No nº 278 do Folhetim" o sociólogo Clóvis Moura analisou o livro A Afro-América: a Escravidão no Novo Mundo", unca pensei que a minha resenha crítica do livro do sr. Ciro Flamarion Cardoso fos rican Negro Slave Revolts'' aparece pela primeira vez. E quando também os negros americanos en de Ciro Flamarion Cardoso, se ferir a sua suscetibilidade de tal ma neira. Mas já houve quem dissesse que o frentam a crise de desemprego e a guerra na Coréia. Omesmo livro reaparece em 1962, em ple fazendo umasérie de restrições narcisismo é doença que ataca preferencial mente os intelectuais. Nada disto, porém, terá no auge das lutas sócio-raciais. Os chamados distúrbios raciais acontecem em Nova Orleans, à obra, principalmente quanto muita relevância do ângulo em que nos colocamos agora.Oque desejamos salientar é que o sr. Car Harlem, Detroit, etc. Tais lutas levaram as clas ao papel das rebeliões negras doso, fazendo cortes no meu texto, diz que afirmei ses dominantes dos Estados Unidos a apelarem para o terrorismo. Malcom Xé assassinado em no Brasilcolonial. Na sua coisas que eu não quis dizer, ou, pelo menos, muti Nova York em.,setembro de 1965 e Luther King em resposta, publicada no n9 280 la oconjunto do meu raciocínio. æm exemplo: digo 1968. Aptheker é negro, historiadore marxista. E é logo no início que a sua postura excessivamente cautelosa '"nada mais é do que o reflexo, em diago exatamente nesse período que ele lança outra edi ção do seu livro. No prefácio da edição de 1969 di do "Folhetim", o professor nal, da influência da bibliografia tradicional". o Sr. Cardoso retirou da frase otermo em diagonal zia: "0 tema do movimento dos escravos nos Esta dos Unidos em 1969 parece adequar-se mais à tare Ciro Flamarion Cardoso afirma que foi ali colocado exatamente para que oleitor fa do jornalismo do que do historiador. Não faz que as colocações de Moura são tivesse idéia dos elementos mediadores que inter muito tempo, o político californiano Ronald Rea nitidamente ideológicas, com feriram, retirando dessa influência o seu aspecto gan chegava à conclusão de que os rebeldes do linear e de simples reflexo direto e passivo. Em seguida faz uma digressão desnecessária ghetto dos nossos dias são como 'cães raivosos ". aedição do mesmo livro, datada de 1974 dizia Ap pouca base factual. Aqui, as para encompridar o texto sobre o problema da si tuação do negro no Peru. Saindo deste assunto sem theker: Na era de Nixon, emn consequência da considerações finais de ambos esclarecer o problema (e talvez por isto mesmo) o corrupção e degeneração generalizada imperan tes, assistimos a uma aguda intensificação do ra sobre o papel das rebeliões sr. Cardoso comete um deslize ético. É que, ao cismo nos Estados Unidos (...)". Como reflexo e negras em nosSsa história, invés de continuar comentando o meu artigo, dá baluarte desta evolução produziu-I-Se auge de um corte Passa a comentar trecho de trase livro OsSquilombosma propaganda racista nos campos da sociologia, da pinçado do Rebelio biologia, da antropologia e da história, caracteri ciência étnica, e, por extensão, social e política do Negra'" que não estava em discusso, no qual eu zado por nomes como os de Banfield, Jensen, Moy negro nor te-americano em luta violenta pelos seus digo que sou contrário ao "enfoque chamado eru nihen, Shockley e a última farsa sobre o escravis direitos civis. Conseguiu unir, assim, ciência e dito". Daí tira duas premissas e uma conclusão, mo, intitulada Time on the cross''de Robert Fogel cor eela, Sem o que nem uma nem outra se depois de lavrar contra ele sentença condenatória Stanley. Eernan (Boston, Little Brown, 1974). eNest academicamente. (1). A primeira é de que sou contra a erudição. A glorifica-se o escravismno, afirmna-se Houve um pensador do século 19 que dizia: A édeque fiquei irritado com a sua posição que existe uma identidade de interesses entre o se questão de se saber se o pensamento pode conduzir em relação aos historiadores que reestudam o pro nhor e oescravoe se apresenta um panorama idíli a uma verdade objetiva não é uma questão técni blema do negro no Brasil. Daí uma conclusão: co que supera