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FORMAÇÃO

SOCIAL,
ECONÔMICA E
POLÍTICA DO
BRASIL
A redemocratização
no Brasil
Caroline Silveira Bauer

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Identificar os fatos que levaram ao movimento Diretas Já.


>> Reconhecer os efeitos desse movimento na redemocratização no País.
>> Avaliar os efeitos do movimento na composição política do País entre 1983
e 1984.

Introdução
Os anos 1980 foram vivenciados de diferentes formas pela sociedade brasileira: se,
por um lado, foi um período de crises na economia, inflação, mudança de moeda e
planos econômicos que não funcionaram, por outro, a cultura viveu um momento
de importantes manifestações artísticas, sobretudo na música. Além disso, com
a progressiva abertura política da ditadura e o surgimento ou reorganização dos
movimentos sociais, os anos 1980 também se caracterizaram por manifestações
pela reivindicação de direitos, em uma consciência do “direito a ter direito”.
Neste capítulo, você poderá conhecer mais sobre o movimento Diretas Já, que
marcou a transição da ditadura para a democracia entre 1983 e 1984. Para tanto,
serão aqui apresentados a conjuntura da proposição e os desafios econômicos,
políticos e sociais enfrentados no início dos anos 1980. Além disso, você poderá
analisar o movimento das Diretas Já e a votação da emenda Dante Oliveira, bem
como as consequências da decisão pela manutenção das eleições indiretas para
a presidência da República.
2 A redemocratização no Brasil

O Brasil no início dos anos 1980


Em 15 de outubro de 1978, realizam-se novas eleições indiretas para o cargo
de presidente da República, as quais foram vencidas pelo general João Batista
Figueiredo, que assumiria a presidência no dia 15 de março de 1979. Figueiredo
havia sido chefe da agência do Serviço Nacional de Informação (SNI) no Rio
de Janeiro quando o órgão fora criado, em 1964.
Durante seu governo, cresceu a pressão dos setores oposicionistas, o
que obrigou o general a tomar medidas direcionadas à abertura política.
No final do seu primeiro ano de mandato, o Brasil apresentava “[...] 77% de
inflação, taxa considerada a mais alta desde 1964”; ademais, “[...] a recessão
e a política salarial, com a deliberada compressão de diferenciais de paga-
mento, tinham imposto à população, desde 1979, uma ampla perda do salário
real, contribuindo para que ela aderisse aos apelos políticos da oposição”
(FERRON, 2019, p. 147).
O historiador Vicente Santos (2015, p. 297) lembra que a abertura “lenta,
gradual e segura” proposta pelo general Ernesto Geisel quando assumiu a
presidência da República “[...] não assegurou a democratização, e, especial-
mente, frustrou os objetivos de significativos setores da sociedade civil”.

Isto foi potencializado pela crise econômica e pelas pressões sociais evidenciadas
pela reorganização do movimento estudantil, pelas greves dos metalúrgicos no
ABC, pelas atividades de entidades profissionais e pela ação da Ordem dos Advo-
gados do Brasil como defensora dos ideais democráticos (SANTOS, 2015, p. 297).

Em 28 de agosto de 1979, foi aprovada a Lei de Anistia, a partir da qual


muitas lideranças políticas exiladas puderam retornar ao Brasil e se engajar
na luta pelas liberdades democráticas. Importa lembrar que:

[...] desde a implementação da ditadura civil-militar em 1964 houve uma gradativa


restrição jurídica, política e institucional através dos Atos Institucionais e de outras
medidas, logo, o processo pela Anistia deve ser pensado como um marco na luta
pelo retorno ao Estado de Direito, pois significou a reestruturação dos direitos
civis e das liberdades individuais e possibilitou o regresso de diversas lideranças
políticas, como Leonel Brizola e Luís Carlos Prestes (SANTOS, 2015, p. 298).

Em seguida, em 22 de novembro do mesmo ano, foi aprovada a nova


Lei Orgânica dos Partidos, que extinguiu a Arena e o MDB e restabeleceu
o pluripartidarismo no Brasil. No ano seguinte, aprovou-se uma emenda
constitucional que garantiu eleições diretas para governadores e extinguiu os
senadores biônicos. Diversos partidos políticos que conhecemos atualmente
A redemocratização no Brasil 3

surgiram ou ressurgiram a partir do fim do bipartidarismo da ditadura civil-


-militar. O MDB, por exemplo, transformou-se no Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB) — e, hoje em dia, adotou novamente a sigla
MDB. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que existia antes da ditadura, foi
um dos que ressurgiu. Também foram criados nessa conjuntura o Partido dos
Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Mesmo com a pressão das oposições, a ditadura manteve sob controle o
processo de transição, sobretudo no que diz respeito à realização de eleições
diretas. Em 4 de setembro de 1980, uma emenda constitucional adiou por dois
anos as eleições para o Congresso Nacional, bem como para governadores,
prefeitos, assembleias estaduais e câmaras de vereadores, prorrogando os
mandatos dos ocupantes dos cargos.

