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Telma Temoteo dos Santos

Rosane M. S. de Meirelles
Organizadoras

NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE:


DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE
Conselho Editorial Internacional
Presidente: Prof. Dr. Rodrigo Horochovski (UFPR – Brasil)
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Prof. Dr. José Eduardo Souza de Miranda (UniMB – Brasil)
Profª. Dra. Marilia Murata (UFPR – Brasil)
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Comitê Científico da área Ciências Humanas


Presidente: Prof. Dr. Fabrício R. L. Tomio (UFPR – Sociologia)
Prof. Dr. Nilo Ribeiro Júnior (Faje – Filosofia)
Prof. Dr. Renee Volpato Viaro (PUC/PR – Psicologia)
Prof. Dr. Daniel Delgado Queissada (Ages – Serviço Social)
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Profª. Dra. Marlene Tamanini (UFPR – Sociologia)
Profª. Dra. Luciana Ferreira (UFPR – Geografia)
Profª. Dra. Marlucy Alves Paraíso (UFMG – Educação)
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Prof. Dr. Clóvis Ecco (PUC/GO – Ciências da Religião)
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Prof. Dr. Francisco José Figueiredo Coelho (UFRJ – Ensino de Biociências e Saúde)
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Profª. Dra. Ivonete Barreto de Amorim (Uneb – Educação, Formação de Professor e Família)
Prof. Dr. César Costa Vitorino (Uneb – Educação/Linguística)
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Prof. Dr. Everton Nery Carneiro (Uneb – Filosofia, Teologia e Educação)
Profª. Dra. Elisângela Maura Catarino (Unifimes – Educação/Religião)
Profª. Dra. Sandra Célia Coelho G. da Silva (Uneb – Sociologia, Gênero, Religião, Saúde,
Família e Internacionalização)
Telma Temoteo dos Santos
Rosane Moreira Silva de Meirelles
(org.)

OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS
COM PAULO FREIRE
Brazil Publishing Autores e Editores Associados Associação Brasileira de Editores Científicos
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Editor-Coordenador: Lucas Zavarelli
Editor Comercial: Ana Paula Almeida
Diagramação e Projeto Gráfico: Juliana Tito
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Revisão de Texto: Os autores

DOI: 10.31012/978-65-5861-634-4

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bibliotecária: Maria Isabel Schiavon Kinasz, CRB9 / 626

Os inéditos-viáveis na educação ambiental e em


I42 saúde: diálogos com Paulo Freire / organização de Telma Temoteo
dos Santos, Rosane Moreira Silva de Meirelles – 1.ed. - Curitiba:
Brazil Publishing, 2021.
[recurso eletrônico]

ISBN 978-65-5861-634-4

1. Ciências – Estudo e ensino. 2. Saúde – Estudo e ensino. 3.


Educação ambiental. I. Santos, Telma Temoteo dos (org.). II. Meirelles,
Rosane Moreira Silva de (org.)
CDD 370.115 (22.ed)
CDU 577.4

[1ª edição – Ano 2021]


www.aeditora.com.br
DEDICATÓRIA

Dedicamos esta obra a todos os sujeitos sociais que compreen-


dem a importância da educação e da construção da ciência como força
motriz para o desenvolvimento e fortalecimento da cidadania.
Dedicamos também a Paulo Freire (in memoriam) por seu
legado por uma educação dialogada, humanizada, com amor, espe-
rança e humildade.
“Sou professor a favor da decência contra
o despudor, a favor da liberdade contra
o autoritarismo, da autoridade contra a
licenciosidade, da democracia contra a ditadura
de direita ou de esquerda. Sou professor a favor
da luta constante contra qualquer forma de
discriminação, contra a dominação econômica dos
indivíduos ou das classes sociais.

Sou professor contra a ordem capitalista vigente


que inventou esta aberração: a miséria na fartura.
Sou professor a favor da esperança que me anima
apesar de tudo. Sou professor contra o desengano
que me consome e imobiliza. Sou professor a favor
da boniteza de minha própria prática, boniteza que
dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se
não brigo por este saber, se não luto pelas condições
materiais necessárias sem as quais meu corpo,
descuidado, corre o risco de se amofinar e de já não
ser o testemunho que deve ser de lutador pertinaz,
que cansa mas não desiste. Boniteza que se esvai de
minha prática se, cheio de mim mesmo, arrogante e
desdenhoso dos alunos, não canso de me admirar”.
(Paulo Freire em “Pedagogia da Autonomia: saberes
necessários à prática educativa”. São Paulo: Paz e
Terra, 2011).
APRESENTAÇÃO

As reflexões reunidas nesta obra emergiram do trabalho de


pesquisa teórica e prática de pesquisadores e educadores das áreas de
Ensino de Ciências, Educação em Saúde e Ambiental. O pressuposto que
fundamenta as contribuições para essas áreas é que, a partir da pers-
pectiva freriana, as práxis são orientadas pela dialogia, nas perspectivas
interdisciplinares, da valorização dos saberes oriundos do cotidiano e
do abarcamento das multiculturas. Em adição, lutamos pela defesa
incisiva de que educar é um ato político, assim como fazer ciência em
tempos onde o negacionismo fomenta a descrença sobre os resultados
da ciência e a forma como é pensada, construída e aplicada. E desta
forma, as ações daqueles que se predispõem a falar sobre saúde, ensino
e ambiente devem vir acompanhadas de um forte senso ético, de defesa
da educação, das instituições democráticas e do saber fazer e pensar.
No capítulo 1, os autores destacam a atualidade do pensa-
mento de Paulo Freire cujos preceitos e filosofia emergem da ação de
reconhecer a humanidade no outro. E pontuam incisivamente que não
há, em Freire, um método a ser seguido, mas sim uma abordagem frei-
riana, pelas singularidades de cada contexto e, principalmente, pelos
diferentes caminhos a serem percorridos.
No capítulo 2, a educação ambiental crítica recebe destaque no
qual os autores estabelecem convergências com a pedagogia crítica,
emancipatória e politizada de Freire. Discute-se a Educação Ambiental
como parte de um contexto amplificado que transcende as fronteiras
das disciplinas ecológicas ou ambientais nas escolas para um saber
que se configura como histórico, social e cultural.
Já no capítulo 3, as autoras realizam um diálogo entre a Filosofia
das Ciências e Paulo Freire, com ênfase nas obras e pensamento de Paul
Feyerabend. Para esse último, as ciências não poderiam ser produzidas ou
compreendidas como um artefato a parte da humanidade ou isentas das
digitais de quem as faz. Assim como Freire, Feyerabend defendeu a anar-
quia quando intuiu a necessidade de se adaptar métodos a depender do
contexto histórico e das subjetividades que envolvem a prática científica,
já que é essencialmente humana. Freire foi também um precursor contra
a hegemonia de pensamentos e um importante agente de transformação
dos modos como pensar e verificar os sujeitos em uma ação educativa.
No capítulo 4, as autoras destacam que a ação, a partir dos es-
critos de Freire, orientada para a emancipação dos sujeitos, contrapõem
a verticalização de ideias; pautada, portanto, na ação em rede. Para
isso, há a necessidade de abarcar o diálogo como peça principal de
qualquer iniciativa, seja em ambientes formais ou informais de ensino
ou educação. Assim há a introdução da Teoria da Ação Comunicativa,
de Jürgen Habermas para a compreensão das subjetividades intrínse-
cas nas relações humanas e principalmente nas diversas formas de
comunicação, e que essas são elaboradas e difundidas por relações de
poder, ou seja, não estão isentas de uma análise crítico-social.
No capítulo 5, o uso de filmes no ensino de temas das ciências e
biologia fundamenta-se nos pressupostos de Freire, como um recurso
para possibilitar aos sujeitos participantes do processo de aprendiza-
gem verificar o mundo por essa janela. A partir dos filmes, as pesqui-
sadoras almejam ofertar estratégias interdisciplinares para discussão e
problematização para que os estudantes sejam capazes de relacionar
elementos do cotidiano com as disciplinas escolares.
O capítulo 6 traz a Arte, Cultura e Saúde emersas em oficinas
dialógicas norteadas pelo pensamento dos inéditos-viáveis de Freire.
O texto apresenta uma retrospectiva histórica das ações de pesquisa
teórica e prática realizadas pelo grupo do Laboratório de Inovações em
Terapias, Ensino e Bioprodutos (LITEB/IOC/Fiocruz), cujos objetivos
iniciais foram reestruturados com a pandemia da covid-19.
No capítulo 7, a temática Educação Ambiental retoma o debate
sobre a importância da criticidade das ações educativas e que podem
levar à formação de sujeitos sociais, sensíveis aos elementos que mo-
dulam a qualidade de vida das populações. Os sentidos da pedagogia
de Freire, libertária e motivadora de ações que possam desvelar a
realidade pouco evidente para os grupos que sofrem das desigualda-
des impostas, possuem grande afinidade com a Educação Ambiental
Crítica, como o olhar problematizador e crítico em relação à realidade.
O capítulo 8 traz um relato de experiência da formação da
pesquisadora autora do capítulo e sua relação ao longo desse cami-
nho, com a educação ambiental e os pressupostos freirianos. A autora
mostra como a adoção da Abordagem Temática Freiriana e as Repre-
sentações Sociais de Meio Ambiente atuaram como complementares
no desenvolvimento da pesquisa e sua transição, como pesquisadora,
do Estilo de Pensamento Ecológico em direção ao Estilo de Pensa-
mento Ambiental Crítico-Transformador.
No capítulo 9, as discussões e críticas ancoram-se nos escritos
de Freire para trazer à tona a educação indígena descolonial. Freire, em
seu ineditismo teórico e prático denunciou como a educação formal
elege elementos pertencentes a um estrato social dominante, de modo
a adestrar sujeitos oriundos de situações mais vulneráveis ou ainda per-
tencentes às minorias sociais e culturais. Neste sentido, há a necessidade
da luta pela reexistência com a apreensão do mundo como um todo,
assim como Paulo Freire sempre recomendou em suas obras.
No capítulo 10, as autoras fazem uma retrospectiva histórica para
discutir como os materiais didáticos atuais e as intervenções consideradas
como pertencentes ao campo da educação em saúde se apropriaram
do pensamento da antiga vigilância sanitária, na qual o higienismo e o
preconceito com os acometidos com doenças infectocontagiosas e crô-
nicas eram as vertentes preponderantes. Tal discussão tem o objetivo de
fazer emergir a adoção de um referencial teórico, para a implementação
de uma Educação em Saúde que apresente aos sujeitos a compreensão
dos determinantes sociais para a melhoria da qualidade de vida.
Esperamos, assim, que os leitores apreciem cada capítulo, esta-
belecendo reflexões sobre práticas emancipatórias possíveis. Boa leitura!

As organizadoras.
PREFÁCIO

Se Paulo estivesse vivo, teria completado 100 anos de idade.


Como tenho certeza de que sua lucidez o nortearia até seu último
momento, pensemos qual seria a postura de Paulo, se vivo estivesse,
diante de tanta insensatez que regra, inibe, proíbe, determina, exige,
esfacela, interdita, despreza, minimiza o pensar, desqualificando a po-
lítica educacional que vinha sendo praticada no Brasil, a qual, mesmo
com tantos equívocos a corrigir, foi uma conquista. Se esta necessi-
tava de certos melhoramentos em muitos dos seus níveis e âmbitos,
tínhamos uma educação menos desintegradora dos nossos cidadãos,
das instituições, das relações e das condições dos educadores-edu-
candos, tendo como objetivo a formação de sujeitos políticos dotados
de conhecimentos científicos.
Escolhi intencionalmente o homem político, o educador Paulo
Freire. Vocês podem procurar outros modelos de teorias educacionais,
políticas e éticas de quem conheçam mais ou confiem mais. Justifico:
Conheço Paulo Freire, profundamente. Desde os meus 5 anos de idade
tive contato intenso com ele, que foi meu professor por duas vezes:
no colégio Oswaldo Cruz, do Recife, onde ele também estudou, de
propriedade de meus pais, e no curso de Mestrado da PUC/SP. Assim,
a pessoa e as ideias de Paulo são muito familiares para mim. Casei-me
com ele numa relação densa de amor e colaboração intelectual.
Assim, em primeiro lugar, muito certamente influenciada pela
convivência intensa e duradoura que eu tive com Paulo, sempre o ad-
mirando por sua serenidade e coerência ao estabelecer sua teoria do
conhecimento ético-político-estético, o escolho como modelo. Esta que
parte do senso comum, da prática cotidiana, e encontra a “verdade” dos
fatos e dos feitos no processo educativo, com a possibilidade conscien-
tizadora e libertadora que esta teoria estimula. Portanto, não há dúvida
que nessa escolha está presente a subjetividade do fato contido em meu
ser. Entretanto, procurarei objetividade nas minhas argumentações.
Em segundo lugar, não só a Pedagogia do Oprimido, que é
certamente uma obra prima, clássica, nos possibilita a pesquisa que
nos propusemos a fazer. Mas a tomemos como modelo. Publicada
pela primeira vez em 1970, na língua inglesa, ainda é atual, influencia
cientistas e filósofos de todas as matrizes, com repercussão em muitos
campos das ciências, das artes, das religiões e da filosofia.
Duas pesquisas internacionais, realizadas em 2016, compro-
vam que o pensamento do Patrono da Educação Brasileira continua,
quase 50 anos depois da publicação/socialização de sua obra, como
modelo e fonte para endossar e referendar estudos e trabalhos na
área das ciências humanas.
Enfim, essas pesquisas demonstram o impacto da obra de Paulo
Freire em nível mundial, consagrando-o como um dos maiores e mais
importantes pensadores do mundo atual. O mais importante do Brasil.
Portanto, objetivamente, eu não teria motivos de abandonar
o referencial teórico de meu marido e tomar o de qualquer outro
brasileiro ou não, para colocar como parâmetro, como modelo a
seguir na busca da necessária mudança de um país que está metido
no medo, na valorização da tortura, na falta de respeito aos direitos
humanos e na arrogância e injustiça de toda sorte; para um país que
seja mais fácil amar, como dizia Paulo.
Para isso é preciso estudarmos profundamente a obra de Paulo
Freire, para sabermos com o máximo possível de certeza (sempre
incerta) o que fazer para determinar os planejamentos das escolas, uni-
versidades e outras instituições educativas, escolhendo os conteúdos
que viabilizam sermos todos e todas cidadãos sérios e responsáveis: dar
consistência às estruturas do Estado; moralizar os poderes executivo,
legislativo e judiciário; e tantas outras tarefas que viabilizam o sonho, o
inédito-viável, a utopia de um país verdadeiramente justo, democrático.
Relacionando-se com as camadas mais pobres de sua cidade
natal, o Recife, constatou que uma das dores maiores desse povo era
“não ler a letra escrita”. “Sou sombra, não sou gente”, diziam. Era toda
uma população autodemitida da vida, concluiu Paulo.
Se nós letrados sabemos o que sabemos e que podemos
saber mais o que sabemos, e que por esta condição estamos livres
de sermos sombra ou câncer da sociedade, segundo a concepção
dos iletrados, Paulo pensou que poderia mudar essa compreensão do
mundo desses os levando ao processo de conscientização e a conse-
quente alfabetização. Ademais, estava Paulo chegando à conclusão
de que saber ler, escrever e contar são direitos ontológicos de todo
homem e de toda mulher, pois tinha sido uma criação de todos os
seres humanos, sem distinção de qual camada social pertencia, de
idade, de religião, local de pertencimento etc.
Paulo pensava que toda e qualquer pessoa tinha o direito de
ser um sujeito pensante, militante das causas e problemas do Brasil.
Que para isso teria que ter uma formação intelectual e cívica sem dis-
tinção de classe social, idade, religião, local de nascimento etc. Assim,
a educação formal teria que ser libertadora. Sem competições, sem
castigos físicos ou psíquicos. Levando sempre em conta as condições
materiais e culturais dos educandos/as. Não se descuidando de que
a educação é um ato político, que exige se ir radicalidade do fato e do
evento, procura impor a premissa da eticidade e da esteticidade para
desvelar a essência, a Verdade contida no fato, no evento em questão.
Tomo agora minhas próprias palavras ditas na Fiocruz, em uma
festa de formatura de mestres e doutores em 18 de março de 2011:
O pensar certo, na teoria freiriana, significa pensar partindo da prática,
buscando em alguma teoria os conceitos, axiomas, hipóteses ou teore-
mas que tenham a competência de iluminar o que está sendo o objeto
de nossa incidência de reflexão e confirmar a “verdade” embutida na-
quela prática ou não. Esse movimento que deve ser ininterrupto, radical
e dialético “gera” e foi ao mesmo tempo “gerado” pela “dialogicidade”,
pela “comunicação”, tendo presente a “politicidade” e a “eticidade/
esteticidade” que precisam ser estabelecidas “com” e “entre” o objeto
do conhecimento e os sujeitos que querem/precisam “desvelar a rea-
lidade” (que é diferente do “descobrir” à maneira socrática!). Essa luta
de contrários tem possibilidade de gerar a “conscientização” que dá
possibilidade e adequação para a intervenção, para uma nova práxis
dos seres humanos, ou não. A prática, por sua vez, é preciso atentar, traz
nela mesma as intuições, a observação do mundo em nossa volta, a ex-
periência do nosso cotidiano. Assim, a prática está no conhecimento de
senso comum e é ela que devemos superar quando nos empenhamos
em criar a “verdade científica”.
O “pensar certo” inclui também a curiosidade que, nascendo
da nossa incompletude como “curiosidade espontânea”, vai se tor-
nando na busca da “curiosidade epistemológica científica”, capaz de
formular uma teoria científica.
Encerro meu trabalho, já por demais alongado, estimulando em
vocês todos e todas a estudar a obra de Paulo Freire, procurando nela
substratos que formam a todos e todas para buscar as possíveis inspi-
rações e conhecimentos que se traduzam em ações para a democrati-
zação e libertação dos brasileiros e das brasileiras, portanto a do Brasil.
A Pedagogia de Paulo Freire é a pedagogia do oprimido e do
compromisso com relação aos desafios da educação, em todo tempo e
lugar, capaz de transformar os sujeitos e daí as sociedades.

Muito obrigada.
Ana Maria Araújo Freire, viúva de Paulo Freire; doutora em edu-
cação pela PUC/SP.
(Registro de parte da palestra proferida pela Dra Nita Freire, ao
Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz em 2019, adaptada para este prefácio).
ABSTRACT

We propose to organize this book in celebration of the 100th


anniversary of the birth of Paulo Freire (1921-1997), the Patron of
Brazilian Education. Understanding environmental education and
health education from the perspective of this educator and thinker
comprises structuring active Education professional practices towards
subject autonomy and protagonism. This is based on the assumption
that it is only possible to reach education and teaching potentials if they
are thought on based on mutual respect, inclusion, care for others, the
environment and the preservation of culture and different ways of life.
This also comprises the understanding that meanings and signifiers
emerge from the other and that education emerges as a practice of
freedom through “dialogy”. Through his studies and Critical Pedagogy,
Freire sought to propagate the culture of peace, the defense of rights
and emancipate subjects through social and political awareness. He
perceived education as a strong instrument to encourage subject
liberation so that subjects are able to leave inertia and move to new
ways of understanding the world, of interpreting and acting and being
able to question the status quo that leads to subject training and thought
curtailment. It is expected that this reading present itself as a dialogic
space and as a narrative of the implemented experiences.
SUMÁRIO

CAPÍTULO 1: A INEXISTÊNCIA DE UM MÉTODO FREIRIANO PARA A


CONSTRUÇÃO DE INÉDITOS-VIÁVEIS: NOTAS AOS CAMINHANTES. . . . 17
Josina Maria Pontes Ribeiro; Maria Lionilde Araújo da Silva; Vicente Bessa Neto;
Tania Cremonini de Araújo-Jorge

CAPÍTULO 2: EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA PARA A CIDADANIA PLANETÁRIA


PAUTADA EM PAULO FREIRE E NO BEM VIVER PARA PROMOÇÃO DA SAÚDE. 30
Rayanne Maria Jesus da Costa; Celso Sánchez; Clélia Christina Mello-Silva

CAPÍTULO 3: CONVERGÊNCIAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS ENTRE


FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS E PAULO FREIRE PARA EDUCAÇÃO EM SAÚDE. 47
Telma Temoteo dos Santos; Rosane Moreira Silva de Meirelles

CAPÍTULO 4: DIÁLOGOS ENTRE FREIRE E HABERMAS NA PERSPECTIVA DA


EDUCAÇÃO E PROMOÇÃO DA SAÚDE . . . . . . . . . . . . . . 69
Lauriane Martins Santana; Sheila Soares de Assis; Tania Cremonini de Araújo-Jorge

CAPÍTULO 5: VIABILIDADES DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO CINEMA:


DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE . . . . . . . . . . . . . . . . 82
Daniela Frey; Georgianna da Silva Santos; Maria de Fátima Alves de Oliveira

CAPÍTULO 6: OS INÉDITOS-VIÁVEIS FREIRIANOS E AS CARTAS-VISUAIS:


a experiência do Núcleo de Estudos em Arte, Cultura e Saúde (NEACS) na
pandemia de COVID-19 em 2020. . . . . . . . . . . . . . . . 103
Marcio Luiz Braga Corrêa de Mello; Raquel Ferreira Rangel Gomes; Adrielle Macêdo
Fernandes da Silva; Nathalia Sena Sassone Perrone;  Ana Beatriz Acioli Mendes;
Cristiane Moreira de Almeida de Novaes; Rebeca Torquato de Almeida; Nureane
Menezes de Souza; Roberto Carlos da Silva

CAPÍTULO 7: JUSTIÇA E RACISMO AMBIENTAL NO ENSINO DE BIOLOGIA:


PRATICANDO EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA NA ESCOLA . . . . . . 120
Rodrigo de Jesus Oliveira Fonseca; Patrícia Domingos
CAPÍTULO 8: A PEDAGOGIA DIALÓGICA DE FREIRE NA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA: RELATOS DE UMA EDUCADORA
AMBIENTAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
Renata Gomes de Abreu Freitas

CAPÍTULO 9: A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE COMO SUPORTE LIBERTADOR


DE UMA EDUCAÇÃO INDÍGENA DECOLONIAL . . . . . . . . . . . 154
Elaine de Brito Carneiro; Márcia Regina da Silva Ramos Carneiro; Lucas Albuquerque
da Costa;

CAPÍTULO 10: PERSPECTIVAS E CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE NA


EDUCAÇÃO EM SAÚDE: NA BUSCA POR UM REFERENCIAL TEÓRICO E
METODOLÓGICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169
Telma Temoteo dos Santos; Rosane Moreira Silva de Meirelles

ÍNDICE REMISSIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189

CURRÍCULO DOS COAUTORES POR CAPÍTULO . . . . . . . . . 191


CAPÍTULO 1
A INEXISTÊNCIA DE UM MÉTODO
FREIRIANO PARA A CONSTRUÇÃO
DE INÉDITOS-VIÁVEIS: NOTAS AOS
CAMINHANTES

Josina Maria Pontes Ribeiro


Maria Lionilde Araújo da Silva
Vicente Bessa Neto
Tania Cremonini de Araújo-Jorge

“Caminhante, são tuas pegadas


O caminho e nada mais;
Caminhante, não há caminho,
o caminho faz-se ao caminhar.”
(Antônio Machado)

Em busca de um caminho

É mais do que comprovado o legado de Paulo Freire para os


campos da Educação em Saúde e Educação Ambiental, quer sejam em
espaços formais de ensino, quer sejam em espaços não formais. Nesse
contexto, pesquisadores e instituições de diferentes áreas, regiões
brasileiras ou mesmo de diferentes nacionalidades têm se dedicado
a compreender e aplicar o que se convencionou chamar de “método
freiriano” em suas atividades de ensino e pesquisa, bem como na co-
municação de saberes e práticas científicas à comunidade em geral.

17
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Em todos esses casos, foram alcançadas muitas proposições


significativas (inéditos-viáveis), e muitos processos pedagógicos com-
plexos e comprometidos com a superação de situações-limites ou
aspectos opressores da realidade foram se costurando em um sonhar
coletivo, a partir de um movimento transformador em cada uma dessas
áreas. Na maior parte dos casos, a produção acadêmica e as ações
executadas por diversas instituições ou pesquisadores/as consideram
como principal referência a obra Pedagogia do Oprimido e Pedagogia
da Autonomia e cada campo do conhecimento foi identificando, ao
longo do tempo, seus autores de referência nesse fazer pedagógico,
de forma que foram se constituindo a cada dia novos saberes e fazeres
a partir de Freire. É possível perceber, entretanto, certo desconforto em
quem decide desvendar a filosofia da educação freiriana, sobretudo os
que vêm de áreas chamadas de “duras” ou hard sciences, em que pre-
valece a rigidez da pesquisa quantitativa, assim como as reais possibili-
dades de replicação de uma metodologia. Tais pesquisadores buscam
nos autores de referência um caminho demarcado, pré-desenhando,
sequências ou etapas a serem seguidas, mas se defrontam com o fato
de que a cada leitura sobre a aplicação do pensamento freiriano temos
novos ou diferentes processos, evidenciando que em Freire não se
pensa em reprodução, mas em criação, recriação e cocriação.
Desse modo, aos que buscam um caminho metodológico em
Freire para a Educação Ambiental ou em Saúde, nos propusemos a
apresentar reflexões sobre a inexistência de um método freiriano, con-
tudo evidenciaremos a importância da amorosidade e do diálogo como
marcas essenciais da abordagem freiriana e, por fim, destacaremos
princípios a serem considerados para a construção de inéditos-viáveis.

Caminhante, não há caminho

Comecemos a discussão pela assertiva de Brandão (2019,


p. 313-314), segundo o qual Freire não criou um “método de alfabe-
tização”, mas um projeto integrado de educação, sendo a educação

18
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

entendida como uma ação cultural para a liberdade (FREIRE, 2019a), o


que envolve tanto o campo epistemológico, quando o estético, o ético
e o político, necessariamente. Por isso, na obra de Freire encontramos
procedimentos educativos que são indissociáveis do referencial teórico
e da opção política do educador na denúncia de estruturas e posturas
injustas e autoritárias, e no anúncio de uma sociedade mais justa e
humana. Logo recriar o trabalho de Freire em espaços formais ou não
formais exige que se mantenha uma coerência entre a prática e a teoria
que lhe confere sentido (PALUDO, 2019, p. 315), ou seja, não é possível
reproduzir os procedimentos metodológicos isolados das discussões
conceituais da sua concepção educacional.
Ainda que exista por parte de algum pesquisador aceitação
cabal da prática social freiriana e da sua teoria e opção política, seria um
erro buscar em Freire, ou nos pesquisadores que nele se fundamen-
tam, etapas e fases para reprodução, uma vez que isso desconsideraria
o que o próprio autor afirma na totalidade de sua obra, especificamente
sobre a inexistência de um método em sua teoria.
Nesses termos, mais uma vez defendemos a ideia de que Freire
possuiu uma filosofia da educação completa e para a liberdade, orien-
tadora de abordagens em diferentes temas e processos educativos.
Logo não há um método endurecido, rígido como uma fórmula que
se deve seguir cartesianamente para ter ares de científico. Tal ideia é
compartilhada por Ghiraldelli Jr.:

Não existe “método Paulo Freire”. Todos nós sabíamos


disso, ao menos os da minha geração. Todavia, como
tudo na filosofia tradicional (leia-se filosofia moderna)
é epistemologizado e, então, metodologizado, e, como
na área pedagógica, até a palavra pedagogia, importam
antes os métodos que o conteúdo, logo todos engoliram
o vocabulário recorrente. Surgiu então o tal “método Paulo
Freire”. Daí por diante não adiantou mais Paulo Freire
insistir que sua pedagogia era antes de tudo política [...].
(GHIRALDELLI JUNIOR, 2012, p. 17).

19
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Ainda que se tenha normalizado a ideia de um método freiriano


em diversos momentos e livros, é o próprio Freire quem afirma sua
discordância da ideia de que ele desenvolvera um método hermético.
Mais do que isso, Freire convida educadores e educadoras a superá-lo,
recriá-lo e continuar recriando-o sempre (FREIRE, 2016, p. 57).
Para Freire (2020c, p. 120-123) seria impossível, mesmo uma
tragédia, reduzir suas ideias substantivas à mera técnica, uma vez que
o desafio posto seria desenvolver suas propostas teóricas dialogica-
mente a partir de diversos contextos, trazendo possibilidades que só
serão conhecidas na medida em que os procedimentos são recriados e
o contexto em que está sendo aplicado é desvelado.
Desse modo, a experiência da educação como ação cultural para
a liberdade não pode ser exportada ou enriquecida em um receituário,
pois a educação para liberdade precisa estar concatenada ou “molhada”
nas águas do tempo e espaço onde está ocorrendo a educação. Assim
Freire destaca que: “[...] se você me seguir, você me destrói. O melhor
caminho para você me entender é me reinventar, e não tentar se adaptar
a mim.” (FREIRE, 2016, p. 27). A esse respeito, Macedo (2017, p. 123-132) vai
sugerir uma pedagogia antimétodo da perspectiva freiriana, afirmando
que o fetiche de reduzir sua prática educativa a um método vai de en-
contro com os próprios pronunciamentos de Freire contra uma importa-
ção ou exportação de metodologia. Tal ideia fica evidente em entrevista
concedida a Nilcéa Lemos Pelandré, na qual o próprio Freire assevera:

Eu preferia dizer que não tenho método. O que eu tinha,


quando muito jovem, há 30 anos ou 40 anos, não importa
o tempo, era a curiosidade de um lado e o compromisso
político do outro, em face dos renegados, dos negados,
dos proibidos de ler a palavra, relendo o mundo. O que
eu tentei fazer e continuo hoje, foi ter uma compreensão
que eu chamaria de crítica ou de dialética da prática
educativa, dentro da qual, necessariamente, há uma
certa metodologia, um certo método, que eu prefiro dizer
que é método de conhecer e não um método de ensinar.
[...] por exemplo, alguns fundamentos que você chamou
de método e que eu digo que não é do método. São
alguns dos fundamentos da minha concepção da prática
educativa. (PELANDRÉ, 1998, p. 53).

20
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Desse modo, qualquer prática educativa que siga seus fun-


damentos precisa considerar que criar, recriar e cocriar implica em
não seguir procedimentos como em um manual ou cartilha (FREIRE,
FAUNDEZ, 2017, p. 60). A esse respeito, Paulo Freire na obra Cartas à
Guiné-Bissau (FREIRE, 2020a) evidencia que sua maior preocupação
enquanto educador era superar a ideia de cartilhas, estimulando o Mi-
nistério da Educação do país africano a formular sua própria educação
descolonizadora, de forma que o povo pudesse encontrar a sua palavra
e não seguir a de outrem (FREIRE, 2020a, p. 140).
Embora não exista um caminho pré-definido, a leitura da obra
freiriana nos dá indicações sobre qual deve ser a disposição do pesqui-
sador ao longo do trajeto. A esse respeito, Ana Freire elenca algumas
características que pressupõe a práxis freiriana e, dentre as principais,
destaca a amorosidade (FREIRE, 2016, p. 63-64). Por amorosidade,
entenda-se um profundo sentimento de curiosidade. O educador deve
criar um clima afetivo e de inquietação na sala de aula, mas também de
alegria e criatividade, bem como o desenvolvimento de problemáticas.
Além disso, é preciso possibilitar um clima de cooperação e não de
competitividade, de forma a estimular a aventura de criar e recriar a
curiosidade epistemológica e a rigorosidade científica. A amorosidade
manifesta-se, portanto, no exercício do aprender e do ensinar, na mi-
nistração dos conteúdos e no respeito pelo outro em diálogo com os
sujeitos e o mundo.
Elemento fundamental na caminhada é a disposição do pesqui-
sador para um diálogo propositivo e esperançoso para o futuro, de forma
a possibilitar que a conscientização e humanização se concretizem.
Ocorre que na totalidade da obra freiriana o diálogo é apontado como
uma das categorias centrais de sua proposta para uma educação liber-
tadora. Sobre tal questão, Freire, em diálogo com o educador americano
Ira Shor, elucida:

[...] penso que deveríamos entender o “diálogo” não como


uma técnica apenas que podemos usar para conseguir
obter alguns resultados. Também não podemos, não de-
vemos entender o diálogo como uma tática que usamos

21
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

para fazer dos alunos nossos amigos. Isto faria do diálogo


uma técnica para a manipulação, em vez de iluminação.
Ao contrário, o diálogo deve ser entendido como algo que
faz parte da própria natureza histórica dos seres humanos.
É parte de nosso progresso histórico do caminho para nos
tornarmos seres humanos. Está claro este pensamento?
Isto é, o diálogo é uma espécie de postura necessária, na
medida em que os seres humanos se transformam cada
vez mais em seres criticamente comunicativos. O diálogo
é o momento em que os humanos se encontram para
refletir sobre sua realidade tal como a fazem e refazem
[...]. (FREIRE; SHOR, 2021, p. 169).

O pensamento dialógico de Freire é, portanto, testemunho da


possibilidade de abertura ao outro, sendo essa uma exigência episte-
mológica para uma vivência social comprometida, em que a reflexão-
-ação-reflexão é coletivamente compartilhada e torna-se geradora de
diversas e múltiplas autorias (FREITAS, 2020). Nesses termos, descar-
tam-se etapas rígidas e receituários prontos, considerando serem os
seres humanos finitos e inacabados (FREIRE; SHOR, 2021).
Em uma época de mudanças aceleradas como a atual, Freire
nos oferece mais que um caminho metodológico e uma certa leitura de
mundo. Ele nos alerta como essencial a conscientização da realidade
e destaca como as mudanças são as únicas coisas constantes na so-
ciedade dita pós-moderna. O autor nos presenteia com uma filosofia
da educação que pede para ser reelaborada e recriada conforme o
contexto, a fim de que se possibilite inéditos-viáveis. E é por isso que a
prática educativa vai além dela mesma, pois gira em torno de utopia e
esperança (FREIRE, 2020b, p. 225).
Nos lembremos de Galeano (1994, p. 310) que, ao citar Fer-
nando Birri, afirma estar a utopia posta no horizonte, sendo a busca
por uma aproximação a um ideal utópico igualmente proporcional ao
distanciamento dele, de forma que se indaga o autor: “[...] para que
serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”
É, portanto, nesse caminhar e não antes dele que cada pesquisador
construirá a sua pesquisa e suas próprias etapas, tal como veremos a

22
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

seguir, sendo a utopia e a esperança bagagens necessárias na busca


por inéditos-viáveis.

