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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
SOCIOLOGIA E DIREITO
NITERÓI
2016
1
Niterói, 2016
2
CDD 340.2
3
BANCA EXAMINADORA:
..........................................................................................
Prof. Dr. Joaquim Leonel de Rezende Alvim (orientador)
..........................................................................................
Prof.ª Dr.ª Lia Tiriba
..........................................................................................
Prof. Dr. João Roberto Lopes Pinto
..........................................................................................
Prof. Dr. Maurício Mello Vieira Martins
..........................................................................................
Prof.ª Dr.ª Carla Appollinario de Castro
..........................................................................................
Prof. Dr. Antônio Carlos Martins da Cruz
Niterói, 2016
4
RESUMO
Palavras-chave:
Organizações de Trabalho Associado; Economia Solidária; Autogestão; Movimentos
Populares; Processo de Consciência.
5
ABSTRACT
The aim of the research is to compare the institutional aspects of four Worker Self-
Management Initiatives (WSI) in order to verify to what extent the self-management process
changes the working relationships, and is related to other political struggle prospects. Then is
necessary to interpret the impact of this relationship and institutional conditions resulting in
the possibility of workers emancipation, examining the the limits and possibilities of self-
management as a means to empowerment, especially to the consciousness process. The
experience of some popular movements led to the emergence of many economic WSI, which
resulted from own transformations that have occurred in recent decades in Latin American
society. WSI were constituting an unprecedented pace. However, there was a gap between
popular movements and the Self-Management Initiatives, which led to a departure from the
WSI of the political confrontation field. The research was conducted from a historical-
sociological cut with comparative purposes. It was carried out through empirical field studies
in four WSI that linking qualitative and quantitative dimensions of research, and combined
documentary analysis; audiovisual and electronic to semi-structured interviews were applied
to workers who are part of the WSI. The research is theoretically guided by marxismo
autogestionário. The incorporation of broader political struggles (from reclaim to
contestation) through an organic relationship with popular movements and organizations
becomes an indispensable way to expand the economic and corporate agenda of WSIs,
allowing them to develop and test mediations beyond capital.
Keywords:
Worker Self-Management Initiatives; Solidarity Economy; Self-management; Popular
Movements; consciousness process.
6
RESUMEN
Palabras Clave:
Organizaciones de Trabajo Asociado; Economía solidaria; Autogestión; Movimientos
populares; Proceso de toma de conciencia.
7
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
OTAs pesquisadas (Quadro 1) 20
Rosácea dos Empreendimentos Autogestionários (quadro geral) –
Empreendimento padrão (Figura 1) 23
Rosácea dos Empreendimentos Aa e Ae (Figura 2) 24
Autogestômetro institucional - Organizações de Trabalho Associado (OTAs)
(Figura 3) 26
Autogestômetro individual - trabalhadores das OTAs - (Organização de
Trabalho Associado 3, Trabalhador 1) (Figura 4) 27
Indicadores institucionais – numeração e descrição (Quadro 5) 36
Indicadores comportamentais – numeração e descrição (Quadro 6) 40
Complexo Flaskô (Figura 5) 53
Veja – o que acontece numa fábrica ocupada (Figura 6) 62
Autogestômetro institucional – OTA 1 – Fábrica Ocupada Flaskô (Figura 7) 65
Autogestômetro institucional – OTA 2 – CooperActiva - Okupa 171 (Figura 8) 75
Autogestômetro institucional – OTA 3 – Cooperativa Teia Ecológica (Figura
9) 93
O campo da Economia Solidária no Brasil (Figura 10) 109
Autogestômetro institucional – OTA 4 – Núcleo de Produção das Artesãs da
Associação Bem da Terra (Figura 11) 114
Processo dialético de totalização mediado pelos grupos (Sartre e considerações
de Iasi) (Figura 12) 138
Quadro comparativo por contraste dos indicadores comportamentais nas 4
OTAs (Quadro 7) 155
OTAs em perspectiva comparada (Figura 13) 167
Comparação OTA 1 – institucional x comportamental (trabalhadores) (Figura
14) 168
Comparação OTA 2 – institucional x comportamental (trabalhadores) (Figura
15) 169
Comparação OTA 3 – institucional x comportamental (trabalhadores) (Figura
16) 170
Comparação OTA 4 – institucional x comportamental (trabalhadores) (Figura
17) 171
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
REFERÊNCIAS 205
ANEXOS 211
ANEXO A Roteiro semiestruturado para entrevista dos informantes-chave e
coleta de dados referentes às organizações de trabalho associado 212
ANEXO B Roteiro estruturado de entrevista com questões diretivas e não
diretivas abertas aplicadas aos trabalhadores e trabalhadoras das
organizações de trabalho associado 214
ANEXO C Quadro 2 – Indicadores e variáveis institucionais para tabulação 216
ANEXO D Quadro 3 – Indicadores e variáveis comportamentais para tabulação 223
ANEXO E Autogestômetro comportamental T 1 e T2 – OTA1 229
ANEXO F Autogestômetro comportamental T 3 e T5 – OTA1 230
ANEXO G Autogestômetro comportamental T 5 e T6 – OTA1 231
ANEXO H Autogestômetro comportamental T 1 e T2 – OTA2 232
ANEXO I Autogestômetro comportamental T 3 e T4 – OTA2 233
ANEXO J Autogestômetro comportamental T 1 e T2 – OTA3 234
ANEXO K Autogestômetro comportamental T 3 e T4 – OTA2 235
ANEXO L Autogestômetro comportamental T 3 – OTA3 e T1 – OTA 4 236
ANEXO M Autogestômetro comportamental T 2 e T3 – OTA4 237
ANEXO N Autogestômetro comportamental T 4 e T5 – OTA4 238
10
INTRODUÇÃO
Na América Latina, o período neoliberal fez com que o trabalho associativo emergisse
com grande força em todo o continente, inserido no contexto das duras condições de
reprodução da vida, originado pelas especificidades do desenvolvimento capitalista
dependente2, e impulsionadas pela reconfiguração da divisão internacional do trabalho sob a
finança mundializada3.
1
Aqui e em todo o texto será empregada a terminologia Organização de Trabalho Associado (OTA) como
gênero em que estão compreendidas algumas espécies de cooperativas populares, empreendimentos econômicos
solidários, empresas recuperadas, fábricas ocupadas, coletivos informais e outras definições. De acordo com Dal
Ri e Vieitez o trabalho associado configura-se quando um coletivo detém posse ou a propriedade de uma unidade
econômica passando a controlar a sua gestão. Este possui algumas características que o diferencia das empresas
capitalistas, como: supressão do trabalho assalariado; retiradas (salários) iguais ou equitativas; substituições das
hierarquias burocráticas por coordenações; deliberações em Assembleias gerais; nova perspectiva educacional
para os trabalhadores, entre outras. Neste sentido, os autores empregam a expressão OTAs mais-democráticas
para designar empreendimentos com algumas características mais propensas ao engajamento em processos de
mudança social. O trabalho associado está ainda inserido num sistema de cooperação com o capital. Assim, este
surge quando essa mesma cooperação com o capital é empregada no intuito de forjar um sistema de cooperação
autônomo ou para si. (em: VIEITEZ, Candido Giraldez; DAL RI, Neusa Maria. Trabalho associado e mudança
social. In: DAL RI, Neusa Maria [org.]. Trabalho Associado, Economia Solidária e Mudança Social na América
Latina. Associação das Universidades Grupo Montevidéu. São Paulo: Cultura Acadêmica; Marília: Oficina
Universitária; Montevidéu : Editorial PROCOAS, 2010). Relevante apontar que a definição Organização de
Trabalho Associado também foi utilizada para designar as “entidades fundamentais do sistema de autogestão
iugoslavo”. QUEIROZ, Bertino Nóbrega de. A autogestão iugoslava. São Paulo: brasiliense, 1982, p. 40.
2
FERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1972 e
Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975.
3
A mundialização é resultado de dois movimentos conjuntos, estreitamente interligados, mas distintos. O
primeiro pode ser caracterizado como a mais longa fase de acumulação ininterrupta do capital que o capitalismo
conheceu desde 1914. O segundo diz respeito às políticas de liberalização, de privatização, de
desregulamentação e de desmantelamento de conquistas sociais e democráticas, que foram aplicadas desde o
início década de 1980, sob o impulso dos governos Thatcher e Reagen. CHESNAIS, François. A mundialização
do capital. São Paulo: Xamã, 1996, p.34.
11
4
NASCIMENTO, Cláudio. Momentos e Ideias Decisivas para uma história da autogestão. Disponível em
<https://cirandas.net/recapes/biblioteca/cartilha-autogestao.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2013.
12
Este é o dilema central que enseja a presente pesquisa. A percepção a partir do local de
fala e da experiência profissional e militante do pesquisador é de que esta relação (OTAs x
Movimentos x OTAs) está cada vez mais enfraquecida. O movimento operário e sindical
distanciou-se da discussão sobre o Trabalho Associado. Com exceção de alguns movimentos
que tem seus integrantes ancorados num Sistema Cooperativista de Assentados (SCA), como
no caso dos movimentos da Via Campesina, a impressão é que o ingresso dos trabalhadores
na dinâmica da produção associativa raramente ocorre por intermédio dos sujeitos coletivos e
tende a ser cada vez mais avulsa ou serializada.
Neste quadro, por um lado, as OTAs tendem a afastar-se do campo da disputa política,
e, por outro, os movimentos populares desperdiçam importante oportunidade de organizar
trabalhadores que se encontram desvinculados de postos fixos de trabalho, portanto, longe do
foco de alcance do movimento sindical, em que pese todas as atuais dificuldades em alcançar
os trabalhadores assalariados convencionais.
Assim, os problemas centrais de pesquisa desta tese são: (1) em que medida a
autogestão no Trabalho Associado pode ser considerada uma mediação propícia para o
desenvolvimento de práticas democratizantes, comprometidas com a emancipação dos
trabalhadores e com a socialização dos eventuais avanços obtidos no interior das unidades
produtivas? (2) Quais elementos ou tendências institucionais apresentam-se como mediações
propícias para a constituição de uma nova consciência e de uma práxis autogestionária
ampliada nos sujeitos inseridos nas Organizações de Trabalho Associado?
outras forças populares, além de resgatar a imbricação pretérita com o movimento operário
popular pode ressignificar o papel de resistência histórica do trabalho associativo na luta
pela autogestão societal ampliada, iniciando pelas unidades produtivas.
No que diz respeito às análises sobre o trabalho associado, parece que o acúmulo e a
saturação teórica sobre o tema não foi acompanhado de renovações significativas em termos
de modelos interpretativos que entendam o fenômeno como totalidade, especialmente na
relação das partes (unidades produtivas) com o sociometabolismo do capital, compreendido
como totalidade social.
Percebe-se uma polarização entre as interpretações, que enaltecem que tudo mudou
como num passe de mágicas e as leituras que denunciam que nada mudou, como se estes
coletivos nem tivessem existido. Em que pesem algumas importantes exceções,
aparentemente tal rivalidade ainda pauta boa parte da discussão acadêmica e política sobre as
experiências e processos de trabalho associativo.
5
NOVAES, Henrique. T. (Org.). O retorno do caracol à sua concha: alienação e desalienação em associações
de trabalhadores. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
15
Em relação à terceira tendência, embora composta por perspectivas que não caem na
falácia do enquanto não tomarmos o poder, nada mudará, e de mostrar as permanências e
mudanças nas fábricas recuperadas e cooperativas de trabalhadores, tende a adotar uma visão
microscópica da realidade social. 8
Novaes aponta a existência de uma ainda incipiente quarta via argumentativa. Esta via
- que apresenta consequências não só analíticas, mas para a ação política - é esboçada a partir
das trilhas deixadas por Marx, quando este faz a dialética da parte com o todo: das rupturas
com a antiga forma e a reprodução da antiga forma, para sinalizar as possibilidades de
ruptura social do movimento associativo reconhecendo-o como uma das forças
transformadoras da sociedade atual baseada em antagonismo de classes, mas sem, contudo
deixar de apontar a suas limitações para derrubar o sistema social do capital.
Uma primeira pista desta quarta via pode ser encontrada no documento intitulado
Instruções para os delegados do conselho geral provisório: as diferentes questões, quando
Marx remete as seguintes orientações para a Associação Internacional dos Trabalhadores:
6
NOVAES, Henrique T. (Org.). A alienação em cooperativas e associações de trabalhadores: uma introdução.
São Paulo: Expressão Popular, 2010.
7
NOVAES, op. cit. 2011.
8
NOVAES, op. cit. 2010.
16
Neste sentido, os horizontes de percepção construídos por Vieitez e Dal Ri10 e Gaiger11
e Novaes12, são interessantes exemplos de superação das limitações analíticas e políticas das
três tendências analíticas sobre o trabalho associado. Para Vieitez e Dal Ri há mudanças nas
fábricas recuperadas, principalmente na organização e nas relações de trabalho, bem como na
gestão. Contudo, os autores afirmam que as modificações realizadas até agora não dão conta
de transformar a essência das fábricas – produção de mercadorias, supremacia dos quadros
etc: assim a possibilidade de avanço estaria na articulação das fábricas recuperadas,
cooperativas e associações de trabalhadores com o movimento de luta mais geral dos
trabalhadores, e de uma visão e um programa de modificação da sociedade, e não apenas de
unidades produtivas. Para Gaiger, as formas de produção da Economia Solidária são atípicas,
porém podem conviver - sem abalar - o capitalismo; para que estas se convertam num novo
modo de produção que transcenda a alienação do trabalho, são necessárias mudanças
significativas. Entende-se que a leitura desses quatro autores permite superar as limitações
analíticas das três tendências apontadas, conectando o campo analítico ao elemento político
do trabalho associado à medida que as OTAs - quando concebidas como sujeitos políticos -,
prefiguram ou nos mostram alguns dos elementos do que seria uma forma superior de
produção, baseada no trabalho coletivo: com sentido social e com possibilidades de
emancipação humana e política. Evidentemente que as OTAs não conseguem se realizar em
9
MARX, KARL. “Instruções para os Delegados do Conselho Geral Provisório: as diferentes questões”. In:
BARATA-MOURA, J.; CHITAS, E.; MELO, F.; PINA, A. (orgs.). Marx e Engels: Obras Escolhidas em Três
Tomos. Lisboa: Edições Avante, 1982. Disponível em <http://www.marxists.org/portugues/marx/1866/08/instru
coes.htm>. Acesso em: 29 jan. 2014.
10
VIEITEZ, C. e DAL RI, N. M. Trabalho associado. Rio de Janeiro: DP&A, 2001; DAL RI, Neusa Maria;
VIEITEZ, Cândido, Giraldez. Movimentos Sociais, Trabalho Associado e Educação: Reformas e Rupturas. In:
NOVAES, Henrique Tahan; BATISTA, Eraldo Leme. (orgs.) Trabalho, Educação e Reprodução Social – As
contradições do capital no século XXI. Bauru, SP: Canal 6, 2011.
11
GAIGER Luiz Inácio. A economia solidária diante do modo de produção capitalista, 2003. Caderno CRH,
Salvador, n. 39, p. 181-211, jul./dez. 2003
12
NOVAES, Henrique. T. (Org.). O retorno do caracol à sua concha: alienação e desalienação em associações
de trabalhadores. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
17
13
MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2011.
14
Note-se que por preferência metodológica a organização dos capítulos não seguiu o formato tradicional das
pesquisas científicas, quando satura-se o marco teórico nos capítulos iniciais para ao final discutirem-se os
resultados do trabalho de campo.
15
IASI, Mauro Luis. As metamorfoses da Consciência de Classe: o PT entre a negação e o consentimento. São
Paulo: Expressão Popular, 2012; IASI, Mauro Luis. Ensaios sobre consciência e emancipação. São Paulo:
Expressão Popular, 2007; IASI, Mauro Luis. Processo de Consciência. São Paulo: CPV, 1999.
18
16
MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004. p. 538.
17
Ibid.
19
Na segunda fase, foi realizada pesquisa empírica de campo em quatro OTAs que,
articulando dimensões qualitativas e quantitativas à investigação, combinou a análise
documental, audiovisual e eletrônica às entrevistas semiestruturadas que foram aplicadas a
trabalhadores e trabalhadoras que integram as OTAs. Para tanto foram selecionadas quatro
organizações: (OTA 1) Fábrica Ocupada Flaskô; (OTA 2) CooperaActiva – Okupa 171;
(OTA 3) Cooperativa Teia Ecológica; (OTA 4) Núcleo de Produção das Artesãs da
Associação Bem da Terra (ver Quadro 1).
20
A terceira e última fase da pesquisa foi dividida em dois momentos: (1) análise do
material empírico obtido a partir das duas fases do trabalho de campo realizado (etapa
institucional e etapa individual) em perspectiva comparada a luz de temas caros ao
materialismo dialético como a consciência dos trabalhadores e o trabalho alienado para
problematizar as particularidades da alienação e as possibilidades de (des)alienação em
associações de trabalhadores; (2) verificação da intensidade da relação entre o processo
autogestionário interno nas OTAs e a existência de uma perspectiva autogestionária ampliada
com elementos políticos e econômicos de socialização dos avanços obtidos no interior da
unidade produtiva, a partir da integração sociopolítica e da organicidade socioprodutiva com
outras OTAs e com movimentos populares que sustentam bandeiras mais amplas de
resistência e contestação do Capital.
21
18
MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Campinas: Editora da
Unicamp/Boitempo, 2011.
19
“Ocupar, resistir, produzir”. Tema escolhido como palavra de ordem pelo Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra no ano de 1989, após o 5º Encontro Nacional (MORISAWA, 2001, p.145). Tais palavras de
ordem ganharam repercussão internacional e passaram a ser utilizadas como bandeira de luta por diversos
movimentos sociais e coletivos de várias partes do mundo parceiros ou simpatizantes do MST.
20
Os instrumentos para a pesquisa de campo, tabulação, análise e apresentação dos dados coletados foram
construídos a partir de instrumentos, variáveis e indicadores de pesquisa integrantes das seguintes obras: (1) A
enquete operária – o questionário de 1880 de Karl Marx. Em: Crítica metodológica, investigação social e
enquete operária (THIOLLENT, 1981); (2) Empreendimentos autogestionários provenientes de massas falidas:
relatório final (TAUILE et al., 2005); (3) Autogestão em avaliação (ANTEAG, 2004); (4) A autogestão na
perspectiva da análise do discurso (WEBLER, 2010); (5) Organicidade socioprodutiva: metodologia construtiva
de uma autogestão de caráter societal (BENINI et al., 2015); (6) Agitação e propaganda no processo de
transformação social (COLETIVOS DE COMUNICAÇÃO, CULTURA E JUVENTUDE DA VIA
CAMPESINA, 2007).
22
a) um quadro com 32 indicadores e quatro níveis para a análise e tabulação dos dados
referentes às tendências institucionais e mediações mais ou menos propícias para o
desenvolvimento da consciência e prática autogestionária ampliada nas OTAs (Quadro
2 – indicadores e variáveis institucionais para tabulação – Anexo C);
b) um quadro com 32 indicadores e quatro níveis para a tabulação e análise dos dados
referentes à consciência, prática e cultura autogestionária dos trabalhadores em relação
à autogestão interna, à autogestão ampliada e a aspectos sociopolíticos gerais (Quadro
3 – indicadores e níveis comportamentais para tabulação – Anexo D);
21
TAUILE, José Ricardo et al. Empreendimentos autogestionários provenientes de massas falidas: relatório
final: junho de 2004. Brasília: MTE, IPEA, ANPEC, SENAES, 2005.
24
Tal formato gráfico, além de ser uma estratégia de análise, tabulação e demonstração
clara dos resultados da pesquisa, é também instrumento pedagógico e de fácil assimilação por
parte dos sujeitos mais implicados pela investigação: os trabalhadores e trabalhadoras das
22
TAUILE et al., op. cit., p.102.
23
Ibid. p.74.
25
OTAs. Como os próprios autores destacam, é mais uma forma de exposição baseada no
sentimento transformado em expressão, do que propriamente um diagnóstico matemático dos
empreendimentos representados pelos seus níveis e comentários formais.
Por sorte, foi possível aproveitar alguns elementos do roteiro de pesquisa dos autores,
sendo necessário aprofundar outros indicadores para a proposta fosse desenhada. Importante
frisar que os autores destacaram alguns elementos institucionais centrais para o diagnóstico
das OTAs como o acesso ao crédito e à tecnologia, que em razão da delimitação imposta pelo
recorte metodológico, infelizmente não puderam ser capturados na etapa institucional do
trabalho de campo.
24
THIOLLENT, Michel. Crítica metodológica, investigação social e enquete operária. São Paulo: Polis, 1981.
p.8.
25
TAUILE et al., op. cit., p.102.
26
Ibid. p.74.
26
A partir do estudo das Rosáceas foi possível construir 2 instrumentos gráficos para
possibilitar a análise, a tabulação e a demonstração dos dados obtidos pelo trabalho de campo,
instrumentos definidos como autogestômetros. Considerando o objetivo comparativo da
pesquisa foi necessário o desenvolvimento de duas ferramentas, a saber: (1) autogestômetro
institucional - para tabular as informações referentes a cada uma das quatro OTAs;
(2)autogestômetro dos trabalhadores - focado na situação individual dos trabalhadores e
trabalhadoras das OTA entrevistados. Abaixo demonstra-se o autogestômetro institucional das
OTAs (Figura 3) e o autogestômetro individual dos trabalhadores (Figura 4).
27
Veja-se o quadro com os indicadores institucionais no Quadro 5.
28
28
ANTEAG – Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária;
IBASE. Autogestão em avaliação. São Paulo: Edições ANTEAG, 2004.
29
Ibid., p.25.
30
Ibid., p.27-28.
31
ANTEAG/IBASE, op. cit. 2004, p.95-96.
29
32
ANTEAG/ IBASE, op. cit. 2004, p.96.
33
Ibid.
30
Não há classe pura que exprima de modo inequívoco sua vocação histórica. Para
Trentin,
[...] a explícita imposição de problemática não pode ser avaliada negativamente tal
como no caso do questionário comum. Pois, na enquete operária, trata-se de
produzir certos esclarecimentos para incitar os respondentes a superarem as
respostas estereotipadas e desenvolverem suas faculdades de observação crítica. Isto
supõe uma redefinição dos objetivos metodológicos e dos efeitos da explicação.37
34
TRENTIN, 1981, p.260.
35
Ibid., p.261.
36
A enquete operária trata-se de um questionário elaborado em 1880 por Karl Marx, composto por 100
perguntas dirigidas aos operários franceses do campo e da cidade, pois “apenas eles podem descrever, com todo
o conhecimento de causa, os males que suportam, e de que só eles, e não os salvadores providenciais, podem
energicamente remediar as misérias sociais que sofrem” (1984, p.249). Com a ironia que lhe era peculiar, Marx
definiu que objetivo da enquete era o de animar o governo republicano francês a seguir o exemplo do governo
monárquico inglês.
37
THIOLLENT, op. cit., p.10.
32
38
MÉSZÁROS, op. cit. 2011.
39
De acordo com Garcia a expressão agitação e propaganda foi criada pelos revolucionários russos, para
designar as diversas formas de fazer agitação de massas e ao mesmo tempo divulgar os projetos políticos da
revolução. GARCIA, Silvana. Teatro da militância. São Paulo: Perspectiva/Edusp,1990. De acordo com o
coletivo de comunicação, cultura e juventude da Via Campesina: “a agitação e propaganda é um conjunto de
métodos e formas que podem ser utilizados como tática de agitação, denúncia e fomento à indignação das classes
populares e politização de massas em processos de transformação social. COLETIVO DE COMUNICAÇÃO,
CULTURA E JUVENTUDE DA VIA CAMPESINA. Agitação e propaganda no processo de transformação
social, 2007. Para Estevam, Costa e Bôas a agitação e propaganda podem ser entendidas como processos
históricos de engajamento da classe trabalhadora que desempenharam um papel decisivo não só para a elevação
da consciência de classe mas também para a construção de uma vigorosa cultura política. ESTEVAM, Douglas;
COSTA, Iná Camargo; BÔAS, Rafael Villas (orgs.). Agitprop: Cultura Política. São Paulo: Expressão Popular,
2015. AGITPROP é o termo que sintetiza a expressão agitação e propaganda. O termo foi disseminado por
diversos países, bem como as experiências dos grupos, brigadas ou coletivos de agitadores e propagandistas.
35
ou participação em programas de rádio, televisão e/ou internet, cinema, jornal, blog e páginas
nas redes sociais); (i) existência de relações políticas orgânicas da OTA com outras OTAs,
movimentos sociais, entidades de apoio, redes, outros coletivos e/ou com o Estado;
(j)existência de relações econômicas da OTA com outras OTAs, movimentos sociais, redes,
entidades de apoio e/ou Estado; (k) existência de registro detalhado do programa político ou
das demandas do movimento social referência da OTA com demonstração explícita de
transversalidade de pautas da OTA com outras pautas ou lutas sociais do movimento
referência ou de outros movimentos; (l) existência de canais de escoamento da produção por
fora do mercado capitalista/formal por intermédio de mediações partindo do intercâmbio
meramente mercantil em direção a uma renda de natureza sistêmica incorporando a produção,
a circulação, o crédito e o consumo assim como a integração da produção com sistemas de
compra direta governamental, com feiras agroecológicas/solidárias, cooperativas de consumo,
Grupos de Consumo Responsável, sistemas CSA (Comunidade que Sustenta a Agricultura),
Sistema Orgânico do Trabalho etc.; (m) existência de registro de variados aspectos para o
desenvolvimento e o sucesso da OTA com preocupação relacionada a aspectos financeiros, de
gestão, participação, cooperação interna e externa, autogestão ampliada, acesso à crédito e
intercooperação econômica e política com outros empreendimentos; (n) existência de
compartilhamento de espaços, recursos produtivos, economias de rede, serviços, crédito
solidário/intercooperativo, bens e objetos com outras OTAs ou redes de OTAs;
(o)desenvolvimento permanente de atividades de integração sociopolítica com as famílias dos
trabalhadores e a comunidade na qual a OTA está inserida, além de relacionamento com
outras instituições como associação de moradores, coletivos artístico-culturais, cursos EJA
(educação para jovens e adultos), escolas, universidades etc. Segue o Quadro 5 com os
indicadores institucionais e a numeração correspondente:
36
Para cada indicador institucional foram fixados quatro níveis para quantificar maiores
e menores tendências institucionais com mediações propícias para o desenvolvimento da
consciência e prática autogestionária, distribuídas nos seguintes níveis: nível (1) socialmente
37
inaceitável; nível (2) aceitável; nível (3) socialmente necessário; nível (4) padrão idealizado
(veja-se Quadro 2 – indicadores e variáveis institucionais para tabulação – Anexo C).
Importante frisar que não fomos rigorosos em relação à ordem das perguntas
estabelecidas no roteiro (Anexo A). As entrevistas, que tiveram duração aproximada de 50
minutos, foram conduzidas a partir de blocos inter-relacionados que permitiram um diálogo
fraterno e aberto com os trabalhadores. Assim, os elementos que interessavam foram surgindo
espontaneamente sem a necessidade de uma provocação forçada típica da técnica do
questionário. Tal opção permitiu triangular e falsear as informações fornecidas desvelando
contradições nas falas dos entrevistados, evitando o que Thiollent define como fenomenologia
ingênua, “muito frequente entre aqueles que pretendem aplicar entrevistas não-diretivas ou
„métodos antropológicos‟ para descrever o universo das pessoas investigadas através do que
elas dizem. Contra a ilusão empiricista é preciso reafirmar que a problemática sempre
existe”40. Assim, a observação participante de diversas atividades das OTAs, combinada com
a análise documental, audiovisual e eletrônica das organizações permitiu avaliar a
consistência das práticas, opiniões e comportamentos expressados pelos trabalhadores durante
as entrevistas.
40
THIOLLENT, op. cit. p.51.
38
No bloco (2) - autogestão societal ampliada – o objetivo foi avaliar a participação dos
trabalhadores em atividades políticas internas e externas que extravasem os muros da unidade
produtiva assim como a sua percepção sobre as relações políticas e econômicas estabelecidas
pela OTA com outras OTAs e atores sociais. Com isso, intenta-se decifrar em que medida a
solidariedade com a classe trabalhadora está presente no imaginário dos trabalhadores e qual a
sua percepção sobre uma eventual confluência dos objetivos corporativos da OTA com
bandeiras de lutas mais amplas e a socialização dos eventuais avanços obtidos no interior da
sua organização. Os indicadores do bloco 2 versam sobre: (a) histórico da OTA,
especialmente a memória pessoal sobre o momento de sua criação assim como as principais
mobilizações políticas, períodos de crise e vitórias ocorridas; (b) interesse por atividades
internas e externas de formação política e a efetiva participação nestas; (c) realização de
vivências em outras experiências de trabalho associado e constatação sobre as dificuldades
que estas também atravessam; (d) nível de compreensão sobre a existência de relações com
outros atores e como estas são feitas com eventual existência de setor específico para a tarefa;
(e) capacidade de identificar aliados, parceiros e adversários da OTA; (f) grau de clareza
sobre o que vem a ser os movimentos ou organizações sociais e a frequência de participação
nas suas atividades; (g) apropriação em relação ao movimento social ao qual a OTA faz parte;
(h) participação em organização ou movimento popular referência da OTA ou parceiro e a
condição e intensidade em que a participação ocorre; (i) opinião em relação a existência de
relações políticas locais, regionais, nacionais e internacionais assim como a importância de
contribuir nas lutas de trabalhadores e movimentos sociais contra a exploração onde quer que
ocorram; (j) a lucidez a respeito da existência de relações econômicas em nível micro e macro
econômico e a influência destas no funcionamento da OTA; (k) reflexão sobre perspectivas
ampliadas de autogestão tanto na esfera política como econômica - compartilhamento de
espaços, recursos produtivos, economias de rede, serviços, crédito solidário, bens e objetos
39
N° DESCRIÇÃO
1 Entendimento sobre a autogestão dentro da OTA
2 Considerações sobre a existência de diferentes opiniões entre os colegas e a percepção sobre a sua
importância
3 Entendimento sobre a cooperação e a colaboração
Autogestão interna
23
24 Posição em relação à Reforma Agrária
25 Avaliação sobre a proposta de redução da maioridade penal para fins de condenação
26 Avaliação sobre as cotas raciais e sociais de acesso ao ensino superior e outras instituições
públicas
27 Ponto de vista sobre a união homoafetiva ou sobre o casamento gay
28 Opinião sobre a capacidade das mulheres para exerceram cargo de direção, coordenação ou chefia
29 Reflexão sobre o modo de produção capitalista como modo de organização social
30 Apreciação sobre a existência de preconceito de raça, gênero e/ou classe social no Brasil.
31 Legitimidade dos partidos políticos e perspectiva sobre participação política
32 Nível de confiança nos meios de comunicação hegemônicos de massa
Fonte: Elaborado pelo autor (2016).
Enquanto as empresas não forem geridas pelos trabalhadores e não por patrões (de
direita) nem por tecnocratas (de esquerda), enquanto a sociedade não for
administrada pelos trabalhadores e não por políticos profissionais (de direita ou de
esquerda), o capitalismo continuará a existir e, no máximo, mudará de forma, sem
alterar o facto básico da exploração. Mas gerir as empresas e a sociedade é algo
que se aprende de uma única maneira: gerindo as próprias lutas. Só assim os
trabalhadores podem começar a emancipar-se de todo o tipo de especialistas e de
burocratas. E com este objectivo não há experiências simples demais. Por modesta
que seja uma experiência, os participantes vão-se habituando a dirigir a sua
actividade e vão aprendendo na prática aquilo que opõe essa solidariedade e esse
colectivismo ao Estado capitalista. É esta a única maneira sólida como os
trabalhadores podem, no plano prático, reforçar progressivamente a sua
capacidade de organizar as empresas e a sociedade e, no plano ideológico, forjar
uma consciência de classe.
