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Identidades da educação ambiental: descobrimos que somos diferentes.

Saberemos
conviver com isso?

_____________. Identidades da educação ambiental: descobrimos que somos diferentes.


Saberemos conviver com isso? In: DIB-FERREIRA, Declev Reynier; GUERREIRO,
Jacqueline (Orgs.). VI Fórum Brasileiro de Educação Ambiental: participação,
cidadania e educação ambiental. Niterói: Instituto Baía de Guanabara. 2010. p. 34-38.

Philippe Pomier Layrargues

Introdução

A proposta inicial para o debate sobre o papel das redes de Educação


Ambiental frente às identidades da Educação Ambiental estava centrada na
argumentação da necessidade de efetuarmos uma cruzada pela problematização do
significado de “Meio Ambiente” e “Questão Ambiental”. Isso porque estes termos
estão sendo tratados pelo senso-comum cada vez mais apenas como problemas
unicamente de esgotamento de recursos naturais na entrada e de resíduos e
poluição na saída do metabolismo industrial, com o risco dessa concepção se
tornar majoritária inclusive entre os educadores ambientais. A tônica da
preocupação manifestada no senso-comum está tão somente na manutenção das
condições e das fontes de abastecimento e acumulação do Capital, seja
economizando recursos e energia ou controlando a poluição, o que importa pensar
é a regulação do equilíbrio entre escassez e abundância do metabolismo industrial
(apenas por meio do mercado), através da Ecoeficiência.
Essa perspectiva, que parece ser cada vez mais hegemônica no discurso
midiático, responde essencialmente à ideologia da Modernização Ecológica. E essa
adesão ideológica não é gratuita, porque se contrapõe à perspectiva ideológica da
Justiça Ambiental, que concebe “Meio Ambiente” e “Questão Ambiental” como
conceitos preenchidos por conteúdos sócio-culturais, e não apenas como uma
coleção de recursos naturais a se levar em consideração. A questão é que a
perspectiva ideológica da Modernização Ecológica conta uma meia verdade, uma
verdade incompleta, porque não diz que o modelo que sustenta o atual sistema de
produção opera o acesso e uso aos bens naturais pelo Capital comprometendo
grupos sociais que são dependentes de recursos ambientais e/ou economicamente
desfavorecidos e politicamente enfraquecidos. O resultado é que este modelo que
acentua a desigualdade social, aqui expressada pela desigualdade ambiental,
mantém a invisibilidade da desigualdade aos olhos do ambientalismo, e uma longa
distância da incorporação dos preceitos da Justiça Ambiental nas políticas
ambientais.
Justifica-se a urgência e relevância desse debate, porque hoje a América
Latina apresenta uma importância geopolítica única, e o Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC) é a prova irrefutável disso: este é o único continente no
planeta que atualmente possui ao mesmo tempo todas as condições de acumulação
primária do Capital: terras abundantes e baratas, solos férteis, alta biodiversidade,
água em [página35] quantidade e qualidade, petróleo e potencial hidroelétrico.
Condições essas que o Capital agro-industrial manifesta sua ganância no melhor
estilo predatório e incivilizado, tratando a legislação ambiental como um entrave a
ser superado, o que de fato ocorre por meio de sua representação legislativa.
Contudo, recentes debates ocorridos na lista de discussão da REBEA, que
são recorrentes ao período da transição entre a 1a e 2a gestão pública no
Departamento de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente
(DEA/MMA) no governo Lula, provocaram a reformulação da proposta original
deste debate: afinal, vivemos questões internas exatamente sobre as identidades no
campo da Educação Ambiental que não podem mais ser adiadas e precisam ser
enfrentadas com honestidade.

