passíveis de identificagáo e redu-
nios
gáo ás formas particulares de uma determinada racionalidade. Existem, no
que
entanto, graus mais ou menos fortes de simbioses, sintonia e sinergia entre
e ao
racionalidades e culturas; culturas mais suscetíveis de serem racionalizadas
lade,
através de processos históricos. Assim, o regime de racionalidade que carac-
iram
teriza a modernidade póde recodificar as organizagóes culturais de poyos e
tária nagóes, e emprestou suas armas aos regimes militares e fascistas mais opres-
sivos e desumanos que a humanidade já viveu. A cultura da humanidade
dife- pode ser definida pelo grau em que a ordem cultural é absorvida por urna
mias cena racionalidade formal e instrumental, que organiza tanto suas institui-
ultu- góes económicas e jurídicas como o mundo de vida das pessoas. Á medida
erca- que a modernidade marcada pela racionalidade económica se transforma
ugáo em ordem hegemónica, coloniza e invade todas as ordens do ser. A resisten-
nade cia a tais regimes racionalizados que a cultura dos poyos opóe se manifesta
dife- em processos históricos nos quais váo se entretecendo as racionalidades
pela impostas pelas fontes autóctones das culturas dominadas. A cultura molda as
Dnta- formas de adogáo e adaptagáo á racionalidade da modernidade. 3
urna As diferentes culturas nacionais definem as maneiras como se insere, se
cul- institucionaliza e funciona a racionalidade económico-ecológica: os princí-
aliza- pios, normas, regras que orientam o pensamento e a agáo social para a sus-
nas a tentabilidade ambiental do planeta. A variedade de ambientalismos depende
e, de das culturas que subjazem aos movimentos sociais que levam a opor-se á
t cul- imposigáo de um regime e a interiorizar os princípios e valores de urna
xida- "racionalidade ecológica". As diferengas nos ecologismos manifestos nos
cara poyos e as políticas ambientais dos governos dos países latino-americanos
i diá- sáo em boa parte expressáo de urna cultura — mexicana, argentina, chilena,
.14 brasileira, costa-riquenha, venezuelana, cubana — em suas predisposigóes,

413
ENRIQUE LEFF

ecológicos
mentalidades, resisténcias — de sua própria história de submissáo e lutas sociedades
libertárias — para deixar-se "racionalizar" pelas razóes de forga maior da pecuária e
economía e a ecologia. cas e ecolói
Os objetivos da transigáo democrática e os princípios do ambientalismo ecossistema
— a participagáo da sociedade civil na gestáo de seus recursos ambientais e entanto, a
de seus estilos diversos de vida, enfrentam os esquemas do crescimento que propriedad(
destrói a natureza e concentra o poder, abrindo-se para um projeto social urna racion
fundado nos princípios da produtividade ecológica, da diversidade cultural superexplor
e da democracia participativa. A ecologia política emerge ante os impactos dutivos inch.
da racionalidade económica (guiada pela maximizagáo dos lucros e do exce- talistas até
dente económico em curto prazo, com seus efeitos na concentragáo do
dicionais co
poder económico e político), sobre a degradagáo do meio e a destruigáo da
Assim, p
base de recursos naturais, abrindo canais para um desenvolvimento mais dades cultur
democrático, eqüitativo e sustentável. — indígenas
propriar prc
gáo de suas
cendo a imp,
DIVERSIDADE CULTURAL, AUTOGESTÁO COMUNITÁRIA
de de aprov,
E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
diversas culti
manter o eqt
Nos anos 1970, o discurso do ecodesenvolvimento formulou um conjunto
provendo, a<
de princípios para alcangar um desenvolvimento sustentável: o reconheci-
e oportunida
mento do valor da diversidade biológica e cultural; o fortalecimento das
através de pi
capacidades (self-reliance) das comunidades; a promogáo da participagáo
(McNeely e 1
cidadá na gestáo dos recursos naturais e do meio ambiente (Sachs, 1982). As
Esses pri
estratégias do ecodesenvolvimento orientavam a descentralizagáo dos pro-
estáo sendo
cessos produtivos com base nas condigóes ecológicas e geográficas de cada
como nas prc
regiáo, incorporando os valores culturais das comunidades na definigáo de
indígenas (In
seus projetos de desenvolvimento e seus estilos de vida. Fundado nesses
do valor da
princípios, surgiu um processo social pela defesa, protegáo e reapropriagáo
Mundial sobt
de seu património de recursos naturais, formulando alternativas á ordem
para o Desen
económica dominante.
na nova ordei
As bases culturais do desenvolvimento sustentável se manifestam tanto
nomia e dive
no ámbito urbano como no rural, já que todo grupo humano é portador e
humanos fun
parte de urna cultura. No entanto, sua expressáo mais clara em relagáo á
processos del
construgáo de um paradigma produtivo alternativo, fundado nos potenciais

414
as
la
1 RACIONALIDADE AMBIENTAL

ecológicos e culturais, se dá no meio rural, nos processos de produgáo das


sociedades camponesas e das comunidades indígenas. A produgáo agrícola,
pecuaria e floresta! depende ali fundamentalmente das condigóes geográfi-
cas e ecológicas do meio no qual as culturas evoluíram, transformando os
io ecossistemas através de seus estilos étnicos de apropriagáo da natureza. No
;e entanto, a produgáo silvícola e agropecuária vem adotando as formas de
ue propriedade da terra e os padróes tecnológicos de uso do solo que impóe
ial uma racionalidade económica e tecnológica, traduzindo-se em formas de
ral superexploragáo e subutilizagáo dos recursos potenciais. Os processos pro-
:os dutivos induzidos pela economia de mercado — das grandes empresas capi-
:e- talistas até os gigantes da biotecnologia — deslocam os valores culturais tra-
do dicionais com suas práticas atuais de uso da terra e dos recursos.
da Assim, pois, a proposta de um paradigma produtivo fundado nas identi-
ais dades culturais dos produtores toma maior sentido nas comunidades rurais
— indígenas e camponesas —, que conservam ou que sáo capazes de se rea-
propriar produtivamente de suas economias locais com base na revaloriza-
gáo de suas práticas e saberes tradicionais. Nesse sentido, vem se reconhe-
cendo a importáncia do património cultural da humanidade, e a possibilida-
de de aproveitar o vasto repertório de conhecimentos ainda existente em
diversas culturas, para desenhar políticas de manejo dos recursos capazes de
manter o equilíbrio ecológico, a biodiversidade e a base de recursos naturais,
no provendo, ao mesmo tempo, as populagóes locais de meios para participar,
:ci- e oportunidades para beneficiar-se, diretamente, da gestáo de seus recursos,
las através de práticas produtivas compatíveis com suas identidades culturais
;áo (McNeely e Pitt, 1985).
As Esses princípios estáo se convertendo em novos direitos culturais que
ro-- estáo sendo moldados tanto no discurso do desenvolvimento sustentável 4
Ida comnasprtquegmdosnvietacomunds
de indígenas (Instituto Indigenista Interamericano, 1991). 5 O reconhecimento
ses do valor da diversidade cultural levou ao estabelecimento da Comissáo
;áo Mundial sobre Cultura e Desenvolvimento e á criagáo da Década Mundial
em
para o Desenvolvimento Cultural, que procura resgatar o papel da cultura
na nova ordem mundial (Unesco, 1995). Hoje em dia as demandas de auto-
no nomia e diversidade cultural comegam a ser reconhecidas como direitos
re humanos fundamentais e estáo se incorporando de maneira decisiva aos
á
processos de reforma do Estado — de um Estado pluriétnico — na transigáo
ais

415
ENRIQUE LEFF

democrática dos países do Terceiro Mundo (Díaz Polanco, 1991; González trugáo de
Casanova e Roitman, 1996; Sánchez, 1999). A necessidade de se respeitar os tar os pc
princípios de autonomia, participagáo e autodeterminagáo dos poyos náo mento su
apenas se apresenta como uma condigáo para a preservagáo de sua cultura e cas prodt
suas identidades étnicas, mas também como urna estratégia para adaptar as Estes mo
populagóes indígenas á modernidade, integrá-las á sociedade nacional e á mento de
ordem económica mundial (Goodland, 1985). Além da vontade de integrar de uso d,
a diversidade cultural á ordem económica global dominante, a reivindicagáo manejo p
das autonomias culturais dos poyos é a reclamagáo de um direito das comu- rais de m
nidades á preservagáo de sua língua, seus costumes e crengas, á decisáo sobre do equilíl
suas próprias instituigóes, á reapropriagáo de seus territórios e de sua natu- tentabilid
reza como hábitat e meios de produgáo, e á reinvengáo e readaptagáo de A rey
suas práticas de uso dos recursos. autogerid
As estratégias de manejo produtivo da biodiversidade das populagóes gam a ser
indígenas e camponesas náo se sujeitam ás políticas conservacionistas para do Tercei
estabelecer áreas de reserva dos recursos naturais, ou para ajustar-se aos nico com
mecanismos da geopolítica do desenvolvimento sustentado, muitas vezes em ficagáo cc
conflito com os interesses e direitos das populagóes locais. 6 A dimensáo cul- textos ge(
tural do desenvolvimento sustentável reformula as condigóes e potenciais da vas e inot
produgáo no meio rural, incluindo náo apenas os poyos indígenas e as popu- suas práti
lagóes camponesas, mas, em geral, as comunidades rurais e urbanas que, Assim, a
arraigada suas identidades culturais, participam da gestáo de seus recursos seus nívei
naturais. Essa estratégia de desenvolvimento sustentável se funda em urna social e a
nova ética e em novos princípios produtivos do desenvolvimento, tanto para produtiva
preservar a base de recurso como para assegurar a sobrevivéncia e elevar o Segun
bem-estar das maiorias marginalizadas dos benefícios do atual desenvolvi- cos, assin
mento e de uma populagáo crescente que ultrapassa os umbrais da pobreza base, dese
extrema. que inclue
Na transigáo para a sustentabilidade, debatem-se diversas estratégias. curam cr]
Por um lado, o progresso da racionalizagáo económica avanga em um pro- fomentar
cesso de capitalizagáo da natureza e da cultura, procurando refuncionalizar dos gover
as condigóes ecológicas e comunitárias (os custos ecológicos e as demandas tentável e
culturais) em formas "ecologizadas" de reprodugáo e expansáo do capital. adaptadas
Por outro lado, emergem novos movimentos camponeses e indígenas pela pectiva de
reapropriagáo de seus estilos de vida e seu património de recursos naturais e náo se dis
culturais, que, dessa maneira, se convertem em atores privilegiados na cons- de ambier

416
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ález trugáo de urna racionalidade ambiental. Essas lutas sociais procuram resga-
r os tar os potenciais ecológicos incorporados aos estilos étnicos de aproveita-
náo mento sustentável dos recursos, imbricados nos valores culturais e nas práti-
ra e cas produtivas das sociedades rurais da América Latina e doTerceiro Mundo.
ir as Estes movimentos teóricos e políticos estariam levando assim ao enriqueci-
eá mento do património natural e cultural cristalizado em práticas tradicionais
grar de uso da natureza, o que gera um potencial ecológico e cultural para o
agáo manejo produtivo sustentável da natureza. Nesse sentido, as práticas cultu-
mu- rais de manejo dos ecossistemas náo apenas contribuem para a preservagáo
Din re do equilíbrio ecológico do planeta, como também para potencializar a sus-
iatu- tentabilidade das comunidades rurais.
D de
A revalorizagáo dos saberes tradicionais e a revitalizagáo de economias
autogeridas para satisfazer as necessidades básicas das comunidades come-
góes gam a ser incorporadas ás demandas de novos atores sociais no meio rural
para do Terceiro Mundo.? Os saberes autóctones articulam o conhecimento téc-
aos nico com as cosmovisóes dos poyos, integrando assim os processos de signi-
s em ficagáo cultural em que se decantam percepgóes e práticas arraigadas a con-
cul- textos geográficos, ecológicos e sociais específicos. As capacidades adaptad-
is da vas e inovadoras dos camponeses derivam de anos de experimentagóes de
opu- suas práticas tradicionais e de coevolugáo com as transformagóes do meio.
que, Assim, a reapropriagáo de seus saberes náo somente contribui para elevar
arsos seus níveis de produgáo, como fortalece as identidades étnicas, a coesáo
urna social e a imaginagáo cultural, que determinam a capacidade de autogestáo
para produtiva das comunidades.
rar o Seguindo esse impulso histórico, diversos grupos de cientistas e técni-
olvi- cos, assim como promotores do desenvolvimento rural e comunidades de
Ireza base, desenvolveram diversas experiéncias de manejo de recursos naturais,
que incluem a cultura como um "recurso" comunitário. Desta maneira, pro-
gias. curam criar condigóes políticas no interior da sociedade nacional para
pro- fomentar as iniciativas de projetos de pequena escala, promovendo apoios
lizar dos governos para reforgar as capacidades de subsisténcia e produgáo sus-
ndas tentável das comunidades, e para multiplicar alternativas ecologicamente
vital. adaptadas a partir da fertilizagáo de projetos culturais diversos. Nessa pers-
pela pectiva do desenvolvimento sustentável, os valores éticos do ambientalismo
ais e náo se dissolvem nos objetivos da produtividade económica. A racionalida-
ons- de ambiental se assenta no suporte material do ecossistema e na ordem sim-

417
ENRIQUE LEFF

bólica da organizagáo cultural, onde está arraigado um desenvolvimento na defes1


ecologicamente sustentável, economicamente sustentado e socialmente jus- autogest
to. Nesse processo, concretizam-se diferentes estilos de etnoecodesen- constitui
volvimento e estratégias de integragáo das economias de autosubsisténcia ás esse conji
economias nacionais e ao mercado mundial. A racionalidade ambiental reo- culturais
rienta a produgáo no meio rural em fungáo das matrizes de racionalidade dos gáo e os
diferentes produtores rurais, incrementando seu potencial ecotecnológico e rurais e
compatibilizando ao mesmo tempo a autogestáo e auto-suficiéncia das comu- determin,
nidades com a preservagáo dos equilíbrios ecológicos globais e com a produ- gestáo arr
gáo de excedentes comercializáveis para a economia global. tentabilid
A viabilidade do desenvolvimento sustentável fundado em uma concep- surgem (11
gáo do ambiente como potencial produtivo dependerá náo apenas do avan- indígenas
go dos direitos de apropriagáo das comunidades rurais, mas também do organizag
incremento de suas capacidades de autogestáo. Isso implica a colocagáo em O prc
prática de estratégias de conhecimento para lograr uma alta produtividade sumo cree
no manejo integrado dos recursos: a recuperagáo do saber tradicional e seu um acúmi
melhoramento através da incorporagáo crítica e seletiva dos avangos da minagáo t
ciéncia e a tecnologia; os processos de transformagáo produtiva e de assimi- dos ecossi
lagáo de inovagóes tecnológicas por parte das comunidades, preservando-se vidade do
suas identidades e seu enraizamento em seus territórios e seus estilos cultu- foram trar
rais de etnoecodesenvolvimento. Dessa maneira, o desenvolvimento susten- civilizagóc
tável é ressignificado a partir da cultura. recursos a
ráveis e o
comercian
das selvas
RACIONALIDADES CULTURAIS E RACIONALIDADE PRODUTIVA sos nos eq
vem aume
A cultura, como forma específica de organizagáo material e simbólica do tradiciona
género humano, remete a urna diversidade de cosmovisóes, formagóes ideo- repertório
lógicas e formas de significagáo, assim como de técnicas e práticas produti- (Vayda et
vas que definem diferentes estilos de vida. Hoje em dia, configurou-se urna culturais d
cultura ecológica que conforma um sistema de valores que orienta um con- produtiva.
junto de comportamentos individuais e coletivos para os objetivos da susten- A ord(
tabilidade. Estes incluem valores relativos ás práticas de conservagáo e uso entram em
dos recursos naturais e energéticos; a vigiláncia dos agentes sociais sobre os de complei
impactos ambientais e os riscos ecológicos; a organizagáo da sociedade civil a economi

418
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ento na defesa de seus direitos ambientais; a participagáo das comunidades na


jus- autogestáo de seus recursos naturais (Leff, 1990). Esta cultura ecológica
sen- constitui urna categoria geral da racionalidade ambiental substantiva, já que
ia ás esse conjunto de valores e práticas se concretizam através de racionalidades
reo- culturais específicas, quer dizer, da articulagáo entre os sistemas de significa-
:. dos gáo e os sistemas produtivos de formagóes socioeconómicas, comunidades
ico e rurais e grupos sociais específicos, em contextos geográficos e históricos
DMU- determinados. Assim, os valores que mobilizam as agóes sociais para urna
•odu- gestáo ambiental do processo de desenvolvimento e para os objetivos da sus-
tentabilidade se definem na prática através de racionalidades culturais que
lcep- surgem das formas de organizagáo produtiva e dos estilos étnicos dos poyos
avan - indígenas, das comunidades camponesas, das classes médias urbanas e das
m do organizagóes de moradores.
Lo em O processo de acumulagáo e globalizagáo do capital, ao induzir um con-
idade sumo crescente de natureza como insumos do processo produtivo e gerar
e seu um acúmulo cada vez maior de dejetos e resíduos — convertidos em conta-
os da minagáo tóxica e térmica —, gerou urna crescente pressáo sobre o equilíbrio
ssimi- dos ecossistemas, assim como sobre a capacidade de renovagáo e a produti-
do se
- vidade dos recursos naturais. Com a superexploragáo do "capital natural",
cultu- foram transformadas e destruídas muitas das práticas produtivas de poyos e
isten- civilizagóes que durante milénios mantiveram um uso sustentável de seus
recursos ambientais. Assim, por exemplo, a exploragáo de produtos madei-
ráveis e o desmatamento com o propósito de implantar sistemas de cultivo
comerciais e áreas de pecuária extensiva levaram a urna rápida destruigáo
das selvas tropicais do planeta. A preocupagáo com os efeitos desses proces-
sos nos equilíbrios ecológicos globais e na degradagáo da base de recursos
vem aumentando e, com isso, o interesse em recuperar os conhecimentos
ca do tradicionais das populagóes autóctones e locais, que incluem um amplo
ideo- repertório de técnicas para a conservagáo e manejo sustentável dos recursos
Dcluti- (Vayda et al., 1985; Gómez-Pompa, 1993). Nessa perspectiva, os valores
urna culturais da natureza se enraízam em princípios de urna nova racionalidade
r con- produtiva.
xsten- A ordem cultural tem sido vista como um conjunto de valores que
e uso entram em sintonia com a racionalidade formal do capital ou com as formas
Dre os de complementaridade entre a racionalidade económica e a jurídica, em que
e civil a economia incorpora certos princípios éticos ou morais como valores e

419
ENRIQUE LEFF

direitos universais do homem. Mas a cultura — entendida como o conjunto permiten'


de valores, saberes e práticas que modulam os estilos de vida e os direitos tradicionl
das comunidades sobre seus territórios étnicos sobre suas práticas sociais e sas que n
suas instituigóes para a autogestáo de seus recursos — esteve excluída dos produtiva
paradigmas da economia, dos processos de racionalizagáo social e das polí- recursos
ticas do desenvolvimento sustentável. Os princípios da gestáo ambiental do mentos té
desenvolvimento e a construgáo de sociedades sustentáveis náo só formulan .' urna econ
a necessidade de estabelecer critérios ecológicos sobre o uso do solo e a dis- tal e de as
tribuigáo da populagáo no território, mas se fundam em uma crítica das No el
necessidades de produgáo e consumo induzidas pelo crescimento cumulati- um deterr
vo e pela lógica do lucro de curto prazo. A isso se soma a crítica á homoge- tivas de
neizagáo dos padróes produtivos e culturais, ao mesmo tempo que se reivin- gicas, a sil
dicara os valores da diversidade cultural e a preservagáo das identidades dos referentes
poyos como um princípio ético e como condigáo para um desenvolvimento étnicos a
sustentável. acesso so
Tais formulagóes váo mais além das posigóes ecologistas que procuram padróes c
preservar a natureza por seus valores estéticos e recreativos, por apego aos "ideologia
valores tradicionais, por solidariedade com as sociedades "primitivas", ou produgáo
por simples resisténcia á mudanga e ao progresso. Os valores da conservagáo múltiplo e
adquiriram urna importáncia prática na esfera produtiva pelos efeitos glo- pectiva da
bais da destruigáo dos mecanismos de equilíbrio da natureza — da preserva- de cultura
gáo da biodiversidade depende o equilíbrio ecológico do planeta —, tam- refletem o
bém porque a natureza é fonte de recursos genéticos e de matérias-primas ma de cre
para a produgáo de mercadorias (produtos alimentícios, farmacéuticos e holísticos'
novos materiais). A preservagáo das identidades étnicas, os valores culturais turas tradi
e as práticas tradicionais de uso dos recursos aparecem assim como urna organizag'a
condigáo para a colocagáo em prática de projetos de gestáo ambiental e de (Godelier,
manejo dos recursos naturais em escala local, ao mesmo tempo que se con- O esti
vertem em insumo para os processos de etnobioprospecgáo das empresas de de prática:
biotecnologia que se apropriam desses saberes através dos direitos de pro- do patrimc
priedade intelectual. Em todo caso, os saberes culturais sáo urna base para a cultural va
reapropriagáo da natureza a partir de urna racionalidade alternativa. nológica,
Nessa perspectiva, as disciplinas etnológicas e antropológicas adquirem forma, as
um novo sentido como ferramentas práticas para o estudo das relagóes das identidade
culturas com seu meio e como instrumentos para a apropriagáo produtiva conquista
da natureza. Particular importáncia tém tido os estudos etnobiológicos, que racionaliza

420
RACIONALIDADE AMBIENTAL

Ito permitem recuperar as formas dos usos dos recursos vegetais das sociedades
:os tradicionais, assim como de muitos grupos étnicos e comunidades campone-
se sas que mantém práticas de uso sustentável de seus recursos. Estas práticas
los produtivas incorporam princípios de urna racionalidade ecológica no uso dos
)1(- recursos que se refletem tanto nas formagóes ideológicas como nos instru-
do mentos técnicos de cada organizagáo cultural, gerada no desenvolvimento de
am uma economia "natural" baseada em longos processos de adaptagáo ambien-
lis- tal e de assimilagáo cultural.
das No entanto, a organizagáo cultural náo se constitui nem é guiada por
ati- um determinismo biológico ou geográfico. A tecnologia e as práticas produ-
ge- tivas de cada formagáo social estáo entretecidas com suas formagóes ideoló-
rin- gicas, a simbolizagáo de seu ambiente, o significado social dos recursos e os
dos referentes naturais de suas crengas religiosas; esses processos geram estilos
nto étnicos (Leroi-Gourhan, 1964-5) de percepgáo e apropriagáo, formas de
acesso socialmente sancionado, práticas de manejo dos ecossistemas e
:am padróes culturais de uso e consumo dos recursos, que configuraram as
aos "ideologias agrícolas tradicionais" (Alcorn, 1993) e diversas "estratégias de
ou produgáo mesoamericanas" (Boege, 1988) baseadas no aproveitamento
lgáo múltiplo e sustentável dos "ecossistemas-recurso" (Morello, 1986). Na pers-
glo- pectiva da construgáo de uma racionalidade ambiental baseada na diversida-
rva- de cultural, náo interessa apenas conhecer as classificagóes e taxonomias que

1
am- refletem o saber da flora e da fauna das diversas etnias, mas todo um siste-
mas ma de crengas e saberes, de mitos e rituais, que conformam os "modelos
os e holísticos" de percepgáo e aproveitamento dos recursos ambientais das cul-
erais turas tradicionais (Pitt, 1985), e que estáo intimamente relacionados com a
urna organizagáo económica e as práticas produtivas das sociedades tradicionais
e de (Godelier, 1974; Meillasoux, 1977).
con- O estilo étnico adquire, assim, urna especificidade própria no desenho
ts de de práticas diferenciadas de manejo dos recursos que constituem a riqueza
pro- do património cultural e dos recursos naturais dos povos. 8 Esta organizagáo
ira a cultural vai se readaptando aos processos de aculturagáo e de mudanga tec-
nológica, reafirmando e transformando seus tragos de identidade. Dessa
irem forma, as culturas indígenas americanas conservaram e redefiniram suas
das identidades étnicas através dos processos de miscigenagáo ocorridos desde a
itiva conquista espanhola e portuguesa. Hoje em dia, em face do processo de
que racionalizagáo económica levado pelos imperativos da globalizagáo, adquire

421
ENRIQUE LEFF

particular interesse a sobrevivéncia das etnias e sua articulagáo com novas para a rea
estratégias de uso dos recursos, diante do impacto da modernizagáo da agri- duz á negó
cultura. ser assimil
A cultura aparece assim como urna ordem tensionada entre a racionali- Dianti
zagáo económica e a construgáo de urna racionalidade ambiental. A cultura portáncia
se converte em um "recurso social" que se articula com a base de recursos Morello,
naturais. 9 Nesse sentido, as disciplinas etnológicas e antropológicas se arti- mula-se, a
culan-1 com a ecologia para definir o património de recursos naturais e cul- turais nas
turais de diferentes etnias e grupos culturais; para compreender as práticas zagáo cult
culturais de uso dos recursos e aplicá-las ás estratégias de um desenvolvi- para o de:
mento sustentável (Leff, 1985; Leff e Carabias, 1993). A cultura constitui um Mundo, qi
conjunto de processos "mediadores" entre as determinagóes históricas, polí- em urna di
ticas, económicas e geográficas sobre o uso do solo e os recursos, e a trans-
formagáo efetiva dos ecossistemas naturais. Desse modo, as práticas tradicio-
nais de percepgáo e uso dos recursos atuam como um "mecanismo" amorte-
cedor da degradagáo ambiental, inclusive nos casos nos quais se incrementa a PATRIMÓNII
demanda económica e intensifica-se o ritmo de exploragáo dos recursos de ECOLÓGICA
determinada regiáo. No entanto, esta "resiliéncia cultural" vem desaparecen-
do com a desintegragáo das identidades étnicas e a organizagáo produtiva das Até muito
culturas tradicionais pelos processos de colonizagáo, capitalizagáo e moder- da produgí
nizagáo. Dessa maneira, além de ser guiada por urna cultura ecológica gené- de maximi;
rica, a sustentabilidade se constrói através das formas adotadas pelas naciona- hectare
lidades culturais de cada etnia, cada poyo e cada comunidade. inclusive, c
Os processos de aculturagáo continuam vulnerabilizando as identidades prazos. Os
étnicas através de processos de colonizagáo que deslocam as populagóes de energética
seus territórios, transformando-as em trabalhadores assalariados, pela impo- medir e val
sigáo de megaprojetos de desenvolvimento rural, pela implantagáo de de espato
"pólos de desenvolvimento" e de pacotes tecnológicos para maximizar os
benefícios económicos de cultivos comerciais e transgénicos, assim como uso naturai
pela pecuarizagáo nos trópicos, e mais particularmente nas áreas das flores- populagáo.
tas tropicais, que vem sendo implantada apesar de ser imprópria para as que apreser
condigóes ecológicas e edafológicas do trópico e alheia á cultura tradicional complexida
de uso dos recursos." Por sua vez, a degradagáo ambiental repercute no para o uso
abandono de muitas técnicas tradicionais, como ocorre com as práticas de ambiental c
silvicultura e de pesca (Cunha e Rougeulle, 1993). Muitas vezes, o contato dos fluxos
da populagáo autóctone com os processos de modernizagáo gera respostas gurar urna

422
RACIONALIDADE AMBIENTAL

Ivas para a reafirmagáo de seus valores tradicionais; mas, em outros casos, con-
gri- duz á negagáo de sua identidade ética e seus valores culturais, pelo desejo de
ser assimilada pela cultura dominante (Viveros, Casas e Caballero, 1993).
rali- Diante da perda de património cultural, vários autores assinalaram a im-
:ura portáncia de resgatar os "estilos de desenvolvimento pré-hispánicos (Gligo e
rsos Morello, 1980) e o "modo de produgáo camponés" (Toledo, 1980). For-
arti- mula-se, assim, o projeto de incorporar as bases ecológicas e os valores cul-
cul turais nas condigóes gerais da produgáo e de explorar o potencial da organi-
:icas zagáo cultural e da produtividade ecotecnológica de diversos ecossistemas
para o desenvolvimento sustentável das comunidades rurais do Terceiro
um Mundo, quer dizer, de construir urna nova racionalidade produtiva baseada
)olí- em urna diversidade de racionalidades culturais.
.ans-
icio-
Drte-
ata a PATRIMONIO DE RECURSOS NATURAIS: COMPLEMENTARIDADES
›s de ECOLÓGICAS E CULTURAIS
!cen-
a das Até muito recentemente, seguindo as tendéncias geradas pela racionalizagáo
xler- da produgáo capitalista, a produgáo agrária foi impulsionada pelo critério
lené- de maximizar a produtividade agronómica da terra — a produgáo anual por
Lona- hectare —, sem considerar seus custos energéticos e socioambientais nem,
inclusive, os custos económicos vistos de urna perspectiva de médio a longo
lades prazos. Os estudos de Pimentel e Pimentel (1979) sobre a irracionalidade
es de energética da agricultura capitalizada levaram a elaborar indicadores para
.npo- medir e valorizar a fertilidade sustentável dos solos (produgáo por unidade
o de de espato e tempo), a eficiéncia energética (quilocalorias produzidas por
ar os quilocalorias investidas) e a produgáo sustentada de recursos (de valores de
:omo uso naturais), em relagáo ás necessidades básicas e á qualidade de vida da
ores- populagáo." Isso é particularmente importante nos ecossistemas tropicais,
ra as que apresentam a mais alta produtividade natural devido á sua diversidade e
ional complexidade, mas que, ao mesmo tempo, sáo os mais frágeis e inadequados
:e no para o uso intensivo do solo. Isso está levando a definir a sustentabilidade
as de ambiental do desenvolvimento agrícola através do ordenamento ecológico
ntato dos fluxos de matéria, energia e informagáo, que assenta as bases para asse-
.ostas I gurar urna produtividade ambientalmente sustentada. Da mesma maneira,

423
ENRIQUE LEFF

promove um novo paradigma de produgáo rural que se define através das destruigl
racionalidades culturais de uso dos recursos. democrac
Os recentes estudos sobre a racionalidade energética e ecológica dos sis- Apres
temas tradicionais de cultivo mostram como as práticas tradicionais de res cultur
lavoura e de uso de fertilizantes orgánicos, assim como a associagáo, relevo mento su;
e rotagáo de cultivos, conservam e, inclusive, incrementam o rendimento legitimagj
agrícola dos solos. Assim, a ciéncia e a prática da agroecologia vém regis- como dos
trando incrementos da produgáo em cultivos associados, confirmando o mónio na
valor de urna estratégia de manejo múltiplo e diversificado dos recursos na desenvolv
elevagáo da produtividade ecológica (Altieri, 1987, 1983). Por sua vez, a ca de uma
alternáncia de cultivos acelera o tempo de colheita, reduzindo a incidéncia rais e ecol
de pragas, assim como o consumo de água e de energia. A associagáo de tuir as rell
colheitas anuais de ciclo curto com cultivos perenes permite a obtengáo de mento susi
várias colheitas ao ano de maneira sustentada, incrementando a eficiéncia da Améric
do uso do solo. Por sua vez, a integragáo dessas práticas melhora a eficién- nio de rec
cia no uso do solo e a produtividade agroecológica, diminuindo, ao mesmo entorno at
tempo, a deterioragáo ambiental. nizagáo es]
A colocagáo em prática desses princípios agroecológicos torna necessá- góes socia]
ria a elaboragáo de indicadores que permitam avaliar projetos alternativos sustentável
de uso de recursos, náo apenas em termos de sua rentabilidade económica, O man
mas também de sua racionalidade energética e de seus benefícios quanto aos vida por d
efeitos de equilíbrio ecológico, eqüidade social e sustentabilidade ambiental. complemei
No entanto, náo é possível traduzir os valores e potenciais ambientais em muitas veza
pregos de mercado e homogeneizá-los nas contas nacionais que medem a étnico (Mu
produgáo económica de riqueza (Tsuru, 1971; Kapp, 1983); tampouco é ecológica c
possível reduzir tais valores a um cálculo energético. Certamente, podem-se forga de trl
simular modelos alternativos de uso dos recursos e atribuir valores compen- recursos (o
satórios ás externalidades negativas do processo económico e aos objetivos do a produ
náo económicos das estratégias de uso sustentável dos recursos. Mas, além micos. Da
das dificuldades para atribuir taxas de desconto a processos de longo prazo, cos e a coz.»
a valorizagáo do património de recursos naturais e culturais em termos eco- vagáo de ág
nómicos puros é um problema insolúvel. O valor económico atribuído á tividade agi
conservagáo da biodiversidade (valor de seus recursos genéticos, valor sumi- Essa es
douro de carbono, valores cénicos e ecoturísticos) náo correspondem aos práticas de
valores materiais e simbólicos atribuídos a partir das diferentes culturas. urna "cultui
Nenhum prego compensa a alienagáo e o desenraizamento produzidos pela das relagóe;

424
RACIONALIDADE AMBIENTAL

das destruigáo das identidades étnicas. Que valor de mercado tem a eqüidade, a
democracia, a qualidade de vida?
sis- Apresenta-se, assim, o problema de avaliar os princípios éticos, os valo-
s de res culturais e os potenciais qualitativos e incomensuráveis do desenvolvi-
levo mento sustentável. Este náo é apenas urna questáo técnica, mas implica a
ento legitimagáo de conhecimentos e valores tradicionais (Thrupp, 1993), assim
egis- como dos novos direitos ambientais. Mas, sobretudo, a valorizagáo do patri-
do o mónio natural e cultural corno princípios de urna estratégia alternativa de
)s na desenvolvimento fundada na diversidade cultural requer a elaboragáo teóri-
ez, a ca de urna nova racionalidade produtiva, que incorpore os processos cultu-
éncia rais e ecológicos como fundamento do processo produtivo capaz de consti-
ío de tuir as relagóes sociais e orientar as forras produtivas para um desenvolvi-
lo de mento sustentável. Nessa perspectiva, o legado cultural dos poyos indígenas
éncia da América Latina aparece como um recurso indissociável de seu patrimó-
icién- nio de recursos naturais e do vínculo estabelecido historicamente com seu
lesmo entorno através de suas práticas sociais e produtivas. Nesse sentido, a orga-
nizagáo espacial e temporal de cada cultura conforma um sistema de rela-
cessá- góes sociais de produgáo que potencializam o aproveitamento integrado,
ativos sustentável e duradouro dos recursos naturais. 12
O manejo ecológico dos recursos foi urna prática amplamente desenvol-
to aos vida por diversas culturas pré-hispánicas. Estas práticas contemplaram a
iental. complementaridade dos diversos espagos e pisos ecológicos de regióes que
lis e m muitas vezes se estendiam além do território e os ecossistemas de um grupo
dem a étnico (Murra, 1975; Denevan, 1980). Isso permitiu a otimizagáo da oferta
mco é ecológica de diversas regióes, baseada no uso estacional dos cultivos e da
le m-se forga de trabalho, dos espagos produtivos e dos tempos de regeneragáo dos
mpen- i recursos (o sistema de roca com suas queimadas e suas capoeiras), integran-
jetivos ' do a produgáo através do intercámbio inter-regional de excedentes econó-
;, além micos. Da mesma maneira, fomentou o aproveitamento dos recursos hídri-
prazo, cos e a construgáo de importantes obras ecológicas para a captagáo e conser-
DS eco- vagáo de água, para a prevengáo da erosáo (terragos) e para elevar a produ-
uído á tividade agrícola (chinampas13, camellones 14).
r sumi- Essa estratégia produtiva implicou o desenvolvimento náo apenas de
n-n aos práticas de uso dos recursos específicos de cada grupo étnico, mas de toda
ilturas. urna "cultura ecológica", que funcionava como suporte material e simbólico
os pela das relagóes sociais e das forgas produtivas das sociedades pré-hispánicas e

425
ENRIQUE LEFF

pré-capitalistas. Essa macrocultura ordenadora dos processos produtivos dutos prc


age através de um sistema de complementaridades dos espagos ecológicos e belecidas
dos tempos de produgáo e regeneragáo da natureza para um manejo susten- produgác
tável e produtivo dos recursos; das temporadas de chuvas e secas; da distri- desenvol'
buigáo anual de cultivos segundo seus processos de crescimento diferencia- conhecim
dos e das condigóes ecológicas de cada estagáo; do uso integral de recursos No IT
e do manejo integrado das variedades genéticas de diversas espécies vegetais associada
(o milho, a batata), em fungáo das condigóes topográficas e da variedade e na transfc
qualidade dos solos; das diferentes estratégias de uso final (consumo pró- mente san
prio/mercado), e dos insumos tecnológicos (maquinaria, fertilizantes) para o como das
manejo dos recursos (Bellón, 1993). comunitái
Essas práticas tradicionais geraram diversas estratégias de cultivos com- práticas
binados, de processos de regeneragáo seletiva e de manejo dos recursos recursos n
naturais das selvas tropicais, através da diversificagáo e complementaridade cem relago
de suas fungóes ecológicas. Esses princípios foram utilizados em diversas gáo e de 1
práticas de uso integrado de recursos naturais (hortas familiares, milpas 15 e nichos ecc
capoeiras e estáo sendo recuperados em um novo conceito de manejo de plementan
reservas da biosfera, com suas áreas núcleo, de amortecimento, de manejo e casta tem o
de investigagáo (Lopez-Ornat, 1993). No entanto, os tempos e a intensida- tos recurs(
de de exploragáo dos recursos impostos pelas estratégias produtivas domi- 1993). Ess
nantes náo respeitam a periodicidade dos ciclos ecológicos nem a capacida- social pod
de de suporte dos ecossistemas no uso dos recursos nas comunidades indíge- métodos e
nas tradicionais devido á crescente pressáo que exerce a economia de mer- e animais;
cado e o incremento da populagáo no manejo sustentável dessas reservas e urna esp(
naturais. (Gagdil, 15
A articulagáo produtiva de distintos ecossistemas e regióes assim como a Dessa
visáo da natureza como processos e náo como um estoque de recursos defi- gáo dos rec
niram diferentes "estilos de desenvolvimento ambiental pré-hispánicos" que temas gerar
permitiam otimizar o uso da forga de trabalho e o potencial ecológico atra- regulam os
vés de urna produgáo diversificada, ajustada ás condigóes ambientais de cada tesco e recij
regido, combinando cultivos e integrando atividades agrícolas e florestais recem o uso
com as de casa, pesca e colheita (Gligo e Morello, 1980). Esse estilo de do ambient
desenvolvimento se foi concretizando através da complementaridade dos cionais se ir
processos de trabalho e de um conjunto de práticas de cooperagáo interétni- ticas produ
ca para o manejo integrado dos recursos. A integragáo das economias fami- climas; ciclo
liares, comunitárias e regionais permitia o usufruto e o intercámbio de pro- conhecimer.