(João Bernardo)
41
Tema escolhido como palavra de ordem pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no ano de
1989, durante o seu 5º Encontro Nacional MORISSAWA, Mitsue. A história da Luta pela Terra e o MST. São
Paulo: Expressão Popular, 2001, p.145.
42
FAJN, Gabriel (coord.) Fábricas y empresas recuperadas: protesta social, autogestión y rupturas en la
subjetividad. Buenos Aires: Centro Cultural de la Cooperación/Ediciones Del Instituto Movilizador de Fondos
Cooperativos, 2003. p.127-128 (tradução livre do autor).
43
CASTEL, Robert. As transformações da questão social. In: BELFIORE-WANDERLEY, Mariangela et al.
Desigualdade e a questão social. São Paulo: Educ, 2004.
43
Necessário destacar que em boa parte dos aportes teóricos das seções deste capítulo
tanto na análise descritiva e discursiva das OTAs quanto nas reflexões sobre os movimentos-
referência das OTAs - o Movimento das Fábricas Ocupadas; o Anarquismo das Okupas; a
Agroecologia de base popular; e a Economia Solidária – privilegiou-se fontes de
conhecimentos produzidos pelas próprias OTAs e pelos próprios movimentos-referência
(quando foi possível ter acesso a estes materiais). Tal opção justifica-se no sentido de destacar
a relevância e a consistência do conhecimento (também científico) produzido pelas
organizações populares, que embora insipiente, demonstra a franca indissociabilidade entre a
teoria e a ação.
44
Além dos instrumentos de pesquisa já mencionados, as informações referentes à Flaskô foram obtidas
mediante a observação participante/militante em quatro visitas realizadas à Fábrica: duas visitas guiadas; uma
estadia de cinco dias para a participação num acampamento ocorrido nas dependências da fábrica; e uma estadia
de quatro dias para conclusão do trabalho de campo em alojamento gentilmente cedido pela Flaskô.
44
A CHB (Corporation Holding do Brasil), dona das marcas Flaskô, Cipla, Interfibra,
Profiplast e Brakofix, pertencia ao Grupo Hansen Indústria S.A. Faturou milhões de
dólares até meados de 89, quando houve a partilha dos bens familiares entre os
filhos de sócio fundador ainda em vida. A filha Eliseth Hansen e seu marido Luis
Batchauer herdaram a CHB e „míseros‟ 200 milhões de dólares. Os irmãos Carlos
Alberto Hansen e João Hansen Neto ficaram com o restante da S.A. Durante a
década de 90, o que se via era uma grande contradição. Enquanto a Tigre S.A.,
empresa de Carlos Alberto Hansen, consolidava-se como uma das maiores marcas
multinacionais de tubos e conexões, Eliseth e Batschauer ganhavam fama, não pela
qualidade e fortalecimento de suas empresas, mas por não cumprirem as obrigações
trabalhistas, atrasando salários e não recolhendo o fundo de garantia dos
funcionários. Em 1994 a Cipla entra em concordata e os irmãos Luis e Anselmo
Batschauer, sócios, são presos pela primeira vez por não pagarem seus impostos.
Inúmeros são os processos contra os três sócios por dívidas federais, contribuições
sociais e previdenciárias. Entre os executadores judiciais estão: a Procuradoria da
Fazenda Nacional, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e a Caixa
Econômica Federal. Os três sócios somam um total de 65 processos no Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo [...] 85 processos no poder Judiciário de Santa
Catarina da Comarca de Joinville.45
Antes do controle operário a fábrica chegou a ter 600 trabalhadores, atualmente conta
com aproximadamente 50. A CHB era proprietária de 47 fábricas em todo o território
nacional, até que a morte do seu fundador interrompeu um grande ciclo de crescimento e
gerou a partilha dos seus bens, como demonstra o relato acima (situação muito comum na
historiografia das mega corporações). Em razão da partilha, os herdeiros assumiram a CHB
sem as plantas do grupo Hansen, necessárias para a modernização tecnológica da produção.
Enquanto as demais empresas do grupo cresciam, iniciou-se a agonia financeira do grupo
CHB. Todas as demais Flaskôs foram fechadas no curso deste processo. Sem embargo, “os
operários da Flaskô não assistiram passivamente e foram realizadas greves em 1994 e 1997
contra as jornadas de até 12 horas, baixos salários e descumprimento dos acordos
trabalhistas”.46
45
DELMONTES, Camila; CLAUDINO, Luciano. Flaskô: fábrica ocupada. Sumaré: CEMOP, 2009, p.32-33.
46
CEMOP – Centro de Memória Operária e Popular. Una breve história de la lucha de los obreros de Flaskô en
Brasil: estatización para La defensa de los empleos delante del gobierno de Lula. 2010, p.10.
47
Ibid.
45
No dia 12 de junho de 2003 a Flaskô foi ocupada pelos trabalhadores, com apoio dos
operários da Cipla e da Interfibra. No dia 16 de junho, a edição número 1 do recém criado
boletim informativo A voz do trabalhador publicava a decisão: “Operários ocupam a fábrica e
tocam a produção na Flaskô. Assembleia do dia 12/06 decide ocupar a fábrica elegendo uma
comissão de sete trabalhadores para dirigir a fábrica. A assembleia contou com a presença de
3 ônibus de trabalhadores da Cipla/Interfibra”. 48
Distintamente do caso da Cipla, a ocupação da Flaskô não teve greve, nem piquete,
nem tropa de choque avançando no piquete. Diferentemente do que pode aparentar com a
ocupação, os trabalhadores não vão morar dentro da fábrica.
Seria ingênuo pensar que toda esta idealizada concepção de gestão operária ocorresse
tranquilamente, sem ataques dos antigos proprietários e do próprio capital. Assim, estruturas
ágeis e consistentes precisaram ser criadas para dar conta de toda a concepção do controle
operário e por óbvio, da resistência aos ataques do sistema.
48
OPERÁRIOS OCUPAM FÁBRICA E TOCAM PRODUÇÃO EM SUMARÉ. A voz do Trabalhador.
Boletim n. 1., Rio de Janeiro, jul. 2003.
49
DELMONTES, Camila; CLAUDINO, Luciano. Flaskô: fábrica ocupada. Sumaré: CEMOP, 2009, p.38.
50
Ibid. p.39.
46
51
Entrevista realizada com trabalhador da Flaskô em novembro de 2013.
52
Ibid.
47
Neste contexto, percebeu-se que a Flaskô tem duas linhas centrais que articuladas
orientam suas perspectivas táticas de luta: (a) a declaração de interesse social para fins de
desapropriação e (b) a posterior estatização sob controle dos trabalhadores.
A segunda linha central de ação – (b) estatização sob controle operário – é justificada
politicamente por dois argumentos centrais. (1) Primeiro argumento – a recusa da
propriedade em favor da posse. A estatização é uma bandeira que resgataria a perspectiva
histórica de luta da classe trabalhadora, desde a revolução industrial até as discussões do
socialismo científico como forma da expropriação dos meios de produção em contraposição
às experiências do socialismo utópico de uma linha mais geral, das cooperativas. A
emblemática luta dos trabalhadores mineiros pela estatização das minas na Bolívia em
contraposição aos trabalhadores que defendem o cooperativismo também alimentam o debate.
Assim, os trabalhadores não desejam tornarem-se proprietários dos meios de produção, não
querem se transformar em patrões de si mesmos. Esta posição está muito presente nas
narrativas dos trabalhadores da Flaskô: “nós queremos seguir trabalhando, com o direito que a
classe trabalhadora historicamente conquistou, mesmo que limitados na CLT”54. Num sentido
mais realista também são discutidas as contradições e os riscos de exigir-se uma estatização
no contexto do Estado burguês. Assim comenta outro trabalhador: “mas e aí, vamos esperar a
53
CEMOP. Campanha pela declaração de interesse social da Flaskô para fins de desapropriação. 2012. São
diversos os materiais produzidos pelo CEMOP sobre a discussão completa acerca da estatização e da declaração
de interesse social. Procurou-se registrar apenas os elementos centrais.
54
Entrevista realizada com trabalhador da Flaskô em outubro de 2015.
48
55
Entrevista realizada com trabalhador da Flaskô em outubro de 2015.
56
Talvez neste ponto resida o debate mais polêmico sobre o papel e a importância da autogestão nas concepções
teórico-analíticas de autores filiados ao materialismo dialético. Para alguns autores a autogestão aparece como
sinônimo de forma ideal de organização dos trabalhadores em situação pós-revolucionária, pós-capitalista ou
ainda pós-Estado, com ou sem a tomada do poder político. Para outro grupo de teóricos, a autogestão é
concebida como forma social possível dentro do próprio capitalismo, entendendo que os trabalhadores podem
conquistar autonomia política e econômica, sem a necessidade de conquista do poder político e econômico e que
este é o caminho para a sociedade dos produtores livremente associados. O paradoxo da autogestão é assinalado
por Daniel Mothé, na obra Autogestão gota a gota. O autor problematizou o principal nó do socialismo
autogestionário: como articular a autogestão como ideologia com as experiências práticas? A autogestão é algo
que pode existir apenas com a Revolução (dilúvio), ou, pode existir também com experiências (gota a gota)?
Como conciliar a audácia do projeto autogestionário com a limitação das tentativas de gestão das unidades
produtivas? O imaginário com a realidade concreta? Buscando dar respostas a estas questões, Mothé formulou a
ideia da ”autogestão gota a gota”, dentro de uma visão ampla de experimentação, baseada na ideia de Rosa
Luxemburgo de que é funcionando coletivamente que as massas aprendem a se autogerir; não há outro meio de
lhes inculcar a consciência”. Mothé defende a participação dos trabalhadores em experiências de funcionamento
coletivo nas empresas de autogestão, mesmo que limitadas. MOTHÉ, Daniel. L‟Autogestion goutte a goutte.
Éditions Du Centurion. Paris, 1980 apud NASCIMENTO, Cláudio. Socialismo Autogestionário. Disponível em
<www.contag.org.br/imagens/f763socialismoClaudioNascimento.pdf> Acesso em 25/05/2013.
57
É importante que se diga que o Controle Operário ou Poder Operário aparece ao longo das experiências de
trabalhadores em fábricas de distintas formas: como instrumento preparatório para a tomada do poder do Estado;
como processo de construção das bases do poder comunal mais ampliado ou ainda como uma forma de
democratização do próprio capitalismo no interior das fábricas. Algo parece claro: quanto mais distante da
perspectiva de superação do capital for a análise, mais frustrado o horizonte do controle operário como
instrumento de transformação social. De acordo com Vasconcelos, o horizonte do Controle Operário na Flaskô é
baseado na concepção de controle como Poder Operário, ou seja, o exercício do controle por parte dos
trabalhadores em face de alguém numa situação de conflito a partir da configuração de três requisitos para a sua
caracterização: “(1) conflito entre capital e trabalho [...] (2) instabilidade institucional, o que leva a uma situação
transitória; [...] (3) o exercício do poder decorrente do conflito em face de algo ou alguém, que se traduz na
possibilidade de vetar eventuais investidas dos proprietários ou gestores ou na não assunção de responsabilidades
pelos atos de gestão”. VASCONCELOS, Felipe Gomes da Silva. A experiência do controle operário na fábrica
Flaskô: perspectivas do controle operário na sociedade contemporânea. In: CEMOP. Dossiê 10 anos do
movimento de fábricas ocupadas. N.4, out.2012, p.46-47.
58
Entrevista realizada com trabalhador da Flaskô em novembro de 2013.
49
59
Conversa informal com trabalhadores do chão de fábrica ocorrida durante o acampamento revolucionário em
janeiro de 2015.
60
Para uma discussão pormenorizada da Adjudicação leia-se O que é adjudicação e o que querem os
trabalhadores da Flaskô? Sumaré: CEMOP, 2015.
61
Fanzine é uma abreviação de fanatic magazine, mais propriamente da aglutinação da última sílaba da palavra
magazine (revista em inglês) com a sílaba inicial de fanatic (fanático em inglês). Em linhas gerais “os fanzines
visam socializar e divulgar informações que, num primeiro momento, são principalmente de bandas musicais [...]
apesar de feitos por punks, vão progressivamente tentando atingir um público cada vez mais amplo [...] são
publicações feitas em Xerox, de pequenas tiragens, vendidos em lojas [...] muitos vendidos em shows”
(OLIVEIRA, Antônio Carlos de. Os fanzines contam uma história sobre punks. Rio de Janeiro: Achiamé, 2006,
p. 15) Trata-se de uma publicação despretensiosa, eventualmente sofisticada no aspecto gráfico, dependendo do
poder econômico do editor. Surge no contexto da contracultura do maio de 1968, mas a prática vai sendo
apropriada por distintas tribos e movimentos. Atualmente os fanzines ou simplesmente zines englobam todo o
tipo de temas, como poesia, música, feminismo, anarquismo, agroecologia, vegetarianismo, cinema etc.
62
FLASKÔ. Uma fábrica ocupada pelos trabalhadores. Fanzine. 2012, p.5.
50
Em termos físicos, a fábrica mantém a estrutura industrial e opera com quatro setores
principais: Produção, Expedição, Recursos Humanos e Setor Administrativo. Além destes
existem outros setores específicos: Zeladoria, Portaria, Setor Financeiro, Setor Jurídico,
Mobilização, Planejamento, Controle de Produção, Controle de Qualidade e Comercial. Em
razão do conflito judicial com o síndico da massa falida (e que dificulta a obtenção de crédito
e investimento), a fábrica não opera na sua escala produtiva máxima.
Em relação à gestão da fábrica, todas as decisões dos setores, inclusive a dos líderes
(coordenadores de setor) que tem maior responsabilidade, estão submetidas às decisões
coletivas que são realizadas na Assembleia Geral, e a qualquer momento podem ser
convocadas assembleias extraordinárias de turno. As assembleias ordinárias ocorrem
mensalmente, normalmente na última sexta-feira do mês, quando são feitas a prestação de
63
FLASKÔ, op. cit., 2012, p.5.
64
Ibid. p.6.
51
Em razão do litígio jurídico com a massa falida os operários ainda têm vínculo
celetista com carteira de trabalho assinada pela antiga empresa. A contratação de
trabalhadores ocorre abertamente, mediante entrevista no setor de recursos humanos. A gestão
operária garante todos os direitos trabalhistas em dia, com exceção do FGTS que tem sido
renegociado por diversas vezes em virtude das intermináveis dificuldades financeiras
enfrentadas. A Flaskô não opera com isonomia salarial, no entanto, houve um considerável
avanço e uma sensível redução na diferença salarial em comparação à gestão patronal da
fábrica, e atualmente é de até três vezes entre o maior e o menor salário 65. O assunto é muito
debatido e de acordo com os trabalhadores, as diferenças são organizadas de acordo com as
responsabilidades, que tem mais responsabilidade, é mais exigido e recebe uma maior
remuneração66. A jornada de trabalho foi reduzida de 44 para 30 horas semanais e foi
estabelecida a igualdade entre salários de mulheres e homens.
65
Um importante estudo realizado por Henriques et al sobre as empresas recuperadas no Brasil apontou que 49
empresas (96% entre aquelas que responderam à entrevista) relataram ter retiradas diferenciadas entre os
trabalhadores. A principal justificativa dada pelos entrevistados para a desigualdade de remuneração é a
diferenciação por função. Eles dizem que por haver diferentes níveis de responsabilidade, ou níveis de
qualificação, ou simplesmente por que o trabalho é distinto nas diferentes funções, a empresa estabelece
categorias baseadas nas funções para remuneração de seus trabalhadores. Outros fatores apresentados são:
produtividade, principalmente no caso das atividades rurais (e em uma de vestuário); a forma de vínculo,
diferenciando cooperados e contratados, ou outras possíveis diferenças nas formas de vínculo; o tempo de
empresa; os valores de mercado ou os valores de piso e teto salarial estabelecidos pelos sindicatos; e a
manutenção das referências de pisos da antiga empresa. É interessante observar que 60% das empresas que
mantêm seus sistemas de retiradas sem alteração desde o início afirmam que as discussões sobre o assunto
acontecem com frequência. Este é um dos pontos em que os casos brasileiros de Empresas Recuperadas por
Trabalhadores mais diferem dos casos argentinos. A média da diferença entre o valor mínimo e o máximo no
Brasil é de 4,76 (máximo/mínimo). HENRIQUES, Flávio Chedid et al. As empresas recuperadas por
trabalhadores no Brasil: resultados de um levantamento nacional. Mercado de trabalho, IPEA, n. 55, agosto
2013.
66
Conversa informal com trabalhadores em horário de troca de turno.
52
67
Entrevista realizada com trabalhador da Flaskô em outubro de 2013.
68
Entrevista realizada com trabalhador da Flaskô em outubro de 2015.
53
Vila Operária e Popular. A Vila Operária é o bairro construído no terreno onde está
localizada a Fábrica Flaskô. “A luta dos trabalhadores de Flaskô também é uma luta por mais
de 540 moradias construídas no terreno pertencente à fábrica”70. O terreno foi ocupado para
fins de moradia em fevereiro de 2005 por sem-tetos da região e pelos próprios trabalhadores
da fábrica. Atualmente, é um bairro consolidado com aproximadamente 540 habitações e mais
de 2500 pessoas que aguarda regularização fundiária, e para qual a “adjudicação é também
69
CEMOP – Centro de Memória Operária e Popular. Jornal Atenção. Edição 20, Encarte especial, dez., 2014,
p.7.
70
Entrevista realizada com trabalhador da Flaskô em outubro de 2015.
54
uma medida eficaz, de acordo com o assessor jurídico da Flaskô”71. “Uma rede de
distribuição de água potável e uma rede pública de energia elétrica são as principais vitórias
[...] a falta de iluminação pública, a insegurança [...] a inexistência de uma rede de esgoto [...]
são questões prementes”. 72
- 41 peças de teatro (das quais 20 ao longo dos anos e 21 distribuídas nos cinco
festivais anuais realizados desde dezembro de 2010);
- 20 shows musicais (dos quais nove ao longo dos anos e 11 em festivais);
- 35 oficinas (das quais 15 ao longo dos anos e 10 em festivais).
Além destas atividades, atualmente “há atividades semanais como aulas de EJA
(Educação de Jovens e Adultos), cirandas com crianças, exibição de filmes no Cine Flaskô,
atividades esportivas na pista de Skate, assembleias e mutirões mensais para a organização do
espaço, apresentações musicais, visitas à linha de produção da fábrica e atividades culturais
diversas” 75.
71
Entrevista realizada com trabalhador da Flaskô em novembro de 2013.
72
CAMARGO, Vinícius. Vila Operária e Popular – um terreno e uma fábrica ocupadas: 10 anos de luta.
Cemop: Sumaré, 2015, p.17.
73
CEMOP, op. cit., 2015, p.6.
74
Ibid.
75
Entrevista realizada em outubro de 2015 com trabalhador do setor de mobilização da Fábrica.
55
Uma cooperativada do Planeta Terra, diz em entrevista que a “Flaskô foi a única
entidade que nos apoiou, não podemos contar com a Prefeitura, com políticos ou com os
órgãos públicos [...] e ainda querem nos tirar daqui [...] acho que não querem uma cooperativa
popular dentro de uma fábrica ocupada, deve ser por isso!”. 79
As atividades e parcerias descritas atestam uma forte relação da Flaskô com diversos
atores e movimentos populares, com destaque para: o MST (Movimento dos trabalhadores
Rurais Sem Terra); movimentos de moradia e por trabalho como o MTST (Movimento dos
76
O Festival. Disponível em: <http://www.festivalflasko.org.br> Acesso em: 22. Out.2014.
77
CEMOP, op. cit., 2015, p.6.
78
Ibid. p.7.
79
Conversa informal desenvolvida com trabalhadora da Cooperativa Planeta Terra em outubro de 2015, durante
trabalho de campo na Flaskô.
56
No que toca à relação com os outros movimentos, nos reivindicamos como fábrica
ocupada, mas somos sindicalizados como trabalhadores do ramo químico e
batalhamos por um sindicato de luta. Isso faz com que tenhamos na prática, um
enfrentamento com a atual direção do sindicato, no momento da ocupação foi
importantíssimo o sindicato dos químicos em relação à Flaskô, tanto que os 2
primeiros conselhos de fábrica tinham uma cadeira do sindicato (defendíamos que
tinha que ter)80.
[...] foi criado concomitante com sua ocupação [...] devido à necessidade de divulgar
e expandir a notícia a respeito da fábrica diante dos sindicatos, movimentos sociais,
universidades e demais apoiadores, além da população que habitava o entorno das
fábricas [...] com o passar dos anos e das necessidades, o setor de mobilização teve
80
Entrevista realizada com trabalhador da Flaskô em novembro de 2013.
81
Seção brasileira da CMI (Corrente Marxista Internacional) de tradição trotskista, que participou da fundação
do Partido dos Trabalhadores no Brasil, mas que atualmente desvinculou-se deste e tornou-se tendência do
PSOL (Partido Socialismo e Liberdade).
57
que assumir novas tarefas, com o fim de expandir a experiência das Fábricas
Ocupadas. 82
[...] ganha uma conexão inseparável com a comunicação, pois para garantir a
eficiência das ações propostas é necessário disseminar as informações do que
acontece e do que é discutido dentro da fábrica, para isso, não basta uma divulgação
rasa dos acontecimentos, a comunicação deve assumir importância quantitativa e
qualitativa. 83
O setor cumpre diversas funções tanto no âmbito interno da fábrica como externo. A
comunicação/mobilização interna ocorre por meio da comunicação verbal, de um canal de
rádio interno chamado Rádio Luta, do mural e do boletim semanal chão de fábrica que é
entregue na mão de cada trabalhador e que contém informações da fábrica, da produção, dos
recursos humanos além de notícias políticas, informações sobre algum ato que a fábrica
participou, notas sobre atividades de movimentos sociais parceiros etc.
82
DIAS, Rafael Gironi. Mobilização e Comunicação na Fábrica Ocupada Flaskô. In: CEMOP. Dossiê 10 anos
do Movimento de Fábricas Ocupadas. n. 4, out. 2012. p. 37
83
Entrevista realizada em outubro de 2015 com trabalhador do setor de mobilização da Fábrica.
58
84
Entrevista realizada com trabalhador da Flaskô em outubro de 2015.
85
Entrevista realizada com trabalhador da Flaskô em novembro de 2013.
86
Em 2014 uma pesquisa com os trabalhadores detectou que sua alimentação era muito pobre em nutrientes.
Desde então cada trabalhador passou a receber uma fruta por dia.
59
Eu tenho uma admiração muito grande pela Flaskô, meu primeiro registro na
carteira foi aqui em 1991. Trabalhei no tempo dos patrões com 650 funcionários,
uma potencia tremenda. Hoje a gente ta aqui com 10% em máquinas e funcionários,
uma diferença muito grande, mas estamos tocando aí há 12 anos. Estamos
sobrevivendo, tem muita gente que já se aposentou aqui, tem outros que tão perto de
se aposentar [...] todo mundo ganha bem aqui, pode ver que todo mundo tem seu
carrinho, sua casinha [...] tem uns que reclamam. Eu não tenho “nada”, mas tudo que
eu tenho eu consegui aqui na Flaskô [...] trabalho com liberdade, participação nas
decisões, com igualdade de direitos só que às vezes recebe com atraso, o momento
econômico da empresa ta difícil!
87
Conversa informal ocorrida no chão de fábrica em outubro de 2015.
88
Idem.
60
A Flaskô se reivindica como parte do Movimento das Fábricas Ocupadas (MFO). Mas
seria possível um movimento de uma só fábrica?
Sim. Eu sou um que defendo que temos que nos apresentar como movimento de
fábricas ocupadas. Porque é uma pauta, é uma perspectiva de luta e não por termos
quantitativos. Hoje somos só uma fábrica, pode ser que amanhã sejam outras. E
como é um processo, achamos que é mais amplo. Até para resgatar a noção de
movimento, desde a CIPLA e tudo mais [...] o movimento tem um auge e depois
uma crise, uma queda na perspectiva do movimento. O “golpe” foi muito bem dado.
Essa avaliação é geral. Reconhecemos que há uma dificuldade, que não é uma crise
política, o MFO teve um ascenso e hoje tem uma fragilidade, que se expressa pela
resistência na FLASKÔ. Mas nos sentimos parte desse movimento mais amplo
MFO. E nos reivindicamos como movimento internacional das fábricas ocupadas,
pelos encontros internacionais. Teve um festival de comemoração dos 10 anos aqui,
com representação internacional, nós reafirmamos isso, tem uma carta em
português, inglês, espanhol, árabe. Havia um iraquiano exilado. Esse documento
está no blog, é a carta dos 10 anos. 89
De acordo com Santinho e Verago90, o MFO começa a se articular entre 2002 e 2003 e
se desenvolve num sentido crescente com novos casos até 2007, chegando a se constituir
como um movimento em âmbito nacional. “Além dos casos mais conhecidos como a Cipla e a
Flaskô, neste período dos primeiros 5 anos, diversas outras fábricas foram ocupadas em
diferentes estados brasileiros e se articularam junto ao movimento”. Cada caso teve
desdobramentos particulares, mas em geral, processos com menor duração da ocupação e
menor repercussão. Se atualmente a Flaskô é a única fábrica que representa o movimento, é
porque acontecimentos marcantes inviabilizaram a continuidade das demais experiências:
[...] neste ano de 2012 completam-se 10 anos desde que as primeiras fábricas, a
Cipla e a Interfibra foram ocupadas, em 31 de outubro de 2002. Estas fábricas que
representam não só a origem, mas a espinha dorsal do movimento – contando juntas
com 1000 operários -, foram, justamente por isto, pela organização, determinação,
exemplo de ampliação de direitos e importante parceria com o governo venezuelano,
o alvo do ataque sofrido pelo movimento em 2007, com a intervenção federal
motivada pelas demandas do empresariado tanto do setor industrial de plásticos,
como de seus representantes nacionais, acolhidos prontamente pelo governo
federal.91
Os autores coletam duas publicações que ilustram o repúdio da patronal que antecede
a intervenção: (1) a ingerência do governo venezuelano em negócios brasileiros precisa ser
repudiada com veemência 92; (2) Socialismo chavista chega ao país93, de autoria do presidente
89
Entrevista realizada com trabalhador da Flaskô em novembro de 2013.
90
SANTINHO, Pedro Alem; VERAGO, Josiane Lombardi. O movimento em retrospectiva e os casos de
ocupações menos conhecidos. In: CEMOP. Dossiê 10 anos do movimento de fábricas ocupadas. n. 4, out. 2012,
p. 8.
91
Ibid.
92
Informativo da Associação Brasileira de Indústria do Plástico. n.1, ano 1, maio de 2007.
93
Jornal o Estadão em 18 jan. 2007. Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,socialismo-
chavista-chega-ao-pais,20070118p19097>. Acesso em: 20 nov. 2015.
61
da FIESP, Paulo Skaf. Destaca-se ainda uma terceira publicação que demarca sobremaneira o
incômodo ocasionado pelo MFO. Trata-se de uma reportagem publicada pela revista Veja
titulada: Ocupar e arruinar – radicais do PT criam o MST das fábricas e usam dinheiro das
empresas ocupadas em proveito próprio 94. A reportagem apresenta uma série de acusações
contra o Conselho de Fábrica da Cipla, chamando a atenção da sociedade brasileira sobre uma
“possível e mirabolante estratégia de comunistas lunáticos para revolucionar o país”. Em um
dos trechos a matéria destaca o que supostamente acontece em uma fábrica ocupada (Figura
6):
94
Revista Veja. São Paulo, edição 2023, 29 ago. 2007. p. 86-88.
95
DELMONTES; CLAUDINO, op. cit., 2009, p.81.
62
96
SANTINHO; VERAGO, op. cit., 2012, p. 9.
97
Ibid.
64
com altas taxas de produtividade [...] somente será possível com uma generalização
das ocupações de fábricas [...]; (d) o aprendizado coletivo sobre a produção,
diminuindo a alienação do trabalho, diminuindo a subsunção real, conhecendo o
conjunto da produção [...] aprofunda-se discussões sobre conjuntura política e
econômica [...]e sobre temáticas centrais para a classe trabalhadora, para além da
realidade de cada fábrica; (e) para a comunidade, podemos salientar que onde o
MFO esteve [...] conseguimos estimular a aliança dos trabalhadores com a
comunidade, expressa em associações de bairro, o dono da lanchonete em frente à
empresa, outros movimentos sociais e setores da região, que, de uma forma ou de
outra, reafirmavam a „sacanagem dos patrões em querer fechar a fábrica e demitir os
98
trabalhadores‟.
98
MANDL, Alexandre. Uma década do movimento das Fábricas Ocupadas: histórico, balanços e perspectivas.
In: CEMOP. Dossiê 10 anos do movimento de fábricas ocupadas, n.4, out. 2012. p. 26.
99
Trecho da sentença judicial que nomeou um interventor judicial para que fosse paga a dívida previdenciária da
Cipla junto ao INSS posteriormente prontamente cumprida pela Polícia Federal. “Quinto, e talvez o mais
importante reflexo negativo do custo social da atitude da executada: a acolher-se o argumento de que tudo pode
ser feito para a manutenção de mil postos de trabalho, estar-se-á legitimando o desrespeito odioso das leis e
jogando por terra o Estado Democrático de Direito. Imagine se a moda pega?“ Autos do processo n.
98.01.06050-6/SC. 1ª Vara da Fazenda Pública de Joinville/SC
100
Veja-se os indicadores institucionais no Quadro 5, Capítulo 1.
65
Quem responde pela Okupa 171 é o Coletivo Tranca Rua, “constituído no final de
2007, com o propósito de promover ocupações e intervenções no espaço urbano, a partir da
reunião de forças de ativistas anarquistas que se agregando sob este nome, divulgam as ideias
e buscam promover a prática libertária”. 104
A casa 171 foi ocupada pela necessidade do Coletivo Tranca Rua de “ter um lugar
para habitar, pensar e praticar o anarquismo. Este lugar não poderia ser outro que não uma
okupação por pensarmos que todas as propriedades devem servir àqueles que as são próprias:
as pessoas [...] e por não querermos colaborar com o mercado imobiliário” 105.
No passado a ocupa 171 já foi conhecida por outros nomes, como espaço
contracultural caverna (porque não havia energia elétrica) e Casa Encantada. Sua ocupação
101
Além dos instrumentos de pesquisa já mencionados, as informações referentes à Okupa 171 foram obtidas
mediante a observação participante/militante em várias visitas realizadas à casa na ocasião de pizzadas, eventos
musicais, feiras do livro e algumas oficinas entre os anos de 2014-2016.
102
Entrevista realizada com morador da Okupa 171 em dezembro de 2015.
103
MARQUES, Paulo L. A.; RODRIGUES, Edson. 100 anos de cultura-educação libertária em pelotas: do
Grupo Iconoclasta à Casa Okupa 171. 2015. Disponível em: <http://libertariosufpel.blogspot.com.br/2015/11/
educacao-anarquista-em-pelotas.html >. Acesso em: 20 nov. 2015.
