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CADERNOS GEOGRÁFICOS
Universidade Federal de Santa Catarina
Publicação do Departamento de Geociências – CFH / UFSC Centro
Cadernos de Filosofia
Geográficos - Nº e
4 Ciências Humanas
- Maio 2002
Departamento de Geociências

ISSN 1519 - 4639

As relações Sociedade/
Natureza e os Impactos da
Desertificação nos Tópicos
José Bueno Conti

Florianópolis, Número 4 – Dezembro de 2002


Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Cadernos Geográficos

GCN / CFH / UFSC

ISSN 1519–4639
Cadernos Geográficos Florianópolis Nº 4 42p. Maio 2002
Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Reitor: Rodolfo Joaquim Pinto da Luz


Vice-Reitor: Lúcio José Botelho

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Diretor: João Eduardo Pinto Basto Lupi


Vice-Diretor: José Gonçalves Medeiros

DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS

Chefe: Ivo Sostizzo


Sub-Chefe: Ewerton Vieira Machado
Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

Cadernos Geográficos é uma publicação editada pelo Departamento de


Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina.

Comissão Editorial / Editorial Comission:

 Ivo Sostizzo
 José Messias Bastos
 Maria Lúcia de Paula Herrmann

Capa: Marcelo Perez Ramos


Diagramação: Valmir Volpato

(Catalogação na fonte por Daurecy Camilo – CRB 14/416)

Cadernos Geográficos / Universidade Federal de Santa Catarina. Centro


de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento de Geociências. – n.1
(maio 1999)- . –Florianópolis: Imprensa Universitária, 1999 – v.; 23 cm

Irregular
ISSN

1. Geografia 2. Periódico I. Universidade Federal de Santa Catari-


na.

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Universidade Federal de Santa Catarina
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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

NOTA EDITORIAL

Pelo quarto ano consecutivo estamos lançando CADERNOS


GEOGRÁFICOS durante as atividades da Semana de Geografia da
UFSC, que neste ano de 2002 corresponde a XXIII SEMAGeo.
A temática deste número de Cadernos Geográficos “As Relações
Sociedade/Natureza e os Impactos da Desertificação nos Trópicos” , é
apresentada em dois artigos de autoria do Prof. Dr. José Bueno Conti. O
primeiro “A Geografia Física e as Relações Sociedade/Natureza no
Mundo Tropical” foi elaborado para a apresentação da prova oral de eru-
dição no Concurso para Professor Titular do Departamento de Geografia da
USP, no ano de 1996, o qual está sendo reeditado no presente número de
CADERNOS GEOGRÁFICOS (a primeira edição foi publicada pela Huma-
nitas Publicações – FFLCH/USP, São Paulo, 1997). O segundo “A Deserti-
ficação como Forma de Degradação Ambiental no Brasil” constitui-se
num trabalho inédito, elaborado a partir da Tese de Livre-Docência, apresen-
tado em 1995 à FFLCH/USP, intitulado Desertificação nos Trópicos – pro-
postas de metodologia de estudo aplicada ao nordeste brasileiro.
José Bueno Conti é professor Titular da Faculdade de Filosofia Le-
tras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, (FFLCH/USP) onde
concentra suas atividades acadêmicas na área de climatologia, notadamente
nos estudos geográficos sobre a desertificação no nordeste brasileiro. A sua
vasta contribuição neste campo de conhecimento encontra-se publicada em
inúmeros livros e artigos de sua autoria, bem como em anais de diversos sim-
pósios, congressos, encontros, etc, promovidos pela comunidade geográfica.
Temos a certeza de estarmos oferecendo nesta edição uma im-
portante contribuição para a compreensão das conseqüências de uma con-
flituosa relação homem e meio, destacando-se a desertificação como mo-
dalidade de degradação ambiental.

Comissão editorial
Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

Sumário

1 - As Relações Sociedade/Natureza e os Impactos da


Desertificação nos Trópicos .................................................... 1
1.Existe uma geografia física? ...................................................... 1
2. Pode-se falar em uma geografia dos trópicos? ........................... 3
3. O conhecimento do mundo tropical pelos geógrafos ................... 5
4. As conseqüências de uma relação conflituosa homem x meio:
desmatamento e desertificação ................................................ 8
5. O trópico e o imaginário ........................................................... 12
6. Palavras finais ......................................................................... 14
Bibliografia ............................................................................ 15

2 - A Desertificação como Forma de Degradação Ambiental


no Brasil ................................................................................... 18
- As regiões semi-áridas e subúmidas tropicais e sua
fragilidade .............................................................................. 22
- A presença humana nos trópicos .............................................. 23
- A região semi-árida brasileira .................................................... 24
- O “estado da arte” referente à região semi-árida brasileira .......... 27
- A desertificação do Nordeste Brasileiro estudada pela
metodologia das séries temporais ........................................... 34
- Resultados obtidos .................................................................... 35
- Conclusões ............................................................................... 37
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A geografia física e as relações distância do oceano, etc., mas


sociedade/natureza no mundo também pela ação antrópica.
tropical 3ª Consciência dos processos inte-
rativos que envolvem natureza e
1.Existe uma geografia física ? sociedade, chegando a definir
Esta é a primeira indagação espaços homogêneos e determi-
que se propõe. nar seus limites, sem perder de
A resposta não seria simples e vista a unidade da geosfera.
envolveria, necessariamente, consi- A Geografia Física, admite-se,
derações sobre a validade da práti- como sendo o ramo da Geografia
ca de se dividir a Geografia em par- que se preocupa, prioritariamente,
tes, exercício esse questionado des- com a natureza.
de os clássicos do século XIX (es- Na mais genérica das defini-
tamos pensando em Humboldt) e ções, diríamos que natureza é “o
pelos que os seguiram, até os nos- conjunto dos elementos bióticos e
sos dias. abióticos que compõe o Universo”.
Na verdade, a Geografia é o Portanto, o ser humano faz parte
setor da ciência que estuda a Terra desse todo.
enquanto morada do homem e diz O conceito varia, porém, con-
respeito ao espaço terrestre, sua forme o período histórico e o con-
interpretação e seu entendimento. texto cultural em que é tratado.
Portanto, surgiu, quando o homem Segundo Milton Santos “a na-
passou a ter consciência espacial e tureza é o continente e o conteúdo
esse processo pode ser dividido em do homem, incluindo os objetos, as
três etapas: ações, as crenças, os desejos e as
1ª Consciência de que o espaço era perspectivas”. É, portanto, cultura.
um agregado de elementos hete- “Com a presença do homem sobre
rogêneos, distribuídos de forma a Terra, a natureza está sendo
muito variada na superfície do sempre redescoberta (...) com a
planeta. criação da Natureza Soci-
2ª Consciência de que esses ele- al”.(SANTOS, M., 1992)
mentos heterogêneos formavam Na mesma linha, o mestre Pi-
unidades regionais, definidas, erre George, em 1989 (“Les ho-
não só pelos fatores de macro- mmmes sur la Terre”), afirmava
escala, como latitude, altitude, que “não se deve dar prioridade à

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chamada Geografia Física mas à vítimas de uma injustiça histórica. A


localização da vida, da população, partir de certa época passaram a
bem como à sua dinâmica relacional ser olhados com reservas e acusa-
e conflitual com o meio ambiente” dos de defender idéias deterministas
E prossegue: “Só há Geografia por- porque enfatizavam o papel da na-
que há homens sobre a Terra. A tureza na interpretação do espaço
Geografia só interessa na medida terrestre. Vidal de La Blache e
em que ajuda a compreender como seus seguidores concorreram para
os homens nela vivem, nela podem alimentar esse preconceito ao da-
sobreviver apesar da sua curta di- rem muito destaque aos aspectos
mensão e seus conflitos.” sócio-culturais como forma de las-
(GEORGE, P., 1993) trear o raciocínio geográfico.
Para não nos alongarmos numa Ora, os geógrafos físicos não
citação exaustiva de estudiosos, precisam ter nenhum complexo de
destacaríamos, ainda, um dos no- culpa, porque nunca negaram a
mes mais respeitados da Geomorfo- enorme relevância do homem como
logia deste século, R. J. Chorley, agente transformador do espaço.
que afirmava em seu livro “Geo- Além de Chorley, já citado, chama-
morfology as Human Ecology” ríamos o testemunho de William
(1973): “... sem algum tipo de diálo- Morris Davis que, em 1898, defen-
go entre o homem e o meio físico, dia a Geografia Física como “o es-
num contexto espacial, a Geografia tudo do meio físico transformado
Física deixará de existir enquanto pelo homem”.
disciplina (...) e qualquer metodolo- Hoje em dia evoluimos cada
gia geográfica que não reconhecer vez mais para os estudos integra-
esse fato, cai na obsolescência”. dos, baseados no Estruturalismo e
(CHORLEY, R. J., 1973) na Teoria Geral dos Sistemas, valo-
Por outro lado, imagina-se que, rizando-se, portanto, a prática da
ao se tratar de Geografia Física e interdisciplinaridade. Por outro lado
mundo tropical, afloram os os riscos a concepção geossistêmica deu uni-
de se configurar uma postura de- dade e coerência à Geografia Físi-
terminista. Esse perigo, porém, é ca, ao incorporar à ação antrópica,
remoto. o potencial ecológico e a exploração
É bem verdade que os prati- biológica, ao mesmo tempo que
cantes da Geografia Física têm sido concorreu para diluir as fronteiras

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artificialmente levantadas entre esta mento colonialista senão a incorpo-


e a Geografia Humana. ração dos trópicos ao sistema pro-
Nesta altura, propõem-se duas dutivo das médias latitudes em con-
novas indagações: pode-se falar em dições, aliás, muito vantajosas para
uma Geografia dos trópicos? E o estas, como se conclui, pelo menos,
que é o trópico? numa primeira análise.
O conceito geográfico de zona
2. Pode-se falar em uma geogra- tropical, porém, tem sido objeto de
fia dos trópicos? debates entre os próprios geógrafos,
Antigamente o conceito de tró- colocando-se, de um lado, nomes
pico aprendia-se na escola de 1o. ilustres com De Martonne e Gourou
grau, no tempo do bom ensino da (dos quais voltaremos a falar), de-
Geografia e, a partir daí, a criança fensores da exclusividade do uso do
passava a entender melhor o seu termo para as regiões quentes e
entorno. Podia relacionar uma no- úmidas e, de outro, Demangeot,
ção de macro-escala, como a de Planhol e Rognon, para citar apenas
trópico, com o arranjo espacial ou geógrafos franceses, que estende-
a paisagem que estava à sua volta, ram esse conceito também para os
ou seja, com a escala local, porque ambientes áridos.
tinha consciência de sua posição no O assunto, nesse particular, é
Globo. É preciso resgatar essa épo- polêmico e já foi bem trabalhado.
ca rica, a fim de valorizar a nossa De nossa parte, nesta aula, vamos
disciplina e recolocá-la como eixo tomá-lo na sua concepção mais
dos conhecimentos humanísticos. abrangente, compreendendo ambos
Todavia, o trópico não é ape- os domínios, o seco e o úmido.
nas uma categoria geográfica. Pode Do ponto de vista de suas ca-
ser entendido, também, no plano racterísticas naturais, a zona tropi-
cultural e sociológico e, neste mo- cal tem uma identidade muito forte.
mento estou me lembrando de Levi Sua posição privilegiada em relação
Strauss e de seu livro Tristes Tró- ao recebimento da radiação solar
picos, valioso estudo etnográfico faz acumular o calor nessas latitu-
sobre o Brasil do final dos anos 30. des, dotando-as de um excedente
(STRAUSS, L.,1955) Trópico tem, energético muito significativo sobre
ainda, significado histórico e geopo- o restante do planeta.
lítico. Outra coisa não foi o movi-

