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Geografia Passo-a-Passo

(Ensaios Críticos dos Anos 90)

Antonio Thomaz Júnior

Projeto Editorial

CEGeT
Presidente Prudente - 2005
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Copyright  do Autor, 2005


I.S.B.N.: 84-689-5648-1
D.L.G.: C-3002-05

Apoio Técnico: Biblioteca da FCT/UNESP

T384g Thomaz Júnior, Antonio


Geografia passo-a-passo : ensaios críticos dos anos.
Presidente Prudente: Centelha, 2005.
176 p., 21 cm.

I.S.B.N.: 84-689-5648-1

1. geografia humana 2. movimentos sociais 3. organização


sindical 4. gestão territorial II. Título.

CDD (18. ed.) 301.242

Projeto Editorial
Todos os direitos reservados ao Grupo de Pesquisa
“Centro de Estudos de Geografia do Trabalho” (CEGeT)
Faculdade de Ciências e Tecnologia/UNESP/Presidente Prudente

Rua Roberto Simonsen, 305


Caixa Postal: 467 – CEP. 19060-900
Presidente Prudente (SP), 2005.

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Projeto Editorial
(CEGeT)

Publicações
Gênero e Classe nos Sindicatos
Terezinha Brumatti Carvalhal

Geografia e Trabalho no Século XXI (Volume I)


Organização: Antonio Thomaz Júnior e
Marcelo Dornelis Carvalhal

Revista Pegada
Versões Impressa e Eletrônica
(www.prudente.unesp.br/ceget/pegada.htm)

Próximos Lançamentos

Geografia e Trabalho no Século XXI (Volume II)


Organização: Antonio Thomaz Júnior e
Marcelo Dornelis Carvalhal

Relação Capital x Trabalho e Dominação de Classe


na Agroindústria Canavieira Paulista
Ana Maria Soares de Oliveira

Revista Pegada, volume 6, número 2, 2005

Pedidos:
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TEL. (18) 3229-5375
FAX (18) 3221-8212
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Sumário Página

Apresentação ............................................................................................. 9

Parte I- Pesquisa e da Práxis


Um Momento! Com a Palavra o Mundo Paralelo ................................................. 15
Movimentos Sociais Populares: Entraves à Unificação Orgânica (Reflexões
Iniciais) .................................................................................................................. 25
Trabalho de Campo. O Laboratório por Excelência do Geógrafo.......................... 31
A Terceirização no contrapasso da Ação Sindical. O Pulo do Gato dos Anos 90
................................................................................................................................. 41
A Biodiversidade para Além da Preservação. O Colonialismo Genético em
Questão .................................................................................................................. 57

Parte II- Geografia ↔ Crítica: “O tempero e o sal da janta”


Modernização da Agricultura e Reorientação Político-Organizativa dos
Trabalhadores ......................................................................................................... 77
As Centrais Sindicais e os Limites do Corporativismo ............. ........................... 89
Campanha Salarial na Agroindústria Canavieira: O Ponto Alto da Alienação do
Trabalho ................................................................................................................. 101
CONTAG: A Falência de um Modelo de Ação Sindical ....................................... 115
Gestão Territorial e “Leitura” Geográfica da Sociedade de Classes ..................... 123

Parte III- O Trabalho e a Geografia: Um tema e o


aprendizado

Câmara Setorial Sucro-alcooleira e o Novo Cenário Institucional: Os Desafios


para o Movimento Sindical .................................................................................... 197
A Geografia e as Fronteiras Disciplinares. O Mundo do Trabalho em Questão.... 153
Reflexões Introdutórias sobre a Questão Ambiental para o Trabalho e para o
Movimento Operário .............................................................................................. 161

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Para Rosângela, Fernanda e Flávia,


três mulheres que requalificam
meus passos na caminhada da vida

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Apresentação

A idéia de produzir este livro originou-se da vontade de ampliar a


interlocução junto aos colegas que compartilham comigo de uma série de
preocupações comuns, pelo fato de elegermos a Geografia como leito
privilegiado de discussões e debates. Um grande arco de comunicação pode ser
edificado a partir do momento que fazemos escolhas e assumimos opções para
o nosso trabalho de construção coletiva do conhecimento e da militância
política, aliás, partes de uma mesma ação. Ao qualificarmos nossos projetos, as
inserções acadêmicas e as ações de pesquisa, sob os referencias da construção de
uma Geografia comprometida com os enunciados que dão nexos e sentidos à
emancipação social, um outro espectro de referências se nos apresenta.
Em busca de fortalecer essa trajetória é que assumimos o
compromisso com os colegas que nos incentivaram a trazer ao debate um
conjunto de questões, presentes nos textos agrupados neste compêndio. O que
para nós estava apenas localizado num tempo já vivido, devido ao fato de grande
parte dos artigos se identificarem com aspectos específicos da conjuntura ao
longo do tempo fomos incentivados a reavaliar essa postura, a partir das
discussões que começaram a ocorrer diante dos novos desafios de pesquisa para
desenvolvermos e orientarmos investigações sistemáticas sobre a temática do
trabalho. Não nos limitávamos mais à nossa tese de doutorado, mas a um signo
de novas propostas de investigação, inclusive com a criação do Grupo de
Pesquisa “Centro de Estudos de Geografia do Trabalho” (CEGeT).
Alguns dos nossos leitores e interlocutores tiveram papel crucial
nesse processo, pois a objetivação da idéia que agora se materializa neste livro
somente se viabilizou porque pudemos contar com a abnegação de alguns
colegas que leram os originais e apresentaram críticas de muita valia e,
sobretudo, palavras de incentivo. Ao Cláudio, ao Diamantino, ao Marcelo
Carvalhal, ao Marcelino, ao João Lima, ao Marcelo Mendonça, a Margarete, ao
Onildo, deposito meu profundo agradecimento. Não poderia me esquecer de
render minhas considerações aos meus alunos da Graduação, da Pós-Graduação
e especialmente aos meus orientandos, que ao longo dessa trajetória sempre
estiveram prontos a me ouvir e a travarem comigo discussões que repercutiram
no aprendizado que acumulei ao longo dessa jornada. Foi de vital importância o
apoio desses amigos para que esse pequeno livro se tornasse realidade, todavia
se somou a isso o tempo que precisávamos para materializar o feito, o que
conseguimos por conta do privilégio de termos realizado ao longo de 2005,
estágio em nível de pós-doutorado, e rendo meus agradecimentos aos colegas do
Departamento de Geografia da FCT/UNESP, ao CNPq, ao professor Rubén
Lois, e aos demais colegas da Faculdade de Geografia e História, do Instituto
Universitário de Estudos e Desenvolvimento da Galícia (IDEGA), da
Universidade de Santiago de Compostela.
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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Num tempo que atravessa tensões, crises e transformações, em


todos os sentidos da existência, estivemos nós, ao longo da década de 1990,
vivendo muitas situações e realizando criticamente o trabalho de pesquisa, da
extensão e da sala de aula, numa rica troca de experiências que dialeticamente
nos têm ensinado a aprender coletivamente.
Os passos a que nos referimos no título desta reunião de ensaios
críticos, repercutem a Geografia que fomos capazes de aprender e que nos
permitimos entendê-la passo-a-passo, tendo em vista as questões teóricas e os
enunciados de pesquisa que se apresentam para revelar os sentidos e os nexos
das tramas societárias que nos propomos apreender, polemizar e a nos
indignarmos.
Em Geografia Passo-a-passo, reunimos um conjunto de artigos
que estão agrupados em três partes. O recorte temporal é balizador desse
procedimento, mas é importante revelarmos que o chamamento às questões que
dizem respeito à práxis dos movimentos sociais e o imbricamento à temática do
trabalho, são esboçadas no conjunto dos textos. Na Primeira Parte, os textos
estão sintonizados à chamada de atenção para a necessidade metodológica de
vincularmos os assuntos relacionados aos movimentos sociais como
preocupação permanente da Geografia. Em “Um momento, com a palavra o
mundo paralelo”, nos debruçamos particularmente a esse chamamento, sendo
que em “Movimentos sociais populares: entraves à unificação orgânica”,
explicitamos a incomodação que se nos apresentava à época em que a barbárie
social e a perseguição aos trabalhadores e lideranças, em momentos colloridos1,
fragilizaram as instâncias organizativas e minaram o campo de ação do
movimento operário de forma geral. Até que, com os ensaios “A terceirização
no contra-passo da ação sindical...”, e “A biodiversidade para além da
preservação...”, nos propusemos a um repensar mais profundo de uma
conjuntura que se revelava enigmática diante de tantos desafios paradigmáticos
e que, desde então, já produziam desdobramentos nefastos para os trabalhadores,
como é o caso particular da terceirização e o desmonte das relações formais de
trabalho, mediante as novas formas de gestão e controle do trabalho que se
seguiram, e os novos sentidos da dominação de classe, com a possibilidade da
manipulação genética ou do genoma, o que definimos de novo colonialismo
genético.
Quando na Segunda Parte apresentamos um conjunto de textos
voltados às reflexões dos desdobramentos da modernização “conservadora” na
agricultura aos trabalhadores, comparecem em cena os primeiros resultados da
tese de doutorado, que se estruturou sobre a seguinte equação: o
desenvolvimento das forças produtivas materiais produz desdobramentos para o
trabalho, portanto requalifica a relação capital x trabalho e as formas de controle
1
Referimo-nos às presepadas do ex-presidente Fernando Collor de Mello e seus asseclas, no período de
março de 1990 a outubro de 1992, quando renunciou para evitar o impeachment.
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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

do primeiro sobre o segundo, que por sua vez, impacta diretamente o universo
simbólico dos trabalhadores, que se apresentam de forma fragmentária e
desarticulados ao se identificarem no âmbito das profissões/categorias sindicais,
prescritas pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), portanto longe do
ideário do pertencimento de classe e resguardadas pelo aparato estatal e pela
Constituição. Então, as preocupações em torno das ações das centrais sindicais,
da CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), com a
gestão territorial, refletem diretamente os primeiros exercícios que nos
permitiram ao longo desses 10 anos ampliar os horizontes e demarcar um campo
de investigação na Geografia brasileira que se consolida mediante o marco de
uma linha de pesquisa que tem na temática do trabalho e nos movimentos
sociais, a possibilidade de compreendermos o metabolismo do capital (ou a
processualidade social em sentido restrito), a partir da dinâmica territorial da
sociedade.
Conseguimos multiplicar esforços para materializar essas
preocupações num tempo em que essas questões não povoavam os estudos
geográficos. A Terceira Parte deste livro nos mostra os passos iniciais para a
vertebração do eixo principal das nossas investigações sobre a temática do
trabalho. No entanto, nos permite lançar algumas idéias ao debate, demarcando,
pois, a identidade da Geografia com a busca da apreensão locacional do domínio
espacial dos assuntos que compõem os sentidos do trabalho; as expressões
diferenciadas diante do metabolismo do capital; o conteúdo polissêmico da
categoria trabalho; as formas que caracterizam o desenho societal da luta de
classe. Tudo isso reflete o longo caminho por nós percorrido para avançarmos
na direção do que somente agora se esclarece como Geografia do trabalho. No
mais e na verdade, poderíamos afirmar que o que experienciamos na viragem do
século XXI é a possibilidade de focarmos os assuntos relacionados à temática do
trabalho sob esse referencial, e ao sermos críticos em relação sociedade do
capital, possamos nos fortalecer cientificamente para a longa caminhada que se
nos reserva a Geografia do trabalho, dos estudos voltados à compreensão do
trabalho e sua inserção no metabolismo do capital. O resgate desse momento, já
no pós tese de doutorado, de 1996 ao final de 1999, revela investigações que
desenvolvemos com financiamento da FAPESP, como é o caso da Câmara
Setorial Sucro-alcooleira. Já em outro momento, em 1999, cumprindo um
estágio de cooperação internacional na Espanha, pudemos manifestar nossas
preocupações teórico-metodológicas em “A Geografia e as fronteiras...”,
particularmente com os limites para a compreensão da complexa trama de
relações que recobrem a temática do trabalho, diante dos marcos fronteiriços da
divisão científica (positivista) do trabalho, sendo que, nas reflexões a respeito da
questão ambiental, nos propusemos a demarcar um campo de investigação até
então nunca povoado por nós e que nos possibilitou interagir com outros

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

pesquisadores, com as atenções voltadas aos impactos para o mundo do trabalho


e especialmente ao movimento operário.
Objeto de nossas preocupações, “A comunicação sindical...” nos
alertou para a necessidade de compreendermos os liames e as relações sociais
que se disseminam por todo tecido social e que no âmbito do trabalho também
ganham certa especificidade e corpo próprio, como é o caso da estrutura de
poder em volta das máquinas sindicais, para responderem à comunicação
interna às categorias, bem como externa e de que forma tudo isso também
responde aos mecanismos de controle social por parte do capital.
A esperança de que este conjunto de textos possa estimular o
debate e reflexões críticas a respeito do aprendizado em Geografia, nos garante
que a questão do trabalho possa ser, efetivamente, um tema constante das nossas
investigações, dos nossos “papos”, da nossa lida. É ao que nos dedicamos
integralmente, em Território em Transe..., Território Minado..., e Território
Mutante..., respectivamente, projetos em consecução e que até aqui pudemos
contar com o valioso apoio do CNPq.

Antonio Thomaz Júnior

Santiago de Compostela, outono de 2005

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Parte I

Pesquisa e da Práxis
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

UM MOMENTO! COM A PALAVRA O


“MUNDO PARALELO” ∗
para os companheiros que se fazem vivos no movimento

1. Introdução

Neste texto, se põe objetivamente a reflexão sobre o


ressurgimento dos movimentos populares e a importância que tem assumido na
conjuntura nacional, como espaço de conscientização, organização e
questionamento das políticas públicas do Estado e seu projeto de sociedade.
Mais do que isso, é a reflexão sobre esta face do Brasil que transcende
imediatismos e desmascara os “arquitetos sociais”, os mitos construídos pelos
ideólogos da oficialidade estatal, ou seja o mundo paralelo, não divulgado,
porém real, síntese de múltiplas determinações.
A partir disso, poder refletir o descompasso profundo entre o
Brasil real, manifestação viva do mundo paralelo (mundo não oficial), e as
fantasias de Brasília gerenciadas pelo “paladino do planalto”2, com um forte
traço de destruição nacional.
Não se trata, definitivamente, aqui, de dar um conteúdo excêntrico,
paranormal, apocalíptico, marginal e niilista ao conceito de mundo paralelo.
Nem também um aprofundamento teórico-conceitual sobre movimento
popular. Antes sim, discutir o conceito de mundo paralelo como expressão do
conteúdo territorializado do movimento de construção do real que assume
feições diferenciadas a cada dia, que “confronta” e responde a cada instante à
arrumação estrutural da sociedade e às adversidades conjunturais. Dá cara, cor e
sentido à paisagem (re)construída por fora dos projetos oficiais.
Aqui, ali e, em quase todos os cantos deste país, cotidianamente
novos atores sociais entram em cena para desafiar os fatos consumados (a
oficialidade da “realidade”) e dar respostas emergentes para a materialidade da
reprodução da vida: as crescentes ocupações de terras nas cidades e nos campos;
o ingresso de milhões de trabalhadores, na sua grande maioria desempregados,


Este texto foi publicado originariamente, no Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, v.19, p. 24-
31, 1992. É importante esclarecer que esse texto está dirigido de forma direta à crítica à conjuntura e às
articulações políticas vivenciadas durante o período do governo do ex-presidente Fernando Collor de
Mello. As terminologias e os acessórios metafóricos estão inspirados nessa fatídica e trágica faceta da
história contemporânea brasileira.
2
Referência sarcástica ao ex-presidente Fernando Collor de Mello, que se autodenominava homem forte
da República.
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no mercado informal de trabalho, representando, como muito bem mostram os


dados oficiais, 40% do PIB (Produto Interno Bruto), etc.
O outro lado do “sucesso” da oitava economia capitalista do
mundo arde em chamas. É campo fértil de centelhas. De modo tão variável quão
imprevisível, mas impositivo, os movimentos populares, exemplos precisos de
tenacidade, apresentam-se com uma gama diversificada de reivindicações e de
bandeiras de luta (moradia, reforma agrária, melhores condições de vida e de
trabalho, etc.), engajados com o compromisso de questionar e atuar contra a
política econômica e social do governo.
Está-se tratando de um Brasil que alguns não admitem e que
muitos outros desconhecem. A impressão que se tem é que o país se integra de
norte a sul, de leste a oeste na novela das oito (“horário nobre e pobre”), isso
graças ao desenvolvimento tecnológico e às modernas técnicas de comunicação,
via satélite.
Outro exemplo oportuno é a cobertura que os meios de
comunicação em geral deram à Guerra do Golfo. Nada mais humilhante, pois o
mundo assistiu atônito a um jogo de cena muito bem armado para recuperar a
qualquer custo, o prestígio internacional dos EUA com o fim da hegemonia
polarizada entre esse país e a ex-URSS. Acresça-se a isto a forte presença do
Japão e da República Federal Alemã (RFA) no mercado internacional. Tudo isso
em nome da democracia e da vigência da “paz entre os homens”. Lembra-se da
Guerra do Vietnã?
Em nome da “paz” e da “democracia”, não se deu a mesma ênfase
e importância quando da invasão de Granada em 1983 e do Panamá em 1990
pelos EUA. Só para dar dois exemplos.
Isso ilustra como as discussões sobre pós-modernidade (o exemplo
do “progresso” nas telecomunicações é sempre lembrado), mal situadas e
próprias para o convencimento mentiroso da população, obtêm resultados muito
satisfatórios. Esta pós-modernidade embrutecida, fiel amiga e artífice da
desinformação, condena milhões de brasileiros a ignorarem o Brasil que os
envolve, a guerra civil que se dissemina pelo país nos assassinatos de
trabalhadores e líderes sindicais, padres, o extermínio de crianças, etc.
O mundo oficial, ou melhor, “global” (sic), ofusca a realidade
concreta da maioria, o mundo paralelo.

2. Assim na terra como no céu !

Esperamos não estar cometendo injustiça com nenhum dos


governos anteriores (dado o seu comprometimento e seriedade para com as
causas populares) (sic), ao afirmar que a nossa história é a (re)produção da
desigualdade, e que o crescimento da produção não assegurou o

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

desenvolvimento da cidadania. Ao contrário, ela se deu à custa de sua negação.


Ou quiçá deturpar a reputação tão “convencedora” e “comprometida” para com
os “descamisados”, do (des)governo que está na contramão da história,
conduzindo o país em queda livre, em via de mão única para o fundo do poço.
Mesmo querendo acreditar que “este é um país que vai para a
frente” - não mais o Brasil do Médici ou mude-se - ainda mais agora sob as
hostes “colloridas”, não poderia me furtar de mostrar seu rosto “roxo”. Para
alguns, essa pode ser mais uma manifestação do efeito “tostines”: “elle” está lá
porque é roxo, ou é roxo por isso está lá!
É no contrapasso dos projetos de gestão capitalista do Estado, que
a sociedade mostra diariamente sua verdadeira realidade nas quatro milhões de
famílias de trabalhadores rurais Sem Terra; nos milhões de brasileiros que
vivem em favelas, mocambos, palafitas, mangues, alagados e cortiços. Para ser
mais preciso, em Fortaleza e Salvador, metade da população “mora” em
favelas, e no Rio de Janeiro e Belo Horizonte 40%; nos 3,5 milhões de pessoas
que residem em cortiços (em meados da década de 70, não ultrapassavam 200
mil) e aproximadamente 10 mil “morando” nas ruas, debaixo de viadutos e
pontes na cidade de São Paulo; sem contar o genocídio de tribos indígenas
inteiras; os milhões de brasileiros desempregados e analfabetos, etc.
Este é, sem dúvida, o retrato indiscutível da estrutura e do processo
desigual do desenvolvimento da produção e da apropriação do território no
Brasil, que freqüentemente nos é apresentado nas escolas, pelos meios de
comunicação de massa, etc., travestido num Brasil “global” e “collorido”.
Assim na terra como no céu, esse quadro está associado
diretamente ao processo crescente de aprofundamento da miséria da grande
maioria da população brasileira, que tem, na sua raiz, a concentração da renda,
que na última década acentuou ainda mais a desigualdade estrutural da
sociedade: os 10% mais ricos participam com um pouco mais de 50% da renda,
enquanto que os desprivilegiados ou “descamisados”, com 2%, perfazendo um
total de 65% da população.
E consorciado a isso, a concentração da propriedade privada da
terra completa e confere o “estrangulamento” da contradição, como os próprios
dados oficiais do IGBE (1996) conferem: 60% da área total de imóveis rurais
estão distribuídos na faixa de 1000 a mais de 10.000 hectares (incluídos os
latifúndios improdutivos) totalizando 350 milhões de hectares; e 60% dos
citadinos pagam aluguel.
Nos últimos anos, a política econômica recessiva, o
privilegiamento do Estado em subsidiar grandes projetos agropecuários, o
crescente endividamento externo e interno, as altas taxas de desemprego, a
corrupção como prática nacional, o achatamento salarial, e o conseqüente
descaso do Estado em resolver os problemas básicos e fundamentais da grande
maioria dos brasileiros (moradia, saúde, educação, etc.), têm produzido

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

repercussões inéditas, agravando, cada vez mais, a já comprometida qualidade


de vida.
De repente, “a dialética que territorializa a acumulação do capital é
a mesma que territorializa seus coveiros”!

3. As cercas e os muros estão caindo, e o mundo paralelo se levanta

“Minha gente”, é neste contexto, em contraposição a estas


adversidades, que os movimentos populares e sindicais (re)surgem e/ou entram
em cena. No entanto, a política de atrelamento e clientelismo do Estado desloca
as entidades para a contramão da história, ou seja, fora da rota de colisão com as
contradições sociais (uma espécie de movimento popular institucionalizado, ou
pelegos aos moldes dos sindicatos) e o uso eleitoreiro das mesmas tem levado o
movimento a perder credibilidade, força e representatividade frente ao conjunto
dos trabalhadores.
É notório reconhecer que são poucas as entidades do movimento
popular realmente comprometidas com um projeto de transformação social,
preocupadas em recolocar o eixo da luta no confronto com o capital, com as
classes dominantes (direcionando a luta contra a lógica estrutural do sistema
capitalista), projeto que abriu a possibilidade de se dar um direcionamento mais
claro e combativo no interior da sociedade de classes.
Embora os movimentos populares, por exemplo, pela moradia e
pela reforma agrária, posseiros, atingidos por barragens etc., circunscrevam-se
ainda, majoritariamente, no plano do consumo, muitas conquistas já foram
alcançadas. No caso, a União dos Movimentos de Moradia Popular da grande
São Paulo e Interior e o MST deram passos extremamente importantes no
tocante às suas reivindicações específicas, e conjuntamente ao fato de investirem
fortemente na organização, formação e preparação política de suas bases, e de
também terem se aliado a outros segmentos organizados da sociedade, no
confronto com o Estado (Ministérios, Secretarias de Estado) e com as elites
dominantes, especialmente a UDR (União Democrática Ruralista), na prática
das ocupações e resistência.
As cercas e os muros estão “caindo”. Ainda que o “jogo” de forças
estabelecido (a mediação do enfrentamento) no caso concreto da propriedade
privada da terra seja feito na “ponta da bala”, baioneta e cassetete, o mundo
paralelo se levanta. As cercas e os muros estão caindo. “Engraçado”, os mesmos
que aqui reagem frontalmente quando seus muros e cercas estão ameaçados,
vibraram muito com a queda do muro, de Berlim !
O mundo paralelo se ergue à nossa volta, construindo
concretamente uma realidade não oficial. De fato, os movimentos populares pela
moradia estão edificando, com muitas dificuldades, (vale para o Brasil) -

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

principalmente na cidade de São Paulo - uma outra cidade dentro da já existente.


O MST está fazendo, também com muitas dificuldades, a reforma agrária de
fato. Sem uma política de distribuição de terras e financiamentos, os
movimentos tiveram, nestes anos, a ocupação como instrumento para alcançar
suas reivindicações, assim como a organização e fortalecimento perante a
sociedade.
A polarização desse embate no plano institucional vem dando
alguns avanços. Os movimentos populares, juntamente com outras entidades
OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), CUT (Central Única dos
Trabalhadores), Partidos de Esquerda, ONG’s (Organizações Não
Governamentais) etc., têm contribuído para “alterar” a lógica de apropriação e
uso do solo urbano, aprovado pela Constituinte de 1988, tem facilitado a posse
da terra para muitas famílias faveladas. Já no tocante à reforma agrária, as
dificuldades são ainda maiores, pois o texto constitucional, nesta matéria,
regrediu consideravelmente em relação ao Estatuto da Terra de 1964.
Entretanto, apesar de todas as dificuldades, o movimento popular
vem dando valiosas contribuições para a formulação de alternativas de poder
popular, ou seja, uma contra-hegemonia popular.
O movimento popular afronta o descompasso profundo que existe
entre o Brasil real (manifestação viva do mundo paralelo) e as fantasias
palacianas de Brasília, barbarizadas pelo “paladino do planalto” mediatizadas
pelo projeto de destruição nacional.
No entanto, ao discutirmos os movimentos sociais populares,
apresenta-se diante de nós um cenário fragmentado e desordenado, mas
impositivo, mostra de tenacidade. Sobrepõem-se cenas, atores, posições e
discursos, muitas vezes sem clara direção e desprovidos de projeto.

4. A questão política: território, fronteira e ação comum na luta

Observa-se que há um nítido descompasso na unidade da luta,


dessintonia entre as reivindicações diretamente ligadas à produção (movimento
sindical - luta pelo salário real e melhores condições de trabalho) e as
reivindicações ligadas ao consumo, com origem nos bairros (luta pela moradia,
saneamento básico, asfalto, transporte coletivo, escolas, saúde, etc.). No caso da
reforma agrária há um distanciamento entre a luta e a conquista da terra e,
conseqüentemente, as condições concretas para lavrá-la.
Em essência, o que se apresenta é uma evidente dicotomização do
território entre local do consumo e local da produção, enquanto avaliação e
conseqüente organização política dos movimentos populares.
Ao distanciar-se do eixo da questão fundamental (melhores
condições de vida - moradia, escolas, hospitais, etc. - e de trabalho - melhores

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

salários, segurança no trabalho) - e manter em órbitas estanques e dicotomizadas


as reivindicações ligadas ao consumo de um lado e à produção do outro e, ainda,
ao separar a luta pela Reforma Agrária da luta pela moradia, dificilmente o
movimento popular conseguirá avançar tática e estrategicamente seus projetos
de intervenção para concretizar suas propostas pontuais, tampouco marchará
para a construção de uma sociedade sem opressão de classe.
O movimento popular pela moradia em São Paulo, e em menor
escala, nas outras grandes capitais onde está organizado, como também o MST
mediante algumas lideranças, vêm manifestando a necessidade de se discutir
conjuntamente os planos de luta dos trabalhadores urbanos e rurais
(especificamente os assalariados).
A especificidade da luta (moradia, reforma agrária, saúde, etc.) não
pode restringir-se a si, apenas e tão somente.
Senão, vejamos. Hoje em dia é descabido sustentar o discurso da
reforma agrária nos moldes das décadas de 50 e 60. Ou seja, um apelo nacional
para uma reforma agrária que distribua terra para os trabalhadores. Nos dias de
hoje a discussão e a luta têm que questionar o modelo de desenvolvimento,
colocar abaixo a política agrícola e industrial, implodir a política cambial e
fiscal, recolocando a discussão da atuação dos grupos monopolistas e
oligopolistas que detêm parcelas cada vez mais significativas do mercado de
terras, atacadista, varejista e financeiro, controlando preços e ditando a taxa de
lucro.
A territorialidade da luta não pode mais continuar baseada nas
referências do passado. Cada vez mais o capitalismo está unindo o que ele
mesmo separou - a cidade e o campo.
Portanto, pensar um projeto de reforma agrária que não leve em
consideração que as lutas pela terra têm diferentes origens e desdobramentos,
que não se paute no entendimento contemporâneo do movimento contraditório
do desenvolvimento do capitalismo em escala mundial, que não contemple um
arco de alianças com segmentos de trabalhadores urbanos organizados
(operários das indústrias automobilísticas, químicos, alimentos, bancários,
professores, ambientalistas, etc.), e que não seja reavaliado e rediscutido na
perspectiva do movimento histórico, é se dispor ao fracasso.
A aliança cidade-campo é um projeto ainda em fase de construção,
e tem-se feito tão presente no movimento sindical e na CUT, que o 30 CONCUT
(Congresso Nacional da CUT), realizado em 1994, reforçou a necessidade da
aliança cidade-campo, com a criação da comissão de Movimentos Populares
vinculada à Secretaria de Políticas Sociais. Mas as dificuldades de entrosamento
são ainda muito grandes. Fazem-se presentes “desconfianças” e ranços, tanto no
nível sindical quanto do movimento popular e partidário, às vezes por atitudes e
posturas sutis, mas em outros momentos, muito evidentes e manifestas.

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

As fronteiras e a ação comum na luta, têm que ser discutidas e


referenciadas por um projeto político que direcione e sinalize a intervenção
política de cada uma dessas instâncias nos planos tático e estratégico.
É bom que se diga que, embora os movimentos populares, partidos
políticos e sindicatos sejam organizações distintas, elas se entrecruzam numa
realimentação de contribuição e solidariedade, cujo fluxo não exclui nem
substitui nenhuma dessas formas de organização e luta.
Já se percebe um avanço nesse sentido, embora os equívocos
políticos nessa trajetória ainda sejam marcantes. Sindicatos, partidos políticos e
movimentos populares, comprometidos com as causas populares, não
conseguiram ainda, a contento, darem conta de direcionar e capitalizar
politicamente as reivindicações e expectativas de segmentos cada vez mais
numerosos dos trabalhadores, estando ainda mergulhados no pântano das lutas
economicistas e corporativas (sindicatos - como bem lembra Betinho: “o espírito
corporativo mata o diverso e estabelece a pequenês coletiva”)3, preocupados
com táticas eleitorais, impregnados de fisiologismos (partidos políticos), e
atrelados ao clientelismo do Estado e práticas eleitoreiras (movimento popular).
É importante, destacar o fato de que a estrutura partidária e sindical necessita ser
rediscutida profundamente, na medida em que os sindicatos, presos à
parametrização das normas e preceitos, não estão conseguindo avançar para
além dos limites colocados pelo capital. É como se disséssemos que os
sindicatos, na sua grande maioria, enquanto escolas de socialismo4, estão muito
longe do alvo, tendo em vista que esses agentes não sinalizam qualquer
perspectiva emancipatória, pois se subordinam ao controle do capital,
internalizando propostas concertacionistas, se distanciando demasiadamente das
bases.
É preciso (re)colocar a questão, resguardando que o
entrecruzamento entre movimento e partido deve se dar dialeticamente, numa
via de mão dupla, não confundindo a autonomia dos movimentos com
espontaneísmos e atomizações; com ausência de discussão das diferentes
práticas políticas; com seu distanciamento e isolamento em relação aos outros e
com a absolutização de seus interesses corporativos. O partido é o canal capaz e
apto de articular propostas e de dar uma direção de classe. Não se confunde com
o movimento, mas recolhe suas aspirações e as retorna enquanto política.
Outra questão a ser discutida é a dimensão dos planos de luta, pois
enquanto o confronto da luta sindical se dá no plano direto de colisão com o

3
Herbert de Souza. in Escritos Indignados. Democracia x Neoliberalismo no Brasil. 2a edição. Rio
de Janeiro: Editora Fundo de Cultura/IBASE, 1991.

4
Referimo-nos à avaliação de Lênin, quando em 1917 apontava o papel dos sindicatos na construção da
revolução e do socialismo.
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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

capital, no movimento popular a luta de classes passa pelo embate com o


Estado.
O caráter atomizado da luta e o seu surgimento muitas vezes
espontâneo, aleatório, desorganizado e sem orientação política - alicerçados pela
dimensão da miséria - podem determinar ao movimento popular retrocessos,
pois se não se dispuser de um projeto político que mediatize suas aspirações
coletivas imediatas (casa, transporte coletivo, escola, etc.) com interesses
objetivados na mobilização e conscientização dos trabalhadores, desaparece
enquanto centelha, “vira água”.
A ausência de uma direção política capaz de conduzir o
movimento, o afasta de seus objetivos de curto prazo (específicos) e pode
desviá-lo da possível realização de seus objetivos em longo prazo (organização,
conscientização, e a transformação da estrutura sócio-econômica da sociedade).
São essas preocupações que fazem com que se coloque em
discussão, no momento, a criação da Central do Movimento Popular - CMP. A
tese principal é criar uma estrutura adequada para o movimento popular que seja
capaz de dar um passo decisivo na organização e integração política dos
movimentos, que seja capaz de aglutinar forças, mantendo a especificidade e o
caráter de cada organização sem pretender uniformizá-las e homogeneizá-las,
garantindo autonomia em relação ao movimento sindical, aos partidos políticos,
aos governos, ao Estado e às igrejas. Com sua autonomia e poder de
organização, poderá desenvolver projetos legítimos para o futuro, evitando
ceticismos.

5. Mundo oficial x mundo paralelo

Cenas explícitas de metamorfose, e não se trata de transformismo


barato, deixam suas marcas. De “tudo pelo social” a tudo pelo capital, é um
percurso que só assusta os desavisados e caronistas de primeira viagem que se
esforçam, ou são convidados a acreditarem em “mula sem cabeça”, “saci
pererê”, etc. Ou então, o bloco palaciano chefiado pelo “paladino do planalto”,
num estalar de dedos passou de “hard para “soft”. Até então, nenhum recurso
de prosódia (sic).
A tão prometida consolidacão da democracia, brandida com dedo
em riste na telinha da TV durante a campanha presidencial, pelo hoje
“paladino”, está se confirmando como piada nacional. Só perde para as
mochilas, guarda-chuvas, bicicletas, a campanha “difamatória” da LBA, o
pagamento da dívida externa, o super cachorro do ministro “imexível”, o assalto
das poupanças, a república das Alagoas, a privatização da Usiminas, etc. Ah!, os
147% dos aposentados e pensionistas, os cinco mil CIACS, etc., etc.

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

A fase soft foi inaugurada pela insistente proposta de pacto social.


(Contra quem?). Diga-se por sinal, mais um fiasco. Essa era a cartada do
governo para “recuperar credibilidade”, derrubar a inflação - não mais com um
só tiro apenas - e implantar de vez a democracia.
O casamento da democracia com o capitalismo vem dando mostras
que não há lugar para todos. Os “descamisados” que se cuidem, pois o discurso
neo-liberal resume a sociedade àquela fração que pode entrar no projeto, e não
há como incluir mais 50% de brasileiros. Por exemplo, como explicar o projeto
de reforma agrária do governo de assentar 500.000 famílias de trabalhadores até
o final do mandato, para uma demanda real de 6.000.000 de famílias?
Impossível pensar esse “gigante verde-amarelo” sob o viés da
conciliação e pacto social. Ora, se só é permitido negociar o nível da miséria,
mas não negociar a eliminação da mesma, resta-nos perceber que essa luta se dá
em campo minado. Não há agenda de consenso que resista!
Nos últimos tempos, toma lugar a maior panacéia publicitária do
século - a ecologia.
O que está em voga é a defesa do “meio ambiente” através de
mecanismos de mercado, delegando à economia determinar o que a sociedade
precisa ou quer. Esse pensamento economicista escuda-se na neutralidade
política da proteção ao meio ambiente, e é com esta referência que pensa o
social.
Mais do que isso, impõe-se a falácia da troca de dívida (externa)
por ecologia, e, em nenhum momento, pondera-se que a degradação ao meio
ambiente e as práticas que geram as desigualdades sociais são expressões do
mesmo modelo de desenvolvimento (excludente, predatório) que agora querem
“humanizar” ecologizando-o.
Para além da preservacão, estão os mitos do desenvolvimento
sustentável, em plena consonância com a natureza, sem conflitos sociais que
possam por em risco sua reprodução.
O mundo oficial é esse amálgama que dá sustentação aos grupos
monopolísticos e que exclui econômica, cultural e politicamente da sua
ambiência, mais da metade dos verdadeiros sujeitos históricos. É o nacionalismo
piegas de campanha eleitoral, o internacionalismo e liberalismo entreguista do
governo. É o capitalismo real das desigualdades sociais e da democracia dos
cartéis; das alianças e conchavos políticos espúrios; das manobras, clientelismos
e marketing “global” homogeneizador do “cidadão” brasileiro, e muito mais...
Enfim, as diversas frentes de luta dos movimentos sociais
populares organizados (moradia, reforma agrária, carestia, ecologia, e mais um
sem número deles) estão (re)colocando tático-estrategicamente nas suas
plataformas, o léxico da vida: democracia popular, justiça, direitos humanos,
solidariedade, etc.

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

O mundo paralelo é esta realidade que ultrapassa, muitas vezes,


nossa capacidade de entendimento e percepção devido até à sua intensa
mobilidade de (re)articulação e movimento. É na verdade, a força capaz, e vem
dando mostras nesse sentido, de desafiar, afrontar e solapar os fatos
consumados, como se diz, os tabus (isso é assim mesmo, sempre foi assim...), de
ganhar aqueles que curvam a espinha quando deveriam erguer os punhos.
O enfrentamento com o mundo oficial se dá numa proporção
desigual das regras do “jogo”, mas a irreverência e a intransigência da contra-
face da oitava economia capitalista não se cansa de lutar e cantar: Não basta só
tentar e inventar, é preciso transformar!
Um momento!
Daqui para a frente, tudo vai ser diferente...

Presidente Prudente, dezembro de 1991

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

MOVIMENTOS SOCIAIS POPULARES:


ENTRAVES À UNIFICAÇÃO ORGÂNICA
(Reflexões Iniciais)∗

Tudo que é (só)lido desmancha no ar

A nota epigrafada, parafraseando Karl Marx, nos remete ao debate,


esquecido, senão de pouco interesse para expressivo contingente dos geógrafos,
sobre os movimentos sociais populares e a discussão sobre a constituição da
contra-hegemonia popular. Aliás, base fundamental para a unificação orgânica
dos trabalhadores, recolocando a questão cidade-campo num outro patamar de
reflexão e embate.
As diferentes frentes de luta dos movimentos sociais, no campo e
na cidade, materializam ações que elaboram nesse processo a geografia de sua
práxis, que de imediato territorializa intervenções diferenciadas na sociedade,
tanto em nível da produção, quanto de consumo.
Aqui, por terra para plantar [Movimento Sem Terra (MST),
Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais (MSTR), Movimento dos
Trabalhadores Atingidos por Barragens (MAB)], e pela garantia do direito de
permanecer onde estão, com mínimas garantias para a sobrevivência [Posseiros,
Seringueiros, (Conselho Nacional dos Seringueiros - CNS), Pescadores
(Movimento Nacional dos Pescadores - MONAPE), e outros]. Ali, por melhores
salários e condições de vida e de trabalho (metalúrgicos, assalariados rurais,
professores, servidores públicos, bancários, petroleiros, etc.). Lá, por terra para
morar (Movimentos Populares pela Moradia, Fundo Nacional de Moradia
Popular, Estatuto da Cidade). Acolá, por escolas, hospitais, transporte coletivo,
saneamento básico, etc.
No entanto, embora cada uma dessas frentes de luta, com suas
reivindicações específicas, esteja circunscrita, na sua maioria, no plano do
consumo (imediato), muitas conquistas - é inegável - já foram alcançadas.
Vide os debates acirrados e deliberações políticas contundentes nos seus
congressos e as ações políticas daí decorrentes, os movimentos sociais
populares estão dando passos importantes no tocante à organização, formação e
preparação política de suas bases, chegando, em alguns casos, a estreitar


Este texto foi apresentado na Mesa Redonda: “Movimentos Sociais Urbanos e Rurais”, do IX Encontro
Nacional de Geógrafos, organizado pela AGB, em Presidente Prudente, julho de 1992. Não foi publicado
anteriormente em periódicos ou Revistas especializadas.
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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

alianças com outros segmentos organizados da sociedade, para o confronto com


o capital, com o Estado, na prática das greves, ocupações, e diversas formas de
resistência, etc.
Recoloca, assim, o eixo da luta num outro patamar, tendo como
referencial a combatividade no interior da sociedade de classes, explicitando a
abolição da propriedade privada dos meios de produção e do Estado, apontando
o socialismo como bandeira de luta.
Desta forma, a centralidade da questão a que nos pomos a refletir
neste momento, os entraves e a emergente discussão sobre a unificação
orgânica dos movimentos sociais populares nos direcionam a refletir o núcleo
das diferentes frentes de luta, a partir da diversidade de categorias sociais, das
situações concretas que vivenciam na sociedade, do nível de organização e de
consciência, e do conteúdo das suas intervenções, já que existem movimentos e
movimentos, projetos políticos e projetos políticos. Em outras palavras,
demarcar o campo de reflexão por dentro das propostas e das ações dos
sindicatos, centrais sindicais, e do conjunto das frentes de luta e organização dos
movimentos populares, e da Central dos Movimentos Populares (CMP).
Contudo, não esquecendo que os movimentos sociais populares
têm por origem as contradições sociais que afetam o conjunto das classes
populares, e que se exteriorizam no grau de exploração e alienação dos
trabalhadores, pois é o capital que detém a hegemonia do processo global de
produção5.
Assim, não é tarefa inteligente, pensar o movimento popular
esquematicamente, nem sequer mantê-lo numa camisa de força. Antes sim,
entendê-lo por dentro do movimento contraditório da própria sociedade de
classes.
Isto é, as contradições urbanas não podem ser pontuadas,
exclusivamente na relação consumo/distribuição, unilateralmente articuladas
para as questões referentes à reprodução da força de trabalho, mas situadas
dentro do próprio ciclo de reprodução do capital. E mais, a história da sociedade
é a sua construção pelo processo de trabalho. O que nos remete, pois, a
rediscutir a questão do imediatismo e corporativismo como ações práticas
políticas que, combinadas com a alienação (intrínseca à instituição da
propriedade privada dos meios de produção), cristalizam o quadro de
inoperância e alianças políticas espúrias presente no movimento social.
Portanto, o tratamento diferenciado que é conferido à diversidade
de manifestações dos movimentos sociais nada mais reflete do que a

5
Desenvolvemos este tema em: “Nova Territorialidade da Luta do Movimento Sindical dos
Trabalhadores do CAI Sucroalcooleiro em São Paulo”. Presidente Prudente, 1990 (mimeogr.). Texto
base do Projeto de Pesquisa que deu origem ao Projeto de Tese de Doutorado, desenvolvido no período
de 1990 a 1996.

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

desarticulação orgânica e a atomização das ações por frentes específicas


(movimento). De fato, é relevante apreendermos as iniciativas, já presentes, de
buscar alternativas concretas para a unificação e articulação orgânica dos
movimentos sociais, passo fundamental para discussão e constituição da contra-
hegemonia popular.
Dessa forma, os entraves são como bola de neve. Parte-se da sua
constatação e daí estabelece-se e cristaliza-se um conjunto de dificuldades que
impossibilita colocar em prática planos de ação (tática e estrategicamente)
objetivados para a construção da contra-hegemonia popular.
A marca, ainda muito forte, do corporativismo, do voluntarismo,
do imediatismo, e do caráter atomizado das suas organizações, atuando de forma
independente e desarticulada, como micro-poderes, são fortes entraves que
inviabilizam a articulação orgânica das diferentes frentes de luta do campo e da
cidade, que passam por dentro dos sindicatos, centrais sindicais, partidos
políticos e demais movimentos sociais organizados. As dificuldades impostas
pelas práticas pensadas a curto prazo sob o argumento do pragmatismo tem-se
confundido com imediatismos, que pouco servem ao avanço da luta dos
trabalhadores. Além disso, impedem a construção de um projeto político
duradouro e consequente, onde os movimentos sociais possam avançar na
construção da nova sociedade. Infelizmente essa questão não está posta nas
pautas de discussões elaboradas no seio dos sindicatos (inclusive da CUT) e
tampouco dos partidos e/ou do movimento social como um todo. Como também,
a política de atrelamento do Estado e em muitos casos o conseqüente
clientelismo, desloca a atuação das entidades na contramão da história, ou seja,
fora da rota de colisão com as contradições sociais. Esta é a questão que se põe
em pauta.
As alternativas para a construção da contra-hegemonia popular se
fazem a cada dia mais emergentes, num momento em que o capital passa por
mais um momento de rearranjo de forças e de estabelecimento de novo
paradigma, inspirado na concepção químico-biológica, sob as hostes da
concepção neo-liberal de sociedade, readequando as estratégias entre os Estados,
que de imediato, apontam profundas reformas na relação técnica de trabalho.
Conta para isso, com os artifícios da automação, informatização,
biotecnologia/biodiversidade, novas formas de gerenciamento, terciarização da
economia, lei de Patentes, do desenvolvimento auto-sustentável, conversão da
dívida externa em projetos ecológicos, fortalecimento inédito dos oligopólios.
Que se cuidem os oportunistas e os intelectuais de plantão. A
“queda do muro de Berlim” e a sua irmã siamesa, a demanda por democracia,
escudam em nome da liberdade, uma falsa discussão para os reais interesses das
classes populares. Isto, pois, escamoteiam as ações deliberadas do capital em
continuar perpetuando e agudizando as desigualdades sociais, readequando seu
processo de reprodução ampliada, utilizando-se de novos artefatos tecnológicos,

27
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

em rápida irradiação, sob as hostes da modernidade. O que falar então, do


plebiscito de 21 de abril? Se monarquia, se presidencialismo, se
parlamentarismo! (sic).
Sendo assim, os entraves para a unificação orgânica das diferentes
frentes de luta dos movimentos sociais populares não devem ser atribuídos
apenas às suas realidades internas e específicas, e pelo fato de serem, na sua
maioria, imediatistas espontaneístas e atomizados. Há um conjunto de ações
imbricadas que partem do capital e do Estado - em alguns momentos é uma
coisa só - agora, com o toque neo-liberal, em nome do desenvolvimento,
apregoando a privatização, despatrimonialização e desregulamentação da
economia - com o amparo da ordem democrática burguesa e constitucional -
impingem o movimento à circularidade formal/legal das desigualdades sociais
(via salário mínimo, arrocho salarial, desemprego, etc.), e das regras oficiais do
“jogo”6.
Assim, ao resgatarmos a diferencialidade das reivindicações do
conjunto dos movimentos sociais populares, faz-se necessário chamar atenção
para a institucionalização, adestramento e peleguismo dos movimentos. Isto
pois, um número significativo deles ser asfixiado pelo legalismo e inoperância
política, perdendo-se nos esquemas de favoritismos e projeções pessoais.
E ainda nesta direção, é de suma importância trazermos para a
discussão, seus projetos de intervenção (conjuntural/estrutural) específicos e
para a sociedade, e qual o teor e o conteúdo das propostas de encaminhamento e
projetos de intervenção elaborados pelos Partidos Políticos, Centrais Sindicais,
bem como o papel das entidades de assessoria e de apoio (ONG´s) e da CMP
(Central dos Movimentos Populares), que ainda continuam na função.
Neste particular, os avanços alcançados são muito tênues (como já
apontamos), mas dão mostras de preocupação em intensificar as discussões e
debates, assegurando a autonomia dos movimentos, e apontando para a direção
da unificação das lutas, o que pode ser o prenúncio de uma futura articulação
orgânica e a consolidação da contra-hegemonia popular.
Contudo, optar por essa trajetória exige caminhar por dentro dos
entraves, no campo de luta, e assumir definitivamente que a luta de classes não
se restringe à produção, mas perpassa toda a sociedade.
Pois, então, “se tudo que é sólido desmancha no ar”, a inversão de
sentido (parafraseada), posta na epígrafe, "tudo que é (só)lido...”, recoloca em
pauta a necessidade de assumirmos contundentemente nossos compromissos
político-ideológicos na sociedade de classes. Isto, pois, se (só) lido desmancha
no ar, lembrando sempre que, as soluções na história só vêm com a persistente
análise das lições de suas experiências.
6
Desenvolvemos esse assunto no ensaio “Um Momento: Com a Palavra o Mundo Paralelo”, publicado
nesse livro.