O processo de transição política encontrava resistências em deter-


minados setores das próprias Forças Armadas, descontentes com os
rumos do regime. Entre 1980 e 1981, ocorreram diversos atentados terroristas em
bancas de jornais e em organizações da sociedade civil, organizados por inte-
grantes dos órgãos de informação e repressão da ditadura. É nessa conjuntura
que se insere o atentado à bomba no estacionamento do Riocentro, onde, em
30 de abril de 1981, ocorria um show para comemorar o Dia do Trabalhador. Dois
militares planejavam colocar uma bomba no espaço, mas ela explodiu dentro
do carro em que eles estavam, matando o sargento e ferindo gravemente o
tenente. Tratava-se de uma tentativa de intimidar a sociedade civil, que voltava
a se organizar nos anos 1980 (FERRON, 2019).

Além do contexto político, importa mencionar as modificações ocorridas


desde meados da década de 1970 no âmbito social, com a reorganização da
sociedade civil e o surgimento de novos movimentos sociais. Paulatinamente,
diante da abertura política e da permissão para a atividade sindical, também
os sindicatos reaparecem como um forte ator político, marcando presença
nas greves ocorridas em 1978 no ABC Paulista em função das graves condições
econômicas e de trabalho experienciadas pelos trabalhadores durante a
ditadura (ASSIS, 2010).
Cada vez mais próxima das eleições diretas de 1982, a ditadura ainda
proibiu as coligações partidárias e estabeleceu para as eleições de 15 de
novembro de 1982 a vinculação de voto, isto é, o eleitor poderia votar apenas
em candidatos do mesmo partido para ter seu voto validado. No entanto, isso
não impediu que a oposição fosse vitoriosa nos principais estados brasileiros.
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De acordo com Rodrigues (2003 apud NERY, 2010, p. 71):

O saldo das eleições de 1982 — as primeiras desde 1965 em que os eleitores po-
deriam votar também para eleger os governadores — dera à oposição o controle
dos principais estados da federação. [...] A bancada do PDS somou 235 deputados
e a dos partidos de oposição 244 (200 do Partido do Movimento Democrático
Brasileiro – PMDB, 23 do Partido Democrático Trabalhista – PDT, 13 do Partido
Trabalhista Brasileiro – PTB, e 8 do PT).

A mobilização social demandava também eleições diretas para a presi-


dência da República, dando início ao movimento que ficou conhecido como
“Diretas Já”, que estudaremos a seguir.

O movimento Diretas Já
Para que compreendamos o que foi o movimento Diretas Já, é importante
conhecermos a campanha, as suas formas de organização, os grupos sociais
que estiverem envolvidos nesse processo, bem como os objetivos específicos
de cada um deles a despeito da pauta que os unificava: as eleições diretas
para a presidência da República.
Em 2 de março de 1983, com o retorno das atividades do Congresso Nacional
após o recesso de início de ano, o deputado federal Dante de Oliveira, do
PMDB do Mato Grosso, apresentou um projeto de emenda constitucional que
propunha o restabelecimento das eleições diretas para a presidência da Re-
pública (FERRON, 2019). Se opunham a essa proposta o general Figueiredo, que
ocupava o cargo de presidente da República, e José Sarney, à época presidente
do PDS. O general, posteriormente, mudou de posição e passou a defender
eleições diretas para seu substituto, até que, no final de 1983, retornou à sua
ideia inicial de eleger seu sucessor por meio do colégio eleitoral (NERY, 2014).
Foi, portanto, um movimento que nasceu no âmbito da Câmara e do Se-
nado, mas ganhou os contornos de um movimento cívico-popular com a
ampliação dos debates realizada pela iniciativa “[...] de partidos políticos e
de diferentes segmentos e organizações da sociedade civil” (DELGADO, 2007
apud NERY, 2010, p. 74). Havia uma tensão nos poderes Executivo e Legislativo
quanto aos rumos do processo de transição política, e o Comitê Pró-Diretas
pressionava para “[...] o retorno ao estado democrático de direito no Brasil”
(NERY, 2010, p. 74). Dentro da esfera política, a campanha pelas diretas pode
ser considerada um movimento suprapartidário, que reuniu os partidos de
oposição à ditadura, com destaque para o PT, o PMDB e o PDT, que formaram
o Comitê Nacional Pró-Diretas, além do PCB e do PCdoB (DELGADO, 2007).
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Em relação à sociedade civil, a mobilização foi encabeçada pela União