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Estimativas indicam que esse Convergência dos Alíseos e das


superavit é, no mínimo, cinco vezes macro-células de baixa pressão em
maior que o montante recebido pe- torno da latitude zero originam, aí,
las latitudes altas, consideradas co- situações de instabilidade, exacer-
mo tais aquelas situadas além de 60 bando a chuva. No sentido inverso
graus. agem os anticlones estacionados
A diferença entre terras e entre as latitudes de 20 e 35 graus,
águas quanto à capacidade de ab- os quais, por serem semi-
sorver e reter a radiação contribui permanentes, geram extensas su-
para que o calor se acumule nos perfícies de estabilidade e, por con-
oceanos e, como a zona intertropi- seguinte, de pouca chuva.
cal é dominantemente líquida (as Naturalmente, o excedente de
águas ocupam 76% de sua exten- energia da faixa entre os trópicos
são), o fluxo desse calor chega, aí, a estimula a evaporação de tal forma
ser três vezes superior ao dos ma- que, aproximadamente, até a latitu-
res das latitudes elevadas. Essa de de 20 graus, o volume de água
importante concentração energética evaporada é quase dez vezes supe-
é dado preliminar para o entendi- rior à verificada nas latitudes mé-
mento da natureza tropical. dias. Nas áreas continentais de at-
Por outro lado, a interação mosfera estável, onde a reposição
oceano/atmosfera concorre para de água é insuficiente para restabe-
desenhar o mosaico climático das lecer o equilíbrio hídrico (latitudes
baixas latitudes. O giro anticiclônico entre 20 e 35 graus), a conseqÜên-
(ou seja, anti-horário) das massas cia é o surgimento dos desertos.
líquidas dos oceanos tropicais, con- Há, portanto, uma enorme varieda-
duz as águas frias, oriundas das de de ambientes nos trópicos, desde
latitudes mais elevadas, para as os super-úmidos até os hiper-áridos.
costas ocidentais dos continentes, Essa caracterização genérica,
tornando-as secas, resultando, por- quando comparada às outras faixas
tanto, em dissimetrias muito signifi- do globo, autoriza-nos a falar , me-
cativas quanto à distribuição das nos de uma Geografia Tropical e,
chuvas. mais apropriadamente, de uma Ge-
O padrão da circulação atmos- ografia Zonal.
férica também coopera para salien- Aliás, a divisão da superfície
tar os contrastes. A atuação da da Terra em zonas foi um dos pri-

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meiros produtos da Geografia como que se insere a chamada Geografia


ciência racional. Vários séculos Tropical.
antes da era cristã os gregos das
ecolas jônica e alexandrina já o ha- 3. O conhecimento do mundo
viam proposto, numa época em que tropical pelos geógrafos
ainda se desconhecia 90% da su- Historicamente, o europeu
perfície do planeta, donde se conclui marcou sua presença no meio tropi-
que, nesse domínio, pouco se avan- cal a partir dos séculos XV e XVI
çou. quando navegadores, a serviço de
Em nossos dias, o mestre De Portugal e Espanha,chegaram às
Martonne, em artigo apresentado Antilhas, fizeram o contorno da
dos Annales de Geographie de ja- África atingindo a Ásia e desem-
neiro de 1946, também sugeriria barcaram nas costas da América do
uma classificação das regiões do Sul. É curioso notar-lhes o espanto
globo por faixas zonais mostrando ao entrar em contacto com o novo
que a situada entre os trópicos era a ambiente, para eles, inteiramente
melhor caracterizada. (MARTON- desconhecido. A Carta de Pero
NE, E., 1946) Vaz de Caminha é um precioso tes-
Bem antes dele, em 1912, o temunho (aliás, pouco explorado
geomorfólogo alemão Albert Penck pelos geógrafos) e dali retiramos
estabeleceria a relação entre as esta descrição, com data de 1o. de
formas de relevo e os cinturões cli- maio de 1500: “Há lá muitas pal-
máticos do planeta. meiras. A terra em si é de muitos
O fato é que, desde fins do sé- bons ares frescos e temperados
culo XIX, William Morris Davis, já como os do Douro e Minho (...) e
citado, havia oferecido ao exame as águas são muitas, infinitas”.
dos estudiosos um modelo de zone- (citado por ARROYO, L., 1971)
amento dos fenômenos da natureza Aí está uma amostra, de certa
assinalando a estreita dependência forma, surpreendente. Vê-se que o
com os climas, privilegiando, por europeu tinha uma visão idílica que
conseguinte, o princípio da zonalida- logo se transformaria em interessei-
de. ra, como se sabe.
Portanto, como ressaltamos, é Vamos tratar, porém, do co-
no contexto dessa Geografia Zonal nhecimento dos trópicos pela comu-
nidade acadêmica. Isso viria ocor-

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rer, somente em nosso século, com essa visão europeísta, afinal, desa-
a chegada dos geógrafos, para aí parecesse, porque equivocada.
deslocados no bojo do movimento Ainda nos quadros da geogra-
colonial. Os trabalhos mais relevan- fia francesa é importante assinalar
tes, porém, seriam divulgados após o trabalho realizado pelo grupo de
a Segunda Guerra Mundial, quando Bordeaux que, nesse mesmo ano de
o colonialismo já se encontrava em 1948, fundou a revista Cahiers
recuo. d’Outre-Mer, iniciativa dos profes-
É nesse momento que vem à sores Louis Papy e Eugéne Révert
luz o trabalho que se tornaria, até e editada pelo “Institut de la France
hoje, leitura obrigatória dos estudio- d’Outre-Mer”. Pela matéria publi-
sos das baixas latitudes: “Les pays cada, passou a ser conhecida, no
tropicaux. Principes d’une Géogra- meio culto europeu, como a melhor
phie Humaine e Economique”, de revista do mundo tropical e, ainda
Pierre Gourou, professor belga, po- hoje, desfruta de grande prestígio.
rém, integrante do Collège de Fran- No ano seguinte o pesquisador
ce, tendo sido seu livro editado em A. Aubreville, engenheiro de for-
1948, em Paris, e prefaciado por mação, porém, geógrafo na prática
Paul Rivet, este último muito co- em seu trabalho Climats, forêts et
nhecido dos brasileiros. Nesse tra- désértification de l’Afrique tropi-
balho, Gourou analisa os trópicos cale usou, pela primeira vez, os
úmidos, desde as Américas Central termos savanização e desertifica-
e do Sul (nosso país, inclusive) até a ção para designar áreas em vias de
antiga Indochina Francesa, passan- degradação na África Equatorial.
do pela África e arquipélagos do (AUBREVILLE, A.,1949) Chama
Oceano Índico. (GOUROU, P., a atenção para as conseqÜências
1948) do mau uso do meio, acarretando
Ao longo de todo o livro, pro- desmatamento, agravamento dos
cura enfatizar a difícil compatibili- processos erosivos e do déficit hí-
zação entre o que chama da “civili- drico dos solos.
zação branca” e a “natureza agres- E haveria muitos outros que
siva dos trópicos”, segundo ele, fo- contribuiriam valiosamente: Robert
co de doenças e de insalubridade. Capot-Rey, Jean Tricart, Jean
Demoraria algum tempo para que Dresch. Louis Papy, Pierre Deffon-
taine, etc., sem falar em Pierre De-

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nis, que já havia publicado um tra- Universidade de São Paulo. Seu


balho sobre o Brasil em 1910. artigo “O papel das enxurradas no
Com a fundação da USP em modelado do relevo brasileiro” de
1934 e a implantação dos cursos de 1953, tornar-se-ia antológico entre
Geografia em nível superior, inicia- os estudiosos da geomorfologia de
tiva logo seguida pela Universidade processos. (RUELLAN, F., 1953)
do Rio de Janeiro, geógrafos euro- Fora dos quadros da geografia
peus, especialmente franceses, viri- francesa, lembraríamos Leo Weibel,
am para o nosso país e lançariam as geógrafo alemão que, depois de
bases de nossa Geografia. percorrer o sul do México (região
Daí resultaram excelentes tra- de Chiapas, hoje conhecida mundi-
balhos sobre o meio ambiente tropi- almente pelo movimento zapatista),
cal, o primeiro deles, a Tese de esteve entre nós , de 1946 a 1950, e
Doutoramento de Pierre Monbeig deixou a obra Capítulos de Geo-
“Pionniers et Planteurs de São Pau- grafia Tropical e do Brasil onde
lo”, editada em Paris, em 1952. há estudos sobre o sul de Goiás, a
Essa pesquisa celebrizou-se, área de colonização européia do
entre outros motivos, por ser o es- Brasil meridional e sobre as zonas
tudo de uma “sociedade em movi- pioneiras do Sul, Sudeste e Centro-
mento” e do relacionamento desse Oeste. (WEIBEL, L.,1958)
dinamismo como o quadro físico, E não nos esqueçamos, tam-
inovando, dessa forma, o próprio bém, do geomorfólogo norte-
conceito de espaço geográfico. Ao americano Lester King que, nos
tratar da cultura do café, analisou anos 50, esquadrinhou o Brasil cole-
de forma inteligente a penetração tando dados para implementar sua
do capitalismo no campo no quadro teoria da pediplanação, a qual, pos-
da economia internacional, ou seja, teriormente, se mostraria muito im-
o que hoje chamamos de “globaliza- portante para a interpretação do
ção”. Lamentavelmente, alguns mal nosso relevo. (KING, L., 1956)
informados proclamam ser isso ex- Todos esses mestres criariam
clusividade da “nova” geografia uma verdadeira escola de Geografia
praticada a partir dos anos 70! Tropical que logo seria encampada
Relevante, ainda, foi a contri- pelos geógrafos brasileiros a partir
buição de Francis Ruellan que mi- dos anos 40 e 50.
nistrou cursos de Geomorfologia na

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Mencionaríamos, em primeiro Aziz Nacib Ab’Sáber, Ary França e


lugar, João Dias da Silveira que se tantos outros.
notabilizou com sua Tese As bai- Novos nomes ainda se desta-
xadas litorâneas quentes e úmi- cariam nos anos seguintes: Carlos
das, de 1952 (SILVEIRA, J. D., Augusto de Figueiredo Monteiro,
1952). Aliás, foi insigne mestre que alçado, muito justamente, à condi-
já em 1951 propusera a transforma- ção de maior figura da Climatologia
ção do Departamento de Geografia brasileira das últimas décadas; Olga
da USP num ponto de convergência Cruz, cujos estudos sobre a Serra
dos geógrafos tropicalistas. do Mar e o litoral do Sudeste brasi-
Antonio Rocha Penteado, com leiro tornar-se-iam referência obri-
seus estudos amazônicos, alguns gatória para os que investigam as
dos quais, premiados internacional- zonas costeiras e as encostas úmi-
mente, além dos realizados em An- das; Adilson Avansi de Abreu, pes-
gola, deixou valiosa contribuição no quisador do trópico alto, com suas
plano do conhecimento empírico, Teses sobre o planalto de Poços de
portanto, de base. (PENTEADO, Caldas e o Maciço do Espinhaço;
A. R.,1965) Alvanir de Figueiredo, pioneiro nos
O XVIII Congresso Internaci- estudos da geografia da erva-mate
onal de Geografia, reunido em agos- no sul de Mato Grosso, já nos limi-
to de 1956, foi um evento da maior tes do subtrópico. E, ainda, Elina de
significação para a Geografia dos Oliveira Santos, Augusto H. Vairo
Trópicos, a primeira vez e, até hoje Titarelli, Lylian Coltrinari, Gil Sode-
a única, que se realizou nesta faixa ro de Toledo, Jurandyr Luciano
do globo e ao qual estivemos pre- Sanches Ross, Selma Simões de
sentes, na condição de aluno de Castro, Felisberto Carvalheiro, José
graduação. Foi o momento em que Roberto Tarifa, Magda Adelaide
a Geografia Brasileira ganhou ma- Lombardo, para citar apenas nomes
turidade e consolidou sua liderança de São Paulo. Esta lista é muito
nos estudos referentes às baixas incompleta pois há tantos e tantos
latitudes. Nesse evento emergiram outros de iguais méritos, não incluí-
os nomes de Orlando Valverde, dos. Elaborá-la inteira, seria uma
Lúcio de Castro Soares, Mário La- missão quase impossível.
cerda de Melo, Lysia Maria Caval- O Brasil é o maior e mais im-
canti Bernardes, Nilo Bernardes, portante país tropical do mundo e

