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Neto e Lemos

Renato Luís do Couto


ção política em curso no país desde 1974. Tra- Ditadura, anistia e transição política no Brasil
tou-se, portanto, de uma operação política em (1964-1979) é produto de uma pesquisa em an-
que o regime ditatorial tomou das oposições damento há mais de dez anos e teve a sua
a bandeira da anistia e a redefiniu de acordo temática atualizada pelo debate sobre a lei de
com seus objetivos estratégicos. anistia de 1979, sua revisão e articulação com

P
A abordagem da anistia oferecida por este ara os que viveram aquela fase, a campanha pela anistia do final dos anos a Comissão Nacional da Verdade – criada pelo
governo da presidente Dilma Rousseff em
livro distingue-se das demais, ainda, por enten-
der que a lei de 1979 traduz, em linhas gerais, a
1970 foi um belo momento da luta contra a ditadura militar no Brasil. Em-
bora a frente que a sustentou tivesse várias faces, a possibilidade de tirar Renato Luís do Couto Neto e Lemos 2011/2012 para  investigar “graves violações
vitória da tradição conciliatória e contrarrevo- da prisão centenas de militantes e de receber de volta outro tanto de exilados de direitos humanos” por agentes do Estado
lucionária preventiva das classes dominantes era alentadora. Mas o desfecho do movimento, com a decretação da Anistia pelo brasileiro entre  1946  e  1988. O objetivo prin-
brasileiras. O que a tornou possível foi uma governo Figueiredo, a 23 de agosto de 1979, ficou aquém do que desejávamos. cipal do livro é analisar a questão da anistia

DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL


correlação de forças na conjuntura que en- Neste estudo, Renato Lemos dedica-se a entender o porquê desse desenlace. no Brasil pós-1964 de um ponto de vista es-
sejou a formação de um centro político com
elementos do regime e da oposição moderada,
Embora seu texto nos ofereça uma minuciosa história do tema da anistia de 1964
a 1979, culminando numa cronologia diária de seus momentos finais, sua origi-
DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO sencialmente voltado para a dinâmica da luta
política travada entre expressões oposicio-
base para a ordem que se construía no âmbito
do processo de transição iniciado oficialmente
nalidade não está aí. Mais do que isso, a análise aqui apresentada constitui uma
crítica muito bem fundamentada às visões liberais sobre as anistias brasileiras,
POLÍTICA NO BRASIL nistas variadas e o Estado ditatorial. Ele visa,
também, preencher lacunas historiográficas

1964-1979
que envolvem o tema, e para isto recorre a
pelo general Ernesto Geisel nos primeiros mo- com ênfase na de 1979, que ele apresenta como basicamente uma vitória dos
um amplo conjunto de acervos documentais
mentos do seu governo (1974-1979). militares, cujas marcas negativas estão presentes até hoje em nosso processo
e a vasta bibliografia secundária.
O livro assume posição em face de um político. Nutrido da perspectiva histórica, Renato Lemos vê de forma inovadora Os resultados da pesquisa são apresenta-

1964-1979
aspecto atual – e por demais delicado – dos aquele episódio como um capítulo a mais da triste contrarrevolução preventiva dos na forma de uma narrativa que combina
desdobramentos da Lei de Anistia de 1979: a brasileira. A partir da caracterização do regime do pós-1964 como uma ditadura um foco de abrangência nacional com uma
instituição da reparação financeira a vítimas bonapartista, ele localiza nos anos 1974-1989 a bem-sucedida contrarrevolução interpretação do processo que supera as
da ditadura. Trata-se de momentos do proces- preventiva democrática, que teve seu ponto alto na lei da Anistia. Nos dias de versões comprometidas com a perspectiva li-
so de despolitização do problema da anistia, hoje, imersos numa conjuntura de reversão das poucas conquistas populares e beral-democrática (anistia como “pacificação”
que consolida a vitória estratégica da direção democráticas possibilitadas pela Constituição de 1988, sabemos bem o que sig- dos brasileiros), hegemônica nesse campo de
conservadora do processo de transição políti- nifica o reacionarismo de classe no Brasil, mesmo no século XXI. Este livro pode estudos. Também é criticada a tese de que a
ca iniciado em 1974. nos ajudar a entender seus aspectos estruturais e históricos. É muito bem-vindo. concessão da anistia constituiu uma vitória
do “movimento popular” contra a ditadura, se
RENATO LUÍS DO COUTO NETO E LEMOS é his- JOÃO ROBERTO MARTINS FILHO não pela concretização de alguns dos seus
toriador graduado, mestre, doutor e pós-dou- objetivos, ao menos porque teria constituído
Professor titular sênior da Universidade Federal de São Carlos
tor pela UFF. É professor titular de História do um fator de pressão decisivo para o “recuo” do
Brasil do Instituto de História da UFRJ e coor- regime da sua proverbial recusa a conceder
dena o Laboratório de Estudos sobre os Mili- a medida. A ambas as perspectivas é contra-
tares na Política (LEMP). Tem artigos e livros posta a tese de que a campanha pela anistia,
publicados, entre os quais: Benjamin Constant

CONSEQUÊNCIA
de fato, sofreu forte influxo tanto dos setores
– vida e história (Topbooks, 1999), Uma história ISBN 978-85-69437-52-9 oposicionistas liberal-democráticos quanto
do Brasil através das caricaturas (Org.; Bom do “movimento popular”, mas a medida só se
Texto, 2006) e Justiça fardada: o general Peri concretizou quando os dirigentes do regime a
Constant Bevilaqua no Superior Tribunal Militar, consideraram adequada ao conjunto de táticas
9 788569 437529
1965-1969. (Org.; Bom Texto, 2004). CONSEQUÊNCIA voltadas para o avanço do processo de transi-

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Ditadura, anistia e transição política no Brasil
(1964-1979)
RENATO LUÍS DO COUTO NETO E LEMOS

Ditadura, anistia e transição


política no Brasil (1964-1979)

Colaboração especial
Cristina Monteiro de Andrada Luna
Flávia Burlamaqui Machado

Revisão técnica
Rejane Carolina Hoeveler

CONSEQUÊNCIA
© 2018, Renato Luís do Couto Neto e Lemos

Direitos desta edição reservados à


Consequência Editora
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Marcelo Badaró Mattos
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Revisão: Priscilla Morandi

Capa: Letra e Imagem

Imagem de capa: Alexey Kashin / Shutterstock

Diagramação: Luiz Oliveira

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD


L557d Lemos, Renato Luís do Couto Neto e.
Ditadura, anistia e transição política no Brasil (1964-1979) / Renato
Luís do Couto Neto e Lemos. – Rio de Janeiro : Consequência, 2018.
544 p. : il. ; 16m x 23cm.

Inclui bibliografia, índice e anexo.


ISBN: 978-85-69437-52-9

1. História. 2. Brasil. 3. Política. 4. Anistia. 5. Ditadura Militar. I. Tí-


tulo.
2018-1099 CDD 981.08
CDU 981“1964/1979”

Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410


SUMÁRIO

Prefácio. Anistia e contrarrevolução .................................................................... 11


Marcelo Badaró Mattos

Apresentação ............................................................................................................ 15

CAPÍTULO 1. Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) .... 29


1.1 À sombra do espectro da guerra revolucionária .................................... 29
1.2 O Ato Institucional nº 2 e a anistia .......................................................... 58
1.3 O Ato Institucional nº 5............................................................................. 85
1.4 A batalha pela anistia no front externo.................................................. 101
1.5 A contrarrevolução continental.............................................................. 112
1.6 A conexão Harvard e a política de descompressão .............................. 123

CAPÍTULO 2. O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) ........... 163

2.1 As táticas da distensão e as brechas para a campanha pela anistia .... 163
2.2 O Movimento Feminino pela Anistia ................................................... 180
2.3 A anistia e a nova política do imperialismo para a América Latina .. 208
2.4 A anistia como moeda de troca .............................................................. 221
2.5 O Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) ............................................... 240
2.6 O CBA-SP .................................................................................................. 280
2.7 A conciliação como horizonte ................................................................ 291
2.8 O Congresso Nacional pela Anistia ....................................................... 305

CAPÍTULO 3. A anistia como tática do regime ......................................... 337

3.1 O bombom de Golbery............................................................................ 337


3.2 “O cheirinho do cavalo é melhor”: João Figueiredo presidente ......... 359
3.3 A errata da redemocratização: onde se vê um ato político,
entenda-se um crime comum ....................................................................... 377
3.4 O projeto do governo .............................................................................. 384
3.5 A Conferência Internacional pela Anistia no Brasil ............................ 408
3.6 Derradeiras pressões pela ampliação do projeto de anistia: a greve de
fome .................................................................................................................. 416

3.7 A Lei de Anistia – A política no dia a dia ............................................. 428

Conclusão ............................................................................................................. 471


Bibliografia .......................................................................................................... 487
Índice remissivo ................................................................................................... 519
Para Regina Helena Mariense Xexéo
in memoriam
Poderão os déspotas amar os historiadores?1

Foi de verdade? Foi visão de sonho? Eu já estou velho


para querer saber. Muita gente acha que sim,
mas só tem coragem de dizer que não! Sei lá...2

1 JARDIM, Silva. Memórias e viagens. I. Campanha de um propagandista. (1887-1890). Lisboa,


1891. p. 218.
2 ROSA, João Guimarães. O burrinho pedrês. In: ____. Sagarana. 18. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1976. p. 58.
PREFÁCIO

Anistia e contrarrevolução

Marcelo Badaró Mattos1

“Somos o último país na América Latina a efetivar um processo


de reparação. Nos anos 1970 fomos campeões na exportação
do know-how de tortura para as ditaduras latino-americanas.
Exportamos manuais de tortura e torturadores. Temos informações
de que no Chile, Argentina e Uruguai havia torturadores brasileiros
participando de interrogatórios. O Brasil, que foi o campeão de
exportação de tortura nos anos 1970, hoje é uma das nações mais
atrasadas do continente. Isso porque o processo de reparação, como a
própria ONU diz, é um processo no qual primeiramente se investigam
e esclarecem as circunstâncias das mortes, desaparecimentos e das
prisões arbitrárias cometidas naquele período. O Brasil é o último,
nesse sentido. Isso porque começamos pelo final do processo de
reparação. É como se fosse um ‘cala a boca’.”
Cecília Coimbra

No momento em que escrevo estas linhas, 53 anos após o golpe que insta-
lou a longa ditadura empresarial-militar iniciada em 1964, vive-se no deba-
te político público no Brasil uma situação trágica. Assistimos não apenas à
apologia do regime ditatorial em cadeia nacional por políticos eleitos pelas
regras da democracia representativa, como também, o que por certo é ain-
da pior, tal apologia conta com apoio crescente de um contingente signifi-
cativo de brasileiros e brasileiras, incluindo um segmento jovem, nascido
depois do fim da ditadura.
Há quem afirme, com razão, que esse é o resultado de um déficit de
História. Como parte dos arranjos “pelo alto” que caracterizaram a tran-

1
Professor Titular de História do Brasil da Universidade Federal Fluminense.

11
12 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

sição entre a ditadura e o regime democrático que a sucedeu, este último


rejeitou qualquer responsabilização mais direta daqueles que perpetraram
os crimes de Estado que atravessaram os vinte e um anos de direção mili-
tar do governo. Na recusa oficial a encarar em profundidade a história da-
quele período, encontramos uma das chaves explicativas da possibilidade
de emergência e difusão de uma memória ideologicamente edulcorada do
período ditatorial, apresentado como um momento no qual a garantia da
segurança e da ordem gerou estabilidade e prosperidade.
Essa pode ser, porém, apenas parte da explicação. Afinal, olhando a his-
tória brasileira com um pouco mais de amplitude no campo de visão, é
impossível não perceber que a ditadura instalada em 1964 não nasceu filha
única, nem representou a cria enjeitada, de uma família republicana que até
então passeava tranquila no jardim idílico da democracia representativa.
Justo o oposto, a ditadura pode ser vista como a continuidade sem másca-
ras do baile republicano da dominação burguesa no Brasil. Uma domina-
ção marcada pela resposta preventiva – permanentemente apresentada – a
qualquer ameaça, sentida ou pressentida, ao poder de classe dos detentores
do capital. Na longa duração da contrarrevolução preventiva, a autocracia
burguesa vivia desde 1964, como nos lembra Florestan Fernandes, apenas
mais um de seus episódios.
A opção pelos regimes de força e a construção de redes organizativas e for-
mulações ideológicas que dão suporte a tal opção não é, portanto, uma novida-
de. Não é também uma característica inata de um caráter nacional ou, nas ver-
sões recentemente sofisticadas pela retórica acadêmica, de uma cultura política
inerente ao ser brasileiro. Essa opção atende a determinados interesses de classe
e é fruto da agência de determinados sujeitos políticos e sociais. Fez e – como
tragicamente assistimos nos dias correntes – continua a fazer parte do arsenal
de alternativas disponíveis à dominação burguesa por estas terras.
Ao enfrentar a história da luta pela anistia política desde 1964 e da for-
ma através da qual a ditadura projetou e implementou a “sua” anistia em
fins dos anos 1970, Renato Lemos apresenta uma totalidade relacional. A
trajetória daqueles e daquelas que resistiram é indissociável da história
da forma como a ditadura respondeu com brutalidade autocrática a essa
resistência, mas também do processo através do qual a contrarrevolução
preventiva logrou permanecer, mesmo após a mudança do regime, como
lógica dirigente da dominação exercitada pela burguesia no território peri-
férico e dependente em que se construiu o capitalismo no Brasil. É só tendo
Prefácio 13

em vista essa totalidade que podemos compreender a tese que estrutura


este trabalho, expressa pelo autor na Introdução:

“Situando-a no âmago das contradições internas à ditadura, procurou-se


compreender por que a anistia, desde 1964 uma reivindicação oposicio-
nista, só se tornou realidade quando apropriada pelos dirigentes do regime
ditatorial como uma tática do processo transicional”.

Este livro é, portanto, uma história, sim, da anistia. Aqui o leitor poderá
encontrar desde as primeiras manifestações pela anistia no parlamento, ain-
da em abril de 1964, até defesas públicas como a empreendida por Alceu de
Amoroso Lima, em 1965, assim como proposições de anistia no interior do
Superior Tribunal Militar, como as formuladas pelo general Peri Bevilaqua,
também desde 1965. Por certo, encontrará, também, a trajetória das orga-
nizações estruturadas nos anos 1970 em torno da luta pela anistia, como o
Movimento Feminino pela Anistia (1975) e o CBA – Comitê Brasileiro pela
Anistia Ampla, Geral e Irrestrita (1977). A análise não se resume ao plano na-
cional, incluindo as denúncias de crimes da ditadura e proposições de anistia
feitas no exterior, assim como a conexão da ditadura brasileira com suas con-
gêneres posteriormente implantadas na América do Sul. Merece destaque a
recuperação da forte influência das elaborações da política externa dos Esta-
dos Unidos nos desdobramentos políticos da ditadura brasileira, rastreando
a presença de Samuel Huntington e de suas análises sobre o Brasil, desde os
anos 1960, bem como o impacto das novas orientações emanadas da admi-
nistração de Jimmy Carter, na segunda metade dos anos 1970.
O livro, no entanto, vai muito além de uma análise monográfica do tema
da anistia, porque, através do estudo solidamente fundamentado aqui apre-
sentado, chegamos a uma interpretação mais ampla do processo político-
-social brasileiro recente. Ditadura, transição e democracia ganham senti-
do, então, como faces (ou disfarces) de um mesmo padrão de dominação
de classes, em que a mudança do regime político em 1964 é fruto de um
recurso consciente de setores empresariais à intervenção militar, enquanto
a saída do regime ditatorial é transacionada desde cima – apesar dos con-
tratempos impostos pelas lutas vindas desde baixo – pelos portadores do
mesmo projeto político, em sua essência, contrarrevolucionário.
Conhecemos o desfecho do processo e este livro o recupera em detalhes,
explicando como, utilizada como tática pela cúpula do regime, a anistia a
14 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

que se chegou frustrou todas as demandas para que fosse “ampla, geral e
irrestrita”, além de ter incluído os assim chamados “crimes conexos”. Por
esse caminho, como lembra o autor, não ocorreu a “identificação dos de-
saparecidos políticos, a responsabilização criminal de agentes do Estado e
o desmantelamento dos aparatos de repressão”. Tomada das mãos da opo-
sição, que através dessa bandeira mobilizava resistências, a anistia foi do-
mesticada, conformada aos interesses dominantes e esvaziada de qualquer
potencial antissistêmico.
Embora o livro conclua sua análise com a recuperação dos fatos e textos
legais em torno à lei de 1979, Renato Lemos avança, especialmente na con-
clusão, uma explicação de por que a questão da anistia acabou circunscrita
ao âmbito dos direitos individuais (monetarizados, inclusive). Embora não
descarte a explicação corrente da força do lobby militar, destaca a necessi-
dade de explicar essa força a partir de fatores externos aos quartéis. De um
lado, temos a opção consciente dos “representantes e dirigentes políticos
das classes dominantes de manter as forças armadas como instrumento de
reserva da sua dominação social”. Por outro lado, há reputações e interesses
corporativos que seriam ameaçados por uma outra leitura do passado dita-
torial recente. Afinal, “importantes segmentos empresariais tiveram atua-
ção efetiva e direta na concepção, construção e execução das práticas mais
violentas com que o regime contrarrevolucionário tratou os vários matizes
da oposição a partir de 1964”, como nos lembra Lemos.
Podemos assim voltar ao problema atual que apresentei no início deste
prefácio, que diz respeito a uma seletiva nostalgia da ditadura. Ao percor-
rer do início ao fim o livro que agora tens em mãos, você, caro(a) leitor(a),
poderá apreciar uma contribuição original e poderosa ao esforço de apro-
fundar a necessária compreensão do processo histórico atravessado pelo
Brasil pós-1964. É o tipo de história que precisamos para combater versões
positivadas correntes sobre uma suposta “ditabranda”, versões que se ali-
mentam tanto da ignorância dos que as difundem por fidelidade aos seus
“guias” quanto da astúcia dos que as formulam e sustentam por conveniên-
cia de classe. Não cabe, porém, ao livro em si difundir essa análise crítica
sobre ditadura e transição, cabe a nós. Mobilizar o conhecimento que obras
como esta aprofundam, com o objetivo de desvelar as máscaras ideológicas
da memória adocicada sobre o período, é o nosso desafio, combatendo na
arena política aqueles que não agem por desconhecimento, mas por com-
prometimento com a face mais brutal da autocracia burguesa no Brasil.
APRESENTAÇÃO

O objetivo principal deste livro é analisar a campanha pela anistia política


no Brasil após o golpe de 1964 de um ponto de vista essencialmente voltado
para a dinâmica da luta travada entre expressões oposicionistas variadas e
o Estado no âmbito do regime de dominação classista estabelecido após
a deposição do presidente João Goulart (1961-1964). Esta abordagem se
justifica pelo fato de a anistia política, embora constitua um tema multi-
facetado, usualmente associado ao campo jurídico, ter, no entanto, claro
caráter político. Isto se evidencia quando a comparamos com instrumentos
jurídicos assemelhados.
A graça, por exemplo, é um ato de clemência do Estado, um favor in-
dividual a réu definitivamente condenado, beneficiando autores de crimes
comuns com a extinção, diminuição ou comutação da pena. De competên-
cia do chefe do Executivo, deve ser requerida pelo interessado. Já o indulto
é um favor coletivo, concedido espontaneamente pelo presidente da Repú-
blica a vários condenados por crimes comuns.1 No Brasil, há uma tradição
de “indultos de Natal”.2
A anistia se distingue da graça e do indulto por ser medida impessoal
que faz desaparecer o delito ao extinguir a ação penal, podendo favore-
cer os seus beneficiários antes ou depois de condenados. Como a graça
e o indulto, pode resultar de iniciativa do Executivo, mas, peculiarmente,
pode, também, ser provocada pelo Legislativo. Este ponto é tema constitu-
cional, refletindo o regime político em vigor quando da sua promulgação.
No Brasil imperial, sob uma monarquia altamente centralizada, a iniciativa

1
Sobre a graça, o indulto e a anistia, ver: Constituição Federal (Art. 5º, XLIII), Código
Penal (Art. 107, II), arts. 734 a 742 do Código Processo Penal (Decreto-lei nº 3.689, de 3 de
outubro de 1941) e Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984) ‒ Capítulo
III - Da anistia e do indulto.
2
CARVALHO FILHO, Luís Francisco. Impunidade no Brasil: Colônia e Império. Estudos
Avançados,  São Paulo, v. 18, n. 51, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/
v18n51/a11v1851.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2016.

15
16 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

de propor a anistia era privativa do imperador. Nas constituições republica-


nas de inclinação liberal (1891, 1934, 1946), a competência era exclusiva do
Legislativo. Nas cartas ditatoriais (1937, 1967 e Emenda Constitucional n.
1/69), só o Executivo podia propor a medida. A atual Constituição (1988)
fica a meio caminho dos dois modelos: a iniciativa é do Congresso, deven-
do a decisão contar com a sanção presidencial.
Contudo, qualquer que seja o poder constitucional detentor do privi-
légio da iniciativa de propor a anistia, a sua natureza política a torna uma
“ficção jurídica”.3 Trata-se de um ato de legisladores ou do chefe de um po-
der – o Executivo – que faz desaparecer o caráter criminoso de um ato,
definido previamente em lei resultante de um processo legislativo. Portan-
to, no caso da anistia política, a definição do que seja “crime político” fica
associada a uma determinada correlação de forças políticas. Por fim, seja o
legislador, seja o presidente da República quem toma a iniciativa, a anistia
é, sempre, decretada por conveniência política.
O caráter político da medida costuma transparecer, ainda, das suas im-
bricações ideológicas com estratégias de poder. A anistia é sempre proposta
como forma de pacificação das partes litigantes em prol da manutenção
da ordem na sociedade. Por isso, costuma restringir-se a crimes políticos
praticados por segmentos portadores de identidade social básica com os
grupos hegemônicos na sociedade.4 A configuração do campo político-i-
deológico dominante no momento da sua negociação determina a abran-
gência da anistia, que pode ser ampla ou limitada, geral ou parcial, irrestrita
ou condicional, bem como a presença do artigo relativo a “crimes conexos”,
forma de incluir acusações de crimes secundários, mas ligados àqueles a
serem enquadrados na medida.
É, portanto, da perspectiva da dinâmica do regime político construído
no Brasil a partir de 1964 que este livro pretende discutir a campanha pela

3
A propósito, consultar PERELMAN, Chaim. Ética e direito. Trad. Maria Ermantina Galvão.
São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 600-610. A noção de “ficção jurídica” é mobilizada por
Leon Trotsky quando trata das formas de propriedade nas diferentes formações sociais. Para
o revolucionário russo, havia que distinguir entre aquelas reais e as que correspondiam a
“ficções jurídicas”, que também cumpririam uma “função real”, embora em um “plano mais
elevado”. El carácter de clase del estado soviético, 1° de enero de 1936. Disponível em: <http://
www.ceip.org.ar/El-caracter-de-clase-del-estado-sovietico>. Acesso em: 29 mar. 2016.
4
Ver RODRIGUES, José Honório. Conciliação e reforma no Brasil. Desafio histórico-cultu-
ral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.
Apresentação 17

anistia política no Brasil. E, também, oferecer uma contribuição original à


historiografia em torno do tema.
Em 2002, quando se iniciou esta pesquisa, a literatura específica voltada
para a história da campanha que resultaria na anistia de 1979 se resumia ao
livro Liberdade para os Brasileiros, de Roberto Ribeiro Martins.5 A sua edição
original apresenta o mais completo histórico das anistias concedidas no Bra-
sil desde o período colonial, chegando ao ano de 1978, quando foi publicado
como instrumento político pelo movimento pela anistia. O livro, contudo,
praticamente, não cobre o período decisivo da campanha, que vai da criação
do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), em 1978, à edição da Lei nº 6.683,
em agosto de 1979. O CBA é citado somente uma vez, em referência à ocasião
do seu lançamento na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de
Janeiro. A edição revista inclui uma atualização por demais sumária, ainda
que útil pela recuperação de elementos factuais que apresenta.
Também existiam, em 2002, dois trabalhos de pós-graduação dedicados ao
tema da anistia de 1979. Eles têm em comum a preocupação fundamental em
extrair do movimento dados indicativos de um suposto desenvolvimento de-
mocrático da sociedade brasileira, seja a valorização da sua ação na construção
da cidadania,6 seja o seu papel na tarefa de “pôr fim à divisão política em que
se encontrava a nação”.7 Por tomarem como referência e objeto as articulações
pela anistia, são, embora de maneira desigual, ricos em informações sobre a
campanha após o surgimento do Movimento Feminino pela Anistia (MFPA),
em 1975, e do CBA, em 1978. Entretanto, subestimam a importância do pe-
ríodo 1964-1974 para a compreensão do sentido político tanto da recusa do
regime ditatorial de conceder a anistia quanto da decisão de fazê-lo em 1979.
Em 2003, surgiu mais um trabalho acadêmico dedicado à questão.8
Igualmente estruturado em torno da dinâmica dos movimentos pela anis-

5
MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os Brasileiros. Anistia ontem e hoje. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. Atualizado e publicado, em 2010, com o título Anistia
ontem e hoje, pela editora Brasiliense, de São Paulo.
6
DEL PORTO, Fabíola Brigante. A luta pela anistia no regime militar brasileiro: a consti-
tuição da sociedade civil no país e a construção da cidadania. Dissertação (Mestrado em
Ciência Política) – Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2002.
7
CIAMBARELLA, Alessandra. “Anistia ampla, geral e irrestrita”: a campanha pela anistia
política no Brasil (1977-1979). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal
Fluminense, Rio de Janeiro, 2002. p. 23.
8
GRECO, Heloísa. Dimensões fundacionais da luta pela anistia. Tese (Doutorado em Histó-
ria) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003. p. 6.
18 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

tia, distingue-se dos anteriores por ter como objetivo principal estudar a
campanha como um momento privilegiado do processo de instituição de
um campo de luta pelo respeito aos direitos humanos no Brasil.
A partir de meados da década de 2000, proliferaram trabalhos sobre a
anistia. Avanços em pesquisas documentais, iniciativas políticas no campo
dos direitos humanos, formação de comissões voltadas para a recuperação da
“memória, verdade e justiça”, subsídios e verbas governamentais etc. fizeram
do tema, em pouco mais de cinco anos, um autêntico subcampo historiográ-
fico e político. Trata-se de uma produção orientada, majoritariamente, pela
perspectiva liberal-democrática, preocupada com a apuração de violações de
direitos humanos e reparação simbólica e material das vítimas, bem como
com a ideia estratégica de que, por meio de providências jurídicas, políticas
e educacionais, pode-se conseguir que tais violências nunca mais ocorram.9
Esta vasta produção será objeto de comentários pontuais ao longo do livro,
sempre que necessários à exposição dos meus argumentos.
Ainda em 2002, publiquei a minha primeira contribuição ao estudo da te-
mática.10 No artigo, propus a hipótese geral que viria a orientar este livro, ba-
sicamente: “a tradição brasileira em matéria de anistia política expressa tam-
bém duas outras tradições, mais abrangentes: a da conciliação como forma
de preservação dos interesses fundamentais das classes dominantes na nossa
sociedade e a da contrarrevolução preventiva como estratégia anticrises”.11
Desta perspectiva, o livro pretende construir uma narrativa que combi-
ne o foco no processo político nacional com uma interpretação que supere
as versões comprometidas com a visão liberal-democrática hegemônica
nesse campo de estudos. Mas, visa, também, criticar o entendimento ‒ si-
tuado mais à esquerda no campo historiográfico e político ‒ de que a cam-
panha pela anistia significou uma vitória do “movimento popular” durante
o regime ditatorial, se não pela concretização de seus objetivos, ao menos,
porque teria constituído um fator de pressão decisivo para o “recuo” do
regime em face da sua permanente recusa a conceder a anistia política.

9
Teci considerações sobre esta bandeira em “Sob o signo do Corvo: a Comissão Nacional da
Verdade e o bordão ‘nunca mais’”. Comunicação apresentada na Fundação Getúlio Vargas, em
26 de junho de 2013, durante debate sobre o primeiro ano da Comissão Nacional da Verdade.
Disponível em: <https://ufrj.academia.edu/RenatoLemos/>. Acesso em: 22 jan. 2016.
10
LEMOS, Renato. Anistia e crise política no Brasil pós-1964. Topoi, Rio de Janeiro, n. 5, p.
287-313, dez. 2002.
11
Idem, p. 289.
Apresentação 19

A ambas as linhas interpretativas é contraposta, aqui, a visão de que


a campanha pela anistia, de fato, sofreu forte influxo tanto dos setores
oposicionistas liberal-democráticos quanto do “movimento popular”, mas
a medida só se concretizou quando os dirigentes do regime a considera-
ram adequada ao conjunto de táticas voltadas para o avanço do processo
de transição política em curso no país desde 1974. A lei de 1979 resultou,
assim, de uma operação política em que o regime ditatorial capturou às
oposições a bandeira da anistia e a redefiniu de acordo com seus objetivos
estratégicos.
O debate recente sobre a Lei da Anistia de 1979, sua revisão e articulação
com a Comissão Nacional da Verdade – criada pelo governo da presidente
Dilma Rousseff, em 18 de novembro de 2011 e instalada oficialmente em 16
de maio de 2012 para investigar “graves violações de direitos humanos” por
agentes do Estado brasileiro entre 1946 e 198812 – tem a sua consistência his-
tórica determinada pelo processo político que levou à transição de regime
verificada no Brasil entre 1974 e 1988. Este entendimento orienta uma das
linhas de investigação que venho desenvolvendo desde que ingressei no cor-
po docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1998. A partir do
acervo documental do general Peri Constant Bevilaqua – um dos pioneiros
na campanha pela anistia política pós-1964 –, de cujos procedimentos de
doação e organização participei quando atuava como pesquisador do Museu
Casa de Benjamin Constant, no Rio de Janeiro, tenho pesquisado e orientado
trabalhos acadêmicos em torno da temática da anistia política de 1979.
Este livro é um dos subprodutos desta linha de pesquisa. A riqueza hu-
mana e política inerente ao tema impregna as fontes inquiridas. Optei por
dar voz a elas sempre que isto contribuísse para tornar a exposição mais
clara. Em consequência, o texto apresenta longas transcrições, o que nem
sempre é bem-visto em termos acadêmicos e editoriais.13 Reservei o recur-

12
O relatório final da CNV foi entregue à presidente Dilma Rousseff em 10 de dezembro
de 2014 e pode ser consultado em: <http://www.cnv.gov.br/index.php/outros-destaques/
574-conheca-e-acesse-o-relatorio-final-da-cnv>. Acesso em: 22 jan. 2016.
13
A propósito das fontes, há que mencionar a importância da imprensa porta-voz de or-
ganizações de esquerda situadas na ilegalidade durante o período examinado. Em 1978,
Roberto Ribeiro Martins observou: “Já está sobejamente comprovada a existência no Brasil
de correntes de opinião que não têm vida legal, e que certamente terão suas ideias e posições
a respeito da anistia. Só no futuro poder-se-á dimensionar com exatidão o papel efetivo
cumprido por essas correntes […] no nascimento e evolução da ideia de anistia no pós-64”.
Liberdade para os brasileiros, p. 137.
20 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

so ao texto na primeira pessoa sempre que precisei tomar posição em face


de alguma questão historiográfica ou política, afirmando o caráter autoral
do trabalho.
No trato com as fontes, precisei levar em conta que a temática da anistia
política sempre ativa a memória de experiências violentas vividas em vários
pontos do Brasil, entre meados da década de 1960 e o fim da seguinte, por
um grande número de pessoas, de todas as faixas de idade.14 Pelo menos
três gerações − filhos, pais e avós − sentiram, direta ou indiretamente, o
peso da mão armada pelas classes dominantes brasileiras, a partir do golpe
de 1964, para estabelecer uma ordem política que garantisse seus interesses
materiais e compromissos econômicos internacionais. O horizonte ilimita-
do da ação preventiva ou punitiva exercida pelos agentes da ditadura pode
ser deduzido dos horrores relatados em depoimentos, relatórios, memórias
de quem a sofreu, testemunhou ou até mesmo − supremo gozo perverso − a
executou.15
A situação histórica que produziu as formas específicas de violência
utilizada pelos agentes do regime ditatorial no Brasil pós-64 iria, natu-
ralmente, gerar os demandantes de anistia. Ela pode ser entendida como
resultado da articulação entre elementos situados em tempos históricos
diferentes.16
Foi no quadro da Guerra Fria, a partir de 1947, que se forjaram ideias de
transformação da sociedade brasileira não propriamente infensas a recur-
sos golpistas para alcançar o controle do Estado. À bandeira democrática
antiliberal, que já vinha sendo desenhada, pelo menos, desde o início do
século XX, acrescentaram-se as cores do anticomunismo e, desta palheta,
surgiram os tons básicos de uma perspectiva ideológica que tentaria instru-

14
As próximas páginas reproduzem, basicamente, “Ditadura militar, violência política e
anistia”, disponível em: <http://ufrj.academia.edu/RenatoLemos/Papers>.
15
Ver, por exemplo, declarações de Marcelo Paixão de Araújo, que atuou como torturador
do Exército, em Veja, 2 de dezembro de 1998.
16
A tese que deu origem a este livro – apresentada, em julho de 2016, como pré-requisito
para a minha progressão a professor titular do Instituto de História da UFRJ – contém um
capítulo em que é apresentado um esquema interpretativo da história política brasileira ba-
seado nas considerações de Fernand Braudel sobre as múltiplas temporalidades da história,
expostas em seu artigo “A longa duração”. Ele foi omitido aqui por questão de espaço, mas
seu conteúdo básico pode ser conhecido em “Contrarrevolução e ditadura no Brasil - ele-
mentos para uma periodização do processo político brasileiro pós-1964”, disponível em:
<http://ufrj.academia.edu/RenatoLemos/Papers>.
Apresentação 21

mentalizar sucessivas crises políticas que o país atravessaria até a consuma-


ção do golpe de 1964.
A evolução do processo revolucionário em Cuba, vitorioso em 1959
e autoproclamado socialista em 1961, acrescentou ao anticomunismo da
América do Sul tonalidades da vizinhança caribenha. O impacto que a re-
volução cubana teve sobre o pensamento revolucionário latino-americano,
apontando-lhe novos caminhos para a tomada do poder, enriqueceu o ar-
gumento anticomunista continental com os espectros da substituição das
forças armadas regulares por milícias populares e da execução dos inimigos
de classe.
No Brasil, estes influxos cruzaram com a crise econômico-social resul-
tante do esgotamento da estratégia de industrialização praticada desde as
décadas anteriores. Retraimento das atividades econômicas, queda na ca-
pacidade de acumulação de capital, desemprego etc. constituíram a base
material de crescente mobilização social, sindical e política de trabalha-
dores e patrões, em especial a partir de 1961. Neste quadro, uma coali-
zão civil-militar, orientada por uma perspectiva democrática restrita, em-
presarial e anticomunista, conseguiu explorar as dificuldades enfrentadas
pelo governo do presidente João Goulart (1961-1964) em diversas frentes e
depô-lo em abril de 1964, abrindo uma conjuntura cuja dinâmica própria
conduziria à implantação de um novo regime político e um formato de Es-
tado ainda inédito na América Latina: uma ditadura burguesa capitaneada
pelas Forças Armadas.
A principal característica no novo regime político foi a sua natureza
contrarrevolucionária, voltada para a destruição de forças nacionalistas ci-
vis e militares, populistas, socialistas e comunistas, sempre apontadas como
agentes de uma suposta situação revolucionária em curso. Com esta moti-
vação básica, estruturou-se uma forma de dominação política que girou em
torno de pontos bem nítidos: desequilíbrio agudo da relação entre os três
poderes, a favor do Executivo; caráter ilimitado do poder de Estado; regras
de sucessão fechada, que, ainda que informais, as distinguiram das dita-
duras de tipo tradicional − familiares ou de restritos grupos oligárquicos;
ausência de mobilização partidária ou de massas como elemento de poder;
onipresença da rede burocrática civil-militar como locus da negociação de
interesses sociais; cerceamento do exercício das “liberdades democráticas”;
utilização do terror policial-militar como método de obtenção de informa-
ções e de intimidação.
22 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

As Forças Armadas se transformaram no principal canal do poder, cuja


base teórico-ideológica se lastreou nas chamadas doutrinas de segurança
nacional e de guerra revolucionária, de acordo com as formulações da Es-
cola Superior de Guerra (ESG),17 voltadas para o combate ao comunismo
e a implantação de um regime democrático restrito, no plano político, e
liberal, no plano econômico. Interesses materiais e valores ideológicos as-
sociados ao grande capital monopolista foram impostos ao conjunto da
sociedade. Na alta oficialidade das Forças Armadas e em quadros técnicos
dispostos a compartilhar o poder, encontraram agentes para a concepção e
execução de reformas modernizadores das estruturas políticas, administra-
tivas, econômicas e financeiras da sociedade brasileira.18
A contrarrevolução modernizadora desencadeada no Brasil em 1964
combinou violência e negociação como métodos de exercício do poder,
em proporções que variaram conforme a conjuntura e a corresponden-
te correlação de forças políticas, tanto no interior do bloco dominante
quanto no confronto com as oposições. Por isso, e por não perder de vista
o horizonte que o distinguia das experiências ditatoriais anteriores − a
construção de uma democracia restrita, expurgada de forças políticas in-
desejáveis −, o regime ditatorial brasileiro também se singularizou pela
preservação das instituições democrático-representativas, como os pode-
res Legislativo e Judiciário e o sistema partidário-eleitoral. É verdade que
a margem de atuação destas instituições foi extremamente reduzida pela
tutela que sofreram do Executivo militarizado, mas isso não impediu que
a sua existência no sistema político tivesse consequências efetivas. É o que

17
Sobre a história da ESG, ver ARRUDA, Antônio. ESG: história de sua doutrina. São Paulo:
GRD, 1980, e FERRAZ, Francisco César Alves. À sombra dos carvalhos: Escola Superior de
Guerra e política no Brasil, 1948-1955. Londrina: Editora da UEL, 1997. O papel da ESG na
construção do regime ditatorial é objeto de vários estudos. O primeiro autor a apontá-lo de
maneira sistemática foi Alfred Stepan, em livro publicado nos Estados Unidos em 1971 e,
no Brasil, como Os militares na política. As mudanças de padrões na política Brasileira. Trad.
Ítalo Tronca. Rio de Janeiro: Artenova, 1975. Ver, também, COMBLIN, Joseph. A ideologia
da segurança nacional. O poder militar na América Latina. Trad. A. Veiga Fialho. Rio de Ja-
neiro: Civilização Brasileira, 1978, e OLIVEIRA, Eliezer Rizzo de. Forças Armadas: política
e ideologia no Brasil (1964-1969). Petrópolis, RJ: Vozes, 1976.
18
Análises que dão ênfase à dinâmica modernizadora do regime implantado em 1964 podem
ser encontradas em SCHNEIDER, Ronald. The political system of Brazil. Emergence of a “mo-
dernizing” authoritarian regime, 1964-1970. New York: Columbia University Press, 1971, e
FIETCHER, Georges-André. O regime modernizador do Brasil, 1964-1972. Trad. Maria Cecília
Baeta Neves e Natanael Caxeiro. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1974.
Apresentação 23

sugere, por exemplo, o papel central exercido pelo Legislativo nas crises
que deram margem à edição dos atos institucionais nº 2 (27 de outubro
de 1965) e nº 5 (13 de dezembro de 1968). Igualmente, o Judiciário foi
elemento ativo em vários episódios de resistência jurídica a pressões di-
tatoriais do Executivo, que acabaram resultando na sua reforma, também
por força de atos institucionais.19
A implantação e a reprodução do regime político contrarrevolucionário
foram tarefas que implicaram surtos de violência concentrada, de par com
práticas violentas cotidianas, menos espetaculares, embora nem por isso
pouco significativas. Executada pelos órgãos de polícia política, sob a re-
gência do Serviço Nacional de Informações (SNI), criado logo após o golpe,
a violência da repressão atingiu o campo, visando as ligas camponesas e
sindicatos rurais. Nas cidades, os alvos prioritários foram as organizações
de trabalhadores e de estudantes, bem como instituições culturais e edu-
cacionais. Inquéritos policial-militares (IPMs) foram abertos para apurar
acusações de subversão comunista e corrupção, resultando em suspensão
de direitos políticos, cassação de mandatos parlamentares, afastamento de
emprego e prisão de acusados.
A caixa de Pandora da ditadura foi aberta com especial virulência em
momentos críticos, como os que deram origem ao primeiro Ato Institucio-
nal (9 de abril de 1964) e àqueles de nº 2 e 5, já referidos. Na esteira de am-
bos, o Executivo militar desencadeou os mencionados surtos de violência
concentrada, reabrindo a temporada de cassação de mandatos, suspensão
de direitos políticos e prisões, estas, com seu costumeiro cortejo macabro
de invasões de domicílio, detenções sem mandado judicial, submissão dos
presos a incomunicabilidade por prazos dilatados, torturas e assassinatos.
Vistos de uma perspectiva mais ampla, contudo, esses atos institucio-
nais constituíram, também, instrumentos de implantação de medidas que
os dois primeiros presidentes militares (marechais Humberto de Alencar
Castelo Branco e Artur da Costa e Silva), tal como ocorrera com Jânio Qua-
dros (1961) e João Goulart, vinham enfrentando dificuldades para aprovar
no Congresso, em especial as reformas das áreas judiciária, bancária, admi-

19
Uma crítica à subestimação do Legislativo e do Judiciário como fatores da dinâmica polí-
tica do regime ditatorial brasileiro pode ser encontrada em LEMOS, Renato. Poder militar e
poder Judiciário. In: CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vítor; KRAAY, Hendrick (Org.). Nova
história militar brasileira. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas; Bom Texto,
2004. Disponível em: <http://ufrj.academia.edu/RenatoLemos/Papers>.
24 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

nistrativa e tributária. Portanto, a corrente civil-militar no poder de 1964


a 1967, responsável pelos dois primeiros atos institucionais e caracteriza-
da em geral como “autoritária liberal” − “moderada”, “legalista” −, recorria
a métodos associados à facção tida como “autoritária radical” − a “linha
dura” em seus diversos matizes −, à qual se costuma atribuir a maternidade
do Ato Institucional nº 5, para implantar seu programa modernizador. O
resultado foi uma combinação de métodos violentos, que produziram as di-
versas categorias de vítimas das práticas repressivas da ditadura, com méto-
dos legalistas, que as transmudaram nas diversas categorias de criminosos
definidas em lei e candidatas potenciais à anistia. É importante lembrar que
nenhum dos atingidos por qualquer medida baseada em atos institucionais
pôde apresentar recurso ao Judiciário. Este foi, com certeza, do ponto de
vista da teoria democrática, o mais escandaloso estupro jurídico perpetra-
do pelo grupo civil-militar que dominou diretamente o país de 1964 a 1988.
Violências físicas e simbólicas permeiam este livro, preocupado em for-
necer informações e opiniões sobre tais práticas. Observe-se, principalmen-
te quando se lida com um tema cercado de circunstâncias tão fortemente
emocionais como a anistia política, que o regime ditatorial não infelicitava
as pessoas em razão de alguma tara que seus agentes portassem, embora
não se deva descartar a priori a hipótese de que traços pessoais tenham
contribuído para comportamentos violentos pontuais. A violência políti-
ca aberta, assim como os métodos de negociação democrática, tem uma
racionalidade derivada das necessidades da classe dominante no exercício
do poder, que dá sentido global aos atos institucionais e complementares,
constituições outorgadas e outros diplomas legais, assim como a seus pro-
dutos: presos políticos, mortos, “desaparecidos” etc. É essa racionalidade
que está na base, também, da evolução das leis que tipificam o crime políti-
co no país e condicionam o instituto da anistia.
As vicissitudes da luta de classes no mundo e a concretização de suas me-
tas fundamentais, ainda na primeira metade da década de 1970, levaram as
classes dominantes brasileiras a adotar prioritariamente métodos de contrar-
revolução preventiva. Tratou-se, fundamentalmente, de tentar a antecipação
a crises potencialmente favoráveis à subversão da ordem capitalista no Brasil,
que poderiam surgir, por exemplo, de pressões no interior da própria for-
ma ditatorial de dominação de classes. Estabelecida no interior do núcleo
dirigente do regime ditatorial a conveniência de fazer-se a transição, as con-
dições em que se estabelecesse o acerto entre as correntes políticas ligadas à
Apresentação 25

ditadura e as oposições refletiriam uma correlação de forças determinante


dos momentos seguintes da luta política: o desmonte do regime ditatorial e
sua substituição por algum outro, cujas bases seriam lançadas pela anistia,
ou a sua confirmação, ainda que com outra aparência, igualmente delineada
pela anistia. Um equívoco neste campo inviabilizaria a “transição sem ruptu-
ra” que se articulava, oficialmente, desde a posse do general Ernesto Geisel na
presidência da República, em 1974, e por ele apresentada como uma “disten-
são lenta, gradual e segura”. Os pré-requisitos para o sucesso desta estratégia
eram, para seus propugnadores, o consenso em torno das metas e do método
da transição, que garantiria a sua legitimidade perante camadas da sociedade
brasileira mais amplas do que aquelas que haviam apoiado o regime até en-
tão. O tipo de anistia que se concedesse − ampla ou limitada, geral ou parcial,
irrestrita ou condicional − apontaria, enfim, o rumo escolhido pelas classes
dominantes brasileiras ‒ se a democracia liberal ou, de novo, um regime ba-
seado, prioritariamente, na violência contra seus antagonistas sociais.
A opção das classes dominantes brasileiras em termos de regime político
parece estar clara hoje, em favor de uma democracia restrita, lastreada em
maiorias parlamentares conservadoras. A anistia concedida em 1979 foi de
suma importância para chegarmos até aí. Constituiu uma tática adotada pelo
núcleo dirigente do processo de transição de regime em curso desde 1974,
visando aprofundar a formação do centro político conservador imprescin-
dível à substituição da ditadura por uma democracia restrita. Mas, o perdão
preventivo a formuladores e agentes da política repressiva ‒ graças à extensão
dos benefícios da anistia aos delitos “conexos” aos crimes políticos, conce-
dido pela Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979 ‒ permitiu que não fossem
responsabilizados criminalmente por torturas e assassinatos e reproduziu as
condições de impunidade que garantem uma reserva estratégica de violência
para o caso de necessidade diante de novas ameaças, reais ou imaginárias, à
ordem capitalista no Brasil. De acordo com a abordagem que adotei em 2002:

A anistia de 1979 resultou de uma grande transação entre setores moderados


do regime militar e da oposição, por iniciativa e sob o controle dos primeiros.
Integrou a agenda de microtransformações,20 buscadas desde 1973 por lide-

20
SAES, Décio. A questão da “transição” do regime militar à democracia. In: ______. Re-
pública do capital. Capitalismo e processo político no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial,
2001. p. 39-40.
26 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

ranças militares e civis do governo: ampliação do leque de opções partidárias,


abrandamento da legislação repressiva etc. Tratava-se de preparar a transição
do regime, não necessariamente para outro qualitativamente diferente, mas
para outra forma, que incorporasse novas forças políticas, sem descartar a
tutela militar. Os limites das reformas foram dados, desde logo, pelo caráter
estritamente burguês da direção do processo político. O sentido básico da
transição foi preservar as condições da dominação política de uma classe so-
cial absolutamente desprovida de vocação transformadora.21

Preservando esta linha analítica, foi adotada na pesquisa uma aborda-


gem que tomou a questão da anistia como elemento de uma luta política de
classes que a conformou e lhe atribuiu significados estratégicos. Formula-
ções em termos de “violações dos direitos humanos”, “abusos” ou “excessos”
de agentes da repressão etc. foram tomadas, aqui, como formas de percep-
ção deste processo político, histórica e socialmente determinadas, mas não
como abordagens prioritárias dos problemas que introduziram a temática
da anistia no Brasil pós-golpe. Situando-a no âmago das contradições in-
ternas à ditadura, procurou-se compreender por que a anistia, desde 1964
uma reivindicação oposicionista, só se tornou realidade quando apropriada
pelos dirigentes do regime ditatorial como uma tática do processo transi-
cional.
Esta abordagem é um dos pontos centrais da identidade desta pesqui-
sa em comparação com as demais análises da campanha pela anistia no
Brasil. Enquadra o tema na dinâmica e, por conseguinte, na periodização
do processo de contrarrevolução que estrutura politicamente a sociedade
brasileira. É este o eixo da narrativa que o livro apresenta.
O livro é constituído das seguintes partes: Apresentação, três capítulos,
Conclusão e Bibliografia. A Apresentação situa o tema, a sua problemati-
zação teórica e historiográfica e a maneira como será analisado.
O Capítulo 1 examina as condições em que a bandeira da anistia po-
lítica foi sustentada no período 1964-1974. O texto é organizado a partir
da hipótese de que, dadas as características do regime político, fortemente
influenciado pela noção de “inimigo interno”, a anistia constituiu uma “im-
possibilidade sistêmica”, tendo sido tolerada, apenas, como reivindicação
individual.

21
“Anistia e crise política no Brasil pós-1964”, op. cit., p. 293.
Apresentação 27

O Capítulo 2 procura discutir as novas táticas adotadas pelos dirigen-


tes do regime ditatorial no período 1974-1978, no sentido de alcançar seu
objetivo estratégico máximo: um regime democrático restrito, baseado em
maiorias parlamentares conservadoras. Para isso, leva em consideração
mudanças na conjuntura política internacional e as mencionadas “micro-
transformações” internas que compuseram o processo de transição política
a partir de 1974.
O Capítulo 3 se concentra nos oito primeiros meses de 1979. Trata-se
do período em que a anistia passa a ser considerada publicamente pelos
dirigentes do regime. A campanha pela anistia e as manobras do governo
do general João Figueiredo são analisadas do ponto de vista do avanço da
contrarrevolução preventiva por meios democráticos, vitoriosa, uma vez
que a medida foi adotada segundo as conveniências táticas oficiais, e não de
acordo com a bandeira principal do movimento oposicionista – pela anistia
ampla, geral e irrestrita, acompanhada, entre outras medidas, da desarticu-
lação do aparelho repressivo do regime.
A Conclusão discute o problema da anistia política a partir de um ponto
de vista atual. Defende a tese de que os seus desdobramentos corroboram
a hipótese geral do trabalho, qual seja, a de que a concessão da anistia, da
maneira como ocorreu, constituiu uma vitória da contrarrevolução perma-
nente que constrangeu em todos os momentos a luta pela sua consecução.
As ampliações da lei de 1979, em especial a instituição da reparação finan-
ceira a vítimas da ditadura, são entendidas como momentos do processo de
despolitização do problema da anistia e a culminação da vitória estratégica
da direção burguesa do processo de transição política iniciado em 1974.
A Bibliografia lista, exclusivamente, os títulos de fato utilizados na
pesquisa. Não pretende esgotar a literatura sobre a campanha pela anistia
política no Brasil, o que, caso fosse tentado, mais do que duplicaria a sua
extensão.
Três pessoas tiveram participação especial e decisiva na elaboração des-
te livro. Na origem do projeto, estiveram Cristina Monteiro de Andrada
Luna e Flávia Burlamaqui Machado. Então alunas de graduação do curso
de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),22 realizaram,
em inícios dos anos 2000, levantamentos fundamentais em vários acervos,

22
Hoje professoras, respectivamente, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e da
Prefeitura Municipal de Rio Branco e do estado do Acre.
28 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

como os do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Arquivo Edgard


Leuenroth (AEL) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP),
Arquivo de Memória Operária do Estado do Rio de Janeiro (AMORJ), da
UFRJ, Arquivo Peri Constant Bevilaqua (Museu Casa de Benjamin Cons-
tant – RJ), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Centro de  Pesqui-
sa  e  Documentação  de  História Contemporânea  do  Brasil  (CPDOC) da
Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Destes levantamentos derivou a parte mais substantiva da base documental
da pesquisa. Além disso, o livro incorpora em grande parte os textos das
suas monografias de final do curso de graduação, citadas nos lugares ade-
quados.
Passados quase quinze anos do início da pesquisa, Rejane Carolina
Hoeveler23 atuou sobre o texto de uma forma que, na falta de termo mais
preciso, estou chamando de “revisão técnica”. Na verdade, pela identifica-
ção entre nossos temas e perspectivas de pesquisa, foi a minha principal
interlocutora na fase final da redação e, com base em um contrato profis-
sional, fez uma leitura crítica extremamente atenta e rigorosa dos capítulos
originais. Muitas de suas sugestões de organização e conteúdo foram incor-
poradas à versão do texto que aqui se apresenta.
Naturalmente, uma pesquisa desenvolvida em ambiente universitário
– exposta em sala de aula, eventos acadêmicos, publicações etc. – sempre
sofre a influência de alunos e colegas pesquisadores e professores no resul-
tado final. Alguns parceiros intelectuais, particularmente, fizeram obser-
vações sobre as ideias presentes no texto que procurei absorver: Eduardo
Navarro Stotz, João Roberto Martins Filho, Marcelo Badaró Mattos e Virgí-
nia Fontes. Dado o longo tempo da sua execução, seria impossível listar os
nomes de todos que, de uma maneira ou outra, foram meus interlocutores.
A todos, tranquilizo com a advertência de praxe: é minha, e de mais nin-
guém, a responsabilidade por tudo que aqui vai escrito.

23
Aluna do curso de doutorado em História da Universidade Federal Fluminense (RJ).
Capítulo 1
Anistia: uma impossibilidade sistêmica
(1964-1974)

1.1 À sombra do espectro da guerra revolucionária

Durante o período que vai da implantação do regime ditatorial ao seu fas-


tígio, que pode ser balizado pelos anos 1964 e 1974,1 a anistia era, parafra-
seando o embaixador e economista Roberto Campos, uma impossibilidade
sistêmica. Típico intelectual orgânico2 do capital transnacional e principal
elemento civil do primeiro governo ditatorial pós-1964,3 ele era adepto da
teoria geral dos sistemas4 na análise dos problemas políticos e sociais, in-
clusive do funcionamento da democracia.

A democracia se caracteriza pela sua enorme flexibilidade em absorver


contestações. É essencialmente um sistema de administrar conflitos. Ape-
nas, a contestação atual5 não se limita à dissensão intrassistêmica... Com

1
Este padrão classificatório está explicado em “Contrarrevolução e ditadura no Brasil - ele-
mentos para uma periodização do processo político brasileiro pós-1964”, disponível em:
<http://ufrj.academia.edu/RenatoLemos/Papers>.
2
A propósito deste conceito, ver nota 317.
3
Sobre a sua vida, ver KELLER, Vilma; LEMOS, Renato. Roberto Campos. In: ABREU, Alzi-
ra Alves de et al. (Coord.) Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora
FGV/CPDOC, 2001.
4
BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas. Fundamentos, desenvolvimento e
aplicações. Trad. Francisco M. Guimarães. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. Embora não
haja uma definição consensual da teoria, pode-se dizer que um dos seus enunciados bási-
cos é o de que tudo que existe se estrutura como um organismo composto de partes que se
relacionam no exercício de funções destinadas a manter em equilíbrio o todo que, por seu
turno, não se reduz à soma de suas partes. Desta perspectiva, afirma-se a existência de “sis-
temas políticos”, “sistemas econômicos” etc.
5
A publicação é datada de 1974, quando as organizações da esquerda clandestina já se en-
contravam totalmente desarticuladas, remanescendo apenas um grupamento guerrilheiro
no Sul do Pará. O autor, talvez, considerava o potencial de reorganização desses grupos ou
o surgimento de novos.

29
30 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

a guerrilha revolucionária e o terrorismo urbano, a contestação se torna


antissistêmica, porque ideológica e global e voltada contra todo o sistema
de valores societais. Somente as democracias altamente institucionalizadas
podem absorver impunemente esse tipo de contestação e, assim mesmo,
com substancial perda de eficácia econômica, como hoje ocorre nos Esta-
dos Unidos e na Itália.6

No seu esquema de raciocínio, portanto, certas formas de oposição


ao regime ditatorial constituíam elementos antissistêmicos, isto é, forças
externas ao sistema político vigente, cujo equilíbrio e, mesmo, existência,
poderiam vir a ameaçar. No período em foco, tais forças eram as que se
movimentavam à margem do subsistema partidário, na ilegalidade e, em
muitos casos, recorrendo a métodos violentos para derrubar o regime polí-
tico. Contudo, mesmo organizações de esquerda que defendiam caminhos
pacíficos para a chegada ao poder eram objeto da ação repressiva. Um ba-
lanço dos elementos ligados ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) ‒ como
é notório, era um tradicional opositor aos métodos violentos de combate à
ditadura ‒ atingidos pela repressão política logo após a queda do governo
Goulart indica:

Logo no primeiro momento, […] no último dia de março de 1964, a bur-


guesia e seu aparato militar/policial repressivo partiu [sic] para cima dos
comunistas. […] E a primeira vítima foi o estivador e sindicalista Antogildo
Pascoal Viana (AM), assassinado no dia 8 de abril de 1964; seguiram-se a
ele, ainda em 1964, os seguintes camaradas: o operário eletricista e sindica-
lista Carlos Schirmer (MG), no dia 1º de maio; Pedro Domiense de Oliveira
(BA), sindicalista e líder dos posseiros urbanos, assassinado no dia 7 de
maio; Manuel Alves de Oliveira (SE), militar assassinado no dia 8 de maio;
o gráfico e sindicalista Newton Eduardo de Oliveira (PE) foi morto em 1º
de setembro; o líder camponês João Alfredo Dias (PB), conhecido como
“nego fubá”, sapateiro e ex-vereador, foi sacrificado pela repressão em 7 de
setembro; ainda no dia da pátria, também foi assassinado o líder camponês
e presidente das ligas camponesas de Sapé, Pedro Inácio de Araújo (PB); no

6
CAMPOS, Roberto de Oliveira. A opção política brasileira. In: SIMONSEN, Mário Henri-
que; CAMPOS, Roberto de Oliveira. A nova economia brasileira. Rio de Janeiro: José Olym-
pio, 1974, p. 224. Grifo no original.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 31

dia 15 de novembro a ditadura matou o gráfico Israel Tavares Roque (BA) e,


no final do ano de 1964 e/ou começo de 1965, o marítimo catarinense Divo
Fernandes D’Oliveira.
Ao todo, em 1964, a ditadura matou 29 militantes que lutavam contra o
arbítrio, sendo nove do PCB. Esses dados podem não conter desapareci-
mentos e algumas mortes estranhas, não computadas diretamente à repres-
são. Mas, com certeza, em virtude da ação criminosa do estado ditatorial
naquele momento.7

A relação dos grupos dirigentes do regime com as forças “antissistêmi-


cas” apresentava duplo aspecto. De um lado, precisavam enfrentá-las nos
termos de uma luta armada entre inimigos figadais. De outro, dependiam
de sua existência para legitimar, perante setores eventualmente dubita-
tivos, as formas de dominação política vigentes. Os cidadãos atingidos
pela violência institucional ou informal eram, antes de tudo, “inimigos”
que cumpria tratar com atenção e rigor para que se mantivesse a solidez
da “revolução”. Anistiá-los seria afrontar setores − que viriam a ser cha-
mados, eufemisticamente, “comunidade de segurança” − visceralmente
envolvidos no combate a eles, o que abalaria a unidade interna do regime,
em especial do seu pilar castrense. Implicaria, ainda, reconhecer que não
mais constituíam uma ameaça, deixando sem justificativa prática todo o
aparato policial-militar e jurídico que funcionava como o principal canal
de poder do regime.
Entretanto, a concessão de anistia política não constituía um tema de
presença absolutamente rarefeita no cenário político nacional. Baixada a
poeira levantada pela operação golpista, a anistia já constava da pauta de
trabalhos do Congresso Nacional quando a casa voltou a funcionar, agora
sob um regime ditatorial. As discussões vinham se dando, principalmente,
em torno da aplicação do Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de

7
PINHEIRO, Milton. A ditadura militar no Brasil (1964-1985) e o massacre contra o PCB.
Disponível em: <http://resistir.info/brasil/massacre_pcb.html#asterisco>. Acesso em: 16 jul.
2014. “Em 1965, a sanha assassina da ditadura matou o ex-militar, que havia participado
das lutas dos tenentes com Luiz Carlos Prestes, Severino Elias de Melo (PB)” (Idem). Estes
números, e outros que surgirão de qualquer levantamento que se faça, são interessantes para
o debate de teses que negam o caráter ditatorial do regime político brasileiro no período
1964-1968, que serão comentadas adiante.
32 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

1961, que concedera anistia política retroativa a 1934.8 Era beneficiada uma
ampla gama de categorias – operários, estudantes, militares, jornalistas – e
cidadãos em geral que tivessem cometido atos capitulados em lei como cri-
mes políticos. A sua amplitude geraria discussões igualmente abrangentes.
Desde a promulgação do decreto, os parlamentares discutiam o tema
da anistia. O Diário do Congresso Nacional e os Anais do Senado Fede-
ral registram as intervenções de parlamentares referentes ao assunto. De
acordo com a Constituição de 1946, cabia exclusivamente ao Congresso
a iniciativa de apresentar projetos de anistia. Uma vez aprovados, trans-
formavam-se em decretos legislativos, sem carecer de sanção presiden-
cial.9 Segundo Roberto Martins, os principais beneficiários das anistias
concedidas entre 1950 e 1964 foram os trabalhadores que haviam se en-
volvido em greves.10 Entretanto, outras categorias também pleiteavam o
benefício.
O senador fluminense Aarão Steinbruch, do Movimento Trabalhis-
ta Renovador (MTR),11 proferiu, em 6 de dezembro de 1963, discurso sobre
o projeto de anistia aos sargentos que se haviam sublevado em Brasília,
reivindicando o direito de se elegerem para cargos parlamentares.12 A Re-
volta dos Sargentos − também conhecida como Levante de Brasília − fora
deflagrada em 12 de setembro contra decisão do Supremo Tribunal Federal
(STF) que reafirmara a inelegibilidade da categoria para órgãos do poder
Legislativo. Depois de terem tomado prédios públicos na capital federal e
mantido autoridades como reféns por algumas horas, os sargentos foram
dominados por tropas do Exército.13

8
Para uma análise detalhada do texto, ver MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os
brasileiros. Anistia ontem e hoje. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 101-103.
9
Ibidem, p. 97.
10
Ibidem.
11
Dissidência do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Ver LEAL, Carlos Eduardo. Movi-
mento Trabalhista Renovador. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histó-
rico-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.
12
Diário do Congresso Nacional, Brasília, Seção II, 7/12/63, p. 3719.
13
Sobre o assunto, ver LAMARÃO, Sérgio. Revolta dos sargentos. In: ABREU, Alzira Alves
de et al. (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.; MOROSINI,
Liseane. Mais deveres que direitos. Os sargentos e a luta pela cidadania plena. Dissertação
(Mestrado em História Social) –Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
1998; PARUCKER, Paulo Eduardo Castello. Praças em pé de guerra. O movimento político
dos subalternos militares no Brasil (1961-1964) e a Revolta dos Sargentos de Brasília. São
Paulo: Expressão Popular, 2009.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 33

No dia 30 de março de 1964, foi apresentado na Câmara um projeto


de anistia aos implicados em acontecimentos ligados à luta pela reforma
agrária, de autoria de Valdemar Alves,14 deputado pelo Partido Social Tra-
balhista (PST) de Pernambuco e que logo teria seu mandato cassado. O se-
nador Artur Virgílio (PTB-AM) discursou, no dia seguinte, sobre a anistia
concedida, pouco antes, pelo presidente João Goulart aos fuzileiros navais
rebelados no episódio que ficaria conhecido como Revolta dos Marinhei-
ros.15 Comemorava-se, no dia 25 de março de 1964, na sede do Sindicato
dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, o segundo aniversário da Associação
dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, entidade considerada ilegal. Diante de
ordem de prisão emitida pelo ministro da Marinha, almirante Sílvio Mota,
marinheiros ofereceram resistência, sendo presos e, em seguida, anistiados
pelo presidente da República. Em seu discurso sobre o assunto, o senador
amazonense advertia, de passagem, para o risco de iminente golpe militar,
“devido à insatisfação da elite econômica do Brasil e de interesses estran-
geiros”.16
Nesse mesmo dia, o golpe contra o governo Goulart ‒ deflagrado mili-
tarmente na madrugada de 31 ‒ confirmou a apreensão do senador Artur
Virgílio, iniciando-se imediatamente a operação de “limpeza” do sistema
político. A partir daí, se generalizaria a violência como método prioritário
de dominação política, por meio da imposição de uma legislação especial,
da institucionalização da tortura e da ação da Justiça Militar, que “serviu
aos interesses mais globais deste regime, articulando as instâncias repressi-
vas e jurídicas do Estado, criando condições para o perfeito entrosamento

14
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de His-
tórico de Debates. Agradeço a Sandro Héverton da Silva pelo acesso a esta fonte, por ele
levantada em sua pesquisa de mestrado inconclusa, sob a minha orientação no Programa
de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ver
SILVA, Sandro Héverton Câmara da. Anistia política: conflito e conciliação no âmbito do
Congresso Nacional Brasileiro (1964-1979). Dissertação (Mestrado em História) – Uni-
versidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007, que, curiosamente, omite as
aulas e o trabalho de orientação comigo do rol de atividades acadêmicas que contextuali-
zam a sua elaboração.
15
Sobre o assunto, ver Revolta dos marinheiros. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.).
Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.; CAPITANI, Avelino Bioen. A re-
belião dos marinheiros. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1997; RODRIGUES, Flávio Luís. Vozes
do mar: o movimento dos marinheiros e o golpe de 64. São Paulo: Cortez, 2004.
16
Diário do Congresso Nacional, Brasília, Seção II, 01/04/1964, p. 668.
34 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

entre ambas”.17 Os pedidos de anistia passariam a visar novos beneficiários,


produto das primeiras ações do novo governo:

Logo após o golpe militar, uma vasta campanha de busca e detenção foi
desencadeada em todo o país. O Exército, a Marinha e a Aeronáutica foram
mobilizados […] para levar a efeito operações em larga escala de “varre-
dura com pente-fino”. Ruas inteiras eram bloqueadas e cada casa era sub-
metida a busca para detenção de pessoas cujos nomes constavam de listas
previamente preparadas. O objetivo era “varrer” todos os que estavam liga-
dos ao governo anterior, a partidos políticos considerados comunistas ou
altamente infiltrados por comunistas e a movimentos sociais do período
anterior a 1964. Especialmente visados eram líderes sindicais e estudantis,
intelectuais, professores, estudantes e organizadores leigos dos movimentos
católicos nas universidades e no campo.18

Já no dia 6 de abril, o deputado Abel Rafael, do Partido Social Demo-


crático (PSD) de Minas Gerais, sugeriu à bancada do Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB) que apresentasse projeto de anistia para o ex-presidente
João Goulart e para o ex-deputado federal Leonel Brizola, ambos no exí-
lio.19 Foi o primeiro pedido de anistia formulado após o golpe, mas, em vez
da medida, foi baixado, três dias depois, o Ato Institucional (AI),20 de auto-
ria do autoproclamado Comando Supremo da Revolução, integrado pelos
comandantes em chefe das três forças armadas: general Artur da Costa e
Silva, tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo e vice-almi-

17
Esquerda armada – testemunho dos presos políticos do presídio Milton Dias Moreira, no Rio
de Janeiro. Sel. de Luzimar Nogueira Dias. Vitória: Edições do Leitor, 1979, p. 85. Ver, tam-
bém, LEMOS, Renato. Justiça Militar e processo político no Brasil (1964-1968). In: 1964-
2004. 40 anos do golpe. Ditadura militar e resistência no Brasil. Anais do seminário. UFRJ,
UFF, CPDOC e APERJ. Rio de Janeiro: 7Letras; FAPERJ, 2004. Há indicações de que a trans-
ferência do julgamento de crimes políticos da jurisdição da Justiça Comum para a da Justiça
Militar foi patrocinada por setores identificados com a “linha dura”. Ver GASPARI, Elio. A
ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 256-258.
18
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis, RJ:
Vozes, 1984. p. 59.
19
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Histórico
de Debates.
20
Os textos completos dos dezessete atos institucionais baixados durante o regime ditatorial
podem ser encontrados em: <http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-historica/
atos-institucionais>. Acesso em: 9 jun. 2013.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 35

rante Augusto Hamann Rademaker Grunewald.21


Como é sabido, o AI não foi numerado quando da sua edição, provavel-
mente porque não se planejava baixar outros. Mas, como ele logo recebeu
companhia, passou a ser tratado como o primeiro de uma série e referido
como AI-1. Lançando os primeiros alicerces institucionais de um regime po-
lítico ditatorial, o Ato modificou a Constituição brasileira de 1946 de maneira
a fortalecer o poder Executivo, à custa do esvaziamento do Legislativo e do
Judiciário. Entre outras determinações, foi tornada indireta a eleição do pre-
sidente e do vice-presidente da República e concedido aos comandantes em
chefe das Forças Armadas o poder de suspender direitos políticos e cassar
mandatos legislativos, ficando vedada a apreciação judicial desses atos.22
Em especial, o artigo n. 8 do AI teria forte impacto repressivo sobre
diversos setores da sociedade, ao determinar que os inquéritos e processos
instaurados para apurar a responsabilidade pela “prática de crime contra o
Estado ou seu patrimônio e a ordem política e social ou de atos de guer-
ra revolucionária” poderiam ter natureza individual ou coletiva. Em 14 de
abril, a Portaria n. 1 do Comando Supremo da Revolução, considerando
“a existência inequívoca de um clima subversivo, de caráter nitidamente
comunista”, determinou a abertura de inquérito policial-militar (IPM),23 a
fim de apurar fatos e as devidas responsabilidades de todos aqueles que ti-
vessem desenvolvido ou ainda estivessem desenvolvendo no país atividades
capituláveis nas leis que definiam os crimes militares e os crimes contra o

21
Naquele momento, encontrava-se na condição de chefe do poder formal o deputado Ra-
nieri Mazzilli, presidente da Câmara, mas o poder de fato se encontrava sob o controle dos
oficiais citados.
22
Para uma arguta análise do AI-1, ver ALVES, Maria Helena Moreira, op. cit., p. 53-56.
O significado dos atos institucionais na caracterização do regime político pós-64 é discu-
tido em CIOTOLA, Marcello. Os atos institucionais e o regime autoritário no Brasil. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 1997. Uma lista de pessoas que foram atingidas pelos atos punitivos
da ditadura é encontrada em OLIVEIRA, Paulo Affonso Martins de. (Comp.). Atos institu-
cionais. Sanções políticas. Brasília: Câmara dos Deputados, 2000. Disponível em: <http://
bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/6384/atos_%20institucionais_oliveira.
pdf?sequence=>. Acesso em: 19 jan. 2014.
23
O IPM já existia como uma figura do direito militar, instrumento de apuração de crimes
militares. Na área civil, praticava-se o inquérito policial. A extensão do IPM a civis, na con-
tramão da Constituição de 1946 e da Lei de Segurança Nacional vigente (Lei nº 1802, de 5
de janeiro de 1953), constituiu o primeiro passo na militarização do tratamento conferido
ao crime político pelo regime ditatorial.
36 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Estado e a ordem política e social.24 Finalmente, foi baixado, no dia 27, o


Decreto-lei nº 53.897, que regulamentava os artigos 7º e 10º do Ato Insti-
tucional, criando a Comissão Geral de Investigações (CGI) para executar
as investigações sumárias previstas no Ato. A partir de então, se multiplica-
riam inquéritos policial-militares pelo país.
A ação repressiva se estendeu imediatamente a vários setores da sociedade
ainda intocados. Na área da imprensa, até à véspera praticamente unânime
no apoio à deposição de Goulart,25 os rumos políticos do país estimulavam
mudanças nas posições em face do novo regime, que incluíam a reivindi-
cação de anistia. Na edição de 18 de abril de 1964, o Correio da Manhã, do
Rio de Janeiro, estampou crônica em que Carlos Heitor Cony proclamava a
necessidade de que alguém fosse o primeiro a pronunciar a palavra anistia,
“banida de nosso vocabulário em nome da vingança ou do medo”.26 Ele vinha
publicando matérias contra o golpe desde o dia 2 desse mês, mas se encon-
trava desinformado de que no Congresso já havia quem estivesse propondo
a anistia. O mesmo periódico, que abrigava outros articulistas igualmente
críticos do regime em implantação, publicou, em 14 de outubro, corajosa e
contundente denúncia do alcance das práticas violentas nos primeiros dias

24
De acordo com o serviço de arquivo da Câmara dos Deputados, essa portaria, publi-
cada originalmente no Diário Oficial da União - Seção 1 - 14/4/1964, p. 3313, constituía
o Ato nº 8 do Comando Supremo da Revolução. Ver: <http://www2.camara.leg.br/legin/
fed/portar/1960-1969/portaria-1-14-abril-1964-378840-norma-csr.html>. Acesso em: 9
jun. 2013.
25
Sobre o papel da imprensa brasileira na criação de condições favoráveis ao golpe, ver STE-
PAN, Alfred. The Military in Politics. Changing Patterns in Brazil. Princeton: Princeton Uni-
versity Press, 1971. A ação conspiratória de órgãos da grande imprensa é analisada em SILVA,
Eduardo Gomes. A Rede da Democracia e o golpe de 1964. Dissertação (Mestrado em História)
– Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008, e CARVALHO, Aloysio Castelo de. A Rede
da Democracia. O Globo, O Jornal e Jornal do Brasil na queda do governo Goulart (1961-
1964). Niterói: Editora da UFF; Nitpress, 2010. Uma discussão mais geral é feita em FRANCO,
Geisa Cunha. O papel da grande imprensa na preparação dos golpes militares. Estudo compa-
rativo entre o Brasil, 1964, e a Argentina, 1976. Dissertação (Mestrado em História) – Univer-
sidade de São Paulo, São Paulo, 1997, e AMADO, João. Da redação do Jornal do Brasil para
as livrarias: Os idos de março e a queda em abril, a primeira narrativa do golpe de 1964. Dis-
sertação (Mestrado em História) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2008. Amostras de reação negativa de órgãos da imprensa ao golpe podem ser encontradas em
ALVIM, Thereza Cesário. O Golpe de 1964: a imprensa disse não. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1979. Para uma crítica a este livro, ver AMADO, op. cit.
26
Republicada em CONY, Carlos Heitor. O ato e o fato. Crônicas políticas. 4. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1964, p. 25-27.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 37

após o golpe. Assinada pelo escritor socialista Edmundo Moniz, a matéria


lançou – possivelmente, pela primeira vez em público – uma exigência que,
na década seguinte, como será visto adiante, caracterizaria a vertente mais ra-
dical dos movimentos pela anistia, conforme as passagens por mim grifadas:

Não basta apurar a culpa dos que aplicaram a tortura física, a culpa dos car-
rascos do momento, dos investigadores de serviço, treinados e escolhidos
para a função de torturadores. É preciso apurar a culpa dos mandantes. E
qual a responsabilidade dos que se omitiram ou compactuaram tacitamente
com as torturas. A omissão não justifica nem absolve ninguém. A culpa não
é só dos que executaram as ordens criminosas, mas também dos mandantes e
dos responsáveis pelos mandantes. Desde que não se apure a responsabilida-
de das torturas, todos serão culpados. Todos, sem exceção.
Uma coisa é certa. Se só existisse uma única pessoa torturada, isto bastaria para
comprometer moralmente qualquer governo, desde que tivesse conhecimento
do crime e não mandasse apurar a responsabilidade do criminoso. Mas não
se trata de uma pessoa somente. Trata-se de centenas de pessoas. Não basta
suspender a tortura de agora para diante. Deixando impunes os torturadores,
todos são culpados. Todos, sem exceção. Desde Castelo Branco, passando por
Carlos Lacerda, que fez da Guanabara o principal reduto das torturas, até o mais
indigno dos torturadores, todos são culpados. Todos, sem exceção.27

Ainda não havia, naquele momento, dados suficientes para uma ava-
liação do sentido mais amplo da violência – estatal, mas também privada,
principalmente por parte de proprietários de terras28 –, que começava a se
ampliar. Em outro lugar, observei que o desdobramento das práticas vio-
lentas indicaria que:

As práticas repressivas do regime ditatorial constituíram, em sua funciona-


lidade operacional e política, instrumentos de poder racionalmente adota-
dos. São fenômeno mais específico do que um genérico desrespeito a direi-

27
“Torturadores e torturados”, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 14 de outubro de 1964,
reproduzido em MONIZ, Edmundo. O golpe de abril. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1965, p. 110. A matéria também se encontra em: ALVIM, Tereza Cesário (Org.). O Golpe de
64: a imprensa disse não, op. cit., p. 76-80.
28
Ver Comissão Nacional da Verdade. Relatório final. Violações de direitos humanos no
campo, 1946 a 1988. Brasília, dezembro de 2014.
38 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

tos humanos, porque motivadas pela necessidade de garantir a destruição


de elementos vistos como portadores de ameaças aos interesses de classes
e categorias sociais estruturadoras do regime político e do Estado pós-64.29

E, em contrapartida, propiciaria, também, o estabelecimento de uma


compreensão estreita do fenômeno da violência política praticada du-
rante o regime ditatorial. A perspectiva liberal-democrática o reduziria
à expressão de um autoritarismo violador dos direitos humanos. Deste
ângulo é que seria negado o argumento, apresentado por agentes do Es-
tado acusados de terrem praticado esse autoritarismo exacerbado, de que
houvera uma guerra entre os defensores da ordem e os subversivos, e que
não fora possível evitar certos atos de violência. Bem-intencionados críti-
cos viriam a arguir que o enfrentamento entre os dois lados não poderia
ser considerado uma guerra, por causa da desproporção de forças entre
eles. Contudo, é importante apontar a correção do essencial da tese da
ocorrência da guerra, porque ajuda a entender a violência do regime já
em seus primeiros momentos.
As diversas práticas violentas a que os governos do regime ditatorial
recorreram durante todo o seu tempo de existência apresentaram uma
natureza constante. Chamo a atenção para o fato de que, no âmbito de
uma guerra praticada desde o golpe contra Goulart, a tortura, por exem-
plo, foi

29
LEMOS, Renato Luís do Couto Neto e. “Rever ou não rever. Eis a questão? O debate
atual sobre a lei de anistia de 1979”. Comunicação apresentada no I Seminário Nacional
Práticas Sociais, Narrativas Visuais e Relações de Poder, Universidade Federal de Viçosa
(MG), março de 2010. Disponível em: <http://ufrj.academia.edu/RenatoLemos/Papers>.
Acesso em: 22 set. 2013. O general Paul Aussaresses, que foi agente do serviço secreto da
França, veterano das guerras do Vietnã e da Argélia e adido militar no Brasil entre 1973 e
1975, foi bem claro, em entrevista à imprensa, quando perguntado em que circunstâncias
a tortura era inevitável: “Quando a ação terrorista adversa quer ter efeitos de propaganda
e tem por vítimas, sobretudo, mulheres e crianças. Penso que, se a tortura pode evitar a
morte de inocentes, ela se justifica”. Para prevenir situações desse tipo, o general adestrou
oficiais brasileiros – e de outros países da América do Sul ‒ na prática da tortura, em cur-
sos ministrados no Centro de Instrução de Guerra na Selva, em Manaus, durante os quais
eles faziam tanto o papel de torturadores quanto o de torturados. Tal tipo de assessoria
“técnica” obedecia, também, a conveniências do empresariado industrial francês. Segun-
do o general, era um dos meios a que o adido militar recorria para convencer o governo
brasileiro de que a França era um país amigo e a comprar material bélico francês. Ver:
Folha de S. Paulo, 4 de maio de 2008.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 39

[…] usada como meio geral de obtenção de informações, mas também in-
tegrou o repertório de recursos na luta específica contra organizações de
esquerda, armadas ou não. A desigualdade de forças materiais entre os con-
tendores não descaracteriza a natureza bélica da relação. A estratégia de luta
armada adotada por forças do campo da esquerda tomava essa assimetria
como premissa e supunha, com base em experiências como as das revolu-
ções chinesa e cubana e as das lutas anticoloniais na Indochina e Argélia,
poder superá-la por meios políticos.30

A situação objetiva em que a luta de classes assume a forma de uma guerra


para fazer avançar o combate ao capitalismo se manifestara primeiramente
em 1917, com a Revolução Russa. Os dirigentes comunistas – Lênin e Trot-
sky, em particular – sistematizaram a experiência militar da revolução, ma-
triz daquilo que viria a configurar uma doutrina da guerra revolucionária.31
A espinha dorsal da estratégia deste tipo de guerra era a participação ativa de
setores populares nos efetivos revolucionários. A Revolução Chinesa, vitorio-
sa em 1949 sob a liderança de Mao Tsé-Tung, renovara os métodos de luta,
agora na forma da “guerra popular prolongada”.32
Os insucessos franceses na Guerra da Indochina, que se desenrolou
entre 1946 e 1954 na região onde atualmente existem o Camboja, Vietnã
e Laos, e a ação crescente das forças de libertação nacional na Guerra de
Independência da Argélia (1954-1962) foram interpretados por oficiais do
Exército da França como efeito da orientação daquilo que chamaram dou-
trina de guerre révolutionnaire, estabelecendo-se o que será aqui referido
como uma doutrina contrarrevolucionária da guerra revolucionária.33

30
LEMOS, Renato Luís do Couto Neto e. “Rever ou não rever”, op. cit.
31
Para uma densa e bem informada análise da guerra revolucionária, consultar SAINT-
-PIERRE, Héctor Luis. A política armada. Fundamentos da guerra revolucionária. São Pau-
lo: Editora da UNESP, 2000.
32
Em cursos proferidos em 1955, o coronel da infantaria colonial francesa Charles Lacheroy,
pioneiro no estudo de estratégias contra a guerra revolucionária, citava a revolução chinesa
e a guerra da Indochina como os dois casos a serem tomados como típicos. Ver Scénario-
-type de guerre révolutionnaire, disponível em: <http://guerrealautre.hypotheses.org/190>.
Acesso em: 8 set. 2013.
33
O conflito na Argélia teve uma forte tradução fílmica em A Batalha de Argel (1966), ba-
seado em fatos reais e dirigido por Gillo Pontecorvo. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=PB-xK_ViPck>. Acesso em: 6 jun. 2015.
40 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Desde meados dos anos 50, após a fragorosa derrota em Dien Bien Phu34
e a eclosão da rebelião na Argélia, fortaleceu-se no Exército francês a
ideia de que a principal razão da derrota na Indochina fora o fato de
que a doutrina militar não estava preparada para enfrentar um novo
tipo de guerra. A principal característica desta forma de conflito era
a indistinção entre os meios militares e os não militares e a particular
combinação entre política, ideologia e operações militares que ela pu-
nha em funcionamento.35

A partir, portanto, de meados da década de 1950, quando a doutrina


foi assumida publicamente por seus formuladores, a imprensa de vários
pontos do mundo começou a informar sobre a sua difusão nos meios mili-
tares. O acento era dado, em geral, no conteúdo anticomunista da doutrina.
Assim, por exemplo, o jornal La Vanguardia Española noticiou, em 1958,
a realização de uma conferência intitulada “La guerra revolucionaria”, na
Escola Superior do Exército, em Madri. O palestrante foi Manuel Fraga Iri-
barne, político então ascendente no regime ditatorial (1939-1975) fundado
por Francisco Franco, do qual em 1962 se tornaria ministro da Informação
e Turismo. Relatou o jornal:

El conferenciante estudió las relaciones entre la guerra y revolución, en um


plano general, y en particular su vinculación dentro de la concepción mar-
xista. A su juicio, la estrategia global de la U. R. S. S, es defensiva en lo militar,
pero ofensiva en lo social. De donde resulta la importancia del concepto de la
“guerra revolucionaria”. Rusia ha visto las posibilidades que le brinda el final
de la época imperialista, y la emancipación de los países subdesarrollados,
para intentar la exportación a éstos de su utopía revolucionaria e inscribirlos
en su bloque, o por lo menos atraerlos a un neutralismo benévolo.
Sobre esta base se deben entender las “guerras revolucionarias” de nuestro
tiempo. Es decir, esos conflictos armados que en China, en Indochina, en
Malasia, en Grecia, en Irán, y en África del Norte, se caracterizan por él
enfrentamiento de un ejército ordinario con las organizaciones político-mi-

34
Travada de 3 de março a 7 de maio de 1954, foi a batalha final da Guerra da Indochina.
35
MARTINS FILHO, João Roberto. A influência doutrinária francesa sobre os militares
brasileiros nos anos de 1960. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 23, n. 67, p.
41, jun. 2008.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 41

litares que luchan en nombre de una revolución basada en una ideología


que normalmente une de modo íntimo un ideal nacionalista o independen-
tista y un programa de reforma económico-social. Estudió a continuación
las principales características militares (ausencia de frentes definidos y de
retaguardia, predominio de las tácticas guerrilleras, tendencia a convertirse
en guerra ordinaria) y las características políticas (dimensión social, impli-
cación mayoritaria de la población, idea nacional, implicaciones interna-
cionales).36

As contradições acirradas pelo desenrolar da guerra na Argélia na polí-


tica francesa em fins da década de 1950 levaram a remanejamentos minis-
teriais com repercussões na diplomacia do país. Para enfraquecer o setor
militar contrário à negociação com as forças de libertação nacional argeli-
nas, oficiais foram transferidos para a América do Sul. De acordo com um
pesquisador, todos os adidos militares franceses no subcontinente depois
de 1960 eram veteranos da guerra da Argélia, oficiais de inteligência espe-
cialistas em combater a guerre révolutionnaire.37
Como efeito dessa política, tentáculos da ideologia militarista francesa
se estenderam à América do Sul. Em 1957, o coronel do Exército argen-
tino Carlos Rosas, que acabara de concluir o curso da Escola Superior de
Guerra de Paris, foi nomeado subdiretor da Escola de Guerra da Argentina,
logo organizando um ciclo de estudos sobre a “guerra revolucionária co-
munista”. A seu pedido, dois tenentes-coronéis franceses com experiência
nas guerras da Indochina e Argélia foram enviados à Argentina. Iniciava-se
uma parceria que culminaria com o estabelecimento, em fevereiro de 1960,
de uma missão militar francesa permanente no país.38
Segundo o Jornal do Brasil, em matéria assinada pelo jornalista Newton
Carlos,39 o Curso de Operações Especiais do Exército vinha, desde 1957,
treinando homens em ações contrarrevolucionárias. O jornalista informa-

36
La Vanguardia Española, Barcelona, 19 de abril de 1958, p. 7.
37
ARAÚJO, Rodrigo Nabuco de. Conquête des espirits et le commerce des armes. La diploma-
tie militaire française au Brésil, 1945-1974. Tese (Doutorado em História) – Université de
Toulouse 2, Le Mirail, Toulouse (Fr), 2011. p. 179.
38
ABRAMOVICI, Pierre. L’autre sale guerre d’Aussaresses. Disponível em: <http://www.
lepoint.fr/actualites-politique/2007-01-19/l-autre-sale-guerre-d-aussaresses/917/0/55193>.
Acesso em: 18 jun. 2013.
39
“Brasil já começou o ensaio da guerra revolucionária”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 3
de julho de 1960, p. 10.
42 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

va, também, que o Estado-Maior da Marinha brasileira publicara, em 1958,


um trabalho para consulta interna intitulado Alguns estudos sobre a guerra
revolucionária, e, em fins desse ano, o Seminário de Guerra Moderna or-
ganizado pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME)
concluíra que era necessário inserir o tema no currículo regular da institui-
ção. Por seu turno, o Estado-Maior do Exército brasileiro teria organizado,
em setembro de 1959, uma comissão para fazer um estudo sobre a guerra
moderna, abrangendo a guerra atômica e a guerra revolucionária ou guerra
insurrecional. Segundo o jornalista, a medida refletia um clima de temor,
entre os oficiais, de que não tivessem preparo para enfrentar esse tipo de
conflito, caso ele eclodisse no país. Na origem da preocupação estaria o Ma-
nifesto dos Coronéis,40 que, elaborado em fevereiro de 1954, teria indicado
um “estado de insegurança” nos quartéis por causa da crescente mobiliza-
ção popular que marcava o fim do governo de Getúlio Vargas (1951-1954).
Ainda de acordo com o jornalista, enquanto a comissão trabalhava, re-
gistravam-se visíveis indícios de que a guerra revolucionária se tornava,
aos poucos, um tema mais atraente do que a guerra atômica, considerada
por muitos uma hipótese distante, enquanto a primeira era vista como em
curso em vários pontos do país. Indicador do crescimento do interesse pelo
assunto seria o fato de as revistas militares A Defesa Nacional, ligada ao
Ministério da Guerra, e Mensário, publicação reservada do Estado-Maior
do Exército, terem aberto suas páginas ao tratamento do tema sob diver-
sos ângulos. Na área acadêmica militar, a Escola Superior de Guerra es-
taria oferecendo cursos sobre a guerra revolucionária, sob a coordenação
do general Augusto Fragoso. Em uma das palestras ministradas na casa, o
coronel Humberto de Sousa Melo,41 secretário do Conselho de Segurança
Nacional, discorreu sobre a “situação atual do comunismo no Brasil” e teria
afirmado que o país já se encontrava em “fase pré-revolucionária”.

40
Assinado por 42 coronéis e 39 tenentes-coronéis e dirigido à alta hierarquia militar, o
documento constituiu um protesto contra a limitação dos recursos destinados ao Exército
e contra a proposta governamental de elevação do salário mínimo em 100%. LAMARÃO,
Sérgio. Manifesto dos coronéis. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histó-
rico-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.
41
Tendo participado do movimento insurrecional que, em 1930, alçou Getúlio Vargas ao
poder nacional, foi, durante o regime ditatorial pós-1964, comandante do II Exército (1971-
1974) e chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (1974). ABREU, Alzira Alves de et al.
(Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 43

Em setembro de 1961, o Correio da Manhã noticiou, sob a manchete


“Curso na Argentina para neutralizar o comunismo”, que oficiais de qua-
torze países americanos realizariam em Buenos Aires, entre os dias 2 de
outubro e 30 de novembro seguintes, um curso de guerra contrarrevolucio-
nária, para discutir formas de obstar a ação do comunismo no continente.42
Estavam inscritos na atividade dois oficiais de cada um dos seguintes paí-
ses: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Estados Unidos,
Guatemala, Honduras, México, Peru, Uruguai e Venezuela. Naturalmente,
Cuba, recém-assumida como socialista, não foi convidada. A notícia infor-
mava tratar-se da primeira edição do curso, resultante de conversações que
vinham se realizando periodicamente entre oficiais dos países americanos.
O público-alvo incluiria, também, civis de diversas categorias, inclusive sa-
cerdotes. A programação, de responsabilidade do Exército argentino, co-
bria os seguintes tópicos:

[…] conhecimentos profundos de marxismo, desde sua origem até a atua-


lidade; conferências e aulas sobre infiltração, penetração e técnica do mar-
xismo, em todos os setores da vida nacional; conhecimento dos métodos de
luta contra o comunismo, diversos exercícios com projeções cinematográfi-
cas. Finalmente, os participantes do curso farão monografias, para recolher
novas ideias e opiniões sobre guerra revolucionária.

O curso deveria ter desdobramentos. Estava prevista a realização, na


segunda quinzena de outubro, de exercícios de artilharia de grande vulto na
província argentina de Córdoba, com a participação de oficiais da Bolívia,
Brasil, Chile, Peru e Uruguai, bem como de observadores dos demais países
americanos.43
É importante não perder de vista que, no mês anterior, o Brasil estivera à
beira da guerra civil, em virtude da situação político-militar que ficaria co-
nhecida como Crise da Legalidade. O veto que, após a renúncia do presidente

42
João Roberto Martins Filho observa: “Não há detalhes nas publicações brasileiras sobre a
data do curso. No entanto, o pesquisador argentino Ernesto López, em sua excelente história
das doutrinas militares daquele país, esclarece em nota de rodapé que o referido curso ‘com
a participação de 14 países latino-americanos realizou-se em Buenos Aires em outubro de
1961’”. Ver: “A educação dos golpistas: cultura militar, influência francesa e golpe de 1964”.
Disponível em: <www2.ufscar.br/uploads/forumgolpistas.doc>. Acesso em: 22 set. 2013.
43
Correio da Manhã, 27 de setembro de 1961, p. 1.
44 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, os seus ministros militares apresen-


taram à posse do vice-presidente João Goulart – acusado de ligações com o
comunismo – expressava o anticomunismo que grassava em setores impor-
tantes das Forças Armadas. Na ocasião, os métodos utilizados para impedir
a posse de Goulart denunciaram uma disposição para a violência até então
pouco notada nas relações dos militares com a política. Evidenciava-se uma
mudança de comportamento que tendia a alterar a correlação entre as forças
em disputa. Os golpistas – que aceitaram ou se impuseram limites até então
‒ começavam a se sentir em condições de praticar violências ainda inéditas
no cenário político nacional. Pretenderam, por exemplo, interceptar, em ple-
no voo, o avião que deveria trazer da China, onde se encontrava em missão
oficial no momento da renúncia de Jânio, aquele que, por direito constitucio-
nal, era o novo presidente da República, para prendê-lo. A ideia constituía
um avanço em comparação com a intensa campanha político-militar opo-
sicionista que resultara no suicídio de Getúlio Vargas, em agosto de 1954.
Indício, talvez, mais grave da disposição violenta dos golpistas foi a ordem
para bombardear o palácio Piratini, sede do governo do Rio Grande do Sul,
caso o governador Leonel Brizola, líder da resistência legalista à tentativa de
golpe e que lá se encontrava com a família e assessores, se recusasse a baixar
armas. Na ocasião, cerca de trinta mil pessoas estavam acampadas em torno
do prédio, exigindo a posse incondicional de Goulart. Se executada, a ordem,
emanada do ministro da Guerra, marechal Odílio Denys,44 resultaria em um
massacre coletivo. Entretanto, ela não foi acatada pelos praças da base aérea
de Canoas, próxima à capital gaúcha, que sabotaram os aviões necessários ao
seu cumprimento e prenderam oficiais que deveriam pilotá-los.45
Durante a crise, Carlos Lacerda, então governador do estado da Gua-
nabara, se destacou como líder da extrema-direita golpista.46 Sob as suas

44
Participante da “revolta tenentista” de 1922, exerceu, entre outros cargos, os de coman-
dante da Zona Militar Leste (1954-1956) – quando protagonizou a operação militar que
garantiu a posse de Juscelino Kubitschek na Presidência da República ‒, comandante do
I Exército (1956-1960), sediado no Rio de Janeiro, e ministro da Guerra (1960-1961). Foi
importante conspirador contra o presidente João Goulart em 1964. ABREU, Alzira Alves de
e outros (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.
45
É vasta a bibliografia sobre a Crise da Legalidade, em particular sobre a resistência no Sul.
Ver, por exemplo, MARKUN, Paulo; HAMILTON, Duda. 1961: que as armas não falem. São
Paulo: Editora SENAC, 2001.
46
Para uma introdução à sua biografia, ver KELLER, Vilma. Carlos Lacerda. In: ABREU,
Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 45

ordens, foram adotadas medidas policialescas que implantaram na área um


estado de sítio de fato. Logo após a posse de Goulart em 7 de setembro –
nos termos do acordo político que instaurou o parlamentarismo no país
‒, Lacerda continuou combatendo-o intensamente. O Correio da Manhã
identificou as suas posições com as táticas de combate à guerre révolution-
naire, que deveriam usar as mesmas armas dos inimigos:

Existe um fato inédito: um estado cujo governador não reconhece o gover-


no federal. De onde lhe veio essa inspiração grandiosa?
Há dias, o jornal parisiense Le Monde republicou um artigo, de 1957, do
coronel Lacheroy, preparador do golpe de Estado de 1958 e inspirador dos
rebeldes nacionalistas da Argélia. Nesse artigo, o militar insubordinado ex-
põe a teoria da guerra chamada revolucionária.
Fala em intimidação e terrorismo, como armas principais, também usa a
guerra psicológica, espalhando notícias falsas; os neutros e indecisos devem
ser mantidos fora da luta, “até o momento propício para tratá-los”; também
é preciso “eliminar os irredutíveis, sempre quando se apresentar ocasião
favorável para tanto”, enfim, para preparar a deposição do governo, precisa-
-se de um pedaço do território nacional, onde os revolucionários “podem
instalar seu sistema, uma espécie de micro-Estado”.

Reconhecemos nesse espelho nossas experiências: intimidação e terro-


rismo manifestaram-se em censura e prisões preventivas; a guerra psicoló-
gica instalou-se na Agência Nacional; os neutros, “mantidos fora da luta até
o momento propício para tratá-los”, foram as classes conservadoras cujas
entidades ficavam caladas; ainda não se apresentou, então, “ocasião favo-
rável” para “eliminar os irredutíveis”, mas já existia e existe a base de um
microestado: o estado da Guanabara.47
A ideia de estabelecer um microestado como base para a contrarre-
volução seria mais detalhada pelo jornal no ano seguinte. A propósito da

47
“O micro” [editorial], Correio da Manhã, 31 de outubro de 1961, p. 6. Grifos no original.
Em 1963, Carlos Lacerda traduziu, prefaciou, anotou e publicou, pela Distribuidora Record
– editora do Rio de Janeiro ligada ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), um
dos principais centros de conspiração contra o governo de João Goulart –, o livro Em cima
da hora, da escritora francesa Suzanne Labin, eminente propagandista do anticomunismo e
campeã da propaganda dos métodos de combate à guerre révolutionnaire.
46 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

condenação de um dos principais oficiais franceses em serviço na Argélia


– o general Raoul Albin Louis Salam – à prisão perpétua, o editorial “Más-
caras” apontava para a necessidade de punir um grupo de coronéis que
estariam por trás dele quando dos crimes cometidos durante a guerra no
Norte da África.

Coronéis que não se encontram nas mãos da Justiça, porque certos setores
da administração franco-argelina não querem encontrá-los.
No entanto, é possível citar nomes. Pois esses culpados, embora entrinchei-
rados atrás de outros, não põem a máscara do anonimato. Os coronéis Ar-
goud e Broizat – e outros – são francos. Sua franqueza vai até expor publi-
camente seus projetos e pormenorizar os processos que pretendem adotar
ou já adotaram.
Num artigo de revista, pouco lido e por ninguém comentado à época – na
Revue militaire d’information, número de fevereiro de 1957 – forneceram
exposição franca e detalhada dos seus métodos de – como dizem – “guer-
ra revolucionária”: intimidação da população civil; terrorismo sistemático;
“guerra psicológica”, isto é, divulgação deliberada de notícias falsas; e, antes
de tudo, a “Operação microestado”. Esta última consiste em apoderar-se
de todos os recursos administrativos e policiais de um pedaço qualquer do
território nacional (o “microestado”) e usá-lo como trampolim para con-
quistar o resto.48
Esses processos foram anunciados em fevereiro de 1957. Foram postos em
prática, com sucesso, em maio de 1958, para abolir, por golpe dos para-
quedistas, a Constituição. Quando o novo chefe de Estado, o presidente de
Gaulle, não se prestava a servir de máscara oficial daqueles coronéis, segui-
ram-se as duas revoltas (fracassadas) na Argélia. E a luta continua, porque
os lutadores continuam desde 1957 impunes.
O último objetivo sempre é a interrupção do processo democrático-repre-
sentativo de legislação e governo e sua substituição por um estado de ex-
ceção, por prazo mal definido. Anulação de eleições, fechamento de parla-
mentos, suspensão dos direitos políticos – tudo isso pode parecer familiar

48
Em 1964, já deflagrado o golpe contra Goulart a partir de Minas Gerais, o governador
José de Magalhães Pinto teria tomado providências para conseguir de parte de potências
estrangeiras o eventual reconhecimento do estado de beligerância no país Cf. FAUST, J. J. A
revolução devora seus presidentes. Rio de Janeiro: Saga, 1965, p. 78.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 47

a leitores latino-americanos. Mas não é verdade que se trata de invasão de


costumes militares latino-americanos na França. Antes acontece o contrá-
rio: Argoud e Broizat têm discípulos na Argentina.
É certo que esses militares latino-americanos estão, talvez inconscientemente,
a serviço de outros grupos do que os coronéis argelinos.49

O jornal informava, assim, os preceitos do uso contrarrevolucionário da


doutrina de guerre révolutionnaire. Este é um ponto que nem sempre fica
claro quando se discute o assunto. A convicção de que a única forma de
combater esse tipo de guerra era incorporar e adotar seus próprios méto-
dos provocou um “efeito espelho”,50 que se expressa no fato de a expressão
“doutrina de guerra revolucionária” se referir tanto à versão revolucioná-
ria quanto a contrarrevolucionária daquele tipo de guerra. A identificação
se estende às táticas adotadas pelos contrarrevolucionários. No caso de a
guerra revolucionária chegar à fase militar, os defensores da ordem deve-
riam adotar métodos atribuídos aos subversivos, principalmente os de con-
vencimento e “terror psicológico”.
A violência de que se está tratando quando se historia a campanha pela
anistia no Brasil só pode, portanto, ser avaliada do ponto de vista de um
processo específico de luta política, que assumiu formas militares, preconi-
zadas sistematicamente pelos campos em oposição, inclusive no plano teó-
rico. Como duas expressões da mesma forma assumida pela luta de classes
no plano internacional, as elaborações antagônicas assumiram o mesmo
nome: por doutrina de guerra revolucionária têm sido referidas, portanto,
tanto as formulações de teóricos comunistas e anticolonialistas quanto as
estratégias forjadas por intelectuais civis e militares para combatê-las.
Já em 1966, o escritor socialista Mário Pedrosa, arguto analista da cena
política nacional, registrava em livro que os dirigentes do novo regime
político brasileiro eram adeptos de uma concepção de guerra, oriunda da

49
Correio da Manhã, 25 de maio de 1962, p. 1, assinado O. M. C. Em novembro de 1962,
o jornal informou ter-se realizado, na Segunda Subchefia do Estado-Maior do Exército, de
31 de agosto a 5 de novembro, um “Estágio de guerra revolucionária”, na forma de vinte e
duas conferências. O evento “despertou grande interesse pela sua importância”. Correio da
Manhã, 28 de novembro de 1962, 2º Caderno, p. 6.
50
MARTINS FILHO, João Roberto. “A educação dos golpistas: cultura militar, influência
francesa e golpe de 1964”, op. cit.
48 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

França, distinta da convencional.51 Pedrosa foi, provavelmente, o primei-


ro escritor brasileiro a chamar a atenção em livro para a influência que
a doutrina de guerre révolutionnaire vinha exercendo sobre forças arma-
das latino-americanas, em especial na Argentina e no Brasil.52 O texto nos
apresenta informações que já circulavam na imprensa nacional apontando
o uso conspiratório que políticos e militares vinham fazendo da doutrina.
O jornalista Hermano Alves é citado por Pedrosa por ter publicado, em
1964, matéria em que denunciava o conteúdo subversivo da monografia
final apresentada, no ano anterior, pelo então general Humberto de Alencar
Castelo Branco53 no curso da Escola de Estado-Maior do Exército. Segundo
Alves, o próprio oficial teria declarado, em discurso no Dia do Soldado de
1964 ‒ portanto, logo após tomar o poder ‒, que o tema central da mono-
grafia fora a “guerra revolucionária”.

Nesse trabalho, segundo informações que recebi na época, estava prevista


uma situação curiosa: a de um governo “vermelho”, em Brasília, contando
com o apoio de sindicatos e dos grupos políticos de esquerda, em luta con-
tra um governo “azul”, com o apoio de São Paulo, de Minas e da Guanabara,
e que pediria, internacionalmente, o reconhecimento de um estado de be-
ligerância no país.54

51
PEDROSA, Mário. A opção brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. Ver,
também, STOTZ, Eduardo. As faces do moderno Leviatã. In: MELLO, Maria Amélia (Org.).
Vinte anos de resistência. Alternativas da cultura no regime militar. Rio de Janeiro: Espaço e
Tempo, 1986, p. 14-15.
52
Dois anos depois, Ruy Mauro Marini afirmaria que um dos principais elementos para a
compreensão do papel dos militares na deposição de João Goulart foi o trabalho feito pela
Escola Superior de Guerra no sentido de difundir “teorias como a da ‘agressão comunista
interna’ e da ‘guerra revolucionária’ criadas pelos franceses em sua campanha militar na
Indochina”. MARINI, Ruy Mauro. A dialética do desenvolvimento capitalista no Brasil. In:
______. Subdesenvolvimento e revolução. Trad. Fernando Correa Prado e Marina Machado
Gouvêa. 3. ed. Florianópolis: Insular, 2012 [1968], p. 109.
53
Castelo Branco – que viria a ser o primeiro presidente do regime ditatorial – foi chefe
do Estado-Maior do Exército de 1963 a 1964 e, “com intenções conspiratórias”, segundo o
jornalista, se aproveitara da função de “responsável pela endoutrinação e pelo preparo psi-
cológico da tropa” para oficializar a doutrina militar. (Ibidem).
54
“A guerra colonial”, Correio da Manhã, 8 de outubro de 1964, 1º Caderno, p. 6. Ver, acima,
os comentários sobre o “microestado”.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 49

O jornalista percebia o sentido imediato da preocupação de setores mi-


litares com a ameaça da “guerra revolucionária”. A ação conspiratória para
evitar a sua vitória visava neutralizar certos setores da sociedade brasileira
e mobilizar outros para efetivar o golpe contra o governo de Goulart, acu-
sado de principal responsável pelos acontecimentos.

A tese da “guerra revolucionária” foi implantada, manhosamente, por


um grupo militar que pretendia derrubar o governo (e que correu a afir-
mar, depois, que já conspirava há mais de dois anos), para influenciar a
opinião pública. Importante, em tudo isso, foi a criação da falsa imagem
da “guerra revolucionária”, numa operação bem-sucedida de “guerra
psicológica”.
Não quero entrar no mérito do governo do sr. Goulart, mas frisar que uma
tese falaciosa foi utilizada como instrumento capaz de provocar uma reação
pavloviana55 na classe média e, consequentemente, nas Forças Armadas.56

Na área civil, as teses da “guerra revolucionária” foram difundidas de


maneira alarmista pelo deputado Bilac Pinto,57 deputado federal por Minas
Gerais na legenda da União Democrática Nacional (UDN), a qual presidiu
de 1963 a 1965. Em discursos e entrevistas,58 o deputado disseminava os
conceitos elaborados pelos oficiais franceses e denunciava já estar o Brasil
em fase avançada da guerra subversiva de conteúdo comunista. O presiden-
te João Goulart seria, juntamente com o deputado federal Leonel Brizola
(PTB-GB), o seu promotor e estaria empenhado em um golpe para man-
ter-se no poder, de maneira a prosseguir na ofensiva rumo a uma ditadura
comunista ou a uma “república sindicalista”.59
Observe-se que o comportamento do prócer udenista não indicava um
caso excepcional de adesão civil a uma estratégia de natureza militar. Mais

55
Referente às teorias e métodos do fisiologista russo Ivan Petrovitch Pavlov (1849-1936),
que se notabilizou por suas pesquisas sobre reflexos condicionados.
56
ALVES, Hermano, op. cit. Grifo meu, para destacar afirmação de época que reforça a ideia
de que o golpe que depôs João Goulart não foi produto de decisões tomadas exclusivamente
em função da crise que seu governo viveu na fase presidencialista.
57
Idem.
58
Que seriam reunidos em livro: PINTO, Bilac. Guerra revolucionária. Rio de Janeiro: Fo-
rense, s.d. [1964].
59
Cf. IANNI, Octavio. O colapso do populismo no Brasil, op. cit., p. 131, 151 e 154.
50 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

do que um corpo de noções voltadas para ações militares, a estratégia de


combate à guerra revolucionária constituía um caminho de preservação da
ordem capitalista, entendida como ameaçada por forças populares. Assim,
seu raio de alcance extrapolava a caserna e as escolas militares.
Bilac Pinto não era o único integrante civil da UDN que vinha incorpo-
rando a estratégia.60 Também no meio empresarial, ela vinha fazendo esco-
la.61 Na mesma época em que o dirigente udenista fazia o seu proselitismo,
a representação corporativa da burguesia industrial paulista promovia, em
maio e abril de 1962, por meio do Fórum Roberto Simonsen ‒ seção cultural
do Centro e Federação das Indústrias de São Paulo ‒, um “ciclo de conferên-
cias sobre segurança nacional” em que civis e militares foram palestrantes. As
conferências foram publicadas, ainda em 1962, em livro,62 cuja Apresentação,
de autoria de Humberto Reis Costa, dedica metade de suas páginas a enalte-
cer a identidade entre indústria e exército, entre industriais e militares.
O livro contém os trabalhos apresentados pelos generais Aurélio de Lira
Tavares, Humberto de Alencar Castello Branco e Edmundo de Macedo
Soares e Silva e pelo engenheiro Octávio Marcondes Ferraz. Uma deferên-
cia especial foi feita a A. C. Pacheco Silva, médico e escritor63 ligado aos
empresários paulistas e membro da diretoria do IPES-SP.64 Incluiu-se no
volume uma palestra por ele proferida na entidade em 20 de dezembro do

60
Informações de grande interesse sobre a disseminação da doutrina entre civis que manti-
nham relações políticas e pessoais com chefes militares na fase conspiratória contra Goulart
podem ser encontradas em GONÇALVES, Martina Spohr. A relação civil-militar no golpe
de 1964: o caso de Aliomar Baleeiro. Monografia (Bacharelado em História) – Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. Ver, também, CHIRIO, Maud. A política nos
quartéis. Revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar brasileira. Trad. André Telles.
Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 27.
61
Acompanho, aqui, descrição já apresentada por mim em “O complexo industrial-militar
e o Estado brasileiro (1964-1967)”. In: IX Simpósio Nacional Estado e Poder: Gramsci na
pesquisa histórica, 2016, Niterói. Anais do IX Simpósio Nacional Estado e Poder. Niterói:
Núcleo de Pesquisas sobre Estado e Poder no Brasil, 2016, p. 148-162.
62
Fórum Roberto Simonsen. Segurança Nacional. São Paulo: Centro e Federação das Indús-
trias do Estado de São Paulo, 1962.
63
De sua autoria, o Fórum publicou, também, em 1961, o livrinho A guerra subversiva em mar-
cha. Informações sobre a sua vida podem ser encontradas em: <http://www.academiamedici-
nasaopaulo.org.br/biografias/137/BIOGRAFIA-ANTONIO-CARLOS-PACHECO-E-SILVA.
pdf>. Acesso em: 24 dez. 2015. Agradeço estas referências a Luiza Gomes das Neves, historia-
dora integrante dos quadros da Escola Superior de Guerra, que está iniciando um promissor
projeto de doutorado sobre a trajetória política deste interessante personagem.
64
Cf. Dreifuss (1981).
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 51

ano anterior. Intitulada “Segurança nacional e guerra fria”, ela se baseia lar-
gamente na escritora Suzanne Labin para discutir a nova forma de guerra
‒ a guerra fria, “guerra política, revolucionária e subversiva”, utilizada em
“larga escala” pelos soviéticos.65 Ao final, dá grande destaque ao que chama
“Um apelo impressionante ao mundo livre”, feito pela Conferência Inter-
nacional sobre a Guerra Política dos Soviéticos, que se reunira em Paris
em dezembro de 1960, por iniciativa de Suzanne Labin.66 As “nações mais
visadas pela propaganda e ação comunista” deveriam ter presente, segundo
ele, que o comunismo visava “subjugar todas as nações”; que a via para con-
seguir isso era “o plano civil […], internamente, por meio de um colossal
aparelho de guerra política”; que,

[…] enquanto o mundo livre não se prepara senão para a guerra de fogue-
tes, que provavelmente jamais se travará, na frente da guerra política, que
se tornou decisiva e já está em curso, permanece ele ‒ Helás! Surdo, cego
e mudo. Não tendo presente que de nada serve armar o braço, se deixar,
passivamente, o inimigo desarmar o cérebro.67

65
Ibidem, p. 176. Em 1980, já em pleno processo de transição política e adotadas várias
medidas redemocratizadoras, Pacheco e Silva, curiosamente, voltaria a se valer de uma obra
de autoria feminina para reforçar seu libelo anticomunista, agora por meio da imprensa. O
artigo “Origens da guerra revolucionária comunista”, publicado em Digesto Econômico (n.
271, jan./fev. 1980, p. 71-80), da Associação Comercial de São Paulo, resenha o livro de uma
ex-comunista alemã – Margarete Buber Neumann ‒, intitulado A revolução mundial, que,
segundo ele, traria informações inéditas sobre a tentativa de levante comunista organizada
pela Aliança Nacional Libertadora (ANL) em 1935. A resenha é parte de uma narrativa que
situa na fundação do Partido Comunista do Brasil, em 1922, as origens da guerra revolucio-
nária comunista no Brasil.
66
O relatório distribuído pela organizadora no evento foi publicado pela editora Presença,
do Rio de Janeiro, com o título A guerra política. Armas do comunismo internacional. As
comunicações ‒ inclusive a do representante do Brasil, o indefectível direitista almirante
Carlos Pena Boto ‒ foram publicadas em LABIN, Suzanne. Vie ou mort du monde libre.
Paris: La Table Ronde, 1961.
67
Elementos daquilo que se consagraria como doutrina de segurança nacional podem ser
identificados, em vários países, já no século XIX. Ver CRAHAN, Margret E. National Se-
cutiry Ideology and Human Rights. In: ______ (Ed.). Human Rights and Basic Needs in
the Americas. Washington, DC: Georgetown University Press, 1982, esp. p. 103-109. Ver,
também, D’ARAÚJO, Maria Celina. Segurança Nacional e tribunais especiais no Brasil. In:
______. Militares, democracia e desenvolvimento. Brasil e América do Sul. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2010.
52 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

O caráter eminentemente desestabilizador da agitação liderada pelo de-


putado Bilac Pinto em torno da guerra revolucionária supostamente em
curso logo ficaria evidente. O próprio Hermano Alves o denunciaria ime-
diatamente após o golpe:

A história veio provar que a tese da “guerra revolucionária” não tinha vali-
dade.68 A queda rápida do governo do sr. João Goulart e a desintegração das
forças que o apoiavam mostraram que – na melhor (ou pior) das hipóteses
– a administração deposta poderia, apenas, querer perpetuar-se por meios
tradicionais e não por métodos revolucionários.69

Entretanto, não havia, ainda, condições para que o jornalista percebesse


o alcance mais profundo da concepção política subjacente à tese da guerra
revolucionária, que funcionaria como um elemento estruturante do pro-
cesso político nacional após o golpe.70 A tomada do poder era apenas uma
etapa necessária de uma luta política que implicava a mudança de regime e,
portanto, dos métodos de dominação classista em defesa da ordem capita-
lista que se julgava ameaçada.
No Brasil, abstraindo-se detalhes cronológicos, a criação do aparato
policial-militar para uso da violência repressiva depois de 1964 é a contra-
partida – não uma causa, nem uma reação ou resposta – do fortalecimento
das estratégias de violência revolucionária no mundo desde, pelo menos,
a Revolução Russa de 1917. A violência do regime foi, portanto, sistêmica.
A ditadura brasileira armou-se, progressivamente, para executar um
papel nesse sistema de violência definido internacionalmente, importan-

68
Hermano Alves publicaria, logo após o golpe, crônica repleta de ironia sobre os desmen-
tidos práticos de muitas das acusações que se faziam a Goulart quando presidente. Ver “So-
lércia bolchevista”, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 12 de junho de 1964.
69
Op. cit.
70
Para uma discussão do papel da doutrina de guerra revolucionária na orientação política
dos militares oposicionistas a Goulart, ver FARIA, Fabiano Godinho. Os militares e a crise de
1964: crise orgânica e golpe de classe. Curitiba: Prismas, 2015. Uma análise que se estende à
primeira metade da década de 1970 se encontra em MARTINS FILHO, João Roberto. Tor-
tura e ideologia: os militares brasileiros e a doutrina da guerre révolutionaire (1959-1974).
In: SANTOS, Cecília Macdowell; TELLES, Edson; TELLES, Janaína de Almeida (Org.).
Desarquivando a ditadura. Memória e justiça no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2009, v. II, p.
179-202. Ver, ainda, CHIRIO, op. cit., p. 19-27. Uma opinião que, claramente, subestima a
importância da doutrina para a orientação do regime ditatorial brasileiro se encontra em
GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada, op. cit., p. 328-329.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 53

do e inventando instrumentos, inclusive no plano legal. O conjunto de leis


construído a partir de 1946 não era adequado a esse papel. Discussões no
âmbito do Superior Tribunal Militar (STM) entre 1964 e 1967 indicariam a
insuficiência da Lei de Segurança Nacional vigente (Lei nº 1.802, de 5 de ja-
neiro de 1953) para os objetivos dos setores centrais do regime ditatorial, já
que, por ela, os crimes considerados políticos deveriam ser julgados na ór-
bita da justiça civil. O problema, que começaria a ser resolvido em outubro
de 1965, com o Ato Institucional nº 2, e desapareceria em 1967, com a nova
Lei de Segurança Nacional (Decreto-lei nº 314, de 13 de março de 1967)
indica que a ditadura não poderia combater a oposição em geral, e a es-
querda armada em particular, com o repertório legal existente. Isto porque
a repressão se destinava a partejar uma nova ordem política, que foi, desde
sempre, o objetivo de importantes setores que tomaram o poder em 1964.
A compreensão dessa guerra de tipo sistêmico não passa pela eleição
de algozes e vítimas, embora saibamos ter havido quem levasse ao limite
da tara71 o uso dos poderes repressivos estatais e quem tenha sofrido con-
sequências do conflito sem ter sequer conhecimento da sua existência.72
Importa, de um ponto de vista histórico mais geral, entender o significado
político das opções feitas no curso dessa guerra.
O fato de não apenas militares, mas também civis, terem defendido a
tortura como método de combate indica que, do ponto de vista da dinâmi-
ca político-social do país, estavam em pauta questões mais profundas do
que um jogo de ação-reação – “Quem atirou primeiro?”. Uma análise feita
por presos políticos em fins da década de 1970 tece considerações interes-
santes sobre o tema.

A política de um governo em relação aos seus opositores constitui-se em


um referencial importante de sua conduta social mais geral, de seus méto-

71
Uma análise da tortura como prática mórbida pode ser encontrada em Tribunale Russell
II. Brasile. Violazione dei diritti dell’uomo. A cura di Linda Bimbi. Milano: Feltrinelli, 1975,
p. 201-217.
72
Em 1972, passei um dia detido nas dependências do Departamento de Ordem Política e
Social (DOPS) do Rio de Janeiro. Saí de lá juntamente com uma moça a quem não conhecia
e que me revelou que policiais haviam usado um alicate para lhe machucar os seios, de ma-
neira a fazê-la revelar o seu codinome ‒ a sua identidade falsa. Ela sequer conhecia a palavra,
porque não tinha ligações com a política. Fora presa pelo fato de namorar um rapaz que
militava em uma organização comunista clandestina.
54 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

dos de prevenção e de contenção em relação a toda a sociedade. A opção e a


ideologia inerentes a ela correspondem às formas achadas para a preserva-
ção dos privilégios daqueles grupos diretamente representados no Estado.
[…] a violência repressiva é usada indiscriminadamente, tanto para manter
e justificar os privilégios de classe como para intimidar as possíveis reações
populares ante as injustiças sociais gritantes. Desde o mais obscuro cabo de
delegacia do interior até os altos funcionários, oficiais e agentes de “segu-
rança interna”, o aparato ideológico da violência é o mesmo; mudam apenas
as formas como ela é racionalizada ao nível da consciência de seus agentes.
Desde o combate à chamada marginalidade até o combate à chamada sub-
versão, passando por toda uma série de pressões e violências ao nível de
instituições intermediárias direta ou indiretamente conectadas com o Po-
der (relações no interior das empresas, sistema educacional, penitenciário
etc.), o espírito é o mesmo. Mudam apenas as nuances de como uma classe
domina a outra. Tal violência repressiva é, portanto, decorrência inevitável
do tipo de exploração de classe em nossa sociedade e do tipo de contradi-
ções sociais daí engendradas. Vai desde a violência branca da exploração
cotidiana até as várias formas de coação social e individual.73

Talvez por causa dessa significação mais geral no conjunto da obra, a


tortura não era praticada, necessariamente, com um critério claro, poden-
do atingir a qualquer um e, por isso, eram de todos os tipos aqueles que a
denunciavam. O jornalista Márcio Moreira Alves realizou, em 1965, amplo
levantamento de casos de tortura cometida contra os derrotados no ano
anterior e concluiu:

Após o golpe militar, fulminante e incruento [sic], o país estava, como está,
em perfeita calma. As torturas não buscavam informações urgentes, não
eram exercidas contra inimigos em pé de guerra. […]. Não existia a mais
remota possibilidade de reação organizada contra o governo constituído. A
débâcle das forças que apoiavam os senhores João Goulart, Leonel Brizola,
Miguel Arraes e outros fora completa. O Exército empolgara o poder com
mão firmíssima. A recomposição das forças de esquerda até hoje é politica-
mente problemática. Militarmente era impossível. Consequentemente, as tor-

73
Esquerda armada (testemunho dos presos políticos do presídio Milton Dias Moreira, no
Rio de Janeiro), p. 85-86.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 55

turas revestem-se de um sadismo absolutamente gratuito. Foram feitas, em


certos casos, para apurar as denúncias de armas que estariam sendo entregues
a sindicatos, proferidas pelo deputado Bilac Pinto e outros como preparação
para o golpe e que alguns militares acreditavam verdadeiras. Em outros, sim-
plesmente para aterrorizar e espezinhar os vencidos. Buscavam informações
secundárias, procuravam envolver inimigos políticos que os torturadores ou
seus grupos não conseguiam incriminar de outra forma. Por vezes não ti-
nham objetivo algum ou visavam, simplesmente, a que o torturado confessas-
se suas ligações com o Partido Comunista. Frequentemente, adquiriam um
aspecto de vingança pessoal, ou de desrecalque das frustrações dos carcerei-
ros, impossibilitados de tocarem nos inimigos mais odiados.74

Segundo o jornalista, a primeira referência a torturas na imprensa nacio-


nal surgiu na edição de 7 de abril de 1964 do Correio da Manhã, cujo corres-
pondente em Recife informava estar programada uma visita − que acabaria
não se realizando − de jornalistas aos quartéis da capital pernambucana para
que se comprovasse a improcedência de notícias que falavam de maus tra-
tos praticados contra presos políticos.75 Simultaneamente, o agora marechal
presidente Castelo Branco encarregou o chefe do Gabinete Militar, general
Ernesto Geisel, de verificar a veracidade das denúncias. Embora tenha feito
contato com vários presos políticos, de quem ouviu graves relatos, o emis-
sário do governo concluiu que todos estavam sendo corretamente tratados.
Denúncias sobre o uso da tortura em outras regiões do país chegaram à
Câmara dos Deputados, levando Castelo Branco, em setembro, a novamen-
te determinar ao Gabinete Militar que as verificasse. Mais uma vez, nada
foi confirmado oficialmente. Contudo, nessa mesma época, pelo menos
um militar teria reconhecido a prática de torturas de presos políticos. Em
conversa com o arcebispo de Olinda e Recife, D. Helder Câmara, o coronel
Hélio Ibiapina Lima lhe teria dito:

Muitas vezes o senhor tem vindo ao IV Exército [sediado em Recife] recla-


mar de torturas contra presos políticos. Traz os nomes e as torturas a que
estes homens foram submetidos e não sei como consegue estas informa-
ções. Invoco o seu testemunho para dizer que nunca neguei que as torturas

74
Torturas e torturados. Rio de Janeiro: Idade Nova, 1966, p. 22.
75
ALVES, Márcio Moreira, op. cit., p. 30.
56 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

existissem. Elas existem e são o preço que nós, os velhos do Exército, pa-
gamos aos jovens. Caso tivessem os oficiais jovens empolgado o poder, os
senhores estariam hoje reclamando não de torturas, mas de fuzilamentos.
Nós torturamos para não fuzilar. 76

O coronel se referia a certa polarização entre os militares no poder, que es-


tariam divididos em um setor maduro e moderado e outro jovem e radical.77
Que tal classificação era mistificadora, fica indicado pela própria trajetória de
Ibiapina, então um oficial já no topo da carreira − “velho” no Exército, por-
tanto −, e, contudo, mais identificado com os mencionados “jovens” do que
tentava fazer supor em sua conversa com o clérigo.78 Segundo as informações
contidas no Projeto Brasil: nunca mais,79 Ibiapina foi responsável pela prática
de torturas na área do Nordeste sob sua jurisdição, identificando-se, portan-
to, com os oficiais jovens radicais por ele mencionados.
A bem da verdade, é preciso reconhecer que surtos de pragmática fran-
queza foram registrados também entre os civis no poder. Roberto Campos,
ministro do Planejamento do governo Castelo Branco, por exemplo, admi-
tiu, em entrevista a uma emissora de televisão estadunidense, que “alguns
excessos foram cometidos durante a fase inicial do movimento que depôs
o sr. João Goulart, mas que houve menos violência e efusão de sangue no
Brasil do que na luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos”.80
Tais “excessos” – caracterização justificativa que seria usada, ainda
muitos anos mais tarde, pelos apologistas da ditadura – logo atingiram,
também, militares, que constituiriam o grupo funcional mais visado na
primeira etapa da política de “saneamento” adotada pelos golpistas.81 É

76
Idem, p. 25.
77
Sobre as correntes em que se dividiram os militares brasileiros durante a ditadura, ver:
STEPAN, Alfred, op. cit.; DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Petrópo-
lis, RJ: Vozes, 1981; MARTINS FILHO, João Roberto. O palácio e a caserna, op. cit.; FICO,
Carlos. Além do golpe. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Rio de Janei-
ro: Record, 2004; CHIRIO, op. cit.
78
Com os jovens da “linha dura” de seu tempo, se pareceria, aliás, até recentemente, como
presidente do Clube Militar por seis anos, posição de que se valeu para continuar fazendo
propaganda política de extrema-direita.
79
Projeto Brasil: nunca mais. t. III. Perfil dos atingidos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1988. p. 270.
80
Citado em ALVES, Márcio Moreira. Torturas e torturados, op. cit., p. 32-33, onde a decla-
ração de Roberto Campos é classificada como “vinheta de humor negro”. Grifo meu.
81
Sobre o assunto, ver: FIGUEIREDO, Marcus F. A política de coação no Brasil pós-64. In:
KLEIN, Lúcia; FIGUEIREDO, Marcus F. Legitimidade e Coação no Brasil pós-64. Rio de Ja-
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 57

natural que entre os próprios militares surgissem reclamações e denún-


cias de violências, como as do tenente-coronel Kardec Leme,82 preso por
policiais do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) da Gua-
nabara. Em carta datada de 23 de novembro de 1964, ele denunciou ao
general Peri Constant Bevilaqua − seu antigo companheiro de jornadas
legalistas e nacionalistas na Crise da Legalidade e no Clube Militar, e ago-
ra chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA)83 − os maus tratos
que sofrera, informando também a situação de três presas: “Nas condi-
ções em que fui lançado, permanecem até agora três mulheres brasileiras,
as jovens Isa, Emerita e Lucinda, acusadas de subversão e submetidas ao
mais nefando tratamento”.84
Possivelmente instigado pela carta, em 30 de dezembro o general Bevi-
laqua aproveitou a reunião de fim de ano do EMFA para, em discurso aos
seus subordinados, defender a concessão de anistia, exceto para aqueles “que
em processo regular foram caracterizados como corruptos ou subversivos”.85
O clima de festas de fim de ano, marcado tradicionalmente pela exortação

neiro: Forense Universitária, 1978; ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil
(1964-1984). Petrópolis, RJ: Vozes, 1984; Brasil: nunca mais. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985; VAS-
CONCELOS, Cláudio Beserra de. A política repressiva aplicada a militares após o golpe de 1964.
Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
82
O seu caso foi relatado em TÉRCIO, Jason. A espada e a balança: crime e política no banco
dos réus. Rio de Janeiro: Zahar, 2002, p. 70-71.
83
Sobre a sua trajetória política ver Peri Bevilacqua [sic]. In: ABREU, Alzira Alves de et al.
(Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.; LEMOS, Renato. O ge-
neral juiz. In: ______. (Org.). Justiça fardada. O general Peri Bevilaqua no Superior Tribunal
Militar (1965-1969). Rio de Janeiro: Bom Texto, 2004, p. 9-32.
84
Documento do Arquivo Peri Constant Bevilaqua, depositado no Museu Casa de Benja-
min Constant (Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM), no Rio de Janeiro. Um interessante
artigo sobre a participação de mulheres nas lutas política da época se encontra em: GAR-
CIA, Priscila Fernanda da Costa. “As mulheres no movimento estudantil dos anos 1960”. I
Simpósio sobre Estudos de Gênero e Políticas Públicas, Universidade Estadual de Londrina
(PR), 24 e 25 de junho de 2010. GT 2. Gênero e movimentos sociais. Anais. Disponível em:
<http://www.uel.br/eventos/gpp/pages/arquivos/7.PriscilaGarcia.pdf>. Acesso em: 6 jan.
2016. Ver, também, MARQUES. Teresa Cristina Schneider. A esquerda brasileira exilada
e o feminismo: a atuação política das brasileiras no Chile e na França (1968-1979). Projeto
História, São Paulo, n. 52, p. 112-139, ago. 2015.
85
Correio da Manhã, 1º de janeiro de 1965. Um projeto sobre a anistia fora proposto à
Câmara, em 30 de novembro, pelo deputado Croaci de Oliveira (PTB-RS). Autorizava o
presidente da República a rever os processos punitivos e a indultar ou anistiar os cidadãos
atingidos após o movimento de 31 de março de 1964. Câmara dos Deputados. Diretoria de
Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Histórico de Debates.
58 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

ao esquecimento e ao perdão, já estimulara o escritor Alceu Amoroso Lima


a defender, em programa comemorativo do Natal na Rádio Tupi do Rio de
Janeiro, a anistia como atitude de reconciliação para que os “ideais” do movi-
mento de março pudessem ser levados adiante.86 Como se vê, eram propostas
ainda enquadradas no espírito golpista, embora preocupadas com a legalida-
de e a atenuação das condições dos derrotados em 1964.

1.2 O Ato Institucional nº 2 e a anistia

1965, o novo ano chegou, como é costumeiro, de braço dado com velhos
problemas. Em março, estudantes cariocas realizaram, no campus da Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) na ilha do Fundão, uma ma-
nifestação contra o governo Castelo Branco, e intelectuais lançaram um
manifesto nacional pelo restabelecimento das liberdades democráticas no
país.87 A anistia voltou às páginas do Correio da Manhã, como elemento da
conjuntura inaugurada pelas eleições, tanto as estaduais quanto as presi-
denciais, marcadas para o ano seguinte.88 Em torno delas, digladiavam-se a
facção governista, que anunciava pretender realizá-las, e setores civil-mili-
tares “duros”, empenhados no seu adiamento. Edmundo Moniz as via asso-
ciadas à anistia como pré-condição para o restabelecimento da normalida-
de democrática no país:

É da mais alta importância a volta do país à legalidade, não à legalidade fic-


tícia, mas à legalidade de fato. Uma legalidade sem coação e sem violência,
em que a liberdade não seja um favor.
E o primeiro passo para isto é a anistia ampla e geral para todos os que
foram atingidos, civis e militares, em seus direitos políticos pelo Ato Insti-
tucional.

86
Anistia. São Paulo: Edição S. A., abril de 1978, p. 16.
87
Brasil dia a dia. Almanaque especial. São Paulo: Abril, 1990, p. 52. Um precioso levanta-
mento-denúncia da ação repressiva da ditadura contra escritores, estudantes, professores e
cientistas pode ser encontrado em “O terrorismo cultural”, Revista Civilização Brasileira, Rio
de Janeiro, ano I, n. 1, mar. 1965, p. 239-298.
88
Segundo Barbosa Lima Sobrinho, a Assembleia Geral da Associação Brasileira de Impren-
sa (ABI) desse ano defendeu a anistia ampla, geral e irrestrita. Boletim ABI, agosto/setembro
de 1979, p. 13.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 59

O ano de 1965 será o da luta pela anistia a fim de que se realizem, democra-
ticamente, as eleições de que a nação necessita.89

O general Peri Bevilaqua também associava as eleições à anistia. Em


abril, declarou-se, em entrevista à imprensa, “francamente favorável à anis-
tia ampla, sem restrições, como meio de pacificação da família brasileira e
para que o presidente da República que vier a ser eleito em 1965 o seja de
todo o povo brasileiro e não apenas de uma parte dele”.90 Alguns dias de-
pois, a sua posição seria enquadrada, por análises veiculadas na imprensa e
atribuídas a fontes militares, em uma “linha” defendida pela “grande maio-
ria militar − a que não se presta ao jogo udenista”, composta pelos chefes
“liberais legalistas”. Estariam situados em uma “posição centrista” que “não
aceitaria o vício nas eleições previstas para outubro, nem em quaisquer ou-
tras”, como pregariam “os setores militares tidos como ‘duros’”, nem se mos-
trariam “afinadas com sugestões acerca de medidas que devem vir, porém
cercadas de um escalonamento no tempo”.91
Segundo tais análises, a “linha” de pensamento do general inclui-
ria, além da defesa da “anistia para os crimes políticos” e do “exame de
cada um dos casos de corrupção”, os seguintes pontos: eleições livres e
diretas com posse dos eleitos, “inclusive defendendo a tese da candida-
tura civil”; definição do “autêntico revolucionário” como “aquele, igual
a ele, que nunca conspirou contra o poder constituído então represen-
tado pelo sr. João Goulart e que tudo fez para que ele chegasse ao fim
do seu mandato, normalmente”; “reimplantação da disciplina militar92 e
social” e “retorno da hierarquia militar” como objetivos do movimento
de 31 de março, que, porém, “não podem ser desvirtuados através do
prolongamento indefinido da atual situação, o que será evitado com
a realização de eleições livres e diretas com posse dos eleitos”; recu-
sa nacionalista à política econômico-financeira em vigor;93 distância

89
“A solução democrática”. Correio da Manhã, 3 de janeiro de 1965, reproduzido em MO-
NIZ, Edmundo. O golpe de abril. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p. 116-117.
90
Correio da Manhã, 27 de abril de 1965.
91
Última Hora, 10 de maio de 1965.
92
Sobre os problemas de disciplina militar no primeiro ano do novo regime, ver SODRÉ,
Nelson Werneck. História Militar do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.
93
Sobre o sentido da política econômica do governo Castelo Branco, ver OLIVEIRA, Fran-
cisco de. Padrões de acumulação, oligopólios e Estado no Brasil (1950-1976). In: ______. A
economia da dependência imperfeita. Rio de Janeiro: Graal, 1977, p. 76-113.
60 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

dos “dois extremismos, da esquerda e da direita”; reintegração, como


consequência da anistia, “inclusive dos militares, mediante atos como
o Conselho de Justificação previsto para os militares, nos lugares que
antes ocupavam na vida nacional”; “defesa intransigente da justiça so-
cial e das liberdades de imprensa, opinião e do Parlamento”; “integral
respeito aos três poderes constituídos”. Em síntese, concluía o jornal: “a
linha da entrevista do general Peri Constant Bevilaqua aponta uma li-
nha de equilíbrio: preservação das eleições livres e diretas e do governo
do marechal Castelo, a qualquer custo, por julgar que não colidem, ao
contrário, se completam”.94
A perspectiva da anistia como condição para eleições livres, quando a
fábrica de perseguições e “punições” aos inimigos políticos funcionava a
pleno vapor, permanecia uma impossibilidade sistêmica. Já a sua vincu-
lação à “pacificação da família brasileira” apresentava problemas de outra
ordem. A família (sociedade) brasileira assistia ao espetáculo oferecido por
filhos vencedores tripudiando sobre filhos derrotados. Como pacificar âni-
mos, se o campo vencedor tratava os vencidos, como talvez tivesse dito o
escritor Cornélio Penna, “com a fria sanha de muitas pequeninas vinganças
ao serviço de uma forte vingança”?95
Completado o primeiro ano do novo regime em meio a expectativas de
normalização democrática, Carlos Heitor Cony voltou a pôr o dedo na fe-
rida ideológica dos donos do poder, empenhados em criar um mecanismo
dual de dominação, que combinava a violência da coerção física extrema
com a do instrumental jurídico:

Para a própria moral cristã ocidental − adotada ostensiva e oficialmente


pelos homens do atual governo − a situação imposta aos seus adversários
é imoral. Os inquéritos, espalhafatosos em suas origens e deprimentes em
suas finalidades, alimentam-se de si mesmos: nada concluem, não absol-
vem e não condenam nada e ninguém.
Não há ordem em todo este cipoal de ignomínia. Para o governo, bastou o
afastamento de seus adversários, a eliminação sumária e indecente de con-

94
Última Hora, Rio de Janeiro, 10 de maio de 1965. Em 17 de julho, o general, em depoimen-
to à revista Manchete, voltaria a defender publicamente a concessão de anistia. MARTINS,
Roberto Ribeiro. Liberdade para os brasileiros, op. cit., p. 123.
95
PENNA, Cornélio. Fronteira. Rio de Janeiro: Ediouro, s. d. [1935], p. 55.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 61

correntes. Qualquer acusação serviu, qualquer tipo de ameaça e de pressão


foi útil. Passou-se um ano e, em vez de provas, o governo insiste em acusar,
em ameaçar, em pressionar. Provar − o governo já se convenceu de que é
incapaz.96

Assim, o que o escritor exigia do governo era o reconhecimento da in-


culpabilidade dos perseguidos após o golpe. Explorava uma brecha aberta
pela própria estratégia de dominação nesta fase de instalação do regime: a
demonstração de que não se respeitavam as instituições de natureza demo-
crática de alguma maneira preservadas − no caso, o poder Judiciário −, ain-
da que mutiladas pelo Ato Institucional e permanentemente ameaçadas de
novas restrições. Se o governo se afirmava legalista, deveria reconhecer-se
incapaz de legalizar a perseguição aos derrotados. Neste caso, restava-lhe
aceitar a anistia para todos. Para marcar posição em face de uma discussão
que, mais do que semântica, dizia respeito ao sentido político da anistia,
Cony escolheu para alvo um escritor que se projetava como expoente do
pensamento cristão mais reacionário:

Alguns fariseus, notoriamente o sr. Gustavo Corção,97 confundem anistia


com perdão. Para que um pensamento miúdo consiga penetrar na endu-
recida cabeça desse reacionário, direi ao sr. Corção que anistia é invenção
grega; perdão é invenção cristã. O grego tornava a culpa inexistente. O cris-
tão a anotava cuidadosamente num caderninho, para posterior chantagem.
A ideia do purgatório nasceu desse caderninho.
Ninguém está pedindo perdão a este governo. Tal pedido implicaria no re-
conhecimento de culpa. O que se pede, o que se exige é que, pela ausência
de provas provadas, por não ter o Executivo capacidade de presidir a pro-
cessos regulares, nem ter moral para condenar ninguém, conceda o Con-
gresso a anistia total, sem restrições, sem barganha.98

96
“Anistia”. Revista Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, ano I, n. 1, mar. 1965, p. 22.
97
Sobre Gustavo Corção, ver PAULA, Christiane Jalles de. Combatendo o bom combate: polí-
tica e religião nas crônicas jornalísticas de Gustavo Corção (1953-1976). Tese (Doutorado em
Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
98
“Anistia”, op. cit., p. 22-23. Ao final do artigo, Cony atirou no que viu e acertou no que não
viu. Sustentou uma ideia de anistia estranha às relações de força entre os campos políticos
− “Repito: anistia não é barganha” −, quando a tradição indicava o contrário, vindo a ser
confirmada, como se verá adiante, pela Lei de Anistia de 1979. Por outro lado, foi premo-
62 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

A anistia não veio, mas as eleições sim, em 3 de outubro. E, com elas, a


derrota, em dois importantes estados, dos candidatos a governadores ali-
nhados com o regime ditatorial. Em Minas Gerais, venceu Israel Pinheiro,
do Partido Social Democrático (PSD). Na Guanabara, Francisco Negrão de
Lima, da coligação PSD-PTB. Os vitoriosos integravam um setor modera-
do da oposição, mas simbolizavam a ordem política derrubada em 1964. O
resultado alimentou pressões que setores militares vinham fazendo sobre
Castelo Branco para que aprofundasse a política de “saneamento” do regi-
me. No dia 7, o ministro da Justiça, Milton Campos, udenista e associado
a posições moderadas no interior do governo ditatorial, renunciou, sendo
substituído pelo general Juraci Magalhães, igualmente udenista, mas gol-
pista histórico. Alguns dias depois, era invadida e fechada a Universidade
de Brasília, em episódio que resultou na prisão de quinze professores e na
demissão, primeiramente, de outros 210, em solidariedade a eles, e, em se-
guida, em massa, por ação do governo.99
O marechal presidente, por sua vez, na posição de líder de uma corrente
que, além de acertar contas com a ordem anterior, pretendia executar refor-
mas modernizadoras do capitalismo brasileiro100 − preferencialmente por
meio da negociação com representantes políticos das classes dominantes −,
encontrava dificuldades para aprovar seus projetos no Congresso. Em 27 de
outubro de 1965, foi editado um segundo Ato Institucional (AI-2), que sa-
tisfez às duas ordens de necessidades. Tomando como base o primeiro AI,
extinguiu os partidos políticos,101 estabeleceu o sistema de eleições indire-
tas para presidente da República e ampliou o leque de medidas coercitivas
à disposição do poder Executivo. Mudanças significativas foram feitas na
área do Judiciário. O Supremo Tribunal Federal (STF) teve aumentado o
número dos seus componentes e os “acusados de crime contra a segurança

nitório quanto às circunstâncias em que a medida seria adotada quase quinze anos depois:
“E terá de vir, mais cedo ou mais tarde, por injunções internas ou por pressões externas do
próprio imperialismo internacional”, antecipando a pressão exercida pelos países capitalis-
tas centrais sobre os governos militares brasileiros para que liberalizassem o regime político.
99
Brasil dia a dia, p. 52.
100
Sobre o assunto, ver OLIVEIRA, Francisco de, op. cit., p. 92-98.
101
Em seguida, foi implantado no país o bipartidarismo. A Aliança Renovadora Nacional
(Arena), criada em abril de 1966, passou a representar os interesses políticos majoritários
das classes dominantes do país. A oposição legal abrigou-se no Movimento Democrático
Brasileiro (MDB), fundado no mês anterior. Consultar os respectivos verbetes em ABREU,
Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 63

nacional” passaram a ser julgados pela Justiça Militar, fossem civis ou mi-
litares.
Mesmo com a edição do AI-2, os governadores eleitos em Minas e na
Guanabara foram empossados, não sem alguma resistência por parte, prin-
cipalmente, dos mencionados setores militares empenhados no aprofunda-
mento da ditadura. O coronel Francisco Boaventura, por exemplo, manifes-
tou-se contra a posse de Negrão de Lima e foi preso por isso. O episódio é
expressivo do esforço que o governo ditatorial fazia para consolidar sua au-
toridade no meio castrense, ainda marcado pelos expurgos praticados após o
golpe. Boaventura tornou-se, assim, objeto do primeiro pedido de anistia em
benefício de um golpista, apresentado em 30 de novembro de 1965, como um
apelo ao presidente da República, pelo deputado federal Eurico de Oliveira,102
que, eleito em 1962 na legenda da Aliança Socialista Trabalhista, formada
pela coligação do PTB com o Partido Socialista Brasileiro (PSB), depois se
filiaria ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB).103
O AI-2 motivou uma importante modificação no quadro político nacio-
nal. Um setor que, se não apoiara praticamente o golpe, vira com bons olhos
a deposição de Goulart, percebeu naquela medida o prenúncio de tempos
funestos. Entre os militares, foi o caso do general Peri Constant Bevilaqua,
agora ministro do Superior Tribunal Militar (STM) e que não participara
do movimento político-militar de 1964, mas o interpretava “como uma an-
tecipação a um projeto revolucionário patrocinado pelo próprio presidente
João Goulart”, uma “antirrevolução”, portanto. Para ele, o AI-2 constituiu
um golpe de Estado “que transformou em uma profunda revolução a antir-
revolução que caracterizou o Movimento de 31 de março”.104
Esse sentido de garantir a “pureza’ do movimento golpista orientava
também o artigo publicado pelo escritor Alceu Amoroso Lima – uma voz
que costumava ser ouvida por amplo auditório católico de tendência liberal
–, no mesmo mês do AI-2, conclamando os novos donos do poder a con-
ceder a anistia: “É a maior prova de força que poderiam dar os promotores

102
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Histó-
rico de Debates.
103
Diário de Notícias, 6 de dezembro de 1962; ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicio-
nário histórico-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.
104
Citado em LEMOS, Renato. Por inspiração de Dona Tiburtina: o general Peri Bevilaqua
no Superior Tribunal Militar. Locus: Revista de História, Juiz de Fora (MG), v. 9, n. 1, 2003,
p. 120.
64 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

do golpe de abril. Enquanto não o fizerem, estarão proclamando sua fra-


queza, seu medo do povo, sua confissão de que deram um golpe impopular
e impatriótico”.105 Tratava-se de um dos mais importantes líderes católicos
leigos, naquele momento na contramão da cúpula da Igreja, que apoiara
o golpe. Mal se iniciava a implantação do novo regime político quando a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) aprovava, em 29 de
maio de 1964, um documento em que se dizia:

O Brasil foi, há pouco, cenário de graves acontecimentos, que modifica-


ram profundamente os rumos da situação nacional. Atendendo à geral e
angustiosa expectativa do povo brasileiro, que via a marcha acelerada do
comunismo para a conquista do poder, as Forças Armadas acudiram em
tempo, e evitaram se consumasse a implantação do regime bolchevista em
nossa terra.106

A adesão da cúpula da Igreja à nova situação não impediu, contudo, a


imediata prisão de clérigos, como o padre Henrique Laje,107 de Belo Ho-
rizonte, e que agentes pastorais, envolvidos com trabalhos comunitários
e com camponeses,108 fossem detidos e vítimas de todas as modalidades
de violência com que estavam sendo distinguidos os “inimigos da revolu-
ção”.109 A ação repressiva contribuía para acentuar diferenças políticas no
interior da organização católica e deixava a sua cúpula em posição delicada,
hesitante entre o apoio a um regime que se anunciava como campeão de va-
lores cristãos e a defesa de militantes de base ameaçados em seus “direitos
humanos”. Esse impasse constituiria um dos condicionantes do engajamen-

105
“Pela anistia”. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, ano III, n. 7, outubro de 1965, p. 49. Assi-
nado por Tristão de Ataíde, pseudônimo que marcaria a carreira literária do autor.
106
Citado em CASTRO, Marcos de. A Igreja e o autoritarismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1985, p. 17. Sobre o papel dos bispos como porta-vozes da hierarquia católica no Brasil, ver
ALVES, Márcio Moreira. L’Église et la Politique au Brésil. Paris: Les Éditions du CERF, 1974.
Resultado da tese de doutoramento do autor, este livro foi publicado no Brasil com o título A
Igreja e a Política no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1977. A edição brasileira ampliou e atuali-
zou a versão francesa e será citada aqui sempre que a informação não constar do texto original.
107
Idem, p. 31.
108
ALVES, Márcio Moreira. L’Église et la Politique au Brésil, p. 174.
109
Segundo Márcio Moreira Alves, o primeiro presidente do regime ditatorial “ordenou que
nenhum padre fosse detido sem a prévia e expressa autorização da Presidência da Repúbli-
ca”. Op. cit., p. 201.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 65

to da Igreja Católica na luta pela anistia política, sempre de uma perspecti-


va liberal, como se verá mais adiante.
Alceu Amoroso Lima expressou as limitações desta perspectiva diante
do novo momento nacional. No artigo citado acima, considerou o golpe
de 1964 “um choque violento, embora rápido e incruento”,110 pelo qual o
grande responsável fora o presidente Goulart, graças à sua incapacidade
política: “Foi um fato provocado acima de tudo pelo suicídio político do
governo passado”.111 O golpe,

[…] contra o qual me manifestei desde o primeiro momento, não foi impa-
triótico, pois os seus promotores agiram de boa fé e na convicção de que o
lançavam para evitar dias negros para o Brasil. Mas, foi impopular, pois o
povo ficou à margem, pois tão pouco estava satisfeito com o regime depos-
to, que vinha revelando sua incompetência e sua dissolução e, para muitos,
seu propósito de lançar o Brasil numa aventura “fidelista”, o que não creio
que acontecesse, mas também não é impossível que sucedesse.112

Entretanto, o golpe teria deslocado “o nosso eixo político de uma in-


clinação para a esquerda, com base nas classes populares indistintas, para
uma inclinação para a direita, com base nas elites sociais, econômicas, fi-
nanceiras, militares ou reacionárias […]”.113 O importante, daí em diante,
era evitar o obstáculo real que se colocava ao restabelecimento da legalida-
de no país: o “neofascismo”, associado ao regime político encabeçado por
Getúlio Vargas de 1937 a 1945:

Este sim é a grande ameaça iminente. Sempre sustentei que nada tínhamos
a temer do comunismo, mas tudo do neofascismo. E a revolução de abril
confirmou plenamente esses temores. O Estado Novo, que foi uma expe-

110
ATAÍDE, Tristão de. Pela anistia. Tempo Brasileiro, ano III, n. 7, out. 1965, p. 46.
111
Idem, p. 50. Note-se que esta tese foi recuperada por correntes historiográficas que, pro-
cedendo à revisão de explicações consideradas clássicas do golpe de 1964 – com especial
atenção às marxistas –, atribuem a Goulart e seus apoiadores reformistas a responsabilidade
pela sua própria deposição. Ver FIGUEIREDO, Argelina Cheibub. Democracia ou refor-
mas? Alternativas democráticas à crise política: 1961-1964. Trad. Carlos Roberto Aguiar.
São Paulo: Paz e Terra, 1993.
112
ATAÍDE, Tristão de, op. cit., p. 49-50.
113
Idem, p. 46.
66 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

riência de neofascismo, de colorido esquerdista [sic], voltou pelas mãos da-


queles que mais combateram o Estado Novo getulista. É um dos paradoxos
de nossa política moderna. Foram os militares e os civis mais antigetulistas
que reintroduziram, em nossa terra, o estadonovismo getulista através do
Ato Institucional de 9 de abril, que tentou dar ao golpe de 1º de abril uma
ideologia que não tinha. Em oito dias se improvisou um regime autoritário,
sustentado pelas classes altas da sociedade, pelos integralistas, pelas classes
conservadoras, agora apelidadas de “produtoras”, pelos intelectuais reacio-
nários, pelos salões elegantes, pelas Forças Armadas e pelo neo-udenismo
direitista, embora totalmente distanciados do povo, da mocidade, das elites,
sociais ou culturais, não autoritárias e antiditatoriais.114

A ligação entre o regime instaurado em 1964 e o Estado Novo, ape-


sar de envolta por Alceu em muita confusão conceitual, é interessante. De
fato, a corrente preponderante no interior do novo grupo no poder fizera
oposição ao varguismo. Mas só a partir do momento em que o ditador,
em face da maré montante democrática impulsionada pelas derrotas do
Eixo nazifascista na Segunda Guerra Mundial, começou a aproximar-se da
massa de trabalhadores sindicalizados, visando transformar-se em um lí-
der trabalhista e, pelo voto, preservar seu poder no regime democrático
que tendia a substituir o Estado Novo.115 Até então, essa corrente apoiara a
ditadura,116 como, aliás, de alguma maneira, o próprio Alceu, que exerceu
cargos de nomeação do governo federal e − supremo “paradoxo da nossa
política moderna”! − alinhou-se com o Integralismo, versão nacional do
fascismo italiano. Assim, integrou um movimento situado à direita da dita-
dura estadonovista, propugnador de um regime que pretendia, negando-a,
superar a democracia, considerada incapaz de oferecer respostas às crises
do mundo moderno.117 Agora, depois de um longo roteiro de conversão
ao liberalismo, denunciava aquela perspectiva no interior do novo regime:

114
Grifo no original.
115
CARVALHO, José Murilo de. Vargas e os militares: o aprendiz de feiticeiro. In: D’ARAÚ-
JO, Maria Celina (Org.). As instituições brasileiras da era Vargas. Rio de Janeiro: EdUERJ/
Ed. FGV, 1999. p. 55-81.
116
A presença estadonovista no novo regime pós-1964 começou com o primeiro Ato Ins-
titucional, cujo autor, o jurista Francisco Campos, já redigira a Constituição de 1937, que
sintetizou o espírito político da ditadura varguista.
117
A propósito, ver “Alceu Amoroso Lima”. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Di-
cionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 67

O neofascismo vem ganhando terreno de dia para dia, e não faltam mili-
tares e civis a nos advertirem que, desta vez, os militares “não largarão o
poder enquanto não tiverem posto ordem onde os civis faliram”. Os que
mais combateram o Integralismo, em 1938, estão hoje pondo em prática,
com outro nome, o que os “camisas verdes”118 pregaram, logo depois de
1932, quando se opuseram à “revolução paulista”, por não acreditarem nem
na Constituição, nem na lei, nem na democracia. Ou, antes, propugnando
uma nova constituição, uma nova lei, uma nova democracia, baseada na
violência, no autoritarismo e nos chefes carismáticos.119

Alceu Amoroso Lima se referia às já mencionadas correntes “duras” do


novo regime. Oficiais de média e alta patentes, em parceria com golpistas
civis, dificultavam tentativas do governo no sentido de utilizar métodos de
dominação que ainda guardavam resquícios democráticos. A essa corrente,
da qual o ministro da Guerra, general Artur da Costa e Silva,120 era visto
como líder, se atribuía a responsabilidade pela decretação do AI-2.

Instalou-se, no governo, o neofascismo. Mas, em pouco tempo, dentro das


próprias forças vencedoras, como sempre ocorre nas revoluções violentas,
abriu-se uma cisão entre moderados e extremados. E os neofascistas pas-
saram a capitalizar o descontentamento do povo, da mocidade e das elites
não ditatoriais, insurgindo-se contra o novo governo e apelando para uma
segunda revolução, de caráter implacável, com a supressão da liberdade de
imprensa, prolongamento da fase punitiva, supressão do habeas corpus,121
restrição da liberdade do Poder Judiciário, intensificação e extensão da Jus-

118
Referência à cor do uniforme usado pelos integralistas, também alcunhados jocosamente,
por seus adversários, de “galinhas verdes”, porque adotavam em suas paradas o “passo de gan-
so” copiado do exército nazista. Sobre a influência de integralistas no regime ditatorial pós-64,
ver TRINDADE, Hélgio. O radicalismo militar em 64 e a nova tentação fascista. In: SOARES,
Gláucio Ary Dillon; D’ARAÚJO, Maria Celina (Org.). 21 anos de regime militar. Balanços e
perspectivas. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1994, p. 123-141.
119
ATAÍDE, Tristão de. Pela anistia, op. cit., p. 47. Grifo do autor.
120
LEMOS, Renato. Costa e Silva. In: ABREU, Alzira Alves et al. (Coord.)., op. cit.
121
Que, no entanto, só seria suspenso em caso de crimes políticos, em 1968, com o Ato Ins-
titucional nº 5, que, como se verá adiante, seria entendido, por analistas de diversas orienta-
ções, não como “uma segunda revolução”, mas como um “golpe dentro do golpe”. No entan-
to, a menção à medida, das mais graves do ponto de vista da teoria democrática, sugere que
já em 1965 era uma das possibilidades postas no cenário político.
68 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

tiça Militar, institucionalização dos odiosos IPM, perpetuação do terroris-


mo cultural, e assim por diante.122

A limitação liberal em face dos seus próprios princípios é evidenciada


pela proposta que o escritor apresentou para erradicar a ameaça “neofascista”.
Considerava “irreversível” a “Revolução de abril de 64”, fato “hoje, definiti-
vamente incorporado à nossa história”.123 Em outras palavras, não cogitava
classificar de ilegal, ilegítima e, portanto, antidemocrática a deposição de
João Goulart − o J. G. que será mencionado mais adiante − e reconduzi-lo ao
poder. Tratava-se, isto sim, de estabelecer a “democracia autêntica”.

Estamos vivendo sob o domínio da legalidade mutilada, de uma legalidade


baseada em leis com endereço certo, feitas para alargar o círculo dos cas-
sados e dos inelegíveis, para manter os exilados fora do país, para estender
a fase punitiva da Revolução, para mutilar os sindicatos operários ou as
instituições estudantis, em suma, sob o domínio de uma democracia para...
americano ver.

