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A intelectualidade brasileira sem -

. pre alimentou uma certeza : a de ser

DANIEL PECA
uma categoria social ã parte, com
um papel privilegiado na construção
da sociedade, seja ao lado do Estado
* 1
ou contra ele,

HA # # m
Este livro arguto e original, recen-
temente lançado na França, faz um
balanç o inédito do posicionamento
dos intelectuais brasileiros em rela ção
ao poder , ã nação e ao povo, desde
a dé cada de 1920 até a época atual .
Daniel Pécaut, conhecido sociólogo

INilEIJECTUMS
francês, é especial isto nos problemas
políticos da América Latina . Um dos
diretores da Écoíe des Hautes Études
en Sciences Sociales e do Centre

|= A POLÍTICA
d'Etude des Mouvements Sociaux,
em Paris , é responsá vel peta revista
Probiémes de l Amèrique Latine,

MC I3RASII
ENTRE O POVO E A NAÇÃO

ISBN 85 08 03574 3
DANIEL PÉCAUT
Muitos intelectuais
brasileiros, supondo-se
detentores de um saber
que os capacitava a
solucionar os problemas
mais graves da
sociedade , forjaram de
si mesmos uma imagem
privilegiada Em Os
Intelectuais e a política
no Brasil, o sociólogo
05 INTELECTUAIS
francês Daniel Pécaut
analisa a trajetória da
intelectualidade no paí s
E A POLÍTICA
entre 1920 e 1982,
desmitificando a idéia
de que nossos pensadores
NO BRASIL
podem ser considerados
"cidadãos acima de Entre o povo e a nação
qualquer suspeita". Ao
analisar a maneira como
se posicionaram nas lutas
políticas e sociais do país,
o Autor mostra que. na
realidade, o saber se
mescla com o poder.
Alegando a existência
de um povo ignorante,
de estruturas sociais
desarticuladas ou de
classes ainda em
formaçòo, muitas vezes Tradução:
a nossa intelligentsia Maria Júlia Goldwasser
justificou sua “vocação
para elite dirigente",
chamada a levar a cabo
a “Unidade Nacional" .
Assumiu, assim, uma
posição de protagonista
central do processo
histórico do país, já que

BSCSN ruFROS
\
*
t

Sé rie

Temas
Volume 16
i
Sociologia c pol í tica Sumário
Título original : Entre te peuple ei la nation: les
intelíecttí eh et Ia politique au Erésil
Copyright © Fondation dc la Maison dcs
Sciences de l l lornmc , 1989
Prefácio 5 v
¥
.
. l

PARTE 1 x
Os intelectuais , o povo e a na ção
TRADUÇÃO
1 r -.
Mafia Jiilia Gotdwas$« * Introdu ção 14
REVISÃO DE TRADUÇÃO A geração dos anos 1920 -40 19
Cássia Rcxha À posiçã o social dos intelectuais 19
nonos Uma vocaçã o para elite dirigente . .. . 22
Fernando Paixão Os fundamentos da legitimidade do poder intelectual 33
ASSISTÊNCIA EOrrOíUAl As representações do fen ômeno pol ítico 42
í SH Maia Laudo
O antiliberalismo c a “ ideologia de Estado i p
43
PREPARAÇÃ O DOS ORIGINAIS
Maria Teresa GaJlufzi Brito
A ambivalê ncia realista 46
À ambivalê ncia em rela çã o ao fen ô meno pol í tico 49
PROJETO GRÂ UOO (MIOLO ) ; Da teoria ao engajamento pol í tico 57
Milton Taiceda
COMPOSIÇÃ O E PAGINA ÇÃO EM VIDEO
A coincid ê ncia entre os intelectuais e certas elites civis
ÀfLsteu Escobar e militares 60
Wander Camargo Silva O regime autorit á rio e o reconhecimento da fun ção
CAPA dos intelectuais 66
Etrorc Bõttini Os tipos de engajamento político 74
2. A gera çã o dos anos 1954 64
*
97
O nacionalismo cm todos os seus estados 107
ISBN 85 08 03574 8 O ISEB 107
Ern torno do Partido Comunista 141
A marcha para o povo: os CPCs 152
1990 A marcha para o povo: na esfera de influ ência cat ólica .... 165
I São Paulo e Rio de Janeiro 173
Todos os direitos reservados
Editora Á tica S.A. Conclus ã o . 179
R. Bar ão de Iguape , 110 —
CEP 01507
Tel: ( PABX) 278 -9322 — Caixa Postal 8656
De uma geraçã o a outra: o nascimento de uma cultura
pol ít ica 181
End. telegr á fico “Bomlivro ” — S ào Paulo

SP Opção nacional - popular ou populism © ? 186

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-
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Aquisição;

Preço: } S 3opo
>
Data: / tv, I \ j Pref ácio
3o-l , 445
P 365 £ - P
PARTE II
Os intelectuais, as ciasses sociais
e a democracia
Introdução . .. . . . . . .. 192
3 . O intervalo dc 1964 -68 . Bloqueios estruturais e hegemonia
da esquerda intelectual . 197
Dois polos do debate intelectual: os nacionalistas
cercciro- mundistas da Revista Civilização Brasileira c os A
nacionalista» críticos dc São Paulo 205 \\J
O diagnóstico: bloque LOS estruturais c. regressão pol í tica 222
Debates c questionamentos 230
A burguesia nacional c a estratégia pol í tica dc alian ça Vivcu -se na época do pós- guerra a hora do " engajamen -
de classes 231 to " . Sartre declarava:
Da classe operá ria as massas , novamente 233
A classe média oscilante . . . .. 235 Nã o é . portanto dizendo " n ão sou imis um pequeno- burguês, movimento-
,

Das classes sociais cm formação à crise das represe ma ções mc Imanente no universal" que o intelectual pode st unir aos trabalhadores .
do social 237 É , jimamente ao contrário , pensando: "sou um pequeno- burguês; se , para ten -
Da constatação à ação pol í tica 242 ,
-
tar resolver a mink a contradição alinhei me ao lado das classes oper á ria e cam -
A contestação estudantil c a modernizaçã o universit á ria . .
. 247 ponesa , não deixei por isso de ser um pequeno- burguês" (Sartre , 1972 : 71 ).
I
A vida art ística 250
Conclusão .. . 252
Por outro lado , ele afirmava: O intelectual é algu é m
L £

4 . O parrido intelectual c o processo de abertura ( 1974 - 82 ) 257 que intromete no que não lhe diz respeito" O ^ engajamen -
se .

A redefinição da condição de intelectual 262 to " era , assim a decisão arbitrária de tomar partido contra si
,

As instituições 263 mesmo . Consistia a um só tempo , em articular as classes desti -


,

A ideologia ' profissional" 268 nadas por suas condições a ocupar -se do universal , c cm encar-
As estratégias pol í ticas 281 nar o movimento da história rumo a seu sentido final
Em busca da pol ítica perdida
,
282 I
A noção de engajamento também teve algum sucesso no
A organização polí tica dos intelectuais . 291
Brasil . No final dos anos 50 , a palavra de ordem foi a adesão
A era do intelectual como ator pol í tico 300
Conclusão 309 voluntária dos intelectuais à s causas populares Entretanto , rio .

Rctcré ncins bibliográficas 313 Brasil , Lai imperativo soou smgu ) anuente falso , porque os inte -
lectuais brasileiros não esperaram pelo convite a essa conversão

l
7
6

pessoid paraentrar num corpo a corpo com a hist ó ria f ã h á ,


Neste aspect o , o inteirauai brasileiro ene on era -se na mesma
mui tu tempo haviam -sc colocado a serviço do conhecimento situaçã o que o pol í tico: participa de uma realidade cujos segre -
da " realidade nacional " c da forma ção da sociedade . N ão o dos ele derem
-
.

faziam , de forma alguma para conseguir a sua salva ção indivi -


,
É comum distinguir diversos tipos de intelectuais, Ray
dual e se desvencilhar do seu status " pequeno- burgu ês , visto mond Aron , por exemplo , menciona os escribas, os peritos e
que em sua maioria, eram recrutados nas elites , n ão r e n d o . os letrados ( Aron , 1955 ). Edward Shils , os produtores, os iméis 4
portanto , dificuldade em desprezar tudo o que parecesse pretes e os consumidores ( Shils , 1972 ) . Essas classificações não «

pequeno- burguês. Tampouco agiam assim para atendera algum se aplicam an Brasil . Todos os intelectuais brasileiros mantê m
ditame moral c fazer prevalecer valores de justiça Apenas o la ços com as " ci ê ncias sociais ” : a "sociologia" na década de
faziam porque o intelectual tinha de estar à ah ura da constru - 30 c uma mistura de vxioiggia e economia nos anos 60 e_7() .-
j

çã o da naçã o portador que era da identidade nacional e , alem


,
Pois as "ciências sociais " nada mais são do que o discurso qu ê
d isso detentor do saber relativo Is leis da evolução histórica.
T
o Brasil faz sobre si mesmo c o indicador da posi çã o que o inte-
De maneiras diversas , sucessivas gera ções dc Intelectuais í lettuai ocupa no processo de constituição da naçã o brasileira .
brasileiros invocaram a " realidade nacional" , Ê inteira mente -
Da postura " realista " , deduz se que o intelectual só pode
secund á rio que esta se referisse à c u l t u r a ou ao desenvolvimento ter uma pç jxtrpçao ambivalente da pol í tica . Por um lado . o
econ ó mico , ao inconsciente do povo ou à consci ê ncia das elites . movimento imanente do real n ã o deixa subsistir um verdadeiro
Conca somente o fato de que n ã o havia meios dc duvidar da
sua existê ncia , nem dos princípios imanentes que regem o des -
espaço pol ítico . Se este . todavia existe , d ã a impressão fre
,

quente de ser " artificial ” , “ flutuante" , "divorciado da realida -


-
dobramento das suas sucessivas formas históricas . E dc que n ã o d e " . O intelectual n ã o tarda a posicionar -sc contra a pol í tica
fazia sentido pretender separar o conhecimento da ação. N ã o c suas instituições. Ora aspira a uma organização ap o líri ca da
havia ação que n ã o supusesse o acesso ao Teal " , nem conheci - sociedade , ora a um desenvolvimento económico capaz , por si
só, de criar as estruturas pol í ticas necessá rias, ou ainda a um
mento independente dc uma prá tica que auxiliasse a evolu çã o
a gerar suas virtualidades. Em virias é pocas , os intelectuais bra- processo de acumula ção , do qual as instancias políticas seriam
sileiros n ão deixaram de proclamar seu conhecimento das leis apenas a manifestaçã o c o instrumento . Assim , sempre ressurge
que regem a história e sua inser ção nessa historia . Da í ser supé r - a tentação de uma recusa radical do político . Por outro lado ,
flua a refer ê ncia ao engajamento individual , Ela n ão encontra a coniv ê ncia entre o conhecimento e a a ção significa que nada
lugar num pensamento “ realista do pol ítico . Claude Let on escapa ao plano político , c que a realidade ê , j á dc in ício , total -
o comentou , a propósito tanto de Marx q u a n t o de Maquiavcl . mente política . Seria insuficiente falar de politiza çã o da produ -
Observa cle sobre o primeiro: çã o intelectual , e simplista mencionar a interferência entre
um campo intelectual " c um campo pol ítico". Ainda nesse
"

k nada m seus escritos [ .| mcaniiiiiha à retórica modem ? do cngajamtruOr caso , impõe -sc o " realismo" que preside à politização dos com
c evidente ç ue D realismo c algo diferente de uma. jtitude em lace do red : ele
visa a um processo de rtâlmçso, o devir real do hnmrm , ao seu advento na ceiios eJ,4Qpi;d4mliz.açâ o do pol í rico .

sociedade , tomo homem social (Ltfort , 1978 174 ) A ambival ê ncia emi rela çã o ao pol í tico , por ma is funda-
mental que seja , n ão deixa * poré m , de ser teórica . Corn efeito ,
Da mesma forma , a propósito do segundo: os intelectuais brasileiros se entregam à a çã o pol í tica sem
A açãn inspirada cm um conhecimento exato dos fatos n ã o pode | . ] , qual - nenhuma hesitação e tomo se tivessem qualifica ção especial
quer que « ja ú seu objetivo particular , transformar os termos a que st refere: para faze - lo . Em muitas ocasi õ es eles se cornam protagonistas
,

pode apeâís administradas de modo a assegurar o scu surest ; mas . ao faze do. -
pol í ticos centrais. Além disso, arrogam se uma competê ncia
vubmcKSfct a uma ricccssidade , na qw\ é pcetiso reconhecer a estrutura da rea - particular para assumir a responsabilidade pela dimensão ma is
lidade libid . I . pol ítica do fenômeno pol í tico: a ideologia . Na " realidade bra-

i
« 9

si leira , mats uma vez , encontram boas raz õ es , tantas quantas que pretendiam falar cm nome da na ção era convencer de que
queiram , para justificar a importâ ncia de sua intervenção. já existia , subjacente. Tudo servia para provado: as manei -
.
esta
V Primeiro, porque essa realidade oferece o espet á culo de ras dc ser , a cultura o povo , o desenvolvimento das forç as pro-
,

um povo ignorante de seu desuno , classes sociais ainda em for dutivas , Contudo , n ão há melhor modo de assegurar -se desse
ma ção e abaixo de sua missã o valendo isto tanto para a bur - fato do que inventar micos unificadores" um após outro,

"

guesia como para os setores populares . assim como desameu - tarda facilitada pelo lato de que a precariedade atribuída às
1ações recorrentes nas estruturas sociais. Enraizados em seu classes e , de modo geral , aos atores sociais deixa o campo livre
tempo , nem por isso os intelectuais deixam de ter o privilegio ã imagina çã o . Nada c imposs ível : nem suscitar um mito das
de se situarem , gra ças ao seu conhecimento , à frente dos seus origens invocando os í ndios tupi , nem enunciar um mito dc
contemporâ neos . Para canto , se n ã o dispunham do_ saber sobre chegada celebrando a fusão entre o Povo e a Mação, nem pro-
a l ó gica do real , sempre tinham o recurso de voltar os olhos por um mito de transição sugerindo que o desenvolvimento
para os pa íses desenvolvidos . Constitu íam , assim , uma camada ‘
econó mico, a consci ê ncia de classe e o nacionalismo caminham
social sem v í nculos nu acepção de Mannheim : m ú ltiplos
'
. no mesmo passo.
la ços subsistem , a cada momento , com os ma is diversos grupos Enfim , a constatação da defasagem recorrente entre o
sociais, começando pelas vá rias elites , c esses laços são recursos social e o politico n ã o c de molde a desencorajar os intelectuais.
que lhes permitem aumentar a sua influê ncia , Simukanca - Se c verdade que no Brasil , como no restante da America Latina ,
menre , poré m , sen cem -sc livres de toda a heran ça do passado os agentes surgem definindo -se sobretudo no plano polí tico ,
e de iodo o peso do presente , e sabem para onde devem ir . os intelectuais n ão precisam renunciar a nada para atender a
N ão ê por acaso que professam sem cessar a urgê ncia dc um essa condição. A ideologia lhes permite , alé m disso , ser elite
"
projeto ' nacional . Desse modo , são os unicost ao lado de çer - quando necessá rio , ou povo quando conveniente Gradas ao .

iD5 politicos exception ais, a se subtraírem à imperfeiçã o r ao v hiato entre o social e o político conseguem ainda se erigir em
^
atraso e , consequent cm rnte , a formar uma camada social com
voca çã o para conduzir a na çã o ao encontro de s .i mesma , 5
mediadores indispens á veis, substituindo as classes visto que ,
melhor do que elas mesmas , onh écem os seus interesses pro-

Em seguida , o pressuposto realista nunca c mais que um
desvio para liberar a inventividade ideol ó gica Proclamar que .
fundos — -
e colocando se na posição do Poder , pois , canto
quanto este , se projetam acima do social ,
o real sc constrói por si mesmo é uma maneira de respaldar a Muitas das afirmações anteriores se aplicariam aos intdec *

representa ção que dele se faz com um lastro de verdade e eficá - tuais de outros pa íses da America Latina , mas somente at é o
cia . Desde os pensadores de 1930 , que delinearam cm detalhes ponro em que se menciona o Estado . .\ o século XIX e in ício
o esquema da boa organiza çã o social , at é os dc 1955 , que ima- do século XX , o Brasil Lai vez fosse uma nação em forma ção ,
ginaram o desenvolvimento correto , todos se achavam igual - mas possu ía , pelo menos , um Estado. Raros foram os momen -
mente persuadidos de que expressavam apenas o que e , de fato , tos em que os intelectuais brasileiros puderam duvidar disso,
o sot ia 1 e o que é, dc faro , o desenvolvi memo estavam eon - mas quando tal ocorria , imaginavam -se respons á veis pela conso -
venndos de que as ideias comandam dirctamenre o devir histó- lidação do Estado .
rico . Nenhuma ton tradição entre essas duas certezas. Se abnu Se eles se colocam com tania-frequentia acima da socie .. -
caminho ã ideologia c porque esta brota sempre da rei usa em dade cpqrquc sc identificam com o Estado ou se apresentam
,
admit jt que a representarão introduz , por si só , uma indeter- como contra - Estado. A força do Estado não os leva , absoluta -
minação no social . No caso , a prioridade para os intelectuais mente , a se sem irem estranhos diante dos “ negócios ” , como
"

Ver Ji advur íni ias de Mannheim


^ mirra as imrrjjreiajçõt!: erróneas da expicMâo Segundo a «qJleasáb de À bin Touraine , numa entrevísts cm Buenos Aires snbre os
'i ls«K Itrn c- umpriimissns' i Mannheim. 195G ) l í itrlspiTicaii . sn 198*1
0 11

dizia Tocqurvillc a respeito dos homens de letras* ' freme ao O fato de que atualrnetitt todos prestem homenagens a demo-

Antigo Regime ; e menos ainda , a se suporem excluídos da sua


, .
cracia reconquistada n ão nos deve fazer esquecer que a maior
própria sociedade como a intelligentsia russa Sem dúvida , 0 V parte lutou peja ampliação dos espaç os democrá ticos sem por
poder do Estado os incita ás veies , como pensava Tocqueville , isso aderir â “ democracia formal " ; que muitos aprenderam a
a "saborear as teorias gerai.s e abstratas em mat éria de gover - democracia tendo , sobretudo , de se resignar a estratégias de
no . De resto , o Estado os acolhe , em geral , bem demais para
"
racionalidade limitada diante de um regime q u e st- sustentava
que se recusem a adaptar essas teorias ao ritmo das conjunturas . por meio da multiplicação das incertezas ; e que a adesã o demo -
Nem o Estado Novo de Getúlio Vargas , nem mesmo o Estado crática sc acompanha de concepções profundamente contradit ó -
autorit á rio dos militares deixaram de tentar coop cá dos ou , cm í rias da instituição democrática
todo caso . de levá - los em conca E mais ainda : cm rodas as épo
. Afinal de tontas, n ã o for do poder do Estado que os inte-
cas , ou quase os governantes pareceram querer sc apropriar
,
lectuais extraí ram seu próprio poder ?
das represent ações do fenômeno politico propostas pelos inte -
lectuais . c estes com frequ ência , estiveram prontos a inspirar
,
Consideramos desnecessário acender i regra que consiste ,

se nas representaçõ es professadas pelo Estado . nos escudos des.se gé nero , cm propor uma " definição" de inte -

A própria organização dos intelectuais est á constantemente lectual Parece - nos que esse exercício c inócuo , salvo se a defi
. -

articulada ao Estado . Neste aspecto , o Estado Novo marcou ni ção j á comportar uma referencia à natureza do campo intelec -
uma importante mudanç a . O corporativismo por cie criado apli - tual c às formas de constituição do pol í tico , isto é , se já incluir
cou - se à intelectualidade: as profissões foram reconhecidas

a problem á tica do reconhecimento social do estatuto dos inte-
"

e receberam urn estatuto oficial . A partir dai . os intelectuais lectuais r dt sua produção numa sociedade r num momento
foram dotados de identidades e direitos específicos. Ao fim dados. O que redunda em considerar , como faz o senso comum ,
do Estado Novo , evitaram questioná - los. No devido momento , que intelectual é aquele que sc identifica e é identificado pelos
fizeram deles a base dc uma “ profissionalização no sentido "
outros como tal 0 leitor constatará que este trabalho abre
.

moderno , e a utilizaram para resistir ao regime militar , em amplo espaço aqueles já reconhecidos por seu próprio nome .
nome da competê ncia e dos direitos profissionais . Reencontrada mas també m faz referência ami úde aos an ó nimos que se sentem
a democracia , estavam pronto® a pôr em açã o um corporativismo participantes das funções hist ó ricas " dos intelectuais .

n ão menos moderno . O que vale para as profissões , aplica -se Em contrapartida , c necessá rio indicar os limites de nossa
també m á s instituições intelectuais e às funções art ísticas ; esta - pesquisa que n ã o correspondem a nenhuma justificativa teó-
,

vam encerradas em múltiplas redes que convergiam para o Estado , rica , mas antes exprimem o receio dc nos perdermos no cami -
Apesar desses incont á veis v í nculos com o Estado c , fre * nho , caso pretendêssemos abanar dom í nios excessivos; sobre -
quentemente , da deferênda manifestada a sou respeito , serão 1
tudo , são limites que traduzem a nossa ignorância.
os intelectuais capazes de militar a favor da democracia ? Para Dois deles são evidentes Primeiro , muito poucas vezes men -
.

ISSO , é preciso que eles n ão se contentem em intervir pol í tica - cionamos a criação artística : literatura , cinema , pintura . No
mente mas reconheçam a dimensão pró pria ao plano pol í tico entanto os que se dedicam a cia são . no Brasil , intelectuais que
,

V: necessá rio ainda que n ão confundam os mecanismos democrá - associam infimamente a sua ô bfa a preocupação de se colocar a
ticos com o liberalismo oligarquia ) E c essential também que
,
serviço da construção política do pa ís A proximidade entre os ter-
.
nao vejam na democracia um m é todo para se apropriar do mos cultura " c ' ’ pol ítica ' , tanto rios anos sO quanto nos anos

Estado . N ão h á dúvida que existe uma tradição liberal no Bra - 50 , está a í para demonstrá-lo. Na verdade , analisamos em espe -
s i l , concorrente ou complementar à tradi çã o autoritária . Entre - cial a trajetória pol ítica dos intelectuais que se vinculam á ’ socio-
'

ta mo , é provável que os intelectuais em sua maioria tenham


, , logia , o que . pelas razões que acabamos de citar , é um critério
"

MTHIDO pouca atraçã o pela primeira , c munas vezes tenham bem pouco restritivo . Todavia , para o per í odo mais recente , daí
> ido motivados pela vontade dc organizar a sociedade pelo alto . resulta a delimitação dc um terreno cada vez mais estreito .

I
12

Damos a entender també m que mencionamos os intelec


tuais do Brasil como um todo . Na realidade ., cracamos quase
-
exdusivamentc dos paulistas , cariocas e mineiros ; e n ão cita - I
mos os intelectuais de outras regiões exceto quando instalados
cm São Paulo , Rio dc Janeiro ou Belo Horizonte . Assim , esta -
mos conscientes de que nosso estudo é incompleto , n ão só por -
que os intelectuais de Salvador , Recife ou João Pessoa são, com
frequ ê ncia , pelo menos tão importantes quanto os demais,
como também porque teria sido muito instrutivo comparar as
-
relações com a vida pol í tica na região centro sul c outras , como 1
fizemos no caso do Rio dc janeiro e São Paulo , cidades t ão pró-
ximas e sem duvida t ão distantes. Nossa ú nica desculpa é que ,
.

desse modo , n ão fizemos mais que acompanhar a maioria dos


autores brasileiros.
Gostaríamos de frisar que esse trabalho se deve à amizade
e âs obras de muitos sociólogos brasileiros , cujas refer ê ncias o
leitor encontrar á na bibliografia. Desejamos exprimir nossa
d ívida c reconhecimento a Aspásia Camargo , Alzira Alves de
PARTE I
Abreu e Lucia Lippi de Oliveira , do CPDGC; a Fernando Hen -
rique Cardoso e aos membros do CEBRAP ; a Francisco Wef -

Os intelectuais,
íbrt , R égis Castro de Andrade e aos membros do CEDEC ; a
Azis Simão , Sé rgio Miceli , Bernardo Sorj , Carlos Guilherme
Mota , Leôncio Martins Rodrigues, Irene Cardoso e a muitos
outros. Agradecemos também a Má rio Carclli , Sônia Marques
.

e Sílvia S í gal , por seus coment á rios sobre o manuscrito . o povo e a nação

y\
t
15

tarefa que cabe às d ires . Dela os intelectuais têm ainda mais


rnotivos para participar , na medida em que constitui um fato
indissoluvelmente cultural c político: forjar um povo també m
c tra çar uma tulrura capaz de assegurar a sua unidade.
Introdução H verdade que nem todos os intelectuais da época parti
lham das mesmas concepções políticas. Muitos simpatizam com
-
os diversos movimentos autorit á rios surgidos após í yjO , ou
mais tarde aderem ao Estado Novo instaurado em 1937 . Outros
\ mant êm -sc distantes dessa quest ão. Em sua grande maioria^ ,

> contudo , mostram - se de acordo quanto à rejeição da democra -


cia representativa e ao fortalecimento das fun ções do Estado.
Acatam também a prioridade do imperativo nacional e aderem ,
explicita mente ou n ão . a uma visão hierá rquica da ordem social .

Assim , apesar de suas discordâ ncias , convergem xta reivindica


ção de um status de elite dirigente , cm defesa da ideia de que
n ão h ã outro caminho parado progresso sen ão o que consiste
cm agir dc cima e dar forma ” à sociedade 1 .
” '

-
Jã os intelectuais dos anos 54 64 situam sua intervenção
sob uma ótica diversa Ap árentemenfe , n ã o põem em d ú vida
.
)V -
que o povo já esteja constitu ído, e o vècrn mesmo como a ver-
dadeira garantia unidade racional : povo e na çã o ir ,

Com um intervalo de trinta anos . duas gerações dc inte- momento , são indissociá veis . Nã o > e trata mats de assegurar a
lectuais brasileiros manifestaram a convicção dc que lhes com - r
coesão interna da na ção mas de defender seus interesses das
amea ças externas ligadas ao imperialismo . Em consequ ê ncia
i
-
petia uma responsabilidade essencial na constru ção da na ção .
Influenciando opiniões e governantes, ambas atingiram uma- do r á pido desenvolvimento econ ómico , o Brasil estava cm vias
evid ê ncia social extraordiná ria e contribuíram efetivamente de se tornar uma sociedade dc classes . Naquele momento ,
para impor novas representações do pol í tico . No entanto , tudo porem , a burguesia nacional e as classes populares se empe - rr
nham em articular uma frente comum para permitir , apesar
-
o mais parecia contrapô las.
do imperialismo c dos segmentos arcaicos das camadas abasta -
-
Os intelectuais dos anos 25 40 mos eram - se preocupados
das brasileiras, a transição para uma sociedade democratico bur - - oV
sobretudo com o problema da identidade nacional e das insti - I
guesa* Os imcleauais |ã n ãcTprecisam reivindicar uma posição
"

tuições . Na sua perspective , j á existia uma identidade nacional


dc elite : sua legitimidade decorre justamente de se fazerem
latente , confirmada pelas maneiras de ser , pelas solidariedades inté rpretes das massas populares. Conservam , no entanto, um
profundas c pelo folclore . Isto n ão bastava , poré m , para que papel pol í tico insubstituível: Je um lado , t ê m a miss ão dc aju - J
se pudesse considerar o povo brasileiro politicamente consti - dar o povo a tomar consci ê ncia de sua vocação revolucioná ria ’
VY tu ído . Apenas instituições adaptadas à “ realidade " permitiriam
que se alcan ç asse esse n ível. Convinha , portanto, eliminar as
-
de outro , cabe lhes demonstrar , enquanto ideólogos , que o
instituições da Repú blica que. embora professando um libera -
i desenvolvimento econ ó mico, a emancipação das classes popula
res c a independ ê ncia nacional sã o _tr ê s aspectos dc um mesmo
-
lismo inspirado na ilusã o de atingir a modernidade por imita- processo dc libertação ou seja , de um mesmo " projeto ” Não
,

ção dc modelos estrangeiros , opunham obstáculos à afirmação


nacional . Organizar a naç ao , esta e a tarefa urgente , uma
"
A exprescao J ,
‘ hf -
forma" aparece espedaJmcmc cm Lefon l .rT TL ll)8 l |

*
16 17

se trata mais de uma simples mudança vinda de uma : a


" "
ram sobre os acontecimentos c as mudan ças pol íticas , nem as
revolu ção que preconizam passa peia ação das classes populares. estrat é gias que desenvolveram para se impor enquanto catego-
E mass, se os seus antecessores foram sensíveis âs doutrinas auto - ria social específica c elite capaz de se comunicar a partir da
rit á rias da Europa da d écada dr sO , eles tendem agora a consi - ótica do pró prio poder .
derar o marxismo como o " horizonte intransponivel " da é poca . O propósito desse trabalho c limitado. Pretendemos esta-
Em fins dos anos 50 , uma certa vuIgara marxista difundia -se
bem al é m dos setores localizados na esfera de influê ncia do
belecer como essas duas gerações , de opções políticas tão diver
gentes , puderam scr solidárias na constru ção de uma cultura
-^

Partido Comunista ; ela comanda a socialização pol ítica e cultu - pol í tica, peffla. qual se responsabilizaram e dc onde derivaram a
ral de grande pane daqueles que se identificam com as cama- sua própria legitimidade . N ão se trata de negar a fu puí ra ocor -
das intelectuais . Veremos que essa tend ê ncia persiste após o rida entre 1945 e £950, quando o conservadorismo autorit á rio
golpe de 1964 , o que n ão implica um consenso sem brechas deixou de ser hegemó nico , e o discurso da revolu ção social ,
— seriam numerosos os desacordos quanto às t á ticas t concep - que culmina a partir dc I 960 , começou a tomar forma . Essa
ções da revolução. ruptura , porém , n ã o significa esquecimento nem anula ção.
-
Esta introdução é intencional mente sumaria ; limita se a Em 1945 houve , certamcmc , intelectuais querendo apagar todos
Lima breve alusã o à diversidade de correntes que m atearam essas os traços do arcabouço corpora ti vista l armado a partir de 1930.
duas gera ções. Deixa de lado a exist ência de uma terceira: a e reativaf as tradi çõ es liberais ; mas constitu í ram uma minoria .
gera ção que surgiu cm 1945 , no momento do retorno ã demo - Foram mais numerosos os que escavam dispostos a reconhecei
cracia . Muitos de seus integrantes terão , no entanto , um prest í- que o regime no poder durance os anos 30-45 teve , pelo menos ,
gio consider á vel , sobretudo nos meios universit á rios , e lurar ã o o papel de fortalecer o Estado nacional e a pró pria na çã o.
pelas transformações sociais . Parece - nos , contudo , que esta gera-
çã o manifestou menor coesão interna que as outras duas e n ã o
-
Aliando se a Gcr ú lio Vargas cm 1945 ., durance a campanha
‘ ’ qucronista ' ' \ os comunistas emprestaram uma colaboração
obrrvr a mesma evid ê ncia social . Tanto em 1930 corno em decisiva a essa reavaliação. í nversameme , a passagem de anti -
I 960 , a mulupliuda.de de tend ê ncias não impediu a formação gos defensores dos esquemas autoritá rios , inclusive antigos inte -
de representaçõ es do fen ó meno pol í tico fecundas o suficiente
para criar uma esp écie de sentido comum e definir os objetivos
gral istas , para orientações mais progressistas foram recruta -
dos entre des alguns dos mais importantes membros do JSEB
— ,

dos debates intelectuais.


Não temos a inten ção dc abordar os detalhes das corren -
— atesta que suas preferê ncias anteriores não nasciam , necessa -
riamente. do simples amor pela ordem . Esses tneaminhamen -
tes que atravessam as duas gera çõ es , r menos ainda as min ú - tos c mudanç as de posição deixam entrever certas tommu í da -
cias dos engajamentos individuais . Quanto à d écada de 30 , exis - des sub)acene cs essenciais . A noção dc cultura pol ítica desnna -
tem numerosos estudos a esse respeito , aos quais remeteremos \ se a dar conta do fen ômeno ; significa , para nós , aderir a uma
o leitor . Quanto aos anos 34-64 . dispomos també m de vá rios
,

mesma concepção dc iorrnaçào do social . Desse ponto dc vista .