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por isso deve ocupar a posição de prime maior agressividade aos pro-
carro-chefe dos estudos nesse do- cessos, qualquer intervenção incor-
mínio. Tudo indica que estamos reta abre caminho para a desestabi-
chegando lá e os que desejarem lização do sistema natural, com
conhecer a geografia das baixas conseqÜente decomposição das
latitudes não podem deixar de ler os rochas, lixiviação do solo, instabili-
trabalhos dos autores citados. dade das encostas e degradação
generalizada.
4. As conseqüências de uma re- O modelo macro-econômico
lação conflituosa homem x que nasceu da Revolução Industrial
meio: desmatamento e de- transformou, no início, os países
sertificação. situados nas baixas latitudes, em
Aproximadamente 40% da po- fornecedores de matérias-primas e
pulação do globo habita a faixa in- produtos primários. Neste ponto,
tertropical e aí se distribui de forma lembramo-nos de que a geografia
muito desigual, fatos já conhecidos marxista, com sua forma esquemá-
de todos. tica e economicista de interpretar o
A chamada sociedade urbano- mundo, costuma classificar as regi-
industrial, que vem se desenvolven- ões tropicais como “de periferia”
do velozmente desde os fins do sé- porque são economicamente subor-
culo XVIII, originou-se longe dos dinadas e menos industrializadas.
trópicos mas seus reflexos logo se Isso é apenas parcialmente verda-
fizeram sentir sobre todo o planeta. deiro, pois hoje, com todas trans-
A expansão generalizada da formações ocorridas, o quadro é
cultura material e das atividades menos simples e essa tese creio que
produtivas em escala até então des- já pode começar a ser questionada.
conhecida criou um novo tipo de Do ponto de vista de sua Geo-
relação entre o homem e a nature- grafia Física, os trópicos, ao contrá-
za, tendendo, muito mais, para uma rio, dispõem de sobras de energia e
postura dilapidadora do que preser- as fornecem para o resto do globo.
vacionista. Imaginemos um cenário futuro, em
A cadeia de dependência entre que as dificuldade técnicas tenham
os componentes do meio físico tem sido vencidas e a radiação solar
equilíbrio frágil. Nas regiões tropi- possa ser captada em larga escala e
cais onde o acúmulo de energia im- a preços competitivos para uso in-

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dustrial. Nesse momento, os trópi- fazer uma explanação, ainda que


cos comandarão a economia do necessariamente suscinta, dada a
planeta. Já se vê que, se de algum enorme dimensão dos mesmos, so-
modo, nossas latitudes, atualmente, bre os dois problemas ambientais
possam estar em posição de inferio- que apresentam, aí, maior expres-
ridade, a culpa não é da Geografia, são: o desmatamento e o avanço da
que nos favorece e sim da História desertificação, aliás, estreitamente
e da Economia. imbricados
É necessário, também, ponde- Comecemos pelo desmatamen-
rar a questão demográfica. Entre os to.
trópicos, o crescimento populacional As florestas tropicais são obje-
é expressivamente mais acelerado to de interesse do mundo todo, pois
do que o verificado em outros luga- exibem o mais alto grau de biodi-
res e isso pode ser apontado como versidade do planeta. A preserva-
uma das causas da forte pressão ção desse ecossistema foi objeto de
sobre os recursos. Apenas uma importantes debates, há quatro
delas, porque, nestes tempos, em anos, na Conferência de Cúpula
que tudo assume escala planetária, RIO-92 e incluída na chamada
não se pode perder de vista o todo. Agenda 21, da ONU, que trata do
E, além disso, há uma acentua- desenvolvimento sustentado.
da heterogeneidade de característi- Entretanto, o processo de des-
cas naturais nas baixas latitudes, truição das matas, embora, histori-
onde, por sua vez, habitam povos camente, muito antigo, vem se ace-
com enormes diferenças de etnias e lerando em progressão geométrica.
culturas. O exame das relações O uso de recursos poderosos, como
homem x meio, aí, por conseguinte, por exemplo, moto-serras, desfo-
está longe de ser uma tarefa sim- lhantes químicos, escavadeiras me-
ples. cânicas, etc. ampliaram enorme-
Não iremos caracterizar cada mente a velocidade da devastação.
um desses meios e tampouco indi- Estimativas da W.W.F. – World
car onde se localizam pois resvala- Wildlife Fondation – admitem que
ríamos para um discurso excessi- quase metade das florestas tropicais
vamente descritivo, além de supér- do mundo já foram eliminadas e
fluo pois todos os que nos ouvem já apontam os seguintes países como
conhecem a matéria. Procuraremos campeões do desmatamento: Tai-

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lândia, Malásia, Bangladesh, Repú- (MALINI, H. B., BHASKAR, C.


blica do Congo, Nigéria, Ghana, U., 1992)
Haiti e Brasil. O ciclo hidrológico e a recicla-
Como conseqÜência, e isso in- gem do vapor d’água são, tambéem,
teressa aos climatólogos, o volume perturbados. Em nosso país, é co-
de micropartículas de origem vege- nhecida a pesquisa realizada na
tal em suspensão na atmosfera, por Amazônia por Enéas Salati, segun-
exemplo os pólens, é drasticamente do a qual, 50% do vapor d’água
reduzido e o processo de formação presente da baixa atmosfera é pro-
da chuva torna-se mais difícil. Isso veniente da própria floresta, permi-
porque as gotículas de água con- tindo concluir que a eliminação da
densada necessitam dessas partícu- mata acarretaria a diminuição das
las (chamadas de “núcleos biogêni- chuvas à metade. (SALATI, E.,
cos”) para iniciar a coalescência e 1985)
a formação das nuvens. Quanto ao problema da deser-
Por outro lado, a capacidade tificação, entendido como sendo a
refletora da superfície, ou seja, o perda progressiva da produtividade
albedo, aumenta cerca de três ve- dos ecossistemas, afeta parcelas
zes no solo nu, ocasionando perda muito expressivas dos domínios su-
de energia incidente e reduzindo a búmidos e semi-áridos em todas as
temperatura da superfície. Como regiões quentes do mundo. É nessas
resultado, enfraquecem-se as cor- áreas, ecologicamente transicionais,
rentes convectivas ascendentes, que a pressão sobre a biomassa se
desestimulando a formação da chu- faz sentir com muita força, através
va. Essa redução das precipitações da retirada da vegetação arbustiva,
já foi demonstrada em várias partes do superpastoreio e das atividades
do mundo. Pesquisadores da Uni- mineradoras não controladas, de-
versidade de Andhra, na Índia (Ma- sencadeando “stress” ambiental. O
lini a Bhaskar), estudando uma resultado é a salinização e esterili-
área-piloto de 11.160 km2, consta- zação dos solos, erosão acelerada e,
taram que, paralelamente à diminui- finalmente, desertificação, definida
ção das florestas, de 2.450 para na Conferência de Cúpula RIO-92
como “degradação das terras semi-
1.470 km2, as chuvas cairam pela
áridas e subúmidas resultantes de
metade, em 30 anos (1961-1990),
em conseqüência do desmatamento.

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vários fatores, incluindo variações em 1974, o Secretário Geral da


climáticas e atividades humanas”. ONU da época Kurt Waldheim, em
Avaliações do Prof. Harold E. Uagadugu, Alto Volta, hoje Mali,
Dregne, da Universidade do Texas, lançou o alerta: “Daqui a 50 anos o
concluíram que cerca de 30% das crescimento do deserto irá riscar do
terras emersas já estão prejudica- mapa três ou quatro países da Áfri-
das pela desertificação e, desde ca”.
1977, a preocupação com o proble- Portanto, a desertificação, em
ma assumiu dimensões planetárias. grande parte, é uma questão de po-
Nesse ano, foi promovida, pela breza.
ONU, a Conferência Mundial sobre No Brasil, no seio da comuni-
Desertificação, em Nairobi, Quênia. dade geográfica, coube ao Prof.
(DREGNE, H. E., 1977) Aziz Nacib Ab’Sáber chamar a
O fenômeno coloca sob risco atenção para o problema com seu
toda a biosfera, porém, depende de trabalho “Problemática da Deserti-
muitas variáveis, entre as quais, são ficação e da Savanização no Brasil
da maior importância as caracterís- Intertropical”, apresentado em
ticas culturais e o grau de desenvol- 1977, no mesmo ano da Conferên-
vimento econômico das populações cia de Nairobi. (AB’SABER, A. N.
atingidas, ou seja, as áreas pobres 1977). De nossa parte, tivemos
do mundo apresentam muito maior oportunidade de realizar uma pes-
vulnerabilidade. quisa sobre o tema, na região semi-
Segundo cálculos do Progra- árida brasileira, apresentando-a co-
ma das Nações Unidas para o Meio mo Tese de Livre-Docência, o ano
Ambiente (PNUMA), 86% das ter- passado, na qual chegamos a apon-
ras secas, porém ainda produtivas, tar manchas, onde os processos de
da África, acham-se danificadas desertificação se manifestam de
pela desertificação. Aí estão, como forma inequívoca, em parcelas ex-
se sabe, alguns dos países mais pressivas do sertão nordestino.
subdesenvolvidos do mundo: Sene- Cremos que, assim, atendemos ao
gal, Sudão, Mali, Chade e Etiópia, dever de acrescentar, também, uma
por exemplo. No extremo oposto contribuição (CONTI, J. B., 1995).
encontra-se a Austrália, país de
PNB elevado, que tem apenas 22% 5. O trópico e o imaginário
de suas áreas secas, degradadas. Já

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Nesta etapa final de nosso Segundo ele, as sociedades in-


pronunciamento procuraremos res- dustriais tendem a desenvolver no
ponder a esta instigante questão: de homem uma concepção do espaço
que maneira o homem do trópico vivido, como um emaranhado de
concebe seu espaço? E de que diferenciações e organizações de
forma os habitantes de outras par- uso coletivo. Infra-estrutra de
tes do mundo vêem os trópicos? transportes e comunicações, por
Não sei se chegaremos a tra- exemplo, Para as sociedades pré-
balhar adequadamente o tema que industriais, que habitam os trópicos,
se insere na Geografia da Percep- o espaço é concebido como um lu-
ção, especialidade refinada, que gar homogêneo mas não necessari-
entre nós, foi proposta, pioneira- amente contínuo. Além disso, o es-
mente, e com competência pela paço vivido é, aí, muito mais carre-
Profa. Lívia de Oliveira. Para esses gado de afetividade.
estudiosos, o mundo dos fatos geo- O autor que estamos citando
gráficos não inclui somente o clima, exemplifica com algumas comuni-
as propriedades agrícolas, o povoa- dades do Alto Nilo, cujos integran-
mento e os estados, mas, também, tes vêm o espaço, diferentemente,
os sentimentos. O espaço é consi- conforme a sazonalidade da chuva.
derado em três vertentes: o espaço A estação seca homogeiniza o es-
vivido, o percebido e o imaginado. paço porque facilita os percursos ao
Topofilia, termo criado por Yi-Fu passo que a das chuvas o fragmen-
Tuan, expressa o elo afetivo entre a ta por causa da presença de pânta-
pessoa e o lugar e é uma postura nos que oferecem dificuldade de
cultural. travessia.
O Prof. Jean Gallais, da Uni- Entre nós, a Profa. Liliana La-
versidade de Rouen (França), em ganá, colega do Departamento de
artigo de 1977, (TUAN, 1980) Geografia, em artigo publicado este
aborda o assunto, começando por ano na revista Travessia, intitulado
comparar o que chama de espaço- “Terra Vermelha”, oferece bons
padrão das sociedades industriais elementos ao narrar a saga de um
com o espaço descontínuo das jovem casal italiano que imigrou
sociedades tropicais. (GALLAIS, J. para o interior de São Paulo (colô-
1977) nia de Pedrinhas) nos anos que se
seguiram ao fim da Segunda Guerra

