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RESUMO
O texto discorre sobre parte das anotações realizadas em sala de aula no decorrer
da disciplina Direito à Educação sob a perspectiva da Pedagogia Social, ministrada
pelo Prof. Dr. Roberto da Silva na Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo – FEUSP e tem por objetivo explicitar os limites e possibilidades do Direito à
Educação, problematizando a matriz familiar como fundamento da sociedade
brasileira e defendendo o campo de atuação da Pedagogia Social a partir de seus
fundamentos teóricos e metodológicos.
ABSTRACT
The text discusses some of the notes taken in class during the course right to
education from the perspective of Social Pedagogy, taught by Professor. Dr. Roberto
da Silva at the Faculty of Education, University of Sao Paulo - FEUSP and aims to
clarify the limits and possibilities of the Right to Education, emphasizing the core
family as the foundation of Brazilian society and defending the playing field of Social
Pedagogy from their theoretical and methodological foundations.
1
Texto elaborado em forma de relatório para a Disciplina Direito à Educação sob a Perspectiva da
Pedagogia Social, ministrada pelo Prof. Dr. Roberto da Silva no 1º semestre de 2011 na Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo - FEUSP.
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar). E-mail: sagda_04@hotmail.com
3
Professor Livre Docente do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação,
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). E-mail: Kalil@usp.br
4
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal
de São Carlos (UFSCar). E-mail: relopes@power.ufscar.br/relopes@ufscar.com.br
LIMITES E POSSIBILIDADES DO DIREITO À EDUCAÇÃO
A Educação como Direito Humano Fundamental é um discurso relativamente
recente na medida em que foi resultado de um processo histórico que teve que
superar, dentre outros eventos, as ideologias que negavam humanidade a gentios,
índios e negros. Cristianização, ocidentalização e globalização são as três matrizes
culturais que dominam a vida contemporânea, portanto, este é um viéz de análise
bastante privilegiado para entendermos os limites e possibilidades do Direito à
Educação.
A cristianização se refere à tentativa de estabelecer uma base de valores
comuns para toda uma civilização e esses valores, com pretensão de hegemonia,
são os valores da cultura cristã, católica e ocidental. Quando pensada dentro desta
matriz cristã e ocidental, se observa claramente que a Educação estava voltada,
preponderantemente, para fazer a transição entre a barbárie e a civilização, o que
levou alguns teóricos a denominar esta fase como domesticação (NIETZSCHE,
2004, p. 104), ou seja, eliminar na espécie os seus instintos animais e acrescentar-
lhe os vernizes da civilidade. Os instintos que presidem a busca por alimento e
proteção, a fuga e a reprodução foram, de alguma forma, colocadas sob controle,
seja por instrumentos elaborados pela Religião, seja pela consolidação das
convenções sociais ou ainda recorrendo-se aos poderes do Estado. Esta é uma
hipótese que subsidia o entendimento de Educação como direito fundamental da
pessoa humana.
A ocidentalização é uma decorrência da cristianização, ou seja, a tentativa de
se estabelecer como hegemônica a cultura branca cristã, tida como superior e em
detrimento de culturas locais, dizimadas em sua maioria (LE GOFF, 1984). A
globalização, por sua vez, do ponto de vista da Educação tem a ver com a pretensão
do estabelecimento de uma Cultura Educacional Mundial Comum (CEMC). No
essencial, os proponentes desta perspectiva defendem que o desenvolvimento dos
sistemas educativos nacionais e as categorias curriculares se explicam através de
modelos universais de educação, de estado e de sociedade, mais do que através de
fatores nacionais distintivos (DALE, 2004, p. 425).
A convergência destes três pilares de sustentação do discurso sobre
Educação como Direito Humano Fundamental nos autoriza a redefinir o próprio
conceito Direito à Educação dentro de estreitos limites: 1. É escolarização e não
Educação; 2. Está adstrita à capacidade de financiamento dos estados nacionais e
não às necessidades humanas e; 3. É rigidamente conformado pela Pedagogia
Escolar e pela Educação Escolar, desconsiderando todos os demais processos de
ensinagem e de aprendizagem.
Os estudos que chamo de tradicionais sobre Direito à Educação recorrem a
fontes forjadas no âmbito da cultura hegemônica acima delineada, ou seja, a
História, as Reformas Educacionais e a legislação. Ora, a História é, segundo Walter
Benjamin (1994, p. 223), sempre o ponto de vista dos vencedores, portanto, uma
visão elitista, unilateral e que interessa ao dominador. As Reformas Educacionais no
Brasil sempre foram no sentido de alinhar a Educação aos objetivos político-
ideológicos dos grupos que se alternam no poder e atender às demandas do capital
(MÉSZÁROS, 2005, p. 26-27). Da mesma forma, a lei é a expressão da correlação
de forças em determinado momento histórico, geralmente com a supremacia dos
grupos dominantes.
Logo, estudar o Direito à Educação sob esta matriz eurocêntrica pressupõe
admitir tanto a subjacência de uma ideologia dominante quanto limitações no
exercício do direito, que nada tem a ver com Justiça (BOBBIO, 1997, p.158.).