até Eo vento levou'". ca, mas na prática que "separam-nos profundas divergências metodo sa comnroE a verdade. isto & realiiado preci for lógicas". ça, o interior do seu pensamento. A discussão so Aceito a conclusão, porém rejeito as premissas. bre arealidade ou irrealidade de um pensamento Em primeiro lugar não sou contra a erudição. Ela é necessária para todos aqueles que se dedicam ao Diferenças desligada da prática éuma questão puramente es estudo de qualquer ciência ou arte. Mas a erudição flui naturalmente do texto, como decorrência do metodológicas colástica'". meto Padológicas. Daí as nossas profundas diferenças sairmos deste impasse (narcisístico ou es conhecimento do assunto. É portanto um elemento colástico?) faço a seguinte sugestão ao sr. Cardo que aparece naturalmente todas as vezes que há Como vemos, a obra do professor Aptheker não é so: realizarmos uma mesa-redonda para que pos necessidade da comprovação de fontes ou cita escrita apenas para cobrir áreas universitárias. O samos discutir esses problemas e outras questões Ções. Outra coisa éo pedantismo dito ou chamado livro destina-se àcomunidade negra mais do que a embutidas no debate e nele apenas afloradas. Se erudito.Por isto Howard M.Jones dizia que'a eru uma convencional aristocracia universitária. Por ria a forma de darmos uma contribuicão mais ob dição pode ser travestida de modos opostos. Um desses travestis éo pedantismo''. Écontra esse discurso chamado erudito, pedante, balofo, sim ples jogo de fichário, anódino e inútil que nos colo outro lado, a sua obra é rigorosameneida conta erudita. Daí não ter sido levada na uma obra
pela comunidade científica norte-americana "por
excelentes razões'". Evidentemente ela não foi es jetiva para esclarecer todos aqueles que no mo mento discutemn os parâmetros do noss0 passadc histórico e social visando solucionar problemas camos. Oerudito demonstra o conhecímento dige friada pelos setores deliberantes da qualificação que persistem na estrutura da sociedade brasilei ra. Poderíamos sugerir, para dela participar, os rido e assimilado; o pedante dá arrotos daquilo do pensamento acadêmico norte-americano pelas nomes de F.Morais, Jacob Gorender. João Batista que não foi digerido. duas possíveis falhas metodológicas. Inúmeras Borges Pereira, Octavio lanni, Florestan Fernan mediocridades são consagradas internacional des, Paula Beiguelman, Lana Lage da Gama Li mente por esses setores. As razões "excelentes'" ma, Katia de Queirós Mattoso, José Honório Ro foram outras. Por tudo isto o professor Maurício drigues, um representante Movimento Negr Mediocridades Tragtemberg definindo essa comunidade discrimi Unificado de São Paulo e outro do IPCN - Institu natória afirma em livro recente que cobertos pelo to de Pesquisa de Cultura Negra, do Rio de Janei consagradas ideal da 'neutralidade de valores' a maioria dos acadêmicos universitários vegetamn no conforto in ro. Sairíamos desse impasse... acadÇmicopar tentar esclarecer de forma mais dinâmica e poli telectual agasalhado pelas sinecuras burocráicas facética não apenas aquilo que discutimos, mas E aqui desejamos fazer considerações sobre a e legitimadas ideologicamente pelo apoliticismo: outros ângulos do assunto que interessam, no mo obrade Herbert Aptheker tãodesprezada pelo au a ideologia da cumplicidade trustificada. Sem mento, além de um núcleo de produção acadêmic: tor. Tendo surgido "certa veza isando critérios dúvida que ocultivo de ideologia livre de valores é grandes segmentos da população brasileira. frouxos e pouco aceitáveis definição do que paralelo à despreocupação sobre as implicações seriam revoltas e conspirações de escravos, mos ticas e políticas do conhecimento. (...5 O saber 1) Sobre os conceltas do sr. Cardoso a respelto de meu livr trou uma quantidade impressionante delas ao lon sociológico atualmente não ésimplesmente um as "Os Qullombos e a Rebellào Negra" prefiro me abster de op. go da histÑria do seu pais entre 1526 a 1860: com pecto da cultura universitária; tornou-se um ele nar porque o assunto nåo estava em discussåo.
critérios mais do que duvidosos como ponto de mento de poder".