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Mundial, mostrando a visão que foram vistos na realidade e que,


cada um deles, marido e mulher, muitas vezes, não apresentam rela-
tiveram do novo meio. Para ele, o ção com ela”. Exemplifica exami-
fascínio de construir uma cidade nando o imaginário do brasileiro,
ideal, às margens do mundo, enfren- habitante do campo, em seu traba-
tando a natureza desconhecida, a lho: “Le paysan brésilien et la con-
floresta, o calor, as distâncias e a ception des étendues”. (QUEIROZ,
terra roxa. Para ela, apegada às M. I. P.,1993)
suas paisagens alpinas, com neve, E agora, diríamos nós:
inverno e brincadeiras de trenó, era Para os habitantes das outras
espantoso trocar tudo aquilo por latitudes, o trópico é muitas vezes
uma terra muito quente, de planuras uma idéia que oscila nas fronteiras
sem fim, onde não havia casas nem do devaneio, transitando entre a
habitantes, apenas porteiras, que realidade e a fantasia. Para muitos,
produziam uma sensação imensa de no mundo afora, certos topônimos
vazio. (LAGANÁ, L., 1996) parecem envolvidos numa sonorida-
O relato, em forma de conto, de especial: Taiti, Bali, Havaí, Iu-
desperta o leitor para a riqueza pre- catã, Galápagos, ilha de Páscoa,
sente na alma do imigrante em sua palavras que despertam sonhos,
trajetória, do ambiente natal para o desejos de viagens e aventuras, que
desconhecido. os estudiosos da Geografia do Tu-
Nesta temática, que é interdis- rismo conhecem muito bem e os
ciplinar, encontramos nos sociólogos exploram. O Prof. Jean-Marie Mio-
contribuições bem interessantes. ssec, da Universidade de Tunis,
Roger Bastide, desde a década autor que me foi indicado pela cole-
de 40, questionava, no plano socio- ga Profa. Adyr Rodrigues, analisa,
lógico, os limites entre o que é cha- com riqueza de detalhes, as diferen-
mado de realidade e o imaginário, tes modalidades de imagens com as
definindo este como “uma zona in- quais trabalham as atividades turís-
termediária entre o consciente e o ticas dirigidas aos trópicos, onde o
inconsciente” (BASTIDE, R.,1971) conteúdo simbólico das paisagens é
A Profa. Maria Isaura Pereira utilizado para a produção de mitos a
de Queiroz conceitua-o como “um serem vendidos (MIOSSEC, J.,
conjunto de representações, de ob- 1977).
jetos, de acontecimentos que nunca

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6. Palavras finais Bibliografia


Em sua caminhada pela super- ABREU, A. A. de. Estruturação
fície do globo, ao longo da história, o de paisagens no médio vale do
ser humano vem procurando satis- Jaguari-Mirim. Col. Geomorfo-
fazer sua infinita curiosidade de logia nos. 36, 37, 38 e 39. São
conhecer cada recanto do planeta, a Paulo. Instituto de Geografia da
fim de explorá-lo em seu benefício, USP, 1973.
daí resultando a interação socieda- ________. A. de. A teoria geo-
de/natureza e a organização do es- morfológica e sua edificação:
paço com todo seu aspecto multifa- análise crítica. Revista do Insti-
cetado. tuto Geológico. São Paulo. I.G.
Os geógrafos sempre estive- 4(1/2):5-23, 1983.
ram atentos a essa dinâmica e a AB’SÁBER, A. N. Problemática
aproveitam como mais um subsídio da desertificação e da savani-
para a realização de sínteses regio- zação no Brasil intertropical.
nais. São Paulo, Geomorfologia no.
Concluiremos estas linhas rea- 53. Instituto de Geografia da
firmando a importância do conhe- USP, 1977, 19 p.
cimento da natureza tropical, com ARROYO, L. A Carta de Pero
toda a grandiosidade de seus pro- Vaz de Caminha. São Paulo,
cessos, a riqueza de sua biodiversi- Ed. Melhoramentos, 1971, 177 p.
dade e as variadíssimas paisagens AUBREVILLE, A. Climats, forets
construídas pela ação antrópica. et désértification de l’Afrique
Ao geógrafo compete estudá- Tropicale. Paris, Societé
la de forma competente, oferecendo d’Edditions Géographiques Mari-
sua original contribuição para o times et Coloniales, 1949, 351 p.
mundo do saber. A Geografia está BASTIDE, R. Arte e sociedade.
entre os primeiros interesses do São Paulo, Livr. Martins Editora,
homem culto porque é a mais 1971.
abrangente das ciências e a única CARVALHO, A. Solos na região
que se propõe a interpretar os ar- de Marília. Relações entre pe-
ranjos espaciais da superfície ter- dogênese e evolução do rele-
restre e a decodificar toda a com- vo. Tese de Doutoramento
plexidade de seu dinamismo. apresentada à FFLCH da USP,
1974.

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CHORLEY, R. J. Directions in mento apresentada à FFCL de


Geography. In Geography as Presidente Prudente, 1968.
human ecology. London, Meu- GALLAIS, J. Alguns aspectos do
then, 1973:153-169. espaço vivido nas civilizações do
CONTI, J. B. Desertificação nos mundo tropical. Boletim Geo-
Trópicos. Proposta de metodo- gráfico. Rio de Janeiro,
logia de estudo aplicada ao I.B.G.E., no. 254:5-13, 1977.
Nordeste Brasileiro. Tese de GEORGE, P. O homem na terra .
Livre-Docência apresentada à Trad. de José Gama , Lisboa,
Faculdade de Filosofia, Letras e Edições 70 Ltda. 1993. 183p.
Ciências Humanas da USP. São GOUROU, P. Les pays tropicaus.
Paulo, 1995, 208 p. e Apêndice Principes d’une Géographie
Técnico. Humaine et Economique . Pa-
CRUZ, O. A Serra do Mar e o ris, Presses Universistaires de
litoral na área de Caraguata- France, 1948, 196 p.
tuba. Contribuição à geomor- KING, L. A geomorfologia do Bra-
fologia tropical litorânea. São sil Oriental . Revista Brasileira
Paulo. Instituto de Geografia da de Geografia. Rio de Janeiro,
USP, 1974, 1974, 181 p. IBGE, 18 (2): 147-265, 1956
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tre de Documentacion Universi- grante. São Paulo. Centro de
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1910. C. U. Impact of deflorestation
DREGNE, H. E. Desertification on rainfall patterns in the Eas-
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1977. Geographical Congress, 1992:
FIGUEIREDO. A. A presença 254-255
geo-econômica da atividade MARTONNE, E. de. Géographie
ervateira. Tese de Doutora- Zonale. Annales de Géogra-

16
Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

phie. Paris, Armand Colin, LVè. Contemporaine. Paris: 269-287,


année, no. 297:1-18. 1946. s/d.
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que comme introduction à la Gé- radas no modelado do relevo
ographie du Tourisme. Annales brasileiro. Boletim Paulista de
de Géographie, Paris, Armand Geografia. São Paulo, Associa-
Colin, no. 473 (86è. année): 55- ção dos Geógrafos Brasileiros,
70, 1977. nos. 13:3-18 e 14:3-25, 1953.
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1977. USP, em 10.03.92. Edição da
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seada nas condições de sua neas quentes e úmidas. Bole-
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Colin, 1970, 487 p. valores do meio ambiente. São
QUEIROZ, M. I. P. de. Reflexões Paulo, DIFEL, 1980.
sobre o imaginário. In O imagi- WEIBEL, L. Capítulos de Geo-
nário em terra conquistada. São grafia Tropical e do Brasil. Rio
Paulo, CERU, no. 4, 2a. série: 9- de Janeiro, IBGE, 1958, 307 p
21, 1993.
________. Le paysan brésilien et
la pérception des étendues. In
Perspectives de la Socilogie

17
Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

A desertificação como forma de O processo de transformação da


degradação ambiental no Brasil natureza, qualquer que seja a di-
mensão da análise ou a escala em
que se verifica, não pode ser disso-
ciado da ação exercida pela socie-
dade. Esta interfere no meio em
A preocupação com o meio am- busca de recursos para a sobrevi-
biente e as relações entre sociedade vência desencadeando um processo
e natureza constituem, hoje, tema interativo de conseqüências nada
de indiscutível relevância. O con- desprezíveis, estudadas, de longa
fronto entre os interesses econômi- data, pelos geógrafos.
cos e a defesa do meio natural vem
sendo objeto de análise e questio- No passado, tais procedimentos
namento por parte dos estudiosos conduziram ao surgimento dos gê-
das várias ciências do homem e da neros de vida, modelo característi-
terra. co das sociedades menos comple-
xas, vivendo em economia quase
“Se, nas ciências da natureza, fechada (LA BLACHE, 1954).
o meio ambiente é um dado está- Tais comunidades, embora bem
vel à escala dos ciclos morfológi- adaptadas ao próprio meio, têm
cos, nas ciências humanas (...) sido as mais afetadas pelo contato
cujo equilíbrio e balanço cabe à com tecnologias avançadas, as
Geografia elaborar, o meio am- quais acabam por produzir efeitos
biente é um compromisso conti- mais negativos que positivos em
nuamente questionado entre as suas frágeis estruturas sociais e
propriedades do meio e as inter- econômicas.
venções procedentes da ação
humana e dos níveis instrumen- A disseminação generalizada do
tais” (GEORGE, 1993: 138). modelo de economia industrial veio
criar outra escala de relações.
A partir de uma atividade preda-
tória em grande escala inicia-se a Impulsionada pelo aumento da
degradação e o empobrecimento da demanda, decorrente do acelerado
natureza, da qual a desertificação é crescimento da população mundial e
uma das modalidades. da multiplicação dos hábitos de con-
sumismo entre as coletividades que
desfrutam de alto padrão de vida, a

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economia expandiu-se, velozmente, se manifesta pela degradação gene-


nos últimos 200 anos, com enorme ralizada do ambiente como resulta-
apetite de produção e consumo. do de prática exploratórias incorre-
tas.
A pressão advinda do aumento
populacional foi reforçada pelo mai- A sociedade industrial assumiu,
or poder de intervenção no meio, inegavelmente, uma atitude dilapi-
decorrente do uso de equipamentos dadora em relação ao meio, dissi-
mais agressivos como, por exemplo, pando recursos e desorganizando,
moto-serras, desfolhantes químicos, muitas vezes de forma irreversível,
escavadeiras mecânicas, etc. que os sistemas naturais, especialmente
ampliaram, enormemente, a força os das baixas latitudes, em virtude
de destruição. do modelo econômico global que
transformou, num primeiro momen-
Continuamente vêm ocorrendo
to, os países aí situados em produto-
mudanças no modelado, nos siste-
res de matérias primas.
mas hidrográficos, nas camadas do
solo e no comportamento do clima, Estimativas da World Wildlife
as quais vão se refletir na cobertura Fondation (WWF) admitem que
vegetal, na fauna, na desagregação mais de 40% das florestas tropicais
das rochas e nos processos morfo- do mundo já tenham sido destruídas
genéticos como um todo. e aponta os seguintes países como
A profunda transformação am- os de maior incidência de desmata-
biental que se processa atualmente mentos: Filipinas, Tailândia, Malásia,
no mundo, alargando as áreas de Índia, Bangladesh Sri Lanka, na
desmatamento e de superexplora- Ásia; Costa do Marfim, República
ção do solo agrícola, intervindo no do Congo, Nigéria e Ghana, na
mecanismo de reciclagem do vapor África; Haiti, nas Antilhas e Brasil,
d’água, bem como desequilibrando na América do Sul.
o balanço da energia ao nível da Avaliações baseadas em mode-
superfície, produzem alterações los numéricos admitem que o des-
climáticas, notadamente em meso e matamento da faixa compreendida
micro-escalas. entre as latitudes de 5º norte e 5º sul
A desertificação é uma des- poderia provocar, em virtude da
sas modalidades e, freqüentemente, elevação do índice de albedo (ou
reflectância da energia solar in-

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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

cidente), uma queda de 0,2ºC a utilizando-se de critérios ambientais.