Naturalmente, a “democracia autêntica”, uma “democracia racional e


sincera”, somente seria alcançada “através de um processo eleitoral honesto,
e não de uma legislação eleitoral ou partidária mutilada e mutiladora da
verdadeira participação do povo todo na elaboração e no funcionamento
do regime”.124 Havia que criar condições para que participassem das elei-
ções todos os brasileiros em idade de votar − não questionava a exclusão
dos analfabetos do eleitorado, determinada pela Constituição de 1946, ain-
da em vigor − e para que o resultado fosse respeitado. Diante do recente
fato traumático representado pelo golpe de 1964, a principal precondição
para uma “democracia honesta” seria

[…] a reconciliação dos brasileiros. Não uma reconciliação lírica, de tipo


utópico ou sentimental. Ou de frente única ou de união nacional, em face de
um perigo iminente. Trata-se de uma reconciliação na base de uma das leis
sociológicas fundamentais de nossa história: a da pulverização do passado

122
Op. cit., p. 47. Grifos meus.
123
Idem, p. 50.
124
Idem, p. 48-49.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 69

imediato. Hoje, já ninguém fala em qualquer dos jotas,125 especialmente em


J. G., como pessoa ou como regime a ser reconstituído. Não discuto se é um
bem ou um mal. É um fato. Ora, a política se faz na base dos fatos e não de
utopias ou hipóteses. A reconciliação dos brasileiros de hoje é como a dos
brasileiros do Império logo depois da República ou da Colônia logo de-
pois da Independência.126 Querer prolongar as dissidências entre os regimes
depostos, e seus sequazes, e o regime atual é atuar não brasileiramente... é
atuar impoliticamente e de modo contraproducente.127

Alceu Amoroso Lima, vê-se, inscrevia-se entre aqueles que ainda acre-
ditavam na possibilidade de limitar a intervenção golpista a uma mudança
de equipe no governo, sem acerto de contas políticas com os governantes
depostos. Por isso, sustentava que os eventuais crimes de corrupção come-
tidos pelos “sequazes” de Goulart poderiam ser apurados e cobrados pela
justiça comum, contanto que se concedessem aos acusados condições para
se defenderem.128 No plano político, a prioridade seria normalizar a vida do
país com vistas ao futuro, decretando, “quanto antes, a anistia”:

A anistia como elemento tipicamente tradicional em nossa história política


e em nosso temperamento psicológico. Negar a anistia é negar a existência
de forças profundas na formação brasileira, que colocam a nossa terra como
um tipo de civilização própria, dentro do conjunto de forças que estão em
jogo no mundo moderno. Acredito no humanismo brasileiro como uma
força civilizadora própria. […]
Se quisermos que o Brasil continue, ou volte a ser, uma terra de convivência har-
moniosa, de legalidade sincera, de vida livre, de respeito à dignidade humana,
de vida baseada na “ordem” e no “progresso”, sem conotações filosóficas, mas
no sentido profundo desses dois termos, não podemos ser contra a anistia. […]
Não temos como fugir a este dilema − ou queremos ser uma democracia,
e teremos de começar pela anistia aos que politicamente participaram do

125
Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart.
126
Sobre a natureza contrarrevolucionária de tais “conciliações” na história da sociedade
brasileira, ver RODRIGUES, José Honório. Conciliação e reforma no Brasil. Interpretação
histórico-política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.
127
Op. cit., p. 49. Grifos do autor.
128
Idem, p. 50.
70 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

governo deposto em 1964, ou queremos caminhar para qualquer tipo de


totalitarismo e negamos ou retardamos a anistia. No momento em que nos
encontramos, a anistia é um teste decisivo: ou prolongamos indefinidamen-
te o estado de insegurança em que vivemos ou praticamos os atos iniciais
para deixar que os mortos enterrem os mortos e cuidemos do futuro. A
anistia será o passo decisivo nesse sentido.129

Proposta precoce, formulada ainda nos momentos de implantação de


um novo regime político, a anistia pedida por Alceu era restrita aos perse-
guidos em razão de vinculações com o governo deposto pelo golpe. Omi-
tia-se diante do fato de que o campo dos derrotados era bem mais amplo e
diversificado. Já careciam de anistia sindicalistas, estudantes, artistas, inte-
lectuais, militares etc., perseguidos, presos, processados ou não, por perten-
cerem a partidos e organizações nacionalistas, socialistas e comunistas ou
apenas por se colocarem em oposição à ordem ditatorial, e também muitas
pessoas que sequer exerciam atividades políticas, atingidas pela repressão
em decorrência de laços pessoais com suspeitos.
Era difícil, naquele momento, visualizar uma anistia efetivamente am-
pla. Predominava, entre os que conseguiam defender publicamente a anis-
tia, a visão golpista-legalista da questão, que admitia haver a quem punir
por atos cometidos durante o governo Goulart, mas exigia a instauração de
processos regulares para que se fizesse justiça.
Nos últimos dias de 1965, o Superior Tribunal Militar (STM) absolveu
alguns militares que haviam sido reformados compulsoriamente por me-
dida baseada no primeiro Ato Institucional. Não se vislumbrava, contudo,
a possibilidade de serem readmitidos no Exército. Diante da situação, dois
dos ministros daquela corte − os generais Peri Constant Bevilaqua e Olím-
pio Mourão Filho − fizeram a defesa da anistia geral. Mourão Filho − por
sinal, o responsável pela primeira ação militar do movimento golpista que
derrubou o governo Goulart −, por entender que as injustiças cometidas
com base no Ato Institucional não podiam, segundo o próprio ato, ser con-
sideradas pelo Judiciário, enquanto o Legislativo não podia tratar assuntos
do ponto de vista individual, “restando, apenas, a anistia geral oferecida
pelo Executivo”. O general Bevilaqua, por sua vez, voltou a defender a anis-
tia como condição para um exame justo das acusações, porque

129
Idem, p. 50-51. Grifos do autor.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 71

[…] aqueles que foram vítimas de injustiças devem ter corrigidas estas in-
justiças o quanto antes. De há muito venho me pronunciando no Superior
Tribunal Militar em favor da anistia geral para os indiciados em crimes po-
líticos, que deverão ainda ter uma revisão dos atos que os afastaram das
Forças Armadas, para que continuem na carreira militar.130

Alguns dias depois, em entrevista concedida a uma revista carioca,131


os dois generais voltaram a bater na tecla da anistia. Bevilaqua sustentou
que a nação não devia permanecer muito tempo dividida entre vencedo-
res e vencidos, declarando-se favorável a “uma anistia ampla que abranja
todos os cidadãos tidos como subversivos e como tal punidos, ou em vias
de o ser, por motivos políticos”. Mourão Filho acusou o governo de não ter
“condições de coerência política” para conceder a anistia. Sendo esta, de
acordo com a Constituição vigente, uma atribuição do Legislativo, instava
os candidatos ao pleito previsto para novembro de 1966 a assumi-la em
suas campanhas eleitorais, garantindo de antemão que ele o faria. De fato, o
programa do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) incluiu a reivin-
dicação de anistia, por iniciativa do deputado mineiro Tancredo Neves.132
O momento eleitoral foi marcado, também, pelo anúncio público, em
28 de outubro de 1966, do lançamento da Frente Ampla, movimento su-

130
Correio da Manhã, 30 de dezembro de 1965. Considerando “salutar a tradição come-
morativa do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, de conceder perdão aos sentenciados em
condições de merecê-lo e proporcionar novas oportunidades aos que se mostrem recupera-
dos para o convívio social”, e, “justa, posto medida humanizadora do direito, a extensão do
Decreto nº 359, de 29 de novembro de 1965, aos condenados pela Justiça Militar, que não
estejam cumprindo pena em penitenciária civil”, o governo concedeu indulto a sentenciados
pela corte castrense, por meio do Decreto n. 57.567, de 3 de janeiro de 1966.
131
Manchete, 22 de janeiro 1966, citado em MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para
os brasileiros, p. 123. Esta entrevista é sempre mencionada como uma das poucas reivin-
dicações de anistia no período 1964-1975. Os autores que assim a consideram, no entanto,
não valorizam adequadamente o fato de que se tratava de dois dos generais mais antigos na
carreira e membros da corte de justiça associada à instituição que canalizava os principais
recursos de poder no regime.
132
IstoÉ, 1º de março de 1978, p. 12-13. Ainda em agosto de 1966, o deputado Adauri Fernan-
des (MDB-GB) justificou na Câmara um projeto que pretendia apresentar com o objetivo de
conceder anistia tanto aos trabalhadores condenados por terem participado de movimentos
de apoio ao governo Goulart como aos jornalistas condenados por crimes de imprensa.
Como exercia o mandato na condição de suplente, não chegou a apresentar efetivamente
o projeto. Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de
Histórico de Debates; “Adauri Fernandes”. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.), op. cit.
72 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

prapartidário que se apresentava com o objetivo de reunir forças políti-


cas em favor do restabelecimento do regime democrático no país.133 Ten-
do como principal articulador Carlos Lacerda, ex-governador do estado
da Guanabara, a iniciativa envolveu também os ex-presidentes Juscelino
Kubitschek e João Goulart, além de vários outros políticos tradicionais.
O manifesto de lançamento da Frente Ampla pedia “anistia geral, para
que se dissipe a atmosfera de guerra civil no país” e criticava a proposta
de revisão dos atos de suspensão de direitos políticos.134 A bandeira da
anistia era interessante, antes de tudo, para os dois ex-presidentes, am-
bos destituídos de direitos políticos por medidas baseadas no primeiro
Ato Institucional. No entanto, a possibilidade de que a reivindicação se
transformasse em fator de efetiva mobilização política era limitada por
algumas características do próprio movimento: propostas excessivamen-
te moderadas, composição viciada pela preponderância de tradicionais
políticos conservadores e adoção de métodos oportunistas, como a sua
própria composição, excessivamente ampla, a ponto de, pouco mais de
dois anos depois do golpe, unir um chefe golpista e o presidente de-
posto. Ainda assim, a Frente Ampla gerou incômodos para o governo,
desencadeando dificuldades de relacionamento do Executivo tanto com
o Legislativo quanto com as correntes militares “duras”. A presença de
Goulart, certamente, seria o fator determinante da sua proibição em 5
de abril de 1968.
A anistia esteve em alta no mercado de ideias políticas entre os anos de
1967 e 1968. Até do campo governista surgiu uma proposta de anistia. Em
1º de janeiro, o senador Edward Catete Pinheiro (Arena-PA) apresentou
um projeto de lei, que recebeu o número 24/1967, estabelecendo normas
para a reaquisição de direitos políticos e regulando a concessão de anistia.
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado lhe atribuiu quatro
“is” fatídicos: inconstitucional, injurídico, inconveniente e inoportuno.135
Encaminhado para o plenário em 15 de maio seguinte, apenas em novem-
bro foi incluído na pauta para discussão, vindo a ser arquivado definitiva-
mente em 3 de abril de 1972.

133
Para uma introdução ao assunto, ver LAMARÃO, Sérgio. Frente Ampla. In: ABREU,
Alzira Alves de et al. (Coord.), op. cit.
134
Anistia, op. cit., p. 12.
135
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/Consulta_parl.asp?Tipo_
Cons=15&p_cod_senador=1593>. Acesso em: 9 jan. 2014.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 73

Mas, a Câmara dos Deputados foi a principal instância de discussão do


tema em boa parte do período.136 A deputada Nísia Carone (MDB-MG)137
apresentou, em 16 de março de 1967, projeto de anistia aos atingidos pelos
atos institucionais a partir de 1964. Doze dias depois, foi a vez de Gas-
tone Righi (MDB-SP) propor anistia aos presos e condenados por greves
ou crimes capitulados na Lei de Segurança Nacional e aos militares sen-
tenciados por delitos de natureza política. Como justificativa do projeto,
argumentava que a maioria dos atingidos por “atos revolucionários” era
constituída por “humildes trabalhadores que cumpriam apenas seus deve-
res ou acreditavam nas diretrizes do governo do sr. João Goulart”.138 Com
a posse do marechal Costa e Silva na Presidência da República, em março
de 1967, o deputado Aldo Fagundes (MDB-RS) pronunciou discurso em
que cobrava dele coerência com promessas que fizera de redemocratizar
o país, afirmando que para isso seria necessário, antes de tudo, “conceder
anistia a todos quanto foram punidos sem o direito elementar de defesa”.139
A demanda relativa ao direito de defesa era especialmente importante na-
quele quadro repressivo, porque as possiblidades nesta área quase que se
reduziam à atuação dos advogados, que cumpriam, também, papéis não
jurídicos, como indica o depoimento de um ex-preso político:

É muito importante que o advogado, mesmo que não tenha nada de novo
a dizer e nada para fazer, porque os processos em geral são muito lentos e
longos, vá ver o seu réu sempre que puder. O advogado é como um médico

136
A anistia foi discutida também no plano das relações entre estados. O V Congresso da
União Parlamentar Interestadual, realizado em Recife, incluiu em seu temário a tese da anistia
geral a todos os perseguidos pelo “movimento político de março de 1964”. Câmara dos De-
putados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates, sessão em 18 de setembro de 1967.
137
Foi o primeiro dos vários projetos que a deputada apresentaria nesse sentido e que lhe
custariam o mandato, cassado em 1º de outubro de 1969 por medida baseada no Ato Ins-
titucional nº 5 (AI-5), de 13 de dezembro do ano anterior. Ver “Nísia Carone”. In: ABREU,
Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.
138
Em 1968, o deputado teria seu mandato cassado por medida baseada no AI-5. COSTA,
Marcelo. Gastone Righi. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-bio-
gráfico brasileiro pós-1930, op. cit.
139
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates, sessões em 16 e
28 de março, 26 de abril, 16 e 26 de maio, 8 e 22 de junho de 1967. Ver, também, Jornal de
Brasília, 28 de junho de 1979, p. 4. O deputado Jamil Amiden teria o mandato cassado em
janeiro de 1969, por medida baseada no AI-5. Ver seu verbete em ABREU, Alzira Alves de
et al. (Coord.), op. cit.
74 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

que visita seu doente. Sua presença sempre será um alento e uma esperança,
mesmo que não houver nada mais a fazer. O fato de pessoas desconhecidas
nos adotarem conseguia nos levantar e dava a nós uma consciência da am-
plitude política da nossa prisão.140

Já o projeto de Jamil Amiden (MDB-GB), datado de 6 de abril, anistiava


os civis e militares absolvidos pelos tribunais desde 31 de março de 1964.
Para combater a tese da anistia,141 o governo do marechal Costa e Silva conta-
va com a maioria dos parlamentares. Em 10 de junho, a Comissão de Consti-
tuição e Justiça da Câmara rejeitou projeto de emenda do MDB que concedia
ampla anistia.142 E chegou, mesmo, a negar a existência de presos políticos no
país.143 Como forma de contornar o argumento, o deputado Cunha Bueno
(Arena-SP) propôs que, em comemoração aos 250 anos do aniversário do
encontro da imagem de Nossa Senhora de Aparecida − na ocasião, o papa

140
Depoimento de Frei Beto, em BOVO, Cassiano Ricardo Martines. Anistia Internacional.
Roteiros da cidadania-em-construção. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2002, p. 249. Nesta
mesma fonte (p. 163, n. 166. Grifo meu), afirma-se que eram “poucos os advogados que se dis-
punham a lutar pelos presos políticos com medo da repressão, mas alguns se arriscaram, como
José Carlos Dias, Mário Simas, Dalmo Dallari, Luís Eduardo Greenhalgh, Antônio Funari etc.”.
A lista apresentada sugere que o universo considerado se limitou aos advogados que milita-
vam em São Paulo. Ela poderia ser substancialmente ampliada − tornando inadequada a ideia
de “poucos” − com a inclusão de, entre outros, Antônio Evaristo de Morais Filho, Antônio
Modesto da Silveira, Eni Raimundo Moreira, Evandro Lins e Silva, George Tavares, Geraldo
Magela, Heleno Fragoso, Heráclito Sobral Pinto, Marcelo Alencar, Marcelo Cerqueira, Osval-
do Mendonça e Técio Lins e Silva, que também enfrentaram a ditadura no terreno jurídico e
policial − muitos chegaram a sofrer violências, como prisões, atentados terroristas etc. − desde
os primeiros dias após o golpe de 1964. A propósito, ver: SÁ, Fernando; MUNTEAL, Oswaldo;
MARTINS, Paulo Emílio (Org.). Os advogados e a ditadura de 1964. A defesa dos perseguidos
políticos no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes; Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2010.
141
Provavelmente, enfrentando algum tipo de pressão por parte do governo dos EUA, caso
este tenha seguido a orientação do seu Departamento de Estado no sentido de tentar mo-
dificar o sistema político brasileiro, durante o governo de Costa e Silva, por meio de “pres-
são sutil” em favor de algumas medidas, entre as quais a concessão de anistia parcial. Cf.
GREEN, James N. Apesar de vocês. Oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-
1985, op. cit., p. 136. Nesta obra, encontra-se um bem documentado acompanhamento das
posições dos governos estadunidenses a respeito dos “direitos humanos” no Brasil.
142
FIECHTER, Georges-André. Le régime modernisateur du Brésil, 1964-1972. Etude sur les
interactions politico-économiques dans un régime militaire contemporain. Genève: Institut
Universitaire de Hautes Etudes Internationales, 1972, p. 186, nota 335.
143
Ver discursos de Oscar Noronha Filho (MDB-GB). Câmara dos Deputados. Diretoria
de Registro Taquigráfico de Debates, sessão de 24 de maio de 1966. Em defesa do governo,
discursos dos deputados arenistas Temístocles Teixeira (MA) e Clóvis Stenzel (RS).
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 75

Paulo VI concederia uma Rosa de Ouro à Basílica de Nossa Senhora de Apa-


recida, em São Paulo −, o governo indultasse condenados comuns primá-
rios.144 O indulto foi concedido em 31 de março, beneficiando réus primários
sentenciados a penas de até quatro anos, inclusive presos políticos.145
A atuação dos parlamentares oposicionistas era extremamente dificul-
tada pelo fato de o humor dos militares em relação às questões políticas em
geral constituir um campo de conhecimento de difícil acesso. Apenas uns
poucos jornalistas conseguiam, graças a contatos privilegiados, informa-
ções para suas colunas, sempre redigidas com as cautelas que a existência
da censura política exigia.146 Na área acadêmica, a relação dos militares com
a política não atraía os pesquisadores, obviamente intimidados pela trucu-
lência associada ao regime político vigente. Apenas Nelson Werneck Sodré
– historiador, militar e comunista – se atrevera a publicar um livro sobre o
assunto, lançado logo após o golpe.147
No exterior, contudo, pesquisadores da área de ciências sociais, como
será visto no o último item deste capítulo, procuravam compreender o pro-
cesso político-militar brasileiro com objetivos bastante pragmáticos: sub-
sidiar a política do governo estadunidense para a América Latina, depois
do susto provocado pela revolução socialista em Cuba.148 Financiadas por

144
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Histó-
rico de Debates, sessões em 9 e 24 de agosto e 5 de setembro de 1967. O deputado Antônio
Sílvio Cunha Bueno teve o mandato cassado em 16 de janeiro de 1969, por medida baseada
no AI-5. Cunha Bueno. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-bio-
gráfico brasileiro pós-1930, op. cit.
145
Correio da Manhã, 1º de abril de 1967, citado em MARTINS, Roberto Ribeiro, op. cit., p.
124 e 138; Folha de S. Paulo, 8 de abril de 1979.
146
O mais destacado, na época, era Carlos Castello Branco, titular da Coluna do Castello no
Jornal do Brasil. Grande parte do material jornalístico por ele produzido pode ser lida em
<http://www.carloscastellobranco.com.br/index.php>. Acesso em: 5 nov. 2013.
147
História Militar do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. Sobre o autor, ver
CUNHA, Paulo; CABRAL, Fátima (Org.). Nelson Werneck Sodré. Entre o sabre e a pena. São
Paulo: Editora da UNESP, 2006; e SILVA, Marcos (Org.). Dicionário Crítico Nelson Werneck
Sodré. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.
148
A escolha da sociedade brasileira como objeto de estudo por analistas estrangeiros é
bem anterior à Revolução Cubana, traduzindo múltiplos fatores, especialmente acadêmicos.
Para um amplo e diversificado panorama das pesquisas dos “brasilianistas”, ver os trabalhos
de José Honório Rodrigues: A historiografia estrangeira sobre o Brasil. In: ______. Vida e
história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 151-198, e “Os estudos brasileiros
e os Brazilianists”. In: ______. História combatente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982,
p. 54-155. Também: BARBOSA, Rubens Antônio; EAKIN, Marshall C.; ALMEIDA, Paulo
76 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

bolsas de estudos oferecidas por instituições declaradamente contrarrevo-


lucionárias, como a Rand Corporation,149 alguns dos resultados dessas pes-
quisas acabariam se tornando, por causa, em parte, das fontes privilegiadas
de que dispuseram, importantes obras pioneiras da história política brasi-
leira na passagem da década de 1960 para a de 1970.150
Representante desta leva de investigadores, o cientista político Alfred
Stepan151 pesquisou junto a líderes militares do regime e concluiu que teria
havido entre os oficiais superiores, por volta de 1966 e 1967, uma significa-
tiva opinião favorável a que as Forças Armadas iniciassem o seu progres-
sivo afastamento do poder político. Entretanto, o amplo expurgo realizado
na corporação após o golpe teria constituído um sólido óbice à concessão
de anistia política aos derrotados.152 Para fundamentar a tese, Stepan cita
uma pesquisa realizada pela Delegacia de São Paulo da Associação dos
Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG) sobre a conjuntura
nacional quando da posse do marechal Artur da Costa e Silva na Presi-

Roberto (Org.). O Brasil dos Brasilianistas. Um guia dos estudos sobre o Brasil nos Estados
Unidos, 1945-2000. São Paulo: Paz e Terra, 2002; e GREEN, James N. Apesar de vocês: opo-
sição à ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985, op. cit.
149
Fundada em 1946 como um projeto conjunto da Força Aérea dos EUA e da empresa Dou-
glas Aircraft, a Rand passou a operar em conexão com instâncias estratégicas do Estado nor-
te-americano, como o Pentágono (sede do Departamento de Defesa) e Agência Central de
Inteligência (CIA), bem como com as grandes corporações transnacionais. Cf. CHILCOTE,
Ronald H. Teorias de política comparativa. A busca de um paradigma reconsiderado. Trad.
Carlos Alberto Silveira Netto Soares. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998, p. 66. A Rand Corporation
tinha ligações orgânicas também com inúmeros outros institutos do gênero, como o Insti-
tute for Defense Analyses (IDA) e, em especial, o Council of Foreign Relations (CFR). Cf.
DREIFUSS, René Armand. A internacional capitalista. Estratégias e táticas do empresariado
transnacional, 1918-1986. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1986, p. 49. Agradeço a Rejane
Carolina Hoeveler a indicação destes vínculos da Rand com a IDA e o CFR.
150
Talvez a mais impactante entre nós tenha sido SKIDMORE, Thomas. Politics in Brazil.
1930-1964. An Experiment in Democracy (New York: Oxford University Press, 1967), pu-
blicado no Brasil, em 1969, pela editora Saga e, em seguida, em várias edições, pela editora
Paz e Terra, com o título Brasil: de Getúlio a Castelo. Sobre o processo político brasileiro,
o autor publicaria, também, The Politics of Military Rule in Brazil, 1964-1985 (New York:
Oxford University Press, 1988), editado no Brasil, com o título Brasil: de Castelo a Tancredo,
também pela Paz e Terra. (1988).
151
Pioneira, a sua pesquisa resultaria no livro The Military in Politics. Changing Patterns in
Brazil. Princeton: Princeton University Press, 1971, publicado no Brasil, em 1975, pela edi-
tora Artenova, do Rio de Janeiro, em tradução de Ítalo Tronca e com o título Os militares na
política. As mudanças de padrões na vida brasileira.
152
STEPAN, Alfred. The Military in Politics, op. cit., p. 223-224.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 77

dência da República.153 Os resultados são importantes para a compreensão


das tendências políticas da corrente militar – associada à Escola Superior
de Guerra – que se assenhorara do poder em 1964, mas precisara operar
um recuo estratégico durante o processo sucessório do presidente marechal
Castelo Branco.154 A entronização de Costa e Silva, oriundo de outra rede
militar, se fez constrangida pelo conjunto de iniciativas institucionalizado-
ras tomadas por Castelo Branco ao fim do seu governo: Constituição, Lei
de Imprensa e Lei de Segurança Nacional.155
O próprio Stepan identificou uma polarização entre correntes militares.
Ela diria respeito aos limites da coligação golpista em face daquilo que é
apontado como os principais problemas a resolver após o golpe: “sanea-
mento político” (comunismo e corrupção), combate à inflação e reformas
políticas e econômicas preparatórias para a volta ao governo civil. A falta
de acordo em torno das soluções a serem dadas a esses problemas teria
provocado a defecção de governadores, como Carlos Lacerda (GB), e de
outros participantes do golpe, contrários à hegemonia dos partidários de
Castelo Branco. A divisão no meio militar, semelhante à que ocorria entre
os golpistas civis de vários matizes sociais, seria provocada pela necessida-
de de assumir posição em face do capital estrangeiro, do comunismo, do
alinhamento internacional com os Estados Unidos, do alcance do expurgo
político e da forma de dominação política: “democracia tutelada” ou inter-
venção radical no sistema político e econômico?156
Stepan entendeu que a chave explicativa da existência das duas correntes
militares que identificou no cenário político pós-64 estava na formação dos
oficiais que as constituíam. Com base em uma amostra de dez generais inte-
grantes do governo liderado por Castelo Branco – o “grupo central”, como o
chamou –, definiu o perfil da corrente “castelista”.157 Todos haviam integrado
a Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a Segunda Guerra Mundial
(1939-1945). Como o contingente brasileiro lutou na Europa sob o comando
do exército dos Estados Unidos, certos segmentos teriam sido impregnados

153
“Situação nacional configura-se difícil”. O Estado de S. Paulo, 30 de abril de 1967, p. 6.
154
Ver ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis,
RJ: Vozes, 1984; e MARTINS FILHO, João Roberto. O Palácio e a Caserna. A dinâmica mi-
litar das crises políticas na ditadura (1964-1969). São Carlos, SP: Editora da UFSCar, 1995.
155
ALVES, Maria Helena Moreira, op. cit.
156
STEPAN, Alfred. The Military in Politics, p. 223-224.
157
Idem, p. 229-256.
78 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

de importantes traços da ideologia que o permeava: defesa de uma política


externa interdependente; temor do “nacionalismo excessivo”; crença em par-
ceria proveitosa com os EUA; aversão a “apelos emocionais” na área política;
crença no capitalismo como fator de fortalecimento da nação e na democra-
cia como estilo mais “civilizado” de política. A influência ideológica dos EUA
teria resultado, também, do fato de esses oficiais terem feito cursos em escolas
militares do país, cujos programas eram acentuadamente anticomunistas.158
Os integrantes do “grupo central” haviam, ainda, participado do corpo
permanente da ESG. Desta experiência, teriam herdado o “ideal de demo-
cracia perfeita”, a crença na importância do fortalecimento e racionaliza-
ção dos órgãos centrais de governo, em particular os de planejamento, bem
como a convicção de que o setor privado deveria cumprir o papel de líder
no desenvolvimento econômico do país. Por fim, todos teriam sido primei-
ros alunos em suas turmas na academia militar. De perfil “intelectualista” e
vocacionados para a arma de artilharia, ostentavam em sua folha de assen-
tamentos a participação no setor tecnicamente mais avançado do Exército.
A esta “elite militar” internacionalista e liberal – em assuntos econômi-
cos, bem-entendido – se oporia uma corrente mais heterogênea e difusa,
porém identificável por suas posições em relação a determinadas questões,
bem como por algumas características próprias. Stepan afirma que chamá-
-la de “nacionalista autoritária” seria mais preciso do que de “linha dura”,
como a crônica jornalística e o meio político a identificavam.159 Entretanto,
é esta segunda expressão que vai predominar em seu livro.
Os “nacionalistas autoritários” se identificariam, antes de qualquer
coisa, por sua oposição ao internacionalismo liberal “castelista”. Em geral,
não haviam cursado a ESG nem escolas militares dos EUA, com o qual
não achavam necessário estabelecer um alinhamento automático. Expres-
sariam o idealismo da jovem oficialidade e o desejo de popularidade de
segmentos militares. Defendiam um “nacionalismo positivo” e um “re-

158
Ver MARTINS FILHO, João Roberto. As políticas militares dos EUA para a América
Latina (1947-1989). Teoria e Pesquisa, São Carlos (SP), n. 46, p. 105-139, jan. 2005.
159
Escrevendo pouco após o golpe, um jornalista explicou o uso que fez da nomenclatura
referente às correntes militares: “A divisão entre ‘duros’ e ‘moderados’ ainda agora suscita con-
trovérsias entre os militares. Neste livro, porém, chamamos ‘duros’ os que desejaram levar o
expurgo às últimas consequências e se inclinavam, no fim das contas, para a instauração de
uma ditadura militar, declarada ou não”. PEDREIRA, Fernando. 31 de março. Civis e militares
no processo da crise brasileira. Rio de Janeiro: José Álvaro, 1964, p. 65. Ver, também, p. 24.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 79

formismo radical” – que incluía a expropriação das grandes propriedades


improdutivas – e um “expurgo amplo e profundo: o fechamento do Con-
gresso e dos partidos políticos, o cancelamento das eleições e a adoção
da censura aos meios de comunicação. Tendo como reduto a Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), no Rio de Janeiro, assumiram como
líder o marechal Costa e Silva quando ministro da Guerra, não necessa-
riamente por defender os mesmos pontos de vista, mas por ser o oficial de
mais alta patente que tendia a discordar das políticas do governo Castelo
Branco, especialmente no tocante à abertura da economia nacional aos
investimentos estrangeiros.160
O quadro apresentado por Stepan indica importantes clivagens entre
as duas correntes em setores decisivos do regime político e dos planos de
governo. Entretanto, indica, também, uma convergência quando o assun-
to era a concessão da anistia política. Os ex-alunos da ESG tenderiam a
ser representantes da perspectiva “castelista”. A pesquisa promovida pela
ADESG, que reuniu as opiniões de 126 diplomados, indica como esta li-
nhagem se manifestava na conjuntura. A “anistia geral” foi considerada in-
conveniente no momento por 77% dos votos, contra 4% favoráveis e 19%
de respostas em branco. A “revisão das cassações uma a uma” – uma al-
ternativa mais burocrática à anistia, medida de natureza definitivamente
política – foi vetada por 59% das opiniões, contra 26% favoráveis e 15% de
votos em branco. Estas duas medidas foram consideradas, juntamente com
“permitir que os estudantes façam política” e “eleições diretas dos prefeitos
das capitais”, como resultado de uma opinião “bastante definida” como não
“suscetíveis de melhorar o clima político presente”.161
Nos termos levantados pela pesquisa, não é de causar surpresa, por-
tanto, que, em face da política de aprofundamento da “revolução” defen-
dida pelos “nacionalistas autoritários” e da cautela proposta pelos “cas-
telistas”, a anistia constituísse uma impossibilidade naquela conjuntura
política. Nem que ficasse sem repercussão o discurso que, em 8 de no-
vembro de 1967, o senador Aurélio Viana (MDB-GB) fez em defesa da
anistia.162 Talvez agravando as resistências à medida no seio do regime, o
Partido Comunista Brasileiro (PCB) incluiu em dezembro a “anistia ge-

160
Ibidem.
161
“Situação nacional configura-se difícil”.
162
Diário do Congresso Nacional, Brasília, Seção II, 9/11/67, p. 2871.
80 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

ral” na pauta de reivindicações democráticas de seu “programa mínimo”


de luta contra a ditadura.163
Embora caracterizado publicamente, à época (e, posteriormente, pela
historiografia em geral), como representante da “linha dura” militar, o ma-
rechal Costa e Silva governou por cerca de um ano e meio como um autên-
tico “castelista”, isto é, administrando a ditadura de acordo com as disposi-
ções da Constituição de 1967. O ambiente de relativa liberalização política
ensejou a alteração dos papéis no cenário político nacional em 1968.164 O
ano teve como protagonistas políticos a categoria estudantil e a classe ope-
rária, cujos movimentos se recuperavam do refluxo provocado pela derrota
sofrida em 1964.165
A mobilização estudantil evoluiu de lutas parciais em torno da política
educacional do governo militar para a contestação do regime político. As
relações entre o movimento e as autoridades, até então marcadas pela alter-
nância entre negociação e enfrentamento, tornaram-se predominantemen-
te violentas. Em 28 de março, estudantes se declararam em greve nacional,
deflagrando manifestações em vários estados, proibidas pelo Ministério da
Justiça.166 Em uma delas, a repressão resultou na morte do estudante Edson
Luís de Lima Souto, quando uma tropa de choque da Polícia Militar da
Guanabara atirou sobre manifestantes que faziam um protesto em frente a
um restaurante estudantil conhecido como Calabouço. Seguiram-se vários
episódios igualmente violentos, com outras mortes, como, em 1º de abril, a
dos estudantes Aprígio de Paula, no Rio de Janeiro, e Ivo Vieira, em Goiâ-
nia.167 Em 22 de abril, cerca de 6.700 operários metalúrgicos de Contagem
(MG) anunciaram uma greve em que, ao final, conquistariam alguns ga-
nhos salariais.168

163
VI Congresso do Partido Comunista Brasileiro. “Informe de balanço do Comitê Central.
Dezembro de 1967”. In: Documentos do Partido Comunista Brasileiro (1960-1975). Lisboa:
Avante, 1976, p. 102.
164
Para uma análise da conjuntura política sob a vigência da Constituição de 1967, ver AL-
VES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil, op. cit.
165
Sobre as greves operárias em 1968, ver WEFFORT, Francisco. Participação e conflito
industrial: Contagem e Osasco. São Paulo: Cebrap, 1972; sobre os estudantes, MARTINS
FILHO, João Roberto. Movimento estudantil e ditadura militar, 1964-1968. Campinas, SP:
Papirus, 1987.
166
Brasil dia a dia, p. 51.
167
Ibidem.
168
Ibidem. Ver WEFFORT, Francisco, op. cit.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 81

Em 26 de junho, um recuo momentâneo do governo permitiu que se rea-


lizasse no Rio de Janeiro a manifestação que ficaria conhecida como Passea-
ta dos Cem Mil, reunindo estudantes, intelectuais, artistas, clérigos e outros
representantes das camadas médias urbanas. Entre outras, algumas faixas e
palavras de ordem dos estudantes exigiam anistia para professores e alunos
atingidos pelos atos da ditadura.169 Neste dia, uma camionete com cinquenta
quilos de dinamite foi arremessada contra o muro do Quartel-General do II
Exército, em São Paulo, resultando a explosão na morte de um soldado.170
Rapidamente, contudo, o governo retomou a linha repressiva, com a
proibição de manifestações de rua, anunciadas em 7 de julho, mesmo dia
em que operários metalúrgicos de Osasco (SP) se declaravam em greve que,
ao contrário do movimento mineiro, resultaria em intensa repressão, que
incluiu a prisão de vários dos líderes, e nenhum ganho salarial.171 No dia
18, a organização terrorista de extrema-direita Comando de Caça aos Co-
munistas (CCC) invadiu o teatro onde era representada uma peça de auto-
ria de Chico Buarque de Holanda, depredando as instalações e agredindo
artistas. Quatro dias depois, uma bomba explodiu na sede da Associação
Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro.172
Grande parte das ações terroristas de extrema-direita registradas nesta
época foi praticada pelo Grupo Secreto, cujas raízes remontam a 1961, quan-
do militares inconformados com a posse de João Goulart, acusado, como
já se viu, de manter laços espúrios com o sindicalismo e o comunismo, se
propuseram combater as forças de esquerda no país com métodos intimida-
tivos. Em maio de 1962, colocaram uma carga de dinamite no prédio ondes
se encontrava instalada a Exposição Soviética, organizada pela embaixada
da URSS. Informada a tempo, a polícia desativou a bomba e deteve alguns
membros do grupo, que, no entanto, foram soltos poucos dias depois. Rearti-
culado em 1967, quando o regime ditatorial acentuava a sua faceta repressiva,
o Grupo Secreto passou a atuar em parceria com o Centro de Informações
do Exército (CIE).173 Em 1968, foram cometidos atentados contra várias en-

169
MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os brasileiros, p. 124.
170
Brasil dia a dia, p. 48.
171
WEFFORT, Francisco, op. cit
172
Brasil dia a dia, p. 48.
173
ARGOLO, José A.; RIBEIRO, Kátia; FORTUNATO, Luiz Alberto. A direita explosiva no
Brasil. A história do Grupo Secreto que aterrorizou o País com suas ações, atentados e cons-
pirações. Rio de Janeiro: Mauad, 1996. Ver, também, FIGUEIREDO, Lucas. Ministério do
82 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

tidades do Rio de Janeiro, em sua maioria identificadas com posições polí-


ticas de esquerda: em julho, uma bomba no teatro Miguel Lemos (atual tea-
tro Brigitte Blair) e pichações no teatro Maison de France. No mês seguinte,
bombas no teatro Gláucio Gil, na Embaixada da Polônia e na Representação
Comercial da União Soviética – nesta, duas vezes no espaço de uma semana.
Os atos terroristas da extrema-direita prosseguiriam em setembro, quando
foram colocadas bombas no Colégio Brasil, no Teatro João Caetano e na Es-
cola Nacional de Belas Artes. No Centro Acadêmico Cândido de Oliveira da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, um coquetel Molotov. Em outubro,
o prédio do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal
do Rio de Janeiro foi pichado, e a livraria e editora Civilização Brasileira, alvo
de uma bomba. Em novembro, foram colocadas bombas na livraria Forense,
no Cine Campo Grande, no depósito do Jornal do Brasil e, novamente, na
embaixada da URSS. Para fechar o ano, outras foram postas, em dezembro,
no teatro Opinião, no Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming da Univer-
sidade do Estado da Guanabara (atual Universidade do Estado do Rio de Ja-
neiro), na agência do jornal Correio da Manhã e, curiosamente, no escritório
do herdeiro da coroa imperial, em Petrópolis (RJ).174
No plano da repressão oficial, agentes da Polícia Federal, do Departa-
mento de Ordem Política e Social (DOPS) e policiais militares, ainda em
agosto, invadiram violentamente a Universidade de Brasília. Entre os pro-
fessores e alunos presos, estava o líder estudantil Honestino Guimarães,
que nunca mais seria visto, passando à categoria de “desaparecido político”.
Renovava-se, assim, com operários, estudantes e professores, o leque dos
necessitados de anistia. A bandeira passou a integrar o conjunto das reivin-
dicações estudantis, tendo sido registrada, durante as negociações com o
governo, a atuação do Movimento das Mães pela Anistia,175 primeira arti-
culação não parlamentar em prol da medida depois de 1964 de que se tem
notícia. Também em 1968, foi fundada uma União Brasileira de Mães.176

silêncio. A história do serviço secreto brasileiro de Washington Luís a Lula, 1927-2005. Rio
de Janeiro: Record, 2005, esp. p. 159-162.
174
ARGOLO, José A.; RIBEIRO, Kátia; FORTUNATO, Luiz Alberto, op. cit., p. 278-285.
175
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição, p. 119. Sobre o papel de parentes em
face das prisões políticas, ver MACHADO, Vanderlei. Paternidade, maternidade e ditadura:
a atuação de pais e mães de presos, mortos e desaparecidos políticos no Brasil. História Uni-
sinos, São Leopoldo (RS), v. 17, n. 2, p. 179-188, maio/ago. 2013.
176
Anistia, p. 13.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 83

A conjuntura repressiva estimulou o surgimento de novas iniciativas


parlamentares relativas à anistia. Em 9 de abril, o deputado Wilson Mar-
tins (MDB-MT) sugeriu na Câmara que se concedesse uma anistia ampla
que, com a convocação de uma assembleia constituinte, contribuiria para
a “pacificação nacional”. Entretanto, o projeto que polarizaria as discussões
na Câmara durante vários meses foi o apresentado pelo deputado Paulo
Macarini (MDB-SC) em 22 de maio, concedendo anistia em todo o territó-
rio nacional aos estudantes e trabalhadores envolvidos nos eventos que se
seguiram à morte do estudante Edson Luís. Para o deputado, a aprovação
da proposta significaria “um ato de concórdia, de comunhão, de tolerância
e de entendimento, [que] esmaga ódios e promove a compreensão”.177 En-
quanto ela era examinada, outro projeto de anistia foi apresentado, agora
pelo deputado Márcio Moreira Alves (MDB-GB), concedendo o benefício
aos condenados a pena inferior a trinta meses de reclusão, inclusive aos re-
véis, por delitos políticos e conexos praticados após 31 de março de 1964.178
Talvez por seu caráter limitado, já que não retroagia ao período anterior
a 1968, o projeto de Macarini obteve amplo apoio no Congresso Nacional,
destacando-se em sua defesa na Câmara o veterano deputado Getúlio Mou-
ra (MDB-GB)179 e, no Senado, Josafá Marinho (MDB-BA).180 Movimentos
de rua nas principais cidades do país também o defenderam, associando-o
à exigência de libertação dos estudantes presos e ao protesto contra a vio-
lência policial na repressão a passeatas.
O apoio que o projeto Macarini obteve junto a membros da bancada
arenista assustou setores militares. Correram na Câmara notícias de que
assessores do governo tentariam forçar os parlamentares situacionistas a
rejeitá-lo por meio de chantagem, lembrando-lhes “certas situações pes-

177
Jornal do Brasil, 11 de agosto de 1968.
178
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates, sessões em 9 de
abril, 22 de maio, 5 e 6 de agosto de 1968. Os três deputados teriam seus mandatos cassados
pouco tempo depois, por medidas baseadas no Ato Institucional nº. 5: Márcio Moreira Al-
ves − pivô da crise que deu pretexto ao Ato − em 30 de dezembro de 1968, Paulo Macarini
em janeiro e Wilson Martins em fevereiro do ano seguinte.
179
Getúlio Barbosa de Moura, participante ativo da vida política nacional desde 1930, teve
seu mandato cassado em fevereiro de 1969, por medida baseada no AI-5. ABREU, Alzira
Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930.
180
“Uma exigência que se faz desde 1964”. Movimento, Rio de Janeiro, Edição Especial Anis-
tia, abril de 1978, p. 12. O senador é mencionado aqui como autor do primeiro projeto de
anistia após o golpe de 1964.
84 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

soais toleradas pela Revolução”.181 Ainda assim, em 8 de agosto o projeto foi


aprovado por treze votos contra um na Comissão de Constituição e Justiça,
que o alterou para estender os benefícios a todas as pessoas envolvidas em
episódios políticos desde a morte do estudante Edson Luís.
O governo, contudo, fechou questão em torno da rejeição do projeto.
Segundo o parlamentar arenista Edilson Távora, o general Jaime Portela,
chefe do Gabinete Militar da Presidência e principal membro do “grupo
palaciano”,182 fez ameaças aos membros do partido situacionista dispos-
tos a votar a favor do projeto.183 Em sua obra sobre o governo Costa e
Silva, Portela não assume esta responsabilidade. Explica que o projeto
tivera impacto fortemente negativo em amplos setores militares e o go-
verno instruíra suas lideranças no Congresso a derrotarem-no.184 Levado
à apreciação da Comissão de Segurança Nacional, de que faziam parte
deputados de origem militar, o projeto foi reprovado. Em 20 de agosto, a
Câmara rejeitou em definitivo a proposta, por 198 votos contra 145, in-
clusive os de 35 arenistas.185 No Senado, Dinarte Mariz (Arena-RN) ainda
proferiria, em 24 de outubro, discurso em que comentava as revoltas es-
tudantis e a proposta de anistia.186
O movimento estudantil, por sinal, dava mostras de vitalidade, tentan-
do realizar clandestinamente, na localidade paulista de Ibiúna, o 30º Con-
gresso da União Nacional dos Estudantes (UNE). O serviço de repressão do
governo, contudo, conseguiria, em 12 de outubro, prender 1.240 estudan-

181
Pronunciamento do deputado Maurílio Ferreira Lima (MDB-PE). Câmara dos Depu-
tados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates, sessão em 12 de agosto de 1968. Su-
plente em exercício do mandato, o deputado deixou a Câmara em outubro seguinte, vindo
a ter seus direitos políticos cassados no fim do ano, por força de medida baseada no AI-5. A
hipótese de corrupção de parlamentares foi aventada na nota “Derrubada da anistia já acer-
tada na Arena”, publicada pelo jornal carioca Correio da Manhã, conforme pronunciamento
do deputado Mário Piva (MDB-BA) na Câmara em 19 de agosto. O deputado também teria
seu mandato cassado em janeiro de 1969, por medida igualmente lastreada no AI-5.
182
Cf. MARTINS FILHO, João Roberto. O palácio e a caserna, op. cit.
183
Cf. discurso do deputado Edílson Melo Távora (Arena-CE), Câmara dos Deputados. Di-
retoria de Registro Taquigráfico de Debates, sessão em 20 de agosto de 1968.
184
MELLO, Jaime Portela de. A revolução e o governo Costa e Silva. Rio de Janeiro: Guavira,
1979. p. 567-568.
185
Anistia, p. 12; MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os brasileiros, p. 125; IstoÉ 500
anos.
186
Diário do Congresso Nacional, Brasília, Seção II, 25/10/68, p. 4874.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 85

tes, impedindo a reunião.187 Nesse mesmo dia, foi morto, em ação realizada
por uma organização revolucionária socialista, Charles Chandler, capitão
do Exército estadunidense que estudava no Brasil e foi considerado um
espião da Agência Central de Inteligência (CIA) dos EUA em atividade no
país. Na capital pernambucana, o arcebispo de Olinda e Recife, D. Hélder
Câmara – então no campo oposicionista à ditadura e que, em janeiro de
1971, teria seu nome sugerido para o Prêmio Nobel da Paz por membros
social-democratas do Parlamento sueco –, teve sua residência metralhada
no dia 24 seguinte.

1.3 O Ato Institucional nº 5

Dificuldades no relacionamento com o Congresso − que obstava ações re-


pressivas, e, também, o encaminhamento de reformas modernizadoras do
capitalismo brasileiro em várias áreas −, reorientação dos métodos oposi-
cionistas, com a crescente valorização da luta armada como caminho para
a derrubada da ditadura, e divisões no interior da caserna em relação ao
que fazer na conjuntura política combinaram-se, entre os meses de agosto
e dezembro de 1968, para produzir, no dia 13 deste mês, o quinto Ato Ins-
titucional (AI-5). “Outorgado” à nação pela “Revolução vitoriosa”, o AI-5
conferiu ao Executivo poderes para decretar o recesso do Legislativo em
todos os níveis − Congresso Nacional, assembleias legislativas e câmaras de
vereadores − e, nestas condições, “legislar em todas as matérias e exercer
as atribuições previstas nas constituições ou leis orgânicas dos municípios”.
O presidente da República recebeu a prerrogativa de “suspender os direitos
políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos
eletivos federais, estaduais e municipais”, ficando vedada a posse de subs-
titutos. Os atingidos por tais normas seriam objeto de uma série de res-
trições políticas e medidas de segurança − liberdade vigiada, proibição de
frequentar determinados lugares e imposição de domicílio determinado −,
cuja execução caberia ao ministro da Justiça, e não ao Judiciário. Ainda no
campo de ataque a direitos, suspendiam-se “as garantias constitucionais ou

Por ter providenciado o local para o encontro estudantil, foi presa Therezinha Godoy
187

Zerbine, esposa de um general cassado e futura líder do Movimento Feminino pela Anistia
(MFPA), criado em 1975.
86 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

legais de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exer-


cício de funções por prazo certo”, o que abria a porta para que o presidente
demitisse, removesse, aposentasse ou pusesse em disponibilidade empre-
gados de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista,
afastasse, transferisse para a reserva ou reformasse militares ou policiais
militares. O fecho de ouro do AI-5, que não tinha prazo de validade, estava
em um dos últimos artigos, o décimo: “Fica suspensa a garantia de habeas
corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem
econômica e social e a economia popular”. No mesmo dia 13, o Congresso
Nacional foi posto em recesso por prazo indefinido.
O AI-5 levou o regime ditatorial ao paroxismo. Dentre o conjunto de
medidas repressivas aperfeiçoadas e agravadas, causou impacto especial a
suspensão do direito de habeas corpus para acusados de crimes políticos.
O habeas corpus – que obriga a autoridade coatora a apresentar em juízo o
demandante detido – era uma importante arma na defesa dos presos polí-
ticos, às vezes decisiva, até, para garantir-lhes a vida. Emblema dos direitos
individuais cultuados pelo pensamento liberal, a sua supressão viria a ser
considerada, por analistas posteriores, igualmente emblemática do estabe-
lecimento da ditadura.188
O período que vai do golpe de 1964 à edição do AI-5, embora marcado
pelos mais variados modos de violência policial e jurídica contra os inimi-
gos do regime, passou a ser entendido por alguns analistas, à época, como
uma democracia “restrita” ou “tutelada”. Para Alfred Stepan, por exemplo,
Castelo Branco, quando tomou o poder, “tinha pretensões de realizar al-
gumas reformas políticas e econômicas básicas e presidir uma ‘democracia
tutelada’ que prepararia um retorno, no momento oportuno, à ‘democracia
racional e verdadeira’”.189 Esta tese resultava do acesso privilegiado que o
autor teve aos quadros dirigentes do regime:

Baseando-me em conversas que mantive com vários deles [militares] e


numa análise de seus escritos, acho que seu conceito de democracia era
“ideal” demais. Para eles, numa democracia deveria haver um grau muito

188
Ver: <http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/2014/01/1401697-historiador-de-
fende-que-a-ditadura-brasileira-durou-11-anos.shtml>. Para uma crítica, MELO, Demian.
A historietografia de Marco Antonio Villa: um negacionismo à brasileira. Disponível em:
<http://blogconvergencia.org/?p=2016>. Acesso a ambos em: 14 jun. 2015.
189
STEPAN, Alfred. The Military in Politics, p. 254.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 87

elevado de consenso, pouco conflito político e uma coletividade informada


que fosse imune a apelos demagógicos dos políticos. 190

Para ele, “o governo militar de democracia tutelada, de fato, se conver-


tera numa autocracia […]” após o AI-5.191 Nestas condições, a anistia, na-
turalmente, tornou-se artigo de máxima necessidade para um contingente
que crescia na proporção direta da aplicação das recentes medidas repressi-
vas. Nova onda de prisões, supressão de direitos políticos e mandatos par-
lamentares, demissões de funcionários públicos, inclusive de juízes, asso-
lou o cenário político nacional. Como palavra de ordem, contudo, a anistia
tendeu a diluir-se no conjunto das “liberdades democráticas”,192 igualmente
urgentes, como o fim das torturas − de uso mais amplo, na ausência do
direito ao habeas corpus − e o respeito aos “direitos humanos” dos presos,
difícil de garantir, pois que o AI-5 vedava a apreciação, pelo Judiciário, das
medidas nele baseadas.
À edição do AI-5 seguiu-se o aperfeiçoamento do sistema repressivo
nacional, com a adoção de novos instrumentos de reforço do Poder Execu-
tivo e controle da oposição. Cresceu, também, o rigor no tratamento dado
aos presos políticos, que começaram a recorrer a antigos métodos de luta193
para obter melhoras em suas condições carcerárias. Em 1969, os militantes
do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) que estavam presos
nas ilhas das Flores e das Cobras, na baía da Guanabara, fizeram greve de
fome, para que fossem atendidas as suas reivindicações quanto à liberação
de visitas.194 Em fins de outubro de 1970, nova greve de fome seria deflagra-
da na Ilha das Flores, agora contra o sequestro de três presas políticas da

190
Idem, p. 234, nota n. 15.
191
Idem, p. 216.
192
Anistia, p. 12.
193
A greve de fome é uma forma muito antiga de pressão sobre detentores de algum poder.
Muito frequente como tática de presos políticos, também a usam condenados pela lei co-
mum. A título de ilustração, podem ser mencionados dois casos ocorridos na época. Em
inícios de julho de 1970, presos fizeram greve de fome em uma delegacia policial de Nova
Iguaçu (RJ), em protesto contra a qualidade da alimentação que recebiam. Jornal do Brasil,
2 de julho de 1970, p. 20. Em 16 de março de 1972, detentos da 21ª Delegacia de Polícia, no
bairro de Bonsucesso (RJ), entraram em greve de fome contra o racionamento da comida.
Jornal do Brasil, 17 de março de 1972, p. 24.
194
Disponível em: <http://www.documentosrevelados.com.br/repressao/forcas-armadas/a-
-greve-de-fome-dos-presos-do-mr8/>. Acesso em: 24 jan. 2014.
88 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Penitenciária Feminina de Bangu, que haviam conseguido o relaxamento


da prisão por ordem do Superior Tribunal Militar (STM). Um panfleto com
denúncias da ditadura e exigências quanto às condições carcerárias seria
escrito pelos presos e divulgado fora do presídio. O movimento terminaria
com o reaparecimento das presas e o atendimento de algumas das reivindi-
cações relativas à carceragem.195
Em julho de 1969, entrou em funcionamento, em São Paulo, a Ope-
ração Bandeirantes (OBAN), organismo concebido para coordenar ele-
mentos das Forças Armadas, da Polícia Estadual – civil e militar – e da
Polícia Federal no combate às forças de esquerda. Iniciativa do governa-
dor Roberto Costa de Abreu Sodré (1967-1971), a OBAN “se nutriu de
verbas fornecidas por multinacionais como os grupos Ultra, Ford e Gene-
ral Motors”,196 e não tinha caráter legal,197 operando como uma formação
paramilitar com liberdade para usar métodos extremamente violentos,
inclusive a tortura e o assassinato de presos políticos.198 A partir de então,
a “luta contra a subversão” em São Paulo atingiu tantos êxitos que, em ja-
neiro de 1970, se formalizaria a criação dos DOI-CODIs (Destacamento
de Operações Internas/Centro de Operações de Defesa Interna) em cada

195
SCELZA, Maria Fernanda Magalhães. Entre o controle e a resistência: o presídio da Ilha
das Flores como espaço de luta e afirmação de identidade de ex-prisioneiros políticos. In:
Anais do XXIV Simpósio Nacional de História – História e multidisciplinaridade: territórios
e deslocamentos. São Leopoldo (RS): Unisinos, 2007. Disponível em: <http://anpuh.org/
anais/?p=14194>. Acesso em: 27 jan. 2014.
196
Sobre o assunto, ver Comissão Nacional da Verdade. Relatório final, v. 2, Texto 8 - Ci-
vis que colaboraram com a ditadura. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noti-
cia/2014/12/consulte-integra-do-relatorio-final-da-comissao-nacional-da-verdade.html>.
Acesso em: 26 dez. 2015. Informações podem ser encontradas, também, em GASPARI, Elio.
A ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 59-68.
197
Sobre a participação de empresas multinacionais na montagem e operação dos órgãos
repressivos do Estado ditatorial brasileiro, ver BANDEIRA, Moniz. Cartéis e desnacionali-
zação (A experiência brasileira: 1964-1974). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, p.
202-207. FIECHTER, Georges-André. Le régime modernisateur du Brésil, 1964-1972, p. 173,
nota 277, comenta a condição ambígua da Operação Bandeirante, como “organismo provi-
sório”: “Não tem organização oficial, mas a imprensa fala dele abertamente”.
198
A propósito, ver o documentário Cidadão Boilesen, dirigido por Chaim Litewski. Dis-
ponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=yGxIA90xXeY>. Acesso em: 14 set. 2013.
Ver, ainda: IANNI, Octávio. O colapso do populismo no Brasil, op. cit., p. 199-215; FON,
Antônio Carlos. Tortura. A história da repressão política no Brasil. São Paulo: Comitê Brasi-
leiro pela Anistia; Global, 1979, p. 54-62; DREIFUSS, René Armand. 1964 – a conquista do
Estado. Ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis, RJ: Vozes, 1981.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 89

região militar do país. Vinculados à 2ª Seção da Unidade do Exército de


cada área, os DOI-CODIs disporiam do comando efetivo sobre todos os
organismos de segurança existentes na área. Cada DOI-CODI se estrutu-
raria com o mesmo funcionamento que havia vigorado na OBAN, sendo
comandado por oficial do Exército e com os mesmos efetivos ‒ todos os
tipos de organismos de segurança e policiamento. Ainda em 1970, seria
criado o Centro de Informações da Aeronáutica (CISA), que se junta-
ria ao Centro de Informações do Exército (CIE), surgido em 1967, e ao
Centro de Informações da Marinha (CENIMAR), criado antes do golpe e
reestruturado em 1971. Assim, um salto de qualidade seria registrado na
organização do aparato repressivo.
Em 27 de agosto de 1969, o marechal Costa e Silva apresentou sinais de
doença, logo diagnosticada como trombose. Erigidos em junta governativa,
seus ministros militares baixaram no dia 1º de setembro o Ato Institucio-
nal nº 12, oficializando o impedimento do presidente por doença e descar-
tando a posse do vice-presidente Pedro Aleixo, por razões de “segurança
nacional”.
No dia 4 seguinte, o embaixador norte-americano Charles Burke El-
brick foi sequestrado, em ação coordenada das organizações clandesti-
nas Dissidência Comunista da Guanabara199 e Ação Libertadora Nacional
(ANL), que obtiveram a libertação de quinze presos políticos em troca
do refém. O episódio levou o governo a armar o regime de instrumentos
para enfrentar futuras situações semelhantes. Pelos atos institucionais nº
13 e nº 14, ambos editados no dia seguinte ao sequestro, foram instituídas
as penas de banimento, prisão perpétua e confisco de bens, e restabe-
lecida a de morte,200 enquanto era assinada no dia 18 de setembro uma

199
Então com o nome de Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), em homenagem
a um grupo homônimo que, meses antes, o governo anunciara ter extinguido.
200
Na época, houve questionamento da medida. Em 31 de março de 1970, por exemplo,
a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se declararia totalmente contrária à
pena de morte, criticando também as organizações guerrilheiras, às quais pedia o mesmo
respeito à vida que esperava do governo. Em 18 de março de 1971, Theodomiro Romeiro
dos Santos seria condenado à morte pelo assassinato de um sargento da Aeronáutica que, à
paisana, o detivera em Salvador. Em 2 de junho, o Instituto dos Advogados do Brasil (IAB)
enviaria mensagens ao Congresso Nacional e ao presidente da República pedindo a revoga-
ção do AI-14, que instituíra a pena. Alguns dias depois, o Superior Tribunal Militar (STM)
converteria a pena de Theodomiro em prisão perpétua, que seria, mais tarde, reduzida pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) para trinta anos de reclusão. O deputado Tancredo Neves
90 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

nova Lei de Segurança Nacional (Decreto-lei nº 898, de 29 de setembro


de 1969), que, consideravelmente mais dura, tipificava os novos crimes.
O anúncio de que era definitivo o impedimento de Costa e Silva foi feito
no dia 14 de outubro, por meio do Ato Institucional nº 16, que fixou a data
do dia 25 seguinte para a eleição do seu sucessor pelo Congresso Nacional,
que, fechado desde o dia da decretação do AI-5, seria reaberto para isso.
No mesmo dia, foi baixado o Ato Institucional nº 17 – seria o último da
série –, transferindo para a reserva militares que ameaçavam “a coesão das
Forças Armadas”, claro indicativo dos efeitos da disputa que grassava nos
meios castrenses em torno da sucessão presidencial.201 Uma emenda cons-
titucional, outorgada no dia 17, introduziu na Carta de 1967 dispositivos
do AI-5 (EC nº 1). A nova arquitetura institucional de fortalecimento do
regime ditatorial se completou com a edição, quatro dias depois, dos decre-
tos-leis 1.001, 1.002 e 1.003, que atualizaram, respectivamente, o Código
Penal Militar, o Código do Processo Penal Militar e a Lei de Organização
Judiciária Militar.
Pela nova versão do texto constitucional, a competência para anistiar
também foi objeto de mudança. Agora, caberia exclusivamente ao presi-
dente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, a iniciativa
de apresentar ao Congresso projetos de anistia política. O humor da junta
militar em relação à anistia, de fato, não era dos melhores. Além de torná-la
totalmente dependente do Executivo − fórmula compreensivelmente prefe-
rida pelos regimes ditatoriais −, ainda desfez parcialmente o texto da últi-
ma anistia concedida. Pelo Decreto-lei nº 864, de 12 de setembro de 1969,
e escorada no AI-5, a junta modificou a redação do artigo 2º do Decreto
Legislativo nº 18, que concedera a anistia política em setembro de 1961, de-
terminando o arquivamento dos pedidos de “reversão ao serviço, aposen-
tadoria, passagem para a inatividade remunerada, vencimentos, proventos

(MDB-MG) apresentaria projeto que alterava o Decreto-lei nº 898 de maneira a abolir a


pena de morte, mas sua iniciativa seria descartada pela Comissão de Constituição e Justiça
da Câmara em 8 de julho de 1971. Brasil dia a dia, p. 105-107 e 111. Haveria, ainda, ou-
tras condenações à morte – nenhuma, contudo, executada. O significado e o impacto do
restabelecimento da pena de morte no Brasil são examinados em SILVA, Ângela Moreira
Domingues da. Ditadura militar e repressão legal: a pena de morte rediviva e o caso Theodo-
miro Romeiro dos Santos (1969-1971). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
201
A configuração crítica deste momento político encontra a sua análise mais arguta em
MARTINS FILHO, João Roberto. O palácio e a caserna, op. cit.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 91

ou salários atrasados aos que foram demitidos, excluídos ou condenados à


perda de postos e patentes”.202
A exacerbação da feição ditatorial do regime alarmou, naturalmente,
setores da sociedade identificados com valores politicamente liberais. A cú-
pula da Igreja Católica, por exemplo, procurou, por meio de uma declara-
ção da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) aprovada ainda
em setembro, marcar uma posição crítica em relação ao regime, contraba-
lançando-a, porém, com a condenação simultânea de grupos da oposição
armada. Dizia a declaração que

[…] ninguém pode negar que o Brasil se encontra sob um regime de exce-
ção, circunstancial e transitório. Compreendemos as causas da atual situa-
ção, mas consideramos indispensável que o país volte à normalidade jurídi-
ca, por intermédio de uma Constituição capaz de satisfazer os verdadeiros
interesses e aspirações nacionais. Esta exigência supõe, evidentemente, o
funcionamento normal dos poderes Legislativo e Judiciário. Verificamos,
com profunda tristeza, o alargamento dos conflitos ideológicos no seio da
família brasileira. Lamentamos as posições extremistas e as suas diversas
manifestações, tais como os movimentos terroristas da direita e da esquer-
da, as atividades clandestinas, as prisões, as torturas, os sequestros e, fruto
trágico deste ambiente, a pena de morte.203

Preparada pelo pacote de providências jurídicas ditatoriais, a estada do


general Emílio Garrastazu Médici na presidência da República,204 a partir
de 30 de outubro de 1969, consolidaria uma fase do regime em que seriam
alcançados os principais objetivos gerais da frente civil-militar que em 1964

202
Para um analista, os principais prejudicados pela mudança foram muitos dos ex-militares
envolvidos na tentativa de revolução da Aliança Nacional Libertadora (ANL), em 1935, e
em episódios de campanhas nacionalistas em 1952, cujos processos ainda não haviam sido
julgados. “Na prática, contrariando toda a tradição jurídica, revogava-se a anistia de 1961”.
MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os brasileiros, p. 104.
203
O Globo, 22 de setembro de 1969, citado em ALVES, Márcio Moreira. A Igreja e a política
no Brasil. Op. cit., p. 188-189, que aponta esse documento como o marco da “resolução da
Igreja em situar na defesa dos direitos humanos o seu campo privilegiado de ação política
[…]”. Evidências de que a escolha do general Emílio Médici envolveu um acordo entre fac-
ções militares que propiciou o retorno dos “castelistas” ao poder político nacional podem
ser encontradas em GASPARI, Elio. A ditadura escancarada, Parte I.
204
Sobre o tenso processo que resultou na sua escolha pelo Alto Comando das Forças Arma-
das, ver MARTINS FILHO, João Roberto. O palácio e a caserna.
92 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

derrubara João Goulart: estabilização forçada do sistema político e retoma-


da das condições de acumulação capitalista, sob a égide do capital mono-
polista internacional. Embora houvesse divergências no interior do bloco
no poder, em especial no tocante às relações econômicas com os Estados
Unidos, a preservação dos instrumentos ditatoriais interessava a todos os
grupos, unidos pelo “combate à subversão”.205
O extremo fortalecimento do Executivo militarizado viabilizaria a der-
rota dos partidos e organizações nacionalistas e comunistas, adeptos ou
não da luta armada como principal forma de combate à ditadura. A eficaz
ação da espionagem e a prática incontrolada de prisões, torturas e assassi-
natos se combinariam com a fragilidade político-militar desses grupos de
oposição “antissistêmica” e permitiriam ao governo Médici desarticulá-los
cabalmente. Ao fim do seu mandato, em 1974, apenas um foco de guerrilha
rural do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) ainda remanesceria no sul
do Pará, e ao seu sucessor, general Ernesto Geisel, caberia a infausta glória
de concluir o serviço de limpeza.206
Se não foi responsável pela deflagração das tentativas de guerra revolucio-
nária por parte de setores de esquerda, a vigência do AI-5, decerto, constituiu
um elemento fortalecedor da tese de que não havia mais possibilidades de
fazer-se uma oposição efetiva ao regime nas condições por ele estabelecidas.
Isto estimulou a adesão de oposicionistas, principalmente oriundos do movi-
mento estudantil, aos grupos que já vinham organizando a luta armada como
caminho para a derrubada da ditadura. Inspirados nas experiências das re-
voluções chinesa e cubana, mas também nas lutas de libertação nacional na
África e na Ásia, esses grupos, e outros, surgidos na época, visavam, em sua
maioria, implantar a guerra de guerrilhas em áreas rurais.207 Enquanto ten-

205
BANDEIRA, Moniz. Brasil-Estados Unidos, p. 182. Ver o capítulo 7 desse livro para uma
análise do peso do “nacionalismo militar” na definição da política econômica do período.
206
Sobre o episódio, ver GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. 5ª ed. rev., ampl. e atualiz.
São Paulo: Ática, 1998.
207
O MR-8 e a VAR-Palmares chegaram, em fins dos anos 1960, a implantar núcleos guer-
rilheiros no oeste do Paraná. Ver PALMAR, Aluísio. Onde foi que vocês enterraram nossos
mortos? 4. ed. Curitiba: Travessa dos Editores, 2012. Disponível em: <https://docs.google.
com/viewer?url=http://www.documentosrevelados.com.br/wp-content/uploads/2012/04/
Onde_foi_que_voces_enterraram_nossos_mortos.pdf>. Acesso em: 14 set. 2013. Ver, tam-
bém, depoimento de Izabel e Alberto Favero à Comissão Nacional da Verdade na Câmara
Municipal de Foz do Iguaçu, em 27 de junho de 2013, disponível em: <http://www.youtube.
com/watch?v=locPa46TQF0>. Acesso em: 14 set. 2013.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 93

tavam acumular forças materiais, militares e políticas para isso, praticavam


ações nas cidades, como assaltos a bancos e unidades militares, justiçamen-
tos de agentes dos serviços de segurança, sequestros de diplomatas etc. No
mês de janeiro de 1970, por exemplo, a Vanguarda Armada Revolucionária
– Palmares (VAR-Palmares) sequestrou um avião, desviando-o para Cuba. A
Ação Libertadora Nacional (ALN) assaltou um banco e distribuiu no local
panfletos contra a ditadura. Em contrapartida, as forças da repressão logo
anunciaram a prisão de 320 militantes dos dois grupos.
Conquanto apenas algumas poucas fossem vitoriosas, as ações guerri-
lheiras despertaram reações repressivas de grande intensidade. Equipado
militar e politicamente, o regime produzia, incessantemente, candidatos à
anistia,208 ao passo que tornava mais duras as condições carcerárias e jurí-
dicas dos presos políticos. O cerceamento do direito de defesa chegaria ao
ponto de, em março de 1970, o presidente da seccional carioca da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), Eduardo de Almeida Rego Filho, solici-
tar ao general presidente da República garantias para o livre exercício da
profissão, porque os advogados estariam enfrentando dificuldades para se
encontrar com os presos, em particular aqueles acusados de pertencer a
grupos guerrilheiros.209
Preocupação semelhante manifestaria, em 27 de maio de 1970, a XI As-
sembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A
entidade verberou, de um lado, atitudes violentas da oposição armada e, de
outro, a detenção de pessoas com base apenas em suspeitas ou delação, bem
como a tortura de presos políticos, pedindo ao governo que fizesse com
que tais práticas cessassem.210 Na véspera, D. Hélder Câmara, arcebispo de

208
Quando da sua posse, o general Médici recebeu uma carta de um colega de farda que de-
fendia a concessão de “anistia como medida saneadora e pacificadora, principalmente com
o fito de recuperar a união das Forças Armadas divididas radicalmente pelo movimento
armado de 64”. Carta do general Mário Fonseca, São Leopoldo (RS), 21 de abril de 1978.
Arquivo Peri Constant Bevilaqua.
209
Brasil dia a dia, p. 105. Sobre as posições adotadas pela OAB em face do golpe e do regime
ditatorial, ver ROLLEMBERG, Denise. Memória, opinião e cultura política. A Ordem dos
Advogados do Brasil sob a ditadura (1964-1974). In: REIS, Daniel Aarão; ROLLAND, De-
nis (Org.). Modernidades Alternativas. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas,
2008, p. 57-96. Para um quadro mais amplo da entidade, consultar MOTTA, Marly Silva da.
História da Ordem dos Advogados do Brasil. Da redemocratização ao estado democrático de
direito (1946-1988). Vol. 5. Rio de Janeiro: OAB, 2006.
210
Brasil dia a dia, p. 122.
94 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Olinda e Recife, pronunciara, para cerca de dez mil pessoas reunidas no


Palácio dos Esportes de Paris, uma palestra sobre as torturas contra presos
políticos no Brasil. O impacto de suas palavras lhe renderia a capa, o edito-
rial e oito páginas da edição de junho da revista Informations Catholiques
Internationales e, no Brasil, uma virulenta campanha difamatória de setores
da imprensa alinhados com a ditadura.211
O enfrentamento entre o governo militar e os grupos de oposição arma-
da resultava em baixas dos dois lados, naturalmente, na proporção inversa
de seus contingentes humanos e recursos materiais. A violência dos agentes
do Estado não era necessariamente uma resposta à dos grupos esquerdis-
tas. Integrantes de setores de oposição democrática, moderada, também
eram detidos com violência, torturados e mortos. Ainda é problemático,
por insuficiência de fontes, estabelecer com precisão a autoria de atos que
se costuma apresentar como motivadores do agravamento, após a edição
do AI-5, da violência repressiva por parte dos agentes do regime ditatorial.
É o que indica Luís Alberto Moniz Bandeira:

Não sem fundamento, uma análise, elaborada por William Wright e assi-
nada pelo próprio cônsul-geral dos Estados Unidos em São Paulo, Robert
F. Corrigan, concluiu que 29 dos 31 atentados a bomba, ocorridos naquela
cidade até janeiro de 1969 e creditados à organização do líder comunis-
ta Carlos Marighela [Aliança Libertadora Nacional], foram praticados, na
verdade, pela extrema-direita, com o objetivo de provocar e justificar o en-
durecimento da repressão.212

211
CASTRO, Marcos de. A Igreja e o autoritarismo, p. 27-28.
212
BANDEIRA, Moniz. Brasil-Estados Unidos. A rivalidade emergente (1950-1988). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1989, p. 182. Organizações paramilitares favoráveis ao apro-
fundamento da ditadura cometiam, também, assassinatos, como o do auxiliar de D. Hélder
Câmara, padre Antônio Henrique Pereira Neto, morto em maio de 1969 pelo Comando de
Caça aos Comunistas (CCC). CASTRO, Marcos de, op. cit., p. 34. Ver, também, ALVES,
Márcio Moreira. L’Église et la Politique au Brésil, p. 176. O Grupo Secreto continuava na ativa
no Rio de Janeiro. Em setembro/outubro de 1969, atacou com bombas a residência do côn-
sul de El Salvador e a embaixada da Tchecoslováquia. Em março do ano seguinte, instalou
um artefato explosivo na redação do jornal O Pasquim, que, no entanto, não foi detonado.
Um mês depois, outra bomba foi colocada no mesmo local e explodiu, causando danos
materiais. ARGOLO, José A.; RIBEIRO, Kátia; FORTUNATO, Luiz Alberto, op. cit., p. 261.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 95

De todo modo, os embates abasteciam de presos políticos as unidades


das polícias estaduais e das Forças Armadas e contribuíam para ampliar a
presença de brasileiros no exterior, na condição de exilados, compulsórios
ou voluntários.213 Um exilado brasileiro, ex-líder estudantil que se destaca-
ria como pioneiro na organização da luta pela anistia na Europa, descreveu
assim a situação por ele mesmo vivida:

A ditadura militar provocou várias ondas de “migração política”. Imediata-


mente após o golpe de 1964, fugiram para o exterior inúmeros quadros vin-
culados à administração pública, às forças armadas, aos partidos políticos
de esquerda, ao movimento sindical. Buscava-se escapar à fúria repressora
que levou aos cárceres dezenas de milhares de pessoas num primeiro mo-
mento, com indiciamento de cerca de quatro mil em IPMs. Amainada a
primeira ofensiva, vários voltaram, legalmente ou clandestinamente, para
retomar a luta pela democracia. Muitos não tiveram condições de retor-
no até a década de 70, amargando dezesseis anos de exílio. Outros, ainda,
morreram sem rever a pátria, voltando, como Jango, para serem enterrados.
Em 1969, recrudesceu o furor dos militares, levando novas levas à clandes-
tinidade, à cadeia, às torturas, à morte.
Sem condições de segurança para ficar no país, muitos fugiram pelas frontei-
ras, enquanto outros conquistaram a vida e a liberdade em troca de embaixa-
dores sequestrados pelos grupos guerrilheiros de resistência democrática.214

213
Ver CAVALCANTI, Pedro Celso Uchôa; RAMOS, Jovelino (Coord.). Memórias do exílio.
Brasil, 1964-19??. São Paulo: Livramento, 1978; e COSTA, Albertina de Oliveira et al. (Dir.).
Memórias das mulheres do exílio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. Há um interessante
quadro da evolução das ondas de exilados brasileiros, em conexão com as variações da con-
juntura política nacional a partir do golpe de 1964, em MACHADO, Cristina Pinheiro. 5
mil brasileiros à espera da anistia. São Paulo: Alfa-Omega, 1979. Ver, ainda, ROLLEMBERG,
Denise. Exílio. Entre raízes e radares. Rio de Janeiro: Record, 1999.
214
WEID, Jean-Marc von der. A luta pela anistia no exterior. In: Movimento Feminino pela
Anistia e Liberdades Democráticas. Origens e lutas. Rio de Janeiro: [s.n.], 1991, p. 13. Observe-
-se que a perspectiva de “resistência democrática”, ao contrário do que a passagem transcrita
sugere, não era unânime entre os grupos que, tanto no Brasil como no exterior, faziam oposi-
ção à ditadura e, em território nacional, realizavam operações de sequestro. Não era inexpres-
siva a existência de ativistas e intelectuais defensores da ideia de que a proposta de luta mais
consequente contra o regime militar não era a que postulava apenas o retorno à democracia,
mas a que defendia uma alternativa socialista para, combinadamente, eliminar o poder de
classe construído a partir do golpe de 1964 e encaminhar soluções efetivas para os proble-
mas sociais que mesmo as formas democráticas vinham reproduzindo quase secularmente no
96 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Logo após o sequestro do embaixador da Alemanha Ehrenfried A. T. L.


Von Holleben,215 ocorrido em 11 de junho de 1970, por exemplo, o senador
Petrônio Portela (Arena-PI), líder do governo, atacou os responsáveis pela
operação.216 Preocupado em se dizer “autorizado […] pelo eminente sena-
dor Filinto Müller”,217 pediu que se compreendesse, “de uma vez, a gravida-
de do momento” e se mobilizassem “todos, todos os democratas deste país,
em torno do governo, para que a ação repressiva se faça, agora, enérgica
e eficiente, visando à defesa da paz entre os brasileiros”. Ironicamente, o
“eminente senador Filinto Müller” fora o autor do projeto de decreto le-
gislativo que, aprovado, concedera anistia aos militares e civis envolvidos
no episódio em que um grupo de oficiais da Aeronáutica liderou, em 1959,
um movimento pela deposição do presidente Juscelino Kubitschek (1956-
1961).218 Líder do governo por designação do próprio presidente, Filinto,
na época, justificou o projeto de maneira que resultava na defesa da legiti-
midade da ação golpista:

Tomei essa iniciativa de caráter inteiramente pessoal por entender […] que
aqueles militares ou civis que tentaram promover uma revolta no Brasil, à
qual se deu o nome de rebelião de Aragarças, tinham em mente − errada-

país. Sobre a questão do caráter de “resistência” da oposição à ditadura, consultar RIDENTI,


Marcelo. Resistência e mistificação da resistência armada contra a ditadura: armadilha para
os pesquisadores. In: REIS FILHO, Daniel A.; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto
Sá (Org.). O golpe e a ditadura militar. 40 anos depois (1964-2994). Bauru, SP: EDUSC, 2004.
215
Também seriam sequestrados, em outros momentos, Nobuo Okushi, cônsul japonês, e
Giovanni Enrico Bucher, embaixador suíço.
216
Diário do Congresso Nacional, 12 de junho de 1970, p. 362.
217
Na verdade, “a pedido” deste, conforme fica explicitado em aparte do próprio Filinto,
que à época era presidente da Arena (Idem, p. 363). Militar de formação, Filinto Müller
participou do “movimento tenentista” na década de 1920 e da articulação político-militar
que levou Getúlio Vargas ao poder em 1930. Foi chefe de Polícia do Distrito Federal (1933-
1942), ocupação que lhe valeu muitas acusações, inclusive a de patrocinador de torturas em
presos. Exerceu, na legenda do Partido Social Democrático (PSD), o mandato de senador
por Mato Grosso de 1947 a 1951 e de 1955 a 1965, integrando a Arena de 1966 até 1973,
quando morreu. LEMOS, Renato. Filinto Müller. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.).
Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.
218
A revolta se desenvolveu basicamente em Aragarças (GO), de 2 a 4 de dezembro de 1959.
Entre seus líderes, destacaram-se o então tenente-coronel-aviador João Paulo Moreira Bur-
nier e o major-aviador Haroldo Veloso, que, três anos antes, liderara uma rebelião contra a
posse de Kubitschek e seu vice, João Goulart. Ver LAMARÃO, Sérgio. “Revolta de Jacarea-
canga” e “Revolta de Aragarças”. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.), op. cit.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 97

mente, a meu ver − evitar, como eles próprios têm declarado, que o Brasil
caminhasse por rumo incerto e perigoso para o nosso futuro.
[…] estou sinceramente convicto de que agiram com essa intenção. Evi-
dentemente, não estavam a par do que ocorria no país; evidentemente, não
observavam com precisão as atitudes do supremo magistrado de então, o
sr. Juscelino Kubitschek de Oliveira. Se tivessem observado sua atuação, se
lhe tivessem concedido pequena dose de confiança, já baseados nos atos
anteriores de S. Exa., não teriam tomado a iniciativa de promover um mo-
vimento visando a promover uma hipotética [sic] revolta que lhes entrara
na cabeça. […]

Não obstante, respeito os sentimentos daqueles moços que entenderam


de forma contrária, que temeram pela implantação de uma ditadura no
Brasil,219 que temeram pela permanência, por mais cinco anos, do governo
de então através de reforma constitucional, e que acharam ser a revolução
o melhor caminho para evitá-lo. Acredito, sinceramente, na honestidade
de propósitos desses moços, civis e militares, que tentaram a sedição de
Aragarças.220
Quase trinta anos depois da tentativa de golpe contra Kubitschek, os
métodos armados de luta usados pelas organizações de esquerda ensejavam
alterações no relacionamento entre as forças políticas. Em aparte a Portela,
o senador Eurico Resende (Arena-ES) serviu-se do episódio do sequestro
para fustigar a cúpula da Igreja Católica com ironia: “Seria interessante que
se aproveitasse a oportunidade, também, para manifestarmos, aqui, nossa
confiança no sentido de que os bispos brasileiros poderiam, perfeitamente,
edificar uma pastoral em torno do degradante episódio de sequestro e de

219
A propósito do projeto de anistia, o senador João Villasboas (UDN-MT), ao informar a
aprovação de seu partido, também manifestou simpatia pelo movimento derrotado: “Discu-
te-se a razão que determinou a atitude assumida pelos militares e civis envolvidos naquele
movimento, tomando uma orientação que parecia condenável, mas que somente no futuro,
conhecidas as causas determinantes do seu gesto, poderemos ajuizar devidamente”. Diário
do Congresso Nacional, 22 de junho de 1961, p. 707. Os tais “moços” mencionados por Filin-
to, como Burnier e Veloso, se destacariam como elementos radicais do golpe de 1964 contra
o governo de João Goulart e do regime ditatorial a partir daí implantado no país, o que
talvez responda às dúvidas do senador Villasboas quanto às “causas de terminantes do seu
gesto”. Para mais detalhes sobre os dois, ver os respectivos verbetes em ABREU, Alzira Alves
de et al. (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.
220
Diário do Congresso Nacional, 22 de julho de 1961, p. 705-706.
98 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

terrorismo”. Por outro lado, o MDB, pretendendo, a seu modo, sustentar


a luta pela democracia, se aproximou do governo militar, divulgando um
manifesto, assinado pelo presidente interino do partido, deputado Ulis-
ses Guimarães (SP), que, paradoxalmente, condenava a ação violenta por
ameaçar uma situação política que ainda estaria por ser implantada:

O Movimento Democrático Brasileiro, coerente com atitudes anteriores,


manifesta seu repúdio ao sequestro do senhor Ehrenfried von Holleben,
embaixador da República Federal da Alemanha no Brasil.
[…] O MDB é contra a violência sob qualquer forma, porque fere o Esta-
do de direito, cuja implantação e defesa constituem objetivo fundamental e
permanente de sua luta.
O presente pronunciamento confirma a autoridade e a imparcialidade do
MDB quando, por igual, se contrapõe a quaisquer outros atentados aos di-
reitos e garantias da pessoa humana.221

Em junho de 1970, o jornal alemão Hamburg Morgenpost afirmou que


o Brasil vivia sob a maior e mais severa ditadura de todo o hemisfério oci-
dental. No mês seguinte, a situação de desrespeito aos direitos de presos no
país foi denunciada à Organização dos Estados Americanos (OEA) pela
Comissão Internacional de Juristas, reunida em Genebra.222 Em represália
contra a ação da Igreja Católica, em 7 de outubro o Centro de Operações
de Defesa Interna (CODI) do Rio de Janeiro deteve para averiguações o
secretário-geral da CNBB, D. Aloísio Lorscheider. No mês seguinte, vários
frades dominicanos, dois padres seculares e um jesuíta foram presos sob a
acusação de envolvimento com a Aliança Libertadora Nacional (ALN). O
episódio − que resultaria na condenação de quatro dos dominicanos pela
Justiça Militar e no suicídio de outro − constituiu fator de forte tensão nas
relações do governo militar com a organização internacional da Igreja Ca-
tólica.223 A partir de dentro, a CNBB, através da sua XII Assembleia Geral,
voltou a pressionar o governo, agora indiretamente, apelando ao Vaticano
para que assumisse posição contra as injustiças e agressões aos direitos hu-

221
Diário do Congresso Nacional, 22 de julho de 1970, p. 367.
222
Brasil dia a dia, p. 89 e 110.
223
Ver ALVES, Márcio Moreira. L’Église et la Politique au Brésil, p. 202-205.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 99

manos em todo o mundo.224 Alguns dias depois, ela mesma seria objeto de
pressões, quando, em 30 de agosto, a IX Assembleia Geral dos Religiosos
do Brasil (CRB) aprovou moção que solicitava maior empenho da CNBB
na defesa dos direitos humanos dos presos políticos.225
A ação da Igreja Católica cruzaria com as disputas políticas no inte-
rior do regime quando, em inícios de setembro, o cardeal Avelar Bran-
dão, recém-nomeado arcebispo primaz de Salvador, compareceu à Escola
Superior de Guerra (ESG) para pronunciar uma conferência, a convite
do seu comandante, general Rodrigo Otávio Jordão Ramos, que iniciara
uma série de debates sobre a conjuntura política nacional.226 O principal
eixo de discussão era o que se vinha chamando de “institucionalização
do processo revolucionário” iniciado em 1964. O cardeal defendeu a tese
de que o diálogo do governo com a oposição não deveria ser visto, ne-
cessariamente, como um risco para a segurança nacional e que o debate
deveria se dar em torno de temas como as distorções sociais resultantes
da política econômica, o controle dos órgãos de repressão e uma posição
mais flexível em face das reivindicações legítimas dos jovens e da opo-
sição em geral.227 Os apelos do cardeal saíram pela culatra, porque não
foram ouvidos e contribuíram para que o general Rodrigo Otávio viesse a
ser destituído do comando da ESG.228

224
Idem, p. 115.
225
Ibidem.
226
Durante a crise sucessória desencadeada pela doença do marechal Costa e Silva, o general
Rodrigo Jordão havia defendido, em carta ao Alto Comando do Exército, que se encontrasse
uma solução comprometida, entre outros pontos, com o restabelecimento da normalidade
democrática no país. Naturalmente, as suas sugestões não foram aceitas, mas são indicativas
da existência de uma opinião, associada ao exercício de um alto posto na hierarquia militar,
preocupada com a definição de um fim para o regime ditatorial. Disponível em: <http://
www.documentosrevelados.com.br/wp-content/uploads/2014/01/imagem-exercito-cri-
se-1969-116.jpg>. Acesso em: 16 jan. 2014.
227
SEDOC, novembro de 1971, p. 629-638, citado em ALVES, Márcio Moreira. L’Église et la
Politique au Brésil, p. 197-198.
228
A posição do comandante da ESG favorável à volta do país ao Estado de direito resultou
na proibição de uma das palestras previstas e, por insistir em realizá-la sob a sua respon-
sabilidade pessoal, na sua demissão em dezembro de 1971. Ver “Rodrigo Otávio (1)” em
ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós-1930;
e COITINHO, Angélica do Carmo. Sob a toga e a farda: o ministro general do Exército Ro-
drigo Octávio Jordão Ramos no Superior Tribunal Militar (1973-1979). Dissertação (Mes-
trado em História) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2012, p. 85 e segs.
100 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Neste clima político, estando reaberto o Congresso Nacional, hou-


ve eleições em novembro de 1970. O Movimento Democrático Brasileiro
(MDB) havia recebido o novo general presidente com uma afirmação de
exigências democratizantes. Em 23 de março de 1970, o deputado paulista
Ulisses Guimarães entregara ao ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, relató-
rio partidário em que se reafirmava o compromisso com a redemocratiza-
ção do país e era pedido o cumprimento de uma agenda em que a anistia
se encontrava em meio a itens como a revogação dos atos institucionais,
a reforma constitucional e política e o restabelecimento da eleição dire-
ta, universal e secreta. Em relação ao pleito eleitoral, contudo, o MDB se
dividira. Parte da oposição defendera o voto nulo. A ala dos emedebistas
“autênticos”,229 que fazia uma oposição mais aguerrida ao regime ditatorial,
centrara a sua campanha na crítica ao AI-5 e na denúncia do alto custo de
vida. Uma análise feita dias após as eleições de 1978 explica:

[…] os conceitos de “moderado” e “autêntico” são extremamente fluidos. A


imprensa nos grandes centros industriais tende a estabelecer uma tipologia
segundo a qual os “moderados” se dividem em: a) os liberais, para quem a
luta oposicionista terminaria com a reconquista dos direitos democráticos e
que, para conseguir gradualmente este objetivo, estariam abertos a diálogo
com o Governo; e b) os carreiristas sem escrúpulos, prontos a fazerem o
jogo do regime, que se mantêm no MDB por ter a legenda grande pene-
tração popular, especialmente no Rio de Janeiro, e que são qualificados de
“adesistas”. Os “autênticos”, que, em princípio, seriam os que se preocupa-
riam em dar um conteúdo social à democracia que buscam, dividir-se-iam,
igualmente, em dois grupos: a) os sociais-democratas, antigos petebistas,
ou seja, membros do Partido Trabalhista Brasileiro fundado por Getúlio
Vargas em 1945, cuja proposta ideológica seria pluriclassista e fluida; b) os
socialistas, representantes de uma esquerda.230

229
A propósito, ver o verbete do partido em ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.), op. cit.;
e NADER, Ana Beatriz. Autênticos do MDB, semeadores da democracia. História oral de vida
política. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
230
ALVES, Márcio Moreira; BAPTISTA, Artur. As eleições de 1978 no Brasil. Revista Crítica
de Ciências Sociais, Coimbra, n. 3, dez. 1979, p. 29-52. A edição consultada on-line não traz
numeração nas páginas e informa que uma primeira versão do artigo já estava pronta em
dezembro de 1978, quando foi apresentada no Simpósio Brasil no Limiar da Década dos 80,
em Estocolmo.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 101

Contudo, o discurso eleitoral do partido apresentou-se, no conjunto,


moderado, em vista da ausência de liberdade política em geral. Como re-
sultado da ação compressora da máquina governista e da excessiva cautela
emedebista, a vitória da Aliança Nacional Renovadora (Arena) foi acacha-
pante: 40 senadores contra 6 do MDB; 220 deputados federais contra 90 da
oposição. Os votos em branco totalizaram 22% para o Senado e 21% para a
Câmara, onde, somados aos nulos, a porcentagem chegou a 30%.

1.4 A batalha pela anistia no front externo

Se, internamente, a oposição estava em franco refluxo, a frente externa de


luta contra a ditadura brasileira fechou o ano de 1970 com alguns avanços.231
Uma entrevista coletiva à imprensa de Roma, organizada em dezembro por
membros italianos da Comissão Europa-América Latina, integrantes do
Partido Comunista Italiano e do Partido Democrata Cristão, denunciou
a violência repressiva no Brasil, apontando o ministro da Justiça, Alfre-
do Buzaid, como um dos seus principais articuladores.232 No ano seguinte,
quando começaram a avolumar-se na Europa o número e a gravidade das
denúncias de violências contra opositores ao regime, formou-se em Berna
o Comitê de Solidariedade do Povo Suíço ao Brasil. Uma campanha para
libertar o líder camponês Manuel da Conceição, que estaria sofrendo tor-
turas na prisão, resultou no envio, pelos suíços − inclusive trabalhadores
rurais sindicalizados −, de cerca de dez mil cartas ao governo brasileiro
através da embaixada em Berna, solicitando que lhe fosse concedido asilo
político, o que acabaria acontecendo.233
A aproximação entre oposicionistas brasileiros de todos os matizes po-
líticos no exterior ensejou a formulação de projetos unitários de combate
à ditadura.234 Construía-se, dessa maneira, um instrumento de defesa dos

231
Para um relato detalhado do movimento pela anistia no exterior, ver GRECO, Heloísa Amélia.
Dimensões fundacionais da luta pela anistia. Tese (Doutorado em História) – Universidade Fe-
deral de Minas Gerais, Belho Horizonte, 2003, especialmente o capítulo 6. Sobre as campanhas
contra a ditadura fora do Brasil, um interessante estudo se encontra em: MARQUES, Teresa
Cristina Schneider. A oposição à ditadura brasileira no exterior através de charges e caricaturas
(1964-1979). História Unisinos, São Leopoldo (RS), v. 19, n. 2, p. 208-217, maio/ago. 2015.
232
Brasil dia a dia, p. 89.
233
O Globo, 2 de novembro de 1978.
234
Anistia, p. 39.
102 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

presos políticos que se demonstraria fundamental na tentativa de garantir


que não fossem mortos e desfrutassem de condições minimamente decen-
tes nos locais onde eram mantidos reclusos. Às iniciativas de intelectuais e
militantes exilados se somaria a de instituições como a Anistia Internacio-
nal, organização não governamental fundada em 1961 e sediada em Lon-
dres, cuja missão era lutar contra a violação e pela promoção dos direitos
humanos em escala mundial.235 A eficácia deste instrumento pode ser infe-
rida de depoimentos como o do sociólogo e teólogo católico Ivo Lesbaupin:

O preso que era conhecido pela mídia, pela imprensa, e que tinha alguma
relação com alguma entidade internacional, o fato de ser conhecido e ter
algum contato, mesmo estando preso, era fundamental para a sobrevivência
física da pessoa, quer dizer, essa pessoa não vai mais ser morta, porque se
ele morrer vão constatar que ele foi morto na prisão, quer dizer, sob con-
trole da polícia, o que contribuirá para denegrir a imagem do país. […]
Eles tinham uma enorme preocupação com isso […] se comunicasse logo a
órgãos e entidades ou igrejas, era importante para se fazer conhecido, dar a
notícia para o exterior […]. Podem interrogar, eventualmente nos torturar,
mas a probabilidade, sem dúvida, ela diminui, e sobretudo a possibilidade
de ser morto já praticamente desaparece […].236

Os defensores do regime ditatorial não viam com bons olhos a existên-


cia deste tipo de entidade, que, argumentavam, criava problemas para a
manutenção da ordem interna e maculava a imagem dos governos milita-
res junto a seus aliados internacionais. A despeito dos seus horizontes po-
liticamente limitados, a “famosa” – como a ela se referiu a revista ‒ Anistia
Internacional era objeto de grave acusação:

235
BOVO, Cassiano Ricardo Martines. Anistia Internacional. Roteiros da cidadania-em-cons-
trução. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2002, p. 14. Ver, também, MEIRELLES, Renata. A
Anistia Internacional e o Brasil: o princípio da não violência e a defesa de presos políticos.
Tempo & Argumento, Florianópolis, v. 6, n. 11, p. 327-354, jan./abr. 2014. Disponível em:
<http://periodicos.udesc.br/index.php/tempo/article/view/2175180306112014327/3075> e
“Contra a tortura: a Anistia Internacional durante a ditadura militar no Brasil”. ANPUH.
XXVIII Simpósio Nacional de História. Florianópolis, 27 a 31 de julho de 2015. Anais. Dis-
ponível em: <http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1426185442_ARQUIVO_
anpuh_Renata_meirelles.pdf>. Acesso a ambos em: 6 jan. 2016.
236
BOVO, Cassiano Ricardo Martines. , Opop. cit., p. 219.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 103

[…] instrumento do comunismo terrorista que, a partir de Londres, apoia


as guerrilhas do mundo inteiro. Essa “Anistia” promove campanhas nos cen-
tros mundiais para anistiar criminosos terroristas, baseando-se sempre em
mentiras e difamações contra governos democráticos. Vem desenvolvendo
uma campanha sistemática contra o Brasil, inventando torturas, assassina-
tos e atos de violência, como parte integrante de uma técnica difamatória
que serve aos objetivos do comunismo.237

As diversas formas de pressão internacional contra a ditadura brasileira


incomodavam o governo e despertavam reações defensivas. Em outubro de
1970, por exemplo, o senador Manoel Vilaça (Arena-RN), presidente da re-
presentação brasileira na 58ª Assembleia Geral da União Interparlamentar
em Haia (Holanda), queixou-se da existência de “uma campanha contra o
governo brasileiro, com a colaboração de parlamentares exilados e punidos
pela Revolução de 64”.238
Em geral, a defesa do regime se baseava na pura e simples negação de
fundamento às acusações feitas no exterior. Como procedeu, ainda em ou-
tubro, o representante das classes dominantes baianas e vice-líder do gover-
no, senador Antônio Carlos Magalhães (Arena-BA), ao reagir indignado a
duas notícias internacionais publicadas dois dias antes. A primeira veicu-
lava declarações feitas pelo cardeal Bernard Alfrink, primaz da Igreja Ca-
tólica na Holanda, após ter visitado religiosos presos no Brasil por motivos
políticos. Os padres detidos teriam sido torturados e mantidos em “antigas
prisões de escravos”.
A segunda notícia reproduzia denúncias feitas pela ministra da Cultura
da Holanda, Marga A. M. Klombe, sobre a prática de tortura no Brasil. Ela
deplorava a impossibilidade do seu governo exercer maior pressão sobre
as autoridades brasileiras para dar um fim “ao terror dominante e à siste-
mática violação dos direitos humanos” no país. Situando a Holanda como,
na prática, “o único país europeu que protesta contra a situação no Brasil”,
Klombe revelou que a sua embaixada tinha instruções para fiscalizar o fun-
cionamento do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDD-

237
O Cruzeiro, Rio de Janeiro, setembro de 1972, citada em BOVO, Cassiano Ricardo Mar-
tines, op. cit., p. 137.
238
Diário do Congresso Nacional, 22 de outubro de 1970; Brasil dia a dia, p. 119.
104 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

PH).239 Informou, ainda, que a Holanda havia boicotado, pela segunda vez,
a Bienal de Arte de São Paulo e se empenhava em fazer com que a Organi-
zação das Nações Unidas (ONU) discutisse oficialmente a questão dos pri-
sioneiros políticos no Brasil. Antônio Carlos Magalhães defendeu energi-
camente o governo ditatorial, garantindo: “O governo do presidente Emílio
Garrastazu Médici não adota, não aceita, não protege, não tolera qualquer
sistema de tortura de prisioneiros − sejam eles aqueles que respondem à
acusação de crimes contra a segurança nacional, sejam quaisquer outros”.
Entretanto, não podendo negar absolutamente a ocorrência de violências,
recorreu a argumentos que, isentando os governos militares de qualquer
responsabilidade, teriam largo trânsito nos arraiais da ditadura alguns anos
depois, quando entraria em discussão pública a natureza de tais práticas:

Se, porventura, alguns desses ou daqueles hajam sofrido violências, elas não
decorreram da execução de qualquer sistema patrocinado pela autoridade
constituída. Inserem-se na categoria de atos de responsabilidade individual de
agentes de autoridade, estranhos à orientação superior, correntes em qualquer
nação civilizada […]. O governo, por outro lado, tem apurado todas as denún-
cias de violências a prisioneiros e cumprido a lei na sua prevenção e punição.240

O líder governista recebeu reforço da ala mais direitista da Igreja Católica.


O cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Agnelo Rossi, garantiu publicamente
que o próprio papa apreciava os “esforços ingentes” que estavam sendo feitos
“no sentido do desenvolvimento da nação, mas também de vencer a subver-
são e a campanha intensa que denigre a imagem do Brasil no exterior”.241

239
O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) foi criado em 16 de
março de 1964, dias antes do golpe, mas continuou a existir, ao menos formalmente, durante
todo o período ditatorial. Subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, era,
segundo a Lei nº 4.319, integrado pelos seguintes membros: ministro da Justiça e Negócios
Interiores, presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, professor
catedrático de direito constitucional de uma das faculdades federais, presidente da Asso-
ciação Brasileira de Imprensa, presidente da Associação Brasileira de Educação e líderes da
maioria e da minoria, na Câmara dos Deputados e no Senado. Pela Lei nº 12.986, de 2 de
junho de 2014, foi transformado em Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH).
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2014/lei-12986-2-junho-2014-
778850-norma-pl.html>. Acesso em: 4 jan. 2017.
240
Diário do Congresso Nacional, 22 de outubro de 1970.
241
Idem, citando a imprensa do dia, que publicou declarações de Rossi, regressado de Roma
na véspera.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 105

Tal tipo de defesa da ditadura não era muito bem-visto em importantes


setores dos países capitalistas democráticos da Europa. Em janeiro de 1971,
proeminentes franceses − os escritores Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sar-
tre e François Châtelet, entre outros − criaram em Paris o Comitê de Defesa
dos Presos Políticos Brasileiros.242 Em março, a revista jesuíta La Civilta
Cattolica circulou no Vaticano denunciando vários casos de violação de di-
reitos no Brasil e veiculando os protestos das autoridades eclesiásticas bra-
sileiras, entre as quais os cardeais Agnelo Rossi e Vicente Scherer, expoen-
tes da ala mais conservadora do clero nacional.243 Pouco tempo depois, o
governo tentaria desmentir esse tipo de notícia. Em maio a Secretaria de
Imprensa da Presidência da República negou peremptoriamente a prática
de tortura e, até, novamente, a existência de presos políticos no país.244
A partir de 1971, os consulados brasileiros começaram a negar aos exi-
lados documentos, como procurações, registros de crianças nascidas no
exterior e passaportes para os cônjuges e filhos dos incluídos nas “listas

242
Brasil dia a dia, op. cit., p. 88.
243
Idem, p. 89. No campo da Igreja Católica, eram grandes as divergências políticas. Em julho
de 1972, por exemplo, D. Antônio Fragoso, bispo de Crateús (CE), fez campanha nos Estados
Unidos em favor da “teologia da libertação”, contra a opressão na América Latina e a tortura
de presos políticos no Brasil. No mês seguinte, D. Vicente Scherer, arcebispo de Porto Alegre,
usaria seu programa radiofônico para atacar a “teologia da libertação”, criticando o livro Jesus
Cristo libertador, do frei franciscano Leonardo Boff, de Petrópolis (RJ). Idem, p. 122.
244
Somente em 1971, os “inexistentes” presos políticos promoveram três greves de fome.
Na primeira semana de março de 1971, os presos no DOPS de Recife, exigindo que fossem
transferidos para a Casa de Detenção. Jornal do Brasil, 11 de março de 1971, p. 26. No dia 5
do mesmo mês, presos políticos do Presídio Regional de Linhares, em Juiz de Fora (MG),
por melhores condições carcerárias. O movimento terminou em 21 de março, tendo obtido
a satisfação de algumas exigências. Jornal do Brasil, 15 de março de 1971, p. 4, e 24 de março
de 1971, p. 15. Também, VIANA, Gilney Amorim; CIPRIANO, Perly. Fome de liberdade: a
luta dos presos políticos pela anistia. 2. ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2009, p. 42.
Em setembro, novamente em Linhares, agora contra a invasão da penitenciária ordenada
pelo DOI-CODI e executada pelas tropas da Polícia Militar, contra atos que consideravam
de humilhação pessoal e, principalmente, contra a transferência súbita das companheiras
da ala feminina para local ignorado, sob o pretexto de que os presos políticos estavam pro-
movendo uma “tentativa de motim” no presídio. Idem, p. 43. Ver, também, RIBEIRO, Flávia
Maria Franchini. “Confidências mineiras”. Disponível em: <http://www.revistadehistoria.
com.br/secao/artigos/confidencias-mineiras>. Acesso em: 28 jan. 2014. Finalmente, em 6
de novembro de 1971, presos do Instituto Penal Cândido Mendes, na Ilha Grande, e, em
solidariedade, do Presídio Hélio Gomes (parte do Complexo Penitenciário Frei Caneca),
ambos no Rio de Janeiro, contra maus tratos. O movimento terminaria em 3 de dezembro,
com a substituição do diretor da unidade prisional da ilha. Jornal do Brasil, 2 de dezembro
de 1971, p. 15. Ver, também, VIANA, Gilney Amorim; CIPRIANO, Perly, op. cit., p. 42.
106 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

negras”.245 Em 8 de setembro, o ministro das Relações Exteriores, Mário


Gibson Barboza,246 e o chanceler de Portugal, Rui Patrício, assinaram uma
convenção que garantiria o gozo de direitos políticos de cidadãos brasilei-
ros e portugueses em ambos os países sem distinção, desde que tivessem
cinco anos de residência onde pretendessem exercê-los e não tivessem seus
direitos cassados no país de origem.247
Estratégias ofensivas também foram concebidas, concedendo especial
relevo à aproximação com os demais regimes ditatoriais da América Latina
no plano da repressão aos movimentos armados de matiz nacionalista ou
comunista. Em janeiro de 1971, o ministro Gibson Barboza anunciou um
plano que o Brasil apresentaria à Convenção da Organização dos Estados
Americanos (OEA) com o objetivo de obter um instrumento jurídico capaz
de reprimir eficazmente o “terrorismo” no plano continental.248 Na reunião
realizada no mês seguinte em Washington, foi aprovada a Convenção para
prevenir e punir os atos de terrorismo configurados em delitos contra as
pessoas e a extorsão conexa, quando tiverem eles transcendência interna-
cional, cujos considerandos indicam a relevância que estava sendo dada às
formas de luta política armada.

Considerando:
Que a defesa da liberdade e da justiça e o respeito aos direitos fundamentais
da pessoa humana, reconhecidos pela Declaração Americana dos Direitos
e Deveres do Homem e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos,
são deveres primordiais dos Estados;
Que a Assembleia Geral da Organização, na Resolução 4, de 30 de junho de
1970, condenou energicamente os atos de terrorismo e, em especial, o se-
questro de pessoas e a extorsão com este conexa, qualificando-os de graves
delitos comuns;

245
IstoÉ, 1º de março de 1978, p. 11.
246
Ver a sua versão em BARBOZA, Mário Gibson. Na diplomacia, o traço todo da vida. Rio
de Janeiro: Record, 1992.
247
Brasil dia a dia, p. 119. Um Comitê de Solidariedade aos Revolucionários no Brasil seria
criado em Portugal e realizaria sua segunda reunião em fevereiro de 1974. Comitê Pró-Anistia
Geral dos Presos Políticos no Brasil. Dos presos políticos brasileiros. Acerca da repressão fascista
no Brasil. Lisboa: Edições Maria da Fonte, 1976, p. 15. Ver, também, FREIRE, Américo. Ecos
da estação Lisboa. O exílio das esquerdas brasileiras em Portugal. Sociologia, Problemas e Prá-
ticas, n. 64, 2010. Disponível em: <http://spp.revues.org/241>. Acesso em: 6 jan. 2016.
248
Brasil dia a dia, p. 119.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 107

Que vêm ocorrendo com frequência atos delituosos contra pessoas que me-
recem proteção especial de acordo com as normas do direito internacional
e que tais atos revestem transcendência internacional devido às consequên-
cias que podem advir para as relações entre os Estados;
Que é conveniente adotar normas que desenvolvam progressivamente o di-
reito internacional no tocante à cooperação internacional na prevenção e
punição de tais atos;
Que na aplicação das referidas normas deve manter-se a instituição do asilo
e que deve também ficar a salvo o princípio da não intervenção.

As medidas acordadas entre os Estados membros da OEA davam con-


sequência a estes pressupostos. Tratava-se de sistematizar e padronizar me-
canismos de repressão no plano continental. Os representantes das classes
dominantes americanas procuravam aprimorar suas armas para fazer fren-
te a uma luta já internacionalizada, pelo menos, desde 1966, quando foi
criada a Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), sediada
em Havana e destinada a promover e apoiar movimentos em prol da revo-
lução socialista no continente.249 Assim, os “Estados Membros da Organi-
zação dos Estados Americanos” convinham nos seguintes artigos:

Artigo 1
Os Estados Contratantes obrigam-se a cooperar entre si, tomando todas as
medidas que considerem eficazes de acordo com suas respectivas legislações
e, especialmente, as que são estabelecidas nesta Convenção, para prevenir e
punir os atos de terrorismo e, em especial, o sequestro, o homicídio e outros
atentados contra a vida e a integridade das pessoas a quem o Estado tem o
dever de proporcionar proteção especial, conforme o direito internacional,
bem como a extorsão conexa com tais delitos.
Artigo 2
Para os fins desta Convenção, consideram-se delitos comuns de transcen-
dência internacional, qualquer que seja o seu móvel, o sequestro, o homi-
cídio e outros atentados contra a vida e a integridade das pessoas a quem o

249
Sobre a OLAS e o Brasil, ver MARQUES, Artêmio S. A Organização Latino-Americana
de Solidariedade (OLAS) e o embate ideológico na esquerda brasileira, 1960: o caso do PCB.
Dissertação (Mestrado em Integração Latino-Americana) –Universidade Federal de Santa
Maria, Santa Maria, 2009.
108 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Estado tem o dever de proporcionar proteção especial conforme o direito


internacional, bem como a extorsão conexa com tais delitos.
Artigo 3
As pessoas processadas ou condenadas por qualquer dos delitos previstos
no Artigo 2 desta Convenção estarão sujeitas a extradição de acordo com as
disposições dos tratados de extradição vigentes entre as Partes ou, no caso
dos Estados que não condicionam a extradição à existência de tratado, de
acordo com suas próprias leis.
Em todos os casos compete exclusivamente ao Estado sob cuja jurisdição
ou proteção se encontrarem tais pessoas qualificar a natureza dos atos e
determinar se lhes são aplicáveis as normas desta Convenção.
Artigo 4
Toda pessoa privada de sua liberdade em virtude de aplicação desta Con-
venção gozará das garantias judiciais de processo regular.
Artigo 5
Quando não proceder a extradição solicitada por algum dos delitos especifi-
cados no Artigo 2 em virtude de ser nacional a pessoa reclamada ou mediar
algum outro impedimento constitucional ou legal, o Estado requerido ficará
obrigado a submeter o caso ao conhecimento das autoridades competentes,
para fins de processo como se o ato houvesse sido cometido em seu território.
A decisão que adotarem as referidas autoridades será comunicada ao Estado re-
querente. Cumprir-se-á no processo a obrigação que se estabelece no Artigo 4.
Artigo 6
Nenhuma das disposições desta Convenção será interpretada no sentido de
prejudicar o direito de asilo.
Artigo 7
Os Estados Contratantes comprometem-se a incluir os delitos previstos no
Artigo 2 desta Convenção entre os atos puníveis que dão lugar a extradição
em todo tratado sobre a matéria que no futuro celebrarem entre si. Os Es-
tados Contratantes que não subordinem a extradição ao fato de que exista
tratado com o Estado requerente considerarão os delitos compreendidos no
Artigo 2 desta Convenção como delitos que dão lugar a extradição, em con-
formidade com as condições que estabeleçam as leis do Estado requerido.
Artigo 8
Com o fim de cooperar na prevenção e punição dos delitos previstos no Artigo
2 desta Convenção, os Estados Contratantes aceitam as seguintes obrigações:
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 109

a) tomar as medidas a seu alcance, em harmonia com suas próprias leis,


para prevenir e impedir em seus respectivos territórios a preparação dos
delitos mencionados no Artigo 2 e que forem ser executados no território
de outro Estado Contratante;
b) intercambiar informações e considerar medidas administrativas eficazes
para a proteção das pessoas a que se refere o Artigo 2 desta Convenção;
c) garantir o mais amplo direito de defesa a toda pessoa privada da liberda-
de em virtude da aplicação desta Convenção;
d) procurar que sejam incluídos em suas respectivas legislações penais os
atos delituosos matéria desta Convenção, quando já não estiverem nelas
previstos;
e) dar cumprimento da forma mais expedita às rogatórias com relação aos
atos delituosos previstos nesta Convenção. […]

A delegação brasileira, contudo, considerou inadequadas as medidas e


abandonou os trabalhos, na boa companhia dos representantes da Argenti-
na, do Paraguai, do Equador, do Haiti e da Guatemala, todos delegados de
regimes ditatoriais.250 Tais negociações se desenvolviam em paralelo com a
contínua repressão política, que atingia, inclusive, militantes vinculados a
organizações que, por seus programas políticos, jamais poderiam ser rotu-
ladas de “terroristas”, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB):

No decorrer de 1971, o terror da ditadura matou muitos revolucionários.


Novamente voltou a eliminar comunistas do PCB. Já no dia 2 de fevereiro
era assassinado o sindicalista José Dalmo Guimarães Lins (AL); o ex-mi-
litar, ex-bancário e funcionário da Embratel Francisco da Chagas Pereira
(PB) está desaparecido desde 5 de agosto; e o sapateiro comunista, organi-
zador de trabalhadores do garimpo em Jacundá (PA), Epaminondas Gomes
de Oliveira (MA) foi assassinado em 20 de agosto. Em 1972 foram mortos
pela repressão, o militante secundarista Ismael Silva de Jesus (GO) no dia 9

250
Brasil dia a dia, p. 119. A convenção entraria em vigor internacional em 8 de março
de 1973, mas o governo brasileiro só a ratificaria em 3 de dezembro de 1998, quando o
Congresso Nacional aprovou o Decreto Legislativo nº 87, e a promulgaria em 6 de abril de
1999, pelo Decreto Executivo nº 3.018. A íntegra do decreto se encontra em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3018.htm>. Agradeço a Rejane Carolina Hoeveler a in-
formação sobre o documento.
110 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

de agosto (torturado até a morte) e Célio Augusto Guedes (BA), dentista de


histórica família de comunistas baianos (irmão de Armênio Guedes), que
trabalhou diretamente com Prestes e exerceu várias funções dentro do par-
tido. Foi morto em 15 de agosto, sob tortura, após ser preso na fronteira do
Brasil com o Uruguai. O herói da segunda guerra José Mendes de Sá Roriz
(CE), líder dos combatentes, e que salvou da morte no campo de Batalha o
marechal Cordeiro de Farias, teve seu filho e neta sequestrados pelo Exérci-
to, que exigiam, sob tortura do filho, a prisão dele para liberar os reféns. O
comunista se entregou ao marechal Cosme de Farias. No entanto, foi assas-
sinado na mais cruel tortura no dia 17 de fevereiro de 1973.251

Neste ínterim, novas tentativas de articulação foram feitas bilateralmen-


te pelo Itamaraty, e Gibson Barboza incluiu o combate aos movimentos
guerrilheiros na agenda de seu encontro com o chanceler Sapeña Pastor,
quando, em maio de 1971, visitou o Paraguai,252 então sob a ditadura che-
fiada por Alfredo Stroessner.
Nestas condições de consolidação contrarrevolucionária violenta do
regime ditatorial, a ideia de anistia não poderia ter senão pretensões mui-
to modestas, na dependência de o MDB, como único instrumento par-
tidário da oposição legal, se reorganizar politicamente, depois da mas-
sacrante derrota eleitoral de 1970. Já no início da legislatura de 1971, o
problema dos atingidos pelos atos da ditadura foi retomado na Câmara,
ainda timidamente. O deputado J. G. [João Guilherme] de Araújo Jorge
(MDB-GB), alinhado com a ala dos “autênticos” do partido, apresentou,
em abril, projeto que autorizava os cidadãos atingidos pelos atos insti-
tucionais a solicitarem à Secretaria-Geral do Conselho de Segurança
Nacional a instauração de processos regulares ou a revisão daqueles a
que estivessem respondendo. Considerado inconstitucional, o projeto foi
arquivado.253 Ainda neste ano, o deputado propôs a criação de uma co-
missão especial para proceder à revisão das cassações de mandatos parla-
mentares e direitos políticos. O relator da matéria, deputado Altair Cha-

251
PINHEIRO, Milton. “A ditadura militar no Brasil (1964-1985) e o massacre contra o
PCB”. Disponível em: <http://resistir.info/brasil/massacre_pcb.html#asterisco>. Acesso em:
16 jul. 2014.
252
Brasil dia a dia, p. 119.
253
“J. G. de Araújo Jorge”. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-
-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 111

gas (Arena-MG), entendeu que “a cessação da vigência de qualquer ato


institucional ou de seus dispositivos poderá ser decretada pelo presidente
da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional”, considerando
a proposta “inoportuna e inconveniente”.254 O projeto foi rejeitado pela
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em 11 de maio do ano
seguinte. Em janeiro de 1972, o MDB decidiu retirar-se do Conselho de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), e assim permanecer
enquanto persistissem as “limitações legais que impedem o efetivo de-
sempenho das finalidades do órgão”.255 Três meses depois, seria a vez da
Associação Brasileira de Imprensa (ABI) decidir, em assembleia geral,
não mais participar das reuniões do CDDPH, em protesto contra a deter-
minação de sigilo sobre assuntos tratados nas sessões.256
Na época, o MDB organizava reuniões regionais, visando encontrar ma-
neiras de recuperar forças políticas. Na capital gaúcha foi redigida a Decla-
ração de Porto Alegre, em que a concessão de anistia era um dos vinte prin-
cípios que o partido deveria defender.257 Entretanto, apenas os “autênticos”
pareciam levar a questão da anistia a sério, conseguindo, contra a omissão
da maioria, incluí-la no programa do partido em 1972.258 Identificado com
a corrente, o deputado Jerônimo Santana (MDB-RO) − ex-integrante do
Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) − apresentou, em 17 de
abril, um projeto de anistia aos ex-presidentes da República que haviam
tido os direitos políticos suspensos,259 isto é, a Juscelino Kubitschek, Jânio
Quadros e João Goulart. O autor se baseava em interpretação da Cons-
tituição no sentido de que a exclusividade do Executivo na iniciativa de
concessão de anistia se restringia aos casos de crimes políticos, o que não se

254
Jornal do Brasil, 12 de maio de 1973.
255
Brasil dia a dia, p. 89.
256
Ibidem. Sobre as posições assumidas pela entidade em face do golpe e do regime dita-
torial, ver LUNA, Cristina Monteiro de Andrada. A Associação Brasileira de Imprensa e a
ditadura militar (1964-1977). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. Uma visão oficiosa pode ser encontrada em MO-
REL, Edmar. A Trincheira da Liberdade: história da Associação Brasileira de Imprensa. Rio
de Janeiro: Record, 1985.
257
Ver a Carta de Princípios em O Estado de S. Paulo, 9 de maio de 1971.
258
IstoÉ 500 anos; MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os brasileiros, p. 129; Anistia,
p. 12.
259
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates, sessão em 17 de
abril de 1972.
112 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

aplicava a quem sequer fora processado, como os ex-presidentes. O projeto


também seria arquivado.260
A aproximação do Sesquicentenário da Independência do Brasil, a
ser comemorado em 7 de setembro de 1972,261 transformou-se em ar-
gumento − de natureza, digamos, cívico-emocional − usado por deputa-
dos para instar o general presidente Médici a conceder a anistia política.
Marcos Freire e Fernando Lira, representantes da ala “autêntica” do MDB
pernambucano, fizeram apelos neste sentido, em nome da “pacificação”
e “reconciliação” da “família brasileira.” Já o deputado Florim Coutinho
(MDB-GB), general da reserva e “chaguista” − integrante da corrente do
partido liderada pelo Antônio de Pádua Chagas Freitas, governador da
Guanabara (1971-1975) alinhado com o regime ditatorial −, pediu que
o presidente determinasse a comutação de penas de presos comuns que
se encontrassem em fase de recuperação e concedesse indulto aos que
não oferecessem perigo à sociedade, bem como aos presos políticos.262 O
ardor cívico dos parlamentares, contudo, não contagiou o general presi-
dente, e o apelo não foi satisfeito.

1.5 A contrarrevolução continental

A anistia continuava uma impossibilidade sistêmica. O regime ditato-


rial ainda se alimentava da existência do “inimigo” comunista, embora o
houvesse esmagado. Os opositores renitentes deveriam deixar o país, pois
demonstravam que não o amavam, diziam as campanhas publicitárias do

260
O Globo, 18 de julho de 1978.
261
Para uma visão historiográfica que toma a inevitável participação de setores sociais – a
maioria, entidades que haviam apoiado, senão participado dele, o golpe de 1964 – em pro-
moções cívicas do Estado, em especial a comemoração do Sesquicentenário da Independên-
cia, como indiscutível indicador de altos índices de legitimidade do regime ditatorial, ver
CORDEIRO, Janaína Martins. Anos de chumbo ou anos de ouro? A memória social sobre
o governo Médici. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 22, n. 43, p. 85-104, jan./jun. 2009.
Para uma crítica a esta visão, ver MELO, Demian. O Golpe de 64 e meio século de contro-
vérsias: o estado atual da questão. In: ______ (Org.). A miséria da historiografia: uma crítica
ao revisionismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2014, p. 168-169.
262
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates, sessões em 10 e
30 de agosto e 8 de setembro de 1972.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 113

governo Médici.263 O usufruto dos resultados da política de “saneamento


financeiro” empreendida no período anterior resultava, em grande parte,
do “saneamento político” praticado no mesmo período. Atuavam em favor
do regime, também, fatores internacionais, como a disponibilidade de capi-
tais de empréstimo e investimentos.264 A partir de 1968, os índices que, na
primeira metade da década, haviam ajudado a derrubar o presidente João
Goulart já enchiam de otimismo os setores capitalistas, que, costumeira-
mente associados à racionalidade pragmática, revelariam uma insuspeitada
vocação mística ao anunciar ao mundo o “Milagre brasileiro”, cujas evidên-
cias seriam os números a seguir.

Tabela 1.

Ano PIB Var. anual Taxa de inflação


1963 0,6 78,40
1964 3,4 89,90
1965 2,4 58,20
1966 6,7 37,90
1967 4,2 26,50
1968 9,8 26,70
1969 9,5 20,10
1970 10,4 16,40
1971 11,3 20,30
1972 12,1 19,10
1973 14,0 22,70
Fontes: Para o PIB, LAGO, Luís Aranha Correia do. A retomada do crescimento e as distor-
ções do “milagre”: 1967-1973. In: ABREU, Maurício de Paiva (Org.). A ordem do progresso.
Cem anos de política econômica republicana, 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1989, p.
233-294, e Anexo estatístico; para a inflação, BAER, Werner. A economia brasileira. Trad.
Edite Sciulli. São Paulo: Nobel, 1996, p. 401.

263
Sobre a propaganda política no governo Médici, ver FICO, Carlos. Reinventado o otimis-
mo. Ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fundação
Getúlio Vargas, 1997.
264
É vasta a literatura crítica desta fase da política econômica do regime ditatorial. Um estudo
produzido na época, e já clássico, é SINGER, Paul. Evolução da economia brasileira: 1955-1975.
In: ______. A crise do “milagre”. Interpretação crítica da economia brasileira. 3. ed. Rio de Janei-
ro: Paz e Terra, 1977, p. 99-119. Para uma introdução ao assunto de um ponto de vista mais re-
cente, ver EARP, Fabio Sá; PRADO, Luiz Carlos. O “milagre” brasileiro. Crescimento acelerado,
integração internacional e distribuição de renda, 1967-1973. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO,
Lucília (Org.). O Brasil Republicano. Vol. 4, O tempo da Ditadura: regime militar e movimentos
sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Ver, também, TAVA-
RES, Maria da Conceição; ASSIS, J. Carlos de. O grande salto para o caos, esp. p. 29-41.
114 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

No entanto, o excepcional crescimento do PIB e a razoável redução da


taxa de inflação no período 1968-1973 obscureciam outras variáveis, me-
nos edificantes. Tratava-se, naturalmente, de uma fase altamente positiva
do processo de acumulação de capital na economia brasileira, o que, por si
só, já pressupunha elevadas taxas de exploração do trabalho. Isto se expres-
sava no agravamento da tendência à concentração de renda, em um padrão
típico do capitalismo hipertardio e dependente brasileiro,265 como eviden-
ciado no Gráfico 1, elaborado por Pedro Ferreira de Souza.

Gráfico 1. Fração recebida pelo 1% mais rico – 1927/1975 (%)

Fonte: Elaboração do autor a partir de publicações da Receita Federal e órgãos predecesso-


res, Ministério da Fazenda, IBGE e outros.266

A tabela indica que os anos do “milagre econômico” aguçaram uma ten-


dência que vinha de longe e se atenuara de maneira significativa na primei-
ra metade da década de 1960, correspondente ao governo de João Goulart
(1961-1964), para retomar a linha ascensional após a sua deposição. Dados
produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mos-
tram que, em 1960, 20% dos brasileiros mais pobres detinham apenas 3,9%
do total da renda nacional. Em 1974, logo após o ápice da conjuntura de
imensa expansão econômica, o salário mínimo tinha a metade do poder

265
SOUZA, Pedro Ferreira de. “Série inédita brasileira mostra salto da desigualdade no
começo da ditadura”. Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/29/econo-
mia/1446146892_377075.html>. Acesso em: 28 dez. 2015.
266
Idem.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 115

de compra de 1960. Em 1980, um quinto da população concentrava apenas


2,8% de toda a renda produzida no país.267
Entre os críticos dos feitos da ditadura na área econômica, por perce-
berem o seu custo social, encontravam-se setores da Igreja Católica. Al-
guns deles, inclusive leigos, mantinham, desde inícios de 1970, um diálogo
informal e secreto com chefes militares, visando amenizar o tratamento
dispensado aos “inimigos” do regime e resolver problemas pontuais de
violação de direitos humanos. No entanto, os horizontes ideológicos dos
interlocutores, que explicam o caráter secreto dos encontros, impediram
que se alcançassem outros resultados que não a aparagem de arestas no
relacionamento Estado-Igreja Católica.
Entretanto, a heterogeneidade interna à hierarquia católica ensejaria
a oportunidade para o surgimento de uma posição bem mais crítica no
interior da CNBB. Em junho de 1972, bispos da região Sul, reunidos em
assembleia, aprovaram enérgica denúncia da prática de torturas contra pre-
sos políticos no país.268 Em maio do ano seguinte, treze bispos do Nordeste
aprovaram o documento “Eu ouvi os clamores do meu povo”, no qual eram
postos em questão os alegados êxitos econômicos do regime.

No rastro do milagre ficou o empobrecimento relativo e absoluto do povo.


[…] a concentração de renda tende, portanto, a aumentar mais e mais e no

267
Disponível em: <http://www.administradores.com.br/informe-se/informativo/milagre-
-pos-1964-concentrou-renda-em-periodo-de-expansao-economica/21981/>. Acesso em:
28 dez. 2015.
268
Os presos continuavam recorrendo à greve de fome como forma de luta por direitos
mínimos. Em São Paulo, foram realizados, em 1972, dois movimentos dessa natureza, na
tentativa de oferecer resistência às autoridades, que tinham planos de dividir os presos po-
líticos em vários pequenos grupos, levando-os para diversas cadeias do estado. O primeiro,
de 12 a 19 de maio de 1972, envolvendo 34 homens e 13 mulheres, reclusos nos presídios
Tiradentes, Casa de Detenção e Penitenciária do Carandiru. O segundo movimento, a partir
de 9 de junho seguinte, contando com a participação de 32 homens e com a adesão ime-
diata das detentas, mas restrito às penitenciárias do Carandiru e de Presidente Venceslau,
próximo à fronteira com o atual estado de Mato Grosso do Sul. O Comitê de Solidariedade
aos Presos Políticos de São Paulo divulgou, em julho de 1972, um documento denunciando
torturas em dois detentos praticadas na OBAN, durante a greve de fome, que se estendeu
por 33 dias, terminando sem vitória. Jornal do Brasil, 20 de maio de 1972. Disponível em:
<http://www.portalan.arquivonacional.gov.br/media/DSI%20Avulsos%20final%2020%20
ago.pdf>, acesso em 27 jan. 2014; <http://www.documentosrevelados.com.br/geral/docu-
mento-denunciando-torturas-a-dois-presos-politicos-durante-greve-de-fome/>, acesso em
24 jan. 2014. Também: VIANA, Gilney Amorim; CIPRIANO, Perly, op. cit., p. 43.
116 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

seu curso fortalece a estrutura de classe e de poder que a faz possível. No


processo de empobrecimento dos que são pobres para aumentar a fortuna
dos ricos, a concentração de renda é a demonstração mais clara da opres-
são e da injustiça de que é capaz a estrutura de propriedade privada dos
meios de produção, em que se fundamenta o atual sistema brasileiro. […] A
ausência de liberdade, a violência da repressão, as injustiças, o empobreci-
mento do povo e a alienação dos interesses nacionais ao capital estrangeiro
não podem constituir sinal de que o Brasil tenha encontrado o caminho de
sua afirmação histórica.269

É interessante anotar como as visões da história interagem em seu dina-


mismo. Este documento é produto das contradições vividas por uma ins-
tituição milenarmente associada às classes dominantes em todo o mundo
ocidental. Entretanto, em outro trecho, defende perspectivas próximas do
socialismo:

A classe dominada não tem outra saída para se libertar senão seguir o longo
e difícil caminho, já iniciado, que conduz à propriedade social dos meios
de produção. Nele está o fundamento principal de um gigantesco proje-
to histórico de transformação global da sociedade atual numa sociedade
nova, na qual se torne possível criar as condições objetivas que permitam
aos oprimidos recuperar a humanidade de que foram despojados, fazer cair
as cadeias do seu sofrimento, vencer o antagonismo de classes e, enfim,
conquistar a liberdade.270

O “Milagre” também correspondia a um “projeto histórico”, talvez não


gigantesco, mas com certeza de dimensões muito mais amplas do que aque-
las perceptíveis à época. Representava a consumação da perspectiva desen-

269
Citado em CASTRO, Marcos de. A Igreja e o autoritarismo, p. 15. Grifo no original.
Para uma perspectiva historiográfica que não percebe conexões causais entre o “empo-
brecimento dos pobres” e a “fortuna dos ricos”, apenas constata e descreve a discrepância
entre as duas situações, ver: REIS, Daniel Aarão. Ditadura, esquerdas e sociedade. Rio de
Janeiro: Zahar, 2000, p. 61-62. Do mesmo autor e com a mesma visão, “A ditadura civil-
-militar”. O Globo, caderno Prosa & Verso, 31 de março de 2012. Para uma crítica, ver
LEMOS, Renato Luís do Couto Neto. “A ‘ditadura civil-militar’ e a reinvenção da roda
historiográfica”, carta ao jornal O Globo, não publicada, disponível em <http://blogcon-
vergencia.org/?p=239&print=pdf>. Acesso em: 6 jun. 2015.
270
Citado em ALVES, Márcio Moreira. L’Église et la Politique au Brésil, p. 172-173.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 117

volvimentista calcada na noção de segurança nacional e na pretensão de


transformar o país em potência internacional. A grande expansão do setor
de bens de consumo duráveis – automóveis, eletrodomésticos etc. – conso-
lidou a estrutura industrial brasileira, após a arrancada promovida pelo go-
verno de Juscelino Kubitschek (1956-1961) com seu plano de crescimento
de “50 anos em 5”.271
Os investimentos estrangeiros que viabilizaram o “Milagre” se locupleta-
ram com a ordem política estável garantida pela contrarrevolução terroris-
ta desencadeada com o golpe de 1964. A natureza contrarrevolucionária do
regime político ditatorial brasileiro apresentava, também, um componen-
te internacional básico. A bem-sucedida operação político-militar contra
João Goulart fora expressão de uma conjuntura histórica em que o conflito
de classes se internacionalizara em suas formas violentas, tendo como eixo
a dominação imperialista sob a hegemonia dos EUA. Da mesma maneira,
a consolidação da obra da “revolução” dependia da conformação de um
entorno contrarrevolucionário no subcontinente. Enquanto os diplomatas
do imperialismo corriam o mundo preparando a retificação dos rumos da
Guerra Fria, aproximando-se da União Soviética e da China com os olhos
em seus imensos mercados, a América Latina parecia seguir na direção de
ameaças nacionalistas e socialistas aos interesses de suas empresas.272 A
emergência de governos com esse perfil foi respondida com o agravamento
do intervencionismo imperialista dos EUA. A contrarrevolução brasileira
se encontrava em sua fase terrorista, e os seus dirigentes, convictos de esta-
rem já divisando o país na pretendida condição de potência mundial, o que
ajuda a entender a pretensão militar “subimperialista” do general Médici.273

271
Uma apologia deste projeto se encontra em VELLOSO, João Paulo dos Reis. Brasil: a
solução positiva. São Paulo: ABRIL-TEC, 1977.
272
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Brasil e os golpes na Bolívia, Uruguai e Chile: 30 anos
depois. Espaço acadêmico, n. 28, setembro de 2003. Disponível em: <http://www.espacoaca-
demico.com.br/028/28bandeira.htm>. Acesso em: 2 mar. 2015.
273
Em outra acepção, não militar, o conceito de subimperialismo ocupa um importante
lugar no debate sobre a natureza das relações entre a economia brasileira e as demais do
continente. Da lavra de Ruy Mauro Marini, o conceito surgiu em 1965, no artigo “Brazilian
‘interdependence’ and imperialist integration”, publicado por ele na revista Monthly Review
(v. 17, n. 7). Uma versão mais elaborada se encontra em seu livro Subdesarrollo y revolución,
de 1969. O interesse sobre o tema renasceu a partir da recente expansão de empresas bra-
sileiras no continente e em países africanos. Ver, a propósito, FONTES, Virgínia. Capital
imperialismo brasileiro – controvérsias e novos dilemas. In: ______. O Brasil e o capital-im-
perialismo. Teoria e história. 2. ed. Rio de Janeiro: EPSJV; Editora UFRJ, 2010.
118 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

A repressão, que o governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-


1974) internamente intensificara contra toda e qualquer oposição ao regime
militar, projetou-se, por conseguinte, sobre outros países da América do
Sul, sob a forma de intervenções mais ou menos encobertas, sem apelo à
justificativa doutrinária das fronteiras ideológicas.274

A primeira intervenção do regime ditatorial brasileiro em processos po-


líticos na América Latina durante o governo Médici se registrara em fins de
1970. País então recordista de golpes de Estado, a Bolívia passava por um
processo de fortalecimento dos setores nacionalistas, expresso na convoca-
ção da Assembleia Popular pelo presidente Juan José Torres (1970-1971).275

A Casa Militar do presidente Garrastazu Médici, chefiada pelo general João


Batista Figueiredo, ofereceu aos adversários do governo do general Juan
José Torres, através do ex-coronel Juan Ayoroa, dinheiro, armas, aviões e até
mercenários, bem como permissão para instalar áreas de treinamento perto
de Campo Grande (Mato Grosso) e em outros locais próximos da fronteira.
E o golpe de Estado, deflagrado, finalmente, pelo general Hugo Banzer, con-
tou com aberto apoio logístico do Brasil, cujos aviões militares, sem ocultar
as insígnias nacionais, descarregaram fuzis, metralhadoras e munições em
Santa Cruz de la Sierra, enquanto tropas do II Exército, comandado pelo ge-
neral Humberto Melo, estacionavam em Mato Grosso, prontas para intervir
na Bolívia (onde alguns destacamentos penetraram), se necessário fosse.276

Em fins de 1971, o general Médici esteve na iminência de ordenar a invasão


– afinal, substituída pela participação em fraude eleitoral – do Uruguai diante
da possibilidade de vitória de candidatos considerados comunistas.277

274
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. “Brasil e os golpes na Bolívia, Uruguai e Chile: 30 anos
depois”.
275
Em dezembro de 1970, os governos da Bolívia e do Peru, imbuídos do “espírito natali-
no”, concederam anistia a vários presos políticos, suscitando no jornal do PCB críticas ao
governo brasileiro que, caminhando em sentido contrário, realizava prisões em massa de
opositores do regime. Voz Operária, janeiro de 1971.
276
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz, op. cit.
277
O depoimento de um oficial envolvido nos preparativos para a invasão se encontra em
GRAEL, Coronel Dickson M. À sombra da impunidade. Aventura, corrupção, terrorismo.
3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985. O autor informa, à página 19, que o coronel Leuzinger
Marques Lima, então adido da Aeronáutica no Uruguai, levou para lá “explosivos, que fo-
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 119

As tropas do III Exército, sediadas no Rio Grande do Sul, prepararam-se para


o invadir, executando a Operação Trinta Horas (tempo necessário para a ocu-
pação de todo o Uruguai), o que só não se concretizou porque o general Liber
Seregni, candidato da Frente Ampla (partidos de esquerda e centro-esquer-
da), perdeu as eleições para os conservadores. Mas os serviços de inteligência
do Brasil lá continuaram a colaborar ativamente no combate às organizações
de esquerda. O delegado Sérgio Fleury, da Divisão de Ordem Política e So-
cial da Polícia de São Paulo, ajudou a organizar o esquadrão da morte para
liquidar os tupamaros (militantes do Movimiento de Liberación Nacional
Tupac Amaru), que realizavam espetaculares operações de guerrilha urbana.
E quando os militares finalmente deram, em 1973, o golpe de estado, ulti-
mando o processo de implantação da ditadura, o Brasil, que influíra direta
ou indiretamente para esse desfecho, enviou ao Exército do Uruguai centenas
de veículos, tais como caminhões e carros Volkswagen, em uma operação da
ordem de US$ 815.000, enquanto a Argentina fornecia automóveis para a Po-
lícia, bem como gasolina e querosene da Yacimientos Petrolíferos Fiscales.278

Ainda em 1973, outra experiência condenada pelo imperialismo mobi-


lizou a ditadura brasileira. No Chile, o socialista Salvador Allende chegara
ao poder pelo voto e tentava seguir uma via pacífica para a superação do
capitalismo.

Evidências houve de que oficiais brasileiros dos serviços secretos, em cone-


xão, possivelmente, com a CIA, participaram da conspiração, tanto que o
general Orlando Geisel, ministro da Guerra no governo Garrastazu Médici,
avisara ao embaixador do Paraguai que cedo o Chile cairia “em mãos dos
militares”. O próprio embaixador dos EUA em Santiago, Edward Korry, afir-
mou que o “real apoio técnico e psicológico” ao coup d’État “veio do governo
militar do Brasil”. E seu sucessor, o embaixador Nathaniel Davies, revelou
que o embaixador brasileiro, Cândido da Câmara Canto, convidou-o para

ram prontamente utilizados pela Polícia para destruir células do Partido Comunista, que se
exibia ostensivamente, já que tinha existência legal naquele país”. Ver, também, FERNAN-
DES, Ananda Simões. “A política externa da ditadura brasileira durante os ‘anos de chumbo’
(1968-1974): as intervenções do ‘Brasil Potência’ na América Latina” e SILVA, Vicente Gil.
“O papel intervencionista da ditadura civil-militar brasileira na América do Sul”, ambos em
História Social, Campinas (SP), n. 18, 2010.
278
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz, op. cit.
120 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

que conjuntamente planejassem e coordenassem os esforços no sentido de


derrubar o governo de Allende. Sem dúvida alguma, a cumplicidade do
Brasil foi, na verdade, muito maior do que transpareceu. Além de recursos
financeiros, fornecidos por empresários de São Paulo, vários carregamentos
de armas e munições, entre 1972 e 1973, saíram do porto de Santos, com
destino a Valparaiso, em caixas de maquinaria agrícola e de outros produ-
tos, importados pela firma do Senador Pedro Ibáñez Ojeda, a fim de abas-
tecer a organização direitista Patria y Libertad. E, com a queda do governo
Allende, em 11 de setembro de 1973, o Brasil reconheceu imediatamente
a Junta Militar, chefiada pelo general Augusto Pinochet. Vários aviões da
Força Aérea Brasileira voaram para Santiago, transportando não só man-
timentos e remédios como também assessores da Polícia Federal e oficiais
das Forças Armadas, que participaram de interrogatórios e treinaram seus
colegas chilenos na arte da tortura, enquanto o embaixador Câmara Canto
coordenava as medidas de apoio às novas autoridades do país.279

De acordo com documentos confidenciais produzidos pelo Estado-Maior


das Forças Armadas (EMFA) brasileiro – e recentemente desclassificados –, o
general Médici fez com o general Pinochet, chefe da ditadura chilena (1973-
1990), um acordo de fornecimento de armas para auxiliar a repressão interna
naquele país. O acordo seria executado durante o governo do general Ernesto
Geisel (1974-1979), quando o regime ditatorial brasileiro fortaleceu o seu si-
milar vizinho com milhares de fuzis, cartuchos e outros acessórios bélicos.280
O apoio ao golpe e à ditadura chilena pode ser explicado, também, pela
lógica do processo de transição que se iniciaria no Brasil. O objetivo era con-

279
Idem. René Armand Dreifuss informa sobre uma “conexão brasileira”, que cumpriu uma
função importante na campanha de desestabilização política do governo de Salvador Al-
lende. A expertise do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e recursos financeiros
dos EUA foram introduzidos no Chile com este fim. A internacional capitalista, op. cit., p.
228-229. Agradeço a Rejane Carolina Hoeveler por esta informação.
280
O Globo, 2 de julho de 2012. Segundo o general Paul Aussaresses, que atuou como adido
militar junto à embaixada francesa no Brasil entre 1973 e 1975 e como instrutor de técnicas
antiguerrilha a militares brasileiros, o Brasil participou ativamente do golpe contra Allende,
enviando oficiais, armas e aviões franceses, municiados com projéteis fabricados na França
pela sociedade Thomson-Brandt. Folha de S. Paulo, 4 de maio de 2008. Ecos desta presença
são detectados em BAUER, Caroline Silveira. Aproximações entre o combate à Guerrilha do
Araguaia e o Operativo Independência na Argentina: preceitos da guérre revolutionnaire no
Cone Sul. Escritas, Araguaína (TO), v. 3, p. 84-102, 2011.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 121

solidar os resultados estratégicos alcançados – a redução drástica do conflito


político, com a erradicação das forças consideradas anticapitalistas ou na-
cionalistas radicais, e a retomada do processo de acumulação de capital pela
via do aprofundamento da integração econômica com os centros capitalistas
mundiais. Estes resultados foram percebidos como alcançados no período
1968-1973. Cabia, agora, como será discutido mais em detalhe adiante, mo-
dificar o regime político no sentido, também estratégico, de uma organização
calcada no tipo de democracia que se projetava como ideal: um regime que se
legitimasse eleitoralmente e fosse provido de recursos para controlar eficaz-
mente a luta de classes. Previstas resistências ao projeto por parte da esquerda
e da extrema-direita, a mudança foi concebida como um lento e gradual pro-
cesso de recomposição de forças no sentido da formação de um centro polí-
tico conservador mais amplo do que aquele que sustentava a ditadura, pela
aproximação entre setores do regime e da oposição moderada e exclusão das
forças consideradas de “linha dura” e extrema-esquerda. Sempre orientado
pelas formulações da Doutrina de Segurança Nacional no referente à nature-
za internacional da luta de classes, a estratégia alinhou-se no subcontinente
sul-americano às forças contrarrevolucionárias dedicadas à defesa da ordem
capitalista, terreno necessário ao florescimento do projeto de democracia res-
trita que daria consistência ao processo de transição política no país.281
O caminho para a dominação hegemônica no plano nacional foi, por-
tanto, construído durante a ditadura em conexão com o processo contrar-
revolucionário subcontinental. A relação cronológica indica um aparente
descompasso em termos de tendência da contrarrevolução em distintas
formações sociais do Cone Sul, decorrente das singularidades da luta de
classes em cada país.282 O marco inicial da transição brasileira pode ser as-
sociado à indicação do general Ernesto Geisel à sucessão do general Emílio
Médici, oficializada em 18 de junho de 1973. Nove dias depois, o presiden-

281
LEMOS, Renato. “A anatomia da transição é a chave da anatomia da ditadura: o governo
Geisel e a contrarrevolução no Cone Sul da América”. Disponível em: <http://blogconver-
gencia.org/blogconvergencia/?p=360>. Acesso em: 2 mar. 2015.
282
Idem. Ver PADRÓS, Enrique Serra. Como el Uruguay no hay... Terror de Estado e Seguran-
ça Nacional - Uruguai (1968-1985): do Pachecato à Ditadura Civil-Militar. Tese (Doutorado
em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005; e BAUER,
Caroline Silveira. Um estudo comparativo das práticas de desaparecimento nas ditaduras ci-
vil-militares argentina e brasileira e a elaboração de políticas de memória em ambos os países.
Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre;
Universitat de Barcelona, Barcelona, 2012.
122 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

te do Uruguai, Juan Maria Bordaberry, discursava anunciando as medidas


que implantariam a ditadura no país. Em 11 de setembro, o presidente Sal-
vador Allende era deposto e iniciado o regime ditatorial no Chile.
A internacionalização da contrarrevolução latino-americana teria funestas
consequências para os opositores da ditadura brasileira. O brasileiro Nelson de
Sousa Kohl, militante do Partido Operário Comunista (POC), por exemplo, foi
preso em Santiago pela Força Aérea chilena quatro dias após o golpe liderado
por Pinochet e nunca mais visto.283 Três meses depois, no dia 5 de dezembro,
outros dois brasileiros − o ex-major Joaquim Pires Cerveira e o estudante João
Batista Rita Pereda − foram sequestrados em Buenos Aires por um grupo de
policiais comandados por um brasileiro, segundo depoimento de uma teste-
munha.284 Aos brasileiros, que ali haviam buscado asilo durante o governo so-
cialista de Allende, só restou novo êxodo, desta vez para a Europa.
O agravamento das ações repressivas continentais, certamente, contri-
buiu para que, no final de 1973, por ocasião do 25º Aniversário da Declara-
ção Universal dos Direitos do Homem,285 a Igreja Católica passasse da ati-
vidade de bastidores a uma atitude aberta de defesa dos “direitos humanos”.
Grupos de parentes de presos, cassados, banidos e exilados engrossaram a
campanha, que em seguida seria associada à bandeira da anistia. Líderes
católicos começaram a recolher dados para elaborar listas de nomes de pes-
soas que teriam desaparecido em razão de atividades políticas oposicionis-
tas. De posse delas, D. Paulo Evaristo Arns, então arcebispo metropolitano
de São Paulo, teve, na companhia de familiares dos “desaparecidos”,286 duas
reuniões com o chefe da Casa Civil, general Golbery do Couto e Silva, na
tentativa, que se revelaria infrutífera, de obter informações do governo.287

283
CABRAL, Reinaldo; LAPA, Ronaldo (Org.). Desaparecidos políticos. Prisões, sequestros,
assassinatos. Rio de Janeiro: Opção; Comitê Brasileiro pela Anistia – RJ, 1979, p. 227.
284
Idem, p. 233.
285
Proclamada pela Assembleia Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948.
286
Em 1973, iniciou-se a temporada do general Paul Aussaresses no Brasil como adido mi-
litar junto à embaixada da França, cargo que ocuparia até 1975. O general “é uma das es-
pinhas dorsais da exportação da tortura e dos desaparecimentos, dois modelos herdados
da guerra da Indochina a da Argélia e difundidos depois em todo o continente americano
por um compacto grupo de oficiais francesas do qual Aussaresses foi um dos mais ativos
representantes”. FEBBRO, Eduardo. O general francês que veio ensinar a torturar no Bra-
sil. Trad. Katarina Peixoto. Carta Maior, 24 de julho de 2012. Disponível em: <http://pcb.
org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=4395:o-general-fran-
ces-que-veio-ensinar-a-torturar-no-brasil&catid=64:ditadura>. Acesso em: 26 fev. 2014.
287
ARNS, D. Paulo Evaristo. Um drama agonizante. In: CABRAL, Reinaldo; LAPA, Ronaldo
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 123

No Congresso, alguns parlamentares tentavam repercutir frágeis pres-


sões oriundas de setores externos. Em 29 de maio de 1973, o senador Nel-
son Carneiro (MDB-GB) discursou sobre moção aprovada pela Assembleia
Geral Ordinária da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) intitulada
“Rui, a imprensa e a anistia”.288 Contudo, o férreo controle exercido pelo
governo, através da maioria arenista e dos atos institucionais, impedia que
qualquer iniciativa de discussão sobre a anistia vingasse. O histórico dos
debates na Câmara dos Deputados expressa esta impossibilidade. De acor-
do com os seus registros, houve, durante o ano de 1973, seis intervenções
de deputados sobre assuntos relativos à anistia... financeira.289

1.6 A conexão Harvard e a política de descompressão290

Da mesma forma que todas as demais questões relativas ao processo políti-


co, a luta pela anistia foi sobredeterminada pela dinâmica das conjunturas
internacional e nacional. Estas duas instâncias se articularam na sucessão
do general Emílio Médici na Presidência da República, que, como já visto,
constituiu um capítulo decisivo dos rumos do regime ditatorial.
Quando o general Ernesto Geisel foi anunciado como o futuro presi-
dente, o regime ditatorial se encontrava no auge econômico e político. Ao
contrário do que alguns analistas asseveram,291 ainda não se formara uma

(Org.). Desaparecidos políticos. Prisões, sequestros, assassinatos, p. 33. Sobre a importante


atuação do arcebispo Arns em defesa dos presos políticos, ver: SYDOW, Evanize; FERRI,
Marilda. Dom Paulo Evaristo Arns. Um homem amado e perseguido. Petrópolis, RJ: Vozes,
1999, esp. cap. 5.
288
Diário do Congresso Nacional, Brasília, Seção II, 30/05/73, p. 1648.
289
Intervenções de J. G. de Araújo Jorge, Célio Marques Fernandes (Arena-RS), Maurício
Toledo (Arena-SP), José Augusto Amaral de Sousa (Arena-RS) e Lisânias Maciel (MDB-
-GB) sobre o Projeto de Lei nº 740/72, que anistiava de multa e correção monetária os deve-
dores de contribuições previdenciárias relativas à construção ou reforma de casas próprias;
de César Nascimento (MDB-SC), apelando ao presidente da República para que concedesse,
no Natal, anistia aos devedores da Caixa Econômica Federal que tivessem penhorado bens
de uso doméstico para enfrentar a alta do custo de vida. Câmara dos Deputados. Diretoria
de Registro Taquigráfico de Debates, sessões em 17 de setembro e 29 de novembro de 1973.
290
Uma versão resumida deste item foi publicada em Tempos históricos, Marechal Rondon
(PR), v. 18, segundo semestre de 2014.
291
Para um balanço das abordagens do processo de transição, pode-se consultar DINIZ,
Eli. A transição política no Brasil: uma reavaliação da dinâmica da abertura. Dados, Rio de
Janeiro, v. 28, n. 3, p. 329-346, 1985, onde a autora diz: “Na verdade, a política distensionista
124 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

clara percepção de que estavam estabelecidas condições que logo fariam


eclodir a crise econômica que abalaria vigorosamente o mundo capitalista
após o “choque do petróleo”, decorrente da decisão tomada pela Organiza-
ção dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), em setembro de 1973, no
sentido de, em protesto contra o apoio prestado pelos Estados Unidos a Is-
rael durante a Guerra do Yom Kippur, aumentar o preço da mercadoria em
cerca de 300%. Também, ainda não se havia evidenciado plenamente que
a economia capitalista mundial começava a entrar na fase descendente do
ciclo expansivo iniciado em meados da década de 1940, nem que o então
chamado modelo econômico nacional – associado ao “Milagre brasileiro” –
se esgotava. É exatamente o fato de ainda não existir esta percepção da crise
econômica mundial292 que Paulo Singer ressalta para apontar a acuidade
analítica do marxista belga Ernest Mandel em seu livro Capitalismo tardio:

Concluído em 1972 […], sua tese central – de que o capitalismo acabava de


entrar numa fase de “tônica estagnante” − estava longe de ser evidente. An-
tes, pelo contrário, a economia capitalista mundial parecia estar no auge de
seu longo período de prosperidade que, de modo algum, aparentava estar
chegando ao seu fim. O mercado internacional estava, na verdade, dando
sinais tão fortes de vigor que chegava a estimular em alguns países taxas de
crescimento extraordinariamente altas e duradouras. Era a época dos “mi-
lagres econômicos” no Japão, no Brasil e em outros países.293

Não é adequado, portanto, relacionar as mudanças políticas que come-


çavam a ser discutidas no Brasil à crise econômica, tanto mundial quanto

teve início antes que os efeitos da crise se tornassem plenamente visíveis, quando as elites
econômicas e as autoridades governamentais ainda estavam influenciadas pelo clima de oti-
mismo gerado pela era do milagre” (p. 331)
292
Escrevendo em fins de 1974, Antônio Barros de Castro observou que, naquele momento,
ninguém mais duvidava de que a economia capitalista se encontrava em uma crise de graves
proporções e que tudo indicava que a “tecnoestrutura” fora colhida por ela de surpresa: “A crise
atual não foi prevista e não creio que as teses que prevaleceram nas últimas décadas permitam
entendê-la”. O capitalismo ainda é aquele. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1979, p. 11-12.
293
“Apresentação”. In: MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. Trad. Carlos E. S. Matos, Regis
de C. Andrade e Dinah de A. Azevedo. São Paulo: Abril, 1982, p. VII. O fato de existirem, desde
fins da década de 1960, indícios objetivos de crise econômica – economias tendentes à super-
produção e à estagnação, surto inflacionário etc. ‒ não resulta automaticamente na percepção do
fenômeno, que só se torna plena a partir de certo grau de amadurecimento do processo.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 125

nacional.294 A perspectiva adotada aqui situa a questão da mudança de re-


gime numa escala de tempo mais ampla e incorpora elementos externos
como fatores explicativos.
Este item gira em torno de um personagem e suas ideias. Trata-se de
Samuel Huntington, cientista político estadunidense ligado à Universidade
Harvard e ao Estado norte-americano por vários laços e instituições. Interes-
sa, especialmente, apresentar seu papel como “intelectual orgânico” do capi-
tal transnacional.295 É conhecido o conceito formulado por Antônio Gramsci:

Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial


no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, de um
modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homoge-
neidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico,
mas também no social e no político […].296

É assim que ele será tratado aqui – intelectual orgânico do capitalismo


transnacional, por sinal, objeto de estudos seus.297 Foi dessa perspectiva que
Huntington exerceu papel de grande importância para a elaboração de uma
estratégia contrarrevolucionária preventiva de manutenção, sob novas for-
mas políticas, das posições dominantes do bloco de poder construído no

294
Um observador estrangeiro, porém de um ângulo internacionalista, também entendeu a
situação dessa maneira: “Todo mundo sabe que as aberturas democráticas no Brasil e na Es-
panha foram pensadas e preparadas sob o velho regime, antes mesmo que a crise econômica
e política, e o ascenso de massas, o obrigassem a colocá-las em prática”. MORENO, Nahuel.
As revoluções do século XX. São Paulo: Instituto José Luiz e Rosa Sundermann, 2003, p. 26.
295
Ver BRANDÃO, Gildo M. Desconstruindo Huntington. República, novembro de 2001. Dis-
ponível em: <http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=220>. Acesso em: 5 jan.
2016; CLEMENT, Christopher I. E TECH, Virginia. Organic Intellectuals and the Discourse
on Democracy: Academia, Foreign Policy Makers, and Third World Intervention. New Politi-
cal Science, v. 25, n. 3, p. 351-364, September 2003; RODRIGUE, Matthew M. Rethinking Aca-
demia: A Gramscian Analysis of Samuel Huntington. Houston University, Honors Capstone
Thesis, Academic Year 2006-2007; RAGO FILHO, Antônio. Os ensinamentos de Samuel Hun-
tington para o progresso da autorreforma da autocracia burguesa bonapartista. Anais do XIX
Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 8 a 12
de setembro de 2008. Cd-Rom; e HOEVELER, Rejane Carolina. Ditadura e democracia restri-
ta: a elaboração do projeto de descompressão controlada no Brasil (1972-1973). Monografia
(Bacharelado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
296
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. 4. ed. Trad. Carlos Nelson
Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982, p. 3.
297
Ver, por exemplo, HUNTINGTON, Samuel. Transnational Organizations in World Poli-
tics. World Politics, v. 25, n. 3, p. 333-368, April 1973.
126 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Brasil a partir de 1964. As suas ideias, como se verá, traduziam visões in-
ternacionais dos setores hegemônicos no sistema capitalista mundial e fo-
ram introduzidas no Brasil, basicamente, no espaço de uma década. Ideias
que se ajustaram a tendências já presentes no interior do núcleo dirigente
do regime ditatorial. Livros e artigos foram o veículo da sua disseminação,
complementada pela presença física de Huntington em eventos político-a-
cadêmicos e contatos com personagens centrais do regime.
Após a deposição de Goulart, mal se haviam ajeitado os novos donos do
poder em suas poltronas, Samuel Huntington já era conhecido no Brasil.
Seu nome foi citado na imprensa pelo escritor Otto Maria Carpeaux, em
novembro de 1964,298 em meio a autores de obras sobre as relações entre
militares e civis na América Latina. A sua primeira visita ao Brasil, progra-
mada desde o fim do primeiro semestre de 1965,299 foi produto da estada do
cientista político Candido Mendes,300 alguns meses antes, na Universidade
Harvard e aconteceu em outubro desse ano.