O caminho se faz caminhando com esperança

O fato de sermos seres históricos e inacabados nos permite ser-


mos educados em constante mudança em um processo permanente
de devir. Tal condição nos possibilita sermos seres da possibilidade, da
busca e não do determinismo. Essa ideia perpassa toda a obra freiriana,
mas por ser ele um ser da práxis, observamos que perpassa a vida e
escritos do autor (FREIRE, 2018; 2019a; 2019b; 2019c; 2019d).
Recusando-se veementemente a cair no fatalismo do fim do so-
nho e da utopia por uma sociedade justa, Freire cunha uma pedagogia
com frescor e delicadeza, que tem como pontos centrais a esperança, o
sonho, o futuro e a utopia, propondo o “inédito-viável” baseado na práxis
como possibilidade de conscientização para o processo de libertação
de homens e mulheres de sua reificação ao sistema opressor que os
limita a um estado de opressão. A sua pedagogia da esperança culmi-
na, assim, na possibilidade de uma ação revolucionária de profundas
mudanças sociais, políticas e existências.
A educação da perspectiva freiriana não só tem a finalidade de
libertar homens e mulheres dando-lhes possibilidades de interpretação
e leitura da realidade, mas tem principalmente a finalidade de garantir
o direito de fala diante do mundo e dos outros. Essa educação é um
passo para a conscientização, o que representa o engajamento com as
transformações das estruturas sociais desumanizantes, ou seja, é um
processo alcançado pela criticidade dos educandos em sua relação
entre ser humano-mundo (FREIRE, 2019c).
A utopia em Freire (2019a) é sinônimo de esperança e se configura
como uma necessidade ontológica dos seres humanos em uma relação
estreita com a história e com a condição de seu inacabamento. Porém
a esperança não é esperar, não é paralisia ou letargia. Trata-se de uma
opção política que se faz na prática educativa de homens e mulheres em
relação dialética entre si e o mundo. A esperança é o motor da história e

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

das estruturas sociais, pois ela é geradora de uma realidade distinta. Ela,
assim, não é um conceito abstrato, mas um sinônimo de luta e sonho. E
os sonhos são imprescindíveis para a existência humana.
Assim o pensamento freiriano é utópico, não porque se nutre
de sonhos impossíveis, mas ao contrário, nutre-se de sonhos possíveis.
“Sonhar aí não significa sonhar a impossibilidade, mas significa projetar.
Significa arquitetar, significa conjecturar sobre amanhã” (FREIRE, 2020b,
p. 354). Só que esse sonho não é solitário ou egoísta. Ele é construído e
pavimentado coletivamente em cocriações, em uma dialeticidade entre
sonhar e esperançar uma ação transformadora, pois “não há mudança
sem sonho, como não há sonho sem esperança” (FREIRE, 2019b, p. 91)
ultrapassando, assim, uma perspectiva idealista de utopia, porque essa se
dá no campo do concreto e em uma perspectiva ética, estética e política
(FREIRE, 2019b, p. 126).
A perspectiva utópica de Freire nega a domesticação e celebra
a humanização, é engendrada na esperança porque está diretamen-
te ligada ao serviço da libertação das classes oprimidas, inserida na
prática social, no concreto, no cotidiano, nas relações humanas. Essa
perspectiva implica na dialética entre a denúncia das nossas estruturas
sociais e o anúncio de um outro mundo possível que pode acontecer ou
não, que está aí para ser anunciado, que tem na práxis revolucionária a
ação necessária para começar a revolver as estruturas necessárias para
o futuro. Aliás, anúncio e denúncia são características marcantes dessa
utopia, não são palavras vãs, mas um compromisso histórico e político:
um compromisso esperançado, produzido pela ação de lutarmos para
a concretização do futuro (FREIRE, 2019a, p. 94-96).
É essa esperança no futuro que nos permite chegar à categoria
freiriana do “inédito-viável”, negadora de qualquer forma de pessimis-
mo, reprodução ou repetição determinista da história.
Para Ana Freire (FREIRE 2019b, p. 263-265), o inédito-viável pos-
sui a acepção de palavra mais rigorosa dos termos freirianos, pois é uma
palavra-ação, uma práxis, e devemos lembrar que em Freire (2019d)
dizer a palavra verdadeira é prenúncio para transformar o mundo. O
conceito não foi totalmente definido e acabado, mas está inserido no
campo da possibilidade. Ele se nutre da principal característica huma-

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

na, sua finitude. Por isso esse conceito não possui um fim, mas aponta
sempre para o início que pode ser projetado por meio dos sonhos na
dialeticidade do anúncio e da denúncia.
O termo inédito-viável está profundamente coerente com op-
ções políticas e éticas que Freire discute em sua obra. Esse conceito
aberto faz com que a proposta não seja aprisionada em receitas de
procedimentos e, por isso, o conceito está lá, à mercê de diversos
contextos que esperam para serem lidos de acordo com o sonho
possível de homens e mulheres que se propuserem a pensar e ler a
realidade de forma diversa (PARO et al., 2020, p. 34).
Contudo está muito claro na obra freiriana que o inédito-viável
é produto de um complexo processo pedagógico comprometido com
a libertação dos seres na sua vocação ontológica para a humanização.
Desse modo, o inédito-viável não é um sonho solipsista, mas um sonho
coletivo e que só pode ser concretizado nas relações dos homens e
mulheres em diálogo com o mundo (FREIRE, 2019d).
Freitas entende o conceito diante da proposta ensinar-apren-
der-pesquisar. Afirma a autora:

O inédito-viável é a materialização historicamente possível


estado sonho almejado. É uma proposta prática de su-
peração, pelo menos em parte, dos aspectos opressores
percebidos no processo de conhecimento que toma como
ponto de partida a análise crítica da realidade. O risco de
assumir a luta pelo inédito-viável é, pois, uma decorrência
da natureza utópica, própria da consciência crítica, e encerra
em si uma perspectiva metodológica, visto que faz do ato
de sonhar coletivamente um movimento transformador.
(FREITAS, 2005, p. 6).

O inédito-viável é sempre uma proposta de superação de uma si-


tuação ou de aspectos opressores da realidade. Por isso, ao assumir a luta
por um inédito-viável, deve-se assumir o risco de sonhar coletivamente
para um movimento transformador (FREITAS, 2020, p. 42-43). Em suma,

O inédito-viável é na realidade uma coisa inédita, ainda


não claramente conhecida e vivida, mas sonhada, e quan-
do se torna um “percebido destacado” pelos que pensam

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

utopicamente, esses sabem, então, que o problema não


é mais um sonho, ele pode se tornar realidade. (FREIRE,
2019b, p. 279).

Nessa caminhada repleta de utopia e esperança, que se con-


suma em inéditos-viáveis, é sempre oportuno observar nos caminhos
já trilhados paisagens ou cenários comuns. Nada disso deve-se fazer
visando a reprodução, mas tão somente porque no processo de en-
sino-aprendizagem educadores e educandos precisam estar abertos
ao diálogo e abertos à disciplina do silêncio para uma escuta sensível.
Esses são elementos importantes em Freire (2018) para que se materia-
lize a comunicação de saberes e práticas de Educação em Saúde e de
Educação na Saúde, assim como de Educação Ambiental.

Sobre encontros e diálogos possíveis

Durante a caminhada de cada pesquisador na construção de iné-


ditos-viáveis, há uma parada obrigatória para diálogo com o próprio Freire
(2019d), a saber, o terceiro capítulo da Pedagogia do Oprimido, quando
este discute princípios para sua pedagogia libertária a partir dos quais a
ação-reflexão-ação se entrelaçaram. São eles: 1) Pensar o concreto e o
abstrato em termos dialetizantes; 2) delimitar a área que se vai trabalhar
conhecida por meio de fontes secundárias em reuniões informais para
identificar contradições; 3) analisar dados recolhidos chegando à apreen-
são das contradições; 4) codificar; 5) empreender diálogos decodificado-
res; 6) decodificar círculos e sistematização das falas; 7) identificar temas
classificados em um quadro geral; 8) validar as decodificações; 9) reduzir
as temáticas; 10) elaborar um programa de ensino; e 11) elaborar o próprio
material pedagógico.
A partir desses princípios, recriamos um caminho para nossos
projetos de ensino, pesquisa e extensão no âmbito do Instituto Federal
do Acre (Ifac) -Campus Rio Branco e temos nos dedicado à construção
de inéditos-viáveis na Educação Profissional e Tecnológica, cujas bases
conceituais convergem com a proposta freiriana por se tratar de uma

26
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

educação que busca a formação integral, omnilateral e politécnica.


Para tanto, contamos com a companhia do Laboratório de Inovações
em Terapias, Ensino e Bioprodutos do Instituto Oswaldo Cruz-Funda-
ção Oswaldo Cruz (IOC-Fiocruz) que agregou a CienciArte à essa bela
caminhada com Freire. Por CienciArte entenda-se:

[...] Um campo em construção, não formatado e que


foge ao aspecto rígido e disciplinar. Os conhecimentos
produzidos nos campos da ciência e da arte são inter e/
ou transdisciplinares por natureza. Pensar os problemas
nessa interface implica na necessidade de articular dife-
rentes disciplinas, saberes, práticas, campos teóricos e
procedimentos técnicos. (Araújo-Jorge et al., 2018, p. 30).

Nesses termos, uma caminhada longa (mas não finita e passível


de questionamento) foi trilhada no campo do Ensino em Saúde e segu-
rança do trabalho para agentes de combate às endemias em Rio Bran-
co - AC (RIBEIRO, 2017; RIBEIRO; ARAÚJO-JORGE; BESSA NETO, 2016).
Outra tem sido empreendida no que se refere à saúde e segurança do
trabalho para trabalhadores do manejo florestal na Floresta Estadual
do Antimary localizada no estado do Acre. Ademais, também tem sido
construída, para alunos do ensino médio integrado ao técnico no Ifac
- Campus Rio Branco, uma proposta de ensino de filosofia a partir da
saga Star Wars (SILVA; RIBEIRO; PEREIRA, 2020; SILVA; RIBEIRO, 2020).
Nos dois primeiros casos, as caminhadas estão vinculadas a pesquisas
desenvolvidas no Programa de Doutorado em Ensino em Biociências e
Saúde, e no último caso a proposta tem sido implementada no âmbito
do Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica no
Ifac - Campus Rio Branco.
Nos três casos supracitados, os princípios freirianos foram
considerados e as pesquisas organizadas a partir de três momentos
distintos ou cenários comuns, a saber: 1) apreensão da realidade; 2)
Estabelecimento de diálogos; e 3) Proposição de intervenções cons-
truídas pelos sujeitos e para os sujeitos da pesquisa. Entretanto, como
os educandos e educadores iniciaram suas andanças em contextos e
tempos diversos, o caminho foi e vai se revelando também de maneira
diversa, nunca estando passível de total reprodução.

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Longe de uma chegada

Reduzir Freire a um método é desperdiçar toda uma filosofia da


educação que tem como horizonte a esperança e a liberdade, que por sua
vez é uma filosofia da educação alicerçada sobre princípios e não etapas.
Assim defendemos que a beleza e a relevância do pensamento freiriano
para o século XXI, comemorando o centenário de seu nascimento em
2021, não reside em métodos e fórmulas que podem ser importadas ou
exportadas para diversas áreas e especializações do conhecimento. A
relevância e atualidade do pensamento freiriano, em seu centenário e
em outros que virão, está no reconhecimento e no respeito ao outro. Que
seu pensamento seja uma bússola para instigar a curiosidade epistemo-
lógica para que continuemos incessantemente em um movimento de
ação-reflexão para concretizar sonhos de mudança do mundo.

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

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29
CAPÍTULO 2
EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA PARA A
CIDADANIA PLANETÁRIA PAUTADA EM
PAULO FREIRE E NO BEM VIVER PARA
PROMOÇÃO DA SAÚDE

Rayanne Maria Jesus da Costa


Celso Sánchez
Clélia Christina Mello-Silva

Introdução

Este capítulo pretende discutir as interconexões existentes


entre a Educação Ambiental crítica e a promoção da saúde com o pen-
samento de Paulo Freire. A partir dos pressupostos teóricos de Freire,
buscaremos apresentar as valorosas contribuições que suas teorias
trouxeram para fortalecer os campos de estudo em questão, poten-
cializando reflexões e questionamentos importantes. Apesar de Freire
não ter se dedicado especificamente a esses campos, reconhecemos
seu impacto para a construção de teorias e linhas de pensamento que
alimentam essas áreas. Não se trata de uma “acomodação” ao pensa-
mento de Freire, mas de uma percepção do potencial epistemológico
despertado pelas construções teóricas do educador, que auxiliam na
formulação de perspectivas potentes para tais campos como discu-
tiram diversos autores como Auler e colaboradores (2009), Carvalho
(1998), entre outros.

30
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Não poderíamos iniciar este artigo sem aplicar um dos inesti-


máveis ensinamentos de Paulo Freire para as educadoras e os edu-
cadores, que é a historicização e contextualização das lutas nas quais
nos encontramos, pois a luta é uma “categoria histórica” (FREIRE, 2011,
p.129). Assim fazemos, contextualizando o momento em que a escrita
deste trabalho se realiza. A produção deste artigo se concebe em um
contexto de pandemia da covid-19, mundialmente declarada no início
do ano de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O ano
de 2021, como ano de centenário de um educador de epistemes tão
fundamentais para a educação no Brasil, nos faz refletir e reconfigu-
rar nossa rota, nos enveredando para uma postura crítica e reflexiva
diante deste cenário.

Não há possibilidade de pensarmos o amanhã, mais pró-


ximo ou mais remoto, sem que nos achemos em processo
permanente de “emersão” do hoje, “molhados” do tempo
que vivemos, tocados por seus desafios, instigados por
seus problemas, inseguros ante a insensatez que anuncia
desastres, tomados de justa raiva em face das injustiças
profundas que expressam, em níveis que causam assom-
bro, a capacidade humana de transgressão da ética. Ou
também alentados por testemunhos de gratuita amorosi-
dade à vida, que fortalecem, em nós, a necessária, mas às
vezes combalida esperança. (FREIRE, 2000, p. 54).

Diante da realidade que se apresenta a nós, buscamos refletir


a respeito de como foi possível chegarmos a tal ponto. Essa pandemia
não pode ser compreendida de forma isolada, todavia deve ser pensada
por meio de perspectivas políticas, culturais, sociais, éticas e ambientais.
Desta forma, nos alinhamos aos pressupostos teóricos de Freire, que
nos aproximam e nos ajudam a refletir a respeito de nossa relação ser
humano-natureza. Atualmente, diante da pandemia da covid-19, sem
precedentes em escala mundial minimamente, acendeu um alerta para
os seres humanos, principalmente os que são detentores de uma classe
dominante e opressora, levando-os a se questionarem a respeito das re-
lações que veem estabelecendo com o ambiente, no qual convivem com
outros seres vivos. Essa parada forçada da sociedade urbano-industrial

31
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

nos mostrou o quanto precisamos pensar o fazer coletivo para o bem


de todos, cuidando da saúde física, mental, emocional, nos conectando
uns com os outros, mesmo a distância. Mello-Silva e Concatto (2020) nos
apresentam um novo paradigma, uma nova possibilidade. Deixarmos de
ser um Homo parasitus espoliativo e destrutivo do ecossistema parasitá-
rio para nos tornarmos Homo ecologicus, seres humanos pré-ocupados
com o coletivo, “em uma relação simbiótica de solidariedade e de co-
participação coletiva” (MELLO-SILVA; CONCATTO, 2020, p. 10). E ainda as
autoras anunciam:

Mas, neste tempo, aprendemos que somos apenas mais


uma espécie neste planeta e que a natureza pode viver sem
a nossa presença. Aprendemos que Homo parasitus está na
UTI, com dificuldade para respirar e que o Homo ecologicus
nasceu e cresce com força pela vida e vida em plenitude
para todos. (MELLO-SILVA; CONCATTO, 2020, p. 112).

As autoras supracitadas nos instigam a pensar em um tipo de


ser humano que foi sendo criado com o tempo, por meio de relações
predatórias com o ambiente. Estamos em uma constante relação de
troca com a natureza e sendo assim, em constante processo de nos
educarmos com ela, por meio da Educação Ambiental. Freire, apesar
de não mencionar diretamente teorias e pensamentos ao campo da
Educação Ambiental, traz férteis contribuições que nos ajudam a pen-
sar esta área de forma reflexiva. Dickmann e Carneiro (2012) em uma
análise dos trabalhos de Paulo Freire e suas possíveis relações com a
Educação Ambiental retratam que em seus escritos, Freire reconhece a
importância de superar a visão dicotômica entre ser humano-natureza
e reafirmar sua pertença como unidade interdependente.
Uma educação crítica, libertadora e emancipatória são marcas do
pensamento freiriano e fundamentam a tendência político-pedagógica
crítica da Educação Ambiental (LAYRARGUES, 2012). O viés crítico da
Educação Ambiental nos propõe refletir a respeito de nossas próprias
realidades, contextualizando-as por meio dos conflitos socioambientais
existentes em nosso cotidiano. Considerando que estamos diante de um

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

sistema que não nos permite pensar criticamente, não nos dá tempo para
questionar, apenas nos envolve de forma agressiva e nos insere em uma
situação permanente de alienação, as pedagogias de Freire são um cami-
nho. Como Freire traz em sua obra Pedagogia da Esperança (2011), pode-
mos inferir que, desta forma, quando nos inserimos no debate ambiental
trazendo a perspectiva social e política presente em nossas realidades,
estamos nos colocando como sujeitos emancipados (FREIRE, 1987).
O conceito de emancipação, de acordo com Freire (1987), só
pode ocorrer quando há uma mudança na mentalidade dos que são con-
siderados oprimidos, que na concepção do autor, estão imersos em uma
realidade que não os permite refletirem a respeito de si mesmos como
sujeitos críticos atuantes de sua própria realidade. Os seres humanos se
fazem nas palavras, no trabalho e na “ação-reflexão-ação” (FREIRE, 1987,
p.90). Esse conceito diz respeito a atuação, o ator em ação, de maneira
reflexiva dentro de suas possibilidades, diante da realidade vivida. Ao nos
orientarmos por esse conceito de Freire, nos perguntamos como pro-
mover saúde e agir de forma reflexiva dentro da nossa realidade? Qual a
potência transformadora que temos em nosso cotidiano?
Um sujeito emancipado é autônomo em seu pensar, e desta
forma, reflete e age sobre a sua práxis. Entretanto é importante observar,
partindo da perspectiva ambiental, que nosso agir não deveria se pau-
tar apenas na ação individual. Não podemos mudar apenas no âmbito
individual e crer que é o suficiente, justamente porque em nosso país
a maioria da população não tem a possibilidade de fazer escolhas que
irão refletir em sua qualidade de vida, que irão promover saúde. Escolhas
como comer de maneira saudável, estar em contato com a natureza, não
viver em locais insalubres, realizar coleta seletiva e destinar de maneira
correta os resíduos sólidos que são gerados. Ora, uma vez que apenas
uma minoria está diante da possibilidade de realizar melhores escolhas
para a promoção de sua saúde e que não afetem também a saúde do
ambiente no qual vivem, como podemos pensar que nossas escolhas
individuais, aos poucos, mudam o mundo? A maioria, que corresponde
aos que estão na condição de oprimidos pelo sistema capitalista-urba-
no-industrial, não pode tomar essas decisões, pois só tem a opção de

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

aceitar o que lhe é acessível naquele momento. Dessa forma, devemos


estar atentos para não cair nessas “armadilhas paradigmáticas”, como
conceitua Guimarães (2011).
Diante desse cenário complexo, como podemos transgredir a
lógica dominante que reproduz ideias com o propósito de nos alienar
diante da sociedade e silenciar nossa autonomia? Como colocar em
prática nossos projetos de “inéditos-viáveis”? E como transformá-los em
“concretudes históricas”? Freire (2000) nos propõe a pensar nessa trans-
formação da sociedade por meio da tríade “amor-indignação-esperança’’.
Os seres humanos são parte integrante do meio no qual vivem
e, dessa maneira, possuem o potencial transformador desse meio. É a
partir do momento que se reconhecem como sujeitos desse meio que
estão mais próximos de pensar em realidades que podem promover
sua saúde e do ambiente no qual vivem. Entretanto partimos da pre-
missa de que essa mudança de paradigma do meio em que se vive só é
possível por meio da emancipação desses sujeitos que são históricos. E
por possuírem história, podem modificar seu território e transformá-lo.
Propomos, aqui, o anúncio da mudança, esperançando na desor-
dem causada pela covid-19 uma possibilidade de uma nova ordem, uma
nova sociedade, que rompa com as algemas da alienação da sociedade
urbano-industrial e valorize todas as formas de vida nesta casa comum,
o ecossistema planetário. Nessa perspectiva de mudança, apresenta-
mos epistemes que embasam nosso pensamento de uma Educação
Ambiental e em saúde inter e transdisciplinar, uma Educação Ambiental
promotora de saúde para a construção de uma cidadania planetária, de
sujeitos coletivos emancipados. Anunciamos elementos das pedagogias
freirianas empregadas para tornar possível esses inéditos-viáveis nos
quais acreditamos.

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Inédito-viável I: A Educação Ambiental interseccionada


em Paulo Freire e o Bem Viver na formação de sociedades
promotoras de saúde

Brügger (1993), em seu trabalho, há cerca de 30 anos, já come-


çava a acender um alerta em relação ao surgimento e a forma como
se dava essa relação ser humano-natureza. De acordo com a autora, a
preocupação com o planeta Terra é historicamente recente, visto que
até meados da década de 1960, era praticamente inexistente esse tipo
de pensamento.
Para melhor compreender a face da Educação Ambiental que
temos em nosso país, é importante que saibamos em que contexto ela
surge. Carvalho (2001) em consonância com Brügger (1993) coloca que
a Educação Ambiental surge no Brasil no contexto da ditadura militar,
em um momento complexo em termos políticos do país. No contexto da
ditadura militar, existia uma crise democrática, política e econômica e os
primeiros movimentos ambientais começaram a aparecer, direcionando a
atenção e o questionamento a respeito da forma como o sistema industrial
predatório e de acumulação de riquezas estava refletindo em tragédias
ambientais e prejuízos para os seres vivos que habitavam o planeta.
Saindo do recorte nacional e ampliando a visão para o nível
global, constatamos pelos escritos de Carvalho (2001) que a natureza,
historicamente, sempre foi um contraponto em relação a civilidade. A
natureza era tida como algo que deveria ser dominado e era estetica-
mente desagradável, haja vista que era considerado o lugar de pessoas
selvagens, que não correspondiam ao ethos moderno antropocêntrico.
Segundo a autora, “é nesse momento que se constrói historicamente a
representação da natureza como lugar da rusticidade, do incultivado,
do selvagem, do obscuro e do feio” (CARVALHO, 2001, p. 66).
Esse pensamento foi reproduzido durante anos por grandes
filósofos considerados como grandes pensadores que contribuíram de
maneira significativa para a estruturação do pensamento moderno da so-
ciedade, como Francis Bacon, um dos precursores do método científico e

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

que construiu sua filosofia baseada em teorias de dominação da natureza


pelo saber, com um olhar utilitarista para com esta (SEVERINO, 2006).
Dentro dessa mesma lógica de pensamento está René Des-
cartes, filósofo que demarca as bases do pensamento moderno. Suas
obras privilegiavam a razão em detrimento dos sentimentos e da emo-
ção, por vezes considerando esta como uma fonte de erro. Segundo
Grün (2006), com isso Descartes traz grandes consequências para os
desdobramentos da relação do ser humano com a natureza colocando
o homem europeu e branco na posição de dono e senhor da natureza.
A Educação Ambiental surgiu como uma forma de pensar uma
nova maneira de nos relacionarmos com o meio ambiente, mas sempre
partindo do ponto de que somos o ser vivo que se volta para ajudá-lo,
como se ele precisasse ser salvo por nós. Conforme o exposto, uma
visão de dominação e exploração por compreender a natureza como
algo por meio da qual se usufrui e explora, para depois começar a
pensar em um modo de reparar aquilo que foi feito.
Nesse sentido, podemos compreender quem é esse ser huma-
no que se distancia e se desconecta de qualquer factível relação de
amorosidade com a natureza e qual seu endereço na história. Por isso
consideramos necessário localizar e contextualizar historicamente que
ser humano é esse, assim como Paulo Freire nos ensina. Necessário
também é perceber que foi esse ser humano que começou a enxergar
a natureza como recurso e objeto pelo qual ele poderia se apropriar e
extrair, depredar, extinguir. O ser humano, ao qual nos referimos, é um
indivíduo que ao longo da história foi concebendo e desenvolvendo
essa relação com a Terra de forma predatória e utilitarista.
Como já mencionado, Paulo Freire não fala diretamente do ter-
mo “Educação Ambiental” em suas obras, no entanto por mais que esse
termo não seja abordado em seus trabalhos, o Patrono da Educação
Brasileira aprofunda por meio de seu olhar crítico e provocativo nossa
forma de se relacionar com o mundo e nos propõe a pensar de forma
crítica e questionadora sobre a nossa própria realidade. Dickmann e Car-
neiro (2021), em seu livro sobre as contribuições de Paulo Freire para a
Educação Ambiental, buscam relacionar as diversas maneiras que Freire

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

pensou a respeito disso, e uma delas foi sua forma de refletir diante da
relação sociedade-natureza e a necessidade de uma nova mentalidade.
Os autores percebem que questões importantes que baseiam
uma Educação Ambiental questionadora estão presentes nas obras de
Freire e contribuem para pensarmos diretamente na raiz do problema,
ao invés de simplesmente agirmos como salvadores da Terra. Por assim
dizer, a contribuição de Freire é profícua e nos incentiva a questionar
primeiramente o sistema de opressão insustentável no qual vivemos.
A realidade é inacabada para Freire, assim como os seres
humanos. E por ser inacabada, essa realidade é mutável e é por meio
da ação-reflexão-ação que podemos nos inserir no mundo como
sujeitos inacabados, transitar de uma consciência ingênua para uma
consciência crítica e reconhecer que esse inacabamento, tanto do ser
humano como do mundo, é que permite abertura ao um processo de
acrescentamento (DICKMANN; CARNEIRO, 2021).
A obra Pedagogia da Autonomia, livro em que Freire aborda
questões fundamentais para a formação do(a) professor(a), apresenta
sua preocupação em problematizar as questões socioambientais. Por
buscar compreender o mundo como um conjunto de relações dialó-
gicas complexas é que essa obra de Freire critica questões que ba-
seiam uma Educação Ambiental mais inserida na realidade. Freire, por
exemplo, acreditava nos movimentos de luta pela terra e questionava
o grande progresso científico e tecnológico que buscava atender aos
interesses do capital em detrimento da vida (FREIRE, 2017).
A Educação Ambiental, na sua vertente crítica, é um conceito
localizado a partir de um momento histórico e de um pensamento,
pensamento esse que remete a uma lógica de percepção, atitudes e
cultura de um pensamento social que se colocava como única possi-
bilidade de ser e existir no mundo. Assim, determinando modos de ser,
pensar e existir em suas relações com a natureza e a Terra, podemos
compreender a partir disso que é fundamental pensar o que pode ter
vindo antes. Quais eram os modos de ser e existir na Terra que existiam
anteriormente a essa visão predatória que permanece até hoje?

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Os povos originários, que por definição histórica foram consi-


derados selvagens, possuem uma relação com a natureza que não
cabe apenas em ações e formas de pensar, mas em atitudes de como
podem se relacionar com a Terra. E isso não ocorre apenas porque eles
se consideram parte desta Terra, parte da natureza; sua relação é mais
profunda, pois baseia-se em valores fundamentais que determinam
sua existência, eles se consideram Terra, são natureza, têm os demais
seres vivos como seus ancestrais, irmãos. A percepção da vida e das
relações é diferente.
Discorrendo a respeito disso, nos questionamos sobre esses
povos que historicamente foram e são oprimidos por essa sociedade
urbano-industrial-capitalista que se posiciona como dominadora da
natureza e, portanto, civilizada. As formas como os povos originários
concebem natureza é algo que se relaciona com sua forma de viver e
que reflete em sua saúde.
Ailton Krenak (2020), líder indígena de grande relevância nacio-
nal, sobre isso, afirma que os povos originários possuem uma perspec-
tiva de compreensão da saúde como algo que é um dom e um bem
comum, uma vez que os indígenas não param para reivindicar saúde
em um lugar onde a vida é uma dádiva, onde ela é abundante.
A forma de pensar natureza desses povos se baseia em perceber
a Terra como um organismo vivo e não apenas como uma coisa. Sobre
isso, Krenak fala a respeito da experiência de vida desses povos inserida
em um conceito chamado de Bem Viver. Esse termo tem origem nos povos
quéchua e aymara, dos Andes. Krenak faz uma distinção entre os termos
bem-estar e Bem Viver que estão inseridos em diferentes lógicas de vida:

É muito diferente o fundamento de cada uma dessas


perspectivas, de Bem Viver e bem-estar. O bem-estar
está apoiado em uma ideia de que a natureza está aqui
para nós a consumirmos. Mesmo quando utilizamos a
ciência e a tecnologia, o propósito é aumentar a capaci-
dade de exaurir esse organismo. A Terra é um organismo
vivo, que ela não é uma coisa. E isso, fundamentalmente,
distingue o que é bem-estar do que é Bem Viver. O Bem
Viver não é distribuição de riqueza. Bem Viver é abun-

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

dância que a Terra proporciona como expressão mesmo


da vida. (KRENAK, 2021, p. 8-9).

O Bem Viver é a expressão de vida que percebe o ser humano


se inter-relacionando com a Terra, se conectando com outros seres
vivos que também compartilham o mesmo espaço nesta Terra mãe.
Bem viver é uma vivência, uma experiência. Os princípios básicos desse
modo de viver, associado à cultura andina, foram sistematizados por
Estermann (2012), sendo eles: princípio da relacionalidade, da cor-
respondência, da complementaridade e da reciprocidade/equilíbrio
cósmico e da ciclicidade. O princípio primal é a base das interações
de todos os sistemas vivos neste planeta, como as relações e as as-
sociações para a preservação da vida. A sociedade capitalista prega a
individualidade, o bem-estar pessoal, uma “liberdade” de ação como
se as nossas atitudes pessoais não fossem afetar todos a nossa volta.
Somos seres biológicos, societários e cíclicos, vivemos em processo de
relações constantes como todos os outros seres vivos deste planeta.
Nós interagimos e somos interdependentes, por isso o princípio da cor-
respondência ou interdependência: o que afeta um, afeta todos. Como
o Bem Viver africano, da filosofia Ubuntu1, “eu sou, porque nós somos”.
Se ampliarmos para o ambiente planetário, eu sou, porque sou Gaia, eu
existo, porque pertenço à Gaia.
Nesse modo de ser no mundo, fruto das nossas relações e
interações com os demais seres vivos, respeitamos os ciclos da vida e
por isso nos equilibramos em massa e energia com os demais em um
ritmo biológico de convivência ecológica, compreendendo a vida como
complemento da morte e a morte como complemento da vida.
Para entendermos esse paradigma de vida, faz-se necessário,
como diz o psicólogo analítico Jung (2015), fazer o retorno ao sagrado
cultuado pelas nossas sociedades ancestrais. Esse sagrado, para Jung,
é a imagem do si mesmo mencionado em sua obra:

Há tantas coisas que me repletam: as plantas, os animais,


as nuvens, o dia, a noite e o eterno presente nos homens.

1  A palavra ubuntu vem do encontro entre “ubu” (que indica tudo que está ao nosso redor, tudo que
temos em comum) e “ntu” (significa a parte essencial de tudo que existe, tudo que está sendo e se
transformando) (NOGUERA, 2012).

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Quanto mais me sinto incerto sobre mim mesmo, mais


cresce em mim o sentimento de meu parentesco com o
todo. (JUNG, 2015, p. 361).

O Bem viver pauta a educação como um processo de


conscientização ou individualização das relações, trazendo
para o consciente signos e símbolos presentes no incons-
ciente coletivo da humanidade. Nesse sentido, cresce uma
Educação Ambiental crítica para a promoção da saúde, tendo o seu
conceito de saúde ampliado. Logo a percepção pelo todo, pela nossa
existência como prolongamento do planeta, por Gaia, nos permite de-
senvolver e viver a cidadania planetária. O contexto é de um único povo
em um único planeta, por isso a necessidade de uma educação que
milite a união, que promova uma relação equilibrada e de harmonia dos
seres humanos com o ambiente, dos seres humanos com outros seres
vivos, dos seres humanos com a população humana e do ser humano
com ele mesmo. Uma educação una (One Education), que nos permita
mitigar as desigualdades e fortalecer a cooperação e a solidariedade
(MELLO-SILVA; GUIMARÃES, 2018).
Nesse sentido, resgatamos a prática do Bem Viver em uma peda-
gogia da Terra para cidadãos terrenos com consciência da importância da
Terra, de Gaia, esse organismo vivo e dinâmico; com consciência do enten-
dimento da sua finitude e retorno a terra, solo, onde somos decompostos
dando origem a novas vidas. Esse é o ciclo da terra e do pertencimento ao
seu território, pertencimento a uma casa comum a todos os seres huma-
nos, um território, um espaço temporal de existência, onde vivenciamos a
cidadania. Como promover saúde nesse contexto do Bem Viver?
Se levarmos em consideração que o Bem Viver é equilíbrio, ter
saúde é qualidade de conviver. Para tanto essa qualidade deve ser
regida por novos paradigmas, princípios e indicadores. Ter saúde é
promover esta melhor convivência, perpassada pelos princípios da co-
letividade, organicidade, qualidade do tempo, qualidade da convivên-
cia, amorosidade, comunicação efetiva e não violenta e solidariedade.
Para promover saúde, como diz Czeresnia (2009, p. 43), é necessário

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

“fortalecer a autonomia dos sujeitos e dos grupos sociais”, os sujeitos


coletivos, em nosso caso, os seres humanos que habitam a Terra. Como
fortalecer? Por meio de uma educação crítica e emancipatória militada
por Freire para uma cidadania planetária.

Inédito-viável II: As concepções de Freire para a vivência da


cidadania planetária

De acordo com Grubba, Rodrigues e Wandersleben (2012)


podemos compreender a cidadania por meio de uma maneira objetiva
e outra subjetiva. A primeira corresponde diretamente à participação
política da sociedade e a subjetiva se faz a partir de um pertencimento
que os seres humanos sentem por meio das relações em uma comuni-
dade. A partir disso pensamos que a cidadania subjetiva pode imprimir
um senso de esperança nessas pessoas que se sentem parte de uma
comunidade, esperança essa que é tão necessária para vislumbrarmos
algum tipo de mudança.
Contemplamos nesta discussão Moacir Gadotti (1998), professor
e amigo de Paulo Freire, que definiu cidadania como “um produto da
solidariedade individual e que implica em instituições e regras justas”
(GADOTTI, 1998, p. 3). O autor nos conclama a refletir sobre outras formas
que a cidadania foi tomando de acordo com a estrutura do modelo de
sociedade capitalista. A cidadania que prevalece, até então, é a cidadania
dentro de uma concepção consumista, que se sustenta em um modelo
de competitividade.
Essa cidadania ocidental que foi construída pelos seres
humanos dentro de um modelo hegemônico e desigual, por isso
problemático, deve ser reconfigurada por nós para podermos pensar
em formas mais igualitárias de vida. A vida pode ser plena quando se
reproduz em um ambiente sadio para todos, e por meio disso, ressal-
tamos a concepção planetária de cidadania. Sobre essa concepção,
Gadotti (1998) afirma que ela é muito mais ampla que falar sobre “de-
senvolvimento sustentável”, pois trata-se de um ponto de referência

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

indissociável de uma civilização planetária e da ecologia, trata-se da


relação inseparável entre ser humano e meio ambiente.
A partir de um olhar crítico, podemos inferir que dentro dessa
relação complexa do ser humano com o ambiente, as degradações am-
bientais, que geram as desigualdades ambientais e vice-versa, ocorrem
em locais específicos, geralmente nas zonas periféricas de alguma cida-
de. Em sua pesquisa, Viégas (2006) examinou casos de áreas periféricas
no Rio de Janeiro que foram propositalmente escolhidas para terem
seu território servindo a empreendimentos ambientalmente nocivos.
Os municípios de Itaguaí, Santa Cruz e Nova Iguaçu se apresentaram
como áreas de concentração de práticas predatórias e agressivas com
o ambiente. Para conceituar regiões nessa situação, cunhou-se o termo
“zonas de sacrifício”, o qual Viégas (2006) esclarece ter surgido por meio
de movimentos de Justiça Ambiental nos Estados Unidos.
A perspectiva de Paulo Freire sobre a relação ser humano-na-
tureza problematiza e questiona essa desigualdade, como vemos no
seguinte questionamento colocado por Freire: “Por que não há lixões
no coração dos bairros ricos e mesmo puramente remediados dos
centros urbanos?” (FREIRE, 2017, p. 32).
O processo de compreender que se está inserido em um siste-
ma opressor não é simples. Dentro do conceito de cidadania planetária:

A cidadania planetária diz respeito ao cidadão que é crítico


e consciente porque compreende, preocupa-se, reclama
e exige a possibilidade de viver uma vida digna e exige
os seus direitos ambientais ao setor social apropriado.
(GRUBBA; RODRIGUES; WANDERSLEBEN, 2012, p.5).