-
,
escudos que focalizam instituiçõ es c movimentos Intelectuais implica que tende nuas diversas , num primeiro momento con
determinados: o 15EB ( Instituto Superior de Estudos Brasilei - tradit órias, possam surgir de uma mesma matriz geral ; sup õe
ros ) , o MER ( Movimento dc Educaçã o de Rase ) , os CP Cs ( Cen - també m a difusão de um significado comum ; e , enfim , refere -
tros Populares de Cultura ), ou ainda o conjunto da ideologia se a formas concretas dc sociabilidade e comunica ção. À cul -
populista , os quais també m teremos oponunidade de mencio - tura pol ítica n ão diz respeito, portanto , ao conjunto dos mem -
nar . Muitas dessas pesquisas , poré m , limitam -se a uma bistort a * t bros da sociedade, mas é antes constitutiva da identidade de
das ide í as , dc abordagem relativa men te clássica . Nem sempre um grupo. E precisamente essa capacidade de duas gerações
chegam a explicitar a influencia real que os intelectuais exerce-

-
à
Mtf íilTieiltQ ‘ quetemista movimento dos que queriam a reelei ção dc GCTUI í O
Ver o Li l ;i • irada*, nas pacing w umrçs
^ VAIGAS
M1
.
18

de intelectuais dc suscitar c promover tal culrura , c assim pro - í


mover també m sua própria identidade c influencia * que exami -
naremos nesse estudo. A cultura pol ítica apresenta m ú ltiplos
aspectos , dos quais considerarcmõiTtrês.
"

O primeiro relaciona -se à maneira de definir a posição


socialdos intelectuais. Os critérios de classe ou de estratificação A geração dos anos
Iodai mos tram - sc insuficientes para a analise . Convém conside -
rar o lugar que os intelectuais atribuem a si próprios , e àqueles 1920-40
que lhes reconhecem o poder . Durante os dois per íodos , consta -
tamos que , assumindo uma voca ção nacional , os intelectuais
conseguiram scr reconhecidos como elite dirigente , desfrutando
do privilégio de situar -se , como o Estado , acima do social .
O segundo aspecto diz respeito às representações do fenô -
s meno político . Entre 1930 e 1945 , alteraram -se muitos dos ele-
mentos que determinam essas representações. Entretanto , a
Sr*

constante desconfian ç a diante dos mecanismos da democracia


representativa sc traduziu na manutenção do essencial: a busca7

l
'
dentro do real , de urna unidade anterior a todos os processos
dc instituição do social e que pudesse escorar as formas de uni
dade da sociedade pol ítica.
-
V O terceiro relaciona -se às articulações entre o campo
intelectual e a esfera política . Uma vez que a atividade intelec- A posição social dos intelectuais
tual é orientada pela responsabilidade assumida diante do impe-
rativo nacional , em que medida poderiam ambas ser dissocia -
Em uma obra publicada cm 1979 , Intelectuais e classe
das? Ou , mais exatamente : seria ainda possível falar num campo
intelectual fundado numa l ógica interna de funcionamento ? dirigente no Brasil: 1920 - 1945 \ o sociólogo Sérgio Miceli analisa
A escolha desses tr ês temas n ão é fortuita . Nosso obje - as transforma ções que afetaram a condição dos escritores naquele
tivo também c compreender as estrat égias que os intelectuais período. Freqiientemente originários de famílias oligárquii
ir ã o acionar depois de 1964 U diante do regime autorit á rio . em decadê ncia * confrontados pela rarefação das carreiras tradi -
Elas só serão inteligí veis na medida em que soubermos a par- cionais , expostos à concorr ê ncia provocada pela inflação de
tir de qual angulo estavam acostumados a falar ; que visõ es diplomas conferidos com as diversas faculdades livres rec é m -
do político apresentavam para justificar suas interven ções con - criadas, eles foram ameaçados, segundo Miceli , primeiramente
cretas; c dc que concepções da política intelectual se considera - pelo risco de perda de status . Devido à amplia ção do mercado
vam portadores . de bens culturais , associada ao desenvolvimento econ ómico dc
certas regiões * em especial São Paulo * foram levados ent ão a
renunciar ao antigo estilo de vida das camadas cultas, passando
a reconhecer a necessidade dc uma “ profissionaliza ção " e , ao

* Ver tanibéitt Miceli . in Universidade Federal do Rio Grande do Sul .. Iy80 , Stmpótio
sobre J Revolução dc 30. Porto Alegre , Erus
II
20 21

mesmo tempo , a participar dos dr bares politicos do momento . ló gicay . Essas variá veis remetem a l ógicas cuja coesão não pode
Com o fortalecimento do Estado , ocorrido após 1930 . teriam
sucumbido por fim à sedu çã o dos empregos p ú blicos que lhes
ser pressuposta . Se h á um interesse , este sc constitui na interse
çã o delas.
-
foram oferecidos . Ao se tomarem defensores de um poder forte , Por outro lado, os escritores mobilizaram recursos que não
estariam manifestando .seu desejo de ampliar o pró prio acesso se limitavam à sua proximidade social com as elites: era muito
a essas carreiras c , simultaneamente , sua depend ê ncia diante importante també m o dom í nio de um saber socialmcntc valori -
das autoridades p ú blicas . Portanto , as opiniões ideológicas q u e zado , Nos anos 20 « eles reivindicavam uma ci ência do social:
professavam seriam , no essencial, apenas o produto de uma poderia tratar - se de uma artimanha para serem ouvidos pelos
governantes , mas uma grande pane das dites achava - sc obse-
estrat é gia para preservar suas posi ções rias dites dirigentes .
dada pela cren ça de que esta ciê ncia poderia fundamentar uma
Quanto aos pensadores expliritamentc autorit á rios , Sé rgio
administração cient ífica dos homens c da natureza . Daí o fato
Miceii assim resume suas conclusões: de que as estrat égias dos intelectuais só podiam ser entendidas
Eram , lia verdade , herdeiros que puderam nrai partido de uma condap» de
-
cm relação aõ papel arfiTã ufdo por out tos setores ao conheci
mento científico do real ,
"
-
forçai emcnwnenre favorável â produção dt obras rujo? red amos reformistas
Da mesma forma , as convicções políticas n ão foram mera -
coincidiam com os interesses de autopreservaçao fração dc classe a que prr -
mente ditadas pelas conveniê ncias de acesso aos empregos ,
i ç noam ( Wkdi , 1979 167)-
como também a circunstâ ncia de serem herdeiros sem heran ças
não basta para explicar por que esses intelectuais se sentiam
-
O nacionalismo dc que eram porta vozes não aparece sen ão invesridos _cte uma missão pojíiica . Para compreender este fenô -
corno uma maneira suplementar dc obrer o reconhecimento
do Estado ,
meno, é preciso considerar o modo como interpretaram politi -
camente as suas vicissitudes. Estavam , acima de tudo , desiludi -
O fundamentai consiste justam ente no laço estabelecido dos com a Rep ú blica , n ão por ela cer arruinado a influ ê ncia
pelo autor entre a posição individual de origem e as estrat é gias das oligarquias , mas , ao contrá rio , por ter permitido que essa
pelas quais recorriam ao Estado . Este raciocínio provoca diver - influ ê ncia sc prolongasse indefinida men te no quadro das tran -
sas indaga ções , como toda sociologia dos intelectuais que pre- sa ções regionais. Aspirando â organiza çã o da naçã o pclõ podcE
"

.
tenda estudar as orientações destes a partir dos “ interesses" reagiram contra a ' oligarquização ' das instituições . E sua poli
1

-
que possuem. ria ação n ão foi um pretexto para promover inieresises pr óprios ,
A noção de interesse é . nesse casot singula rm ente ambí- mas , antes de tudo , expressava sua conversão à a ção pol ítica .
gua . Re fere - se , pelo menos a tr ês vari á veis diferentes; o fato
;
Portanto , teria sido o processo de mobilidade descendente
de pertencer a um determinado grupo social dc origem ( a oli - de alguns deles de fato tão determinante ? Ou caberia antes res-
1

garquia decadente ) ; a identificação com umã cat_egor!a_sqçial saltar a mobilidade ascendente coletiva de que sc beneficiaram
particular ( os escritores); e a inser ção no aparelho do Estado esses intelectuais? Entre o comportamento defensivo e as estra -
t é gias ofensivas, n ã o seriam as ú ltimas muito mais reveladoras
( como membros da administra çã o ) . A primeira é individual e ,
de resto , a posição dentro da fam ília conta tanto quanto a posi
ção da fam í lia . A transição no sentido de comportamentos colc-
-
A cbscrvaçá o foi feiti por Ant ónio Câ ndido no pírfátJO do livro de Miveti . Elf cita
-
IIVOS apoia seT sobretudo , num efeito de agregaçã o . A segunda u exemplo de CaiJc^ Drummond de Andrade , membro do gabinete do ministro Capa -
p.cma , que ‘“ serviu ao Esiado Novo , sem por isso alienai a njcntit parcela de Sua
-
"

variável é coletiva , mas sup õe uma pr é- constituiçã o da catego


'

>
dignidade ou autonomia rncnt â J " {Cindido , 1979 : XJI . Km artigo hxalczando o
mesmo livro de Mtcdi , Cario? Ne bali Couunbu também endrau a idfia de que a
ria de intelectual . A terceira pode ser apenas ocasional e „ em
^irua dn de fumionâ rio pú blico acarretasse , por si sò. posições poJ íticas readonárias
todo caso, n ão implica a completa supressão da autonomia ideo - ^
( Cou rinha . !9Bl : 95- 110).
.
22
23

da aptid ã o desse grupo social para impor à opini ão p ú blica1 gentes observa Antônio Cândido —
" nao funcionavam .

ma visã o do político que constata o esgotamento da Republica ^ poré m , apenas como patronos mas como suced â neos do publi -
Esses comentários preliminares n ã o pretendem eliminar o co ' ( Câ ndido , 1980: 84 ). Isso coincidia com a adesão a uma
uso da noção de interesse ; toda categoria social empenhada cultura decorativa , composta de idéias do momento , c com
numa tarefa de elabora ção ideológica tamb é m pode ser legiti- uma colagem ideológica na qual as teses liberais eram conside -
mamente perccbida como buscando o reconhecimento ou a ravelmente modificadas a fim de que a ação onipresencc do
organizaçã o dos seus pró prios interesses . Contudo , na falta de Estado brasileiro encontrasse as justificativas necessá rias ( No -
um campo cultural aut ó nomo , capaz de produzir uma hierar - -
gueira , 1984: 55 6). Nos anos 20 , essa tradição tornou -se objeto
quia institucionalizada dc posições , esses imeresses só podem de um processo irre mi tente: a nova geração passa a multiplicar
ter uma consistê ncia limitada . N ão se revelam sen ã o após as as prevenções contra os vest ígios de um pensamento de segunda
tentativas de redefinir a quest ã o da legitimidade política. categoria , indiferente às realidades nacionais.
No Brasil dos anos 20 , os projetos dos intelectuais eram A experiência de isolamento iniciou - se logo depois de pro -
inseparáveis da vontade de contribuir para fundamentar o cultu- clamada a Rep ú blica . Muitos escritores aderiram âs campanhas
ral c o pol í tico de uma forma diferente . Tudo estava cm jogo abolicionista e republicana , mas suas desilusões rapidamente
ao mesmo tempo. Instituiçã o alguma escapou à necessidade se equipararam âs suas esperan ças . Enquanto alguns autores
dc assumir uma nova legitimidade ; tanto a Igreja como o Exé r - aceitaram adaptar sua pena ao gosto dos novos- ricos do Rio de
cito , tanto o Estado como os estabelecimentos de ensino supe - Janeiro c âs solicitaçõ es dos propriet á rios dc jornais e editoras
-
rior A interven ção pol ítica dos intelectuais inseriu se em uma beneficiados pela expansão do publico " , outros reagiram , "pas -
sando a uma condição de categoria social isolada disputando
conjuntura de recriação institucional . Em larga medida o mesmo
- .
, ,

sucedeu nos anos 60 . a sobrevivê ncia no concorrido mercado urbano rccé m ativado
e a participação no sistema dc hegemonia no espaço p ú blico
da nova republica (Sevcenko, 1983: 228 ) . Onde haviam con -
'

Uma vocaçáo para elite dirigente tado com um encaminhamento volunt ário no sentido da moder -
niza çã o política , n ão viram sen ão pol í ticos que , no dizer de
À geração dos anos 25 - 40 n ão solicitou a m ão protetora Lima Barreto , manifestavam o para íso das mediocridades \
"

-
do Estado ; ao contr á rio , mostrou se disposta a auxiliá- lo na cons- a “ preferê ncia dos atributos inferiores" , " uma seleçã o natural
-
tru çã o da sociedade em bases jacionais, Participando das fun - invertida e , segundo Euchdes da Cunha , o reino da " imbeci
lidade triunfante " ( ibid . ; 146 - 88 ). Tal ressentimento demons-
ções publica* ou n ã o , manteve uma linguagem que é a do
poder . Ela proclamou , cm alto c bom som , a cua vocação para tra o horror desses intelectuais diante de um regime quc1 sob
dice dirigente . o pretexto dc uma " política de governadores" , se entregara

Essa gera ção esforçou - se , assim. , para romper com duas aos acordos entre as oligarquias regionais , como também diante
experiê ncias que marearam negativamente a história intelectual dc uma ostentação insolente das fortunas A geração dos anos
antecedence : a depend ê ncia perante o Império c o isolamento 20 , confrontada com uma rep ú blica incapaz de constituir a
no in ício do século XX . Em contrapartida , tentou reatai com na çã o , ahmentou - se ainda desse ressentimento . Por é m inspirou -
uma terceira: o prest ígio das elites de Estado, que caratterizara se tamb é m no que fora em Lima Barreto e Euclidcs da
rodo o período do Império. Cunha por exemplo
, uma reação ao isolamento: uma von -
A condi ção dc depend ê ncia , particularrnente durante o
.
tade dc colocar a literatura a serviço da recupera ção da nacio
i

-
reinado de D . Pedro II . consistira em mecenato, patronagem nalidade " e de fazer dela um instrumento de transformação
e honrarias , comportando ( j á naquela é poca ) a outorga de social e política. Essa foi també m a experiência do início do
empregos p ú blicos aos escritores , mas també m seu cnciausura
mento no círculo das elites sociais. " O Estado e os grupos diri -
- 6 Sobre Aí traitslormaçO^í <io ptihlico e i mulriplicaçio dc editoras vcl Micch . 1979
M 25

século: a ambi ção de fazer com que "sc apaguem as fronteiras Em 1914 , Alberto Torres, que fora presidemc do Estado
tradicionais entre o homem dc letras c o borricn dc ação , entre do Rio de Janeiro e membro do Supremo Tribunal , publicou
o escritor profissional e o homem p ú blico e entre o artista c a O problema nacional brasileiro verdadeiro apelo aos intelec -
sua corn unidade " ( ibid . : 232 ). Paradoxalmente , esses autores tuais para que se integrassem , enfim , á nação a que pertenciam ,
isolados e humilhados tornsram -sc porta vozes da nação , como
se estivessem encarregados de lhe dar forma e preparados para
- À o lira parte de uma constatação :

Á vida cerebral do Brasil gira cm torno dc dois returns: o mundo dos inielet -
colocar -se na posiçã o do p o d e r A gera çã o de 1920 considerou - ruaií í t> dos governam rs; tw escrisoTcs. professores , homens dc Jciras c dc ciê n -
se herde ira tamb é m dessa postura: ao reclamar do Estado uma
verdadeira autoridade , tomou como ponto pacifico 0 fato de
cia , os araste no primeiro grupo ; m pol ítico®, os administradores , os Emuo na
rras , no segundo ( Torres . 1933a: 179 )
-
que sua missão era , primeiro , política .
Esse sentido de uma missão a cumprir sò pode ser enten
dido a luz do papel desempenhado pela elite administra uva
- Esses dois mundas levam urna “ vida inteiram eme alheia
â vida da sociedade , [ o que ' se reflete , entretanto , no pcnsa -
durante o Império , 5ch após a Independê ncia , o Brasil escapara me mo de todos , sob as formas do diletantismo c do pessimis-
mo ( ibid , ) . Deixando- se envolver peta sedu ção das mod as
r
dos sobressaltos ocorridos em outros Estados latino - americanos,
P

.
isto sc deveu em grande parte à sua burocracia , Uma burocra - europeias e pelas sí nteses eclé ticas , comprazendo-se cm uma
1

cia dc formaçã o m ú ltipla : composta , de in ício , por magistra - imaginação passiva , dc simples forma , puramente verbal ( ibid.:

.
dos _oiiur d iv da Universidade de Coimbra , integrada , ern
,

seguida , por advogados e outros membros dc profissões liberais


-
219), os intelectuais condenavam se a uma condição med íocre ,
cm lugar de exercer a influência que corresponderia ã sua missão.
— mas sempre influenciados pelas tradições de JPorrueal — ,
essa burocracia contribuiu poderosamente , graças à sua coesão ,
IntelcctLiais. porém c , cm geral homens de leras, estio longe de ocupar a
, ,

posição que Jhe.í compere na sixrcdadc bíasileira , Não tormam , at é hoje , uma
para consolidar os fundamentos do Estado e configurar uma torça social . A inrdcctualidade brasileira levou ao último csuemo essa atitude
ordem nacional . Ela forneceu , assim , o modelo de uma camada
,
de impassibilidade perante a iom pú blica ( ibid , ; 2 ] g ),
social que , sem d ú vida , teve de compor com os interesses eco-
-
Tornar se uma "foiça social" supunha nada menos que


nómicos regionais , mas tirava proveito da diversidade destes
para afirmar um poder que se fundamentava , n ão na represen
ta ti vi dade , mas numa unidade ideol ógica notável ( Carvalho ,
- " traçar a pol í tica ' ’ do país , tomando consciê ncia dc duas tarefas
urgentes do momento : forjar uma consci ência nacional Mpaá
1980). Os intelectuais dos anos 20 , muitos dos quais haviam conceber a sua polí tica [ do Brasil ) , é necessário formai uma com -
recebido uma forma ção jurídica , n ão estavam inovando quando
se erigiram , sem outro mandato a não ser o derivado de suas
ííè ncia nacional ' ( ibid : 97 )
'

.

c promover a organizaçao
nacionaJ " \ Esrc apelo encontrou consider ável ressonâ ncia: nos
1
"

convicções , em responsá veis pela restauraçã o do Estado e da anas seguintes, Alberto Torres seria visto como o precursor Lncon-
Nação. Pretenderam retomar por conta pr ó pria , e sob outras reste dos pensadores autorit á rios de codas as tendenetas .
formas , a fun ção dc uma elite que soube colocar-se a serviço A partir de 1915 , o nacionalismo invadiu a cultura brasi -
do Estado nacional no século XIX . leira . Expandiu - se na literatura a ponto de tornar suspeita
O processo de conversã o dos intelectuais cm agentes qualquer obra que parecesse manter alguma dist â ncia em rela-
pol í ticos assumiu , a partir de 1915 , o car á ter de um movi - çã o a elek í . Deu origem a associa çõ es onde os intelectuais esta -
-
menta global e realizou se sob diversas formas : vaga naciona -
lista . modernização cultural , ressurgimento ca roliç o , impulso s UukíaratB A reedição dc 193*3
an illiberal . í r ííiriL 2 ai;ii í nafinnil
A i| "
urnlo de outra obra de Albert Tories tupi piLmcrm edj
Ção data de 1913 Utilizaremos a segunda êdjçÉò t , pubí iíada cm 1933
,
-
" Gomo piavam ai re-y Lse ^ dc cerros au tares cjadionodistai diante du pemma em
I Uí I * it pasa rumei se o ponto de partida dessa lirerarura “ romeidisse tarn o n úcleo ^
feca Tatu , .. nado por Mrmie : m Lofearo para ridicularizai os «afeeío* c diLirambos ^
da poder executivo' í ibid . : 231 ) . que prol iteravam i custa ds muda n aciorialLsta .

B S C S K / U F f l OÍ
26 27
X
vam on ip rest- rites , e cujo protó tipo foi a Liga de Defesa Nacio- sensibilidade à descoberta pskanaiírica e , simultaneamente ,
nal criada cm Sâo Paulo pelo poeta Olavo Bilac e que logo exploração dos alicerces da nacionalidade brasileira na busca
encontraria adeptos em outras cidades. A Liga se propunha , de suas maneiras de ser , seus falares , sua diversidade é tnica e
entre outras coisas a confiar ao Exé rcito uma fun çã o educa -
,
cultural e das indefinições que est ã o na raiz da sua inventivi -
tiva na formaçã o de ' ‘ adad àos -soldados ( Ba ía Horta , 1985 ),
"

-
dade ( Câ ndido, 1980: 119 21 ; H . B, de Hollands , 1978), Uma
O nacionalismo també m fomentou publicações , como a Revista modernidade ideológica c ir ó nica , portanto, que mescla o cos -
do Brasil, cujo primeiro editorial justificava a sua fundação mopolita c o nacion .il . mas que representa , sobretudo, urna
pelo " desejo, a delibera ção , a vontade firme de constituir opção pelo nacional . E o que expressa pouco mais tarde M ário
um n ú cleo dc propaganda nacionalista ” , acrescentando: de Andrade:
Ainda nlo ions® tuna nação que sc conheça, que sc csrimc, que se baste , ou. Enquanto o brasileiro não sc abrasileirar c UZD selvagem Os Tupis nas suai tabas
com ma is acerco , somos uma nação que ainda n ã o teve D ânimo de rompei sczi - mm mais civilizadas que nõs em nossas casas tie tida Horizonte e Sã o Paulo.
nhapara a iientc numa projeção vigorosa t fulgurante dt aia personalidade ( ci-
tado por W . Martins, 1977).
.
Rot uma simples raz ão: r ão hã uma Civilização. Hâ civilizações|... j N’ós. imi-
tindo ou reperindn a dvilhaçâo fiantesa , ou a alemã , somos um p íunitivos ,
parque estamos ainda na tase cio mimrásfllô (atado em Schvanzman . Bons -
Os artigos nela publicados test cm unham a efervescência
quer Boíiciny e Ribeiro Costa. 1984 : SO),
politico-cultural do Brasil naquele momento er segundo Alceu
Amoroso Lima , o projeto cie criar um Mestilo nacional de lutas Essa modernidade contraditória trouxe também , pelo
[ que ] é hoje urna necessidade da inteligência c não um esfor ço menos potencialmente , o engajamento pol ítico dos que a
do sentimento (citado por W . Martins, 1978a : 79 ).
3
defenderam : de faio , o debate entre o cosmopolitismo e o
O ano de 1922 t l requentem eme citado como símbolo nacionalismo ocuparia o centro da questão polí tica tal como _
da muta ção em curso . Foi o ano cm que sc produziu a primciFa esta se colocaria nos anos seguintes , O Modernismo mostrou
revolta dc jovens oficiais, os famosos ten emes , cujas rebeliões ainda que o plano cultural e o político são indissociá veis ; trans-
e longas jornadas atrav és do pa ís iriam demonstrar a adesão formar uma nação latente em nação -sujeito supõe um empreen -
da nova geraçã o militar ao projeto de reforma do Estado , de dimento em ambos os n í veis. Raros foram os participantes da
tal modo que este pudesse dar forma à na ção . Data daí igual
mente a funda ção do Partido Comunista Brasileiro ( PCB ), que
- Semana de Arte Moderna que n ão se alinharam , logo depois,
como militantes no terreno
.

també m passaria a subscrever as ambições nacionalistas cm conservador ú U O nacionalismo progressista, NACLONA!iatiojamé -


meados do decé nio seguinte , quando sua direção ir ã passar , tico ou nationalising esclarecido . Menottí del Picchia , um dos
de modo progressivo, as m ãos dc militares e membros das clas- que optaram pelo nacionalismo conservador , menciona a
.
ses m édia ou alta (L. M . Rodrigues 1981: 361 -446 ) . Foi ainda
o momento em que o Modernismo irrompeu no dom í nio cultu -
.
Semana dc Arte Moderna como "o primeiro sintoma espiritual
da transmutação de nossa consciência " ( Picchia , 1935: 268 ).
ral , com _ â realização da Semana de Arte Moderna em São
. O movimento católico organizado nessa é poca cm torno
Paulo ; e quando numerosos intelectuais ingressaram na esfera do Centro Dom Vital , c que seria dirigido sucessiva mente por
do catolicismo, Jackson Figueiredo c Alceu Amoroso Lima , seduziu os intelec -
Espé cie de happening produzido por escritores e art iscas , tuais que , sem d ú vida , simpatizavam com um nacionalismo
entre os quais Má rio de Andrade , Oswald de Andrade , Cassia no ddiberadamentc reacioná rio. À partir dc 1916 . certos bispos
.
Ricardo Menoi ú del Picchia. e muitos outros , a Semana de
Arte Moderna foi, sob v á rios aspectos, um momento fundador .
esforçaram -se para arrancar a Igreja de seus costumes dc sub -
missã o diante do Estado . enraizados durante Impé rio e man -
Aspirando a renovar as formas dc expressão da arre brasileira , tidos depois apesar da separa çã o oficial entre ambos estabele -

,

definiu o conte ú do da modernidade cultural: contemporan ci - cida pela Rep ú blica . Quanto aos intelectuais leitores de
dade ao lado das vanguardas europeias tu runs tas e surrealistas , Joseph dc Mars ire Charles
, Maurras . Hcnri Massis , Léon Bloy ,
28 29

Jacques Maritain c outros — sonhavam corn uma contra revolu-


ção cat ólica . Jackson de Figueiredo acreditava que somente u
- Esses breves coment á rios mostram , em todo o caso . que ,
no espa ço de uma d écada , uma nova gera çã o dc intelectuais
religi ão poderia assegurar a base da na çã o : n ão só descobriu e tornou pú blica a sua voca ção nacional , ruas
ainda divisou o lugar que , naquele momento , poderia ocupar
A \ erdade religiosa c i alma mesma da Piima . a base cqá rjtua] da nationalL -
-
dad e , a única foiça que , desde os nossos prim órdios , fet a coesio , a unidade
entre os elementos mais díspares ( errado por Sadcf 1978: 107 ).
dentro da nação. Nesses escritos sobre o presente c o futuro
do Brasil encontra - se , de fato . a questão permanente dos pró-
prios intelectuais , sua posição r sua fun ção. Neles reaparecem
A pró pria cultura devia tornar - se seu ve ículo (Figueiredo , sem cessar os termos intelectuais ' ’ , "intelectualidade ” , * inte
44 i

-
1924 ): Alceu Amoroso Lima transformou - se ern guardião vigi - .
lig ê ncia ” ou intelligentsia Aliás, a palavra ‘ ' inteligê ncia ” ,
lante de uma ordem moral e , apó s 1930 , em incansá vel defen - cm portugu ês, nem sempre se distingue de intelligentsia : mas
^

sor da tutela dalgrejalõbre o ensmo p ú blico. Muitos mem - esta fora de d ú vida que os que a utilizam consideram -se perten -
bros dessa correnre , inclusive Amoroso Lima , ingressariam centes a uma categoria social específica c que esta categoria £ T

depois , de í orrna duradouta ou nao , no movimento integral ista antes de tudoT uma elite dirigente.
de 1933. Para os nacionalistas conservadores e autoritários , por sua
À pressão antiliberal , por sua vez , acompanhou a difusã o vez , o elitismo fundiu - se corn a representação que faziam do
dos diversos nacionalismos. G liberalismo , daí em diante , tam - social. Gustave Le Bon com sua Psicologia das massas marcou
bem seria tido como produto importado , inadapt ã vcl ao solo
brasileiro. Foi ao liberalismo que Alberto Torres atribuiu o fato
- -
presen ça: em 1917 , disputava se a obra nas livrarias ( W . Mar -
tins, 1978a : 104 ) . A rela çã o massas elites jnyadiu o pensam en to .

de que , no Brasil , a política fosse “ de alto a baixo , um meca - pol í tico. Afirma Oliveira Víanna!~
nismo alheio à sociedade , penurbador da sua ordem , comrano
ao seu progresso ” ( Torres , 1933a : 183 ). Num dc seus primei - À realização dr um griodt ideal nunca t obra coletiva da mas ça . mas sim dc
ros livros , publicado em 1922 , Oliveira Vianna , que se tornou uma dite dc um grupo dc ama claisc . que com fit sc identifica que poi <!<
, ,

um dos rnais not á veis teó ricos da organiza ção autorit á ria , assim peleja (citado por Medeiros lsrS : 94 ).
,

m
se expressou : • * os elementos liberais ( .. . ) inspiram -sc em teo
rias e ideias exó ticas c refletem as campanhas polí ticas que agi -
- Azevedo Amaral acreditava que , para o despertar das massas ,
c preciso que vobct das se exerça a ação deflagrtdofa da mtdiigéíida e da von -
tam eni ão o cenário europeu e o americano \ Diz ainda: " En *

tre nós , liberalismo significa praticamentc , e de fato , nada


- tade de dom ínio que só ?c eacontram como dementos do psiquismo das mino-
mais do que caudilhismo local ou provincial ” ( O. Vianna .
rias ( ibid .: 94),
1922 b ) . Em obra posterior , publicada em 1930 , afirma que " a Pl ínio Barreto presta homenagem ao católico Otávio de
rever ê ncia à Democracia ( ... ) n ão pode estar no espí rito dc Fana por ter estabelecido , em Macbtavel e o Brasil, que n ão
qualquer homem com dois dedos dc senso comum ” ( O. Vianna , há outro rem édio para “ os nossos males ” senão “ um esforço
1930 : 17 ) . Nem todos os intelectuais romperam de maneira t ão -
sobre humano para criar uma grande elite de cultura e ci ê ncia ,
gritante com a vertente liberal da historia polí tica brasileira .
Rarosr entretanto , foram os que n ão constataram sua degeneres-
capaz de ir aos poucos dominando , de tal modo que a influê n -
cia sobre a grande massa ir á cada vez se tomando mats l ã cil ” .
cê ncia sob a Republica , o que constttmu um dos temas favori
tos dos ensaios sobre o Brasil r ao longo desse período . Se ,
- Ressalta ainda a urgência de "civilizar por cima , civilizar os
que est ão em estado de compreender ” ( citado por Sadck , 1978:
em sua quase totalidade, os intelectuais mantiveram se cautelo - - 148 " ).
so ? quando a Alian ça Liberal acionou a Revolu ção de 1930 foi
por temerem , dc in ício , que ela representasse apenas uma nova
.
lL A citação dc Barreto foi tx íliída tie um anigo da stçto "Livros Novos . do jorna]
expressão do liberalismo. O Euatfo 4< S . Páuh, dc 2 3 / 9 / I 9 3 I .
30 31
K
O elitismo n ão foi , portanto, apan á gio exclusivo dos nos - As tMsformaçôcs não se operaram pek ação da mentalidade primitiva das
t lgicos dc um Estado todo- poderoso , nem da ordem crist ã .
á multidões c dos seus l íderes , mas pela LrJduència daí ci ências c das artes, filóso-
Àtc os “ liberais " estavam convencidos dc que a Rep ú blica se fos pcsquhadoies. dentistas, engenheiros , arriscas ( ibid . : 25 ) .
mostrara incapaz de formar as elites necessárias a qualquer
moderniza ção . A este respeito , basta consultar a pesquisa sobre
Martins de Almeida afirmou que “ a capacidade governa -
o ensino p ú blico realizada em 1926 por Fernando dc Azevedo, tiva do homem atual depende de conhecimentos especiais , de
encomendada pelo jornal O Estado de S . Paulo: ela declara cultura sociológica * de ideias sistematizadas, de concepções inte -
que "a preparação das dites intelectuais procedeu sempre , e lectuais" ( citados por Sadek , 1978: 87 ), Segundo Câ ndido
cm toda pane , a instrução das massas’ ' ( citado por LR . Car - Mota Filho , " todo homem dc Estado na sociedade moderna é ,
mais ou menos, um sociólogo" ( ibid.: 87 ). J ã M á rio dc Andrade
doso , 1982 i 3 G ), Fernando de Azevedo, urn dos promotores
da futura “ Escola Nova " , foi mais al é m ., enfatizando que toda
.
-
expressou se por meio de um chiste: a sociologia é a arte de
1

salvar rapidamente o Brasil " ( ibid , : 81 ). São maneiras de pro -


democracia repousa , dc fato, na seleção dos melhores ;
clamar que entre o of ício de intelectual e o de governante ex í ste
À democracia consiste praticametice .
, no "governo do povo prio povo " ,
tt í o uma profunda semelhan ça . E i am bem maneiras , pelo menos
o que em ú ltima análise , ê uma ticçãur mas no govern o por ele mentos *‘di reta -
. por parte de certos intelectuais , de declarar diretamente sua
menre " tomados do povo c preparado® pela educaçã o . Nio há salvação para a candid atura a postos dc direção pol ítica .
democracia senã o na caolha e pda escolha de capacidades O problema da edu - .
E dc fato n ão faltaram lan çamentos de candidaturas. Não
cação sobreleva por isso, em alcance social c pol í tico, a rodos os outros proble -
,
pretendemos aludir apenas brevemente ã participação dos inte-
ma ri uma repú blica decidida a entregar seu governo a uma "ariiiocracu dc
^
capacidades ' ( ibid : 49).
lectuais na organiza çã o do regime de 1930 e nos movimentos
— -
r1
.

políticos voltaremos ao assunto mais adiante . Por ora , dese


A criação da Universidade de São Paulo , em 1934 , dois jamos salientar que essa participação foi objeto de lima reivin -
anos após a derrota sofrida pelos pau listas em sua revolta dicação expl ícita. Assim o manifesto com o qual Pl ínio Sal
,
-
armada contra o novo regime , faz parte do programa de gado inaugurou a A ção Integralista Brasileira (AJB ) em 1932
transformação pol í tica mediante a constituição dc novas elites. menciona a necessidade de uma " participação direta dos inte -
F possível que esta visão elitista existisse , em grau maior lectuais no governo da Rep ú blica" ; Ot á vio de Faria , Câ ndido
ou menor em outros pa íses na mesma é poca , mas , prová vel
,

mente , n ã o de forma t ão ampla nem. t ã o estreitam ente ligada


- Mota Filho c Afonso Arinos de Melo Franco apresentaram -se
como mentores intelectuais " dos governantes q Oliveira
i

à concepção da própria pol í tica . No caso brasileiro , essa visão Vianria e Azevedo Amaral , como inspiradores da alta adminis -
elitista implicava n ão só o respeito por uma hierarquia social , tração.
herdada ou adquirida , mas determinava também a rcorização Essas tomadas dc posição exigem vários comentá rios . Em
da pol ítica tomo compet ê ncia : a arte de governar relaciona -se muitos casos , traziam , dc fato , a marca da origem social dos
com o saber cientifico . Também essa afirmaçã o n ão foi privil é
gio dos pensadores autorit á rios , embora estes tenham sido, sem
- intelectuais , como observa Sé rgio Miceli a propósito dc Aze -
vedo Amaral , Afonso Arinos , Otávio de Faria , todos descenden -
d ú vida , os mais explícitos . No dizer de Azevedo Amaral: tes de grandes fam ílias do Impé rio ou ligados â elite adminis
trativa ; o mesmo se aplica a Oliveira Vianna , Gilberto Amado
-
A própria natureza caecciaJ da ação pol ítica é dc ordem tnrekciuaL isto c , e outros , procedentes de fam ílias de grandes propriet ários ( Mi-
exerce -se pelo domí nio da intelig ência de minoria® privilegiadas ieicbralmcnrc
sobie maiorias inrdccndmeme inferiores (atado por Medeiros, 1971: 97 ), -
ce!i , 1979: 166 7 ) , Seu elitismo foi socialmente marcado.
Esses intelectuais , entree a men advogavam sobretudo cm
Segundo Francisco Campos , primeiro Ministro da Educa
ção do regime de 1930 e protagonista eminente da transi çã o
- causa própria . N ã o pretendiam falar cm nome dc nenhuma

para o Estado Novo: J"


Segundo a « pressão de 5 . Mkcb {Micclí, 1979- 1.60 ) .
'
32 33
l
classe soual determinada criticaram a oligarquia e a burguesia ,
, ganização" institucional que , cm larga medida , representava
n ã o mostraram nenhuma simpatia pelos ‘ ‘setores médios ” c o oposto de uma revolu çã o política , uma vez que continha,
-
menos ainda desejaram idcntificar se com eles . E preciso frisar nas entrelinhas , a inten ção de anular a dimensão do pol ítico .
Resta que , como se acreditavam elites dirigentes , quais-

I
que *rus escritos n ão fazem mais que raras referencias às classes
médias e , mesmo assim , em geral , de maneira singularmcnte quer que fossem as suas opiniões sobre o Estado anterior ou
depreciativa , como se estas, representadas por funcion á rios de posterior a 1930 , falavam a partir de uma posi ção hom ó loga á
nível medio c bachar é is , simbolizassem a in é rcia e o servilismo do Estado . Preocupando-sc com a elaboração da cultura brasi -
induzidos pelas estruturas olig á rquiais. O mesmo aconteceu leira , n ão tinham consciê ncia de negligenciar o problema pol í -
com os intelectuais das geraçõ es posteriores: o Brasil n ão é tico: estavam simplesmente convencidos dc que a essê ncia do
como outros países da Am é rica Latina , onde se depositam a.s pol í tico era o processo que conduziria ao advento de uma iden -
esperanças numa modernização baseada na ampliaçã o dos seto - tidade cultural .
res m édios Na melhor das hipó teses , estes sã o vistos com con -
.

descend ê ncia .
Na realidade , os intelectuais se comportaram como os Os fundamentos da legitimidade
tenentes . E certo que estes provinham , com frequ ê ncia , de do poder intelectual
uma origem social relativamente baixa 13, mas n ão se portaram
de modo algum como vanguarda das “ classes medias ' ao Para justificar suas pretensões, era necessá rio ainda que
contrá rio do que . por muito tempo , se afirmou —
nem procu -
raram apoiar - se cm outras classes sociais . Os tenentes també m
os intelectuais pudessem mostrar t í tulos , o que de fato n ã o
lhes faltava . N ão eram títulos obtidos por procedimentos de
pregaram a supremacia dos valores elitistas e nacionais , aspi - habilitação formal , à maneira dos letrados chineses , nem diplo -
rando assim a demonstrar que era possível superar as determi - mas de “ profissionais dos tempos modernos Consistiam
'

na ções particulares e , desse modo , agir exclusivamente em fun - na posse dc um saber sobre o social , reconhecido e valorizado
ção dos interesses da na çã o ( Fausto , 1972 ) . Intelectuais e tenen - por amplos setores da sociedade. Assentavam , simultaneamente ,
tes dveram , assim , uma atitude semelhante : agindo como ava -
- na capacidade de definir o social e dc explicar as condições da
listas da unidade nacional , firmaram sua presença como catego - sua organização. Falamos de “ legitimidade" no sentido dc
ria “ socialmente sem ví nculos" 14 . que os intelectuais retomaram por conta própria concepções
Quanto aos intelectuais , não convé m superestimar o cará - do social j ã presentes em outros grupos sociais e . sobre essa
ter pol ítico de suas atitudes at é as vésperas da Revolução dc base , elaboraram “ o campo do pensá vd ; em outras palavras ,
1930 , Mencionamos ames que . com raras exceções —
constitu í- a problem á tica leg ítima " iBourdieu , 1979: 465 ).
Não existia ainda no Brasil uma tradição universit á ria .