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Até onde chega a sana imaginação, nos cabe dar respostas


contundentes e radicais, em direção à construção de referenciais anticapital e
emancipatórios.

Presidente Prudente, julho de 1992

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

TRABALHO DE CAMPO: O LABORATÓRIO


POR EXCELÊNCIA DO GEÓGRAFO ∗
para
Claudinei Lourenço

1. Introdução

A questão posta para este texto é tentar refletir teoricamente as


experiências proporcionadas pelos Trabalhos de Campo realizados com os
alunos do curso de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia
(FCT/UNESP/Presidente Prudente), bem como outras experiências
desenvolvidas por outros colegas em outras unidades universitárias e também da
participação em debates e atividades sobre a temática. Põem-se em questão,
neste processo, os momentos articulados de preparação, confecção e execução
do projeto de investigação.
É neste momento que o grupo de pessoas envolvidas (estudantes e
professores), a partir dos interesses manifestos em trabalhar (apreender e visitar)
as situações mais diversas e controvertidas do território brasileiro, tem que
deixar claro qual é o sentido (nexo), as relações sociais de trabalho e de
produção (essência da dinâmica espacial da sociedade) que mediatizam as
diferentes manifestações paisagísticas (aparência) e/ou questões apontadas para
delimitar o(s) eixo(s) temático(s) e a(s) questão(s) problematizadora(s), para que
o roteiro escolhido - agora sim, e não antes - esteja intimamente ligado à
preocupação teórica de (re)dimensionar conceitualmente uma “releitura” da
Geografia do Brasil que se ensina.
Acredito ser esta a linha de ruptura
teórico/metodológica/epistemológica que demarca uma teoria/prática da
geografia que há muito se fez (desde os seus primórdios até sua futura
sistematização como conhecimento organizado, esta geografia fez das viagens e
dos trabalhos de campo seu leito de sorte, sem se preocupar com o rigor das


Este texto foi publicado originariamente, com o título: “Em Defesa da Teoria no Trabalho de Campo
(Uma Tentativa de Refletir a Questão por Dentro...)”, Caderno Prudentino de Geografia, n.13. AGB-
Presidente Prudente (SP), 1991. Foi publicado também na Revista APOGEO, Lisboa, n.13/14,
março/setembro. Lisboa: Associação de Professores de Geografia, p.2-9, 1997. A iniciativa de revisá-lo e
republicá-lo, no Brasil, deve-se ao interesse revelado por diversas pessoas envolvidas em atividades de
Trabalho de Campo, em Geografia, ou nessa discussão de uma maneira geral, tendo em vista que a edição
do CPG, n.13 encontra-se esgotada.

31
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

precisões categoriais) com aquela que estamos tentando discutir (tarefa de


gigante), donde verdadeiramente as categorias e os conceitos expressem o movi-
mento contraditório das diferentes manifestações espaciais (estrutura de classes),
produto-produzida na articulação dialética que sintetiza as múltiplas
determinações, onde a paisagem (geográfica) não se resume às aparências, mas
uma instância do ato de conhecer, ou como se diz: a porta de entrada do
conhecimento geográfico”; mas dito de outra forma: é o ponto de partida e
também de chegada..
O que se destaca, então, é a atenção que se vem dando para esta
atividade (extracurricular na maioria dos Centros Universitários, e já na
estrutura disciplinar para um menor número), como forma de garantir um maior
aprofundamento e entendimento da realidade brasileira para professores e
alunos (aprendizes) de Geografia interessados.

2. Arriscando uma “leitura” de conjunto

Nesse sentido, o que nos faz vir a público é chamar atenção para a
necessidade de se discutir teórico-conceitualmente o Trabalho de Campo como
uma alternativa concreta de se viabilizar teoricamente o propósito de ultrapassar
a reflexão intra-sala de aula, como forma de executar/”praticizar” a “leitura” do
real, sendo assim, um momento ímpar do exercício da práxis teórica. O
aprendizado proporcionado por essas experiências nos permitiu propor que o
avanço dessa etapa em direção à ampliação dos horizontes institucionais da
práxis do Trabalho de Campo, deveria se dar na forma de disciplinas regulares
do tronco comum dos cursos de Graduação em Geografia.
Isto é, assumir como atividade precípua, a necessária reflexão
teórica e precisão conceitual, para que se possa penetrar na realidade a ser
estudada/pesquisada e entender o movimento de entrecruzamento e (re)definição
da paisagem, mediatizada pelas relações sociais de trabalho e de produção,
como momento definido do movimento contraditório de construção da
espacialidade brasileira, ou da espaço-temporalidade da concretização do capita1
- das mais diversas formas em que se territorializem.
Entretanto, uma “ciência” que continua “lendo” o real
travestindo-o com sua roupagem dualista, dicotômica: homem-natureza;
geografia física-geografia humana; cidade-campo; centro-periferia;
teoria-prática; faz com que o homem permaneça sendo um homem atópico,
dessituado historicamente (homem demográfico, homem biológico) e a natureza,
um sistema hermético, sem o homem. O mundo continua sendo um todo
formado pela soma das partes - que totalidade! Para uma disciplina da ordem,
que se pauta em “ensinar” o Brasil pela retórica da dissimulação, a sociedade é

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

algo muito distante de ser séria e profundamente entendida no seu movimento


contraditório, tendo à frente a luta de classes como agente.
Enfim, tudo pode se esperar no campo das “confusões”,
“equívocos” e desvios na escolha e manuseio teórico-conceitual como ins-
trumento de entendimento e explicação da realidade. Seus desdobramentos
atravessam todas as instâncias e momentos da geografia que se produz na
academia [única produtora de conhecimento (sic)]: teses, dissertações, textos,
livros didáticos, etc. e, em conseqüência, a Geografia que se ensina (sic) no
ensino médio e nas universidades.
É nesse contexto que se situam os (des)caminhos que envolvem a
discussão sobre trabalho de campo. Lembraria apenas, as posições que mais
comparecem:
1) Inapropriadamente, é comum ouvirmos e/ou lermos que, “sem
pesquisa de campo, ninguém tem o direito a falar” (pensamento maoista que se
levado até as últimas conseqüências, de ante-mão, garantiria ao IBGE
exclusividade para falar, imagine!). Não deixa, então, de ser comum
depararmo-nos com a avaliação de que alguém que se dedique a discutir e
escrever sobre a questão agrária brasileira e que não tenha realizado
pesquisa de campo, a priori não tenha direito a falar.
2) No vazio teórico construído e (re)arrumado pelo viés positivista,
ainda hegemônico na geografia, frequentemente nos deparamos com a postura
que manifesta um enorme interesse em realizar trabalho de campo (sic),
subestimando e até mesmo desprezando, a feitura do projeto (momento de
definição teórico-metodológica do trabalho), brandindo a bandeira da prática:
chega de teoria, o importante é fazer!
3) Nesse distanciamento e por meio dele, abre-se espaço para
aqueles que, sem a devida disposição e/ou “ingenuidade”, camuflam a
importância da reflexão teórica (ainda que em alguns momentos lhe dêem
“importância”) fazendo dos conceitos palavras ocas. Só para exemplificar: em
muitas situações apresentam o Estado como sujeito da história (o homem feti-
chizado) ou ainda, operando uma verdadeira “engenharia geográfica
linguístico-visual”, mas para só ficar na paisagem (leitura retilínea da história,
erigida na aparência do fenômeno), quando muito, limitando-se a detectar os
problemas mais gritantes do cotidiano, como o extermínio dos índios no Brasil,
etc.
4) E, sem menos importância, há aqueles que, ao brandir que a
geografia é uma ciência de síntese, não conseguem esconder que nessa síntese
não entram determinados termos, que lhes são espúrios e caros, tais como: luta
de classes, mais-valia, lucro, classes sociais, valor, modo de produção, etc. Ou
seja, síntese só de algumas “coisas”. Na verdade, está-se diante da geografia
(seletiva). Tem-se aí o pressuposto assumido de resguardar o caráter de
cientificidade e objetividade da ciência geográfica, sustentada através de um

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

discurso pretensamente neutro e livre de julgamento de valor. E, ainda com


bastante presença, comparece uma “eterna” preocupação (fardo do mesmo
arsenal bélico desta “elite da geografia brasileira”) ao se delimitar o campo de
hegemonia, se da geografia fisica ou da geografia humana. Quando não, como
tentativa de opção ao menor dos males, tentam estes se converter em “bons
meninos” (por motivo único de “sobrevivência”) admitindo uma possível
“negociação”: é necessário se fazer uma “relação” entre os aspectos físicos com
os aspectos humanos, para no máximo, se entender até que ponto um pode
explicar o outro e vice-versa, caminhando-se dessa forma, rumo à totalidade, a
mais metafísica possível. Isto é, ao invés de se jogar apenas a água, aproveita-se
a oportunidade e joga-se também, a bacia, a criança e o banheiro pela janela,
todavia, nem sempre o banheiro pode ser atirado ela janela, tampouco a criança.
O fato é, que em defesa do trabalho de campo, torna-se necessária
uma discussão que recoloque o debate num patamar teórico, que nos permita
entendê-lo como um momento ímpar na produção de conhecimento alternativo,
mediatizado através de uma prática teoricamente orientada, momento
consagrador do exercício da práxis teórica.

3. Rumo à ruptura (uma tarefa de gigante)

Diante da preocupação exposta, colocar-se-ia objetivamente, para


o grupo de pessoas interessadas em realizar o trabalho de campo, a necessidade
de iniciar as discussões para feitura do projeto.
Nada mais natural que os interesses e as preocupacões do grupo
sejam fixados na e pela paisagem, pois o que mais chama atenção nela é a
diversidade de coisas, tendo o Brasil como substrato desta busca, é perfeita-
mente possível comparecerem preocupações, as mais controvertidas e
interessantes possíveis.
Vamos a alguns exemplos: os efeitos dos anos prolongados de
seca na vida do sertanejo; a agroindústria canavieira em São Paulo e a questão
ambiental; os desdobramentos da “modernização” da agricultura no sul do Brasil
e a migração para o Centro-Oeste, Amazônia, e para as áreas dos projetos
agropecuários irrigados, e imediações no Nordeste; a questão da moradia na pe-
riferia das grandes cidades do sudeste brasi1eiro; Brasília, a capital da
geopolítica: uma cidade modelo; reconfiguração territorial do espaço brasileiro,
diante da configuração do MERCOSUL; grilagem de terra e violência na
Amazônia brasileira; a luta pela terra e a reforma agrária no Brasil, e tantos
outros.
O que se coloca prontamente, é dar conta da diversidade
paisagística, de a partir dela, ir além do imediato, do aparente, do empírico, que
aliás ela mesma nos indica. Para tanto, é necessário entendê-la como sendo

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

manifestação exterior e referência para o entendimento de um movimento


constante, de um conteúdo (sociedade) que a (re)define, e a (re)elabora
constantemente. Sendo assim, o que temos de extrair dela, é a estrutura de
classes do capitalismo que traz estampada na sua configuração, ou o
ordenamento territorial das classes sociais, o que revela, aos nossos olhos, o
reflexo do desenvolvimento contraditório do capitalismo. Para, num momento
posterior da elaboração teórica, trabalharmos com as mediações e, então,
fazermos as devidas correlações e alcançarmos o nível de explicação da
espacialidade geográfica, momento em que o retrato inicialmente configurado
com a paisagem (imediata), a mera aparência do fenômeno, ganha o status do
ordenamento territorial resultante de um processo contraditório
produto/produzido de múltiplas determinações.
Ir além, então, das evidências paisagísticas, significa entender que
na sociedade de classes (esta de que fazemos parte), a relação homem-meio
(tema muito presente nas discussões preparatórias) é mediada pela propriedade
privada das condições de existência, portanto uma relação ecológica (histórica)
de poder. Significa saber, também, que ao sabor dos movimentos ecológicos e
ambientalistas (muito presente nos últimos anos) de forte tonalidade pequeno
burguesa, passa-se a ter uma “leitura” invertida da realidade, pois a contradição
estrutural da sociedade (capital/trabalho) é dissimulada pelo discurso pre-
servacionista e consumista, fetichizando assim, as relações sociais e os sujeitos
históricos envolvidos no “ambiente a ser conservado”.
Significa saber ainda que as relações sociais de trabalho e de
produção são condição e limite da organização da sociedade. Nesse movimento
(sociedade), ao se territorializar (em nível do aparente imediato - a paisagem)
em sua forma de realização estrutural e infraestrutural, tem-se o espaço
geográfico. Essa categoria nos permite refletir o conteúdo do movimento con-
traditório daquilo que no plano do aparente se nos apresenta como uma
fotografia, a paisagem.
Dessa forma, o trabalho de campo, mesmo ainda enquanto
projeto, se pensado apenas nos moldes da paisagem, não nos permite entender
a(s) manifestação(s) pontual(s), a territorialidade dos temas em questão, o con-
creto (singularidade), no movimento de entrecruzamento das mediações das
relações sociais de trabalho e de producão - os sujeitos da história -
(particularidade), com a sociedade brasileira e mundial - rumo à espacialidade
do modo capitalista de produção (geral).
Fica evidente que a diferenciação empírica da paisagem não se
determina no plano da escala territorial e sim no nível da contradição social
territorialmente expressa (o espaço), na medida em que se levam em conside-
ração, como elementos importantes, as relações sociais que mediatizam o
movimento contraditório da sociedade (classes sociais), que ao territorializar-se
apresentam-se visíveis na estrutura topológica como paisagem.

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Entretanto, é necessário chamar a atenção para uma questão teórica


de fundamental importância, que se dirige especificamente ao conjunto de
determinações que nos remete à utilização da categoria espaço geográfico: é que
as categorias espaço e paisagem podem ser tratadas, genericamente, da mesma
forma que essência e aparência (como jargão). Tal postura não traz uma
definição clara de qual é o ponto de partida para o observador, na sua relação
com o objeto de observação. Ao invés de estarmos nos dirigindo para um
mergulho mais fundo e no aclaramento teórico, no manuseio das categorias e
conceitos, estaríamos nos atolando cada vez mais. Ou seja, o esforço para se
conseguir chegar ao conteúdo, na linha direta da aparência à essência, do
imediato ao mediato, do visível ao invisível, consiste numa tarefa intransigente
de exercitar e “praticizar” um instrumental teórico de acesso ao entendimento da
realidade posta.
Chegamos, então, ao nó central da questão: como fazer? o que
fazer? e ainda, para quem fazer?, no sentido mais amplo do encaminhamento e
reflexão metodológica e epistemológica da pesquisa.
É bom que se diga que, nos moldes que estamos tentando discutir
a questão posta, não nos propomos a apresentar uma receita de bolo, com todos
os passos esquematicamente delineados, onde no máximo o que se exigiria do
usuário seria muita atenção para não se esquecer de nenhum ingrediente e
procedimento a seguir. Ao contrário, estamos apresentando uma leitura
(avaliação) de conjunto que nos permita ter, minimamente, um entendimento
sobre o movimento de construção do real, o palco onde os sujeitos da história se
apresentam e a constroem, aqui assim, acolá “assado”.

3.1. ... caminhando por dentro da realidade...

Tomando a paisagem apenas e tão somente como primeiro


elemento de leitura do real (primeira aproximacão/identificação dos pontos
referenciados e temas sugeridos pelo grupo de pessoas envolvido), o passo
seguinte será encaminhar uma discussão no sentido de preocupar o grupo com
questões teóricas, polemizando e envolvendo-o , no interior das sugestões
apresentadas, com uma avaliação de conjunto.
Significa ter que lidar com o sentido que possa existir entre cada
um dos pontos observados, ou tema(s) com o movimento propriamente dito da
realidade em questão, em sua contradição com o movimento geral da sociedade.
Ou seja, a partir dessas possíveis relações, formular teoricamente a inserção das
preocupações no universo teórico-conceitual capaz de dar sentido e movimento
para a compreensão do real concreto a partir do seu conteúdo, problematizando
as interdeterminações do universo pensado.
A tática da problematização nos permite fazer relações
teórico-conceituais, para que se consiga caminhar no sentido de o grupo

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

perceber qual a dimensão e concretitude de suas preocupações. Colocá-la em


movimento é recolocar na pauta a questão da apropriação do conhecimento da
realidade pelo homem, mas agora, com o intuito de dar vida aos conceitos que
passarão a ser as ferramentas de trabalho no exercício da práxis teórica, quando
do projeto em consecução.
Problematizar é, acima de tudo, termos um mínimo de clareza
que nos permita que nos coloquemos na ofensiva do processo da pesquisa,
questionando (por que?, como?, para que?, para quem?) os fundamentos teóricos
do projeto em questão, para que não se pulverize no e a partir do(s) eixo(s)
temático(s), (verdadeiros vazios teóricos) e impossibilite o grupo de estar
sempre (re)pensando, (re)formulando uma leitura de conjunto (saindo do senso
comum) para que realmente se consiga entender o real concreto almejado.

3.2. ... para ter acesso ao real concreto.

O exercício da problematização nos coloca frente a frente com a


porta de entrada que nos dá acesso ao real concreto. É no aclaramento do
universo de questões a serem trabalhadas teoricamente, que começaremos,
então, a manusear os conceitos que nos levarão de volta para a compreensão do
movimento do real. Assim, o ponto de partida é o método, o balizamento e
rumo, necessários para nossa discussão, que tentando dar conta do real concreto
(passa pela paisagem: conjunto de variáveis apresentadas pelo empírico),
elabora em nível do pensamento uma leitura do movimento do concreto - o
concreto em pensamento. Aí, sim, temos o nosso ponto de partida estabelecido
para movimentarmos nossa discussão de eixo temático, seu sentido e objetivos
“delimitados” teoricamente.
Entendendo o concreto como sendo a síntese de múltiplas
determinações, pode-se inferir que o pensamento é um ato de construção
estreitamente relacionado com o processo de construção histórica - o concreto
em pensamento. O movimento geral, particular⇒singular e
singular⇒particular⇒geral, (a tríade/escalar categorial) é que nos permite
chegar mais próximo do real concreto, munidos conceitualmente (concreto em
pensamento), onde a cada movimento, o concreto em pensamento é ponto de
partida para a “leitura” e compreensão do real concreto...
Então, por exemplo, se assumíssemos a questão da moradia na
periferia das grandes cidades do sudeste brasileiro como eixo temático a ser
trabalhado pelo grupo, no Trabalho de Campo, caberia de antemão elegermos o
universo teórico conceitual, no qual passaríamos a situar a concretitude do tema
(singular), no movimento contraditório da construção da sociedade brasileira e
sua inserção na mundialidade do modo capitalista de produção (geral), onde as
relações sociais de trabalho e de produção e toda a complexidade das mediações
(propriedade privada dos meios de produção), o enfrentamento concreto dos

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

verdadeiros sujeitos da história - luta de classes - (particular), nos permita


entender e discutir o “jogo” das determinações que, ao se territorializar, nos
apresenta a essência da questão posta (singular).
Dessa forma, o real já apropriado não é mais o real do início do
processo e sim o real que já contém uma nova determinação: o conhecimento
humano.
Portanto, o(s) eixo(s) temático(s) ou pontos de interesse a serem
encaminhados pelo grupo, ao serem problematizados, (re)colocam a questão do
método - ainda em desuso no nosso cotidiano - que nos permite caminhar na
direção de percebermos o movimento do contexto no qual se insere o objeto de
pesquisa no entrecruzamento com o modo de produção. Assim, teríamos
condições de desfetichizar o espaço, ao elegermos como questão sine qua non
trabalhar com os verdadeiros atores que constroem a sociedade (classes sociais)
a partir do movimento contraditório que lhes é inerente.
Seguramente, desfetichizar o espaço representa, acima de tudo, a
possibilidade concreta de se “reler” o Brasil, tirá-lo da contramão da história.
Por exemplo: ao se trabalhar com o conceito de região, algo hermeticamente
delimitado e de uma empiricidade a toda prova, não se consegue entender o
movimento contraditório do real concreto à luz do desenvolvimento desigual e
combinado do modo capitalista de produção.
Desse modo, qual seria a nossa reação, se, ao chegarmos em
Petrolina, sertão pernambucano (clima semi-árido, solos de baixa fertilidade
natural, em alguma medida ácidos), encontrássemos, de um lado da estrada,
grandes projetos agrícolas que dispõem de recursos sofisticados de irrigação,
como é o caso da DAN (Desenvolvimento Agrícola do Nordeste), sendo uma
das maiores produtoras de melão do país, com uma produtividade média do
trabalho igualável às empresas de São Paulo, e do outro lado da estrada,
pequenos produtores familiares, vivendo à míngua, no limite da miséria?
Poder-se-ia indagar: que região é esta? Região! Que paisagem é esta? Paisagem!
Descontinuidade do espaço...?
Em síntese, as três categorias fundamentais do conhecimento
geográfico (paisagem, território e espaço), do ponto de vista do real concreto e
do concreto em pensamento, estariam na base da relação entre essência e
aparência, onde sujeito e objeto são identificáveis (elementos do conhecimento)
numa mesma realidade contraditória, movimento dialético, portanto.
Entendido o Trabalho de Campo como “laboratório geográfico”
por excelência, nada mais estimulante que tomemos como questão precípua a
reflexão teórica de qual Geografia efetivamente projetamos construir!
Que tal assumirmos juntos esta empreitada?

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

4. Indicações para Leitura

BRANCO, J. M. F. Dialética, ciência e Natureza. Lisboa: Editora Caminho,


1989.
FERREIRA, C. C. A Utilização do Trabalho de Campo no Ensino de
Geografia. ANPOGEO, Lisboa, n.12., set., 1996. (Associação de Professores de
Geografia).
LEFÈBVRE, H. Lógica Formal e Lógica Dialética. Río de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1983.
LÖWY, M. As Aventuras de Karl Marx Contra o Barão de Münchhausen. São
Paulo, Editora Busca vida, 1987.
MOREIRA, R. O Discurso do Avesso. Rio de Janeiro, Editora Dois Pontos,
1987.
OLIVEIRA, A. U. Espaço e tempo: compreensão materialista e dialética. In:
SANTOS,M. Novos rumos da geografia brasileira. São Paulo: Hucitec, 1982.
PEREIRA, D. A. C. Geografia Escolar: Conteúdos e/ou Objetivos. Caderno
Prudentino de Geografia, Presidente Prudente, n.17, 1996.
THOMAZ JÚNIOR, A. Um Momento: Com a Palavra o “Mundo Paralelo”.
Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n.19, 1992.
THOMAZ JÚNIOR, A. Gestão e Ordenamento Territorial da Sociedade:
Inserções e “Leituras” dos atores sociais (Uma Contribuição ao Debate).
Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n.22, 1998.

Presidente Prudente, inverno de 1992

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

A TERCEIRIZAÇÃO NO CONTRAPASSO DA
AÇÃO SINDICAL. O “PULO DO GATO”
DO CAPITAL NOS ANOS 90 ∗

1. Introdução

Temos diante de nós, agora, uma tarefa um tanto complicada e


estimulante. Discutir a "terceirização" nos anos 90 exige, sobretudo, localizá-la
dentro do conjunto das novas estratégias do capital e das novas tendências que
despontam na economia mundial, nos mais diversificados setores, ramos e
cadeias produtivas. Isso requer, sem dúvida, grande esforço e atenção para com
a abrangência, velocidade, magnitude e particularidade com que estão se
implantando.
Se, por um lado, recorre-se à questão estrutural da crise-reforma do
capitalismo, que passa pela redefinição da concepção técnico-científica de
conteúdo físico-mecânico, que por um século incumbiu-se de planetarizar o
sistema - agora é o seu limite - por outro, a necessidade de alteração no papel do
Estado (fim do Welfare State ou Estado do Bem-Estar Social), que no Brasil
sequer chega a se concretizar, que reelabora suas ações para atuar mais
livremente no mercado, assumindo as novas funcionalidades exigidas pelo
processo de reestruturação do capital.
Doravante, os ventos "moralizantes" acionados pelos reclamos dos
neoliberais e pelos protagonistas de uma nova ordem econômica mundial, reais
defensores dos "sucessos da modernidade", lançam mundialmente, a um só
tempo, a bandeira da reestruturação geral do sistema, contemplando a
superestrutura política (o fim do Estado do Bem-Estar-Social), e da
infraestrutura técnico-científica pautada no novo paradigma, agora de base
químico-biológica (“colonialismo genético”). O novo paradigma assenta-se no
mapeamento do código genético dos seres vivos (manipulação e controle do
genoma), tendo na biotecnologia o referencial de ação, e na proteção da
propriedade intelectual (Lei de Patentes) sua viabilidade econômica/estratégica,
e ainda o cinismo dos artífices do desenvolvimento sustentável, e da
conversão da dívida externa em projetos ecológicos, como expressa as
propostas para a internacionalização da Amazônia .


Este texto foi publicado originalmente no Caderno Prudentino de Geografia, Presidente Prudente, n. 15,
set., 1994, com o título “A terceirização no contrapasso da ação sindical. O pulo do gato dos anos 90”.
41
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Que não nos deixem mentir os acertos e mediações, para a


(re)adaptação das engrenagens do sistema, chancelada e protocolada na ECO-
92.
Trata-se, portanto, de erguererem-se oniscientemente as bases
necessárias de sustentação do neo-liberalismo, enquanto garantia de
(re)oxigenação do aparelho estatal, coadunadas a um novo paradigma de base
químico-biológica, colocando a relação técnica de trabalho num outro patamar.
É nesse quadro que o debate internacional sobre os
desdobramentos da biodiversidade, do alcance da biotecnologia, coloca em
cenário a amplitude da "biorrevolução"7 e a necessidade de uma nova
geopolítica, a do patrimônio universal.
Contudo, é dentro desse mesmo quadro que a reorganização do
capital em nível internacional, propugna e requer uma nova territorialidade, para
garantir a exequibilidade do seu movimento (têmporo-espacial), imanente ao
conjunto das novas ações.
Por conseguinte, a “terceirização”, apesar de não representar algo
de novo e inusitado, vem sendo totalmente remodelada às novas estratégias do
capital. Os efeitos destrutivos dessa alternativa de organização do trabalho e do
processo de produção, acentuou ainda mais as fragilidades dos trabalhadores e
dos sindicatos, em todos os lugares e países onde foi adotada, desde o anos 1980
e devendo ingressar no século XXI com marcada sintonia na fragilização das
relações de trabalho. De todo modo é mais uma das alternativas impostas pelo
capital no contexto do cenário mundial, onde se despontam os novos
mecanismos de disputa de mercados (as novas estratégias do GATT) -
atualmente reformulado e já como Organização Mundial do Comércio (OMC) -
que desembocam na formação e constituição dos mega-blocos. Desdobram-se
em novos processos de organização e gestão da produção e do processo de
trabalho, no recrudescimento do processo de centralização e concentração do
capital, o que se evidencia na diversificação das atividades dos conglomerados
industriais, via incorporação de novas empresas.
Esse quadro, aparentemente contraditório, faz da “terceirização” -
ou “especialização flexível”, ou “focalização” - das atividades fins (centrais)
das empresas, outra ordem de objetivos do capital em nível internacional, na
busca, também da racionalização da produção e da reprodução ampliada do
capital; compatibilizada com as demais estratégias das empresas, tais como:
automação e sofisticação do aparelho técnico produtivo, novos sistemas de
produção [toyotismo, ou sistema de produção “enxuta” (lean production
system), CQT (Controle de Qualidade Total), etc.] e por via de conseqüência,
também com a sua forma de gestão, novos métodos de organização e

7
Cf. MOREIRA, 1992, p.3.
42
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

gerenciamento do trabalho, trabalho em equipe, participação nos lucros e nos


resultados, etc.
Por sua vez, esse processo se planetariza, requerendo e exigindo,
nos quatro cantos do globo, “liberdade” e desregulamentação econômicas,
desestatização - forma mais “civilizada” da institucionalização da privatização
das empresas estatais - e da oficialização da privatização do Estado, bem como o
afrouxamento/reformas das legislações trabalhistas, das conquistas sociais e
políticas dos trabalhadores, o que nos inspira a lembrar os exemplos mais servis
da superexploração da força de trabalho no Brasil; no México, com as
maquiladoras; na China, etc. Assim, se compõe mais um escudo do neo-
liberalismo, pedra angular da modernização e da “pós-modernidade”. A pós-
modernidade não seria a reinvenção político e ideológica do capital enquanto
constructo para desmobilizar os trabalhadores e assim não possibilitar
perspectivas emancipatórias?
É nesse quadro que situaremos o escopo da “terceirização” no
Brasil, sua abrangência e particularidades, como parte de um conjunto de
diferentes frentes de ação e estratégias do capital, e os desdobramentos daí
decorrentes para com o movimento sindical dos trabalhadores. Os objetivos
pleiteados aqui priorizam pontuar o conteúdo da ”terceirização”, especialmente
quanto ao imbricamento com as respostas e ações do movimento sindical, ou
seja, o teor e o movimento da territorialidade da luta de classes.

2. O velho e o novo na terceirização...

Se o processo de transferência de atividades para terceiros não é


novidade, até parece pertinente dizer que estamos diante de uma volta às
origens. Uma espécie de retorno histórico da divisão social do trabalho, pautada
na fragmentação e disseminação dos locais de produção. É como se
estivéssemos retomando o contexto do período inicial da industrialização,
quando a produção de artigos manufaturados nos séculos XVIII e XIX,
principalmente dos têxteis, vestuário, calçados, eram feitos pelos artesãos em
suas casas - e na seqüência absorvidos por um intermediário (capitalista) -
conhecido como “sistema doméstico”", ou putting-out.
O que dizer então das experiências do sistema putting-out neste
século? Por exemplo, da indústria de autopeças; a indústria de informática, com
diversos componentes produzidos por empresas especializadas, sendo agregados
pelos fabricantes, ou ainda, através da montagem domiciliar de componentes, às
vezes por famílias inteiras; bem como o setor têxtil, calçadista, etc.
No setor agroindustrial do leite, cana, laranja, algodão, etc., a
relação se estreita no fornecimento da matéria prima para a indústria; e os
produtores integrados (aves, suínos, fumo), que se vinculam às indústrias, com
base em contratos de fornecimento, rigorosamente determinados, contemplando,

43
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

desde os procedimentos no plantio, tratos e cuidados com a qualidade dos


produtos, quotas de fornecimento, formas de pagamento, até a entrega da
matéria prima.
Vale lembrar o trabalhador rural assalariado não residente (bóia-
fria), que na maioria dos casos é agenciado por um intermediário (firma), que
faz a intermediação para vender sua força de trabalho para o produtor rural.
O que dizer das grandes empresas industriais e corporações
financeiras que já há algum tempo passaram para terceiros os serviços de apoio
(vigilância, restaurante, limpeza, etc.)? Esse processo está presente também nas
Universidades públicas, então, o que pensar sobre o papel do Estado, a questão
dos direitos dos trabalhadores e a desmobilização da ação sindical que passa a
ter uma postura concertacionista? E o que dizermos sobretudo da adoção dos
princípios e dos fundamentos dessa conduta pelos próprios sindicatos, que se
comprometem por meio da prática política condizente com os compromissos e
com as agendas do capital, e não com a pauta dos trabalhadores? O que alguns
autores defendem como crise do sindicalismo, parte indivisível da crise do
capital, merece de nossa parte estudos e aprofundamentos para diagnosticarmos
e desvendarmos a trama de relações que compõem o espaço e a sociabilidade
dos trabalhadores e trabalhadoras nessa etapa da história.

2.1. ... nova cara da velha subcontratação...

Contudo, dentre outros fatores, neste final de século, como a


redução de custos fixos, o incremento da produtividade e da competitividade, a
busca contínua da racionalização e aumento do controle produtivo, a
“terceirização” adquirem novos contornos e aparecem como uma tendência
internacional, e está umbilicalmente ligada ao objetivo das empresas
delimitarem claramente seu “foco” de atuação, daí também o nome de
“focalização”.
A terceirização combina de uma só vez objetivos econômicos,
organizacionais e políticos. Os objetivos econômicos são alcançados com a
redução de custos. Os objetivos organizacionais são alcançados com o aumento
da flexibilidade demandada de "terceiros" altamente especializados. Assim,
consegue-se alta flexibilidade para responder às mudanças dos pedidos dos
clientes. Tal flexibilidade manifesta-se de várias formas: abandonando-se
produtos, separando-se linhas de produção, importando-se componentes e peças,
direcionando-se para a comercialização, e não mais para a fabricação. Essa
tendência proporciona maior autonomia administrativa dentro da empresa e
novas formas de organização dos trabalhadores nas linhas de produção e da
prestação de serviços de "terceiros".

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Os objetivos políticos são alcancados pela redefinição, a partir do


exposto acima, da atuação e intervenção das comissões de fábricas, passando-se
por cima das conquistas sindicais e desestruturando-se a identidade e a unidade
entre os trabalhadores através do desmantelamento (parcial ou integral) de
setores ou departamentos inteiros das unidades de produção. Neutralizam-se,
deste modo, o trabalho de organização sindical e as conquistas dos
trabalhadores. Além disso, tais objetivos geram desemprego, diminuem os
postos de trabalho e os salários, "criando" a redefinição "legal" do
enquadramento sindical e viabilizando a desmobilização das ações sindicais.
Os trabalhadores "saem" das categorias mais mobilizadas para
categorias menores e desmobilizadas, conseqüentemente tem-se a diminuição
sensível do número de trabalhadores filiados aos sindicatos.
Todavia, há que se atentar para o fato de que um sem número de
tarefas até então executadas/computadas nos setores primário e secundário da
economia, passam para as empresas prestadoras de serviços. Este
comportamento, em nível internacional, reflete-se na crescente expansão do
setor terciário (terciarização) no PIB (Produto Interno Bruto), onde o processo
de terceirização constitui-se num dos fatores explicativos, bem como o
crescimento do setor financeiro e da administração pública.
Levada às últimas conseqüências, a "terceirização" é o reflexo
internacional do redirecionamento das empresas na busca contínua da
valorização do capital (com aumento da produtividade, descentralizando a
produção; com diminuição dos custos, acompanhada da melhora da qualidade
dos produtos), não podendo ser entendida, em alguns casos e momentos, apenas
como mais um modismo, sob pena de se distanciar do trem da história, e mais,
não se entender a nova cara da velha subcontratação, sua abrangência e
desdobramentos políticos, econômicos, sociais e territoriais.
Enfim, o que vem sendo entendido hoje por terceirização, nada
mais é do que a prática empresarial da subcontratação de trabalhadores,
disseminada por todos os setores da economia, nos quatro cantos do globo,
auferindo redução dos custos graças à precarização das relações de trabalho. Em
outras palavras, vale destacar que essas formas precarizadas de trabalho,
rebatem diretamente na demissão dos trabalhadores acima de 40 anos, na
subcontratação de jovens, no subemprego e, no limite, na despossessão, e no
final de contas expressa uma das principais facetas da barbárie do capital no afã
da sua reprodução ampliada e do controle do trabalho.

3. A “terceirização” rompendo limites...

Nessa trajetória, até então restrita às chamadas áreas de apoio


básico como restaurantes, limpeza, segurança, expandindo-se para a manutenção

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

predial, transporte, apoio jurídico, recepção, comunicação social, projetos civis,


etc., a terceirização começou a se estender também para áreas produtivas,
invadindo as fábricas, dando-se tanto por dentro (no interior da empresa cliente)
como por fora.

3.1. ... no mundo

A particularidade e a originalidade da terceirização se faz presente


nos diferentes continentes e países do globo.
No entanto, a ampliação crescente do processo de terceirização
para os setores produtivos da fábrica tem como referência o modelo japonês.
Esse modelo tem, na polivalência das funções dos operários, a incorporação de
novos critérios de performance (os princípios do just-in-time, da qualidade total,
etc.), garantindo êxito e base material para a desverticalização integrada, sendo
pois, o eixo central para a descentralização da produção8.
Dessa forma, coloca em outro patamar as relações
interempresariais, onde as pequenas e médias empresas fornecedoras são
subordinadas às grandes empresas, consumando o que se denomina de Keiretsu9,
tendo, pois, como pressuposto, a produção especializada, e de alto conteúdo
tecnológico, capaz de responder integradamente, com menos desperdício e
maior agilidade, para mover-se em consonância com a demanda flutuante.
Enquanto a Toyota produz em média 27% do valor da produção
dos seus veículos dentro da empresa, a General Motors ainda produz 70%; e
para produzir 4 milhões de veículos a GM (ainda com sua estrutura produtiva
verticalizada), utilizou 265 mil trabalhadores, a Toyota do Japão, no mesmo ano,
em 1987, produziu o mesmo número de unidades com 58 mil trabalhadores10.
No final da década de 1990 esses percentuais sofreram aumento de pequena
dimensão, e se mantiveram praticamente estabilizados, o que mostra que o
processo da terceirização se estabilizou e ganhou evidência como prática
generalizada, com o detalhe de ter ampliado influência para todos os setores da
atividade laborativa, e de gestão do capital sobre o trabalho; sem contar que
também passou a compor o universo discursivo e a regrar as relações no âmbito
das entidades alternativas: ONG´s, sindicatos, centrais sindicais, etc.
Contudo, o mote da inovação da Toyota não se restringe ao fato de
produzir dentro ou fora da fábrica, mas na forma e no conteúdo da integração da
produção das peças pelos fornecedores. No caso japonês, a terceirização está
associada a profundas alterações no sistema de produção. Tais alterações têm,

8
Mais detalhes, ver: Hirata; Zarifian, 1991.
9
Mais detalhes, ver: Womack, 1992.
10
Cf. TIE, 1992, p.20.
46
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

no toytismo11 a referência para a organização articulada da produção, lastreada


pelo forte peso no relacionamento integrado com as firmas terceirizadas
(fornecedores). Assegura-se, assim, fornecimento ininterrupto just in time
(realizado várias vezes durante tempo de produção), contando com o mínimo de
estoque. Seu "pecado original" está no fato de se amparar no trabalho em
equipes (círculos de qualidade) e em novas formas de gerenciamento de pessoal.
Qualidade dos produtos e o processo de produção são integrados para responder
a qualquer mudança no mercado, diferentemente do fordismo (produção em
massa), que é pautado apenas pela lógica da produção.
Os exemplos italiano, alemão e estadunidense, guardando suas
particularidades, são reveladores do processo crescente de expansão e extensão
da terceirização, atingindo praticamente todos os setores da economia, mas
ainda com forte destaque para o setor metal-mecânico, e mais especificamente a
indústria automobilística e de informática.
Nos EUA, o setor de autopeças expressa nitidamente o processo
crescente, mas ainda não expressivo, de participação das pequenas e médias
empresas na fabricação de autopeças para as grandes empresas montadoras,
passando de 15% nos anos 70, para 30% atualmente. Essa participação deverá
crescer nos próximos anos com o NAFTA (Acordo de Livre Comércio da
América do Norte), a partir das importações do México. De outro lado, poderá
se expandir mais ainda com a “integração” da América Latina, através da
Iniciativa para as Américas (acordo de livre comércio proposto pelo governo
norte-americano para todos os países da América Latina) e que desemboca na
ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). Isso possivelmente fará
aumentar as importações do Brasil e dos países que integram o MERCOSUL,
via acordo-quadro ou “Quatro Mais Um”12.
No entanto, às expensas do discurso da "modernidade", o processo
de terceirização consolida a crescente degradação das condições de trabalho e de
vida dos trabalhadores, com desemprego, rebaixamento salarial, repressão às
ações dos sindicatos, etc. Tudo isso com amparo nas leis trabalhistas, através
dos contratos de trabalho temporário. O lado oculto do sucesso empresarial
japonês se expressa nas pequenas e médias empresas, que fazem essa função de
terceirização, com apenas 5% dos trabalhadores sindicalizados e
constantemente reprimidos através de políticas anti-sindicais13. Mais ainda, as
jornadas de trabalho são pautadas pelas flutuações da demanda das grandes
empresas, sendo comum o trabalho nos finais de semana, feriados, férias
laborais.

11
Id., p.21.
12
Mais detalhes, ver: Pereira, 1993.
13
Mais detalhes ver: TIE, 1992, p.16.
47
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

3.2. A Terceirização à brasileira

Na terra brasilis, os primeiros levantamentos revelam, pelos


indícios de amplitude e extensão alcançados, e pela maneira como vem sendo
encarada pelos empresários, que a terceirização é um ingrediente fundamental
no regime de emagrecimento das empresas. Seu traço marcante é o de
materializar-se, na grande maioria dos casos, por dentro da empresa cliente, o
que está evidenciado pelas pesquisas do DIEESE14 (Departamento Intersincidal
de Estudos Sócio- Econômicos e Estatísticos).
No terreno prático, a terceirização no Brasil vem ganhando
dimensão internacional, dada a velocidade e a magnitude dos setores da
economia que a estão adotando, e funcionando como referência para as
empresas de menor porte. Essa nova territorialidade anunciada requer estudos e
pesquisas específicas.
Vale lembrar, nesse ínterim, que a recessão em que a economia
brasileira está imersa, o início da abertura da economia ao exterior e os efeitos
iniciais da globalização, estão funcionando como estímulos à terceirização.
Forçadas a diminuir seus custos em geral, as grandes empresas se estimulam a
transferir algumas atividades para terceiros, com o objetivo de transformar seus
custos fixos em custos variáveis. Neste particular, o MERCOSUL, que
estabelece a partir de 1994 a eliminação gradual das alíquotas de importação no
comércio entre os países integrantes, possibilitará que uma parte da produção
terceirizada seja de fornecedores do exterior, o que se denomina de global
sourcing. E é bom que se diga, o inverso também é verdadeiro! Ao atingir o
final dos anos 1990 os desacordos e dessintonias entre os países membros,
sobretudo por conta dos desentendimentos entre Brasil e Argentina, fazem do
Mercosul um tratado de papel, e de boas intenções, dos setores hegemônicos e
do grande capital.
Atrelado a isso, está o fato de que a desmobilização que o processo
recessivo traz para o movimento sindical facilita as ações dos empresários, tendo
pela frente, pouca ou quase nenhuma resistência dos trabalhadores - nas
Comissões de Fábrica, representantes por empresa - e dos sindicatos com
dificuldades internas para mobilizar e informar suas bases, organizar ações e
vencer o corporativismo e o imobilismo15.
Os exemplos das empresas no Brasil que terceirizaram, se somam
aos montes, nos mais variados ramos e setores da economia (por dentro e/ou por
fora), desde final dos anos 80, tais como: V/W, Ford, Mercedes, Scania,
Maxion, Van Leer, Cofap, Semco, Metal Leve, Mangels, Riocell (aliás uma das
pioneiras), Petrobrás, Philips, Springer, Rhodia, Bayer, Brastemp, Cibié (líder na

14
Cf. DIEESE, n.7, maio de 1993.
15
Mais detalhes ver: Thomaz Jr., 1992, p.39-45.
48
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

fabricação de faróis para automóveis), Lupo, Telemig, Cesp, CPFL, Telesp,


Bancos, indústrias de informática, etc.
No conjunto das empresas que terceirizaram, mesmo ainda
centradas majoritariamente por dentro e nos setores de apoio, já se constata a
transferência das atividades em áreas como ferramentaria e manutenção de
fábrica. Verifica-se, também, um movimento significativo que expressa a
passagem das atividades transferidas a serem feitas fisicamente fora da empresa
contratante, tais como serviços de manutenção de máquinas, projetos, gráfica,
componentes diversos, etc. Em muitos casos, tais atividades são exercidas por
ex-funcionários e pessoas próximas das empresas cedentes16, estabelecendo-se
uma relação de compadrio.
Mais recentemente, a terceirização está estendendo-se para
escolas17, transporte público de passageiros (EMTU)18, restaurantes, até em
sindicatos (como contratados, na venda de passagens interurbanas)19. Está
estabelecendo-se, também, no corte mecanizado e no transporte da cana-de-
açúcar, como nas empresas do grupo Biaggi em São Paulo, etc.
Em termos práticos, são inúmeras as possibilidades para a
ampliação do processo de terceirização. É só os empresários vislumbrarem
vantagens econômicas e a necessidade de (re)estabelecer e/ou fortalecer o
controle do processo de trabalho e de produção.
Fazem parte desse cenário, as empresas de consultoria e de apoio
empresarial20, com o intuito exclusivo de apontar os equívocos e os entraves,
ainda existentes entre os possíveis contratantes e fornecedores, apresentando
soluções para viabilizar a terceirização.
Essas entidades se constituíram, na grande maioria, no início da
década de 90, e estão jogando pesado na veiculação das vantagens da
terceirização, através de esquemas sofisticados de merchandise, financiando
projetos, promovendo cursos e utilizando-se de todos os recursos disponíveis na
mídia, inclusive a eletrônica, como é o caso do SEBRAE (Serviço Brasileiro de
Apoio à Pequena e Média Empresa), com inserções no horário nobre, apostando
num mundo de oportunidades. Um verdadeiro corpo-a-corpo, que está obtendo
resultados no curtíssimo prazo, faz da terceirização um produto muito cobiçado.