298
“Generais bolivianos e outros”. Correio da Manhã, 8 de novembro de 1964, p. 4.
299
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 20 de junho de 1965, p. 25.
300
A viagem se deu a convite do Center for International Affairs (Harvard University), por
intermédio do embaixador norte-americano no Brasil, Lincoln Gordon, e teve como objeti-
vo a realização de pesquisas, palestras e seminários sobre a temática da relação entre nacio-
nalismo e desenvolvimento. É este, aliás, o título do livro que o cientista político publicara
em 1963, pelo Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos, por ele fundado no Rio de Ja-
neiro quando assessor do presidente da República. Correio da Manhã, 31 de janeiro de 1965,
Econômico, p. 3. Candido Antonio Mendes de Almeida nasceu no Rio de Janeiro, em 1928.
Professor universitário nas áreas de ciência política e direito desde 1951, lecionou na Ponti-
fícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e na Escola Brasileira de Adminis-
tração Pública (EBAP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Chefe da Assessoria Técnica do
Presidente Jânio Quadros em 1961, foi professor visitante em universidades estadunidenses
de 1965 a 1971. A partir deste ano, passou a atuar em várias entidades católicas nacionais e
internacionais dedicadas às áreas da educação, justiça e paz. No campo acadêmico, foi, tam-
bém, vice-presidente (1973-76 e 1976-79) e presidente (1979-1982) da IPSA (International
Political Science Association) e secretário-geral do Grupo de Estudos Políticos do Consejo
Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO), instituição internacional não governa-
mental criada em 1967 a partir de uma iniciativa da UNESCO (Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Disponível em: <http://www.academia.org.
br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=11888&sid=325>. Acesso em: 21 out. 2013. Du-
rante o governo do general Emílio Médici (1969-1974), ao mesmo tempo em que contribuía
para a disseminação das teses huntingtonianas sobre a necessidade de “descompressão polí-
tica” no Brasil, protagonizou uma importante articulação entre setores católicos e militares
com vistas ao exame e tomada de providências em relação a denúncias de violações de di-
reitos humanos. Ver MENDES, Cândido; BANDEIRA, Marina. Comissão Brasileira Justiça e
Paz (1969-1995). Empenho e memória. Rio de Janeiro: EDUCAM, 1996, p. 60-61 e 74-75; e
SERBIN, Kenneth P. Diálogos na sombra. Bispos e militares, tortura e justiça social na dita-
dura. Trad. Carlos Eduardo Lins da Silva. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 127

A Universidade Harvard se inseria em um ambiente universitário


marcado por conexões financeiras e ideológicas com as grandes cor-
porações transnacionais e o Estado norte-americano. Ronald Chilcote
observa: “As decisões destas empresas universitárias são tomadas por
seus diretores, que servem às empresas de negócios, aos bancos, à bu-
rocracia e aos militares do país”.301 De fato, logo após a Segunda Guer-
ra Mundial (1939-1945), a ligação com a comunidade acadêmica para
fins políticos, que já existia, tornou-se uma orientação de Estado nos
EUA.302 A Universidade Harvard, uma instituição privada, abrigava exe-
cutivos que também atuavam no Council on Foreign Relations303 e aca-
dêmicos, como Henry Kissinger,304 que tinham ligações com as agências
de informação e elaboravam subsídios para a política externa do país.
Daniel Lerner e Walt W. Rostow foram proeminentes intelectuais que
atuaram no Center for International Studies (CENIS) do Massachusetts
Institute for Technology (MIT), criado com o apoio da Central Intel-
ligence Agency (CIA).305 Também no MIT, foi fundado, sob a direção
do Department of Defense e do Joint Chiefs of Staff,306 o Institute for
Defense Analyses (IDA), cujo

301
CHILCOTE, Ronald H. Teorias de política comparativa. A busca de um paradigma re-
considerado. Trad. Carlos Alberto Silveira Netto Soares. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998, p. 68.
302
CLEMENT, Christopher I.; TECH, Virginia, op. cit., p. 335-336.
303
Sobre o CFR, entidade sediada em Nova Iorque e dedicada ao assessoramento aos gover-
nos dos EUA na área da política internacional, ver HOEVELER, Rejane Carolina. As elites
orgânicas transnacionais diante da crise: os primórdios da Comissão Trilateral (1973-1979).
Dissertação (Mestrado em história). Niterói, Universidade Federal Fluminense, 2015, esp.
p. 115 e segs.
304
Henry Alfred Kissinger – nascido, em 1923, em Fürth, Alemanha, e batizado Heinz
Alfred Kissinger – foi, como secretário de Estado, protagonista da política externa dos Es-
tados Unidos de 1968 a 1976. Detentor do prêmio Nobel da Paz, que lhe foi concedido em
1973, é acusado de vários “crimes contra a humanidade”, como a morte de seiscentos mil
civis no Camboja e de quinhentos mil em Bangladesh (1971), o planejamento da conspi-
ração contra o presidente Salvador Allende, do Chile (1973), e do golpe militar em Chipre
(1974), bem como de ter apoiado o genocídio de duzentos mil pessoas em Timor Leste,
perpetrado pelo general Suharto em 1975. Ver HITCHENS, Christopher. O julgamento
de Kissinger. Trad. Adelina França. São Paulo: Boitempo, 2002. Uma detalhada análise
das relações entre Kissinger e a política externa brasileira durante a ditadura, baseada em
ampla e original documentação, se encontra em SPECTOR, Matias. Kissinger e o Brasil.
Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
305
CLEMENT, Christopher I.; TECH, Virginia, op. cit., p. 335-336.
306
Grupo consultivo militar análogo a um estado-maior conjunto das três forças militares.
128 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

[…] objetivo explícito era atrair cientistas altamente qualificados para au-
xiliar na segurança nacional. Em 1961, Samuel Huntington escreveu um
relatório IDA que lançou, pela primeira vez, uma tese sobre a turbulência
e instabilidade no Terceiro Mundo, que mais tarde seria ampliado em sua
obra seminal, Ordem política em sociedades em mudança.307

Em dezembro de 1964, o Brasil foi incluído no rol de preocupações do


Project Camelot, concebido no âmbito do US Army’s Special Operations
Research Office (SORO). O documento fundador do projeto assume que se
trata de iniciativa patrocinada pelo Exército e pelo Department of Defense
e o define como “um estudo que tem por objetivo determinar a viabilidade
da elaboração de um modelo geral de sistemas sociais que possibilite prever
e influenciar os aspectos politicamente importantes da mudança social nas
nações em desenvolvimento do mundo”.308 Multidisciplinar, o projeto foi
concebido para desenvolver-se tanto no interior do SORO quanto em es-
treita colaboração com universidades e outras instituições de pesquisa dos
Estados Unidos e do exterior.309 Seu orçamento inicial era de um milhão
e meio de dólares e o tempo de duração previsto, de três a quatro anos. O
projeto planejava uma “ampla coleta de dados básicos in loco, assim como
a extensa utilização dos dados já existentes sobre funções sociais, econômi-
cas e políticas”, o que requeria a instalação de um “escritório operacional na
região”.310 Foram formulados três objetivos:

Primeiro, criar métodos para avaliar o potencial de guerra intestina nas


sociedades nacionais; segundo, identificar da maneira mais segura possí-
vel aquelas ações que um governo poderia realizar com o fim de avaliar
as condições julgadas capazes de gerar um potencial de guerra intestina;
e, finalmente, determinar a probabilidade de prescrever as características
de um sistema de obtenção e utilização das informações essenciais que são
necessárias à realização das duas acima indicadas.311

307
CLEMENT, Christopher I.; TECH, Virginia, op. cit., p. 335-336.
308
Memorando de 4 de dezembro de 1964, transcrito em HOROWITZ, Irving Louis (Coord.).
Ascensão e Queda do Projeto Camelot. Estudos sobre as relações entre a ciência social e a práti-
ca política. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969 [1967], p. 5.
309
CLEMENT, Christopher I.; TECH, Virginia, op. cit., p. 335-336.
310
HOROWITZ, Irving Louis, op. cit., p. 5.
311
Ibidem.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 129

O Project Camelot condensa de maneira cristalina as preocupações


contrarrevolucionárias preventivas do país-líder do campo imperialista.
À época, o foco estava na necessidade de elaborar estratégias contrainsur-
recionais para fazer frente a potenciais ameaças revolucionárias em paí-
ses latino-americanos selecionados: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia,
Cuba, El Salvador, Guatemala, Peru, República Dominicana e Venezuela,
e – enquadrados como “casos especiais” ‒ México e Paraguai.312 Tratava-se
de recolher elementos que subsidiassem a adoção de procedimentos capa-
zes de evitar a eclosão de guerras civis na região, ou, mesmo, nas palavras
metafóricas de Irving Louis Horowitz, então um professor de sociologia
na Washington University tendente ao conservadorismo, impedir um “ho-
locausto revolucionário”. Em inícios de 1964, um jovem estudante de pós-
-graduação em Direito de Harvard tomara conhecimento direto daquilo
que chamou “prostituição acadêmica”. Um funcionário da Faculdade de
Direito e um colega pós-graduando

[…] convidaram-me para participar de uma “equipe de pesquisa” que esta-


vam organizando, como parte de uma concorrência para um contrato lu-
crativo com a Força Aérea dos Estados Unidos, a fim de realizar um estudo
em profundidade na América Latina. Eu seria o “homem de campo” no
Nordeste do Brasil. Minha impressão inicial era que isto envolveria inves-
tigação fiel e legítima das condições políticas, sociais e econômicas; até que
meus dois amigos me informaram de que o objetivo do exercício era deter-
minar como diversos setores da população local reagiriam a uma invasão
e ocupação por tropas estrangeiras; disseram que eu deveria tentara reunir
“coisas de peso”. O estudante de pós-graduação esclareceu mais, com um
breve sorriso: “Nós queremos documentos – panfletos, até mesmo corres-
pondência particular – mesmo que você tenha de pedir, tomar emprestado
ou roubar”.313

Por uma série de fatores que não cabe discutir aqui, o projeto Camelot foi
alvo de fortes resistências, nos EUA e fora dele, e acabou sendo suspenso um

Idem, p. 12.
312

PAGE, Joseph. A. Notas de uma prisão em Recife. In: ______. A revolução que nunca
313

houve. O Nordeste do Brasil, 1955-1964. Trad. Ariano Suassuna. Rio de Janeiro: Record,
1972, p. 298-299.
130 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

ano após a sua criação.314 No entanto, é importante tomá-lo como expressão


das linhas estratégicas que os estadistas norte-americanos vinham adotando
na América Latina, porque isso envolveria o Brasil, mesmo após o fim do
projeto. Em especial, a alternância de métodos da contrarrevolução violenta
‒ a intervenção na República Dominicana, durante a vigência do projeto, por
exemplo ‒ com métodos da contrarrevolução preventiva de tipo democrático
– onde se situa o Project Camelot ‒, inaugurada na área com a Aliança para
o Progresso,315 lançada em 1961 como reflexo direto da Revolução Cubana
(1959), cuja opção socialista foi tornada pública naquele mesmo ano.316
Samuel Huntington, lídimo representante intelectual das estratégias im-
perialistas da época, iniciou seu relacionamento com o Brasil sob o signo
dessas preocupações teórico-políticas. Candido Mendes, que já trouxera ao
país outro eminente colega estadunidense – o sociólogo Talcott Parsons,
igualmente de Harvard –, o convidou para fazer conferências no Rio de
Janeiro, em São Paulo, em Belo Horizonte e em Brasília. A principal temá-
tica a ser abordada era o “problema da conciliação da estabilidade políti-
ca com as transformações sociais e econômicas”. Tendo como eixo o “De-
senvolvimento político e decadência política” na África, América Latina e
Ásia, a programação do Rio de Janeiro constou das seguintes conferências:
“Decadência política nos países em vias de modernização”317 e “O papel
dos militares no processo de modernização”, ambas na Faculdade Candido
Mendes, e “Estabilidade política e mudança social”, na Pontifícia Universi-
dade Católica (PUC).
Em seus contatos com a imprensa no Rio de Janeiro, Huntington não
se dispôs a comentar a política brasileira. Apenas afirmou que o Brasil ja-
mais seria um país-satélite de nenhum outro, rebatendo acusações surgi-
das na imprensa mexicana de que o país lutava para ocupar a posição de

314
Ver HOROWITZ, Irving Louis, op. cit.
315
“A própria Aliança para o Progresso, criada em 1961, para realizar o programa enunciado
na Carta de Punta del Leste, não foi senão uma operação de tipo contrarrevolucionário. Sob
uma linguagem reformista, a Carta e a Aliança consubstanciaram uma reaglutinação de for-
ças conservadoras e reacionárias do hemisfério”. IANNI, Octávio. Imperialismo na América
Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974, p. 20.
316
Consultar MARTINS FILHO, João Roberto. Os Estados Unidos, a Revolução Cubana e a
contrainsurreição. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 12, p. 67-82, junho de 1999.
317
Huntington acabara de publicar, sobre o assunto, o artigo “Political Development and
Political Decay”, World Politics, v. 17, n. 3, p. 386-430, apr. 1965.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 131

satélite-chefe dos EUA.318 Voltando-se para a América Latina, Huntington


afirmou que o Chile era o modelo ideal de reformismo e Eduardo Frei, seu
presidente, a revelação de estadista latino-americano.319 Sustentou, ainda,
que o problema crucial da América Latina era a conciliação da estabilidade
política com as transformações econômicas e sociais.
As preocupações teóricas de Huntington estavam, portanto, voltadas para
uma questão estratégica com que os países imperialistas precisavam lidar,
qual seja, a necessidade de controlar politicamente os problemas gerados pela
industrialização na periferia do sistema capitalista mundial. E também com
as situações que, imaginava-se, se configurariam após empreitadas contrar-
revolucionárias vitoriosas. Huntington revelou a conexão de suas pesquisas
com as Forças Armadas estadunidenses, tanto no plano dos objetos quanto
no do apoio institucional, como a participação da Rand Corporation, criada
com o fim precípuo de viabilizar esse tipo de parceria. Informou, ainda, que,
neste sentido, uma das questões que mais mobilizavam os cientistas políticos
de seu país era o regime político que se instauraria no Vietnã, uma vez termi-
nada a guerra, da qual os EUA começavam a participar abertamente ao lado
das forças antinacionalistas e anticomunistas.320 Uma saída política para o
conflito militar poderia vir a ser encontrada, no seu entendimento, por meio
do estabelecimento de um “equilíbrio democrático” que possibilitasse a insta-
lação de um “governo autenticamente majoritário”.321 Noam Chomsky infor-
ma que, após a guerra, os EUA elaboraram estratégias contrarrevolucionárias
“para prevenir Cubas e Vietnãs por meio da contrassubversão antecipatória,
que estrangula quaisquer tendências radicais ou seriamente reformistas em
seus estágios iniciais, antes que se tornem ‘problemas’”. 322

318
Provavelmente, em decorrência da participação do Exército brasileiro, em maio de 1965,
na intervenção militar na República Dominicana, organizada pelo governo dos EUA com o
objetivo de impedir o retorno do presidente nacional-reformista Juan Bosch ‒ deposto por
forças direitistas ‒ ao poder.
319
Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 14 de outubro de 1965, p. 7.
320
Jornal do Brasil, 12 de outubro de 1965, p. 10.
321
Diário de Notícias, 14 de outubro de 1965, p. 7. Huntington seria objeto de graves acusa-
ções de corresponsabilidade pelo bombardeio de aldeias vietnamitas com o objetivo de es-
vaziar a área rural do país, que tinha valor estratégico no plano militar, porque constituíam a
base das forças revolucionárias que os EUA combatiam. Cf. CHOMSKY, Noam; HERMAN,
Edward S. The Washington Connection and Third World Fascism. Boston: South End Press,
p. 343-344.
322
Idem, p. 100. Grifo do autor. Tradução minha.
132 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

As propostas políticas de Huntington surgiam de um corpo teórico en-


tão ascendente no campo da ciência política internacional: a concepção do
desenvolvimento como um processo de modernização de estruturas so-
cioeconômicas e políticas.323 A teoria focava, em especial, nas novas nações
surgidas do chamado processo de descolonização da Ásia e da África, sub-
sequente ao fim da Segunda Guerra Mundial. Mas contemplava, também,
nações mais antigas situadas na periferia do sistema capitalista mundial,
como o Brasil.
Um aspecto central do “processo de modernização” analisado pelos se-
guidores da teoria era o das mudanças dele decorrentes, entendidas como
fontes de desequilíbrios entre as estruturas da sociedade, que emperrariam
o seu desenvolvimento. Huntington se destacaria, nessa corrente, como de-
fensor da importância da institucionalização da autoridade dos governos
enquanto condição para o desenvolvimento. Mas, não necessariamente do
desenvolvimento econômico, e sim, prioritariamente, do desenvolvimento
político, significando o aprimoramento da ordem. Tratava-se de uma visão
extremamente conservadora do desenvolvimento, definido em termos de
controle, planejamento, tecnologia e estabilidade.324
Em agosto de 1966, Huntington voltou ao Brasil para participar do Se-
minário Internacional de Desenvolvimento Político, realizado de 18 a 23 de
setembro, em Belo Horizonte, pelo Center for International Affairs e pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atuou como coordenador
do evento, em parceria com o brasileiro Júlio Barbosa. O temário do encon-
tro foi constituído dos seguintes assuntos: governo democrático e reforma
social; desenvolvimento econômico e estabilidade política; influências in-
ternacionais e desenvolvimento nacional; mobilização, conflito e mudança;
mudanças nos valores e mudanças estruturais; revolução e reforma; par-

323
Para uma introdução ao assunto, ver BERNSTEIN, Henry. “Desenvolvimento e subde-
senvolvimento”. In: OUTHWAITE, William e BOTTOMORE, Tom (Ed.). Dicionário do
pensamento social do século XX. Trad. Álvaro Cabral e Eduardo Francisco Alves. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1996, p. 197-201, e MORLINO, Leonardo. “Estabilidade política”. In:
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola & PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de po-
lítica. Trad. Carmen C. Varriale, Gaetano Lo Mônaco, João Ferreira, Luís Guerreiro Pinto
Cacais e Renzo Dini. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, v. 1, p. 394-401.
324
CHILCOTE, Ronald H. Teorias de política comparativa. A busca de um paradigma recon-
siderado, p. 68, 140 e 302. Sobre a adequação da perspectiva de Huntington ao Brasil, ver:
SCHNEIDER, Ronald M. The Political System of Brazil. The emergence of a “modernizing”
authoritarian regime, 1964-1970, p. 8-36.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 133

ticipação e desenvolvimento político espontâneo ou planejado? Em torno


desses temas, foram programados os seguintes trabalhos:

Frederick W. Frey (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) – Governo


democrático e reforma social;
Gláucio Ary Dillon Soares (Escola Latino-Americana de Sociologia FLAC-
SO-Chile) – Desenvolvimento econômico e estabilidade política;
Torcuato S. Di Tella (Centro de Sociologia comparada de Buenos Aires) –
Influências internacionais e desenvolvimento nacional;
William Kornhauser (Universidade da Califórnia) – Mobilização, conflito
social e mudança política;
Pablo Gonzalez Casanova (Universidade Autônoma do México) – Mudan-
ças nos valores e mudanças estruturais;
John H. Kautsky (Universidade de Washington) – Revolução e reforma;
Júlio Barbosa, Fábio Wanderley Reis e Antônio Octávio Cintra (Universida-
de Federal de Minas Gerais) – Desenvolvimento e participação;
Dunkwart A. Rustow (Universidade de Columbia) – Desenvolvimento po-
lítico planejado ou espontâneo?;
Peter Heintz (Universidade de Zurich) – Relações do desenvolvimento eco-
nômico e social e os regimes políticos do pós-guerra na América Latina;
Giovani Sartori (Universidade de Florença) – Instituições políticas, siste-
mas eleitorais e desenvolvimento democrático.

Foram convidados para atuar como debatedores: David E. Apter (Uni-


versidade da Califórnia), Harry Eckestein (Universidade de Princeton),
Samuel S. Eisenstadt (Universidade Hebraica de Jerusalém), Lucien W.
Pye (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), José Medina Echavarría
(Instituto Latinoamericano de Planificación Económica y Social (ILPES),
Orlando M. Carvalho (UFMG), Milton Campos (jurista, ex-ministro da
Justiça em 1965 e senador), José de Faria Tavares (UFMG), Octávio Ianni
(Universidade de São Paulo), Candido Antônio Mendes de Almeida (Fa-
culdades Candido Mendes), Tocary Assis Bastos (UFMG), Leonard Binder
(Universidade de Chicago), David McClelland (Universidade de Harvard)
e Horácio Godoy (Escola Latino-Americana de Ciência Política e Adminis-
tração Pública do Chile).325

325
Correio da Manhã, 9 de agosto de 1966, p. 9.
134 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Huntington retornou ao Brasil em 1968, novamente a convite de Can-


dido Mendes. Agora, para participar do seminário de inauguração do
Centro de Estudos de Política e Legislação (CEPEL), resultado de par-
ceria entre as Faculdades Candido Mendes e a Universidade do Estado
da Guanabara (UEG). Juntamente com ele, atuaram como palestrantes
Karl Deutch, também da Universidade Harvard, Georges Lavau, jurista
francês e professor de ciência política, e Bosco Parra, da Universidade
Católica do Chile.326
A presença de Huntington no Brasil não era gratuita nem fortuita,
muito menos explicada exclusivamente por laços pessoais com Candido
Mendes. Na mesma época da mesa-redonda, ele participou, nos EUA, de
debates sobre projeções do cenário político mundial no ano 2000. Entre
outras considerações sobre o sistema internacional, apostou que o Brasil
se encontraria em posição hegemônica na América do Sul. Na condição de
pensador preocupado com os interesses do capital internacional, ele via o
Brasil como elemento estratégico da política dos EUA na América Latina.
Em 1968, lançou a obra que condensaria suas ideias acerca do desenvolvi-
mento em países como o Brasil ‒ Political Order in Changing Societies.327
Aqui, o autor logo apresenta as suas armas ideológicas em defesa da estabi-
lidade da ordem como condição para o desenvolvimento político:

A distinção política mais importante entre os países se refere não à sua for-
ma de governo, mas ao seu grau de governo. As diferenças entre democra-
cia e ditadura são menores que as existentes entre os países cuja política
compreende consenso, comunidade, legitimidade, organização, eficiência,
estabilidade e os países cuja política é deficiente nessas qualidades.328

Isto porque: “Numa sociedade sem instituições políticas efetivas e in-


capaz de desenvolvê-las, o resultado final da modernização social e eco-
nômica é o caos político”.329 Em meados de 1972, esta obra seria citada em

326
Diário de Notícias, 13 de março de 1968, p. 3.
327
New Haven: Yale University Press, escrito sob os auspícios da Universidade de Harvard.
Há edição brasileira: A ordem política nas sociedades em mudança. Trad. Pinheiro de Lemos.
Rio de Janeiro: Forense-Universitária; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1975.
328
A ordem política nas sociedades em mudança, p. 13.
329
Idem, p. 210. Ver mais em CHILCOTE, Ronald H., op. cit., p. 295-296.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 135

editorial do Jornal do Brasil330 como referência sobre problemas gerados


nos países “em desenvolvimento” pelas transformações econômicas acele-
radas sem disporem de instituições políticas consolidadas. O editorial se
preocupa com o vácuo de poder e autoridade que poderia se abrir nessas
circunstâncias, porque, conforme a leitura feita da obra de Huntington, ele
poderia vir a ser preenchido por lideranças carismáticas ou militares.
O nome de Samuel Huntington foi anunciado no Brasil, mais uma vez,
em outubro de 1969, agora como um dos palestrantes da 1ª Mesa-Redonda
de Ciência Política na América Latina, prevista para iniciar-se no dia 31,
sob os auspícios da Associação Internacional de Ciência Política (IPSA) e
da Associação Brasileira de Ciência Política. O evento aconteceria no mes-
mo mês em que, no dia 31, tomaria posse na Presidência da República o
general Emílio Médici.
É importante não perder de vista que, como já foi comentado neste
capítulo, a sucessão do marechal Costa e Silva, depois do seu afastamento
do cargo por doença, constituíra uma das mais graves crises políticas vi-
vidas pelas Forças Armadas desde que se tornaram o eixo do poder, após
o golpe de 1964. A gravidade da crise se dera, entre outros fatores ‒ nos
termos de Huntington –, pela ausência de institucionalização do processo
sucessório, que trouxera para o interior da caserna a lógica das dispu-
tas “partidárias”, sendo percebida como fator de risco para a unidade das
Forças Armadas.331
Como também já visto, a crise sucessória foi agravada pela apresenta-
ção da candidatura do general Afonso de Albuquerque Lima, considera-
da inadequada pela cúpula da hierarquia do Exército. Aspásia Camargo
observa que a crise foi superada pela adoção de um critério baseado no
par hierarquia-consenso, que implicou a derrota do general, ainda não no
topo da carreira, e do perigo entrevisto na sua candidatura, que contava

330
Edição de 13 de agosto de 1972. Por outro lado, um pesquisador estadunidense entendeu,
em 1971, que as concepções de Huntington acerca de questões como participação e autori-
dade haviam sido pouco presentes nas discussões sobre estruturas políticas contemporâneas
travadas nas sessões do curso da Escola Superior de Guerra (ESG) oferecido em 1969. SCH-
NEIDER, Ronald M., op. cit., p. 248.
331
Cf. STEPAN, Alfred. Os Militares: da Abertura à Nova República. 4. ed. Trad. Adriana Lo-
pez e Ana Luíza Amendola. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 51. Do autor, ver, também,
Rethinking Military Politics. Brazil and the Southern Cone. Princeton: Princeton Universi-
tary Press, 1988, p. 33.
136 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

com apoio em estratos diversos da organização militar – o “caudilhismo


militar”:

Nessa oportunidade, duas forças diferentes – o “castelismo” e o “costismo”


– estabelecem aliança diante do perigo maior de caudilhismo militar que
poderia conduzir a um nacionalismo exacerbado e mobilizador de tipo pe-
ronista. Como parte desses entendimentos, é provável que se tenha esta-
belecido um critério de rotatividade entre os grupos a partir do qual a um
“costista”, o general Médici, sucedesse um “castelista”, o general Geisel, que,
segundo a tradição de seu próprio grupo, prepararia a abertura.332

A propósito, existe uma discussão acadêmica sobre as diferenças con-


ceituais entre os termos “abertura”, “distensão”, “liberalização” e “redemo-
cratização”, bem como a sua relação com a cronologia do processo político
brasileiro pós-64.333 Trabalharei, aqui, a partir da premissa teórica de que se
trata de um processo de transição de regime político.334 Analiticamente, a
transição pode ser decomposta em alguns momentos políticos importantes.
Quando me ocupar do processo do ângulo dos dirigentes do regime, uti-
lizarei o termo “distensão” para referir-me às medidas de “descompressão
política” adotadas pelo governo do general Geisel.335 No próximo capítulo,
as medidas adotadas pelo governo do general João Figueiredo (1979-1985)
neste sentido serão referidas a um processo de “abertura política”, prepara-

332
CAMARGO, Aspásia. A gênese da abertura. In: GÓES, Walder de; CAMARGO, Aspásia.
O drama da sucessão e a crise do regime. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 100. Gri-
fo da autora. Ver uma instigante análise do processo distensionista a partir da “teoria dos
jogos” em SOARES, Samuel Alves. Marcha moderada: as estratégias de uma abertura por
contenção. XX Encontro Anual da ANPOCS. GT “Forças Armadas, Estado e Sociedade”. Ca-
xambu (MG), 22 a 26 de outubro de 1996. Disponível em: <http://www.anpocs.org/portal/
index.php?option=com_content&view=article&id=463%3Aanais=-do-encontro-gt&catid-
1051%3A20o-encontro&Itemid=361>. Acesso em: 28 dez. 2015.
333
Informações sobre o debate podem ser encontradas em VITULLO, Gabriel E. Transitolo-
gia, consolidologia e democracia na América Latina: uma revisão crítica. Revista de Sociolo-
gia e Política, Curitiba, n. 17, nov. 2001.
334
Uma perspectiva diferente pode ser encontrada em: OLIVEIRA, Lucas Monteiro de. As
dinâmicas da luta pela anistia na transição política. Dissertação (Mestrado em História So-
cial) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
335
Sigo, aqui, a indicação de FORJAZ, Maria Cecília Spina. Da distensão à abertura política:
os percalços da estratégia militar (1974-1978). Relatório de pesquisa. São Paulo: Escola de
Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, 1986, p. 43.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 137

da pela “distensão” geiselista. A continuidade desse processo no governo da


Nova República (1985-1990), em que se deu a “redemocratização” do país,
culminada com os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte (1987-
1988) e a promulgação de uma nova Constituição (1988), que marcou o fim
do regime ditatorial, foge ao escopo deste livro.
A mesa-redonda, organizada pelas Faculdades Candido Mendes e
apoiada pela Secretaria de Cultura do Estado da Guanabara, pelo Conselho
Nacional de Pesquisas (CNPq) e pelo Centro Latino-Americano de Estudos
Sociais, coincidiu, portanto, com um momento de grande atenção, tanto
nos meios civis quanto nos militares,336 à necessidade de fazer ajustes polí-
ticos no regime. Assumia caráter público a percepção de que

[…] a situação vigente, em que a “ordem institucional” sobrepunha-se à


“ordem constitucional” numa convivência precária e embaraçosa, […] era
menos do que satisfatória. Por um lado, ela contaminava o processo político
com um grau pouco tranquilizador de imprevisibilidade; por outro, deixava
pendente uma série de problemas, dentre os quais o da sucessão era o mais
angustiante […]. Assim, não admira o fato de que cedo se tenham feito ouvir,
nos meios governistas, vozes advertindo sobre a necessidade de dar tratamen-
to adequado à questão político-institucional. Milton Campos, Herbert Levy,
Petrônio Portela, Magalhães Pinto, entre outros, manifestaram-se nesse
sentido ao longo dos anos 70 e 71, em alguma medida fazendo coro com
os parlamentares do MDB, que não cansavam de bater nessa mesma tecla.
De fato, […] a questão do “modelo político” comparece como um dos pon-
tos permanentes da agenda do debate público que se trava no período Mé-
dici. Recebendo estímulos que provinham de setores “liberais” da vida na-
cional, da Igreja, da grande imprensa, da judicatura, da intelectualidade, ele
solicita a atenção dos políticos e chega a alcançar os círculos militares – em
1971, ao assumir o comando da ESG, o general Rodrigo Octávio Jordão Ra-
mos pronuncia-se a favor da normalização institucional e traz o problema à
consideração da Escola.337 No entanto, é a partir de 1972, no compasso das
articulações que preparavam a sucessão de Médici e das especulações por

336
Para uma análise do assunto, teoricamente orientada e empiricamente rica, consultar
HOEVELER, Rejane Carolina. Ditadura e democracia restrita: a elaboração do projeto de
descompressão controlada no Brasil (1972-1973), op. cit.
337
Ver acima, neste capítulo.
138 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

elas geradas, que a discussão em torno das medidas requeridas para a plena
configuração do “modelo político” ganha maior intensidade, passando a ser
assumida quase ostensivamente pela cúpula do aparelho governamental.338

A mesa-redonda reuniu a nata da intelectualidade internacional es-


pecializada em saídas conservadoras para impasses do “desenvolvimento
institucional”. Além de Huntington, foram convidados outros renomados
especialistas em sistemas políticos: Carl Friedrich e Karl Deutsch, seus
colegas em Harvard; Dankwart Rustow, da Universidade de Columbia;
Giovani Sartori, da Universidade de Florença; André Philippart, da Uni-
versidade de Bruxelas; Alexander Orf, da Universidade de Praga; Carlos
Fortim, da Universidade do Chile; José Luiz de Imaz, da Universidade de
Buenos Aires, e Júlio Cotler, do Instituto de Estudos Peruanos. Represen-
taram o Brasil cerca de quinze cientistas políticos de diversas regiões do
país.
A presidência da sessão inaugural e da mesa-redonda foi confiada a Te-
místocles Brandão Cavalcanti, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), ex-mi-
nistro do Supremo Tribunal Federal (1967-1969) e presidente da Associa-
ção Brasileira de Ciência Política. Contando com a presença dos ministros
do Exterior e da Educação do Brasil, foram designados como presidentes
de honra das seções os professores Antônio Couceiro, presidente do Con-
selho Nacional de Pesquisas, Manuel Diegues Jr., do CLACSO, o secretário
de Educação do Estado da Guanabara, Eduardo Aberthal e Jean Labbens,
representantes da Organização das Nações Unidas (ONU).
Como temário geral do encontro foi definido o problema dos modelos
políticos, em especial pelo ângulo da participação política e com foco pri-
vilegiado nos sistemas vigentes na Argentina, no Brasil, no Chile, no Peru

338
CRUZ, Sebastião Velasco; MARTINS, Carlos Estevam. De Castello a Figueiredo: uma
incursão na pré-história da “Abertura”. In: SORJ, Bernardo; ALMEIDA, Maria Hermínia
Tavares de (Org.). Sociedade e política no Brasil pós-64. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 44.
Grifo meu. Ver, também, KUCINSKI, Bernardo. Abertura, a história de uma crise. São Pau-
lo: Brasil Debates, 1982, p. 15. FIETCHER, Georges-André, op. cit., p. 271, afirma que o
debate político no Brasil já estava “suficientemente aberto” desde a segunda metade de 1971,
apresentando como evidências disso, entre outras, declaração do general Rodrigo Octavio
de que o momento era adequado para a normalização institucional do país; a edição de um
número especial da revista Visão, de grande influência no meio empresarial, sobre o tema
“desenvolvimento – liberdade – segurança nacional”, e uma conferência feita pelo professor
Darcy Bessone na ESG sobre a “abertura”.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 139

e na Venezuela.339 Dois brasileiros apresentaram trabalhos exatamente em


torno da questão da participação política. Simon Schwartzman, da FGV,
falou sobre “Abertura política e desenvolvimento”, trabalho considerado
eminentemente teórico, mas, como o próprio autor o reconheceu, com
forte conexão com a realidade brasileira. Schwartzman entendia “abertura
política” como a possibilidade de indivíduos não ligados aos centros econô-
micos participarem de decisões políticas e propunha a discussão da medida
em que o desenvolvimento econômico poderia contribuir para que isso se
desse. A sua tese era a de que a resposta dependeria das possibilidades de
institucionalização da vida política e, principalmente, do tempo em que ela
seria mantida.340 Já o organizador do evento, Candido Mendes, falou sobre
“Elites do poder, democracia e desenvolvimento”,341 discutindo o “modelo
político brasileiro”, entendido como advindo da crise do desenvolvimento
econômico registrada no início da década e da “Revolução de 1964”. A sua
fala foi comentada por Samuel Huntington.342
Convidado pelo Conjunto Universitário Candido Mendes, Huntington
retornou ao Rio de Janeiro, em outubro de 1972, para participar de grupos
de discussão sobre partidos únicos, autoritarismo e relações entre civis e
militares.343 A revista Veja o apresentou assim:

Abominado por alguns liberais e admirado pelo seu colega de universida-


de Henry Kissinger, Huntington formulou sólidas teorias sobre a capacidade
modernizadora dos governos militares em países subdesenvolvidos e, mais
recentemente, lançou-se na demonstração de que os regimes autoritários ten-
dem para relativas liberalizações depois de consolidarem partidos únicos.344

Na ocasião, Huntington declarou que o Brasil não era mais um país sub-
desenvolvido, porque o crescimento obtido nos últimos anos não podia
ser considerado uma “explosão acidental”, mas evitou se pronunciar sobre

339
Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 26 de outubro de 1969, p. 14; Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
27 de outubro de 1969, p. 17; Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 27 de outubro de 1969, p. 6.
340
Correio da Manhã, 29 de outubro de 1969, p. 6.
341
Publicado com o título “Elite de Poder, Democracia e Desenvolvimento”. Dados – Revista
de Ciência Sociais, Rio de Janeiro, n. 6, 1969.
342
Correio da Manhã, 30 de outubro de 1969, p. 1.
343
Jornal do Brasil, 14 de outubro de 1972, p. 3.
344
Edição de 18 de outubro de 1972, p. 22.
140 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

questões específicas. Preferiu comentar a situação política da América Lati-


na, observando que o maior problema do subcontinente era não conseguir

[…] regulamentar a participação de grupos e forças sociais no sistema po-


lítico, levando ou para o uso da violência, através de manifestações, greves
e protestos que servem para forçar o atendimento de suas reivindicações,
causando instabilidade política, ou, então, o governo atende às demandas e
consequentemente se enfraquece economicamente […].

Mirando, principalmente, os governos de tipo populista – citou como


exemplo o peronismo na Argentina –, Huntington apontou a dificuldade
de regular a luta por demandas econômicas – na forma de greves, protestos
etc. – como o principal fator de “decadência” dos sistemas políticos. Para
evitar que se chegasse a tal situação, poderia ser necessário restringir liber-
dades no curto prazo:

A longo prazo, ambos [liberdade e desenvolvimento econômico] andam


juntos. Entretanto, a história mostra épocas onde é necessário restringir as
reivindicações trazidas ao Governo e ao sistema econômico, até um mo-
mento em que o Governo e o sistema atinjam um nível necessário de de-
senvolvimento. Assim, diríamos que não só é necessário como também es-
sencial restringir as reivindicações em determinadas épocas, pois de outro
modo o desenvolvimento econômico poderá ser comprometido.345

A perspectiva de Huntington era claramente evolucionista e institucio-


nalista. A relação entre desenvolvimento econômico e liberdades políticas
dependia do estágio da sociedade que, quando em “processo de desenvol-
vimento”, passariam fases: “A primeira, de descentralização do poder. A se-

345
Um pesquisador suíço então trabalhando no Brasil deu, em livro, testemunho de que as
teses de Huntington sobre as instituições políticas eram estudadas “com interesse” no país
em 1972. FIETCHER, Georges-André, op. cit., p. 277, publicado como Le régime monder-
nizateur du Brésil, 1964-1972. Étude sur les interactions politique-économiques dans un
régime militaire contemporain. Genève, Institut Universitaire de Hautes Études Internatio-
nales, 1972. Em fins da década de 1980, essas ideias de Huntington seriam apontadas por
alguns analistas como matrizes do “novo pensamento autoritário” do governo chinês. Em
sua defesa, outros analistas argumentariam que o problema não estaria nas ideias, mas no
uso que delas fazia um governo personalista que atuava ao arrepio das leis. Cf. CHILCOTE,
Ronald H., op. cit., p. 246.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 141

gunda, de criação de novos grupos e instituições para atender à crescente


complexidade. A terceira, de descompressão”. O Brasil estaria na segunda
fase e, para passar à terceira, seria necessário avançar na institucionalização
do seu sistema político, ainda em estado embrionário. Para chegar lá, os
pré-requisitos seriam: “a continuidade administrativa, a estabilidade políti-
ca, o consenso entre as mais influentes forças sociais”.346 Os dois primeiros
itens, para ele, já eram realidade no Brasil. O terceiro constituiria o alvo
estratégico do processo de transição. É esta visão que indica aos dirigentes
do regime ser a hora de promover a modificação das formas de dominação.
A existência dos dois primeiros itens garantiria o controle do processo de
mudança.
Durante a estada no Brasil, Huntington teve reuniões de trabalho com
autoridades políticas brasileiras. Segundo Walder de Góes, dessas conversas
“resultou a elaboração, pelo professor norte-americano, de um documento
com sugestões para uma agenda de transição política. O documento, intitu-
lado “Abordagem da descompressão política”, sugere um processo de amplia-
ção gradativa da participação política”.347 Ainda de acordo com o autor,

O trabalho foi solicitado ao professor Huntington no segundo semestre de


1972,348 durante encontro celebrado na Granja do Ipê, residência oficial do
chefe do Gabinete Civil da Presidência da República. O gesto de Leitão de
Abreu foi atribuído, na época, ao seu desejo de se apresentar candidato à su-
cessão do general Médici na condição de alguém preparado para promover
as mudanças de que carecia o sistema político. Havendo sido efetivamente
essa a motivação, é sintomático que o chefe do Gabinete Civil procurasse
legitimidade para sua candidatura identificando-a com a ideia de descom-
pressão política, evidência de que já em 1972 as forças tutelares do regime
consideravam a necessidade da transição.349

Foi o jornalista Fernando Pedreira quem, ainda mal iniciado o processo,


primeiro apontou as linhas centrais da “abertura” política como um projeto

346
Jornal do Brasil, 17 de outubro de 1972, p. 10, e 22 de outubro de 1972, p. 18.
347
GÓES, Walder de. “A crise do regime e a sucessão”. In: GÓES, Walder de; CAMARGO,
Aspásia. O drama da sucessão e a crise do regime, p. 126.
348
Mais precisamente, no dia 13 de outubro de 1972. Veja, 25 de outubro de 1972, p. 16.
349
GÓES, Walder de. “A crise do regime e a sucessão”. In: GÓES, Walder de; CAMARGO,
Aspásia, op. cit., p. 126-127. Grifo meu.
142 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

dos militares. Em artigo publicado na revista conservadora estadunidense


Foreign Affairs em abril de 1975,350 identificou o governo Médici com o ápice
do regime ditatorial, dada a imensa concentração de poder político-adminis-
trativo que lhe coube desde o processo do qual saiu sucessor de Costa e Silva.

Tendo chegado, portanto, “até o fim”, até a completa ditadura militar, resta-
vam aos militares duas opções: ou ficarem onde estavam ou ensaiarem eles
próprios uma volta atrás. A terceira alternativa possível, isto é, a de se virem
os militares forçados a defender o seu status quo contra uma sociedade civil
indignada e inconformada, logo se mostrou inexistente. Destruídos, com
o alívio geral [sic] os reduzidos agrupamentos terroristas [sic], confinada e
contida a eventual oposição esquerdista a setores estudantis e intelectuais,
o país inteiro [sic] parecia aceitar o estado de coisas com passividade e, até,
a partir de meados de 70, com uma dose crescente de entusiasmo. Ficaram
de fora, apenas, os núcleos mais antigos e mais respeitáveis do pensamento
liberal (no sentido europeu e não norte-americano do termo).351

Pedreira reconhece que foi efetiva a influência da “opinião democrática


externa e interna” sobre a decisão pela abertura. Recusa, porém, a ideia
de que ela tenha resultado de pressões da sociedade civil: “Ao contrário, o
que tivemos foi uma evolução de tendências no interior do estabelecimento
militar, com base em motivos predominantemente militares”. O primeiro
deles teria sido a questão da sucessão presidencial, tendente a levar para o
interior da caserna “a inquietação e a indisciplina e que pode acabar por di-
vidir o Exército”.352 O segundo, a percepção de que o regime havia chegado
a um grau insuportável de fechamento, inerente aos regimes militares. Em
tal tipo de regime, “é impossível evitar a dependência do governo diante
dos órgãos ditos de inteligência, assim como a prática de abusos graves

350
“Decompression in Brazil?”, publicado no Brasil com o título “Esses incorrigíveis otimis-
tas, os brasileiros”. In: PEDREIRA, Fernando. Brasil Política, 1964-1975. São Paulo: DIFEL,
1975, p. 271-290.
351
Idem, p. 285. No original, o trecho que grifei é um pouco diferente: “The only groups out-
side the far Left refusing to join in were the oldest and most respected bastions of liberalism
(once again, in the European, not the American, sense of the word)”. Na edição brasileira
é consignado o mês de março como o da publicação na revista, em vez de abril, como é o
correto. Agradeço a Rejane Carolina Hoeveler esta observação.
352
Idem, p. 286.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 143

que, se vierem a ser publicamente expostos, podem provocar a derrocada


de toda a estrutura do regime”.353 Em síntese: “A tenteante e frágil abertura
política a que hoje [1975] assistimos no Brasil, portanto, é sobretudo uma
iniciativa dos militares”.354
Apoiada por “núcleos liberais remanescentes”, a abertura estaria, segundo
a sua análise, encontrando oposições de mais de um tipo e nível de intensida-
de. Setores empresariais conservadores a estariam vendo com algumas reser-
vas, “muito satisfeitos com a ausência de greves, com a contenção salarial e a
modelar disciplina social dos últimos anos”. Por outro lado, setores esquer-
distas constituídos de intelectuais e estudantes, “na verdade, entusiasmam-se
mais pelo nacionalismo à peruana,355 embora ditatorial e militarista, ou pelo
radicalismo do MFA português356 do que por uma abertura democrática que
simplesmente permita o livre jogo das forças políticas e econômicas”.357 Por
fim, a abertura estaria enfrentando grandes ‒ talvez as maiores, segundo o
autor ‒ dificuldades no interior da caserna. Elas viriam de “correntes de ten-
dência autoritária”, desejosas de expandir para o meio civil a ordem baseada
na disciplina e na hierarquia, e de serviços e órgãos de segurança, cuja im-
portância fora projetada no período de combate às organizações da esquerda
armada, quando haviam conquistado “poderes e prerrogativas”: “Para eles,

353
Ibidem.
354
Idem, p. 287. Um expressivo indicador da maneira como o núcleo militar do regime
concebeu esta estratégia pode ser verificado no extenso inquérito procedido pelo SNI em
torno da “abertura” política. Foram mobilizados a Agência Central, as agências estaduais e
do Distrito Federal e os serviços de inteligência da Marinha (CENIMAR), da Aeronáutica
(CISA) e do Exército (CIE), que apresentaram avaliações do impacto político que as inicia-
tivas do governo estavam tendo em suas regiões e áreas de cobertura. Trata-se de um do-
cumento riquíssimo, que exige uma análise profunda, impossível de ser feita aqui. Entre os
pontos a pesquisar, estão as diferenças entre as avaliações em relação ao futuro da abertura
apresentadas pelos órgãos de informações das três forças singulares: francamente otimista
para o CIE, levemente cética para o CENIMAR e francamente negativa para o CISA. Ver
“Apreciação da Conjuntura Nacional” – Anexo B ‒ Análise sobre a abertura política, 10 de
setembro de 1974. Disponível em: <https://www.ufmg.br/brasildoc/temas/2-orgaos-de-in-
formacao-e-repressao-da-ditadura/2-4-sni/>. Acesso em: 11 maio 2016.
355
Referência ao processo de reformas iniciado no Peru com o movimento político-militar
liderado pelo general Juan Velasco Alvarado, que executou a reforma agrária e medidas
estatizantes e nacionalistas no campo econômico.
356
Referência ao Movimento das Forças Armadas, que, em 25 de abril de 1974, liderou o
processo revolucionário que resultou na derrubada da ditadura do Estado Novo em Portu-
gal, vigente desde 1926.
357
Ibidem.
144 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

a abertura e a normalização correspondem à perda de privilégios e ao risco


de investigações incômodas”.358 A precoce percepção de Fernando Pedreira
quanto aos percalços que a abertura enfrentava e enfrentaria no meio militar
seria corroborada pelos eventos da luta política ao longo do governo Geisel e
dos dois seguintes, como será visto mais adiante.
Mas, não se pode perder de vista que a abertura obedecia a matrizes civis,
presentes no documento redigido por Huntington. De acordo com a nota
que antecede a cópia depositada no CPDOC ‒ de autoria não indicada e não
datada, mas podendo ser situada, segundo informações do próprio texto, na
“segunda metade” da “administração Figueiredo” ‒, portanto, entre 1982-
1985, a proposta de “abertura política” apresentada por Geisel logo após a sua
posse, “eventualmente, terá se valido de algumas ideias de Huntington”. Mas,
o trabalho não teria assumido para Geisel e Golbery do Couto e Silva, seu
principal assessor político, a mesma importância que para Leitão de Abreu,
que, voltando ao Gabinete Civil, em substituição a ele e

[…] no momento em que as ideias deste começaram a perder prestígio den-


tro do governo, desengavetou o paper de Huntington e está distribuindo
cópias a amigos. Sua leitura é fascinante justamente porque é informativa
da concepção de mudança política que voltou ao poder, impregnando a ad-
ministração Figueiredo em sua segunda metade.

Tal concepção é a que venho acompanhando na trajetória de Hunting-


ton no Brasil. O seu ponto de partida, no documento, são as “consequências
políticas do desenvolvimento econômico”. Isto, porque: “Passos oportunos
no rumo da descompressão política são, em certo sentido, o resultado neces-
sário do sucesso econômico do regime”. É muito significativo que seja assim,
porque deixa claro que a “política de descompressão” surgiu de preocupações
com o desenvolvimento econômico, ou, melhor dizendo, com o desenvolvi-
mento acelerado em fase positiva, tal como percebido na primeira metade da
década de 1970 e batizado, como já foi visto, de Milagre Brasileiro. Infirma-se,

358
Idem, p. 288. As teses de Fernando Pedreira estão presentes no esquema explicativo do
processo de abertura que Alfred Stepan desenvolveu em Os Militares: da Abertura à Nova
República. e Rethinking Military Politics. Brazil and the Southern Cone. Aliás, em The Mili-
tary in Politics. Changing Patterns in Brazil, o brasilianista já fizera uma tentativa de apro-
priação científica do conceito de “poder moderador”, trabalhado pelo jornalista em 31 de
março. Civis e militares no processo da crise brasileira.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 145

assim, a perspectiva analítica, amplamente disseminada nas áreas acadêmica


e jornalística e já mencionada, que a apresenta como uma resposta à crise
econômica provocada pela alta dos preços do petróleo na segunda metade
do ano 1973, que teria desnudado o esgotamento do “modelo econômico”
e colocado para o regime a questão de ampliar as suas bases de legitimidade
para poder redefini-lo. Huntington propõe o problema da seguinte maneira:

Períodos estáveis de desenvolvimento econômico rápido aumentam a de-


sigualdade de distribuição de renda, modificam as relações estabelecidas
entre grupos sociais, estimulam níveis mais elevados de mobilização social,
intensificam as tensões sociais, aumentam as pressões sobre o governo e
encorajam o envolvimento de grupos na política. A triste lição da história
é a de que durante esses períodos muitas vezes tantos os que [se] benefi-
ciam quanto os que estão sendo prejudicados ficam insatisfeitos em termos
psicológicos e políticos. O crescimento econômico rápido gera assim um
potencial de conflito e instabilidade políticos.

São visíveis, neste trecho, a perspectiva antecipatória e a preocupação pre-


ventiva do autor ‒ na verdade, do imperialismo, em relação ao qual atuava
como intelectual orgânico, como já foi visto ‒ em face dos esperados proble-
mas que o desenvolvimento econômico acelerado brasileiro geraria. No cen-
tro das suas atenções estava a questão da instabilidade política que poderia
advir do acirramento dos conflitos sociais, situação que contrariaria a prin-
cipal regra do seu receituário democrático: a existência de um governo que
governasse. Para evitar que as pressões do desenvolvimento econômico en-
fraquecessem a autoridade, era importante que o processo de “descompres-
são” se iniciasse logo, ainda na fase de grande desenvolvimento econômico.
Huntington assume, no documento, três acepções do termo “descom-
pressão”, distintas, porém combinadas no plano lógico:

Institucionalização de procedimentos para determinar a sucessão em car-


gos públicos, muito especialmente, na Presidência, mas também no Con-
gresso e em cargos estaduais, e para elaboração de decisões entre os grupos
pertinentes na formulação de políticas públicas;
Alargamento da participação na escolha de autoridades públicas e na elabo-
ração de políticas, de modo a representar mais grupos de interesses legíti-
mos e mais setores da população no processo governamental; e
146 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Liberalização de restrições em curso: de direitos individuais políticos e civis


e uma aberta discussão pública de questões governamentais e políticas.

Os três sentidos têm um eixo comum: os métodos de seleção daqueles


que devem participar da discussão e tomada de decisões em assuntos de
governo e políticas. Trata-se da fórmula schumpeteriana da democracia
como procedimento – modus procedendi ‒, cuja função precípua é a sele-
ção das “elites” que governam.359 De fato, seria assim que, como veremos,
se operacionalizaria o processo de “descompressão” no início do governo
Geisel, sob a direção de um grupo restrito no interior do regime, tendo
como meta a sua própria ampliação por meio da incorporação de setores
oposicionistas.
Outros dois sentidos da “descompressão” poderiam ser a desmilitariza-
ção (“civilização”) e a democratização do governo. A ampliação da presença
e do peso do pessoal civil no governo seriam, contudo, mudanças que deve-
riam surgir do alargamento da base política do regime e da construção de
“canais mais efetivos para a representação de um espectro mais amplo de
grupos sociais no governo”. E, mais uma vez, assim aconteceria no gover-
no Geisel. Mas, isso não implicaria que os militares seriam deslocados de
todos os papéis políticos, o que não seria “realista nem necessário”, posição
que já prenunciava a presença dirigente do núcleo militar do regime ditato-
rial no processo de transição que ainda nem se iniciara.
Quanto à democratização do sistema político, Huntington faz questão,
no documento, de diferenciar-se da interpretação do processo em termos
de “representação do povo no governo por meio de eleições competitivas”,
já por si, observo eu, extremamente limitada. Para ele, haveria “outros
meios de proporcionar representação, os quais, em parte, podem ser tão
apropriados ao Brasil nos próximos anos quanto a representação eleitoral”.
Subjacente às preocupações com a forma e os métodos de representação
de interesses, está a necessidade de prevenir a ordem capitalista brasileira
contra eventuais ameaças decorrentes das mobilizações sociais que o de-
senvolvimento econômico acelerado tendia a provocar:

Ver JURADO, Roberto García. La teoría democrática de Huntington. Política y Cultura,


359

México, n. 19, p. 7-24, primavera de 2003. Para a crítica da “teoria clássica da democracia”,
consultar SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. Trad. Sérgio
Góes de Paula. Rio de Janeiro: Zahar, 1984, esp. cap. XXIII - Outra teoria da democracia.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 147

O importante é a análise dessas tendências, tendo em vista a identificação


de suas consequências políticas em potencial, particularmente em termos
de padrão de reivindicações que se farão ao governo em prol de serviços e
benefícios e da participação no processo político. Os resultados de tal aná-
lise seriam de significação crucial para a determinação mais explícita das
formas e direção desejáveis que a descompressão política deverá tomar.

A proposta formulada no documento parte da ideia de que o Brasil,


diferentemente do México e da maioria dos demais países latino-america-
nos, desconhecera, até então, um “partido político solidamente fundamen-
tado num interesse socioeconômico importante”. No período democrático
(1946-1964), “os partidos políticos brasileiros foram coalizões fracas e mu-
táveis de personalidades individuais e interesses localizados”. O momen-
to vivido pelo Brasil à época da redação do documento poderia ser o da
criação de um “partido político funcional”, “fundamentado em grupos so-
cioeconômicos organizados. O governo está na posição singular de poder
fazê-lo agora e de integrar, num tal partido, o espectro mais amplo possível
de interesses corporativos”. Como se pretendia deslocar a fonte de legiti-
midade do poder de aspectos ligados ao Executivo ‒ historicamente, após
1964: “saneamento” político e econômico do país e crescimento econômico
‒ para processos eleitorais, seria necessário garantir a força de um partido
situacionista ‒ não necessariamente a Aliança Renovadora Nacional (Are-
na) ‒, mediante a representação unitária da diversidade de interesses por
ele defendidos. Em contrapartida, haveria que impor condições que con-
duzissem à fragmentação das forças oposicionistas. Segundo Huntington,

Se esse partido, organizado pelo governo, fosse capaz de abranger a maior


parte dos interesses organizados do Brasil, os partidos de oposição prova-
velmente manteriam seus padrões antigos de volatilidade, personalismo e
populismo. Caso a coalizão de grupos dentro do governo fosse menos am-
pla, os partidos de oposição sem dúvida tentariam desenvolver vínculos
com os grupos excluídos. Mas, em ambos os casos, o partido patrocinado
pelo governo teria a clara vantagem em termos da representação em uma
boa posição de concorrência em relação aos partidos de oposição nas dis-
putas eleitorais ao nível local e legislativo. Um tal partido forneceria a estru-
tura que regulamentaria a sucessão presidencial, organizando campanhas
de maior importância na sociedade brasileira. O sistema partidário como
148 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

um todo poderia ter certa semelhança com o do México e o do Japão. Esse


sistema estruturado de partidos funcionais pareceria ser a alternativa mais
viável para o atual sistema de governo apolítico, autoritário e divorciado dos
partidos, assim como para uma volta à política personalista, populista e de
partidos fracamente estruturados vigente antes de 1964.

Não se pode dizer que, com a exceção do Partido dos Trabalhadores


(PT), as demais agremiações criadas a partir da reforma partidária de 1979
tenham obedecido a esse critério. Entretanto, a tese da importância de o go-
verno ter a iniciativa na formação de um partido ‒ ou frente partidária ‒ de
sustentação à ordem que adviria da “política de descompressão”, em combi-
nação com a fragmentação oposicionista, constituiria uma das orientações
estratégicas do penúltimo governo do regime ditatorial.
Para chegar aí, contudo, o regime precisaria desenvolver uma sensibili-
dade para o ritmo da “descompressão”, fundamental para a definição da sua
agenda. Expressando o pragmatismo típico daqueles que zelam por gigan-
tescos interesses econômicos, que encontrariam na democracia restrita seu
habitat ideal, Huntington apresentava a “descompressão” como “desejável
em termos de valores éticos básicos, estabilidade política, eficiência e ca-
pacidade responsiva governamentais e da imagem internacional do Bra-
sil”. Por isso mesmo, entendia ser imprescindível reconhecer que ela trazia
“problemas e perigos para o governo”.

O afrouxamento de controles em qualquer sistema político autoritário


frequentemente pode ter um efeito explosivo, no qual o processo sai do
controle daqueles que o iniciaram e leva a consequências que eles não dese-
javam nem antecipavam. Uma consequência pode ser a desordem, a insta-
bilidade e o colapso do regime, ao capitalizar a oposição as oportunidades e
o impulso que as medidas descompressoras lhe facultam. Alternativamente,
um relaxamento de controles demasiado rápido e pouco judicioso pode es-
timular um forte movimento na direção oposta e a reimposição de medidas
ainda mais repressivas que as que existiam anteriormente.

A primeira condição para estabelecer o ritmo adequado da “descom-


pressão” seria garantir ao governo a iniciativa e o controle do processo.
Para isso, o governo precisaria estar numa posição favorável na correla-
ção de forças com a oposição: “Não deveria parecer render-se a pressões
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 149

ou exigências de grupos oposicionistas, porque, se o faz, tais exigências


entrarão numa escalada e o governo poderia facilmente perder o controle
do processo”. Percebe-se uma clara sintonia entre esta condição e o qua-
dro político do país no momento em que é formulada. Afinal, em 1973, o
governo, como já foi visto, exercia sem peias o poder sobre uma oposição
consentida amedrontada e uma oposição clandestina praticamente ani-
quilada.
A segunda condição seria que se conseguisse contornar resistências que
poderiam advir de “elementos da linha dura e outros círculos no governo e
na oficialidade”. Huntington pensava na “descompressão” como um proces-
so coletivo, correspondente a um país que se caracterizava como uma “di-
tadura sem ditador”. Uma “descompressão sem descompressor” permitiria
a despersonalização do processo, o que facilitaria fazê-la com base em um
“consenso entre os grupos dominantes no governo”.
O êxito da “descompressão” dependeria, em terceiro lugar, de “uma
sequência apropriada de ênfases em seus diversos componentes”. O pri-
meiro deles a enfatizar seria a institucionalização política, em especial os
mecanismos regulatórios da sucessão presidencial. Tendo o regime evitado,
desde o início, o continuísmo presidencial, um “passo crítico” já fora dado
rumo à estabilidade institucional. Restava

[…] institucionalizar procedimentos para indicar presidentes, de modo


que cada sucessão não provoque por ela mesma uma crise institucional,
isto é, evitar situações em que a controvérsia sobre quem deve ser presi-
dente vira uma controvérsia sobre como o presidente deve ser escolhido.
A experiência de 1969 sugere que o conflito simultâneo acerca do quem
e do como é uma possibilidade bem real na ausência de um acordo pro-
cessual.

De fato, o processo de imposição de presidentes militares seguira


uma regra muito simples até então; um nome era escolhido na caserna
e, depois, referendado pelo Congresso Nacional, onde, naturalmente, o
partido governista sempre tinha maioria. Este método, como já foi visto,
abrira brechas para situações críticas na sucessão de Castelo Branco e
Costa e Silva. Dois meses antes de Huntington redigir o seu documento,
o governo baixara a Lei Complementar nº 15, regulando a composição
e o funcionamento do colegiado que passaria a eleger o presidente da
150 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

República. O Colégio Eleitoral compor-se-ia dos membros do Congres-


so Nacional e dos delegados das assembleias legislativas dos estados. Por
este colegiado, o general Ernesto Geisel seria entronizado na Presidência
da República em 1974. No seu governo, a busca pela institucionalização
geraria o Decreto-lei nº 1.539, de 14 de abril de 1977, que modificaria a
Lei Complementar nº 15 no tocante aos critérios para definição do núme-
ro dos delegados estaduais no colegiado. Uma derradeira modificação das
regras de composição do colégio eleitoral se faria no governo seguinte, do
general João Figueiredo, por meio da Lei Complementar nº 47, de 22 de
outubro de 1984.
O documento prescreve, também, uma política de aproximação com
interesses localizados fora do governo. O ponto central aqui ainda é que a
“política de descompressão” se vincula a uma conjuntura de crescimento
econômico percebido como ascensional. No seu rastro, se ampliariam e di-
versificariam interesses, muitas vezes externos ao governo. Por isso,

[…] a necessidade de prover mecanismos institucionais para a represen-


tação de interesses no governo e para os níveis mais altos de participação
política que serão, quase invariavelmente, produzidos pelo rápido desen-
volvimento econômico do Brasil. Um fracasso em assegurar canais para
essa participação poderia conduzir a um crescente antagonismo em relação
ao regime. No conjunto, interesses que se podem relacionar com o governo
e sentir-se representados nele por meio de canais legítimos não se voltarão
para a violência contra o poder constituído, ao passo que grupos importan-
tes a que forem negados canais de participação são suscetíveis de recorrer à
violência. A cooptação de grupos potencialmente oposicionistas pelo relacio-
namento com o sistema governamental é uma política muito menos custosa
do que a tentativa de reprimir tais grupos.360

A prescrição feita por Samuel Huntington seria seguida rigorosamente


pelos governos Geisel e Figueiredo, como se verá mais à frente. Sem que se
extinguissem as práticas violentas, a agenda da “descompressão” se consti-
tuiria de medidas que viabilizariam a incorporação de setores oposicionis-
tas moderados, cujas reivindicações giravam, fundamentalmente, em torno
das liberdades civis. Mesmo a oposição da extrema-direita militar viria a

360
Grifo meu.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 151

ser contemplada, por uma ironia da história, com a lei de anistia sanciona-
da em 1979, tema do último capítulo deste livro.361
Em 1973, Carlos Castello Branco, considerado, à época, o mais impor-
tante jornalista político nacional, se referiria com muita cautela ao trabalho
de Huntington:

Não têm faltado iniciativas isoladas, visando a estudar o tema da institu-


cionalização revolucionária, de modo a deixar para o futuro Governo uma
contribuição mais avançada. Não seria surpresa saber, por exemplo, que o
professor Huntington, um dos mestres modernos da ciência política, tenha
oferecido algum esboço, o qual, contudo, por falta de conhecimentos espe-
cíficos dos fatores que compõem a realidade nacional, terá parecido mais
ingênuo do que eficaz, mesmo a alguns de seus mais entusiastas admirado-
res. Registre-se, todavia, a preocupação moderada com o tema, prenúncio
de que, no próximo quadriênio, as pressões poderão dar aos estudos e às
aspirações um caráter de urgência que o general Médici tem sabido evitar.362

No entanto, claros reflexos da tese de Huntington sobre a “descompres-


são” política se encontrariam em palestra feita por Wanderley Guilherme dos
Santos, em 20 de setembro do mesmo ano, no Seminário de Problemas Brasi-
leiros do Instituto de Pesquisas, Estudos e Assessoria do Congresso (IPEAC),
a que se seguiram debates com parlamentares.363 Vinculado ao ISEB364 desde

361
No último dia da sua estada no Rio, Huntington, sempre em companhia do professor
Candido Mendes, almoçou com o ministro da Fazenda, Delfim Netto. Jornal do Brasil, 17
de outubro de 1972, p. 10, e 22 de outubro de 1972, p. 18. Ministro da Fazenda (1969-1974)
durante o “Milagre brasileiro”, Delfim Netto seria acusado, já em 1974, de ter falsificado
os índices de inflação no período, cujo drástico declínio foi uma das proezas apresentadas
como resultado da miraculosa operação.
362
“Missão e problemas”. Jornal do Brasil, 1 de março de 1973.
363
FIGUEIREDO, Marcus Faria; CHEIBUB, José Antônio Borges. A abertura política de
1973 a 1981: quem disse o quê, quando – inventário de um debate. BIB, Rio de Janeiro, n.
14, p. 15, 2º semestre de 1982. Neste artigo, a palestra é apresentada como um dos momen-
tos-chave do início do processo de abertura política. Sobre o IPEAC e suas funções políticas
associadas ao Congresso Nacional, ver HOEVELER, Rejane Carolina. Ditadura e democra-
cia restrita: a elaboração do projeto de descompressão controlada no Brasil (1972-1973), p.
35-37, que analisa mais detalhadamente a palestra, bem como os debates que a seguiram.
364
Criado pelo Decreto nº 37.608, de 14 de julho de 1955, como órgão do Ministério da Edu-
cação e Cultura, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros foi constituído por um grupo de
intelectuais que tinham como objetivos estudar a realidade brasileira e intervir no processo
152 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

o início dos anos 1960, Wanderley Guilherme dos Santos publicou em 1962
um livro em que indicava a iminência de um golpe de Estado no Brasil.365
Ainda nesta época, teve intensa militância política no campo nacionalista de
esquerda, envolvendo-se inclusive com o movimento das Ligas Camponesas.
Fez estudos de doutorado em ciência política na Stanford University entre
1967 e 1969, embora só viesse a obter o título dez anos depois. Tornou-se, em
1971, professor e pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio
de Janeiro (IUPERJ), de cuja fundação participara dois anos antes. Produto
de convênio entre a Universidade Candido Mendes e a Fundação Ford, o IU-
PERJ se notabilizaria, entre outros aspectos, como uma caixa de ressonância
da ciência política estadunidense no Brasil.366
Na palestra, que seria publicada em livro,367 a discussão de fundo pro-
posta é a definição de uma “estratégia não revolucionária” para substituir o
“autoritarismo”368 ‒ ou seja, uma estratégia contrarrevolucionária preventiva
para promover a mudança de regime político sem modificar o conteúdo da
dominação classista. A substituição se faria necessária em face da crise po-
lítica brasileira, cuja natureza estaria radicada na instabilidade institucional:

Por crise institucional deve entender-se não a instabilidade das instituições


– que é a crise mais comum nos países de tardia industrialização acelerada
–, mas a não institucionalização da estabilidade. Talvez uma das diferenças
políticas mais relevantes entre países democráticos e autoritários consista

de desenvolvimento nacional. Embora extremamente diversificados entre si do ponto de


vista ideológico, tinham em comum uma perspectiva nacionalista que serviu de base teórica
para a elaboração de um conjunto de proposições que ficaria conhecido como nacional-
-desenvolvimentismo. A sua extinção foi uma das primeiras medidas tomadas pelos novos
governantes do país após o golpe de 1964. Ver TOLEDO, Caio Navarro de. ISEB: fábrica de
ideologias. São Paulo: Ática, 1977.
365
GUILHERME, Wanderley. Quem dará o golpe no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Bra-
sileira, 1962.
366
Informações pessoais obtidas em: Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil (CPDOC).  Entrevistas com Wanderley Guilherme dos Santos,
21/7/2011 e 7/10/2011. Disponíveis em: <http://cpdoc.fgv.br/cientista-social/wanderleygui-
lhermedossantos>. Acesso em: 29 dez. 2015.
367
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Estratégias de descompressão política. In: ______.
Poder e política. Crônica do autoritarismo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense-Universitária,
1978, p. 143-211. Imediatamente, um resumo da palestra foi publicado no Jornal do Brasil,
edição de 30 de setembro de 1973.
368
Idem, p. 146.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 153

precisamente em que, nos últimos, a estabilidade política derive da supres-


são coercitiva do dissenso antes que da eficiência de instituições desenha-
das para instrumentalizar e acomodar aqueles conflitos que são típicos da
organização política das comunidades humanas.369

Sem entrar no mérito da natureza ditatorial da estabilidade exibida


pelo regime naquela primeira metade dos anos 1970, o autor explica a
crise institucional pela dificuldade em se conseguir um acordo básico,
no interior do bloco no poder, em torno da passagem dos fundamentos
do regime de instrumentos de exceção para instituições legitimadas pela
ideologia dominante. No seu jargão, derivado da combinação de noções
da teoria da ação racional370 com o léxico institucionalista huntingtonia-
no: “[…] pode ocorrer que todos os atores políticos relevantes concor-
dem em que um sistema de estabilidade institucionalizada seja preferível
ao exercício autoritário do poder e, não obstante, não se pode produzir
consenso em torno de nenhum arranjo capaz de garantir a institucionali-
zação da estabilidade”.371
A inexistência de consenso em torno de alternativas ao autoritarismo
dentro da ordem é apontada como a chave para a compreensão do fenôme-
no, bem como “das dificuldades de qualquer estratégia não revolucionária
para substituí-lo como sistema de poder”.372 Sem, em qualquer momento,
definir conceitualmente o autoritarismo, o autor se dedica a executar a ana-
tomia da sua expressão moderna, apresentando duas teses a respeito:

1. Antes de tudo, é necessário afastar o equívoco liberal de que o fenômeno


do autoritarismo é caso de patologia política. Se o normal, em política, é o
mais frequente, então a convivência democrática é inigualável como anor-
malidade.373

369
Idem, p. 145.
370
Sobre o assunto, no plano teórico, ver DREITZEL, Hans Peter. Ação racional e orientação
política. In: ______ e outros. Tecnocracia e ideologia. Sel., trad. e introd. Gustavo F. Bayer.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975, p. 11-47. Os termos adotados por Wanderlei Gui-
lherme dos Santos são muito próximos aos da análise desenvolvida, vinte anos depois, em
FIGUEIREDO, Argelina. Democracia ou reformas? Alternativas democráticas à crise políti-
ca: 1961-1964. Trad. Carlos Roberto Aguiar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
371
SANTOS, Wanderley Guilherme dos, op. cit., p. 146.
372
Ibidem.
373
Ibidem.
154 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

2. […] não é a existência generalizada do autoritarismo que constitui a nor-


malidade, mas sua extensa incidência ao mesmo tempo em que, a contrário
de épocas pretéritas, a cultura política mundial o considera manifestação de
patologia política.374

Destas teses, decorre uma questão:

Hoje […] os valores políticos derivados das sociedades de mercado prevale-


cem como o conjunto de normas que devia orientar as interações políticas.
A questão então torna-se mais sutil: se todos os atores relevantes do proces-
so político (e provavelmente a maioria esmagadora dos não relevantes tam-
bém) estão de acordo com a norma democrática, por que então, surpreen-
dentemente, é o autoritarismo a forma contemporânea prevalecente?375

É o caso de perguntar por que o uso do advérbio “surpreendentemente”.


A “surpresa” talvez resulte de duas premissas assumidas pelo autor. A primei-
ra: a visão normativa da relação que devia orientar as relações entre a “nor-
ma democrática” e as “sociedades de mercado”. Um caso típico de whishful
thinking, como diriam os seus mestres teóricos. Seria longa a lista de econo-
mias capitalistas (portanto, de mercado), sobre cuja base se erigiram regimes
ditatoriais. A segunda: o uso da vaga categoria “autoritarismo”, que remete,
basicamente, a uma situação de poder Executivo exacerbado em detrimen-
to do Legislativo e do Judiciário.376 As formas políticas identificáveis como
autoritárias, na visão do autor, têm significação social, política e histórica di-
versas entre si. Classificáveis como autoritários, os sistemas tribais africanos,
o regime político brasileiro e o comunismo do Leste europeu teriam a mesma
natureza? Certamente, para o autor, sim, o que torna inidentificáveis impor-
tantes singularidades das correspondentes situações políticas: conteúdo de
classe, correlação de forças, formas de dominação etc.
Wanderley Guilherme prepara o terreno para a sua proposta a partir da
crítica ao que considera as duas principais maneiras de entender a supera-

374
Idem, p. 150. Grifo do autor.
375
Ibidem. Itálico do autor, negrito meu.
376
Para uma introdução ao tema, ver STOPPINO, Mário. Autoritarismo. In: BOBBIO, Nor-
berto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política, v. 1, p. 94-
104. Uma densa discussão do conceito se encontra em FERNANDES, Florestan. Aponta-
mentos sobre a “teoria do autoritarismo”. São Paulo: Hucitec, 1979.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 155

ção do autoritarismo: a variante “economicista” – o crescimento econômico


induz à descompressão política – e a variante “elitista” – a divisão da elite
dirigente conduz à incorporação de atores de fora do sistema. Para ele:

Ambos os modelos são naturalistas no sentido em que concebem o funcio-


namento de um sistema de estabilidade institucionalizada como resultado
do simples afastamento das eventuais distorções autoritárias – dadas certas
condições econômicas, em um modelo, e certo nível de competitividade
intra-elite, no outro –, e não como o resultado de deliberada política de
implantação e manutenção de uma ordem não autoritária.377

É importante não perder de vista que a palestra foi feita para parlamen-
tares a quem o autor pretendia seduzir politicamente com ideias e estimular
à ação prática. Neste sentido, propôs uma estratégia não “naturalista” de
institucionalização da estabilidade via “descompressão”, partindo da pre-
missa de que a história dá lições, nesse caso, “a de que a organização não
autoritária do poder resulta e deve resultar não de uma evolução natural,
do processo político e social, mas de deliberada intervenção com o objetivo
de implantar uma ordem de estabilidade institucionalizada”.378
A efetivação dessa estratégia implicava a adoção do método adequado.
Reproduzindo a advertência huntingtoniana de que a “descompressão” não
poderia ser feita em ritmo acelerado, sob risco de haver uma “recompres-
são”, propôs uma “política incrementalista”: “avanços moderados, uma ino-
vação por vez enquanto se controla o resto do sistema”, de maneira, a, tra-
balhando-se com “pequena faixa de imprevisibilidade”, reduzir ao mínimo
o risco de “recompressão”.379 O método incrementalista impunha algumas
“normas práticas”.
Uma delas seria o tratamento sequencial dos problemas, sem simulta-
neidade de pressões, tornando mais fácil a formação de coalizões de apoio
do que se as decisões se referissem a modelos globais: “Daí que: liberdade
de imprensa, habeas corpus, regime eleitoral, regime partidário, mecanis-
mos sucessórios etc. sejam problemas que devem ser tratados separada-

377
SANTOS, Wanderley Guilherme dos, op. cit., p. 151-152.
378
Idem, p. 151. Observe-se que o “incrementalismo” configura claramente uma tática típica
da contrarrevolução preventiva por métodos democráticos. Ver LEMOS, Renato. Anistia e
crise política no Brasil pós-64. Topoi, Rio de Janeiro, n. 5, p. 287-313, dezembro 2002.
379
SANTOS, Wanderley Guilherme dos, op. cit., p. 153.
156 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

mente, atacando-se um apenas quando o anterior tenha já sido resolvido e


absorvido”.380
Outra norma seria “evitar a cumulatividade dos desafios” que pode-
ria surgir do “uso desabrido dos comportamentos liberados, sem que o
poder público esteja dotado de instrumental de repressão dos excessos
cometidos, desestimulando assim a escalada dos desafios para áreas não
liberadas e gerando, consequentemente, a situação de simultaneidade de
pressões”.381 Esta norma está voltada para o problema da repressão po-
lítica, crucial para a transição de regime. Ao invés de propor a sua eli-
minação, o autor indicou a substituição dos instrumentos genéricos de
coação ‒ atos institucionais, cassações de mandatos, censura etc. ‒ por
outros, específicos, visando a preservação dos limites de descompressão
desejados.382
O êxito da “política de descompressão” exigiria, também, a garantia de
“processos compensatórios”, resultantes da combinação da redução da ca-
pacidade genérica de coação com o aumento da distribuição de lealdade ao
sistema, pelo que ele faz e pelo que ele impede que façam.383

Fundamentalmente, a mobilização de lealdade se processa pela associação


de atores políticos e sociais relevantes, ou pela associação de alguns deles
a alguma ou algumas das etapas do processo de decisão sobre o que o sis-
tema faz e sobre o que o sistema impede que outros façam. Ora, a partici-
pação nos processos que estruturam ou geram as alternativas de decisão;
participação nos processos de discussão das alternativas; a participação nos
processos de escolha ou decisão propriamente dita. Um sistema altamente
comprimido é aquele em que o núcleo central de poder detém o monopólio
das três etapas do processo decisório. Consequentemente, uma política in-
cremental de descompressão, visando a garantir processos compensatórios
de lealdade pela associação de atores relevantes aos processos de ação e coa-
ção do sistema, implica na quebra gradativa do monopólio sobre as etapas
do processo decisório exercido pelo núcleo central de poder.384

380
Idem, p. 154.
381
Idem, p. 155.
382
Idem, p. 155-156.
383
Idem, p. 157.
384
Idem, p. 157-8. Grifos do autor.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 157

A estratégia de “descompressão” deveria se traduzir em um programa de


medidas a serem tomadas com o objetivo de institucionalizar a estabilidade.
Uma vez estabelecidos os princípios norteadores da “liberalização do sistema”,
caberia aos “atores políticos relevantes” tomar a iniciativa fundamental de “es-
tabelecer uma agenda de prioridade das áreas a serem descomprimidas”.

Tratando-se de uma estratégia incremental, a abordagem globalizante fica


afastada liminarmente, o que obriga a estabelecer hierarquia nas áreas a
serem liberadas e institucionalizadas.
Justificando-se a abordagem incremental pela incapacidade real de qualquer
analista em prever exaustivamente todas as consequências das medidas de
descompressão postas em prática, seria igualmente presunçoso estabelecer
antecipadamente de que maneira cada um dos problemas devesse ser resol-
vido institucionalmente. É da essência da estratégia aqui proposta que o sis-
tema se beneficie das consequências de sua própria ação, por um lado, e pela
criatividade política e social do país, a qual irá sendo liberada pelas medidas
iniciais de descompressão, a serem abordadas sequencialmente.385

A agenda proposta por Wanderley Guilherme, devidamente hierarqui-


zada,386 era a seguinte:
1. “Inamovibilidade do Judiciário” – garantia suspensa pelo Ato Institucio-
nal nº 2;
2. “Circulação de informação e manifestação de opinião” ‒ fim da censura
política, em especial à imprensa;
3. “Restauração dos direitos individuais, com destaque para o habeas cor-
pus” ‒ restringidos por vários diplomas legas e administrativos, mas, em
especial, pelo Ato Institucional nº 5, que, como já foi visto, suprimiu o
direito de habeas corpus para acusados de crime político;
4. “Organização das opiniões políticas e manifestação das vontades po-
líticas” ‒ reorganização partidária para fazer a avançar a “política de
descompressão” na área da legitimidade parlamentar, a ser garantida,
segundo já visto em Huntington, pela organização de um partido gover-
nista forte e pela imposição de situações que levassem à fragmentação
das forças oposicionistas até então aglutinadas no Movimento Demo-

385
Idem, p. 158-159.
386
Idem, p. 159
158 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

crático Brasileiro (MDB);


5. “Ordenação da legítima competição pelo poder” ‒ ampliação das con-
sultas eleitorais, uma vez observadas as condições propostas no item
acima, de forma a consolidar a legitimidade das forças no poder; e
6. “Estabelecimento da processualística positiva e objetiva para o uso dos
instrumentos de coação específica” ‒ novas leis de censura,387 de im-
prensa etc.

Como se pode perceber, a “estratégia de descompressão” formulada por


Wanderley Guilherme dos Santos constitui um detalhamento da “política de
descompressão” apresentada por Samuel Huntington ao ministro Leitão de
Abreu. Entretanto, mencionado em matéria de um semanário como discí-
pulo do cientista político de Harvard,388 Santos escreveria ao jornal exigindo
direito de resposta para discordar da associação. Tomara conhecimento, no
primeiro semestre do ano anterior, de um “texto escrito pelo prof. Huntin-
gton” que teria o propósito de formular uma “saída institucional para o im-
passe político brasileiro”. Dentre o conjunto de considerações que analisei
acima, Santos só menciona a defesa da criação de um partido único como es-
tratégia de mudança institucional, reduzindo o documento de Huntington a
este ponto. E frisa: “Em nenhuma passagem do texto há qualquer elaboração
sobre o que posteriormente veio a ser conhecido como estratégia gradualis-
ta ou incremental da descompressão”. Por discordar da proposta de partido
único, teria formulado o seu próprio documento sobre o tema, que acabei de
comentar. Embora afirmando não considerar de grande importância discu-
tir se era ou não seguidor de Huntington, Santos insiste em marcar posição
contra a tese do partido único como “a melhor forma de se recuperarem no
Brasil condições de convivência política não autoritária”.
Pela data e temática, dificilmente Wanderley Guilherme estará falando de
outro documento que não o que comentei. É verdade que, no seu, Huntin-
gton tece várias considerações sobre eventuais virtudes do sistema de par-
tido único como meio para atingir-se a estabilidade institucional em países

387
O controle de publicações (livros e revistas), diversões e espetáculos públicos, bem como
a programação das emissoras de rádio e televisão, estava regulado pelo Decreto-lei nº 1.077,
de 26 de janeiro de 1970, que regulamentou a execução do artigo 153, § 8º, parte final, da
Constituição de 1967, estabelecendo a censura prévia (Art. 2º).
388
Opinião, Rio de Janeiro, 26 de agosto de 1974, p. 3. Carta na edição de 2 de setembro de
1974, p. 23.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 159

em mudança. Como não foi uma proposta com impacto efetivo no processo
político brasileiro, não a analisei. Optei por discutir, exatamente, as ideias
que Wanderley Guilherme diz estarem ausentes do documento do cientista
político norte-americano. Causa estranheza a posição assumida por ele, tal-
vez decorrente de um propósito de arrogar-se a paternidade da “estratégia
de descompressão gradual”, então “na moda” no jargão dos meios políticos
nacionais e plenamente contemplada nesta passagem, encontrada na segun-
da página de versão do documento de Huntington que consultei: “A descom-
pressão eficaz e duradoura deve, portanto, ser um processo gradual sobre que
o governo mantenha firme controle”. Embora seja difícil medir a influência
direta de ambos os documentos ‒ produzidos em meio a um debate relati-
vamente amplo, que envolveu outros importantes intelectuais orgânicos do
regime, como Roberto Campos e Gilberto Freyre389 ‒ sobre os dirigentes do
regime ditatorial brasileiro, o dado objetivo é o fato de que o processo político
nacional seguiria, a partir da posse do general Ernesto Geisel, as linhas gerais
preconizadas pelos dois cientistas políticos.390
Huntington retornou ao Brasil em fevereiro de 1974, para sua sexta visita
ao país – a segunda nos últimos doze meses. Segundo Thomas Skidmore,
veio a convite do general Golbery do Couto e Silva, então se preparando para
assumir, no mês seguinte, a chefia da Casa Civil do governo do general Er-
nesto Geisel (1974-1979). Na agenda dos dois, a continuidade da discussão
sobre o documento “Abordagens da descompressão política”. O historiador
norte-americano faz referência a fontes jornalísticas que noticiaram a pre-
sença de Huntington no Brasil, mas não a esse contato com Golbery e, muito
menos, à matéria da suposta conversa havida entre os dois.391 Assim, é de
supor que tenha utilizado canais de acesso privilegiado para poder resumir

389
Ver, a propósito, HOEVELER, Rejane Carolina. Ditadura e democracia restrita: a elabora-
ção do projeto de descompressão controlada no Brasil (1972-1973), op. cit.
390
Por causa da colaboração intelectual que deu à estratégia política do regime, Octávio
Ianni incluiu Wanderley Guilherme dos Santos entre os “ideólogos e escribas da ditadura”,
aqueles que: “Oferecem recomendações aos membros do bloco de poder, em um país no
qual esse próprio poder mantém o povo disperso, dispersado pela violência”. O ciclo da
revolução burguesa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1984, p. 19-20.
391
Com base no acervo documental herdado do general Golbery do Couto e Silva, sobre
o qual exerce efetivo monopólio, o jornalista Elio Gaspari fornece informações da reunião
com Samuel Huntington. O general teria guardado má impressão do seu trabalho sobre a
“descompressão”, classificando-o de “pedestre”. GASPARI, Elio. A ditadura derrotada. São
Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 344-346.
160 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

o seu conteúdo:

Golbery estava particularmente interessado em como promover o aumen-


to gradual, mas constante da participação no sistema político. Referia-se
ao que chamava de “órgãos intermediários”, como a Igreja, a imprensa, as
universidades e a classe trabalhadora. Achava ele que o governo tinha que
estabelecer canais de consulta com esses grupos incorporando-os ao siste-
ma político um de cada vez. Golbery tinha também uma lista de questões
mais específicas, como, por exemplo, a maneira de fortalecer o Congresso
e os partidos políticos, como limitar a influência do dinheiro nas eleições e
como expandir o eleitorado.392

No dia 6, Huntington foi entrevistado no programa Realidades, da


emissora de televisão Tupi, discorrendo sobre as “nações em desenvolvi-
mento” e o papel da América Latina no contexto internacional, bem como
sobre o caso do Brasil.393 Concedeu uma entrevista, também, ao Jornal do
Brasil,394 que o apresentou como membro do Conselho do Grupo Universi-
tário Candido Mendes. Solicitado a falar sobre as suas ideias a respeito da
“descompressão política” – expressão, como já foi visto, cunhada por ele e
apontada pelo próprio jornal como “um eufemismo capaz de substituir as
expressões “reabertura” e “redemocratização” –, Huntington observou que
a condição do seu êxito era que fosse adotada com gradualismo, sob o risco
de “regressão”, como no caso do “regime grego”, porque o coronel Papa-
dopoulos395 estaria “usando a descompressão para aumentar a sua própria
base de poder pessoal”, fazendo com que a situação se alterasse. Já o Brasil
apresentava condições favoráveis à descompressão:

Deve-se hesitar antes de rotular a situação política brasileira, pois aqui há

392
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Trad. Mário Salviano
Silva. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 326-327.
393
Correio da Manhã, 4 de fevereiro de 1974, p. 6.
394
Jornal do Brasil, 10 de fevereiro de 1974, p. 24.
395
Georgios Papadopoulos, apoiado ativamente pelo governo dos Estados Unidos, liderou
o golpe de 1967 na Grécia e chefiou a junta militar que governou o país até julho de 1974.
Quando Huntington deu essa declaração, vivia-se na Grécia um processo de transição po-
lítica que resultaria, no fim do ano, na implantação de uma república democrática. A pro-
pósito, ver: POULANTZAS, Nicos. La crise des dictatures. Portugal, Grèce, Espagne. Paris:
François Maspero, 1975, especialmente, p. 100-106.
Anistia: uma impossibilidade sistêmica (1964-1974) 161

um sistema político singular, combinando elementos de regime de autori-


dade e elementos característicos de regime democrático. O fato de realiza-
rem-se eleições periódicas com a existência de partidos políticos e debates
parlamentares é, por exemplo, característica dos regimes democráticos.

Coerentemente com essa perspectiva, sustentou:

O regime brasileiro está se institucionalizando a partir da estabilidade con-


seguida. O fato de o país ter tido uma sucessão regular para a Presidência
da República, além de ser um indício de estabilidade, é também um sinal de
que o sistema político é capaz de mudar e se adaptar a diferentes circuns-
tâncias. Isso o torna mais flexível que um regime semelhante onde o poder
não passasse por qualquer rotação.

No seu entendimento, a opção pela política de descompressão era de


natureza estratégica e não deveria ser associada a eventuais dificuldades
na esfera econômica: “O Governo que resolve seguir uma política desse
tipo deve gastar muito tempo, com bons e maus resultados na economia,
pois a descompressão deve ser independente do estado econômico do país”.
O timing político seria essencial para o governo à frente dessa política: “A
possibilidade de recompressão depende da velocidade da descompressão.
Esse processo deve ter um amplo apoio entre os grupos políticos mais sig-
nificativos”.396
A reportagem destaca a preocupação de Huntington em “evitar análises
específicas do caso brasileiro”:

Discreto, o professor Huntington recusa-se a fazer qualquer comentário a res-


peito de personalidades brasileiras com quem se entrevistou durante sua última
visita, no ano, quando esteve com o chefe do Gabinete Civil, professor João
Leitão de Abreu. Da mesma forma, não comenta o conteúdo de um documento
que preparou na Universidade de Harvard a respeito das modalidades de atua-
ção que se deve seguir para desenvolver processos de descompressão política.

Mas, o que foi dito na entrevista, somado à informação sobre os conta-

396
FIGUEIREDO, Marcus Faria; CHEIBUB, José Antônio Borges. A abertura política de
1973 a 1981: quem disse o quê, quando – inventário de um debate. BIB, Rio de Janeiro, n.
14, p. 15, 2º semestre de 1982.
162 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

tos com autoridades brasileiras em várias de suas vindas ao país, é suficiente


para que se conclua que o professor de Harvard participava da elaboração
da política de transição de regime em estudos durante o governo Médici.397
Como se verá adiante, esta participação se traduziu na orientação impressa
em medidas políticas práticas.

Em “How Countries Democratize”, Huntington afirma ter trabalhado com o general Gol-
397

bery do Couto e Silva no plano de democratização do Brasil. Political Science Quartely, v.


106, n. 4, p. 352, Winter 1991-1992. Agradeço a Rejane Carolina Hoeveler esta indicação.
Ver, também, RAGO FILHO, Antônio, op. cit.
Capítulo 2
O projeto distensionista e a anistia
(1974-1978)

2.1 As táticas da distensão e as brechas para a campanha pela anistia

Os primeiros momentos do governo do general Ernesto Geisel, empossado em


15 de março de 1974, coincidiram com o agravamento da pressão internacional
contra a ditadura no Brasil. Quinze dias depois da posse, o Tribunal Bertrand
Russell1 reuniu-se em Roma para examinar denúncias de violação de direitos
humanos na Bolívia, Brasil, Chile e Uruguai. A ideia inicial era julgar apenas
os atos da ditadura brasileira. O golpe perpetrado no ano anterior pelas forças
direitistas no Chile foi, contudo, entendido como indicador de que o caso do
Brasil não era uma ocorrência isolada, mas “surgia como um modelo que ten-
dia a se estender por toda a América Latina”, acontecendo igualmente, como
já foi visto, no Uruguai e na Bolívia. Na reunião de constituição realizada em
Bruxelas, a 6 de novembro de 1973, decidira-se assumir o nome de Tribunal
Russell II para a Repressão no Brasil, no Chile e na América Latina.2
O júri tinha na presidência Lelio Basso, jurista e escritor marxista e
senador pela esquerda independente italiana. Os vice-presidentes eram:
Wladimir Dedijer, historiador iugoslavo; Gabriel Garcia Márquez, escri-

1
Criado em 1966 com o nome de Tribunal Internacional contra os Crimes de Guerra no
Vietnã, teve como presidente de honra o filósofo britânico Bertrand Russell e, como presi-
dente executivo, o escritor e filósofo marxista francês Jean-Paul Sartre. Ver Tribunal Russell.
Sesiones de Estocolmo y Roskilde, 1969, primeiro livro publicado pela seção espanhola da
importante editora mexicana Siglo Veintiuno. A explicação de Sartre para o sentido político
desse tipo de tribunal pode ser encontrada em seu artigo “O crime”, Revista Civilização Bra-
sileira, Rio de Janeiro, ano 1, n. 11-12, p. 38-47, dez. 1966/mar. 1967. Sobre as articulações
entre exilados brasileiros visando à constituição do Tribunal Russell II, ver GREEN, James
N. Apesar de vocês. Oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985. Trad. S.
Duarte. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 375-376.
2
“Discorso inaugurale del presidente Lelio Basso”, 30 de março de 1974. In: Tribunale Rus-
sell II. Brasile. Violazione dei diritti dell’uomo, p. 9. Ver nota 3. Tradução minha.

163
164 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

tor colombiano simpático ao socialismo; François Rigaux, professor belga


de direito internacional, e Albert Soboul, historiador marxista francês.
Como jurados: Abu Omar, representante da Organização pela Libertação
da Palestina (OLP); Juan Bosch, ex-presidente da República Dominicana,
de orientação socialista; Luís Cabral, presidente do Conselho da Repú-
blica Democrática de Guiné-Bissau; Georges Casalis, teólogo protestan-
te; Julio Cortázar, escritor socialista argentino; Giulio Girardi, teólogo
católico; Uwe Holtz, deputado pelo Partido Social-Democrata Alemão;
Alfred Kastler, francês, laureado com o prêmio Nobel de Física; Emílio
Maspero, secretário-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores La-
tino-Americanos; Johann Baptist Metz, intelectual católico alemão iden-
tificado com a Teologia da Libertação; John Molggard, dirigente sindical
e deputado pelo Partido Social-Democrático Dinamarquês; Joe Nord-
mann, secretário-geral da Associação Internacional de Juristas Democra-
tas; Andreas Papandreu, político grego, secretário-geral do Movimento
Pan-Helênico; James Petras, sociólogo marxista norte-americano; Pham
Van Bach, presidente da Comissão para os crimes americanos de guer-
ra no Vietnã e da Corte Suprema da República Democrática do Vietnã;
Laurent Schwartz, matemático francês; Benjamin Spock, médico norte-a-
mericano; Bruno Trentin, membro do Partido Comunista Italiano (PCI)
e secretário-geral da Federazione Lavoratori Metalmeccanici (FLM); Ar-
mando Uribe, professor de Direito chileno e ex-embaixador do governo
de Salvador Allende; Georges Wald, cientista norte-americano, premiado
com o Nobel de Biologia.
O caso do Brasil foi discutido na primeira sessão do tribunal, que se
reuniu de 30 de março a 5 de abril de 1974.3 Práticas dos governos militares
consideradas violadoras dos direitos humanos e das liberdades fundamen-
tais foram denunciadas com base em farta documentação e testemunhos. A

3
Os registros das atividades relativas ao Brasil foram publicados em Tribunale Russell
II. Brasile. Violazione dei diritti dell’uomo. A cura di Linda Bimbi. Milano: Feltrinelli, 1975
(I nuovi testi, 84). Os registros relativos ao Chile, Bolívia e Uruguai foram publicados, si-
multaneamente, pela editora Marsílio, de Veneza. Outras sessões aconteceriam em Bruxelas
(1975) e Roma (1976), para julgar os casos do Paraguai, da Argentina, do Haiti, de S. Do-
mingos, da Guatemala, da Nicarágua, de Porto Rico e da Colômbia. A análise da situação
nestes países ressaltou, entre outras evidências, o papel que a polícia política brasileira cum-
priu na transmissão de técnicas de intimidação e obtenção de informações por meio de
tortura às suas congêneres chilena, argentina e uruguaia. A internacionalização dos sistemas
repressivos destes países resultaria na criação da Operação Condor, como se verá adiante.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 165

“repressão sangrenta” e o emprego da tortura foram apontados, de maneira


sagaz, como um “instrumento de gestão da sociedade”:

O tribunal está, assim, convencido de que, longe de ser produto de um com-


portamento descontrolado, a tortura é uma atividade planejada, dirigida
conscientemente, que tem sua origem nos governos nacionais que a orga-
nizam e nos governos estrangeiros que a inspiram, em particular o Brasil e,
além do Brasil, os Estados Unidos. Ela é, entre outros, um elemento de um
projeto político que visa entregar os trabalhadores às oligarquias nacionais
e ao imperialismo estrangeiro. De individual a coletiva, de física a moral, de
privada a pública, ela se torna um método de governo.4

O tribunal entendeu que a ação da ditadura não constituía somente uma


negação dos “direitos humanos”, mas também um meio de destruir o mo-
vimento operário e camponês no Brasil, em nome de um modelo de desen-
volvimento econômico que reduzia os trabalhadores a condições de opres-
são e miséria típicas das fases iniciais do capitalismo. Por considerar que os
métodos do governo brasileiro implicavam “crimes contra a humanidade”,
o tribunal sugeriu a publicação dos nomes de todos os responsáveis − man-
dantes e executores − por tais violências.5
Ao contrário do ocorrido durante o julgamento dos crimes de guerra
estadunidenses no Vietnã, os trabalhos do Tribunal Russell sobre o Brasil
receberam expressiva cobertura da imprensa internacional, em especial da
televisão italiana.6 O relatório final também foi divulgado amplamente,
alcançando significativo impacto junto a correntes de opinião em vários
países.7
Nos EUA, realizou-se, em abril de 1974, no estado de Wisconsin, a con-
ferência nacional Repressão e desenvolvimento no Brasil e na América La-
tina. Com foco na ditadura brasileira e no recente golpe de Estado no Chile,
o evento, segundo James Green,8 “congregou muitos ativistas importantes

4
Tribunale Russell II, p. 312. Tradução minha.
5
Idem, p. 311. Várias listas com nomes de praticantes de torturas já haviam sido divulgadas
por presos políticos, jornais e entidades de defesa de direitos humanos, e outras mais ainda
o seriam.
6
Idem, p. 316.
7
Anistia, nº 2, nov./dez. de 1978, p. 2.
8
Op. cit., p. 441.
166 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

e acadêmicos progressistas de todo o país que se ocupavam de diversos


aspectos da América Latina”. Em julho, o boletim informativo da Anistia
Internacional pintou com cores sombrias a situação no Brasil:

Nova onda de prisões, desaparecimentos9 e torturas no Brasil faz do “mi-


lagre econômico” motivo de desconfiança. Essa nova onda de detenções, o
prosseguimento dos “desaparecimentos” de pessoas em todo o Brasil devi-
do a sua oposição real ou imaginária ao governo, além da persistência de
torturas brutais deram notoriedade ao Brasil nos anos recentes.10

Mais para o fim do ano, novas pressões contra a ditadura brasileira sur-
giriam nos EUA, depois que, em setembro, Fred B. Morris, um pastor me-
todista norte-americano que prestava serviços sociais em Recife, foi preso e
torturado em dependências do IV Exército, acusado de envolvimento com
atividades subversivas no país.11 A imagem do governo Geisel liberalizador
saiu do episódio bastante questionada. Houve movimentações na Câmara
dos Representantes dos EUA e o depoimento de Morris foi publicado com o
título “Tortura e opressão no Brasil”. Em novembro, a revista Time, uma das
mais lidas no país e na qual Morris costumava colaborar, dedicou ao seu caso
um longo artigo, intitulado “Tortura em estilo brasileiro”. A revista organizou
um conjunto de atividades para promover o artigo, inclusive uma aparição
do pastor no programa matinal de entrevistas que na época detinha o recorde
de audiência televisiva e em mais de vinte outros programas de televisão e
rádio. Em todos, Morris narrou o acontecido e fez comentários sobre a pre-
cariedade da situação dos direitos humanos na América Latina.12
Na mesma época, realizou-se no Rio de Janeiro, em agosto de 1974, o
Seminário sobre o Legislativo e Desenvolvimento, promovido pelo Con-

9
Entre os “desaparecimentos” registrados no período março-abril de 1974, estão os dos
militantes comunistas José Roman, João Massena de Melo, Luís Inácio Maranhão Filho,
David Capistrano da Costa, Ieda Santos Delgado, Issami Nakamura Okano, Ísis Dias de Oli-
veira, Ana Rosa Kucinski, Wilson Silva e Tomás Antônio Meireles. KUCINSKI, Bernardo.
Abertura, a história de uma crise, p. 46.
10
Apud GREEN, James, Op. cit., p. 440. Em meados de 1974, os presos políticos detidos no
Instituto Penal Sarazate, em Fortaleza, entraram em greve de fome contra as restrições à visi-
tação e às más condições carcerárias a eles impostas. VIANA, Gilney Amorim e CIPRIANO,
Perly, op. cit., p. 43.
11
GREEN, James, op. cit., p. 439.
12
Idem, p. 440-441.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 167

junto Universitário Candido Mendes. O objetivo do evento era discutir, de


outro ângulo, a situação política da América Latina. Atuaram como presi-
dentes de honra os professores Jean Laponce (International Political Scien-
ce Association), Temístocles Cavalcanti (Associação Brasileira de Ciência
política) e Austin Raney (American Political Science Association). Embo-
ra informados de que as intervenções deveriam se restringir à discussão
acadêmica, os mais de vinte cientistas políticos brasileiros e estrangeiros
participantes do evento não se furtaram a abordar aspectos candentes da
política nacional.13
Samuel Huntington foi o principal articulador internacional do semi-
nário, graças a seus contatos, como faria questão de frisar Candido Mendes
no discurso de abertura do seminário. Dividiu com Carlos Astiz (New York
University) e o próprio Candido Mendes a direção científica dos trabalhos,
mas não apresentou comunicação. Entretanto, ao contrário do comporta-
mento adotado em visitas anteriores, deu declarações à imprensa indicati-
vas de que as suas opiniões sobre o processo político brasileiro continua-
vam sintonizadas com a orientação do governo Geisel.
O seminário discutiu a situação mundial do poder Legislativo em face
da ascensão política da “tecnocracia”.14 Huntington participou da sessão de
encerramento e fez um balanço do que julgou serem as tendências domi-
nantes entre os expositores. Em relação ao Brasil, reconheceu haver uma
crise na instituição legislativa e sugeriu, para fortalecê-la, a atração de mi-
litares e tecnocratas, que classificou como as “forças dominantes na socie-
dade brasileira”. Do seu ponto de vista, a aliança entre os militares e os
tecnocratas constituiria um fenômeno próprio dos países em transição, em

13
Jornal do Brasil, 3 de agosto de 1974, p. 7. Ver MENDES, Candido (Org.). O Legislativo
e a tecnocracia. Seminário sobre o Legislativo e desenvolvimento (agosto de 1974). Rio de
Janeiro: Imago, 1975. Aí se encontra a lista completa de participantes, com as respectivas
filiações institucionais.
14
A discussão espelha uma temática que se impôs no universo político-intelectual capita-
lista a partir da década de 1930, a saber, a ideia de uma nova forma de organização social
em que a economia seria dirigida por técnicos e planejadores. Um padrão administrativo
definido a partir dos critérios de eficiência e neutralidade técnica garantiria um governo
acima dos interesses individuais e de classe. Sobre o conceito de tecnocracia e seu histórico,
ver MARTINS, Carlos Estevam. Tecnocracia e capitalismo. A política dos técnicos no Brasil.
São Paulo: CEBRAP, 1974, p. 11-15. Na Parte III deste livro, encontra-se uma interessante
discussão dos resultados de uma pesquisa feita, em 1970, com engenheiros, economistas,
cientistas naturais e cientistas sociais brasileiros em torno de questões pertinentes à relação
sociedade-poder político.
168 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

processo de desenvolvimento, não encontrável nas nações mais evoluídas.


Admitindo que os tecnocratas tinham, em muitas sociedades daquele mo-
mento, “um papel mais do que relevante”, defendeu a tese de que, no Brasil,
só se poderia resolver o problema do enfraquecimento do Legislativo de-
pois que uma questão fundamental fosse respondida: “O que os militares e
os tecnocratas brasileiros esperam do Congresso?” .
Discordando desta e de outras teses apresentadas pelo cientista político
de Harvard e colegas norte-americanos, Jean Ziegler, da Universidade de
Genebra e deputado federal na Suíça, fez uma arguta previsão dos desdo-
bramentos da política econômico-social da ditadura. Associou a defesa da
tecnocracia ao desejo de que a sociedade brasileira organizasse uma estru-
tura econômica sofisticada e voltada para apenas 30% dos seus cem mi-
lhões de habitantes. Aos demais setenta milhões, restaria viver à margem
dos benefícios do desenvolvimento. Este plano estaria sendo concretizado
pela política de concentração de renda e favorecimento aos grandes grupos
nacionais e internacionais, combinada com a marginalização da maioria da
sociedade brasileira, sobretudo os nordestinos e a mão de obra desqualifi-
cada em geral.15
Em relação ao Brasil, contudo, o tema central de Huntington conti-
nuava sendo a “descompressão”. De maneira geral, repetiu advertências já
feitas sobre a necessidade de respeitar-se o método gradualista, para que
não ocorresse uma “recompressão” política. Mas “manifestou a convicção
de que os elementos-chave da descompressão política, no Brasil, seriam a
maior proteção aos direitos e garantias individuais, a suspensão da censura
à imprensa e a concessão de um maior poder de iniciativa ao legislador”.16 O
processo estaria caminhando bem, garantido por recentes declarações do
presidente Geisel, que indicariam uma tendência ao crescimento da parti-
cipação dos políticos no processo decisório do governo e, mesmo, na sua
condução. Indicativos disso seriam o melhor relacionamento com a Igreja17

15
Jornal do Brasil, 15 de agosto de 1974, p. 7.
16
Jornal do Brasil, 15 de agosto de 1974, p. 7.
17
Entretanto, as relações da Igreja Católica brasileira com a estratégia transicional em curso
eram contraditórias. O caráter repressivo do regime se mantinha, especialmente no tocante
às classes exploradas da sociedade. Assim, as lutas dos camponeses e trabalhadores sem-ter-
ra, por exemplo, eram tratadas, literalmente, a ferro e fogo, levando na onda de violência
ativistas católicos, tanto religiosos como leigos. Comentando um desses episódios, ocorrido
em momento mais avançado da transição, um analista estrangeiro observaria: “O caso To-
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 169

e o “relaxamento das medidas rigorosas de controle da imprensa”, óbvio eu-


femismo a que recorreu para referir-se à censura sem melindrar o governo
que tanto elogiava. A inserção do seminário na conjuntura de “distensão
política” foi anotada por José Sarney (Arena-MA), que, juntamente com
Franco Montoro (MDB-SP), participou do evento como representante do
Senado: “O encontro que agora se encerra é mais uma etapa no degelo e na
distensão política que o país está tentando e para a qual o presidente da Re-
pública reclamou a contribuição da imaginação criadora dos políticos”.18 A
interpretação do oligarca maranhense se coaduna com a informação pres-
tada por Thomas Skidmore, segundo a qual Huntington, após o seminário,
se deslocou a Brasília para discuti-lo com o general Golbery do Couto e
Silva, que, de acordo com matéria do jornal O Estado de S. Paulo citada pelo
historiador, teria sido o “patrono silencioso” do evento.19
A repercussão de suas teses e a frequência com que participava de even-
tos acadêmicos no Brasil fizeram de Huntington um personagem também
da crônica social, levando um jornal carioca a se dar a liberdade de tecer
um comentário jocoso sobre a sua aparência: “É possível que um seminário
de ciências estéticas possa determinar o motivo pelo qual o professor Sa-
muel Huntington, de Harvard, com quase um metro e noventa de altura e
pés de texano, usa a calça dez centímetros acima do nível do mar”.20 Àquela
época, dizia-se de quem usava calças com a barra acima do tornozelo que
estava “pescando siri”, em alusão ao vestuário dos pescadores desses crustá-
ceos nos mangues, o que era considerado um padrão estético a ser evitado
pelos membros dos estratos “superiores” da sociedade. Seguramente não
pelo seu look, no ano seguinte, quando do lançamento da versão brasileira

cantins ‒Araguaia ressaltou alguns dos limites da abertura política. Nas regiões rurais, ainda
havia muita repressão contra os esforços populares para organizar e exigir seus direitos. Os
fazendeiros, a polícia e os militares e, na maioria dos casos, o Judiciário, continuaram pouco
dispostos a modificar o padrão de dominação que prevalecia no Brasil rural. O governo
federal, até mesmo enquanto promovia a abertura, estava pouco disposto a modificar as
políticas agrícolas que exacerbavam as tensões ou a obrigar as elites a aderir ao espírito
da abertura. As elites rurais eram uma das principais fontes de apoio ao regime militar e
este não se dispunha a colocar em risco tal apoio”. MAINWARING, Scott. Igreja Católica e
política no Brasil, 1916-1985. Trad. Heloísa Braz de Oliveira Prieto. São Paulo: Brasiliense,
1989, p. 185-187.
18
Jornal do Brasil, 15 de agosto de 1974, p. 7.
19
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985, p. 327, nota 17.
20
Jornal do Brasil, Informe JB, 14 de agosto de 1974.
170 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

de A ordem política nas sociedades em mudança,21 Huntington seria reco-


nhecido pelo jornalista Carlos Castello Branco como “famoso cientista po-
lítico norte-americano”.22
A sua presença no Brasil foi associada, também, a mudanças no léxico
político. Um pequeno e sutil artigo de jornal, não assinado, insere o termo
“descompressão” ‒ ele próprio emprestado metaforicamente da física ‒ no
universo vocabular do cenário político brasileiro, onde cumpriria funções
eufêmicas para indicar as linhas de força da conjuntura:

Na vida política do país, nada vem se renovando tão rapidamente quanto


o vocabulário. Muitas vezes, por isso, entre os que lidam com tão delicado
material linguístico, é pecado maior não ter palavras do que não ter ideias.
Se não conseguiu impor sua teoria, o professor Samuel Huntington pode
considerar-se satisfeito por ter lançado à moda a imaginosa palavra “des-
compressão”. Com ela, podem-se exprimir ideias colocadas fora do alcance
de outros sinônimos mais desgastados e cortantes.
Essa simples contribuição, para os exaustos manipuladores do politiquês,
merece maiores agradecimentos do que os próprios conceitos que exprime.
Ela vem prestando um inestimável socorro a outras expressões supostamen-
te afins, como “o problema (o projeto, o modelo, a questão) institucional do
país”, o “aperfeiçoamento do regime” ou “o retorno às franquias” – expres-
são que um dia já mereceu complementos explícitos23 e hoje se emancipou
graças a um tácito acordo entre os interlocutores.
É certo que um dia “sistema” e “descompressão” saiam de circulação, tor-
nando-se tão nostálgicas como a demolidora “demagogia”, a exasperada
“linha dura” e outras impronunciáveis. Ainda assim, sem dúvida, depois
de meses de uso, já podem ostentar melhor sorte do que outras joias do
vocabulário, como a desastrada palavra “consenso”.24

21
Tradução de Pinheiro de Lemos para a Editora Forense-Universitária, do Rio de Janeiro,
em parceria com a Editora da Universidade de São Paulo. Uma resenha desfavorável ao
livro se encontra em NOGUEIRA, Marco Aurélio. A ordem e a desordem. Opinião, Rio de
Janeiro, 19 de março de 1976, p. 21, e uma favorável, em BALEEIRO, Aliomar. Huntington,
os golpes e a floresta. Jornal do Brasil, suplemento Livro, 10 de janeiro de 1976, p. 4.
22
Jornal do Brasil, Coluna do Castello, 5 de outubro de 1975.
23
Provavelmente, referência ao adjetivo “democráticas”.
24
Opinião, Rio de Janeiro, 2 de setembro de 1974, p. 2
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 171

Em território nacional, a tática de “distensão”25 ‒ como começava a ser


chamada a “descompressão política” ‒ do regime adotada pelo general Er-
nesto Geisel, iniciando a concretização da “estratégia de descompressão”,
estimulou o incremento das atividades em defesa dos presos e “desapare-
cidos” políticos. Em agosto de 1974, a V Conferência Nacional da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB) aprovou moção de anistia aos presos po-
líticos.26 Neste mesmo mês, membros da cúpula da Igreja Católica partici-
param de reunião com familiares de “desaparecidos” políticos e o chefe do
Gabinete Civil da Presidência da República, general Golbery do Couto e
Silva, a quem entregaram uma carta solicitando informações sobre eles.27
O movimento estudantil, embora ainda desorganizado e enfraquecido
pela repressão a partir de 1968,28 esboçava um esforço para, por meio de
reivindicações corporativas e democráticas, retornar à posição de ponta de
lança na luta contra a ditadura. Em meados de 1974, estudantes paulistas,
advogados e parentes de presos políticos criaram o Comitê de Defesa dos
Presos Políticos (CDPP), que, imediatamente, precisou atuar em favor de
cinco alunos da Universidade de São Paulo (USP), detidos quando distri-
buíam panfletos de divulgação da entidade.29 No ano seguinte, o recém-
-reorganizado Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade
Federal da Bahia tomou a iniciativa de obter informações sobre militantes
do PCB que haviam sido presos pela polícia política e cujo paradeiro era

25
O termo foi usado publicamente por Geisel, pela primeira vez, em agosto de 1975, em dis-
curso a dirigentes da Arena, quando frisou as suas características: “lenta, gradativa e segura”.
Cf. KUCINSKI, Bernardo. Abertura, a história de uma crise, p. 41-42.
26
Anais da V Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil de 11 a 16 de Agosto
de 1974. Rio de Janeiro: OAB, 1974; Veja, 1º de março de 1978, p. 36. Segundo Denise Rol-
lemberg, foi em 1974 que a OAB transitou da colaboração ao enfrentamento com o regime
ditatorial. Ver “Memória, Opinião e Cultura Política. A Ordem dos Advogados do Brasil sob
a Ditadura (1964-1974)”. In: REIS, Daniel Aarão; ROLLEMBERG, Denis (Org.). Moderni-
dades alternativas, p. 57-96.
27
Carta do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) ao general Ernesto Geisel, Rio de Janeiro,
28 de dezembro de 1978. Para os contatos entre membros da Igreja Católica e dos governos
militares em torno da questão dos “direitos humanos”, ver SERBIN, Kenneth P. Diálogos na
sombra, p. 335 para os contatos de agosto de 1974.
28
Maria de Lourdes de A. Fávero informa que o movimento estudantil existiu, de 1969 a
1979, “restrito à clandestinidade, ressurgindo lentamente enquanto organização, a partir
do XXXI Congresso da UNE, em 1979”. UNE em tempos de autoritarismo. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1994, p. 71.
29
MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os brasileiros, p. 128; Brasil dia a dia, p. 113.
172 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

desconhecido. A mobilização de vários setores da sociedade baiana contri-


buiu decisivamente para a localização dos presos.30
O ano de 1974 assistiu, ainda, ao retorno da anistia aos debates na Câ-
mara dos Deputados, inclusive porque em 9 de abril se extinguiu a validade
da cassação dos direitos políticos de centenas de pessoas, determinada pelo
primeiro Ato Institucional. Na sessão em 17 de maio, o deputado Joel Fer-
reira − ex-membro do Partido Socialista Brasileiro (PSB), representante do
Amazonas e integrante da tendência moderada do MDB31 − comentou artigo
publicado no Jornal do Brasil pelo escritor e líder católico Tristão de Ataíde,
que se dizia decepcionado com o general Geisel por ter-se negado a conceder
anistia aos exilados políticos. No mês seguinte, foi a vez do deputado Aldo
Fagundes (MDB-RS) defender a anistia, agora voltada aos “homens de ciên-
cia e de pensamento, aos professores universitários, aos técnicos do serviço
público, que foram punidos, por motivos políticos, depois de 1964”.32 Entre
agosto e novembro, o deputado emedebista Florim Coutinho (RJ), integrante
da corrente chaguista, manifestou-se quatro vezes em favor da medida. Em
uma delas, a 30 de outubro, apresentou projeto de lei concedendo a anistia
“a quantos, a partir de março de 1964, hajam sido envolvidos em crimes de
natureza política”. O projeto excluía dos benefícios da medida todos aqueles
perseguidos em virtude de ligações com o campo político derrotado em 1964
e permitia a reversão dos militares e a reintegração dos civis às atividades que
exerciam antes do enquadramento nas leis de exceção,33 mas foi arquivado
por vencimento do prazo de tramitação.34
Em vista das eleições legislativas marcadas para novembro de 1974, o
MDB, precisando consolidar-se como alternativa partidária oposicionis-
ta legal, sob pena de dissolver-se em sua própria insignificância política,
planejou uma campanha profissional, recorrendo à assessoria de cientistas

30
Grupo Tortura Nunca Mais – Bahia. Construindo a memória: a luta pela anistia na Bahia.
Org. Ana Guedes e Lucimar S. C. Mendonça. Salvador: [s.n.], 2006, p. 32.
31
ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930,
op. cit.
32
Para as informações sobre 1974: Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigrá-
fico de Debates. Seção de Histórico de Debates, sessões de 17 de maio, 28 de junho, 26 de
agosto, 30 de setembro, 30 de outubro e 25 de novembro.
33
Jornal de Brasília, 28 de junho de 1978.
34
O Globo, 18 de julho de 1978; Diário do Congresso Nacional, 4 de março de 1975 apud
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Histórico
de Debates.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 173

políticos e publicitários.35 A anistia se destacou entre os itens do seu pro-


grama, ao lado da defesa das liberdades democráticas, do fim do Estado de
exceção etc.36 Entretanto, de acordo com um dos elaboradores do Manual
de Campanha do MDB, a prioridade era “fazer a intersecção entre o social
e o econômico com o político. Enfim, democracia, mais salários, distribui-
ção de renda, organização de sindicatos, participação da mulher, do negro
etc.”.37 Assim, a bandeira da anistia ficou um tanto obscurecida pelos de-
mais itens da agenda democrática.38
Aliás, pelo menos um espectador dos programas eleitorais gratuitos
na televisão teve dificuldade para reconhecer a anistia entre as demandas
emedebistas. Em carta enviada aos jornais cariocas Tribuna da Imprensa e
Jornal do Brasil, o general Peri Constant Bevilaqua comentou que, tendo
acompanhado os programas partidários, não ouvira qualquer referência
explícita “ao problema político número um do Brasil […], o da anistia am-
pla a todos os cidadãos atingidos por punição revolucionária, sem processo
judicial, através de acusação sem prova e condenação sem defesa”.39 Estra-
nhava, em particular, o fato de nenhum candidato secundar o apelo que,
recentemente, o papa Paulo VI fizera para que, em benefício da paz e fra-
ternidade entre os povos, todos os governos concedessem anistia aos seus
presos políticos. O general endossava o apelo papal e nele incluía os presos
comuns que estivessem sofrendo condenação sem direito de defesa. Enfati-
zava, porém, antes de tudo, a anistia como “uma medida de alta sabedoria
política, mais cerebral do que sentimental”. No quadro nacional, “diante
do acervo de injustiças consequentes da aplicação discricionária dos atos
institucionais”, a anistia, para que gerasse os benefícios de que era capaz,

35
KINZO, Maria D’Alva Gil. Oposição e autoritarismo. Gênese e trajetória do MDB, p. 154-
156. Segundo Therezinha Zerbine, foi Tancredo Neves (MG) o responsável pela introdução da
anistia no programa político do MDB em 1972, o que teria dado oportunidade para a criação
do MFPA em 1975, já que o programa era reconhecido pelo Tribunal Superior Eleitoral e a
anistia, portanto, uma reivindicação legal. ZERBINE, Therezinha, op. cit., p. 255.
36
MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os brasileiros, p. 129.
37
Depoimento de Fernando Henrique Cardoso em KINZO, Maria D’Alva Gil, op. cit., p.
154-155.
38
Comentando o espaço ocupado pela anistia nas campanhas eleitorais do MDB neste pe-
ríodo, uma revista observou que, nos pleitos de 1970 e 1974, “a oposição preferiu atacar o
AI-5 e o custo de vida”. IstoÉ, 1º de março de 1978, p. 12-13.
39
Documento datado de 18 de outubro de 1974 e integrante do Arquivo Peri Constant Bevi-
laqua, depositado no Museu Casa de Benjamin Constant, no Rio de Janeiro.
174 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

deveria “ser geral e, assim, abranger todos os acusados de crimes políticos,


anteriores e posteriores a 31 de março de 1964”. A medida fortaleceria o
prestígio de seus autores.

Qual uma vitamina moral, terá a virtude de, desarmando os espíritos, res-
taurar a unidade moral do povo brasileiro, restabelecer a confiança e o oti-
mismo dos cidadãos e contribuir para vitalizar as instituições nacionais,
ensejando uma nova convivência dos brasileiros no respeito meticuloso à
lei que a todos obriga, governantes e governados.

A anistia era vista, ainda, de uma perspectiva contrarrevolucionária


preventiva. O general entendia que as revoluções, mesmo quando promo-
vidas por gente bem-intencionada, sempre degeneravam. Sustentava que
a concessão da anistia teria evitado ao país os transtornos e prejuízos de-
correntes dos movimentos sediciosos da década de 1920 e de 1930, para
concluir que seria “sempre preferível […] suportar um mau governo a fazer
uma boa revolução”. Por isso, “para apagar ódios e ressentimentos e evitar
possíveis vinditas no futuro”, defendia a anistia como medida preparatória
para o retorno do país à democracia.
Em face da questão da transição política, posta na mesa com a posse do
general Ernesto Geisel, o general cassado alertava para a necessidade de
uma estratégia ‒ contrarrevolucionária preventiva democrática ‒ que evi-
tasse uma solução revolucionária. Entendia que a situação de Portugal, que
assistia à dissolução do seu império colonial por métodos revolucionários
violentos, indicava a conveniência de promover o desmonte de regimes di-
tatoriais por meios democráticos, de maneira a garantir uma saída conser-
vadora para a crise.

A democracia − em vez do quase meio século de sua supressão no que-


rido Portugal − teria, muito provavelmente, premunido a desagregação
territorial e permitido uma solução política mediante a autonomia dos
territórios de ultramar, transformados em províncias, membros voluntá-
rios de uma pujante federação portuguesa.40 Lamentavelmente, a violên-

40
A proposta de uma federação que mantivesse unidos Portugal e suas colônias africanas foi
defendida pelo ex-governador-geral da Guiné Portuguesa, general António de Spínola, em seu
livro Portugal e o futuro, publicado em março de 1974 ‒ portanto, um mês antes da revolução
que extinguiu a ditadura salazarista e pouco mais de seis meses antes da carta de Bevilaqua.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 175

cia, gerando a violência, parece haver tornado inviável, nos nossos dias,
aquela solução.

A preocupação conservadora impregnava a defesa que fazia da anistia.


Era preciso perceber que seus efeitos envolveriam positivamente elementos
políticos dissociados do grupo de beneficiários diretos da medida.

Possivelmente haverá entre nós opositores à ideia da anistia, por um exame


insuficiente da questão: paradoxalmente, são contrários à medida apesar de
serem interessados em sua própria impunidade, por terem responsabilida-
de, direta ou indireta, em crimes políticos ocorridos no país, nos últimos
dez anos. No interesse geral, deverão ser por ela beneficiados, mesmo ao arre-
pio de sua vontade; precisam eles de anistia mais do que do pão para a boca.
Ela virá viabilizar, nas melhores condições possíveis, a redenção política e
democrática do Brasil.41

O general esboçava, assim, a tese da “anistia recíproca”, incluindo, entre


os possíveis beneficiários, funcionários do Estado suspeitos de cometer cri-
mes contra opositores políticos da ditadura. Tornava-se um dos pioneiros
da concepção que acabaria prevalecendo quando da decretação da anistia
em 1979, como se verá adiante. Naquele momento, o que ele percebia era
a tendência liberalizante do governo Geisel, que abria novas perspectivas
para a decretação da anistia.

Ultimamente, muito se tem falado em “distensão”, ou seja, um processo pro-


gressivo de institucionalização do regime vigente ou de redemocratização
do país. Esse processo deverá, logicamente, compreender a adoção de uma
anistia ampla, que constitui, na minha opinião, o problema político número
um do Brasil.

Cinco dias após enviar a correspondência, Bevilaqua recebeu da Tribu-


na da Imprensa − o Jornal do Brasil não lhe deu qualquer retorno − uma
resposta, juntamente com a prova tipográfica da carta totalmente riscada.

Espínola seria uma das principais personagens do processo político português após a Revo-
lução dos Cravos, tendendo sempre mais a ocupar posições direitistas centradas no combate
ao comunismo.
41
Grifo meu.
176 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Proprietário e editor do jornal, Hélio Fernandes, que o tratava carinhosa-


mente por “meu bravo general-ministro-Grande Figura”, o informava do
destino da carta: “Eis aí o que a censura fez com a sua carta. Foi vetada
totalmente, e o que é mais grave: fizeram como sempre fazem, não deixam
publicar e ainda levam o original para ser fotografado e arquivado (segun-
do dizem) no DOPS, SOPS42 e no SNI”. O jornalista aproveitou para situar
o “bravo general” em relação ao problema da censura e, de quebra, ofe-
recer-lhe evidências de sua própria bravura política em face dos métodos
coercitivos da ditadura.

Agora, no início de novembro, estaremos “comemorando” cinco anos de


censura prévia. Censura prévia e terrível. Censura prévia e discriminató-
ria. Censura prévia e destruidora. Censura prévia e intimidativa, que, feliz-
mente, se intimidou, omitiu [sic] ou acomodou alguns, comigo não surtiu
o menor efeito. Três confinamentos, dezenas de prisões, intimidações de
toda ordem, ameaças econômicas e financeiras, devassas vergonhosas do
Imposto de Renda, que seriam normais e lícitas se não fossem praticadas
como discriminação e como forma de intimidação, aborrecimentos, perda
de tempo, prejuízos incalculáveis para a empresa, proibição de órgãos de
governos e até particulares (o governo pode tudo hoje no Brasil) de anun-
ciarem na Tribuna etc., etc.

Possivelmente, a decisão de vetar integralmente a carta se explica pelo


exemplo que o general Bevilaqua escolheu para ilustrar a necessidade de
corrigir injustiças decorrentes da aplicação dos atos institucionais. Tratava-
-se de um caso delicadíssimo, que remetia a um dos mais escabrosos episó-
dios gerados pelo regime ditatorial:

Parece inacreditável, mas é a pura verdade, sem contestação possível, que


uma das maiores vítimas do Ato Institucional nº 5 foi por este alcançada −
supostamente no interesse da revolução − justamente por haver, com sua
ação pessoal, corajosa e eficiente, evitado que aquela se comprometesse
irremediavelmente e se afogasse na ignomínia de um hediondo crime de
sangue e de destruição, planejado por um cérebro enfermo!

42
Secretaria de Ordem Política e Social, denominação adotada à época em alguns estados,
como Bahia e Rio Grande do Sul.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 177

Referia-se ao capitão-aviador Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, um


dos fundadores, em 1959 – e comandante até 1968 –, do Para-Sar (1ª Esqua-
drilha Aeroterrestre de Salvamento), unidade especializada em operações
de resgate de acidentados em áreas de difícil acesso. Em meados de 1968,
sua atitude de decidida oposição evitara que o grupo fosse utilizado em
ações de terrorismo anticomunista concebidas pelo brigadeiro João Paulo
Moreira Burnier, então chefe de gabinete do ministro da Aeronáutica. O
episódio acabara custando ao capitão Sérgio “Macaco”, como era conhecido
entre os companheiros, uma punição disciplinar, a reforma compulsória e,
em 1969, com base no Ato Institucional nº 5, a perda dos direitos políticos
por dez anos, decretada pela junta militar que governava o país.43
Após constatar que a carta não seria mesmo publicada, o general Bevi-
laqua a enviou, em 29 de outubro de 1974, ao deputado J. G de Araújo Jorge
(MDB-GB), solicitando-lhe que examinasse a sua tese e, caso concordasse
com ela, incluísse a defesa da anistia ampla na sua campanha pela reeleição
ou a abordasse na Câmara dos Deputados na legislatura seguinte. Na ses-
são de 29 de novembro, o deputado citou a carta na Câmara, em discurso
que fez em defesa da anistia geral aos presos políticos no Brasil. Em 27 de
março do ano seguinte, o general Bevilaqua remeteria a carta à Folha de S.
Paulo, que publicou o texto, como depoimento, na edição seguinte, do dia
31, comemorativa do aniversário do golpe de 1964. A carta foi, contudo,
expurgada da denúncia do caso Para-Sar, bem como de partes pouco sig-
nificativas.44
A inserção da anistia como tema da campanha eleitoral, ainda que em
posição secundária, simbolizou o marco inicial de um novo momento na
luta pela sua obtenção. As eleições gerais de 1974 constituíram o primei-
ro ato público do roteiro da distensão política. Os condutores do regime
apostaram que, concedendo melhores condições de competição eleitoral ao
MDB, ampliariam a legitimidade da sua dominação sem risco de perder o
controle do processo político, que seria garantido, formalmente, pela pre-
sumida vitória da Arena. Entretanto, como indica a tabela abaixo, os resul-

43
O capitão Sérgio Carvalho seria promovido a brigadeiro cinco dias após a sua morte,
ocorrida em 5 de fevereiro de 1994. Em 1997, a sua família receberia um valor correspon-
dente aos vencimentos a que ele teria feito jus caso não tivesse sido afastado da carreira. Para
mais informações, ver LIMA, Eneida; SOUZA, Márcia de. Sérgio Carvalho. In: ABREU,
Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.
44
Conforme informações do punho do general, encontradas em seu arquivo pessoal.
178 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

tados alteraram significativamente as posições relativas dos dois partidos


no panorama eleitoral e apontaram que seriam necessários ajustes finos na
execução das etapas seguintes do roteiro da distensão. O MDB obteve 16
das 22 cadeiras em disputa no Senado e aumentou a sua bancada na Câma-
ra dos Deputados de 87 para 160 representantes, além de ter feito a maioria
nas assembleias legislativas dos estados do Acre, Amazonas, Guanabara,
Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo.45 Resultados que puseram
em risco a necessária maioria parlamentar para levar adiante a distensão e,
mais especificamente, para garantir a eleição do sucessor do general Geisel
em 1978.

Tabela 2. Eleições de 1970 e 1974: porcentagem de votos da Arena e do MDB


e de votos nulos/brancos e variação no período

Senado Câmara dos Deputados


Anos Arena MDB N&B Arena MDB N&B
1970 43,7 28,6 27,7 48,4 21,3 30,3

1974 34,7 50,0 15,1 40,9 37,8 21,3


1974/70 -9,0 +21.4 -12,6 -7,5 +16,5 -9,0
Fonte: Dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), citados em KINZO, Maria D’Al-
va Gil, op. cit., p. 162.

A vitória sobre o sustentáculo eleitoral do regime em três dos mais im-


portantes colégios de eleitores do país − Guanabara, Rio Grande do Sul e
São Paulo − ensejou uma ofensiva parlamentar da oposição para obter do
governo um mínimo de responsabilização pelos presos políticos. Instado a
prestar informações sobre uma lista de nomes, o ministro da Justiça, Ar-
mando Falcão, declarou, em nota oficial de 6 de fevereiro de 1975, que,
de 27 pessoas dadas como desaparecidas depois de presas por agentes da
segurança, oito estavam em liberdade, sete foragidas, três tinham destino
ignorado, quatro não haviam sido registradas como presas, três viviam
clandestinamente, uma havia sido banida e outra, morta.46 Em resposta,
representantes do MDB leram na Câmara uma longa lista de pessoas cujo

45
Para uma explicação dos resultados numéricos da eleição, bem como das formas como
foram interpretados, ver KINZO, Maria D’Alva Gil, op. cit., p. 157-163.
46
Brasil dia a dia, p. 108.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 179

paradeiro era desconhecido, e o deputado carioca Lisânias Maciel requereu


ao partido que liderasse a instauração de uma Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) para apurar a situação e obrigar o governo a dar infor-
mações mais esclarecedoras. A direção nacional do partido, contudo, não
respondeu positivamente.47 Em 4 de março, a bancada do MDB na Câmara
pediu a convocação do ministro Falcão para informar sobre o tratamento
dispensado aos presos políticos e o paradeiro daqueles considerados desa-
parecidos pelos familiares. Três dias depois, o general Geisel informou ter
determinado ao Ministério da Justiça que fornecesse, sempre que neces-
sário, esclarecimentos sobre atos subversivos, ações terroristas e pessoas
implicadas ou supostamente desaparecidas, desde que os fatos tivessem
acontecido já em seu governo. No dia 10, o requerimento de convocação do
ministro foi rejeitado na Câmara por 192 votos contra 136.48
Simultaneamente, a cúpula da Igreja Católica aprofundava a sua inter-
locução com o governo ditatorial em torno do problema dos direitos hu-
manos, superando a fase de “diálogo na sombra”, que prevalecera até então.
Um mês após a XIV Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB), realizada em novembro de 1974 na cidade paulista de
Itaici, a entidade recebeu mensagem, assinada por 102 familiares de presos
políticos de São Paulo, em que se apontava “a necessidade de fazer algo por
aqueles que permanecem presos em todos os rincões do território brasi-
leiro, dos quais nossos filhos e irmãos são apenas uma parte”.49 Em 25 de
fevereiro seguinte, o secretariado da CNBB discutiu com o general Geisel a
questão dos direitos humanos, oportunidade em que a carta foi entregue ao
chefe do Gabinete Civil, general Golbery do Couto e Silva. A entidade aca-
bara de receber também uma carta dos presos políticos da Bahia, pedindo
que a Igreja Católica intercedesse com energia em favor da anistia política,
“dentro do espírito no Ano Santo”.50 Entre os clérigos, não havia, contudo,
adesão irrestrita à bandeira da anistia. Dias depois, comentando a entrevis-

47
Anistia, p. 33.
48
Brasil dia a dia, p. 113.
49
Anistia, p. 13. MARTINS, Roberto Ribeiro, op. cit., p. 135. Nesse mesmo mês de novem-
bro, quatorze presos políticos detidos na Fortaleza de Santa Cruz (RJ) entraram em greve de
fome pelo fim da política de destruição física e psicológica a que estariam sendo submeti-
dos: espancamentos, explosão de bombas de gás lacrimogêneo nas celas etc. VIANA, Gilney
Amorim; CIPRIANO, Perly, op. cit., p. 43.
50
Referência ao Jubileu, celebrado a cada 25 anos.
180 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

ta com o governo, um membro do secretariado da CNBB reconheceu ter


dificuldades para definir a condição de preso político, porque alguns ha-
viam empunhado armas e chegado a matar: “O preso político que gostaria
de entender como tal seria aquele que está preso pelo seu pensamento ou
sua forma de palavrear, contrários à ordem vigente”.51
Em 5 de maio de 1975,52 aconteceu em Paris um ato público em solida-
riedade aos presos políticos brasileiros. Quatro meses depois, lideranças de
partidos de esquerda brasileiros no exílio53 formariam na capital francesa
um Comitê Brasileiro pela Anistia, ao qual se seguiriam entidades similares
em outros países da Europa − Portugal, Suécia, Suíça, Bélgica, Holanda e
Itália −, nos Estados Unidos,54 México e Canadá. Naquele mesmo dia, 33
presos políticos detidos no Instituto Penal Candido Mendes, na Ilha Gran-
de (RJ), entraram em greve de fome. Faziam graves denúncias sobre as con-
dições carcerárias a que estavam submetidos – que motivaram o deputado
federal Lisânias Maciel (MDB-RJ) a apresentar à Câmara um pedido de
investigação – e exigiam que fossem transferidos para algum estabeleci-
mento penal situado no continente. O movimento terminaria no dia 20,
com a reivindicação atendida.55

2.2 O Movimento Feminino pela Anistia

Embora tímida, a liberalização política proporcionada pelo governo Gei-


sel tornava viável a retomada de mobilizações políticas fora dos quadros

51
MARTINS, Roberto Ribeiro, op. cit., p. 135. Apesar desta posição limitada, a atuação
de líderes católicos no trabalho de base urbano e rural estimulava, em setores do aparato
repressivo, caracterizações do clero um tanto alarmistas, talvez destinadas a justificar a sua
própria existência, ameaçada pela política do governo de reduzir, ainda que homeopatica-
mente, a presença dos militares nos centros decisórios do regime. É este o sentido de um
relatório do 2º Exército, datado de 1974, onde se lê: “O clero se constitui no mais atuante dos
inimigos que atentam contra a segurança nacional, promovendo, através de processos ni-
tidamente subversivos, a substituição da estrutura político-social-econômica brasileira por
uma nova ordem, em tudo semelhante à filosofia marxista” (Apud MAINWARING, Scott,
Igreja Católica e política no Brasil, 1916-1985, p. 178).
52
Anistia, p. 39. VIANA, Gilney Amorim; CIPRIANO, Perly, op. cit., p. 43.
53
WEID, Jean-Marc von der. A luta pela anistia no exterior. In: Movimento Feminino pela
Anistia e Liberdades Democráticas, p. 14.
54
Cf. ver GREEN, James N. Apesar de vocês, p. 456-462.
55
Opinião, Rio de Janeiro, 23 de maio de 1975, p. 2.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 181

oficiais, praticamente impossibilitada desde a edição do AI-5, em 1968. A


primeira medida que funcionou nesse sentido foi a suspensão da censura
prévia ao jornal O Estado de S. Paulo em janeiro de 1975, início da progres-
siva supressão das restrições à circulação de informações. Da revista Veja,
ela seria retirada em junho de 1976 e dos demais órgãos de imprensa, em
junho de 1978, embora o governo preservasse vários outros instrumentos
de pressão sobre o setor, principalmente a econômica.56
Em 1975, alunos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São
Paulo, que vinham tentando se rearticular politicamente havia cerca de dois
anos, fizeram uma greve que durou de junho a agosto. Embora não tenham
conseguido satisfazer a sua principal reivindicação ‒ a substituição do reitor
‒, consideraram o movimento vitorioso, porque teria despertado a massa de
alunos para a política.57 Ainda no mês de agosto, os alunos da Escola de Enge-
nharia Mauá, em São Caetano do Sul (SP), fizeram greve por uma semana.58
O quadro político favorecia, também, a transformação da exigência de
anistia de ato individual em mobilização coletiva de pessoas em situação que,
de alguma maneira, poderia sensibilizar valores significativos para aqueles
que detinham o poder de manter reclusos os sobreviventes da violência no
ato de prisão e da tortura nos interrogatórios. Estavam nesse caso, principal-
mente, mães, esposas, filhas e irmãs de presos. O potencial político das mu-
lheres nas campanhas democráticas já se fizera notar, e o Partido Comunista
Brasileiro (PCB), por exemplo, cogitara, em 1967, incorporá-las à sua tática.

É grande a capacidade de ação política das mulheres. Sua mobilização mui-


to contribuirá para o reforçamento da luta contra a ditadura. É necessário,
com esse fim, organizá-las, sob diversas formas, para a luta por suas rei-

56
Sobre o assunto, ver DUARTE, Celina Rabello. Imprensa e redemocratização no Brasil: um
estudo de duas conjunturas, 1945 e 1974-1978. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)
– Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1987, e “Imprensa e redemocra-
tização no Brasil”, Dados, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, 1983, p. 181-195. Também, ABREU, Al-
zira Alves de. A mídia na transição democrática brasileira. Sociologia, problemas e práticas,
Lisboa, n. 48, p. 53-65, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=s-
ci_arttext&pid=S0873-65292005000200005>. Acesso em: 6 fev. 2017.
57
Veja, 13 de agosto de 1975.
58
O Estado de S. Paulo, 23 de agosto de 1975. Como que em resposta à mobilização estudan-
til, o general Geisel reafirmou, em encontro com estudantes de engenharia da Universidade
Mackenzie (SP), de sólida tradição conservadora, que o Decreto-lei nº 477 continuava o
instrumento adequado para disciplinar a vida universitária. Idem, 3 de setembro de 1975.
182 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

vindicações próprias, contra as discriminações sociais e jurídicas, que as


colocam em situação de inferioridade na vida brasileira, pela igualdade de
direitos da mulher trabalhadora, pela proteção à maternidade e à infância.
Também por meio da luta contra a carestia da vida, pela solidariedade aos
presos e perseguidos políticos e suas famílias, elas poderão dar importante
contribuição democrática.59

Como se percebe, o PCB já vislumbrava a possibilidade de mobilizar


mulheres em torno da situação dos presos políticos, embora não relacio-
nasse isso diretamente com a campanha pela anistia. A progressiva am-
pliação do universo de presos políticos, à medida que, especialmente após
a edição do AI-5, o regime agravava seu caráter violento, lançara mais mu-
lheres contra seus métodos: “Desde 1968, grupos de mães de presos políti-
cos, no Rio de Janeiro, percorriam presídios, de forma relativamente orga-
nizada, chamando a atenção para a situação desses presos”.60 Um advogado
que viu de perto a ação − essencialmente política, ainda que pessoalmente
motivada − de mulheres deu o seu testemunho:

Há tarefas na luta política que só as mulheres têm coragem ou capacidade


de cumprir. Quem vai bater na porta das cadeias, das antessalas de tortura,
são as mulheres. Ficam gritando pelos pais, pelos irmãos, como as mães da
Praça de Maio na Argentina61 e só a elas a repressão reconhece legitimidade
para cumprir esse papel.62

A peculiar atuação das mulheres brasileiras seria destacada também por


uma jornalista estadunidense:

59
VI Congresso do Partido Comunista Brasileiro. “Informe de balanço do Comitê Central”.
Dezembro de 1967. In: Documentos do Partido Comunista Brasileiro (1960-1975). Lisboa:
Avante, 1976, p.101.
60
KUCINSKI, Bernardo, op. cit., p. 109. Eu mesmo fui, em 1970, testemunha da busca te-
merária de minha mãe em unidades militares do Rio de Janeiro por informações sobre meu
irmão, à época com dezenove anos de idade e preso no início do ano.
61
Mulheres que se reúnem na Plaza de Mayo, em Buenos Aires, para exigir notícias de seus
filhos desaparecidos durante a ditadura argentina (1976-1983).
62
Marcelo Alencar, citado em ALVES, Márcio Moreira. Teotônio, guerreiro da paz. Petrópo-
lis, RJ: Vozes, 1983, p. 170.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 183

Na ausência de outras formas políticas legais, as mulheres surgiram com


este apelo incomum e com táticas que divulguem a sua mensagem. […] O
que é interessante é que as mulheres levaram a efeito, da única forma que
poderia ter sido feito em um governo militar, que controla firmemente o
país. Elas prontamente recusaram membros do sexo masculino, sabendo
que isto as deixaria vulneráveis a ataques que, normalmente não recairiam
sobre mulheres.63

Esta luta − a rega incessante de uma “sementezinha”,64 feita por familia-


res de presos e desaparecidos −, mesmo que de repercussão limitada pela
ação da censura ainda imposta a muitos meios de comunicação, costurou
relações e cimentou táticas que contribuiriam para fazer da anistia “aos
vencidos pela ditadura militar” o eixo de um movimento. No dia 15 de
março de 1975 ‒ exatamente um ano após a posse de Geisel ‒ surgiu em São
Paulo, apoiado pela Comissão de Justiça e Paz de São Paulo e pela seção
paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),65 o Movimento Femi-
nino pela Anistia (MFPA).66 Foram suas fundadoras: Therezinha Godoy
Zerbine (advogada e esposa do general – cassado – Euríale de Jesus Zerbi-
ne), sua filha Eugênia Cristina Zerbine (estudante de direito), Lila Galvão
Figueiredo (artista plástica), Cristina Sodré Dória (religiosa, catedrática de
psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Margarida
Neves Fernandes (pedagoga), Virgínia Lemos de Vasconcelos (estudante de
Direito), Aldenora de Sá Porto (advogada), Iara Peres Santestevan (técnica
em Comunicação) e Ana Lobo (mãe de uma presa política), que formaram
uma comissão provisória.67 Também viriam a integrar o grupo, com desta-
que: Iolanda Pires (esposa de Valdir Pires, procurador-geral da República

63
GEYER, Georgie, “Um grupo de mulheres para a libertação do Brasil”, artigo publicado
em dezembro de 1978 no Los Angeles Times e em mais de trezentos jornais dos Estados
Unidos, reproduzido em ZERBINE, Theresinha Godoy. Anistia sementes da liberdade. São
Paulo: Escolas Profissionais Salesianas, 1979, p. 240-242.
64
ALVES, Márcio Moreira. Teotônio, guerreiro da paz. Petrópolis, RJ: Vozes, 1983, p. 170.
65
Movimento Feminino pela Anistia e Liberdades Democráticas, p. 20.
66
Idem, p. 16.
67
As fontes não são unânimes em relação ao número e aos nomes das fundadoras do movi-
mento. A própria Therezinha Zerbine cita dados diferentes em Anistia sementes da liberdade
e em AMARAL, Mariana. Anjo da guarda. Caros Amigos, ano V, n. 53, p. 20, ago. 2001. A
revista Manchete, Rio de Janeiro, nº 1374, 19 de agosto de 1978, acrescenta o nome de Neusa
Cunha Neto Franco (socióloga) e omite os de Ana Lobo e Lila Galvão Figueiredo.
184 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

no governo de João Goulart), Regina Van Der Weid (mãe de Jean Marc Van
Der Weid , ex-presidente da UNE, banido do país e exilado na Europa) e
Judite Lisboa (mãe de uma presa política e fundadora da União das Mães
Brasileiras).68
O grupo remeteu milhares de cartas para mulheres69 e fez contatos
em vários pontos do país, em especial com setores da Igreja Católica,
graças ao apoio, recebido desde o início, de D. Paulo Evaristo Arns, en-
tão arcebispo de São Paulo.70 O objetivo imediato era sensibilizar entida-
des, como sindicatos e associações de trabalhadores, para a necessidade
da anistia e encampar toda e qualquer iniciativa em favor desta reivin-
dicação.71 As integrantes do movimento passaram a proferir palestras e
a redigir manifestos em defesa da anistia, enviando-os a personalidades
políticas e entidades de relevo no cenário nacional.72 O jornal do MFPA
explicaria:

A nossa contribuição para essa luta constitui-se da coleta de assinaturas


(milhares de assinaturas, que encaminhamos ao Presidente da República),
da promoção de palestras, de entrevistas aos jornais, e por fim, da criação
de núcleos do MFPA73 em diversos estados. Pretendemos, dessa maneira,
levar nossa mensagem não apenas aos homens e mulheres desse país, como
também a toda a opinião pública internacional.74

Com base em uma visão restrita dos partidos políticos, o MFPA se pre-
tendia dissociado da luta político-partidária:

68
ALVES, Márcio Moreira. Teotônio, guerreiro da paz, p. 170.
69
ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., p. 8.
70
AMARAL, Mariana. “Anjo da guarda”, p. 20. Em 22 de maio de 1977, o cardeal receberia,
juntamente com o presidente norte-americano, Jimmy Carter, o título de doutor honoris
causa da Universidade de Notre Dame, nos EUA, em reconhecimento de suas ações em
defesa dos direitos humanos. Brasil dia a dia, p. 90.
71
Movimento Feminino pela Anistia e Liberdades Democráticas. Origens e lutas. p. 21.
72
Para mais detalhes da atuação do MFPA, ver: ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit.; Mo-
vimento Feminino pela Anistia e Liberdades Democráticas.
73
Cada núcleo teria “autonomia para agir, porque as condições variam em cada estado”.
ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., 92.
74
“A nossa causa e o nosso símbolo”, Maria Quitéria. Boletim informativo oficial do Movi-
mento Feminino pela Anistia, n. 1, p. 2. O grupo fundou, também, o jornal Brasil Mulher,
do qual se desligaria em pouco tempo.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 185

O nosso movimento se insere num trabalho de paz − é a pacificação da fa-


mília brasileira. Nós não trabalhamos com jargões políticos, nós não traba-
lhamos em grupos, nós trabalhamos com princípios. E os nossos princípios
são amor, liberdade, justiça. E estes princípios são iguais aqui, na China, no
Himalaia, na Conchinchina.75

A sua feição moderada e pretensamente apolítica decerto contribuiu para


que o MFPA logo despertasse a simpatia de outros setores da oposição liberal-
-democrática ao regime ditatorial. Em fins de abril, a Associação Brasileira de
Imprensa (ABI) manifestou solidariedade à campanha. A entidade vivia dias
agitados por divergências políticas entre sócios. A campanha eleitoral para re-
novação de seu Conselho Administrativo foi marcada pelo destaque que uma
das chapas, liderada pelo jornalista José Cunha Lima, deu para a recente prisão
de diretores da ABI. Posto o assunto em discussão, a maioria dos presentes à
Assembleia Geral entendeu que houvera tentativa de explorar eleitoralmente o
assunto. A tendência predominante era a de não permitir posições que levas-
sem a atritos com o governo federal, o que transparece nos termos em que foi
aprovada uma moção, dirigida ao general Ernesto Geisel, em favor da anistia
geral: “para favorecer o clima de paz e entendimento necessário ao desenvolvi-
mento nacional nesta fase de distensão que agora se inicia”.76
No dia 23 de junho, Therezinha Zerbine interveio nas discussões do Con-
gresso Internacional da Mulher, promovido pela Organização das Nações
Unidas (ONU) na Cidade do México, em comemoração do Ano Internacio-
nal da Mulher.77 Falando em nome do MFPA, propôs: “Amparada por ideias

75
Conferência em Salvador, 15 de janeiro de 1977, trecho reproduzido em ZERBINE, The-
rezinha Godoy, op. cit., p. 75. Na fase de debates que se seguiu à palestra, a presidente do
MFPA foi questionada acerca das limitações de classe do movimento e assumiu a condi-
ção de “média burguesia para alta”, sugerindo que outros tentassem organizar as mulheres
operárias e camponesas para a luta pela anistia. Em 1975, comentando o Congresso In-
ternacional da Mulher, ofereceu pistas para o entendimento da maneira como encarava a
“problemática da mulher: “Do meu ponto de vista de observadora aberta para o diálogo e
sem preconceito, pude observar o seguinte: na Europa e nos Estados Unidos, consideradas
as nações [sic] mais desenvolvidas, pude notar nitidamente problemas e colocações de uma
sociedade velha, decadente, com problemas como o lesbianismo, prostituição, aborto etc.,
que não deixam de ser problemas, mas não tão fundamentais”. Idem, p. 30.
76
MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os brasileiros, op. cit., p. 130. Boletim ABI,
maio/junho de 1975, p. 6.
77
ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., p. 7, onde afirma ter sido a única representante do
Brasil para, mais à frente (p. 31), mencionar a participação de “uma brasileira, Dra. Car-
186 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

de justiça e paz e pelos direitos da pessoa humana, nós, mulheres de todo


o mundo, podemos e devemos propor que nesta Conferência Mundial seja
apresentada uma moção, para que seja dada anistia política a todos os pre-
sos políticos do mundo − homens e mulheres”.78 Participou, também, ainda
no âmbito do Congresso, de reuniões das “mulheres latino-americanas” e do
grupo Mulheres do Mundo, que incluíram em suas declarações finais a defesa
da anistia política ampla.79
A cobertura do evento pela imprensa brasileira coincidiu com a aber-
tura de portas dos órgãos legislativos do país ao MFPA. Em 26 de junho, o
deputado paulista José Santilli Sobrinho − originariamente ligado à Demo-
cracia Cristã e então membro do grupo de “autênticos” do MDB, apoiando
o movimento estudantil e a luta pelas liberdades democráticas80 − discur-
sou na Câmara dos Deputados, ressaltando o trabalho que vinha “sendo
desenvolvido pela mulher brasileira em prol da anistia política”.81 Em 5 de
julho, o deputado João Divino Dornelles (MDB-GO) requereu à Assem-
bleia Legislativa de Goiás que, por meio de uma carta, fosse proposta ao
presidente da República a concessão – no dia 24 de dezembro, em come-
moração do Natal – de ampla anistia a todos os brasileiros atingidos pelos
atos de exceção a partir de 1964 que estivessem no Brasil social e politica-
mente bem-comportados. A carta seguiria no dia 14 e, no dia 30 de julho,
o general Geisel a responderia através do chefe do Gabinete Militar, general
Hugo Abreu, que assinou do documento:

Incumbiu-me o Excelentíssimo Senhor Presidente da República de respon-


der a sua carta, datada de 13 de julho de 1975, informando a Vossa Ex-
celência que o Governo não cogita, no momento, de anistia aos atingidos
pelos Atos Institucionais, por achar que tal medida viria beneficiar, inclu-
sive, inúmeros criminosos culpados de sérios delitos contra a coletividade.

mem Barroso”, no painel “Processos de formação e de socialização”. Segundo Opinião, Rio


de Janeiro, n. 1, 7 de julho de 1975, p. 16, e Jornal do Brasil, 12 de julho de 1975, o Brasil foi
representado, também, por Elza de Lucca.
78
ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., p. 12 e 28.
79
Idem, p. 33-35.
80
ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930,
op. cit.
81
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Histórico
de Debates, sessão em 26 de junho de 1975.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 187

Aproveito a oportunidade para apresentar meus protestos de estima e con-


sideração.82

A coleta de assinaturas para o Manifesto acompanhou a atividade que


Therezinha Zerbine desenvolveu para capitalizar a sua estada no México.
Em 11 de julho, participou, em Porto Alegre, da criação da seção gaúcha
do MFPA, com base em doze mil subscrições do documento, obtidas entre
abril e junho. Em palestra na Câmara Municipal, que intitulou “A proble-
mática da mulher brasileira”, divulgou o trabalho que mulheres de vários
estados vinham fazendo pela anistia. Explicou, também, que o movimento
que representava era “político, mas não partidário”, visando “somente ao
congraçamento entre brasileiros”.83
Enquanto isso, neste mês de julho, os presos políticos da Penitenciária
Professor Barreto Campelo, na Ilha de Itamaracá (PE), se mantiveram em
greve de fome durante quinze dias, por melhoria das condições carcerárias,
contra as arbitrariedades policiais e pela quebra do isolamento a que esta-
vam submetidos os companheiros levados para quartéis. Novo movimento
dos presos seria deflagrado em outubro. Vinte e cinco dias de jejum, ainda
pela volta dos companheiros transferidos para os quartéis e, agora, pela ces-
sação do isolamento imposto a dois condenados à prisão perpétua ‒ Carlos
Alberto Soares e Rholine Sonde Cavalcante ‒ dentro do próprio presídio.84

82
Jornal do Brasil, 8 de agosto de 1975. O deputado Ademar Santillo, “autêntico” do MDB de
Goiás, comentaria a resposta na Câmara em 8 de agosto, citando os nomes de cidadãos goia-
nos a quem, “na defesa dos interesses do País, deveriam ser devolvidos os direitos políticos”.
Seis dias depois, veicularia, no mesmo recinto, o “Manifesto das Mulheres Brasileiras pela
Anistia”, entregue aos líderes partidários na Câmara e no Senado, onde foi lido e endossado
por Franco Montoro (MDB-SP). Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigrá-
fico de Debates. Seção de Histórico de Debates, sessão em 8 de agosto de 1975. ZERBINE,
Therezinha Godoy, op. cit., p. 57.
83
Jornal do Brasil, 12 de julho de 1975. Para mais informações sobre o MFPA gaúcho, ver
RODEGHERO, Carla Simone. Para uma história da luta pela anistia: o caso do Rio Grande
do Sul (1974 – 1979). Tempo e argumento, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 99-122, jan./jun. 2009;
VARGAS, Marilucci Cardoso de. Deslocamentos, vínculos afetivos e políticos, conquistas e
transformações das mulheres opositoras à ditadura civil-militar: a trajetória do Movimento
Feminino pela Anistia no Rio Grande do Sul (1975-1979). Dissertação (Mestrado em Histó-
ria) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2010; e RODEGHERO, Carla
Simone; DIENSTMANN, Gabriel; TRINDADE, Tatiana. Anistia ampla, geral e irrestrita.
História de uma luta inconclusa. Santa Cruz do Sul, RS: EDUNISC, 2011.
84
VIANA, Gilney Amorim; CIPRIANO, Perly. Fome de liberdade: a luta dos presos políticos
pela anistia, op. cit., p. 44.
188 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

O documento com as assinaturas coletadas foi levado pela presidente


do MFPA ao subchefe do Gabinete Civil da Presidência da República no
dia 14 de agosto. Na ocasião, foi encaminhado ao general Geisel, também,
um pedido para que “reconsiderasse a negativa de anistia quando de seu
discurso a 1º de agosto de 1975”.85 Quinze dias depois, a Câmara Municipal
de Campos de Jordão (SP) aprovou, por proposta do vereador Clóvis Soa-
res Azevedo (MDB), a primeira moção de apoio de parlamentares recebida
pelo Movimento Feminino pela Anistia.86
No dia 10 de setembro, Therezinha Zerbine participou da mesa-re-
donda “A mulher e a paz”, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI),
ocasião em que foi fundado o núcleo do MFPA do Rio de Janeiro, reunin-
do, entre outras mulheres: Regina Sodré Van Der Weid, Branca Morei-
ra Alves, Cleonice Nicoll, Rute Torres, Judite Cunha Melo, Heloisa Lins,
Edila Mangabeira Unger, Anete Lima de Arruda, Rose Maria Muraro,
Judite Lisboa, Moema Toscano e Clarice da Silva Pereira.87 Durante a me-
sa-redonda − de que também participaram Caio Mário da Silva Pereira
(presidente da OAB), padre Hilário Mazzarollo (representante da CNBB),
Fernando Segismundo (vice-presidente da ABI), madre Elza Wishart
(Congregação do Sagrado Coração de Jesus), e, como debatedores, Tris-
tão de Ataíde, a escritora feminista Rose Marie Muraro e o jornalista Bar-
bosa Lima Sobrinho, todos sob a coordenação da escritora feminista Diva
de Miranda Moura −, foi lançado o “Manifesto da mulher brasileira em
favor da anistia”.

Nós, mulheres brasileiras, assumimos nossas responsabilidades de cidadãs


no quadro político nacional.
Através da história provamos o espírito solidário da mulher, fortalecendo
aspirações de amor e justiça.
Eis por que nós nos antepomos aos destinos da nação que só cumprirá sua
finalidade de paz se for concedida ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRES-

85
ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit, p. 25 e 61; MARTINS, Roberto Ribeiro, op. cit., p.
130; Anistia, p. 12.
86
Folha de Londrina, Londrina (PR), 28 de janeiro de 1979, reproduzido em ZERBINE,
Therezinha Godoy, op. cit., p. 246.
87
ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., p. 44; Movimento Feminino pela Anistia e Liber-
dades Democráticas, op. cit., p. 20.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 189

TRITA a todos aqueles que foram atingidos pelos atos de exceção.


Conclamamos todas as mulheres no sentido de se unirem a esse movimen-
to, procurando o apoio de todos que se identifiquem com a ideia da neces-
sidade da ANISTIA, tendo em vista um dos objetivos nacionais: A UNIÃO
DA NAÇÃO!88

Ainda em setembro, o MFPA retornou à arena política, fazendo contato


com a autoridade coatora, isto é, o representante do Estado, instituição que,
segundo a praxe jurídica, deveria prestar informações sobre presos, zelar
por suas condições de vida no cárcere e, quando conveniente, conceder
anistia política. Foi entregue ao ministro Golbery do Couto e Silva, chefe do
Gabinete Civil da Presidência da República, o “Manifesto da Mulher Bra-
sileira pela Anistia”, subscrito já por dezesseis mil pessoas.89 Nesse mesmo
mês, o MFPA conheceu resistências, nem sempre explícitas, à anistia. Em
Londrina (PR), onde fez rápida explanação sobre a campanha para alguns
vereadores arenistas e emedebistas, Therezinha Zerbine não conseguiu, por
falta de quórum, proferir a palestra que estava prevista para se realizar no
plenário da Câmara Municipal.90
No campo parlamentar, o ano de 1975 assistiu a um expressivo incre-
mento das atividades em favor da anistia. Foram apresentados quatro pro-
jetos que propunham a sua decretação. Em 3 de março, o deputado Florim
Coutinho (MDB-GB) − que, um ano antes, fora um dos sete emedebistas a
comparecer à posse do general Ernesto Geisel91 na Presidência da Repúbli-

88
ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., p. 27. Movimento Feminino pela Anistia e Liberda-
des Democráticas, op. cit., p. 23. Maiúsculas no original do manifesto. Observe-se, no trecho
que marquei em itálico, a ideia de “união da nação” como um dos “objetivos nacionais”, ra-
ciocínio que remete às formulações da Doutrina de Segurança Nacional sistematizada pela
Escola Superior de Guerra. Suponho que se trate de um indicativo do grau de disseminação,
no meio civil, da ideologia elaborada por esse aparelho de produção ideológica do Estado
brasileiro. Cf. Escola Superior de Guerra. Manual básico, 1977-1978. Rio de Janeiro, 1977,
Cap. I, Seção I.
89
Veja, 1º de março de 1978, p. 35.
90
Panorama, Londrina (PR), 26 de setembro de 1975, citado em ZERBINE, Therezinha Go-
doy, op. cit., p. 49. Problema análogo aconteceria em 20 de março de 1976, quando não poderia
realizar conferência sobre “direitos humanos” na sede da Associação das Voluntárias de João
Pessoa, cuja direção alegaria que a entidade “não se envolve em problemas políticos”. O Norte,
João Pessoa, 21 de marco de 1976, citado em ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., p. 66.
91
ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930,
op. cit.
190 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

ca − reapresentou projeto de lei concedendo anistia geral aos “punidos pela


Revolução”. Para contornar a determinação constitucional de que a iniciati-
va da concessão de anistia era exclusiva do presidente, o deputado baseou-
-se em entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a sanção
do projeto supria a falta de iniciativa do Executivo. No seu entender, a anis-
tia geral significaria “a reposição de direitos, esquecimento de infrações de
ordem política de brasileiros que, por entusiasmo irrefletido ou obedientes
mesmo à disciplina, puseram-se contra os desígnios da revolução de mar-
ço de 1964”.92 O projeto seria arquivado depois do parecer do relator na
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, deputado Joaquim Nunes
Rocha (Arena-MT) − até 1965, deputado federal pela União Democrática
Nacional (UDN) de Mato Grosso −, que o considerou inconstitucional.93
Em 11 de março, o deputado arenista Antônio Osvaldo do Amaral Fur-
lan − ex-deputado federal por São Paulo nas legendas do Partido Social De-
mocrático (PSD) e do MDB − apresentou projeto de lei concedendo anistia
em condições que especificava. No dia 17 do mesmo mês, o deputado Mag-
nus Guimarães − do MDB gaúcho e membro do grupo liderado por Leonel
Brizola, então no exílio − se pronunciou pela anistia geral, declarando-a
“necessária à pacificação da família brasileira”. Duas semanas depois, o de-
putado gaúcho Jorge Uequed − “autêntico” do MDB −, a pretexto de regis-
trar o aniversário do golpe de 1964, declarou-se “intérprete das aspirações
generalizadas do povo brasileiro em favor da anistia ampla e outras medi-
das a bem da pacificação da vida nacional”. No dia seguinte, o deputado
Fernando Lira − representante de Pernambuco e igualmente membro do
grupo de “autênticos” do MDB − defendeu a decretação da anistia política
ampla e irrestrita a todos os brasileiros, “sem discriminação ideológica”. A
ressalva parecia abrir caminho à inclusão dos agentes do Estado acusados
de violências, torturas e assassinatos, já que os presos e processados por
motivos políticos eram considerados esquerdistas e, se viessem a ser ex-
cluídos por discriminação ideológica, dificilmente restaria alguém para ser
anistiado. Em 17 de abril, o deputado João Meneses (MDB-PA) apresen-
tou projeto que anistiava “os cidadãos implicados em crimes de natureza
política que tenham sido absolvidos e os que, condenados, tenham sido
reabilitados na forma prevista no decreto-lei nº 1.002, de 21 de outubro de

92
Jornal do Brasil, 4 de março de 1975.
93
O Globo, 18 de julho de 1978.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 191

1969”.94 No dia seguinte, o deputado Sérgio Murilo (MDB-PE) afirmou que


era necessário que o governo federal concedesse “ampla e absoluta anis-
tia” ao ex-presidente Juscelino Kubitscheck, cujos direitos políticos haviam
sido cassados em junho de 1964. Anistia um pouco mais abrangente, mas
ainda parcial, foi o que suplicou ao presidente da República o deputado
Lauro Rodrigues (MDB-RS), por meio de carta aberta em que defendia a
concessão da medida de forma geral e plena aos punidos pela “Revolução
de 64” por crimes políticos, “desde que isentos de conotação com o terro-
rismo, nas suas mais variadas formas”.95 A desqualificação de certos atos
oposicionistas como políticos e seu enquadramento na categoria de “ter-
rorismo” constituiria uma das operações jurídicas mais importantes para
a viabilização de uma lei de anistia no Brasil, alcançada em agosto do ano
seguinte. Foi no início do governo do general João Figueiredo (1979-1985)
que a discussão ganhou amplitude política, por isso o assunto será tratado
em detalhe no próximo capítulo.
A defesa da anistia prosseguiu na Câmara em setembro. No dia 8, o
deputado João Cunha − representante de São Paulo e “autêntico” do MDB,
condição em que se opôs aos atos institucionais, a violações dos “direitos
humanos” e a cassações de mandatos parlamentares − pediu que fosse de-
finido “um comportamento de anistia para os brasileiros atingidos por atos
de cassação”. Quatro dias depois, o deputado Genival Tourinho (MDB-
-MG) instou o governo a conceder anistia política ampla e irrestrita, “ainda
que em termos graduais”. No dia 14, foi a vez do deputado Ademar Santillo
concitar o presidente da República e demais autoridades a se colocarem “ao
lado da pacificação da família brasileira, bem como a conceder anistia am-
pla e total aos atingidos pelos atos de exceção depois de 1964”. De quebra,
pediu a realização de eleições livres e diretas em 1976 e 1978.96
O mês de outubro assistiu ao recrudescimento das ações do aparato
repressivo do regime. Em São Paulo, em particular, parecia estar enquis-
tado na organização militar um núcleo repressivo ativamente empenhado

94
Jornal de Brasília, 28 de junho de 1978, p. 4; O Globo, 18 de julho de 1978. O decreto-lei
mencionado estabeleceu o Código do Processo Penal Militar.
95
Para as informações parlamentares relativas a 1975: Câmara dos Deputados. Diretoria de
Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Histórico de Debates, sessões em 3, 11, 17, 30 e
31 de março, 1º, 17 e 18 de abril, 9, 13 e 26 de junho, 8, 11 e 14 de agosto, 8 e 12 de setembro,
1º e 23 de outubro, 14 e 26 de novembro e 4 de dezembro.
96
Veja, 1º de março de 1978, p. 35.
192 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

em criar problemas para a política distensionista anunciada pelo general


Geisel. O centro das atividades era o DOI-CODI, órgão subordinado ao II
Exército, comandado pelo general Ednardo D’Ávila Melo desde janeiro de
1974, quando substituiu no posto o general Humberto de Sousa Melo, no-
tório conservador, anticomunista e simpatizante da “linha dura”, segundo o
Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930:

Amigo pessoal de Plínio Correia de Oliveira, presidente da Sociedade Bra-


sileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), organização
tradicionalista católica, inaugurou, em outubro de 1974, o auditório da TFP
em São Paulo. O ato se deu em presença de diversas autoridades e membros
da colônia polonesa no exílio, que o agraciaram com a Ordem da Polônia
Restituta. Em discurso pronunciado na ocasião, elogiou a atuação da TPF
como “colmeia de obreiros do cristianismo” e denunciou a opressão co-
munista sobre a Polônia. Mais uma vez, conclamou o Brasil à luta contra o
comunismo em defesa da civilização ocidental, cristã e democrática.97

Já no discurso de posse, o general Ednardo Melo anunciara que suas


atenções estariam sempre “voltadas para a segurança”. Um ano depois, du-
rante comemoração do 11º aniversário do golpe de 1964, afirmara: “A tôni-
ca, hoje em dia, é dizer que o terrorismo já foi dominado, que não há mais
subversão, que tudo está em calma e que, em consequência, precisamos
fazer uma distensão. Eu digo que isso é uma balela, a subversão continua
presente”. Na época mesmo, percebeu-se neste pronunciamento uma preo-
cupação no sentido de distinguir-se da perspectiva presente na mensagem
enviada um mês antes ao Congresso Nacional pelo general Ernesto Geisel,
em que o recém-empossado presidente da República afirmara: “o terroris-
mo foi dominado e contido”.98
Em junho de 1975, o general Ednardo Melo, durante palestra em igreja
na cidade de São Paulo, rebatera denúncias de práticas de torturas na sua
jurisdição, argumentando: “O que existe é que não se pode controlar todo o
país e nem todos são santos”. No mês seguinte, pronunciou uma palestra na
Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG), em

97
Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/melo-
-humberto-de-sousa>. Acesso em: 9 jan. 2016.
98
Idem.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 193

São Paulo, na presença, entre outras autoridades, do governador Paulo Egí-


dio Martins (1975-1979). Afirmando que “o Exército não precisa de lições
de democracia de quem quer que seja”, o general ressaltara “a importância
do estudo da guerra revolucionária”. Ao final, tecera críticas à imprensa,
para ele, “infiltrada de comunistas”.
Em agosto, fora encontrado morto no DOI-CODI de São Paulo o tenente
da Polícia Militar José Ferreira de Almeida, preso dias antes por crime de
subversão. Segundo a versão oficial, ele se suicidara. Entre os dias 5 e 15 de
outubro, seis integrantes do Departamento da Juventude do MDB paulista e
outras quatorze pessoas, a maioria ligadas ao partido, foram presos em São
Paulo.99 No dia 25 seguinte, foi assassinado, em dependências do DOI-CODI
da capital paulista, o jornalista Vladimir Herzog, que, acusado de envolvi-
mento com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), havia comparecido es-
pontaneamente àquela repartição para depor.100 De novo, a explicação das
autoridades militares foi a de suicídio, com o auxílio de um cinto.101
Um culto ecumênico realizado na Catedral da Sé paulista em homena-
gem a Herzog e em protesto contra a repressão política alcançou grande
dimensão, ao reunir cerca de oito mil pessoas, que precisaram enfrentar
forte bloqueio policial nas principais ruas de acesso ao local.102 O caso en-
sejaria diversas manifestações internacionais contra o regime ditatorial no
Brasil. Meses após o episódio, a imprensa registraria que o general Geisel,
em visita a São Paulo, teria deixado claro ao general Ednardo Melo que não
admitiria a ocorrência de fato semelhante.103

99
Jornal da Tarde, São Paulo, 15 de outubro de 1975.
100
Naquele momento, estavam presos ali vários outros jornalistas. MARTINS FILHO, Ha-
milton. A sangue-quente. A morte do jornalista Vladimir Herzog. São Paulo: Alfa-Omega,
1978, p. 14.
101
Este tipo de suicídio não era novidade no âmbito do anticomunismo internacional: “Em
1940, durante a época colonial da Indochina francesa, a mulher de Giap, militante comunista
como o marido, fora barbaramente torturada pelos militares franceses. Seu marido havia via-
jado à China para encontrar-se com o líder vietnamita Ho Chi Minh, refugiado naquele país.
A história oficial do colonizador atribuiu a morte da mulher de Giap a um suicídio, tática em-
pregada posteriormente na Argélia pelos mesmos militares franceses para justificar mortes sob
tortura”. DUARTE-PLON, Leneide. Os últimos vestígios da França colonial. Observatório da
imprensa, 07 de janeiro de 2014. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.
br/news/view/_ed780_os_ultimos_vestigios_da_franca_colonial>. Acesso em: 7 mar. 2015.
102
Brasil dia a dia, p. 114.
103
“Ednardo D’Ávila Melo”. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histó-
rico-biográfico brasileiro pós-1930. Ver, também, ALMEIDA FILHO, Hamilton. A sangue
194 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Três dias depois do assassinato de Herzog, um grupo de operários co-


meçou uma greve de fome no canteiro de obras da usina hidrelétrica de
Itaipu (PR), em protesto contra a má qualidade da alimentação que lhes
era servida. O movimento se iniciou entre os operários da subempreiteira
Vila Rica, que, por sua vez, prestava serviços à empreiteira Adolpho Lin-
demberg. A obra estava em seus estágios preliminares e, segundo Aluísio
Palmar, o movimento, sem preparação prévia, surpreendeu a direção da
empresa em uma situação delicada.