0,3ºC na temperatura média global. As que apresentamos, a seguir, são
Com conseqüência, ocorreriam re- de Harold E. Dregne. (vide quadro
duções de, até 10% na intensidade 1).
da evaporação e da precipitação
naquela faixa de latitude (TULLOT,
1991: 143-144). Nos ecossistemas
de equilíbrio precário, a desestabili- QUADRO 1 - Intensidade da
zação do clima, manifestada pela desertificação
ocorrência de secas, chuvas em Gra Caracterização % Incidên-
excesso ou muito variada, ano a u cia

ano, poderia comprometer a recu-


peração dos mesmos. Fraca
Pequena deterioração
da cobertura vegetal e 18,0
As regiões subúmidas ou semi- dos solos
áridas, de população relativamente
Grande deterioração
densa, são as de maior risco de de-
da cobertura vegetal e
Moderada

gradação e os estudos têm demons- surgimento de nódulos 53,6


trado que as atividades explorató- de areia. Indícios de
rias descontroladas constituem a salinização dos solos.
Voçorocamentos.
principal causa da desertificação.
As pesquisas sobre esse tema, des- Severa Ampliação das
de as investigacões pioneiras do áreas sujeitas a vo-
Severa

çorocamentos e sur- 28,3


engenheiro Albert de Aubreville na gimento de dunas.
África Equatorial (AUBREVILLE, Avanço da erosão
1949), sempre assinalaram a im- eólica.
portância da ação antrópica no de-
Muito Severa

Desaparecimento
sencadeamento do processo. Da quase completo da
0,1
mesma forma, a Conferência biomassa. Impermea-
bilização e salinização
Mundial sobre Desertificação, a
intensa dos solos.
primeira convocada pela ONU e
(Cf. DREGNE, 1977, p. 328-329, traduzido).
reunida em Nairobi (Quênia), em
1977, reiterou a mesma postura.
Pode-se estabelecer categorias É, também, usual, o termo de-
de intensidade de desertificação sertização, para designar a exten-
são de paisagens e formas tipica-

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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

mente desérticas, em áreas semi- Conceito água no sistema semelhantes


natural. às dos deser-
áridas ou subúmidas, como conse-
tos.
qüência da ação humana. O termo,
Avalia- Índices de ari- Empobreci-
contudo, não alcançou consenso ção dez. mento da
entre os estudiosos e seu emprego é biomassa.
cada vez menos freqüente, em vir- 1. Elevação da 1. Desapare-
tude do significado impreciso. Ou- temperatura cimento de
tros termos foram propostos tais média. árvores e
arbustos le-
como sahelização, estepização e
nhosos (des-
sudanização que corresponderiam matamento).
a diferentes graus de desapareci- 2. Agravamento 2. Aumento
mento do estrato arbóreo e aridifi- do déficit hídri- das espécies
cação ou aridização, indicadores co dos solos. espinhosas
de uma evolução natural em direção (xerofítica).

a um clima mais seco. Continuação


CLIMÁT ICA ECOLÓGICA
A tendência inversa, ou seja, a
do recuo dos desertos, chamada de 3. Aumento do 3. Elevação
escoamento do albedo, ou
antidesertificação, também se superficial (tor- seja, maior
registra em várias partes do mundo rencialidade). refletividade
indicando que o fenômeno está lon- na faixa do
infra-
ge de ser simples.
vermelho.
Esquematicamente, pode-se Indicado- 4. Intensifica-
classificar a desertificação em duas res ção da erosão
modalidades: natural (ou climáti- eólica.

ca) e antrópica (ou ecológica), a 5. Redução das 4. Mineraliza-


precipita- ção do solo
respeito das quais compusemos um
ções.(perda de em encostas
quadro a fim de compará-las (vide humus). com mais de
Quadro 2). 20º de incli-
nação (perda
de humus).
QUADRO 2 - Modalidades de desertifi-
6. Aumento da 5. Forte ero-
cação
amplitude tér- são do manto
CLIMÁT ICA ECOLÓGICA mica diária. superficial
(voçoroca-
Criação de mento).
condições
Diminuição de

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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

7. Diminuição 6. Invasão
da umidade maciça das
relativa (UR) do areias.
ar.
Causas Mudanças nos Crescimento
padrões climát i- demográfico e
cos. pressão sobre
os recursos.
Exem- Oscilações dos 1. Desertifi-
plos cinturões áridos cação das
tropicais duran- regiões perifé-
te as glaciações ricas tropicais
quaternárias. durante as
glaciações.
2. Pontos de
desertificação
no Sul do
Brasil (PR,
RS).
Org. J. B. Conti.

22
Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

As regiões semi-áridas e subú- pluviosidade registrando, entre os


midas tropicais e sua fragilidade trópicos valores muito contrastan-
tes, seja quanto aos totais (que vari-
A posição geográfica privilegia-
am, desde valores superiores a
da da faixa intertropical em relação
2.500 mm anuais, por ex. a Amazô-
ao recebimento da radiação solar
nia Ocidental, até médias que não
faz concentrar o calor nessas latitu-
atingem 200 mm como nas regiões
des, dotando-as de um excedente
hiperáridas no norte do Chile), seja
energético muito significativo sobre
quanto ao regime pluviométrico.
o restante do planeta. Estimativas
Este é muito importante e funda-
feitas por H. G. Houghton para o
mental, por exemplo, para a evolu-
hemisfério norte, propõem que esse
ção da vida vegetal e animal. Nas
superavit é, no mínimo, cinco vezes
regiões áridas, semi-áridas e subú-
maior que o montante recebido pe-
midas, a variabilidade, ano a ano, da
las latitudes altas, consideradas co-
precipitação, é muito grande e a
mo tais aquelas situadas além de
torrencialidade constitui uma ca-
60º (HOUGHTON, 1954), A dife-
racterística importante.
rença de calor específico entre ter-
ras e águas concorre para que o A interação oceano/atmosfera
calor latente se concentre nos oce- concorre, de forma expressiva, para
anos e, como a zona intertropical é definir o mosaico pluviométrico das
dominantemente líquida (apenas baixas latitudes. O giro anticiclônico
24% das terras emersas aí estão da massa oceânica conduz as águas
situadas), o fluxo do calor latente frias, oriundas das latitudes eleva-
chega, aí, a ser três vezes superior das, para as costas ocidentais dos
ao dos mares de latitudes elevadas. continentes, produzindo dissimetrias
Essa importante concentração muito significativas quanto à distri-
energética é dado preliminar para o buição das chuvas. A presença de
entendimento da natureza tropical, águas com temperaturas baixas,
uma vez que tornam os processos junto à costa, estabiliza a atmosfera
naturais muito mais agressivos e e inibe a formação da chuva. Os
incontroláveis. desertos costeiros da África Meri-
dional (Namíbia)e do norte do Chile
Se, quanto à temperatura a vari-
(Atacama) são os exemplos mais
ação ao longo do ano é pouco ex-
conhecidos de ambientes áridos
pressiva, o oposto ocorre com a
associados a correntes frias. No

23
Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

Pacífico tropical, os arquipélagos qüentemente, sem nenhum controle


situados a leste do meridiano de e, além de destruir a flora, desenca-
180º apresentam totais pluviométri- deia efeitos indesejáveis para a
cos anuais bastante reduzidos pois a fauna, o solo e o microclima, o
região é ocupada por um considerá- mesmo podendo ser afirmado para
vel volume de águas frias (para as queimadas. Com a eliminação da
aquela latitude), alimentadas pela floresta, o volume de micropartícu-
corrente de Humboldt, além de las de origem vegetal em suspensão
apresentar vários pontos de ressur- na atmosfera (chamadas núcleos
gência. As ilhas Malden, situadas biogênicos) é drasticamente redu-
na latitude de 4º sul, registram uma zida e o processo de formação de
média pluviométrica anual de ape- nuvens torna-se mais difícil, já que
nas 730 mm e a ilha de Canton, a as gotículas necessitam desses nú-
2º46’ sul, a média anual de 746 mm. cleos para iniciar a coalescência.
Em alguns pontos do arquipélago de Por outro lado, a capacidade refle-
Galápagos (latitude zero), o total tora da superfície (ou albedo), au-
anual de chuvas, freqüentemente, menta três vezes, ocasionando a
pouco ultrapassa 300 mm. perda de energia incidente e redu-
ção da temperatura de superfície.
Como resultado, enfraquecem-se as
A presença humana nos trópicos correntes convectivas ascendentes
Aproximadamente 40% da po- desestimulando a formação a for-
pulação do mundo habita a faixa mação de nuvens e de chuvas.
intertropical, distribuindo-se de for- O ciclo hidrológico, principal-
ma desigual, fato já suficientemente mente a reciclagem do vapor
conhecido. A civilização urbano- d’água, também é perturbado, em
industrial, originada e desenvolvida virtude da intervenção no processo
nas médias latitudes, chegou tardi- da evapotranspiração.
amente aos trópicos e aí se instalou,
As queimadas, ao fornecerem
na maioria dos casos, de forma
compostos de CO2 para a atmosfe-
pouco adequada, provocando trau-
ra, agravam o efeito estufa, que
mas ambientais.
produz várias conseqüências climá-
O desmatamento, por exemplo, ticas, não só elevando a temperatu-
foi e continua sendo praticado, fre- ra mas, acentuando as instabilida-

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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

des. Por outro lado, contudo, con- tória, apresentando aspectos paisa-
correm para aumentar o volume de gísticos semelhantes aos dos deser-
micropartículas em suspensão (cin- tos, ainda que as médias pluviomé-
zas), as quais desempenham o papel tricas se mantenham acima dos li-
de núcleos higroscópicos, causando mites de aridez admitidos.
precipitações na escala local.
O Programa das Nações Unidas
A eliminação da vegetação de para o Meio Ambiente (PNUMA)
grande porte, por sua vez, avoluma estabeleceu um índices de aridez,
o escoamento superficial em pro- internacionalmente aceito, baseado
porções que variam de 10 a 30% na razão entre a precipitação média
(conforme a intensidade da chuva), anual e a evapotranspiração poten-
tornando mais agressiva a erosão cial, ou seja (fórmula de Thorntwai-
pluvial. Como resultado, ativam-se te adaptada), fixando os seguintes
os processos de erosão acelerada e limites: < 0.05 = hiper-árido; 0,06-
os voçorocamentos, sobretudo onde 0,20 = árido; 0,21-0,50 = semí-árido;
o manto superficial é frágil, como 0,51-0,65 = subúmido seco; > 0,65
por exemplo, nos arenitos. A mine- = subúmido úmido e úmido (ausên-
ralização dos solos e a formação de cia de aridez).
carapaças lateríticas tende a se ex-
pandir. Vastos territórios recém-
ocupados, submetidos a desmata- A região semi-árida brasileira
mentos e queimadas para a prática A região semi-árida do Nordes-
da agricultura e da pecuária, soma- te Brasileiro (o sertão) estende por
das às atividades mineradoras em cerca de 900.000 km.2 e caracteri-
grande escala, acabam por se de- za-se por médias pluviométricas
gradar de forma irreversível condu- anuais oscilando entre 300 e 800
zindo ao empobrecimento biológico mm. Em sua porção nuclear, ( em
e, portanto, à desertificação. torno de 500.000 km.2) a pluviome-
As regiões periféricas dos de- tria anual é inferior a 600 mm.
sertos podem ficar expostas à inva- Manifesta-se de forma mais ca-
são de areias, transformando-se em racterística, numa área que se es-
desertos ecológicos, que nada tende do litoral setentrional, da foz
mais são do áreas intensamente do rio Jaguaribe (latitude de
desgastadas pela atividade explora- 04º30’S) à Ponta dos Três Irmãos

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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