104
Entrevista realizada com morador da okupa 171 em janeiro de 2016.
105
Página do Coletivo Tranca Rua. Disponível em <https://coletivotrancarua.noblogs.org/about/>. Acesso em:
25 nov. 2015.
67
ocorreu pela primeira vez em 2005, data que demarca o início das atividades do coletivo. Esta
primeira ocupação foi relâmpago - os estudantes ocuparam no dia 4 de abril e foram
desalojados pela polícia militar no dia seguinte. O registro da propriedade da casa está em
nome do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Pelotas, que o
recebeu como doação de um simpatizante na década de 1980. Na época o DCE estava quase
perdendo a casa por falta de destinação e colocou um estudante pra cuidar da residência e que
posteriormente ajuizou uma ação de usucapião para ficar com a propriedade da casa. Em meio
a todo este embaraço, várias ocupações foram realizadas pelo Coletivo Tranca Rua, umas
duraram mais outras menos tempo. Em algumas houve saída pacífica, noutras despejo forçada
pelas forças policiais. Num destes despejos forçados e violentos, e após uma ocupação de três
meses surgiu a denominação Tranca Rua106.
Essa okupa foi muito interessante para nós porque nos deu experiência para lidar
com as questões que envolvem uma ocupação urbana. No período que se seguiu ao
desalojo da Tranca Rua, outras pessoas somaram ao coletivo, que se transformou em
um coletivo de intervenção e ação direta nas ruas [...] mas o negócio de não ter um
espaço físico para morar, compartilhar e vivenciar a anarquia nos mantinha um tanto
engessados. Foi aí que decidimos ocupar a 171 pela terceira vez. Mas aí fizemos
diferente… fomos conversar com o pessoal do DCE, mas eles não estavam nem um
pouco interessados em usar a casa, nem em deixar alguém usar. Depois de muita
lenga-lenga, nós perguntamos se eles chamariam a polícia se nós reocupássemos a
casa. Como a resposta foi negativa (afinal, ficaria muito feio pra eles, que não
usavam a casa pra nada, chamar a polícia para bater em quem queria fazer algo com
o espaço) nós entramos e aqui estamos. A okupa completou dois anos no final de
2011. Ah! Alguns chamam de 171 por causa do número de endereço da casa, que é
171. 107
Com o passar dos anos, o espaço físico da Okupa 171 passou por diversas
modificações e transformações no que diz respeito às reformas e adequações no prédio, além
da caracterização própria que tomou em função do modo de vida dos ocupantes e pela
permacultura e bioconstrução cotidianamente vivida e desenvolvida por ali. Chama a atenção
a decoração e a organização dos espaços da casa: as paredes gritam com centenas de cartazes,
grafites e pichações sobre as diversas atividades do coletivo e de movimentos sociais de todo
o mundo. Considerando que a estrutura física da casa é bastante antiga e foi pouco conservada
pelos moradores anteriores, a necessidade de manutenção constante e imediata do espaço
também impulsiona uma dinâmica muito favorável à auto-organização no que se relaciona às
empreitadas cotidianas necessárias, como a reforma de um telhado após uma grande e intensa
106
Histórico construído com base nos depoimentos de dois informantes-chave moradores da casa.
107
Página do Coletivo Tranca Rua. Disponível em: <https://coletivotrancarua.noblogs.org/about/>. Acesso em:
25 nov. 2015.
68
Muita coisa melhorou desde que ocupamos a casa, tanto em estrutura física, quanto
nas dinâmicas e relações dentro do espaço. Quando a ocupamos, era uma casa
caindo aos pedaços, passamos quase um ano sem energia elétrica e com poucos
recursos para a reforma da casa. Nessa época dormíamos em barracas dentro da
casa. Quando chovia, não tinha como fazer nenhuma atividade (e aqui em Pelotas
chove muito). O pátio era cheio de entulho e poucas pessoas colaboravam pra
melhorar o espaço. Mas tocávamos as atividades na medida do possível. Com o
tempo, fomos ficando conhecidos fora de Pelotas e mais pessoas que passavam pela
cidade apareciam por aqui. Essas pessoas quase sempre contribuíam para elevar o
nosso ânimo (claro que de vez em quando apareciam alguns que só atrasavam o
andamento das coisas) e aos poucos tudo foi tomando forma. Hoje a nossa situação
já é bem diferente, podemos conversar sem se preocupar que o telhado caia nas
nossas cabeças.109
[...] no passado fomos mais flexíveis com quem ficava aqui, às vezes nem sabíamos
quantos estavam dormindo, atualmente somos mais seletivos e mandamos embora
quem não comunga minimamente dos nossos princípios libertários. Não somos
muito rígidos quanto a leituras do anarquismo, mas não aceitamos um cara machista
ou homofóbico aqui dentro. Isso já ocorreu e mandamos ele embora.”110
A produção da CooperaActiva 171 é responsável pela receita que permite, por meio de
uma organização horizontal e estruturada em setores informais, prover o sustentabilidade das
108
No período de conclusão do trabalho de campo desta pesquisa, o corte de água realizado pelo SANEP
(Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas) em função de uma dívida anterior da casa impulsionava uma
série de dinâmicas organizativas da casa, desde a organização de uma escala para obtenção de água das
residências de simpatizantes da 171, como a bioconstrução de chuveiros e encanamentos adaptáveis à nova
situação.
109
Página do Coletivo Tranca Rua. Op. cit.
110
Entrevista realizada com morador da Okupa 171 em janeiro de 2016.
69
atividades da casa no tempo. Por se tratar de uma ocupação cultural de estudantes, que antes
de tudo precisam resolver seu problema de moradia e de renda, as atividades da CooperActiva
se articulam de forma tão orgânica às atividades da Okupa que se torna difícil distingui-las. À
CooperActiva estão associados sete moradores fixos da casa que desempenham suas funções
de maneira alternada e de acordo com suas capacidades e habilidades artísticas. Foi possível
identificar algumas funções estruturantes da casa, como: organização do fundo coletivo,
organização do calendário de atividades, representação da cooperativa em outros espaços e
feiras livres, o reciclar nas feiras111, comunicação interna e externa, tratamento da
compostagem e manutenção geral da casa.
[...] a cooperativa tem um caixa. Como tem muita coisa pra fazer, temos que arrumar
telhado [...] a parte da frente mesmo ta muito comprometida [...] tem o problema
com o SANEP também. Nós temos um caixa, não botamos no banco, até temos
falado sobre isso [...] estraga um cano do fogão da produção [...] também pra fazer
um evento. Na hora que surge a demanda agente conversa informalmente e delibera
sobre a importância de destinar o recurso do caixa para aquela atividade. A não ser
que seja uma coisa urgente, temos autonomia pra utilizar o recurso e depois
justificar pro grupo112.
111
O reciclar na feira é a tarefa de realizar rondas nas feiras livres da cidade e coletar doações de alimentos
como hortaliças, frutas, legumes e tudo mais que seria descartado por razões estéticas, mas que ainda é saudável
e apresenta condições de consumo.
112
Entrevista realizada com morador da Okupa 171 em janeiro de 2016.
113
A RádioCom 104.5 FM é uma rádio comunitária local mantida e financiada por sindicatos e movimentos
sociais da cidade que cumpre destacado papel na articulação de setores da esquerda da cidade e da região.
114
Página do Coletivo Tranca Rua. Op.cit.
70
[...] nasceu em Buenos Aires/Argentina e logo espalhou-se para várias outras partes
do mundo. Livres de qualquer padrão, patrão ou intenções lucrativas, a proposta é,
ao contrário da feira do livro tradicional e burguesa, abrir um espaço organizado
pelo povo e para o povo que dê voz a escritores e escritoras independentes, poetas
marginais, literatos, contadorxs de histórias, músicxs, artesãos, artesãs, cozinheirxs e
demais artistas interessadxs em expor seus contos e aumentar esse ponto! 116
115
Sobre a Associação Bem da Terra e sobre a Rede Bem da Terra, veja-se seção 2.1.4. - Núcleo de produção
das artesãs da Associação Bem da Terra, na parte final neste capítulo.
116
Site da FLIA/Pelotas. Disponível em: <http://fliapelotas.blogspot.com.br/>. Acesso em: 18 out. 2015.
117
Termo muito utilizado na Argentina para identificar anarquistas de casas ocupadas. Entrevista realizada com
morador da okupa 171 em 10 de dezembro de 2015.
118
Oliveira aponta a existência de uma situação de caos ideológico no meio punk, “uns usam camisetas pretas,
outros brancas; alguns têm os cabelos espetados, outros em estilo moicano ou de outro tipo; uns pintam o cabelo
71
[...] a relação com os “okupa” é forte, vem gente de todo mundo aqui em casa da
Europa, da América do sul. [...] Acho que existe uma rede squatter bem forte de
troca de experiências nas casas: - como é que vocês vivem lá na Grécia? – Ah,
tivemos três desalojos em uma noite, no outro dia ocupamos sete casas! [...] na
Espanha, na Catalunha [...] então tem esse intercâmbio de informação é
contracultura [...] a informalidade de viver num lugar e criar coisas que te fazem
bem e que podem abranger outras pessoas. A “oficina” é como passar o
conhecimento[...] os anarquistas é quem trouxeram desde sempre. Quem primeiro
fez escola no Brasil foi os anarcos [...] o governo da republica velha não sabia fazer
escola [...] quando ele fez a escola prussiana que é a de sempre, mas quem primeiro
organizou a escola pra ensinar a gente pra jovens e adultos que hoje é o EJA foram
os anarquistas [...] o cara operário trabalhava o dia inteiro [...] ah tu não sabe fazer
tal coisa, então tu vai aprender a costurar tal coisa e depois tu pode fazer uma grana
pra ti [...] e a oficina acho que ainda tem isso de conhecimento compartilhado, de
formar a pessoa a conseguir sua autonomia, gerir ela mesmo tanto na questão da
produção quanto pra ela mesmo. Ser autônomo é um exercício para a mente! Pra não
desprezar as tuas potencialidades. 119
É unanimidade, nas narrativas dos ocupantes, que o inimigo maior da Okupa 171 é o
capitalismo e como consequência a própria especulação imobiliária que os coloca numa
de azul, outros de vermelho ou simplesmente não pintam. Há os que se definem anarquistas, de esquerda; os que
se dizem apolíticos ou os que afirmam não ter opinião sobre o assunto”. OLIVEIRA, op.ci.t, 2006.
119
Entrevista realizada com morador da okupa 171 em dezembro de 2015.
72
condição de estudantes sem teto. No entanto também são apontados alguns inimigos mais
visíveis e concretos como skinheads e fascistas, pela sua histórica perseguição aos punks.
Já foi dito que por se tratar de uma ocupação cultural e de estudantes, que antes de
tudo precisam resolver seu problema de moradia e de renda, as atividades da CooperActiva se
articulam de forma tão orgânica às atividades da Okupa que muitas vezes se torna difícil
distingui-las. Contudo, importa anotar que tal imbricação de perspectivas e de estruturas não
ocorre de forma voluntarista; ela ocorre referenciada em experiências pretéritas, tanto da
construção de espaços de educação libertária pelo anarquismo como pela práxis anarquista
dentro das próprias okupas, com suas variadas inclinações nos diversos países onde ocorrem.
De acordo com Marques e Rodrigues:
[...] pode-se perceber o legado do passado nestas atividades das okupas, cujas
premissas da autonomia individual, autogestão, ação direta, ajuda mútua,
cooperação e solidariedade constituem a prática do que Passeti e Augusto (2008)121
identificam como heterotopias da invenção, um outro lugar de experimentações,
agenciamentos de novas subjetividades éticas e estéticas próprias. São novos tempos
e circunstâncias diferentes que mantém ideias-forças, valores e práticas que
permanecem vivas nas invenções de cultura-educação libertárias de hoje.122
120
Esta seção foi desenvolvida a partir dos documentos disponíveis no acervo da biblioteca da Okupa 171 José
Saul, com ênfase especial à pesquisa “Memória, teorias e práticas de educação libertária no RS” da qual
participam dois moradores da casa que estudam na Universidade Federal de Pelotas.
121
PASSETTI, E. AUGUSTO, A. Anarquismos & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
122
MARQUES; RODRIGUES, op. cit. 2015.
123
Ibid.
73
historiografia como o berço do movimento operário gaúcho124,125, pois nesta região deu-se
inicio o processo de desenvolvimento industrial do Estado a partir de meados do Século XIX,
especialmente através da exportação e importação vinculadas aos setores da alimentação e da
produção têxtil. Nesta condição, Pelotas tornou-se um interessante atrativo para um
significativo contingente de operários imigrantes, principalmente alemães e italianos. Parte
considerável destes trazia consigo traços dos movimentos que rondavam a Europa, como o
marxismo, o socialismo e o anarquismo. O primeiro anarquista italiano que se tem notícia
chegou a Pelotas por volta de 1880 e chamava-se José Saul126:
Alguns anos depois são criadas as primeiras entidades de apoio mútuo, as mutualistas,
impulsionadas pelo surgimento de uma nova classe operária que faria parte da pré-história do
movimento operário127. Segundo Marçal128, o período mutualista pode ser identificado como a
primeira etapa, como uma fase embrionária do movimento operário gaúcho a partir da criação
da primeira entidade de ajuda mútua: a Sociedade Operária Italiana Mútuo Socorro e
Beneficiência Vittorio Emanuele II em Porto Alegre, no ano de 1877. Uma década depois
surgiria o Congresso Operário de Pelotas, que posteriormente se transformaria na Liga
Operária de Pelotas, a mais antiga sociedade operária do Rio Grande do Sul129.
Muita coisa ocorreu desde então, mas importa evidenciar a influência da Liga Operária
de Pelotas no desenvolvimento de diversas iniciativas de cunho libertário daquele período,
dentre as quais se destacam:
124
MARÇAL, J. As primeiras lutas operárias do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1985.
125
PETERSEN, R.; LUCAS, M. Antologia do movimento operário gaúcho-1870-1937. Porto Alegre:
UFRGS/Tchê, 1992.
126
RODRIGUES, E. Os anarquistas: Trabalhadores italianos no Brasil. São Paulo, Global, 1984.
127
MARQUES; RODRIGUES, op.cit., 2015.
128
MARÇAL, op.cit. 1985.
129
PETERSEN; LUCAS, op. cit., 1992.
74
Mesmo com toda a abundância de iniciativas deste período, “a memória das ações dos
educadores libertários permanece marginalizada” 131. O que importa aqui é salientar como tais
práticas ainda influenciam e inspiram os ocupantes da casa 171 a assimilarem a história e
ações locais pretéritas para inaugurarem novas práticas de cultura-educação que emergem
nos espaços de vivência anarquista, como as okupas. Como evidência singela, mas concreta
da influência da pré-história do movimento operário em Pelotas tem-se a criação da biblioteca
José Saul e do Grupo de Estudos Educação Libertária, protagonizado pelos próprios
moradores da casa Okupa 171.
130
MIRANDA, C. O Teatro na voz operária: Grupo teatral cultural social e o anarquismo em Pelotas – seus
operários e suas palavras. 213 f. Dissertação. (Mestrado em Teatro). UDESC, 2014.
131
MARQUES; RODRIGUES, op.cit., 2015.
132
RUDY, Antônio Cleber. Os silêncios da escrita. A historiografia em Santa Catarina e as experiências
libertárias. 2009. 177 f. Dissertação. (Mestrado em História). UDESC/SC. 2009. p. 36.
133
RUDY, op. cit. p. 37.
75
134
Veja-se os indicadores institucionais no Quadro 5, Capítulo 1.
135
Além dos instrumentos de pesquisa já mencionados, as informações referentes à Teia Ecológica foram
obtidas mediante a observação participante/militante em inúmeras visitas realizadas ao restaurante tanto na
condição de consumidor como na posição de apoiador da cooperativa. Também contribuiu sobremaneira o
trabalho de assessoria/incubação realizado junto ao coletivo entre os anos de 2010-2011.
76
Percebe-se que a Teia constitui-se numa organização associativa que não se limita a
resolver os problemas dos trabalhadores associados, mas propõe-se a avançar numa
integração socioprodutiva entre trabalhadores, produtores (rurais e urbanos) e os
consumidores urbanos. Necessário assim, destacar alguns elementos da trajetória de todo esse
processo até que a proposta da Teia alcançasse a atual configuração.
136
BRUSCATTO, Márcio Antônio Hoffmann. A Cooperativa de consumo, trabalho e produção Teia Ecológica
Ltda. e a Agricultura Familiar no Município de Pelotas – RS: uma abordagem sistêmica. Trabalho de Conclusão
do Curso. 2011. (Graduação em Geografia). Universidade Federal de Pelotas, 2011, p. 48.
137
O TEAR foi um convênio realizado entre a Pastoral da Igreja Católica com o CAPA. Este custeava o salário
de um agrônomo e a aquela garantia veículos e recursos para o deslocamento dos técnicos e apoiadores.
Entrevista realizada com informante-chave em 15 de outubro de 2015.
77
138
A problemática do escoamento e da comercialização da produção é uma constante na realidade das
organizações de trabalho associado tanto urbanas como rurais. Vários são os gargalos do escoamento da
produção dentro da lógica do capital: Como comercializar? Com quais recursos humanos e estruturas físicas
contar? Distribuir no mercado convencional ou para o Estado por intermédio dos programas de aquisição de
alimentos (PAAs)? A questão de fundo reside nas desvantagens e contradições de se escoar a produção no
mercado convencional, o que na maioria das vezes não depende da vontade dos produtores, considerando os
ainda insuficientes instrumentos não-capitalistas de escoamento, comercialização e consumo (em que pesem
todas as a suas contradições).
139
BRUSCATTO, op. cit. 2011, p.45.
140
CRUZ, Patrícia Postali. Mapeando a rede ecológica na região de Pelotas, Rio Grande do Sul: um estudo
etnográfico sobre a organização e a construção de sentidos da rede local. 2015. 165 f. Dissertação (Mestrado em
Antropologia). Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2015, p.61-62.
78
Apesar do sucesso nas vendas das primeiras feiras lá em 1995, muitos produtos
trazidos da zona rural para serem comercializados, sobravam e retornavam ao campo sem
serem vendidos ou consumidos, e parte significativa acabava sendo descartado, o que acabava
desestimulando os trabalhadores. Assim, percebeu-se a necessidade, de um espaço físico que
oferecesse produtos de uma forma variada e permanente, para um consumidor cada dia mais
adepto da agroecologia. Demonstrava-se mais coerente criar mecanismos para escoar o
excedente da produção que prosseguir com o trabalho de banca nas feiras (e neste momento já
havia uma rede sólida de consumidores dos alimentos ecológicos e algumas agricultoras já
estavam processando alimentos como geleias, bolachas, molhos etc.). Passado um ano de
atividade da banca nas feiras, cogitava-se a hipótese da abertura de um entreposto no centro
de Pelotas.
141
CRUZ, op. cit., p.63.
142
Ibid. p.69.
79
[...] mudam a lojinha para uma casa na Rua Sete de Setembro intitulada Ponto
Verde, ali continuam com as hortaliças e, além disso, produzem pão, biscoito,
granolas para sustentar o espaço. Contavam também com o auxílio da cooperativa
COOLMÉIA para distribuição de outros produtos que ainda não tinham na região
como arroz, suco de uva, entre outros. Com o tempo a demanda de consumidores
começa a aumentar e se mudam novamente para uma casa um pouco maior na Rua
Piratinino de Almeida. Ali, além do entreposto, os militantes passam a oferecer
sopas no local e é assim que inicia a ideia de construir um restaurante somente com
produtos ecológicos. Passado um período de um pouco mais de um ano, a casa já
não comportava mais tanto consumidor.143
Acho que está todo mundo satisfeito aqui. Ganhamos bem mais do que ganharíamos
fora daqui, mesmo não tendo carteira assinada e FGTS, ganhamos bem mais.
Sabemos que seria bem melhor ter a carteira assinada. Mas a legislação das
cooperativas não facilita muito. A gente recolhe sobre aquilo que a gente ganha. No
momento que, agora mesmo uma trabalhadora vai entrar em licença maternidade e
143
CRUZ, op. cit., p.70.
144
Entrevista com trabalhadora da Teia realizada em janeiro de 2016.
80
nós fazemos o cálculo das últimas contribuições e a pessoa vai continuar recebendo
o que ganha aqui, mesmo que o benefício seja menor, a cooperativa faz a
compensação. No início não era assim, a gente pagava aquele carnezinho pelo
Salário Mínimo. Então se precisasse de licença saúde ou de aposentadoria era sobre
o salário mínimo, mesmo ganhando mais. Agora melhorou. Faz uns quatro ou cinco
anos, a gente conseguiu organizar isto aí. Precisamos quando as meninas
engravidaram e receberam o salário maternidade. É um problema, porque temos que
contratar alguém pra substituir a trabalhadora que está saindo de licença porque
somos poucos. Então a pessoa contratada entra no regime da CLT, vai receber os
benefícios da CLT, e a pessoa que saiu vai entrar no INSS prá pedir ou requerer o
auxilio maternidade. Aí o benefício dela vai ser o mesmo valor que estava ganhando
na cooperativa. Discutimos muito isso, de como arranjar a coisa da melhor forma
possível pra nós, trabalhadores. É necessário fazer a compensação mesmo que custe
ao caixa da cooperativa.145
Eu tive problemas com os meus dois filhos que tiveram Catapora. Eu tava faltando
muito. Estava demais, o meu pequeno ficou internado. Ficou mal mesmo. Pegou
infecção e teve muita febre, febrão de quarenta. Eu não conseguia baixar a febre. Era
véspera de Natal, 20 de dezembro e eu com o gurizinho no hospital lá. E eu só liguei
pra Francisca, e disse, não tenho como eu ir. Mas se fosse outro lugar eu estava na
rua. Outra época eu estava com muita dor de cabeça, enxaqueca mesmo, não tinha
condições. As meninas me disseram: guria tu vais embora, não tem condições de
ficar trabalhando assim. A gente chama alguém de folga pra te cobrir ou se desdobra
em trinta, quarenta.146
Apesar de não ter sido o foco desta pesquisa, um elemento de destaque em relação ao
perfil dos trabalhadores da Teia é que apesar de terem sua origem em extratos
desprivilegiados da classe trabalhadora urbana e rural, 4/5 dos entrevistados possui curso
superior e aponta que a condição diferenciada do trabalho na Teia propiciou o acesso ao
ensino superior e a conclusão do curso.
Em termos espaciais a Teia assume a formato de restaurante e seu espaço físico está
distribuído da seguinte forma: duas cozinhas, uma para a preparação de pratos verdes e
saladas e outra para a preparação dos pratos quentes; uma sala onde se localizam os buffets;
quatro salas com mesas e cadeiras para o consumo das refeições; sala para recepção e caixa;
sala com o balcão de sucos e sobremesas; área descoberta com jardim para refeições ao ar
livre; dois banheiros; escritório; área de lavanderia e dispensa. Neste sentido, a organização
do processo produtivo e a divisão do trabalho condizem com as seções próprias de um
145
Entrevista com trabalhador da Teia realizada em dezembro de 2015.
146
Entrevista com trabalhadora da Teia realizada em janeiro de 2016.
81
restaurante. Assim, todo o processo é estruturado em dois grandes setores – setor financeiro e
caixa – que são subdivididos nas seguintes funções: (a) caixa; (b) balança; (c) cozinha
(dividida em seção de saladas e seção de pratos quentes); (d) setor de sucos e sobremesa; (e)
salão e atendimento das mesas; (f) compras 147. Considerando, o número pequeno de
trabalhadores, cada tarefa é desempenhada por um/a trabalhador/a que a executa de acordo
com determinação do coletivo.
Todas as decisões são tomadas por nós mesmos, não tem outra pessoa de fora que
vai determinar o que a gente tem que fazer o que não tem que fazer. Não. A
autogestão aqui é direta. Todos. Acho que todos participam. O mais importante para
a autogestão é o comprometimento. As pessoas se responsabilizarem. Aqui dentro
mesmo, determinados setores, determinadas coisas que tem que fazer. A
responsabilidade e também se apropriar daquilo que está fazendo. Aquilo que está
fazendo pra si. 148
A carga horária de trabalho na Teia se aproxima das 40 horas semanais, com alguma
margem de variação, considerando que não há um horário rígido de entrada e saída, pois não há
registro de ponto. As atividades iniciam-se por volta das 8h e terminam em torno das 15h. O
horário de ingresso e de saída depende do contexto de vida do cooperado. Algumas trabalhadoras
precisam levar seus filhos à creche ou a escola, tendo a possibilidade de chegar mais tarde e sair
mais cedo.
[...] no dia a dia a gente vai vendo as coisas que vão acontecendo, a gente conversa e
já de imediato, já tenta resolver. Claro que uma coisa mais complexa, uma pintura
na casa, uma coisa mais estrutural que demanda mais dinheiro, aí a gente faz uma
reunião. O que pode e o que não pode, quem vai chamar. E tem a reunião mensal
147
Entrevista com trabalhadora da Teia realizada em janeiro de 2016.
148
Idem.
82
assim da coordenação que é pra relatar o que foi feito o que não foi feito. Nós temos
assembleias uma vez por ano. Chamamos todos os sócios, faz um relato do ano da
cooperativa, e o que a gente pretende fazer nos próximos anos, faz um balanço
geral.149
Aqui se faz reunião do núcleo de produção uma vez por mês. Está tudo tão certinho,
ta tudo tão encaixadinho. Também não vai ficar massacrando, reunião toda semana é
demais. A gente chega a fazer duas horas reunião. O pessoal cansado louco pra ir pra
casa. Outra coisa, é que já nos conhecemos bastante, aqui a gente se considera uma
família. Um olha pro outro e a gente já sabe. Já tem coisa errada. Então nesta
questão melhorou muito. Pode perguntar pro pessoal, melhorou muito. O respeito, a
valorização do trabalho melhorou muito. Aquele negócio que eu tava te dizendo que
era valorizar as pessoas, A credibilidade pra tocarmos os setores e a cooperativa,
isso aí ajuda muito. O pessoal se sente valorizado. Melhorou bastante nos últimos
seis anos prá cá. Não dá pra comparar porque não tem como. Dá pra sentir que tá
legal. Eu acho que está bom, o clima está bom pra trabalhar. Quando eu vim prá cá,
faz seis anos, agora em fevereiro, os trabalhadores trabalhavam chorando, é ruim
não? Aquela época deu até polícia, inquérito policial com delegado e tudo. Eu vim
aqui pra ficar um mês e fiquei seis anos. Fui eleito, o pessoal gostou do meu trabalho
e fiquei. E agora eu gosto daqui. Não gostava, não gostava. 152
149
Entrevista com trabalhadora da Teia realizada em janeiro de 2016.
150
Idem.
151
Idem.
152
Entrevista com trabalhador da Teia realizada em dezembro de 2015.
83
Fiscal. Além destes órgãos obrigatórios, o estatuto dispõe sobre a criação de um Conselho de
Educação e Pesquisa e um Conselho de Representantes.153
153
Estatuto Social da Cooperativa de Consumo, Trabalho e Produção Teia Ecológica Ltda.
154
O momento mais crítico da história da cooperativa ocorreu entre 2010-2011, quando a proposta de dissolução
desta foi apresentada como única solução, mas foi derrotada em assembleia.
84
155
de práticas formativas para a autogestão,” conforme dispõe o estatuto social. Assim, a
participação dos consumidores fica adstrita às assembleias anuais e ao consumo; enquanto
que o papel dos produtores acaba ficando limitado ao abastecimento.
Estou aqui há quatro anos, então eu não peguei esta fase da Teia que tinha cursos.
Uma vez até perguntei pra uma colega como é que era. Porque ela é uma das mais
antigas. Então tinham muitos cursos logo que começou a teia, pra poderem entender
tudo o que acontecia no mundo. Eles faziam muitos cursos, agora já não fazem mais
tanto. Agora parece que a coisa já solidificou e as pessoas já sabem como trabalhar.
Já sabem o que querem. Já sabem entender o que é uma cooperativa, a economia.
Então já não se faz tanto. Então a gente acaba conversando. Tem três colegas, (os
mais antigos) que comentam muito [...] de vez em quando fazemos algum curso na
área de cozinha, que alguma entidade oferece. Agora deixa eu ver, estamos em
janeiro, eu acho que foi novembro, setembro [...] teve cursos mais direcionados para
a área de turismo. Que foi o pessoal aqui do curso de turismo e hotelaria que deu.156
A cooperativa mantém relação direta com alguns atores que defendem a bandeira da
agroecologia. No fornecimento dos alimentos que abastecem o restaurante estão envolvidas
cerca de 200 famílias de camponeses da região, muitas destas organizadas em cooperativas e
associações como a Arpa-sul e a Sul Ecológica (Cooperativa Sul Ecológica de Agricultores
Familiares Ltda.) assim como movimentos sociais e populares como o MPA (Movimento dos
Pequenos Agricultores) e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
A Teia é associada fundadora da Associação Bem da Terra, que desde 2007 passou a
construir a Rede Bem da Terra – Comércio Justo e Solidário.157 A Rede fomenta o
desenvolvimento estratégico de estruturas de comercialização, de compras coletivas de
insumos e sementes para a produção, tecnologias para incentivar o consumo consciente e
politizado da população, além de prestar assessoramento técnico e formação política aos
grupos que a compõem. Apesar de ser uma participação ainda pontual, o envolvimento da
Teia nas atividades da Rede Bem da Terra pode sinalizar futuramente para uma maior
integração socioprodutiva das suas atividades às de outros sujeitos coletivos 158.
diversificada, abrangendo distintas idades e classes sociais. Durante uma conversa informal
com um trabalhador do caixa da Teia este manifestou preocupação com a elitização de
propostas como a da Teia,
estamos congelando os preços e mantemos quase 10% abaixo dos valores das
propostas similares à nossa na cidade. Não porque sejam nossos concorrentes e
queremos oferecer um preço mais baixo. Mas porque queremos que o trabalhador
também possa comer comida sem veneno. Teremos que pensar em estratégias para
atrair a classe trabalhadora no futuro.159
A agroecologia como paradigma agrícola é uma construção recente. Pode ser definida
como “um conjunto de conhecimentos sistematizados, baseados em técnicas e saberes
tradicionais (dos povos originários e camponeses) que incorporam princípios ecológicos e
valores culturais às práticas agrícolas que, com o tempo, foram desecologizadas e
160
desculturalizadas pela capitalização e tecnificação da agricultura” . Para compreender as
condições para o surgimento da agroecologia, tanto em termos conceituais como bandeira de
luta política, é crucial entender a questão ecológica como uma das principais expressões da
159
Entrevista com trabalhador da Teia realizada em dezembro de 2015.
160
LEFF, Enrique. Agroecologia e saber ambiental. In: Agroecologia e Desenvolvimento Rural sustentável, Porto
Alegre, v. 3, n. 1, jan.-mar. 2002, p.42, apud GUBUR, Dominique Michèle Perioto; TONÁ, Nilciney.
Agroecologia. In: CALDART, Roseli Salete; PEREIRA, Isabel Brasil; ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTTO,
Gaudêncio. (orgs.). Dicionário de Educação no campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde
Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.