O governo estava captando financiamentos em bancos estrangeiros, que


por sua vez vinham sendo pressionados por entidades defensoras dos direi-
tos humanos a não financiarem a ditadura brasileira. As denúncias de tor-
tura corriam pelas capitais europeias e eram notícias nos principais jornais
do velho mundo. O general Massa104 argumentou que naquele momento a
repressão física estava descartada, pois a repercussão no exterior poderia
desacreditar a imagem que a empresa estava construindo lá fora e prejudi-
car as negociações da Itaipu com organismos financeiros internacionais.105

A solução encontrada foi a demissão de todos os líderes do movimento.


No dia 30 de outubro, 35 operários da construtora Vila Rica foram suma-
riamente demitidos e enviados à suas cidades de origem.
Nesse ínterim, o assassinato de Wladimir Herzog repercutia nos EUA,
onde ativistas defensores dos direitos humanos e acadêmicos organizaram
atividades para denunciá-lo. Estudiosos da história brasileira enviaram ao

quente. A morte do jornalista Vladimir Herzog. São Paulo: Alfa-Omega, 1986, p. 67 e segs.
104
General Adalberto Massa, delegado Regional do Trabalho, encarregado pelo governo fe-
deral de resolver o conflito.
105
Disponível em: <http://www.documentosrevelados.com.br/geral/em-plena-ditadura-
-trabalhadores-de-empreiteira-de-itaipu-fazem-manifestacao-e-sao-sumariamente-demi-
tidos/>. Acesso em: 21 jan. 2014. Também em: <http://www.h2foz.com.br/historias-sin-
ceras-da-fronteira-especial>. Sobre as condições vividas pelos trabalhadores de Itaipu no
transcurso da obra, ver MANARIN, Odirlei. Peões da barragem. Memórias e relações de
trabalho dos operários na construção da hidrelétrica de Itaipu, 1975-1991. Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Marechal Cândido
Rondon (PR), 2008. Em fins de 1975, outra greve de fome aconteceria, agora no Presídio
Militar Romão Gomes, popularmente conhecido como presídio do Barro Branco, em São
Paulo, onde os presos políticos se insurgiriam contra arbitrariedades e limitações impostas
à sua situação carcerária. VIANA, Gilney Amorim; CIPRIANO, Perly. Fome de liberdade: a
luta dos presos políticos pela anistia, op. cit., p. 43.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 195

editor da prestigiosa New York Review of Books uma carta, publicada na


edição de 27 de novembro, em que apontavam contradições entre a ação
liberalizadoras do governo e o episódio.

Apesar das políticas conciliadoras do presidente do Brasil, Ernesto Geisel,


ao longo dos últimos dezoito meses e da restauração de algumas garantias
legais, os círculos militares de linha dura, concentrados especialmente, mas
não exclusivamente, em São Paulo, e aliados a interesses estrangeiros e na-
cionais, continuam a exercer papel de destaque nos assuntos do país […].
Portanto, o que está em jogo no resultado do caso de Herzog é saber se a
facção militar corporativista no seio das Forças Armadas brasileiras conse-
guirá exercer maior controle político ou se ainda são factíveis os esforços
para um retorno gradual das liberdades civis.106

O fim do ano foi marcado pela repercussão de manobras internacionais


estadunidenses em favor da liberalização de regimes ditatoriais, muitos
deles, aliás, patrocinados pela própria “diplomacia policial” dos EUA. Na
Câmara dos Deputados, parlamentares oposicionistas pegaram carona nas
políticas imperialistas. Em 14 de novembro, Magnus Guimarães (MDB-
-RS) declarou seu apoio à “iniciativa norte-americana de exigir, na ONU, a
anistia política mundial”, indagando por que fontes diplomáticas brasileiras
teriam afirmado que o Brasil votaria contra a proposição. Na mesma sessão,
o deputado Fernando Coelho (MDB-PE) comentou as manifestações em
favor da anistia política, como a referida moção dos EUA à ONU, o apelo
feito pelo papa Paulo VI por ocasião do Ano Santo, o pedido formulado
pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o apelo do físico
soviético Andrei Sakharov, detentor do prêmio Nobel da Paz, aos dirigentes
da União Soviética. Já ao final dos trabalhos do ano, o deputado Otacílio
Queirós (MDB-PB), a propósito de uma afirmação de que se torturavam
dissidentes políticos no Brasil que teria sido feita em comissão da Câmara
de Representantes dos Estados Unidos, apelou em 4 de dezembro ao presi-
dente da República para que concedesse, no ano seguinte, anistia geral aos
presos políticos.107

106
Apud GREEN, James. Apesar de vocês, p. 444-445.
107
Ibidem.
196 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

No dia 17 de janeiro de 1976, o operário metalúrgico Manoel Fiel Fi-


lho foi encontrado morto no DOI-CODI de São Paulo, em circunstân-
cias parecidas com as do caso de Herzog. A explicação oferecida pelas
autoridades diretamente responsáveis pela guarda do preso foi a mesma:
suicídio, agora com o auxílio de uma meia. O general Geisel resolveu,
então, sem consultar o ministro do Exército, general Sílvio Frota, superior
imediato do general Ednardo Melo, comandante do II Exército, demiti-lo
sumariamente do posto. Assim, o general Ariel Paca da Fonseca ‒ alinha-
do com o projeto de distensão ‒ recebeu o comando no dia 20 de janeiro,
em caráter interino e, quatro dias depois, o repassou ao seu novo titular, o
general Dilermando Gomes Monteiro, igualmente simpático ao processo
de liberalização política. O oficial destituído foi designado para a chefia
do Departamento de Ensino e Pesquisa do Exército, em Brasília, mas pre-
feriu não assumir o cargo, tendo solicitado transferência para a reserva,
imediatamente concedida. Em outubro de 1978, o juiz Márcio José de
Morais, da 7ª Vara Federal de São Paulo, proferiria sentença responsabi-
lizando a União pela prisão ilegal, torturas e morte de Vladimir Herzog,
numa ação movida pela viúva e os dois filhos do jornalista. Em fevereiro
de 1980, a imprensa noticiaria que o general Ednardo Melo seria ouvido
numa ação semelhante, movida pela família de Manoel Fiel Filho. Dias
depois, entretanto, o juiz responsável decidiria liberá-lo do depoimento.
O general faleceria em abril de 1984, sem jamais ter sido inquirido legal-
mente pelas três mortes por “suicídio” ocorridas durante a sua gestão no
II Exército.108
A política repressiva durante o governo Geisel foi caracterizada por
Maria Helena Moreira Alves como uma “contradição entre a política ofi-
cial de liberalização e a realidade da remanescente repressão política”.

Por um lado, a política oficial de distensão deu aos setores da oposição mais
espaço para se organizar e maior possibilidade de êxito. Por outro lado, as
pressões coordenadas por melhoria das condições de vida, fim da censura
à imprensa e revogação da legislação repressiva intensificaram os temores
dos setores mais estreitamente identificados com a Doutrina de Segurança
Interna. À medida que se fortalecia o movimento de defesa dos direitos

108
“Ednardo D’Ávila Melo”. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-
-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 197

humanos, aumentavam no Estado de Segurança Nacional as pressões e con-


tradições internas com respeito às políticas de repressão.109

As mortes de Herzog e Fiel Filho constituíram capítulos de atitude re-


pressiva contra a esquerda clandestina em geral, mas em uma linha de con-
tinuidade particular em torno dos militantes do Partido Comunista Brasi-
leiro (PCB). Segundo um analista, o PCB “foi massacrado de 1973 a 1976
por uma operação realizada pelo Exército”, a “Operação Radar”,110 que tinha
como objetivo liquidar a organização. Na sua conta, foram assassinados 39
militantes, “desde o primeiro momento do golpe até o começo da chamada
‘distensão’ do regime militar. Para além dessas mortes, o PCB teve centenas
de presos que passaram pela mais atroz tortura, sem falar nas dezenas de
exilados que foram viver o desterro em várias partes do mundo”. Em 30 de
setembro de 1977, seria morto Lourenço Camelo de Mesquita, último mi-
litante do PCB assassinado pelo regime ditatorial.111
Ainda não há elementos suficientes para se formular uma explicação
dos objetivos perseguidos pelos setores do regime que executaram diri-
gentes do PCB. O fato de o partido ser adepto de uma estratégia pacifista
de combate à ditadura o excluiria, teoricamente, do rol de prioridades dos
setores encarregados do planejamento e operacionalização do combate às
organizações de esquerda, preocupados com aquelas partidárias da luta ar-
mada. Ainda mais porque boa parte da perseguição se deu já no período de
transição, quando, em tese, todos os setores oposicionistas interessados –
efetiva ou potencialmente ‒ em negociar de alguma maneira com o regime,
como poderia estar o PCB, mereceriam um tratamento condescendente.
Pode-se formular uma hipótese baseada na experiência da transição em
Portugal,112 onde o fim da longeva ditadura salazarista, em abril de 1974,

109
Estado e Oposição no Brasil, p. 200. Uma análise da dinâmica da transição no interior da
instituição militar pode ser encontrada em OLIVEIRA, Eliezer Rizzo de. Conflitos militares
e decisões políticas sob a presidência do general Geisel (1974-1979). In: ROUQUIÉ, Alan
(Coord.) Os partidos militares no Brasil. Rio de Janeiro: Record, [s. d.], p. 114-153.
110
Ver depoimento de um membro do aparato de repressão em “Autópsia da sombra”, Veja,
8 de novembro de 1992.
111
Disponível em: <http://resistir.info/brasil/massacre_pcb.html#asterisco>. Acesso em: 7
fev. 2014.
112
Peter Flynn chama, de passagem, a atenção para o impacto que a revolução em Portugal
teve sobre a política brasileira, em especial sobre segmentos militares envolvidos direta-
mente com a repressão política, que teriam ficado temerosos de que processo de ruptura
198 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

revelou um partido comunista prestigiado pelo importante papel cumpri-


do na luta pela implantação da democracia. Tendo se tornado uma força
de massas e no governo após a vitória da Revolução dos Cravos, o Parti-
do Comunista Português (PCP) passou a ser visto pelos representantes do
capital, tanto em terras lusitanas quanto no exterior, como um problema,
uma ameaça à propriedade de terras e fábricas. Por suas relações privilegia-
das com a União Soviética, também uma ameaça à própria sobrevivência
da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), da qual Portugal
era membro.113
Para neutralizar o peso do PCP no governo, associaram-se representan-
tes dos países imperialistas com as forças portuguesas de centro-esquerda, o
Partido Socialista (PS) em especial. Documentos do serviço diplomático por-
tuguês desclassificados recentemente indicam que o embaixador brasileiro
em Lisboa, o general Carlos Alberto da Fontoura, que assumiu o cargo logo
após deixar a chefia do Serviço Nacional de Informações (SNI), foi um inter-
locutor, com algum peso, dos protagonistas das articulações internacionais
anti-PCP no período 1974-1975, até a vitória da contrarrevolução democrá-
tica,114 com o afastamento dos comunistas do governo por meio de um golpe
e de eleições.115 É razoável supor que tenha transmitido aos elaboradores da
estratégia de distensão a percepção de um quadro brasileiro potencialmen-
te análogo ao português, caso o Partido Comunista Brasileiro viesse a ter a
oportunidade de participar dos momentos mais avançados da transição de
regime, que deveriam implicar um grau maior de liberdade partidária.116

semelhante no Brasil pudesse reproduzir medidas tomadas naquele país europeu contra
membros das forças armadas comprometidos com a ditadura salazarista. Brazil: a political
analysis. Boulder (CO): Westview Press, 1978, p. 480.
113
GOMES, Bernardino; SÁ, Tiago Moreira de. Carlucci vs Kissinger. Os EUA e a revolução
portuguesa. Lisboa: D. Quixote, 2008.
114
Ou uma “reação com táticas democráticas”, como prefere Valério Arcary, em “A revolu-
ção solitária”. In: VARELA, Raquel (Coord.). Revolução ou transição: história e memória da
Revolução dos Cravos. Lisboa: Bertrand, 2012, p. 14.
115
GOMES, Bernardino e SÁ, Tiago Moreira de, op. cit., p. 72-73, 247-248.
116
A impactante imagem que a revolução portuguesa ‒ como ameaça comunista ‒ projetou
sobre a burguesia brasileira emerge da cobertura que dois dos principais órgãos da imprensa
burguesa brasileira – a revista Veja e o jornal Folha de S. Paulo ‒ lhe dedicaram. Ver SILVA,
Carla Luciana. A Revolução de Abril na imprensa brasileira. In: VARELA, Raquel (Coord.),
op. cit., p. 207-227. Informações sobre a maneira como a cúpula militar do governo Geisel
via a questão portuguesa em 1975 se encontram em GASPARI, Elio. A ditadura encurralada.
São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 29-31.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 199

Outra situação que pode ter sido incorporada ao cálculo político dos
distensionistas foi a do fim do Estado Novo varguista (1937-1945). Destro-
çado pela repressão durante o regime, o PCB, graças à imagem martirizada
de seu líder Luís Carlos Prestes e ao prestígio alcançado pela União Sovié-
tica no fim da Segunda Guerra Mundial, obteve a terceira maior votação
nas eleições presidenciais de 1945, mesmo tendo como candidato um enge-
nheiro politicamente obscuro que sequer pertencia aos quadros do partido,
Iedo Fiúza.
Embora o PCB não constituísse um partido revolucionário na primeira
metade da década de 1970, a sua legenda poderia representar um problema
para os rumos da distensão, pela imprevisibilidade da dinâmica eleitoral
em conjunturas de transição, como indicado pelos dois exemplos acima.
E, também, porque setores militares do regime contrários ao processo de
transição e desesperadamente anticomunistas poderiam fazer pressões so-
bre o governo do general Ernesto Geisel para restringir as metas políticas.
No espectro político brasileiro da época, não haveria força organizada
em que se apoiar para neutralizar uma eventual aparição do PCB em um
cenário político de redemocratização, papel afinal cumprido em Portugal
pelo Partido Socialista. Possivelmente por esses dois fatores, a opção do go-
verno terá sido enfraquecer o partido por meio do assassinato de dirigentes
e outros quadros partidários.
Esta hipótese encontra apoio na análise das forças de esquerda clan-
destinas feita pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) em março de
1974, portanto, no mês da posse do general Ernesto Geisel na Presidên-
cia da República e pari passu com a crise política em Portugal. O docu-
mento é intitulado “Panorama atual da subversão no país e suas ligações
mais acentuadas no exterior”.117 O seu sumário é constituído por quatro
itens: Organizações subversivas (O que é; situação atual; possibilidades);
Clero; Área estudantil e Área trabalhista. No item referente às organizações
subversivas, são listadas vinte, mas foram analisados apenas o Partido Co-
munista Brasileiro (PCB), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a Ação
Popular Marxista-Leninista do Brasil (APML-B) [sic] e a Aliança Nacional

117
Presidência da República. Serviço Nacional de Informações. Agência Central. Documen-
to de Informações n. 0055/10/AC/74. 28 mar 74. Difusão: Chefe do SNI (2 exemplares).
Disponível em: <https://www.ufmg.br/brasildoc/temas/2-orgaos-de-informacao-e-repres-
sao-da-ditadura/2-4-sni/>. Acesso em: 11 maio 2016.
200 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Libertadora (ANL). As demais são consideradas “bastante desgastadas e


sem condições de atuação a curto prazo”.118
Em meio a inúmeras informações sobre a história das organizações de
esquerda, de qualidade desigual, o documento expressa visões estratégicas
muito interessantes para a discussão do aspecto repressivo do processo de
transição que se iniciava. Visivelmente, o foco do SNI não se dirigia para a
ameaça da subversão armada.119 Esta fora totalmente desbaratada em suas
manifestações urbanas. O movimento guerrilheiro rural que o PCdoB ten-
tara desencadear no sul do Pará, conhecido como Guerrilha do Araguaia
ou de Marabá, estava virtualmente esmagado. O SNI não vislumbrava no
horizonte motivos para se preocupar com ameaças análogas.

A derrota de Marabá poderá, em certos aspectos, representar a inviabilida-


de da implantação da guerrilha rural em nosso território. É ainda provável
que tal pensamento se torne válido para todas as organizações, tendo em
vista a grande importância por elas atribuída à região do Bico do Papagaio
como área estratégica.120

O que o documento sugere é que as atenções do governo deveriam se vol-


tar para a ameaça que brotava de estratégias pacifistas, voltadas para a captura
progressiva das estruturas públicas e das pessoas, por meio da propaganda e da
legitimidade conferida por lideranças populares não associadas diretamente ao
comunismo. Assim, a força que, verdadeiramente, aparece em segundo lugar
na escala de potencial subversivo, depois do PCB, é o “clero progressista”, pelas
alianças que estaria fazendo com organizações clandestinas.
O fator clero seria um importante elemento de revitalização do PCdoB,
após a derrota em Marabá. O partido estaria “intensificando sua ação nas
regiões da Bahia, Pernambuco e Mato Grosso, com o apoio do ‘clero pro-
gressista’, particularmente nos dois últimos estados”, e estabelecendo “frentes”
com “organizações terroristas de países fronteiriços”. E alertava o SNI: “de sua
atuação têm advindo perturbações ao desenvolvimento da política agrária do
governo brasileiro”.121 Também a APML-B estaria recebendo suporte desse

118
Folha 6.
119
Ver GASPARI, Elio. A ditadura encurralada, p. 30.
120
Folha 4.
121
Idem.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 201

segmento do clero, o que deveria ser examinado com atenção, “uma vez que,
de tal entrosamento, poderão advir dificuldades para a ação dos órgãos de
segurança, nem sempre suficientemente orientados quanto à mais adequada
e aconselhável forma de aturarem contra apoio de tal espécie”.122
Contudo, o tópico em que mais se evidencia a visão que o principal
órgão de inteligência do regime tinha das condições em que se deveria tra-
var a luta contra o comunismo é referido ao Partido Comunista Brasileiro
(PCB). Se, por um lado, a vetusta agremiação comunista é caracterizada
como uma força avessa à revolução violenta, o que certamente deveria
agradar ao aparato de segurança, é, por outro, considerada a principal e
mais perigosa organização de esquerda em atividade no país. O registro
de que o partido seguia a orientação da União Soviética (Moscou) “para a
conquista do poder através de meios pacíficos” robustece a hipótese de que
o SNI não estava preocupado prioritariamente com a esquerda armada,
reduzida e controlada. O foco era dirigido para a estratégia pacifista, a um
só tempo mais visível e mais difícil de controlar e reprimir, porque preocu-
pada em manter-se dentro da legalidade.

Dentro da orientação da conquista do poder por meios legais, vem [o PCB]


montando pacientemente uma estrutura sólida, através da infiltração pau-
latina em todas as áreas, principalmente nos setores do Ensino e da Admi-
nistração Pública e, em particular, nas áreas ligadas ao Poder Executivo e
aos órgãos de Comunicação Social.
Possuindo mais experiência, mais organização e mais atuação junto às massas
do que os demais, tem o PCB possibilidades de ainda se expandir, bem como
de reduzir a sua vulnerabilidade no confronto com os órgãos de segurança.
Além disso, o desmantelamento da sua estrutura torna-se difícil, porque o
trabalho que desenvolvem os seus militantes é exclusivamente de proseli-
tismo, e dificilmente proporcionam algo de concreto que permita enqua-
drá-los na lei.
Sendo a organização que tem maiores possibilidades de influir na comuni-
zação do país, faz-se necessária sua neutralização a curto prazo, para que se
evitem complicações no futuro.123

122
Folha 5.
123
Folha 2. Grifo meu.
202 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Dado que o futuro político do país estava sendo planejado, estrategica-


mente, com vistas a um regime representativo sob direção civil, a neutra-
lização do PCB necessária no curto prazo pode ter sido concebida em ter-
mos de uma ação repressiva por fora da legalidade, terreno cultivado com
obsessão formalista pelos dirigentes do regime e onde, reconhecidamente,
seria mais difícil justificar um ataque ao partido. Assim se explicaria a gana
assassina com que tanto dirigentes quanto militantes de base do PCB foram
atacados no período inicial da transição de regime político.124
Naturalmente, ondas repressivas ampliavam as listas de carentes de
anistia. No ano de 1976, muito se discutiu sobre a medida na Câmara. Em
22 de abril, o deputado João Gilberto (MDB-RS) destacou que, mais do que
no passado recente, se impunha “a luta pela anistia e alteração dos dispo-
sitivos de exceção encravados na Constituição e no sistema legal do país”.
O deputado Humberto Lucena (MDB-PB) foi, talvez, o mais objetivo. Em
pronunciamento feito em 11 de maio, afirmou que, se o governo não cogi-
tava anistiar os presos políticos, poderia rever a legislação que vedava aos
atingidos por atos institucionais o pleno exercício da cidadania depois de
cumprida a pena. Voltando a defendê-la, em 21 de maio, o deputado Sérgio
Murilo (MDB-PE) apontou “um hiato” de doze anos na tradição histórica
brasileira com respeito à anistia, dando a entender que a medida deveria
ter sido decretada imediatamente após o golpe de 1964. Com os colegas
emedebistas Tancredo Neves (MG) e Tales Ramalho (PE), apresentou, em
junho, projeto de lei que previa a devolução gradual dos direitos políticos
aos atingidos por atos institucionais em dez, doze ou quinze anos, confor-
me a classificação de cada caso em uma das três categorias: a) os que não
tivessem sido condenados por crime contra a segurança nacional, a ordem
política e social, a economia popular, a fé pública e a administração pública;
b) os condenados em processo-crime, desde que houvessem cumprido a
pena imposta; e c) os que não preenchessem nenhuma das condições an-
teriores. O projeto desobrigava o Estado de qualquer tipo de indenização
por danos morais ou materiais, bem como de readmitir ou reincorporar o

O jornalista Elio Gaspari procura dissociar a ação repressiva contra o PCB do presidente
124

Geisel, colocando-a na conta do aparato do Exército: “Sem terroristas para caçar e com o
Araguaia devolvido ao silêncio da floresta, o Centro de Informações do Exército avançara
novamente sobre o Partido Comunista. Essa ofensiva, lançada no início de 1975, abriu a pri-
meira crise militar do governo Geisel”. A ditadura encurralada, p. 24. Nas páginas seguintes,
dá informações sobre os objetivos da ofensiva.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 203

prejudicado no posto perdido. Considerado inconstitucional pelo relator,


deputado Lauro Leitão (Arena-RS), o projeto foi arquivado.125 Em julho,
cientistas se pronunciaram em favor da anistia durante a reunião anual
da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC),126 aprovando
moção sob aplausos de cerca de três mil pessoas.127
Em 12 de agosto, o deputado federal Humberto Lucena (MDB-PB) vol-
tou ao tema, agora relacionando a recusa do governo a conceder a anistia
com “retrocessos na área política nacional”, como “o recrudescimento da
repressão e a adoção de normas restritivas”, como a “Lei Falcão”. Referia-se
à Lei nº 6.339, de 1º de julho de 1976, assim conhecida por referência ao
seu autor oficial, Armando Falcão, então ministro da Justiça. A lei modi-
ficara o Código Eleitoral de maneira a restringir a propaganda partidária
na televisão. A partir dela, o candidato teria divulgados a legenda, número
de registro, fotografia e currículo, bem como o horário e o local dos comí-
cios que programara, ficando-lhe proibida qualquer expansão discursiva.
Com a medida, o governo, preocupado com as eleições municipais previs-
tas para novembro, pretendeu reverter a situação que permitira a vitória
eleitoral do MDB nas eleições de 1974. No entendimento da oposição legal,
a medida representara um retrocesso no anunciado processo de distensão.
Tratava-se, contudo, de um dos ajustes táticos que os dirigentes do regime
precisariam fazer sempre que sentissem ameaçada a legitimidade formal
imprescindível à realização dos seus objetivos estratégicos, que implicavam
o exercício de maiorias eleitorais nos diversos níveis de representação.
Preocupado com o pleito municipal que se avizinhava, o deputado Ga-
maliel Galvão (MDB-PR) informou à Câmara que seu partido defenderia

125
IstoÉ, 8 de fevereiro de 1978. Jornal do Brasil, 27 de fevereiro de 1978. Câmara dos De-
putados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Histórico de Debates não
registra este projeto.
126
Fundada em 1948 com o objetivo de reunir os cientistas brasileiros em torno da luta
“pelo progresso e pela defesa da Ciência” no Brasil, “como as centenárias associações inglesa
e norte-americana, a francesa, a italiana, a argentina e outras”. Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência. Ciência e Cultura [online], v. 62, n. esp. 1, p. 1-3, 2010. Em diferentes
momentos, a SBPC expressou posições contrárias a governos cujas práticas colidiam com o
seu programa. Após o golpe de 1964, atuou em defesa de cientistas que foram afastados de
universidades e centros de pesquisa por razões políticas e constituiu, durante muito tempo,
em especial durante seus encontros anuais, um importante espaço de manifestação de seto-
res oposicionistas ao regime ditatorial. Agência Fapesp. Balanço histórico da SBPC. Dispo-
nível em: <http://agencia.fapesp.br/9130>. Acesso em: 18 jan. 2014.
127
AMARAL, Mariana. Anjo da guarda. Caros Amigos, ano V, n. 53, p. 22, ago. 2001.
204 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

a anistia ampla, eleições diretas e secretas, “democracia efetiva” e “reconci-


liação nacional”. Também se pronunciaram pela anistia os deputados João
Gilberto, João Cunha (MDB-SP) − que a vinculou à convocação de uma as-
sembleia nacional constituinte −, Israel Dias Novais (MDB-SP) − ex-UDN
e ex-Arena −, Nóide Cerqueira (MDB-BA) − membro da segunda geração
de “autênticos” do partido, os “neoautênticos” −, Alcides Franciscato (Are-
na-SP) − tido como um dos deputados mais ricos do país na legislatura128 e
que, em 28 de setembro, defenderia o benefício da medida para os cassados
por motivos ideológicos e aos que “por falsa apreciação” houvessem con-
testado os propósitos da “Revolução de 1964” −, Odacir Klein (MDB-RS)
− também do grupo “neoautêntico”, que vinculou a medida à “outorga da
liberdade sindical, estudantil e de informação” −, e Jorge Uequed (MDB-
-RS).129
Fora do Congresso, as táticas distensionistas viabilizavam novos desdo-
bramentos da luta pela anistia nos vários matizes do espectro político. O
MFPA fez, nos primeiros meses de 1976, uma ofensiva para organizar-se
no Nordeste. Entre 15 e 23 de março, Therezinha Zerbine esteve em For-
taleza, Recife, João Pessoa e Salvador − onde deixou formado um núcleo
provisório do movimento −, concedendo entrevistas, conversando com po-
líticos, clérigos e associações.130 A expansão do MFPA traduzia o esforço de
militância do seu núcleo central, mas também o clima político favorável à
mobilização de forças do campo oposicionista mais moderado, passíveis de
se aproximarem das propostas governistas. Reunidos em Assembleia-Geral
em 29 de abril 1976, membros da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
aprovaram moção em favor da anistia, subscrita por dezenas de associados.
A justificativa da proposta indicava a adesão da entidade à estratégia dis-
tensionista: “A história do nosso país é rica em exemplos em que a aplicação
desta providência eminentemente política abriu caminho à conciliação, ao
esquecimento dos agravos, à união nacional”. A entidade parecia alinhar-se
não apenas com o governo, mas também com a perspectiva geral do regime
iniciado em 1964, como sugere a defesa da anistia com base na “certeza de

128
CABRAL, Jaqueline. Alcides Franciscato. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.) Di-
cionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.
129
Para as informações parlamentares relativas a 1976: Câmara dos Deputados. Diretoria
de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Histórico de Debates, sessões em 22 de abril,
11 e 21 de maio, 9, 12, 27 e 30 de agosto, 3, 9, 20 e 28 de setembro, 4, 19 e 23 de novembro.
130
ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., p. 73-74, 84-86.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 205

que o caminho do Brasil como potência emergente há de ser balizado, nesta


hora, pela alta pacificação dos espíritos”.131 A pretensão ao status de “potên-
cia” se aproxima do horizonte ideológico que caracterizou toda a tessitura
do regime,132 mas, especificamente, do governo do general Emílio Médici
(1969-1974), correspondente ao seu momento mais repressivo.
Em janeiro de 1977, a presidente do MFPA retornaria à Bahia, onde,
após proferir palestra e dar entrevistas à imprensa, organizaria a comissão
provisória do núcleo estadual, composta de uma profissional liberal, uma
estudante, uma dona de casa e uma esposa de preso político.133 Em segui-
da, seria lançado em Salvador um manifesto em favor dos direitos hu-
manos no país, assinado por representantes de 43 entidades − religiosas,
estudantis, culturais, de profissionais liberais e associações de bairro −,
além de intelectuais, políticos e religiosos.134 No dia 15 de junho de 1977,
surgiria o núcleo mineiro do MFPA,135 com mais de trezentos membros.
Único setor organizado a fazer campanha pela anistia em Minas Gerais
até então, a sua formação seria impulsionada pela adesão de um grupo de
mulheres egressas de um movimento feminista criado no estado em 1975
e extinto havia pouco tempo.136 O grupo se proporia, também, a trabalhar
pela “elevação cultural, social e cívica da mulher”, vindo a nuclear donas
de casa, operárias e professoras primárias na periferia de Belo Horizonte
e no seu cinturão industrial.137 Ainda em junho, surgiria a seção para-
naense, reunindo, inicialmente, oito núcleos (Curitiba, Londrina, Marin-
gá, Ponta Grossa, Jacarezinho, Cascavel, Guarapuava e Castro) entre as
290 cidades do estado.138 Um balanço realizado ainda no primeiro semes-
tre de 1976 indicou a existência de núcleos estruturados também no Rio
Grande do Sul e, em fase embrionária, Mato Grosso, Maranhão, Brasília,

131
Boletim ABI, maio/junho de 1976, p. 6. Grifo meu.
132
Ver OLIVEIRA, Eliezer Rizzo de. As Forças Armadas: política e ideologia no Brasil (1964-
1969). Petrópolis, RJ: Vozes, 1976.
133
ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., p. 84, 90.
134
O Pasquim, Rio de Janeiro, 8-14 de julho de 1977 apud ZERBINE, Therezinha Godoy,
op. cit., p. 86.
135
ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., p. 11. Ver, também, LANNA, Anna Flávia Arruda.
“Mulheres e anistia: entre bandeiras e fuzis”. Disponível em: <http://www.ichs.ufop.br/coni-
fes/anais/MPC/mpc0405.htm>. Acesso em: 13 jan. 2016.
136
Jornal do Brasil, 16 de abril de 1978.
137
Anistia, p. 13.
138
Ibidem.
206 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Alagoas e Sergipe. O MFPA teria, então, aproximadamente mil militantes


e “incontáveis participantes”, distribuídos por todo o país.139 Suas ativi-
dades seriam custeadas por “recursos advindos das mensalidades pagas
pelas sócias e de doações, espetáculos artísticos, venda de objetos de arte
que nos são doados e outras contribuições oriundas da boa vontade dos
que acreditam na anistia”. 140
O avanço das campanhas em favor da anistia e liberdades democráti-
cas encontrou resposta na ofensiva terrorista da extrema-direita. A Alian-
ça Anticomunista Brasileira (AAB) assumiu a responsabilidade por uma
bomba que explodiu em 19 de agosto de 1976 na sede da ABI, sem causar
vítimas, e por outra, encontrada algumas horas depois, na Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) antes de ser detonada. A mesma organiza-
ção se responsabilizaria pela explosão, em 4 de setembro, de um artefato
de baixa potência no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CE-
BRAP), em São Paulo. No dia 22 seguinte, a AAB manteve sequestra-
do por algum tempo, sob a pressão de agressões físicas, o bispo católico
de Nova Iguaçu (RJ), D. Adriano Hipólito, cujo carro explodiu depois
em frente à sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Nesse mesmo dia, a organização cometeu outro atentado a bomba, agora
contra a residência do jornalista Roberto Marinho, proprietário do jornal
carioca O Globo. Três meses depois, o alvo da AAB seria a editora Civi-
lização Brasileira, no Rio de Janeiro, em cujo prédio foi encontrado mais
um artefato explosivo.141
Equilibrando-se entre a pressão dos seus “bolsões radicais, porém
sinceros” e a necessidade de avançar na construção do campo de apoio
à estratégia distensionista, o general Geisel procurava ampliar a área
de confiança no projeto do governo. Ao encontrar-se, em 26 de outu-
bro, com D. Geraldo Maria de Morais Penido, arcebispo de Juiz de Fora
(MG), lhe teria informado: “Há ordens terminantes e expressas no Exér-

139
Em agosto de 1978, segundo estimativas de Zerbine, o MFPA contava com cerca de qui-
nhentas participantes ativas, já tendo sido apoiado, somando-se as diversas ocasiões, por
cerca de cem mil pessoas. ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., p., 218
140
Idem, p. 156.
141
Todas as informações em Brasil dia a dia, p. 78. Uma rica pesquisa sobre as articulações
terroristas da extrema-direita civil-militar brasileira encontra-se em ARGOLO, José Ama-
ral; RIBEIRO, Kátia Maria; FORTUNATO, Luiz Alberto. A direita explosiva no Brasil. Rio
de Janeiro: Mauad, 1996.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 207

cito para que não haja torturas. Eu não nego que elas existam neste país
e lamento que haja elementos despreparados trabalhando em setores nos
quais há essa violação dos direitos da pessoa humana”.142 Percebe-se, no
trecho grifado por mim, o artifício retórico que procura despolitizar a
ação dos elementos de extrema-direita, na verdade, peças constituintes
do regime, uma vez que localizados nos aparelhos de repressão do Esta-
do. A atribuição das práticas violentas a condutas excepcionais dissocia
o uso da tortura da natureza própria da ditadura, apresentando-a como
“acidente de trabalho” ou produto de idiossincrasias de funcionários do
governo. Em outras áreas situacionistas, contudo, havia mais pressa em
reverter o quadro político que ensejava práticas de violência. Em discur-
so de recepção a um novo ministro no Superior Tribunal Militar (STM),
general Reinaldo Melo de Almeida, o general Rodrigo Otávio Jordão Ra-
mos pediu, em 10 de dezembro, uma nova Constituição ‒ mais liberal ‒,
o fim dos atos de exceção e o restabelecimento das tradicionais garantias
do Judiciário.143
A estratégia distensionista do regime ditatorial estava sendo exigida ao
máximo em seu aspecto de equilibrismo. Para tornar segura a distensão
lenta e gradual, o governo, ao mesmo tempo em que enfraquecia a oposição
militar, recorria ao arsenal de instrumentos ditatoriais de segurança, em
especial os atos institucionais, contra setores da oposição resistentes ao seu
projeto. Com base no AI-5, reprimiu oposições sindicais, cassou mandatos
e suspendeu direitos políticos em grande quantidade, reavivando velhas
acusações de 1964 − ligações com os comunistas e corrupção −, às quais
agregou as de ofensa à “Revolução de 1964” e ao regime, críticas aos órgãos
de segurança etc.
A mão repressiva do governo – presidido, observe-se, por um protestan-
te luterano ‒ fechou o ano de 1976 em grande estilo. Em 15 de dezembro,
o sacerdote católico francês François Jacques Jentel, enquadrado na Lei de
Segurança Nacional, foi expulso do país.144 No dia seguinte, uma operação
policial no bairro paulistano da Lapa resultou na morte de três dirigentes
do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) − Pedro Pomar, Ângelo Arroio

142
Brasil dia a dia, p. 90.
143
Idem, p. 114.
144
Brasil dia a dia p. 123. Para detalhes, ver ALVES, Márcio Moreira. L’Église et la Politique
au Brésil, p. 183-185; SERBIN, Kenneth P. Diálogos na sombra, op. cit., capítulo seis.
208 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

e João Batista Franco Drummond − e na prisão de vários outros.145 A ação


repressiva mobilizou a oposição à ditadura, inclusive na Europa, onde a
Assembleia Nacional de Portugal, ainda rescendendo aos cravos da revo-
lução de 1974, emitiu uma moção de protesto dirigida ao governo brasilei-
ro contra a morte dos dirigentes comunistas. Entidades estudantis de todo
o Brasil se pronunciaram, exigindo a anistia geral e o estabelecimento de
um novo regime político como única forma de impedir que eventos como
aquele se repetissem.146

2.3 A anistia e a nova política do imperialismo para a América Latina

Com a posse de James Earl “Jimmy” Carter, Jr. na Presidência dos EUA,
em 20 de janeiro de 1977, uma peça fundamental do jogo de xadrez políti-
co na América Latina mudou de posição, com reflexos na situação interna
brasileira: a estratégia estadunidense em relação ao subcontinente. Jimmy
Carter se notabilizaria por sua “política de direitos humanos”. À sombra da
plataforma liberal voltada para a garantia de direitos individuais que, de
resto, a sua diplomacia desde muito ajudava a sufocar na América Latina,
os EUA passaram a exercer pressão sobre governos ancorados em regimes
ditatoriais. Como fora, no mínimo, promotor de todos eles, estabeleceu-se
um aparente desencontro entre a nova política e os interesses que o Estado
norte-americano tradicionalmente defendera na área. A aparência de de-
sencontro, entretanto, se esfuma quando o giro político da promoção de
golpes e patrocínio de ditaduras à diplomacia de defesa dos direitos huma-
nos é situado devidamente na conjuntura internacional da década de 1970.
Já em 1976, alguns analistas percebiam que a diplomacia dos EUA vi-
nha, em seu relacionamento com os países da América do Sul, reduzindo
a ênfase em táticas militares associadas à estratégia da contrainsurgência,
adotada desde os primeiros anos do pós-Segunda Guerra Mundial. Desde
então, a política externa do país tivera como eixo o anticomunismo, com
foco na União Soviética (URSS), em face da qual, especialmente entre 1948
e 1958, foi mantida uma atitude rígida e potencialmente belicista. A polí-

145
Ver POMAR, Pedro Estevan da Rocha. Massacre na Lapa. Como o Exército liquidou o
Comitê Central do PCdoB. São Paulo, 1976. São Paulo: Busca Vida, 1987.
146
MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os brasileiros, p. 140.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 209

tica capitaneada por John Foster Dulles, titular da Secretaria de Estado de


1953 a 1959, partia da premissa fundamental de que a potência líder do
campo socialista se encontrava extremamente vulnerável em decorrência
do desgaste provocado pela Guerra Mundial e do seu suposto atraso tec-
nológico.147
Em fins da década de 1950, entretanto, a União Soviética passou a ser
percebida de outra maneira. Indicadores como altas taxas de crescimento
industrial e poderio militar a delineavam como uma “superpotência”, a ser
tratada de maneira mais realista e sutil. Em tais condições, reconhecia-se
a existência de “áreas de influência” lideradas pelas duas “superpotências”,
que deveriam se respeitar mutuamente. Esta política contribuiu para o es-
tabelecimento de uma “bipolaridade” mundial, que implicou a definição
da segurança dentro da sua área como prioridade estratégica na política
exterior dos EUA.

Até há pouco tempo atrás, para os políticos norte-americanos, a tensão


principal se concentrava na polaridade Leste-Oeste: capitalismo versus so-
cialismo. Esta tensão particularizava-se de modo mais patente entre as duas
nações regentes destes dois blocos: EUA versus URSS. Pensava-se – e não
sem razão – que a possibilidade mais imediata de uma guerra mundial po-
deria ter origem nas concepções políticas diferentes da área capitalistas e
da área socialista. Praticamente, todo o poderio militar de ambos os blocos
estava montado de maneira a corresponder a este esquema. E em função
deste esquema manejava-se também a diplomacia mundial.148

A política de “áreas de influência” teve em Henry Kissinger a sua expres-


são máxima. Como principal dirigente do Conselho de Segurança Nacional
desde 1969, ele reorientou as relações dos EUA com o campo socialista,
segundo a política que ficaria conhecida como “distensão”.149 Entretanto,

147
SIST, Arturo; IRIARTE, Gregório. Da segurança nacional ao trilateralismo. Razões pelas
quais o governo Carter defende a vigência dos direitos humanos. In: ASSMAN, Hugo (Ed.).
A Trilateral – nova fase do capitalismo mundial. Trad. Hugo Pedro Boff. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1979, p. 168.
148
Idem, p. 172.
149
Do francês deténte, adotado no jargão diplomático internacional e, também, como já foi
visto, utilizado em tradução para nomear o processo de transição política brasileiro em seu
início.
210 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

enquanto promovia certo afrouxamento da “guerra fria”, com uma grada-


tiva reaproximação dos EUA em relação à União Soviética e à China, Kis-
singer se empenhava em fortalecer a hegemonia estadunidense nas zonas
estratégicas do Oriente Médio, África e Ásia, por meio de pactos militares
e de pressões diplomáticas.150
Na América Latina, a defesa das fronteiras de “influência” levou os EUA
a uma combinação de táticas violentas e pacíficas na luta contra tentativas ‒
concretas ou apenas potenciais ‒ de revolução anticapitalista e movimentos
de cunho nacionalista. Em 1961, a frustrada invasão da Baía dos Porcos, em
Cuba, e o lançamento do programa da Aliança para o Progresso (ALPRO)
constituíram, respectivamente, expressões emblemáticas dessas duas catego-
rias de táticas de contrarrevolução. Prevaleceu, contudo, o agravamento das
condições de “guerra fria”, já que os governos estadunidenses se solidarizaram
com os regimes políticos que adotavam as doutrinas de segurança nacional
e de guerra revolucionária como orientação anticomunista, a começar pelo
brasileiro. Os EUA promoveram e apoiaram regimes de base militar, contri-
buindo “diretamente, preparando seus quadros, fortalecendo seus exércitos,
assessorando seus quadros, dirigindo seus serviços de informação”.151
Um conjunto de fatores, de ordem econômica e política, tanto externa
quanto interna, conduziu as classes dirigentes dos EUA a se reorientarem
no cenário mundial.

Depois do longo e cruel genocídio do Vietnã e da retirada humilhante dos


exércitos norte-americanos, depois das manobras abertas da CIA contra go-
vernos, instituições e pessoas honradas, depois de Watergate e da demissão
vergonhosa de Nixon, depois dos subornos das multinacionais ... os EUA
precisavam lavar a face democrática do país aos olhos do mundo. Era neces-
sário dar ao povo estadunidense novas esperanças e razões válidas para ter
confiança em si mesmo e na legitimidade da sua causa. […] E, sobretudo, era
necessário suscitar na juventude uma fé renovada no sistema democrático,

SIST, Arturo; IRIARTE, Gregório, op. cit., p. 169.


150

151
Idem, p. 168. Ver, também, IANNI, Octavio. Imperialismo y cultura de la violencia em
America Latina. 6. ed. Mexico D.F.: Siglo Veintiuno, 1970; e VENERONI, Horacio L. Estados
Unidos y las fuerzas armadas de America Latina. Buenos Aires: Periferia, 1971. Uma esclare-
cedora apresentação das conexões policiais entre os EUA e a América Latina encontra-se em
HUGGINS, Martha. Polícia e política: relações Estados Unidos/América Latina. Trad. Lólio
Lourenço de Oliveira. São Paulo: Cortez, 1998.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 211

agora tingido de moralidade e de idealismo ... Para isso, nada melhor do que
içar, diante da fachada do mundo, o estandarte dos direitos humanos.152

Também representantes dos setores mais reacionários daquela socieda-


de reconheciam a crise de representação vivida no país. Nosso já conhecido
Samuel Huntington, por exemplo, falou à imprensa brasileira em agosto de
1974 sobre esse aspecto do quadro político interno dos EUA. Estampou um
jornal:

O professor norte-americano manifestou o ponto de vista de que o pre-


sidente Gerald Ford [1973-1977] terá condições de restaurar a perdida
confiança do povo dos Estados Unidos no governo e em suas instituições.
Acredita que essa confiança se perdeu partir do governo Johnson [1963-
1969], atingindo níveis críticos agora, com a renúncia de Nixon [1973]. Esse
processo de desconfiança popular em relação ao governo e às instituições
se agravou de tal forma, no período do presidente renunciante, que ficou
conhecido no seio do povo com a expressão “perda de credibilidade”.153

Ruy Mauro Marini foi, certamente, um dos primeiros analistas a anotar


esse fenômeno em processo. Exilado, publicou em 1976, no jornal El Sol de
México, três artigos sobre a política dos Estados Unidos para a América Lati-
na preconizada por Jimmy Carter, ainda candidato à Presidência do país. Os
artigos, que seriam fundidos e republicados pelo North American Congress
on Latin America (NACLA)154 no ano seguinte, apontavam a tendência desta

152
SIST, Arturo; IRIARTE, Gregório, op. cit., p. 177-178.
153
Jornal do Brasil, 13 de agosto de 1974, p. 7.
154
“A new face for counter-revolution”, NACLA, New York, v. 11, July 1977, n. 6. Sobre a
fortuna das ideias pioneiras sustentadas nesses três artigos, informa o autor: “De forma mais
elaborada, desenvolvi essa tese na intervenção que fiz numa mesa-redonda do Núcleo de
Estudos do Caribe e da América Latina (NECLA), do México, da qual participaram Agus-
tín Cueva, Theotônio [dos Santos] e Pío García, sendo o debate publicado em Cuadernos
Políticos, nesse mesmo ano, e no ensaio “La cuestión del Estado en las luchas de clases en
América Latina”, que, em 1979, levei à conferência que, anualmente, os iugoslavos promo-
viam em Cavtat. O texto de Cavtat saiu em várias publicações, entre elas Socialism in the
World, revista multilíngue iugoslava; Monthly Review en Castellano (Barcelona); Cuadernos
del CELA (UNAM); Boletín de la Asociación Latinoamericana de Información (ALAI), sen-
do, finalmente, incluído no reading editado pela Universidade Autônoma Metropolitana, do
México, El Estado militar”. MARINI, Ruy Mauro. Escritos. Memória. Disponível em: <http://
www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm>. Acesso em: 25 nov. 2013. Sobre a
NACLA, ver GREEN, James N., op. cit., p. 112-114.
212 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

política no sentido de patrocinar “formas de democracia limitada, que Sa-


muel Huntington chamava de ‘democracias governáveis’155 e o Departamento
de Estado, de ‘democracias viáveis’”. Em outras palavras: “Eufemismos à par-
te, ‘democracia viável’ significa democracia limitada, a busca de uma maneira
de institucionalizar e estabilizar a contrarrevolução na América Latina”.156

Desde o início de 1960, a resposta do capital nacional e estrangeiro à luta


popular tem sido a ditadura militar ostensiva. E os Estados Unidos, em suas
intermináveis tentativas de manter o controle sobre a sua esfera de influência,
tornou-se cada vez mais envolvido na preparação do aparato repressivo para
controle direto do poder. Agora, os estrategistas norte-americanos estão pro-
pondo evitar a aplicação das formas mais extremas de contrainsurgência, em
favor de soluções mais amenas: ou seja, regimes estáveis que tenham alguma
base popular de apoio, que respeitem, tanto quanto possível, as liberdades
democráticas essenciais e tenham algum grau de legitimidade institucional.157

A “descompressão” huntingtoniana constituía uma expressão concreta


dessa fórmula contrarrevolucionária patrocinada pela nova diplomacia do
Departamento de Estado dos EUA. O giro diplomático foi uma opção es-
tratégica explicada pelos abalos econômicos, políticos e militares sofridos
pelo campo imperialista na primeira metade da década de 1970. Como ex-
plicou um analista:

155
Cf. CROZIER, Michel; HUNTINGTON, Samuel P.; WATANUKI, Joji. The crisis of demo-
cracy: report on the governability of democracies to the Trilateral Commision. New York:
New York University Press, 1975. Um perspicaz analista percebeu de imediato a relevância
das teses contidas neste relatório no quadro da discussão das alternativas postas ao regime
democrático nos Estados Unidos: GÓES, Walder de. A democracia americana (4/7/1976).
In: ______. O Brasil do General Geisel, p. 181-183. No seu entendimento, para os autores
do relatório, “o problema é que a democracia estaria exigindo do Estado mais atividade,
enquanto lhe concede menos autoridade”.
156
MARINI, Ruy Mauro. Escritos. Memória. Disponível em: <http://www.marini-escritos.
unam.mx/001_memoria_port.htm>. Acesso em: 25 nov. 2013. Tradução minha.
157
MARINI, Ruy Mauro. “A new face for the counter-revolution”, p. 3-4. Tradução minha. A
“política de direitos humanos” era, contudo, seletiva: “Para avaliar o pragmatismo político
de Carter – tão distanciado do idealismo bonachão – basta lembrar que a política em favor
dos direitos humanos não será aplicada na Coréia do Sul, nas Filipinas e no Irã, pela simples
razão de que, pelo momento, isto não convém aos interesses dos EUA. O próprio Carter
assim o declarou. Entretanto, todos sabem que esses países cometem graves violações”. SIST,
Arturo; IRIARTE, Gregório, op. cit., p. 179.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 213

A derrota dos EUA no Sudeste Asiático, a derrocada do império lusitano


na África, a queda da ditadura em Portugal, a morte do franquismo158 se
inscrevem em uma situação econômica de repercussões extraordinárias até
os dias de hoje. A economia capitalista entrou em uma crise clássica de
superprodução, que teve seu momento agudo em 1974/1975. […] O im-
perialismo norte-americano e as burguesias dos países europeus e do Ja-
pão conseguiram rearmar uma contraofensiva política que se denominou
a contrarrevolução democrática e na qual toma parte o Plano Carter e seu
“trilateralismo”. Trata-se de uma tática que tenta combinar uma resposta à
crise econômica e aos problemas políticos que se originam com as mobi-
lizações nos países capitalistas avançados do mundo colonial e frente aos
estados operários. O imperialismo se mostra disposto a fazer concessões no
terreno democrático-burguês, com a condição de desenvolver acordos com
relação a planos de austeridade dentro de um marco de estabilização da luta
de classes: os modelos para os países europeus e para os países semicolo-
niais [p. 21] são tomados de Portugal e Espanha, onde, de fato, a contrar-
revolução democrática está conduzindo à desmobilização do proletariado
(Grécia, guardando-se as proporções, viveu um processo semelhante).159

Para reelaborar a estratégia de dominação imperialista desta perspec-


tiva, David Rockfeller160 liderara, em 1973, juntamente como Zbigniew

158
Para uma estimulante análise das injunções internacionais da transição espanhola, ver, de
Encarnación Lemus: Em Hamelin... La transición española más allá de la frontera. Oviedo:
Septem, 2001; e Estados Unidos y la transición Española. Entre la revolución de los claveles y
la Marcha Verde. Madrid: Sílex, 2011.
159
GONZÁLEZ, J. C. A América Latina e a situação internacional. Versus, São Paulo, n. 28,
p. 20-21, jan. 1979.
160
Presidente do Chase Manhattan Bank – então, o terceiro dos EUA. Segundo um pesqui-
sador, a Comissão Trilateral foi criada como um departamento do Chase Manhattan Bank,
como um projeto rockfelleriano e com um objetivo claro: “oferecer respostas, dentro do
capitalismo contemporâneo, aos problemas econômicos e sociais da época, sem perder as
tradicionais posições de força. Em outras palavras, tentava-se trilateralizar as decisões do
capitalismo industrial em uma etapa de transformações e transnacionalização indubitáveis
da economia”. GARCIA, Enrique Ruiz. La era de Carter. Las transnacionales, fase superior
del imperialismo. Madrid: Alianza Editorial, 1978, p. 35. Tradução minha. Ver outra pers-
pectiva em: SHOUP, Laurence. The Carter Presidency and Beyond: Power and Politics in the
1980’s. Palo Alto: Ramparts Press, 1980. Rockfeller esteve, no ano de fundação da Comissão
Trilateral, na vanguarda do movimento de aproximação econômico-financeira entre seu
país e a União Soviética: abriu a primeira filial do Chase Manhattan Bank em Moscou, com
endereço, ironicamente, na Praça Karl Marx, e tornou-se presidente do Overseas Develo-
214 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Brzezinski, a formação da Comissão Trilateral, articulando proeminentes


industriais, banqueiros, políticos e intelectuais ‒ entre os quais, com desta-
que, Samuel Huntington ‒ dos três pilares econômicos do mundo capitalis-
ta: EUA, Japão e Europa Ocidental.161 Membro da entidade, Jimmy Carter
recebeu forte apoio das corporações econômicas nela representadas para
vencer as eleições presidenciais de novembro de 1976.162 Empossado, con-
vidou seus pares trilateralistas para compor o governo, no qual vieram a
constituir expressiva maioria e a ocupar postos-chave.163 A orientação po-
lítica do seu governo tendeu a se confundir com a da Comissão, como foi
observado ainda em 1977:

[…] nos poucos meses que já se passaram depois que Carter assumiu a Pre-
sidência dos EUA, suas ideias e novas posições diante dos regimes militares
da América Latina já se fizeram sentir, de maneira clara e contundente. […]
Muitos chegaram a pensar que a defesa dos direitos humanos era a prin-
cipal motivação da política de Carter, sem perceber que ela não é senão a
consequência de análise e tomadas de posição muito mais transcendentais
para a segurança e a expansão do poderio norte-americano. A defesa dos
direitos humanos é talvez o elemento mais cotidiano e sensacional; porém,
o mais profundo e determinante nasce da crise econômica mundial, minu-
ciosamente analisada pelos que integram a Comissão Trilateral.164

As novas táticas de contrarrevolução democrática, na forma do trilate-


ralismo e da política de direitos humanos do governo Carter, ligavam-se,
portanto, à necessidade de superar a crise econômica. As medidas antique-
da da taxa de lucros deveriam ser aplicadas

pment Council of the US-USSR Trade and Economic Council, fundado igualmente nesse
ano. Disponível em: <http://wikispooks.com/ISGP/organisations/introduction/PEHI_Da-
vid_Rockefeller_bio.htm>. Acesso em: 30 nov. 2013.
161
GARCIA, Enrique Ruiz Garcia, op. cit.; SIST, Arturo; IRIARTE, Gregório, op. cit., p. 171.
Ver, também, CHOMSKY, Noam. A administração Carter: mito e realidade. Encontros com
a Civilização Brasileira, n. 15, p. 11-42, set. 1979; e DINIZ, Freitas. Trilateralismo, a receita
das multinacionais para o regime militar brasileiro. Encontros com a Civilização Brasileira,
n. 16, outubro de 1979, p. 15-26.
162
SIST, Arturo; IRIARTE, Gregório, op. cit., p. 171.
163
Ibidem. GARCIA, Enrique Ruiz, op. cit.
164
SIST, Arturo; IRIARTE, Gregório, op. cit., p. 170.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 215

[…] mediante acordos interestatais que [reduzissem] a concorrência entre os


monopólios, que [amortizassem] os desequilíbrios monetários e da balança
de pagamentos e [servissem] para concretizar algumas medidas comuns so-
bre tarifas alfandegárias e controle da inflação. A resposta aos problemas po-
líticos, dentro dessa concepção, [passava] pela solução, prioritária, dos graves
problemas econômicos. Por isso, uma importância especial a uma política
de negociação com a socialdemocracia, inclusive com os eurocomunistas.165

Na América Latina e em outras áreas periféricas, a negociação seria


feita com setores liberal-democráticos. Nelas, onde abundavam regimes
ditatoriais, “aberturas controladas” deveriam conduzir a regimes políticos
que substituíssem o terrorismo policial-militar, de eficácia somente mo-
mentânea e que, no longo prazo, poderia abrir caminho para insurreições
populares.166 Foi desta perspectiva que Samuel Huntington elaborou a sua
“estratégia de descompressão”, partindo da premissa de que “constitui um
erro manter um poder discricionário para sempre, sem nenhuma disten-
são. A inflexibilidade conduz, normalmente, […] a soluções explosivas e
imprevisíveis, que não interessam a nenhuma corrente da sociedade”.167
Pode-se perceber, envolvendo suas palavras, a sombra da revolução portu-
guesa, que, iniciada quatro meses antes da declaração, ainda se encontrava
em processo, com forte e inesperada presença comunista em sua direção.
Ali onde os dirigentes ditatoriais se mostrassem resistentes a negociar a
transição de regime, o governo dos EUA exerceria pressões em favor da li-
beralização política sob a forma de exigências de respeito aos “direitos hu-
manos”, isto é, amenização da política repressiva, melhora nas condições car-
cerárias dos presos políticos, observância de preceitos jurídicos etc.: “Brasil,
Chile, Argentina, viram-se praticamente obrigados a recusar a ajuda militar
norte-americana, diante das pressões e condicionamentos com respeito à vi-
gência dos direitos humanos, que o Governo Carter lhes impunha”.168

165
GONZÁLEZ, J. C. “A América Latina e a situação internacional”, p. 21.
166
Idem, p. 23. Consultar HOEVELER, Rejane Carolina. As elites orgânicas transnacionais
diante da crise: os primórdios da Comissão Trilateral (1973-1979), op. cit.
167
Jornal do Brasil, 13 de agosto de 1974, p. 7.
168
SIST, Arturo; IRIARTE, Gregório. “Da segurança nacional ao trilateralismo. Razões pelas
quais o governo Carter defende a vigência dos direitos humanos”, p. 167. Um balanço do efe-
tivo alcance da “política de direitos humanos pode ser encontrado em HOEVELER, Rejane
Carolina, op. cit., cap. 5.
216 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Comentando, alguns anos depois, a posição de Carter, um analista ob-


servaria a contradição que se teria estabelecido entre os “regimes militares
sul-americanos” e as formas de organização política consideradas legítimas
nos EUA e na Europa ocidental.

De um lado, esses regimes são hostilizados pela opinião pública das demo-
cracias ocidentais, cujos líderes veem-se forçados a adotar cuidados espe-
ciais para evitar que seus compromissos com autoritarismos externos com-
prometam sua posição interna. De outro, entende-se nos Estados Unidos e
na Europa ocidental que os regimes autoritários de direita estão, no fundo,
preparando terreno para a reação de esquerda, tornando-se, em consequên-
cia, potencialmente perigosos para os interesses básicos do Ocidente demo-
crático. A recente pressão liberal ou semiliberal dos empresários paulistas169
resulta de aplicação dessa análise às relações das classes sociais. Sem em-
bargo do apoio dado pela comunidade empresarial do Ocidente a regimes
autoritários de direita, verifica-se que um número crescente de empresários
compreende que a longo prazo o esmagamento dos cenários democráticos
conspira contra seus interesses. O Ocidente democrático como um todo
tende a abandonar regimes militares como os do Cone Sul.170

Embora alinhados em torno de teses essenciais ao mundo capitalista da


época, os governos dos EUA e do Brasil tinham alguns contenciosos pon-
tuais. A diplomacia inaugurada logo após a posse do general Geisel, condu-
zida pelo chanceler Antônio Francisco Azeredo da Silveira, retomou aspec-
tos da “política externa independente”171 praticada durante os governos de
Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964) e ficaria conhecida como
“pragmatismo responsável”. Em mais de uma ocasião, Azeredo da Silveira
afirmou publicamente que a política externa brasileira não precisava dar sa-
tisfações a qualquer país. Voltada para a ampliação da presença econômica
brasileira em mercados periféricos, esta política levou o Itamaraty a atritos
com a diplomacia estadunidense em vários momentos.

169
Ver mais à frente.
170
GÓES, Walder de. O Brasil do General Geisel, p. 166.
171
A propósito, ver VIZENTINI, Paulo Fagundes. A política externa do regime militar bra-
sileiro. Multilateralização, desenvolvimento e construção de uma potência média (1964-
1985). Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1998, p. 197-270.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 217

O ano inicial do governo Geisel fora pródigo em eventos com essa sig-
nificação. O Brasil foi o primeiro país a reconhecer o governo português, de
orientação socialista, saído da Revolução dos Cravos três dias depois da sua
eclosão em 27 de abril de 1974. Na esteira do desfecho da revolução anti-
colonial africana, visceralmente ligada à queda do salazarismo, reconheceu
imediatamente a independência, obtida sob a direção de coalizões dirigidas
por socialistas e comunistas, de Giné-Bissau, em julho, e de Angola, em no-
vembro de 1975. Esta, por sinal, no dia seguinte à sessão da ONU em que foi
aprovada, com o voto do delegado brasileiro, a moção condenatória do regi-
me de apartheid da África do Sul, apoiado pela diplomacia dos EUA, como
um sistema racista. Ainda em 1974, o governo brasileiro reconhecera a Re-
pública Popular da China, restabelecendo relações rompidas logo após o gol-
pe de 1964 e, em consequência, suspendendo o relacionamento com Taiwan
(China nacionalista), considerado importante ponto de apoio geopolítico na
Ásia pelos EUA, cujo governo só adotaria a mesma medida em 1978.
Um dos mais importantes itens do contencioso nas relações entre os
EUA e o Brasil no período disse respeito à política nuclear, item central do
conjunto de preocupações estratégicas de ambos os países. Um acordo para
financiamento de um complexo tecnológico e construção de uma usina nu-
clear no município de Angra dos Reis (RJ) fora firmado entre os governos
dos dois países em setembro de 1972. As negociações, contudo, não pro-
grediram e, em junho de 1975, o governo brasileiro assinou com a Repú-
blica Federal da Alemanha um acordo sobre cooperação para uso pacífico
da energia nuclear.172 O acordo foi muito mal recebido pelo governo dos
EUA, diante da possibilidade de que o Brasil viesse a adquirir condições
para produzir a bomba atômica. Em 27 de fevereiro de 1977, chegava ao
país o subsecretário de Estado Warren Christopher para discutir aspectos
do documento e pressionar diretamente o governo brasileiro. Alguns dias
depois, o general Geisel anunciou o rompimento do acordo militar que o
Brasil tinha com os EUA desde 1952.
A conduta do governo Geisel na questão nuclear correspondeu às ca-
racterísticas militares do Estado brasileiro. Desde, pelo menos, a década
de 1910, quando um segmento do oficialato, que ficaria conhecido como

172
Ver LIMA, Maria R. Acordo nuclear Brasil-Alemanha. In: ABREU, Alzira A. et al.
(Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930; e ANDRADE, Ana Maria Ri-
beiro de. A opção nuclear: 50 anos rumo à autonomia. Rio de Janeiro: MAST, 2006.
218 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

“jovens turcos”,173 deu início à sua propaganda, a política de defesa nacio-


nal preconizava a autonomia do país na área de elementos estratégicos.
Assim como o petróleo e o aço foram objeto dessa prioridade – o que
foi determinante para a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, em
1941, e da Petrobras, em 1953 ‒, na década de 1970, a política de defesa
nacional, agora, como já visto, associada à “segurança nacional”, privile-
giou as áreas da energia nuclear e informática, bem como de tecnologia
em geral. Resultaram dessa preocupação decisões políticas de tipo nacio-
nalista conservador, como a criação do Instituto Nacional de Propriedade
Industrial (INPI), em 1970, e a Lei de Reserva de Informática, de 1984.
As soluções dadas às questões do aço e do petróleo afirmaram o controle
nacional sobre os setores, mas envolveram conflitos e negociações com
o governo dos EUA e representantes dos interesses de suas corporações
econômicas em vários planos, inclusive o parlamentar. No âmbito de um
regime ditatorial, as determinações acerca da propriedade industrial, a
energia nuclear e a informática foram adotadas de maneira muito mais
centralizada e pouco propícia a amplas negociações, fosse com o governo
estadunidense, fosse com as corporações econômicas interessadas. Uma
vez que a política imperialista para países como o Brasil já não privilegia-
va, no curto prazo, o combate ao comunismo, um regime político em que
as decisões passassem por um leque mais amplo de instâncias, como o
Congresso e os grupos de pressão, seria mais interessante para o governo
dos EUA. A política de “direitos humanos”, à medida que enfraquecesse a
legitimidade do Executivo militarizado, poderia, certamente, contribuir
para isso.
Seria esse o sentido da viagem que Rosalyn Carter, esposa do presidente
dos EUA e ativa promotora da sua política de “direitos humanos”, fez ao
Brasil cerca de quatro meses após o fim do acordo militar entre os dois
países. A visita teve, oficialmente, caráter pessoal e fez parte de um rotei-
ro mais amplo, que passava por vários outros pontos da América Latina.
Ainda assim, teria havido empenho dos EUA para que ela fizesse contato

173
Sobre os “jovens turcos”, ver CAPELLA, Leila Maria Corrêa. As malhas de aço do tecido
social: a revista A Defesa Nacional e o serviço militar obrigatório. Dissertação (Mestrado
em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1985; e LUNA, Cristina Monteiro
de Andrada. O desenvolvimento do Exército brasileiro e as relações militares entre Brasil e
Alemanha (1900-1920). Tese (Doutorado em História Social) –Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio der Janeiro, 2011.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 219

com autoridades brasileiras. A convite do general Geisel, Rosalyn Carter


participou de um jantar privado no Palácio da Alvorada, para o qual tam-
bém foram convidados os presidentes do Supremo Tribunal Federal, da Câ-
mara dos Deputados e do Senado, além do chanceler Azeredo da Silveira
e o embaixador dos Estados Unidos no país. Na ocasião, o general Geisel
foi questionado por ela a respeito de violações de direitos humanos que
estariam sendo praticadas por funcionários da polícia e do governo, sem,
naturalmente, dar-lhe uma resposta objetiva.174
Seguindo para Pernambuco, Rosalyn Carter se encontrou, em Recife,
com missionários americanos que, acusados de subversão, haviam sido
presos e torturados pela Polícia estadual. Divulgada internacionalmente,
a denúncia contribuiria para a pressão sobre o governo brasileiro na área
dos direitos humanos. Em Brasília, Therezinha Zerbine tentaria lhe entre-
gar pessoalmente uma carta informando sobre a campanha do MFPA e
saudando o presidente Jimmy Carter por ter concedido anistia àqueles que
haviam se recusado a lutar na Guerra do Vietnã. O episódio teria desdo-
bramentos na Câmara, onde, em 7 de junho, o deputado Paulo Marques
(MDB-PR) leria a carta no plenário. Na mesma sessão, o deputado Álva-
ro Vale (Arena-RJ) reagiria, denunciando o que chamou de “tentativas de
aproveitamento da repercussão internacional da visita da senhora Rosalyn
Carter para se apresentar o Brasil como um país de torturas”. Protestaria,
também, contra a veiculação de memoriais pró-anistia.175 Estes, no entanto,
não representavam necessariamente posições oportunistas nem esquerdi-
zantes. Isto ficara demonstrado, no dia 23 de maio anterior, pelo deputado
emedebista Frederico Brandão (SP), que, ao lamentar a morte de Carlos
Lacerda ‒ lembre-se: jornalista de extrema-direita, ex-governador do então
estado da Guanabara e golpista cassado em 1968 ‒, ocorrida dois dias antes,
pedira anistia para os “punidos pela Revolução”.
A denúncia de que Aldo da Silva Arantes, militante do Partido Co-
munista do Brasil (PCdoB), fora submetido a torturas nas dependên-
cias do DOI-CODI de São Paulo, feita em 1º de fevereiro de 1977 pelos

174
Sobre o encontro, ver GASPARI, Elio. A ditadura encurralada, p. 391-398.
175
Em represália, o deputado enviou, logo em seguida, uma carta a Rosalyn Carter, de-
nunciando que funcionários brasileiros da embaixada dos Estados Unidos não tinham suas
carteiras profissionais assinadas. CARMINA, Maria; SOUSA, Luís Otávio de. Álvaro Vale.
In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário Histórico-biográfico brasileiro pós-
1930, op. cit.
220 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

seus advogados e refutada uma semana depois pelo comandante do II


Exército, general Dilermando Monteiro, deu continuidade às críticas
ao governo na área da repressão.176 Ao tomar posse, no dia seguinte, na
Câmara Municipal de Porto Alegre, o vereador Glênio Perez (MDB)
criticou as violações dos direitos humanos e a ausência de liberdade
no país, o que lhe valeu a cassação do mandato e a suspensão dos di-
reitos políticos por dez anos. Na mesma solenidade, o vereador Marcos
Klassman, igualmente emedebista, afirmou que poderia apresentar do-
cumentos comprobatórios da existência de tortura no Brasil e na Amé-
rica Latina, vindo a sofrer igual punição, anunciada no dia 15.177 No
dia seguinte, dois representantes da Comissão Internacional de Juristas
Católicos do Vaticano − Mario Stasi, advogado, e Louis Joinet, juiz −
declararam, após visitar o país, que os direitos humanos continuavam
sendo desrespeitados no Brasil.178 Entre 17 e 18 de fevereiro, o MDB e a
Arena duelaram em torno da cassação dos vereadores gaúchos. O par-
tido da oposição lançou nota oficial, assinada por sua Comissão Exe-
cutiva, afirmando que a nação pedia o fim do estado de exceção e que
era unânime em todo o país o anseio pela normalidade democrática.
A Arena, por seu turno, também por meio de nota oficial, justificou
as cassações, acusando o MDB de estar infiltrado por notórios agentes
comunistas.179 O partido governista recebeu, em 26 de fevereiro, refor-
ço da extrema-direita católica, na forma de um pronunciamento de D.
Geraldo Proença Sigaud, arcebispo de Diamantina (MG), que acusava
colegas bispos − D. Tomás Balduíno, de Goiás Velho (GO), e D. Pedro
Casaldáliga, de São Félix do Araguaia (MT), envolvidos nas lutas dos
posseiros por terra − de serem responsáveis pela crise nas relações entre
a Igreja e o Estado, por causa de suas ideias comunistas. A CNBB se
solidarizou com os acusados.180

176
Brasil dia a dia, p. 90.
177
Idem, p. 115. Mais detalhes em: RODEGHERO, Carla Simone; DIENSTMANN, Gabriel;
TRINDADE, Tatiana. Anistia ampla, geral e irrestrita, p. 84-88. Essas cassações seriam as
últimas praticadas pelo regime ditatorial.
178
Brasil dia a dia, p. 90.
179
Idem, p. 115. Sobre o caráter de “frente” do MDB e o papel particular que o PCB cumpriu
no seu interior, consultar KINZO, Maria D’Alva Gil. Oposição e autoritarismo, p. 55-60.
180
Brasil dia a dia, p. 123. Ver ALVES, Márcio Moreira. L’Église et la Politique au Brésil; e
SERBIN, Kenneth P. Diálogos na sombra.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 221

2.4 A anistia como moeda de troca

Em inícios de 1977, o governo avançou no processo de distensão política,


dando importantes passos táticos no sentido de fortalecê-lo. No front interno,
afirmou a autonomia da estratégia política em relação à esfera da economia,
expressa no II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND),181 que modifi-
cara certas posições no relacionamento entre setores empresariais e o governo.
Apresentado ao Congresso Nacional em 10 setembro de 1974 e transformado
em lei em 4 de dezembro do mesmo ano, para viger no período 1975-1979, o II
PND, que gerou avaliações controversas,182 foi, no dizer de um analista,

o último grande plano econômico do ciclo desenvolvimentista em termos


de repercussão e envergadura. O II Plano Nacional de Desenvolvimento (II
PND) foi, provavelmente, o mais amplo programa de intervenção estatal de
que se tem notícia no país, e que transformou significativamente o parque
industrial brasileiro com a implantação de um polo de insumos básicos e de
bens de capital. Em meio aos problemas deixados pela ressaca do “milagre
brasileiro”, João Paulo dos Reis Velloso, Mário Henrique Simonsen, Seve-
ro Gomes e outros gestores econômicos desse governo arquitetaram um
programa de desenvolvimento extremamente ambicioso, que contrariava
as expectativas de vários analistas, para enfrentar o primeiro choque de pe-
tróleo e as adversidades da crise internacional.183

181
Ver detalhes em GREMAUD, Amaury Patrick; PIRES, Júlio Manuel. “II Plano Nacional
de Desenvolvimento – II PND (1975-1979)”. In: KON, Anita (Org.). Planejamento no Brasil
II. São Paulo: Perspectiva, 1999, p. 67-102.
182
LESSA, Carlos. A estratégia do desenvolvimento 1974-76: sonho e fracasso. Rio de Janeiro.
Tese de professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1978 (mimeo); CAS-
TRO, Antônio Barros de; SOUZA, Francisco Eduardo Pires de. A economia brasileira em
marcha forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985; TAVARES, Maria da Conceição; ASSIS, J.
Carlos de. O grande salto para o caos. A economia política e a política econômica do regime
autoritário. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985; CRUZ, Sebastião Velasco e. Empresariado e
Estado na transição brasileira. Um estudo sobre a economia política do autoritarismo (1974-
77). São Paulo: Editora Unicamp/Fapesp, 1995; AGUIRRE, Basília Maria Baptista; SADDI,
Fabiana da Cunha. Uma alternativa de interpretação do II PND. Revista de Economia Po-
lítica, São Paulo, v. 17, n. 4, p. 78-98, out./nov. 1997; e “A fantasia política ou a política da
fantasia?”. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 145-147, abr./jun. 1998;
VELLOSO, João P. R. A fantasia política: a nova alternativa de interpretação do II PND.
Revista de Economia Política, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 133-144, abr./jun. 1998.
183
MANTEGA, Guido. O governo Geisel, o II PND e os economistas, p. 3. Disponível em:
Disponível em: <http://hdl.handle.net/10438/2935>. Acesso em: 9 fev. 2014.
222 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

[…]
Contrariando as aparências da primeira hora, Geisel faria um dos governos
mais intervencionistas do ciclo militar, respondendo ao cenário recessivo que
se formava no horizonte internacional com a manutenção de altas taxas de
investimento. Reagiu aos ventos neoliberais, que sopravam com muita for-
ça dos países mais avançados em direção ao Continente Latino-americano
[sic], com um programa econômico estritamente desenvolvimentista, que só
ampliava a já considerável participação do Estado brasileiro na economia.184

A execução do II PND teve como pressuposto a natureza bonapartista


do governo Geisel, que seria exacerbada durante a sua execução.185 Ainda
de acordo com o citado analista, Geisel

[…] deslocou o eixo da política econômica para o [Ministério do] Planeja-


mento, reduzindo o poder [do Ministério] da Fazenda e colocou a si pró-
prio como comandante e chefe das grandes decisões dessa área estratégica
do Governo, ocupando o assento de presidente do Conselho de Desenvol-
vimento Econômico.186
[…] Geisel fez um governo imperial, que exerceu, em sua plenitude, a es-
pantosa carga de poder que pode reunir um chefe de Estado no Brasil, mu-
nido de vários instrumentos de arbítrio.187

O alto teor de autoridade exigida pelo processo de distensão política


era, portanto, uma precondição também para o êxito da alternativa econô-
mica que o grupo de Geisel escolhera como forma de dar continuidade ao
projeto estratégico de transformação do Brasil em “potência emergente”.
Tratava-se de manter altas as taxas de crescimento econômico, completar a
estruturação produtiva nacional e enfrentar a crise econômica mundial que
se anunciava na esteira da triplicação dos preços do petróleo ‒ o que explica
a preocupação do plano com a questão dos combustíveis ‒, promovendo-se
nova substituição de importações, agora da indústria de base (máquinas,

184
Idem, p. 5.
185
Uma excelente análise do estilo de governo adotado por Geisel se encontra em CODATO,
Adriano Nervo. Sistema estatal e política econômica no Brasil pós-64. São Paulo: HUCITEC;
ANPOCS; Curitiba: Editora UFRJ, 1997. Ver, especialmente, p. 71-77.
186
Instituído em 1 de maio de 1974.
187
CODATO, Adriano Nervo, op. cit.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 223

equipamentos etc.) e insumos básicos. As empresas estatais cumpririam


um papel fundamental no plano, principalmente como elemento dinami-
zador, através de suas encomendas.
A redefinição das prioridades setoriais, com relativo enfraquecimento
do setor de bens de consumo duráveis (automóveis, eletrodomésticos etc.),
que liderara o dinamismo econômico no período do “Milagre brasileiro”,
implicou certo rearranjo das alianças entre os representantes políticos das
frações do capital e o governo. Entretanto,

não se trata de um deslocamento necessariamente conflitivo de um setor


pelo outro ou mesmo de uma mudança de peso dos grupos econômicos
que influenciavam o poder do Estado. Não se tem notícia de nenhuma
guerra fratricida entre os empresários do setor de duráveis com os empre-
sários de bens de capital, com a vitória destes últimos. A rigor, a fração da
burguesia ligada à indústria de base era menos poderosa, pelo menos em
termos econômicos, do que o empresariado de bens duráveis, e se cons-
tituiu justamente nessa época, a partir do generoso suporte do Estado.
Nesse caso, o governo militar, que, por sua natureza, consegue manter
relativa autonomia dos grupos específicos de interesse ou das frações de
classe, estava zelando não pelos interesses deste ou daquele segmento da
burguesia, mas procurava implementar os interesses da classe burguesa
como um todo, acima das suas questões específicas ou particulares. Para
garantir a continuidade do processo de acumulação de capital no Brasil
e para viabilizar a transição para uma fase mais avançada desse processo,
era preciso superar o estrangulamento externo e implementar a indústria
de bens de produção.188

Embora reconhecesse a importância das empresas multinacionais para


a concretização das metas pretendidas, o PND

[…] alterou a correlação de forças entre o capital estrangeiro e o nacional,


privilegiando, explicitamente, este último nos projetos de bens de capital.
Na opinião de Geisel e de seu Ministro da Indústria e Comércio Severo
Gomes, o tripé de sustentação da industrialização brasileira, formado pelo
capital estrangeiro, setor estatal e capital nacional, estava desequilibrado de-

188
Idem.
224 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

vido à fraqueza do setor nacional, que não possuía nem os recursos do setor
estatal e nem o poder tecnológico e financeiro das empresas estrangeiras.

A brecha aberta pelo II PND na posição das empresas estrangeiras es-


timulou Severo Gomes a perseverar em pressões para ampliar o apoio ao
capital nacional, a cujos setores médios pertencia.

Severo Gomes, o empresário paulista dos Cobertores Paraíba, membro do


Conselho de Administração do Banco Mercantil, que já fora Ministro da
Agricultura de Castelo Branco […]. Severo Gomes fez o que pôde para
imprimir uma posição mais nacionalista ao Governo Geisel, mas acabou
demitido antes do fim do governo. Severo Gomes não se contentava em es-
tabelecer algumas vantagens para as empresas nacionais. Queria formalizar
uma distinção mais nítida entre empresas nacional e estrangeira e colocar
diferenças de tratamento que não eram toleradas por seus colegas de Mi-
nistério.189

Simultaneamente, alinhava-se com setores externos ao governo, como


entidades empresariais, e da oposição, na reivindicação de uma abertura
política que conduzisse à redemocratização do país. A sua demissão acon-
teceu no dia 8 de fevereiro.190
O episódio pode ser considerado o ponto culminante ‒ porque perce-
bido como uma crise de governo ‒ de uma tensão que já vinha de cerca de
três anos. Logo após o lançamento do II PND, o prestigiado economista
Eugênio Gudin, ícone da ortodoxia liberal,191 havia criticado as anunciadas
intenções do governo. A ocasião foi a cerimônia de homenagem que setores
liberais do empresariado e da imprensa lhe fizeram em 12 de dezembro de
1974. Em discurso, Gudin verberou a excessiva intervenção do Estado na
economia. No mês seguinte, o jornal O Estado de S. Paulo iniciou uma série
de onze reportagens intitulada “Os caminhos da estatização”.192 Desenca-
deava-se, desta maneira, uma campanha pela “desestatização” da economia,

189
MANTEGA, Guido. O governo Geisel, o II PND e os economistas.
190
Ver MALIN, Mauro; COSTA, Marcelo. Severo Gomes. In: ABREU, Alzira Alves de et al.
(Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.
191
Para uma biografia elogiosa de Gudin, ver SCALERCIO, Márcio. Eugênio Gudin. Inventá-
rio de flores e espinhos. Um liberal em estado puro. Rio de Janeiro: Insight, 2012.
192
SCALERCIO, Márcio. Eugênio Gudin, p. 244.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 225

reunindo desde teóricos da ortodoxia econômica a empresários ‒ nacionais


e estrangeiros ‒, que temiam prejuízos com as anunciadas prioridades esta-
belecidas pelo II PND. A bandeira econômica passou a confundir-se com
a política, na forma de uma exigência de avanço no restabelecimento das
liberdades no país, que, naturalmente, poderia ampliar as possibilidades de
participação do empresariado nas decisões do governo em assuntos do seu
interesse, supostamente em prol de um padrão mais elevado de racionali-
dade econômica.
Na verdade, como já foi visto, o empresariado sempre se identificara
com as políticas econômicas dos governos surgidos a partir do golpe de
1964, de cuja articulação um segmento importante participou. Com exce-
ção de alguns dos seus setores, prejudicados pela política recessionista de
ajuste praticada durante o governo Castelo Branco (1964-1967), em geral
os grandes empresários não tiveram razões para dissentir da orientação as-
sumida pelo regime ditatorial.
A campanha pela desestatização da economia, mesmo maquiada com os
tons da crítica ao “autoritarismo”, não significou uma alteração no rumo e
no ritmo do processo de transição política em curso. Foi uma ação tardia,
executada a reboque da iniciativa do governo e setores da sociedade civil.
Genérica, sem definição clara de inimigos ou aliados, voltou-se mais contra
a presença “excessiva” do Estado na economia do que para a construção de
outro regime político, de tipo democrático.193 Assim, a burguesia brasileira
não quis, ou não pôde, naquela conjuntura, apresentar para o conjunto da
sociedade um projeto de reorganização das relações sociais e políticas capaz
de se oferecer como alternativa ao regime bonapartista capitaneado, naquele
momento, pelo general Geisel. Como observou argutamente Fernando Hen-
rique Cardoso em 1983, portanto, ainda durante o processo de transição:

Depois da abertura, o empresariado parece ter sofrido uma atração “de-


mocrático-liberal” que não foi distinta da que ocorreu com outros seto-

193
CARDOSO, Fernando Henrique. O papel dos empresários no processo de transição: o
caso brasileiro. Dados, Rio de Janeiro, v. 26, n. 1, p. 23-25, 1983. Ver, a propósito da relação
entre o conjunto da burguesia industrial brasileira e os regimes de dominação classista, o
ensaio ‒ contemporâneo aos fatos discutidos e integrante de coletânea por eles motivada ‒
de CERQUEIRA, Eli Diniz; BOSCHI, Renato Raul. Elite industrial e Estado: uma análise
da ideologia do empresariado nacional nos anos 70. In: MARTINS, Carlos Estevam (Org.).
Estado e capitalismo no Brasil. São Paulo: HUCITEC, 1977, esp. p. 182-187.
226 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

res sociais. A pressão pela autonomia das categorias sociais e pela quebra
de vínculos com o Estado foi encorajada (noutras classes) pela Igreja, teve
franca acolhida entre intelectuais e foi transformada em política por sindi-
calistas. Os empresários, por seu turno, manifestaram-se favoravelmente à
quebra de liames corporativistas entre o Estado e a sociedade. Há, mesmo,
um certo paralelismo na visão dos empresários sobre o tipo de socieda-
de emergente e na que prevalece entre lideranças operárias, intelectuais e
eclesiásticas. Pode-se detectar um modo comum de articulação do discurso
político geral destas distintas categorias sociais.
Parecem existir, portanto, elementos estruturais, derivados da formação de
uma sociedade industrial e de massas, que levam à busca de um modelo so-
cietário que valoriza a sociedade civil frente ao Estado. É de notar que, assim
como a liderança trabalhista autêntica ampliou seu espaço e ocupou sindi-
catos e movimentos intersindicais, empresários liberalizantes aumentaram
sua influência nas organizações de classe e chegaram a controlar a poderosa
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. A partir desta posição re-
forçaram, simultaneamente, seus contatos com o governo e com as oposições.
[…]
Não creio, contudo, que se possa sustentar a ideia de que existe um hori-
zonte de possibilidades para uma ‘hegemonia burguesa’ nova constituída a
partir da liderança de empresários nacionais, empenhados na construção
de uma sociedade democrática.194

Em março, o governo investiu na construção do campo político neces-


sário à futura consolidação da democracia pretendida. Para isso, passou
a buscar mais efetivamente contatos com setores moderados da oposição,
visando definir um conjunto de reformas políticas que, de acordo com a re-
ceita huntingtoniana, institucionalizassem a “obra da revolução” na forma
de um novo regime político, distinto da ditadura em vigor. Dentro desse
conjunto, a anistia surgiria como moeda de troca, passando a constituir,
ainda que de maneira ambígua e apenas oficiosa, tema da agenda de discus-
sões entre o governo e a oposição.
Ao mesmo tempo, elementos ligados ao regime atuavam no sentido de
esvaziar a campanha oposicionista. Em janeiro, o senador Jarbas Passa-

194
CARDOSO, Fernando Henrique. “O papel dos empresários no processo de transição: o
caso brasileiro”, p. 23.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 227

rinho (Arena-PA) – ex-ministro do Trabalho e Previdência Social (1967-


1969), ex-ministro da Educação (1969-1974) e futuro ministro da Justiça
(1990-1992) ‒ retomara a tese, que defendera isoladamente em 1975, da
revisão dos processos de cassações no âmbito do Superior Tribunal Mili-
tar (STM), encarregado, desde o Ato Institucional nº 2 (27/10/1965), de
julgar crimes capitulados na Lei de Segurança Nacional, determinação
incorporada pela Constituição de 1967 e mantida pela Emenda Constitu-
cional nº 1, de 1969.
No dia 9 de março teve início a negociação da anistia, quando se re-
uniram em Brasília os presidentes do Senado, Petrônio Portela (Arena-
-PI) ‒ encarregado oficiosamente pelo governo de coordenar as tratati-
vas com setores da oposição ‒, e do MDB, deputado Ulisses Guimarães
(MDB-SP).195 Na Câmara, falava-se na necessidade que os executantes do
projeto distensionista tinham de equacionar o problema dos derrotados
pelo regime que haviam sido enquadrados nos dispositivos legais criados
ditatorialmente.196 A negociação foi influenciada pela anistia concedida
na Espanha aos presos políticos ‒ excetuados os culpados por “crimes
de sangue” ‒ em 11 de março, em pleno processo de transição política
naquele país.197 Alguns dias depois, o deputado Freitas Nobre (MDB-SP),
tomando o processo espanhol por referência, afirmou na Câmara que
era hora de o Brasil também anistiar os “seus marginalizados políticos”.
Ainda nesse mês, o ministro Rodrigo Otávio Jordão Ramos defendeu no
STM a revogação parcial do AI-5 para devolver aos juízes as garantias
constitucionais, que considerava inseparáveis do exercício pleno da ma-
gistratura. Em julho do mesmo ano, solicitaria àquela corte a instauração
de processo penal contra os responsáveis por torturas no caso do inqué-
rito policial-militar que envolvera o ex-deputado Marco Antônio Tavares

195
Brasil dia a dia, p. 115.
196
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Históri-
co de Debates, sessão em 22 de março de 1977.
197
A Espanha passava, nesse momento, por uma fase orientada pela mesma estratégia políti-
ca do aberturismo brasileiro: sair da ditadura franquista para uma “democracia concedida”,
de maneira suave, controlada, isenta de rupturas institucionais que pudessem colocar em
risco a ordem econômico-social. Sobre o processo político na Espanha, ver LEMUS, Encar-
nación. En Hamelin ... La transición española más allá de la frontera, op. cit. Visões diferen-
tes, de perspectivas conservadoras, podem ser encontradas em DUPAS, Gilberto (Org.). A
transição que deu certo: o exemplo da democracia espanhola. Trad. Martha Soares Cirne de
Toledo e José Eduardo de Faro Freire. São Paulo: Trajetória Cultural, 1989.
228 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Coelho – ligado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) –, mas seu pedi-


do seria rejeitado. 198
Simultaneamente, o governo prosseguia na batalha institucional, jogan-
do na cena política um projeto de reforma do poder Judiciário. Havia na
iniciativa um sentido profundo, nem sempre percebido pelos analistas, que
era o de, dando prosseguimento ao processo de transição, dotar o regime
de recursos para automodificar-se, por meio do partido governista, exe-
cutando reformas constitucionais. Para isso, pretendia-se amenizar o quó-
rum exigido para a aprovação de emendas, que passaria de dois terços para
maioria absoluta. Desde as eleições de 1974, a Arena não controlava dois
terços nas duas casas do Congresso, embora detivesse nelas a maioria abso-
luta. Este quadro poderia manter-se, ou mesmo agravar-se, especialmente
no Senado, com os resultados das eleições gerais previstas para 1978, de alto
valor estratégico para o projeto de distensão, porque forneceria as bases da
legitimação do sucessor do general Ernesto Geisel. Também relacionadas
a isso, as eleições de governadores em 1978 eram fonte de preocupação,
porque, de acordo com a Constituição, deveriam ser diretas. A correlação
de forças no Congresso determinava, portanto, que, para que ela própria
fosse modificada, se contasse com a colaboração do MDB. Este, porém,
embora dividido em relação aos rumos de transição política ‒ como, aliás,
permaneceria até o seu fim ‒, entendia que não se deveria fazer a reforma
antes da extinção dos instrumentos do “arbítrio”, como o AI-5 e a Lei de
Segurança Nacional, e não concedeu o favor que o governo, por meio do
senador Petrônio Portela, lhe solicitou.
O uso do fato de que o MDB vinha impedindo a aprovação do projeto
de reforma do Judiciário como justificativa para um ato de força como o fe-
chamento do Congresso, no dia 1º de abril, e a decretação, em seguida, das
mudanças pretendidas não constituiu propriamente um pretexto, como à
época foi entendido pela oposição à ditadura.199 Tampouco representou um

198
COITINHO, Angélica do Carmo. “O Superior Tribunal Militar durante a ditadura brasi-
leira: a atuação do Ministro General de Exército Rodrigo Otávio Jordão Ramos (1973-1979)”.
Disponível em: <http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1282589987_
ARQUIVO_AngelicadoCarmoCoitinho_OSuperiorTribuna.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2013.
Da mesma autora: Sob a toga e a farda: o ministro general de exército Rodrigo Octávio Jor-
dão Ramos no Superior Tribunal Militar (1973-1979). Dissertação (Mestrado em História)
– Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
199
É muito ampla a literatura que trata deste tema, mas pode-se afirmar que boa parte dela
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 229

retrocesso no curso da transição política. Decerto, um caminho de mais


baixo custo político, como o voto favorável do MDB, teria sido preferível
para os dirigentes do regime. Entretanto, estava em jogo a segurança do
processo de distensão, e isso explica cabalmente o conjunto de medidas que
constituíram aquilo que ficaria conhecido como “Pacote de Abril”.200
Reivindicando poderes conferidos ao presidente da República pelo Ato
Institucional nº 5, o general Geisel decretou, no dia 13 de abril, uma modi-
ficação no texto constitucional em vigor.201 A Emenda Constitucional nº 7
alterou diversos itens da Carta que tratavam de assuntos pertinentes ao po-
der Judiciário. No dia seguinte, promulgou a Emenda Constitucional nº 8,
que tornou indireta a eleição dos futuros governadores e vice-governadores
e ampliou o colégio eleitoral que os sufragaria, com a inclusão de represen-
tantes dos municípios; modificou os critérios de representação na Câmara
dos Deputados, conferindo mais peso aos estados pequenos, onde a Arena
tendia a ser majoritária, em detrimento dos estados considerados grandes,
cujo eleitorado era geralmente favorável ao MDB; definiu que o preenchi-
mento de uma das vagas na renovação dos dois terços do Senado se faria
mediante a eleição indireta,202 pelo sufrágio do colégio eleitoral constituído
para a escolha do governador do estado; reduziu o colégio eleitoral para a
eleição do presidente da República, cujo mandato passou de cinco para seis
anos; aumentou as dificuldades para a apresentação de propostas de emen-
da constitucional, de maneira a reservá-la ao partido situacionista, ainda
majoritário no Congresso; e diminuiu o quórum exigido para a sua aprova-
ção, de dois terços para maioria absoluta, em vista da progressiva redução
da sua preponderância nas duas casas. Merece especial destaque a alteração

entende o “Pacote de Abril” como apenas um pretexto para a adoção de medidas duras ou
um retrocesso no processo distensionista.
200
Uma boa análise das reformas é a que se encontra em ALVES, Maria Helena Moreira.
Estado e Oposição no Brasil (1964-1984), p. 192-196.
201
Sobre aspectos técnicos das emendas, ver JACQUES, Paulino. As emendas constitucionais
n. 7, 8 e 9 explicadas. Rio de Janeiro: Forense, 1977.
202
Os senadores eleitos indiretamente foram apelidados pela oposição, jocosamente, de
“biônicos”, em alusão ao seriado “O homem biônico” (também conhecido no Brasil como
“O Homem de seis milhões de dólares”, do nome original em inglês, “The Six Million Dollar
Man”), apresentado na televisão, cujo protagonista havia sido “reconstruído” após um aci-
dente e seu braço direito, as pernas e o olho esquerdo, substituídos por peças cibernéticas
ou “biônicas”. Em suma, a metáfora sugeria que o laboratório da ditadura produzira um
Frankenstein político.
230 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

que esta emenda operou no estatuto das polícias militares, cujos membros
passaram a ser julgados por tribunais militares especiais, compostos de ofi-
ciais da própria corporação. Maria Helena Moreira Alves percebeu o al-
cance desta medida para a consolidação do aparato repressivo da ditadura:

A Emenda n. 7, posteriormente transformada em decreto, resultou numa


situação de quase total impunidade para membros da Polícia Militar. Os
policiais militares acusados de crimes, inclusive homicídio, são julgados em
tribunais especiais compostos de oficiais da própria Polícia Militar. Tais cri-
mes são jugados no Tribunal Militar do Estado, e não nos tribunais civis.
Os resultados dos julgamentos, além disso, são considerados sigilosos, fora
do alcance do público. Embora somente em 1980 e 1981 tenha havido um
total de 2.533 denúncias no Tribunal Militar de São Paulo, por exemplo,
com 300 pessoas mortas por policiais militares na capital, nem uma única
condenação foi publicamente anunciada.203

A autora atribui essa mudança constitucional à necessidade que o go-


verno, no quadro de liberalização em curso, tinha de “aplacar os setores da
linha dura”, que “exigiam controles mais permanentes sobre o Judiciário”.204
É uma hipótese razoável para explicar movimentações táticas de Geisel na
conjuntura, mas não se pode perder de vista o fato de que o grupo que
sustentava o projeto de distensão política ‒ os “castelistas” ‒ também con-
feria grande importância à instituição de certos graus de autonomia dos
aparelhos de repressão. A própria visão de Alves vai nessa direção, quando
aponta a ditadura como o momento de construção de um Estado de Se-
gurança Nacional que sobreviveria a ela,205 como, de resto, se comprova
pela permanência da autonomia jurídica das polícias militares no campo
criminal, que continua na órbita da Justiça Militar, questão candente da
pauta política atual.
Ainda no dia 13 de abril, o governo baixou também decretos-leis sem
relação direta com a reforma eleitoral: o Decreto-lei nº 1.534 assegurou
a prorrogação de locações residenciais; o Decreto-lei nº 1.535 alterou o
capítulo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) relativo às férias e,

203
Nota n. 12, op. cit, p. 192.
204
Ibidem.
205
Idem, p. 315.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 231

entre outras providências, garantiu aos empregados o recebimento, quan-


do no gozo delas, da remuneração que lhe fosse devida na data da sua
concessão e lhes facultou converter um terço do período de férias em
abono pecuniário;206 o Decreto-lei nº 1.536 reajustou os vencimentos dos
servidores das secretarias do Tribunal Federal de Recursos e do Conselho
da Justiça Federal, entre outras providências, e o Decreto-lei 1537 isentou
do pagamento de custas e emolumentos a prática de quaisquer atos, pelos
ofícios e cartórios de Registro de Imóveis, de Registro de Títulos e Docu-
mentos e de Notas, relativos a solicitações feitas pela União.
No dia seguinte, o chefe do Executivo militarizado voltou a legislar
sobre a reforma política e promulgou: o Decreto-lei nº 1.538, que alterou
o Código eleitoral no tocante à propaganda, ao estender as disposições
restritivas da Lei Falcão às eleições municipais e estaduais; o Decreto-lei
nº 1.539, que regulou a composição e o funcionamento do colegiado que
elegeria o presidente da República; o Decreto-lei nº 1.540, que definiu a
composição e o funcionamento do colégio eleitoral que elegeria os go-
vernadores; o Decreto-lei nº 1.541, que estendeu às eleições de senadores
e prefeitos o instituto da sublegenda, implantado em 1966 como forma
de acomodar as diversas correntes políticas situacionistas no sistema bi-
partidário instituído pelo Ato Institucional nº 2, do ano anterior; o De-
creto-lei nº 1.542, que modificou a legislação eleitoral no tocante às ine-
legibilidades; e o Decreto-lei nº 1543, que regulou a eleição do “senador
indireto”. No dia 15, a pena ditatorial descansou e o Congresso Nacional
foi reaberto.
Em 19 de abril, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), em nota de protesto contra o “Pacote de Abril”, exigiu a convocação
de uma assembleia nacional constituinte como única forma de empreender-
-se a reforma constitucional abrangente de que o país estaria carecendo.207
No dia 27, o deputado Fernando Coelho (MDB-PE), preocupado, já, com
as condições em que seriam eleitos os constituintes, defendeu a decretação
da anistia como, juntamente com a revogação do AI-5, precondição para a

206
Este decreto introduziu o “abono pecuniário de férias” na CLT (Decreto-lei nº 5.452, de 1º
de maio de 1943). Significativamente, pois foi baixado quando sindicatos de trabalhadores
começavam a se mobilizar contra a política salarial do regime ditatorial, teve o início de
vigência marcado também para 1º de maio, Dia do Trabalhador, ao contrário dos demais,
que começariam a vigorar de imediato, na data da sua publicação.
207
KINZO, Maria D’Alva Gil. Oposição e autoritarismo, p. 191.
232 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

convocação da assembleia, no seu entender, a única saída democrática para


a crise institucional que o país estava atravessando.208
Na madrugada do dia 28 de abril, seis pessoas foram detidas pelo Departa-
mento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS/SP), quando
distribuíam no ABC ‒ região de forte concentração operária do estado de São
Paulo, formada pelos municípios de Santo André, São Bernardo/Diadema e
São Caetano – panfletos com críticas ao governo e proclamações sobre a si-
tuação dos trabalhadores e as comemorações do Dia do Trabalhador em 1º de
maio próximo. Membros da organização socialista clandestina Liga Operária,
Celso Giovanetti Brambilla, José Maria de Almeida, Márcia Basseto Paes, Ade-
mir Mariri, Fernando Antonio de Oliveira Lopes e Anita Maria Fabri foram
enquadrados na Lei de Segurança Nacional e mantidos incomunicáveis por
dez dias.209 No mesmo dia, a assembleia geral da ABI decidiu enviar ao general
Geisel pedido de anistia geral a todos os presos políticos.210
O episódio da prisão estimulou a organização de jornadas pela anistia,
que deram origem, em reunião na Pontifícia Universidade do Rio de Janei-
ro (PUC-RJ), ao Comitê 1º de Maio pela Anistia,211 cuja composição incluía
estudantes, profissionais liberais, jornalistas, advogados, artistas, religiosos,
e, ao longo do ano, abriria seções em vários estados. Por iniciativa de es-
tudantes cariocas, seriam realizadas “Semanas pelos Direitos Humanos” e
“Dias Nacionais de Protesto e Luta pela Anistia”, que se multiplicariam em
manifestações em várias cidades do país, exigindo a libertação dos presos
e a anistia ampla, geral e irrestrita. Também em 1977, estudantes e profis-
sionais liberais lançaram o Movimento pela Anistia em Pernambuco, que
passaria a desenvolver trabalhos de assistência social às famílias dos presos
políticos, a divulgar denúncias de desrespeito aos direitos humanos e a fa-
zer propaganda em defesa da anistia ampla e irrestrita.
Respondendo ao ascenso dos movimentos estudantil e pela anistia, em
9 de maio o Ministério da Justiça proibiu, em todo o país, quaisquer mani-
festações coletivas que envolvessem passeatas ou concentrações de protesto
em logradouros públicos, bem como outros tipos de demonstrações que

208
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Históri-
co de Debates, sessão em 27 de abril de 1977.
209
Brasil dia a dia, p. 115. Folha de S. Paulo, 10 de maio de 1977.
210
Brasil dia a dia, p. 115.
211
Ver mais informações em BENJAMIN, Iramaya. Ofício de mãe. Depoimento a Margarida
Autran. Rio de Janeiro: Marco Zero, [1982], p. 69-76.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 233

pudessem perturbar a “ordem”, conforme instruções do ministro Armando


Falcão dadas por telegrama aos governadores de todos os estados e territó-
rios.212 Nesse mesmo dia, Therezinha Zerbine apresentou na 7ª Conferência
Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), realizada em Curiti-
ba, tese intitulada “Estado de direito − direitos humanos e a necessidade
de anistia”. A comunicação, que concluía conclamando os presentes a um
pronunciamento em favor da anistia, o que representaria “uma página his-
tórica inesquecível da grandeza dos advogados brasileiros […], que sempre
serviram aos ideais do povo brasileiro”, foi aprovada por aclamação.213
Logo depois, o governo demonstrou não ter recebido muito positiva-
mente a conclamação. Em 10 de junho, o deputado Francisco Libardoni
(MDB-SC) apelou ao presidente da República para que promovesse a união
nacional por meio do estabelecimento da anistia ampla no país.214 Como
que em reposta, quatro dias depois o governo determinou a cassação do
mandato e a suspensão dos direitos políticos do deputado estadual Mar-
cos Tito, do MDB mineiro, autor, 21 dias antes, de discurso que seu colega
arenista Sinval Boaventura (Arena-MG) denunciou ter conteúdo idêntico a
um manifesto do Partido Comunista Brasileiro (PCB) publicado pelo jor-
nal Voz Operária, seu porta-voz clandestino.215
A inclusão da anistia no conjunto de medidas redemocratizadoras exi-
gidas do governo prosseguiu durante o mês de junho. No dia 21, o deputa-
do Ademar Santillo (MDB-GO) instou o general Geisel a conceder “anistia
ampla aos proscritos da vida pública”, revogar os instrumentos de exceção e
convocar imediatamente uma assembleia constituinte.216 Três dias depois, o
deputado Olivir Gabardo (MDB-PR) apresentou projeto concedendo “anis-
tia ampla e irrestrita aos estudantes que, a partir de janeiro de 1977 e até a
data da publicação desta lei, sofreram ou venham a sofrer qualquer cons-
trangimento em face da participação em manifestações não consentidas,
coletivas ou individuais, nos ‘campi’ universitários ou fora deles”. Visava,
em especial, os estudantes envolvidos na realização de encontros nacionais

212
Folha de S. Paulo, 10 de maio de 1977.
213
Reproduzida em ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., p. 161-174.
214
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Históri-
co de Debates, sessão em 10 de junho de 1977.
215
Brasil dia a dia, p. 115.
216
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Históri-
co de Debates, sessão em 21 de junho de 1977.
234 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

em Belo Horizonte e São Paulo. Na mesma sessão, o deputado Humberto


Lucena (MDB-PB) também se pronunciou pela anistia aos estudantes, alvo
de legislação repressora que devia ser revogada.217
Assentada a poeira levantada pelo “Pacote de Abril”, o governo, sempre
com Petrônio Portela à frente, retomou as negociações políticas com a oposi-
ção parlamentar e entidades da sociedade civil, como a OAB e a ABI. Cerca
de dois meses depois de ter ocorrido em Porto Alegre, ainda em abril, a pri-
meira manifestação pró-anistia em praça pública,218 a mão pesada ‒ embora
distendida ‒ da ditadura se fez presente de novo em fins de junho, quando o
general Geisel voltou a usar o AI-5 para afastar um parlamentar da Câmara
dos Deputados. A bola da vez foi José de Alencar Furtado (MDB-PR), líder
da bancada oposicionista, que teve o mandato cassado e os direitos políticos
suspensos por dez anos. A violência foi justificada como punição pelo pro-
nunciamento feito três dias antes em programa de rádio e televisão concedi-
do ao MDB pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quando o deputado ho-
menageou parlamentares cassados, presos e exilados, bem como os cidadãos
em geral atingidos pela repressão política do regime ditatorial. Uma atitude,
talvez, “excessiva” para os sutis limites com que o governo Geisel conduzia
o projeto de abertura, que implicava o controle severo dos setores oposicio-
nistas que os ultrapassassem. E o segmento “autêntico” do MDB parecia, no
início do segundo semestre de 1977, disposto a fazê-lo em nome da exigência
de convocação de uma assembleia nacional constituinte. Aliás, no dia 29 de
julho, o diretório paulista do partido recebera um documento do MFPA que,
finalmente, instava a agremiação a assumir posição nesse sentido.
No campo governista, Petrônio Portela – a partir de dezembro, o gover-
no o reconheceria oficialmente como seu representante nas negociações
com os setores oposicionistas moderados,219 tendo início a “Missão Portela”
‒ avançou nas sondagens sobre expectativas a respeito das reformas políti-
cas que o general Geisel pretendia implantar ainda no fim do seu mandato.

Embora se conheça imprecisamente o número de pessoas ouvidas por


Petrônio sobre um esboço de reforma constitucional para posterior in-

217
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Históri-
co de Debates, sessão em 24 de junho de 1977. O Globo, Rio de Janeiro, 18 de julho de 1978.
Anistia, p. 14.
218
MARTINS, Roberto, op. cit., p. 131.
219
Idem.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 235

formação de Geisel, a fase mais decisiva desses contatos ocorreu depois


de setembro de 1977,220 quando foram colhidas as opiniões do cardeal-ar-
cebispo do Rio de Janeiro, dom Eugênio Sales, do presidente da Ordem
dos Advogados do Brasil, Raimundo Faoro, dos juristas José Eduardo
do Prado Kelly, Afonso Arinos de Melo Franco e Miguel Reale, do car-
deal-arcebispo de Porto Alegre, dom Vicente Scherer, do líder operário
Luís Inácio da Silva ‒ o Lula ‒, do presidente da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Aloísio Lorscheider, do presidente da
Confederação Nacional da Indústria, Domício Veloso, e de muitas outras
personalidades.221

Tais contatos, com interlocutores nem sempre classificáveis rigorosa-


mente como oposicionistas, se faziam ao mesmo tempo em que o governo
enfrentava uma crise militar interna, desafiadora da necessária autoridade
do general Geisel para a condução do processo de distensão.222 A crise en-
volveu o ministro do Exército, Sílvio Frota, a quem se atribuíam a condição
de líder dos segmentos militares contrários ao projeto de distensão política
– a “linha dura” da época ‒ e pretensões presidenciais. Em ato de afirma-
ção da sua autoridade como chefe militar, mais do que como presidente, o
general Geisel ‒ que já escolhera para sucessor o general João Batista Fi-
gueiredo,223 castelista de longa data e então chefe do Serviço Nacional de
Informações (SNI) ‒ o exoneraria em 12 de outubro de 1977.224

220
No dia 22 deste mês, a Polícia Militar de São Paulo, sob o comando do coronel Erasmo
Dias, invadiu a Pontifícia Universidade Católica, onde estudantes realizavam assembleia se-
creta como atividade de reorganização da União Nacional dos Estudantes (UNE). Os agen-
tes da repressão destruíram instalações, agrediram e prenderam estudantes, professores e
funcionários da universidade. ALVES, Maria Helena Moreira, op. cit., p. 207.
221
CALICCHIO, Vera. Petrônio Portela. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.), op. cit.
222
Em 1978, o jornalista Mino Carta manifestaria alívio por considerar o poder, antes divi-
dido entre “governo e sistema”, reunido “nas mãos do general Geisel, talvez o mais poderoso
de toda a nossa história republicana”. “Prefácio”. In: ALMEIDA FILHO, Hamilton. A sangue
quente. A morte do jornalista Vladimir Herzog. São Paulo: Alfa-Omega, 1986, p. XI. Em
artigo muito instigante, o também jornalista Jorge Pinheiro, então dirigente do Movimento
de Convergência Socialista, partiu da mesma premissa – de que se trata do presidente mais
poderoso dentre todos do regime ditatorial pós-64 – para classificar Geisel de bonapartista.
Ver: “Geisel já vai tarde - Um Luís Bonaparte?”. Versus, São Paulo, n. 29, p. 47, fev. 1979.
223
Ver RAMOS, Plínio de Abreu; COSTA, Marcelo. João Batista Figueiredo. In: ABREU,
Alzira Alves de et al. (Coord.), op. cit.
224
A versão do general defenestrado do governo pode ser encontrada em FROTA, Sylvio.
Ideais traídos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
236 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

No campo da militância pela anistia, o MFPA, traumatizado pelo “paco-


te de reforma do dia 1º de abril”, [quando] o país perdeu todas as esperanças
de se redemocratizar”,225 passou a apoiar a bandeira da convocação de uma
assembleia nacional constituinte.226 Apesar da natureza essencialmente po-
lítica desta posição, a presidente do movimento insistia em dissociar-se dos
campos em disputa. Em entrevista concedida em Salvador, em homenagem
ao Dia da Independência, comemorada em 2 de julho, declarou: “O movi-
mento pela anistia não tem ideologias ou jargões políticos”.227 Certamente,
ela considerava não ser ideológica a reprodução de uma narrativa histórica
cheia de clichês políticos como a que formularia adiante, em que a socieda-
de brasileira emerge com feição edênica, na qual o símbolo maior da pureza
pacifista é um militar que se notabilizou como instrumento repressivo do
conservadorismo monárquico:

Eu acredito na generosidade, na cordialidade e na inteligência de um povo


jovem, que tem o futuro pela frente. Nunca fomos barrados por ódios ou ran-
cores intransponíveis. Falam tanto nas tradições brasileiras, e basta você es-
tudar nossa história para ver quais são nossas tradições mais caras. Veja, por
exemplo, o caso do duque de Caxias, um herói nacional que se projetou e foi
reconhecido pelo povo brasileiro exatamente por ter sido um pacificador.228

Talvez também não fosse ideológica a adesão à interpretação liberal-de-


mocrática dos eventos de 1964:

Em 1964, a constitucionalidade foi quebrada e o país passou a viver na ex-


ceção. Todo mundo sabe que a ordem constitucional foi quebrada e usaram,

225
Jornal da Bahia, 1 de julho de 1977, transcrito em ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit.,
p. 102.
226
ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., p. 97 e 101.
227
O Pasquim, Rio de Janeiro, 8-14 de julho de 1977, citado em ZERBINE, Therezinha Go-
doy, op. cit., p. 8. Aliás, a presidente do MFPA fazia questão de deixar claro, também, que
não era feminista, mas, sim, “pela participação da mulher na vida econômica, social e polí-
tica do país”. Idem, p. 89.
228
Entrevista ao Diário da Tarde, Belo Horizonte, 24 de outubro de 1977, por ocasião do
Encontro das Mulheres Mineiras do MFPA, realizado na véspera na capital mineira com a
presença de cerca de 250 participantes. Reproduzida em ZERBINE, Therezinha Godoy, op.
cit., p. 119. Sobre a tradição pacifista brasileira e de Caxias, em particular, ver RODRIGUES,
José Honório. Conciliação e reforma no Brasil.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 237

para quebrar essa constitucionalidade, o argumento de que estavam defen-


dendo a democracia. Mas, passaram-se 13 anos, vamos entrar no 14º ano
e ela não foi restabelecida no Brasil, que vive na excepcionalidade, então
alguma coisa muito grave aconteceu. Houve a falta de verdade e faltar com
a verdade é a mentira, é crime contra o espírito. 229

Os trechos grifados por mim na transcrição abaixo antecipam duas


ideias que se demonstrariam fortes no curso do processo político subse-
quente. A primeira, a suposição de que a fase do regime ditatorial que vai
do golpe de 1964 à edição do AI-5 não teve caráter ditatorial230 – não foram,
portanto, “dias trágicos”. A segunda, a proposta de “anistia recíproca” lança-
da no ano seguinte, como será visto mais adiante.

Então, veio a rebelião e vivemos os dias trágicos de 68 a 75. Será que não
se aprendeu nada em todo esse tempo? Será que todo esse sacrifício foi
em vão? Sacrifício de todos os lados: de mães, de pais, de filhos, até dos
torturadores, até de quem cometeu a violência contra os outros. Porque em sã
consciência ninguém faz isso, então é hora da gente parar para pensar. São
treze anos. […] Nós, mulheres brasileiras, nós, o povo brasileiro, nós, os
cidadãos conscientes, não podemos entender como fatos passados há treze,
quatorze anos atrás ainda venham a influir como entrave do progresso e da
paz nacional.231

O fato é que, a despeito das ressalvas feitas por ela, o movimento pela
anistia implicava atitudes essencialmente ideológicas. Desde logo, pela na-
tureza dos problemas que atacava, verbalizados a partir de recursos retóri-
cos que combinavam sentimentalismo e valores liberal-democráticos:

229
Palestra na Câmara Municipal de Florianópolis, em novembro de 1977, reproduzida em
ZERBINE Therezinha Godoy, op. cit., p. 121.
230
Ver, por exemplo, VILLA, Marco Antônio. “Golpe à brasileira”, onde se afirma: “Não é
possível chamar de ditadura o período 1964-1968 (até o AI-5), com toda a movimentação
político-cultural. Muito menos os anos 1979-1985, com a aprovação da Lei de Anistia e as
eleições para os governos estaduais em 1982”. Disponível em: <http://opiniao.estadao.com.
br/noticias/geral,golpe-a-brasileira-imp-,1131917>. Acesso em: 26 ago. 2014.
231
Palestra realizada na Câmara dos Deputados [sic] de Florianópolis, Santa Catarina, no-
vembro de 1977. Instalação do núcleo do MFPA de Santa Catarina apud ZERBINE, There-
zinha Godoy, op. cit., p. 124. Grifo meu.
238 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Nós não podemos aceitar situações de injustiça, como a de não termos ha-
beas corpus, que o direito de nacionalidade seja negado aos filhos de nossos
exilados, que pessoas continuem presas depois de terem cumprido suas pe-
nas […], que cidadãos brasileiros morram fora de sua pátria, como a estu-
dante de medicina que se suicidou na Alemanha sobre os trilhos do metrô
em Colônia e nosso presidente João Goulart impedido de voltar à nossa
terra.232

Afinal, a proposta de lutar pela anistia dentro da ordem estabelecida


a levava, na prática, a reconhecer os fundamentos do regime, inclusive a
constituição do poder Executivo militarizado. Referindo-se ao general Gei-
sel, que se negava a decretar a anistia, Therezinha Zerbine se restringiu a
apontar o seu “engano de focalização”:

Porque o presidente de uma nação é o chefe político, ele é o chefe da nação


brasileira e respeitado como tal. Nós estamos num estado de excepciona-
lidade, mas que ele é o chefe da nação ninguém discute. Como chefe da
nação ele tem de atender aos reclamos da nação brasileira, composta de
cidadãos com direitos. 233

O segundo semestre de 1977 assistiu ao aprofundamento da ofensiva


em favor da anistia. Destacaram-se, neste sentido, as pressões interna-
cionais sobre o governo militar. Em 6 de julho, o abade Pierre Toulat,
secretário-geral da Comissão de Justiça e Paz de Paris, protocolou na em-
baixada brasileira carta ao general Geisel, assinada, entre outros, pelos
escritores franceses Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Michel Fou-
cault, reivindicando anistia para os presos políticos e o restabelecimento
das liberdades democráticas no Brasil.234 Em 20 de agosto, chegaram ao
Rio de Janeiro nove deputados estadunidenses para discutir com parla-
mentares e autoridades brasileiras, entre outros temas, questões relativas
aos direitos humanos.235

232
Conferência em São Paulo, 3 de julho de 1977, trecho reproduzido em ZERBINE, There-
zinha Godoy, op. cit., p. 95.
233
Conferência em Salvador, 15 de janeiro de 1977, trecho reproduzido em ZERBINE, The-
rezinha Godoy, op. cit., p. 76.
234
Brasil dia a dia, p. 90.
235
Ibidem.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 239

No front interno, cientistas reunidos na 29ª Reunião Anual da Sociedade


Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em São Paulo, aprovaram,
em 11 de julho, manifesto em que reivindicavam liberdades democráticas,
a reintegração dos colegas atingidos pelos atos de exceção e a anistia am-
pla.236 O governo não fez ouvidos moucos e, ainda que na direção contrária
à pretendida pelos cientistas, respondeu aos apelos, prendendo, em 27 de
julho, o escritor Renato Tapajós, em decorrência da publicação de um livro.
O episódio, emblemático da falta de critério com que, frequentemente, a
burocracia repressiva do regime funcionava, merece ser destacado:

Em 1977, a Alfa-Omega, uma editora de oposição ao regime militar, publicou


Em câmara lenta, de Renato Tapajós. Foi a primeira obra nacional, produ-
zida por um escritor que atuou em um grupo da esquerda armada, a trazer
uma reflexão crítica sobre as estratégias da guerrilha e a denunciar o emprego
brutal da tortura pela repressão. O autor participara da Ala Vermelha, um
agrupamento urbano de influência maoísta que empreendeu ações armadas,
e por isso cumpriu pena de 1969 a 1974. Divulgado por todo o Brasil, o livro
despertou a fúria de setores conservadores e levou a um episódio inusitado:
em julho de 1977, Tapajós foi preso em São Paulo e ficou dez dias incomu-
nicável, sob a acusação de que Em câmara lenta era “instrumento de guerra
revolucionária”. Isso apesar de o livro não ter sido proibido e não ter, do ponto
de vista legal, nenhum empecilho à sua circulação. Somente 15 dias depois da
prisão de Tapajós, a obra foi censurada e sua venda, proibida.237

Também em julho, foram presas dezessete pessoas acusadas de pertencer


ao Movimento pela Emancipação do Proletariado (MEP), organização co-
munista clandestina.238 Em 3 de agosto foi sequestrado no Rio de Janeiro o ar-
gentino Norberto Haberger, dirigente da organização peronista Montoneros
e editor do diário Noticias. A ação teria sido planejada por oficiais argentinos

236
MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os brasileiros, p. 132.
237
MAUÉS, Eloisa Aragão. “Em câmara lenta”, de Renato Tapajós: a história do livro, ex-
periência histórica da repressão e narrativa literária. Dissertação (Mestrado em História)
– Universidade do Estado de São Paulo, São Paulo, 2008. Resumo.
238
“Julgamento do MEP mostra a farsa da reorganização partidária”. Anistia, Rio de Janeiro,
n. 2, nov./dez. 1978. Sobre a organização, ver BENONI, Nilson Benoni; COELHO, Franklin
Dias. Movimento pela Emancipação do Proletariado. In: ABREU, Alzira Alves de et al.
(Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930, op. cit.
240 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

e o militante, “brutalmente torturado por los brazileños, antes de ser enviado


a Buenos Aires”.239 Segundo o portal argentino Por la Memoria, la Verdad y la
Justicia, a detenção foi executada por agentes da Operação Condor.240

2.5 O Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA)

Em novembro de 1977, os presos políticos do presídio de Itamaracá (PE)


iniciaram uma nova greve de fome, que duraria dezessete dias. O movi-
mento voltava a exigir o fim do isolamento carcerário de Carlos Alberto
Soares e Rholine Sonde Cavalcante. Protestavam, também, contra a censu-
ra a livros, as torturas a que os presos comuns eram submetidos e à revista,
que consideravam imoral e humilhante, à qual eram obrigados a passar
seus familiares em dias de visita. A greve alcançou alguma repercussão,
levando o presidente do Comitê Executivo da Anistia Internacional, Tho-
mas Hammarberg, a dar uma declaração à imprensa brasileira: “As leis bra-
sileiras não estão alinhadas com os estatutos básicos internacionais. Aqui
se violam legalmente a Declaração dos Direitos do Homem, de 1948, e a
Convenção Internacional de Direitos Políticos e Civis, de 1966. Uma das
armas básicas contra a ditadura é o habeas corpus, que nem mesmo existe
para os brasileiros”.241
Depois de violenta repressão a manifestações estudantis na capital pau-
lista, professores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
(USP), a pretexto de homenagear o sesquicentenário dos cursos jurídicos
no Brasil, deram a público, em 8 de agosto, um documento a que chama-
ram “Carta aos Brasileiros”. Redigido e lido pelo jurista e professor Goffre-
do da Silva Teles Jr., o documento defendia o Estado de direito e pregava a
convocação de uma assembleia nacional constituinte soberana.242 Alguns
dias depois, durante a comemoração da mesma data no Superior Tribunal
Militar (STM), o ministro general Rodrigo Otávio Jordão Ramos voltou a

239
Disponível em: <http://www.desaparecidos.org/arg/victimas/h/habbeger/>. Acesso em:
4 out. 2013.
240
Sobre a Operação Condor, ver DINGES, John. Os anos do condor. Uma década de ter-
rorismo internacional no Cone Sul. Trad. Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das
Letras, 2005.
241
Diário de Pernambuco, Recife, 11 de novembro 1977.
242
Brasil dia a dia, p. 115.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 241

defender o retorno do Estado de direito “em sua globalidade” e “legitimado


por instrumento constitucional adequado”.243 Foi neste diapasão que, no dia
24 seguinte, o deputado Lidovino Fanton (“autêntico” do MDB gaúcho)
se pronunciou na Câmara exortando o seu partido a adotar, como passo
preparatório para a convocação de uma assembleia nacional constituinte, a
luta pela anistia ampla e total e a abolição de todos os instrumentos de ex-
ceção.244 Uma semana depois, o deputado Alcides Franciscato (Arena-SP)
também defendeu a anistia ampla aos “punidos da Revolução”, mas esta-
beleceu exceção para “os considerados subversivos, terroristas ou corrup-
tos”,245 o que, se fosse levado a sério, excluiria do benefício, praticamente,
todos os atingidos pela repressão política, enquadráveis pelo Estado dita-
torial em uma dessas categorias, quando não em mais de uma. No dia 5 de
setembro, o deputado Florim Coutinho (“chaguista” do MDB-RJ) voltou a
apresentar projeto de anistia, que, dentro do seu próprio partido, foi consi-
derado inconstitucional e tecnicamente defeituoso, sendo rejeitado.
Haveria, também, quem optasse por dar ênfase à perspectiva da anistia
como instrumento de reconciliação nacional. No dia 8 de setembro, o depu-
tado Walter Silva (MDB-RJ) denunciou a existência de uma “plutocracia” no
país e defendeu a ideia de que a concessão de uma anistia ampla e irrestrita
seria uma demonstração do interesse do governo pela conciliação nacional,
uma vez que a nação brasileira estaria reclamando por aquele passo na busca
da normalidade institucional e política. No dia 13, foi a vez do deputado Al-
cides Franciscato dirigir ao presidente da República novo apelo em favor da
anistia e, agora, também da extinção do AI-5. No dia seguinte, o deputado
Frederico Brandão (MDB-SP) defendeu a concessão da anistia como cami-
nho de reconciliação nacional, apresentando-a como pressuposto maior do
estabelecimento de uma sociedade nova, pluralista e democrática.
Reunida nesse mesmo dia 14, a Convenção Nacional Extraordinária do
MDB finalmente assumiu a campanha pela assembleia nacional constituin-
te e a anistia, marcando “uma clara posição contra a proposta de diálogo

243
Ibidem. MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os brasileiros, p. 132.
244
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Históri-
co de Debates, sessão em 24 de agosto de 1977.
245
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Históri-
co de Debates, sessão em 30 de agosto de 1977.
242 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

do governo”.246 Dois dias depois, na Câmara,247 o deputado Gamaliel Gal-


vão (MDB-PR) denunciou como arbitrária a prisão do jornalista Lourenço
Diaféria – enquadrado na Lei de Segurança Nacional por ter publicado na
Folha de S. Paulo a crônica “Herói. Morto. Nós”, que foi considerada ofen-
siva às Forças Armadas – e anunciou a realização do primeiro “ato cívico
pró-anistia e constituinte”, em Peabirú (PR).
A campanha oficial do MDB pela convocação da constituinte foi inau-
gurada em 20 de setembro.248 Em 17 de outubro, o deputado Jorge Uequed,
do grupo “autêntico” do MDB gaúcho, defendeu a anistia como uma das
premissas básicas da Constituinte, a seu ver a “fórmula altiva e democráti-
ca” para o país chegar à liberdade e à democracia. Dois dias depois, a anistia
geral foi sustentada pelo deputado Airton Soares (MDB-SP) como forma de
garantir a participação de todos, “inclusive os alcançados pela Revolução”,
base do “verdadeiro diálogo”. Foi seguido, no dia 24, pelo deputado Ademar
Santillo (MDB-GO), para quem “a anistia ampla e total dos punidos pela
Revolução de 1964” era condição para a “redemocratização do país”.249
No dia seguinte, os militantes do Movimento pela Emancipação do
Proletariado (MEP) presos divulgaram carta aberta em que denunciavam
terem sofrido torturas nas dependências da Polícia do Exército, no Rio de
Janeiro. O porta-voz do governo, coronel José Maria de Toledo Camargo,
se declarou impressionado e, embora o comando do I Exército os des-
mentisse, o Superior Tribunal Militar (STM) aprovou por unanimidade,
em 3 de novembro, documento que solicitava às autoridades militares a

246
KINZO, Maria D’Alva Gil. Oposição e autoritarismo, p. 194. Brasil dia a dia, p. 115. MAR-
TINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os brasileiros, p. 132-133.
247
Referências do mês de setembro: Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigrá-
fico de Debates. Seção de Histórico de Debates, sessões nos dias 5, 8, 13, 14 e 16 de setembro
de 1977.
248
Brasil dia a dia, p. 115. Sempre procurando esvaziar o conteúdo político da reivindicação,
o insistente deputado arenista Alcides Franciscato voltou a defendê-la, em 6 de outubro,
para os atingidos por atos institucionais, anunciando que solicitaria ao presidente da Re-
pública a instituição do “dia do perdão”, de maneira a “promover a pacificação da família
brasileira”.
249
Em 18 de outubro, o deputado Ernesto de Marco (MDB-SC) defendeu a anistia, mas se
anunciou disposto a aceitar a “revisão das punições impostas no período revolucionário”
no âmbito da “abertura política”. Referências do mês de outubro: Câmara dos Deputados.
Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Histórico de Debates, sessões em 5,
6, 17, 18. 20 e 24 de outubro de 1977.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 243

apuração das denúncias de tortura feitas por réus da Justiça Militar.250


Em novembro de 1977, o general Rodrigo Otávio Jordão Ramos viajou a
Buenos Aires como delegado do STM ao Simpósio de Juízes Militares do
Continente, ocasião em que sugeriu a criação de uma convenção inter-
nacional para assegurar condições de combate eficaz ao terrorismo. De
volta ao Brasil, pronunciou-se em defesa de eleições diretas para todos os
níveis de representação e da reforma de todas as leis políticas, como a Lei
de Segurança Nacional (LSN), a Lei Orgânica dos Partidos, a “Lei Falcão”
e a Lei de Greve.251
A resposta dos setores mais direitistas do regime veio logo, na voz do
deputado Eduardo Galil (Arena-RJ), que, no dia 8, acusou o MDB de de-
fender a assembleia nacional constituinte visando exclusivamente a conces-
são de anistia aos exilados políticos brasileiros.252 Na mesma linha, em 5 de
dezembro o deputado José Bonifácio (Arena-MG) manifestaria oposição à
anistia para os “criminosos subversivos”.253
O general Geisel, contudo, precisava administrar as diferenças no seu
próprio campo e tranquilizar os setores que apoiavam o projeto de dis-
tensão via reformas graduais. Em 1º de dezembro, discursou em Brasília
para líderes da Arena, prometendo a substituição das leis de exceção por

250
Brasil dia a dia, p. 90. Em fins de outubro de 1977, presas políticas da Penitenciária Ta-
lavera Bruce, no subúrbio carioca de Bangu, entraram em greve de fome para conseguir
que fossem transferidas para o Complexo Penitenciário Frei Caneca, no centro da cidade.
Antes disso, haviam tentado por diversos meios, inclusive a intermediação de parlamentares
do MDB, convencer as autoridades penitenciárias de que não desfrutavam, onde estavam
reclusas, de segurança física nem garantia de seus direitos. Obtiveram a solidariedade, na
forma de greves de fome, dos presos políticos da penitenciária Frei Caneca e da ala mas-
culina da penitenciária de Bangu, bem como dos detentos da Penitenciária Lemos Brito,
em Salvador. Contudo, no dia 12 de novembro, o movimento foi suspenso, sem que as rei-
vindicações fossem atendidas. WOITOWICZ, Karina Janz. Lutas e vozes das mulheres na
imprensa alternativa: a presença do feminismo nos jornais Opinião, Movimento e Repórter
na década de 1970 no Brasil. In: ______. (Org.). Histórias & memórias da comunicação no
Brasil. Ponta Grossa, PR: Ed. UEPG, 2009, p. 42. Jornal do Brasil, 13 de novembro de 1977;
VIANA, Gilney Amorim e CIPRIANO, Perly. Fome de liberdade: a luta dos presos políticos
pela anistia, p. 44.
251
“Rodrigo Otávio (1)”. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário Histórico-
-Biográfico Brasileiro Pós-1930, op. cit.
252
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Históri-
co de Debates, sessão em 8 de novembro de 1977.
253
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Históri-
co de Debates, sessão em 5 de dezembro de 1977.
244 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

salvaguardas constitucionais.254 Como que em resposta, no dia 7 o gene-


ral Rodrigo Otávio reiterou a defesa que vinha fazendo, no recinto do
Superior Tribunal Militar (STM), da “revogação dos atos institucionais e
outras antileis casuísticas de caráter excepcional”.255 No dia seguinte, tal-
vez confiando em desdobramentos positivos desse discurso, os presos po-
líticos do presídio de Itamaracá (PE) suspenderam o movimento grevista,
após a Comissão de Direitos Humanos do MDB anunciar que obtivera
das autoridades a promessa de que a reivindicação seria estudada. Três
meses passados sem que nada mudasse na condição dos companheiros, a
greve seria retomada.
No final do ano de 1977, realizou-se em São Paulo, de 8 a 10 de dezem-
bro, o Encontro Nacional dos Núcleos de Anistia, promovido pelo MFPA e
reunindo representantes dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bah-
ia, Pernambuco, Ceará,256 Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná,257 Pa-
raíba e São Paulo, além de Francisca Brizola Rotta − irmã do ex-governador
e ex-deputado federal Leonel Brizola −, Maria Augusta Oliveira, esposa de
David Capistrano da Costa − “desaparecido” havia três anos −, e diversos
observadores. Na abertura dos trabalhos, Therezinha Zerbine afirmou que
o MPFA exigia “a explicação para os incontáveis desaparecimentos”. Em
seguida, foram feitas várias denúncias de violências contra presos políti-
cos.258 Discutindo a organização do movimento, as delegadas deliberaram

254
Brasil dia a dia, p. 116.
255
Brasil dia a dia, p. 116. Sobre as contradições políticas no interior do STM, ver OLIVEI-
RA, Eliezer Rizzo de. “Conflitos militares e decisões políticas sob a presidência do general
Geisel (1974-1979)”.
256
Ver SOUZA, André Pinheiro de. Do Movimento Feminino pela Anistia (MFPA-CE) ao Co-
mitê Brasileira pela Anistia (CBA-CE): as motivações e os caminhos percorridos pela anistia
política no Ceará (1975 a 1980). Dissertação (Mestrado em História e Culturas) – Universi-
dade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2012.
257
Sobre a luta pela anistia neste estado, ver: CONRADI, Carla Cristina Nacke. “Por uma
história das mulheres no Paraná: o Movimento Feminino pela Anistia e sua concepção do
feminino”. Seminário Internacional Enlaçando Sexualidades. Salvador, 15 a 17 de maio de
2013. Disponível em: <http://www.uneb.br/enlacandosexualidades/files/2013/06/Por-uma-
-hist%C3%B3ria-das-mulheres-no-Paran%C3%A1-o-Movimento-Feminino-pela-Anistia-
-e-sua-concep%C3%A7%C3%A3o-de-feminino.pdf>. Acesso em: 6 jan. 2016.
258
Folha de S. Paulo, 9 de dezembro de 1977 apud ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., p.
128-129; Anistia, p. 13. Sobre o relacionamento entre a seção gaúcha do MFPA e políticos do
extinto Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ver Carla Simone; DIENSTMANN, Gabriel;
TRINDADE, Tatiana. Anistia ampla, geral e irrestrita, p. 74-84.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 245

que cada núcleo teria o seu regimento, balizado pelo Estatuto do MPFA,
bem como vida jurídica autônoma e diretoria própria.259 Ao final, o Encon-
tro elaborou um documento, que teve como principal responsável Neide
Azevedo, professora e presidente do núcleo paranaense do MFPA. Dizia o
texto:

No momento histórico em que a nação brasileira anseia pela redemocrati-


zação do país;
No instante em que o Exmo. Sr. Presidente da República promete devolver
ao país a sua mais alta aspiração, que é a democracia, admitindo aberta-
mente a possibilidade da eliminação da legislação de exceção, reconhecen-
do, assim, o regime de excepcionalidade existente;
Nós, mulheres brasileiras do Movimento Feminino pela Anistia, em nosso I
Encontro Nacional, firmamos o seguinte posicionamento:
Que sejamos nós, em meio ao obscurantismo dos estados de fato e do arbí-
trio, a chama da consciência nacional do Estado de direito, clamando pela
anistia política ampla, já que não existem, para estado algum, ideais mais
altos que os da justiça e da liberdade.
Acreditamos que nenhuma abertura política consequente, desde a cri-
se que instalou no país o regime de exceção, será possível sem anistia
ampla.
Acreditamos, também, que somente a Constituição com representação popu-
lar poderá restabelecer a ordem legítima, como legítima aspiração do povo.
Com base nessa crença, solicitamos ao Exmo. Sr. Presidente da República
que sejam adotadas medidas imediatas:
− Em face da abordagem da pena do exílio.
− Em face do fato de o governo negar nacionalidade aos filhos de nossos
exilados.
− Em face dos reais motivos das greves de fome dos presos políticos da
Talavera Bruce e Itamaracá.
Com certeza absoluta de que, dizendo assim, exprimimos o legítimo pen-
samento da família brasileira, nós, mulheres brasileiras do Movimento Fe-
minino Pela Anistia, perante a nação, reafirmamos neste documento histó-

259
Movimento Feminino Pela Anistia e Liberdades Democráticas, op. cit., p. 27.
246 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

rico o compromisso de não descansar enquanto nossos objetivos não forem


atingidos na sua totalidade.
E exprimimos nosso mais sincero pedido para este Natal.
Que em nenhum lar haja criança, homem ou mulher chorando a ausência
dos seus entes queridos.
Que nenhum preso político, exilado, banido, desaparecido ou atingido pe-
los atos de exceção comemore no cárcere ou no exílio a data de nascimento
de Jesus, o redentor da humanidade.
E que o gesto da assinatura da anistia passe para a história como o gesto da
redenção do Brasil.
São Paulo, 10 de dezembro de 1977.260

Fechando um ano de intensa e ampla mobilização política e abrindo


uma nova fase na luta pela anistia, também em dezembro foi criado no Rio
de Janeiro o Comitê Brasileiro pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita (CBA),
registrado em cartório como entidade jurídica de direito público, sem fins
lucrativos e de duração indeterminada. Foram trinta os sócios-fundado-
res, em sua maioria, parentes e amigos de presos políticos. O CBA, que já
existia na forma de núcleos dispersos pelo país, filiou-se imediatamente à
Anistia Internacional, sediada em Londres, ao contrário do MFPA, cuja
presidente declarou reiteradas vezes que não o fazia porque sua atividade
tinha caráter nacional.261 Algumas fundadoras da nova entidade haviam in-
tegrado o MFPA, mas, segundo Iramaya Benjamin, entenderam que já era
hora de formular objetivos mais políticos do que o de “sensibilizar o gover-
no, através dos sentimentos, de apelos à senhora do presidente, esse tipo de
coisa de mãe, de esposa e tal”.262

260
Jornal do Brasil e Diário Popular, São Paulo, 11 de dezembro de 1977 apud ZERBINE,
Therezinha Godoy, op. cit., p. 134.
261
Veja, 1 de março de 1978, p. 36; ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., p. 14-15, 175. Em
entrevista concedida em novembro de 1978 durante viagem a Portugal, Therezinha Zerbine
não incluiu o CBA ou qualquer outro comitê pela anistia no rol de “outros movimentos” e “ou-
tras organizações” a que o MFPA teria dado origem e agora o apoiavam. Diário de Lisboa, 20
de novembro de 1978 apud Therezinha Godoy, op. cit., p. 237. Apenas em 1979, faria menção
pública a eles: “Em 1978, como cogumelos depois da chuva, começaram a pipocar os comitês
de anistia e de direitos humanos. Isto, para nossa felicidade e alegria”. Idem, p. 248.
262
BENJAMIN, Iramaya. Ofício de mãe, p. 70. A autora cita, como organizadores do CBA,
além dela mesma, as advogadas Eni Raimundo Moreira e Ana Maria Müller, o advogado
Arthur Müller e a ex-professora Josefa Magalhães e Silva, entre outras pessoas.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 247

Segundo o seu estatuto,263 os principais objetivos do CBA eram: traba-


lhar pacificamente e dentro das leis do país pela anistia plena; concorrer
para o conhecimento, discussão e resolução dos problemas referentes à
anistia; elaborar estudos teóricos sobre a anistia visando a sua aplicação
prática; concorrer para o aprimoramento das instituições democráticas,
notadamente aquelas empenhadas em pugnar pela adoção de medidas que
promovessem a anistia; trabalhar em prol de uma legislação que regula-
mentasse a anistia. Para atingir os seus fins, o CBA, ainda segundo as regras
estatutárias, poderia promover, para seus membros e/ou pessoas interessa-
das, reuniões, cursos, seminários e conferências sobre temas relacionados
aos vários aspectos e fatores relacionados à anistia. Por meio de comissões
de trabalho, poderia prestar assessoria a entidades e organismos, colaborar
com instituições que lutassem por causas afins, realizar levantamentos so-
bre as condições dos presos políticos nas prisões, criar órgãos de divulga-
ção do seu trabalho, organizar e manter um serviço de documentação etc.
Sempre de acordo com o estatuto, a entidade seria mantida por um fun-
do social, constituído por contribuições estatutárias de seus membros; por
rendas provenientes de serviços de assessoria prestados a entidades e orga-
nismos ligados à questão da anistia, dos direitos humanos e das liberdades
democráticas; por auxílios ou subvenções e ainda por doações e legados de
indivíduos ou instituições afins. Os membros do CBA poderiam ser efe-
tivos, honorários e remidos. Efetivos eram aqueles que, identificando-se
com os objetivos da entidade, associaram-se a ela. Honorários, os eleitos
como tais por Assembleia Geral, a partir de proposta de membros efeti-
vos. E remidos, aqueles que, por decisão da assembleia, fossem liberados de
qualquer contribuição financeira, em virtude de contribuições monetárias
ou materiais expressivas.
Os membros reunidos formavam a Assembleia Geral, órgão superior
do CBA, que tinha poderes, dentro dos limites estatuários, para tomar toda
e qualquer decisão mediante o voto. A Assembleia deveria reunir-se, ordi-
nariamente, uma vez ao mês e, extraordinariamente, quando convocada
por 1/3 de seus membros ou pela diretoria. Esta era eleita pela Assembleia

263
Estatuto do CBA-RJ de 02/01/1978. A síntese que se segue está baseada em LUNA, Cristi-
na Monteiro de Andrada. O Comitê Brasileiro pela Anistia e a campanha pela anistia ampla,
geral e irrestrita. Monografia (Bacharelado em História) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2004, p. 25-27.
248 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Geral, com mandato de dois anos, e se constituía de cargos efetivos − pre-


sidente, secretário e tesoureiro − e um membro suplente. Aos membros da
diretoria eram destinadas funções específicas. Ao presidente, por exemplo,
cabia convocar a diretoria; representar a entidade; empossar a nova dire-
toria eleita pela assembleia. Ao secretário cabia substituir o presidente em
caso de ausência ou impedimento; encarregar-se dos serviços de documen-
tação e informação, mantendo atualizada a correspondência e o arquivo da
entidade; assinar com o presidente a correspondência do CBA e as cotas de
participação dos membros; lavrar as atas das assembleias gerais e, por fim,
manter o livro de registros do patrimônio da entidade, nele lançado aquisi-
ções, doações, alienações ou baixas. Já ao tesoureiro cabia o que fosse rela-
tivo à administração financeira, o que incluía receber as cotas dos membros
e as doações e subvenções destinadas ao CBA e autorizar as despesas da en-
tidade. Todos os cargos eletivos eram exercidos sem qualquer remuneração
ou bonificação. A primeira diretoria foi integrada por Eni Raimundo Mo-
reira (presidente), Francisca Abigail Barreto Paranhos (secretária) − ambas
advogadas e parentes de atingidos por atos da ditadura, além de provenien-
tes do Movimento Feminino pela Anistia −, Iramaya Queirós Benjamin
(tesoureira) − mãe de dois ex-presos políticos, então exilados na Europa − e
Artur Carlos da Rocha Müller (suplente), também advogado.
O CBA tinha o propósito de lutar pela anistia plena e universal para
todas as pessoas atingidas pelos atos institucionais baixados após 1964. De-
veria atuar em nível nacional e de forma independente, mas sempre bus-
cando alianças com as demais entidades voltadas para o mesmo fim, como
o Movimento Feminino pela Anistia, o Comitê 1º de Maio pela Anistia, a
Pontifícia Comissão de Justiça e Paz e a Anistia Internacional. A entidade
pretendia, de imediato, obter vitórias pontuais − passaportes para os exila-
dos; melhoria nas condições carcerárias dos presos políticos; diminuição
dos prazos de incomunicabilidade; redução, por meio de denúncias, dos
casos de “desaparecimento” de pessoas − , já que se admitia que a luta pela
anistia teria longa duração.
Em seu primeiro ato político, o CBA emitiu nota de solidariedade aos
presos políticos do Rio de Janeiro em luta contra restrições ao direito de
receber visitas.264 De acordo com a diretoria, o programa de lutas do CBA
partia de uma concepção da anistia como ato político “que extingue todos

264
Anistia, p. 14.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 249

os efeitos da pena e impõe perpétuo silêncio ao processo. Não é como o


indulto, perdão ou clemência, mas extingue o próprio ato punível ou puni-
do”. Recusava o indulto, também, por ser “uma mera concessão do poder”,
enquanto “a anistia deve ser sempre conquistada”. O CBA nascia em oposi-
ção à tese da anistia parcial, que excluía do benefício os acusados de ações
armadas contra o regime militar, porque entendia que o objetivo destes
era o mesmo daqueles que haviam sido atingidos por manifestarem ideias
políticas contrárias à situação vigente após 1964.265
O quadro político na passagem de ano foi determinado pelo processo
de sucessão do general Ernesto Geisel na Presidência da República. Ainda
no dia 31 de dezembro, ele comunicara formalmente aos seus pares na ca-
serna que o general João Baptista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de
Informações (SNI), seria o futuro presidente. A decisão abalou pretensões
políticas no interior do governo, e, no dia 3 de janeiro, o chefe do Gabinete
Militar, general Hugo Abreu, pediu demissão do cargo.266 Dois dias depois
o nome do general Figueiredo foi anunciado oficialmente, tendo como vice
Aureliano Chaves, então governador de Minas Gerais. A indicação de Fi-
gueiredo foi entendida, à época, como garantia da continuidade da política
de transição. Geisel teria precisado se impor ao Alto Comando das For-
ças Armadas, pressionando-o a promover o futuro sucessor a general de
Exército, o que lhe granjearia a “quarta estrela” simbólica que o legitimaria
perante os quartéis. Segundo o general Otávio Costa ‒ subchefe de gabinete
do ministro do Exército de 1974 a 1978 ‒ declararia, mais tarde, a opção por
Figueiredo fora uma solução absolutamente natural,

[…] até porque ele estava plenamente identificado com a visão estratégica
do presidente Geisel, com a transição, com a anistia. Era compreensível que
Geisel não quisesse correr riscos com outra escolha. E, na sua ótica, Figuei-
redo continuaria e culminaria o processo de abertura por ele iniciado. Esta-
va afinado com essa proposta e tinha a obsessão paterna do velho Euclides
Figueiredo, o mito do pai democrata.267

265
Jornal do Brasil, 14 de fevereiro de 1978.
266
O general publicou dois livros em que oferece a sua versão de diversos episódios políticos
em que esteve envolvido: O outro lado do poder (1979) e Tempo de crise (1980; edição póstu-
ma), ambos pela editora Nova Fronteira, do Rio de Janeiro.
267
Apud D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon; CASTRO, Celso (Introd.
e org.). A volta aos quartéis: a memória militar sobre a abertura. Rio de Janeiro: Relume-
250 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Mesmo havendo ainda mais de um ano de governo a transcorrer, a defi-


nição do processo sucessório estimulou especulações e antecipações. O es-
copo da anistia − ampla ou restrita, geral ou parcial, irrestrita ou condicio-
nal − era exatamente o eixo da discussão que começava a definir posições
tanto no campo da oposição quanto no do governo militar. As opiniões
tendiam a se agrupar em torno de algumas propostas básicas.
O general Geisel e seus porta-vozes insistiam em negar que o governo pre-
tendesse conceder anistia política. No dia 16 de janeiro, o ministro do Inte-
rior, Maurício Rangel Reis, declarou achar o momento oportuno para a revi-
são de alguns casos, mas ressalvou que existiam outros em que a concessão de
anistia se tornava difícil, pois envolviam participação em atos de “terrorismo”
“em que pessoas inocentes perderam a vida”.268 Falando em nome do futuro
governo, no qual exerceria o cargo de ministro da Justiça, o presidente do
Senado, Petrônio Portela, ainda descartou, no dia 29, a possibilidade de que
a anistia integrasse o conjunto de reformas políticas de que teria sido encar-
regado pelo presidente da República.269 No entanto, em inícios de fevereiro,
embora ainda sustentasse que a anistia não era assunto prioritário, já admitia:
“a questão surgirá como uma consequência de todas as mudanças políticas
que se processarão no decorrer deste ano”.270 Em 5 de março, o general João
Figueiredo, baseando-se na premissa de que o povo brasileiro não sabia vo-
tar, perguntava-se para que teria servido a “Revolução de 64” se, anistiados,
Leonel Brizola e Miguel Arraes fossem eleitos.271 Roberto de Abreu Sodré,
ex-integrante da linha dura e ex-governador de São Paulo (1967-1971), de-
fendia a revisão das punições porque “a anistia ampla iguala os injustiçados
aos que foram justiçados com as penalidades que receberam”.272 Havia quem,
no início do ano, vislumbrasse a possibilidade de que no próprio Superior
Tribunal Militar (STM), vértice do sistema jurídico do aparato repressivo do
regime, se discutisse a medida. Para a revista Veja,

-Dumará, 1995, p. 116. O general Euclides de Oliveira Figueiredo participou do movimento


insurrecional de São Paulo em 1932. Derrotado, precisou viver no exílio até 1945, quando
foi beneficiado pela anistia concedida por Getúlio Vargas. MAYER, Jorge Miguel. Euclides
Figueiredo. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasi-
leiro pós-1930, op. cit.
268
Jornal do Brasil, 17 de janeiro de 1978.
269
Idem, 30 de janeiro de 1978.
270
IstoÉ, São Paulo, 8 de fevereiro de 1978.
271
Folha de S. Paulo, 5 de março de 1978.
272
Jornal do Brasil, 30 de janeiro de 1978.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 251

o STM, que no ano de 1977 foi o fórum de sério debate sobre o problema
dos direitos humanos, em 1978 poderá ser o local mais adequado a essa dis-
cussão. E talvez acabe tornando-se o próprio tribunal das revisões. É o que
propõe o brigadeiro Délio Jardim de Matos, ministro do STM. O brigadeiro
reconhece que a Revolução cometeu muitos atos injustos e que é “chegado
o tempo de corrigi-los”, e assim entra em sintonia com o almirante Júlio de
Sá Bierrenbach, colega de tribunal: “Sempre que há uma Revolução, acon-
tecem punições justas e injustas”, disse Bierrenbach “e as injustas estão a
merecer revisões”. […] Um ponto básico para o brigadeiro é a situação dos
terroristas, que considera criminosos comuns e para os quais, portanto, não
admite a possibilidade de anistia.273

Em 18 de janeiro, importante estímulo veio de fora: o governo do gene-


ral direitista Hugo Banzer decretou anistia na Bolívia, depois de uma in-
tensa e violenta campanha de massas pela medida.274 No dia 23, o jornalista
brasileiro Flávio Tavares, preso no Uruguai desde julho do ano anterior
e um dos símbolos da campanha pela anistia, foi libertado e expulso do
país.275 Em seguida, forte ofensiva de denúncias sobre o envolvimento dos
aparelhos de segurança brasileiros em atividades de tortura seria encetada
por órgãos de imprensa.276
A tese das revisões continuava sendo criticada por setores da oposi-
ção legal. Defensor da anistia como “a maneira exequível” de “reintegrar
à sociedade os que foram punidos pelos atos institucionais desde 1964”, o
presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Raimundo Faoro,
colocou-se, em 28 de janeiro, contra a revisão:

Cogita-se de suprimir ou, em hipótese mais branda, mitigar o arbítrio. O


arbítrio pode ser eliminado com a supressão do seu mecanismo e de seus
efeitos: seria a anistia. A revisão suporia uma tarefa que roça a solução da
quadratura do círculo: seria a disciplina do arbítrio, sua domesticação,
sem removê-lo, com o risco de refiná-lo, sofisticá-lo em meias medidas,

273
Veja, 1º de fevereiro de 1978.
274
Anistia, p. 11.
275
Brasil dia a dia, p. 121. Ver TAVARES, Flávio. Memórias do esquecimento. São Paulo:
Globo, 1999.
276
Folha de S. Paulo no dia 28 de janeiro, Veja em 21 de fevereiro e Em Tempo, na edição de
1-7 de março.
252 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

no casuísmo que chamará o casuísmo em seu socorro, na cadeia intermi-


nável de expedientes.277

Os sinais emitidos pelo governo e seus grupos de apoio na direção de


uma anistia parcial encontravam resistência por parte de setores oposicio-
nistas. No dia 27 de janeiro, Therezinha Zerbine esteve em Salvador para
participar da cerimônia de posse da diretoria278 e do conselho-geral do
núcleo baiano do MPFA. Na ocasião, descartou a hipótese de aceitar uma
anistia parcial, que estaria sendo preparada pelo governo, argumentando
que “anistia e liberdade não se dão em conta-gotas”. Afirmou, ainda, que
o movimento não era ingênuo e lutava por uma anistia ampla, garantin-
do ‒ agora ‒ que ele era político e visava “ganhar consciências onde elas
estivessem”, mas, para isso, não usava “jargões políticos”, pois trabalhava
com “justiça e liberdade”: “A nós cabe manter a chama acesa, divulgando e
explicando o que é anistia, até que ela se torne realidade”.279
No entanto, a possibilidade de anistia parcial conquistou simpatia rapida-
mente no interior do MDB. Em 25 de dezembro, Tales Ramalho, secretário-
-geral do partido e deputado por Pernambuco, já afirmara que “a anistia, quer
parcial ou limitada, é o primeiro passo para a pacificação do país. Outros pas-
sos serão consequência. A pacificação do país só tem um caminho, que é o do
entendimento e o presidente Geisel revelará todas as suas virtudes de estadista
se iniciar o processo de anistia”.280 Em 28 de janeiro, o dirigente emedebista rei-
terou sua posição favorável a uma revisão ampla e irrestrita de todos os casos
de cassação de mandatos e perda de direitos políticos, mas também sua visão
“realista” de que uma anistia parcial já seria “um grande passo”.281
Neste quadro, fez-se, em 14 de fevereiro, o lançamento oficial do Comi-
tê Brasileiro pela Anistia (CBA), no auditório da Associação Brasileira de
Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro. Na ocasião, Iramaya Benjamin destacou
alguns dos objetivos práticos da entidade: levantar o número de presos,
banidos, exilados, desaparecidos, cassados e aposentados por motivos polí-

277
Jornal do Brasil, 29 de janeiro de 1978.
278
Isabel Santana (presidente), Ângela Franco (vice-presidente), Vera Motta (secretária) e
Isabela Guedes (tesoureira). Ibidem.
279
Tribuna da Bahia, Salvador, 28 de janeiro de 1978 apud ZERBINE, Therezinha Godoy, op.
cit., p. 149; Jornal do Brasil, 29 de janeiro de 1977.
280
Jornal do Brasil, 26 de dezembro de 1977.
281
Jornal do Brasil, 29 de janeiro de 1978.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 253

ticos no país, bem como de estudantes punidos pelo Decreto-Lei nº 477;282


promover um trabalho de assistência aos presos políticos e exilados, crian-
do um sistema de apoio jurídico aos mesmos etc. Informou, ainda, que a
atuação do CBA se daria de forma independente, sem, no entanto, deixar
de aceitar ações conjuntas com entidades, organizações e setores sociais fa-
voráveis à luta pela anistia e pelos direitos humanos: “Lutaremos por todas
as vítimas das leis de exceção, pois hoje toda a nação brasileira clama por
anistia ampla, geral e irrestrita”.283
O ato foi carregado de muita emoção, dada a expressiva presença de
familiares de presos, mortos e “desaparecidos” políticos. O momento sim-
bólico mais importante foi o discurso do general Peri Constant Bevilaqua,
que, como visto no capítulo anterior, fora um dos pioneiros na reivindica-
ção de anistia e afastado compulsoriamente do Superior Tribunal Militar
(STM) e do Exército em janeiro de 1969, por medida baseada no Ato Insti-
tucional nº 5, em razão do “excessivo liberalismo” com que julgava presos
políticos. Em sua peça oratória, o general retomou argumentos que vinha
esgrimindo desde, pelo menos, 1974. Apontou a anistia como “o problema
político número um do Brasil”284 e reafirmou as concepções gerais do CBA
sobre a questão, isto é, que a medida deveria ser, necessariamente, de natu-
reza ampla, geral e irrestrita, único meio capaz de “restabelecer a unidade
política e moral do povo brasileiro” e

[…] para que produza todos os benefícios de que é capaz. Não é a anistia,
como equivocadamente pensam alguns, uma medida sentimental. Não. Ela
é muito mais cerebral do que sentimental. É medida de alta sabedoria polí-
tica. Ela destina-se, em primeiro lugar, a desarmar os espíritos, a dissipar a
sementeira de ódios que as injustiças e violências provocam, a premunir as
vinditas futuras, a permitir e promover a reconciliação.285

282
O Decreto-lei nº 477, de 26 de fevereiro de 1969, definiu infrações disciplinares prati-
cadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino
público ou particulares. Vindo a ser conhecido como “o AI-5 das universidades”, o decreto
legalizou a perseguição política às categorias mencionadas.
283
BENJAMIN, Iramaya. Ofício de mãe; “Anistia”. Movimento, São Paulo, 20 de fevereiro de
1978, p. 3.
284
Citando o papa Paulo VI e o escritor católico Tristão de Ataíde, definiu a anistia como o
“problema máximo da humanidade”. Alguns dias depois, recebeu telegrama em que Tristão
lhe dizia: “Sua conferência foi magistral”. Arquivo Peri Constant Bevilaqua.
285
“O discurso do general”. Movimento, São Paulo, 20 de fevereiro de 1978, p. 4.
254 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

O espírito de reconciliação, entretanto, deveria ignorar distinções po-


líticas e ideológicas. À luz de uma difusa concepção de política, o general
borrava os matizes que diferençavam os agentes políticos cuja prática opo-
sicionista à ditadura gerara as reivindicações de anistia.