das sobretudo de pensadores mineiros , n ã o se imiscu íram

— —
——
T I O movimento revolucion á rio O motivo n ã o reside apenas no
. Havia escolas superiores sobretudo dc engenharia c facul -
fato de lhes parecer , de in ício , que este anunciasse a um retorno dades especializadas de direito , por exemplo * algumas
ao liberalismo: outra razão foi privilegiarem , como prioridade , das quais aJcamente prestigiadas. Quanto à criação de universi -
a interven çã o no domínio cultural . Sua formação não os prepa - dades, poré m , prevaleciam as reticências . Nos anos 1880 , os
rara para imaginar que uma revolu ção pol ítica pudesse alterar positivistas fizeram uma campanha contra todas as iniciativas
em profundidade a “ realidade nacional " ( L . L . Oliveira , 1980: nessa á rea . temendo que se fornecessem ao Estado os meios
432 ). Antes , os estimulara a se manifestar a favor de uma “ or - de assegurar sua tutela sobre o ensino superior . Apesar dc tudo
isso , em 1920 foi fundada a Universidade do Rio dc Janeiro ,
12
O grande passo , contudo , só seria dado após 1930 , com a cria -
Sobre a rcx ruuunenro dos «tirares , ver José Murilo de Caralho (Carvalho , 1077 :
-
181 253).
* Segundo o conceito de Weber , retomado por K. Mannheim
' 14
-
Ver os estudos de Max Weber sobre a burocracia ( Weber, 1 % 1 : 240 4 ).
34 35
\
çao da Universidade de Sã o Paulo em 1934 e da Universidade positivista nio aparece ai por acaso; uma influencia que n ão
— —
cia
Federal em 1937 , substituindo no Rio de janeiro a Universi- implicava longe disso uma fidelidade estrita à doutrina
y dade do Distrito Federal que a precedera . de Augusto Comte Ali . ás , desde os anos ISSO , o sucesso dessa
Sendo assim , os intelectuais não dispunham de um princí - doutrina se deveu muito menos aos seus disc í pulos ortodoxos
pio de identidade que remetesse a v ínculos institutional. Não — como os agrupados na igreja positivista do Rio de Janeiro
& V A sc situavam em, um cairipó aut ó nomo , com suas hierarquias e
estrat é gias alicerçadas em crit érios relativamente est á veis . Não
— do que aos seus propagandistas ruais livres , que lhe deram
repercussão na Escola Militar c nas escolas dc engenharia , e aos .

atuavam , tampouco, no sentido de consolidar as liberdades e políticos do Rb Grande do Sul , que nela foram buscar inspira *

os direitos tocantes â condiçã o universit á ria . N ã o apresentavam ção l \ E com razão , pois nos anos 20 o positivismo remeda ptin -
reivindicações do tipo " democratiza ção e participação , como
11
cipalmente a ideia dc que , i pol í tica e a ciê ncia est ão associadas :
seus homó logos argentinos a partir do movimento de Có rdoba , a sociologia c a apreensão das “ leis científicas necessá rias' \
ou seus hom ó logos chilenos em consequ ê ncia do movimento que fundamentam qualquer possibilidade de previsão , uma
dc Santiago , O eco das reformas de Có rdoba repercutiu entre vez que , segundo Littr é, “ as previsões são tanto mats seguras
os estudantes do Rio de janeiro , que por sua vez tecla matam quanto mais conhecermos e obedecermos a essas leis " (citado
a “ constituição de uma universidade moderna , laborat ó rio de por Nicolet » 19 S 2 : 206 ). Assim , Azevedo Amaral preconiza “ a
valores morais c mentais , em contato direto com o povo , do investigação positiva do desenvolvimento sociol ógico " ( Aze -
qual est á divorciada h ã longo tempo devido à sua estrutura vedo Amaral , 1930: 17 , citado por Medeiros , 1978: 133 ) c Oli -
medieval e retardarária " . Citando o manifesto dc Có rdoba , veira Vianna declara - se positivista quando aplica os m é todos
denunciam "o direito divino do corpo docente ’ (Portantierro , '
das ci ê ncias naturais às ciê ncias sociais . Em geral , a perspective
1978 : 228 ) . Este texto , por é m , c tardio : dc 1928 .. E sobretudo
mal - enfocado , porque foí redigido num momento cm que a
da "organização social " que orientou muitos desses pensado
-
res situava se dentro da corrente positivista .
-
quest ão consistia cm transformar o ensino superior dc modo Entre os intelectuais autoritá rios, entretanto , esse positi -
que He formasse verdadeiras elites. Na verdade, o intelectual vismo veio mesclado com todas as teorias em voga na Europa
brasileiro apresentava , com u mente três perfis: ode advogado entre as diversas correntes da direita revolucion á ria (Stern-
" "
4

(eram numerosos ós doutrí n ários de tendê ncia autorit á ria com


~
hell, 1978 ). O darwinismo social , o cvolucionisroo dc Spcnccr ,
forma ção jurídica ); o de engenheiro ( frequentemente caractcri- as concepções de Vacher de Lapougc ou dc Gumplowicz , a psi -
zado pelo positivismo t inclinado para uma visão t écnica do cologia das massas de [.ê Bon constituem , tanto quanto o posi -
poder ) J 6 e . é claro , o de homem de cultura . tivismo , a base de seu ciem ifi cismo . Citemos apenas um exem -
Vemos assim que o avan ç o dos intelectuais operou se , - plo: Azevedo Amaral Em Darwin , encontra ele “ a base só lida
.
em larga escala , sob o signo da ciê ncia Assinalamos mais acima \
para uma interpreta ção dos fen ómenos sociais em termos bioló -
as constantes men ções à sociologia , ao mesmo tempo como ciê n - gicos e para a orientação dc uma política verdadciiamcntc cien-
cia do social e cgmo _cíé ncia do governo . Elas est ão oní prêsen - tifica ( Azevedo Amaral 1930: 58 60 , citado por Medeiros , -
tes nas obras dc Alberto Torres e reaparecem també m , scra ces- 1978: 135 ). Pretendendo criar uma " biossociologia c uma
i 11

sar , nos escritos dos intelectuais autoritários, sobretudo dos que


4
bioeconomja " , refere - se à “ eugenia " , isto é:
4

f, n ão pertenciam ao movimento cató lico . É claro que a influ ê n - a aplkaçáo prá tica ,, à vida social , das noções adquiridas pela ciência da gen é rica ,

-
[ que ] deikxuu as questões atinentes ao desenvolvimento sociológico do plano
A hgnr - d -i.i engenheiro aparece , cm nwnciMS obras , como sStnbob da apropriação
, do fatalismo e do empirismo (MnkitDS. 1978: 136).
-
crcmco dennin. a elo feífitóriu brasileiro. " A nossa engenharia. n ÂO icm desiino mais.
'

-
ntibrí e mais ú dl que esra conquista lad úfill de nossa teria " , escreveu Eudtdes 4ia
Cunha que ah ãi ms.riifeitou sua admiração pelo engenheiro milhar Câ ndido Ron
,
-
cenkú , 19BJ * Hl }.
-
dori . o qual LAN çn bu íra para Lniejgiar o fururo icrrir õ rio de Rondôtlil ao Brasil ( 5er Sobre a htsrôna dn positivismo brasileiro , remetemos ,
Ivan Lm.s (Uns , 1 %^ ) c át Crua Cosia ICWIA, i % 7 l
ertLfe imimeras obras , is de
56
37
A propósito das classes sociais, formula a seguinte hipótese:
WT:nuação do caminho Tcpi só se dari pela ausência de imposi ções temá ti -
As classes st cansuiuero segundo os traços peculiares da organização biopsiquica - -
cas , de imperativos ideológicos. 0 arbí trio mrmal n ão pode sobrepor se is fata
do* grupos ongmanamente incorporados úI sociedade , t tuja persist ê ncia c assc’ .
lidades cósmicas , étnicas , sociais ou religiosas (Vtlloso. 1983; 63 )
gurada pela iraõsmissSo heredit ária dos B CSRQC plasma £crmir
dvo ( Azevedo Amaral . 1930. citado por Medeiros. 1978 136). Mas a moda tupi foi bem alem dos setores dc direita .
Aproveitaram , enfim , esses esquemas para devolver aos
Esses empréstimos não sào exclusividade de Azevedo Ama -
.
sentimentos e à afetividade o seu papel na constituição da nação.
ral ; encontram -se ainda mats n ítidos nos escritos de Oliveira
Vianna onde sc traduzem numa mistura dc determinismo,
,
Os cat ólicos c os futuros intcgrali stas foram os mais encarni ça
.
-
dos nessa tarefa dc reabilitação , que deveria assegurar o triunfo
racismo c nacionalismo . sobre o materialismo . Jackson de figueiredo c Alceu Amoroso
Da mesma forma que na " direita revolucion á ria " euro- Lima dedrcam - sc ao elogio do sentimento religioso. O mani -
peia , tal ciemificismo combina -sc com o nacionalismo. Nesse festo verde - amarelo atribui ao elemento tupi "a prodigiosa
aspecto , Georges Sorel foi um dos guias. Deier Azevedo Ama- força c bondade do brasileiro e o seu sentimento dc humanida -
ral extraiu os elementos para um revolutiontsmo ' ' que pro
1
- de" ( ibid . : 60 ) . Menotti dei Picchia faz da "bondade, a gene-
clama " o cará ter descontínuo do progresso social , a fun ção da
vontade na determinação das diretrizes desse progresso c o
rosidade , a capacidade para o trabalho, o espírito de fraternida -
de" as "caracicristicas essenciais " do povo ( Kicchia, 1935:
papel da ilusão m ítica como propulsora das atividades revolucio- 195 ) , Já Cassiano Ricardo enfatiza " a cordialidade " inerente
n árias ( ibid . ; 138 ), ao povo brasileiro. Essa qualidade logo se transformou em este -
' '

Assim , foram in ú meros os intelectuais brasileiros que par - reótipo. Sé rgio Buarque dc Holanda , que n ão pertence ao ,
ticiparam do assalto contra a razão triunfante do Uuminismo campo dos autorit á rios , ir á fazer - lhe uma contribuição , consa -
e os valores universalistas por ela criados. Nas teorizações biosso
ciológicas , colheram diversos argumentos que servem à sua causa .
- grando um capítulo do seu famoso Raízes do Brasil, publicado
cm 1936 , ao " homem cordial ” , cujo " fundo emotivo extre-
Encontraram primeiro como escorar o elitismo. Nesse mamente rico e transbordante" explicaria a preferê ncia pelos
pomo, todos estavam longe de seguir Oliveira Vianna , que sc
empenhou explicitamente , cm Populações meridionais do Bra -
comportamentos afetivos sobre os comportamentos impregna
dos de ritualismo (S. B. de Holanda , 1981 : 167 ) . Para al ém
-
sil, na tarefa de traçar uma genealogia racial da desigualdade dos estereótipos, tratava -se de mostrar a existê ncia dc um ví n -
social , e que opôs la nossa alta classe rural", portadora do ' ca -
' 1
culo social não- pol í tico que une até mesmo dentro da mais
rá ter ariano da classe superior ” , às "camadas plebeias" , corrom - acentuada desigualdade.
pidas pela " profusa mistura dc sangues inferiores" ( ibid ,: Significaria isso que muitos intelectuais brasileiros levaram
-
188 9) * Raros , porémT foram os que n ão aderiram a uma visão as afirma ções da direita revolucioná ria às ultimas consequências ?
da seleção natural das capacidades , que justifica o direito dc
uma minoria a impor sua lei à maioria .
Estavam longe disso , mesmo os que tendiam para o autorita
rismo. Conservaram apenas o que lhes servia para confirmar a
-
Em seguida tiraram partido desses raciocínios para glorifi - sua própria missão .
car a especificidade nacional . Gra ç as às suas ra í zes pró prias , o Tampouco estavam dispostos a fazer muitas concessões
Brasil possui uma identidade que nada tem a invejar dos pa í - ao "poder das massas " . De bom grado reconhecem nelas uma
ses centrais . A exaltação da origem tupi da na çã o esteve em energia potencial , mas para logo acentuar , como faz Azevedo
voga entre autores de todos os matizes. A corrente verde -ama- Amaral , os limites dessa energia :
rela , emana ção direitista do Modernismo, reunindo homens
como Pl í nio Salgado , Cassiano Ricardo, Mcnotti del Picchia Ai massas, embora contendo em si cm estado potencial as enetgias passionals
- todos futuros adeptos do integralismo — , fez dela uma espe
cialidade . Seu manifesto enunciava:
- da sociedade , caraacnzam -sc por unia incida psíquica que as condena a perma -
necerem mdefiflidamtntr em uma posição dc equilíbrio e^ pirirua! está vel , du
qual espontaneamente apenas se afastam momentaneamente sob a influê ncia
39
3H

de e ^ imulos insurer ivos, para Míamaiem a dc rmcdisiamcntr apo? uma sé rie


tie ascikçto dc pequena amplitude e sem eoosequénàa.4 sobre a estruma gctil
o compositor oficial do regime — inspirando- se na m úsica popu -
lar . O romance regional is ca tornou-se um. instrumento de conhe-
da sociedade ( Azevedo Amaral, 1931 * citado por Medeiros . 1978: 94 ) cimento do pa ís , Gilberto Frerre contribuiu para dignificar
codas as formas de praticas populares . Desde o Manifesto regto -
^

JsJão puderam també m avançar demais no sentido das


-
explicações gen érico raciais* Isto significaria , como em Oliveira
Vianna , correr o risco de retornar á s anngas ladainhas sobre as
naíuta de 1926 ., j ã proclama como possuidoras do mesmo valor
codas essas pr á ticas: "Não há um povo quando as suas muJhe -
desvantagens de uma naçã o cujo povo é composto de gente
rrs falta a arce culinária . É uma falta quase t ão grave como a
de todas as procedê ncias , c n ão apenas de tupis e portugueses.
da fé religiosa " ( Manifesto regionulisia de 1926 . 1952: 17 8). -
N ã o deixaram , porém , de levar cm conra essas explicações: esses
Tudo isso converge para a definição da "identidade brasileira " ,
fatores biológico-étnicos seriam indicadores de uma realidade explicitação desse ' " mconscience nacional " de que o povo é
oculta c de leis da evolução que n ão se poderiam ignorai sem portador , dCom.o o povo c inconsciente , é iatallzado (sic ), n ão
í

recair no artificialismo das consecu ções dos intelectuais de for - pode errar " , observa M á rio de Andrade ( citado por Concicr ,
ma ção tradicional c dos liberais , Com maior frequ ê ncia , por ém , 1985: 27 ) , -
Essa tomada dc consci ê ncia das raizes culturais p ão exclu í a
deslocaram a analise dessas teorias para se situar no plano da
cultura .
a intervenção do intelectual no sentido de fazer o povo ingres -
Voltamos , com isso , ãs qualificações reivindicadas pelos sar na era da civilização. Pelo contr á rio: jã mencionamos a senha
"civilizar por cima " , formulada por Ot á vio de Faria . Esta cons -
intelectuais. Tinham uma voca çã o dijigentc porque conseguiam,
,

melhor do que qualquer outra elite , captar e interpretar o_s tituiu a outra venente da constru ção da identidade nacional.
Os intelectuais autorit á rios foram , rnais do que os outros , seus
sinais que demonstravam que já existia uma nação inscrita na à-
adeptos declarados . Em 1929 ., escreve PI í_nlo Salgado que lcabe
!

realidade mesmo que ainda desprovida de expressão cultural


,
ao intelectual efetuar um trabalho de evangelizaçã o", incul -
e política: do implícito, vangloriavam -se dc ptoduzir o explícito.
Por sc tratar primeiramente de cultura , a iniciativa lhes
cando no põvo um sent íTnetitõ de " resist ê ncia nacional " ( ci -
cabia . Esta supunha que se recolhessem os fragmentos esparsos
tado por Vdloso , 1963: 76 ) , Oliveira Vianna foi , neste aspecto ,
ainda rriais brutal , afirmando que no momento bastaria apenas
i
da cultura popular, para dela fazer a base de uma cultura bra - ensinar as massas a " ler , escrever c contar " ( O. Vianna , 1951 ,
sileira . Isto vale para todos os dom ínios: tanto para a literatura ,
que deveria ecoar os diversos estilos e costumes , como també m citado por Medeiros , 1978: 194 ) , Vimos , por é m , que os libe -
rais de São Paulo n ão ficaram atrás ao considerar que um povo
para as artes plásticas c a m ú sica . Má rio de Andrade desempe -
nhou um papel de considerável importâ ncia em todas essas
analfabeto não podia ser um povo .
Poré m a conversão do impl ícito em explicit o é uma tarefa ,
á reas. Seu Ensaio sobre a m ú sica brasi/etra é um convite para
se inventar uma m úsica nacional , procurando ouvir as melo -
no m í nimo , também pol í tica . Tanto o positivismo como o dar
winismo social contribu í ram para que os intelectuais fossem
-
dias populares \ Sua obra literá ria , com a aten ção dirigida às
expressões familiares e à sensibilidade comum , sugere os modos reconhecidos como possuidores de um saber político , O pri -
-
.

dc sociabilidade criados pelas estruturas paternalistas. Nome- meiro divulgou a cren ça na efic á cia das ideias c na possibili
ado para a c hei ia do Departamento dc Cultura de São Paulo dade da o í ganiza ção social . O segundo destacou as fontes de
energia no âmbito da sociedade. Trataremos , nas p á ginas
-
cm 1935 , propôs se efetuar um levantamento das artes e tradi -
çõ es populares. Poré m M á rio de Andrade nã o aiuou isolada -
seguintes , das represem a ções do político que foram elaboradas
a partir da í. Por ora, assinalamos apenas que a legitimidade
mente; em toda parte era a hora da Tedescoberta do Brasil ’.
Villa- Lobos atingiu a gl ó ria — a pomo de se tornar , após 1930 , do intelectual provinha da complementaridade entre os trê s
saberes que apresentava : o relativo á dininma das massas cegas ,
Snihie J miiskii C ú píí pf I dc M áiio dc Andrade nesse campo, ver À maLdlo D . Lon - o concernente à formação da cultura e o que tratava da organi -
ticr í Conder. lffBS ). zação do pol í tico . /
40 \ 41

Nau seria , portanto , um cru ísmo afirmar que esses saberes par a par com a submissão do intelectual ao sistema de " favo -
— social , cultural e politico —
conferiam qualifica ção para o res" que constrangia os " homens livres" ( Schwarz , 1981: 13 28,
-
*

acesso à posição tic dite dirigente , pois est ão no pró prio princi- I Franco , 1976: 61 3 ) , Exaltar o " nacional" , nos anos 20 , obede -
pio da hierarquização social , como també m da fixa çã o dos obje * cia , acima dc tudo , ao desejo de escapai dessa dependência e
ri vos polí ticos necessá rios para que a sociedade tomasse corpo. proclamar o advento dos intelectuais como elite autónoma.
" As minorias que sabem , que pensam e que querem " ( A . A . _ Q imperativo nacional teve ainda outra fun ção : permkiu
Lima , 1942: 62 ) estavam naturalmcnte destinadas a canalizar enunciar os critérios de participação leg í tima nessa elite. Não
as massas a faze - las adquirii progressivamente seus direitos de
,

cidadania . No momento não poderia existir uma legitimidade


,
mereciam plcnamtntc o ri tu lo dc intelectuais sen ã o os que atei
tassem esse imperativo , o que n à o exclu ía conrudo, as cisões
,
- *

que exigisse uma representatividade: isso implicaria que o povo internas , ãs vezes muito profundas , Em rela ção ao cará ter pol í -
j á sc encontrasse politicamente constituído . S ó há legitimidade tico do tema do imperativo nacional , tais cisões n ão se limita -
em rela çã o à nação, e nada nnha a ver com uma vontade gerai: vam a uma luta pela classificação , ou pelo dom í nio das regras
era a vontade de uma dite que fomentava as condições para o de classifica ção, no interior de um campo institucional consti - _
3,
surgimento de uma vontade geral . Os intelectuais detinham tu ído ; antes , revelavam os conflitos sobre a concepção da ordem
um poder legítimo devido à sua voca ção nacional. pol ítica . Nào obstante , mesmo relacionados às correntes adtp1
O imperativo nacional n ão se estabeleceu mediante a tas da prioridade nacional , esses conflitos deixavam o campo
nega çã o das ideias c teorias produzidas no exterior: as referen - livre para as pr á ticas de " concilia ção " , essa modalidade antiga
cias à s m ú ltiplas adapta ções locais das variantes do darwimsmo de coexistê ncia e compromisso entre elites opostas e teses con -
social o provam suficien temente . Oswald de Andrade , em um tradit ó rias , numa sociedade fortemente hierarquizada ^. Em
dc seus textos "amropofá gicos \ bem pode instigar a "saltar
1
torno do imperativo nacional , organizou -sc assim um universo
do bonde ' ou “ queimar o bonde " no qual se transportava " a dc debates políticas que , manifestando divisões mas tamb ém
civilização importada " (O. de Andrade , 1982 : 290 ). À seme- consenso cm torno de um mesmo objetivo, conferia aos mem -
I fian ça do movimento modernista , o nationalism o cultural e bros da elite intelectual a possibilidade de um reconhecimento
político caminhava sobre dqas pernas uma autóctone» a outra , m ú tuo baseado na mesma voca ção. Disso , por é m , cambem
ainda e sempFêTTjastante europeia . Comentando o exemplo resultaram formas de exclusão, afetando tanto os indivíduos
do irí tcgrahsmo , Man lena Chauí considerou o recurso à autori - quanto as ideias. Essa ehre nacional aceita as profissões de fé
dade das ideologias estrangeiras como inerente à s elaborações region alistas, mas n à o encoraja as que expressam fidelidade a
autoritá rias brasileiras ( Chauí c Carvalho Franco . 1978 ' ). Ape - •
origens nacionais diversas. Em seu romance O estrangeiro , de
sar de todas as negativas, essas ideologias continuavam valendo 1926 , Plí nio Salgado ridiculariza e maltrata os russos e italia -
para legitimar tudo o que aspirasse à qualificação de "saber " , nos que vão abrindo seu caminho em São Paulo em detrimento
O que estava em jogo no debate sobre as " ideias importadas " dos brasileiros . Em Amar; verbo intransitivo. Mário de Andrade
e as ideias nacionais" era aigo diferente: tratava -se da situa -
4 4
n ão fica atr ás , lamentando a proliferaçã o de estrangeiros de
çã o do intelectual em relaçã o às. elites. Roberto Schwarz e Maria iodos os tipos na " pá tria dos bandeirantes" " 1 . Reações de
Sy 1via Carvalho Franco , de formas diferentes , o demonstraram “
primos pobres" ? Ê o que afirma Sé rgio Miceli: o primeiro ,
bem : as ideias importadas " no século XIX

em especial o vindo de uma fam ília tradicional do interior do Estado de São
liberalismo podiam perfeita mente se adaptar a uma socie - Paulo; o segundo , origin á rio de uma família importante pelo
dade que , por outro lado, era cscravagista , porem caminhavam lado materno , mas condenado a estudos incompletos e pouco
Sobre J \ unu!]a çãó «a política brasileira, ver Mercadante ( 1965 ) * soò wudo
*

F - pt .' ialmcr rite comcnrí rn : Acicdiiu que t por st tratai de um pensamento


1
Debrun (1983) ej. H . Rodrigues ( 1982 ).

aurorirà no qiiç h.ã importação de ideias e n ã o poEque h ã ra í importação que um 1
.
Sobre os estereó tipos dos escritores modem is-ta* a respeito do* i rabanos ver Carril i
-
viw pensamento brasileiro lotnar-se ia mimerrtamente autorit ário' ‘ 09S5 )
42 Í 43
prestigiados . Talvez ; mas são també m atitudes pol íticas contra
o que resistisse â nacional e cheirasse a cosmopoli-
integra çã o
ções que permitissem a forma çã o do social . Os pensadores " au
torit ários" foram , sem duvida , os mais empenhados cm defi-
-
tismo , Nada de elogios à “ diferença \ mas uma exigê ncia de » nir os contornos que deveria ter um poder nacional . Mesmo
I
i
r á pida adesão ao imperativo nacional Pouca tolerância para
.

com os intelectuais imigrantes que continuassem encantados


os intelectuais preocupados sobretudo com a “ cultura brasilei -
y ra ” participavam , querendo ou n ão , da elaboração das novas
com o seu passado , mas generosidade na coopta ção , desde que representações do pol ítico .
J
i
surgisse a identificação com a na ção . Foram essas as opções que No dom ínio político, a refer ê ncia ao saber era ainda mais
presidiram à transformação dos intelectuais brasileiros numa
“for ç a pol í tica ” , como desejava Alberto Torres:
das manifesta
acentuada do que no dom í nio cultural . Os intelectuais e teóri -
'
i cos do regime de 1930 concordavam cm querer uma polí tica
vam a presen ça de normas mais ou menos conscientes . que n ào dcLxassc lugar algum à arbitrariedade dos interesses e
A propósito dos positivistas do século XIX . observa Sé rgio paixões democrá ticas. Alberto Torres indica , també m nesse
Buarque de Holanda : "É realmcnce edificante a certeza que caso, os objetivos:
punham aqueles homens no triunfo final das novas ideias ” .
Entretanto , logo coloca esta quest ão: “ N ã o existiria , à base CuotdttLir . por ação consciente, estes movimentos da sociedade, é o grande
dessa confiança no poder miraculoso das ideias , um secreto hor
ror à nossa realidade ? (S . B. de Holanda , 1981: 117-8 ). Os
- encargo da política; eis por que Dão ser á Rimais ocioso repetir : um país não é
realmente uma naçao se não cem um* política. * itt í politico , i política de sua

-
intelectuais dos anos 20 30 não faziam mais que invocar a ” rea-
lidade nacional " : se havia um t ítulo que reivindicassem , era o
terra , de sua taça ou de suas raças , de sua í ndole , de seus destinos: esta política,
superior as politicos doutrin árias ? sempie falazes dos partidos, c instintiva , Tra -
dicional , costumeira nos velhos pabes (Tones , 1933b: 226 ).
dc “ realistas " . A pergunta de Sé rgio Buarque dc Holanda nem
por isso perde a pertinê ncia: o retorno ã s origens tupi n ão ten a
um efeito prolil ã tico contra os males do momento ? E com
No Brasil , é preciso forjá la - " urgememente" .

maior razã o , a nostalgia de uma organiza çã o r écnica da socie -


dade não teria o car á ter dc medida preventiva contra a desor
dem latente ?
- O antiliberdUsmo e a "ideologia de Estado ”

Em diversos estudos , o cientista pol ítico Bol í var Lamou -


nier propõe qualificar as concepções políticas dos pensadores
As representações do fenômeno autorit á rios como uma " ideologia de Estado" ( Lamounrcr ,
polí tico 1974 e 1977: 343- 74 ) ,
A “ideologia de Estado"
,
-
Qpõc sc às diversas ideology
que sc fundam nos mecanismos de ’ " mercadorT7 je}a este defi-
0 _ " realismo" uiunfava no dom í nio pol í tico . _Pa £a_IQf Í0s nido em termos económicos ou em termos pol í ticos. De modo
os intelectuais havia uma ú nica palavra de ordem: dar um fim
ao hiato que a Republica criara entre o " país pol í tico c o
geral , da rejeita todas as t çses que recomendam uma auto regu - -
lação do social .
? f

" pa ís real ' e , assim


propor , instituições que correspondessem
,

A rejei ção dos " mecanismos de mercado pode expressar ,


á " realidade nacional" . A conjuntura n ão exigia que se recor - de fato, duas constatações diferente : ou jã existe um mercado
^ t
i

resse à ‘ ‘ ideologia ’ 7 E verdade que da impunha o uso do " mi -


to ” , no sentido de Sorti , mas iratava -se antes dc levar em
no Brasil , fomentando porém antagonismos ou cisões que amea -
çam ã uhidade da sociedade ; ou n ão existe um mercado , mas
~

conta a sociedade brasileira tal como era . somente uma desorganização profunda . Na maioria dos ensaios
-
O "realismo" , todavia , combinava se com o construtivismo
mais deliberado. O rema da “ organiza ção" pol í tica evidenciava
pol íticos , essas constatações se mesclam em boa medida .
As críticas conrra a burguesia ou contra o capitalismo pro-
o propósito dc fabricar , a partir de elementos vários , institui- vinham da primeira afirma ção : admitiam o surgimento de inte -
45
44
ccmor inspirado pda multiplicação an á rquica dt tntcrcòscs par -
resses contrários, mas viam neles um para a nação. Essas
perigo
criticas foram formuladas tanto pelas correntes católicas como ticuiarcs ou pessimismo devido à desorganização do social: eis
por aquelas mais influenciadas pelo positivismo ou pelo evolu - o que levou grande parte dos intelectuais a aderir a uma “ ideo -
cionismo. Por um lado , declara Alceu Amoroso Lima : “ O logia de Estado ’ ' .
Bolívar Lamounier enumera os componentes dessa ideolo-
regime industrial emp írico é um fator dc degenerescência O . gia ; aspiração a uma constituição org â nico- corporativista da
capitalismo instintivo , levando ao conceito de lucro ilimitado
como base da vida econ ómica , é outro grande fator dc degene- sociedade , verdadeiro motivo central das obras dc Oliveira
rescê ncia " ( Amoroso Lima , 193 1, citado por Medeiros , 1978: Vianna c també m de numerosos autores católicos; privilegio
315 ) . O mesmo autor louva o integralismo por suas posições
concedido ao “ objenvismo lecoacxÂiico ou ainda á “ pol ítica
“ amiburguesas" (ibid ,: 276 ). Por outro lado . deplora Azevedo objetiva ' '
retomando o t ítulo dc um livro de Oliveira Vianna
Amaral “ o problema urgente que apresentam hoje as nossas (Vianna , 1930 ) que exigiam a forma ção de reagrupament05
. .

forças produtoras , deixadas at é hoje à mercê de um empirismo profissionais e a abordagem cientifica dos problemas sociais ;
_ T de posi ção a favor dc um tratamento paternalista- auro -
tomada “
mais ou menos grosseiro ” ( Amaral , 1930 , citado por Medeiros.
ntano- do conflito social etc.
1978: I li). Certos ataques aos partidos políticos derivavam da
í f ?

mesma constata çã o: n ão questionam a vitalidade de alguns des - .A expressão “ ideologia de Estado" tem . portanto, o
ses partidos mas denunciam os perigos do divisionismo que m é rito dc ressaltar que o Estado , e n ão a sociedade civil , se
introduzem no Brasil . apresenta como o agente da construção nacional . Essa convicção
As considerações sobre a ausência de um verdadeiro tecido n ão foi de todo inovadora: j á estava difundida no século XIX .
e Alceu Amoroso Lima n ão fez mais que endossá - la ao afirmar
social ou político mscrcm -se na segunda constatação A carê n - . que cm toda a hist ó ria do Brasil , “ o poder p ú blico não c ape-
cia dc agentes dotados de identidade , o caos social , a desordem
política sã o outros ind ícios de uma faJha radical . O Retrato do nas o reflexo do povo c sim o orientador , o guia , o verdadeiro
formador do povo ' ( A . de A . Lima , 1944 : 145 ). Essa ideia
1

Bra.ii / de Paulo Prado descreve um “ Brasil que c apenas uma


sociedade , como simples agregado de mol éculas humanas" ( ci - volta , por é m , á ordem do dia por ocasi ão da crise da Repú blica .
tado por Sadek , 1978: 130 ) , Oliveira Vianna observa que " n ão ' A expressão é també m um tanto amb ígua , c isto por
h á nenhuma classe entre n ós rcalmeme organizada , exceto a razoes diversas , umas factuais , outras teóricas.
classe armada ", e comenta: Nem todas as correntes amiliberais se mostraram igual-
mente dispostas a remeter ao Estado a tarefa dc organizar a
A classe agrícola , a i lasse industrial , a classe comercial , a dasse operária (...) sociedade . Os católicos o fizeram apenas dentro dc certos limi -
vivem em estado de semiconsciência dos seus próprios direitos e dos seus pr ó- tes. O pr óprio Alceu Amoroso Lima , nesse ponto , adotou uma
prios interesses e dc absoluta inconsciê ncia da sua pr ópria for ça. Sáo classes das- atitude conforme os ensinamentos da Igreja : o Estado é o encar -
.
,

socíadas dc ripo amorfo e inorgâ nico (0 . Vianna , 1927 . atado por Medeiros regado do “ bem comum ' \ é “ a autoridade que , na ordem
14 1978: 170-1).
temporal , engloba todos os grupos naturais da associa ção a fim
Sob o rótulo dc liberalismo político , o mesmo Oliveira dc defender o bem pró prio de cada qual e promover o bem
Vianna n ào via mais que um caudilhismo local ou provincial: comum " ( A . de A . Lima, 1939: 65 ). Poré m essa autoridade
" Estudai a
história social dc nosso povo: nada encontrareis só é leg í tima na medida em que respeita “ a natureza das coi -
nela que justifique a exist ê ncia do sentimento das liberdades sas e a natureza do homem , c portanto o Criador de uma e
p ú blicas ' (O , Vianna , 1922 b , citado por Medeiros 1978: 170 1 )
Desconfiança em relação ao funcionamento do capitalismo
. - outra , Deus “ ( ibid . : 57 ). A partir da fundação do movimento
í ntcgmlista , Pl ínio Salgado se convene em admirador do fascismo
da cpoca ou condena ção por princípio dc sua lógica ; d ú vida italiano e se pronuncia a favor de um “ Estado fone" e inter -
sobre a viabilidade do liberalismo político no Brasil ou antipa - vencionista . Esse Estado , por é m , não poderia interferir com os
tia doutrin á ria cm relação às próprias premissas do liberalismo ; tres grupos “ naturais ” ; o grupo familiar , o grupo profissional

I
46
T 47

c a unidade política locaJ , que fazem pane dessa esfera da socie- a de uma nação preexistente à sua organizaçã o pol í tica . Ora ,
dade " que c autónoma c autodetcrminativa " , como també m '

apesar do que dizia Oliveira Vianna , a hist ó ria passada n ào


n ào poderia ir contra “ o humanismo espiritualista 1 5 2Z , basta para atestar a sua unidade . As estruturas familiares , as
De resto , o consenso relativo ao fortalecimento do Estado J
rela ções sociais cotidianas , as relações de favor c compadno. os
centrai n ão impediu que surgissem diverg ê ncias considerá veis
quanto aos seus fins . Para certos escritores , estes eram sobre -
costumes mos ira :TI rnuito melhor o pr íxcsso d ; u _; ã o do> la ç o
. : . **

sociais ocultos nas profundezas das mentalidades e das troç as


tudo de natureza instrumental , como no caso em que se enfa - sociais . Encontramos o tulniraT ' em seu papel t dot J
tiza a necessidade de interven ção dos poderes públicos na eco- *i
Bondade ” , “ cordialidade " , "car á ter nacional r , eis o que^ í

nomiaou nas relações .sociais. Para outros, traduziam -se na


necessidade dc ampliar o papel das " verdadeiras ” elites, colo- -
fazia a unidade pré política. Desse ponto dc vista , a obra de
Gilberto Freyrc constitui um marco essencial : plenamcntc
cando o poder a salvo das influencias dos ‘ interesses particula
res . Para outros ainda , o objetivo era justam ente que o Estado
- moderna na aplica ção dos m étodos da antropologia culiuraiista .
I
Casa grande e senzala. cuja primeira edição no Brasil c dc 1933 ,
promovesse a coesão da na çã o . É só nesse ultimo caso que u refe - faz da mesti ç agem " urna experiê ncia privilegiada de fusã o dc
rencia ao Estado comandava pknarncme a concepção da pol í- ra ças, de intercâ mbio de civilizações " ( Febvrc , 1952 ); ma is
tica c da nação. _ ainda o livro considera os relacionamentos sexuais como o
,
L
motor dc toda uma elaboração cultural , que fundamenta as
rela ções sociais. As considerações de Sé rgio Buarque de Holanda
A ambivalência realista sobre a "cordialidade" tamb ém t é m a função de situar o indi -
víduo , logo de sa í da , no interior dc uma rede dc relações: " No
O era a palavra - chave. No entanto , o horror
" realismo t 7 ' homem cordial ” , escreve ele , "a vida cm sociedade c , dc
à realidade ressurgia sem cessar. certo modo , uma verdadeira libertação do pavor que de sente
Revelar a realidade , desvendar sua coesão oculta , mostrar em viver consigo mesmo’ ( S , B . dc Holanda , 1981 : 108 ). As
as solidariedades que a irrigam : todos depois dc Alberto Tor
,

res , embarcam nessa aventura. Alceu Amoroso Lima , cat ólico ,



- analises de Oliveira Vianna sobre o sistema da fazenda escrava -
gista ressaltavam o esp írito de fam ília que ele cria :
preconiza " a filosofia do realismo integral ” para responder às
quest ões do momento , conseguir "colocar cada coisa em seu Na vida das fazendas nossa bondade natural adoça o trato dos «cravos. Estes
lugar " e evitar que a " vida social sc baseie apenas no arbítrio são como membros da fam ília t quase sempre ligados ao fazendeiro por reina
das maiorias ocasionais" ( Medeiros , 1978: 247 8 ). Oliveira
Vianna . teó rico do corporativismo , faz a apologia do "pais
- afetividade.Jamais conheiemos a aristocracia de casta ( 0. Vianna , 1922 b , citado
por Medeiros , 1978: 178),
real ” , aquele cuja unidade se constrói na história : Os objetivos dessa marcha para a " realidade ” .são claros.
0 pagado nvc em uris , latente, obscuro, nas células do oosso subconscrcntr Consistem , num primeiro momento, em mostrar que não existe
( . . . ) Em nosso passado hist órico reccnrc est ã o os moldes ainda quentes, onde o indiv íduo Isolado :_ ele est á . já dc início , inserido numa coleti -
sc fundiram essas idiossincrasias que DOS extremam t singularizam, como povo .
, vidade . ficava , assim , anulada a validade das ideias pol íticas
CDUC [ h- as rtaçòtt da Tem (0 . Vianna, 1922 b , citado por Medeiros, 1978:
**
4 referentes ao individualismo. Num segundo momento, visam
160). a destacar a interdepend ê ncia entre aqueles que ocupam posi -
ções sociais desiguais; desse modo , caducavam todas as teorias
De que realidade se tratava ? Com certeza , daquela tor -
" ! I

nada invisível» pelas ideias c instituições calcadas do estrangeiro: fundadas na divisão dc classes. Pretenderam enfim , provar ,

que existia uma unidade nacionáTde fatoTque faltava apenas IP

fortalecer pela via institucional .