87
[...] hoje em dia, por trás de palavras como „ecologia‟ e „meio ambiente‟, encontra-
se nada menos do que a perenidade das condições de reprodução social de certas
classes, de certos povos e, até mesmo, de certos países. Como esses estão, mais
frequentemente, situados seja no que se denomina, hoje, de „Sul‟ ou no antigo
„Leste‟, a ameaça parece longínqua e, portanto, abstrata nos países do centro do
capitalismo mundial. [...] Os grupos industriais e os governos dos países da OCDE
tiram, amplamente, partido desse fato para difundir a ideia de que a degradação das
condições físicas da vida social faria parte dos males „naturais‟ a que alguns povos
seriam chamados a submeter-se. Para esses seria uma infelicidade suplementar. 161
161
CHESNAIS, François; SERFATI, Claude. “Ecologia” e condições físicas de reprodução social: alguns fios
condutores marxistas. Crítica Marxista, São Paulo, v.1, n.16, 2003. Disponível em:
<www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo9539_merged.pdf>. Acesso em: 29 dez. 2015.
162
LEITE, Pereira Sérgio; MEDEIROS, Leonilde Servolo de. In: CALDART, Roseli Salete; PEREIRA, Isabel
Brasil; ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTTO, Gaudêncio. (orgs.). Dicionário de Educação no campo. Rio de
Janeiro/São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Expressão Popular, 2012.
163
DAVIS, John; GOLDBERG, Ray. A Concept of Agribusiness. Boston: Division of Research, Graduate
School of Business Administration, Harvard University, 1957.
164
A revolução verde ocorre no Brasil e em muitos países do mundo a partir de 1950, com a introdução em larga
escala de inovações com vistas à alta produtividade agrícola. Pode ser entendida como um pacote tecnológico -
insumos químicos, sementes de laboratório, irrigação, mecanização, grandes extensões de terra – conjugado ao
difusionismo tecnológico, bem como a uma base ideológica de valorização do progresso.
88
Embora tenha havido uma redução de mão de obra no setor agrícola, o emprego do
trabalho assalariado em atividades braçais está longe de desaparecer. Mesmo culturas que são
mecanizadas demandam mão de obra para recolher os restos deixados pelas máquinas, para o
plantio de mudas ou para o combate de pragas. Consolidou-se um mercado de trabalho
composto por trabalhadores permanentes e temporários (compostos por segmentos
qualificados de mão de obra e por trabalhadores altamente precarizados, boa parte destes
vivendo nas periferias das cidades polo do agronegócio). 167
É neste contexto que a reprodução social dos camponeses passa a exigir uma mudança
na maneira de produzir, motivando experiências de resistência ao modelo do agronegócio.
O debate sobre a agroecologia parece ter surgido na década de 1930 dentro das
universidades, como sinônimo de ecologia aplicada à agricultura. O uso do termo se
popularizou nos anos 1980, a partir dos trabalhos de Miguel Altieri168 e, posteriormente de
Stephen Gliessman169, que seriam expoentes da vertente americana da agroecologia. Outra
fonte importante é escola europeia, que surge em meados dos anos 1980 na Espanha, e
165
GUBUR; TONÁ, op. cit.
166
Ibid. p.58.
167
LEITE; MEDEIROS, op. cit.
168
ALTIERI, Miguel. Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa. Rio de Janeiro: PTA/Fase,
1989.
169
GLIESSMAN, Stephen R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. Porto Alegre:
Universidade-Editora da UFRGS, 2000.
89
representa uma agroecologia de viés sociológico, que busca inclusive uma caracterização
agroecológica do campesinato.170
O avanço deste modelo agrícola é tão danoso que na medida em que o termo
agronegócio se impõe como símbolo da modernidade, passa a ser identificado, pelas
organizações populares como o novo inimigo a ser combatido, já que o próprio paradigma
produtivo apaga o latifúndio improdutivo do cenário agrário, ao menos de acordo indicadores
econômicos de produtividade (que são os únicos indicadores analisados pelo Sistema de
Justiça).
174
LEITE; MEDEIROS, op. cit., p.84.
175
A Via Campesina é um movimento internacional que reúne milhões de camponeses, pequenos e médios
produtores , pessoas sem terra, povos indígenas, imigrantes e trabalhadores rurais em todo o mundo. Defende a
agricultura sustentável em pequena escala, como forma de promover a justiça social e a dignidade. A Via se opõe
fortemente ao agronegócio e às multinacionais e reune cerca de 164 organizações locais e nacionais em 73 países
na África, Ásia, Europa e América. No Brasil,estão na Via o Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra, o
Movimento dos Pequenos Agricultores, o Movimento das Mulheres Camponesas, o Movimentos dos Atingidos
por Barragens etc. Ao todo, representa cerca de 200 milhões de pessoas . É um movimento autônomo , pluralista
e multicultural. Disponível em <http://www.viacampesina.org/>. Acesso em: 20 out. 2015.
91
A expressão da bandeira da agroecologia como ação direta pode ser ilustrada também
por diversas atividades nacionais e internacionais como a ocupação de terras para
assentamento, de prédios públicos e as marchas pelas rodovias e cidades. Nas últimas décadas
tem ganhado evidência às ocupações em grandes propriedades privadas pertencentes a
algumas multinacionais e a grandes grupos empresariais do Agronegócio. Neste sentido,
ganhou vulto a ocupação do viveiro florestal de mudas da multinacional Aracruz Celulose no
Rio Grande do Sul por 1800 mulheres da Via Campesina, com a destruição de mudas ilegais
de eucalipto transgênico, como parte das atividades do dia internacional da mulher em 2006; e
a ocupação da Fazenda Pompílio na região de Palmeira das Missões/RS por cerca de 2000
jovens e a destruição plantas de milho transgênico, como parte do 14° Acampamento Latino-
176
Nesse contexto, destaca-se a criação da Bionatur em 1997, como uma das principais iniciativas do MST na
área do resgate, melhoramento, multiplicação e distribuição de sementes agroecológicas. A Bionatur não
trabalha com híbridos e se estruturou como a primeira empresa social da América Latina dedicada à produção e à
comercialização de sementes agroecológicas de hortaliças. As sementes são produzidas por famílias camponesas
que empregam processos agroecológicos. As sementes são exclusivamente de variedades possibilitando, caso
seja viável pelas condições naturais, que os agricultores que as utilizam possam multiplicá-las, não necessitando
comprá-las anualmente. A meta é que a produção passe a ser um componente integrado aos sistemas de
produção de um grande número de famílias e de assentamentos, criando novas possibilidades econômicas. A
comercialização das sementes é realizada por intermédio de organizações populares e sindicais simpatizantes da
reforma agrária e da agricultura camponesa e comprometidos com a agroecologia.
92
177
Veja-se os indicadores institucionais no Quadro 5, Capítulo 1.
93
178
Além dos instrumentos de pesquisa já mencionados, as informações referentes ao Núcleo de Produção foram
obtidas mediante a observação participante/militante em inúmeras visitas realizadas ao empreendimento na
condição de apoiador da Associação Bem da Terra. Também contribuiu sobremaneira o trabalho de
assessoria/incubação realizado junto à Associação entre os anos de 2010-2016.
179
ASSOCIAÇÃO BEM DA TERRA, 2015. Disponível em: <http://bemdaterra.org/content/bem-da-terra/>.
Acesso em: 10 set. 2015.
95
(a) as feiras são importantes, mas não são ideais: elas demandam muito tempo de
organização, custos muito grandes de logística e deslocam os produtores da
produção, que são obrigados a fazer também sua própria comercialização;
(b) os consumidores solidários são os mais exigentes: eles reúnem as características
básicas de um consumidor convencional (querem praticidade: a maior variedade
possível de produtos num mesmo lugar, de fácil acesso e com instalações
confortáveis, de preferência com preços compatíveis aos dos produtos
convencionais) com as características do consumo consciente (os produtos devem
ser saudáveis, produzidos de forma sustentável e com trabalho solidário);
(c) a gestão da comercialização não pode ser exercida apenas pelos produtores, pois
nesse caso o empreendimento deixa de ser autogestionário: os trabalhadores viram
meros empregados. Também não é possível deixar apenas nas mãos dos
trabalhadores: seus interesses podem acabar subordinando as necessidades dos
empreendimentos. Portanto, é necessário ter pessoas especializadas no processo de
comercialização, cujos rendimentos dependam da sua eficiência profissional, mas
que por outro lado não percam de vista a relação do empreendimento com a
economia solidária;
(d) os produtos oferecidos, além de grande variedade, devem estar preocupados com
sua qualidade – devem atender as exigências dos consumidores, em todas as suas
dimensões. A produção, portanto, deve ser qualificada;
(e) O layout dos espaços de comercialização deve ser coerente com a proposta:
devem servir como um espaço de sociabilidade entre produtores, trabalhadores e
consumidores, de cada um deles com seus próprios pares. 181
Após estas reflexões, a proposta final propôs espaços com as seguintes características:
180
Documentos internos da associação Bem da Terra como atas de reunião, projetos e convênios executados.
181
Idem.
96
produtos da economia solidária que não são oferecidos na região (café, erva-mate,
açúcar, banana etc.). 182
182
Idem.
183
Documentos internos da associação Bem da Terra como atas de reunião, projetos e convênios executados.
184
Artigo 3° do Estatuto da Associação.
185
O estatuto prevê que o poder de voto nas assembleias gerais e na coordenação geral da Associação obedece à
seguinte proporção: 4/9 dos votos para empreendimentos solidários associados; 4/9 dos votos para trabalhadores
dos empreendimentos criados pela Associação; 1/9 dos votos para apoiadores.
97
Coopressul (52 associados da cidade de Pelotas - artesanato e confecção); Lagoa Viva (83
associados da colônia de pescadores Z-3 - pesca artesanal); Mãe Natureza (cinco famílias do
assentamento de reforma agrária Nossa Senhora da Glória, cidade de Pedras Altas - queijaria
e laticínios); Retrate – Re-Habilitação, Trabalho e Arte (31 associados usuários do CAPS -
Centro de Apoio Psicossocial de Pelotas - artesanato em materiais recicláveis e confecção
têxtil); Terra Florida (13 associados da região de Pelotas - flores e plantas ornamentais,);
UNAIC (1.131 associados da região de Canguçu - beneficiamento e comercialização de
grãos/farinhas/sementes/hortifruti - produção agroecológica familiar); grupos Emanuel,
Esperança, Reciclarte, Cidadania e Vida e Grupo Girassol (25 integrantes vinculados ao
Fórum Micro-regional de Economia Popular Solidária de Pelotas - artesanato)186.
Transcorridos quase dez anos do seu surgimento como rede, o Bem da Terra conta
atualmente com cerca de 30 empreendimentos que representam aproximadamente 850
produtores/trabalhadores das cidades de Pelotas, Canguçu, Capão do Leão, Pedras Altas e
Piratini, além das citadas entidades apoiadoras tanto públicas como privadas 188. São grupos
produtivos, associações e cooperativas de pequenos produtores rurais agroecológicos, de
artesãos, de assentados da reforma agrária, de pescadores, enfim, de diferentes ramos de
produção, que somam aproximadamente 350 produtores. Os empreendimentos associados
representam cerca de 850 produtores/trabalhadores, e estão articulados em distintas frentes e
bandeiras de lutas como a produção orgânica e agroecológica, a segurança e soberania
alimentar, o acesso à terra e à reforma agrária, geração de emprego e renda, saúde mental,
permacultura, pesca comunitária e artesanal etc.
A atividade produtiva dos coletivos cobre uma ampla variedade de produtos como
alimentos e bebidas processadas, artesanato, brinquedos infantis, artigos de higiene pessoal
(cosméticos e limpeza), artigos para casa (cama, mesa e banho), carnes, conservas, doces,
especiarias, grãos, cereais, homeopatias, produtos hortifrutigranjeiros, laticínios, massas,
186
Documentos internos da associação Bem da Terra como atas de reunião, projetos e convênios executados.
187
Após a fundação da Associação se incorporaram ao rol de entidades apoiadoras as incubadoras universitárias
da UFPEL - Núcleo Interdisciplinar de Tecnologias Sociais e Economia Solidária (TECSOL) - e do IF-Sul-
Riograndense - Núcleo de Economia Solidária (NESOL).
188
Este número não contempla os diversos empreendimentos solidários parceiros, que não estão formalmente
associados, mas têm na Feira Virtual um instrumento alternativo de escoamento da produção, sem
atravessamento do mercado.
98
189
A Feira Virtual Bem da Terra é um circuito local de comércio justo organizado a partir do modelo dos grupos
de consumo responsáveis (GCRs) – inspirado nas tradicionais cooperativas de consumo. Apesar de estar
referenciada nos modelo das tradicionais cooperativas de consumo, a Feira Virtual trata-se de uma complexa
cadeia de produção, circulação e consumo que articula muitas instâncias e atores, especialmente pela co-gestão
realizada entre produtores e consumidores, com a participação contínua de sindicatos, organizações sociais e
movimentos populares. Apesar do adjetivo virtual, percebe-se que a virtualidade do circuito se limita ao sistema
de pedidos aos produtores. O restante do processo organizativo dos núcleos de consumidores, dos produtores,
dos Conselhos e dos Grupos de trabalho acontece presencialmente, mediante o trabalho solidário dos
participantes.
190
Atualmente um armazém de comercialização de produtos da Economia Solidária da cidade vizinha de Rio
Grande está provendo seu abastecimento pela plataforma Rizoma e paulatinamente está se aproximando da Rede
Bem da Terra. Informações disponíveis em <www.bemdaterra.org> Acesso em 12 de outubro de 2015
99
Há muito tempo nós tínhamos a ideia de ter um centro de distribuição, uma banca no
mercado e um ateliê. Não queríamos abrir mão de nada. Então eu levei uma proposta
pra reunião de fazer uma coleção em homenagem, para homenagear os 10 anos da
associação e os grupos. Quando eu cheguei lá tinha uma integrante da incubadora da
UCPel e uma assessora do SEBRAE que disseram: “- temos uma proposta que pode
ser a ponta da ideia de vocês, um projeto de pesquisa para o desenvolvimento de
uma coleção de artesanato junto ao CNPQ, aí vocês tentam construir um coletivo
com integrantes dos grupos mais fragilizados”. Então pensei que foi um encontro de
duas ideias que deram numa mesma proposta. O projeto foi aprovado. Não existia
muito recurso, mas custeava profissionais e equipamentos. Então foi uma pedreira.
Mas tocamos em frente e aqui estamos. No início os grupos (da Associação) faziam
o próprio material porque já começamos sem recurso nenhum. 192
191
Neste sentido, o Núcleo de Produção diferencia-se das demais OTAs pesquisadas, principalmente por estar
em fase de experimentação. O NP atravessa um momento crucial no qual os comportamentos individuais vão
forjando a identidade coletiva no interior do processo de auto-organização do trabalho.
192
Entrevista realizada com trabalhadora do NP em abril de 2016.
193
Trata-se de um convênio interministerial do qual participam também a Secretaria Nacional de Economia
Solidária (SENAES), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Programa Nacional de Incubadoras de
Cooperativas Populares (PRONINC) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq).
194
Apesar de o recurso ter sido gerido pelo NESIC, constatou-se uma importante participação e integração
institucional do núcleo universitário TECSOL da UFPel, tanto na perspectiva de formação e assessoramento do
Núcleo de Produção como pela sua integração aos processos de ensino, pesquisa e extensão universitária.
100
Em novembro de 2015 foi lançada a coleção Elementos da Terra, que reúne itens com
destaque para a identidade e a flora local, cuja perspectiva é o resgate e preservação de traços
regionais. “Na confecção de todas as peças são utilizadas técnicas artesanais combinadas com
novas tecnologias sociais. Resgatar as técnicas do bordado caseiro transmite a ideologia do
cuidado com a natureza”.195
Acho que o início da produção foi entre 2012/2013 quando aprontamos todos os
protótipos, 63 peças. Mas daí o pessoal pensou, não dá. Ficamos com medo por que
nós tínhamos que correr atrás de recurso. Algumas ficaram com medo e deram para
trás, mas eu não desisti daquela ideia que vinha lá de trás e o Deus da UCPel
também não (risos). Daí quando deu esse projeto do CNPQ elas falaram: - vamos
botar como base o núcleo de produção! Então em 2014 começamos a nos estabelecer
aqui na sala e a chamar os grupos de volta. A coleção foi o primeiro trabalho efetivo,
naquele dia que eu vi os protótipos com cada setor, setor de crochê, de costura, de
pintura, ficava aquele núcleo de mulheres trabalhando ali, era lindo de ver, e eram
dias de frio que não dava nem pra ficar sentada. Eu pensei isso funciona aqui dentro.
Quando foi para terminar a coleção, ficava um grupo aqui e outro ali [...] isso aqui
formigando. Olha que foi bonito, a gente tava podre, mas era assim que era para
ser.196
Ter um projeto, é como se fosse um mapa, tem as metas e tu tens que chegar nelas
no futuro, mas tu tens que trabalhar no presente. Eu acho que a gente está se
desenhando aqui nas atitudes para alcançarmos algo muito maior. Mas tem sido uma
pedreira [...] tem horas que eu quase explodo. Por que a gente escuta umas coisas
que é de demolir a pessoa. Aí eu digo: ta ruim então? Vamos acabar com isso, já que
o projeto acabou! [...] Nós chegamos a estar em 20 pessoas no total, daí quando
195
Entrevista realizada com trabalhadora do NP em abril de 2016.
196
Idem.
101
faltou dinheiro pra continuar o projeto algumas preferiram voltar para seus grupos,
mas a gente não desistiu e aí algumas voltaram. Quando a coleção Elementos da
Terra ficou pronta, todas pensaram: vamos vender! Mas primeiro tem que produzir.
Então algumas disseram: - eu não vou vir pra cá todos os dias e deixar o meu grupo.
Eu disse: - mas aí nos vamos produzir muito, nos vamos ter uma remuneração, a
gente vai poder usufruir, ter férias, vamos descansar, não vamos andar de barraca
nas costas. Mas algumas ainda preferem subir escada, montar barraca, fazer feirinha
[...] é isso aí. 197
[...] o que achávamos que era a nossa grande riqueza, era a nossa fraqueza: fazer um
projeto com tantas realidades diferentes é complicado. É o que enfrentamos hoje no
Bem da Terra: muitas realidades diferentes. Como é que se faz um projeto
abrangendo todas essas áreas [...] Tem também o “raio” da competição e do
individualismo, essa doença danada da sociedade! Achávamos que aqueles que
tinham mais cultura, que avançavam no conhecimento e que iriam reproduzir para os
outros que vinham [...] então foi ao contrário, pessoas que viajavam muito, que
eram representantes daqui [...] chamavam para outro cargo lá a gente achava que era
a ponte, mas [...] “agora eu to em tal cargo”, quando senta na cadeira, já viu né! 198
197
Entrevista realizada com trabalhadora do NP em abril de 2016.
198
Idem.
102
na família), bem como se tem alguma outra fonte de renda (benefício previdenciário,
aposentadoria, pensão etc.). 199
199
Relatório parcial da pesquisa Núcleo de produção/Associação Bem da Terra - Perfil socioeconômico, processo
autogestionário/cooperativo, aspectos sociopolíticos. Pesquisa ainda não publicada. Arquivo interno do Núcleo
de Economia Solidária e Incubação de Cooperativas, NESIC/UCPEL.
103
Além disso, algumas atividades do Núcleo são divulgadas no sítio e nos perfis de redes
sociais da Associação. O NP possui um perfil próprio numa rede social ainda com discreta
utilização. Apenas uma trabalhadora entrevistada manifestou afeição às pautas progressistas
ou de esquerda. A inexistência de publicações impressas ou digitais com alcance externo
como panfletos, boletins, revistas, livros ou zines dificulta a captação da intencionalidade
política do coletivo em relação a outras pautas ou bandeiras políticas. Destacando-se as
referências à Economia Solidária.
200
Entrevista realizada com trabalhadora do NP em abril de 2016.
104
Por outro lado, ao longo das últimas décadas, a experiência de alguns movimentos
sociais populares levou ao
201
FERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1972;
FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1975.
202
A mundialização é resultado de dois movimentos conjuntos, estreitamente interligados, mas distintos. O
primeiro pode ser caracterizado como a mais longa fase de acumulação ininterrupta do capital que o capitalismo
conheceu desde 1914. O segundo diz respeito às políticas de liberalização, de privatização, de
desregulamentação e de desmantelamento de conquistas sociais e democráticas, que foram aplicadas desde o
início década de 1980, sob o impulso dos governos Thatcher e Reagen. CHESNAIS, François. A mundialização
do capital. São Paulo: Xamã, 1996, p. 34.
203
CRUZ, Antônio. A diferença da igualdade. A dinâmica econômica da economia solidária em quatro cidades
do Mercosul. 2006. 343 f. Tese (Doutorado em Economia). UNICAMP, Campinas, 2006. p.1.
105
Nos últimos anos, percebe-se também a publicação de pesquisas que vem alertando
para a funcionalidade destas experiências associativas ao regime de acumulação flexível.
Cada uma a sua maneira (resgatando referenciais teóricos marxistas ou analisando os
meandros empíricos da produção associada no contexto das novas morfologias do mundo do
204
WIRTH, I. G.; FRAGA, L.; NOVAES, H.T. Educação, trabalho e autogestão: limites e possibilidades da
Economia Solidária. In: BATISTA, Eraldo Leme; NOVAES, Henrique (orgs.). Trabalho, Educação e
Reprodução Social. Campinas: Editorial Práxis, 2013. p.3.
205
CRUZ, op. cit. p.1.
206
GAIGER, Luiz Inácio. O mapeamento nacional e o conhecimento da Economia Solidária. Revista da
Associação Brasileira de Estudos do Trabalho, v.12, n.1, 2014. p. 10.
207
Idem. p.3. O debate acerca do papel da Economia Solidária e sobre as principais correntes teóricas será
realizado no capítulo V.
106
Por oportuno, convém destacar duas das teses centrais defendidas por Cruz 209, e que
realocam o debate num contexto sociopolítico dos limites e as possibilidades concretas destas
experiências:
208
Dentre as quais destacamos LIMA, Jacob. C. Trabalho flexível e autogestão: estudo comparativo entre
cooperativas de terceirização industrial. In: LIMA, J. C. (Org.) Ligações perigosas: trabalho flexível e trabalho
associado. São Paulo: Annablume, 2007. MENEZES, Maria Thereza C. G. de. Economia solidária: elementos
para uma crítica marxista. Rio de Janeiro: Gramma, 2007. WELLEN, Henrique. Para a crítica da economia
solidária. São Paulo: Outras Expressões, 2012. CARVALHO, Keila Lúcio de. Economia Solidária como
estratégia de desenvolvimento – uma análise crítica a partir das contribuições de Paul Singer e José Ricardo
Tauile. In: Anais do I circuito de debates acadêmicos. CODE 2011. Disponível em:
<www.ipea.gov.br/code2011/chamada2011/pdf/area2/area2-artigo21.pdf>. Acesso em 15/01/2014. BARBOSA,
Rosângela Nair de Carvalho. A economia solidária como política pública: uma tendência de geração de renda e
ressignificação do trabalho no Brasil. São Paulo: Cortez, 2007.
209
CRUZ, op. cit. p.2-3.
107
210
SANTOS, Aline Mendonça. O movimento de economia solidária no Brasil e os dilemas da organização
popular. 2010. 445 f. Tese (Doutorado em Serviço Social). Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 2010,
p.18.
211
GOHN. Maria da Glória. Movimentos Sociais e redes de mobilizações civis no Brasil contemporâneo.
Petrópolis: Vozes, 2010.
212
SHERER-WARREN, Ilse. Das mobilizações às redes de movimentos sociais. Revista Sociedade e Estado,
n.1, jan../abr. 2006.
108
213
Fórum Brasileiro de Economia Solidária. Disponível em http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_
content&task=view&id=61&Itemid=57. Acesso em: 22 dez. 2013.
214
Em 2003, logo após a eleição de Luís Inácio Lula da Silva para a Presidência da República, foi criada a
Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) inserida no Ministério de Trabalho e Emprego (MTE),
com o objetivo de “favorecer o desenvolvimento e divulgação da Economia Solidária” (SENAES, 2009, p. 7),
passando a mapeá-la, monitorá-la e difundi-la em âmbito nacional.
215
Fórum Brasileiro de Economia Solidária. Disponível em: <http://www.fbes.org.br/index.php?option=
com_content&task=view&id=61&Itemid=57>. Acesso em: 22 dez.2013.
109
216
Fórum Brasileiro de Economia Solidária. Disponível em: <www.fbes.org.br>. Acesso em: 22 out. 2013.
217
Idem.
111
Para a gestão política, interlocução com outros movimentos e com o governo federal, e
acompanhamento da Secretaria Executiva Nacional, há uma Coordenação Executiva
Nacional, composta por 13 pessoas, sendo sete representantes de empreendimentos (dois do
norte, dois do nordeste, e um representante para cada uma das demais regiões), cinco
representantes das Entidades e Redes Nacionais de promoção à Economia Solidária, e um
representante da Rede Nacional de Gestores Públicos. Por fim, para dar suporte aos trabalhos
do FBES, propiciar a comunicação entre as instâncias e operacionalizar reuniões e eventos, há
a Secretaria Executiva Nacional. Existem ainda Grupos de Trabalho (GT's) responsáveis por
temáticas específicas.
218
Fórum Brasileiro de Economia Solidária, op. cit.
219
SANTOS, op. cit. p.18.
112
220
DOIMO, Ana Maria. A vez e a voz popular - movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70. Rio
de Janeiro: Relume Dumará, ANPOCS, 1995.
221
SANTOS, op. cit. p.117.
222
Ibid. p.184.
113
No caso do FBES a questão se coloca de forma mais concreta e aguda, pois existe
representação permanente de gestores públicos nas principais instâncias de poder do
movimento: Coordenações Estaduais, Coordenação Nacional e Coordenação Executiva
Nacional. Não se pretende com isso, apontar a atual situação como determinante frente ao
dilema da autonomia-institucionalização na Economia Solidária. A melhor resposta poderá ser
dada pelos próprios empreendimentos solidários e demais integrantes do movimento, pois no
contexto da grave crise política e econômica na qual o país está inserido 224, a capacidade de
continuidade histórica da Economia Solidária como sujeito político e econômico poderá ser
medida pela sua capacidade futura de passar a fazer efetiva diferença na correlação de forças
políticas, podendo assim disputar e implantar seu projeto de sociedade durante o próximo
período.
223
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma reinvenção solidária e participativa do Estado. In: PEREIRA, L.C.
Bresser et al (org.). Sociedade e Estado em transformação. São Paulo/Brasília: UNESP/ENAP, 1999.p. 264-265.
224
No momento de conclusão desta tese (maio/junho de 2016) a presidente da República, Sra. Dilma Rousseff,
acabara de ser afastada do cargo em razão da instauração de processo de Impeachment instruído com parecer
favorável do senado que aponta indícios de crime de responsabilidade - pela emissão de seis decretos de crédito
suplementar e operação irregular de crédito. O fato político é considerado um golpe de estado institucional por
diversos analistas e observadores internacionais. Com menos de 15 dias em exercício de mandato interino, o
vice-presidente da República, Sr. Michel Temer, já anunciava a extinção do Ministério da Cultura (que foi
incorporado ao Ministério de Educação); do Ministério de Mulheres, Igualdade Racial, Juventude e Direitos
Humanos, incorporados ao Ministério da Justiça; e a separação do ministério do Trabalho e Previdência Social
que se divide, colocando em risco a continuidade da Secretaria Nacional de Economia Solidária.
114
225
Veja-se os indicadores institucionais no Quadro 5, Capítulo 1.
115
As experiências estudadas estão construídas por certas condições sociais que levam as
marcas do momento histórico e da totalidade social concreta assentada sobre determinadas
relações de poder que forjam um determinado tipo de comportamento e consciência nos
trabalhadores.
transformador, ou seja: o que a consciência deveria ser para ser de classe, como uma
fórmula.226
O padrão de sociabilidade forjado pelo capital não pode ser superado por decreto,
como num passe de mágicas, ou ainda pela simples socialização dos meios de produção. Não
se pode afirmar que a formação de organizações de trabalho associados é por si só, indício de
um futuro processo contra-hegemônico e que seus objetivos são antagônicos aos de uma
sociedade estratificada em classes. Provavelmente, em muitas das OTAs, a emancipação dos
trabalhadores nem esteja na agenda. No entanto, dependendo dos elementos institucionais
forjados dentro das OTAs, é possível fazer da experimentação autogestionária um conjunto de
mediações mais ou menos propícias para o desenvolvimento da consciência e da práxis que
avance inclusive para outras esferas econômicas e políticas da realidade concreta.
226
Apesar de o instrumento de tabulação do anexo D – (variáveis comportamentais, indicadores e níveis para
tabulação) – apresentar um padrão idealizado de comportamento definido com forte, os indicadores apontados
como influentes nas variáveis da pesquisa foram coletados a partir das próprias entrevistas de alguns
trabalhadores. Não se tratam de comportamentos enquadrados a partir de uma compreensão idealizada do
pesquisador.
117
ordem de relações sociais. Não se pretende com isso afirmar que a transformação material da
atual sociedade só ocorrerá quando as novas consciências estiverem aptas a fazer a
transformação material, e que após isso, ela ocorrerá automaticamente. Ainda que preservada
certas determinações materiais, as esferas objetivas e subjetivas combinam-se, assim que a
luta de ideias e a capacidade de uma classe demonstrar suas concepções e valores de forma
estratégica, preparam o terreno para transformações, até revolucionárias.
O percurso escolhido para tratar do tema recorrerá aos estudos realizados por Mauro
Iasi227 sobre os processos de consciência e a metamorfose da consciência de classe. A partir
de algumas categorias de Jean-Paul Sartre, Norbert Elias e Sigmund Freud, Iasi desenvolve
seus estudos, e entende a consciência como processo, como “desenvolvimento dialético, em
que cada momento traz em si os elementos de sua superação, em que as formas já incluem
contradições que, ao amadurecerem, remetem à consciência para novas formas e contradições,
de maneira que o movimento se expressa num processo que contém saltos e recuos”.228
227
IASI, Mauro Luis. As metamorfoses da Consciência de Classe: o PT entre a negação e o consentimento. São
Paulo: Expressão Popular, 2012; IASI, Mauro Luis. Ensaios sobre consciência e emancipação. São Paulo:
Expressão Popular, 2007; IASI, Mauro Luis. Processo de Consciência. São Paulo: CPV, 1999.
228
IASI, op, cit., 2007, p.12.
118
Cada indivíduo vive sua própria superação particular, transita de certas concepções
de mundo até outras, vive subjetivamente a trama de relações que compõe a base
material de sua concepção de mundo. Como então podemos falar em processo como
um todo? Acreditamos que a partir da diversidade de manifestações particulares
229
De acordo com o autor, o texto foi publicado com o objetivo de servir de apoio ao Programa de Formação de
Monitores do Núcleo de Educação Popular 13 de maio e ao Programa de formação de formadores da Secretaria
Nacional de Formação política do PT. IASI, op. cit.1999.
230
IASI, op. cit. 1999. p.6-7.
119
[...] pois, logo desde o começo, um produto social, e continuará a sê-lo enquanto
existirem homens [...] naturalmente, começa por ser apenas consciência acerca do
ambiente sensível mais imediato e consciência da conexão limitada com outras
pessoas e coisas fora do indivíduo que se vai tornando consciente de si [...] por outro
lado, a consciência da necessidade de entrar em ligação com os indivíduos à sua
volta é o começo da consciência do homem de que vive de fato numa sociedade.