A REBEA como palco de embates políticos

A REBEA é uma rede que desde o início esteve muito próxima ou mesmo
articulada ao Estado, seja exercendo o controle social, seja participando da
implementação de ações federais. O fato que merece a nossa reflexão, é que nesta
relação de proximidade e atenção ao governo federal que a REBEA mantém
durante o governo Lula, os dois processos de transição na direção da Educação
Ambiental que ocorreram no MMA foram emblemáticos de uma situação que
precisa ser analisada no contexto do papel a desempenhar pelas redes de Educação
Ambiental: se percebe que ocorreram enfrentamentos políticos em disputa pela
ocupação do poder político propriamente dito no governo federal, e também do
poder simbólico dentro da própria REBEA para buscar discursivamente
legitimidade política. É natural haver divergências e enfrentamentos políticos
numa democracia, mas os embates que ocorreram na REBEA se configuraram
como verdadeiras “brigas de torcida”, cujos ânimos de muitos enredados estavam
exaltados, com ataques explícitos ou velados, críticas levianas e muitas vezes,
infundadas. Mas principalmente, esses enfrentamentos políticos apresentaram um
tom personalista e messiânico para a manutenção ou não de uma determinada
figura no poder, muito mais por sua capacidade operativa e poder de
combatividade do que propriamente pelas idéias e projetos políticos representados.
Aqui se configura uma questão importante para ser refletida, porque ficou
muito claro que o anúncio das diferenças entre as torcidas estava mais no
desempenho administrativo, na performance da condução de um trabalho do que
propriamente nas idéias que inspiram a elaboração e execução deste trabalho.
Parece que a condução política da Educação Ambiental nacional ficou reduzida à
sua capacidade gerencial, buscando-se comparações de quem seria mais eficiente,
criativo(a), produtivo(a), inteligente, carismático(a); e não os projetos societários
que representa para o país, para a questão ambiental. [36]
Isso é muito curioso, porque além de sabermos hoje (pelo menos para quem
já pertence nuclearmente ao campo da Educação Ambiental) que desde meados
dos anos 90 já não era mais possível rotular a Educação Ambiental no singular,
porque estava cada vez mais claro que existem distintas correntes político-
pedagógicas, ou seja, existem diferentes formas de se conceber e implementar
processos educativos voltados à realidade ambiental; é possível distinguir
razoavelmente bem quais foram as macro-intencionalidades político-pedagógicas
dos dois primeiros gestores do DEA/MMA no governo Lula. Curiosamente, não
foi esse o foco dos debates, ou seja, debater quais projetos societários e quais
estratégias educativo-ambientais guiaram os gestores que ocuparam cargos de
direção no DEA/MMA, ou que os educadores ambientais articulados na REBEA
desejam construir por meio de uma política nacional de Educação Ambiental –
distinguindo isso do perfil pessoal dos protagonistas que ocuparam os cargos de
direção no governo central. Isso foi uma não questão na REBEA, uma gritante
contradição para uma rede que sempre esteve acompanhando o poder executivo
federal.
Ao invés de se debater os fundamentos das políticas públicas nacionais de
Educação Ambiental a partir das múltiplas opções identitárias existentes, o que
ocorreu foi um violento processo de desqualificação do Outro, que inclusive se
reverberou para fora da REBEA, em blogs de Educação Ambiental por exemplo.
Afinal, tratamos a diferença da pior forma possível: no papel, tínhamos como certo
que a diversidade da Educação Ambiental brasileira era uma coisa bonita, mas na
prática, na primeira oportunidade de se visualizar os diferentes matizes dessa
Educação Ambiental, essa beleza desapareceu e se mostrou em toda sua feiúra.
Parece que finalmente descobrimos que somos diferentes, e essa diferença
definitivamente não se mostrou bonita, desfazendo o encantamento idealizado que
tínhamos. Estamos num momento histórico de grande significado, de verdadeira
descoberta de que a Educação Ambiental é plural, sinalizando o início de um
amadurecimento que demonstra haver limites para a hegemonização de um
pensamento no campo da Educação Ambiental. Qualquer tentativa de
absolutização provavelmente encontrará resistências dissidentes.
Mas o pior de tudo que se pôde constatar nos debates na REBEA é que
muitas das acusações feitas em nome de uma avaliação de eficácia na gestão
pública, desconsideram as características da cultura política brasileira, como os
clássicos processos de descontinuidade política, a lentidão da máquina burocrática,
a dificuldade ou impossibilidade de se realizar o planejado sem o apoio político
das instâncias hierárquicas superiores, a autoritária opressão simbólica sobre
aqueles que pensam diferente do pensamento do núcleo do poder. Tais
características culturais foram apontadas como defeitos individuais de um dos
gestores, como se fosse possível encontrar tais elementos apenas numa das gestões
e não estivesse presente na lógica do Estado brasileiro. [37]