(município de São Bento do Norte, mações florestais caducifólias, hoje,


RN, latitude de 05º10’S), avançando praticamente, extintas.
pelo continente em direção ao vale
O domínio semi-árido está longe
do rio São Francisco até a latitude
de ser homogêneo, manifestando
de 12:00’ºS), apresentando-se de
características distintas conforme
forma descontínua.
as fatores geo-ecológicos locais.
A região semi-árida é envolvida Constitui um mosaico variado de
a oeste, ao sul e leste por áreas su- paisagens, já bem caracterizado por
búmidas, definindo uma faixa tran- muitos estudiosos: MELO (1958),
sicional muito variável. DOMINGUES E KELLER (1958),
AB’SÁBER (1974, op. cit.),
Em direção a noroeste, vai se
MONTEIRO (1988), SOUZA
descaracterizando, a partir da Cha-
(1992) e outros, desempenhando o
pada do Ibiapaba, onde a estação
relevo regional, importante papel
seca se reduz a seis meses, passan-
nas determinação das diferenças.
do para um quadro físico subúmido
e cobertura vegetal de cerrado, em- Apesar de modesto, com altitu-
bora ainda ocorram bolsões de ve- des máximas pouco superiores a
getação xerofítica na bacia do rio 1000 m, o relevo introduz modifica-
Parnaíba, principalmente nos vales ções ambientais expressivas, decor-
dos rios Piauí e Gurguéia. rentes de situações de barlavento e
sotavento. Em áreas mais eleva-
A partir da depressão sanfran-
das, como a serra de Baturité, e nos
ciscana, em direção a oeste, o do-
divisores entre a bacia do São
mínio semi-árido é limitado pelos
Francisco e a dos rios que vertem
chapadões cretácicos da Serra Ge-
para o norte (chapada do Araripe,
ral, de clima subúmido e vegetação
serra dos Cariris Velhos, da Boa
arbustiva, do tipo cerrado.
Vista, Verde, etc.) a semi-aridez é
Para leste, no rumo do Atlântico, atenuada pelo efeito orográfico,
a transição é mais rápida, sendo ocorrendo enclaves úmidos ou “bre-
constituída por uma faixa subúmida, jos”: Juazeiro do Norte (precipita-
de largura variando ente 50 e 100 ção média anual - pma - 903,3 mm),
quilômetros, correspondente à regi- Barbalha (pma 1.001,3 mm), Triun-
ão colinosa conhecida como agres- fo (pma 1.141,0 mm). Na periferia
te, originalmente coberta por for- do domínio semi-árido, em pleno

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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

agreste, o relevo é, também, res- árida é definida por alinhamentos de


ponsável, pela ocorrência de uma relevo. As chapadas sedimentares
“diagonal” úmida formada por pla- cretácicas de Ibiapaba e seu pro-
naltos de altitudes entre 800 e 1.000 longamento meridional, a serra dos
m, cujos valores de pma oscilam Dois Irmãos, estabelecem os limites
entre 750 e 1.000 mm (ex. Gara- ocidentais, ao mesmo tempo que a
nhuns 908,6 mm). planalto da Borborema marca os
limites orientais. Por outro lado, a
Por outro lado, a escassez de
chapada do Araripe, as serras da
chuvas acentua-se nas depressões
Baixa Verde e dos Cariris Velhos,
em geral, especialmente naquelas
alongadas no sentido leste-oeste,
situadas em oposição de sotavento,
separam subdomínios no interior do
como por ex. a vertente ocidental
semi-árido. Ao norte, estende-se
da serra dos Dois Irmãos, no Piauí,
uma vasta área aplainada, esculpida
onde as localidades de Queimada
em superfície de erosão e interrom-
Nova e Paulistana recebem, res-
pida por manifestações de relevo
pectivamente, 398,0 mm e 560,9
residual (Baturité, serra dos Mar-
mm.560,9 mm, e os vales do Pajeú
tins, da Pedra Branca) e por de-
e do Moxotó, em Pernambuco. Ci-
pressões ocupadas por bacias hi-
taríamos, aí, os exemplos de Inajá
drográficas, onde correm rios in-
(394,0 mm), Moxotó (429,9 mm) e
termitentes. Os melhores exemplos
Floresta (501,3 mm). Poderíamos
as do Jaguaribe (artificialmente pe-
acrescentar, ainda, as depressões
renizado), do Acaraú, do Apo-
de Patos e Cabaceiras, na Paraíba,
di/Mossoró e do Piranhas/Açu.
situando-se, aí, uma das localidades
Ocupam pediplanos coalescentes,
mais secas de todo o semi-árido:
formando grandes extensões hori-
Cabaceiras, com 336,0 mm anuais.
zontalizadas, com alguns campos de
Destaca-se, ainda, nesse particular,
inselbergues, como o de Quixadá
a região sanfranciscana, entre Jua-
(bacia do Jaguaribe) constituída,
zeiro e Paulo Afonso, onde, além da
dominantemente, por pegmatitos. A
precipitação reduzida, a estiagem,
precipitação anual está em torno de
habitualmente, estende-se por 11.
500 mm e a vegetação é de caatin-
meses.
ga áspera.
Numa visão de conjunto, verifi-
Ao sul das terras elevadas re-
ca-se que o core da mancha semi-
presentadas pelo eixo chapada do

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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

Araripe/serras dos Cariris Ve- 892,6 mm anuais, ao passo que, na


lhos/do Teixeira e seus prolonga- vertente atlântica, suas característi-
mentos, o quadro de semi-aridez cas são mais acentuadas na Bahia,
não apresenta mudanças significati- nos trechos superior e médio do
vas, com grande superfícies hori- vale do rio de Contas (exemplo:
zontalizadas, de solos rasos, drena- Jequié 585,8 mm) e, em Minas, na
gem intermitente, médias pluviomé- bacia do Jequinhonha (Almenara
tricas próximas de 500 mm e estia- 908,3 mm).
gens de 9 a 10 meses. As depres-
No conjunto do quadro regional
sões locais são menos beneficiadas
as médias térmicas são elevadas,
pela pluviosidade, acentuando, pon-
acima de 26ºC e a evaporação é
tualmente, a aridez, conforme ante-
intensa, produzindo acentuado de-
riormente citamos. Ao sul do São
ficit hídrico, expresso por uma dre-
Francisco, o trecho médio e superi-
nagem intermitente, com caracterís-
or do rio Vaza Barris, conhecido
ticas de torrencialidade.
como Raso da Catarina, constitui
um dos mais secos do interior nor- O histórico da intervenção oficial
destino, como médias pluviométri- nessa região remonta ao Segundo
cas anuais entre 300 e 400 m. Aí Império. Sem pretender resgatá-lo,
está a localidade de Quinjique que por extrapolar às finalidades deste
apresenta o “record” negativo de artigo, lembraríamos, apenas que,
311 mm anuais de precipitação. em 1936, foi criado por lei federal, o
Polígono das Secas, instituído a
Mais para o sul a região de chu-
fim de delimitar a área prioritária no
vas escassas se divide em dois
recebimento de ajuda governamen-
segmentos separados pelas terras
tal no combate aos efeitos das esti-
elevadas da chapada Diamantina,
agens. Seus limites foram várias
cuja altitude média é pouco superior
vezes ampliados, ocupando, atual-
a 1.000 m. Na vertente interior, cor-
mente, 936.993 km.2.
respondente à depressão do São
Francisco a semi-aridez se manifes- Sobre este quadro natural áspe-
ta de forma indiscutível (exemplos: ro, desenvolveu-se o longo processo
Morpará 760,0 mm, Barra 759,8 e de ocupação, que agora se aproxi-
Xique xique 815,3 mm), estenden- ma dos 500 anos, durante os quais
do-se até o norte de Minas Gerais, as práticas incorretas de exploração
onde a localidade de Manga registra e uso deixaram conseqüências pro-

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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

fundas e, em muitos casos, sem concelos Sobrinho atuou, também,


retorno, abrindo caminho para a consultor de um trabalho realizado
degradação generalizada e a deser- em 1979 pelo Centro de Pesquisas
tificação. e Desenvolvimento do Estado da
Bahia publicado sob o título “Diag-
nóstico preliminar do processo
O “estado da arte” referente à de desertificação do Estado da
região semi-árida brasileira. Bahia”, cuja proposta principal foi
O Prof. João Vasconcelos So- o estabelecimento de uma classifi-
brinho, estudioso pernambucano cação e respectivo zoneamento de
do tema da desertificação desde aridez naquele Estado, contribuindo,
meados deste século, realizou tra- portanto no setor, da sistemática.
balhos de campo que constituíram o Entre os geógrafos, constituem
ponto de partida para pesquisas so- contribuição expressiva os trabalhos
bre a desertificação no Brasil. Foi de Dárdano de Andrade Lima, da
um dos únicos cientistas brasileiros Universidade Federal de Pernam-
presentes à I Conferência Mundial buco, concentrado no estudo da
sobre Desertificação reunida em biogeografia do semi-árido e ver-
Nairobi (Quênia), em 1977. sando, principalmente sobre a capa-
Em 1974 a Universidade Federal cidade de regeneração dos vegetais,
Rural de Pernambuco publicou seu como, por exemplo, “Notas para
livro “O deserto brasileiro”, que fitogoegrafia de Mossoró, Gros-
trata do tema do ponto de vista bio- sos e Areia Branca”, publicado no
lógico, com caráter preservacionista volume XIII dos Anais da Associa-
(VASCONCELOS SOBRINHO, ção dos Geógrafos Brasileiros (
1974). Nos anos seguintes, produ- LIMA, 1964).
ziria mais dois trabalhos, editados Caio Lóssio Botelho concentrou
pela SUDENE: “Identificação de seus estudos no Ceará, tendo resga-
processos de desertificação no tado e atualizado até os anos 80, um
Polígono das Secas do Nordeste quadro, organizado nos anos 20,
Brasileiro” (mesmo autor, 1978a) denominado “Estado do Ceará -
e “Metodologia para identifica- Panorama das Secas de 1605 a
ção de processos de desertifica- 1983” (BOTELHO, 1987).
ção” (idem, 1978b). O Prof. Vas-

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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

Merecem especial destaque os ção da estrutura geo-ecológica,


trabalhos de Aziz Nacib Ab’Sáber, na maior parte das vezes acentu-
da Universidade de São Paulo. Em ada por ações antrópicas diretas
1977 a comunidade estudiosa brasi- ou indiretas (op. cit.: 6). São os
leira tomou conhecimento de seu seguintes: 1. Altos pelados. 2. Sa-
ensaio “Problemática da desertifi- lões; 3. Vales e encostas secas ;
cação e da savanização no Brasil 4. Lagedos, mares de pedras e
intertropical’ apresentado sob campos de inselbergues ; 5. Pa-
forma de artigo na coleção “Geo- leo-dunas quaternárias; 6. To-
morfologia”, editada pelo Instituto pografias ruiniformes; 7. Revol-
de Geografia da USP, em que cha- vimento anômalo da estrutura
mava a atenção para os “proces- superficial da paisagem; 8. Ma-
sos parciais de desertificação
lhadas; 9. Áreas degradadas por
pontuais ou areolares, suficien-
raspagens. Trata-se de contribui-
temente radicais para criar de-
ção de cunho ambientalista, na
gradações irreversíveis da pai-
qual aponta a ação antrópica, como
sagem e dos tecidos ecológicos
principal responsável pela degrada-
naturais” , prosseguindo: “... nesse
ção ecológica. (op. cit.: 6-10).
sentido, o território brasileiro, em
seu conjunto, exibe um dos mais O mesmo autor havia publicado,
impressionantes quadros de mo- três anos antes um estudo abran-
dificações ecológicas sutis, à ve- gente visando caracterizar a região:
zes irreversíveis, incidindo sobre “O domínio morfoclimático das
quase todos os seus grandes do- caatingas brasileiras”
mínios paisagísticos” (AB’SÁBER, 1974) o qual forne-
(AB’SÁBER, 1977:1). Enfatiza a ceu subsídios preliminares para o
importância da desertificação , dire- trabalho de 1977.
ta ou indiretamente ativada por prá- O pioneirismo da aplicação da
ticas predatórias e exploração mal metodologia do sensoriamento re-
orientada. Indica nove modalidades moto às pesquisas sobre desertifi-
de nódulos de desertificação no cação no Brasil cabe Profª Magda
domínio semi-árido das caatingas, Adelaide Lombardo e ao Prof. Vi-
designando-os de “geótopos ári- tor Celso de Carvalho, ambos, na
dos” e afirmando, textualmente, época, técnicos do Instituto Nacio-
que resultam de uma “predisposi- nal de Pesquisas Espaciais (INPE),