Esse começo é tão animal como a própria vida social dessa fase [...].232
Iasi utiliza Freud para desvendar como se dá a transformação das relações sociais em
funções psicológicas, ou seja, “como se formaria essa representação que todos possuem?” 233
Freud desenvolveu uma noção da psiquê cujo fio condutor de realização se dá em termos da
relação dialética id-ego-superego. Desta forma, inicialmente, a consciência seria o processo
de representação mental (subjetiva) de uma realidade concreta e externa (objetiva), formada
neste momento, mediante um vínculo de inserção mais imediato, a percepção. Ou seja: uma
realidade externa que se interioriza. A questão se torna complexa na medida em que essa
representação não é um simples reflexo da materialidade externa que se busca representar na
mente, mas é a captação de um concreto aparente, limitado: uma parte do todo e do
movimento de sua entificação (o processo em que algo torna-se o que é). O novo ser ao ser
inserido no conjunto das relações sociais, que tem uma história que antecede a do indivíduo e
vai além dela, capta, assim um momento abstraído do movimento, e busca compreender o
todo pela parte, é a ultrageneralização. Até este momento não é possível falar em relação,
somente de instintos somáticos. A partir do momento em que o indivíduo percebe que não
pode controlar aquilo que supõe ser parte da sua anatomia, o seio materno, é que surge uma
relação e a noção do eu. É na interação com o mundo que se forma o psiquismo, a estrutura
231
IASI, op. cit., 2007. p. 13.
232
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã. São Paulo: Expressão Popular, 2009. p.44-45.
233
IASI, op. cit. 2007, p.13.
120
básica do universo subjetivo do ser. Os indivíduos chegam ao mundo apenas com instintos e
impulsos básicos, o que Freud chama de ID 234. A vivência nas relações de família, permite o
início da construção do universo interiorizado. “Sob influência do mundo externo que nos
cerca, uma porção do ID sofre um desenvolvimento especial [...] que atua como intermediário
entre o ID e o mundo externo, o EGO”235. O mecanismo primordial dessa intermediação,
entre o EGO e o mundo externo, é o chamado princípio do prazer, pela qual se busca o prazer
e se evita o desprazer. Na busca do prazer, o EGO satisfaz as exigências do ID, levando em
conta a limitada realidade perceptível nesta fase da vida. A ação dos pais mediatiza as
exigências sociais, histórica e socialmente determinadas, apresentando-se ao “EGO em
formação como uma força a ser levada em conta na sua busca de equilíbrio e adaptação” 236.
Essa ação dos pais cumpre o papel de formação de um agente especial no prolongamento da
influência parental sobre o indivíduo, que somadas às influências da família (que para Freud
simboliza o núcleo de tipo burguês tradicional – pai, mãe e prole), e das tradições vivenciadas
por esta, o SUPEREGO. Tal movimento permite compreender que o controle social e a
dominação são subjetivados como autocontrole e como carga afetiva e não como meras ideias
que podem ser facilmente substituídas. O externo se interioriza, uma relação entre o EGO e o
mundo externo interioriza-se, formando uma parte constitutiva do universo subjetivo do
indivíduo. Neste momento reside um fenômeno de extrema importância para a formação da
primeira forma de consciência:
Acontece que aquilo que é visto pela pessoa em formação como mundo externo,
como objetividade inquestionável, portanto, como realidade, é apenas uma forma
particular, historicamente determinada, de se organizarem as relações familiares. No
entanto, esse caráter particular não é captado pelo indivíduo, que passa a assumi-lo
como natural. Assim, o indivíduo interioriza essas relações, as transforma em
normas, estando pronto para reproduzi-las em outras relações através da
associação. 237
234
FREUD, Sigmund. Esboço de psicanálise. In: Os pensadores. São Paulo: Abril cultural, 1978.
235
Ibid. p. 199,200.
236
IASI, op. cit. 2007.p. 16.
237
Ibid. p. 17.
121
(1) A vivência de relações que já estavam preestabelecidas como realidade dada; (2)
a percepção da parte pelo todo, onde o que é vivido particularmente como uma
realidade pontual, torna-se a realidade (ultrageneralização); (3) por esse caminho, as
relações vividas perdem seu caráter histórico e cultural para se tornarem naturais,
levando à percepção de que sempre foi assim e sempre será; (4) a satisfação das
necessidades, seja da sobrevivência ou do desejo, deve respeitar a forma e a ocasião
que não são definidos por quem sente, mas pelo outro que tem o poder de determinar
o quando e o como; (5) essas relações não permanecem externas, mas se
interiorizam como normas, valores e padrões de comportamento, formando com o
SUPEREGO, um componente que o indivíduo vê como dele, como autocobrança e
não como uma exigência externa; (6) na luta entre a satisfação do desejo e a
sobrevivência, o indivíduo tende a garantir a sobrevivência, reprimindo ou
deslocando o desejo; (7) assim, o indivíduo submete-se às relações dadas e
interioriza os valores como seus, zelando por sua aplicação, desenvolvimento e
reprodução.238
238
IASI, op. cit. 2007. p.18-19.
122
A ideologia não pode ser compreendida apenas como um conjunto de ideias que são
introjetadas na cabeça dos indivíduos pelos mais distintos meios como a mídia, a escola ou a
religião. Essa compreensão levaria ao equívoco de rotular uma ação anti-ideológica com a
possibilidade de trocar velhas por novas ideias – substituir ideias conservadores por ideais
revolucionárias. Marx e Engels, quando destacaram a importância do ser social e da
consciência social, para a compreensão materialista da história, oportunamente destacaram:
A consciência (das Bewunntsein), nunca pode ser outra coisa senão o ser consciente
(das bewusste Sein), e o ser dos homens é o seu processo real de vida. Se em toda a
ideologia os homens e as suas relações aparecem de cabeça para baixo como numa
câmera escura, é porque esse fenômeno deriva do seu processo histórico de vida da
mesma maneira que a inversão dos objetos na retina deriva do seu processo
diretamente físico de vida. Em completa oposição à filosofia alemã, a qual desce do
céu à terra, aqui sobe-se da terra ao céu. Isto é, não se parte daquilo que os homens
dizem, imaginam ou se representam, e também não dos homens narrados, pensados,
imaginados, representados, para daí se chegar aos homens em carne e osso; parte-se
dos homens realmente ativos, e com base no seu processo real de vida apresenta-se
também o desenvolvimento dos reflexos (Reflexe) e ecos ideológicos desse processo
de vida. Também as fantasmagorias (Nebelbildungen) no cérebro dos homens são
sublimações necessárias de vida material empiricamente constatável e ligado e
premissas materiais. A moral, a religião, a metafísica, e toda outra (sonstige)
ideologia, e as formas de consciência que lhe correspondem, não conservam assim
por mais tempo a aparência de autonomia [...]. Não é a consciência que determina a
vida, é a vida que determina a consciência.240
A alienação cede terreno para a ideologia, mas diferencia-se desta. A alienação que se
expressa na primeira forma de consciência é subjetiva, profundamente enraizada como carga
afetiva, baseada em modelos e identificações de fundo psicológico. A ideologia agirá sobre a
alienação e se servirá de suas características fundamentais para exercer uma dominação que
agindo de fora para dentro, encontrará nos indivíduos um suporte para estabelecer-se
subjetivamente.
239
IASI, op. cit. 2007. p. 20.
240
MARX; ENGELS, op. cit., p. 31-32.
123
Quando numa sociedade de classes, a que uma delas detém os meios de produção,
tende a deter também os meios para universalizar sua visão de mundo e suas justificativas
ideológicas a respeito das relações sociais de produção que garantem sua dominação cultural e
econômica. Em relação aos meios de comunicação em massa, se dizer que estes representam
os interesses da classe dominante já é ultrapassado; atualmente os meios de comunicação são
a própria classe dominante, tamanho é o avanço das fusões empresariais que redundam em
grandes conglomerados econômicos. Assim, as ideias da classe dominante são em cada época
as ideias dominantes:
Em suma: cada nova classe que se coloca no lugar de outra que dominou antes dela é
obrigada, para realizar o seu propósito, apresentar o seu interesse como universal de todos os
cidadãos, ou seja: dar à sua ideia aparência de universalidade, apresentando-a como verdade
racional e com validade universal.
Ao viver o trabalho alienado, o ser humano aliena-se da sua própria relação com a
natureza, pois é pelo trabalho que o ser humano se relaciona com a natureza, a humaniza e
assim pode compreendê-la. Vivendo relações em que ele próprio se coisifica, onde o produto
do seu trabalho lhe é algo estranho e que não lhe pertence, a natureza se distancia e se
fetichiza. Marx exemplifica o primeiro nível de alienação:
241
MARX; ENGELS, op. cit. p.68-69.
242
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010.
124
[...] o trabalho produz maravilhas para os ricos, mas produz privação para o
trabalhador. Produz palácios, mas cavernas para o trabalhador. Produz beleza, mas
deformação para o trabalhador. Substitui o trabalho por máquina, mas lança uma
parte dos trabalhadores de volta a um trabalho bárbaro e faz da outra parte máquinas.
Produz espírito, mas produz imbecilidade, cretinismo para o trabalhador.243
Num segundo aspecto, o ser humano aliena-se de sua própria atividade. O trabalho
transforma-se, deixa de ser a ação própria da vida para se converter num meio de vida. Ele
trabalha para o outro, contrafeito o trabalho não gera prazer, é a atividade imposta que gera
sofrimento e aflição. Alienando-se da atividade que o humaniza, o ser humano se aliena de si
próprio (autoalienação). Como resultado necessário desta relação, “encontramos a relação de
propriedade do não-trabalhador com o trabalhador e com o trabalho”.244
Isso nos leva ao terceiro aspecto. Alienando-se de si próprio como ser humano,
tornando-se coisa (o trabalho não me torna um ser humano, mas é algo que eu vendo para
viver), o indivíduo afasta-se do vínculo que o une à espécie. Em vez de o trabalho tornar-se o
elo entre os indivíduos, a produção social da vida, metamorfoseia-se num meio individual de
garantir a própria sobrevivência particular. Neste sentido, “o não trabalhador faz contra o
trabalhador tudo o que o trabalhador faz contra si mesmo, mas não faz contra si mesmo o que
faz contra o trabalhador”.245
Iasi aduz que a materialidade dessas relações produtoras da alienação (em seus três
aspectos) são expressas no universo das ideias como ideologia. São relações materiais
concebidas como ideias. A ideologia encontra na primeira forma de consciência uma base
favorável para a sua aceitação. As relações de trabalho já têm na ação prévia das relações
familiares e afetivas os elementos de sua aceitabilidade. 246
As referências mais singelas e corriqueiras como ter sucesso, ser alguém na vida, ser
pobre, ser rico e a própria felicidade, já são ancoradas no imaginário da criança com base em
um conjunto de valores interiorizados que para ela são verdadeiros e naturais, pois estão
referenciados nas relações concretas e nos vínculos afetivos familiares e de vizinhança que ela
possui antes mesmo que tenha qualquer informação mais sistematizada.
243
MARX, op. cit. p.82.
244
Ibid. p.89.
245
Ibid. p.90.
246
IASI, op. cit. 2007.
125
sucesso ou ser alguém na vida, não foram interiorizados pelo contato perceptivo com as
relações sociais determinantes na sociedade onde vive. Os valores são mediatizados por
pessoas que servem de veículo de valores, são modelos – modelos de sucesso e de pessoas
que são alguém na vida, de acordo com a limitada cadeia de valores-referência que a criança
já possui; mesmo que não conheça pessoalmente ninguém com tais características, mas
baseada na forma como outras pessoas se posicionam em relação a tais valores. “Não se trata
da identificação com a sociedade, as relações capitalistas ou as ideias; são as relações de
identidade com outros seres humanos, seus modelos, que a pessoa em formação assume
valores dos outros como sendo seus”.247 Assim o indivíduo vai construindo uma visão do
mundo que julga como sendo própria.
A relevância da base dessa primeira forma de consciência leva Iasi a procurar outras
fontes de compreensão do fenômeno. Assim, o autor passa a considerar os estudos de Norbert
Elias na obra A sociedade dos indivíduos249. Nesta, Elias se debruça sobre a relação entre a
pluralidade de pessoas e a pessoa singular chamada de indivíduo, e da pessoa singular com a
pluralidade de pessoas definia como sociedade. Neste desenvolvimento histórico particular, o
controle social é internalizado como autocontrole e como repressão dos impulsos (a
dominação é subjetivada como carga afetiva), visando oportunizar uma realização do ideal de
ego.
247
IASI, op. cit. 2007. p.24.
248
GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p.12.
249
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: ZAHAR, 1994.
126
Esse ideal de ego do indivíduo, esse desejo de se destacar dos outros, de se suster
nos próprios pés e de buscar a realização de uma batalha pessoal em suas próprias
qualidades, aptidões, propriedades ou realizações, por certo é um componente
fundamental da pessoa individualmente considerada. Trata-se de algo sem o qual ela
perderia, a seus próprios olhos, sua identidade de indivíduo. Mas não é,
simplesmente, parte de sua natureza. É algo que se desenvolveu nela através da
aprendizagem social. Como outros aspectos do autocontrole ou consciência, só
emergiu na história, dessa maneira pronunciada e difundida, gradativamente.250
Em outras palavras, esse ideal faz parte de uma estrutura de personalidade que só se
forma em conjunto com situações humanas específicas com sociedades dotadas de uma
estrutura particular, com alto grau de diferenciação. É algo da esfera pessoal e ao mesmo
tempo, específico de cada sociedade. O ser não escolhe por livre convicção o ideal
individualista entre diversos outros existentes. De acordo com Elias, esse ideal individual é
socialmente exigido e inculcado na grande maioria das sociedades altamente diferenciadas. É
claro que existe possibilidade de resistir a tal exigência social, decidindo por si só e
destacando-se dos demais. Mas em geral, essa forma de ideal de ego e o alto grau de
individualização a ela correspondente são parte integrante de seu ser, uma parte de que não
podem livrar-se assim tão facilmente.
250
ELIAS, op. cit. p.118.
251
Ibid.
127
252
ELIAS, op. cit. p.130.
253
IASI, op. cit. 2012, p. 195.
254
FERRAZ, Deise Luiza da Silva. Projetos de geração de trabalho e renda e a consciência de classe dos
desempregados. In: Organizações e Sociedade, 2015, v. 22, n.72, p. 128.
255
Ibid. p. 129
128
(1) Por mais criativos, talentosos e flexíveis que sejamos, é inerente ao processo de
(re)produção do capital que não haja trabalho para todos; os obstáculos da
mobilidade social são, em geral, creditados ao sistema de méritos, o que faz encobrir
a questão realmente determinante – é a posição ocupada pelo indivíduo no processo
produtivo o condicionante do acesso ou não à qualificações, networks e postos de
trabalhos mais rentáveis, limitando a muito poucos chances efetivas de vencer na
vida;
(2) Um possível aumento na renda se faz acompanhar pelo aumento do desgaste
físico-psíquico, que deteriora a mercadoria vendida (força de trabalho), reduzindo
sua possível vida útil para o capital. [...]. Por outro, aquele aumento não ocorre sem
a correspondência proporcional no aumento da produtividade do trabalho que, por
sua vez, intensifica a concorrência intra-classe trabalhadora, tendendo a um
decréscimo do valor da mercadoria no mercado de trabalho, isto é, efetiva-se a
tendência do decréscimo do possível primeiro aumento do rendimento no âmbito
geral. Tal luta heroica e individualizada para vencer na vida evolui numa crescente
de agressividade e tende a resultar em cada vez menos e menores vantagens reais
para os vendedores de força de trabalho.
256
FERRAZ, op. cit. p.128-129.
129
Tal contradição pode ser vivida como um conflito subjetivo pelo indivíduo. Se sua
consciência inicial é formada pela interiorização de normas, valores e comportamentos
sentidos a partir das relações imediatas que estabeleceu desde sua mais tenra idade, o
mecanismo provocador da contradição na primeira forma de consciência não é outro senão o
próprio que lhe deu existência. Em tese, as relações vividas com novos conteúdos têm similar
potencial de interiorização que as anteriores, podendo gerar novos valores que servirão de
base para novas condutas e comportamentos.
257
IASI, op. cit., 2007, p.27.
130
Nesse momento da vida, as relações são vividas como injustas e talvez exista a
disposição subjetiva de não se submeter a algo. No entanto, pela complacência própria da
primeira forma de consciência ou pelo instinto de sobrevivência, as contradições acabam
sendo mentalmente convertidas a fatalismos inerentes à realidade do trabalhador.
É apenas sob certas condições que a insatisfação pode se tornar uma passagem para a
nova etapa do processo de consciência.
A consciência imediata do ser sob esta ordem só pode se apresentar como uma
consciência individual, naturalizada e atemporal, desagregada e ocasional, formada
bizarramente, mas revelando uma coerência irretorquível àquela que a possui, herdada de uma
258
SARTRE, Jean-Paul. Crítica de la Razón Dialéctica. Buenos Aires: Editorial Losada, v.1, 1979.
259
IASI, op. cit., 2012, p. 215.
260
SARTRE, Ibid. p.396.
131
sociabilidade objetiva imposta, mas que o indivíduo julga como sua autêntica subjetividade.
Cada um buscando seu próprio interesse realiza o interesse geral, mas este não é a harmonia e
a felicidade do conjunto como quer o pensamento liberal, mas o capital total e a reprodução
das condições gerais de sua perpetuação. Neste sentido, a alienação não estaria apenas na
objetividade do ponto de partida e na forma objetivada ao final, mas igualmente na mediação
pela própria atividade dos indivíduos, constituindo não propriamente uma práxis, mas uma
antipráxis na qual o espaço da liberdade é nulo.261
Para Sartre, a dialética dos grupos é uma dialética da totalização, momento no qual se
instituem totalidades a partir de totalidades instituídas, momento de mediação subjetiva entre
duas objetividades: (1) aquela na qual o ser humano se encontra como ponto de partida e (2)
aquela que é produto de sua objetivação. Assim, este movimento descreve uma negação da
negação, de forma que a primeira objetividade, o chamado campo prático-inerte, é negada
pela ação subjetiva da livre práxis, que produz uma nova objetivação que se aliena em um
novo campo prático-inerte.
261
IASI, op. cit, 2012. p.217.
262
Ibid. p.285
263
Ibid, p.84.
132
[...] até aqui, de fato, - na dimensão do coletivo -, o real se definia por sua
impossibilidade. Aquilo que chamam de sentido de realidade significa exatamente:
sentido daquilo que por princípio, está proibido. A transformação tem, pois, lugar
quando a impossibilidade é ela mesma impossível, ou, se preferirem, quando um
acontecimento sintético revela a impossibilidade de mudar como impossibilidade de
viver. O que tem como efeito direto que a impossibilidade de mudar se volta como
objeto que se tem que superar para continuar a vida.264
Noutras palavras: a situação de serialidade é produzida por algo que não depende da
vontade de cada indivíduo do coletivo serial, como no exemplo do passageiro de ônibus na
relação com o objeto ônibus e no caso do eleitor na relação com objeto eleição (outro
exemplo utilizado por Sartre); mas tanto o passageiro como o eleitor veem seus atos como
expressão particular da sua vontade e acreditam estarem em situação de alteridade serial para
com o outro. Assim, o mesmo fator (espera na fila/eleições) produz a alteridade serial
(passageiros/eleitores) e a unidade de conjunto como coletivo (fila/colégio eleitoral). Como o
real é aquilo que está proibido pela situação de serialidade (entrar diretamente no ônibus ou
fazer política com as próprias mãos não passa na cabeça do indivíduo serial), o fator que age
na transformação do coletivo serial em grupo é uma impossibilidade da impossibilidade que
atua em algum ponto essencial à sobrevivência. O coletivo serial é colocado diante da
impossibilidade de manter uma restrição que ele mesmo produz em cada um e no todo, e vê a
necessidade de romper o campo prático-inerte. Ao agir o “coletivo verifica com surpresa
como em um momento de sua atividade passiva foi um grupo”265 Tal momento pode marcar a
quebra da serialidade em direção ao grupo em fusão – segundo momento do percurso. Esse
momento se dá quando a necessidade individual ou o perigo são sentidos como problemas
comuns e agrupam os indivíduos, dissolvendo a serialidade. Não se trata de um simples
enxergar-se no outro, pois além da formação do grupo, a fusão dá-se na ação de romper com
a serialidade em direção à práxis aberta à totalização. A partir desse momento o grupo vive
uma permanente tensão entre o caminho aberto pelo grupo em fusão, no sentido de totalização
e a ameaça de se dissolver na serialidade. Se o grupo não se dissolve há uma tendência de
afirmação da práxis livre mediante uma reciprocidade com capacidade para reproduzir sua
própria inércia na direção do objetivo comum para negar a serialidade. É como se fosse uma
264
SARTRE, op. cit., p.14.
265
Ibid, p.287.
133
primeira “negação da dialética no coração da dialética” 266. É a fase do novo estatuto que
Sartre chama de juramento (terceiro momento do percurso de totalização dialética). Mas a
diferença qualitativa deste momento de inércia dentro do movimento de totalização é que a
identidade do grupo não é mais dada por uma entidade externa, é fruto da mediação do
próprio grupo, que trata de alcançar a práxis livre ao mesmo tempo em que limita livremente
esta liberdade. O projeto já é um projeto recíproco do grupo, e o compromisso já é mediado
por um terceiro, pois o juramento de cada um é também juramento dos outros e do grupo ao
mesmo tempo. Sua solidez se explica pela manutenção de algo externo, por um perigo, pelo
medo. Enquanto ameaça externa, este objeto de perigo está na base da fusão do grupo; no
entanto, num segundo momento de relaxamento dessa situação de perigo externo produz em
cada um do grupo a persistência de uma nova ameaça e um novo perigo: “o de progressivo
desaparecimento do interesse comum e do reaparecimento dos antagonismos individuais e da
impotência serial”267. O juramento é o produto que deriva desse momento da vida do grupo e
o demarca agora como grupo jurado. Nesse sentido, o juramento pode ser compreendido
como pacto coletivo permanente (seja explícito ou implícito) que carrega as marcas da
motivação e da intensidade do envolvimento dos seus integrantes na sua criação. As
Organizações de Trabalho Associado também possuem seus juramentos, e estes costumam
refletir os movimentos e bandeiras de luta representadas e as principais motivações dos seus
integrantes (geração de renda, alternativa ao desemprego, direito ao trabalho, integração
social etc.). As OTAs menores tendem a ter juramentos mais vívidos, enquanto as mais
numerosas dificilmente logram escapar da burocratização, mesmo que em proporções
mínimas. As OTA que passaram por situações de conflito intenso tendem a carregar consigo
esta tatuagem como elemento que fortalece os laços identitários do grupo. Um simples
exemplo capturado na entrevista de um integrante da CooperActiva pode exemplificar a
questão:
[...] no passado fomos mais flexíveis com quem ficava aqui, as vezes nem sabíamos
quantos estavam dormindo, atualmente somos mais seletivos e mandamos embora
quem não comunga dos nossos princípios libertários. Não somos muito rígidos
quanto a leituras específicas do anarquismo, mas não aceitamos um cara machista ou
homofóbico aqui dentro. Isso já ocorreu e mandamos ele embora. 268
Nesse caso a natureza do juramento reflete a identidade política desse sujeito coletivo
e sua rigidez é diretamente proporcional ao tamanho das ameaças e dos perigos que
266
SARTRE, op. cit., p.14.
267
Ibid.
268
Entrevista realizada com morador da CooperActiva em janeiro de 2016.
134
269
Os anarquistas e punks são historicamente perseguidos por grupos neonazistas e por outras tribos urbanas
derivadas. Por se tratar de uma OTA que oferta atividades abertas ao público, tais grupos não tem entrada
permitida e qualquer pessoa que apresente comportamento que destoe minimamente dos princípios da casa é
imediatamente retirada do local.
270
IASI, op. cit., 2012, p.290.
271
Ibid.
135
populares e as distintas origens e influências dos grupos: economia solidária, mas solidária a
quê? Na sequência da pergunta, a autora desenvolve o argumento:
272
TIRIBA, Lia. Economia popular e cultura do trabalho – pedagogia da produção associada. 2001. p.346-359.
273
Remete-se ao fato de um dos deputados, ao declarar seu voto, declarou homenagem ao coronel
reformado Carlos Brilhante Ustra, que foi chefe do Doi-Codi de São Paulo entre 1971-1974, um dos mais
sangrentos centros de tortura da ditadura militar no Brasil 1964-1985. Em nota o conselho federal da Ordem dos
Advogados do Brasil declarou: “não é aceitável que figuras públicas, no exercício de um poder delegado pelo
povo, se utilizem da imunidade parlamentar para fazer esse tipo de manifestação num claro desrespeito aos
direitos humanos e ao Estado Democrático de Direito". Disponível em: <http://www.oab.org.br/noticia/51516/
oab-emite-nota-de-repudio-a-declaracoes-de-deputado?argumentoPesquisa=formsof(inflectional,%20%22bolson
aro% 22)>. Acesso em: 15 mai. 2016.
274
Conversa informal ocorrida com integrante do Conselho de Núcleos.
136
Para Iasi, é nesse momento que o poder jurídico difuso assume forma de regulamento,
estatuto, normas comuns. Ainda que já baseado em uma diferenciação de funções na qual são
definidas as estruturas básicas nas quais o grupo define e inventa suas instituições a partir de
rupturas e continuidades com o campo prático-inerte do qual partiu, como atividade-
estruturada, o ciclo ainda não se fechou sobre a práxis livre do grupo. A diferença em relação
275
Arquivo interno da Associação Bem da Terra.
276
IASI, op.cit. 2012. p.291.
277
SARTRE, op. cit., p.14.
137
à etapa anterior é que agora se trata de uma “práxis organizada”, “uma ação do grupo sobre si
mesmo, com a ação de seus membros sobre o objeto” .278
Para Sartre, a práxis orgânica instituída “se manifesta como inércia insuperável, isto é,
como exterioridade explosiva”. 282
Neste ponto ocorre o retorno à serialidade inicial, pois aquilo que era uma atividade
em si repleta de significação é substituída por uma função institucional – é a livre práxis
transformada em procedimento institucional: uma ação cada vez mais mediada por
278
SARTRE, op. cit., p.114.
279
Ibid., p.125.
280
IASI, op. cit. 2012. p.293.
281
Ibid. p.293.
282
SARTRE, ibid. p.223.
138
283
IASI, op.cit. 2012. p. 295.
284
FERRAZ, Deise Luiza da Silva; MENNA-BARRETO, João Alberto. A organização dos trabalhadores
desempregados como mediação para a consciência de classe, o&s - Salvador, v.19, n.61, p.187-207,
abr./jun.2012.
139
285
Outra crítica realizada por Iasi concerne à compreensão da objetivação realizada por Sartre: “Sartre não herda
apenas a base hegeliana do movimento dialético da totalização, mas acaba preso a uma de suas armadilhas
idealistas. Para Hegel, toda objetivação conduz ao extermínio e daí ao estranhamento, uma vez que se trata da
materialização do espírito, a objetivação do subjetivo. A diferença é que Hegel pressupõe em seu sistema um fim
possível no momento do reencontro do sujeito no objeto, enquanto Sartre transforma o movimento da liberdade
na busca permanente e sempre virtual. Apesar da diferença, ambos acreditam que toda objetivação é (ou
virtualmente sempre se torna) estranhamento. Ocorre que não é o mesmo para Marx que localiza o fenômeno do
estranhamento no qual a objetivação humana se volta como uma força hostil e antagônica em determinações
historicamente precisas (nas classes, na religião, no Estado, no Capital)”. IASI, op.cit. p. 349.
140
Nesse ponto é que segundo Iasi, a dialética circular de Sartre coloca uma camisa de
força, pois além de estar adstrita a inteligibilidade individual presa ao grupo - do ponto de
vista abstrato o movimento se resolve na tendência de a organização se institucionalizar e daí
dissolver a livre práxis em processo de práxis constituída e o grupo em nova serialidade.
Apesar de o desfecho mais provável ser mesmo a burocratização, a dimensão da análise
adstrita ao grupo isolado negligencia a teia de interrelações da ação coletiva que pode advir da
contradição mais abrangente que ameaça a continuidade da vida em distintos níveis
societários. Para Iasi essa particular circunstância “produz uma identidade, ação e
correspondente momento da consciência que não podem simplesmente ser reduzidos aos
141
mecanismos do grupo, muito menos derivados de mecanismos individuais. Este seria o salto
em direção à classe”286.
Ainda que pelo movimento abstrato descrito por Sartre os processos possam ser os
mesmos (serialidade, fusão, organização, instituição, burocracia e o eventual retorno à
serialidade), a natureza e dimensão dos processos nas quatro OTAs pesquisadas são muito
distintos, e não apenas em termos quantitativos. O movimento proposto por Sartre parece
excelente para identificar o momento da ação grupal com a possibilidade de práxis livre. Mas
essa práxis não pode ser classificada como livre a priori e precisa também ser analisada a
partir de um contexto mais amplo do sociometabolismo, relacionando a parte com o todo, ou
seja: sua incidência em um campo prático-inerte maior. Uma coisa é conseguir negociar com
a gerência patronal o aumento do salário dos operários; outra bem diferente é ocupar a fábrica
a assumir uma gestão operária da fábrica e discutir entre operários a remuneração justa; e
outra ainda mais difícil é superar a relação capital-trabalho como eixo de sociabilidade.
286
IASI, op.cit. 2012. p.307.
287
Ibid.
142
Iasi acrescenta alguns questionamentos centrais para a questão 288: se é verdade que um
grupo em confronto com certa objetividade se coloca em movimento livre e institui uma nova
objetividade na qual volta a se estranhar, o que determina este amoldamento? Qual a força ou
forças que agem sobre a organização e a transformam em instituição? O que se institui nesse
momento que condena os seres sociais ao retorno da serialidade alienada? Por que ao nos
organizarmos contra certa ordem acabamos por instituí-la por outros meios?
Iasi reage às suas perguntas de forma simples e direta: “A velha realidade permanece
ou volta a se instituir pelo simples fato de que não a superarmos direito. O novo tem
dificuldades em surgir porque não rompemos de fato com o velho e não construímos as novas
relações, talvez acreditando que elas, assim como as velhas, seriam naturais.” 289 As velhas
foram feitas e instituídas pela ação da humanidade e as novas precisam ser construídas ao
mesmo tempo em que as velhas forem destruídas. E acrescenta:
Isso significa que, neste trajeto de construção das condições para a emancipação
humana, a resistência caminha dentro da ordem sociometabólica do capital, e antes de ser
contra essa ordem já precisa iniciar seus passos para além desta.
A revolução dentro da ordem possui um conteúdo bem distinto do que ela assumiu
na órbita histórica dos países capitalistas centrais. As classes burguesas não se
propõem as tarefas históricas construtivas, que estão na base das duas revoluções, a
nacional e a democrática; e as classes trabalhadoras têm de definir por si próprias o
eixo de uma revolução burguesa que a própria burguesia não pode levar até o fundo
e até o fim [...] Os que repudiam tais tarefas históricas do proletariado por temor do
oportunismo e do reformismo ignoram duas coisas. Primeiro, que, sem uma maciça
presença das massas destituídas e trabalhadoras na cena histórica, as potencialidades
nacionalistas e democráticas da ordem burguesa não se libertam e, portanto, não
podem ser mobilizadas na fase em transcurso de organização do proletariado como
classe em si. Segundo, que o envolvimento político das classes trabalhadoras e das
288
IASI,. op.cit. 2012.
289
Ibid. p.311.
290
A ideia já aparecera como conceito de revolução permanente em Marx na Mensagem do Comitê Central,
depois consagrado por Trotsky.