Clóvis Moura é sociólogo, presidente do Instituto Brasileiro d apoio chegou a resuítados que não foram levados a A condenação do livro do professor Aptheker Estudos Africanistas e escritor. Autor de "Rebeliões da Senza sério e por excelentes razões surgiu daquilo que Bernal ch£mou de o valor so la", "O Preconceito de Cor na Literatura de Cordel'" e Os Qui "Certavez'" éo ano de 1951quando a obra "Ame cialda ciência. É uma obrapara despertar acons lombosea Rebelião Negra"
10 FOLHETIM, 27 de junho de 1982
Mais seriedade, por favor "P agora,""narcisismo'! põe de Ciro Flamarion Cardoso rosternação quase que de colonizado" e, Bem,quem não dis gros quelioS 1951 dos Unidos. No entanto, não é em ode Aptheker ra vez". Foiemn 1943! Em que"aparece pela primei POLEMICA sar aosargumentos ataques válidos costuma pas alS. Divertiu-me ficam, então, as cor sobrenmaneira verificar que relações feitas pelo sr. Moura pensando na situa Clóvis Moura não rebateu uma só sua réplica o sr. ção de 1951? A resposta, obviamente, é: não ficam. das respostas que lhe dei, preferindo sair pela tangente; no pro Desmoronam-am-se como sói acontecer com as edifi cesso, continuou a acumular distorções e inexati cações mal construídas. Aliás, a nova edição do li dões. Os leitores atentS notarão que não vro de Aptheker também não ocorreu na data indi em meu artigo anterior, quaisquer houve, cada por ele-1962 -esim um ano depois (e espe quados de suas afirmações - mesmo recortes inade ro que não confunda edition com reprint)... foi preciso resumi-las -e, menos ainda, se por vezes Sões. Compilei, cuidadosamente, digres uma lista servações do autor em sua primeira resenha, dase ob as respondi uma a uma. No contexto de minhas répli A verdade cas, a referência ao caso peruano, por nada teve de 1uma digressão, resposta direta a uma critica sendo exemplo, pelo contrário explícita. histórica Fez-me sorrir a acusação de deslize ético. No li Por outro lado, mesmo se o sr. Moura tivesse vro do sr. Moura "Os Quilombos e a conseguido explicar as intenções de Aptheker ao gra" fui buscar somente uma opiniãoRebelião Ne redigir sua obra, e o contexto históric0-social em do "enfoque chamado erudito". Nada sua acerca mais. Não que o fez, isto de nada valeria quando se tratasse houve, em qualquer momento, como agora preten de avaliar o livro em si, no seu conteúdo; pois para de o autor, "conceitos e julgamento'" meus a res ta 1a ciência dispõe de de objetivos, perfeita peito do seu livro. Só se ele escolheu interpretar as sim esta frase minha: "Acho, entretanto, que a melhor maneira de aquilatar a importância efeti mente independentes crhtens§ncias e inten Ções. Aptheker foi, sem dúvida, pesquisador cansáve Mas não conseguiu encontrar documen in va da rebeldia negra em relação aos processos tação que comprovasse grande número das re históricos em que se inseriu... não consiste em for voltas'" que pOstulou segundo uma teoria débil necer listas de quilombos ou revoltas (seu marxismo era bastante malformuladaprimario) e hipóteses acompanha das de comentários impressionistas e mal docu Irouxas, E as 250 "revoltas'" mentados acerca de alguns deles,daí partindo para histórSravos de que afirmou terem 0corrido na generalizações apressadas." Se foi assim, bem, de seu país, ao lado de umas poucas revol nos meus tempos de estudante dir-se-ia que 'ser tas autênticas há boa proporção de simples conspi viua carapuça'', simplesmente, jáque não houve rações não levadas à prática e também de simples nesse ponto a aqualquer de seus li suspeitas de conspiração não provadas (várias das vros. Ése o mençao sr. Moura dalsdin envergar a carapu quais imputáveis, de fato, à "histeria coletiva'" ça, não serei eu quem lha retire! dos sde que fala A. Gisler). Além do mais, Nãoéele contra a dediao, "hecessária para to dosns as imnacto real dos movimentos d0s aqueles què se dos ao estudo de qualquer considerados, mesmo daqueles comprovadamente ciência ou arte"? Ötimo! Confesso, porm, que existentes, não foram aquilatados com cuidado por