Diante de tantas problemáticas dentro da realidade vivida pelas


pessoas que estão em situação de vulnerabilidade socioambiental, nos
perguntamos: como essas pessoas podem se dar conta disso? Como
podem se opor ao sistema que lhes oprime, e subverter a ordem que
está sendo imposta às suas vidas? Amparando-nos nos ensinamentos
freirianos, vemos a possibilidade de transgressão dessas populações a
partir de sua própria libertação. Freire (1987) coloca que para que essa

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

transformação ocorra é preciso uma educação de caráter libertário e


que seria ingenuidade nossa esperar das elites opressoras que pensem
nesse tipo de educação para os trabalhadores.
A educação de caráter libertário, a qual Freire se refere, deve
superar a concepção bancária da educação que se faz de forma a
compreender os educandos como meros depósitos de conteúdos e
receptores de uma pedagogia que não busca problematizar e ques-
tionar o sistema vigente, sendo apenas formadora de sujeitos passivos
dentro do modelo educacional (FREIRE, 1987).
Diante do exposto, nos questionamos: como se aprende ci-
dadania na escola? Como pensar na educação para uma cidadania
planetária? Para isso, é necessária uma nova concepção de educação
que não esteja moldada em uma lógica conteudista e reprodutivista.
Além de uma educação de caráter libertário (FREIRE, 1987) pensamos
em alternativas como a ecopedagogia de Gadotti que apresenta uma
perspectiva holística e integrada da relação ser humano-natureza. Acer-
ca desta pedagogia, Gadotti declara:

A ecopedagogia não pode mais ser considerada como


uma pedagogia entre tantas pedagogias que podemos e
devemos construir. Ela só tem sentido como projeto alter-
nativo global no qual a preocupação não está apenas na
preservação da natureza (ecologia natural) ou no impacto
das sociedades humanas sobre os ambientes naturais
(ecologia social), mas num novo modelo de civilização
sustentável, do ponto de vista ecológico (ecologia integral)
que implica em uma mudança nas estruturas econômicas,
sociais e culturais. Ela está ligada, portanto, a um projeto
utópico: mudar as relações humanas, sociais e ambientais
que temos hoje. (GADOTTI, 2011, p. 30).

Precisamos de utopia para seguir com esse pensamento revolu-


cionário ao qual Freire nos propõe a refletir. É nos nutrindo por meio da
utopia que vemos o sentido de buscar formas de mudança na realidade.
Essa utopia não é uma palavra vazia, mas sim uma unidade de denúncia
de uma realidade desumanizante para dar o anúncio de uma nova rea-

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

lidade. Ela está imbricada em um compromisso histórico e recusa uma


ideologia fatalista de um futuro pré-fabricado (FREIRE, 1981).

Considerações finais

Podemos perceber que a influência do pensamento de Pau-


lo Freire é fundamental para a constituição de uma visão de mundo
histórica, que compreende o ser humano como sujeito do processo
histórico. Nesse sentido, sua compreensão nos permite ampliar uma
visão de meio ambiente que se situa, a partir de uma visão de natureza
como um dado externo ao processo histórico.
Assim, com base nas discussões de autores do campo da Edu-
cação Ambiental, podemos identificar a percepção e a reivindicação de
diversos autores de uma concepção de natureza inserida no processo
histórico. Dessa forma, na compreensão de que as relações entre socie-
dades e naturezas se dão no contexto de uma relação mediada por su-
jeitos que realizam o processo histórico, vemos a urgência de se pensar a
educação Ambiental na perspectiva de Freire, que podemos considerar
como crítica, pois desloca a Educação Ambiental de uma visão na qual
bastariam acréscimos de conteúdos acerca da temática ambiental ou
em saúde, passando a inserir a discussão de que os indivíduos são os
sujeitos mesmos da produção das relações entre humanos e natureza,
nesse sentido essa relação é histórica, crítica e socialmente elaborada.
Aqui também é importante destacar que a perspectiva de cisão
de mundo apontada por Freire nos permite a visualização de uma asso-
ciação metabólica e historicamente situada, permitindo-nos identificar a
indissociabilidade entre seres humanos e natureza, assim, nessa leitura
do mundo que nos possibilita inéditos-viáveis diante de situações-limite,
o que temos é uma ampliação do olhar do que Freire chamaria de Ser
Mais, tornando-nos mais capazes de elaborar nossas relações com o
meio ambiente e não tomá-las como dadas e definitivas.
Freire, nesse aspecto, também abre caminhos para fundamen-
tar teoricamente uma Educação Ambiental social e cientificamente

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

referenciada, entendendo a ciência como um conjunto de saberes e


práticas humanas capazes de permitir a leitura do mundo e a inter-
venção no mundo em prol da dignidade humana, comprometida com
a superação das opressões e injustiças. Essa perspectiva humanista,
comprometida com o real é, antes de tudo, um compromisso com o
“que fazer” do próprio tempo e da própria história. É assumir o tempo,
pisando nas linhas das histórias nas palmas de nossas mãos.

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Acesso em: 03 maio 2021.

46
CAPÍTULO 3
CONVERGÊNCIAS TEÓRICAS E
METODOLÓGICAS ENTRE FILOSOFIA
DAS CIÊNCIAS E PAULO FREIRE PARA
EDUCAÇÃO EM SAÚDE

Telma Temoteo dos Santos


Rosane Moreira Silva de Meirelles

Introdução

O enfrentamento de agravos da saúde tem encontrado bar-


reiras (epistemológicas, teóricas e metodológicas), o que tem levado
ao desenvolvimento de ações restritas, quase que a priori, ao repasse
insípido de mensagens. Tem-se o argumento de que o aumento na
produção e difusão de informações é diretamente proporcional às me-
lhores condições de vida dos sujeitos. Por outro lado, defende-se esse
modelo de transferência de informações, questionando se os indivídu-
os considerados “sujeitos-alvo” estão preparados para perceberem e
compreenderem as mudanças radicais em seus meios, causadas por
rearranjos nos cenários sociopolíticos, educacionais, ambientais, cul-
turais e econômicos, os chamados determinantes da saúde (ALMEIDA
FILHO, 2011; BRASIL, 2007a).
Os documentos de orientação da Promoção e Educação em
Saúde são incisivos ao desvelarem a exígua preparação dos atores
sociais da saúde e da educação perante os desafios não previstos
nos programas de orientação em saúde. Na ausência de suporte ou

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

por não conhecerem as vias para reivindicar tanto a geração quanto a


implementação e avaliação de políticas públicas, esses indivíduos não
conseguem propor novos caminhos nas intervenções ditas como per-
tencentes à promoção da saúde (BRASIL, 2007a, 2007b; SILVA-SOBRI-
NHO, 2017). Ou seja, mesmo que alguns documentos se orientem para
um modelo ou outro de tomada de decisão, dependendo do contexto e
das características socioculturais deste, se torna necessário que novas
orientações sejam planificadas e implementadas localmente. Segundo
alguns autores, tais questões são oriundas de um modelo de educação
acrítica, que têm recebido crescente apoio cuja base se isenta do fazer
pensar para questionar o status quo, centrando apenas no saber fazer
(FALKENBERG et al., 2014; LEITE; PRADO; PERES, 2010; SALCI et al.,
2010). Sob outra perspectiva, mas também discutindo o tema, Demo
(2005, p. 59) alerta que dessa educação do saber fazer apenas “espe-
ra-se do trabalhador que maneje os saberes com perícia para fins de
produtividade”. É um modelo educacional submisso à produção que
condicionam os cidadãos às demandas do capital político/econômico
(MÉSZÁROS, 2008).
O problema é ainda maior quando há a transferência desse
pensamento ultra especializado para a educação básica, na qual, atu-
almente, a formação técnica está avançando e expulsando o ensino
plural que abarca as questões históricas de temas como a saúde, por
exemplo. Contraditoriamente, o mundo contemporâneo tem exigido
mais dessa “mão de obra”: indivíduos que apresentem destreza com as
tecnologias; que apresentem propostas de soluções para problemá-
ticas integradas/locais/globais; que saibam seguir padrões, mas que
pensem para “fora da caixinha”; indivíduos com aspirações científicas,
críticos e solidários (CHASSOT, 2016; EVANGELISTA, 2004; FOGAÇA;
SALM, 2006; ZARIAS; ZANCAN, 2000).
Dessa forma, quem não apresenta o mínimo desse know-how
passa a fazer parte de uma parcela considerável de “excluídos sociais”. A
educação é posta como mecanismo de ascensão sociocultural (ressalva,
porque nem todas as multiculturalidades e facetas da “educação” são
aceitas), e o que não está determinado, selecionado e posto em um

48
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

determinado recorte temporal-histórico é segregado, assim como os


indivíduos que dele fazem parte. Ávidos para promover soluções, novas
áreas de ensino, cursos, currículos, livros e afins emergiram, ensejando
desses instrumentos respostas que atendam a sustentabilidade, de-
senvolvimento e responsabilidade, uma tríade, segundo alguns autores,
longe de ser alcançada (CACHAPUZ et al., 2005; DELIZOICOV; ANGOTTI;
PERNAMBUCO, 2018; FERREIRA, 2006; KRASILCHIK, 2000, 1988, 1987).
E qual seria o tipo de educação científica adequada para as demandas
deste século XXI, já imerso em uma pandemia da covid-19 e com outras
problemáticas sociais, ambientais e de saúde ainda para resolver?
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996,
p .1) apresenta a educação como uma atividade multiplural que se
“desenvolve na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organiza-
ções da sociedade civil e nas manifestações culturais”. A escola, um
desses meios, estabelece critérios e objetivos, e, portanto, gestou o
ensino como instrumento apresentado nessa mesma lei como “ação
intencional” (BRASIL, 1996; CARVALHO, 1998). Tozoni-Reis (2010) cha-
ma atenção sobre essa intencionalidade, retomando as obras de Marx
(1993) e Saviani (2005, 2008) que, embora de caráter biológico, só se
torna humano e adquire competências para “compreender as leis da
natureza e da cultura [das sociedades]” por meio das interações so-
ciais. É o próprio ser humano, enquanto sujeito histórico, que se ocupa
dessa intencionalidade inerente à formação individual e coletiva. Ou
seja, consiste em um processo histórico-social-cultural que homens,
humanidade e realidade se constroem e ressignificam-se mutuamente.
Por isso requisita da escola mais do que a transferência sistemática
do conhecimento organizado da cultura, requisita que seja capaz de
“[...] produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a
humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto
dos homens” (SAVIANI, 2005, p. 13).
Uma educação libertadora pode levar à formação de sujeitos
que pensem por si, participem de processos decisórios, intervenham
no seu cotidiano, compreendam as orientações oriundas de programas

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

governamentais, mas as questionem quando teorias e práticas entram


em conflito com as demandas do seu meio (DEMO, 2005). Esse tipo
de educação converge com a perspectiva antropológica na qual “o ser
humano é capaz de transcender a si próprio e o mundo em que vive”,
desvalidando a concepção de adestramento com fins de adaptá-lo à
vida social (KUIAVA, 2009, p. 58).
Resgatando a discussão inicial, quais saberes deveriam compor as
áreas entendidas como as “prioritárias” tendo em vista que o ensino é uma
ação intencional? É possível uma educação pela qual os sujeitos consigam
pensar por si mesmos e (re)criar instrumentos para intervir em seu meio?
Ou por meio do ensino são modulados apenas repetidores de destrezas,
competências e habilidades? E o mais importante: quais forças epistemo-
lógicas influem sobre o ensino e a formação dos sujeitos? A concepção
humana sobre o que é ciência é o “fio da meada” que iremos puxar para
estabelecer uma linha de raciocínio perante tantas questões. Sabe-se que
a visão dos professores sobre as ciências influi nas suas práticas e inva-
riavelmente na instrumentalização dos sujeitos: ou como protagonistas
do processo de ensino-aprendizagem ou como meros reprodutores de
métodos já consolidados (LORENZON; BARCELLOS; SILVA, 2015).
Certamente encontramos autores que denunciam a Ciência, sob
a ótica foucaultiana, como instrumento de poder e de coerção social
que (des)legitima discursos, e como produto de um grupo elitista que
reproduz segregações sociais muitas das quais denunciadas pela pró-
pria academia, há também aqueles que a patrocinam como “trunfo” para
expansão socioeconômica e tecnológica garantindo a competitividade
das nações e acúmulo de capital (CHALMERS, 1997; CHASSOT, 2015;
FOUCAULT, 2014; HARVEY, 2014; LEVISON, 2010; PETRAGLIA, 2000).
Boaventura de Souza Santos na obra Um discurso sobre as
ciências afirma que a ciência não será capaz de prover respostas em
conformidade com os desafios contemporâneos tampouco diminuir “o
fosso crescente na nossa sociedade entre o que se é e o que se aparenta
ser” (SANTOS, 2008, p. 16). Um dos pontos que sustenta essa crítica é o
fato dela ser apresentada como neutra e metodológica, desmerecendo
o senso comum, como se não fosse das ações humanas que emergisse

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

o conhecimento científico (OLIVEIRA, 2008; RIBEIRO; ZANATTA; NA-


GASHIMA, 2018).
A história das ciências explica essa clássica divisão: quando
se consolidou a aceitação das Ciências Naturais como fornecedoras
de respostas para várias questões anteriormente tidas como enigmas,
essas foram postas acima das demais áreas insurgindo, então, como o
arquétipo dominante sobre o que viria a ser “científico”. Ao contrário das
Ciências Naturais, cujos dados emergem a partir de métodos racionais,
hipotético-dedutivos e positivistas, as Ciências Sociais e o senso comum
não são quantitativos, desprendem-se da realidade não sendo possível
estabelecer um “consenso” universal e uma transposição da teoria ela-
borada para diferentes contextos em razão da própria natureza, vista
que cada objeto e realidades são singulares assim como os sujeitos
nele inscritos (GEWANDSZNAJDER, 2010; SANTOS, 2008, 2003).
Deste modo, elegemos os autores Paul Feyerabend (Contra o
Método; A Ciência em uma Sociedade Livre), Thomas Kuhn (A Estrutura
das Revoluções Científicas; O Caminho desde a Estrutura) e Paulo Freire
(Pedagogia da Autonomia; Conscientização: teoria e prática da liberta-
ção; Educação como Prática da Liberdade), a fim de fundamentar as
discussões levantadas. A análise das obras e o diálogo com outros
autores das áreas de Ensino de Ciências, Educação em Saúde e Filo-
sofia, objetivaram encontrar possíveis articulações e convergências de
pensamentos na condução da emancipação dos sujeitos no processo
de produção de conhecimento e participação ativa na compreensão
dos elementos que constituem a sociedade. Escolhemos o método da
revisão narrativa por se adequar aos objetivos deste trabalho em razão
que possibilite conhecer o estado da arte dos campos em análise ao
mesmo tempo que permite aos pesquisadores inserirem suas percep-
ções na interpretação dos dados (ROTHER, 2007).
Em defesa da Filosofia como área que contribuiu no Ensino de
Ciências, Kuiava aponta que:

Não é tarefa da filosofia da educação fornecer instrumentos,


técnicas e métodos para a formação do homem e a constru-

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

ção da sociedade ideal. Ela investiga o que significa formar


um ser humano. [...] ela procura compreender a educação na
sua integridade. (KUIAVA, 2009, p.52, destaques e adapta-
ções nossas).

Em adição, é necessário revisitar Paulo Freire tendo em vista


que durante a sua vida acadêmica militou a favor dos saberes comuns/
populares para que esses deixassem de ser desabonados e inferiori-
zados. Introduziu a educação popular no campo da alfabetização de
jovens e adultos cujos preceitos epistemológicos, fundamentados na
defesa do diálogo permanente, foram apreendidos por diversos cam-
pos metodológicos do ensino e da educação (CARVALHO; PIO, 2017;
LORENZON; BARCELLOS; SILVA, 2015; SANTIAGO; NETO, 2016).
Propomos a realização de analogias entre alguns pontos da
educação popular freiriana e as revoluções metodológicas ocorridas
no Ensino de Ciências por meio da Filosofia. Partimos do pressuposto
que tais discussões podem ser transpostas para o campo da Educação
em Saúde, já que a implementação de suas diretrizes é intrínseca às
ações de percepção e construção de cidadania. E, para responder às
questões levantadas até aqui, no tópico seguinte realizamos uma breve
digressão cujas reflexões se desdobram ao longo desse artigo: como o
saber científico tentou subjugar e excluir o senso comum e encontrou
adeptos e refratários a essa ideia.

O senso comum e o saber científico sob o olhar da


Filosofia das Ciências

Francis Bacon, considerado o pai do método científico, publicou


uma série de compêndios que determinavam os procedimentos para
“definir certa metodologia universal a-histórica da ciência que espe-
cifique os padrões em relação aos quais se deve julgar as supostas
ciências” (CHALMERS, 1997, p. 23). A partir de então, passou-se a ter
um modelo global para a ciência, cujos métodos renegou outras áreas,
concebendo-o como totalitário, fundamentado no “determinismo me-

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

canicista”, sendo, desse modo, o único argumento válido para explicar


os processos naturais (CHALMERS, 1997; SANTOS, 2008).
E então as controvérsias foram emergindo uma vez que os filóso-
fos buscaram novos modos de tentar formar um campo epistemológico.
As ideias de Karl Popper circunscreveram uma compreensão inédita e
apresentaram dois pontos importantes: primeiro que a ciência não é um
campo irrefutável (defesa da “falseabilidade”), ou melhor, para uma teo-
ria pertencer ao campo “científico”, precisa estar sujeita a contestações,
diferente do que acontece com os dogmas; segundo que os conheci-
mentos não submetidos ao racionalismo empírico não seriam refutados,
mas observados a partir de novas fronteiras de demarcação dos campos
(POPPER, 1972, 1980).
Em contraste, Thomas Kuhn denominou as revoluções científi-
cas como períodos de transição entre uma tese e outra, porém como
eventos raros, tendo em vista que haveria substituição de ideias, im-
possibilitando, assim, do ponto de vista dele, concordar com a ideia da
“falseabilidade” de Popper, em que seria fácil refutar um conhecimento
científico. Porque quando essas revoluções ocorrem, paradigmas são
quebrados, e não é apenas uma teoria que pode ser mudada, mas até
mesmo os padrões de similaridade usados na compararão de objetos
e fenômenos. Mesmo que um conjunto de regras (métodos) tenha
importância incontestável, esses não devem, “por si só, determinar
um conjunto específico de semelhantes crenças”, pois a ciência não
é um campo neutro, incólume aos locais e indivíduos que a produzem
(KUHN, 1970, p. 66).
Logo, segundo esse raciocínio, como os pontos de vista e seus
interlocutores são incomensuráveis, recorre-se também a elementos
de outras áreas abarcadas das Ciências Sociais, da Psicologia e da
Sociologia no esforço de validar ou vice-versa uma teoria e, com isso,
gerar novos padrões de similaridade para entender os fenômenos.
A partir da sustentação da incomensurabilidade, Kuhn defendeu o
relativismo epistemológico e pluralismo metodológico (KUHN,1970;
GERMANO, 2011).

53
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Consoante Lorenzon, Barcellos e Silva (2015, p. 72), ficou clara


a dicotomia entre aqueles que justificavam “a ciência como forma
privilegiada e a única maneira que deveríamos ler o mundo” e os que
ponderavam que também haveria outros modos de “produção e vali-
dação, a igualando com o conhecimento popular ou conhecimento reli-
gioso”. Santos (2008) denominou como “crise no paradigma dominante”
as fronteiras impostas entre teoria, prática e contexto que não eram
suficientes para continuarem promovendo avanços na compreensão
sobre as ciências.

A ciência anárquica de Paul Feyerabend

É vital introduzir aqui o pensamento do filósofo Paul Karl Feye-


rabend (1977, 2011) sobre o conceito de “ciência anárquica”, contrapon-
do o método científico como um dogma e a indução por falseamento
sendo favorável à ideia de uma irracionalidade científica.
Em sua obra intitulada Contra o Método, defende a tese de que
o método científico dificulta a contextualização histórica na produção
da ciência, e que fazer ciência só é possível a partir da perspectiva do
“vale tudo”. Assinala que avanços no conhecimento são obtidos porque
em algum momento o “método não é seguido à risca”, adotando o que
ele denomina de “procedimentos anárquicos” (FEYERABEND,1977;
GERMANO, 2011; OLIVEIRA, 2011).
Sua crítica se estende para a concepção de progresso. Para
alguns, progresso é uma “transição” de uma forma de conhecimento
mais “simples” para outra mais “estruturada”, porém, para ele, progres-
so é o ofício científico na direção de “unificação” das mais diversas
formas de conhecimento. Feyerabend (1977) aponta que o modo como
a história das ciências e o método científico são apresentados conduz
a consolidação de três tipos de percepções de ciências, no pensamen-
to dos sujeitos: “ciência insípida, ciência objetiva e ciência uniforme”,
cujas explicações para os fenômenos seguem trilhas lineares, do mais

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

simples para o mais complexo, levando os indivíduos a formarem um


conceito fechado e finito sobre os seus objetos.
O cerne das críticas levantadas por Feyerabend (1977) era a
enunciação de uma ciência realizada por indivíduos, mas cujos méto-
dos não se impregnavam com “digitais humanas”, na qual o produto da
ciência estaria separado de quem a pratica, separado da sua ontologia
e da sua práxis, ou seja, uma ideia platônica de ciências (GERMANO,
2011; OLIVEIRA, 2011). Semelhante a contestação de Habermas (1982,
1983) sobre o olhar que muitos lançam sobre a ciência como um campo
que consegue separar a erudição acadêmica dos interesses de quem a
pratica ou, ainda, um conceito de ciência “despida de pressupostos”; e
a preponderância do instrumental que desassocia ser humano/técnica,
dados/subjetividades, abnegando a emoção e a naturalidade humanas
(GERMANO, 2011; LIBÂNEO, 2005).
De acordo com Feyerabend, tais considerações sobre essas
formas de ciências são reforçadas, pois alguns consideram que:

[...] a religião da pessoa, por exemplo, ou sua metafísica ou


seu senso de humor (seu senso de humor natural e não a
jocosidade postiça e sempre desagradável que encontra-
mos em profissões especializadas) devem manter-se intei-
ramente à parte de sua atividade científica. Sua imaginação
vê-se restringida e até sua linguagem deixa de ser própria.
E isso penetra a natureza dos ‘fatos’ científicos, que passam
a ser vistos como independentes de opinião, de crença ou
de formação cultural. (FEYERABEND, 1977, p. 21).

Não obstante, a sua crítica mais incisiva se faz sobre as deli-


mitações rígidas e imutáveis que o método científico impõe sobre um
dado em detrimento do pensamento histórico e subjetivo de todos os
elementos que o envolve. Aliás, é em defesa das subjetividades na
ciência que Feyerabend é mais próximo com o pensamento kuhniano
sobre a “incomensurabilidade de argumentos contrários” apresentando
desconfiança com as ideias de Lakatos e Popper (KUHN, 2017). Feye-
rabend (1977), assim como Kuhn (1970), alega que tanto na execução
como no processo de convencimento dos sujeitos, a ciência não é feita

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

só de razão: quando a argumentação falha ou não é suficiente, pode-se


recorrer a elementos constituintes da realidade de quem está produ-
zindo ciência; compara o “racionalista convicto” com um “adestrado”
que apesar de ter consciência que deve fazer diferente, não o faz.
O que também é defendido por Demo (2005), segundo o qual
“o bom senso implica capacidade de avaliar situações complexas e
delas obter saída adequada, a melhor do momento”. Igualmente, se faz
pertinente em vista da necessidade de “compreender a realidade que
se vive para, depois, poder agir, transformar um mundo mais humano e,
acima de tudo, adotar uma postura ética diante de tudo o que acontece
na sociedade” (KUIAVA, 2009, p. 54).
Todavia ao contrário do que propagam os seus críticos mais
ferozes, Feyerabend (1977) não era contra o método científico para a
produção das ciências. Ele iniciou o debate que Leal (2001) denomi-
na de “racionalidade científica contextualizada”, no qual reconhece a
importância dos métodos científicos, entretanto, rebate a submissão
inquestionável, acrítica e, por vezes, sem ética dos que praticam
ciência. Santos (2008) aponta que há de diferenciar a objetividade
do campo científico com a condescendência que o mesmo seja um
campo neutro, impermeável à comunicação com outras visões sobre
os objetos de pesquisa.
Desse modo, transpondo tais reflexões para o campo da Educa-
ção, algumas questões emergem aqui: a) Um ensino balizado em uma
ciência que privilegia apenas métodos, tal qual uma “receita de bolo”,
em detrimento da inclusão dos aspectos históricos e cognitivos, não
conduziria a currículos e práticas docentes também imutáveis, cujos
professores e estudantes ficassem limitados em propor e explorar no-
vas expectativas? b) Como possibilitar a coexistência entre a anuência
das contribuições científicas obtidas por meio desses métodos, mas
concomitantemente também preparar-se em ousar novas técnicas de
engendramento de ensino e ciência? c) Na elaboração dos conheci-
mentos escolares é possível incluir os saberes anteriores dos estudan-
tes ou, inevitavelmente, juntos com a sua cultura serão perdidos?

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Inserido nessa incursão, sobre o ponto de equilíbrio da balança,


Villani (2001, p. 176) destaca que “há os que sustentam que na aprendi-
zagem das Ciências há um lugar legítimo para escolhas e adaptações”.
Essas adaptações referidas comportam-se, nas ideias de Feyerabend
(1977), tal qual “deslizes” ou ações anárquicas sem as quais seria impos-
sível obter avanços nos mais diferentes campos de pesquisa. Se em um
dado momento os cientistas não ousassem romper algumas daquelas
regras (ação também denominada, segundo Feyerabend, como “intui-
ção”) a humanidade não usufruiria de muitos “benefícios” atuais. Há “ata-
lhos” metodológicos que podem, devem e são tomados, como explica
o autor não por incompetência de quem pratica a ciência, mas porque é
inerente ao ser humano realizar escolhas diferentes das que lhe são ofe-
recidas e adaptar-se a múltiplas situações, concebendo que ele chama
de “pluralismo metodológico” (REGNER, 1996; SANTOS, 2008).

Paulo Freire contra a hegemonia de pensamentos e em


defesa da educação libertadora

Foi movido contra essa desassociação entre ser humano/contex-


to e patrocínio do adestramento intelectual que Paulo Freire (1967, 1979,
1996) atuou na prática em prol de uma educação politizada pela qual os
indivíduos compreendessem os mecanismos que regem as ações na
sociedade, contrapondo a formação das “massas de manobra”. Por conse-
guinte, Paulo Freire interroga a forma como a educação foi estruturada e
é ofertada aos sujeitos com a finalidade de transformar essa “organização
do poder burguês que está aí, para que se possa fazer escola de outro
jeito” (FREIRE, 1999, p. 19).
É indubitável que os processos educativos e de pesquisa são
ordenados por uma parcela hegemônica da sociedade cujos núcleos
de sentido fortalecem níveis hierárquicos bem demarcados. No vértice
dessa pirâmide social situam-se indivíduos que condicionam formas
únicas de pensar, pois renegam que possam coexistir produções cul-
turais diversas por considerarem outras formas de pensamento como

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

“aculturadas”. Sobre a questão política da educação, Hoffman, Rocha e


Rodrigues (2014, p. 11) são incisivos ao declararem que:

[...] em Freire, o ato pedagógico, democrático por nature-


za, deve contrapor-se à lógica do controle, ao determinis-
mo neoliberal, em vista da realização de uma educação
de subjetividade democrática, capaz de compreender e
expor que a desigualdade não é natural, a fazer valer que
a globalização de cunho neoliberal não é uma realidade
definitiva e/ou categoria histórica.

Aqui surge alguns pontos convergentes entre Feyerabend e


Freire: ambos defendem um ensino em prol da liberdade, que, segundo
Freire, faz-se imperativo “[...] uma educação que tentasse a passagem
da transitividade ingênua à transitividade crítica” (FREIRE, 1967, p. 86). E
essa criticidade é favorecida quando, do ponto de vista de Feyerabend
(1977), o sujeito parte de vários “pressupostos alternativos”, criando
conjunturas, objetivando uma melhor compreensão do todo, tendo em
conta que fazer ciência necessita abarcar o que ele chama de “padrão
externo”. Pondera que os problemas carecem de ser analisados onde
são gerados, a partir de princípios particulares e não sob a ótica inter-
nalista, própria do campo. O que leva a requisição de educadores e de
educandos propensos a criar, “[...] instigadores, inquietos, rigorosamente
curiosos, humildes e persistentes” (FREIRE, 1996, p. 13).
Entendemos aqui como pressupostos alternativos os diferentes
pontos de vista e as leituras de mundo subjetivas dos sujeitos e de seus
grupos sociais em diversas situações interativas. Isso porque apesar de
partilharem algumas semelhanças metodológicas, cada recorte do pro-
cesso de ensino e discussão de temas transdisciplinares guardam em si
subjetividades que não são possíveis de ser repetidas, como preconiza um
método fechado em si. Seria então como um “labirinto de interações” a
fim de designar os emaranhados que constituem o percurso que agrega
história, autonomia e senso crítico, inaugurando formas de fazer ciência
(FEYERABEND, 1977).
Por isso, Freire (1967, 1999) questionava receitas, fórmulas
mágicas, sendo avesso a divulgar um “método Paulo Freire”, pois seria
incompatível com a educação libertadora, pois o princípio da liberdade

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

já apregoa que se pense a partir de cada educando/grupo social e não


para ele(s), sem dissociá-lo(s) da concepção da prática.
Assim, com o intuito de captar o externo, quem se predispõe a
“fazer e/ou ensinar a fazer ciência”, ao se debruçar sobre um tema, deve
anuir que “a ordem que funciona é aquela que compreendo melhor,
porque, está dentro da minha lógica” (DEMO, 2005, p. 36). Ou seja, cada
sujeito lança mão de suas vivências e percepções já estruturadas quan-
do é desafiado a compreender um novo tema; desconsiderar a lógica
interna de cada indivíduo participante é dissociar a prática da própria
essência humana.
É uma provocação antagônica, tanto que Freire (1996, p. 13)
denota que o ato de “ensinar exige uma rigorosidade metódica”, aler-
tando que esse rigor não se encerra no objeto e, por isso, devem existir
mecanismos que conduzam os sujeitos autônomos a reflexões sobre
os estados estruturantes dos mesmos.
Demo (2005, p. 14) esclarece autonomia como um “fenômeno
social”, já que ao mesmo tempo que ela é ensinada, o sujeito, ao se
tornar autônomo, deve “saber dispensar ajuda”. Por isso, para ele, a
aprendizagem não é meramente um ato acadêmico, mas é constituída
por dois tipos de fenômenos: o construtivo e o político. O fenômeno
construtivo é aquele oriundo da área acadêmica gestado de várias
áreas de investigação, já o político é a interseção dos campos socio-
culturais, históricos e ambientais em que estão inseridos e produzidos.
Assim, defendemos que a instauração de “pressupostos alter-
nativos e pluralismo metodológico” na educação dificulta a diferencia-
ção, em uma prática de ensino, entre os saberes prévios dos sujeitos
(os ditos comuns) e aqueles institucionalizados dado que estariam
agregados de forma amálgama, não sendo possível dissociá-los (como
sustentado por Feyerabend (1977), um ato de “unificação” das ciências).

59
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Educação em Saúde e os pressupostos da Filosofia das


Ciências e Freire

Com a preponderância do discurso biomédico o conceito de saúde


foi sendo estruturado como ausência de doença, e como aponta Foucault
(1996), conceituar determina não apenas a existência de algo, como dita a
linguagem e os comportamentos sobre esse. Em vista disso, uma série de
instrumentos como dados estatísticos, exames, diagnósticos foram e são
aprimorados para designar se um indivíduo pode ou não ser considerado
saudável dentro da perspectiva única de um corpo biológico normal ver-
sus patológico. E essa máxima guiou a estruturação de muitas áreas e de
seus respectivos atores sociais, sendo suficiente, em uma visão restrita,
na instauração da saúde, o “combate” de doenças. Essa conceituação da
saúde veio da submissão ao campo científico dominante cujos preceitos
e metodologias foram capazes de delimitar, classificar e propor formas de
expulsar a doença do corpo biológico (BATISTELLA, 2007; CANGUILHEM,
1982; FOUCAULT, 1994; HEGENBERG, 1988).
Consequentemente, a escola da educação básica foi “conta-
minada” por esse viés reducionista da saúde, para o qual o enfoque
está nas doenças, enquanto abrevia as discussões na Biologia e nas
Ciências em geral que não estão dando conta de fornecer resposta
dada a complexidade dos determinantes da saúde. Tal viés conduz a
práticas educativas que insistem em reproduzir métodos transporta-
dos dos laboratórios de pesquisa (e mal adaptados) que deixam de
perceber as peculiaridades e sentidos das salas de aula. As intuições,
as percepções, o olhar para o novo deixam de existir porque, segundo
essa lógica, não estão alinhados com o desenho do currículo, dos livros
didáticos, da visão dos professores e pesquisadores; estão enraizadas
no campo da saúde pública, nos cursos de formação inicial e conti-
nuada, estendendo-se para as práticas educativas cotidianas. Como é
uma prática cerceada em um único campo de conhecimento ocupado
da transferência (educação bancária) e condicionante de comporta-
mentos, não há espaço para uma ação crítica, inovadora. As amarras de
uma educação com essas características impedem que os indivíduos

60
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

percebam que reproduzir ações do início do século XX não atendem às


novas demandas.
Em parte, talvez seja porque ainda é válida a máxima de Clive
Granger, economista, que destilou: “correlação não implica necessa-
riamente em causalidade” (BUCHANAN, 2012, p. 1), o que é facilmente
constatado quando se analisa ensinar a repetir métodos, disseminar
informações para serem seguidas à risca, reformular currículos; facilitar
o acesso às tecnologias não necessariamente aumenta o nível de com-
preensão sobre as ciências e seus elementos constituintes. E, dentre os
mais diversos fatores, apontamos a supressão de uma educação que
as contextualizasse e a desumanização de quem faz ciência. Os sujei-
tos envolvidos não percebem as questões críticas para além dos dados
apresentados porque recebem uma educação que os capacitem para
o exercício da criticidade, da coragem e do debate; suas percepções
são modeladas para “caberem” em uma caixinha de métodos validados
pela escola e essa, pela academia.
Na contramão, Hoffman, Rodrigues e Rocha (2014, p. 12) refletem
apontando que “a educação, para ser libertadora, precisa construir entre
educadores e educandos uma verdadeira consciência histórica”. Essa
consciência é demarcada com a emancipação do pensamento que
impacta diretamente na ação individual e coletiva re(interpretando), re(e-
laborando) sentidos e significados. É adversária da educação bancária
que se apoia no tecnicismo científico para transferência de conhecimen-
tos (FREIRE, 1979). É crucial que os métodos e recursos oferecidos aos
estudantes impulsionem suas características inatas de questionar, veri-
ficar, comparar e buscar soluções confiando nas interpretações, ora já
traduzidas como intuições insurgidas nessas reflexões, ou seja, adotem
o pluralismo metodológico (GIERE, 1991; MILLAR et al., 1994).
Em vista do debatido nos tópicos anteriores, chegamos ao
ponto primordial do nosso trabalho: não basta mais demarcar fronteiras
entre conceitos/terminologias de Educação em Saúde ou para saú-
de. Há extensas publicações no sentido de identificar as percepções
dos atores sociais sobre saúde e doenças, análise de livros didáticos,
proposição de medidas de intervenção (ASSIS; PIMENTA; SHALL, 2013;

61
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

GAZZINELLE et al., 2005; GOMES; MERHY, 2014; IERVOLINO; PELICIONI,


2005; MOHR, 1995, 2000; PRALON, 2011). Porém, cabe nesse momento,
pensar na conceituação teórica metodológica que consiga transpor
práticas verticalizadas para ações construtivas, em rede, integradas.
Mas, para isso, é necessário embrenhar-se nas raízes filosóficas que
fundamentaram o pensamento médico ao mesmo tempo que surgiram
as primeiras incursões da escola nos debates sobre doenças e saúde.
Como resolver? Descartando o novo porque não se adequa às
hipóteses já testadas ou incluir uma pluralidade metodológica? A reali-
dade, em sua complexidade de estrutura, muitas vezes, não se adequa
às teorias vigentes. Como reagir? Estamos e/ou fomos preparados para
situações em que são necessárias novas teorizações acerca dos temas
que analisamos ou enfrentamos? Um tipo de Educação em Saúde
engessada, cujos atores sociais não conseguem visualizar os padrões
de similaridade, por exemplo, com a Educação Ambiental, compor-
tando-se como se falassem de coisas distais e não complementares
e intrincadas, pode ser de fato efetiva na produção de mudanças na
qualidade de vida?
Podemos assinalar esses e outros problemas como “anomalias”
e os seus consequentes acúmulos apontam que seria necessária mu-
dança de paradigmas, uma revolução científica, e [...]