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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

co-autores do estudo “Análise pre- BRITO (1984) e VADLAMUDT


liminar das potencialidades das (co-autoria, 1984).
imagens LANDSAT para estudos
Antes disso, porém, em 1979
de desertificação”. A região
fôra publicado pelo Núcleo de Me-
apresentada como exemplo é a de
teorologia Aplicada da Universidade
Xique Xique, no médio São Francis-
Federal da Paraíba, o interessante
co (Bahia), dando-se destaque à
estudo de Koyott Raghavan “Gene-
avaliação do volume da biomassa e
sis of arid zone of Cabaceiras” ,
aos índices de albedo, com o objeti-
que analisa a influência da orografia
vo de delimitar e definir o grau de
e da direção dos ventos locais na
risco de desertificação (LOM-
criação desse polo de aridez no ser-
BARDO e CARVALHO, 1979).
tão paraibano (RAGHAVAN,
Outro trabalho , com a mesma 1979).
metodologia, foi elaborado por V.
Tratando do tema no Estado do
C. Carvalho na região de Quixabá,
Rio Grande do Norte, seria publica-
em Pernambuco (CARVALHO,
do em 1989 o artigo do Prof. José
1986).
Carlos Borges “Áreas vulneráveis
Os pesquisadores do INPE, es- à desertificação no Rio Grande
pecialmente a partir dos anos 80, do Norte”, dando destaque para
vêm produzindo vários trabalhos três: Pedra Grande/Jadaíra, próxima
sobre a região semi-árida brasileira. ao litoral setentrional, Seridó,
Embora boa parte seja dedicada à abrangendo os municípios de Acari,
previsão e intensidade das secas, Caicó e Currais Novos e, finalmen-
variações pluviométricas interanuais te, os municípios de Lages e Mos-
e relações com fenômeno de gran- soró, no extremo norte. Mostra,
de escala, especialmente as varia- ainda, a acelerada eliminação da
ções da temperatura TSM (tempe- mata ciliar de carnaúba no vale do
ratura da superfície do mar), ofere- Açu.
cem subsídios para o entendimento
Em 1984, em Fortaleza (Ceará)
do problema da desertificação.
reuniu-se o Simposium of mete o-
Destacam-se os de HOUSKY (co-
rological aspects of tropical
autoria, 1981), NOBRE (co-autoria,
droughts, promovido que World
1982), MOURA (co-autoria, 1983),
Meteorological Organization
(WMO), durante o qual foi exposto

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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

um trabalho da Profª Josefa Eliane do (relação P/EP superior a 0,65),


S.S. Pinto, em co-autoria, demons- incluindo-se, mais adequadamente,
trando indícios de desertificação em na categoria de desertificação de-
Itabaiana (SE), através da metodo- sencadeada por causas litológicas,
logia das séries temporais de preci- chamada de arenização (SUERE-
pitação (CONTI and PINTO, TEGARAY, 1987).
1984).
Essa mesma região foi objeto
Em 1985, o pesquisador J. J. P. de análise no trabalho de J. G. Gar-
Souto publicou um trabalho sobre cia e J. J. Souto “Identificação e
degradação ambiental no Brasil sob mapeamento de áreas de deserti-
o título “Deserto, uma ameaça?”, ficação sob clima úmido”, em que
apresentando, como exemplos, os os autores elaboram um mapea-
afloramentos de areia na região mento baseado em fotografias aé-
sudoeste do Rio Grande do Sul reas e imagens LANDSAT TM,
(SOUTO, 1985). além de sugerirem medidas de re-
cuperação para as áreas afetadas
A Profª Dirce Maria Suertega-
(GARCIA e SOUTO, 1989).
ray, da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, defendeu, em 1987, Em 1988 veio a público o tra-
sua tese de doutorado junto à Uni- balho de Jurandir Gondim Reis
versidade de São Paulo “A trajetó- “Desertificação no Nordeste” em
ria da natureza: um estudo geo- que é dado destaque ao problema
morfológico de Quaraí (RS)”. O do controle do fenômeno por meio
estudo mostra o papel da ação an- de planos de intervenção e estímulo
trópica, ou seja, a prática da agricul- ao conservacionsimo (REIS, 1988).
tura extensiva em regiões de arenito
Na perspectiva da metodologia
Botucatu que acabou expondo a
estruturalista, os estudos de deserti-
rocha matriz e dando origem a vas-
ficação, entre nós, foram significati-
tos areais e campos de dunas, sem
vamente enriquecidos com o traba-
que as médias pluviométricas so-
lho do Prof. Carlos Augusto de Fi-
fressem alteração significativa. Es-
gueiredo Monteiro “On the deserti-
se trabalho, assim como o anterior,
fication in the Northeast Brazil
analisam um processo que nada tem
and man’s rule in this process”.
a ver com o comportamento atmos-
O autor não segue os rígidos pa-
férico porque ocorre em clima úmi-
drões acadêmicos, adotando um

32
Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

estilo mais livre, próximo do literá- metodologia de estudo aplicada


rio, constituindo um estudo regional ao Nordeste Brasileiro”, apresen-
no qual é enfatizado o papel do ha- tada como Tese de Livre-Docência
bitante (o sertanejo) e seu esforço à Universidade de São Paulo. Dedi-
de sobrevivência no meio hostil. cando especial atenção à faixa in-
Realiza uma discussão a respeito tertropical e, dentro desta, expondo,
das influências naturais ou antrópi- como exemplo, a região semi-árida
cas no processo de desertificação e brasileira. Utiliza a metodologia es-
identifica uma estrutura espacial, tatística das séries temporais, a fim
composta de sete geossistemas. de detectar tendências, ciclicidade e
Trata-se de trabalho interessante, variabilidade interanual, e aponta
com alto grau de originalidade três manchas onde a situação é crí-
MONTEIRO, 1988, op. cit.). tica (CONTI, 1995).
Em 1988, Edmon Nimer pesqui- Em 1997 veio a público o traba-
sador do IBGE, divulgou o artigo lho “Desertificação e construção
“Desertificação: realidade ou de um coeficiente interdisciplinar
mito?” Em que discute conceitos, para o Estado do Ceará”, de au-
teorias e propostas metodológicas toria da economista Maria I. V. V.
(NIMER, 1988). Rodrigues e do Prof. Manuel º L.
Viana, os quais, baseados no mode-
Em 1994 foi apresentada ao Ins-
lo estatístico multivariado da análise
tituto de Geociências e Ciências
fatorial, propuseram um coeficiente
Exatas da UNESP (campus de Rio
interdisciplinar para o Estado do
Claro) a tese de doutorado da Profª
Ceará (RODRIGUES e VIANA,
Maria do Socorro Costa Martim
1997).
“Características e problemas am-
bientais da bacia do rio Apodi- Nesse mesmo ano, a Profª Mar-
Mossoró (RN)”, na qual a deserti- ta Celina Linhares Sales, da Uni-
ficação é estudada com ênfase aos versidade Federal do Piauí, apre-
processos interativos registrados sentou à Universidade de São Pau-
nos limites da referida bacia lo, a Dissertação de Mestrado “Es-
(MARTIM, 1994). tudo da degradação ambiental
em Gilbués (PI). Reavaliando o
Em 1995 oferecemos uma con-
“núcleo de desertificação”. O
tribuição com o trabalho “Desertifi-
trabalho tem a originalidade de ana-
cação nos trópicos - Proposta de

33
Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

lisar uma exemplo pontual, em regi- desertificação, é, sobretudo, a partir


ão subúmida, constituindo uma faixa dos anos 80 que as mesmas as vêm
transicional sob o aspecto climático sendo promovidas, em nosso país.
e biogeográfico, situada na periferia
Coube ao Estado de Pernambu-
do semi-árido Identifica unidades de
co inaugurar a série com o I Curso
paisagem caracterizadas por dife-
Internacional sobre Desertifica-
rentes “fácies” de degradação na
ção, realizado em Petrolina, de 23
escala local (SALES, 1997).
de novembro a 18 de dezembro de
No corrente ano de 1999 foi de- 1987, sob os auspícios da Secretaria
fendida, na Universidade Federal da Especial para o Meio Ambiente
Paraíba, a Dissertação de Mestrado (SEMA) e apoio da SUDENE,
“Contribuição ao estudo da de- EMBRAPA e, no plano internacio-
sertificação na bacia do Taperoá nal, do PNUMA.
(PB)”. A pesquisa, de autoria do
De 4 a 8 de agosto de 1986 rea-
Prof. Bartolomeu Israel de Souza,
adota a metodologia das séries tem- lizou-se no Recife o Seminário
porais de precipitação para definir sobre Desertificação no Nordes-
tendências, contemplado, também, te, promovido pela Secretaria Es-
aspectos hidropedológicos, biológi- pecial para o Meio Ambiente (SE-
cos e socio-econômicos, e concen- MA), com a finalidade de estimular
tra a análise nos municípios de Ca- os estudos sobre desertificação, não
baceiras e São João do Cariri só no Nordeste mas em outras regi-
(SOUZA, 1999). ões brasileiras, sendo, ainda, discu-
tidos problemas de conceituação e
É importante registrar, também de metodologia.
que, na esfera do Governo Federal,
o Ministério do Meio Ambiente ela- Em janeiro de 1992 ocorreu em
borou e vem coordenando o Plano Fortaleza a reunião internacional
Nacional de Combate á Desertifi- Impact of Climatic Variations
cação, com vários projetos em an- and Sustainable Development in
damento, interessando, especial- Semi-Arid Regions, iniciativa da
mente à região semi-árida nordesti- United Nations Comission for
na. Environment and Development
(UNCED) com o objetivo de ca-
Quanto aos eventos e reuniões racterizar a degradação ambiental e
científicas abordando o tema da

34
Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

o papel da ação humana na deserti-


ficação.
A desertificação do Nordeste
Em março de 1994 realizou-se Brasileiro estudada pela meto-
em Fortaleza a Conferência Naci- dologia das séries temporais
onal e Seminário Latino- Estatisticamente, as séries tem-
Americano da Desertificação porais são indicadores quantitativos
promovido pela Universidade Fe- e sua análise tem por objetivo inves-
deral do Piauí e outras entidades tigar o mecanismo gerador, descre-
onde o tema foi discutido na escala ver o comportamento e fazer prog-
continental. nósticos. Podem expressar tendên-
Em novembro do corrente ano cias, ciclos e variabilidade rele-
deverá reunir-se em Recife a 3ª vantes ou se revelar aleatórias.
Conferência das Nações Unidas derivando daí, seu interesse para a
de Combate Desertificação e climatologia. Contudo, o perfil das
Seca (3ª COP), primeira, de porte séries, para ser confiável, exige
internacional da ONU, no Brasil, grande quantidade de observações
após a realizada sobre o Meio Am- ao longo do tempo. A pesquisa que
biente e Desenvolvimento - ECO realizamos utilizou séries sempre
92, no Rio de Janeiro. superiores a sete décadas e nunca
inferiores a cinco, não tendo sido
No plano internacional vale des- estendidas além desses limites, pela
tacar a aprovação, em Paris, em indisponibilidade de registros. A
1994, da “Convenção das Nações maioria dos estudos de séries tem-
Unidas de Combate a Desertifi- porais, mesmo em nível internacio-
cação” já subscrita por 50 países nal, trabalham com poucas décadas
afetados pelo problema, estando, e, virtude da insuficiência de dados,
também, anunciada para abril de porém os resultados têm sido consi-
2000 a realização do Symposium derados expressivos pela comuni-
on Land Degradation and De- dade científica.
sertification, em Pittsburgh (EUA)
Adotamos a metodologia das sé-
por iniciativa da Internacional
ries temporais, considerando o fato
Geographical Union (IGU) e
de ter sido, até o presente, pouco
Association of American Geo-
praticada na região nordestina bra-
graphers (AAG).