Nacional dos Estudantes (UNE), pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), pela Coordenação Nacional da
Classe Trabalhadora (CONCLAT), pela Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) e pela Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, entre outras
entidades de outros estados (DELGADO, 2007).
De acordo com a historiadora Lucília Delgado (2007, p. 4):

O sentido republicano da campanha das “diretas já” é inequívoco. A presença de


trabalhadores, estudantes, desportistas, jornalistas, políticos, artistas, intelectuais,
clérigos e mulheres nas ruas e praças brasileiras correspondeu a um forte protesto
contra a ausência de liberdades no Brasil. Também serviu como canal de expres-
são do descontentamento com a condução da economia pelo governo militar. O
Brasil nos anos de 1980 passava por um período recessivo e inflacionário, que
corroía as condições de vida da população brasileira. Crise econômica e aspira-
ção democrática, portanto, alimentaram a campanha das diretas já. Os comícios,
marchas e passeatas transformaram-se em espetaculares festas cívicas, regadas
por esperança e enfeitadas por bandeiras multicoloridas. Foi um contexto de
confraternização republicana.

Porém, com o Congresso Nacional encampando o movimento, houve


também uma série de limitações em relação a pautas paralelas colocadas
pela sociedade civil, como a greve geral, proposta pela Central Única dos
Trabalhadores (CUT) e pelo PT. Isso porque havia um compromisso “[...] com
o projeto político de transição da ditadura civil-militar para a democracia
sem correr riscos de qualquer alteração nas estruturas sociais e, por isso,
utilizaram a maior representação no Comitê organizador para barrar a pro-
posta de greve geral” (NERY, 2010, p. 76).
Muitos autores consideram esse movimento como um marco na história
republicana brasileira, não somente por suas dimensões, mas por seu signi-
ficado duas décadas depois do golpe de 31 de março de 1964. Por isso, não
são poucos os pesquisadores que se referem ao período como “festa cívica”,
“festa democrática” ou “festa da cidadania”.
Como afirma Delgado (2007 apud NERY, 2010, p. 76):

Festa alimentada por esperança no futuro imediato e em rumos mais definitivos


para a tradicionalmente frágil democracia brasileira. Festa democrática, que
corroeu os últimos alicerces do regime autoritário. Festa que traduzia uma rara
comunhão nacional entre instituições e movimentos populares. Festa da diversidade
na unidade de propósitos. Festa republicana em um país de tradição patrimo-
nialista. Festa da cidadania em uma nação na qual usualmente se desrespeitam
os direitos básicos de seus cidadãos. Festa de projeção do futuro em um tempo
ainda encoberto por névoas.
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A autora não deixa de destacar a existência de diferentes demandas e


interesses dos diversos setores que compunham o movimento. No entanto,
havia entre eles uma pauta simbólica de união.
As principais lideranças políticas que atuaram na campanha podem ser
identificadas na organização e apresentação dos comícios. Dentre os muitos
comícios realizados pelo Brasil entre 1983 e 1984, destacaram-se os ocorridos
em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, nos primeiros meses
de 1984.

Em todos eles os governos estaduais estiveram à frente da organização, seja pro-


duzindo materiais ou facilitando o acesso da população em geral, como foi o caso
de São Paulo, onde o governador determinou a liberação das catracas do Metrô
no dia do comício. Quem são os governadores desses estados? Franco Montoro e
Tancredo Neves, do PMDB, respectivamente governadores de São Paulo e Minas
Gerais, e Leonel Brizola, do PDT, governador do Rio de Janeiro (NERY, 2010, p. 72).

Além dessas figuras, também podemos citar como importantes lideran-


ças políticas Ulysses Guimarães, deputado pelo PMDB, e Luiz Inácio Lula da
Silva, líder do PT. Segundo Nery (2014, p. 250), a maneira de organização dos
comícios foi a mesma: “[...] os governos providenciando as condições mate-
riais; liberando o transporte público; os oradores, quase sempre os mesmos,
afinavam os discursos contra o Colégio Eleitoral e a favor da aprovação da
emenda Dante de Oliveira”.