426
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ivos dutos provenientes de um território mais amplo. Desta maneira, foram esta-
os e belecidas regras consensuais sobre a administragáo e a regulagáo coletiva da
ten- produgáo, baseadas em longos processos de observagáo da natureza, de
stri- desenvolvimento técnico, de experimentagáo produtiva, de inovagáo de
icia- conhecimentos, de intercámbio de experiéncias e diálogo de saberes.
ITSOS No meio rural do Terceiro Mundo, a estrutura social está intimamente
etais associada aos valores da cultura, que normatizam a intervengáo do homem
ide e na transformagáo de seu entorno natural. Assim, o acesso social e cultural-
pró- mente sancionado aos recursos naturais, tanto através das tradigóes culturais
ara o como das formas de posse da terra (os ejidos mexicanos e a propriedade
comunitária da terra) e da divisáo do trabalho, favorece, em muitos casos,
com- práticas produtivas que utilizam de maneira ecologicamente racional os
arsos recursos naturais. Dessa maneira, na Índia as culturas tradicionais estabele-
idade cem relagóes específicas com o meio, desenvolvendo práticas de conserva-
'ersas gáo e de manejo sustentável de seus recursos através da diversificagáo de
zs is e nichos ecológicos ocupados por diferentes grupos endógamos, que se com-
:jo de plementam sem sobrepor-se em urna mesma regiáo. Cada família, tribo ou
Tejo e casta tem o direito de explorar urna parcela de terra ou de ter acesso a cer-
isida- tos recursos naturais sob a regulamentagáo da comunidade (Gagdil e Iver,
Jomi- 1993). Essas práticas incluem restrigóes sobre o território que cada grupo
icida- social pode ocupar e cujos recursos podem usufruir, sobre as técnicas, os
idíge- métodos e os períodos autorizados para a exploragáo dos recursos vegetais
mer- e animais; estabelecem-se, assim, urna divisáo do trabalho por sexo e idade,
;ervas e urna especializagáo ecológica de cada casta para o usufruto dos recursos
(Gagdil, 1985).
)mo a Dessa maneira, a organizagáo de cada formagáo social regula a utiliza-
defi- láo dos recursos para satisfazer as necessidades de seus membros. Esses sis-
;" que temas geram mecanismos que restringem o acesso, normatizam as práticas e
) atra- regulam os ritmos de extragáo dos recursos, estabelecendo lagos de paren-
e cada tesco e reciprocidade, direitos territoriais e formas de propriedade que favo-
-estais recem o uso sustentável e duradouro dos recursos. A percepgáo "holística"
ilo de do ambiente que caracteriza os sistemas gnosiológicos das sociedades tradi-
le dos cionais se inscreve em suas cosmovisóes, seus mitos, seus rituais e suas prá-
:rétni- ticas produtivas; o saber dos processos geofísicos (mudangas de estagóes e
fami- climas; ciclos biogeoquímicos, ecológicos e hidrológicos) se associa com o
e pro- conhecimento dos diferentes tipos de solo, permitindo utilizar os espagos

427
ENRIQUE LEFF

ecológicos de maneira complementar e fazer um uso múltiplo e integrado ecológica


dos recursos bióticos. A natureza é percebida, assim, como um património lidade e
cultural e náo apenas como um recurso económico. Os col
permitem
dutividade
valorizará(
AS CONDIOES CULTURAIS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:
culturalme
PRODUTIVIDADE ECOTECNOLÓGICA E RACIONALIDADE AMBIENTAL
unta econc
prazo. Ent]
culturais d
A incorporagáo da cultura e da diversidade cultural na perspectiva do desen-
diretamenti
volvimento sustentável abre trés possíveis vias de interpretagáo:
tema de re,
natural e cli
a) A emergéncia de uma cultura ecológica como a incorporagáo, na da mediagá
consciéncia social, de um conjunto de valores de cuidado da natureza e valo- to de cond
rizagáo da diversidade biológica, incluindo os direitos dos diversos grupos identidades
étnicos á apropriagáo, manejo e usufruto dos recursos de seus territórios. recursos, ol
b) A integragáo da cultura ás condigóes gerais da produgáo, entendendo de gestáo e
que a gestáo ambiental participativa das próprias comunidades — que impli- Todo si
ca a preservagáo de sua identidade étnica e seus valores culturais — é unta ma de prod
condigáo para a conservagáo ecológica e da base de recursos para qualquer Urna racion
estratégia de produgáo sustentável. tor é urna e
c) Como um princípio ético-produtivo do desenvolvimento das forgas um meio d(
produtivas em um paradigma alternativo de produgáo, no qual a inovagáo produtivas
tecnológica e a produtividade ecológica estáo entretecidas com as formas cul- transformar
turais de simbolizagáo e significagáo da natureza que definem a produtivida- formas culta
de ambiental de um território e articulam a organizagáo produtiva de diferen- cada formal
tes formagóes socioeconómicas em processos de produtividade cultura1. 16 formas socia
percepgáo d
Os princípios de racionalidade ambiental definem, assim, um conceito gáo específil
de produtividade sustentável que transcende a oposigáo entre conservagáo e solo e os pa(
crescimento. Náo se trata apenas de preservar espagos de conservagáo de A preser
recursos, de incorporar tecnologias limpas, de gerar programas de recupera- turas, o arrl
gáo e ordenamento ecológico, ou de integrar microeconomias marginais de suportes par
subsisténcia ao processo de globalizagáo dominante. A racionalidade am- cia e da come
biental constrói espagos de produgáo sustentável fundados na capacidade de sustentab

428
RACIONALIDADE AMBIENTAL

do ecológica de sustentagáo da base de recursos de cada regido e de cada loca-


zio lidade e nas racionalidades culturais das populagóes que as habitan,.
Os conceitos de produtividade ecotecnológica e racionalidade ambiental
permitem construir um processo produtivo integrado por trés níveis de pro-
dutividade: ecológica, tecnológica e cultural. As formas de significagáo e
valorizagáo cultural da natureza estabelecem um sistema de recursos naturais
culturalmente definido e orientara um conjunto de práticas produtivas para
uma economia sustentável, baseada em uma produtividade durável a longo
prazo. Entre os processos e práticas culturais que estabelecem as condigóes
culturais de sustentabilidade, é possível distinguir, por um lado, processos
diretamente produtivos (a significagáo cultural da natureza que define um sis-
tema de recursos, de práticas culturais de aproveitamento da produtividade
natural e da obtengáo de urna colheita que sustém valores de uso-significado,
na
da mediagáo da racionalidade cultural na inovagáo tecnológica) e um conjun-
alo- to de condilóes culturais de uma produláo sustentável (a preservagáo das
pos identidades étnicas, as normas culturalmente sancionadas de acesso e uso dos
s. recursos, os direitos sobre seus territórios etc.), que sáo suporte das práticas
ndo de gestáo e processos produtivos sustentáveis.
Ipli- Todo sistema de recursos naturais é definido culturalmente. Todo siste-
zma ma de produgáo rural depende da racionalidade de seus agentes produtivos.
fuer Uma racionalidade cultural ndo é nunca homogénea: esta varia se o produ-
tor é urna empresa rural comercial ou urna comunidade que coevoluiu em
roas um meio desenvolvendo ao longo de sua história um conjunto de práticas
tgdo produtivas que atribuíram significados culturais á natureza, selecionando e
cul- transformando alguns de seus elementos como recursos, e desenvolvendo
ida- formas culturais de aproveitamento. Essas racionalidades se configuram em
ren- cada formagáo social através da integragáo de suas cosmovisóes com suas
6 formas sociais de organizagáo de seu território, de propriedade da terra e
percepgáo dos recursos, estabelecendo relagóes sociais e técnicas de produ-
cito cto específicas. É através da cultura que se definem as práticas de uso do
do e solo e os padróes de aproveitamento dos recursos naturais.
) de A preservagáo das identidades étnicas e dos valores tradicionais das cul-
era- turas, o arraigamento a suas terras e seus territórios étnicos constituem
s de suportes para a conservagáo da biodiversidade — do equilíbrio, da resilién-
am- cia e da complexidade dos ecossistemas estabelecendo-se como condigáo
lade de sustentabilidade da sua produtividade. A solidariedade, a coesáo interna

429
ENRIQUE LEFF

e a autonomia das comunidades indígenas e camponesas sáo fonte de moti- As hortas


vagáo das populagóes rurais e base de sua atividade criativa, inovadora e cultivos do
produtiva, de sua capacidade de mudanga e adaptagáo, de seu potencial para dos estilos
incorporar elementos da ciéncia e da tecnologia modernas ás suas práticas seu desen1
tradicionais, que contribuem para incrementar e estabilizar a produtividade constituen
ecotecnológica de um território. Embora náo seja possível desagregar a con- que simula
tribuigáo específica de cada um desses processos culturais — diretos ou indi- o uso de cl
retos — á produtividade global, sua eficácia e funcionalidade dentro de um um amplo
sistema ecotecnossocial complexo e produtivo constituem em conjunto as culturas qu
condigóes culturais da sustentabilidade dentro de urna racionalidade tropicais d
ambiental. úteis (Gisp,
Vários estudos sobre o uso que diversos grupos étnicos fizeram de seu Os sisto
ambiente ao longo de sua história em diferentes regióes do mundo mostra- através da
ram como seu conhecimento sobre o funcionamento dos solos lhes permitiu otimizar a
aproveitá-los de maneira eficiente, obtendo colheitas sob condigóes socioe- produgáo s
conómicas e ambientais limitantes, conservando por sua vez a base de recur- apropriagác
sos naturais. Um vasto sistema de conhecimentos, práticas e tradigóes sobre estratégias
o potencial de uso múltiplo e integrado dos recursos está inter-relacionado seus diversc
com as tramas ecológicas, com as relagóes sociais, com os imaginários cole- apenas pres
tivos e com os processos produtivos sustentáveis dos poyos (Leff e Carabias, das necessi(
1993; Pare, 1996; Lazos e Paré, 2000; Diegues, 2000; Paré e Chavero, racionalidal
2003). Ali se entrelagam o conhecimento tradicional dos recursos vegetais, aproveitamc
tanto silvestres como cultivados; os complexos sistemas taxonómicos de lizagáo prod
diversas culturas; as múltiplas fungóes realizadas pelas práticas agrícolas tra- induzidos p
dicionais na conservagáo de processos ecológicos e na protegáo do solo da economias i
erosáo hídrica e eólica; a conservando da diversidade genética e da vegeta- mias de aut
gáo silvestre; a regeneragáo seletiva de espécies úteis; a manutengáo da fer- orientados r
tilidade dos solos pelo melhoramento de suas características físico-químicas satisfagáo er
e biológicas e pela captagáo e retengáo da água; e a inovagáo de sistemas eqüitativo
agroecológicos altamente produtivos. se expressan
Entre esses processos, destaca-se o conhecimento tradicional sobre o com os sabe
manejo do capoeira ou mata secundária, no qual intervém um sofisticado acumulados o
saber sobre os processos de regeneragáo seletiva de espécies no sistema de conheciment
roca-queimada, que permite a transformagóes dos ecossistemas tropicais em em uso alcan
eficientes sistemas agrossilvoprodutivos, aproveitando o "subsídio" ofereci- nizagáo socia
do pela natureza (Hecht et al., 1993) para a produtividade ecotecnológica. de coesáo soc

430
RACIONALIDADE AMBIENTAL

Iti- As hortas familiares e os sistemas de capoeira funcionam como projetos de


ae cultivos de sucessáo dirigida a partir das características dos ecossistemas e
ara dos estilos étnicos de uso dos recursos das comunidades que intervém em
cas seu desenho e aproveitamento. Estas estratégias de manejo dos recursos
Lde constituem agroecossistemas altamente estáveis, diversificados e produtivos,
Dn- que simulam a estrutura e dinámica dos ecossistemas naturais, maximizando
Idi- o uso de cada nicho ecológico disponível. Além do mais, estáo baseadas em
UM um amplo repertório de conhecimentos, saberes e práticas tradicionais das
1 as culturas que se assentam nos complexos e produtivos ecossistemas das zonas
ide tropicais do planeta, preservando e cultivando de forma seletiva espécies
úteis (Gispert, et al., 1993; Gómez-Pompa, 1993).
seu Os sistemas de saberes tradicionais conjugam, assim, diversos objetivos
tra- através da fusáo de práticas culturais, sociais e produtivas; estas permitem
itiu otimizar a oferta ecológica dos recursos, conservando as condigóes de urna
ioe- produgáo sustentável, urna distribuigáo mais eqüitativa dos recursos e urna
:ur- apropriagáo diferenciada de bens no tempo e no espago. Dessa maneira, as
>bre estratégias de uso múltiplo da natureza levam a "decodificar a variedade de
ado seus diversos microambientes, desenvolvendo práticas produtivas que náo
ole- apenas preservam a biodiversidade, mas elevam o nível de auto-satisfagáo
)ias, das necessidades materiais da comunidade" (Toledo e Argueta, 1993). A
ero, racionalidade cultural arraigada nas práticas produtivas baseadas em um
tais, aproveitamento ecológico da natureza contrasta com os modelos de especia-
de lizagáo produtiva, homogeneizagáo da natureza e maximizagáo do benefício
tra- induzidos pela racionalidade económica. A natureza náo cumulativa das
) da economias indígenas e camponesas, assim como a racionalidade das econo-
,eta- mias de auto-subsisténcia (Chayanov, 1974), integram valores culturais
fer- orientados por objetivos de prestígio, estabilidade, solidariedade interna e
ticas satisfagáo endógena de necessidades, assim como de distribuigáo e acesso
mas eqüitativo da comunidade aos recursos ambientais. Os valores culturais que
se expressam nos mitos e rituais das sociedades tradicionais se entretecem
re o com os saberes da comunidade sobre suas condigóes de produgáo (saberes
:ado acumulados em urna longa tradigáo e experiéncia), manifestando-se tanto no
a de conhecimento do meio como na divisáo das formas de trabalho. As técnicas
em em uso alcangam um alto grau de complexidade, articulando-se com a orga-
nizagáo social e com as formagóes ideológicas das comunidades. Essas formas
ica. de coesáo social e auto-suficiéncia produtiva permitem na atualidade a sobre-

431
ENRIQUE LEFF

vivéncia de muitas populagóes em condigóes de auto-subsisténcia. O melho- económi ■


ramento das práticas de autogestáo de aproveitamento múltiplo dos recursos aproveitl
permitiria a incorporagáo de urna vasta populagáo marginalizada e pauperi- culturais
zada para um processo de desenvolvimento sustentável (Parra, 1993). prios de
A organizagáo ecossistémica e cultural dos recursos oferece, assim, regenera,
novos potenciais para orientar formas inovadoras de organizagáo social e recursos
produtiva. Essa racionalidade ambiental irradia novas forgas produtivas A prc
através da redistribuigáo da populagáo no espato geográfico, da reorganiza- condigóc
gáo e relocalizagáo das atividades produtivas e da atividade autogestionária ecossister
da sociedade. Tal processo modifica a quantidade e qualidade dos bens, dos ciclo:
assim como a distribuigáo social da riqueza, através da descentralizagáo de naturais.
atividades económicas, da conservagáo e do incremento da produtividade ambiente,
sustentável dos ecossistemas e das formas de apropriagáo e manejo do patri- recursos,
mónio cultural dos poyos. produtos
A partir desses princípios, abre-se a possibilidade de construir um novo dade sust(
paradigma produtivo fundado nos princípios de urna produtividade ecotec- buigáo do
nológica ressignificada e normatizada pelos valores e as formas de organiza- dutivas, e
gáo cultural. Esse paradigma produtivo está sustentado na conservagáo de gáo dos es
certas estruturas funcionais básicas dos ecossistemas, das quais dependem produgáo
sua fertilidade e estabilidade, quer dizer, de seu potencial produtivo a longo Em m
prazo e da capacidade de regeneragáo de seus recursos. Dessa maneira, as ram os pr
práticas tradicionais conservam as condigóes ecológicas do meio, guiando o recursos a
processo evolutivo das espécies através de práticas culturais de selegáo e defesa de
aproveitamento dos recursos da natureza (Colunga e Zizumbo, 1993). potencial
Nesse mesmo sentido, pode-se continuar potencializando a produtividade produtivas
primária dos ecossistemas mediante a aplicagáo de urna tecnologia ecológi- produgáo,
ca para incrementar urna produgáo de valores de uso socialmente necessá- de vida de
rios e culturalmente definidos. morais e c
A distribuigáo espacial dos recursos biológicos, seus intercámbios mate- através de
riais e energéticos, a reciclagem ecológica dos dejetos orgánicos e dos resí- tural, náo
duos ou subprodutos dos processos industriais estabelecem novos ciclos de va, mas cc
nutrientes e fluxos de energia no ecossistema. Os processos biotecnológicos conhecime
podem incrementar o crescimento das espécies sujeitas a processos de mane- mente san(
jo múltiplo, contribuindo para elevar o nível da produtividade ecológica. A produtivos
conservagáo das estruturas funcionais que sustentam as condigóes de estabi- za produzii
lidade e produtividade dos ecossistemas depende das práticas culturais e demandas

432
RACIONALIDADE AMBIENTAL

lho- económicas de acesso e exploragáo dos recursos. Assim, a preservagáo e o


rsos aproveitamento produtivo da biodiversidade dependem das organizagóes
›eri- culturais que vivem em ecossistemas particulares e desenvolvem estilos pró-
prios de manejo de seu ambiente, gerando formas particulares de selegáo e
31M, regeneragáo de espécies, transformando os ecossistemas em sistemas de
ial e recursos com urna oferta sustentável de bens para a comunidade.
ivas A produtividade ecotecnológica depende do conhecimento cultural das
condigóes de fertilidade dos solos e do manejo produtivo sustentável dos
iária ecossistemas; da complementaridade produtiva dos espagos territoriais e
lens, dos ciclos temporais no aproveitamento integral e integrado dos recursos
o de naturais. O estilo de desenvolvimento da populagáo e a visáo cultural de seu
Sade ambiente, assim corno as condigóes sociais de acesso e apropriagáo de seus
iatri- recursos, a aplicagáo de seus meios técnicos de produgáo e consumo de seus
produtos normatizam os processos de exploragáo, degradagáo e produtivi-
novo dade sustentável de seus ecossistemas. A divisáo social do trabalho, a distri-
otec- buigáo do tempo disponível entre diversas atividades produtivas e náo pro-
niza- dutivas, e a eficiéncia de seus processos de trabalho se estabelecem em fun-
LO de gáo dos espagos territoriais, as formas de propriedade e as unidades legais de
idem produgáo dos diferentes grupos culturais.
ongo Em muitos casos, as práticas tradicionais das comunidades incorpora-
.a, as ram os princípios de um aproveitamento ecologicamente racional de seus
ido o recursos ao desenvolvimento de suas forgas produtivas. Nesse sentido, a
iáo e defesa de sua autonomia cultural contribui para conservar e desenvolver o
)93). potencial produtivo de seu ambiente. O impacto ambiental dessas práticas
dade produtivas náo depende somente das propriedades técnicas de seus meios de
)lógi- produgáo, mas está sujeito ás condigóes socioculturais e aos estilos étnicos
:essá- de vida dos quais depende sua aplicagáo. As crengas religiosas, as normas
morais e os valores culturais dos poyos, assim como suas transformagóes
nate- através de um processo histórico de exploragáo económica e dominagáo cul-
resí- tural, náo apenas estabelecem formas determinadas de organizagáo produti-
os de va, mas condicionam sua disposigáo e capacidade para incorporar novos
gicos
, conhecimentos tecnológicos a suas práticas tradicionais. O acesso social-
nane- mente sancionado e a participagáo comunitária na gestáo de seus recursos
ca. A produtivos afetam a distribuigáo social dos recursos da natureza e da rique-
stabi- za produzida; além disso, promovem a satisfagáo das necessidades básicas e
rais e demandas da populagáo, uma vez que contribuem para estabelecer novas

433
ENRIQUE LEFF

moderna
formas e níveis de produtividade. Através dos valores culturais de uma
de da pr
comunidade, o potencial ecológico e tecnológico é inserido em seus proces-
sos de trabalho e opera como urna forga produtiva. Nesse sentido, as insti- apropria(
tuigóes culturais — as formas de cooperagáo, o trabalho coletivo, a divisáo e preserva
des cultui
familiar e social do trabalho, o intercámbio intercomunitário — definem a
tabilidad(
produtividade cultural do desenvolvimento sustentável.
produtivi
A sustentabilidade do sistema produtivo implica a necessidade de cons-
to sustent
trugáo de urna tecnoestrutura que esteja normatizada pelas condigóes ecoló-
que se att
gicas do meio. No entanto, as formas efetivas de sua utilizagáo como meios
cas prodi
de produgáo estáo sujeitas ás condigóes de assimilagáo cultural de novas tec-
pela emez
nologias que potencializem os saberes técnicos tradicionais e possam ser
princípiol
administradas pelas próprias comunidades. Nesse sentido, é possível definir
tivas que
um sistema tecnológico apropriado como aquela estrutura que, estando
necessidal
caracterizada por sua adequagáo e integragáo ás condigóes ecológicas do
volviment
meio, concretiza-se através das práticas produtivas das comunidades e defi-
ne sua produtividade através do processo de apropriagáo coletiva e subjeti-
va dos meios ecotecnológicos de produgáo por parte dos produtores diretos.
Tal processo implica a assimilagáo cultural de novas habilidades, a interiori-
A CULTURA
zagáo de novos conhecimentos e a posse dos meios de produgáo e dos ins-
trumentos de controle que tornem possível a autogestáo de seus recursos
A cultura
produtivos.
ciéncia co
A partir da perspectiva cultural do desenvolvimento sustentável, a pro-
perdularia
dutividade tecnológica está associada com a capacidade de recuperar e
culturas -
melhorar as práticas tradicionais de uso dos recursos. Esses processos de
meio amb
inovagáo dependem das motivagóes das comunidades para a autogestáo de
gáo cultur
seus processos produtivos e de sua capacidade inovadora para incorporar
de evolugl
conhecimentos científicos e tecnológicos modernos que incrementem a pro-
restrutura'
dutividade de suas práticas tradicionais, sem destruir sua identidade étnica e
processos
seus valores culturais, dos quais depende sua vitalidade, o sentido existencial
lugáo se re
de seus estilos de vida, sua criatividade e sua energía social como fontes de
estilos étni
produtividade. A articulagáo desses processos ecológicos, tecnológicos e cul-
por um d(
turais define a base real de recursos de urna formagáo social e gera novos
ideograma
potenciais produtivos para o desenvolvimento sustentável.
tam; o prc
As práticas agroecológicas constituem um exemplo prático de aplicagáo
significant,
dos princípios do paradigma ecotecnológico. Essas práticas amalgamam o
dicionais -
conhecimento agrícola tradicional com elementos da ciéncia e da tecnologia

434
RACIONALIDADE AMBIENTAL

modernas, inovando práticas culturalmente compatíveis com a racionalida-


na
de da produgáo camponesa. As técnicas resultantes sáo ecologicamente
apropriadas e culturalmente apropriáveis; permitem elevar a produtividade
ti-
e preservam a capacidade produtiva do ecossistema; conservam as identida-
áo
des culturais e os servigos ambientais do planeta, contribuindo para a adap-
a
tabilidade ás mudangas climáticas (Altieri, 1987, 1993). 0 paradigma da
produtividade ecotecnológica oferece novas bases para um desenvolvimen-
is-
to sustentável que se apóie nas culturas que tém habitado os ecossistemas e
ló-
que se atualizam nos processos de inovagáo e assimilagáo cultural nas práti-
ios
cas produtivas no ámbito local. Esses processos están sendo mobilizados
ec-
pela emergéncia de novos atores sociais no campo, que lutam para instituir
ser
princípios de uma outra racionalidade, ambiental, em novas práticas produ-
nir
tivas que possam ser apropriadas pelas comunidades para satisfazer suas
do
necessidades básicas e suas aspiragóes em diversos estilos de vida e de desen-
do
volvimento sustentável. 17
e fi-
eti-
Ds.

)ri-
A CULTURA E A PULSÁO AO GASTO: A PARTE MALDITA
ns-
sos
A cultura ecológica emerge na narrativa da globalizagáo como urna cons-
ciéncia conservacionista diante da racionalidade económica produtivista e
ro-
perdulária. O discurso da sustentabilidade tende a atribuir á cultura — e ás
re
culturas — uma vontade e urna capacidade intrínseca de preservagáo do
de
meio ambiente em que habitara como uma experiéncia vivida de conserva-
de
gáo cultural, como urna faculdade e um mecanismo adquirido no processo
,rar
de evolugáo ecocultural. E, no entanto, a cultura funciona corno urna "supe-
ro-
restrutura" da base orgánica da vida que assegura sua reprodugáo através de
:a e
processos de adaptagáo e transformagáo, onde as leis de conservagáo e evo-
cial
lugáo se refletem nas cosmovisóes e práticas culturais do uso da natureza. Os
de
estilos étnicos de aproveitamento da natureza náo seguem urna rota tragada
:u1-
por um determinismo geográfico ou biológico; suas cosmovisóes náo sáo
vos
ideogramas que correspondem e refletem fielmente a natureza onde habi-
tara; o processo de significagáo cultural da natureza náo é uma relagáo de
gáo
significante-significado. Por isso, embora as racionalidades das culturas tra-
no
dicionais — suas cosmovisóes e práticas — resultem mais afins ás condigóes
•gia

435
ENRIQUE LEFF

de conservagáo e evolugáo da natureza — sobretudo comparadas com os da cultur


impactos ecológicos da racionalidade económica —, a organizagáo cultural haveria d
náo escapa á "entropia social" que produz a desmesura do desejo, e sua rela- maldita (
gáo com a "dilapidagáo de energia viva", com a "fúria destrutiva" e a "orgia ta anos at
da aniquilagáo" da natureza desencadeada pela ordem simbólica e a sexuali- da econo
dade. Nesse sentido, Bataille havia afirmado que, Seu itiner

A possibilidade humana dependeu do momento em que, presa de urna verti- Náo s


gem insuperável, um ser se esforgou em dizer que ndo [...] O homem se cagóe;
sublevou para náo seguir mais o movimento que o impulsionava; mas, desse no? SI
modo, náo póde fazer outra coisa que precipitá-lo a uma velocidade vertigi- nos fc
nosa. Se vemos, nas proibigóes essenciais, o repúdio que opóe o ser á nature- sobre
za entendida como dilapidagáo de energia viva e como orgia de aniquilamen-
to, já náo podemos fazer diferenga entre a morte e a sexualidade. A sexuali- Embo
dade e a morte sáo apenas momentos agudos de urna festa que a natureza entropia,
celebra com a inesgotável multidáo dos seres; e al sexualidade e morte tém o precursor
sentido do ilimitado desperdício ao qual procede a natureza, em um sentido Frederick
contrário ao desejo de durar próprio de cada ser [...] As proibigóes nas quais volver vin
tomou forma urna reagáo única com dois fins distintos [...] [formam] um gica". Bat
complexo indivisível. Como se o homem houvesse captado inconsciente- impulso d
mente e de urna só vez o que a natureza tem de impossível [o que nos é dado] cultura. Se
guando exige seres aos quais incentiva a participar dessa fúria destruidora modar um
que a anima e que nada saciará jamais (Bataille, 1997: 65-66). cultural ct
textos de
Para além de compreender e ajustar o comportamento das sociedades tural. 18 Ba
tradicionais sobre a base dos imperativos de uma racionalidade ecológica e berta do g
energética, Bataille (1967) pesquisou o pensamento "primitivo" e sua orga- urna clariv
nizagáo cultural a partir de sua pulsdo ao gasto, como urna forma cultural de
desperdício de um excedente (de libido, de energia). Bataille contrapóe a A vida
ética protestante da frugalidade e da acumulagáo á do gasto ritual. A entro- sobre c
pia social náo é a manifestagáo pura e simples do ser humano imerso em um ca a ou
mundo onde imperam as leis gerais da entropia, de um sistema termodiná- Ihe sáo
mico afastado do equilíbrio, mas a expressáo de um ser movido por um no, de
desejo insaciável, pelo exuberante desgaste e a irremediável perdigáo do se dize
humano. Em 1933, Bataille — esse explorador do lado obscuro da existen- menos
cia humana — já adiantava, em A noldo de gasto, sua visáo "entropizante" partir c

436
RACIONALIDADE AMBIENTAL

n os da cultura, dentro de seu propósito de formular uma economia geral que


rural haveria de continuar (sua culminagáo nunca foi consumada) com A parte
rela- maldita (Bataille, 1967). Cometa, assim, a desenhar-se, desde 1931, quaren-
)rgia ta anos antes de Georgescu-Roegen, uma investigagáo sobre "a dependéncia
uali- da economia em relagáo ás travessias da energia sobre o globo terrestre".
Seu itinerário se iniciava com essas perguntas fundadoras:

✓erti- Náo se deve abordar o conjunto da atividade produtiva dentro das modifi-
m se cagóes que recebe daquilo que a cerca, aquilo que isso aporta a seu entor-
desse no? Se desenvolvemos incessantemente as forgas económicas, náo devemos
rtigi- nos formular os problemas gerais vinculados ao movimento da energia
Lture- sobre o globo? (Bataille, 1967: 58).
men-
cuali- Embora nessa época já estivesse flutuando no ambiente o conceito de
ureza entropia, na temática energética e ecológica emergente que impulsionou
:ém o precursores da economia ecológica como Patrick Geddes, Alfred Lotka,
ntido Frederick Soddy e Vladimir Vernadsky, tais perguntas críticas iriam se desen-
quais volver vinte anos mais tarde, com o surgimento de urna "consciencia ecoló-
um gica". Bataille transgride o dogma da racionalidade económica a partir do
ente- impulso da vida simbólica e da pulsáo do desejo que invadem o campo da
lado] cultura. Seu aporte náo consistiu, como em outros autores da época, em aco-
idora modar um conceito de entropia proveniente das ciencias naturais no campo
cultural que havia penetrado no ámbito científico. Procuraremos em váo nos
textos de Bataille a palavra entropia ou a aplicagáo do conceito á ordem cul-
lades tura1. 18 Bataille esboga urna nogáo de entropia social a partir da sua desco-
;ica e berta do gasto náo utilitarista no intercámbio destinado á pura perda. Em
3rga- urna clarividente visáo "pré-prigoginiana" sobre a vida humana afirmava:
al de
>U a A vida humana, distinta da existencia jurídica e tal como teve lugar de fato
ntr o- sobre o globo ilhado no espato celeste, do dia para a noite, de uma comar-
um ca a outra, náo pode, em nenhum caso, se limitar aos sistemas fechados que
liná- lhe sáo atribuídos nas concepgóes razoáveis. O imenso trabalho de abando-
r um no, de derramamento e de tormenta que a constituem poderiam expressar-
o do se dizendo que ela náo cometa senáo com um déficit desses sistemas: ao
stén- menos o que ela admite de ordem e de reserva náo tem sentido a náo ser a
arte" partir do momento em que as forgas ordenadas e reservadas se liberam e se

437
ENRIQUE LEFF

perdem em objetivos que náo podem se sujeitar a nada sobre o que seja pos- qüéncia d
sível prestar contas. É apenas por tal insubordinaláo, inclusive miserável, inelutáve]
que a espécie humana cessa de estar ilhada no esplendor sem condigáo das humanos]
coisas materiais (ibid.: 43-44). crescimen
co), que
Contra a visáo dos impulsos e interesses humanos formulados em termos dada, uml
de conservagáo e produgáo pela racionalidade económica, Bataille postula económic
urna razáo mais profunda do comportamento económico: a pulsáo para o
gasto, o desejo e vontade de urna perda pura, sem interesse nem retorno. Geral
Bataille antevé o móvel do prazer ante o fim de urna "necessidade" ou de um dilapii
valor económico fundado em um "tempo de trabalho socialmente necessá- efeito
rio" ou em urna racionalidade utilitarista. A festa, o desperdício e o desgaste do
aparecem corno o principio originário, o fim último que conduzem a motiva- mente
gáo pela motivagáo da poupanga e a racionaliznáo das condutas económicas. que e:
Diante do consumo produtivo da natureza, Bataille adianta a idéia de um monst
gasto improdutivo, de urna necessidade de perda desmesurada. Este gasto nal sil
náo se refere ao consumo entendido como o momento de "realizagáo da mer- riquez
cadoria" — condigáo sine gua non da revalorizagáo do capital — mas a um que se
gasto simbólico que, corno um sacrifício, aparece como urna perda pura, sem mia gE
um fim económico, como urna degradagáo de energia sem limite. O sentido extren
da nogáo de gasto surge guando a riqueza aparece como aquisigáo guando o mente
homem rico adquire um poder, mas se dirige completamente para a perda no movin
sentido de que esse poder se caracteriza como um poder de perder. É só pela
perda que traz emparelhadas a glória e a honra (ibid 34-5). A intt
Além do problema da internalizagáo de custos e benefícios ecológicos e das caverr
ambientais preconizados pela economia ambiental, e do problema da inco- Em seu de
mensurabilidade destacado pela economia ecológica, Bataille acentua a nada pela
impossível valorizagáo desse ato de perda pura, nesse impulsos ilógicos e excedente
irresistíveis de repúdio a bens materiais ou morais que teria sido possível uti- atuais de
lizar racionalmente [...] dessa degrada0o que, sob formas tanto sinistras nómica; a
como magníficas, náo deixou de dominar a existéncia social (ibid.: 44). (económic
Dessa maneira, antevé o que vinte anos depois seria plasmado pelo dis- dagáo"; o
curso ambiental. Sem recorrer a um conceito de entropia, Bataille vé a eco- urna prodl
nomia geral e sua crise como um conflito entre a superabundáncia de ener- dores de u
gia disponível e a necessidade de urna perda sem lucro do excedente de ener-
63). Pela
gia que náo pode servir ao crescimento do sistema. E tudo isso em conse-
populacio

438
RACIONALIDADE AMBIENTAL

a pos- qüéncia de urna causa: o luxo que precipita a dilapidagáo de energia, de um


rável, inelutável "movimento de luxuosa exuberáncia, da qual somos [os seres
ío das humanos] a forma mais aguda" (ibid.: 73). A economia nos impulsiona ao
crescimento e ao consumo luxuoso (exacerbagáo do consumo exossomáti-
co), que consome o mundo descarregando um excedente de energia degra-
:.rmos dada, uma dilapidagáo de recursos sem intercámbio económico, sem lucros
ostula económicos. É a falta de razáo da perda pura e catastrófica:
)ara o
:orno. Geralmente, náo há crescimento a náo ser sob as formas de uma luxuosa
de um dilapidagáo de energia. A história da vida sobre a terra é, principalmente, o
.cessá- efeito de urna louca exuberáncia: o evento dominante é o desenvolvimento
sgaste do luxo, a produgáo de formas de vida cada vez mais onerosas [...J O senti-
totiva- mento de urna maldkao está ligado a essa dupla alteragáo do movimento
micas. que exige de nós o consumo de riquezas. Repúdio á guerra sob a forma
de um monstruosa que reveste, repúdio á dilapidagáo luxuosa, cuja forma tradicio-
gasto nal significa desde agora injustiga. No momento em que o acréscimo das
a mer- riquezas é maior do que nunca, acaba de tomar ante nossos olhos o sentido
; a um que sempre teve, de alguma maneira, de parte maldita [...] O que a econo-
a, sem mia geral define de entrada é um caráter explosivo deste mundo, levado ao
entido extremo da tensáo explosiva na época atual. Uma maldigáo pesa, evidente-
Indo o mente, sobre a vida humana, na medida em que náo tem a forga de deter um
rda no movimento vertiginoso (ibid: 71, 76-77, 79).
á pela
A intuigáo radical de Bataille sobre as forgas destrutivas provenientes
;icos e das cavernas do desejo, voltará a surgir em sua abordagem sobre o erotismo.
inco- Em seu desejo de elaborar em A parte maldita urna economia política ilumi-
ntua a nada pela pulsáo ao gasto, seu propósito é estudar o "movimento da energia
;icos e excedente que se traduz na efervescéncia da vida". Em suas formas mais
✓el uti- atuais de expressáo, esta perda se enquadra na dinámica populacional e eco-
nistras nómica; aparece como problemas que resultam da existéncia de excedentes
4). (económicos, demográficos), o primeiro por urna "necessidade de urna exu-
:lo dis- dagáo"; o segundo por urna "necessidade de crescimento". É o problema de
a eco- uma produgáo excedente que ultrapassa os processos improdutivos "dissipa-
ener- dores de urna energia que náo pode ser acumulada de maneira alguma" (ibid
e ener- 63). Pela primeira via, haveríamos de desembocar no problema da "bomba
conse- populacional" (Erlich, 1968); pela segunda, no do gasto improdutivo, desde

439
ENRIQUE LEFF

a crialdo destrutiva do capital (Schumpeter, 1972) até a absorgáo do exceden- sos modc
te económico como estratégia do capital monopolista, seja através do consu- Bataille,
mo e a inversáo dos capitalistas, do esforgo em vender, ou do gasto na indús-
tria de guerra (Baran e Sweezy, 1970). Amo
Exuberáncia da vida e delírio da economia. No entanto, a parte maldita tia, no
se mantém oculta atrás da racionalidade económica que gera o inexorável passal
gasto exuberante do excedente económico ou do crescimento exponencial O que
da populagáo por superabundáncia da natureza. Essas "causas naturais" tituídI
velariam as verdadeiras causas e sentidos que ficam assim encobertos sob damei
urna cortina de fumara no pensamento que os pensa, é a impossível cons- tismo
ríamo
ciéncia de sua verdade. Se a primeira haverá de surgir da negra luz da entro-
limite
pia, a segunda haverá de refulgir na obscura lucidez do desejo, e ambas, do
víncul
poder da vida de consumir-se intensamente. A racionalidade ambiental esta-
e o asi
belece os vasos comunicantes entre o processo inelutável até a morte entró-
pica do planeta gerada pela racionalidade económica, com as forgas obscu-
Bataill
ras da subjetividade humana, com os intrincados labirintos da ordem simbó-
téncia hun
lica e com as singularidades de racionalidades culturais diferenciadas.
de um exc
A parte maldita da economia náo é apenas esse excesso de energia que
ética da fr
se dilapida por incapacidade do metabolismo humano e da racionalidade económic(
económica para reger seu crescimento e sua queda catastrófica em forma de valor capa
destruigáo de recursos e bens, de vidas humanas, nas guerras, na luta de d'as- o desejo hi
ses ou nos conflitos ambientais. A parte maldita é, também, a entropia em si, cesso econ
a perda inelutável de energia útil, sua degradagáo em calor. Esses dois pro- um fato cu
cessos se conjugam: tanto na dinámica populacional como no processo eco- mas simból
nómico, o impulso ao gasto pelo desejo é o princípio humano que desenca- no sacrifíci
deia, mobiliza e magnifica o metabolismo da matéria nos organismos vivos astecas no
e na economia global. A lei da cultura se enlata, assim, com a lei da entro- É a manife;
pia, náo como uma mera analogia ou como urna lei ontológica genérica do sipnáo da
ser e das coisas, mas como dois processos diferenciados que se desnudam e economia
entrelagam. É o real da morte entrópica em face da morte existencial e da em que o p
ordem simbólica; é a lei da entropia na organizagáo e desorganizagáo da Marcel Ma
matéria e da vida; é a lei contraditória do desejo entre a vida e a morte. bio median
O ecologismo postula urna ética da vida. E, no entanto, esta náo poderá
incorporar-se a urna nova racionalidade enquanto seguirmos ignorando a O polla
marca da morte que significa a vida humana, desde onde construímos nos- [...] Ná(

440
RACIONALIDADE AMBIENTAL

len- sos modos de vida e saímos ao encontro com a natureza. Pois, como afirma
isu- Bataille,
dús-
A morte, ruptura dessa descontinuidade individual na qual nos fixa a angús-
dita tia, nos é proposta como a verdade mais eminente que a vida [...] Há, na
ável passagem da atitude normal ao desejo, um fascínio fundamental pela morte.
acial O que está em jogo no erotismo é, sempre, urna dissolugáo das formas cons-
ais" tituídas [...] urna dissolugáo dessas formas de vida social, regular, que fun-
sob damentam a ordem descontínua das individualidades que somos [...] O ero-
tismo inaugura a morte. A morte leva a negar a duragáo individual. Pode-
ons-
ríamos, sem violéncia interior, assumir urna negagáo que nos conduz até o
Itr o-
limite de todo o possível? [...] É preciso muita forga para dar-se conta do
do
vínculo que há entre a promessa de vida — que é o sentido do erotismo —
:sta-
e o aspecto luxuoso da morte (Bataille, 1957/1997: 24, 23, 29, 63).
itró-
scu-
Bataille explora essa pulsáo ao gasto que provoca a erotizagáo da exis-
abó-
téncia humana no dom, que opera como urna forma cultural de dilapidagáo
de um excedente (de libido, de energia), que contrapóe o gasto ritual a urna
que
ética da frugalidade e da conservagáo. 19 Além de enlatar os fluxos do valor
Jade económico e valor energético e de abrir as perspectivas de urna teoria do
a de valor capaz de articular o valor económico com o desgaste energético e com
clas- o desejo humano — a natureza, a cultura, o material e o simbólico, no pro-
m si, cesso económico —, Bataille apresenta a tendéncia ao gasto (entropia) como
pro- um fato cultural, produto do desejo humano, que se torna manifesto nas for-
eco- mas simbólicas do intercámbio económico e do consumo. É o que Bataille vé
nca- no sacrifício e no dom que descobre na organizagáo económico-simbólica dos
, ivos astecas no México e no potlach dos índios do noroeste dos Estados Unidos.
itr o- É a manifestagáo de urna "entropia social" — do gasto sem utilidade, de dis-
a do sipagáo da riqueza — inscrita em urna racionalidade social diferente, em urna
im e economia fundada em relagóes de outridade, em relagóes de reciprocidade
e da em que o poder se adquire através da perda. A partir do Essai sur le don , de
o da Marcel Mauss, Bataille analisa o paradoxo do dom como forma de intercám-
bio mediante o qual se adquire um poder:
derá
do a O potlach deixa ver um vínculo entre as condutas religiosas e as da economia
nos- [...] Náo haveria potlach se [...] o problema último fosse a aquisigáo e nao a

441
ENRIQUE LEFF

dissipagáo das riquezas úteis [...] se há em nós mesmos, através do espato implica ut
onde vivemos, um movimento da energia que utilizamos, mas que náo é financiarn
redutível á utilidade [...] podemos ignorá-la, mas também podemos adaptar mas da pu
nossa atividade ao cumprimento disso que ocorre fora de nós mesmos. A za" do qu
solugáo do problema que é assim formulado demanda urna agáo em dois sen- intercámbi
tidos contrários: por um lado, devemos ultrapassar os limites mais próximos No ere
dentro dos quais atuamos normalmente, e, por outro, incorporar por algum nada antes
meio nosso excesso dentro de nossos limites. O problema apresentado é o do tuosidade
gasto excedente. Por um lado, devemos dar, perder ou destruir. Mas o dom convém, n
seria insensato [...] se náo tomasse o sentido de urna aquisigáo. E necessário que seu ins
que dar resulte em adquirir um poder. O dom tem a virtude de um excesso za o levam
do sujeito que dá, mas em trota do objeto doado o sujeito se apropria do da matéria
excesso: ele encara sua virtude, aquilo para o qual teve forra, como urna inscrita na
riqueza, como um poder que a partir de agora Ihe pertence. Enriquece-se de como na oi
um desprezo pela riqueza, e aquilo no que se mostra avaro é o efeito de sua falta em sE
generosidade. Mas náo poderia adquirir ele sozinho um poder feito de um
continuida
abandono do poder: se destruísse o objeto em sua solidáo, em siléncio, náo intercámbi
resultaria nenhum tipo de poder [...] mas, se destrói o objeto diante de outro, Quem
se o doa, o que dá toma efetivamente diante dos olhos do outro o poder de impulso pa
dar ou de destruir. Ele é rico de agora em diante por ter feito da riqueza o tável? Essa
uso desejado na esséncia da riqueza: é rico por haver consumido ostensiva- qual o hon
mente aquilo que náo é riqueza a náo ser que seja consumido. Mas a riqueza
de sua sex
efetuada dentro do potlach — no consumo para outro — náo tem existéncia mundo qu,
de fato, mas, porque o outro é modificado pelo que o outro é modificado consumo, 1
pelo consumo [...] a agáo que se exerce sobre os outros constitui, justamen-
tes á cultur
te, o poder do dom, que é adquirida pelo fato de perder. A virtude exemplar fica da inel
do potlach se dá nessa possibilidade do homem de apreender o que lhe esca-
pa, de conjugar os movimentos sem limite do universo com o limite que lhe
Limito-
pertence (Bataille, 1967: 106-7). está, ac
seu cre;
O potlach expressa urna racionalidade diferente da racionalidade econó- gáo nác
mica, a exploragáo do outro, o objetivo de maximizar lucros, o poder pela á mort(
propriedade e acumulagáo de bens de produgáo e de consumo. O potlach tenta a
estabelece urna relagáo paradoxal de poder que provém de dar, obrigando o da nec
1957/1:
outro a responder dando mais. A rivalidade com o outro acarreta corno con-
trapartida um dom maior. Esse intercámbio de dons, oferendas e presentes

