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Philippe Layrargues
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All content following this page was uploaded by Philippe Layrargues on 16 March 2016.
Resolução de problemas,
uma metodologia privilegiada
A Conferência de Tbilisi, realizada pela Unesco em 1977 na ex-URSS e
considerada o marco conceitual da educação ambiental (Dias, 1993), apresenta
uma visão da realidade bastante crítica, demonstrando que as origens da atual
crise ambiental estão no sistema cultural da sociedade industrial, cujo paradigma
norteador da estratégia desenvolvimentista, pautada pelo mercado competitivo
como a instância reguladora da sociedade, fornece uma visão de mundo
unidimensional, utilitarista, economicista e a curto prazo da realidade, onde o ser
humano ocidental percebe-se numa relação de exterioridade e domínio da
natureza.
Essa interpretação rompe frontalmente com a percepção ainda cristalizada
por muitos educadores que acreditam que as causas dos impactos ambientais
são, entre outros fatores, a explosão demográfica, a agricultura moderna, e a
crescente urbanização e industrialização, como se tais fenômenos estivessem
dissociados da visão de mundo instrumental da sociedade na qual foram
originados. Aguilar (1992) acrescenta que a grande relevância de Tbilisi reside na
ruptura com as práticas ainda reduzidas ao sistema ecológico, por estarem
demasiadamente implicadas com uma educação meramente conservacionista.
Então, fortemente atrelado aos aspectos políticos-econômicos e socioculturais,
não mais permanecendo restrito ao aspecto biológico da questão ambiental, o
documento de Tbilisi ultrapassa a concepção das práticas educativas que são
1
In: REIGOTA, M. (Org.). Verde cotidiano: o meio ambiente em discussão. Rio de Janeiro: DP&A Editora.
1999. p. 131-148.
Doutorado na Universidade Estadual de Campinas em Ciências Sociais, na linha de pesquisa
sobre Ambiente, Tecnologia e Desenvolvimento. É biólogo (USU), especialista em Planejamento e
Educação Ambiental (UFF), e realizou seu mestrado no Programa de Estudos Interdisciplinares em
Ecologia Social e Comunidade, no Instituto de Psicologia da UFRJ. É autor de A Cortina de
Fumaça: o discurso empresarial verde e a ideologia da racionalidade econômica (Annablume.
1998).
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erosivos, e por outro lado, diminuiu a quantidade e qualidade das águas. A erosão
do solo, por sua vez, provocou o assoreamento dos rios, mas também a perda de
nutrientes nas lavouras. O assoreamento dos rios, prosseguindo a sequência da
reação em cadeia, resultou em inundação nas cidades nas planícies, e na perda
da capacidade de transporte fluvial, a melhor alternativa de locomoção dos Maias.
O quadro de instabilidade no sistema causou tantos desequilíbrios ecológicos,
como sociais, e a resultante foi a instabilidade política, a desestabilização
econômica e a desarticulação da organização social, incapaz de responder à
altura do desafio, fragilizando todo o império.
Levy (1995) argumenta que o biólogo Vincent Lebeyrie dizia em 1978 que a
função maior do ecologismo estava voltada à restituição da complexidade das
causas, colocando em xeque o simplismo do raciocínio reducionista; e que 17
anos após esta constatação, o ecologismo não obteve força suficiente para
entender a pertinência de tal postulado. Acrescentamos, reconhecidamente sem
muita originalidade, que já se passaram mais de duas décadas, e isso não bastou
para surtir algum efeito. Todavia, certamente se configura em tempo suficiente
para entendermos que a questão ambiental passa mais pela esfera ideológica do
que qualquer outra coisa.
Enzenberger (1977), discutindo a implicação ideológica da mundialização
da questão ambiental causada por problemas globais como por exemplo a chuva
ácida e o efeito-estufa, verificou que este fato contribuiu como um dos elementos
para a criação da imagem da “espaçonave-terra”, da expressão “estamos todos
no mesmo barco”, e da máxima “pensar global, agir local”. Mas Enzenberger pôde
concluir também que os atores sociais diretamente vinculados na desordem global
da biosfera ficaram camuflados sob o manto do “homem genérico e abstrato”, uma
vez que diante desta nova pauta ambiental a humanidade como um todo estaria
comprometida com as causas da interferência na dinâmica da biosfera, e assim
diluiu-se a responsabilidade social pelos danos ambientais globais, tendo como
resultado, um esvaziamento político daquilo que poderia conter um alto teor
crítico. Eleva-se à condição de espécie biológica e não de padrões culturais a
causa da crise ambiental. Daí a prevalência da abordagem biologiscista do
crescimento populacional do Homo sapiens ser entendida como o maior perigo
para a natureza. Aqui, não há uns mais responsáveis do que outros, e tampouco
há uns mais atingidos do que outros pela degradação ambiental. Os conflitos
sociais que em última análise desgastam a biosfera, tornam-se invisíveis, e todos
seriam igualmente responsáveis e atingidos.
É preciso que fique claro que assumir o enfoque da resolução de
problemas ambientais locais, orientado pragmaticamente a partir da perspectiva
de uma atividade-fim, pode produzir, como num passe de mágica, o mesmo efeito
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