16
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, 1993.
17
Esse esquema está sendo desenvolvido nas Escolas e Creches municipais de Maringá (PR), sob o signo
de Escolas Cooperativadas, sendo que a Prefeitura entra com o patrimônio, infra-estrutura e o repasse de
verbas para o grupo de professores e funcionários que assumem a manutenção e gerenciamento. Folha de
São Paulo, 01/10/1992.
18
Cf. FOLHA DE SÃO PAULO, 24/03/1993, p.4.
19
A esse respeito não há informações sistematizadas, porém é corrente que vem se ampliando
crescentemente.
20
A esse respeito ver: Pequenas Empresas Grandes Negócios, 23/01/1991.
49

47
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

É digno de registro, apontar os recuos ocorridos com a


terceirização. Isto é, empresas que terceirizaram parte de suas atividades, como a
Brassinter, e num momento seguinte, depois de constatar prejuízos com a ação,
recuaram. Por outro lado, há exemplos de empresas que estão direcionando suas
ações na contramão do mercado, ao apostarem no incremento da verticalização
da sua produção, como é o caso da Vale do Rio Doce. Todavia, o
direcionamento está dado! De tal forma, que já não causa mais estranheza o fato
da terceirização estar sendo ampliada para alguns setores das empresas, com a
chegada da quarteirização.
Isto é, se pairavam dúvidas a respeito das vantagens da
terceirização, agora, em algumas empresas como as do grupo Ticket, o sucesso
foi tamanho, que foi traçado o gerenciamento da terceirização dos setores
terceirizados, através da Infra 4 (empresa do próprio grupo Ticket), que por sua
vez, gerencia (quarteiriza) as empresas terceirizadas de outras empresas, tais
como: Natura; Eletroplastic, etc. A justificativa incide sobre o aumento da
eficiência e rapidez administrativa, como economias da ordem de 5 a 10%21.

3.2.1. O pulo do gato dos anos 90

Contudo, o importante a ressaltar é que no geral, o sucesso das


empresas com a terceirização se traduz na queda acentuada do nível de emprego,
passando, por exemplo, no caso da Riocell (produtora de celulose), de 3600
funcionários, para 110022. Nesse caso, mesmo que as prestadoras de serviço
tenham absorvido 1700 trabalhadores, 800 empregos sumiram pelos ralos da
modernidade.
Dessa forma, o que fica patente é que a terceirização materializada
no atual contexto recessivo agravará ainda mais o número de trabalhadores
desempregados, acompanhado, no tocante aos salários, a quedas expressivas,
pois a atividade terceirizada tende a ser feita em empresas que possuem
patamares salariais inferiores ao das grandes empresas, às custas, é lógico, da
supressão das conquistas e das lutas sindicais; recaindo também no aumento da
jornada, e piores condições de trabalho.
Construindo um mundo de relações à imagem e semelhança do
quadro apontado acima, a terceirização não é o mesmo que reduzir o quadro
interno de pessoal, para promover a contratação de mão-de-obra temporária.
Em alguns casos da terceirização à brasileira, este imbricamento pode estar
ocorrendo, mas com perdas expressivas no nível de emprego.

21
Cf. O ESTADO DE SÃO PAULO, 16/05/1994, p.8.
22
Cf. SINDICATO, s/d, p.32.
50
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

A rigor, entende-se por trabalho temporário aquele que é realizado


por pessoa física a uma empresa, objetivando atender à necessidade transitória
de substituição de seu efetivo regular, ou acréscimo momentâneo em caráter
extraordinário. Não pode exceder a três meses de duração, a não ser sob
autorização expressa do Ministério do Trabalho. É importante destacar que esse
expediente foi incentivado e pelo governo FHC, e levou o carimbo de
contratação de trabalho temporário, revelando-se absolutamente hostil aos
trabalhadores.
Esse é o teor da lei 6019/74 que regulamenta a contratação de mão-
de-obra temporária. Prescreve, ainda, a obrigatoriedade de que o contrato seja
por escrito, devidamente registrado, e, no artigo 12, quanto aos direitos do
trabalhador, estabelece: a) remuneração equivalente à recebida pelos
empregados da mesma categoria da empresa cedente; b) jornada de oito horas,
com adicional de 50% para horas extras; c) descanso semanal remunerado; d)
férias proporcionais; e) indenização por dispensa sem justa causa igual a 1/12 do
pagamento recebido; f) proteção previdenciária; g) seguro contra acidente de
trabalho.
Mas, um estudo recente realizado pelo Sindicato dos Metalúrgicos
do ABC23, mostra, com todas as letras, o descumprimento da legislação pelos
empresários. Com a agravante, nesse caso, de não levarem em conta a cláusula
73 da Convenção Coletiva de Trabalho (que tem o mérito de impedir o
alastramento indiscriminado da mão-de-obra temporária), aplicável à categoria
metalúrgica de São Bernardo do Campo e Diadema. Ao restringir-se o conteúdo
da cláusula somente à produção, garantiu-se às empresas a interpretação de
investirem suas ações em outros setores delas.
Nesse sentido, vale lembrar a atuação das Comissões de Fábrica. O
exemplo mais conhecido é o da CF da Volksvagen (São Bernardo do Campo),
quando fechou um protocolo com a empresa, com o mérito de acompanhar as
eventuais implantações e ampliações da terceirização na fábrica.
No entanto, se faz necessário afirmar que os sindicatos e o
movimento sindical como um todo, não dispõem de organização e estrutura
suficiente para fiscalizar e se antepor às ações ilegais das empresas.
De antemão, o cenário iminente dos desdobramentos da
terceirização, ao fragmentar a representatividade sindical, redefine o
enquadramento legal dos trabalhadores, passando a constituir categoria diversa
dos demais operários da fábrica que estão contratados pelo regime da
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). E mais, na prática, a lei 6019 ao
especificar os direitos do trabalhador temporário (terceirizado), restringe-os em
relação às garantias na CLT, tais como: não tem direito a aviso prévio, Fundo de
Garantia e Tempo de Serviço (FGTS) e cláusulas de acordos e convenções

23
id., p.43.
51
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

coletivas da categoria preponderante. Os trabalhadores terceirizados ficam sob


forte controle dos empresários e chefes, e em decorrência, totalmente
fragilizados politicamente e mais instáveis quanto à garantia do emprego.
Contudo, observa-se que, pela lei, o trabalho temporário deveria
ser restrito, o que não corresponde à realidade dos fatos, pois os próprios dados
oficias divulgados pelo IBGE, sinalizam a existência aproximada de 10 milhões
de trabalhadores temporários no Brasil24. Quando muito, esperar resultados
interessantes das tentativas de modificação do prazo de duração de 90 para 120
dias, em tramitação no Congresso Nacional, e outras tentativas de regulamentar
a terceirização através de legislação específica25. No sentido mais amplo, há de
se esperar a possibilidade concreta que se abre a partir de outubro de 1993, com
a revisão constitucional de alterar, para pior, as conquistas sociais conseguidas
em 1988. E o que dizer das tentativas de reforma da legislação trabalhista e
sindical engenhadas ao longo de toda a segunda metade dos anos 1990 e que
adentram o segundo milênio? Isso tudo coloca a todos de prontidão.
As avaliações mais otimistas não apostam na possibilidade de os
trabalhadores brasileiros obterem mais avanços via institucional, no plano do
código de leis. Assim, a terceirização como instrumento estratégico de redução
de custos, e recrudescedor da precarização dos direitos trabalhistas e das
conquistas sindicais, em suma, o verdadeiro “pulo do gato” do capital, nos anos
1990, deve ser refutada e combatida pelo movimento sindical, esteja se dando
por dentro e/ou por fora, ou em quaisquer setores da economia. Considerando-
se, pois, que a questão central que se põe ao debate é discutir com o conjunto
dos trabalhadores, como ficam a perda dos postos de trabalho, os direitos
trabalhistas, o rebaixamento salarial, e o futuro das ações políticas dos
sindicatos, inclusive em termos de organização por local de trabalho e a ação das
Centrais Sindicais, Partidos Políticos, e os movimentos sociais organizados
como um todo? Não se deve esquecer que nos momentos de acirramento da
explicitação da contradição capital/trabalho, tem-se como desdobramento na
seqüência das lutas, novas ações tático-estratégicas.

4. A Terceirização e as ações do movimento sindical

De fato não são poucas as mobilizações conhecidas, explicitamente


relacionadas à terceirização. As que mais se notabilizaram, deram-se na
Mercedes-Benz, Van Leer e Elevadores Otis, sob o signo de greves, em sinal de
protesto contra demissões.

24
ibd., p.37.
25
Essa discussão está sendo encaminhada na Câmara dos Deputados, através de um projeto de lei do
deputado José Maria Eymael do PDC/SP.
52
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

As movimentações em torno de ações mais amplas, referenciando-


se nos desdobramentos centrais da terceirização, não estão presentes com a
envergadura, conteúdo e contundência requeridas nas ações do movimento
sindical, nem sequer por dentro das centrais sindicais. Fato é, que no
contrapasso da ação sindical a terceirização e outras intervenções do capital têm
sido implantadas sem a participação dos sindicatos. Os trabalhadores nas
fábricas têm sido "capturados" pelos "esquemas participativos", e nada mais
fazem do que selar as proposições dos patrões, assinando a quatro mãos seu
próprio desemprego.
E mais, enquanto os trabalhadores agem pontualmente e
atomizados, e organizados em diferentes sindicatos de bases territoriais distintas
da parte do capital, as ações têm abrangência em nível das cadeias produtivas,
envolvendo um conjunto diferenciado de empresas, mas cuja unidade de ação
tende a se territorializar unificadamente.
Portanto, exceto as intervenções pontuais em nível de empresa, e
da atuação mais organizada em nível de Comissão de Fábrica, como na Volks
(garantindo negociação prévia de qualquer possibilidade de transferência de
atividade para terceiros), no terreno sindical as ações têm se restringido às
entidades mais organizadas e arrojadas, como o Sindicato dos Trabalhadores nas
Indústrias Químicas de São Paulo e o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias
Metalúrgicas do ABC (unificado), ambos filiados à CUT.
A situação dos trabalhadores se explicita em documentos26, que
chamam atenção para a degradação das condições de trabalho, a neutralização
das organizações sindicais, o desmantelamento - em alguns casos - da
organização dos sindicatos com a mudança do enquadramento e com a extinção
dos postos de trabalho, a ampliação do controle da produção e do trabalho, bem
como a aceleração do desemprego, como elementos essenciais contidos na
estratégia patronal, em nome da diminuição dos custos e da racionalização da
produção (o pulo do gato!).
Esse quadro é sustentado, por um lado, pela ação sindical, ainda
hegemonicamente apoiada na estrutura oficial, sob os revezes do corporativismo
e paralisia política, e - quando ativos - portadores de uma tradição de negociação
fortemente centrada na questão salarial, e por outro, pela concepção ideológica
(hermética) dos empresários que, a qualquer custo, não permitem interferência
nos assuntos da fábrica, restringindo e distanciando cada vez mais as ações
organizadas dos sindicatos.
São inegáveis as conquistas e avanços alcançados pelo movimento
sindical desde o final dos anos 1970, ou nesses últimos 15 anos. Esse resgate
não é tarefa do momento, mas o aporte organizativo, e a participação dos
sindicatos na vida política brasileira é a prova mais cabal. E deverá se manter

26
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, 1992.
53
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

atento porque os primeiros sinais do governo Lula não são alentadores para os
trabalhadores, diante da política econômica recessiva, a priorização do
pagamento da dívida externa em detrimento de políticas sociais voltadas para o
emprego, reformas da legislação trabalhista e sindical, com nítidos prejuízos e
perdas de conquistas dos trabalhadores, etc.
No entanto, as discussões e iniciativas dos trabalhadores
organizados no conjunto das diferentes frentes de luta dos movimentos sociais
populares (Sindicatos, Partidos Políticos, Centrais Sindicais, entidades de classe)
e no tocante ao enfrentamento do processo de terceirização da economia
brasileira e seus desdobramentos (no curto, médio e longo prazos), não apontam
alternativas no sentido de encaminhar ações articuladas, nem sequer
intervenções pontuais mais consistentes.
Esse retrato fiel do refluxo das organizações políticas dos
trabalhadores é mais um fator complicador, externando como prova evidente a
interrupção da práxis do projeto socialista e embrenhando-se na chamada agenda
da modernidade, importada e "imposta" pelos neo-liberais.
Isso nos leva a pensar que a tentativa de conduzir essa questão pela
via da negociação, referenciando-se nas formas de contratação que a
terceirização implantará, resguardando o conjunto das condições no dito espírito
de efetiva modernização industrial e melhoria da qualidade de vida dos
trabalhadores27, imprimirá um controvertido direcionamento político à questão.
Tal direcionamento colocará o movimento sindical numa posição
exclusivamente defensiva, distanciando-se das mobilizações de base e,
comprometendo a busca do contrato coletivo, entendido como instrumento de
modernização das relações entre capital e trabalho28.
Tampouco balizar-se-á, guardando as devidas proporções da
abrangência da terceirização, pelos resultados obtidos na câmara setorial do
complexo automotivo, no tocante especificamente à garantia do emprego. Como
também, nessa direção, eleger como diretriz a luta para interferir na organização
do processo industrial, ou melhor, na redefinição da política industrial.
Assim sendo, doravante, as questões de fundo permanecem
intocáveis, ofuscadas pelo conjunto de políticas paliativas. Tem-se que recolocar
em questão a discussão acerca das lutas que tenham como referência o conjunto
dos trabalhadores, e que seja notabilizado o debate em torno de questões
estruturais, referenciadas por outro projeto de sociedade, em busca do
socialismo!!!

27
Cf. SINDICATO, 1993, p.51.
28
Cf. RAMALHO, 1993, p.37.
54
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

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Presidente Prudente, janeiro de 1993

56
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

A BIODIVERSIDADE PARA ALÉM


DA PRESERVAÇÃO. O “COLONIALISMO
GENÉTICO” EM QUESTÃO∗

1. Introdução

Por ora nos ocuparemos em discutir o imbricamento da dita crise


sócioambiental e os (re)arranjos do modelo de desenvolvimento capitalista
colocados em pauta pelo capital neste final de século. Todavia, inspirados por
uma nova proposta de gestão ambiental, que renova o projeto de dominação,
assentando-se no chamamento internacional pelo respeito e proteção à
biodiversidade, centrada estruturalmente no paradigma técnico-científico de
base químico-biológica.
Contudo, o eixo central desse processo tem na biotecnologia,
graças aos avanços da física quântica e da biologia molecular, a referência
técnico-econômica para um conjunto de ações que se entrecruzam e se
interdeterminam. São eles: o patenteamento de formas de vida, desenvolvimento
sustentado e conversão da dívida externa em projetos ecológicos. Aliás, essas
foram as questões que monopolizaram as atenções e os debates na ECO-92, ou
na Rio-9229.
Por isso, não é sem razão que a recente “adesão” à causa
ecológica por parte dos grandes conglomerados empresariais, Bancos,
entidades multilaterais (FMI, BIRD, etc) e os gestores da ordem econômica
mundial como o Grupo dos 7 (G-7), que reúne os sete países capitalistas mais
industrializados do planeta, unidos por uma só palavra, revela o caráter
estratégico da questão ecológica no ordenamento sócioeconômico-político
internacional.
No entanto, as formas com que estas questões nos são
apresentadas, com o lastro do chamamento preservacionista da ecologia do
planeta, sob pena de todos sucumbirem aos reclamos e reações da mãe natureza,


Este texto foi publicado originalmente, com o título “Biodiversidade para Além da Preservação.
Biotecnologia, Desenvolvimento Sustentado e Patenteamento da Vida”, no Caderno Prudentino de
Geografia, Presidente Prudente, n.16, set., 1994; e também, com o mesmo título, no Boletim Fluminense
de Geografia, Niterói, n. 2, 1996.

29
Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada de 3 a 14
de junho de 1992. A reunião também ficou conhecida como Rio-92, e a ela compareceram delegações de
175 países.
57
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

escamoteiam a questão central do debate, que se assenta na reinvenção do


capitalismo, com a peculiaridade de, neste final de século, se processar de uma
só vez, a reforma do Estado e a cultura técnico-científica.
Os neo-liberais intervêm a um só tempo na superestrutura política
e na infra-estrutura técnico-científica, para recolocarem em órbita o padrão
capitalista de acumulação30.
O Welfare State e o paradigma técnico-científico de base
físico-mecânica não respondem mais às exigências expansionistas e vitais do
capital, pois, ao impor à natureza um modelo padronizado de
consumo/destruição, portanto não auto-regenerativo, que passou a colocar em
risco sua própria base da acumulação de riquezas (a natureza), viu-se
encurralado na sua missão histórica de promover sua reprodução ampliada.
Dito de outra forma, o capital inspirando-se num novo paradigma
(auto-regenerativo) de base químico-biológico, que seja capaz de restabelecer o
processo de reprodução, recoloca sob novas hostes a organização do processo
produtivo capitalista, casado com as invocações neo-liberais, pautadas na
desregulamentação da economia, desestatização, privatização, formação dos
mega-blocos. Sem contar num conjunto de desdobramentos que contemplam
novas formas de gerenciamento da produção e da força de trabalho através,
sobretudo, do toyotismo e de formas combinadas que deram luz ao Círculo de
Controle de Qualidade (CQT), Just-in-time, Kan-Ban, terceirização, etc.), eis o
eixo central da nova proposta para sanear a “crise ecológica” do século XX.

2. Da biodiversidade à biotecnologia. Os desdobramentos da ECO-92

A noção da diversidade da natureza e o conceito de natureza


biodiversa, são formulados e ganham:
a) sentido no seio do neo-liberalismo, através das formulações econômicas e
reformulações dos processos produtivos a partir da biotecnologia,
(re)elaborando uma nova geopolítica, a do “patrimônio universal”, ou o
“colonialismo genético”, onde os Estados terão a incumbência de garantir a
preservação da biodiversidade, principalmente as florestas tropicais, para que a
nova cartografação e cadastro se realize, obviamente por aqueles países e
empresas que detêm a tecnologia do DNA recombinante; b) escudo e
sustentação na ideologia ecológica, que prega e faz soar nos quatro cantos do
globo a esquizofrenia preservacionista, excluindo a dimensão social da questão
ecológica, abrandando os reais significados da mercantilização em todas as suas
dimensões, consagrando conteúdo ao controle e proteção da biodiversidade, sob
a ótica de que os diferentes países e grupos sociais são igualmente responsáveis

30
Cf. MOREIRA, 1992, p.7.
58
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

e igualmente afetados pela degradação ambiental, formulando propostas cada


vez mais privatizantes da natureza, de modo a serem mantidos os padrões de
produção e de consumo dos países desenvolvidos; e combatendo com todo seu
poder de fogo, de uma só vez, o socialismo como alternativa, como também o
capitalismo real, sendo pois este último remodelado pela tormenta neo-liberal;
por fim, c) trânsito e abrangência, como era de se esperar, nas ondas do
“ecologismo de resultados”, que abriga nos seus quadros um sem número de
ONG’s, e entidades dos movimentos sociais populares, que não hesitam, e estão
de prontidão para fecharem qualquer aliança (política), desde que orientada para
a “preservação e defesa da natureza”. Nada mais fluído!
O cenário armado para discussões e encaminhamentos
dessas questões na ECO/92, explicitou, até para aqueles que resistiam
“enxergar” o conteúdo polêmico e controvertido dos temas, as dificuldades para
colocar em prática o conjunto dos documentos aprovados.

2.1. A ECO-92 na ciranda da manipulação

Um rápido resgate do evento nos mostra que procedeu-se


internacionalmente um encontro protocolar entre os Estados Nacionais, com o
objetivo de serem mediadores das grandes corporações privadas que anseiam
garantir as condições super e infra-estruturais, para darem consecução ao
processo de acumulação e reprodução ampliada do capital.
Assim, as quase 800 páginas de documentos aprovados na
Conferência31, contendo o conjunto dos acordos, declarações, etc., representam
um amontoado de papéis, grafados com contos de fada. Que história de mau
gosto!
Ora, nas inúmeras rodadas de discussões - muitas apenas de
fachada, porque a maior parte dos documentos já veio pronta dos países de
origem - os países industrializados (os mais interessados na preservação da
biodiversidade), excluiram temas fundamentais como: a desigualdade das
relações internacionais, a dívida externa, o comércio multilateral discriminatório
e a política de financiamento para os anos 90. Até aí nada de anormal no front!
Mas, as grandes questões circunscreveram-se nos limites da
Agenda 21, já que representa o núcleo central das deliberações, ao contemplar e
abordar temas como: tecnologia, financiamento, padrões de consumo,
biodiversidade, biotecnologia, políticas demográficas, desertificação, mudanças
climáticas, degradação do solo, etc. No entanto, as negociações sobre o tema
finanças refletiram a questão central que esteve em pauta na ECO-92.

31
A esse respeito ver: Soares, 1991.
59
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Ou seja: quem arcaria com a responsabilidade e com os custos


dos investimentos e dos ajustes a serem realizados, a fim de manter viável a vida
no planeta, bem como os mecanismos para gerir os recursos financeiros? Essas
foram as negociações mais duras e polarizadoras, resultando nos acordos mais
frágeis e destituídos de compromissos, para “garantir” o que foi deliberado.
Num primeiro momento, a polêmica deflagrou-se em torno dos
0,7% do PIB a serem arrecadados pelos países industrializados até o ano 2000,
para ajuda e financiamento aos países pobres, tal como foi defendido pelo G-
7732 (inclusive a China), para viabilizar a Agenda 21. De fato, essas bases já
tinham sido acordadas desde 1970. Mas, o que prevaleceu foi que essa cifra
deverá ser alcançada o “quanto antes possível” (sic).
Afinal, dos US$ 600 bilhões estimados por ano para
implementarem a Agenda 21, no final da Conferência, apenas US$ 2 bilhões
anuais haviam sido claramente comprometidos.
Num momento seguinte, a dessintonia instalou-se sob as formas
de gestão dos recursos que, ao contrário do que os países do G-77 reivindicaram
prevaleceu a posição do G-7 que consolidou a garantia do controle desses países
no processo decisório e na administração dos fundos, transformando o GEF
(Fundo Global para o Meio Ambiente), controlado sobretudo pelo Banco
Mundial, no único mecanismo multilateral para o financiamento de programas
ambientais globais, contando ainda com os recursos da AID (Associação
Internacional para Desenvolvimento)33, como também com a implementação das
Convenções da Biodiversidade e do Clima.

2.2. Os trejeitos da biodiversidade

Percebe-se, dessa forma, que os desdobramentos da ECO-92


sinalizam, acima de tudo, o fortalecimento do G-7, no tocante às questões de
fundo, que se assentam na referência à padronização planetária do novo
paradigma químico-biológico, recolocando a relação técnica de trabalho no
ponto exato em que as inovações, lastreadas pela micro-eletrônica, da química
fina, da biotecnologia e dos novos materiais, necessitam de garantia e de
mercado para expandirem-se.
Dessa forma, os encaminhamentos da biotecnologia envolverão
um pouco mais de negociações. Como esta se enraíza no conhecimento e
manipulação do código genético (DNA recombinante), a restrição ou
impossibilidade de acesso ao patrimônio genético poderá ser um impeditivo à

32
Essa sigla agrupa 77 países não alinhados, classificados como em desenvolvimento, e que tentam
forçar negociações junto ao G8, grupo formado pelos 7 países mais fortes econômica e militarmente, mais
a Rússia.
33
Id., p.25.
60
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

plena realização do potencial tecnológico dominado fundamentalmente pelo G-


7.
Em outras palavras, quanto maior a quantidade da biodiversidade
(diversidade dos seres vivos), maior será a riqueza do conhecimento do código
genético. Por isso, é para florestas tropicais, como a Amazônia (que contém
metade da riqueza biológica mundial), que as atenções estão voltadas.
No entanto, enquanto o maior percentual de patrimônio genético
mundial encontra-se no hemisfério sul (aproximadamente 2/3), as técnicas e o
capital para utilizá-las estão dispostos no hemisfério norte, G-7.
Em detrimento das imposições mercadológicas e da viabilidade
econômica da biotecnologia, que já movimenta US$ 4 bilhões nos EUA, com a
expectativa de atingir US$ 50 bilhões na primeira década do século XXI, a
biodiversidade estará a cada dia mais ameaçada, à medida em que se torna um
objeto de interesse para o desenvolvimento da ciência e da indústria. Com a
agravante, no médio e longo prazos, de que com o avanço da biotecnologia,
aqueles que tiverem acesso às células e aos genes, deixarão de precisar das
espécies nativas, proporcionando, do ponto de vista exclusivamente econômico,
desvantagens aos países detentores dos recursos florestais bióticos.
Vale registrar que a utilização de organismos modificados por
técnicas de DNA recombinante (biotecnologia), tem gerado preocupações com
relação ao seu potencial de risco para o ambiente, afetando e alterando a
estrutura genética de populações naturais.
No caso das plantas superiores, tal preocupação resulta do fato de
que espécies transformadas “possam transferir seus novos genes para parentes
selvagens através da hibridação, alterando a estrutura genética destas espécies,
podendo causar sérios danos sócio-ambientais”34.
Por outro lado, um conjunto de outras questões, intrinsecamente
ligadas e interdeterminantes, ganham a partir de então, evidência internacional.
Em particular no Brasil, pois se completam a ponto de o patenteamento da vida
(dos recursos genéticos), ser superdimensionado. Ora, requisito fundamental
para os grandes conglomerados industriais e institutos de pesquisa obterem
retorno, sobretudo econômico, com a biodiversidade, através da biotecnologia.
Isso faz com que haja uma articulação em linha direta, com a nova âncora do
desenvolvimento sustentado, que aparece como uma boa nova, portador de
dispositivos que – “concilia” o equilíbrio social, com crescimento econômico e
mercado.
E num passe de mágica, interliga tudo isso com a
preservação do meio ambiente - garantindo o movimento de (re)início de novas
pesquisas e descobertas, que por sua vez é referência, e ao mesmo tempo
complementado/revigorado com o crescimento do mapeamento de banco

34
Cf. VALLE, 1992, p.33.
61
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

genético (a própria materialidade do colonialismo genético) que, com certeza é o


objetivo central que está travestido sob as “boas intenções” dos projetos de
preservação e pesquisa proporcionados pela conversão (troca) de títulos da
dívida externa por projetos ecológicos.

3. Patenteamento da vida, contra quem ?

A título informativo, o Código de Propriedade Intelectual regula os


direitos e obrigações pertinentes à concessão de patentes e registro de marcas,
sendo portanto de muita valia para a definição de política industrial e de
desenvolvimento tecnológico.
Por sua vez, a patente é definida com uma espécie de “contrato”
entre o inventor e a sociedade (representada pelo Estado), onde se concede ao
inventor o monopólio de sua invenção, por um período estrito de tempo, em
troca da descrição pública do invento, proporcionando livre uso por terceiros,
após o término do prazo fixado.
No entanto, essa definição “ideal”, decorre do pressuposto de
que a patente é um monopólio temporário perfeito, e que a sua descrição permite
ampla difusão da invenção. Só que, na realidade, todavia, não ocorre nem uma,
nem outra35.
A rigor, como a preservação da biodiversidade está estritamente
ligada com a comercialização dos produtos oriundos da biotecnologia, o
patenteamento da vida, ou código de propriedade intelectual (industrial), é uma
das armas dos países do G-7, principalmente EUA e Japão, para garantirem a
hegemonia internacional, agora sob novos artifícios, o “colonialismo genético”.
O exemplo mais revelador é a posição assumida pelos EUA de
somente assinar a convenção sobre biodiversidade mediante a introdução de
uma “declaração de entendimento”, em defesa do reconhecimento dos chamados
direitos de propriedade intelectual, na mesma linha que vem sendo encaminhado
na Rodada Uruguai do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). Esta é
mais uma prova cabal da defesa dos interesses privados dos conglomerados
multinacionais.
Objetiva-se, a qualquer custo, e valendo-se de todos os
mecanismos (restritivos, persuasivos e de sanções comerciais), impor regras
nacionais e internacionais capazes de garantir o avanço “competitivo” de suas
empresas nos setores estratégicos da economia, reforçando suas vantagens
comparativas e acesso cativo aos mercados dos países menos desenvolvidos.

35
A esse respeito ver: Sindicato dos Químicos, 1991, p.29.
62
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Dessa forma, a “ordem” geral vale para todos. O readequamento


das novas regras também foi operado recentemente nos países mais
industrializados, componentes do G-7, como Itália e Alemanha.
No setor químico, a maioria desses países, só na década de 70,
passou a reconhecer patentes, após ter consolidado todas as garantias para o
desenvolvimento de suas indústrias, principalmente no setor químico e
mecânico. Mas, mesmo após o reconhecimento formal das patentes,
principalmente a França e o Japão têm se utilizado de manobras para retardar a
concessão efetiva do patenteamento, com o intuito de proteger por um período
maior seus setores econômicos prioritários36.
Vale lembrar que somente na década de 80, depois do quase
absoluto monopólio exercido por grandes empresas multinacionais, é que a
legislação do direito de propriedade intelectual sobre plantas, vem sendo
imprimida nos países industrializados.
De toda forma, as empresas multinacionais, escudadas pelos
mandarins dos Estados Nacionais (vide a ECO-92), buscam a qualquer custo,
expandir e defender seus investimentos através das cobranças de royalties, o que
ironicamente significará que os possuidores da biodiversidade irão pagar pelo
direito de utilizar processos e produtos (engenheirados), provenientes do seu
próprio patrimônio genético.
O exemplo do acordo firmado entre a Ciba Geigy e o Instituto de
Biodiversidade da Costa Rica é muito ilustrativo a esse respeito, pois a empresa
se comprometeu a pagar US$ 1 milhão por ano para uso e manutenção dos
recursos genéticos, sendo que, só em 1990, com uma única planta ganhou
US$750 milhões.
O que está em jogo, portanto, é o lastreamento operacional do
paradigma químico-biológico, como forma de nutrir de garantias super e infra-
estruturais os grandes conglomerados industriais, com o intuito de lhes dar
condições concretas para a reprodução ampliada do capital.
A limitação da difusão da tecnologia é o fio condutor que acaba
“impedindo o surgimento de competidores potenciais e impondo um preço
maior para permitir sua utilização, configurando o que pode vir a ser uma nova
divisão internacional do trabalho na qual os países desenvolvidos teriam o
domínio exclusivo do avanço científico e tecnológico”37.
Todavia, no plano multilateral (no atacado), a investida da “tropa
de elite” do capitalismo internacional, para obter êxito nesta empreitada está
sendo direcionada, sobretudo pelos EUA, através do GATT (Acordo Geral sobre
Tarifas e Comércio), desde as primeiras “negociações” da rodada Uruguai. E é

36
Cf. MELLO, 1992, p.11.
37
Id., p.11.
63
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

um dos pontos inegociáveis do projeto de formação da “Iniciativa para as


Américas”38.
É de se estranhar que, aparentemente, está havendo um
deslocamento do foro de decisão internacional apropriado, que é a OMPI
(Organização Mundial de Propriedade Intelectual), entidade ligada à ONU, para
o GATT, aliás instância predileta para o exercício dos mecanismos de pressão e
imposição, no mercado internacional, de forma a viabilizar as sanções e
retaliações comerciais contra os países que ainda resistem em embarcar na
“nova onda”, não oferecendo condições favoráveis às novas exigências para a
proteção às patentes.
Por outro lado, existem outras frentes de ação, que não se
restringem ao âmbito multilateral do GATT, bem como dos agentes financeiros
(BID, FMI, BIRD, etc.), mas através do corpo-a-corpo exercido por pressões
bilaterais e unilaterais.
O sucesso desse conjunto de ações está à vista, com inúmeros
países já tendo alterado suas legislações, portanto já enquadrados dentro das
novas exigências, como é o caso, por exemplo, da Coréia do Sul, Taiwan,
Tailândia, Cingapura, México, e em compasso de espera Argentina e Chile,
assim como muitos países africanos.
O Brasil está na berlinda já há algum tempo, sendo alvo de
seguidas pressões e retaliações, tanto do GATT (agora Organização Mundial do
Comércio – OMC), como diretamente dos EUA, através da lei 301, que lhe
assegura o direito de criar barreiras para a entrada de mercadorias produzidas no
Brasil - o que foi agravado com a reserva de mercado na área de informática, e
por não ter reconhecido patentes para produtos farmacêuticos das empresas
norte-americanas, pois o código de propriedade intelectual vigente não
contempla os quesitos e exigências requeridas. Portanto, incompatíveis com o
ordenamento - da “nova onda” - necessário para expandir os negócios em torno
da biotecnologia, em respeito, fundamentalmente, às “reservas” da
biodiversidade e à potencialidade de processamento do parque industrial
brasileiro e do mercado consumidor.

3.1. O “colonialismo genético” em questão

No entanto, em 1990 as retaliações do GATT e fundamentalmente,


dos EUA foram suspensas, após o governo Collor ter sinalizado interesse em
“resolver” o problema.

38
“A Iniciativa para as Américas é um projeto do ex-presidente George Bush, de formar um acordo de
livre comércio com todos os países da América Latina. O objetivo fundamental é a eliminação das
barreiras comerciais, para a liberalização dos fluxos de serviços e investimentos, bem como a
regularização dos direitos de propriedade intelectual”. (PEREIRA, 1992, p. 02).
64
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Neste particular, nos toca mais de perto refletirmos essa questão, a


partir dos desdobramentos no Brasil, com o projeto de lei n. 824/91 (com seus
223 artigos), que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial,
com o adendo da lei dos Cultivares, que versa especificamente sobre sementes e
plantas transgênicas, que está tramitando no Congresso Nacional - já tendo
passado pelas comissões temáticas - em substituição ao atual código de
propriedade industrial, lei n. 5772 de 1971. O jogo de pressão exercido pelos
grupos transnacionais agroquímico/farmacêuticos tem sido favorável à aceitação
por parte do governo brasileiro das culturas transgênicas, sobretudo da soja
transgênica.
O “xis” da questão se assenta no fato de que o código em uso
concede patentes em quase todos os setores industriais, mas não para algumas
áreas, especialmente para aquelas que favoreceriam as empresas objeto de
inúmeras disputas, negociações e imposições, como: alimentos, fármacos
(matéria prima para remédios), biotecnologia (microorganismos, processos
microbiológicos, plantas, animais), e produtos químicos (química fina e de
base).
Em termos mais gerais, o projeto do governo atende in totum as
reivindicações externas, facilitando a concessão e os direitos de patentes,
ampliando para todas as áreas até então não cobertas, garantindo direitos
monopólicos muito mais abrangentes sobre exploração, importação e proteção
de segredo industrial pertinentes aos produtos e processos, além de
retroatividade de direitos.
Isto quer dizer que, além da patenteabilidade nestas novas áreas, o
projeto prescreve o aumento do prazo de validade do monopólio, a extinção da
obrigatoriedade de explorar no Brasil o objeto de patente, bem como a
permissão para que seja importado.
Doravante, o aspecto mais importante da história nesse momento
é que a sociedade brasileira está alheia à gravidade e profundidade dessa nova
lei em tramitação, e a mídia se escondeu covardemente, não dando destaque à
matéria. Pudera, as empresas multinacionais são as principais anunciantes nos
grandes veículos de comunicação (televisão, rádio, jornal, etc.).
Indo mais a fundo, com o atual governo fazendo vistas grossas,
com os movimentos sociais populares, Sindicatos, Centrais Sindicais, entidades
de classe, por fora do debate - coincidindo com o mesmo ambiente da
formulação do projeto - e o Congresso Nacional, de um lado fortemente
articulado em torno da aprovação da matéria, com número expressivo de
parlamentares - paladinos do neoliberalismo - representantes diretos e indiretos
dos interesses das empresas multinacionais, apoiados por lobbies. Por outro
lado, poucos congressistas imbuídos em (re)discutir o tema, em face da sua
amplitude, e outros pouco inclinados em rechaçá-lo, tudo faz crer que os
trabalhadores terão pouco ou quase nenhum poder de intervenção no processo.

65
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Este cenário de desinformação e apatia é extremamente propício


às pressões internas e externas, no sentido de apressar a aprovação da nova lei, e
é o que está acontecendo sob as vestes de ameaças e retaliações, sem que o
governo brasileiro se manifeste publicamente.
Em vista desse quadro, a vigorar o novo código, coadunado com a
exploração da biodiversidade, as conseqüências imediatas serão:
1) Reconhecer patentes para os produtos químicos, farmacêuticos,
medicamentos e alimentos, se traduzem em ampliar o monopólio das
multinacionais que já controlam 85% do mercado brasileiro, e, no curto prazo,
ter um aumento dos preços dos medicamentos, de no mínimo 30%, decorrentes
dos royalties a serem pagos aos detentores das patentes.
Em decorrência, ter-se-á um aprofundamento do fosso tecnológico
entre os países, pois os que estão na dianteira da industrialização, com o
monopólio das biotecnologias serão os grandes beneficiários do patenteamento
dos seres vivos no Brasil.
2) Com efeito, no médio prazo, haverá grande probabilidade de
desmantelamento das pequenas e médias empresas nacionais químico-
farmacêuticas, que não conseguirem arcar com os custos operacionais.
3) Quanto aos cultivares39, as empresas transnacionais bioquímicas
monopolizarão de uma só vez a genética das sementes (DNA recombinante),
que são condicionadas a resultar plantas que dependerão de herbicidas e adubos
químicos produzidos por elas.
Assim, percebe-se que o patenteamento de sementes trará efeitos
desastrosos para os agricultores - com pouca ou muita terra - pois, as sementes
engenheiradas (biotecnologia) só servem para uma safra, não tendo, portanto, a
possibilidade de guardar sementes para o próximo plantio, como fazem até
então. Terão que comprar sementes a cada plantio, pagar o preço imposto pelo
monopólio (das indústrias sementeiras multinacionais), que terão força para
decidir e/ou induzir o que plantar e conseqüentemente, quem vai plantar.
Dessa forma, a comunidade rural perderá, ainda mais, seu último
mecanismo de controle no primeiro momento da cadeia alimentar, e será
obrigada a pagar royalties e obter licença para utilizar esses recursos40.
Sem contar com o processo crescente de substituição de matérias-
primas agrícolas - que aliás faz parte do processo de readequamento econômico
e organizacional no plano internacional das empresas agroalimentares - já em
andamento, que a partir dos avanços da bioquímica, produtos como o açúcar
(oriundo tradicionalmente da cana-de-açúcar e da beterraba), já são substituídos
pelo açúcar de petróleo (Nutrasweet) e outros adoçantes naturais; a soja pela

39
Mais detalhes ver: Sindicato Nacional, 1991.
40
“As multinacionais terão exclusividade de uso das plantas transgênicas, sendo que os cultivares que
acumulam meio século de esforços de seleção e adaptação poderão ser livremente utilizados para fins de
melhoramento por essas empresas” (CANDOTTI, 1993: 05). Mais detalhes ver: Sorj, et. al., 1990.
66
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

colza, principalmente para a fabricação da ração animal; a manteiga de cacau,


componente básico para o fabrico do chocolate sendo substituída pela “manteiga
de dendê”, etc.41
Como ainda, o recurso de alterar o sabor natural dos alimentos,
incorporando na dieta alimentar diversos produtos que, submetidos a tratamento
especial (químico, genético), passam a ter cheiro e gosto manipulados.
Isto é, as multinacionais deterão o poder de decidir, não só o
padrão tecnológico dos novos produtos na agricultura, mas quais agricultores
terão acesso a essa tecnologia para serem produtores, e o que irão produzir.
Já imaginaram, um poder “paralelo” fazendo política agrícola, só
que dessa vez muito mais excludente que a praticada pelo Estado, com força
para proporcionar a eliminação em massa dos pequenos e médios produtores de
alimentos. Isso agravaria, ainda mais, as contradições sociais, com todos os
desdobramentos e fissuras conhecidos, e os que estão por vir.
Um outro lado da questão de muita relevância, é quanto aos
institutos de pesquisa, privados e estatais, as universidades que trabalham com
pesquisa agrícola em geral e de melhoramento vegetal em particular, vão estar
limitados - e porque não, desmantelados - devido ao fato de que as patentes
acarretarão dificuldades para o progresso tecnológico e restrições no
intercâmbio de recursos genéticos entre instituições de pesquisa. Isto sem contar
com o encarecimento da produção de plantas, pois para obter a tecnologia o
melhorista terá que pedir licença para o detentor da patente e pagar royalties42.
4) Não haveria de ser diferente com a proibição de cruzar e
reproduzir animais (bovinos, eqüinos, caprinos, etc.) que tenham uma gota de
sangue protegido por uma patente. As empresas dominarão assim a própria vida,
porque terão controle sobre a reprodução de plantas e animais.
Tudo nos leva a crer que estaremos diante de uma nova
escravidão nos campos, só que agora, lastreada pelo “colonialismo genético”. Só
não queremos imaginar quando estivermos aqui, novamente, discutindo o “neo-
colonialismo genético”. O que teremos pela frente!
Em suma, as grandes empresas passarão a ter o controle de vida e
morte sobre plantas e animais existentes no Brasil, pois através dos processos
biotecnológicos, e com reserva de patentes sobre genes isolados e clonados,
células e seres vivos completos, poderão criar, alterar e extinguir, de acordo com
os interesses maiores do lucro, o que determinará os destinos da produção de
alimentos, remédios, etc., etc., etc.
Doravante, a real dimensão das consequências e dos impactos da
aplicação em grande escala do sistema de patentes a seres vivos constitui-se
numa grande incógnita.

41
Mais detalhes ver: TIE, 1992.
42
Mais detalhes ver: Pessanha, 1992.
67
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Percebe-se, então, que está em jogo, no Brasil, a urgência


urgentíssima de lutar para obter autonomia para formular a política industrial e
tecnológica, de acordo com as necessidades específicas de seu desenvolvimento,
privilegiando a participação dos trabalhadores, organizados em suas entidades,
no apontamento de alternativas.
Isto é, no limite, a aprovação pelo Congresso do novo
código de propriedade intelectual demandará um processo de mobilização e de
discussão na sociedade muito amplo.
Ainda mais, diferentemente do que muitos apregoam, a opinião
pública (desinformada da magnitude da questão) acredita que, combinando a
biotecnologia e o novo código com os pressupostos preservacionistas, e
amarrados com a concepção de eqüidade social presente no conceito de
desenvolvimento sustentado, ter-se-á melhoria na qualidade de vida, e os
brasileiros terão controle da sua biodiversidade. (sic)
Faz-se necessário mostrar, com todas as letras, que tal
entendimento é uma grande enganação. Apenas mais uma das falácias dos
empreendedores dos negócios ecológicos. Objetar esse empreendimento é o que
está posto para seguimentos da sociedade civil comprometidos com a liberdade
e a autonomia dos trabalhadores e da sociedade em decidir seus rumos, e não
receberem/acatarem as imposições dos setores dominantes que estão alinhados
com o destrutivismo da sociedade do capital. Desse lado estão sindicatos,
associações, partidos políticos, e demais entidades/instituições que apostam num
mundo diferente e livre da dominação de classe do capital sobre o trabalho.

4. Desenvolvimento sustentável: a âncora dos negócios ecológicos

Os debates em torno da idéia de desenvolvimento sustentável e as


campanhas de convencimento, com seus diferentes vieses, tentam em uníssono,
unificar interesses do norte e do sul, apresentando e/ou defendendo um novo
projeto para a sociedade, segundo o qual a sobrevivência dos mortais e da
natureza estaria garantida a partir da conciliação entre eqüidade social,
crescimento econômico, mercado e preservação do meio ambiente. (sic)
É importante destacar a necessidade de se refletir
criticamente também, os mecanismos mediadores desse processo, no qual
transitam a grande imprensa, ecologistas, economistas, agências financeiras
multilaterais, bancos de desenvolvimento, sindicalistas, geógrafos
(hegemonicamente portadores do maniqueísmo sistêmico e da “erudição” da
dicotomia natureza/sociedade), etc.