442
RACIONALIDADE AMBIENTAL

implica urna usura, náo no sentido do benefício de um interesse por um


financiamento ou da usura dos bens de capital no processo de produgáo,
é
ar mas da pulsáo de extrair, acumular, intercambiar e consumir mais "nature-
za" do que o "necessário", para poder doá-la ao outro. Essa "lógica" de
A
intercámbio e consumo implica urna perda em termos de entropia.
n-
DS No erotismo, abre-se a porta para a pura perda, o desejo de perder-se no
nada antes de se submeter a urna norma de vida. A viver o éxtase da volup-
m
tuosidade e beber o cálice de urna morte que abraga o que á vida razoável náo
10
convém, nem contém. O ser humano é ser "entropizante": náo apenas por-
m
que seu instinto de sobrevivéncia e a mania de acumulagáo de capital e rique-
i0
za o levam a acelerar e exacerbar os processos de exploragáo e transformagáo
so
da matéria e da energia do planeta, mas porque a degradagáo da entropia está
io
inscrita na ordem do real (morte entrópica do universo; seta do tempo) assim
na
como na ordem simbólica e na existéncia humana (ser para a morte), por essa
de
falta em ser que impulsiona o ser humano no erotismo, em sua procura de
ua
continuidade e totalidade, até um gasto sem reserva na sexualidade e no
im
intercámbio, na produgáo e no consumo, na vida e na morte.
áo
Quem poderia, entáo, condenar o homem por levar dentro de si esse
70,
impulso para o desperdício, a encarnar a contradigáo de urna vida insusten-
de
tável? Essa relagáo entre natureza e cultura abre uma estranha dialética na
to
qual o homem inaugura sua história colocando limites á natureza para além
ra-
de sua sexualidade, reconduzindo o desejo pela via da economizagáo do
za
mundo que culmina em urna crise marcada pela dilapidagáo ilimitada do
zia
consumo, levando a que as leis da natureza (entropia) imponham seus limi-
do
tes á cultura da modernidade. Bataille adiantaria assim urna lei antropomór-
al-
fica da inelutável entropia da cultura ao afirmar:
tar
::a-
Limito-me a dar a entender até que ponto a vida, que é exuberante perda,
he
está, ao mesmo tempo, orientada por um movimento contrário que exige
seu crescimento. Náo obstante, o que ganha ao final é a perda. A reprodu-
gáo náo multiplica a vida mais do que em váo, multiplica-a para oferecé-la
á morte, cujos estragos sáo a única coisa que se acrescenta guando a vida
tenta cegamente expandir-se. Insisto que o desperdício se intensifica apesar
ch
da necessidade de urna realizagáo em sentido contrário (Bataille,
l o
1957/1997: 237).
1n-
:es

443
ENRIQUE LEFF

A sustentabilidade é a marca da proibigáo e do limite na ordem econó- quer d


mica. A racionalidade ambiental assume a interiorizagáo do limite e da proi- da ea
bigáo no terreno da produgáo; mas, ao mesmo tempo, o saber ambiental fissura
reerotiza o mundo ante a deserotizagáo do pensamento objetivador e da procril
economicizagáo do mundo (Leff, 2001b). A racionalidade ambiental trans- só se f
gride a ordem dominante para incorporar os princípios de urna desordem (Heide
organizada (neguentropia). A construgáo da sustentabilidade náo conduz á
negagáo da natureza entrópica do universo e do humano, mas sim ao seu A reap
reconhecimento e a um saber viver dentro do limite, em suas margens e em das da vid
face dos horizontes do possível e do porvir. Esta é a fungáo do saber ambien- tomar a pa
tal e o sentido "prigogiano" do ato emancipatório e criativo da transgressáo: tural em s
desde o ser
O efeito mais constante do impulso ao qual dou o nome de transgressáo é o discurso:
de organizar o que por esséncia é desordem. Pelo fato de que comporta o
excesso de um mundo organizado, a transgressáo é o princípio de urna A lingu
desordem organizada [...] A linguagem náo se dá independentemente do Aberto.
jogo da proibigáo e da transgressáo. Por isso, a filosofia, para poder resol- planta
ver [...] os problemas, tem que retomá-los a partir de urna análise histórica seqüénc
da proibigáo e da transgressáo. Através da contestagáo, baseada na crítica do non
das origens, é corno a filosofia, tornando-se transgressáo da filosofia, acede nomear
ao ápice do ser. (Ibid.: 125, 280). uma cla
como. P
No entanto, a reapropriagáo cultural da natureza náo poderá ser resul- te e se vl
tado de unta transgressáo da ordem estabelecida somente por meio do pen- tecimen
samento filosófico, como tampouco o será como urna "expressáo" da natu- poyo e a
reza numa consciéncia ecológica da espécie humana. A emancipagáo e a jetante <
criatividade de outros mundos possíveis se dáo em um "jogo" entre o Real e mundos
o Simbólico, entre Natureza e Cultura, entre a coisa e a obra. Nesse sentido, te a ele
Heidegger langou uma pergunta carregada de sentido sobre a natureza das pertencii
coisas e o significado da natureza que forja a obra humana:
Se a link
Se a obra deve levar o coisico convincentemente ao Aberto, náo deveria trumento qt
entáo ela mesma — por consideragáo a sua própria criagáo — ter sido leva- fins, da racic
da a urna relagáo com as coisas da terra, com a natureza? [...] Mas imedia- a uma realid
tamente surge a pergunta contrária: corno poderia tragar-se essa fissura se tória e "dado
esta náo for levada ao Aberto por um esbogo criativo corno urna fissura, e recria os se

444
RACIONALIDADE AMBIENTAL

)nó- quer dizer, se náo se mostrara de antemáo como um conflito entre a medi-
, roi- da e a desmedida? Na natureza, está oculta, na verdade, o desenho de uma
ntal fissura, urna medida e urna fronteira, e ligado a ela, urna capacidade para
da procriar, que é a arte. Mas também é certo que esta arte oculta na natureza
ans- só se faz patente mediante a obra, porque está originalmente dentro desta
iem (Heidegger, 197`12001: 68).
IZ á

seu A reapropriagáo da natureza é urna ressignificagáo da natureza nas sen-


em das da vida abertas pela existéncia. Implica um pensamento, mas também
ien- tomar a palavra para renomear, ressignificar e dar novos sentidos á vida cul-
tural em sua conexáo com a ordem natural, para fazer manifesto o ente
desde o ser através da linguagem, para reincorporar-se ao mundo através do
lé o discurso:
ta o
ima A linguagem é o que leva pela primeira vez o que é, corno algo que é, ao
do Aberto. Onde náo existe nenhuma linguagem corno no ser da pedra, da
sol- planta e do animal, tampouco existe nenhuma apertura do que é e em con-
ica seqüéncia tampouco a apertura do que náo é e do vazio. A linguagem, guan-
ca do nomeia seres pela primeira vez, os leva á palavra e á aparéncia. Este
de nomear chama os seres a seu ser, desde seu ser. Tal dizer é um projetar de
urna clarificagáo, onde se anuncia que é que os seres cheguem ao Aberto
como. Projetar é soltar o que está arrojado em que a desocultagáo se subme-
te e se verte ao que é corno tal [...] A linguagem em cada momento é o acon-
tecimento daquele dizer, no qual nasce historicamente o mundo de um
poyo e a terra se conserva corno aquilo que permanece oculto. O dizer pro-
jetante é aquele que na preparagá'o do dizível traz, ao mesmo tempo, ao
mundo o indizível como tal. Em tal dizer se cunham — para esse poyo, fren-
te a ele — os conceitos da natureza histórica de um poyo, quer dizer, do
pertencimento deste á história mundial (ibid.: 71).20

Se a linguagem codifica e organiza a cultura, ao mesmo tempo é o ins-


trumento que rompe as cadeias da racionalidade fixada em seus próprios
fins, da racionalizagáo que condena a urna ordem estabelecida, da referéncia
a urna realidade cristalizada, de urna ciéncia verificadora de "fatos" da his-
toria e "dados" da realidade. A linguagem é a via que ressignifica o mundo
e recria os sentidos da existéncia. Nesse sentido, Steiner afirma:

445
ENRIQUE LEFF

Creio que a comunicagáo da informagáo, dos "fatos" manifestos e verificá- NOTAS


veis, constitui apenas urna parte, e talvez urna parte secundária, do discurso
1. Ne
humano. As origens e a natureza da fala tém como características profundas se tem no
seu potencial de artifício, de antiobjetividade, de "indeterminável" futurida- das artes I
de [...] que fazem com que as relagóes dessa consciéncia com a "realidade" referéncia!
sejam criativas. Através da linguagem [...] refutamos o inexoravelmente de sua pró
empírico do mundo. Através da linguagem construímos o que chamo de lingüíst
gicas que c
"mundo da alternatividade" [...] as distintas línguas imprimem ao mecanis- 2. Vei
mo da "alternatividade" um ciclo dinámico, transferível. Materializam as 3. Ne
necessidades da vida privada e as necessidades de territorializagáo, indis- diversas m
pensáveis para a conservagáo da própria identidade. Em maior ou menor a racionali
grau, cada língua oferece sua própria leitura da vida. Mover-se entre as lín- os instrum
rentes cult
guas, traduzir, ainda guando náo seja possível passear sem restrigóes pela tíveis de s(
totalidade, equivale a sentir a propensáo quase desconcertante do espírito ordem glol
humano para a liberdade (Steiner, 2001a: 482). 4. Ass
Ambiente (
atengáo es]
A reapropria0o cultural da natureza contém urna política do ser e do
de vida trl
tempo, da identidade e da diferenga que estáo arraigadas na terra, incorpo-
radas no Ser e feitas histórias através do tempo. A obra de um poyo se pro- zonas árid,
duz como sua forma particular de ser em seu mundo, de dizer seu mundo e desenvolvi
de criá-lo ao dizé-lo; mas essa "criagáo" de sua verdade como identidade náo deveriam s
mulagáo d:
prescinde nem se abstrai do Real. Sua identidade, seu estilo étnico nasce
tar o bern ,
desse encontro do real de sua natureza — do seu ambiente, de seu entorno
ecológico — com suas formas de significagáo como construgáo de seus ter- 5. Nes
ritórios de vida. Naturais
A partir da transgressáo á cultura dominante e da desconstrugáo do pen- no México
importánc
samento dominador, apresenta-se a possibilidade de construir uma racionali-
recursos m
dade ambiental que, para além da ecologizagáo da cultura, dá curso a um poneses da
movimento social pela reapropriagáo da natureza e pela construgáo de socie- gáo, conhe
dades sustentáveis. A ecologia política transita do pensamento emancipador nos de exp
do discurso filosófico á práxis dos movimentos sociais. Os protagonistas do modo, se e
as zonas ec
ambientalismo nascente tomam a palavra para reconstituir a relagáo criativa
boragáo d(
entre natureza e cultura. naturais,
protegidas'
6. Ver
7. Ver

446
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ieá- NOTAS
uso
1. Nesse sentido, o imperialismo inglés, diz Steiner, associado a "toda a imagem que
Idas se tem no mundo de consumo de massas, do comércio e a comunicagáo internacionais,
ida- das artes populares, do conflito de geragóes, da tecnocracia, se encontra embebida de
.de" referéncias e hábitos lingüísticos ingleses e anglo-norte-americanos [...] sáo, em virtude
mte de sua própria difusáo planetária, agentes de primeira ordem na destruigáo da diversida-
de lingüística natural. Esta destruigáo poderá ser a mais irreparável das catástrofes ecoló-
Uno
gicas que caracterizam nossa época" (Steiner, 2001 a: 478-9).
Inis- 2. Ver cap. 9, infra.
n as 3. Nesse sentido, podemos identificar na América Latina (e em todo o mundo)
tdis- diversas modalidades de capitalismos ecologizados que sáo resultado do encontro entre
mor a racionalidade económico-ecológica, tal como se expressa no discurso, os mecanismos e
lín-
os instrumentos da geopolítica do desenvolvimento sustentável, e as identidades das dife-
rentes culturas nacionais e locais, cujos tragos culturais as tornam mais ou menos susce-
pela tíveis de se adaptar ou de resistir a um esquema de racionalidade legitimado por uma
írito ordem global externa, a partir do sentido de suas culturas.
4. Assim, o Informe Brundtland, elaborado pela Comissáo Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, afirma: "As populagóes tribais e indígenas requereráo urna
do
atengáo especial, já que as forgas do desenvolvimento económico perturbam seus estilos
de vida tradicionais [...] que podem oferecer ás sociedades modernas muitas ligóes na
rpo- administragáo dos recursos nos complexos ecossistemas de matas, de montanhas e de
pro zonas áridas. Algumas enfrentam a ameaga de serem extintas em conseqüéncia de um
do e desenvolvimento insensível, sobre o qual náo tém controle. Os seus direitos tradicionais
náo deveriam ser reconhecidos e dever-se la conceder-Ihes urna participagáo decisiva na for-
asce
mulagáo das políticas de desenvolvimento dos recursos de suas regióes [...] para aumen-
tar o bem-estar da comunidade em consonancia com seu estilo de vida" (WECD, 1987:
)rno 12, 116).
ter- 5. Nesse sentido, a Declaragáo dos Povos Indígenas e Camponeses sobre os Recursos
Naturais do México, aprovada no II Simpósio sobre Poyos Indígenas e Recursos Naturais
pen- no México, celebrado em Oaxtepec, Morelos, em 5-9 de junho de 1991, destacou a
importancia das identidades étnicas e os valores culturais no manejo sustentável dos
nali-
recursos naturais. Afirma-se, assim, a "grande transcendéncia dos poyos indígenas e cam-
um poneses da regiáo, como defensores dos recursos naturais, pois suas formas de percep-
Pele- gáo, conhecimento, uso e manejo da natureza permitem estabelecer opgóes contra os pla-
ador nos de exploragáo e usos industriais modernos, ecologicamente destrutivos". Do mesmo
do modo, se exige que "os indígenas e camponeses que vivem nas [...] reservas da biosfera e
tiva as zonas ecologicamente protegidas ou em suas áreas de influéncia participemos na ela-
boragáo dos regulamentos de manejo para a protegáo e aproveitamento dos recursos
naturais, assim corno na elaboragáo dos decretos para o estabelecimento de novas áreas
protegidas".
6. Ver cap. 3, supra.
7. Ver cap. 9, infra.

447
ENRIQUE LEFF

8. Para um estudo do "étnico" na cultura do milho no México, ver Boege, 1988. 15. A,
9. A cultura aparece como "o complemento dos recursos naturais nos sistemas pro- tivodm
dutivos camponeses-indígenas [...que] orienta o uso dos recursos, enquanto estes condi- mais (por<
cionam, até certo ponto, as opgóes de vida do grupo étnico. Assim concebida, a cultura nesas.
é um recurso social, capaz de ser usado destrutiva ou racionalmente, de perder-se ou 16. C
desenvolver-se" (Val-ése e Martin, 1993). mente, de
10. Todavia, cabe assinalar que "uma área de aproximadamente 36% do território como fina
brasileiro coberta por savana e sob clima tropical vem sendo há mais de trezentos anos próprio
ocupada com pecuária extensiva e, ainda assim, mantém uma elevadíssima biodiversida- nidade, a
de. Essas áreas sáo hoje objeto de intensas disputas entre os latifúndios modernos do cionais" e
agrobusiness e as populagóes camponesas e indígenas que lutam para manter o uso comu- conceito d
tro entre a
nitário dessas terras, sobretudo nos relevos planos das extensas chapadas" (Porto-
va de urna
Gongalves, comunicagáo pessoal).
das formal
11. 0 sistema de milpa, no México, extrai 12 Kcal por Kcal investidas, enquanto
ganizar su
nos sistemas agrícolas dos Estados Unidos varia de 2,7 a 3 Kcal. Esta relagáo muda guan-
conhecimc
do sáo aplicados insumos agroquímicos e maquinaria em solos delicados e frágeis do tró-
produtivid
pico, e em áreas onde as chuvas náo sáo estáveis. Assim, enquanto nos Estados Unidos se
produtivid
produzem entre 129 e 144 kg de gráo por litro de diesel, no México se obtém apenas 20
1975, 198
kg de cereais como trigo e sorgo, já que os solos tropicais sáo mais vulneráveis e mostram
17. VI
urna menor capacidade de resposta ao uso de agroquímicos para manter urna produtivi- 18. Al
dade sustentável (Pimentel e Pimentel, 1979). gáo da ene
12. "0 património cultural é um recurso importante para a regiáo [...] A sustentabi- depois, na
lidade das grandes estratégias agrícolas dos Andes, nas selvas tropicais, nas terras inundá- 19. "(
veis etc. requererá a incorporagáo de tecnologias maias, incaicas e pré-incaicas, astecas e humanidac
de outras etnias. Tais etnias camponesa tém um riquíssimo património tecnológico cuja do indivídi
deterioragáo provocou enormes custos ecológicos em numerosos países, especialmente mulados. S
no México e no Peru. Eles conseguiram resolver problemas nos quais a tecnologia do esta aspira
Norte fracassou ou está engatinhando, como, por exemplo, na articulagáo do policultivo tolerável. (
agrícola em pequenos desmatamentos com o uso extensivo da selva contígua (como 20. N:
fazem os descendentes dos maias); manejar rodeios mistos de múltiplos usos e propósi- esclarecer
tos para sobreviver em climas semi-áridos de alta variabilidade (como os aimará e os qué- fenheit) se
chuas na Bolívia); manejar a selva caducifólia para transformá-la em ecossistema polipro- humano, s
dutivo, inclusive em épocas de secas extraordinárias; desenvolver germoplasma que res-
ponda a climas de baixa predizibilidade de chuvas (variedades de milho e feijáo de ciclos [...] Projegi
muito curtos, curtos e longos); desenvolver variedades adaptáveis a distintos pisos altitu- re a ir adia
dinais (incas, maias) e ao gradiente latitudinal (poyos andinos, maias); desenvolver siste- que [Heic1(
mas de variedades de germoplasma de rápida resposta a distintos climas higrotérmicos, suas possit
como, por exemplo, no tomate, milho, feijáo, batata, abóboras" (Morello, 1990). projegáo d.
13. Campos elevados de culturas múltiplas, irrigadas por canais, com urna alta pro- sível planej
dutividade. nalidade fá
14. Também chamados de waru waru - — é uma técnica agrícola tradicional do alti-
plano peruano. Sáo terrenos elevados de plantio irrigados por canais.

448
RACIONALIDADE AMBIENTAL

15.Milpa é um sistema de cultivo múltiplo da agricultura mexicana, baseado no cul-


•o- tivo do milho, associado a um variado sistema de cultivos de subsistencia, que inclui ani-
di- mais (porcos, galinhas) que asseguram o consumo básico das famílias indígenas e campo-
ira nesas.
DU
16.0 conceito de produtividade cultural vincula a nogáo de cultura — que, geral-
mente, designa formagóes sociais e atividades humanas que náo se caracterizam por ter
'i0
como finalidade um incremento de sua produtividade — ao conceito de produtividade,
OS
próprio da racionalidade económica e tecnológica e da ideologia do progresso da moder-
la- nidade, a qual tem procurado dizimar, colonizar, reduzir e integrar as sociedades "tradi-
Jo cionais" e recodificar seus valores culturais em termos dos valores da modernidade. O
Lu-
conceito de produtividade cultural aparece, assim, como um conceito híbrido no encon-
tro entre as ciéncias modernas e os saberes tradicionais, para dar conta da forga produti-
va de urna comunidade a partir de sua percepgáo e valorizagáo significativa da natureza,
to das formas de aproveitamento produtivo de seus recursos, de suas motivagóes para reor-
ganizar suas atividades produtivas e de sua capacidade para gerar e assimilar novos
n-
conhecimentos a suas práticas produtivas tradicionais. De forma análoga, o conceito de
0-

produtividade primária, proveniente da ecologia, é transformado em um conceito de
se
produtividade ecológica dentro de um paradigma de produtividade ecotecnológica (Leff,
20 1975, 1984, 2000).
tm 17.Ver cap. 9, infra.
vi- 18.Aparentemente, sua única aproximagáo das nogóes relacionadas com a circula-
gáo da energia na terra parece ter sido La biosphere, de Vernadsky, e isso vários anos
)i- depois, na publicagáo de A parte maldita.
Eá- 19. "0 desejo de produzir com pouco gasto é pobremente humano. E ainda é, na
;e humanidade, o príncipio estreito do capitalismo, do administrador de urna sociedade ou
tia do indivíduo ilhado que revende com a esperanga de engolir ao final os benefícios acu-
te mulados. Se levarmos em consideragáo a vida humana em sua globalidade, veremos que
lo esta aspira á prodigalidade [...] até a angústia, até o limite em que a angústia ndo é mais
1r0
tolerável. O resto é conversa fiada de moralista" (Bataille, 1957/1997: 64).
10 20.Na tradugáo de Heidegger, para o espanhol, o tradutor, Albert Hofstadter, tenta
esclarecer o sentido que Heidegger atribui a estes conceitos: "O "langar-se" (Gewor-
é- fenheit) se entende no Ser e Tempo como urna característica existencial do Dasein, do ser
O- humano, seu "feíto de ser", e que se refere á facticidade do ser humano que langa a si
'S- próprio, o ser sob sua responsabilidade; enquanto o ser humano é o que é, está langado
DS [...] Projegáo, Entwurf, [...] é um segundo caráter existencial do ser humano que se refe-
u- re a ir adiante até sua própria possibilidade de ser. Toma a forma do entendimento, do
e- que [Heidegger] fala como o modo de ser do ser humano, no qual o ser humano é em
is, suas possibilidades como possibilidades. Náo é ter um plano preconcebido, mas sim a
projegáo da possibilidade no ser humano que antecede a qualquer plano e que torna pos-
a- sível planejar. O ser humano tanto é langado como projetado; é projeto langado, direcio-
nalidade fática para as possibilidades de ser (Heidegger, 1971/2001: 69).

449
CAPÍTULO 9 0 movimento ambiental pela
reapropriagáo social da natureza:
seringueiros, zapatistas,
afro-descendentes e poyos indígenas
da América Latina
A ECOLOGIA POLÍTICA E OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS

A destruigáo ecológica e a degradagáo ambiental, ao lado da marginalizagáo


social e da crescente pobreza geradas pela racionalizagáo económica do
mundo — pelas ineficazes políticas assistencialistas do Estado e pelas políti-
cas neoliberais de ajuste —, estáo impulsionando a construgáo de identida-
des coletivas e manifestagóes de solidariedade inéditas, gerando novas for-
mas de organizagáo social para enfrentar a crise ambiental, questionando, ao
mesmo tempo, a centralidade do poder e o autoritarismo do Estado. No
entanto, o ambientalismo náo penetrou propriamente no campo da análise
sociológica dos novos movimentos sociais. Os primeiros analistas que se
deram conta da emergéncia do ecologismo o perceberam como mais um dos
novos movimentos sociais — feministas, religiosos, urbanos, populares, de
género —, que em suas "formas náo políticas de fazer política" aportavam
novas perspectivas á cultura política (Mainwaring e Viola, 1984). Outros
analistas viram no ambientalismo o único movimento "verdadeiramente
novo" dentro dos movimentos sociais, cuja novidade deriva da resposta
social para um fato sem precedentes na história: a destruigáo ecológica e a
mudanga global (Gunder-Frank, 1988).
A crise ambiental náo só aponta os limites da racionalidade económica,
mas também a crise do Estado; dessa crise de legitimidade e de suas instan-
cias de representagáo emerge a sociedade civil em busca de novos princípios
para reorientar o processo civilizatório em diregáo aos objetivos da susten-
tabilidade. As demandas por democracia, eqüidade e justita da sociedade
estáo levando á construgáo de um novo ideário político para onde confluem
idéias, valores e interesses, que, embora náo constitua uma visáo do mundo
homogénea que dé consisténcia a urna consciéncia ecológica global e
comum, ou a um bloco de princípios que outorguem organicidade e legiti-

453
ENRIQUE LEFF

midade a urna ética ambiental capaz de gerar um consenso no processo de movimer


"racionalizagáo ambiental", está abrindo espagos de poder e mobilizando organiza(
processos políticos em que surgem os novos atores dos movimentos ambien- dinamiza
talistas que estáo povoando a cena da ecologia política. luta pelo
As pesquisas sociológicas sobre os novos movimentos sociais colocam binagáo 1
em relevo os problemas teóricos e metodológicos que surgem para a percep- natureza
gáo e a caracterizagáo do ambientalismo. Sua recente irrupgáo e suas mani- mentos s
festagóes na arena política estáo formulando desafios teóricos á sociologia sociais at
para que os compreenda e os explique, já que, por sua complexidade, náo cediment
correspondem á tipologia dos atores dos movimentos sociais tradicionais e á digmas d,
sua definigáo em fungáo dos sistemas de referéncia aos quais a agáo coletiva 1970; Gu
se remete. Os movimentos sociais do meio rural, que surgem pela reapro- Ness(
priagáo da natureza e a autogestáo de seus recursos produtivos, problemati- sáo ambi(
zam sua classificagáo como movimentos políticos reivindicativos na esfera exacerba(
do sistema económico — por urna melhor distribuigáo dos recursos e da pecuariza
riqueza social no modo de produgáo dominante —, do sistema político — tos transg
pelo reconhecimento de seus direitos e interesses no marco das normas jurí- volvimeni
dicas e dos processos institucionais de representagáo — ou do sistema cultu- biotecnol,
ral — por um Estado pluriétnico e pela integragáo das populagóes indígenas diversida(
ao desenvolvimento nacional (Giménez, 1994). Os movimentos ambientais mento de
emergentes náo lutam somente por urna maior eqüidade e participagáo no de partici]
sistema económico e político dominante — cujas regras de funcionamento Os gr
seriam compartilhadas pelos grupos sociais em conflito —, mas para cons- lugar imp,
truir urna nova ordem social. feministas
As organizagóes socioambientais tendem a associar-se em redes de agru- mentos cc
pamentos autónomos, segmentados e policéfalos, em estruturas náo hierár- móveis e
quicas, descentralizadas e participativas. Esses novos movimentos se carac- estratégias
terizan' por suas novas demandas de participagáo social, pela obtengáo de valorizara
bens simbólicos e pela recuperagáo de estilos tradicionais de vida, pela defe- listas em(
sa de novos direitos étnicos e culturais, ambientais e coletivos. Reivindicam ambiental.
também o seu património ancestral de recursos ambientais. Suas lutas por política e
dignidade e pela democracia, contra a sujeigáo e superexploragáo de grupos experiénci
sociais, sáo, ao mesmo tempo, por um direito de reapropriagáo de seus ter- tendéncias
ritórios e de autogestáo de seus recursos naturais. Suas formas "apolíticas" de organi2
de fazer política sáo urna nova maneira de estabelecer as regras do jogo e as formas de
estratégias de luta no campo da ecologia política. As estratégias desses novos políticos e

454
RACIONALIDADE AMBIENTAL

movimentos sociais formulam uma ruptura com as formas tradicionais de


organizagáo e com os canais de intermediagáo política. Tais processos estáo
dinamizando e transformando as formas de sustentagáo, de exercício e de
luta pelo poder, ao abrir novos espagos de confrontagáo, negociagáo e com-
binagáo relacionados com a tomada de decisóes relativa á apropriagáo da
natureza e a participagáo social na gestáo ambiental. Nesse sentido, os movi-
mentos sociais ambientalistas emergem como transmissores de mudangas
a sociais através de conflitos que náo costumam resolver-se mediante os pro-
D cedimentos jurídicos estabelecidos nem analisar-se de acordo com os para-
á digmas dominantes do pensamento sociológico "normal" (Gerlach e Hine,
a 1970; Gunderlach, 1984; Nedelmann, 1984).
Nesse contexto, surgem os movimentos de protesto contra a deteriora-
gáo ambiental e a destruigáo dos recursos naturais, contra o desmatamento
a exacerbado, contra efeitos ambientais e sociais gerados pelos processos de
a pecuarizagáo, da agricultura altamente tecnologizada, da invasáo de produ-
tos transgénicos, da hiperconcentragáo urbana e dos megaprojetos de desen-
í- volvimento regional, contra os perigos das plantas nucleares e os riscos da
1- biotecnologia, assim como a favor da conservagáo dos recursos naturais, da
diversidade biológica e do melhoramento do ambiente; pelo desenvolvi-
is mento de novas tecnologias e pela promogáo de processos de autogestáo e
o de participagáo na tomada de decisóes.
Os grupos ecologistas ou ambientalistas emergentes tém ocupado um
s- lugar importante entre os novos movimentos da sociedade civil (religiosos,
II feministas, juvenis, estudantis e das minorias étnicas). Embora tais movi-
1- mentos compartilhem muitos tragos, também se diferenciam tanto por seus
r- móveis e objetivos como por suas formas específicas de organizagáo e suas
estratégias de luta, assim como pelas diversas formas com que significam e
le valorizam sua natureza a partir de suas culturas. Os movimentos ambienta-
listas emergem como resposta da sociedade á crescente deterioragáo
rn ambiental, adotando formas muito diversas de organizagáo, de expressáo
)r política e eficácia de suas agóes, o que dificulta a sistematizagáo de suas
)s experiéncias, a caracterizagáo de suas estratégias e a determinagáo de suas
r- tendéncias. Urna característica destes movimentos é a eficácia de suas formas
de organizagáo e de luta. O princípio da autonomia no qual fundam suas
formas de organizagáo, e sua cautela em inscrever-se nos procedimentos
políticos estabelecidos, pode confiná-los em espagos de "solidariedade mar-

455
ENRIQUE LEFF

e) pr
ginal" carentes de meios para gerar um processo generalizado de transfor-
mas corr
magóes sociais e institucionais ou radicalizar os meios da agáo política, rom-
f) or
pendo os canais institucionais de intermediagáo entre os indivíduos e o
além dos
Estado através das organizagóes e partidos políticos convencionais.
g) cr
Ao mesmo tempo, os novos movimentos ambientalistas mostram um
maximiza
grau maior de flexibilidade, adaptabilidade, capacidade de resposta e possi-
le econói
bilidades de radicalizar suas demandas, o que lhes dá vantagens estratégicas
em face das organizagóes políticas institucionalizadas, partidos políticos e
As es
sindicatos. Os novos movimentos políticos tém, assim, criado formas de
lares de I
agáo e de comportamento político diferenciadas. Em oposigáo a muitos dos
sujeigáo
novos movimentos políticos que surgem em torno de demandas morais e
centes —
sociais, individuais ou associadas a grupos definidos da populagáo (religio-
tagáo e se
sos, juvenis, estudantis, de género), os movimentos ambientalistas, nos paí-
nio de rey
ses subdesenvolvidos, estáo diretamente associados ás condigóes de produ-
do meso
gáo e satisfagáo das necessidades básicas da populagáo e están caracterizados
melhoria
por sua diversidade cultural e política. Isso lhes confere urna perspectiva
para a coi
mais global, apesar da heterogeneidade dos diferentes grupos ambientalis-
sóes sobre
tas, de suas diferentes perspectivas sociais, estratégias políticas e práticas
mas de as
concretas de agáo.
sóes de tr
Os movimentos ambientalistas podem caracterizar-se por urna série de
a se fragm
objetivos explícitos em seus programas de organizagáo e pelas manifestagóes
estratégia!
de suas estratégias políticas, assim corno pela organizagáo em torno da
as reivind
incorporagáo de valores e da resolugáo de problemas concretos, que encon-
políticos t
tram canais de expressáo, orientam aleles e desdobram estratégias de poder
de na ges
através de formas originais. Os movimentos ambientalistas se orientam por
ambientai;
um ou mais dos seguintes objetivos:
O mey
buigáo do
a) maior participagáo nos assuntos políticos e económicos e na gestáo
produgáo,
dos recursos ambientais.
dos órgáos
b) insergáo nos processos de democratizagáo do poder político e de des-
tais propu
centralizagáo económica.
c) defesa de seus territórios, seus recursos e seu ambiente, além das for- seus recurs
mas tradicionais de luta pela terra, emprego e salário. sóes para a
d) elaboragáo de novos modos de produgáo, estilos de vida e padróes de síveis sob
consumo afastados dos modelos capitalistas e urbanos globais, transnacio- étnica, susi
nais e estrangeiros. (Leff, 1992

456
RACIONALIDADE AMBIENTAL

e) procura de novas formas de organizagáo política, diferentes dos siste-


mas corporativos e institucionais de poder.
f) organizagáo em torno de valores qualitativos (qualidade de vida),
além dos benefícios derivados da oferta do mercado e do Estado benfeitor.
g) crítica á racionalidade económica fundada na lógica do mercado, na
maximizagáo do lucro e na eficiéncia tecnológica, e aos aparelhos de contro-
le económico e coergáo política e ideológica do Estado.

As estratégias do movimento ambientalista incorporam demandas popu-


lares de participagáo e contra a desigualdade, marginalizagáo, exploragáo e
sujeigáo que sáo produzidas pelos processos económicos e políticos prevale-
centes — demandas de melhoras salariais, de propriedade da terra, de habi-
tagáo e servigos públicos — em suas novas lutas pela defesa de seu patrimó-
nio de recursos naturais, de conservagáo da biodiversidade, de preservagáo
do meio ambiente, de afirmagáo de suas identidades e direitos culturais, de
melhoria da qualidade de vida. Dessa maneira, abrem novas perspectivas
para a construgáo de um futuro sustentável, para incidir na tomada de deci-
sóes sobre novos padróes de uso dos recursos, modelos de urbanizagáo, for-
mas de assentamentos humanos, inovagáo de processos produtivos e condi-
góes de trabalho mais satisfatórias. Embora o movimento ambiental chegue
a se fragmentar pela diversidade de suas demandas, formas de organizagáo e
estratégias de luta, também pode gerar urna forga social capaz de incorporar
as reivindicagóes ambientalistas aos programas do Estado e dos partidos
políticos tradicionais, abrindo novos espagos de participagáo para a socieda-
de na gestáo ambiental, assim como para a gestagáo de novos direitos
ambientais, legitimando novas vias para a apropriagáo social da natureza. 1
O movimento ambiental náo incide apenas sobre o problema da distri-
buigáo do poder e da renda, da propriedade formal da terra e dos meios de
produgáo, e da incorporagáo da populagáo aos mecanismos de participagáo
dos órgáos corporativos da vida económica e política. As demandas ambien-
tais propugnara pela participagáo democrática da sociedade na gestáo de
seus recursos reais e potenciais, assim como no processo de tornada de deci-
sóes para a escolha de novos estilos de vida e pela construgáo de futuros pos-
síveis sob os princípios de pluralidade política, eqüidade social, diversidade
étnica, sustentabilidade ecológica, equilíbrio regional e autonomia cultural
(Leff, 1992).

457
ENRIQUE LEFF

A incorporagáo das classes trabalhadoras e das populagóes rurais ás vias b) se


abertas pelo progresso e pela modernidade tem significado, em muitos seus valc
casos, a degradagáo de suas condigóes de existéncia: desarraigamento cultu- magáo clí
ral, emigragáo territorial, marginalizagáo social, exploragáo económica, micas pro
desemprego, inacessibilidade aos servigos públicos, destruigáo de seus recur- c) so
sos naturais, abandono de suas práticas culturais de uso dos recursos e perda Estado, c
de seus meios de subsisténcia. A economia de mercado e as compensagóes sociedad
derivadas das políticas sociais do Estado tém sido incapazes de satisfazer as d) so
necessidades básicas mínimas das maiorias e tém incrementado as manifes- oriente a
tagóes da pobreza crítica. Tal situagáo é mais notória nos grupos marginali- para uma
zados do processo económico nacional, para quem a satisfagáo de suas e) so
necessidades materiais e espirituais depende em maior grau de suas condi-
góes ecológicas e culturais locais de sustentabilidade. Nenhum salário com- neta.
pensa a perda de integridade cultural dos poyos e a degradagáo irreversível
do potencial produtivo de seus recursos. Assim, além das deficiéncias e insu- O co
"ambiente
ficiéncias do sistema produtivo para satisfazer as demandas dos consumido-
de princíi
res, a racionalidade ambiental faz urna crítica radical das necessidades e
para a coi
orienta os processos económicos para a melhoria da qualidade de vida das
do conjui
pessoas, dando novas bases ao processo de produgáo.
racionalid
Os grupos ambientalistas nem sempre se identificara com urna classe,
avaliar as
um partido ou um estrato social. É movimento que atravessa, com diferen-
processo
tes linhas de tensáo, todo o tecido social. Por outro lado, o movimento
gáo social
ambiental se articula com outros movimentos e organizagóes políticas den-
um conjui
tro das organizagóes populares e das classes trabalhadoras, de camponeses, ambientali
operários, grupos indígenas e classes médias. O ambientalismo vai além da políticas,
adigáo de novas reivindicagóes dentro das demandas e formas tradicionais va metodc
de negociagáo. Incorpora novos critérios para a agáo social, novas formas de reduzir o
participagáo, novos objetivos e valores para o desenvolvimento humano, "ecologist:
novas estratégias económicas para a satisfagáo das necessidades materiais, tos (camp
através da ativagáo de outros princípios éticos e forras naturais. ambientali
Os movimentos ambientais abrem assim novas interrogagóes para a aná- reivindicas
lise sociológica da agáo social: que contril
táveis fund
a) sobre o impacto democratizador desses movimentos nas estruturas Nesse
políticas estabelecidas; dos propón

458
RACIONALIDADE AMBIENTAL

b) sobre as formas nas quais o discurso ambientalista — seus propósitos,


seus valores, suas estratégias e suas práticas concretas — influi na deslegiti-
magáo das formagóes ideológicas, do discurso político e das políticas econó-
micas prevalecentes;
c) sobre as estratégias políticas desses movimentos emergentes ante o
Estado, os partidos, os sindicatos, e suas aliangas com outros movimentos da
sociedade civil;
d) sobre a nova cultura política, de maior pluralidade e toleráncia, que
oriente a transigáo de Luna sociedade hierarquizada, antiecológica e desigual
para urna sociedade sustentável, eqüitativa e democrática;
e) sobre novas regras do poder que permitam urna distribuigáo mais
igualitária dos potenciais ecológicos e dos bens e servigos ambientais do pla-
neta.