-
Rcpottar .w ao melhor livro sobre o integral i mo; o de Hélgio Trindade ( Trindade N ão foram esses os ú nicos objetivos do " realismo " . É
-

( 479: 200 11, *


certo , por exemplo , que estas descrições permitem també m

49
\
mesclar a aspiração por um Estado moderno ao respeito pelas inconsciente solidariedade histórica ' ( Picchia , 1933: 181 )
1

e .

formas patriarcas ou , melhor ainda , conceber o Estado moderno Em suma , a desvinculação social roma O' [ year dos laços sociais.
como prolongamento da dominação patriarcal . Escreve Gilberto O " realismo ” revela., portanto , uma ambivalê ncia insupe-
Freyre: r á vel Em um artigo sobre a " imaginação pol ítica brasileira " ,
.
Wanderlcy Guilherme dos Santos insiste no faro de que esta
A história social da casa-grandt é a hist ória intima de todos w brasL Í eirus , da
.

siu vjda tidnlLat r conjugal sub o putnarcaJl í mci escravagisti c polígamo; da


teria surgido a partir de uma percepção dkotômka, de ral forma
sua infant i * ; do seu nisdankno domcsiieo , influenciado pelos negros e suas que premissas diferentes est ão na base de construções l ógicas
supetsnções ( Freyre, 1952 ; 400 ) . rigorosamente separadas ( W . G . dos Santos , 1970: 137 61 ). -
Esta hipótese n ão nos parece aplicá vel aos intelectuais de 1930 ;
Azevedo Amarai c Oliveira Vianna n ão escondiam suas sob forma de ambival ê ncia , a dicotomia est á presente no inte -
reservras cm relação à aboli ção da escravatura. Q Estado orgâ
nico que preconizavam não podia se parar -sc dessa maneira de
- rior de cada uma das suas formula ções. Ela revela um hiato ,
imputado à realidade , que só poderia ser reabsorvido pela
decifrar o social . Mesmo que o Estado se industrializasse , era invenção de uma imagem de nação organizada ,
preciso que representasse també m uma nova casa grande em
escala nacional .,
- A ambivalê ncia em relaçã o ã realidade i am bem abriu
O importante, plorcm . c a maneira com que a realida ^ - -
caminho a todas as aud ã ': i - I - J c - ! , i :'- oração das maneiras de se
1

controlai cisa teaJidade . O rt --.di sta ‘ era aquele que icor


"
.
'

de serviria de fundiamemo politico , O reconhecimento das


sobre o real e o submetia âs tecnologias do poder .
solidariedades sociais que lhe conferem consistê ncia tornava O “ realista e o teórico consistiam atum mesma pessoa
'

supé rfluo o miro de um concraco social original . A identidade


Sob essas duas manifesta ções , o int elect uai perseguia o mesmo
cultural nela enraizada fundamentava , de imediato , a idemi -
.

dade nacional , e a sua evolu ção explica a diferenciação natural objetivo: buscar uma definição do fenómeno politico que esc a -
entre as elites e o povo .
passe is concepções comuns da política . Apaixonado pelo rea -
Mas o horror por essa realidade aflora sem cessar cm todos lismo , desejava descobrir esta mistura de uniões e desuniões
ís. O 'ar
rarjnrTnif
^
1
âorf õ* F de Ofivci ra Via o na contrabalan ç a sociais anteriores a toda instituição política. Arquiteto infatigá
vel do “ bom modelo" de organização social , buscava em um
-
a cordialidade , Praticamente nenhum autor estava livre da
" "

ambivalência . Da exalta ção do tupi . Plínio Salgado passa à des- outro plano , o sonho de um controle político que equivalia a
coberta da monstruosidade popular: negai a dimens ã o pró pria do pol ítico .

Nio pudemos dr nenhuma cortejar a maesa popular Ela i o monstro


minora .

tnconscemr c est ú pido ( . . )


0 povo ji st estiavizuu . dt há muito, aos seu*
.
A ambivalência em relação
exploradores Nío devemos bajular o escravo c sim salva - ki do cativeiro , não ao fenômeno politico
com agrados , mas tona a ití ipúii ç iu de novas formas dc mentalidade ( citado
por Chaiii e Carvalho Franco. 1978: 48 ) .
Azevedo Amaral afirma que , com a
A ambival ência em relação à realidade sc encontra no prin
cipio dc todas as constru ções propostas por intelectuais de sen -
-
Aboliçã o , "ficamos
sob a imin ê ncia de ver resolvido o problema do conflito das
culturas pelo predomí nio majorit á rio dos elementos formado -

sibilidades diversas construções que també m se colocam sob
o signo do realismo. As instituições a ferem criadas deveriam
res das correntes amer í ndia e africana ( Azevedo Amaral , 1934:
"

valer apenas por sua ' adequaçã o " a realidade , cahendolfare


2 S 6 ) Menotti dei Picchia presta homenagem á ausê ncia de pre -
. traduzir em termos pol í ticos a unidade pr é - pol ítica desta ,
conceitos raciais mas julga que o povo , incapaz dc transpor
, " Objetivismo i ecnocrático ' \ " polí tica objetiva" , eis duas
os horizontes regionais, n ão se sente verdadeiramente brasileiro : expressões que já encontramos. Elas comporiam a tese da neces-
" O nacionalismo
brasileiro , portanto , n ão c fruto de uma funda sá ria “ adequa ção " , algo que esta na base das na ções sólidas:
5<J 51
4

- -
NSo h á exemplo de uma na çã o que tenha conseguido impor se historicamente
pela suas realizações e peias turitriblliçks por da trazidas para o progresso da
A salvaçã o da burguesia n ã o mi nas mim dos técnicos. dos sociólogos , dos cco-
nomkstas ou dos políticos. A salvação da burguesia está , ames de rudo , na m ão
íuifnaoidade, em cujas iurimiçoes e leis fundamentais n ão se cncomif uma .
da? santos ( A , de A . Lima , 1932: 242 )
condado direta com as real idades da ambient ia nariocal ( Azevedo AmaraJ .
1938: St ).. A partir de 1936 , Ot á vio de Faria afasta - se do culto do
Implicam rum bem a tese de uma gest ão racional das relações Estado para reafirmar as exigê ncias espirituais.
Apesar de rudo, prevaleciam as converg ê ncias . Os espiri-
sociais c econ ómicas , cuja melhor ilustração seria a organiza çã o
econó mica: -
tualistas mostravam se dispostos a reconhecer nos positivistas o
mérito de darem primazia ao conjunto org â nico da sociedade ,
Poderemos dizer que na phaifitaçâú se sintetizam tçdo os objerro para os
; acima dos interesses particulares , Tanto Jackson de Figueiredo
quaiâ convergem as tendências e o= esforços dos que pleiteiam a passagem dc
uma economia empírica para um regime de Sbiemanza ção tacionaJizado na pre -
como Alceu Amoroso Uma fizeram do positivismo um " catoli
cismo sem Deus" ( ibid . : 84 ). Lins e outros foram solid á rios
-
du ção da riqueza e na sua distribuição ( ibid.: 139) em rejeitar a " onipotê ncia do indivíduo" , bem como a aceita -
Essas duas proposi ções formuladas por Azevedo Amaral çã o das "maiorias ocasionais " O lato dc que o poder repre
sentasse a unidade do social podia provir de fundamentos t ã o
-
poderiam ter sido expressas por outros autores a respeito dos
campos mais variados da atividade social : direção científica e diversos quanto o saber , a transcend ê ncia , o direito natural ou
t écnica do desenvolvimento , regula ção equilibrada das relações a vontade nacional expressa pelas elites: o essencial é que esti
vesse ao abrigo dos azares da pol í tica tradicional c que sua " a -
-
sociaisr organização do poder em função do interesse geral ,
enquadramento corporativism da população: outros tantos dequa ção à realidade" fosse garantida pelo fato de que esse à *
aspectos dessa "organizaçã o" que a maioria dos intelectuais poder simbolizava e organizava a unidade social .
sc sen liam chamados a delinear . Alfred Stepan mostrou a difusão do modelo orgâ« nico - - v•
.V j
^
••

Foram m últiplas as fontes de inspira ção . A ótica tecnocrá » está tico" em numerosos pa íses da América Latina ( Stepan ,
rica , o papei unificador do podei * a harmonização das rela ^ 1978 ). Em contraste com a ausê ncia de formas de auto - regula -
ções sociais tanto podiam originar - se de um positivismo adap- çã o da sociedade civil e com a proliferação de interesses n ã o
tado ao gosto do momento, quanto dc correntes cat ó licas con
servadoras ou sociais do corporativismo salazarisia ou do fas-
- coordenados , este modelo tende a conciliar a afirmação dc uma
ordem social ‘ natural " com a interven ção do Estado na criação
cismo italiano , A estas se deveriam acrescentar muitas outras política dessa ordem social . No caso brasileiro, os intelectuais
influ ê ncias , desde o New Deal ate as teorias corpora ti vistas aderiram a esse modelo ainda mais intensamente ^ pois, tendo
do romeno Manoilesco . à.s quais Alceu Amoroso Lima e outros suscitado uma representação despolirizada do sociaJT criaram
intelectuais se referem para exigir a "organiza ção funcional ~
QS meios de atribuir ao Estado uma margem ilimitada de ação
da nação " . As teoriza çõ es variam segundo esses fundamentos para promover politicamente a cooperação orgâ nica entre os
^

doutrin á rios , como cam bem era funçã o das prioridades de


.
diversos segmentos sociais . .

cada um . Assim , propor , como Azevedo AmaraJ , estimular o O "organicismo ' s poré m , ultrapassava essa delega ção de
1

desenvolvimento industrial, ou , como Oliveira Via mia . consti- poder ao Estado , Tratava se - —
c n ã o somente por intermédio
tuir um verdadeiro sistema corporativista ; aspirar , como Alceu
Amoroso Lima , â ordem moral ou , como Pl ínio Salgado , a
do Estado —
dc criar uma concepção holista do social . Sabe -
mos que Louis Dumont op õe as sociedades que " valorizam
um vasto movimento fascista , são projetos que desembocam em primeiro lugar a ordem c portanto , a conformidade dc
em concepções diferentes do poder . Alceu Amoroso Lima
1

lemia que os " técnicos " da organiza ção social cedessem ao 2 ‘ As


duas expressão sâo dc Alr çg AflnuftiSO tiniu citadas parj. Medeiros |Medeiros.
materialismo : H7S - ,246 - 8 )

®SCSHT
52 53

cada elemento ao seu papel no conjunto , em suma , a socie- . Tendo proclamado a prim az ia do todo e fixado os crité
rios pdos quais o poder é a sua representação, restava somente
-
dade como um todn à quelas que valorizam em primeiro
" "
T

lugar o ser humano individual" ( Dumont , 1977 ) . O contraste construir , a partir de cima , as mediações que faltavam O cor -
.

se aplica plenamcme quando se comparam sociedades hierir - porativism o intervé m nessa fase que , segundo Oliveira Vi an na ,
une o povo - massa â “ administração p ú blica " (O . Vi an na ,
unas , tomo a indiana , com sociedades ocidentais modernas ,
i
i

menos nítido quando se trata dc representa ções nacionalistas 1952, citado por Medeiros , 1978: 174 ). Afirma Alceu Amoroso
contemporâ neas: a propósito da filosofia da hist ó ria dc Herder , lima que o corporativismo garantiu "a reassouação dos três
Dumont afirma que ela se origin a do holism o por sua insisten - poderes básicos da sociedade: o pol í tico , o económico e o espi -
cia na submissã o do indivíduo ã cultura coletiva , e també m
dermos sobre esse tema : lembraremos apenas três aspectos .
-
ritual " ( Â , de A , Lima , 1932: 20) . Não é necessá rio nos esten
do individualismo por sua ênfase no cará ter ú nico de cada cul -
tura ( Dumont , 1979 ) . Parece- nos que a diferen ça est á entre O primeiro é que , antes mesmo deJ 930, o projeto corpo
mivista enunciado por diversos in t derruais era ronrrhidn
-
um holismo inicial , subjacente a organiza ção do social , e o
holism o voluntarism , que tende à reorganiza ção do social . Seria como uma to mia dc regular as relações emxe Q_ “ capital" e o
,
desnecessário dizer que o holismo brasileiro entra na segunda
J

trabalho" Em um ensaio publicado em 1922 , Oliveira Via nua


.

categoria . É verdade que os intelectuais se estor ç avam para pri - já vinculava nacionalismo e “ quest ã o social " , H á ali um
P

-

var o individualismo de qualquer consist ê ncia real ; demons erro de lógica: "A solu ção do problema trabalhista entre n ós
tram - no , de um lado , a valorizaçã o da afetividade , do patfkrca-
lismo e da fam í lia extensa c\ de outro, a condena ção do indivi-
Mo poder á deixar de ter como premissa maior — -
a necessi
dade de preservar a nossa personalidade nacional " ( citado por
dualismo como fundamento do pol ítico devido ao seu car á ter Medeiros , 1978: 178), Mas envolve tamb é m a afirmação de
artificial e dissolvente. No melhor dos casos, para destacar os que a consolidação do Estado brasileiro exige o controle das rela -
aspectos positivos da desordem brasileira , foram levados às vezes ções sociais — controle que simboliza a autoridade do Estado
a reabilitar certas manifesta ções do individualismo. Men oiti diante da burguesia c das classes populares. Constituía , al é m
de! Picchia exalta “ o profundo e fecundo individualismo do disso , a " interdição preventiva dos conflitos de ejasse; “ Os
brasileiro tornando-o ativo . aventureiro , andejo, liberto de pre -
, conflitos de classe , pró prios às sociedades de alta organização
conceitos ( Picchia , 1935 : 173); o libert ário Oswald de Andrade
"
industrial , n ão tinham aind ã razão de ser entre n ós" (O .
aspira a dar liberdade ao “ indiv íduo , vítima do sistema " e cria - Vianna , 1923 , citado por Medeiros , 1978 : 181). TripIkc tomada
dor , na medida em que n ã o admite o surgimento d â l ógica
:
de posi ção que , sob formulações diversas , seria resgatada por
entre n ós '

-
( O , de Andrade , 1982: 269 70 ). O indivíduo muitos outros intelectuais , e cujas implicações sobre o pró prio
emerge , assim , na cultura brasileira . Persiste acima de tudo , estatuto de intelectual sã o importantes: a vocaçã o dc intelec -
por é m , o fato de que os ensa ístas careciam de elementos no tual se realizava pelo equauoriarnento conjugado da questão
momento em que desejavam ressaltar as estruturas dc hicrar - social e da questão nacional ; a autonomia do intelectual se cons-
quiza çao inseridas diretamente na sociedade. Em vez delas. tr ói sobre o pano dc fundo do enquadramento das classes popu
lares , pela via institucional ou pela via pol í tica .
-
descobriram apenas o comodismo e a depend ê ncia , tom a vio -
lê ncia e o particularism o que os acompanham e que corroem , Q segundo aspecto diz respeito i definição da cidadania
tanto quanto os pseudopamdos polí ticos , a unidade nacional . O esquema corporativo estará na origem das medidas adotadas
Da í as marcas de uma exigê ncia holista . produto da aus ê ncia após 19501 regulamenta ção das profissõ es , leis trabalhistas de
de mediações sociais adequadas . Ela coloca tace a lace , sem 1932 , legisla ção sindical . Essas foram as bases do que Wander-
intermedi á rios , as massas e o poder . H á algo de arisfotéjko ley Guilherme dos Santos qualificou como sistema dc "cidada -
nesse holismo ; seu objetivo c dar forma à mat é ria . Nesse con nia regulada " , que se apoia na atribuição dc direitos molda -
texto , os intelectuais detem o segredo das formas. dos em função da filiação profissional.
S4 \ 55

M raízes [do amertro de cidadania| encontram-se «Io em um código dc vdo-


,
obra public a da cm 1952 , um ano apôs sua rnortc. Oliveira
ie -politicos, mas cm um sistema dc estratificação ocupariunil e que , ademais ,
.. Vianna resume o conjunto de seu empreendimento intelectual:
tal SíSBMUí de « tntiFtcaçáu úttiparioflfll é definido por norma Ic al Erú ou uai
palavras sio cidadãos rodas aqueles memkos da comunidade que^ se encontram
.

0 pcsnilacb da preeminência do princípio da autondtA sobre o prim ip io da


Uberdade , que tem sido o kúmfb de roda a minha obra dc doutrina pol í rica
,

localizados cm qualquer uma das ocupações reconheadat c definidas em lei e o sentimento que me domina da missão transcendente do Estado ern nossa
, ,

,; W G dos Simoí , 1979a : 75 ),


, ,
.

nauonaltdadc . nlo mc vieram arraves de teorias estranhas; vieram - me . sim , da


Essa a dada nui social atrela , portanto, os agentes sociais à observação direta de nosso povo (O Vjanna 1974 : 100)
.

órbita do Estado , caso queiram obter uma identidade coler í va Esta conclus ão recrospeciiva conduz ã seguinte pergunta :
lega! . Ela introduz , a um só tempo , princípios de diferenciação de que modo o nacionalismo e a organização comandam a for -
em termos de categoria e de local que se opõem às solidarieda - mação concreta da vida polí tica?
des coletivas mais amplas , e submete cada categoria ao controle Observa ção do povo' : cis, mais uma vez , uma invoca-
-
*' 1

permanente do Estado . Sem d ú vida a cidadania social regula


çã o ao realismo " , meio pdo qual o poder cnconrra ^ em ú ltima
,
"
mentada não equivale ao conjunto da cidadania mas coexiste instância , seu fundamento na unidade latente das massas. Essa
com uma cidadania pol í tica , exceto durante o Estado Novo , observação , porém , permite apenas perceber os elementos dc
quando os partidos e as eleições foram suprimidos. Assim se uma “ cultura brasileira " , mas de forma alguma um sentimento
efetuava o desdobramento entre a representa ção dos interesses nacional ativo pelo qual o próprio povo se assumisse como
e a representa ção política . Especialistas desta ú ltima , os intelec- nação. Continuava incomensurável a distâ ncia entre a unidade
tuais podiam reivindicar um direito privilegiado à atividade
política .
pr é - pol í tica de um povo - m a t é iia t unidade poluica que cabe
ao poder construir ,
O terceiro aspecto c que os pró prios intelectuais , enquanto
A "preemin ência do princ ípio da autoridade" decorre
membros dc profissões cspecsÍTcasTtambém estavam sujeitos a
essas disposi ções corporativas. À parrir de 1930, foram tunda
das organizações profissionais: a Ordem dos Advogados do Bra -
- ú . i
dessa dist â ncia . Ela equivale a constatar que , num primeiro
momento , a na ção se formara distanciada do povo , sem reque -
rer o seu consencimento . Assim sendo , ela toma a forma do
sil (OAB ), criada em 1930; a profissão de jornalista , regulamen - . >.
,

Estado nacional , Os discursos dirigidos à nação brasileira n ão


tada em 1931 ; a Academia dc Medicina , fundada em 1931 ; o
se confundem com os discursos para a nação alem ã . Fichte
Conselho de Engenharia e Arquitetura , constitu ído em 1933 ;
e iam bem um sindicato dc escritores. Essa regulamentação n ã o declara:
quesLiona a posição dos intelectuais; por é m , contando com o A pá tria c o povo , como rcprcsenianre j c garantias da eternidade terrestre
. ,

benepl ácito do Estado , confere meios às elites daquelas profis- coroo aquilo que . aqm embaixo, pode ser eterno , ulnapaisando de muito a
sões para criar as condições de acesso ao exercício profissional , noção de Estado no sentido corrente da palavra , isto t . a ordem social tal como
e para intervir em nome da "ética" profissional ( L . W . Vianna , í C exprime na concepção clara que dela temas c tal como « « abelerc c se man -
1984 ). Legitimava també m as compet ências especializadas ., e rem em conformidade com esta i d e i a (, 0 patriotismo deve juramente dom í -
delegava certas funções p ú blicas._ Assim tbi o intelecrasd scinsc - nar o próprio Estado , como sua instância superior ultima e independente limi-
, ,

tando-o na «colha do? meios em vista de ?cu objetiva primordial: a paz inte-
rindo na construção orgâ nica da sociedade t do poder . O exem - rior ( Fithre, 1952 : 173)
plo brasileiro demonstra a correla ção que se pode estabelecer
em te a organiza ção das profissões c o processo de formaçã o do No Brasil estava absolu tain ente fora de questão um patrio-
,

Estado {Johnson , 1982 : 186- 208). Acima dc tudo , ele sc ins- tismo que prevalecesse sobre o Estado , Ao contrá rio , _o _ Estado
creve numa representação do pol í tico como "organização" . nacional deveria criar as condições para o sentimento nacion;; I
Nacionalismo c organização: cis duas noções insepar á veis , TTisso não resulta que o Estado não tivesse limites na
que compõem a arquitetura de um regime pol ítico. Em uma expressão da sua autoridade: a "organização" desempenhava
S7
56

o papej de limite . Ela c a presen ç a da sociedade dentro do parti a "realidade e


"
sua unidade subjaccnrc; contra a reali -
Estado e do Estado dentro da sociedade. Essa interpenetração dade e sua fragmentais o amorfa, apelavam para a formação
n ão se realizava da mesma forma , segundo se tratasse das mas * de uma organizaçã o social sob a égide do Estado. Nesse vai- c -
sas ou dos componentes articulados da sociedade . No primeiro vem , conseguiam seus benef ícios: advogados da realidade junto
caso , o Estado devia "civilizar " e "enquadrar": o autoritarismo ms governantes, cram , por outro lado , porra-vozes da organiza -
era uma resposta a uma demanda t ácita do povo , desejoso de çã o junto à sociedade , Mas em suas evolu ções atrav és dos mar -
que lhe dessem unia imagem de sua unidade , Francisco Cam - cos da nacionalidade brasileira . rcdcscobriarn sem cessar um
pos , autor da Constituição do Estado Novo , considera que " não ponto fixo que os orientava : não um cará ter nacional difun -
h ã hoje um povo que n ão clame por um Césai ’ ( Campos, dido diretameme pelo solo , pelo clima , pela ra ça ou pela cul -
1940 a : 222 ) c, a prop ósito do novo regime afirma : “ À ideolo -
1
tura , pronto a ser colhido , mas um Estado a que bastaria ape -
gia do novo regime c extra ída das realidades brasileiras ( . .. ) nas desempoeirar , após as horas enfadonhas da Republica ,
Sendo autorit á rio, por definição e por conte ú do , o Estado -
Diversa men te de seus sucessores dos anos 50 60 , esses inte -
lectuais n ã o se adornavam com o título de " ideólogos": o rea -
Novo não contraria entretanro a índole brasileira ( ibid . : 68,
"

71 ), A "organização " era , assim , o vínculo sem media ção do lismo assim o exigia , mas rambern o ciemilirismo a té religiosa
,

Estado com o povo , vínculo que confere ao Estado a proprie- e a confian ça no Estado para administração da coisa p ú blica ,

dade dc scr um " Estado nacional e popular " ( citado por Medei Herdeiros do positivismo e do cvolucionisnio. acreditavam no
-
*

ros , 19" 8: 27 ) c , ao povo , a de estar inserido na nação . Neste valor dos miios a mane ira jdc-Sord . mas nutriam uma inimi
segundo caso , o corporativismo se traduz por redes insiirucio- zade exagerada ao Ilumin ísmo, para se entregarem à s alegrias
.

ri ã is , através das quais os interesses m últiplos se articulam por da ideologia .

meio dos conselhos t écnicos c as elites mass diversas encontram Rararnente* contudo, haver á intelectuais empenhados com
meios de coexistir na esfera do Estado , tamanha tenacidade e convicção na elaboração de receitas para
Na verdade , a "organização ' * é também a consagração ordenação do social Seria muito apressado, porem , arribu í r -
do Estado de “ compromisso" , que n ão é tanto o resultado dê Ihcs a paternidade efetiva das transforma ções posteriores a 1930 ,
urny " crise hegem ó nica ’ ' ou de um equilí brio instá vel enire Simplesmente estavam sintonizados na mesma faixa que mui -
trav ões sociais de interesses antagónicos ( Weffon , 1965a: 58 ), tos outros setores , civis c militares , que , inspirando - se cm repre -
mas a express ão de uma estratégia de reconhecimento de novos senta ções id ê nticas » pareciam por cm a çã o as teorias intelectuais
.

interesses sem preju ízo dos antigos , dc promoçã o de um inter - c dar lhes um reccmhceimcnto social .
vencionismo que se superpõ e sem atritos aos mecanismos capi-
.
talistas ( Schmittcr 1971) .
Da teoria ao engajamento político
Flnalmenrc , a " organização" c a negação da democrat ta
pol it it a : recusa a tudo que seji divisão pol ítica , manifestada
pelos partidos ou pelos clãs; recusa a própria pol í tica na medida partir de 1920 , o engajamento dos intelectuais n ão se
cm que , transform and o-se em um fim em si mesma , ela se des - reduz a exaltar o "cará ter brasileiro" , nem a construir no papel
-
liga da realidade , consagrando se à $ falsas aparências . novas institui ções . Expressa - se também , em muitas ocasioe s . .

A ambivalência realista corresponder assim , LI ambivalê n- pela filiação aos partido ^ pol í ticos locais. Assim aconteceu em
'

cia pol ítica . Autorit á rios ou n â o , os intelectuais não podiam São Paulo , onde se encontravam tanto nas fileiras do Partido
abster -se de conferir um conteúdo pol ítico ã sua missão nacio- i
Democrá tico ( PD ) , fundado em 1926 e atuando em prol da
nal Gcralmeme , poré m , obstinavam -se numa nega çã o feroz amplia çã o dos direitos polí ticos , como no Partido Republicano
do fenômeno pol ítico a preLexto de uma política "objetiva r Paulista ( PRP ), situado dentro da cor rente olig á rquka Má rio
.

"
administrativa . Dai a perpé tua contradança entre realis
" J í

mo " e voluruarismo construtivista . Contra a pol ítica , apelavam


- de Andrade militou no primeiro , onde exerceu fone influência ;
Menoiu del Picchia , Plínio Salgado , Cassiano Ricardo , Oswald
58 59
*
de Andrade estiveram no segundo. Na maioria dos outros Esta - o seu perigo . O movimento oper á rio sc enfraquecera após as
-
dos, defrontavam se tom a exist ê ncia de partidos inclinados a
exercer o monopólio da representaçã o regional ; isto , poré m , n ão
importantes manifesta ções de 1919 , e é necessária toda a imagi -
na ção dos historiadores agora voltados a resgatar a “ historia
os impedia de se inscreverem , por vezes, cm seus quadros , c dos vencidos" para supor que a Revolu çã o de 1930 tenha tra-
de lomar parte ativa da pol ítica local . Em Minas Gerais que zido vantagens para o " proletariado" :v - Difundiu-se, porém ,
se vangloriava de uma cultura política privilegiando a modera- a convicção dc que a abolição da escravatura não foi acompa -
ção , a estabilidade e a conciliação ( L. L Oliveira , 1982; 519 22),
o jurista Francisco Campos ocupava , antes da Revolução de
- nhada de medidas para enquadrar a população rural , e que a
imigraçã o descontrolada criou nas cidades uma perigosa massa
1930 , a fun ção de secretário do Interior . Consumada a Revolu - pouco disposta a sc “ abrasileirar " . Iodo esse contexto , intern
ção , foi sucedido por Gustavo Capancma , que começara sua cionaJmcmc resumido em breves tra ços , fez com que as novas
carreira como professor numa Escola Normal c chegaria , alguns ideias parecessem n ão somente um resultado das humilhações
anos depois , ao posto - chave dc ministro da Educa ção do Estado infligidas pela Republica aos intelectuais , em decorr ê ncia da
Novo . Escritores como Carlos Drummond dc Andrade c Mar - sua subordinação , mas também como expressão de um senti -
uns de Almeida exaltavam em A Revista , publicada em Belo mento geral de crise. Essa jovem rep ú blica parecia a todos pre -
Horizonte , um regionaiismo que , no caso , constiru ía apenas cocemente envelhecida .
uma manifesta ção dc nacionalismo. Carlos Drummond de Estes fatores n ã o bastam , porém , para explicar o destaque
-
Andrade foi redator chefe de 0 Diário de Minas „ jornal do Par -
tido Republicano 11 . Afonso Annas de Mello Franco, descen -
social que ir ão alcan çar os intelectuais . Dois outros elementos
ainda devem ser considerados.
dente de uma família aristocrática e jurista por formação , que Primeiro, a coincid ê ncia com as posi ções assumidas por
se tornaria mais tarde um pol í tico de primeiro plano , recebeu uma fração considerá vel das elites políticas c militares , que con -
cm Minas o legado da tradi ção cat ólica , que iria impregnar as sideram o positivismo c outras doutrinas de organização social
suas primeiras obras ( A. Camargo, 1983). Esses exemplos mos
tram que os intelectuais , no final dos anos 20, manifestavam
- n ão tamo com o ideias" mas como princ í pios que sustentam
prá ticas políticas . A cren ça dos intelectuais na onipotê ncia das
a vontade dc participar dirctameme nas lutas políriçasT ideias era corroborada pela concretização delas , que hã dec é -
A predomin â ncia do antiJibcralismoc a esconfiança em nios os homens de açã o e dc governo pretendiam lazer .
rela ção às elites económicas encontravam , porem , in ú meros Em seguida , o reconhecimento dado pelo regime dc 30
argumentos no contexto nacional . A justaposição eje partidos ao papel dos intelectuais na “ redcscobcrta do Brasil " e na cons -
regionais mantidos sob a dependência de líderes tradicionais c tru ção cient ífica da identidade brasileira . Esse regime n ão escava
de coron éis n ão favorecia que se assumisse o imperativo nacio
nal . A “ pol í tica dos governadores" oferecia o espet áculo de
- menos propenso ao “ realismo ' do que os pensadores sociais,
isto c . necessitava destes para fazer a teoria dessa realidade e
transa ções pouco ciosas dos procedimentos democrá ticos , A tomar parte no desenvolvimento da propaganda nacionalista .
transferencia da "política do café para as m ã os de grupos Esses dois elementos sã o essenciais para se interpretar a
financeiros estrangeiros cm nada lisonjeava a dignidade naao-
nal , O comportamento tíbio da burguesia nacional , ao abrigo P W socialT atribu _ _ída aos intelectuais
-
e, as interferê ncias entre
_ _
o campo intelectual e o campo pol í tico. Muitos intelectuais colo -
+

de uma proteção vigorosa , não indicava que houvesse um cavam -se , perante a sociedade , em posição hom óloga à do
grande projeto industrial , A invasão dc .S ã o Paulo pelos imigran - Estado ; constataremos que a rec í proca era verdadeira . O Esta -
i t s estrangeiros chocava os valores aristocrá ticos A " quest ão do , apresentar ido - se como responsá vel pela identidade cultural _

i ‘
*
social continuava sem solu ção , embora não se deva exagerar brasileira , desejava realizara unidade orgâ nica da naçãoe recor-
ria aos intelectuais para alcan ç a - la .
Sobre05 triie í eitua ís dr Minis , al ém do artigo dc t L , Oliveira , consultai Schwartz
rnan Bousquei Bonemy r Ribeiro Conta (1984 ).
^ Tese detendjda pOf Edgar Salvation de Decca ( Decca . 1981 í .
60 61
4
Da í nã o se conclui que todos os intelectuais aprovassem dualismo , o caráter cient í hco do poder e a superioridade do
o novo regime , c menos ainda sua expressão como Estado bem comum sobre os interesses particulares , rodos os tres a ser -
Novo . Tomaram -se , mais do que nunca , politicamente engaja - viço de uma organização explicicameme autorit ária da socie-
dos cm sua maioria , mas segundo modalidades muito diversas dade O positivismo dc Castilhos antecipava , ern todos esses
,

e , is vezes , em campos opostos. A última seçã o deste cap í tulo pontos , as teses dos pensadores autorit á rios . Basta citar um dc
se concentrará na an álise dessas formas de interven ção política . seus balan ços:
A completa reorganização política e administrativa do Estado , moldada de hai -
moma com o bem p&btt í® . t í uburdinadj i fecunda divisa de cortietvar metho -
.4 coincidência entre os intelectuais
e certas elites civis e militares rando\ a sua prosperidade nanirsd . atestada pelas in ú meras obrai postas em exe -
cuçã o e por outros tantos fatos auspiciosos ; o cresccmc desenvolvimento das
ind ústrias ( . . . ): a sua progressiva educação cívica, em qut se fortalece o ininter -
Getúlio Vargas , vencido nas elei ções presidenciais dc 1930 rupto aperfeiçoamento moral deste povo glorioso; tudo isto resume a brilhante
c vencedor na revolta que se seguiu , representava a tradi ção atualidade do Rio Grande do Sul (citado por R , V . Rodrigues , 1982 ; 29 )
pol í tica do Rio Grande do Sul, toda cia formada sob o signo
dc um certo positivismo. Qs terremes c muitos outros mem - Ou ainda este comentário de um contemporâneo a propó -
bros da hierarquia militar também estavam marcados , cm graus sito da visão castilhista do povo:
diversos , pelo esp írito positivista! O pobre povo ( ... ) só aspira a que o denem viver em paz , com as paridas dc
O positivismo do Rio Grande do Sul tinha pouco a ver autonomia que a organiza ção social lhe pcrmiic para a harmonia possível entre
com o apostolado positivista do Rio de Janeiro , e com o posi - a liberdade individual e a autoridade constitu ída (Bruto , 1908: -48-9, citado
tivismo esclarecido ’ que pregavam homens como Lu ís Pereira por R . V Rodrigues , 1982: 30).
Barreto , Alberto Sales Pedro Lessa ou ainda Aarão Reis , um
,

dos teóricos do intervencionismo económico. Buscava , em pri - Mais tarde o positivismo castilhista irá sc colocar cada vez
meiro lugar , justificar a consolidação de um poder forre , c não mais sob a é gide do ‘ apelo aos conservadores' \ lanç ado por
'

representativo . J ú lio de Castilhos , governador do Rio Grande Augusto Comte cm 1855 Apelo cvidcmcmentc desviado dc
,

do Sul de 1891 a 1898 , foi o iniciador desse positivismo dc seu sentido: da " ditadura republicana " preconizada pelo mes -
braço forte ; e Antônio Augusto Borges dc Medeiros , o seu con - tre foi eliminado tudo o que mantivesse a autonomia do poder
urmador de 1898 a 1928 , mantendo -se continuamente no espiritual ; do elogio ao conservadorismo ’ foi omitido , pelo

governo do Estado durante vinte e cinco anos , e através de pre - menos ate 1930 , o fato dc que o termo * ‘conservador" desig -
posto encre os anos 1908 - 1913 . Getú lio Vargas , que galgou ao nava o mundo do trabalho , o dos empresá rios e operá rios 26.
governo do Rio Grande do Sul em 1928 com o apoio dc Bor - Restava a ditadura c o conservadorismo , sob a forma dc uma
ges de Medeiros , filiava - se . por sua vez , à linha " castilhista escolha imutá vel em favor da ordem . Isto é , em favor da or - “