68
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

4.1. Em torno dos mitos

Tamanha engenhosidade propõe-se a adaptar/eternizar a


padronização do conceito de desenvolvimento, hegemônica em nossa sociedade
(ele traz embutidas as idéias de progresso e bem-estar, na rota evolutiva e
linear), capaz de ter gerado a maior degradação ambiental/social da história,
(alijando 3/4 da humanidade das condições dignas de vida).
Associando-o à noção de sustentável, que traduz aquilo que está
em equilíbrio (que se conserva sem desgaste), o desenvolvimento sustentável
passa a expressar a idéia de um modo de organizar o social, lastreado por uma
sociedade (sustentável) em plena consonância com a natureza, sem conflitos
sociais que possam ameaçar a sua reprodução, portanto capaz de dar a todos um
futuro estável e igualitário!
Dessa forma, percebe-se que a pertinência do desenvolvimento
sustentável para seus idealizadores/formuladores está em apresentá-lo como a
redenção dos deuses, uma cartada capaz de revolucionar as relações entre os
homens e a natureza, tendo como pressuposto a sustentação ideológica no plano
econômico (da âncora dos negócios ecológicos), como forma de viabilizar,
portanto, as demandas do capital.
Com isso, o desenvolvimento sustentável é um conceito
elaborado/referenciado dentro da esfera econômica, e é com este lastro que
pensa (enquadra) o social e a natureza.
Oculto no mito e sob as vestes da boa nova do final do século
XX, o desenvolvimento sustentável tem alimentado muitas propostas que
apontam para novos mecanismos de mercado como solução para condicionar a
produção à capacidade de suporte dos recursos naturais.
Isto se evidencia na tentativa de readequar a incorporação da
natureza dentro da cadeia de produção, via mecanismos de taxação da poluição,
como cotas para emissão de poluentes, com pesadas multas para uso irracional e
maus tratos dos bens naturais (biodiversidade), etc.
Esse procedimento, em absoluto, não coloca em questão o nó
górdio, ou seja, como converter a lógica predatória do mercado num freio à
degradação ambiental.
Sem contar que o artifício do poluidor/pagador está voltado para
fins estritamente contábeis, e não à garantia de que todos tenham direitos iguais
à qualidade de vida, nem tampouco, que o ressarcimento seja capaz de aliviar a
destruição, transformando em custos. E mais, “o repasse desses custos à
sociedade só aumentaria os níveis de exclusão e desigualdade no acesso aos

69
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

bens produzidos pelo mercado verde”, que está, como vimos, sob o comando
monopólico dos grandes conglomerados empresariais43.
Todavia, outra dimensão do debate passa pela notabilidade
internacional que a ONU está imprimindo - aliás nada desprezível - em torno
do desenvolvimento sustentável, depois do apagar das luzes da ECO-92, o que
se deflagrou no mês de junho de 1991, em Nova Iorque, com a primeira reunião
da Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS).
Gravita sob a CDS, além das delegações governamentais, um
conjunto muito diversificado de 300 ONG,s (Organizações Não
Governamentais), que tentam se empenhar para repensar o modelo de
funcionamento da economia global, com o toque especial da descoberta recente
de que é pressuposto fundamental na construção de um mundo mais
democrático e ambientalmente sustentável.
A CDS estabeleceu como objetivo central, para os
próximos dois anos, pressionar os governos (G-7) e os organismos multilaterais,
como parte da “fiscalização” a ser feita sobre o cumprimento da Agenda 21,
com respeito especificamente aos encaminhamentos do desenvolvimento
sustentável.
Autointitulando-se foro privilegiado para o debate das vontades
coletivas das populações do planeta, pelo que vimos discutindo, “esquecem” os
burocratas de plantão da ONU, de despir de vez as máscaras e explicitar o
desenvolvimento sustentável como âncora dos negócios ecológicos. Quem sabe,
dessa forma, os sociais democratas acordem!
Em suma, o desenvolvimento sustentável, construído sob as
hostes da lógica utilitarista (que só preserva o que é útil), e sob os preceitos e
premissas do desenvolvimentismo e da racionalidade econômica, tem, nesta, a
única referência para a definição de sustentabilidade.
Também ainda a reduz a uma nova medida de eficiência e
produtividade, e não se submete às discussões e decisões políticas com a
presença dos movimentos sociais populares organizados, aliás, a quem cabe
estabelecer prioridades para o conjunto da sociedade, e daí um outro conteúdo
para a sustentabilidade e o que vale a pena sustentar. Enfim, recolocar o
desenvolvimento sustentável como desígnio das demandas sociais, ter-se-á a
vigência do referencial destrutivo, sendo que entrecruzando-se com o
patenteamento, em nome do progresso, (para todos), continuará postulando a
biodiversidade para além da preservação.

43
Cf. CARVALHO, 1991, p.19.
70
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

4.2. De olho na troca...

A identificação do imbricamento entre patenteamento e


desenvolvimento sustentável, em todas as suas interdeterminações, revela, acima
de qualquer suspeita, a ligação inequívoca do modelo de desenvolvimento
capitalista, com a nova proposta de gestão ambiental orientada pela estratégia de
mercantilização total da vida, fetichizando a preservação da natureza sob os
auspícios de um mundo melhor para todos. Quem ?
No entanto, seus protagonistas (G-7), tantas vezes acusados
de depredadores da natureza, tiram do bolso do colete a cartada fatal, com seus
“generosos” programas de ajuda e cooperação, transformando-se, num passe de
mágica, nos principais interlocutores do equilíbrio ecológico do planeta. Essa
“roupagem” é mais uma das frentes de ação que lançam a idéia da conversão
(troca) dos títulos da dívida externa por projetos em ecologia44.
A troca em questão, falaciosa por essência, faz parte de uma
estratégia mais ampla, que se ampara na concepção de que a dívida externa é
impagável, mantidas as condições contratuais vigentes e as desigualdades
sócioeconômicas.
Contudo, não questionada organizadamente, e em bloco, pelos
devedores, a legalidade dessa dívida, já há muito paga, está induzindo os
credores a buscarem soluções alternativas - contando com o apoio e
engajamento de muitas ONG,s, entidades representativas de empresários - com o
objetivo central de minimizar as perdas, apoderando-se do que há de melhor das
disputas político-econômico-territoriais (geopolíticas) neste final de século. Isto
é, trata-se da posse do patrimônio universal via mapeamento do código genético
(da biodiversidade), e de pesados investimentos em tecnologia. Sendo, pois,
tudo isso, escamoteado pelos projetos de preservação e pesquisa, que por sua
vez, seriam viabilizados pela troca. Vejam só!
Na pior das hipóteses, esta investida permite aos credores
livrarem-se de títulos “podres” da dívida (de difícil resgate) e receberem parte de
uma dívida incerta, mas abrindo outras alternativas muito mais importantes, que
vão desde a realização de bons negócios, obtenção de benefícios fiscais, pela
melhoria da imagem perante a opinião pública e, a mais importante delas, estar
presente no campo de ataque do concorridíssimo “jogo” onde se disputam fatias
do patrimônio universal.
Aproveitando-se da estrutura de poder que prevalece entre
credores e devedores, e valendo-se do dispositivo, inequívoco, que faz da dívida
externa valioso instrumento de dominação político-econômica (como exemplo, a
proibição dos países devedores comprarem suas dívidas no mercado
secundário), os credores, num lampejo de metamorfose, transformam-na

44
Mais detalhes ver: IBASE, 1991.
71
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

também, num poderoso mecanismo de proteção ambiental, que se sintetiza na


proposta da conversão da dívida externa por ecologia.
Nada mais engenhoso e virtualmente estratégico. Para se ter uma
idéia do mecanismo de operação econômica da “troca”, tomemos o exemplo do
governo brasileiro que decidiu aceitar a conversão de US$100 milhões por ano
da dívida externa (o que representa menos de 0,1% do total), mas como não vem
pagando a dívida há anos, o desconto dessa quantia vai ser apenas contábil, e
mesmo a parcela a ser destinada para o financiamento de projetos ecológicos se
limitando aos juros, fixados em 6% ao ano, ainda assim representa uma
significativa retirada de dinheiro dos cofres públicos.
Dessa forma, em nível das contas internas, a conversão se traduz
concretamente na obrigação do pagamento da dívida, só que em moeda local.
Portanto, mesmo tratando-se de pequenas somas (em relação ao montante da
dívida), quem pagará a conta das conversões será a própria população local.
Esse mecanismo condiciona os países endividados a dispensarem
recursos, já extremamente escassos, para aplicação numa aventura - em projetos
isolados de preservação - e o que é mais grave de tudo, decidido sem nenhuma
participação das entidades representativas dos movimentos sociais populares.
Doravante, esse malabarismo em torno da troca, além de
contribuir sobremaneira para a legitimação política e econômica da dívida
externa (representando uma regressão política em face das campanhas e das
lutas contra o pagamento da dívida encaminhadas pelos segmentos mais
combativos dos movimentos sociais populares), não assegura a soberania dos
devedores nas priorizações e decisões dos projetos a serem financiados.
Também, legitima a “transformação de títulos desvalorizados da
dívida externa em títulos da dívida pública interna”, proporcionando de uma só
vez, redução “das perdas dos credores e penalizando as populações locais, em
conseqüência da pressão fiscal sobre o Estado”45.
Por conseguinte, sob esse conjunto de armadilhas, escudadas nas
bem-querências da ecologia, do desenvolvimento e da cooperação tecnológica,
escondem-se conseqüências imprevisíveis, mas com tanto maior vulto, na razão
direta da disseminação e envergadura da troca.
Em questão, portanto, o “colonialismo genético”.

45
Id. p.14.
72
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

6. Referências Bibliográficas
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73
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Parte II

Geografia ↔ Crítica:
“O tempero e o sal da janta”
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

“MODERNIZAÇÃO” DA AGRICULTURA E
REORIENTAÇÃO POLÍTICO-
ORGANIZATIVA DOS TRABALHADORES ∗

1. Introdução

As alterações por que tem passado a agricultura brasileira nos


últimos anos, provocaram mudanças profundas na estrutura produtiva e nas
relações de trabalho no campo. As alterações na base técnica da produção e as
inovações científicas e tecnológicas instituídas no processo produtivo
materializam um reordenamento na forma de uso e exploração do território, que
tem como dinâmica o rearranjo das relações de produção e de trabalho, ou o
desenvolvimento das forças produtivas assentadas sob relações
hegemonicamente capitalistas. A expressão imediata disso, apresenta-se no
processo concentracionista da propriedade da terra nas “mãos” de alguns poucos
e a expropriação de milhares de pequenos produtores (proprietários ou não),
posseiros, e de trabalhadores rurais.
Nesse contexto, ao mesmo tempo em que o capital se territorializa
desterritorializando pequenos produtores e trabalhadores que estavam
disseminados pelo campo, cria e acumula contradições. É no seio dessas
contradições que se manifestam as diferentes frentes de organização de luta46
contra a expropriação, subordinação e exploração, ou seja, os movimentos
sociais no campo, negam a investida capitalista, e articulam sua unidade de luta
e enfrentamento na diversidade de suas origens.
Desta forma, são os posseiros na luta pela liberdade e acesso à
terra; as nações indígenas reivindicando a demarcação dos seus territórios; os
peões contra a peonagem; os trabalhadores Sem Terra enfrentando as
adversidades das cercas (Estado e jagunços) da propriedade privada
(latifundiários), resistindo nos acampamentos e fazendo a Reforma Agrária; os


Este texto não foi publicado anteriormente, sendo que é parte do Projeto de Pesquisa que deu origem ao
projeto de tese de doutorado, iniciado em 1990, junto ao Departamento de Geografia, da Universidade de
São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Heinz Dieter Heidemann. O título original e que permaneceu
inédito desde 1990 é: “Modernização” da Agricultura e Reorientação Político-organizativa dos
Trabalhadores: a Criação dos Sindicatos dos Empregados Rurais Assalariados (SER’s) e da
FERAESP”.
46
Mais detalhes ver: OLIVEIRA, 1989.

77
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

“Brasiguaios” reivindicando que se regularize sua situação; os camponeses


subordinados e os pequenos produtores reivindicando preços mínimos e
facilidades para escoamento da produção e a luta dos trabalhadores “bóias-
frias” (diaristas não residentes) por melhores salários e condições de vida.
É nesse palco que se travam os conflitos entre capital e trabalho,
cenário de uma “verdadeira guerra” civil no Brasil, que expressa a magnitude
da luta de classes, cuja territorialidade se materializa por todos os Estados da
Federação47, ainda que haja diferenciações quanto às especificidades e
intensidades.
Como coloca MARTINS:

Para cada uma dessas situações, a questão política se


apresenta de um modo diferente. Não porque
correspondam a estágios distintos, mas porque
correspondem a formas distintas da violência que o
capitalismo exerce contra os lavradores do campo e os
trabalhadores da cidade. Em nosso país, nos dias de
hoje, o capitalismo articula num só tempo, ainda que
em espaços distintos, a expropriação e a
exploração, processos que a rigor, se deram
separadamente na história clássica do capital.
(MARTINS, 1980:16).

Têm-se desta forma, três grandes eixos de luta e reivindicações


bem demarcados, que são: a terra para trabalho e morada; preços mínimos
condizentes e facilidades de crédito; melhores salários e condições de vida .
Assim, manifestam-se as pistas para se entender a complexidade
do encaminhamento das lutas e reivindicações dos trabalhadores rurais, para que
se possa discutir o processo de reorientação do movimento dos trabalhadores
rurais que vêm se concretizando nos últimos anos, pois ao se delinear
claramente três encaminhamentos distintos do ponto de vista do objetivo
imediato com que cada uma das reivindicações propugnam (terra, preços
mínimos condizentes e melhores salários), têm-se reflexos diretos na
organização interna do movimento - na expressão de sua territorialidade - nas
contradições que aí se estabelecem, com profundas repercussões na estrutura e
organização dos sindicatos.
É a partir dessa realidade que os sindicatos (da forma como foram
concebidos pelo Estado) vêm tentando se organizar para encaminhar e conduzir
as reivindicações e as lutas dos trabalhadores rurais, no intuito de contemplar e
“viabilizar” a diversidade de interesses e antagonismos que se colocam

47
Cf. SANTOS FILHO; PORTO, 1984
78
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

concretamente nos seus quadros, criando e recriando uma estrutura orgânica


que reproduz a contradição estrutural do sistema capitalista, isto é, o confronto
entre capital e trabalho internamente ou a unidade da diversidade.
A criação dos Sindicatos dos Empregados Rurais Assalariados
(SER’s) em São Paulo e da Federação dos Empregados Rurais Assalariados do
Estado de São Paulo (FERAESP), insere-se neste contexto de antagonismos,
insatisfações e reprova de todos os segmentos dos trabalhadores rurais quanto
aos limites do projeto político-organizativo do sindicato único amparado na
unicidade sindical, que se mantém vigente.

2. Nova estrutura sindical e ação política: os SER’s e a FERAESP

Alguns tabus que se consolidaram na cultura sindical brasileira começam a ser


questionados e rompidos, pois os trabalhadores rurais vêm questionando não o
sindicato, mas a concepção que o transforma em um fim em si mesmo, sem
refletir os limites políticos e ideológicos que o Estado impôs ao longo das
décadas de 1970 e 198048 com a regulamentação do sindicalismo rural em
novembro de 1962.
A verdadeira unidade que o movimento sindical defendia, no
período imediatamente anterior a 1962, era a unificação, num mesmo projeto,
dos distintos interesses dos trabalhadores em todo o País, objetivada com a
bandeira de luta da Reforma Agrária, controlada por eles, trabalhadores rurais.
Isto, pois, neste período, os sindicatos se estruturavam de acordo com a base
que representavam, o que reflete nas suas denominações, ou seja, “... o
sindicato dos Trabalhadores Rurais de Barrinha (SP) se chamava (...) Sindicato
dos Trabalhadores da Lavoura Canavieira de Barrinha, representavam apenas
os trabalhadores assalariados da cana, o de Araraquara era Sindicato dos
Trabalhadores da Lavoura, sem especificação do tipo da lavoura, representando
os trabalhadores rurais de todas as culturas, tanto assalariados como pequenos
proprietários, mas encaminhando, na prática, apenas as lutas dos trabalhadores
assalariados” (ALVES, 1989, p.05).
Esses limites foram agudizados com a ditadura militar, quando
consolida - com a portaria nº 71 de 1975 - a falsa unidade em torno dos três
segmentos mais expressivos que compõem a estrutura sindical no campo que
são reconhecidos como tal, “... toda pessoa física que exerça atividade
profissional rural sob a forma de emprego ou como empreendedor autônomo,
neste caso em regime de economia individual, familiar ou coletiva e sem
empregados” (VENCESLAU, 1989:63).

48
Cf. VENCESLAU, 1989: 62.
79
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Essa particularidade será a diferenciadora, em nível da organização


interna, dos sindicatos dos trabalhadores rurais e dos sindicatos de trabalhadores
urbanos, pois a realidade, neste ponto de vista, é diferente: o pequeno
empregador, o pequeno e o micro empresário e os trabalhadores assalariados não
estão organizados na mesma entidade sindical, já por outro lado, o
enquadramento sindical amplo permite participar do sindicato de trabalhadores
rurais. Como assevera Alves, (1980, p.8):
[...] pequenos proprietários que detenham até um módulo rural
(unidade de medida variável de região para região que permite a reprodução em
níveis adequados de uma família), ou aqueles que detenham até três módulos
rurais, desde que não empreguem trabalhadores permanentes. Isto significa que
a legislação não leva em consideração, para o enquadramento sindical, o
emprego de trabalhadores eventuais, volantes, bóias-frias. A legislação só
observa o emprego de trabalhadores permanentes e o tamanho da propriedade,
que é o que, em última instância, interessa para a isenção de imposto territorial
que o pequeno proprietário goza ao ser enquadrado como trabalhador rural.

Vê-se nitidamente, a intenção deliberada do Estado em não admitir


a existência da luta de classes no campo, atuando na direção de harmonizar as
relações entre o capital e o trabalho no Brasil, mas colocando neste caso, “goela
abaixo”, a partir de todos os instrumentos de que dispõe, os antagonismos e
interesses divergentes e contraditórios sob a mesma base sindical. Mina, dessa
forma, a possibilidade de se ter entidades combativas em defesa, no mínimo, da
categoria que representa; em outras palavras, esta é mais uma evidência da
função do Estado nas sociedades de classes, historicamente49.
Por outro lado, faz-se necessário frisar que a tradição sindical
praticamente inexiste no campo, onde a luta e a resistência têm uma trajetória
histórica que não passa pelo sindicalismo, tal qual foi concebido, mas por uma
série de entidades civis, na forma de associações, uniões e ligas50. Na verdade,
49
Neste ínterim, cabe lembrar que desde 1903, quando pela primeira vez foi regulamentado o sindicato
rural, o Estado ao definir - pelo Decreto Lei nº 979, complementado por um novo decreto em 1907 -
como profissionais rurais de agricultura, o proprietário, o jornaleiro, o criador de gado, trabalhadores
empregados em serviços nos prédios rurais, fica patente seu interesse em frear a organização sindical por
categorias de trabalhadores do campo. Assim como, por outro lado, as leis restritivas tendo os mesmos
objetivos apontados acima. Ou seja, a título de exemplo, pode ser lembrada a reorganização das leis
referentes à esfera trabalhista no campo a partir de 1933. Já, em 1943, com a promulgação da CLT
(Consolidação das Leis do Trabalho), os trabalhadores rurais são excluídos.

50
Essas entidades tiveram uma intervenção muito importante na unificação de lutas, trocas de
experiências e fundamentalmente, na construção da identidade política da categoria. Registram-se aqui,
os movimentos de Canudos e do Contestado, que foram dirigidos por lideranças messiânicas; o conflito
de Trombas e Formoso em Goiás, capitaneado pela associação dos posseiros; a ULTAB (União dos
Lavradores e trabalhadores Agrícolas do Brasil), que reuniu no seu congresso de fundação, em 1954 em
São Paulo, um número significativo de entidades e onde foram lançadas as bandeiras para a unificação
das lutas em torno da Reforma Agrária, direitos trabalhistas, à sindicalização, à previdência social e
80
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

trata-se de um fenômeno relativamente recente, crivado pela dificuldade e


incapacidade política de, via sindicato único, encaminhar a diversidade das
demandas assentadas nos diferentes segmentos sociais de trabalhadores rurais
que representa. Na prática, isso se traduz numa atividade essencialmente
assistencialista em detrimento das suas reivindicações específicas, pois, “...
foram transformados em postos avançados da Previdência Social, em que a
aposentadoria, a pensão, o auxílio funeral, o atendimento médico-odontológico
eram os únicos serviços prestados” (VENCESLAU, 1989, p.64).
Dessa forma, tem-se como retrato objetivo desse quadro, uma
situação de descontentamento por parte de algumas parcelas representativas e
significativas do movimento sindical dos trabalhadores rurais, que saem na
frente, no campo de batalha, com a predisposição de lutar por suas
reivindicações, isto é, fazer o movimento político concreto, dentro dos
parâmetros estabelecidos e pautados pelas suas especificidades. São movimentos
organizados recentemente, que estão negando, na prática, a inoperância e o
arcaismo da estrutura sindical que está aí.
Assim sendo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) está colocando em xeque a estrutura e a prática legalista do sindicalismo
oficial, representando o surgimento de um novo sujeito da história, e define um
quadro de conflito de questionamento do poder, quando coloca em questão a
superação da propriedade privada da terra. Ao dizerem não à inoperância da
CONTAG, e à mentira da proposta de Reforma Agrária do governo Fernando
Henrique Cardoso (FHC), partem efetivamente para fazerem a Reforma
Agrária51 com suas próprias “mãos”. Isso levou a que as lutas pela posse da terra
e pela permanência nela, dos trabalhadores ameaçados de expulsão e de morte
ficassem reservadas a serem lideradas e encaminhadas pelos sindicatos.

livre organização. Em decorrência, ter-se-á a criação de inúmeras entidades, dentre elas se destaca as
Ligas Camponesas, pelo avanço que conseguiu, fixando decisivamente seus objetivos em torno da
politização e da resistência armada pela posse da terra, com grandes concentrações de massas nos
centros urbanos e, a CONTAG (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura), criada em 1963 e
colocada logo em seguida (1964) sob intervenção, limitando-se sempre aos estreitos caminhos legais
prescritos no Estatuto do Trabalhador Rural e no Estatuto da Terra; prática esta que favoreceu, no seio do
movimento, o surgimento de grupos de oposição, principalmente em se tratando da luta pela posse da
terra, que é o caso específico do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que conta com
o apoio, desde 1975, da CPT (Comissão Pastoral da Terra).

51
“... se os trabalhadores desistirem da luta, acreditando em promessas do governo, a reforma agrária
só acontece quando e onde os latifundiários e especuladores quiserem”. Aliado ao fato que a carta
constitucional de outubro de 1988 (re)elege ”... a propriedade privada capitalista como base para as
atividades rurais, é muita ingenuidade acreditar que o governo vá atender os apelos dos trabalhadores
pois, por razões óbvias” o Estado no Brasil, têm-se constituído no representante das classes
dominantes. (LOURENÇO, 1989, p.07).

81
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Desde 1984, quando de sua fundação, o MST52 vem colocando em


prática, com o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outros setores
progressistas da Igreja e do sindicalismo, como a Central Única dos
Trabalhadores (CUT), a luta pela terra em nível nacional, via ação organizada
dos acampamentos, como forma de luta e resistência.
Quando acampados, avaliam, “... os agricultores se transformam
através do movimento em agentes de construção de sua própria identidade
política”53. São diversos acampamentos espalhados pelo país, como por
exemplo, o da fazenda Primavera em Andradina (SP) e, já com diversas
experiências que estão sendo trabalhadas nos assentamentos, tais como: Nova
Ronda Alta no Rio Grande do Sul, em Sumaré e Porto Feliz em São Paulo
(OLIVEIRA, 1989, p.80).
Essas experiências representam um grande avanço em nível
político e organizativo da categoria, pois estão colocando em prática o uso e
exploração do território em base coletiva, isto é, a questão da produção
coletivizada é o marco de sua ação. A terra é vista a partir de outra
espacialidade, de outras relações de trabalho e de produção, agora, sob o
controle e gerenciamento coletivo dos próprios agentes da transformação - os
trabalhadores.
Por sua vez, na outra extremidade, mais precisamente no pólo
oposto, encontram-se os pequenos produtores que, embora sendo a categoria
hegemônica no controle político e diretivo dos sindicatos dos trabalhadores
rurais (STR´s), não tenham conseguido formular e garantir aspectos que lhes
interessam no âmbito da política agrícola, dos preços mínimos, financiamentos e
subsídios, etc. Por uma série de motivos e razões, uma parcela considerável
desses pequenos produtores, ingressam na UDR54 (União Democrática
Ruralista), e nos sindicatos patronais, historicamente conservadores e vinculados
aos interesses empresariais, mercadológicos e da livre iniciativa, e que nada têm
a ver com as necessidades dos produtores familiares e camponeses.

52
“Sua história está assentada na luta travada pelos trabalhadores rurais Sem Terra, sobretudo no sul do
Brasil, no Rio Grande do Sul, na encruzilhada do Natalino, e a própria herança histórica do MASTER
(Movimento dos Agricultores Sem Terra) ocorrida naquele estado na década de 60” (OLIVEIRA, 1989,
p.9).

53
Cf. JORNAL DOS TRABALHADORES SEM TERRA, Ano IX, nº 82, abril de 1989, p.18.
54
Mais detalhes, ver: Bruno, 2000.
82
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

2.1. É possível a superação da concepção categorial e corporativa do


trabalho, para além do enquadramento sindical oficial?

O trabalhador rural bóia-fria é a categoria que está propondo


concretamente a criação de sindicatos só para assalariados, acompanhados de
uma nova estrutura sindical destinada exclusivamente a ela. Este
encaminhamento já se torna realidade desde março de 1989, quando em
Jaboticabal (SP) foi realizado um encontro estadual que polarizou a presença de
14 sindicatos de empregados rurais assalariados de todo o Estado de São Paulo -
fundamentalmente da região de Ribeirão Preto - que redundou na fundação da
FERAESP (Ferderação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São
Paulo).
Essa proposta começou a ser gestada a partir de uma nova prática
sindical que emergiu na região, a partir de 1984 com a Greve de Guariba, ou
como ficou conhecida - A Revolta de Guariba55, que englobou os trabalhadores
da cana-de-açúcar, disseminando-se para os trabalhadores da laranja. A greve
teve como causa primeira, o alto grau de exploração a que os trabalhadores eram
submetidos, e que se materializou na reivindicação imediata da volta ao sistema
de corte da cana para cinco ruas e não 7 ruas56 como os usineiros e fornecedores
haviam implantado na safra de 1983. Ainda que tivessem outros motivos que
vieram se somar para a grandeza do movimento, a reivindicação que motivou a
continuidade do movimento foi a extinção do corte de 7 ruas.
A partir disso, começou a ficar claro “... que os trabalhadores
assalariados volantes podem ter nos sindicatos sua instância de organização e
atuação política“ para lutar e encaminhar suas reivindicações, “em função das
especificidades postas pelo processo de modernização da agricultura”. Para isto,
os sindicatos deveriam ser transformados, seus estatutos alterados para que o
trabalho político e de organização de base pudesse reverter no plano prático, a
desarticulação existente entre as lideranças e os trabalhadores - que reflete a
ausência de tradição de luta - para que nas próximas greves conseguissem
colocar em ação uma nova prática sindical, adequada às características dos
trabalhadores assalariados volantes” (ALVES, 1989, p.25-6).
Todavia, o próprio fato desse movimento ter nascido do calor das
greves dos cortadores de cana-de-açúcar e apanhadores de laranja da região de
Ribeirão Preto, está ligado diretamente ao intenso processo de monoculturização
destes produtos, que, por sua vez, é acompanhado pari passu das alterações e

55
Mais detalhes ver: Oliveira, 1984.
56
Ou seja, ao invés de cada trabalhador Ter a incumbência de corta cinco leiras e na do meio depositar a
cana, foram obrigados a acrescentar mais duas leiras, o que aumentou sobremaneira o desgaste físico do
trabalhador(a), todavia sem nenhuma recompensa em termos de remuneração, e sob maior controle,
porque como tinham que andar mais lateralmente para depositar o material na leira do meio. Mais
detalhes ver: Gebara; Baccarin, 1984.
83
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

mudanças na sua base técnica de produção agrícola, que em conseqüência


expulsa e expropria mais trabalhadores, (arrendatários, pequenos proprietários,
parceiros) que na sua grande maioria vão para os centros urbanos, onde parcelas
significativas transformam-se em bóias-frias. E no caso da cana, mais
especificamente, tendo-se como fato mais recente, a introdução de máquinas
colheitadeiras, acarretando sérios agravantes para a classe trabalhadora,
(re)introduzindo um novo elemento no contexto, que é a diminuição da
sazonalidade do trabalho, somada ao desemprego em massa.

3. Rebeldia e resistência à superexploração

Esta avaliação também foi feita pelas lideranças dos trabalhadores


bóias-frias na oportunidade da greve de 1984, quando afirmavam que o grande
número de trabalhadores envolvidos estava ligado diretamente à rápida
expansão das culturas da cana e da laranja, principalmente após final da década
de 70.
Em decorrência de todas essas alterações, quando essas culturas
impõem a sua especialização/monoculturização, praticamente expulsa as demais
atividades agrícolas, restando aos trabalhadores (já totalmente proletarizados),
apenas serem cortadores de cana ou apanhadores de laranja57.
Em suma, sendo esse processo a síntese de múltiplas
determinações - característica fundamental do sistema capitalista - ao mesmo
tempo que se dá uma especificidade na forma e no uso da exploração do
território sobre determinadas relações específicas de produção e de trabalho,
constrói-se por outro lado, seu par dialético, isto é, os trabalhadores ao mesmo
tempo que se concentram aos milhares, se especializam por exemplo, no corte
de cana, assim como na panha da laranja, fato este que sem dúvida,
homogeneiza as reivindicações e sua organização em sindicatos que venham
garantir exeqüibilidade das suas reivindicações específicas.
A sinalização desse encaminhamento passou a ser sustentada pelas
lideranças comprometidas com essa tese, com o argumento de que não era mais
compatível as negociações coletivas de trabalho serem direcionadas pela
FETAESP (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São
Paulo), entidade comprometida com os pequenos proprietários. Isto revela em
outra escala, as contradições que se estabelecem e se agudizam com o
desenvolvimento das forças produtivas capitalistas que se desdobram

57
Além do que, passam a ver reduzidas as oportunidades de emprego no setor urbano, que não tem
como absorver esse contingente expressivo de força de trabalho, pois se encontra "estrangulado" pela
ação dos monopólios, no sentido de impedir a instalação de indústrias que poderiam absorver esses
trabalhadores e mesmo estabelecer uma competição pela força de trabalho, o que poderia, em tese,
elevar o valor nominal dos salários.
84
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

automaticamente na epecialização/sofisticação do processo produtivo e, em


decorrência na especificidade dos encaminhamentos e reivindicações das
diversas categorias de trabalhadores rurais discutidas acima.
O confronto interno no mesmo órgão de classe - a materialização
da luta de classes na mesma base sindical - onde a reivindicação dos
trabalhadores assalariados, diaristas não residentes (bóias-frias), que se restringe
fundamentalmente a melhores salários, segurança e estabilidade no trabalho e
melhores condições de vida, esbarra frontalmente nos interesses imediatos dos
pequenos proprietários/produtores no momento em que estes também são
empregadores. Distancia, dessa forma, qualquer tentativa de aproximação no
plano político-organizativo; consagrando uma espacialidade de conflitos que se
desdobram aos exemplos58. Mesmo, quando se restringe ao seu trabalho e ao da
sua família, os pequenos proprietários têm no governo seu interlocutor, enquanto
os trabalhadores assalariados têm que enfrentar o patrão.
Diante dessas avaliações e constatações de que a relação de
trabalho assalariado tende a se perpetuar59, os trabalhadores assalariados na
agricultura lançam-se na criação de um novo sindicato, capaz de enfrentar os
novos desafios postos pelo processo crescente do desenvolvimento das forças
produtivas na fase atual da reprodução ampliada do capital em bases
monopolísticas.
Nesse sentido, os trabalhadores propõem mudanças profundas na
“máquina” sindical, na sua estrutura interna, “... para torná-la de fato um
instrumento da classe trabalhadora e não um mero aparelho burocrático para a
perpetuação de dirigentes”, e deixam claro essa preocupação quando colocam
que “... o presidente e a diretoria têm várias de suas atribuições subordinadas a
um Conselho Superior, formado por trabalhadores eleitos nos locais de trabalho,
em seções sindicais, que funcionariam como sindicatos por local de trabalho. Na
ausência de assembléias é este conselho que dirige o sindicato e prioriza o
trabalho a ser executado pela diretoria. Um membro deste conselho, eleito pelos
seus pares, tem acento nas reuniões de diretoria” . Avaliam que, “... a criação
deste conselho é o meio mais ágil de aumentar a participação dos sindicatos nas
bases sindicais” e eliminar em todos os sentidos, na nova proposta, a
verticalidade e a hierarquia, heranças da legislação trabalhista até então
vigente (ALVES, 1989, p. 30 e 31).
Percebe-se, claramente, que a criação dos Conselhos, apresenta-se
para tornar exeqüível a mobilização e a politização dos trabalhadores

58
Cf. ALVES, 1989; p. 9-11.
59
Como coloca SANTOS: “O modo de produção capitalista tende a transformar todas as relações de
trabalho em relações capitalistas de trabalho, isto é, em relações assalariada com o trabalho,
transformando então, trabalho em força de trabalho, trabalho em mercadoria” (SANTOS, 1986, p.59).
85
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

permitindo, em decorrência, uma maior rotatividade dos dirigentes e


democratização da entidade60.
A partir da nova espacialidade que se aponta, ter-se-ão então, os
desdobramentos político-organizativos a serem referenciados pelos sindicatos e
coordenados em nível estadual pela FERAESP, quando efetivamente, da sua
disseminação pelo Estado, como também, outras alternativas de organização
sindical, que se inserem neste bojo que são: organização de sindicatos de
trabalhadores assalariados por produtos61, ou “... unificação futura do conjunto
dos trabalhadores da agroindústria em um mesmo sindicato...”62.
Isto é, de que forma e como isto irá se territorializar e o staff
político que será construído, não só especificamente na organização interna e
estrutura orgânica dos sindicatos, mas também quanto às discussões e
encaminhamentos políticos que levem adiante algumas bandeiras históricas que
são recentemente reincorporadas por uma parcela expressiva e atuante do
movimento sindical brasileiro, mediatizadas pela CUT, tais como: a Reforma
Agrária, e de forma mais tímida e secundarizada, a construção e a luta pelo
socialismo.
Sem mais o necessário reconhecimento estatal, fica aberto o
caminho para se construir, de verdade, uma nova proposta de sindicalismo
comprometida com a categoria que representa e com o movimento organizado
de todos os trabalhadores rurais e urbanos, instaurando outra relação cidade-
campo, na perspectiva de se aprofundar a discussão em torno de um projeto
classista (classe para si) de sociedade que seja capaz de efetivar a ruptura da
estrutura social organizada pela classe dominante, para se construir uma
formação econômico-social sem dominantes e dominados, então, de materializar
a gestão operário-camponesa sobre a totalidade social, a partir de outra estrutura
societal.

60
Cf. ALVES, 1989, p.32.
61
Id., p..33.

62
Cf. VENCESLAU, 1989, p.66.
86
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

4. Referências Bibliográficas

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Presidente Prudente, janeiro de 1994


88
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

AS CENTRAIS SINDICAIS E OS
LIMITES DO CORPORATIVISMO ∗

A presença das centrais sindicais enquanto organismos de


articulação e centralização da representação sindical das distintas categorias de
trabalhadores da agroindústria sucroalcooleira paulista, se materializa,
concretamente, num enfeixamento de limites e resistências políticas.
Isso se expressa mediante à desarticulação do conjunto das
categorias/corporações de trabalhadores enquanto propósito de sistematização
orgânica das mesmas, mostrando-se, então, apenas como representação
corporativa e isolada, sem se colocarem à consecução da unificação dos
trabalhadores, ou seja, apontar alternativas organizativas para o conjunto deles,
nem sequer a qualquer nível de operacionalidade, se próxima ou distante do
enraizamento do capital, ou ainda, individualmente para cada categoria.
O exercício de gestão territorial das corporações sindicais -
produto do fracionamento do trabalho, a partir da divisão técnica do trabalho -
alienado do conjunto do processo de produção e das mediações que lhe dão
sustentação, como também, premido pelas redefinições normativas da Justiça do
Trabalho, é a prática que reacende e renova as fissuras no interior das disputas
corporativas, como pudemos constatar em recente trabalho concluído63.
Enquadra-se ainda no campo das mediações os acordos informais
entre as corporações, como o “acordo dos anos 70”64, que nada mais é do que a
subversão corporativista da unificação do operariado da planta fabril ou o
enquadramento dos cortadores de cana como industriários, em apenas cinco


Este texto foi publicado originalmente com o título “As centrais e os limites do corporativismo
sindical”, na Revista Debate Sindical, do Centro de Estudos Sindicais, São Paulo, v.10, n.25, fev.
mar./abr., p.46-51, 1997.
63
“Por Trás dos Canaviais os (Nós) da Cana. (Uma Contribuição ao Entendimento da Relação
Capital x Trabalho e do Movimento Sindical dos Trabalhadores na Agroindústria Canavieira Paulista)”.
Tese de Doutoramento. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
São Paulo, 1996.

64
O teor desse acordo garante o seguinte: os trabalhadores das destilarias anexas permaneceriam com os
sindicatos da alimentação, ressalvando que o açúcar era o produto preponderante, com base no artigo 581
da CLT, § 20 que diz: “entende-se por atividade preponderante a que caracterizar a unidade de produto,
operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam, exclusivamente, em
regime de conexão funcional” (1989:139). Dessa forma, os trabalhadores das destilarias autônomas
ficariam com os sindicatos dos químicos e com os recém criados sindicatos do Álcool. Por sua vez, já na
primeira metade dos anos 80, esse acordo foi colocado em discussão pelos sindicatos dos químicos e do
álcool, tendo em vista que não se consubstanciava mais, na maioria das destilarias anexas, o açúcar como
produto preponderante, mas sim o álcool. O importante é que permanecem intactas as bases em que o
acordo foi selado nos anos 70.
89
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

sindicatos da alimentação e do açúcar, aliás enquadramento semelhante ao


existente, ainda, nos Estados produtores do nordeste, mesmo com a súmula 57
de 1993 que põe fim a isso, porém na prática continua a valer65.
Nesse sentido, reafirmamos que a contradição da estrutura e
organização sindical, assentada no verticalismo das instâncias de nível superior,
é por onde se traça e se define o caminho ascendente ou descendente
(dependendo de onde se parte) do corporativismo, ou melhor, da identidade
corporativa do trabalho, isto é, se dos sindicatos para as confederações ou se das
confederações para os sindicatos, passando sempre pelas Federações, o lastro
está dado.
Nas instâncias de nível superior, por sua vez, principalmente nas
Federações, é onde se enraizam os interesses pela disputa de comando, como
também, é nessa instância que se “costuram” os acordos para amortecer os
conflitos ou disputas internas às corporações que, em vários casos, vão
desembocar no terreno da Justiça do Trabalho como alternativa prioritária.
A título de exemplo, há os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais
(STR’s) que, amparando-se na extinção da súmula 57, requerem o repasse das
“contribuições” dos cortadores de cana (industriários) ligados aos sindicatos da
alimentação e do açúcar ou, ainda, os Sindicatos dos Empregados Rurais
(SER’s) e os STR’s, capitaneados pelas respectivas Federações, a Federação dos
Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (FERAESP)66 de um
lado e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo
(FETAESP) de outro, tentando assegurarem-se do recolhimento das
“contribuições” e, para a manutenção das diferentes estruturas buscam
assenhorarem-se de mais território ou, no mínimo, garantir o já conquistado.
É nesse ínterim que as centrais sindicais ganham dimensão e se
mostram concretamente no plano geral e específico (para cada
categoria/sindicato): quando se põem à disputa de hegemonia sobre o território
do trabalho alienado, já fracionado portanto, em categorias sindicais. Dessa
forma, as inovações a que se propõem, quanto à estrutura e organização sindical,
tanto do ponto de vista vertical como horizontal, em suas instâncias internas
específicas, ficam subsumidas à disputa por território, que se dá sobre
“velhos” sindicatos (no sentido amplo do termo), engessados pelos “velhos”
vícios da cultura sindical (assistencialismo, presidencialismo, paternalismo,
etc.).
Assim, o que mais transparece definidor da presença das centrais,
se assenta na delimitação do campo de influência de cada uma delas, muito mais
para demonstrar capacidade de arregimentação e domínio territorial, do que

65
Mais detalhes sobre essa questão, ver: Thomaz Jr., 1996.
66
Para mais detalhes sobre a criação e ações dos SER's e da FERAESP, ver: Alves, 1991. E para a sua
inserção efetiva nos encaminhamentos e discussões político-organizativas, bem como, as dissensões
internas ao movimento sindical e com o enfrentamento com o capital, ver: Thomaz Jr., 1996.
90
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

expressar suas credenciais de interlocução dos trabalhadores e das entidades


sindicais que supostamente representam, permanecendo pois, engessadas no
fracionamento corporativo das categorias sindicais. Isto é, com exceção da Força
Sindical que é hegemônica nos Sindicatos dos Trabalhadores nas Indústrias
(STI’s) da Alimentação e do Açúcar, da Central Única dos Trabalhadores
(CUT), nos SER’s, e da recém-criada Central Sindical dos Trabalhadores
Independentes (CSTI), com participação expressiva nos sindicatos dos
condutores. Não obstante, encontram-se todas as centrais pulverizadas pelas
demais categorias, com menor ou maior número de sindicatos filiados,
concentrando-se mais nessa ou naquela porção do Estado, ou ainda,
disseminada, ou de inexpressiva presença, como é o caso da Central Geral dos
Trabalhadores (CGT), presente apenas em alguns poucos STR’s.
Esse vazio organizativo não ocupado pelas centrais está
alimentando perspectivas por parte dos sindicatos independentes em tomar a
frente e promover ações oganizativas. Esse processo está sinalizando para esse
segmento dos sindicatos - com pequena expressão nos Condutores,
predominantes nos STR’s e nos Químicos - a possibilidade de se constituir uma
“frente ampla independente”67 do movimento sindical dos trabalhadores da
agroindústria sucro-alcooleira paulista, com o objetivo de agir por fora das
estruturas das centrais, aliançando, pois, não só com os sindicatos
independentes, mas com “todos aqueles que se dispuserem a enfrentar os
desafios da unificação dos trabalhadores”68.
Não está em questão, portanto, o questionamento e discussão do
processo de “modernização conservadora” da agroindústria, o desemprego, o
salário real etc, nem sequer colocar em “xeque” os limites das corporações e a
parametrização da estrutura e organização sindical vigente. Enfim, o operário
não está em primeiro lugar, tampouco a preocupação com a apropriação dos
frutos do desenvolvimento tecnológico. Dessa forma, para essa corrente
independente, também não está em questão o confronto direto com o capital.
Em síntese, a expressão das hegemonias da FS e da CUT não foi o
suficiente para alavancar ações específicas no âmbito das
categorias/corporações, quando consideramos na planta fabril, os trabalhadores
das usinas e das destilarias anexas enquadrados na alimentação, e os
trabalhadores rurais, abrigados nos SER’s respectivamente.
A esse respeito, pondera-se o fato de que a CUT, por ser a única
central presente em todas as categorias/corporações de trabalhadores da
agroindústria sucro-alcooleira paulista, reúne, potencialmente, condições de

67
Como fora sugerido durante a realização do I Encontro Estadual para Unificação da Campanha
Salarial, realizado em Limeira, no dia 20/05/1995.
68
Essas palavras sintetizam os diversos discursos proferidos durante a realização do Encontro de Limeira,
bem como expressa a avaliação de parcela expressiva dos STR’s e dos STI’s químicas, constatada durante
a Pesquisa de Campo da tese de doutorado. Mais detalhes ver: Thomaz Jr., 1996.
91
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

alçar ações mais amplas, horizontalizando os estreitos limites da verticalidade


oficial das fronteiras sindicais, o que, concretamente, não se expressa na prática
enquanto projeto político de organização orgânica cutista do conjunto dos
trabalhadores.
Nesse sentido, apesar dos limites e contradições internas presentes
na CUT, vale registrar que é a central melhor estruturada dentre as demais69 ,
porém ao considerá-la como sendo a parcela mais avançada politicamente do
sindicalismo brasileiro, pelo fato de emprestar o tom e se destacar como
referência quando resgata iniciativas de mobilizações sociais e perspectivas de
construção, através do movimento sindical e da sociedade organizada. Constata-
se que é ambígua em função do estabelecimento de suas táticas e estratégias de
luta, ao se manter rigidamente vinculada aos preceitos legais impostos pelo
Estado, principalmente no que se refere à estrutura oficial dos sindicatos.
Por outro lado, os avanços obtidos, tanto qualitativos quanto
quantitativos, não se materializaram, ainda, nos limites apregoados pelo “novo
sindicalismo”, como: a implantação da Organização nos Locais de Trabalho
(OLT’s) e a democratização das máquinas sindicais. Perpetuou-se a prática do
fortalecimento do acesso à justiça do trabalho. Contando com a possibilidade do
dissídio coletivo, o sindicato não precisa fazer mobilizações e estar na dianteira
das lutas.
Não se priorizou a fusão de sindicatos, não incorporando assim,
suas próprias deliberações que apontavam para a desmunicipalização das lutas e
da ação sindical como um todo e, também, pouco evoluíram as discussões sobre
as estruturas organizativas para o campo (se por produto, por ramo ou cadeia
produtiva)70, sem contudo, referenciar-se nas conclusões do V CONCUT
realizado em maio de 1994, que deliberou “pela necessidade de avançar ainda
mais as lutas por categoria para as mobilizações de caráter geral e para um
novo sistema de relações de trabalho”.
E mais, no geral, alastraram-se nos sindicatos, práticas que
incentivam atos de corrupção de diretorias inteiras, como é o caso da ajuda de
custos e salários extras, sendo que, na área rural, em especial, a prática sindical
continua muito próxima ou estreitamente ligada, ainda, aos trejeitos
contaguianos71, mantendo-se a tendência à corporativização e burocratização
dos sindicatos, a restrição da ação sindical à esfera geográfica do sindicato (base