O conceito de racionalidade ambiental permite avaliar o caráter


"ambiental" de urna série de movimentos e de agóes sociais. A incorporagáo
de princípios ambientais nas práticas produtivas e nas estratégias políticas
para a construgáo de sociedades sustentáveis só pode definir-se em fungáo
do conjunto de valores e propósitos que dáo coeréncia e sentido a urna
racionalidade ambiental cultural concreta, com referéncia á qual se podem
avahar as agóes e movimentos sociais que se inscrevem e participam de seu
processo de constituigáo. Os atos de consciéncia e seus efeitos na organiza-
gáo social e na mobilizagáo política sáo "ambientais" porque incorporam
um conjunto de valores que conformara urna racionalidade substantiva do
ambientalismo e porque, corno processos sociais, práticas produtivas e agóes
políticas, constituem "atos de racionalidade ambiental". Sem essa perspecti-
va metodológica no estudo dos movimentos ambientais corre-se o risco de
reduzir o campo de percepgáo a aqueles grupos que se autodenominam
"ecologistas", e perder de vista o caráter ambientalista de outros movimen-
tos (camponeses, indígenas, populares) que, sem se reconhecerem corno
ambientalistas nem incorporarem — algumas vezes de maneira explícita —
reivindicagóes ecológicas em suas demandas políticas, se enlagam nas lutas
que contribuem para gerar as condigóes de construgáo de sociedades susten-
táveis fundadas nos princípios da racionalidade ambiental. 2
Nesse sentido, o movimento ambientalista é um meio para a realizagáo
dos propósitos da sustentabilidade, náo apenas através de suas lutas contra a

459
ENRIQUE LEFF

contaminagáo e sua defesa dos recursos naturais, mas também por sua eficá- particu
cia na legitimagáo dos novos direitos ambientais e coletivos da cidadania e uso do.
dos poyos indígenas, na promogáo de novos saberes, conhecimentos cientí- fruto c
ficos e tecnológicos e sua aplicagáo em projetos de autogestáo dos recursos potenc
naturais, na elaboragáo de novos instrumentos para a gestáo ambiental e na desdob
melhoria das condigóes de existéncia e da qualidade de vida de diferentes ambien
grupos sociais. de pro(
O questionamento dos modelos e procedimentos da democracia repre- cuidad(
sentativa levou a nova esquerda dos anos 1960 — junto com os movimentos Ne:
da sociedade civil pela igualdade e justita social, a reivindicagáo dos direitos mentos
humanos das minorias e a transigáo para uma cultura política mais plural — mos (G
a propor novos esquemas para urna democracia participativa. Além da com- manifes
petigáo entre os partidos políticos e a alternáncia no poder, abriu-se um pro- gias e d
cesso social que pugna desde entáo por uma democracia substantiva, funda- esses m
da na participagáo direta da cidadania na tornada de decisóes que afeta seus
modos de vida. A ecologia social e um certo ecoanarquismo, guiados por um formas
pensamento ecologista, formulam corno necessária a descentralizagáo eco- pelos di
nómica, a municipalizagáo dos processos de produgáo e de tomada de deci- rar urna
sóes e a organizagáo de ecocomunidades autogestionárias e sustentáveis. 3 gama 1
Noenta,dmcriqupovestaclgi ,moa matas e
democracia representativa, se situa acima das condigóes de produgáo e de dos seri
existéncia dos poyos do Terceiro Mundo. Os atores sociais do "ecologismo Colómb
dos pobres" (Martínez-Alier, 1995) lutam pelo controle de suas condigóes mament
de produgáo, pela apropriagáo de seu património histórico de recursos natu- tos de r1
rais e pela reivindicagáo de suas identidades culturais. Nessa perspectiva, a incluem
democracia adquire um sentido mais amplo e com novas atribuigóes como valoriza(
um processo social orientado a fortalecer as capacidades de decisáo e de vimento
autogestáo para o desenvolvimento pleno das faculdades e do potencial pro- o deseco
dutivo dos poyos e das comunidades de cada regiáo. A democracia ambien- climática
tal estabelece um estreito vínculo entre as condigóes de sustentabilidade eco- conserva
lógica, pluralidade política, diversidade étnica e eqüidade social. ambient
O movimento ambientalista se caracteriza pela variedade de seus atores magáo d.
sociais e pela diversidade de suas reivindicagóes. Estas náo apenas se distin- lectual e
guem por regióes, grau de desenvolvimento dos países ou níveis de consumo Este
de diferentes classes sociais, mas emergem do interesse particular que vai se expressó
constituindo em diversos grupos sociais com relagáo a problemas ambientais destacar

460
RACIONALIDADE AMBIENTAL

particulares (contaminagáo ambiental, danos ecológicos), á apropriagáo e


uso dos recursos naturais e a demandas sociais e culturais vinculadas ao usu-
fruto de bens e recursos ambientais ou aos processos de degradagáo dos
potenciais ecológicos do planeta. O cenário do movimento ambientalista se
desdobra em um campo de forgas caracterizado por disputas e conflitos
ambientais que váo desde a apropriagáo dos recursos naturais como meios
de produgáo e de vida até os sentidos existenciais e a ética associada com o
cuidado ou destruigáo da natureza.
Nesse sentido, além do propósito de estabelecer urna tipologia de movi-
mentos e atores sociais, é possível "mapear" urna variedade de ambientalis-
mos (Guha e Martínez-Alier, 1997). É possível descobrir ali expressóes,
manifestagóes, atividades e lutas que váo desde a diferenciagáo das ideolo-
gias e demandas dos países ricos e pobres, até as expressóes que adquirem
esses movimentos nas diferentes ideologias teóricas (ecologia social, ecolo-
gia profunda, ecoanarquismo, ecodesenvolvimento etc.), assim como suas
formas de expressáo, geralmente associadas a outras reivindicagóes sociais
pelos direitos humanos, etnicidade e justita distributiva. É possível enume-
rar urna série de casos ilustrativos de conflitos ambientais numa amplíssima
gama de lutas que incluem os movimentos em defesa e reapropriagáo das
matas e da biodiversidade (o movimento Chipko, na Índia, o movimento
dos seringueir os, no Brasil, e o Processo de Comunidades Negras, na
Colómbia); as reivindicagóes de compensagóes por danos ecológicos (derra-
mamento de petróleo, desmatamento, contaminagáo industrial); movimen-
tos de resisténcia ao neoliberalismo e aos tratados de livre comércio, que
incluem posicionamentos contra as propostas de reconversáo ecológica e
valorizagáo económica dos servigos ambientais no mecanismo de desenvol-
vimento limpo, assim como as convengóes e protocolos internacionais para
o desenvolvimento sustentável (convengóes de biodiversidade e mudanga
climática; protocolos de biosseguranga e recursos genéticos); conflitos entre
conservagáo ecológica e comercializagáo de recursos, bens e servigos
ambientais; controvérsias nos mecanismos jurídico-económicos e pela legiti-
magáo de direitos de apropriagáo da natureza (direitos de propriedade inte-
lectual e direitos dos agricultores e das populagóes indígenas).
Este capítulo náo tem o objetivo de demonstrar toda a variedade de
expressóes dos movimentos ecológico-ambientais. Interessa-me, sobretudo,
destacar os processos que envolvem novas organizagóes indígenas e campo-

461
ENRIQUE LEFF

nesas, novos atores e movimentos sociais que estáo abrindo canais e sentidos REVALOI
para a construgáo da sustentabilidade a partir de suas identidades e culturas. EQÜIDAI
O discurso no qual se inscrevem as lutas das populagóes indígenas veio se
"ambientalizando", assim como as reivindicagóes de vários grupos campone- As dem.
ses. Há tragos e raízes profundas desse novo ambientalismo social nas deman- indígena
das de reapropriagáo de terras, de suas identidades culturais, das práticas e ria e leg
dos processos produtivos, assim como nas lutas pela democratizagáo dos Meio A
poderes locais e nacionais e pela descentralizagáo da economia até um desen- tiveram
volvimento regional guiado pelos princípios de ordenamento ecológico do indígena
território (Instituto Indigenista Interamericano, 1990). Nesse sentido, a orga- nas luta
nizagáo comunitária e o processo náo hierárquico, autónomo e participativo diversid,
na tomada de decisóes dos movimentos indígenas e camponeses adquirem enraizar
tonalidades e ressonáncias ambientalistas, embora muitos deles ainda náo discurso
expressem suas raízes ambientalistas em demandas concretas de reapropriagáo comunic
e autogestáo de seus recursos naturais (Sánchez, 1999). numero
As lutas pela terra estáo passando a ser lutas "económicas" pela apro- (Moguel
priagáo dos processos produtivos dos quais dependem as condigóes de vida nua pree
da populagáo e lutas "políticas" que questionam as estruturas de poder e sos natu
formulam uma participagáo ativa das populagóes nos processos de tomada demanda
de decisóes. As demandas de socializagáo da natureza váo além do resgate de mandas
um património natural e cultural e se apresentam como urna luta pela apro- terra e a
priagáo do potencial ecológico de seus recursos produtivos. Náo se trata, nagáo, e
pois, como pretenderia urna estratégia revolucionária ortodoxa, de uma cípios ec
simples reapropriagáo dos meios de produgáo pelas classes despossuídas e segundo
exploradas, mas de toda urna crítica do modo de produgáo fundado na A su
racionalidade económica e nos interesses do capital, e excludente das condi- priagáo c
góes ecológicas e dos potenciais produtivos da natureza e da cultura. Além nómica
da apropriagáo passiva dos processos produtivos guiados pela via unidimen- rializado
sional (económico-tecnológica) das forgas produtivas, a democracia ambien- genas. A
tal propugna a participagáo criativa das comunidades rurais na construgáo truindo
de urna nova economia. Esta está se forjando em urna nova racionalidade propósito
nas práticas produtivas de grupos camponeses e indígenas, fundadas nos processo
potenciais ecológicos de cada regiáo, assim corno nos valores culturais e nas e a valori
identidades de cada comunidade. tiva e qui
direitos c
priagáo

462
RACIONALIDADE AMBIENTAL

REVALORIZACÁO E REAPROPRIACÁO DA NATUREZA:


EQÜIDADE SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

As demandas de democratizagáo no ámbito mundial, ao lado dos direitos


indígenas e dos princípios ambientais que alcangaram notoriedade planetá-
ria e legitimidade em 1992, através da Conferéncia das Nagóes Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento e dos quinhentos anos da conquista,
tiveram como resultado uma fertilizagáo cruzada do movimento ambiental e
indígena, ao lado do movimento pela democracia que vem sendo forjado
nas lutas sociais do mundo e do continente americano. Os princípios da
diversidade ecológica e cultural e da gestáo participativa dos recursos vém se
enraizando efetivamente no movimento ambientalista, expressando-se no
discurso das lutas indígenas e nas estratégias de organizagáo produtivas das
comunidades agrárias, como mostra o surgimento, nos últimos anos, de
numerosos movimentos camponeses guiados por demandas ecologistas
(Moguel et al., 1992). No entanto, em muitos casos a luta pela terra conti-
nua predominando sobre a luta pela reaproprialdo do património de recur-
sos naturais e do processo produtivo. Em outros casos, apesar da fusáo das
demandas por democracia, sustentabilidade e eqüidade, a expressáo das de-
mandas continua colocando em primeiro lugar os direitos tradicionais pela
terra e a exigéncia popular de transformagáo das relagóes de poder e domi-
nagáo, e de abertura de novos espagos de autonomia e democracia. Os prin-
cípios ecológicos da produgáo sustentável parecem ter ficado relegados a um
segundo plano da contradigáo e da reivindicagáo social.
A superexploragáo dos recursos, a degradagáo do ambiente e a expro-
priagáo das populagóes autóctones tém sido resultado da racionalidade eco-
nómica que tem expulsado a natureza do campo da produgáo e desterrito-
rializado — marginalizado, guando náo exterminado — as populagóes indí-
genas. A capitalizagáo da natureza e a economicizagáo do mundo vém des-
truindo as bases ecológicas da produgáo e subjugando culturas. Daí surge o
propósito de incorporar os valores e potenciais da natureza para gerar um
processo de desenvolvimento sustentável. No entanto, os custos ambientais
e a valorizagáo dos recursos naturais náo sáo determinados de maneira obje-
tiva e quantitativa na esfera económica, mas dependem de visóes culturais,
direitos comunitários e interesses sociais. As estratégias de poder pela apro-
priagáo da natureza estáo gerando luna forga política que se reflete, em

463
ENRIQUE LEFF

alguns casos, na economia, através da elevagáo de pregos dos recursos e cus- cálculo
tos ambientais, e, em outros casos, na determinagáo do valor de bens e ser- de amb
vigos ambientais até agora náo mercantilizados, que abrem uma disputa pela questio
valorizagáo da natureza. para a c
O movimento ambiental náo apenas transmite os custos ecológicos para ciais da
o sistema económico como urna resisténcia á capitalizagáo da natureza, atra- É n,
vés de urna luta social para melhorar as condigóes de sustentabilidade e qua- dade cu
lidade de vida, mas implica um confito pela apropriagáo da natureza. Esse sidade e
movimento social náo apenas incrementa os custos ecológicos do crescimen- racional
to económico, mas reduz, também, a parte da natureza que poderia ser apro- a irredu
priada pelo capital. A racionalidade ambiental orienta, assim, processos e diversas
agóes sociais para a desconstrugáo da racionalidade económica, a descentra- desenvo
lizagáo do processo de desenvolvimento e o descentramento das próprias possa
bases do processo produtivo. A revalorizagáo e a capitalizagáo da natureza sustentó
náo resolvem a contradigáo entre conservagáo e desenvolvimento ao incor- dade de
porar as condigóes ecológicas da produgáo ao crescimento sustentado da eco- A pr
nomia, mas levam a repensar o ambiente como um potencial para um desen- nem a a
volvimento alternativo que integre a natureza e a cultura como forgas produ- articulag
tivas. Nessa perspectiva, a natureza aparece como um meio de produgáo e da prodt
náo apenas como insumo de um processo tecnológico, como um objeto de gáo de ei
contemplagáo estética e de reflexáo filosófica. O ambiente se apresenta como gia nos r
um sistema complexo, objeto de um processo de reapropriagáo social. tável enc
A sustentabilidade do processo económico náo depende apenas da ela- Esses prt
boragáo de normas ecológicas que devam ser respeitadas pelo sistema eco- ras funci
nómico e do esbogo de um sistema jurídico ambiental que legisle e penalize e servige
agóes antiecológicas. Os movimentos sociais que, com suas demandas, reva- dos proc,
lorizan e reivindicam para si as condigóes ecológicas e comunitárias da pro- zagáo cul
dugáo, aparecem como suporte de outra racionalidade produtiva, em que se nam os p
entretecem de maneira sinérgica processos de ordem natural, tecnológica e A su!
social para gerar um potencial ambiental que foi ocultado pela ordem eco- potenciai
nómica dominante. A eqüidade no acesso e os benefícios dos bens e servigos princípio
ecológicos náo se reduzem á possível equalizagáo de custos e benefícios no os direitc
uso dos recursos ambientais dentro da atual racionalidade económica. Os desenvol
princípios de eqüidade e democracia — de uma ética de outridade e urna po- quer dize
lítica da diferenga — abrem novas perspectivas para a construgáo de socie- ambienta
dades sustentáveis, além do limitado esverdeamento da economia através do da nature

464
RACIONALIDADE AMBIENTAL

cálculo dos custos da preservagáo e da restauragáo ambiental. A racionalida-


de ambiental impulsiona, assim, a criagáo de novas teorias e valores que
questionam o paradigma económico dominante e orientara a agáo social
para a construgáo de uma nova racionalidade produtiva, fundada nos poten-
ciais da natureza e nos significados da cultura.
É nos mundos de vida das comunidades que os princípios de racionali-
dade cultural do ambientalismo tomam todo seu sentido em termos de diver-
sidade e de participagáo, e onde se pode conceber a construgáo dessa nova
racionalidade produtiva. No nível local é onde mais claramente se manifesta
a irredutibilidade e especificidade dos processos materiais e simbólicos, das
diversas formas de significagáo cultural que definem o potencial ambiental do
desenvolvimento. Náo existe urna medida quantitativa e homogénea que
possa dar conta dos processos diferenciados dos quais depende a produgáo
sustentável de valores de uso e que permita quantificar seus efeitos na quali-
dade de vida definida por diferentes racionalidades culturais.
A produgáo sustentável náo se reduz a urna medida de massa e energia
nem a um cálculo quantitativo de valor. A sustentabilidade é o resultado da
articulagáo da produtividade ecológica, tecnológica e cultural; do equilíbrio
da produgáo neguentrópica de biomassa através da fotossíntese e da produ-
gáo de entropia gerada pela transformagáo tecnológica da matéria e da ener-
gia nos processos produtivos. Nessa perspectiva, o desenvolvimento susten-
tável encontra suas raízes nas condigóes de diversidade ecológica e cultural.
Esses processos materiais singulares e náo redutíveis dependem das estrutu-
ras funcionais dos ecossistemas que sustém a produgáo de recursos bióticos
e servigos ambientais; da eficiéncia energética dos processos tecnológicos;
dos processos simbólicos e das formagóes ideológicas que subjazem á valori-
zagáo cultural dos recursos naturais, e das estratégias de poder que determi-
nam os processos de apropriagáo social da natureza.
A sustentabilidade ecológica — a destruigáo ou o fortalecimento dos
potenciais ecológicos do planeta — está vinculada, indissoluvelmente, a um
princípio de eqüidade. Além de apresentar-se como um compromisso com
os direitos das geragóes futuras de dispor de recursos para seu sustento e
desenvolvimento, trata-se de um princípio de eqüidade intrageracional,
quer dizer, dos direitos de acesso e usufruto dos bens naturais e dos servigos
ambientais do planeta por diferentes grupos sociais. A reapropriagáo social
da natureza vai além da necessidade de resolver os conflitos de iniqüidade

465
ENRIQUE LEFF

ecológica mediante urna repartigáo mais justa dos custos da degradagáo e processi
contaminagáo ambiental, urna melhor avaliagáo do estoque de recursos nas grupos
contas nacionais e urna melhor distribuigáo da receita. Quer dizer, náo se Oq
trata de um problema de avaliagáo de custos e benefícios nas formas atuais tas se sil
de exploragáo e uso da natureza e da pretensáo de resolver a questáo da dis- propria(
tribuigáo ecológica mediante a atribuigáo de pregos e a designagáo de for- estáo se]
mas adequadas de propriedade aos recursos. formam
As condigóes de existéncia das comunidades dependem da legitimagáo de: da r
dos direitos de propriedade das populagóes sobre seu património de recur- sentido
sos naturais e de sua própria cultura, e da redefinigáo de seus processos de legitima]
produgáo, seus estilos de vida e seus sentidos existenciais. Assim, as lutas "descon
sociais pela reapropriagáo da natureza váo além da resolugáo dos conflitos orienta
ambientais através da valorizagáo económica da natureza e da concentragáo afianga t
de direitos sobre o uso dos recursos. Os novos direitos indígenas, ambientais e ambiei
e coletivos estáo desconstruindo os princípios nos quais se fundam os direi- jurídico
tos humanos individuais daqueles que, pretensamente, viriam a ser outorga- demandé
dos através de urna "distribuigáo de poder" a partir de cima para as comu- A eq
nidades, gerando novos direitos para a reapropriagáo da natureza e da cul- de bem-s
tura. As reivindicagóes de justita ambiental dos grupos indígenas, em suas buigáo d.
lutas pela dignidade, pela autonomia, pela democracia, pela participagáo e digáo pm
pela autogestáo, estáo ultrapassando as demandas tradicionais de justita em dos povs
termos de urna melhor distribuigáo dos benefícios derivados do modo de cada reg
produgáo, do estilo de vida e do sistema político dominante. cada con
A democracia ambiental questiona, assim, a possibilidade de alcangar probleml
uma justita em termos da igualdade e equivaléncia dos direitos de proprie- biológica
dade sobre os recursos guando o objetivo e os fins a alcangar se definem ambienta
através de visóes e valores diferenciados, muitas vezes opostos e antagóni- seu "met,
cos, de diversos grupos sociais em torno da apropriagáo da natureza. Dessa culturais
maneira, a aplicagáo das regras do direito náo dirime os conflitos em torno aproprias
da justita ambiental. A aplicagáo da lei náo impede que surjam desigualda- vés de rel
des onde os temas e objetos em disputa dependem de racionalidades e inte- lidade ec
resses diferenciados. A reapropriagáo da natureza aponta para o princípio sociais de
de eqüidade na diversidade, que implica a autodeterminagáo das necessida-
des, a autogestáo do potencial ecológico de cada regiáo em estilos alternati-
vos de desenvolvimento e a autonomia cultural de cada comunidade. Esses

466
RACIONALIDADE AMBIENTAL

e processos definem as condigóes de produgáo e as formas de vida de diversos


is grupos da populagáo em relagá'o ao manejo sustentável de seu ambiente.
;e O que foi dito antes náo implica que os movimentos sociais ambientalis-
is tas se situem acima da lei, mas que os direitos humanos culturais e pela rea-
5- propriagáo da natureza — os direitos comunais pelos recursos comuns —
r- estáo sendo conquistados através de processos de mudanga social que trans-
formam a norma estabelecida pelo sistema de regulagáo jurídica da socieda-
;o de: da racionalidade jurídica solidária á racionalidade económica. É nesse
r- sentido que a "racionalizagáo" dos princípios da racionalidade ambiental, ao
le legitimar os novos direitos cidadáos, coletivos e indígenas, ao mesmo tempo
as "desconstrói" a racionalidade formal económico-ecológica-jurídica que
)s orienta e legaliza os processos de capitalizagáo da natureza e da cultura, e
io afianga urna política da diferenga. Dessa maneira, os novos direitos indígenas
.is e ambientais váo gerando suas condigóes de legitimagáo dentro do marco
jurídico prevalecente, questionando-o e ampliando-o para dar vazáo a novas
a- demandas e reivindicagóes sociais (Leff, 2001c).
A eqüidade náo pode ser definida em termos de um padráo homogéneo
11- de bem-estar, da repartigáo do estoque de recursos disponíveis e da distri-
as buigáo dos custos de contaminagáo do ambiente global. A eqüidade é a con-
e digáo para desarticular os poderes dominantes que atuam sobre a autonomia
m dos poyos, e para possibilitar a apropriagáo dos potenciais ecológicos de
le cada regido mediados pelos valores culturais e pelos interesses sociais de
cada comunidade. Dessa perspectiva, a valorizagáo da natureza ultrapassa o
ir problema da incomensurabilidade dos diferentes processos de ordem física,
e- biológica e social, através de um padráo homogéneo de medida dos valores
ambientais e dos fluxos de materiais e energia nos processos produtivos e
seu "metabolismo" com a natureza. A sustentabilidade depende dos estilos
;a culturais e dos interesses sociais que definem as formas de propriedade, de
Lo
apropriagáo, de transformagáo e uso dos recursos e que se estabelecem atra-
a- vés de relagóes de poder que se entretecem na confrontagáo entre a raciona-
lidade económica e a racionalidade ambiental, impulsionada pelos atores
o sociais do ambientalismo.

1-

467
ENRIQUE LEFF

DEMOCRACIA AMBIENTAL E GESTÁO PARTICIPATIVA pacífic


DE RECURSOS AMBIENTAIS recomí
de dos
A sociedade civil está emergindo em resposta aos processos de marginaliza- recurso
gáo, expropriagáo e empobrecimento das maiorias pelas classes dominantes Oí
e grupos privilegiados, questionando as relagóes de poder económico e polí- o da sc
tico da ordem estabelecida. Grande parte desses novos movimentos sociais causas 1
respondem aos efeitos das políticas neoliberais, mas também ao exercício majorit
autoritárío do poder por parte do Estado e á ineficiéncia da empresa públi- ao fato
ca e privada para dotar a sociedade de condigóes de vida adequadas (equipa- tas cona
mento básico, empregos e meios de produgáo, bens e servigos ambientais). lismo d
Diante disso, a sociedade civil reclama urna maior participagáo na tomada que im
de decisóes nas políticas públicas e na autogestáo de seus recursos produti- socioan
vos e suas condigóes de existéncia. góes e I
A legitimidade que o propósito de transitar para urna sociedade mais enfrente
democrática e urna economia mais sustentável tem alcangado está mobili- to ambi
zando novos atores sociais e reivindicando novos direitos humanos: estes renciad:
incluem tanto o direito á informagáo e ao conhecimento como a defesa, sista, já
acesso e benefício eqüitativo dos bens "comuns" da humanidade; estáo tam- diluir-se
bém sendo legitimados novos direitos étnicos, ao lado das demandas emer- articula(
gentes de grupos indígenas e camponeses pela reapropriagáo coletiva de seu Enti
património de recursos naturais e culturais, assim corno pela autogestáo de sos do
seus meios de produgáo e suas condigóes de existéncia. Esses novos direitos democn
formulam, por sua vez, a questáo da valorizagáo e socializagáo da natureza resses. C
como fonte de riqueza, potencial produtivo, meios de vida e valores existen- indígena
ciais para as populagóes que habitam o meio rural. rárquica
Tais direitos se evidenciam em urna nova cultura ecológica e democráti- problen
ca, aportando a necessidade de criar organismos de representagáo dos dife- represen
rentes grupos sociais e mecanismos efetivos para dirimir seus interesses seu conji
ambientais, muitas vezes contrapostos. No entanto, estes processos ultrapas- genas e
sam os propósitos de urna democracia política fundada em um regime plu- logos e
ral de partidos. A explosáo de reivindicagóes diversas que emergem da aber- ambiente
tura democrática e o imperativo de sustentabilidade ecológica formulam a demarca
necessidade de canalizar suas demandas para processos de tomada de deci- A pr
sáo mais participativos. Por sua vez, expóe a necessidade de se estabelecer sociais n
procedimentos que com justeza e justita resolvam de maneira consensual e reivindic

468
RACIONALIDADE AMBIENTAL

pacífica o conflito de interesses que, necessariamente, surge a partir da


recomposigáo de forgas políticas, da redefinigáo dos direitos de proprieda-
de dos meios (ecológicos e tecnológicos) de produgáo, da reapropriagáo dos
recursos naturais e da redistribuigáo da riqueza.
O problema que vem surgindo com as organizagóes sociais náo é apenas
o da solidariedade interna e a capacidade de coalizáo para defender suas
causas e interesses comuns, mas também o da representatividade de grupos
majoritários da populagáo e da sociedade civil em seu conjunto. Isso se deve
ao fato de que, em sua imensa maioria, as organizagóes sociais ambientalis-
tas constituem um campo disperso de interesses que se manifestara no loca-
lismo de seus espagos de atuagáo e no caráter restrito de suas demandas, o
que impede a aglutinagáo das diferentes manifestagóes da degradagáo
socioambiental em um conjunto de atores unidos em torno de reivindica-
góes e propósitos compartilhados, e com estratégias políticas capazes de
enfrentar os poderes corporativos e hegemónicos dominantes. O movimen-
to ambiental, á diferenga das anteriores lutas operárias e camponesas dife-
renciadas e aglutinadas em classes sociais, se define por seu caráter transclas-
sista, já que está constituído por diversos atores sociais, cuja forga tende a
diluir-se na multiplicidade de seus interesses e demandas, dificultando sua
articulagáo numa frente comum.
Entretanto, o princípio de autonomia — que acolhe os interesses diver-
sos do ambientalismo — vem questionar o princípio da representagáo da
democracia política que unifica a cidadania, mas náo responde a seus inte-
resses. O princípio de autonomia das organizagóes ambientalistas, os grupos
indígenas e grupos independentes emergentes repudiara toda estrutura hie-
rárquica e autoritária e as formas estabelecidas de exercício do poder. Esse
problema se manifesta inclusive guando alguma organizagáo pretende
representar os interesses das demais e falar em nome da sociedade civil em
seu conjunto ou de grupos diversos da populagáo — das comunidades indí-
genas e camponesas ou de outras organizagóes da sociedade civil — nos diá-
logos e negociagóes políticas nacionais e internacionais. Do movimento
ambientalista, surge um novo conceito de democracia participativa e direta,
demarcando-se da via de urna democracia representativa.
A problemática ambiental vem ressignificando as demandas e as lutas
sociais no meio rural. As lutas camponesas estáo transitando de seu caráter
reivindicativo por emprego, salário e urna melhor distribuigáo da riqueza,

469
ENRIQUE LEFF

A que
assim como pela restituigáo ás comunidades agrárias de suas terras para campo, al
reverter o processo de empobrecimento do campo, a um movimento políti- sustentáv(
co e económico pela gestáo de suas condiçóes de vida e de seus processos incorpora
produtivos. A questáo ambiental reclama a preservagáo da base natural de
diferente)
recursos para urna produgáo sustentável, mobilizando as populagóes locais
relagáo cc
para a reapropriagáo de seus meios naturais de produgáo e de existéncia.
da nature:
Emana daí urna nova visáo da natureza, já náo apenas como urna abstragáo
A democr
ontológica da realidade, espato de contemplagáo estética, ou condigáo geral
apropriag
de desenvolvimento sustentável, mas como um novo potencial produtivo, objetivos
como um património histórico e cultural das comunidades rurais.
é proclam
O movimento ambientalista está desencadeando novas estratégias polí-
do desenv
ticas para a apropriagáo e socializagáo da natureza, e gerando novas práticas
a particip
produtivas para urna agricultura sustentável. Nesse sentido, as reivindica-
empregos
góes dos poyos indígenas já náo sáo apenas por seus espagos étnicos, por sua
ral e cresc
cultura, por sua língua e por suas tradigóes, mas também pela reapropriagáo
ineqüitati
de seus territórios de biodiversidade e pelo aproveitamento do potencial que
custos soc
encerram os recursos ecossistémicos nos quais se assentam para satisfazer
de eficách
suas necessidades e desenvolver sua cultura. Dessa maneira, redefinem-se os
legiados d
direitos humanos vinculados á posse, propriedade e usufruto dos bens e ser-
contamine
vigos da natureza.
A den
As novas lutas camponesas pelo desenvolvimento sustentável vém se
gáo e res()
associar e inter-relacionar com as lutas pela democracia, quer dizer, por urna
estratifica
decisáo consensual a partir das próprias bases das organizagóes populares
mecanism
por sua participagáo direta na gestáo de seus recursos produtivos. O movi-
política —
mento ambiental reivindica os princípios de descentralizagáo e autonomia
acontece
como fundamento de suas formas de organizagáo e tomada de decisáo,
os estame
opondo-se ás estruturas hierárquicas e aos sistemas centralizados de gestáo
ideológic.
pública que caracterizam as instituigóes políticas. Nas organizagóes produti-
dominagá
vas de base, esses princípios adquirem seu sentido mais amplo, procurando
sistema de
romper com a ideologia produtivista dominada pelos órgáos de decisáo do
mente san
poder económico, pelas instáncias de mediagáo na negociagáo dos interesses
com os m.
do camponés e pelas práticas de corrupgáo na obtengáo de créditos e insu-
talista ror
mos produtivos, assim como na mercantilizagáo dos produtos do campo.
homem e
Daí estáo surgindo os atores do ambientalismo nas zonas rurais do Terceiro
Os pr
Mundo, demandando novas formas de organizagáo autogestionária de seus
de domim
processos de produgáo e comercializagáo, e de seus mundos de vida.

470
RACIONALIDADE AMBIENTAL

A questáo ambiental, vista a partir dos interesses dos atores sociais do


campo, aporta uma concepgáo particular, náo apenas ao desenvolvimento
sustentável, mas, também, á democracia representativa, pela necessidade de
incorporar, dirimir e resolver pacificamente os conflitos de interesses de
diferentes grupos, mas, também, a um projeto de democracia direta, em
relagáo com a gestáo comunitária dos recursos produtivos e a socializagáo
da natureza, aberta a urna diversidade de alternativas ecológicas e culturais.
A democracia se redefine, assim, em termos da propriedade, do acesso e da
apropriagáo efetiva dos recursos ambientais e do vínculo social entre os
objetivos da sustentabilidade e da igualdade social. O princípio de eqüidade
é proclamado tanto pelo discurso do liberalismo social como pelo discurso
do desenvolvimento sustentado. No entanto, as políticas sociais abandonam
a participagáo efetiva da sociedade e a distribuigáo de oportunidades, de
empregos e da própria riqueza aos resultados das políticas de ajuste estrutu-
ral e crescimento económico. A questáo ambiental apresenta o problema da
ineqüitativa distribuigáo dos escassos recursos do planeta e dos desiguais
custos sociais e ambientais do crescimento económico que geram os critérios
de eficácia produtiva, os direitos de consumo adquiridos pelos grupos privi-
legiados da sociedade e seu impacto no langamento de dejetos e substáncias
contaminantes sobre o ambiente global.
A democracia ambiental questiona o sentido da igualdade social na gera-
gáo e resolugáo dos conflitos pela apropriagáo da natureza. Uma sociedade
estratificada aceita diferengas de poder e, inclusive, concorda — através dos
mecanismos ideológicos, jurídicos e políticos de sujeigáo social e coergáo
política — com urna distribuigáo desigual dos recursos e da riqueza. Isso
acontece nas sociedades de classe e altamente hierarquizadas, uma vez que
os estamentos sociais se legitimam através de processos de racionalizagáo
ideológica e jurídica, enquanto a hierarquia social, com seus efeitos de
dominagáo e opressáo, náo rompe os limites da tolerancia social. Assim, o
sistema de castas na Índia tem permitido que se estabelegam acessos social-
mente sancionados aos recursos e tem estabelecido um regime democrático
com os mais altos índices de pobreza. A sociedade de classes na ordem capi-
talista rompe com essas normas de controle ecológico ao mercantilizar o
homem e a natureza.
Os processos de sujeigá'o ideológica que instrumentalizam essas formas
de dominagáo tém logrado induzir urna atitude passiva e tolerante diante da

471
ENRIQUE LEFF

desigualdade, que funciona como um mecanismo de controle do conflito rem sent


social. Tal mecanismo está sendo desativado com a legitimagáo dos valores da eqüic
da sustentabilidade e da democracia, e com o avango dos direitos humanos diversida
pela pluralidade cultural, as identidades étnicas e a qualidade de vida através A rei
de um ambiente sáo e produtivo; mas, sobretudo, porque foi ultrapassado o rante dia
umbral da toleráncia da discriminagáo racial e da exclusáo social. Reflexo tos de ge
disso tem sido a emergéncia dos direitos indígenas no panorama político dos ca do "d
direitos humanos. 4 se situara
A questáo da eqüidade está surgindo em relagáo com a responsabilidade condigóe
compartilhada das diferentes nagóes e grupos sociais em face dos problemas do camp
ambientais globais. Certamente, os países do Norte sáo os maiores causado- naturais
res da mudanga global ao consumir mais de trés quartas partes dos recursos mas dep(
naturais e energéticos do planeta. A Convengáo sobre a Mudanga Climática desejos e
e o Protocolo de Montreal estáo demandando urna redugáo proporcional de normas c
todos os países na produgáo de CFC e gases de efeito estufa. No entanto, os recursos
países do Terceiro Mundo poderiam reclamar — e alguns grupos ambientais tam com
o estáo fazendo — seu direito a elevar seus níveis de consumo para satisfa- volvimen
zer suas necessidades básicas, antes de comprimir ainda mais seus já depri- la, as qua
midos níveis de bem-estar. Dessa maneira, diante da responsabilidade com- tecnologi
partilhada de todas as nagóes do mundo ante os problemas globais impostos O pri
pelos países do Norte, os países pobres pedem aos países ricos que restrin- implica a
jam seus níveis de hiperconsumo. A responsabilidade comum baseada nos e potenci
desigualdades já adquiridas se dissolve em urna nova política da eqüidade na tal vai al¿
diversidade, em urna ética da outridade e em urna política da diferenga. pos sociai
Dessa maneira, os objetivos de eqüidade e democracia se enlagam na poyos ná
perspectiva do desenvolvimento sustentável. A partir dos diversos interesses de seus in
sociais antagónicos que atravessam o campo da ecologia política, emergem criar instí
estratégias políticas e alternativas produtivas e muitas vezes contrapostas dade da t,
para a resolugáo da problemática e para a apropriagáo social da natureza. distribui(
No entanto, cada vez se evidencia mais o fato de que os problemas globais ambiental
tém seu enraizamento em ámbito local. É no espato do município e da racionalid
comunidade que a sustentabilidade dos processos produtivos depende de tido a rac
urna gestáo democrática dos recursos ambientais. É nesse nível que as lutas dor, hiera
dos grupos indígenas pela socializagáo da natureza, pela reapropriagáo ragáo da r
democrática de seu património de recursos naturais e culturais e pela auto- A legi
gestáo de seus potenciais ambientais de desenvolvimento sustentável adqui- democráti

472
RACIONALIDADE AMBIENTAL

rem sentido. É aqui que as condigóes ecológicas da produgáo sustentável e


da eqüidade social se enraízam nos princípios de identidade étnica e de
diversidade cultural.
A representatividade das comunidades locais resulta, geralmente, inope-
rante diante das regras do poder, os procedimentos políticos e os instrumen-
tos de gestáo global estabelecidos pelos governos nacionais e pela geopolíti-
ca do "desenvolvimento sustentável" da ordem económica mundial, já que
se situam acima das consciéncias, dos valores e dos interesses que definem as
condigóes de produgáo de cada localidade. O desenvolvimento sustentável
do campo implica a necessidade de ajustar as práticas de uso dos recursos
naturais ás condigóes ecológicas e geográficas de cada unidade de produgáo;
mas depende, também, dos valores culturais que definem as necessidades,
desejos e aspiragóes de cada comunidade em relagáo ao seu ambiente. As
normas que regem as condilóes de propriedade, acesso e aproprialdo dos
recursos ambientais das comunidades rurais para sua subsisténcia se enfren-
tara com as condigóes ditadas pelo mercado — os "mecanismos" de desen-
volvimento limpo e de implementagáo conjunta — para a produgáo agríco-
la, as quais vém dominando as decisóes em relagáo á selegáo de cultivos e de
tecnologias.
O princípio de gestáo participativa no manejo dos recursos ambientais
implica a construgáo de urna racionalidade produtiva fundada nas condigóes
e potenciais da natureza e da cultura. Esse conceito de democracia ambien-
tal vai além da pluralidade política dos partidos, da representagáo dos gru-
pos sociais e da diversidade étnica de urna nagáo. Os direitos autónomos dos
poyos náo propugnara apenas por urna maior e melhor representatividade
de seus interesses nos órgáos parlamentares e de representagáo cidadá, nem
criar instáncias para dirimir pacificamente os conflitos em torno da proprie-
dade da terra e do usufruto dos bens e servigos ambientais, ou urna melhor
distribuigáo ecológica e económica na ordem global. A racionalidade
ambiental que subjaz aos princípios da democracia ambiental confronta a
racionalidade económica dominante e a lógica do mercado, que tém conver-
tido a racionalizagáo da sociedade global em um mecanismo homogeneiza-
dor, hierarquizante, polarizante e excludente, gerando processos de explo-
ragáo da natureza, de degradagáo ambiental e de marginalizagáo social.
A legitimagáo dos novos direitos étnicos e cidadáos em urna cultura
democrática e a constituigáo de novas bases jurídicas para um desenvolvi-

473
ENRIQUE LEFF

mento sustentável e eqüitativo sáo insuficientes para que a sustentabilidade, plurali


a eqüidade e a diversidade cultural sejam atingidas enquanto náo forem cia am
dadas novas bases a urna economia sustentável baseada na sinergia dos tica da
potenciais ecológicos, culturais e tecnológicos, de maneira que os valores da nar int
diversidade étnica e biológica náo apenas atuem corno princípios éticos de am<
diante da racionalidade económica que os ultrapassa, mas como fundamen- Os
tos de urna racionalidade produtiva alternativa. Isso permitiria levar os valo- novas;
res do ecologismo ao nível de urna produgáo descentralizada, a um projeto pos so<
de nagáo pluriétnica, de urna economia integrada por um conjunto de eco- crática
nomias locais e regionais sustentáveis para satisfazer as necessidades básicas e suas
de cada populagáo e de cada comunidade, canalizando seus excedentes para outros
o mercado nacional e internacional. Náo se trata de exaltar as virtudes de cer seu
microeconomias auto-suficientes em urna utopia paroquial, urna economia nagáo
bucólica ou a volta a um passado idílico. A racionalidade ambiental implica racioní
um projeto de democracia na produ0o que vai muito além da democracia econón
política formal e da ética ecologista. nidas p
O projeto de democracia ambiental que anima a emergéncia de novos No
movimentos e organizagóes camponesas independentes náo tem sido com- objetive
preendido pelos partidos nem integrado a suas plataformas eleitorais e pro- ses da s
gramas de governo. Tampouco tem sido incorporado por boa parte do de pod
movimento ambientalista e ecologista, que tem mais esperanga nos efeitos e da leg
transformadores dos valores individuais e conservacionistas de repúdio á em face
cultura do hiperconsumo e respeito aos valores humanitários, ou por aque- ca na rn
les que apostam no crescimento sustentado e sem limites com a fé colocada cas este
no mercado e na tecnologia. Os partidos políticos poderáo solidarizar-se direta é
com os camponeses e indígenas, mas nenhum deles parece ter urna resposta pelo ini
ás condigóes da produgáo que demanda a solugáo aos problemas do campo, política
e que váo muito além da regularizagáo e posse da terra, das reformas agrá- des soc
rias e do respeito aos direitos culturais que se multiplicam em torno de mente
novas demandas ecológicas. Isso implica dissolver o projeto integracionista democr
que procura assimilar o mosaico pluriétnico á cultura nacional e liberar os de desil
modos de produgáo de cada comunidade dos desígnios do mercado mundial górdio 1
e das políticas económicas neoliberais. de e sus
A transigáo para urna democracia ambiental entranha um complexo cracia n
processo de transformagóes produtivas, inovagóes tecnológicas, reformas do voto pa
Estado e mudangas culturais e ideológicas, para estabelecer urna cultura de produgI

474
RACIONALIDADE AMBIENTAL

pluralidade e de justicia em um projeto democrático. A cultura da democra-


cia ambiental vai além da difusáo dos valores ambientais; implica urna polí-
tica da eqüidade diferenciada. Isso náo só apresenta o problema de combi-
nar interesses diferentes, mas de desdobrar urna política da diferenga capaz
de amalgamar diversos códigos culturais.
Os avangos das lutas pelos direitos humanos e ecológicos tém gerado
novas instituigóes para dirimir os interesses ambientais de indivíduos e gru-
pos sociais dentro do marco de um Estado de direito e de urna cultura demo-
crática. O movimento indigenista tem politizado e ecologizado seu discurso
e suas lutas. No entanto, náo basta aceitar formalmente a existéncia de
outros grupos culturais como cidadáos integrantes da nagáo, nem reconhe-
cer seus diversos códigos culturais e conhecimentos tradicionais em urna
nagáo multiétnica; náo se trata de assimilar suas economias nos padróes da
racionalidade económica dominante, mas de construir urna nova ordem
económica, integrada por diferentes unidades ambientais de produgáo defi-
nidas por estilos diversos de etnoecodesenvolvimento.
No tránsito para a democracia, tem dominado uma visáo centrada no
objetivo de alcangar um sistema político plural, representativo dos interes-
ses da sociedade, nos marcos de urna economia neoliberal. As novas relagóes
de poder que emanam da sociedade civil, das agóes dos movimentos sociais
e da legitimagáo dos novos direitos humanos ficam bloqueadas ou limitadas
em face do propósito de recuperar o crescimento e a estabilidade económi-
ca na margem de agáo permitida pelas estruturas hierarquizadas e nas práti-
cas estabelecidas pelo poder económico institucionalizado. A democracia
direta é observada com inquietude e desprezo pelas razóes de forga maior e
pelo interesse supremo da racionalidade formal e da ordem económica e
política dominantes. O liberalismo económico está ensejando as desigualda-
des sociais, desafiando a possibilidade de estabelecer regimes verdadeira-
mente democráticos em condigóes de pobreza e iniqüidade. Os governos
democráticos da América Latina e do Terceiro Mundo mantém altos níveis
de desigualdade e pobreza, analfabetismo e desnutrigáo. Para desfazer o nó
górdio neoliberal e relacionar os objetivos da democracia com os de eqüida-
de e sustentabilidade, é necessário elaborar e praticar um conceito de demo-
cracia mais rico em atribuigóes; passar da liberdade e da transparéncia do
voto para a localizagáo e fixagáo de seu sentido nas próprias condigóes da
produgáo que permitam manter um sistema produtivo vigoroso e participa-

475
ENRIQUE LEFF

tivo, no qual sejam geradas condigóes para a erradicagáo da pobreza e para princíp
a satisfagáo das necessidades e aspiragóes dos diferentes grupos da popula- condig
gáo, em que a socializagáo e a apropriagáo dos recursos permitam reduzir a Ar
desigualdade económica e social. fato de
O princípio de gestáo participativa dos recursos ambientais implica unta básicas
democracia direta, na qual a agáo cidadá náo se restringe ao consenso social ecológi
que pode ser alcangado através dos mecanismos de mediagáo e representa- to suste
gáo dos altos níveis de tomada de decisóes. Essa democracia que nasce nas rural.
bases apresenta urna via direta de apropriagáo dos recursos produtivos para de se er
o manejo coletivo dos bens comuns da humanidade e os servigos ecológicos e com a
da natureza. Diante do domínio dos "tomadores de decisóes", eleitos interess
"democraticamente", hoje em dia emergem as identidades e autonomias dos os direi
poyos, regenerando suas capacidades de autogestáo dos processos produti- patrime'
vos para eliminar a pobreza, melhorar sua qualidade de vida e construir As t
comunidades sustentáveis. 5 O projeto de democracia ambiental enfrenta vimentc
assim a unificagáo forgada imposta pela ordem homogeneizadora hegemó- gica, nc
nica da globalizagáo económico-ecológica á natureza e ao homem, promo- interno
vendo uma reintegragáo do mundo a partir de sua diversidade, fundada em base de
natural
novas solidariedades sociais, na pluralidade de identidades culturais e na
sociais
diversificagáo de estilos de desenvolvimento sustentável.
Latina r
processo
económ
dagáo a
DEGRADA40 AMBIENTAL E PRODMO DE POBREZA
culturai
america
A degradagáo ambiental e o avango da pobreza se tém convertido nos signos vas no r
mais claros da crise social do nosso tempo. Passaram-se mais de 35 anos nidades
desde que Gunnar Myrdal (1968, 1971) advertiu para o drama e os desafios Od
do mundo pobre, resultado da "desigualdade mantida voluntariamente atra- a ver no
vés da estratificagáo económica e social e da passividade política das mas- za. O pc
sas". Foi se perfilando assim o direito dos países pobres a desenvolver-se e a tal, sem
tomar seu destino nas próprias máos. No entanto, as políticas públicas tém urna tul
sido incapazes de deter o incremento da pobreza. Esta náo apenas se perce homem,
be através das disparidades entre nagóes, mas da expansáo das desigualdades custos e
sociais dentro de cada país. A erradicagáo da matéria se apresenta como o Mundo,