Para todos eles , polí ticos pragmáticos , avessos às elabora - dem castilhista" , referencia permanente de seus sucessores ,
ções teóricas , o apelo ao positivismo se destinava a legitimar a cm favor da ordem em si . Prova disto toi a condenação , cm
rejeição aos sistemas representativos e o horror ao parlamenta - 1922 , da primeira revolta tenentista do Forte de Copacabana ,
rismo . O positivismo n ão servia absolutamente para promover formulada , com aprovação de Borges de Medeiros por Lindolfo ,

o desenvolvimento moral do povo — embora Borges de Medei - Collor , futuro ministro do Trabalho do governo provisório de
ros n ão deixasse dc salientar , por vezes , essa necessidade
não convergia para uma separaçã o entre o poder espiritual e o
— ,
Getú lio Vargas de 1930:
inabaláveis no nosso posto dc convicção , nã o pojpaiemc* . dentro da ordem .
poder temporal não abria espaç o à afirmação da liberdade de
,
o ultimo esforço pela integridade da constituição c pela moralidade do regime
expressã o . Mas al é m da nega ção da representatividade , impli -
cava , no mínimo , três princí pios: o questionamento do indivi -
-
Confrontai os owiieniinos dc C Nuolci (Nicolct , lL> Hl 214 )
/
62 63

Pira a desordena civii nio contribuirá n Rio Grand* do ã ui [ ... ). Dentro Ju ordem
itmprt , orno pda desoedem . parta de uode pimr , renda para onde tender esse
quase 22 % dos efetivos militares do Brasil estavam ali concen
,
-
,
trados . Ora , as Forças Armadas consumiam um dos centros de
c o aceso ler na . -supremo e irftvogavd ( citado por R . Y Rodrigues . 1982 ; 70), incubação de um nacionalismo cada vez mais ameaçador para
Op SD do Rio Grande do Sol dentro da Federação impli - a Rep ú blica .
cava , por si so , que o model o de organização positivista escava A irradiação do positivismo já n ão era t ão grande . Triun -
sempre disponível como uma alternativa concreta às institui - fando na Escola Militar da Praia Vermelha cm lins do s éculo
ções liberais. De resto , a vontade de consolidar o poder execu - XIX , ligado â influ ê ncia do ensino , de conte údo muito mass
tivo por parte dos presidentes da Federação entre 1891 e 1902 civil do que militar , segundo as ideias de Benjamin Constant ,
se enraizava num aspecto do positivismo. Outro discí pulo de perdia terreno ã medida que progredia a profissionalização inili -
.
tar sob influencia alem ã durante alguns anos , e sob influê ncia
Jos
J ú lio de Castilhos, é Gomes Pinheiro Machado ., encarregou -
se , nos anos 1890 - 1915 , enquanto senador , de intervir , em
nome desse modelo ., no plano nacional , Quando da eleição
francesa a partir de 1920. Isso n ão impediu que — sob diver -
sas formas que dependem dos n í veis hierá rquicos, da consolida -
do marechal Hermes da Fonseca à presidência da Rep ú blica ção das instituições militares e do ressurgimento do tema do
em 1910, contra o civilista Rui Barbosa , de contribuiu para soldado - cidad ão as Forç as Armadas , e sobretudo o Exército,
que "os interesses supremos da na ção e o " bem p ú blico " assumissem a noção dc imperativo nacional c se associassem
entrassem na linguagem pol ítica da Federa ção como um freio ao projeto de fortalecimento do Estado Nacional .
à expressão dos regionalísmos oligá rquicos ( ibid.: 40). Condu - Em diversas oportunidades , j á fizemos alusão aos tenentes
zido ao poder em 1950 , Get ú lio Vargas logo transforma essa e ãs suas revoltas ocorridas após 1922 . Convé m n ão superesti -
linguagem —c com que estardalhaço !
cial . Em 1931 jã proclamava :
em linguagem ofi - mar as repercussões imediatas desses movimentos . Eles demons-
travam , em larga medida , uma impaciê ncia diante dos garga -
los de estrangulamento que retardavam a passagem aos n í veis
A época i das assembleias opcdatizadjí, doa conselhos rccnkos integrados i
administração. 0 Estado puramemt político , na sentido antigo do terrao , pode-
superiores: em 1920 , os tenentes representavam 64 % dos ofi -
ciais do Ex é rcito ( Carvalho , 1977: 206 ), Contribu í ram , entre -
mos condíku - IOr atualrnente , er-indaGÍ e amorfa que , aos poucos , vai perdendo
tanto , para reabilitar a ideologia do so Idad o- cidad ão . Juarez
" '

-
o vaJar e a signiiicaçáo i . , ) A velha f órmula políuca ., patrocinadora dos dtret
Tá vora , uma de suas figuras mais prestigiosas , que se tornaria
tos do homem , parece estar decadence Em vez do individualisiDD, sinó nimo
dc excesso dc liberdade t do comunismo , nova modalidade dc escravid ão o grande l íder pol í tico do Nordeste após 193(1, declarou a res -
devt prevalecer a coordcnaçiti perfeita dc iodas as iniciativas , circujisoifas à peito disso que " a For ça Armada c hoje parte integrante do
orbita do Estado, e o rtconhecimcma das orgimbaçte dc classe como colabora' povo , dc cujo seio saem soldados e oficiais e para onde voltam
doras da adminjnração p ú blka \ citado por Palm , 1979: 66) aqueles depois de um curto tempo de estágio na caserna " ( ibid , :
211 ) . Quanto ao restante , somente a critica às instituições libe-
Esse desvio pelo RJO Grande do Sul , Estado que era o prin- rais unia os elementos envolvidos nessas revoltas. Isto seria per -
cipal ponco de apoio da Revolução de 1930 , indicava que o
esquema dc "organização da na ção " no quadro de uma "dita -
.
cebido após a vitória da Revolu ção de 1930 quando alguns
deles ascenderam a postos de responsabilidade no novo regime :
-
dura republicana baseava sc numa tradição pol ítica. Dando -
"

lhe uma nova consist ê ncia , os intelectuais n ão inventavam um


outros foram levados a se expressar lota das instituições milita -
res , através de organizações como o " Clube 3 de Outubro ’ ;
1

imagin á rio pol ítico inédito: apenas recolhiam , acrescentando - outros ainda evoluíram para õ Partido Comunista e a Alian ça
Ihes outros ingredientes , concepções já. utilizadas para justificar Nacional Libertadora ( ANL ), sendo eliminados das fileiras do
certas pr á ticas de governo,
U Rio Grande do Sul era també m ., junto com o Distrito
Exército .
Mais decisiva na d écada de 20 , sem d ú vida , foi a opção
Federal do Rio de Janeiro , o Estado onde se sediavam perma
nentemente as for ç as milhares ruais importantes: em 1920 ,
- de certos chefes militares dc atribuir uma fun ção " moderado -
ia " ãs instituições militares , conciliando a profissionaliza çã o r

!
64 65

a politização. Formulada cm especial por Bcrtholdo Klinger , dera que " compete ao Exercito inspirar os novos programas
um dos artífices da modernizaçã o das For ças Armadas, e pela de formação nacional ’ ( Baia Horta , 1985: 2 17 ) . O amigo inter -
revista A Defesa Nacional , essa fun ção conferia ao Exército, ventor do EsLado dc S ã o Paulo , Armando de Sailcs Oliveira ,
composto de tidad ãos- soldados. uma voca ção estabilizadora: propõe, por sua vez , "fazer penetrar , desde a escola primaria
"o Ex é rcito deve estar preparado para seu papel conservador e
at é o á pice da Universidade , as palavras de ordem inscritas nas
estabilizador " , afirma essa revista (ibid ,: 213 ) , Góis Monteiro casernas ' (ibid .: 221 ) . N ão taltavam intelectuais dispostos a
1

— que , juntameme com o general Dutra , viria a ser o verda - aprovar essas sugestões c ate a colaborar com o que j á despon -
deiro chefe da corporação militar após 1930 e sob o Estado tava como uma ' doutrina de seguran ç a nacional ". Assim , em
Novo —
era partid á rio dessa posição ao escrever: 1939 , o importante educador I.ourcnço Filho destacou "a neces-
Ficam 50 o Ftérttto tr a Mann ha como instituições nacionais , ú nicas forças com sá ria coordenação entre a política dc seguran ç a e a pol ítica de
ti> tcaráter , c v.: à sombra dcUí k que , segundo a nossa < upaadadc dc qrgsnha-
i
educa ção ( ... ) pois , no fundo , trata - se de uma ú nica e mesma
çã o, fxideilii organiZiir-se as demais forças da ruaimaJidiac ( ibid 214 ). pol ítica: a dos mais profundos interesses da nação ’ ( ibid .: 231 ).
A conivê ncia ultrapassava o dom í nio da educa ção: muitas
Impor o reconhecimento da institui ção militar pela vezes se estendia at é a definição do poder e da organiza çã o
qual passavam , cm princ í pio , todos os cidad ãos , desde a decre - social . Azevedo Amaral julgava que “ o Poder Judiciá rio Fede-
ta çã o do serviço militar obrigat ório em 1916 y como respon -
s á vel pela nacionalidade " , c assim como chave- mestra do
— ral e as forças Armadas eram cssencialmentr os dois órg ã os de
,
articulação c de coes ão das unidades federativas no todo consti -
Estado , esse será o objetivo de Gó is Monteiro e Dutra após
1930 . Dc um lado , a dcspolitização" interna do Exé rcito (Car-
"

a dissolu ção do imegralismo em 1938 , Plínio Salgado coloca


-
tu ído da nacionalidade ( Azevedo Amaral , 1938: 47 8 ). Após

valho, 1982 : 193- 22 3 ) e , dc outro, a atua ção pol ítica em prol "sob a égide do Exé rcito ( ... ) a grande massa civil , nacionalista ,
da ruptura com o sistema parlamentar e a instala ção do Estado espiritualista , armeomunista , arrebatada por uma incompará vel
Novo: eis os seus principais componentes . Tudo isso n ão sem mística da pátria " ( citado por Medeiros , 1978: 507 ). Eijrre os
conflitos internos: entre os chefes militares ( uma pane do Ex é r - pró prios comunistas , após a adesã o de Lu ís Carlos Prestes ,
cito e o general Klinger solidarizaram -se em 1932 com a Revo - numerosos tenentes com Irequ é ncia promovidos a postos diri -
,

lu ção paulista contra o regime ) , entre os chefes e os jovens ofi - gentes , e vários sargentos ( como Gregorio Bezerra ) afirmavam ,
ciais , entre os militares de alta patente e os subofkiais, entre quando da íormação da ANL , a prioridade da.s reivindicaçõ es
os partidários do regime e a esquerda militar radical e refor - nacionalistas: reforç ar o poder do Estado , acelerar o desenvolvi -
mista . com tudo que esses conflitos supunham de sucessivos mento econ ómico , defender a soberania nacional . Demonstra -
expurgos ( ibid . ). vam assim a influ ê ncia da mentalidade militar , ao mesmo
Esses sobressaltos e transform ações repercutiriam sobre a
orientação política de numerosos intelectuais.
tempo que visavam a atrair os escal ões subalternos cm ativi
dade ( L . M , Rodrigues , 1981: 396-401 ).
-
Desde a criação da Liga dc Defesa Nacional , ficara claro
que a tareia fundamental de educa ção do povo requeria a cola -
A aproximação rinha seus limites. Primeiro , c preciso con
siderar que o regime pós - 1930 fazia do amicomun ísmo um
-
bora çã o entre civis c militares . Em A Revolução de 1930: afina artigo de fé , e da amea ça de conspirações comunistas , o argu -
/ idade política do Exé rcito , Góis Monteiro considera a educação mento de sua evolu ção para um Estado pit n am ente autorit á rio.
do povo como largameritc dependente das Forças Armadas . Por essa raz ão, os nacionalistas " progressistas" foram excluídos
No Conselho Nacional de Educação, criado em 1930 . Isaías , dos c í rculos convidados a cooperar na "organização" nacional .
Alves, tururo secret ano de Educação do Estado da Bahia , pom Certos adeptos do pensamento autorit á rio demonstravam reser -
vas diante dc uma excessiva militariza ção da vida política . Por
‘ N .i tealidiJ í- a ilasses m édia tr í upenore ?,
* coiMC-guiíam escapar ao serviço miliiar mais pr ódigo que fosse Oliveira Vianna cm seus elogios ãs For -
-
BRIGAMIKI peto men o* até os anos ilQ ç a> Armadas , in ú meras vezes pronunciou - se contra um " exé r *
66 í 67

dm ddiberante cm 1933 , também Alceu Amoroso Lima pulso forte sobre o ’ espaço pú blico" durante quinze anos.
inquietou - sc com os rumores de uma agitar ão militar. Inclinado ao autoritarismo desde o seu surgimento, por doutrina
Em contraste com essas reservas , porem , outros intelcc -
. e por necessidade de se impor sobre as oligarquias regionais ;
ruais ligados ao regime n ã o hesitaram em comemorar o t é r - condenado à distens ão durante algum tempo , em raz ão da_s
mino da
mente
distin
Azevedo
ção entre poder civil c poder militar , principal
Amaral , que declara:
- relaçõ es dc forças na Assemble ia Constituinte convocada em
1934 ; fortalecido em suas inten ções pela tentativa aventureira
de revolu ção desencadeada pelo PCB e pela ANL em 1933 ; rea
Uma das extravagâ ncias das doutrinas Iiberal -dcmocx â cica-s foi a fragmentação
^

do poder estatal n ú que íí chamava o podei civil t o poder miliur . No Estado


lizando - as ptenamcncc em 1937 com a sua transformação cm
Estado Novo ; liberado da concorr ê ncia do movimento in teg ra -
-
Novo , seradhame diferenciação iorna se cm anacioubniQ . N ã o h á podei civil ,
porque a essência do regime envolve o conceito de militarização do Estado , nem il s ta em 1938 , em consequ ê ncia de uma açã o fracassada das rro -
'

há poder militar, porque o Exército integrado na tacã o c por é5$C motivo coe - pas de Plínio Salgado; tentado a alinhar - se com o Eixo , mas
xtstenie com a própria estrutura do Estado , de que consumi o elemento dinâ - bastante prudente para mudar de direção e, final mente , juntar -
mico de afirmação e defesa ( Azevedo Amaral , IQdO citado por Schumanns , se ao campo dos Aliados, manteve at é o fim um controle rigo-
Bousquc: Bonemy c Ribeiro Costa, 1984 ) . roso sobre a vida política e social do pa ís .
A censura existiu desde os primeiros anos , sendo exer -
Quer se tratasse de ‘ ‘ organizar demificameme a socie - cida sem limites com a prorrogação do Estado Novo e a inter-
dade ou dc colocar o Estado a serviço da ' nacionalidade ' os
1 *
t
dição dos partidos politicos. A repressão e a propaganda agiam
intelectuais nã o faziam mais que formular , a seu rumo , o que duramente . O patriot is mo era inculcado , seja nas escolas ou
jâ fora formulado e praticado por outros grupos sociais. Sua nas associa ções esportivas . Em 3 938 , Francisco Campos quis
proemin ência não decorria necessariamente da aud ácia de suas criar uma " organiza çã o nacional da juventude ” , de cará ter
sugest ões, mas provinha do fato de que se faziam porta - vozes paramilitar , ideia que n ão iria longe , c verdade , diante das
de uma opiniã o já formada ; colocavam - se ao lado de agentes
j á constituídos, procuravam ocupar , com eles , uma posição de
,
reticê ncias de Capa nem a , ent ão ministro da Educa ção , As ati
vidades culturais eram vigiadas . Esses fatos , enefe muitos
-
dite à margem das elites olig á rqukas tradicionais , e que , tam - outros , n ã o pareciam evoluir numa direção favorá vel à queles
bé m como des, faziam um jogo seguro , apostando no Estado . intelectuais que n ão se sentiam atra ídos pelas fun ções dê pro -
Passado o instante de d ú vida sobre a natureza da Revolu - pagandistas ou te ó ricos do autoritarismo . De resto conclui
ção, não levaram muito tempo para perceber que haviam de
,

um historiador :
faro ganho o jogo. Salvo para os comunistas ou similares c os
liberais obstinados , o novo regime foi magn â nimo . Reservou 0 Estado Novo sufocou a vida mpcJecmal , t> que já era uma tendência desde a
para os oferecimentos dc colabora ção intelectual uma acolhida mstinnçau da censura no início dos anos 30 , e consagrou a amução per Vargas
,

favor á vel , e mais ainda porque , propenso ao pragmatismo e das titicas de repressão lutstra a dissid ê ncia ( Levine, 1 %0 : 257 ) .
refrat á rio â mobilização das massas, ganhou dos ideólogos rea
listas o ró tulo de agente de moderniza ção e pacificador social ,
*
O ensino representava um. dos campos onde foi mais sis
temá tico o esforç o do regime para criar a mentalidade do
-
concentrando ai as suas ambições .
-
“ homem novo" Demonstra o bem a evolu çã o de Francisco
Campos , doutrin á no r ígido do autoritarismo enquanto minis -
tro da Educação c depois da justi ç a . Em 1933 , ainda conside -
0 regime autoritário e o reconhecimento rava o ensino superior como um aprendizado do espí rito cr í-
da função dos intelectuais tico:

É preciso frisar dc imediato: embora tenha necessitado .


A criR a » de uríi homem novo * fez pane da linguagem d õ Est&Â NOVú Ver Oli -
-
11:

^
'

dc seteanos para tomar se incontcsrado , esse regime manteve veira . Vdloso c Castro Gomts f IWV
*
68 69

>c ã educação tem por fim transmitir alguma coisa , esta será. necessariamente , so pela qual , apesar da destruição do movimento operá rio c
a retruca do dissentimento, da duvida , da controvérsia , da curiosidade , isto e ,
-
t

dos sacrifícios econ ómicos impostos às da-sses populares , se con


o processo que torna possível ao espírito humano converter os latos em verdade
(Campos. 1940b : 170 ) quistasse uma sólida base institucional a partir de uma rede
dc associações que abrangiam a vida de "depois do trabalho ”
Em 1936 , apresenta ele um julgamento sem apelaçã o { dopolavoro ) e favoreciam a educação " moral ” e " intelectual ”
sobre a ' liberdade de pensamento ” : dc seus membros ( Graz í a , 1981 ) . O regime de Gcc ú l ío Vargas ,
mesmo durante o Estado Novo , visava a um autoritarismo des-
A liberdade de pensameruo era , assim apenas a liberdade para os tivre - pcnsa-
,

dores. isto cr não para aqueles que pensam livre mente mas que peruam de mobilizador, e mostrava -se mats vacilante que resoluto em suas
iniciativas para formar organizaçõ es dc massa . A razão dessa
,

mordo com uma das ortodoxias lonsagadas pelo preconceito suiti -religioso , o
majs supersticioso c o mais fanático de rodos os preconceitos (ibid : 151 ) prudência residia , parcial mente , na dificuldade em atingir um
povo ainda considerado alheio à civilização . Mas sc relaciona
Em 1938 foi a vez do projeto de militarizar a juventude . també m com a preocupação de conciliar tendências diversas
Nesse processo , os dignit á rios do regime n ão eram os ú nicos entre os simpatizantes do regime , dos quais nem todos estavam
cm quest ã o . Eles próprios estavam sob vigilâ ncia , pois as corren - dispostos a completar o salto para um regime totalit á rio, pois
tes cató licas aliadas indispensá veis , n ão desistiam de tentar o
,
n ã o acreditavam ser isto possível ; vincula -se tamb é m à inten ção
restabelecimento do cará ter religioso da educação c uma contra - de cooptar os intelectuais , mesmo os reticentes para com o auto-
ta çã o mais apropriada dos professores . Essas correntes intervi - ritarismo.
nham dirctameme contra dinamizadores do ’ Movimento da 4
O projeto do regime prctcndia - se mais "cultural ” do que
Escola Nova ” que , desde os anos 20 , preconizavam uma peda - mobilizador , e a defini ção do "cultural confundia-se ampla - ”

gogia inspirada em Dewey , como por exemplo Fernando de .


mente com a dos intelectuais Trata - se de construir o "sentido
Azevedo c sobretudo An ísio Teixeira , que entre 1926 e 1934 da nacionalidade " , de retornar às " raízes do Brasil " , de forjai
se sucederam na direção da Secretaria da Educa ção do Distrito uma unidade cultural ” . E sempre evidence , para os responsá-
'

Federal Akcu Amoroso Lima atacou encarniçadamente tam - veis pelo assunto no regime , que cultura e " pol ítica ” sã o
L

bé m a Universidade do Rio de Janeiro, idealizada por An ísio dois termos insepará veis e que cabc a eles fundi - los no quadro
Teixeira e inaugurada em 1933 com o concurso de figuras pres- do nacionalismo . Almir de Andrade , encarregado da formula -
tigiosas do mundo cient ífico , a ponto de forç ar Gustavo Capa - çã o dessa noção de cultura , enquanto diretor da revista Cultura
nema , sucessor de :rancisco Campos no Ministério da Educação , Política , criada em 1937 . assim escreve:
a fechar a instituição em 1938 (Schwartzman , Bousquct í tonemy
-
e Ribeiro Costa , 1984: 210 4 ). Naquela época, Gustavo Capa - Entre a cultura e a pol í tica há um traço vigoroso de uni ão . A cultura põe a pol í-
rica cm comaio com a vida . com is mais genu í nas fomes dc inspiração popular
nrrna lança o projeto para a implantação , no Rio de Janeiro,
de uma ‘ Universidade do Brasil ” , que só comportaria , de iní- A polí tica empresta à culrura uma organiza ção um tooKudo sociaimcnrc ú til ,
,

um sentido dc orientaçào pata o bem comum ( L L Oliveira , VeIJoso e Castro


cio, uma Faculdade Nacional de Filosofia . Ali também , Alceu Gomes . 1982: 34 ).
Amoroso Lima , a quem fora proposta a fun ção de reitor da
nova Universidade , se encarrega dc , no m í nimo , vigiar de perto Sobre a nação , afirma que da “ representa o esp í rito de
o " espí rito correto ” dos professores contratados , inclusive dos uma cultura ou dc um grupo dc culturas ” ( ibid .: 38 ) . A revista
solicitados à Fran ç a . I Cultura Política faz parte do plano de intervençã o cultural cons -
Entretanto , continuava considerável a dist â ncia entre esta titu ído em torno do Departamento de Imprensa c de Propa -
a ção ideol ógica e aquela desenvolvida na Itá lia por Mussolini ganda ( DIP ) , entregue em 1939 à direção dc Lourival Fontes ,
Victoria de Grazia descreveu como os dirigentes fascistas preten - que publicava també m a revista Ciê ncia Política e supervisio-
deram n ão sem resultados , organizar uma "cultura do conscn -
. nava o rádio , o cinema , o teatro etc .
71
70 I
Assim , 2 cultura nacionalista oferecia um terreno dc encon - ria" ( Ramos, 1941: 285 ) . Contam-se ainda entre os colaborado -
tro entre os " intelectuais do regime e os outros. Al é m disso ,
'

ra Vieira Pinto c Gradl Èano Ramos, que nela descreveu princi -


n ã o faltavam tentativas de aproximação dirigidas a estes ú lti
mos , visando a suscitar uma " cultura de consenso" , n ão no
- pal men te os modos de vida do Nordeste ; Nelson Werneck Sodré ,
oficial graduado c futuro teórico do Partido Comunista , que
sentido de uma cultura para uso do povo mas sim de uma cul - nela faz o balanço da consolida ção nat ional , possibilitada pelo
tura das elites Gerúlio Vargas n ã o foi o ú ltimo a elogiar 0 fim
, faro de que ' o eixo pol ítico se assinala como dorado de uma capa -
'

dos " letrados " satisfeitos oom sua corre de marfim , assim cidade nova de afirma ção e de projeção, sobre o iodo nacional ,
como dos homens dc ação debru ç ados sobre as tarefas praticas: com novas possibilidades de agir c de imantar " . Condui daí:
"Só no terceiro decénio deste século operou se a simbiose neces *
- Seremos capazes de coijugar inicresses e de articular tendências , de forma a
sá ria entre homens de pensamento e de ação", declara de , e
confia à Academia Brasileira de Letras a fun ção de " elevar a constituir um comunh ã o national , em que 0 problema da unidade se estabe-
le ç a em linhas precisas para maior valor de nossa grruc c constante desdobra -
vida intelectual do pais a um n í vel superior ., dando- lhe uma
,

mento do Brasil ( Sodre , 1941; 120).


direção construtiva , forç a e equil í brio criador " (ibid .: 34 ),
Almir de Andrade por sua vez , ressalta a ausê ncia dc dogma -
, Muitos outros nomes cola botaram na revista .
tismo nos intelectuais brasileiros : Em torno do ministro da Educação , Gustavo Capancma .
Sc há um traço que caracterize a inteligê ncia brarileira , c a sua proverbial íaciJi - também gravitavam numerosos intelectuais que n ão pertenciam
dade dc ajustamento aos progressos do espírito humano i . . . ! . Talvez por obra â esfera de influencia autorit á ria , começando por Carlos Drum -
da nossa enorme plasticidade mental , que nuoca se paralisa cm idctas mrranss- mond de Andrade , seu chefe dc Gabinete , poeta que , ap ós
gemes ( A . dc Andrade , 1941 163). 1945, seria por algum tempo simpatizante do Panido Comu -
nista . Ali acuou tamb é m Augusto Meyer , profundo conhece-
Na esteira de Get ú lio Vargas, regozijava se porque a
ideia " vai se transformando numa projeção din â mica da ação
- 41

dor da literatura estrangeira , nomeado Diretor do Instituto


Nacional do Livro . Capanema contratou Le Corbusier c Oscar
*

sobre o esp í rito: a intelig ê ncia idealiza vivendo , experimen - Niemcycr para construir uma nova sede para o Minist é rio , que
tando, aprendendo , construindo” ( ibid . ) . seria um Pal ácio da Cultura . Ofereceu a Má rio de Andrade a
A abertura em. direção aos intelectuais n ão ficou sem res-
- direção do Departamento de Teatros em 1938 , c o fez partici -
posta . Exceto com os comunistas , as pontes n ã o lotam corta
- par do Instituto Nacional do Livro . Em 1935 , esfor çou se -
das. E verdade que na revista Cultura Política encontram se a_s
assinaturas dc Francisco Campos , Azevedo Amaral , Lou rival —
Lima
sem obter resultados , devido ao veto dc Alceu Amoroso
para confiar a Fernando de Azevedo a direção nacio -
Fontes , mas també m a de Gilberto Frcyrc. que ali observa uma
verdade [ que] o menos apologético dos observadores deve reco - nal da educa çã o. Por interm é dio de Carlos Drummond de
nhecer , isto e: Andrade , apoiou vá rios artistas modernistas ( Schwanzman ,
Bousquet Bonemy c Ribeiro Costa , 1984: 80 -9 ). Essas aproxi -

Com 0 amai Presidente * a base do governo dc sua técnica deslocou - sc ma ções n ão significam , necessariamente , que os intelectuais
da puía interpretação política áoh problemas , acompanhada dc soluções ou [an - tivessem perdido toda a independ ê ncia . Escreve Ant ô nio Cá n -
atavas dc soluções apenas financeiras e jurí dicas para largar 0 Brasil em busca
,
dido :
dc novas bases para as técnicas de governo e de administração: sociais , e princi-
palmem? sociológicas e económicas (Frcyre, 1941: 32 ). Carlos Drummond de Andrade ‘ serviu 0 Estado Novo como funcionário que
já era antes dele , mas não alienou por iiso a menor parcela de sua dignidade
Na revista escreve também Guerreiro Ramos que , por ou autonomia mental Tanto assim que as suas ideias contrárias eram patentes
gosto pelo paradoxo , contrasta "o car á ter burguês , reacion á rio
da massa , e o car áter revolucionário da elite , por mais que isto
e foi como membro do Gabinete do ministro Capanema que publicou os ver
sos pol í ticos revolucionárias de Sendttento dc mundo c compôs os de Rosu do
-
possa parecer paradoxal aos corifeus da ccona marxista da hiscó- pofo ( Cândido . 1979: XII ).
72 í 73

Ê , portanto, reconhecido , iamo pelos contemporâ neos os intelectuais* compartilhando o desd ém pela representative
como pelos historiadores, que o regime de Gerúl ío Vargas, ate dade democrá tica e a nostalgia por uma administração do social
mesmo durante o Esudo Novo , preservou para os intelectuais , que tomasse o lugar da política , foram levados a agir como
e para os que estavam a seu serviço , urna ampla liberdade de sócios a serviço da identidade nacional . Sc os intelectuais aderi -
eração . ram a uma " ideologia de Estado " , o Estado aderiu a uma ideo -
,

.M ão nos contentar íamos em explicar essa situação somente logia da cultura , que era també m a ideologia de um governo
por uma espécie de modus vivmdi entre pessoas de boa fam ília , ' intdcctuil ' \ Al é m disso , o Estado n ã o conhecia outra expres -
ou pela preservaçã o das redes, tão importantes das relações par -
,
são da opini ão p ú blica exceto a representada pelos intelectuais .
ticulares. M ão que se devam ignorar esses fatos : al é m da solida - Vale dizer que o Estado atribu ía , de fato , três papé is comple -
riedade devida ã posse de um 'capital " familiar e cultural , des -
1
mentares aos intelectuais: concorrer para a definição das finali -
tacadas por Sé rgio Mice 1 í , h ã a marca das experi ê ncias comuns. dades da a ção pol ítica . expressar a presen ç a da sociedade civil
,
Exemplo disto é a participa ção na Semana de Arte Moderna , c dar o exemplo de um ator social coletivo. No discurso teórico
assim como os anos de forma ção nas diversas capitais regionais, daquele momento , esses três papé is foram interpretados tam -
que permitiram o encontro* por exemplo , de Gustavo Ca pa- bé m corno tr és atributos definir o que fundamenta a unidade
nem a , Carlos Drummond de Andrade , Afonso A ri nos dt Melo
Franco , Milton Campos e Pedro Nava nos caies da rua Bahia
social c o que se rd aciona ao ato transformador; revelar a reali
dade; formar urna corporação que assumisse o interesse geral „
-
em Belt Horizonte ( Schwartzman . Bousquct Bonemy e Ribeiro
acima das corporações encarregadas dos interesses específicos .
.)