69
A CUT está presente em todos os ramos da economia, dispondo de aproximadamente 35.000 dirigentes
sindicais liberados, entidades de pesquisa como o DESEP e diversas instituições com atribuição
específica para a coordenação de cursos de formação política, como o Instituo Cajamar, Escola de
Formação Sindical Sul (SC), Escola Sindical Norte (PA) etc.
70
Sobre essa questão, a 5a Plenária Nacional da CUT (julho de 1992) apontou que o sindicato da CUT
deve ser organizado por ramo, sobre a base territorial mais ampla possível, respeitando o processo de
unificação dos trabalhadores, na perspectiva de superar os limites impostos pela extinta Comissão de
Enquadramento do Ministério do Trabalho.
71
Referimo-nos ao comportamento e postura dos sindicatos vinculados à Contag.
92
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

territorial municipal), de acordo com a estrutura oficial e, o apego incondicional


às “contribuições sindicais”.
Frente a esse quadro, os avanços conseguidos a partir da
mobilização dos trabalhadores, com ênfase para os rurais, dos mais diferentes
pontos do país, assim como o crescimento do número de sindicatos filiados à
CUT e o acúmulo das reflexões sobre a conjuntura e das táticas utilizadas
pelo capital nos diferentes momentos da produção - viabilizados por um
conjunto amplo de seminários, cursos etc - em especial os desdobramentos para
a agroindústria, não foram o bastante para consubstanciarem projetos específicos
para os trabalhadores ligados à agroindústria sucro-alcooleira.
A proposta da ação sindical por dentro da câmara setorial da
agroindústria, apesar de não ter se consumado, de fato, foi entendida pela
direção da CUT como componente estratégico, por representar uma nova forma
de organização e ação sindical voltada para enfrentar o desemprego e
encaminhar lutas específicas por aumentos salariais compatíveis com a elevação
da produtividade, em negociação permanente com as empresas e com o
Estado72. Valeria alguns detalhamentos para ilustrar esse processo. Então
vejamos: a) durante a década de 80 as montadoras produziram uma média de 1
milhão de veículos por ano e, em 1994 atingiu 1,38 milhões de unidades, b) no
mesmo período a produtividade subiu de 8 para 14,1 veículos por operário, c)
em 1987, os metalúrgicos do ABC eram 202.843 e em 1994 somavam 144.510,
d) no setor de auto-peças, a categoria caiu de 309.700 na década de 80 para
238.000 em 1994, e) entre 1985 e 1994 o poder aquisitivo dos trabalhadores das
montadoras apresentou uma queda de 33,8% enquanto a perda salarial média da
classe trabalhadora foi de 21,1%, f) sem contar que 50% das empresas tiveram
partes de sua produção terceirizadas, sendo que, em 1993, das categorias
terceirizadas, houve redução dos salários e, ainda, o compromisso de ampliação
de 4.000 empregos diretos não foi cumprido pelo capital e, g) tudo isso em nome
da isenção e redução de impostos, entre eles o IPI, ICMS, para privilegiar um
segmento específico do operariado, em detrimento do conjunto dos
trabalhadores que, de fato, como se vê, só beneficiou os patrões.
Dessa forma, o Estado permaneceria com o papel de determinar e
impor sua gestão macro-econômica e política mais abrangentes para o setor,
consoante aos desígnios do capital, articulada à parametrização jurídico-
institucional, que faz selar o quadro vigente, só que, pela via do “tri-partismo”,
se caminharia rumo à consumação da tese da parceria entre capital e trabalho,
mantendo-se vivo o fracionamento corporativo da estrutura sindical. Direcionar-

72
Mais detalhes, ver: Thomaz Jr., (2001), “A Câmara Setorial Paulista Sucro-alcooleira em Questão: a
relação capital x trabalho e os desafios para o movimento sindical”. (Relatório de Pesquisa).
93
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

se-ia, então, para um novo estágio de entendimento entre as partes73, onde o


culto à negociação, às câmaras setoriais, se insere num projeto de dominação de
maior dimensão, com o trabalho permanecendo imerso na roda viva dos
postulados do capital, sendo pois - diferentemente de outras avaliações e
propostas de ação, na linha dos enfrentamentos com o capital – esta
alternativa muito elogiada pelos seus porta-vozes74. Aliás, essa parece ser a
tendência hegemônica no sindicalismo brasileiro nessa viragem do século XXI.
Constata-se também, o abandono das discussões em torno de
outras propostas de estrutura e organização sindical, ainda que polêmicas, como
os sindicatos da agroindústria (com base territorial regional), ou os sindicatões75
(como foram batizados por reunirem no seu interior o conjunto das categorias
sindicais envolvidas), que emergiram num momento de ascensão do debate
sindical (final da década de 80 e nos primeiros anos da década de 1990).
Assiste-se, pois, neste momento, ao fortalecimento quantitativo dos
trabalhadores rurais na CUT, que de um total de 18,4 milhões na base, 6,5
milhões são rurais76, com 1,4 milhão de trabalhadores sindicalizados, reunindo-
se em 745 sindicatos (STR’s), todavia com índice de sindicalização inferior ao
alcançado pelo total dos sindicatos cutistas, isto é, 22,0% para 28,8%,
respectivamente.
Vale destacar nesse processo, o fato de que dos 429 STR’s
associados à CUT no final dos anos 80, 70% foram fundados até 198077,
assemelhando-se ao conjunto dos 2.844 STR’s existentes na época, dos quais
79% foram criados até início dos anos 80, sendo que, dos 745 STR’s filiados à
CUT até novembro de 1994 - ou 23,3% do total (3.202) - 75% compunha-se de
sindicatos já cadastrados78, o que mostra, portanto, que o crescimento da CUT
no campo se deu principalmente sobre STR’s já existentes, sob o registro de

73
Ou como posicionou-se o então presidente da CUT, Sr. Jair Meneguelli: “Estamos nos adequando à
conjuntura: não tem mais greve para derrubar general ou presidente da república (...), temos sim que
buscarmos novas alternativas para o entendimento” (FSP, 18/03/1994:4).
74
Basta notarmos a avaliação feita pelo então, presidente da FIESP, Sr. Mário Amato: “Passou a fase de
sindicalismo de resultados para o sindicalismo de eficiência (...). As duas partes (capital e trabalho)
entenderam que demagogia e dialética não levam a lugar nenhum” (Pinheiro, 1995).
75
A idéia dos “sindicatões” foi formalmente apresentada enquanto proposta de encaminhamento, por
Luis Silva e José Novaes, respectivamente dirigentes sindicais de STR’s e das CUT’s regionais da
Paraíba e Bahia, durante a realização do III CONCUT, em outubro de 1988, cujos documentos estão
publicados nos Cadernos do CEDI, n.20, 1990. A aglutinação dos trabalhadores assalariados, por produto,
no caso específico dos “sindicatões”, enraizados na delimitação da agroindústria, ou seja, na explicitação
do empreendimento agroindustrial, reunindo tanto os trabalhadores rurais quanto os da unidade de
processamento industrial, não despertou motivação no campo cutista..
76
Notadamente, a partir do III CONCUT (1988), a filiação de STR’s à central abrangeu praticamente
todo o país, todavia, concentrou-se nos Estados do nordeste e no norte.
77
Para mais detalhes, ver: IBGE, “Sindicatos: Indicadores Sociais” (v.1, 1987; v.2, 1991); IBGE, “Brasil
em Números”. Rio de Janeiro: IBGE, 1993, v.2.
78
Informação obtida durante a Pesquisa de Campo, junto aos dirigentes do DNTR/CUT, em dezembro de
1994.
94
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

que grande parte dos sindicatos cutistas eram e continuam filiados à CONTAG
e, por via de conseqüência, às Federações.
Por sua vez, no II Congresso do Departamento Nacional dos
Trabalhadores Rurais (DNTR), realizado em abril de 1993, a polêmica centrou-
se no caminho a seguir, na redefinição dos rumos da estrutura sindical cutista.
Se se continuava por dentro da velha estrutura ou, se caminhava por fora - como
ocorrera também, durante o I Congresso, e, 1991. Isto é, a Central construiria
paralelamente sua própria proposta de estrutura sindical.
Na verdade, uma falsa polêmica, porque o que estava em realce
naquele momento era a expansão, em curto prazo da CUT no campo atrelada à
postura a ser adotada diante “da forma e metodologia de condução do processo
de intervenção cutista nas Federações e na própria CONTAG”79, através da
disputa da estrutura oficial. Tese essa não aprovada pelos delegados que
participaram do II Congresso do Departamento Estadual dos Trabalhadores
Rurais (DETR/CUT/SP) realizado em março de 1993, devido à expressiva
presença dos SER’s, com quase metade dos delegados. Nesse sentido, foram
aprovadas duas resoluções: 1) o abandono da disputa da FETAESP, que se
daria no próximo ano e; 2) a FERAESP passou a ser a instância orgânica de
organização dos assalariados rurais cutistas (no caso os STR’s que dispusessem
de assalariados) e o (Departamento Estadual dos Trabalhadores Rurais (DETR)
cuidaria da luta pela terra e dos pequenos produtores, abrindo a possibilidade de
estar criando ou mesmo estabelecendo vínculos com as associações de pequenos
produtores já existentes80. Isso esclarece qualquer “dúvida”, pois o caminho que
se decidiu trilhar é o que já estava sendo realizado, ou seja, caminhar por dentro
da estrutura oficial.
Todavia, até recentemente, as dificuldades e resistências são ainda
manifestas, em todas as instâncias da central, quando se põe em pauta o
propósito de romper com a velha estrutura sindical oficial81.
É o que foi confirmado na 1a Plenária Nacional do DNTR,
realizada em agosto de 1993, convocada para definir os rumos da entidade em
relação à(s) tática(s) a serem adotadas, quando deliberou pela manutenção da
disputa da CONTAG, considerando-a como uma das partes da construção da
CUT no campo, porém não sendo a única tarefa a ser feita pelos cutistas”. No
entanto, reforçando pontos de “tensão” com a CONTAG quando define pela

79
Cf. CUT, “Cadernos de Teses da 6a Plenária Nacional”. São Paulo: CUT, 1994, p.29.
80
Mais detalhes, ver: DETR/CUT/SP, “Resoluções do II Congresso”. São Paulo: CUT, 1993.
(mimeogr.).
81
Para ilustrar, o apego dos cutistas à estrutura oficial, poderíamos tomar como exemplo, as discussões
realizadas no I Congresso do DNTR, em 1990, no tocante à aprovação da organização específica de
assalariados rurais, com experiências concretas, como a FERAESP (Federação dos Empregados Rurais do
Estado de São Paulo), que movimentou a plenária em momentos de tensão, dado à forte resistência dos
delegados a esta alternativa. a mais ampla possível, respeitando os diferentes processo de unificação dos
trabalhadores desde sua.
95
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

implementação de “organizações sindicais de base diferenciadas entre


sindicatos de assalariados rurais e pequenos agricultores, respeitando o
acúmulo político/organizativo e as realidades locais existentes” e, estreitamento
de relações e permissão de participação, na estrutura vertical dos rurais da CUT,
“das entidades de organização da produção e comercialização, como
associações e cooperativas, incluindo, também, os movimentos sociais no
campo, como os Sem Terra, Atingidos por Barragens, etc.”82
Na decisão de manter os propósitos de disputar a CONTAG, teve
peso desequilibrador o fato de a CUT estar formalmente dentro da
CONTAG (e dela não querer sair), a partir do V Congresso em 1991,
quando compôs chapa. E mais, ponderou-se naquele momento, o fato da Central
ser direção em 4 Federações, em composição com outras forças em mais 3 e
disputando, a partir de alianças, as demais.
Assim, não se trata de desvio de rota o fato de a CUT estar na
CONTAG, mas sim da consubstanciação da avaliação da cúpula dirigente da
central, de posse dos argumentos de que isso daria mais força para a CUT, rumo
à implementação do seu projeto estratégico de ser hegemônica no campo.
Todavia, ao redor e no interior da CONTAG, cristaliza-se uma
postura de nem sequer mencionar o que já está fora dela, como o Movimento
dos Trabalhadores Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos
Trabalhadores sem Terra (MST) e outras formas de organização, como os
Sindicatos de Empregados Rurais (SER’s) que, por sua vez, estão filiados à
CUT.
Sem contar que, na busca de (re)definições e (re)composição do
port-folio cutista, o 30 Congresso do DNTR, realizado em novembro de 1995,
em Brasília, definiu pela sua auto-extinção e pela criação de uma Coordenação
Nacional dos Rurais da CUT, agora vinculada à Executiva Nacional da Central.
Na prática, essa obra de engenharia política, consuma à CONTAG a única
representante política e sindical dos trabalhadores rurais, com a prerrogativa de
garantir articuladamente, “um projeto alternativo de desenvolvimento rural”83 -
algo não definido no 30 Congresso - com as resoluções aprovadas pelo conselho
da CONTAG (novembro de 1995), que também, historicamente, não preza pela
implementação de suas deliberações.
A questão a ser posta em evidência nesse contexto passa pelo
questionamento do por que o discurso e ação do “novo sindicalismo” não se
traduz numa prática sindical capaz de romper com a velha estrutura e a já
superada ação sindical? Por onde gravitam as alternativas para o conjunto do
operariado?

82 a
DNTR/CUT, “Resoluções e Deliberações da 1 Plenária Nacional. São Paulo: DNTR/CUT, 1993.
(mimeogr.)
83
Cf. Resoluções do 30 Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais da CUT. DNTR/CUT. São Paulo:
DNTR/CUT, 1995.
96
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Abate-se sobre a CUT, a necessidade de redefinir seu projeto de


intervenção, que na sua fundação foi medularmente intercategorial, de
unificação dos trabalhadores do campo e da cidade. Isto é, trata-se de recolocar a
questão cidade-campo (imposta nos limites da divisão técnica e territorial do
trabalho, já totalmente redimensionada pelo capital), noutros moldes de
organização do trabalho, já que ainda é mantida pelo movimento sindical, sob
as vestes do corporativismo categorial.
Restabelecer o abandonado projeto de classe (para si) baseado na aliança
operário-camponesa, é pressuposto básico para a Central retomar a redefinição
geral do conteúdo e das estratégias de libertação, no sentido de colocar a gestão
da história ao encargo daqueles que efetivamente a produzem com seu trabalho,
enraizando-se assim, noutra espacialidade a relação cidade-campo, qual seja:
como unidade orgânica dos dominados84, aliás posto em xeque com a filiação da
CUT à CIOLS (Confederación Internacional de Organizaciones Sindicales
Libres). Isto é, de uma central afinada aos pressupostos fundamentais de
construção de uma sociedade socialista, já que por mais que os signatários da
filiação, aliás hegemônicos na Central, argumentem em favor da necessidade de
a CUT estreitar seus laços internacionais e de ser referência para os
trabalhadores latinoamericanos:

isso não deveria ser direcionado para uma entidade como a


CIOLS que se manteve à parte ou mesmo posicionou-se contrária
às lutas emancipatórias dos trabalhadores latinoamericanos, que
desaguaram nas guerras de libertação do imperialismo, e de
experiências nitidamente voltadas ao socialismo”, que o mundo
inteiro assistiu desde os anos 1960 com a revolução Cubana, “(...)
e além do mais está no mesmo barco da Força Sindical e da CGT
(Confederação Geral dos Trabalhadores). (MARTINS, 1993, p.
4-6).

Inobstante, a CUT enfrenta concretamente o problema da


acomodação dos seus dirigentes, principalmente das entidades de base, pois
temem a perda do controle dos aparelhos sindicais que a fusão e organização por
ramo de produção/atividade, indubitavelmente desencadearia. Isso, por sua vez,
tensiona as disputas internas, pois as correntes minoritárias que apelam para o
restabelecimento do projeto cutista de estrutura e organização sindical, é
sobreposta pela avaliação majoritária que se configura ao afirmar que o suposto
“desvio de rota” da central é conseqüência do caminho escolhido para sua
construção.

84
Trata-se pois, como presente nas teses e deliberações de Congressos da CUT, “de criar as condições
para a superação da exploração de classe”.
97
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Referências Bibliográficas

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98
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

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THOMAZ JÚNIOR, A. Por Trás dos Canaviais os (Nós) da Cana. Tese
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capital x trabalho e os desafios para o movimento sindical. Presidente Prudente,
2001. (Relatório de Pesquisa)

Presidente Prudente, outubro de 1995

99
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

CAMPANHA SALARIAL: O PONTO ALTO


DA ALIENAÇÃO DO TRABALHO ∗
“A Estrutura sindical era mais radicalmente
concebida como o embrião da organização da
futura sociedade anarquista-comunista. Pois,
nesta, a organização sindical estava destinada
a se tornar o órgão de direção, de
administração e de controle da produção
social e do conjunto da vida social”.

(Alan Bihr)

1. Introdução

A motivação central deste artigo é apresentar algumas questões


pertinentes à relação capital x trabalho, em especial, o comportamento do
trabalho, encimado nas campanhas salariais na agroindústria sucro-alcooleira,
em São Paulo. Trata-se, todavia, do trabalho enquanto relação social,
materializada, por dentro do ordenamento jurídico-institucional imposto pelas
classes dominantes e regulado pelo Estado e que se manifestam, concretamente,
na forma de ações sindicais, então, rigorosamente prescritas pelo aparato legal.
Mais precisamente, colocamo-nos a refletir a campanha
salarial, enquanto um momento específico da relação capital x trabalho, a partir
de algumas constatações extraídas da tese de doutoramento85, todavia
privilegiando o caminho contraditório que se estabelece entre as classes sociais
(capital e trabalho), pela via dos nexos de ligação entre a ação determinante do
Estado, através do regramento jurídico-institucional e dos cenários construídos
no plano das ações político-organizativas, específicas do movimento sindical.
Nesse sentido, valendo-se do conjunto das categorias/sindicatos
operários envolvidos na agroindústria sucro-alcooleira paulista, tem-se nas
campanhas salariais e nas greves, o entrecruzamento entre estrutura, organização


Este texto foi publicado originalmente, na Revista Geografia, ano V, n.9, jan./jun., 1999. Dourados:
AGB/Dourados, 1999, pp. 11-18.

85
“Por Trás dos Canaviais os (Nós) da Cana. (Uma Contribuição ao Entendimento da Relação
Capital x Trabalho e do Movimento Sindical dos Trabalhadores na Agroindústria Canavieira Paulista)”.
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 1996.
Publicado pela Editora Annablume/FAPESP, 2002.
101
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

e ação sindical, num intrincado movimento que revela as contradições inerentes


à práxis de cada uma delas.
Como um todo articulado, é possível dizer que no entorno dos
encaminhamentos pertinentes às campanhas salariais, ocorrem também, mas
em menor proporção, redefinições - com alguns retoques - na concepção da
estrutura e organização que, em alguns casos resultou na recomposição das
direções e/ou dissensões e rupturas nos sindicatos. Sob esse quadro de
reordenações, fundamentalmente nos sindicatos dos trabalhadores rurais
(STR’s), substanciou-se ao longo dos anos 80, a inscrição de uma série de
direitos na legislação trabalhista em geral, consubstanciados em cláusulas
sociais e transformados paulatinamente em lei, especificamente através das
convenções coletivas de trabalho e/ou dissídios coletivos.
A esse respeito é bom relembrarmos que, desde 1976, têm ocorrido
dissídios coletivos de trabalho, principalmente para os operários rurais
assalariados do Estado, celebrados entre a Federação dos Trabalhadores na
Agricultura (FETAESP) e os sindicatos patronais, sendo que, a partir do
Movimento de Guariba introduziu-se na agroindústria sucro-alcooleira paulista a
prática de pactuar cláusulas específicas para o conjunto dos trabalhadores86,
através de suas corporações sindicais.
No entanto, a heterogeneidade de concepção político-ideológica e
o intenso apego do movimento sindical operário no Brasil aos marcos estritos da
oficialidade, tornaram a data-base a finalidade primeira para a elaboração da
pauta de reivindicações e, mais que isso, “o referencial para a luta sindical
propriamente dita, convertida em ações sindicais na prática”, como as
negociações envolventes e possíveis greves ou paradeiros87.
Nessa via de articulações e sucessão de encaminhamentos, tem-se,
por um lado, a realização das campanhas salariais, não necessariamente
imbricadas à configuração e montagem das pautas de reivindicações como
produto efetivo das entidades de base.
Quer-se dizer com isso que a montagem da pauta, momento esse
que antecede a assinatura das convenções coletivas, acordos coletivos e/ou de
dissídios coletivos de trabalho do conjunto das corporações operárias envolvidas
na agroindústria sucro-alcooleira paulista (Tabela 1), não se consuma como
resultado coletivamente construído a partir de debates abrangentes e
aprofundados na esfera e escala dos sindicatos, acerca da especificidade de cada
corporação operária: Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STR’s); Sindicato
dos Empregados Rurais Assalariados (SER’s); Sindicatos dos Trabalhadores nas

86
Tratando especificamente dos trabalhadores rurais, Silva, L. A., 1994, faz um histórico interessante do
processo dessas conquistas.
87
Esse depoimento exprime a avaliação predominante entre os dirigentes e lideranças sindicais de todas
as categorias/sindicatos operários, como pudemos constatar durante a Pesquisa de Campo, da tese de
Doutorado (THOMAZ JR., A., 2002).
102
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Indústrias Químicas (STI’s Químicos); Sindicato dos Trabalhadores nas


Indústrias da Alimentação (STI’s Alimentação) e Sindicato dos Trabalhadores
na Fabricação do Açúcar; Sindicatos dos Trabalhadores em Transportes
Rodoviários (Condutores), bem como, as entidades de nível superior da estrutura
sindical oficial, as Federações e Confederações operárias.
Por outro lado, o capital privilegia a negociação com as entidades
de nível superior, as Federações - restringindo e/ou substituindo as bases pelas
cúpulas - reconhecendo apenas essas instâncias como representantes das
corporações operárias para os encontros nas mesas redondas, negociações das
pautas e assinatura das convenções coletivas, como também, nos enfrentamentos
nos tribunais com a instalação dos dissídios coletivos.

Tabela 1. Entidades Sindicais Envolvidas na Atividade Sucroalcooleira


em São Paulo - 1997

ENTIDADES/SINDICATOS N0
Sind. dos Trabalhadores Rurais 125
Sind. dos Empregados Rurais 14
Sind. dos Trab. nas Indústrias da 27
Alimentação
Sind. dos Trab. nas Ind. Químicas 9
Sind. dos Condutores 10
TOTAL 185
Fonte: Thomaz Jr., 1998.

Assim, as Federações saem fortalecidas do processo e, em


conseqüência, as entidades de base - ainda que relutantes, numa minoria -
convertem-se, ao contrário do que prescreve a legislação, no ponto mais
vulnerável da relação capital-trabalho. Resta-lhes, então - na fragilidade
imposta pelo capital - os cuidados “paroquiais”.
Aos sindicatos destituídos então de representatividade -
dependendo fundamentalmente da capacidade de organização, vontade política e
poder de mobilização nos limites da base territorial - só lhes cabe pressionar o
capital para o cumprimento das cláusulas acordadas, ou a assinatura de acordos
coletivos (estimulados ou não a partir de greves abrangentes, isoladas ou de
pequenos paradeiros), sobre questões específicas não contempladas ou em
desacordo com as convenções das respectivas categorias, geralmente sobre
cláusulas econômicas, índices indexadores dos salários, adicionais de horas
extras, etc.

103
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Deslocados os sindicatos de sua raiz real de representação e


interlocução, e envoltos na cultura sindical predominante no Brasil, têm-se,
portanto, os elementos explicativos fundamentais da inversão de valores
presenciada nas corporações operárias ligadas à agroindústria sucro-alcooleira.
Isso significa esperar as coisas prontas e acabadas vindas de cima para baixo, ou
seja, das Federações e Confederações, configurando-se, então, como referência
para o trabalho sindical, materializado ou não em ações concretas, a depender -
na maioria dos casos - das atribuições, determinações e/ou demandas requeridas
pelas cúpulas das entidades superiores da estrutura vertical oficial, as
articulações em torno das campanhas salariais.
Mais do que referência, poder-se-ia dizer até em esquema nacional
que, a CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura)
lança no cenário as prerrogativas para o desfecho da campanha salarial na
agroindústria canavieira no Brasil. Tamanha presunção, porém não se
desconsiderando as discordâncias e tensões, seus princípios e mandamentos
foram incorporados pelas demais entidades sindicais envolvidas nesse ramo da
atividade econômica, em especial as Federações, o que mais tarde veio a ser
denominado de “modelo” CONTAG88.

2. Campanha Salarial, Alienação e Corporativismo Sindical

Materialização singular do corporativismo, a(s) campanha(s)


salarial(is) e o seu produto imediato, as convenções e/ou dissídios coletivos,
além de expressarem a feição mais evidente da fragmentação do trabalho, já
entronizada na figura das corporações sindicais, são a personificação da
consumação do ciclo da alienação, tendo em vista que é a cartada fatal do
trabalho, confinada no plano da circulação – aliás, único momento em que há a
identificação operária - restrita, porém, a reivindicar salário e melhores
condições de vida e de trabalho.
É, então, no isolamento corporativo, encimado na divisão técnica e
territorial do trabalho, que este se mostra fracionado enquanto instância sindical,
em: químicos, alimentação, rurais e condutores, sendo que a fragmentação
territorial do trabalho implica numa ação sindical alienada e corporativista. Esse
enraizamento, por sua vez, é balizado pela imposição e aceitação do regramento
estatal que, a partir do fatiamento corporativo das categorias de trabalhadores
(profissões), delimita a todas elas, os estreitos marcos da legislação
trabalhista/sindical, como: unicidade sindical, data base, tutela normativa da
justiça do trabalho, etc.

88
Mais detalhes, ver: Thomaz Jr., 1999.
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♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Dessa forma, por um lado, a campanha salarial enquanto


movimentação do trabalho, é duplamente capitaneada pelo exercício da
hegemonia do capital, pois, a) ao identificar-se corporativamente - produto da
alienação do trabalho no processo produtivo - é a referência da ação sindical
formal e documentada, de categoria operária específica que, por sua vez, b) só
se identifica enquanto tal, quando legitimada pelas mediações prescritas pelo
Estado - tendo na CLT o “livro sagrado” da processualidade a ser cumprida,
doravante aceita - cuja referência é a data-base, todavia, definida e sacramentada
pelo capital, como já vimos, de acordo com suas conveniências econômicas e,
sobretudo, políticas e, c) ao decidirem por greves se restringem aos marcos da
Lei 4.330.
Por outro lado, ao materializar-se nos marcos das normatizações e
regulações legais, que imprimem um caminho individualizado a ser seguido
por cada corporação operária - em respeito tão somente à data-base - o trabalho
se submete ao capital, nos limites da determinação da hegemonia deste. Percebe-
se que a ação se dá no limite do instituicional (jurídico-político) imposto pelo
Estado, mediante a hegemonia do capital. Isto é, além de só aceitar negociar em
separado e apenas com as Federações e em menor ocorrência com as
Confederações, centraliza suas ações, numa única entidade, a AIAA (Associação
das Indústrias de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo), depois UNICA
(União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo). Essa entidade se
incumbe de articular orgânica e centralizadamente o conjunto das entidades do
capital e, mais que isso, balizar a diferencialidade das suas reivindicações à
especificidade do seu movimento, cujo pressuposto é a totalidade do
empreendimento produtivo.

3. Cenários, Atos e Atores: o teatro de operações da concertação social

A configuração dos atores envolvidos na agroindústria sucro-


alcooleira paulista, culminada nas campanhas salariais, como também nas
demais ações como as greves, sob o pressuposto de serem realizadas em
separado por cada categoria/sindical operária, abre um campo fértil de reflexões.
A tecitura resultante desse processo nos revela o conteúdo da
relação capital-trabalho, produto do movimento contraditório que a partir do seu
ordenamento territorial, expressa-se agora, enfeixada por um conjunto de
mediações que se materializam no teatro de operações, onde a identidade dos
atores envolvidos nos atos e contra-atos se singularizam em cenários
diferenciados.
O emparedamento sindical corporativo, ao se engessar nas
campanhas salariais em separado, é a condição básica que se ampara
ideologicamente, como pudemos constatar para todas as categorias sindicais, no

105
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

fato de que “cada um tem que cuidar do que é seu, ou seja, cada um de nós tem
importância diferenciada dentro da agroindústria”, como nos revelou um
influente dirigente sindical da alimentação. Como se isso não bastasse, a base de
assentamento dessa “leitura” se dá hegemonicamente quanto ação sindical, no
terreno do capital, num duplo movimento de mão única:
• Partindo do pressuposto de que cada categoria sindical é tratada em
separado pelo capital, esse procedimento é internalizado corporativamente como
identificação aceita pelo trabalho (fragmentado), como algo dado e, assim, deve
ser respeitado em nome da liberdade e da democracia sindical, tão alardeada
pelos dirigentes sindicais arraigados ao legalismo oficial. A internalização do
trabalho fragmentado (trabalho estranhado) expressa a dificuldade do trabalho
compreender o próprio metabolismo capital.
• Tendo, portanto, o trabalho, fixado sua identidade nessa “leitura” elaborada
pelo capital (sobre o trabalho), enraizou-se também como procedimento quase
messiânico, que “só há algo a discutir concretamente no momento de
preparação das pautas e a preparação das campanhas salariais, quando se
conhece a proposta patronal”89. Essa avaliação, ainda que recusada e não aceita
integralmente, se revela hegemônica na prática sindical, destacando-se pelo fato
de ser o “abre-alas” das discussões, isto é, ainda que as Federações acionem suas
bases a partir de fevereiro para a composição das pautas (momento coincidente
com a entressafra), as discussões realmente ganham sentido, quando a proposta
patronal é conhecida.
Disso, temos alguns desdobramentos que explicitam o conteúdo do
corporativismo sindical:
• Ao invés de os trabalhadores afinarem suas reivindicações específicas (para
cada categoria), tendo por princípio o aprofundamento das discussões e debates
estaduais, o caminho percorrido privilegia os enunciados delineados pelo
capital, sendo esses, os pontos de referência de toda a discussão;
• O trabalho de cúpula exercitado pelas Federações tem como fundamento a
não participação das entidades de base no processo decisório, expresso
concretamente nas cláusulas e reivindicações, nem tampouco nas negociações
que resultam nas convenções coletivas, procedimento esse batizado de
campanhas salariais a “frio”, ou seja, sem mobilização dos operários e
discussões amplas nos locais de trabalho, bem como em reuniões e assembléias
das referidas categorias.
Em outras palavras, a participação dos sindicatos se dá num
primeiro momento, em reuniões formais, assembléias ordinárias convocadas

89
Essa avaliação é parte do discurso do Sr. José Trigo, presidente da Federação dos Trabalhadores nas
Empresas de Transporte do Estado de São Paulo (FETTRESP), durante a seção de abertura do Encontro
Estadual para Unificação da Campanha Salarial, 1995/96. A reprodução in totum, deve-se ao fato de que
sintetiza a avaliação hegemônica dos dirigentes sindicais do conjunto das corporações/sindicais operárias
enraizadas na agroindústria sucro-alcooleira paulista (THOMAZ JR., 1996, op. cit.).
106
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

pelas Federações, antecedidas ou não de reuniões (nos sindicatos), onde a


participação é restrita aos dirigentes sindicais, ou em alguns casos,
representantes regionais da categoria, antecipadamente escolhidos para tal fim
(como o caso dos STR’s), que não necessariamente conduzem discussões
prévias - e se as realizam, na maioria dos casos, isso acontece em plenárias
esvaziadas, majoritariamente decididas por número irrelevante de associados,
portanto não representativas, mas com a garantia legal do quorum exigido pela
CLT - nem sequer do acompanhamento do fechamento das pautas e da
consumação da assinatura das convenções coletivas de trabalho.
Percebe-se, então, a distância que existe entre o aspecto jurídico-
formal da elaboração de pautas, da efetivação das campanhas salariais e acima
de tudo, o descolamento da realidade concreta dos operários.
Assim, ao analisarmos as pautas de reivindicações do conjunto das
categorias e o teor das convenções coletivas, observa-se a repetição in totum
de um conjunto amplo de cláusulas - com pequenos ajustes para efeito de
redação e não de conteúdo - diferenciando-se no plano inter-categorias apenas
quanto: a) às condições de segurança e equipamentos afins; b)
insalubridade e riscos de contaminação com produtos químicos, especialmente
os operários ligados à produção de álcool anidro, com o benzeno90 e os
agrotóxicos e herbicidas para os operários rurais; c) ao enquadramento
funcional; d) formas de pagamento (adiantamento de salário).
Quanto à questão salarial, como podemos observar através da
Tabela 2, a diferenciação entre as categorias se eleva a um outro patamar de
grandeza, onde os pisos salariais (em valores reais91) retratam a escalaridade de
importância de cada uma delas no processo recente de “modernização” ou
tecnificação, marcando a superioridade dos condutores, seguido dos químicos
que despontam na planta fabril, e por fim os rurais (cortadores de cana) que
amargam os valores mais baixos.
Nota-se ainda que, mesmo havendo perdas salariais para todas as
categorias, tomando como referência as safras 1993/94 e 1994/95 - sem contar
as perdas passadas - a maior queda recai sobre os rurais, que nessa última,
suportaram valores 123,28% menores que o piso dos condutores.
Isso pode ser explicado pelo fato de os empresários
sucroalcooleiros temerem prejuízos com as ameaças de paralisações e greves

90
Especificamente sobre os efeitos da contaminação do Benzeno e do benzol, foi organizado Seminário
pelo Departamento Nacional do 100 Grupo Químico (DNGQ) da Confederação Nacional dos
Trabalhadores da Indústria (CNTI), juntamente com o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias
Químicas, Farmacêuticas e do Álcool de Presidente Prudente, em Presidente Prudente, no dia 20 de
agosto de 1995.
91
A opção de tomarmos como referência o Índice de Custo de Vida (ICV) do Departamento Intersindical
de Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE), deve-se ao fato de essas informações, além de serem
confiáveis, refletirem mais de perto as variações dos preços (inflação), da cesta básica ou dos produtos
consumidos pelos trabalhadores, nas faixas salariais em que se enquadram os segmentos em estudo.
107
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

dos cortadores de cana, evidenciando nesse ínterim as divisões intra-capital,


pois, enquanto a Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (FAESP)
sinalizava apenas 29,5% referente ao Índice de Preços ao Consumidor (IPCr) do
período, a partir das reações dos trabalhadores, a AIAA interferiu e fixou um
percentual de correção em torno de 59%.

Tabela 2. Pisos Salariais das Categorias Sindicais Envolvidas na


Agroindústria Sucro-alcooleira em São Paulo - Safras:
(1993/94, 1994/95 e 1995/96)

(Valores Deflacionados) ICV-DIEESE (R$ de Maio de 1995=100)1

CATEGORIAS S A F R A

1993/94 1994/95 1995/96 1996/97

RURAIS 193,39 124,13 185,00 207,30

QUÍMICOS 308,75 266,09 250,00 280,00

CONDUTORES 322,32 277,16 280,00 313,00

ALIMENTAÇÃO 221,60 155,16 201,00 225,12


Fonte: Thomaz Jr., A., 1996

Num primeiro momento, isso mostra o quão defasados estão os


salários dos trabalhadores em relação aos ganhos do capital, e não propriamente
qualquer atitude de benevolência por parte deste, ao conceder aumento real de
salários para a maioria do operariado agroindustrial e não somente aos
cortadores de cana. Num segundo momento, esse episódio ao revelar mais uma
vez as contradições internas do capital, onde falam mais alto os interesses da
parcela hegemônica do empresariado, que mesmo contando com empresas que
respondem por mais da metade da cana cortada mecanicamente, valeu-se da
realidade da magnitude da cana cortada manualmente no Estado. Assim, ao sair
fortalecido desse processo - mesmo a contragosto de outra parcela do
empresariado, principalmente as pequenas e médias destilarias autônomas que
fechavam posição junto à FAESP - apostou na inviabilização de iniciativas de
movimentos grevistas no setor.
Outra questão a observar, é o fato de que apesar de mantidas as
proporções da diferencialidade entre os pisos salariais dos trabalhadores da
108
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

planta fabril, com os químicos à frente dos trabalhadores ligados à alimentação,


a perda salarial de 6,4% registrada para aqueles (em relação às últimas duas
safras), revela a diminuição de poder de barganha dessa corporação, a partir do
momento que se desliga da categoria genérica (químicos - grupo 10 da FIESP92)
e passa a referenciar-se nas negociações, isoladamente. Reflete também, a rigor,
o status de “importância” do álcool no atual estágio de (re)estruturação do setor
sucroalcooleiro paulista, quando as atenções estão voltadas para o açúcar,
revelando ainda, novos campos de disputas intra-corporações, como pudemos
constatar, porque os sindicatos da alimentação reivindicam salários maiores que
os químicos, como “padrão de indexação”. Isto é, tendo em vista que ao
partirem do fato da organização corporativa (ao verem-se isoladamente), não
estando em questão ações políticas capazes de unificação do conjunto dos
trabalhadores para as negociações salariais, a tendência é que disputem entre si
os maiores pisos.
Dessa forma, o deslocamento que há entre a determinação da
planta fabril, enquanto referência econômica e política para o capital e o seu
significado enquanto representação corporativa dos trabalhadores (em termos de
expressão salarial e política dos mesmos), revela a face real da contradição
capital-trabalho no tocante à concretude dos efeitos da “modernização”
tecnológica e a hegemonia do processo produtivo.
No entanto, no tocante às cláusulas sociais (assim entendidas e
tratadas nas convenções, dissídios e acordos coletivos de trabalho) há, por um
lado, uma estreita semelhança, principalmente no que se refere aos direitos
trabalhistas e aos direitos previdenciários (aposentadoria) e, como não poderia
faltar, as tratativas quanto as arrecadações das “contribuições sindicais”,
particularmente da “contribuição” assistencial, tendo em vista que o percentual é
definido individualmente por cada categoria. Por outro lado, as diferenças se
explicitam quanto a não homogeneidade das cláusulas acordadas para o conjunto
das categorias envolvidas, fundamentalmente quanto a acidente de trabalho,
doença profissional, etc., e às diferentes formas de auxílio (creche, doença,
funeral, saúde, convênios médicos, farmacêuticos, etc.).
Outra questão relevante que varia para cada uma das corporações,
são as preocupações específicas com o processo de tecnificação - que se
apresenta nas pautas como “automação e informatização” - principalmente para
os operários da planta fabril, que apenas se indignam com o processo, mas ao
assinarem as últimas três convenções, aceitaram que os empresários ao disporem
desse expediente, “quando necessário e ao seu critério, dêem treinamento para
os empregados designados para esses novos métodos de trabalho, a fim de

92
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.
109
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

adquirirem melhor qualificação”93. Quando muito, em nível de acordos


coletivos, alguns quesitos são acordados, todavia, não proporcionando acúmulo
e conquistas políticas substanciais para as diferentes categorias, até porque a
temática tecnológica é vista em separado, tendo por base que os “efeitos são
aparentemente diferentes para cada uma delas, então, as ações também devem
seguir programação e preocupação própria”94.
Os trabalhadores rurais, tendo a FETAESP à frente da assinatura
das convenções coletivas, apenas se posicionam contrários à mecanização do
corte da cana-de-açúcar, chamando atenção para a “desumanização desse
processo”, contudo o teor das convenções assinadas nas últimas três safras, aos
empresários cabem apenas “usar do bom senso e fazer consultas prévias aos
sindicatos”, o que nunca se efetivou como ato prático, tampouco motivou ações
concretas dos sindicatos e da própria FETAESP no sentido de exigir o
cumprimento do item acordado.
Os condutores nem sequer fazem qualquer tipo de menção a esse
respeito, porém, como firmado na cláusula 32 da Convenção 1995/96, as
entidades representativas da categoria profissional (os sindicatos),

assumem compromisso formal de não promover nem


fomentar movimento de paralisação ou greve nas empresas,
exceto em casos de descumprimento das cláusulas do
presente acordo jurídico ou de leis vigentes e, assim mesmo,
só após comunicar as transgressões, por escrito, às
entidades suscitadas e desde que esgotadas as possibilidades
de solução amigável95.

Entendida como um procedimento muito mais burocrático - que é


o que realmente se constata - do que um momento de mobilização e agitação
política, as campanhas salariais e seus encaminhamentos preparatórios, bem
como e principalmente, os resultados práticos daí alcançados que culminam na
assinatura das convenções e/ou dissídios coletivos,96 poderiam ter sido

93
Seguindo o mesmo teor, isso é o que fundamenta a preocupação oficialmente chancelada pelas
corporações sindicais representativas do operariado fabril, como consta na convenção coletiva de trabalho
assinada pelos Químicos e pela Alimentação para a safra 1995/96.
94
Essa avaliação foi unânime para os dirigentes sindicais de todas as categorias envolvidas na
agroindústria sucro-alcooleira, como constatamos durante a Pesquisa de Campo (THOMAZ JR., A.,
1996, op. cit.).
95
Convenção coletiva de trabalho dos Condutores, processo n. 46 219- 13402/95, vigência: 10 /05/95 a
30/04/96. (mimeogr.) (grigo nosso).
96
Mais detalhes a esse respeito consultar: Alves, 1991:319-342, que faz um acompanhamento minucioso
das Campanhas Salariais dos assalariados rurais (cortadores de cana) em São Paulo, de 1984 a 1991,
cobrindo os principais pontos das pautas de reivindicações, os avanços e conquistas, os ítens celebrados
nos (Acordos), leia-se Convenções e Dissídios Coletivos e, ainda, apresenta uma seção de comentários.
110
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

ampliados se precedidos e pautados por uma concepção sindical que


privilegiasse as discussões no terreno do trabalho, restrito que fosse ao
corporativismo sindical, como por exemplo, uma questão que se notabilizou
com o Movimento de Guariba - que por anos sucessivos consta das pautas de
reivindicações - como o sistema de corte de cana ser mediatizado por metro
linear e não a sua transfiguração em tonelada, que até hoje não se materializou
em cláusula nas convenções, acordos e/ou dissídios coletivos de trabalho.
O produto imediato desse processo desdobra-se na fragilidade das
entidades de base que, contraditoriamente, enraizadas mais
proximamente do confronto capital-trabalho, ficam distantes das bases, não
havendo ressonância entre as “conquistas” das convenções e dissídios, com o
trabalho diário do sindicato. Cabe-lhes, todavia, o cumprimento das cláusulas
acordadas entre as partes (capital e trabalho), sendo esta, pois, uma tarefa
atribuída de cima para baixo, cujo executante não se envolveu nas discussões
como também não se sente parte dela, diferentemente dos órgãos do Estado
encarregados de desenvolver tal tarefa, que não a executam pura e
simplesmente.
Apesar de haver um modesto empenho nesse sentido, as ações
fiscalizatórias e de acompanhamento do cumprimento das cláusulas pactuadas
se dão majoritariamente através de ofícios, quando os sindicatos passam a
solicitar esclarecimentos sobre tal ou qual descumprimento a partir de
reclamações que chegam até eles diretamente pelos trabalhadores.
O argumento utilizado para tal procedimento é que: a) os patrões
não permitem a entrada nas suas propriedades (agrícolas e unidades fabris), dos
dirigentes sindicais, b) a extensão de base territorial é muito grande, não
havendo material humano e recursos financeiros para cobri-la totalmente, c) têm
que cuidar de outros segmentos de trabalhadores da mesma categoria
profissional, o que exige dos sindicatos acompanhamento em diferentes
empresas e ramos da atividade econômica, já que as datas-base são diferentes,
“nos obrigando a passar quase o ano inteiro a montar pautas e encaminhar
campanhas salariais, sendo que, uma na seqüência da outra”97.
No entanto, sem a presença e a atuação de Comissões de Fábrica
ou representantes de turmas, ou ainda as Organizações por Local de Trabalho
(OLT’s), torna-se mais difícil, ainda, o trabalho sindical que já se acomodou
sobre as justificativas elencadas acima e conclamam “ser necessário a
Federação incluir um ponto específico na pauta da próxima safra para se
conseguir permissão para entrar nas empresas ou até se criar OLT’s e
comissões de fábrica”98. Nota-se, nessa avaliação, a dependência às entidades de

97
Palavras do presidente do STI da Alimentação de Mogi-Guaçu. Entrevista concedida durante a
realização da Pesquisa de Campo (Thomaz Jr., A., 1996, op. cit.).
98
Essa avaliação foi feita por dirigente sindical da alimentação, durante a realização da Pesquisa de
Campo.
111
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

nível superior, como ainda a associação do que deveria resultar das lutas
sindicais, de atos e procedimentos eminentemente burocráticos.
Distantes da luta, as ações da maioria das entidades sindicais se
restringem, então, a meras atividades carimbativas, homologações,
representações de demandas trabalhistas, enfim, à esfera da consagração da
burocracia sindical. Então, ao isolarem-se das bases e, o contrário também é
verdadeiro, tem-se a instalação de um diálogo de surdos.
Por sua vez, as Federações e Confederações, distantes das
realidades locais e da seara de cada sindicato, atuam apenas na dimensão das
“grandes questões”99, reproduzindo ano após ano, com requintes de sofisticação,
através do reaparelhamento tecnológico, seu isolamento das entidades de base,
“já que por fax ou por comunicação via moden é muito mais fácil e ágil saber o
que está acontecendo em qualquer extremidade do Estado”100.
Assim, a velha bandeira do movimento sindical, redimensionada
pelo “novo sindicalismo” que diz: “que o sindicato e todas as entidades da
estrutura vertical, devem ir onde o trabalhador está”, cada vez mais se
transforma em figura de retórica.
Em meio a esse comportamento burocrático, parasitário, legalista e
inercial, os maiores entraves durante as campanhas salariais e até em meio a
momentos de paralisações e greves que surgem nas diferentes categorias, é o
atravessamento101 de alguns sindicatos que assinam as convenções sem antes ter
sido decidido pelo conjunto da categoria. O atravessamento tem por base
predominante, no entanto, duas ordens de motivações. Em primeiro lugar, o
despreparo dos dirigentes em discutir com suas bases os acordos elaborados em
nível das cúpulas sindicais (nas Federações), daí a dificuldade do
convencimento e, em segundo lugar, premidos pelas pressões dos trabalhadores
da base que não aceitam começar a safra sem antes saberem as condições
acordadas.
Escolhido esse caminho, por efeito dominó, os demais sindicatos
acabam assinando também, e se as pretensões iniciais eram de ir para dissídio, o
flanco está totalmente aberto para a consagração da derrota do trabalho, pois
qualquer tribunal, como de costume, fará uso do recurso jurídico da abertura de
precedente.