476
RACIONALIDADE AMBIENTAL

princípio mais elementar da dignidade humana e justita social, e como uma


condigáo do desenvolvimento sustentável. 6
A relagáo das comunidades pobres e seu ambiente se caracterizam pelo
fato de que tanto sua sobrevivéncia como a satisfagáo de suas necessidades
básicas dependem da harmonia entre suas práticas produtivas, das condigóes
ecológicas e de seus valores culturais. Daí que o conceito de desenvolvimen-
to sustentável adquire seu sentido mais amplo nos processos de produgáo
rural. Na produgáo agropecuária e silvícola, as condigóes de sustentabilida-
de se enlagam de forma direta com os estilos culturais de visáo da natureza
e com as práticas de uso e transformagáo dos recursos. Ali se confrontam os
interesses relativos á apropriagáo da natureza dos agentes económicos com
os direitos de propriedade e de autogestáo das comunidades de seu próprio
património histórico de recursos naturais e culturais.
As teorias económico-sociais que procuraram as causas do subdesenvol-
vimento, da marginalizagáo e da polarizagáo social na dependéncia tecnoló-
gica, no intercámbio desigual, na exploragáo do capital e no colonialismo
interno náo penetraran nas causas ambientais da pobreza: a destruigáo da
base de recursos naturais, o desenraizamento da populagáo de seu entorno
natural, a dissolugáo de suas identidades coletivas, suas solidariedades
sociais e suas práticas tradicionais. Assim, os projetos do Estado na América
Latina para tirar os poyos de seu "atraso" pela capitalizagáo do campo e o
processo dependente de industrializagáo náo produziram apenas fracassos
económicos, mas desencadearam processos de destruigáo ecológica e degra-
dagáo ambiental por terem sepultado os potenciais de recursos naturais e
culturais que durante séculos sustentaram as civilizagóes dos tristes trópicos
americanos, asiáticos e africanos. Essa desorganizagáo das práticas produti-
vas no meio rural trouxe como conseqüéncia o empobrecimento das comu-
nidades indígenas e camponesas.
O discurso dominante do desenvolvimento sustentável tem se inclinado
a ver no crescimento demográfico dos pobres a principal causa de sua pobre-
za. O pobre é acusado de ser o maior responsável pela deterioragáo ambien-
tal, sem que se perceba que pobreza e destruigáo ecológica sáo resultado de
uma racionalidade económica que tem explorado ao mesmo tempo o
homem, a mulher e a natureza; de urna ordem económica que transferiu os
custos ecológicos do crescimento económico para os países do Terceiro
Mundo, e de políticas económicas que expulsaram os pobres para as zonas

477
ENRIQUE LEFF

ecológicas mais frágeis do planeta.? Desse diagnóstico se deduz que só será As


possível reduzir o crescimento demográfico eliminando a pobreza e melho- tuindo
rando a qualidade de vida da populagáo; e, como corolário, prescreve-se o co e e
crescimento económico fundado na racionalidade produtiva que tem gera- desern
do a degradagáo ambiental, a polarizagáo social e a pobreza desses países. 8 práticc
A crise ambiental vem questionar a racionalidade económica que induz rais (Pa
a destruigáo da natureza e gera pobreza. Daí emerge a proposta para a elabo- o meio
ragáo de uma nova racionalidade produtiva fundada na articulagáo dos pro- gáo de
cessos ecológicos produtores de recursos naturais e dos processos tecnológi- deixan
cos de transformagáo industrial. Isso leva á revisáo das políticas de desenvol- mento
vimento social que tentam resolver o problema da pobreza por meio do cres- A
cimento económico e das políticas assistenciais do Estado, excluindo o pobre de que
de seu direito de autodeterminar suas condigóes de existéncia. tuado c
Atualmente, configura-se uma nova visáo dessa problemática. A pobre- ra agro
za cometa a ser vista como um processo gerado pela racionalidade económi- malthu:
ca e tecnológica dominante. Isso está levando o pobre a questionar suas rela- temas
pobreza
góes de sujeigáo com o mercado e com o Estado tutelar, e a converter-se em
cionalic
um sujeito ativo, capaz de recuperar seu potencial produtivo desaproveita-
zagáo d
do (seus valores culturais desdenhados, suas técnicas esquecidas, seus conhe-
do bent
cimentos e atitudes desprezados) e de construir novas estratégias produtivas
dos eco
para aliviar sua pobreza, satisfazendo suas necessidades básicas e suas aspi-
Ad
ragóes culturais. Os pobres descobrem, assim, as causas de sua condigáo e
abrem vias de participagáo inéditas para sua emancipagáo, constituindo populag
novos sujeitos sociais que animam movimentos sociais pela reapropriagáo de revolugí
seus recursos naturais e culturais. do um s
Essa mudanga de visáo, organizagáo e agáo social cometa a legitimar-se de das
nos meios académicos, nas agéncias internacionais e nos programas gover- aqüífera
namentais que procuram entender e atender a pobreza através de programas insumos
de desenvolvimento social. A visáo do ambiente como um potencial produ- mica ge
tivo alternativo vai abrindo o círculo ideológico fechado de argumentagáo escala pl
sobre as relagóes da natureza. Em lugar de agregar o objetivo da sobrevivén- A pc
cia dos pobres marginalizados rurais ao do crescimento da economia global, cas de aj
cometa a delinear-se urna alternativa na qual a autonomia cultural das exibindc
comunidades e a autogestáo de seus recursos ambientais assentam as bases final do
para um desenvolvimento endógeno sustentável e para aliviar a pobreza. 9 até ating

478
RACIONALIDADE AMBIENTAL

As práticas produtivas das sociedades pré-capitalistas foram se consti-


tuindo ao longo da história em urna estreita relagáo com seu meio geográfi-
co e ecológico. Isso permitiu ás comunidades rurais do Terceiro Mundo
desenvolverem diversas estratégias de adaptagáo ao meio, gerando saberes
práticos e conhecimentos técnicos para apropriar-se de seus recursos natu-
rais (Palerm e Wolf, 1972; Leff e Carabias, 1993). Essa relagáo cultural com
o meio e de coevolugáo étnico-ecológica tem sido bloqueada pela implanta-
gáo de tecnologias modernas impulsionadas pela capitalizagáo do campo,
deixando no seu rastro uma crescente destruigáo ecológica e um empobreci-
mento das maiorias excluídas dos benefícios desse "mau desenvolvimento".
A pobreza associada á perda da fertilidade da terra náo resulta do fato
de que o principio ricardiano dos rendimentos decrescentes tenha se acen-
tuado devido á expansáo da agricultura, que encontra nos limites da frontei-
ra agropecuária um constrangimento de ordem geográfica; ou da questáo
malthusiana, entendida como os limites da capacidade de carga dos ecossis-
temas diante do incontrolado crescimento demográfico no meio rural. A
pobreza é resultado do esgotamento da fertilidade dos solos devido á irra-
cionalidade ecológica de urna agricultura altamente tecnificada e á capitali-
zagáo da natureza, que encontra seus limites na imposigáo da maximizagáo
do benefício económico aplicada acima das condigóes de sustentabilidade
dos ecossistemas.
A deterioragáo ambiental tem sido urna das causas principais do avango
da pobreza rural, assim como da pobreza urbana gerada pela expulsáo da
populagáo do campo para a cidade. A capitalizagáo da agricultura através da
revolugáo verde gerou superprodugáo e subconsumo de alimentos, deixan-
do um saldo devastador de degradagáo socioambiental — perda da fertilida-
de das terras, salinizagáo e erosáo dos solos, contaminagáo das camadas
aqüíferas, polarizagáo social e miséria extrema —, pelo uso intensivo de
insumos agroquímicos e energéticos.l° Nesse sentido, a globalizagáo econó-
mica gera um processo de degradagáo ambiental e empobrecimento em
escala planetária. 11
A pobreza recrudesceu com a crise económica dos anos 1980; as políti-
cas de ajuste acentuaram o processo de marginalizagáo e segregagáo social,
exibindo um saldo de mais de 200 milhóes de pobres na América Latina ao
final do século passado, segundo dados da Cepal, que foram aumentando
até atingir 224 milhóes em 2003 (PNUD, 2004). Tal processo tem repercu-

479
ENRIQUE LEFF

tido em uma queda de receita e de qualidade de vida das maiorias empobre- própria
cidas do Terceiro Mundo. Urna das manifestagóes do avango da pobreza tem suas ne
sido seus efeitos na desnutrigáo da populagáo. A deterioragáo alimentar é 0
maior nos estratos de renda mais baixa, que tiveram que suprimir de sua tropical
dieta o consumo de carne, peixe e produtos lácteos. Essa crise alimentar e pas, ver
nutricional afeta urna populagáo que já antes da crise tinha graves deficién- gáo e ai
cias nutricionais. recurso
A questáo da pobreza chegou, assim, a ocupar o centro da agenda inter- versida<
nacional, ao lado dos problemas ambientais e do desenvolvimento sustentá- Argueta
vel (Unep, 2002). No entanto, além dos lacerantes diagnósticos sobre o esta- Américl
do da pobreza, das novas metodologias e dos indicadores para medir a tanto p
pobreza rural e das metas do milénio para reverté-la; além do interesse em como p
conhecer as formas, o número, as condigóes e as linhas divisórias entre autoger
pobreza, pobreza absoluta e miséria extrema, torna-se imperativo gerar mias aul
novas estratégias para enfrentar a degradagáo socioambiental, explorando
vias de reconversdo da pobreza em processos produtivos que permitam satis-
fazer as necessidades básicas das comunidades rurais e urbanas. A pobreza
náo resulta apenas do crescimento demográfico que ultrapassa as capacida- DESENVC
DESENVC
des de absorgáo de máo-de-obra pelo sistema económico. O processo de
produldo de pobreza e degradacdo socioambiental é gerado pela racionalida-
de económica prevalecente. Esta superpopula0o pauperizada, que se mani- Até agor
festa como um problema social, constitui, ao mesmo tempo, um potencial tanto, di
fora, até
humano que náo pode ser apropriado diretamente pelo mercado de traba-
esgotanc
lho nem constitui campos de inversáo de capital. Por isso, é necessário rein-
za e desi
tegrar esses espagos marginalizados a um processo produtivo que beneficie
qualidad
diretamente as comunidades.
com o cli
As políticas de desenvolvimento na América Latina náo incorporaram as
As p
condigóes ecológicas e culturais a um processo de desenvolvimento susten-
mico nec
tável para melhorar a qualidade de vida dos grupos majoritários da socieda- go e a dis
de, enfrentando a problemática da pobreza rural a partir de suas raízes e em brecimer,
toda a sua complexidade (Carabias, Provencio e Toledo, 1994). Surge assim através d
um movimento social no campo que náo defende mais apenas os direitos za se pro
tradicionais pela terra, mas também as identidades e os valores culturais das brío amb
etnias e grupos camponeses; seu direito a estabelecer relagóes produtivas góes ecol
sustentáveis com seu entorno natural é urna estratégia para reconverter sua novas po]

480
RACIONALIDADE AMBIENTAL

própria pobreza e seus campos erodidos em fonte de riqueza para satisfazer


suas necessidades básicas e suas aspiragóes sociais.
O movimento camponés e indígena dos habitantes das matas e selvas
tropicais, das cordilheiras, das serras e dos montes, dos páramos e dos pam-
pas, vem reivindicando assim seus direitos de propriedade, acesso, apropria-
gáo e autogestáo, e incorporando novas estratégias de aproveitamento dos
recursos: projetos agroecológicos, reservas extrativistas e manejo da biodi-
versidade (Toledo et al., 1989; Escobar, 1997; Porto-Gongalves, 2001; Leff,
Argueta, Boege e Porto-Gongalves, 2002). Várias comunidades rurais da
América Latina e do Terceiro Mundo tém se incorporado a este processo,
tanto pelas riquezas florestais e pela biodiversidade de seus ecossistemas
como por sua numerosa populagáo, cuja sobrevivéncia depende do manejo
autogerido de suas terras e seus recursos através da organizagáo de econo-
mias auto-suficientes e sustentáveis.

DESENVOLVIMENTO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.


DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO E AUTOGESTÁO PRODUTIVA

Até agora, a economia foi encarregada de criar e distribuir a riqueza e, por-


tanto, de combater a pobreza, filtrando seus efeitos a partir de cima e de
fora, até atingir seus efeitos distributivos na sociedade. Este modelo está se
esgotando com o questionamento das políticas neoliberais por "gerar pobre-
za e desintegragáo social, depredagáo de recursos naturais, deterioragáo da
qualidade de vida, instabilidade política e incompatibilidade de sua prática
com o desenvolvimento democrático" (Vuskovic, 1993: 247). 12
As políticas de desenvolvimento social se inscrevem no projeto econó-
mico neoliberal, reconhecendo que o mercado é incapaz de regular o empre-
go e a distribuigáo eqüitativa da riqueza e, por esta via, fazer frente ao empo-
brecimento das maiorias. O sistema económico náo apenas produz pobreza
através do desemprego estrutural gerado pelo sistema económico; a pobre-
za se produz também pelos efeitos de marginalizagáo social e de desequilí-
brio ambiental provocados pelas tecnologias "modernas" alheias ás condi-
góes ecológicas e culturais do meio rural. Isso tem levado á elaboragáo de
novas políticas públicas que procuram formas de cooperagáo entre o merca-

481
ENRIQUE LEFF

do, o Estado e a organizagáo produtiva das comunidades, na gestáo dos Os


recursos produtivos, o que apresenta a necessidade de incorporar critérios de partici]
sustentabilidade ás políticas de desenvolvimento rural. No entanto, diante do através
descrédito das formas anteriores de intervengáo do Estado na economia e nos um pot
servigos sociais, o projeto de desenvolvimento social demanda urna redefini- nantes.
gáo das formas de colaboragáo entre o Estado e as comunidades locais, apre- articuli
sentando formas inéditas de participagáo da sociedade nos processos de gáo e r,
tomada de decisáo, assim como no atendimento ás exigéncias das comunida- tivas e
des no sentido de autogestáo de seus recursos produtivos. ciéncia
As políticas de desenvolvimento social procuram prover a populagáo de comun
bens e servigos básicos, enfrentar a desnutrigáo e garantir servigos mínimos das nec
de saúde. Promove assim, a formagáo de infra-estrutura e servigos públicos: Est
estradas, eletrificagáo, esgotos, água potável, escolas e clínicas. Os processos desenv,
de autoconstrugáo contribuem, assim, para a geragáo das condilóes gerais da produg
produlíio, cobrindo áreas que até agora foram consideradas de responsabili- nómica
dade do Estado por náo serem de interesse da empresa privada. Estas políti- juntura
cas combinam esquemas de gasto social do Estado com as energias e a forga curto p
resolve
de trabalho da sociedade civil marginalizada. O Estado passa, assim, de sua
prevem
condigáo de "benfeitor" á de co-gestor, procurando aliviar a pobreza através
buir e a
do apoio e das capacidades próprias de produgáo e gestáo da populagáo.
cessos I
Diante dessas políticas sociais, e de uma perspectiva autogestionária, o alívio
cas e as
da pobreza e do acesso aos produtos básicos se apresenta como urna redifi-
Oa
nigáo das necessidades fundamentais das próprias comunidades a ser feita
integra(
através da produgáo direta para o próprio consumo baseada no manejo múl- desenv(
tiplo e integrado de recursos e no estabelecimento de mercados regionais mento 1
para o intercámbio de excedentes. 13 sociagá
O neoliberalismo social surgiu corno urna resposta do Estado ás deman- domina
das emergentes da sociedade para estabelecer novas relagóes de poder e for- al urna
mas de participagáo para democratizar a tomada de decisóes e descentrali- do men
zar os processos produtivos, fortalecendo as capacidades das comunidades no (Sur
locais para resolver seus problemas. No entanto, essas políticas tém sido comuni
postas em prática com um sentido pragmático, sem questionar as causas da dente d
pobreza que surgem dos modelos dominantes de desenvolvimento e sem Elizalde
buscar fundar urna racionalidade produtiva em bases ecológicas sustentáveis Os
e em princípios de eqüidade e autogestáo das comunidades. em face

482
RACIONALIDADE AMBIENTAL

DS Os princípios de racionalidade ambiental aplicados á gestáo ambiental


le participativa oferecem novas bases para enfrentar a pobreza. O ambiente,
lo através da articulagáo de processos ecológicos, culturais e sociais, faz surgir
OS um potencial produtivo até agora ignorado pelas políticas económicas domi-
ri- nantes. Surge daí urna fonte de produtividade sustentável proveniente das
e- articulagóes dos processos ecológicos que dáo suporte e alimentam a produ-
le gáo e regeneragáo dos recursos naturais; da inovagáo de tecnologias produ-
a- tivas e sustentáveis que amalgamam práticas e saberes tradicionais com a
ciéncia moderna; da energia social contida na organizagáo produtiva das
1e comunidades; dos estilos culturais que definem a percepgáo dos recursos e
os das necessidades de cada comunidade.
>s: Estes princípios ambientais abrem novas perspectivas ás políticas de
os desenvolvimento social. Náo vém apenas contestar a destruigáo ecológica, a
da produgáo de pobreza e a marginalizagáo social geradas pelas políticas eco-
li- nómicas; náo aderem ás normas de controle ambiental como políticas con-
junturais para fazer frente aos problemas de degradagáo socioambiental de
ti-
curto prazo, assumindo que no médio e longo prazos o mercado haverá de
ga
resolver o equilíbrio ecológico e a desigualdade social. Além dessas agóes
ua
preventivas e reativas, as políticas de desenvolvimento social deveráo contri-
'és
buir e apoiar a transigáo para urna economía sustentável integrada por pro-
:o.
cessos produtivos que se constroem desde as bases sociais, as raízes ecológi-
je>
cas e as identidades culturais das comunidades.
fi-
O alívio de pobreza e o desenvolvimento sustentável requerem, além da
ita
integragáo das políticas de ajuste económico com políticas ambientais e de
11-
desenvolvimento social, a necessidade de construir estilos de desenvolvi-
mento fundados em uma nova racionalidade produtiva para enfrentar a dis-
sociagáo entre a esfera económica que rege o mercado para urna classe
n- dominante e a esfera social com políticas de alívio da pobreza. Apresenta-se
or- al urna disjungáo entre o desenvolvimento para fora, ajustado ás condigóes
li do mercado mundial, diante da alternativa de um desenvolvimento endóge-
es no (Sunkel, 1991), orientado a fortalecer as capacidades produtivas das
io comunidades, abrindo canais ao desenvolvimento autogerido e autodepen-
da dente dos pobres para emancipar-se de seu estado de pobreza (Max-Neef,
m Elizalde e Hopenhayn, 1993).
!is Os programas do neoliberalismo social buscara deter a pobreza crítica
em face da abundáncia depredadora das minorias; instrumentalizam políti-

483
ENRIQUE LEFF

cas de protegáo dos ecossistemas em lugar de impulsionar programas de eco- através


logia produtiva que déem base de sustentabilidade e eqüidade á produgáo nalidad
agropecuária e forestal. O alívio da pobreza náo depende do aproveitamen- riais e c
to do excedente da forga de trabalho dos pobres para a construgáo de infra- assumir
estrutura básica e para gerar as condigóes de produgáo do capital em expan- a auto-s
sao, mas para a mobilizagáo do potencial produtivo dos ecossistemas e das dico e fi
próprias comunidades para seu próprio benefício. talecer s
A reorientagáo da economia para um desenvolvimento endógeno impli- Os i
ca a necessidade de fortalecer a capacidade de autogestáo das comunidades condigó
diante do predomínio da produgáo para o mercado e das relagóes de depen- eqüitatil
déncia que, tradicionalmente, mantiveram com o Estado. Apresenta-se al a económi
disjungáo de que a populagáo pauperizada se reintegre como forga de traba- termos (
lho desvalorizada á produgáo dos servigos sociais e produtos básicos, que forga de
contribua para a expansáo dos mercados ou que se transforme em protago- do. A tra
nista de suas próprias condigóes de existéncia através da autogestáo de seus mir pacil
recursos produtivos. Isso significa urna redifinigáo das estratégias de organi- mia glob
zagáo produtiva das comunidades rurais, em que as práticas de autogestáo fundada:
das comunidades enfrentam os interesses das empresas e entram no terreno tantiva d
conflitivo das estratégias e lutas sociais pela apropriagáo da natureza. benefíci(
Os princípios de racionalidade ambiental mobilizam agóes para o esta- riquezas
belecimento de bases de sustentabilidade e para a gestáo democrática da dades ru
produgáo rural, de maneira que sejam os atores sociais do campo aqueles transferir
que decidam e controlem os processos produtivos e náo os interesses corpo- nica para
rativos e as leis cegas do mercado. Desses princípios emerge a demanda da co-gestác
sociedade civil, das comunidades indígenas e dos poyos da floresta pelo a sustent
acesso e apropriagáo de seus recursos e do entorno no qual, historicamente, tem ao m
tém se configurado suas civilizagóes, dando-lhes sustentagáo vital e cultural. cial. Tais
Tais demandas das comunidades procuram recuperar suas práticas tradicio- comum (
nais, gerar novas técnicas e apropriar-se do conhecimento científico moder- Terceiro 1
no, para a autogestáo de suas forgas produtivas, democratizando assim os No el
processos de produgáo e seus meios de vida. formagáo
Na transigáo para a sustentabilidade e para a democracia, e no contexto da autog(
da globalizagáo económica, o ambiente aparece como um potencial produ- próprias
tivo para que as comunidades possam reapropriar-se de seu património de políticas
recursos naturais e culturais, e desenvolvam processos produtivos orienta- o investin
dos para a eliminagáo da pobreza e para alcangar níveis de auto-suficiéncia tais, e coi

484
RACIONALIDADE AMBIENTAL

através da autogestáo de seus recursos. Nesse jogo de confrontagáo de racio-


nalidades, o Estado deve atuar como mediador entre os interesses empresa-
riais e comunitários pela apropriagáo dos recursos naturais. O Estado deve
assumir a responsabilidade de garantir condigóes mínimas de produgáo para
a auto-subsisténcia das comunidades, outorgando-lhes o apoio político, jurí-
dico e financeiro necessário para legitimar seus direitos comunitários e for-
talecer suas capacidades de desenvolvimento sustentável.
Os imperativos da sustentabilidade náo devem limitar-se a ajustar as
condigóes ecológicas, culturais e sociais que determinam o aproveitamento
eqüitativo e sustentável dos recursos aos princípios de urna racionalidade
económica que só valoriza o património de recursos naturais e culturais em
termos de um capital natural e capital humano, quer dizer, o do valor da
forga de trabalho e das matérias-primas que fixam os mecanismos do merca-
do. A transigáo para a sustentabilidade apresenta ao Estado o desafio de diri-
mir pacificamente os conflitos que geram as formas de articulagáo da econo-
mía global com microeconomias auto-suficientes, endógenas e sustentáveis
fundadas na melhora do potencial ambiental de cada localidade. Parte subs-
tantiva desse processo é garantir a eqüidade no acesso e na distribuigáo de
benefícios derivados do "capital natural", assim como a valorizagáo das
riquezas genéticas e dos saberes tradicionais dos poyos indígenas e das socie-
dades rurais; mas, sobretudo, o Estado deve assumir o compromisso de
transferir conhecimentos ás comunidades e gerar urna maior capacidade téc-
nica para que desenvolvam o potencial produtivo, através de processos de
co-gestáo que melhorem as condigóes de vida da populagáo, que assegurem
a sustentabilidade a longo prazo dos processos produtivos, e que incremen-
tem ao mesmo tempo os excedentes económicos para o intercámbio comer-
cial. Tais processos abrem, assim, novas oportunidades a terras de uso
comum e a minifúndios localizados nas áreas florestais e agrícolas do
Terceiro Mundo para um desenvolvimento descentralizado e sustentável.
No entanto, o movimento que vem sendo gerado a favor de uma trans-
formagáo produtiva do campo sobre bases ecológicas, ao lado do fomento
da autogestáo dos recursos agroecológicos e agroflorestais por parte das
próprias comunidades, enfrenta o impulso que o Estado está dando, em suas
políticas agrárias, a reformas associadas com a liberalizagáo dos mercados e
o investimento de grandes capitais em projetos pecuários, agrícolas e flores-
tais, e com o estabelecimento dos novos "latifúndios genéticos" (Porto-

485
ENRIQUE LEFF

Gongalves, 2002a). Com a capitalizagáo da agricultura procura-se incre- terra e c


mentar a produgáo comercial, induzindo novos processos de concentragáo que rece
da terra e capitalizagáo da natureza que náo garantem as condigóes de sub- de uma
sisténcia das comunidades rurais nem a preservagáo da base de recursos redistrib
naturais. A re
Diante dessas disjuntivas, os movimentos das populagóes rurais pela ca a que
autogestáo de seus recursos ambientais sinalizam a possibilidade de passar industria
das políticas preventivas e remediáveis diante do processo de degradagáo meios cl(
socioambiental para a construgáo de uma racionalidade produtiva sobre priagáo
bases sólidas de eqüidade e sustentabilidade. Esses sáo os princípios que naturais
orientara os movimentos sociais pela reapropriagáo da natureza, de suas cul- orientad
turas, de seus saberes, de suas práticas e de seus processos produtivos, reza den
abrindo-se caminho através da instauragáo de novos direitos ambientais, Diar
culturais e coletivos. populagl
sóes nas
seus reo

DIREITOS HUMANOS E AUTONOMIA. LUTAS SOCIAIS Os direi


PELA REAPROPRIACÁO DA NATUREZA ambiente
no a des'
A racionalidade ambiental orienta as agóes sociais pelos princípios da sus- rais — a
tentabilidade, autonomia, autogestáo, democracia, eqüidade e participagáo. ampliam
Náo é urna racionalidade ecológica cingida aos valores intrínsecos da natu- autonon
reza que tanto reclamam o biocentrismo e o conservacionismo. Dessa manejo
maneira, as comunidades indígenas e camponesas estáo associando suas recursos
lutas pela legitimagáo de seus direitos culturais a demandas pelo acesso e a mentos s
apropriagáo da natureza, nas quais subjazem estruturas de poder, valores de, assirr
culturais e estratégias produtivas alternativas. A eqüidade que o ambientalis- to dos re
mo propugna ultrapassa os direitos jurídicos de igualdade entre os homens A ap
— que incluem os direitos universais á saúde e á educagáo — até os direitos exemplo
de autogerir suas condigóes de existéncia, o que implica um processo de rea- tecnolog
propriagáo da natureza como base de sua sobrevivéncia e condigáo para opóem a
gerar um processo endógeno e autodeterminado de desenvolvimento. As mónio h
lutas sociais pela reapropriagáo da natureza — por sua ressignificagáo e através d
revalorizagáo — apresentam uma série de perguntas: a quem pertence a da etnot
natureza?; quem outorga os direitos para povoar o planeta, para explorar a recursos

486
RACIONALIDADE AMBIENTAL

terra e os recursos naturais e para contaminar o ambiente?; é urna decisáo


que recai sobre as pessoas comuns das alturas do poder, como a fatalidade
de urna lei natural ou é a mobilizagáo dos poyos o que gera o poder para
redistribuir os custos ecológicos e os potenciais da natureza?
A reapropriagáo da natureza traz de novo ao campo de forgas da políti-
ca a questáo da luta de classes, dessa vez náo sobre a apropriagáo dos meios
industrializados, mas dos meios e das condigóes naturais da produgáo, dos
meios de vida e dos significados da existéncia humana. Á diferenga da apro-
priagáo dos meios de produgáo, guiada pelo desenvolvimento das forgas
naturais desencadeadas e constrangidas pela tecnologia, as agóes sociais
orientadas pela racionalidade ambiental apresentam a apropriagáo da natu-
reza dentro de uma diversidade de estilos de desenvolvimento sustentável.
Diante da expropriagáo e marginalizagáo de grupos majoritários da
populagáo, a sociedade reclama seu direito de participar da tomada de deci-
sóes nas políticas que afetam suas condigóes de existéncia na autogestáo de
seus recursos produtivos. Esses movimentos estáo se fortalecendo com a
legitimagáo das lutas sociais pela democracia e os novos direitos culturais.
Os direitos humanos estáo incorporando a protegáo dos bens e servigos
ambientais comuns da humanidade, assim como o direito de todo ser huma-
no a desenvolver plenamente suas potencialidades. Os novos direitos cultu-
rais — a seus territórios étnicos, línguas indígenas, práticas culturais — estáo
ampliando as demandas políticas e económicas das comunidades por suas
autonomias locais e regionais para reivindicar seu direito a autogerir o
manejo produtivo de seus recursos, incluindo o controle coletivo de seus
recursos naturais e a autodeterminagáo de seus estilos de vida. Esses movi-
mentos sociais emergentes influem na redefinigáo dos direitos de proprieda-
de, assim como nas formas concretas de posse, apropriagáo e aproveitamen-
to dos recursos naturais.
A apropriagáo e o manejo da biodiversidade está se convertendo em
exemplo paradigmático. As estratégias das empresas transnacionais de bio-
tecnologia para apropriar-se do material genético dos recursos bióticos se
opóem aos direitos das populagóes indígenas dos trópicos sobre seu patri-
mónio histórico de recursos naturais. Essa questáo náo pode ser resolvida
através de urna pretensa distribuigáo justa dos custos e benefícios derivados
da etnobioprospecgáo e dos direitos de propriedade intelectual sobre os
recursos genéticos do planeta; e náo apenas pela impossibilidade de conta-

487
ENRIQUE LEFF

bilizar o valor económico da biodiversidade pelo tempo de trabalho investi- bienta


do na preservagáo e producáo do material genético, pelo valor atual de mer- a seu
cado de seus produtos, ou pelo futuro potencial económico diante dos valo- As
res culturais da biodiversidade. O ponto crucial na disputa pela biodiversi- dade d
dade é jogado entre as estratégias de capitalizagáo da natureza através dos de me
direitos de propriedade intelectual e a legitimagáo dos direitos dos poyos outorg
indígenas para se reapropriar de seu património de recursos naturais e cul- dar en
turais que resulta da evolugáo biológica guiada pelas formas culturais de hidroc
selegáo de espécies e uso dos recursos. terra,
Nesse sentido, os poyos da floresta amazónica tém reivindicado a auto- gáo nc
gestáo de reservas extrativistas. A inscrigáo das comunidades indígenas e etc.). 1 '
camponesas na globalizagáo económica e na geopolítica do desenvolvimen- patrim
to sustentado está levando a importantes lutas de resisténcia e de reexistén- um mc
cia (Leff, Argueta, Boege e Porto-Gongalves, 2002), em um processo de formiz
reposicionamento no mundo da pós-modernidade. Os poyos e as comunida- nido a
des estáo ressignificando o discurso da democracia e da sustentabilidade para minar
reconfigurar seus estilos de etnoecodesenvolvimento, desencadeando movi- cas nec
mentos inéditos pela reapropriagáo e a autogestáo produtiva da biodiversida- Na
de, como o hábitat no qual tem evoluído a cultura destas comunidades e onde nas do
haveráo de definir seus projetos futuros de vida. Hoje, a reconfiguragáo de dos Po
suas identidades, a reapropriagáo de seus territórios e a reafirmagáo de suas poyos
línguas e costumes estáo inter-relacionadas á revalorizagáo de seu património coorde
de recursos naturais, que conforma o ambiente que habitam e onde se desen- consell-
volvem historicamente, para incorporar seu potencial produtivo e orientá-lo própriz
to dos
para a melhora de suas condigóes de existéncia e de sua qualidade de vida,
capacic
definidas por seus valores culturais e suas identidades étnicas.
a neces
Os propósitos das lutas indigenistas e ambientalistas — que se manifes-
reconhi
tara nas práticas e no discurso dos novos atores sociais do meio rural —
poyos i
ultrapassam a norma social estabelecida na lei jurídica. Devido ao caráter
poyos i
inovador e crítico dos processos ideológicos e políticos pelos quais váo se
Nacion
legitimando os direitos e agóes, sua expressáo ultrapassa até a esfera discur-
Guerre
siva e normativa do que pode ser cunhado nos códigos do direito positivo e
Chiapa:
da legislagáo ambiental. A generalidade, mas também a concregáo e ambiva-
a vonta
léncia da norma jurídica, sempre funcional á ordem social vigente e aos inte- Tais me
resses dominantes, desfazem o desenho da complexidade das utopias am- prátical

488
RACIONALIDADE AMBIENTAL

bientais inscritas nas lutas pelas autonomias dos poyos indígenas em relagáo
a seu potencial criativo para elaborar urna racionalidade social alternativa.
As lutas ecológicas e das populagóes indígenas vém questionar a capaci-
dade dos órgáos oficiais de dar atengáo aos poyos indígenas e suas instáncias
de mediagáo. Dessa maneira, questionam o princípio constitucional que
outorga ao Estado, corno proprietário dos recursos da nagáo, o direito de
dar em "concessáo" sua exploragáo, ceja ao próprio Estado (mineragáo,
hidrocarbonetos), á empresa ou, até, ao campesinato, através da divisáo da
terra, dos direitos de propriedade de territórios ou das condigóes da produ-
gáo no campo (presos de insumos, transferéncia de tecnologia e assessoria
etc.). 14 Essas lutas apresentam o direito de apropriagáo e autogestáo do
património natural dos poyos indígenas, o qual náo estaria regido nem por
um modelo económico homogéneo nem por urna ordem jurídica que uni-
formizaria os direitos das comunidades em funláo de um bem comum defi-
nido a partir do centro, a partir do Estado tutelar e do mercado, para deter-
minar desde ali a distribuigáo das condigóes da produgáo através das políti-
cas neoliberais no campo.
Na busca de novos espagos independentes, diversas organizagóes indíge-
nas do México promoveram a criagáo do Conselho para o Desenvolvimento
dos Poyos Indígenas, integrado por representantes genuínos dos diversos
poyos indígenas. O conselho viria a se converter em um meio de diálogo,
coordenagáo e gestáo direta dos indígenas diante do Estado, integrado por
conselhos locais, estatais e regionais, sem intermediários e com capacidade
própria de decisáo, apresentando alternativas viáveis para o desenvolvimen-
to dos poyos indígenas que partam deles próprios, gerando suas próprias
capacidades para autogerir seu processo de desenvolvimento. Isso apresenta
a necessidade de urna revisáo da Constituigáo, de maneira que náo apenas se
reconhega a existéncia das diferentes etnias, mas também as autonomías dos
poyos indígenas. Nesse processo, urna série de organizagóes autónomas dos
poyos indígenas, estáo surgindo, como a Nagáo Purépecha, o Movimento
Nacional por Regióes Autónomas Pluriétnicas, o Conselho 500 Anos de
Guerrero e numerosos movimentos agrários e comunitários, corno os de
Chiapas e Oaxaca, que incluem organizagóes de produtores, que expressam
a vontade de desenvolver-se a partir de suas próprias identidades étnicas.
Tais movimentos sociais estáo recuperando, através de seus usos, costumes e
práticas tradicionais, seu património de recursos naturais e culturais, e

489
ENRIQUE LEFF

encontrando no ambientalismo as bases para um desenvolvimento produti- luta pc


vo autónomo e sustentável. ecolog
O caso mais significativo e inédito sobre a eficácia das lutas indígenas margir
talvez tenha sido a reforma da Constituicáo da Colómbia de 1991, na qual rural d
o Estado reconhece o direito á propriedade coletiva das terras ocupadas de deci
pelas comunidades negras do litoral do Pacífico — um dos territórios de implica
maior riqueza em biodiversidade do mundo — e a suas identidades cultu- racion,
rais. Embora o projeto de constituir Estados pluriétnicos na América Latina vezes f
no seja exclusivo da Colómbia (o renascimento dos poyos índios vem pug- sóes di
nando por isso em países como Bolívia, Equador ou México), a confluéncia mais vi
desse processo com a participacáo das comunidades negras no Projeto condic
Biopacífico para a conservacáo da biodiversidade densa zona estimulou o ducáo ~

surgimento de um movimento inédito pela identidade e pelo território. Isso sos pro
levou á construcáo dos novos direitos das comunidades negras, que ficaram patrim
expressos na Lei 70 de 1993, ano em que se conforma o Processo de jo de sc
Comunidades Negras. 15 localiza
A luta dos poyos latino-americanos pela autonomia, e a ambientalizacáo sistema
de suas lutas, está mobilizando mudancas na ordem constitucional e jurídica transce
em torno dos novos direitos culturais: de autonomia, de identidade e pelo estabeb
território. Os movimentos indígenas esto ultrapassando os espacos ganhos gias do
com anterioridade pelos direitos humanos e sancionados pela lei vigente. do cana
No cadinho dos processos de legitimacáo dos direitos dos poyos, através de de um
suas lutas de resisténcia, suas estratégias de poder e suas formas de organiza- Os
cáo políticas em defesa de seu património de recursos naturais e culturais, poderia
estáo se forjando os novos atores do ambientalismo no meio rural, lavrando seco oL
o terreno e cimentando as bases de uma nova ordem social e produtiva. 16 surge d.
utopias
e de sus
co) para
A AMBIENTALIZAÇÁO DAS LUTAS CAMPONESAS, Os
AS P0PULA4ÓES INDÍGENAS E AFRO-DESCENDENTES terra á c
ambienl
As novas lutas sociais no campo — que podemos definir como ambientalis- car apee
tas no sentido de que articu1am demandas tradicionais com um processo cáo, istc
emergente de legitimacáo de seus direitos á autogestáo de seus recursos pro- agora d
dutivos e a transformacáo do sistema político e económico dominantes (a uma lut,

490
RACIONALIDADE AMBIENTAL

luta pela transigáo para urna democracia na produldo) — estáo afastadas do


ecologismo meramente conservacionista e dos projetos individuais de auto-
marginalizagáo da ordem social dominante. Os novos movimentos do meio
rural desafiara a hegemonia do poder político e económico, dos processos
de decisáo e governabilidade; sáo lutas pela produgáo e pela democracia que
implicam a participagáo direta das populagóes na construgáo de urna nova
racionalidade social e um novo paradigma de produldo. Embora muitas
vezes fique difícil discernir essas demandas de maneira explícita nas expres-
sóes discursivas e nas agóes políticas das lutas indígenas e camponesas —
mais voltadas para a construgáo de um sistema político democrático como
condigáo para a reaproprialáo de seus meios ecológicos e culturais de pro-
dugáo e o desenvolvimento de novas práticas autogestionárias de seus recur-
sos produtivos —, os novos atores sociais do campo estáo revalorizando seu
património natural e cultural, incluindo suas práticas tradicionais de mane-
jo de seus recursos naturais. As estratégias desses novos movimentos náo se
localizam nos esquemas tradicionais por urna mudanga revolucionária do
sistema político e a transformagáo do modo de produgáo; suas demandas
transcendem as reivindicagóes de classe (no sentido marxista tradicional),
estabelecendo novas solidariedades, aliangas e efeitos simbólicos (as estraté-
gias do EZLN e de diversos agrupamentos indígenas e camponeses), e abrin-
do canais para a construgáo de urna nova racionalidade produtiva, através
de um projeto de democracia direta.
Os efeitos transformadores desses movimentos sociais no meio rural náo
poderiam estar dados de antemáo em fungáo do potencial renovador intrín-
seco ou pela incapacidade do sistema para dissolver o confito social que
surge da marginalizagáo, opressáo e injustiga que gera. A realizagáo de suas
utopias dependerá do grau de consciéncia dos próprios movimentos sociais
e de suas estratégias de poder (nas esferas do económico, político e simbóli-
co) para subverter e transformar a ordem social estabelecida.
Os movimentos sociais no campo estáo passando da fase de luta pela
terra á de luta pela apropriagáo do processo produtivo. Se de algum modo o
ambientalismo se diferencia do marxismo ortodoxo, é pelo fato de náo bus-
car apenas urna mudanga das formas de propriedade dos meios de produ-
gáo, isto é, a apropriagáo por parte dos camponeses do processo produtivo
agora dominado por empresas e interesses alheios e externos. Trata-se de
urna luta pela reconstrugáo do processo produtivo, na qual se mesclam a luta

491
ENRIQUE LEFF

pelo território, pelas tradigóes e identidades culturais, pelos saberes produ- o


tivos, com os princípios de novas ciéncias e técnicas — a agroecologia, a alterna
economia ecológica, a biotecnologia — para construir um novo paradigma indíger
de produtividade que articula os processos ecológicos, tecnológicos e cultu- de pro
rais, internalizando seus saberes nas práticas produtivas das comunidades. A mento
construgáo desses novos modos sustentáveis de produgáo implica um amál- na reos
gama de conhecimentos científicos, de saberes culturais e de práticas produ- mento
tivas; urna reapropriagáo do saber e urna nova consciéncia sobre a natureza princíp
e a cultura inseridas no processo produtivo; urna nova visáo do mundo e um proces1
fortalecimento das capacidades de autogestáo da vida social e produtiva de des e ui
cada comunidade. pies agl
Esses processos de ressignificagáo do mundo diante do desenvolvimen- cesso c
to sustentável está levando os movimentos indígenas e camponeses a formu- desenvo
lar novas estratégias produtivas. No entanto, a contraposigáo de visóes e Ac
interesses no que se refere á apropriagáo da natureza se manifesta na contro- exprop
vérsia em torno das políticas que afetam as condigóes de transformagáo da natural;
produgáo rural. Estas se manifestam nos debates acerca das reformas do princíp
campo, que continuam sendo guiadas por critérios de produtividade e ren- dor, pa
tabilidade, de descentralizagáo económica e política, sem considerar as con- volvim(
digóes ecológicas e os interesses das próprias comunidades rurais para atin- tico ve,
gir urna produtividade sustentável através de suas próprias capacidades de desenv(
autogestáo, de sua autonomía cultural e de suas identidades étnicas. cidadás
A vontade produtivista, confiando na habilidade empresarial e política naturail
em prol do campo e do impulso á produgáo derivado das forgas do merca- Ne!
do, poderia levar a acentuar a destruigáo do meio rural e os riscos ecológi- regióes
cos, ao impor tecnologias intensivas em insumos industriais e ritmos de privatiz
exploragáo dos recursos inadequados para seu uso sustentável. Dessa manei- Amazór
ra, a revolugáo verde destruiu a complexidade ecossistémica, induzindo a restas (,
contaminagáo e a salinizagáo dos solos, ocasionando urna perda de fertilida- descend
de das terras e urna rentabilidade decrescente dos investimentos; ao mesmo reservas
tempo, afetou a saúde dos produtores rurais pelo abuso de praguicidas, Terceirc
assim como o deslocamento e a desnutrigáo da populagáo rural, provocan- florestai
do um incremento da pobreza dos habitantes do campo. Hoje, a invasáo de condigé
urna agricultura transgénica, marcada pela concentragáo de terras e lucros, recursos
está gerando novas formas de iniqüidade no campo e novos riscos ecológi- vimentc
cos (Pengue, 2000). meio ru