Aptheker. Ora, colocar no gostaria mais de ver o uso efetivo dela pelo meu Sos extremamente diversos emmesmo sua saco proces relevância histórica não é,claro está,consistncia crítico: mas, como verificaremos ainda neste arti e go, a erudição lhe falhou lamentavelmente. o melhor dos métodos. Tais falhas - até certo ponto explicáveis a escravidão, com os intelectuais ele no contexto do marxismo da épOca - não as e vários outros; naturalmente, desde quemenciona tramos em trabalhos bem mais sérios e bem encon cons haja co municações enviadas de antemão, debatedores, Controle truídos de pesquisadores marxistas negros norte americanos em anos recentes, por exemplo Geor organizadores idôneos enfim, o necessário para garantir o alto nível dos trabalhos. Sim, pois assu das datas ge Rawick ee Herbert G. Gutman. mo em forma plena e com Concluindo sobre este ponto, darei a palavra a ção de intelectual. E nesteseriedade a minha fun Eugene Genovese ("In Red and Black"', Nova não resisto à tentação de citarponto, para encerrar, Genovese mais uma A maior parte do texto do sr. Moura desta vez se York, Pantheon, 1971, p. 201): vez (Idem, pags. 6-7): refere ao livro de H. Aptheker "American Negro Eu gostaria de sugerir "Ningu guém na Esquerda negaria que todo homem Slave Revolts", sobre o qual emiti críticas que embora os oprimidos possamrespeitosamente que, precisar da História ou mulher deveria ser ativo politicamente. Mas nin mantenho. Procura justificar e valorizar tal obra para identidade e inspiração, precisam acima de guém pede a um soldador que Polarede soldarr para colocando-a no contexto dos problemase lutas dos tudo da verdade acerca do que o mundo fez deles e tornar-se um organizador negros nos Estados Unidos. Fazer a 'sociologia do que ajudaram a fazer do pleto. Claro que alguns soldadoresde tempo com cimento pode produzir aquelemundo. dos sociólogos' ou dos historiadores - pode, Sóeste conhe os que tive sentido de identida rem a inclinação, temperamento, efetivamente, ser muito útil. Éo caso, por exem de que deve constiuir inspiração talento -podem fazer exatamente oportunidade e plo, do texto de Winthrop D. Jordan, "Modern Ten les que pretendem que a História suficiente; forneça aque isso. Se alguém perguntasse ao mais politicamente dedicado e re sions and the Origins of American Slavery'", artigo tos gloriosos e heróis são levados invariavelmente volucionário solda dor como pode continuar soldan publicado em 1962 no qual demonstra de que modo a cometer catastróficos de avaliação políti do enquanto crianças estão as interpretações das origens da escravidão norte ca. Especificamente, os com napalm no Vietn, ele sendo bombardeadas provalvelmente res americana refletiram, na cronologia do seu apare sam de Nat Turner comnorevolucionários um santo; não preci ponderia com um olhar sem expressão. Só intelec cimento, as fases das lutas do século 20. Muito da verdade histórica sobre a revolta eles precisam de Nat Turner tuais são submetidos a tais agonias, e, claro, s0 bem. Mas para levar a cabo estudos deste tipo, é -sua força e sua fraqueza." mente por outros intelectuais. Os soldadores nor preciso um mínimo de seriedade no controle dos O sr. Clóvis Moura termina sugerindo a realiza malmente têm juízo suficiente para não dados... e das datas. ção de uma mesa-redonda para sairmos de um atormentar-se uns aos outros com algo tão estúpi Ora, atribui o sr. Moura aprimeira edição do li "impasse" que ele enxerga e eu, francamente, do. Vro de Aptheker a 1951, e a partir disto tece co ão. Bem, uma reunião com treze mentários sobre a crise de desemprego ea guerra não é uma mesa-redo ,esim um parueipas . Eu Ciro Flamarion Cardoso éprofessor de História na Universida na Coréia, problemas então enfrentados pelos ne gostaria muito de participar de um simposio sobre de Federal Fluminense, auto no Novo Mundo" (Brasii ArroAmérica: a Escravidäo
SALES, Jean Rodrigues (Org.) - Guerrilha e Revolução: A Luta Armada Contra A Ditadura Militar No Brasil. Rio de Janeiro: Lamparina, FAPERJ, 2015. 254p.