99
Essa postura foi observada na avaliação feita pelos dirigentes de todas as Federações, durante a
Pesquisa de Campo.
100
Essa avaliação foi feita por influente dirigente da Federação dos Químicos, durante a realização do I
Seminário de Preparação da Campanha Salarial, 1995/96, realizado em São José do Rio Preto, em maio
de 1995.
101
Termo muito utilizado no meio sindical, que designa os casos em que os dirigentes desrespeitam os
encaminhamentos sinalizados pela categoria e tomam decisões em nome próprio.

112
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

4. Referências Bibliográficas

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Doutorado - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, 1996.
______. “’Leitura’ Geográfica e Gestão Político-Territorial na Sociedade de
Classes”. Boletim Gaúcho de Geografia, n. 24. Porto Alegre: AGB/Porto
Alegre, 1998.
______. Por Trás dos Canaviais os (Nós) da Cana. São Paulo:
Annablume/Fapesp, 2002.

Presidente Prudente, abril de 1997

114
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

CONTAG: A FALÊNCIA DE UM MODELO


DE AÇÃO SINDICAL ∗
Neste ensaio, colocamo-nos diante do desafio de trazer ao debate,
algumas reflexões desenvolvidas na tese de doutorado102, sendo que se voltam,
especificamente à dinâmica do “modelo” sindical figurado sob as hostes da
Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e do Movimento
Sindical dos Trabalhadores Rurais (MSTR) em especial.
Lado a lado, a tentativa de articular a luta dos assalariados rurais
com a luta pela terra, principalmente através do aparato jurídico da Lei do
Sítio103, era uma das três características básicas do “modelo”, entendendo-se que
o acesso à terra tornara-se um direito trabalhista como qualquer outro104, ao
menos em tese. Reunindo-se ao seu entorno outras duas características, tais
como: o fato de a estrutura vertical (CONTAG e Federações) continuar a ser o
referencial de articulação política do movimento, isto é, a organização da
campanha salarial deveria ser feita a partir da CONTAG e das Federações e, por
último, sua consecução dar-se-ia respeitando-se os limites da Lei de Greve
4330/64, objetivando a mobilização sindical nos seus interstícios.
No entendimento da CONTAG, exaltava-se a unidade (apenas dos
trabalhadores rurais), no setor sucro-alcooleiro e que o movimento sindical
sustentasse uma estratégia comum para enfrentar a classe patronal unida, tendo
em conta, principalmente no decorrer dos anos, as dificuldades advindas da
heterogeneidade das ações sindicais, frente à pluralidade das formas de medição
e pagamento, objetivando construir campanhas salariais unificadas.
Isso viria à cena, apenas na campanha salarial de 1986,
significando a inclusão dos Estados de Alagoas e Sergipe, até então à margem
das mobilizações, “ainda que a unificação se limitasse, num primeiro momento,
ao edital de convocação, às datas das assembléias, à aprovação da pauta e à
propaganda comum”, não sendo alteradas, para tanto, as datas-base105. A que


Este texto foi publicado originalmente, na Revista de Geografia, 19. Universidade Estadual de Maringá,
1999. Há uma versão em Espanhol, a ser publicada na Revista Polígono, Universidade de León, Espanha.

102
“Por Trás dos Canaviais os (Nós) da Cana. (Uma Contribuição ao Entendimento da
Relação Capital x Trabalho e do Movimento Sindical dos Trabalhadores na Agroindústria Canavieira
Paulista)”. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. Tese de
Doutorado. São Paulo, 1996. Trabalho Publicado pela Editora Annablume/Fapesp, 2002.
103
Garantia um pedaço de terra para os trabalhadores assalariados para uso próprio para culturas de
subsistência.
104
Sobre essa questão, ver: Sigaud, “Luta Política e Luta pela Terra no Nordeste”, 1983.
105
Permaneceu o seguinte calendário: Rio Grande do Norte, (6/10); Pernambuco, (8/10); Paraíba,
(15/10); Sergipe, (28/10); Alagoas, (1/11). Mais detalhes, ver: Novaes, 1993, p. 202.
115
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

mais se destacou, dada a abrangência alcançada, foi a “campanha salarial dos


canavieiros do nordeste de 1992, que reuniu Sergipe, Alagoas, Pernambuco,
Paraíba e Rio Grande do Norte” (CONTAG/FASE, 1992:12-13)106.
Para tanto, era necessário transformar a greve dos canavieiros de
Pernambuco num evento regional, escudada por uma pauta de reivindicações
comum, o que nem sempre foi possível, apenas sustentando-se o modelo
orgânico de encaminhamento das campanhas salariais.
Todavia, o “modelo de greve”, por influência da CONTAG, seria
exportado para outros Estados, mas apenas logrou êxito no nordeste. Para os
demais, serviu, ao menos, como traço referencial para a “ação” sindical, tendo
em vista que o êxito dependia, em primeiro lugar, da proximidade política entre
a diretoria das Federações e a diretoria da CONTAG, da tradição de luta do
movimento sindical nos Estados, da experiência acumulada, do grau de
exploração patronal, da inserção dos trabalhadores na produção de diferentes
produtos agrícolas e do “progresso técnico”.
Em vista disso, em Alagoas e Sergipe, o “modelo” esbarrou na
inoperância das Federações, pela ausência de tradição de luta dos Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais (STR’s). Com pequenas adaptações no Rio Grande do
Norte, foi posto em prática em 1982 e 1983, mas animado por movimentos
espontâneos dos próprios trabalhadores (PAIXÃO, 1994, p. 289).
Contudo, por esse mesmo condicionante da tradição de lutas, no
Estado da Paraíba, no âmbito dos “quadros políticos” preparados pela Igreja
católica, e não propriamente na militância sindical, o “modelo” não emplacou
integralmente e de imediato.
Na base da resistência ao direcionamento de cúpula do
“modelo”, via estrutura vertical (CONTAG-Federações), está o fato de que, em
primeiro lugar, “nos anos 70 as lutas dos trabalhadores da zona canavieira
paraibana se desenvolveram de maneira distinta da de Pernambuco. A lavoura
canavieira, quando se expandiu pelo litoral, com os incentivos do Proálcool,
transformou a luta pela terra no principal foco de conflito entre patrões e
trabalhadores”. Por sua vez, “a rapidez da expansão da lavoura canavieira
generalizou os conflitos, a luta de resistência na terra se fez pelos
acampamentos em praças públicas, romaria, resistência na terra, ocupações de
entidades governamentais” e não se restringiram à lei do sítio, como em
Pernambuco. Em segundo lugar, e, fundamentalmente, a resistência dos
trabalhadores canavieiros da Paraíba valeu-se do fato, de que, “quase sempre, as
lideranças dessas lutas não se originaram do movimento sindical, vinham da

106
Essa publicação nos permite dimensionar o conteúdo e o alcance de todas as cláusulas propostas
pelos trabalhadores, através dos STR’s, Federações e da própria CONTAG. A rigor, insistindo-se
taticamente na instauração convencional do “modelo”, não surtiu os efeitos práticos esperados,
fundamentalmente quando da sua consecução, no que diz respeito ao cumprimento das cláusulas
acordadas, por parte do capital sucroalcooleiro.
116
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Igreja católica, e do trabalho de comunidades; de onde provinha a sua


legitimidade de representação”. É nesse contexto que essas novas lideranças se
credenciaram para a organização de chapas de oposição e disputaram os STR’s,
com o intuito de transformá-los em instrumentos de mobilização (“a quente”) e
organização dos trabalhadores. Tendo pois, se articulado, no final dos anos 70
com os princípios e o conteúdo do “novo sindicalismo” (NOVAES, 1993, p.
182-183)107.
Por conta da maior participação e melhor politização os
trabalhadores da Paraíba não aceitaram a centralização (automática) das
instâncias verticais, dificultando o comando político da campanha salarial, não
se materializando nos moldes ocorridos em Pernambuco e no Rio Grande do
Norte.
Contando com hegemonia no âmbito das forças políticas presentes
na “Comissão Canavieira”108, o que não era prescrito pelo “modelo”, os “novos
sindicalistas”, alinhados à CUT, passaram a evidenciar a necessidade de
participação das bases e de democracia interna nos sindicatos.
Centrando suas críticas ao “legalismo” e à prática cupulista do
“modelo”, tentavam mostrar que a utilização das brechas da lei e a criatividade
para a superação de certos obstáculos estavam equacionadas para certos
assessores e dirigentes, mas não entre os trabalhadores e não estavam
contribuindo para o aprimoramento da organização destes.
Ao desencadear a greve, a CONTAG não tem como substituir o
sindicato, fazendo com que, na maioria dos casos,

o conflito de classes dentro do município não fica claro, (...) e o


dirigente sindical fica livre para fazer acordos políticos com o
patrão e ele jamais vai entrar em contradição com o patrão, porque
foi a CONTAG que foi lá fazer greve, ou a Federação. Os
trabalhadores também têm dificuldades de enxergar o sindicato
como instrumento de luta. Eles enxergam a CONTAG: ela é que
foi lá fazer greve. (NOVAES, J. R., 1989, p. 23).

Como conseqüência disso, apenas em 1984, depois de muito


esforço da CONTAG e FETAG-PB, deflagrou-se a campanha salarial na
Paraíba, nos parâmetros do “modelo”.

107
Mais detalhes sobre essa questão, ver também: Novaes, R. R., 1989.

108
Esse fórum foi instituído pela FETAG-PB, em meados de 1982, a partir da pressão exercida pelos
STR’s, no sentido de reorientar as discussões a respeito do “modelo” de greve. Contava com a
participação dos dirigentes sindicais, FETAG e assessores de instituições comprometidos com as lutas
sindicais e populares. Essa originalidade, contrapunha-se às regras do “modelo Pernambuco”, onde a
condução política estava na FETAPE e na CONTAG.
117
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

As avaliações dos sindicalistas cutistas paraibanos aos poucos


passaram a questionar a globalidade do “modelo”, a ponto do conjunto dos
trabalhadores perceberem que a classe patronal não respeitava a lei, com a
conivência do Estado na omissão à fiscalização e cumprimento dos acordos,
bem como na violência desferida contra os trabalhadores.
O fato em questão era que as conquistas nas campanhas salariais
não se refletiam na prática, quando da vigência dos acordos. Havia um certo
distanciamento entre as greves e as conquistas “reais”.
O desrespeito e o descumprimento dos acordos e dissídios pela
classe patronal, não eram previstos pelo “modelo ”CONTAG, com lutas e ações
apropriadas e específicas, devido a subordinação obstinada às regras da Lei de
Greve, que não continha dispositivo para o acompanhamento do cumprimento
dos acordos e convenções.
A esse respeito, Caixe (1985, p.40), observa que:
“(...) você instaura todo um processo para culminar no Dissídio,
para determinadas conquistas, e depois não obtém o cumprimento
disso. Então você está invalidando, em parte, aquele ato inicial
(...) O problema não é da cobrança, o problema é da instauração
do próprio movimento que culminou com o Dissídio para depois
entrar na cobrança. Quer dizer, há toda uma ligação aí que tem
que ser percebida”.

Isto é, nesse momento, as FETAG’s e a CONTAG, raramente


estiveram presentes, transferindo a responsabilidade para a diretoria dos STR’s.
Nesse sentido, mais uma vez, os STR’s paraibanos, filiados à CUT, inovaram
em ações pautadas pelo cumprimento das convenções coletivas.
Outra questão a destacar diz respeito à tomada do Sindicato dos
Trabalhadores da Indústria do Açúcar e do Álcool de Pernambuco (STIAA), por
militantes cutistas em 1989, se lançando, em pouco tempo, a encaminhar
discussões e greves conjuntas com os trabalhadores rurais, principalmente os
cortadores de cana, no que diz respeito, basicamente à luta pelo cumprimento de
acordos coletivos. “A partir de 1992, chegou-se a iniciar conversações em torno
da unificação da campanha salarial das categorias envolvidas na agroindústria
sucro-alcooleira de Pernambuco, unindo na prática as datas-base”109 (maio
para os industriários e outubro para os rurícolas ou rurais).
Em seminário regional, patrocinado pelo Sindicato dos
Trablhadores nas Indústrias de Açúcar e Álcool (STIAA), em 1993110,

109
Entrevista concedida pelo presidente do STIAA, Sr. Moab Pereira Queiroz de Oliveira, por ocasião do
II Congresso do DNTR/CUT. Goiânia, março de 1993.
110
Esse evento, concentrou-se em discutir temas afinados com a amplitude do seu título: “Crise e
Reestruturação no Complexo Sucro-Alcooleiro do Nordeste”. O documento produto desse evento deve
ser consultado, quando se objetivar conhecer os apontamentos recentes do conjunto dos trabalhadores
118
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

ponderou-se sobre a diferencialidade da organização e do enquadramento


sindical dos trabalhadores na agroindústria sucro-alcooleira no nordeste e no
Brasil como um todo111.
A começar, como já vimos, pelas peculiaridades organizativas e
engajamento histórico nas lutas e ações políticas das diferentes categorias de
trabalhadores, tais como: rurais, industriários e os motoristas, que aliás é a única
categoria diferenciada, portanto podendo se organizar em sindicato específico.
De toda forma, o “modelo contaguiano de greve” inspirou
paralisações e greves nos demais Estados canavieiros do país.. No entanto,
predominou o caráter espontâneo dos movimentos, não estando atrelados ao
esquema confederativo contaguiano, tendo sido ao seu modo, desencadeadas
por iniciativa das bases revoltadas. Podemos destacar Passos (MG), em 1980 e
1985 contra o desemprego; as greves de Goiás em 1984, sob a condução do STR
de Santa Helena e FETAEG, contra as 7 ruas112; no Rio de Janeiro; Espírito
Santo e outros, espraiando-se também, para outros produtos, não se restringindo
apenas à cana-de-açúcar.
Entretanto, essa retomada dos trabalhadores agrícolas na arena
política e a emergência de movimentos grevistas ao largo do “modelo
contaguiano”, tiveram como detonador o Movimento de Guariba em 1984,
momento em que os assalariados rurais impuseram-se e realizaram greves e
ações “paredistas” à revelia da legislação em vigor (como a Lei de Greve e data-
base), exigindo o fim das sete ruas, melhorias salariais e condições dignas de
trabalho113, pegando de surpresa a maioria dos STR’s, bem como a Federação
dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo (FETAESP)114,

envolvidos na agroindústria sucro-alcooleira, bem como de todas as entidades envolvidas no seminário e


suas equipes de assessores.
111
Sobre o enquadramento sindical dos trabalhadores da agroindústria sucro-alcooleira no Brasil, o
Secretário de Assalariados Rurais do DNTR, Nivaldo Antonio da Silva, ponderou o seguinte: “É
importante este seminário para que possamos aprofundar” nossas reflexões sobre “a crise e também a
nossa ação. A ação sindical precisa ser revista. Temos que partir para a união, precisamos: 1) fazer a
unificação do parque açucareiro” contando com todos os trabalhadores, “não dá para fazer greve só com
os canavieiros” (cortadores de cana), “precisamos lutar pela retomada do cumprimento dos acordos,
ampliar, inclusive, o leque para as conquistas mais gerais que os trabalhadores têm, como as questões
sociais. Nós precisamos colocar para a sociedade que esta modernidade que está aí complicou a vida dos
trabalhadores; 2) precisamos reorganizar nossa prática sindical. Hoje, 70% dos canavieiros estão
desempregados”; 3) e por fim, temos que avançar com a “questão da organização dos trabalhadores a
partir do seu local de moradia”, como também investir nos locais de trabalho. “Esse é outro grande
desafio que temos pela frente” (1992:5 e 73).
112
Ver Nota 11, do texto “Modernização da Agricultura e Reorientação Político-organizativa dos
Trabalhadores”.
113
Sem contar o motivo detonador do caráter explosivo do Movimento, que foi o alto grau de exploração
e miséria dos trabalhadores no coração da “Califórnia Brasileira” e a elevação das tarifas de água da
Sabesp. Mais detalhes, ver: D’incao, 1985; Oliveira, A. U., 1984 e Alves, 1991.
114
Mesmo tendo sido renovada parcialmente em 1983, contando na diretoria com Élio Neves, Antonio
Crispim, diretores dos STR’s de Araraquara e Cravinhos respectivamente, personagens que - em fins de
1989 seriam fundadores da FERAESP - influenciaram para que a FETAESP tivesse atuação mais direta
119
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

inaugurando um novo período para o movimento sindical rural paulista e, ainda,


como vimos, interferindo e tensionando as discussões e novas disputas internas
às demais entidades sindicais/corporações envolvidas na agroindústria sucro-
alcooleira, o que mais tarde lhe rendeu a denominação de “modelo paulista de
greve”, em contraposição ao legalismo do “modelo CONTAG” (ALVES,
1991).
Os referenciais do Movimento de Guariba, rapidamente
espalharam-se pelo Estado e por todos os canaviais do Centro-Sul, atingindo
também, outras culturas e enraizando-se imediatamente nos apanhadores de
laranja da região de Ribeirão Preto.
No entanto, o Movimento de Guariba, se notabilizou por
evidenciar o ritmo e a intensidade da superexploração do trabalho na atividade
canavieira da maior área produtora de açúcar e álcool de São Paulo e do país.
Doravante, alavancada pelo fato de ser a mais tecnificada, intensifica essa
tendência, concentrando as ações empresariais quanto ao redirecionamento da
agroindústria sucro-alcooleira potenciada pelo Proálcool e consoante às
redefinições do capital no que se refere à questão tecnológica.
Todavia, os questionamentos também comuns ao restante do país
diferenciaram-se sobretudo quando os trabalhadores puseram em questão os
limites da ação política do MSTR, tais como a oficialidade das ações sindicais
vigentes até então, a relação sindicato/Estado, a estrutura e o enquadramento
sindical, invocando novas formas de organização e ação sindical, o que, como
vimos, consubstanciou-se em São Paulo, numa ruptura que deu origem aos
SER’s e à FERAESP115, substantivados e motivados para a construção de uma
nova estrutura, concepção e ação sindical.

com os assalariados da cana. Um dos pontos encaminhados por esses dirigentes, direcionou-se para o
encaminhamento da campanha salarial, em 1984. “Enquanto nos anos anteriores a pauta de
reivindicações era feita pelo departamento jurídico da Federação e levada para discussão com os
dirigentes sindicais, que poderiam ou não debatê-las com seus associados, nesse ano ela é elaborada em
encontros de dirigentes sindicais (...)” (Botelho e D’Incao, 1987:71).
115
Para mais detalhes sobre a criação e ações dos SER's e da FERAESP, ver: Alves, 1991. E para a sua
inserção efetiva nos encaminhamentos e discussões político-organizativas, bem como, as dissensões
internas ao movimento sindical e com o enfrentamento com o capital, ver: Thomaz Jr., 1996.
120
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Referências Bibliográficas

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trabalhadores assalariados rurais da região de Ribeirão Preto. 215 p. Tese
(Doutorado). Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas.
Campinas, 1991.
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BIHR, A. Da Grande noite à alternativa: o movimento operário europeu em
crise. São Paulo: Boitempo, 1998.
BOTELHO, M. R e D’INCAO, M.C. Movimento social e movimento sindical
entre os assalariados temporários da agroindústria canavieira no Estado de São
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São Paulo: Cortez, 1987.
CAIXE, W. O processo de instalação do dissídio coletivo e a questão do
cumprimento. Cadernos do CEDI, Rio de Janeiro, n.14, p.40-3, 1985.
D'INCAO, M.C. Bóias-frias, desafio para o sindicato rural. Lua Nova, São
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Janeiro: [S.n.], 1985. (mimeogr.).
MOREIRA, R. Movimento Operário e a Questão Cidade-Campo no Brasil.
Petrópolis: Vozes, 1985.
NOVAES, J. R. P. Modernização, relações de trabalho e poder: um estudo das
transformações recentes na agroindústria canavieira do nordeste. Campinas:
IFCH/UNICAMP, 1993. Tese (Doutorado) - Instituto de Filosofia e Ciências
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SANTOS, M. A Natureza do Espaço. 2a edição. São Paulo: Hucitec, 1997.
SIGAUD, L. Os clandestinos e os direitos. Estudo sobre os trabalhadores da
cana-de-açúcar de Pernambuco. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1979.

121
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

THOMAZ JÚNIOR, A. Por Trás dos Canaviais os (Nós) da Cana. (Uma


Contribuição ao Entendimento da Relação Capital x Trabalho e do Movimento
Sindical dos Trabalhadores na Agroindústria Canavieira Paulista). Tese de
Doutorado - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, 1996.
THOMAZ JÚNIOR, A. “’Leitura’ Geográfica e Gestão Político-Territorial na
Sociedade de Classes”. Boletim Gaúcho de Geografia, n.24. Porto Alegre, 1998.
THOMAZ JÚNIOR, A. “O Sindicalismo Rural no Brasil, no Rastro dos
Antecedentes”. Scripta Nova - Revista de Geografia y Ciências Sociales.
Barcelona: Universidade de Barcelona, 1998. Disponível em:
www.ub.es/geocrit/
______. Por Trás dos Canaviais os (Nós) da Cana. São Paulo:
Annablume/Fapesp, 2002.

Presidente Prudente, inverno de 1997

122
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

GESTÃO TERRITORIAL E “LEITURA”


GEOGRÁFICA DO TRABALHO NA
SOCIEDADE DE CLASSES ∗

1. Introdução

É oportuno trazer para a discussão, neste ensaio, reflexões sobre a


gestão territorial na sociedade do capital. Os exemplos utilizados estão
referenciados nas relações travadas entre os atores sociais envolvidos na
agroindústria sucro-alcooleira paulista, objeto de pesquisa de trabalho
recentemente concluído116.
Nosso objetivo é que esse exercício geográfico sirva como
exemplo para chamar a atenção sobre a importância e a necessidade de nos
colocarmos diante do desafio de compreendermos os processos e os mecanismos
de controles e regulações sociais, enraizados sob diferentes formas e concepções
de gestão territorial da sociedade.
É como se afirmássemos ser a Geografia um instrumento
importante para apreensão e desvendamento do ordenamento imposto sobre a
sociedade, pelos atores sociais hegemônicos, no controle social, seja lá em qual
escala for: regional, local, nacional ou internacional.
Assim, o que se põe de fundamental neste momento, é a busca de
evidências empíricas e elementos teóricos para desvendarmos - por dentro do
movimento contraditório da sociedade de classes - as diferentes manifestações
do conflito capital x trabalho, cuja base de assentamento se dá, necessariamente,
sob diferentes formas de dominação e, conseqüentemente, de gestão territorial
do tecido social.
Em meio a esse cenário, capital e trabalho, coabitantes de um
mesmo processo contraditório, mas enraizados em esferas diferentes do processo
social de produção, um, ao se expressar no outro - elo fundamental de
sustentação da contradição - se materializam sobre bases qualitativamente
diferentes. O capital, de um lado, hegemoniza o processo, conformando assim,


Este texto foi publicado originalmente, com o título: “Leitura Geográfica e Gestão Político-Territorial
na Sociedade de Classes, no Boletim Gaucho de Geografia, n.24. Porto Alegre: AGB/Porto Alegre, 1998.

116
Essas reflexões são parte da tese de Doutorado “POR TRÁS DOS CANAVIAIS OS (NÓS) DA
CANA. (Uma Contribuição ao Entendimento da Relação Capital x Trabalho e do Movimento Sindical
dos Trabalhadores na Agroindústria Canavieira Paulista)”. FFLCH/Universidade de São Paulo, maio de
1996. Publicada pela Editora Annablume/FAPESP, 2002.
123
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

sob seu controle, a totalidade produtiva. O trabalho, por outro lado, ao inserir-se
nesse processo, entra subsumido, real ou formalmente, dependendo do
desenvolvimento das forças produtivas.
Têm-se, então, explicitadas, as dinâmicas específicas dos atores
envolvidos, bem como um amplo conjunto de “desritmias” entre as “leituras”
que capital e trabalho fazem do mesmo fenômeno.
Isto é, o trabalho, mesmo estando enraizado no mesmo processo
que o capital, na produção propriamente dita, encontra-se, pois, fragmentado a
partir da divisão social e técnica. Assim, já fragmentado em diferentes
categorias/corporações sindicais, no caso específico da agroindústria
sucroalcooleira em rurais, químicos, condutores e alimentação, se distancia da
sua identidade operária (alienada), não se reconhecendo como proletário, mas
como cortador de cana, condutor/motorista, químico, fracionado enquanto
categoria e personalizado nas corporações sindicais.
A expressão materializada do trabalho alienado se dá com a
vinculação trabalhador⇒ (categoria117, elo definido a partir do processo de
produção) território (no campo restrito do domínio delimitado pelo Estado) e se
manifesta, concretamente, na desagregação da unidade das ações do mundo do
trabalho, sobre a base da reiteração da divisão técnica/territorial enquanto
trabalho capitalista subsumido ao controle estatal.
A ordenação territorial resultante desse processo pode ser vista, a
título de exemplo, no Mapa 1. Enquanto o capital se espalha pelo território,
materializado em forma de área ocupada com cana-de-açúcar e de empresas
sucroalcooleiras, ultrapassando/subvertendo os limites territoriais impostos
pelo Estado (a fronteira do município), o trabalho, (já na forma de identidade
corporativa118, portanto enquanto sindicatos), tem sua abrangência territorial
delimitada pelas fronteiras municipais, conforme as determinações legais
prescritas no artigo 80, inciso II da Constituição Federal: “é vedada a criação de
mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de
categoria profissional ou econômica na mesma base territorial (...), não poden-

117
Categoria aqui, é entendida como sendo a identidade corporativa do trabalho, enquanto
desdobramento da divisão técnica do trabalho, no processo produtivo.
118
Aqui, corporativo(a) tem o significado específico de caracterizar a identidade do proletário restrita à
atividade profissional, à categoria que em decorrência venha ser enquadrado. Vale o registro, pois que na
literatura sindical e obras afins, corporativo ou corporativismo ou, ainda, outras flexões desdobrantes, se
voltam à identificação do discurso do Estado brasileiro nos anos 30 e períodos subseqüentes, da idéia,
como observa Sandri (1986, p. 02), que: “a nação é como uma família, um corpo, onde todos devem
viver em harmonia e colaborar”, de onde deriva a concepção de que o sindicato é obrigado a se tornar um
órgão de colaboração com o governo, com o Estado e com a classe dominante, como está prescrito nos
artigos 513 e 514 da CLT. Todavia, vale registrar que esse entendimento, ou essa conceituação de
corporativismo se sustenta e se reproduz em parte considerável do movimento sindical no Brasil. Sendo
assim, tudo nos leva a crer que está sedimentado na base de sustentação do conceito que agora estamos
utilizando. (grifo nosso)
124
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

125
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

do ser inferior à área de um município”119.


Põe-se aqui o contraponto entre os limites da base territorial
sindical e a base territorial produtiva, ou a contradição entre as fronteiras da
realização da territorialidade dos sindicatos e da realização econômica e política
do capital.
Nesse sentido, enquanto o capital se espalha pelo território na
forma de área ocupada com cana-de-açúcar e de empresas sucroalcooleiras,
subvertendo os limites territoriais impostos pelo Estado - a fronteira do
município - o trabalho ao expressar-se em sindicatos, se materializa como
identidade corporativa, sob os desígnios do ordenamento institucionalizado pelo
Estado, delimitado pela fronteira do município.

2. Gestão territorial e metabolismo social da sociedade capitalista

Esse enraizamento diferencial dos atores envolvidos, no tocante à


delimitação das suas ações, revela, em termos práticos, gestões territoriais
diferenciadas.
Assim sendo, embora o capital também se inscreva nas mesmas
regras legais que os trabalhadores quanto às suas entidades sindicais, ou seja, à
representação única por categoria econômica por município (a unicidade
sindical), todavia, o capital sucroalcooleiro está unificado em torno de uma
única entidade, além do que, na prática, sua gestão sobre o território se dá à
imagem e semelhança da hegemonia sobre o processo produtivo no âmbito
escalar da materialidade fenomênica da atividade econômica, seja em nível da
empresa, isoladamente, ou do conjunto das mesmas.
O capital, então, se identifica enquanto tal, na medida mesmo que
se territorializa como ato econômico, no raio de abrangência da(s) empresa(s),
sendo esse pois, seu único limite. Assim, sua gestão sobre o território pode ser
vista, então, como sendo sua própria autogestão territorial, pois é no limite
territorial da abrangência da estrutura empresarial, traduzida na materialização
da produção, que se reconhece enquanto tal e não nos limites municipais.
Do conjunto das empresas expressas no Mapa 1, a Usina Da Barra
concentra 80% da área plantada com cana na delimitação dos 14 municípios, o
que a leva estar ligada direta ou indiretamente a diversos sindicatos rurais
(patronal), não significando, no entanto, qualquer fracionamento ou
enfraquecimento do capital, já que a referência de unidade está dada pelas
próprias diretrizes da(s) empresa(s), centralizadas em ações que, ao se
materializarem, externalizam a outra face da hegemonia, agora identificada pela
autogestão territorial.

119
Cf. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988: 21.
126
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Valendo-se, então, das mesmas regras e normas legais, o capital as


internaliza de forma diferente, dado que é o elemento hegemônico do processo
social da produção e é nesse movimento que o capital se vê e se lê, ou seja, pelo
primado da determinação de sua hegemonia produtiva, pressuposto, da
hegemonia expressa na gestão territorial.
De todo modo, as ações por parte do Estado - amortecendo o
confronto capital-trabalho em favor do primeiro - se fundamentam na
subversão da leitura (macro) do capital que, ao materializar-se, produz uma
resultante territorial alienada do trabalho, agora reificada e parcelária.
Isso impõe, por um lado, que o sindicato, produto do
fracionamento do trabalhador em categorias - primeiro elo da determinação do
aparato mediador (jurídico-político-ideológico) - se circunscreva à esfera de
abrangência das fronteiras impostas pelo Estado, o município, (e tem que ser
único120) - conformando-se no segundo elo das determinações - que aprofunda
ainda mais o distanciamento do sindicato da totalidade da relação econômica.
Por outro lado, esse processo se completa com a determinação da
identificação do trabalhador (da mesma categoria), para este ou aquele sindicato,
a partir da localização da empresa (o município em que se encontra).
Dessa forma, se a empresa encontra-se no município A, os
trabalhadores aí inseridos, no exemplo do Mapa 1, estarão ligados, para cada
uma das categorias, ao sindicato cuja sede ou extensão de base territorial se
assenta sobre o referido município.
Outro aspecto a se considerar, é que o trabalhador e sua instância
de representação oficial, o sindicato, encontram-se, ainda, transmutados noutro
plano de alienação ao territorializar-se.
De um lado, o trabalhador se aliena do produto e, enquanto
trabalhador (como vendedor de força de trabalho) está alienado da sua
identidade com o semelhante, não se reconhecendo mais como proletário, mas
como cortador de cana, químico, etc. Por outro lado, o sindicato ao expressar-se
territorialmente, aliena-se triplamente: a) fracionado enquanto categoria, b)
delimitado territorialmente com base na determinação legal (municipal) e,
c) consoante à localização da empresa.
Por trás dessa configuração territorial (alienada) resultante,
concretiza-se uma gama de situações e desdobramentos. Vejamos alguns
exemplos:
• Uma primeira situação se apresenta quando o trabalhador mora num
município e trabalha noutro. Nesse particular, sabendo-se que a territorialidade
do trabalho (alienado) enquanto identidade coletiva tem no sindicato
(corporativo) sua representação formal, enraizado no território da produção e
não no da morada (reprodução), há um deslocamento de identidades fundado na

120
Sobre a questão do sindicato único no Brasil, ver: Simão, 1981; Vianna, 1978.
127
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

interdependência destes dois momentos fundamentais da existência proletária.


Esse quadro agrava-se ainda mais se o município da reprodução (morada) não
fizer parte da extensão de base do referido sindicato, na medida em que se
identifica (a si e juntamente com seus pares) enquanto corporação e restrito à
sua extensão de base como se fosse um corporativismo territorializado.
• O operário pode trabalhar em empresas diferentes do mesmo capitalista
(por exemplo, propriedades rurais espalhadas por diversos municípios), ao longo
de toda a safra agrícola, perpassando a extensão de base de vários sindicatos (da
mesma categoria), sendo que estes permanecem fixados nos limites da base
territorial.
• Com menor freqüência, mas vale o registro, na mesma safra o trabalhador
pode desempenhar atividades profissionais diferentes, portanto mudar de
corporação. Pode cortar cana num primeiro momento e depois se dirigir para a
planta fabril, sem que isso signifique uma identidade mais ampla ou “solidária”
por parte do trabalhador, pois sua relação com o produto do seu trabalho
continua alienada, ocorrendo apenas uma mera mudança de raiz corporativa, isto
é, um salto vertical de uma corporação sindical para outra.
Enquanto o capital lê o processo social de produção na sua
totalidade, tendo como referência a realização do circuito D-M-D’, o trabalho o
faz pela via da circulação (D’), no plano da gestão do mercado. A unidade do
trabalho é o fato de ele ser força de trabalho. Unidade que, no processo de
gestão política, acaba por se fragmentar. Já o capital fragmenta-se no plano da
circulação (disputando mercado, terra, força de trabalho etc), mas se unifica na
gestão do processo produtivo, já que as variações e postulações diferenciadas
não criam rupturas estruturais do ponto de vista estratégico.

2.1. Contradições da estrutura societal

Essa desritmia entre as “leituras” que capital e trabalho fazem do


mesmo fenômeno, revela, então, o elemento substantivo do processo de
dominação, ou seja, o capital, voltado para todo o circuito produtivo, faz do
trabalho alienado instrumento vital da dominação de classe, o que cimenta sua
hegemonia no conjunto do tecido social.
O insight desse processo se materializa com a subversão do
deslocamento das contradições do processo de produção - ou do interior do
momento produtivo - do espaço da fábrica para o espaço do mercado. Isto é, do
ponto de vista do trabalhador, o que permite sua sobrevivência não é o trabalho
enquanto tal, mas o salário dele resultante.
Dito isso, é possível entender que para o capitalista não importa
quem são seus trabalhadores e que tipo de trabalho realizam e quais os produtos
que produzem, ou seja, se açúcar ou álcool - localizados, portanto, na planta

128
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

fabril - e organizados do ponto de vista da estrutura sindical oficial nas


agremiações da alimentação e dos químicos, respectivamente; ou se estão no
corte manual da cana e nas demais etapas da cultura, operando máquinas
agrícolas, carregamento e transporte da matéria prima e daí organizados nos
sindicatos dos trabalhadores rurais e nos sindicatos dos condutores de veículos,
respectivamente.
O que se põe como condição sine qua non para o capital, de forma
articulada, é num primeiro momento, a possibilidade e garantia da extração da
mais valia, e num segundo momento, sua transubstanciação em sobrelucro.
Apreende-se, então, que o processo de proletarização ao alienar
completamente o trabalhador da necessidade de produzir esse ou aquele tipo de
produto, terá sua sobrevivência mediada no plano do mercado, pela via geral da
circulação da moeda proveniente do salário.
Dessa forma, transforma-se o espaço do mercado no espaço da
leitura da história e sua realização estratégica está dada no sentido de fazer o “
Estado aparecer como sujeito da história e o mercado como lugar em que o
Estado e a Sociedade se enraízam e a história tem sua leitura (...)” (MOREIRA,
1985, p. 7).
Em outras palavras, “o processo dessa fetichização consiste em o
Estado deslocar as contradições do interior da sociedade civil para dentro de
si, para devolvê-las à sociedade civil já na forma de regulações mercantis”
(MOREIRA, 1985, p. 40).
A ordenação resultante desse processo se traduz, concretamente,
em ações práticas. Num primeiro momento, quando o Estado reduz as relações
capital-trabalho as regulações contratualistas - onde o capital é hegemônico -
sintetizando, então, todo o movimento sindical. Num segundo momento, ao
consubstanciar-se como discurso alienador e de controle, quando retorna para a
sociedade civil, viabiliza a transfiguração do universo de cisões estruturais que a
divisão social capitalista do trabalho envolve, isto é, a separação do trabalho de
um lado e de outro, o conjunto dos meios de produção, o saber e o poder - base
fundamental da ordem espacial fragmentária do trabalho capitalista. É por meio
desse expediente que o capital aliena o homem trabalhador e sobre esta
alienação funda sua hegemonia sobre o trabalho.
Em síntese, enquanto o capital sucroalcooleiro é hegemônico na
delimitação da abrangência do fato econômico e sobre ele exerce gestão
totalizante, os trabalhadores e os sindicatos estão emparedados nos limites da
alienação provocada pela divisão técnica do trabalho legitimada pela ação do
Estado. Daí estarem fragmentados entre o que é urbano e rural, entre as
fronteiras da base territorial, entre o que é essa ou aquela categoria. Aqui se
coloca um dos maiores desafios para os trabalhadores: superar as limitações e
delimitações impostas (alienação) pelo capital. A julgar pela a ação sindical na
atualidade, parece estar longe o dia em que teremos essas superações.

129
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

No entanto, é nesse movimento que o trabalho se vê e se lê,


subsumido ao capital e aos mecanismos de legitimação jurídico-política do
processo produtivo capitalista.
Por sua vez, a base de sustentação que garante o reinado
corporativo-sindical ou gestão fragmentária e parcelária das categorias de
trabalhadores e seus respectivos sindicatos está lastreada na concepção vertical
confederativa do modelo sindical brasileiro. Elemento essencial da estrutura
sindical, o verticalismo, enraizado no ordenamento Sindicato-Federação-
Confederação, definido pela CLT (artigo 534), confere os limites da “liberdade”
e ação sindical.
Isto é, a persistência da velha estrutura sindical, enraizada: a) na
concepção do sindicato único (unicidade sindical) - estipulada pelo
enquadramento sindical oficial121 - e corporativo, que preserva e mesmo
intensifica o caráter fragmentário e heterogêneo da classe trabalhadora; b) aos
demais postulados do regramento controlista, como: composição de diretorias,
competência de gestão e administração, prescritos conforme os artigos 522, 523
e 527 da CLT; c) ao se preservar o sistema confederativo de organização
sindical, que remonta dos anos 30. É, então, o aparelho próprio e adequado à
prática sindical populista e à ideologia que lhe corresponde.

3. Gestão territorial para além do capital

Por sua vez, a partir dos anos 80, com a manifestação das
aspirações socialistas e a entrada em cena do novo sindicalismo122, os rearranjos
instituídos não apontaram para sua extinção, senão somente para sua reforma,
sobrevivendo, portanto, seu conteúdo e base de sustentação: o verticalismo, a
unicidade sindical e, sobretudo, o apego às normas e regras determinadas pelo
Estado.
Em outras palavras, a ideologia estatista, ou o sindicalismo de
Estado que se materializa sob a forma de legalismo sindical, como assevera
Boito Jr. "O sindicato só é considerado como tal por ser um organismo oficial,
isto é, por ser um organismo reconhecido em lei, pelo Estado, como um
sindicato" (1991:54).
Nesse sentido, o emparedamento dos sindicatos, encimado pelo
conjunto de normas legais ordenadoras, mantido pela Constituição de 1988,
preserva intacta a concepção sindical dos anos 30, prescrita na CLT.

121
Mesmo com a extinção da Comissão de Enquadramento Sindical do Ministério do Trabalho (artigo
570 da CLT), com a aprovação da Constituição de 1988, a atribuição do enquadramento sindical continua
valendo na prática, tendo-se como referência o quadro de atividades e profissões (artigo 577 da CLT).
122
Para mais detalhes sobre a discussão do novo sindicalismo, ver: Boitto Jr., 1991; Thomaz Jr., 1996.
130
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Isto é, a estrutura vertical fundamentada a partir do monopólio da


representação, ou a unicidade sindical (também denominada oficialmente de
unidade sindical123), assenta-se pois, por um lado, nos mecanismos compulsórios
de arrecadação financeira: o imposto ou a "contribuição" sindical, a
"contribuição" assistencial e "contribuição" confederativa"124 e, por outro lado,
na legitimação do poder normativo da Justiça do Trabalho.
Não obstante os parâmetros e dispositivos prescritos na CLT e
asseverados na Constituição Federal, o status da Justiça do Trabalho a
consubstancia como sendo a instância privilegiada da normatização do
emparedamento trabalhista-sindical-corporativo.
Por meio do verticalismo, a Justiça do Trabalho - na seqüência em
ordem de importância, inicia-se nas Juntas de Conciliação, passando pelos
Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) e culminando no Tribunal Superior do
Trabalho (TST) - delimita legalmente o território de ação do trabalho (alienado).
"Os trabalhadores ao se organizarem em sindicatos, têm de fazê-lo
com base no código de registro dos imperativos legais e são governados,
portanto, por esta política burocrático-controlista, referência e lastro da
relação trabalhista-sindical" (THOMAZ JR., 1996, p.254).
É, então, nesse entrecruzamento de determinações e mediações que
se materializa a modelação dos sindicatos que, longe de ser entendida apenas
como imposição, têm como suas as imposições do aparato estatal, o que se
evidencia na defesa e manutenção do fatiamento das categorias-sindicatos, em
nome muito mais da defesa de cargos, privilégios e benesses pessoais, do que
qualquer convicção político-ideológica.
Todavia, ao longo dos anos 80, é importante destacar que esse
quadro de reordenações, tendo como substrato as campanhas salariais,
substanciou-se, fundamentalmente, nos STR's. Apesar dos limites, foi na linha
de confronto com a CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura), mais especificamente, à sua visão legalista de ação sindical e da
própria condução da FETAESP (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do
Estado de São Paulo) - que ficaram a reboque, bem como, parte considerável
dos dirigentes sindicais, por exemplo, do Movimento de Guariba, detonado em
1984 - que se levantou um conjunto de lutas das oposições sindicais.
A partir de então, constata-se a inscrição de uma série de direitos
na legislação trabalhista em geral, traduzidos em cláusulas sociais e
transformados paulatinamente em lei, especificamente através das convenções

123
A manutenção do princípio supostamente unificante da unidade sindical - assim entendida pelo Estado
e por parcela significativa dos dirigentes sindicais - ou do sindicato único por categoria numa mesma
unidade territorial, tem como atributo fundamental, promover a união dos sindicatos para que não se
dividam. Todavia, convive-se, paralelamente, no Brasil, com aproximadamente 20.000 sindicatos e 6
Centrais Sindicais. Ou seja, esse é o retrato fiel da convivência de uma pluralidade sindical às avessas e
de uma unidade sindical apenas prescrita em lei.
124
Mais detalhes sobre as "contribuições" sindicais, ver: Rocha, 1994; Barros, 1993; Thomaz Jr., 1996.
131
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

coletivas de trabalho e/ou dissídios coletivos, como a prática de pactuar


cláusulas específicas para o conjunto dos trabalhadores, através de suas
corporações sindicais125.
Por outro lado, as Centrais Sindicais CUT (Central única dos
Trabalhadores), CGT’s (Central Geral dos Trabalhadores e Confederação Geral
dos Trabalhadores), FS (Força Sindical) e CAT (Central Autônoma dos
Trabalhadores) que poderiam, ao menos potencialmente reverter as limitações
no tocante à concepção prevalecente do enraizamento dos sindicatos nos
estreitos marcos das corporações, principalmente quando das campanhas
salariais e dos movimentos paredistas considerando-se, por definição, sua
função precípua de organizar as entidades sindicais horizontalmente, pouco ou
quase nada contribuem126.
Isto é, as Centrais não se mostram dispostas e capazes de gestarem
políticas específicas para cada uma das categorias envolvidas, em especial a
Força Sindical, majoritária nos sindicatos da alimentação e do açúcar, com 26
das 27 entidades, e a CUT, não tão expressiva, mas com presença em todas as
categorias e absoluta nos SER's, porém com algumas iniciativas mais arrojadas
enquanto intenções, mas ineficientes. Como também, não põem em questão
políticas mais gerais, almejando a organização dos trabalhadores sob novas
referências, ou seja, unificá-los horizontalmente, nas suas instâncias orgânicas
(Departamentos, Federações e Confederações, no caso da CUT) e nas
Secretarias dispostas tanto na FS como na CGT. Ou até, apontar para a
organização do conjunto dos trabalhadores/categorias, por ramo ou cadeia de
produção, ou seja, consoante à conformação do capital.
Pode-se asseverar que há um distanciamento manifesto entre as
ações demandadas pelo movimento sindical, tendo nas centrais a instância de
formulação de políticas gerais em detrimento do rearranjo técnico e organizativo
do capital, evidenciando, de fato, através das ambiguidades e contradições
internas, uma práxis política, ainda muito distante de amalgamar os interesses do
operariado enquanto classe social.
Percebe-se, então, que as campanhas salariais - materialização
singular do corporativismo sindical - além de expressarem a feição mais
evidente da fragmentação do trabalho, são a personificação da consumação do
ciclo da alienação do trabalho, tendo-se em vista que é a sua cartada fatal,
confinada no plano da circulação - aliás único momento em que há a
identificação operária - restrita porém, a reivindicar salário e melhores
condições de vida e de trabalho.