Os comícios do movimento Diretas Já reuniram políticos de diferentes


matizes, além de muitos artistas. Osmar Santos, um dos animadores,
ficou conhecido como “locutor das Diretas”. Fafá de Belém interpretava o Hino
Nacional e a música “Menestrel das Alagoas”, composta em homenagem a
Teotônio Vilela, que, embora tenha sido um político arenista, defendia a anistia
e o retorno à democracia e, após seu falecimento, em novembro de 1983, foi
transformado em símbolo das Diretas Já (DELGADO, 2007). As palavras de ordem
mais entoadas nesses comícios eram “Presidente, quem escolhe é a gente.
Eleições Diretas Já”; “Eu quero votar pra presidente”; “Um, dois, três, quatro,
cinco, mil: queremos eleger o presidente do Brasil” (DELGADO, 2007, p. 5).
O maior comício das Diretas Já ocorreu no dia 16 de abril de 1984, no centro
de São Paulo, reunindo 1,5 milhão de pessoas, que se espalharam da Praça da
Sé ao Vale do Anhangabaú. Após a realização desse ato, o governo ditatorial,
temendo a organização da população, se utilizou de um mecanismo constitucio-
nal e decretou a adoção de medidas de emergência para vigorarem em diversas
cidades. De acordo com Nery (2014, p. 250):
A redemocratização no Brasil 7

O General Newton Cruz foi designado como executor das medidas, que proibiram
reuniões públicas, suspenderam a liberdade de reunião e associação, permitiram
intervenção em sindicatos e entidades de classe e a busca e apreensão em domicílio,
e autorizaram a censura prévia às emissoras de rádio e televisão, proibindo a
transmissão ao vivo das votações no Congresso Nacional, entre outras.

Mesmo com a mobilização parlamentar e popular, com os comícios que


reuniram milhões de brasileiros por todo o País, a emenda Dante de Oliveira
foi rejeitada na Câmara dos Deputados, que possuía maioria governista. Eram
necessários 2/3 dos votos dos deputados (320 votos), e, na contagem, 298
deputados votaram a favor; 65, contra; e três se abstiveram. Não compare-
ceram para votar 112 deputados. Com a derrota, as eleições para presidente
da República seriam realizadas de forma indireta (FERRON, 2019).

Um movimento derrotado ou vitorioso?


Como vimos anteriormente, o movimento Diretas Já tinha como demanda a
realização de eleições diretas para a presidência da República; mas, simboli-
camente, ele não se restringia apenas à garantia de plenos direitos políticos:
o movimento representava também o fim da ditadura. Entretanto, com a
derrota da emenda Dante de Oliveira, as eleições presidenciais de 1984 foram
realizadas de forma indireta, ou seja, o presidente foi escolhido por meio do
colégio eleitoral formado pelo Congresso Nacional.
Nesse sentido, as Diretas Já podem ser consideradas um movimento
derrotado, pois seu principal objetivo, as eleições diretas, não foi alcançado.
A historiadora Lucília Delgado (2007, p. 1–2) narra a frustração da população
frente à não aprovação da emenda Dante de Oliveira:

Choros, semblantes fechados, silêncios e diferentes manifestações de indignação


e de decepção foram ouvidos e vistos na madrugada do dia 26 de abril. Eram ex-
pressões do sentimento de muitos parlamentares no próprio plenário da Câmara
Federal e de populares que assistiram à sessão parlamentar nas galerias daquela
casa. Eram manifestações dos cidadãos brasileiros, que, nos bares, botequins,
residências e praças públicas, procuraram acompanhar, por meio de boletins da
imprensa, a votação da emenda “das diretas já”, uma vez que a transmissão ao
vivo foi proibida pelo Governo Federal.

As eleições foram disputadas pelo então governador de Minas Gerais,


Tancredo Neves, do PMDB, tendo como vice-presidente José Sarney, então
governador do Maranhão, como chapa oposicionista da chamada “Aliança
Democrática”, e por Paulo Maluf, do Partido Democrático Social (PDS) (NAPO-
8 A redemocratização no Brasil

LITANO, 2014). Ocorridas em 15 de janeiro de 1985, as eleições deram vitória


a Tancredo Neves, que alcançou 480 votos no colégio eleitoral, contra os 180
de Paulo Maluf (FERRON, 2019).
Pela primeira vez, um candidato da oposição ganhou as eleições, mesmo
que indiretas. Entretanto, Tancredo Neves não chegou a exercer a presidência
em função de problemas de saúde que o levaram à morte um mês após a
data da posse. Assim, a presidência foi ocupada por seu vice, José Sarney.