143
A reflexão realizada por Iasi elaborada a partir de Sartre sobre o processo dialético de
totalização mediado pelos grupos provoca importantes reflexões sobre o processo de
consciência dos trabalhadores das Organizações de Trabalho Associado. Assim, destaca-se
três argumentos que podem servir de síntese para o tratamento dos dados obtidos pelo
trabalho de campo.
(a) A constituição de cada OTA como processo dialético de totalização mediado pelo
grupo implica considerar o trabalho associado como um arranjo político-econômico
sensivelmente contraditório e com importantes limitações estruturais sob o
sociometabolismo do capital que ocasionam a existência de rupturas e continuidades
no interior das organizações;
(b) Ainda que pelo movimento abstrato descrito por Sartre os processos possam ser os
mesmos (serialidade, fusão, organização, instituição, burocracia e o eventual retorno à
serialidade), a natureza e dimensão dos processos concretos nas quatro OTAs
pesquisadas são muito distintos. Assim é possível identificar elementos
autogestionários internos e ampliados que favorecem e que impedem a manifestação
da livre práxis;
(c) Na medida em que os próprios mecanismos da organização se instituem, se fixam
e se perpetuam, o grupo-organização deixa de ser o meio para a livre práxis dos seres
humanos e passa a cristalizar-se em práxis constituída com vistas a institucionalização
dos procedimentos burocratizados que obedecem às suas próprias leis de organização,
restabelecendo assim a serialidade. O processo autogestionário pode sob algumas
condições desempenhar importante papel quando limita livremente a liberdade292 na
direção do projeto coletivo e pode estimular a criação e a renovação de embriões da
291
FERNANDES, Florestan. O que é Revolução. São Paulo: Abril Cultural/Brasiliense, 1984. p.13
292
IASI, op.cit. 2012. p.294.
144
livre práxis (no sentido do salto em direção à classe, apontado por Iasi). Apenas
algumas OTAs apresentam elementos indicadores do salto em direção à classe. Estes
ocorrem principalmente em OTAs que mantém relação orgânica com movimentos e
organizações populares, incorporando interesses de classe aos objetivos econômico-
corporativos das OTAs.
293
IASI, op. cit. 2007.
145
Quando uma pessoa vive uma injustiça solitariamente, tende à revolta, mas em certas
circunstâncias pode ver em outras pessoas sua própria contradição. Esse também é um
mecanismo de identificação da primeira forma, mas aqui a identidade com o outro produz um
salto de qualidade. Uma situação elucidativa da questão é o momento inaugural da OTA 1
(indicador n.1 do autogestômetro institucional – Quadro 5), especialmente quando se da a
deflagração do conflito entre os operários e os antigos patrões. A percepção consciente da
situação de desemprego como não sendo individual de cada operário provoca o surgimento
de laços de identidade coletiva. Daí a importância da realização de vivências e visitas a outras
experiências similares como fábricas ocupadas/recuperadas (indicador institucional n. 20
Quadro 5). Identificar-se na carência do outro gera laços de solidariedade.
[...] cheguei um dia muito ruim, tinha que levar o filho ao médico. As colegas
responderam: - tá, sem problemas, vai. Não vão te marcar no outro dia, ou terás que
fazer tantas horas a mais porque tu levaste teu filho ao médico, porque foi preciso.
Tu não vais ficar em casa de perna pro ar, foi preciso. E eu vejo isto, se fosse noutro
restaurante de carteira assinada, não teria a possibilidade. Tu vais ter um desconto
no final do mês por aquele dia. Ou tu vais ficar fazendo uma hora extra ou alguma
coisa assim. Claro que a gente tem consciência. Já que ontem eu não vim, então hoje
eu vou compensar e ajudar. Mas assim ó, se não precisar, não precisou. Tu sabes, tu
tens aquela consciência. Eu vou hoje ou eu não posso ir, mas sabendo da falta que
vou fazer aqui, né. Mas aqui neste ponto é bom. Eu tive problemas com os meus
dois filhos que tiveram Catapora. Eu tava faltando muito. Estava demais, o meu
pequeno ficou internado. Ficou mal mesmo. Pegou infecção e teve muita febre,
febrão de quarenta. Eu não conseguia baixar a febre. Era véspera de Natal, 20 de
dezembro e eu com o gurizinho no hospital. E eu só liguei pra Francisca, e disse,
não tenho como ir. Mas se fosse outro lugar eu estaria na rua. Outra época eu estava
com muita dor de cabeça, enxaqueca mesmo, não tinha condições. As meninas me
disseram: guria tu vais embora, não tem condições de ficar trabalhando assim. A
gente chama alguém de folga pra te cobrir ou se desdobra em trinta, quarenta.294
Tal processo pode ou não acontecer de diversas formas no interior de uma OTA. Uma
mãe, sem qualquer histórico de socialização militante ou experiência associativa pregressa
que ingressa numa OTA e logo tem essa série de complicações, quando ela precisa se ausentar
do trabalho em razão das adversidades e percebe que não terá desconto no salário, e ainda,
que isso ocorreu em virtude da compreensão dos seus colegas, e não por força legal (como
pode eventualmente acontecer em casos de dispensa na relação de trabalho assalariado); ela
294
Entrevista com trabalhadora da Teia realizada em janeiro de 2016.
146
tende a questionar sua pré-concepção: aquela que diz que nas relações de trabalho vigora a lei
de talião das cápsulas de individualidade, ou, que os colegas de trabalho sempre querem
ascender na carreira sob qualquer circunstância.
295
IASI, op.cit., 2007, p. 29.
147
296
PAZELLO, Ricardo Prestes. Movimentos Populares. In: Revista Captura Crítica, v.1, n.3, jul/dez.
Florianópolis, 2010. p.390.
297
IASI, op. cit. 2007.
148
Ou seja, a consciência nessa fase ainda reproduz o mecanismo pelo qual a satisfação
do desejo cabe ao outro; manifesta o inconformismo e não a submissão; reivindica a solução
de um problema ou injustiça. Mas quem reivindica ainda reivindica de alguém!
298
IASI, op. cit.. 2007. p.31.
149
enquanto classe, assumindo a luta de toda a sociedade por sua emancipação contra o
capital. 299
Um mecanismo similar pode ser visualizado em diferentes lutas, como é o caso das
OTAs pesquisadas. De que vale a luta pelo direito ao trabalho dos operários da Flaskô, se
estes não lutarem também pelos seus colegas trabalhadores das indústrias vizinhas que
padecem da mesma exploração que estes sofriam antes da ocupação da fábrica? Qual o
sentido da luta pela moradia travada pelos estudantes da Okupa 171 se estes não questionarem
a organização capitalista do espaço urbano que por intermédio da especulação imobiliária
priva considerável parcela da classe trabalhadora do direito à moradia e a expele das regiões
melhor atendidas pela rede pública de serviço? Qual a validade da defesa da agroecologia pela
Cooperativa Teia Ecológica se apenas um grupo seleto de pessoas tiver capacidade econômica
para alimentar-se de sua saudável produção, isenta de agrotóxicos?
É mais conversa. Eu to aqui há quatro anos, então eu não peguei esta fase da Teia
que tinha.. Uma vez até perguntei pra Fernanda, como era antes. Porque ela é uma
das mais antigas. Então ela disse que tinham muitos cursos logo quando começou a
teia, pra poderem entender tudo que acontecia no mundo. Eles faziam muitos cursos,
agora já não fazem mais tanto. Agora [...] as pessoas já se solidificaram, já sabem
como trabalhar. Já sabem o que querem. Já sabem entender o que é a cooperativa. A
economia. Então já não se faz tanto. Então a gente acaba conversando a Fernanda, a
Manuela, o Felipe são os mais antigos, né. Então falam muito dessa época. Esse
pessoal mais antigo. Conversam e explicam. Algumas coisas que a gente se perde
[...] Que é mais novo, a gente tira a dúvida com eles. 300
299
IASI, op. cit.. 2007. p.32.
300
Entrevista com trabalhador da Teia realizada em janeiro de 2016. Os nomes foram alterados para preservar a
identidade dos trabalhadores.
150
Com um passado repleto de relações políticas com outras OTAs e com práticas
formativas diversas; atualmente, a OTA-3 prioriza as relações econômicas fundamentais e não
organiza qualquer modalidade de prática formativa ou lúdica para os seus trabalhadores.
Talvez a elevada sintonia entre os trabalhadores, a rotinização do processo de trabalho e a boa
demanda e aceitação do produto tenham contribuído para tal arrefecimento político. Tal
elemento reflete diretamente no processo de consciência dos trabalhadores, como será
demonstrado nos resultados globais sobre o comportamento e consciência dos
entrevistados301.
A consciência nesta segunda fase está mais preocupada com as consequências e não
com as causas das contradições sociais. Ela é prisioneira da superfície, se alimenta da
vivência particular e das inserções imediatas. Cristalizada e estagnada nesta fase não encontra
elementos necessários à sua superação, acabando por reforçar aquilo que inicialmente pensava
estar negando.
301
Veja-se os autogestômetros comportamentais da OTA 3 em anexo.
302
IASI, op. cit.. 2007. p.34.
303
Os indicadores institucionais n. 18-32 traduzem a existência de mecanismos institucionais mediadores deste
salto de consciência.
304
IASI, op. cit. 2007. p.34-35.
151
305
Questões 60 e 61 do roteiro de entrevista – anexo B. “Você participa ou já participou de algum movimento ou
organização social - sindicato, partido político ou associação? Desde quando e com que frequência? Indicador
comportamental número 23 – Existência de socialização ou percurso militante.
152
mesmo não ocorreu nas OTAs 3 e 4, nas quais os únicos militantes existentes tinham percurso
construído anteriormente ao ingresso na organização e declararam estar afastados das
atividades há um bom tempo. Tal elemento fica evidente se examinado o contraste entre o
quadro comparativo nos itens 14-32 (Figura 7 – quadro comparativo por contraste dos
indicadores comportamentais nas 4 OTAs), e entre as OTAs 1, 2, 3 e 4 (figuras comparativas
13, 14, 15 e 16). Outra questão relacionada à nova consciência (de classe) é o eventual
isolamento da pessoa que passa a assumir posicionamentos de classe. Assim explica Iasi:
[...] dentro do indivíduo, a consciência nova ocupa, por assim dizer, uma área
liberada, que faz fronteira com setores fortemente ocupados pelo inimigo, ou seja, as
antigas relações sociais interiorizadas como valores, juízos e normas.
Psicologicamente, o EGO se enfraquece diante das sempre presentes exigências dos
impulsos básicos e de um SUPEREGO que foi criado pela interiorização de normas
e padrões anteriores. O indivíduo afirma algo novo e aspectos de seu próprio
universo subjetivo são contestados. 306
A sociedade capitalista, por mais hipócrita que isso possa parecer, se autojustifica
como a sociedade da harmonia, da igualdade e da justiça. O indivíduo em conflito é isolado
como se não expressasse uma contradição, mas fosse ele mesmo a contradição, mais que isso,
o culpado por sua existência. Enquanto isso, o alienado recebe o título de normal. 307
306
IASI, op. cit., 2007. p.36.
307
Ibid. .p. 37.
308
ELIAS, op. cit., 1994.
153
da solidariedade de classe, passará a ter dificuldades em transitar nos seus ciclos de convívio
anteriores, dificuldades de natureza subjetiva e externa, como a própria rejeição do grupo. 309
Diante dessa encruzilhada, o indivíduo que alcança esse patamar de consciência tem a
possibilidade de buscar mediações políticas que construam junto aos seus pares as condições
subjetivas. Pois, “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não
a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com quem se defrontam
diretamente legadas e transmitidas pelo passado”. 310
Na sociedade sob domínio do Capital, não é possível alcançar uma nova consciência, a
não ser de forma embrionária. Os trabalhadores e as trabalhadoras organizadas são, no
máximo, indivíduos inseridos nesta sociedade e dispostos a destruí-la. A transformação das
consciências “não está além da luta política e da materialidade onde esta se insere. É ao
mesmo tempo um produto da transformação material da sociedade e um meio político de
alcançar tal transformação”. 311
A consciência não está para além da “evolução histórica real. Não é o filósofo que a
introduz no mundo; o filósofo não tem, portanto, o direito de lançar um olhar arrogante sobre
as pequenas lutas do mundo e de as desprezar”. 312
309
É claro que o processo de subjetivação da militância política ou da predisposição à consciência de classe não
é tão simples como descrito. No entanto, o aprofundamento do tema foge dos objetivos desta tese.
310
MARX, Karl. O 18 Brumário e Cartas à Kulgelman. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, p.17.
311
IASI, op. cit. 2007. p.43.
312
LUKÁCS, Georg. História e Consciência de Classe. Rio de Janeiro: Elfos, 1989, p.59.
154
Legenda: A identificação dos níveis aparece nas seguintes nuances: (4) nível forte – cinza escuro; (3) nível
moderado - cinza claro; (2) e (1) níveis fraco e muito fraco (cor branca).
Legenda: T-1, T-2, T-3(Trabalhador 1, trabalhador 2, trabalhador 3)
Fonte: Elaborado pelo autor (2016).
156
313
IASI, op. cit. 2007.
314
Veja-se a seção 3.2.4. - o processo dialético de totalização mediado pelos grupos.
157
3.2.6.1 Análise por blocos – autogestão interna, autogestão ampliada, aspectos sociopolíticos
gerais
(3) Os indicadores da OTA 4 apresentam uma partição quase que igualitária entre a
incidência de manifestações do nível muito fraco e fraco (socialmente inaceitável) e
do tipo moderada e forte (aceitável). As fragilidades foram detectadas em vários
elementos, muito aguçadas nos indicadores: 1, 2, 6, 8, 12, 13, 14. Tal questão pode
resultar do momento delicado em que vive o empreendimento. O resultado indica uma
fragilizada apropriação dos trabalhadores sobre o processo autogestionário interno,
tanto em termos de concepção como em relação à experimentação cotidiana da
autogestão. Isso pode ser atribuído ao caráter quase que experimental do
empreendimento. No entanto, considerando que as trabalhadoras da OTA 4 integram
também outras experiências é possível inferir que estas reproduzam as mesmas
dinâmicas fragilizadas dos seus empreendimentos de origem na OTA 4, evidenciando
também a debilidade destes. Conforme apresentado no capítulo I, é possível que a
avançada faixa etária, somada a fruição de benefícios previdenciários e a não-
garantia de renda digna316 proveniente da organização do trabalho associado, sejam
fatores desfavoráveis a consolidação de estruturas organizativas dinâmicas e intensas.
Assim, o trabalho associado na perspectiva das trabalhadoras da OTA 4 pode ter mais
significado recreativo que econômico. Tendo como referência os distintos momentos
do processo dialético de totalização por meio dos grupos articulados por Iasi a partir
de Sartre317, os indicadores apresentados permitem indagar se a OTA 4 superara o
momento da serialidade ou do coletivo serial. Tal argumento pode ser reforçado pela
fragilidade identificada mediante a análise discursiva das entrevistas, especialmente no
que toca a ausência de qualquer compreensão sobre a expressão autogestão, mesmo se
compreendida como sinônimo de autonomia, autodeterminação ou cooperação.
315
O indicador 18 (participação, interesse e colaboração em atividades internas e externas de formação política e
mobilização) foi alocado no bloco 2 – autogestão societal ampliada, mas apresenta importante relação com a
autogestão interna.
316
Quanto à renda mensal das trabalhadoras, todas recebem menos de R$1.000,00 como renda mensal [...] 60%
recebe até um salário mínimo regional e 30% recebe menos de R$300,00. Sobre a composição da renda 60%
declarou receber menos de R$100,00 mensais na atividade junto ao empreendimento solidário a qual está
vinculada (empreendimento de origem) e 40% declarou não receber mais de R$ 400,00 [...] 50% usufrui de
benefício previdenciário (aposentadoria, pensão por morte ou benefício de prestação continuada).
317
A serialidade (coletivo serial), o grupo em fusão, o grupo jurado, a fraternidade-terror, o grupo organizado, a
instituição, a organização burocrática e o retorno à serialidade. SARTRE, op. cit. p. 223 apud IASI, op. cit.
159
(3) Os indicadores da OTA 4 apresentam primazia dos níveis fraco e muito fraco, com
poucas manifestações individuais e isoladas de nível moderado ou forte. Apesar da
OTA estar inserida no contexto de uma complexa Associação de produtores e
consumidores integrada por diversas OTAs, o grau de apropriação e de compreensão
sobre outras experiências de trabalho associado é muito reduzido, colocando a
existência de solidariedade a estas sob condição muito duvidosa, com exceção de uma
trabalhadora que apontou que a OTA precisa integrar-se em uma cadeia mais ampla,
interligando outros elementos do processo produtivo. Algumas entrevistadas relataram
que a referida Associação atravessa uma fase de alta conflituosidade entre seus
integrantes, o que vem dificultando a integração da OTA ao restante do arranjo
associativo, segundo o relato das trabalhadoras. Talvez essa seja uma importante
variável interveniente no processo de isolamento da experiência. Os demais
indicadores não apresentaram nenhum elemento de destaque;
sugerem que no caso da OTA 3 a explicação circunde a letras (b) e (c), e no caso da
OTA 4 a provável razão seja o argumento da letra (a).
Mesmo supondo o sujeito coletivo OTA, cada indivíduo vive sua própria superação
particular, transita de certas concepções de mundo até outras, vive subjetivamente a trama de
relações que compõe a base material de sua concepção da realidade. Sobre o bloco 3 é
possível estabelecer algumas conclusões:
(4) O indicador número 9 – motivações pessoais para trabalhar numa OTA - também
merece algum destaque. Quando provocados sobre as razões que os levaram a
trabalhar na OTA e se gostariam de trabalhar em outro local, a integralidade da
amostra manifestou vantagens diretas no processo autogestionário e salvo por
imposição da realidade, não trocaria por um trabalho autônomo ou assalariado.
(3) Nas OTA (1) e (2) os componentes institucionais favorecem, mesmo que de
forma embrionária, o despertar de uma nova consciência (consciência para si), pois
que sustentam suas experiências em bases favoráveis a outra forma de perceber o
mundo e de interagir neste. Os indicadores comportamentais evidenciam que a
solidariedade com a classe trabalhadora está presente no imaginário dos trabalhadores,
inclusive em âmbito internacional. A consciência e a solidariedade dos trabalhadores
se confirmam na prática concreta da OTA; os indicadores institucionais atestam a
confluência dos objetivos econômico-corporativos da OTA com bandeiras de lutas
mais amplas e com socialização dos avanços obtidos no interior da sua organização,
especialmente pela integração sociopolítica das unidades produtivas à comunidade nas
quais estão inseridas, mesmo que de forma incipiente. É a livre práxis estabelecida na
autogestão ampliada: da resistência e reivindicação na produção à contestação social
do capital;
(5) OTA (4). Em relação aos aspectos sociopolíticos gerais, indicadores da OTA
(6) A incorporação dos trabalhadores das OTAs (1) (2) às lutas políticas mais amplas
(reivindicação e contestação) a partir da relação orgânica das OTAs com movimentos
e organizações populares apresenta-se como vetor determinante para o surgimento de
embriões da nova consciência, sobrepondo a solidariedade de classe aos objetivos
corporativos das OTAs;
Na base de cada figura comparativa (Figuras 14, 15, 16 e 17) seguem pequenas figuras
que projetam os autogestômetros comportamentais dos trabalhadores de forma reduzida. As
barras coloridas, definidas a partir do centro em direção às extremidades do círculo indicam:
socialmente inaceitável (cor lavanda); aceitável (cor amarela); socialmente necessário (cor
vermelha); padrão idealizado (cor roxa).
Diva Lopes
O título deste capítulo traduz de forma honesta e lúcida a dificuldade que recai nos
ombros de qualquer pesquisador ou militante que se atreva a definir, compreender ou
descrever a autogestão. As análises existentes oscilam entre o registro historiográfico das
várias experiências que incorporaram em maior ou menor intensidade a auto-organização
plena da vida; a exposição dos fundamentos epistemológicos das matrizes teóricas dos
principais autores que trataram da temática; ou ainda, dos elementos centrais da própria práxis
autogestionária.
324
NASCIMENTO, Cláudio. Momentos e ideias decisivos para uma história da autogestão. s/d. s/e. p.25
Disponível em: <http://claudioautogestao.com.br/wp-content/uploads/2014/04/Elementos-para-uma-historia-
daautogest%C3%A3o.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2014.
325
MARX, Karl. O capital. Livro 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. Livro 1.
173
A autogestão pode ser apresentada como teste de ferro a qualquer processo, evento ou
experiência que se autoproclama socialista ou pós-capital. Nesse sentido, parece apropriada a
ideia de experimentação social proposta por Pierre Naville na obra Le temps, La technique,
l‟autogestion326 quando define que o experimental é o que não é natural, não é espontâneo. Ou
seja, é lutando que se aprende a lutar. Nas palavras de Rosa Luxemburgo 327, “é só exercendo
o poder que a massa aprende a exercer o poder. Não há outra maneira de ensinar-lhe [...] Sua
educação se faz quando eles passam à ação”. 328
326
NASCIMENTO, Cláudio, op. cit. p.13.
327
Apesar de algumas correntes políticas definirem Rosa como espontaneísta, entende-se que a espontaneidade a
qual ela se referia está relacionada espontaneidade necessária no partido de massas, pela relação entre massas-
militantes-direção. Se fosse diferente ela não daria tanta importância ao partido e a militância política.
328
Discurso proferido em dezembro de 1918, na conferência diante do congresso de fundação do Partido
Comunista Alemão (Liga Espártaco).
329
MOTHÉ, Daniel. L‟Autogestion goutte a goutte. Éditions Du Centurion. Paris, 1980 apud NASCIMENTO,
Cláudio. Socialismo Autogestionário. Disponível em
<www.contag.org.br/imagens/f763socialismoClaudioNascimento.pdf> Acesso em 25/05/2013.
174
Em sua consagrada obra Autogestão: uma mudança radical 330, Guillerm e Bourdet
destacaram que a palavra autogestão é relativamente recente e só aparece na língua francesa
no início dos anos 1960, como tradução literal da expressão servo-croata samoupravlje, (samo
sendo equivalente eslavo do prefixo grego auto, e upravlje significando aproximadamente
gestão). A palavra foi introduzida na França para designar a experiência política, econômica e
social da Iugoslávia331 de Tito nos anos 1950, em sua ruptura com o stalinismo, mas segundo
os autores, na própria Iugoslávia, o “sistema de autogestão não era tido como uma inovação;
ao contrário, como um retorno ao marxismo autêntico, pervertido pelo stalinismo” 332.
Contudo, para Guillerm e Bourdet o uso generalizado do termo - que passou a ser
utilizado como palavra de ordem, tema de pesquisas e de notícias na grande imprensa – criou
uma espécie de saco de gatos. Para elucidar o problema, os autores mencionam o episódio de
uma publicação feita na época que aplicara o termo autogestão para caracterizar o direito à
autogestão dos detidos numa célula presidiária, por estes se encarregarem, diariamente e por
rodízio, da missão de despejar o urinol 333. Ainda nos dias de hoje, a banalidade é tanta que
muitos militantes que desejam um sistema baseado na autogestão societal plena, por motivos
estratégicos, recusam-se a utilizar o termo.
330
GUILLERM, Alain; BOURDET, Yvon. Autogestão: uma mudança radical. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
331
A República Socialista Federativa da Iugoslávia foi um Estado Federal com formato de uma comunidade
estatal de nações unidas e suas 6 Repúblicas, mais as províncias socialistas de Kossovo e de Voivodina, que
eram partes da República Socialista da Sérvia. A sua estrutura foi baseada no poder e na autogestão da classe
trabalhadora sobre as empresas, as instituições de gestão social (ensino, saúde, cultura etc.) e a vida política
como um todo. Tratou-se de uma complexa organização social, apesar de algumas contradições concretas e as
assimetrias entre as regiões. O órgão político maior de cada república iugoslava e das regiões autônomas era a
Assembleia. A assembleia era formada por três conselhos: o Conselho de Trabalho Associado, eleito pelos
conselhos de trabalhadores nas comunas; o Conselho das Comunas, eleito pelas assembleias comunais; e o
Conselho Sociopolítico, eleito pelos conselhos do mesmo tipo nas comunas. A Assembleia das repúblicas
federadas e das províncias autônomas elegia o Conselho Executivo, os órgãos administrativos e judiciários, além
da presidência colegiada. Para uma análise mais pormenorizada da experiência recomenda-se a leitura de
QUEIROZ, Bertino Nóbrega de. A autogestão iugoslava. São Paulo: Brasiliense, 1980; NASCIMENTO,
Cláudio. As lutas operárias autônomas e autogestionárias. Rio de Janeiro: CEDAC, 1986.
332
GUILLERM; BOURDET, op. cit. p. 11.
333
GUILLERM; BOURDET, op. cit. p.9
175
Tiriba e Fisher discorrem sobre o duplo horizonte de sentido que pode ser atribuído ao
termo autogestão, especialmente com os acontecimentos do maio de 68 na França, quando o
termo passou a ser utilizado para qualificar práticas sociais alternativas ao capitalismo e
tornou-se palavra de ordem nas lutas reivindicatórias no âmbito de todas as esferas da vida
social. O poder estudantil no controle das escolas e das universidades entrou na pauta do dia
como prática autogestionária. Contudo, as autoras destacam a importância da categoria
autogestão a partir da sua imbricação com a produção associada dos trabalhadores, no sentido
da construção de um modo de produção de produtores associados. Assim referem que,
[...] no sentido restrito, autogestão é uma prática social que se circunscreve a uma
ou mais unidades econômico-sociais, educativas ou culturais, nas quais, em vez de
se deixar a organização do processo de trabalho aos capitalistas e a seus
representantes e/ou delegá-la a uma gerência científica, trabalhadores e
trabalhadoras tomam para si, em diferentes níveis, o controle dos meios de
produção, do processo de trabalho e do produto do trabalho. No sentido político,
econômico e filosófico, as práticas sociais autogestionárias carregam consigo o
ideário da superação das relações sociais capitalistas e a constituição do socialismo,
concebido como uma sociedade autogestionária.334
Num sentido mais amplo a autogestão assume contornos políticos mais radicais,
contemplando práticas sociais mais intensas que carregam, de diferentes maneiras, e
ancoradas em distintos referenciais teóricos, a superação das relações capitalistas e a
334
TIRIBA, Lia; FISCHER, Maria Clara Bueno. Produção Associada e autogestão. In: CALDART, Roseli
Salete; PEREIRA, Isabel Brasil; ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTTO, Gaudêncio (orgs.). Dicionário de
Educação no Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão
Popular, 2012. p.614.
335
GUILLERM; BOURDET, op. cit. p. 210-211.
176
336
PELO SOCIALISMO AUTOGESTIONÁRIO. Edições base. Lisboa. 1979. Documentação da Conferência
Nacional ”Pelo Socialismo Autogestionário”, Porto, 1978.
337
NASCIMENTO, op. cit. . 2014, p .2.
177
338
BAYAT, Assef. Work, Politics and Power: an international perspective on workers‟ control and self-
management. Nova York: Montly Review, 1991 apud NASCIMENTO, Cláudio. Do “beco dos sapos” aos
canaviais de Catende. Brasília: SENAES, 2004, p .4-5.
339
LEFEBVRE, Henri. De l‟Etat.Le mode de production étatique, 10/18. Paris: Coll, 1977, p.10-18 apud
NASCIMENTO, op. cit. 2004, p .2.
178
O Estado repousa sobre estes pontos fortes. A política estatal tem por tarefa soldar as
possíveis fissuras. Em volta destes espaços reforçados nada acontece. Todavia, entre estes
pontos fortes, consolidados pelo Estado, encontram-se as áreas frágeis e as lacunas. É ai que
ocorrem fatos novos. As forças sociais intervêm nestas lacunas, as ocupam, as transformam
em pontos fortes, ou, ao contrário, em outra coisa.
A história das lutas pela emancipação humana demonstra que toda vez que a classe
trabalhadora atinge momentos de alta mobilização revolucionária, ela se orienta no sentido de
sua auto-organização e daquilo que Cláudio Nascimento define de Princípio de Poder
Popular-Comunal como sendo o conteúdo que pode ser manifestar sob diversas formas: seja
como conselho operário, camponês, de bairro; ou como práxis revolucionária de muitos e
plurais sujeitos históricos como operários e camponeses, homens e mulheres, jovens e
adultos, estudantes, soldados, índios e quilombolas. As diversas tentativas dos trabalhadores
de assalto ao Céu significam ensaios de construção dos órgãos de poder popular-comunal;
que é Potência que traz em si a Utopia Concreta, o Inédito Viável e o ainda-não-ser; muitas
vezes antagônico ao núcleo fundamental do sociometabolismo do capital: capital, trabalho
assalariado e Estado. Seu campo prático é o do mundo do trabalho e se por um lado, essa
longa história de experiências vem marcada por derrotas, por outro lado, essa utopia concreta
não se extingue. A velha toupeira entra em ciclos de hibernação e desperta em outros espaços
geográficos, convicta de que apesar de derrotas pontuais, sua luta é legítima, viável e possível.
340
BERNARDO, João. Economia dos conflitos sociais. São Paulo: Expressão Popular, 2009.
179
estabelecer datas exatas para o limite temporal de cada ciclo ascensional de lutas autônomas,
resta a possibilidade de estabelecer períodos mais ou menos referenciados, conforme segue:
- 1° ciclo:
Abertura: possivelmente 1830
Fase de assimilação: 1848 até 1860
- 2°ciclo:
Abertura: 1870
Fase de assimilação: 1875 até 1916-1917
- 3°ciclo:
Abertura: 1917
Fase de Assimilação: 1930 até 1960
- 4° ciclo:
Abertura: 1960 até 1980
Fase de assimilação: 1982 até [...].
(2) Outro elemento importante é que Bernardo mantém atenção permanente para o
relacionamento entre as classes sociais - capitalistas e a classe trabalhadora. Como as classes
não existem senão em luta, o autor conclui que classes opostas evoluem com a evolução das
lutas, transformando-se organicamente mediante a assimilação ou a repressão dos conflitos
341
BERNARDO, op. cit., 2009. p.371-372.
180
sociais. Para elucidar este processo, o autor distingue entre dois inseparáveis aspectos: o das
reivindicações e consequentes pressões e o da forma de organização adotada. A cotidiana
assimilação das reivindicações e pressões do ritmo às flutuações econômicas a que o autor
denomina de ciclos curtos da mais-valia relativa.
(6) Em relação às classes dominantes, Bernardo opera uma bifurcação entre a classe
burguesa e classe dos gestores. A classe burguesa é definida a partir de um enfoque
descentralizado, isto é, em função de cada unidade econômica em seu microcosmo. A classe
dos gestores, ao contrário, tem uma alçada mais universalizante e é definida em função das
unidades econômicas em relação ao processo global. Ambas se apropriam da mais-valia,
ambas controlam e organizam os processos de trabalho, ambas garantem o sistema de
exploração e têm uma posição antagônica em relação à classe trabalhadora. De acordo com
Bernardo estas se diferenciam em vários aspectos: “(a) pelas funções que desempenham no
modo de produção e, por conseguinte; (b) pelas superestruturas jurídicas e ideológicas que
lhes correspondem; (c) pelas suas diferentes origens históricas; (d) pelos seus diferentes
desenvolvimentos históricos.”343 Enquanto a classe burguesa organiza processos
particularizados visando sua reprodução no plano mais micro, a classe dos gestores organiza
estes processos particularizados articulando-os com o funcionamento econômico global e
transnacional. A classe dos gestores pode pretender assumir a forma de uma classe
aparentemente não-capitalista, mas isso se dá apenas em sua aparência. O Estado (A) ao
ampliar a consistência interna e unificar seu funcionamento, foi-se transferindo
progressivamente para o seu âmbito a centralização política e a coordenação da economia. A
classe dos gestores, ao mesmo tempo que se torna hegemônica no interior de cada uma das
unidades constitutivas do Estado (A) e neste aparelho de poder globalmente considerado,
reforça também a sua ascendência sobre o que de significativo possa restar do Estado (R).