125
Em respeito especificamente aos trabalhadores rurais, Silva, L.A., 1994, faz um histórico interessante
da contextualização do processo dessas conquistas.
126
Para mais detalhes sobre a participação e territorialidade das centrais sindicais junto às entidades
sindicais envolvidas na atividades sucroalcooleira paulista, ver: Thomaz Jr., 1996 (capítulos 4 e 5).
132
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Assim, o sindicato, instância coletivo/corporativa do trabalho


alienado, expressa-se territorialmente como ordenação territorial resultante do
fracionamento do trabalho em categorias, assentado por fora do embate da
relação capital x trabalho, quando se limita ao cenário do conflito visto e
imposto pelo Estado. A esse respeito, mesmo que a territorialidade das empresas
sirva de referência para os sindicatos, e a elas esteja materialmente ligados, nelas
estão alienados.

4. Alienação e identidade corporativa

Depois do trabalhador ter percorrido toda uma trajetória de


alienação no processo produtivo, no plano da identidade coletiva (o sindicato),
se vê como corporação, ou se identifica como sendo parte desta ou daquela
categoria e não como operário. Ou seja, a identidade do sindicato é marcada pela
ruptura ao ver-se apenas enquanto parte específica da divisão técnica do trabalho
que, ao territorializar-se, transcodifica-se numa leitura alienada, restrita ao
plano meramente aparente da relação capital x trabalho. “Seu” território (base
territorial), só aparentemente é “seu”, pois fracionado corporativamente
enquanto representação (alienado no binômio sindicato-território) e enraizado na
delimitação do empreendimento capitalista, move-se, portanto, no território do
capital - legitimado pelo Estado127 -, condição e pressuposto para o controle e
subordinação do trabalho pelo capital.
A fragmentação do trabalho, prescreve a alienação sobre o produto
do trabalho, comprometendo a ação política dos trabalhadores. Nesse sentido o
território – hegemonicamente gestado/controlado pelo capital – precisa ser
reinterpretado.
Em outras palavras, o sindicato ao ler-se territorialmente, o faz no
plano da aparência de um todo visto fragmentária e corporativamente, ou seja,
da distribuição territorial alienada.
É como se estivesse olhando para o Mapa 1 e ali identificasse a
presença da expressão fenomênica da atividade produtiva agroindustrial
canavieira, na forma aparente de cana plantada e das unidades processadoras (a
planta fabril), mas a visse apenas na fração que lhe cabe, ou seja, na porção do
território delimitado produtivo/corporativamente.
Vê-se, então, que, diferentemente do capital (sucroalcooleiro) que
vê fenômeno social na sua totalidade, ou na abrangência da sua territorialização
e, com essa referência exerce a gestão sobre o território, o trabalho expresso

127
Para um acompanhamento da historicidade da relação Estado-Sindicato no Brasil, ver: Simão, 1981;
Boito Jr., 1991. E, ainda, uma experiência recentemente comprovada através de estudo minucioso do
Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, no trabalho de Nogueira, 1990.
133
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

enquanto sindicato particulariza-se por exercitar uma gestão alienada sobre o


território, portanto, parcelária, enraizada e parametrizada pelo viés corporativo.
Evidentemente, mais estudos e reflexões nos servirão de base e
referência para que possamos aprofundar a questão posta.
Por um lado, os desdobramentos do quadro atual, a partir do novo
cenário que se aponta com as redefinições norteadas através do ideário
neoliberal, do Estado enxuto e da sociedade moderna e flexível, principalmente,
quando se põem no horizonte, as alterações do regramento jurídico-institucional,
expressam-se no reordenamento do poder normativo da Justiça do Trabalho, nos
novos critérios para a regulação trabalhista-sindical, apontando para o fim da
unicidade e da “contribuição” sindical, porém mantendo intacto o modelo de
enraizamento e gestão sindical com base na fronteira municipal, etc. E ainda, o
enraizamento do capital às novas condições dadas e revertidas na forma de
novas tecnologias e gestão do processo produtivo e da força de trabalho,
fornecem mais desafios ao já conturbado quadro social vigente.
Por outro lado, os rearranjos políticos e redefinições
organizacionais que emergirão em cena, tanto com a adaptação dos
trabalhadores e, fundamentalmente, das entidades sindicais, ao novo cenário
jurídico-institucional-normativo, produto das reformas em andamento, anunciam
um novo projeto de gestão do trabalho, encimado, pois, sob essa nova
territorialidade.

134
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

5. Referências Bibliográficas

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Presidente Prudente, junho de 1998

136
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Parte III

O Trabalho e a Geografia:
Um tema e o aprendizado
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

CÂMARA SETORIAL SUCRO-ALCOOLEIRA E


O NOVO CENÁRIO INSTITUCIONAL: OS
DESAFIOS PARA O MOVIMENTO SINDICAL ∗

1. Introdução

O presente artigo tem por objetivo discutir as ações do movimento


sindical na agroindústria sucroalcooleira, por dentro da relação capital x
trabalho, entendendo pois, o processo produtivo ou o movimento de realização
do capital, como base fundante para discutir as mediações implementadas,
principalmente, pelo Estado e pelo capital, que hegemonizam a gestão territorial
e que acenam novas relações institucionais, tais como a constituição de
comissões tripartites ou Câmaras Setoriais, a exemplo da Câmara Setorial
Paulista Sucro-alcooleira128, e daí os desafios para o trabalho.
De todo modo, a partir dos avanços alcançados com o projeto de
pesquisa que originou nossa tese de doutorado129 e com as leituras e elaboração
do Projeto de Pesquisa que deram fundamentação ao Grupo Interinstitucional de
Estudo e Pesquisa do Setor Sucroalcooleiro (GEP-SUCRO)130, de forma coletiva
com pesquisadores e especialistas de diversas Universidades brasileiras, está
sendo possível aprofundar discussões e apontar novos caminhos para as
pesquisas, e em conseqüência, disponibilizar novos instrumentos para


Este texto representa a base do Projeto de Pesquisa financiado pela FAPESP, inscrito na alínea Auxílio
à Pesquisa, iniciado em junho de 1998 e concluído em julho de 2001. Foi publicado originalmente, numa
primeira versão, com o título “Câmara Setorial Paulista Sucro-alcooleira e os Novos Desafios para o
Movimento Sindical, Revista Quinzena, São Paulo, n.251 e n.252, 1996. Nos foi solicitado também pela
editoria da Revista Geográfica, e foi publicado nesse periódico: Revista Geográfica, Bauru, n.12, jan.
abr., 1999.

128
Projeto de Pesquisa desenvolvido com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP), com o título “Câmara Setorial Sucro-alcooleira: a relação capital x
trabalho e os desafios para o movimento sindical”. Período de vigência: maio de 1998 a julho de 2001.
129
“Por Trás dos Canaviais os (Nós) da Cana. (uma Contribuição para o entendimento da Relação Capital
x Trabalho e do Movimento Sindical dos Trabalhadores na Agroindústria Canavieira Paulista”. Tese de
Doutorado. Departamento de Geografia/FFLCH/USP. São Paulo, maio de 1996. Publicado em 2002, pela
editora Annablume/FAPESP.
130
O Projeto que deu origem ao GEP-SUCRO foi intitulado “Reconfiguração da Agroindústria
Sucroalcooleira no Brasil: Desregulamentação Estatal, Reestruturação Produtiva-Organizacional e
Movimentos Sociais”, encaminhado ao CNPq, todavia não foi contemplado com financiamento,a penas
aprovação quanto ao mérito.
139
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

compreender o (re)arranjo que se processa na agroindústria sucro-alcooleira no


Brasil.
É por essa via que se pretende situar a compreensão e o
entendimento que o trabalho tem de si e da processualidade em pauta, enquanto
trabalho fragmentado, alienado, então, nas diferentes categorias/sindicais ou
corporações, (rurais, químicos, condutores e alimentação), ou seja, como
produto do enraizamento ao regramento jurídico-institucional imposto pelo
Estado e daí, o atrelamento (legal) das ações organizativas das entidades
sindicais no campo de determinações do Estado e do capital.
Põe-se em questão, então, o imbricamento das ações do capital,
passando pelo fatiamento corporativo/sindical, delineado a partir da
parametrização do aparato jurídico-político estatal, bem como a atuação do
Estado no tocante à esfera dos investimentos e intervenção com o Proálcool
(Programa Nacional do Álcool), que a um só tempo garante a unificação de
interesses do Estado e do capital no controle do tecido social.
Diante do exposto, fica patente que para o capitalista não importa
quem são seus trabalhadores, que tipo de trabalho realizam e quais os produtos
que produzem, ou seja, se açúcar ou álcool - localizados, portanto, na planta
fabril - e organizados do ponto de vista da estrutura sindical oficial nas
agremiações da alimentação e dos químicos, respectivamente; ou se estão no
corte manual da cana e nas demais etapas da cultura, operando máquinas
agrícolas, carregamento e transporte da matéria prima e daí organizados nos
sindicatos dos trabalhadores rurais e nos sindicatos dos condutores de veículos,
respectivamente.
Apreende-se, então, que o processo de proletarização ao alienar
completamente o trabalhador da necessidade de produzir esse ou aquele tipo de
produto, não percebe que sua sobrevivência será mediada no plano do mercado,
pela via geral da circulação da moeda proveniente do salário.
Nesse sentido, o emparedamento dos sindicatos, encimado pelo
conjunto de normas legais ordenadoras, mantido pela Constituição de 1988,
preserva praticamente intacta a concepção sindical dos anos 30, prescrita na
CLT.
Com a instituição da Câmara Setorial Paulista Sucroalcooleira, no
final de 1995, teve-se a sinalização no horizonte, de se estar diante de um novo
mecanismo de concertação social, capaz então de mediatizar a relação capital x
trabalho, apoiando-se no ideário tripartite, no qual o trabalho, através das
entidades sindicais também é chamado a participar e a compor assento
juntamente com o Estado e com as entidades de representação do capital, no
caso, a UNICA (União da Agroindústria do Estado de São Paulo).
Essa experiência mostrou para o conjunto dos trabalhadores e das
suas respectivas entidades sindicais que participaram da Câmara Setorial, que a
alternativa tripartite não foi capaz de resolver questões cruciais. Aliás, estão

140
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

pendentes até hoje as demissões em massa de cortadores de cana-de-açúcar em


nome da mecanização do corte ou desemprego tecnológico, os baixos salários,
as práticas de superexploração do trabalho, e o descumprimento da legislação
trabalhista. Mais recentemente ganha também dimensão nesse rol as
negociações que envolvem a queimada da cana-de-açúcar e a busca persistente
das credenciais para a certificação ambiental, que no mais são artimanhas para
conquistar novos nichos de mercado e pouco ou quase nada tem a ver com a
preservação ou utilização recional do meio ambiente, como é apregoado pelos
empresários.
Mesmo que não se tenha a experiência tripartite valendo para o
restante do país, esse mecanismo inaugurado em São Paulo, referenciou novas
políticas controlistas e de centralização dos instrumentos de negociação e de
exigências creditícias, etc.
Ou seja, a base de referência do discurso do capital se sustenta não
só nos seus interesses mais imediatos e previsíveis, como a manutenção das
taxas de acumulação e a sofisticação dos mecanismos de controle e gestão da
força de trabalho, mas também, na defesa intransigente da permanência e
renascimento do Proálcool, emendada também pelos trabalhadores, em especial
pelas entidades sindicais (sindicatos e federações).

2. Tendências e perspectivas

O que se aponta no horizonte, no apagar das luzes do século XX,


para a agroindústria sucro-alcooleira no Brasil, sinaliza por um lado a
reestruturação produtiva que se decodifica na efetivação do desenvolvimento
das forças produtivas, passando pelas redefinições das relações de produção
(apontando para o incremento do processo de centralização e concentração de
capital), com a sofisticação dos mecanismos de gestão e controle do processo de
produção e da força de trabalho (com forte elevação dos níveis de desemprego).
Por outro lado, mas imbricados mutuamente, tem-se o anúncio já
manifesto em diversos sentidos e aspectos, as mudanças institucionais, com a
desregulamentação estatal, que se processam no âmbito das reformas do Estado,
com a potencial eliminação dos subsídios, como já se anuncia desde o início de
Março de 1998. Isso confirma a eliminação da equalização de preços, a saída do
Estado na determinação dos preços dos combustíveis, do controle estratégico do
Proálcool, a eliminação da fixação dos preços da cana-de-açúcar e do álcool
anidro, e da política energética como um todo. Sem contar os desdobramentos
das reformas constitucionais, em especial na seara trabalhista e previdenciária,
que darão formato legal para a intensificação da precarização das relações de
trabalho.

141
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Não seria precipitação apontar para um quadro de total incerteza


para os trabalhadores, em particular para o movimento sindical. No entanto,
fortemente cifrado para ceifar conquistas trabalhistas e delegar ao mercado todas
as potencialidades capazes de fazerem a regulação social, e deixar para a
legislação ordinária referencial para o exercício do regramento genérico capaz
apenas de corrigir possíveis exageros de ambas as partes, como afirmam os
empresários na voz da UNICA, em recente atividade promovida pelo Núcleo de
Estudos Rurais da UNICAMP, em Campinas, em agosto de 1998. É oportuno
lembrar que nesse momento, anunciaram que se faz necessário andarem juntos,
trabalhadores e empresários, em especial num momento de incertezas e de
dificuldades macroeconômicas, situação em que não cabe mais a intromissão do
Estado. Todavia, os requerimentos de novas linhas de crédito a juros especiais
desfocam as solicitações mais inflamadas para a saída total do Estado do setor,
como fazem questão de dizer.
Extrapola os limites deste artigo aprofundar reflexões sobre o
papel do Estado, para o conjunto da sociedade, a partir do novo ambiente
institucional que se anuncia com as reformas constitucionais, os rearranjos do
modo capitalista de produção e outras questões que possam comparecer em
cena. O que se põe para o momento, é sinalizar as possíveis tendências para a
formatação do cenário sucroalcooleiro no país, ou os prováveis desdobramentos
territoriais que as reformulações e readequações institucionais promovidas direta
ou indiretamente pelo Estado, produzirão. No mais, estamos diante de possíveis
novos rearranjos por parte dos atores sociais envolvidos, que redefinirão,
portanto, a territorialidade da produção, da distribuição, da circulação e também
delimitarão novos contornos para o consumo do açúcar e do álcool, no país e,
também, para as relações específicas com o mercado externo, do açúcar
principalmente.
Nesse sentido, é de extrema importância darmos seqüência às
pesquisas, com o propósito de desvendar os mecanismos que definem e
redefinem as alianças políticas, a participação do Estado nesse setor da
economia, as ações específicas do capital, os acordos e os possíveis
desdobramentos que poderão impactar ainda mais a escalada do desemprego na
agroindústria canavieira no Brasil. Isto, pois, tendo em vista não somente a
adoção de novas tecnologias – como instrumento solteiro do projeto de
dominação do capital – mas também as diversas formas de gestão e controle do
processo de trabalho, que podem estar ou não vinculadas ao pacote tecnológico
e que quando imbricados, podem redefinir a escala do desemprego, da exclusão
e das desigualdades.
Sem contar também, com o posicionamento majoritário das
entidades sindicais dos trabalhadores, que se colocam distantes dos seus reais
problemas e nem sequer se prestam, na grande maioria, para encaminhar as
movimentações para a campanha salarial, ainda mais mantendo o esquema que

142
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

vige. Ou seja, a independitização da campanha salarial por categoria


profissional, ou por corporação sindical. Isto é, as entidades sindicais mantêm-se
distantes da linha de confrontação com o capital, em muitos casos, nem sequer
fiscalizando o cumprimento dos acordos coletivos. Tampouco as centrais
sindicais cumprem papel destacado, ao contrário, são ausentes e por conta
disso, não fortalecem os sindicatos e, por via de seqüência, não são fortalecidas
pelas mesmas entidades sindicais, o que demonstra impotência para intervir,
mesmo que seja na linha de confrontação estabelecida pelo Estado, como a
câmara setorial, no caso de São Paulo. Nessa instância, as centrais sindicais não
são aceitas em detrimento das federações, que diga-se, são, na sua grande
maioria, entidades com baixíssima representatividade e participação nas ações
políticas.
A título de exemplo, a idéia de unificar o conjunto dos
trabalhadores, via câmara setorial, apesar de, por um lado, poder diminuir os
efeitos negativos da paralisia das campanhas salariais, afeitas apenas na data-
base das categorias, com a extensão das negociações o ano todo, mantém por
outro lado, o fracionamento corporativo da estrutura sindical e, ainda, na escala,
concepção e composição dessa instância, em nada alteraria a incumbência dos
atores envolvidos. Dessa forma, o Estado permaneceria com o papel de
determinar e impor sua gestão macroeconômica e política mais abrangentes para
o setor, consoante os desígnios do capital, articulada à parametrização jurídico-
institucional, que faz selar o quadro vigente, só que, pela via do tripartismo, se
caminharia rumo à consumação da tese da parceria entre capital e trabalho.

4. O novo cenário institucional

A direção a ser tomada, então, aponta para um novo cenário


institucional, que por um lado remete a um novo estágio de entendimento”131
entre as partes132, onde o culto à negociação, às câmaras setoriais, se insere num
projeto de dominação de maior dimensão, com o trabalho permanecendo
imerso na roda viva dos desígnios do capital - diferentemente de outras
avaliações e propostas de ação, na linha dos enfrentamentos com o capital
- sendo pois, esta alternativa, muito elogiada pelos seus porta-vozes133. Por
outro lado, porém articulado a esses desdobramentos, tem-se a efetivação das
131
Sobre essa questão ver: Maar, 1994, p. 32.
132
Ou como se posicionou o então presidente da CUT, Sr. Jair Meneguelli: “Estamos nos adequando à
conjuntura: não tem mais greve para derrubar general ou presidente da república (...), temos sim que
buscarmos novas alternativas para o entendimento” (FSP, 18/03/1994:4).
133
Basta notarmos a avaliação feita pelo então presidente da FIESP, Sr. Mário Amato, em entrevista
concedida ao Jornal Folha de São Paulo, de 10 de agosto de 1992: “Passou a fase de sindicalismo de
resultados para o sindicalismo de eficiência [..]. As duas partes (capital e trabalho) entenderam que
demagogia e dialética não levam a lugar nenhum.
143
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

reformas específicas do Estado para o setor sucro-alcooleiro, tanto as já em


curso, quanto o anúncio dos temas a serem alvo de reformas, somadas ao
conjunto das reformas em nível do Estado como um todo.
O rebatimento dessas questões também atingem diretamente os
trabalhadores. A título de exemplo, põe-se em cena o esquecimento ou até
abandono das discussões em torno de outras propostas de estrutura e
organização sindical, ainda que polêmicas, como os sindicatos da agroindústria
(com base territorial regional), ou sindicatões (como foram batizados por
reunirem no seu interior o conjunto das categorias sindicais envolvidas)134, que
emergiram num momento de ascensão do debate sindical, ou seja, no final da
década de 1980 e nos primeiros anos da década de 1990.
A questão a ser posta em evidência nesse contexto passa pelo
questionamento do por quê o discurso e ação do “novo sindicalismo” não se
traduzirem numa prática sindical capaz de romper com a velha estrutura e a já
superada ação sindical. Por onde gravitam as alternativas para o conjunto do
operariado?
Abate-se sobre o movimento sindical, às centrais sindicais, em
especial os segmentos mais atuantes, a necessidade de redefinir seu projeto de
intervenção, tendo em vista a guiar-se para a unificação dos trabalhadores do
campo e da cidade. Se em momentos esses pontos deram conformação às
propostas da CUT, por exemplo, atualmente estão desprestigiados e distantes,
portanto, dos planos de ação da Central, para o conjunto dos trabalhadores da
agroindústria sucroalcooleira. Isto é, recompor a oposição cidade-campo
(imposta nos limites da divisão técnica e territorial do trabalho, já totalmente
redimensionada pelo capital, como vimos), noutros moldes de organização do
trabalho, já que ainda é mantida pelo movimento sindical.
Cabe salientar que a CUT enfrenta concretamente, o problema da
acomodação dos seus dirigentes, principalmente das entidades de base à
estrutura oficial, pois temem a perda do controle dos aparelhos sindicais que a
fusão e organização por ramo de produção/atividade, indubitavelmente
desencadearia. Isso, por sua vez, tensiona as disputas internas, pois, as correntes
minoritárias que apelam para o restabelecimento do projeto cutista de estrutura

134
A idéia dos “sindicatões”, foi formalmente apresentada enquanto proposta de encaminhamento, por
Luis Silva e José Novaes, respectivamente dirigentes sindicais de STR’s e das CUT’s regionais da
Paraíba e Bahia, durante a realização do III CONCUT, em outubro de 1988, cujos documentos estão
publicados no Cadernos do CEDI, n.20, 1990. A aglutinação dos trabalhadores assalariados, por produto,
no caso específico dos “sindicatões”, enraizados na delimitação da agroindústria, ou seja, na explicitação
do empreendimento agroindustrial, reunindo tanto os trabalhadores rurais quanto os da unidade de
processamento industrial, não despertou motivação no campo cutista. Ficou, pois, totalmente esquecida,
nem sequer para ser redimensionada ou definitivamente retirada do cenário, apenas comparecendo críticas
isoladas, contrargumentando a inviabilidade dessa alternativa devido ao fato de que os trabalhadores dos
CAI’s, principalmente, da laranja e da cana-de-açúcar, serem representados por inúmeros sindicatos, dos
quais, alguns com tradição de luta, sendo que, esta era a questão posta em relevo desde aquele momento.

144
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

e organização sindical, é sobreposta pela avaliação majoritária que se configura


ao afirmar que o suposto “desvio de rota” da Central é conseqüência do caminho
escolhido para sua construção 135.
Põe-se, então, restabelecer o abandonado projeto de classe (para
si) baseado na aliança operário-camponesa, tendo como pressuposto a
redefinição geral do conteúdo e das estratégias de libertação enquanto classes
dominadas e por a gestão da história ao encargo daqueles que efetivamente a
produzem com seu trabalho, enraizando-se assim, noutra espacialidade a relação
cidade-campo como unidade orgânica dos dominados136.
Não obstante, a relação capital x trabalho enquanto relação de
forças, ao se expressar nas entidades de organização, nos sindicatos, nas centrais
sindicais, enraizando-se nas ações do movimento sindical do operariado sucro-
alcooleiro, em particular nas campanhas salariais e nas greves, se materializa
num espectro diferenciado de orientações político-ideológicas, substantivando-
se em ações também diferenciadas no plano do enfrentamento da
contradição estrutural capital x trabalho.
Alcançar maior poder de mobilização e organização é condição
básica para os trabalhadores conquistarem melhores condições para
barganharem com o capital e, ainda, tentarem trazer para seu lado e comando, o
controle e a hegemonia do processo de produção e de trabalho. Ao mesmo
tempo, o capital, ao fortalecer-se técnica, econômica e politicamente, objetiva
garantir-se como elemento hegemônico da contradição estrutural
capital-trabalho, mais especificamente, na determinação do processo de
produção e de trabalho.
É nessa linha entrecruzada de relações que contraditoriamente, se
(re)definem os (re)arranjos táticos e estratégicos do capital e tem permanecido
em latência as movimentações do trabalho.
O que está em questão é a diferença quanto à materialidade da
dinâmica do capital e do trabalho. Isto é, frente ao capital que se territorializa

135
A esse respeito, Oliveira (1994), complementa dizendo que: “... há hoje uma clara tensão entre o
projeto político-organizativo da CUT e a sua dinâmica de acomodação à estrutura oficial, inclusive em
setores que historicamente não estavam sujeitos ao modelo sindical corporativista, como os servidores
públicos. (...) A rigor, nenhuma das quatro centrais sindicais (CUT, as duas CGT’s e a F.S) vêm se
construindo sob a inspiração de um projeto organizativo próprio como alternativa ao modelo sindical
vigente”, sendo que, o apego à estrutura oficial, no caso específico da Força Sindical, faz parte até das
deliberações de congresso, da edificação de seus respectivos projetos organizativos, enraizados, então, na
pregação da mesmice (1994, p. 507). (grifo nosso)
136
Trata-se, pois, como presente nas teses e deliberações de Congressos da CUT, “de criar as condições
para a superação da exploração de classe”. Como observa Moreira (1985), põe-se em questão edificar
“o embrião que inverta a relação cidade-campo dos dominantes, montada como estrutura espacial
ordenadora da reprodução dos homens para o capital, instaurando a relação cidade-campo que
organiza a reprodução de homens livres (...) ou seja, efetuar a estrutura espacial que organize a relação
cidade-campo dos dominados, que seja capaz de efetivar a ruptura espacial organizadora da relação
cidade-campo dos dominantes, instituindo uma formação econômico-social sem dominantes e
dominados, e, então, de instaurar a gestão operário-camponesa sobre a totalidade social” (1985, p. 164).
145
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

hegemonizando o controle integral da produção agroindustrial sucro-alcooleira,


o movimento sindical e os trabalhadores não acompanham esse processo na
mesma amplitude, ou seja, não conseguem formular respostas à altura, tendo em
vista que permanecem presos ao corporativismo e à fragmentação da estrutura
sindical reinante. Não obstante, ao capital cabe ditar o processo de
tecnificação/mecanização, por exemplo, no corte da cana-de-açúcar, momento
do processo produtivo que emprega 2/3 do conjunto dos trabalhadores. Assim, o
ritmo e o conteúdo do processo de desemprego são unilateralmente e
exclusivamente dirigidos pelo capital, descaracterizando quase que por completo
o papel da Câmara Setorial que se propôs a gerar regras para a convivência
tecnológica na agroindústria sucroalcooleira em São Paulo.
Do lado oposto, ainda não compareceu, também de forma
unilateral, por parte do trabalho ou dos trabalhadores e de suas entidades
sindicais, projeto referencial, por exemplo, para ocupar as terras das empresas
inadimplentes ou que não cumprem os acordos coletivos e, desse estoque
fundamentar um amplo processo de reforma agrária aos moldes como se
pronuncia em algumas localidades do nordeste.
Apesar de haver um certo distanciamento entre o que se propugna
e o que efetivamente está sendo construído, as ações isoladas que se
materializam em alguns pontos do país, nos mostra o quanto que esse assunto
deve ser entendido na sua amplitude e não como mera expressão conjuntural,
tampouco restrita a esse ou àquele segmento do trabalho, se camponês, se ex-
assalariado (rural ou urbanos), se desempregado, etc. Poderíamos nos ocupar das
ocupações nas terras das usinas e engenhos em Pernambuco, particularmente, as
ocupações viabilizadas não somente pela FETAPE (Federação dos
Trabalhadores rurais no Estado de Pernambuco) e aos Sindicatos a ela
vinculados, os STR’s (Sindicatos dos Trabalhadores Rurais), mas também pela
CPT (Comissão Pastoral da Terra), pelo MST (Movimento Sem Terra), pelo
MLST (Movimento de Libertação dos Sem Terra). Isto é, esse assunto
ultrapassa o universo camponês e alcança o tecido social como um todo, porque
assalariados (proletários rurais e urbanos), desempregados, subempregados,
enfim o conjunto da sociedade mais fortemente excluído se inscreve nesse
cenário contraditório do universo do trabalho nesse início do século XXI.

4.1. Revitalização dos instrumentos de dominação do capital

Mais recentemente, vários são os aportes discursivos


implementados pelo capital, ou por setores específicos e localizados do
empresariado agroindustrial canavieiro no Brasil, também denominado de
agronegócio canavieiro. Cabe destacar a dimensão que ganha importância
internacional, aliás com amparo dos meios de comunicação de massa, no Brasil,

146
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

com o que se denomina de certificação ambiental137. Ainda que tenham que ser
ressalvadas algumas questões como as tentativas de disciplinamento para o uso
de procedimentos não aceitos pela sociedade, como emissão de gases poluentes
em doses não prescritas ou ainda, os desdobramentos nefastos das queimadas
para a saúde dos trabalhadores e para a população das cidades circunvizinhas, o
discurso que fundamenta essas novas demandas da sociedade, fortalece, em
vários casos, o próprio processo de dominação do capital, agora totalmente
travestido pela roupagem ambiental. Em nome do cumprimento de determinados
pré-requisitos apenas (ambientais), torna-se possível a aceitação das
mercadorias (açúcar e álcool) ou o privilegiamento de mercados cativos, sem
antes serem diagnosticadas as reais condições de trabalho, formas de pagamento,
cumprimento dos acordos coletivos etc.
Esses novos desafios sinalizados para o movimento sindical, tendo
em vista as conseqüências do processo de redefinições técnico-produtivas e
organizativas do capital, encimam-se fundamentalmente, sob dois aspectos:
• No desemprego e, sobretudo, no comprometimento dos
direitos sociais e trabalhistas, colocados em xeque com a terceirização e com as
cooperativas de mão-de-obra e, em conseqüência, as novas divisões
intercorporativas que interferirão na territorialidade dos sindicatos ao
redimensionar o enquadramento. Tal enquadramento não se efetiva pela
(re)qualificação da divisão técnica do trabalho, mas pelos desdobramentos
oriundos da recomposição dos sindicatos existentes, no caso específico da
terceirização, e na perda de referencial na identificação do patrão, ao se tratar
das cooperativas, até então circunscritos aos rurais, mas no curto prazo, como
apontam as evidências, poderá voltar-se para o conjunto dos trabalhadores.
• Na contundência dos desafios para o trabalho, que se
materializam exatamente nas dificuldades encontradas pelo movimento sindical
em não somente entender, mas numa escala ainda mais elevada, ultrapassar as
prerrogativas de organização corporativo-sindical, buscando novas alternativas
no sentido de acompanhar o (re)enraizamento produtivo e organizativo do
capital rumo à consolidação das cadeias produtivas, ou mesmo, no
readequamento dos ramos de produção, superando, assim, os estreitos marcos da
divisão técnica do trabalho como catalisador da identificação operária alienada.
Ou seja, subverter o quadro inicialmente imposto e por muito tempo aceito, do
fracionamento corporativo, para agir no mesmo raio de ação do capital,
priorizando, portanto, o enraizamento de toda a atividade econômica, unificado
organicamente ou até sob uma única entidade sindical, na escala de abrangência
do conjunto dos trabalhadores da cadeia produtiva, ou então, de qualquer outra
forma de (re)organização produtiva processada pelo capital.

137
A esse respeito ver: Oliveira, 2002.
147
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Nessa direção, desponta no cenário uma nova alternativa para


(re)edificação do projeto estratégico do capital, que ultrapassa os estreitos
limites do discurso neoliberal, quando de forma ambígua pressiona pela saída do
Estado do setor, reivindicando ser providencial sua desregulamentação e, ao
mesmo tempo, requer novas linhas de crédito e subsídios especiais oriundos de
instituições públicas como o BNDES (Bando Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social) e Banco do Brasil. Isso nos remete à discussão sobre o
Estado mínimo, o que ultrapassa os limites desse texto, todavia nos estimula a
novas investigações que nos possibilite apontar com precisão os limites do
Estado mínimo, pois o que está sendo redesenhado continuamente são as marcas
dos interesses do capital. Assim, o Estado mínimo para o capital, está
diretamente vinculado às determinações do que é mínimo ou máximo, a
depender dos interesses em questão, especialmente quando se trata de
incentivos, subsídios, financiamentos, linhas de créditos, prazos de carência,
liberalização de preços, mas garantia de nichos de mercado, etc.
Esse paradoxo está sempre vinculada à renovabilidade da matriz
energética, aliás ponto de sustentação do discurso do capital para a redefinição
da produção do álcool, em nome da questão ecológica e da autosustentabilidade
da agroindústria, ou em nome da padronização de procedimentos para alcançar a
certificação sócio-ambiental da cana-de-açúcar e seu processamento industrial.
O capital sucro-alcooleiro, fortalecido pelas suas entidades de
representação, que tendem a ser cada vez mais profissionalizadas, a exemplo da
UNICA, articulam a sustentação desse projeto a curto e a médio prazos, bem
como redefinições mais profundas do setor, como a revitalização do
Proálcool138, através de uma nova composição com o Estado, encimada na
consumação de novas diretrizes econômicas e políticas, aliançadas todavia com
o trabalho. Ou seja, a idéia de compor com o Estado e com o movimento
sindical (re)alimenta para o capital, esperanças de buscar o estreitamento de
relações com o Estado sendo pois, a via privilegiada para o desenvolvimento das
forças produtivas, bem como, contar com a chancela do trabalho para a
consumação do projeto de dominação.

138
Essa é a palavra de ordem do capital, hegemonizada no campo da AIAA (Associação da
Agroindústria Açucareira e Alcooleira do Estado de São Paulo), que de olho no redimensionamento
tecnológico e gerencial do empreendimento agroindustrial, alicerçam no álcool, ou na revitalização do
PROÁLCOOL, a base do discurso que escuda a manutenção do combustível nacional e renovável.
148
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

4.1.1. Submissão e estranhamento do trabalho

Diante desse quadro, ao capital, impõe-se, então, moldar-se a


maleabilidade necessária à nova realidade e que lhe seja útil para administrar as
contradições de classe e, portanto, garantir no arcabouço das leis e normas legais
(supra-estrutura), os instrumentos jurídico-institucionais para a sustentação dos
projetos de desenvolvimento econômico-social (infra-estrutra) indispensáveis
para o capital, tendo em vista que o modelo de Estado reivindicado é o Estado
mínimo, mas fortalecido, daí manter-se hegemônico no controle de todo o tecido
social.
Tem-se, então, por um lado, a concertação proveniente do
Congresso Nacional, via as reformas constitucionais, que não conta com o
entendimento e mobilização da sociedade, dos partidos políticos comprometidos
com os trabalhadores, dos sindicatos e particularmente das centrais sindicais
que, mesmo fazendo gestões junto às lideranças partidárias, em especial a CUT,
não fazem com que as discussões sejam multiplicadas e possam retornar, depois
de melhoradas e aprofundadas, para as bases apreciarem.
Ao contrário, permanecem fixadas em ações cupulistas, enraizadas
tão somente nos estreitos limites da ação dos dirigentes das centrais e quando
muito das confederações, distanciadas, portanto, dos trabalhadores. Por outro
lado, percebe-se que os desdobramentos dessa empreitada não são alentadores
para os trabalhadores de forma geral e, especialmente, para o movimento
sindical que se encontra, pois, no fio da navalha.
Frente a esse quadro, os avanços conseguidos a partir da
mobilização dos trabalhadores, com ênfase, para os rurais, ao longo da década
de 80, dos mais diferentes pontos do país e o acúmulo das reflexões sobre a
conjuntura e das táticas utilizadas pelo capital nos diferentes momentos
da produção, em especial os desdobramentos para a agroindústria, não foram o
bastante para consubstanciarem projetos específicos para os trabalhadores
ligados à agroindústria sucro-alcooleira.
Todavia, não é isoladamente ou por fora do embate que está sendo
travado pelo conjunto do movimento sindical, que os trabalhadores e dirigentes
sindicais e suas respectivas entidades da estrutura vertical, lastreados na
agroindústria sucro-alcooleira devem ser entendidos.
É, então, no enraizamento da luta de classes e, consequentemente
da compreensão que dela fizerem os atores envolvidos, bem como os
desdobramentos dessas repercussões para o conjunto da sociedade organizada,
que se soldarão as alternativas políticas para a resistência ou para a
complacência.
Será no transcorrer das lutas que o movimento sindical, no raio de
abrangência das ações do capital e referenciado por seu projeto tático e

149
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

estratégico, conectado à concepção de sociedade almejada e consubstanciado ao


patamar dos enfrentamentos delineados no campo dos partidos políticos,
que se levará a termo a (re)qualificação da relação capital x trabalho, podendo
até, a depender dos interesses político-ideológicos e do acúmulo das lutas,
apontar para a negação da contradição estrutural, rumo a uma perspectiva
anticapitalista, com tendências socialistas, recolocando no debate a auto-gestão,
a questão da propriedade privada da terra, portanto, um novo projeto de
sociedade.

150
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

5. Referências Bibliográficas

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BOITTO JR., A. O sindicalismo de Estado no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1991.
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MAAR, W. L. As câmaras setoriais podem orientar a novos termos a apreensão
social, procurando superar a divisão social do trabalho e a limitação capitalista
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Presidente Prudente, outubro de 1998

152
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

A GEOGRAFIA E AS FRONTEIRAS
DISCIPLINARES. O MUNDO
DO TRABALHO EM QUESTÃO ∗
Para Cláudio Benito
Não deixemos para amanhã o que podemos fazer hoje....

“O maior triunfo da ciência moderna avança


pela especialização. É tanto mais rigoroso
quanto mais restrito é o objeto sobre que incide.
Portanto, um conhecimento disciplinado (...)
para policiar as fronteiras entre as disciplinas e
reprimir os que as quiserem transpor(...). Assim
transforma o cientista num ignorante
especializado”.

Boaventura S. Santos

1. Apresentação

É lugar-comum acreditar que a única forma ou possibilidade de


“leituras” da realidade ou sua apreensão dá-se mediante o conhecimento
científico. Para alguns, a ciência ou o que ganha corpo de estrutura e linguagem
interpretativa e analítica é a própria realidade, sendo pois esse, o axioma
indiscutível.
Ao transformar-se em senso-comum essa noção e esses valores
impuseram formatos e avaliações que ganharam raízes culturais no inconsciente
coletivo, desconsiderando então, que o conhecimento científico é apenas uma
das alternativas de compreensão da realidade, tampouco se confunde com ela,
pois é fundamentalmente um discurso, uma interpretação.


Este texto foi escrito durante a vigência do Estágio realizado através do Programa de Cooperação
Internacional (PCI), junto ao Departamento de Geografia, da Faculdade de Geografia, da Universidade de
Santiago de Compostela (Espanha), durante os meses de abril e maio de 1999. Foi apresentado
inicialmente junto à Mesa-Redonda “A Geografia no Contexto das Ciências Sociais: Diálogos e
Silêncios”, durante a realização da I Semana de Geografia da FCT/UNESP/Presidente Prudente, 13 de
maio de 1999. Depois de ampliado e revisado, foi publicado originalmente nos Anais do mesmo evento,
com o título “A Geografia, os Geógrafos e as Fronteiras Disciplinares. Os Desafios para a Compreensão
das Transformações no Mundo do Trabalho na Virada do Milênio”.

153
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Para se fazer valer, essa forma de pensar cartesiana - que na


Geografia se funda, fortemente na dicotomia homem/natureza, sujeito/objeto -
consolidou-se na especialização ou parcelização do conhecimento, como forma
de através das sub-áreas e em direção a um sem número de subespecializações,
se chegar mais e mais fundo na compreensão dos detalhes.
Bastaria retomar algumas reflexões largamente veiculadas nas
publicações afins, que apontam ser a realidade uma totalidade, sendo que quem
a fragmentou foi a ciência clássica. É por dentro das disputas teóricas, político-
ideológicas e todos os demais matizes que os paradigmas científicos povoam o
debate e a (re)estruturação dessa ou daquela disciplina.
Isso nos mostra que há limites na concepção, que se consagra na
ciência como um todo, mas particularmente na Geografia, no exato momento
que a realidade, se vista de forma disciplinar, ou através dos ramos e sub-ramos
sob os quais o conhecimento científico se dividiu, disso devemos apreender que
a fragmentação resultante é produto da nossa “leitura”, portanto não é a
realidade.
Este ensaio nos estimula a indagar sobre a fragmentação do
conhecimento. Antes mesmo de imaginarmos ser isso algo distante ou peculiar
apenas às outras ciências, percebe-se, com certa facilidade, que o discurso
geográfico também se estrutura de forma fragmentária, por exemplo, quando se
apresenta enquanto Geografia Humana e Geografia Física. De todo modo, sua
superação depende obviamente, da postura teórica ou do nosso “olhar” sobre os
conteúdos de nossa disciplina. Mais ainda, assuntos tratados nas áreas de
especialização da Geografia, a partir da identificação dos fenômenos (urbano,
Geografia Urbana; rural, Geografia Rural, etc), enfim são tratados por
economistas, antropólogos, arquitetos, etc.
Vê-se, portanto, que o objeto da ciência de maneira geral, ou das
diferentes disciplinas é o mesmo. Em outras palavras, a realidade à qual estamos
nos reportando é (re)interpretada através de diferentes olhares ou de “leituras”
que seguem procedimentos específicos. Como observa Pereira (2000), se a
diferença não está, pois, no objeto, está na ação do sujeito que o observa e
interpreta a realidade.
Desta forma, a caracterização de cada um desses ramos em que se
fragmentou a ciência, está ligada ao tipo de dúvida que motiva o sujeito
desvendar diante da totalidade posta, ou a realidade. Todavia isso não pode
significar a perda da compreensão mais ampla da Ciência Geográfica (sua
trajetótia, seus procedimentos metodológicos, etc.) sob pena do pesquisador se
tornar, nada mais nada menos, do que um “ignorante especializado”.

Depois de acertadas as arestas internas àquilo que tem a ver com a


epistemologia da Geografia, seus objetivos, objeto de estudo etc., colocamo-nos
à empreitada posta.

154
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

2. Introdução

O silêncio e/ou a incompreensão reinantes podem explicar as


dificuldades de existência do diálogo entre a Geografia - enquanto discurso
organizado sob o referencial científico - e as demais áreas das ciências sociais
ou humanas. Com o propósito de tornar esse exercício mais estimulante,
tomaremos como base de reflexão, algumas dificuldades, a princípio,
particulares da nossa experiência e que resultam do esforço de realizar
interlocução com pesquisadores e estudiosos de outras áreas das ciências sociais,
com o propósito de desvendar a dinâmica territorial recente das alterações que
ocorrem no mundo do trabalho, em especial no Brasil. Para tanto, faz-se
necessário, como já nos apontou o professor Boaventura, na nota epigrafada,
ultrapassar as fronteiras entre as disciplinas e desobstruir, portanto, os
procedimentos que fazem do cientista um ignorante especializado.
As dificuldades de lançar-nos à efetivação do diálogo com as
demais especialidades das ciências sociais, talvez tenham como fundamento o
próprio monólogo que edifica o saber e o conhecimento geográfico sobre a
temática posta. Isto é, a não amplificação do assunto e sua devida ampliação
enquanto temática específica e base de formulação de linhas de pesquisas, pode
ser atestado pela quase ausência da Geografia e dos geógrafos do cenário que a
temática em pauta envolve, como o movimento sindical e operário, os
movimentos sociais populares de forma geral ou as diferentes frentes de luta dos
trabalhadores que desdobram de diferentes motivações e especificidades tático-
estratégicas. Trata-se, então, de privilegiar estudos e pesquisas capazes de
apreenderem por dentro dessas especificidades, seus desdobramentos territoriais,
enraizados, pois, nos rearranjos e redefinições processados internamente ao
modo de produção capitalista.
De uma só vez, faz-se importante observar as diferentes formas de
inserção do trabalho na estrutura produtiva, como também as formas resultantes
de representação sindical e política, portanto o aspecto da subjetividade do
trabalho, que ultrapassa sobremaneira, a instância econômica, expandindo-se
para as cenas: política, ideológica, cultural, etc.; o que incide de forma
importante no comportamento e na dinâmica do movimento operário. Desde já
se apreende que essas são áreas que os geógrafos, historicamente, não
priorizaram em suas pesquisas e reflexões.
Se a Geografia está para a ciência de síntese e os geógrafos para o
centauro que tudo sabe, em especial em se tratando da relação sociedade-
natureza - como se isso não fosse, no final das contas, o objetivo final de
qualquer ciência - aliás como muitos defendem dentro das próprias raias
corporativas, nos resta abolimos essa boa máxima e redefinimos caminhos,
rumos e relações. Tampouco, deve-se aceitar gratuitamente o fato de que a

155
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Geografia, por conta dessas especificidades, deve assumir a dianteira de uma


possível brigada rumo à interlocução com as demais ciências, como se as demais
áreas do conhecimento científico não dispusessem de um amplo conjunto de
interfaces com as outras áreas.
Essas redefinições nos impõem, de imediato o diálogo. Vencer o
silêncio e, acima de tudo, manter o respeito a disciplinarização que, continua
sendo a base fundante do discurso científico moderno, com forte apego ao
respeito das fronteiras do “conhecimento”, é o que se põe afinal, e para tanto,
requer-se legitimar outro procedimento metodológico, enraizado sobre outra
base epistêmica.
Nada mais sugestivo, neste momento, retomar a velha questão que
tanto nos solicitou nos anos 1980, a interdisciplinaridade. Ressuscitar isso é,
sobretudo, imperativo para as preocupações que nos motivaram para participar
deste debate. Se não meritória de mais aprofundamento, contudo alvo de
preocupações teóricas capazes de reporem a discussão sobre a situação da
Geografia, seus limites e performance analíticos diante a ciência de forma
geral139, acreditamos ser este mais um momento oportuno para asseverar que, ao
contrário do que muitos imaginam ou defendem, a interdisciplinaridade não se
dá mediante somatório dos conteúdos das disciplinas ou áreas do conhecimento.
Os conteúdos e sua lógica interna não devem ser o ponto de partida para a
definição de absolutamente nada. Tanto a seqüência de grades curriculares ou a
interdisciplinaridade não devem estar amparadas nos referenciais postos140.
Não se trata, pois, de efetivar colagem dos programas das
disciplinas e proceder, portanto, a hierarquização ordenadora dos assuntos e
temas, por via seqüencial crescente, do ponto de vista do aprofundamento e
verticalização dos mesmos.
As reformas curriculares nos cursos de Geografia seguem a risca
esse procedimento, como se a simples alternância na grade curricular, pudesse
fazer avançar a ciência geográfica. O que ocorre, quase sempre, são professores-
geógrafos preocupados, exclusivamente em manter “suas disciplinas”, nada mais
que guetos, sem qualquer interação com o próprio curso. O método que deveria
a priori nortear as discussões, transforma-se meramente em procedimento de
abordar determinado conteúdo, considerando as questões mercadológicas, as
técnicas (geoprocessamento, etc.) que pouco, ou quase nada contribuem para a
apreensão da realidade.
Tampouco bastaria chamar as pessoas para que acreditassem ser
essa a alternativa correta. Não se trata de exercer profissão de fé.