Para haver equidade, a anistia deverá abranger todos os crimes políticos


praticados por pessoas de ambos os lados. Assim, os torturadores de presos
políticos, por exemplo, deverão ser abrangidos pela anistia, mesmo que as
consequências do seu procedimento criminoso tenham sido a morte de suas
vítimas. E os subversivos − que por motivo político hajam cometido crimes
semelhantes ou atentado contra a vida, em ações ditas, geralmente, terroris-
tas − também deverão, no interesse da paz social, ser abrangidos pela anistia,
que deverá ser geral e recíproca para ser justa e poder desarmar os espíritos,
extinguir a sementeira de ódios, restaurar a unidade moral do povo brasileiro
e premunir vinditas futuras, restabelecendo a confiança e o otimismo dos ci-
dadãos e contribuindo para vitalizar as instituições nacionais.286

A posição defendida por Bevilaqua ficaria identificada pela ideia de


“anistia recíproca” e, alcançando grande repercussão política,287 viria a
constituir um polo de dissensão no interior do movimento pela anistia.288
A própria presidente do CBA, Eni Raimundo Moreira, a recusava, argu-
mentando que não se podia “falar em anistia para os acusados da prática
de tortura, porque tais crimes nunca foram punidos e não se pode anistiar
quem não chegou a ser punido”.289 Pode-se explicar o aparente paradoxo
que o convite ao general Bevilaqua ‒ defensor daquela ideia já de longo
tempo ‒ representou pela necessidade que os fundadores do CBA tinham
de ampliar o número de membros efetivos, até então reduzido a trinta pes-

286
O Estado de S. Paulo, 15 de fevereiro de 1978. Grifo meu.
287
Ver, por exemplo, Veja, 22 de fevereiro de 1978, p. 30, e 1º de março de 1978, p. 34-36; Jor-
nal do Brasil, 27 de fevereiro de 1978; IstoÉ, 1º de março de 1978, p. 12. O jornal Movimento,
ativo porta-voz de setores políticos oposicionistas, inseriu, na matéria com que noticiou o
lançamento do CBA (20/2/1978, p. 3), um bloco explicativo dos tipos de anistia em que apenas
explicou sucintamente o que significava o adjetivo “recíproca”, sem discutir suas implicações
ético-políticas. No livro de Therezinha Zerbine, transcreve-se uma entrevista em que a pre-
sidente do MFPA é instada a dar opinião a uma proposta de anistia recíproca que teria sido
formulada pelo líder trabalhista Leonel Brizola. Ver Anistia. Semente da Liberdade, p. 160.
288
Jornal do Brasil, 15 de fevereiro de 1978.
289
Veja, 1 de março de 1978.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 255

soas.290 Mais tarde, uma das fundadoras da entidade explicaria o papel do


general no evento:

Para o lançamento do comitê, procuramos chamar uma pessoa que cha-


masse a atenção. E para tratar de um tema como a anistia, ninguém melhor,
politicamente − nunca ideologicamente − do que um general que iria atrair
as atenções das autoridades sobre o assunto. Convidamos o general Peri
Constant Bevilaqua para falar nesse lançamento. É preciso prestar atenção
numa coisa: o general Peri foi o nosso convidado e muito nos honrou no
lançamento do comitê. Agora, ele foi convidado por nós para fazer uma
palestra sobre anistia; ele não pertencia, como nunca pertenceu, ao Comitê
Brasileiro pela Anistia. O modo dele pensar sobre anistia é diferente do nos-
so. Nós o convidamos porque ele era uma pessoa capaz de chamar a atenção
das autoridades, como general.291

Ainda que esposasse a tese da “anistia recíproca”, contestando, portanto, a


conveniência de responsabilizar e punir agentes do aparelho repressor do Es-
tado, o general não deixava de cutucá-los com vara curta. Em seu discurso no
lançamento do CBA, pôde, pela primeira vez publicamente, abordar o caso
do Para-Sar ‒ comentado anteriormente ‒ e pedir a “reparação dessa inquali-
ficável injustiça” cometida contra o capitão Sérgio Miranda, punido por me-
dida baseada no AI-5, porque “impediu que a sua unidade − destinada a fins
humanitários − fosse transformada em esquadrão da morte”.292 Seu zelo nesta
empreitada se estendeu ao exterior. Cerca de dois meses após o lançamento
do CBA, o Latin America Political Report publicou artigo intitulado “Brazil:
Amnesty Demand”, onde se cometia um erro factual em relação ao caso Para-
-Sar. O general Bevilaqua recorreu aos préstimos do historiador brasilianista
estadunidense John W. Foster Dulles para fazer chegar aos responsáveis pela
publicação uma nota retificadora do texto, publicada em 7 de abril.293

290
Há indicações de que, de fato, o lançamento, do qual o discurso do general Bevilaqua foi
a peça de resistência, aumentou a procura de informações sobre a luta pela anistia junto ao
CBA, que passou a receber muitas ligações telefônicas.
291
BENJAMIN, Iramaya. Ofício de mãe, p. 70.
292
O Estado de S. Paulo, 15 de fevereiro de 1978.
293
Latin America Political Report, v. XII, n. 137, April 1978. Carta de John W. F. Dulles a
Latin American Newsletters, editora do periódico, em 7 de abril de 1978. Arquivo Peri Cons-
tant Bevilaqua. Cópias do pronunciamento na ABI foram enviadas pelo general a figuras
256 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

O general Bevilaqua, embora não tendo pertencido aos quadros do


CBA, atuaria em conjunto com a entidade em diversas ocasiões. Quando
do lançamento do comitê, a sua posição externa à estrutura do órgão não
ficou clara. No exterior, por exemplo, houve quem exprimisse regozijo:
“Hoje, quando um general preside o Comitê Brasileiro pela Anistia e esta
bandeira começa a galvanizar a opinião pública nacional, nós, os exilados,
ganhamos novas forças nesta nossa longa espera”.294 O fato de ser identifica-
do frequentemente com o CBA se explica, também, pela disseminação que
a tese da “anistia recíproca” conseguiria no interior da entidade. O autor da
carta citada situa a proposta no plano da discussão da anistia no contexto
mais geral da luta contra a ditadura. No seu modo de ver − que acreditava
refletir a posição dos exilados brasileiros na França −, a anistia era

[…] apenas um aspecto da luta pelas liberdades democráticas. Que significa-


ria uma anistia que coexistisse com a manutenção do aparelho de repressão e
da legislação de exceção? Significaria apenas que os torturados e perseguidos
que buscaram a segurança do exílio poderão voltar a correr os mesmos riscos
de antes, ou renunciar às razões mesmas que os fizeram lutar […].
Que significaria uma anistia que coexistisse com a manutenção do controle
dos sindicatos, da legislação de arrocho salarial, da perseguição aos líderes
autênticos da classe trabalhadora? Significaria que os anistiados poderiam
voltar a integrar-se entre a grande população de explorados sem voz deste
Brasil de hoje.
Uma anistia que coexistisse com uma legislação sob medida para controlar
o voto popular e canalizá-lo para partidos domesticados e sem expressão;
que coexistisse com um regime onde o controle dos meios de comunicação
aliena a opinião pública; que coexistisse com governos escolhidos por su-
frágio restrito (e olhe lá) dos altos mandos [sic] das FFAA não seria muito
mais que um tapa-buraco.
[…] Se as condições forem as que descrevi (e temo que esta seja a tendên-
cia), o regime será beneficiado. Sem mudar o essencial, o “sistema” melho-

de projeção política no país, como Tancredo Neves, então deputado federal (MDB-MG).
Telegrama de Tancredo Neves em 26 de abril de 1978 e carta do general em 29 de abril de
1978. Arquivo Peri Constant Bevilaqua.
294
Carta de Jean-Marc van der Weid ao general Peri Constant Bevilaqua, Paris, 11 de março
de 1978. Arquivo Peri Constant Bevilaqua.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 257

rará sua imagem e terá à mão, para qualquer eventualidade, todos os que no
exterior denunciaram seus crimes e arbitrariedades.
Assim sendo, creio que a luta pela anistia ampla e irrestrita deva coincidir
com a luta pelas liberdades no seu sentido mais geral: pela democracia −
sem adjetivos.295

O CBA fundado no Rio de Janeiro, assim como as outras seções regio-


nais que se formariam, não constituía um bloco homogêneo, e seus mem-
bros divergiam entre si em relação a outras importantes questões. Nesta
etapa do movimento pela anistia, a bandeira começou a receber a adesão
de partidos políticos e grupos revolucionários clandestinos, que, com sua
experiência organizativa, deram significativa contribuição à estrutura na-
cional que o CBA construiu.296 Por outro lado, essa presença trouxe para o
interior do comitê questões e divergências referidas a dimensões do pro-
cesso político mais amplas do que a exclusiva luta pela anistia. O próprio
boletim que serviria de porta-voz oficial do CBA apontava para isso.

Anistia é a libertação dos presos políticos, a volta de todos os exilados e ba-


nidos, a readmissão dos cassados, a recuperação de todos os direitos civis e
políticos de quem os teve cassados ou suspensos, reintegração dos quadros
civis e militares punidos pelos atos de exceção […]. Anistia é hoje também
o fim da perseguição política, o fim da legislação repressiva, o desmantela-
mento de todo o aparelho repressivo e a apuração das responsabilidades de
tantas mortes e sofrimentos impostos àqueles que lutaram contra a explo-
ração do povo brasileiro.297

A luta pela democracia seria a luta contra a ditadura. Neste sentido, ha-
veria, do ponto de vista da anistia, duas tarefas a cumprir. Uma delas seria
“acabar com toda a máquina que produziu os perseguidos políticos, os pre-
sos, os torturados, os assassinados nas prisões e quartéis”. A outra, conse-

295
Idem. Grifo no original. Em 6 de outubro, os três comitês franceses de “solidariedade para
com a luta do povo brasileiro” realizariam em Paris, na Casa dos Sindicatos, um encontro,
com a participação das duas grandes centrais sindicais operárias do país, que reafirmou o
apoio dos trabalhadores franceses “à luta do povo brasileiro”. CONGRESSO NACIONAL
PELA ANISTIA. Resoluções. Intervenção de Etienne Bloch, novembro de 1978, p. 82.
296
ALVES, Márcio Moreira. Teotônio, guerreiro da paz, p. 170.
297
Anistia, n. 1, 1978.
258 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

guir que “as Forças Armadas demonstrem sua total rejeição do câncer que
se instalou no seu seio e que tantos crimes cometeu em seu nome”. Quanto
a este ponto, Jean-Marc percebia a força com que emergia a proposta con-
ciliatória, que acabaria vingando pouco mais de um ano depois.

Alguns pensam, general, e o CBA parece estar entre eles, que é preciso anis-
tiar “os dois lados”. O argumento seria o de que um “revanchismo” poderia
provocar um movimento de autodefesa do aparelho de repressão e uma
solidariedade de classe no meio militar.
Me permito dizer-lhe, general, que este raciocínio é perigoso. A meu juízo, en-
quanto os militares permitirem que se faça este tipo de identificação entre as
FFAA e o aparelho de repressão, nenhuma democracia estará a salvo no país.298

De todo modo, o lançamento público do CBA significava o fortalecimen-


to político das correntes favoráveis à anistia ampla, geral e irrestrita. A reação
inicial do governo foi, simplesmente, continuar negando que considerasse a
questão. Ainda em fevereiro, disse o assessor de imprensa da Presidência da
República, coronel José Maria de Toledo Camargo: “Não há nenhum estudo
do governo no momento sobre o problema da anistia”. Dois dias depois, o
chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) e futuro presidente do país,
general João Batista Figueiredo, disse em entrevista a uma revista que o mo-
vimento pela anistia, nos termos em que a questão vinha sendo colocada −
anistia ampla, geral e irrestrita −, era “um prejuízo para o próprio andamento
das reformas políticas”, porque “tenta-se avançar demais, o que é um erro”.
Ecos da tese huntingtoniana acerca da necessidade de calibrar a “descom-
pressão” para evitar riscos de “recompressão? Dois meses antes, o general já
se havia declarado, peremptoriamente, contra a anistia aos condenados pela
Lei de Segurança Nacional: “Anistia é esquecimento. E não é possível esque-
cer os crimes dos que assaltaram bancos, assassinaram e sequestraram. O
alegado motivo político não justifica nada”.299 A desqualificação do caráter
político de atos oposicionistas ia ao ponto de, em nota oficial, o Ministério da
Justiça negar cinicamente a existência de exilados brasileiros: haveria apenas
pessoas que “se expatriaram por julgar isto de sua melhor conveniência”.300

298
Op. cit.
299
Veja, 1º de março de 1978, p. 35.
300
Movimento, São Paulo, n. 139, 27 de fevereiro de 1978, p. 5.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 259

Expoentes do campo político governista, também exaltando Hunting-


ton e seu discípulo, Wanderley Guilherme dos Santos, procuravam opor o
crescimento da campanha pela anistia aos planos da transição controlada.
Para o senador José Sarney (Arena-MA), por exemplo, a anistia “não pode
ser levada como o ponto fundamental sob pena de comprometer todo o
processo de abertura”. No seu modo de ver, o assunto não podia “ser tema
de radicalização nem de julgamento da Revolução, sob pena301 de não haver
anistia e de não cumprir os objetivos de conciliação”, e lembrou que a ten-
tativa de um grupo da oposição, no início do governo Geisel, de criar uma
CPI para apurar “possíveis violências” contra presos políticos teria resulta-
do altamente negativo para o recém-anunciado projeto de distensão. Para
Petrônio Portela, presidente do Senado e que continuava encarregado pelo
governo de formular e negociar com a oposição um projeto de reformas
políticas: “Esse problema não deve ser colocado entre anistia ou revisão,
como um dilema, pois estamos em condições de estudar uma forma diversa
capaz de reintegrar aqueles contra os quais não existem razões para con-
tinuar fora da atividade política”. A posição do presidente da Câmara dos
Deputados, Marco Maciel (Arena-PE), era:

Acho que, no momento, o que a Missão Portela busca é promover uma


reforma jurídico-constitucional com o objetivo de eliminar os atos ins-
titucionais, aperfeiçoar o regime e criar salvaguardas democráticas que
defendam o regime contra o terrorismo. Esta é a Missão Portela na sua
primeira etapa.
Não me consta que a anistia ampla conste da pauta desse conjunto de refor-
mas, mesmo porque o trabalho em que se detém o senador Petrônio Portela
com o apoio do presidente da República e da direção partidária, visa o aper-
feiçoamento do regime. Por isso, não acho possível que se possa operar um
processo de anistia ampla como alguns setores têm preconizado.302

301
É de notar, aqui, o possível ato falho cometido por Sarney ao utilizar duas vezes a expres-
são “sob pena”, que pode ser entendida em mais de um sentido: tanto de “sob risco” quanto
de “sob punição”. Grifos meus.
302
Jornal do Brasil, 22 de fevereiro de 1978. Grifo meu. O deputado entendia, portanto,
que o regime aperfeiçoado seria incompatível com os efeitos pretendidos pelos defensores
da anistia. Observe-se que José Sarney – presidente da República de 1985 a 1990 ‒ e Mar-
co Maciel ‒ vice-presidente da República durante dois mandatos do presidente Fernando
Henrique Cardoso (1995-2003) ‒ exerceriam papéis de primeiro plano em governos for-
260 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

A declaração é congruente com as ideias expressas na Mensagem ao


Congresso Nacional enviada pelo general Geisel no dia 1 de março:

[…] prossegue o diálogo para que sejam ouvidos os segmentos represen-


tativos da comunidade nacional, na busca de um consenso em torno das
reformas políticas mais urgentes.
Atinge-se a esse patamar da reestruturação institucional em consequência
de um processo de distensão que terá como estuário natural o conjunto de as-
pirações coletivas ajustadas aos princípios básicos da Revolução que se iniciou
em março de 1964.
Torna-se possível, agora, cogitar de pôr termo a leis de exceção, que se
tornaram fundamentais, quando instituídas, em termos de transição re-
volucionária, para a segurança e a ordem pública e para o próprio desen-
volvimento econômico e social do País. Esses instrumentos poderão ser
dispensáveis, desde que substituídos convenientemente, por salvaguardas
constitucionais que assegurem a manutenção e o funcionamento do re-
gime democrático. Tais mecanismos de defesa da sociedade deverão ser
eficientes e de ação pronta, sem prejuízo das liberdades e direitos indivi-
duais dos cidadãos.303

A ênfase do governo persistia na institucionalização, na transformação


dos atos de exceção em “salvaguardas constitucionais” que garantissem a
ordem, ou aquilo que o general entendia como “regime democrático”. A
anistia, tal como reivindicada pelo MFPA e pelo CBA ‒ a medida em si
começava a deixar de constituir uma impossibilidade sistêmica, mas o seu
caráter amplo, geral e irrestrito, não ‒, estava necessariamente excluída do
rol de propostas toleráveis naquela fase processo distensionista, porque po-
deria não só alienar como jogar contra ele poderosas forças necessárias ao
êxito da estratégia.

mados a partir das bases definidas neste momento da transição. O ministro da Previdên-
cia Social, Luiz Gonzaga do Nascimento e Silva, apoiou a proposta de revisão. O Globo,
24 de fevereiro de 1978.
303
Mensagem ao Congresso Nacional na abertura da sessão legislativa de 1978. Disponí-
vel em: <http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/ernesto-geisel/mensa-
gens-presidenciais/mensagem-ao-congresso-nacional-na-abertura-da-sessao-legislativa-
-de-1978/view>. Acesso em: 6 jan. 2014. Grifos meus.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 261

Já a hipótese de anistia restrita que membros do governo vinham admi-


tindo oficiosamente, com a exclusão dos acusados de terrorismo, agradou
à cúpula da Igreja Católica, que se declarava dogmaticamente impedida de
perdoar supostos autores de homicídio e privilegiava a luta por genéricos di-
reitos humanos, em detrimento da denúncia do caráter político-ideológico
da violência praticada pelos órgãos do Estado.304 Sob os auspícios da Comis-
são de Justiça e Paz do Vaticano, o seu presidente, o cardeal Fernandin Can-
tini Vantin, e o seu secretário, padre Roger Hecke, chegaram ao Brasil, em 20
de fevereiro de 1978, com o propósito de apurar denúncias de violações de
direitos humanos.305 Seguiu-se uma série de declarações que explicitaram a
posição da cúpula da Igreja em face da anistia e problemas correlatos. Três
dias depois, o cardeal D. Paulo Evaristo Arns reafirmou a sua posição favorá-
vel à anistia, como item de um conjunto que incluía a reforma do Judiciário,
a abolição das leis de exceção, enfim, o retorno ao “estado normal de direito”.
Nesse mesmo dia, o presidente da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo,306
jurista Dalmo Dallari, sustentou que a simples revisão das punições deixaria
de fora o grande número de brasileiros que sofria apenas a suspensão dos
direitos políticos, sem enquadramento em processo, bem como aqueles que,
tendo sido processados, haviam sido absolvidos: “Quanto a eles, cabe pura
e simplesmente conceder a anistia”. Uma semana depois, criticou a ideia de
“anistia recíproca”, de um ponto de vista que aceitava não só a legitimidade
das leis da ditadura, como a desqualificação dos atos militares da esquerda
como políticos, manobra interpretativa que sustentava a proposta de anistia
parcial esboçada oficiosamente pelo governo:

[…] a anistia indiscriminada que beneficie homicidas favoráveis ou contrá-


rios ao governo, essa não conta com o meu apoio. A meu ver, a alegação de
objetivos políticos não pode servir de pretexto para atentados contra a vida
humana. […] minha fórmula para a anistia […]: imediata devolução dos
direitos políticos a todos os que não tiverem praticado qualquer ato anterior
definido em lei como crime.307

304
É fato intrigante que uma rica biografia do mais importante bispo católico na campanha
pelos direitos humanos no país omita totalmente a participação da CNBB na campanha
pela anistia. Ver SYDOW, Evanize; FERRI, Marilda. Dom Paulo Evaristo Arns. Um homem
amado e perseguido. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
305
Brasil dia a dia, p. 90.
306
Criada em 1972 no âmbito da Arquidiocese de São Paulo.
307
Jornal do Brasil, 24 de fevereiro de 1978. Grifos meus.
262 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Entretanto, o secretário-geral da CNBB, D. Ivo Lorscheiter, defendeu a


revisão e fez restrições à tese da anistia ampla e irrestrita:

Todos os brasileiros devemos fazer a pacificação e a reconciliação nacio-


nal. Isso certamente envolve e exige a revisão de numerosas penalidades
infligidas. Isso ainda não coincide com o discurso sobre anistia, porque tal
discurso envolve criteriosos exames de quem e por que recebeu penas.308

No dia 24 de fevereiro, o presidente da CNBB e arcebispo de Fortale-


za, D. Aloísio Lorscheider, explicou de maneira abrangente a posição da
entidade em relação à anistia, entendida como meio de promover a “con-
ciliação dos brasileiros” e na forma de uma “revisão de todos os casos de
condenação em que talvez a participação da emoção tenha sido maior do
que a aplicação da Justiça estrita”. O alvo da anistia deveriam ser “presos
e cassados políticos que não respondem por culpas comprovadas”.309 Se-
gundo O Globo,310 D. Aloísio informou que a Igreja não defendia a anistia
ampla e irrestrita, e sim a supressão dos atos de exceção e a revisão de to-
dos os casos de pessoas atingidas por eles. No seu entendimento, a anistia
ampla e irrestrita poderia, ao reparar erros, conduzir a novas injustiças,
porque as atividades criminosas, “ainda que praticadas em nome de um
interesse político, não devem ser acobertadas, o que seria uma injusti-
ça para a sociedade e para todos aqueles que fizeram uma opção políti-
ca, mas não prejudicaram o bem comum”. As “punições revolucionárias
devem ser revistas caso a caso, de forma a evitar que se beneficiem da
anistia aqueles que cometeram atos verdadeiramente criminosos”. Objeti-
vamente, a alta direção da Igreja Católica estava legitimando a legalidade
ditatorial no atacado, discordando, apenas, quanto aos meios para a sua
aplicação no varejo.

308
Veja, 1º de março de 1978, p. 36. Na primeira semana de maio, o deputado Laerte Vieira
(MDB-SC) apresentou projeto de lei ‒ o 11º em tramitação ‒ para anistiar “os que hajam sofri-
do a suspensão de seus direitos políticos ou tenham sido atingidos por quaisquer sanções pre-
vistas em atos revolucionários, a partir de 1964 até a vigência desta lei”, excluindo os acusados
de “atos criminosos”. O deputado se baseou em interpretação pessoal do artigo 57 da Consti-
tuição em vigor, pelo qual o Legislativo poderia anistiar os casos não capitulados como “crime
político”. Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de
Histórico de Debates, sessão em 10 de maio de 1978; O Estado de S. Paulo, 13 de maio de 1978.
309
Jornal do Brasil, 25 de fevereiro de 1978.
310
Edição de 25 de fevereiro de 1978.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 263

Em 3 de março, a Arquidiocese de Olinda e Recife divulgou nota, com


o título “Quaresma, tempo de perdão”, em que defendia a tese da revisão
com uma perspectiva gradualista, ao propor aos brasileiros meditar sobre
a anistia como medida que “se aplica aos casos em que não são propria-
mente as pessoas, mas o próprio bem comum que está exigindo um ges-
to de distensão, de esquecimento, de ‘um começar de novo’ sem cicatrizes
deixadas pelos embates e lutas”. A entidade advertia para a perda de tempo
que poderia vir a significar a discussão quanto à forma e prazos da anistia
e lançava a questão: “Quem sabe se gestos imediatos de perdão e revisão de
processos não demonstrariam, de um lado, o seu efeito salutar, e, de outro,
até mesmo a viabilidade de se partir para passos mais largos?”.311
A própria CNBB estava, segundo declarações dadas em 17 de março por
seu secretário-geral, dividida em relação à anistia,312 o que a impediria de fazer
uma campanha sistemática pela medida. Finalmente, em 25 de abril, a assem-
bleia da entidade, depois de reunida por uma semana em Itaici (SP), proclama-
ria a primeira posição oficial da Igreja Católica brasileira em relação à anistia:

Apelamos às autoridades responsáveis de nosso país para que, num esforço


sincero de volta ao Estado de direito e reconciliação nacional, concedam
anistia aos que se viram envolvidos em situações de desordem política e so-
cial de tal amplitude que não possam ser considerados como responsáveis
únicos por ela.
Com este apelo cristão, não estamos advogando a impunidade dos que ine-
quivocamente são réus de crimes comuns.313

311
Jornal do Brasil, 4 de março de 1978.
312
D. Tomás Balduíno, bispo de Goiás, por exemplo, apoiava a tese da anistia ampla, geral e
irrestrita: “Ela deveria ser uma reivindicação de toda a Igreja, porém não vejo muita possi-
bilidade de ser assumida pela CNBB como assembleia. […] O motivo é talvez que é muito
mais fácil soltar um documento como aquele de Itaici, ‘Exigências cristãs de uma ordem
política’, do que tomar uma posição concreta, se comprometer com uma determinada ati-
tude que tem várias implicações imediatas. […] Mas, eu acredito que amplos setores do
episcopado apoiariam a ideia”. Anistia, abril, p. 18. Sobre a posição das igrejas evangélicas,
ver MACHADO, Adriano Henriques; CRUZ, Heloisa de Faria. O debate em torno do mo-
vimento pela anistia nas igrejas evangélicas: posicionamentos e tensões no caso das igrejas
luterana e metodista. Religare, João Pessoa, v. 11, n. 2, setembro de 2014, p. 161-190. Ver,
também: TRABUCO, Zózimo Antônio Passos. “À direita de Deus, à esquerda do povo”: Pro-
testantismos, esquerdas e minorias em tempos de ditadura e democracia (1974-1994). Tese
(Doutorado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
313
Jornal do Brasil, 26 de abril de 1978.
264 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Aprovada em segunda versão, a nota da entidade resultou de intensa


discussão que envolveu as alas conservadora e liberal dos bispos. Trata-
-se de documento centrista, que deixa aberta a porta para a exclusão de
certas categorias de atingidos pela repressão ditatorial. A ideia de que
a ditadura poderia ter aplicado punições justas surgiria também na voz
do d. Paulo Evaristo Arns, que, ao abrir a Campanha da Fraternidade de
1978, pronunciou-se sobre a anistia, definindo-a como “um direito de
todo aquele que foi condenado injustamente, direito esse que deve ser
definido por leis e tribunais e não pedido ou esmolado”.314
Entre os advogados, ganhava espaço a tática de tentar apressar a libera-
lização democrática do país. Em 26 de fevereiro, o 2º Encontro de Subse-
ções da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), realizado em Vitória da
Conquista (BA), aprovou um documento em que era pedido o retorno do
país ao Estado de direito.315 Uma semana depois, o presidente nacional da
entidade, Raymundo Faoro, abordaria o tema da anistia, subordinando-o à
agenda redemocratizadora liberal:

Ela não é o primeiro problema a ser atacado. Para nós, que almejamos sair
do estado de arbítrio, o mais importante, na escala das prioridades, é restau-
rar certas liberdades democráticas, entre as quais a liberdade fundamental,
que é a liberdade física resguardada pelo habeas corpus. E mais a garantia
da magistratura, a reforma da Lei de Segurança Nacional, a modificação da
incomunicabilidade dos dez dias. Daí, como consequência, chegaríamos à
anistia. Suponhamos que amanhã se conceda uma anistia ampla e irrestrita,
sem se tocar nessa estrutura que aí está, repleta de instrumentos coercitivos.

314
Anistia, p. 29. Grifo meu. Em 26 de abril, nova greve de fome foi desencadeada pelos
presos políticos de Itamaracá, ainda pela quebra do isolamento de Rholine Sonde Cavalcan-
te e Carlos Alberto Soares. O movimento foi seguido por diversos atos de solidariedade, e
também pararam de se alimentar presos políticos dos presídios Frei Caneca e Bangu (RJ),
Barro Branco (SP), Lemos de Brito (BA) e Linhares (MG), totalizando 84 grevistas. Os pre-
sos de Itamaracá suspenderam o movimento em 10 de maio, quando também terminaram
as greves de solidariedade. Ver FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Relação das principais
greves de fome. Disponível em: <http://novo.fpabramo.org.br/content/relacao-das-princi-
pais-greves-de-fome>. Acesso em: 12 jan. 2016.
315
Jornal do Brasil, 27 de fevereiro de 1978. Uma análise da atuação da OAB no processo de
transição pode ser encontrada em MOTTA, Marly. “Dentro da névoa autoritária acendemos
a fogueira...” – a OAB na redemocratização brasileira (1974-80). Culturas Jurídicas, Rio de
Janeiro, v. 3. n. 1, jan./jun. 2008.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 265

O poder, no dia seguinte, caso o desejasse, poderia praticar novos atos de


arbítrio, e, no outro dia, caso necessário, concederia nova anistia. E cairía-
mos num círculo vicioso.316

Divergia, assim, do general Peri Bevilaqua e da presidente do Movi-


mento Feminino pela Anistia, que não só considerava a medida condição
primeira para a redemocratização como, três meses antes, cobrara da OAB
uma posição a respeito:

Podemos então notar que existem muitas coisas erradas e de certa forma to-
dos nós temos muito de responsáveis, porque pecamos por omissão, porque
todos podemos fazer alguma coisa de algum jeito. Nas escolas, nas igrejas,
nas organizações de trabalho, nas nossas associações. Por exemplo: tem a
associação dos advogados. Advogado que não acreditar em justiça e liber-
dade pode procurar outra profissão. Mas, a Ordem dos Advogados até hoje
não se manifestou pela anistia.317

A condição feminina continuava, aliás, sendo associada à luta pela anis-


tia. Em 8 de março, o Dia Internacional da Mulher foi comemorado pelo
Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André (SP), presidido por Benedito
Marcílio ‒ ligado ao Movimento de Convergência Socialista318 ‒, com a pre-
sença do bispo diocesano D. Cláudio Hummes e da presidente do MFPA,
Therezinha Zerbine, entre outros convidados. O presidente do sindicato
discorreu sobre os problemas que acometiam as mulheres metalúrgicas,
principalmente por causa do trabalho noturno. Therezinha Zerbine, por
seu turno, disse ter comparecido ao evento para “mostrar a importância da
união das mulheres em torno da luta pela anistia, única maneira de trazer-
mos paz e tranquilidade para o nosso povo e a nação”.319 Nesse dia, o MFPA
mineiro desencadeou em Belo Horizonte a Campanha Intensiva pela Anis-
tia Ampla, Geral e Irrestrita, com a realização de debates, mesas-redondas

316
IstoÉ, 1º de março de 1978, p. 14. Grifo meu.
317
Palestra na Câmara Municipal de Florianópolis, novembro de 1977, transcrita em ZER-
BINE, Therezinha Godoy, op. cit., p. 126.
318
Sobre a organização, ver COUTO, André. Convergência Socialista. In: ABREU, Alzira
Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930.
319
Diário do Grande ABC, Santo André (SP), 9 de março de 1978, reproduzido em ZERBI-
NE, Therezinha Godoy, op. cit., p.153.
266 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

e atos públicos. Ainda em março, Therezinha Zerbine se pronunciou con-


trariamente à proposta de revisão de punições e supressão do artigo cons-
titucional que determinava a inelegibilidade dos “cidadãos que, mediante
decreto do presidente da República, com fundamento em Ato Institucio-
nal”, houvessem sofrido suspensão de seus direitos políticos:

Lutamos por uma anistia ampla e irrestrita e essa luta só terminará quando
a meta for alcançada. Quanto à simples revogação do artigo 185 da Cons-
tituição, achamos não corresponder aos anseios da nação e propomos que
se convoque uma assembleia constituinte. Esta, sim, viria verdadeiramente
normalizar e pacificar a vida política nacional.320

Na Câmara dos Deputados, a anistia era proposta ainda como uma entre
outras soluções para a situação dos atingidos pelos atos da ditadura. Alguns
representantes do MDB a defendiam desta perspectiva, como J.G. de Araú-
jo Jorge (RJ) e Israel Dias Novais (SP), que argumentava com exemplos de
numerosos países sul-americanos onde a medida tinha sido adotada em
benefício dos presos políticos. Em março, o deputado Joaquim Bevilacqua
(MDB-SP) manifestou-se a favor da concessão da anistia, combinadamen-
te com outras medidas, como a revogação do AI-5, o restabelecimento da
liberdade sindical e a aplicação do Estatuto da Terra. Os deputados José
Carlos Teixeira (MDB-SE) e João Gilberto (MDB-RS) enfatizaram a neces-
sidade da anistia como meio de “pacificação da família política brasileira”
e “união de todos os brasileiros”, no que foram secundados pelo deputado
José Maurício (MDB-RJ), que, no entanto, frisou que a medida deveria ser
ampla e irrestrita, como preparatória para a convocação de uma assembleia
constituinte.321 Numa chave mais conciliadora, Pedro Simon, presidente
do diretório gaúcho do MDB, defendeu a tese da “anistia recíproca”, isto é,
também para agentes do Estado acusados de violência contra presos políti-
cos,322 e o deputado Jorge Ferraz (MDB-MG), a anistia restrita, entendendo

320
Cinco de Março, Goiânia, 13-19 de março de 1978 apud ZERBINE, Therezinha Godoy,
op. cit., p. 158. Grifo meu. Observe-se o avanço político do MFPA, aderindo à proposta de
convocação de uma assembleia constituinte.
321
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Históri-
co de Debates, sessões de março de 1978.
322
Na verdade, o engajamento do MDB na campanha pela anistia não ia além das declara-
ções individuais, apesar de a medida constar do programa de lutas do partido. De acordo
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 267

que o benefício não deveria ser concedido a todos os punidos, mas apenas
“aos injustiçados pela ordem revolucionária vigente no país”.
Outros, porém, pensavam em caminhos diferentes. O emedebista Mar-
celo Medeiros (RJ), integrante da corrente chaguista, se identificava com o
campo governista e apresentou no mesmo mês projeto que atribuía ao Su-
perior Tribunal Militar (STM) competência para rever os processos de cas-
sações. E Minoru Massuda, representante de São Paulo e membro da Polícia
Militar paulista, considerou a hipótese de revisão das “punições revolucioná-
rias”, observando que as vozes a favor da anistia partiam de oficiais da ativa,
comandantes de tropa, como o tenente-coronel Tarcísio Nunes Ferreira.323
Para o senador Jarbas Passarinho (Arena-PA), a campanha pela anistia en-
cobria o propósito de sabotar o projeto de distensão do governo, e o mais
adequado seria, conforme sugerira em 1975, a revisão das punições políticas
pelo STM: “[…] a Revolução, num gesto de grandeza, permitiria que aqueles
que foram punidos por ela comparecessem à mais alta Corte de Justiça Mili-
tar para apresentar suas defesas”.324 Mas as decisões no Judiciário não vinham
sendo favoráveis aos derrotados de 1964. Em 8 de março, o Supremo Tribu-
nal Federal (STF) negou recurso dos políticos gaúchos Sereno Chaise, Aja-
dil de Lemos e Wilson Vargas, que, expirado o prazo de suspensão dos seus
direitos políticos por dez anos, determinada pelo primeiro Ato Institucional
(9/4/1964), pleiteavam desde 1974 o direito de se inscreverem no MDB. Para
setores oposicionistas, a decisão do STF era previsível: “O STF é, para muitos
advogados, ‘mais duro que o Superior Tribunal Militar’. A maioria dos juízes
que o compõem é conhecida como de orientação ‘técnica’, ou seja, aceita que
a apreciação da legislação de exceção não é da competência do Judiciário,

com o deputado estadual fluminense Edson Khair, a direção partidária não conseguia que as
bases locais apoiassem efetivamente a anistia. Veja, 1º de março de 1978, p. 36
323
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Histórico
de Debates, sessão em 23 de março de 1978. Comandante do 13º Batalhão de Infantaria Blin-
dada, no Paraná, o tenente-coronel Tarcísio Nunes Ferreira faria em março de 1978, com Ivo
Arzua, ex-ministro do governo Costa e Silva (1967-1969) e um dos signatários do AI-5, um
pronunciamento no Lions Clube de Ponta Grossa (PR) em que protestava contra os “desvios
do movimento militar de 1964” e a favor da abertura política. Em seguida, concedeu entrevista
com o mesmo teor ao Jornal do Brasil (edição de 11 de março de 1978) e foi preso duas vezes,
na primeira por dois dias, e, na segunda, por um mês. Foi, também, destituído da função.
Disponível em: <http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=1&id_noticia=207824>.
Acesso em: 22 jan. 2014. Também, Estado do Paraná, 30 de abril de 1985.
324
Jornal do Brasil, 8 de março de 1978.
268 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

que deve apenas cumpri-la”.325 Uma resposta dura aos pleitos de anistia tinha
defensores também no Congresso. Alguns dias depois do pronunciamento
de Passarinho, o deputado Ivair Garcia (Arena-SP) condenou a campanha
oposicionista em favor da anistia total e irrestrita, tachando-a de insincera e
mistificadora da opinião pública.326
No governo, o tema da anistia era terreno minado. Levantamento feito
pelo Jornal do Brasil na última semana de março de 1978 revelou que ape-
nas três ministros consultados aceitavam se manifestar publicamente sobre
o assunto.327 Era forte a tendência a reagir à campanha pela anistia com a
contraposição da violência esquerdista. Durante missa realizada pelas “ví-
timas do terrorismo” em 27 de março, o comando do III Exército divulgou
nota oficial em que considerava a iniciativa “tão mais oportuna quando
são destacados, maldosamente, pela imprensa diária, os recalques e ressen-
timentos de uma minoria mesquinha, capaz de insinuar anistias amplas,
irrestritas, recíprocas e mútuas”.328 As vítimas da ditadura foram lembra-
das no dia seguinte, quando estudantes comemoraram um Dia Nacional
de Luta em memória de Edson Luís de Lima Souto e Alexandre Vanucchi
Leme, assassinados, respectivamente, dez e cinco anos antes, e concluíram
o ato com a exigência de “anistia ampla, geral e irrestrita”.329
Depois de anunciada por longo tempo, afinal se concretizou em fins
de março a visita do presidente dos EUA, Jimmy Carter, ao Brasil. Reuni-
ram-se com ele o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),

325
Anistia, p. 24; Brasil dia a dia, p. 108. Uma semana depois, surgiu mais um elemento de
reforço indireto à reivindicação, quando o governo do Peru baixou um decreto de anis-
tia permitindo que exilados, banidos e deportados se reintegrassem ao processo político e
participassem das eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, convocada para junho
seguinte. Anistia, p. 11.
326
O deputado era delegado de Polícia, ex-diretor do Departamento de Ordem Política e
Social (DOPS) paulista, defensor dos interesses corporativos dos policiais na Câmara, bem
como do Esquadrão da Morte e do delegado Sérgio Paranhos Fleury, e envolvido com o as-
sassinato de presos comuns e políticos e com a campanha do general Sílvio Frota, candidato
do aparato repressivo do governo à sucessão do general Ernesto Geisel. Câmara dos Depu-
tados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Histórico de Debates, sessão
em 21 de março de 1978. Sobre o deputado, ver ALVES, Alzira Alves de et al. (Coord.).
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós-1930.
327
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 25 de março de 1978.
328
IstoÉ, 5 de abril de 1978, p. 32.
329
IstoÉ, 12 de abril de 1978, p. 32; MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os brasileiros,
p. 133.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 269

Raimundo Faoro, o cardeal do Rio de Janeiro, D. Eugênio Sales, o presiden-


te do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE), Marcos
Viana, o presidente da empresa Metal Leve, José Mindlin, o proprietário do
jornal O Estado de S. Paulo, Júlio Mesquita Neto, e o cardeal-arcebispo de
São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, tendo as conversas girado em torno da
questão dos direitos humanos no Brasil.330 Em encontro privado no interior
do veículo que conduzia Carter ao aeroporto, D. Paulo Arns lhe reportou
o quadro de violações de direitos humanos no país, com destaque para a
prática de torturas e o desaparecimento de opositores do regime. A suspen-
são da censura à imprensa durante a estada do presidente estadunidense
no país permitiu que o jornal Folha de S. Paulo publicasse uma lista com os
nomes de desaparecidos políticos.331 Segundo outro jornal, contudo, teriam
sido nulos os ganhos obtidos com a visita:

No País, a expectativa de que Carter demonstrasse uma posição firme frente


às violações aos direitos humanos, cometidas pelo regime militar, foi frus-
trada. Enquanto a sociedade brasileira esperava do presidente americano ‒
um democrata, ex-missionário que construiu sua imagem política em torno
de uma retórica pacifista e conciliadora ‒ uma posição crítica e reprovadora
dos métodos utilizados pelos militares, provou o gosto amargo da Realpo-
litik de Carter.332

Já o deputado Jorge Arbage (Arena-PA), aproveitando entrevista con-


cedida no exterior por Leonel Brizola, em que o ex-governador gaúcho
defendia que se concedesse autorização para a volta dos exilados ao Bra-
sil, discursou na Câmara no dia 4 de abril para criticar a tese da anistia,
classificando-a como “afronta à memória dos que tombaram em defesa da
integridade da Pátria”.333 Manifestou, também, regozijo com a notícia de
que o tema não fizera parte das conversas do general Ernesto Geisel com
Jimmy Carter, o que constituiria um fator de frustração para aqueles que,
segundo ele, desejavam a interferência dos EUA nesta questão interna.334 O

330
Brasil dia a dia, p. 122. SYDOW, Evanize; FERRI, Marilda, op. cit., p. 243.
331
Idem, p. 244.
332
O Estado de S. Paulo, 30 e 31 de março de 1978.
333
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Históri-
co de Debates, sessão em 28 de março de 1978.
334
Idem, sessão em 4 de abril de 1978.
270 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

deputado voltaria ao tema no dia 17, acusando o MDB de não ser claro na
definição e na abrangência da anistia que propunha.335
A anistia foi objeto de intensa atividade na Câmara dos Deputados du-
rante o mês de abril. O exemplo de Caxias e sua tão decantada capacidade de
perdoar adversários vencidos foi mobilizado no dia 6 pelo deputado Florim
Coutinho (MDB-RJ) para defender a aprovação de seu novo projeto de lei,
concedendo “anistia a civis e militares punidos por delitos políticos” a partir
de 1º de abril de 1964. Em apoio de sua proposta, leu requerimento aprova-
do pela Câmara Municipal de Osasco (SP) no mesmo sentido. Ainda nessa
sessão, o deputado Jarbas Vasconcelos (MDB-PE) declarou não compreen-
der a viabilidade de reformas políticas que visassem ao restabelecimento da
normalidade constitucional do país desvinculadas da anistia ampla e irres-
trita e da convocação de uma assembleia constituinte.336 Cinco dias depois,
o projeto de Florim Coutinho seria rejeitado na Comissão de Constituição
e Justiça da Câmara, sob o argumento do relator, deputado Nunes Rocha
(Arena-MT), de que era inconstitucional, inócuo e tecnicamente malfeito.337
Neste mesmo dia, o deputado J. G. de Araújo Jorge apresentou projeto de
lei complementar que concedia anistia aos punidos por motivos políticos,
medida defendida novamente, na mesma sessão, pelo deputado Humberto
Lucena (PB), em nome do MDB e em favor do Estado de direito.338
No dia 17, o deputado Laerte Vieira (MDB-SC) pronunciou-se endos-
sando uma sugestão da Assembleia Legislativa de Santa Catarina ao Con-
gresso Nacional no sentido de que, por meio de emenda constitucional,
fosse restituída ao poder Legislativo a prerrogativa de propor a anistia, que

335
Idem, sessão em 17 de abril de 1978.
336
Idem, sessão em 6 de abril de 1978. No dia 7, o deputado Antônio Ueno (Arena-SP), a
propósito da comemoração do 70º aniversário da imigração japonesa para o Brasil, propôs
anistia para cerca de oitenta japoneses incriminados em 1945 por participação no movi-
mento Shindo-Rem-Mei (Liga do Caminho dos Súditos), que acreditava, após o término da
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), na vitória do seu país. Seus seguidores, que forma-
vam expressivo percentual da população de origem nipônica em São Paulo, perseguiram os
imigrantes que sabiam sobre a derrota do Japão, tendo assassinado, entre janeiro de 1946
e fevereiro de 1947, vinte e três deles no estado. O assunto está tratado em MORAIS, Fer-
nando. Corações sujos: a história da Shindo Renme. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Histórico
de Debates, sessão em 7 de abril de 1978.
337
Jornal do Brasil, 12 de abril de 1978.
338
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Históri-
co de Debates, sessão em 11 de abril de 1978.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 271

seria concedida, a seguir, por projeto de lei ordinária ou por disposição


transitória inserida na Constituição por emenda. Ainda sobre o assunto, o
deputado Celso Barros (MDB-PI) deu informe ‒ apoiando-a ‒ sobre a rea-
lização, em Brasília, da Semana da Anistia, promovida pelo Setor Jovem do
MDB.339 No dia seguinte, o deputado Lidovino Fanton (MDB-RS) defen-
deu a concessão da anistia e de ampla liberdade de manifestação como pas-
sos prévios à convocação de uma assembleia nacional constituinte, “para a
restauração da legalidade democrática e do Estado de direito”.340
Ainda no dia 18 de abril, realizou-se no Rio de Janeiro um ato públi-
co em comemoração ao 33º aniversário da anistia concedida em 1945 por
Getúlio Vargas, que marcou o início do fim do regime ditatorial conhecido
como Estado Novo, implantado após um golpe executado em novembro
de 1937. O evento foi promovido pelo Movimento Feminino pela Anistia e
marcou a retomada das atividades do seu núcleo carioca, agora sob a lide-
rança de Alaíde Pereira Nunes, Diana Guezbuguer, Iracema Teixeira e Judi-
te Cunha Melo. A iniciativa recebeu moções de apoio de diversas entidades,
como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Centro da Mulher Brasi-
leira, a Associação de Docentes e o Diretório Central da Pontifícia Univer-
sidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). No mesmo dia, foi criado, em
Salvador, o CBA da Bahia, “integrado por profissionais liberais, estudantes,
familiares de atingidos, funcionários púbicos, parlamentares, religiosos, ar-
tistas, ex-presos e interessados na conquista do Estado de direito”.341
Em Minas Gerais, as atividades do MFPA despertavam reações de seto-
res da extrema-direita empenhados em boicotar o processo de liberalização
política em curso. A presidente do núcleo mineiro, Helena Grecco, foi amea-
çada de morte pelo Grupo Anticomunista (GAC). Na noite de 28 de março
de 1978, foi lançada uma bomba na igreja onde o MFPA se reunia, sem que
houvesse vítimas. No mesmo dia, o GAC executou cinco atentados a bomba
contra entidades estudantis, provocando a destruição da gráfica do Diretório
Central dos Estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Em 7 de abril, o GAC afixou no vidro do automóvel de Helena Grecco um
aviso: “Olho por olho. A cada ação, uma reação”. Nos dias 17 e 18 de abril,

339
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Históri-
co de Debates, sessão em 17 de abril de 1978.
340
Idem, sessão em 18 de abril de 1978.
341
Grupo Tortura Nunca Mais – Bahia. Construindo a memória: a luta pela anistia na Bahia.
Org. Ana Guedes e Lucimar S. C. Mendonça. Salvador: [s.n.], 2006, p. 43.
272 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

o grupo explodiu bombas no Diretório Acadêmico de Medicina da UFMG,


onde alunos discutiam a reorganização União Nacional dos Estudantes
(UNE), e em dependências do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da
mesma universidade. O movimento estudantil mineiro já fora objeto de
atentados por parte do Movimento Anticomunista (MAC), que, em junho
de 1977, perturbara os trabalhos do III Encontro Nacional de Estudantes, em
Belo Horizonte. Finalmente, na madrugada do dia 19 de abril, bombas explo-
diram em frente à residência de Helena Grecco, que hospedava Therezinha
Zerbine.342 No dia 5 seguinte, os atentados seriam denunciados na Câmara
pelo deputado João Gilberto (MDB-RS), que manifestou estranheza diante
de declarações das autoridades governamentais que se consideraram impo-
tentes para identificar publicamente os responsáveis pelos atos.343
E foi justamente da extrema-direita que surgiu um forte alento para a
campanha pela anistia. Mas da extrema-direita chilena. O governo do ge-
neral Augusto Pinochet decretou, em inícios de abril, um indulto em be-
nefício de 224 presos políticos e, no dia 18, uma anistia política. Ainda que
os anistiados devessem submeter-se ao controle da ditadura, a medida foi
utilizada pela oposição emedebista, Igreja, MFPA etc. como indicador de
que o Brasil não podia demorar mais a adotar a anistia, sob pena de “ficar à
direita de Pinochet”, como disse o deputado mineiro Tancredo Neves, então
líder do MDB na Câmara.344 No dia 20, o deputado Celso Barros (MDB-PI)
comentou a concessão de anistia política no Chile, frisando que ato de tal
natureza constituía “uma advertência aos regimes fortes, como o do Brasil”.
Na mesma sessão, o deputado João Cunha (MDB-SP) se deteve na análise
das transformações por que estariam passando “regimes discricionários”,
como o do Chile, que, seguindo o do Peru, decretara anistia ampla, e o da
Bolívia, que se preparava para restabelecer eleições livres, após a derrocada
do regime ditatorial encabeçado pelo general Hugo Banzer (1971-1978). O
ato no Chile motivou, ainda, intervenção do deputado Milton Steinbruch
(MDB-RJ), que questionou como, depois da anistia concedida por aque-
la ditadura, ficaria a situação do ex-deputado emedebista Francisco Pinto,
que perdera o mandato depois de incurso na Lei de Segurança Nacional e

342
Em Tempo, São Paulo, n. 20, 17 a 23 de julho de 1978, p. 7.
343
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Históri-
co de Debates, sessão em 10 de maio de 1978.
344
Jornal do Brasil, 21 de abril de 1978.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 273

condenado pelo Supremo Tribunal Federal por ter chamado de “açouguei-


ro” o general Augusto Pinochet, chefe do regime chileno.345
A anistia se tornava, aceleradamente, uma bandeira palatável para amplos
setores da oposição democrática. A própria presidente do MFPA, Therezinha
Zerbine, registrava a evolução do movimento pela anistia: “No começo, a pa-
lavra ‘anistia’ inspirava tanto pavor que, às vezes, eu me sentia uma leprosa
− todo mundo corria de mim”.346 Agora, a situação era diferente:

Nunca a imprensa falou tanto sobre o tema − e tão livremente − como ago-
ra. Sessões públicas pela anistia são realizadas sem maiores percalços. E os
núcleos do MFA, surgidos desde 1975, multiplicaram-se por uma dezena
de estados, integrados geralmente por mães, esposas e outros familiares de
condenados, além de estudantes e profissionais liberais.

Em abril de 1978, ainda segundo Zerbine, só não havia núcleos do


MFPA nos estados do Pará, Maranhão e Mato Grosso e nos territórios.347 E
continuava ampliando-se a base de apoio da exigência, não apenas de anis-
tia, mas das liberdades democráticas em geral. Também no dia 20 de abril, a
Sociedade Brasileira de Física lançou um manifesto em que exigia a imedia-
ta reintegração dos cientistas aposentados compulsoriamente ou vítimas de
“cassações brancas”, que estariam sendo impedidos de receber bolsas de es-
tudos, auxílios para participação em eventos no exterior, contratação após
aprovação em concursos etc.: “Esses atos resultam da atividade de setores
de informação e segurança existentes nas instituições e agências de ensino
e pesquisa, que prestam dessa forma um desserviço à cultura brasileira”.348

345
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Históri-
co de Debates, sessão em 20 de abril de 1978. Ver GUIMARÃES, Maria Beatriz Guimarães;
MARQUES, Ana Amélia. Francisco Pinto. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Di-
cionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós-1930.
346
Jornal do Brasil, 16 de abril de 1978.
347
Idem. Na época, Amapá, Roraima, Rondônia e o arquipélago de Fernando de Noronha
eram enquadrados na categoria “territórios”.
348
Movimento, São Paulo, 24 de abril de 1978. Sobre esse tipo de ação dos órgãos de segu-
rança, ver LAGOA, Ana. SNI, como nasceu, como funciona. São Paulo: Brasiliense, 1983;
FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia
política. Rio de Janeiro: Record, 2001; ANTUNES, Priscila Carlos Brandão. SNI & ABIN.
Uma leitura da atuação dos serviços secretos brasileiros ao longo do século XX. Rio de Ja-
neiro: Editora FGV, 2002.
274 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Em 7 de maio, ao abrir a VII Conferência Nacional do Conselho Federal


da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Curitiba, o jurista Raimun-
do Faoro voltou a defender o restabelecimento da plenitude do direito de
habeas corpus como passo inicial do processo rumo ao Estado de direito.
Os participantes aprovaram, no dia 12, a Declaração de Curitiba, que exi-
giu, também, a revogação do AI-5 e outras medidas, porque a sua simples
revogação não conduziria ao Estado de direito, já que a Constituição em
vigor era ilegítima e o trazia incorporado. Quanto à anistia, o documen-
to reafirmou a antiga posição favorável dos advogados: “A anistia, embora
não leve, por si só ao Estado de direito […] não é reivindicação exclusiva
de classes ou grupos, mas constitui o necessário pacto de convivência de
todos os brasileiros”.349 Neste ínterim, realizou-se em Recife, no dia 9 de
maio, a 11ª Reunião Brasileira de Antropologia, quando foi aprovada nota
em defesa da anistia ampla, geral e irrestrita e de apoio à greve de fome dos
presos políticos.350
No entanto, nem tudo era harmônico no interior do movimento. O se-
tor gaúcho, por exemplo, defendia a anistia “recíproca”, “de parte a parte”,
na linha do deputado estadual Pedro Simon, “o primeiro político de algum
peso na oposição a falar em ‘esquecimento recíproco’ dos que agiram e dos
que sofreram”.351 Também se notavam divergências do MFPA em relação
a outras forças igualmente empenhadas na luta pela anistia. Em abril de
1978, já eram claras as diferenças, por exemplo, entre o MFPA, que acre-
ditava ser possível convencer o governo a conceder a anistia, e o CBA, que
entendia que apenas sob pressão de um movimento massivo ele cederia. As
diferenças polarizavam as forças no interior dos organismos de luta criados
para coordenar a campanha, como o Comitê Unitário pela Anistia, criado
em Porto Alegre. Em abril, a entidade se dividiu na hora de organizar um
ato pela anistia na capital gaúcha. Segundo a presidente do Movimento Fe-
minino pela Anistia estadual, Mila Cauduro, a posição do grupo, integrante
do Comitê, havia sido a favor de um ato no interior da Assembleia Legisla-
tiva, considerando que o CBA, com um mês de existência, ainda não estava
politicamente maduro para a realização de uma manifestação de rua. Onze
das vinte entidades presentes à reunião votaram a favor de um ato público,

349
MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os brasileiros, p. 134.
350
Jornal do Brasil, 10 de maio de 1978.
351
Veja, 1º de março de 1978, p. 35. A revista apoiava a tese da anistia parcial e restrita.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 275

que se realizaria em 26 de abril, quando 28 estudantes foram presos e po-


pulares, espancados.352
De 26 a 27 de abril, comitês pró-anistia no exterior realizaram o Encon-
tro de Paris para deliberar sobre uma linha de ação coordenada em apoio
à luta em curso no Brasil. A iniciativa voltava a mexer com um ponto bem
sensível do regime: a “imagem do país no exterior”. Empenhados em disso-
ciá-lo do modelo “republiqueta latino-americana”, os governos da ditadura
sempre procuraram legitimar-se perante setores da “opinião pública” ex-
terna, principalmente dos países credores do Brasil. E era em alguns desses
países que se concentrava a maioria dos grupos de exilados ativos politica-
mente. Observou um analista:

A anormalidade política era por demais evidente, no início dos anos 70,
para permitir o prolongamento indefinido da legitimidade que o regime
extraía da eficácia, tanto mais que às reações da sociedade, dentro do país,
começou a se somar a ação dos exilados, sobretudo os que se encontravam
na Europa Ocidental. Os exilados davam tranquilidade interna ao regime,
na medida em que se excluíam das lutas domésticas, mas lhe criavam des-
conforto externo, pois sua ação de denúncia através da imprensa interna-
cional era algo totalmente fora da capacidade de prevenção e represália por
parte dos detentores do poder. A simples existência de exilados brasileiros,
ademais numerosos e ativos, funcionava como sinal de problema que cum-
pria resolver e cuja resolução somente poderia ser obtida mediante aperfei-
çoamento político que permitisse a volta dos que se encontravam fora”. 353

Acompanhando a evolução do movimento no Brasil, os comitês no ex-


terior procuravam unificar politicamente as suas estratégias. Estiveram pre-
sentes ao evento os seguintes grupos: Comitê Brasil Anistia de Paris, Comitê
Colônia-Bonn da Alemanha Federal, Comitê de Anistia da Suécia, Comitê
de Solidariedade com o Povo Brasileiro de Genebra, Comitê Pró-Anistia Ge-
ral no Brasil de Portugal,354 Grupo de Solidariedade com a Anistia da Itália,

352
Jornal do Brasil, 16 de abril de 1978.
353
GÓES, Walder de. “A crise do regime e a sucessão de 1985”, p. 132.
354
Em Coimbra, foi lançado oficialmente, em 13 de julho de 1976, o Comitê de Coimbra
pela Anistia Geral no Brasil. Seu programa girava em torno da defesa dos seguintes pontos:
anistia geral para todos os presos políticos no Brasil; supressão de todos os organismos des-
tinados à repressão; punição de todos os responsáveis pelos atentados cometidos contra a
276 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Grupo Brasileiro de Apoio na Argélia à Luta pela Anistia, Grupo pela Anistia
no Brasil de Berlim Ocidental, Comitê Belga de Anistia no Brasil, Comitê
Brasil da Holanda e Comitê Dinamarquês de Anistia no Brasil. Os delegados
reiteraram o programa de luta do CBA: anistia ampla e irrestrita, volta dos re-
fugiados ao Brasil, anulação de todos os atos punitivos, fim da tortura contra
adversários do regime e ampliação das liberdades em geral. Para as entidades,
a anistia já se transformara em reivindicação de milhares de pessoas e nunca
estivera tão próxima de concretizar-se.355 O CBA da capital francesa, porém,
era o que mais procurava vincular o problema da anistia ao contexto mais
abrangente do regime implantado em 1964:

[…] o problema da anistia e dos exilados coloca, de fato, um outro bem


mais sério, amplo e importante: o da situação do país depois do golpe de
estado de 1964. Que a opinião pública saiba: se fomos punidos, foi porque,
juntamente com amplos setores da população − estudantes, camponeses,
operários, intelectuais, Igrejas etc. − nós nos revoltamos contra a violência
e o arbítrio de um regime ditatorial […].
Por quem fomos punidos? Por uma justiça de exceção, encarnação direta do
poder ilegítimo, arrebatado das mãos do nosso povo, e regrada por atos ins-
titucionais, decretos-leis ou mesmo por “leis” arrancadas de um parlamento
que está longe de representar a vontade popular. […]
Aos que pensam em nos separar fazendo uma discriminação entre “bons” e
“maus” exilados, banidos, presos, cassados etc., queremos dizer que eles se
enganam gravemente. Nossos atos foram políticos: todo outro tipo de con-
sideração serviria só a legitimar um estado de coisas que o povo repudia.356

A ênfase na luta pelo restabelecimento da democracia se associava ao


fortalecimento dessa perspectiva em território nacional. Desta ótica, mes-

pessoa humana; revogação de toda a legislação fascista e respeito pela Declaração universal
dos Direitos do Homem. Informe secreto do Centro de Informações da Aeronáutica – CI-
SA-RJ, 20 de setembro de 1976. Disponível em: <http://www.documentosrevelados.com.br/
wp-content/uploads/2015/09/ass-mulheres.pdf>. Acesso em: 4 set. 2015.
355
O Estado de S. Paulo, 28 de abril de 1978. Segundo outra fonte, os comitês pela anistia no
exterior eram, às vésperas da decretação da anistia: 22 na Europa, doze na África, quatro na
América Latina, um nos Estados Unidos e um no Canadá. O Globo, 24 de junho de 1979, p. 9.
356
“Declaração dos Brasileiros do CBA de Paris (proposta)”, documento para discussão in-
terna datado de 31 de março de 1978, citado em MIR, Luís. A revolução impossível. A es-
querda e a luta armada no Brasil. São Paulo: Best Seller, 1994, p. 688-689.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 277

mo a anistia parcial poderia ser entendida como um avanço rumo à demo-


cracia, como sustentava o clandestino Partido Comunista Brasileiro (PCB):
a anistia era uma medida política, que representaria, com outras conquis-
tas, a superação de uma “etapa sombria da vida nacional”. O partido lutava
por uma “anistia geral e irrestrita”, mas entendia que qualquer vitória que
se conseguisse na direção da anistia, “ainda que parcial”, seria importante,
merecendo “o empenho de todos os democratas”:

Representaria uma fratura no aparato jurídico-policial repressivo do regi-


me. Aliviaria situações de injustiça flagrante357 e integraria em seus direitos
de cidadania homens e mulheres representativos de diferentes correntes
políticas e de pensamento.
As vantagens de uma anistia parcial são evidentes: início de um processo
de reparação de arbitrariedades que tende a se tornar irreversível, passo
adiante na luta pela conquista das liberdades públicas e individuais. Mas
suas possibilidades negativas não podem ser subestimadas. Se a ditadura
tiver condições de conceder uma anistia parcial e restritiva como pretende
o chefe do SNI, ela estará tentando, através da discriminação, isolar objeti-
vamente algumas forças das demais que compõem o campo da democracia.

Para o partido a questão, portanto, era: “uma anistia parcial que se con-
siga obter servirá ou não, em que medida, para unir as forças que compõem
o campo democrático?”. A resposta dependeria da forma como a luta pela
anistia fosse inserida

[…] no processo geral da luta pela conquista pela de um regime demo-


crático. Regime democrático será aquele que substituir a ditadura. […] A
nós […] cabe defender renhidamente a proposta da anistia, ou de anistias,
como passos na marcha que nos levará ao fim da ditadura, jamais como
passos isolados. A anistia, medida política de caráter geral, é irmã gêmea
da Constituinte.358

357
A expressão por mim grifada sugere que o PCB se subordinava à direção liberal da cam-
panha pela anistia, que assinalava a existência de situações de prisões injustas entre os pre-
sos, o que implicava reconhecer que haveria caso de prisões justas, ainda que no quadro da
legalidade ditatorial.
358
“Anistia, uma campanha justa na luta pela democracia”. Voz Operária, n. 145, abril de
1978, p. 2. Grifos meus.
278 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Na Câmara, setores do MDB se manifestavam, tentando contribuir


para a ampliação do escopo do processo de transição para a democracia.
Era em torno desse eixo que giravam os variados argumentos dos seus
representantes. Exaltavam-se as posições tomadas pela Conferência Na-
cional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) em relação “à anistia como medida inerente ao restabelecimento
do Estado de direito no país”.359 Encarecia-se a necessidade da “imediata
concessão de ampla e irrestrita anistia aos brasileiros que, em represália à
posição política assumida, foram punidos pelas disposições da legislação
revolucionária vigente no país a partir de 1964”.360 Instava-se o futuro pre-
sidente, general João Batista Figueiredo, a seguir “os ensinamentos de seu
pai e reintegrar a nação brasileira no seu verdadeiro destino, promovendo
a anistia ampla e restabelecendo o respeito aos direitos humanos, à liber-
dade, à justiça social e à crítica oposicionista”,361 bem como a “propiciar
autênticas reformas institucionais através da anistia ampla e a convoca-
ção de uma assembleia nacional constituinte”.362 Considerava-se a anistia
como primeiro passo em direção à normalização institucional, “por estar
sendo pedida por todos os setores da população”.363 Apoiava-se a “luta
do MDB pela anistia ampla, pela assembleia nacional constituinte e por
uma “autêntica democracia”, que “não podem ser objeto de barganha ou
concessões por meias-reformas ou algumas poucas medidas liberalizado-
ras”.364
Ainda nos primeiros dias de maio, a CNBB se manifestou a favor das
reivindicações dos presos políticos do Presídio de Itamaracá (PE), nova-
mente em greve de fome pela quebra do isolamento a que estavam sub-

359
Deputado José Maurício (MDB-RJ), Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Ta-
quigráfico de Debates. Seção de Histórico de Debates, sessão em 28 de abril de 1978.
360
Deputado Israel Dias Novais (MDB-SP), idem, sessão em 3 de maio de 1978.
361
Deputado José Carlos Teixeira (MDB-SE), idem, sessão em 8 de maio de 1978.
362
Deputado Odacir Klein (MDB-RS), idem, sessão em 8 de maio de 1978.
363
Deputado Antônio Pais de Andrade (MDB-CE), idem, sessão em 9 de maio de 1978.
Nessa mesma sessão, o deputado Rui Brito (MDB-SP) tocou em um ponto que viria a cons-
tituir elemento complicador da concessão de anistia. Reportou-se a atos do governo Castelo
Branco na vigência do Ato Institucional baixado em 9 de abril de 1964, que, na sua opinião,
“não concedia ao presidente da República poderes para nomear ou demitir empregados das
empresas de economia mista, que tinham […] direito à estabilidade”. Por isso, sustentava
que se devia conceder anistia a esses trabalhadores, objeto do projeto de lei que prometia
apresentar em breve.
364
Deputado João Gilberto (MDB-RS), idem, sessão em 11 de maio de 1978.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 279

metidos Carlos Alberto Soares e Rholine Sonde Cavalcante, condenados


à prisão perpétua. Iniciado em 14 de novembro e interrompido em 8 de
dezembro do ano anterior, o movimento recomeçara em 17 de abril e se
alastrava por vários presídios políticos do país. O apoio da Igreja não se
estendia à forma de luta, que poderia conduzir à morte por suicídio, con-
trariando o quinto mandamento da religião católica − “Não matarás”.365
O MPFA mineiro distribuiu milhares de cartões-postais para que simpa-
tizantes da entidade ou do movimento grevista escrevessem mensagens
de solidariedade aos presos, que seriam enviadas pelo correio. Em inícios
de julho, dezenas desses cartões, com alterações no endereçamento e, um
deles, trazendo o lema do Grupo Anticomunista (GAC) ‒ “Existe uma lei
imutável que nunca poderemos ludibriar: para cada ação, uma reação”
‒, seriam despejados no jardim da residência de Helena Grecco, líder do
MFPA-MG, indicando ter havido interceptação da correspondência na
penitenciária pernambucana onde estavam reclusos os dois presos que
haviam motivado a greve de fome.366 Em apoio ao protesto, realizou-se
em 2 de maio de 1978, na ABI, uma mesa-redonda sobre a anistia, com
participação de representantes da OAB, entidades estudantis, Movimento
de Convergência Socialista, jornais Em Tempo e Versus e Sociedade Es-
tadual dos Professores (SEP). Finalmente, a greve dos quinze presos de
Itamaracá se encerrou no dia 9, depois que a Justiça Militar aceitou rein-
tegrar os dois condenados à prisão perpétua ao convívio com os demais
presos. O resultado decorreu de negociações de que participaram várias
entidades, como a CNBB, OAB-PE, Comissão de Justiça e Paz da Arqui-
diocese de Olinda e Recife, Centro de Defesa dos Direitos Humanos da
Paraíba, Comissão de Direitos Humanos e Diretório Regional pernambu-
cano do MDB.367 No dia seguinte, cerca de três mil pessoas se reuniram
em frente à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em ato
público a favor da anistia ampla, geral e irrestrita.368

365
O Globo, 6 de maio de 1978. Ver MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os brasilei-
ros, p. 136, para detalhes da mobilização nacional e resultado do movimento; o manifesto
está em Movimento, São Paulo, 24 de abril de 1978.
366
Em Tempo, São Paulo, n. 20, 17-23 de julho de 1978, p. 7.
367
Jornal do Brasil, 10 de maio de 1978.
368
Brasil dia a dia, p. 116.
280 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

2.6 O CBA-SP

Enquanto se resolvia a greve de fome dos presos políticos, outra articulação


grevista, destinada a pesar no processo político, estava em andamento. Em
agosto de 1977, a partir de cálculos do Banco Mundial, o Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) realizara
pesquisas que revelaram ter o Ministério da Fazenda, quando sob a chefia
de Antônio Delfim Netto (1969-1974), falsificado os índices oficiais de in-
flação relativos ao ano de 1973. Para incrementar a política de consolida-
ção do “Milagre brasileiro”, anunciando que o governo conseguira atingir
a meta de 12% de inflação anual, os salários deixaram de ser corrigidos em
34,1%. Em face da informação, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo
havia entrado com uma ação na Justiça Federal, reivindicando o reconhe-
cimento das perdas salariais decorrentes da manipulação. Embora inicial-
mente dividido quanto à possibilidade de vitória jurídica, o movimento
sindical acabou fazendo da reposição salarial o eixo das suas reivindicações
e avançou nos planos da organização e da mobilização. Observou-se em
certas categorias, a partir daí, uma maior aproximação dos dirigentes em
relação às suas bases, com a realização de atividades nas empresas por ini-
ciativa dos delegados sindicais e em torno da denúncia da política salarial
praticada pelos governos da ditadura, da defesa da negociação direta, do
contrato coletivo de trabalho etc.
Um analista percebeu, logo no início da campanha salarial dos meta-
lúrgicos paulistas, conexões entre a maneira como o governo reagiu a ela ‒
buscando estabelecer algum tipo de diálogo com os dirigentes sindicais ‒ e
os movimentos mais profundos do processo de transição política em curso,
tanto no plano nacional quanto no internacional:

Os americanos […] verificam que esse parceiro importante encontra-se


atravessado por dilemas políticos que podem comprometer seu futuro
como área de expansão do sistema capitalista ocidental. Por esse motivo,
Carter estaria desejoso de que se operassem no Brasil mudanças políticas
capazes de prevenir convulsões.
[…] Os esforços de Geisel nesse sentido são vistos com entusiasmo por di-
plomatas norte-americanos e executivos de empresas multinacionais. Gei-
sel opôs-se fortemente a que as reivindicações trabalhistas, iniciadas pelo
movimento dos metalúrgicos de São Paulo, fossem tratadas com a dureza
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 281

habitual do regime. Forçou a procura de conciliação. Executivos de multi-


nacionais, que têm frequentado Brasília assiduamente, e diplomatas norte-
-americanos entendem que a atual liderança sindical é “positiva” e ajustada
ao regime. Não atendê-la nas reivindicações atuais será muito perigoso,
pois isso facilitaria o aparecimento de lideranças sindicais alternativas, à
esquerda das atuais, capazes de dramatizar solicitações políticas e sociais
passíveis de conduzir o país à convulsão.369

Instruída por uma perícia, a juíza federal que cuidava do caso deu ga-
nho de causa ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, estabelecendo o
índice de 34,1% como parâmetro para a reposição salarial. A partir daí, es-
truturou-se o trabalho de organização de um movimento grevista que teria
como epicentro a região do ABC paulista, onde se encontrava o grosso da
indústria automobilística em território nacional. A localização da vanguar-
da grevista não se deveu a fatores aleatórios, mas às próprias características
da modernização industrial desencadeada no período 1968-1973. Segundo
uma analista:

O modo de acumulação em vigor e o surto do “milagre” intensificando a


industrialização conduziram a um crescimento numérico do proletariado
industrial no setor moderno: este crescimento numérico constitui-se numa
das razões da multiplicação dos sindicatos, cujo número dobrou entre 1964
e 1977 e a taxa de sindicalização crescente, mais rápida nos setores de ponta
como a metalurgia, onde, entre 77 e 78, o número de mulheres sindicaliza-
das triplicou.
A expansão destas indústrias e, em particular, o boom da indústria auto-
mobilística, está na origem da campanha pela “reposição salarial”, lançada
pelos sindicatos metalúrgicos em 1977: devido à manipulação dos índices
de inflação em 1973 e 1974, reconhecida pelo governo, eles podem reivin-
dicar a diferença de salário correspondente a estes dois anos, argumentando
sobre a produtividade elevada da indústria onde trabalham.370

369
GÓES, Walder de. Brasil-Estados Unidos (2/10/1977). In: ______. O Brasil do General
Geisel. Estudo do processo de tomada de decisão no regime militar-burocrático. Rio de Ja-
neiro: Nova Fronteira, 1978. p. 175-176.
370
HIRATA, Helena. Movimento operário sob a ditadura militar (1964-1979). In: LÖWY,
Michel et al. Introdução a uma história do movimento operário brasileiro no século XX. Belo
Horizonte: Vega, 1980. p. 103.
282 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Após uma paralisação parcial em duas fábricas no dia 10 de maio, que


funcionou como um “ensaio geral”, a greve foi desencadeada dois dias
depois, quando mais de três mil operários da empresa Scania, localizada
em São Bernardo, entraram na fábrica, mas permaneceram inativos. Em
seguida, trabalhadores de várias outras empresas da região paralisaram os
trabalhos. O movimento chegou à cidade de São Paulo no dia 26.
A greve marcou o reinício das mobilizações sindicais massivas no país,
interrompidas desde as paredes de 1968 em Contagem (MG) e Osasco (SP).
A edição do Ato Institucional nº 5, em dezembro daquele ano, restringira
drasticamente a já precária liberdade de expressão e representação nos sin-
dicatos, que precisaram limitar as suas atividades a práticas assistenciais e
de resistência molecular clandestina. Agora, embora a greve fosse ilegal,371 a
estratégia de distensão política praticada no plano nacional recomendou ao
governo uma atitude mais cautelosa diante do movimento, combinando-se
um acompanhamento a partir da infiltração de agentes do DOPS (Departa-
mento de Ordem Política e Social) e da Polícia Federal com a manutenção
de canais de negociação.

Em 1978, os metalúrgicos da região do ABC abriram um ciclo de gre-


ves sem precedentes na história dos conflitos brasileiros. Sua principal
característica durante a década foi a incorporação crescente de catego-
rias ou segmentos de trabalhadores que jamais haviam experimentado
o confronto direto. Em 1978, foram deflagradas 118 greves, e dez anos
depois elas passaram a somar 2188. O número anual de grevistas aumen-
tou sessenta vezes e, entre esses mesmos anos, o número de jornadas não
trabalhadas (o indicador síntese de greves) pulou de 1,8 milhão para 132
milhões.372

371
Depois do golpe, a Lei nº 4.330, de 1º de junho de 1964, regulamentou o direito de greve
em condições tão restritivas que passou a ser conhecida como “Lei do delito de greve”. O
Decreto-lei nº 1.632, de 4 de agosto de 1978, proibiria a greve nas “atividades essenciais
de interesse da segurança nacional”, como “as relativas a serviços de água e esgoto, ener-
gia elétrica, petróleo, gás e outros combustíveis, bancos, transportes, comunicações, carga
e descarga, hospitais, ambulatórios, maternidades, farmácias e drogarias, bem assim as de
indústrias definidas por decreto do Presidente da República”.
372
NORONHA, Eduardo. A explosão das greves na década de 80. In: BOITO JR., Armando
(Org.). O sindicalismo brasileiro nos anos 80. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. p. 95.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 283

Em 12 de junho, foi assinada a primeira convenção coletiva realizada no


Brasil pelo Sindicato Nacional da Indústria de Tratores, Caminhões, Auto-
móveis e Veículos Similares (SINFAVEA) e o Sindicato dos Metalúrgicos
de São Bernardo do Campo. Findo o movimento, quase 200 mil operários
obtiveram aumentos salariais, embora nenhuma empresa tenha reposto os
34% reivindicados. Um item da convenção garantia, porém, que os aumen-
tos não seriam compensados nos futuros dissídios coletivos nem repassa-
dos para os preços dos produtos.373
Embora a greve tenha sido motivada por razões de natureza econômica,
acabou assumindo um significado acentuadamente político:

Primeiro, porque representava um desrespeito à lei de greve. Segundo, por-


que a própria recuperação da capacidade de defesa dos interesses econô-
micos dos trabalhadores abalava um dos três pilares do sistema de exclu-
são dos sindicalistas da arena política, isto é, daqueles que os retirava das
arenas de negociações. Terceiro, porque o apoio recebido de parcelas das
lideranças políticas do MDB […], de associações da sociedade civil e, so-
bretudo, a simpatia de parte considerável da população evidenciavam que o
crescimento do movimento em favor da democracia não se restringiria ao
protesto pelo voto das eleições de 1974 e 1976.
Dessa forma, as greves de 1978, embora relativamente pouco numerosas (se
comparadas aos anos posteriores), quase exclusivamente do setor privado
(91,5%), metalúrgicas (53,4%) e paulistas (85,6%), transformaram-se em
marco do processo de transição brasileira. O projeto distensionista de Geisel
[…] não incluía e não previa, ao menos a curto prazo, o aumento da liberda-
de sindical. Nesse sentido, as greves do ABC, reprimidas, mas não solapadas
como as de 1968, elevaram a política de abertura um degrau acima.374

Entretanto, o próprio autor acima citado reconhece que “os limites da


força sindical e do espaço aberto no ‘pacto de elites’ foram dados pela sua

373
Disponível em: <http://www.abcdeluta.org.br/materia.asp?id_CON=34>. Acesso em: 12
fev. 2014.
374
NORONHA, Eduardo, op. cit., p. 104. Para um aprofundamento no tema da relação entre
o movimento sindical e o processo político nesse momento, ver, do mesmo autor, Greves na
transição brasileira. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 1992.
284 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

incapacidade de alterar, para além da agenda, as políticas de governo”.375 A


reestreia dos trabalhadores organizados no cenário político não poderia se
dar de forma imprevistamente avassaladora, dadas as características e as di-
mensões da sua presença na economia nacional. Por isso, as greves de 1978
têm sido consideradas, corretamente, um “ensaio geral” para apresentações
mais retumbantes, que expressariam, na década seguinte, a elevação das
campanhas e organizações sindicais a patamares mais complexos da luta
de classes, particularmente com a fundação do Partido dos Trabalhadores
(PT), em 1980, e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983.
No mesmo dia 12 de maio em que o estado assistia ao início da greve
dos metalúrgicos, surgia o núcleo paulista do Comitê Brasileiro pela Anis-
tia (CBA-SP), em reunião na Câmara Municipal de São Paulo, a que esti-
veram presentes cerca de setecentas pessoas. Na ocasião, foi aprovada uma
proposta política em relação à luta pela anistia. O documento expressava a
ideia de que, finalmente,

a anistia, a mais ampla e a mais irrestrita, os delitos políticos cometidos nes-


se longo período e previstas por uma draconiana legislação de exceção, en-
contra afinal o seu momento. E deve, por igual, acolher em seu manto todos
os brasileiros que foram apartados do convívio nacional e que anseiam por
participar livremente do processo político brasileiro, mas que se encontram
de mãos atadas, presos, cassados, banidos ou exilados, que sofreram e so-
frem perseguições, pelas posições políticas que adotaram, porque também,
patriotas, ousaram dissentir dos senhores do Poder. […]
Repudiamos as medidas de meios tons que se anunciam e que a nada irão levar,
senão à permanência do sistema burocrático-militar que nos oprime e agride a
consciência da Nação. Anistia ampla, geral e irrestrita é a nossa aspiração.
Aqui proclamamos nossa disposição de, unidos, levar à vitória esta luta, hoje
anseio de todos os cidadãos brasileiros sedentos de liberdade e justiça.376

Com a criação do CBA-SP, o quadro de seções passou a ser o seguinte:


Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mi-
nas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São

Op. cit., p. 122.


375

376
Inventário CBA-Unicamp, pasta 15. Carta de Hélio Bicudo lida durante o lançamento
do CBA-SP em 12 de maio de 1978, que coincide com a carta política aprovada na ocasião.
O jurista foi, portanto, o autor. Em Tempo, São Paulo, n. 12, 22-28 de maio de 1978, p. 11.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 285

Paulo. No exterior, havia comitês em Berlim, Bruxelas, Lausanne (Suíça),


Londres, Paris e Roma. As dimensões da atuação dos comitês pela anistia
foram avaliadas assim:

Os CBAs representaram um papel decisivo na mobilização da opinião pú-


blica, não só por terem levantado a bandeira da anistia em todos os lugares
onde houvesse um movimento estudantil mais dinâmico, como, sobretudo,
por terem estabelecido as ligações de apoio com a imprensa internacional e
as organizações internacionais de defesa dos direitos humanos.377

As seções fluminense e paulista eram as mais importantes do movimen-


to, as que desempenharam maior papel político, que promoveram maior
número de ações, protestos etc. Naturalmente, isto se deveu ao fato de se
localizarem nas duas principais cidades do país (excluindo-se Brasília, a
capital). Palco de importantes manifestações políticas, Rio de Janeiro e São
Paulo concentravam a maior parte da riqueza e do setor industrial, bem
como os mais expressivos contingentes das classes operária e média do país.
Embora conectados pela identidade de ideias − em geral formadas nos
congressos de anistia e por meio de frequentes contatos −, os CBAs eram
organizados de maneira autônoma em cada estado e não estavam subme-
tidos a uma centralização nacional. Do ponto de vista jurídico, poderiam
diferir quanto à estrutura. O comitê do Rio de Janeiro, por exemplo, era
formado por pessoas físicas. Já a seção paulista reunia representantes de en-
tidades de médicos, advogados, jornalistas e organizações sindicais, por ter
prevalecido, quando da sua fundação, o entendimento de que essa forma
fortaleceria o compromisso das mesmas com a campanha e, de outro lado,
permitiria a formação de uma frente política que incluiria as principais cor-
rentes engajadas na luta ela anistia.378
De acordo com seu estatuto, o CBA-SP era composto de uma Unidade
de Direção, integrada pela Coordenação Geral, pela Comissão Executiva,
pela Assembleia Geral e por comissões de trabalho, divididas entre as fun-

377
ALVES, Márcio Moreira. Teotônio, guerreiro da paz, p. 170. Sobre o movimento no Rio
Grande do Norte, ver MEDEIROS, Aliny Dayany Pereira de. O Comitê pela anistia no Rio
Grande do Norte e a Associação Norte-Rio-Grandense de Anistiados Políticos como espaços de
história, memória e política (1979-2001). Dissertação (Mestrado em História e Espaços) –
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012.
378
CBA-SP, “Balanço político e organizativo dos movimentos de anistia”, junho de 1979.
286 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

ções de secretaria, finanças, redação e divulgação. A Unidade de Direção e


suas subdivisões, assim como as comissões de trabalho, tinham atribuições
específicas que garantiam o desempenho do CBA. À Comissão Executi-
va,379 composta por representantes de nove entidades eleitos pela Coorde-
nação Geral para mandato de um ano, cabia, por exemplo, propor planos
de atividades, instalar comissões de trabalho e acompanhar suas atividades,
convocar assembleias gerais etc. À Assembleia Geral cabia se reunir, quan-
do convocada pela Comissão Executiva ou pela Coordenação Geral, para
deliberar sobre “assuntos de gravidade ou emergência ou sobre a realização
de ato público e seu encaminhamento, mobilização de setores e divulgação”.
Pessoas físicas poderiam fazer parte do CBA-SP como membros efetivos e
participantes da Assembleia Geral.
Compunham a Coordenação Geral as seguintes entidades: Sindicato dos
Professores - SINPRO (Oposição Sindical), IAB (Instituto dos Arquitetos do
Brasil), Oposição Metalúrgica de Santo André, jornal Nós Mulheres, IEPES
(Instituto de Estudos e Políticas Econômicas e Sociais), ASESP (Associa-
ção dos Sociólogos do Estado de São Paulo), jornal Brasil Mulher, Sindicato
dos Jornalistas, Centro de Desenvolvimento da Mulher, Comissão de Mães,
AMERESP (Associação de Médicos Residentes de SP), Núcleo de Familia-
res de Presos Políticos, Comissão Arquidiocesana de Direitos Humanos,
ADUSP (Associação de Docentes da USP), Movimento Convergência Socia-
lista, ADUNESP (Associação de Docentes da Universidade Estadual Paulis-
ta), Oposição Sindical dos Professores, União Estadual dos Estudantes, Cen-
tro Brasileiro de Estudos de Saúde, Associação dos Médicos Sanitaristas do
Estado de São Paulo, Movimento Mulheres Artistas pelos Direitos Humanos,
CBA-Santos, Sindicato dos Artistas, Oposição Sindical dos Bancários, Mo-
vimento Unidade e Participação dos Advogados, Movimento Feminino pela
Anistia, CBA-Campinas, CBA-RJ, ABI (Associação Brasileira de Imprensa),
Diretório Central dos Estudantes da Universidade de São Paulo e Diretório
Central dos Estudantes da Pontifícia Universidade de São Paulo.
Observa-se, na composição do CBA-SP, a concretização da proposta de
congregar diversos movimentos de oposição ao regime ditatorial em torno

379
Entre as entidades que compunham a Comissão Executiva do CBA-SP, estavam: Mo-
vimento Unidade e Participação dos Advogados, Associação dos Médicos Sanitaristas do
Estado de SP, Associação de Docentes da Universidade de São Paulo (ADUSP), Sindicato
dos Artistas, Convergência Socialista, União Estadual dos Estudantes (UEE), CBA-RJ e o
Núcleo de Familiares de Presos Políticos.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 287

da bandeira de luta pela anistia ampla, geral e irrestrita.380 O manifesto di-


vulgado na ocasião se destaca pela ênfase na denúncia de que os responsá-
veis por prisões arbitrárias e torturas − uma “cruel realidade” − “gozam da
mais absoluta impunidade”.381

De acordo com sua Carta de Princípios, o CBA-SP tinha os seguintes obje-


tivos básicos:
Lutar pela anistia ampla e irrestrita capaz de beneficiar todas as pessoas
punidas por motivos políticos, sem que para isso lhes fossem impostas res-
trições ou condições;
Repugnar quaisquer formas incompletas, insatisfatórias, imperfeitas e par-
ciais de anistia, inclusive aquela que viesse a beneficiar “os algozes do regi-
me”, ou seja, os torturadores;
Lutar pela liberdade de palavra, de expressão e de manifestação, o que bene-
ficiaria a imprensa escrita, falada e televisada, o teatro, os artistas, o cinema
e até mesmo o Congresso Nacional;
Lutar pela liberdade de associação e de reunião, pela autonomia sindical e
pelo direito de greve, o que permitiria a reorganização de associações pro-
fissionais, culturais, científicas e gremiais e
Lutar pela liberdade de ação política e partidária, pondo fim ao bipartida-
rismo e às eleições indiretas e possibilitando o surgimento de novos parti-
dos, inclusive representados por operários.

A reivindicação de anistia ampla, geral e irrestrita era, portanto, inserida


em um programa bem mais lato de bandeiras contra a ditadura. Entendia-
-se a anistia política como um instrumento necessário ao retorno da demo-
cracia e à luta pelo respeito aos direitos humanos. No contexto do processo
de distensão, tentava-se explorar brechas abertas pela estratégia oficial de
transição negociada, em que a oposição podia obter vitórias parciais, mas
eventualmente relevantes para a redefinição da luta política. Assim, o CBA
se distinguiu do Movimento Feminino pela Anistia por uma perspectiva

380
Esta política de frente não era específica de São Paulo, como indica o lançamento, em 8
de abril, do Comitê Unitário de Luta pela Anistia de Porto Alegre, formado por 32 entida-
des, entre as quais o Movimento Feminino pela Anistia, o Diretório Central dos Estudantes
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o Setor Jovem Metropolitano do MDB e a
Associação Gaúcha de Médicos Residentes
381
Jornal do Brasil, 9 de abril de 1978.
288 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

mais politizada, graças à conjuntura em que surgiu, correspondente a um


momento já mais avançado da “distensão lenta e gradual” dirigida pelo ge-
neral Geisel. A Carta de Princípios do CBA-SP sugere que o Comitê Bra-
sileiro pela Anistia visava contribuir para o fim desse gradualismo e para a
transferência da iniciativa política aos movimentos sociais emergentes, que
tentavam se aglutinar em torno da bandeira da anistia ampla, geral e irres-
trita. O momento era entendido como favorável a esta estratégia, porque,

[…] pouco a pouco, o povo brasileiro foi rompendo, primeiro a barreira


do medo, depois a do silêncio, por fim a do isolamento. E, gradativamente,
através de lutas que cada vez mais tendem a generalizarem-se, parcelas de
trabalhadores vêm se opondo à exploração econômica, setores da socieda-
de civil vêm se contrapondo à dominação política do Estado, exigindo o
fim desse regime, lutando por amplas liberdades políticas e democráticas,
nem relativas e nem futuras. Os setores mais organizados da sociedade têm
conseguido, assim, conquistar formas de luta econômica e política que aca-
bam por obrigar ao alargamento de fissuras e brechas no bloco dominante,
arrancando concessões e compromissos que, se já são animadores, ainda
são insuficientes.382

Contudo, insuficiente era também a unidade na frente pela anistia. Em 4


de maio, o CBA promoveu um ato na Assembleia Legislativa do Rio Gran-
de do Sul em que o general Peri Constant Bevilaqua proferiu uma palestra
sobre a anistia e novamente esteve no centro das atenções. Em entrevista
após o evento, o general esclareceu que se encontrava engajado na campa-
nha por convicção política, e não por interesse pessoal, pois, embora tivesse
sido afastado arbitrariamente do Superior Tribunal Militar (STM) em janei-
ro de 1969, já não tinha idade para retornar ao Exército: “Fui aposentado
quando faltavam poucos meses para eu atingir os setenta anos. Meu afas-
tamento, assim, seria natural. Mas, a má vontade política não atenta para
estas coisas.” Na mesma ocasião, voltou a defender a anistia “recíproca”: “A
anistia não deve ser retardada nem excluir os crimes mais hediondos, desde
que praticados com motivação política”.383 Em defesa desta tese, Bevilaqua

382
“Carta de Princípios e Programa de Ação Mínimo” divulgado pelo CBA-SP em julho de
1978, Arquivo Edgar Leuenroth.
383
O Estado de S. Paulo, 13 de abril de 1978.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 289

protagonizara, na véspera, um diálogo emblemático das limitações que sua


posição política apresentava. Durante reunião na ABI, a defendia,384 quan-
do foi interrompido por alguém que descreveu as torturas e a morte de seu
irmão, um preso político dado como desaparecido, perguntando ao final:
“General, como desarmar os espíritos agora? Como esquecer o que passou?
Como é que o senhor quer que a minha família esqueça o sequestro, tor-
tura e morte de meu irmão pelo I e II exércitos em 1974?”. A presidente do
Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), Therezinha Zerbine, interveio,
então, para conter o agravamento da carga emocional da reunião, prome-
tendo que os fatos se encarregariam de inviabilizar, ao menos até o momen-
to em que escrevo: “Não adianta, aos que lutam pela anistia, radicalizar essa
luta, porque agora nós somos os mais fracos. Quando o país reencontrar a
democracia, a Justiça julgará os torturadores e os assassinos de presos po-
líticos”.385 Therezinha Zerbine mandava recado para as correntes situadas à
sua esquerda, como faria, alguns dias depois, em debate promovido pelos
estudantes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), quando lhes
ensinou que, na luta pela anistia,

devemos usar, contra a força bruta do sistema, a nossa inteligência, sem


radicalismo, porque o radicalismo não leva a nada.
O trabalho em prol da anistia não é feito por grupelhos políticos, não
tem partidarismo. Eu não aceito dogmatismos nem de esquerda nem de
direita.386

A preocupação “inteligente” em distinguir-se das facções políticas tinha


muito a ver com a conjuntura. A tática distensionista do governo, em cujo
êxito a oposição liberal-democrática apostava, estava prestes a enfrentar um
novo, e decisivo, teste de sobrevivência: a sucessão do general Ernesto Geisel.
Embora o general João Figueiredo já estivesse, desde o início do ano, no pa-
pel de “candidato” oficial, o momento sucessório não deixava de apresentar
um aspecto crítico. Como já foi visto, em 3 de janeiro, o chefe do Gabinete
Militar, general Hugo Abreu, insatisfeito com a escolha feita por Geisel, pedi-

384
Na ocasião, declarou-se, ainda, a favor da legalização do Partido Comunista e criticou
o AI-5, bem como a ideia de substituí-lo por salvaguardas para o Estado, que vinha sendo
aventada por representantes do regime.
385
O Estado de S. Paulo, 4 de maio de 1978.
386
Jornal do Brasil, 19 de maio de 1978.
290 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

ra demissão do cargo. Também a oposição se engajava no processo sucessó-


rio, pretendendo capitalizá-lo politicamente. Em 16 de maio foi anunciada a
candidatura oposicionista do general Euler Bentes Monteiro à presidência da
República, pela Frente Nacional de Redemocratização.387
Provavelmente, tentando aproveitar a discussão sobre a sucessão, que se
ampliava, “autênticos” do MDB intensificaram, nos dias que se seguiram, a
campanha pela anistia na Câmara. No dia 17 de maio, o deputado Getúlio
Dias (MDB-RS) registrava a realização, em Porto Alegre, de “manifestação
pública e pacífica em favor da anistia e pacificação da família brasileira”. Dois
dias depois, o deputado Sérgio Murilo (MDB-PE) voltou a focalizar o caso
Para-Sar, especialmente a punição imposta ao capitão Sérgio Miranda de
Carvalho e ao ex-deputado Maurílio Ferreira Lima (MDB-PE), para justifi-
car o pedido de concessão de anistia “aos que vêm sendo injustamente alcan-
çados pelo AI-5 e demais disposições legais vigentes a partir de 1964”.388 Em
24 de maio, o deputado Rui Brito (MDB-SP) propôs a concessão de anistia
aos trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que
haviam sido afastados de seus empregos com base no AI-1.389
A bandeira da anistia se elevava no cenário político e se tornava capaz,
até, de unificar momentaneamente as chapas concorrentes às eleições para
o Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), que
aprovaram em Assembleia Geral da entidade novo apelo pela anistia em mo-
ção conjunta que continha “três exortações destinadas a sensibilizar a opinião
pública para a importância, necessidade e urgência da medida pacificadora:
que se abram os cárceres, que voltem todos os exilados, que todos os brasilei-

387
O lançamento oficial aconteceria em 27 de julho. Brasil dia a dia, p. 116. Expressão de
dissidências no interior do bloco no poder, a FNR foi uma articulação lançada em maio de
1977 por José de Magalhães Pinto ‒ golpista histórico contra o governo de João Goulart,
banqueiro, ex-governador de Minas Gerais e então senador pelo estado ‒, com o propósito
de reunir setores civis e militares de oposição ao governo. Inicialmente, Magalhães Pinto
foi o candidato civil da FNR à sucessão do presidente Geisel, mas acabou substituído pelo
general Euler Bentes Monteiro, que se filiou ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB)
para viabilizar legalmente a sua candidatura, tendo o senador gaúcho Paulo Brossard como
vice. Realizado o pleito indireto em dia 15 de outubro de 1978, saíram vitoriosos os candi-
datos da situação, que obtiveram 355 votos contra 226 dados à chapa Euler-Brossard. “Euler
Bentes Monteiro”. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-biográfico
brasileiro pós-1930.
388
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Históri-
co de Debates, sessão em 19 de maio de 1978.
389
Idem, sessão em 24 de maio de 1978. O Globo, 25 de maio de 1978.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 291

ros possam falar e participar”.390 Em palestra realizada na Câmara Municipal


de São Paulo, em 28 de maio, Therezinha Zerbine advertia a plateia: “Hoje,
falar de anistia se fala de camarote, mas o começo foi muito duro, pois tí-
nhamos que conquistar o espaço político. Espaço político em uma ditadura
ninguém tem − se conquista”.391 Para consolidar simbolicamente este espaço,
ainda em maio, os jornais da “imprensa alternativa” O Pasquim, Movimento,
Jornal da ABI, Repórter, De Fato, Coojornal, Em Tempo e Bagaço se associa-
ram ao MFPA e ao CBA para lançar um concurso destinado a escolher um
cartaz que emblemasse a causa da anistia no Brasil. Os candidatos seriam
enquadrados em categorias que iam de estudantes em geral a profissionais
gráficos e concorreriam a prêmios constituídos por obras de alguns dos mais
expressivos artistas plásticos brasileiros então vivos, como Aldemir Mar-
tins, Ana Letícia, Carlos Scliar, Carlos Vergara, Glauco Rodrigues e Rubens
Gerchman, sendo que o vencedor absoluto receberia uma tela de Djanira.
Julgaria os trabalhos uma comissão composta por Iramaya Benjamin, Nina
Pereira Nunes, médica, e os chargistas Jaguar e Ziraldo.392

2.7 A conciliação como horizonte

Aos poucos, o campo parlamentar governista começava a aceitar a negocia-


ção em torno de algum tipo de anistia. Até mesmo o deputado José Bonifácio
(Arena-MG) ‒ líder do governo e representante da corrente mais direitis-
ta na Câmara, fazendo restrições ao projeto de reforma constitucional em
discussão, porque deixaria o Estado “menos fortalecido” para enfrentar a
subversão393 ‒, defendeu, em 9 de maio, a anistia parcial, menos para os acu-
sados de mortes, que seriam excluídos também do direito ao habeas corpus,
cujo restabelecimento defendeu.394 Em 12 de junho, o deputado Jorge Arbage
(Arena-PA) – notório e intransigente campeão da luta contra a anistia −, sin-
tomaticamente, admitiu a concessão de anistia “nos casos de ocasionais pu-

390
Boletim ABI, maio/jun. de 1978.
391
ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., p. 251.
392
Em Tempo, São Paulo, n. 9, 1-7 de maio de 1978, p. 2; Movimento Feminino pela Anistia
e Liberdades Democráticas. Origens e lutas. Rio de Janeiro: [s.n.], 1991, p. 30; Boletim ABI,
junho/ago. 1978.
393
ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930.
394
O Globo, 10 de maio de 1978.
292 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

nições injustas impostas a crimes de caráter nitidamente político, mas nunca


em sentido amplo e irrestrito […]”.395 A meio caminho entre o governo e a
oposição, o deputado Joaquim Bevilacqua (MDB-SP) – oposicionista ma non
troppo, próximo ao regime, tanto que, no ano seguinte, quando da reformu-
lação partidária, aderiria ao Partido Democrático Social (PDS), sucessor da
Arena – pregou “a reconstrução nacional, com anistia, participação, demo-
cracia e justa distribuição de renda, e conclamou o deputado Ulisses Guima-
rães a ser o grande comandante deste movimento”.396
Entre 20 e 27 de junho, pelo menos três deputados oposicionistas se
pronunciaram na Câmara pela anistia: Antônio José Nascimento – um
“autêntico” do MDB baiano – considerou imperativa a revogação das leis
de exceção e advogou a imediata concessão de anistia ampla e irrestrita;397
Paulo Marques (PR) incitou o seu partido a não se contentar com “refor-
mas que não signifiquem a volta do país ao Estado de direito, onde um dos
pressupostos fundamentais é a anistia”,398 e Aldo Fagundes (RS) – futuro
ministro do Superior Tribunal Militar (1986-2001) – insistiu na inclusão
da anistia nas reformas a serem votadas pelo Congresso Nacional.399 Aliás,
para que isso fosse possível, era preciso que o Congresso recuperasse o di-
reito de aprovar a anistia sem necessidade de sanção presidencial, o que o
senador Nelson Carneiro (MDB-RJ) pretendeu com a emenda constitucio-
nal para a qual começaria a coletar assinaturas em inícios de julho.400
Outras iniciativas que visavam fortalecer a campanha pela anistia acon-
teceram em junho: um encontro das entidades de anistia na sede da ABI,
no Rio de Janeiro, e a Semana de Solidariedade para a Anistia Geral no
Brasil, promovida em Colônia (então Alemanha Federal) pelo Comitê para
a Anistia Geral e Democracia no Brasil, ocasião em que o CBA deu início
ao levantamento da situação jurídica dos exilados brasileiros em dez paí-

395
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Históri-
co de Debates, sessão em 12 de junho de 1978. Em 3 de maio, Arbage desqualificara as cam-
panhas pela anistia e a constituinte, confiante na vitória do governo nas eleições previstas
para 15 de novembro seguinte. Idem, sessão em 3 de maio de 1978.
396
Idem, sessão em 12 de junho de 1978.
397
Idem, sessão em 20 de junho de 1978.
398
Idem, sessão em 23 de junho de 1978.
399
Idem sessão em 27 de junho de 1978.
400
Jornal do Brasil, 5 de maio de 1978. A proposta do senador Nelson Carneiro seria apre-
sentada ao Congresso em 4 de dezembro de 1978, recebendo o número 25/78.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 293

ses, visando facilitar a resolução de problemas com documentação.401 Em


seguida, a defesa da anistia política foi incluída na Carta de Princípios que
grupos oposicionistas ‒ os sindicalistas “combativos” ‒ conseguiram apro-
var no V Congresso Nacional dos Trabalhadores na Indústria, evento que
realizou-se no Rio de Janeiro, de 24 a 29 de julho, sob o controle de sindi-
calistas ligados ao governo.402
Em fins do primeiro semestre de 1978, já circulavam nos meio políti-
cos informações sobre intenções que o governo estaria amadurecendo no
sentido de aprofundar as reformas político-institucionais iniciadas com o
“Pacote de Abril”. Graças, segundo fontes da imprensa, à indiscrição de par-
lamentares arenistas que teriam tido acesso a um rascunho preparado por
Petrônio Portela, depois publicado, em 20 de junho, pelo jornal O Globo, ti-
nham-se por certas as seguintes medidas: restauração do direito de habeas
corpus para acusados de crimes políticos; revogação do Ato Institucional
nº 5; fim do poder conferido ao presidente da República para cassar man-
datos parlamentares; volta das imunidades parlamentares e estabelecimen-
to de salvaguardas do Estado.403
Finalmente, o projeto de reformas políticas do governo foi tornado pú-
blico pelo general Geisel no dia 23 de junho, por meio de cadeia nacional
de televisão. O Congresso tomou conhecimento formal do seu conteúdo
na sessão do dia 28, quando recebeu da Presidência a Proposta de Emenda
Constitucional nº 7/78 (CN).404 Além dos itens já conhecidos e debatidos
informalmente, anunciava-se a extinção dos poderes que o AI-5 conferira
ao presidente da República para: suspender direitos políticos; decretar in-
tervenção nos estados e municípios; decretar o Estado de sítio sem apoio
da maioria parlamentar; banir cidadãos brasileiros; transferir, demitir ou
cortar salários de juízes; decretar o recesso do poder Legislativo.
A redução dos poderes repressores do Executivo foi compensada, no
anteprojeto do governo, pelo detalhamento das mencionadas salvaguardas
do Estado. Em situações de guerra, mas também “para restabelecer a ordem

401
Ibidem. Desde o início do ano, em iniciativas individuais, exilados começaram a con-
seguir passaportes em embaixadas brasileiras, por força de recursos impetrados na justiça
federal. IstoÉ, 1º de março de 1978, p. 11.
402
ALVES, Maria Helena Moreira, Estado e oposição, p. 246-247.
403
Veja, 21 de junho de 1978, p. 20-21.
404
Ver a tramitação da emenda, até a sua promulgação, em <http://www2.senado.leg.br/
bdsf/bitstream/handle/id/224162/000393165.pdf?sequence=1>. Acesso em: 9 jan. 2014.
294 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

pública e a paz social” ou “para impedir ou repelir atividades subversivas


que ameacem o livre funcionamento dos poderes e de suas instituições”,
o presidente da República teria ao seu dispor, além do “estado de sítio”,
presente em todas as constituições modernas, o “estado de emergência” e
“medidas de emergência”. Entre estas, figuravam: obrigação de residência
em localidade determinada; detenção em edifício não destinado aos réus
de crimes comuns e censura, importadas do AI-5.405
Por fim, mas longe de ser menos importante, o anteprojeto incluía entre
as competências do Executivo, em caso de adoção do “estado de sítio”, a de
“intervenção em entidades representativas de classes ou categorias profis-
sionais” (art. 156 do texto definitivo). Dada a coincidência entre o anúncio
das reformas e a mobilização sindical por reajuste salarial em curso na re-
gião do ABC paulista, teve fundamento a observação feita pela revista Veja:
“Isso sugere, por exemplo, que um movimento dos metalúrgicos paulistas
poderia ser enquadrado no vasto rol das ‘graves perturbações’ que amea-
çam a ‘paz social’, como prescreve o artigo 155. E os sindicatos da categoria
estariam expostos à sumária intervenção federal”.406 Além destas medidas,
previstas inicialmente para vigorar a partir de 15 de março de 1979, data
depois antecipada para 1º de janeiro, abriu-se a possibilidade de formação
de novos partidos após as eleições previstas para 15 de novembro próximo,
caso um determinado número de senadores e deputados optasse por deixar
a Arena ou o MDB.407
No dia 30, instalou-se a Comissão mista ‒ senadores e deputados da
Arena e do MDB ‒ encarregada de dar parecer sobre a proposta. Em segui-
da, o Congresso entrou em recesso de meio de ano, ficando a tramitação da
proposta para o início do segundo semestre.
A oposição oficial tendeu a tomar o anteprojeto apenas como um artifí-
cio para transformar em constitucionais os poderes arbitrários assegurados
pelos atos institucionais. Entretanto, o presidente da Ordem dos Advoga-
dos do Brasil (OAB), Raymundo Faoro, fez profissão de fé de que o governo
hesitaria muito antes de usar as “salvaguardas do Estado”.408 E não deixava
de ter razão, porque elas constituíam, de acordo com a metodologia gra-

405
Veja, 28 de junho de 1978, p. 23.
406
Ibidem.
407
Idem, p. 21.
408
Idem, p. 23.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 295

dualista e incrementalista posta em prática pelos dirigentes do regime, a


reserva de força que garantiria o avanço da distensão política. Ou, como
resumiu a revista Veja: “[…] como quer o presidente Geisel, aparentemente
decidido a deixar a seu sucessor um espólio normativo capaz de garantir
uma transição suavíssima rumo à democracia plena”.409
Maria Helena Moreira Alves aponta, de maneira perspicaz, o sentido
estratégico das reformas: “Lançavam-se, com elas, as bases de uma nova
forma de regime forte e da institucionalização a mais longo prazo do Es-
tado de Segurança Nacional”.410 Neste rumo, os dirigentes do regime con-
seguiriam avançar na construção de um novo campo político de centro,
obtendo apoio de parcela significativa da oposição liberal. A votação, em
setembro, do projeto de autoria do senador André Franco Montoro (MDB-
-SP), que propunha a extinção da figura do “senador biônico”, foi um mo-
mento importante nesse processo. Na ocasião, muitos emedebistas não só
se omitiram da discussão do assunto como se ausentaram da votação no
Congresso, contribuindo para a tranquila vitória do governo. O episódio
provocou um revelador comentário da revista Veja sobre o MDB: “Muitos
dos seus parlamentares nunca ocultaram seu apoio ao modelo gradual da
abertura política de Geisel”.411 Assim, não cabe a conclusão, a que chegou
Maria Helena Moreira Alves, de que as reformas políticas representaram,
para o governo e para a oposição, “uma vitória parcial e negociada em que
ambos cederam pontos”.412 Até porque a oposição oficial, embora unificada
no plano parlamentar, dentro dos limites impostos pela legalidade do regi-
me, não se apresentava de maneira homogênea na cena política: houve um
setor que aderiu, de maneira mais ou menos explícita, ao projeto distensio-
nista, enquanto outro permaneceu crítico dos rumos do regime, colocan-
do-se contra os seus objetivos e táticas e fazendo alianças com setores não
parlamentares igualmente oposicionistas.
No mês seguinte, o governo daria novos indícios da sua disposição de
fazer avançar o projeto de distensão, agora num sentido que afetaria dras-
ticamente as condições em que se processava a campanha pela anistia: a
reforma da Lei de Segurança Nacional. Para adequá-la às mudanças cons-

409
Ibidem.
410
ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil, p. 218.
411
Veja, 27 de setembro de 1978, p. 22.
412
Op. cit., p. 219.
296 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

titucionais propostas pelo anteprojeto apresentado em junho, o Superior


Tribunal Militar (STM) elaborou, por solicitação do governo, uma propos-
ta que extinguia as penas de morte, prisão perpétua e banimento em pro-
cessos relativos a crimes políticos e promovia uma redução proporcional
das penas como um todo.413 Ainda em julho, o general João Figueiredo de-
clarou-se disposto a conceder anistia política aos acusados de “delito de
opinião”.414
Como instrumento da luta política pela anistia, foi lançado, no dia 10
de agosto, o livro Liberdade para os brasileiros, de Roberto Ribeiro Mar-
tins.415 Obra patrocinada pelo Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), teve
seu último capítulo de dedicado ao “debate em torno da anistia”. Sugerin-
do a sua contemporaneidade aos temas que abordava, focalizou problemas
cruciais propostos ao movimento pela anistia na conjuntura, em especial
aqueles derivados das táticas usadas pelo governo para fazer avançar o pro-
jeto distensionista.
O autor reconheceu que o debate sobre a anistia estava restrito “às ca-
madas mais esclarecidas da população”, mas entendeu que começavam a
ser atingidas “camadas populares, seu leito natural e caminho da vitória
da tese, reforçando ainda mais a unidade a plano nacional”.416 O governo,
porque não podia mais “fugir ao debate e evitar respostas às forças que o
interpelam, nem opor-se frontalmente à ideia”, estaria procurando “atacá-la
pelos flancos”, com medidas como as reformas políticas já em análise no
Congresso Nacional ‒ dois dias depois do lançamento do livro, a Comissão
Mista do Congresso Nacional começaria a receber emendas ao projeto de
reforma constitucional do governo ‒ e a anunciada revisão da Lei de Segu-
rança Nacional.417
Os fatores explicativos da resistência que militares vinham manifestan-
do em relação à anistia eram analisados em torno de dois pontos especial-

413
Veja, 12 de julho de 1978, p. 25.
414
O Estado de S. Paulo, 22 de julho de 1978. No dia 4 de agosto, o deputado Jorge Arbage
(Arena-PA) ‒ o indefectível campeão da luta contra a anistia! ‒ criticou a tentativa oposicio-
nista de emendar o projeto das reformas políticas, em especial no tocante às “salvaguardas
para defesa do Estado”, à anistia, às eleições diretas e à convocação de uma assembleia na-
cional constituinte. Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates.
Seção de Histórico de Debates, sessão em 4 de agosto de 1978.
415
Jornal do Brasil, 11 de agosto de 1978.
416
MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os brasileiros, p. 177.
417
Idem, p. 172.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 297

mente problemáticos. Um, “a questão dos que praticaram crimes violentos”,


para os quais não se admitiria forma alguma de anistia, sobre o qual, o
autor entendia que

[…] o argumento de que os que pegaram em armas não devem ser anistia-
dos não encontra nenhum fundamento nas tradições jurídicas, políticas e
históricas nacionais. Um só exemplo bastaria para esvaziar o argumento.
Mas existem centenas. No passado, pegaram em armas e foram anistiados
do general Euclides Figueiredo ao brigadeiro Eduardo Gomes; de Cordeiro
de Farias a Juarez Távora. Uns na época à esquerda, outros à direita, mas
todos procurando derrubar as instituições vigentes. E foram anistiados.418

A aceitação que essa tese restritiva estaria encontrando no interior do mo-


vimento pela anistia foi considerada “lamentável” pelo autor. A sua crítica se
dirigiu aos que argumentavam que aqueles que haviam praticado “crimes co-
muns” deveriam ser novamente julgados pela “justiça comum num processo
normal” e, portanto, excluídos da anistia. Estariam fazendo “o coro daqueles
que pretendem impingir à Nação um conceito de crime político contrário a
todas as nossas tradições jurídicas. Nelas os crimes políticos sempre se distin-
guiram dos comuns não quanto à forma específica de que se revestem, mas
quanto à motivação, sempre coletiva e política […]”.419
O outro ponto seria “a questão dos militares progressistas excluídos su-
mariamente das Forças Armadas”, que “poderiam ser anistiados, mas jamais
reintegrados nas Forças Armadas”. Aqui, o autor recorreu novamente às “nos-
sas tradições jurídicas, políticas ou históricas” para esvaziar o argumento:

É preciso frisar, inclusive, que o maior exemplo de restrição à reintegração


de militares através da anistia se deu em 1895, e que tais restrições foram
suspensas pelo STF e logo depois pelo próprio governo. Mesmo a anistia de
45 não excluía a possibilidade de reintegração, condicionando-a porém a
pareceres de comissões especiais das Forças Armadas.420

418
Idem, p. 175-176.
419
Idem, p. 176.
420
Ibidem. É interessante lembrar que os militares foram o segmento corporativo estatal
mais atingido pela primeira onda repressiva após o golpe. E, também, adiantar que, mesmo
após a Lei de Anistia de 1979 e as que a ampliaram em 1985 e 1995, é composta por militares
a maioria dos reclamantes de exclusão dos benefícios por elas concedidos. A propósito, ver
298 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

O argumento da precedência histórica também foi usado pelo autor,


agora negativamente, para discutir a tese da “anistia recíproca”.

Os exemplos que têm sido citados referem-se às anistias de 1945 e à da


Balaiada, no século passado [XIX]. Analisamos ambas as anistias e não en-
contramos substância para a tese.
A reciprocidade, no caso, também é figura inexistente no Direito. O que
se trata é de anistiar as vítimas dos atos e leis de exceção. Os que foram
punidos de uma ou outra forma. Os crimes porventura praticados no exer-
cício de função policial não foram ainda plenamente desvendados, e muito
menos punidos.
É preciso ainda ressaltar que os que têm se pronunciado partidários de uma
“anistia recíproca” antes acrescentam “ampla e irrestrita”, situando-se entre
aqueles que a entendem no essencial de forma correta. Essas pessoas certa-
mente pensam que do ponto de vista tático a colocação poderia contribuir
para um consenso entre governantes e governados em torno da anistia. Não
é isso, no entanto, o que tem acontecido. A propalada anistia recíproca, ao
contrário, irritou certas áreas das Forças Armadas. Uma recente ordem-do-
-dia do III Exército se refere à reciprocidade como uma “insinuação mal-
dosa”. Já o presidente do STM, almirante Hélio de Azevedo Leite, rejeitou a
ideia ao afirmar que isto seria admitir que a “revolução prestasse conta de
seus atos”. Assim, é preciso separar as coisas: anistia de direitos humanos
desrespeitados.421

O senador Jarbas Passarinho ‒ recordem-se alguns dos seus papéis polí-


ticos: golpista em 1964 e ministro dos governos Costa e Silva (1967-1969),
Emílio Médici (1969-1974), João Figueiredo (1979-1985) e Fernando Col-
lor (1990-1992) ‒ sentia-se à época, e com fundamento, um vencedor. E, do
alto do pódio “revolucionário”, sentenciou sobre a questão: “[…] a anistia
não pode ser recíproca, simplesmente, porque é o vencedor solitariamente

MACHADO, Flávia Burlamaqui. As Forças Armadas e o processo de anistia no Brasil (1979-


2002). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2006; e CUNHA, Paulo Ribeiro da. Militares e anistia no Brasil: um dueto desar-
mônico. In: TELES, Edson; SAFATLE. Vladimir (Org.). O que resta da ditadura: a exceção
brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010.
421
MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os brasileiros, p. 177.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 299

quem a concede aos vencidos e não o contrário”.422 No campo dos vencidos,


a perspectiva era, naturalmente, outra. Para Jarbas Vasconcelos (MDB-PE),
por exemplo: “Quanto à reciprocidade, entendo que quem torturou e vio-
lou direitos humanos neste país deve ajustar contas com a justiça comum”.
Para João Cunha (MDB-SP): “Não posso entender a anistia extensiva a
criminosos que em nome do autoritarismo fizeram do crime meio de se-
gurança do Estado. Para esses, em qualquer época, só existe um critério:
julgamento por tribunal imparcial e justiça”.423
Muito pouco entusiastas dessas teses, agrupamentos de extrema-direita,
empenhados em sabotar o projeto político de distensão, marcavam pre-
sença na cena política. Em 24 de julho, a sucursal curitibana do jornal Em
Tempo foi depredada por membros do Grupo Anticomunista (GAC) e do
Movimento Anticomunista (MAC), organização armada surgida em 1961
no Rio de Janeiro, então estado da Guanabara, com o objetivo de combater
o “perigo vermelho”.424 No mesmo local, explodiria outra bomba em 18 de
agosto.425 Em edição recente, o jornal publicara uma nota em que a presi-
dente do MFPA, Therezinha Zerbine, declarava que não era ainda conve-
niente que os brasileiros exilados começassem a voltar, porque a situação
política do país era “brumosa, com perspectivas de melhora”, mas ainda
havia “o risco de que, num ato de desespero, os setores mais obscurantis-
tas resolvam assumir o fechamento político e se preparem para uma nova
onda de violências”.426 Esta avaliação era compartilhada pela coordenação
do CBA em Paris que, em agosto de 1978, enviou ao Brasil uma carta a
propósito do dimensionamento distorcido que a imprensa estaria fazendo
do retorno de alguns exilados ao país:

Usualmente alguns companheiros que se encontravam no exterior por te-


mor a perseguições políticas têm retornado ao país sobretudo a partir do

422
Jornal do Brasil, 8 de março de 1978. Até meados de 1978, o único projeto de anistia
apresentado por um parlamentar situacionista continuava sendo do senador Edward Catete
Pinheiro (Arena-PA), de 1967, comentado no capítulo anterior. O Globo, Rio de Janeiro, 18
de julho de 1978.
423
Anistia, p. 20.
424
ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930.
425
Brasil dia a dia, p. 78.
426
Em Tempo, São Paulo, nº 20, 17-23 de julho de 1978, transcrito em ZERBINE, Therezinha
Godoy, op. cit, p. 193.
300 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

início deste ano. Este número tende a aumentar, mas não passa e dificilmen-
te passará de uma pequena parcela de exilados.
Estes casos, relativamente isolados, de retorno de companheiros são o fruto,
é claro, do avanço das lutas pelas liberdades democráticas. O reforçamento
[sic] dos setores democráticos obrigou o recuo do regime em muitos aspec-
tos, criando condições para a reintegração de alguns de nós.
Queremos, no entanto, lembrar que estes retornos não se fazem sem riscos.
Ameaças e intimidações têm sucedido ao primeiro contato dos exilados
com o Brasil, ao desembarcarem.
Para a grande maioria dos exilados, as condições para o retorno não estão ainda
conquistadas. Somente uma anistia ampla, geral e irrestrita para todos os pre-
sos, perseguidos, exilados e banidos permitirá a volta de todos nós. Somente
um regime democrático nos resguardará, como a todo o povo, das perseguições
do aparelho policial militar que nos torturou, prendeu, obrigou-nos à clandesti-
nidade e ao exílio e mais que tudo assassinou tantos companheiros.427

Ainda em agosto, o deputado João Gilberto (MDB-RS) registraria, em


sessão na Câmara realizada no dia 8, que a seção do CBA-Distrito Federal
se reunira, e “grupos estranhos, com o objetivo de impedir a redemocra-
tização da vida política nacional”, tinham tentado perturbar os trabalhos,
“através de lançamento de panfletos de provocação”, fato que relacionou
com ações da mesma natureza em diversos pontos do país, como a picha-
ção de muros com insígnias nazistas.428
A despeito das pressões da extrema-direita, o movimento pela anistia
ampliava-se no plano político-organizativo. Em 7 de julho, fez-se o lança-
mento, na Associação de Funcionários Públicos de Salvador, da Campanha
de Assinaturas pela Anistia, promovida pelo MFPA e o CBA. Na semana
seguinte, a campanha se estendeu a Natal, durante o lançamento oficial,
com uma palestra da presidente do MFPA, do Comitê Rio-grandense-do-
-norte pela Anistia (CNA), criado dois meses antes por deputados, advoga-
dos, estudantes, familiares de presos políticos e entidades ligadas à luta pela
anistia. Em fase de legalização e com seus estatutos já publicados no Diário

427
Pasta 04 - Série I: Produção, Subséries: Núcleos *DOC 5: Carta do CBA-Paris, agosto de
1978.
428
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Históri-
co de Debates, sessão em 8 de agosto de 1978.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 301

Oficial, o CNA pretendia lutar pela anistia a atingidos por todas as catego-
rias de punições decorrentes das “leis de exceção” editadas a partir de 1964:
prisões, banimentos, condenações por atividades políticas, afastamentos,
demissões, cassações de direitos políticos e mandatos parlamentares etc.,
“pelo fato de que estes réus não tiveram o elementar direito de defesa cabí-
vel a todos os humanos”.
Em Mato Grosso, o movimento firmou suas bases em 1º de agosto, com
a instalação, em Campo Grande, do Movimento Mato-grossense pela Anis-
tia e Direitos Humanos, iniciativa do advogado Ricardo Brandão. A sole-
nidade aconteceu após a aula inaugural da Faculdade de Direito das Facul-
dades Unidas Católicas de Mato Grosso, da qual participaram o presidente
do MFPA, Flávio Bierrenbach − professor de direito da Pontifícia Universi-
dade Católica de São Paulo, vereador na capital paulista pelo MDB e autor
de moção pela anistia aprovada por unanimidade − e Wilson Fadul, último
ministro da Saúde do governo de João Goulart e um dos fundadores do
Centro Brasil Democrático (CEBRADE – frente legal de atuação do Parti-
do Comunista Brasileiro) de Mato Grosso.429 Estiveram presentes, também,
Wilson Barbosa Martins e Nelson Trad, políticos regionais cassados após
1964, e vários parlamentares, tanto do MDB − a maioria − quanto da Are-
na. Os palestrantes dissertaram sobre temas como o “Estado de direito” e
“Anistia” para uma plateia calculada em mais de duas mil pessoas, em gran-
de parte, acadêmicos de Direito. Na ocasião, Flávio Bierrenbach – que, em
dezembro de 1999, viria a se tornar ministro do Superior Tribunal Militar,
cargo que ocuparia até outubro de 2009, tendo exercido a vice-presidência
da instituição no biênio 2005/2007 ‒ lembrou o apoio que representantes
do meio jurídico haviam dado à ditadura e apontou o caráter de classe do
regime: “Os juristas e tecnocratas que alugaram suas inteligências ao regi-
me de opressão deverão figurar na galeria dos juristas prostituídos. Este
poder não teve o apoio do povo, e sim o apoio da burguesia, determinados
setores do clero e dos capitais estrangeiros”. Therezinha Zerbine e Wilson
Fadul, por sua vez, frisaram que as entidades por ambos fundadas não ti-
nham qualquer conotação política ou ideológica.430

429
Ver os verbetes de Bierrenbach e Fadul em ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord). Dicio-
nário histórico-biográfico brasileiro pós-1930.
430
A Tribuna, Campo Grande (MT), 1 e 2 de agosto de 1978, Jornal da Praça, Dourados (MT),
4 de agosto de 1978, reproduzido em ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., p. 200-201.
302 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Mesmo se entendendo como apolíticas, as representações do CBA e do


MFPA no Encontro de Brasília, realizado em 6 de agosto, apresentaram
moção de solidariedade às lutas dos trabalhadores “por melhores condições
de vida e trabalho, por liberdade sindical, pelo direito de greve, pelo fim do
arrocho salarial e pela anistia ampla, geral e irrestrita”. A moção foi uma
decorrência da já mencionada posição pró-anistia assumida em julho por
diversos sindicatos e federações durante o V Congresso Nacional dos Tra-
balhadores na Indústria. Mas, resultava, também, da visão dos trabalhado-
res brasileiros que o CBA procurava agora transmitir, buscando ampliar as
bases sociais da campanha pela anistia: “os principais atingidos pelos atos
de violência do regime, através da perseguição a suas legítimas lideranças
e da intervenção nos sindicatos mais combativos”. Na ocasião, aprovou-se,
ainda, a realização de um encontro em Salvador para a organização de um
congresso nacional pela anistia em São Paulo, de 2 a 5 de novembro de
1978. A definição da data provocou divisão entre os delegados. A repre-
sentação do MFPA, que preferia realizar o evento em dezembro, após as
eleições parlamentares de novembro e aproveitando as comemorações dos
“dias” da Justiça (8) e dos Direitos Humanos (10), foi vencida.431
As divergências manifestadas no encontro de Brasília expressaram uma
realidade que se acentuava na medida em que a campanha pela anistia se
ampliava, incorporando individualidades e força coletivas de distintas po-
sições políticas. Roberto Martins já anotara em seu livro o caráter de “fren-
te” política que o movimento pela anistia vinha assumindo, propondo a sua
consolidação:

Cada grupo social que apoia a anistia tem sua própria maneira de reivin-
dicá-la e não se pode impor pontos de vista. Também não é correto assu-
mirem-se posições que afastem a possibilidade de participação de qualquer
corrente que seja na luta por anistia.
A luta pela anistia é uma luta de caráter democrático, não só pelo seu con-
teúdo, como pela heterogeneidade dos seus futuros beneficiários, oriundos
de todas as classes sociais e categorias profissionais. Não pode ser excluída
nenhuma classe ou categoria atingida. Nem tampouco setores que falam em
pacificação do país, em unidade da família brasileira, conciliação nacional.
A Igreja fundamenta seu apoio à anistia na necessidade de tolerância cristã

431
Idem, p. 249.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 303

e no respeito aos direitos humanos frequentemente violados no país. Tal


fundamentação tem como base mais ampla a doutrina do direito natural.
Os advogados e juristas apoiam a anistia por ser medida indispensável ao
restabelecimento do Estado de direito, questão de honra e de princípio para
eles. A atual legislação discricionária, da qual resultaram as punições de
que foram vítimas milhares de cidadãos, violentou por completo todas as
tradições do direito positivo brasileiro, sua base doutrinária fundamental.
As famílias dos presos, desaparecidos, perseguidos, banidos, exilados, de-
fendem-na porque querem seus entes queridos de volta ao lar. Os intelec-
tuais e os estudantes, de um modo geral, têm nas liberdades democráticas
os fundamentos de sua luta pela anistia. Os trabalhadores também exigem
liberdades democráticas, consubstanciadas principalmente nas liberdades
sindicais e políticas, impossíveis sem a anistia. Na luta pela anistia cabem
todos os verdadeiros democratas e patriotas e é necessário que sejam res-
peitados os pontos de vista de cada um, a fim de se manter a unidade e a
coesão em torno do que é fundamental.432

Persistia dominante a visão liberal, apoiada em ilusões juridicistas, que


entendiam estar o problema radicado na carência de respeito a direitos que,
uma vez suprida, o extinguiria. Como se vê neste documento:

Nós, familiares de pessoas desaparecidas, propugnamos por uma Anistia


Ampla, Geral e Irrestrita a todos os atingidos pelas leis exceção. Há entre
nós, inclusive, remotas esperanças de que, ao se abrirem as prisões de todo
o Brasil, talvez escorra lá de dentro (quem sabe?) algum dos desaparecidos.
Mesmo que isto não aconteça, com uma abertura democrática, teremos con-
dições de exigir que os tribunais apreciem os fartos indícios e as provas que
apontam os responsáveis por inúmeros casos de pessoas que foram presas e
desapareceram nos cárceres.
Não precisa muita imaginação para chegar aos responsáveis. O governo,
com todo o seu aparato de segurança, sabe quem são os responsáveis.
E o homem mais bem informado deste país, supomos, é o futuro presiden-
te da República, general João Batista Figueiredo, em virtude de seu cargo,
chefe do Serviço Nacional de Informações − o SNI. Admitindo-se que ele
não tenha tais informações, é sinal de que a segurança do país corre sério

432
MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade para os brasileiros, p. 180-1.
304 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

perigo. Quem pode admitir que quase uma centena de cidadãos seja presa
e desapareça? E isto não provoca uma comissão de inquérito para apurar as
responsabilidades!
Propugnamos por uma Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. Mas, é claro, não
negociaremos, para obtê-la, com os crimes praticados contra a humanida-
de. Anistia, como medida política, só será possível com a mobilização de
todos os setores e, neste caso, ela estará inserida dentro de um contexto
mais amplo das liberdades de organização, de pensamento, de opinião. Está
inserida, enfim, no restabelecimento do Estado de direito. Ora, em um Es-
tado de direito, os tribunais terão, por imperativo da consciência jurídica,
obrigação de apreciar, apurar e punir os responsáveis pelo desaparecimento
de nossos parentes.433

Entretanto, a própria política impedia que se depolitizasse a questão.


No dia 9 de agosto, o Núcleo Ceará do MFPA promoveu o lançamento, em
Fortaleza, e com a presença de Therezinha Zerbine, da Campanha Nacional
pela Anistia no estado. Dois dias depois, a presidente do MFPA esteve em
João Pessoa, onde proferiu palestra na Assembleia Legislativa, em sessão
tumultuada por conflitos entre deputados arenistas e emedebistas.434 No
dia 21, foi anunciado, em ato público na ABI, o resultado do concurso “Um
cartaz para a anistia”. O vencedor foi Cláudio Monteiro, que recebeu seu
prêmio − um quadro da pintora Djanira − das mãos do crítico de arte Má-
rio Pedrosa e do filólogo Antônio Houaiss. Nei Leandro, segundo colocado,
recebeu seu prêmio do general Peri Constant Bevilaqua.435 No dia seguinte,
contudo, uma realidade menos amena impôs-se: membros do Movimento

433
Anistia, p. 33. Grifo meus. Os desdobramentos da questão se encarregariam de desman-
char essa ilusão juridicista. Até a data em que escrevo, os tribunais não corroboraram, na
prática, a previsão feita no documento.
434
ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., p. 209-215.
435
Boletim ABI, julho-agosto de 1978, p. 23. Nesse mesmo dia, o deputado Fernando Coelho
(MDB-CE) defendeu na Câmara a decretação da anistia ampla, geral e irrestrita como “pas-
so inadiável para a verdadeira reconciliação nacional” e maior homenagem que se poderia
prestar à memória do ex-presidente Juscelino Kubitschek no segundo aniversário de sua
morte. No dia seguinte, o deputado José Maurício (MDB-RJ) se opôs à reforma da Consti-
tuição por outro caminho que não a assembleia nacional constituinte, que não poderia ser
convocada sem a prévia concessão de “anistia ampla e irrestrita a todos os brasileiros casti-
gados pelos atos de exceção”. Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de
Debates. Seção de Histórico de Debates, sessões em 21 e 22 de agosto de 1978.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 305

de Convergência Socialista foram presos, e, depois, enquadrados na Lei de


Segurança Nacional. Três dias antes, Antônio Maria de Sá Leal, secretá-
rio-geral do Partido Socialista dos Trabalhadores de Portugal, fora preso ‒
seria expulso do Brasil em setembro ‒ quando se encontrava no aeroporto
de Congonhas (SP), em companhia de militantes do movimento socialista
brasileiro.436

2.8 O Congresso Nacional pela Anistia

Seguindo as determinações do encontro de Brasília, realizou-se, de 7 a 9 de


setembro de 1978, em Salvador, o Encontro Nacional de Movimentos pela
Anistia. O dia da abertura dos trabalhos foi marcado de maneira a associar
a luta pela anistia à data nacional do país. Estiveram presentes delegados de
movimentos de dezoito estados da federação.
Novamente, divergências entre o MFPA e o CBA foram explicitadas du-
rante os trabalhos, em particular em torno da relação do movimento pela
anistia com os partidos políticos. Um comício conjunto com o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB) − que iniciava no estado a campanha para
as eleições parlamentares de novembro −, articulado pelo CBA algum tem-
po antes como forma de massificar a luta pela anistia na Bahia, suscitou a
oposição de Therezinha Zerbine: “Todos são bem-vindos ao movimento,
mas que sejam pessoas que se comprometam com os princípios da anistia
e não que sejam criados vínculos e comprometimentos do movimento com
os partidos políticos”.
Outra iniciativa do CBA que mereceu o questionamento da presiden-
te do MFPA foi a preparação de um Congresso Nacional pela Anistia. O
presidente do CBA baiano, Joviniano Neto, propôs a inclusão do tema na
pauta do Encontro e foi aparteado por ela: “Espera um pouco. O congresso
já é coisa decidida? É preciso não fazer nada às pressas. Precisamos ver se
esta é a hora, para não nos desmoralizarmos”. No interior do próprio MFPA
também havia divergências, como sugere a discussão que se estabeleceu
entre a presidente e a representante do Rio Grande do Sul, Lícia Peres, em
relação ao método de votação. Therezinha Zerbine sustentou que o voto do
movimento deveria ser unitário, já que os membros seguiam um estatuto

436
Brasil dia a dia, p. 117.
306 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

único, enquanto a sua companheira gaúcha defendeu o voto desvinculado


das seções regionais.437 No curso dos trabalhos, novas e sérias divergências
afloraram. A posição do movimento em face dos acusados de tortura e as-
sassinato de presos políticos, por exemplo, gerou muitas controvérsias. A
sua veiculação por jornais suscitou a inclusão de um novo tema na pauta
do encontro: o papel da imprensa na luta pela democracia. Segundo o Jor-
nal do Brasil, Therezinha Zerbine foi quem abriu o debate, declarando-se
“lesada” pelo noticiário e propondo a retirada dos jornalistas da sala de
reuniões. Apenas o representante do núcleo paulista do CBA, Luís Eduardo
Greenhalgh, apoiou a proposta e, após votação, os profissionais permane-
ceram trabalhando no recinto.438
Por outro lado, houve unanimidade em torno do reconhecimento de
que ainda não era recomendável o retorno em massa dos exilados ao país.
As organizações pela anistia e defesa dos direitos humanos careciam de
um levantamento detalhado e preciso dos casos existentes, com suas res-
pectivas situações jurídicas. Como apenas o MFPA/MG dispunha destas
informações, acertou-se a realização de um mapeamento do quadro por
estado.439 Obteve consenso, também, a tese de que a volta dos exilados só
seria recomendável após a decretação da anistia ampla, geral e irrestrita.
Como, no entendimento do Encontro, as reformas políticas anunciadas
pelo governo não contemplavam a anistia nestes termos, o movimento de-
cidiu denunciá-las por terem como base a “negação da soberania popular,
a perpetuação do arbítrio governamental, a manutenção da marginalização
da grande maioria da população”.
Quanto à anistia, firmou-se o entendimento de que, ao ignorá-la, as refor-
mas governamentais demonstravam destinar-se a manter a “a divisão cria-
da pelo arbítrio e exceção entre os brasileiros”, representando um “esforço
divisionista em relação aos fundamentais problemas políticos e sociais do
país”. O Encontro declarou recusar terminantemente qualquer proposta de
anistia parcial ou limitada que discriminasse “os que, na luta contra o regime
vigente, participaram de movimentos armados, pois todos foram punidos
pela força de atos e leis ilegítimos”. Por fim, definiu-se o movimento pela anis-

437
Jornal do Brasil, 8 de setembro de 1978.
438
Idem, 9 de setembro de 1978.
439
“Encontro de Salvador diz não a proposta de anistia limitada”. Jornal do Brasil. 9 de se-
tembro de 1978.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 307

tia como parte da luta pelo restabelecimento das liberdades democráticas no


país: “o sofrimento dos presos políticos foi também o sofrimento dos traba-
lhadores desde o arrocho salarial à intervenção nos sindicatos; desde a expul-
são de suas terras à repressão em favor do latifúndio; dos estudantes, desde
a invasão das universidades à dissolução de suas entidades”.440 Neste sentido,
o Encontro avançava na formulação da campanha pela anistia ampla, geral e
irrestrita, assumindo que ela deveria ser vinculada a uma luta mais geral pelo
fim do aparato repressivo, pela eliminação de toda a legislação de exceção,
o estabelecimento das leis e mecanismos de livre participação popular no
processo político, além do fim radical e absoluto das torturas e a responsabi-
lização criminal dos que a praticavam.
A Carta Política – Carta de Salvador – aprovada ao final dos trabalhos
estabeleceu, enfim, uma estratégia para o movimento que vinculava a con-
quista da anistia, fundamentalmente, à “transformação de sua luta em mo-
vimento de massas, que a amplie para todas as regiões e grupos sociais”.441
Propunha-se, para isso, a vinculação da campanha pela anistia às demais
lutas do povo brasileiro por melhores condições de vida, trabalho, alimen-
tação, habitação transporte, saúde, educação e pela posse da terra aos que
nela trabalhavam.
O Encontro decidiu, por fim, a realização do I Congresso Nacional dos
Movimentos pela Anistia, de 2 a 5 de novembro de 1978, em São Paulo.
Em nota oficial divulgada pelo CBA-BA durante o Encontro de Salvador,
colocaram-se expectativas em relação ao evento:

Um Congresso que pretende abrir caminho para a conquista da anistia am-


pla, geral e irrestrita, que não pode, não deve ser mais protelada, pois hoje
ela é muito mais que uma questão de justiça e de salvação pública. É antes
de tudo, um pré-requisito para a conquista da verdadeira democracia e da
verdadeira independência do país, missão que cabe a todos nós, os brasi-
leiros.442

O ato de encerramento do Encontro e o comício realizado juntamente


com representantes do MDB foram constrangidos por forte esquema de se-

440
Ibidem.
441
Idem, 10 de setembro de 1978.
442
Jornal do Brasil, 8 de setembro de 1978.
308 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

gurança montado pela Polícia Militar e pelo Departamento de Trânsito de


Salvador. Na Câmara, o deputado Magnus Guimarães (MDB-RS) protestou
contra o acontecido, acusando o governo baiano de “premeditada intimi-
dação da população civil, a fim de obstar o seu comparecimento àquela
reunião pública”.443
Para o jornal Em Tempo, porta-voz de correntes de esquerda fortemen-
te atuantes na campanha pela anistia, o Congresso tinha como objetivo a
unificação da luta pela medida sob a qualificação de ampla, geral e irres-
trita, trabalhando no sentido de promover a união dos movimentos que
já vinham em campanha no país, dando maior unidade e consistência à
batalha pela recuperação da liberdade dos presos e perseguidos políticos,
no país ou no exterior.444 Esperava-se, mesmo, um salto de qualidade na
campanha pela anistia, com o coroamento “dos avanços dados pelos diver-
sos movimentos pró-anistia, que hoje já são mais de 20 no Brasil”. O Con-
gresso deveria fazer avançar a luta pela anistia na direção já delineada pelos
encontros que o haviam antecedido, em especial o de Salvador:

Estes avanços se refletem, sobretudo, na quase superação da definição do


tipo de anistia que os movimentos reivindicam, se ampla ou restrita, e se
deve ser estendida aos torturadores e responsáveis por assassinatos polí-
ticos: tal dilema já foi resolvido pelo encontro de Salvador, quando os 20
núcleos presentes aprovaram uma carta na qual se colocaram claramente
por uma anistia ampla, geral e irrestrita.
Assim, os grandes avanços que o encontro de São Paulo dará não estarão
voltados tanto para o conteúdo geral da luta − etapa que, até certo ponto, já
foi superada −, mas no aprofundamento da bandeira da anistia, procurando
criar condições para que surja um movimento massivo em torno desta ban-
deira. Os diversos núcleos de anistia não ignoram que ainda existem per-
sonalidades e segmentos que defendem uma anistia recíproca, mas, como
já deixaram claro na Carta de Salvador, pretendem polemizar com estes
segmentos, mostrando que não tem sentido defender a anistia também para
os torturadores.

443
Câmara dos Deputados. Diretoria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Histó-
rico de Debates, sessão em 11 de setembro de 1978. O governador da Bahia era o arenista
Roberto Santos, eleito indiretamente em 1974.
444
“Anistia”. Em Tempo, São Paulo, 18 a 24 de setembro de 1978, p. 11.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 309

Em grande medida, esta maior definição dos núcleos pró-anistia teve como
um de seus marcos a Carta de Princípios aprovada pelo CBA de São Pau-
lo, em junho do corrente ano, que, além de se definir claramente por uma
anistia ampla e irrestrita, definiu como princípios lutar pela liberdade de
expressão, liberdade de greve, sindical e partidária. O CBA/SP não só, com
a sua Carta, vinculava assim a questão da anistia à luta geral pelas liberda-
des democráticas e pelo fim do regime autoritário, como definia também
um programa mínimo para a luta pela anistia, levantando questões como o
retorno dos exilados, o fim das torturas e de todos os aparatos repressivos,
a libertação dos presos políticos e o retorno dos direitos de todos que foram
casados e banidos.445

Mal terminara o Encontro de Brasília, uma manifestação pública or-


ganizada pelo Comitê pró-Anistia de Porto Alegre em 11 de setembro foi
reprimida com violência contra estudantes e repórteres fotográficos, pre-
sos enquanto registravam a ação da polícia.446 No dia 13, duas bombas ex-
plodiram em Belo Horizonte: na igreja de São Francisco das Chagas e no
automóvel do advogado Geraldo Magela de Almeida, defensor de presos
políticos e ligado ao movimento pela anistia no estado.447 Neste mesmo dia,
a Comissão Mista do Congresso Nacional aprovou, por maioria de votos,
o parecer do relator, senador José Sarney (Arena-MA), sobre a Proposta de
Emenda à Constituição nº 7 (PEC 7/78), favorável a ela, incluídas algumas
sugestões de parlamentares. A discussão do parecer no plenário iniciou-se
e terminou no dia 18. Dois dias depois, fez-se a votação em primeiro turno,
sendo aprovadas a proposta e algumas emendas. Depois que a Comissão
Mista elaborou nova redação para a matéria, procedeu-se, no dia 21, ao se-
gundo turno da votação, sendo a proposta aprovada por maioria de votos.
Em meados de outubro, finalmente, os elementos da conjuntura que de-
pendiam da tática do governo começaram a se definir. No dia 13, as mesas
da Câmara e do Senado, sem a presença do MDB, promulgaram a Emenda
Constitucional nº 11 (EC-11), que instituiu as reformas políticas apresen-

445
Em Tempo, São Paulo, n. 35, 30 de outubro/5 de novembro de 1978, p. 5.
446
Pronunciamento do deputado Odacir Klein (MDB-RS). Câmara dos Deputados. Dire-
toria de Registro Taquigráfico de Debates. Seção de Histórico de Debates, sessão em 12 de
setembro de 1978. Governava o estado o arenista Sinval Sebastião Duarte Guazzelli, eleito
indiretamente em 1974. 
447
Brasil dia a dia, p. 78.
310 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

tadas pelo governo em junho na forma da PEC 7/78.448 Este ato legislati-
vo constituiu uma síntese do sentido estratégico do projeto distensionista,
conduzido a um novo patamar de institucionalização, que balizaria o pro-
cesso político nacional durante uma década, isto é, até a promulgação da
Constituição de 1988. Reuniu dialeticamente a preservação dos poderes
conferidos ao Executivo pelos atos institucionais, agora transformados em
atributos constitucionais, à satisfação dos setores moderados da oposição,
de modo a incorporá-los ao projeto.449
Mais do que isso, a EC-11 viabilizou, do ponto de vista jurídico, a continui-
dade da ordem que se queria preservar naquela que veio substituí-la.450 Re-
zava o seu “Art. 3º ‒ São revogados os Atos institucionais e complementares,
no que contrariarem a Constituição Federal, ressalvados os efeitos dos atos
praticados com bases neles, os quais estão excluídos de apreciação judicial”.451
Ora, o texto constitucional em vigor era o da Constituição de 1967 ‒ que
assumiu a perspectiva da Doutrina de Segurança Nacional ‒, amplamente
agravado pela Emenda Constitucional nº 1 (EC-1), de 1969, que incorporou
os preceitos dos principais atos institucionais. Não há consenso entre os es-
pecialistas quanto à classificação jurídica da EC-1. Foi de tal monta a altera-
ção operada no texto de 1967, que muitos constitucionalistas a consideram
uma nova Constituição. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, um dos juristas
que mais serviços prestaram ao regime ditatorial, discorda deste ponto de
vista, entendendo que, “se são muitas as alterações que a Emenda Constitu-
cional estabeleceu no texto promulgado em 1967, essas mudanças não foram

448
Ver tramitação em: <http://legis.senado.leg.br/mateweb/servlet/PDFMateServlet?m=
9706&s=http://www.senado.leg.br/atividade/materia/MateFO.xsl&o=ASC&o2=A&a=0>.
Acesso em: 12 jan. 2016. Texto completo da EC-11 em: <http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc11-78.htm>. Acesso em: 9 jan. 2014.
449
Um resumo técnico das modificações trazidas pela emenda pode ser encontrado em JA-
CQUES, Paulino. Emenda Constitucional n. 11. Disponível em: <http://www2.senado.leg.
br/bdsf/bitstream/handle/id/181167/000366196.pdf?sequence=3>. Acesso em: 9 jan. 2014.
450
Não foi a primeira vez, em nossa história, que a necessidade de manter a dominação clas-
sista exigiu esse tipo de artifício jurídico. Durante o processo de independência, as Ordena-
ções Filipinas se tornaram o Código brasileiro com a Constituição de 1824, operação que
garantiu a continuidade dos interesses portugueses no Brasil nas novas condições políticas
da colônia que se transformava em nação independente. MARTINS, Wilson. História da
inteligência no Brasil, v. 2, p. 174.
451
Na parte grifada por mim, percebe-se que se manteve a preocupação, expressa no texto
de vários dos atos institucionais, com uma futura reversão da relação de forças políticas, que
pudesse ensejar uma cobrança pelas medidas de caráter ditatorial.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 311

substanciais”.452 O jurista argumenta, também, em termos da teoria do poder


constituinte, alegando que a ruptura da ordem constitucional acontecera não
com a EC-1, mas com o AI-5, que no seu primeiro artigo manteve a Carta
de 1967, mas a modificou em vários outros. Colocação que torna o proble-
ma ainda mais complexo, porque lembra que a EC-11 veio modificar não a
efêmera Constituição de 1967, mas o resultado da sua alteração por dois atos
emendativos, ambos portadores da perspectiva institucionalizadora de uma
ordem derivada das concepções da Doutrina de Segurança Nacional. Já um
crítico dessa ordem faz outro tipo de consideração:

Não há dúvida de que a ordem jurídica instituída na fase de liberalização no


Brasil caracterizou-se por ser um Estado de Exceção híbrido ou um regime
misto na medida em que o poder de arbítrio do regime de 1964, não perden-
do a sua força, foi integrado, através de certos “parâmetros de legalidade”, […]
à Carta de 1969. Tal fato ocorreu em razão dos dispositivos “revolucionários”
(artigo 182 da Carta de 1969) terem sido inseridos no corpo constitucional
brasileiro por meio de mecanismo jurídicos tais como medidas de emergên-
cia e estado de emergência (Capítulo V da Carta Magna então vigente).453

Com o intuito de “frear e delimitar” o espaço da reestruturação demo-


crática brasileira”,454 a EC-11 extinguiu os efeitos do AI-5 – artigo n. 182 da
Carta de 1969 ‒ ao mesmo tempo em que os incorporava a ela na forma de
“salvaguardas do Estado”.455 Além disso, manteve alguns instrumentos de
controle e subordinação do Legislativo, como a quebra da inviolabilidade

452
Câmara dos Deputados. O pensamento constitucional brasileiro. Ciclo de conferências
realizado pela Universidade de Brasília no período de 24 a 26 de outubro de 1977. Brasília:
Centro de Documentação e Informação, 1978, p. 198.
453
VIEIRA, José Ribas. O autoritarismo e a ordem constitucional no Brasil. Rio de Janeiro:
Renovar, 1988, p. 93. Grifo do autor.
454
Idem, p. 98.
455
Idem, p. 95. Para uma visão positiva das “medidas de emergência” em relação com seus
objetivos políticos gerais (a guerra e a subversão), ver SANTOS, Aricê Moacyr Amaral. O
Estado de Emergência. São Paulo: Sugestões Literárias, p. 198. Há, subjacente a elas, a ale-
gação da insuficiência das medidas de tipo liberal para defender o Estado nas condições
conflituosas modernas, em especial a guerra nuclear e a guerra revolucionária, em face das
quais o “estado de sítio” seria inoperante. Sobre isso, ver FERREIRA FILHO, Manoel Gon-
çalves. A reconstrução da democracia. Ensaio sobre a institucionalização da democracia no
mundo contemporâneo e em especial no Brasil. São Paulo: Saraiva, 1979, em particular o
Cap. 10 – A segurança do Estado.
312 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

de senadores e deputados em caso de crime contra a segurança nacional


(art. 32) e o decurso de prazo456 para aprovação de decretos apresentados
pelo Executivo e não examinados em sessenta dias (art. 55). Tais instru-
mentos de afirmação da supremacia do Executivo eram cruciais para a es-
tratégia distensionista, dependente da ação o mais autônoma possível do
presidente da República, tanto o general Geisel, em final de mandato, quan-
to o seu sucessor, já definido.
Para dirigir o governo, sob as novas regras do regime ditatorial,457 em
15 de outubro o general João Batista Figueiredo foi ungido presidente da
República pelo Colégio Eleitoral. No mesmo dia, o presidente eleito pro-
nunciou-se em cadeia nacional de rádio e televisão, afirmando que estendia
a todos os brasileiros a sua mão “em conciliação”.458 Dois dias depois, foi
enviado pelo Executivo ao Congresso, por meio da Mensagem nº 95, o pro-
jeto de lei que alterava a Lei de Segurança Nacional, extinguindo as penas
de morte e prisão perpétua ‒ já excluídas da Constituição pela EC-11 ‒ e
reduzindo as penas em geral.459 No dia 18, foi formada a Comissão Mista
encarregada de dar parecer sobre a matéria, cabendo a relatoria ao deputa-
do Gastão Müller (Arena-MT). A comissão aceitaria emendas até o dia 27
e o parecer seria apresentado em 20 de novembro, aprovando o projeto e
algumas modificações sugeridas por parlamentares.
Neste ínterim, realizou-se no Rio de Janeiro uma Semana pela Anistia,
encerrada em 20 de outubro com uma manifestação convocada pelo CBA.

456
A figura do “decurso de prazo” foi instituída pela EC-1, como um meio de forçar a apro-
vação de decretos-leis junto ao Congresso. Aqueles que não fossem votados no prazo de
sessenta dias estariam automaticamente aprovados. Dessa maneira, contornavam-se even-
tuais situações em que os parlamentares governistas estivessem em minoria no Congresso,
porque eles poderiam se ausentar do plenário e impedir a formação do quórum exigido pelo
regimento da Casa para as votações.
457
A EC-11 constituiu um dos momentos áureos da construção jurídico-política do regime
ditatorial iniciado com o golpe de 1964. Desta obra de autêntico furor legiferante, disse um
comentador: “Desenvolvimento econômico e anticomunismo político, eis a ideologia por
trás da sucessão convencional de constituições (duas), atos institucionais (17) e atos com-
plementares (73) [na verdade, 105], além de milhares de decretos-leis, ditados geralmente
pelos tecnoburocratas ao arrepio de qualquer coerência jurídica […]”. CHACON, Vamireh.
Vida e morte das constituições brasileiras. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 209.
458
Brasil dia a dia, p. 117.
459
Ibidem. A tramitação do projeto até a promulgação da lei pode ser acompanhada em:
<http://www.senado.leg.br/atividade/Materia/Detalhes.asp?p_cod_mate=10710&titu-
lo=MSG%2095%20de%201978%20-%20MENSAGEM>. Acesso em: 10 jan. 2014.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 313

Cerca de mil pessoas se concentraram na Câmara dos Vereadores, sob


pressão da Polícia Militar, que tentava dispersar manifestantes no interior
do prédio e nos arredores.460 Ainda em outubro, foi fundado o CBA-MG,
em Belo Horizonte, no dia 26, marcando os cinco anos do assassinato, pe-
las forças de repressão política, dos líderes estudantis José Carlos da Mata
Machado e Gildo Macedo Lacerda. Para a primeira diretoria do órgão, fo-
ram eleitos: Alberto Duarte (presidente), Helena Greco (vice-presidente),
Geraldo Magela de Almeida (1º secretário), padre Scarpa (2º secretário),
Luís Eduardo Nascimento (1º tesoureiro) e Cacilda Teixeira de Carvalho
(2ª tesoureira).461
O impacto político do Congresso Nacional pela Anistia se fez sentir
antes mesmo do início dos seus trabalhos, pela voz de convidados estran-
geiros, que fizeram declarações à imprensa sobre temas ligados à luta pela
anistia. Jean-Bernard Weber, representante de entidades suíças de defesa
dos direitos humanos − Liga Suíça dos Direitos do Homem, Comissão Ca-
tólica para o Terceiro Mundo, Comitê de Solidariedade ao Povo Brasileiro
e Associação Que Fazer −, denunciou que, entre os exilados na Suíça, ape-
nas os etíopes e os brasileiros eram impedidos de exercer trabalho contí-
nuo e regular por seus governos, que lhes negavam documentos.462 Por sua
vez, Lelio Basso – senador italiano independente e fundador do Tribunal
Bertrand Russel II e da Fundação Internacional para os Direitos Humanos
e Liberação dos Povos – sustentou a viabilidade de uma campanha inter-
nacional que, em um quadro de mobilização crescente da população bra-
sileira pela mudança de regime, pudesse pressionar o futuro presidente a
conceder a anistia.463
Na mesma linha de estimular pressões internacionais sobre o governo
brasileiro no sentido da concessão de anistia, Therezinha Zerbine estivera
no dia 31 nos Estados Unidos. Lá, fez contatos com a International League
of Human Rights e defendeu a tese de que a luta que se travava no Brasil
era do interesse estadunidense, porque os vizinhos devem ser “interlocuto-
res de igual para igual”, condição sem a qual a relação que se estabelece é de
vassalagem. Seu discurso nos EUA enfatizou a conexão da luta pela anistia

460
Jornal do Brasil, 21 de outubro de 1978. Era governador do estado do Rio de Janeiro o
arenista Floriano Peixoto Faria Lima, nomeado para o cargo pelo governo federal em 1974.
461
Em Tempo, São Paulo, n. 36, 6-12 de novembro de 1978, p. 3.
462
Jornal do Brasil, 2 de novembro de 1978.
463
O Globo, 2 de novembro de 1978.
314 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

com a necessidade de mudança em vários aspectos da realidade brasileira:


propriedade fundiária, analfabetismo, mortalidade infantil, abandono das
crianças etc. Fazendo um balanço da atuação do Movimento Feminino pela
Anistia, apontou como vitória da entidade a conquista de apoios como os da
Associação Brasileira de Imprensa (ABI), da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), do MDB e do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André (SP).464
O Congresso Nacional pela Anistia instalou-se em 2 de novembro. Es-
tiveram encarregados da organização os CBAs da Bahia, Rio de Janeiro e
São Paulo, as seções paulista e pernambucana do MFPA e a Sociedade de
Defesa dos Direitos Humanos do Pará.465
Foram anunciados como objetivos gerais do evento “congregar todas
as entidades que se posicionaram a favor da anistia ampla geral e irrestri-
ta” e “ajudar a articulação de diversos setores sociais em prol da luta pela
anistia”. Os objetivos específicos eram: trocar experiências de organização
em termos setoriais e regionais da anistia; consolidar, organizar, verificar
e ampliar a luta pela anistia em todo o país; procurar obter apoio das
entidades que, no país, considerassem a defesa dos direitos humanos luta
primordial para a conquista imediata das liberdades democráticas; forta-
lecer a organização das entidades que, no país, já lutavam pelos direitos
humanos e especificamente pela anistia; incentivar a criação no país de
novos organismos que lutassem pela defesa dos direitos humanos e pela
anistia; avançar em direção a uma forma de organização e coordenação
dos movimentos e comitês de anistia a nível nacional, estabelecendo ta-
refas, bem como seus instrumentos de luta; conclamar todo o povo bra-
sileiro a que se aliasse à luta pela anistia e elaborar e aprovar a Carta
do Congresso Nacional pela anistia, que tinha como subsídio a Carta de
Salvador, de setembro de 1978.466
Algumas entidades participaram como convidadas da Coordenação
Geral, em caráter especial, por sua destacada atuação na defesa dos direitos
humanos no Brasil: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
Ordem dos Advogados do Brasil – Conselho Federal (OAB), Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); Comissão de Justiça e Paz

464
Jornal do Brasil, 1º de novembro de 1978.
465
CONGRESSO NACIONAL PELA ANISTIA. Resoluções, São Paulo, novembro de
1978, p. 1.
466
Idem, p. 1-2.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 315

de São Paulo, Comissão Pró-União Nacional dos Estudantes (Comissão


Pró-UNE) e Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Também como
convidadas especiais, estiveram representadas várias entidades estrangeiras
ligadas à defesa dos direitos humanos: Tribunal Bertrand Russell, Parla-
mento italiano, CIMADI – organização internacional de apoio a refugiados
de todo o mundo, Comissão Internacional de Juristas Católicos, Comitê de
Solidariedade França-Brasil e, da Suíça, Comissão Internacional de Juristas
Progressistas, Comitê de Solidariedade do Povo Suíço ao Brasil e mais dez
outras organizações de defesa dos direitos humanos.467
Enviaram representantes, também, alguns movimentos políticos: Con-
vergência Socialista, Grupo Sanguinovo, Juventude Democrática do MDB
– Santos e S. Vicente (SP) e Frente Nacional do Trabalho. Registrou-se, ain-
da, a presença de artistas, jornalistas, parlamentares e candidatos às elei-
ções daquele mês, políticos e militares cassados e aposentados, ex-presos
políticos, sindicatos, entidades estudantis e de luta por anistia e direitos
humanos, amigos e familiares de mortos, desaparecidos e cassados.468
A solenidade de abertura se realizou no teatro da Universidade Católica
de São Paulo, contando com mais de 1.500 participantes, principalmente
estudantes, intelectuais e profissionais liberais.469 Fizeram-se representar
seções do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) e do Movimento Feminino
pela Anistia (MFPA), a Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos, a Igre-
ja Católica e entidades de profissionais liberais e assalariados, além dos já
referidos convidados estrangeiros.
Compuseram a mesa diretora do evento o jurista Eduardo Seabra Fa-
gundes (OAB), o padre Virgílio Uchoa (CNBB), Alípio Viana Freire (ABI-
-SP), José Carlos Dias (Comissão de Justiça e Paz-SP), os estudantes Paulo
Massoca e Marcelo Barbieri (Comissão Pró-UNE), a professora Carolina
Bori (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência − SBPC), Edgar
Graeff (Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB), Rejane Cavalcante e Ma-
ria Augusta Capistrano (representantes dos familiares dos presos políticos),
Ubiraci Dantas de Oliveira (Oposição Sindical dos Metalúrgicos de São
Paulo) e o ex-deputado cassado Lisânias Maciel.470

467
Idem, p. 2-3.
468
Ver a lista detalhada de todos os participantes em Idem, p. 71-81.
469
“Anistia para todo o povo!”. Movimento, São Paulo, 6-12 de novembro de 1978, p. 12.
470
CONGRESSO NACIONAL PELA ANISTIA. Resoluções, São Paulo, novembro de 1978,
p. 69.
316 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Os convidados estrangeiros, que também integravam a mesa, eram: Le-


lio Basso (Tribunal Bertrand Russel – Itália), Louis Joinet (Juristas Cató-
licos – França), André Jacques (Organização Internacional de Apoio aos
Refugiados de Todo o Mundo), Etienne Bloch (Comitê de Solidariedade
França-Brasil), Paul Gully Hart (Associação Suíça pela Anistia Geral dos
Prisioneiros Políticos no Brasil) e Jean Bernard Weber (representante de
dez organizações suíças de luta pelos direitos humanos). Luís Eduardo
Greenhalgh presidiu a mesa, secretariado por Margarida Naves Fernandes
(MFPA) e Manoel Alexandre Cunha (Sociedade de Defesa dos Direitos
Humanos do Pará).471
A fala de abertura coube ao advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, pre-
sidente do Comitê Brasileiro pela Anistia (SP), e partiu da caracterização
do sentido histórico da situação que gerava a necessidade de anistia po-
lítica:

Pela força das armas, derrubou-se um governo constitucional em 1964.