Assiste-se cotidianamente, nos países industrializados, à maciça transferência para o Estado
(A) da propriedade de grandes empresas que, até então, haviam sido formalmente detidas pelo
Estado (R), especialmente no que se relaciona aos setores mais estratégicos. Nas fases iniciais
do capitalismo, a classe dos gestores encontrava-se fragmentada por campos vários e, no
interior de cada um, por instituições e unidades econômicas distintas, sem que os grupos
assim formados se relacionassem reciprocamente. Tratava-se de uma classe que não se
comportava, porém, como tal na prática das contradições sociais. De acordo com Bernardo,
foram os mecanismos da mais-valia relativa, acarretando a integração econômica, que
progressivamente uniram as múltiplas frações em instituições de classe comuns, de onde
342
BERNARDO, op. cit., 2009. p. 177.
343
Ibid. p. 218.
182
resultou um número reduzido de linhas de ação coletiva. Substituídos pelos gestores enquanto
representantes do capitalismo associado, os burgueses converteram-se em rentistas.
(7) Em relação à burguesia, ela pode tanto recorrer à mais-valia absoluta e ser
autoritária, prender trabalhadores, fechar os sindicatos para impedir o surgimento de quadros
políticos como pode recorrer a mecanismos participativos, ceder em parte às reivindicações
operárias para antecipar-se a elas mediante o aumento da exploração do trabalho pela mais-
valia. Destarte, modos distintos de exploração são assimilados/reprimidos/incorporados pelo
capital de modo também diferenciado, aumentando ou diminuindo a duração dos ciclos e do
próprio sistema capitalista.
pública ou privada; o trabalho associado está ainda inserido num sistema de cooperação com
o capital. Assim, o trabalho associado surge quando essa mesma cooperação com o capital é
empregada no intuito de forjar um sistema de “cooperação autônomo ou para si”344. E esse é
o sentido do Trabalho Associado considerado pela perspectiva da autogestão. Mas não pela
perspectiva da autogestão banalizada, como significante vazio; mas a autogestão como
categoria ancorada na luta de resistência e orientada para a emancipação humana.
Sob tal prisma, as OTAs são o gênero em que estão compreendidas algumas espécies
de cooperativas populares, empreendimentos econômicos solidários, empresas recuperadas,
fábricas ocupadas e outras definições. Todas essas designações podem conter elementos ou
tendências institucionais favoráveis a emancipação dos trabalhadores. No entanto tais
elementos não estão sempre presentes nos empreendimentos, que ainda apresentam rupturas e
continuidades em relação aos aspectos da exploração e da subordinação ao capital. Os
resultados do trabalho de campo bem apontaram neste sentido.
Para Tiriba e Fisher 347 as categorias produção associada e autogestão “podem ser
apreendidas e problematizadas se consideradas as condições objetivas/subjetivas em que, nos
diversos espaços/tempos históricos, as classes trabalhadoras tomam para si os meios de
produção”. E acrescentam que no embate contra a exploração e degradação do trabalho, não é
suficiente aos trabalhadores se apropriarem dos meios de produção.
344
VIEITEZ, Candido Giraldez; DAL RI, Neusa Maria. Trabalho associado e mudança social. In: DAL RI,
Neusa Maria (org.). Trabalho Associado, Economia Solidária e Mudança Social na América Latina. Associação
das Universidades Grupo Montevidéu. São Paulo: Cultura Acadêmica; Marília: Oficina Universitária;
Montevidéu : Editorial PROCOAS, 2010. p. 75.
345
DAL RI, Neusa Maria; VIEITEZ, Cândido, Giraldez. Movimentos Sociais, Trabalho Associado e Educação:
Reformas e Rupturas. In: NOVAES, Henrique Tahan; BATISTA, Eraldo Leme. (orgs.) Trabalho, Educação e
Reprodução Social – As contradições do capital no século XXI. Bauru, SP: Canal 6, 2011. p. 292.
346
VIEITEZ; DAL RI, op. cit, 2010.
347
TIRIBA; FISCHER, op. cit. 2012. p. 615.
184
Não surpreende que a retomada do trabalho associado enquanto prática popular tenha
revigorado o debate histórico acerca dos seus limites e potencialidades, tanto no campo
acadêmico como na esfera política.
348
TIRIBA, Lia. Trabalho, educação e autogestão: desafios frente à crise do emprego. 2002. Disponível em:
<http://www.fafich.ufmg.br/nesth/IIIseminario/texto4.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2013.
185
Nestes termos, os clássicos debates entre o socialismo utópico e científico 349 e sobre a
natureza degenerativa das cooperativas 350 vêm incorporando novos elementos, como o
aspecto da consciência dos trabalhadores das OTAs e a crítica da alienação como
possibilidade de questionamento das (des)continuidades da perda do controle do produto do
trabalho numa sociedade regida pelo capital, mesmo em associações de trabalhadores, onde
aparentemente a questão da transferência da propriedade dos meios de produção já se
encontra realizada. Veja-se agora alguns componentes do debate.
A partir dos distintos percursos das quatro OTAs contatou-se como a experimentação
do ato de ocupar e resistir pode alimentar um devir coletivo que não fica marcado somente no
corpo dos trabalhadores, mas na própria organização. Provavelmente, aqui reside uma grande
diferença entre as OTAs pesquisadas: a luta e a mobilização dos trabalhadores para assegurar
o controle e a posse do empreendimento.
349
A organização das unidades produtivas segundo princípios não-capitalistas – que, portanto, negam ou
sinalizam a necessidade de superação da alienação do trabalhado e a extração da mais-valia – remete a um
debate clássico entre o socialismo utópico e o socialismo científico. Esse debate acompanha o contexto da 1ª
Revolução Industrial e, consequentemente, o surgimento do proletariado. Os socialistas utópicos foram muito
importantes num determinado momento histórico do movimento operário e tiveram grande influência na
formação do cooperativismo moderno. Mas do ponto de vista dos socialistas utópicos como Fourier, Owen e
Proudhon, a organização dos trabalhadores em cooperativas ou em sociedades comunitárias, como reação às
duras condições do trabalho industrial, seria suficiente para a constituição gradativa de uma autêntica sociedade
socialista. Já para o socialismo científico, todos os esforços organizativos deveriam ser dirigidos à superação
revolucionária do sistema: superação da sociedade de classes, superação do Estado capitalista e do trabalho
alienado. Embora reconhecesse o valor educativo da cooperativa, para muitas correntes marxistas, tal
organização era considerada um modelo adequado para o momento histórico posterior. Outra crítica feita ao
socialismo utópico é que divulgava e incentivava um tipo de cooperativismo paternalista e sem luta de classes.
MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2011
350
No início do século XX, Rosa Luxemburgo publica a obra Reforma ou Revolução? A obra recoloca o debate
sobre o cooperativismo quando o capitalismo já havia se tornado o modelo hegemônico. Em discordância com
Bernstein, a autora assinala o caráter degenerativo das cooperativas por terem de adaptar seu sistema de
produção às trocas capitalistas. Aponta, assim, a contradição entre a lógica de funcionamento interna e o
imperativo externo. LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou Revolução? São Paulo: Expressão Popular, 1999.
186
Talvez o maior desafio no interior de uma OTA seja o de lidar com as heranças ou
continuidades da antiga forma. O primeiro desafio é de converter a eficiência formada pela
cooperação para si para fins que não sejam o da acumulação e da competição interna entre os
associados. Se a própria gestão empresarial busca hoje formas para envolver, de forma
contraditória é verdade, os trabalhadores com os destinos da empresa, pois a cooperação é de
fato um elemento redutor de cursos, ou melhor, de agregação de valor; não estranharia se a
continuidade da lógica empresarial, cooperar mas competindo, fosse reproduzida no interior
de uma OTA. Por isso a necessidade de capturar o sentido dessa cooperação para os
trabalhadores.
351
Muito em função da bandeira da estatização sob controle dos trabalhadores na OTA 1 e do anarquismo da
OTA 2.
352
VIEITEZ; DAL RI, op. cit, 2010, p.73.
188
353
HENRIQUES et al., op. cit.
189
apenas o ensino fundamental. Nas OTAs a distribuição pode ser um dos temas em torno do
qual se reapresentam os conflitos de classe típicos da sociedade capitalista. Assim,
de mandato está presente em algumas OTAs que ainda observam a paridade de gênero e a
alternância de mandatos. A oferta de atividades internas e a participação de atividades
externas de formação técnica e/ou gestão associada e a eventual participação dos
trabalhadores na organização destas encerram por assim dizer os elementos mínimos para a
autogestão interna de uma OTA com elementos aptos para a promoção de um tiop de
consciência do tipo autonomista/autogestionária, ou em si.
A primeira pista para a discussão foi encontrada numa passagem da obra de Mészáros
quando o autor, imbuído da tarefa de uma teoria da transição, propõe-se a responder o
complexo questionamento: “como solapar o processo produtivo capitalista constantemente
renovado pela homogeneização orientada para a quantidade e o valor de troca e substituí-lo
pelo processo qualitativo orientado para a necessidade e o valor de uso?” 355 Parte da resposta
foi:
355
MÉSZÁROS, op. cit., 2011. p.629.
356
MÉSZÁROS, op. cit., 2011. p.630
191
Nesse parágrafo o autor faz menção à importância da dialética entre as parte e o todo,
mas seu contexto de fundo é a crítica que Rosa Luxemburgo 357 faz a Bernstein, endossada por
Mészáros. Para Luxemburgo o problema das cooperativas não está na falta de disciplina dos
trabalhadores, como afirmado por Bernstein. A principal contradição das cooperativas é que
elas têm que governar a si mesmas jogadas no sistema do capital. Neste sistema os
trabalhadores são obrigados a assumir o papel de donos contra si próprios – uma contradição
que responde pelas dificuldades e pelo fracasso das cooperativas de produção, que ou
degeneram ou tornam-se puras empresas capitalistas. E Rosa também demonstrou ser adepta
da ideia dos ataques duplos.
Mais adiante Mészáros se justifica anotando que sua crítica ao gradualismo (localizada
no mesmo parágrafo) não pode ser confundida com uma crítica às mediações materiais e
institucionais necessárias para a estratégia revolucionária, e afirma que “o que decide a
questão é o modo pelo qual os passos parciais são integrados numa estratégia coerente global,
cujo alvo não é apenas a melhoria do padrão de vida dos trabalhadores (que são estritamente
conjunturais e, em todo caso, reversíveis), mas a reestruturação radical da divisão de trabalho
estabelecida”358. Assim, Mészáros sugere que mediações tópicas, desde que pensadas como
passos táticos na sua relação com o todo estratégico que vise à emancipação integral, podem e
precisam ser implantadas.
357
LUXEMBURGO, op. cit.
358
MÉSZÁROS, op. cit., 2011. p.630
359
LUKÁCS, op. cit. 1989 apud MÉSZÁROS op cit, 2011. p.861-861
192
360
MÉSZÁROS op. cit., 2011. p.861-862.
361
MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004, p.538.
362
Ibid. p.516
363
MÉSZÁROS op. cit., 2011. p.828.
193
há muito tempo”364. Ao mesmo tempo sinaliza para a emancipação progressiva dos indivíduos
sociais dos constrangimentos estruturalmente impostos da divisão do trabalho e de sua lei do
valor quantitativamente autoimposta, sem que isso possa ser considerado gradualismo. A
necessidade e a dificuldade histórica da reorientação radical da relação de troca é algo
imperioso para o empreendimento emancipatório na futura sociedade comunal:
No entanto, para além da questão teórico-analítica, qual a validade dos ataques duplos
em termos políticos?
Uma das prováveis respostas para a questão pode ser encontrada ao final de Para além
do capital, quando o autor discute os contornos de uma Política radical e transição para o
socialismo. É quando o autor afirma que dentro da ordem do capital não há medida
econômica que resolva os dilemas da crise, portanto a “tarefa de reestruturar a economia
torna-se primariamente político-social e não econômica”. Diante disso, apesar das
manifestações imediatas da crise estrutural serem econômicas – inflação, desemprego, guerra
comercial, colapso de sistemas financeiros –, só existe um caminho para a ofensiva socialista:
364
MÉSZÁROS op. cit., 2011. p.883-884.
365
Ibid. p.884.
366
MÉSZÁROS, op. cit., 2011. p. 1078.
194
Assim, os ataques duplos são as mediações dialéticas que permitem este salto de
qualidade em relação à totalidade social. Da resistência no interior da unidade produtiva à
contestação social ampliada.
Assim, a segunda pista encontrada foi encontrada por Cláudio Nascimento, que a
partir do marxismo autogestionário, faz um minucioso exame de boa parte das grandes lutas
autônomas e autogestionárias que se tem registro público. Nascimento define o Princípio de
Poder Popular-Comunal367 como sendo o conteúdo que pode se manifestar sob a forma de
conselhos operários, camponeses, de bairro; ou como práxis revolucionária de muitos sujeitos
históricos: como operários e camponeses, homens e mulheres, jovens e adultos, estudantes,
soldados, índios e quilombolas. As diversas tentativas dos trabalhadores de Assalto ao Céu
significam ensaios de construção dos órgãos de poder popular-comunal; que é Potência que
traz em si a Utopia Concreta, o Inédito Viável e o ainda-não-ser.368
367
NASCIMENTO, op. cit. Disponível em https://cirandas.net/recapes/biblioteca/cartilha-autogestao.pdf. Acesso
em: 2 mar.2013.
368
NASCIMENTO, Cláudio; PALUDO, Conceição. Rede de Educação Cidadã - O Poder Popular: a “Forma
Comunidade”. Disponível em: <http://claudioautogestao.com.br/wp-content/uploads/2014/04/O-Poder-Popular-
ultima-vers%C3%A3o.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2013.
369
A “Forma política enfim descoberta para levar adiante dentro de si a emancipação econômica do trabalho”
MARX, Karl. La Guerra civil em Francia. Moscou: Editorial Progresso, 1977, p. 67.
195
O longo percorrido histórico de Nascimento lhe permite apontar que as grandes ondas,
os Tsunamis da História370 - rebeliões, revoltas e revoluções - não chegam de surpresa, o
poder popular é, e sempre será fruto de processos de longa duração. A velha toupeira se
move no meio dos setores populares, entre os mais oprimidos da sociedade, para construir
alternativas; sua práxis é germinal e prefigurativa.
Nascimento mobiliza diversos autores que vão desde os clássicos marxistas aos
desconhecidos, para ressignificar a questão do poder popular-comunal a partir das
experiências das últimas décadas, inclusive no continente latino-americano. De modo mais
especifico, pensar o Poder Popular desde a práxis das organizações populares. O autor
questiona as visões estratégicas centradas unicamente na questão da tomada do poder do
Estado. Apesar de ser um Estado de classe, não pode ser tido como um simples objeto ou
instrumento-máquina, manipulado pela burguesia como uma máquina monolítica sem
fissuras, sem contradições. O Estado é uma síntese de conflitos sociais e para o autor, uma
concepção estratégica e ressignificada do Poder Popular-Comunal precisa percebê-lo a partir
de 3 pontos centrais: (a) o Estado do Capital é um Estado de classe, portanto, sua lógica é a de
garantir a produção e reprodução das relações capitalistas de produção; (b) o Estado é
também um aparato administrativo, burocrático, político e legal. Essa superestrutura tem por
base um conjunto de relações de força entre as classes fundamentais, seus aliados e seus
representantes políticos; em um determinado momento pode formar-se um bloco histórico
e esse processo de reprodução do capital requer um aparato de força militar e policial; (c) no
campo das representações simbólicas, da ideologia, o Estado aparece como um cenário
neutro, que oculta sua essência classista.371
370
NASCIMENTO; PALUDO, op. cit.
371
NASCIMENTO, Cláudio. Sobre o Poder Popular. Material Impresso. [199?].
196
372
Ibid.
373
Ibid.
197
Mas, sendo assim, quais os passos concretos para viabilizar a confluência destes três
espaços? Como construir as mediações tão discutidas por Nascimento e Mészáros?
Dessa forma surge uma terceira pista na proposta de autogestão de caráter societal
baseada na organicidade socioprodutiva desenvolvida pela VIA-SOT – Sistema Orgânico do
Trabalho374. A VIA-SOT desenvolve um projeto de sistema societal pós-capital e pró-
trabalho associado que abrange três novas mediações ou conceitos estruturantes de
reversão/anulação dos fundamentos do capital – “propriedade orgânica, renda sistêmica e
autogestão societal”375. De acordo com os seus idealizadores, para o controle global da
produção é preciso substituir as três mediações do capital em mediações propícias para o
374
BENINI, Édi Augusto. Sistema orgânico do trabalho: arquitetura crítica e possibilidades. São Paulo: Ícone,
2012; BENINI, Édi Augusto; SABINO, Adalberto; GOMES, Ana Lúcia Sales. Organicidade socioprodutiva:
metodologia construtiva de uma autogestão de caráter societal. Revista MovimentAção v.2, n.2, p.1-20, 2015.
375
BENINI, 2012, op. cit. p.60.
198
376
Ibid.
377
(1) A Metodologia de Organicidade diz respeito à formação e sustentação de uma nova dinâmica de
intercâmbio sistêmico e social, no qual se recupere a integralidade, logo o controle societal sobre as dimensões
da produção, distribuição, consumo e investimento. A mediação econômico-produtiva é a renda sistêmica dos
trabalhadores. O Elemento de sustentação jurídico-institucional é a Associação Integral de Produção e
Socialização; (2) A Metodologia de Recuperação de Forças Produtivas consiste na integração e aglutinação de
diversos tipos de projetos dentro de uma única estrutura socioprodutiva com a criação de um mecanismo
múltiplo de cota-entrada, com um valor de referência socialmente determinado, e tendo como parâmetro
principal a capacidade reprodutiva interna de absorção de novos associados. A mediação socioprodutiva é o
intercâmbio inter-sistêmico de transição e inclusão de trabalhadores e recursos. O elemento institucional é uma
cooperativa mista de crédito, compras e vendas; (3) A Metodologia de Formação e Integração Sociocultural é o
elemento de sustentação social, cultural e político de todo o processo construtivo de um sistema orgânico do
trabalho, buscando a ambientação de novos associados, a formação continuada e a equidade do poder decisório.
A mediação é a educação e a igualdade substantiva. Os componentes institucionais são a Universidade Livre e
Sistema de Conselhos. BENINI, Édi. 2012, op. cit..
199
salto em direção a processos coletivos que ampliem a possibilidade de resistência local e que
apontem para a possibilidade de enfrentamento de contradições estruturais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Relevante destacar que para os fins comparativos a que se propôs a pesquisa, foram
selecionadas, intencionalmente, organizações com significativas diferenças identitárias, como
o ramo e a atividade fim; o envolvimento dos trabalhadores no seu surgimento; a organização
territorial; a configuração institucional/formato jurídico atual e/ou pretendido; a forma de
ingresso e associação de novos integrantes; a organicidade e a maior ou menor autonomia em
relação a parceiros, apoiadores e agentes externos. Tais diferenças refletem as distinções
concretas existentes entre os diversos tipos de OTAs na atualidade. A autogestão no Trabalho
Associado foi o elo analítico que permitiu equacionar experiências tão ricas e diversas. O
autogestômetro - como instrumento de tabulação, análise e demonstração dos dados – é a
síntese central da empreitada metodológica. Neste sentido, as conclusões apresentadas para os
quatro casos estudados podem ser estendidas a um universo mais amplo que o estudado. Tal
generalização, apesar de possível, deve ser feita de forma cuidadosa, sob pena de incidir em
grave equívoco metodológico.
trabalhadores não está totalmente assegurado. Por outro lado, as continuidades não aniquilam
as rupturas. Para tanto, as condições e mediações relacionadas às rupturas e continuidades
precisam ser criticamente apuradas.
378
SARTRE, Jean-Paul. Crítica de la Razón Dialéctica. Buenos Aires: Editorial Losada, v.1, 1979.
202
As evidências do campo sugerem que a incorporação das OTAs às lutas políticas mais
amplas (reivindicação e contestação) a partir da relação orgânica com movimentos e
organizações populares torna-se um indispensável caminho para a possibilidade de superação
dos objetivos unicamente corporativos das OTAs; elevando-as à condição de sujeito político
capaz de incidir na correlação de forças com eventuais possibilidades de disputa pela
implantação de seu projeto político.
380
Questões 60 e 61 do roteiro de entrevista – anexo B. “Você participa ou já participou de algum movimento ou
organização social - sindicato, partido político ou associação? Desde quando e com que frequência?
204
Para tanto, a pedagogia do movimento, da luta e da rebeldia pode ser entendida como
instância mediadora, como intencionalidade formativa produzida na dinâmica da luta social e
na organização coletiva das Organizações de Trabalho Associado.
Neste sentido, os ataques duplos propostos por Mészáros são efetivados pela retomada
da relação do Trabalho Associado com outras forças populares; iniciando pela resistência na
produção e avançando para a contestação do sociometabolismo do capital.
381
NASCIMENTO, Cláudio. Sobre o Poder Popular. Material Impresso. [199?].
205
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socioprodutiva: metodologia construtiva de uma autogestão de caráter societal. In: Revista
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211
ANEXOS
212
ANEXO A - Roteiro semiestruturado para entrevista dos informantes-chave e coleta de dados referentes às
organizações de trabalho associado
2.2. Divisão do trabalho - retirada, papéis e funções, cotas de participação, vínculo dos trabalhadores com a
OTA, hierarquias, jornada de trabalho, índice de absenteísmo, acidentes de trabalho, conflitos internos;
2.3. Meios/canais de informação e formação continuada voltadas para o processo produtivo e para a
autogestão interna;
3. Autogestão societal ampliada: elementos de socialização autogestionária e tendências para a
integração socioprodutiva ampliada. Meios/canais de informação e formação continuada, mobilização
política, agitprop (agitação e propaganda). Relação com movimentos sociais e outras OTAs. Integração
sociopolítica com a comunidade na qual a OTA está inserida.
3.1. Estruturas/canais de informação e formação continuada, divulgação externa, mobilização política e
agitprop (agitação e propaganda):
a) práticas comunicativas (palavra/oratória) e dialógicas: palestras, oficinas e cursos internos e participação
em espaços externos;
b) existência de biblioteca e de gráfica própria para produção de conhecimento. Publicações impressas com
alcance interno e externo: panfleto, jornal, mural, banner, revista, livro, zines, quadrinhos etc.;
c) prática e envolvimento com artes plásticas: pichações, grafitagem, muralismo, painelismo, faixas, cartazes,
fotografia, estêncil etc.;
d) práticas teatrais: teatro jornal, teatro fórum, teatro invisível, teatro procissão, teatro de rua, festivais e
mostras;
e) música e poesia: corais, saraus, festivais, apresentações de rua ou em rádios, etc.;
f) produção/confecção de materiais de indumentária/vestimenta: bonés, camisetas, bandeiras, broches etc.;
g) exposição, troca e comercialização de produtos do coletivo (participação de feiras ou realização de feiras;
213
h) meios de comunicação de massa: programa ou participação em programas de rádio, televisão e/ou internet,
cinema, jornal, blog e páginas nas redes sociais;
i) participação em ações de massa - ações diretas, práticas de mobilização, manifestações e passeatas,
ocupações de espaços públicos;
j) celebrações das datas importantes para a OTA;
l) existência de setor específico para a mobilização política;
3.2. Relação e integração com outros atores sociais e econômicos – parceiros e adversários:
a) relações orgânicas da OTA com outras OTAs, movimentos sociais e populares, partidos políticos,
sindicatos, entidades de apoio, redes, outros coletivos e com o Estado;
b) compartilhamento de espaços, recursos produtivos, logística e canais de escoamento da produção,
economias de rede, serviços, crédito solidário/intercooperativo, bens e objetos com outras OTAs ou redes de
OTAs; integração da produção com sistemas de compra direta governamental (PNAE, PAA etc.), feiras
agroecológicas/solidárias, cooperativas de consumo, Grupos de Consumo Responsável, sistemas CSA
(Comunidade que Sustenta a Agricultura), Sistema Orgânico do Trabalho etc.;
c) existência de atividades de integração sociopolítica com as famílias dos trabalhadores e comunidade na
qual a OTA está inserida, além de relacionamento com outras instituições como associação de moradores,
coletivos artístico-culturais, escolas/universidades etc.
214
ANEXO B – Roteiro estruturado de entrevista com questões diretivas e não diretivas abertas aplicadas aos
trabalhadores e trabalhadoras das organizações de trabalho associado
1 Não ter ocorrido qualquer Envolvimento pontual dos trabalhadores Envolvimento dos trabalhadores na criação – Momento Inaugural - Motivação coletiva para
organicidade e autonomia em relação a parceiros, apoiadores e agentes externos; Programa
envolvimento dos trabalhadores na momento inaugural da OTA. Criado por agente o surgimento da OTA. Amplo envolvimento e
territorial; configuração institucional/formato jurídico, forma de ingresso e associação;
criação – momento inaugural da Criado por agente externo mediante externo parceiro, impulsionado pela mobilização mobilização dos trabalhadores na sua criação.
OTA. Criada por agente externo. consulta aos trabalhadores/as. política do/as trabalhadores/as. Eventual apoio externo inicial que não
signifique dependência ou subordinação.
2 Isolamento territorial da unidade Isolamento territorial da unidade Compartilhamento de estruturas territoriais e sinais Organização territorial orgânica e confluência
produtiva. produtiva com sinais de ampliação da de confluência com outros projetos sociais com outros projetos sociais estratégicos, tanto
cadeia produtiva e ralação com outras estratégicos, tanto de produção como de de produção como de reprodução social,
OTAs. reprodução social. inclusive com horizonte de solidariedade
internacional com outras experiências.
político, demandas ou visão de sociedade
3 Regime jurídico imposto por agente Dificuldades de alcance do regime Existência de debate aprofundado sobre a escolha Existência de debate sobre escolha do regime
externo. Inexistência de qualquer pretendido em razão da lacuna ou do regime jurídico (atual ou pretendido) mais jurídico (atual ou pretendido) mais apropriado.
debate sobre as vantagens ou inexistência de legislação específica. apropriado. Dificuldades de alcance do regime Existência de estratégia conjunta articulada.
desvantagens da forma jurídica Existência de algum debate sobre as pretendido em razão da falta de vontade política ou Obtenção da propriedade e/ou existência de
escolhida. consequências do regime jurídico e sobre inexistência de legislação específica. posse segura dos meios de produção.
o regime temporário escolhido.
4 Grupo fechado. Não associa ou Indicação política ou familiar de Existência de alguns critérios objetivos para a Livre adesão com critérios técnicos e políticos
incorpora novos associados ao grupo integrantes sem regras definidas, com adesão. Percentual muito reduzido de contratados definidos com/sem tempo/estágio probatório.
detentor da posse/propriedade. Só possibilidade de adesão. Percentual não sujeitos ao regime associativo, desde que não
contrata ou terceiriza, tanto para a moderado de contratados não sujeitos ao relacionados à atividade fim da OTA.
atividade-fim como para a atividade- regime associativo, especialmente no que
meio da OTA. se refere à atividade fim da OTA.
5 Movimento Social (sentido “clássico” Frágil referência a algum movimento Movimento Social (sentido “clássico” ou Movimento Social (sentido “clássico” ou
ou “moderno” – sindicato, partido ou social (sentido “clássico” ou “moderno”). “moderno”) participativo e trabalhadores com “moderno”) como propulsor da OTA e
movimento popular) indiferente a Nenhuma relação concreta entre a OTA e participação institucional difusa, sem organicidade trabalhadores com protagonismo político-
OTA e trabalhadores indiferentes à o movimento de referência. Trabalhadores no movimento social. institucional. Ancoragem institucional da
participação institucional da OTA nos tem alguma ciência sobre o movimento experiência em instituições ou organizações
Movimentos e do movimento na referência da OTA, mas sem participação informais que veiculem ações estratégicas de
OTA. alguma. intervenção coletiva e/ou de solidariedade de
Postura apolítica. classe, inclusive internacional.
6 Inexistência de qualquer programa Menção a alguns objetivos políticos da Menção a objetivos políticos da OTA, programa Programa político, demandas ou visão de
político, demandas ou visão de OTA. político, demandas ou visão de sociedade. sociedade razoavelmente definidos.
sociedade razoavelmente definidos.
214
7 382
Heterogestão ou Co-gestão temporária entre Administração participativa ou gestão Autogestão interna. Cooperação, autonomia e
participação (representação e democracia direta); divisão do trabalho; canais de
heterogestão camuflada trabalhadores e agente externo. democrática (com ou sem profissionais participação (representação e democracia direta) em
(ancoragem institucional que executivos). Democracia interna já se níveis avançados, a partir das variáveis apontadas pelos
Autogestão interna: estruturas, organicidade, cooperação, autonomia e
revela uma autonomia Com sinais de “fortalecimento” encontra impregnada na rotina da OTA, e demais indicadores do instrumento. Fortes sinais para a
dissimulada; gestão da OTA institucional dos quadros. as instâncias de decisão estabelecem superação da condição parcelizada, fragmentada e
informação e formação voltados para o processo produtivo
atuando como “correia de mecanismos de participação ampliados. inferiorizada dos trabalhadores no interior do processo
transmissão” de agentes produtivo.
externos (sindicato, partido
político etc.)
8
Inexistência de canais de Existência de canais permanentes de Existência de alguns canais permanentes e Existência de vários canais permanentes e temporários de
participação e deliberação participação e deliberação para temporários de participação e deliberação participação e deliberação para além dos órgãos exigidos
nas decisões da OTA cumprimento do exigido pelo estatuto para além dos órgãos exigidos pelo estatuto pelo estatuto ou regimento da OTA. Conselhos,
ou regimento da OTA ou regimento da OTA. assembleias, espaços e encontros preparatórios para
reuniões e asssembleias etc.
9
Inexistência de canais em Existência e regularidade de canais Existência e regularidade de canais em que Existência e regularidade de canais em que trabalhadores
que trabalhadores dos setores em que trabalhadores dos setores trabalhadores dos setores e de diferentes dos setores e de diferentes setores trocam informações e
e de diferentes setores trocam informações e definem setores trocam informações e definem definem caminhos a seguir. Reuniões setoriais.
trocam informações e caminhos a seguir. Inexistência de caminhos a seguir. Reuniões setoriais. Momentos e espaços de socialização das informações
definem caminhos a seguir. reuniões intersetoriais. Momentos e espaços de socialização das intersetoriais com a totalidade dos trabalhadores ou de
Inexistência de reuniões informações intersetoriais com parcela significativa. Existência de encontros formativos
setoriais ou intersetoriais. Existência de reuniões setoriais. representantes dos setores. preparatórios para reuniões deliberativas.