-
Costa . 1984; 23 -4 ) . Revela -se , assim , urna socializa çã o inte Mais ainda : uma vez que o Estado brasileiro se legitimava por
lectual diversificada , dt onde emergia uma “ esfera publica "
amplomente articulada com circuitos privados de comunicação uma dupla aptid ão — a de se adaptar is leis que presidem â
evolução do real , e a de promover uma racionalidade que orien -
t com princípios de hierarquizaçã o interna , considerando-se a
tasse o desenvolvimento económico e gerasse as relações sociais
densidade das relações com as ou tras chies da sociedade ( Haber-
mas , 1968), Florestan Fernandes, que provinha de uma origem
muito distante desses c í rculos ilustres t se consagrou graças a
— .
*
cie conferia à ci ê ncia o estatuto de componente primordial
da política e , simultaneamente , aos " intelectuais ” o de prota-
uma carreira meritocrâtica/ ' exceptional , só poderia ressentir - gonistas privilegiados da vida política. Estado e intelectuais esta -
se profundamente do peso das conivências sociais; nos anos vam, mutuamente comprometidos ,
-
30 40, constata ele. " a liberdade de divergência existia ou era O regime , porem , acarreta outra consequência . Por inter -
tolerada porque ele [ o intelectual | era parte da elite" (Fernan- m édio do DIP e de outras organizações , penetra em todas as
des, 1973a : 26). O regime sabia não só acolher os intelectuais atividades culturais, cinema, teatro, literatura etc . famb ém
rebeldes mas també m ao se referir a eles , manter uma l í ngua
, *
nesse aspecto , ultrapassa o simples projeto de controle ideoló-
gem que evitasse as rupruras definitivas. Afinal , passados os pri - gico. jumamente com a criação de associa ções profissionais ,
meiros momentos do Estado Novo . Vargas se gabava de ter esta - esse era o esboço de um sistema onde os intelectuais sã o incita -
belecido no Brasil a " verdadeira ” democracia , que n ã o seria a
1 dos a voIrar -sc para o Estado a fim tie obter apoio e recursos
dos parlamentos mas a que " atende aos interesses do povo e cm nome da defesa da "cultura nacional " , e onde , com toda
consulta as suas tend ê ncias , através das organizações sindicais c a naturalidade , julgavam —
como Villa - Lobos em relação ao
associa ções p rod u toras
! r
f Vargos , ] 941: 158 ).
E preciso , assim , avaliar a contribuição do regime à posi -
canto coral
'
— que os investimentos nessa cultura eram uma
quest ão de Estado L
'

ção .social dos intelectuais. Por mars desejoso que estivesse o regime de inculcar o
0 Estado lhes reconhecia a vocaçao para se associarem patriotismo e " a doutrina de Estado ( Vargas , 1938 ), ele per -
1

como elite dirigente , à afirmação da na çã o através de sua indis- maneceu , afinal , reservado quanto aos excessos de ideologia c
pensá vel contribuição á cultura pol í tica nacional , O Estado c de controle , J ã vacilava quando se tratava de militarizar a juven -
74 I 75

tudc y‘ . Com nisus razão sc preocupava cm deixar um espaço tempo , o attvismo foi proporcional ã incerteza sobre as verda -
para uso dos intelectuais que , era sua aspira ção à brasihdade , deiras orientações do governo provisório. Ele se apodera dos
sc pusessem , por iniciativa pró pria , a servi ço da reconstrução participantes da Revolução: tenentes , líderes politicos , chefes
do BrasiL locais . Foi a hora das legiões revolucion árias em S ão Paulo ,
" O Estado Novo c o Estado brasileiro , segundo as tradi - Minas Gerais , Ceará c outros locais , sob a direção de renenres
Ç& es brasíleiras , orientado no sentido das nossas realidades " , ou de doutrin ários como Francisco Campos; do Clube 3 de
declara GeruLio Vargas em agosto de 1939 ( Vargas , 1943 : 61 ), Outubro, pedra dc toque de outros clubes pelos quais os tenen -
Esse Estado não surgiu do nada , mas reivindicava sua continui - tes desejavam conquistar a opinião p ú blica e acertar suas pr ó-
dade com o Estado do scculo XDÍ c , mais atrisT com o Estado prias divergências; hora dos conflitos entre os políticos tradicio-
português. Para se afirmar acima da sociedade, n ão carecia da nais e os novatos , cuja profundidade foi atestada pela Revolu -
“ ideologia dc Estado ” que lhe propunham certos doutrin ários < . l
çã o paulista de 1932 . O ativísmo conquistou também os inte-
Por outro lado , necessitava dela para assumir as fun ções que lhe lectuais , de maior ou menor envergadura , cat ó licos, reacion á -
competiam na nova fase de desenvolvimento e , mais ainda , rios ou revolucionários, que aderiram is Legiões , fundaram ccn -
para dispor dc uma representação política que , sob o signo da rros , desencadearam movimentos c sonharam com a tomada
unidade org ânica , permitisse a substituição da representação do poder
democrática pela representa ção corporativa . “ Só os povos bem Foi espetacular a mobiliza çã o de que participaram essas
organizados , de vigilance espirito nacionalista , subsistem ” , afirma diversas categorias de intelectuais . Um exemplo foi a Legião
ainda Gct ú lio Vargas ( Vargas , 1943: 339). Enquanto os inte- do Cear á , liderada por um militar , mas reforçada pela partici -
leciuais permanecerem fiéis à sua vocação nacional , terão seu pação dessas “ novas camadas". Outro ainda , a AIB, que , sob
lugar garantido nas fileiras do Estado. o comando dc Plí nio Salgado , transformou -se , em poucos anos ,
numa imensa organiza ção: no seu auge , em 1936 , contava com
mais de um milh ão de afiliados , 3.000 centros espalhados por
Os tipos de engajamento político todo o pa í s , 123 seman á rios, numerosos centros dc estudos c
mais de 1.000 escolas prim á rias ( Chau í e Carvalho Franco ,
Encontramos tipos muito diversificados de relação entre 197S: 102 ). Fenômeno extraordin á rio: nenhum outro pa ís da
os intelectuais e o regime . Alguns se comportam como ideólo- America Latina conheceu um surto fascista de tamanha ampli -
gos do autoritarismo , ocupam fun ções no Estado, colocam seu tude , e nenhum outro movimento fascista encontrou seme -
talento literário ou artístico dirctamcntc a serviço da política lhante acolhida entre os intelectuais , profissionais liberais c
oficial . Outros se contentam em aventurar -se por conta pr ópria estudantes ( Trindade, 1979).
cm busca do Brasil aut ê ntico , lutar para impor ternas nacionais , Na esquerda , també m o Partido Comunista , no momento
inventar modos brasileiros de expressão e , havendo oportuni - da ANL , conseguiu recrutar vastos contingentes , inclusive mui -
dade , apresentar sugestões c pedidos aos governantes c ao seu tos membros das camadas cultas. Outros pequenos grupos , trots-
c í rculo. kístas ou socialistas , manifestariam a resist ência das minorias
-
Outros , porém , engajam se resolutamencc nas associa ções , intelectuais conua o Estado autoritá rio .
movimentos c ligas que proliferam após 1930 . Durante algum Enfim , numerosos intelectuais liberais mantiveram uma
oposição surda ou declarada, sobretudo nas universidades e
Fazemos alusão ao fracasso do projeto de rnijitsirLiaçarí da juventude proposto por faculdades de Direito .
Fnmt ÍKo Campos Esses intelectuais , t ã o desafiadores em rela ção aos antigos
Conforme comenta Celso Furtado, observando que a aoçãú de ideologia tie Esta -
dfi de Bol í var LamounifJ pode levar a rer que o Estadn centralizado só tivesse sur - partidos pol í ticos , via dc regra tão desdenhosos ern relação ao
gido apí i 19 Ml i Fúnado , 15 85 : 570)
* liberalismo pol í tico , estavam longe , portanto , dc se limitar à

B 3CSH 1
76 77

Tconza çã o pol ítica . Militavam * agiam fomentavam planos e pessoal que , apesar dc sua visão religiosa da política ou por—

,

complõs. Foram exceções os que escaparam dessa pol í tica que , causa dela , o manteve afastado do integra lesmo c o levou a
t ã o frequentemente , desejavam apolítica . Em muitos casos , afastar -se do Estado autoritá rio. Azevedo Amaral , que era antes
situaram -sc ã direita à extrema direita , A partir de 1938, a efer- de t udo um jornalista , mostrava - se , por sua obsessão pela indus -
-
,

vescê ncia tende a declinar , mas os vá rios cipos de engajamento trialização , como um representante daqueles tecnocratas autori
deixam seus vest ígios, Mais tarde os conte ú dos poderiam sc t á rios cujo papel seria decisivo .
modiíicar , e at é sc inverter . Os estilos, porem , permaneceriam , Se nos parece indispensá vel examinar os que se engajaram
no que tange à posição dos intelectuais rm relação á nação e no integrali-smo , na ANL c na oposi ção "liberal ” , n ã o c ape -
ao povo t també m às interfer ê ncias entre o campo intelectual nas em razã o do impacto dessas correntes durante esse per íodo
c o campo polí tico. mas cambem porque elas delinearam formas de politizaçã o c
Esses estilos remetem sobretudo ás formas de colocação produziram cisões cujos efeitos se prolongariam bem al é m do
individual na pol í tica . Nesse aspecto, duas variáveis estavam
em discussão: ou a inser ção se originava de uma opção pessoal ,
Estado Novo. As simpatias populistas dos anos 60 , como tam -
bé m os debates da d écada de 70 , só sã o intelig íveis i luz dessa
ou de um sentimento de pertencer , junto a outros » a uma cate - mobilização anterior .
-
goria social ou profissional ; pode valer se dc um capital cultu -
ral , de um sentido da missão "c u l t u r a l ' o u de uma vocação
Hélgio Trindade demonstra com provas num é ricas que
os intelectuais de todos os escal õ es chegaram a formar uma boa
dirctameme política . Por outro lado, os estilos estavam ligados I parte dos adeptos do integralismo . No n ível de Estado- maior ,

a uma concepção da ação social: seja rio caso de privilegiar a em primeiro lugar: dos 85 membros da direção nacional e das
constituição de uma ordem , sendo portanto essencial mente
dcsmobilizadora , ou no de rcmeier à intervenção das massas ,
direções regionais , 62 pertenciam à “ m édia burguesia intelec
tual " . isto é , membros dc profissões liberais , escritores, profes-
-
-
pretendendo se então mobilizadora . Os estilos estavam tamb ém
associados à imagem da unidade nacional , que ora apelava aos
sores universit á rios , altos funcion á rios , jornalistas , estudantes ;
em segundo lugar , na condição de dirigentes r militantes locais ,
sentimentos e à religiosidade , ora repousava sobre uma visão onde essa mesma burguesia intelectual representava 20 % dos
laica e política do povo, ora se releria à cria çã o de mecanismos efetivos ( Trindade , 1979 ). Os dirigentes nacionais e provinciais
reguladores c organizadores . Estavam , por fim , relacionados
ao lugar atribu ído aos antagonismos internos da sociedade , is
-
encontravam se num processo dc mobilidade ascendente , tanto
cm rela ção ao n í vel de instru ção quanto à profissão que exer -
vezes erigidos cm dados fundamentais , outras vezes simples- ciam , e se declaravam cat ó licos cm sua quase totalidade ( ibid . :
mente ignorados. S ão dimensõ es diferentes , que rompem com 132-4 ). Na base, os pequenos funcioná rios constitu íam a cate-
as visõ es excessivamente homog é neas sobre os intelectuais. goria profissional mais importante , em torno dc 20 % . Tratava -
Essa variedade dc estilos é patente entre os intelectuais
que já mencionamos. Oliveira Vianna , seguro de sua competê n -
se, portanto, dc um movimento cuja direção , em larga medi -
da , era exercida por intelectuais e cujo discurso freq íicntemente
cia cm antropologia cultural , distanciado da sensibilidade caro - se dirigia is classes médias. Ali ás, Miguel Reale , um dos princi -
liça . adepto entusiasta do corporativismo e contratado como pais teóricos imegral í stas , declara a propósito da classe m é dia:
.

especialista no Ministério do Trabalho de 1932 a 1940 , colo - “ Essa é a classe que faz a revolu ção porque é portadora da
cava -se ao lado do autoritarismo dcsmobilizadorsl. Alceu Amo- ideia ( Chau í e Carvalho Franco , 1978: 54 ). O que levou Mari -
roso Lima , preocupado em restaurar a identidade crist ã do Bra - lena Chau í — fiel , nesse aspecto , à tradição brasileira de des -
sil . baseava suas intervençõ es no sentimento religioso e , segundo
o momento , hesitava entre um projeto dcsmobilizador e um
prezo por esses setores — a frisar que o radicalismo destes n ão
se traduzia num " projeto polí tico autónomo ” , observação que ,
projeto mobilizador. Ot á vio de Faria procurou uma trajetória nesse caso , n ão deixa de ser surpreendente ( ibid .: 62 ).
O movimento foi intelectual desde a sua g é nese , Pl í nio
11
Secundo a ttprcsMo dc Mid >d Debrun (Dtbrun, 1983: 171. Salgado , participante da Semana de Arte Moderna e propagan -
78 79

dista do mito tupi , nunca deixava de preocupar-se com a pro- dc Deus , da P á tria c da Fam ília " é citado em primeiro lugar ,
blem á tica cultural Em 1931 torno u -sct com Santiago Damas ,
antes da Unidade Nacional (Chau í c Carvalho Franco , 1978:
responsável pelo jornal A Razão , publicado em Sâ o Paulo , 103). Esses enunciados merecem maior aten ção: implicam a
Revistas de tendenoa fascista nasciam aqui e alt: no Rio de possibilidade de reverter a uma comunidade cristã ancorada
Janeiro , surgiu a Hierarquia , na qual colaboram futuros integra - na fam í lia c sugerem , sobrenado , uma forma de comunica çã o
listas: o pr óprio Plínio Salgado , Santiago Dantas . Hélio Viana pol ítica resultante da comunhão , na qual o discurso do chefe
r tamb é m dirigentes católicos corno Alceu Amoroso Lima . é sempre a explicitação da espiritualidade implícita do povo.
Sobral Pinto, Leonel Franca: aparece també m a Revista de Estu - Quando Pl í nio Salgado escreve: “ Quando menos se espera a ,

dos Jur í dicos e Sociais , onde se expressavam estudantes da ,


id é ia nova deixa de pertencer aos seus criadores , aos seus int é r-
Faculdade de Direito , Em São Paulo aparece a revista Política , pretes e pioneiros , para pertencer a toda a massa popular " ( R .
dirigida por Câ ndido Mona Filho ( Trindade, 1979: 100 - 2 ) . B. de Ara ú jo, 1983), aparece nas entrelinhas o que a geração
Em 1932 , Pl í nio Salgado cria cm Sã o Paulo a Sociedade dc cristã seguinte chamaria dc "conscientização " . Espiritualismo ,
Estudos Pol íticos (SEP ) - em suas diversas comissões tomaram povo-comunidade, "conscientização"; eis tr ês aspectos do que
pane estudantes da faculdade de Direito de Sâo Paulo , como seria uma das expressões do popuhsmo católico nos anos 60.
Alfredo Buzaid . Roland Corbisier , Almeida Sales . Em 7 de 1
‘ Integralismo ' \ nao " totalitarismo " , A "integridade" é a con -
'

outubro de 1932 , fracassada a Revolu ção paulista , foi enfim lan


çado o primeiro manifesto, assinalando a fundação oficial da
- sideração daquilo que insere o indivíduo num contexto que
representa um laço social : fam í lia , terry , história etc . É tamb é m
Ação huegralista Brasileira ( À1B). a primazia da exigê ncia é tica pois, em oposição ao Estado auto -
Da mesma forma que na Legião Cearense do Trabalho ,
.
rit á rio , o Estado integral é , segundo Miguel Reale , aquele que
formada antes da À tB e que incluía entre os seus membros exprime o fato de "que entre o Estado e o indiv íduo se veri -
Dom Helder Câ mara , a refer ê ncia ao catolicismo foi crucial na fica uma cessão recí proca dc faculdades em prol da realização
produção da linguagem integralísta. jã vimos a sedu ção que de fins é ticos comuns" c que o todo n ão deve absorver as
"

esta exercia sobre Alceu Amoroso Lima , secretario da Liga Elei - partes ( totalitarismo ) , mas integrar os valores comuns , respei -
toral Católica (LEC), que reconheceu : tando os valores espec íficos e exclusivos ( integralismo ) ” ( Trin -
Havia mere as posições da 2-EC e o integtalkrso ttii&cidiaciaj dc pont os de vista dade , 1979: 224 ) ,
-
no tocante às reivindica ções s ociass ou espjdiua ( j . Nt » meu caso particular
^ ri

devo dirct ainda que me igtadava partial larmeoie ,i ê nfase que o ipucpalismo
A teorização integral ísta compreende ainda muitas outras
teses. Teses mais "europeias " : o amnsemitismo , com Gustavo
emprestava a sua posi ção mtiburgacu í citado pui Medeiros, ] 7 S : 227 ) . Barroso; o corporativismo , com Miguel Reale ; a primazia do
^ Estado , ainda com Miguel Reale. nesse aspecto um tanto afas-
N ão podemos entrar nos detalhes das posi ções integralis- tado de Plí nio Salgado , cujo catolicismo conduzia antes a um
tas . mas apenas destacar algumas tend ê ncias marcantes. Pri - Estado ' ' familiar -corporativo" ( ibid . : 218 ); a organiza ção seve-
meiro , a insist ê ncia sobre a dimensão "espiritualista conceito ramente hierá rquica do movimento (pren ú ncio da sociedade
que remete ao espiritualismo " inato" do povo , consolidado do futuro ). Teses mais “ brasiJ eiras" : iam nacionalismo opondo
cm contato com as ideias n í tidas de espiritualismo cristão que
'

o "campon ês e o negro da nossa terra " au cosmopolitism a ;


nos trouxeram os jesu ítas" (citado por R . B. de Araú jo, 1983 ). também um nacionalismo cxplicitamcntc an Liimpe ri alista , pre -
Donde se conclui que toda revolu ção acontece , antes de ma is sente sobretudo em Miguel Reate , que denuncia “ uma forç a "
nada , no interior do homem , "A Hist ória", segundo Pl ínio que n ão pertence a na ção alguma e est á acima das nações: o
Salgado , ‘ é a crónica do desenvolvimento c da transforma ção
l

' supercapitalísmo financeiro " ( ibid .: 214 ). Assim se delineava


do espírito dos Povos numa aspira ção de perfcitabiJidade í1

o contraste entre a na çã o consciente de sua identidade" e


( 1 rind ad e . 1979: 203 ) , No prog rama de 1937 , q uc prctendia


tudo aquilo que representava a antinação ; o que os ideol ógos
scr a base de “ uma nova cultura filosófica e jur ídica", o "culto do ISEB . com frequ ê ncia originá rios do inLegralismo , te inter -
80 81

pretariam na linguagem do existencialismo dc Frantz Fanon . Os avanços fulminantes da A1B deram provas seguras da
própria da é poca capacidade dos intelectuais de suscitar uma forte mobilização.
O surto intcgralista , como sugere Juan Linz , foi sobretudo À s ú bita queda em 1938 prova , contudo, que lhes foi difícil
expressão dc uma juventude cm ascensão socialt motivada por preservar sua autonomia diante do Estado dc maneira dura -
objetivos culturais e políticos, mais do que por interesses ccon ó
micos específicos . Uma parcela de sua amplitude se deve , sem
- doura Afinal , at é 1937 era difícil distinguir , cm sua a ção , o
»

que concorria para a consolidação do gctulismo, daquilo que


d ú vida à ausência dc um partido católico num momento em
,
visava a seus próprios tins . Preconizavam um autoritarismo
que a import â ncia dos debates culturais e o despertar cat ólico mobilizador , mas . quer se trate do corporativismo ou do Estado
conduziam â incorporação do lato religioso ao pol ítico . Incorpo -
ração polissè mica ; foi o plaxio religioso que uniu o tupi ao
integral , sua doutrina sc inclinava no sentido de um autorita -
rismo desmobilizador , o mesmo que o regime constru ía . Exalta -
jesu íta , o homem americano ao portugu ês , c que interiorizou , vam o encontro entre a cultura c a política ; rnas o regime soube ,
portanto , a exterioridade por via do sentimento. Foi també m paralelímcnte a eles , lazer desse encontro um tema essencial
o que contrabalançou c completou a tendência à racionalização dc sua propaganda . Traduziram a acumulação de ressentimen -
burocrá tica contida no corporativismo. Foi o que garantiu a tos nas camadas que haviam sido humilhadas pela Rep ú blica
ordem social . Em resumo , foi a transcrição da "cordialidade ’ ' er quanto aos paulistas dos que foram humilhados também
,
cm termos pol íticos w.
Sabc-seque o intcgralismo terminou na confusão . Acredi-
pelo nove) regime em 1932 . O pró prio Plínio Salgado apresen
tou o integralismo como uma consequ ê ncia dessa derrota:
-
-
tando se chamado a desempenhar um papel importante corn
a transforma çã o do regime cm Estado Novo , mas dc fato obri - Subjugada a Revolu çã o paulista cm 3 dc outubro dc 1932, o estado dc espírito
gado a converter -se numa simples "Associação Brasileira de dc depressã o e dc íntima revolta dos combatentes vencidos logo aflorou num
Cultura ' , em consequ ê ncia da interdição de todos os partidos reduzido grupo dc brilhanrcs intelectuais que propunham , oio propriamente

_
pol íticos da qual esperava escapar , em 1938 o integralismo lan - o separatismo, porem o confcderacionismo (. . . ) 0 momento era doi ruais tas-
çou -se em uma desastrosa tentativa dc golpe , cujo ú nico resul
tado foi a sua dissolução ( Carone , 1977: 193- 213 ).
- tes c incertos para a nacionalidade . Tudo era confusão , incerteza ., ausência de
rumos definidos. Para onde iria a Nação brasileira * 0 Manifesto Iniegrsiista ,
jã impresso, foi nesta data distribuído em São Paulo c remetido para rodos os
O fracasso desse movimento , que num dado momento Estados ( Trindade . 1979: 124).
parecera irresist ível , remete , sem d ú vida a in ú meras explicações.
,

Quaisquer que fossem as simpatias da Igreja e dos l íderes católi - Restava pouco des.se estado de esp í rito em 1937 . O getu -
cos cm relação a este , a Igreja principalmence, e muitos desses
, lismo centralizara a nação ; c també m conferira , aos que o dese -
l íderes estavam atentos para n ão se deixar envolver em uma lura
contra um regime do qual muito obtinham . Seduzindo a massa
javam dentre os grandes intelectuais , o reconhecimento simbó
lico da sua import ância social .
-
de pequenos funcionários , o movimento intcgralisra limitava se - Arrisquemos duas hipóteses , inspiradas em certos dados
a uma concepção abstrata do povo, enquanto desde 1931 Get ú
lio Vargas vinha lanç ando as bases do edifício sindical ncocorpo
-- fornecidos por Hé lgio Trindade , para dar conta da evolu ção
paralela e separada do integralismo e do regime getulista ao
rativistsL Pregando um Estado forte , o integralismo nada mais longo dc cinco anos.
unha a contribuir desde que se operara a passagem ao Estado Primeira hipótese: não reservaria o integralismo uma
Novo. Parece- nos importante destacar, sobretudo , a precarie - acolhida melhor aos elementos modestos da mé dia burguesia
dade do peso dos intelectuais dentro desse movimento. intelectual , aos que aspiravam a ascender , aos que adquiriram
alguma instru çã o superior , mas estavam longe de alcan çar posi
ções de prest ígio e. mais ainda , de projetar seu nome pessoal ?
-
.
A propfoito do tema da ordialidade err Sé rgio Butique de HohmU . Rjchard Moíse
O regime dc Getulio Vargas reconhecia os maiores nomes , que
explica que iwo n ã o significa que os brasileiros xrjam contrários a violência mas
que vxiedade a racionalizar ão webetuna ' i Morse , 19 H 4 » freq úentemente provinham de fam ílias ilustres , e aceitava seus
82 S3

distanciamentos e reservas cr íticas ; isso combinava com seu res- eram de ascend ê ncia alemã e italiana 55; essas indica ções levam
peito pelas hierarquias sociais e pelas hierarquias da í ntelig é n - a pensar que , al é m das simpatias ideol ógicas com o fascismo
cia . Tinha menos consideração pelos demais , am ca çando os até de seus países de origem , a ÁlB ofereceu um canal de participa -
mesmo em sua política educacional ; pois n ão prometeu Fran - çã o “ nacionalista ” peculiar para os filhos dc imigrantes à mar -
cisco Campos cm 1930 , quando ministro da Educa ção , dar prio- gem do nacionalismo oficial c que * a partir da guerra * serão
ridade ao ensino primá rio ? ( Campos .. 1940 b: 119) Ora . as clas - mantidos sob suspeita.

»

Por meio do integralismo cujas relações com a conjun -


ses médias , obsedadas pela quest ão do seu status , n ã o deixa -
ram , até hoje , de lutar com sucesso para que a expansão do
ensino se fizesse no sentido inverso , privilegiando os n íveis de
tura sócio- económica não pretendemos discutir **
assim , uma mobilização das classes m édias sob a tutela de
aparece , —
ensino que lhes são reservados. No integralismo , com sua ê nfase n úcleos intelectuais quer como Pl ínio Salgado, introduziram ,
sobre a militâ ncia , não teriam eles maiores chances de conse- nas fronteiras das teorias do Estado Novo, uma mistura de tota -
litarismo c misticismo na representa çã o do nacional
gui-lo ? Pois n ão era Plí n í o Salgado um dos seus ? Não pode-
.
.

A Alian ç a Nacional Libertadora (ÀNL) fundada em março


mos esquecer que este intelectual era filho de uma professora de 1933 sob a égide do PCB , oferece outro exemplo de movi-
de Escola Normal e de ura farmacêutico, chefe pol ítico do muni - mento polí tico de envergadura onde intelectuais de perfis diver -
cí pio de S ã o Bento ; obrigado a abandonar os estudos na idade sos desempenharam papel importante e atraí ram consider á veis
de 16 anos pela morte precoce do pai , ocupou diversos empre -
gos menores c se tornou um a u rod id ata ,
contingentes das classes m édias . Essa vasta coaliz ão
em uma desventura militar que pós fim , em novembro de
lan çada —
A segunda hipó tese: n ão abriu o integralismo um amplo -
1933 * ao que poderia cornar se uma freme antifascista c popu -
espaço para os habitantes do interior , das á reas rurais , que n ão lar permite medir o cará ter heteróclito e cambiante da opo -
tinham contato com o Rio de Janeiro nem com São Paulo ? A
, .

amostra coletada por Hélgio Trindade mostra que , do total de


si ção de esquerda . Antigos tenentes , partid á rios ou n ão do Par
tido Comunista , ah tiveram uma influência preponderante ;
-
militantes do movimento . 5 J % eram de origem rural ; e entre
, foram eles quer com a aprovação da Internacional Comunista ,
os 20 % classificados como pertencendo à ' média burguesia contribu íram para precipitar uma insurreição armada , ã qual
intelectual " , quase metade era da mesma origem ( Trindade ,
3979: l 4lf Além disso , os habitantes rurais tinham farta repre -
senta çã o ern cada órgã o , especial mente na Câmara dos Qua -

esperavam que se aliassem os tenentes da ativa. Seu peso no
,

PCB do qual Lu ís Carlos Prestes se cornou o verdadeiro líder


após o retorno de Moscou em abril dc 1933 . embora só assu -
misse a função de secret á rio-geral cm 1943 - transparece nos
trocentos ” , Nesse ponto també m , n ã o oferecia o movimento
mais oportunidade dc subtrair -sc â s leis da cooptaçãG * visto
m ú ltiplos textos que fazem da Revolta do Forte de Copacabana
-
que a milit â ncia era levada em conta ? Consultando se a relação
cronológica , organizada por Hé lgio Trindade , dos municípios
o ponto de partida para a mobiliza ção revolucion á ria . Enrrc -
tanto * através da ANL realizou -se també m a consuma çã o da

onde se instalou integralismo de 1934 a 1937 . constatam ~se ruprura com o primeiro recrutamento social do PCB , que se
lizera entre artesãos c antigos anarquistas Dentro dos próprios
imediatameme municí pios secund á rios do Paran á e de Alagoas,
.

em seguida de Santa Catarina , Cear á e Esp í rito Santo , ao lado


quadros do PCB —
que , como a maioria dos outros partidos
dos do Rio de janeiro e do Rio Grande do Sul ; cm contrapar - .

tida . parece tardia c limitada a implantação no Estado de São As tabelas apceseiLEadaí por H é lpio Trindade mosriam que , «petialmenre entre
Paulo (Trindade, 1979: 313 - 21 ). Enfim , uma porcentagem pamdã iLos rurais, os filhos de iuirgfarjts a2 em ães e italiano* representavam uma

— -
!
JS
larga maioria O autor observou que taktz uma deformasse cm sua a mos
muito significativa de militantes de base que os dados de -
tia , cam super rep re iu íi u da popuJa ção da Ria Grande do Sul e de Santa Cata -
^ ^
rina. ande esi à n ãfUfldbtt as glandes colónias ale mis e italianas .
H é lgio Trindade sugerem tratar-sc dc uma maioria - c uma
-
' Pala urna discussão dai inrcrprc i a ç Oes pJOpostai põ r autores corno Gilberto Vast ú rt -
-
'

porcentagem n ã o desprez í vel dc dirigentes nacionais e estaduais celas eJosé Chuin , remetemos a Trindade ( 1981: 297 3351
M 85

cornu n istas , acabava de ser abalado por seis anos dc uhra - subdesenvolvidas de onde provinham 05 seus ' ‘ notá veis e a

esquerdismo e instabilidade emergiu uma nova geração , de
origem diversa Lcò ncio Martins Rodrigues, em um estudo con -
partir
Natal
das
e
quai
Recife
.
e
s se difundiria a sua insurreição
continuada

iniciada em
no Rio de Janeiro. Entretanto, ape-
sagrado a essa mutação ( Rodrigues , 1981 ) , ressalta a entrada sar de n ã o ter influencia alguma em São PauloT acreditava ser
impetuosa dos filhos de ilustres fam ílias decadentes do Nor - rapai de alcançar o poder . O resultado n ã o poderia ter sido
deste c do Estado do Rio de Janeiro: Ociá vio Brandão , descen - ruais desastroso: a repressão se abate principalxnente sobre seus
dente pelo lado materno de um senhor dc engenho de Ala - membros militares e , numa segunda onda de 1939 a 1943 , con-
goas ; Astrogildo Pereira, filho de um proprietá rio de tetras no segue desorganizar o aparelho do PCB, Isto significa uma ajuda
Estado do Rio de Janeiro e parente do presidente Washington inesperada ao regime que , em vista da ameaça comunista
Luiz ; Paulo Cavalcanti , origin ário das grandes dinastias de Per - — encarada desde 1930 como puro elemento doutrinário mas


nambuco etc . Esses são alguns dos nomes que simbolizam a que no prazo de alguns dias assumira uma expressão concreta
aglutina çã o à esquerda do “ jovem intelectualizado de família , conseguiu obter o consentimento dos cat ó licos e dos liberais
tradicional decadente dos Estados pobres" , muitas vezes for - dc Sã o Paulo para sua mutação em Estado Novo . Contudo,
-
ç ado a voltar se para a administração a fim de sobreviver , tirando
-
pode se vislumbrar ah também os primeiros traços do que , em
proveito dc suas rela ções pessoais ( ibid , : 385 - 6 ), Sem contar a
1944 , permitiria uma aproximação com o gerulismo: a rupuira
presen ça , nas posições subalternas, de grandes intelectuais per - com as origens anarquistas c operárias , a rejeição do liberalismo ,
tencentes à aristocracia de Sã o Paulo — EsLado onde . no
a insistência nacionalista e , finaJmentc , a adesã o ao Estado como
entanto, o Partido era fraco — tais como Elias Chaves Neto c
agente de transformação. Na Assembleia Constituinte de 1934 ,
Caio Prado J ú nior , da dinastia dos Silva Prado , cuja Evolução
um representante da ALN , Domingos Velasco , denunciou o cará -
política do Brasil , publicada em 1933 , constitu í uma leitura ter supé rfluo do processo eleitoral: “ Evitemos a farsa de elei ções
primordial da histó ria económica e social brasileira. A A NI.
també m contava com personalidades que participaram da cam -
estaduais e federais ( ... ) [ Não importa } que isto arranhe os pre
conceitos liberais e subverta as ideias predominantes cm nossas
-
panha antifascista e antiimperialista , como Francisco Manga -
beira ,, oriundo de uma fam ília de políticos da Bahia e um dos
dites saturadas da culrura alienígena " ( Souza , 1976 : 73 4). A
entrada do Brasil na guerra ir á proporcionar a oportunidade de
-
três civis integrados à direçã o da Alian ça : Dionélio Machado ,
escritor respons á vel pela organização do movimento no Rio justificar , sem falsos pudores , o apoio ao governo foram assim ,

Grande do Sul c que , cm 1945 , seria incumbido dc ler a Decla - lançadas as bases de uma cultura comunista que , satisfazendo
ra ção de Princípios no Primeiro Congresso dc Escritores. E ainda ,
ao nacionalismo e ao estatismo dos intelectuais , pcrmiriu lhes
afluir para o rastro da linha oscilante do Partido e encontrar assim
-
nos quadros da Liga de Defesa da Cultura Popular , os jornalis - a maneira de manifestar , maxs uma vez e sempre , que só existe
tas Rubem Braga c Brasil Gerson ; o estudante Carlos Lacerda ,
futuro chefe da direita golpista do Rio de Janeiro; c a escritora cultura quando política. Ao mesmo tempo , o Partido buscava
Rachel de Queiroz ( ibid .: 397 ), no prest ígio dos seus intelectuais os elementos para iludir sobre
A ANL surpreende , assim como o integralismo , pelas mes- as suas forças , Em 1934, Jorge Amado já afirmava que nenhum
clas que realizou , tanto em suas estrat égias como em seu recru - autor poderia subtrair -se ao “ engajamento":
tamento , Proclamou uma alian ça aberta a todos os antifascistas Carrego corrugo a armação de romancista político e partial , Confesso que me
e organizou a insurreiçã o armada à maneira tenentista . Abriu honro com isso | . . ). Hoje a situação c dc tal modo erigira que aquele que não
.

um largo espa ço aos militares da reserva ou da ativa M e atraiu tstá dc um lado está necessariamente du outro, 0 conceito pude nao agradar
numerosos membros das classes m édias. Buscou apoio nas áreas mas é vetd itkiro Diante dos que não sabem 0 caminho a seguir porque ainda
amam a ^ camisas de seda . a genre só pode rir . Nós somos essendalmentc politi -
.

Qs militares representavam dos efetivos da ANL tio Dittfito Federal , segundo


cos. Alguns compreendem isso e se colocam corajasamente de um lado ( citado
Robert Levine (ritado por L M . Rodrigues , 1981 398), por Gastello , I 98fh 175 ) .
I
87
86
dc 1935 , em nomc do anticomunismo. O tom dos editoriais
Em 1945 , esta convicção estará mais sol í damente ancorada
dc O Estado de SPaulo d á uma indicação disso. Após a insur-
do que nunca.
Na origem de outras organizações de esquerda de menor reição fracassada da ANL. colocam -sc à ( rente das novas orienta -
amplitude també m sc encontravam jovens oriundos das gran - ções do regime :
des fam ílias do Nordeste e que . certameme , haviam concluído Num momento rio delicado, qualquer restrição nos podaes que se concedam
um curso universitá rio. Isto se verificou no trotskismo. Mário ao Exeuiiiw. para defender o regime político c social em que vivemos , vale
Pedrosa fundou , em 1928 , a dissid ência tfotskista: nascido cm moral c praucamcnte por um ato dc cumplicidade com os subversores da ordem
Pernambuco , filho de um senhor dc engenho que fora senador , (L R . Cardo», 1982: 68).
e tendo cursado escolas secund á rias da Su íça e a melhor facul -
dade de Direito do Rio de Janeiro, tornou -se, nos anos 60 , Armando de Salles Oliveira , com o apoio da oligarquia
uma autoridade no dom ínio das artes pl ásticas. A seu lado * figu - paulista , pronunciou -se por um “ poder executivo fone " c
raram Lívio Barreto Xavier —
coronel que era també m um rico comerciante —
nascido no Ceará , filho de um
que estudou
reclamou uma “ estreita coesão entre a Universidade c o Exer-
cito , que passariam a ser alimentados por uma ú nica corrente
Direito no Rio dc Janeiro; Rodolfo Coutinho , descendente
de um dos
de
fun -
dc fé patriótica " ( ibid : 170 ). Em nome do Partido Constitutio -
uma fam ília tradicional de Pernambuco primo
, nalist a, baseado cm São Paulo , afirma ele cm 1936: " A nossa
dadores do PCB e professor no colé gio mais aristocr á tico dc S ã o aspira çã o é uma democracia robusta , dirigida com autoridade ,
Paulo ; Aristides Lobo , carioca , origin á rio de uma fam ília dc fiscalizada por uma assembleia assídua e vigilante , e apoiada
elite e que completou seus estudos naquele mesmo colégio (L, numa forte organização militar ” (ibid .: 171). A elite paulista
M . Rodrigues, 1981: 368) , Nos primeiros anos do decénio de sustentou maci çamerite a sua candidatura à presid ê ncia cm
40 , numerosos intelectuais socializaram -sc politicamente atra- 1937 , que duraria pouco em raz ã o do golpe que criou o Estado
vés do trotskismo , entre os quais Florcstan Fernandes que , cabe Novo. Fernando de Azevedo, exprimindo as posições da elite
lembrar , provinha de fam ília muno pobre . Nos demais grupos liberal dentro da nova Universidade de São Paulo , faz -se defen -
pol íticos dc esquerda , que surgiram a partir dc 1943 e rnilita - sor de uma "democracia real " , cuja função seria “ fortificar o
ram em prol da democratização , encontravam -se ainda muitos poder executivo, romper com o liberalismo sem disciplina , ’

nomes da elite social c intelectual . Tanto assim que . no comit é acabar com o " igualitarismo da mediocridade ” e permitir " a
de organização da Uni ão Democrá tica Socialista ( UDS ), fun - substituiçã o da democracia liberal e parlamentar por uma demo -
dada em São Paulo em 1943 , figuravam , entre outros, António cracia mais próxima da democracia direta , n ã o somente política
C â ndido de Mello e Souza e Paulo Em ílio Sales Gomes.
Naturalmcmc , houve intelectuais que não se engajaram -
mas político econó mica, com instituições sindicalistas ou corpo -
abcriamente nem à direita nem à esquerda , mas n ã o se pode
* -
rativistas obrigatórias" (ibid : 178 9). Fernando dc Azevedo
í ncumhm -sc també m de lembrar os limites da liberdade inte -
subestimar a import â ncia num é rica dos que , ern fins dos anos lectual dentro da Universidade:
20 c ainda cm 19.34 , no momento da Constituinte , se valiam
em maior ou menor grau do liberalismo, É mais dif ícil , no Não se pode r nà o sc deve reivindicar para o pensamento o direito de pensar
.
entanto acompanhar sua evolução nesse per íodo. Sabe -se que , como & queira, sem as austeridades dc um método preciso sem objetividade
na Faculdade de Direito de São Paulo , ao lado de certos profes- c sem probidade científica, porque isso seria reclamar o direito â libertinagem
sores notoriamente getulistas ou integralistas, como Miguel para a função mais angiiita dc que dispomos No desempenho da sua missão ,
-
.

Realc e C â ndido Mendes dc Almeida , foram v á rios os que se 4 inteligência deve mover se dentro das condi çòes que pela pr ópria narureza
colocaram em oposição ao regime e que , mais tarde, viriam a lhe foram prey riras ( ibid : 182 ).

simpatizar com a UDS ou com as correntes liberais ( Dulles ,


1985 ) . H bem oportuno , porem , pensar que numerosos setores ( ,i / er
-
O liberalismo extra universitário ou universitá rio sabia
suas concessões aos vemos da é poca.
liberais admitiram apoiar o endurecimento do regime , a partir
NS
89

Foram esses os liberais ”' que , tendo muitas vezes apro - esbarraremos sempre com os que se desviavam da rota , tao tre
quentes quanto aqueles que administravam com sabedoria e
-
vado as formas mais rudes de controle exercidas pelo regime,
reapareceram assim que as democracias ocidentais provaram s coerência o seu "capital familiar c cultural ; com os que reu -
que podiam ganhar a guerra O sinal desse despertar para a
. niam todas as condições para se inserir nos círculos do poder ,
adesão às liberdades fund amenta is, ao direito de voto e ãs garan - mas que se inseriram nos grupos imegrah.stas , na AXL ou nos
tias constitucionais foi dado , cspccialmente pelo . " Manifesto pequenos grupos trocskisias; com aqueles que , tendo apenas
desvantagens , conseguiam , no entanto , lazé das frutificar ; com
Minciro ” de ouiubro de 1943 . Foram seus signatários a elite
intelectual mineira : os juristas Adamo Lúcio Cardoso e Afonso os que pertenciam dc direito à dite, mas contavam demais com
Arinos de Mello Franco , o erudito Afonso Pena J ú nior , o eco - esta seguran ç a para aceitar os desvios e surpresas da hist ó ria.
nomista Milton Campos , o político Virg ílio de Mello Franco , Seria igua ímente plausível detcctar . na origem de cada.