Atrás de promessas de democracia, de bem-estar social e probidade no tra-
to da coisa pública, instalaram-se interesses de grandes monopólios estran-
geiros e brasileiros. Introduziu-se o despotismo e confiscou-se o salário dos
trabalhadores. Aprofundou-se o fosso entre ricos e pobres e estabeleceu-se
o ambiente onde se agigantou a corrupção. […]
A resistência ‒ necessariamente multiforme ‒ que tal situação provocou foi
respondida com endurecimento crescente de impiedosa repressão. Leis e
atos de exceção foram produzidos ao arrepio dos mais elementares precei-
tos do nosso direito constitucional para acobertar juridicamente o furor
policialesco. O Estado de direito democrático sucumbiu ante o gigantismo
do Estado policial. […]
A anistia que hoje reivindicamos brota dessa base objetiva que mostra a
nação dividida, prejudicada pela dispensa compulsória da contribuição de
tantos filhos capacitados em diversos campos da atividade humana, como
política, ciência, magistério, artes.
A anistia pela qual batalhamos visa integrar na vida nacional todo esse con-
tingente marginalizado e perseguido de brasileiros.472

471
Idem, p. 69-70.
472
Idem, p. 65-66.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 317

Após historiar a campanha pela anistia no Brasil, o orador concluiu que


o movimento se encontrava maduro e unificado em torno de algumas teses:
necessidade da anistia ampla, geral e irrestrita; recusa da discriminação dos
acusados de participação em movimentos armados contra o regime; recusa
da proposta de anistia “recíproca”; fim de “todo arbítrio”, aberto ou institu-
cionalizado por reformas de governo; vinculação da campanha pela anistia
à luta pelas liberdades democráticas, por melhores condições de vida e tra-
balho, o que significava o movimento irmanar-se com as reivindicações dos
trabalhadores geral e, especificamente, com as dos operários metalúrgicos
paulistas em greve.473
Três delegados estrangeiros também se pronunciaram durante a aber-
tura dos trabalhos. O jurista Etienne Bloch474 mencionou o encontro pro-
movido por entidades sindicais francesas no mês anterior, em Paris, como
um indicativo de que haviam mudado as ações de solidariedade: “Durante
anos, esta ação consistiu, sobretudo, na denúncia aos males da ditadura
e da repressão, na denúncia das torturas e da condição dos prisioneiros.
Hoje, a mobilização do povo francês se faz através do apoio à luta do povo
brasileiro para ser senhor do seu destino”.475 Já o suíço Jean-Bernard Weber,
igualmente jurista, tocou no ponto crucial que conectava internacional-
mente a ditadura brasileira:

As organizações suíças signatárias desta moção,476 solidárias e comparti-


lhando de vossa luta, estão conscientes de que os meios econômicos e o
governo suíço colidem com as aspirações populares apoiando a ditadura
após o golpe de Estado de 1964.
O apoio dessas organizações é, ao mesmo tempo, um engajamento para
ampliar seu trabalho de apoio às lutas do povo brasileiro e de denúncia dos
mecanismos econômicos e políticos que, do exterior, apoiam a ditadura e se
beneficiam com a exploração do povo brasileiro.
As organizações signatárias divulgarão na Suíça os resultados deste Con-

473
Idem, p. 66-67
474
Em nome do Comitê Brasil Anistia do Comitê França-América Latina, também repre-
sentado no evento pelos juristas Louis Joinet e André Jacques.
475
CONGRESSO NACIONAL PELA ANISTIA. Resoluções, São Paulo, novembro de 1978,
p. 82.
476
Liga Suíça dos Direito Humanos, Comissão para o Terceiro Mundo da Igreja Católica de
Genebra e Comissão América Latina da Associação “Que fazer”.
318 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

gresso que é uma esperança para todos os povos que conduzem o mesmo
tipo de luta no mundo e em particular para todos dos povos da América
Latina.477

O jurista suíço Paul Gully Hart explicou as finalidades da entidade que


representava – Associação Suíça para a Anistia Geral aos Presos Políticos no
Brasil ‒, definidas em seu estatuto: a luta pela anistia geral e irrestrita para
todos os prisioneiros condenados, banidos e exilados políticos brasileiros e
a luta pelo respeito aos direitos humanos no Brasil, como definidos na Carta
das Nações.478 Informou, também, que uma carta, solicitando a concessão de
anistia geral a todos os presos políticos, banidos e exilados, fora dirigida por
diversas personalidades suíças ao embaixador do Brasil em Berna para ser
transmitida ao futuro presidente, general João Figueiredo.479
Foi lida a listagem dos telegramas e moções enviadas por entidades e pes-
soas saudando o Congresso. Entre as entidades, a maioria era originária de
cidades suíças e francesas, onde havia vários comitês de apoio aos exilados
e presos políticos brasileiros. Mas foram enviadas moções também de Por-
tugal, Holanda, Alemanha, Bélgica, Suécia, Itália e Dinamarca. O Congres-
so recebeu cerca de cinquenta moções de entidades brasileiras, vinculadas a
atividades de natureza variada: política, sindical, estudantil, religiosa etc.480
Os participantes foram distribuídos em comissões que cobriam as prin-
cipais situações gerais em que surgiam demandas por anistia: Comissão de
Trabalho dos Atingidos e Comissão de Trabalho dos Setores e Categorias
Profissionais. A primeira se subdividia nas seguintes comissões: Familia-
res de Presos e Ex-Presos Políticos, Familiares de Mortos e Desaparecidos,
Familiares de Exilados e Banidos, Familiares de Aposentados e Cassados e
Instituições Científicas. A segunda se subdividia nas seguintes comissões
de trabalho: Advogados, Artistas, Estudantes, Igreja, Jornalistas, Mulheres,
Negros, Operários, Parlamentares e Candidatos, Professores, Profissionais
Liberais e Profissionais da Saúde.
As atividades práticas do congresso se desenvolveram nos dias 3 e 4.
Houve reuniões das comissões de trabalho, mesas de debates em torno dos

477
CONGRESSO NACIONAL PELA ANISTIA, op. cit., p. 84.
478
Documento que, em 1945, formalizou a criação da Organização das Nações Unidas
(ONU).
479
CONGRESSO NACIONAL PELA ANISTIA, op. cit., p. 86 e 88.
480
Idem, p. 90-141.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 319

temas “Anistia e democracia” e “Mortos e desaparecidos” e uma progra-


mação artística, com apresentações de teatro e música baseadas em textos
relativos aos direitos humanos.
A Comissão dos Cassados expôs, principalmente através de depoimentos,
as motivações políticas que levaram às cassações desde 1964. O ex-deputado
federal Adão Pereira Nunes, por exemplo, denunciou ter sido incluído na
primeira lista de cassações porque adotava posições nacionalistas e defen-
dia a entrega de terras devolutas da União a trabalhadores sem-terra.481 Já
Ivone de Almeida, ex-funcionária do Ministério do Interior, declarou que
fora posta compulsoriamente na inatividade por ter comparecido ao enterro
do ex-presidente Juscelino Kubitschek.482 O advogado Artur Müller, por sua
vez, mencionou ter sido desligado em 1964 da Companhia de Transportes
do Estado da Guanabara por motivos políticos e que chegaram às centenas
os casos de funcionários demitidos do serviço público e de empresas estatais
de maneira ilegal e que ainda se encontravam em dificuldades, especialmen-
te pela exigência de apresentação de “atestado ideológico”, o que os impedia
de conseguir novos empregos.483 Parentes de militares atingidos por atos da
ditadura também prestaram depoimento nessa comissão. No entanto, pe-
diram que suas identidades fossem mantidas em sigilo, alegando que ainda
recebiam ameaças e temiam represálias. Relataram as grandes dificuldades
que enfrentavam, como filhos de militares nascidos após a punição, que não
podiam ser registrados ou inscritos nos institutos de previdência, porque os
pais, apesar de vivos, eram tidos como mortos.
A Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos exigiu a respon-
sabilização criminal da União pelas mortes e desaparecimentos e ainda o
esclarecimento de cada caso específico e a localização dos cadáveres. Para
viabilizar um levantamento atualizado e proporcionar material para análi-
se de cada caso, foram distribuídas aos familiares fichas que deveriam ser
preenchidas com os dados da família, as circunstâncias dos desaparecimen-
tos, as providências tomadas até aquele momento e a indicação de qualquer
tipo de documentação referente a cada caso.

481
“Sugeridas ações às famílias dos presos”. O Estado de S. Paulo, 4 de novembro de 1978,
p. 11.
482
“Anistia homenageia Lamarca e Marighela”. Jornal do Brasil, 4 de novembro de 1978.
483
“Sugeridas ações às famílias dos presos”. O Estado de S. Paulo, 4 de novembro de
1978, p. 11.
320 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

A Comissão de Familiares de Banidos e Exilados484 deu destaque a dois


casos de brasileiros presos no exterior. Flávia Schilling ‒ acusada de per-
tencer à organização guerrilheira uruguaia Tupamaros ‒ cumpria pena no
Uruguai desde 1972 e não vinha tendo seus direitos jurídicos respeitados,
já que seus pais e seu advogado haviam sido expulsos do país pelas auto-
ridades uruguaias.485 Flávio Koutzii, preso na Argentina em maio de 1975,
encontrava-se em péssimas condições de saúde por sofrer de problemas
cardíacos e não recebia os medicamentos necessários.486
A Comissão de Familiares de Presos e Ex-Presos Políticos trouxe ao
Congresso denúncias a respeito das péssimas condições, tanto carcerárias
como de saúde, a que os detentos estavam submetidos. Denunciou o caso
de Selma Bandeira Mendes, presa em Recife sob acusação de pertencer ao
Partido Comunista Revolucionário (PCR). Vinha desmaiando várias vezes
em audiências na Auditoria Militar, encontrava-se em estado de saúde pre-
cário, no entanto as autoridades se recusaram a interná-la para que recebes-
se a assistência médica necessária. O advogado Geraldo Magela, membro
do CBA-MG, denunciou o caso de seu cliente Munir Than Sab, que levara
um tiro no pescoço no momento da prisão. Apesar de se encontrar im-
possibilitado de falar e, inclusive, de se alimentar, continuava preso sem
receber a assistência médica adequada.
As Comissões de Trabalho dos Setores e Categorias Profissionais trou-
xeram ao Congresso os problemas específicos enfrentados por cada setor
“em virtude do arbítrio e da exceção instalados em 1964”. A Comissão de
Universidades e Instituições Científicas denunciou o problema da triagem
ideológica e das “cassações brancas” nas universidades do país. Os estu-

484
Em 10 de novembro, o ministro das Relações Exteriores, Antônio Azeredo da Silveira,
recebeu de cerca de cem brasileiros exilados, por meio dos seus advogados, interpelação
requerendo o restabelecimento de seus direitos de cidadãos. Brasil dia a dia, p. 117.
485
Em 17 de novembro, ela recebeu a visita do cônsul brasileiro em Montevidéu, Agenor Soa-
res do Santos, que, em seguida, informou oficialmente que, ao contrário do que havia sido de-
nunciado, ela estaria gozando de boas condições de saúde. Em dezembro, encerrou-se a cam-
panha nacional das entidades pró-anistia que visava pressionar o governo brasileiro a intervir
junto ao governo uruguaio pela libertação de Flávia. Foi arrecadada uma quantia para totalizar
a taxa de quinze mil dólares que a Junta Militar do Uruguai vinha exigindo em ressarcimento
das despesas com a permanência da presa no país. ZERBINE, Therezinha Godoy, op. cit., p.
238-239. No dia 12 de novembro, fora sequestrada em Porto Alegre uma família uruguaia ‒
Lílian Celiberti, Universindo Diaz e seus dois filhos, de dez e quatorze anos ‒, em operação
conjunta de forças policiais do Brasil e do Uruguai, típica da Operação Condor.
486
“Congresso em SP debate punições revolucionárias”. O Globo, 4 de novembro de 1978.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 321

dantes propuseram a luta contra as formas de repressão dentro das univer-


sidades, como a jubilação e a presença das “assessorias de segurança”. As
“cassações brancas” e a triagem ideológica eram bem ilustrativas de uma
forma de ação repressiva do regime ditatorial. Não atingiam apenas a vida
de universitários e estudantes em geral, mas também todo o funcionalismo
público e privado. A burocracia do regime recorria a esses instrumentos
para impedir a permanência no emprego ou a contratação daqueles que
considerava subversivos ou ameaçadores à ordem. O Movimento Feminino
pela Anistia apresentou um documento, intitulado “Cassações brancas”, em
que destacava a vinculação da luta contra tais expedientes com a campanha
mais geral pela anistia e o fim do regime: “A anistia não pode represen-
tar somente a anulação de um processo contra a Segurança Nacional. Se
persistirem as fichas policiais nos SNIs, DOPS, Serviço de Informação das
Forças Armadas etc., a anistia será inócua e até negativa”.487 O Congresso
reafirmaria esta ideia: “Esse entrelaçamento torna-se claro quando se com-
preende que a luta pela anistia tem duas faces; uma que defende os que até
o momento têm sido atingidos pelo arbítrio; outra que visa a defesa e a
garantia dos que hoje estão lutando”.488
Valendo-se do espaço político disponível, o Congresso foi palco de
emocionados depoimentos e discursos. O presidente nacional do MDB,
deputado Ulisses Guimarães, que também falou durante a cerimônia de
abertura, usou recursos retóricos que remetem ao moralismo que marcou
a campanha de Jânio Quadros à presidência da República nas eleições de
1960: “Não há cidadãos neste país. Nós somos proscritos politicamente
porque não podemos votar. Somos estrangeiros em nossa própria terra.
Precisamos limpar esta nação da sujeira do arbítrio e a vassoura é a anistia,
junto com a convocação de uma assembleia nacional constituinte”.489
A situação dos “mortos e desaparecidos” recebeu, naturalmente, grande
destaque, dada a presença de parentes e amigos das vítimas. Alguns deles
se disseram dispostos a responsabilizar judicialmente a União, seguindo
exemplo de Clarice Herzog, viúva de Vladimir Herzog, que, no dia 27 an-
terior, obtivera na Justiça Federal de São Paulo ganho de causa na ação que

487
“Cassações Brancas”, Movimento Feminino pela Anistia e Liberdades Democráticas, p. 32.
488
Carta do Congresso Nacional pela Anistia. Congresso Nacional pela Anistia. Resoluções,
novembro/1978, p. 8.
489
Brasil Mulher, n. 14, novembro de 1978, p. 12-13. Grifos meus.
322 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

responsabilizava a União pela sua morte. Lisânias Maciel, ex-deputado da


ala “autêntica” do MDB cassado em 1976, enfatizou a responsabilidade do
general Ernesto Geisel pela morte do jornalista e do operário Manoel Fiel
Filho, também já comentada:

É impossível que o general Geisel não soubesse que tinha à frente da Se-
cretaria de Segurança de São Paulo um caso patológico, o coronel Erasmo
Dias, hoje candidato a deputado federal; impossível que não soubesse da
existência de um torturador e assassino no comando da polícia paulista,
que é o delegado Sérgio Fleury.490

O Congresso tomou uma importante resolução no plano organizativo: a


criação da Comissão Executiva Nacional (CEN), para providenciar a con-
cretização das ações acordadas. O órgão teria uma função política bem-de-
finida:

Considerando-se que a Comissão Executiva deve buscar o fortalecimento das


entidades da anistia, avaliou-se a importância de extrair o maior rendimento
político possível a cada uma das reuniões que venham a se realizar. Neste
sentido, elas devem assumir o caráter de fato político que favoreça o cresci-
mento de entidades mais novas e o surgimento de outras. A escolha do local
para cada reunião deve, pois, levar em conta a necessidade de privilegiar as
entidades em processo de formação e também as regiões que por algum dado
novo da conjuntura exijam uma concentração maior de nossa atuação.491

Foram eleitos para integrar a CEN: os CBAs do Rio de Janeiro, Bahia


e São Paulo, a Coordenação Nacional do MFPA e a sua seção mineira, a
Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos do Pará e o Movimento Mato-
-grossense pela Anistia e Direitos Humanos.492
No dia 5, Lelio Basso pronunciou o discurso de encerramento do Con-
gresso. Falando em seu nome, no do deputado Carlo Fracanzani e da Alian-
ça Internacional pelos Direitos e pela Libertação dos Povos, que estava re-
presentando, saudou o “Brasil novo, um Brasil que se libertou do medo e

490
Brasil Mulher, n. 14, novembro de 1978, p. 12-13.
491
Cf. GRECO, Heloisa Amélia. Dimensões fundacionais da luta pela anistia.
492
CONGRESSO NACIONAL PELA ANISTIA. Resoluções, p. 4.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 323

que reencontrou a coragem da palavra livre”. Tratou os congressistas como


a “vanguarda de um grande povo” que tinha “defronte de si um futuro rico
de promessas”, mas, advertiu: “a primeira condição para que estas promes-
sas possam realizar-se é a liberdade: liberdade da ditadura e liberdade do
imperialismo estrangeiro”.493
A Carta do Congresso Nacional pela Anistia sintetizou a elaboração po-
lítica mais avançada a que o movimento pela anistia chegara. O documento
expressa a clara percepção de que a anistia era uma reivindicação que se
fortalecia na conjuntura nacional “em que amplos setores da sociedade bra-
sileira lutam de várias formas por liberdades políticas” e “contra o regime
arbitrário e autoritário que se instaurou no Brasil com o golpe político-mi-
litar de 1964”.494

Nos últimos meses, as greves operárias, as greves de setores profissionais de


classe média, as reivindicações populares contra as péssimas condições de
vida, têm arregimentado camadas cada vez mais amplas da população. Ao
mesmo tempo, multiplicaram-se os movimentos e as entidades pela anistia,
cada vez mais compreendida como instrumento de luta pelas liberdades
democráticas – liberdade de palavra, de expressão, de manifestação. De as-
sociação e reunião, de atuação sindical, de greve, de atuação política e de
organização partidária.495

Foi esse o sentido da intervenção de Ubiraci Dantas de Oliveira, mem-


bro do comando-geral da greve dos metalúrgicos de São Paulo:

Há quatorze anos, quando os filhos do povo foram presos, a classe operária


não se calou. Outros filhos nasceram e continuam a lutar. Hoje, são mais de
quinhentos mil operários em greve e não estão pedindo só 70% de aumen-
to: também querem liberdade para os companheiros presos. O que fizeram
com Manoel Fiel Filho vai ser cobrado! O que fizeram com Vladimir Her-
zog vai ser cobrado! Enquanto uns são presos, o povo cria outros filhos que
irão à rua lutar: Anistia!496

493
Idem, p. 142.
494
Idem, p. 5.
495
Idem, p. 5-6.
496
Ibidem.
324 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Traduzindo esse ascenso das lutas populares e democráticas, o Congresso


teria constituído “um salto político e organizativo”, com a combinação das
linhas gerais de programas anteriores e “um compromisso novo e superior”
na luta contra o regime. A exigência de anistia ampla, geral e irrestrita se arti-
culou com a do “fim radical e absoluto das torturas e dos aparatos repressores
e a responsabilização judicial dos agentes da repressão e do regime a que eles
servem”. Tratava-se de eliminar as bases da forma de “dominação política”
que garantia a “exploração econômica de todo o povo brasileiro, e mais parti-
cularmente, a dos operários, dos trabalhadores assalariados e do homem do
campo”.497 É interessante ressaltar a percepção de que a violência da repressão
policial institucionalizada pelo regime não se voltava apenas para o cenário
explicitamente político. O documento denuncia a sua presença generalizada
e, particularmente, contra “a grande parte das populações dos bairros pobres,
que sofrem diariamente a violência policial e termina por suportar, nas pri-
sões, torturas e condições desumanas de tratamento”.498
Deste ponto de vista, o Congresso denunciava as “reformas políticas” que
o governo Geisel vinha promovendo como destinadas a “perpetuar a exceção
e o arbítrio, ordenadas ainda sob a orientação ideológica da Doutrina de Se-
gurança Nacional”. Contra elas, a perspectiva estratégica deveria ser a

combinação da luta pela anistia ampla, geral e irrestrita com as reivindica-


ções mais sentidas dos setores que combatem a opressão – os trabalhadores,
nas fábricas; o povo pobre, no campo, nos bairros, nas favelas; as categorias
profissionais em suas associações; setores parlamentares e religiosos […]
para fazer crescer o movimento como um todo orgânico.

Houve, contudo, pelo menos uma divergência importante quanto ao en-


caminhamento combinado das diversas lutas. O MFPA do Rio de Janeiro
se colocou “firmemente pela anistia desvinculada de outras lutas, apesar de
concordar plenamente com as mesmas”.499 Em contraste com esta posição,

497
Ibidem.
498
Idem, p. 7.
499
Movimento Feminino pela Anistia e Liberdades Democráticas, op. cit., p. 31. Ainda em
novembro, Therezinha Zerbine viajou a Washington e Nova Iorque, para participar da fun-
dação de um comitê de apoio à luta pela anistia no Brasil, e a Lisboa, a convite do Comitê
Português Pró-Anistia do Brasil, para divulgar os objetivos e o programa do MFPA. A Ca-
pital, Lisboa, 20 de novembro de 1978, reproduzido em ZERBINE, Therezinha Godoy, op.
cit., p. 231-232.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 325

disse Raquel Pomar ‒ nora de Pedro Pomar, dirigente do Partido Comunis-


ta do Brasil (PCdoB) morto pela repressão em 1976 ‒ sobre o movimento
pela anistia: “O que está faltando nesta campanha é o povo”.500
No dia 15, realizaram-se no país as eleições gerais. Como, entre maio e
junho, de acordo com o estabelecido pelo “Pacote de Abril”, haviam sido
indicados indiretamente governadores e 22 senadores, caberia ao eleito-
rado, agora, preencher 23 vagas no Senado e 420 na Câmara dos Deputa-
dos, além de eleger os deputados estaduais. No plano nacional e em termos
absolutos, o partido governista venceu as eleições. A Arena elegeu quinze
senadores, contra oito do MDB, e preencheu 55% das vagas na Câmara dos
Deputados.501 A maioria simples que o governo assim garantiu no Con-
gresso confirmou o acerto da tática de mudança do tipo de maioria, de dois
terços para simples, a ser exigida futuramente para a aprovação de emendas
constitucionais, que lhe deu condição para continuar autonomamente as
reformas do regime político no plano institucional.
Entretanto, os números indicaram, também, um avanço quantitativo da
oposição, “particularmente nas áreas mais urbanizadas e industrializadas
do país”:

A oposição venceu as eleições para o Senado nos estados de São Paulo, Rio
de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Goiás
e Paraíba. Em suma, excetuando-se os estados de Goiás e Paraíba, que per-
tencem às regiões Centro-Oeste e Nordeste, respectivamente, a oposição
venceu na maior parte dos estados do Sudeste, bem como em todos os es-
tados da região Sul. Em conjunto, estes oito estados englobavam, em 1978,
69% do eleitorado brasileiro (65%, se apenas considerarmos os Estados de-
senvolvidos do Sul e Sudeste). Ademais, os candidatos do MDB para o Se-
nado obtiveram votação superior à da Arena em todas as capitais de estado,
com exceção de três. Isto significava que mesmo nas áreas urbanizadas dos
estados menos desenvolvidos do Norte e Nordeste, o MDB havia conquista-
do expressivo apoio eleitoral. Isto também significava que o reduto eleitoral
da Arena se havia reduzido às áreas de base rural, onde o clientelismo e
todas as outras formas de controle do voto continuavam a exercer papel
decisivo na definição das eleições.502

500
Movimento, São Paulo, n. 60, 12 de novembro de 1978, p. 12.
501
KINZO, Maria D’Alva Gil. Oposição e autoritarismo, p. 201.
502
KINZO, Maria D’Alva Gil. Oposição e autoritarismo, p. 202.
326 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Diante dos resultados obtidos pelo MDB, Márcio Moreira Alves, jorna-
lista, ex-deputado e agora professor do Instituto Superior de Economia de
Lisboa, escreveu um artigo logo em cima dos fatos,503 questionando a ava-
liação que a oposição e a imprensa brasileira teriam feito das eleições como
“uma vitória antigovernamental”: “a euforia demonstrada pelos dirigentes
do MDB e pela imprensa liberal e de esquerda carece de bases sólidas, em-
bora seja possível constatar uma sensível melhoria na definição ideológi-
ca da representação oposicionista […]”. Para o autor, era digno de nota o
fato “de terem as eleições de 15 de novembro gerado, tanto a nível estadual
como federal, a melhor representação popular que o Brasil já teve ao longo
de mais de 150 anos de história parlamentar”, com a consagração de líderes
sindicais, mulheres engajadas em campanhas de gênero, militantes de mo-
vimentos sociais etc. Entretanto, o sistema eleitoral permitira à Arena con-
servar sua posição majoritária no Congresso e em grande parte das assem-
bleias legislativas. Este dado traduziria “o comportamento extremamente
conservador do eleitorado em geral e do oposicionista em particular”.

Mesmo onde mais espetaculares foram as vitórias da oposição – em São


Paulo, Rio de janeiro, Porto alegre e Recife – o eleitorado optou preferen-
cialmente por candidatos cujo discurso ideológico é moderado, quando
não francamente diversionista.504
[…]
A pregação dos que contestam não apenas o governo como também o regime
de favorecimento à concentração de riqueza não conseguiu penetrar as mas-
sas que mais se beneficiariam com a vitória dessas posições, os operários e os
desempregados dos subúrbios. Em consequência, pode-se dizer que o regime
atingiu perfeitamente os objetivos a que se propôs ao criar a Lei Falcão. A
maior vitória nas eleições 1978 foi a do diversionismo ideológico.

503
ALVES, Marcio Moreira; BAPTISTA, Artur. As eleições de 1978 no Brasil. Revista Crítica
de Ciências Sociais, Coimbra, n. 3, p. 29-52, dez. 1979. A edição consultada on-line não traz
numeração nas páginas. Observe-se que uma primeira versão do artigo já estava pronta em
dezembro de 1978, quando foi apresentada no Simpósio Brasil no Limiar da Década dos 80,
em Estocolmo. Idem.
504
Termo do jargão político referido, no caso, a práticas destinadas a desviar a atenção do
eleitorado oposicionista dos assuntos que realmente importariam, como os problemas gera-
dos pela natureza concentradora de riqueza do regime em vigor no país.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 327

A conclusão do artigo lança uma questão que se revelaria central para


o desvendamento da natureza social do processo de transição em curso.
Não se tratava de considerar apenas o fundamental apoio consciente que
lhe davam diversos setores das classes dominantes, através da sua repre-
sentação eleitoral, mas, também, a sua “hegemonia ideológica”. Apoian-
do-se nas formulações do pensador e dirigente político marxista italiano
Antônio Gramsci, o autor parafraseia Marx, procurando adaptar ao caso
brasileiro o axioma segundo o qual a ideologia dominante em cada socie-
dade é a ideologia da classe dominante.505 Não apenas onde a Arena fora
vitoriosa, mas também ali onde os candidatos do MDB haviam prevaleci-
do, o eleitorado teria se comportado de maneira consagradora da ordem
vigente.

A conclusão final: 15 anos de regime ditatorial e de massacre ideológico


através do controle absoluto dos grandes meios de comunicação que são a
TV e o rádio talvez não tenham impedido que as massas, premidas pela ne-
cessidade e pela perda do poder aquisitivo dos seus salários, se tenham des-
locado para uma posição mais à esquerda da que tinham durante o período
democrático de 1945 a 1964. No entanto, o passar do tempo e esse possível
deslocamento não impediram as lideranças políticas de manterem as suas
posições altamente conservadoras em relação não só ao modo de produção
capitalista como ao tipo de capitalismo selvagem existente no Brasil e à es-
trutura de classes que ele origina.

Logo em seguida às eleições, realizou-se, nos dias 18 e 19 de novembro,


a primeira reunião da Comissão Executiva Nacional do CBA, em Belo Ho-
rizonte,506 e entrou em votação no Congresso o projeto de revisão da Lei
de Segurança Nacional. Problemas de quórum fizeram com que o projeto
fosse aprovado por decurso de prazo no dia 28 de novembro. Na sema-
na seguinte, a comemoração do primeiro aniversário do CBA-RJ levou ao
Teatro Municipal de Niterói (RJ) cerca de duas mil pessoas, entre as quais
líderes sindicais, parlamentares, ex-presos políticos, dirigentes de entida-
des profissionais liberais e estudantis e representantes de entidades de luta

505
Em MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã, várias edições.
506
Sobre a reunião, ver GRECO, Heloisa Amélia. Dimensões fundacionais da luta pela anis-
tia, v. 1, p. 73.
328 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

pela anistia de vários pontos do país. Durante os trabalhos, Dilma Borges


Vieira, viúva do jornalista Mário Alves, prestou impactante depoimento
sobre as torturas que o levaram à morte em 1970. Foram feitas duas ho-
menagens de grande valor simbólico para o movimento: à estilista Zuzu
Angel ‒ mãe de um preso político assassinado em dependências do Exér-
cito, o que ela denunciou corajosamente no país e no exterior, e morta em
acidente automobilístico altamente suspeito e até hoje não esclarecido ‒ e
à Iná Meireles, mãe e sogra de presos políticos recém-libertados depois de
dez anos de reclusão. Várias pessoas tiveram a sua contribuição à luta pela
anistia reconhecida por meio de diplomas de sócios-honorários do CBA:
Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde), Tiago de Melo (poeta), Barbo-
sa Lima Sobrinho (jornalista, então presidente da Associação Brasileira de
Imprensa − ABI), Antônio Calado (escritor), Antônio Houaiss (filólogo),
os compositores Chico Buarque de Holanda e Sérgio Ricardo, os juristas
Raimundo Faoro (então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil −
OAB), Heráclito Sobral Pinto e Eduardo Seabra Fagundes, os religiosos ca-
tólicos D. Valdir Calheiros e D. Adriano Hipólito, Mário Lago (ator, escritor
e compositor), Darci Ribeiro (antropólogo e professor), Ênio Silveira (edi-
tor), general Peri Bevilaqua, Ziraldo Alves Pinto (desenhista), Ronaldo Ca-
bral Magalhães (dirigente sindical) e Lisânias Maciel (deputado cassado).507
No dia 5 de dezembro, estudantes ligados ao CBA foram detidos na zona
Sul do Rio de Janeiro, quando colavam cartazes de alerta à população para
o julgamento, que se realizaria uma semana depois, de dezessete integran-
tes do Movimento de Emancipação do Proletariado (MEP). Os cartazes,
que também foram amplamente distribuídos no centro da cidade, traziam
palavras de ordem do movimento pela anistia, informações pessoais sobre
os presos e denúncias de torturas que eles teriam sofrido.508 Ouvidos pela
polícia política, os estudantes foram liberados em seguida.509
Em 10 de dezembro, atos públicos foram promovidos pelos CBAs em
comemoração aos 30 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
aproveitados pelo movimento pró-anistia para ampliar a denúncia sobre
a situação crítica dos direitos humanos no país e encaminhar campanhas

507
Anistia, n. 3, janeiro-fevereiro de 1979, p. 5.
508
O Diário de Pernambuco publicou, em 22 de dezembro, documento preparado por deze-
nove presos políticos do presídio Barreto Campelo, com os nomes de 78 pessoas acusadas de
participar de sessões de tortura no estado entre 1968 e 1978. Brasil dia a dia, p. 90.
509
Jornal do Brasil, 6 de dezembro de 1978.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 329

específicas. Em Porto Alegre e Salvador, os núcleos do CBA realizaram atos


em favor da libertação de Flávia Schilling e Flávio Koutzii, ainda presos,
respectivamente, no Uruguai e na Argentina. Já em São Paulo, realizou-se
um ato público na Câmara Municipal, na presença de cerca de trezentas
pessoas, inclusive representantes da Associação Brasileira de Imprensa
(ABI), sindicatos de trabalhadores e de movimentos políticos visados pela
polícia política, como o Movimento Convergência Socialista (CS), legal, e o
Movimento pela Emancipação do Proletariado (MEP), clandestino.
Uma semana depois, o projeto de reforma da Lei de Segurança Nacio-
nal, que havia sido encaminhado à sanção presidencial, tornou-se norma
jurídica na forma da Lei nº 6.620/78.510 A lei extinguiu as penas de morte e
prisão perpétua. Apresentou, também, dois conteúdos, um de sentido táti-
co, imediato, e outro de sentido estratégico, com vistas ao longo prazo. De
imediato, reduziu substancialmente as penas para crimes capitulados na lei.
Dessa maneira, provocaria a liberação da maioria dos presos políticos, con-
denados de acordo com penas muito mais altas e que já teriam cumprido o
tempo por ela estipulado. Esvaziava, assim, um dos pilares do movimento
pela anistia. Voltada para as futuras necessidades de garantia do regime
classista, a redução das penas as tornava mais facilmente aplicáveis, como,
aliás, era a intenção do governo, segundo “Exposição de motivos” apresen-
tada pelo ministro Armando Falcão, da Justiça:

De logo assinalável, na reformulação que se propõe, é o abrandamento ge-


ral das penas, suprimindo-se as de morte e prisão perpétua e reduzidas as
demais, de sorte a fazer-se mais justa e equilibrada cominação. Assim, en-
quanto se observa o espírito da recente reforma constitucional, ganha a lei
em aplicabilidade, pois é sabido que o rigor excessivo das penas inibe o juiz,
explicando em muitos casos a absolvição como alternativa à falta de justa
medida para o grau de culpa.511

510
Brasil dia a dia, p. 117. O texto da lei e as alterações que sofreu ao longo do tempo
podem ser vistos em: <http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/128355/lei-de-segu-
ranca-nacional-de-1978-lei-6620-78?ref=home>. Acesso em: 10 jan. 2014.
511
E. M. n. 336-A, de 16 de outubro de 1978. In: BRASIL. Senado Federal. Subsecretaria de
Edições Técnicas. Segurança nacional; Lei n. 6620/78 – antecedentes, comparações, anota-
ções, histórico. Por Ana Valderez A. N. de Alencar. Brasília: Senado Federal, 1980, p. 346.
Grifo meu.
330 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Também voltadas para o novo regime político que se pretendia alcançar


com as reformas institucionais, a Lei apresentava outras duas novidades. A
primeira, uma nova conceituação da segurança nacional, de maneira que os
crimes contra ela “ficam nitidamente diferençados da simples oposição polí-
tica a interesses ou programas governamentais de caráter efêmero”. A outra,
“a nova disciplina dada à prisão ou custódia do indiciado durante as investi-
gações, com redução do prazo de incomunicabilidade, imediata comunica-
ção ao órgão judiciário competente e garantia da verificação da integridade
física do detido […]”. Esta alteração da lei se coadunou com a anunciada ex-
tinção do AI-5 e o consequente restabelecimento do direito de habeas corpus
para acusados de crime político, isto é, contra a segurança nacional.
Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado e membro da Comissão Executiva
do CBA-SP, em estudo512 elaborado em agosto de 1979, alegaria que a nova
LSN dava ao Estado poderes ilimitados para reprimir indivíduos identifica-
dos como “inimigos internos”, pois estipulava pena de um a cinco anos de
prisão para quem “formar, integrar ou manter [sic] associação de qualquer
tipo”. Segundo ele, a lei ganhava em aplicabilidade ao suprimir penas como
a de morte, que, por não possuir legitimidade, não era oficialmente aplica-
da. A fim de evitar o logro das reformas governistas, o CBA concluía que o
único meio de obter vitória consistia na tentativa de ampliação da luta pela
anistia:

Cabe ampliarmos a nossa luta para os setores que mais necessitam do fim
do regime repressivo, para os setores populares, em particular para os tra-
balhadores da cidade e do campo. A questão da ampliação da luta pela anis-
tia é a própria questão da sua popularização. Preservando e ampliando os
vínculos que possuímos com os setores liberais, mas criando as condições
para que a bandeira da anistia possa ser empunhada por aqueles que de fato
têm interesse em jogar sua força para levá-la às suas últimas consequências.
Neste sentido o CBA se esforçará para ativar o trabalho junto às entidades,
para criar novos núcleos e para ampliar a filiação de novos sócios. Procu-
rará ainda intensificar a associação de seus quadros de personalidades que
concordem com nosso programa.513

512
Documento intitulado “Anistia e repressão e elaborado” por Luiz Eduardo Greenhalgh,
provavelmente em agosto de 1979.
513
Idem.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 331

Os derradeiros dias do governo Geisel deixariam bem claros os con-


tornos da posição que o seu sucessor deveria adotar em relação à anistia.
Com a nova Lei de Segurança Nacional, conseguia-se um enfraquecimen-
to dos movimentos pela anistia, pela drástica redução do número de pre-
sos políticos, à medida que a Justiça Militar fosse enquadrando os casos
nas novas penas. Por aí, se fortalecia o segmento da oposição simpático a
medidas parciais que poderiam conduzir, gradualmente, à anistia ampla.
De outro lado, negava-se que a concessão da medida viesse a entrar nas
cogitações imediatas do novo governo, deixando-o na posição de definir
o momento e as condições para o tratamento da questão.
Em 28 de dezembro, o CBA protocolou no Palácio do Planalto um re-
querimento de informações sobre 54 pessoas “desaparecidas” entre 1969 e
1975. O documento procurava evitar as costumeiras evasivas nas respostas
do governo:

Esses homens e mulheres, cujos nomes o Comitê Brasileiro pela Anistia e


os próprios familiares enviam agora a V. Exa., não são pessoas que um dia
saíram de casa e não voltaram. Por amnésia ou, como já foi insinuado por
membros do seu governo, por incompatibilidade conjugal. Esses homens e
mulheres, estranhamente, tinham um passado político. Ocupavam uma po-
sição em sua comunidade. Desenvolviam atividades políticas e tinham uma
posição definida contra a situação política em que nos encontramos desde
1964. E, mais estranhamente ainda, verificamos que não há desaparecidos
pró-governo. Por quê?514

No dia seguinte, o governo, através do seu porta-voz, coronel Rubem


Ludwig, negou que estivesse pensando na questão da anistia, acrescen-
tando: quando o governo se decidisse a estudar o assunto, “à área militar
também [seria] solicitado um parecer, porque ela tem uma ligação com
o assunto, embora não esteja dentro das normas essa área decidir nesse
caso”.515 Em reforço, Paulo Maluf, candidato do regime eleito ao governo
de São Paulo pela Arena, se declarou a favor da revisão das penas, caso a
caso, e contra a anistia ampla e irrestrita, porque a sua adoção acabaria

514
Carta de CBA-RJ ao presidente da República, general Ernesto Geisel, Rio de Janeiro, 28
de dezembro de 1978. O Globo, Rio de Janeiro, 29 de dezembro de 1978.
515
O Globo, 29 de dezembro de 1978.
332 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

“nivelando bandidos e criminosos comuns com exilados políticos, o que


não seria justo”.516
O mês de dezembro se encerrou com o programa de reformas do gover-
no concretizando dois importantes itens. Um, de natureza tática, foi a re-
vogação, no dia 29, do banimento de todos os presos políticos que haviam
sido trocados por diplomatas sequestrados em 1969.517 Esta medida, que,
naturalmente, contemplava uma reivindicação do campo democrático,
também complementava a redução das penas previstas na Lei de Segurança
Nacional na função de esvaziar o movimento pela anistia. Outro, de alcance
estratégico, o fim dos atos institucionais e complementares, que satisfazia o
importante segmento liberal da oposição, já que o país retornava, formal-
mente, ao Estado democrático de direito e ficava restabelecido o direito de
habeas corpus em casos de crimes políticos.
O jornal Anistia, porta-voz do CBA, entretanto, fazia uma avaliação
pouco otimista das condições políticas em que o ano de 1979 se iniciaria.

Hoje, no Brasil, o movimento popular avança. Greves, manifestações, ma-


nifestos, movimentos do Custo de Vida, luta pela habitação popular, por
melhores condições de vida e trabalho, pelo direito de livre organização e
manifestação, são algumas expressões do avanço do movimento popular.
Ao analisar a atual conjuntura política, uma coisa fica clara: a ditadura mi-
litar não acabou. Pressionada, de um lado, pela crise econômica e política
e, por outro lado, pelo avanço do movimento popular, que obriga a cada
passo um recuo do regime, os artífices do poder elaboram um projeto de
ditadura reformada. Novos instrumentos são preparados, visando repri-
mir as reivindicações populares dentro de marcos aceitáveis pela nova
correlação de forças que se instaura no poder. Uma nova modalidade de
repressão é desenvolvida: prepara-se uma lei de greve que possa reprimir
eficazmente as novas formas de luta criadas pelo movimento operário. Os
patrões “democratas” clamam pelas forças de segurança a fim de garantir
seus privilégios e demitem os operários grevistas. No terreno institucio-
nal, a reforma política, saudada como o passo democrático do regime,
mantém e institucionaliza o arbítrio. A Lei de Segurança se, por um lado,
talvez beneficia alguns dos que hoje se encontram presos, por outro per-

516
Jornal do Brasil, 29 de dezembro de 1978.
517
Decreto nº 82.960, de 29 de dezembro de 1978.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 333

mite à Justiça Militar condenar facilmente todos aqueles que contra o


poder se insurjam. Fica claro, então, que o poder elabora instrumentos
eficazes para a conjuntura que se abre.518

Para as forças políticas de esquerda revolucionária engajadas numa luta


contra a forma ditatorial da dominação capitalista, era crucial, naquele
momento, entender o significado prático das reformas políticas implanta-
das pelo governo Geisel. Com a fórmula “a ditadura militar não acabou”,
tentava-se apontar a remanescência da dominação classista dos patrões –
mesmo os “democratas” ‒, traduzida nos instrumentos de repressão contra
“todos aqueles que contra o poder se insurjam”. Não havia, portanto, por
que disseminar ilusões a respeito da formalidade do quadro institucional
da conjuntura que se abriria ao iniciar-se o ano de 1979, quando, extintos
os atos institucionais e complementares, a luta de classes passaria a fazer-se
sob regência exclusivamente constitucional.
É forte, na historiografia, uma avaliação dessa conjuntura centrada na
mudança institucional. Identificada com a bandeira da oposição liberal, en-
tende que nesta mudança está a resposta para o problema da definição do
fim da ditadura. A esse respeito, um influente historiador nos oferece uma
proposição emblemática:

Nossa escolha recai em 1979, quando deixou de existir o estado de exce-


ção, com a revogação dos Atos Institucionais e foi aprovada a anistia […].
Assim, com o ano novo, em 1979 o país reingressou no Estado de direito
− ainda precário, porque apoiado em uma Constituição imposta, a de 1967,
em uma emenda constitucional espúria, arrancada, sob ameaça, em 1969, e
em toda uma constelação de leis e decretos que formava, como se chamou
desde então, um verdadeiro entulho autoritário. Mas a ditadura aberta já
não existia mais. O país e a sociedade respiravam.519

É o caso de perguntar em que a distinção entre “país” e “sociedade” aju-


da na compreensão da nova conjuntura. Principalmente, na compreensão
do significado das reformas institucionais para as classes e categorias so-

Anistia, n. 2, nov./dez. 1978, Editorial.


518

REIS, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
519

2000. p. 69. Grifo do autor.


334 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

ciais dominadas. O “entulho autoritário” constituiu, na verdade, o conjunto


de regras que sustentou legalmente a continuidade da dominação classista
visada pelo projeto de transição política em curso desde 1974. Os abstratos
“país” e “sociedade” ‒ é difícil imaginar estas categorias distintas: um país
sem sociedade, uma sociedade sem país, pelos menos as modernas ‒ con-
tinuariam respirando divididos em classes, desigualmente atingidas pelos
diplomas constitucionais “espúrios” e pela “constelação de leis e decretos”
autoritários. O fim da “ditadura aberta” e a implantação do Estado de di-
reito “ainda precário” constituíram um rearranjo das formas de dominação
classista que não abriria mão da violência contrarrevolucionária e cami-
nharia para a implantação da precariedade dos direitos, com destaque para
a anistia, afinal, concedida como instrumento essencial para a formação
de um novo bloco de poder à frente do Estado. Tão essencial que, depois
de 1988, se sucederiam vários governos de um novo regime político e a lei
aprovada em 1979 permaneceria, na sua essência, intocada e intocável, pelo
menos até o momento em que escrevo.
Para uma discussão rigorosa do processo político de transição da di-
tadura ao regime que a substituiria, é importante frisar a insuficiência
da perspectiva subjacente às formulações transcritas acima. Em outro
trecho do livro citado, lê-se: “Daí em diante [1979], abriu-se um perío-
do de transição, até 1988, quando a aprovação de uma nova Constitui-
ção restabeleceu as condições de um pleno Estado de direito em nosso
país”.520 Estranha periodização: em 1979 acaba a ditadura e começa a
transição para a democracia, que se consuma em 1988. Por nove anos,
a sociedade brasileira teria vivido sob um regime de transição, uma for-
ma de dominação política nem ditatorial nem democrática, solta no ar!
Nesse período, “da ditadura fez-se a democracia, como um parto sem
dor, sem grandiloquência ou heroísmo, sem revoluções ou morte d’ho-
mem. Cordialmente, macunaimicamente, brasileiramente”. Deste ponto
de vista, fica difícil identificar em que país (ou seria em que socieda-
de?) um presidente, entronizado exatamente em março de 1979, quando
todos já “respiravam”, precisou jurar a disposição de “fazer desse país
uma democracia, nem que seja a força”, ameaçando: “prendo e arrebento
quem se opuser”. Onde se montaria, em 1981, uma farsa tão ridícula
quanto ostensivamente lastreada no “entulho autoritário”, para explicar

520
Idem, p. 11.
O projeto distensionista e a anistia (1974-1978) 335

um atentado (o do Riocentro) que, se exitoso, teria provocado a morte


de milhares de pessoas. Onde seriam reprimidas greves operárias me-
diante o recurso à ação do Exército, à Lei de Segurança Nacional e ao
Código Penal Militar etc. Haja precariedade neste Estado de direito! São,
provavelmente, fatos políticos de uma abstrata transição, pertencentes a
outro país e outra sociedade em que historiadores levam a sério batotas
sobre uma metafísica natureza do povo brasileiro – composto de cordiais
heróis sem nenhum caráter.521 O reino de Avilan522, talvez!

Referência ao personagem central do romance Macunaíma, de Mario de Andrade (1928).


521

Referência ao reino fictício onde se desenrola a trama da novela Que rei sou eu, sátira
522

política exibida pela Rede Globo de Televisão, em 1989.


Capítulo 3
A anistia como tática do regime

3.1 O bombom de Golbery

Para os brasileiros que não se identificavam positivamente com o regime


ditatorial, iniciar o ano de 1979 livres da ameaça explícita dos atos institu-
cionais não deixou de ser uma novidade benfazeja. Entretanto, a ameaça im-
plícita não desaparecera. Percebia-se que as reformas institucionais recém-
-decretadas atendiam a objetivos políticos que não excluíam a permanência
dos aparatos repressivos e da ameaça que representavam para as forças oposi-
cionistas. Já nos primeiros dias do ano, o editorial de Anistia se demonstrava
cético em face das recentes mudanças operadas pelos dirigentes do regime.

[…] quando também começam a aflorar denúncias de torturas e mortes


na imprensa1 e os grandes jornais passam a divulgar o mecanismo de fun-
cionamento da máquina repressiva ligada diretamente à cúpula do poder,
os generais − temendo aumentar o isolamento que os ameaça face ao cres-
cimento das lutas populares e mesmo de uma oposição militar e de outras
forças políticas que antes os apoiavam, como a própria Igreja − vêm ace-
nando com uma anistia parcial, ainda sem maiores detalhamentos, mas já
anunciada pelos futuros ocupantes do Planalto.
Assim, a revogação do AI-5, das penas de banimento e morte, o retorno do
habeas corpus para presos políticos, a eliminação do artigo 185 da Cons-
tituição (acabando com a cassação eterna) e a nova Lei de Segurança Na-
cional, que integram o pacote de reformas políticas, em vigor desde 1º de
janeiro, indicam uma disposição do regime de compor com certos setores
sociais que o apoiavam nos seus primeiros anos e que, agora, empurrados
pelo ressurgimento do movimento popular, se voltam contra ele, descrentes

1
Menção a matérias da Folha de S. Paulo, Veja e Em Tempo.

337
338 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

de sua eficácia face ao excesso de desmandos, corrupção e arbítrio acumu-


lados nestes quinze anos.2

Em resolução da assembleia geral da seção fluminense do Comitê Brasi-


leiro pela Anistia (CBA), no mesmo mês, a entidade afirmava:

O regime autoritário nos últimos meses vem avançando claramente na ten-


tativa de implementar um projeto político calcado em reformas à sombra
de “salvaguardas” que não modificam a sua natureza. A “ditadura reforma-
da” sem dúvida nenhuma abre um imenso campo de manobras políticas
que vão desde o “fim da figura do banimento” até a possibilidade da decre-
tação de uma anistia parcial e restrita.3

Outro documento do CBA aprofundaria a análise no mês seguinte, in-


dicando que o projeto de reforma do governo pretendia proporcionar a
continuidade de determinados “círculos” no poder:

Nos anos posteriores a 1964 assistiu-se a um processo em que o círculo


dominante da sociedade tornou-se cada vez mais estreito, sendo alijados
da participação na vida política da nação todas as classes e grupos subalter-
nos. Hoje, mais do que nunca em nossa história, a legislação de segurança
nacional visa claramente a impedir a expressão e participação políticas e a
organização partidária das classes populares, em especial da classe operária
e dos trabalhadores rurais. Não apenas se impede a organização de partidos
comunistas e socialistas – perfeitamente tolerada em boa parte dos países
capitalistas – mas mesmo as reivindicações democráticas mais tímidas e a

2
“Anistia parcial: mais uma manobra do regime”. Anistia, Rio de Janeiro, janeiro de 1979,
Editorial, p. 3.
3
Resolução da Assembleia Geral do CBA-RJ, de 21 de janeiro de 1979. Entendendo as refor-
mas políticas como efetivas operações eufêmicas, o escritor e teatrólogo Augusto Boal dis-
sera, um ano antes: “De nada serve substituir palavras, se a realidade que elas designam não
é também substituída. No Chile, pretendeu-se substituir a palavra ‘ditadura’ pela expressão
‘democracia autoritária’, porém o Pinochet continuou o mesmo. ‘A junta chilena acaba de in-
ventar o submarino a vela’ − divertiu-se um jornalista francês. Pretende-se agora substituir
o ‘toque de queda’ por ‘restrições às deslocações noturnas’, porém, entre a meia-noite e as
cinco da manhã ninguém pode sair à rua, agora como antes. No Brasil, pretende-se substi-
tuir ‘leis de exceção’ por ‘salvaguardas legais’. Se eu estivesse de bom-humor, achava graça.
Não acho”. Anistia, Rio de Janeiro, abril de 1978, p. 42.
A anistia como tática do regime 339

constituição de movimentos de cunho liberal (aí está como exemplo o PDR


do ex-vice-presidente Pedro Aleixo).4

No campo comunista, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-


8) tinha uma visão ainda mais pessimista da conjuntura: “A revogação dos
banimentos, decretada por Geisel ao apagar das luzes do AI-5, logo des-
mascarou-se como uma simples manobra de relações públicas do regime”.
Para sustentar a tese, o seu porta-voz citava o caso de um ex-banido, o jor-
nalista Lúcio Flávio Regueira Uchoa, que, tendo decidido retornar ao Bra-
sil, fora detido no Aeroporto do Galeão, seguindo preso já havia um mês.

Por outro lado, assessores do general Figueiredo bochicham [sic] que o


novo presidente está pensando em decretar uma anistia parcial, mas que
não consentirá numa anistia ampla, geral e irrestrita. A intenção da dita-
dura é clara. Quer ganhar tempo, sair da defensiva e amortecer o clamor
nacional pela anistia, mas sem dar-lhe verdadeira satisfação.5

Já o Partido Comunista Brasileiro (PCB) entendia as reformas decre-


tadas pelo governo como um recuo do regime ditatorial e “uma vitória do
movimento de resistência popular e das forças democráticas e oposicionis-
tas”. A questão central permanecia sendo, para o partido, o “estabelecimen-
to de um regime democrático” e, diante da pujança apresentada pelo MDB
nas eleições do ano anterior, não causaria espanto se o general Figueiredo
procurasse a direção oposicionista para negociar politicamente. Neste caso,
a anistia seria a moeda de troca: “Mas, qualquer entendimento que vise à
conciliação nacional tem que se basear, preliminarmente, na votação pelo
Congresso de uma anistia geral e irrestrita”.6
Havia, contudo, na avaliação do sentido geral das medidas de reforma
política, uma concordância básica entre as duas organizações comunistas
– de resto, geneticamente associadas, uma vez que o MR-8 surgira de uma
dissidência do PCB.7

4
Documento de fevereiro de 1979, produzido pelo CBA-SP. Sobre o PDR (Partido Demo-
crático Republicano), ver KORNIS, Mônica. Pedro Aleixo. In: ABREU, Alzira Alves de et al.
(Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930.
5
Unidade Proletária, ano IV, n. 29, fevereiro de 1979, p. 8.
6
Voz Operária, n. 154, janeiro de 1979, p. 1.
7
Sobre o MR-8, ver ABREU, Alzira Alves de; MASCARENHAS, Lícia. Movimento Revolu-
cionário 8 de Outubro - MR8. In: ABREU, Alzira Alves et al. (Coord.). Dicionário histórico-
340 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

No governo Geisel, a “distensão” foi levada a efeito como um movimen-


to tático defensivo, visando a barrar o avanço das forças democráticas.
Seu pressuposto foi o reconhecimento apenas de fato do espaço político
que a oposição conquistara, e que acabou levando à paralisia parcial
dos órgãos repressivos e à impossibilidade, também parcial, de aplicação
da legislação antidemocrática. O “Pacote de Abril” se inscrevia nesse
movimento tático como uma tentativa, bem-sucedida a curto prazo, de
impedir que a oposição viesse a dominar novas e importantes posições
institucionais.
Figueiredo herda os resultados de uma meia vitória da ditadura, apesar de
uma meia vitória da democracia, em equilíbrio precário. Ao prometer-nos
“uma democracia”, o futuro general-presidente nos revela objetivos institu-
cionais de longo prazo. Figueiredo e as forças que o apoiam buscarão cris-
talizar o mencionado equilíbrio através de concessões que, se por um lado
vão no sentido das aspirações democráticas majoritárias no país, por outro
seriam de natureza a satisfazer plenamente apenas a setores liberal-burgue-
ses da frente oposicionista. A cristalização da situação atual, através de um
processo que chamaríamos de “distensão encruada”, seria a culminância do
recuo organizado do fascismo iniciado com Geisel. Ela passaria pela criação,
por via parlamentar, de um quadro jurídico do qual seriam eliminados al-
guns dos aspectos mais restritivos ao pleno exercício das liberdades demo-
cráticas, subsistindo, entretanto, outros. E subsistindo, fundamentalmente,
a possibilidade do emprego dos aparelhos repressivos contra as forças po-
pulares e democráticas.8

-biográfico brasileiro pós-1930; e SILVA, Antônio Ozai da. História das tendências no Brasil.
(Origens, cisões e propostas). 2. ed. rev. e ampl. [S.l: s.n., s.d.], p. 108-11. A bibliografia sobre
o PCB é muito vasta e acessível, podendo a história do partido ser encontrada nas fontes
citadas nestas notas.
8
“Unidade e participação das massas populares contra o continuísmo de Figueiredo”. Voz Ope-
rária, fevereiro de 1979, p. 3. Grifos meus. Observe-se a expressão “equilíbrio precário”, matriz
de uma interpretação do processo político brasileiro que, posteriormente, entenderia o período
pós-reformas de 1978 como caracterizado por um “Estado de direito precário”, como visto no
final do capítulo anterior. É interessante, também, a caracterização do regime ditatorial como
“fascista” e da estratégia distensionista como “recuo” diante do “avanço das forças democráticas”.
Já havia, na época, como mostrado no capítulo anterior, elementos de compreensão da iniciativa
liberalizante do governo em pleno auge do regime e refluxo das “forças democráticas”. O epíteto
“fascista” pode ser creditado a uma transposição mecanicista da configuração dos regimes nazi-
fascistas a qualquer ditadura, dada a violência estatal praticada nesses regimes.
A anistia como tática do regime 341

Outros setores no campo da esquerda, por outro lado, conseguiam si-


tuar a campanha pela anistia em um contexto de transformações das for-
mas de dominação política adotadas pelas classes dominantes. Percebendo
no regime político um conteúdo que transcendia o fato de se sustentar na
violência, o jornal porta-voz do Movimento pela Emancipação do Proleta-
riado (MEP) descortinava o essencial: o seu caráter classista, apontado pela
expressão descritiva “ditadura dos patrões”. Deste ponto de vista, o proces-
so de transição política não constituiria um recuo, mas um avanço sob a
direção do “ditador de plantão” e a sua meta não seria institucionalizar o
“autoritarismo”, mas a “ditadura dos patrões”.

A luta pela anistia vive um momento decisivo. Junto com ela, vive um mo-
mento decisivo o conjunto do movimento operário e popular em luta con-
tra a ditadura e a exploração. Embora a crise econômica do capitalismo
tenha se aprofundado em nível nacional e internacional, a ditadura dos pa-
trões conseguiu refazer parcialmente sua unidade política.
Por isso, e enquanto isso, nosso ditador de plantão amplia sua capacidade de
iniciativa política e avança rumo à institucionalização do regime, indo mais
longe nas reformas de fachada, cada vez mais necessárias à manutenção da
ditadura dos patrões.
Tudo isso, sem abrir mão do seu arsenal de leis e aparelhos repressivos.
Este objetivo geral de consolidação da ditadura através de reformas de fa-
chada coesiona [sic] não apenas amplos setores da burguesia, mas também
os oportunistas que, ao levantarem a bandeira da consolidação e do forta-
lecimento da democracia dos patrões, convergem para a mesma trincheira,
contribuindo para o isolamento e a perda de independência e da iniciativa
política do movimento operário e popular.
Se a conquista da anistia ampla, geral e irrestrita pode ser sinônimo da der-
rubada pura e simples da ditadura, temos de reconhecer que o movimento
operário e popular ainda não acumulou forças para tanto.
Mesmo assim, deve estar claro que não é baixando a cabeça e aceitando a
ditadura reformada, aceitando a dinâmica da conciliação de classes, que ab-
sorve os movimentos populares, mantendo o mesmo regime de exploração
e miséria social; não é baixando a cabeça, dizíamos, mas ao contrário, é na
luta concreta que esta força deverá ser acumulada.
Dos céus ou do parlamento não se deve esperar nenhum maná. O caminho
da derrubada da ditadura é a pressão organizada, de massa, de baixo para
cima. Aí está a importância atual da questão da anistia.
342 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

[…]
Quem quer liberdade de manifestação e organização para os trabalhadores
e oprimidos, quem quer melhoras efetivas nas condições de vida e trabalho
do povo brasileiro deve, hoje, sem hesitar, sair às ruas.
É aqui que se acumulam forças, aqui o movimento popular pode e tem que
ter a iniciativa.
Esta é a conclusão dos encontros pela anistia que reuniram nas últimas sema-
nas movimentos pela anistia de todo o país, entidades sindicais, estudantis,
parlamentares, intelectuais etc. Esta é a conclusão de combatentes revolucio-
nários condenados e que permanecem presos nos cárceres da ditadura.
Nosso jornal assume a bandeira levantada por todos estes setores e partici-
pa da conclamação geral às pichações, panfletagens, debates, comícios, ca-
ravanas, atos públicos e manifestações de rua já programadas pelos comitês
de anistia e outras entidades de classe em todo o Brasil.
Chega de ditadura. Chega de exploração. Às ruas pela anistia ampla, geral
e irrestrita.9

Portanto, na contramão daquilo que, no cinquentenário do golpe de


1964, teorizariam analistas ultrassensíveis aos cantos de sereia do legalismo
juridicista10 e das tradicionais normas da epistemologia positivista relati-
vas ao “distanciamento” necessário à justa apreciação histórica dos fatos,
vinham de setores esquerdistas envolvidos no próprio processo político as
avaliações mais objetivas da conjuntura política. Um mês após a posse do
general João Figueiredo, presos políticos assim se pronunciaram:

Mudou o regime?
Em que sentido modificou-se a legislação de exceção?
Em que essas mudanças afetaram a existência, atuação e poder dos órgãos
do sistema informativo-repressivo?
Em verdade, nada mudou no essencial.
O regime em toda a sua estrutura de poder continua fundamentalmente
sendo uma ditadura militar.

9
Companheiro, n. 8, 18-31 de julho de 1979, p. 3. Grifos meus.
10
Ver uma orgulhosa reafirmação dessa abordagem em REIS, Daniel Aarão. A ditadura
faz cinquenta anos: história e cultura política nacional-estatista. In: REIS, Daniel Aarão;
RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Org.). A ditadura que mudou o Brasil: 50
anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. p. 11.
A anistia como tática do regime 343

A legislação de exceção continua essencialmente a mesma.


As “salvaguardas” incorporadas ao arremedo de Constituição assegu-
ram ao general-presidente poderes de decretar verdadeiro estado de sítio
localizado ou generalizado e suspender a vigência se todas as garantias
individuais inscritas na Constituição; de cassar mandatos parlamentares
e suspender direitos políticos; de praticar toda sorte de arbitrariedades
contra a oposição e a população ‒ à revelia do Congresso e do poder
Judiciário.
Além dessas “salvaguardas” que formam o arsenal de reserva do regime
contra as pressões populares, continuam vigentes todas as leis de exceção: a
Lei de Imprensa, a Lei de Greve, e, principalmente, a nova Lei de Segurança
Nacional, que repete todos os conceitos e capitulações da LSN anterior, e
assegura as possibilidades das mesmas formas de atuação do sistema infor-
mativo-repressivo (incomunicabilidade de oito dias, comunicado reserva-
do da prisão às autoridades judiciárias, prazos dilatados e prorrogáveis para
os inquéritos etc.)
Continua intacta a estrutura do sistema informativo-repressivo.
Continuam ativos o Doi/Codi, os serviços de informação das Forças Arma-
das (CIE, Cenimar, Cisa), o SNI os serviços secretos das polícias militares,
as delegacias especializadas da polícia civil, todos eles voltados para a re-
pressão política. […]
O atual governo do general Figueiredo é, pois, o fiel depositário da he-
rança e legítimo continuador da política de seus antecessores. É apenas
mais um que se acrescenta à corrente do regime militar implantado no
país desde 1964.11

O núcleo dirigente do regime, contudo, mantinha-se dentro da formu-


lação estratégica que guiava o governo do general Geisel e orientaria o do
seu sucessor. Ainda em janeiro de 1979, o general Golbery do Couto e Silva,
futuro chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, apontou a anistia
como “poderoso instrumento de negociação a ser utilizado pelo general João

11
“O nosso testemunho” (documento datado de 18 de abril de 1979 e dirigido à Ordem dos
Advogados do Brasil, à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, à Associação Brasileira
de Imprensa, à Comissão de Direitos Humanos do MDB, ao Comitê Brasileiro pela Anistia,
ao Movimento Feminino pela Anistia e a todas as entidades e personalidades que lutam pela
anistia e pelos direitos humanos no Brasil e no exterior). In: Esquerda armada (testemunho
dos presos políticos do presídio Milton Dias Moreira, no Rio de Janeiro), p. 62-63.
344 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Batista Figueiredo”, frisando que poderia oferecê-la ao país como “um bom-
bom”.12 Quinze dias depois, o líder do governo na Câmara, deputado Nelson
Marchezan (Arena-RS), forneceu mais detalhes da composição da metafórica
guloseima ‒ aliás, tradicionalmente associada a operações de sedução amo-
rosa: o governo encaminharia ao Congresso, nos próximos meses, projeto de
“anistia ampla, mas não total, abrangendo os delitos de opinião e excluindo
determinados crimes da legislação comum”.13 A esta altura, a imprensa já dava
a anistia como assunto decidido nos meios governistas, “mesmo nos mais
empedernidos”. Restaria, no entanto, resolver o problema fundamental da
resistência apresentada à medida por setores militares:

Ao mesmo tempo, a anistia ainda surge aos articuladores do governo como


um tema delicado, perigoso mesmo de ser tratado às claras, enquanto não se
conseguir sua inteira absorção nos meios militares. […] Assinale-se que, mes-
mo prometidamente restrita, a anistia assusta determinados setores militares
envolvidos, nos últimos anos, no aparelho de repressão do sistema. Há, sempre,
o fantasma do revanchismo. E, pior do que ele, ainda, para esses cidadãos, pa-
rece ser a hipótese da volta de algumas figuras mitológicas da esquerda […].14

Segundo um jornal paulista, citando fontes militares,

o único foco de resistência à abertura política, à anistia, ainda se situa na


comunidade de informações, que continua defendendo a necessidade de
manter o país sob um regime de exceção.
No movimento deflagrado a favor da anistia, os militares identificam duas
componentes principais: o anseio nacional, que representaria 95 por cento
da força propulsora do movimento, e a “componente subversiva”, que repre-
sentaria cinco por cento.
De acordo com o raciocínio militar, o movimento pró-anistia, que hoje sen-
sibiliza parcelas ponderáveis da opinião pública e os altos escalões militares,
foi deflagrado pelos principais interessados. No caso, as pessoas atingidas
por atos revolucionários.

12
Jornal do Brasil, 28 de janeiro de 1979.
13
O Globo, 16 de fevereiro de 1979.
14
BARDAWIL, José Carlos. Ampla? É possível. Mas, bem gradual. IstoÉ, 14 de fevereiro de
1979, p. 12.
A anistia como tática do regime 345

Mas, hoje, ele encontra respaldo na opinião pública nacional e nos altos
escalões das Forças Armadas, que o entendem como consequência natural
do processo de abertura política deflagrado pelo presidente Geisel.15

Entretanto, as resistências militares estariam sendo vistas pelo governo,


de acordo com um analista político, como perfeitamente contornáveis:

Em primeiro lugar, porque a própria proposta de Figueiredo já as leva em


conta quando não aceita, terminantemente, uma anistia ampla e irrestrita,
como quer a oposição. Mantidas as restrições aos acusados de crimes de
sequestros, sabotagens e assaltos a bancos, seu alcance maior seria na área
política tradicional − permitindo a volta ao Brasil de chefes oposicionistas
como Brizola, Julião e Arraes, facilitando o retorno de exilados sem envol-
vimento com atos de violência terrorista.
Ora, é claro que ainda assim persistiriam alguns vetos militares. Há sempre
o medo do revanchismo − e o episódio do Irã,16 ao que se comenta, está
provocando reações temerosas. Descrições de linchamento dos generais
iranianos constaram, nos últimos dias, das conversas de militares receosos
da velocidade da abertura de Figueiredo. Houve ainda comentários sobre o
ímpeto da campanha pela anistia nas ruas, na TV − e até em forma de faixas
nos estádios.17 São, contudo, dados considerados reversíveis pelos articula-
dores anistiantes do governo.18

A reticência com que setores do governo ainda tratavam publicamente o


assunto se explicaria, também, por conveniências táticas, porque “[…] pre-
fere-se situá-la, nos cálculos políticos, como matéria para estudos e objeto
de possíveis negociações com a oposição”.19

Eles trabalham, no momento, a ideia de que uma anistia restrita poderia ser
até benéfica ao sistema. Primeiro, porque reduziria as áreas do revanchis-

15
Folha de S. Paulo, 25 de janeiro de 1979. Ver capítulo 1 deste livro.
16
Referência ao movimento iraniano que, em inícios de 1979, derrubou o regime liderado
pelo xá Mohammad Reza Pahlavi, aliado dos países imperialistas, e iniciou a implantação
de uma república teocrática no país.
17
Referência a faixas surgidas no meio de torcidas durante partidas de futebol.
18
BARDAWIL, José Carlos. A velocidade assusta. IstoÉ, 21 de fevereiro de 1979, p. 4-5.
19
BARDAWIL, José Carlos. Ampla? É possível. Mas, bem gradual, op. cit.
346 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

mo. Depois, porque ensejaria ao governo a colaboração de certos setores


moderados do MDB. E, além disso, o governo ainda contaria com outro
saboroso fruto dessa negociação: a divisão das forças oposicionistas sobre
o projeto, pois ela poderia ser incrementada, até, quem sabe, chegar-se à
implosão pura e simples do MDB. […]
Acreditam os reformuladores governistas que, aberto o diálogo, o espectro
do projeto de anistia poderá ir se alargando até corresponder aos anseios
de boa parte da oposição. […] Mas também pode ocorrer que as coisas
se compliquem um pouco no caminho, pois a oposição, até aqui, não se
mostra disposta, como todo mundo, a aceitar o aceno da anistia restrita.20 A
cooperação com o governo parece, mesmo a seus líderes moderados, uma
jogada mais arriscada do que a simples defesa do ponto de vista programá-
tico da anistia ampla e irrestrita.21

No campo da Igreja Católica, havia sinais de que o aceno do governo vi-


nha sendo objeto de consideração. Em 8 de março, D. Paulo Evaristo Arns,
então cardeal-arcebispo de São Paulo, declararia: “O ideal seria uma anis-
tia para todos, mas se ela vier por etapas também deve ser bem recebida”.
Na mesma ocasião, reforçaria a ideia de que a instituição que representava
vinha se identificando com o projeto de abertura política em curso, acei-
tando as restrições, oficiosamente anunciadas, que a anistia a ser concedida
apresentaria em relação aos réus acusados de “crimes de sangue”, terroris-
mo etc., que o governo começava a classificar de crimes comuns, sem co-
notação política: “Todo mundo quer a anistia ampla e irrestrita, desde que
se respeite a justiça comum”. Por fim retomava a defesa da tese da “anistia
recíproca”: “A anistia é ideal porque é esquecimento de lado a lado”.
Na primeira semana de janeiro, o deputado federal Nelson Marchezan
(Arena-RS), assessor político do general presidente eleito e futuro líder do
partido situacionista na Câmara, informou que a anistia seria considerada
assunto político prioritário do novo governo22 e abrangeria os “crimes de
opinião”, mas não seria ampla e irrestrita, “para não beneficiar os conde-

20
O Globo, 9 de março de 1979. Grifos meus.
21
BARDAWIL, José Carlos. “A velocidade assusta”.
22
No primeiro dia do ano, a presidente do MFPA, Terezinha Zerbine, declarara estar certa
de que o futuro presidente haveria de conceder a anistia “até por uma questão de inteligên-
cia, porque o general Figueiredo não vai ter condições de governar um país dividido”. Jornal
do Brasil, 2 de janeiro de 1979.
A anistia como tática do regime 347

nados por crimes não políticos”. Esta seria uma condição para evitar re-
sistências de setores do governo: “A anistia tem que ser ampla, mas não
total, porque não há consenso entre os dirigentes do país: teme-se que uma
anistia que inclua os assassinos e os assaltantes ponha em risco a distensão
que se processa no país”.23 Mesma preocupação foi expressa pelo porta-voz
da Presidência da República, coronel Rubem Ludwig, a propósito da anis-
tia no contexto da consolidação da abertura política: “Não acredito que os
senadores e deputados cometam excessos, diante da abertura. O Congresso
está perfeitamente consciente de sua realidade e só posso admitir que ocor-
ram excessos isolados, de um ou de outro lado”.24 Ainda nesse mês, Antô-
nio Carlos Magalhães, Guilherme Palmeira e Tarcísio Buriti, governadores
arenistas eleitos indiretamente da Bahia, Alagoas e Paraíba, respectivamen-
te, defenderam a anistia restrita, com exclusão dos que tivessem cometido
crime de morte ou terrorismo.25 Em 24 de janeiro, o almirante Júlio de Sá
Bierrenbach, ministro do Superior Tribunal Militar (STM), também con-
denou a concessão de anistia ampla e irrestrita. Finalmente, neste mesmo
dia, o futuro ministro da Justiça e articulador político do governo a ser em-
possado, senador Petrônio Portela (Arena-PI), declarou-se “rigorosamente
contra a anistia irrestrita”, o que indicava que a medida seria adotada, mas
não como desejavam as entidades que lutavam por ela.26
Era diversificado o arsenal de argumentos situacionistas contra a anistia
ampla, geral e irrestrita. O senador Rui Santos (Arena-BA), por exemplo,
era contra a anistia para pessoas como Miguel Arraes e Luís Carlos Prestes:
“Eles têm de ser presos assim que voltarem ao país, assim como o Brizo-
la”.27 Concordava com ele o deputado Francisco Rossi (Arena-SP), que se
opunha à proposta de anistia ampla, geral e irrestrita, porque beneficiaria

23
O Globo, 5 de janeiro de 1979. Por isso, provavelmente, foi duramente reprimida pelo
DOPS, em 5 de janeiro, uma manifestação organizada pelo CBA e MFPA em Belo Horizonte
para arrecadação de fundos necessários à libertação da brasileira Flávia Schilling, presa no
Uruguai por vinculação ao grupo guerrilheiro Tupamaros. As bombas de gás lacrimogêneo
lançadas pela polícia feriram várias pessoas. Jornal do Brasil, 6 de janeiro de 1979. No dia
15 de fevereiro, uma comissão, formada por políticos da oposição e pela diretoria do CBA,
tentaria fazer contato com o consulado uruguaio no Brasil para exigir a sua libertação. Brasil
dia a dia, p. 122.
24
O Globo, 12 de janeiro de 1979.
25
Idem.
26
Folha de S. Paulo, 25 de janeiro de 1979; O Globo, 25 de janeiro de 1979.
27
Brasil dia a dia, p. 117.
348 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

“corruptos e torturadores punidos pelo AI-5”. Na mesma sessão, o depu-


tado Norton Macedo (Arena-PR) também se pronunciou contra a anistia
ampla, geral e irrestrita, porque era contra a concessão do benefício para
“os que mataram, sequestraram ou roubaram acobertados por pretensos
ideais políticos”.28
No ponto mais extremado do campo político direitista, o deputado Jor-
ge Arbage (Arena-PA) acusou o MDB de atitude contraditória ao reclamar,
“em nome da família brasileira”, a concessão de anistia ampla e irrestrita,
sem definir seu ponto de vista quanto à amplitude do perdão, já que, “sem
restrições, iria a anistia beneficiar não só os que teriam cometido crimes
políticos, mas também os que cometeram crimes de subversão, terrorismo
e assaltos a mão armada”. Contraditórios estariam sendo, também, “certos
setores da oposição”, ao levar o partido a constituir uma CPI para “apurar
supostos casos de tortura a presos políticos e apontar ao país novas ‘vítimas’
e ‘acusados’, para expô-los à execração pública”.29 Em novo discurso, alguns
dias depois, o deputado sustentou que a discussão da anistia não podia ser
feita sem que “se tenham sempre presentes os nomes de civis e militares ví-
timas do terror e da subversão”, e se opôs à concessão de uma anistia ampla
e irrestrita, porque “seriam beneficiados, em condições de igualdade, os
punidos por crimes políticos e os enquadrados no Código Penal e na Lei
de Segurança Nacional”, defendendo, como opção mais lógica, a “revisão
de cada caso, excluindo-se desde logo os criminosos políticos”. Na mesma
sessão, o deputado Erasmo Dias (Arena-SP) lembrou a “influência comu-
nista no meio estudantil”, principalmente no período 1968-1971, para jus-
tificar sua posição contrária “à anistia e à CPI para investigar a violação de
direitos humanos no país”.30 No mês seguinte, o deputado protestaria con-
tra pronunciamentos de alguns membros da oposição, que, segundo ele, “a

28
Câmara dos Deputados..., sessão em 6 de março de 1979.
29
Câmara dos Deputados..., sessão em 12 de março de 1979.
30
Câmara dos Deputados..., sessão em 28 de março de 1979. Nunca será demasiado lembrar
que o deputado Antônio Erasmo Dias (1924- 2010) era militar e, nesta condição, participou,
em 1970, das operações de combate ao movimento guerrilheiro liderado pelo ex-capitão
Carlos Lamarca, no Vale do Ribeira (SP). Exerceu o cargo de secretário de Segurança Pú-
blica do Estado de São Paulo, tendo comandado, em 22 de setembro de 1977, a invasão da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), para reprimir uma reunião de es-
tudantes que pretendiam reorganizar a União Nacional dos Estudantes (UNE). Ver COSTA,
Marcelo. Erasmo Dias. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-bio-
gráfico brasileiro pós-1930.
A anistia como tática do regime 349

pretexto de sustentar a tese da anistia ampla e irrestrita, fizeram profissão


de fé comuno-marxista, ao defender um terrorista que matou mais de uma
centena de brasileiros, civis e militares”. Em apoio de sua posição, argu-
mentou que tanto o terrorismo brasileiro é uma revolução violenta que foi
condenada pelo próprio Partido Comunista Brasileiro (PCB), nas páginas
do seu órgão jornalístico, Voz Operária.31 Em alguma medida, e a despeito
das várias diferenças políticas que havia entre os dois parlamentares, eram
pontos de vista análogos aos defendidos pelo líder do MDB no Senado,
Paulo Brossard (RS), que, na contramão da maioria do partido, defendia a
tese de que a anistia não deveria contemplar os “terroristas”:

O crime político, fundamentalmente, é um crime de opinião. Não posso


comparar aquele que matou, que assaltou, que sequestrou, mesmo que as-
sim tenha agido com segundas intenções de natureza política, a homens de
reputação ilibada, como os ex-líderes Mário Covas e Alencar Furtado.

O parlamentar gaúcho observou ainda que, como não houvera proces-


sos que distinguissem as cassações por subversão e corrupção, a anistia
acabaria por favorecer os corruptos.32 Já o general Rodrigo Otávio Jordão
Ramos, em discurso quando do retorno do STM às atividades após o reces-
so de fim de ano, defendeu a anistia para “crimes políticos sem conotação
terrorista, ética ou moral”.33
Ficava evidente, antes mesmo da posse do general Figueiredo, que o regime
disputava, com vantagem, a bandeira da anistia, expurgada dos adjetivos que a
ampliavam. Em 29 de janeiro, o secretário-geral da Arena, deputado Luís Pris-
co Viana (BA), chegou a afirmar que “a ideia da anistia já toma conta da nação”,
estando consolidada nas áreas do governo e da Arena: o governo a aprovaria
mesmo sem o voto do MDB, porque a Arena tinha a maioria no Congresso.34
A iminência de uma anistia restrita fazia estragos nos arraiais emede-
bistas. O líder Tancredo Neves (MG) e os deputados Getúlio Dias (RS),
Sebastião Rodrigues (PR) e Jorge Moura (RJ) foram alguns dos que viram
na hipótese aspectos positivos. O político mineiro observou que a mudança

31
Câmara dos Deputados..., sessão em 19 de abril de 1979.
32
Jornal do Brasil, 23 de abril de 1978.
33
Brasil dia a dia, p. 117.
34
Jornal do Brasil, 30 de janeiro de 1979.
350 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

feita no artigo 185 da Constituição, de cuja votação o MDB não participa-


ra,35 já teria constituído uma “anistia parcial”, uma vez que todos os atingi-
dos por atos institucionais teriam recuperado seus direitos políticos. Miro
Teixeira (MDB-RJ), chaguista e deputado federal mais votado do país em
1978, disse, durante almoço em homenagem ao ministro Mário Henrique
Simonsen, ou seja, em ambiente governista, apoiar “uma anistia que bene-
ficie, em sua plenitude, aos políticos, sem agasalhar, no entanto, os autores
de crimes comuns”.36 Tales Ramalho, secretário-geral do MDB, voltaria a
afirmar em 17 de fevereiro: “A oposição não pode recusar nem boicotar
uma anistia como a que as lideranças do governo vêm anunciando, isto é,
uma anistia parcial”, que constituiria um avanço no sentido da conquista de
uma anistia geral.37
A posição era compartilhada pela presidente do Movimento Femi-
nino pela Anistia (MPFA), Therezinha Zerbine. Em 27 de janeiro, ela
proferira palestra em evento organizado pelo Comitê Londrinense pela
Anistia. Na ocasião, havia declarado, em entrevista coletiva à imprensa
local, que a anistia parcial, tal como proposta pelo senador Dinarte Mariz
(Arena-RN), seria “um primeiro passo para a conquista da anistia mais
ampla”. Segundo ela, o MPFA receberia a medida como “um avanço para
a pacificação do país”, e os que viessem a ser anistiados assim deveriam
juntar-se à luta pela anistia mais ampla. Senador “biônico”, Dinarte Mariz
era porta-voz das posições mais reacionárias na conjuntura e, em 23 de
janeiro, em tentativa de aprofundar as dissensões no campo oposicionis-
ta, apresentara proposta de anistia restrita, com a exclusão dos acusados
de “crime de sangue e terrorismo”. O projeto, contudo, seria considerado,
tanto pela oposição quanto pelo governo, mera expressão do proverbial
oportunismo do senador, e rejeitado no Senado, porque “tecnicamente
inócuo e inconstitucional”.38

35
Referia-se à Constituição de 1967, modificada amplamente pela Emenda Constitucional
nº 1, de 1969.
36
Jornal do Brasil, 2 de janeiro de 1979; posição defendida, também, pelo deputado Freitas
Nobre (MDB-SP) e reafirmada em Folha de S. Paulo, 25 de janeiro de 1979.
37
O Globo, 18 de fevereiro de 1979. Tales Ramalho estava informado: “O calcanhar de Aqui-
les [da anistia] é a questão dos militares punidos, que são mais de mil”. Veja, 31 de janeiro
de 1978, p. 14.
38
Cf. ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-
1930.
A anistia como tática do regime 351

Uma entidade oposicionista ao regime e ligada à campanha pela anis-


tia expressou, na época, uma compreensão semelhante à da presidente do
MFPA. Em assembleia-geral, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
aprovou moção pela anistia ampla, geral e irrestrita, “como forma de pa-
cificação da família brasileira”, mas, também, a recomendação de que se
continuasse lutando junto às demais entidades envolvidas na campanha
“até ser alcançada a anistia tal como desejada, devendo a concessão de uma
possível medida restrita ser recebida como uma primeira vitória e um in-
centivo à luta para a sua ampliação, até torná-la, de fato e de direito, ampla,
geral e irrestrita”.39
Em meio a essa discussão, realizou-se em Belém, nos dias 27 e 28 de
janeiro, o 2° Encontro da Comissão Executiva Nacional dos CBAs, das
Sociedades de Defesa dos Direitos Humanos e do Movimento Feminino
pela Anistia. Os delegados reunidos decidiram repudiar as reformas pa-
trocinadas pelo governo e entraram em acordo quanto ao aprofundamento
de suas ações, concordando em promover: uma conferência internacional
pela anistia no Brasil a realizar-se na Europa; uma caravana a Brasília nos
primeiros dias de março e jornadas de mobilização, como o dia nacional de
visita aos presos políticos, em 17 de fevereiro, o ato público pelos onze anos
da morte do estudante Edson Luís, em 28 de março, e o dia nacional pela
anistia, em 18 de abril.40 Decididos a intensificar as ações de propaganda,41
os CBAs passaram a confeccionar adesivos, vendidos a Cr$ 5,00 (cinco cru-
zeiros),42 e listas com os nomes de desaparecidos políticos que procuravam
assemelhar-se ao desenho dos cartazes com “procurados”, feitos pelos go-
vernos da ditadura.
No mês seguinte, um levantamento dos potenciais beneficiários da anis-
tia apresentou o seguinte quadro, ressaltando se tratar do resultado da táti-
ca do “gradualismo anistiante” que o regime vinha adotando:

39
Boletim ABI, abr./maio de 1979, p. 11.
40
Resoluções do 2° Encontro Nacional dos Movimentos pela Anistia, em Belém.
41
Em 11 de fevereiro, o CBA-SP conseguiria exibir no estádio do Morumbi, durante partida
de futebol entre os clubes Santos e Corinthians, uma faixa com os dizeres “Anistia Ampla,
Geral e Irrestrita”. Exibida pelas emissoras que transmitiam o jogo, a faixa foi parar, no dia
seguinte, nas páginas dos principais jornais do país. COSTA, Marcelo. Comitê Brasileiro
pela Anistia. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário histórico-biográfico bra-
sileiro pós-1930.
42
Documento produzido pelo CBA-SP de 15 de fevereiro de 1979.
352 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Dos 510 condenados pela Lei de Segurança Nacional, atualmente espalha-


dos pelas prisões de onze estados brasileiros, conforme dados de um rela-
tório confidencial da Procuradoria Geral Militar, nada menos de 444 não
seriam beneficiados pela anistia até aqui anunciada. São 362 condenados
como assaltantes de bancos (entre os quais muitos são criminosos comuns
sem qualquer motivação política, pois a Lei de Segurança Nacional não fa-
zia diferença entre os autores desse tipo de crime) e 82 apenados por atos de
sabotagem, sequestro, incêndio, destruição, roubo, atentado ou terrorismo,
conforme os termos do artigo 28 da mesma lei.
Além disso, vários outros casos permaneceriam um tanto indefinidos,
aguardando discussão judicial. Pois a Lei de Segurança é vaga, imprecisa
nas suas conceituações, e haveria muito debate de advogados, promotores
e juízes antes que os treze condenados, por exemplo, pelo crime de “pra-
ticar atos destinados à guerra subversiva” pudessem sair de suas celas. Be-
neficiários certos de uma anistia, entre os presos políticos atualmente no
país, seriam somente 29 detidos pela tentativa de organização de partidos
políticos, oito encarcerados por porte de armas, dois por subversão e dois
por manter relações com partidos estrangeiros. Contudo, essa anistia, ain-
da que assim restrita, possibilitaria a volta ao país de muitos dos calcula-
dos 1.100 foragidos políticos brasileiros que hoje vivem no exterior. Em
muitos casos, eles são banidos e não receberam condenações. Ou então,
suas condenações prescreveram. E isso explica, em parte, por que mesmo
tão restrita a anistia ainda enfrenta tantos entraves no seu debate oculto
pelo sistema.
Paralelamente, joga-se, no Superior Tribunal Militar, uma importante car-
tada deste gradualismo anistiante. É que cabe aos seus ministros a tarefa de,
pouco a pouco, esvaziar as prisões políticas − através da concessão de pedi-
dos de redução de penas, de habeas corpus e do próprio julgamento menos
severo de alguns casos ainda em pauta.
Esta tática cristalizou-se a partir da modificação da lei de segurança,
em fins do ano passado, como parte da reforma política de Geisel. […]
Mas o STM pretende agir lentamente, atendendo às conveniências po-
líticas do regime, é claro. Assim, a tática anistiante do governo parece
muito clara, a esta altura. Ponto um é o esvaziamento das prisões pelo
STM, que continuará se processando; ponto dois será a discussão do
tema no Congresso, procurando a cooperação de setores do MDB. O
ponto três será certamente a apresentação de um projeto concreto de
A anistia como tática do regime 353

anistia, menos ou mais restrito de acordo com as circunstâncias. Até lá,


alguns casos, como o de Brizola, já poderão ter sido resolvidos, indivi-
dualmente.43

Beneficiados pela redução de penas decorrente da nova Lei de Segu-


rança Nacional, foram soltos, em dia 6 de fevereiro, três presos políticos
do Rio de Janeiro: Rômulo Noronha de Albuquerque, Colombo Vieira de
Sousa Júnior e Jessie Jane Vieira de Sousa.44 No dia seguinte, em sua pri-
meira sessão após o recesso de verão, o Superior Tribunal Militar (STM)
decidiu aplicar o benefício a outros onze presos. Embora a medida tenha
sido apenas simbólica, uma vez que os beneficiários já haviam cumprido
as penas e estavam em liberdade, ela teve efeitos práticos, obrigando o
juiz-auditor da 2ª Auditoria do Exército (Rio de Janeiro), Helmo Susse-
kind, a deferir, imediatamente, pedidos de equiparação de penas de cinco
presos políticos: Amadeu de Almeida Rocha, Hermes Machado Neto, Jé-
ferson Santos do Nascimento, José Sérgio Vaz e Zaqueu José Bento, todos
condenados por assalto a banco.45 Na mesma sessão, o STM concedeu três
pedidos de habeas corpus para presos políticos ‒ o que, recorde-se, fora
proibido pelo AI-5 ‒, dos quatro que haviam sido impetrados em 1969.46

43
BARDAWIL, José Carlos. Ampla? É possível. Mas bem gradual, p. 13. Também, Veja, 5 de
fevereiro de 1979, p. 20.
44
O Globo, 7 de fevereiro de 1979.
45
Veja, 15 de fevereiro de 1979, p. 21. Os quatro primeiros, que haviam sido condenados por
ligação com a organização Resistência Armada Nacional (RAN) e assaltos a bancos, foram
libertados no dia 9. Na ocasião, um membro do CBA observou que “a LSN, se possibilitou
a redução de penas, também facilitou novos enquadramentos, como os dos militantes do
MEP, do PCR [Partido Comunista Revolucionário] e da Convergência Socialista”. O Globo,
10 de fevereiro de 1979.
46
Brasil dia a dia, p. 108. Em 17 de fevereiro, foi comemorado o “Dia nacional de visita aos
presos políticos”, de acordo com as decisões tomadas no Encontro Nacional de Entidades pela
Anistia, em Belém. Neste mesmo dia, foi libertado, depois de nove anos de prisão, o ex-pa-
dre Alípio Cristiano de Freitas, condenado em vários processos, acusado de crimes políticos
durante o governo de João Goulart, quando atuou junto às Ligas Camponesas, e, depois do
golpe de 1964, por participação em organizações clandestinas, como a Ação Popular (AP) e o
Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT). Ainda neste dia, militantes do Movimento
Feminino pela Anistia tentaram realizar um ato em frente ao Consulado-Geral do Uruguai, no
Rio de Janeiro, após entregar uma carta de apelo pela libertação de Flávia Schilling, mas sequer
conseguiram abrir faixas de protesto, tendo sido dispersados antes pela Polícia Militar, que fez
uso de bombas de gás lacrimogêneo e prendeu vários manifestantes. O Globo, 18 de fevereiro
de 1979. Em 31 de maio, o CBA-RJ conseguiria estender faixas no estádio do Maracanã, no
354 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Em 20 de fevereiro, a corte julgou quatro pedidos de habeas corpus em


favor de presos políticos, concedendo três. Foi negado o pedido impe-
trado em favor de Edval Nunes da Silva ‒ líder estudantil ligado à Igreja
Católica de Pernambuco e conhecido pelo apelido “Cajá” ‒, preso em Re-
cife. Na mesma sessão, o tribunal autorizou os dez presos do Movimento
de Emancipação do Proletariado (MEP) a responderem ao processo em
liberdade. A decisão resultou de votação apertada, tendo sete ministros
votado a favor e seis contra, depois de mais de três horas de discussão
política, o que teria evidenciado duas correntes de opinião no interior do
STM, mobilizadas pelo processo de abertura política, conforme descre-
veu um jornalista:

No momento em que o relator do processo do MEP, o brigadeiro Deoclécio


Lima de Siqueira, dizia que os réus primários e de bons antecedentes têm o
direito de aguardar o julgamento em liberdade, o ministro civil,47 Jaci Gui-
marães Pinheiro, julgou oportuno comunicar a seus pares o que ele chamou
de “excesso de liberdade” existente no momento no país. Um exemplo? Os
acusados no processo do MEP respondendo, de punhos levantados, a uma
saudação de manifestantes e, mesmo, cantando o Hino da Independência.
“Típica e simbolicamente uma postura comunista”, afirmava o ministro Jaci.

O ministro [general] Rodrigo Otávio não estava de acordo: “Cantar o


Hino da Independência é, pelo contrário, patriótico”. E o ministro Gualter
Godinho completava: “Não estamos aqui para legislar, mas para aplicar a
lei”. Definiam-se assim as duas tendências: uma, liberalizante, achando que
aos ministros cabe aplicar a lei; outra, mais dura, procurando estabelecer
uma relação entre o momento político e os processos julgados. Os ministros
Carlos Alberto Cabral Ribeiro, Délio Jardim, Rui de Lima pessoa, Sampaio
Fernandes, Jaci Guimarães Pinheiro e Faber Cintra estiveram em todos os
habeas corpus julgados, alinhados nas mesmas posições, a eles devendo ser
creditados os votos contra apurados durante a semana.48

Rio de Janeiro, durante partida de futebol entre as seleções nacionais brasileira e uruguaia. As
faixas, assim como panfletos distribuídos no local, estampavam, entre outras reivindicações, a
da libertação de Flávia Schilling. Anistia, n. 5, maio/jun. 1979, p. 8.
47
O STM funciona, desde a sua criação, em regime de escabinato, sendo composto por juí-
zes civis togados e militares sem formação jurídica.
48
MARRA, Antônio Bellucco. Unanimidade e divergências no tribunal. IstoÉ, 21 de feve-
A anistia como tática do regime 355

Constrangido pelas primeiras consequências práticas do “gradualismo


anistiante” praticado pelo governo,49 o CBA partiu para a ofensiva junto
aos parlamentares, tentando pressioná-los a se manterem na defesa da ban-
deira da anistia ampla, geral e irrestrita. Em 2 de março, reuniram-se to-
dos os CBAs de São Paulo,50 na sede do núcleo da capital, que, de acordo
com as decisões tomadas no I Congresso Nacional pela Anistia, realizado
em novembro de 1978, e na recente reunião ocorrida em Belém, estava
encarregado de congregar e liderar todos as seções do estado. Na ocasião,
discutiram-se as providências necessárias à participação da entidade na ca-
ravana a Brasília prevista para três dias depois da reunião.51 Nos dias 3 e 4,
reuniu-se, na capital federal, a Comissão Executiva Nacional do CBA. A
caravana chegou a Brasília no dia seguinte.
Pretendia-se aproveitar que a legislatura que se iniciava era a primei-
ra depois das eleições gerais de 1978. O CBA já vinha enviando a parla-
mentares documentos sobre a situação de presos políticos e desaparecidos,
tentando lembrá-los de compromissos assumidos durante a campanha
eleitoral em relação à defesa dos direitos humanos e da anistia ampla, ge-
ral e irrestrita. Também, os estimulava a formar a Frente Parlamentar pela
Anistia e uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre atentados a
direitos humanos,52 bem como a aprovar a proposta de emenda constitu-
cional que devolvia ao Legislativo a competência da iniciativa de propor a
anistia. Na Carta aberta ao Congresso Nacional, que receberia a data de 5
de março de 1979, afirmava-se:

No momento em que o Congresso Nacional inicia mais um período legisla-


tivo, nós, atingidos pelo regime de exceção e representantes de movimentos
pela anistia, dirigimo-nos ao Congresso Nacional e a cada um dos senhores

reiro de 1979, p. 5-6.


49
Em 1º de março, foi solto, no Rio de Janeiro, Nilson Venâncio, pedreiro acusado de ação
armada e tentativa de reorganização do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).
Jornal do Brasil, 2 de março de 1979.
50
No plano organizacional, o CBA continuava se expandindo e em 28 de fevereiro foi fun-
dado o CBA-ES.
51
Documento referente ao CBA-SP de 15 de fevereiro de 1979.
52
O pedido de instauração de CPI foi apresentado ao líder do governo no Senado, Jarbas
Passarinho (PA), e ao líder da Arena na Câmara, Nelson Marchezan (RS), que saíram pela
tangente, argumentando que havia outras formas de investigar o assunto. O Globo, 6 de
março de 1979.
356 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

senadores e deputados federais, para trazer-lhes o reclamo do amplo mo-


vimento popular que se constituiu em todos os quadrantes do país, a exigir
anistia, entendida como parte integrante e indissociável da luta pelas liber-
dades democráticas ‒ liberdade de expressão, de palavra, de manifestação,
de associação e de reunião, de atuação sindical, de greve, de atuação política
e de organização partidária.53

Talvez como resultado da pressão do CBA, no mesmo dia da entrega


da carta, dezoito deputados do MDB discursaram na Câmara em defesa
da decretação da anistia ampla, geral e irrestrita. Entre eles, os vice-líderes
Elquisson Soares (BA), João Gilberto (RS), Odacir Klein (RS), Heitor de
Alencar Furtado (PR), Ademar Santillo (GO), Airton Soares (SP) e Wal-
ter Silva (RJ). O documento foi entregue aos parlamentares juntamente
com um manifesto dos presos políticos do Presídio Barro Branco, em São
Paulo, em que eram denunciadas violações dos direitos humanos, e uma
moção de repúdio do Sindicato dos Artistas de São Paulo à proibição de
visitas àqueles presos políticos.54 Walter Silva leu carta-aberta do CBA,
MFA e outras entidades ligadas à luta pela anistia ao Congresso Nacional,
que exigia a libertação de todos os presos políticos, o retorno de todos
os exilados, a volta de todos os cassados à vida pública, a reintegração de
todos os demitidos, aposentados e reformados aos cargos e empregos que
ocupavam e o fim da perseguição política. Durante a sessão, Aldo Fagun-
des (RS) criticou o movimento político-militar de 1964, caracterizado,
segundo ele, pelo arbítrio, e afirmou que era chegada a hora de promover
a concórdia nacional através da concessão de uma anistia ampla e irrestri-
ta”, que se transformara em “anseio do povo brasileiro”, que esperava que
o novo presidente fosse sensível. Elquisson Soares55 defendeu a ideia de
que o “desejo de paz e conciliação da vida nacional” deveria ser satisfeito
através da concessão de uma anistia ampla, geral e irrestrita e da eleição
de uma Assembleia Nacional Constituinte. João Gilberto (RS) verberou
a possibilidade de concessão de anistia parcial, defendendo “uma anis-

53
Anistia, janeiro/fevereiro de 1979, p. 8.
54
O Globo, 6 de março de 1979
55
Deputado federal pela Bahia, representou o CBA-BA junto aos exilados brasileiros em
Roma, Paris e Lisboa, com os quais conversou sobre o projeto de anistia do governo João Fi-
gueiredo, apresentado mais adiante. Cf. ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário
histórico-biográfico brasileiro pós-1930.
A anistia como tática do regime 357

tia ampla e irrestrita como única forma de conciliar a família brasileira


e reparar as injustiças cometidas, com base em leis de exceção, contra
milhares de cidadãos”. Ademar Santillo (GO) sustentou que somente a
anistia ampla e irrestrita, ao invés da parcial que estaria sendo estuda-
da pelo poder Executivo, pacificaria a família brasileira. Afirmou, ainda,
que estava provado que todos os que se encontravam à espera da anistia
haviam colocado “acima dos seus interesses pessoais o bem comum, de-
fendendo os seus ideais com o sacrifício da própria liberdade individual”
e que só a história poderia julgá-los. Airton Soares (SP) denunciou que,
enquanto toda a nação clamava pela anistia ampla, geral e irrestrita para
beneficiar “os patriotas que se insurgiram contra um regime de exceção”,
continuavam impunes corruptos e torturadores que faziam “parte do es-
quema do governo” e que deveriam “ser julgados pelos tribunais judiciá-
rios competentes”.56
No dia 7, dezesseis presos políticos do Presídio Barro Branco, como
que reforçando as denúncias do deputado a respeito das arbitrariedades
praticadas pelo regime, entraram em greve de fome contra a proibição
de visitas de amigos e parentes não consanguíneos.57 O dia seguinte seria
típico da intensidade da luta política na conjuntura: ao mesmo tempo em
que Lígia Doutel de Andrade,58 integrante do Movimento Feminino pela
Anistia, sustentava que o governo deveria “vasculhar as prisões, varrendo
os aparelhos de sevícias do seu interior”,59 sete pessoas eram sequestra-
das por agentes da Polícia Federal no campus da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte,60 e, na Câmara, o depu-
tado Maurício Fruet (MDB-PR) anunciava a realização, em Curitiba, do
congresso de fundação do núcleo paranaense do Comitê Brasileiro pela
Anistia (CBA).61
Na sessão realizada na Câmara dos Deputados no dia 13 de março, si-
nais de alteração na conjuntura, que se revelariam de importância no futuro

56
Câmara dos Deputados..., sessões em 5 e 6 de março de 1979.
57
O Globo, 12 de março de 1979.
58
Ex-deputada pelo MDB-SC, cassada em 1969. ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.).
Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930.
59
O Globo, 9 de março de 1979.
60
Anistia, março/abril de 1979, p. 6.
61
Câmara dos Deputados..., sessão em 8 de março de 1979. No dia 10 de março, foi fundado
o CBA-CE.
358 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

processo político do país, começaram a se combinar com a campanha pela


anistia. Depois que o deputado Álvaro Dias (MDB-PR) reforçou a notícia
da realização do congresso de fundação do Comitê Brasileiro pela Anis-
tia da capital paranaense e, na qualidade de líder do seu partido, leu, para
constar dos Anais da casa, os quatro principais itens da Carta de Princípios
então aprovada, o deputado Edson Kahir (MDB-RJ) proclamou o seu apoio
ao movimento grevista que se desencadeara, naquela manhã, na região do
ABC paulista.62
Os metalúrgicos de São Paulo reivindicavam reajuste salarial de 83%,
enquanto os patrões ofereciam um escalonamento de 55% a 66%.63 As-
sembleias realizadas nas fábricas no dia 9 haviam rejeitado a contrapro-
posta patronal e aprovado um indicativo de greve geral da categoria a
partir do dia 13. Iniciada a greve a zero hora deste dia, os patrões, por
meio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), man-
tiveram sua posição. A negociação foi à Delegacia Regional do Trabalho
(DRT), onde fracassou. No dia 14, foi ao Tribunal Regional do Traba-
lho (TRT), que deveria julgar o dissídio. Em reunião realizada neste dia,
membros da diretoria do Sindicato e da Comissão de Salários reformula-
ram a pedida inicial, propondo, para evitar-se o julgamento da greve, um
aumento de 65% e a fixação do piso salarial da categoria em Cr$ 3.600,00.
Ainda no mesmo dia, o deputado Edson Khair (MDB-RJ) informou na
Câmara que o Comitê Brasileiro pela Anistia enviara aos parlamentares
carta aberta em que defendia a instalação de uma Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) para apurar todas as violações cometidas contra os
direitos humanos no país e seu colega José Bonifácio Cardoso Fregapa-
ni (MDB-RS) advertia que a democracia não deveria demorar no Brasil,
para que não ocorresse o pior, como o que vinha acontecendo “no Irã e
em outros países,64 onde os detentores do poder não se sensibilizam ante
os clamores e anseios do povo”. 65

62
Câmara dos Deputados..., sessão em 13 de março de 1979.
63
Disponível em: <http://www.abcdeluta.org.br/materia.asp?id_CON=145>. Acesso em: 7
set. 2014.
64
Referência aos processos revolucionários em curso no Irã e na Nicarágua, onde, em 1979,
foram depostas longevas ditaduras.
65
Câmara dos Deputados..., sessão em 14 de março de 1979.
A anistia como tática do regime 359

3.2 “O cheirinho do cavalo é melhor”: João Figueiredo presidente66

O general João Baptista Figueiredo ‒ oficial de cavalaria ‒ tomou posse na Pre-


sidência da República em 15 de março de 1979. No mesmo dia, recebeu uma
carta do secretário-geral da Anistia Internacional, Martin Ennals, em que se lia:

Como Secretário-Geral da Anistia Internacional, gostaria de apresentar-vos


nossas congratulações por ocasião de vossa posse como Presidente da Re-
pública Federativa do Brasil e expressar a Vossa Excelência nossos melhores
votos de sucesso em vossa gestão presidencial.
Permita-me Vossa Excelência, igualmente, expressar nossas esperanças de
que, sob vossa liderança, o Brasil irá, em futuro próximo, assinar e ratificar
a Convenção Americana dos Direitos Humanos e o pacto Internacional de
Direitos Políticos e Civis, de Direitos Econômicos e Culturais das Nações
Unidas.
Anistia Internacional recebeu muito bem os avanços recentemente feitos
pelo Brasil em relação aos direitos humanos: a abolição da pena de morte e
a revogação das penas de prisão perpétua e banimento. Ficamos igualmente
sensibilizados com a diminuição do número de prisioneiros detidos por
razões políticas. Enquanto continuamos a trabalhar pela libertação de um
certo número de prisioneiros detidos por delito de opinião no Brasil (uma
lista dos casos concernidos [sic] encontra-se em anexo, para informação de
Vossa Excelência), nós acreditamos que, conforme os termos da nova Lei
de Segurança Nacional, um maior número de libertações é aguardado. A
Anistia Internacional está igualmente empenhada em uma revisão de certo
número de casos de prisioneiros que fogem ao alcance de nossa definição
de delito de opinião, mas que, devido à natureza de seus processos ou de-
vido à duração de suas penas, seriam postos em liberdade condicional ou
teriam reduzidas suas penas. Isto é particularmente verdadeiro no caso dos
prisioneiros políticos de Itamaracá.

66
“Em 1978, depois que o então presidente Ernesto Geisel indicou o general João Baptista
Figueiredo, do Serviço Nacional de Informações, para ser seu sucessor, o governo iniciou
uma campanha para popularizar a imagem do chefe do SNI, chamado de ‘João do Povo’. A
iniciativa fracassou, em boa parte devido à personalidade do general. Em agosto daquele
ano, ao conceder uma entrevista sobre seu grande apreço pelos cavalos, um repórter per-
guntou se o futuro presidente gostava do ‘cheiro do povo’. Figueiredo respondeu: ‘O chei-
rinho do cavalo é melhor [do que o do povo]’’.” Folha de S. Paulo, 2 de novembro de 2000.
360 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Gostaríamos de unir nossa voz à daqueles que, tanto no Brasil quanto no


exterior, estão pedindo por uma anistia geral que, como um gesto de recon-
ciliação e reparo, incluiria os prisioneiros por delito de opinião.
Não obstante os encorajadores sinais de grande seriedade com que têm sido
encarados os direitos humanos no Brasil, houve, em 1978, várias alegações
de tortura e raptos os quais, por sua caracterização, dizem respeito à Anistia
Internacional e relacionam-se com, por exemplo, o caso de Edval Nunes da
Silva, que ainda é mantido em detenção preventiva, em Recife, e o rapto
e expatriamento dos uruguaios Lílian Celiberti e Universindo Rodrigues
Diaz. Em tais casos, como parece claro que houve abuso de autoridade por
parte das forças de segurança e da polícia, a Anistia Internacional espera,
sinceramente, que as medidas disciplinares adequadas serão adotadas con-
tra os responsáveis, de modo a evitar a repetição de semelhantes atitudes
no futuro.
Gostaríamos, finalmente, de levar ao conhecimento de Vossa Excelência
nosso profundo desejo de que uma completa investigação seja feita para
averiguar o destino das pessoas desaparecidas, após serem detidas, nos úl-
timos dez anos no Brasil. A necessidade e importância dessa investigação é
tanto maior que só ela poderá devolver a paz e pôr fim à ansiedade de tantos
lares que ignoram se seus familiares estão ainda vivos. Com o objetivo de
levar nossa colaboração a esse importante trabalho, encaminhamos a Vossa
Excelência uma lista (em anexo), não exaustiva, de pessoas cujos nomes
foram encaminhados à Anistia Internacional nos últimos dez anos como
estando desaparecidas. Nossa esperança é de que Vossa Excelência não tar-
dará em encaminhá-la às autoridades competentes para um urgente exame.
Valho-me da oportunidade para apresentar a Vossa Excelência, Senhor Pre-
sidente, protestos da mais distinta e respeitosa consideração.67

O dia da posse transcorreu marcado, também, por dois movimentos


grevistas. A greve de fome dos presos do presídio de Barro Branco se encer-
rou à tarde e foi considerada vitoriosa pela Comissão Executiva do CBA-SP,
conforme nota à imprensa divulgada na ocasião.

Ao término da greve de fome dos presos políticos do Barro Branco ‒ que


se deu às 17h30 do dia 15 ‒ o CBA/SP vem mais uma vez manifestar pu-

67
Em Tempo, São Paulo, 19-25 de abril de 1979, p. 4.
A anistia como tática do regime 361

blicamente sua solidariedade a esses companheiros e o reconhecimento da


justeza de sua luta, bem como expor outras ponderações que considera ne-
cessárias neste momento.
A greve de fome terminou com significativa vitória dos presos políticos e
do movimento de anistia, graças, fundamentalmente, a três fatores: a dispo-
sição de unidade e de luta dos próprios presos políticos e, principalmente,
o seu espírito de compreensão diante das dificuldades do momento pre-
sente; a solidariedade humana e política partida de diversos setores sociais
que, neste momento, lutam, embora de forma diferenciada, pela anistia; e
a valiosa mediação de parlamentares, autoridades eclesiásticas e personali-
dades.
O júbilo que neste momento sentimos não pode, porém, ser completo. Em
primeiro lugar, porque eles continuam presos; em segundo lugar, porque,
embora atendida sua principal reivindicação ‒ a de continuar recebendo os
que os vinham visitando ‒ desta faculdade foram arbitrariamente excluídas
pessoas e representações sindicais, estudantis e outras.
O CBA/SP quer, ainda, refutar vigorosamente acusações infundadas e in-
justas que, durante a greve de fome, foram assacadas contra esta entidade
e contra todos os que lutam por anistia; protelou até este momento esta
resposta, por entender que não deveria, durante esse período, oferecer pre-
textos para que fossem atrabiliariamente conturbadas as mediações e ne-
gociações que então se processavam, a fim de que terminasse com êxito o
sacrifício dos presos políticos. Agora, responde.
O CBA/SP, nos seus pronunciamentos e na sua atuação, não confunde a
opinião pública e nem oculta a verdade. Ao contrário, procura permanen-
temente esclarecer a opinião pública e desvendar-lhe a verdade toda e por
inteiro, ao mostrar-lhe o que têm sido estes quinze anos de autoritaris-
mo e arbítrio, e ao apontar-lhe a necessidade de unir-se e organizar-se na
luta contra a exploração econômica e seu instrumento servil, a violência
da opressão política. A pacificação dos espíritos ‒ que todos desejam ‒
só será conquistada quando forem dissolvidos os aparelhos repressores,
quando forem judicialmente responsabilizados os torturadores e agentes
da repressão, e quando for obtida a anistia ampla, geral e irrestrita a todos
os presos e perseguidos políticos. Apologia do crime e dos criminosos
fazem os que homenageiam os torturadores, os que acobertam os agentes
da repressão, os que se omitem diante das arbitrariedades e das violências,
os que embaraçam a apuração das denúncias de tortura e se voltam contra
362 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

os que as veiculam, os que, enfim, compactuaram e continuam compac-


tuando com o arbítrio e o autoritarismo do regime que se instalou no País
em 1964. Contra todos esses é que as pessoas de sentimentos generosos e
humanitários devem precatar-se. Os movimentos de anistia não pregam a
subversão: conclamam o povo à luta contra a Ditadura e pela democrati-
zação da sociedade brasileira.
É por essas razões que, neste momento em que termina a greve de fome
dos presos políticos do Barro Branco, o CBA/SP, ao mesmo tempo em
que homenageia os companheiros vitoriosos, protesta energicamente
contra as discriminações injustas que se querem fazer contra as visitas
de pessoas e de grupos, e promete continuar se empenhando pela libe-
ralização crescente das penosas condições carcerárias vigentes no País,
paralelamente à sua luta mais geral por anistia ampla, geral e irrestrita. A
opinião pública está consciente de que a repressão continua: continuam
existindo milhares de exilados e banidos, centenas de presos políticos:
Cajá continua sofrendo penalidades arbitrárias dentro da prisão; Flávia
Schilling continua à mercê da ditadura uruguaia; Flávio Koutzii continua
sofrendo irremediavelmente as consequências das arbitrariedades a que
foi submetido; o sequestro do casal de uruguaios em território brasileiro
ainda não foi devidamente apurado; novos sequestros se sucedem, como
o que privou da liberdade quatro pessoas em Belo Horizonte, no dia 14;
a arbitrária violência policial contra a greve dos metalúrgicos do ABC –
que é legítima, justa e pacífica – se intensifica diariamente; no dia 15, os
novos governadores empossados deram demonstração eloquente do que
prometem fazer pelo povo nos próximos quatro anos, ao permitir que a
violência policial se abatesse com cassetetes, bombas e prisões sobre os
que se manifestavam pacificamente por eleições livres, notadamente em
São Paulo, Rio e Bahia; prossegue a intimidação à livre expressão através
da Imprensa, com os processos montados contra jornais e jornalistas e
com a apreensão ilegal de publicações; os depoimentos dos que começam
a voltar ao País revelam e relembram as inúmeras arbitrariedades de que
foram vítimas durante estes quinze anos; os mortos e desaparecidos ‒ isto
é, os assassinados ‒ continuam sem que lhes seja reabilitada a memória
e responsabilizados os algozes; os agentes da repressão e os torturadores
continuam impunes e oficialmente defendidos e venerados; e a democra-
cia, que é uma imperiosa urgência nos corações e nas mentes do povo,
continua uma promessa retórica e falsa na boca dos governantes.
A anistia como tática do regime 363

Não há, portanto, recuo possível; enquanto perdurar a repressão ditatorial,


o CBA/SP continuará reafirmando seu compromisso de prosseguir na luta
pela conquista da Anistia Ampla, Geral e Irrestrita a todos os Presos e Per-
seguidos Políticos.68

A outra greve estava sendo praticada pelos operários metalúrgicos do


ABC paulista havia dois dias. Enquanto o novo general presidente era em-
possado, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP) julgou
o movimento ilegal e decidiu aplicar o índice de 44% de aumento a partir
de 1º abril, além de rejeitar a instituição do delegado sindical nas fábricas.
No dia seguinte, a assembleia dos operários, realizada no Estádio da Vila
Euclides, em São Bernardo do Campo, optou pela continuidade da parede
e a criação do Fundo de Greve. Imediatamente, a Delegacia Regional do
Trabalho (DRT) instaurou uma sindicância para apurar denúncias de in-
filtração de elementos externos à categoria, que estariam fazendo incitação
à greve.
A assembleia seguinte, no dia 18, foi extremante massiva, reunindo cer-
ca de oitenta mil metalúrgicos, um recorde de presença em eventos do gê-
nero no país. Os operários foram orientados a não comparecer às empresas
para receber o pagamento, de maneira a evitar possíveis ameaças por parte
das chefias. Depois de reunião com os patrões, no dia 19, quando não fo-
ram alteradas as posições em face das reivindicações da categoria, nova
assembleia foi realizada. Mantida a greve, o Sindicato dos Metalúrgicos
preparou uma “Carta aberta aos brasileiros”, em que explicava os motivos
do movimento dos operários e a necessidade de outros setores da sociedade
manifestarem solidariedade a ele.
Enquanto a greve dos metalúrgicos se desenvolvia, a questão da anistia
era discutida na Câmara. No próprio dia 19, Cardoso Fregapani (MDB-RS)
aplaudiu a divulgação, no dia 4 anterior, da Encíclica Redemptor Hominis,
do papa João Paulo II, relacionando os princípios nela contidos com a defe-
sa dos direitos humanos e da “concessão da anistia ampla, geral e irrestrita
que reconcilie os antagonismos existentes no país”.69 O deputado Walter
Silva (MDB-RJ) apresentou, no dia seguinte, projeto de lei que dispunha

68
Disponível em: <http://csbh.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/memoria-e-historia/exposi-
coes-virtuais/nota-do-cbasp-imprensa-sobre-despacho-do-juiz-a>. Acesso em: 23 fev. 2014.
69
Câmara dos Deputados..., sessão em 19 de março de 1979.
364 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

sobre a concessão de anistia aos empregados regidos pela Consolidação das


Leis do Trabalho (CLT), demitidos ou aposentados por decreto com base
em ato institucional.70 Ainda no dia 20, o ministro da Justiça, Petrônio Por-
tela, anunciou que o governo iria começar os estudos sobre a anistia na
mesma semana, acrescentando que a medida não seria ampla e irrestrita e
não contemplaria “os criminosos comuns enquadrados na Lei de Seguran-
ça Nacional”, nem beneficiaria Miguel Arraes e Luiz Carlos Prestes.71
No dia seguinte, a revista Veja circulou com uma reportagem, de autoria
de Antônio Calos Fon, que denunciava com grande riqueza de detalhes as
práticas de torturas contra presos políticos no Brasil, o que custou ao autor
o imediato enquadramento na nova Lei de Segurança Nacional.72 Talvez a
matéria tenha sido lida pelos metalúrgicos, que, nesse mesmo dia, votaram,
em assembleia, pela continuidade da greve. Sob um clima de repressão po-
licial intensificada pelo início da greve dos motoristas, a direção sindical
fez uma reunião com o ministro do Trabalho, Murilo Macedo, que propôs
um “protocolo de intenções” em que o governo apontava aos sindicalistas
duas opções possíveis: continuar a greve ou terminá-la e aceitar a proposta
anteriormente apresentada pelos patrões. Apresentado à categoria em as-
sembleia no dia 22, o protocolo foi rejeitado.
Uma semana depois, o deputado paulista Ulisses Guimarães, presidente
do MDB, apresentou emenda à Proposta de Emenda Constitucional nº 25,
de 1978, de autoria do senador Nelson Carneiro (MDB-RJ), que restituía
ao Congresso a iniciativa em matéria de anistia política,73 propondo que
o benefício fosse concedido, de forma ampla, geral e irrestrita, “aos civis e
militares que, direta ou indiretamente, participaram de fatos ocorridos no
território nacional, desde 31 de março de 1964”.74 O caráter restritivo da
proposta, dada a data inicial fixada para habilitação ao benefício, foi consi-
derada por uns, principalmente os simpatizantes do MDB, como resultado

70
Câmara dos Deputados..., sessão em 20 de março de 1979.
71
O Globo, 20 de março de 1979.
72
Brasil dia a dia, p. 117. Materiais não incluídos na reportagem foram publicados pelo
autor no livro Tortura: a história da repressão política no Brasil. São Paulo: Global, 1979.
73
Encaminhada no dia 19 à comissão mista encarregada de examiná-la, instalada em 21 de
março, tendo como relator o deputado Ernani Sátiro (Arena-PB). Disponível em: <http://
legis.senado.leg.br/mateweb/servlet/PDFMateServlet?m=18374&s=http://www.senado.leg.
br/atividade/materia/MateFO.xsl&o=ASC&o2=A&a=0>. Acesso em: 28 fev. 2014.
74
Jornal de Brasília, 28 de junho de 1979, p. 4.
A anistia como tática do regime 365

de erro técnico e, por outros, como um expediente para manter afastados


da política antigos líderes oposicionistas então exilados, como Miguel Ar-
raes e Leonel Brizola, que poderiam fazer séria concorrência política ao
MDB em um quadro pós-anistia. Na sessão do dia seguinte, o deputado
Otacílio Queiroz (MDB-PB) louvou a iniciativa do partido ao apresentar
projeto de emenda constitucional concedendo anistia ampla e irrestrita a
civis e militares punidos pela Revolução de 1964. Também nessa sessão, a
deputada Cristina Tavares (MDB-PE) contestou declarações pró-democra-
cia feitas pelo general João Figueiredo e pela Arena, contrastando-as com
o comportamento do governo diante da greve dos metalúrgicos paulistas
e as mencionadas denúncias de torturas feitas pela revista Veja. As críticas
foram endossadas pelo deputado Marcus Cunha, também representante
da oposição pernambucana, que criticou a posição do general presidente,
manifestada através de Said Farhat, titular da Secretaria de Comunicação
Social da Presidência da República, contra o projeto de anistia apresenta-
do pelo MDB. O deputado verberou, também, a prisão de metalúrgicos
do ABC paulista e de estudantes em Minas Gerais.75 Ainda nessa sessão, o
deputado Max Mauro (MDB-ES), embora não a considerando “adequada
quando se anuncia a redemocratização do país”, defendeu a aceitação da
proposta de anistia parcial feita pelo governo, não deixando, contudo, de
acusar os que insistiam nela de serem “os mesmos que defendem a ideolo-
gia da segurança nacional, cujas consequências profliga”.76
Em plena escalada repressiva, o governo decretou, no dia 23, inter-
venção no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Dia-
dema e proibiu manifestações e assembleias no Estádio da Vila Euclides.
Entretanto, foi realizado na Câmara Municipal de São Paulo um ato pú-
blico contra a as medidas repressivas, que contou com a participação de
diversas entidades. No dia 25, um ato religioso na Igreja Matriz de São
Bernardo do Campo atraiu cerca de quinze mil trabalhadores. Em se-
guida, o bispo diocesano de Santo André, D. Claudio Hummes, viajou
a Brasília para intermediar junto ao governo federal as negociações em

75
Câmara dos Deputados..., sessão em 22 de março de 1979. Uma semana depois, um jornal
de São Paulo comentaria que o projeto governista de anistia teria sofrido uma desaceleração
em virtude do auge da greve dos metalúrgicos do ABC e da apresentação do projeto do
MDB. Folha de S. Paulo, 29 de março de 1979.
76
Na ocasião, registrou a criação do Comitê Brasileiro pela Anistia no Espírito Santo. Câma-
ra dos Deputados..., sessão em 22 de março de 1979.
366 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

torno da greve dos operários. O CBA também se opôs veementemente


à intervenção no Sindicato dos Metalúrgicos. No dia 26, o núcleo de São
Paulo emitiu uma declaração:

O Comitê Brasileiro pela Anistia de São Paulo se coloca ombro a ombro


com os trabalhadores metalúrgicos em greve, do ABC. Considera justo e
legítimo o caminho que escolheram para apresentar suas reivindicações – a
greve. Esta foi a forma de luta que neste momento lhes restou para exigir
melhores salários e melhores condições de vida.
Defendemos, por isso, seu direito de expressar seus interesses; defendemos
seu direito a exigir melhores salários; defendemos seus direitos como ho-
mens e cidadãos brasileiros de terem respeitadas suas vozes, suas reivindi-
cações, suas formas de luta. São homens e mulheres, famílias inteiras que
constroem na calada da madrugada e no calor dos dias a riqueza deste país
[…].
Repudiamos, com veemência, toda tentativa de cercear sua liberdade; re-
pudiamos com vigor todo tipo de intervenção que se faça em relação a seus
órgãos representativos; repudiamos a intervenção do Ministério do Traba-
lho, respaldada pelas forças policiais que a vêm sustentando. Denunciamos
à nação as violências e arbitrariedades que têm sido cometidas contra o
povo e contra todos os que se têm posto ao lado dos trabalhadores meta-
lúrgicos.77

Neste mesmo dia, a diretoria do sindicato destituída e a Comissão de


Salários reassumiram o comando do movimento grevista. Em nova assem-
bleia no Estádio da Vila Euclides, setenta mil trabalhadores aceitaram, no
dia 27, a proposta de trégua por 45 dias apresentada pela direção sindical e
decidiram suspender a greve. Protocolo acertado entre dirigentes sindicais
e o ministro do Trabalho no dia 30 permitiu a reabertura de negociações
com a FIESP. No dia 2 de abril, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernar-
do do Campo e Diadema aderiu à convenção coletiva.78

77
Documento sem título de 26/03/1979, produzido pelo CBA-SP.
78
Em 1979, também entraram em greve, entre outras categorias, os trabalhadores da cons-
trução civil, motoristas e cobradores, médicos e professores. NORONHA, Eduardo. “A ex-
plosão das greves na década de 80”, p. 105. Analistas calcularam em mais de três milhões o
número de trabalhadores brasileiros em greve no ano de 1979. Um dos resultados da maré
montante grevista foi a alteração da política salarial do governo, “que objetivava conter e
A anistia como tática do regime 367

Em abril, o projeto de anistia do governo começou a adquirir contornos


mais definidos. No dia 4, o ministro da Justiça, Petrônio Portela, confir-
mou, em entrevista a jornalistas alemães que acompanhavam o chanceler
Helmut Schmidt em visita ao Brasil, que a anistia seria abrangente, mas
excluiria os “terroristas”. Na ocasião, declarou-se a favor de anistia a comu-
nistas, mas contra a legalização do Partido Comunista: “Não admitiremos a
sua formação, assim como somos contrários também à formação de parti-
dos fascistas e nazistas”. E apontou a ligação entre a anistia e a reforma par-
tidária − Arena e MDB “estão superados”: “Em razão disso é que o governo
articula alternativas, principalmente para a reabsorção de alguns políticos,
até então marginalizados, que entram em cena pela anistia”.79 Segundo ava-
liação da revista IstoÉ:

O projeto de anistia de Figueiredo ainda enfrenta, naturalmente, alguma re-


sistência em determinados setores e é por isso que persistem dúvidas sobre
a data do seu envio ao Congresso. A hipótese mais lembrada nos bastidores
é sua apresentação logo no início do segundo semestre. Mas, há quem ad-
mita que acabará vindo bem antes − possivelmente em maio, ou mais certa-
mente em junho, pouco antes do recesso de julho dos congressistas. (Nesse
caso, haveria a vantagem de a votação só ser realizada no segundo semestre,
o que daria ao governo uma larga possibilidade de negociação e discussão
do projeto com o MDB).
Nos últimos dias, um único dado tem preocupado os mentores da anistia
governista. É a tentativa realizada pelo grupo autêntico do MDB de inves-
tigar violências e torturas praticadas em nome da necessidade de conter a
subversão. No momento, a chamada pré-CPI da tortura, sob a chefia do
deputado Aírton Soares, trabalha em ritmo intenso, coletando depoimen-
tos e documentos para a publicação de um Livro Negro − que denunciaria à
nação os excessos de repressão. O MDB acredita que o livro será uma arma
na mão para negociar a anistia. O governo acha exatamente o contrário.
“Esse é o pior trabalho que se poderia fazer contra a anistia”, desabafava, na
semana passada, um assessor de Figueiredo.80

refluir o movimento reivindicatório”. ANTUNES, Ricardo. O novo sindicalismo no Brasil.


Campinas, SP: Pontes, 1995, p. 12-13.
79
Jornal do Brasil, 5 de abril de 1979.
80
IstoÉ, 11 de abril de 1979, p. 8. Grifo meu. Segundo o jornalista Elio Gaspari, que reproduz
trechos de documentos do arquivo do general Golbery do Couto e Silva, o tema da anistia
368 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Aquilo que, na transcrição acima, é referido como “excessos de repres-


são”, é classificado pelo jornal Em Tempo, integrante da chamada “impren-
sa alternativa”, como crimes de tortura que deveriam ser apurados. Como,
ao contrário do ocorrido durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945),
envolviam diretamente as Forças Armadas, constituíam uma pedra no ca-
minho da campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita:

Dois aspectos definem bem a característica da campanha pela anistia em


1945 e marcam as diferenças com relação à questão da anistia hoje. O pri-
meiro aspecto é o fato de que os mais diversos setores da burguesia partici-
pavam ativamente da campanha pelo simples fato de precisarem da anistia
para que seus expoentes máximos pudessem voltar e atuar politicamente
pelo país. Com isso, os meios de comunicação de massa da época facil-
mente se sensibilizaram pela anistia e muitas portas foram abertas. Hoje,
ao contrário, a burguesia não tem este interesse imediato e somente os seus
setores mais liberais se sensibilizam pela questão, mesmo assim falam em
uma anistia parcial ou recíproca. Portanto, somente os liberais mais con-
sequentes e a esquerda é que não se deixam levar pela proposta de 80% de
anistia como propõe Dinarte Mariz.
Do lado dos militares, mesmo os que fazem oposição ao regime ficam to-
dos arrepiados quando ouvem falar em anistia aos que pegaram em armas
e punição aos torturadores. Aqui temos o segundo aspecto que marca uma
distinção fundamental entre o Estado Novo e o regime de hoje. A ditadura de
Vargas foi um governo [sic] civil onde as Forças Armadas enquanto institui-
ção nunca estiveram envolvidas diretamente com a prática de torturas e por
isto foi possível se obter de militares como [Eurico] Dutra, Eduardo Gomes,
Euclides Figueiredo e outros a condenação da violência do governo de Getú-
lio sem colocar em xeque as próprias Forças Armadas. Por esta razão é que o
pai do nosso presidente − Euclides Figueiredo − pôde se tornar deputado pela
UDN, juntamente com José Maria Crispim − deputado pelo PCB −, o ativo
membro da CPI dos Direitos Humanos, exigindo a punição dos torturadores.
Hoje, entretanto, seu filho jamais poderá assumir este papel, por mais que
lhe doa a consciência. Qualquer condenação que se faça à prática de tortu-

foi tratado em nove reuniões no palácio do Planalto, a partir dos primeiros dias de abril. Há
destaque para a discussão do artigo que definiria os beneficiários da anistia e os crimes “co-
nexos”. Ver GASPARI, Elio. A ditadura acabada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2016. p. 160-165.
A anistia como tática do regime 369

ras nestes últimos 15 anos atingirá diretamente as Forças Armadas, isto é, a


essência do regime. Segundo a Doutrina da Segurança Nacional, estas ações
foram praticadas durante a guerra contra a subversão, no cumprimento do
dever e, segundo algumas fontes militares, “não se pode sequer pensar em
colocar esses oficiais denunciados como torturadores no banco dos réus,
porque se estaria julgando a própria instituição que se lançou como um
todo nessa guerra”. Este é o limite intransponível que hoje os militares e o
governo tentam impor. Para isso, acenam com a proposta de uma anistia
parcial que estabelece um claro divisor de águas de até onde poderá ir, no
limite mais elástico, a chamada abertura política.
Portanto, estes são os aspectos mais significativos que marcam o caráter
distinto da luta pela anistia levada a cabo hoje. Ou se joga com as cartas
marcadas da proposta do governo, partindo do pressuposto de que nenhum
militar “admitirá nunca ser julgado por seus atos em defesa do sistema e
do regime”, considerando que tudo foi feito em função da “necessidade de
guerra para se parar com os atos terroristas”, conforme argumentam os mi-
litares; ou se tenta romper com estes limites levantando cada vez mais alto a
bandeira da anistia ampla, geral e irrestrita.81

O igualmente “alternativo” jornal Movimento aprofundou esse ponto de


vista:

Os limites da anistia foram condicionados, em grande parte, pela opinião


da área militar. “Anistia é o assunto da ordem do dia entre os militares. Todo
mundo fala, todo mundo dá sua opinião”, dizia a Movimento, na semana
passada, um oficial que serve no Quartel General do Exército em Brasília.
Segundo esse oficial e diversos outros militares ouvidos, já está formado um
consenso em torno da questão: praticamente todos os militares já aceitam a
concessão de anistia política como um fato irreversível, mas apenas para o
que eles chamam de “crimes políticos” ou “de ideias”. Quase nenhum militar
aceita a hipótese de anistia para quem se envolveu em sequestro, assalto ou
ações que redundaram em morte. “Pode ter certeza de que isto o Exército
não vai engolir”, afirmou um oficial.
Os militares que mais reagem contra a hipótese de anistia ampla e que, in-
clusive, estão pressionando fortemente para que ela não se efetive, são os

81
Em Tempo, São Paulo, 19-25 de abril de 1979, p. 5.
370 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

da chamada “Comunidade de informações”. Não apenas os que pertencem


atualmente à “Comunidade”, mas − e principalmente − os que já integra-
ram os seus quadros e “têm culpa no cartório”, conforme a expressão de
um oficial. Na verdade, existe um pequeno reduto de militares contrários
a qualquer forma de anistia, entre os quais citam-se especialmente aqueles
que integravam o chamado “grupo frotista”, que apoiou a candidatura do
ex-ministro Sílvio Frota à presidência da República.
Por que a forte reação destes militares contra uma anistia mais ampla, que
abrangesse inclusive os que participaram de guerrilha? Segundo a explica-
ção de um oficial da ativa do Exército, em primeiro lugar porque foi à “Co-
munidade” que coube, especialmente, combater os partidários das ações
armadas e ela também teve suas vítimas. Muitos dos seus elementos tam-
bém morreram, outros foram feridos; portanto, jamais perdoariam estas
baixas. Em segundo lugar, não aceitam a anistia para seus antigos adver-
sários, prossegue o raciocínio do oficial, “por instinto de sobrevivência”.82

No dia 18 de abril ‒ data, aliás, escolhida para várias homenagens regula-


res, como: Dia Nacional do Livro Infantil, Dia do Amigo, Dia Internacional
do Radioamador e Dia Nacional do Espírita ‒, comemorou-se o Dia Nacional
da Anistia. A revista Veja celebrou a efeméride publicando pesquisa, enco-
mendada ao Instituto Gallup, sobre a opinião dos eleitores brasileiros a res-
peito da anistia.83 Os dados obtidos indicaram que 35% das pessoas ouvidas
ignoravam a anistia e que, entre os que estavam informados sobre o assunto,
80% eram favoráveis à medida, dos quais, 62% à versão restrita, 47% contra
a anistia a “participantes de ações políticas armadas”, e 12% a favor da anistia
ampla e irrestrita. Diante desses números, a revista apresentava conclusões
políticas. A primeira: “Como se vê, uma segura maioria da opinião pública,
que anos atrás não dedicava qualquer tipo de simpatia aos golpes terroristas,
ainda hoje não se mostra disposta a perdoá-los”. A segunda: “[…] a anistia
pretendida pela expressiva maioria dos brasileiros é igual ou menor que a
que o governo pretende adotar e conceder em prazo presumivelmente curto.
O projeto oficial […] está realmente estruturado para beneficiar os que não
delinquiram para tentar a derrubada do regime”. O editorial, assinado por
José Roberto Guzzo, era claro quanto à posição da revista:

82
Movimento, São Paulo, n. 207, 16-22 de junho de 1979, p. 7.
83
Veja, 18 de abril de 1979, p. 20-21.
A anistia como tática do regime 371

[…] a ideia de que se deve pura e simplesmente anistiar quem matou fun-
cionários de banco, agentes de polícia ou meros passantes não conta com
apoio da maioria dos brasileiros nem é uma exigência nacional. Neste mo-
mento, ela é apenas a expressão de um grupo, entre tantos outros na socie-
dade, que quer impor sua vontade − nada mais que isso.

O editorialista tocava em uma tecla sensível ao próprio movimento pela


anistia, que já expressara, como visto atrás, consciência da necessidade de
massificar a campanha pela reivindicação.84 Entretanto, outra pesquisa,
encomendada pelo CBA ao Instituto Paulista de Pesquisas de Mercado e
realizada quase no mesmo dia, indicava números e conclusões diferentes:
das pessoas, entre as três mil ouvidas, que tinham opinião sobre a anistia,
38,9% eram favoráveis a uma versão ampla e irrestrita; 4,9%, à exclusão dos
terroristas e 17,5% se colocaram contra a anistia.85
O jornal do MR-8 explorou o contraste entre os resultados das pesqui-
sas:

O governo, ao invés de dar satisfação a esse clamor popular, insiste em ma-


nobrar. Acena com projeto de anistia parcial e restrita, para ver se amortece
a pressão. Por seu lado, a grande imprensa abre suas páginas para respaldar
essas artimanhas do regime. A revista Veja, por exemplo, publicou recen-
temente uma pesquisa marotíssima, que pretendia provar que o povo está
contra a anistia ampla. Mas, mais depressa se pega um mentiroso do que
um coxo. Dias depois, o Comitê Brasileiro pela Anistia publicou outra pes-
quisa, feita em bases muito mais sérias. O resultado era bem diferente: a
maioria esmagadora da população quer anistia para valer, para todo mundo
e bem rápido.86

84
Em maio, o Partido Comunista Brasileiro também expressou essa preocupação: “É pos-
sível incorporar massas crescentes da população à campanha pela anistia. É necessário de-
senvolver neste momento o máximo de iniciativa e estimular a organização de comitês que
patrocinem manifestações de nível nacional, regional ou local, onde seja exigida a concessão
imediata da anistia”. “Resolução política do Comitê Central do Partido Comunista Brasilei-
ro”, maio de 1979. In: CORRÊA, Hercules. A classe operária e seu partido. Textos do exílio.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980, p. 242.
85
IstoÉ, 25 de abril de 1979, p. 115.
86
Unidade Proletária, ano IV, n. 32, maio de 1979, p. 9.
372 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Ainda em 18 de abril, a comissão mista do Congresso encarregada de


dar parecer sobre a PEC 25/78, que restituía ao Legislativo o privilégio
da iniciativa de concessão de anistia, pronunciou-se contra a proposta e
a emenda apresentada pelo deputado Ulisses Guimarães.87 A reportagem
da revista Veja repercutiu rapidamente nos setores parlamentares mais re-
sistentes à ideia de anistia ampla, geral e irrestrita. No dia 24 de abril, o
deputado Jorge Arbage (Arena-PA) leu no Congresso trechos da matéria,
acentuando ter sido a pesquisa realizada em “estados altamente politiza-
dos”, como Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais,
Bahia, Pernambuco e Paraná, o que desmistificaria a bandeira da anistia
defendida pelo MDB como desejo da maioria do povo brasileiro.88 No dia
seguinte, o general Figueiredo declarou, em encontro com a bancada are-
nista da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, que a concessão da
anistia já estava politicamente definida e que excluiria os autores de crimes
comuns.89 A afirmação seria complementada, em 8 de maio, por declaração
do ministro da Justiça de que os crimes políticos cometidos antes de 1964
seriam contemplados no projeto de anistia.90
Vários núcleos do CBA e movimentos pela anistia participaram das come-
morações do Dia do Trabalho em 1º de maio. Com a greve ainda suspensa, os
metalúrgicos paulistas assinalaram a data com uma missa no Paço Municipal
de São Bernardo e com um ato público no Estádio da Vila Euclides.
No Congresso Nacional, a tática privilegiada pela oposição consistia em
insistir na tentativa de modificar o rito constitucional relativo à concessão
da anistia, que reservava ao Executivo o privilégio da iniciativa de propor a
medida. O senador Pedro Simon (MDB-RS), em discurso pronunciado em
2 de maio, acusou o governo de jogar com a anistia, usando-a como moeda
de troca nas negociações com a oposição. Em outras palavras: denunciou o
“bombom” do general Golbery:

87
Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/mateweb/servlet/PDFMateServlet?m=183
74&s=http://www.senado.leg.br/atividade/materia/MateFO.xsl&o=ASC&o2=A&a=0>.
Acesso em: 28 fev. 2014.
88
Câmara dos Deputados..., sessão em 24 de abril de 1979. Neste dia, foi libertado, em Reci-
fe, Marcelo Mário de Melo, o primeiro preso político beneficiado pela nova Lei de Segurança
Nacional, segundo o Jornal do Brasil, 25 de abril de 1979.
89
Jornal do Brasil, 26 de abril de 1978.
90
Idem, 9 de maio de 1979.
A anistia como tática do regime 373

A anistia não viria mais como gesto de grandeza da pacificação e da reconci-


liação, mas dentro de um pacote de negociações do Governo através do qual
se estenderia uma mão concedendo a anistia, mas exigindo da Oposição a
sua chancela a uma série de medidas que ele, Governo, pretende adiantar.91

No dia 10, a PEC 25/78, de autoria do senador Nelson Carneiro (MDB-


-RJ), que, como já foi mencionado, devolvia ao Congresso Nacional a prer-
rogativa de propor a concessão de anistia, foi à discussão no plenário do
Congresso em sessão conjunta.92 Apenas quatro parlamentares se pronun-
ciaram. O deputado João Gilberto (MDB-RS) apoiou a proposta, enquanto
o deputado Edson Khair (MDB-RJ) se manifestou descrente de que o poder
anistiante fosse concedido ao Congresso Nacional por meio da aprovação
da emenda e sustentou que a anistia somente seria alcançada “quando o
conjunto das forças que compõem a sociedade a impuser aos detentores
do poder”. O deputado Djalma Bessa (Arena-BA), por outro lado, consi-
derou a emenda radical, porque teria “o propósito de retirar do presidente
da República toda a participação no processo de concessão de anistia”. E o
deputado Ernani Sátiro (Arena-PB), relator da PEC, manifestou confiança
em que o presidente da República encaminharia ao Congresso Nacional
projeto de lei ordinária propondo a concessão da medida.93
Um pronunciamento do ministro do Trabalho, feito no dia 11 pela rede
nacional de emissoras de televisão e ameaçando os metalúrgicos do ABC
com punições, caso fosse retomada a greve, foi um dado importante na ava-
liação feita pelos operários na assembleia reunida três dias depois, quando
terminou a trégua acertada com o governo. Foi aceito o acordo proposto,
encerrando-se definitivamente a greve. Em seguida, o Ministério do Tra-
balho suspendeu a intervenção no sindicato no dia 15 e, três dias depois, a
diretoria reassumiu oficialmente as suas funções.
Neste ínterim, prosseguia no Congresso a discussão da anistia. No dia
14 de maio, o campo governista foi exortado pelo deputado Odacir Klein
(MDB-RS) a votar favoravelmente à PEC 25/78.94 Ao mesmo tempo, a sec-

91
Idem, 3 de maio de 1979.
92
Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/mateweb/servlet/PDFMateServlet?m=18374
&s=http://www.senado.leg.br/atividade/materia/MateFO.xsl&o=ASC&o2=A&a=0>. Aces-
so em: 28 fev. 2014.
93
Câmara dos Deputados..., sessão em 10 de maio de 1979.
94
Câmara dos Deputados..., sessão em 14 de maio de 1979.
374 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

cional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) propunha


uma recomendação à reunião de presidentes de seccionais, que se realizaria
no dia 31 de maio, no sentido da “devolução ao Congresso do poder de
anistiar e concessão de anistia ampla, geral e irrestrita”. Na mesma reunião,
foi formada uma comissão preparatória de trabalhos que pudessem forne-
cer subsídios a um futuro anteprojeto de decreto legislativo concedendo a
anistia, formada pelos conselheiros Lousada Câmara, Hélio Sabóia, Técio
Lins e Silva, Nilo Batista, Rovane Tavares e Randolfo Gomes.95 A esta altura,
já se falava, na imprensa, que o governo estava fixando a data da apresenta-
ção do projeto de anistia no Congresso:

O Governo resolveu antecipar para fins de maio o envio do projeto que con-
cede anistia política aos punidos pela Revolução, com exceção apenas dos
que praticaram “crimes de sangue”, segundo informação que foi transmitida
pelos ministros Petrônio Portela e Golbery do Couto e Silva a líderes arenis-
tas. O presidente da República e os ministros da Justiça e do Gabinete Civil
ficaram preocupados com o alto grau de insatisfação que domina amplas
áreas do Congresso, em particular da Arena, conforme o demonstraram os
últimos acontecimentos relacionados com o debate e votação da emenda
que restabelecia eleição direta para a escolha de governadores.
O governo teme que essa insatisfação coloque em risco o sólido apoio que
lhe oferecem as bancadas da Arena na Câmara e no Senado e pretende ali-
viar as tensões existentes com o envio do projeto de anistia antes que se
encerre o mês de maio. […]
As manifestações de rebeldia de muitos arenistas em relação ao restabe-
lecimento da eleição direta na escolha dos governadores, verificadas por
ocasião do exame da Emenda Montoro na Comissão Mista do Congresso
e a consequente aprovação de uma subemenda do deputado arenista do
Maranhão, Edson Vidigal, levaram o governo a reconsiderar sua decisão de
só enviar o projeto de anistia em junho. […]
O senador José Sarney, assim como os líderes Jarbas Passarinho e Nelson
Marchezan, tomaram a iniciativa de comunicar ao presidente da República
e seus principais conselheiros políticos que a insatisfação decorre da alega-
da falta de definição do governo em relação aos problemas políticos mais
importantes da atualidade, que vão desde a anistia às eleições diretas e à
reorganização partidária.

95
Jornal do Brasil, 18 de maio de 1979.
A anistia como tática do regime 375

Deputados e senadores arenistas procuraram dirigentes e líderes do Par-


tido para manifestar sua insatisfação por serem obrigados a votar contra
uma emenda restabelecendo a eleição direta na escolha dos governadores,
quando assumiram o compromisso com o eleitorado de defender o restabe-
lecimento da soberania popular.
O governo chegou à conclusão de que não pode perder o controle sobre a
sua maioria parlamentar, que esteve evidentemente ameaçada durante os
últimos acontecimentos.96

O que, de fato, o governo fez em maio foi, no dia 21, o encaminha-


mento de um projeto que revogava os decretos-leis nº 228, de 28 de fe-
vereiro de 1967 (reformulou a representação estudantil), e nº 477, de 26
de fevereiro de 1969 (definiu infrações disciplinares nas instituições de
ensino), bem como os artigos nº 38 e nº 39 da Lei nº 5.440, de 28 de
novembro de 1968 (lei da reforma universitária), referentes a atividades
estudantis.97 Nesse mesmo dia, a Câmara dos Deputados registrou a pri-
meira crítica à intenção governamental de extinguir os partidos políticos,
feita pelo deputado Joel Ferreira (MDB-AM). Navegando na maré libe-
ralizante promovida pelo governo, a OAB, por indicação do conselheiro
Sérgio Bermudes, da seccional fluminense, começou, no dia seguinte, a
reivindicar a reintegração de todos os membros do Judiciário atingidos
pelos atos institucionais: “Todos eles, sem uma única exceção, hão de ser
considerados injustamente punidos, porque não conheceram as acusa-
ções que pesavam contra eles e não tiveram a garantia mínima do direito
de defesa”, disse Bermudes à imprensa.98
Finalmente, o governo anunciou no dia 28 que o ministro da Justiça, Pe-
trônio Portela, estava autorizado pelo presidente a elaborar um anteprojeto
de anistia.99 No dia seguinte, a PEC 25/78 teve a sua tramitação concluída.
A Mesa Diretora do Congresso Nacional a considerou prejudicada por de-
curso de prazo, determinando o seu arquivamento.100

96
Jornal do Brasil, 20 de maio de 1979.
97
Brasil dia a dia, p. 117.
98
Jornal do Brasil, 23 de maio de 1979.
99
Movimento, São Paulo, 4-10 de junho de 1979, p. 3.
100
Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/mateweb/servlet/PDFMateServlet?m=18374
&s=http://www.senado.leg.br/atividade/materia/MateFO.xsl&o=ASC&o2=A&a=0>. Aces-
so em: 28 fev. 2014.
376 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Pode-se dizer que o malfadado destino da proposta de emenda consti-


tucional que restituía ao Legislativo a prerrogativa de propor a anistia polí-
tica complementou o terreno em que o projeto aberturista prosseguiria, já
fixado pela maneira como fora administrada a greve dos metalúrgicos do
ABC. A preservação daquela faculdade no âmbito do Executivo era, para
além de considerações de doutrina constitucionalista, uma condição para
manter o governo no comando das operações, principalmente, na nego-
ciação da anistia com setores militares refratários à sua concessão, pelos
motivos já vistos. Neste sentido, é interessante a análise de Maria Helena
Moreira Alves:

Do ponto de vista do Estado de Segurança Nacional, o ano de 1979 definiu


os limites da política de abertura. Ao mesmo tempo em que negociava a
questão da anistia política com os partidos e instituições civis dos setores
de elite, o governo deixava claro que a liberalização não se aplicava à classe
trabalhadora. A repressão sofisticava-se, selecionando as classes a atingir.
As greves não mais seriam toleradas, e toda a força do Aparato Repressivo
seria empregada para fazer frente aos desafios à política salarial e à legisla-
ção de greve. Também aumentou nas áreas rurais conflituadas a repressão
aos posseiros e camponeses sem terra. Sob a alegação de eliminar elementos
criminosos, a polícia e os “esquadrões da morte” intensificaram suas buscas
e blitze nos bairros pobres.
Os limites da “democracia forte” foram nitidamente definidos no âmbito
da Doutrina de Segurança Nacional: não poderiam ser tolerados aqueles
setores organizados que questionassem o modelo de desenvolvimento, de-
fendendo a prioridade das necessidades básicas sobre o destino manifesto.
Eram pontos de “pressão”, a serem tratados como “inimigos internos”. Por
outro lado, o governo reconhecia que o aumento da tensão social tornava-a
potencialmente explosiva. O caráter coletivo [sic] e às vezes violento de al-
gumas greves assustara os planejadores do Estado. O governo promulgou,
assim, a Lei nº 6708, segundo a qual passariam ser semestrais – e não mais
anuais – os reajustes salariais com base no índice de preços ao consumidor.
Além disso, os sindicatos poderiam agora empenhar-se em negociações di-
retas com os empregadores a respeito de um percentual adicional de reajus-
te dos salários, a ser baseado no cálculo dos “índices de produtividade”.101

101
Estado e oposição no Brasil, p. 256-257.
A anistia como tática do regime 377

3.3 A errata da redemocratização: onde se vê um ato político, enten-


da-se um crime comum

Em 4 de abril de 1979, o deputado Henrique Santillo (MDB-GO) pronun-


ciou-se na Câmara sobre a questão dos presos por crime de terrorismo,
que, ao que tudo indicava, justificaria a exclusão de vários deles da futura
anistia. Seu argumento em defesa destes presos é exemplar de uma versão
das origens da luta armada contra a ditadura que, apesar de bem-inten-
cionada, não corresponde aos fatos históricos, como, de resto, já visto em
capítulo anterior.

Sem dúvida alguma foi, dado o estado de guerra interna, implantado fi-
losoficamente, pelo governo no país, que se propiciou a opção de alguns
brasileiros pela forma de luta política pelo terrorismo, e a outros brasileiros
optarem pela alternativa do foquismo, da guerrilha rural, bem como outros
pela guerrilha urbana. Sem dúvida alguma, todos esses movimentos sur-
giram após 1968, com a edição do AI-5 e com o cerceamento absoluto de
todas as liberdades públicas.102

Também nesta linha de pensamento, o deputado Tidei de Lima (MDB-


-SP) criticou o governo por pretender excluir da anistia os acusados de
“crime de sangue”, expressão que, no seu entender, inexistia juridicamen-
te, “tratando-se de mero recurso literário para comover a opinião pública”.
Discordava do governo, ainda, por classificá-los como “terroristas”, cate-
goria “inadequada para definir os que desencadearam ação armada contra
o regime vigente”, que, na forma de guerrilha urbana e rural, eram “con-
sequências da implantação de uma ditadura no país”, razão por que seus
promotores mereciam “compreensão por terem executado uma guerra re-
volucionária para a tomada do poder”.103
Havia também entre os militantes dos movimentos pela anistia quem
sustentasse a tese, como indica a fala de Helena Greco, presidente do
MFPA-MG, sobre a questão dos “crimes de sangue”:

102
Diário do Congresso Nacional, 4 de abril de 1979.
103
Câmara dos Deputados..., sessão em 7 de junho de 1979.
378 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Assim, com todos os canais de organização popular cerceados (sindicatos


sob intervenção, organizações estudantis fechadas etc.) e com a polícia
nas ruas respondendo à bala aos gritos de “Abaixo a ditadura”, com as
prisões repletas de militantes políticos, e a tortura transformada em ri-
tual obrigatório nos inquéritos, com a imprensa sob censura rigorosa e
sofrendo a enxurrada da propaganda oficial, está delineado o quadro da
sociedade brasileira em princípios de 1969.
É nesse contexto que alguns setores da oposição popular vão se lançar no
caminho da luta armada. Não nos cabe julgar os erros ou acertos destes
setores. Cabe-nos apenas assinalar o que é fundamental: na noite sombria
que se abateu sobre a nação naqueles anos, a resistência armada era uma
opção política (não importa se incorreta ou não) e como tal tem que ser
encarada.104

A posição oficial do CBA partia de uma definição bem clara do terroris-


mo, entendendo que

Terrorismo político é a agressão deliberada à população civil não comba-


tente, desarmada, com o objetivo de lhe arrancar, pelo medo, colaboração
ou neutralidade. Procura o pavor indiscriminado, onde a agressão ao não
combatente deixa de ser um risco indesejado para ser o alvo da mira. Nesse
sentido, historicamente, o uso do terror como instrumento político alcança
escala máxima por parte dos poderes constituídos. Aliás, os exemplos mais
apavorantes pela frieza da concepção, o alcance e a crueldade dos efeitos,
são do nosso século: Vietnam, Camboja, Hiroshima, Nagasaki, Chile, Ar-
gentina, Nicarágua etc.105

104
“Anistia não é perdão nem esquecimento”. Em Tempo, 21-27 de junho de 1979, p. 4. A úl-
tima questão proposta por Helena Greco – naturalmente, retórica ‒ teria que ser respondida
afirmativamente. João Paulo Moreira Burnier  (1919  -2000), por exemplo, um dos líderes
da revolta de Aragarças contra o presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), planejou na
época o bombardeio dos palácios do Catete e das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Depois do
golpe de 1964, concebeu uma série de atentados ‒ alguns dos quais, se efetivados, teriam
resultado em verdadeiro morticínio, como a explosão do gasômetro do Rio de Janeiro ‒, que
deveriam ser atribuídos a organizações comunistas. O Caso Para-Sar, como ficou conheci-
do, já foi comentado em capítulo anterior.
105
“Subsídios para discussão sobre quem são os terroristas no Brasil”, novembro de 1978,
CBA-MG.
A anistia como tática do regime 379

Juristas também se colocavam desta perspectiva. Para Raymundo Faoro:

No Brasil não houve terrorismo, mas apenas luta armada. E não sou eu que
o digo, mas as autoridades militares. Na Alemanha e na Itália, por exemplo,
pode-se falar em terrorismo, como o Baader-Meinhoff e as Brigadas Ver-
melhas.106 Mas, aqui não. É um erro histórico isolar o fato do seu contexto,
é um grande erro jurídico pretender redefinir como crime aquilo que a lei
anterior não definia, mas apenas como agravante.107

Hélio Bicudo também questionava a caracterização das ações de luta


armada condenadas como “terrorismo”, afirmando a sua natureza política.
Entretanto, aceitava discutir a sua tipificação como terrorismo para desnu-
dar a incoerência básica da repressão judiciária do regime ditatorial:

O terrorismo é crime comum, contemplado em vários dispositivos do Códi-


go Penal, e não tem nada a ver com atos da luta armada, como os que ocorre-
ram no país, depois de 1964. Esses crimes são políticos, logo devem caber na
anistia. Ou o terrorismo é crime político e deve ser abrangido pela anistia, ou
a Justiça Militar não tinha competência para fazê-lo e suas decisões são nulas,
porque a matéria seria então da competência da Justiça Comum.108

Já para o principal defensor do projeto do governo no Congresso, sena-


dor Jarbas Passarinho (Arena-PA), justificava-se a exclusão de “terroristas”
do projeto de anistia: não seria possível incluí-los nos benefícios da medida
em um momento em que países amigos como a Alemanha e a Itália com-
batiam o terrorismo com “leis draconianas”. Segundo o jornal, o senador
adiantou que, “em face do relacionamento que o Brasil tem com essas na-
ções é que o governo aceitou que o projeto de anistia cometesse a injustiça
de anistiar os terroristas que foram banidos e não aqueles que permanece-
ram no Brasil e foram condenados”.109 Muitos anos depois, Passarinho, em

106
Organizações guerrilheiras urbanas, o Grupo Baader-Meinhof, ou Fração do Exército
Vermelho, foi fundado na antiga Alemanha Ocidental em 1970 e dissolvido em 1998, en-
quanto as Brigadas Vermelhas surgiram na Itália em 1969, extinguindo-se em 1984.
107
O Globo, 27 de junho de 1979.
108
Idem.
109
O Globo, 2 de agosto de 1979. A rigor, as tais “leis draconianas” contra o terrorismo cons-
tituíam, antes de tudo, uma proteção do Estado. Após a Segunda Guerra Mundial, países
380 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

suas memórias, evocaria outro argumento, talvez mais decisivo, que teria
esgrimido no Senado: em face das exigências de liberdade imediata para
todos os presos políticos, lembrava

[…] os condenados por sequestro, responsáveis por mortes de agentes de


segurança dos diplomatas e pelo assassinato de um motorista de táxi que
reagira ao roubo de seu carro. […] O governo não podia ceder, até porque
tinha compromisso com o seu “público interno”, como militares e civis que
correram risco iminente de vida no combate ao terrorismo e não entendiam
a anistia irrestrita […].110

Naturalmente, não se poderia tomar a expressão “público interno”


como referida ao conjunto dos militares. Um expressivo segmento da
massa militar atingido pelos atos repressivos do regime ditatorial deve-
ria ser excluído do projeto de anistia do governo. Já havia quem come-
çasse a se mobilizar contra tal hipótese. Em maio de 1979, por exemplo,
foi fundada, no Rio de Janeiro, a União Brasileira dos Ex-Praças de Pré
Atingidos das Forças Armadas, reunindo subtenentes, sargentos, cabos,
marinheiros e soldados em luta pela anistia.111 Além do mais, talvez a
alegada preocupação com o “público interno” devesse ser matizada. Afi-
nal, o próprio Superior Tribunal Militar (STM), elemento mais alto da
pirâmide repressiva no âmbito jurídico do regime, parecia não constituir,
necessariamente, um óbice a uma modalidade ampla de anistia. Segundo
um jornalista:

tanto do bloco socialista ‒ Tchecoslováquia, República Democrática da Alemanha, URSS,


Iugoslávia, Hungria, Bulgária ‒ como do capitalista ‒ República Federal da Alemanha, Itália,
Espanha e Reino Unido ‒ adotaram leis que conferiam ao Estado a faculdade de suspender
direitos e garantias individuais a pretexto de combater atos políticos ambiguamente defi-
nidos como “terroristas”. LEITE FILHO, Jaime de Carvalho. Anotações e reflexões sobre o
terrorismo de Estado. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2002. A propósito, consultar FRAGOSO, Heleno. Terrorismo e cri-
minalidade política. Rio de Janeiro: Forense, 1981; e SILVA, Carlos Augusto Canedo Gonçal-
ves da. Crimes políticos. Belo Horizonte: Del Rey, 1993.
110
PASSARINHO, Jarbas. Um híbrido fértil, p. 486-487. Um acompanhamento detalhado
da discussão parlamentar do projeto de anistia se encontra em FICO, Carlos. A negociação
parlamentar da anistia de 1979 e o chamado “perdão aos torturadores”. Revista Anistia Po-
lítica e Justiça de Transição, Brasília, Ministério da Justiça, n. 4, p. 318-333, jul./dez. 2010.
111
Movimento, n. 204, 28 de maio/3 de junho de 1979, p. 3.
A anistia como tática do regime 381

A preocupação com o caso específico dos militares punidos foi, de fato,


muito grande durante todas as articulações visando chegar ao atual projeto
de anistia. Atribuiu-se inclusive ao STM uma nítida posição em favor da
revisão processual e contra a anistia exatamente em função da proximidade
que algum ministro daquele Tribunal tem com o problema na esfera militar.
Mas em conversa informal juízes do STM esclareciam nos últimos dias que
o STM não seria contrário à anistia, assim como não seria favorável à anis-
tia. O general Dilermando Gomes Monteiro, ex-comandante do II Exército,
é [sic] quem melhor sintetizou a posição do Tribunal: “O STM não se ma-
nifesta politicamente e a questão de ser contra ou a favor da anistia é um
problema do governo e um assunto eminentemente político”. […]
Pode-se dizer mesmo que uma tendência que continua vigorando no STM é
da interpretação branda, procurando facilitar ao réu a totalidade de recursos
colocados à sua disposição. Acontece que o STM está vivendo uma situação
que poderia se chamar de caos jurídico. Os crimes que estão sendo julgados
no Tribunal foram cometidos no tempo em que vigorava o AI-5 e todos os atos
complementares dele decorrentes. Extinto o AI-5, foram extintos também os
decretos complementares. No entanto, de acordo com a legislação vigente, os
crimes devem ainda ser julgados à luz das normas estabelecidas anteriormente.
O STM tem procurado sempre julgar à luz da nova lei de Segurança Nacio-
nal. Ocorre que a nova lei não prevê alguns atos considerados crimes até a
sua entrada em vigor. Como julgar estes crimes?
[…] Uma postura branda, como a que vinha sendo adotada pelo STM, é
mesmo um dado importante no emaranhado político-jurídico-militar que
se montou em torno da anistia.
Pelo lado do governo, e até em certos acampamentos oposicionistas, essa
anistia restrita que vem aí poderá ter efeitos razoavelmente práticos se for
somada ao abrandamento das penas dos não anistiados e à concessão de
medidas tipo liberdade condicional. Mesmo sem anistia ampla e irrestrita,
as cadeias se esvaziarão, ainda que a médio prazo.112

Diante da disseminação da notícia de que seriam excluídos da anistia


que o governo pretendia conceder aqueles que haviam pegado em armas
contra o regime, porque eram terroristas, o jornal do MR-8 considerava a

PINTO, Tão Gomes. A brevidade acoplada à possibilidade. IstoÉ, 30 de maio de 1979, p.