Quando isto ocorre – isto é, quando os membros da


profissão não podem mais esquivar--se das anomalias
que subvertem a tradição existente da prática científica
– então começamos investigações extraordinárias que
finalmente conduzem a profissão a um novo conjunto de
compromissos, a uma nova base para a prática da ciência.
(KUHN, 1970, p. 25).

Esse é um ponto a ser desnovelado: a Educação em Saúde


precisa de uma nova base, revolucionária, no sentido de adequar o
ensino as novas conjunturas sociais nas quais sejam produzidos sujei-
tos que consigam visualizar os saberes de forma diferente, acima do
que lhes é apresentado, e estabeleçam relações sociais sólidas e não
apenas contemplativas.

62
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Considerações finais

Mesmo que seja considerada um espaço multiplural de pro-


dução de conhecimentos, historicamente a escola tem fortalecido o
seu papel de adestradora de pensamentos e ideias em conformidade
a demandas que ditam a sua organização. Entretanto ela também se
constitui em um espaço que, diferente das fábricas de produção em
massa, tem possibilidade de receber e elaborar discursos diversos,
recriar cultura, dar sentido e orientação para saberes fragmentados
que são produzidos pelos ruídos nas comunicações. Mas para isso é
necessário repensar se as ações instituídas dentro da escola não são
apenas reproduções de saberes já consolidados.
Em suma, Freire da Pedagogia Popular e autores da Filosofia das
Ciências que inauguraram o viés de revolução de pensamento científico
concordam que nas circunstâncias que os indivíduos ousaram quebrar
regras na forma de fazer ciência/ensino/educação ou para entender os
fenômenos do seu meio, conceberam modos mais adequados ao seu
contexto para trazer soluções. É um trabalho com destino à liberdade de
pensamento que reconhece que a estrutura das ciências é de grande con-
tribuição para o desenvolvimento da humanidade, mas que essa estrutura
não deve inibir posturas de inovação e adequações ao meio/contexto.
Trazer a anarquia de Feyerabend às revoluções científicas de
Kuhn e aos novos paradigmas, com a pedagogia da autonomia de
Freire, pode orientar novas formas epistemológicas e práticas para os
campos da educação, estendendo-se para Educação em Saúde, e, as-
sim, ser possível que os seus referenciais sejam observados nos modos
de vida pautados no respeito, no diálogo, na conservação das histórias
de vida e na autonomia e empoderamento dos sujeitos.

63
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

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68
CAPÍTULO 4
DIÁLOGOS ENTRE FREIRE E HABERMAS
NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO E
PROMOÇÃO DA SAÚDE

Lauriane Martins Santana


Sheila Soares de Assis
Tania Cremonini de Araújo-Jorge

Introdução

A sinergia entre as perspectivas teóricas de Paulo Freire e Jür-


gen Habermas contribui com importantes reflexões para o campo das
relações interpessoais, pois os autores abordam em suas discussões a
importância do diálogo nas interações humanas. É por meio do diálogo
que nos expressamos e nos comunicamos com o mundo por intermédio
da linguagem. Além disso, evidencia-se a aproximação entre suas teorias
no que diz respeito às análises críticas sobre as relações de poder.
Paulo Freire é consagrado mundialmente pelas suas contribui-
ções à educação brasileira, em especial à educação de jovens e adul-
tos baseada em abordagem própria. No Brasil, o seu reconhecimento
repercutiu na concessão, em 2012, do título de Patrono da Educação
Brasileira e seu legado transcende esse campo, pois traz grandes
reflexões para diversas áreas do conhecimento, tais como Ciências
Sociais, Humanas e da Saúde. Freire sempre ressaltou o diálogo como
elemento fundante das relações humanas, impulsionando a transfor-
mação dos indivíduos nos processos de conscientização, autonomia e
emancipação cidadã. Além disso, reverberam em diferentes campos

69
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

as suas contribuições no campo da Educação Popular, configurada por


meio do incentivo à mobilização e conscientização das massas (COSTA,
2017; FREIRE, 2006).
A obra freiriana traz profundas reflexões acerca das desigualda-
des e injustiças sociais presentes entre os povos explorados em países
da América Latina, África e Ásia. Seus constructos teóricos-metodo-
lógicos estão pautados na forma pela qual se constituem as relações
no sistema capitalista, com destaque para as relações de dominação,
exploração e subjugação e as possibilidades de ações transformadoras
dessa realidade social e histórica. Paulo Freire defendia os excluídos
e as minorias, apostava na conscientização por meio do processo de
ação-reflexão-ação que possibilitaria a recuperação da humanidade
na relação dialética entre oprimidos e opressores, pois, quando os
oprimidos libertam si mesmos, libertam seus opressores (CARDOZO et
al., 2019; FREIRE, 1987).
Jürgen Habermas, filósofo e sociólogo alemão, é um dos repre-
sentantes da escola de Frankfurt, fundada em 1923 e filiada ao Instituto
de Pesquisas Sociais da Universidade de Frankfurt. Considerado repre-
sentante da segunda geração dessa escola, elaborou seus pressupostos
teóricos com base nas discussões dos pensadores da primeira geração
e dialogou com intelectuais contemporâneos advindos das ciências
humanas, tornando-se referência na área, assim como Freire. No Brasil,
seu pensamento tem sido base para estudos nas áreas das ciências
humanas e sociais, comunicação e direito, entre outras (LIMA, 2011).
Habermas trouxe reflexões sobre a democracia, modelo político
vigente em diversos países do mundo, a fim de propor as ações comu-
nicativas como estratégias que resultem no entendimento e consensu-
alidade entre os sujeitos. Desenvolveu a Teoria da Ação Comunicativa
que estabelece o uso da linguagem como recurso comunicacional que
possibilita o entendimento e consenso comum a todos. Nesse processo,
a comunicação deve prevalecer em condições de igualdade mesmo
havendo discordâncias, até que se alcance o melhor argumento (HA-
BERMAS, 2012). O autor desenvolveu sua teoria da comunicação tendo
como pano de fundo a relação dialética do mundo da vida, que se refere

70
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

às interações entre os indivíduos, sua integração social, solidariedade e


ao reconhecimento da intersubjetividade entre os indivíduos e o sistema,
no qual impera o tecnicismo, as estruturas políticas, econômicas e jurídi-
cas detentoras de um saber instituído e centralizado (HABERMAS, 2012;
MÜHL, 2011).
Um ponto central entre os estudos de Freire e Habermas é
a consciência sobre as relações de poder. Quando estabelecemos o
princípio do diálogo, damos voz às partes envolvidas no processo. En-
tretanto existem situações em que não há esse espaço e a fala torna-se
privilégio de uma classe dominante que opera para a manutenção do
poder e, consequentemente, instaura-se uma relação de dominação. A
relação dialética entre oprimido-opressor reflete esse contexto quando
Freire aborda sua repercussão no processo de dominação e exploração
praticadas pelo opressor contra o oprimido, como as desigualdades
socioeconômicas, injustiças, miséria. Nesse sentido, a privação da fala,
habitual nessas circunstâncias, compromete a possibilidade de dar voz
ao oprimido, perpetuando a posição de poder das classes mais privi-
legiadas. Para a dissolução desse impasse, a libertação do oprimido
é a única forma possível. Por meio do processo de conscientização
proporcionado pela práxis libertadora, o oprimido se move constante-
mente para a conquista de sua libertação e liberta também o opressor
(FREIRE, 2006).
Com base na Teoria da Ação Comunicativa, Habermas (2012)
apresenta que a sociedade é composta por dois polos: o mundo da
vida, que é o espaço em que os indivíduos interagem falando e rei-
vindicando por meio da racionalidade comunicativa e, o sistema que
é representado pela economia e a pela política. O primeiro é regido
pela racionalidade comunicativa e orienta-se para a integração social, a
solidariedade e o reconhecimento da intersubjetividade entre os indiví-
duos, enquanto o segundo funciona por meio da razão instrumental que
se utiliza dos meios para atingir os fins, visto que seus representantes
(economia e política) se deslocam do mundo da vida, funcionando de
forma própria, influenciando os indivíduos. A partir disso, os indivíduos
atuam na economia através do meio dinheiro e na política pelo meio

71
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

poder. A política torna-se um sistema social no qual os indivíduos


buscam o exercício do poder e, unindo-se à economia e ao direito,
enfraquecem a potencialidade da ação comunicativa, colonizando o
mundo da vida (DURÃO, 2009).
São de suma importância as questões abordadas pelos autores,
sobretudo para o campo das Políticas Públicas de Saúde, pois contri-
buem para reflexões críticas sobre a produção do cuidado em saúde e
novas possibilidades de intervenções, ao promover o reconhecimento
da condição de existência dos sujeitos sócio-históricos inseridos em
uma realidade social. A criação de espaços dialógicos no contexto dos
serviços de saúde que promovam reflexões críticas com profissionais
e usuários potencializa o processo de conscientização, pois permitem
o desvelamento da realidade ampliando suas percepções sobre a
visão de mundo. A tomada de consciência é o primeiro passo, é olhar
o mundo, tomar conhecimento da realidade na qual se encontram.
Gradativamente o processo de conscientização constitui-se no apro-
fundamento de reflexões cada vez mais críticas que se movem para
ações de transformação da realidade.
Neste capítulo tomaremos como ponto de partida, para nossa
discussão, a relação entre as teorias dos autores Freire e Habermas,
visto que ambos ressaltam a importância da dialogicidade e comuni-
cabilidade nas interações humanas e nos processos de transformação
social. Nossos esforços aqui não residem em fazer uma explanação
sobre a Educação em Saúde, mas sim em fazer emergir os encontros
entre as obras de Freire e Habermas e propor a possível contribuição
de ambos para os caminhos vislumbrados no âmbito da Saúde, espe-
cialmente na Promoção e Educação em Saúde.

Diálogos entre Freire e Habermas

A superação da relação entre oprimido-opressor está presente


em toda obra de Paulo Freire. O autor evidencia a conexão controversa
estabelecida entre as partes, propondo uma análise aprofundada sobre a

72
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

repercussão de seus efeitos para ambas, entrelaçando a realidade social


na qual estão inseridas. A base de coexistência dessa relação consiste
na perpetuação do ciclo de exploração e dominação impetrado pelo
opressor. Contudo, o oprimido pode transformar a realidade, libertando a
si mesmo e ao opressor. Isso ocorre por meio do processo de conscien-
tização do oprimido, que passa a reconhecer sua condição de sujeição
e subjugação, e pela descoberta da razão pela qual esse mecanismo se
retroalimenta, com a compreensão da necessária entrega a uma práxis
de ação-reflexão-ação que impulsione uma libertação da ordem opres-
sora (FREIRE, 1987).
A humanização consiste na vocação dos indivíduos que são
historicamente movidos por uma busca de si e do mundo, mas é ne-
gada ao oprimido pela força das circunstâncias geradas pela opressão
culminando em uma série de injustiças, desigualdades sociais, explora-
ção e dominação. Daí decorre a desumanização, fato histórico incutido
pelo opressor por meio de uma generosidade transvestida de caridade
“interessada” ou paternalismo que lhe permite perpetuar o ciclo de in-
justiça. Seu anseio é a imersão permanente do oprimido em um estado
acrítico e de impotência (FREIRE, 1987).
A libertação possibilita a retomada da humanidade perdida pelo
oprimido e pelo opressor, devendo-se ter em mente que o primeiro pre-
cisa lutar constantemente por ela, pois a liberdade é uma conquista, já
que o segundo se coloca como seu proprietário. Refletir sobre as causas
da opressão e dominação requer o reconhecimento de uma condição
dúbia a respeito de si mesmo, no que se refere ao oprimido. Ele vivencia
a dualidade e também “aloja” em si o opressor. Esse reconhecimento faz
parte de um processo que ocorre gradativamente até que se instaure a
pedagogia da libertação (FREIRE, 1987; PALAFOX, 2019).
Para Habermas, as ações comunicativas promovidas no âmbito
da esfera pública permitem aos indivíduos a expressão de vontades e
interesses que estão em discussão, possibilitando o entendimento e
o consenso que vão viabilizar a tomada de decisões, a emancipação
e o engajamento social. Esse processo ocorre na relação dialética
entre o mundo da vida e o sistema, em que a intersubjetividade se

73
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

manifesta. Assim a retomada da integração social, da solidariedade e


da intersubjetividade no mundo da vida torna possível certo equilíbrio
entre essas estruturas, apesar da relação paradoxal que estabelecem.
Para Habermas, a soberania popular transcende a ideia da autogestão
democrática de cidadãos que se reúnem em assembleias para discu-
tir sobre a vontade comum a todos, pois ela se produz por meio da
conexão entre redes informais de comunicação existentes na esfera
pública e nas instituições formais do estado de direito (DURÃO, 2009;
HABERMAS, 1989).
O grande desafio da sociedade consiste na conscientização do
oprimido, pois somente ele detém a força para libertar a si e ao opressor,
recuperando a humanidade de ambos. Por meio da Pedagogia do Opri-
mido, realiza-se com ele uma reflexão crítica a respeito da opressão, que
se torna objeto de análise, a fim de impulsionar o seu engajamento para a
libertação. A pedagogia dos homens em libertação é proposta por Freire
(1987) como uma práxis autêntica comprometida com um processo de
ação-reflexão-ação contínuo e permanente visando a transformação da
realidade opressora. Para Freire a educação como prática de liberdade
consiste em um ato de conhecimento e uma aproximação com a realidade,
de forma crítica, proporcionada quando a pessoa toma distância perante o
mundo para apreciá-lo (FREIRE, 2006). Assim Paulo Freire descreve:

Os homens são capazes de agir conscientemente sobre


a realidade objetivada. É precisamente isto, a práxis
humana, a unidade indissolúvel entre minha ação e mi-
nha reflexão sobre o mundo. Num primeiro momento a
realidade não se dá aos homens como objeto cognoscível
por sua consciência crítica. Noutros termos, na aproxima-
ção espontânea que o homem faz do mundo, a posição
normal fundamental não é uma posição crítica, mas uma
posição ingênua. [...] A conscientização implica, pois, que
ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da
realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual
a realidade, se dá como objeto cognoscível e na qual o
homem assume uma posição epistemológica. (FREIRE,
2006, p. 29-30).

74
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Para que a conscientização se processe, o diálogo é elemento


fundamental na comunicação e interação entre os indivíduos. Contudo
existem sujeitos que detêm o privilégio de exercê-lo e outros não.
Nesse sentido, aos que foram negado esse direito, há de se criar estra-
tégias para que o reconquistem, recuperando-se a dialogicidade dos
encontros nos quais os sujeitos possam refletir e agir, transformando e
humanizando a si mesmo e ao mundo. O amor, a humildade e a fé nos
homens são as bases para que se estabeleça uma relação de horizonta-
lidade. A confiança encoraja os sujeitos no pronunciamento ao mundo,
eles tornam-se cada vez mais parceiros no encontro. O revolucionário
é alguém que chama o povo para o diálogo, apresenta-lhe questões
sobre sua condição existencial, alerta sobre o desafio de encontrar res-
postas, reflete e age em parceria compartilhando sua visão de mundo
com o intuito de que aprendam coletivamente (FREIRE, 1987, 1996).
Apresentar a complexidade da relação existencial oprimido-
-opressor e a importância da práxis dialógica fundamenta nossas articu-
lações com as propostas de Habermas. Assim como Freire, Habermas
destaca a importância do diálogo que promove um encontro com base
no respeito e na confiança recíprocos. A ação comunicativa é mediada
pela linguagem e se desenvolve exclusivamente a partir de um enten-
dimento linguístico, uma consensualidade. Na relação entre sujeitos o
consenso pactuado se faz por meio do diálogo, do exercício da fala.
Com a utilização da linguagem, eles podem alcançar o entendimento ao
discutirem racionalmente sobre seus interesses (HABERMAS, 2012).
Quando há dissenso, a argumentação torna-se um recurso
importante para que os sujeitos possam discutir sobre temas con-
troversos tentando dissolvê-los de forma argumentativa. Habermas
adverte que durante o diálogo as situações em que ocorre o silencia-
mento da fala ou tentativas de convencimento para o interesse próprio
caracterizam-se como uma ação coercitiva. O Estado, no exercício do
meio poder, funciona no sentido de preservar seu poder de fala, utiliza
mecanismos coercitivos instituindo ações arbitrárias de dominação as
classes populares. Esse processo desencadeia no represamento das
interações e relações estabelecidas entre os indivíduos no mundo da

75
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

vida o que resulta em sua colonização praticada por ações sistêmicas


representada pelo Estado.
Tais mecanismos coercitivos se aplicam ao desmonte de polí-
ticas públicas visto recentemente em nosso país. As políticas de saúde
e educação vêm sofrendo uma série de ataques desde o ano de 2016,
por meio de documentos normativos, portarias, resoluções, decretos
que “reorientam uma nova política”. Tais ações sinalizam uma forte
tendência a desqualificação das ações de cuidado nos territórios e dos
serviços de base comunitária (CRUZ; GONÇALVES; DELGADO, 2020;
SANTANA; ASSIS; ARAUJO-JORGE, 2021).
Assim, tanto a política de saúde mental como outras que pos-
suem raízes na educação popular em saúde ou a Educação em Saúde
permitem uma tomada de consciência crítica que repercute muitas ve-
zes contra o modelo social vigente, mesmo de forma tímida. A educação
popular em saúde é um movimento de cunho político-pedagógico com
origem na América Latina que teve inspiração na educação popular de
Paulo Freire na década de 1970. Configura-se como uma perspectiva
de agir em saúde contra hegemônica que visa à desconstrução de uma
lógica centrada no modelo biomédico, na medicalização da vida e na
mercantilização da saúde. Propõe a promoção de ações dialógicas nas
relações entre profissionais e usuários a fim de resgatar a dimensão sub-
jetiva que foi ocultada pelos processos de silenciamento e submissão
dos indivíduos. Além disso, promove aos profissionais reflexões críticas
e constantes sobre o agir no cuidado em saúde (NESPOLI et al., 2020).
O direito de fala é essencial para o processo democrático, uma
vez que por meio da ação comunicativa é possível a criação de espaços
dialógicos que promovam o entendimento e a consensualidade impe-
dindo a coercibilidade e a finalidade estritamente instrumental voltada
para o interesse próprio e a dominação dos indivíduos. Dessa forma, os
indivíduos inseridos nas comunidades de comunicação reorientam-se
de uma concordância meramente prescritiva, permeada por saberes tra-
dicionalmente instituídos e que previamente trazem uma interpretação
dos fatos. Surge então a possibilidade de um entendimento comunica-
tivamente alcançável, em que as pessoas podem realizar suas próprias

76
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

interpretações, expressar as razões pelas quais elegem determinado


posicionamento sobre uma temática (HABERMAS, 2012; MELO et al.,
2016; OLIVEIRA, 2011).
Dito isso, trazemos para nossa discussão os caminhos vislumbra-
dos por Freire e Habermas que apontam perspectivas emancipatórias
e de engajamento social e possibilidades de rompimento com os pa-
radigmas estruturantes de nossa sociedade que são inéditos-viáveis e
esfera pública. As barreiras e obstáculos presentes na vida dos sujeitos,
que condicionam suas vidas e a sua liberdade, denominadas situações-
-limite, precisam ser superadas por meio de uma compreensão crítica
que desvenda o problema a ser superado. Por meio de uma reflexão
profunda acerca da situação-limite, desvela-se a sua essência e alcan-
çamos o tema-problema que precisa ser discutido e superado por meio
dos atos-limite (FREIRE, 1992).
Para Freire, os atos-limite são ações empreendidas no sentido
de romper paradigmas, subverter as ordens preestabelecidas com um
posicionamento de enfrentamento. A leitura de mundo dos indivíduos
torna-se cada vez mais crítica, levando-os ao encontro dos inéditos-
-viáveis, considerado como “um sonho possível na utopia que virá”,
o transcender do “ser” para o “ser mais”. Nesse sentido, pretende-se
alcançar a esperança e a confiança necessárias para o enfrentamento
aos problemas vivenciados na sociedade (FREIRE, 1987, 1992).
Já Habermas problematiza sobre a potencialidade de ação da
esfera pública, espaço de ação comunicativa que promove o debate de
questões de interesse comum aos sujeitos. Nessa instância os sujeitos
discutem sobre assuntos de interesse comum mediados pelo agir
comunicativo; visa-se a vontade coletiva que constitui a opinião pública.
Enquanto espaço mediador, a comunicação exerce a função de fortaleci-
mento dos atores públicos e privados no sentido de impactar as estruturas
representativas das esferas governamentais para engendrar mudanças e
transformações na sociedade (HABERMAS, 2012; PERLATO, 2019).
Em síntese, tanto Freire quanto Habermas elaboraram teorias
de cunho crítico e emancipatório, problematizando as relações estabe-
lecidas na sociedade que se estruturou no sistema capitalista; apontam

77
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

desafios inerentes à necessária ruptura de paradigmas referentes ao


reconhecimento da própria condição de existência pelos sujeitos, assim
como a sustentação da constância e permanência deste no processo
de reflexão crítica; vislumbram possibilidades de transformação social
a partir da conscientização dos sujeitos em prol do coletivo.

Considerações finais

Freire e Habermas analisam criticamente os modos de relação


estabelecidas entre os indivíduos na sociedade. O diálogo entre a obra
dos dois autores revela uma interrelação na qual constatamos a conflu-
ência e complementariedade entre seus pressupostos teóricos. Ambos
buscam analisar a dialogicidade e a comunicabilidade nas redes de
interações sociais analisando não só a viabilidade no processo que as
constituem, como também os desdobramentos ocasionados pela sua
interrupção, rejeição ou desqualificação.
Os autores convocam ao exercício crítico, questionam o sta-
tus quo estruturante da sociedade que determina quem pode falar
e quem deve calar, sobretudo, delimitando o acesso à fala para o
favorecimento de uma minoria que detêm uma grande concentração
de riquezas, poder e dinheiro em detrimento de outros, a grande
parcela da população mundial. O diálogo, como pudemos constatar,
possui uma série de atravessamentos, não é um mero encontro entre
pessoas que verbalizam sobre determinados assuntos. Ele utiliza-se
da linguagem, que é um sistema simbólico pleno de significados e
significantes compartilhados intersubjetivamente, sobre a qual cons-
trói-se sentidos, significados e interpretações.
Ressaltamos a necessidade de uma ruptura da lógica não
dialógica dos encontros no âmbito dos processos formativos de ensino
e educação, seja em serviços de saúde ou no campo acadêmico, pois
geralmente são conduzidos com base na transmissão de conteúdos
teóricos e no pragmatismo prescritivo de ações. Tal lógica se estabe-
lece por uma posição hierárquica que se reproduz assimetricamente

78
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

nas relações entre formadores, profissionais e usuários, na qual a troca


de saberes, o respeito mútuo e a reciprocidade tornam-se aspectos
fragilizados resultando em uma rigidez no contato e uma inviabilidade
na aproximação e busca de sentido para uma melhor compreensão
sobre o outro, ou seja, a apreensão de sua construção identitária, seus
espaços de convivência e de interação e suas formas de percepção
sobre o mundo.
As questões sinalizadas se colocam como um grande desafio
aos atores envolvidos no processo, uma vez que foram sendo institu-
ídas ao longo do processo de formação sócio-histórica e cultural de
nossa sociedade e se colocam como entraves às ações de educação e
promoção da saúde. A partir disso, os autores apontam um caminho do
qual o campo da Educação e Promoção da Saúde pode se apropriar.
Sustentar a construção coletiva de conhecimento por meio de práticas
dialógicas e comunicativas fomentadas por espaços de fala e escuta
que estimulem o processo de conscientização, propicia o revivescer
das práticas e saberes produzidos entre os sujeitos, permite uma aber-
tura a criação de novas formas de pensar e agir em saúde e possibilita
a descoberta de caminhos mais efetivos para as ações de educação e
promoção da saúde.
Consideramos que o agir dialógico e comunicativo são pautas
importantes para a dimensão política da formação dos profissionais de
saúde que atuam na perspectiva da educação e promoção da saúde
nos territórios e comunidades, nos serviços de saúde e no ambiente
acadêmico, pois quando participam com maior engajamento social em
discussões nas esferas governamentais, acadêmicas, associações e
organizações civis contribuem de forma significativa para a efetividade
e consolidação das políticas públicas de saúde.

79
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Agradecimentos

Agradecemos ao Instituto Oswaldo Cruz; Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao
Programa de Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde que
tem possibilitado o desenvolvimento do projeto de mestrado de autora
Lauriane Martins Santana, que culminou neste capítulo.

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81
CAPÍTULO 5
VIABILIDADES DE EDUCAÇÃO EM
SAÚDE NO CINEMA: DIÁLOGOS
COM PAULO FREIRE1

Daniela Frey
Georgianna da Silva Santos
Maria de Fátima Alves de Oliveira

Introdução

Paulo Freire afirmava que não existe um Método Paulo


Freire de ensino, no sentido de que compreendê-lo é reinventá-lo
e reinventar-se (GADOTTI, 2004). Foi o que nos propusemos ao utili-
zarmos filmes na Educação em Saúde à luz da pedagogia freiriana2.
Os percursos demonstraram-se viáveis, eram inéditos a nós, porém,
enquanto inéditos-viáveis (FREIRE, 2018), foram transformando-se em
realidades didáticas possíveis. Em consonância a essa pedagogia, e
parafraseando o próprio Paulo Freire e “suas” palavras geradoras, um
termo que nos parece muito apropriado para iniciarmos a partilha de
nossas reflexões é conscientização – e a amplitude de significado que
Paulo Freire deu a essa palavra:

Esta tomada de consciência não é ainda a conscientiza-


ção, porque esta consiste no desenvolvimento crítico da
tomada de consciência. A conscientização implica, pois,
que ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da

1  Este texto foi, em parte, apresentado no XIII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências.
2  Utilizamos freiriana, e não “freireana”, seguindo a norma culta da língua portuguesa.

82
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual


a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o
homem assume uma posição epistemológica. (FREIRE,
1979, p. 15).

Assim conhecer a realidade é um primeiro passo para modificá-


-la; jamais para uma estagnação – pensamento também defendido pelo
educador francês Edgar Morin, que completa alertando para o fato de
que se desejamos que nossos alunos conheçam o mundo (e suas reali-
dades), devemos situá-los e contextualizá-los no mundo (MORIN, 2011).
Nessa perspectiva, compartilhamos aqui pesquisas e ensinos
(“Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses quefazeres
se encontram um no corpo do outro” (FREIRE, 2016, p. 30) em que nos
propusemos a pensar e utilizar estratégias de ensino em Ciências que
pudessem levar à conscientização de nossos educandos.
A busca pela melhor estratégia de ensino para cada conteúdo,
alinhado ao contexto de seus alunos, tem sido objeto de pesquisas
(BORDENAVE; PEREIRA, 2018; NÓVOA, 2017) que observam as relações
entre o ser-professor, enquanto pessoa; o aluno, sua faixa etária e de
maturidade; o ambiente escolar e a disponibilidade de recursos; assim
como as melhores estratégias capazes não só de entusiasmar o profes-
sor, como também de atrair e sensibilizar os alunos àqueles assuntos.
Esta pesquisa ocupa-se, especialmente, destes dois últimos aspectos,
aliados àquilo que é intrínseco na mediação do conhecimento de conte-
údos programáticos, e o que Paulo Freire (2016) chamou de pensar certo.

Pensar certo, do ponto de vista do professor, tanto implica


o respeito ao senso comum no processo de sua necessá-
ria superação quanto o respeito e o estímulo à capacidade
criadora do educando (FREIRE, 2016, p. 31).

À medida que, mesmo para conteúdos aparentemente iguais,


teremos alunos diferentes, momentos históricos diversos, instituições de
ensino e disponibilidade de recursos distintos e, acima de tudo, nós, pro-
fessores, também não seremos os mesmos, a procura por um recurso de
ensino eficiente é contínua e não se finda. Essa trajetória é reflexo da nossa

83
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

inconclusão. Enquanto seres inacabados que somos, ao longo da história,


fomos socialmente “aprendendo” e identificando que era possível e neces-
sário “ensinar”. Aprender e ensinar, enquanto verbos ativos, abarcam, juntos,
o conhecimento: “[...] ao mesmo tempo que alguém ensina, aprende, porque
ensina e ensina porque aprendeu” (FREIRE, A., 2018, p. 145).
Enquanto professores, nesse processo, nos perguntamos: qual
o nível de percepção do mundo que nosso educando tem? Como levar
a ele uma realidade desconhecida, como a de uma enfermidade que
não ocorre em seu país, como a cólera – sem casos no Brasil desde
2005 (BRASIL, 2010), por exemplo? Como trazer o mundo para a sala de
aula, para nossos alunos? Como abrir a porta da sala e não apenas ver
essa realidade, mas discuti-la criticamente? O uso de filmes aponta um
caminho... Segundo Morin (2015, p. 48, grifo do autor): “Literatura, poesia
e cinema devem ser considerados não apenas, nem principalmente,
objetos de análises gramaticais, sintáticas ou semióticas, mas também
escolas de vida, em seus múltiplos sentidos”. A partir da pedagogia do
cinema (DUARTE, 2002), constitui-se uma possibilidade na produção
de saberes e visões de mundo a partir das diferentes relações que
se estabelecem entre alunos-espectadores e os filmes, tanto quanto
ocorre ao lermos obras literárias. Nesse contexto, apresentamos neste
capítulo uma pesquisa que teve como objetivo desenvolver estratégias
de ensino em turmas do ensino médio e do ensino superior de uma
instituição pública, com a apresentação de filmes, estabelecendo cor-
relações, de forma intrínseca e subjetiva, porém contínua, com a peda-
gogia de Paulo Freire. Nos propusemos a um intercâmbio, interligando
conteúdos, o senso comum dos educandos, as realidades por eles não
conhecidas e estratégias capazes de estimular professores e alunos.

O uso de filmes em diálogo com a pedagogia


freiriana – viabilidades?

Compreende-se “estratégia de ensino” como “a arte de aplicar


ou explorar os meios e condições favoráveis e disponíveis, com vistas

84
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

à consecução de objetivos específicos” (ANASTASIOU; ALVES, 2015, p.


75-76). Ser um estrategista, no sentido de que o professor (ou alguém
que age como tal, em vista de determinados objetivos em processos
de ensinagem) deverá “estudar, selecionar, organizar e propor as me-
lhores ferramentas facilitadoras para que os estudantes se apropriem
do conhecimento” (ANASTASIOU; ALVES, 2015, p. 76).
Pensar a estratégia é um aspecto que pode auxiliar a tomada
de consciência de realidades. Para Morin (2011, p. 43): “A educação do
futuro deverá ser o ensino primeiro e universal, centrado na condição
humana”. Se queremos, por exemplo, enquanto professores de Ciên-
cias, que um aluno brasileiro conheça uma enfermidade como a cólera,
o ensino pressupõe, assim, que situemos o aluno na realidade e no
contexto desta e de outras das doenças do mundo.
Walter Ferreira de Oliveira (FREIRE; OLIVEIRA, 2018), no livro
Pedagogia da Solidariedade, afirma que Morin (1997) “ecoa” Freire ao
propor que a maneira mais inteligente de inserir na educação os gran-
des temas relacionados à construção de uma sociedade justa, huma-
nizada e solidária (no processo de desenvolvimento das pessoas como
cidadãos), é voltarmo-nos para a ideia de comunidade. É de Morin (2011,
2015) a teoria denominada pensamento complexo, em que a educação
deve tornar evidente o contexto, o complexo (do latim: complexus = o
que é tecido junto), ao invés da compartimentação de saberes. Propos-
tas de ensino fragmentadas e sem contextualização dificultam ainda
mais o processo de conscientização, objeto de nossas reflexões.
Podemos também traçar uma comparação de equivalência
entre esses dois educadores, Morin e Freire, em diversos outros as-
pectos e citamos aqui um desses: o pesquisador francês alerta que “há
algo possível ainda invisível no real” (MORIN, 2011, p. 74), semelhante
ao que Paulo Freire denominou de o inédito-viável (FREIRE, 2018a, p.
130), ou seja, para ambos a conscientização da realidade é o primeiro
passo para uma ação transformadora dessa realidade; jamais como
uma acomodação a ela.
Nas palavras de Morin (2011), o cinema pode ser um facilitador
do processo de conscientização ao favorecer o pleno uso de nossa

85
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

subjetividade pela projeção e pela identificação, faz-nos simpatizar e


compreender os que nos seriam estranhos ou antipáticos em tempos
normais. “[...] Enquanto na vida cotidiana ficamos quase indiferentes
às misérias físicas e morais, sentimos compaixão e comiseração na
leitura de um romance ou na projeção de um filme” (MORIN, 2011, p.
88). O cinema é uma das formas para compreendermos diferentes
realidades; como as de seres humanos afetados por uma determinada
doença que não afeta nosso país ou região. Ao encararmos situações
aparentemente distantes, somos instigados a refletir sobre elas e, ao
assim procedermos, buscamos mais conhecimento sobre o tema.
Outro aspecto a se considerar é a sensibilidade do professor
na escolha do filme. A ressignificação de uma obra para sua utiliza-
ção no ensino pode ser definida como “reendereçamento”, segundo
Rezende Filho e colaboradores (2015). Quando um produtor constrói
um filme (especialmente, uma obra comercial) tem um tipo de objetivo
em sua mente. Não necessariamente com caráter educativo. Quando
um professor vê em um filme um contexto possível a esse novo ende-
reçamento, utilizando-o como estratégia de ensino, ele supõe novas
possibilidades de leitura, ressignificando-o como educativo (REZENDE
FILHO et al., 2015, p. 152-153). O “reendereçamento” é realizado pelo
professor quando o insere em sua aula.
Como o professor poderá utilizar um filme que, a princípio, não
era “destinado” ao ensino em suas aulas como estratégia didática?
Como o mesmo filme poderá ocasionar respostas diferentes? Seria
possível iniciar um processo de conscientização a partir dos filmes?
Com essas indagações, nosso objetivo foi desenvolver estratégias de
ensino em aulas de Biologia no ensino médio e aulas de Cinema, Saúde
e Viagens no ensino superior, com a apresentação de filmes, estabele-
cendo correlações com a pedagogia de Paulo Freire.