Dois papéis estratégicos para as Redes de Educação Ambiental


Dito isso, fica aqui a reflexão sobre o atual papel das redes de Educação
Ambiental no contexto das identidades da Educação Ambiental: primeiro, um
franco e aberto debate sobre as tendências político-pedagógicas e seus respectivos
projetos societários que queremos para o país por meio das formas de execução de
uma política e um programa nacional de Educação Ambiental, que inclusive pode
se constituir como uma plataforma de controle social sobre a gestão pública
nacional da Educação Ambiental; e segundo, um debate à luz dos recentes
aprendizados sobre a cultura política brasileira, que parece ser também
indispensável para não sermos levianos com a comunidade de educadores
ambientais da rede que se tornam leitores de mensagens repletas de entrelinhas
agressivas e muitas vezes sem condições de perceber esses significados implícitos,
simplesmente por não estarem envolvidos nos termos do embate político que a
REBEA vêm abrigando.
A questão é que, sabendo que existem intencionalidades político-
pedagógicas na Educação Ambiental que são diferentes, não é mais possível
afirmar que uma é estruturante e a outra não, que uma é melhor do que a outra, ou
pior, que um(a) diretor(a) é mais produtivo(a), carismático(a) e iluminado(a) do
que o(a) outro(a). Até pode ser que de fato um(a) determinado(a) gestor(a)
público(a) e sua equipe tenham uma maior capacidade administrativa (o que
também depende muito das condições administrativas e políticas existentes
naquela conjuntura), mas a questão que devemos ter claro entre nós é sobre o que
queremos como política pública para a Educação Ambiental no Brasil.
E mais do que isso, provavelmente daqui pra frente, teremos simplesmente
que aprender e saber respeitar e conviver com as diferenças. Diferenças da
diversidade político-pedagógica da Educação Ambiental e de seus respectivos
projetos societários, porque mesmo apesar de se pretender construir uma
hegemonia no pensamento no campo da Educação Ambiental, o fato é que a gestão
pública do Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental poderá ser
realizada alternando-se por diferentes perspectivas político-pedagógicas ao longo
do tempo, e essas diferenças podem se expressar inclusive dentro do próprio Órgão
Gestor, se por exemplo o(a) responsável pela gestão no DEA/MMA fundamentar-
se em princípios político-pedagógicos diferentes do que sustenta o(a) responsável
pela gestão na CGEA/MEC. E claro que essa lógica se replica para os governos
estaduais e municipais com suas respectivas políticas estaduais e locais de
Educação Ambiental, envolvendo dessa forma as redes estaduais e temáticas de
Educação Ambiental articuladas ou não em torno da REBEA.
Evidentemente que conviver com e respeitar os diferentes projetos
societários por meio dos quais as tendências político-pedagógicas da Educação
Ambiental se materializam, não significa que devamos passar a ser politicamente
apáticos ou ideologicamente neutros, abandonando as [38] utopias da construção
da Educação Ambiental que queremos individual ou coletivamente; isso significa
que se a lógica da sabotagem ou desqualificação do outro permanecer no campo da
Educação Ambiental, tendo ainda a REBEA como caixa de ressonância dessa
desqualificação, dificilmente somaremos forças para viabilizar um enfrentamento
potencial ao anti-ecologismo ou mesmo uma plataforma de construção de valores
sustentabilistas.
No limite, parece que as nossas diferenças internas na Educação Ambiental,
por maiores que possam parecer, são bem menores do que nossas diferenças com o
Capital agro-industrial que se mostra absolutamente predatório e irresponsável,
pronto para espoliar os bens ambientais latino-americanos, como dizia Eduardo
Galeano com as veias abertas da América Latina. E provavelmente não
chegaremos a lugar nenhum se não formos capazes de nos respeitar, mesmo que
com políticas de alianças estratégicas para fazer face a essa “imPACtante”
realidade.

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