492
RACIONALIDADE AMBIENTAL

O fechamento da razáo económica dominante a urna via produtiva


alternativa vem tentando desqualificar as exigéncias de muitas organizagóes
indígenas e camponesas, que tém se organizado para reconstruir seus modos
de produgáo, incorporando os potenciais ecológicos para um desenvolvi-
mento sustentável. Essa estratégia implica a gestáo direta das comunidades
na reorganizagáo de suas práticas produtivas, a recuperagáo e o aprimora-
mento de suas práticas tradicionais e de seus valores culturais a partir de
princípios de autonomia e de identidade cultural. Por sua vez, promove um
processo de reapropriagáo do processo produtivo por parte das comunida-
des e urna luta de resisténcia para evitar sua proletarizagáo ou redugáo a sim-
ples agentes passivos das novas associagóes produtivas, guiadas por um pro-
cesso de racionalizagáo económico-ecológica dentro da geopolítica de
desenvolvimento sustentável.
A destruigáo ecológica do planeta, a degradagáo socioambiental e a
expropriagáo das populagóes autóctones de seu património de recursos
naturais e culturais apresentaram a inadiável necessidade de transformar os
princípios da racionalidade económica, de seu caráter desigual e depreda-
dor, para construir urna racionalidade produtiva capaz de gerar um desen-
volvimento eqüitativo, sustentável e duradouro. Esse debate teórico e polí-
tico vem gerando um amplo movimento social, no qual os princípios de
desenvolvimento váo se enraizando em lutas populares, em organizagóes
cidadás e nas comunidades rurais para a autogestáo de suas terras e recursos
naturais.
Nesse contexto, tém surgido vigorosas organizagóes em diferentes
regióes do mundo, entre as quais se destacam o movimento chipko contra a
privatizaláo das florestas do Himalaia (Guha, 1989), e dos seringueiros da
Amazónia para desenvolver reservas extrativistas dos recursos de suas flo-
restas (Allegretti, 1987; Porto-Gongalves, 2001) e das comunidades afro-
descendentes do Pacífico colombiano pela apropriagáo e autogestáo de suas
reservas de biodiversidade (Escobar, 1999). Várias comunidades rurais do
Terceiro Mundo vém se somando a esse processo, tanto por suas riquezas
florestais e a biodiversidade de suas selvas como porque sua sobrevivéncia e
condigóes de vida dependem do manejo sustentável e da autogestáo dos
recursos agroflorestais. Os movimentos sociais associados com o desenvol-
vimento de novos paradigmas agroecológicos e ás práticas produtivas do
meio rural sáo urna parte importante de um movimento mais amplo e com-

493
ENRIQUE LEFF

plexo, orientado para a transformagáo do Estado e da ordem económica dial; i


dominante. O movimento a favor do desenvolvimento sustentável se inscre- dade
ve assim nas lutas sociais pela democracia direta e participativa e a autono- poder
mia dos poyos índios, abrindo perspectivas a urna nova ordem económica, mia a(
política e cultural mundial. náo as
O movimento pela conservagáo produtiva das matas e florestas passou a princí]
ocupar um papel importante na resolugáo de problemas ambientais globais, civil,
como o aquecimento da atmosfera, devido tanto ás taxas de desmatamento negras
como aos efeitos da crescente concentragáo urbana, ao incremento da pro- no no
dugáo industrial e ao uso exponencial de energéticos de origem fóssil. te vita
Apresenta-se, assim, a necessidade de se preservar as fungóes ecológicas das partici
florestas que contribuem para manter os equilíbrios hidrológicos e climáticos futuro
da terra, e de melhorar o potencial de produgáo florestal dos trópicos, com dutiva
base em suas particulares condigóes de produtividade natural e regeneragáo, Assim,
através de práticas de conservagáo e manejo sustentável dos recursos que per- ecológ
mitam preservar sua biodiversidade, ao mesmo tempo que se valorizam eco- de pod
nomicamente os servigos ambientais que oferecem ao equilíbrio ecológico do neo, d1
planeta dentro da nova política do desenvolvimento sustentável.' 7 para a
No entanto, o atual processo de transformagáo produtiva do campo — geneid.
guiado pelos imperativos do mecanismo do desenvolvimento limpo e pela tambér
implantagáo de produtos transgénicos — náo só apresenta urna interrogagáo Os
sobre a possibilidade de gerar empregos para a populagáo rural que será gar) as
expulsa de urna agricultura modernizada — e agora ecologizada — até as mento
cidades que já sofrem altos índices de congestionamento e contaminagáo dade e(
ambiental. O efeito de exproprialáo e emigragáo do campo — a reapropria- turais á
gáo do capitalismo verde e transgénico de terras comunitárias e de pequenos natural
proprietários forgados a vender suas parcelas como forma desesperada de que fix
sua sobrevivéncia — está gerando um éxodo rural e urna crescente pressáo novas f
sobre terras marginais e ecossistemas frágeis, empobrecendo ainda mais a nomias
populagáo rural e acentuando a perda de fertilidade dos solos. Nessa pers- servanc
pectiva, apresenta-se o desafio de frear a perda de matas e solos, ao mesmo mas. O.
tempo que se desenvolvem novas opgóes que permitam aproveitar o poten- sentam
cial produtivo dos ecossistemas nas comunidades rurais dos trópicos. produti
A transigáo para a sustentabilidade apresenta a necessidade de se articu- ral dos
lar os espagos de economias autogeridas e endógenas, fundadas na apropria- An
gáo comunitária dos recursos, com as forgas onipresentes do mercado mun- nalidad

494
RACIONALICADE AMBIENTAL

dial; incorporar as bases naturais e culturais de sustentabilidade á racionali-


dade da produgáo; equilibrar a eficácia produtiva com a distribuigáo do
poder, de maneira que sejam os próprios sujeitos sociais dessa nova econo-
mia aqueles que decidam e controlem os processos políticos e produtivos, e
náo as leis cegas e os interesses corporativos do mercado. Emergem assim os
princípios de uma gestáo ambiental participativa, a exigéncia da sociedade
civil, das populagóes indígenas, dos poyos da floresta, das comunidades
negras que demandam um acesso e apropriagáo de seus recursos, do entor-
no no qual historicamente configuraram suas civilizagóes, dando-lhes supor-
te vital e cultural. Estas se fundem, agora, em uma demanda por democracia
participativa e direta, que implica seu direito a formular e realizar outros
futuros possíveis, a inovar técnicas e a apropriar-se delas como forgas pro-
dutivas, a democratizar os processos de produgáo de seus meios de vida.
Assim, o movimento ambiental abre novas vias para reverter a degradagáo
ecológica, a concentragáo industrial, a congestáo urbana e a concentragáo
de poder; para romper com a alienagáo de um modelo unipolar e homogé-
neo, depredador e desigual; para dar continuidade á evolugáo da natureza
para a diversidade biológica e a aventura da humanidade pela via da hetero-
geneidade cultural; para atingir formas mais produtivas e igualitárias, mas
também melhores formas de convivéncia social e de relagáo com a natureza.
Os imperativos da sustentabilidade náo devem limitar-se a ajustar (for-
gar) as condigóes ecológicas, culturais e sociais que determinara o aproveita-
mento eqüitativo e sustentável dos recursos aos princípios de uma racionali-
dade económica que reduz o valor do património de recursos naturais e cul-
turais aqueles elementos que podem ser recodificados em termos de capital
natural e humano, isto é, do valor da forga de trabalho e das matérias-primas
que fixam os mecanismos do mercado. O verdadeiro desafio é desenvolver
novas formas de articulagáo de uma economia global sustentável com eco-
nomias locais, melhorando o potencial ambiental de cada localidade e pre-
servando a base de recursos naturais e a diversidade biológica dos ecossiste-
mas. Os princípios da produtividade ecotecnológica e da agroecologia apre-
sentam a possibilidade de construir uma economia mais equilibrada, justa e
produtiva, fundada na diversidade biológica da natureza e na riqueza cultu-
ral dos poyos.
A nova ordem económica aspira a dar bases de sustentabilidade á racio-
nalidade do mercado. No entanto, a sustentabilidade global depende dos

495
ENRIQUE LEFF

processos ecológicos, cuja conservagáo e potencializagáo se estabelece nos ecossi


processos produtivos primários — nas economías de subsisténcia que náo princí,
estiveram regidas tradicionalmente pelos principios de acumulagáo e produ- múltir
gáo para o mercado —, que afetam diretamente a fertilidade dos solos, a como
produtividade dos bosques e a preservagáo da biodiversidade. Nesse senti- a intel
do, urna economia sustentável deve fundar-se nos princípios e saberes da mais a
agroecologia e no manejo florestal comunitário sustentável, de que depen- trópico
dem as condigóes de vida da maioria da populagáo do Terceiro Mundo. oporn
Os métodos da agroecologia tém mostrado o potencial de suas estraté- de se
gias para desenvolver urna agricultura sustentável e altamente produtiva, das pe
baseada na capacidade de fotossíntese dos recursos vegetais, no manejo dos escalas
processos ecológicos, nos cultivos múltiplos e sua associagáo com espécies que pe
silvestres, no "metabolismo" entre processos de produgáo primária e de Os
transformagáo tecnológica e na reciclagem ecológica de residuos industriais. do de
Os potenciais ecológicos que dáo suporte ás estratégias agroecológicas das mais ec
comunidades rurais geraram vastas e variadas experiéncias que comegam a reza e r
ser sistematizadas, oferecendo principios, métodos e técnicas capazes de ser Abrem•
generalizados e aplicados a diferentes contextos geográficos e culturais extratii
(Agruco/Pratec, 1990); Altieri, 1987; Altieri e Nichols, 2000; Angoc, 1991; gicas pz
Clades, 1991; Gliessman, 1989; Rist e San Martín, 1991; Krishnamurthy e tiva de
Ávila, 1999; Krishnamurthy e Uribe, 2002; Sevilla e González de Molina, atuais n
1992). A importáncia do desenvolvimento e da aplicagáo dos métodos da o merc
agroecologia ao manejo produtivo e sustentável dos recursos florestais e recurso
agrícolas reside na oferta potencial de recursos que pode gerar para a melho- cional a
ra das condigóes de subsisténcia dos milhóes de camponeses e indígenas que uso mú
se encontram em estado de desnutrigáo e pobreza extrema, devido, em gran- No
de parte, á implantagáo de modelos produtivos que náo consideraram as direitol
condigóes ecológicas, sociais e culturais próprias dessas comunidades rurais. mesmo
Nesse sentido, os princípios da agroecologia oferecem a possibilidade de financei
impulsionar práticas produtivas sobre bases ecológicas e democráticas. anos 1
A complexidade e fragilidade dos ecossistemas tropicais que definem a Terceirc
vocagáo dos solos, assim como a heterogeneidade cultural da organizan áo suas del
social dos países tropicais, exigem a formulagáo de novas estratégias para o seus rec
manejo dos recursos florestais, mais do que a competid áo nos moldes de tais, quo
uma produgáo homogénea, estabelecida pelas condigóes do mercado mun- empresa
dial. A oferta natural de recursos, procedente da diversidade biológica dos seu patr

496
RACIONALIDADE AMBIENTAL

ecossistemas tropicais, oferece condigóes vantajosas para a aplicagáo dos


princípios agroflorestais em projetos de autogestáo produtiva e de manejo
múltiplo e integrado dos recursos agrícolas, florestais e pecuários, assim
como na transformagáo agroindustrial in situ de seus recursos, fomentando
a integragáo regional de agroindústrias e mercados. Essa estratégia resulta
mais adequada ás condigóes ecológicas e sociais da produgáo sustentável no
trópico do que á homogeneizagáo forgada dos recursos, orientada para as
oportunidades conjunturais do mercado mundial. Isso implica a necessidade
de se desenvolver tecnologias eficientes e adequadas para serem administra-
das pelas próprias comunidades, para transformar os recursos naturais em
escalas que correspondam aos ritmos de oferta ecologicamente sustentável e
que permitam o aproveitamento de espécies de uso náo convencional.
Os princípios da agroecologia e da agrofloresta para o manejo integra-
do de recursos apresentam a possibilidade de se produzir urna economia
mais equilibrada, justa e produtiva, fundada na diversidade biológica da natu-
reza e na riqueza cultural dos poyos da América Latina e do Terceiro Mundo.
Abrem-se aqui diversas possibilidades, que váo desde o manejo de reservas
extrativistas e da mata natural até o desenvolvimento de práticas agroecoló-
gicas para o aproveitamento múltiplo da floresta tropical, á regeneragáo sele-
tiva de seus recursos naturais e ao manejo de cultivos diversificados. Pesquisas
atuais mostram o potencial de desenvolvimento para consumo próprio e para
o mercado mundial que o manejo produtiv o dos diversos e exuberantes
recursos da floresta tropical oferece, passando da agricultura itinerante tradi-
cional ao estabelecimento de parcelas fixas altamente produtivas baseadas no
uso múltiplo e integrado de seus recursos (Boege, 1992).
No entanto, para gerar esse novo potencial é necessário legitimar os
direitos das comunidades e fortalecé-las politicamente, dotando-as, ao
mesmo tempo, de uma maior capacidade técnica, científica, administrativa e
financeira, para a autogestáo de seus recursos produtivos. Desde o final dos
anos 1960 uma vertente do movimento ambiental em vários países do
Terceiro Mundo vem se enraizando nas comunidades rurais, incorporando a
suas demandas tradicionais pela terra a defesa das matas e autogestáo de
seus recursos naturais. Isso se reflete na organizagáo dos produtores flores-
tais, que lutam para transformar o regime de exploragáo de recursos das
empresas concessionárias, e contar com um novo modelo de apropriagáo de
seu património de recursos, de autogestáo da produgáo e comercializagáo,

497
ENRIQUE LEFF

assegur:
adquirindo ao mesmo tempo o controle dos servigos técnicos florestais e
para me
gerando um processo de inovagóes técnicas a partir das práticas tradicionais
As j
de uso dos recursos. As propostas para o aproveitamento sustentável das
vessada;
matas e dos recursos naturais estáo se arraigando em novas formas de orga-
volvime
nizagáo das comunidades para a defesa e o controle coletivo de seus recur-
preserve
sos, assim como para o desenvolvimento de estratégias produtivas alternati-
dos país
vas (Aguilar, Gutiérrez e Madrid, 1991). 18 Surgem, assim, novas práticas
intelecti
produtivas dentro de um desenvolvimento alternativo fundado no potencial
Por sua
produtivo dos ecossistemas do trópico, assim como na diversidade cultural
sos aos
e nas capacidades organizativas das comunidades rurais.
estratégi
A possibilidade de converter os recursos agrícolas e florestais em base do
a base d
desenvolvimento e bem-estar das comunidades rurais aparece, também,
góes bio
como meio para a efetiva protegáo da natureza, da biodiversidade e do equi-
Diat
líbrio ecológico do planeta. A consolidagáo desses processos dependerá do
so de reí
fortalecimento da capacidade organizativa das próprias comunidades para
produth
desenvolver alternativas produtivas que lhes permitam melhorar suas condi-
e as capa
góes de vida e aproveitar seus recursos de maneira sustentável. Dessa forma,
volvimei
os moradores das matas, das florestas tropicais e das áreas rurais do Terceiro
das flore
Mundo poderáo aliviar sua pobreza e conservar seu património de recursos
ecologic
como um potencial económico para satisfazer suas necessidades atuais e as
ser apen
das geragóes vindouras.
para apt
A criagáo desse potencial de desenvolvimento dependerá da produgáo
assim, ir
de tecnologias apropriadas para o manejo produtivo da biodiversidade dos
prática c
ecossistemas e para o aproveitamento múltiplo de seus recursos, revertendo
prios pr<
as tendéncias a transformá-los em plantagóes e cultivos especializados de
controle
alto rendimento no curto prazo. Abrem-se, assim, perspectivas promissoras
suas prál
para um desenvolvimento agroflorestal, gerando meios de produgáo apri-
Os n
morados, assimiláveis ás práticas produtivas das comunidades rurais. No
do conhi
entanto, o controle das empresas de biotecnologia sobre as cada vez mais
do mune
sofisticadas técnicas de engenharia genética deixa em desvantagem as popu-
mesmo t
lagóes indígenas e camponesas diante dos consórcios internacionais, que
tos das r
contam com os meios científicos e económicos para apropriar-se do material
ra, as pr
genético dos recursos que foram e sáo património histórico dos povoadores
autogest.
das regióes tropicais. Isso apresenta a necessidade de se desenvolver estraté-
agrícola
gias que náo apenas permitam ás comunidades rurais legitimar seus direitos
racionali
sobre seu património de recursos e a propriedade da terra, como também

498
RACIONALIDADE AMBIENTAL

assegurar a transferéncia e a apropriagáo de novos recursos tecnológicos


para melhorar suas condigóes de autogestáo produtiva.
As perspectivas para o uso sustentável dos recursos se encontram atra-
vessadas por poderes desiguais que definem projetos alternativos de desen-
volvimento. Assim, os países do Norte tém manifestado seu interesse em
preservar a biodiversidade do planeta e em explorar os recursos florestais
dos países "subdesenvolvidos", amparando-se nos direitos de propriedade
intelectual e nas patentes sobre melhorias genéticas dos recursos vegetais.
Por sua vez, os poyos do Sul resistem em ceder o controle sobre seus recur-
sos aos mecanismos do mercado mundial e ás cada vez mais sofisticadas
estratégias de dominagáo que os países do Norte estáo desenvolvendo sobre
a base do controle do conhecimento científico, da propriedade das inova-
góes biotecnológicas e de seu poder financeiro.
Diante dessa confrontagáo de visóes, interesses e estratégias no proces-
so de reapropriagáo da natureza, os princípios de racionalidade ambiental e
produtividade ecotecnológica se vinculam á necessidade de reforgar o poder
e as capacidades dos poyos do Terceiro Mundo, para empreender um desen-
volvimento endógeno, fundado no aproveitamento das terras, das matas e
das florestas tropicais, sob os princípios da autogestáo comunitária e do uso
ecologicamente sustentável dos recursos naturais. Tal estratégia deixou de
ser apenas uma proposta de académicos, intelectuais e grupos ambientalistas
para apresentar-se como urna demanda das comunidades rurais. Surgem,
assim, inúmeras experiéncias e todo um movimento para a colocagáo em
prática dos princípios do ecodesenvolvimento e da agroecologia pelos pró-
prios produtores do campo e das florestas, que lutam por reapropriar-se do
controle coletivo de seus recursos naturais e culturais e da reorganizagáo de
suas práticas produtivas.
Os métodos da agroecologia na produgáo agrícola e forestal se nutrem
do conhecimento milenar acumulado pelas comunidades indígenas e rurais
do mundo inteiro, e, em particular, das regióes tropicais do planeta; ao
mesmo tempo, conduzem para uma "verificagáo científica" dos fundamen-
tos das práticas culturais de manejo sustentável dos recursos. Dessa manei-
ra, as próprias comunidades rurais incorporaram em suas exigéncias de
autogestáo um princípio de preservagáo contra a "cientificizagáo" do saber
agrícola inscrito nos sistemas de conhecimentos tradicionais e enraizado na
racionalidade cultural e na identidade étnica das próprias comunidades, que

499
ENRIQUE LEFF

possa impor-se desde a legitimidade das instituigóes académicas ás práticas MOVIM


dos produtores rurais. 19
Quando se coloca em prática essas estratégias de gestáo participativa, Os noN
investe-se na realizagáo de um desenvolvimento alternativo, no qual vai se tradici(
forjando urna nova consciéncia social e um conhecimento coletivo sobre o luta pe
potencial que encerra o manejo ecológico dos recursos naturais e da energia tempo,
social que surge a partir dos processos sociais de autogestáo produtiva. Estes náo sá(
váo rompendo um longo processo de exploragáo dos recursos e das comu- sentido
nidades rurais como fonte de acumulagáo de capital, centralizagáo política e tem na
concentragáo urbana, nos quais as economias de escala e de aglomeragáo já sustenti
se converteram, ultrapassando umbrais críticos de equilíbrio ecológico e tros" e
toleráncia social que se refletem no incremento da pobreza crítica e na movim(
degradagáo ambiental. cizado.
A partir dessa constatagáo, está surgindo urna demanda das comunida- náo cor
des pelo reconhecimento de seus direitos de uso, usufruto e manejo de seus cera sua
recursos florestais. Surge, assim, urna nova consciéncia e um novo espírito to pela
de organizagáo coletiva, que mobilizam um desenvolvimento alternativo ao Os
modelo homogeneizador do projeto neoliberal, alheio á diversidade cultural movimc
e ao potencial produtivo dos ecossistemas do trópico. Tal movimento tem manejo
levado ao aumento do número de organizagóes culturais e camponesas, mais de
assim como de projetos de pesquisa, desenvolvimento e extensáo, orienta- configul
dos pelos princípios da agroecologia e da agrofloresta comunitária, gerando náo sáo
urna colaboragáo em forma de redes para o intercámbio de experiéncias e process(
conhecimentos, assim como para fortalecer o consenso social a favor dos cio de e
novos projetos produtivos na agricultura, procurando incidir nas políticas extrativi
de produgáo rural e gerar estilos de desenvolvimento sustentáveis. pela rea
Dessa maneira, um movimento social cada vez mais amplo investe na criagáo (
criagáo de uma racionalidade produtiva alternativa, fundada em condigóes seringue
ecologicamente sustentáveis de produgáo, assim como em critérios de eqüi- urna agá
dade social e de diversidade cultural capazes de reverter os processos de ecológic
degradagáo ambiental e gerar benefícios diretos para as comunidades res- nova gec
ponsáveis pela autogestáo de seus recursos ambientais. Sáo os moradores nificandi
que habitam as matas, as florestas tropicais e as áreas rurais, onde se forjam geografa
suas solidariedades coletivas e se configurara seus projetos de vida, aqueles co no qt
que podem assumir o compromisso de manter a base de recursos como lega- mundo,
do de um património histórico e cultural para as geragóes vindouras. crevem

500
RACIONALIDADE AMBIENTAL

MOVIMENTOS DE REAPROPRIA40 DO MUNDO E DE RE-EXISTENCIA

Os novos movimentos sociais náo somente investem na defesa de direitos


tradicionais, em oposigáo a um regime de excluso e marginalizagáo, numa
luta pela sobrevivéncia. Esses movimentos de reapropriagáo sao, ao mesmo
tempo, movimentos de resisténcia e de re-existéncia. 20 O que reivindicam
náo sáo apenas direitos á natureza, mas um direito do ser cultural. Nesse
sentido, através de lutas tradicionais pelo território, tais movimentos inves-
tem na apropriagáo de um discurso e de urna política do desenvolvimento
sustentável, e, para isso, reinventam suas identidades em relagáo aos "ou-
tros" e á natureza. Náo apenas revivem no panorama político como novos
movimentos que reivindicam espagos em um mundo objetivado e economi-
cizado. Re-existem. Voltam a assumir sua vontade de poder ser como sáo;
náo como tém sido, mas como querem ser. Despertam seus sonhos, renas-
cem suas utopias, para reinventar sua existéncia, para passar do ressentirnen-
to pela opressáo ao re-sentimento de suas vidas.
Os seringueiros da floresta amazónica do Brasil tém sido os atores de um
movimento pela reafirmagáo de suas identidades e de urna estratégia de
manejo sustentável da natureza com a qual tém convivido e coevoluído por
mais de um século, transformando-a através de práticas nas quais hoje se
configura um novo projeto produtivo, cultural e político. Os seringueiros
náo sáo a atualizagáo de urna identidade originária; foram formados em um
processo social a partir das suas lutas sindicais corno trabalhadores no negó-
cio de exportagáo de látex no século XIX até a invengáo de suas reservas
extrativistas no estado do Acre, no Brasil. Sáo protagonistas de urna luta
pela reapropriagáo de sua natureza, pela afirmagáo de sua cultura e pela
criagáo de um projeto próprio de sustentabilidade. A geografia tragada pelo
seringueiro é o resultado de um movimento no pensamento que acompanha
urna agáo social que reconfigura identidades coletivas, reorganiza o espato
ecológico e constrói novos territórios teóricos, políticos e culturais. Esta
nova geografia é produto de um movimento social no qual o homem vai sig-
nificando seu hábitat e atribuindo a suas práticas o nome de sua cultura: vai
geografando a terra ao fazer o caminho do seringal, em um processo históri-
co no qual se torna seringueiro. A cultura, através de seus saberes sobre o
mundo, imprime seu selo na terra, na mata, na floresta; sáo saberes que des-
crevem e se inscrevem em um território através de práticas produtivas e

501
ENRIQUE LEFF

lutas sociais; sáo práticas mediante as quais se apropriam de sua natureza, tura
dando-lhe nome próprio. Sáo processos de reterritorializagáo — no sentido tizac
que Guattari dá ao termo — nos quais o homem se arraiga em um território :O:dmsae
e irriga seu destino: habitus que constrói um hábitat, ser cultural que se con-
forma e dá forma ao meio (Porto-Gongalves, 2004).
Os seringueiros estáo criando um novo território epistemológico em 2
que as relagóes sociedade-natureza estáo se reconstituindo. Náo se trata ape- e pel
nas de urna nova topologia social, mas de um processo de ressignificagáo e rente
transgressáo dos territórios do conhecimento para repensar o tempo e o salid
espato; é uma nova escritura na pele da terra que funda um novo lugar para devit
nomear o ser. Estes territórios se configuram na confrontagáo de interesses proje
entre o mercado mundial e a cultura local; neste campo de luta pela reapro- sidad
priagáo de um lugar onde habitar, os seringueiros deixaram marcas de sua sencli
cultura na terra e suas pegadas na história, construindo seu modo de vida em Proce
um território conformado pela cultura; de urna cultura que coevolui com a afirm
natureza, definindo urna identidade em confronto com "os de fora". O ter- natur
ritório seringueiro é o espato criado na disputa por um recurso ao qual a cul-
tura imprime o nome de urna natureza na qual se reconhece. Os seringuei- 1
ros chamaram de seringueira a esta árvore-máe, cujo leite é a seringa, alimen- n
to de um poyo do qual ele toma seu próprio nome.
O homem nomeia a árvore; a árvore se torna corpo. O território serin- 2.
gueiro é a terra extasiada pelo calor do sol e pela carícia da máo do homem: o
erotizagáo de seu mundo de vida, construgáo social de um espato habitado.
Sol e carne é a seringa, produto da fotossíntese e da cultura; cultura que con- nc
serva e cultiva a árvore como sustento de vida, extraindo sua seiva leitosa, e
fazendo-se cultura seringueira. A seringa nasce do encontro da terra cristali- 16
zada com a vida; do cortejo da vida com a rocha endurecida. É a carícia do-
rofílica do sol na casca da árvore; é o amor cortesáo da árvore com a terra e fi)
com o homem. O homem adorou a árvore; a árvore deitou raízes na terra e
absorveu do oásis subterráneo a seiva de sua cultura. O território desta geo- di
grafía é a vida feita corpo e símbolo, saberes e sabores, práticas e costumes.
A cultura dá nome, significado e sentido á natureza; escreve um território, vi,
imprime suas marcas na terra. É a terra lavrada, a árvore lavrada, da alvora- 11
da ao poente, sol radiante que vai engrossando seus troncos e estendendo
seus galhos para abrasar o homem. Da seringueira acariciada e seduzida pelo H
homem flui a vida de urna cultura. O seringueiro enlata a natureza e a cul- de seu

502
RACIONALIDADE AMBIENTAL

tura para extrair o leite da seringa, sentido e sustento de um poyo. Terra ero-
tizada pela máo do homem, fertilizada com técnicas, com símbolos e signos.
O seringueiro vai se forjando nessa referéncia inesgotável com seu meio,
com esse mundo externo e estranho que é a natureza. Natureza desnaturali-
zada. Natureza cultivada, culturizada.
A partir dessa política cultural pela identidade, o clamor pela eqüidade
e pela sustentabilidade é urna luta pela diversidade, pelo direito de ser dife-
rente. O direito á singularidade e á autonomia diante da pressáo da univer-
salidade imposta pela globalizagáo dominadora. Esta política do ser e do
1 devir está emergindo na reconstituigáo das identidades e na inovagáo de
projetos culturais na transigáo para uma sustentabilidade fundada na diver-
sidade, na eqüidade e na justita. Urna nova racionalidade ambiental está
sendo forjada nos movimentos emergentes dos poyos indígenas, como no
Processo das Comunidades Negras do Pacífico Sul colombiano, as quais tém
afirmado novos princípios e direitos de organizagáo política a partir da
natureza e a cultura. Dessa maneira, estáo reivindicando:

1. A reafirmagáo de ser (de serem negros) [...] a partir do ponto de vista de


nossa lógica cultural, de nossa maneira particular de ver o mundo, de nossa
visáo da vida em todas as suas expressóes sociais, económicas e políticas [...]
2. Direito ao território (um espato para ser) [...] e para viver de acordo com
o que pensamos e queremos como forma de vida [...] do hábitat onde o
homem negro desenvolve seu ser em harmonia com a natureza. 3. Auto-
nomia (direitos ao exercício do ser) [...] em relagáo á sociedade dominante
e diante de outros grupos étnicos e partidos políticos, partindo de nossa
lógica cultural, daquilo que somos como poyo negro [...] 4. Criagáo de urna
perspectiva própria de futuro [...] partindo de nossa visáo cultura, de nossas
formas tradicionais de produgáo [...] e de organizagáo social [...] 5. Somos
parte da luta que desenvolve o poyo negro no mundo pela conquista de seus
direitos. A partir de suas particularidades, o movimento social de comuni-
dades negras aportará á luta conjunta [...] pela criagáo de um projeto de
vida alternativo (Escobar, Grueso e Rosero, 1998, cit. em Escobar, 1999:
180 - 1).

Hernán Cortés, líder também do movimento do PCN, expressa a partir


de seu próprio ser e com suas próprias palavras o pensamento e o imaginá-

503
ENRIQUE LEFF

rio que insuflam a reinvengáo de sua identidade, onde se entretecem a iden- poder
tidade no tempo no qual nascem e a confrontagáo dos tempos nos quais se integra
debate sua existéncia e se abre seu futuro possível. Sua palavra está envolvi- A
da com as correntes da interculturalidade, na miscigenagáo e na hibridagáo campc
do ser cultural e na biodiversidade: se enc
tes loc
A relagáo entre poyos afro-descendentes e a natureza está determinada por estrat¿
alguns mandatos ancestrais, que recolhem uns critérios conservados de nos- emanc
sos ancestrais africanos, outros apropriados das culturas indígenas, e crité- que he
rios que foram definidos no processo de reconstrugáo social e cultural nos mecida
territórios onde se havia conquistado a liberdade [...] Os mortos nunca se cia nos
váo, ficam nas árvores, nos arroios, nos ríos, no fogo, na chuva, na margem gas. A
[...] O mandato ancestral: todos somos urna grande familia, nos designa um expres
grande respeito em relagáo aos demais seres da natureza que, como seres que or
viventes, as árvores, a terra, os animais, a água [...] tém direitos. As dinámi- nova q
cas de desdobramento, mobilidade, ocupagáo territorial e as práticas de uso des. É
e manejo da biodiversidade passam pela concepláo de que a trilogia territó- mudan
rio, cultura, biodiversidade é um todo íntegro, indivisível; o território que se alumbi
define como um espato para ser e a biodiversidade como o que permite per- que fea
manecer [...] os poyos afro-descendentes assumem a natureza como um sis- metafá
tema biocultural, em que a organizagáo social, as práticas produtivas, a reli- urna ID(
giosidade, a espiritualidade e a palavra [...] determinara um bem viver diferer
(Cortés, 2002: 217-8). incomi
do de (
Essas identidades "híbridas" náo se constroem apenas em oposigáo a tos ent
outras identidades, náo sáo só estratégias de resisténcia, náo sáo meras iden- outril
tidades políticas fragmentadas (Hobsbawm, 1996); sáo a relagáo do ser que Ne
se constitui com um nós, com um poyo: terras, ideologias, aspiragóes. As tentabi
lutas de emancipagáo sáo lutas de re-existéncia do Ser e de reapropriagáo da poyos
natureza. Náo sáo apenas clamores por urna melhor distribuigáo ecológica e para d.
económica, mas disputas de sentidos existenciais que se forjara na relagáo da acadén
cultura com a natureza. Isso implica que os poyos tomem a palavra. A des- comun
colonizagáo do saber implica aprender a falar diferente; é um direito á dife- discurs
renga e ás identidades comuns que passa por estratégias discursivas em que biano.
a poesia política pode enfrentar a verdade da ciéncia positivista; em que a acadén
justita ambiental descoloniza o direito positivo e a todos os dispositivos de transen

504
RACIONALIDADE AMBIENTAL

poder no saber que foram legitimados e institucionalizados para submeter e


integrar o outro á ordem dominante.
A ressignificagáo do mundo e a reidentificagáo cultural atravessam um
campo de forras políticas e se inscrevem em estratégias discursivas em que
se encontram a lógica colonizadora do mercado global e a irrupgáo de fon-
tes locais dos novos sentidos, da reconstrugáo de identidades guiadas por
estratégias para a afirmagáo de uma linguagem própria. Esses processos
emancipatórios náo surgem a partir da explosáo de uma ética da liberagáo
que houvesse ficado reprimida; náo é a expressáo de uma consciéncia ador-
mecida; náo é a alocugáo das línguas dos poyos ante um regime de tolerán-
cia nos avangos de urna cultura democrática global, que respeite as diferen-
gas. A palavra nova náo surge do nada, náo nasce fora das línguas em que se
expressa, dos interesses contra os quais se manifesta, das sintaxes e códigos
que organizam seus significados. Mas, como a poesia, nasce urna palavra
nova que ilumina o mundo com novos significados, com novas possibilida-
des. É urna linguagem estratégica na qual o direito á diferenga se expressa
mudando as metáforas do mundo, desarmando o inimigo com a palavra que
alumbra e deslumbra. Esta tem sido a aposta do subcomandante Marcos,
que fez da política um campo de batalha para a retórica poética e o conto
metafórico, renunciando á mesmidade e ao vocé por vocé para entrar em
uma política da outridade e da diferenga. A negociagáo política na cultura da
diferenga se dá em um jogo de tradugóes entre significados e interesses
incomparáveis. O conflito náo se dirime em um consenso, mas em um acor-
do de convivéncia da diferenga, que inclui os dissensos e os desentendimen-
tos entre formas diferenciadas de compreensáo e urna ética de respeito á
outridade.
Nesse encontro de saberes, disputa de interesses, os discursos pela sus-
tentabilidade se encontram e se enlagam de formas contraditórias. Assim, os
poyos indígenas se inscrevem no discurso do desenvolvimento sustentável
para dali extrair novos sentidos. O diálogo de saberes gera aliangas entre
académicos e ativistas onde se constrói em comum um discurso político das
comunidades. Um belo exemplo dessas hibridagóes é a criagáo comum do
discurso político do Processo das Comunidades Negras do Pacífico colom-
biano. A investigagáo participativa e a agáo comprometida de intelectuais e
académicos geram no diálogo constante com os ativistas do movimento urna
transmissáo de categorias, linguagens que os ativistas internalizam para

505
ENRIQUE LEFF

compreender e explicar suas circunstáncias. Esse movimento de emancipa- da pc


gáo étnico-cultural transcende as concepgóes meramente raciais da identida- pela r
de. Acompanhando Stuart Hall (1990), o PCN compreende que é o qi
do nc
A identidade é algo que se negocia em termos culturais, económicos e polí- que fi
ticos. Por um lado, a identidade se concebe como enraizada em urna série de do ou
práticas culturais compartilhadas, como urna espécie de ser coletivo [...] por novol
outro, a identidade também se vé em termos das diferengas criadas pela his , dade
tória;lvsáoenfztrcohegas,implcona- defini
mentos mais que esséncias, descontinuidades ao mesmo tempo que conti- e man
nuidades. Diferenga e semelhanga, desta forma, constituem para Hall a reapr(
natureza dupla da identidade dos grupos da diáspora africana [...] no con- direit(
texto do "Novo Mundo", o africano e o europeu se "crioulizam" sem ces- reserv
sar, e as identidades culturais sáo marcadas, entáo, pela diferenga e hibrida- nas, d
gáo (Grueso, Rosero e Escobar, 1998, cit. em Escobar 1999: 188-9). ambie
aos su
Dessa maneira, as populagóes indígenas e afro-descendentes estáo afir-
do no
mando seus direitos culturais para recuperar o controle sobre seu território identil
como um espato cultural, ecológico e produtivo. 21 Urna nova racionalidade
transfi
está se forjando nas identidades dos atores emergentes de novos movimen-
renovl
tos sociais, que se expressa corno urna demanda política para a valorizagáo
H
do ambiente e a reapropriagáo da natureza. A política da diversidade cultu-
diferei
ral e da diferenga está emergindo junto com a criagáo de um saber ambien-
identic
tal, em que o tempo significante habita o ser. 22 Esta política cultural está
de um
sendo forjada no cadinho em que os diversos atores sociais estáo reinventan-
é atual
do seus sentidos e práticas culturais, na hibridagáo de processos materiais e
simbólicos, na materializagáo de seres feitos de tempo, de vida e de história. sível. 1
O despertar de tradigóes e a sobrevivéncia de significagóes culturais se entre- mundo
tecem na elaboragáo de novas práticas sociais e produtivas no encontro do da con
tradicional e do moderno. A resiliéncia cultural que está na forja da raciona- pelos
lidade ambiental náo é a manifestagáo de urna nova razáo totalitária, mas a vida. A
imbricagáo de "matrizes de racionalidade" que se expressam em novas iden- nadas;
tidades que reconfiguram a relagáo do Real e do Simbólico, que ressignifi- entes c]
cam e revalorizam a natureza. simból
Esses processos de emancipagáo, reapropriagáo e re-existéncia se deba- territoi
tem em um campo de disputas pela construgáo de territorialidades, domina- habitar

506
RACIONALIDADE AMBIENTAL

da por relagóes de poder instauradas pelo projeto de modernidade, guiado


pela racionalidade do mercado e do Estado nacional. A crise desse processo
é o que tem mobilizado os novos atores sociais que hoje em dia estáo tecen-
do novas territorialidades, fundadas na atualizagáo dos processos históricos
que foram transformando as relagóes da cultura com a natureza; construin-
do outra territorialidade, fundada na produgáo de sentidos e na criagáo de
novos direitos. Daí emergem propostas para construir urna nova racionali-
dade produtiva, baseada no poder neguentrópico da fotossíntese. Váo se
definindo, assim, novas estratégias para estabelecer unidades de conservagáo
e manejo dos potenciais ecológicos de diversos territórios, em processos de
reapropriagáo cultural da natureza. O movimento dos seringueiros, por seus
direitos ecológicos e culturais, pela invengáo de suas identidades e de suas
reservas extrativistas, aparece, ao lado dos movimentos dos poyos indíge-
nas, das populagóes afro-descendentes e tantos outros movimentos étnico-
ambientalistas emergentes, como um processo que muda o lugar atribuído
aos sujeitos pelas teorias e pelas formas de racionalidade dominantes, crian-
do novos direitos e construindo novos territórios onde se assentam novas
identidades. É um campo onde se conformam subjetividades e sentidos que
transformam o meio onde se localizam formas de ser e de habitar; onde se
renovam usos, costumes e práticas.
Hoje, as lutas pela reapropriagáo da natureza sáo lutas pelo direito á
diferenga cultural, pelo direito de viver em e com a natureza, a forjar urna
identidade e a desenhar um estilo de vida. É um movimento pela construgáo
de um futuro sustentável, fundado nos potenciais da natureza e da cultura;
é atualizagáo de urna história vivida e projegáo em diregáo a um futuro pos-
sível. É a disjungáo de um mundo globalizado, homogeneizado, para um
mundo de diversidade e diferenga; a atualizagáo de identidades no mundo
da complexidade em uma bifurcagáo de sendas no devir histórico, tragados
pelos movimentos sociais pela reapropriagáo da natureza e seus modos de
vida. As identidades que se afirmam nesses processos náo estáo predetermi-
nadas; náo sáo simples atualizagóes no tempo; náo sáo reconfiguragóes de
entes que se dáo na hibridagáo de ordens ontológicas (natural, tecnológica,
simbólica); estas se váo tecendo através de lutas sociais nas quais se disputam
territorialidades, isto é, espagos onde se colocam em jogo formas do ser e de
habitar o mundo. O ambiente se converte em um lugar onde se formam as

507
ENRIQUE LEFF

subjetividades e os atores sociais que estáo transformando as relagóes NOTA:


socioespaciais da cultura com a natureza.
1.
O movimento social ambientalista converte, assim, o pensamento em
política; incorpora as narrativas pós-modernas a urna política da diferenga; 2.
arraiga a reflexáo sobre o ser em novas identidades; desanda os caminhos da seu po
racionalizagáo, desdiz a palavra maldita e infeliz, recupera a palavra bendita teria rt
para oferecé-la aos condenados da terra (Fanon, 1968). As identidades do compr
seringueiro, do afro-colombiano ou do indígena zapatista desconstroem os condig,
ceito n,
suportes teóricos, jurídicos, económicos e políticos que sustentam a territo- domine
rialidade com que se debatem e confrontam os homens e mulheres dos cam- razáo"
pos, das florestas e das selvas, para construir sua singular forma de ser: sua os mov
autonomia. A ecologia política desses movimentos está fertilizando territó- acerca
rios onde se plantam as identidades dos poyos mesoamericanos, amazóni- cia do (
manejo
cos, andinos, guaranis; das populagóes negras e dos camponeses sem terra;
nament
dos indígenas que povoam os desertos do Norte mexicano até os mapuches (Sana(
do Sul patagónico; enfim, de todas as etnias deste continente e do mundo ecológil
inteiro que boje em dia desenvolvem suas lutas pela reapropriagáo de sua cursivid
natureza e pela re-existéncia de sua cultura. fiquem
autonor
cultural
poyos ir
das luta
de idem
priagáo
3. 1
teria tra
cas, a aE
ecologia
4. 1
México,
mas e at
5.
democra
entre tor
decisóes
6."
erradica]
fim de ri
da maior

508
RACIONALIDADE AMBIENTAL

NOTAS

1. Nesse sentido, vem seudo gerada urna estratégia política de articulagáo da diver-
sidade. Cf. Grünberg, 1995.
2. Bachelard havia afirmado que "a riqueza de um conceito científico se mede pelo
seu poder deformador. Esta riqueza nao pode ser atribuída a um fenómeno isolado que
teria reconhecida urna riqueza cada vez maior de caracteres, e seria cada mais rico em
compreensáo [...] Seria necessário deformar os conceitos primitivos, estudar suas
condigóes de aplicagáo e, sobretudo, incorporar as condigóes de aplicagáo de um con-
ceito no próprio sentido do conceito. É nessa última necessidade que reside [...] o caráter
dominante do novo racionalismo, correspondente a urna forte uniáo da expressáo e da
razao" (Bachelard, 1938: 61). Mas, por outro lado, a falta de conceitos torna invisíveis
os movimentos. Dessa maneira, diversos estudos sobre os novos movimentos sociais e
acerca das populagóes indígenas pela autonomia, limitam as "lutas ecológicas" á "exigén-
cia do controle e acesso aos recursos naturais (permissóes, licengas, concessóes etc.) e ao
manejo ambiental, sem abordar abertamente aspectos que tém a ver com um novo orde-
namento jurídico-político nacional e com questóes relativas ao poder e ao território"
(Sanchez, 1999: 13). Como veremos ao longo deste capítulo, embora a consciéncia
ecológica nem sempre seja um imaginário translúcido que se reflete diretamente na dis-
cursividade dos movimentos sociais, e, em muitos casos, esta consciéncia e sua expressáo
fiquem retardadas por motivos estratégicos que colocam em relevo as demandas por
autonomía e direitos culturais nas formas que adota urna política da diferenga e do ser
cultural na luta de poder com o Estado nacional (é o que ocorre com o movimento dos
poyos indígenas do México e outros países), em muitos casos, já visíveis, os atores sociais
das lutas dos poyos indígenas e camponeses estáo se constituindo através da reinvengáo
de identidades e estratégias políticas em uma relagáo direta com os processos de reapro-
priagáo da natureza e de seus processos produtivos.
3. Esta proposta adquiria sentido dentro da ilusáo de que a sociedade pós-industrial
teria transitado a um estágio de "pós-escassez"; urna vez satisfeitas as necessidades bási-
cas, a abundancia material abriria as portas aos valores da liberdade, á solidariedade e á
ecologia (Bookchin, 1991).
4. É emblemática a insurgéncia do Exército Zapatista de Liberagáo Nacional no
México, em 1994, e sua mais recente reorganizagáo em torno de comunidades autóno-
mas e autogestionárias.
5. A democracia ambiental se expressa, assim, dentro de procedimentos de uma
democracia de duas formas: 1) pela repartigáo eqüitativa dos recursos da comunidade
entre todas as unidades domésticas e familiares que a integram e, 2) por urna tomada de
decisóes coletivas e de consenso mediante as assembléias dos ejidos (Toledo, 1994b).
6. "Todos os Estados e todas as pessoas deveráo cooperar na tarefa essencial de
erradicar a pobreza como um requisito indispensável do desenvolvimento sustentável, a
fim de reduzir as disparidades na qualidade de vida e responder melhor ás necessidades
da maioria dos poyos do mundo" (ONU, 1992: princípio 5).