86
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Uso de filmes: percursos e descrições

Esta pesquisa constitui uma das etapas da construção de Tese


de Doutorado da primeira autora, com parecer aprovado no Comitê de
Ética (Fiocruz/RJ), sob o número 4.050.142. A metodologia adotada en-
volveu uma abordagem qualitativa de intervenção, com estudo de caso
(QUEIROZ; CABRAL, 2016), com alunos do ensino médio e do ensino
superior de uma instituição pública federal localizada na cidade de Pe-
trópolis no Rio de Janeiro (CEFET/RJ, campus Petrópolis) entre os anos
de 2017 e 2019, inserida na disciplina Biologia (para a educação básica)
e na disciplina eletiva Cinema, Saúde e Viagens (para a graduação de
Turismo).
Os filmes escolhidos foram: Gattaca (EUA, 1997), O despertar
de uma paixão (EUA, 2006), O óleo de Lorenzo (EUA, 1992), Diários de
motocicleta (Produção multinacional, 2004), Filadélfia (EUA, 1993) e Ilha
das Flores (Brasil, 1989), pormenorizados a seguir.

Gattaca

O quadro 1 apresenta informações a respeito do filme e dos


procedimentos metodológicos utilizados:

87
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Tempo de duração: 1h46.

Idioma original: inglês. Foi utilizada versão dublada em português.

Disponível em: YouTube.

Disciplina/Série: Biologia - 4º ano (última série do ensino médio).

Assuntos prévios/pré-requisitos: Genética molecular: DNA,


cromossomos, genes.

Temáticas: Genética, Ética e Genética, Pedagogia da Indignação.

Estratégia adotada: projeção do filme completo em sala.

Recursos técnicos necessários na sala de aula: projetor, notebook,


caixas de som.

Necessidade de internet: sim.

Estratégias complementares: Análise interpretativa em conjunto,


com levantamento e discussão de problemas relacionados;
problematização e síntese. Estudo de caso: as vidas de Vincent e
Eugene – prescrição do caso e argumentação dos alunos.

Avaliação: Observar como os alunos desenvolvem a aplicação


dos conhecimentos, coerência, profundidade na argumentação,
formulação de questões ao professor e entre a turma etc.

Quadro 1 – Gattaca – Características do filme/Metodologia.


Fonte: dados das pesquisadoras.

88
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

O despertar de uma paixão

O quadro 2 apresenta informações a respeito do filme e dos


procedimentos metodológicos utilizados.

Tempo de duração: 2h04.

Idioma original: inglês. Foi utilizada versão dublada em português.

Disponível em: DVD, YouTube.

Disciplina/Série: Cinema, Saúde e Viagens (sem período específico;


graduação em Turismo).

Assuntos prévios/pré-requisitos: não há.

Temáticas: DTA, cólera, Pedagogia da Libertação.

Estratégia adotada: os alunos deveriam ver o filme completo em


casa (tiveram uma semana para isso).

Recursos técnicos necessários na sala de aula: não se aplica.

Necessidade de internet: não se aplica para a sala de aula.

Estratégias complementares: Tempestade cerebral; análise


interpretativa em conjunto, com levantamento e discussão de
problemas relacionados; problematização e síntese. Estudo de caso:
transmissão, características e profilaxia da doença – prescrição do
caso e argumentação dos alunos.

Avaliação: Observar como os alunos desenvolvem a aplicação


dos conhecimentos, coerência, profundidade na argumentação,
formulação de questões ao professor e entre a turma etc.

Quadro 2 – O Despertar de uma Paixão – Características do filme/Metodologia.


Fonte: dados das pesquisadoras.

Após os debates, foram projetados os dados sobre a cólera no


Brasil e no mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde
(OMS) (WEEKLY, 2017).

89
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

O óleo de Lorenzo

O quadro 3 apresenta informações a respeito do filme e dos


procedimentos metodológicos utilizados:

Tempo de duração: 2h09.

Idioma original: inglês. Foi utilizada versão dublada em português.

Disponível em: DVD, YouTube.

Disciplina/Série: Biologia - 4º ano (última série do ensino médio).

Assuntos prévios/pré-requisitos: Genética (herança ligada ao X).

Temáticas: Genética; Transmissão do Impulso Nervoso; Pedagogia


dos Sonhos Possíveis.

Estratégia adotada: os alunos deveriam ver o filme em casa (tiveram


uma semana para isso).

Recursos técnicos necessários na sala de aula: não se aplica.

Necessidade de internet: não se aplica para a sala de aula.

Estratégias complementares: Tempestade cerebral; análise


interpretativa em conjunto, com levantamento e discussão de
problemas relacionados; problematização e síntese. Estudo de
caso: causa e características da doença – prescrição do caso e
argumentação dos alunos.

Avaliação: Observar como os alunos desenvolvem a aplicação


dos conhecimentos, coerência, profundidade na argumentação,
formulação de questões ao professor e entre a turma etc.

Quadro 3 – O Óleo de Lorenzo – Características do filme/Metodologia.


Fonte: dados das pesquisadoras.

90
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Diários de motocicleta

O quadro 4 apresenta informações a respeito do filme e dos


procedimentos metodológicos utilizados:

Tempo de duração: 2h06.

Idioma original: espanhol. Foi utilizada versão dublada em português.

Disponível em: DVD, YouTube.

Disciplina/Série: Cinema, Saúde e Viagens (sem período específico;


graduação em Turismo).

Assuntos prévios/pré-requisitos: não há.

Temáticas: Hanseníase; Turismo pela América do Sul; Pedagogia do


Oprimido.

Estratégia adotada: os alunos deveriam ver o filme em casa (tiveram


uma semana para isso).

Recursos técnicos necessários na sala de aula: não se aplica.

Necessidade de internet: não se aplica para a sala de aula.

Estratégias complementares: Tempestade cerebral; Análise interpretativa


em conjunto, com levantamento e discussão de problemas relacionados;
problematização e síntese. Estudo de caso: causa e características da
doença – prescrição do caso e argumentação dos alunos.

Avaliação: Observar como os alunos desenvolvem a aplicação dos


conhecimentos, coerência, profundidade na argumentação, formulação
de questões ao professor e entre a turma etc.

Quadro 4 – Diários de Motocicleta – Características do filme/Metodologia.


Fonte: dados das pesquisadoras.

Após os debates, foram projetados os dados sobre a hansení-


ase no Brasil e no mundo, de acordo com a Organização Mundial da
Saúde (OMS) (LEPROSY, 2019).

91
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Filadélfia

O quadro 5 apresenta informações a respeito do filme e dos


procedimentos metodológicos utilizados:

Tempo de duração: 2h06.

Idioma original: inglês. Foi indicada versão dublada em português.

Disponível em: DVD, site cine mp4.

Disciplina/Série: Cinema, Saúde e Viagens (sem período específico;


graduação em Turismo).

Assuntos prévios/pré-requisitos: não há.

Temáticas: Aids; turismo pela cidade de Filadélfia; Pedagogia da


Tolerância; Pedagogia da Solidariedade.

Estratégias adotadas: os alunos deveriam ver o filme em casa


(tiveram uma semana para isso). Antes, foi passado em sala o clipe
da música tema Streets of Philadelphia (Bruce Springsteen, 1993),
disponível no YouTube, como recurso sensibilizador ao tema.

Recursos técnicos necessários na sala de aula: projetor, notebook,


caixas de som.

Necessidade de internet: sim.

Estratégias complementares: Roda de conversa; análise interpretativa


em conjunto, com levantamento e discussão de problemas
relacionados; problematização e síntese. Estudo de caso: o vírus
HIV, formas de transmissão, características da doença, à época e
atualmente, profilaxia – prescrição do caso e argumentação dos alunos.

Avaliação: Observar como os alunos desenvolvem a aplicação


dos conhecimentos, coerência, profundidade na argumentação,
formulação de questões ao professor e entre a turma etc.
Quadro 5 – Filadélfia – Características do filme/Metodologia.
Fonte: dados das pesquisadoras.

92
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Após os debates, levamos dados sobre a Aids no Brasil e no


mundo, de acordo com o site UNAIDS Brasil (2019).

Ilha das Flores

O quadro 6 apresenta informações a respeito do filme e dos


procedimentos metodológicos utilizados:

Tempo de duração: 15 min.

Idioma original: português.

Disponível em: YouTube.

Disciplina/Série: Biologia - 1º ano.

Assuntos prévios/pré-requisitos: Meio ambiente; destino do lixo.

Temáticas: Meio ambiente; Lixo; Pedagogia da esperança; Pedagogia


do Compromisso.

Estratégia adotada: projeção do filme completo em sala.

Recursos técnicos necessários na sala de aula: Projetor, Notebook,


Caixas de som.

Necessidade de internet: sim.

Estratégias complementares: Análise interpretativa em conjunto,


com levantamento e discussão de problemas relacionados;
problematização e síntese.

Avaliação: Observar como os alunos desenvolvem a aplicação


dos conhecimentos, coerência, profundidade na argumentação,
formulação de questões ao professor e entre a turma, elaboração
de um texto individual sobre sua percepção do curta metragem e a
atualidade do tema.

Quadro 6 – Ilha das Flores – Características do filme/Metodologia.


Fonte: dados das pesquisadoras.

93
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Com duas turmas de 1º ano, na semana seguinte à apresen-


tação e debate a respeito do filme, recebemos uma representante de
uma Organização Não Governamental (ONG) que realiza trabalhos as-
sistenciais a famílias do antigo Lixão de Gramacho, na cidade de Duque
de Caxias (RJ). Ela apresentou em slides o trabalho que a ONG realiza e,
em seguida, abrimos uma roda de conversa com os alunos.
As percepções dos alunos sobre os filmes e as discussões
geradas são os pontos que destacaremos a seguir.

Resultados e Discussões

Neste tópico, trazemos os conceitos abordados nos filmes, cor-


relacionando-os com a pedagogia freiriana. Gattaca (1997) tem como
temática principal a Genética e questões éticas a ela relacionadas. Mas
os alunos, além de fazerem correlações com os conteúdos desenvolvi-
dos, envolvem-se com o drama do personagem protagonista, Vincent
Freeman, vivido pelo ator Ethan Hawke. O sonho de Vincent sempre
foi viajar para o espaço – mas ele é um in-valid, considerado geneti-
camente inferior. Para realizar seu sonho, Vincent assume a identidade
genética de Jerome Eugene (personagem de Jude Law), um “válido”
que ficou paraplégico em um acidente.
De acordo com Paulo Freire (2019, p. 36), “a educação jamais
pode castrar a altivez do educando, sua capacidade de opor-se, e
impor-lhe um quietismo negador do seu ser”. É a Pedagogia da Indigna-
ção. E essa é a postura de Vincent: sonhar e lutar por um mundo onde
ele possa ser quem ele é! Não aceitar o que estipularam para ele ser,
mas ser quem ele queria ser.
O despertar de uma paixão (2006) é baseado no romance The
Painted Veil, do inglês William Somerset Maugham (1980) e foi adap-
tado para o cinema três vezes. Utilizamos a terceira versão, mais atual.
Ambientado nos anos 1920, o filme conta a história de Kitty, uma jovem
inglesa que, pressionada pelas conveniências sociais da época, contrai
matrimônio com Walter Fane, médico bacteriologista. Na tentativa de

94
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

conter um surto de cólera, o casal segue a um longínquo vilarejo chinês.


As questões ambientais relacionadas à epidemia, as medidas de contro-
le tomadas pelo Dr. Fane, sua postura investigativa e sua metodologia
científica, aparecem ricamente no filme, assim como as imagens das
pessoas que sofrem com a cólera e que morrem devido a ela.
A partir do resultado exitoso no aprendizado dessa doença in-
fectocontagiosa com uma turma de 1º. ano do Ensino Médio1, passamos
a utilizar o filme para o ensino de Doenças Transmitidas por Alimentos
(DTA), tanto na educação básica quanto na graduação. E consideramos
totalmente plausível uma análise da obra cinematográfica à luz da
Pedagogia da Libertação de Paulo Freire (FREIRE, A., 2017), pois, entre
outros motivos, quando o Dr. Fane se depara com a realidade do vilarejo,
encontra uma realidade que lhe era desconhecida. E esse conhecimen-
to “do mundo”, lhe abriu um autoconhecimento, fazendo com que ele
se tornasse mais humano; o que também ocorreu com a esposa. Eles
descobriram em si novas potencialidades, passando também a agentes
transformadores e capazes de intervir na realidade. Segundo Ana Maria
Freire (2017), essa pedagogia é inspirada na sabedoria de Paulo Freire
de “entender e enfrentar os problemas da realidade” (FREIRE, A., 2017,
p. 29). Ampliando a visão que tinham, Kitty e William Fane libertaram-se.
O óleo de Lorenzo (1992) é baseado em uma história real, e permite
uma aprendizagem com significado em aulas de Genética e do sistema
nervoso humano por tratar de uma doença hereditária: a adrenoleucodis-
trofia (ou ALD), em que há desgaste da bainha de mielina dos neurônios
e, consequentemente, comprometimento da transmissão do impulso
nervoso. O casal Augusto e Michaela Odone, vividos por Nick Nolte e
Susan Sarandon, respectivamente, recebe o diagnóstico de ALD para o
filho Lorenzo, de 6 anos, e o anúncio de que os pacientes morrem em
até dois anos após o diagnóstico. No entanto, os pais decidem estudar a
doença e pesquisar novas possibilidades de tratamento, culminando com

1  Pesquisa que compôs a Dissertação de Mestrado intitulada “O despertar de uma paixão”: o uso
de um filme pode contribuir no ensino da cólera e da teoria da evolução? (FREY, 2018), disponível em
https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/29287.

95
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

a produção do óleo, título do filme, capaz de retardar e até mesmo impedir


a evolução da doença. O que efetivamente ocorreu com Lorenzo Odone.
“Os silenciados não mudam o mundo” (FREIRE, 2018b, p. 313)
expressa, de maneira simples e direta, a Pedagogia dos Sonhos Possí-
veis, de Paulo Freire. Ante o tido como impossível – pela comunidade
médica e científica da época – e o sonhado pelos pais, abriu-se o cami-
nho do inédito-viável. Na mesma obra (Pedagogia dos Sonhos Possíveis),
a educadora Ana Lúcia de Souza Freitas (2018) afirma que a Pedagogia
dos Sonhos Possíveis “concebe a distância entre o sonhado e o realizado
como um espaço a ser ocupado pelo ato criador” (FREIRE, 2018b, p. 43).
O exemplo deixado por Augusto, Michaela e Lorenzo Odone permite
reflexões e debates a respeito também das dificuldades e dos sonhos
dos estudantes.
Diários de motocicleta (2004), dirigido pelo brasileiro Walter Salles,
é inspirado nas narrativas dos diários de viagem de Ernesto “Che” Gue-
vara (Gael García Bernal) e de seu amigo Alberto Granado (Rodrigo de la
Serna) ocorridas em 1952 pela América do Sul. À época, Guevara estava
prestes a se formar em Medicina, especializando-se em hanseníase (ainda
conhecida como lepra). Os dois partem de moto (La Poderosa), de Buenos
Aires, capital da Argentina, e seguem por diferentes países até chegarem
à Venezuela. O filme evidencia a mudança ocorrida com o jovem Ernesto
à medida que ele se depara com realidades que não conhecia, especial-
mente o quanto o incomodam as desigualdades sociais e a exploração
dos nativos. Essa transformação, ainda que sutil, é bem evidente ao longo
do filme, tendo seu ápice no leprosário San Pablo, no Peru.
Segundo Paulo Freire (2018a), para o opressor, a ignorância está
sempre no outro, o oprimido. O opressor tem a “autoridade do saber”. E
age promovendo a desvalia dos oprimidos, que “nada sabem”. A Peda-
gogia do Oprimido é, pois, a “pedagogia dos homens empenhando-se
na luta por sua libertação” (FREIRE, 2018a, p. 55). E é sob esse viés que
Ernesto Guevara passa a buscar promover a libertação dos oprimidos,
estabelecendo laços de confiança e tratando-os com dignidade. Paulo
Freire, na mesma obra (Pedagogia do Oprimido), refere-se a Guevara

96
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

como: “esse homem excepcional revelava uma profunda capacidade


de amar e comunicar-se” (FREIRE, 2018a, p. 232).
Filadélfia (1993) conta a história de Andrew Beckett (papel de
Tom Hanks), conceituado advogado da cidade de Filadélfia – “cidade
do amor fraternal” (“philos” – amor; “adelphos” – irmão), no estado
da Pensilvânia, nos Estados Unidos, vítima de preconceito quando é
despedido da firma em que trabalhava, após manifestar sintomas rela-
cionados ao Sarcoma de Kaposi, um tipo de câncer de pele oportunista,
até então comum em pacientes HIV positivos. Ao contratar Joe Miller
(vivido por Denzel Washington), Andrew se depara com a homofobia
e a segregação decorrente do desconhecimento sobre a doença que
possui: a Aids. Esse filme, do início dos anos 1990, mostra a transforma-
ção que se opera com os dois personagens: Andrew, fisicamente, em
decorrência da doença (em uma época anterior aos coquetéis antiaids)
e Joe, psicologicamente, à medida conhece Andrew e sua doença.
Segundo Paulo Freire (2014), o sectário é patológico. E a
Pedagogia da Tolerância busca desenvolver o respeito ao diferente,
o convívio com o diferente.

O que a tolerância autêntica demanda de mim é que


respeite o diferente, seus sonhos, suas ideias, suas opções,
seus gostos, que não o negue só porque é diferente. O que
a tolerância legítima termina por me ensinar é que, na sua
experiência, aprendo com o diferente (FREIRE, 2014, p. 26).

Aliada à Pedagogia da Tolerância está a Pedagogia da Solida-


riedade que, como afirma Paulo Freire: “caminha de mãos dadas com a
consciência crítica” (FREIRE, A.; OLIVEIRA, 2018, p. 81). Inferimos que há
uma palavra/virtude que conecta tolerância e solidariedade, e que se
desenvolve em Joe ao longo do filme: respeito.
Ilha das flores (1989) é o filme mais antigo de nossa lista, e nem
de longe está desatualizado. A premiada obra do diretor Jorge Furtado,
narrada pelo ator Paulo José, foi recebida pelos alunos com risadas,
pela forma repetitiva como se apresenta inicialmente. No entanto, as
diferentes temáticas ao redor do lixo e das questões sociais a ele rela-

97
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

cionadas, retêm a atenção dos alunos e garantem reflexões e debates.


Da plantação de tomates do Sr. Suzuki, à família de D. Anete e seu lixo
com tomates, o curta metragem chega ao destino do que foi rejeitado
por uns e é tido como necessidade por outros – mulheres e crianças
que disputam esses restos, após servirem de alimento aos porcos.
A educação deve preocupar-se com o ato de conhecer o
mundo, o real, o concreto, a vida social; “desocultar pedaços ocultados
do mundo” (FREIRE, 2018, p. 99). A representante da ONG Amando
Gramacho, que atua no antigo Lixão de Gramacho na cidade de Duque
de Caxias - RJ, desocultou esse pedaço de mundo que estava ocultado
de nós e de nossos alunos. Na sua apresentação e na roda de conver-
sa, nos descortinou que no antigo lixão vivem ainda cerca de 20 mil
pessoas, sem saneamento básico, sem água encanada, sem energia
elétrica, sem banheiros ou moradias adequadas. A conversa foi como
“trazer a Ilha das Flores aos dias atuais”, a cerca de 40 km de nossa
cidade. A figura 1 é a foto que tiramos como lembrança desse momento
(as identidades dos alunos foram preservadas).

Figura 1 – Roda de conversa – ONG Amando Gramacho, professora e alunos do 1º. Ano.
Fonte: acervo das pesquisadoras.

Nas palavras de Leonardo Boff, no prefácio de Pedagogia da


Esperança (2016):

98
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

A esperança nasce do coração mesmo da pedagogia


que tem o oprimido como sujeito. Pois ela implica uma
denúncia das injustiças sociais e das opressões que
se perpetuam ao longo da história. E ao mesmo tempo
anuncia a capacidade humana de desfatalizar esta situa-
ção perversa e construir um futuro eticamente mais justo,
politicamente mais democrático, esteticamente mais
irradiante e espiritualmente mais humanizador (BOFF,
2016, p. 11).

A pedagogia freiriana é subjetiva nos conteúdos abordados e


permeada pela Pedagogia do Amor (FREIRE, 2018a), fundamento do
diálogo e sustentáculo da confiança.
Podemos inferir que houve o desenvolvimento de um processo
de conscientização nos alunos por meio de suas impressões, seja pelas
verbalizações nas rodas de conversa, seja pelos textos que eles produ-
ziram. De um modo geral, abordar Educação em Saúde em sala de aula,
usando os filmes O despertar..., Diários... e Filadélfia – trabalhados com
o ensino superior – possibilitou o conhecimento de realidades desco-
nhecidas a eles: a cólera (como doença), a hanseníase (especialmente
sua transmissão) e a Aids antes do tratamento com antirretrovirais.
Nos diálogos sobre o filme Filadélfia, houve importantes correlações
entre estigma e doença, preconceito e homossexualidade e outras
temáticas tão atuais quanto as que o filme retrata. Um dos estudantes,
homossexual, contou que “se viu” em diversos momentos nas situações
apresentadas, como quando teve um sério problema ósseo na época
do ensino médio e sofria bullying na escola, pela sua orientação sexual
e por andar de muletas (!).
Com os alunos do ensino médio, Gattaca, O óleo de Lorenzo e
Ilha das Flores apresentaram, a princípio, um fatalismo, uma realidade
determinada. No entanto, especialmente nos dois primeiros filmes, os
alunos identificaram a busca incessante pelo inédito-viável nas histórias
dos protagonistas. E Ilha das Flores reverberou muitas autorreflexões,
que resumiremos em uma única frase muito dita por eles: “É lixo o que
consideramos lixo?”. Essa expressão norteia inúmeras possibilidades
para trabalhar o lixo interdisciplinarmente e nas questões sociais a ele

99
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

relacionadas. Vivenciamos um momento crítico planetário, envolvendo


contaminação, poluição e doenças associadas a esses processos.
Cada filme permitiu que os conteúdos fossem dialogados en-
tre os discentes, mediados pela docente, e as dúvidas surgidas foram
esclarecidas de acordo com a temática abordada. Nesse conjunto de
atividades, essas verbalizações foram consideradas em relação à coe-
rência e profundidade na argumentação, aos textos por eles produzidos,
assim como a formulação de questões à docente e entre os discentes.
Nessa perspectiva, consideramos os resultados exitosos em relação à
estratégia utilizada.

Considerações Finais

No ano em que comemoramos o centenário de Paulo Freire,


Patrono da Educação Brasileira, nos parece extremamente atual e per-
tinente compartilhar nossas pesquisas que correlacionam a pedagogia
freiriana ao uso de filmes no Ensino de Ciências.
Constatamos o quanto a estratégia utilizada pode representar
uma abordagem convidativa e motivadora ao aprendizado do aluno
para a construção do conhecimento sobre temas de Ciências Biológi-
cas à luz da Pedagogia de Paulo Freire, de forma a propiciar uma visão
mais consciente do mundo em que vivemos. Assim como aplicar os
saberes desenvolvidos nas aulas de Biologia (e afins) em seu cotidiano,
com autonomia às reflexões a respeito da sua qualidade de vida, da sua
saúde e, consequentemente, de sua comunidade e do mundo.
Que esta pesquisa possa inspirar e mover educadores que
buscam reinventar-se e recriar-se, podendo eles próprios identificar a
pedagogia freiriana em seu trabalho e desenvolvê-la com seus alunos,
auxiliando-os à leitura do mundo, e com eles aprender cada vez mais a
“ler a vida”.

100
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Referências

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101
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

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102
CAPÍTULO 6
OS INÉDITOS-VIÁVEIS FREIRIANOS E
AS CARTAS-VISUAIS: a experiência do
Núcleo de Estudos em Arte, Cultura e Saúde
(NEACS) na pandemia de COVID-19 em 2020

Marcio Luiz Braga Corrêa de Mello


Raquel Ferreira Rangel Gomes
Adrielle Macêdo Fernandes da Silva
Nathalia Sena Sassone Perrone
 Ana Beatriz Acioli Mendes
Cristiane Moreira de Almeida de Novaes
Rebeca Torquato de Almeida
Nureane Menezes de Souza
Roberto Carlos da Silva

Introdução

O Núcleo de Estudos em Arte, Cultura e Saúde (NEACS) do La-


boratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos do Instituto
Oswaldo Cruz (IOC) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tem entre as
suas bases teóricas a abordagem CienciArte, a metodologia Pesquisa
Baseada em Artes, o conceito ampliado de Saúde da Organização
Mundial de Saúde (OMS), a dialogia de Paulo Freire e os estudos de
Darcy Ribeiro e Gilberto Freire acerca da formação do Brasil.
Há no núcleo alunos do ensino médio do Programa de
Vocação Científica (PROVOC) da Fiocruz, graduandos do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC-CNPQ), estu-

103
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

dantes do Curso de Especialização em Ciência, Arte e Cultura na


Saúde (CACS) do IOC, mestrandos e doutorandos da Pós-Graduação
em Ensino em Biociências e Saúde. Além destes, o núcleo também
conta com estudantes e pesquisadores colaboradores de outras
pós-graduações do Brasil e do exterior, se constituindo, assim, como
um  microcosmo muito rico e fértil para pesquisa e ensino,  sendo
um ambiente horizontal de troca de saberes entre pesquisadores e
estudantes com diversos níveis diferentes de titulação. 
A partir do interesse em abordar os estudos sobre a reintegração
da Ciência com a Arte, e as possibilidades das práticas artísticas no âm-
bito da pesquisa e do ensino, reunimos um grupo de pesquisadores de
diferentes áreas de atuação: Saúde Coletiva, Antropologia, Sociologia,
Psicologia, Psicanálise, Música, História, História da Arte, Dança, Letras,
Musicoterapia, Medicina, Biomedicina, Enfermagem, Engenharia, entre
outros, atuando de forma transdisciplinar.
Combinando práticas artísticas diversas com referências biblio-
gráficas fundamentais para solidificar nosso trabalho, conseguimos nos
organizar e realizar projetos que buscam o alinhamento teoria-prática
tão enfatizado na pedagogia freiriana.  Conforme afirmamos anterior-
mente, entre nossos principais referenciais teóricos, está a abordagem
CienciArte, na qual integramos tanto aspectos artísticos quanto cientí-
ficos. De acordo com Araújo-Jorge e colaboradores (2018), essa abor-
dagem não distancia as disciplinas, na verdade, as aproxima para que
elas justifiquem uma à outra, tornando-as campos complementares.
Estudando e trabalhando com ciência e arte, podemos entender como
se constroem essas conexões.
Utilizamos em nossas oficinas a metodologia ABR (Arts-Based
Research, em português, Pesquisa Baseada em Artes - PBA). As práti-
cas de pesquisa baseadas em artes são um conjunto de ferramentas
metodológicas utilizadas por pesquisadores qualitativos em todas as
disciplinas durante todas as fases da pesquisa social, incluindo a coleta,
análise, interpretação e representação dos dados (Leavy, 2017). Na obra
da socióloga norte-americana Patrícia Leavy, Paulo Freire é uma das
referências. Considerando as obras de Freire e de Leavy, entendemos

104
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

que o trabalho deve ser feito com as pessoas e não nas pessoas, mo-
delando assim uma disposição de práxis importante para a pesquisa
contemporânea (Freire, 1996). Além do mais, essa pedagogia contribui
para a construção de importantes formas de atuar junto com o fazer
artístico nos processos de elaboração do olhar crítico.
Um dos precursores da Pesquisa Baseada em Artes e um
autor também referenciado por Leavy (2017), é Shaun McNiff, autor
reconhecido no campo da utilização das práticas artísticas nas tera-
pias. O psicólogo e pintor enfatiza que ‘’o processo’’ requer confiança
por ser um caminho denso e transdisciplinar, o que por vezes faz
com que seja difícil trabalhar no campo (McNiff, 1998). Ou seja, o
transdisciplinar presente na ABR configura-se como desafiador, mas
bastante gratificante e frutífero.
Para além de um grupo de pesquisadores que se reúne para
construir conhecimento e produzir ciência, somos também indivíduos
com seus amores e dores, por isso não poderíamos permanecer apá-
ticos diante de uma situação-limite como esta pela qual o mundo está
passando desde dezembro de 2019, com a crise gerada pela pandemia
da covid-19. Assim a Arte, aliada a outras dimensões importantes da
vida, nos deu a possibilidade de construir um canal para lidar com as
limitações impostas pela pandemia e levar nossa mensagem para além
dos nossos lares.

O Inédito-viável no NEACS e as Cartas-visuais

Passados alguns meses do início da pandemia, nos vimos diante


da necessidade de nos adaptar e extrapolar nossas fronteiras buscando
outras novas formas de nos comunicar entre nós e com a sociedade. Foi
então que construímos as cartas-visuais, que representam a possibilida-
de de cada membro do NEACS se expressar sobre sua experiência na
pandemia, mergulhando, assim, em um constructo de autorreflexão e
adaptação tecnológica. Além da expressão individual dos integrantes, o
grupo também estava sentindo a necessidade de dar mais visibilidade ao

105
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

conteúdo de seus debates e reflexões, principalmente nas redes sociais,


e, nesse sentido, as cartas foram de grande valia.
Para tal, tentamos lançar mão da criatividade potencializada
pelo campo da CienciArte, que nos possibilita uma visão pluridimen-
sional da realidade ou de qualquer situação ou tema que se apresente.
Essa criatividade pôde ser trabalhada por meio das diversas categorias
cognitivas propostas pelo casal Root-Bernstein (2001), nos permitindo
ainda enxergar o mundo sob novos ângulos, trilhar outros caminhos
e então encontrarmos os inéditos-viáveis, a partir da necessidade de
adequação ao mundo virtual/remoto emergencial.
Sendo assim, em nosso caso, o inédito-viável veio para ajudar
a interpretar as possibilidades que cada um encontrou para superar a
situação-limite gerada pela pandemia e para explicar a realidade. Essa
realidade, por sua vez, foi contada nas cartas-visuais.
Para o processo de concepção das nossas cartas-visuais obser-
vamos essa construção dentro do contexto da pandemia por meio da
ideia do inédito-viável de Paulo Freire, sistematizada por Gadotti (2007)
da seguinte maneira:

Expressão utilizada por Paulo Freire para designar o devir,


o ‘ainda-não’, o futuro a se construir, a futuridade a ser
criada, o projeto a realizar. Inédito viável é a possibilidade
ainda inédita de ação que não pode ocorrer a não ser
que superemos as situações-limites [...], transformando a
realidade na qual ela está com a nossa práxis. (GADOTTI,
2007, p. 109)

Esse conceito nos ajuda a compreender o caráter imprevisível


e extremo da atual situação. Nos processos de construção do trabalho
remoto, o NEACS promoveu o que identificamos como inédito e viável:
a transcendência diante de uma situação que poderia ser paralisante se
deu por meio da potencialização de tecnologias digitais já conhecidas,
mas até então, pouco exploradas. Nesse momento, o virtual ganhou
novo status dentro do cotidiano de pesquisa do grupo.
Nos apoderamos dos conhecimentos digitais e repartimos entre
nós o que cada um podia revelar a respeito do assunto em questão. Por

106
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

sermos um grupo transgeracional, as novas tecnologias digitais já faziam


parte do cotidiano de alguns, enquanto outros ainda tinham pouco con-
tato. A heterogeneidade de saberes sobre a virtualidade, foi terreno fértil
para trocas horizontais, trabalhando de forma análoga ao da educação
popular, novamente inspirando nossa prática na teoria Freiriana, propi-
ciando um ambiente de construção de conhecimento que se fortaleceu
e se fortalece no coletivo, incorporando saberes adquiridos na academia,
mas também por meio da vivência de cada um em sua família e sua
comunidade local.

Experimentações afetivas da virtualidade

Partindo do microcosmo do nosso grupo de pesquisa, surgiu


um tema gerador: “Como você está vivendo o isolamento social?”. A
partir desse tema, o grupo se mobilizou para a produção das cartas-vi-
suais. O que seriam então cartas-visuais?
Tomamos “emprestado” o conceito da jornalista e mestre em
cinema Maria Elisa Macedo que concebeu o projeto sobre filmes-carta
em 2012. Nas palavras da própria autora:

Cartas Visuais é uma correspondência, um convite. A


partilha do olhar, do silêncio. É acreditar na potência da
palavra e da imagem, às vezes juntas, às vezes não. É uma
ideia carinhosa e um despertar. A palavra e a imagem
de passos e paisagens que se lançam em voos, mapas,
janelas. (MACEDO, 2012)

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Figura 1 – Printscreen da publicação no site Cartas Visuais.


Fonte: Macedo (2012).

Em outros termos, são correspondências afetivas ligadas às


lembranças daqueles que as produzem. Produções realizadas por sujeitos
geograficamente distantes inspiradas em suas memórias/cotidiano cuja
ideia, registrada e compartilhada, possa talvez inspirar outras pessoas.
Tecnicamente, o filme pode ser produzido sem restrições quanto ao
material a ser utilizado (celular, câmera amadora, câmera profissional etc.).
A escolha do formato - narrativas visuais - considera o encontro entre
imagem e texto como linguagens vinculadas, enfatizando a comunicação
intimista entre a produção audiovisual e a literatura, que em nosso caso, foi
voltada às redes sociais, principalmente Instagram, Facebook e Youtube.
Propõe-se, então, que não haja hierarquização e que se criem diálogos
que potencializem experimentações do que está ao nosso redor.
Apesar de as cartas-visuais terem sido construídas individualmen-
te, todos os envolvidos nesse processo tornaram-se educadores-educan-
dos ao mesmo tempo, uma vez que partimos do pressuposto de que cada
um tem conhecimento sobre algo para compartilhar, sendo esse fruto do

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

acúmulo de experiências ao longo da história de vida de cada um desde o


dia do seu nascimento. Por isso, à medida que o projeto se construía pelos
indivíduos, o conhecimento era construído coletivamente.
Com esse referencial, o grupo reconheceu o grau de rele-
vância que esse projeto poderia ter na divulgação científica e se
apropriou de sua linguagem visando uma maior interação com o pú-
blico-alvo, partindo de assuntos pessoais com os quais as pessoas
poderiam se identificar no período de isolamento social, sendo fonte
de inspiração para o autocuidado.
Como o objetivo era enfatizar o visual no ato de filmar as ro-
tinas e experiências, a rede social on-line mostrou-se um relevante
instrumento para essa interlocução, devido a sua aplicabilidade para o
compartilhamento de registros fotográficos e fílmicos em uma escala
global, contribuindo para que outras pessoas pudessem aproveitar
essas “dicas” em suas próprias vidas rumo à promoção de sua saúde
e de seu bem-estar, na medida do possível. Importante ressaltar que o
audiovisual incorpora muitos elementos interessantes que podem enri-
quecer o processo de diálogo entre o material produzido e seu espec-
tador. Organizar um bom roteiro, com uma comunicação objetiva, clara
e que evite dúvidas sobre a mensagem que está sendo transmitida, são
requisitos importantes na criação de um vídeo (SABOYA, 1992). Desse
jeito, cada um dos participantes que produziu sua carta visual, mesmo
em suas singularidades, preocupou-se com sentidos e significados que
gostariam de compartilhar com o público a partir de seu vídeo.