112

11-12.
382 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

acusação um ato de cinismo e perguntava: quem são os terroristas? Depois


de longa descrição dos opositores e dos agentes do regime militar, concluía:
“Quem são os terroristas, portanto? Os homens e mulheres que se armaram
para enfrentar esse regime criminoso ou a ditadura que, armada até os den-
tes, está esmagando nosso povo?”.113
Ao comentar o projeto que o governo estaria redigindo, D. Paulo Eva-
risto Arns, arcebispo de São Paulo, colocou a anistia ampla e irrestrita
como condição para fazê-la também recíproca: “Se realmente não anis-
tiarem aqueles que cometeram crimes de sangue, então os torturadores
não devem ser perdoados”.114 No início do ano, o bispo da Região Leste de
São Paulo, D. Angélico Bernardino, já defendera a anistia ampla e incon-
dicional, desde que recíproca, “pois se abusos houve da parte dos cida-
dãos, tivemos também incríveis abusos das torturas, com vítimas fatais e
escândalos administrativos. É preciso que haja uma reconciliação ampla e
total para que, terminada a noite escura, possamos olhar para o futuro”.115
Às vésperas da definição do projeto do governo, os adeptos da anistia
restrita faziam carga cerrada no Congresso. Na sessão de 6 de junho, o de-
putado Bezerra de Melo (Arena-SP) apoiou a proposta de anistia apenas
“aos cassados pela Revolução de março de 1964”.116 Duas semanas depois,
foi a vez do deputado Alexandre Machado (Arena-RS) se declarar contrário
ao benefício para os que, “embora tendo por objetivo fins políticos, pratica-
ram atos como sequestros, assassinatos ou assaltos”.117
Nos dias 29 e 30 de maio, a Comissão Executiva Nacional dos Movimentos
pela Anistia se reuniu em Salvador para preparar o III Encontro das Entidades
de Anistia, previsto para realizar-se no Rio de Janeiro.118 A data foi escolhida
para coincidir com a realização, também na capital baiana, do XXXI Congres-
so da União Nacional dos Estudantes (UNE), e apoiá-lo. Também nessa época,
começaram as providências para a realização, na Europa, da conferência inter-
nacional sobre anistia e democracia no Brasil, aprovada no Congresso Nacio-
nal pela Anistia a partir de proposta do senador italiano Lelio Basso. Imediata-
mente, foi divulgado um chamamento à realização do encontro.

113
Unidade Proletária, ano V, n. 33, p. 3, junho de 1979.
114
O Globo, 13 de junho de 1979.
115
O Globo, 4 de janeiro de 1979.
116
Câmara dos Deputados..., sessão em 6 de junho de 1979.
117
Câmara dos Deputados..., sessão em 20 de junho de 1979.
118
Anistia, n. 5, maio/junho de 1979, p. 2.
A anistia como tática do regime 383

Notícias frequentes vindas do Brasil indicam que a pressão por uma anistia
geral, ampla e irrestrita ganha cada vez maior importância, tendo mesmo
levado o regime militar a prometer uma anistia parcial e restrita.
As crescentes mobilizações pela liberdade de expressão, de organização po-
lítica e sindical, pelo direito de greve etc. levaram o regime a uma resposta
semelhante: concessões secundárias, modificações formais nos instrumen-
tos do poder e a manutenção do sistema arbitrário que já dura quinze anos.
Poderes excepcionais continuam à disposição do novo general-presidente,
ex-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), organismo capital do
aparelho repressivo, responsável por milhares de assassinatos, desapareci-
mentos e torturas, que continua intacto e ativo.
As brutalidades do governo brasileiro, repetidamente condenadas pela opi-
nião pública internacional, encontraram uma permanente resistência dos
mais variados setores da população. Nos últimos cinco anos, a coalizão de
forças populares e democráticas derrotou repetidamente os representantes
governamentais, nas eleições organizadas e controladas pelo regime.
Enquanto importantes setores da Igreja Católica representaram um firme
baluarte de apoio às lutas populares, os trabalhadores souberam reorgani-
zar-se, desafiando a interdição do direito de greve, e constrangeram a dita-
dura a fazer concessões.
Mais do que nunca, todos aqueles que se preocupam com a liberdade e o
respeito os direitos dos homens e dos povos devem somar os esforços para
denunciar as novas ameaças do regime brasileiro e apoiar o movimento
popular e democrático, que luta no Brasil pelo fim da ditadura.
Respondendo aos apelos dos mais amplos setores da oposição no Brasil e no
exílio, nós, abaixo assinados, chamamos à realização de uma Conferência
Internacional pela Anistia e pelas Liberdades Democráticas no Brasil, nos
dias 28, 29 e 30 de junho, em Roma, sob o patrocínio da Liga Internacional
dos Direitos dos Povos.119

119
O documento foi assinado por figuras significativas na Europa e na América Latina, den-
tre elas Joop Den Uyl (ex-primeiro ministro e então líder da bancada do Partido do Traba-
lho no Parlamento Holandês), Alfred Kastler (francês, detentor do prêmio Nobel de Física),
Sean Mac Bride (prêmio Nobel da Paz), Noam Chomsky (linguista e conhecido intelectual
crítico do imperialismo e das ditaduras), Gabriel García Márquez (escritor colombiano) e
Giulio Carlo Argan (historiador e teórico da arte e prefeito de Roma). “Conferência interna-
cional pela anistia e democracia no Brasil”, CBA-SP, [1978].
384 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

De volta à Itália, o senador Lelio Basso lançou publicamente a ideia em


entrevista coletiva concedida à imprensa europeia. Depois de discutida a pro-
posta pelos comitês de anistia no Brasil e no exterior, foi oficializado que o
evento aconteceria em Roma, no período de 28 a 30 de junho de 1979.

3.4 O projeto do governo

Não seria razoável supor que a resistência oferecida por Geisel à anistia
tenha sido superada por Figueiredo como uma decisão pessoal. Ao menos
publicamente, pronunciamentos de parlamentares governistas já vinham
indicando que o problema frequentava as discussões dos estrategistas po-
líticos do regime. Embora se possa objetar um provável interesse político
em dissociar a aceitação da ideia de anistia das pressões de setores oposi-
cionistas, é indiscutível que houve coerência entre o método − gradualismo
− com que a medida foi preparada e o estilo da transição de regime em
andamento. No depoimento de alguém que teve participação importante
no encaminhamento da questão:

Nas reuniões do grupo restrito do Conselho Político, preparou-se o prosse-


guimento da fase seguinte, a dar-se logo no começo do governo Figueiredo,
que compreendia a reforma partidária com a quebra do bipartidarismo e a
anistia, que seriam objeto de discussões emocionais.
A anistia fora demoradamente estudada […].
O gradualismo, planejado como se fosse uma operação de Estado-Maior,
deveria prosseguir pela anistia e a reformulação partidária.120

Já no caso dos militares, a hipótese de reintegração se encontrava prati-


camente descartada desde o anúncio da elaboração do projeto. A justifica-
tiva do governo era a de que,

[…] na carreira militar, as promoções exigem, a cada passo, uma nova qua-
lificação do oficial. Assim, por exemplo, só pode passar a major o capitão
que tiver feito o curso da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Então,

PASSARINHO, Jarbas. Um híbrido fértil. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1996. p.


120

464 e 482.
A anistia como tática do regime 385

como saber qual a qualificação atual de um tenente demitido em 1964?


Para os militares afastados por atos institucionais, cujas mulheres recebem
pensões como se fossem viúvas, a anistia consistirá, na prática, em sua pro-
moção ao mesmo posto de seus colegas de turma que permaneceram na
ativa – até a patente de coronel – em sua passagem à reserva remunerada.121

Em suma, os militares cassados deixariam de ser mortos-vivos. Passa-


riam a receber suas pensões pessoalmente, reajustadas de acordo com as
promoções suspensas durante o período de alijamento. Tais formulações
do ainda oficioso projeto desencadearam reações contrárias em meio aos
atingidos oriundos da caserna e, principalmente, em meio aos funcionários
públicos civis. Muitos professores universitários, pesquisadores e cientistas
repudiaram a necessidade de requererem suas reintegrações, entendendo a
medida como uma espécie de pedido de desculpas ao governo. Para eles, a
reintegração deveria ser imediata, incondicional, sem requerimento e sem
restrições.122
Nos dias 3 e 4 de junho, líderes sindicais, cerca de cinquenta deputados
do MDB e intelectuais realizaram em São Bernardo do Campo (SP) um
encontro político que aprovou, entre outras reivindicações, a exigência de
anistia ampla, geral e irrestrita.123 Na Câmara, em sessão no dia 4, o depu-
tado Fernando Lira (MDB-PE) informou aos seus pares sobre o Encontro,
destacando pontos da declaração então firmada que consignavam o repú-
dio a “qualquer forma de extinção do MDB e ao pluripartidarismo impos-
to”.124 No dia seguinte, o deputado Modesto da Silveira (MDB-RJ) criticou
a proposta de anistia restrita apenas aos atingidos por “leis de exceção”,
argumentando que a Lei de Segurança Nacional era uma lei de exceção e
que a exclusão dos acusados de crimes violentos não encontrava preceden-
te na história brasileira. Na mesma sessão, o deputado Antônio Carlos Rosa
Flores (MDB-RS) assinalou a importância da reunião de São Bernardo do
Campo, principalmente pela “aproximação das lideranças operárias com a
oposição popular no Parlamento e com os demais setores de oposição da
sociedade brasileira”, pela manifestação de repúdio ao bipartidarismo e ao

121
Veja, 6 de junho de 1979, p. 22-23.
122
Veja, 27 de junho de 1979, p. 22.
123
Unidade Proletária, junho de 1979, p. 3. Esta foi, provavelmente, a primeira manifestação
pública de lideranças sindicais expressivas em favor da anistia política.
124
Câmara dos Deputados..., sessão em 4 de junho de 1979.
386 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

pluripartidarismo imposto e defesa da anistia ampla e da convocação de


uma assembleia nacional constituinte.125
A extinção do bipartidarismo se tornava um dos eixos da discussão po-
lítica proposta pelo MDB. Na sessão de 11 de junho, o deputado Ademar
Santillo (MDB-GO) destacou as reuniões que o partido vinha realizando nos
estados para encontrar meios de se opor às reformas políticas do governo, em
especial a partidária, e de incrementar a luta pela anistia ampla, geral e irres-
trita e pela convocação de uma assembleia nacional constituinte. Na mesma
sessão, o deputado Fernando Coelho (MDB-PE) também criticou a refor-
ma partidária do governo, acusando-o de pretender “extinguir o MDB como
meio de impedir o crescimento da oposição no sistema do bipartidarismo”,
e a sua proposta de anistia, que serviria para “reduzir o impacto negativo
da extinção dos partidos e da prorrogação dos mandatos municipais”.126 Na
sessão do dia seguinte, Ademar Santillo bateu na mesma tecla, afirmando-se
descrente das “intenções do governo de reconduzir o país à plenitude demo-
crática” e apontando a anistia, a prorrogação do prazo de permanência dos
diretórios municipais e o adiamento das eleições municipais como “medidas
casuísticas que visam à reciclagem do sistema no poder”.127
Nos dias 16 e 17 de junho, aconteceu no Rio de Janeiro uma reunião para
formar-se um Conselho Nacional pela Anistia, promovida pelo MFPA e pelo
CBA como preparação para o II Encontro Nacional pela Anistia. Estiveram
presentes, além de representantes das duas entidades, exilados recém-chega-
dos do exterior. A reunião foi polarizada pelo projeto de lei de anistia restrita,
prestes a ser apresentado pelo governo ao Congresso. Uma parte dos presentes
assumiu posição contrária ao texto, enquanto outra, que incluía o MFPA-RJ,
optou por aceitá-lo, apresentando emendas que o tornassem mais abrangente
até chegar à anistia ampla, geral e irrestrita, posição finalmente vencedora.128
Desenvolviam-se as discussões, quando quatorze presos políticos do pre-
sídio Milton Dias Moreira, no Rio de Janeiro, entraram em greve de fome
por tempo indeterminado, com o objetivo de chamar a atenção para a ne-
cessidade urgente da anistia. Logo no início do movimento, os presos foram
visitados por parlamentares e membros de entidades defensoras da anistia, os

125
Câmara dos Deputados..., sessão em 5 de junho de 1979.
126
Idem, sessão em 11 de junho de 1979.
127
Idem, sessão em 12 de junho de 1979.
128
Movimento Feminino pela Anistia e Liberdades Democráticas, p. 35.
A anistia como tática do regime 387

quais, juntamente com familiares dos presos, também fizeram, por um dia,
uma greve de fome e uma vigília nas escadarias da Câmara Municipal do Rio
de Janeiro e nas dependências da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).129
Enquanto se reuniam as entidades, os ministros Petrônio Portela, da
Justiça, e general Golbery do Couto e Silva, da Casa Civil, entregavam ao
presidente general João Figueiredo, no dia 17, o anteprojeto de anistia.130
Neste mesmo dia, uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo informava o
ponto de vista de militares cassados sobre as intenções do governo:

Reunindo-se em pequenos grupos, espalhados pelo país, esses militares cas-


sados, oficiais-superiores afastados do serviço ativo logo no início de abril
de 64, há meses vêm discutindo a anistia e tirando conclusões e sugestões.
Assim elaboraram uma série de formulações, que estariam dirigidas às forças
democráticas que, de acordo com as análises feitas, devem considerar os se-
guintes pontos: 1) A anistia é uma medida política essencial. Está acima das
pessoas beneficiadas, transcende-as; 2) A anistia caracteriza o processo de
redemocratização, que será proporcional e decorrente de seus termos: uma
anistia discriminatória representa mutilação grave naquele processo, repre-
senta limitação nele e exigirá, desde logo − uma vez que as vítimas do regime
são por ele divididas em seus direitos − a continuação da luta pela ampliação
da anistia restrita. O problema continuará no palco; 3) A lei não pode admitir
restrição: os que foram processados, condenados e punidos por crimes po-
líticos em tribunais de exceção (políticos, portanto) não podem agora ficar
na situação de réus de crimes comuns. É um insulto à equidade tratar como
criminosos políticos (inclusive para punir com rigor maior) e negar anistia
como criminosos comuns a beneficiários da lei; 4) A lei não pode admitir re-
gulamentação que permita tratar cada caso separadamente e ao sabor de seus
executantes e da conjuntura; o regulamento cria condições para restringir o
alcance da lei e permite transacionar a sua aplicação. Tem, por isso e além de
tudo, um conteúdo de corrupção política inequívoca; e 5) A pacificação da
família brasileira depende da anistia ampla, geral e irrestrita. Os que se colo-
cam pelas discriminações e regulamentações não querem aquela pacificação.
Querem a continuação do ódio, do arbítrio e da divisão entre os brasileiros.131

129
Ibidem.
130
Brasil dia a dia, p. 117.
131
LAGOA, Ana. Anistia parcial é arma política. Folha de S. Paulo, 17 de junho de 1979, p. 7.
388 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Ainda segundo a matéria,

Do ponto de vista do regime vigente, no propósito de ampliar sua base po-


lítica, a anistia − iniciativa do Executivo − representa um instrumento pre-
cioso: ao reservar-se a iniciativa do projeto e as condições de transformá-lo
em lei, o regime utiliza esse instrumento como um meio. Daí as discrimi-
nações que se propõe estabelecer e o cuidado em tratar separadamente das
diversas áreas e pessoas, com algumas transacionará, com outras discrimi-
nará. Ao tratar cada caso separadamente, o regime retém o alcance da lei e
regulará a sua aplicação de acordo com as suas conveniências, até mesmo as
conjunturais. No fundamental, conserva a sua força e divide a oposição. Ao
longo do processo, o regime usará a anistia, já no nível de regulamento da
lei, como arma política − e dosará a sua aplicação.

Em fins de junho de 1979, o projeto de anistia encomendado a Petrô-


nio Portella já se encontrava pronto. Teria, então, que passar pelo exame
do Conselho de Segurança Nacional e, em seguida, seria encaminhado ao
Congresso, que estabeleceria uma comissão para analisá-lo a fim de que
fossem apresentadas emendas. O projeto não agradou aos movimentos
pela anistia. Do exterior, um deputado cassado expressou a sua visão crítica
em carta a um dirigente do MDB:

Meu caro Ulysses,


O regime anuncia para os próximos dias o envio ao Congresso de um proje-
to de anistia. Embora apenas um primeiro passo para a reintegração à vida
brasileira dos presos e exilados, essa anistia restrita provavelmente me be-
neficiará. Poderei, após a sua aprovação, reincorporar-me à luta, que à dis-
tância procurei ajudar, por melhores condições de vida para o nosso povo e
pela reconquista da plenitude dos seus direitos políticos e civis. No entanto,
ainda do outro lado do mar, não queria deixar de manifestar previamente o
meu apreço pela maneira corajosa e persistente com que você, juntamente
com tantos outros companheiros do MDB, tem lutado para alcançar esses
objetivos, cujos primeiros resultados parecem estar iminentes. Sei bem que
muito há ainda a conquistar. Sei bem que os instrumentos de exceção e um
aparelho repressivo antidemocrático continuam à disposição do regime. Sei
também que grande parcela do que já se obteve no sentido da redemocrati-
zação do país e do que se obterá no futuro é fruto da maior organização de
A anistia como tática do regime 389

classes e camadas sociais, através de lideranças sindicais, profissionais, es-


tudantis e religiosas que não se deixaram abater. No entanto, se o presidente
do MDB não tivesse dado a sua contribuição constante para transformar
em instrumento político da redemocratização o que fora imaginado como
mero instrumento de legalização do arbítrio, o pouco que já se obteve po-
deria ser menos ainda e as forças sociais organizadas teriam dificuldades
ainda maiores para fazerem ouvir as reivindicações de suas bases.
Espero poder em breve abraçá-lo pessoalmente. Até lá receba o respeito e
a amizade do seu,
Márcio Moreira Alves.132

Para combater o projeto do governo, o CBA divulgou, por intermédio da


sua seção fluminense, um relatório contendo nomes de pessoas mortas e de-
saparecidas por razões de segurança desde o ano de 1964.133 Também setores
do MDB permaneciam assestando petardos contra o projeto no Congresso.
Na sessão de 19 de junho, o deputado Edson Khair (RJ) conclamou a oposi-
ção a unir-se contra o projeto de anistia parcial e pela conquista de “um con-
junto de liberdades que caracterizem um novo regime político, aberto, demo-
crático e com ampla participação popular”. Alertava, ainda, para que nunca
se esquecesse de que “o sistema, ao impedir a instituição da CPI-Torturas,
anistiou todos os seus agentes que agrediram os direitos da pessoa humana
neste país”, razão pela qual o MDB não podia “arrefecer sua luta em prol da
anistia ampla, geral e irrestrita de seus mortos, encarcerados e exilados”.134 No
dia seguinte, o deputado Celso Peçanha, igualmente do Rio de Janeiro, instou
o general Figueiredo a conceder a anistia ampla, geral e irrestrita, destacando
a “conveniência do ressarcimento dos prejuízos causados aos funcionários e
empregados demitidos ou aposentados por atos e leis de exceção” e a neces-
sidade de que a medida possibilitasse “não só a reintegração funcional dos
cidadãos punidos, como também a regularização da situação destes junto à
Previdência Social, para efeito de aposentadoria”. O deputado Marcelo Cer-
queira (RJ) foi além, classificando de “pobre” o programa político “que objeti-
va apenas a ampla anistia e a convocação de uma Assembleia Nacional Cons-

132
Guia de Fontes do CPDOC (A anistia política de 1979). UG cd1979.03.29 / Pasta II. DOC
2 / Lisboa, 19 de junho de 1979.
133
Veja, 20 de junho de 1979.
134
Câmara dos Deputados..., sessão em 19 de junho de 1979.
390 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

tituinte”, que não eram, a seu ver, os únicos caminhos necessários à superação
do regime autoritário que domina o país”.135 Na sessão do dia 21, o deputa-
do Fued Dib (MG) criticou o projeto político do governo, cuja proposta de
abertura considerou “vaga e indefinida” e destinada a “perpetuar no poder o
sistema político-social vigente, sob o predomínio nocivo das multinacionais”,
o que se evidenciaria pela preservação da “figura dos senadores biônicos” e
da “Lei Falcão”, o adiamento das convenções partidárias, a prorrogação dos
mandatos dos prefeitos e vereadores, a concessão de anistia parcial e a extin-
ção dos partidos políticos, “medida esta destinada a impedir o aumento da
densidade eleitoral do MDB nas próximas eleições, o que propiciaria uma
futura alternância do Poder”.136
Já a cúpula da Igreja Católica, que, como tem sido visto, cumpria impor-
tante papel na negociação política entre o regime e a oposição, mantinha-se
indefinida em relação ao projeto do governo. D. Paulo Evaristo Arns, arce-
bispo de São Paulo, defendia que se aceitasse o projeto do governo, porque
significaria a reintegração de, pelo menos, cinco mil pessoas à sociedade,
mas ressalvava: “Não se deve é anistiar os torturadores, porque temos cen-
tenas deles que foram reconhecidos, temos os processos. Se não se pode jul-
gar a todos, não se pode perdoar a todos”. No seu entendimento, o governo
deveria instaurar processos públicos para apurar o ocorrido “nos porões
dos DOI-CODIs, DOPS e quartéis do Brasil”.137 Às vésperas da votação do
projeto, o padre voltaria a defender a anistia irrestrita: “A Igreja entende
que a reconciliação total138 é indispensável para que não sobrem restos que
possam gerar vinganças. Portanto, a anistia ampla, geral e irrestrita é a so-
lução e não significa aval para nenhum crime cometido”.139
O secretário-geral da CNBB, D. Luciano Mendes de Almeida, por sua
vez, manifestava-se a favor de uma “anistia sem excluídos”, uma “anistia
sem restos”, o que incluía a defesa da extensão do benefício aos agentes do

135
Idem, sessão em 20 de junho de 1979.
136
Idem, sessão em 21 de junho de 1979.
137
O Globo, 11 de julho de 1979.
138
Que incluiria, pode-se depreender, com base em pronunciamentos anteriormente cita-
dos, a “anistia recíproca”, isto é, beneficiando, também, agentes do Estado que viessem a ser
denunciados por violações de direitos humanos no tratamento concedido aos presos políti-
cos. Da mesma maneira, deixava aberta a porta para a exclusão de autores de “crimes”, como
estavam sendo caracterizadas ações que haviam resultado em “sangue”.
139
Jornal do Brasil, 12 de agosto de 1979. Grifos meus.
A anistia como tática do regime 391

Estado envolvidos com violências contra presos políticos. Imbuído de uma


fé otimista quanto a uma possível regeneração dos acusados de práticas
violentas contra presos políticos, defendia a “anistia recíproca”:

Antes de tudo, a anistia não deve deixar ressentimentos e, portanto, não


pode suportar “restos”. De uma forma concreta, isso significa: em primeiro
lugar, que as pessoas que incorreram em culpa não só recebam a anistia,
mas mudem o seu comportamento; as pessoas que exerceram com exor-
bitância a repressão, que modifiquem, igualmente, o seu comportamento e
que se tornem dignos dessa anistia. […] Aqueles que cometeram crimes e
que não foram condenados − no caso dos torturadores ‒ devem sentir, em
primeiro lugar, o peso da própria consciência que os obriga a uma recupe-
ração; em segundo lugar, terão o peso da opinião e da consciência popular,
que exige deles uma mudança de comportamento e devem sentir a necessi-
dade de recuperar o tempo perdido no serviço a seu irmão.140

Por sua vez, o presidente da entidade, D. Ivo Lorscheiter, alinhava-se


abertamente com a anunciada posição que o governo adotaria, sustentan-
do que a Igreja defendia uma “anistia sem adjetivos, mas, quando se trata
de crimes comuns é que é o problema, e isso não podemos defender”.141
O seu vice-presidente, D. Clemente Isnard, tinha uma opinião relativista
que, também, desaguava na defesa da “anistia recíproca”. A anistia, para
ele, apresentava dupla face: em relação a uns − os cassados e banidos, por
exemplo −, era reparação; em relação a outros − como os torturadores −,
era perdão. Embora lembrando que a Igreja também fazia distinção entre
pessoas condenadas por “simples atividades políticas” e aquelas que “come-
teram crimes comuns, mesmo com objetivos políticos”, frisava que não via
o governo beneficiando “os responsáveis pela repressão e torturas que ocor-
reram no país nos últimos anos”: “Enquanto não ocorrer a prescrição das
penas previstas no Código Penal, essas pessoas poderão ser incriminadas e
condenadas e, caso isso venha a ocorrer, por certo não serão anistiadas”.142
Em fins de junho, segundo a imprensa, tinha-se como certo que o gene-
ral João Figueiredo ampliara o anteprojeto de anistia formulado por Petrô-

140
Folha de S. Paulo, 24 de junho de 1979.
141
Jornal do Brasil, 24 de junho de 1979; O Globo, 25 de junho de 1979.
142
Jornal de Brasília, 28 de junho de 1979; O Globo, 28 de junho de 1979.
392 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

nio Portela, para quem a proposta do governo seria “100 vezes melhor” do
que a emenda constitucional apresentada pelo MDB, que conteria discri-
minações e incongruências.143 No dia 26, finalmente, o ministro da Justiça
apresentou a líderes da Arena o anteprojeto de lei de anistia. O Globo teve
acesso ao texto e publicou-o no dia seguinte. Contudo, a versão apresenta-
da ao Congresso a 27 de junho era diferente em vários pontos da divulgada,
com destaque para o Parágrafo 2º do Art. 1º: onde, na primeira versão,
era dito que se excetuavam “dos benefícios deste artigo os que, atentando
contra a segurança nacional, foram condenados pela prática de crimes de
sequestro, assalto e terrorismo de que resultou morte”, o anteprojeto apre-
sentou a seguinte redação: “Excetuam-se dos benefícios da anistia os que
foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro
e atentado pessoal”. O jornal concluiu que, com essa alteração, ficava mais
restrita a abrangência da anistia, já que todos os condenados pelos crimes
listados no artigo seriam excluídos do benefício, mesmo que seus atos não
tenham resultado em morte. Ainda segundo o jornal, o governo admitia
que os excluídos poderiam ser beneficiados por indulto no fim de ano.144
Tornado público o projeto, a discussão deixou de ser apenas especulati-
va para focar em pontos concretos. O deputado Ulisses Guimarães (MDB-
-SP), na qualidade de presidente do MDB, começou a receber pressões e
pedidos de todas as naturezas. Muitos, na forma de correspondências, estão
depositados no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contem-
porânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas,145 e ilustram o
que estava em jogo. Eis alguns exemplos.

Aerograma enviado pela Comissão de Representantes de Subtenentes, Su-


boficiais, Sargentos, Cabos, Soldados e Marinheiros atingidos por atos do
movimento militar de 64 a Ulisses Guimarães, parabenizando o MDB pela
proposta oficial de anistia ampla, geral e irrestrita entregue ao presidente do
Congresso Nacional.146

143
Jornal do Brasil, 28 de junho de 1979.
144
O Globo, 28 de junho de 1979.
145
Guia de Fontes do CPDOC (A anistia política de 1979). UG cd1979.03.29 / Pasta I e UG
cd1979.03.29 / Pasta II.
146
Na sessão da Câmara em 27 de junho, os deputados Gilson de Barros (MDB-MT) e Edson
Kahir (MDB-RJ) leram um manifesto de subtenentes e sargentos atingidos pelo regime ditatorial
em que se argumentava que “os movimentos aparentemente políticos em que estiveram envol-
A anistia como tática do regime 393

Carta escrita por Odilon Ferreira de Carvalho a Ulisses Guimarães, em 27


de junho de 1979, reivindicando anistia que também favoreça os operários
demitidos pela Revolução de 64. O remetente informa que muitos operá-
rios já estabilizados perderam seu emprego devido ao golpe de 64. Cita o
exemplo da Companhia [Siderúrgica] Belgo-Mineira, que demitira mais de
sessenta operários em nome da Revolução e pede que a anistia garanta a re-
integração desses trabalhadores, “com o salário correspondente aos de seus
companheiros que lá ficaram e que este tempo parado deve ser incluído no
INPS para a aposentadoria”. E conclui: “Esperamos que nós, verdadeiros
construtores desta pátria, não sejamos esquecidos”.
Carta enviada por Ruy Corrêa da Costa a Ulisses Guimarães, em 28 de ju-
nho de 1979, solicitando que apresente uma emenda ao projeto de anistia,
garantindo aos funcionários que ficarão, ou serão obrigados a ficar, como
aposentados, todas as atuais vantagens dos cargos.
Carta enviada a Ulisses Guimarães por Jacob Everlan, presidente do Sin-
dicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias do Rio de Janeiro, em
13 de julho de 1979, pedindo informações sobre as resoluções propostas
pelo projeto de anistia em relação aos casos dos trabalhadores regidos pela
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e empregados em empresas de
economia mista demitidos com base no Ato Institucional n. 1 (AI-1).
Declaração sobre a anistia, emitida pela Associação de Defesa dos Direitos
e Pró-Anistia dos Atingidos por Atos Institucionais (AMPLA) e enviada a
Ulisses Guimarães em 20 de julho de 1979. A AMPLA, fundada quinze dias
antes no Rio Grande do Sul, critica o caráter do projeto de lei proposto pelo
governo, que por ser “discriminatório, limitado e restritivo” acabará por
acarretar uma democracia de iguais características. O documento defende
a anistia ampla, geral e irrestrita, define os membros da luta armada como
indivíduos de “nobres sentimentos patrióticos” que reagiram com “energia
contra as instituições”, e exige a reintegração dos atingidos pelos atos de
exceção, assim como reparação dos prejuízos morais, políticos e materiais.
Carta enviada a Ulisses Guimarães pelo Sindicato dos Trabalhadores nas In-
dústrias Metalúrgicas Mecânicas e de Material Elétrico de Niterói e Itaboraí

vidos eram, na realidade, um processo reivindicatório, em favor das classes a que pertenciam”
e manifestava-se preocupação com as comissões que, segundo dispunha o projeto de anistia do
governo, iriam estudar os pedidos de reincorporação dos militares anistiados. Jornal de Brasília,
28 de junho de 1979, p. 5, e Câmara dos Deputados..., sessão em 27 de junho de 1979.
394 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

(RJ), em 23 de julho de 1979, abordando a questão da reintegração dos tra-


balhadores de empresa de economia mista, demitidos pelo Ato Institucional
de 9 de abril de 1964 (AI-1). A entidade entende que a demissão decorreu de
um erro técnico e, por isso, defende o projeto do deputado Marcelo Linhares
(Arena-CE), que propõe, não a anistia, mas a revisão da falha.
Telegrama enviado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil-SP, em 7 de agosto
de 1979, reafirmando sua posição pela anistia ampla, geral e irrestrita e concla-
mando à extinção das limitações do projeto elaborado pelo Poder Executivo.
Telegrama enviado a Ulisses Guimarães pelo presidente do Sindicato da clas-
se [sic] ferroviária, em 10 de agosto de 1979, solicitando que fique expressa na
lei de anistia a questão dos trabalhadores regidos pela CLT e empregados em
empresas de economia mista, como a Rede Ferroviária Federal S.A.
Telegrama enviado a Ulisses Guimarães por Sérgio Weigert, presidente do
Conselho Político do Setor Jovem do MDB/RS, em 13 de agosto de 1979,
solicitando que o MDB rejeite o projeto de anistia parcial do governo.
Documento elaborado pelo Instituto dos Advogados do Brasil (IAB) sobre
a questão da anistia, encaminhado a Ulisses Guimarães em 15 de agosto de
1979. O texto sustenta que a anistia deve abranger aqueles que, movidos por
um ideal político, pegaram em armas, que a anistia é injusta quando inclui
os “terroristas” não condenados e exclui aqueles cujos processos foram con-
cluídos, o que gera um enfraquecimento do Poder Judiciário, pois premia
os que ficaram fora de seu alcance, além de contrariar o princípio constitu-
cional da isonomia, e defende a anistia ampla, geral e irrestrita.
Carta (sem data) de repúdio ao projeto de anistia parcial do Governo, ela-
borada pelos CBAs estrangeiros e enviada a “representantes do povo brasi-
leiro” como os sindicatos, União Nacional dos Estudantes (UNE), Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), igrejas e bancada parlamentar do MDB. O
documento reivindica a anistia ampla, geral e irrestrita e repudia o caráter
recíproco do projeto do governo, considerando que beneficiará os tortu-
radores do regime. Assinam a carta os CBAs da Itália, Suécia (Estocolmo,
Gotemburgo e de Lund-Malmö), Noruega, Dinamarca, Holanda e Suíça
(Genebra e Lausanne).
Carta (sem data) enviada pelo Movimento Feminino pela Anistia (MFPA)
a Ulysses Guimarães e assinada por Therezinha Godoy Zerbine e Diana
Mendonça. O MFPA afirma que a anistia deve ser ampla, geral e irrestrita e
que a medida não constitui um fim em si mesmo, mas um primeiro passo
na construção de um processo democrático. No entanto, ao considerar que
A anistia como tática do regime 395

o projeto de anistia restrita do governo constitui o fruto de uma vitória de


quatro anos e meio de luta, conclama o MDB a votar o projeto de anis-
tia do governo, que é considerado como uma etapa do processo.147 Para o
MFPA, a anistia beneficiaria 80 a 90% dos prejudicados pela ditadura, o
que possibilitaria o retorno de muitos exilados e a soltura de vários presos
que engrossariam os setores de oposição e a luta democrática. Realista, o
documento reconhece: “A anistia que o governo vai decretar é a medida
da sua força. Desta forma, seria irreal e absolutamente descabido que nos
arvorássemos em único interlocutor do governo nessa disputa histórica, fa-
lando indevidamente em nome do contingente de atingidos, cujo interesse,
sem dúvida, representamos com nossa luta, mas que de maneira alguma
podemos arbitrar”. O MFPA entendia que os “companheiros da posição de-
mocrática”, sabedores “da responsabilidade histórica que pesa sobre seus
ombros e conscientes do gesto que realizam, não obstruirão o decreto da
anistia do governo, porque seu interesse maior é a felicidade do povo e não
uma inútil e contraditória confrontação”.
Abaixo-Assinado enviado a Ulysses Guimarães, presidente nacional do
MDB:

Caro presidente:
Os abaixo-assinados, presidentes de diretórios distritais e municipais, de-
legados à Convenção Regional e presidentes de comissões provisórias para
constituição de diretórios do Movimento Democrático do Brasil [sic], vêm
através deste expressar a sua crítica ao projeto de anistia recém-assinado
pelo General João Baptista Figueiredo.
Uma anistia que não liberta aqueles que há anos amargam o cárcere por
terem ousado pegar em armas contra o regime de arbítrio imposto ao nosso
povo ‒ e justamente num período que era indisfarçável a face antidemocrá-
tica e ditatorial deste regime148 –, mas que garante a impunibilidade daque-

147
O deputado Freitas Nobre (MDB-SP) também considerou o envio do projeto de lei sobre
anistia ao Congresso “resultado da luta do MDB, das comissões pró-anistia, da Ordem dos
Advogados do Brasil, dos operários, estudantes, profissionais liberais e da Igreja”. Jornal de
Brasília, 28 de junho de 1979, p. 5; Câmara dos Deputados..., sessão em 27 de junho de 1979.
148
O jurista e advogado Heráclito Sobral Pinto, conselheiro da OAB, argumentava de ma-
neira muito sagaz em favor da opinião de que a anistia deveria incluir os acusados de crime
de sequestro: “Os sequestros serviram para soltar muitos presos. Fizeram o papel do habeas
corpus quando ele foi extinto”. Jornal do Brasil, 27 de junho de 1979.
396 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

les que torturaram e mataram acobertados nos porões do poder, em nada


correspondente àquilo por que temos lutado.
Se a anistia do General Figueiredo não é suficientemente ampla para abran-
ger os crimes políticos daqueles que se sublevaram contra um regime im-
posto pela força das armas, mas o é para abranger os crimes conexos da-
queles que o defenderam,149 longe de ser um ato de conciliação nacional,
ela passa a ser um expediente muito suspeito, tão suspeito quanto a “de-
mocracia” com prorrogação de mandatos, e a “liberdade partidária” com a
extinção dos partidos.150
Porque, na verdade, os opositores do regime contemplados pela “anistia”
nenhum crime cometeram. A nação é testemunha de que Alencar Furtado,
Lisânias Maciel e tantas centenas de outros brasileiros cassados, ante a força
do arbítrio apenas recorreram a palavras, apenas denunciaram a violência,
as torturas, a ilegalidade. E se não cometeram crimes, não devem servir
de anteparo para justificar a absolvição daqueles que, respaldados na força,
violaram os mais elementares direitos da pessoa humana.

A solenidade de assinatura oficial do projeto de anistia pelo presiden-


te general João Figueiredo151 aconteceu no Palácio do Planalto, na tarde
do dia 27 de junho. Estiveram presentes trezentos convidados. Entre eles
não estavam o presidente nacional do MDB, deputado Ulisses Guimarães

149
A esse respeito, o projeto do governo despertou reações polares e taxativas na Câmara dos
Deputados. Do deputado Erasmo Dias (Arena-SP), militar de extrema-direita, por exemplo:
“Não podemos concordar com a concessão de anistia a comunistas-terroristas, bem como
a seus incitadores doutrinários, intelectuais encapuzados, verdadeiros ídolos de barro”. Em
contrapartida, do deputado Benedito Marcílio, líder metalúrgico de Santo André (SP) e liga-
do ao Movimento de Convergência Socialista: “Não podemos aceitar a anistia que restrinja a
participação de determinadas pessoas. Se querem punir os crimes de sangue, então teremos
que achar os responsáveis pelos assassinatos, desaparecimentos e torturas”. Jornal de Bra-
sília, 28 de junho de 1979, p. 5; Câmara dos Deputados..., sessão em 27 de junho de 1979.
150
Na sessão da Câmara em 26 de junho, o deputado Osvaldo Macedo (MDB-PR) condenou
o projeto de anistia do governo, porque o considerava “mera tentativa de permanência do
regime vigente”, empenhado em promover aberturas democráticas “por estar em sérias difi-
culdades econômicas”. Câmara dos Deputados..., sessão em 26 de junho de 1979.
151
Segundo um jornalista, curiosamente, o general João Figueiredo, por descuido ou pre-
caução, assinou o documento com uma caneta preta do tipo “hidrocor”, cuja tinta pode
apagar-se sob o efeito de um pouco de água. Houve quem sentisse falta de uma pena de ouro
para simbolizar a importância do ato. STUMPF, André Gustavo. A manchete frustrada. Jor-
nal de Brasília, 28 de junho de 1979, p. 6.
A anistia como tática do regime 397

(SP), e os líderes do partido no Senado, Paulo Brossard (RS), e na Câmara,


Freitas Nobre (SP), que não aceitaram o convite para assistir ao ato. Ulisses
explicou: “O MDB não foi ouvido, não participou de qualquer maneira da
elaboração do texto do projeto que tanto interessa ao país, por significar a
pacificação nacional”.152 Paulo Brossard e outros senadores oposicionistas
reclamariam, no dia seguinte, que o projeto de anistia fora encaminhado
ao Congresso para apreciação sem que o MDB tivesse sido consultado em
qualquer momento ou, apenas, tivesse conhecimento do texto.
A mensagem que encaminhava o projeto (Mensagem Presidencial nº
191/79, que se tornaria nº 59/79) foi lida pelo senador Jarbas Passarinho em
sessão conjunta do Congresso. Dizia o texto:

Excelentíssimos senhores membros do Congresso Nacional:


Ao dar início às atividades, o Governo anunciou que a anistia haveria de
incluir-se entre suas prioridades do ano em curso.
É que uma nova fase da política brasileira se inaugurava, fazia pouco, com
a vigência da Emenda Constitucional nº 11 e a consequente superação de
um período que requerera procedimentos às vezes traumáticos e de caráter
excepcional.
Incorpora-se, assim, a Revolução à história como um acontecimento irre-
versível que, transformando qualitativamente a sociedade brasileira pelo
alcance de sua obra extraordinária, projeta sobre o futuro um ideário que
há de inspirar muitas gerações.
Em quinze anos, promoveram-se reformas institucionais profundas; atin-
giu-se alto patamar de desenvolvimento econômico; a Nação, na plenitude
da ordem constitucional, toma consciência de que é necessária a mobiliza-
ção geral no sentido de que se aperfeiçoem as estruturas sociais para tor-
ná-las mais democráticas. Constrói-se o regime em que, ao contrário do
passado, a liberdade de todos tenha a garantia nos direitos e deveres de
cada um; em que a lei seja a expressão de uma realidade e não produto de
alienações deformadoras.
Alarga-se o horizonte político, cabendo neste contexto proporcionar opor-
tunidades a todos os brasileiros que pretendam oferecer sua contribuição.
Consideramos ser este o momento propício à pacificação que não importe
na renúncia às lutas partidárias inseparáveis do processo democrático, mas

152
O Globo, 27 de junho de 1979.
398 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

nasça da compreensão patriótica e se traduza em atos de coragem e deter-


minação, em favor das soluções dos problemas brasileiros.
As ideias e os caminhos separam, mas é preciso que a realidade registre
e comprove que as causas da Nação são fatores de união dos brasileiros.
Assim será mais fácil a superação das dificuldades emergenciais opostas à
aceleração do nosso desenvolvimento.
A anistia é um ato unilateral de Poder, mas pressupõe, para cumprir sua
destinação política, haja, na divergência que não se desfaz, antes se reafirma
pela liberdade, o desarmamento dos espíritos pela convicção da indispen-
sabilidade da coexistência democrática.
A anistia reabre o campo de ação política, enseja o reencontro, reúne e con-
grega para a construção do futuro e vem na hora certa.
O projeto tem maior amplitude que os apresentados anteriormente ao Con-
gresso Nacional, a título de sugestão ou como Proposta de Emenda Consti-
tucional, os quais, de forma fragmentária, limitados no tempo e imprecisos
nos termos, atendiam a poucos.
Retroage ao período anterior a 1964 e contempla quantos tenham sido afas-
tados da atividade política por sentença da justiça, ou por ato revolucionário.
O projeto, examinado em cotejo com os antecedentes históricos, ganha em
dimensão, ao atingir extensa área com pleno esquecimento.
Não é abrangido quem foi condenado pela Justiça por crime que não é estri-
tamente político: assim o terrorista, pois ele não se volta contra o Governo,
o regime, ou mesmo contra o Estado. Sua ação é contra a humanidade e,
por isso, repelida pela comunidade universal, que sanciona, como indis-
pensáveis, leis repressivas de que se valem países da mais alta formação de-
mocrática.
A anistia tem o sentido de reintegrar o cidadão na militância política e o
terrorista não foi e não é um político, a menos que se subvertam conceitos
em nome de um falso liberalismo.
Mas o projeto, ainda assim, paralisa os processos em curso até dos que, a
rigor, não estão a merecer o benefício de uma medida de sentido marcada-
mente político. Ao fazê-lo, o Governo tem em vista evitar que se prolon-
guem processos que, com certeza e por muito tempo, irão traumatizar a
sociedade com o conhecimento de eventos que devem ser sepultados em
nome da paz.
É proposta ao Congresso Nacional quando, graças à Emenda Constitucio-
nal n. 11, um grande debate se trava sobre os partidos políticos e o destino
A anistia como tática do regime 399

do bipartidarismo que, historicamente, se impôs, mas que já não atende às


aspirações do eleitorado brasileiro, nem ao anseio de políticos de ambos os
partidos.
Com o multipartidarismo abrir-se-ão novas portas à atividade político-par-
tidária até agora contida pela lei.
O processo de participação assim se amplia, dando conteúdo à democracia,
cuja eficiência dependerá sempre da intensa e harmoniosa relação entre a
lei e o funcionamento das instituições.
O projeto dá anistia a todos quantos cometeram crime político e conexos,
cobrindo um período que começa em 2 de setembro de 1961, data da con-
cessão da última dessas medidas; abrange os que tiveram seus direitos po-
líticos suspensos, bem como todas as categorias de servidores públicos dos
Três Poderes e das esferas federal, estadual e municipal, os militares e os
servidores das fundações vinculadas ao Poder público.
A única exceção foi já objeto de comentários.
Aos anistiados será concedido prazo para requererem retorno à atividade,
através de processo já consagrado nos precedentes semelhantes, quando foi
longo o espaço de tempo de afastamento do servidor.
Os que não forem atendidos ou não exercerem o direito de requerer, terão
o ato determinante do seu afastamento revisto para os acréscimos relativos
à contagem daquele tempo de serviço.
O projeto estabelece prazos para os interessados e as autoridades.
Todos terão seus direitos patrimoniais assegurados perante o Estado, em-
bora o retorno à atividade dependa de vagas, do interesse da Administração
e da verificação de que o afastamento não foi motivado pela improbidade
do servidor.
Estas, as linhas do projeto. Nele é fácil identificar-se a preocupação de abrir
perspectivas a todos os políticos e incluir, sem discriminação, todos os ser-
vidores, qualquer que seja sua posição em face do Estado.
Houve cautela, após tanto tempo recorrido, na disciplina do retorno à ativi-
dade funcional, a fim de não gerar problemas à Administração e à própria
vida de muitos que, com certeza, tomaram outro destino com responsabili-
dades e compromissos pessoais inafastáveis.
Este, senhores congressistas, o projeto de anistia que, com fundamento no
artigo 57, item VI, combinado com o § 2o do artigo 51 da Constituição
Federal, envio à consideração de Vossas Excelências, na convicção de que
pratico um ato significativo e profundo, o ato histórico de anistia, com a
400 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

mesma serena confiança com que, na informalidade da vida cotidiana, es-


tendo a mão a todos os brasileiros.
Brasília, em 27 de junho de 1979.
João B. de Figueiredo 153

Em seguida, o projeto foi lido no Congresso. Dizia o texto:

Art. 1.º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido en-


tre 2 de setembro de 1961 e 31 de dezembro de 1978, cometeram crimes
políticos ou conexos com estes, aos que tiveram seus direitos políticos sus-
pensos e aos servidores da Administração Pública, de fundações vinculadas
ao Poder Público, aos dos Poderes Legislativo e Judiciário e, aos militares
punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.
§ 1.º Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer
natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação
política.
§ 2.º Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela
prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal.
Art. 2.º Os servidores civis e militares demitidos, postos em disponibilida-
de, aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, poderão, nos
cento e vinte dias seguintes à publicação desta Lei, requerer o seu retorno
ou reversão ao serviço ativo:
I - se servidor público civil ou militar, ao Ministro da Justiça;
II - se servidor militar, ao respectivo Ministro de Estado;
III - se servidor da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assem-
bleia Legislativa e de Câmara Municipal, aos respectivos Presidentes;
IV - se servidor do Poder Judiciário, na conformidade do Regimento Inter-
no de cada Tribunal;
V - se servidor de Estado, do Distrito Federal, de Território ou de Municí-
pio, ao Governador ou Prefeito.
§ 1º No caso do inciso I deste artigo, a decisão do Ministro da Justiça será
precedida de audiência do Ministro de Estado a cuja área de competência
estava subordinada ou vinculada a atividade do servidor.
§ 2º. A decisão, nos requerimentos de ex-integrantes dos Policiais Militares

153
Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/verdade/resistencia/livro_congresso_nacio-
nal_anistia_volume01.pdf>. Acesso em: 9 mar. 2014. Grifo meu.
A anistia como tática do regime 401

ou dos Corpos de Bombeiros, será precedida de parecer de comissões pre-


sididas pelos respectivos Comandantes.
Art. 3.º O retorno ou a reversão ao serviço ativo somente será deferido para
o mesmo cargo ou emprego, posto ou graduação que o servidor, civil ou mi-
litar, ocupava na data de seu afastamento, condicionado, necessariamente, à
existência de vaga e ao interesse da Administração.
§ 1.º Os requerimentos serão processados e instituídos por comissões espe-
cialmente designadas pela autoridade à qual caiba apreciá-los.
§ 2.º O despacho decisório será proferido nos centos e oitenta dias seguintes
ao recebimento do pedido.
§ 3.º No caso de deferimento, o servidor civil será incluído em Quadro Su-
plementar e o militar de acordo com o que estabelecer o Decreto a que se
refere o art. 7º desta Lei.
§ 4.º O retorno e a reversão ao serviço ativo não serão permitidos se o afas-
tamento tiver sido motivado por improbidade do servidor.
§ 5.º Se o destinatário da anistia houver falecido, fica garantido aos seus
dependentes o direito às vantagens que lhe seriam devidas se estivesse vivo
na data da entrada em vigor da presente Lei.
Art. 4.º Os servidores que, no prazo fixado no art. 2.º, não requererem o
retorno ou a reversão à atividade ou tiverem seu pedido indeferido, serão
considerados aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, con-
tando-se o tempo de afastamento do servidor ativo para efeito de cálculo de
proventos da inatividade ou da pensão.
Art. 5.º Nos casos em que a aplicação do artigo anterior acarretar proventos
em total inferior à importância percebida, a título de pensão, pela famí-
lia do servidor, será garantido a este o pagamento da diferença respectiva
como vantagem individual.
Art. 6.º Esta lei, além dos direitos nela expressos, não gera quaisquer outros,
inclusive aqueles relativos a vencimentos, soldos, salários, proventos, resti-
tuições, atrasados, indenizações, promoções ou ressarcimentos.
Art. 7.º O Poder Executivo, dentro de trinta dias, baixará decreto regula-
mentando esta lei.
Art. 8.º Esta lei entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.

A oficialização do projeto de anistia do governo desencadeou, imediata-


mente, como era natural, uma avalanche de análises e interpretações. Para
402 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

o jornalista Carlos Chagas, a medida “não foi tão ampla quanto se chegou a
esperar e até a redigir, dias atrás, mas, de outro lado, não tão restrita quanto
certos setores pretendiam”, expressando o embate entre correntes milita-
res no interior do governo. A “linha dura” teria obtido vitórias: a exclusão
dos “condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e
atentado pessoal” (art. 1º) foi vitória do “pensamento castrense mais rígi-
do, vigente no Exército […]”; o não pagamento dos atrasados aos antigos
servidores civis e militares anistiados (art. 6º) “funciona como uma espé-
cie de punição, ou, pelo menos, serve para demonstrar que o passado não
foi completamente apagado para os anistiados. Em termos militares, teria
sido importante essa ressalva”. Por outro lado, as vitórias dos “setores mais
abertos” na área castrense teriam sido: o retorno dos funcionários civis e
militares anistiados ao serviço ativo, “hipótese […] considerada durante
muitas semanas inadmissível, especialmente no Exército, seja pelo cons-
trangimento que poderia causar, seja pelas mudanças e dificuldades criadas
no quadro das promoções para os que se encontram na ativa”.154
O articulista André Gustavo Stumpf, por sua vez, destacou que o caráter
excludente da anistia fizera parte das intenções declaradas do general João
Figueiredo desde “candidato”, mas o texto enviado ao Congresso deixava
uma porta aberta para a sua ampliação:

A palavra-chave para perceber a real abrangência da anistia é condenado.


Estão excluídos dos efeitos do projeto de lei aqueles que foram, efetiva-
mente, condenados pelos tribunais. Quem, mesmo tendo cometido crimes
contra a humanidade,155 foi banido, teve seu processo interrompido. Por
esta razão não foi julgado nem condenado. Está, portanto, anistiado. Este

154
“Novos (e melhores) tempos desde ontem”. Jornal de Brasília, 28 de junho de 1979, p. 2.
155
Ao anunciar que a anistia não incluiria “os condenados pela Justiça Militar em razão da
prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”, o general João Figuei-
redo disse: “Muito meditei sobre esta exclusão. O terrorista, o assaltante, o sequestrador, o
agressor da segurança de pessoas inocentes é criminoso distinto daquele de que se conde-
nam os atos, no estrito domínio político. O terrorista não se volta contra o governo ou o re-
gime. Seu crime é contra a humanidade”. Recebeu uma resposta de conhecido caricaturista:
“Primo Figueiredo. Ontem, às 15 horas, nós o povo decidimos anistiar o governo por todos
os delitos políticos que cometeu nos últimos quinze anos. Só ficarão excluídos aqueles que
cometeram torturas, sequestros e atentados pessoais. Muito meditamos sobre esta exclusão,
mas seus crimes não são políticos, são crimes contra a humanidade. Revogam-se as dispo-
sições em contrário. Abraços do primo, Henfil”. Jornal de Brasília, 28 de junho de 1979, p. 5.
A anistia como tática do regime 403

pequeno truque jurídico se constituiu na válvula de escape para manter o


texto inicial, assegurar o caráter excludente da anistia proposta, mas, a um
só tempo, abrir a perspectiva de beneficiar largo espectro de pessoas dentre
aqueles que inicialmente não receberiam qualquer benefício pela aprovação
do projeto da anistia.156

Jornalistas questionaram o ministro Petrônio Portela sobre a interpre-


tação do artigo 1º do projeto de lei pela qual os envolvidos em violências
contra opositores dos governos militares seriam anistiados, que se tornaria,
mais de trinta anos depois, o eixo do questionamento à própria lei de anis-
tia. O ministro preferiu não comentá-la e defender a tese de que a definição
de “crimes conexos” visava permitir que se incluíssem nos benefícios da
anistia “as pessoas que não praticaram propriamente crimes políticos, mas
por seu envolvimento com os acusados, foram considerados coautores des-
ses crimes”.157
O senador José Sarney (MA), presidente da Arena, defendeu o proje-
to de anistia como o mais amplo possível no momento. Nelson Marche-
zan (RS) e Jarbas Passarinho (PA), líderes do governo, respectivamente,
na Câmara e no Senado, insistiram na tese de que o projeto do governo
era mais amplo do que o do MDB. Para Passarinho, o projeto apresenta-
do pelo deputado Ulisses Guimarães, “por motivos desconhecidos”, excluía
os punidos ou processados antes de 31 de março de 1964 e, se aprovado,
deixaria fora do benefício figuras como Luís Carlos Prestes, secretário-ge-
ral do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Leonel Brizola, ex-governador
do Rio Grande do Sul, Miguel Arraes, ex-governador de Pernambuco, e
Francisco Julião, ex-deputado socialista e ex-líder das Ligas Camponesas.
Em resposta, o senador Paulo Brossard (MDB-RS), embora reconhecendo
que o projeto do governo era bom, apesar de mais restrito do que o de-
fendido pela oposição, criticou o Executivo por “não convocar a minoria
para discutir, preliminarmente, a matéria”, bandeira histórica da oposição.
Já o senador Itamar Franco (MDB-MG) se agradou de tal forma do projeto
que defendeu a sua imediata adoção por meio da convocação extraordiná-

156
“Alívio após a reunião do Conselho”. Jornal de Brasília, 28 de junho de 1979, p. 2. Grifo
no original.
157
Jornal de Brasília, 28 de junho de 1979, p. 7.
404 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

ria do Congresso Nacional.158 A presidente do Movimento Feminino pela


Anistia, Therezinha Zerbine, acolheu o projeto com a ressalva de que não
era a medida desejada, mas dizendo-se feliz, porque uma batalha fora ga-
nha, cabendo reconhecer a atitude positiva do governo: “Temos também a
grandeza de reconhecer que a mão que víamos sempre vazia foi estendida
à conciliação”.159
Os debates no Congresso prosseguiram na sessão conjunta do dia seguin-
te. O deputado Del Bosco Amaral (MDB-SP) pediu a punição dos tortura-
dores, frisando não se tratar de revanchismo, mas de “defesa da aplicação
equânime da justiça”. O deputado Aurélio Peres (MDB-SP)160 aproveitou a
ocasião para denunciar o general Figueiredo por tomar “medidas para dar
continuidade ao regime e institucionalizá-lo” e tentar dividir a oposição. Nes-
te mesmo sentido, pronunciou-se o deputado Audálio Dantas (MDB-SP),161
enfatizando que o envio, pelo Executivo, do projeto de anistia ao Congresso
Nacional “não visa ao cumprimento de promessa eleitoral do presidente da
República, mas objetiva o esvaziamento dos debates nas duas casas legisla-
tivas, garantindo ao Poder Executivo o pleno domínio da questão e a pater-
nidade de uma luta que não é sua”, embora ressalvando que, “apesar de ser
mesquinho no que se refere aos servidores públicos punidos”, o projeto re-
presentava “algum avanço”. O deputado Carlos Alberto (MDB-RN) exortou
a direção do seu partido a “cobrar do governo a responsabilidade pelo desa-
parecimento de numerosos brasileiros”, dando como exemplo o caso de Luís
Maranhão, político comunista do Rio Grande do Norte preso pela polícia
política paulista em 1974 e nunca mais visto. Na mesma sessão, os senadores
Henrique de La Roque (Arena-MA) e Almir Pinto (senador “biônico” pela
Arena-CE) e o deputado Mac Dowell Leite de Castro (MDB-RJ) exaltaram

158
O Globo, 28 de junho de 1979.
159
Jornal do Brasil, 28 de junho de 1978.
160
Operário, membro da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, ex-preso político du-
rante o governo do general Emílio Médici (1969-1974), por ter atuado na Pastoral Operária,
entidade ligada às comunidades eclesiais de base (CEBs) da Igreja Católica. Foi coordenador
do Movimento do Custo de Vida na capital paulista, de 1974 a 1978, quando se elegeu depu-
tado federal. Cf. COSTA, Marcelo. Aurélio Peres. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.).
Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930.
161
Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo de 1975 a
1977, teve destacada atuação na defesa da categoria em face da repressão durante o governo
do general Ernesto Geisel (1974-1979). ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário
histórico-biográfico brasileiro pós-1930.
A anistia como tática do regime 405

a atitude do general Figueiredo ao enviar ao Congresso o projeto de anistia.


Por sua vez, o deputado Edison Lobão (Arena-MA) associou o projeto à re-
vogação do AI-5 pelo general Geisel, elogiando as “medidas liberalizantes”
que precederam a proposta de anistia do governo.162
Ainda nesse dia, o jurista Raimundo Faoro denunciou o fato de o projeto
não ter atendido aos trabalhadores de empresas privadas atingidos pelo Ato
Institucional nº 5 (AI-5), o que reforçaria o caráter elitista da anistia. Ade-
mais, os líderes estudantis e sindicais, “que foram os que mais se destacaram
em 1968, não foram considerados parceiros para a conciliação nacional visa-
da pelo Governo. Foram beneficiados, isso sim, os políticos de maior expres-
são, que poderão servir para uma eventual reformulação partidária”.163
De acordo com levantamento feito pelo jornal O Globo,164 apenas dois
líderes estudantis banidos não seriam beneficiados pela anistia: Jean Marc
Van der Weid165 e Elinor Mendes Brito,166 ambos acusados de incendiar

162
Já Teotônio Vilela ‒ usineiro e senador alagoano neoemedebista, tendo trocado a Arena
pelo MDB em 25 de abril ‒ associaria sagazmente a anistia concebida pelo governo à “dou-
trina da Trilateral”, formulada pelos “três grandes blocos desenvolvidos do Ocidente − Ja-
pão, Europa Ocidental Estados Unidos”, que, “acompanhando o presidente Jimmy Carter”,
pretenderia “um regime de capitalismo democrático em todos os países subdesenvolvidos,
de forma a evitar que caiam em revoluções que os aproximem do bloco socialista”. A anistia
decorreria do “cumprimento de diretrizes externas” e seria seguida da reformulação parti-
dária e do estabelecimento de regras para a escolha de um presidente civil, tudo para “legi-
timar a atual estrutura de poder”: “Enfim, trata-se de um estratagema político-eleiçoeiro e,
dentro da concepção de democracia relativa (que a Trilateral chama de democracia restrita),
serve aos interesses do poder”. Folha de S. Paulo, 13 de julho de 1978.
163
O Globo, 29 de junho de 1979.
164
Edição de 3 de julho de 1979.
165
Ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e expulso do Serviço Federal de
Processamento de Dados (Serpro) em 1981, ainda na fase de estágio probatório, foi declarado
anistiado político em 2007, obtendo direito a uma prestação mensal de R$ 6.221,00, quantia
equivalente ao salário de um analista de funções de suporte. “Ministério da Justiça anistia dois
ex-presidentes da UNE”. Folha de S. Paulo, on-line, 6 de julho de 2007. Disponível em: <http://
www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u310100.shtml>. Acesso em: 13 jan. 2016.
166
Ex-presidente da Frente Unida dos Estudantes do Calabouço (FUEC), foi declarado anis-
tiado político em 2004, quando também lhe foi concedida “reparação econômica, de caráter
indenizatório, em prestação única no valor correspondente a 360 (trezentos e sessenta) salá-
rios mínimos, equivalentes nesta data a R$ 93.600,00 (noventa e três mil e seiscentos reais),
e a contagem do tempo, para todos os efeitos, do período compreendido entre, 13.01.1971
e 28.08.1979, perfazendo um total de 08 (oito) anos, 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias, nos
termos dos artigos 1º, incisos I, II e III, 4º, § 1º da Lei n.º 10.559, de 13 de novembro de
2002”. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/857530/pg-32-secao-1-diario-
-oficial-da-uniao-dou-de-28-12-2004>. Acesso em: 12 mar. 2014.
406 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

automóveis. Tal restrição seria um aspecto do caráter mais geral da anis-


tia proposta pelo governo. O jornalista Flávio Andrade observou:

No mesmo dia em que o general Figueiredo anuncia seu projeto de anistia


parcial, o ministro do Exército Walter Pires vem a público, através dos jor-
nais, com declarações de que os aparelhos repressivos, os DOI-CODI, “são
responsáveis por não estar ainda o país entregue aos comunistas”.
Na declaração do ministro talvez esteja embutida a explicação de por que
o regime excluiu da anistia “aqueles condenados com base na Lei de Se-
gurança Nacional” pela “prática de terrorismo, assalto, sequestro ou aten-
tado pessoal”. É que a institucionalização do regime autoritário em curso
não pretende tanto a ponto de pôr fim aos aparelhos repressivos da dita-
dura. Uma anistia ampla, por mais que se tentasse enfeixá-la nos quadros
da pacificação nacional e do desarmamento de espírito, colocaria a nu os
crimes da ditadura − sequestros, torturas, mortes, desaparecimentos etc.
−, bem como seus executores e, por decorrência, abriria mais espaço para
o passo seguinte da luta que vai na direção da punição dos responsáveis
por estes crimes e pelo desmantelamento dos aparelhos repressivos.
Algo insuportável para a “abertura” de Figueiredo, é óbvio. Outras razões
também devem ter pesado. A linha dura nas FFAA, se com dificuldade dige-
riu esta anistia parcial, de forma alguma suportaria ver aberto o caminho para
ser posta no banco dos réus. Há casos já sabidos de militares que, diante dos
exemplos de justiçamento na revolução iraniana, se puseram de guarda con-
tra perspectiva semelhante aqui no Brasil. Por outro lado, não deve ter ficado
fora dos cálculos do regime o poder divisionista que uma anistia parcial teria
sobre as oposições, puxando para o seu lado os liberais e mesmo certos seto-
res mais reformistas na esquerda que estão se arrefecendo na luta pela anistia,
isolando a “extrema esquerda”. E também não está fora das razões a necessi-
dade do regime se erguer como juiz da medida exata da anistia, impondo e
reafirmando assim sua direção no processo de abertura.167

Naquele momento, não havia consenso acerca do universo quantitativo


de futuros beneficiários e excluídos da anistia, a prevalecerem os termos do
projeto. Cálculos do Gabinete Militar da Presidência estimavam em duzen-
tos o número de pessoas que ficariam excluídas; quanto aos beneficiados,

167
“O porquê da anistia parcial”. Em Tempo, São Paulo, 28 de junho/4 de julho de 1979, p. 5.
A anistia como tática do regime 407

outros cálculos indicavam que seriam mais de cinco mil pessoas.168 Já se-
gundo dados da Justiça Militar, mais de seiscentos condenados por crimes
contra a segurança nacional não seriam abrangidos pela anistia, entre os
quais acusados de assalto a banco, sequestro, atos terroristas e atentado pes-
soal.169 De resto, o próprio Superior Tribunal Militar (STM) logo anunciou
ter constituído uma comissão de quatro advogados para estudar o projeto
de anistia e formular propostas de aplicação das suas disposições, inclusive
a ex-funcionários da justiça castrense atingidos por atos institucionais.170
De todo modo, o jornal O Globo obteve, junto ao STM, dados que o auto-
rizaram a concluir que aproximadamente trezentas pessoas, condenadas
definitivamente pela corte militar no período de 1964 a 1978, não seriam
anistiadas, por terem sido enquadradas em artigos da Lei de Segurança Na-
cional que puniam os crimes citados acima.171 Abaixo, um resumo desses
dados, referentes ao período 1964-1978 e organizados de acordo com os
artigos das chamadas “leis de segurança nacional”.172

Quadro 1. Condenados por crimes de sequestro, assalto, terrorismo


e atentado pessoal (1964 a 1978)

DL 898/69 DL 510/69 DL 314/67 LEI 1802/53


Art. nº Condenados Art. nº Condenados Art. nº Condenados Art. nº Condenados
28 98 25 12 25 59 4 1
27 154 − − − − − −
33 2 − − 29 − − −
− − 28 4 − − − −
− − − − − − 15 3
Total 254 16 59 4
* Do total de 333 condenados, considerava-se provável a repetição de vinte nomes de pesso-
as enquadradas em mais de um artigo.
Fonte: PROCURADORIA-GERAL DA JUSTIÇA MILITAR apud O Globo, 28 de junho de
1979.

168
Jornal do Brasil, 28 de junho de 1978.
169
O Estado de S. Paulo, 28 de junho de 1979.
170
O Globo, 28 de junho de 1979.
171
O Globo, 28 de junho de 1979.
172
Lei nº 1.802, de 1953, Decreto-lei nº 314, de 1967, Decreto-lei nº 510, de 1969, e Decre-
to-lei nº 898, do mesmo ano. Deduz-se que não havia condenados segundo a Lei nº 6.620,
de 1978, então em vigor.
408 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

3.5 A Conferência Internacional pela Anistia no Brasil

O 2° Encontro Nacional dos Movimentos pela Anistia, realizado em Belém


em janeiro de 1979, consolidou a proposta de realização da Conferência
Internacional pela Anistia no Brasil. A partir daí, iniciaram-se os trabalhos
de organização do evento: Ruth Escobar,173 integrante da Comissão Exe-
cutiva do CBA-SP, viajou para Roma e, com a ajuda de exilados brasileiros
e da Liga de Defesa dos Direitos dos Povos, pertencente à Fundação Lelio
Basso,174 decidiu que a capital italiana era o local que oferecia as melho-
res condições para a realização da Conferência, tanto em termos materiais
quanto do ponto de vista político. Após três reuniões preparatórias, foram
definidos um temário, uma lista de convidados no Brasil e uma organiza-
ção prévia das pautas das reuniões que iriam ocorrer durante a conferência,
cuja presidência executiva ficou a cargo de três membros da Liga de Defesa
dos Direitos dos Povos, representantes das seções francesa e italiana e da
presidência internacional da entidade.
A Conferência Internacional pela Anistia no Brasil aconteceria em um
momento político crucial para o processo aberturista. Com o projeto do
governo já na pauta oficial, os movimentos pela anistia tendiam a ver res-
tringirem-se as possibilidades de influir na definição dos termos da futura
lei. Um órgão da oposição de esquerda apresentava um panorama pouco

173
Ruth Escobar nasceu em Portugal em 1936. Chegou ao Brasil em 1951 e se destacou como
produtora cultural e atriz. Em 1964, abriu sua própria casa de espetáculos, orientada para
a vanguarda artística. No Teatro Ruth Escobar foram encenadas A Ópera dos Três Vinténs,
de Bertolt Brecht, em 1964, assim como outras peças de cunho político-social. Participou
ainda, em 1968, da montagem da peça Roda Viva, de Chico Buarque de Holanda, e em 1978
produziu A Revista do Henfil, sob a direção de Ademar Guerra. Participou ativamente do
Comitê Brasileiro pela Anistia, fazendo parte da Comissão Executiva da seção de São Paulo,
e cedeu seu teatro para várias reuniões dos movimentos pró-anistia, inclusive o Congresso
Nacional pela Anistia, realizado em novembro de 1978.
174
A Fundação Lelio Basso foi criada em 1975 pelo senador italiano de mesmo nome, já
mencionado. Membro do Partido Socialista Italiano (PSI), Basso participou da elaboração
da Constituição italiana em 1946, sendo eleito senador sucessivas vezes. Advogado e jurista,
doou sua biblioteca e sua casa para uma Fundação que se destinava ao estudo da questão
dos direitos humanos ‒ a Liga de Defesa dos Direitos dos Povos. Vindo a falecer no dia 18 de
dezembro de 1978, não pôde participar da Conferência Internacional. Referências obtidas
em: “Companheiros e companheiras”, documento produzido em janeiro de 1979 por Ruth
Escobar, e Conferência Internacional pela Anistia e Democracia no Brasil de junho de 1979,
ambos pertencentes ao arquivo do CBA.
A anistia como tática do regime 409

otimista ‒ porque realista ‒ do cenário em que o encontro internacional


se realizaria. Em especial, a análise, de autoria de Eliezer Rizzo, destacava
a grande importância que a questão da anistia apresentava para a consoli-
dação do campo político que daria suporte ao prosseguimento do processo
de transição.

A Conferência Internacional de Roma ocorre num momento particular-


mente decisivo da luta pela anistia ampla, geral e irrestrita. Embora pres-
sionado pelo movimento social que contesta o fundamento da economia
no tocante aos assalariados (o arrocho salarial), que nega legitimidade à
estrutura sindical e que reivindica liberdade política, amplo direito de or-
ganização e expressão, de organização partidária etc., o governo mantém
um alto grau de iniciativas táticas, com as quais ele busca atingir três ob-
jetivos. Primeiro, assegurar uma relação de forças favorável entre as suas
bases sociais; segundo, organizar sua política militar, que resulte também
numa correlação de forças favorável, e, finalmente, através da repressão, de
concessões parciais e da cooptação, dividir esse amplo movimento social
que luta pelo fim do regime.
Um exame rápido da questão da anistia mostra algumas mudanças sig-
nificativas em seu tratamento por parte do regime. Até há pouco tempo
ela era “fora de cogitação”, o governo Geisel havia definido uma trilogia
do “inadmissível” e do “inegociável” da qual teve de abrir mão devido ao
ascenso do movimento social e à crise de suas bases políticas e militares:
anistia, Ato 5, e aparelho repressivo. Isto não quer dizer que as reformas
políticas tenham transformado o regime numa democracia, nem que o
aparelho repressivo tenha sido tocado em sua estrutura e funcionamen-
to. Mas, o governo se vê obrigado não só a admitir a existência dessas
questões políticas como a negociar em busca da legitimidade e do apoio
político que lhe nega o movimento operário e popular. O governo conta
com a anistia para acertar alguns ponteiros − como a reparação política
(sem reintegração nem reconhecimento de direitos adquiridos) de carrei-
ras militares interrompidas pelas cassações e para a recomposição de forças
políticas que poderão jogar um papel importante daqui para a frente, nessa
situação de transição.
Emenda constitucional ou projeto de lei, combinação de anistia restrita
com revisão de processos, reparação política de funcionários civis e milita-
res sem a correspondente reintegração política e funcional, tais são os ele-
410 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

mentos com que conta o governo para manter a iniciativa tática. Se houve
mudanças no regime com relação à anistia, elas não apontam para a anistia
ampla, geral e irrestrita. Essas podem ser consideradas conquistas parciais
do movimento social, o qual, contudo, tem poucas condições políticas de
assegurá-las e de impedir recursos e postergações. A amplitude da anistia
− do ponto de vista do regime − está na relação direta das etapas que ele já
percorreu e ainda tem a percorrer no caminho dos objetivos já apontados:
reorganização política de suas bases e do esquema militar e divisão do movi-
mento social.
De certo modo, a Conferência de Roma não escapará de alguns condicio-
nantes gerais na luta pela anistia: dificilmente irá além do nível já atingido
na organização dos CBAs, no Brasil e no exterior, seus resultados políticos
dependerão em parte dos acordos, compromissos e convergências mais ou
menos explícitos entre os diversos grupos e orientações políticas que se fa-
rão representar em Roma. O MDB, por exemplo, por mais significativa que
seja a participação de seus deputados autênticos (alguns já confirmaram
que irão a Roma), dificilmente se empenhará de modo distinto daquele com
que vem tratando a questão da anistia. Ou seja, um envolvimento formal
pela anistia irrestrita que não estabelece uma tática correspondente − e,
consequentemente, a definição dos princípios. Daí a timidez, para dizer o
mínimo, da ação do MDB.
Por outro lado, a luta pela anistia não parece ter ampliado suas bases sociais,
embora o movimento sindical tenha assumido a sua bandeira. Há ainda um
espaço a ser preenchido entre a adoção desta bandeira e uma ampla mobi-
lização política do movimento popular pela anistia […].175

Outros segmentos do campo oposicionista de esquerda percebiam o


quadro político de um ângulo diferente. Diante do projeto de anistia anun-
ciado pelo governo, o MR-8, por exemplo, concluía:

[…] é uma resposta a conta-gotas àquilo que o povo deseja aos barris. É
uma manobra para tentar deter o clamor popular pela anistia completa.
Pressionado, o governo cede um pouco, para não ser colocado diante de
uma situação onde tenha de ceder muito mais.

“Conferência Internacional pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita no Brasil”. Em Tempo,


175

São Paulo, n. 70, 28 de junho/4 de julho de 1979, p. 7. Grifos meus.


A anistia como tática do regime 411

O povo, entretanto, não se deixará enganar. Não se contentará com esse


primeiro recuo do governo. Não o confundirá tampouco com uma dádiva
do regime. Sabe que, se dependesse da vontade dos opressores, não haveria
anistia alguma. O governo cedeu pouco, mas tudo que cedeu foi a contra-
gosto. Teve de engolir o que não queria, porque a pressão popular o obri-
gou. E isso é uma vitória. Vitória parcial, relativa e insatisfatória, mas vitória
em todo caso. Não conseguimos ainda tudo o que queremos. Mas, o que
conseguimos fortalece nossa luta pelo que queremos: a anistia ampla, geral
e irrestrita, e a punição para os torturadores.176

A luta, daí em diante, deveria concentrar forças no campo parlamentar,


mas não se resumir a ele:

É claro que o MDB e especialmente os parlamentares populares devem apro-


veitar os debates no Congresso para denunciar o caráter mesquinho e restrito
do projeto do governo. É claro, também, que devem apresentar um substitutivo
dando à anistia um caráter amplo, geral e irrestrito. É claro, ainda, que derrota-
das essas emendas, devem votar sob protesto no projeto do governo, deixando
claro que tudo que há nele de anistia é fruto da conquista do povo e o que há de
restrição à anistia é uma imposição do regime. Mas, muito mais claro ainda, é
que o presente e o futuro da anistia não se decidirão nessa votação do congres-
so. Será nas ruas, no coração da classe operária e do povo, que o clamor pela
anistia ampla, geral e irrestrita se fará forte, irresistível e vencedor.177

Iniciada no Congresso a discussão do projeto de anistia do governo, o


PCB explicitou a sua posição, também moderadamente otimista:

Consideramos este projeto insatisfatório; mas não somos daqueles que


veem na medida elaborada e proposta pelo governo Figueiredo uma sim-
ples farsa destinada a iludir a opinião pública. No mínimo porque, e é até
redundante dizê-lo, não cremos que a opinião pública se deixe iludir com
tal facilidade […]. Assim sendo, e isto deve ser dito de modo inequívoco,
o projeto da Anistia, mesmo na sua forma atual, constitui uma vitória das
forças oposicionistas. O governo Figueiredo foi obrigado a elaborar este

176
Unidade Proletária, ano V, n. 34, julho de 1979, p. 2-3.
177
Ibidem.
412 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

projeto pela simples razão de que a esmagadora maioria da Nação não to-
lerava mais a situação de marginalidade política e judicial a que o regime
relegou numerosas personalidades e diversas correntes de oposição. Não
se trata, portanto, de concessão governamental ou qualquer outra coisa do
mesmo tipo. Este governo, assim como os que o precederam desde 64, só se
movimenta a partir de pressões das correntes de opinião; entregue à própria
inércia, o que aparece é sua natureza antidemocrática.
A anistia pela qual lutam os comunistas e as demais forças de oposição é
irrestrita, porque a questão é colocada no quadro mais geral da luta pela
democracia. E não pode haver democracia sem a participação plena e legí-
tima, no processo político nacional, de todas as correntes e personalidades
que foram arbitrária e injustamente excluídas do cenário político brasileiro.
Dessa maneira, a anistia que propõem as forças democráticas acompanha o
sentido da luta pela democracia. A anistia que propõe Figueiredo procura
frear esta luta e cristalizar a situação do país no seu quadro atual, na medida
em que exclui do projeto vários opositores do regime.178

Na mesma edição, uma nota assinada pela Comissão Executiva do Co-


mitê Central do partido considerou a conquista da anistia

[…] um dos momentos políticos mais altos atingidos pelo movimento popu-
lar e democrático de oposição à ditadura, particularmente em sua evolução
mais recente, marcada pela movimentação estudantil de 1977, pela greve do
ABC paulista de 1978, pelas eleições parlamentares de novembro último e
pelo movimento grevista sem precedentes do primeiro semestre deste ano.179

O documento lembrava, ainda, que o general João Figueiredo, ao assu-


mir a Presidência da República, dissera não cogitar uma anistia, mas apenas
uma revisão de punições, mas teria sido obrigado, pela “ampliação dos movi-
mentos sociais e do reforçamento da luta geral pela conquista das liberdades
democráticas”, a enviar um projeto sobre a matéria ao Congresso Nacional.
Quanto ao projeto, propriamente, a nota o considerava restritivo em geral,
mas em especial por três razões: 1) por excluir os autores de “crimes de san-
gue”, que seriam “crimes comuns”; 2) por negar aos anistiados a recuperação

178
“União dos democratas para ampliar Anistia”. Voz Operária, n. 160, julho de 1979, p. 1.
179
“O projeto da Anistia do governo”. Idem, p. 3.
A anistia como tática do regime 413

automática de seus direitos e o ressarcimento de prejuízos; 3) por fixar em 31


de dezembro de 1978 a data-limite para a abrangência da medida. Entendia,
contudo, que, mesmo que o regime viesse a conseguir a aprovação do projeto
no Congresso, ele significaria uma vitória dos movimentos pela anistia:

Vitória, porque, de um lado, será o melhor estímulo concreto para a inten-


sificação posterior da luta pela Anistia ampla, geral e irrestrita. E, por outro
lado, porque introduzirá na vida política nacional uma nova dinâmica, com
a participação de forças, correntes, e personalidades que foram mantidas à
margem durante todos estes anos.180

A Conferência Internacional pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita e pelas


Liberdades Democráticas no Brasil foi apoiada pela Prefeitura de Roma − ad-
ministração de Giulio Carlo Argan ‒ e pela Administração de Lazio, entida-
des sindicais, culturais e partidárias europeias. Iniciado no dia 28 de junho,
o evento contou com a presença de expressivas figuras do mundo político e
intelectual europeu, um laureado com o Prêmio Nobel − o químico estaduni-
dense George Wald −, exilados brasileiros181 e representantes de movimentos
e partidos oposicionistas do Brasil. Os movimentos pela anistia brasileiros
foram representados por Luís Eduardo Greenhalgh e Helena Greco, indica-
dos pelo III Encontro Nacional de Entidades pela Anistia. Compareceram,
ainda, veteranos comunistas, membros e dissidentes do PCB, como Apolô-
nio de Carvalho, Diógenes de Arruda Câmara e Gregório Bezerra. Entre os
parlamentares brasileiros, grande número vinha de Lisboa, onde lançou-se
o projeto da nova versão do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), sob a li-
derança de Leonel Brizola.182 O correspondente do Jornal do Brasil, Araújo
Netto, registrou uma “impressionante demonstração de apoio e identificação
internacional com a luta por uma anistia mais ampla no Brasil”.183

180
“Regime tentará tudo para esvaziar avanço democrático”. Voz Operária, n. 160, julho de
1979, p. 3.
181
Segundo a revista Veja, edição de 4 de julho de 1979, o evento contou com cerca de tre-
zentos exilados brasileiros.
182
Como é notório, a iniciativa seria frustrada por manobras do governo João Figueiredo,
que conseguiu que Ivete Vargas, sobrinha-neta de Getúlio Vargas, assegurasse juridicamente
a propriedade da sigla, restando a Leonel Brizola e seus seguidores fundar uma nova legen-
da, o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
183
Jornal do Brasil, 27 e 28 de junho de 1979, e O Globo, 27 de junho de 1979.
414 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

No segundo dia da Conferência, cinco comissões se organizaram em


torno dos seguintes temas: “Anistia e repressão política”, presidida pelo ju-
rista francês Louis Joinet; “Opressão das mulheres e das minorias raciais”,
presidida por Rosalina Santos Cruz Leite (do jornal Brasil Mulher, de São
Paulo); “Liberdade de expressão e criação cultural e científica”, presidida
pelo físico brasileiro Mário Schenberg; “Condições de vida da população
brasileira”, presidida pelo arquiteto baiano Manoel Luís, e “Legislação do
regime”, presidida pelo jurista francês Etienne Bloch, representante do Co-
mitê França-América Latina. Uma mesa-redonda reuniu os exilados Már-
cio Moreira Alves, Manoel da Conceição, Francisco Julião, Diógenes Arru-
da Câmara, Apolônio de Carvalho e Hércules Correia aos parlamentares
emedebistas Airton Soares, Getúlio Dias, Edson Khair, Antônio Modesto
da Silveira, Elquisson Soares e Erasmo Chiapetta.184
No último dia, anunciou-se o recebimento de várias moções de apoio,
como as das confederações de trabalhadores francesa e italiana, de comitês
de exilados latino-americanos e da Frente Sandinista de Libertação Nacio-
nal (FSLN), da Nicarágua. Foram também aprovadas várias proposições,
entre as quais as de denunciar o caráter da anistia proposta pelo governo e
a de lutar pela apuração dos crimes cometidos por agentes da repressão e
pela punição dos responsáveis. Decidiu-se, ainda, que o CBA-Paris se en-
carregaria de receber e divulgar as informações e documentos produzidos
pelos diversos comitês europeus pela anistia no Brasil.185
A Conferência foi considerada, de maneira geral, um sucesso, do ponto
de vista dos seus objetivos. Entretanto, setores situados à esquerda no es-
pectro do movimento pela anistia fizeram restrições a alguns aspectos da
sua condução. Por exemplo, o porta-voz do Movimento pela Emancipação
do Proletariado (MEP), organização socialista clandestina surgida não ha-
via muito tempo:

O sucesso da conferência no que diz respeito à denúncia internacional da


ditadura militar e ao repúdio feito à anistia parcial não impede, no entanto,
que se façam algumas críticas à organização da conferência. A própria es-

184
“Conferência Internacional pela Anistia e Democracia no Brasil”, documento sem data,
produzido pelo CBA-SP à época da organização da Conferência Internacional; Anistia, n. 6,
julho de 1979, p. 4; O Globo, 30 de junho de 1979.
185
Anistia, n. 6, julho de 1979, p. 4; Voz Operária, n. 160, julho de 1979, p. 2.
A anistia como tática do regime 415

truturação desta abria mais espaço para a expressão de deputados e “perso-


nalidades” do que para as organizações de massas e exilados.
À parte as reuniões de comissões, onde todos falavam, nas plenárias só po-
diam falar os oradores “programados”. As resoluções da conferência, mes-
mo que representando em grande parte as tendências existentes na reunião,
não foram sequer colocadas em discussão antes de serem aprovadas. Na
mesa-redonda onde foi feito um debate, os seis “representantes do Brasil”
eram todos deputados. Nenhum representante de organizações de massa,
nem mesmo CBAs e MFPAs.
A entrevista coletiva à imprensa também foi muito um canal de expressão do
PTB e do MDB do que dos próprios movimentos pela anistia. Helena Greco
e Carmela Pezutti (representantes, respectivamente, dos CBAs do Brasil e do
Exterior) só puderam participar da entrevista coletiva após muita pressão.
Como se vê, houve muitos problemas de “organização”, mas que não con-
seguiram comprometer o sucesso da conferência. Estes problemas são um
pouco a manifestação de velhos métodos, mas traduzem também as vacila-
ções de determinados setores da oposição, que querem neutralizar setores
mais combativos e comprometidos com o movimento popular.
Como bem denunciou a companheira Helena Greco: “É lógico que o com-
portamento indeciso do partido oposicionista legal permitido, no seu con-
junto, não conseguindo articular uma alternativa firme e combativa diante
do projeto governamental, é um empecilho real à nossa ação. Apesar disso,
é decisivo que consigamos responder à alternativa mistificadora do gover-
no, neste espaço de tempo que separa a divulgação do projeto de sua apro-
vação, [com] uma contraofensiva. É fato que o regime militar conta com
recursos que não possuímos e, mais do que isto, com a conivência de alguns
setores que há algum tempo se dizem oposicionistas. Mas, os movimentos
pela anistia têm a seu favor um elemento novo. Trata-se da progressiva ar-
ticulação dos movimentos dos assalariados, que atravessam um importante
processo de politização. Assim, no nosso entender, caberia aos movimentos
de anistia, dentro do Brasil, prosseguir na sua campanha de popularização,
procurando vincular-se cada vez mais aos movimentos de base”.186

186
Companheiro, n. 8, 18-31 de julho de 1979, p. 3. Grifo meu. Observe-se, nas entrelinhas
do trecho grifado, a percepção do sucesso da tática adotada pelo regime para, a um só tem-
po, dividir o campo oposicionista e construir outro, um centro conservador unificado em
torno do projeto aberturista.
416 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

3.6 Derradeiras pressões pela ampliação do projeto de anistia: a


greve de fome

Reconhecessem ou não as lideranças dos movimentos pela anistia, o go-


verno estava com a iniciativa da produção de fatos concretos em relação
à medida. A discussão aberta do seu projeto ensejou percepções acerca da
utilidade que a concessão do benefício poderia ter para a preservação da
ordem político-social no contexto da transição política. Depoimentos pres-
tados ao jornal porta-voz do CBA fizeram o papel de “advogados do diabo”
e procuraram chamar a atenção do governo para a conveniência de usar a
anistia como um recurso tático para a manutenção das posições das classes
dominantes. O escritor Antonio Callado foi um dos que, com outras pala-
vras, enfatizaram o potencial contrarrevolucionário preventivo da anistia:

Os interessados na manutenção da ordem a todo custo devem pensar duas


vezes antes de liquidar com o espírito de conciliação − a anistia −, porque
isso é que tem mantido o país defendido de uma revolução em que o povo
poderá realmente fazer misérias. Motivos não faltam para esse pobre povo
partir para uma revolução em regra. Se o futuro governo quiser se man-
ter tranquilo no poder, por incrível que possa parecer, acho que deveria
conceder anistia ampla e irrestrita. O governo assumiria uma posição de
generosidade de que perdoa seus inimigos, acumulando um capital que iria
render juros a longo prazo. O governo continuará com a mesma força que
tem agora e não acredito que correria qualquer risco, mesmo que voltassem
ao país os “famosos inimigos” do regime, que ele tanto teme.

Nesta linha de raciocínio, o deputado Walter Silva (MDB-RJ) defendeu


a tese de que a anistia interessaria mais ao governo e ao “sistema dominan-
te”, que poderia encontrar nela a “tranquilidade necessária para governar e
a consciência das injustiças cometidas”. Foi desta perspectiva que, em fins
de junho, após reunião em Florianópolis, os presidentes das seccionais e a
diretoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
reafirmaram a defesa da anistia ampla, geral e irrestrita para a “totalidade
dos punidos pela prática de atos de natureza política”, em nome da “pacifi-
cação da família brasileira” e da “recomposição do pacto social”.187

187
Anistia, n. 5, maio/junho de 1979, p. 2.
A anistia como tática do regime 417

A esta altura, a estratégia aberturista prosseguia alcançando vitórias. As


iniciativas do governo sensibilizavam setores moderados da oposição. A li-
derança da Igreja Católica, na pessoa de Dom Paulo Evaristo Arns, arcebis-
po de São Paulo, colocava-se de maneira dúbia em face do projeto de anis-
tia. De um lado, ressaltava o seu aspecto positivo em relação aos exilados,
preocupando-se, contudo, em deixar aberta uma porta para a aceitação de
uma anistia “recíproca”, como se pode perceber no trecho grifado: “Eu já
tive a oportunidade de agradecer os benefícios trazidos pela anistia para
cinco mil pessoas, mas continuo achando insuficiente, sobretudo porque
os desaparecidos e os torturados também precisam ter ocasião de dar anistia,
uma vez que não a podem receber”.188 De outro lado, firmava posição con-
tra o conjunto do sistema repressivo da ditadura: “Não se deve é anistiar os
torturadores, porque temos centenas deles que foram reconhecidos, temos
os processos. Se não se pode julgar a todos, não se pode perdoar a todos”.
No seu entendimento, o governo deveria instaurar processos públicos para
apurar o ocorrido “nos porões dos DOI/CODIs, DOPS e quartéis do Bra-
sil”.189 Desta perspectiva pragmática, que via no projeto de anistia vantagens
e limitações, o senador Lázaro Barbosa (MDB-GO) informava que, embora
com declaração de voto em torno das restrições apontadas, votaria a favor
dele, porque era da opinião de que qualquer anistia era melhor do que ne-
nhuma. Colocava-se, entretanto, contra a extensão do benefício a eventuais
autores de crimes conexos, se assim entendidas ações de agentes do Estado:

Isto significa anistiar o agente policial, a autoridade que, abusando das fun-
ções que exercia, praticou, muitas vezes contra o preso indefeso, atos aten-
tatórios à dignidade humana, atos que são condenados por todos os países
civilizados da Terra, atos de tortura, de espancamento do preso, quando
este já se encontrava nas mãos da autoridade.
[…] aquelas autoridades civis ou militares, ou sejam quais forem, que tenham
praticado delitos dessa ordem não podem simplesmente ser anistiadas.
[…] A meu juízo, tais monstros não podem receber a anistia, pois dela não
são dignos, porque não cometeram crimes políticos, cometeram, isto sim,
crimes contra a humanidade.190

188
O Globo, 8 de julho de 1979. Grifo meu.
189
O Globo, 11 de julho de 1979.
190
Diário do Congresso Nacional, 30 de julho de 1979, p. 3230.
418 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

A posição a adotar em face do projeto de anistia do governo foi o mote


do III Encontro Nacional dos Movimentos pela Anistia Ampla, Geral e Ir-
restrita, realizado nos dias 7 e 8 de julho, na cidade de São Paulo. Cerca
de mil pessoas reuniram-se para discutir o projeto. Os trabalhos giraram,
também, em torno da necessidade de ampliação das bases do movimento,
a fim de que se pudessem ativar debates públicos e parlamentares capazes
de denunciar a insatisfação do povo brasileiro e fortalecer a unidade na luta
pela derrubada da ditadura.191 Neste sentido, decidiu-se a realização, em
agosto, de um “encontro de todos os atingidos pelos atos e leis de exceção”,
nos dias 11 e 12; de um “dia nacional de luta”, no dia 14; e uma reunião com
parlamentares, no dia 15. Os delegados foram quase unânimes em conde-
nar o projeto:

O maior responsável por isto foi, sem dúvida, o próprio governo. Quando
veio a público, o projeto governamental recebeu críticas de todos os setores,
não só pelo seu caráter odioso e discriminatório, como pelo entendimento
de que seu texto e a mensagem do general Figueiredo configuram mais um
passo na tentativa de institucionalização do arbítrio. Esta repercussão influiu
sobremodo nas entidades de anistia, as quais já trouxeram de suas bases um
pronunciamento claro de repúdio à iniciativa do regime. […] A condenação
do projeto governamental levou a uma resolução quase unânime das entida-
des presentes (19 a 5), que tem como pontos essenciais o repúdio ao proje-
to governamental, a apresentação de um substitutivo e a realização de uma
grande campanha de massas, a culminar com uma caravana a Brasília nos
dias da votação, procedimentos estes indicados aos parlamentares.192

Outros setores da oposição também se movimentavam com o propósito


de combater a proposta do governo. Futuro residente da Comissão Mista
do Congresso que examinaria o projeto de anistia, o senador Teotônio Vi-
lela (MDB-AL) conversou, no dia 10 de julho, com os presos políticos do
Instituto Penal Milton Dias Moreira, no Rio de Janeiro, como havia feito
recentemente em São Paulo com outros detentos. No mesmo dia, reuniu-se
com quatro militares cassados, entre os quais o brigadeiro Francisco Tei-

191
“3° Encontro Nacional dos Movimentos pela Anistia”. Em Tempo, n. 72, 12-18 de julho
de 1979, p. 6.
192
Movimento, n. 211, 16-22 de julho de 1979, p. 6.
A anistia como tática do regime 419

xeira, comandante do 3º Comando Aéreo Regional (Rio de Janeiro) no fim


do governo de João Goulart. Estiveram presentes ao encontro, também, o
deputado Marcelo Cerqueira (MDB-RJ) ‒ ex-advogado de presos políticos
‒ e Heloísa Pires, da direção do Movimento Feminino pela Anistia. Ao sair
do encontro, o parlamentar alagoano disse:

[…] as situações dos militares cassados são as mais complicadas, porque


eles estão nas faixas mais omitidas do projeto de anistia enviado ao Con-
gresso: 80% dos militares cassados não poderão retornar à caserna, pelo
projeto do Governo, e este número poderá alcançar os cem por cento devi-
do aos critérios existentes nos estatutos militares, que sujeitam a reversão
ao limite de idade de 60 anos, e às restrições adicionais contidas no projeto,
que condicionam o retorno ao interesse da administração e à existência de
vaga.193

No dia seguinte, foi a vez do presidente da Ordem dos Advogados do


Brasil (OAB), Eduardo Seabra Fagundes, visitar os quatorze presos políti-
cos do presídio do Barro Branco, em São Paulo. Em entrevista concedida
depois, o advogado voltou a criticar o projeto de anistia do governo, porque
desrespeitava o princípio da isonomia, já que,

[…] embora todos sejam iguais perante a lei, o projeto distingue uma pes-
soa já condenada, que estaria então excluída da anistia, enquanto outra,
processada pelo mesmo crime, tendo mesmo participado da mesma ação,
poderia ser beneficiada pelo simples fato de seu processo não ter sido ainda
julgado.194

As visitas de importantes membros da oposição moderada a presos po-


líticos se explicavam pela necessidade de discutir com eles as perspectivas

193
O Globo, 11 de julho de 1979. Sobre a repressão sofrida por militares durante o regime
ditatorial, consultar VASCONCELOS, Cláudio Beserra de. A política repressiva aplicada a
militares após o golpe de 1964. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. A luta dos militares excluídos dos benefícios da lei de
anistia é analisada em MACHADO, Flávia Burlamaqui. As Forças Armadas e o processo de
anistia no Brasil. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
194
Estado de S. Paulo, 12 de julho de 1979.
420 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

da luta pela ampliação do projeto de anistia. Entre elas, a possibilidade de


decretação de uma greve de fome nos presídios. E, de fato, no dia 16 de ju-
lho, os presos políticos do Complexo Penitenciário Frei Caneca, do Rio de
Janeiro, se declararam em preparação de uma greve de fome pela ampliação
da anistia.195 No dia seguinte, os presos políticos de São Paulo informaram
que não iriam aderir à greve de fome, por não a considerarem o melhor
recurso para chegar à anistia ampla.196
Ainda no dia 17, realizou-se no Rio de Janeiro a primeira reunião da
campanha nacional de “denúncia do caráter do projeto de anistia parcial do
regime e de defesa da anistia ampla, geral e irrestrita”. Estiveram presentes
representantes de 62 entidades. A campanha estabeleceu um calendário de
atos que deveria iniciar-se em 22 de julho, com a deflagração de uma greve
de fome dos presos políticos do país e, no dia seguinte, ações de rua, como
coleta de assinaturas para um abaixo-assinado, distribuição de manifestos
etc. O programa previa, também, manifestações pela libertação dos pre-
sos políticos, contatos com parlamentares em Brasília, uma greve de fome
simbólica de familiares e amigos de presos políticos, o “Encontro Nacional
dos Atingidos”, no Rio de Janeiro, o “Encontro pela Anistia Ampla, Geral
e Irrestrita e pelos Direitos Humanos dos Trabalhadores”, em Duque de
Caxias (RJ), e uma grande manifestação pela anistia ampla, geral e irrestri-
ta, culminando tudo com uma caravana à capital federal na data da votação
do projeto do governo.197
A tática da greve de fome recebeu apoios de setores da oposição libe-
ral. No âmbito da Igreja Católica, D. Paulo Arns, cardeal arcebispo de São
Paulo, pronunciou-se imediatamente após o seu início: “A greve de fome é
o último recurso a que se dever recorrer, mas na hora em que um grupo de
pessoas se decide por esse meio, os demais devem ter respeito diante dessa
decisão”.198 No dia 19, D. Ivo Lorscheiter, presidente da Conferência Nacio-
nal dos Bispos do Brasil (CNBB), fez votos de que a greve de fome servisse
“de inspiração a todos para a construção do autêntico perdão para que se
viva num clima de verdadeira fraternidade social no país”.199 Ainda no dia
18, Teotônio Vilela (MDB-AL) defendeu a greve de fome como forma de

195
Folha de S. Paulo, 17 de julho de 1979.
196
Jornal do Brasil, 18 de julho de 1979.
197
Anistia, n. 6, julho de 1979, p. 3.
198
Jornal do Brasil, 18 de julho de 1979.
199
Jornal do Brasil, 20 de julho de 1979.
A anistia como tática do regime 421

luta e de pressão, afirmando que não procuraria interferir na decisão dos


presos, “que se impõem mais um ato de sacrifício como forma de contri-
buir para a normalidade do país”. Na mesma ocasião, voltou a criticar o
projeto do governo naquilo que se referia ao “crime conexo”, lembrando
que “a anistia não tem nada a ver com torturador” e, se o governo queria
beneficiá-los, que dissesse isso claramente em seu projeto.200 No mesmo
dia, a sessão de encerramento da 31ª Reunião da Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em Fortaleza, aprovou várias
moções de denúncia do caráter restrito e parcial do projeto de anistia do
governo.201 Uma carta de solidariedade do escritor Alceu Amoroso Lima
(Tristão de Ataíde) foi recebida pelos presos do Rio de Janeiro no dia 19.
Pedindo-lhes paciência, o prestigiado pensador católico os advertia: “Nem
tudo está perdido”.202 Em defesa do governo, o ministro da Justiça, Petrônio
Portela, era da opinião de que a greve de fome serviria para deixar claro
quem desejava de fato a “pacificação”.203
No dia 22, conforme previsto, teve início o movimento que se intitu-
laria Greve de Fome Nacional dos Presos Políticos de Repúdio ao Pro-
jeto Governamental de Anistia Parcial e de Apoio às Lutas pela Anistia
Ampla, Geral e Irrestrita. Estavam na liderança os presos políticos do
presídio Frei Caneca, no Rio de Janeiro: Alex Polari de Alverga, Antônio
Pereira Matos, Carlos Alberto Sales, Gilney Amorim Viana, Hélio da Sil-
va, Jesus Parede Soto, Jorge Santos Odria, Jorge Raimundo Júnior, José
Roberto Gonçalves de Resende, Manoel Henrique Ferreira, Nelson Ro-
drigues, Paulo Henrique O. da Rocha Lins, Paulo Henrique Jabour e Perli
Cipriano. Em seguida, aderiram ao movimento os presos políticos dos
presídios de Itamaracá (Recife), Fortaleza, Natal, Penitenciária Feminina
de São Paulo (Elza Monnerat, única detenta no local), Barro Branco (SP)
e Lemos de Brito (Salvador). A greve de fome seria mantida por tempo

200
O Globo, 19 de julho de 1979.
201
Anistia, n. 6, julho de 1979, p. 8.
202
Folha de S. Paulo, 24 de julho de 1979.
203
O Globo, 21 de julho de 1979. Nesse mesmo dia, o Conselho de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana, presidido pelo próprio Petrônio Portela, autorizou a reabertura das inves-
tigações sobre o caso do deputado Rubens Paiva, detido pelas forças de repressão em 1971
e desde então dado como “desaparecido”. Dia a dia, p. 90. O seu assassinato seria confirma-
do, em 2013, a partir de documentos levantados pela Comissão Nacional da Verdade. Ver:
<http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2013/02/comissao-da-verdade-atesta-que-
-rubens-paiva-foi-morto-no-doi-codi>. Acesso em: 13 jan. 2016.
422 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

indeterminado, e os presos ingeririam apenas água, sal e açúcar. Os pre-


sos do Rio de Janeiro divulgaram uma nota justificando politicamente a
atitude que tomavam.

Chega de tanta demagogia.


O regime acaba de dar mais um passo buscando se perpetuar no poder.
Depois do Pacote de Abril, da Lei Falcão, da nova Lei de Segurança Nacio-
nal, dos acenos da sua reforma partidária e da nova CLT, lança agora o seu
projeto de anistia parcial e restrita.
Projeto que fica aquém das reais aspirações do povo brasileiro, “amplo” ape-
nas no sentido de beneficiar os torturadores, constituindo-se numa vergo-
nhosa anistia que o regime concede a si próprio.
Projeto que não garante o direito de plena liberdade de organização parti-
dária, que não abre as portas dos cárceres, que exclui os operários demitidos
pela CLT, os estudantes atingidos pelo 477, que exige dos opositores anis-
tiados toda sorte de vexames e humilhações para que possam ser admitidos
em seus cargos e funções.
Projeto que comete contra nós, presos políticos, toda sorte de aberrações
jurídicas e injustiças, nos excluindo pelo fato de termos sido condenados
por lei discriminatórias e tribunais de exceção.
Combatemos essa ditadura com armas nas mãos. A ordem constitucional
havia sido rompida pelas armas, todos os canais de expressão política ti-
nham sido fechados e o país vivia um clima de opressão, terror e censura.
Hoje, combatemos esse regime na forma de seu projeto de anistia, com a
arma que dispomos: uma greve de fome, por tempo indeterminado, em
repúdio e protesto contra a anistia restrita e parcial da ditadura militar.
Entendemos que esse instrumento de luta − pacífico, mas contundente − é a
única forma que temos de participar efetivamente no movimento crescente
pela anistia ampla, geral e irrestrita.
Entendemos que essa é uma hora crucial para toda a oposição popular. A
luta firme e intransigente contra esse projeto de anistia do governo será de-
cisiva para os rumos do processo de democratização em nosso país.
Entramos em greve de fome, após muita reflexão, com o pensamento vol-
tado para todos os brasileiros. E particularmente pensando nos nossos
companheiros assassinados nas câmaras de tortura e que nenhuma anistia
− por mais ampla que seja − irá restituir ao nosso convívio e de seus entes
queridos.
A anistia como tática do regime 423

É por isso que reafirmamos aqui a não aceitação de qualquer tipo de in-
dulto, reafirmamos nosso compromisso inabalável com a luta pela anistia
ampla, geral e irrestrita. Nossa opção por uma greve de fome em repúdio
ao atual projeto de anistia e a aceitação serena do risco de nossas próprias
vidas.
Que todos os demais brasileiros, comprometidos nessa luta, assumam seu
posto, se mobilizem e lutem até a vitória da anistia ampla, geral e irres-
trita.204

No mesmo dia, as entidades de luta pela anistia, familiares e amigos dos


presos puseram em ação um esquema de divulgação da greve que incluiu a
leitura da nota em vários teatros da cidade e a instalação de uma barraca na
Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, para distribuição de informações
sobre o movimento e a campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita e co-
leta de assinaturas para um abaixo-assinado a ser enviado ao Congresso no
dia 2 de agosto, quando partiria para Brasília uma caravana com o fim de
pressionar os parlamentares.205 No dia seguinte, os presos foram visitados
pelo líder do MDB na Câmara dos Deputados, Freitas Nobre (SP), que, em
seguida, reuniu a imprensa em entrevista coletiva para, acompanhado de
deputados estaduais e dos senadores, também do MDB, Roberto Saturnino
(RJ) e Teotônio Vilela (AL), declarar que julgava “inoportuna a medida”,
mas que, em vista do fato consumado, não cabia senão “nos solidarizarmos
com eles”. Outras vozes simpáticas à reivindicação pela anistia se colocaram
contra a greve: o escritor Alceu Amoroso Lima, o cardeal Eugênio Sales
e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil tentaram demover os
grevistas de sua decisão. Havia, nesta atitude, coerência com posições assu-
midas durante o processo de transição como um todo, sempre tendentes,
como já foi visto, à “prudência” e à “moderação”. O governo, por seu turno,
informou, pela palavra do seu porta-voz, que via a greve como “um fato
normal” e não se deixaria pressionar para que alterasse o projeto de anistia
enviado ao Congresso.206
Do exterior, os grevistas receberam apoio de entidades francófonas que
enviaram um telegrama ao general presidente da República, ao ministro da

204
Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil, edições de 23 de julho de 1979.
205
Folha de S. Paulo, 24 de julho de 1979.
206
Em Tempo, São Paulo, 26 de julho-1º de agosto de 1979, p. 14.
424 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Justiça, aos presidentes do Superior Tribunal Militar (STM), do Superior


Tribunal Federal (STF), do Senado e da Câmara dos Deputados. Assina-
do pela Confederação Mundial do Trabalho (CMT), Déclaration de Ber-
ne-Genève, Association Que Faire?, Ligue Suisse des Droits de l’Homme,
Comité de Solidarité avec le Peuple Brésilien (CSPB), Association pour
l’Amnistie générale des prisonniers politiques au Brésil, Comission Tiers-
-Monde Église Catholique-Genève (COTMEC) e Associação de Solidarie-
dade com o Povo Brasileiro-Lausanne, o telegrama dizia:

Soubemos que certo número de prisioneiros políticos das prisões do seu


país está em greve de fome desde 23 de julho de 1979, para obter do Go-
verno uma anistia ampla, geral e irrestrita. Queremos aqui, em nome dos
direitos humanitários, pedir-lhes que façam aprovar uma lei de anistia que
abra totalmente as portas da prisão para aqueles que foram condenados pe-
los tribunais de exceção, incluindo igualmente os trabalhadores despedidos
pelas leis trabalhistas e os estudantes penalizados pelo Decreto-lei n. 477.
Nós queremos, também, manifestar a nossa preocupação com a saúde dos
grevistas e pedir uma ação resoluta de sua parte no sentido de satisfazer as
suas reivindicações.207

Estava a greve em seu segundo dia quando se realizou, no Sindicato dos


Jornalistas do Rio de Janeiro, a segunda reunião da campanha nacional de
denúncia do projeto de anistia do governo. Estiveram presentes represen-
tantes de 93 entidades, entre grupos ligados à luta pela anistia, sindicatos
e associações profissionais, associações de moradores de bairros e favelas
e diretórios estudantis, além de vereadores, deputados estaduais e parla-
mentares federais.208 No dia 25, a OAB, em sessão assistida pelo presidente

207
“Nous avons appris qu’ un certain nombre de prisonniers politiques dans des prisons de
votre pays sont en grève de faim depuis le 23 juillet 1979, pour obtenir du Gouvernement une
amnistie large, générale et sans restrictions. Nous voulons ici, au nom des droits humanitaires,
vous demander de faire approuver une loi d’amnistie qui ouvre complètement les portes des
prisons à ceux qui ont été condamnés par les tribunaux d’exception, comprenant également les
travailleurs licenciés par le lois du travail et les étudiants pénalisés par la loi d’exception nº 477.
Nous voulons également exprimer notre préoccupation concernant la santé des grévistes et
demander une action résolue de votre part, visant à satisfaire leurs revendications.” Disponível
em: <http://csbh.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/memoria-e-historia/exposicoes-virtuais/
telegramas-em-frances>. Acesso em: 21 jan. 2014. Tradução minha.
208
Anistia, n. 6, julho de 1979, p. 3.
A anistia como tática do regime 425

da Comissão Mista do Congresso que iria examinar o projeto de anistia


do governo, aprovou parecer, de autoria do jurista José Paulo Sepúlveda
Pertence, pedindo a eliminação do parágrafo 2º do artigo 1º do texto, que
excluía dos benefícios da futura anistia os condenados por atos tipificados
como crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal.209
O próprio CBA elaborou um “anteprojeto de decreto legislativo para
a anistia ampla, geral e irrestrita”. A proposta transferia do poder Exe-
cutivo para o Legislativo a competência para decretar anistia, que seria
promulgada, não pelo presidente da República, mas pelo presidente do
Senado. Em seu artigo primeiro, concedia o benefício “a quantos tenham
sido acusados, denunciados, processados, condenados ou tenham sofrido
sanções de qualquer modalidade com base nos atos institucionais e com-
plementares, bem como por atos e fatos considerados crime ou infração
disciplinar de natureza política, seja em leis de Segurança Nacional, de
Imprensa” etc. No artigo quarto, previa-se o retorno imediato dos anistia-
dos às suas atividades, “como se nunca delas tivessem sido afastados”. A
prerrogativa valia para funcionários civis e militares da iniciativa pública
e privada que, reintegrados a seus cargos, gozariam de direitos, vantagens
e promoções, em tudo igual aos seus pares que não tivessem sido cassa-
dos e demitidos. A reintegração independeria “de processos verificató-
rios, bastando que o anistiado se apresentasse ao órgão de administração
de pessoal correspondente ao nível de seu cargo e ao superior hierárquico
competente para dar posse, entregando-se-lhe, no ato, um certificado de
apresentação”.210
Ainda no dia 25, os presos do Frei Caneca receberam a visita de intelec-
tuais ‒ Oscar Niemeyer, Darcy Ribeiro, Antonio Houaiss, Antônio Callado,
Mario Lago e Ziraldo ‒, dirigentes sindicais e deputados do RJ.211 Neste
ínterim, cinco estudantes da Universidade de Brasília eram presos quan-
do distribuíam panfletos e realizavam comício contra o projeto de anistia
do governo e em solidariedade à greve de fome dos presos do Rio. Foram
soltos algumas horas depois, por ordem do ministro da Justiça, Petrônio
Portela.212

209
O Globo, 25 de julho de 1979.
210
“Anteprojeto de Decreto Legislativo para Anistia Ampla, geral e Irrestrita”, elaborado pelo
CBA-RJ provavelmente entre os meses de junho e agosto de 1979.
211
Veja, 1º de agosto de 1979, p. 24.
212
O Globo, 26 de julho de 1979.
426 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

No dia seguinte, mobilizações de apoio à campanha pela anistia e em so-


lidariedade aos presos políticos em greve de fome ocorreram em São Paulo,
Alagoas, Brasília e Rio de Janeiro. Nesta cidade, um ato público convocado
por 62 entidades reuniu cerca de duas mil pessoas na Cinelândia. Enquan-
to se movimentavam, os manifestantes − entre os quais, representantes de
entidades sindicais, membros do Comitê Brasileiro pela Anistia e do Mo-
vimento Feminino pela Anistia, líderes estudantis e parlamentares − distri-
buíam panfletos e faziam comícios-relâmpago, gritando palavras de ordem
como: “É mentira a abertura, terrorismo é a ditadura” e “Anistia é a geral,
não é a parcial”. A intervalos, lia-se uma lista de “companheiros mortos,
torturados, presos e desaparecidos”, e a cada nome pronunciado um coro
respondia: “presente”. Informou-se, durante o ato, que oito presos políticos
de Pernambuco e quatro do Ceará haviam aderido à greve de fome.213 Ain-
da neste dia, os presos do Rio de Janeiro receberam a visita de deputados
estaduais fluminenses da corrente política liderada pelo governador An-
tônio de Pádua Chagas Freitas (eleito indiretamente em 1978), tradicional
aliado dos governos militares.
O mês de agosto, sabia-se, seria decisivo para a definição da anistia
que o governo se disporia a propor e, por extensão, para os rumos do
processo de transição política. O êxito da estratégia aberturista depen-
dia, entre outros fatores, da capacidade que o regime demonstrasse para
manter a ordem controlando os conflitos sociais. Em plena conjuntura
de reorganização do movimento sindical, várias greves foram desenca-
deadas ao longo do ano de 1979. Uma delas chamou particularmente a
atenção geral, devido ao grau de violência com que foi reprimida: a dos
operários da construção civil de Belo Horizonte. Deflagrada em 30 de ju-
lho, o movimento resultou em graves incidentes e na morte de vários ope-
rários.214 O Comitê Brasileiro pela Anistia manifestou-se solidário com as
mobilizações, como no caso da greve de 1.700 operários de 28 indústrias
de cerâmica em Itu (SP).215

213
Jornal do Brasil, 27 de julho de 1979 e Veja, 1º de agosto de 1979, p. 24.
214
O Globo, 31 de julho de 1979.
215
Documento sem título e data, mas provavelmente de agosto de 1979, produzido pelo
CBA-SP. As moções de apoio a greves são mais abundantes na documentação produzida
pelo CBA-SP, talvez porque a seção estivesse no olho do furacão, isto é, na região onde
elas se concentraram especialmente. No entanto, outras seções do CBA também ofereceram
apoio a movimentos fora de São Paulo.
A anistia como tática do regime 427

Talvez em face de eventos como esse, havia, no campo da oposição


parlamentar, quem não atribuísse à anistia que estava para ser adotada
grande importância política. Em sessão da Câmara no dia 1º de agosto, o
deputado Lázaro de Carvalho (MDB-RJ) classificou o projeto do governo
como “mera medida paliativa que frustrou as esperanças do povo brasileiro
e desmentiu os propósitos de redemocratização anunciados na posse do
presidente da República”. Na mesma sessão, o deputado Epitácio Cafeteira
(MDB-MA) associou o projeto de anistia parcial ao de reformulação parti-
dária, destinada não à “consolidação democrática”, mas à extinção do MDB,
como tentativa de enfraquecimento das forças oposicionistas no país”.216
No próprio campo de luta pela anistia, problemas internos o enfraque-
ciam. Por falta de quórum ‒ compareceram, apenas, representantes das se-
ções do CBA-RJ, BA, CE e Brasília, os dois últimos na condição de observa-
dores ‒, não se realizou a reunião Comissão Executiva Nacional (CEN) do
CBA, programada para 1º de agosto, em Brasília. No dia seguinte, agrega-
ram-se representantes do MFPA e CBA-SP. O relatório elaborado CBA-RJ
aponta uma situação de questionamento da legitimidade da CEN:

Consideramos como muito prejudicial a impossibilidade da reunião da


CEN neste momento, o que significará que a mobilização pela AAGI [Anis-
tia Ampla, Geral e Irrestrita] em torno do projeto se fará sem coordenação
nacional e de forma atomizada. Criticamos as entidades que não compa-
receram, por subestimar a importância da CEN na coordenação do movi-
mento a nível nacional, o que significa subestimar o próprio movimento.
Sabemos que em todos os estados as tarefas são muitas neste momento,
o que não justifica a não presença, não só pela importância da reunião da
CEN como pela própria participação dela nas articulações que estão sendo
feitas em torno do projeto. Criticou-se especialmente o CBA-SP, entidade
da máxima importância neste período, cujo delegado veio a Brasília com
disponibilidade apenas para entregar documentos para o senador Teotônio
Vilela, não participando de nenhuma das discussões que realizamos, limi-
tando-se a participar da entrevista coletiva à imprensa e a estar presente na
sessão de instalação da Comissão Mista […].217

Câmara dos Deputados..., sessão em 1º de agosto de 1979.


216

217
CBA-RJ. Relatório da reunião CEN em Brasília – 1º e 2 de agosto. Rio de Janeiro, 6 de
agosto de 1979.
428 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

3.7 A Lei de Anistia – A política no dia a dia

A Comissão Mista para apreciação do projeto de anistia do governo foi


instalada no dia 2 de agosto. Foram escolhidos para integrá-la, pela Arena,
os senadores Aloísio Chaves (PA), Bernardino Viana (PI), Dinarte Mariz
(RN), Helvídio Nunes (“biônico”, pelo Piauí), Jorge Kalume (AC), Moacir
Dalla (ES) e Murilo Badaró (MG) e os deputados Ernani Sátiro (PB), João
Linhares (SC), Ibrahim Abi-Ackel (MG), Francisco Benjamim (BA), Leor-
ne Belém (CE) e Luiz Rocha (MA). Pelo MDB, os senadores Itamar Franco
(MG), Nelson Carneiro (RJ), Pedro Simon (RS) e Teotônio Vilela (AL) e
os deputados Benjamin Farah (RJ), Del Bosco Amaral (SP), João Gilber-
to (RS) e Tarcísio Delgado (MG). Os cargos diretivos da comissão foram
assim distribuídos: presidente: senador Teotônio Vilela; vice-presidente:
senador Helvídio Nunes; relator: deputado Ernani Sátiro.
De acordo com o cronograma aprovado, de 3 a 10 de agosto seriam re-
cebidas emendas ao projeto, que a comissão examinaria até o dia 18. Con-
feccionado o relatório final, o Congresso Nacional teria o prazo de 28 de
agosto a 7 de setembro para votá-lo. Imediatamente, o presidente nomeou
quatro comissões de parlamentares para visitar os presos políticos do Rio
de Janeiro, São Paulo, Salvador e Recife.218
O início da tramitação do projeto de anistia inaugurou um momento de
intensa atividade política, em especial por parte dos seus opositores. Tra-
tou-se, basicamente, de pressionar os parlamentares para que rejeitassem
o projeto ou, pelo menos, aprovassem emendas que o modificassem, ainda
que apenas parcialmente. Dada a velocidade com que os fatos se sucede-
ram, bem como a diversidade dos eventos registrados entre 2 e 28 de agos-
to – data da aprovação do projeto – e dias imediatamente seguintes, uma
cronologia fina é um bom instrumento para apresentá-los.

Dia 2:
Na Câmara, o deputado Valdir Valter (MDB-RS) destaca a importância
do trabalho dos comitês de anistia do Brasil, “responsáveis pela formação
de uma mentalidade coletiva para a conquista da anistia política”, e regis-
tra a greve de fome deflagrada pelos presos políticos do Rio de Janeiro e
Pernambuco, lamentando a “insensibilidade governamental diante do fato”.

218
O Globo, 3 de agosto de 1979.
A anistia como tática do regime 429

Defende, ainda, a inclusão dos militares punidos em 1952 no projeto subs-


titutivo ao do Executivo.219
Deputado Freitas Diniz (MDB-MA) repudia o projeto do governo e a
vigência da Lei de Segurança Nacional, característica de “um estado de be-
ligerância interna conflitante com qualquer proposta de pacificação nacio-
nal”, confirmado, segundo ele, por informações publicadas em O Liberal
(Belém) acerca de treinamento antiguerrilha que estaria sendo ministrado
pela Marinha brasileira no Norte do país, incluindo o ensino de técnicas de
tortura.
Deputado Fernando Coelho (MDB-PE) defende a reintegração auto-
mática dos servidores públicos civis e militares no mesmo nível em que
se encontravam à época da punição, bem como a inclusão de estudantes e
trabalhadores do setor privado nos benefícios da anistia.
Deputado Marcelo Cordeiro (MDB-BA) propõe que o seu partido crie
uma Comissão de Mobilização Popular para exigir do governo a anistia
ampla, geral e irrestrita.
Deputado [Antônio Carlos] Rosa Flores (MDB-RS) denuncia a “abertu-
ra política, com a imagem simpática do presidente Figueiredo”, como nada
mais sendo do que “uma roupagem nova para os propósitos do regime au-
toritário”, assim como a extinção dos partidos políticos, “medida casuística
para impedir a alternância no poder”. A seu ver, a luta da oposição deveria
centrar-se no combate ao modelo econômico vigente, causador de todos os
graves problemas brasileiros”.
Em defesa do governo Figueiredo, o deputado Júlio Martins (Arena-
-RR) exalta seus primeiros seis meses, destacando o projeto de anistia, “ges-
to concreto de conciliação e paz do nosso presidente”.220

Dia 3:
Deputado Ulisses Guimarães envia telegrama aos membros da Comis-
são Executiva do MDB, à Comissão de Anistia e aos vice-líderes do MDB
no Senado Federal e na Câmara dos Deputados convocando a todos a se
reunirem na residência do senador Teotônio Vilela para o exame de um

219
Para entender o sentido desta proposta, ver VASCONCELOS, Cláudio Beserra de. A po-
lítica repressiva aplicada a militares após o golpe de 1964.
220
Todas as informações do dia 2 em Câmara dos Deputados..., sessão em 2 de agosto de
1979.
430 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

projeto substitutivo de anistia. Do esforço, de que participaram221 os ju-


ristas Dalmo de Abreu Dallari, José Paulo Sepúlveda Pertence e Rafael de
Almeida Magalhães – advogado, político e empresário ‒, resultou, no dia 9,
o documento abaixo.222

Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, até a data da publicação desta


lei, cometeram crimes políticos ou conexos, aos que tiveram seus direitos
políticos suspensos, aos juízes, aos dirigentes sindicais, aos estudantes, aos
servidores públicos civis e militares da União, dos Estados, dos Municí-
pios, dos territórios e do Distrito Federal, aos empregados das sociedades
de economia mista, empresas públicas e fundações instituídas pelo Poder
público, punidos por motivo político, com fundamentos ou não, nos Atos
Institucionais e Complementares.
§ 1º Consideram-se conexos, para os efeitos desta lei, os crimes de qualquer
natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação
política.
§ 2º Excetuam-se dos benefícios da anistia os atos de sevícia ou de tortura,
de que tenham ou não resultado morte, praticados contra presos políticos.
Art. 2º Os juízes, os servidores públicos civis e militares e os empregados,
com ou sem estabilidade, demitidos, postos em disponibilidade, aposen-
tados, transferidos para a reserva remunerada ou reformados, anistiados
por força do art. 1º, são reintegrados nos cargos, funções, empregos ou
postos que ocupavam na data do respectivo afastamento, com promoções,
por antiguidade, a que teriam direito, se estivessem em atividade.
§ 1º […]
§ 2º O tempo de afastamento em consequência de punição é computado,
como de efetivo exercício, para todos os efeitos, inclusive para estabilidade
ou aposentadoria.
Art. 3º O anistiado pode optar, no prazo de noventa dias contado a partir da
publicação desta lei, pela aposentadoria, transferência para a reserva remu-
nerada ou reforma com provento fixado no plano de classificação de cargos,
funções, empregos ou postos e proporcional ao tempo de serviço.
..................................................................................................................................

221
CPDOC - UG cd1979.03.29 / Pasta I.
222
O deputado Alceu Colares (MDB-RS) também elaborou uma proposta de substitutivo,
essencialmente semelhante à assinada por Ulisses Guimarães. Idem.
A anistia como tática do regime 431

Art. 7º A presente anistia não prejudica nem impede a condenação e a perse-


cução, nos termos da legislação penal, dos servidores que tenham praticado
ato de improbidade, passando a se contar da data da Lei o prazo prescricional.
Art. 8º Os empregados de empresas privadas dispensados com base nos
Atos Institucionais e Atos Complementares ou por participação em gre-
ve ou movimentos trabalhistas, ou por qualquer motivo de ordem política,
inclusive com fundamento no § único do art. 482 da CLT, têm direito à
readmissão no emprego, contando-se-lhes, para efeitos previdenciários e de
estabilidade, o tempo de afastamento.
Art. 9º São anistiados os trabalhadores destituídos de cargos de direção sin-
dical […].
Art. 10º São anistiados os estudantes, professores, funcionários ou empre-
gados de estabelecimento de ensino público ou particular.223

Deputado José Carlos Vasconcelos (MDB-PE) protesta contra a ausên-


cia dos representantes da Arena na reunião da Comissão Mista encarrega-
da de examinar o projeto de anistia.
Deputado Pedro Faria (MDB-RJ) endossa a reivindicação, expressa
em memorial do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias
dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo dirigido aos
parlamentares, no sentido de que, após a concessão da anistia, seja auto-
mática a reintegração dos servidores estáveis, regidos pela CLT [Consoli-
dação das Leis do Trabalho] e demitidos por força de atos institucionais.
Deputado Otacílio Queiroz (MDB-PB) anuncia a intenção de apre-
sentar emenda ao projeto governamental de anistia com o propósito de
instituir pensão para os familiares dos presos políticos mortos nas prisões
ou em outras circunstâncias, que especificaria. Deputado Freitas Nobre
(MDB-SP) protesta contra a ausência da Arena na reunião da Comissão
Mista em que se iria apreciar requerimento de convocação de representan-
tes da OAB, ABI e CNBB para prestarem depoimento perante a mesma,
associando o fato à ação da Polícia Militar de São Paulo que impediu o
senador Teotônio Vilela de visitar os presos políticos do estado, em greve
de fome, o que indicaria que o governo pretendia interferir nos trabalhos
da comissão. Deputado João Linhares (Arena-SC) defende o governo das
acusações de Freitas Nobre.

223
CPDOC - UG cd1979.03.29 / Pasta I.
432 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Dia 5
Os presos políticos do Rio de Janeiro recebem a visita oficial da Sub-
comissão Mista do Congresso que examinava o projeto de anistia do go-
verno, integrada pelos senadores Pedro Simon (MDB-RS), Itamar Franco
(MDB-MG) e Benjamin Farah (MDB-RJ) e deputados Délio dos Santos
(MDB-RJ), Marcelo Cerqueira (MDB-RJ), Felipe Pena (MDB-RJ) e Ed-
son Khair (MDB-RJ). Também visitam os presos, neste dia, alguns dos
principais dirigentes sindicais do país – entre eles Luiz Inácio da Silva – e
diversos artistas de rádio, televisão, cinema e teatro, como Bete Mendes
e Ney Latorraca.
Maurício Anísio de Araújo, o único preso político do Rio Grande do
Norte, adere à greve de fome.

Dia 6
Os presos políticos de Fortaleza aderem à greve de fome.
Dezessete refugiados políticos em Genebra decidem fazer uma greve de
fome simbólica de 24 horas em solidariedade aos presos políticos brasilei-
ros. O CBA faz ato público em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, exi-
gindo o fim da violência, o desmantelamento do Esquadrão da Morte224 e a
anistia ampla geral e irrestrita. Comparecem representantes de sindicatos e
o deputado Francisco Amaral (MDB-RJ).225
Deputado Ademar Santillo (MDB-GO) reclama a extensão da anistia
aos punidos por atividades consideradas terroristas, “especialmente aos
jovens que, a partir da edição do AI-5, em 1968, só tiveram como alter-
nativa empunhar armas na tentativa de modificar a situação da sociedade
brasileira”.
Deputado Walter Silva (MDB-RJ) protesta contra a prisão, pelo DOPS
do Rio de Janeiro, do professor Godofredo da Silva Pinto, que, na condi-
ção de presidente da Sociedade Estadual de Professores (SEP), convocou
a categoria profissional para discutir os rumos da greve do magistério

224
Forma de organização parapolicial clandestina, voltada para o extermínio de pessoas
consideradas perigosas à ordem social ou política, presente em inúmeros países. A sua his-
tória no Brasil pode ser encontrada em BICUDO, Hélio. Meu depoimento sobre o Esquadrão
da Morte. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Ver, também, COSTA, Márcia Regina da. “São
Paulo e Rio de Janeiro: a constituição do Esquadrão da Morte”. Disponível em: <http://www.
omartelo.com/omartelo23/materia2.html>. Acesso em: 19 set. 2014.
225
Jornal do Brasil, 7 de agosto de 1979.
A anistia como tática do regime 433

estadual.226 Ao condenar o fato, verbera todas as “medidas de arbítrio”


que vinham sendo adotadas para consolidar o regime militar em um mo-
mento em que outros países da América Latina, como o Equador,227 a
Bolívia228 e o Peru estariam reingressando decididamente no regime de-
mocrático.
Deputado Aldo Fagundes (MDB-RS) consigna nos anais da Câmara
pronunciamento da Igreja Episcopal Metodista a favor da concessão de
uma anistia ampla, geral e irrestrita.
Deputado Odacir Klein (MDB-RS) lamenta que o presidente João Fi-
gueiredo tenha excluído do projeto de anistia os funcionários públicos civis
e militares, perdendo a

[…] oportunidade de tornar-se realmente popular mediante a concessão


dessa medida de maneira ampla, geral e irrestrita, o que seria muito mais
eficaz do que as campanhas [que vinham sendo empreendidas] com a fina-
lidade de fazer simpática a figura de Sua Excelência”, e afirma que a insistên-
cia na anistia parcial se devia a uma “necessidade de distrair, com a discus-
são da matéria, a opinião pública dos graves problemas socioeconômicos
que [estavam] levando o país à falência.229

226
Sobre a greve, ver MIRANDA, Kênia. “Professores não são desordeiros”: repressão po-
licial e radicalização do CEP na greve de 1979”. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓ-
RIA – ANPUH, 26., São Paulo. Anais... São Paulo, julho 2011. Disponível em: <http://www.
snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300889057_ARQUIVO_ANPUH2011KeniaMi-
randa.pdf>. Acesso em: 20 set. 2014.
227
Depois de sete anos de regime militar, o Equador adotou, em 10 de agosto de 1979, nova
Constituição.
228
Derrubado do poder o general Hugo Banzer em 1978, a Bolívia, um ano depois, pareceria
estar se encaminhando para um regime constitucional democrático. Sob um regime militar
desde 1978, o Peru organizou em 1979 uma Assembleia Nacional Constituinte, que dotou o
país de uma constituição democrática.
229
Câmara dos Deputados..., sessão em 6 de agosto de 1979. O governo Figueiredo iniciou-
-se sob o signo da crise do modelo que viabilizara o “Milagre econômico”, combinando-se
elementos de esgotamento interno com adversidades oriundas da economia internacional,
pressionada pelo chamado “segundo choque do petróleo”, em inícios de 1979. A propósito,
ver MACARINI, José Pedro. Crise e política econômica: o Governo Figueiredo (1979-1984).
IE/UNICAMP, junho 2008. (Texto para Discussão, n. 144). Disponível em: <http://www.
eco.unicamp.br/docprod/downarq.php?id=1774&tp=a>. Acesso em: 20 set. 2014.
434 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Dia 7
Deputada Cristina Tavares (MDB-PE) lê pronunciamentos de entidades
contrárias ao critério restritivo do projeto de anistia do governo.
Deputado Benedito Marcílio (MDB-SP) – líder metalúrgico em Santo
André (SP) ligado ao movimento Convergência Socialista ‒ se insurge con-
tra o projeto, frisando tratar-se apenas de “esboço de um perdão parcial”
injusto, “por deixar a critério das administrações a readmissão dos que per-
deram o emprego em decorrência de atos de exceção”.
Deputado Iranildo Pereira (MDB-CE)) manifesta solidariedade aos
presos políticos do Instituto Penal Paulo Sarasate, no Ceará, em greve de
fome contra o projeto de anistia do governo.230
“Show da Anistia” reúne cerca de três mil pessoas no Circo Renascente,
no Rio de Janeiro. Organizado pelo Comitê Brasileiro pela Anistia, o even-
to contou com a participação de artistas como Gilberto Gil, Luís Melodia,
Jorge Mautner e Jards Macalé.
3º Encontro Nacional dos Movimentos pela Anistia em Piracicaba (SP).

Dia 8
Cinco231 − Aldo Silva Arantes, Aton Fon Filho, Carlos Alberto Soares,
Francisco Gomes da Silva e Manuel Cirilo de Oliveira Neto − dos doze
presos políticos do presídio do Barro Branco, em São Paulo, entram em
greve de fome com o objetivo de sensibilizar o governo para “o atendi-
mento do anseio nacional de uma anistia ampla, geral e irrestrita”. A nota
assinada pelos cinco, e distribuída pelo Comando-Geral pela Anistia Am-
pla, Geral e Irrestrita em manifestação realizada na Praça da Sé, na capital
paulista, por cerca de cinco mil pessoas, diz que “o projeto de anistia do
Governo, conquistado pelos setores oprimidos da sociedade brasileira,
transformou-se numa manobra do governo que, fiel a uma política de
violência e repressão, elaborou um instrumento para ocultar seus pró-
prios crimes, beneficiando o mínimo possível suas vítimas”. O projeto é
interpretado como parte do processo de institucionalização do regime,
por isso, os presos paulistas entendem que a luta pela anistia é um passo

Câmara dos Deputados..., sessão em 7 de agosto de 1979.


230

231
Elza Monnerat, então com 66 anos de idade e única presa política de São Paulo, tam-
bém aderiu à greve de fome, como já foi mencionado, embora, na mesma situação de Aldo
Arantes, em tese estivesse habilitada à anistia pelo projeto do governo. Movimento, 20-26 de
agosto de 1979, p. 6.
A anistia como tática do regime 435

na luta pela democracia e pela liberdade. Pelo mesmo motivo, recusam o


indulto que, anunciava-se, o governo daria, já que não haveriam de “pe-
dir clemência a um regime despótico”.232 Em Salvador, 1.500 pessoas são
cercadas e, algumas, agredidas por policiais quando tentavam realizar na
porta do Teatro Castro Alves um ato público, organizado pelo CBA em
prol da anistia ampla, geral e irrestrita e que acabou se dando em frente
à sede do MDB.233
Grevistas do presídio Frei Caneca recebem visita de artistas, entre os
quais, Chico Buarque, Milton Nascimento e Paulinho da Viola.
Deputado Osvaldo Lima (MDB-RJ) repudia o projeto do governo, que
exclui do benefício os chamados terroristas por “total influência da extre-
ma-direita”, e insta o governo a, “por decência, punir os torturadores, […]
a seu ver, algozes do povo”.
Deputados Marcondes Gadelha (MDB-PB) e Walter Silva (MDB-RJ)
leem manifesto de artistas brasileiros em defesa da anistia ampla, geral e
irrestrita.
Deputado Gerson Camata (Arena-ES) sustenta a tese de que “expressiva
maioria da opinião pública brasileira” seria “contrária à concessão de anis-
tia àqueles que cometeram os chamados crimes de sangue”, e, aproveitando
recentes declarações do primeiro-ministro espanhol Adolfo Suárez durante
visita ao Brasil, lembra, a propósito, a experiência negativa que estaria vi-
vendo a Espanha, “sacudida por uma onda de atentados de terrorismo”. Em
resposta, o deputado Fernando Lira (MDB-PE) critica a intenção do relator
do projeto de anistia no Congresso, senador Ernani Sátiro, no sentido de
emitir seu parecer na semana seguinte (15/8), tendo em vista que haviam
sido apresentados um substitutivo e 150 emendas.
Deputado Fernando Coelho (MDB-PE) ressalta que o projeto de anistia
apresenta um paradoxo: alcança “crimes de maior gravidade”, mas exclui do
benefício “os estudantes, professores, empregados de estabelecimentos de
ensino, públicos e particulares, punidos por infrações disciplinares previs-
tas no Decreto-lei nº 477/69 ou em textos de hierarquia inferior”.234
Dia Nacional de Luta organizado pelo CBA-SP e pelo CBA-BA.

232
O Globo, 9 de agosto de 1979.
233
Idem, 10 de agosto de 1979.
234
Câmara dos Deputados..., sessão em 8 de agosto de 1979
436 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Dia 9
Presos do Barro Branco (SP) recebem a visita do senador Teotônio Vile-
la, presidente da Comissão Mista do Congresso. Várias manifestações pela
anistia ampla, geral e irrestrita ocorrem pelo país: em Porto Alegre, Salva-
dor, Juiz de Fora, Maceió e Rio de Janeiro.
Vigília com greve de fome simbólica organizada pelo CBA-RJ.
Cerca de trezentas pessoas fazem manifestação no centro do Rio de
Janeiro em solidariedade aos presos em greve de fome. Participam pa-
rentes e amigos dos presos, artistas de televisão, teatro, rádio, cinema e
circo. O arcebispo de Porto Alegre, cardeal Dom Vicente Scherer, nega-se
a ceder a Catedral Metropolitana para a realização de uma vigília cívico-
-religiosa, promovida por representantes de quinze entidades políticas e
estudantis da capital gaúcha em favor da anistia ampla, geral e irrestrita.
O cardeal argumenta que Igreja não tem ideologia, procurando sempre o
bem comum.235
Deputado Jorge Viana (MDB-BA) informa a respeito de manifestações
da Federação dos Servidores Públicos de Brasília e da Confederação dos
Servidores Públicos do Brasil sobre o projeto de anistia do governo. Depu-
tado Carlos Alberto (MDB-RN) acusa o projeto de “visar, antes de tudo, ao
perdão dos crimes cometidos pelos próprios agentes do governo”.236

Dia 10
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Eduardo Seabra
Fagundes, volta a defender a modificação do projeto de anistia para torná-
-lo mais abrangente.237
Deputado Valdir Valter (MDB-RS) aborda a greve de fome dos presos
políticos, defende a anistia ampla, geral e irrestrita e destaca pronuncia-
mento de Adolfo Suárez, presidente da Espanha (1976-1981), desmentindo
que teria declarado estar arrependido da anistia ampla que concedera em
seu país.
Deputado João Gilberto (MDB-RS) situa o projeto do governo no mo-
mento político de “abertura controlada”, de “descompressão sem questiona-
mento do poder”, quando são apresentados, “como caminhos para a pacifi-

235
O Globo, 10 de agosto de 1979.
236
Câmara dos Deputados..., sessão em 9 de agosto de 1979.
237
O Globo, 11 de agosto de 1979.
A anistia como tática do regime 437

cação nacional, uma meia anistia, uma falsa reformulação partidária e, até
mesmo, uma distorcida Constituinte”.
Deputado Euclides Scalco (MDB-PR) denuncia a prisão, no Paraná,
dos universitários José Roberto Vasconcelos Galdino, Taoro Watari, Sidnei
Dadona e Miriam Shiro Fukuda, que percorriam Curitiba fazendo propa-
ganda de ato público em favor da anistia ampla, geral e irrestrita, marcado
para o dia 14 seguinte. Ainda a propósito do tema, deplora a atividade anti-
comunista no estado, em especial a ação do Comando de Caça aos Comu-
nistas (CCC), que vinha intimidando a população curitibana por meio de
cartas ameaçadoras.238
Senador Franco Montoro (MDB-SP) lê no plenário representações de lí-
deres trabalhistas, cientistas e artistas, enviadas ao ministro da Justiça e às
lideranças do MDB e da Arena, com pedidos de emenda ao projeto de anistia
em tramitação no Congresso, visando a ampliação dos benefícios previstos.
O pleito dos sindicalistas, encaminhado através de uma comissão, diz res-
peito a trabalhadores afastados dos seus empregos por medidas não formal-
mente políticas, portanto excluídos do rol de beneficiários da anistia por não
terem sido atingidos pelos atos institucionais. O documento apresentado por
uma delegação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
exige que a reintegração de professores e cientistas anistiados se dê automa-
ticamente, e não, como previsto no projeto de anistia do governo, por meio
de requerimento administrativo feito pelo interessado, exigência entendida
como incompatível com a dignidade de sua posição. A proposta se baseia na
premissa de que é do interesse do país, mais do que deles próprios, a sua re-
integração automática na comunidade científica e acadêmica nacional. A re-
presentação dos artistas, referendada por cerca de setecentas assinaturas, diz:

Movimento dos artistas pela Anistia ampla, geral e irrestrita.

Povo brasileiro
Homens do Governo
Presidente desta Nação

Finalmente, sentimos que é possível, pelo menos, falar. Nós, artistas brasi-
leiros, por tanto tempo amordaçados em nossa sensibilidade criativa pela

238
Câmara dos Deputados..., sessão em 10 de agosto de 1979.
438 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

censura e violentados pela autocensura, sabemos ser grande nossa respon-


sabilidade perante o povo brasileiro.
Foram longos demais esses anos de “caça às bruxas” e perseguições. Jus-
tamente quando entre os anseios do tão sofrido povo brasileiro cresce a
necessidade urgente de paz, de reconstrução de uma nação conciliada,
justamente quando o presidente “jura” fazer de nosso país uma democra-
cia, é concebida uma anistia repleta de parágrafos, de itens que restrin-
gem, e, portanto, reprimem novamente. Não podemos admitir, sobretu-
do, que, quando se pretende uma conciliação nacional, sejam anistiados
uns e marginalizados outros. E mais: perguntamos a todos, e a nós mes-
mos, o número de mortos e desaparecidos; não se sabe ainda. No entanto,
este não é o momento em que se devam reacender divergências. E nem
mesmo perguntar ‒ por mais evidente que seja a resposta ‒ quem atirou
a primeira pedra.
É o momento vital de falar, de gritar, em nome dos mais elementares prin-
cípios de direito humanos, aos sentimentos cristãos:
Chega de rancores!
Chega de ódios!
Paz!
Anistia ampla, geral e irrestrita.239

Seção paulista do CBA divulga documento subscrito por 98 parlamen-


tares em apoio à greve de fome dos presos políticos e contra o projeto de
anistia do governo. Entre os signatários emedebistas, estão os senadores
Tancredo Neves (MG), Nelson Carneiro (RJ) e Pedro Simon (RS) e os de-
putados Alceu Colares (RS), Benjamin Fará (RJ), Airton Soares (SP), Samir
Uchoa (SP) e Fernando Lira (PE). O documento defende a ideia de que a

[…] vitória dessa etapa da luta de libertação nacional, o que vale dizer vitó-
ria de uma anistia ampla, geral e irrestrita para todos os brasileiros, com o
desmantelamento do aparelho repressivo do estado ditatorial e o direito de
voltar ao país, sem constrangimentos, de todos os exilados, sem quaisquer
discriminações, é o objetivo de todos os que lutam pelas liberdades demo-
cráticas em nossa Pátria.240

239
Diário do Congresso Nacional, 11 de agosto de 1979, p. 3549-3550.
240
O Globo, 11 de agosto de 1979.
A anistia como tática do regime 439

Dia 11
O arcebispo de Olinda e Recife, D. Helder Câmara, visita os presos po-
líticos em greve de fome em Recife, transferidos para o Hospital da Polícia
Militar.
O cardeal-arcebispo de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, volta a defen-
der, em nome da Igreja Católica, a anistia de maneira ambígua, deixando
brecha para a aceitação da cláusula de reciprocidade: “A Igreja entende que
a reconciliação total é indispensável para que não sobrem restos que pos-
sam gerar vinganças. Portanto, a anistia ampla, geral e irrestrita é a solução
e não significa aval para nenhum crime cometido”.241
Início, no Rio de Janeiro, do Encontro Nacional dos Atingidos, aprova-
do no II Encontro Nacional de Movimentos pela Anistia. O encontro, que
se estenderia ao dia seguinte, sistematiza grande número de denúncias da
situação dos presos políticos, dos ex-presos e da prática de torturas no país,
bem como da situação dos mortos e desaparecidos, cujos familiares envia-
ram uma carta ao presidente da República, reclamando o esclarecimento
do seu paradeiro. Como principal resolução do encontro, fica decidido o
reforço da caravana a Brasília no dia da votação do projeto sobre anistia no
Congresso Nacional. A Comissão de Exilados elabora um documento em
que apresenta duas medidas a serem exigidas do governo como comple-
mento da anistia: 1. “Eliminação dos fichários policiais do Serviço Nacional
de Informações (SNI), das estatais, dos ministérios etc., a fim de que os
atingidos não venham a sofrer restrições de ingresso no mercado de traba-
lho, em virtude de suas vinculações político-partidárias”; 2. “Considerar os
exilados, em todos os aspectos da vida, como o que realmente são − brasi-
leiros com todos os direitos assegurados”.242

Dia 13
Realiza-se no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, reunião de cerca de
trezentos ex-presos políticos, que repudiam o projeto de anistia do governo
e reafirmam o apoio à luta pela anistia ampla, geral e irrestrita. Na ocasião,
o antropólogo Darci Ribeiro, ex-chefe da Casa Civil do governo de João
Goulart, afirma que o projeto de anistia parcial corresponde a um “governo
pequeno, que só é capaz de atos medíocres, que pensa que a história lhe vai

241
Jornal do Brasil, 12 de agosto de 1979.
242
Movimento Feminino pela Anistia e Liberdades Democráticas, p. 37.
440 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

dar anistia pelo golpe de 64, pois quem precisa de anistia são eles, crimino-
sos, que conspiraram contra a Constituição”.243
Deputado Ulysses Guimarães, presidente nacional do MDB, vai ao pre-
sídio Frei Caneca (RJ) acompanhado de uma comitiva de parlamentares.
Presos políticos de Fortaleza são visitados pelo deputado Roberto Frei-
re (MDB-PE), membro da Comissão Mista do Congresso encarregada de
analisar o projeto de lei de anistia.
Deputado Valdir Valter (MDB-RS) comenta o processo de redemocrati-
zação do Equador, ressaltando a concessão de anistia ampla, geral e irrestri-
ta a todos os perseguidos pelo regime militar que vigorara no país, cujo fim
considera “auspicioso para a democracia no continente”, enquanto condena
a presença do vice-presidente da República do Brasil nas comemorações do
25º aniversário do regime ditatorial comandado no Paraguai pelo general
Alfredo Stroessner.
Deputado José Costa (MDB-AL) reforça a posição dos que acusam o
projeto de anistia de visar apenas “os que, em nome da nova ordem, viola-
ram os direitos humanos, reservando para os que discordaram do regime
uma anistia pífia e ilusória”.244

Dia 14
No “Dia Nacional de Luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita”, milhares
de pessoas atendem à convocação feita por quase cem instituições ‒ CBA,
MFA, entidades estudantis e sindicais, entre outras ‒ e realizam ato público
na Cinelândia, no Rio de Janeiro. O ato se transforma em passeata, que per-
corre algumas ruas do centro da cidade entoando slogans como: “O povo,
na raça, já conquistou a praça”, “Agora, já, libertem nossos presos” e “Anistia
é a geral, não é a parcial”. À frente, representantes de 132 entidades, treze
parlamentares do MDB e líderes da greve dos professores estaduais. Artistas
e estudantes do Grupo Independente de Teatro pela Anistia encenam uma
peça sobre o drama dos presos políticos. Uma coroa de flores é depositada
aos pés da estátua de Tiradentes. Faz-se, também, um minuto de silêncio
em homenagem aos mortos e desaparecidos, após o que é entoado o Hino
Nacional. A polícia acompanha a manifestação, sem reprimi-la. Panfletos
com informações sobre os presos políticos são distribuídos por elementos

243
Movimento, 20-26 de agosto de 1979, p. 7.
244
Câmara dos Deputados..., sessão em 13 de agosto de 1979.
A anistia como tática do regime 441

identificados pelos manifestantes como ligados ao aparato de repressão.245 A


revista Veja estima os presentes em seis mil pessoas246, e o jornal Movimento,
em vinte mil, o que constituiria a maior manifestação de rua registrada no
Rio de Janeiro desde as grandes mobilizações de 1968.247 A disparidade de
estimativas suscita um comentário do jornalista Roberto Martins:

A cobertura dada ao fato pela grande imprensa foi claramente tendenciosa.


Enquanto os jornais do Rio, apesar das suas fotografias de primeira página
mostrarem a imensa massa humana, falavam vagamente em milhares de
pessoas, sem precisar o número (apenas a Tribuna da Imprensa calculou os
manifestantes em 25 mil), os jornais de São Paulo, como a Folha e o Estadão,
disseram ter havido apenas uns parcos três mil manifestantes. A tendencio-
sidade dos grandes jornais foi clara: entre a maioria dos repórteres que co-
briram a manifestação havia o consenso de que o número de manifestantes
estava entre 15 e 25 mil. No caso da Folha de S. Paulo, a matéria que chegou
em São Paulo falava textualmente que participaram do ato entre 15 e 20 mil
pessoas, mas o jornal deixou-se cair com a boca na botija: enquanto na ma-
téria principal, na página 6, o número foi reduzido para três mil, na página
16, em matéria sobre a cobertura da greve dos professores, fala-se em 15 mil
manifestantes, ainda na Cinelândia, no início da passeata.248

Atos públicos com o mesmo sentido se realizam em São Paulo e Reci-


fe. Simultaneamente, uma caravana se dirige a Brasília para fazer pressão
249

junto ao Congresso Nacional em favor da anistia ampla, geral e irrestrita e


em apoio à greve de fome dos presos políticos. No Congresso, os deputados
Tertuliano Azevedo (MDB-SE) e Jerônimo Santana (MDB-RO) justificam
propostas de modificação do projeto do governo.250

Dia 15
Quarenta e dois bispos, padres e pastores das igrejas cristãs divulgam
manifesto por uma anistia ampla, geral e irrestrita:

245
O Globo, 14 de agosto de 1979.
246
Veja, 22 de agosto de 1979, p. 38.
247
Movimento, 20-26 de agosto de 1979, p. 7.
248
Ibidem.
249
Jornal do Brasil, 15 de agosto de 1979 e O Globo, 15 de agosto de 1979.
250
Câmara dos Deputados..., sessão em 14 de agosto de 1979.
442 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

No atual momento da realidade brasileira, onde se declara que há uma


busca de caminhos para a construção de uma sociedade democrática e
justa, onde a problemática da anistia aparece como um dos elementos
fundamentais, nós cristãos de diversas Igrejas, fundamentados no Evan-
gelho de Jesus Cristo, comprometidos com sua opção pelos pobres e opri-
midos, juntamos nossas vozes aos diversos segmentos da sociedade brasi-
leira, afirmando que: 1º) lutamos e apoiamos uma anistia que seja ampla,
geral e irrestrita, dentro de um espírito de grandeza e de profundo alcance
político, reintegrando plenamente todos sem discriminação à sociedade
brasileira; 2º) reconhecemos que a luta pela anistia ampla, geral e irrestri-
ta é parte de uma luta maior pelo pleno estabelecimento da democracia
em nosso país, inclusive a extinção de todos os instrumentos e órgãos
que têm sido usados para reprimir violentamente os legítimos reclamos
da sociedade brasileira, especialmente dos setores populares, excluídos
sistematicamente do processo de decisão e desenvolvimento nacional; 3º)
compreendemos a dor e os esforços que estão sendo feitos por aqueles
que não foram atingidos pelo projeto de anistia enviado pelo Executivo
ao Congresso, assim como pelos seus familiares e amplos setores da so-
ciedade; 4º) esperamos que o Congresso Nacional, ouvindo o inconteste
clamor da nação brasileira e usando do seu pleno direito, transforme o
projeto da anistia num ato amplo e condizente com as aspirações de toda
a sociedade; 5º) assumimos, de acordo com o imperativo cristão, toda a
dor e sofrimento daqueles que lutam pela sua liberdade, sem nos conside-
rarmos inflexíveis julgadores de suas ações, e, nesse espírito, renovamos
nossa esperança de que esses sentimentos possam tornar-se brevemente
uma realidade.251

Em Paris, refugiados políticos brasileiros realizam greve de fome de 48


horas, em solidariedade ao movimento.
Deputado Nilson Gibson (Arena-PE) afirma que Pernambuco irá “pa-
gar alto preço pela abertura democrática, com a volta à atividade de políti-
cos cassados, como os senhores Miguel Arraes, Francisco Julião e Gregório
Bezerra, com novas agitações nos meios urbanos e rurais”.252

251
O Globo, 16 de agosto de 1979.
252
Câmara dos Deputados..., sessão em 15 de agosto de 1979.
A anistia como tática do regime 443

Dia 16
Deputado Benedito Marcílio (MDB-SP) lê, para que conste dos anais, o
documento final do II Encontro dos Movimentos de Anistia, realizado em
São Paulo, em julho.
Deputado Edgar Amorim (MDB-MG) relata visita que, com o deputado
Ulisses Guimarães, fez aos presos políticos em greve de fome no Rio de Ja-
neiro, ressaltando o fato como “mais uma demonstração de repúdio da opi-
nião pública nacional ao caráter restrito e discriminatório de que se reveste
o projeto de anistia encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional”.
Deputado Epitácio Cafeteira (MDB-MA) protesta contra a orientação do
relator da Comissão que examina a proposta de anistia do Governo Federal
ao não incluir no substitutivo que apresenta as emendas nº 479 e nº 275, de
sua autoria, que “visavam, a primeira, corrigir injustiça cometida contra o
servidor demitido sob a acusação de improbidade e absolvido posterior-
mente pelo Poder Judiciário, e, a segunda, devolver os bens confiscados
por suspeita de improbidade aos seus legítimos proprietários, desde que
tenham sido considerados inocentes pela Justiça”. Afirma, ainda, estranhar
que “o referido substitutivo não conceda anistia para os honestos e benefi-
cie os acusados de corrupção eleitoral”. Deputado Tidei de Lima (MDB-SP)
critica o caráter restrito da proposta de anistia do governo e analisa o con-
ceito de “terrorista”, que, no seu entender, não se aplicaria aos “que parti-
ciparam dos movimentos armados havidos […] no período 1967-1973”.253

Dia 17
Em Lisboa, é realizada manifestação em apoio à anistia ampla, geral e
irrestrita no Brasil.
Cerca de mil pessoas participam em São Paulo de manifestação orga-
nizada por entidades sindicais e estudantis contra o projeto de anistia do
governo, contra as prisões de trabalhadores que vinham acontecendo em
Belo Horizonte e Porto Alegre e em solidariedade à greve de fome dos pre-
sos políticos, que completava um mês naquele dia. A convocatória para o
ato dizia:

A ditadura prova, mais uma vez, que sua anistia é uma farsa e que sua aber-
tura não serve para os trabalhadores. Assim, não só a grande maioria dos

253
Câmara dos Deputados..., sessão em 16 de agosto de 1979.
444 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

presos políticos continua na cadeia, em greve de fome, como seu aparato de


repressão continua matando e prendendo jovens e trabalhadores que lutam
por seus direitos.

Gritando palavras de ordem como “Abaixo Figueiredo” e “Anistia am-


pla, geral e irrestrita”, os manifestantes são apenas observados pela polícia,
que não efetua prisões.254
Deputado Amadeu Geara (MDB-PR) destaca manifestação pública rea-
lizada em Curitiba, que reuniu mais de 1.500 pessoas em favor da anistia
ampla, geral e irrestrita, e condena as atividades de organizações de extre-
ma-direita no Paraná “em represália à campanha pela pacificação da famí-
lia brasileira”. Deputado Ludgero Raulino (Arena-PI) transmite e apoia ma-
nifestação da Loja Grande Oriente do Estado do Piauí a favor do projeto de
lei sobre anistia apresentado pelo governo, sugerindo “que aos funcionários
civis e militares punidos com base nos atos institucionais e inocentes pelos
tribunais se assegure no serviço público, com indenização correspondente
aos direitos e vantagens a que teriam feito jus durante o período de afasta-
mento”. Deputado Luís Cechinel (MDB-SC) condena o projeto do gover-
no “por favorecer os torturadores, sem beneficiar as suas vítimas”. Euclides
Scalco relata visita que, com Ulisses Guimarães e outros parlamentares,
fez aos presos políticos em greve de fome no Rio de Janeiro, acentuando
o caráter político do movimento, por terem sido excluídos do projeto e do
substitutivo aprovado pela Comissão Mista. Manifesta-se, também, contra
panfletos não assinados distribuídos no Congresso Nacional que classifica-
vam de terroristas os presos políticos, considerando incoerência do gover-
no aceitar essa definição ao mesmo tempo em que reconhece “o governo
dos sandinistas que, como aqueles brasileiros, lutaram com armas na mão
por uma pátria livre”.255 Jorge Gama protesta contra a discriminação de
“brasileiros que, em dado momento, participaram da luta armada contra o
regime”, lembrando os “atos de violência, arbítrio e prepotência que foram
cometidos pela Revolução de 1964”. Geraldo Bulhões (Arena-AL) justifica
emenda que apresentou ao projeto de lei de anistia no sentido de autorizar

Folha de S. Paulo, 18 de agosto de 1979.