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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

sileira, sendo, portanto, uma oportu- riabilidade, obtido pela aplicação


nidade de testar sua eficácia. da fórmula:
A tendência foi obtida traba- O coeficiente é sempre superior
lhando-se com os totais anuais, or- a 25% nas regiões secas, exceden-
ganizados em séries para cada loca- do a 40% ao longo da maioria das
lidade. Tais dados foram transfor- áreas marginais dos deserto.
mados em gráficos e ajustados das
Examinamos 237 séries distribu-
retas de tendências, expressos pela
ídas por todo o semi-árido, publica-
equação y = b.x + a, onde a repre- das em “Dados pluviométricos
senta o coeficiente linear da reta ou mensais do Nordeste” (12 volu-
intercepto e b o coeficiente angular mes), documento que constituiu a
ou taxa de variação anual, através fonte de nossas informações (SU-
da técnica de regressão linear. Os DENE, 1990).
gráficos foram traçados aplicando-
se a técnica das médias móveis
simples em escala de tempo a anu- Resultados obtidos
al, visando o “alisamento” das seri-
es a fim de facilitar a análise. Para O quadro geral da análise indi-
cada uma das séries foi calculado o cou 49,7% das séries apresentando
nível descritivo do teste para detec- tendência crescente nas médias
tar a tendência, ou seja, se a taxa pluviométricas, configurando uma
de variação anual era nula, com distribuição geográfica indiferencia-
significância expressa em milíme- da, apresentado, contudo, incidência
tro/ano. maior no Rio Grande do Norte, Pa-
raíba e Pernamabuco, especialmen-
A ciclicidade da precipitação, ou te no espaço compreendido entre o
seja, a repetição de máximos e mí- reverso continental da Borborema e
nimos a intervalos regulares pode chapada do Apodi e seus prolonga-
ser avaliada com a aplicação do mentos meridionais.
método da análise espectral (ou de
Fourier) cuja significância estatísti- Tal constatação indica que a
ca é dada através do teste de Fis- precipitação em nível regional
her. acompanha a tendência de elevação
da média pluviométrica, que vem
A variabilidade interanual foi de- sendo registrada, nas últimas déca-
terminada pelo coeficiente de va- das, nas últimas décadas, presumi-

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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

velmente associada ao agravamento biomassa, indicou duas manchas


do efeito de estufa. altamente degradadas no Estado do
Ceará: a primeira coincidindo com a
Por outro lado 50,3% revelaram
“diagonal árida” por nós assinalada
tendência estável ou decrescente,
e a segunda, no vale médio do Ja-
as primeiras, com distribuição geo-
guaribe. Tal resultado confirmou a
gráfica mal caracterizada, ao passo
pesquisa por nós realizada, apesar
que as segundas agruparam-se em
das diferenças de metodologia.
quatro manchas, sinalizadoras de
indícios de desertificação localizada. A segunda área de concentra-
ção de pontos com tendência pluvi-
A primeira, no Ceará, formando
ométrica negativa foi assinalada na
um eixo aproximadamente nordes-
parte deprimida correspondente à
te-sudoeste, que poderia ser consi-
bacia média inferior do São Fran-
derada a diagonal árida desse
cisco, a jusante de Paulo Afonso,
Estado, desde Itapagé, em posição
formando um polígono de aproxi-
de sotavento em relação à serra de
madamente 20.000 km.2, com vér-
Uruburetama, até Campos Sales, no
tices em Santana de Ipanema (AL),
sopé da chapada do Araripe. Os
Canudos (BA), Itabaiana (SE) e
pontos onde se detectou tendência
Propriá (SE), em cujo interior figu-
negativa, ao longo dessa reta foram
rar mais quatro localidades com
os de Monsenhor Tabosa, Indepen-
tendência negativa (Curralinho-SE,
dência, Tauá e Arneiroz, além de
Mocambo-SE, Traipu-AL e Pão de
duas localidades da média bacia do
Açúcar-AL), registrando-se, ainda,
Jaguaribe (Quixadá e Mombaça),
aí, os maiores valores de duração
cujos coeficientes de variabilidade
da estação seca de todo o semi-
interanual revelaram-se acima de
árido: sete a dez meses.
45% (v. tabela ).
A terceira ocupa parte da Ba-
Em estudo publicado em 1993, a
hia, especialmente o médio São
Fundação Cearense de Meteorolo-
Francisco, a montante de Juazeiro,
gia e Recursos Hídricos (FUNCE-
e a quarta abrange a bacia do rio de
ME), baseado na interpretação
Contas, notadamente a região de
visual e automática das imagens do
Jequié..
satélite TM-LANDSAT, por meio
da avaliação do grau de reflectância Além dessas quatro maiores
das áreas com grande redução da expressões espaciais, foram assina-

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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

ladas exemplos de tendência nega- determinadas, possam estar contri-


tiva em Açu e Caraúba, no Rio buindo para a redução progressiva
Grande do Norte, Umbuzeiro e Ca- da precipitação, porém, a ação an-
baceiras, na Paraíba, além de Caru- trópica, medida na escala histórica,
aru, Brejo da Madre de Deus e Flo- é, indiscutivelmente, fator agravan-
res, em Pernambuco. te. Constatamos alguns exemplos
de sobreposição das retas de ten-
Quanto às causas da ocorrência
dência negativa com a ocorrência
dessas manchas de desertificação,
de áreas altamente degradadas,
algumas hipóteses podem ser levan-
numa demonstração de que a ação
tadas tendo como referência a
antrópica e os mecanismos naturais,
ação antrópica. Historicamente,
podem atuar de forma solidária e
são regiões de antiga ocupação,
intercambiar influências. Estabele-
baseada no criatório extensivo. A
cer, com segurança, a responsabili-
retirada da cobertura vegetal, ex-
dade que cabe a cada esfera no
pondo o solo à erosão e à elevada
desencadeamento do processo de-
reflectância, desestabiliza o balanço
sertificação é tarefa complexa e um
da energia ao nível do solo. A redu-
desafio aos estudiosos.
ção da capacidade de retenção da
energia solar pela superfície degra- A pesquisa indicou, também, pe-
dada (elevação do albedo) contribui lo menos uma área, em que o pro-
para inibir os processos atmosféri- cesso parece estar em recuo. Tra-
cos convectivos, ao mesmo tempo ta-se da parte meridional do agreste
que a diminuição do volume de mi- sergipano, entre Estância e Tobias
cropartíiculas de origem vegetal em Barreto, onde o clima úmido costei-
suspensão (uma das conseqüências ro está ganhando espaço sobre o
do processo de desmatamento), subúmido da faixa mais interioriza-
dificulta o processo de condensa- da, de acordo com a metodologia
ção, desestimulando a formação de utilizada.
nuvens de chuva, configurando uma
Quanto à ciclicidade, das 237
ação de retorno, já que a vegeta-
séries analisadas, apenas 43
ção integra o sistema natural, como
(18,1%) apresentaram ciclos, sendo
parte ativa da biosfera.
mais freqüente o de 22 anos, porém,
Por outro lado, não é imprová- distribuídos, geográficamente, de
vel que causas naturais, ainda não forma pontual e aleatória. A expec-

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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

tativa de um perfil bem caracteriza- se agravando como conseqüência


do de ciclicidade em todo o domínio da superexploração de um meio
do semi-árido não pode ser confir- muito fragilizado pela escassez e
mada por nosso estudo. A alta vari- variabilidade interanual das precipi-
abilidade interanual da precipitação tações. A posição em baixa latitude,
mascara flutuações de amplitude expõe a região à intensa radiação
maior descaracterizando o fenôme- solar, que exaurem as reservas de
no da ciclicidade. água superficiais, ameaçando o
equilíbrio da biosfera. É mais um
exemplo de agressão ao ecúmeno.
Conclusões
Historicamente, essa parcela do
A Geografia sempre se funda- território brasileiro vem sendo utili-
mentou na idéia da integração dos zada, desde o início do século XVIII
processos que atuam no quadro pela agricultura de subsistência e,
físico e da relação de dependência especialmente, pela criação exten-
entre estes e a dinâmica da socie- siva de gado. As relações de pro-
dade. dução, porém, salvo raras exceções,
A desertificação, como uma das sempre se caracterizou pelo primiti-
formas de degradação ambiental, na vismo dos procedimentos e nenhu-
maioria dos casos, nada mais é do ma preocupação de cunho preser-
que um dos resultados desse pro- vacionista.
cesso interativo, os quais, todavia, A estrutura fundiária, caracteri-
são heterogêneos e diacrônicos, zada pelo predomínio do latifúndio,
cada qual tendo sua dimensão e seu deixa a imensa maioria dos habitan-
ritmo. tes da zona rural sem alternativas, a
As mudanças climáticas deter- não ser o uso de áreas impróprias,
minadas por causas naturais, são, sem acesso à água, de solos rasos e
regra geral, lentas, ocorrendo na facilmente degradáveis, o que con-
escala de milhares de anos, ao pas- corre para agravar enormemente a
so que as alterações produzidas situação.
pela ação antrópica manifestam-se A remoção da rala cobertura
em poucas décadas. vegetal natural a fim de obter com-
No domínio semi-árido brasileiro bustível para uso doméstico e con-
o fenômeno da desertificação vem sumo em pequenas indústrias, as

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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

atividades mineradoras, especial- 280, 220 e 120. Por outro lado, a


mente no Rio Grande do Norte e no Austrália, cujo PNB é de US$
Piauí e outras formas de retirada 16.500, tem apenas 22% de suas
dos recursos, foram e continuam terras produtiva atingida pela deser-
sendo muito danosas para o ambi- tificação.
ente.
Da mesma forma, é fundamen-
Essas formas predatórias de re- tal levar em conta o nível de infor-
lação com o meio produziram vas- mação dos habitantes, pois disso
tas áreas quase desérticas, com depende a avaliação adequada do
produtividade biológica reduzida a problema e a escolha dos meios
níveis mínimos, desde o Ceará até a eficazes de combate. Nesse senti-
Bahia, conforme procuramos de- do, a educação , no sentido lato, é
monstrar. fator da maior importância.
Os elevados valores dos coefici- No espaço geográfico brasileiro,
entes de variação interanual de pre- é a região semi-árida do Nordeste
cipitação confirmaram o caráter que exibe os exemplos mais expres-
climaticamente transicional da regi- sivos de desertificação ou, do que
ão, que os estudiosos designam co- poderíamos chamar de aviltamento
mo efeito de borda, presente das ambiental, como vimos. Castigado
áreas marginais dos desertos e nos pela insuficiência e importantes
domínios semi-áridos, em geral. desvios anuais das precipitações,
solos litólicos, com reduzida capaci-
Não seria incorreto afirmar que
dade de retenção de água, ventos
o avanço da desertificação está em
quentes e secos, estimuladores da
relação direta com o grau de de-
evaporação, tem essas condições
senvolvimento econômico. Segundo
desfavoráveis acentuadas nas de-
estimativa do PNUMA, 86% das
pressões interplanálticas e nas ver-
terras secas produtivas da África
tentes a sotavento, em virtude do
estão afetadas pela desertificação.
efeito orográfico de ressecamento.
Aí estão alguns dos países mais
pobres do mundo tais como Sene- Este estudo procurou caracteri-
gal, Sudão, Mali, Chade e Etiópia, zar a desertificação dentro de uma
cujos valores de Produto Nacional metodologia climatológica, procu-
Bruto (PNB) são, respectivamente, rando situá-la no contexto dos ris-
(em dólares americanos) 720, 400, cos ambientais mais amplos, cuja

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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

incidência tem grande expressão co o clima do Nordeste Brasi-


nas baixas latitudes. leiro. INPE, 1981.
Esta é uma oportunidade para CARVALHO, V. C. - O uso de
estimular a reflexão sobre o signifi- sensoriamento remoto aéreo
cado da natureza e de seu papel para um estudo de caso de de-
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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

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Cadernos Geográficos - Nº 4 - Maio 2002

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SOUZA, B. I. - Contribuição ao
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