139
Recentemente tive a oportunidade de elaborar algumas questões sobre esse assunto e se encontram de
forma embrionária no texto “Território em Transe. (Re)divisão Territorial do Trabalho e Redefinições de
Funções na Agricultura”, publicado nos Anais do Seminário Geografia 2001 (UFS, Aracaju, 1998).
140
Ainda a esse respeito, vale a consulta da entrevista concedida pelo professor Milton Santos,
recentemente publicado na Revista Teoria & Debate, citada nas sugestões de leitura, no final desse texto.
156
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

3. Rumo às rupturas, em busca do diálogo

Considerando, pois, que os fenômenos, na medida em que se


materializam manifestam, como uma das faces de sua existência, a
espacialidade, sendo que o objeto de análise (geográfico) não deve ser
delimitado a priori, mas sim a partir da dúvida que o sujeito se propõe a
desvendar dentro da realidade que se apresenta, daí inferirmos a possibilidade da
construção social do espaço, ao contrário do que se entende quando o espaço é
tido como absoluto e substrato, por abrigar as manifestações do capitalismo.
A construção social do espaço enquanto afirmação e possibilidade
teórica de análise da sociedade, não se separa de sua concretude ou de sua
fisicidade, como coloca Smith (1988), tendo em vista que ela mesma é um dos
elementos componentes da natureza, portanto em nada se apóia no paradigma
cartesiano da dicotomia homem/natureza e sujeito/objeto tão presente nos
referenciais dominantes da ciência e particularmente na Geografia. Assim,
apesar da sociedade ser diferente de muitas outras coisas presentes nessa própria
natureza, é cada vez mais difícil, se não impossível, compreender a natureza em
qualquer uma de suas escalas territoriais, sem a presença da sociedade.
Está-se diante de uma questão de sobeja importância, tendo em
vista que o referencial a ser adotado tem nos objetivos pedagógicos e conceituais
principalmente, a possibilidade de suplantar os estreitos marcos da cientificidade
enraizada na identificação das disciplinas e rumar para um roteiro que expresse
a ruptura dos caminhos trilhados até então, incorporando os avanços, mas com a
coragem para apontar os equívocos, ainda que corra-se o risco de elaborar
outros, esse processo é salutar e necessário.
Os objetivos pedagógicos e conceituais demarcam
qualitativamente referenciais teóricos que, ao elegerem as opções
epistemológicas, as categorias de análise, os conceitos, portanto nos colocam
diante da necessidade de explicitarmos o processo contraditório de
(re)construção da sociedade - seja lá qual for o recorte que se considere -
privilegiando-se dessa forma, o primado do devir como definidor da
interlocução a ser construída entre a Geografia e as demais ciências sociais.
Incide aqui, então, o que poderíamos chamar de momento de confluência das
contribuições das demais áreas do conhecimento, com as quais desejamos
participar. Das contribuições advindas das diferentes disciplinas, ressalta-se
pois, de que maneira e em cada situação demandada, específica, portanto, que se
pretende desvendar sob os olhares da “leitura” geográfica - a título de exemplo,
a ordenação territorial do mundo do trabalho - quais os avanços alcançados com
a apreensão já produto da interdisciplinaridade e a efetivação do estabelecimento
do diálogo com as demais ciências sociais.

157
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Há que se pensar, necessariamente, que tanto para fortalecer e


(re)qualificar a análise geográfica, quanto para que esta seja útil para o pleno
exercício da apreensão dos respectivos objetos de pesquisa das demais ciências
em apreço, se enraiza, portanto, o que se deve construir rumo à quebra do
silêncio e quem sabe a efetivação do diálogo entre as ciências sociais.
Se, de um lado, estabelece-se que a apreensão das relações
locacionais, do reordenamento territorial ou da ordem territorial dos fenômenos
e as regras que orientam sua dinâmica nos lugares sob o referencial da
processualidade social contextualizada, é o campo demarcatório sobre o qual a
Geografia deve ser entendida, as contribuições das demais áreas do
conhecimento, podem e devem instrumentalizar aprofundamentos e vice-versa.
O que não se pretende é efetivar concessões, tampouco propor negociações
teórico-metodológicas, mas sim e, sobretudo, fortalecer a qualidade da análise
junto aos demais pesquisadores, de tal maneira que o caminho inverso possa
também contribuir e redimensionar avaliações que novamente (re)iniciarão o
ciclo, sem fim, aliás como o próprio conhecimento, objetivando assim superar as
fronteiras disciplinares.
A interdisciplinaridade se coloca como condição para uma “leitura
geográfica” a partir do enfoque centrado na relação capital x trabalho.

4. Considerações finais

Com essa formatação, a título de exemplo, achamos ser possível


intentarmos explicar, ou melhor, explicitarmos o ordenamento territorial
resultante do trabalho no Brasil ou sua explicitação nos passos do movimento
operário e sua dinâmica, contextualizada, nos lugares, podendo contar com as
contribuições valiosas dos cientistas sociais, em especial, dos sociólogos, dos
historiadores e dos economistas, tendo em vista serem os que há mais tempo se
dedicam às investigações.
Nos parece correto, então, nos referirmos à nova natureza criada
pela dinâmica da sociedade, como algo que possui âncoras territoriais, isto é,
possui determinâncias sociais, econômicas, culturais e se materializa em um
determinado lugar, que por sua vez não se restringe à noção de lugar
geométrico, ou seja, apenas ao aspecto visível, mas sim contém as
determinações e as características da dinâmica espacial do metabolismo
societário vigente, ou ainda, está diretamente ligada às qualificações das práticas
sociais, que por sua vez não se limitam ao que é imediatamente visível.
Busca-se, então, explicar a forma a partir do conteúdo e vice-versa,
de tal maneira que nos colocamos diante dos desafios para apreender o
movimento operário através das ações sindicais e/ou partidárias, seja via
institucionalização da relação capital-trabalho, através do distanciamento do

158
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

movimento autônomo de classe ou, via construção de alternativa soberana e


libertária do trabalho, considerando-se, pois, as diferentes frentes de luta. Isto é,
faz-se importante e necessário privilegiar a compreensão da sociedade a partir
das transformações que ocorrem no trabalho, considerando a complexa trama de
relações sociais que se configuram a cada momento e lugar, considerando-se,
necessariamente a interlocução com as demais áreas do conhecimento.
Por estar-se diante do aprofundamento dos desafetos para o
trabalho hifenizado (part-time-workers, casual-workers ou self-employed-
worker), a escala de desafios para compreendê-lo por dentro da processualidade
histórica, é importante considerar que tudo isso é reflexo da introdução de novas
tecnologias (automação, robótica, etc.) e também das novas formas de controle e
gestão do processo de produção, ou do metabolismo do capital, daí a
flexibilização como alternativa às formas tradicionais de organização da
produção fordista-taylorista. Tamanha é a abrangência que o assunto em pauta
impõe para que seja privilegiada a compreensão das mediações específicas, que
dão sentido e formatação ao comportamento do trabalho, nos diferentes
momentos e lugares e, portanto, ao próprio movimento contraditório de
(re)construção da sociedade.
Vê-se que, paralelamente à redução quantitativa do operariado
tradicional, opera-se uma alternativa qualitativa profunda da forma de ser do
trabalho, o que pode ser identificado na significativa heterogeneização e
complexificação da classe-que-vive-do-trabalho, dada pela subproletarização do
trabalho141, expresso nas formas de precário, parcial, temporário, autônomo, etc.
Os entrecruzamentos de diferentes aspectos: sociais, econômicos,
políticos e culturais, demonstram ser necessário o aproveitamento das
contribuições dos demais pesquisadores, tendo em vista que para dar conta do
desmonte que se processa no universo do trabalho e sua expressão e dinâmica
territorial, faz-se necessário a interlocução, para a construção de um saber
competente, a serviço da construção de uma sociedade efetivamente emancipada
dos pilares do capitalismo, rumo à base societária socialista.

141
Cf. ANTUNES, 1995.
159
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

5. Indicações para leitura

ANTUNES, R., Adeus ao Trabalho? São Paulo: Cortez, 1995.


______. Para onde vai o Mundo do Trabalho. São Paulo, 1998.
BEYNON, H. As Práticas do Trabalho em Mutação. Neoliberalismo, Trabalho
e Sindicatos. 2a edição. ANTUNES, R. (org.). São Paulo: Boitempo, 1998. .
BIHR, A. Da grande noite à alternativa - O Movimento Operário Europeu em
Crise. São Paulo: Boitempo, 1998.
MCILROY, J. O Inverno do Sindicalismo. Neoliberalismos, Trabalho e
Sindicatos. ANTUNES, R. (org.). São Paulo: Boitempo, 1998. (2a edição).
MOREIRA, R. O círculo e a espiral. Rio de Janeiro: Editorial, 1995.
PEREIRA, D. A. C., Geografia Escolar: Conteúdos e/ou Objetivos? Caderno
Prudentino de Geografia, n.17. Presidente Prudente: AGB, 1995.
SANTOS, D. Conteúdo e Objetivo Pedagógico no Ensino da Geografia.
Caderno Prudentino de Geografia, Presidente Prudente, n.17, 1995.
SANTOS, B. S. Um Discurso sobre a Ciência. Porto: Edições Afrontamento,
1987.
______. Pela mão de Alice. São Paulo: Cortez, 1999. 5a edição.
SANTOS, M. Entrevista concedida ao jornalista José Corrêa Leite. Teoria &
Política, São Paulo, n. 40, fev. mar. abr., p. p. 32-39, 1999.
SMITH, N. Desenvolvimento desigual. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.
THOMAZ JR., A. “’Leitura’ Geográfica e Gestão Político-Territorial na
Sociedade de Classes”. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n.24, 1998.
______. Território em Transe. (Re)divisão Territorial do Trabalho e
Redefinições de Funções na Agricultura”. SEMINÁRIO GEOGRAFIA 2001.
Anais, Aracaju, 1998. (Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFS).

Santiago de Compostela, abril de 1999

160
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

REFLEXÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE A


QUESTÃO AMBIENTAL PARA O TRABALHO
E PARA O MOVIMENTO OPERÁRIO ∗
Para o Comendador César Leal
Que os nossos longos papos sejam multiplicados e constantes...

“... a partir do momento que o


homem surge no mundo, história
do homem e história da natureza
se confundem”.
K. Marx

1. Introdução

Longe de propor aprofundamentos conceituais ou sequer resolver a


polêmica que envolve o que se convencionou chamar de crise ecológica e/ou
ambiental nesse final de século, e os rebatimentos disso na profunda crise social
que se alonga e que compromete a existência da sociedade como um todo, e em
particular a classe-que-vive-do-trabalho142 e de suas entidades de representação,
colocamo-nos sim, a evocar a necessidade de se aprofundar reflexões e
pesquisas e ainda, sinalizar a importância de se debater os limites das estruturas
sociais. Ossificadas e ideologizadas, essas últimas dão sustentação ao projeto de
dominação da burguesia, donde a natureza e a sociedade se fundem e dão


Este texto, originalmente comparece sob o título “As Questões Ecológica e Ambiental para o Trabalho
e para a Sociedade: O Riscos Provocados pelas Desigualdades Sociais sob a Dominação Capitalista”. É
produto de algumas inquietações que se avolumaram com o aprofundamento das leituras e do repensar
constante sobre as perspectivas que se colocam para o movimento operário e para os movimentos sociais
de forma geral, em relação às temáticas ecológica e ambiental. Essa motivação ganhou importância e
contextualidade especial, à medida que sentimos a necessidade de organizarmos algumas reflexões a
serem discutidas durante as aulas da disciplina Xeografia de los Riesgos, ministrada pelo professor doutor
Román Rodrigues Gonzáles, do Departamento de Geografia, da Universidade de Santiago de Compostela
(Espanha), por conta das atividades programadas do Convênio de Cooperação Internacional entre a
referida Universidade e a Universidade Estadual Paulista (UNESP), à qual estou vinculado. Com redação
pouco modificada e com o título “A Questão Ambiental para o Trabalho e para o Movimento Operário
nesse Final de Século. Notas Introdutórias”, foi apresentado em seção específica do XXII Congresso da
Associação Latino-americana de Sociologia, em Concepción, Chile, em outubro de 1999. Depois de ser
submetido a outra revisão, e ganhar o título “Reflexões Introdutórias sobre a Questão Ambiental para o
Trabalho e para o Movimento Operário nesse Final de Século”, decidimos por publica-lo em periódico de
circulação nacional, mais propriamente na Revista Geográfica, Bauru, n.16, p.15-21, 2000.
142
Cf. ANTUNES, 1995.
161
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

sentido ao metabolismo societário do capital, garantindo assim, a gestão da


hegemonia de classe sob o capitalismo.
Aqui, sim, residem os verdadeiros riscos para a sociedade, dado o
vulto e a abrangência do processo crescente e historicamente alinhado de
apropriação da natureza e de exploração do homem pelo homem, na sociedade
do capital143. Nesse momento, a Geografia ganha dimensão de instrumento
capaz de proceder ao desvendamento da dinâmica territorial da sociedade, ou do
processo contraditório de construção do edifício social, como ordenamento
territorial resultante da processualidade capitalista, nos diferentes lugares do
planeta144.
Expressão, pois, da processualidade social, pode-se dizer que as
manifestações do capitalismo não ocorrem pura e simplesmente no espaço, ao
contrário, os fenômenos têm uma existência e sentidos espaciais. Em outras
palavras, os fenômenos dispõem como uma de suas faces, a sua espacialidade.
Isso muda radicalmente a postura do geógrafo diante das escolhas que tem que
fazer para empreender o exercício profissional e investigativo.
O espaço geográfico não mais visto como depositário ou substrato
de fatos e fenômenos, tampouco como absoluto, sem nenhuma espessura que lhe
confira relatividade, encaminha-se para o rompimento com os paradigmas da
ciência clássica, ou da concepção cartesiana hegemônica que confere na
fragmentação sociedade-natureza a base da produção geográfica brasileira.
Diante disso pode-se afirmar que a construção social do espaço,
considera em seu processo constituinte, a natureza, entendendo, pois, que a
sociedade é um dos elementos componentes da natureza e como pondera Bohm
(1980), não se pode compreender a natureza em qualquer de suas escalas, sem a
presença da sociedade.
Isso põe em relevância a magnitude e a importância das mediações
necessárias para se entender os fundamentos da questão ambiental e os
referenciais estruturais que qualificam a crise da sociedade dual. Ou seja, ao
negar o trabalho, explicita sua afirmação, isto é, da despossessão enraizada nas
hordas crescentes de desempregados, às formas precarizadas que se agigantam
no mundo do trabalho, tem-se a realização do sistema do capital e seu
metabolismo societário, influenciando diretamente a subjetividade do trabalho à
sua lógica; portanto com repercussões muito importantes para o núcleo da classe
trabalhadora ou ao movimento operário.

143
Para mais detalhes sobre a estruturação social e os processos contraditórios que lhes dão sustentação,
ver: Thomaz Jr., 1999
144
A esse respeito, tivemos a oportunidade de desenvolver algumas reflexões a respeito da gestão
territorial na sociedade de classes que, poderão ser úteis para a elucidação da trama em pauta nesse texto.
Trata-se do texto: “’Leitura’ Geográfica e Gestão Político-Territorial na Sociedade de Classes”. Boletim
Gaúcho de Geografia de Geografia, Porto Alegre, n.24, 1998.
162
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

2. Dicotomia sociedade-natureza e/ou insurreição epistemológica?

Mediante o pronunciamento dos protagonistas fundamentais,


representados pelo capital, pelo Estado, pelo movimento operário e pelas demais
instâncias de organização dos movimentos sociais é que se pretende discutir as
questões: ecológica e ambiental, para o trabalho e, portanto, as mediações
resultantes. Daí então, ao aceitarmos os limites deste texto, põe-se a configurar
o que se apresenta como crise ecológica, como algo pertencente às formas de
gestão da natureza, portanto, da sociedade como um todo.
Logo, o que está em questão, não é o anúncio e a defesa de novas
formas de gestão e do domínio do homem sobre o homem. Daí ser importante
deixar claro que a inseparabilidade existente entre capital, trabalho e o Estado,
mais do que uma fixação, torna-se um apriorismo analítico, presente inclusive
em alguns segmentos da esquerda. Isso nada mais é do que um dos efeitos mais
perversos da ideologização da dominação de classe, exercidos pela burguesia.
Desta feita, há concordância com a tese que defende ser inconcebível a
emancipação do trabalho sem simultaneamente superar também o capital e o
Estado. A esse respeito, Mészáros assevera que: “... o trabalho enquanto tal
continuará reproduzindo o poder do capital sobre si próprio, materialmente
mantendo e estendendo, portanto, a regência da riqueza alienada sobre a
sociedade” (1998, p. 145).
É preciso ampliar e multiplicar a luta anticapitalista! Acrescentaria
ainda, sem rodeios ou concessões, que se faz necessário compreender os
rearranjos que se sucedem na sociedade contemporânea que ultrapassam os
limites da produção imediata do conjunto dos bens e mercadorias e atingem
então, a malha social como um todo. Também produzem desdobramentos
inauditos para a preservação da vida ou da garantia da qualidade de vida
satisfatória para a humanidade. Tanta generalidade nos acomete a mais
inseguranças e armadilhas.
Se trata de colocar em xeque a estrutura organizacional da
sociedade, enraizada sob os postulados capitalistas que se fundamentam na
subordinação do valor de uso ao valor de troca. Nesse processo a natureza
também foi submetida aos efeitos nefastos dessa redução, sendo que a crise
ecológica como comparece na mídia e através dos periódicos e nos ambientes
acadêmicos e políticos, deve nos estimular a um profundo repensar do próprio
movimento mais geral da sociedade.
Se se sabe que a produção capitalista não se define
aprioristicamente como produção de valor, tampouco como produção de mais
valia, mas sim como produção e reprodução (ampliada) de capital, resta-nos
concluir que esse modo de produção perverte o sentido elementar da garantia da
vida social, fazendo da produção social seu objetivo fundante.

163
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Identificado na literatura sob a insígnia de produtivismo, têm-se


dessa forma, os marcos referenciais da dinâmica histórica do processo de
destruição da natureza, submetida, pois, a um processo de pilhagem, não
obstante ser esse o ponto de inflexão do processo de dominação de toda a
sociedade, tendo em vista que a práxis social é em seu conjunto, submetida aos
desígnios da reprodução do capital que, por sua vez, reformata suas formas e
seus conteúdos.
Sem contar que a pilhagem à qual nos referimos é agravada
sistematicamente mediante a armadura do processo social de produção ter como
referência a produção de valores de uso, o que tem impulsionado a prática do
desperdício de energia, de trabalho e de matérias primas que, conseqüentemente,
expressam, nos diferentes quadrantes do planeta, as mazelas do processo de
apropriação da natureza: aqui vossorocas, ali assoreamento de rios e
reservatórios, acolá contaminação de lençóis freáticos, etc.
Essa é a lógica que reduz o valor de uso à lógica da acumulação do
valor, no capitalismo, sendo que, quanto mais crescem a competitividade e a
concorrência inter-capitalista, mais destruidora145 são as conseqüências,
principalmente quando se considera a força humana que trabalha e a degradação
ambiental, que contempla por sua vez, a relação metabólica entre homem,
tecnologia e natureza.

3. Apropriação e expropriação da natureza e da sociedade...

É por isso que está evidente na crise ecológica, a luta de classe do


proletariado, verdadeira e devidamente impulsionada por um projeto de
reformulação profunda e global da sociedade.
Ao submeter, então, a natureza aos imperativos da reprodução do
capital, têm-se o enunciado e a base fundante da crise ecológica ou ambiental.
Como observa Bihr (1998, p. 129):
No quadro do capitalismo, o desenvolvimento de
forças destrutivas da natureza e dos homens. De
fonte de enriquecimento, torna-se fonte de
empobrecimento, pois a única riqueza a ser
reconhecida não é o valor de uso, mas essa
abstração que é o valor (...). Em síntese, a crise
ecológica não é senão um dos aspectos desse mundo
às avessas que a alienação mercantil e capitalista do
ato social de trabalho institui.

145
A esse respeito Mészáros (1995 e 1999), vai mais longe quando comenta que o sistema do capital
além de destrutivo, especialmente quando subverte a produção do capital em propósito da humanidade, é
também, no limite incontrolável.
164
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Seria o mesmo que dizer que o proletariado se forma e se define


pela separação dos meios sociais de produção, em especial da terra e daí da
natureza como um todo. Na prática, isso significa a perda do domínio das
técnicas agrícolas e da compreensão intrínseca dos processos naturais, sendo que
a existência do proletariado enquanto classe - portanto considerando-se a
consciência de mundo - foi e é fundada pela sua experiência no trabalho
industrial. Então, no que se refere especialmente à relação sociedade-
natureza - que parece para o proletário, legitimada/unificada sob o manto do
domínio do capitalista - pode-se admitir que a fábrica ao sintetizar a identidade
do proletário, evidencia que é o lugar privilegiado da dominação técnico-
científica da natureza. Com isso têm-se os fundamentos básicos do culto à
ciência como reificação da práxis social subordinada única e exclusivamente à
lógica da reprodução do capital, cuja fetichização faz do cientificismo, por um
lado, instrumento de dominação da burguesia sobre o proletariado - com todos
os desdobramentos ideológicos - e por outro lado, o culto de que as ciências
detêm a chave de todos os problemas da humanidade146.
De todo modo, isso nos estimula pensar que o homem proletário
perde a condição de sujeito de sua própria história, para tornar-se força de
trabalho para a acumulação e reprodução do capital, demonstrando, então, por
todas as letras o quanto se encontra divorciado de si mesmo, desde o momento
que é separado no processo capitalista, da natureza e conseqüentemente do
próprio produto do seu trabalho147.
A tendência do capital à expansão, como salienta Mészáros148:
“nada mais é, ao fim e ao cabo, que a tendência à expansão de riqueza humana
alienada, e nesse sentido, é uma tendência à expansão, intensiva e extensiva, da
destrutividade das relações sociais” (1998, p. 141).
A esse respeito, Antunes, enfatiza que:
Como resultante da forma do trabalho na sociedade
capitalista tem-se a desrealização do ser social. O
resultado do processo de trabalho, o produto,
aparece junto ao trabalhador com um ser alheio,
como algo alheio e estranho ao produtor e que se
tornou coisa. Tem-se, então, que essa realização
efetiva do trabalho aparece como desefetivação do
trabalhador”149 (1995, p. 124).

146
A esse respeito, consultar a obra de Adam Shaff “El Marxismo el Final de Siglo. Barcelona: Editorial
Ariel, 1994. Capítulo “Consecuencias Sociales de la Actual Revolución Científica y tecnológica”.
147
Cf. MOREIRA, 1989.
148
Cf. MÉSZÁROS, 1998.
149
Cf. ANTUNES, 1995.
165
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Se para o trabalho alienado do processo produtivo como um todo,


base, aliás da dominação de classe no capitalismo, a separação entre força de
trabalho, natureza e meios de produção, entre trabalho morto e trabalho vivo,
comparece como algo constitutivo e “natural” da finalidade intrínseca da
garantia das necessidades sociais, nada mais emergente inserir no debate, a
dinâmica sócio-territorial, as territorialidades, enfim evidenciar que os rearranjos
em pauta produzem e requalificam as funções dos atores sociais implicados150.
O procedimento do cientificismo fetichizou os riscos a que a
sociedade foi submetida, tendo em vista que o desenvolvimento incomensurado
das ciências e das técnicas põe em xeque o futuro da humanidade, socializando
de forma profunda e ampla todas as mazelas do produtivismo, conclamando a
todos à preservação da natureza, todavia virando as costas para o chamamento
lançado pelos movimentos ecológicos e alguns partidos políticos comprometidos
que se vinculam à tese da insubordinação da práxis social à lógica da reprodução
do capital. Então, o que deve ser mais uma vez repensado é que a técnica, a
tecnologia e todo o aparato expresso em maquinário, etc., não são contra o
trabalhador, mas, todavia, a favor do capital, o que é diferente.
Equivale dizer que as dinâmicas são dadas pelas relações que se
processam no interior das sociedades e os demais elementos da natureza. Como
se pressupõe que essas relações sejam dialéticas, assume-se o fato de que os
homens ao organizarem-se socialmente não sejam extraídos da natureza,
ou seja, o homem pode ser e é um componente da natureza e da
sociedade, sendo que a esta influencia e é por ela influenciado.
Com base nisso:
... partimos do pressuposto da unidade entre
sociedade e natureza, sendo esta considerada como
totalidade e as relações sociais os principais fatores
que regem o processo de construção espacial”. Por
conseguinte, o tratamento especificamente geográfico
dos mais diversos temas “(...) pode-se concretizar
somente se não fizermos uma abordagem dicotômica
pois, dessa maneira estar-se-ia isolando fatores que
não podem ser considerados em separado, quando se
trata de uma abordagem geográfica151.

Dessa forma, defende-se ser possível contribuir com a discussão


posta a partir da “leitura” geográfica, capaz, todavia, de permitir-nos
compreender a processualidade social que, por sua vez, substantiva-se em

150
Essas questões, bem como o processo recente que submete o trabalho a comportamentos, inserções e
ações políticas, tendo em vista as diferentes formas de precarização - podem ser encontradas em
Território em Transe. (THOMAZ JR., 1999).
151
Cf. PEREIRA, 1995.
166
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

ordenamento territorial diferencial, mediante dinâmicas específicas que se


materializam nos lugares.
Põe-se, então, em questão, o reencontro do homem com a natureza.
Essa refundição nos remete, necessariamente, à superação do apego dualista e
dicotômico, presente na Geografia desde sua pré-história que atravessou séculos,
e ainda se faz presente até hoje, através da clássica formulação geografia física x
geografia humana e na fragmentação do objeto num sem número de
especialidades152. Quer-se dizer que esse procedimento confunde, tendo em vista
o forte apego ao discurso genérico, ao invés de demonstrar o processo
contraditório de apropriação da natureza e da sociedade à dinâmica da máquina
produtiva não se consolida através do homem genérico, tampouco dos recursos
naturais, quiçá nos permite entender o (re)ordenamento territorial dos
fenômenos.
De todo modo, o verdadeiro reencontro do homem com a natureza
dá-se também com o reencontro do homem consigo mesmo, no momento em
que o homem trabalhador (alienado), (re)conquista a sua condição de sujeito de
sua própria história. Essa soberania é capaz, pois, de repor ao proletariado o
restabelecimento da unidade da história do próprio homem com a história da
natureza153. Sem, contudo, nos esquecermos, como advertiu Marx de que “o
proletariado está obrigado a abolir-se a si mesmo, se de fato pretende a
superação da sociedade do capital”154.
Se do ponto de vista metodológico, foram lançados os desafios
para a refundição do homem à natureza, através do discurso (“leitura”)
geográfico, há também que se empenhar em (re)apresentar a base fundante desse
processo, qual seja, a razão epistemológica de uma ciência voltada ao
desvendamento das contradições do capitalismo através do fundamento central
do reordenamento territorial dos fenômenos. Assim, quer-se concluir que, afinal,
não é exclusivo da Geografia conhecer, tampouco desvendar as infindáveis
interações existentes entre a sociedade e a natureza, sabendo-se, pois, ser esse o
objetivo de qualquer ciência, mas sobretudo qualificar essa refundição,
notabilizando-se pela “leitura” de mundo fundada na dinâmica e no
ordenamento territorial da sociedade.

152
Sugierimos a leitura do livro “O Discurso do Avesso”, do professor Ruy Moreira. Esse trabalho
merece atenção especial por parte dos geógrafos, tendo em vista o envolvimento salutar do autor na
polêmica posta.
153
Mais detalhes, ver: Marx; Engels (1975), em “A Ideologia Alemã”; e Engels (1979) “Dialética da
Natureza”.
154
Cf. MARX, 1983.
167
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

4. O Fim da exploração do homem pelo homem....

A esse respeito, nos juntamos a Bihr (1998), para defendermos a


idéia de que se qualquer luta anticapitalista somente deve, hoje, integrar uma
dimensão ecológica, inversamente qualquer luta no terreno ecológico deve
logicamente desembocar em uma perspectiva anticapitalista.
“Conseqüentemente, se queremos introduzir uma dimensão ecológica na luta
anticapitalista e se inversamente queremos engajar as lutas ecológicas em uma
perspectiva anticapitalista, é necessário realizar uma verdadeira revolução
cultural no movimento operário” (1999, pp. 134 e 137).
O fato é que as condições da reprodução do capital ultrapassam de
forma avassaladora a seara econômica, para se estender à totalidade da vida
operária, ou das condições sociais de existência da sociedade em geral e em
especial, da classe-que-vive-do-trabalho e das classes sociais de maneira geral.
Faz-se necessário explicitar que a luta contra a exploração e a
dominação capitalistas deve, necessariamente, congregar esforços e ações
vindos de diferentes direções, de diferentes setores da sociedade civil e não
somente do proletariado, mas para o conjunto da sociedade que está subsumido
à sua lógica de reprodução e de dominação. Quer-se com isso afirmar que o
ímpeto que se busca alcançar com a superação da fragmentação em entes
diferentes e por via de conseqüência, o apontamento da refundição do homem à
natureza, portanto ser esse o referencial da luta anticapitalista, faz-se necessário
que o leito do conflito se dê tanto dentro quanto fora do trabalho. Esse é, pois, o
estuário no qual deve verter como elemento central a reapropriação da totalidade
das condições sociais de existência, acabando com a separação entre movimento
operário e os movimentos sociais comprometidos com a libertação de classe155.
Nada mais arriscado passar ao largo dessas questões ou apenas
tangenciá-las como o faz e sempre primou em assegurar o modelo social-
democrata, que tanto se fortaleceu no movimento operário e na sociedade como
um todo. A unificação orgânica entre os atores fundamentais, identificados com
a emancipação da sociedade do jugo da dominação burguesa, tem a seu favor a
amplificação da malha social capaz de apropriar-se da abrangência da luta de
classes.
Embora tenham atacado o poder capitalista no processo de trabalho
e também em todo processo de produção, só raramente foram além e colocaram
em questão a organização capitalista da sociedade para fora da produção,
manifestando dessa forma, limites seríssimos em relação à consciência de classe.

155
Sobre esse assunto, Thompsom, E. P., tece comentários interessantes sobre a perspectiva recente, para
os movimentos sociais, em particular na Europa, com o propósito de resgatarem um compromisso com a
sociedade rumo à libertação da dominação capitalista. Trata-se da obra: “Nuestras Libertades y Nuestras
Vidas”. Barcelona: Editorial Crítica, 1987.
168
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

O comparecimento em cena, em especial, a partir dos anos 70, na


maioria dos países ocidentais, dos movimentos ecológicos, inclusive no Brasil
em plena ditadura militar, para aflorar de forma mais significativa na década
seguinte, na rabeira da redemocratização do país, as campanhas em defesa da
Amazônia principalmente e de outros recortes, na Europa em especial, como os
movimentos pacifistas, feministas, anti-nucleares, anti-globalização, o próprio
Fórum Social Mundial (FSM), fizeram brotar as chamas de práticas alternativas,
conclamando rupturas com a ordem existente, todavia desarticuladas
organicamente do conjunto das demais frentes de organizações do movimento
operário (sindicatos, associações, centrais sindicais, partidos políticos, etc.).
Sem embargo, dados os estreitos marcos deste texto, cabe destacar
a importância das ações que partem fora da esfera do trabalho e da produção,
mas que, no entanto, direcionam suas atenções para aspectos diretamente
envolvidos nas e pelas relações capitalistas de produção, com repercussões para
a dinâmica específica da natureza. E é por esse caminho que se faz importante
registrar que, embora esses novos movimentos sociais tenham cumprido
importante papel para a reaglutinação de forças, a eles foi delegada a tarefa de
constituir uma nova hegemonia anticapitalista.
Tamanha responsabilidade não poderia ter deixado as marcas de
inúmeros insucessos e decepções. Tampouco, poderia ausentar-se o tarefismo
que inflama setores importantes da academia, que mesmo garantindo qualidade
dos trabalhos, cumprem, na maioria dos casos, prescrições dos órgãos
financiadores que impõem modelos pré-definidos que, portanto, não são capazes
de inflamarem a sociedade e ocuparem a centralidade das reflexões maiores e
que recoloquem em cena os grandes desafios para o país156.
Mesmo havendo um profundo descontentamento de diversos
setores da comunidade acadêmica, com os índices alarmantes das desigualdades
sociais no Brasil, não há, todavia, comprometimento compatível capaz de se
lançar ao chamamento de questões que componham um novo imaginário social,
distante, então, do continuismo e da composição em pauta, por assuntos e
discussões definidas pelo Estado brasileiro.
Insiste-se, todavia, em retomar alguns apontamentos, cuja inserção
nos remete à reflexão da socialização capitalista da sociedade, promovida pelo
capitalismo. O aparecimento dos demais movimentos sociais, propugnando
novos comportamentos, rupturas com o esquema de acumulação de riquezas,
liberdade, autodeterminação dos povos enfim, faz emergir de forma espetacular
acenos importantes para a compreensão das contradições sob as quais a
sociedade se edifica, ou seja, colocam em questão também a organização
capitalista da sociedade fora da produção.

156
A esse respeito sugiro a leitura dos textos e documentos produzidos pela Consulta Popular, onde
figuram alguns textos e o livro “Opção Brasileira”. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998.
169
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Os movimentos sociais, num esforço conjunto de segmentos


importantes do movimento operário que se independentizam dos preceitos
rígidos do referencial social-democrata, lançam-se a conferir, cuidadosamente,
as explicitações das contradições em marcha na contemporaneidade, como
forma de anunciar as possíveis alternativas para a construção de novo rearranjo
da sociedade, dotada, portanto, de uma práxis social assentada na refundição do
homem com a natureza, enfim, um contra-poder157 capaz de criar as condições
objetivas e subjetivas rumo à sociedade socialista.
Reside aqui, aspecto importante que repõe a necessária unificação
orgânica entre os novos movimentos sociais e a luta de classe do proletariado,
que longe de reivindicar soberania ou lideranças desnecessárias, é protagonista
também da luta rumo à construção contra-poder de base popular.
É, então, a partir desses referenciais que a sociedade
contemporânea do final do século XX disponibiliza indelevelmente de recursos
intelectuais e sobretudo políticos - e daí o papel importante do conhecimento
científico e em particular o geográfico, tendo em vista os impactos dos
desdobramentos territoriais - estender o chamamento para os tropeços que o
processo de socialização capitalista da natureza e da sociedade lançam e que dão
origem às crises e conflitos. Quer-se mostrar que a depredação e a pilhagem
sobre a natureza, o desenraizamento dos grupos sociais dos seus nichos
originários, a intensificação dos meios de comunicação social, a
complexificação das práticas sociais atuais, enfim, tudo isso impulsiona ao
extremo o desenvolvimento quantitativo e qualitativo das forças produtivas e
retira do isolamento as instâncias desintegradoras da hegemonia capitalista.
Têm-se, então, as condições objetivas do processo que faz com que o
capitalismo complete sua obra revolucionária, ao amadurecer e fazer precipitar o
anúncio de uma sociedade que contemple, por exemplo, o fim da pilhagem da
natureza e da exploração do homem pelo homem, a ponto de as atuais mazelas
sociais, como a fome - muitas vezes delegada equivocada e malogradamente, à
ingratidão da mãe natureza, por conta das secas prolongadas etc, no Brasil e na
África - possam efetivamente ser extirpadas.
Nessa linha de pensamento, é oportuno considerar novamente, o
papel revolucionário também do operariado, ainda mais quando se considera
algo mais amplo e heterogêneo, como a unificação orgânica entre o conjunto das
organizações dos trabalhadores, desde as instâncias proletárias, passando pelas
diversas frentes de luta dos movimentos sociais e demais organizações da
sociedade organizada, pretextando, pois, o anúncio de uma contra-sociedade,
assumindo como alvo referencial, a equação da crise ecológica. Mais ainda,
formular alternativas concretas, então, para a substituição do produtivismo
tradicional, para outra forma de se conceber a natureza e a sociedade.
157
A esse respeito Bihr, desenvolve importante reflexão sobre o desenvolvimento dos contra-poderes,
por dentro da sociedade capitalista em direção à sociedade comunista. (1998, p.219-225).
170
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Trata-se, dessa forma, de considerar que a interrogação feita pela


crise ecológica para toda a sociedade, por exemplo, a partir das expectativas de,
no curto prazo, prever-se a ausência de água potável para parcelas cada vez
maiores da sociedade, juntamente com a necessidade de se empenhar em lutas
específicas para garantir emprego para todos - talvez através da própria
reivindicação em pauta pelo movimento operário europeu, com a conclamação
da jornada de 35 horas semanais - coloca sob alerta a humanidade como um
todo, sobretudo, os segmentos comprometidos com a libertação das amarras da
dominação capitalista.
Remetida à contemporaneidade, a reinserção dos princípios
elementares e mais nobres da solidariedade entre os setores libertários poderá
requalificar todo edifício de estruturação dos fundamentos táticos e estratégicos
das lutas a serem colocadas em prática, tanto a apresentação de alternativas para
a gestão da crise ecológica, quanto a lutar por 35 horas de jornada semanal de
trabalho - que pode significar trabalhar menos para que todos trabalhem -, mas
sobretudo colocar em discussão o funcionamento da sociedade na sua totalidade,
ousando a antecipar-se a gerir o patrimônio da humanidade, que é a natureza,
seus modos de produção e consumo, as técnicas utilizadas, a ciência, etc.
Como acrescenta Bihr (1998): A crítica ecológica pode levar o
movimento operário a elaborar uma lógica alternativa contrária ao
industrialismo capitalista. Claro que tudo isso acaba por questionar a própria
finalidade do modo de produção158.
A propósito, a desfetichização da separação entre natureza e
sociedade faz emergir ações específicas para a sua desalienação dos efeitos da
fragmentação da prática social imposta pela (re)produção ampliada do capital,
de tal forma a consagrar que o processo de socialização capitalista da sociedade
é também ao mesmo tempo dessocialização que faz consubstanciar-se numa
(re)ssocialização, agora não mais assentada sob os referencias da separação entre
força de trabalho, meios de produção e divisão mercantil do trabalho, mas na
reunificação orgânica e autogestionária entre sociedade e natureza.
Longe, dessa forma, da utopia conservadora que fetichiza o uso e a
exploração da natureza sob os princípios do conservadorismo reacionário de
proteção e defesa de uma natureza “dessituada” histórica e geograficamente,
põe-se a refletir que os propósitos de alguns setores do movimento ecológico -
muito assíduos em diversas partes do mundo e de forma especial no Brasil - em
anunciarem a crise ecológica, aos desassobros da pobreza, da ocupação do
território de forma ilegal/ilegítima etc, da exclusão, portanto, não consideram os
verdadeiros motivos que dão conteúdo às formas que precipitam na forma de
paisagens.....

158
Entrevista concedida pelo autor, para o professor Ricardo Antunes e publicada, na edição do Caderno
Mais, da Folha de São Paulo, p.5, do dia 10 de janeiro de 1999, com o título “A Opção Verde”.
171
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Por essa via, vê-se o pronunciamento de que a alternativa do


capitalismo ecologicamente reformado - aliás referencial adotado pela maioria
dos movimentos ecológicos - muito explorado, inclusive pelos artífices do
terceiro setor de utilidade social159 tem por fundamento propor um novo
compromisso entre capital e trabalho, diferente do ideário fordista, e tampouco
nos permite concluir com essas avaliações que a atual crise ecológica exige a
defesa da natureza, tendo em vista respeitar ou restituir uma ordem natural
considerada imutável e intocável.
A esse respeito Bihr (1998, p. 132), assevera que:

... o problema não é preservar uma ordem natural no


quadro da qual a ação humana deveria estritamente
se limitar, mas de conseguir eliminar as retroações
negativas sobre a humanidade de sua indispensável
ação de transformação da natureza. E por isso,
controlar essa própria ação, liberando-a da
influência das relações capitalistas de produção, que
dela fazem, atualmente, uma obra destruidora.

5. O Jogo das utopias. Sociedade e natureza sob os riscos da submissão ao


capitalismo

Recompor forças e se dispor à reflexão de temas polêmicos, eis o


que se apresenta, sobretudo quando se põe em questão um repensar
epistemológico da Geografia para focar o rebatimento disso para a questão
ambiental e ecológica. Mais ainda, quando se propõe a pensar no
entrecruzamento dessa dinâmica, com a dinâmica do trabalho, já consumado,
portanto, no processo de trabalho e de valorização do capital, e
conseqüentemente, nos mecanismos e nas alternativas que se apresentam diante
da apreciação das ações específicas das diferentes frentes de luta do movimento
operário (sindicatos, centrais sindicais, partidos) e demais organizações dos
trabalhadores, representativos dos movimentos sociais como um todo, tais como
o movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST), movimentos ecológicos,
etc.
Nesse ínterim, essa discussão ganha novos contornos com o
surgimento de entidades e instituições que se lançam a questionar os
pressupostos do jugo da sociedade aos fundamentos consolidados de
exploração/expropriação/dilapidação do patrimônio coletivo da sociedade.

159
A esse respeito ver: Lipietz, 1997.
172
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

Trata-se, por exemplo, da nova reformatação dos recursos hídricos proposta pelo
Comitê de Bacias Hidrográficas do Estado de São Paulo, em especial a regional
Pontal do Paranapanema (CBH-PP)160.
Todos sabemos que haverá de se implementar estudos, pesquisas e
discussões mais abrangentes e aprofundadas a título de alçar compreensão capaz
de expressar as contradições que (re)qualificam a dinâmica da sociedade e das
formas e procedimentos da engrenagem produtiva. Para tanto, faz-se necessário,
não somente vencer os limites da ciência, como se apresentam, ou as fronteiras
disciplinares corporativamente defendidas, mas apontar para a busca efetiva do
desvendamento das entranhas da sociedade capitalista, rumo à superação dos
mecanismos de dominação. Daí o papel importante a ser desempenhado pela
Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) e demais entidades e pessoas
envolvidas nesse processo.
Há que se incluir e contemplar na agenda de trabalho, condições
para apreciação especial dessas contribuições setoriais por parte das demais
entidades de organização da sociedade civil e do movimento operário,
fundamentalmente para dar-lhes o amálgama que encantará o ressurgimento de
ações a serem multiplicadas para todos os lugares, pretextando a construção de
um contra-poder de base popular, rumo à sociedade sem explorados e sem
exploradores, enfim, o despertar de novos desafios para a sociedade do trabalho.
Dessa forma, ultrapassar-se-ão os limites e as mediações sinalizadas pelos
artífices da neo-social-democracia européia, que sob o manto do terceiro setor
de utilidade social, defendem a sobrevivência do capitalismo em nome da
melhoria e da qualidade de vida dos trabalhadores, o que não se deve admitir
tendo em vista que a utopia capitalista em 500 anos de história mostrou-se
incapaz de resolver as demandas básicas da humanidade161.
Privilegiando, então, a rearticulação dialética entre forma e
conteúdo, imagina-se que, em nível metodológico, poder-se-ia inserir a
Geografia no debate sobre a questão ecológica e ambiental, de forma a dar-lhe
status de um discurso científico capaz de apreender a dinâmica contraditória da
sociedade dos homens concretos, donde o homem e natureza se fundem num
movimento único. Daí a necessária retomada da nota epigrafada, para
definitivamente não sermos absorvidos pelo ideário dominante nas ciências de
forma geral e na Geografia de forma particular.
Esse, talvez, seja um longo caminho a ser percorrido, rumo à
construção de um movimento social de caráter socialista. Todavia, é o que nos
coloca mais perto dos pressupostos de uma gestão da sociedade, fundada na
abolição da propriedade privada dos meios de produção e, conseqüentemente, da

160
De março de 1999 a setembro de 2002, fomos representantes (suplente) da FCT/UNESP no Comitê de
Bacias Hidrográficas – Pontal do Paranapanema (CBH/PP), juntamente ao Professor Antonio César Leal
(titular).
161
Cf. SHAFF, 1985.
173
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

exploração do homem pelo homem, portanto, natureza e sociedade libertas dos


riscos da submissão e da hegemonia burguesa no capitalismo e de maneira mais
ampla, livres da estrutura societária do capital.

174
♦ Geografia Passo-a-Passo – Ensaios Críticos dos anos 1990 ♦

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