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Figura 2: Printscreen da série Saúde em Tempos de Quarentena e Isolamento Social.


Fonte: Perfil do Núcleo de Estudos Arte, Cultura e Saúde na rede social Instagram (2020)1.

Desse modo, a série Saúde em Tempos de Quarentena e Iso-


lamento Social publicada pelo NEACS entre abril e junho de 2020 teve
como inspiração principal a mostra de cartas-visuais da jornalista Maria
Elisa. Contudo foram acrescentados outros elementos e diferentes lin-

1  NEACS. Saúde em Tempos de Quarentena e Isolamento Social. Rio de Janeiro. 10 dez. 2020.
Instagram: @neacs.fiocruz. Disponível em: https://www.instagram.com/neacs.fiocruz/guide/cartas-
-visuais-1-temporada/17868160343301966/. Acesso em: 29 abr. 2021.

110
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

guagens artísticas, entre elas música, dança, literatura e artes plásticas.


A série criada no IGTV, aba apresentada pela rede social Instagram que
permite compartilhar vídeos de maior duração, CienciArte na Quarente-
na foi para além dos discursos de um universo de signos e significantes
na construção de um sistema de educomunicação.

A série de cartas virtuais do NEACS

A primeira edição da série de cartas-filme contou ao todo com


8 (oito) narrativas de membros do NEACS que se disponibilizaram a
compartilhar suas histórias nesse formato e aceitaram publicá-las em
nossas redes sociais.
No primeiro vídeo da primeira temporada da série, o psicólogo
e artecientista Roberto Silva relata como tem agido e conseguido se
manter bem, tanto física quanto psicologicamente em meio à situação
que nos atingiu com a pandemia e, consequentemente, como tem sido
possível para ele viver e experienciar o isolamento social. Para isso, ele
se exercita regularmente com orientação de um instrutor esportivo
profissional, revelando no vídeo um pouco de sua rotina de treino. Em
seguida, em sua narrativa, é possível perceber também a importância
do seu trabalho com a arteterapia, bem como sua participação em lives
para conscientização da população sobre o Transtorno do Espectro
Autista (TEA), na manutenção do seu bem-estar durante esse perío-
do singular pelo qual temos passado. Por fim, o referido artecientista
destaca a relevância do grupo de pesquisa para pensar estratégias de
enfrentamento à pandemia e o quanto esse movimento coletivo lhe
ajudou a superar os muitos meses de confinamento, com a mudança na
cultura da saúde, enfatizando a necessidade de ampliar as estratégias
de cuidado em saúde mental.
Na sequência, compartilhamos o filme-carta da bailarina, educa-
dora corporal e pesquisadora do movimento Cristiane Moreira. Em sua
fala foi destacada a importância da cultura, em seus vários aspectos, para
lidar com a pandemia da covid-19. Cultura, de acordo com a educadora,

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

é um dos agentes para o entendimento de nós mesmos enquanto indi-


víduos, sendo assim mesmo os atos mais corriqueiros do dia a dia fazem
parte do que se entende por cultura. Na narrativa em questão, a autora
chama atenção para a culinária, por exemplo. A comensalidade ganhou
destaque dentro da pandemia especialmente para os núcleos familiares
que puderam fazer o isolamento social em conjunto, construindo assim
pequenas comunidades com dinâmicas próprias. O vídeo traz imagens
que foram gravadas na semana santa de 2020, em que é possível ver
a feitura de uma canjica, prato típico dessa época para quem vive em
práticas afro-brasileiras. Vale destacar que a cultura integra também o
conceito de saúde. Segundo a OMS, saúde não é definida “apenas como
a ausência de doença, mas como a situação de perfeito bem-estar físico,
mental e social” (SEGRE, 1997, p. 14.). Em busca desse equilíbrio, Cristiane
compartilhou ainda um pouco de sua rotina (trabalho, lazer, exercícios
físicos e outras possíveis alternativas) com as quais tem buscado passar
bem por esse período em que se vê impedida de manter um contato
presencial com familiares e amigos.
No terceiro vídeo, o musicoterapeuta Victor Strattner, de uma
maneira bem despojada, inicia sua narrativa sentado na sala de sua casa
falando sobre a importância de se reinventar e o que tem feito para al-
cançar tal feito em tempos pandêmicos. Entre uma fala e outra, em que
compartilha seus sentimentos sobre como está lidando com o isolamento
social, é possível ouví-lo tocando alguns instrumentos musicais e ainda
praticar com ele uma sequência de movimentos, inspirada na prática das
artes marciais. Um ponto chave em sua carta-filme, o momento em que
o autor fala da importância da desconstrução do binarismo entre saúde e
doença e da necessidade de ampliar o alcance das práticas para promo-
ção da saúde para além da academia. Victor finaliza apontando para seu
esforço pessoal nesse sentido ao realizar lives em seu perfil na rede social
Instagram a fim de compartilhar essas práticas com o maior número de
pessoas possível.
Dando continuidade ao projeto, mais uma vez adentramos a casa
de um dos integrantes do NEACS. Dessa vez fomos convidados pela
Ana Beatriz, estudante de História da Arte pela Universidade Federal do

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Rio de Janeiro (UFRJ), musicista e bolsista do Programa Institucional de


Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), a uma conversa no seu sofá. O vídeo
segue apenas com a sua voz nos guiando por suas reflexões enquanto
compartilha conosco belas fotografias de espaços culturais da região
metropolitana do Rio de Janeiro. A autora define como era a sua vida
antes e durante a pandemia: na primeira situação há uma intensa relação
com as artes por meio de visitas a museus, exposições etc.; na segunda,
a mudança de foco, culminando em uma necessidade de um mergulho
para dentro de si, e aqui a jovem pesquisadora compartilha com o pú-
blico suas práticas de meditação. A criatividade no “novo normal” trazida
pela pandemia é observada como um caminho de reorganização de
pensamentos e emoções, entendendo a arte como forma de cuidar de
sua saúde mental. No próprio ato de gravar um vídeo, Ana relata suas
vivências poeticamente e nos deixa um bom conselho ao final: “Respire
fundo e olhe pra si, olhe além, vai ficar tudo bem!”.
O próximo vídeo contou com os relatos de Ricardo Malheiros,
biólogo e doutorando do Programa de Pós-graduação em Ensino em
Biociências e Saúde. O estudante inicia seu relato destacando sua posi-
ção privilegiada durante a pandemia por poder estar vivendo esse mo-
mento junto à sua família e ainda em uma cidade na baixada litorânea
do estado do Rio de Janeiro, em um bairro afastado e em companhia do
mar. Ao compartilhar alguns registros fotográficos, Ricardo deixa trans-
parecer o quanto tem sido, em alguma medida, prazeroso esse tempo
em que ele tem também aproveitado para dedicar-se à escrita de sua
tese sobre o ensino de biociências utilizando vídeos populares/comu-
nitários como recurso pedagógico. Com a adaptação dos encontros do
NEACS ao modo virtual, o autor contou ainda como tem sido possível
dar continuidade aos trabalhos do grupo, seja nas reuniões, seja nas
publicações, sendo esta uma atividade bastante proveitosa nesse con-
texto pandêmico. Para terminar, o biólogo assinala sua preocupação
com o caos político-social e na área da saúde, não só no Brasil como no
mundo, e convida a todos a encontrar forças em forma de apoio mútuo.
Na sequência, a escritora, biomédica, artecientista e mestranda
do Programa de Pós-graduação em Ensino em Biociências e Saúde,

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Adrielle Macêdo Fernandes, ao som de uma suave música com uma


mistura de sons da natureza e ainda, tendo como pano de fundo belas
imagens do céu e das árvores, relata a empolgação com o início do
mestrado e a frustração de logo no começo precisar migrar para o am-
biente virtual devido à pandemia, afinal foi preciso aceitar que “o jeito é
ficar em casa”. A cenografia do vídeo, no início com imagens de lugares
abertos, com cores vivas, passando a tomadas mais fechadas, em um
ambiente com menos luz onde predominam as telas do seu computador
com aulas e notícias, contribuiu para comunicar o quanto de liberdade
se perdeu na pandemia, “impossível não se afetar”. O foco dela mudou,
centrou-se nos estudos e na produção de artigos junto ao grupo de
pesquisa. Para a jovem, “mais do que nunca é importante se reconectar
com aspectos essenciais da minha vida, cuidar de mim mesma e cuidar
de quem eu amo”. E aqui, Adrielle compartilha seu segredo para resistir a
pandemia: a cozinha, como terapia para se estar perto de quem se ama,
e literatura, como potência para nos levar além das paredes de nossas
casas. Citando Cora Coralina a jovem artecientista nos deixa alguns ver-
sos como inspiração “Não te deixes destruir... Ajuntando novas pedras e
construindo novos poemas. Recrie sua vida, sempre, sempre. Remove
pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça”.
Nosso penúltimo vídeo mostrou um pouco do cotidiano de
Nathalia Perrone, aluna do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica (PIBIC) e, à época, recém ingressa no curso de Licenciatura em
História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
Com uma foto típica, corpo pintado e sorriso largo de quem está prestes
a iniciar algo muito esperado, do dia do seu “trote” (ritual de passagem
típico das universidades), Nathalia inicia sua carta-filme contando sobre
a tristeza de não poder viver muito mais que apenas uma semana de
aulas dessa nova experiência. A necessidade imposta pelo contexto era
de se adaptar ao modelo de ensino remoto, ainda que tão no início do
curso. Para lidar com esse sentimento e não se deixar dominar por ele,
foi necessário encontrar novas formas de ocupar o tempo: experiências
culinárias, tempo com seu bichinho de estimação, séries, futebol, mú-
sica, jogos com os amigos e, nesse caminho, tudo isso conjugado com

114
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

estudos e produção científica. Essas formas de ocupar o tempo foram


importantes para promover sua saúde mental e entender que era possí-
vel “fazer arte” e “fazer ciência” ao mesmo tempo (SAWADA et al., 2017,
p. 164). Tempo esse que antes não existia para coisas tão simples, e que
com a pandemia foi criado, dando espaço ainda ao cuidado e à atenção
às relações antes com menor prestígio. Estar triste não é o problema, às
vezes pode ser o ponto de partida para novas experiências. Assim, de
forma descontraída, Nathalia nos mostrou na prática o que sua mãe lhe
ensinara em forma de verso: é preciso “perceber o lado bom e saber que
tudo é passageiro”.
Completando a primeira temporada da série, somos convida-
dos por Julia Fleury, cientista social, dançarina e atualmente mestranda
no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a uma reflexão sobre o tempo.
Ela nos conta que sempre reclamava da falta de tempo, “os dias não
suportavam tudo que eu queria ou tinha que fazer, a vida corria na
frente e eu tentava alcançar. Na quarentena eu tenho tido tempo para
ver o tempo passar”. Um privilégio poder perceber o isolamento social
dessa forma, vendo o sol pela janela! Reflexão fruto de um processo
de autoconhecimento, buscando perceber a si mesma, nos detalhes,
de dentro para fora, agregando aspectos mentais e físicos. Júlia traz
imagens reflexivas fortes. O único contato possível: o sol batendo em
sua pele; o aprofundamento dos vínculos afetivos com seus pais (que
inclusive foram os responsáveis pelas imagens capturadas e exibidas
no filme). A força da arte e da ciência aparecem repetidas vezes em sua
narrativa para traduzir em palavras os muitos sentimentos e pensamen-
tos surgidos nesse período. É isso, “A vida acontece dentro, e não fora”,
“não se cobre muito”, “se puder fique em casa e proteja si e a quem
você ama”, são os conselhos dessa jovem artecientista para resistir à
covid-19. Infelizmente, Júlia ainda viria a ter de lidar com a perda de seu
pai no segundo semestre de 2020.
Como afirma Bernal e Martins (2015), é impossível imaginar a
ação de um educador sem a comunicação que tem como objetivos
sensibilizar as pessoas, mobilizar para ação organizada; manter o regis-

115
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

tro das intervenções, além de construir uma memória da intervenção,


mantendo todo registro para análise crítica. Nesse sentido, é importante
inspirar outras iniciativas, permitindo que as pessoas possam entrar em
contato e aprender com a experiência realizada, enfim, pensar coletiva-
mente o mundo (Bernal; Martins, 2015).
Em virtude disso, acreditamos que a exposição de como con-
seguimos nos fortalecer e permanecer pesquisando em situação hostil
e desfavorável possa fazer com que a leitura desse relato gere a outros
grupos a busca por soluções similares ou até mesmo que partam des-
tas para construir mecanismos para que se mantenham ativos, mesmo
que não haja a possibilidade de encontros físicos. Aliás, essa experiência
potencializou que membros que estavam em localidades geográficas dis-
tantes, que estariam em outra situação, inatingíveis, pudessem integrar o
grupo e efetivamente contribuir com o processo de estruturação do saber
coletivo. Como exemplo, atualmente, contamos em nossas pesquisas e
em nossos seminários com a participação da pesquisadora colaboradora
Raquel Gomes, doutora em sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais
e Políticos da UERJ, que atualmente mora em Paris, na França; dos es-
tudantes Rebeca Torquato e Arthur Villela recém-chegados ao mestrado
no Programa de Pós-graduação em Ensino em Biociências e Saúde da
Fiocruz , ela residente em Brasília - DF, e ele em Volta Redonda - RJ; e
da pesquisadora colaboradora Thaise Alves, doutora em Enfermagem em
Campina Grande - PB.
Não deixando de reconhecer, como já citado no início do texto,
que o NEACS existe dentro de um microcosmo específico com acesso
privilegiado a meios digitais, ainda assim essa experiência pode ser
replicada em outros grupos de pesquisa semelhantes em estrutura.
Cabe ressaltar, que cada membro pesquisador se torna replicador do
conhecimento construído no grupo e o leva para ser difundido nas suas
esferas de atuação. Seja em seus campos de trabalho, diretamente
no trato com os pacientes ou com estudantes, como nas suas esfe-
ras de convívio social, uma vez que o ensino e o aprendizado não se
restringem dentro dos muros acadêmicos ou de qualquer bolha que
queiramos colocar; está aí o ensino não formal para exemplificar isso.

116
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Nesse sentido, as cartas-visuais do NEACS em 2020 surgiram


a partir do processo de observação e estranhamento das realidades
que vivemos, como verdadeiros inéditos-viáveis, resultantes de com-
plexo processo pedagógico, que foi até a percepção crítica dos sujeitos
envolvidos; realidade mesmo essa que propiciou a construção dos
inéditos-viáveis como etapa que antecede a ação; no momento em os
sujeitos percebem as situações-limites não mais como uma “fronteira
entre o ser e o nada, mas como uma fronteira entre o ser e o ser mais”, e
se fazem cada vez mais críticos na sua ação, ligada àquela percepção.
Percepção na qual está implícito o inédito-viável como algo definido
cuja concretização dirigirá sua ação (Freire, 1987, p. 94).

Considerações finais

Como afirma Camilo Riani (2019) na apresentação de sua arte-


-tese “a arte em si não é a arte, o processo é a arte”. Em outros termos,
a própria construção da obra é o elemento artístico. Nesse texto inten-
tamos trazer um pouco do processo que nos levou, enquanto grupo, a
produzir uma série de cartas-visuais narrando as experiências de alguns
membros de nosso núcleo de estudos sobre esses dias pandêmicos. O
conhecimento gerado pelas cartas visuais foi o objeto trabalhado aqui,
mas também o resultado de nossa pesquisa.
A pandemia da covid-19 nos trouxe o estranhamento da reali-
dade, em uma ação de resposta imediata ao evento do confinamento
e na tentativa de elaborar aquilo que era estranho e ao mesmo tempo
familiar. Nesse processo, adotamos medidas que tiveram repercussão
no coletivo, mas que atingiram cada indivíduo de forma distinta. O gran-
de aumento de doenças psicossomáticas e também doenças mentais
disseminadas nesta pandemia é um exemplo. Percebemos assim, as
singularidades e pluralidades verificadas no decorrer desse processo
(MELLO; GOMES, 2021).
Nossa pesquisa, portanto, se inteirou desse contexto e ponde-
rou como a cultura e a arte podem influenciar no estado de saúde de

117
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

cada indivíduo e, por sua vez, de cada sociedade. No afã de dividir o


que cada integrante do NEACS estava fazendo, nos apoderamos do
que era possível – os inéditos-viáveis - para continuar na nossa jornada.
Assim divulgamos por meio de registro audiovisual estratégias que
entendemos como de promoção de saúde, como fonte de inspiração
para o autocuidado e pensando na edição de cartas-visuais que tem
como principal objetivo analisar percepções físicas e emocionais das
experiências vividas no cotidiano em isolamento social como inéditos-
-viáveis em meio à pandemia da covid-19.
Neste trabalho reflexivo, registramos os impactos da covid-19
na vida das pessoas, em seus corpos, suas mentes e também em seus
territórios, bem como nosso futuro após a maior crise humanitária da
nossa geração, que da noite para o dia nos colocou em contato com
o inédito-viável, que nos balizou para viabilizar Saúde, fazendo Ciência,
fazendo Arte.
Pensar nas potencialidades dos inéditos-viáveis é entender
que um utópico sonho pode se converter em realidade. Levando em
conta a obra freiriana, podemos identificar nesse contexto a práxis
libertadora e o sonho da libertação a partir do conhecimento. O inédi-
to-viável para nós foi um sopro de esperança (do verbo esperançar) de
transformações sociais e humanas rumo a uma sociedade brasileira
mais fraterna e menos desigual.

Referências

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2015. v. 6.

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22. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

118
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

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SEGRE, M. O conceito de saúde. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 31, n. 5, p.


538-542, 1997.

119
CAPÍTULO 7
JUSTIÇA E RACISMO AMBIENTAL NO ENSINO
DE BIOLOGIA: PRATICANDO EDUCAÇÃO
AMBIENTAL CRÍTICA NA ESCOLA

Rodrigo de Jesus Oliveira Fonseca


Patrícia Domingos

Educação Ambiental crítica em contexto escolar

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997),


a Educação Ambiental na escola pública foi afirmada como um tema
transversal e abordada por meio de projetos, atividades limitadas ou
apenas citações durante aulas. A recente Base Nacional Curricular
(BNCC) de Ciências da Natureza e suas Tecnologias (BRASIL, 2016)
reduziu espaço para essa discussão na proposta curricular (SILVA;
LOUREIRO, 2020). Entretanto entendemos que, por meio de atividades
que valorizaram a pesquisa de campo, buscando evidenciar conflitos
socioambientais naturalizados pelos estudantes, é possível discutir
conceitos de justiça e racismo ambiental no contexto do ensino de
biologia no nível médio (FONSECA; DOMINGOS, 2018).
O referencial teórico-metodológico deste trabalho é a Edu-
cação Ambiental Crítica, que traz concepções políticas, pedagógicas
e epistemológicas (LAYRARGUES; LIMA, 2014) comprometidas com
a compreensão das lógicas que produzem a sociedade desigual,
buscando sua transformação. É importante reconhecer ainda que,

120
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

para a transformação social, é essencial garantir aos estudantes de


periferia o acesso ao acervo de conhecimentos científicos acumulados
pela sociedade para uma intervenção competente no processo de
transformação desejada. Referimo-nos, sobretudo, ao conhecimento
produzido e sistematizado pela sociedade de forma crítica, pois “é
parte do compromisso ético-político do pensamento crítico explicitar
que a produção do conhecimento, enquanto produção social, não se
separa de sua dimensão ideológica e de seu compromisso de classe”
(TREIN, 2012, p. 316). Da mesma forma, destacamos que a ação docente
não pode ser neutra, mas deve se colocar contra uma educação que
quer adaptar o educando a uma realidade que não pode ser mudada
(FREIRE, 2015).
Os sentidos da pedagogia de Freire, libertária e motivadora de
ações que possam desvelar a realidade pouco evidente para os grupos
que sofrem das desigualdades aí impostas, possuem grande afinidade
com a Educação Ambiental Crítica, como o olhar problematizador e
crítico em relação à realidade (LOUREIRO; LIMA, 2009).

Injustiça e racismo ambiental

O município do Rio de Janeiro possui uma marcada diferença re-


gional na oferta de serviços públicos, refletindo-se na desigual qualidade
de vida e bem-estar das regiões da cidade. Observa-se um claro cenário
de injustiça e racismo ambiental a partir da identificação das diferenças
político-ambientais entre os bairros da zona sul e norte da cidade do Rio
de Janeiro, em geral. A maior parte da população das regiões da cidade
desprovidas dos serviços ambientais básicos (saneamento, coleta de lixo,
dentre outras), é negra (ROLNIK, 2007), o que permanece muitas vezes
naturalizado. Como exemplo, enquanto o bairro da Lagoa possui Índice de
Desenvolvimento Social (IDS) igual a 0,786, o índice do bairro da Pavuna
é igual a 0,520, um dos menores do município do Rio de Janeiro (RIO DE
JANEIRO, 2008).

121
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

No contexto educativo, trata-se de refletir sobre o sistema


socioeconômico vigente, que expande o distanciamento entre os níveis
de condições socioambientais dos nichos sociais de ricos e pobres da
cidade, destacando o papel da educação em evidenciar tais injustiças e
construir caminhos coletivos de superação.
A realidade desigual das grandes cidades mostra que são
os bairros mais pobres e desprestigiados, como favelas e periferias,
aqueles que abrigam em maior parte as populações negras da cidade,
que são discriminadas e submetidas às injustiças sociais e ambientais
(LEÃO et al., 2017). As dinâmicas geopolíticas territoriais locais revelam
o cenário de racismo ambiental, considerado qualquer política, prática
ou diretriz que afeta desigualmente ou prejudica (intencionalmente
ou não) indivíduos, grupos ou comunidades com base em raça ou cor
(BULLARD, 2004).
Para a escola se tornar formadora de cidadãos atentos à sua
realidade, futuros agentes sociais envolvidos democraticamente na
decisão por mudanças (LOUREIRO, 2007), é vital que a discussão de
temas socioambientais parta do território onde se insere a escola, e
que o corpo de professores esteja motivado a promover a inserção de
temáticas de injustiça e racismo ambiental no cotidiano da sala de aula.
Este capítulo apresenta uma pesquisa de caráter participante,
a fim de avaliar a pertinência e eficácia de uma prática em Educação
Ambiental que fosse capaz de explicitar conflitos e injustiças socio-
ambientais para estudantes de uma escola situada em território de
periferia, submetidos a tais injustiças.

Caminho metodológico

O estudo foi desenvolvido em um colégio público de ensino


médio no bairro de Costa Barros, Rio de Janeiro, bem ao lado da favela
da Quitanda, onde a violência é uma constante e a poluição está pre-
sente no dia a dia. A região possui o segundo menor Índice de Desen-
volvimento Humano (IDH) do município (IBGE, 2000).

122
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

A pesquisa foi realizada com uma turma de 3º ano do ensino


médio com média de presença de 20 a 25 alunos por aula, durante um
período letivo anual. Todos os participantes da pesquisa, e seus respon-
sáveis, preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o
Termo de Assentimento Livre e Esclarecido, autorizando o uso de dados
e imagens neste trabalho. Para observação da realidade no território da
escola, foi realizado um Diagnóstico Local Participativo (DLP) (adaptado
de NEVES & SALOMÉ, 1997), modalidade dentro dos chamados Diag-
nósticos Participativos (SUSIN; ALVES; GOMES, 2001). Assim, os próprios
estudantes indicam as questões locais e, dessa forma, a coleta de dados,
as possíveis hipóteses e seleção de questões de interesse ou relevância,
são, desde o começo, uma construção em conjunto com o grupo envol-
vido na pesquisa.
Para a visita de campo, foi usado um Protocolo de Avaliação
Rápida (PAR) (adaptado de CALLISTO et al., 2002) para classificação
das condições ecológicas de trechos de duas bacias hidrográficas,
uma na zona sul da cidade e outra na zona norte, na região onde se
localizam o colégio e as residências dos estudantes. As análises das
observações foram realizadas durante um seminário no qual os estu-
dantes apresentaram os resultados do DLP, das saídas, comparando
as respostas do PAR, as entrevistas com moradores e outros materiais
que produziram nessa investigação.
Ao final, em um questionário, os estudantes relatam a impor-
tância das atividades do projeto e os aprendizados mais relevantes,
permitindo estimar a contribuição do projeto para sua formação.
Todas as etapas deste trabalho estão disponíveis, com maior riqueza
de detalhes, em um vídeo na modalidade técnica draw my life, sob a
forma de desenhos, disponibilizada em: https://www.youtube.com/
watch?v=p-RX7g3lbUI&t=131s, com a finalidade de servir como material
de apoio para professores da escola básica. O vídeo pode contribuir
para aumentar o acervo de materiais disponíveis que orientem o traba-
lho pedagógico a partir de pressupostos da Educação Ambiental Crítica
em contexto escolar.

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Questões emergentes do diagnóstico local

Associado ao DLP, emergem questões gerais como “Como é


o ambiente em que você vive? Como você gostaria que fosse? O que
fazer para mudar?”, questões essas, orientadoras em trabalhos seme-
lhantes (NAVARRO, 2008).
A análise das respostas à primeira pergunta (Gráfico 1) traz uma
visão negativa dos alunos sobre o território do colégio, considerado
“desagradável, ruim, sem beleza e feio”. O lixo é apontado como pro-
blema de maior importância, com reclamações sobre “o entupimento
dos bueiros; rios poluídos; mau cheiro e queima de lixo e de carros”. A
questão da violência aparece em segundo lugar, para a qual ressal-
taram, por exemplo, “o perigo de bandidos; os tiroteios; os roubos de
cargas e de automóveis; e os corpos (cadáveres) jogados nos rios”.

Gráfico 1 – Respostas obtidas ao questionamento “Como é o ambiente em que você vive?”.


Fonte: Elaborado pelos autores (2019).

A região é marcada por fatos e eventos de violência extrema,


que já envolveram o próprio colégio em manchetes de jornais. O projeto
reformulado do prédio escolar incluiu uma área blindada para proteção
durante tiroteios ali frequentes. Isso mostra que o estado abdica de seu
dever de garantir a segurança e substitui essa atribuição pelo adestra-

124
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

mento de estudantes, preparando-os para viverem de forma controlada,


tendo o pânico e a insegurança de tiroteios como algo normalizado. Se a
necropolítica aponta o papel do estado nos processos de produção das
condições e decisão sobre quem deve morrer ou viver (MBEMBE, 2018),
no contexto aqui verificado, podemos falar da ação do Estado por uma
necropedagogia, que quer adestrar e tornar os estudantes docilizados
para que possam ser submetidos e preparados para uma morte silente
e normalizada.
A ausência de saneamento básico, terceiro item mais citado, teve
as causas associadas à própria população local, considerada mal-edu-
cada e responsável pelo lixo a céu aberto. A ocorrência de alagamentos
causados por “despejo de lixo”, entulho e “móveis” em locais indevidos,
assim como ausência de espaços de lazer, esporte e leitura, também
foram citados.
Destaca-se a intensa culpabilização de moradores, ou seja, dos
próprios alunos, seus familiares e amigos pelos problemas evidenciados,
principalmente com respeito ao lixo. Apenas dois alunos ressaltaram que
“há moradores que reúnem e reciclam o lixo, porém são poucos”. Nenhum
aluno responsabilizou a prefeitura nas respostas à primeira pergunta ou
relacionou carência de serviços públicos ao quadro de problemas. Essa
análise indica a necessidade de que os jovens das periferias da cidade
reconheçam-se em um cenário de racismo ambiental e injustiça ambiental
(ACSELRAD, 2005), apropriando-se desses conceitos a partir da discussão
sobre os determinantes sociais e políticos que explicam as condições
socioambientais locais desses territórios e as contradições ali vividas.
As respostas às perguntas seguintes foram reunidas em cate-
gorias por afinidade. Como resposta ao questionamento, “Como gosta-
ria que fosse?” o ponto mais citado foi o ambiente mais limpo, “sem lixo,
sem entupimento dos bueiros e com coleta de lixo constante” (Gráfico
2). O desejo por um bairro sem violência surge em segundo lugar, com
expressões como “poder de ir e vir, poder sair de casa sem medo e
liberdade para crianças brincarem”.

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Gráfico 2 – Respostas à pergunta “Como você gostaria que fosse o seu território?”.
Fonte: Elaborado pelos autores (2019).

Os alunos apontaram o desejo por mudanças, mas sob


responsabilidade dos moradores, que deveriam se organizar para
limpar as ruas em um mutirão. Apenas um aluno responsabilizou
diretamente a prefeitura da cidade, identificando os atores sociais
responsáveis pela situação apontada.
Este trabalho desenvolveu ações que buscam as raízes polí-
ticas e condicionantes que originaram e perpetuaram os problemas
enfrentados pelas classes sociais historicamente marginalizadas. O
que se propõe é levantar os dados necessários para questionar tais
condicionantes sociais que implicam na reprodução social e geram a
desigualdade e os conflitos ambientais (LOUREIRO; LIMA, 2009). Trata-
-se de apontar o contexto vivido pelos estudantes como fruto de uma
construção social e que, portanto, pode ser transformado, e não algo
dado, natural, que não se modifica, como entendido por muitos dos es-
tudantes. Freire (1987, p. 20) apontava o fato de que “a realidade social,
objetiva, não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens,
também não se transforma por acaso”. Segundo Paulo Freire (2015), o
aluno deve desenvolver uma leitura crítica do mundo e ser visto não
como sujeito objeto, mas como sujeito histórico capaz de compreender
a realidade em que se insere, interpretar a dinâmica da sociedade,
avaliar criticamente a situação e se engajar na sua transformação.

126
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Perguntados sobre “O que fazer para mudar”, as respostas


demonstram que a maioria dos alunos acredita na responsabilidade da
conscientização de cada morador para a melhoria da qualidade de vida
local (Gráfico 3). É uma perspectiva que preza pela mudança comporta-
mental dos indivíduos por meio da educação escolar e familiar.

Gráfico 3 – Resposta à pergunta “O que fazer para mudar?”.


Fonte: Elaborado pelos autores (2019).

Para ampliar a percepção diagnóstica sobre o território, foram


realizadas entrevistas com os moradores, parentes e vizinhos dos pró-
prios alunos para levantar informações sobre a percepção dessa popu-
lação a respeito do atendimento e execução do serviço de coleta de
lixo no território por meio da Companhia Municipal de Limpeza Urbana
(Comlurb) da prefeitura.
A atividade buscou problematizar a forte culpabilização dos alu-
nos sobre os moradores locais, eles mesmos, seus parentes e vizinhos.
A pesquisa foi centrada sobre a oferta de serviços e equipamentos
públicos no bairro onde moram, o que foi depois comparado com as
zonas privilegiadas da cidade durante a saída de campo.
Foi perguntado aos 22 entrevistados sobre a frequência de
garis da Comlurb nas ruas, presença do caminhão de lixo e cami-
nhão de coleta seletiva (esse último nunca foi visto no território). Foi
elaborada uma pergunta para os alunos sobre o serviço público da
Prefeitura do Município do Rio de Janeiro, oferecido pelo telefone
1746. Por meio desse número, é possível solicitar a retirada particular,
por qualquer cidadão, de grandes peças de lixo, como sofás velhos e
objetos de maior peso.

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Todos os estudantes telefonaram para o número de serviço da


prefeitura e todos receberam uma resposta negativa para o atendimen-
to, sob justificativa de que o local é uma “área de risco”. As respostas
mostram que há caminhão de lixo sem coleta seletiva e garis trabalhan-
do na região com certa frequência, porém não é possível obter atendi-
mento para a remoção de entulhos, o que leva ao acúmulo de móveis
e outros objetos, eventualmente, queimados em terrenos baldios pelos
próprios moradores. O resultado ilustra a ausência do serviço 1746 da
prefeitura no local, demonstrando um cenário de injustiça ambiental
sofrido pelos moradores, tendo o estado como agente. Até aquele mo-
mento, os alunos não sabiam da existência do serviço e muito menos
que ele só está presente em algumas regiões privilegiadas da cidade.
Os estudantes destacaram que o acúmulo de lixo facilita a reprodução
de animais transmissores de doenças e a queima de resíduos afeta a
qualidade do ar e da saúde dos indivíduos. O estado não consegue ga-
rantir serviço de segurança ao território e esse é exatamente o cenário
que vai ser usado para justificar a ausência de outros serviços públicos.
O desenvolvimento do trabalho com os alunos sobre o diagnós-
tico e a realidade de seu território tomaram em conta referenciais de-
sejáveis em Educação Ambiental Crítica (SPALAOR; CONSENZA, 2017),
como inserir nas discussões (i) a perspectiva social, política, econômica,
histórica e cultural, (ii) a evidenciação de conflitos socioambientais lo-
cais, muitas vezes silenciados ou naturalizados, (iii) a evidenciação dos
cenários de injustiça ambiental e (iv) a busca da participação propositiva
do alunado e sua atuação em favor da transformação da realidade.

A aplicação do Protocolo de Avaliação Rápida (PAR)

A primeira saída de campo para aplicação do PAR incluiu a vista


a uma área protegida (Jardim Botânico) e trechos da bacia hidrográfica
da Lagoa Rodrigo de Freitas (Rio dos Macacos), enquanto a segunda foi
no território da escola, em trechos da sub-bacia dos rios Acari e Pavuna
(Baía de Guanabara).

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Na visita à zona sul, ao longo do caminho, os alunos fizeram


registros de aspectos ambientais e curiosidades, comentando “Não
tem lixo no chão”, “As ruas são bonitas aqui”, “Não tem cocô na rua”
e “Aqui a rua não fede”. As suas falas, feitas à vontade, enquanto riam
e aproveitavam o passeio, demonstram a necessidade de ações/ati-
vidades/projetos de viés crítico, pautado sobre a temática da justiça
ambiental, principalmente em colégios de periferia. No Parque Jardim
Botânico encontra-se o trecho mais preservado do Rio dos Macacos
(Figura 1). A foz se localiza na Lagoa Rodrigo de Freitas, onde os alunos
encontraram um catamarã da Comlurb realizando a limpeza superficial
da água.

Figura 1 – aplicação do PAR no Rio dos Macacos, Jardim Botânico e Rio Acari e
Pavuna, respectivamente. O segundo caso, mostra ainda a realização de um vídeo e
reportagem pelos alunos.
Fonte: Acervo dos autores (2018).

Os alunos perguntaram aos garis sobre a frequência da limpeza


e foram informados de que essa limpeza ocorre diariamente, como
relatado pelo informativo da companhia de 2 de julho de 2016 (RIO
DE JANEIRO, 2016) que informava a frequência diária de limpeza e a
retirada 44 toneladas de resíduos mensalmente do espelho d’água
da Lagoa (Figura 2). Imediatamente, relembraram que nunca viram a
Comlurb realizando esse mesmo serviço nos rios da sua região.

129
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Figura 2 – informativo do site da Comlurb, de 2 de julho de 2016 sobre a frequência de


limpeza da Lagoa Rodrigo de Freitas.
Fonte: Rio de Janeiro (2016).