Pedro Aleixo e outros ( Caronc, 1977 : 305 ). engajamento, alguma concepção de “ interesse ” , mas este não
Ao fim dessa recapitulação dos engajamentos polí ticos , poderia ser reduzido ã busca de um emprego pú blico sem pre-
constatamos em roda parte - nos postos avan çados dos m ú lti
plos movimentos que se desenvolveram , após 3932 , sobre o
- ju ízo de se esquecer da variedade dos tipos dc interesses e das
estratégias para conseguidos. Essa complexidade n ã o é surpreen -
pano de fundo da crise gerada pela interdi ção dos amigos par - dente , pois decorre da inexistência de uma justaposição entre

tidos regionais a presença de in ú meros intelectuais .
Estamos longe das considerações relativas apenas à cultura
um campo intelectual regido por suas pr óprias modalidades ins-
titucionais de legitimação , c um campo político igu aim ente
ou â idem idade brasileira Longe também das teoriza ções sobre
. submetido a outras modalidades de legitima ção , De imediato
a " realidade e a organiza ção ' ’ . Longe , portanto, de tudo se produziu , n ão uma interferê ncia, mas uma mescla . Todas
que atestasse uma unidade jã presente ou uma unidade a se as estrat é gias individuais se colocam sobre os dois registros. O
impor com base unicamente na ci ê ncia. Às divisões se aprofun - troLskismo dos herdeiros do Nordeste e o integralismo dos notá -
-

davam na medida em que esses movimentos visavam , em mui veis do Sul podiam ser , em certos casos , constitutivos da inser -
tos casos , a criar a pan ir de premissas opostas — uma socie - ção nas hierarquias da intelligentIsto pode ser diferente
-
dade indivisa . A mobilização exacerbava se em todas as áreas ,
em face de um regime que se recusava a utiliza - la .
, quando se considera uma ‘sociedade" rektivameme fechada
!

sobre si mesma , na qual se podem observar os traços de um


-
Confrontamo nos também com a heterogeneidade dos verdadeiro jogo dc papé is , e de uma relativa separação entre o
cultural e o politico . Recordemos a descri ção feita por Ulaude
diversos n ú cleos incei ec ruais . Evidenciava - se rodo um caleidosco -
pio de situações coletivas c individuais , incluindo uma elite Lévi - Strauss , membro da missão francesa junto à nova Universi-
paulista bastante fechada em si mesma e experimentando mui - dade de São Paulo, a respeito do mundo das elites locais:
tas dificuldades era se alçar aos objetivos nacionais; os herdei -
Uma sociedade resuira dividia os papas. Todas as ocupações, gano* c curiosida -
ros das linhagens vindas do Impé rio , que aspiravam a tornar- des justific á veis da civilização contemporânea cnconcravan^sc aJi . mas cada
se conselheiros do prí ncipe ; os descendentes das fam ílias ilus -
tres c empobrecidas do Nordeste; os humilhados c os ambicio -
-
qual repicanrada por ama única pessoa . Ncssu*; amigos não aim verdadeira -
mente pessoas , mas sim funções, cuja importância intr ínseca , mais que a sua
sos que desejavam abrir caminho at é o poder ; a massa de ' pro
"

- disponibilidade , parecia rei dciermmadfi alista Havia , asum , o LHL ó IICO, O libe -
.

fissionais ” mais ou menos bem -sucedi d os , bacharé is divididos ral , o Jcgatisia . o comunista; ou , em outro plano, o gastrónomo, o btWaóíib,
entre o medo do decl í nio c a recuperação nos quadros do Estado o apreciador dc cães ( ou cavalos ', de raça , dc pin tuia antiga dc pintura moderna ;
,

moderno; os a mames da cultura e os tecnocratas cm embri ão; c também u erudito local , o pixta surrealista , o musifolugo , o pioiGt ! . ) A .

mais os milhares de membros dc uma classe m édia heterogé - necessidade , que exigia que r ódo^ us papé b fossem ocupados para se constituir
nea , que vê abrir -se ura mercado dc í ttulos universitários e um microcosmo e se jogar o grande jogo da civilizaçã o implicava também
,

bens culturais. Seria possí vel sem d úvida , introduzir aJguma alguns paradoxos: que o coitumista fosse também um nco hc ídeiro do ftuda -
dsmo locai e que uma sociedade bastautic aletack e forniaI permitisse , fiorém ,
,

ordem nesse quadro , indicando trajet ó rias significativas , mas


90 91

um He seus membro*, a apenas urn - puis era indispensá vel ter pmbcm
çamente fori da.s fronteiras que demarcavam os limites das rda -

si mis
o poeta de vanguarda cm publkts ( Lévi- - L-, CS social organizadas , mas també m a dassc oper á ria , encer -
aparecei com sua jovem amincc
Strauss , 1955: 95 ) Í

rada entre 1930 e 1937, em um novo cd ífído corpora ti vista c


r

Observemos , porém , que a descri çã o se refere a S ã o Paulo , jur ídico (Gomes , 1979). Quanto â burguesia , tamb é m unha
mais do que nunca prisioneira , após a derrota de 1932 , de sua de se curvar aos efeitos da redefini ção do Estado : os produtores
relativa marginalizar ão política 1* e dc sua soberba . de café cedendo a gest ã o da comercializaçã o do produto aos
No piano nacional , cor na -se mais difícil e mais contesta - organismos p ú blicos criados para esse fim , e os industriais
vd reduzir as cisõ es pol íticas a simples esrraté gias individuais -
empenhando se em intervir direr am ente junto aos homens
no quadro de opera çõ es de classificação' ' social , sobretudo p ú blicos de fun ção decisó ria . As negocia ções pol íticas entre as
1 '

quando nos afastamos das elites detentoras de um nome e de oligarquias regionais e o poder central nada perderam de sua
uma história familiar , para considerar os intelectuais dc segunda antiga importâ ncia: Gct ú lio Vargas , até 1937 pr íriapalmcnic ,
c terceira categoria . A identifica ção com o integralismo , com n ã o deixou de manobrar entre as pressõ es dessas oligarquias , e
a A NX , com o liberalismo ou com o Estado Novo remete a as dos tenentes e interveritores tolhidos entre a.s funçõ es dc
fen ô menos dc movimentos coletivos portadores de representa - misst dominici e de negociadores locais. Amda h á um fato dc
ções do político que pareciam irreconcili á veis , pelo menos maior import â ncia : a ideologia da despoli tiz ação do político
naquele momento. É certo que os intelectuais , como tamb é m resultou , no m ínimo , num enfraquecimento global dos atores
os tenentes , os militares da ativa e determinados elementos sociais ; junco a ela ocorreu uma redu ção da influencia política
pol í ticos estavam na linha de freme . E n ão “ brincavamrt dc dos pó los econó micos mais din â micos , como São Paulo , Inver -
pol í tica: luravam efetiva men te pelo poder , voando a objetivos samente , tal diretriz deixou um vasro campo hvre para os agen -
entre os quais n ã o havia possibilidade de compromisso. O cara -
tei do regime e desses movimentos era tal qur esses confrontos
tes e movimentos propriamente polí ricos . Nesse aspecto . os inte ,
-
lectuais foram uma categoria privilegiada . Sua preponder â ncia
nada unham d c puramrntc simbólico: a violência qur demons - trouxe em contrapartida , uma idcologização singular da pol ítica .
traram , as sucessivas ondas dc repressão , com. seu séquito de É verdade , por outro lado , que aqueles que pertenciam
ex ílios e prisões, l ã est ão para demonstrado . É preciso frisar às elites mantinham la ços de solidariedade apoiados sobre as
ainda que em nenhum outro pa ís da Am érica Latina assistiu - redes de socialização familiar , universitária c mundana . Um
se em ã o ao aparecimento tie organiza ções fascistizames ou
.
observador brasileiro como Florestan Fernandes n ão poderia
comunizames de amplitude compará vel , deixar de ser sensível a esse fato. Ele acentua bem como , are
Com o distatiamento no tempo , entretanto , é possível nas corremes de subversão intelectual , foram numerosos os que
assmalar encontros e superposições surpreendentes nesses confli - se detiveram a meio-caminho em raz ão de seus laços com as
tos e confrontos.
elites sociais . Assim aconteceu com os modernistas dos anos 20:
G fato de que os intelectuais de rodos os tipos estivessem
nos postos avançados já merece aten ção , Esses militantes de cau - CedeiuLiT, ao que deviam se opor . meumbindo a tuna condi ção intelectual y
sas antagónicas desfrutavam de uma posi ção notável . Destaca - que pretendiam renunciai mas ã qual n ão rcnuncimnj . Eles (mm v ítimas de
va m -sc sobre o pano de f u n d o dc uma sociedade onde os ato - um momento de transição, no qual a insatisfação com refer ência ao passado
res sociais tendiam a ser privados de expressão própria , ou a não engendrou o futuro pelo qual deviam lutar i Fernandes . 19
*
8 : 35 -6 ).
se aiomtzar na medida cm que o Estado se erigia cm. regulador
O mesmo se deu com o intelectual dos anos 30:
das relaçõ es sociais , Os sccores populares estavam relegados a
segundo plano: n ão só as massas rurais , condenadas a ficar mad
- Gozava no meio brasileiro dc Lima independ ência e de uma liberdade muito
grandes . Essa liberdade, entendida sociologicamenie , estava relacionada com o
-
Traia sr pntú amente , de umn Lunsumc , tonfof íitt momou Simon Sdawirrzman faro de que o intelectual m Bmsil sempre tez pane dos setores dominances e
\ ’' •cnwam.man , 19 75 1 .
'

dc suas dites Mesmo quando de era divergente como era o caso dc Mano de
,
92 93

Andrade ou Oswald de Andrade , nlo escapava a essa vinculação esmiruia! A Tanto no modernismo — que derivou em seguida para a

.

Liberda de dc divergência existia ou era tolerada porque ele era parte da elite esquerda e para a direita como na extrema direita -
que
- -
.

nã o sc esperando ddc , par conseguinte que se convcrase etn "fator de con-


, procurou a , um só tempo , bloquear a hist ó ria e dar lhe a mat é
flito contra a ordem ' íibid . ; 44 - 5 )
,
ria do inconsciente de um povo e de sua cultura oculta - havia
Esse testemunho refere-se, mais uma vez , a São Paulo. essa entrega à modernidade. Mas é preciso imediatamente nuan -
Há outros , por é m , que mostram a densidade das rela ções sociais çar, corrigir . N ão se pode ignorar que todas essas correntes se
entre revolucion á rios c conservadores nas cidades do Nordeste ,
remetiam ao “ realismo .
"
E certo que isto constitui um indício
-
tratando se dc filhos dc famílias ilustres, até mesmo entre exila *
de sua extrema idcologlzação, mas també m é uma aposta na
coerê ncia da sociedade brasileira e , assim , no tato de que cia
dos de exLrema direita e extrema esquerda na Europa e na
Argentina , as vezes hospedados nos mesmos hotéis. Voltamos poderia , a partir dali , construir e administrar sua própria tem -
assim aos fatores relativos âs origens sociais desses intelectuais poralidade sobre uma base endógena . A nostalgia da ‘organi -
de elite , e à quilo que os unia na busca comum da modernidade. zaçã o ’ ’ como substitutivo da pol ítica marca a entrada em uma
Vimos , na d é cada dc 20 , a decisão generalizada de procu - outra modernidade , que nada tinha de fugaz nem dc est é tico ,
.
mas que ao contrario , era o projeto de um domínio sem limi -
rar as ra ízes do Brasil e , nesse processo, renunciar âs paixões
fugazes pelas “ ideias importadas ' . Alternativa ilusória , porérnr tes , sem irracionalidade. No campo cultural , as m ú ltiplas cor
rentes intelectuais se encontram nessa partilha c nessa fusão
-
uma vez que com frequ ê ncia a “ brasílianização ' n ão passava
de um novo artifício visando â inserçã o nas correntes da moder- improvisadas entre o duplo excesso da modernidade pela assi -
nidade cultural universal , Deveríamos dizer “ modernidade ” milação e da modernidade peia rejeição.
ou , arriscando um paradoxo e um anacronismo pós- modernt .
dade ' ' ? Pois foi nessa “ antropofagia ” de ideias vindas de longe ,
- Resta a pol ítica . G)mo demarcar os pontos de encontro
onde as divisões pareciam insuperáveis? Observamos , no
praticadas em uma sociedade que jamais teve certeza dc ser entanto, muitos encontros em momentos diversos , que sc torna -
.
inteiramente uma sociedade e qur atravessava um momento riam ainda mats manifestos a partir de 1943
de crise levando- a a duvidar da tradição do Iluminismo . que De in ício , nos anos 25- 35 , havia já um amplo questiona -
se produziu a descoberta da fugacidade das representa ções , do mento das instituições liberais , tais como funcionavam no Bra
sil . Em 1935 , os setores que continuavam a advogar o liberalismo
-
valor da “ autenticidade ' \ da equival ê ncia dos temas opostos ,
da estetiza ção da pol í tica , da descent inuidade da histó ria , das deram mostras de um autoritarismo elitista que os conduziu ,

rupiuras sucessivas do tempo. “ A importa ção de ideias pdo menos dc forma provisória , a posições pró ximas is do
c — —
ou n ão c somente a nega çã o da “ realidade ” ; c també m
n ão
governo. Nesse mesmo momento , as correntes católicas oscila -
vam entre o imegraJismo e o regime. Quanto aos comunistas
a ades ã o à sucessã o ilimitada t não-controlada das imagens do
real c o gosto pela encena ção política . A esse propósito , cm
1936 Sé rgio Buarque de Holanda faz uma observação:
e seus aliados na ANL , começaram — sob a pressã o dos tenen -
tes , que a eles se aliaram , e dos intelectuais , que viam sua

É frequente , entre os brasileiros que sc presumem intelectuais, a faolidade com


influencia crescer
“ classe contra
— a abandonar as convoca ções às Imas de
classe " , para privilegiar um nacionalismo que
que ;c J 11 mentam , ao mesmo tempo , dc doutrinas dos mais variados matizes os levou a reavaliar embora timidamente , suas concepções
,

c com que sustentam , simultaneamente . as convicções mais d íspares ( S B dc sobre o Estado . Durante a guerra , c sobretudo após 1943. os
Holanda , 1981: 113 ) rcaiinhamentos c desvios se precipitaram . Os liberais levantam
E acrescenta: a cabeça e redeseobrem a democracia ; o integralismo tenta
v árias aproximações com o regime , mas se decompõe com a
A loncradviO que porventura possa existir entre elas parece-lhcs cão pouco cho - entrada do Brasil na guerra ; os católicos criticam oficialmente
cante, que alguns se alarmariam e sc revoJtanim sfoceiamcme quando n ão o regime . Ccrtamentc , o mais not á vel foi a evolu ção dos comu -
achássemos leg ítima sua apandade de aceitá- las com o mesmo entusiasmo i jbdd . . nistas que , desde as celas das prisões , onde foi encarcerada
,

>
94 95

grande parte de seu Estado-maior desde 39 -40 a começar lhadorcs Intelectuais , como Graciliano Ramos , Evaristo de
por Luís Carlos Prestes , promovido oficialmeme a secret ã rio- Morais Filho , Pedro Nava e outros. Os cat ó licos do Rio de
geral do partido cm 1943 , mas que ficaria preso ate 1945
procuraram aproxirnar-se de todos os setores anunazistas r .
— Janeiro , sempre ligados ao Centro Dom Vital , como Alceu
Amoroso Lima e Sobral Pinto , també m ingressaram na UDN .
Depois , rendo o regime finalmcme declarado guerra ao Eixo e Entretanto , seria in ú til procurar uma correspondê ncia
ate enviado rropas á It á lia , decidiram apoi á - lo. Uma sustenta
Çâ o , aliás , nada plató nica , pois se traduziu em nada menos do
- entre as cisões profundas , que logo aflorariam como opções
pol í ticas antagónicas, c os partidos que emergiram cm 1945.
que no apoio à candidatura presidencial de Getú lio Vargas , Isto significaria subestimar a contradança provocada pela ena-
que teve de aceitar a fim dc marcar a sua incorpora çã o aos ção desses partidos: houve muitas figuras do Estado Novo que
novos tempos democr á ticos. Foi lançado assim , com Lu ís Car - entraram para a UDN e , al é m disso , a articulação dos partidos
los Prestes sempre na prisão , o movimento “ queremisca " pelo
qual os comunistas afirmavam que "queriam ' a manutenção
T com o Estado de urn lado —
o PTB c o PSD são criações getu -
listai c , de outro , com a influencia dos chefes locais.
de Gctú lio Vargas no poder , ao mesmo tempo em que diver - A confusão nào poupou os intelectuais . Ao fim do Estado
sos grupos socialistas " aliavam -se aos liberais" e à direita Novo. os vest ígios dos antigos compromissos desaparecem
nos quadros da UDN, a União Democr á tica National , cujo pro
grama consistia , antes de tudo , em $c livrar dc Vargas.
- diante da exigê ncia dc retorno ã democracia . O Primeiro Uon -
gresso de Escritores Brasileiros , realizado em São Paulo cm
Esse vaivém , ao qual os intelectuais estavam estreitamente 1945 e reunindo todos os grandes nomes da intelligentsia, de
ligados , pode dar a impressão dc que as observa ções de Sérgio
Ruarque dc Holanda valem també m no domínio político. Con -
-
todas as tend ê ncias , furtou se a tomar posições políticas defini -
das: cm suas resoluções, atendeu aos liberais . convidando os
rudo , isto seria simples demais . Atr ás dessas evolu ções , ev í den - intelectuais “ a sc manifestarem , sempre e em todas as oportu -
- -
ua sc que os movimentos polí ticos dc 33 38 expressavam cisões nidades , em defesa dos direitos e da dignidade da pessoa
parcialmeme instá veis , atris das quais sc manifestam divergên - humana e dos valores da vida interior contra as tendências de
cias mais profundas. Elas di2em respeito ao papel do Estado
_ dom ínio e absorção do indivíduo , capazes de reduzi lo a um -
na formaçã o do social . me ^ mo que — corno teremos ocasi ão simples instrumento do poder pol ítico”. També m atendeu à
de verificar - os “ liberais n à o fiquem atrás dos ' intervencio - esquerda , incitando os mesmos intelectuais a lembrar que “ so-
j i

nistas
-
cm seus apelos ao Estado. Referem sc ainda , com as mente a literatura e a arte que desempenham um papel social
-
devidas nuan ças , às divisões entre correntes cat ó licas c n ã o -cató servem i coletividade dc seu tempo , c se alimentam e se reno-
das para as classes populares. Os comunistas podiam justificar
-
licas ; nacionalistas c partid á rias da abertura ; elitistas e orienta vam em contato com todas as camadas sociais , podem realizar
-
uma comunh ão fecunda entre o povo e os criadores da cultu
sua alian ça com Vargas com base no nacionalismo c na ascen - ra “ (citado por Mota , 1980: 145-6 ). Evita , sobretudo , atiçar o
-
d ência do ex ditador sobre parte do aparelho sindical . Alg uns
de seus intelectuais , por ém , não os seguiram nessa mudan ça:
*

fogo entre os diversos campos da esquerda . •

Era hora dc união , sem exclusõ es em torno dos valores


,

Caio Prado jú nior , o físico Mario Schenbcig e Ti to Batini entra - democrá ticos ; c també m da realiza ção de um balan ço .
ram na dissid ê ncia com a CNOP (Comissão Nacional de Orga
niza ção Provisória ) , que desempenhava a fun ção dc direção .
- Considerando esses anos dc regime autoritá rio e de enga -
jamento pol í tico intelectual , tem se a impressão , apesar dc
tudo , que o objetivo inicial dos intelectuais de 1925 . aquele
*

A UDS, com Ant ô nio Cândido , Aziz Simáo, Paulo Em ílio Sa -


les Gomes ç outros nomes da intelectualidade paulista , csco
- mesmo enunciado por Alberto Torres , fora atingido: os intelec -
Ihcu a participação — que seria apenas provisória — na UDN ,
uma vez que esta queria , principalmente , desmantelar as insti -
tuais n ão estavam , necessariamente , unidos do ponto de visra
político, mas tinham pcrspccuvas comuns sobre a famosa reali -
tuições do Estado Novo ( Bencvides, 1981: 37-46 ). O mesmo
aconteceu com os membros de esquerda da Uniã o dos Traba
- ‘ Ver a entrevista dc Antônio Cindido , tirada por Benevides 1981: VI .
96

dade national . Quarenta anos mais tarde , Antônio Cândido ,


com a consci ê ncia de seu prestígio intelectual e de sua fideli - 2
dade is opções de esquerda , pôde inclusive dar sua absolvi ção
a uma pane dos intcgralistas por terem realizado , a seu modo ,
essa marcha rumo à realidade:
A distância mostra que o integralismo foi , para vários jovem , mats do que um
A geração dos anos
fanatismo e uma forma dc resistência reacionária . Foi um ripo de interesse
fecundo pelas coisas brasileiras, uma tenariva de substitui: a plaribanda libera-
1954 -64
lóidc por algo mars vivo. Isto explica o número dc íncegtalistas que foram tran -
sitando para posi ções de esquerda — da cisão precoce de Jeová Moa até as abju-
rações do decénio de 1940. durante a guerra e depois dela . Todos sabem que
nas tentativas dc reforma social cerceadas pelo golpe de 1964 participaram anti -
gos integralistas identificados às melbores posi ções do momento (Cândido
1961: XIII ) .
I ão surpreendente quanto a intensidade dos engajamen -
tos na direita ou nas insurreições da esquerda é o reconheci -
mento de que , em certo n ível , provavelmente inspirados peto
desgosto com o liberalismo , també m os intelectuais almejavam
a construção dc uma nação mais viva ' ' . Não se tratava apenas
de submeter -sc às regras da conciliação". E bem verdade que ,
nos anos 50 , vemos encontrarem- se antigos integralistas nas
mesmas posições da esquerda , marxista ou não , como se repre - Em 1945 , o debate intelectual girava em tomo da questão
sentações inversas se unissem de fato na mesma aspiração à uni - da democratização ” . Como demonstra o Congresso dos Escri -
"
dade social , Dc uma maneira ou de outra , os intelectuais haviam tores , parecia se formar um amplo consenso , n ão livre dc mal -
recebido a confirmação de que tinham vocação para se íncum - entendidos nem de segundas intenções . Muitos intelectuais
bir da "realização” dessa unidade . comunistas 0 aprovaram , mas o próprio partido se engajou no
Aparentemente , grande número deles havia feito , cada apoio a Getúlio Vargas . Quanto aos "socialistas" e aos ' libe-
qual por si ou coletivamente , o mesmo trajeto que , começando r a i s ’ não hesitaram cm aplaudir a intervenção militar dc 29
pela negação das velhas instituições olig ãrquicas liberais , os
de outubro , que derrubou Vargas do poder e vetou sua candi -
havia levado , pelo caminho da cultura e da pol í tica , a procla- datura às eleições dc 1945 ; nem a aderir depois , no quadro
ma r a p rim azia da nação sobre os interesses fragmentários da
sociedade civil , e depois os conduziu a uma revalorização da da UDN , à candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes , que
democracia . Isto não implica que tivessem abdicado dc sua von - não mostrava muita sensibilidade social .
tade de equiparar -se ao Estado em sua responsabilidade pela Em breve se evidencia claramente a fragilidade do con -
construção da nacionalidade . senso e também da democratização . Os intelectuais da "es-
De qualquer modo , o fato de que um Congresso de Escri - querda democrática ” rctiram-sc da UDN c ingressam , cm sua
tores pareça simbolizar a passagem a uma nova é poca atesta maioria no Partido Socialista Brasileiro ( PSB ) , fundado em
,

que os intelectuais detinham agora a autoridade à quaJ aspira - 1947 . Neste mesmo ano , após dois anos dc vida legal , o Par-
vam antes de 1930 . tido Comunista — que atraíra numerosos intelectuais para a
sua área de influê ncia e havia demonstrado ser uma força pol í-
tica importante , conquistando 10 % dos votos nas eleições dc
í
9S 99

dezembro de 45 e , de novo » vá rias cadeiras em todos os n íveis Partido Comunista ( Sampaio , 1982 ) Assim sendo . as dd

»

do
.

nas elei ções de 47 foi declarado ilegal e , pouco depois , no mnferem um rrconhctimenLo crcsccntc ãs coalizões t aos
início de 48 , teve seus parlamentares cassados , A partir de À COxdos circunstanciais
. c , tanto no Congresso como no pais. as
ent ão , afasta -se do regime , progressivameme até 1950 c. bru
talmenre , desta data at é 1958. Os intelectuais Liberais hliados
- tnrrentes e dissid ê ncias se
ap
multiplicam
ós 1961 em
dentro
que um
de cada partido.
sistema paria -
Chegaria um momento , ,
a UDN experimentam a derrota eleitoral em 1945 , a coexist ê n
.

cia resignada com o governo Dutra e a d error a de 1950 , ainda


- merua í , que aliá s conferiu às zonas
de
rurais uma
paralisia
su per - representa -
decorr ê ncia
cru oneraria cm situado semi em .

mais amarga por ter levado Get ú lio Vargas de volta ao poder .
de todas as manobras dc bloqueio l W '

. G . dos Santos , 1979 b ),


A confusão diante do sucesso eleitoral do antigo ditador não Nesse contexto , o ardor democr á tico dos intelectuais dc
afetou apenas os intelectuais ’ liberais " , mas a grande maioria
1

1045 tinha poucas chances de durar . Tendo admitido , por cal -


dos intelectuais, cuja perplexidade aumentava com as tomadas ado ou por impot ê ncia , o aspecto corpo rati vis ta do regime ,
de posição nacionalista por Vargas . pouco inclinados aos prazeres da pol í tica partid á ria e , al é m
Quanto à democratização , continuava inacabada. O Exé r - dis > u . pouco instrumemados para tornar parte nela , n ã o unham
cito conserva sua presen ça institucional e , a cada sucessão presi - m ou vos para Lclebrar as virtudes de uma ' democracia formal
1 "

dencial , far á ouvir sua voz e suas amea ças. O essencial do edif í- que . de qualquer forma , nunca exaltaram tanto assim A maio- .

cio corporaovista continuava tm vigor , com o controle das orga - ria continuaria a defender a democracia , mas frequentememe ,
nizações sindicais daí decorrente . Os fracassos da UDN assegu - sem questionar as instituições, os procedimentos e as formas
ram aos dois partidos criados por GetuJio Vargas cm 1945 de legitima çã o que lhe são inerentes. A democracia Tcai" que
o PSD ( Partido Socialista Democr á tico ) e o PTB ( Partido Traba - muitos invocavam era aquela onde o povo sc identifica com a
lhista Brasileiro )— um pape! primordial na vida política . O
peso desses partidos , estimulados pelo poder , n ão atesta ape -
na ção: o tema democr á tico estava subordinado ao tema nacional .
Foi o nacionalismo que forneceu , de fato. a trama da vida
nas que . nessa conjuntura , a problemá tica da ' representação"
1

política , um nacionalismo sem nenhuma relação, à primeira


importava menos que a da participação no processo de decisão vista am o do período 25 -40 . Ningu é m mais duvidava da exis
, -
pol ítica (Souza , 1976: 50 ). Mostra também a capacidade d ás t ê ncia de uma na çã o brasileira , e n ão era mais preciso buscar
elites do Estado Novo de cons ti tu ir um sistema que permitisse seus sinais no "car á ter " ou no ' temperamento" da populaçã o ,
4

*
a absorção , através do PSD , das interventor ias e bases munici
i

- nem apelar ao Estado para forjar a sociedade , A naçã o estava


pais e , através do PTBr das clientelas urbanas sindicalizadas ali , constitu ída em torno de seus interesses económicos . de sua ,

ou cobertas pelas institui ções previdend á rias " ; mostra ainda cultura c de sua vontade política . Ela se experimenta a si mes-
a emergen cia do geí uíismo como formaçã o ou movimento
! '1
-
ma . íri ir mando se dia a dia contra as nações dom mantes , O sen -
pol ítico organizado ao n ível do simbolismo pessoal , conden - timento de identidade é substitu ído pelo de confronto; o
sando e dando forma ativa aos suportes dc massa at é ent ão advento do povo como sujeito político liga - se â sua mobiliza -
-
mais ou menos latentes " ( ibid .: 134 5 ). Quanto ao PSD , este
deixou o campo livre aos grandes eleitores regionais , com seus
çã o a serviço da soberania nacional ,
Dois episódios marcam simbolicamente a conjunção do
eleitorados cativos , numa recuperação moderna do que Victor nacionalismo com a participação popular : a campanha que cul -
Nunes Leal , em seu livro clássico { Leal , 1975 ) , havia analisado minou na criação da Petrobr ás , a companhia nacional dc petró -
corno negociação entre poderes privados e poderes p ú blicos , e
como tensão entre tendências centrífugas e centrípetas . Em
leo. cm outubro dc 1953 . ca emoção desencadeada pelo suicí
dio dc Vargas .
-
alguns dos mais importantes Estados , começaram a impor-se campanha O petróleo é nosso" propiciou a oportuni -
À
"

os partidos regionais - c o caso de São Paulo , com o PSP ( Par - dade para a convergê ncia de diversos setores nacionalistas que
tido Social Progressista ) , uma m áquina eleitoral nas m ãos dc se colocavam contra o projeto inicial apresentado por Vargas

,

Adernar de Barros , deito governador cm 1947 com o apoio put cons id era -lo excess!vamente moderado: a facç io do Exé rcito
100 101

liderada pelo general Estillac Leal , ministro do Exército de çâo do mercado interno e as medidas para contrabalan ç ar a dete -
1950 a 1952 t que contribuiu para criar o Centro de Estudos riora ção dos termos de trocas . Essa teoriza ção , porem , era inse-
c Defesa do Petróleo e da Economia Nacional (CEPDEN ) ( A . pará vel de ama meta pol í tica emancipadora . segundo a qual a
-
C- Peixoto . 1980: 65 104 ); os comunistas; numerosos intelec - cidadania política deveria ampliar -se à medida que a moderni -
tuais ; membros do PTB mas tamb é m da UDN , tendo este par - za çã o econ ómica promovesse a independ ê ncia nacional . Quando
tido adotado uma posição intransigente , pela voz do deputado Celso Furtado caracteriza o desenvolvimento como a conquista
Bilac Pinto ( L. Martins, 1976: 334 e segs. ). O lato not á vel foi da autonomia em sua ‘capacidade de decisão ” , est á se refe-
que as palavras de ordem da campanha suscitaram uma ampla rindo , simultaneamente , ao estatuto do povo c ao da na ção
mobiliza çã o , da qual participaram numerosas organiza ções ( Furtado. 1964: 225 ). Com razã o , Alberto O . Hirschman julga
populares. que , nessa doutrina , o desenvolvimento c assimilado à desco-
Com maior raz ã o , o contexto no qual ocorreu o suicídio berta e á auto -afirma çã o da identidade nacional ( Hirschrnan ,
de Get ú lio Vargas , cm 24 de agosto de 1954 . instituiu o nacio - 1963 ) .
nalismo como modalidade de cidadania popular . A carta - testa - Contudo , a cisão criada pelo esquema nacional - popular
mento deixada pelo antigo ditador contribuiu para associar a domina esse per íodo . Uma diverg ência que , sem d ú vida , tinha
luta contra os adversá rios da na ção ao reconhecimento do povo raízes muito antigas mas fora um tanto obliterada no quadro
como encarna ção concreta da na çã o . De um lado, atribuiu a do Estado Novo ; ela vem à tona a parur do momento em que
responsabilidade da crise à interven ção "subterrâ nea de grupos o nacionalismo passa a significar , ao mesmo tempo , ativa çã o
internacionais ” c às maquinações dos privilegiados para impe- das massas e resist ê ncia ao imperialismo. Havia , em todos os
dir as reformas sociais; de outro , apresentou o sacrif ício pessoa) setores , uma tend ê ncia a temer que esses dois elementos travas -
de Vargas como uma d ádiva que permitiria a sobrevivência do
povo:
sem o desenvolvimento do Brasil e provocassem uma confronta -
çã o ruinosa . També m a campanha pela Petrobrãs c a cana - tes-
tamento de Vargas atestam a intensidade dessa cisã o .
Tenho lutado mês a m ês. dia a dia, hora a hora , resistindo a uma pressão cons
tante , incessante , tudo suportando em sil ê ncio, tudo esquecendo , renunciando
- Os militares são os primeiros a se submeterem a ela . Á os
“ nacionalistas ” , opõem - se os que preconizam relações mais
a mim mesmo, para defender o povo, que agora sc queda desamparado. Nada
mais vos posso dar . a nao ser o meu sangue , Sc as dc rapina querem o san - conciliadoras com os Estados Unidos e que se inquietam com
gue dt algu ém , querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço cm o populism o. Com frequ ê ncia provinham dos quadros da FEB
holocausto a minha vida (citado pen Carone. 1980: 58- 9 ) . ( For ç a Expedicion ária Brasileira ) que haviam combatido na Itá -
lia ao lado dos Aliados. Exercem uma influencia preponderante
A morte selou , assim , a fusão do povo com a nação . O no interior da Escola Superior de Guerra, fundada em 1949 , e
-
gctuhsmo toma se uru mito fundador , Nas horas subsequentes , cujo primeiro diretor foi o general Cordeiro de Farias , coman -
irnpòs -sc a consciência dessa transmutação , como prova a rco- dante de artilharia da FEB em 1944. Sabc -sc que c na "Sorbon -
nenta ção imediata do PCB qucr de opositor feroz , se metamor-
foseia subitamente cm herdeiro da ú ltima mensagem getulista .
No decorrer dos dez anos seguintes , esLa mensagem n ão deixa -
ne ” — —
apelido da Escola Superior de Guerra que ser á elabo -
rada progressivamente a "doutrina de seguran ça nacional ” .
ria de fornecer o arcabou ço do populismo nacionalista .
Essa doutrina esrava longe dc se resumir — como se afirma-
ria muitas vezes após 1964 - cm uma concepção de ação anti -
Esses foram tamb é m os anos do deienvolvimentumo . subversiva , pois comportava também , como provam as obras
Trata -se , sem d ú vida , dc uma forma de teorizar a industrializa
çã o , elaborada em Santiago pela CEPAL sob a influencia de
- de Golbcry do Couto c Silva , um programa de industrializa ção
para o Brasil — nas palavras des.se militar um “ plano de reforço
,

Raul Prebish. Celso Furtado c outros economistas divulgariam -


na no Brasil , visando a colocar o Estado a serviço dc um pro-
do potencial nacional ' . Por outro lado , vozes dissidentes fizc
ram -se ouvir durante vá rios anos dentro dessa escola militar,
-
cesso acelerado dc substitui çã o de importações, graças à amplia - intelectuais de renome , muitas vezes de esquerda , ali Itciona -

B 5 CSH UFttO »
102 103

rara. Mas n ão deixa de ser verdade que essa Escola tendia a Popular ) que propagavam o amicomunlsmo e financiavam as
dar ao seu publico , tanto da esfera civil quanto da esfera mili - campanhas eleitorais de candidatos confi áveis ( Drciffus , 1981 ) .
tar , uma visão do nacionalismo oposta à do nacional-populismo . Na linguagem da esquerda , a oposição entre os nacionalistas
' '

As divisões entre militares manifestam-se abenamente no in ício t "entreguistas comandava então o sentido da vida pol í tica .
dos anos 50 , por ocasião das elei ções no Clube Militar . Criado Nas pá ginas seguintes trataremos apenas dos intelectuais
em 1945 , com o cará ter de associação recreativa , o clube aca - que se alinharam no campo nacionalisra e popular . Por isso
bou sc transformando numa arena polí tica , a partir do momento mesmo , é indispensável indicar de saída , a profundidade da
,

cm que cada tendência apresenta o seu candidato à presidê ncia cisão cm que sc situavam Observaremos cm muitas ocasiões
.

do clube . Pode -se avaliar o crescimento do nacionalismo entre que na leitura que faziam dessa cisão , figuras imaginárias e / ou
os oficiais considerando - se a eleição do general EstiUac Leal ideol ógicas parecem substituir os protagonistas; reais; esres ,
para esse posto em 1950 - Dois anos depois, os aminacionalistas , porém , estavam onipresentes , enquanto as tensões sacudiam
reunidos sob a bandeira da Cruzada Democrática , tiveram sua toda a sociedade. Mostraremos tamb é m que os antinacionalis-
revanche ( A . C. Peixoto , 1980) . tas usavam c abusavam da referê ncia democrá tica o que pode
,

As orientações na gest ão econó mica manifestam a mesma explicar em parte por que os nacionalistas foram t ão parcimo -
, ,

divergência entre os responsá veis por esse setor De 1950 a


. niosos nesse assunto e lhe deram uma conotação negativa ,
1954 , o governo Vargas foi obrigado a oscilar . A fundação do dado que esta se limitava a designar os procedimentos de repre -
BNDt ( Banco Nacional do Desenvolvimento Econó mico ) , cm sentação . Convém , finalmente , salientar um fato evidente :
1952 . pode ser considerada como uma vit ória dos nacionalistas , numerosos intelectuais, que n ão eram necessariamente de gaba -
mas seus adversários conseguiram bloquear outras iniciativas . rito inferior , alinharam-se nas fileiras antinacionsiistas , forne -
O nome de Eugênio Gudin , ministro no governo Café filho , cendo- lhes argumentos e teorias . O golpe de Estado de 1964
simbolizou , em seguida , a vitória dos economistas "ortodoxos ' ’ . viria apenas confirmar o que jã se percebia anteriormencc: nas
Defensor tardio da vocação agrícola do Brasil , Gudin foi o pai universidades e nos meios de comunicação , nas organizações
da ‘ instrução 113 da SUMOC , que visava a estimular os inves -
"
profissionais c na administração , numerosos contingentes das
timentos estrangeiros . A adoção da ideologia desenvolvimentista camadas cultas só nutriam antipatia pelo nacionalismo populista
por Kubitschek não impediria o prosseguimento da rivalidade e rancor cm relaçã o á esquerda intelectuaE
entre essas duas correntes A nomeação de Robot to Campos
. A partir dc 1950 c sobretudo dc 1955 , esta última estava
para a direção do BNDE seria interpretada como uma conces - convencida de ser plcnamentc hegemónica . Da mesma forma
são aos partidários de uma teria abertura aos capitais estrangei - que seus predecessores de direita de 1930 , os intelectuais nacio -
ros . A construção dr Brasília , de um lado , e 0 lanç amento da nalistas estavam seguros de ter vocação para desempenhar ,
ind ú stria automobil ística confiada a firmas estrangeiras , de como categoria social espec ífica um papel decisivo nas mudan -
,

outro , revelam as oscilações de um governo que , decididamente , ças pol íticas . Porém , muito mats ainda que seus predecessores,
lança as bases do que logo seria batizado como "capitalismo reivindicavam o t í tulo de intelligentsia . pois , a partir dc ent ão ,
associado". inclinam -se decididamcnte para o "povo" e n ão duvidam dos
A partir de 59 - ÓO , a cisão vai sc exacerbando . Frente aos poderes da " ideologia \
nacionalistas que , durante o governo João Goulart , acredita - A identificação com uma intelligentsia adquire a seus ,

ram vencer com a concretização das reformas de base " a , olhos , implica ções que , dessa vez , c < tão cm linha direta com
maior parte dos industriais exportadores e grandes propriet á -
, a tradição russa . Zelbajov assim comenta a matcha para o povo :
"Decidimo- nos ent ão a agir em nome dos interesses que o
rios fundi á rio *' sc organiza para influir sobre a opiniã o p ú blica .
Apoiados pela maioria dos grandes jornais , est ã o na origem povo criava por si mesmo , que eram inerentes ã sua vida e que
da criaçã o , em 1959 , de fundações corno 0 1 HAD ( Instituto Bra - ele reconhecia como seus próprios interesses (citado por Ven -
'

sileiro de Ação Democrá tica ) e a ADFP ( A ção Democrática turi . 1972 : 2 , 1 1 5 5 ) . Essa seria também a decisão de muitos
104 105

jovens intelectuais brasileiros: ir , por todos os meios , ao cncon - popular sc acompanhou de algo como uma ida ao povo por pine de uma tianja
tro do povo . ensinado e deixar- se ensinar por ele , fundir se com
ele e , ao mesmo Lempo , oferecer - lhe um espelho onde pudesse
- de intelectuais e estudantes (Sdmaiz, 1983: 27).

descobrir a imagem do que era , apesar dc ainda n ão o saber: É evidente , por é m , que a comparação com a inteligência
a pró pria nação. Tudo o que pretendiam os ' pensadores' * do4 russa é um canto abusiva Se esses intelectuais queriam evitar
.