509
ENRIQUE LEFF

7. Contra a argumentagáo malthusiana, a pobreza náo surge do desajuste entre o dades


crescimento populacional e a escassez de recursos naturais, mas do desgaste ambiental favores
produzido pelos padróes de produgáo e consumo. Os países do Norte sáo os maiores melho:
responsáveis pelos problemas ecológicos globais ao consumir mais de tres quartos dos estímu
recursos energéticos, de hidrocarburetos, fósseis, minerais e madeireiros das matas do nar a n
planeta; 11,5% da populagá'o mundial, concentrada nos países ricos, com taxas de cresci- técnicc
mento populacional inferior a 0,8% ao ano, provocam um impacto muito maior sobre o fora da
equilibrio ecológico do planeta do que a populagáo superabundante dos pobres da terra. de [...]
8. Desde o Informe da Comissáo Brundtland (WCED), reconheceu-se que a escala progre:
da economia humana era insustentável no sentido de que consome seu próprio capital urna re,
natural; mas, ao mesmo tempo, os acordos da Rio 92, as Metas do Milénio e o Plano de atual d.
Implementag'áo da mais recente Cúpula Mundial do Desenvolvimento Sustentável de 13
Johannesburgo (2002) prescrevem o crescimento económico como a via para melhorar e servis
as condigóes de existéncia das maiorias e eliminar a pobreza (procurando compatibilizar pretenc
o crescimento económico com a preservagáo da base de recursos e os equilibrios ecológi- acesso
cos do planeta), sem assumir as limitagóes impostas pela racionalidade económica e a visáo pi
internalizagáo (e dissolugáo) das externalidades socioambientais que gera. social a
9. O estudo do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola sobre O estado os grup
da pobreza rural no mundo reconhece que os pobres de áreas rurais sáo pobres pela ina- Tiburci,
dequada gestáo dos recursos naturais e do meio ambiente, assim como pela falta de acesso 14
direto e condigóes de autogestáo dos recursos produtivos: terra, água, crédito, infra- Curso p
estrutura, tecnologia e servigos sociais. Dessa forma, comega a aceitar-se que a prosperi- reforme
dade dos pobres depende da melhoria dos meios de produgáo a que tenham acesso direto reconhe
e ao desenvolvimento de suas capacidades institucionais locais (Jazairi et al., 1992). espagos
10. Vários estudos tém demonstrado o impacto dessa modernizagáo forgada do direitos
campo na expropriagáo, expulsáo e marginalizagáo da populagáo rural, no desenraiza- tivos, ta
mento de suas terras e de suas tradigóes, em seus processos de desnutrigáo e empobreci- ram rea
mento (García et al., 1988 a, 1988b; Tudela et al., 1989). dutores
11."Apesar dos valores médios de alguns indicadores [...] (expectativa de vida, mor- sem cor
talidade infantil, calorias per capita) terem exibido, em nível mundial, urna evolugáo cultural
geralmente positiva nas décadas recentes, guando levamos em conta o cambiante sistema 15.
socioecológico total, revela-se urna perversa espiral descendente para um empobreci- Comuni
mento global [...] apesar da produgáo de alimentos per capita estar aumentando nos últi- cap. 7. ■
mos vinte anos [...] o número de desnutridos está crescendo. Estima-se que a desnutrigáo (GEF),
afete 950 milhóes de pessoas [...] Isso está claramente associado ás situagóes de pobreza, volvime
ás desigualdades na distribuigáo das terras e da riqueza e náo a uma escassez física de ali- da natur
mentos em nível mundial. O conceito de empobrecimento global inclui a existéncia de co nstitu
mecanismos globais que geram pobreza, e a produgáo de efeitos globais que se originam emergin
em pobrezas locais" (Gallopín et al., 1991). na gestó
12.Vuskovic afirmou que "uma estratégia eficaz de combate á pobreza termina por identida
conformar toda uma estratégia de desenvolvimento global alternativo. Nela se revertem natureza
por completo os signos das estratégias parciais: no lugar da reconversáo produtiva que mento d
privilegia as produgóes para exportagáo, cuna reconversáo da economia para as necessi- comunic

510
RACIONALIDADE AMBIENTAL

dades básicas da populagáo; em vez da concentragáo da renda como condigáo para


favorecer a acumulagáo privada, urna redistribuigáo progressiva da renda que sustente a
melhora da condigáo de vida do conjunto da populagáo e gere novas demandas como
estímulo ao investimento privado á formagáo pública do capital; em lugar de impulsio-
nar a máxima tecnificagáo possível dos setores já modernizados, dar prioridade ao avango
técnico dos estratos rejeitados". Trata-se de que em relagáo á "forga de trabalho que ficou
fora da economia formal, em ocupagóes precárias com renda mínima e instável, em lugar
de [...] estender-lhe urna ajuda puramente assistencial, se definam agóes que a incorporem
progressivamente a outras condigóes de trabalho; o qual pode supor [...] em muitos casos,
urna reorganizagáo de suas atividades e um apoio decidido para que superem sua condigáo
atual de expulsáo e marginalizagáo" (Vuskovic, 1993: 252, 263-264).
13.A diferenga do Estado benfeitor, que procurou produzir a infra-estrutura, bens
e servigos que náo sáo cobertos pelo setor privado, a política de desenvolvimento social
pretende, "mais do que a provisáo direta, a garantia de que os grupos sociais poderáo ter
acesso a estes bens, seja pela via mercantil, processos de autoprodugáo ou através da pro-
visáo pública". Trata-se de uma política em que o Estado produz, vigia e regula o acesso
social a bens e servigos básicos, com a "obrigagáo de que o Estado cubra os espagos onde
os grupos sociais náo podem tornar efetiva sua demanda através do mercado" (González
Tiburcio, 1992: 202).
14.No caso do México, essas considerag6es, que se refletem na consciencia, no dis-
curso político e nas agóes das organizagóes indígenas e camponesas, vém questionar as
reformas constitucionais dos anos 1990. Assim, o artigo 4 — que, pela primeira vez,
reconhece os poyos indígenas como parte da nagáo — deve ser revisto para integrar estes
espagos étnicos dentro de unidades produtivas, o que implica o reconhecimento de seus
direitos de propriedade e apropriagáo de um património histórico de recursos produ-
tivos, tanto naturais como culturais. Por outro lado, as reformas do artigo 27, que procu-
ram reativar a produtividade do campo através de novas formas de associagá'o dos pro-
dutores rurais com o capital, privilegiaram a orientagáo da produgáo para o mercado,
sem considerar as condigóes socioambientais, os potenciais ecológicos e a diversidade
cultural que deve guiar a produgáo sustentável no campo.
15. Sobre a constituigáo, organizagáo e expressáo do movimento do Processo de
Comunidades Negras, ver L. Grueso, C. Rosero e A. Escobar, 1998, em Escobar, 1999:
cap. 7. 0 Projeto Biopacífico, financiado pelo Fundo Mundial para o Meio Ambiente
(GEF), apesar de seu limitado montante no contexto geral do Plano Pacífico de "desen-
volvimento sustentado" que o Estado vinha empreendendo — um plano de capitalizagáo
da natureza que pretendia apropriar e controlar os recursos da biodiversidade da regiáo
constitui o contraponto do processo de construgáo da identidade negra que vinha
emergindo em resistencia ao Plano Pacífico, legitimando a participagáo das comunidades
na gestáo da biodiversidade, e abrindo novos canais por essa via para a reinvengáo das
identidades das populagóes negras, náo em sua luta contra o sistema, mas com sua
natureza, pela reapropriagáo cultural, política e económica de seu território. O movi-
mento do PCN apresentou assim, como objetivo, "consolidar um movimento social de
comunidades negras que assuma a reconstrugáo e a afirmagáo da identidade cultural

511
ENRIQUE LEFF

como base da construgáo de uma expressáo organizativa autónoma que lute pela con- verifica]
quista de nossos direitos culturais, sociais, políticos, económicos e territoriais, e pela forma d
defesa dos recursos naturais e do meio ambiente" (Grueso, Rosero e Escobar, 1998: sistemas
180). locais, d
16. 0 projeto Latautonomy, financiado pela Unido Européia, é um exemplo dessa 20.
tentativa de implantar novos parámetros para estabelecer urna sociedade convivencial, a (20026
partir dos presentes processos de autonomia em sociedades indígenas da América Latina reagáo
para urna "política orientada ao desenvolvimento sustentável e á democratizagáo de um que exis
ambiente social". Seu objetivo principal é a elaborag'áo de um conceito de autonomia distinta!
multicultural como alternativa socioeconómica e marco político aos Estados nacionais sociais e
centralizados sobre a base de identidades culturais. Tomando como exemplo aquelas essas yo:
áreas indígenas da América Latina onde os processos de autonomia durante as últimas 21.
duas décadas criaram uma base política e socioeconómica para um desenvolvimento sus- braco; e
tentável, o projeto procura analisar e avalar os esforgos dos que fazem política tanto nas certas pi
organizagóes baseadas na comunidade como em organizagóes governamentais e náo go- recente
vernamentais, para criar um novo marco para o desenvolvimento de sociedades civis. tornou r
Com este fim, o primeiro objetivo científico do projeto será a investigagáo, análise e das Amé
avaliagáo dos conceitos e práticas de sociedades indígenas em seis áreas principais da integre s
América Latina: a regiáo de Chiapas, México, e a luta do movimento zapatista pela conjunta
autonomia municipal; a Regido Autónoma do Atlántico Norte (RAAN) da Nicarágua, á territol
e afro-c1(
onde a vida política e económica de toda uma regido está regulamentada pelo Estatuto
de Autonomia de 1986; a regiáo kuna de San Blas, Panamá, primeira área onde foi colo- exclusáo
cada em prática a idéia de autonomia multicultural, especialmente no nivel da educagáo de luta,
multilíngüe; a regiáo dos poyos indígenas da Venezuela, onde a nova Constituigáo de urna dívi
janeiro de 2000 levou a urna discussáo ampla dentro e fora das comunidades indígenas; 22.
a regiáo do Alto Rio Negro, Brasil, que foi declarada oficialmente, em 1998, Território
dos Indios, como resultado de uma abano de 34 diferentes poyos indígenas; a Serra do
Equador, onde a Confederagáo Nacional de Organizagóes Indígenas do Equador
(Conaie) conseguiu importantes espagos autónomos com um alto grau de autonomia ter-
ritorial, e luta no presente pela constituigáo de um estado plurinacional multiétnico e
pluricultural; a regiáo de Chapare, Bolivia, onde o movimento dos cocaleros de base indí-
gena multiétnica está lutando pelo controle dos municípios dentro do acordo da Lei de
Participagáo Popular.
17. Ver cap. 3, supra.
18. Nesse sentido, a Declaragáo do Fórum Nacional sobre o Setor Social Floresta!,
celebrado em Pátzcuaro, Michoacán, de 5 a 7 de abril de 1992, reafirma o valor das
experiéncias recentes de autogestáo dos recursos florestais, as quais tém "mostrado o
papel insubstituível das empresas camponesas no assentamento de 17 milhóes de mexi-
canos, na geragáo de empregos e produtos para consumo próprio e exportagáo, e para a
conservagáo da cobertura vegetal e da diversidade biológica" (El Cotidiano 1992: 49-52).
19. Nesse sentido, Lory Ann Thrupp (1993) assinala: "Alguns pesquisadores exa-
minam o conhecimento tradicional com métodos empíricos formais, tais como experi-
mentos controlados de laboratório. Essas pesquisas e análises sem dúvida sáo úteis para

512
RACIONALIDADE AMBIENTAL

verificar a fimgáo e efetividade das práticas das populagóes locais. No entanto [...], esta
forma de sistematizagáo pode ser imprópria para avalar o verdadeiro significado desses
sistemas de conhecimento, ao se abstrair do contexto histórico e cultural das práticas
locais, de seus complexos matizes e de sua dimensáo filosófica e espiritual".
20. A nogáo de "reexisténcia" foi formulada por Carlos Walter Porto-Gongalves
(2002b e Leff et al., 2002). Implica dizer que náo apenas resistem e, assim, que agem em
reagáo a alguém, simplesmente. Significa dizer que se age a partir do que é próprio, de
que existem e, a partir de sua existencia, resistem guando se confrontam racionalidades
distintas. Daí, re-existem. Há protagonismo por todos os lados, mesmo sob relagóes
sociais e de poder assimétricas. É preciso uma ética da outridade para se estar aberto a
essas vozes, a esses corpos outros.
21. Os poyos indígenas e os afro-descendentes náo tém lutado até agora brago a
brago; em alguns casos, como no Pacífico colombiano, as populagóes indígenas gozam de
certas prerrogativas pelo reconhecimento do estado, anterior ao reconhecimento mais
recente outorgado ás populagóes afro-descendentes. Apenas nos últimos tempos se
tornou manifesta a vontade de juntar suas agendas, como aconteceu no I Fórum Social
das Américas, em 30 de julho de 2004, guando decidiram empreender uma política que
integre suas lutas a partir da interculturalidade. Ali manifestaram que "a luta tem que ser
conjunta, porque ambos os poyos sofrem discriminagáo racial, desrespeito a seus direitos
á territorialidade e á biodiversidade, assim como á sua cultura", porque ambos, indígenas
e afro-descendentes, sáo afetados por problemas comuns: territorialidade, desigualdade,
exclusáo social, racismo; mas, também, porque ambos os poyos mantém eixos comuns
de luta, como a reafirmagáo de sua identidade e a cultura de resistencia, e porque "há
uma dívida histórica com os poyos indígenas e com os afro-descentes".
22. Ver cap. 6, supra.

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Índice onomástico

Adams, R. N., 201, 285 Bellmann, Ch., 151


Adorno, T., 16, 84, 249, 270, 350, 355, Bellón, M., 426
409 Bergson, H., 138
Agarwal, A., 154 Berman, M., 301
Agruco/Pratec, 496 Bertrand, G., 285
Aguilar, J., 498 Boege, E., 421, 481, 488, 497
Alcorn, J., 421 Boff, L., 266, 305
Allegretti, M. H., 493 Bóhme, G., 285
Althusser, L., 13, 16, 97, 251 Boltzmann, 180, 181, 187, 188, 196
Altieri, M., 424, 435, 496- Bookchin, M., 22, 23, 78-86, 88, 89, 92,
Altvater, E., 234 96-99, 111-114, 306, 320
Amin, S., 143 Borrero, J. M., 306, 338
Andrade, Carlos D., 13 Bourdieu, P., 310
Angoc, 496 Broch, H., 108
Apostel, L., 347 Brundtland, G. H., 137
Argueta, A., 431, 481, 488
Aristóteles, 112 Caballero, J., 423
Auerbach, 194 Canguilhem. G., 13, 91, 250
Auster, P., 369, 392 Carabias, J., 422, 430, 479, 480
Ávila, M., 496 Carnot, S., 175, 181, 196
Casas, A., 423
Bachelard, G., 91, 96 Castro, R., 151
Bacon, F., 11, 84, 308 CEPAL, 247, 479
Baran, P., 440 Chavero, 430
Barnett, H. J., 144, 228 Chayanov, A. V., 431
Bastida, M., 167 Chipko (movimento), 461
Bastide, R., 119 Clades, 496
Bataille, G., 13, 22, 63, 141, 162, 370, Claussius, 175, 180, 181, 187, 188, 196
436, 437, 438, 439, 441-443 CNDH, 157
Baudelaire, 392 Colunga, P., 432
Baudrillard, J., 22, 62-66, 124, 127-132, Cortés, H., 503, 504
140, 141, 156, 161, 162, 173, 333 Costanza, R., 134
Bauman, Z., 402

533
ENRIQUE LEFF

Dali, S., 77, 305 Georgescu-Roegen, N., 22, 23, 135, 174, Ibse]
Daly, H. E., 140, 147, 205, 229-231, 285 175, 177-184, 186-189, 195, 199, Ingo
Dante, A., 360 205, 210, 227, 285, 286, 437 Insti
de Beauvoir, S., 327 Giménez, G., 454 IUC]
De Oliveira Cunha, L. H., 237, 422 Gispert, M., 431 Iver,
Deleuze, G., 16, 211, 270, 311 Givone, S., 68, 109
Demetrescu, M. C., 177 Gliessman, S. R., 496 Jalée
Denevan, W. M., 425 Gligo, N., 423, 426 Jevoi
Derrida, J., 16, 62, 123, 127, 133, 295, Godelier, M., 255, 294, 421 Jona:
308, 311-313, 366-369, 373, 390 Goldmann, L., 88, 114
Descartes, 11, 49, 308 Gómez-Pompa, A., 419, 431 Kant
Descola, Ph., 103, 104, 106, 285, 319 Gongalves, C. W. P., 14, 149, 158, 307, Kapp
Devall, B., 78, 305 481, 485-486, 488, 493, 502 Kay,
Díaz Polanco, H., 416 González Casanova, P., 115, 416, 496 Kien
Diegues, A. C., 430 Goodland, R., 416 Killia
Doce, J., 369 Gorz, A., 156 Kosil
Dos Santos, Th., 342 Grinevald, J., 184, 187, 194, 195 Krish
Dragan, J. C., 177 Grueso, L., 503, 506 Kuhn
Dwivedi, O. P., Guattari, F., 16, 158, 311, 502
Guha, R., 461, 493 Lacar
Echeverría, B., 57, 160 Gunder-Frank, A., 453 Laclai
Édipo, 328, 334 Gutiérrez, P., 498 Land(
Eliot, T. S., 392, 393, 395 Lazos
Elizalde, A., 483 Habermas, J., 22, 23, 94, 249, 259, 267, Lefeb'
Emmanuel, A., 142 269, 325, 349-352, 354-358 Leff, I
Engels, F., 52, 79, 85, 87, 98, 114 Hall, S., 506 12'
Escobar, A., 138, 294, 305, 307, 310- Haraway, D., 103, 107, 294, 305, 320 27'
314, 318, 493, 503, 506 Hecht, S., 430 34'
Evans Pritchard, 159 Hegel, W. F., 49, 79, 85, 86, 88, 89, 96, 471
EZLN, 491 99, 112, 294 Lenge
Heidegger, M., 16, 23, 95, 100, 101, Lénin,
Fanon, F., 508 162, 249, 270, 296, 309, 311, 312, Leroi1
Fearnside., P. M., 155 361, 362, 373, 380, 390, 393, 444, Levina
Feuerbach, L., 49, 50 445 21(
Foucault, M., 12, 16, 22, 54, 60, 87, 91, Heine, H., 392 33 l
100, 163, 280, 308, 317, 379 Hinterberger, F., 228
37c
Freud, S., 295, 317, 322, 354, 373 Hobsbawn, E., 504
38";
Funtowicz, S., 86, 205 Hólderlin, 13
Lévi-S1
Hopenhayn, M., 483 Lipove
Gagdil, M., 427 Horkheimer, M., 16, 84, 270, 350, 355,
López-
Gallo Mendoza, G., 247 409
Lotka,
Gallopín, G., 285 Humboldt, 106
Lukacs
García Colorado, G., 157, 239, 283 Husserl, E., 102, 309
Geddes, P., 437

534
RACIONALIDADE AMBIENTAL

Ibsen, 361 Macas, L., 12


Ingold, T., 261 Madrid, S., 498
Instituto Indigenista Interamericano, 415 Mainwaring, S., 453
IUCN, 136 Mallarmé, 15
Iver, P., 427 Mannheim K., 242, 258
Marcos (Subcomandante), 313, 505
Jalée, P., 142 Marcuse, H., 16, 60, 114, 249, 252, 258,
Jevons, 175 262, 336
Jonas, H., 78, 100, 101, 305 Margalef, R., 192
Marina, J. A., 396
Kant, E., 49, 101 Martínez-Alier, J., 138, 147, 184, 460, 461
Kapp, W., 424 Marx, K., 13, 22, 23, 31-59, 62, 63, 79,
Kay, J., 191, 192, 193, 208 85, 88, 107, 175, 182, 227, 249, 301,
Kierkegaard, S., 373, 390 350
Killian, J., 285 Mauss, M., 441
Kosik, K., 88, 90 Max-Neef, M., 483
Krishnamurthy, L., 496 Maxwell, 179, 195
Kuhn, T. S., 60 McNeely, J., 415
Meadows, D., 135
Lacan, J., 16, 91, 291, 317, 325 Mellor, M., 327
Laclau, E., 336 Merleau-Ponty, 309
Lander, E., 163 Michelangelo, 21
Lazos, E., 430 Mignolo, W., 163
Lefebvre, H., 79 Moguel, J., 463
Leff, E., 11, 12, 13, 14, 27, 69, 82, 93, Moisés, 323
127, 157, 162, 164, 204, 239, 257, Monod, J., 87, 129
279, 283, 285, 289, 317, 320, 339, Moran, D., 151
347, 419, 422, 430, 444, 457, 467, Morello, J., 421, 423, 426
479, 481, 488 Morin, E., 13, 23, 77, 78, 84, 87, 239,
Lenger, 380 293, 306, 319, 320
Lénin, V. I., 102 Morse, C., 144, 228
Leroi Gourhan, A., 421 Münchhausen (Bario de), 234
Levinas, E., 12, 14, 15, 16, 22, 109, 162, Murra, J. V., 425
210, 308, 309, 313, 317, 323-325, Myrdal, G., 476
331, 334, 349, 361, 362, 365, 366,
370, 371, 372, 377-381, 383-385, Naess, A., 78, 305
387, 393, 397 Naredo, J. M., 134, 147
Lévi-Strauss, C., 106, 125 Newton, 49, 138
Lipovetsky, G., 336 Nietzsche, F., 16, 210, 211, 295, 308,
López-Ornat, A., 426 337
Lotka, A. J., 186, 188, 189, 192, 437 Norgaard, R., 67, 200
Lukacs, G., 59, 79, 88
O'Connor, J., 66, 141, 189, 223, 285, 306

535
ENRIQUE LEFF

Pálsson, G., 103, 104, 285, 319 Sessions, G., 78, 305
Paré, L., 430 Sevilla, E., 496
Parra, M., 432 Shiva, V., 326
Passet, R., 134, 147, 184 Smith, A., 171
Pearce, D., 151, 285 Soddy, F., 437
Pécheux, M., 234 Spinoza, 308
Pengue, W., 153, 492 Steiner, G., 361, 393, 394, 399, 410,
Piaget, J., 102 411, 445, 446
Pimentel, D., 423 Stengers, I., 108, 138
Pitt, D., 415, 421 Steward, 201, 284
PNUMA, 267, 339 Sunkel, 0., 483
Polanyi, K., 235, 238 Sweezy, P., 440 agáo
Popper, K., 60
Poster, M., 66 Thompson, E., 158, 234
Prigogine, I., 22, 23, 87, 108, 138, 180- Thrupp, L. A., 425 11
182, 187, 192, 196, 210, 211, 293, Toledo, V. M., 285, 423, 431, 480, 481 atore:
295, 296, 320, 360 Tricart, J., 285 -
Tsuru, Sh., 424 acord
Quiroga, R., 229 Turner, K., 285 acumi
-c
Rappaport R. A., 285 Unep, 480 -d
Ravetz, J., 86, 205 Uribe, M., 496 -d
Redclift, M., 138 -d
Ricardo, D., 171, 175 Valéry, P., 370 -d
Rimbaud, 15 Vattimo, G., 123, 162, 311 afro-d
Rist, S., 496 Vayda, A. P., 419 agenci
Rodin, L. E., 202 Vernadsky, V., 194, 437 Agend
Roitman, M., 416 Vessuri, H., 285 agroec
Rorty, R., 110, 304 Vigotsky, 396 agro&
Rosero, C., 503, 506 Viola, E., 453 - c
Rougeulle, M. D., 422 Viola, P., 14 alterid
Rubel, M., 38 Viveros, J. L., 423 ambiei
Vuskovic, P., 481 245
Saal, F., 328 298
Sachs, I., 134, 414 Walker, K. J., 240, 242 ambier
San Martín, J., 496 Walras, 175 118
Sánchez, C., 416, 462 Weber, M., 22, 243-246, 249, 253, 254, 162
Sandoval, I. E., 157 259, 268, 269, 350 195
Sartre, J. P., 68, 79, 94-99 White, L., 201, 285 Améric
Schmidt, A., 48, 49, 51-56 Whorf, B. L., 106 477
Schródinger, E., 179, 182, 186, 189, 192, Wittgenstein, L., 308 antinat
198 Wuppertal Institut, 228 antropl
Schumpeter, J., 440 - es
Sejenovich, H., 247 Zizumbo, D., 432

536
Índice temático

agáo apropriagáo
- racional, 230, 238, 243, 244, 247 - capitalista, 61, 138
- social, 58, 59, 78, 86, 87, 98, 113, - cognoscitiva do mundo, 316
116 - coletiva, 167, 200, 264
atores sociais - cultural, 147, 157, 208
- do ambientalismo, 113 - de conceitos, 314
acordos ambientais multilaterais, 266 - da biodiversidade, 153
acumulagáo - da natureza, 53, 61, 65, 79, 111,
- capitalista, 39, 40, 45, 46, 50, 52 112, 114, 136-138, 142, 145, 147-
- de bens, 236 149, 163, 171, 201, 207, 208, 241,
- de biomassa, 217 244, 264-266, 292, 297, 302, 303,
- de carbono, 167, 191 306, 307, 332, 339, 375, 377, 382,
- de produtos, 273 383, 391, 406, 415, 455, 461, 462,
afro-descendentes, 138 464, 466, 471, 477, 484, 486, 487,
agenciamento, 211, 342, 371, 401 492
Agenda 21, 138 - das estruturas dissipativas, 180, 181,
agroecologia, 424 185, 189, 197, 201, 204, 205, 210-
agrofloresta 212, 294, 295
- comunitária, 462, 500 - dos processos produtivos, 209
alteridade, 109, 115 - dos recursos ecológicos, 302
ambientalismo (s), 113, 238, 241, 242, - dos recursos naturais, 139, 143, 282,
245,-247, 254, 256, 260, 267, 280, 285
298, 302, 313, 314, 324 - do conhecimento, 60
ambiente, 51, 64, 80, 89, 91, -93, 103, - do mundo, 390, 399
118, 119, 127, 132-143, 156, 161, - do poder, 343
162, 175, 179, 181, 183, 184, 190, - destrutiva da natureza, 229
195, 199 - económica, 57, 153
América Latina, 303, 417, 425, 451, 475, - material e simbólica da natureza, 318
477, 479-481, 490, 497 - produtiva da natureza, 41, 60, 149
antinatura, 134 - social da natureza, 94, 115, 116,
antropologia 163, 205, 208, 241, 305, 348
- estrutural, 286 aquecimento

537
ENRIQUE LEFF

- da atmosfera, 146 biosfera, 80, 135, 150, 154, 158, 160, 2


- global, 135, 143, 148, 150, 151, 182, 183, 186-191, 194, 195, 198, 1
154, 172, 176, 184, 191, 193, 195, 200-204, 217, 274, 308, 310, 378,
196, 202, 206, 228, 261, 324 409, 426, 447 4
Argentina, 413 biotecnologia, 111, 144, 145, 150, 151,
astecas, 441 153, 167, 200, 203, 232, 237, 303,
atmosfera, 146, 155, 183, 187, 190-193, 340, 415, 420, 455, 487, 492, 498 cién(
198, 202 Brasil, 165, 167, 461, 501, 512
atractor, 192, 193
autoconsciente, 53, 80, 87, 97 campos disciplinares, 282
autogestáo caos, 87,182, 192, 196, 205, 210, 292,
- comunitária, 280 293, 301, 335, 36S
- produtiva, 207 capacidade de carga, 176, 185, 188, 285,
automatizagáo, 37, 47 479
autonomia (s) capital 4{
- cultural (culturais), 209 - acumulagá'o de, 35, 43, 96, 139,
- das comunidades indígenas, 430 176, 405, 443, 500
- do sujeito, 396 - criagá'o destrutiva do, 147, 440 ciénci
- étnica (s), 135, 247, 262 - exossomático, 230
19
- locais, 233, 312 - humano, 70, 142, 143, 145, 236,
codifi
- relativa, 340 485
códig,
auto-organizagáo, 84, 87-89, 102, 176, - monopolista, 440
- c
185, 190, 198-201, 206, 289, 293, - natural, 70, 140, 142, 145, 146,
-e
294, 365, 389, 390 148, 153, 283, 285, 419, 485, 495,
auto-subsistencia, 431, 432, 485 510 -E
aimará, 413, 448 Capital, 0, 36, 38, 50, 53, 62, 71, 142 coevo
azar, 87, 108 capitalizagáo - e
- da natureza, 31, 48, 67, 77, 111, 41'
Babel, 219, 320, 339, 391, 396, 399 121, 137, 139, 143, 144, 147, 163, Colón
bens 171, 232, 234, 299, 416, 463, 464, compl
- comuns, 139, 145, 234 467, 479, 486, 488, 511 - a
- de capital, 42 carbono 16(
- naturais, 61, 177, 253, 302 - captura de, 151, 237 29(
- posicionais, 273 - seqüestro de, 149, 151 335
- salário, 40, 41 Carta da Terra, 266, 347 - d,
bioeconomia, 179-182, 184-188, 190, catástrofes ecológicas, 256, 447 - d•
191, 198, 199, 201, 203, 205, 210, China, 154 - d•
257, 285 cibernética, 87, 88, 93, 293 - cl•
biomassa, 155, 167, 183, 186, 188, 190- ciclo (s) - d<
193, 197-204, 214-217, 228, 234, - biogeoquímicos, 427 - dc
264, 465 - de energía, 33, 141, 144, 167, 17S, - c1(
bioprospecgáo, 153 177, 178, 181-185, 187-192, 194- - ec
biosseguranga, 218, 266, 461 197, 202, 203, 214, 216, 217, 228, - or

538
RACIONALIDADE AMBIENTAL

233, 272, 285, 395, 424, 432, 436, complementaridades ecológicas e


438-441 culturais, 423
- de nutrientes, 183, 189,193, 195, comunidades
432 - biológicas, 194
- do capital, 46 - de base, 417
- ecológicos, 159, 426 - do Terceiro Mundo, 143
ciéncia - descentralizadas, 209
- da complexidade, 87, 101, 108, 320 - indígenas, 117, 154, 236, 237, 281,
- da história, 58 376, 407, 412, 415, 426, 430, 469,
- da termodinámica, 213 477, 484, 486, 488, 499, 512
- ecológica, 208 - interativas, 389
- económica, 31, 32, 146, 171, 172, - locais, 235, 261, 473, 482
174, 175 - negras, 307, 318, 461, 490, 495,
- moderna, 92, 252, 295, 296, 320, 503, 505, 511
483 - rurais, 207, 415-419, 423, 462, 470,
- objetiva, 178, 291, 316 473, 479-481, 484, 486, 492-494,
- positivista, 316, 504 496-500
ciencias naturais, 32, 35, 72, 73, 175, - terrestres, 217
196, 204, 239, 284, 437 consciencia
codificagáo, 68, 131, 159, 254, 348, 409 - absoluta, 336
código - ambiental, 135, 281, 283
- cultural, 274, 353 - cidadá, 234
- económico, 63, 67, 108, 172 - coletiva, 213, 381
- genético, 87, 177, 128, 129, 229 - conservacionista, 435
coevolugáo crítica
- ecológico-cultural, 307, 340, 405, - ecológica, 227, 234
417, 479 conflitos ambientais, 68, 148, 151, 307,
Colómbia, 307, 461, 490 312, 440, 461, 466
complexidade conhecimento (s)
- ambiental, 60, 61, 69, 75, 93, 110, - agrícola, 434
160, 204, 209, 233, 239, 256, 288- centrado
290, 292, 299, 301, 306, 320, 335, - científico-tecnológico, 46, 73, 145,
339, 342, 396, 412 338
- do real, 294, 298, 394 - disciplinar, 288
- dos ecossistemas, 189, 429 - empírico (s), 51, 97, 236, 237, 512
- dos problemas sociais, 279 - fracionado, 294, 347
- do ordenamento neguentrópico, 189 - holístico, 92, 93, 107, 294, 319,
- do pensamento, 299 374, 378, 382, 387
- do ser, 289 construtivismo, 102, 105, 106, 173, 301
- do sistema, 189, 215 consumo exossomático, 178, 232, 439
- ecológica, 146 consumo produtivo da natureza, 182,
- organizativa, 263 197, 438

539
ENRIQUE LEFF

contaminagáo, 133, 135, 149, 155, 172, 252, 272, 327, 406, 422, 453, 473, 30
177, 195, 199, 202, 218, 224, 228, 476-479, 500 44
247, 256, 302, 340, 406, 419, 460, democracia 48
461, 466, 467, 479, 492, 494 - ambiental, 314, 460, 462, 466, 468, -c
coisificagáo 471, 473-476, 509 -c
- da natureza, 65 - direta, 314, 338, 471, 475, 476, - d
- do mundo, 57, 96, 108, 319, 330 491, 494 -h
cosmovisáo, 78, 167, 318, 371 - na produgáo, 474, 491 31,
Costa Rica, 152 - participativa, 144, 246, 407, 414, 46(
crise 460, 469, 495 - ir
- ambiental, 55, 59, 64, 77, 93, 126, - política, 81, 407, 468, 469, 474 - ir
131-135, 137, 139, 140, 163, 172, - representativa, 314, 460, 469, 471 - p
174, 176, 185, 204, 223, 226, 249, dependéncia tecnológica, 477 - tr
256, 263, 281, 282, 288, 290-292, dióxido de carbono, 135, 149, 151, 154, 501
294, 299, 304, 319, 322, 325, 327, 167, 191, 194, 195, 203, 216 - tr
329, 337, 347, 374, 381, 388, 397, direito (s) - uI
406, 453, 478 - á diferenga, 160, 163, 166, 229, desenv
- da civilizagáo, 405 245, 312, 314, 341, 356, 377, 389, - er
- da natureza, 304, 347 408, 469, 487, 504, 505, 507, 511 - es
- da racionalidade económica, 238 - á gestáo participativa, 408 - so
- da razáo, 281 - á sobrevivéncia, 77, 159 - su
- de identidade, 196 - a ter direitos, 261, 365 77,
- de recursos, 224 - ambientais, 163, 253, 280, 419, 425, 156,
- do conhecimento, 59, 347 457, 460, 486 188,
- do desenvolvimento, 347 - ao território, 299, 503 225,
- do mundo, 294 - cidadáos, 144, 236, 326, 467, 473, 242,
- do pensamento ocidental, 288 475 258,
- do sistema, 231 - coletivos, 152, 176, 267, 314 283,
- ecológica, 143, 288, 304 - culturais, 139, 157, 261, 312, 407, 347-
cultura 412, 415, 457, 474, 486, 487, 490, 400,
- da modernidade, 443 506, 509, 512 420,
- da pós-modernidade, 407 - da mulher, 261, 326 435,
- democrática, 473, 475, 505 - da natureza, 327 476,
- dominante, 260, 399, 423, 446 - de apropriagáo, 418, 461 492-,
- ecológica, 260, 261, 418, 419, 422, - de contaminagáo, 155 desconst
425, 428, 435, 468 - de propriedade, 74, 137, 139, 143, 141,
- global, 266, 405 150, 224, 303, 332, 407, 420, 461, 260,
- moderna, 320, 329 466, 469, 477, 481, 487-489, 499, 329, ,
- tradicional, 422 511 412,
cyborg (s), 119 - de propriedade intelectual, 74, 143, desflores
150, 303, 420, 461, 487-489 201,
degradagáo ambiental, 134-137, 144, - de reapropriagáo da natureza, 116, desnatur.
155, 157, 162, 184, 205, 213, 225, 133, 149, 157, 206, 260, 299, 303, 304,

540
RACIONALIDADE AMBIENTAL

304, 314, 376, 386, 400, 411 420, desordem, 105, 196, 218, 273, 331, 444
445, 446, 454, 463, 466, 467, 486, desvalorizagáo
487, 499, 504, 506, 507, 509 - do capital, 40
- de ser, 299, 304, 314, 335, 339, 503 - do valor, 31, 43
- do mercado, 311 dívida ecológica, 150, 155, 299, 303
- do ser, 149, 289, 297, 314, 326 développment durable, 138
- humanos, 207, 241, 261, 263, 311- dialética
313, 320, 365, 407, 415, 460, 461, - da história, 56, 73, 77, 111
466-468, 470, 472, 475, 486, 487, 490 - da natureza, 52, 77, 78, 84-86, 98,
- indígenas, 311, 463, 466, 467, 472 99, 178
- individuais, 313, 338 - da negagáo, 211
- positivo, 237, 312, 488, 504 - da transcendéncia, 87
- tradicionais, 163, 447, 463, 480, - do amo e do escravo, 161
501 - do concreto, 100
- transacionáveis, 149 - do iluminismo, 84, 350
- universais, 420, 486 - do modo de produgáo, 63
desenvolvimento - do poder, 82
- endógeno, 478, 481, 483, 484, 499 - do processo laboral, 52, 73
- estratégia de, 416, 510 - do ser, 363
- social, 478, 481-483, 511 - dos meios e fins, 67
- sustentável, 60, 61, 64, 65, 67-69, - ecológica, 112
77, 112, 115, 117, 135-138, 149, 152- - social, 31, 47, 110, 116, 120, 250,
156, 165, 166,169, 173, 176, 185, 262, 410
188, 191, 193, 200, 206, 209, 223, - transcendental, 48, 50, 52, 56.
225, 226, 231, 232, 236, 238, 239, dialógica, 88, 111, 115, 251, 395, 400
242, 245, 247, 248, 251, 255, 256, diálogo
258, 261, 262, 266, 273, 274, 279- - de saberes, 110, 111, 116, 126, 127,
283, 299, 314, 318, 321, 326, 327, 130, 260, 269, 292, 296-298, 317,
347-349, 357, 378, 379, 386, 394, 345, 347, 349, 350, 356, 360, 361,
400, 406-408, 411, 414, 416-418, 364-371, 374-386, 388-391, 393-395,
420, 422, 423, 425, 428, 432, 434, 398-400, 410-412, 427, 505
435, 447, 461, 463, 465, 470-473, - de seres, 398
476, 477, 480, 481, 483, 485, 487, - intercultural, 394
492-494, 501, 505, 509, 510, 512 diferenga entre os sexos, 324, 327, 334
desconstrugáo, 56, 59, 74, 96, 134, 136, dimensáo estrutural, 64, 173
141, 144, 157, 231, 232, 247, 249, discurso
260, 289, 307, 311, 318, 321, 327, - ambiental, 252, 258, 279, 287, 367,
329, 332, 335, 375, 377, 379, 400, 438
412, 446, 464 - ambientalista, 248, 257, 459
desflorestamento, 135, 148, 172, 184, - científico, 51, 113, 128
201, 202, 215, 216, 406 - crítico, 258
desnaturalizagáo, 106, 148, 172, 289, - da ecologia política, 338
304, 306 - da globalizaláo, 143, 161