Estudar o Direito à Educação sob a perspectiva da Pedagogia Social significa
estudá-lo para além dos estreitos limites da Educação Escolar, analisando as
potencialidades que oferecem a Educação que “abrange os processos formativos
que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais” (LDB, Art. 1º).
O limite legal e formal estabelecido pelo Estado brasileiro no exercício do
Direito à Educação está estatuído no parágrafo primeiro da mesma lei acima citada:
“Esta lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por
meio do ensino, em instituições próprias”.
Criada então a dicotomia Educação Formal x Educação não Formal é de se
perguntar: qual o lugar que ocupa a Educação dita não formal no Direito à
Educação? Simplesmente nenhum! As práticas de educação popular, social e
comunitária carecem de políticas públicas, de financiamento, de avaliação, de
política de formação de professores e são pejorativamente cognominadas não
formais, sendo ofertadas em espaços precários, na maioria das vezes por ONGs e
organizações populares, sociais e/ou comunitárias como se fosse uma educação
pobre para uma população pobre.
A esta concepção hegemônica de Educação, que Roger Dale (2004, p.425 )
denominou Cultura Educacional Mundial Comum (CEMC) emerge uma concepção
com pretensões contra-hegemônica por ele mesmo denominada Agenda Global
Estruturada para a Educação, (AGEE), fortemente ancorada nos movimentos
populares, sociais e comunitários, com maior visibilidade no Fórum Social Mundial e
no Fórum Mundial de Educação. E é no âmbito deste movimento de resistência que
situa-se a Pedagogia Social referenciada em Paulo Freire enquanto possibilidade de
proposta contra-hegemônica para a efetivação da Educação como política pública.
Objetivamente como nos posicionamos frente aos limites desse conceito
clássico de Educação? Para nós é evidente que os limites estão expressos na
própria lei e são resultados da correlação de forças, de um embate político que se
estabelece na discussão da lei. Podemos dizer que a Constituição Federal (CF 88),
a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
são mais apropriadamente colchas de retalhos nas quais predominam a visão de
mundo de um determinado grupo. As liberalidades inscritas nas leis são meras
concessões aos grupos sociais minoritários que participam do debate político, sem
que sejam assegurados os meios para sua efetivação.
É isso que vai fazer com que por vezes o texto da lei pareça ambíguo. Diante
da impossibilidade de ignorar as bandeiras de lutas de certos setores da sociedade
suas reivindicações são contempladas no texto da lei, o que não significa que o
Estado brasileiro irá disponibilizar os meios necessários para efetivação dessas
reivindicações. São as chamadas leis que foram feitas para não pegar. A vantagem
é que estas concessões acabam por institucionalizar uma ordem de direitos
fomentando uma arena política para o debate entre a sociedade civil, os partidos
políticos e os governos.
Este espaço não geográfico, mas político, de embates entre sociedade civil,
Estado e governo, é o espaço da negociação, das reivindicações e da politização
das discussões no sentido de aprimorar o conceito Direito à Educação.
Qual é o potencial de inclusão da Educação Social em uma perspectiva de
ampliação do Direito à Educação? Quantas são as ONGs que atuam na Educação
dita não formal? Quantos educadores atuam na Educação popular, social e
comunitária? Quem são esses educadores, que nível de formação possuem, quais
as condições de trabalho? Quantos alunos são atendidos? Qual o montante do
investimento?
Com esta dicotomia Educação Formal versus Educação não Formal o Brasil
escamoteia a função social que a escola pública cumpre e relega a oportunidade de
fazer uma Educação integral, integrada e integradora.
A marginalização da Educação não Escolar e a ignorância quanto à função
social da escola pública provoca uma grave distorção na avaliação da Educação
brasileira. Cada nível e modalidade de ensino possui um sistema próprio e/ou
integrado de avaliação com quesitos específicos tanto para a Pedagogia Escolar
quanto para a Educação Escolar, referenciadas nas competências lógico filosóficas
(Português e Redação) e lógico matemáticas (Matemática e Ciências). Estes
indicadores colocam a Educação brasileira atrás até mesmo de países em
desenvolvimento suscitando críticas e desesperança em todo o sistema de ensino.
Defendemos a tese de que a função social da escola precisa de indicadores
próprios de avaliação e que sua ampla divulgação certamente melhoraria
significativamente a percepção que o Estado, governos, gestores, professores, pais,
alunos e a sociedade em geral tem da Educação.
Omite-se o fato de que importantes ganhos sociais conquistados no Brasil e
alardeado mundo afora tem sido obtido não pelo mérito de políticas setoriais – que
quase não existem ou são incipientes -, mas tem sim via escola pública. A redução
de mortalidade infantil, por exemplo, é resultado de política de saneamento básico,
de melhoria das condições de alimentação e de habitação ou foram conquistadas
com as creches e com a merenda escolar? Onde é que se combate efetivamente a
prostituição infantil, o trabalho infantil e a exploração sexual de crianças e
adolescentes? Onde é que o Brasil consegue uma taxa superior a 90% de vacinação
em massa da população? Onde é que se ensina cidadania, respeito à diversidade,
ética, Educação Ambiental, Educação Sexual e cuidados básicos de higiene e
saúde? Todo o processo eleitoral brasileiro é o que é devido à capilaridade e
exposição quem tem a escola pública e não por méritos de partidos políticos ou pela
eficiência da Justiça Eleitoral.