254

Referência à “Revolução Sandinista”, vitoriosa na Nicarágua em julho de 1979, após a


255

deposição de Anastásio Somoza, último representante de uma família que monopolizava o


poder no país desde 1936.
A anistia como tática do regime 445

o presidente da República a conceder anistia por decreto aos brasileiros


não beneficiados pela iniciativa do governo. Deputado Hildérico Oliveira
(MDB-BA) informa que a Maçonaria estava “empenhada na redemocrati-
zação do Brasil, na pacificação da família brasileira, propugnando, nesse
sentido, pela anistia ampla, geral e irrestrita”.256

Dia 19
Os presos do Rio em greve de fome são surpreendidos pela visita do
presidente do Senado, Luís Viana Filho (Arena-BA), acompanhado do se-
nador Teotônio Vilela.
O preso político Haroldo Lima entra em greve de fome na Bahia.

Dia 20
Deputado Francisco Pinto (MDB-BA) comenta a fuga de Theodomiro
Romeiro dos Santos − como já visto, primeiro condenado à morte no país
depois que a ditadura restabeleceu a pena, em 1969 − da Penitenciária Le-
mos de Brito, em Salvador, apontando no episódio a primeira consequên-
cia da anistia restrita que o presidente da República propôs ao Congresso
Nacional.257 Declara apoiar a greve de cerca de 40 mil professores do 1º e 2º
graus na Bahia.
Deputado Ronan Tito (MDB-MG) corrobora a tese de que foi a incerteza
diante da decisão do Congresso sobre a anistia que provocou a fuga de Theo-
domiro em Salvador, “que arriscou a própria vida ao escapar da prisão”.
Deputado Antônio Zacarias (Arena-SP) apela aos presos políticos em
greve de fome no sentido de interromperem este “sacrifício inútil”.
Deputado João Gilberto (MDB-RS) transmite manifestação do Sindi-
cato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro “contra a
intensidade da ação repressiva exercida sobre a classe e em defesa da con-
cessão de uma anistia ampla, geral e irrestrita para que se processe a autên-
tica redemocratização do país”.

Câmara dos Deputados..., sessão em 17 de agosto de 1979.


256

257
A decisão de fugir decorreu da certeza que tinha de estar excluído da anistia que o go-
verno concederia. Exilado na França, Theodomiro dos Santos só retornaria ao Brasil em
1985, quando prescreveu a sua condenação. Sobre o assunto, ver ESCARIZ, Fernando. Por
que Theodomiro fugiu. São Paulo: Global, 1980; e SILVA, Ângela Moreira Domingues da.
Ditadura militar e repressão legal: a pena de morte rediviva e o caso Theodomiro Romeiro
dos Santos (1969-1971).
446 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Deputado Paulo Marques (MDB-PR) critica o neologismo “democra-


cia relativa”, cunhado pelo governo,258 e o projeto de anistia encaminhado
ao Congresso Nacional, “impregnado da Doutrina de Segurança Nacional,
imposta ao país pelos Estados Unidos e encampada pela Escola Superior
de Guerra”.259
Senador Leite Chaves (MDB-PR), inscrito para falar sobre o problema
energético nacional, muda de rota e aborda o tema da anistia. Entende
que o país vive sob “relativa democracia”, por isso a iniciativa da anis-
tia cabe ao presidente da República, mas este, não decidindo sozinho,
enviara o projeto ao Legislativo. Pergunta quem são os terroristas que
se quer excluir dos benefícios da anistia: “Aqueles rapazes, estudantes,
mal saídos da puberdade, que, tomados do ardor normal da juventude,
ousaram sequestrar embaixadores ou violentar [sic] bancos?”. Argumenta
juridicamente, observando que os crimes são tipificados de acordo com a
intenção dos seus autores e, “no caso do que eles chamam de terrorismo,
a violação da vida não foi o móvel do crime; o móvel do comportamen-
to foi outro, foi de natureza política e para criação de um fato político”.
Compara os presos que se encontram em greve de fome com jovens nica-
raguenses que haviam participado vitoriosamente da luta revolucionária
contra a ditadura de Anastásio Somoza: “Os motivos do comportamen-
to foram os mesmos, apenas foram vitoriosos, tendo hoje o respeito da
pátria e a admiração do mundo”. Estende a comparação a personagens
da história brasileira, como Tiradentes, que, condenados em seu tempo,
acabaram sendo venerados como heróis. Crime de fato, violência maior
do que “um sequestro com finalidade de fuga”, teriam cometido os “tor-
turadores, já previamente absolvidos no projeto do governo. E quantos
houve no Brasil? E quantos existem? E quantos foram culpados? Quem
sabe das violências, ou quem tem conhecimentos das maquinações de-
sumanas, inomináveis perpetradas contra Herzog? Quem tem conheci-
mento das circunstâncias dentro das quais foi assassinado Rubens Paiva?
Muitos aqui também têm conhecimento de um fato ocorrido no Brasil:
para conseguirem a confissão de uma mãe, os torturadores chegaram a
usar eletrochoque na filha menor diante dos seus próprios olhos […]. En-

258
Termo usado pelo general Ernesto Geisel, quando presidente, para qualificar o conteúdo
democrático do processo de transição política por ele desencadeado.
259
Câmara dos Deputados..., sessão em 20 de agosto de 1979.
A anistia como tática do regime 447

tão, que moral tem o governo que exclui uns sob alegação de terrorismo,
mas que sequer submete a processo torturadores?”.260

Dia 21
Ato público, promovido pelo CBA-SP contra o projeto de anistia do Go-
verno, reúne cerca de dez mil pessoas na Praça da Sé, na capital paulista.
Congresso Nacional realiza duas sessões para discutir o projeto de anis-
tia do governo. Centenas de defensores da anistia ampla, geral e irrestrita,
vindos de vários pontos do país, ocupam as galerias e o plenário da Câmara.
Está presente uma comitiva do MFPA-RJ, integrada por, entre outras, Judite
Lisboa, Regina Sodré von der Weid, Iracema Teixeira, Antonieta Campos
da Paz, Cleonice Nicoll, Iolanda Pires, Maria Luísa Vilela de Andrade, Ma-
ria Helena Moreira Alves. A elas se juntam outros ativistas da luta pela anis-
tia para visitar os parlamentares em seus gabinetes e convencê-los a votar
na emenda de Djalma Marinho (Arena-RN), considerada mais abrangente
do que o projeto do governo.261 No plenário, os emedebistas aparentam se
dividir: alguns deputados e senadores tendem a votar contra o projeto do
governo, enquanto a liderança do partido recomenda outra posição, como
o senador Paulo Brossard (RS): “Se apenas cinco pessoas forem anistiadas,
serão cinco pessoas anistiadas graças à pregação do MDB”. A posição da
Arena também suscita discussões, principalmente em relação à fidelidade
dos parlamentares ao governo. Diante de informações dando conta de que
alguns arenistas poderiam até votar na emenda proposta pelo deputado
Djalma Marinho, os líderes decidem “fechar questão simbolicamente”, re-
comendando a todo o partido votar no substituto do relator Ernani Sátiro
(Arena-PB), que incorporou mais de sessenta emendas ao projeto origi-
nal.262 Segundo um órgão de imprensa:

Autorizados pelo presidente Figueiredo e pelo ministro da Justiça, Petrônio


Portela, os líderes da Arena na Câmara e no Senado retocaram o texto origi-
nal com seis artigos e cinco parágrafos que ampliam de alguma forma as di-

260
Diário do Congresso Nacional, 21 de agosto de 1979.
261
Movimento Feminino Pela Anistia e Liberdades Democráticas, p. 38.
262
A ampliação da abrangência da anistia para o período entre 2 de setembro de 1961 −
data da anistia anterior − e 27 de junho de 1979 − dia da remessa do projeto ao Congresso
Nacional – resultou da incorporação de emenda apresentada pelo senador Aderbal Jurema
(Arena-PE). PASSARINHO, Jarbas. Um híbrido fértil, p. 482.
448 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

mensões da medida. Para começar, a data-limite passou de 31 de dezembro


de 1978 para este 15 de agosto. Além disso, entram na anistia os dirigentes
sindicais punidos por atos institucionais e os empregados de empresas pri-
vadas despedidos por participação em greves − um detalhe de efeito prático
nulo, pois isso não lhes dará o direito de recuperarem seus empregos.

Consolidadas no substitutivo aprovado na última quarta-feira [15/8],


pela comissão mista do Congresso, tais mudanças permitirão também que
parentes de desaparecidos possam requerer uma “declaração de ausência
da pessoa”. Os políticos puderam ainda incluir uma modificação em seu
próprio benefício − a anistia para os chamados “crimes eleitorais”, como a
transgressão da lei que proíbe a propaganda eleitoral nas 48 horas anterio-
res ao pleito, ou coisas mais sérias, como a compra de votos.263
Cinco dos presos políticos em greve de fome têm suas penas reduzidas
pela 3ª Auditoria do Exército por terem sido adequadas à nova Lei de Se-
gurança Nacional.264
Deputado Edson Khair (MDB-RJ) classifica de “singular” o projeto de
anistia do governo, porque não libertaria os presos políticos, observando
que até ditaduras sul-americanas, do tipo sustentado pelo general Pinochet,
anistiaram os presos políticos, “enquanto no Brasil não se beneficiam com
a medida os condenados por tribunais de exceção, depois de submetidos
a inomináveis torturas, quando se trata de patriotas que lutaram contra a
usurpação do poder”.
Deputado José Frejat (MDB-RJ), para defender a anistia ampla, geral e
irrestrita, contesta os que recusam o benefício da medida para os acusados
de “crimes de sangue”, lembrando os “delitos praticados por parte dos res-
ponsáveis pelo regime implantado no país em 1964”.
Deputado Marcelo Cerqueira (MDB-RJ) classifica como iníquos o pro-
jeto de anistia e o substitutivo Ernani Sátiro, por cogitarem “discriminar
réus de um mesmo processo, anistiando uns e mantendo a condenação de
outros, inclusive presos políticos em greve de fome, visitados pelo presi-
dente do Congresso Nacional, os quais não são terroristas, mas opositores
do regime vigente no país”.
Deputado Nilson Gibson (Arena-PE) adverte Miguel Arraes e todos

263
Veja, 22 de agosto de 1979, p. 38.
264
O Globo, 22 de agosto de 1979.
A anistia como tática do regime 449

os políticos que viessem a ser beneficiados com aprovação do projeto de


anistia para “as limitações a que se devem submeter, de vez que as Forças
Armadas estão vigilantes contra a tentativa de subversão interna”.
Deputado João Gilberto (MDB-RS) reconhece que o governo demons-
tra “inteligência ao defender a anistia nesse momento, mesmo que incom-
pleta, pois pretende desviar a atenção do povo da gravidade da crise econô-
mica para uma pseudo-abertura política”.
Deputado Elquisson Soares (MDB-BA) critica o projeto governamental,
afirmando que o povo repudiava “o item da proposição que beneficia os
torturadores”.
Deputado Marcelo Cerqueira (MDB-RJ), após comparar a anistia pro-
posta pelo governo com as concedidas ao fim do Estado Novo (1937-1945)
e durante o processo de redemocratização da Espanha, conclui que o pro-
jeto em exame constitui “mera tentativa de prolongar-se a permanência do
regime exceção vigente, através de manobras que visam essencialmente à
divisão das forças oposicionistas no país”.
Deputado Benedito Marcílio (MDB-SP) defende a concessão de uma
anistia ampla, geral e irrestrita associada à revogação de todas as leis de
exceção, inclusive os dispositivos em vigor sobre o direito de greve e a se-
gurança nacional, para possibilitar a implantação de um “regime verdadei-
ramente democrático”.
Deputado Vladmir Belinati (MDB-RS) conclama o Congresso Nacional
a “decidir-se pela constituição de uma CPI [Comissão Parlamentar de In-
quérito] sobre a prática de torturas e violações dos direitos humanos, caso
o governo persista na aprovação de uma anistia restrita”.
Deputado Lázaro de Carvalho (MDB-RJ) aponta distorções no projeto
de anistia: “exclusão de pessoas destituídas de cargos administrativos e de
representação sindical, de estudantes e professores punidos por atos de ex-
ceção, dos condenados pela prática de crimes políticos, além de beneficiar
agentes da repressão, que cometeram os mais hediondos atentados contra
os direitos humanos”; “condicionamento do retorno ou reversão dos ser-
vidores públicos à existência de vaga e ao interesse da administração e a
exigência de requerimento para a concessão do perdão, concluindo que as
comissões previstas para instruir e processar os pedidos de reintegração
nada mais serão do que verdadeiros tribunais secretos de arbítrio dotados
do poder de decidir sobre o direito de milhares de brasileiros injustamente
afastados de suas atividades”.
450 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Deputado João Linhares (Arena-SC) defende o governador Antônio


Carlos Magalhães (Arena-BA) da acusação feita pelos deputados Alberto
Goldman (MDB-SP) e Marcelo Cordeiro (MDB-BA) por causa da violên-
cia policial usada contra populares que faziam manifestação em favor da
anistia. Goldman protesta, também, contra a prisão de dois membros do
Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Brasília, quando dis-
tribuíam material convocando a população para um ato público pela anis-
tia ampla, geral e irrestrita.
Deputado João Cunha (MDB-SP) conclama os parlamentares da Arena
e do MDB a tentarem encontrar um denominador comum na votação do
projeto de anistia.
Deputado Del Bosco Amaral (MDB-SP) também pede a união dos par-
tidos, mas em torno da emenda apresentada por Djalma Marinho (Arena-
-RN).
J. G. de Araújo Jorge (MDB-RJ) defende a Emenda Constitucional nº 8,
apresentada pelo Bloco Parlamentar Trabalhista-Socialista incorporado ao
MDB, favorável à anistia ampla, geral e irrestrita.
Deputados João Cunha (MDB-SP) e Fernando Coelho (MDB-PE) e
senador Aderbal Jurema (Arena-PE) denunciam violências que teriam
sido cometidas contra a “manifestação em favor da anistia que populares
estavam realizando nas rampas de acesso ao edifício-sede do Congresso
Nacional […], dissolvida pelo lançamento de bombas de gás lacrimogê-
neo”.
Fernando Coelho (MDB-PE) leva ao conhecimento do Congresso Na-
cional carta dos parentes dos presos políticos mortos ou “desaparecidos”
ao presidente da República e denuncia a prisão de membros do Comitê
Brasileiro pela Anistia em Juiz de Fora (MG).
Senador Aderbal Jurema (Arena-PE) “considera o substitutivo adotado
pela Comissão Mista como a primeira grande etapa para que a anistia venha
depois a ser estendida aos que não serão contemplados no momento”. É apar-
teado pelo senador Nelson Carneiro (MDB-RJ), que defende emenda de sua
autoria, pela qual condenados excluídos da anistia a ser aprovada teriam o di-
reito de propor revisão criminal perante o Superior Tribunal Militar (STM),
com recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal (STF), e lembra no-
tícia de que o presidente da República poderia lhes conceder indulto, exa-
minado caso a caso, concluindo que sua emenda se ajustava “à filosofia do
governo de concessão sucessiva do benefício até se chegar à anistia irrestrita”.
A anistia como tática do regime 451

Deputado Paulo Torres (Arena-RJ) se manifesta contrariamente ao


substitutivo do relator.
Deputado Carlos Santana (Arena-BA) insiste na tese de que o projeto
do governo é mais amplo do que a emenda substitutiva do MDB, partido
que, no seu entendimento, sofria de “um processo de autodestruição, na
medida em que o próprio governo, adiantando-se, ofereceu o benefício que
constituía a grande bandeira oposicionista”.
Deputado Jader Barbalho (Arena-PA) invoca os casos Para-Sar,265 Jaca-
reacanga e Aragarças266 para discutir a situação dos condenados por terro-
rismo.
Deputado Benedito Marcílio (MDB-SP), sempre procurando aprofun-
dar e ampliar os horizontes da discussão do projeto, destaca o papel que os
trabalhadores deveriam desempenhar na conquista da anistia ampla, geral
e irrestrita, bem como na extinção da Lei de Segurança Nacional, da legis-
lação sobre greves e da legislação trabalhista.
Edson Khair (MDB-RJ) protesta contra a presença de militares no re-
cinto “com o intuito de impedir a livre manifestação dos que estão real-
mente interessados em acompanhar a votação do projeto”, declarando que,
opondo-se a ele por não beneficiar os presos políticos que estavam em gre-
ve de fome, contraria a liderança do MDB e faria declaração de voto contra
o mesmo quando da votação da matéria.267

Dia 22
Enquanto o Congresso se prepara para votar a Lei da Anistia, grandes
manifestações públicas são realizadas em vários estados.
Deputado Elquisson Soares (MDB-BA) declara-se contra o projeto do
governo por ser restrito e propõe que o MDB, já que não se abstivera diante
dele, não dê qualquer apoio à proposta governamental.
Deputado Florim Coutinho (MDB-RJ) observa ter sido o primeiro par-
lamentar a apresentar um projeto de anistia, em 1974 ‒ reapresentado em
1975 ‒, lamenta os termos em que foi rejeitada a emenda que apresentou ao
projeto de anistia do governo e lê artigo “Anistia irrestrita e recíproca”, de
Meneval Dantas.

265
Ver capítulo 2 deste livro.
266
Sobre os dois movimentos, ver capítulo 1 deste livro.
267
Câmara dos Deputados..., sessão em 21 de agosto de 1979.
452 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Deputado Jorge Curi (MDB-RJ), comentando o clima no Congresso de-


vido à apreciação do projeto de anistia, lembra a campanha de José do Pa-
trocínio em favor da abolição da escravatura e registra a presença de mili-
tares no recinto, concluindo com votos de que o presidente venha a ampliar
a anistia, “a fim de realmente pacificar a família brasileira”.
Deputado Walter Silva (MDB-RJ) critica o projeto do governo, cita crô-
nica do escritor católico Tristão de Ataíde [Alceu Amoroso Lima] sobre as
contradições da proposta do governo, concita o presidente a meditar sobre
trechos da Bíblia e afirma que “o dia do julgamento dos que torturam e pren-
dem o povo há de chegar no Brasil, como chegou na Nicarágua e no Irã”.
Deputado Airton Soares (MDB-SP) compara o Brasil do momento com
o de 1964, concluindo que em quinze anos o país “se transformou em um
imenso hospital administrado por corruptos”. Observa que as galerias do
Congresso apresentavam “um Brasil dividido: de um lado, pessoas que de-
fendem a anistia irrestrita, a fim de que seus familiares possam regressar
ao lar, de outro, pessoas que a preferem restrita, por temerem que seja in-
vestigada sua ação criminosa dentro dos órgãos de segurança do Gover-
no”. Afirma, ainda, que “as dificuldades e sacrifícios que são impingidos ao
povo brasileiro não permitem que o MDB atenda ao apelo do governo no
sentido de aprovar o projeto de anistia como está, assim como motivaram
a recusa da oposição de sentar-se à mesa do Conselho da Pessoa Humana
como o ministro Portela”.
Deputado Freitas Diniz (MDB-MA) se opõe ao projeto e ao substitu-
tivo da Comissão Mista, ainda que este tenha sido apoiado pela liderança
do MDB, porque as propostas são discriminatórias; de passagem, comenta
declaração do ministro do Exército sobre a atuação do DOI-CODI, feita na
Câmara dos Deputados.
Deputado Modesto da Silveira (MDB-RJ) pede aos militares presentes
à sessão a compreensão para “a necessidade de restabelecer a confrater-
nização nacional, de vez que considera o país dividido entre civis e mili-
tares”.
Senador Aloísio Chaves (Arena-PA) observa que a proposta do gover-
no, “sendo mais ampla do que o projeto apresentado pelo MDB, exclui do
benefício apenas sessenta pessoas condenadas pela Justiça”.
Deputado Cantídio Sampaio (Arena-SP) justifica a exclusão de terroristas
do benefício da anistia, lembrando que, segundo o chanceler da Espanha, em
declaração recente, em seu país “os terroristas voltaram a delinquir”.
A anistia como tática do regime 453

Senador Teotônio Vilela (MDB-AL) condena o “substitutivo Sátiro”,


considerando-o pior do que o projeto proposto pelo presidente da Repú-
blica, porque “iníquo, imoral e inconstitucional”, uma vez que excluía “95%
dos que têm direitos lesados por motivação política”.
Senador Marcos Freire (MDB-PE) acusa o governo de estabelecer uma
“anistia pela metade, para atender a interesses menores dos órgãos de segu-
rança”, e sustenta que se trata de “harmonizar e reconciliar a nação” depois
de um “período que o líder da Maioria no Senado considerou de ‘guerra re-
volucionária’”, em que “houve violência de parte a parte” e “foram muitas as
vítimas da repressão”, e que, portanto, “a única solução tem de ser a anistia
ampla, geral e irrestrita”.
Deputado Freitas Nobre (MDB-SP) comenta as diversas propostas de
alteração no projeto de anistia feitas pela oposição com o propósito de “es-
tender a anistia aos estudantes, professores, funcionários e empregados de
estabelecimento de ensino punidos por motivos políticos, bem como aos
magistrados excluídos do projeto governamental”, e manifesta “a esperança
de que a Arena aprove, pelo menos, as emendas de seus correligionários
Djalma Marinho e Paulo Torres”.
Deputado Edson Khair (MDB-RJ) propõe voto de pesar por mais um
aniversário de morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek (22/8/1976),
lembrando “a anistia por ele concedida aos que se levantaram em armas
contra o seu governo, que era legitimamente constituído”.
Senador Nélson Marchezan (Arena-RS) considera a “tarde em que se
vota o projeto de anistia um momento histórico da vida nacional que vem
provar o acerto da tese de que é possível conquistar a democracia numa
marcha firme e tranquila rumo à liberdade”.
Senador Paulo Brossard (MDB-RS) reivindica para a oposição “a glória
de ter feito com que o governo encaminhasse ao Congresso Nacional o pro-
jeto de anistia”, aliás muito distante do ideal, “pela incapacidade do governo
para dialogar e negociar com a oposição antes da remessa da proposição ao
Legislativo”.
Deputado Freitas Nobre (MDB-SP) assegura que a oposição vota a favor
do “substitutivo Sátiro” com a “segurança de que os destaques que reque-
reu se constituem, praticamente, no substitutivo oposicionista pela anistia
ampla, geral e irrestrita”. Informa, ainda, a conclusão de entendimentos efe-
tuados pelo presidente nacional do MDB no sentido da retirada dos de-
mais destaques do MDB para que se pudesse proceder à votação nominal
454 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

da Emenda Djalma Marinho (Arena-RN), que concede anistia a todos os


presos políticos.268
Depois de quase nove horas de discussão, o Congresso aprovou o subs-
titutivo de Ernani Sátiro (Arena-PB) ao projeto de anistia apresentado pelo
governo. As galerias estavam repletas, ocupadas por centenas de pessoas,
de soldados da Aeronáutica − presentes por iniciativa própria para apoiar
o projeto do governo, segundo o ministro brigadeiro Délio Jardim de Ma-
tos − a membros das entidades de luta pela anistia ampla, geral e irrestrita.
Todos participavam ativamente dos trabalhos, por meio de aplausos e vaias.
Na verdade, os soldados ocuparam as galerias desde as 7 horas da manhã,
quando as portas do Congresso foram abertas. Uma hora depois, já quase
não havia nelas espaço para os representantes da oposição. No plenário, os
líderes do governo e da oposição sustentaram suas teses a respeito do projeto
de anistia. O senador arenista Jarbas Passarinho (PA) o defendia como um
passo fundamental rumo ao fim do “ódio e da intolerância” e pela “reconci-
liação nacional”. O deputado Nélson Marchezan (Arena-RS) acusou a oposi-
ção de tentar explorar a dor, em vez de aliviá-la, o que explicaria a recusa do
projeto do governo que, naquele dia “histórico”, marchava com a Arena “na
conquista da democracia”. O senador oposicionista Paulo Brossard (RS), por
sua vez, atirou para os dois lados: classificou de “paralítica” a anistia propos-
ta pelo governo, mas execrou os “terroristas”, igualando-os aos torturadores:
“Todo ato de violência é um atentado aos princípios democráticos, um ato de
negação da inteligência, podendo comparar os terroristas aos torturadores”.
O presidente da Comissão Mista que examinou o projeto, senador Teotônio
Vilela (MDB-AL), acusou o governo de, com a anistia discriminatória, trair a
nação e ‒ imbuído de legítima preocupação contrarrevolucionária preventiva
‒, convocou os parlamentares a promoverem a “rebelião das consciências”
antes que se desse a “rebelião das massas”. O projeto do governo foi aprovado
com os votos simbólicos dos líderes dos dois partidos, sendo que os emede-
bistas não deixaram de frisar que manteriam a luta pela ampliação da anistia.
Ao fim da sessão, a emenda de Djalma Marinho (Arena-RN) foi rejeitada por
206 a 201 votos. Não havendo mais emendas a discutir, o presidente do Se-
nado, Luís Viana Filho (Arena-BA), encaminhou o texto aprovado à sanção
presidencial, conforme determinado pela Constituição Federal.269

268
Câmara dos Deputados..., sessão em 22 de agosto de 1979.
269
Jornal do Brasil, 23 de agosto de 1979.
A anistia como tática do regime 455

Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979270

Concede anistia e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:


Art. 1.º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido
entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes
políticos ou conexos com estes, aos que tiveram seus direitos políticos sus-
pensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações
vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judi-
ciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com
fundamento em Atos Institucionais e Complementares e outros diplomas
legais.
§ 1.º Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer
natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação
política.
§ 2.º Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela
prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal.
§ 3.º Terá direito à reversão ao Serviço Público a esposa do militar demitido
por Ato Institucional, que foi obrigada a pedir exoneração do respectivo
cargo, para poder habilitar-se ao montepio militar, obedecidas as exigências
do art. 3.°.
Art. 2.º Os servidores civis e militares demitidos, postos em disponibilida-
de, aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, poderão, nos
cento e vinte dias seguintes à publicação desta Lei, requerer o seu retorno
ou reversão ao serviço ativo:
I - se servidor civil ou militar, ao respectivo Ministro de Estado;
II - se servidor da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assem-
bleia Legislativa e de Câmara Municipal, aos respectivos Presidentes;
III - se servidor do Poder Judiciário, ao Presidente do respectivo Tribunal;
IV - se servidor de Estado, do Distrito Federal, de Território ou de Municí-
pio, ao Governador ou Prefeito.
Parágrafo único. A decisão, nos requerimentos de ex-integrantes dos Poli-

270
Diário Oficial da União, 28 de agosto de 1979.
456 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

ciais Militares ou dos Corpos de Bombeiros, será precedida de parecer de


comissões presididas pelos respectivos Comandantes.
Art. 3.º O retorno ou a reversão ao serviço ativo somente será deferido para
o mesmo cargo ou emprego, posto ou graduação que o servidor, civil ou mi-
litar, ocupava na data de seu afastamento, condicionado, necessariamente, à
existência de vaga e ao interesse da Administração.
§ 1.º Os requerimentos serão processados e instituídos por comissões espe-
cialmente designadas pela autoridade à qual caiba apreciá-los.
§ 2.º O despacho decisório será proferido nos centos e oitenta dias seguintes
ao recebimento do pedido.
§ 3.º No caso de deferimento, o servidor civil será incluído em Quadro Su-
plementar e o Militar de acordo com o que estabelecer o Decreto a que se
refere o art. 13 desta Lei.
§ 4.º O retorno e a reversão ao serviço ativo não serão permitidos se o afas-
tamento tiver sido motivado por improbabilidade do servidor.
§ 5.º Se o destinatário da anistia houver falecido, fica garantido aos seus
dependentes o direito às vantagens que lhe seriam devidas se estivesse vivo
na data da entrada em vigor da presente Lei.
Art. 4.º Os servidores que, no prazo fixado no art. 2.º, não requererem o
retorno ou a reversão à atividade ou tiverem seu pedido indeferido, serão
considerados aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, con-
tando-se o tempo de afastamento do servidor ativo para efeito de cálculo de
proventos da inatividade ou da pensão.
Art. 5.º Nos casos em que a aplicação do artigo anterior acarretar proventos
em total inferior à importância percebida, a título de pensão, pela famí-
lia do servidor, será garantido a este o pagamento da diferença respectiva
como vantagem individual.
Art. 6.º O cônjuge, qualquer parente, ou afim, na linha reta, ou na colateral, ou
o Ministro Público, poderá requerer a declaração de ausência de pessoa que,
envolvida em atividades políticas, esteja, até a data de vigência desta Lei, desa-
parecida do seu domicílio, sem que dela haja notícias por mais de 1 (um) ano.
§ 1.º Na petição, o requerente, exibindo a prova de sua legitimidade, ofere-
cerá rol de, no mínimo, 3 (três) testemunhas e os documentos relativos ao
desaparecimento, se existentes.
§ 2.º O juiz designará audiência, que, na presença do órgão do Ministério
Público, será realizada nos 10 (dez) dias seguintes ao da apresentação do re-
querente e proferirá, tanto que concluída a instrução, no prazo máximo de 5
A anistia como tática do regime 457

(cinco) dias, sentença, da qual, se concessiva do pedido, não caberá recurso.


§ 3.º Se os documentos apresentados pelo requerente constituírem prova
suficiente do desaparecimento, o juiz, ouvido o Ministério Público em 24
(vinte e quatro) horas, proferirá, no prazo de 5 (cinco) dias e independen-
temente de audiência, sentença, da qual, se concessiva, não caberá recurso.
§ 4.º Depois de averbada no registro civil, a sentença que declarar a ausência
gera a presunção de morte do desaparecido, para os fins de dissolução do
casamento e de abertura de sucessão definitiva.
Art. 7.º É concedida anistia aos empregados das empresas privadas que, por
motivo de participação em greve ou em quaisquer movimentos reivindi-
catórios ou de reclamação de direitos regidos pela legislação social, hajam
sido despedidos do trabalho, ou destituídos de cargos administrativos ou de
representação sindical.
Art. 8.º Os anistiados, em relação as infrações e penalidades decorrentes
do não cumprimento das obrigações do serviço militar, os que à época do
recrutamento, se encontravam, por motivos políticos, exilados ou impossi-
bilitados de se apresentarem.
Parágrafo único. O disposto nesse artigo aplica-se aos dependentes do anis-
tiado.
Art. 9.º Terão os benefícios da anistia os dirigentes e representantes sin-
dicais punidos pelos Atos a que se refere o art. 1.º, ou que tenham sofrido
punições disciplinares ou incorrido em faltas ao serviço naquele período,
desde que não excedentes de 30 (trinta) dias, bem como os estudantes.
Art. 10.º Os servidores civis e militares reaproveitados, nos termos do art.
2.º, será contado o tempo de afastamento do serviço ativo, respeitado o dis-
posto no art. 11.
Art. 11.º Esta Lei, além dos direitos nela expressos, não gera quaisquer ou-
tros, inclusive aqueles relativos a vencimentos, saldos, salários, proventos,
restituições, atrasados, indenizações, promoções ou ressarcimentos.
Art. 12.º Os anistiados que se inscreveram em partido político legalmente
constituído poderão votar e ser votados nas convenções partidárias a se rea-
lizarem no prazo de 1 (um) ano a partir da vigência desta Lei.
Art. 13.º O Poder Executivo, dentro de 30 (trinta) dias, baixará decreto re-
gulamentando esta Lei.
Art. 14.º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Art. 15.º Revogam-se as disposições em contrário.
458 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

No Rio de Janeiro, são distribuídos panfletos de um Comitê Brasileiro


das Vítimas do Terrorismo ‒ seção Rio de Janeiro na área onde se reali-
zaria uma manifestação pela anistia ampla, geral e irrestrita, organizada
pelo CBA e outras entidades. Apesar das dificuldades criadas pelo presi-
dente da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, Laércio Maurício da
Fonseca (MDB), que, contrariando compromisso assumido anteriormente,
recusou-se a ceder energia elétrica, realiza-se um show em que vários ar-
tistas cantam e declamam poemas relacionados com problemas dos presos
políticos e com a anistia. Depois, é realizado ato público em favor da anistia
ampla, geral e irrestrita, saindo em seguida os manifestantes em passeata,
concluindo-se o evento com a leitura de carta dos presos políticos.271
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Seabra Fagun-
des, diz que recebeu a aprovação com “forte decepção”, já que foram ignora-
das no substitutivo várias sugestões da entidade, como a extensão da anistia
aos estudantes e operários atingidos por atos excepcionais e a ampliação da
vigência da anistia, que, originalmente, iria até 31 de dezembro passado.272
D. Luciano Mendes de Almeida, secretário-geral da CNBB, defende a
necessidade de complementação do projeto de anistia aprovado com me-
didas urgentes, de maneira a satisfazer a expectativa do povo e garantir a
extensão do processo de reconciliação nacional.273
Deputado Luiz Baptista (MDB-ES) protesta contra a manobra política,
“desnecessária e vergonhosa”, que foi “lotar as galerias do plenário da Câ-
mara dos Deputados com soldados, na sessão em que o Congresso votou o
projeto da anistia”.
Deputado Max Mauro (MDB-ES) sustenta que a aprovação do projeto
não significa o fim da luta pela anistia ampla, geral e irrestrita, porque “é
injusto e desumano, porque anistia aqueles que, em nome do Estado, tortu-
raram e mataram, ao passo que não beneficia os presos políticos”.
Deputado Álvaro Dias afirma (MDB-PR) que “a aprovação do projeto
de anistia, na forma em que foi elaborado, patenteia mais uma vez a con-
dição do Congresso Nacional de simples instrumento homologatório da
vontade governamental” e defende os presos políticos da qualificação de
terroristas e subversivos, argumentando que, “no Brasil, o terrorismo e a

271
O Globo, 23 de agosto de 1979.
272
Jornal do Brasil, 23 de agosto de 1979.
273
O Globo, 23 de agosto de 1979.
A anistia como tática do regime 459

subversão têm sido praticados por aqueles que, arbitrariamente, prendem,


torturam, matam e, por todas as formas e meios, desrespeitam os direitos
humanos”.
Deputado Sérgio Murilo (MDB-PE) lamenta a oportunidade perdida
pelo Legislativo para “afirmar-se como Poder ao aprovar o projeto do go-
verno”, observando que “a submissão da Minoria impediu fosse ampliado o
alcance da proposição”.
Deputado Joel Lima (MDB-RJ) comenta emenda que apresentou ao
projeto de lei de anistia com o objetivo de estender o benefício aos servi-
dores da administração federal direta e indireta, inclusive as autarquias,
empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações mantidas
pela União, que houvessem sido punidos por advertência, repreensão ou
suspensão, observando que se tratava de anistia administrativa como as
adotadas pelos ex-presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, e ma-
nifesta a esperança de que a lei aprovada não esgote o assunto e venha a
tomar o presidente da República iniciativas que ampliem a medida, para
que não mais haja no país “cidadão preso por motivação ideológica ou por
ter procurado derrubar um regime que lhe pareceu antidemocrático”.
Deputado Odacir Klein (MDB-RS) desmente notícias da imprensa dan-
do conta de que numerosos parlamentares do MDB não teriam compareci-
do ao Congresso Nacional para a votação do projeto de anistia.274
À noite, os presos políticos do Rio de Janeiro fazem a sua primeira refei-
ção após 32 dias de greve de fome.

Dia 28
General presidente João Figueiredo sanciona a Lei de Anistia, aprovada
no Congresso. O texto traz um veto à expressão “e outros diplomas legais”
ao fim do Art. 1º, assim explicado:

MENSAGEM n. 267

EXCELENTÍSSIMOS SENHORES MEMBROS DO CONGRESSO NA-


CIONAL:
Tenho a honra de comunicar a Vossas Excelências que, no uso das atribui-
ções que me conferem os artigos 59, parágrafo 1º, e 81, item IV, da Consti-

274
Câmara dos Deputados..., sessão em 23 de agosto de 1979.
460 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

tuição, resolvi vetar, parcialmente, o projeto de Lei nº 14, de 1979 (CN), que
“concede anistia e dá outras providências”.
Incide o veto sobre a expressão “e outros diplomas legais”, incluída na parte
final do artigo 1º, caput.
É certo que tal expressão foi incluída no projeto com o propósito de atender
às razões da Emenda nº 35,275 que objetivava alcançar, explicitamente, os
servidores que, “também por motivos políticos”, tenham sido punidos com
fundamento “em quaisquer outros diplomas legais”, diversos dos Atos Insti-
tucionais ou Complementares.
Entretanto, deixando de reproduzir-se no substitutivo a expressão “também
por motivos políticos”, integrativa lógica do texto daquela Emenda, resul-
tou ampliada a parte final do artigo 1º em termos que dariam à lei alcance
demasiado, incompatível com a inspiração do diploma de anistia política e,
mesmo, divorciado do que pretendeu o ilustre autor da citada Emenda 35.
Com efeito, observado que na redação dada ao Artigo 1º os servidores civis
e militares, como os dirigentes e representantes sindicais, são contempla-
dos isoladamente sem necessária vinculação aos delitos indicados na parte
inicial do artigo, impõe-se compreender que, ali, a anistia cuidou particu-
larmente das punições de conotação política impostas àqueles servidores e
dirigentes ‒ daí referir-se aos Atos Institucionais e Complementares ‒, afi-
gurando-se imprópria, assim, qualquer generalização que despreze o mo-
tivo político.
Mantida na lei a expressão ora vetada, admissível seria entender que o per-
dão, para aquelas pessoas, desprezaria o pressuposto político da sanção,
chegando ao extremo privilégio de alcançar todo e qualquer ilícito porven-
tura cometido, independentemente de sua natureza ou motivação.
Estas, as razões de interesse público que me levaram a vetar parcialmente o
Projeto e que ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do
Congresso Nacional.
Brasília, em 28 de agosto de 1979.276

275
De autoria do deputado Cantídio Sampaio (Arena-SP).
276
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/anterior_98/
vep267-L6683-79.pdf>. Acesso em: 6 jul. 2014. Depois transformada na Mensagem nº 81, de
1979. Diário do Congresso Nacional - 4/9/1979, Página 1819 (Veto). Sobre aspectos técnicos
do veto, ver: <http://jus.com.br/artigos/24170/adpf-153-a-lei-de-anistia-ante-o-supremo-
-tribunal-federal#ixzz36iVn6WrL>. Acesso em: 6 jul. 2014.
A anistia como tática do regime 461

Na Câmara, o deputado Fernando Coelho (MDB-PE) traz ao recinto


recente declaração do capitão Sérgio Miranda Ribeiro de Carvalho, anis-
tiado, de que jamais faria requerimento de reingresso na Força Aérea Bra-
sileira (FAB), conforme instrução da Lei de Anistia, e lembra que o oficial
fora punido, com base no Ato Institucional nº 5, por ter discordado do
envolvimento de sua unidade, o Para-Sar, em atos de terrorismo, situação
que, como muitas outras, não terá solução, razão por que defende a con-
tinuação da luta pela anistia ampla, geral e irrestrita. Deputado Elquisson
Soares (MDB-BA) acusa o MDB de não ter assumido, “como um todo”, a
campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita e afirma que a aprovação do
projeto do governo foi a vitória da “tática das multinacionais” e do ministro
Golbery do Couto e Silva, o que acabou por “impedir uma das caminhadas
mais vibrantes do povo brasileiro contra o regime de 1964”.277

Dia 29
Glênio Perez e Marcos Klassmann, anistiados, reassumem suas cadeiras
na Câmara Municipal de Porto Alegre, perdidas em 1977, quando foram
cassados.278
Dia 30
O Superior Tribunal Militar (ST) considera anistiadas 316 pessoas en-
volvidas em processos pela Lei de Segurança Nacional, dezesseis das quais
ainda presas.279

Setembro
Dia 3
Deputado João Gilberto (MDB-RS) contesta, em nome da Liderança
do MDB, o veto do presidente da República ao Art. 1º do projeto de anistia
aprovado pelo Congresso Nacional, entendendo que a medida comprome-
tia seriamente o alcance da anistia para os servidores públicos.280
Dia 6
Retorna ao Brasil, depois de quinze anos de exílio, Leonel Brizola, ex-go-
vernador gaúcho e ex-deputado federal pelo antigo estado da Guanabara.

277
Câmara dos Deputados..., sessão em 28 de agosto de 1979.
278
Brasil dia a dia, p. 117.
279
Idem, p. 108.
280
Câmara dos Deputados..., sessão em 3 de setembro de 1979.
462 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Dia 13
Deputado Rosenburgo Romano (MDB-MG) lamenta ter sido rejeitada
emenda por ele apresentada no sentido de proceder-se à “reabilitação da
memória dos punidos por motivos políticos”.281
Dia 15
Retornam ao Brasil, Miguel Arraes, ex-governador pernambucano, e
Márcio Moreira Alves, ex-deputado federal pelo antigo estado da Guanabara.
Dia 18
Comemorado o Dia Nacional de Luto pelos mortos e desaparecidos,
promovido pelo CBA-SP. 
Dia 21
Deputado Henrique Eduardo Alves (MDB-RN) apresenta projeto de lei
para alterar a redação do caput do art. 1º da Lei nº 6.683/79 (Anistia), a fim
de restabelecer a expressão “e outros diplomas legais”, constante do projeto
original e objeto do veto presidencial mantido pelo Congresso Nacional.
Retornam ao Brasil José Sales, dirigente do PCB, e os ex-líderes estudan-
tis José Luís Guedes e Jean Marc van der Weid. 282
Dia 29
Retornam ao Brasil Gregório Bezerra, Luís Tenório de Lima, Lindolfo
Silva e Hércules Correia, dirigentes do PCB.283

Outubro
Dia 8
Deputado Roberto Freire (MDB-PE) denuncia a situação de presos po-
líticos de Pernambuco que tiveram seus pedidos de livramento condicional
negados pelo Conselho Penitenciário do Estado.284
Dia 11
Deputado Walter Silva (MDB-RJ) critica o veto presidencial ao art. 1º
do projeto de anistia, por restringir “mais uma proposição de alcance já
reduzido, com prejuízo para servidores e funcionários punidos por atos da
Revolução e que foram vítimas de perseguição política”, e manifesta discor-
dância do uso do termo “perdão” na Mensagem presidencial, mostrando

281
Idem, sessão em 13 de setembro de 1979.
282
Idem, sessão em 21 de setembro de 1979.
283
Brasil dia a dia, p. 117.
284
Câmara dos Deputados..., sessão em 8 de outubro de 1979.
A anistia como tática do regime 463

que a palavra anistia deriva etimologicamente do grego amnesia, cujo sig-


nificado é esquecimento.
Deputado Anísio de Sousa (Arena-GO) verbera a oposição por sua in-
sistência em criticar o governo federal, em vez de reconhecer “as vitórias
alcançadas no campo da distensão política, tanto pelo governo Geisel −
restauração da liberdade de imprensa, revogação dos atos institucionais,
abrandamento da Lei de Segurança Nacional −, quanto pelo governo Fi-
gueiredo − anistia aos inimigos do regime”.285
Dia 18
Deputado Maurício Fruet (MDB-PR) denuncia que o atraso na regula-
mentação da Lei de Anistia – que, segundo ele, deveria ter sido feita até 28
de setembro – já resultara na perda de metade do prazo legal que os servi-
dores dispunham para apresentação do requerimento para reintegração no
serviço público.286
Dia 20
Luiz Carlos Prestes, dirigente do PCB, retorna ao Brasil.
Dia 21
Reunião da Coordenação Geral do CBA-SP.
Dia 30
Theodomiro Romeiro dos Santos pede asilo político à Nunciatura Apos-
tólica, em Brasília.287
Cinco estudantes são presos e enquadrados na Lei de Segurança Nacio-
nal após participarem de protesto em Florianópolis contra a presença do
general João Figueiredo na cidade.288

Novembro
Dia 1
O general presidente João Figueiredo regulamenta a Lei de Anistia. A
partir daí, torna-se massivo o retorno de exilados, os presos políticos rema-
nescentes são libertados e pessoas que se encontravam na clandestinidade
retornam à vida normal.289

285
Idem, sessão em 11 de outubro de 1979.
286
Idem, sessões em 17 e 18 de outubro de 1979.
287
Brasil dia a dia, p. 117.
288
Ibidem.
289
Idem, p. 118.
464 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Dia 4
Realiza-se em Salvador o 2º Congresso Nacional pela Anistia, único or-
ganizado após a promulgação da Lei nº 6.683.
Dia 7
Deputado Federal Amadeu Geara (MDB-PR) sustenta que “o longo pe-
ríodo de pressões sofrido pelo povo brasileiro − em nome de uma suposta
segurança nacional e através de inúmeros atos de arbítrio − serviu para
fortalecer o nosso trabalhador que, participando de comitês pró-anistia,
apoiando movimentos estudantis e valorizando suas lideranças autênticas
nos sindicatos e nas fábricas, assumiu sua verdadeira posição na sociedade,
forçando o governo a mudar de estratégia política” e que “a anistia concedi-
da pela Revolução não enganou o povo”, lendo manifesto dos trabalhadores
na indústria do petróleo e petroquímica que, reunidos em Brasília, decidi-
ram reivindicar às autoridades federais a reintegração dos seus companhei-
ros punidos por motivos políticos.290
Dia 20
O Decreto nº 84.223 inclui presos políticos no benefício do indulto de
Natal.291
Dia 22
Deputado federal Valter de Prá (Arena-ES) alerta para “os perigos que
ameaçam a democracia e o povo brasileiro em decorrência da volta dos co-
munistas anistiados ao país”, apelando ao general presidente João Figueiredo
para que “proíba os extremismos, tanto de direita quanto de esquerda”.292
Dia 26
Deputado federal Ernani Sátiro (Arena-PB) faz a defesa do “movimento
revolucionário de 1964”, cujos compromissos considera “em grande parte
realizados”.293

Dezembro
Dias 1-2
Realiza-se no Rio de Janeiro um encontro dos movimentos pela anistia.

290
Câmara dos Deputados..., sessão em 7 de novembro de 1979.
291
Brasil dia a dia, p. 118.
292
Câmara dos Deputados..., sessão em 22 de novembro de 1979.
293
Idem, sessão em 26 de novembro de 1979.
A anistia como tática do regime 465

Dia 17
Theodomiro Romeiro dos Santos viaja para o México, cujo governo
aceitou seu pedido de asilo político.294

O último preso político do país, José Sales de Oliveira, só seria liberta-


do em 8 de outubro de 1980.295 O CBA-SP decretou o dia 18 de setembro
de 1979 como “Dia Nacional de Luto pelos mortos e desaparecidos du-
rante a ditadura”. No mês seguinte, foi criado o Prêmio Vladimir Herzog
de Direitos Humanos, de iniciativa de Helena Greco, do CBA-MG, que
fora aprovado no I Congresso Nacional pela Anistia e executado pela Co-
missão Mista (Comissão Nacional de Movimentos pela Anistia e Sindi-
cato dos Jornalistas). Em novembro, foi realizado, em Salvador, o II Con-
gresso Nacional pela Anistia, quando foi acordado que os CBAs deveriam
se unir aos movimentos populares para exigir a total redemocratização
do país.296
Entretanto, os CBAs foram se esvaziando e reduzindo as suas atividades
políticas. Apenas as reivindicações associadas aos crimes cometidos por
agentes do Estado ditatorial mantiveram alguma capacidade mobilizatória.
A luta pela anistia, segundo Iramaya Queirós Benjamin, ex-presidente do
CBA-RJ, teria um desdobramento no Grupo Tortura Nunca Mais, criado
em 1985 por ex-presos políticos, voluntários e familiares de mortos e desa-
parecidos, dispostos a pressionar o Estado brasileiro a assumir a responsa-
bilidade por práticas de tortura, morte e desaparecimento de opositores ao
regime ditatorial.297
A Lei de Anistia, contudo, continuaria em discussão e sofreria algumas
modificações parciais e desdobramentos. São os seguintes os principais
atos normativos referentes ao tema:

Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985 ‒ Convoca As-


sembleia Nacional Constituinte e dá outras providências, pela qual os itens
relativos à Lei de Anistia ficaram assim estabelecidos:

294
Brasil dia a dia, p. 118.
295
COSTA, Marcelo. Comitê Brasileiro pela Anistia. In: ABREU, Alzira Alves de et al.
(Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930.
296
Ver o manifesto e as resoluções em: <http://novo.fpabramo.org.br/content/manifesto-do-
-ii-congresso-nacional-de-anistia>. Acesso em: 31 ago. 2015.
297
Cf. COSTA, Marcelo, op. cit.
466 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Art. 4º É concedida anistia a todos os servidores públicos civis da Adminis-


tração direta e indireta e militares, punidos por atos de exceção, institucio-
nais ou complementares.
§ 1º É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou
conexos, e aos dirigentes e representantes de organizações sindicais e es-
tudantis, bem como aos servidores civis ou empregados que hajam sido
demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política, com base
em outros diplomas legais.
§ 2º A anistia abrange os que foram punidos ou processados pelos atos im-
putáveis previstos no “caput” deste artigo, praticados no período compreen-
dido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.
§ 3º Aos servidores civis e militares serão concedidas as promoções, na apo-
sentadoria ou na reserva, ao cargo, posto ou graduação a que teriam direito
se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em
atividade, previstos nas leis e regulamentos vigentes.
§ 4º A Administração Pública, à sua exclusiva iniciativa, competência e
critério, poderá readmitir ou reverter ao serviço ativo o servidor público
anistiado.
§ 5º O disposto no “caput” deste artigo somente gera efeitos financeiros a
partir da promulgação da presente Emenda, vedada a remuneração de qual-
quer espécie, em caráter retroativo.
§ 6º Excluem-se das presentes disposições os servidores civis ou militares
que já se encontravam aposentados, na reserva ou reformados, quando
atingidos pelas medidas constantes do “caput” deste artigo.
§ 7º Os dependentes dos servidores civis e militares abrangidos pelas dispo-
sições deste artigo já falecidos farão jus às vantagens pecuniárias da pensão
correspondente ao cargo, função, emprego, posto ou graduação que teria
sido assegurado a cada beneficiário da anistia, até a data de sua morte, ob-
servada a legislação específica.298

Art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Cons-


tituição promulgada em 1988, que amplia a abrangência da anistia; assim,
incorporados os dispositivos da Lei da Anistia ao texto constitucional, tor-
nou-se mais difícil modificá-los. 

298
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cciVil_03/Constituicao/Emendas/Emc_ante-
rior1988/emc26-85.htm>. Acesso em: 11 fev. 2017.
A anistia como tática do regime 467

Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995 ‒ Reconhece como mortas pes-


soas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação,
em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto
de 1979. Fica instituída a comissão especial para localização e reconheci-
mento de pessoas desaparecidas ou mortas em “dependências policiais ou
assemelhadas”, em decorrência de atividades políticas no período de 2 de
setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988;
Medida Provisória (MP) nº 2.151, de 24 de agosto de 2001 – Cria a Co-
missão de Anistia, instalada no dia 28 seguinte, com as atribuições, entre
outras, de analisar os pedidos de indenização formulados pelas pessoas que
se consideraram impedidas de exercer atividades econômicas por motiva-
ção exclusivamente política entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro
de 1988;
Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002 ‒ Regulamenta o art. 8º do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988,
dispondo sobre o “regime do anistiado político”, a “declaração da condição
de anistiado político”, a “reparação econômica de caráter indenizatório” e
aspectos administrativos;
Decreto nº 4.897, de 25 de novembro de 2003 ‒ Regulamenta o parágra-
fo único do art. 9º da Lei nº 10.559/02;
Portaria Normativa nº 657 do Ministério da Defesa, de 25 de junho de
2004 ‒ Estabelece normas para execução, no âmbito do Ministério da Defe-
sa e das Forças Armadas, do parágrafo único do art. 18 da Lei nº 10.559/02,
relativo a reparações econômicas a militares beneficiados por anistia polí-
tica;
Parecer AGU/JD-1/2003/03, de 21 de outubro de 2003 ‒ Trata do mili-
tar anistiado e sua promoção, bem como de aspectos da Lei nº 10.559/02
(inovação em relação ao art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias);299
Decisão do Supremo Tribunal Federal, em 29 de abril de 2010, por 7
votos a 2, de rejeitar pedido de revisão da legislação apresentado pela Or-
dem dos Advogados do Brasil (OAB) em 2008. A entidade pleiteava que o
STF proclamasse que a Lei da Anistia não poderia beneficiar os agentes da
repressão, já que seria impossível encontrar qualquer conexão entre os “cri-

PONTUAL, Helena Daltro. “Lei da anistia”. Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/


299

noticias/entenda-o-assunto/lei-da-anistia>. Acesso em: 29 ago. 2015.


468 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

mes políticos” cometidos pelos opositores do regime militar e os “crimes


comuns” praticados contra eles por funcionários do Estado. Segundo o jor-
nal Folha de S. Paulo, o relator da ação, ministro Eros Grau, fora militante
comunista, preso e torturado em 1972, mas votou contra a revisão da lei.300
O ministro Cezar Peluso também se opôs ao pleito, argumentando que a
Lei da Anistia resultara de um acordo com “legitimidade política e social” e
de um momento histórico em que o Brasil fizera uma “opção pelo caminho
da concórdia”. Colocaram-se, ainda, nesta posição, as ministras Carmen
Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie e os ministros Gilmar Mendes, Marco
Aurélio Mello e Celso de Mello. Defenderam a revisão da lei, alegando que
a anistia não teve “caráter amplo, geral e irrestrito”, os ministros Ricardo Le-
wandowski e Ayres Britto, para quem certos crimes, pela sua natureza, são
absolutamente incompatíveis com qualquer ideia de criminalidade política
pura ou por conexão.301
Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 24 de no-
vembro de 2010, condenando o Brasil, entre outras obrigações, a investigar,
processar e punir todas as pessoas envolvidas com os crimes praticados du-
rante a repressão à guerrilha do Araguaia. A Corte deu especial ênfase aos
crimes de “desaparecimento forçado”, tão graves, que são considerados não
interrompidos até que se encontre a vítima ou seus restos mortais.302
Em 18 de novembro de 2011, o Congresso Nacional brasileiro promul-
gou a lei n. 12.528, criando a Comissão Nacional da Verdade (CNV). Foi
definida como sua instância administrativa a Casa Civil da Presidência da
República e, como sua finalidade, “examinar e esclarecer as graves viola-
ções de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8o do Ato

300
Disponível em: <http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2014/03/23/o-golpe-e-a-ditadura-
-militar/o-acerto-de-contas.html>. Acesso em: 31 ago. 2015. Sobre a discussão, e o voto
do ministro Eros em particular, ver SILVA, Técio Lins e. “A construção da anistia”. Dis-
ponível em: <http://www.linsesilva.adv.br/sites/default/files/A%20Constru%C3%A7%-
C3%A3o%20da%20Anistia.TLS_.Vers%C3%A3oAtualizada%20Agosto2011.doc>. Acesso
em: 13 jan. 2016.
301
STF é contra revisão da Lei da Anistia por sete votos a dois. Disponível em: <http://www.stf.
jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=125515>. Acesso em: 31 ago. 2015.
302
MEYER, Emílio Peluso Neder; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. “Responsabiliza-
ção criminal por atos praticados por agentes públicos na ditadura de 1964-1985”. Disponível
em: <http://jus.com.br/artigos/25562/responsabilizacao-criminal-por-atos-praticados-por-
-agentes-publicos-na-ditadura-de-1964-1985#ixzz3kOor2hSm>. Acesso em: 31 ago. 2015.
Ver a íntegra da sentença em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_
por.pdf>. Especialmente, p. 113 e seguintes. Acesso em: 31 ago. 2015.
A anistia como tática do regime 469

das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à


memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”. Com-
pletava-se, assim, a contraditória trajetória da anistia política, de reivindi-
cação individual que se transformou em bandeira oposicionista à ditadura
até vingar como tática vitoriosa da própria.
Conclusão

Crime?... Crime não vejo. É o que acho, por mim é o que declaro:
com a opinião dos outros não me assopro. Que crime? Veio guerrear,
como nós também. Perdeu, pronto! A gente não é jagunços? A pois:
jagunço com jagunço − aos peitos, papos. Isso é crime? Perdeu, está
aí, feito umbuzeiro que boi comeu por metade... Mas, brigou valente,
mereceu... Crime que sei, é fazer traição, ser ladrão de cavalos ou de
gado... não cumprir a palavra...1

... eu estou remando rio acima


por prazer,
não há nada a desculpar,
foi por querer.2

Antecedida pela reforma da Lei de Segurança Nacional ‒ que, como foi


visto, antecipou a liberação de grande número de presos políticos ‒, de-
sacompanhada dos qualificativos “ampla, geral e irrestrita” e enriquecida
com o artigo referente aos “crimes conexos”, a anistia concedida em 1979
não foi, também, seguida pela identificação dos desaparecidos políticos, a
responsabilização criminal de agentes do Estado e o desmantelamento dos
aparatos de repressão, nem pela convocação de uma assembleia nacional
constituinte exclusiva. A bandeira da anistia foi, assim, esvaziada do seu
potencial mobilizador de energias capazes de contribuir para a ampliação
do alcance do processo de transição política.
Ademais, medidas voltadas para o desvelamento do caráter classista do
golpe de 1964, do regime ditatorial e das políticas adotadas pelos diver-
sos governos que se sucederam no seu interior sequer foram vislumbradas

1
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 12. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978
[1956]. p. 203.
2
“Nada a desculpar”, de João Bosco e Aldir Blanc, música do disco João Bosco, RCA, 1973,
citada em Versus, São Paulo, n. 20, p. 30, abr. 1978.

471
472 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

no horizonte dos dirigentes da transição. Desta maneira, distanciou-se a


anistia, ainda mais, das pretensões daqueles setores que a viam como um
momento de potencial radicalização política em face não apenas do regime
ditatorial, mas das formas gerais de dominação capitalista no país.
Por outro lado, a euforia provocada pelo retorno dos exilados ao país
se misturou aos debates sobre a reformulação partidária, provocados, as-
sim como a anistia, por decisão estratégica dos dirigentes do regime. No
seu conjunto, as forças oposicionistas tiveram dificuldades para roubar-
-lhes a iniciativa política na conjuntura de transição. Não houve unidade
na reação política ao par anistia/reforma partidária. Integrar-se ao projeto
de transição em marcha, organizando novos partidos para lhe dar susten-
tação, manter unida a frente oposicionista construída pelo MDB ou criar
organizações partidárias que expressassem interesses político-sociais mais
definidos eram as opções em confronto.
O quadro que daí emergiu foge ao escopo deste livro. Sabe-se, contudo, que
significou um avanço do reordenamento político da dominação das classes e
frações de classes cujos interesses eram garantidos pela forma ditatorial que,
tecnicamente, só se extinguiria em 1988, com a formulação e o estabelecimento
de um novo regime classista.3 Sobre este, um analista escreveria em 2005:

Conduzido de “cima para baixo”, o processo de redemocratização redundou


na institucionalização da contrarrevolução permanente instaurada pela di-
tadura militar. Assim, ainda que potencialmente ameaçada pelas pressões
políticas e sociais que brotavam da base da sociedade, a democracia bra-
sileira permaneceu restrita aos donos do poder. Não é de estranhar que a
Nova República [1985-1990] tenha sido totalmente incapaz para encami-
nhar as mudanças acalentadas pelas multidões que tomaram as ruas para
exigir a volta dos militares aos quartéis. Os avanços sociais inscritos na
Constituição de 1988, fruto da forte pressão dos movimentos sociais, não
contradizem a afirmação anterior, pois, com pouquíssimas exceções, seu
proclamado “espírito cidadão” nunca saiu do papel.4

3
Uma instigante discussão do quadro se encontra em MACIEL, David. De Sarney a Collor.
Reformas políticas, democratização e crise (1985-1990). São Paulo: Alameda; Goiânia: Fu-
nape, 2012.
4
SAMPAIO JR., Plínio de Arruda. Brasil: as esperanças não vingaram. Disponível em:
<http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/osal/osal18/AC18Sampaio.pdf>. Acesso em: 11
set. 2015.
Conclusão 473

A “institucionalização da contrarrevolução permanente” passou, após


1979, pela redução das questões que envolvem a anistia ao plano dos di-
reitos individuais. As limitações e exclusões que marcaram a lei têm sido
atribuídas, como foi visto, à força do lobby militar, o que é verdade apenas
em parte e não esgota a explicação do fato. A própria força deste lobby se
explica por elementos externos à caserna. Antes de tudo, pela necessidade
que têm os representantes e dirigentes políticos das classes dominantes de
manter as forças armadas como instrumento de reserva da sua dominação
social. Mas também porque, como têm indicado pesquisas mais recentes,
importantes segmentos empresariais tiveram atuação efetiva e direta na
concepção, construção e execução das práticas mais violentas com que o
regime contrarrevolucionário tratou os vários matizes da oposição a partir
de 1964. A estes setores convém que se impeçam investigações mais pro-
fundas, porque elas poderão revelar outras dimensões e mais detalhes des-
tas conexões e manchar a imagem de importantes corporações nacionais e
transnacionais, causando-lhes graves prejuízos patrimoniais.
Entende-se, assim, que a hegemonia política obtida pela perspectiva liberal-
-democrática no campo teórico-prático da anistia tenha contribuído decisiva-
mente para obscurecer o seu sentido genético: o processo da contrarrevolução
burguesa pós-1964. A perspectiva liberal-democrática constitui um verdadeiro
“obstáculo epistemológico”5 ao conhecimento da transição política no Brasil
recente, porque se confunde, acriticamente, com a própria realidade que pre-
tende explicar, e porque se alimenta fortemente do senso comum, evitando a
discussão no plano das hipóteses científicas. Ela deu o tom da luta legal contra
a ditadura, resultando na generalização da tese de que a meta estratégica do
conjunto das oposições deveria ser o restabelecimento da democracia enquan-
to Estado de direito. Assim, soldou a aliança entre setores das esquerdas e da
burguesia incompatibilizados com o regime ditatorial. O ponto em comum a
combater seria o caráter autoritário do Estado, presente nos poderes excepcio-
nais do Executivo, no tolhimento do Legislativo e do Judiciário, na negação, à
“sociedade civil” ‒ entendida como desenraizada da estrutura de classes ‒, de
direitos políticos individuais − liberdades democráticas de opinião, reunião e
organização ‒, enfim, dos “direitos humanos” em geral.

5
O conceito está explicado em BACHELARD, Gastón. La formación del espíritu científico.
Contribución a un psicoanálisis del conocimiento objetivo. Trad. José Babini. Buenos Aires:
Siglo XXI, 1972. Cap. 1.
474 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

No plano teórico, tal noção ideológica se traduziu na posição central


que o conceito de autoritarismo passou a ocupar nas definições do regi-
me em vigor e no projeto de sociedade a construir como alternativa. Para
fortalecer a perspectiva liberal-democrática, operou-se o esvaziamento da
natureza classista do regime ditatorial, dos movimentos de oposição e dos
projetos de transição, bem como dos regimes propostos alternativamente.
No plano mais específico da historiografia, abriu-se a porta para um
positivismo arquivístico, que se poderia sintetizar na ideia de que o avanço
do conhecimento sobre a ditadura depende muito mais do acesso a novos
arquivos do que da elaboração teórica. Os defensores deste ponto de vista
costumam se apresentar como críticos da ditadura, do autoritarismo estatal
etc., por violarem os sagrados direitos humanos. Mas, diante dos emba-
tes concretos, cotidianos, entre as forças fundamentais da sociedade, em
face, enfim, da luta de classes, se colocam como “apolíticos”. Contudo, este
procedimento não é apanágio de um setor historiográfico brasileiro liberal
novo, surgido no processo de transição política recente. Parece ser a ele que
José Honório Rodrigues se referia em 1980:

[…] pode-se suspeitar que a prevalência do pensamento empirista e pragma-


tista entre os contemporâneos liberais anglo-americanos é mais do que uma
coincidência, mesmo porque os empiristas são notavelmente relutantes a exibir
uma bandeira política em público. Quem quer que tenha assistido a uma reu-
nião de filósofos na Europa Continental terá notado que enquanto marxistas e
tomistas não fazem mistérios das suas respectivas orientações políticas, é extre-
mamente difícil levar os críticos empiristas a declararem princípios políticos.
Eles nunca abandonam a segurança de seu abrigo metodológico.6

Neste livro, pretendi criticar essas posições a partir de uma visão clas-
sista, para a qual reivindico uma eficácia explicativa superior, porque dis-
cute de que matéria social e política se compuseram os problemas que a
perspectiva liberal-democrática toma por objeto. Marginalizada em termos
políticos e acadêmicos pela supremacia da perspectiva liberal-democrática,

6
RODRIGUES, José Honório. A luta metodológica e ideológica. Conferência proferida na
aula magna de abertura do ano letivo de 1980 na Universidade Federal da Paraíba. João
Pessoa: Editora da UFPb, 1981. p. 16.
Conclusão 475

mais palatável para variadas manifestações ideológicas do senso comum7


e mais conveniente para os poderosos interesses que, tendo sustentado o
regime ditatorial, hoje se apresentam como paladinos da democracia, a vi-
são classista vem sendo reforçada por pesquisas jornalísticas e científicas.
São importantes, em especial, revelações sobre conexões entre o golpe e a
ditadura com interesses de grandes grupos econômicos,8 tanto em termos
do estabelecimento de metas estratégicas quanto de financiamento da re-
pressão política estatal. Elas indicam que o regime ditatorial é questão mais

7
A relação do senso comum com o processo de conhecimento científico é discutida em
VIANA, Nildo. Senso comum, representações sociais e representações cotidianas. Bauru, SP:
Edusc, 2008.
8
Uma boa amostra dessa linha de pesquisa pode ser encontrada em: DREIFUSS, René
Armand. 1964: a conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1981; STARLING, Heloísa Maria Murgel. Os Senhores das Gerais. Os novos in-
confidentes e o golpe de 1964. Petrópolis, RJ: Vozes, 1986; RAMIREZ, Hernán Ramiro. Os
institutos de estudos econômicos de organizações empresariais e sua relação com o Estado de
perspectiva comparada: Argentina e Brasil (1961-1996). Tese (Doutorado em História) –
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005; BRISO NETO, Joaquim
Luiz Pereira. O conservadorismo em construção: o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
(IPES) e as reformas financeiras da ditadura militar (1961-1966). Dissertação (Mestrado
em Desenvolvimento Econômico) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008;
DEUSDARÁ, Pâmella Passos. Vozes a favor do golpe! O discurso anticomunista do Ipês
como materialidade de um projeto de classe. Dissertação (Mestrado em História) – Uni-
versidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008; CIDADÃO de bem. Direção:
Chaim Litewski. Documentário, 2009 (92 min); GONÇALVES, Martina Sphor. Páginas
golpistas: democracia e anticomunismo através do projeto editorial do IPES (1961-1964).
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010;
MELLO, José Jorge de. Boilesen, um empresário da ditadura: a questão do apoio do empre-
sariado paulista à OBAN/Operação Bandeirantes, 1969/1971. Dissertação (Mestrado em
História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012; MORAES, Thiago Aguiar de.
“Entreguemos a empresa ao povo antes que o comunista a entregue ao Estado”: os discursos da
fração “vanguardista” da classe empresarial gaúcha na revista “Democracia e Empresa” do
Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais do Rio Grande do Sul (1962-1971). Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012;
BORTONE. Elaine de Almeida. A participação do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
(IPES) na reforma administrativa da ditadura civil-militar. Dissertação (Mestrado em Ad-
ministração) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013; CAMPOS, Pedro Henrique
Pedreira. Estranhas catedrais. As empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar. Niterói:
Eduff, 2014; OLIVEIRA, Helena Kleine de. Lei de Mercado de Capitais (4.728/65): Linhas
e entrelinhas de seu processo legislativo. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Direito) –
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2014; BRASIL. Ministério da Justiça. Comissão
de Anistia. A Investigação Operária: empresários, militares e pelegos contra os trabalhado-
res. São Paulo, 2015. 
476 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

profunda e complexa do que sugerem as reiteradas afirmações da sua ori-


gem em emanações de exacerbado espírito autoritário, ávido por cometer
graves violações de direitos humanos.9
Entretanto, ainda está em curso um processo de despolitização do pro-
blema da violência estatal, orientado pela perspectiva liberal-democrática.
A sua matriz é a teoria weberiana da ação racional, que explica a dinâmi-
ca da sociedade pelas escolhas feitas pelos indivíduos. Tendo o indivíduo
como unidade de análise, são estendidas a fenômenos coletivos categorias
elaboradas originalmente para explicar processos do psiquismo individual,
como “memória”, “trauma” etc.10 Elas são usadas na configuração teórico-
-política de um campo em que devem ser identificados e condenados in-
divíduos culpados e recompensados indivíduos vitimizados11 pelo Estado.
Com isso, a luta de classes e as opções revolucionárias de diversos ma-
tizes que, derrotadas pela contrarrevolução, produziram os indivíduos pre-
sos, mortos e desaparecidos deixam de ser consideradas como o elemento
central de análise. Os candidatos a revolucionários, que se engajaram em
uma luta contra o Estado capitalista brasileiro a partir de graus variados
de consciência política, se tornam apenas indivíduos vitimados, a quem o
mesmo Estado deve reparação.12 É este o sentido da Lei nº 10.559, de 13
de novembro de 2002, que regulamentou o art. 8º do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988, dispondo sobre o

9
Visão sobre a qual, se a conhecesse, o Pastor Hirte certamente lançaria o seu paradoxo pre-
ferido: é de uma estreiteza sem limites. Ver MANN, Thomas. Os Buddenbrook. Decadência
de uma família. Trad. Herbert Caro. 2. ed. São Paulo: Círculo do Livro, 1975. p. 59.
10
Há analistas que se dedicam a esse conjunto temático de outras perspectivas, a exemplo
de: TRAVERSO, Enzo. Le Passé, mode d’emploi: histoire, mémoire, politique. Paris: La Fa-
brique, 2005 ; e ROSAS, Fernando. Seis teses sobre memória e hegemonia, ou o retorno da
política. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Londrina (PR), v. 1, n. 1, 2009.
11
Os dicionários da língua portuguesa Houaiss e Aurélio apresentam os verbos vitimar e
vitimizar como sinônimos. Vitimizar é usado aqui para denotar um processo de construção
da figura da vítima.
12
Tenho consciência de que uma leitura apressada ou mal-intencionada poderá encontrar
traços de identidade entre esta visão e a de setores saudosos da ditadura, sempre empe-
nhados em desqualificar a esquerda armada em sua luta contra aquele regime. Meu ponto
é outro. Reconheço a validade histórica desta luta, inclusive por seus equívocos, demons-
trados na prática política. Não entendo a violência que seus militantes sofreram como um
“castigo merecido”, nem como um “abuso de autoridade estatal”, e sim como um imperativo
da derrota em uma guerra travada contra um inimigo infinitamente mais poderoso, mas sob
“regras” ampla e previamente conhecidas por ambos os lados.
Conclusão 477

“regime do anistiado político”, a “declaração da condição de anistiado polí-


tico” e a “reparação econômica de caráter indenizatório”.13
Esta lei é um resultado jurídico da total negação da evidência de que a
luta de classes implica, em certos momentos, práticas de guerra. A tese de
que houve, a partir de 1964, uma guerra é, como já foi visto, parcialmente
verdadeira. Se algum setor da sociedade, além, é claro, dos grupos civil-
-militares nela diretamente envolvidos, tinha plena consciência dos seus
termos, era a esquerda. Um analista que não distingue tipos de guerras ob-
serva:

Mesmo o argumento de que houve uma guerra e, portanto, os dois lados


praticaram excessos próprios de uma guerra não tem cabimento.
Até na guerra há o suposto de que devem ser observadas convenções in-
ternacionalmente definidas. Entre elas, a que obriga a respeitar a vida e a
integridade física dos prisioneiros.
Uma coisa é a morte em combate. Aí, sim, guerra é guerra. Mas, no caso
dos anos de chumbo no Brasil, 90% das vítimas da repressão em geral e
100% dos desaparecidos já não eram combatentes (algumas, aliás, jamais
o foram). Eram prisioneiros. Foram mortos depois de detidos e não em
combate.

Abordar a guerra do ângulo dos direitos abstratos e das convenções so-


ciais dificulta a compreensão dos seus significados. Optando, em decorrên-
cia da sua perspectiva materialista histórica e dialética, por analisar o fenô-
meno da guerra em suas manifestações concretas, Leon Trotsky observou:

[…] o desenvolvimento da espécie humana não se esgota nem com o su-


frágio universal, nem com o “sangue e a honra”, nem com o dogma da Ima-
culada Conceição − eis a realidade. O processo histórico é, sobretudo, luta

13
“Segundo a lei [nº 10.559], a reparação econômica poderá ser concedida em prestação
única correspondente a 30 salários mínimos por ano de perseguição política até o limite
de 100 mil reais, ou prestação mensal, permanente e continuada aos que conseguem com-
provar a existência de vínculos laborais à época das violações de seus direitos. A prestação,
nesse caso, corresponderá ao posto, cargo, graduação ou emprego que o anistiando ocuparia
se na ativa estivesse, observado o limite do teto da remuneração do servidor público federal”.
Como requerer sua anistia política? Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/
anistia/como-requerer-sua-anistia-politica>.
478 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

de classes, e acontece que classes diversas valem-se, com objetivos diversos,


de meios análogos. Nem poderia ser de outra maneira. Os exércitos beli-
gerantes são sempre mais ou menos simétricos − se não houvesse nada em
comum em sua maneira de combater, não poderiam sequer encontrar-se.14

A guerra revolucionária e o combate a ela são, neste sentido, simétricos


e não têm muito a ver com as convenções firmadas para “civilizar” os con-
flitos bélicos entre Estados nacionais. E esta realidade fundamental era do
conhecimento dos segmentos de esquerda, de matizes tanto nacionalista
quanto socialista ou comunista, que se engajaram na luta armada contra
Estados capitalistas a partir da década de 1950. Mas, o jornalista citado
acima entende que este não é um dado fundamental quando se consideram
objetivamente as consequências, no plano individual, da opção feita pela
esquerda armada no Brasil.

É igualmente falaciosa a argumentação, muito comum, de que a meninada


que se envolveu na luta armada ou na oposição mais vociferante ao regime
militar sabia dos riscos que corria. Claro que sabia. Mas em nenhuma lei,
ato institucional, ato complementar, regulamento militar ou civil etc. se diz
que é lícito torturar prisioneiros ao ponto de, em alguns casos, matá-los.15

É louvável a obstinação com que o autor defende o respeito a normas


civilizadas na guerra de classes. Muitas teses já foram escritas e muitas ou-
tras poderão ser produzidas em torno desta discussão ética de problemas
bélicos. Entretanto, e o próprio autor o reconhece, o fato é que os mili-
tantes da esquerda armada dispunham de todos os elementos para avaliar
objetivamente os riscos embutidos na sua opção. Disse o príncipe Fabrizio
Salina, o aristocrata protagonista d’O leopardo: “justamente para morrer
em defesa do rei é que os soldados são soldados”. Ainda assim, mesmo para
quem pensa que “morrer por alguém ou por alguma coisa é próprio da
natureza das coisas”, é “preciso saber, ou, pelo menos, ter a certeza de que
as pessoas sabem por que ou por quem morrem”.16 E, até onde é possível

14
TROTSKY, Leon. Moral e revolução. A nossa moral e a deles. Trad. Otaviano de Fiore. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, [s.d.]. p. 5.
15
ROSSI, Clóvis. Falta um “mea culpa”. Folha de S. Paulo, 6 de agosto de 1995. Grifos meus.
16
LAMPEDUSA, Giuseppe Tomasi di. O leopardo. Trad. Leonardo Codignoto. São Paulo:
Nova Cultural, 2002 [1958]. p. 22.
Conclusão 479

ter consciência plena de seus atos, os indivíduos que integraram a esquerda


armada brasileira o sabiam.17
Na verdade, a “meninada” a que o autor se refere acima, bem como os
não tão meninos que com ela compartilharam ideais, programas políticos e
as desventuras da derrota, constituíam, pela origem de classe da maioria e
pelos constrangimentos conjunturais a que a sua opção de luta contra a di-
tadura estava submetida, um campo de esquerda de limitado enraizamento
social. Quem viveu os fatos na época há de se recordar de um autêntico
fantasma que rondava as hostes da esquerda armada: a escassez de liga-
ções com as classes exploradas da sociedade brasileira. O campo político
da esquerda armada compunha-se, em grande parte, de representantes das
camadas médias, vinculados ao projeto de transformação social por nexos
muitas vezes superficiais, não raro por motivações primordialmente gera-
cionais, como a grande massa de estudantes secundaristas e universitários.
Ainda assim, a militância da esquerda armada se estruturava em torno de
convicções ético-políticas que poderiam bastar-se a si próprias como linhas
justificativas de uma conduta individual. A narrativa histórica da luta de clas-
ses já era rica em exemplos daquilo que poderia ocorrer aos revolucionários
em caso de derrota. Antônio Gramsci, nos cárceres fascistas, e Luiz Carlos
Prestes, na solitária estadonovista, eram figuras emblemáticas sobejamente
conhecidas que informavam a qualquer candidato a revolucionário dos ris-
cos inerentes àquela opção de vida.18 A questão de como se comportar em
caso de prisão e submissão à tortura era item permanente de reuniões for-
mais nos “aparelhos” e de conversas informais na vida rotineira.19

17
Aqui, surge a tentação de enveredar por uma discussão sobre a relação entre ética e res-
ponsabilidade individual. Isto, contudo, desviaria significativamente o curso deste livro.
Opto por, simplesmente, colocar a questão em termos do par honestidade/responsabilidade,
atributo de valor jamais absoluto, mas razoável de se cobrar de indivíduos no plano da vida
em sociedade, em especial no da política.
18
As doutrinas do direito, naturalmente comprometidas, embora em vertentes diversas,
com a legitimação do Estado capitalista, discutem a fundo a questão dos condicionantes
morais da infração à lei. Este ponto de vista – que não é o deste livro – pode ser conhecido
em PRINS, Adolphe. Science pénale et droit positif. Bruxelles: Bruylant-Christophe, 1899, p.
153-158.
19
Uma das referências era o Minimanual do guerrilheiro urbano, escrito por Carlos Ma-
righella em 1969. Uma versão está disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/
marighella/1969/manual/>. Acesso em: 9 fev. 2016. Falo, também, com base em minha pró-
pria experiência, como militante secundarista entre 1967 e 1969. Aos 18 anos, fiz treinamen-
to militar coletivo, com aulas de tiro e preparo de bombas de razoável teor explosivo. Eram
480 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

A construção memorialística ‒ livros biográficos e autobiográficos, poe-


mas, artigos, entrevistas etc. ‒ traz informações ricas o suficiente para que
se tenha uma ideia do meu ponto aqui. É interessante observar que mui-
tos dos autores dessa “memória” são ex-militantes revolucionários que, em
momentos variados, se beneficiaram com indenizações, como se, ao con-
trário do indicado nas suas próprias narrativas, não tivessem plena cons-
ciência – e, portanto, fossem por eles plenamente responsáveis – dos atos
pelos quais foram “punidos”. Eis alguns exemplos de ex-militantes, com as
respectivas compensações financeiras: Alex Polari de Alverga20 (em 2003,
uma cota de R$ 72.000,00), Alfredo Hélio Sirkis21 (em 2007, uma cota de
R$ 100 mil), Aluísio Ferreira Palmar22 (em 2003, cota única de R$ 66 mil,
e outra, em 2010, no valor de R$ 100 mil), Antônio Carlos Fon23 (a par-
tir de 2009, R$ 4.381,74 mensais), Celso Lungaretti24 (a partir de 2005, R$
11.521,74 mensais), Cid Queirós Benjamin25 (em 2003, R$ 79.200,00), Flá-
vio Koutzii26 (a partir de 2009, R$ 2.726,24 mensais), Jean Marc Frederic
Charles von der Weid,27 (a partir de 2008, R$ 8.797,34 mensais), João Car-
los Kfouri Quartim de Moraes28 (a partir de 2009, R$ 6.081,68 mensais),

muitas as discussões que tínhamos sobre os riscos que o grupo correria quando em ação. A
pílula de cianureto (cianeto) de potássio, poderoso veneno indicado para suicídio em caso
de prisão, era uma quimera que assombrava nossos sonos revolucionários.
20
Em busca do tesouro. Rio de Janeiro: Codecri, 1982. Quando não indicado em contrá-
rio, as informações sobre datas e valores indenizatórios estão disponíveis em: <http://www.
planejamento.gov.br/assuntos/gestao-publica/arquivos-e-publicacoes/beneficiados-da-
-lei-10-1.559>. Acesso em: 9 fev. 2016.
21
Os carbonários. São Paulo: Círculo do Livro, 1980.
22
Onde foi que vocês enterraram nossos mortos? Foz do Iguaçu, PR: Travessa dos Editores,
2005.
23
Depoimento em: <https://www.youtube.com/watch?v=KN1vEfGBd0w>. Acesso em: 9
fev. 2016.
24
Náufrago da utopia. São Paulo: Geração, 2005.
25
Gracias a la vida: memórias de um militante. Rio de Janeiro: José Olympio, 2013.
26
“O que a nossa geração produziu, a repressão não tinha como destruir”. Entrevista ao
blogue Sul21, disponível em: <http://www.sul21.com.br/jornal/flavio-koutzii-o-que-a-nos-
sa-geracao-produziu-a-repressao-nao-tinha-como-destruir/>. Acesso em: 9 fev. 2016.
27
Em 2008, concedeu uma longa entrevista em que dá muitos detalhes da militância revo-
lucionária no meio universitário da segunda metade da década de 1960. O título é “Valia a
pena lutar” e está disponível em: <http://www.zedirceu.com.br/valia-a-pena-lutar/>. Acesso
em: 4 fev. 2016.
28
“O inventário inacabado”. Entrevista ao Jornal da Unicamp, Campinas (SP) , p. 8-9, março
de 2001, disponível em: <http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/mar2001/os-
sopag8e9.html>. Acesso em: 9 fev. 2016.
Conclusão 481

Jorge Eduardo Saavedra Durão29 (a partir de 2007, R$ 10.595,04 mensais),


José Dirceu de Oliveira e Silva30 (em 2002, cota única de R$ 66.000,00),
Lúcia Velloso Maurício (em 2007, R$ 100 mil)31 e Maria do Carmo Brito32
(em 2007, R$ 100 mil).
O que estas cifras têm como função estratégica é obscurecer o fato ob-
jetivo de que se fazia uma luta de vida ou morte contra a dominação bur-
guesa estabelecida no país na forma de uma ditadura, e não poderia ha-
ver lugar para a ideia de uma reparação financeira em caso de derrota. A
partir deste ponto de vista, dois ex-perseguidos políticos se colocaram em
posição crítica diante da política indenizatória. Pedro Eugênio de Castro
Toledo Cabral foi militante do movimento estudantil e membro do Partido
Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), pelo que, em 1970, perma-
neceu preso por nove meses em Recife, tendo sido torturado. Entretanto,
não requereu a reparação financeira. Considerava que a questão desviava o
foco de “pendências dos anos de chumbo” e criticava o modelo de cálculo,
que teria criado duas classes de perseguidos: “Quem era operário foi julga-
do com uma perspectiva de perda menor do que a de um advogado. Esse
critério criou uma diferença social”.33 Mas, quanto a ele mesmo, entendia
não haver o que reivindicar: “Quando entrei no processo de luta contra a
ditadura estava consciente do que poderia acontecer. Sabia dos riscos”.34
Anita Leocádia Prestes, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e
impedida de trabalhar no Brasil durante o regime ditatorial, solicitou o be-
nefício previsto na lei e foi contemplada com uma indenização no valor de
R$ 100 mil e a contagem do tempo de serviço perdido. Ao tomar a iniciati-
va de requerer o benefício, ela, objetivamente, legitimou o mecanismo in-

29
Entrevista em SCHERER-WARREN, Ilse; ROSSIAUD, Jean. A Democratização Inacabá-
vel: as memórias do futuro. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. p. 212-219.
30
Depoimento em: <https://www.youtube.com/watch?v=e1e1iyZKFOU>. Acesso em: 9 fev.
2016.
31
Cacos de sonhos: cartas de uma ex-prisioneira da Vila Militar (1971-1974). Rio de Janeiro:
Ponteio, 2015.
32
VIANNA, Martha. Uma tempestade como a sua memória – A história de Lia, Maria do
Carmo Brito. Rio de Janeiro: Record, 2009.
33
Ou seja, como se não bastasse a mercantilização da derrota revolucionária, ainda se criou
uma estratificação social entre aqueles que haveriam de se locupletar com o rendimento da
operação.
34
“Tribunal quer investigar se há pensões exageradas [sic] vítimas da ditadura”. Disponível
em: <http://www.jb.com.br/pais/noticias/2008/10/18/tribunal-quer-investigar-se-ha-pen-
soes-exageradas-vitimas-da-ditadura/>. Acesso em: 4 fev. 2016.
482 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

denizatório, contudo, reviu parcialmente a sua posição, quando abriu mão


do dinheiro, doando-o ao Hospital Nacional do Câncer, no Rio de Janeiro:
“Quando assumi determinadas posições políticas, sabia das consequências.
Isso não se paga com dinheiro, pelo menos no meu caso”.35
Afora o aspecto ‒ apresentado como técnico, mas carregado de cono-
tações ideológicas ‒ dos critérios para cálculo das indenizações,36 que for-
neceram argumentos para a denúncia geral das “indenizações milionárias”
e para a oposição de extrema-direita, inconformada com a anistia, cunhar
a expressão “bolsa-ditadura”,37 a Lei nº 10.559 foi a consagração da vitória
ideológica da perspectiva burguesa da transição política.38 Por ela, o Esta-
do paternal, democraticamente sensível, concede aos seus cidadãos-filhos
uma compensação financeira por tê-los tratado com excessiva severidade.

35
COSTA, Luciano Martins. “Toque nos anistiados intocáveis”. Disponível em: <http://ob-
servatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/toque-nos-anistiados-intocaveis/>.
Acesso em: 4 fev. 2016.
36
Em 2008, o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) da Presidên-
cia da República, Paulo de Tarso Vannuchi, defendeu o trabalho da Comissão de Anistia,
concedendo que poderiam ter acontecido distorções no cálculos “em um caso ou dois ou
três entre 30 mil. Algumas indenizações podem ter sido excessivas, para os padrões da so-
ciedade brasileira, mas não se pode falar apenas desses casos com indenizações elevadas”.
Ver: <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2008-05-01/vannuchi-rebate-criti-
cas-indenizacoes-milionarias-da-comissao-de-anistia>. Acesso em: 4 fev. 2016. O ministro
Paulo Vannuchi, preso político na década de 1970, foi beneficiado em 2002 com uma inde-
nização de R$ 54.000,00. Ver: <http://www.planejamento.gov.br/assuntos/gestao-publica/
arquivos-e-publicacoes/beneficiados-da-lei-10-1.559>. Acesso em: 4 fev. 2016.
37
Ver “Bolsas Ditadura alcançam R$ 3,4 bi”. Disponível em: <http://www.defesanet.com.
br/dita/noticia/14802/Bolsas-Ditadura-alcancam-R$-3-4-bi/>. Acesso em: 31 jan. 2016. A
visão da extrema-direita está bem apresentada em “Memorial 1964 – Primeira parte”. Dis-
ponível em: <http://www.ternuma.com.br/index.php/memorial>. Acesso em: 31 jan. 2016.
A autodefesa de Cony está em “Indenizações milionárias - Cony justifica o seu processo”.
Disponível em: <http://www.sulradio.com.br/destaque_indenizacoes_cony_justifica.asp>.
Acesso em: 4 fev. 2016.
38
“De olho nas indenizações milionárias, o Tribunal de Contas da União (TCU) está ques-
tionando os critérios adotados pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça na con-
cessão de valores mensais e retroativos como reparação econômica aos perseguidos durante
o regime militar. Os dois casos mais recentes em análise no TCU envolvem os jornalistas
Sérgio Jaguaribe, o Jaguar, e Ziraldo Alves Pinto, que dirigiam o extinto O Pasquim e, pela
alegada perseguição durante a ditadura, foram beneficiados, cada um deles, em abril deste
ano [2008], com uma bolada retroativa de R$ 1,2 milhão, além de R$ 4.365,88 mensais pelo
resto de suas vidas”. “Tribunal quer investigar se há pensões exageradas [sic] vítimas da di-
tadura”. Disponível em: <http://www.jb.com.br/pais/noticias/2008/10/18/tribunal-quer-in-
vestigar-se-ha-pensoes-exageradas-vitimas-da-ditadura/>. Acesso em: 4 fev. 2016.
Conclusão 483

Fica estabelecido o instituto que prefiro chamar de “seguro-derrota”, con-


cedido como forma de ressarcir um indivíduo, pretenso revolucionário ‒
resistente democrata, campeão dos direitos humanos, afrontador de todos
os autoritarismos, e outros epítetos que possa assumir ‒, derrotado que se
sentiu prejudicado materialmente pelo vencedor, no caso, a impessoal figu-
ra do Estado.
Não se trata de ignorar que houve pessoas que ficaram inabilitadas para
a vida social em virtude da violência praticada pelos agentes dos gover-
nos durante o regime ditatorial. Famílias que perderam o arrimo, indiví-
duos gravemente atingidos pela violência repressiva apenas por manterem
laços pessoais com militantes, sem sequer terem noção do que ocorria,39
são algumas das situações que, inegavelmente, exigiriam medidas de apoio
social. Haveria que, em um processo de transição descomprometido com
a preservação dos interesses classistas e individuais dos setores dominan-
tes durante a ditadura, criar meios para resolver tais casos pontualmente.
No caso de uma transição não pactuada e mais rápida, teria sido possível,
também, penalizar patrimonialmente os agentes – indivíduos – do Estado
responsáveis pelas situações geradoras da necessidade de apoio social. Foi
o que cogitou, em 1932, o general Jorge Pinheiro,40 referindo-se aos líderes

39
A belíssima canção “O bêbado e a equilibrista”, de João Bosco e Aldyr Blanc, que, lançada
em 1979, ficaria consagrada como o “hino da anistia”, generaliza tal possibilidade. A letra
homenageia Betinho ‒ Herbert José de Sousa, o “irmão do Henfil” mencionado ‒, militante
socialista desde a década de 1950 e que, quando do golpe de 1964, dirigia a Ação Popular,
organização da qual fora um dos fundadores em 1962. Instalada a ditadura no país, Betinho
militou clandestinamente até 1971, quando se exilou no Chile, então sob o governo socialis-
ta da Unidade Popular. Na música ele é associado ao indefinido grupo de “Tanta gente que
partiu / Num rabo de foguete”. Ora, sabe-se que a expressão “rabo de foguete” remete a uma
situação complicada em que se entra inadvertidamente. Referida a um experiente militante
de esquerda, que seguiu na vida o rumo determinado por suas convicções ideológicas, a
letra contribui para dissociá-lo deste referente político essencial e para que seja visto como
apenas mais uma vítima de imprevista violência ditatorial. Ouvir a música, na emocionante
interpretação de Elis Regina (1979), em: <https://www.youtube.com/watch?v=1g_p4Xcn-
5CE>. Acesso em: 30 jan. 2016.
40
Foi comandante da Divisão Mineira que combateu as forças paulistas em 1932. Dispo-
nível em: <http://www.arquivoestado.sp.gov.br/exposicao_1932/pdf/BR_APESP_AAC_62-
2_041_001.pdf>. Quatro anos depois, integrou a Câmara dos Quarenta, um dos órgãos
dirigentes da Ação Integralista Brasileira (AIB). A Razão, 7 de outubro de 1936. Dispo-
nível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=720941&pag-
fis=101&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#>. Ambas as páginas acessadas em:
30 jan. 2016. 
484 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

do derrotado movimento liberal restaurador paulista, quando defendeu a


tese de que o mínimo que se lhes devia impor era a “perda total dos direitos
políticos e, se for possível, o confisco dos bens para minorar a desgraça dos
órfãos e mutilados”.41
O problema, na transição brasileira, foi ter-se adotado um mecanismo
de compensação em massa, a partir de critérios formais, como os estabele-
cidos pela Lei nº 10.559, que determinou a transferência de vultosos recur-
sos sociais para o bolso de milhares de soi-disant vítimas do Estado. A lei
foi seguida de similares estaduais, como a do Rio de Janeiro, último estado
a entrar no circuito indenizatório. Pela Lei nº 3.744/2001, de autoria dos
deputados Carlos Minc42 e Edmilson Valentim, criou-se uma Comissão Es-
pecial que, instalada em 2004, analisou pleitos e iniciou em dezembro desse
ano o pagamento de reparações no valor de R$ 20 mil. Com a criação das
comissões reparadoras estaduais, abriu-se a possibilidade de duplicação
de benefícios indenizatórios àqueles que tenham sido vítimas, simultanea-
mente, da sanha repressora nos planos federal e estadual.43
Ao sabor da dinâmica dessas comissões, avança-se, pela via da monetiza-
ção, no desvirtuamento do processo gerador da situação alegada como jus-
tificativa para o requerimento de indenização. Suprime-se, assim, o fato de
que a derrota, com seu cortejo de prejuízos subjetivos e materiais, faz parte
do cálculo político do militante revolucionário em qualquer tempo e lugar. A
militância contra qualquer ordem econômico-social não pode envolver um
seguro que garanta uma situação futura favorável em caso de derrota.
O instituto da reparação financeira constitui, nesse caso, uma vitória
político-ideológica dos setores comprometidos com a ditadura, mas, tam-
bém, com a ordem burguesa em geral. A reivindicação de indenização em

41
HILTON, Stanley. A guerra civil brasileira (História da Revolução Constitucionalista de
1932). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. p. 326.
42
Militante revolucionário e preso político na passagem de 1969 para 1970, foi agraciado,
em 2008, com uma indenização federal no valor de R$ 100 mil. Informação disponível em:
<http://www.planejamento.gov.br/assuntos/gestao-publica/arquivos-e-publicacoes/benefi-
ciados-da-lei-10-1.559>. Acesso em: 4 fev. 2016.
43
Foi o caso de Jessie Jane Vieira de Souza, militante revolucionária e presa política na dé-
cada de 1970. Beneficiada pela lei estadual, recebeu também da comissão federal, em 2007,
o direito a uma prestação mensal, esta no valor de R$ 7.489,07. Informações disponíveis,
respectivamente, em: <http://www.oabrj.org.br/noticia/54417-indenizacao-a-ex-presos-
-politicos-esta-parada> e <http://www.planejamento.gov.br/assuntos/gestao-publica/arqui-
vos-e-publicacoes/beneficiados-da-lei-10-1.559>. Acesso a ambas em: 4 fev. 2016.
Conclusão 485

massa contribuiu de maneira decisiva para a despolitização44 do problema


da anistia e dos atos repressivos praticados pelos dirigentes e funcionários
do regime ditatorial. Os derrotados nesta guerra de classes, transmudados
em vítimas individuais, ao reivindicarem/aceitarem este deslocamento de
sentido, dão continuidade ao processo da sua retirada de um cenário histó-
rico de derrota, uma derrota que foi coletiva e internacional.
O processo de transição política, no bojo do qual emergiu a campanha
pela anistia e se deu a sua transformação em tática da contrarrevolução de-
mocrática, está conectado com mutações vividas pelo campo de esquerda
internacional a partir da Europa. O surgimento do “eurocomunismo”, na
primeira metade da década de 1970, implicou, para muitos, o reconheci-
mento da inviabilidade da revolução como caminho para a construção de
uma alternativa socialista ao capitalismo.45 Por meio de exilados brasilei-
ros que retornaram da Europa após a anistia, bem como da circulação in-
ternacional das ideias políticas, a abdicação da perspectiva revolucionária
influenciou, também, a avaliação autocrítica da experiência feita na luta
contra a ditadura e em nome do socialismo. Pode-se aventar a hipótese de
que o desencanto com o projeto que dera significado tão generoso às suas
vidas46 tenha extinguido em muitos ex-militantes da esquerda armada os
referenciais éticos socialistas de suas aspirações políticas, substituindo-os
por outros mais individualistas, pragmáticos e, não raro, oportunistas.

44
A despolitização pode ser entendida, também, como uma forma de tornar a anistia e seus
desdobramentos palatáveis para os setores militares mais renitentes. Ver depoimento do ge-
neral Zenildo Zoroastro de Lucena em CASTRO, Celso; D’ARAÚJO, Maria Celina. (Org.).
Militares e Política na Nova República. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas,
2001. p. 225.
45
Para uma visão apologética do fenômeno, ver SALVADORI, Massimo L. Eurocomunismo e
socialismo sovietico. Problemi attuali del PCI e del movimento operaio. Turin: Einaudi, 1978.
Uma visão crítica se encontra em MANDEL, Ernest.  Crítica do eurocomunismo. Lisboa:
Antídoto, 1978.
46
É significativa a maneira ironicamente desqualificadora como é tratada a militância contra
a ditadura nas páginas do livro ‒ já citado aqui ‒ Ditaduras, esquerdas e sociedade, como
na página 8, onde se lê: “Bravos jovens! Radicais equivocados, mas generosos”. Seu autor,
Daniel Aarão Reis Filho, então um destes jovens, integrou uma organização revolucionária
que realizou o sequestro de um embaixador. Preso, foi libertado graças a outro sequestro,
partindo para o exílio. Como reparação pelo seu radicalismo equivocado, solicitou e obteve,
em 2009, a mercê de uma generosa prestação mensal no valor de R$ 8.012,17. Disponível
em: <http://www.planejamento.gov.br/assuntos/gestao-publica/arquivos-e-publicacoes/be-
neficiados-da-lei-10-1.559>. Acesso em: 4 fev. 2016.
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Boletim Maria Quitéria – Boletim Informativo do MFPA
Em Tempo
Folha de S. Paulo
IstoÉ
Jornal do Brasil
Movimento
O Estado de S. Paulo
O Globo
Veja

III – Fontes secundárias

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Alceu Amoroso Lima
Alcides Franciscato
Álvaro Vale
Aurélio Peres
Café Filho
Carlos Lacerda
Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA)
Convergência Socialista
Costa e Silva
Cunha Bueno
Ednardo D’Ávila Melo
Erasmo Dias
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Euclides Figueiredo
Euler Bentes Monteiro
Filinto Müller
Francisco Pinto
Frente Ampla
Frente Parlamentar Nacionalista (FPN)
Gastone Righi
Getúlio Barbosa de Moura
Jamil Amiden
João Batista Figueiredo
Lindolfo Collor
Marco Maciel
Movimento Democrático Brasileiro (MDB)
Movimento pela Emancipação do Proletariado (MEP)
Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8)
Movimento Trabalhista Renovador (MTR)
Nísia Carone
Pedro Aleixo
Peri Bevilacqua
Petrônio Portela
Revolta de Aragarças
Revolta de Jacareacanga
Revolta dos marinheiros
Revolta dos sargentos
Roberto Campos
Rodrigo Otávio
Sérgio Carvalho
Severo Gomes

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Índice remissivo

I Congresso Nacional pela Anistia, Aliança Nacional Libertadora, 51,


355, 465 91
II Congresso Nacional pela Anistia, Aliança para o Progresso, 130, 210
465 Aliança Renovadora Nacional
II Plano Nacional de Desenvolvi- (Arena), 62, 84, 96, 101, 147, 171,
mento (II PND), 221 177, 178, 220, 228, 229, 243, 292,
III Exército, 119, 268, 298 294, 301, 325, 326, 327, 331, 349,
IV Exército, 55, 166 355, 365, 367, 374, 392, 403, 405,
A Defesa Nacional, 42, 218 428, 431, 437, 447, 450, 453, 454
Abertura democrática, 125, 143, ALLENDE, Salvador, 119, 120, 122,
303, 396, 442 127
Abertura política, 136, 139, 141, ALMEIDA, Dom Luciano Mendes
143, 144, 151, 169, 224, 242, 245, de, 390, 458
267, 295, 344, 345, 346, 347, 354, ALMEIDA, José Ferreira de, 193
369, 429, 449 Alto Comando das Forças Arma-
ABREU, Hugo, 186, 249, 289 das, 91, 249
ABREU, Leitão de, 141, 144, 158, ALVERGA, Alex Polari de, 421,
162 480
Ação Libertadora Nacional (ALN), ALVES, Branca Moreira, 188
93, 98 ALVES, Hermano, 48, 52
Ação racional, 476 ALVES, Márcio Moreira, 54, 64, 83,
Agência Central de Inteligência 326, 389, 414, 462
(CIA), 76, 85 ALVES, Maria Helena Moreira,
Agência Nacional, 45 196, 230, 295, 376, 447
ALEIXO, Pedro, 89, 339 ALVES, Valdemar, 33
ALENCAR, Marcelo, 74 AMARAL, [Joaquim Carlos] Del
Alfa-Omega, 239 Bosco, 404, 428, 450
ALFRINK, Bernard, 103 AMARAL, Del Bosco, 404, 428,
Alguns estudos sobre a guerra 450
revolucionária, 42 AMIDEN, Jamil, 73, 74

519
520 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

AMORIM, Edgar, 443 Aparelho repressivo, 27, 257, 383,


Anistia ampla, geral e irrestrita, 27, 388, 409, 438
58, 232, 253, 258, 263, 268, 274, Aragarças, 96, 97, 378, 451
280, 284, 287, 288, 300, 302, 303, ARAÚJO, Pedro Inácio de, 30
304, 306, 307, 308, 317, 324, 339, ARBAGE, Jorge, 269, 291, 296, 348,
341, 342, 347, 348, 351, 355, 356, 372
357, 361, 362, 363, 368, 369, 372, ARNS, Dom Paulo Evaristo, 122,
374, 385, 386, 387, 389, 390, 392, 184, 261, 264, 269, 346, 382, 390, 439
393, 394, 409, 410, 411, 413, 416, ARRAES, Miguel, 54, 250, 347, 364,
420, 422, 423, 424, 425, 427, 429, 365, 403, 442, 448, 462
433, 434, 435, 436, 437, 438, 439, ARRUDA, Anete Lima de, 188
440, 441, 442, 443, 444, 445, 447, Assassinatos, 23, 25, 92, 94, 103,
448, 449, 450, 451, 453, 454, 458, 123, 190, 308, 382, 383, 396
461
Assembleia Nacional Constituinte,
Anistia geral, 70, 71, 72, 73, 79, 177, 137, 204, 231, 234, 236, 240, 241,
185, 190, 195, 208, 232, 242, 275, 243, 268, 271, 278, 296, 304, 321,
318, 350, 360 356, 386, 433, 465, 471
Anistia Internacional, 102, 166, Assembleia Nacional de Portugal,
240, 246, 248, 359, 360 208
Anistia parcial, 74, 249, 252, 261, Associação Brasileira de Ciência
277, 291, 306, 337, 338, 339, 350, Política, 135, 138, 167
356, 365, 368, 369, 371, 383, 389,
Associação Brasileira de Imprensa
390, 394, 406, 414, 420, 421, 422,
(ABI), 17, 28, 81, 104, 111, 123,
427, 433, 439
185, 188, 204, 252, 286, 290, 314,
Anistia recíproca, 175, 237, 254, 328, 329, 343, 351, 387
255, 256, 261, 266, 298, 308, 346,
Associação Comercial de São Pau-
390, 391
lo, 51
Anistia restrita, 261, 266, 345, 346,
Associação de Defesa dos Direitos e
347, 349, 350, 381, 382, 385, 386,
Pró-Anistia dos Atingidos por Atos
387, 388, 395, 409, 422, 445, 449
Institucionais (AMPLA), 393
Anistiado político, 399, 402, 461,
Associação de Solidariedade com o
467, 477
Povo Brasileiro – Lausanne, 424
Anticomunismo, 20, 21, 44, 45,
Associação dos Diplomados da Es-
193, 209, 312
cola Superior de Guerra (ADESG),
Antissistêmico, 14, 30, 31, 92 76, 192
Índice remissivo 521

Associação dos Marinheiros e Fuzi- 111, 186, 190, 204, 290, 410
leiros Navais, 33 Autoritarismo, 38, 67, 139, 152,
Associação Internacional de Ciên- 153, 154, 155, 216, 225, 299 , 341,
cia Política (IPSA), 135 361, 362, 474, 483
Associação Que Fazer / Association Avilan (reino), 335
Que Faire? (Suíça), 309, 424 AZEVEDO, Clóvis Soares, 188
Associação Suíça pela Anistia Geral AZEVEDO, Neide, 245
dos Prisioneiros Políticos no Brasil Baader-Meinhoff, 379
/ Association pour l’Amnistie gé- Bagaço, 291
nérale des prisonniers politiques au BALDUÍNO, Dom Tomás, 220, 263
Brésil, 316, 424 BANDEIRA, Luís Alberto Moniz, 94
ATAÍDE, Tristão de, ver LIMA, BANZER, Hugo, 118, 251, 272, 432
Alceu Amoroso BAPTISTA, Luiz, 458
Ato Institucional (AI-1), 35, 290, BARBALHO, Jader, 451
393, 394
BARBOSA, Júlio, 132, 133
Ato Institucional nº 12, 89
BARROS, Celso, 271, 272
Ato Institucional nº 13, 89
BASSO, Lelio, 163, 313, 316, 323,
Ato Institucional nº 14, 89 382, 384
Ato Institucional nº 16, 90 BATISTA, Nilo, 374
Ato Institucional nº 17, 90 BAUVOIR, Simone de, 105, 238
Ato Institucional nº 2 (AI-2), 23, BELLINATI, Vladmir, 449
53, 58, 62, 157, 227, 231
BENJAMIN, Cid Queirós, 480
Ato Institucional nº 5 (AI-5), 23,
BENJAMIN, Iramaya Queirós, 246,
24, 67, 73, 75, 83, 84, 85, 86, 87, 90,
248, 252, 291, 465
92, 94, 100, 157, 173, 176, 177, 181,
BERMUDES, Sérgio, 375
182, 207, 227, 228, 229, 231, 234,
BERNARDINO, Angélico, 382
237, 241, 253, 255, 266, 267, 274,
BESSONE, Darcy, 138
282, 289, 290, 293, 294, 311, 330,
337, 339, 348, 353, 377, 381, 405, BEVILAQUA, Peri Constant, 13,
432, 461 19, 57, 60, 63, 70, 71, 173, 253, 255,
288, 304
Ato Institucional, 23, 34, 36, 58, 61,
66, 70, 72, 111, 172, 266, 267, 278, BEZERRA, Gregório, 413, 442, 462
364, 394, 455, 478 BICUDO, Hélio, 284, 379
AUSSARESSES, Paul, 38, 120, 122 BIERRENBACH, Júlio de Sá, 251,
Autênticos (do MDB), 100, 110, 347
522 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Bipartidarismo, 62, 287, 384, 385, CAFETEIRA, Epitácio, 427, 443


386, 399 Cajá, ver SILVA, Edval Nunes da
Bloco dominante, 22, 288 Cálculo político, 199, 345, 406, 484
BOAL, Augusto, 338 CALLADO, Antônio, 416, 425
BOAVENTURA, Francisco, 63 Câmara de Representantes dos
BOFF, Leonardo, 105 Estados Unidos, 195
Bolívia, 43, 117, 118, 129, 163, 164, CÂMARA, Dom Hélder, 55, 85, 93,
251, 272, 433 94, 439
Bolsa-ditadura, 482 CAMARGO, Aspásia, 135
Bombom, 344 CAMARGO, José Maria Toledo de,
BONIFÁCIO, José, 243, 291 242, 258
BORDABERRY, Juan Maria, 122 CAMATA, Gerson, 435
BOSCH, Juan, 131, 164 CAMPOS, Milton, 62, 133, 137
BOTO, Carlos Pena, 51 CAMPOS, Roberto, 29, 56, 159
BRANDÃO, cardeal Avelar, 99 CANTO, Cândido da Câmara, 119
BRANDÃO, Frederico, 219, 241 Capital transnacional, 29, 125
BRAUDEL, Fernand, 20 CARLOS, Newton, 41
Brigadas Vermelhas, 379 CARONE, Nísia, 73
Brito, Maria do Carmo, 481 CARPEAUX, Otto Maria, 126
BRITO, Rui, 278, 290 CARNEIRO, Nelson, 123, 292, 364,
BRIZOLA, Leonel, 34, 44, 49, 54, 373, 428, 438, 450
190, 244, 250, 254, 269, 365, 303, Carta do Congresso Nacional pela
413, 462 Anistia, 314, 323
BROSSARD, Paulo, 290, 349, 397, Carta Política – Carta de Salvador,
403, 447, 453, 454 307, 308, 314
BUENO, Antônio Sílvio Cunha ver CARTER, Jimmy, 13, 184, 208, 211,
BUENO, Cunha 212, 214, 215, 216, 219, 268, 269,
BUENO, Cunha, 74, 75 280, 405
BURITI, Tarcísio, 347 CARTER, JR., James Earl “Jimmy”
BURNIER, João Paulo Moreira, 96, ver CARTER, Jimmy
117, 378 CARTER, Rosalyn, 218, 219
BUZAID, Alfredo, 100, 101 CARVALHO, Apolônio de, 413,
CABRAL, Pedro Eugênio de Castro 414
Toledo, 481 CARVALHO, Lázaro de, 427, 449
Índice remissivo 523

CARVALHO, Odilon Ferreira de, CHAGAS, Altair, 110


393 Chaguista, 112, 172, 241, 267, 350
CARVALHO, Sérgio Ribeiro Mi- CHANDLER, Charles, 85
randa de, [Sérgio Macaco], 177 CHÂTELET, François, 105
CASALDÁLIGA, Dom Pedro, 220 CHAVES, Aloísio, 428, 452
Caso Para-Sar, 177, 255, 290, 378 CHAVES, Leite, 446
Cassação, 23, 172, 191, 220, 233, CHILCOTE, Ronald, 127
252, 337 Chile, 11, 43, 57, 119, 120, 122, 127,
Cassações brancas, 273, 320, 321 131, 138, 163, 164, 165, 215, 272,
Castelistas, 79, 91, 230 338, 378, 483
CASTELLO BRANCO, Carlos, 75, CHOMSKY, Noam, 131, 383
151, 170 Classes dominantes, 14, 18, 20, 24,
CASTELO BRANCO, Humberto 25, 62, 103, 107, 116, 327, 341, 416,
de Alencar, 23, 37, 48, 55, 56, 58, 473
62, 77, 79, 86, 149, 224, 225, 278 Classista, 15, 52, 152, 225, 310, 329,
CAVALCANTI, Temístocles Bran- 333, 334, 341, 471, 472, 474, 475, 483
dão, 138 Coalizão civil-militar, 21
CELIBERTI, Lilian, 320, 360 Código do Processo Penal Militar,
Center for International Affairs, 90, 191
126, 132 Código Penal Militar, 90, 335
Center for International Studies, COELHO, Fernando, 195, 231, 304,
127 386, 429, 435, 450, 461
Centro de Defesa dos Direitos Hu- COIMBRA, Cecília, 11
manos da Paraíba, 279 Comando de Caça aos Comunistas
Centro de Estudos de Política e (CCC), 81, 94, 437
Legislação (CEPEL), 134 Comando Supremo da Revolução,
Centro de Informações da Aero- 34, 35
náutica (CISA), 89, 276 Comissão Arquidiocesana de Direi-
Centro de Informações da Marinha tos Humanos, 286
(CENIMAR), 89 Comissão Católica para o Terceiro
Centro de Informações do Exército Mundo, 309
(CIE), 82, 89, 202 Comissão de Anistia, 429, 467, 482
Centro político conservador, 25, 121 Comissão de Constituição e Justiça,
CERQUEIRA, Marcelo, 74, 389, 73, 74, 84, 90, 111, 190, 270
419, 432, 449
524 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Comissão de Direitos Humanos do Comissão Internacional de Juristas


MDB, 244 Progressistas, 315
Comissão de Exilados, 439 Comissão Internacional de Juristas,
Comissão de Familiares de Banidos 98
e Exilados, 320 Comissão mista do Congresso
Comissão de Familiares de Mortos para dar parecer sobre proposta de
e Desaparecidos, 319 emenda constitucional em 1978,
Comissão de Familiares de Presos e 294, 296, 309
Ex-Presos Políticos, 320 Comissão mista do Congresso
Comissão de Justiça e Paz da Ar- para dar parecer sobre proposta
quidiocese de Olinda e Recife, 279 de reforma da Lei de Segurança
Comissão de Justiça e Paz de Paris, Nacional, 312
238 Comissão Mista para apreciação do
projeto de anistia do governo, 428
Comissão de Justiça e Paz de São
Comissão Nacional da Verdade
Paulo, 183, 261
(CNV), 19, 421, 468
Comissão de Justiça e Paz do Vati-
Comissão para os crimes america-
cano, 261
nos de guerra no Vietnã, 164
Comissão de Mães, 286
Comissão Parlamentar de Inquérito
Comissão de Representantes de
(CPI), 179, 355, 358, 449
Subtenentes, Suboficiais, Sargentos,
Comissão Pró-União Nacional dos
Cabos, Soldados e Marinheiros
Estudantes (Comissão Pró-UNE),
atingidos por atos do movimento
315
militar de 64, 392
Comissão Trilateral, 213, 214, 405
Comissão de Segurança Nacional, Comission Tiers-Monde Église Ca-
84 tholique-Genève (COTMEC), 424
Comissão Europa-América-Latina, Comitê 1º de Maio pela Anistia, 232
101 Comitê Belga de Anistia no Brasil,
Comissão Executiva Nacional do 276
CBA, 322, 327, 355 Comitê Brasil Anistia de Paris, 275
Comissão Executiva Nacional dos Comitê Brasil da Holanda, 276
Movimentos pela Anistia, 382 Comitê Brasileiro das Vítimas do
Comissão Geral de Investigações Terrorismo, 458
(CGI), 36 Comitê Brasileiro pela Anistia – SP
Comissão Internacional de Juristas (CBA-SP), 284, 288, 296, 316, 366,
Católicos do Vaticano, 220, 315 371
Índice remissivo 525

Comitê Brasileiro pela Anistia Comitê Pró-Anistia Geral no Bra-


(CBA), 13, 17, 246, 252, 255, 256, sil, de Portugal, 275
315, 331, 338, 357, 358, 426, 434, Comitê Rio-grandense-do-norte
450 pela Anistia (CNA), 300
Comitê Brasileiro pela Anistia Comitê Unitário pela Anistia, 274
(França), 180 Compensação em massa, 484
Comitê Colônia-Bonn da Alema- Complexo Penitenciário Frei Cane-
nha Federal, 275 ca, 105, 243, 420
Comitê de Anistia da Suécia, 275 Comunidade de informações, 370
Comitê de Defesa dos Presos Políti- Comunidade de segurança, 31
cos (CDPP), 105, 171 Comunidades Eclesiais de Base,
Comitê de Solidariedade aos Presos 404
Políticos de São Paulo, 115 CONCEIÇÃO, Manuel da, 101
Comitê de Solidariedade aos Re- Conciliação, 18, 204, 241, 259, 262,
volucionários no Brasil (Portugal), 281, 291, 302, 312, 339, 341, 356,
106 396, 404, 405, 416, 429, 438
Comitê de Solidariedade com Confederação Mundial do Traba-
o Povo Brasileiro, de Genebra / lho (CMT), 424
Comité de Solidarité avec le Peuple Conferência Internacional pela
Brésilien (CSPB), 275, 424 Anistia no Brasil, 351, 408
Comitê de Solidariedade do Povo Conferência Internacional sobre a
Suíço ao Brasil, 101, 315 Guerra Política dos Soviéticos, 51
Comitê Dinamarquês de Anistia no Conferência Nacional dos Bispos
Brasil, 276 do Brasil (CNBB), 64, 89, 91, 93,
Comitê França-América Latina, 98, 99, 115, 179, 180, 195, 206, 221,
414 235, 261, 263, 278, 279, 314, 343,
Comitê Londrinense pela Anistia, 420, 432
350 Congresso Internacional da Mu-
Comitê para a Anistia Geral e lher, 185
Democracia no Brasil (Alemanha), Conselho de Defesa dos Direitos da
292 Pessoa Humana, 104, 111, 421
Comitê pró-Anistia de Porto Ale- Conselho de Segurança Nacional,
gre, 309 42, 90, 110, 111, 388
Comitê Pró-Anistia Geral dos Pre- Conselho Nacional dos Direitos
sos Políticos no Brasil (Paris), 105 Humanos, 104
526 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Consolidação das Leis do Trabalho Corrupção, 23, 59, 69, 77, 84, 207,
(CLT), 230, 290, 364, 393, 431 316, 338, 349, 387, 443
Constituição de 1946, 32, 35, 68 COSTA, David Capistrano da, 244
Constituição de 1967, 80, 158, 227, COSTA, Humberto Reis, 50
310, 311 COSTA, Ruy Corrêa da, 393
Constituição de 1988, 310, 467, Costismo, 136
472, 476 Costista, 136
Construção memorialística, 480 Council of Foreign Relations, 76
Contrainsurgência, 208, 212 COUTINHO, Florim, 112, 172,
Contrarrevolução burguesa, 473 189, 241, 270, 451
Contrarrevolução continental, 112, COVAS, Mário, 349
121, 122, 212 CPI da tortura, 367
Contrarrevolução democrática, Crime de opinião, 349
198, 213, 214, 485 Crimes comuns, 15, 263, 294, 297,
Contrarrevolução modernizadora, 346, 350, 372, 387, 391, 412, 468
22 Crimes conexos, 14, 16, 396, 403,
Contrarrevolução permanente, 27, 417, 471
472, 473 Crimes de sangue, 227, 346, 374,
Contrarrevolução preventiva por 377, 382, 396, 412, 435, 448
métodos democráticos, 155 Crise da Legalidade (1961), 43, 57
Contrarrevolução preventiva, 12, Críticos empiristas, 474
18, 24, 27, 130, 155 Cunha, João, 191, 204, 272, 299,
Contrarrevolução terrorista, 117 450
Contrarrevolução violenta 130 CUNHA, Marcus, 365
Contrarrevolução, 11, 26, 45, 210, Curso de Operações Especiais do
476 Exército, 41
Convicções ético-políticas, 479 D’OLIVEIRA, Divo Fernandes, 31
CONY, Carlos Heitor, 36, 60, 482 DALLARI, Dalmo, 74, 261
Coojornal, 291 DANTAS, Audálio, 404
CORÇÃO, Gustavo, 61 DAVIES, Nathaniel, 119
CORDEIRO, Marcelo, 429, 450 De Fato, 291
CORREIA, Hércules, 414, 462 Declaração de Porto Alegre, 111
Correio da Manhã (RJ), 45, 55, 82 Déclaration de Berne-Genève, 424
CORRIGAN, Robert F., 94 Decreto Legislativo nº 18, 31, 90
Índice remissivo 527

Decreto nº 359, 71 161, 168, 170, 171, 212, 215, 258,


Decreto-lei nº 864, 90 436
DEDIJER, Wladimir, 163 Desestatização, 224, 225
DELFIM NETTO, Antônio, 151, Despolitização da anistia, 485
280 Despolitização da violência, 476
Democracia dos patrões, 341 DIAFÉRIA, Lourenço, 242
Democracia liberal, 25 DIAS, Álvaro, 358, 458
Democracia relativa, 405, 446 DIAS, Antônio Erasmo, ver DIAS,
Democracia restrita, 22, 25, 121, Erasmo
148, 405 DIAS, Erasmo, 235, 322, 348, 396
Democracia tutelada, 77, 86, 87 DIAS, Getúlio, 290, 349, 414
Democracia, 13, 29, 30, 66, 67, 68, DIAS, João Alfredo, 30
69, 78, 86, 95, 98, 100, 121, 134, DIAS, José Carlos, 74, 315
146, 173, 174, 193, 198, 213, 226, DÍAZ, Universindo Rodríguez, 320,
237, 242, 245, 257, 258, 276, 277, 360
278, 283, 287, 289, 292, 306, 316, ROUSSEFF, Dilma, 19
334, 340, 359, 362, 393, 396, 399, DINIZ, Freitas, 429, 452
409, 412, 435, 438, 442, 453, 454, Direção burguesa, 27
464, 472, 473, 475 Direitos Humanos, 18, 19, 26, 38,
DENYS, Odílio, 44 64, 74, 87, 91, 99, 102, 103, 106,
Departamento de Defesa (EUA), 76 115, 122, 126, 163, 164, 165, 166,
Departamento de Ordem Política e 171, 179, 184, 189, 191, 194, 205,
Social (DOPS), 53, 57, 82, 105, 176, 208, 211, 212, 214, 215, 218, 219,
268, 282, 321, 347, 390, 432 220, 232, 233, 238, 246, 248, 251,
Departamento Estadual de Ordem 253, 261, 262, 269, 278, 285, 287,
Política e Social de São Paulo (DE- 299, 302, 303, 306, 314, 315, 318,
OPS-SP), 232 319, 328, 348, 355, 357, 359, 360,
Desaparecido político, 82 363, 390, 440, 449, 459, 468, 473,
Desaparecidos, 289, 303, 315, 318, 474, 476, 483
321, 331, 351, 355, 362, 417, 421, Dissidência Comunista da Guana-
426, 438, 439, 440, 448, 450, 457, bara, 89
462, 465, 471, 476, 477 Distensão encruada, 340
Descompressão, 123, 126, 136, 141, Distensão lenta, gradual e segura,
144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 25
151, 155, 156, 157, 158, 159, 160, Ditadura burguesa, 21
528 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Ditadura dos patrões, 341 392, 398, 409


DOI-CODI (Destacamento de Emenda Montoro, 374
Operações Internas/Centro de Equilíbrio precário, 340
Operações de Defesa Interna), 88, ESCOBAR, Ruth, 408, 439
89, 105, 192, 193, 196, 219, 390, Escola de Aperfeiçoamento de
406, 452 Oficiais (EsAO), 79
DÓRIA, Cristina Sodré, 183 Escola de Comando e Estado-
Doutrina contrarrevolucionária da -Maior do Exército (ECEME), 42,
guerra revolucionária, 39 48
Doutrina de guerra revolucionária, Escola de Guerra da Argentina, 41
22, 39, 47, 48, 52 Escola Superior de Guerra (ESG),
Doutrina de Segurança Nacional, 22, 78, 79, 99, 135, 137, 138
51, 121, 189, 310, 311, 324, 376, 446 Escola Superior de Guerra de Paris,
Duplicação de benefícios indeniza- 41
tórios, 484 Esquadrão da morte, 119, 255, 268,
DURÃO, Jorge Eduardo Saavedra, 432
481 Estádio da Vila Euclides, 363, 365,
EC nº 1 (ver, também, Emenda 366, 372
Constitucional nº 1), 310 Estado de direito precário, 340
EC nº 1, 90, 310 Estado de direito, 98, 99, 233, 241,
ELBRICK, Charles Burke, 89 245, 263, 264, 270, 271, 274, 278,
Em Tempo, 20, 279, 291, 299, 308, 292, 301, 303, 304, 316, 333, 334,
368 335, 473
Emenda Constitucional nº 1, 16 Estado de segurança nacional, 197,
Emenda Constitucional nº 1/69 230, 295, 376
(EC nº 1), 16, 227, 310 Estado de sítio, 45, 293, 294, 311,
Emenda Constitucional nº 11 (EC 343
nº 11), 309, 397 Estado Novo, 65, 66, 199, 271, 368,
Emenda Constitucional nº 11, 398 449
Emenda Constitucional nº 8 (EC nº Estado-Maior da Marinha, 42
8), 229, 450 Estado-Maior das Forças Armadas
Emenda Constitucional nº 9 (EC nº (EMFA), 57, 120
9), 229, 293 Estado-Maior do Exército, 42
Emenda constitucional, 90, 229, Estratégia aberturista, 136, 227,
270, 292, 310, 333, 355, 365, 376, 417, 426
Índice remissivo 529

Estratégia anticrises, 18 Federação das Indústrias do Estado


Estratégia contrarrevolucionária de São Paulo (FIESP), 358, 366
preventiva democrática, 174 FERNANDES, Adauri, 71
Estratégia de descompressão, 157, FERNANDES, Florestan, 12
158, 159, 171, 215 FERNANDES, Margarida Neves,
Estratégia de distensão / distensio- 183
nista, 198, 204, 206, 282, 312, 340 FERREIRA FILHO, Manoel Gon-
Estratégia gradualista, 157 çalves, 310
Estratégia incremental, 157, 158 FERREIRA, Joel, 172, 375
Estratégia, 16, 21, 25, 39, 40, 47, 49, Ficção jurídica, 16
50, 52, 61, 106, 11, 125, 129, 130, FIEL FILHO, Manoel, 196, 322, 323
131, 143, 152, 153, 155, 168, 171, FIGUEIREDO, Euclides, 249, 297,
197, 208, 213, 239, 261, 275, 288, 368
307, 464 FIGUEIREDO, João Batista, 27,
Estupro jurídico, 24 118, 136, 150, 191, 235, 250, 258,
Eurocomunismo, 485 278, 289, 296, 303, 312, 318, 342,
Extrema-direita católica, 220 359, 365, 387, 391, 396, 402, 412,
Extrema-direita, 44, 56, 81, 82, 94, 413, 433, 459, 463, 464
121, 150, 206, 207, 219, 271, 272, FIGUEIREDO, João, ver FIGUEI-
299, 300, 396, 435, 444, 482 REDO, João Batista
Extrema-esquerda, 121 FIGUEIREDO, Lila Galvão, 183
Faculdade de Direito da Universi- FLEURY, Sérgio, 119, 322
dade de São Paulo, 279 FLORES, Antônio Carlos Rosa,
FADUL, Wilson, 301 387, 429
FAGUNDES, Aldo, 73, 172, 292, Folha de S. Paulo, 177, 198, 242,
356, 433 269, 387, 441
FAGUNDES, Eduardo Seabra, 315, FON, Antônio Carlos, 480
328, 419, 436 FONSECA, Mário, 93
FANTON, Ludovino, 241, 271 FONTOURA, Carlos Alberto da, 198
FAORO, Raimundo, 235, 251, 269, Foquismo, 377
274, 405 Força Expedicionária Brasileira
FARAH, Benjamin, 428, 432 (FEB), 77
FARHAT, Said, 365 Forças Armadas, 14, 21, 22, 64, 71,
FARIA, Pedro, 431 76, 90, 93, 95, 120, 135, 195, 258,
297, 298, 368, 369
530 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Foreign Affairs, 142 FURTADO, Alencar, ver FURTA-


Fórum Roberto Simonsen, 50 DO, José de Alencar
FOUCAULT, Michel, 238 FURTADO, Heitor de Alencar, 356
FRAGOSO, Augusto, 42 FURTADO, José de Alencar, 234
FRAGOSO, Dom Antônio, 105 FURTADO, José de Alencar, 234,
FRAGOSO, Heleno, 74 349, 396
FRANCISCATO, Alcides, 204, 241, GABARDO, Olivir, 233
242 GADELHA, Marcondes, 435
FRANCO, Francisco, 40 GALVÃO, Gamaliel, 203, 242
FRANCO, Itamar, 403, 428, 432 GEARA, Amadeu, 444, 464
FREGAPANI, Cardoso, ver FRE- GEISEL, Ernesto, 25, 55, 92, 120,
GAPANI, José Bonifácio Cardoso 121, 123, 136, 144, 146, 150, 159,
FREGAPANI, José Bonifácio Car- 163, 166, 167, 168, 171, 172, 174,
doso, 358, 363 175, 178, 179, 180, 181, 183, 185,
Frei Beto, 74 186, 188, 189, 192, 193, 195, 196,
FREIRE, Marcos, 112, 453 199, 202, 206, 216, 217, 219, 222,
FREIRE, Roberto, 40, 462 223, 224, 225, 228, 229, 230, 232,
FREITAS, Alípio Cristiano de, 353 233, 234, 235, 238, 243, 249, 250,
252, 259, 260, 268, 269, 280, 283,
FREITAS, Antônio de Pádua Cha-
288, 289, 290, 293, 295, 312, 322,
gas, 112, 426
324, 331, 333, 339, 340, 343, 345,
FREJAT, José, 448
352, 359, 384, 404, 405, 409, 446,
Frente Ampla, 71, 72, 119
463
Frente Parlamentar pela Anistia,
GIBSON, Nilson, 442, 448
355
GILBERTO, João, 202, 204, 266,
FREYRE, Gilberto, 159
272, 300, 356, 373, 428, 436, 445,
FROTA, Silvio, 196, 235, 268, 370
449, 461
FRUET, Mauricio, 357, 463
GODINHO, Gualter, 354
FUNARI, Antônio, 74
GÓES, Walder de, 141
Fundação Ford, 152
Golpe de 1964, 15, 20, 21, 65, 68,
Fundação Getúlio Vargas, 28, 126, 74, 83, 86, 95, 97, 112, 117, 135,
138, 392, 152, 177, 190, 192, 202, 203, 217,
Fundação Lelio Basso, 408 225, 237, 312, 342, 378, 471
FURLAN, Antônio Osvaldo do GOMES, Severo, 221, 223, 224
Amaral, 190 GOULART, João, 15, 21, 23, 33, 34,
Índice remissivo 531

44, 45, 48, 49, 52, 54, 56, 59, 63, 68, Guerra revolucionária, 22, 29, 35,
69, 72, 73, 81, 92, 96, 97, 111, 113, 39, 40, 41,42, 43, 46, 47, 48, 49, 50,
115, 117, 216, 238, 290 51, 52, 92, 193, 210, 230, 311, 377,
Graça, 15 453, 478
Gradualismo anistiante, 351, 352, Guerre révolutionnaire, 39, 41, 45,
355 47, 48, 120
GRAMSCI, Antônio, 125, 327, 479 Guerrilha rural, 92, 200, 377
GRECO, Helena, 313, 377, 378, Guerrilha urbana, 119, 377
413, 415, 465 GUIMARÃES, Honestino, 82
GREENHALGH, Luís Eduardo, 74, GUIMARÃES, Magnus, 190, 195,
306, 316, 413 308
Greve de fome, 87, 115, 166, 179, GUIMARÃES, Ulisses, 98, 100,
180, 187, 194, 240, 243, 264, 274, 292, 321, 363, 372, 392, 396, 403
278, 279, 280, 357, 360, 361, 362, Habeas corpus, 67, 86, 87, 155, 157,
386, 387, 416, 420, 421, 422, 423, 238, 240, 264, 274, 291, 293, 330,
424, 425, 426, 428, 431, 432, 434, 332, 337, 352, 353, 354, 395
436, 438, 439, 441, 442, 443, 444, Hamburg Morgenpost, 98
445, 446, 448, 451, 459 HAMMARBERG, Thomas, 240
GRUNEWALD, Augusto Hamann Harvard (universidade), 123, 125,
Rademaker, 35 126, 17, 129, 130, 133, 134, 138,
Grupo Anticomunista (GAC), 271, 158, 161, 162, 168, 169
279, 299 Henfil, 402, 483
Grupo Brasileiro de Apoio na Ar- HERZOG, Vladimir, 193, 196, 321,
gélia à Luta pela Anistia, 276 465
Grupo de Solidariedade com a Historiografia, 17, 75, 80, 112, 333,
Anistia, da Itália, 275 474
Grupo pela Anistia no Brasil, de HOLANDA, Chico Buarque de, 81,
Berlim Ocidental, 276 328, 408
Grupo Secreto, 81, 94 HOLLEBEN, Ehrenfried A.T. L.
Grupo Tortura Nunca Mais, 465 von, 98
GUDIN, Eugênio, 224 HUMMES, dom Cláudio, 265, 365
Guerra da Indochina, 39, 122 HUNTINGTON, Samuel, 13, 125,
Guerra de Independência da Argé- 126, 128, 130, 135, 139, 150, 158,
lia, 39 159, 167, 169, 170, 211, 212, 214,
Guerra psicológica, 45, 46, 49 215
532 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Igreja Católica, 65, 91, 97, 98, 99, Instituto Penal Candido Mendes,
104, 105, 115, 122, 168, 171, 179, 105, 180
184, 261262, 263, 315, 346, 383, Integralismo, 66, 67
390, 417, 420, 439 Intelectual orgânico, 29, 125, 145
Imperialismo / imperialista, 40, 62, IRIBARNE, Manuel Fraga, 40
117, 119, 129, 130, 131, 145, 165, IstoÉ, 367
195, 198, 208, 212, 213, 218, 323
Jacareacanga, 451
Impossibilidade sistêmica, 26, 29,
JAGUARIBE, Sérgio (o Jaguar),
60, 112, 260
291, 482
Imprensa alternativa, 291, 368
JORGE, J. G. de Araújo, 110, 123,
Impunidade, 25, 175, 230, 263, 287
177, 266, 270, 450
Incrementalismo / incremental / in-
Jornal da ABI, 291
crementalista, 155, 156, 57, 158, 295
Jornal do Brasil, 82, 135, 173, 175,
Indenização, 202, 401, 444, 457,
268
467, 480, 481, 482, 484
Judiciário, 22, 23, 24, 35, 61, 62, 67,
Indulto, 15, 71, 75, 112, 249, 272,
70, 86, 87, 91, 169, 207, 228, 229,
392, 423, 435, 450, 464
230, 261, 267, 330, 343, 375, 394,
Informations Catholiques Interna-
443, 473
tionales, 94
JULIÃO, Francisco, 345, 403, 414,
Inimigo interno, 26, 31, 51, 112,
442,
180, 330, 376, 416
JUREMA, Aderbal, 447, 450
Inquérito policial-militar (IPM),
23, 35, 36, 60, 68, 95, 227 Justiça Militar, 33, 34, 63, 71, 98,
Institucionalização do regime, 33, 230, 243, 267, 279, 331, 333, 379,
68, 99, 132, 135, 139, 141, 145, 149, 402, 407
150, 151, 152, 153, 155, 175, 260, KHAIR, Edson, 267, 358, 373, 389,
295, 310, 341, 406, 418, 434, 472, 414, 432, 448, 451, 453
473 KISSINGER, Henry, 127, 139, 209
Institute for Defense Analyses KLEIN, Odacir, 204, 356, 373, 433,
(IDA), 76, 127 459
Instituto de Pesquisas e Estudos KLOMBE, Marga A. M., 103
Sociais (IPES), 45, 50, 120 KOHL, Nelson de Sousa, 122
Instituto de Pesquisas, Estudos e KORRY, Edward, 119
Assessoria do Congresso (IPEAC), KOUTZII, Flávio, 320, 329, 362,
151 480
Índice remissivo 533

KUBITSCHEK, Juscelino, 44, 69, LESBAUPIN, Ivo, 102


72, 96, 97, 111, 117, 304, 319, 378, Levante de Brasília, 32
453, 459 LIBARDONI, Francisco, 233
La Vanguardia Española, 40 Liberais legalistas, 59
LABIN, Suzanne, 45, 51 Liberalização, 80, 136, 146, 157,
LACERDA, Carlos, 37, 44, 45, 72, 180, 195, 196, 197, 215, 230, 264,
77, 219 271, 311, 362, 376
LAJE, Henrique, 64 Liga de Defesa dos Direitos dos
Le Monde, 45 Povos, 408
Legalismo juridicista, 342 Liga Operária, 232
Legislativo, 15, 16, 22, 23, 32, 35, Liga Suíça dos Direitos do Homem
70, 71, 72, 85, 91, 154, 167, 168, / Ligue Suisse des Droits de l’Hom-
262, 270, 293, 311, 355, 372, 376, me, 309, 424
400, 425, 474 Ligas Camponesas, 23, 30, 152, 353,
Lei Complementar nº 15, 149, 150 403
Lei da Anistia, 19, 61, 151, 403, 451, LIMA SOBRINHO, Barbosa, 58,
459, 463, 465, 466, 467, 468 188, 328
Lei de Greve, 243, 283, 332, 343 LIMA, Afonso de Albuquerque, 135
Lei de Imprensa, 77, 343 LIMA, Alceu Amoroso, 58, 63, 64,
Lei de Segurança Nacional, 35, 53, 65, 67, 69, 172, 188, 253, 328, 421,
73, 77, 90, 207, 227, 228, 232, 242, 423, 452
243, 258, 264, 272, 265, 296, 305, LIMA, Francisco Negrão de, 62
312, 327, 329, 331, 332, 335, 337, LIMA, Hélio Ibiapina, 55
343, 348, 352, 353, 359, 364, 372, LIMA, Joel, 459
381, 385, 406, 407, 422, 429, 448, LIMA, Maurílio Ferreira, 84, 290
451, 461, 463, 471 LIMA, Osvaldo, 435
Lei Falcão, 203, 231, 243, 326, 390, LIMA, Tidei de, 377, 443
422 Linha dura, 24, 34, 56, 78, 80, 121,
Lei Orgânica dos Partidos, 243 149, 170, 192, 195, 230, 235, 250,
Leis de exceção, 172, 243, 253, 260, 402, 406
261, 292, 298, 301, 338, 343, 357, LINHARES, João, 428, 431, 450
385, 389, 418, 449 LINS, Heloísa, 188
LEITÃO, Lauro, 203 LIRA, Fernando, 112, 190, 385,
LEME, Kardec, 57 435, 438
LERNER, Daniel, 127
534 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

LISBOA, Judite, 184, 188, 447 Marchezan, Nelson, 344, 346, 355,
Lista negra, 105 374, 403, 453, 454
LOBÃO, Edison, 405 MARCÍLIO, Benedito, 265, 396,
Lobby militar, 14, 473 434, 443, 449, 451
LOBO, Ana, 183 MARIGHELA, Carlos, 94
LORSCHEIDER, Dom Aloísio, 98, MARINHO, Josafá, 83
235, 262 MARINI, Ruy Mauro, 48, 117, 211
LORSCHEITER, Dom Ivo, 262, MARIZ, Dinarte, 84, 350, 368, 428
391, 420 MARQUES, Paulo, 219, 292, 446
LUCENA, Humberto, 202, 203, MARTINS, Roberto Ribeiro, 17,
234, 270 19, 296
LUDWIG, Rubem, 331, 347 MARTINS, Wilson, 83
LUNA, Cristina Monteiro de An- Massachusetts Institute of Techno-
drada, 27 logy (MIT), 127, 133
LUNGARETTI, Celso, 480 MASSUDA, Minoru, 267
Luta armada, 31, 39, 85, 92, 197, MATOS, Délio Jardim de, 251, 354,
377, 378, 379, 393, 444, 478 454
Lutas anticoloniais, 39 MATTOS, Marcelo Badaró, 11, 28
MACARINI, Paulo, 83 MAURÍCIO, Lúcia Velloso, 481
MACEDO, Murilo, 364 MAX, Mauro, 365, 458
MACEDO, Norton, 348 MEDEIROS, Marcelo, 267
MACHADO, Flávia Burlamaqui, 27 MÉDICI, Emílio Garrastazu, 91,
MACIEL, Lisânias, 123, 179, 180, 92, 93, 104, 112, 113, 117, 118, 119,
315, 322, 328, 396 120, 121, 123, 126, 135, 136, 137,
141, 142, 151, 162, 205, 298, 404
MACIEL, Marco, 259
MELO, Ednardo D’Ávila, 192, 193,
MAGALHÃES, Antônio Carlos,
196
103, 104, 347, 450
MELO, Francisco de Assis Correia
MAGALHÃES, Juraci, 62
de, 34
MALUF, Paulo, 331
MELO, Humberto de Sousa, 42,
MANDEL, Ernest, 156
118, 192
Manifesto da mulher brasileira em
MELO, Judite Cunha, 188, 271
favor da anistia, 188
MELO, Severino Elias de, 31
Manifesto dos coronéis, 42
Memória, 12, 14, 20, 362, 462, 469,
Manual de Campanha do MDB, 173
476, 480
Índice remissivo 535

MENDES, Cândido, 126, 130, 134, Movimento Democrático Brasileiro


139, 151, 167 (MDB), 62, 63, 71, 98, 100, 110, 111,
MENDONÇA, Osvaldo, 74 172, 173, 178, 179, 220, 228, 229, 241,
MENESES, João, 191 242, 252, 266, 278, 290, 295, 305, 309,
Meninada, 478, 479 325, 327, 356, 365, 367, 385, 386, 392,
Mensário, 42 396, 397, 403, 427, 472
MESQUITA, Lourenço Camelo de, Movimento Feminino pela Anistia
197 (MFPA), 13, 17, 173, 180, 183, 184,
Milagre brasileiro / milagre econô- 185, 186, 187, 188, 189, 204, 205,
mico, 113, 114, 115, 116, 117, 124, 206, 219, 234, 236, 244, 245, 246,
144, 151, 166, 221, 223, 280, 281, 248, 260, 265, 266, 271, 273, 274,
433 289, 299, 300, 302, 305, 314, 321,
MINC, Carlos, 484 325, 346, 350, 353, 357, 378, 386,
394, 395, 404
Missão Portela, 234, 259
Movimento pela Emancipação do
MONIZ, Edmundo, 37, 58
Proletariado (MEP), 239, 242, 329,
MONNERAT, Elza, 421, 434
341, 353, 354, 414
MONTORO, André Franco, ver
Movimento popular, 18, 19, 332,
MONTORO, Franco
337, 342, 356, 383, 410, 412, 415
MONTORO, Franco, 169, 187, 295,
Movimento Revolucionário 8 de
437
Outubro (MR-8), 87, 89, 92, 339,
MORAES, João Carlos Kfouri
371, 381, 410
Quartim de, 480
Movimento Trabalhista Renovador
MORAIS FILHO, Antônio Evaristo
(MTR), 32
de, 74
Movimento, 243, 254, 291, 369
MOREIRA, Eni Raimundo, 74,
Movimiento de Liberación Nacio-
246, 248, 254
nal Tupac Amaru, 119
MORRIS, Fred B., 166
MÜLLER Arthur Carlos da Rocha,
MOTA, Sílvio, 33
246, 248, 319
MOURA, Diva de Miranda, 188
MÜLLER, Ana Maria, 246
MOURA, Getúlio Barbosa de, 83
MÜLLER, Filinto, 96
MOURA, Jorge, 350
Multipartidarismo, 399
MOURÃO FILHO, Olímpio, 70
MURARO, Rose Marie, 188
Movimento das Mães pela Anistia,
MURILO, Sérgio, 191, 202, 290,
82
459
536 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Museu Casa de Benjamin Constant, Ordem dos Advogados do Brasil


19, 28 (OAB), 28, 93, 171, 183, 206, 231,
Nacionalistas autoritários, 78, 79 233, 234, 235, 264, 265, 271, 274,
NASCIMENTO, Antônio José, 292 278, 279, 314, 315, 343, 374, 375,
Neofascismo, 65, 66, 67 395, 416, 424, 431, 467
NEUMANN, Margarete Buber, 51 Organização das Nações Unidas
NEVES, Tancredo, 71, 89, 173, 202, (ONU), 11, 104, 138, 185, 195, 217
256, 272, 349, 438 Organização dos Estados America-
NICOLL, Cleonice, 188, 447 nos (OEA), 98, 106, 107
NOBRE, Freitas, 227, 350, 395, 397, Organização Latino-Americana de
423, 431, 453 Solidariedade (OLAS), 107
Nunes, Helvídio, 428 Pacote de Abril, 229, 231, 234, 293,
O bêbado e a equilibrista, 483 325, 340, 422
O Estado de S. Paulo, 169, 181, 224, PALMAR, Aluísio Ferreira, 480
269 PALMEIRA, Guilherme, 347
O Globo, 206, 262, 293, 392, 405, PARANHOS, Francisca Abigail
407 Barreto, 248
O Leopardo, 478 Partido Comunista Brasileiro
O Liberal, 429 (PCB), 30, 31, 79, 109, 118, 181,
O Pasquim, 94, 291, 482 182, 197, 199, 200, 201, 202, 228,
OJEDA, Pedro Ibañez, 120 277, 339, 349, 411, 413
OLIVEIRA, Croaci de, 57 Partido Comunista Italiano (PCI),
OLIVEIRA, Eurico de, 63 164
OLIVEIRA, Manuel Alves de, 30 Partido Comunista Português
OLIVEIRA, Maria Augusta, 244 (PCP), 198
OLIVEIRA, Newton Eduardo de, Partido Comunista Revolucionário
30 (PCR), 320
OLIVEIRA, Pedro Domiense de, 30 Partido Democrata Cristão (PDC),
OMAR, Abu, 164 101
Operação Bandeirante (OBAN), 88, Partido dos Trabalhadores (PT),
89, 115 148, 284
Operação Condor, 164, 240, 320 Partido Operário Comunista
Operação Radar, 197 (POC), 122
Opinião, 243 Partido Social Trabalhista (PST), 33
Índice remissivo 537

Partido Socialista (OS) [português], PINTO, Bilac, 49, 50, 52, 55


198 PINTO, Francisco, 272, 445
Partido Trabalhista Brasileiro PINTO, Heráclito Sobral, 74, 328,
(PTB), 34, 413, 415 395
PASSARINHO, Jarbas, 267, 298, PINTO, José de Magalhães ver
355, 374, 379, 397, 403, 454 PINTO, Magalhães
Passeata dos Cem Mil, 81 PINTO, Magalhães, 46, 137, 290
PASTOR, Sapeña, 110 PINTO, Ziraldo Alves (o Ziraldo),
Patria y Libertad, 120 291, 328, 425, 482
PATRÍCIO, Rui, 106 PIRES, Iolanda, 183, 487
PAULA, Aprígio de, 80 PIRES, Walter, 406
PEDREIRA, Fernando, 141, 144 PIVA, Mário, 84
PEDROSA, Mário, 47, 304 PORTELA, Jaime, 84
PELUSO, César, 468 PORTELA, Petrônio, 96, 137, 227,
PEREIRA NETO, Padre Antônio 228, 234, 250, 259, 293, 347, 364,
Henrique, 94 367, 374, 375, 387, 403, 421, 425,
PEREIRA, Clarice da Silva, 188 447
PERES, Aurélio, 404 PORTO, Aldenora de Sá, 183
PEREZ, Glênio, 220, 461 Positivismo arquivístico, 474
Peronismo, 140 Práticas de guerra, 477
Perspectiva liberal-democrática, Presídio Barro Branco, 194, 264,
473, 474, 476 356, 357, 360, 362, 419, 421, 434,
PERTENCE, José Paulo Sepúlveda, 436
425, 430 Presídio de Itamaracá (Penitenci-
Peru, 43, 118, 129, 138, 143, 268, ária Professor Barreto Campelo),
272, 433 187, 240, 244, 245, 264, 278, 279,
Pílula de cianureto, 480 359, 421
PINHEIRO, [general] Jorge, 483 Presídio Hélio Gomes, 105
PINHEIRO, [jornalista] Jorge, 235 Presídio Milton Dias Moreira, 386
PINHEIRO, Edward Catete, 72, 299 Preso político, 73, 180, 289
PINHEIRO, Israel, 62 PRESTES, Anita Leocádia, 481
PINHEIRO, Jaci Guimarães, 354 PRESTES, Luiz Carlos, 31, 110,
PINOCHET, Augusto, 120, 122, 199, 289, 347, 364, 463, 479
272, 273, 338, 448 Procuradoria Geral Militar, 352
538 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

Project Camelot, 128, 129, 130 467, 476, 477, 481, 482, 484, 485
Projeto distensionista, 227, 283, Repórter, 243, 291
295, 296, 310 Repressão, 14, 23, 26, 30, 31, 53, 70,
QUADROS, Jânio, 23, 44, 69, 111, 74, 82, 94, 99, 106, 107, 109, 118,
216, 321 120, 156, 165, 169, 182, 194, 196,
QUEIROZ, Otacílio, 365, 431 197, 203, 207, 220, 230, 241, 256,
RAFAEL, Abel, 34 275, 316, 317, 324, 332, 333, 343,
RAMALHO, Tales, 202, 252, 350 344, 361, 362, 367, 376, 379, 391,
RAMOS, Rodrigo Otávio Jordão, 471, 475, 477
99, 207, 227, 228, 240, 243, 349 República Dominicana, 129, 130,
Rand Corporation, 76, 131 131, 164
RAULINO, Ludgero, 444 Resistência democrática, 95
Reconciliação, 58, 68, 69, 112, 204, Revanchismo, 258, 344, 345, 404
241, 253, 254, 262, 263, 304, 360, Revolta dos Marinheiros, 33
373, 382, 390, 439, 454, 458, 469 Revolta dos Sargentos, 332
Redemocratização, 100, 136, 137, Revolução Cubana, 21, 75, 130
160, 175, 199, 224, 242, 265, 300, Revolução de 64, 103, 191, 250, 393
387, 388, 389, 427, 440, 445, 449, Revolução dos Cravos, 175, 198,
465, 472 217
Referenciais éticos, 485 Revolução Russa de 1917, 39, 52
Reforma partidária, 148, 367, 384, Revue militaire d’information, 46
386, 422, 472 RIBEIRO, Darci, 328, 439
Regime ditatorial, 11, 13, 18, 19, RIGHI, Gastone, 73
20, 22, 24, 25, 26, 29, 30, 35, 37, 38, RIZZO, Eliézer, 409
52, 53, 67, 81, 86, 90, 102, 110, 112, RODRIGUES, José Honório, 75,
113, 118, 120, 123, 126, 142, 146, 474
148, 159, 176, 193, 197, 207, 218, RODRIGUES, Lauro, 191
225, 234, 235, 237, 286, 310, 312, RODRIGUES, Sebastião, 349
321, 327, 339, 340, 379, 380, 392, ROQUE, Israel Tavares, 31
465, 471, 472, 473, 474, 475, 483
ROSAS, Carlos, 41
REGO FILHO, Eduardo de Almei-
ROSSI, Dom Agnelo, 104, 105
da, 93
ROSSI, Francisco, 347
REIS FILHO, Daniel Aarão, 485
ROSTOW, Walt W., 127
Reparação financeira/simbólica, 11,
ROTTA, Francisca Brizola, 244
18, 27, 255, 277, 391, 393, 405, 409,
Índice remissivo 539

SALAM, Raoul Albin Louis, 46 Seminário de Guerra Moderna, 42


SALES, Dom Eugênio, 269 Serviço Nacional de Informações
SALINA, Fabrizio, 478 (SNI), 23, 143, 176, 199, 200, 201,
Salvaguardas, 244, 259, 260, 289, 321, 343, 439
293, 294, 311, 338, 343 SILVA, Antônio Carlos Pacheco e,
Saneamento político, 77, 113, 147 50, 51
SANTANA, Carlos, 451 SILVA, Artur da Costa e, 23, 34, 67,
SANTANA, Jerônimo, 111, 441 73, 74, 76, 77, 79, 80, 84, 89, 90, 99,
135, 142, 149, 267, 298
SANTESTEVAN, Iara Peres, 183
SILVA, Artur da Costa ver SILAVA,
SANTILLO, Ademar, 187, 191, 233,
Costa e
242, 356, 357, 386, 432
SILVA, COSTA e, 23, 34, 67, 73, 74,
SANTILLO, Henrique, 377
76, 77, 79, 80, 84, 89, 90, 99, 135,
SANTOS, Rui, 347
142, 149
SANTOS, Theodomiro Romeiro
SILVA, Costa e, ver SILVA, Artur
dos, 89, 90, 445, 463, 465
da Costa e
SANTOS, Wanderley Guilherme
SILVA, Edval Nunes da (o Cajá),
dos, 151, 152, 158, 159, 259
354, 360
SARNEY, José, 169, 259, 309, 374,
SILVA, Evandro Lins e, 74
403
SILVA, Golbery do Couto e, 122,
SARTRE, Jean-Paul, 105, 163, 238
144, 159, 162, 169, 171, 179, 189,
SÁTIRO, Ernani, 364, 373, 428, 343, 367, 374, 387, 461
435, 447, 448, 454, 464
SILVA, José Dirceu de Oliveira e,
SATURNINO, Roberto, 423 481
SCALCO, Euclides, 437, 444 SILVA, Josefa Magalhães e, 246
SCHERER, Dom Vicente, 105, 235, SILVA, Luís Inácio da (o Lula), 235
436
SILVA, Sandro Héverton da, 33
SCHILLING, Flávia, 320, 329, 347,
SILVA, Técio Lins e, 74, 374
353, 354, 362
SILVA, Valter, 241, 363, 432, 435,
SCHIRMER, Carlos, 30
452, 462
SCHMIDT, Helmut, 367
Silva, Walter, 241, 356, 363, 416,
SCHWARTZMAN, Simon, 139 432, 435, 452, 462
Segunda Guerra Mundial, 77, 127 SILVEIRA, Modesto da, 74, 385,
Seguro derrota, 483, 484 414, 453
540 DITADURA, ANISTIA E TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL (1964-1979)

SILVEIRA, Modesto da, ver SIL- Supremo Tribunal Federal (STF),


VEIRA, Antônio Modesto da 32, 62, 190, 267, 450
SIMAS, Mário, 74 TAPAJÓS, Renato, 239
SIMON, Pedro, 266, 274, 372, 432, Tática anistiante, 352
438 Tática das multinacionais, 461
SIMONSEN, Mário Henrique, 221, TAVARES, Aurélio de Lira, 50
350 TAVARES, Cristina, 365, 434
Sindicato dos Metalúrgicos de São TAVARES, George, 74
Bernardo, 284, 365, 366 TÁVORA, Edilson, 84
Sindicato dos Metalúrgicos do Rio TEIXEIRA, Miro, 350
de Janeiro, 33 Terror psicológico, 47
SIQUEIRA, Deoclécio Lima de, 354
Terrorismo, 30, 45, 46, 68, 98, 106,
SIRKIS, Alfredo Hélio, 480
107, 177, 191, 192, 215, 243, 250,
SKIDMORE, Thomas, 159, 169
259, 261, 346, 347, 348, 349, 350,
SOARES, Airton, 242, 356, 357,
352, 377, 378, 379, 380, 392, 400,
367, 414, 438, 452
406, 407, 425, 426, 435, 446, 447,
SOARES, Carlos Alberto, 187, 240,
451, 455, 458, 459, 461
264, 279, 434
TITO, Ronan, 445
SOARES, Elquisson, 356, 414, 449,
TORRES, Juan José, 118
451, 461
TORRES, Paulo, 451, 453
SOBRÉ, Roberto Costa de Abreu
TORRES, Rute, 188
ver SODRÉ, Abreu
Tortura/torturadores, 11, 23, 25, 33,
Sociedade Brasileira para o Pro-
37, 38, 53, 54, 55, 56, 87, 88, 91, 92,
gresso da Ciência (SBPC), 203, 239,
93, 94, 95, 96, 102, 103, 104, 105,
421, 437
115, 120, 122, 164, 165, 166, 181,
SODRÉ, Abreu, 88, 250
182, 190, 192, 193, 194, 195, 197,
SODRÉ, Nelson Werneck, 75
207, 219, 220, 227, 237, 239, 240,
SOUTO, Edson Luís de Lima, 80,
242, 243, 251, 254, 256, 257, 269,
83, 84, 268, 351
276, 287, 289, 306, 307, 308, 309,
STEINBRUCH, Aarão, 32
317, 322, 324, 328, 337, 348, 357,
STEPAN, Alfred, 22, 76, 86, 144
360, 361, 364, 365, 367, 368, 369,
STROESSNER, Alfredo, 110, 440
382, 383, 389, 391, 394, 396, 402,
Superior Tribunal Militar (STM),
404, 406, 417, 421, 422, 429, 444,
13, 53, 70, 71, 89, 227, 242, 242,
446, 452, 454, 478, 479
250, 251, 267, 296, 352, 353, 354,
380, 381, 407 TOSCANO, Moema, 188
Índice remissivo 541

TOULAT, Abade Pierre, 238 93


TOURINHO, Genival, 191 VANNUCHI, Paulo de Tarso, 482
Transição política no Brasil, 473 VARGAS, Getúlio, 42, 44, 65, 100,
Transição sem ruptura, 25 250, 271, 413, 459
Trauma, 476 VASCONCELOS, Virgínia Lemos
Tribuna da Imprensa, 173, 175, 441 de, 183
Tribunal Bertrand Russell, 163, 315 Veja, 139, 181, 250, 294, 295, 364,
TROTSKY, León, 16, 477 365, 370, 371, 372, 441
Tupamaros, 119, 320 VELOSO, Haroldo, 96
UCHOA, Lúcio Flávio Regueira, VIANA, Antogildo Pascoal, 30
339 VIEIRA, Ivo, 80
UEQUED, Jorge, 190, 204, 242 VIEIRA, Laerte, 262, 270
UNGER, Edila Mangabeira, 188 VILAÇA, Manoel, 103
União Brasileira de Mães, 82, 184 VILASBOAS, João, 97
União Nacional dos Estudantes VILELA, Teotônio, 405, 418, 420,
(UNE), 84 235, 272, 348, 382 423, 431, 436, 445, 453, 454
União Soviética, 82, 117, 195, 198, Violência política, 24, 38
201, 208, 209, 210, 213 VIRGÍLIO, Artur, 33
Universidade de Brasília (UNB), Visão classista, 474, 474
62, 82 Visão liberal-democrática, 18
Universidade do Estado da Guana- Visão, 138
bara (UEG), 82, 134 Volkswagen, 119
Universidade Federal de Minas Voz Operária, 233, 349
Gerais, 132, 272, 357 WEID, Jean Marc Van der, 184,
Universidade Federal do Rio de 405, 462
Janeiro (UFRJ), 19, 27, 58, 82 WEID, Regina Van der, 184
Uruguai, 11, 43, 118, 119, 122, 163, WRIGHT, William, 94
164, 320, 353 ZACARIAS, Antônio, 445
US Army’s Special Operations Re- ZERBINE, Eugênia Cristina, 183
search Office (SORO), 128 ZERBINE, Euríale de Jesus, 183
VALE, Álvaro, 219, 221 ZERBINE, Therezinha Godoy, 173,
VALENTIM, Edmilson, 484 183, 185, 187, 188, 219, 233, 238,
VALTER, Valdir, 428, 436, 440 244, 246, 252, 266, 272, 273, 289,
Vanguarda Armada Revolucionária 291, 299, 301, 305, 306, 313, 324,
– Palmares (VAR – Palmares), 92, 350, 404
Esta obra foi produzida no Rio de Janeiro
pela Consequência Editora em setembro
de 2018 e impressa na Gráfica Rotaplan.
Na composição foram empregadas as
tipologias Minion e Helvetica.

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