José Sarney, o primeiro presidente civil eleito indiretamente após


20 anos de governos militares, tem uma longa trajetória na história
política republicana brasileira. No início de 1979, ele foi indicado pelo general
Figueiredo como presidente da Arena, tendo participado diretamente de debates
como os em torno da promulgação da Lei de Anistia, do fim do bipartidarismo
e da constituição dos novos partidos políticos. Em 1980, Sarney se transformou
em presidente do PDS, partido que, no decorrer daquele ano, passou por crises
internas.
Foi a partir de sua atuação no PDS que Sarney iniciou seus contatos com
Ulysses Guimarães e com Tancredo Neves sobre os rumos da transição política.
Então, em 1984, Sarney se desligou do PDS e fechou um acordo para a candi-
datura de Tancredo Neves. Apesar disso, seu ingresso na Aliança Democrática
foi questionado por membros do PMDB, devido à sua ligação com a ditadura
civil-militar.
A convenção do PMDB, no dia 12, homologou a chapa Tancredo-Sarney, num mo-
mento em que rumores de golpe militar, alimentados pela participação popular na
campanha pelas eleições diretas, ameaçavam interromper o processo sucessório.
No dia seguinte, Sarney contornou a questão legal, filiando-se ao PMDB (DIAS;
LEMOS; CARNEIRO; 2001, documento on-line).

A despeito da continuidade de figuras políticas vinculadas à ditadura


em espaços decisórios no Executivo e no Legislativo, existe uma dimensão
do movimento Diretas Já que pode ser considerada uma vitória, justamente
pelo caráter expressivo de sua manifestação política. As Diretas Já foram um
evento que marcou o fim da ditadura, bem como a luta pela democracia e
pela ampliação dos direitos da cidadania. Tal mobilização e tais reivindicações
prosseguiram nos anos subsequentes, dessa vez pressionando o Legisla-
tivo brasileiro na elaboração da Constituição de 1988, garantindo no texto
constitucional pautas históricas dos movimentos civis e sociais brasileiros.
Segundo Assis (2010, p. 26):
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O deputado federal Ulysses Guimarães (PMDB-SP), uma das figuras centrais do


processo — o Senhor Diretas —, constatara o fato: Vi a história brotar nas ruas e na
garganta do povo. Extremamente mobilizada, a sociedade ofereceu aos oposicionis-
tas respaldo para lutar contra a ditadura e impôs aos membros do governo e seus
partidários a constatação de uma dura realidade: a transição para a democracia
tinha que ser efetivada, ainda que a contragosto.

Essa é a mesma percepção da historiadora Lucília Delgado (2007, p. 2),


para quem “[...] a imagem das multidões lotando os espaços públicos passou
a integrar, de forma inequívoca, as páginas de nossa história e se constituiu
como marca expressiva de uma trajetória sem retorno pela reconquista da
democracia política, na década de 1980”. Sem dúvida, essa pode ser consi-
derada a dimensão vitoriosa do movimento das Diretas Já: a ampliação dos
espaços democráticos no Brasil dos anos 1980 e a mobilização de diferentes
setores da sociedade brasileira.

Referências
ASSIS, C. J. S. “Um, Dois, Três, Quatro, Cinco, Mil, Queremos Eleger o Presidente do
Brasil” - A Campanha Diretas Já e o Fim da Ditadura Militar. Cadernos De Estudos e
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em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/article/view/21060. Acesso
em: 22 nov. 2020.
10 A redemocratização no Brasil

Leituras recomendadas
ALVAREZ, S.; DAGNINO, E.; ESCOBAR, A. (org.). Cultura e política nos movimentos sociais
latino-americanos: novas leituras. Belo Horizonte: EdUFMG, 2000.
ARGUELHES, D. W.; SÜSSEKIND, E. P. Judicialização antes da democratização? O Supremo
Tribunal Federal e o destino da Emenda Constitucional das “Diretas Já”. Pensar-Revista
de Ciências Jurídicas, v. 23, n. 4, p. 1–16, 2018.
DELGADO, L. A. N. Diretas-Já: vozes das cidades. In: FERREIRA, J.; REIS, D. A. (org.). Revo-
lução e democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2007. p. 409–427.
LEONELLI, D.; OLIVEIRA, D. Diretas já: 15 meses que abalaram a ditadura. Rio de Janeiro:
Record, 2004.
LOPES, P. O Movimento Diretas Já e a Cobertura do Jornal Zero Hora: uma Análise a partir
da Agenda-Setting. 2007. 79 f. Monografia (Especialista em História, Comunicação e
Memória do Brasil Contemporâneo) – Universidade Feevale, Novo Hamburgo, 2007.
Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/lopes-poliana-o-movimento-directas-
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RODRIGUES, A. T. Diretas já: o grito preso na garganta. São Paulo: Perseu Abramo, 2003.
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TATAGIBA, L. 1984, 1992 e 2013. Sobre ciclos de protestos e democracia no Brasil. Política
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