A aplicação do mesmo PAR em um trecho da bacia hidrográfica, a


qual pertencem os Rios Pavuna e Acari, revelou condições muito mais ad-
versas de ocupação das margens, preservação de matas ripárias, nível de
erosão das margens, considerado acentuado no Acari e apenas moderada
no Macacos, mau cheiro e lançamentos de efluentes, presença de vege-
tais na superfície dos corpos fluviais e transparência da água. Todos os
grupos foram unânimes ao classificarem como escuras as águas dos Rios
Pavuna e Acari, enquanto o Rio dos Macacos foi considerado transparente
nas partes mais altas e turva nas partes baixas (baixo curso do rio).

130
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Os alunos se mostraram muito motivados para o trabalho, rea-


lizaram fotos, vídeos, inclusive sob a forma de reportagem (Figura 1), e
o material foi posteriormente compartilhado em seminário no colégio,
no qual se percebeu a inserção e diálogo com o conceito de racismo
ambiental, ao mesmo tempo que adquiriram importantes conceitos de
biologia e ecologia, reforçando a necessidade do ensino de ciências
para o empoderamento dos sujeitos, visando sua atuação cidadã.
O PAR se constituiu excelente ferramenta auxiliar para o trabalho de
campo e para o ensino e pesquisa ecológica com base na avaliação visual
de nichos específicos, sendo adequado tanto para a avaliação de impactos
ambientais (CALLISTO et al., 2002), quanto para o diagnóstico socioambien-
tal no ensino de temas em Biologia. Os estudantes participam de forma
ativa na construção de seu aprendizado, animados pelas observações que
realizaram e pela busca por ampliar a compreensão dos achados.
A intenção das visitas foi permitir que o próprio aluno consti-
tuísse novos referenciais para o entendimento do quadro de injustiça
e racismo ambiental aos quais está submetido. É importante destacar
que muitos jovens de periferia não se deslocam para fora de seus
territórios, principalmente para áreas nobres da cidade, onde se sen-
tem “desconvidados” a circular. A face mais perversa desse cenário
de injustiça ambiental é a própria população se culpabilizar por sua
situação de injustiçado, como faziam os alunos. Foi importante que os
alunos vissem por si, experimentassem e tirassem conclusões próprias.
Dessa forma situações naturalizadas e pouco explicitadas tornam-se
praticamente didáticas para o entendimento e problematização do
quadro local de problemas socioambientais, da injustiça e do racismo
ambiental.
A aquisição de novas perspectivas para a interpretação da reali-
dade fica clara com a comparação nas respostas dadas em um primeiro
momento do projeto e após as atividades (Gráfico 4). Houve redução do
número de alunos que responsabilizava exclusivamente a população
pelos problemas ambientais, enquanto que o número de alunos que
responsabilizava exclusivamente o governo aumentou de 6 para 14 alunos
(54% da turma).

131
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Há explicitamente a apropriação de um viés crítico quando “ra-


cismo ambiental” e “injustiça ambiental” constam em respostas como:
“Na zona sul, os rios têm limpeza diária”, “Os arredores do colégio é (sic)
a parte esquecida”, “A classe mais alta é a que recebe mais ajuda do
governo”. O conceito racismo ambiental também é explícito em res-
postas que contêm termos como “Racismo ambiental”, “Desigualdade
ambiental” e “Questões étnicas”.

Gráfico 4 – Interpretação da realidade ambiental e causas associadas, apontadas (A)


na atividade inicial e (B) na atividade final.
Fonte: Elaborado pelos autores (2019).

Os resultados demonstram a relevância de problematizar a re-


alidade local como ponto de partida para ações educativas de caráter
crítico. A estratégia também é enfatizada por Freire (1987) ao apontar a
estratégia de discussão com alunos a partir dos temas que emergem
da análise da totalidade, isolando aspectos que permitem a construção
das relações de poder que determinam a realidade ou materialidade
histórica em que estão imersos.
A incorporação da noção de injustiça e racismo ambiental é um
dos legados mais importantes deste trabalho para os estudantes, que
desenvolveram a noção de estranhamento sobre sua realidade injusta,

132
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

antes naturalizada, e sobre a desigualdade observada na cidade e nos


serviços aportados pelo poder público nos diferentes locais da cidade.
Freire vai apontar a necessidade de se desvelar para os próprios sujei-
tos sua condição de oprimido, sem a qual não se realiza transformação.
Os conhecimentos biológicos e ecológicos aprendidos com
os trabalhos aportaram informações importantes para essa mudança
de perspectiva, ao confrontarem as condições de rios de seu território
com corpos d’água das áreas privilegiadas. Esses conhecimentos
ecológicos, associados à discussão de injustiça e racismo ambiental,
permitiram avaliar a dimensão das consequências socioambientais
das discrepâncias estudadas.

Considerações Finais

Nosso entendimento é pela discussão da temática ambiental


de forma o mais interdisciplinar possível, por meio de projetos escola-
res inseridos no Projeto Político Pedagógico da escola. É desejável que
a temática ambiental de vertente crítica seja incorporada em todas as
disciplinas e ao longo de todo o período letivo escolar.
No contexto educativo, a investigação de dados e questões
do território escolar remetem os estudantes a “descobertas” sobre as
injustiças e desigualdades da realidade, vividas muitas vezes de maneira
naturalizada. Fatores estruturantes e explicativos do contexto local
podem ser explicitados, causando um estranhamento face a situações
de injustiça antes invisibilizadas. Como exemplo, a clara explicitação do
papel do Estado a serviço de uma parcela abastada da população da
cidade e a negligência institucionalizada historicamente ao seu território.
A saída de campo foi um marco importante para muitos alunos
conhecerem um ponto turístico da sua cidade e consolidar conceitos,
especialmente da ecologia, como eutrofização, ciclos biogeoquí-
micos, biodiversidade e conservação, ao mesmo tempo em que se
reconheceram como vítimas em um cenário de injustiça e racismo
ambiental estruturante.

133
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

O desenvolvimento da Educação Ambiental Crítica na escola


básica encontra limites e possibilidades que exigem um trabalho de
continuidade e a eleição de temas que dialoguem com o currículo.
Nesse sentido, o trabalho com uma turma de 3º ano do ensino médio foi
facilitado pelos conteúdos curriculares de meio ambiente dessa série.
Professores devem estar preparados para atender a alunos mora-
dores de regiões vulnerabilizadas na promoção de um ensino de biologia
que dialogue com a realidade local, para o desenvolvimento da reflexão
crítica sobre as condições socioambientais às quais os alunos estão
submetidos. Atentos à necessidade dessa discussão, como demonstrado
nesta pesquisa, o tema justiça ambiental poderia ser incorporado como
um tema transversal no currículo escolar, pela sua urgência, relevância e
emergência social.

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136
CAPÍTULO 8
A PEDAGOGIA DIALÓGICA DE FREIRE
NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E
TECNOLÓGICA: RELATOS DE UMA
EDUCADORA AMBIENTAL

Renata Gomes de Abreu Freitas

Quanto à inserção no campo político da Educação Ambiental

Este capítulo tem como objetivo apresentar o relato da minha


formação como educadora ambiental e seu encontro com a pedago-
gia dialógica de Paulo Freire na educação profissional e tecnológica.
A partir desse momento, o texto será escrito, em sua primeira parte,
em primeira pessoa por me deixar mais confortável na sua redação.
Aliás, para me permitir o prazer de escrevê-lo, considerando tratar-se
de um relato de formação continuada em Educação Ambiental que
encontra na pedagogia dialógica um caminho na atuação docente na
educação profissional e tecnológica.
Tenho 10 anos de experiência na docência, nem sempre no
ensino de geografia, minha formação inicial. Por ter um percurso dinâ-
mico desde a graduação até o doutorado, inicio atuando na educação
profissional e tecnológica no Instituto de Educação, Ciência e Tecno-
logia do Acre (Ifac) em vários níveis de ensino, que vai desde o ensino
médio integrado ao técnico à formação de professores em ciências
biológicas e, mais recentemente, na pós graduação stricto sensu,

137
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

especificamente no Programa de Mestrado em Educação Profissional


e Tecnológica da Rede Federal de Educação Profissional.
Antes de tudo, é preciso que saibam como, inicialmente, me en-
gajei no campo da Educação Ambiental. Aos 21 anos eu era uma jovem
recém-formada no extinto ensino médio profissionalizante em magisté-
rio, procurando uma oportunidade de trabalho após sair do interior do
estado do Acre para a capital Rio Branco. Sem experiência nenhuma, tive
que buscar outras possibilidades de trabalho fora da docência. Foi quan-
do participei de uma entrevista para função de recepcionista em uma
Organização Não Governamental Ambientalista. Por falta de habilidades
com informática, era o ano de 2001, quando a comunicação e informação
ainda era limitada, não fui selecionada para a função. No entanto, minha
formação em magistério chamou a atenção de um dos membros do
processo seletivo e em alguns dias recebi uma ligação, por meio da qual
fui convidada para um trabalho voluntário em um projeto de Educação
Ambiental que estava iniciando na instituição por ocasião do lançamento
dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
O convite foi aceito de imediato, e então passei a fazer parte da
equipe do componente de Formação Continuada de Multiplicadores
em Educação Ambiental. Com um pouco mais de um mês, a instituição
me contratou como auxiliar em Educação Ambiental e então tive minha
carteira de trabalho registrada pela primeira vez. Por aproximadamente
dois anos e meio, integrei a equipe do Projeto Acre 2000 de Educação
Ambiental, auxiliando nas atividades de formação de professores da
rede pública de ensino fundamental do município de Rio Branco.
Nesse ínterim, ingressei no curso de licenciatura em geografia
e, ao término da execução do projeto na ONG, naturalmente, fui ingres-
sando em outros projetos de mesma temática na Universidade Federal
do Acre (UFAC). O último desses projetos me possibilitou ingressar no
Programa de Mestrado em Ecologia e Manejo dos Recursos Naturais,
com uma pesquisa intitulada: Uso de Ecossistemas Florestais como
Instrumento de Ensino e Pesquisa na Educação Rural: o caso do projeto
floresta das crianças, Assis Brasil, Acre.

138
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Antes de ingressar como docente no Ifac, passei pelas Secreta-


ria de Meio Ambiente do estado do Acre e do munícipio de Rio Branco,
atuando como técnica em gestão territorial e ambiental. Percebe-se
que uma trajetória na área ia sendo percorrida, e isso me permitia
satisfação profissional. Contudo isso veio a se tornar totalmente pleno
com o trabalho na docência, nesse caso na educação profissional e
tecnológica. Logo que ingressei no Ifac, isso em 2012, como profes-
sora do ensino de Geografia, surgiu a oportunidade de participar de
um convênio celebrado entre a instituição e o Instituto Oswaldo Cruz
(Fiocruz) do Rio de Janeiro, cujo objetivo era a formação de 25 doutores
para fins de fortalecer o corpo técnico e docente do Ifac na perspectiva
do ensino, pesquisa e extensão, considerando que se tratava de uma
instituição nova no estado do Acre e com planos para elevar as ofertas
de ensino em nível e qualidade.
Quando olho para minha trajetória antes do doutorado, no qual
de fato ocorreu meu encontro com Paulo Freire, percebo que até en-
tão não havia uma linha teórica definida nas minhas experiências com
pesquisa e também na prática com Educação Ambiental. Até havia
algumas citações nas minhas produções escritas, mas algo muito su-
perficial, sem profundidade na pedagogia histórico-crítica, nada além
de trechos do pensamento de Dermeval Saviani e Paulo Freire lido ou
vistos com frequência em trabalhos acadêmicos. De fato, não havia
nenhuma imersão dialógica ao construir minhas reflexões e produções
nesse campo político da educação, até este momento.

Passagem do Estilo de Pensamento Ecológico em direção


ao Estilo de Pensamento Ambiental Crítico-Transformador

Ao ingressar no Programa de doutorado em Ensino em Bioci-


ências e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz, não tinha como seguir uma
outra linha se não fosse sobre as estratégias de ensino, tendo a Educa-
ção Ambiental como objetivo de estudo. A princípio, decidi estudar as
percepções de meio ambiente dos alunos do ensino médio integrado

139
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

sobre formação técnica, buscando uma possibilidade de alinhamento


da Educação Ambiental na instituição, já que o Projeto Político-Peda-
gógico dos cursos não mencionava nada sobre a Educação Ambiental,
resultado identificado com análise desses documentos complementa-
dos com entrevista junto a docentes que atuavam em disciplinas que
integravam a temática meio ambiente.
Após observar que não teria como chegar a esse objetivo e
apoiada em novas leituras como Brügger (1994), Reigota (2002), Lou-
reiro (2004), Tozoni-Reis (2006), dentre outros, fiz algumas alterações
no projeto inicial e então optei por estudar as Representações de Meio
Ambiente dos alunos do ensino médio integrado com fins de identificar
temas ambientais como temas geradores, com vistas à Educação Am-
biental Crítica a ser desenvolvida durante minhas aulas de Geografia, ou
seja, foi necessário delimitar para algo que eu tivesse plena capacidade
de desenvolver, uma vez que visava meu aperfeiçoamento profissional
como docente e pesquisadora.
Com Tozoni-Reis e colaboradores (2012) e Tozoni-Reis e Cam-
pos (2015), verifiquei que a inserção da Educação Ambiental no âmbito
escolar, apesar da sua obrigatoriedade nas escolas de educação
básica, estabelecida pela lei 9.795/99 que institui a Política Nacional
de Educação Ambiental, ocorre de maneira muito frágil, tendo como
um dos principais fatores a ausência de políticas públicas para sua
inserção, a não adoção como atividade nuclear do currículo escolar,
bem como a deficiente formação dos educadores. Como resultado,
segundo esses autores, a Educação Ambiental praticada torna-se mais
um conjunto de projetos idealizados no ambiente escolar, na maioria
das vezes por um grupo de professores, ou desenhado e executado
por instituições externas, a exemplo de organizações não governamen-
tais, pela iniciativa privada, sendo realizada, muitas vezes, apenas para
atender às políticas de compromisso socioambiental, desvinculada de
uma proposta curricular (TOZONI-REIS; CAMPOS, 2015).
Ao término do levantamento de como se apresentava a Edu-
cação Ambiental no currículo dos cursos ofertados no Ifac, bem como
a obtenção das representações sociais de meio ambiente dos estu-

140
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

dantes do ensino médio integrado ao técnico do Campus Rio Branco,


unidade onde atuo, encontrei-me um tanto à deriva com meus dados
preliminares, considerando o objetivo geral de pesquisa. Quando digo
à deriva, quero dizer que não sabia se as representações de meio
ambiente em si poderiam ser tomadas como temas geradores para
estabelecer estratégias de Educação Ambiental, na perspectiva críti-
ca, na educação profissionalizante.
Nessa ocasião, ocorreu o VIII Encontro Pesquisa em Educação
Ambiental na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio),
evento que integra várias instituições, cujo objetivo é discutir, analisar
e divulgar trabalhos de pesquisa em Educação Ambiental. Durante
a participação em uma de suas salas temáticas, tive a oportunidade
de assistir à apresentação do trabalho de Larissa Müller e de Juliana
Torres, que tinha como título A Investigação de temas geradores para a
Inserção da Dimensão Ambiental Crítico-Transformadora na Educação
Escolar. Simpaticamente, a professora Juliana Torres, que apresentou o
trabalho, compartilhou alguns referenciais, a exemplo de Freire (1987),
Delizoicov, Angotti, Pernambuco (2002), Delizoicov (2008), Silva (2004,
2007), bem como indicou a leitura de sua tese de título Educação Am-
biental Crítico-Transformadora e Abordagem Temática Freireana.
Conforme Torres (2010), um dos elementos imprescindíveis
para uma abordagem crítica da Educação Ambiental escolar é a esco-
lha de referenciais teórico-metodológicos que permitam o seu desen-
volvimento. A pesquisa da autora revela que a dinâmica de Abordagem
Temática Freiriana (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002) é
uma possível contribuição teórico-metodológica para a concretização
da dimensão ambiental crítica na educação escolar, e que os temas
geradores apresentados em Pedagogia do Oprimido de Freire, por sua
vez, são instrumentos no processo de efetivação dos atributos da Edu-
cação Ambiental no contexto escolar, pois sintetizam as contradições
vivenciadas em uma determinada realidade social.
Em decorrência da Educação Ambiental no Brasil ter sido con-
cebida no âmbito do movimento ambientalista (movimento popular),
é notável a presença de Paulo Freire em sua trajetória. No entanto,

141
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

embora seu referencial teórico-metodológico seja adotado em pro-


postas curriculares e programas públicos de Educação Ambiental, bem
como em estudos acadêmicos, há indícios de incoerência na adoção
do pensamento freiriano nesse campo político da educação (TORRES;
DELIZOICOV, 2009; TORRES, 2010). Conforme esses autores, isso pode
decorrer do fato de sua metodologia não ser apropriada fielmente,
conforme seus pressupostos, sendo os temas geradores, em muitos
casos, definidos sem base no processo de investigação e redução
temática propostos por Freire no contexto da educação popular, o que
desqualifica a sua pedagogia como dialógica e libertadora.
Torres (2010), observando a demanda da Educação Ambiental
escolar por abordagens teórico-metodológicas que possibilitem a
inserção curricular da temática ambiental, analisou de forma teórica
e reflexiva a contribuição que a dinâmica de obtenção e redução de
temas geradores, balizada pela investigação temática de Freire (1987),
pode prestar ao desenvolvimento da Educação Ambiental. Como re-
sultado, a referida autora identificou vários atributos da Educação Am-
biental escolar em uma perspectiva crítico-transformadora, por meio
do desenvolvimento da dinâmica de investigação e redução temática.
A leitura dos referenciais citados, dentre outros estudos de
desdobramento da tese de Torres (2010), permitiu que um percurso
dialógico fosse gestado no ensino profissionalizante, especificamente
na minha prática docente com alunos do curso Técnico Integrado em
Informática. Percebi, então, que as representações de meio ambiente
que havia obtido em uma primeira etapa da pesquisa não foram sufi-
cientes, pois naquele momento, compreendi que os temas geradores,
que se encontram na base da pedagogia dialógica, devem surgir de um
processo de investigação e redução temática, ora descrito por Freire,
no capítulo 3 de Pedagogia do Oprimido, e transposto para o contexto
do ensino formal por Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002).
Não que tenha abandonado as representações sociais de meio
ambiente proposta por Reigota (2007), mas, a partir de então, um per-
curso se desenhou via adoção da abordagem temática freiriana e as
representações sociais de meio ambiente atuaram como complementa-

142
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

res no desenvolvimento da pesquisa que finalizou com o título Repre-


sentações de Meio Ambiente e Abordagem Temática Freiriana: Caminhos
metodológicos para a Educação Ambiental Crítico-Transformadora no
Instituto Federal do Acre (FREITAS, 2018).
Para a obtenção de temas geradores e a possibilidade de inte-
grá-los a um programa de ensino com vistas à inserção da abordagem
socioambiental, seguimos as cinco etapas sistematizadas por Delizoicov
(1982, 2008) e, complementarmente, lançamos mão dos momentos de
II a IV da dinâmica de Silva (2004) referente à construção do currículo na
perceptiva popular crítica e práticas contextualizadas.
A seguir, consta a descrição dos procedimentos adotados em
cada etapa da investigação e redução temática com fins de inserção
da dimensão ambiental na perspectiva crítico-transformadora na
educação profissionalizante.
Etapa 1 – Levantamento Preliminar: no estudo, essa etapa
foi alcançada por meio de três procedimentos de coleta de dados:
a) questionário com os estudantes; b) atividade “Clicando a realidade
socioambiental”; e c) entrevistas informais com servidores da unidade
de ensino e familiares dos estudantes.
Etapa 2 – Análise das situações e escolha das codificações:
nessa etapa foram resgatadas as informações obtidas no levantamento
preliminar, a fim de identificar situações-limite presentes no contexto
dos estudantes. Aqui adotamos o momento II de Silva (2004), no qual
foram resgatadas Falas Significativas que expressaram problemas,
contradições e visões de mundo dos participantes.
Etapa 3 – Diálogos descodificadores: essa etapa envolveu
a problematização das situações que foram explicitadas nas falas-
-significativas, a fim de validá-las como temas geradores. Para tanto,
estabelecemos diálogos com os estudantes por meio da realização de
atividades problematizadoras, chegando à estruturação de uma rede
temática (momento III de Silva, ano 2004).
Etapa 4 - Redução temática: A partir da rede temática, que
envolvia os limites explicativos dos estudantes e a visão de mundo da
professora-pesquisadora, organizamos um Programa Curricular (Plano

143
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

de conteúdos), no qual foram selecionados conhecimentos necessá-


rios para o entendimento dos temas geradores. Segundo as orientações
originais de Freire, essa etapa deve ser realizada por equipe multidisci-
plinar, porém, no caso da pesquisa em questão, a professora-pesquisa-
dora conduziu todo o processo, buscando integração entre conteúdos
das ciências biológicas e humanas, tais como Sociologia, História e
principalmente Geografia, dado o seu envolvimento pleno nessa área.
Etapa 5 – Trabalho em sala de aula: trata-se da ação peda-
gógica, em que foi feita a devolução dos temas geradores aos alunos,
sistematizado e ampliado, o que demandou a organização de materiais
didáticos e estratégias de abordagem, a exemplo das saídas a campo
com vistas a compreender a dinâmica de ocupação e desenvolvimento
do estado do Acre, cujos resultados são, em parte, desiguais e alta-
mente danosos ao ambiente e a sua população.
A etapa 5 foi realizada a partir dos três momentos pedagógicos:
problematização inicial, organização do conhecimento e aplicação do
conhecimento (DELIZOICOV, 2008; DELIZOICOV; ANGOTTI, 1991; DELI-
ZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002). Conforme os autores, esses
momentos colaboram para sistematização da prática no sentido dialó-
gico, bem como auxiliam na organização e definição de estratégias e
atividades para fins da abordagem temática. Os resultados obtidos no
estudo com detalhamento das ações em cada etapa da abordagem
temática freiriana podem ser consultados na tese e em trabalhos publi-
cados (FREITAS, 2018; FREITAS; MEIRELLES, 2017, 2020).
Os temas geradores foram obtidos a partir das falas significati-
vas dos estudantes durante o processo de investigação. Em virtude das
falas contemplarem diferentes questões correlacionadas, elas foram
organizadas em quatro eixos: educação, emprego e renda, habitação/
infraestrutura urbana/meio ambiente e violência/criminalidade.
Tais eixos temáticos refletem questões inerentes ao contexto
dos estudantes, mas têm raízes na trajetória dos seus avós e bisavós,
normalmente trabalhadores nordestinos que se deslocaram para a
região amazônica a fim de trabalhar na produção de borracha natural.
Esses eixos temáticos possibilitaram a integração das questões sociais

144
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

com as ambientais, que carregam a marca da opressão e dominação,


fruto do modelo de ocupação e das políticas de desenvolvimento para
a região, centradas na injustiça social e a favor da estrutura capitalista de
produção. Enquanto possibilidade metodológica na Educação Ambien-
tal Crítico-Transformadora, os temas geradores operaram como ponto
de partida para o processo da práxis crítica ao possibilitar a organização
de currículo com os contextos socioambientais dos estudantes, na con-
jectura do modelo capitalista de produção que foi atuando no contexto
da Amazônia Sul-Ocidental, onde se localiza o estado do Acre.
Acreditamos que o plano de conteúdos, as estratégias e ativida-
des realizadas para fins de abordagem dos temas geradores, utilizan-
do-se do contexto histórico quanto às políticas de ocupação e desen-
volvimento para a Amazônia e seus desdobramentos socioambientais,
possibilitaram a ampliação das representações sociais referentes ao
meio ambiente.
O conjunto de conteúdos definidos, tendo como base as ques-
tões socioambientais da região, dialogaram com os pressupostos de
Layrargues (2009) quanto à Educação Ambiental com compromisso
social. Para esse autor, nesse referido campo, “trabalhar com processos
pedagógicos vinculados à expansão da fronteira desenvolvimentista
permitem a abordagem contextualizada, complexa e crítica” da Educa-
ção Ambiental.
Segundo Layrargues, educação com compromisso social:

É aquela que propicia o desenvolvimento de uma consci-


ência ecológica no educando, mas que contextualiza seu
projeto político-pedagógico de modo a enfrentar também
a padronização cultural, exclusão social, concentração
de renda, apatia política, além da degradação da natu-
reza. É aquela que enfrenta o desafio da complexidade,
incorporando na reflexão categorias de análise, como
trabalho, mercadoria e alienação. É aquela que expõe as
contradições das sociedades assimétricas e desiguais.
(LAYRARGUES, 2009, p.27).

145
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

O autor enfatiza ainda que, para fazer Educação Ambiental


com compromisso social, faz-se necessário “reestruturar a compre-
ensão de Educação Ambiental, para estabelecer a conexão entre jus-
tiça ambiental, desigualdade e transformação social” (LAYRARGUES,
2009 p. 27). Para ele, a justiça e desigualdade ambiental tratam-se
de conceitos centrais para a Educação Ambiental com compromisso
social, pois são elementos que possibilitam nitidamente a conexão
entre as questões sociais e ambientais.
No estudo das representações de meio ambiente, realizado na
primeira parte da tese, o desmatamento despontou como o problema
mais significativo pelos estudantes. Logo poderia ter sido tomado, au-
tomaticamente, como tema gerador para a abordagem ambiental sem,
necessariamente, passar pelo processo de investigação e redução te-
mática. Contudo não havia garantias de que, se tomado esse caminho,
teríamos conseguido caminhar na perspectiva crítico-transformadora,
ficando a ação pedagógica apenas no campo da conscientização eco-
lógica e não dialógica, desconfigurando os pressupostos freirianos.
Os temas geradores obtidos via processo de investigação e re-
dução temática possibilitaram a abordagem das questões ambientais
integradas aos aspectos históricos, políticos, econômicos e culturais, os
quais se entrelaçam com as condições sociais em que estão inseridos
os estudantes do Ifac - Campus Rio Branco. Com isso foi possível a
efetivação de vários atributos da Educação Ambiental presentes nos
documentos legais em uma perspectiva crítico-transformadora, o que
já havia sido conjecturado por Torres (2010), Torres e Maestrelli (2011),
Torres e Maestrelli (2012) e Müller e Torres (2015).
Dentre esses, é possível destacar o enfoque humanista, demo-
crático e participativo, uma vez que partimos de questões do contexto
dos estudantes identificadas em parceria com eles e em colaboração
com seus familiares. Nesse aspecto, consideramos as visões de mundo
dos estudantes como condicionantes para superar os limites explica-
tivos quanto às situações que caracterizam seus contextos socioam-
bientais assim como o entendimento de educação e trabalho como
condicionadores de libertação individual e não de transformação social.

146
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Destacamos que a participação dos familiares no processo


de investigação temática, ou seja, na obtenção dos temas geradores,
desvelou com maior número de detalhes as situações significativas,
permitindo, assim, melhor problematização e contextualização da rea-
lidade dos estudantes, permitindo, a partir disso, momentos dialógicos
com base nas proposições de Freire.
Assinalamos a perspectiva transdisciplinar, pois articulamos co-
nhecimentos científicos de diferentes áreas para abordagem dos temas
em razão dos diversos fatores interligados. Atendemos à perspectiva
global/local com o Plano de Conteúdo que foi organizado em dois
pontos de análise, primeiramente da macro organização sociocultural
e econômica e, posteriormente, via abordagem histórica e análise so-
cioeconômica regional, tendo como base as políticas governamentais
de povoamento e desenvolvimento para a região Amazônica, com
destaque para a porção Sul-Ocidental, que envolve o Acre.
Trein (2007), a esse respeito, enfatiza:

O processo de formação da consciência crítica para a su-


peração da alienação produzida pelo modo de produção
capitalista pressupõe a apreensão da realidade histórica
como construção de uma totalidade, em que as partes se
articulam dialeticamente, deixando para trás sua aparên-
cia, revelando suas contradições. (TREIN, 2007, p. 120).

Consideramos que o processo ocorreu na perspectiva crítica,


problematizadora e contextualizada, pois conduziu os educandos
a pensarem sua própria realidade, a percebê-la como resultado de
forças que ampliam as desigualdades e estabelecem tensões sociais.
Nas palavras de Costa e Loureiro (2015), o cerne que baliza a Educação
Ambiental crítica é a problematização da situação vivida, buscando-se
explicitar os determinantes sociais da questão ambiental pelo perma-
nente movimento de reflexão-ação, mediado por práticas dialógicas.
Nessa experiência de inserção da temática ambiental na
perspectiva crítico-transformadora, via abordagem temática freiriana,
buscamos a ampliação do conhecimento quanto às relações que

147
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

constituem a realidade, a leitura de mundo. Conforme Freire, na edu-


cação libertadora “é preciso conhecer o mundo para transformá-lo e,
ao transformá-lo, conhecê-lo”.
Como mais um atributo da Educação Ambiental Escolar Crítica,
destacamos a diversidade de materiais didático-pedagógicos adotados
e organizados com a finalidade de proporcionar uma leitura mais apro-
fundada na compreensão dos temas. Houve a organização de espaços
dialógicos em que foi possível mais a escuta do que a fala, destituindo a
relação unidirecional que caracteriza a concepção pedagógica nos mol-
des tradicionais.
É possível afirmar que a Educação Ambiental, via abordagem
temática freiriana, foge à rotina do educador convencional ou conser-
vador, implicando em aprofundamento teórico, por meio do qual é pos-
sível conhecer a realidade dos educandos (situações socioambientais),
em um processo de sistematização, reflexão e ação. Nos resultados
sobre as representações de meio ambiente, os alunos posicionavam-se
culpabilizando o indivíduo ou toda a espécie humana pela degradação
ambiental. O Plano de Conteúdos (redução temática) buscou explicitar
que os problemas ambientais são decorrentes do conjunto pertencente
ao sistema produtivo capitalista envolvendo diferentes atores sociais,
como o Estado, o mercado, a sociedade, a comunidade e também o
indivíduo, o que pode favorecer uma percepção dentro de uma abor-
dagem complexa inerente à Educação Ambiental Crítica.

Considerações finais

Por meio da dinâmica de Abordagem Temática Freiriana, foi


possível investigar e obter temas geradores significativos no processo
educativo, uma vez que convergiram em torno do contexto de vida
dos estudantes e foram desenvolvidos via abordagem socioambiental,
fazendo conexão territorial e geopolítica, o que promoveu leituras rela-
cionais e dialéticas da realidade acreana.

148
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Essa possibilidade só foi possível em virtude de estar atrelada


ao processo de redução temática, no qual a professora-pesquisadora,
a partir dos limites-explicativos dos estudantes e sua leitura de mundo
vinculada à educação como transformação social, operou para orga-
nização de uma rede-temática que retrata a gênese dos problemas
socioambientais, nesse caso, as situações de desigualdades presentes
no contexto dos estudantes como parte de heranças do povo oprimido
deslocado do Nordeste do Brasil para compor a estrutura capitalista de
produção da borracha natural na região. Essa situação se agravou por
ocasião do surgimento de novas frentes do capital na região vinculadas
à expansão da fronteira agropecuária, fomentando o desmatamento
para agricultura e criação bovina.
Nesses termos, é possível afirmar que a práxis pedagógica para
esse grupo de estudantes transcorreu conduzida nos pressupostos da
Educação Ambiental Crítico-Transformadora, uma vez que as questões
de cunho social e ambiental foram abordadas integradas, explicitadas
com base em aspectos geopolíticos e econômicos.
Um achado interessante é que quanto mais amplo forem os
temas geradores, ou melhor, quanto mais situações-limites estiverem
envolvidas, maiores são as possibilidades de inserção da dimensão
ambiental ao processo educativo, bem como maiores oportunidades
de conduzi-las nos preceitos da interdisciplinaridade.
Nesse processo de formação de doutoramento, considero ter
transitado do estilo de pensamento ecológico em direção ao estilo de
pensamento ambiental crítico-transformador. Tal transição envolveu
imersão nesse campo político da educação por meio do acesso à pro-
dução científica, diálogos com a orientadora e outros pesquisadores da
área, participação nos espaços próprios para troca de ideias e compar-
tilhamento de saberes, os quais somaram-se a essa trajetória. Algumas
vezes fui questionada por aqueles que ainda se encontram no estilo de
pensamento ecológico: O que os temas geradores obtidos teriam de “am-
biental”? Essa questão também esteve presente durante a construção
do estudo, o que só foi esclarecido com a apropriação dos referencias
teóricos e metodológicos associados à práxis investigativa e pedagógica.

149
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Em termos de conclusão desse relato, posso dizer que o pro-


cesso de doutoramento desenvolvendo a pesquisa no meu campo de
atuação, a docência, permitiu-me um amadurecimento profundo em
virtude da adoção de referenciais teóricos-metodológicos de condução
no pensar e praticar a Educação Ambiental na perspectiva da formação
integral, crítica e humanista na educação profissional e tecnológica.

Agradecimentos

Meu profundo agradecimento a todas as pessoas que cruzaram


meu caminhar durante essa etapa de formação continuada em Edu-
cação Ambiental, especialmente meus alunos e a professora Rosane
Meirelles que foi minha orientadora no doutoramento. Continuamos
parceiras nas reflexões freirianas, nas escritas e colaborações. Todos
os citados aqui possibilitaram um verdadeiro encontro com a educação
dialógica e, portanto, amorosa no ato de fazer educação, com a qual
Freire nos agracia em seus escritos.
Espero que esse relato possa colaborar com outros educadores
ambientais ou novos em suas pesquisas, pois esse campo político da
educação é fundamental, principalmente, em tempos tão sombrios os
quais a nação brasileira volta a passar.

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153
CAPÍTULO 9
A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE
COMO SUPORTE LIBERTADOR DE UMA
EDUCAÇÃO INDÍGENA DECOLONIAL

Elaine de Brito Carneiro


Márcia Regina da Silva Ramos Carneiro
Lucas Albuquerque da Costa

A Pedagogia Freiriana versus a naturalização da sociedade


ocidental como o modelo mais próspero

O encontro civilizatório do colonizador com as sociedades indí-


genas brasileiras remonta ao último ano do século XV. A carta de Pero
Vaz de Caminha é o primeiro documento que relata esse encontro: “Eram
pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas.
Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos” (CAMINHA,
1500 apud PEREIRA, 2002, p. 33). A Carta do Achamento redescoberta no
século XIX, ainda reverbera, neste século XXI, o projeto missionário por-
tuguês declarado ao rei D. Manuel, o Venturoso: “Portanto, Vossa Alteza,
que tanto deseja acrescentar a fé católica, deve cuidar da sua salvação. E
prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim. Eles não lavram, nem
criam.” (CAMINHA, 1500 apud PEREIRA, 2002, p. 66). 
Ao tomarmos como primícia o que foi relatado, este ensaio
pretende propor uma reflexão sobre as centenas de anos de violência
física e simbólica pelos quais os povos originários vêm sofrendo desde
a chegada do homem branco às costas do território brasileiro. São lon-

154
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

gos anos de opressão, extermínio, subjugação e violência contra o seu


povo, suas terras, suas culturas, suas crenças e seus valores.
A figura do indígena “preguiçoso” ainda subjaz no inconsciente
coletivo do homem ocidental. Aquele que não “trabalha” e ainda se
constitui em grande impedimento para os grandes latifundiários,
grileiros e garimpeiros, tem resistido bravamente durante todo esse
período marcado por intensos confrontos territoriais e ideológicos.
Entretanto podemos dizer que o indígena tem apresentado presença
significativa em diferentes segmentos da sociedade, por exemplo, na
esfera política e acadêmica.
Com o início da empreitada colonizadora em 1530, até a
metade do século XVIII, a ação educacional e civilizatória estava sob
responsabilidade dos missionários jesuítas, subordinando os indígenas
às regras da metrópole portuguesa (ZOIA, 2010). Os jesuítas assumiram
a maior parcela da educação escolar por 210 anos até a expulsão da
Ordem no contexto da interiorização da Metrópole empreendida pelo
Ministro real, o Marquês de Pombal em 1759 (SIMAS; PEREIRA, 2010).
Quaresma e Ferreira apontam que:

A imposição de modelos educacionais alheios à filosofia


educativa dos povos indígenas seria uma estratégia para
acabar com a diversidade linguística e cultural em terra
brasileira. Na escola para indígenas, transmitiam-se os
conhecimentos valorizados pela cultura europeia, ensina-
va-se exclusivamente a língua portuguesa e se usava a
língua indígena apenas para traduzir vocabulários da lín-
gua portuguesa, facilitando o processo de aprendizagem.
(QUARESMA; PEREIRA, 2013, p. 241.).