ISER era formular o ' sentimento das massas". També m os


* a “ alienação" , é , como sempre , porque temiam ceder ao pres-
artistas dos CPC esforçavam -se para "chegar até o povo" e t ígio da cultura dos países centrais. Quanto ao mais , n ão havia
por que sc sentirem estrangeiros na sociedade onde viviam ( Ma -
inventar modos de expressã o que fossem ve ículos de uma
mada de consciência política" , tendo como pano de fundo
to - lia . 1961: 4- 5 ): nem o poder nem as diversas frações sociais con -
uma troca recí proca , pda qual os intelectuais se apropriariam testavam sua posição central . N ão se confrontavam com um
da experiê ncia das camadas populares enquanto essas assimila - poder autocrá tico cujos traços fossem obrigados a copiar a fim
riam o saber dos intelectuais. Os estudantes que se transforma - de melhor sc desembara çar dele 1: esperavam , acima de tudo ,
ram em alfabetizadores visavam a tornar -se agentes de uma serem aceitos no papel de conselheiros do Estado . Pedagogos
‘conscicniizaçào", que c a auto-apropria çâo pelo povo do seu da "dcsalicna çâo", muitas vezes desfrutavam da bênção dos
destino revolucioná rio. governantes Fossem intelectuais gloriosos ou estudantes ativis-
,

Esses mesmos intelectuais estavam decididos a ser plena- tas , n ã o eram desclassificados" que estariam fadados , ao fim
mente ideólogos". Com o termo "ideologia", que então de sua forma ção universit á ria , a optar pela “ migração interna " ,
tendo como ú nica morada " a de suas visões ideais ( Malia ,
’ 7

conhece uma voga excepcional , não pretendiam referir-se a


uma representação deformada do real mas sim a uma forç a que 1961: 10). Entre o Estado e eles mantinham -se muitas coniv ê n -
possibilitasse a sua transformação . Os pensadores do 1SEB assu *
cias , não só em raz ã o das posições que o Estado lhes oferecia
miram cxplicitameme a tarefa dc inventar a ideologia que iria e da legitimidade que , em troca , eles conferiam ao Estado ,
presidir a revolu ção brasileira". Com isso , descobriram mais mas tamb é m em virtude do cí eito de ressonância produzido
uma raz ão para se identificar com uma intelectualidade de peias invoca ções populistas que lhes eram comuns e peias pre -
estilo russo . Como esta, buscavam na ideologia uma forma dc tensões comuns a revelar o pró prio movimento do real .
manifestar , acima da sua diversidade de origens , a sua coesão ,
‘’ Nos anos de 1957 a 1959" * escreve Francisco Weffort ,
tanto diante do Estado como da sociedade civil , e també m de "a ideologia nacionalista encontrou o ponto de partida dc um
assumir o privil égio de se abstraírem dos incómodos das rela- processo de expansão que deveria transforma- la em uma espé-
ções concretas de classe , situando-se , através do pensamento , cie de idioma político dominante no pa ís ” ( Weffort , 1972:
à frente dessa classe universal que é o povo- naçã o. Com o risco , IV , 17 ). Tem fundamento essa comparação com um idioma .
conforme observara Irotski em 1910 , dc sc inserirem na vida Ao lado dos esforços conscientes para inventar uma “ ideolo -
pol ítica “ n ão por interm édio da classe a que pretendiami servir , . -
gia " combinavam se significances emprestados de léxicos varia -
mas ;apenas por meio dessa ideia dc classe " (citado por Aucou-
turier , 1978: 255 ). Independente disso, a combinação da mar -
dos —- da CEPAL e do marxismo , do nasscrismo c dc outros
terceiro mundismos , do existencialismo sartriano e do hegelia -
cha para o povo com a crença na eficácia material das ideias
suscitou um momento singular de plenitude. Dois decé nios —
ntsmo , que se entrelaçavam , terminando por criar um idioma
político in édito e aut óctone , com seus neologismos e seus sin -
mais tarde , um intelectual “ marxista - paulista " , portanto pouco
tagmas específicos . Esse idioma se impôs dc maneira ainda
suspeito dc ter cedido , na época , à fascinação do ' popular" e
mais f ácil por suscitar um imagin á rio que recorria amplarnente
da “ ideologia " , recordaria essa epopeia sem igual :
á s relações dc equival ê ncia . A modernização capitalista , a inte-
A ' t uede vejo , o momento cultural mais fecundo vivido no Brasil dc algum
tempo pari cá foram os anos dc 1% 2 a l%4. rm que o acirramento da luta
Segundo argumentação dc Besan çon ! 197 )•
106 1117

graçâo da nação a revolução eram expressões de uma mesma


,

cren ça Mats fundamentaImentet o planó económico , o social


O nacionalismo em todos
.

c o politico foram representados como se os < ré s se confundis - os sens estados


sem Por meio dessa linguagem era ioda uma nova sociabili -
. ,

dade pol í tica que se impunha beat acima dos cí rculos de mili - Devido a deslocamentos , superposições e combinações,
tantes pol í ticos ou dos detentores leg í timos da ci ê ncia pol í -
tica Essa foi jusramente a originalidade da efervesc ê ncia
nenhuma instituição ou corrente intelectual pode ser identifi -
.
cada com uma orientação est á vel c unificada . Contudo, para
nacionalista .
clareza de exposição , parece - nos indispensá vel tomar esses agru -
Tr ês propostas servirão de tio condutor ao longo desse pamentos como pontos de partida Assim , consideraremos suces-
cap í tulo . siva mente o caso do ISEB, dos marxistas nacionalistas, dos diver -
A primeira ser á considerar alguns centros de produ çã o sos setores que participaram da marcha para o povo e a esquerda
-
desse idioma ideologia ; instituições, movi mentos e partidos cat ólica . Tentaremos , por é m , ir al é m da comodidade dos rótu -
que se situavam dentro das articulações vá rias c cambiantes los e mostrar as evoluções , redassiiica ções e rachas que se reali -
entre o Estado e a sociedade , zaram à medida que o desenvolvimento das forç as sociais c a
A segunda será observar como se realizam os deslocamen - perspective das " reformas de base" fizeram da revolução \
tos . e at é mesmo as rupturas , dentro das rela ções de equivalê n
cia que sustentam o imaginário político . O "nacional c o
- muico mais do que uma simples promessa de ideias , uma pers -
pective que parecia confirmar a entrada em cena do povo como
i *
popular " impregnavam , sem d ú vida , tanto o desenvolvi men - protagonista político .
cismo quanto o evolutionismo marxista c o voluniarismo revolu
cioná rio. No encanto , surgem rachas que impedem a assimila -
-
ção pura e simples desses esquemas , O nation a 1 - desen volvi men- O ISEB
iismo , crmnfanie durante o governo Kubicschek , esmaece atrás
.

do nacional - marxism o durante o governo Goulart . Mesmo Criado era julho de 1955 por um decreto do governo inre-
quando parecia prevalecer a equivalência , os usos do idioma nno dc Café Filho , o iStí B ( Instituto Superior de Estudos Brasi -
nacionalista sã o bem diferenciados . Em cerros casos , remei cm leiros) alcançou uma ( ai proje ção nos meios intelectuais que se
a uma visão t écnica do pol í tico ; cm outros , a uma visão religio - tornou o símbolo da síntese nacional - desetjwlvimentista. antes
sa Fies permitiam enfatizar ora a unidade do social , ora as
. de tornar-se o sí mbolo da sí ntese nacional-populista e , depois ,
suas divisões . Em suma . uma sociabilidade partilhada , mas da síntese nacional - marxista . Influenciou numerosos grupos ,
acompanhada de conflitos cm torno do controle das suas finali - provocou debates de grande repercussão e forneceu alicerces te ó-
dades e das suas implicaçõ es ricos para as mais diversas torrentes . Principal meme . fez da
" ideologia" o equivalente do que havia sido a “ organização "
.

A terceira proposição setã analisar as continuidades em


relação ao nacionalismo dos anos AO Ja comen íamos que mui - para a geração anterior .
Como bem demons irou Alzira Alves de Abreu em uma
.

tas noções parecem ter se invertido . A inversão , enr recanto.


n ão questiona necessariamente a estrutura do conjunto: sob a obra da qual tomamos muitos elementos da histó ria do ISEB
( Abreu 1975 ) , a fundação desse instituto foi o coroamemo
torma do nacional - popular , c ainda a nostalgia do Uno que .

transparece : na exaltação do povo- naçã o c da ideologia c ainda


de vá rias irt ídativas por parte de intelectuais desejosos de con-
í ribuir paia a defini ção de um projeto coerente de desenvolvi -
,

a busca de uma construção racionai do Brasil que está em ação .


memo economico . pol ítico e social Era 1952 . isto é , no segundo
t sempre com a mesma questão como pano de fundo: e se a
.

governo dc Gctulio Vargas forma -se 0 "grupo de Itatiaia


"
,
indefinição" das classes e a “ inconsci ência " do povo tornas -
,
' '
.
nome de unia localidade situada a meio caminho entre O Kio
sem a tarefa impossível?
108 109
dc Janeiro e Sào Paulo. Essa localidade não foi escolhida por
um grupo intelectual se propõe a assumir uma lideran ça na
acaso : procurava - se associar , numa mesma reflexão , mechanic
cnconuos mensais , paulisras e cariocas, em geral separados por polí tica national por seus pr ó prios meios ” (Schwartzman , 1979)
tradi ções pol í ticas muito afastadas . Do lado paulista , os mais -
Pode se duvidar de que tenha sido a primeira vez ” , mas é
4

ui contestá vel que esse grupo proclamou , com particular clareza ,


ativos í orani os filósofos e os juristas , entre os quais
Roland sua disposição para se associar à direção dos negócios p ú blicos ,


Corbisier , Miguel Reale e Almeida Salles - - todos os três prove

nientes do inregralismo , mais Paulo Edmar de Souza Quei -
roz e o u t r o s D o lado carioca , os mais not áveis foram , al é -
m
propondo suscitar “ o esclarecimento ideológico das forças pro -
gressistas ( ... ) a partir das mais din âmicas a burguesia indus-
trial , o proletariado e os setores técnicos da classe m édia c

do soció logo e economista Hélio Jaguaribe , outros economistas pol í tica dessas for ças ” c sc autodefinindo
a arregimenta çâo ,
como R ômulo de Almeida , ent ão responsá vel pela comissão
como uma vanguarda polí tica capaz e bem organizada ( ibid . ).

de especialistas econ ómicos subordinada à Presid ê ncia da Repu


blica , Ottolmy Strauch , Ignácio Rangel e outros ; soci ó logos - A morte de Getulio Vargas e sua substituição provisória
por Café Filho , sustentado pelos antigerulistas . pareceu , por
como Guerreiro Ramos , Cândido Mendes dc Almeida , ou sim
plesmente intelectuais engajados como o poeta Moacyt Fé lix- um instante , ameaçar essa ambição. Isto não ocorreu: pelo con -
O grupo de Itatiaia teve uma existê ncia muito breve : parece -
trá rio , o IBESP transf òrmou $e, com o novo nome de ISEB ,
num instituto oficial plcnameme autó nomo , mas vinculado
que os conflitos entre os ‘fil ósofos" ainda marcados pela visã
o ao Minist é rio da Educação e Cultura , gra ças ao apoio do titular
intcgralista e os economistas associados à administração Vargas
foram um dos fatores para a interrupção dos encontros
desse Ministé rio , Câ ndido Moita filho — o qual , sem ter
deste
jamais aderido ao Integrahsmo , foi um simpatizante
-
,
Em 1953 , os cariocas do grupo de Itatiaia fundaram um movimento , tendu participado cm 1932 da Sociedade dc Estu
instituto particular , o IBESP ( Instituto Brasileiro de
Economia dos Pol ticas
í dc S à o Paulo , primeira etapa para a A çâ o Intcgra -
Sociologia c Política ), tendo como secretá rio geral Hélio Jagua -
ribe c do qual fizeram parte os economistas e sociólogos
- lista 4 . No ISEB se reencontra a maioria dos membros do IBESP:
ante * Hé lio Jaguaribe continuou como o verdadeiro dinamizador do
norm ente citados . Em 1935 , a ele se agregaram Juvenal Osório Instituto, ainda que , devido às suas responsabilidades no setor
Gomes c Nelson Wcrneck Sodré , militar de carreira . ligado à privado , não ocupasse a sua direção , atribu ída a Roland Corbi-
corrente nacionalista do general Newton Estilhe Leal ( Sodrc , sier foram criados os departamentos de iilosofia * histó ria , eco-
.
1978a: 10 ). Dos paulistas do grupo Itatiaia só Roland Corbi nomia , sociologia e ci ê ncias polí ticas , colocados , respectiva -
sicr entrou para o novo Instituto. Este ir á publicar uma revista .
,
-
mente , sob a responsabilidade de Álvaro Vieira Pinto , Cindido
Cadernos de Nosso Tempo , cujos cinco n ú meros saíram entre Mendes , Ewaldo Correia Lima , Guerreiro Ramos c Hélio Jagua -
1953 e 1956. Essa revista visava a elaborar um diagnóstico da ribe. Foi institu ído um conselho de rutcla , no qual figuravam
sociedade brasileira c de sua ' crise ' e a fazer reconhecer a An ísio Teixeira uma das figuras-chaves da corrente da Escola
da racionalização do aparelho de Estado , Os intelectuais do
-
urgência de uma planifica çã o cconômico social e , desse modo, Nova nos arios 30 — T
Ernesto Luiz de Oliveira J ú nior , Hé lio
.
Burgos Cabral . H élio Jaguaribe José Augusto dc Macedo Soa -
IBESP não pretendiam ser “ pensadores ” como os do passado , res , Nelson Wcrneck Sodré , Roberto Campos c Roland Corbisier
que acreditavam na eficácia das ideias , tampouco militantes Com a eleição de luscelino Kubitschek , pareciam reuni-
políticos: Pela primeira vez ” , escreve Simon Schwartzman

em seu prefácio à reedição de alguns artigos dos Cadernos ,


. das as circunstancias para fazer do ISEB uma peça essencial da
nova administra çã o . Roland Corbisier era pessoalmente ligado
ao Presidente, e diversos membros do ISEB participaram indivi-
- tnn 1948. Roland Corbisier , Almeida SiJJes , PauJo fcdnux dc
-
Souza . Queiroz e , Ljm dualmcntc da campanha . Com efeito. K.ubitschck criou o Con -
.
Í
criaram a revisit cultura! Co/ ê gí o , de orieqiaçio
direitista ( Abreu , 1975: Kv> c . cm
\ A9. o mesmo grupo fundou o lns úruto Brasileiro de í losofia .
3» M
A i. ftâe biajjJeira 6 o título dr um longo ensaio de Hélio Jaguaribe,
jubvençôc da CAPES desde 1954 . graças à
r

publicado 4 O ISEB ií recebia uvcrwiçlo de Anísio


nns fjiãíífflp i Retomajenaos a algumas de suas teses . *
Teixeira , scrrecáno-genJ da CAPES
no i n

selho National de Desenvolvimento c diversos órgãos técnicos, Porém o ISEB estava longe de set homogéneo Compreen - .

qtic cram as instâncias onde se elaboravam as decisões . Entre os dia intelectuais que continuavam a iradi ção dos “ pensadores
"

membros do ISEB , Roberto Campos foi um dos ú nicos a ser cha - da década de 30 como Roland Corbisicr . Guerreiro Ramos c
,

mado para altos cargos , como presidente do BNDE , mas desem- Cândido Mendes ; filósofos dc formar ão estrita , como Á lvaro
penhava apenas um papel secundário no Instituto , do qual sc Vidra Pinto ; economistas corno Roberto Campos e Igná cio Ran -
separou em 1958 , sendo pouco depois considerado como perten - gel ; um milhar-historiador como Nelson Wtrncck Sodrc ; um
cenre ao setor anumaonilista e ate emrcguísta . O ISEB const r - cientista pol ítico como Hélio Jaguanbe , que era também homem
vou -se . sobretudo até 1958 , mais como um centro de estudos ,
de negócios e ocupou 0 importante cargo de respons ável peia
Na visão do ministro Câ ndido Motca Filho tratava-se dc um Ins- ,
página económica do Jornal do Comércio ' .
titute) Civil que devia, da mesma maneira que a Escola Superior Foram muito diferentes as suas carreiras pol í ticas ; Roland
dc Guerra , consagrar - se às ciências sociais “ a fim dc aplicar as Corbisicr saiu , como vimos , do integralismo . próximo do qual
categorias e os. dados dessas ciências á aná lise e à compreensão .
cambem estiveram Álvaro Vieira Pinto c Guerreiro Ramos durante
crí tica da realidade brasileira, buscando a elaboração de instru *
um certo per íodo ; Nelson Werneck Sodrc , que colaborou na
revista Cultura Política durante o Esrado Novo , inseriu -se na cor-
mentos teóricos que permitam estimular e promover o desenvol -
vimento nacional ” \ No encerramento do primeiro ano de
curso, rente nacionalista do exército e iria cornar - se um dos intelectuais
Juscclino Kubicschtk dedara que a instituição tinha por objetivo mais destacados do Partido Comunista H élio Jaguaribc era . .
formar "uma mentalidade um esp í rito , uma atmosfera de inte-
,
antes de Ludo , um ‘ desenvolvimentis»
1
A projeção do 1 SFB
ligência para o desenvolvimento e acrescenta : dc membros , mas decorreu
n ão vinha apenas seus permanentes
Vôs >ois combatentes do desmvdvinicflto no plano da initiigícr á ( . I Vossa também do prest ígio de numerosos conferencistas eventuais ,

i itL íi dc cdtet újntnos du glande Blast? ser á roais


^ á rdua c mais ptriuusa porque como por exemplo Celso Furtado De qualquer
. modo desde a ,

lutareis com argumeutadores , com linos rcprescnianies da dccadênaa , com sua constituiçã o , o ISEB provocou a desconfian ç a n ào s é> de mui
jçcntc dc recursos (arado por Toledo, 1978: 32 ) .
tos intelectuais paulistas que nele viam . á semelhan ç a do grupo
Estabelecimento de ensino — comparando-sc cora prazer de Itatiaia , um ressurgimento do integralismo , como cambem
ao College de France , bcneficiando-se de dotações oficiais, alem dc intelectuais de direita que percebiam nele a aproximação
,

de subvenções da Federação das Indú strias de S ão Paulo — , o entre getulistas e comunistas ,


As divergências internas c suspeitas externas explicam a evo -
ISEB irá lormar muitas turmas de alunos recrutados , rnum pn - lução bastante movimentada da instituição . Em 1958 sobrevém
meiro momento , principalmente entre diplomados que já exer - uma primeira crise após a publicação de um livro dc Hélio Jagua -
ciam uma atividade profissional
— inclusive militares
num segundo momento , entre estudantes universitários .
— ,

nbe , O nacionalismo na atualidade brasileira , onde sc afirmava


Era , portanto , um n ú cleo de intelectuais dispondo de o temor dc que um nacionalismo mal interpretado se tornasse
um estatuto oficial c convidados pelo próprio poder senão para um obstáculo ã definição dc uma pol í tica “ racional e eficaz " e
intervir dirctamcnte na gestão da política econó mica , pelo à necessidade do recurso aos investimentos estrangeiros . Gucr-
menoN para participar da construçã o da nova legitimidade ,
colo- raro Ramos fez campanha pela expulsão de Hé lio J agua ri be e .
cando-se a serviço da enaçã o da síntese nacional -desenvolvínien- com Roland Corbtsier , pressionou o ISEB para que abandonasse
rista . Nesse sentido , foram chamados a completar a obra dos a reflexão teó rica c se dedicasse somente ao trabalho militante .
responsá veis pelas decisões económicas , ressaltando - lhe o alcance A disputa teve repercussão nacional tendo a União Nacional
,

pol í tico e social . dos Estudantes ( UNE ) se solidarizado com Guerreiro Ramos . O

Segunda o rnuo dr enaçao do ISEB , dado por Alzira Aires dc Abttti (


Abreu , 197 V * O que a pamt de VA ) se denominoo a " quinta pj^irid ' áa Jorrtdldo
1 ver

^J
.
]0
-
°
p 1 *1 )
' tom A EscoJa Superior àr Guerra foi lembrado ria
mesma ohra libidu í aguaiibe ( 1979c 94' 110 ). Hélio Japu» iBe
trial Feiro e Àço
toriMHM presidente da companhia indus-

i L
112 113

ministro da Educa ção decidiu , cm dezembro de 1958 , reunir o para ocupar uma cadeira de depurado do PTB na Assembleia
Conselho de Tutela para deliberar sobre a finalidade do ISEB: do Estado da Guanabara . Dois outros membros do fSEB . Câ n -
ainda que a opinião do ministro se afinasse com os partid ários dido Mendes e Guerreiro Ramos , ainda ligado à instituição, can -
de um nacionalismo intransigente , o conselho pronunciou -se , didatam-se mas n ão são eleitos C â ndido Mendes foi sondado
com maioria de um voto: o de Nelson Werneck Sodr é T , a favor para suceder a Roland Corbisier na diretória do ISEB . Os estu -
do pluralismo teórico dentro do ISEB. Os estatutos do ISEB , -
dantes da UNE levantaram se contra seu nome . argumentando
poré m , foram modificados dc forma que seu diretor

Roland Corbisier teve seus poderes ampliados c um Conselho
ainda — que C â ndido Mendes era advogado de uma poderosa compa
nhia estrangeira. O ministro da Educa ção designa , assim , Á lvaro
-
de Professores substituiu o antigo Conselho de Tutela . Depois Vieira Pinto. O ISEB ingressa ent ào cm uma terceira etapa ,


dessa modificação , Hélio Jaguaribe , Roberto Campos, Hélio Bur- quando sua atividade assume um cará ter ncplicitamente pol ítico
gos Cabral , EwaJdo Correia Lima , Anísio Teixeira que , por ao lado da esquerda radical . Privado do seu financiamento essen -
diversas raz ões , eram os que mais se aproximavam da pol ítica cial , condenado a reduzir suas atividades de ensino c dc publica -
governamental - apresentaram sua demissão c Guerreiro Ramos -
ção , associa sc â agitação em favor das ' reformas de base r
"

sc afastou ( Abreu , 1975 : 225 ). participa da redação dc diversos Cadernos do Povo „ fascículos
O ISEB enua ent ão numa segunda etapa . Como sempre , lan çados pela editora Civilização Brasileira e que visam a colocar ,
-
propunha se à tarefa dc reflexã o teórica sobre a conjuntura , apre- em linguagem simples, as grandes questões do momento “ ao
sentando contribuições como as do economista Gilberto Paim , alcance do povo ' . Á lvaro Vieira Pinto escreveu Por que os rteos
ou o t rabalho teórico sobre a noçã o de ideologia , do filósofo fran - não fazem greve?; Nelson Werneck Sodrc : Quem é o povo no
cês Michel Debrun (Debrua . 1959). Mas o ISEB visava também , Brasil?\ Wandorlcy Guilherme dos Santos : Quem dará o golpe
cada vez mais, a exercer sua influência sobre as organizações no Brasil?\ Osny Duarte Pereira : Quem faz as leis no Brasil?,
nacionalistas e sobre a opinião progressista: preparou projetos O ISEB também exerceu influê ncia sobre os CPCs; ali ás , con-
de lei para a Frente Parlamentar Nacionalista ( FPN ) , que reunia tava com Carlos Estcvam Martins , um dos teóricos dos CPCs .
os parlamentares nacionalistas dos diversos partidos ; organizou entre seus membros . Nessa etapa , uma parte dos professores t
cursos para sindicalistas , para os militares nacionalistas e , princi
palmcnte , para os estudantes em busca de uma ciência social
- conferencistas pertencia ao PCB ou escava próxima dele . Daí
veio esse -
ultimo ISEB radical populista , que inspirou este
mais engajada do que a ensinada nas universidades. Para Roland coment á rio dc Hélio Jaguaribe;
Corbisier, o ISEB passa a ser desde ent ão , um organismo dedi
cado a participar do que poder íamos denominar precisamente:
- [0 ISEB; coofikim o pau cm vias de ingressar an um momento revolucionário,
conduzido pelo próprio processo dc radicalizaçã o do governo Goulart . Dentro
a revolução nacional brasileira ” ( ibid .; 244 ). Em contrapartida , dessas circunst âncias, o ISEB se constitui cm um dos centros dc pressão pira incre -
as campanhas de imprensa contra o ISEB tornaram -se cada vez mentar tal radicalização c sc dedica ã formulação dc projetos dc retonna suciai
mais intensas , enquanto industriais c militares anunabonalistas (Japuanbc, 1979a: 97 )
multiplicavam suas prevenções contra a “ propaganda comunis-
ta praticada pelo ISEB, Em I 960 , diversos professores do ISEB Parecendo mais do que nunca , aos olhos da direita , um
trabalharam na campanha da candidatura à presidê ncia do mare
chal Lott , apoiado pelos nacionalistas contra J ânio Quadros . Na
- dos centros da conspiração revolucion ária, seria fechado na
semana seguinte ao golpe de Estado de abril de 1964 , e subme -
mesma é poca , Roland Corbisier abandona a direção do ISEB tido a um inqué rito militar.
Esse breve resumo da hist ória do ISEB permite nos avaliar
as r á pidas mutações que afetaram a instituiçã o » como també m
-
ELJI rvcu livro A
- -
so&re G J.SkB , Nelson WfittJcck Sodrc explica que. maJgradb
hostilidade is \ esç$ de H é lio Jagiumbc , de queria evitai uma nsáo no ISEB e a ado-
as representações pol íticas que pretendeu impor . O ISEB apresen -
tou -se . de in ício, como desejoso de aruar sobre o poder , ou
-
ção dc um almhamenm esquerdista, que fomecena argumentos aos que tiziam uma
campanha contra o ISEB através dos jornais ( Sodré . 1978a : 38 r srgv ). melhor , inserido no poder ; mesclou -se depois à grande vaga rc-
1
Ui 115

volucionária ' que parecia surgir da própria sociedade . Isto n ão


exclui uma relação com o poder: o lema reformas de base* t do real ; t a afirmação de uma unidade acima da multiplicidade,
foi encampado pelo governo e por organizações muitas vezes de interesses ; exprime uma lógica cmancipadora ; comporta
participantes do aparelho de Estado. O ISEB começou pelo
enfim um projeto de transformação voluntarista .
,

Enquanto explicita ção do real , a ideologia não é mais do


nacional - dcsenvolumentjsmo . desejando ser , ainda no dizrr de momento, assegu -
. que um aspecto deste; c seu produto, a cada "
Hélio Jaguaribe " uma intelligentsia contestatária do Brasil pri
m á no-exportador e representativo dc uma coligação de setores - undo assim a passagem dos " processos à ação" . A versão
rnar .s vigorosa dessa interpretação é dada por Alvaro Vieira Pinto,
progressistas , orientados para o desenvolvimento econ ómico-
social e a afirmação auionomizante do nacionalismo " (ibid .:
109 ) . Conunuou com o nacionalismo populista c terminou no
nacionalismo marxista . Seus próprios animadores evoluíram ern
-
por meio da noção de " finalidade" . O desenvolvimento, diz
ele , c um processo que encontra a sua definição na finalidade
a que se dirige ( Pinto , 1959: 24 - 5 ) ; a ideologia , suscitada com
"

base nessa finalidade , c uma concepção geral ( geral , não abstra"-


direções diferemes: Hélio Jaguari be criticou um certo naciona -
ta ) de que decorrem linhas inteligíveis de açã o prá tica rigorosa
lismo , enquanto Roland Corbisicr e Á lvaro Vieira Pinto aproxi-
( ibid .: 25 ). Também a concepção de ideologia dc H élio Jagua -
-
mavam - se da linha nacionalista marxista .
Se o ISEB adquiriu um fantástico destaque , isto se deve ribe remete à sua interpreta ção do desenvolvimento: "O processo
dc desenvolvimento" , afirma dc , ‘ c o próprio processo histó-
ao fato de que, intervindo cm nome do poder ou do povo, mani -
rico -social . na medida cm que avança no sentido dc uma racio -
festava o sentimento de onipotência de uma intelectualidade
que sentia vocação para conduzir a transição para um Brasil
naI idade crescente (Jaguar íbc , 1964 : 17 ). A ideologia c justa -
mente a formula ção dessa racionalidade . Uma interpretação apro-
senhor dc seus destinos. Pode-se discutir seu papel na difusão ximada proposta por Roland Corbisicr sob forma de uma com -
-
do nacionalismo: consider!Io como a origem dc todas as teorias
c
plementaridade dial é tica entre a ideia e o processo economico:
-
que circulavam na opinião pú blica , ou apresentã lo como o cata -
-
lisador da efervescência política dos anos 60 64, implicaria con -
firmar a pretensão à onipot éneia. Em contrapartida, nao se
Ora c o fenô meno cultural, a ‘ ‘ ida* li cciniiguraiia dentro de uma estrutura

que, cm suas linhar gerai* , reflect o modo ou sistema dc produção que , i
pode discutir sua contribuição â "proliferaçã o das ideias": na maneia dc um «timulantc, incide no processo económico , provocando a sua ace-
verdade, foi a " ideologia" que .seus membros pretenderam rea - leração , ora c o fenómeno económico,, que , pela magnitude e urgê ncia dos pio -
blcmas que apresenta , desafia o homem , forçando-o a tomai consocnda desses
bilitar . N ão só chegaram a fazer reconhecer o alcance desta den
tro de um processo de moderniza ção como cambem , pela exalta -
-
problemas e inventar suas soluções > Corbisicr . 1959: 834).
ção dos poderes da ideologia , estavam em resson â ncia com uma Hélio Jaguaribc formula o mesmo rema no quadro de uma
opmr âo pú blica constituída em tomo de representa ções segundo teoria de " fases" , chamada ‘ ' faseológica " , segundo a qual cada
as quais a sociedade fala a linguagem do Estado e este , a lingua - momento se traduz í ndistintamente na economia c nas concep-
gem da sociedade . Nesse aspecto, o ÍSEB foi uma condensação ções de mundo. Para ele , as ideologias são concepções que per -
da opinião pública. mitem à comunidade ' cncaminhar -sc no sentido de seu processo
Por ém o traço distintivo do ISEB foi a sua insistência na fascológico" (Jaguaribe , 1958: 35 1. No per íodo em foco , isso
import ância da criação ideológica. Com raz ão, um sociólogo se manifesta pela ideologia desenvolvimcntista , pois se consta -
qualiticou -o dc " fabrica de ideologias ( Toledo , 1978). Convém ,
"
tava , de um lado , que o Brasil vivia " urna fase da transforma
portanto , nos determos um pouco no significado desse apelo à çãot caraaerizada pela ené rgica e acentuada propensão ao desen -
ideologia. Isto supõe ainda fazer uma distinção entre o que volvimento" (citado por Toledo, 1978: 41 ); dc outro lado. era
depende de uma concepção comum â maioria dos iscbianos e o o nacionalismo descnvolvimentista "a maior contribuição â con -
que atesta inten ções diferenciadas .
Encontram-se quatro características nas diversas definições fases do dtsenvdl-
isebianas dc ideologia: ela c uma explicitação do movimento ’ O termo ‘ fascológico remece a teoria da
'
iorrespoftdêtida entre
"

vimenm htsiõ ruo t pradut,3o das ide tas.

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