10
Inexistência de eleição dos Eleição dos representantes da Eleição dos representantes da Eleição dos representantes da diretoria/coordenação
representantes. Perpetuação diretoria/coordenação mediante diretoria/coordenação mediante processo mediante processo democrático com eleição direta e
dos mesmos integrantes nos processo democrático com eleição democrático com eleição direta e universal. universal. Rotatividade dos cargos diretivos.
cargos diretivos. direta e universal. Rotatividade de Rotatividade dos cargos diretivos. Possibilidade de revogação imediata de mandato e
Impossibilidade de cargos diretivos. Impossibilidade de Impossibilidade de revogação imediata de observância de paridade de gênero.
revogação imediata de revogação imediata de mandato e não mandato, mas observância de paridade de
mandato e não observância observância de paridade de gênero. gênero.
da paridade de gênero.
382
Indicador desenvolvido com base na obra TAUILE, José Ricardo et al. Empreendimentos autogestionários provenientes de massas falidas: relatório final: junho de 2004.
Brasília: MTE, IPEA, ANPEC, SENAES, 2005.
215
11 Divisão de funções/papéis Divisão de funções/papéis Divisão de funções/papéis significando Divisão de funções/papéis não significando grandes
significando grandes significando grandes diferenças na diferenças aceitáveis na distribuição de diferenças na distribuição de responsabilidade quanto á
diferenças e assimetria na distribuição de responsabilidade responsabilidade quanto á gestão da OTA. gestão do empreendimento. Papéis definidos pelos
distribuição de quanto á gestão da OTA. próprios trabalhadores.
responsabilidade quanto á Papéis definidos pelos próprios
gestão da OTA. Poucos agentes internos definem os trabalhadores.
papéis.
Agentes externos definem
os papéis.
12 Divisão de funções Divisão de funções implicando Divisão de funções implicando diferença Divisão de funções não implicando diferença entre a
implicando aguçada considerável diferença entre a maior no limite entre o imposto pelo mercado e o maior e menor retirada. Retirada igualitária.
diferença entre a maior e e menor retirada (mais de 3 vezes). aceitável, entre a maior e a menor retirada
menor retirada (mais de 3 Existência de debate coletivo sobre a (até 3 vezes). Debate coletivo sobre a
vezes). Inexistência de as diferenças, que são justificadas em existência de diferenças.
debate coletivo sobre a as razão das condições de mercado e da
diferenças, que são impostas divisão social do trabalho.
por pequeno grupo.
13 Inexistência de Existir uma colaboração como “ajuda Existir trocas de experiências e Trocas constantes de experiências e informações entre os
colaboração/cooperação mútua”, soma de esforços em informações entre os trabalhadores sempre trabalhadores. Esforço institucional para os trabalhadores
entre os diferentes setores. situações pessoais pontuais. que necessário em situações pessoais e compreendam e aprendam a tarefa dos colegas.
profissionais.
14 No que se relaciona a Algumas pequenas diferenças No que se relaciona à quantidade de horas No que se relaciona à quantidade de horas trabalhadas e à
quantidade de horas positivas em relação ao trabalho trabalhadas e à qualidade trabalho, qualidade trabalho, existência de muitas diferenças
trabalhadas e a qualidade do heterogestionário. existência de muitas diferenças positivas positivas entre o trabalho na OTA se comparado com o
trabalho, inexistir diferença entre o trabalho na OTA se comparado com trabalho heterogestionário Superação da condição
entre o trabalho na OTA se As dificuldades e contradições o trabalho heterogestionário Fortes indícios parcelizada, fragmentada e inferiorizada dos
comparado com o trabalho próprias da autogestão impedem os para a superação da condição parcelizada, trabalhadores no interior do processo produtivo e redução
heterogestionário avanços objetivos. fragmentada e inferiorizada dos de carga horária de trabalho, com respeito aos descansos
trabalhadores no interior do processo remunerados e atividades familiares de lazer e integração
produtivo e redução/adequação da carga comunitária.
horária de trabalho, com respeito aos
descansos remunerados.
15 Inexistência de canais de Existência de canais mínimos para o Existência e regularidade de alguns canais Existência e regularidade de múltiplos canais de
informação e comunicação funcionamento da OTA ou exigidos comunicação para a circulação interna de comunicação para a circulação interna de informação
para a circulação interna de no estatuto/regimento, como a informação sobre a gestão da OTA. sobre a gestão da OTA como boletins, panfletos, jornal,
informação sobre a gestão da publicação de editais de assembleias mural, revista, blogs em redes sociais, programas de rádio
OTA. nos jornais locais. etc.
216
Baixa ou nenhuma
16 participação (em sentido Baixa participação (em sentido Razoável participação (em sentido Elevada participação (em sentido qualitativo e
qualitativo e quantitativo) qualitativo e quantitativo) dos qualitativo e quantitativo) dos quantitativo) dos trabalhadores nos canais de participação
dos trabalhadores nos canais trabalhadores nos canais de trabalhadores nos canais de participação e e deliberação anteriormente citados (físicos e virtuais).
de participação e deliberação participação e deliberação deliberação anteriormente citados.
anteriormente citados. Participação nas decisões previamente elencadas pela
anteriormente citados. Participação nas decisões previamente coordenação e destacado protagonismo dos trabalhadores.
Participação de baixa intensidade, elencadas pela coordenação e Disputas internas e incidência de conflitos.
limitada às decisões previamente protagonismo dos trabalhadores. Disputas
elencadas pela coordenação. Poucas internas e incidência de conflitos.
disputas internas e incidência de
conflitos.
17
Inexistência de oferta de Já ter ofertado atividades internas de Ofertar atividades internas de formação Ofertar atividades internas e participar de atividades
atividades internas de formação técnica e/ou gestão técnica e/ou gestão associada com alguma externas de formação técnica e/ou gestão associada
formação técnica e/ou gestão associada regularidade constantemente. Participar na organização de atividades
associada externas com outras OTAs e movimentos sociais.
18
Inexistência da expressão Existir alguma expressão, mas sem Possuir várias expressões, mas sem Existência da expressão autogestão ou expressão análoga
integração socioprodutiva ampliada.
Autogestão ou expressão qualquer definição significância conceitual ou exemplificativa com definição conceitual e capacidade exemplificativa.
Integração sociopolítica com a
Autogestão societal ampliada:
Meios/canais de informação e
análoga nos
propaganda). Relação com
elementos de socialização
instrumentos/canais de
comunicação
comunidade
19
Ausência de registro de Registro mínimo do histórico da OTA Registro com detalhes da história da OTA; Registro detalhado da história da OTA; quando iniciou
informações sobre o ano de fundação e alguns momentos suas atividades econômicas e mobilizações políticas para
histórico da OTA. Não haver relevantes a sua constituição.
qualquer registro do início
das atividades econômicas e Registro de momentos de crise que a OTA vivenciou.
a mobilização que resultou Celebração das datas importantes para a OTA.
na constituição do
empreendimento
217
20
Inexistência de registro de Registro mínimo de outras Registro de experiências associativas com Registro de experiências similares e outras experiências
outras OTAs ou experiências experiências, mas sem capacidade as quais a sua OTA mantém relação. diversas. Solidariedade às dificuldades que estas também
associativas similares descritiva atravessam. Já ter realizado vivência/visitas a outros
Realização de algumas vivência/visitas a empreendimentos autogestionários. Compreensão
outros empreendimentos autogestionários manifesta da importância de contribuir na luta de outras
OTAs, tanto na criação como no apoio.
21
Nunca ofertar atividades Já ter ofertado atividades internas de Ofertar atividades internas de formação Organizar atividades internas e participar na organização
internas e externas de formação política/mobilização política/ mobilização com alguma de atividades externas de formação política/mobilização
formação regularidade com temas políticos atuais e relevantes.
política/mobilização
Integração com a comunidade na qual a OTA está
inserida, com movimentos populares, organizações
sociais, partidos políticos, sindicatos e com as famílias
dos trabalhadores.
Existência de setor e/ou instituição específica vinculada à
OTA.
22
Carência de espaço próprio Existência de espaço adaptado para Espaço próprio ou adaptado para leitura e Existência de biblioteca e de gráfica própria para
ou adaptado para leitura e leitura e aprendizagem ou de parceria aprendizagem ou de parceria com produção de conhecimento. Circulação de publicações
aprendizagem ou de parceria com instituições para tal finalidade. instituições para tal finalidade. Inexistência impressas com alcance interno e externo: panfleto, jornal,
com instituições para tal Inexistência de gráfica ou similar de gráfica ou similar para a produção de mural, revista, livro, zines, quadrinhos etc. Integração das
finalidade. Inexistência de para a produção de conhecimento. conhecimento. atividades com a comunidade na qual a OTA está inserida
gráfica ou similar para a e com as famílias dos trabalhadores.
produção de conhecimento.
23
Nenhum indício de prática Indícios pontuais e/ou pretéritos de Razoável desenvolvimento de práticas Prática e envolvimento com artes plásticas: pichações,
artístico-cultual - artes prática artístico-cultual - artes artísticas: artes plásticas e/ou grafitagem, muralismo, painelismo, faixas, cartazes,
plásticas, teatro, música ou plásticas, teatro ou música. práticas teatrais e/ou música e poesia. fotografia, estêncil etc.
poesia. Alguma Integração das atividades com a Práticas teatrais: teatro jornal, teatro fórum, teatro
comunidade na qual a OTA está inserida e invisível, teatro procissão, teatro de rua, festivais e
com as famílias dos trabalhadores. mostras. Música e poesia: corais, saraus, festivais,
apresentações de rua ou em rádios etc.
Integração das atividades com a comunidade na qual a
OTA está inserida e com as famílias dos trabalhadores.
218
24
Inexistência de material de Existência de algum material de Existência e diversidade de material de Produção/confecção própria e/ou terceirizada de
indumentária/ vestimenta da indumentária/ vestimenta da OTA. indumentária/ vestimenta da OTA. materiais de indumentária/vestimenta da OTA em
OTA Pouca produção e pouca utilização abundância: bonés, camisetas, bandeiras, broches etc.
por parte dos trabalhadores. Razoável produção e utilização por parte Integração das atividades de produção com a comunidade
dos trabalhadores. na qual a OTA está inserida e com as famílias dos
trabalhadores.
25 Nenhuma utilização de Utilização pontual de meios de Utilização de alguns meios de Utilização de múltiplos meios de comunicação de massa
meios de comunicação de comunicação de massa. Pouco ou comunicação de massa com alguma com protagonismo dos trabalhadores no processo
massa nenhum protagonismo dos participação dos trabalhadores no processo criativo: programa ou participação em programas de
trabalhadores no processo criativo ou criativo. rádio, televisão e/ou internet, cinema, jornal, blog e
terceirização da edição páginas nas redes sociais.
Integração das atividades com a comunidade na qual a
OTA está inserida e com as famílias dos trabalhadores.
26 Inexistência de qualquer Já ter havido alguma relação pontual Existir frequente relação da OTA com Existência de relações políticas orgânicas da OTA com
relação política da OTA com da OTA com outras OTAs. outros movimentos sociais, entidades de outras OTAs, movimentos sociais, entidades de apoio,
outras OTAs, movimentos apoio, outros coletivos e/ou autônoma com redes, outros coletivos e/ou autônoma com o Estado.
sociais e populares, entidades o Estado. Relações pontuais ou Identificação de responsáveis na OTA ou de setor
de apoio, sindicatos, partidos desarticuladas, inexistência de específico com tal finalidade. Ciência da existência de
políticos, outros coletivos trabalhadores/as responsável pela tarefa na adversários e aliados da OTA. Demonstração de
e/ou Estado. OTA ou setor específico. solidariedade com as lutas de trabalhadores contra a
exploração onde quer que ocorram, seja em nível local,
nacional ou internacional. Participação em ações de
massa - ações diretas, práticas de mobilização,
manifestações e passeatas, ocupações de espaços
públicos.
27 Inexistir qualquer relação Existir algumas relações comerciais Existência de algumas relações econômicas Existência de relações econômicas da OTA com outras
econômica da OTA com pontuais da OTA com outras OTAs, da OTA com outras OTAs, movimentos OTAs, movimentos sociais, redes, entidades de apoio,
outras OTAs, movimentos sociais, entidades de apoio, outros outros coletivos, Estado. Identificação de responsáveis na
sociais, entidades de apoio, coletivos, Estado. Relações pontuais ou OTA ou de setor específico com tal finalidade.
outros coletivos, Estado. desarticuladas. Demonstração de solidariedade e compreensão da
importância de contribuir na luta e sustentabilidade de
outras OTAs, tanto na criação como no apoio. Fomento
de atividades com encontros e vivência/troca de saberes
com experiências similares.
28 Não haver qualquer menção Haver alguma menção ao programa Haver menção detalhada ao programa ou Registro detalhado do programa ou demandas do
ao programa ou às demandas ou às demandas do movimento social às demandas do movimento social movimento social referência da OTA com demonstração
do movimento social referência da OTA nos canais referência da OTA nos canais permanentes explícita de transversalidade de pautas da OTA com
referência da OTA nos canais permanentes de informação. de informação. outras pautas ou lutas sociais do movimento referência ou
permanentes de informação. de outros movimentos (ex. questão de gênero e lgbt, luta
pela moradia, cooperativas populares de coleta/
seleção/reciclagem de resíduos sólidos, agroecologia,
reforma agrária e urbana etc.
219
29 Incapacidade de escoamento Escoamento da produção para um Escoamento da produção para vários Eficiência plena de canais de escoamento da produção
da produção único cliente ou agente. Por clientes e/ou agentes. Construção, ainda por fora do mercado capitalista/formal. Por intermédio de
deliberação ou por razões transitórias. que em fase inicial, de canais de mediações avançadas entre o intercâmbio meramente
escoamento da produção por fora do mercantil para uma renda de natureza sistêmica
mercado capitalista/formal. (produção, circulação, crédito, consumo e investimento).
Integração da produção com sistemas de compra direta
governamental (PNAE, PAA etc.), feiras
agroecológicas/solidárias, cooperativas de consumo,
Grupos de Consumo Responsável, sistemas CSA
(Comunidade que Sustenta a Agricultura), Sistema
Orgânico do Trabalho etc
30 Não haver qualquer registro Registro de aspectos pontuais, Registro de aspectos mistos, tanto Registro de variados aspectos para desenvolvimento da
sobre planejamento ou exclusivamente financeiros financeiros como políticos. Consciência OTA. Importância da simetria entre aspectos financeiros,
táticas para superação das coletiva sobre as contradições limitações de gestão, participação, cooperação interna e externa,
dificuldades e existentes no processo autogestionário. autogestão ampliada, acesso à crédito e intercooperação
aprimoramento da OTA. econômica e política com outros empreendimentos e
movimentos sociais e populares.
31 Isolamento ou não- Isolamento socioprodutivo da OTA Compartilhamento de estruturas territoriais Compartilhamento de espaços, recursos produtivos,
integração socioprodutiva da com singelos sinais de ampliação da e sinais de confluência com outros projetos economias de rede, serviços, crédito
OTA. cadeia produtiva e ralação com outras sociais estratégicos, tanto de produção solidário/intercooperativo, bens e objetos com outras
OTAs. como de reprodução social. OTAs, redes de OTAs, movimentos sociais e populares.
32 Inexistência de integração Já ter ocorrido alguma (s) Desenvolvimento permanente de alguma Desenvolvimento permanente de atividades de integração
sociopolítica com as famílias atividade(s) de integração atividade pontual de integração sociopolítica com as famílias dos trabalhadores e a
dos trabalhadores e a sociopolítica da OTA com as famílias sociopolítica com as famílias dos comunidade na qual a OTA está inserida, além de
comunidade na qual a OTA dos trabalhadores e a comunidade na trabalhadores e a comunidade na qual a relacionamento com outras instituições como associação
está inserida qual a OTA está inserida OTA está inserida. de moradores, coletivos artístico-culturais, cursos EJA,
escolas/universidades, movimentos populares etc.
220
1
Não ter qualquer compreensão Ter alguma noção Possuir alguma compreensão limitada à Ter uma noção apurada do que possa ser a autogestão no
sobre a autogestão, gestão financeira da OTA, com interior da OTA, com precisão de detalhes e capacidade
(autodeterminação, controle dos limitações exemplificativas exemplificativa
trabalhadores) na sua OTA
Autogestão interna: organicidade, cooperação, autonomia, participação,
2
Não perceber a existência de Notar que elas existem, mas pensar que Perceber que elas existem. Mas espera Reconhecer e valorizar a diferença de opiniões. Discordar
opiniões não são relevantes ou são pouco que todos tenham o mesmo sempre que necessário. Diferenças são indispensáveis ao
importantes. pensamento. Conflitos existem, mas grupo, são saudáveis
Evitar discordância com os colegas. polêmicas devem ser evitadas. Conflitos
Perceber a divergência como negativa ao são prejudiciais ao coletivo. Só
disciplina, confiança e liberdade
3
Não ter compreensão sobre o Esperar uma colaboração como “ajuda Trocar experiências e informações com Trocar experiências e informações constantemente com
que é colaboração/cooperação mútua”, soma de esforços em situações outros trabalhadores sempre que outros trabalhadores sempre que possível. Ter interesse e
interna pessoais pontuais necessário em situações pessoais e esforçar-se para compreender e aprender a tarefa dos
profissionais colegas
4
Não participar das decisões Estar presente nos espaços onde decisões Tomar posição somente quando Tomar posição, expor sua opinião, sua visão sobre as
são tomadas, mas não tomar posição questionado coisas.
5
Não conhecer os canais de Conhecer os canais de participação e Conhecer e participar por obrigação dos Conhecer, participar e reconhecer a importância de todos os
participação e tomada de tomadas de decisões mas não participar canais de participação e tomada de canais de participação e tomada de decisões
decisões destas decisões
6
Não ter conhecimento do que Ficar a par de alguns acontecimentos da Ficar a par de tudo que ocorre na OTA. Conhecer as funções na OTA, ficar a par e fazer circular as
acontece na OTA. Não receber OTA. Conhecer parte das funções na Conhecer toda ou boa parte das funções informações, ou seja, assimilá-las, produzi-las e repassá-las.
informações. OTA. na OTA.
221
7
Não adotar posicionamentos na Assumir posicionamentos individuais, Só rever opiniões quando não perde Estar disposto e rever posicionamentos e assumir novas
OTA rígidos, poucos flexíveis nada visões quando for fruto de posicionamento do coletivo
8
Nunca participar de atividades Já ter participado de atividades internas de Participar sempre de atividades internas Participar sempre de atividades internas e externas de
internas e externas de formação formação técnica de formação técnica formação técnica. Contribuir na organização e divulgação
técnica das atividades
9
Foi trabalhar numa OTA Foi trabalhar numa OTA motivado pela Foi trabalhar numa OTA por falta de Foi trabalhar numa OTA por falta de opção ou por escolha.
motivado pela falta de opção – falta de opção – vê algumas vantagens opção ou por escolha – apesar das Percebe vantagens diretas ou no processo autogestionário.
não vê vantagem pessoal alguma pessoais diretas ou no processo dificuldades, vê vantagem direta ou no Não trocaria por um trabalho autônomo ou assalariado,
direta ou no processo autogestionário em médio/longo prazo. Se processo autogestionário. Se pudesse salvo por imposição da realidade. Não se enxerga
autogestionário em médio/longo pudesse trocaria por um trabalho trocaria por um trabalho autônomo ou trabalhando autonomamente ou de forma assalariada.
prazo. Se pudesse trocaria por autônomo ou assalariado. assalariado, devido às dificuldades. Mas
um trabalho autônomo ou tem interesse em permanecer na OTA
assalariado.
10
Não ter ciência de como ocorre Efetuar somente o que gosta de fazer Efetuar as suas tarefas, mas sem levar Desenvolver as tarefas determinadas levando em conta as
a definição da divisão das mesmo sabendo das tarefas relativas à em consideração se elas são importantes necessidades e potencialidades da OTA. Participar e refletir
tarefas e funções função previamente determinada. Não e se são determinadas pela coletividade sobre a definição destas, que é realizada de maneira coletiva
levar em consideração se elas são
importantes e se são determinadas pela
coletividade
11
No que se relaciona à Perceber algumas consequências positivas Perceber algumas consequências Perceber variadas consequências positivas e negativas na
quantidade de horas trabalhadas e negativas na sua vida privada. Não positivas e negativas na sua vida sua vida privada e na divisão social do trabalho. Ter ciência
e à qualidade do seu trabalho, acreditar que a autogestão possa privada. Ter ciência sobre as sobre as dificuldades e contradições da autogestão. Pensar
não perceber diferença entre o funcionar. dificuldades e contradições da que ela é um processo constante que pode trazer mais
trabalho que desempenha na autogestão. autonomia e emancipação aos trabalhadores.
OTA e o trabalho
heterogestionário
12
Não ter ciência de como ocorre Saber como ocorre a definição da carga Saber como ocorre a definição da carga Cumprir o horário de trabalho acordado para favorecer o
a definição da carga horária de horária, mas não perceber a importância horária, mas não perceber a importância processo de produção. Participar da definição da carga
trabalho na fixação coletiva da carga horária de na fixação coletiva da carga horária de horária.
trabalho Cumprir o horário de trabalho trabalho Cumprir o horário de trabalho
que lhe seja mais conveniente definido coletivamente
13 Não ter ciência de como são Concordar com que alguém de dentro do Acreditar que a definição da Participar da definição da remuneração. Estipular retirada e
estipuladas a retirada e destino grupo estipule a retirada e destino das remuneração deve ser realizada de destino das sobras ou prejuízos, considerando a
das sobras (remuneração) sobras maneira coletiva. Estipular a retirada e sustentabilidade e a viabilidade da OTA.
o destino das sobras ou prejuízos que
lhe sejam mais satisfatórios.
222
14
Não perceber o que é preciso Identificar aspectos exclusivamente Identificar alguns aspectos importantes Identificar o aprimoramento de variados aspectos para
para aprimorar para o financeiros para o sucesso da OTA para o sucesso da OTA desenvolvimento da OTA. Importância da simetria entre
desenvolvimento da OTA. aspectos financeiros, de gestão, participação, cooperação
interna e externa, autogestão ampliada, acesso a crédito e
intercooperação econômica e política, integração
socioprodutiva com outros empreendimentos, movimentos
sociais e organizações.
15
Autogestão societal ampliada: solidariedade de classe, participação
Não ter qualquer compreensão Ter alguma noção sobre o que venha a ser Possuir alguma compreensão, com Ter compreensão sobre perspectivas ampliadas de
externa, mobilização política e relação com movimentos e outros
sobre a autogestão ampliada limitações exemplificativas autogestão tanto na esfera política como econômica -
(para além dos muros de sua compartilhamento de espaços, recursos produtivos,
OTA) economias de rede, serviços, crédito solidário, bens e
objetos com outras OTAs ou redes de OTAs. Preocupar-se
com a integração sociopolítica da OTA com as famílias dos
trabalhadores e a comunidade na qual a OTA está inserida e
com organizações populares.
16
Desconhecer totalmente o Conhecer minimamente o histórico da Conhecer com detalhes a história da sua Dominar com detalhes a história da sua OTA; quando
histórico da sua OTA. Não ter OTA OTA; ano de fundação e alguns iniciou suas atividades econômicas e mobilizações políticas
atores sociais
17
Desconhecer outras OTAs ou Saber que existem outras experiências, Conhecer experiências associativas com Conhecer experiências similares e experiências diversas.
experiências associativas mas sem capacidade descritiva as quais a sua OTA mantém relação Ter ciência das dificuldades que estas também atravessam.
similares Já ter realizado vivência/visitas a outros empreendimentos
autogestionários. Compreender a importância de contribuir
na luta de outras OTAs, tanto na criação como no apoio.
18
Nunca ter participado de Já ter participado de atividades internas de Participar sempre de atividades internas Participar sempre de atividades internas e externas de
atividades internas e externas de formação política/mobilização de formação política/ mobilização formação política/mobilização. Contribuir na organização e
formação política/mobilização divulgação das atividades
223
19
Desconhecer qualquer relação Ter ciência de algumas relações de sua Ter ciência das relações de sua OTA Ter ciência e saber descrever as relações de sua OTA com
política de sua OTA com outros OTA com outros movimentos sociais, com outros movimentos sociais, outros movimentos sociais, entidades de apoio, coletivos,
movimentos sociais, entidades entidades de apoio, coletivos, Estado. entidades de apoio, coletivos, Estado. Estado. Saber como elas são feitas, e se existe alguém
de apoio, partidos políticos, Não saber como elas são feitas, nem se responsável na OTA ou se tem setor específico. Saber
sindicatos, coletivos, Estado. existe alguém responsável na OTA ou identificar adversários e aliados com precisão. Ser solidário
se tem setor específico. com as lutas de trabalhadores contra a exploração onde quer
que ocorram, seja em nível local, nacional ou internacional.
20
Desconhecer qualquer relação Ter ciência de algumas relações Ter ciência das relações econômicas de Ter ciência e saber descrever as relações econômicas de sua
econômica de sua OTA com econômicas de sua OTA com outras sua OTA com outras OTAs, OTA com outras OTAs, movimentos sociais, entidades de
outras OTAs, movimentos OTAs, movimentos sociais, entidades de movimentos sociais, entidades de apoio, apoio, coletivos, Estado. Saber como elas são feitas, e se
sociais, entidades de apoio, apoio, coletivos, Estado. coletivos, Estado. Não saber como elas existe alguém responsável na OTA ou se tem setor
coletivos, Estado. são feitas, nem se existe alguém específico. Compreender a importância de contribuir na
responsável na OTA ou se tem setor luta de outras OTAs, tanto na criação como no apoio.
específico.
21
Não saber o que são Saber o que são movimentos ou Sabe o que são movimentos ou Saber com clareza o que são movimentos ou organizações
movimentos sociais e populares organizações sociais superficialmente mas organizações sociais mas só participa sociais. Participa de atividades organizadas por movimentos
ou organizações sociais, Nunca nunca participou de nenhuma atividade. quando a tarefa é definida pela OTA ou sociais e/ou integra organicamente um movimento social
presenciou ou participou de participa eventualmente de alguma referência da OTA ou parceiro. Ser solidário com as lutas de
atividades. atividade individualmente ou participa trabalhadores contra a exploração onde quer que ocorram,
pontualmente de alguma atividade seja em nível local, nacional ou internacional.
Pertença a algum movimento social ou rede com
participação institucional orgânica
224
22
Não saber o que são Saber o que são movimentos sociais e Saber o que são movimentos sociais. Saber o que são movimentos sociais. Apresentar destacada
movimentos sociais e populares populares. Apresentar razoável capacidade capacidade explicativa e exemplificativa. Compreender
ou apresentar visão hegemônica explicativa e exemplificativa. que estes são agentes de mudança, apesar das contradições
dos movimentos como sendo Sem capacidade explicativa e e dificuldades. Relacionar a atividade da OTA com a pauta
criminosos, atentam contra a exemplificativa. dos movimentos sociais.
ordem social e contrários ao
desenvolvimento do país
23
Não ter tido qualquer Alguma socialização ou percurso ativista Ter tido socialização ou percurso Socialização ou percurso militante aguçado. Ser
socialização ou percurso pontual em organização religiosa cultural, militante em organização ou movimento militante/ativista e/ou integrar organicamente um
militante ou ativista em qualquer filantrópica, assistencialista. social. Interrupção ou afastamento da movimento social ou participar com muita frequência de
organização ou movimento (s) organizações. suas atividades.
Aspectos sociopolíticos gerais
social.
24
Não ter noção alguma sobre o Ter escutado o tema, mas não saber Conhecer o tema, saber que está Compreensão destacada sobre o tema, capacidade mínima
tema da reforma agrária explicar sobre o que se trata. Apresentar relacionado com a questão da terra e de discorrer sobre situação da reforma agrária no Brasil
posicionamento hegemônico sem sua redistribuição. Dificuldade de suas peculiaridades e contradições
sustentação. apresentar posicionamento coerente a
respeito
25
Não ter noção alguma sobre o Ter escutado o tema, mas não saber Conhecer o tema, saber que está Compreensão destacada sobre o tema, capacidade mínima
tema da redução da maioridade explicar sobre o que se trata. relacionado com a questão da segurança de discorrer sobre a violência no Brasil suas peculiaridades
penal pública e redução da criminalidade. e contradições; relacionar redução da criminalidade, direito
Dificuldade de apresentar posicionamento dos menores e segurança pública.
coerente a respeito ou apresentar
posicionamento hegemônico sem
sustentação.
Questões 63 - 83
26
Não ter noção alguma sobre o Dificuldade de apresentar posicionamento Aceitar mas “não concordar” Compreensão destacada sobre o tema, capacidade mínima
tema das cotas nas universidades coerente a respeito ou apresentar de discorrer sobre as vantagens e desvantagens das cotas.
ou em outras instâncias posicionamento hegemônico sem Apresentar posicionamento favorável ou contrário desde
sustentação que fundamentado.
225
27
Não saber o que é, não ter noção Ter escutado o tema, mas não saber Aceitar mas “não concordar” Conhecer o tema, saber que está relacionado com a questão
alguma sobre o tema da união explicar sobre o que se trata. da liberdade sexual ou de orientação sexual. Saber
homoafetiva posicionar-se com alguma base argumentativa
Dificuldade de apresentar posicionamento
coerente a respeito ou apresentar
posicionamento dogmático sem
sustentação ou argumento religioso;
opinar que se trata de prática moralmente
incorreta.
28
Não saber se posicionar em Posicionar-se de maneira inequívoca em ----- Compreensão destacada sobre a questão de gênero e de
relação à maior ou menor relação à maior capacidade da como ela afeta as relações de trabalho, a dupla jornada de
capacidade da mulher/homem mulher/homem para exercer cargos de trabalho exercida pela mulher e sua ampla capacidade de
para exercer cargos de chefia, chefia, coordenação exercer cargos de chefia/coordenação
coordenação
29
Não saber o que é o capitalismo Ter escutado o tema, mas não saber Compreensão sobre o que vem a ser o Compreensão destacada sobre o que vem a ser o
explicar sobre o que se trata. capitalismo como modo de produção. capitalismo como modo de produção que organiza a
Crença na possibilidade de reforma ou produção de bens, serviços e a sua distribuição. Identificar a
de melhoramento do modo de produção relação com o trabalho associado com o Capital e a sua
capitalista relação com a questão social contemporânea
30
Não saber o que é preconceito Saber do que se trata; pensar que o Compreensão sobre o que vem a ser Compreensão sobre o que vem a ser preconceito de classe e
de raça (racismo), de gênero ou preconceito de classe e de raça (racismo) preconceito de classe e de raça de raça (racismo). Identificar e saber explicar situações
de classe social ou opinar que é questão superada no Brasil (racismo). Crer na sua superação onde ele ainda ocorre no cotidiano.
não existe parcial.
31
Não ver importância na política --- Importar-se com política. Entender a Importar-se com a política. Perceber outras dimensões para
(representativa ou não). Associar política unicamente na sua dimensão além da política representativa/partidária. Acreditar que o
a política à corrupção, sem representativa/partidária trabalho associado também contém dimensões políticas. Se
capacidade explicativa alguma. votante, ter preferência por candidatos e/ou partidos de
esquerda.
32
Obter informações de um único Obter informações de meios de Obter informações de meios de Obter informações de diversos meios de comunicação, tanto
grupo de comunicação e comunicação diversos e acreditar no que comunicação diversos. Algumas vezes convencionais como alternativos. Desconfiar no que dizem
acreditar no que ele transmite. eles transmitem. desconfiar do conteúdo transmitido os meios de comunicação de massa e da manipulação que
pode ser operada.
226