541
ENRIQUE LEFF

- da globalizagáo económica, 161 - de saberes, 110, 111, 116, 126, 127, - d


- da simulagáo, 129 130, 240, 260, 262, 269, 283, 291, 79
- da sustentabilidade, 60, 101, 133, 292, 296-298, 315, 317, 321, 345, -d
137, 139, 140, 144, 145, 148, 150, 347, 349, 350, 356, 359-361, 364- -fi
154, 155, 158, 161, 182, 187, 189- 371, 374-388, 390, 391, 393-396, - n
192, 194-197, 205 398-400, 410-412, 427, 431, 492, 505 ecoloE
- do desenvolvimento sustentável, 60, - de sentidos, 60, 100, 115, 233, 235, -d
61, 64, 65, 67-69, 117, 135-138, 152, 236, 281, 291, 305, 314-317, 338, 368, -d
153, 156, 166, 173, 188, 191, 200, 206 369, 376, 377, 383, 387, 410, 504 -d
- do ecodesenvolvimento, 135 - de valores, 33, 60, 67, 246 - d.
- ecoanarquista, 78, 99 - d.
- do ser, 69, 86
ecologista, 67, 87, 101, 102 - d,
- ecológica, 146, 310
- filosófico, 52, 113 - di
- étnica, 135, 247, 405, 457, 460,
- humano, 446 - d.
473, 474
- neoliberal, 139, 225 ecoma:
- genética, 430
- político, 342 econor
- lingüística, 447
- sobre a biodiversidade, 149 - ar
- ontológica, 61 - ca
- teórico, 66, 79, 131, 133, 281 dom, 342, 343, 370, 441, 442 - "e
diversidade
domínios disciplinares, 166, 204 - cc
- biológica, 147, 151, 218, 256, 301
dualismo, 98, 100, 101, 102, 105, 107- - de
- cultural, 68, 82, 159-161, 176, 207,
110, 210, 308, 309, 318, 333 - de
209, 227, 229, 233, 239, 245, 246,
259, 260, 263, 264, 267, 280, 292, - de
297, 304, 311, 349, 360, 368, 371, ecoanarquismo, 113, 306 135
380, 391, 393, 394, 407, 408, 410, ecodesenvolvimento, 134-136 176.
412, 414-416, 420, 421, 425, 428, ecodestrutivo, 406 206.
456, 463, 473, 474, 498, 500, 506, ecoeficiéncia, 144 -e
511 ecofeminismo, 326, 327, 329, 330, 332 - ec
- de consciéncia (s), 225 ecologia
- de cosmovisóes, 418 - evolutiva, 261, 285 - gl<
- de espécies, 189 - funcional, 285 - m<
- de estilos de desenvolvimento, 229, - generalizada, 280, 300, 306, 316, - mc
256 319, 320 - mr
- de formas de vida, 80, 147, 378, 439 - humana, 240 - ne;
- de identidades, 60, 158, 159, 290, - política, 232, 246, 259, 265, 267, - neo
293, 297, 299, 313, 314, 318, 332, 277, 280, 288, 299-307, 310-316, - neo
338, 370, 376, 385, 394, 411, 412, 318, 320, 321, 325, 326, 330, 335, - po.
453, 476, 505, 507 338, 339 - sta
- de práticas, 158, 208, 228, 241, 250 - produtiva, 484 - sus
- de racionalidades, 61, 162, 231, - profunda, 305 207,
234, 246, 249, 253, 255, 260, 307, - social, 460, 461 - vul
310, 349, 386, 389, 393, 399, 409, ecologismo, 52, 77, 78, 81, 83, 92, 96, econom
419, 423, 440, 466, 485 102, 103, 109, 113, 116 - da

542
RACIONALIDADE AMBIENTAL

- dialético, 52, 53, 55, 62, 66, 67, 78, - do mundo, 131, 146
79 ecossistema(s)
- dos pobres, 460, 477, 478, 483 - auto-organizados, 188, 214
- funcionalista, 286, 318 - clímax, 151, 183, 190, 192
- naturalista, 290, 306, 326, 330, 331 - complexo(s), 129, 189, 190, 195,
ecologizagáo 204
- da cultura, 446 - contíguos, 183, 192, 302
- da economia, 137, 148, 229 - degradagáo do, 79, 132, 134-137,
- da ordem económica, 280 141, 143, 144, 155, 157, 159, 162,
- da ordem social, 250 172, 174-178, 181-191, 195-197,
- das relagóes sociais, 306 199-201, 205, 207
- do mundo, 293 - do Norte, 150, 152
- do pensamento, 293 - florestais, 155, 191
- do planeta, 377 - Iocais, 135, 154, 210
ecomarxismo, 31, 285 - naturais, 139, 145, 150, 154, 191
economia - produtivos, 135, 174, 185, 195, 200,
- ambiental, 31 202, 204, 206, 207, 209
- capitalista, 96 - recurso, 155, 158, 186, 214
- "clássica" do valor, 173, 177 - secundários, 167
- convencional, 180, 205, 210 - terrestres, 217
- de estado estacionário, 191 - tropicais, 74, 151-153, 191, 193,
- de mercado, 144, 209 203
- do desenvolvimento sustentável, ecosofias, 257, 305
135-138, 149, 152-156, 169, 173, ecotécnicas, 258, 283
176, 185, 186, 188, 191, 193, 200, efeito estufa, 81, 135, 148, 149, 151,
206, 209 152, 155, 156, 177, 188, 191, 195,
- e ecologia, 149, 216 200-202, 206
- ecológica, 134, 148, 174, 180, 184- emancipagáo, 33, 133, 138, 160
186, 197, 202 entropia
- global, 133, 157, 172, 207 - cósmica, 198
- mecanicista, 294 - da biosfera, 189, 202
- moderna, 175 - do universo, 199
- mundial, 202 - em sistemas fechados, 198, 199
- neguentrópica, 194 - global, 192, 195, 198
- neoclássica, 223, 272, 283, 285 - interna, 215
- neoliberal, 144 - lei limite da, 132, 133, 164, 169,
- política, 149, 227, 302, 305, 311 173, 174, 177, 181, 182, 187, 196,
- standard, 184 205, 207, 209
- sustentável, 32, 61, 139, 174, 185, - negativa, 186, 189, 198, 200
207, 228, 257, 286, 317 - neguentrópica, 154, 169, 181, 183,
- vulgar, 34, 48 186-195, 197-202, 204, 207-210
economizagáo - social, 403, 436, 437, 441
- da natureza, 148 episteme, 33, 54, 77

543
ENRIQUE LEFF

epistemologia - de racionalidade,108, 113, 133, 157,


- ambiental, 316-318, 320 159, 207, 232, 235, 237, 238, 242-
- da complexidade, 110 252, 254, 259-261, 263-268, 271-
- empírica, 304 274, 279, 281, 286, 287, 302, 307,
- estruturalista, 90 310, 317, 319, 340, 349-352, 354-
- materialista, 50 356, 370, 384, 388, 399, 405, 409,
- mecanicista, 179 410, 413, 418, 428, 447, 459, 465,
- moderna, 301 483, 484, 499, 506, 507
- política, 314, 315, 317, 318, 320, - económica, 224, 244, 262, 463, 483
321 - institucional, 273
- positivista, 335 - jurídica, 244
- pós-estruturalista, 98 - produtiva, 214, 420
- realista, 55, 90 estado
epistemológico, 48, 50, 54, 61, 62, 67, - aparatos do, 248, 251, 282
91, 103-105, 107, 124, 126, 180, 196, - benfeitor, 457, 511
290, 291, 308, 315, 319, 336, 375, - estacionário, 191, 204, 225, 229- .3
502 231, 273, 285
eqüidade - moderno, 158, 245, 259
- de género, 331 - pluriétnico, 415, 454 estrt
- e democracia, 92, 339 Estados Unidos, 441, 448 3
- e sustentabilidade, 150 estilos étnicos, 260, 415, 417, 419, 421, ética
- na diversidade, 338 431, 433, 435
- social, 81, 176, 209, 224, 248, 263, estratégias 3
267, 280 - conceituais, 280
equilíbrio - de dominagáo, 262, 333, 408, 499
- dos fatores da produgáo, 172 - de poder, 31, 60, 79, 81, 87, 100,
- ecológico, 60, 141, 143, 145, 147, 111, 116, 125, 128, 131, 133, 142,
152, 155, 156, 176, 188, 194, 195, 163, 165, 231, 246, 252, 255, 258,
197, 201, 202, 205, 207 267, 269, 270, 274, 281, 297, 298,
- entrópico, 155, 198, 200, 201, 203 300, 301, 306, 310, 313, 316, 316,
- termodinámico, 192 320, 332, 342, 357, 370, 377, 378,
eros, 19, 335 382, 387, 397, 399, 400, 456, 463,
erotismo, 331, 371, 391 465, 490, 491
erotizagáo - de poder no saber, 60, 87, 128, 163,
- da existéncia, 441 231, 300, 310, 320, 370, 377, 382,
- da vida, 232 387, 397, 399
essencialismo, 87, 107, 297, 312, 320, - de sedugáo, 142
328, 331, 332, 411 - fatais, 121, 124-126, 131-133, 139, etnot
esfera(s) 143-145, 162, 164, 173, 295 etnot
- culturais, 259, 356, 409, 413 estratosfera, 187, 198 etnoc
- de poder, 78, 92, 116, 145, 163, estrutura (s) etnot
166, 201, 210 - de poder, 329 evolu

544
RACIONALIDADE AMBIENTAL

- de suporte da vida, 179, 185 - biológica, 80, 83, 86, 88, 89, 99,
- de um modo de produgáo, 32, 33, 111, 116, 189, 190, 194, 199, 250,
35, 39, 47, 49, 50, 52, 55-59, 63, 85, 296, 307, 308, 340, 376, 390, 488
107, 115 - cultural, 201
- dissipativas, 180, 181, 185, 189, - da cultura, 285
197, 201, 204, 205, 210-212 - da matéria, 96, 125
- do real, 95 - da natureza, 260, 295, 340, 361,
- económica, 64, 329 436, 495
- formal, 333, 387 - dialética, 117, 128
- genética, 308, 410 - do pensamento, 90, 292, 300
- mítica, 373 - ecocultural, 435
- molecular, 369 - ecológica, 325
- significante, 114 - natural, 80, 84, 86, 99, 234, 290,
- simbólica, 77, 317, 329 295
- social (ais), 40, 51, 52, 327, 329, - social. 80, 327, 350
332 exegese, 48, 53, 291, 399
- socioecológica, 92 exergia, 192, 193, 195, 208
- teórica, 286 externalidade (es)
estruturalismo, 86, 90, 92, 97, 112, 128, - ambiental (ais), 134, 136, 223, 241,
247, 252, 258, 283, 302
300
EZLN (Exército Zapatista de Libertagáo
ética
Nacional), 491
- ambiental, 237, 250, 267-269, 271,
336, 337 falo, 328, 329, 332
- conservacionista, 226, 264 falocentrismo, 327, 328
- da frugalidade, 232, 338, 441 falocracia, 326, 328
- da natureza, 86 feminino, 109, 328, 331, 332, 334, 343
- da outridade, 101, 160, 262, 267, fenomenologia, 49, 52, 54, 55, 86, 104,
374, 378, 383, 396, 410, 472 109, 216, 325, 352, 371
- da vida, 305, 322, 323 finalidade, 62, 117, 127, 128, 130, 141,
- do conhecimento, 60 204, 236, 270, 367, 368, 371, 449
- do desenvolvimento sustentável, 266 fluxo
- ecológica, 127, 321 - de matérias e de energia, 175, 184,
- empresarial, 206 195, 230
- naturalista, 80, 113 formagáo (óes)
- objetiva, 101, 112 - culturais, 255, 326
- protestante, 268 - de biomassa, 155, 167, 183, 186,
- racional, 268 188, 190-193, 197-204
etnobioprospecgáo, 303, 314 - de valor, 37, 45, 46, 48, 175
etnobotánica, 284 - discursivas, 308, 321
etnociéncias, 297 - do inconsciente, 295, 308, 332
etnotécnica, 284 - ideológicas, 51, 63, 79, 81, 244,
evolugáo 292, 457, 471

545
ENRIQUE LEFF

- neguentrópica de biomassa, 198 hermenéutica, 31, 48, 52, 102, 111


- simbólicas, 113, 382 hermenéutica ambiental, 291
- social, 35, 53, 398, 421, 427, 429, hermenéutica diatópica, 401
434 hibridagáo, 107, 119, 127, 162, 209,
- socioeconómicas, 260, 419, 428 294, 315 instr
- teóricas, 240, 242, 282 hiperconsumo, 81, 133
forgas hiper-realidade, 65, 107, 124-126, 130-
- políticas, 115, 312, 469, 505 133, 160, 162, 172, 173
- produtivas, 29, 32, 33, 35-37, 39, hipertelia, 127, 130, 140
43-48, 58, 59, 64, 68, 72-74, 96, 111, historicidade, 31, 33-35, 94, 111
149, 207, 225, 257, 285, 287, 397, - da teoria, 31, 33
405, 425, 428, 432, 433, 462, 464, - da verdade, 291
484, 495 - do pensamento, 296
- reativas, 210 - do real, 111
fungóes - dos conceitos, 34
- de dano ecológico, 283 holístico, 92, 93, 107 finten
- ecológicas, 426, 494 hologramático, 382 inter(
futuro sustentável, 110, 113, 127, 133, horno economicus, 68, 77, 234 inter(
142, 180, 197, 207, 209, 210 irrev<
identidade (s) isom(
geratividade, 116, 374, 376, 378, 390 - cultural (ais), 318, 376 isono
género, 37, 79, 137 - étnica (s), 428, 434
geografia, 166, 284, 285, 300, 307, 339 - híbridas, 103, 130, 298, 307 jogo
geopolítica ideologia (s) justk
- do desenvolvimento sustentável, 61, - agrícolas tradicionais, 421, 430
225, 261 - teóricas, 282, 315 -

gerontocracia, 326, 329 imaginagáo - c


gestáo - abolicionista, 339 -E

- ambiental, 206, 247, 250, 251, 255, - sociológica, 239 -1


258, 260, 263, 283, 287 imaginário (s) -s
- científica, 375 - coletivo (s), 322
- da sustentabilidade, 197 - social (ais), 301, 321 tafia
- do desenvolvimento sustentável, 60, inca, 413 legisle
61, 64, 65, 67-69 incerteza, 87, 125, 127, 129, 148, 151, lei (s)
- dos recursos naturais, 139, 143, 145, 172, 192, 196, 208 -

147, 149, 176, 188, 200, 201, 207, incomensurabilidade, 155, 159, 224, 226, -c
209 231, 246 -c
- económica, 153, 244 Índia, 154, 427, 461, 471 18
- participativa, 135, 200, 209 indígena (s), 299, 378 -d
- racional, 127, 132 - comunidade (s), 117 -d
gnosiologia, 305, 396 - cultura (s), 421 18'
- direitos, 311 -d

546
RACIONALIDADE AMBIENTAL

- grupos, 376 - do organismo, 119


- movimentos, 462, 490, 492 - do pensamento, 99
- populagóes, 61, 145, 152, 153, 156 - do valor, 39, 50
- poyos, 138, 139, 154 - dialética, 31
instrumentos - ecológicas, 80
- de avaliagáo, 247 - estrutural do valor, 63-65, 69
- de controle, 81 - estrutural, 63, 69
- económicos, 67 - física, 179
- legais, 144 - internas do capital, 59, 85
- materiais, 269 - natural (ais), 50, 52, 53
- normativos, 281 - objetivas, 59
- para a gesto ambiental, 251 - ontológica, 86, 88, 89, 91, 97, 101,
- técnicos, 252, 258 103, 107, 113, 155
- tecnológicos, 263, 267 - simbólica, 343
- teóricos, 272 - social (ais), 48
intercambio simbólico, 63, 67 - universal, 114
interdisciplinaridade, 130, 292 logocentrismo, 74, 126, 160
interesses disciplinares, 282 logos, 72, 85, 92, 118
irreversibilidade, 296 luta (s)
isomorfismos estruturais, 279 - ambientalistas, 326
isonomia, 86 - camponesas, 469, 470, 490
- de classes, 32, 33, 40, 47, 52, 59,
jogo estrutural, 64 114
justita, 74, 78 - de poder, 313
- ambiental, 143 - de resisténcia, 158
- de género, 331 - feministas, 331
- do outro, 368 - indígenas, 463, 490, 491
- em relagáo ao outro, 331, 343 - política (s), 462
- humana, 331 - populares, 493
- social, 141 - social (ais), 463, 466, 469, 484, 486,
487, 490, 494, 502, 507
latifúndios genéticos, 149
legislagáo ambiental, 274 mais-valia, 37, 39, 40, 41, 42, 45, 50-52,
lei (s) 57, 58, 96
- biológicas, 52, 176 - absoluta, 40
- científicas, 59 - relativa, 37, 40, 41, 44
- da entropia, 141, 181, 184, 186, materialismo dialético, 55, 62, 79, 85, 87,
187, 198, 199, 206 88, 98, 116
- da evolugáo, 116 materialismo histórico, 31-35, 39, 48, 50-
- da termodinámica, 179, 181, 184, 52, 58, 59, 62, 66, 79, 85, 94, 95,
187, 206, 207 111, 114
- do mercado, 40 mecanismo (s)

547
ENRIQUE LEFF

- de apropriag'áo, 31, 53, 57, 61, 65 - morfogenéticos, 209


- de auto-organizagáo, 87, 88, 102 - semiológicos, 68
- de desenvolvimento limpo, 149, - teórico (s), 209
151, 193 modernidade
- de desenvolvimento sustentável, 137, - insustentável, 290
186, 188 modo de produgáo capitalista, 32, 33, 35,
- implementagáo conjunta, 151, 156 39, 47, 49, 50, 57-59, 63, 107, 405
- de mercado, 139, 163 monismo ontológico, 83, 89, 91, 92, 94-
- económicos, 142 99, 102, 103, 106, 107, 109, 110, 319
- reguladores, 214 movimentos
mercadoria, 33, 36, 38, 39, 41, 51, 65 - ambientalistas, 454, 458, 459
mercantilizagáo da natureza, 137, 148, - de reapropriagáo da natureza, 116, mud
152 133, 149, 157, 206, 260, 299, 303, 3
metabolismo, 54, 134, 146, 190, 191, 304, 314, 376, 386, 400, 411, 420, mull
194, 199 445, 446, 454, 463, 466, 467, 486, 4
metafísica, 48-52, 56, 63, 65-67, 77, 87, 487, 499, 504, 506, 507, 509 mun
90, 93, 94, 96, 99, 100, 110, 116 - sociais, 77, 96, 136, 158, 209, 232, 11
metástase, 123, 125, 128, 131, 142, 145, 240, 246, 301, 302, 303, 324, 339, mun,
162 394, 408, 413, 446, 453-455, 459, 1,

método (s) interdisciplinar (es), 204, 239, 462, 464, 467, 468, 475, 478, 486, 2,
279, 283, 306, 375 487, 489, 491, 493, 501, 506, 507,
México, 441, 489, 490 509 3(
modelo (s) movimentos históricos 41
- alternativos, 424 - camponeses, 144, 416, 417, 447,
- civilizatório, 223 448, 458, 459, 462, 463, 468, 474, natur
- cognoscitivo (s), 109, 355, 386, 402 480, 491, 492, 496, 508, 509
- de codificagáo, 68, 131, 159, 254, - da história, 48-52, 54, 56, 58, 64, 11
348, 409 73, 77, 79, 87, 88, 92, 94-99, 101, 11
- de explicagáo, 274 111, 114, 115, 128, 132, 159-161, 21
- de modernidade, 136 175, 180, 210, 211, 235, 236, 239, 3C
- de racionalidade, 133, 254, 317 240, 288-290, 292, 296, 301, 304, 38
- de regressáo múltipla, 149 306, 313, 322, 333, 347-349, 351, 46
- de simulagáo, 126 356, 365, 371, 372, 375, 376, 380, 49
- ecológico, 86 385, 386, 391, 408, 411, 445, 479 -
- económico (s), 281, 489 - da sociedade, 34, 50, 52-56, 73, 78- - c
- estratégico, 128 81, 83, 86, 92, 94, 99, 104, 111, 114, 12
- holístico, 92, 93, 107, 294, 319, 115, 118-120, 145, 179, 187, 207, - c
374, 378, 382, 387 232, 235, 243, 245, 247, 248, 250, 43
- mecanicista, 49, 50, 91, 129, 134, 273, 274, 287, 326, 350, 351, 371, -c
138, 144, 172, 174, 175, 179, 185, 384, 388, 407, 414, 417, 418, 432, - r
204, 211, 213, 225, 236, 265, 294, 453, 455, 457, 459, 460, 467, 469, 15
306 471, 473, 475, 480, 482, 484, 495 371

548
RACIONALIDADE AMBIENTAL

- de emancipagáo, 33, 160, 291, 296, 454, 463, 466, 467, 486, 487, 499,
333, 335, 336, 343, 504, 506 504, 506, 507, 509
- de resisténcia, 158, 160, 161, 163, - regimes de, 340
236, 265, 291, 297, 299, 302, 303, naturalismo
307, 399, 461, 488, 490, 493, 501, - dialético, 52, 67, 75, 83, 84, 86, 89,
504, 513 94, 97, 98, 101, 111, 113, 116, 316,
- ecofeminista, 326, 327, 329, 331 320,
- em defeca da natureza, 78 neguentropia, 182, 183, 189, 192, 195,
- libertário, 81, 339 197, 198, 203-206, 209, 218, 228,
- populares, 59 444
- teóricos, 417 neo-evolucionismo, 285
mudanga climática, 145, 147, 266, 274, neofuncionalismo, 285
321, 461, 472 neoliberalismo
mulher, 130, 261, 323, 326-335, 343, - ambiental, 151, 163, 205
477 - económico, 205
mundo objeto, 125-129, 133, 141, 159, - social, 482, 483
160, 337 niilismo, 92, 100, 211, 270
mundo (s) de vida, 66, 78, 107, 125, 126, norma (s)
146, 157, 159, 163, 205, 212, 235, - culturais, 260, 265
243, 248, 288, 291, 296, 297, 301, - de vida, 123, 274
307, 310, 337, 342, 348, 352, 359, - ecológica (s), 226, 241, 274, 302,
360, 364, 365, 377, 396, 399, 410, 303, 464
411, 465, 470 - jurídicas, 241, 251, 252, 262, 267,
454
natureza - legal (ais), 148, 252
- apropriagáo da, 53, 61, 65, 79, 111, - social, 274, 323, 488
112, 114, 136-138, 142, 145, 147- neguentrópicos (processos), 57, 181, 182,
149, 163, 171, 201, 207, 208, 241, 186, 187, 191, 192, 194, 209, 218
244, 264-266, 292, 297, 302, 303,
306, 307, 332, 339, 375, 377, 382, objetivagáo
383, 391, 406, 415, 455, 461, 463, - da natureza, 77, 327
464, 466, 471, 477, 484, 486, 487, - da realidade, 54, 62
492 - do mundo, 67, 123, 125, 145, 146
- capitalizada, 305, 307 - do ser, 149, 289, 297, 314, 326
- conceito de, 48-50, 56, 66, 68, 111, ontologia
123, 132, 307 - da diferenga, 101
- consumo produtivo da, 182, 197, - da natureza, 78, 101
438 - da outridade, 332
- orgánica, 93, 305, 326, 340 da práxis, 49
- reapropriagáo da, 116, 133, 149, - do objeto, 127
157, 206, 260, 299, 303, 304, 314, - do real, 124, 251
376, 386, 400, 411, 420, 445, 446, - do ser, 149, 289, 297, 314, 326

549
ENRIQUE LEFF

- geral, 31, 33 - mecanicista (s), 294


- metafísica, 48-52, 56, 63, 65-67, 77, - produtivo (s), 209
4!
87, 90, 93, 94, 96, 99, 100, 110, 116 - social, 58, 59, 78, 86, 87, 98, 113,
- universal, 114 116
ordem - teórico (s), 66, 79, 131, 133, 281
pobre
- ecológica, 208 parte maldita, a, 435, 437, 439, 440, 449
- económica, 31, 32, 146, 171, 172, patriarcado, 84, 326, 327, 329
reapt
174, 175 património
- natural, 70, 140, 142, 145, 146, - cultural, 147, 157, 208
11
148, 153, 283, 285, 419, 485, 495, - de recursos naturais, 139, 143, 145,
510 147, 149, 176, 188, 200, 201, 207,
- social, 58, 59, 78, 86, 87, 98, 113, 209
3C
116 - histórico
38
ordenamento - natural, 70, 140, 142, 145, 146,
46
- ecológico, 159, 426 148, 153, 283, 285, 419, 485, 495,
49
organizagáo 510
- ecológica, 208 -
- tecnológico, 263, 267
13
- económica, 31, 32, 146, 171, 172, pegada ecológica, 274
174, 175 pensamento 34
36
- neguentrópica, 154, 169, 181, 183, - alternativo, 424
- ambiental, 60, 61, 69, 75, 93, 110, 39
186-195, 197-202, 204, 207-210
-c
- produtiva e social, 58, 59, 78, 86, 160, 204, 209, 233, 239, 256, 288-
87, 98, 113, 116 290, 292, 299, 301, 306, 320, 335, -c
- social, 58, 59, 78, 86, 87, 98, 113, 339, 342, 396, 412 -c
61
116 - científico, 51, 113, 128
23
- coisificador, 52, 383, 409
35'
paradigma (s) - complexo, 34, 37, 38, 41, 45, 89,
42:
- alternativo, 424 90, 94, 102, 129, 189, 190, 195, 204,
46.
- ambiental, 60, 61, 69, 75, 93, 110, 217, 233, 245, 250, 256, 273, 279,
48:
160, 204, 209, 233, 239, 256, 288- 282, 289, 293, 294, 300, 316, 317,
50(
290, 292, 299, 301, 306, 320, 335, 320, 322, 328, 343, 430, 436, 464,
-d
339, 342, 396, 412 474
14!
- bioeconómico, 63, 67, 108, 172 - conceitual, 72, 91
25E
- científico (s), 51, 113, 128 - crítico, 258
401
- de sustentabilidade, 60, 101, 133, - da complexidade, 87, 101, 108, 320
441
137, 139, 140, 144, 145, 148, 150, - da diferenca, 160, 163, 166, 229,
461
154, 155, 158, 161, 182, 187, 189- 245, 312, 314, 341, 356, 377, 389,
491
192, 194-197, 205 408, 469, 487, 504, 505, 507, 511
- sc
- do conhecimento, 60 - ecofeminista, 326, 327, 329, 331
163
- económico (da economia), 281, 489 - ecológico, 159, 426
recurso
- ecotecnológico, 198, 200, 257, 264, - ecologista, 67, 87, 101, 102
- ec
418, 434 - económico, 63, 67, 108, 172
- ge

550
RACIONALIDADE AMBIENTAL

- humano, 70, 142, 143, 145, 236, regimes


485 - ambientais, 163, 253, 280, 419, 425,
- pós-moderno, 158, 245, 259 457, 460, 486
- teórico, 66, 79, 131, 133, 281 - de natureza (s), 94, 115, 116, 163,
pobreza 205, 208, 241, 305, 348
- universal, 114 - de poder, 78, 92, 116, 145, 163,
reapropriagáo 166, 201, 210
- da natureza, 53, 61, 65, 79, 111, - de poder no saber, 163, 166, 201,
112, 114, 136-138, 142, 145, 147- 210
149, 163, 171, 201, 207, 208, 241, relagáo estrutural, 85
244, 264-266, 292, 297, 302, 303, relagóes sociais, 77, 96, 136, 158, 209,
306, 307, 332, 339, 375, 377, 382, 232, 240, 246, 301, 302, 303, 324,
383, 391, 406, 415, 455, 461, 462, 339, 394, 408, 413, 446, 453-455,
464, 466, 471, 477, 484, 486, 487, 459, 462, 464, 467, 468, 475, 478,
492 486, 487, 489, 491, 493, 501, 506,
- de saberes, 110, 111, 116, 126, 127, 507, 509
130, 260, 269, 292, 296-298, 317, reprodugáo
345, 347, 349, 350, 356, 360, 361, - ampliagáo do capital, 46
364-371, 374-386, 388-391, 393-395, - do capital, 46
398-400, 410-412, 427, 505 - económica, 31, 32, 146, 171, 172,
- de seus estilos de vida, 123, 274 174, 175
- do mundo, 390, 399 - social, 58, 59, 78, 86, 87, 98, 113,
- do património de recursos naturais, 116
61, 143, 145, 153, 163, 207, 232, reserva (s)
237, 247, 256, 259, 299, 303, 342, - de biodiversidade, 153
357, 407, 408, 414-417, 421-425, - da biosfera, 80, 135, 150, 154, 158,
428, 432, 448, 454, 457, 460, 462, 160, 182, 183, 186-191, 194, 195,
463, 466, 468, 470, 472, 477, 484, 198, 200-204, 217, 274, 308, 310,
485, 487-491, 493, 495, 497, 498, 378, 409, 426, 447
500, 511 - de recursos genéticos, 149
- do património histórico, 61, 143, - dos recursos naturais, 139, 143,
145, 153, 163, 207, 232, 237, 247, 282, 285
256, 259, 299, 303, 342, 357, 407, - natural, 70, 140, 142, 145, 146,
408, 414-417, 421-425, 428, 432, 148, 153, 283, 285, 419, 485, 495,
448, 454, 457, 460, 462, 463, 466, 510
468, 470, 472, 477, 484, 485, 487- revolugáo
491, 493, 495, 497, 498, 500, 511 - científico-tecnológica, 46, 73, 145,
- social da natureza, 94, 115, 116, 338
163, 205, 208, 241, 305, 348 - estrutural, 286
recursos - social, 58, 59, 78, 86, 87, 98, 113,
- ecológicos, 159, 426 116
- genéticos, 149 - verde, 479, 492

551
ENRIQUE LEFF

risco ecológico, 228, 239, 290, 322, 323 sistema (s)


rosto - aberto (s), 182, 188, 198
- epifania do, 378, 390 - agrícola (s), 434
- agroecológicos, 424, 430, 485, 493
saber (es) - agrossilvoprodutivos, 430
- agroecológico, 424, 430, 485, 493 - ambiental, 60, 61, 69, 75, 93, 110,
- ambiental, 60, 61, 69, 75, 93, 110, 160, 204, 209, 233, 239, 256, 288-
160, 204, 209, 233, 239, 256, 288- 290, 292, 299, 301, 306, 320, 335,
290, 292, 299, 301, 306, 320, 335, 339, 342, 396, 412
339, 342, 396, 412 - auto-organizativos, 191, 192, 197,
- arraigado, 243, 308, 326, 380, 389, 202, 208, 215
418 - autopoiético, 215
- autóctones, 159, 375, 406, 411, 413, - autotrófico, 192 5
417, 419, 463, 493 - biocultural, 504
- camponeses, 144 - bioeconómico, 181, 199, 200, 204
- colonizagáo do, 399 - biológico (s), 87, 97, 100, 203, 294,
- comum (ns), 358 327, 365, 421, 435
- consabido (s), 317, 382 - capitalista, 39, 40, 45, 46, 50, 52
- cultural (ais), 318, 376 - centrais de agáo, 259
- de fundo, 37, 48, 52, 137, 158, 268, - científico, 51, 113, 128
347, 352, 353, 357, 360, 361, 364, - complexos, 34, 37, 38, 41, 45, 89, 51
368, 379, 394, 400, 401 90, 94, 102, 129, 189, 190, 195, 204,
- dos poyos, 377 217, 233, 245, 250, 256, 273, 279,
- empíricos, 51, 97, 236, 237, 512 282, 289, 293, 294, 300, 316, 317,
- tradicionais, 163, 447, 463, 480, 501 320, 322, 328, 343, 430, 436, 464,
sedugáo, 124, 126, 129, 130, 142, 165, 474
330, 333 - culturais, 209 11
ser - de conhecimento (s), 60
- cultural, 147, 157, 208 - de milpa, 448, 449 24
- simbólico, 63, 67 - de recursos naturais, 139, 143, 145, 25
- seringueiros, 339, 451, 461, 493, 147, 149, 176, 188, 200, 201, 207, 21
501, 502, 507 209 34
- servigos ambientais, 163, 253, 280, - de referéncias,128, 411, 447 4C
419, 425, 457, 460, 486 - de representagáo, 62, 65, 82, 92, 42
- significáncia, 107, 311, 360, 378, 109, 110, 116, 124, 125, 128-130, 43
388, 390, 391, 393-396, 410 132, 175, 196, 300, 304, 308, 309, 47
- silvicultura, 422 317, 325, 347, 355, 366, 367, 368, 49
simulagáo, 64-66, 68, 124-126, 128, 129, 373, 379, 397, 401, 412, 453, 454, -t
131, 133, 142, 151, 152, 162, 163, 468, 469, 473, 476 50
173, 213, 301, 337, 401 - de saberes, 110, 111, 116, 126, 127, so<
simulacro, 64, 65, 67, 110, 123, 128, 130, 130, 260, 269, 292, 296-298, 317, -a
133, 140, 141, 145, 150, 157, 162 345, 347, 349, 350, 356, 360, 361, -c

552
RACIONALIDADE AMBIENTAL

364-371, 374-386, 388-391, 393-395, sujeito


398-400, 410-412, 427, 505 - social, 58, 59, 78, 86, 87, 98, 113,
- ecológico (s), 159, 426 116
- económico, 63, 67, 108, 172 - teórico, 66, 79, 131, 133, 281
- neguentrópico, 194 sustainable development, 138, 165
- produtivos, 209 sustentabilidade
- simbólico (s), 63, 67 - ambiental, 60, 61, 69, 75, 93, 110,
- sociais, 77, 96, 136, 158, 209, 232, 160, 204, 209, 233, 239, 256, 288-
240, 246, 301, 302, 303, 324, 339, p0, 292, 299, 301, 306, 320, 335,
394, 408, 413, 446, 453-455, 459, 339, 342, 396, 412
462, 464, 467, 468, 475, 478, 486, - do processo económico, 63, 67, 108,
487, 489, 491, 493, 501, 506, 507, 172
509 - dos processos produtivos, 209
- socioeconómicos, 204, 216, 286 - dos poyos, 138, 139, 154
- taxonómicos, 430 - ecológica, 208
- tecnológico, 263, 267
- teoria geral de, 31, 33 tecnonatureza, 305, 340
- teórico, 31, 33 tecnologia
- total, 181, 183, 186 - ecológica, 208
- tradicionais, 163, 447, 463, 480, teleonomia, 213, 250, 363
501 teologia ecológica da libertagáo, 266, 305
- náo capitalistas, 39, 40, 45, 46, 50, teoria (s)
52 - abstrata do capital, 46
- sustentável, 60, 61, 64, 65, 67-69, - da ecologia, 149, 216
77, 112, 115, 117, 135-138, 149, 152- - da representagáo, 62, 65, 82, 92,
156, 165, 166,169, 173, 176, 185, 109, 110, 116, 124, 125, 128-130,
188, 191, 193, 200, 206, 209, 223, 132, 175, 196, 300, 304, 308, 309,
225, 226, 231, 232, 236, 238, 239, 317, 325, 347, 355, 366, 367, 368,
242, 245, 247, 248, 251, 255, 256, 373, 379, 397, 401, 412, 453, 454,
258, 261, 262, 266, 273, 274, 279- 468, 469, 473, 476
283, 299, 314, 318, 321, 326, 327, - do conhecimento, 60
347-349, 357, 378, 379, 386, 394, - económica, 31, 32, 146, 171, 172,
400, 406-408, 411, 414, 416-418, 174, 175
420, 422, 423, 425, 428, 432, 434, - feminista, 331
435, 447, 461, 463, 465, 470-473, - geral de sistemas, 31, 33
476, 477, 480, 481, 483, 485, 487, - social (ais), 40, 51, 52, 327, 329,
492-494, 501, 505, 509, 510, 512 332
- tradicionais, 163, 447, 463, 480, - sociológica, 239
501 Terceiro Mundo, 61, 74, 139, 142, 143,
sociologia 150, 153, 232, 303, 407, 408, 416,
- ambiental do conhecimento, 60 417, 423, 427, 460, 470, 472, 475,
- do conhecimento, 60 477, 479-481, 485, 493, 496-499

553
ENRIQUE LEFF

termodinámica - produtivo, 209


2
- clássica, 173, 177 tradugáo, 66, 71, 165,180, 205, 2z6,
- das estruturas dissipativas, 180, 181, 312, 401, 402, 410, 449 3!
transgénese, 107, 130, 131, 148, 269, 4■
185, 189, 197, 201, 204, 205, 210-
212, 294, 295 296, 323 41
- de processos dissipativos, 180, 181, transobjeto, 130
185, 189, 197 transfluxo, 185, 272
territorialidade (s), 149, 507, 508, 513
utopia, 55, 82, 84, 92, 110, 113, 116, -
território (s)
117, 120, 127, 128, 165, 233, 262, va
- coletivos, 152, 176, 267, 314
- cultural (ais), 318, 376 274, 275, 297, 301, 308, 313, 325,
366, 369, 382, 392, 474 -
- de biodiversidade, 153
-
- de vida, 123, 274
valor (es) 69
- do ser, 149, 289, 297, 314, 326
- ambientais, 163, 253, 280, 419, 425, 23
- ecológicos, 159, 426
457, 460, 486 30
- étnicos, 260, 41S, 417, 419, 421,
- culturais, 209 - c
431, 433, 435
- da democracia, 92, 339 - c
tempo (s)
- da diversidade, 338 11.
- complexo, 34, 37, 38, 41, 45, 89,
- da natureza, 53, 61, 65, 79, 111, 17
90, 94, 102, 129, 189, 190, 195, 204,
112, 114, 136-138, 142, 145, 147- 261
217, 233, 245, 250, 256, 273, 279,
149, 163, 171, 201, 207, 208, 241, 33:
282, 289, 293, 294, 300, 316, 317,
244, 264-266, 292, 297, 302, 303, 40(
320, 322, 328, 343, 430, 436, 464,
306, 307, 332, 339, 375, 377, 382, 47.
474
383, 391, 406, 415, 455, 461, 462, - d
- da sustentabilidade, 60, 101, 133,
464, 466, 471, 477, 484, 486, 487, 10:
137, 139, 140, 144, 145, 148, 150,
154, 155, 158, 161, 182, 187, 189- 492
192, 194-197, 205 - da sustentabilidade, 60, 101, 133,
- de trabalho, 32, 33, 35-41, 43, 44, 137, 139, 140, 144, 145, 148, 150,
47, 48, 51, 52, 58, 60, 61, 70, 72, 96 154, 155, 158, 161, 182, 187, 189-
- do ser, 149, 289, 297, 314, 326 192, 194-197, 205
- futuro (s), 110, 113, 127, 133, 142, - ecológicos, 159, 426
180, 197, 207, 209, 210 - económicos, 67
- moderno, 158, 245, 259 - éticos, 245, 246, 265, 270
- políticos, 81, 407, 468, 469, 474 - humanos, 70, 142, 143, 145, 236,
trabalho 485
- coletivo, 152, 176, 267, 314 - intrínsecos, 260, 267, 312
- complexo, 34, 37, 38, 41, 45, 89, - materiais, 424
90, 94, 102, 129, 189, 190, 195, 204, - objetivos, 61, 230, 247
217, 233, 245, 250, 256, 273, 279, - políticos, 81, 407, 468, 469, 474
282, 289, 293, 294, 300, 316, 317, - referencial (ais), 63, 64, 173
320, 322, 328, 343, 430, 436, 464, 474 - significados, 68, 232, 250

554
RACIONALIDADE AMBIENTAL

- sociais, 77, 96, 136, 158, 209, 232, 161, 162, 175, 179, 181, 183, 184,
240, 246, 301, 302, 303, 324, 339, 190, 195, 199
394, 408, 413, 446, 453-455, 459, 462, - do capital, 46
464, 467, 468, 475, 478, 486, 487, - do mercado, 40, 311
489, 491, 493, 501, 506, 507, 509 - dos recursos, 139, 143, 282, 285
- subjetivos, 61, 67, 232, 236, 246, - do património, 61, 143, 145, 153,
263, 265 163, 207, 232, 237, 247, 256, 259,
- trabalho, 31-34 299, 303, 342, 357, 407, 408, 414-
- tradicionais, 163, 447, 463, 480, 501 417, 421-425, 428, 432, 448, 454,
valorizagáo 457, 460, 462, 463, 466, 468, 470,
- cultural, 147, 157, 208 472, 477, 484, 485, 487-491, 493,
- da biodiversidade, 153 495, 497, 498, 500, 511
- da complexidade ambiental, 60, 61, - económica, 31, 32, 146, 171, 172,
69, 75, 93, 110, 160, 204, 209, 233, 174, 175
239, 256, 288-290, 292, 299, 301, - significativa, 80, 265, 335, 409, 449
306, 320, 335, 339, 342, 396, 412 vontade
- da diversidade, 338 - de dominagáo, 262, 333, 408, 499
- da natureza, 53, 61, 65, 79, 111, 112, - de poder, 78, 92, 116, 145, 163,
114, 136-138, 142, 145, 147-149, 163, 166, 201, 210
171, 201, 207, 208, 241, 244, 264- - de saber, 110, 111, 116, 126, 127,
266, 292, 297, 302, 303, 306, 307, 130, 260, 269, 292, 296-298, 317,
332, 339, 375, 377, 382, 383, 391, 345, 347, 349, 350, 356, 360, 361,
406, 415, 455, 461, 462, 464, 466, 364-371, 374-386, 388-391, 393-395,
471, 477, 484, 486, 487, 492 398-400, 410-412, 427, 505
- do ambiente, 51, 64, 80, 89, 91, -93,
103, 118, 119, 127, 132-143, 156, Zapatista, 508, 509, 512

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