Esse é o trabalho invisível da escola, mas pelo fato de não serem atribuições
da carreira do magistério ele não é contabilizado na conta da escola e é apresentado
à sociedade como realizações políticas de governos e partidos.
Há um vasto e inexplorado campo teórico e conceitual que permite a
expansão do Direito à Educação para além dessa configuração clássica que hoje
temos: é a nova fronteira do Direito à Educação, cuja transposição requer a
superação da dicotomia Educação Formal e Não Formal, a conciliação entre
Pedagogia Escolar e Pedagogia Social e a integração entre Educação Escolar e
Educação Social.
5
Vide as Notas Introdutórias do livro Pedagogia Social, Expressão e Arte Editora, 2009.
Enquanto Teoria Geral da Educação Social a Pedagogia Social não pode se
furtar ao desafio de recontextualizar as doutrinas, teorias, constructos e conceitos
que fundamentam as práticas de Educação Escolar no Brasil, especialmente
aquelas que se prestam à perpetuação das relações de dominação e de opressão.
Além disso, deve-se considerar que a Pedagogia Social possui elevada vocação
para promover a liberdade, a emancipação e a autonomia do sujeito, rompendo
ciclos de marginalização e rupturas na relação opressor/oprimido, logo, sua práxis
precisa desmistificar a palavra do opressor, pois ensinar a ler as palavras ditas e
ditadas é uma forma de mistifìcar as consciências, despersonalizando-as na
repetição – é a técnica da propaganda massificadora. Aprender a dizer a sua palavra
é toda a Pedagogia, e também toda a Antropologia (FREIRE, 1970, p. 10).
A libertação do oprimido, segundo Paulo Freire (idem) não pode ser unilateral,
pois este processo implica na libertação do opressor também (FREIRE, 1987),
portanto, a Pedagogia Social tem em vista a libertação, a emancipação e a
capacidade de autodeterminação do sujeito para participação na vida coletiva.
Preferimos a categoria oprimido/opressor e não explorado/explorador ou
capital/trabalho , pois ela é suficientemente dialética e relativa: ninguém é oprimido o
tempo todo e nem é opressor o tempo todo, depende do plano relacional em que as
pessoas se colocam, portanto não é uma relação estática e sim dinâmica.
As categorias próprias da Pedagogia Social incluem o universo da
marginalidade social, mas não se limitam a ele. Entender a Pedagogia Social como
um projeto da sociedade significa que defendemos a ideia de que Educação se faz
ao longo da vida, em todos os espaços e que todos são potencialmente educadores.
Não obstante sua vocação emancipatória a Pedagogia Social não se inscreve
dentro das práticas ideologicamente rotuladas como revolucionárias. A natureza da
transformação que se quer não é a substituição de uma classe opressora por outra,
mas transformação na qualidade das relações que são estabelecidas. A própria
tomada de consciência em relação aos papéis de oprimido/opressor já é parte do
processo de libertação, sobretudo para que os mesmos sejam exercidos de forma
consciente.
A ampliação do Direito à Educação sob a perspectiva da Pedagogia Social,
leva em consideração, dentre outras coisas:
• A inclusão na política educacional dos novos sujeitos de direitos, emergidos
pela Constituição Federal de 1988;
• A concepção de que Educação se faz ao longo de toda a vida e não em faixas
etárias pré-determinadas;
• A concepção de que todos os espaços, públicos e privados, são
potencialmente educativos, inclusive a escola e a sala de aulas;
• A aceitação de que a legislação social brasileira (Estatuto da Criança e do
Adolescente, Código de Defesa do Consumidor, Estatuto do Idoso, Estatuto da
Igualdade Racial, Lei de Execução Penal, Lei Maria da Penha, etc.) é instrumento de
Educação Social;
• A compreensão de que a Educação de Infância se faz, preferencialmente, em
espaços públicos e não no ambiente privado e doméstico;
• A educabilidade social do sujeito nos novos espaços de socialização;
• Implantação da Escola de Tempo Integral, mas que seja integrada e
integradora;
• Reconhecimento da função social da escola pública;
• Legitimar a função educativa das ONGs, dos movimentos sociais e das
comunidades organizadas;
• Tornar educativos os programas e projetos sociais de transferência de renda;
• Eliminar a precariedade do trabalho social;
• Dar identidade ao educador social por meio da regulamentação da profissão;
• Dotar os órgãos e serviços públicos dos profissionais capazes de exercer as
atribuições previstas em lei;
• Dar formação pedagógica aos agentes da lei e administradores públicos;
• Realizar a mediação pedagógica dos conflitos sociais.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1987.
SILVA, Roberto. Pedagogia Social. São Paulo: Expressão & Arte, 2009.