Nesse sentido, as primeiras experiências escolares junto aos


povos indígenas no Brasil apresentavam um viés em que o poder políti-
co e econômico estava agregado ao poder evangelístico. Esse modelo
de escola dentro das aldeias formava um índio marginalizado que não
era branco e nem tão pouco era nativo em função de sua aculturação
com valores europeus (QUARESMA; FERREIRA, 2013).

155
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

A educação no Brasil tem se privado da questão que talvez seja


a mais fundamental: que seres humanos queremos formar? As culturas
indígenas apreendidas pela pedagogia jesuítica foram transmutadas
em didática civilizatória cristã. A transposição didática dos mitos tupis
à educação jesuíta incorporou elementos da natureza ao Panteão
católico. Um exemplo muito conhecido, Tupã, elemento da natureza,
força cósmica, tornou-se “deus”, o mesmo Deus judaico-cristão. Desse
modo, são postos de lado todo conhecimento tradicional dos povos
indígenas brasileiros, inclusive, as línguas. A criação da língua geral
amazônica, como aponta José Ribamar Bessa Freire (2009), distingue-
-se de outro idioma artificial, a língua geral paulista, ambos criados para
permitir a comunicação entre colonizador e colonizado. Desse modo, a
ação violenta da construção linguística colonizadora exerceu atuação
de “desletramento” dos cosmos indígenas, rompendo com a leitura de
mundo ecopolítica e impondo a escolástica.
É nesse sentido que a contribuição da pedagogia freiriana,
como “Leitura do mundo”, torna-se instrumento de transformação
da epistemologia ocidental no reconhecimento de uma ecologia
política como epistemologia indígena e de uma luta contra hegemô-
nica ou decolonial.
Nesse sentido, ao mencionarmos o educador Paulo Freire e
sua obra educacional reconhecida como um instrumento pedagógico
libertador, não há como não olharmos para as causas do povo indígena.
A obra de Paulo Freire visa promover o autorreconhecimento, não ape-
nas subjetivo, mas também objetivo da realidade vivida, vivenciada do
sujeito no mundo. Pois, ao objetivar estimular o autorreconhecimento
do sujeito coletivo, da sua própria história e do seu contexto, da realida-
de concreta, Freire estimula uma práxis libertadora.
Freire, um adepto da Sociologia do Conhecimento de Karl
Mannheim1, considerava que a estrutura da “consciência”, das ideias,
do conhecimento, do pensamento, da percepção ou de qualquer que

1  Segundo o autor, os “intelectuais” estão unificados pelo que lhes é comum: a herança cultural e
a “educação” que tendem a “suprimir as diferenças de nascimento, status, profissão e riqueza, e a unir
os indivíduos instruídos com base na educação recebida”.

156
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

seja o ângulo que possamos escolher é, primordialmente, determinada


pela estrutura dos grupos humanos pelos quais são produzidas, não
pelos “objetos” da consciência ou pela própria consciência, conforme a
descrição de Norbert Elias (2008).
A pedagogia freiriana também se aproxima teoricamente da
abordagem gramsciana e da filosofia da práxis, mas, fundamentalmente,
Freire se apresentou como um humanista cuja concepção universalista
de homem se sustenta em uma base cristã. Ao se aproximar das concep-
ções da teologia da libertação, no sentido do “espelhamento” do Cristo
humano, pobre, trabalhador, Freire entende a catarse educativa como
libertação do sentimento de opressão, assim como ocorre com a Páscoa.
Freire, embora caudatário da epistemologia cristã ocidental,
não buscava concentrar o processo ensino-aprendizagem no acú-
mulo do conhecimento adquirido de forma mecanicista, o que deno-
minou “educação bancária”. Sua concepção de homem considera o
diálogo concreto da observação das condições materiais da vida em
sua relação com o mundo da cultura, propondo a construção de uma
filologia vivente, de construção de uma linguagem da consciência e
intervenção no mundo: a palavra precisa ter e fazer sentido na vida.
Para Freire (1987), a presença de certas condições sociais ao nosso
redor não representa nosso envolvimento com estas, mas deve signi-
ficar a consciência de sua existência.
Ao nos debruçarmos sobre o papel da educação indígena e,
principalmente, sobre as características específicas que as escolas
deveriam apresentar enquanto educação por meio de uma práxis liber-
tadora, identificamos que a educação escolar indígena, como objeto de
projetos de Estado do tipo Ocidental desde a década de 1970, romperia
o paradigma de uma antropologia cultural que apreendia a concepção
de comunidade indígena sob uma perspectiva de tutela. Setores das
comunidades indígenas, algumas com apoio do Conselho Indigenista
Missionário (CIMI), órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil, posicionaram-se em contraposição a uma formação evange-
lizadora e colonial. O CIMI, paradoxalmente católico/colonial, contribuiu

157
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

para a organização de assembleias indígenas e estimulou o respeito ao


pluralismo cultural e de valorização das identidades étnicas.
Para Zoia (2010), o fortalecimento da educação escolar
indígena se inicia com a implantação da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LBD/9.394/96) e com o Plano Nacional de
Educação (PNE/1999). Cabe ressaltar que a formulação e a promul-
gação da Lei 10.639/2003 resultou das exigências por mudanças
das relações étnico-raciais no Brasil com a participação ativa de
setores do Movimento Negro e de articulações dos povos indígenas.
Estes movimentos, organizados promoveram a obrigatoriedade dos
estudos de Histórias e Culturas Afro-Brasileira, Africana e indígena
em todas as modalidades de ensino e níveis de educação. (NOGUE-
RA, 2011). Ainda, afirmando a necessidade de incorporar o estudo
da história e cultura afro-brasileira e indígena no Ensino Básico nos
estabelecimentos escolares públicos e privados, esta obrigatorieda-
de seria exigida pela Lei Nº 11.645, de 10 março de 2008.
Embora haja a constatação da existência de um projeto político
e educacional que vise o respeito às diferenças étnicas e culturais, nos
chama a atenção as dificuldades no campo das Ciências Sociais em
relação a uma perspectiva de “objetivação” do outro e, especialmente,
no enfrentamento das lógicas do mercado.
Nesse sentido, Lander propõe uma reflexão sobre o enfrenta-
mento da lógica do mercado:

Nos debates políticos e em diversos campos das ciências


sociais, têm sido notórias as dificuldades para formular al-
ternativas teóricas e políticas à primazia total do mercado,
cuja defesa mais coerente foi formulada pelo neolibe-
ralismo. Essas dificuldades devem-se, em larga medida,
ao fato de que o neoliberalismo é debatido e combatido
como uma teoria econômica, quando na realidade deve
ser compreendido como o discurso hegemônico de
um modelo civilizatório, isto é, como uma extraordinária
síntese dos pressupostos e dos valores básicos da
sociedade liberal moderna no que diz respeito ao ser
humano, à riqueza, à natureza, à história, ao progresso, ao
conhecimento e à boa vida. As alternativas às propostas

158
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

neoliberais e ao modelo de vida que representam não


podem ser buscadas em outros modelos ou teorias no
campo da economia, visto que a própria economia como
disciplina científica assume, em sua essência, a visão de
mundo liberal. (LANDER, 2005, p. 7).

Esse mesmo autor sinaliza que a naturalização da sociedade


liberal como o modelo mais próspero e, de certa forma, mais regular de
subsistência humana não é algo novo e conferido ao pensamento neoli-
beral e, tão pouco, ao atual contexto político, mas sim fruto de uma longa
história na concepção social ocidental dos últimos séculos. E essa lógica
neoliberal é a mesma que vem há séculos alijando os povos indígenas
enquanto protagonistas de seus próprios projetos políticos e educacionais.
Simas e Pereira (2010) reforçam que a causa indígena tem se
destacado em função de convergir para diferentes interesses como a
“política”, a “econômica”, a “cultural” e, também, com o “educacional”.
Barreto e Santos (2017), em estudo que trata do processo das políti-
cas afirmativas no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da
Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e, consequentemente, dos
desafios a que são impelidos, fazem a seguinte observação:

Passado esse tempo e essa fase, a luta agora é encarar


o pensamento indígena, não basta entrar na Universida-
de, é preciso mostrar a diferença. Para tanto, é preciso
descolonizar o pensamento, refletir sobre os conceitos
científicos naturalizados pelos indígenas ao longo da
história. (BARRETO; SANTOS, 2017 p. 87).

Na visão dos autores, não será o simples ingresso dos índios


ou de outras minorias sociais na universidade que assegurará alguma
transformação, uma vez que o acesso à universidade não assegura
a entrada de suas ideias e suas formas de “praticar, viver e pensar o
mundo e a vida” (BARRETO; SANTOS, 2017, p. 86).

159
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

A promoção da catarse identitária e libertadora a partir da


contribuição da pedagogia Freiriana

Na contramão da lógica da sociedade liberal, nos anos pos-


teriores à Segunda Guerra Mundial, em alguns segmentos, questões
ligadas à atenção às diferenças étnicas, raciais e culturais no plano
internacional vêm sendo debatidas (ALMEIDA, 2008). A Declaração
Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas
(ONU), publicada em 1948, instaura um novo momento marcado pela
afirmação da universalidade dos direitos humanos e, consequen-
temente, pela construção de recursos internacionais que sirvam ao
cumprimento desses direitos (ALMEIDA, 2008). Obviamente, muitos
foram os caminhos percorridos ao longo da história para que as políti-
cas afirmativas de acesso à universidade por grupos minoritários como
indígenas e negros alcançassem a política de inclusão nos dias atuais.
Nesse sentido, a pedagogia freiriana contribui para a constru-
ção de uma catarse subjetiva e social a partir do sujeito em sua relação
dialética educativa, pois necessita da intersubjetividade dialógica ente
educador e educando. A consciência do mundo que nos cerca não é
possível, segundo Freire (1987), sem a autorreferenciação: “Quem sou
eu no mundo?” “Como meu mundo funciona?” “Quais as lógicas que
observo e como estas guiam minha existência?”. São essas questões
primordiais do “conhecimento do eu e do meu mundo” que, em Paulo
Freire, antecedem, teoricamente, o pensamento decolonial1 ou des-
colonial2. E toda essa discussão da autorreferenciação defendida por
Freire perpassa pela política de inclusão das minorias nos diferentes
setores da sociedade.
A partir dessa perspectiva de disputas epistemológicas e de
visões de mundo é que este trabalho propõe a conjunção dialógica

1  A decolonialidade refere-se ao processo que busca transcender historicamente a colonialidade.


Supõe um projeto com um projeto mais profundo e uma tarefa urgente para o presente de subversão
do padrão de poder colonial.
2  O  descolonial  seria uma contraposição ao “colonialismo”, já que o termo descolonización é
utilizado para se referir ao processo histórico de ascensão dos Estados-nação após terem fim as
administrações coloniais.

160
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

entre essas duas epistemologias: a desenvolvida por Paulo Freire, de


aporte ocidental, crítico ao modelo totalizante determinista que pres-
supõe graus culturais como modelo civilizatório, e a decolonial, cujo
pressuposto primordial é a constatação da atuação violenta civilizatória
desde o século XV, empreendida pela expansão global dos mecanis-
mos da exploração mercantil europeia, que impôs às diversas culturas
particulares o modelo de organização socioeconômica e cultural da
civilização cristã-ocidental.
A questão que se coloca nesse debate é: de que modo a pe-
dagogia freiriana pode contribuir para a construção de uma pedagogia
indígena que considere o conhecimento tradicional das diversas cul-
turas com suas cosmologias próprias? Embora haja a obrigatoriedade
do ensino da cultura e história afro-brasileiras, africanas e indígenas
nas escolas, que trouxe este debate para as classes básicas brasileiras,
desde a lei 10.639 sancionada em 2003, que cria o ensino da cultura e
história afro-brasileiras e africanas, e, posteriormente, com a lei 11.645
que acrescenta o ensino da cultura e história indígenas, esta “inclusão”
segue os mesmos “artifícios” pedagógicos que insistem em reproduzir
uma história política “vinda de cima”. Mantendo uma leitura hegemô-
nica da História, impregnada do que Silvio de Almeida (2019) entende
como estrutura racista institucional, a estrutura mantida pelo Estado
negligencia as especificidades étnicas e culturais da população “não
branca”. Para Lia Keller Ferreira:

As percepções e significados que os alunos atribuem à


sociedade [...] se baseiam, de acordo com os atuais Pa-
râmetros Curriculares Nacionais, na linearidade evolutiva
da História (ainda metódica) sustentada pelas chamadas
“raízes da civilização cristã ocidental” que fundamentam a
Teoria do Conhecimento, ou epistemologia hegemônica.
São esses elementos persistentes que hierarquizam, clas-
sificam, definem, diferenciam ou reforçam percepções
que os alunos detêm. (FERREIRA, 2018, p. 2).

Ainda que os resultados do Censo 2010 (IBGE, 2010) apontem


a confirmação de expressiva diversidade indígena, na atualidade, os

161
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

povos indígenas são inviabilizados quanto à sua autorreferenciação.


Com a convocação para o primeiro ciclo do seminário Não Sou pardo,
Sou Indígena: o pardismo em debate1 , pretendeu-se a resistência, ou
aquilo que é considerado reexistência. Esse seminário pautou o debate
na negação das identidades dos povos indígenas e a afirmação de uma
outra cultura, estranha aos que já estavam em Pindorama e Abya Yala.
Segundo a organização desse evento, um “ensaio” do que
poderia indicar uma reversão no projeto de “apagamento” da história
indígena em todo o processo colonizador, compreendido como perío-
do que se estende desde o século XVI até a atualidade, seria apontado
pela aprovação da Constituição Federal de 1988, que se alinhava à
aprovação da Convenção 169 da Organização Internacional do Traba-
lho que, a partir das lutas dos povos originários do mundo, reconheceria
as identidades e o direito à autoidentificação.
Para além da perspectiva hegemônica da qual Paulo Freire
é caudatário, é possível, por meio de sua pedagogia da práxis liber-
tadora, considerar a leitura cosmogônica do mundo indígena como
suporte à consciência dialética de visões de mundo em disputa, uma
disputa em que a importância da leitura de mundos indígenas precisa
ser respeitada e mesmo incorporada com sua episteme no ensino
brasileiro. Assim como Muniz Sodré (2017) e Luiz Rufino (2019), além
de outros ativos estudiosos de epistemologias pretas, que contribuem
para rupturas com as Teorias do Conhecimento cartesianas que, sob
a hegemonia de um pensar ocidental mantêm uma leitura dicotômica
de mundo, as epistemologias indígenas precisam ser consideradas
como as que detêm conhecimentos multilaterais que incluem sensi-
bilidade e saber/fazer ecológico no processo educativo do ser e vir a
ser índio enquanto identidade e sujeito ou agente político.
Sobre a concepção cosmogônica do mundo que incorpora no
âmbito da cultura indígena uma relação espiritual com o meio ambiente,
a existência e reexistência dos povos indígenas não podem prescindir
dessa relação vivente. Como escreveram Cláudio e Orlando Villas Boas

1  Evento ocorrido entre 11 e 18 de abril de 2021, transmitido on-line pelo canal do Youtube TV Tamuya.

162
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

(1986), ao descrevem suas atuações sertanistas e a criação do Parque


Nacional do Xingu, reserva natural brasileira criada em 1961 destinada
a abrigar e proteger a fauna, a flora e alguns povos indígenas da região,
considerava-se o aspecto de ‘tutela” estatal sobre as comunidades
indígenas, como os próprios sertanistas descreveram: “baseados na
nossa experiência, naquilo que temos visto e comparado, podemos
afirmar que o Alto-Xingu continua, no presente, a constituir um extra-
ordinário campo para as pesquisas antropológicas em geral” (VILLAS
BOAS; VILLAS BOAS, 1986, p. 13). Contrastando com o mesmo ideal que
levou os irmãos sertanistas a conceberem o Parque como ambiente
“protetor”, os sertanistas afirmam a necessidade da referência ambien-
tal para as comunidades indígenas: “Nas suas tradições mítico-religio-
sas, particularmente, é muito significativo o fato de sempre estarem
especificados, dentro da região, os lugares onde viveram e agiram seus
heróis, o que denuncia, evidentemente, uma profunda e perfeita am-
bientação geográfica” (VILLAS BOAS; VILLAS BOAS , 1986, p. 47). Essa
“ambientação” da qual falam os irmãos Villas Boas está presente na
fala de Ailton Krenak (2018) em carta/manifesto de ecologia política do
Núcleo de Cultura Indígena pela Coordenação de Afirmação Cultural e
Povos Indígenas, em Belo Horizonte - MG:

Para quem vive em uma floresta, é floresta viva a respirar


e a inspirar: a vida da floresta é o suporte para a materia-
lidade e a espiritualidade da existência, da cultura e da
produção/reprodução da subsistência. Essa existência
comum entre sujeitos coletivos e o lugar é desgarrada da
Terra pela violência colonial, um processo político e mar-
cado pela relação assimétrica de poder que caracteriza a
expansão/conquista do capitalismo. (KRENAK , 2018, p. 1).

Portanto o sentido de uma educação libertadora indígena


também é o da autoconsciência de sua referencialidade. O processo
libertador, como em Paulo Freire, constitui-se do “olhar para si” e
esse “olhar para si” indígena é, essencialmente, ecológico/cosmo-
gônico, porque as referências com a natureza, sob o olhar da tradi-

163
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

ção, concebem o mundo de forma multialética e não dicotômica, no


sentido cartesiano da separação “alma-corpo”.
Nesse sentido, Krenak prossegue afirmando que a ecologia
política, pela epistemologia contra hegemônica, é um projeto que re-
constrói essa relação entre sujeitos coletivos e a existência orgânica em
comum. Esse autor e líder indígena expõe as estruturas assimétricas
de poder que atingem essa relação comum do sujeito/ambiente e
que promovem a individualização/espoliação com a apropriação do
trabalho e das formas ecológicas de subsistência com a construção de
um ‘eu-saqueador”/”eu-aniquilador” e de extermínio (KRENAK, 2018).
Nessa sequência, Krenak (2018) propõe demonstrar que o in-
dividualismo se opõe à perspectiva coletiva das relações ecológicas
com o lugar, e que a apropriação privada do ambiente é antagônica à
coexistência planetária e à reexistência indígena.
Umberto Eco (1984) descreveu como “Uma viagem na irrealida-
de cotidiana” o fato da arte, da cultura, da política e da territorialidade
serem considerados, pelo modelo de educação hegemônico da pers-
pectiva liberal de bens, nem sempre originais, mas cópias. Nessa lógica,
os indivíduos incluídos em parâmetros ditados pelo consumo industrial,
absorvidos por uma carga fetichista alienante, constroem uma concep-
ção de acesso à felicidade irreal, cada vez mais distantes da realidade na
qual estão inseridos. Quando se trata de povos indígenas, esse panorama
se mostra ainda mais preocupante diante da visão hegemônica do mer-
cado e da economia política ocidental em oposição à ecologia política
como coloca Krenak (2018).

Praticar, viver e pensar o mundo a partir do olhar indígena

A perspectiva decolonial corresponde ao que Bernardino-Cos-


ta (2018) demonstra como resistência às lógicas da modernidade/
colonialidade. O autor aponta a necessidade de elucidar historicamen-
te a colonialidade do poder rompendo com a lógica acadêmica de
objetivar o “outro”, inviabilizando o lócus daqueles que detêm outras

164
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

epistemologias que não as coloniais, as que decorrem do pensamento


hegemônico ocidental. Um dos elementos constitutivos desse pensar
hegemônico é o racismo que estabelece uma linha divisória entre
aqueles que têm o direito de viver e os que não o têm.
De um mesmo ponto de vista, sobre a concepção “descolonial”,
Silvia Rivera (2010) aponta: “Hay en el colonialismo una función muy pecu-
liar para las palabras: ellas no designan, sino que encubren1.” Em um sen-
tido próximo ao da autora, segundo Paulo Freire, embora a libertação seja
pela palavra, pela realização do “ato de ler”, a leitura primordial, a leitura do
mundo, adquirida na experiência, na vivência; a linguagem e a realidade se
prendem dinamicamente, e dinamicamente também se constrói a leitura
da “palavramundo”. Por esse ângulo, valores como “coletividade”, “respeito
a vida”, “a sabedoria de plantar” e “proteger a floresta” são fundamentais
para o desenvolvimento de uma educação libertadora, no sentido de
preparar o ser humano para a vida e o respeito às diferenças.
Em uma concepção da ecologia política, deve-se atentar para a
percepção de que nas aldeias indígenas, o tempo corre diferente e as crian-
ças são educadas por meio do exemplo, daquilo que veem. São ensinadas
que a vida é composta de fartura e escassez e assim podem atravessar
adversidades. São ensinadas que a mata, assim como todos os seres do
mundo, precisa ser respeitada porque a vida também depende desse
equilíbrio. Os mais velhos são os livros desses povos, e suas experiências
e conhecimentos são o que sustentam os jovens no relacionamento com
o mundo. As crianças vivem o tempo do presente sem a preocupação de
serem o que não são ou de antecipar o tempo de ser adulto.

Em recente entrevista realizada com estudantes indígenas,
vinculados a programas de pós-graduação stricto sensu de instituições
superiores brasileiras, destacamos um pequeno trecho do depoimento
de um jovem ao se referir à natureza e à educação libertadora:

A natureza é nossa maior fonte, de onde tiramos tudo


que é preciso para viver e mais que isso: para bem viver.

1  Tradução: Há no colonialismo uma função muito peculiar para as palavras: elas não designam,
mas encobrem.

165
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Se não fosse assim, nossas crianças provavelmente se


tornariam adultos ansiosos que só enxergam o próprio
nariz e não teriam a capacidade de preservar nossa
maior riqueza, o meio ambiente. Cresceriam egoístas e
não saberiam respeitar as diferenças, viveriam suas vidas
agoniadas e ansiosas com a cabeça exclusivamente
no dinheiro e nas mercadorias cheias de doenças pro-
duzidas nas cidades. E quando percebessem já teriam
se tornado pessoas sem origem e deixariam para seus
filhos um legado de tristezas e abandono daquilo que
é mais fundamental em tempos de fim de mundo: uma
raiz, um referencial. E essa talvez seja a maior lacuna
deixada pelo projeto de humanidade introduzido pelos
colonizadores em nossas terras. A educação pra ser de
fato libertadora precisa criar as condições necessárias
para o bem viver e precisa respeitar a singularidade do
sujeito. De outra forma a educação se torna uma espécie
de fábrica produtora de corpos descartáveis em série
que servirão mais uma vez aos interesses de poucos,
enquanto a maioria continua a sofrer na realidade dura
do dia a dia, presos a uma condição sub-humana de
sobrevivência, em detrimento de todo potencial criativo
e transformador da sociedade que há em cada criança.
(Fala de “Lua da Floresta”)

Nesse sentido, após a análise desse depoimento, conco-


mitantemente aos referenciais presentes no texto, identifica-se a
ausência da pesquisa e promoção ecológica e política da educa-
ção indígena. Essa continua sendo um espaço pouco investigado,
quando nota-se que os trabalhos encontrados sobre essa temática
são insuficientes (QUARESMA; FERREIRA, 2013). Embora Simas e
Pereira (2010) apontem que, na esfera acadêmica, as reflexões sobre
a interculturalidade, a diversidade étnica e a pluralidade dos aconte-
cimentos sociais nunca estiveram tão promissoras.

Considerações finais

A antiga versão antropológica da “tutela” sob uma ótica positi-


vista que se baseava em “degraus civilizatórios” entre as concepções

166
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

“teológicas”, “metafísicas” e “positivistas” encontra a resistência epis-


temológica amadurecida de lideranças e comunidades indígenas, na
atualidade, que, como Ailton Krenak, se afirmam como intelectuais
orgânicos, pensadores e organizadores de projetos culturais da reexis-
tência, da vivência e da luta cotidiana pela vida nesses tempos de crise
humana da necropolítica imposta ao Brasil.
Nessa perspectiva, o projeto de governo em meio à pandemia
da covid-19, como Estado, vem exercendo seu biopoder, sua “política
de morte”, como descreveu Achille Mbembe (2016) sobre a “política de
provocar a morte”; assumindo a escolha de quem deve ou não morrer.
Entretanto o debate acerca da educação indígena como práxis
libertadora pode ser entendido como uma reflexão possível no con-
texto da ecologia política contra hegemônica da reexistência indígena.
E a pedagogia freiriana, enquanto caudatária do modelo ocidental,
pode e deve incorporar a importância da apreensão da epistemologia
cosmogônica indígena como leitura de mundo. Nesse sentido, ainda
que a consciência indígena contenha, na leitura multialética do mun-
do, a percepção animista e um conhecimento “científico” construído
pela experiência e observação da natureza, a luta pela reexistência
necessita de apreensão do mundo como um todo, assim como Paulo
Freire sempre recomendou em suas obras.

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

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168
CAPÍTULO 10
PERSPECTIVAS E CONTRIBUIÇÕES DE
PAULO FREIRE NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE:
NA BUSCA POR UM REFERENCIAL TEÓRICO
E METODOLÓGICO

Telma Temoteo dos Santos


Rosane Moreira Silva de Meirelles

Introdução

A escola, por meio de seus instrumentos e gestão, seleciona


formas de cultura e de comportamentos que estejam alinhados com
os seus objetivos, sendo assim, um espaço considerado excludente.
Esse modelo de escola geralmente não oferta, de fato, momentos de
acolhimento, de formação cidadã; momentos para o empoderamento.
Raros são os casos de espaços escolares que têm se voltado para o
rompimento do status quo (re)estruturando seus projetos políticos pe-
dagógicos, o currículo, a atuação docente e a inclusão das diferentes
formas de pensar. A Educação em Saúde, um campo de discussões
teóricas e metodológicas, vem apresentando a necessidade urgente
de reformas para romper antigos paradigmas quando instituições e
pessoas se predispõem a falar sobre saúde.
Há de se considerar que as ações de discussão sobre doenças nas
escolas sempre se pautaram na chamada “educação bancária”, combati-
da arduamente por Paulo Freire, para a qual seria suficiente a transferência
de informações ditas “corretas” direcionando as atitudes e tomadas de

169
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

decisões dos sujeitos. Infelizmente as ações consideradas pertencentes


à Educação em Saúde estão impregnadas dessa educação bancária, o
que, em parte, explica o insucesso das inúmeras campanhas de saúde e
enfrentamento de doenças nas ações da antiga Vigilância Sanitária.
Para nós, autoras deste ensaio, a Educação em Saúde deve ser
norteada e vivenciada com criticidade, reflexões, reivindicações e for-
mação de coletivos de participação, pautados em trabalhos em rede de
colaborações. Portanto, foi partindo da pergunta inicial sobre qual(is)
referencial(is) poderia(m) contribuir para a reestruturação das inter-
venções consideradas da Educação em Saúde. Como pressuposto
elegemos o pensamento e posicionamento de Paulo Freire como
indissociáveis para o campo da Educação em Saúde, já que o Patrono
da Educação Brasileira compartilha ideais e ideologias semelhantes
para a emancipação dos sujeitos sociais para além da perspectiva
de “recipientes vazios”. O texto é norteado pelos seguintes pontos: a
estrutura da escola e a reprodução das desigualdades sociais; a cultura
escolar versus a multicultura; a homogeneização das práticas escolares
no lugar da diversidade de pensamentos; a educação bancária como
eixo estruturante da cultura escolar; e o pensamento freiriano como ato
de resistência na Educação em Saúde.
Todavia, a fim de tornar esta discussão contextualizada, apre-
sentamos no primeiro subtópico como o enfrentamento de doenças no
território brasileiro influenciou a forma como os programas de saúde
escolares e os recursos didáticos passaram a priorizar o tema doenças
no lugar da Educação em Saúde.

Das expedições científicas aos programas de saúde


escolares no Brasil

As ações conduzidas por Oswaldo Cruz nos municípios de San-


tos, Rio de Janeiro e no estado de Minas Gerais são objetos de debate
nos dias atuais, ora por seus indiscutíveis resultados positivos na con-
tenção de doenças, ora por críticas recebidas pelo caráter de “polícia

170
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

sanitária” (CURY, 2012; SANTOS, 1985). Para entender essas práticas


é necessário revisitar o tipo de sociedade daquela época (estrutural
e sociocultural) e as interpretações de “brasis” coexistentes e como
influenciavam na forma institucional e política de tratar os indivíduos
menos favorecidos.
No final do século XIX, a situação epidemiológica e estrutural
do Rio de Janeiro era considerada insalubre a ponto de ser evitada
por viajantes e receber denominações como “cidade pestilenta”
(BENCHIMOL, 1982; STEPAN, 1976). Como, do ponto da gestão e das
políticas públicas, propor soluções para tal cenário de surtos e epi-
demias que subjugavam os indivíduos em situações degradantes,
de exclusão social e econômica, privando-lhes de desenvolver suas
atividades cotidianas?
O médico sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1917) diante da comple-
xa situação do Rio de Janeiro não só propôs como implementou um plano
emergencial para erradicar a febre amarela, a varíola e a peste bubônica.
A situação a qual se deparara Oswaldo Cruz era o contraste da viven-
ciada, segundo ele, na Europa pós revolução pasteuriana (BENCHIMOL,
1999; BRITTO, 1995). A ocorrência de doenças no Brasil era inicialmente
apontada como um mero “acidente” de localização geográfica: nos tró-
picos, o clima, a vegetação e a extensão territorial característicos eram os
fatores preponderantes para que muitas doenças aqui existissem e não
em outros locais (BARBATO, 2015; CAMARGO, 2008).
Essa ideia inicial vai aos poucos sendo substituída por outras
ancoradas em aspectos socioantropológicos. Sai o “fatalismo” geográ-
fico e emerge o parecer no qual as doenças estão relacionadas com
atraso socioeconômico atrelado à preguiça de sujeitos condenados e
“sem-futuro”. Acrescenta-se o momento nacionalista da época funda-
mentado em um “projeto de civilização nos trópicos” para “[...] educar
e instruir a sociedade” (CARLI; BERCHO, 2018; LIMA; BOTELHO, 2013).
E essa depreciação dos indivíduos e da sociedade brasileira
marcou a literatura que foi retratada de maneira romantizada, como um
traço peculiar dos sujeitos que aqui viviam. Seria uma forma de apre-
sentar as diferenças gritantes entre um país com potencial, ao mesmo

171
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

tempo “selvagem”, e as “modernas” capitais europeias. Vide as obras O


Guarani, de José de Alencar (1857), Memórias de um Sargento de Milícias,
de Manuel Antônio de Almeida (1853) e Macunaíma, de Mário de Andra-
de (1928). Essas concepções sobre o modo de vida do brasileiro foram
sendo fomentadas para, segundo Lima e Hochman, fortalecerem uma
denominação de “país doente”, pois [...]

O Brasil foi pensado pelas suas ausências e o homem


brasileiro como atrasado, indolente, doente e resis-
tente aos projetos de mudança. Questões como raça
e herança colonial assumem crescente importância nas
controvérsias que marcam as três últimas décadas do
século XIX e as três primeiras décadas do século XX. Para
alguns intelectuais do período, o traço negativo do bra-
sileiro radicava-se na herança ibérica com sua tradição
estadista e pouco propensa à iniciativa individual. Outros
atribuíam o atraso à composição étnica da população,
onde predominavam mestiços e raças consideradas
inferiores. (Lima; Hochman, 2000, p. 314. grifo nosso).

Ainda como parte da apresentação desse folclore sociocultural,


estaria a “preguiça” determinando um modo de vida “pobre” e, conse-
quentemente, a instauração de doença no corpo biológico. Para alguns,
não existiria a “doença” e sim um conformismo quase débil com o estilo
de vida simplório. Como apontado na obra de Monteiro Lobato, na pri-
meira edição de Urupês: o caboclo Jeca Tatu é um personagem guiado
por mitos, crendices e vícios (figura 1). É discriminado, pois contrapõe o
modelo de homem esperado para o século XX, sem tempo para o ócio.
O caboclo, ou como era chamado “parasita da terra”, era o oposto do
camponês europeu, que cultivava e tirava o melhor da terra, alinhado
aos princípios da civilização, do progresso, da família e da Igreja. O mis-
cigenado brasileiro foi apontado por Monteiro Lobato como um tipo de
“parasita”, em um texto publicado em 1914 (PARK, 1999). Essas represen-
tações sociais alijaram negros, índios, caboclos, mulatos, dentre outros
grupos minoritários.

172
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Figura 1: – Retratação do personagem Jeca Tatu, de Monteiro Lobato.


Fonte: Ana Palma (s.d.).

Sob essa ótica perversa, se o Brasil enfrentava uma situação de


atraso mercantil, era culpa da miscigenação dos povos e do clima e,
consequentemente, esse preconceito era estendido para as discussões
sobre o tema saúde (BRITO, 2016; SCHWARCZ, 2003). Sai o fatalismo
geográfico e o elemento de culpa pelas condições de vida e de saúde
dos sujeitos, passa a ser a raça.
Em outras palavras, como levar progresso para o interior do
país se a população estava doente e abatida? Naquela época, o avanço
econômico era dependente da construção de novas estradas e de
ferrovias, porém, em vista das múltiplas epidemias de agravos, era
necessário, primeiramente, fazer diagnósticos e ofertar profilaxia, além
de se pensar em formas de “educar” uma população marginal (LIMA;
BOTELHO, 2013).

173
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Essas impressões movimentaram um projeto nacional para: i)


civilizar os trópicos; ii) colocar o Brasil dentre as potências mundiais
perante a corrida armamentista e a exportação/fortalecimento da
indústria; e iii) higienização dos hábitos, costumes e (re)formulação da
cultura como projeto de reforma social e da saúde (MAGALHÃES, 2015).
Com a criação do Instituto Soroterápico Federal, em Mangui-
nhos (RJ) no ano de 1900, iniciou-se a disseminação do pensamento
sanitarista. E as incursões sanitárias não se restringiram a cidade do Rio
de Janeiro, tendo o evento da Revolta da Vacina como um dos eventos
expoentes. Entre 1911 e 1913 o Instituto Oswaldo Cruz (IOC) realizou um
total de cinco expedições científicas (MELLO; PIRES-ALVES, 2009) re-
plicando as ações iniciadas nas capitais para as regiões mais afastadas
dos grandes centros.
Os pesquisadores Arthur Neiva e Belisário Penna percorreram
4 mil quilômetros entre março a outubro de 1912 e publicaram em
1916 um relatório no qual detalham a situação do sertão brasileiro.
Essa expedição científica diferiu das demais por fazer um retrato das
características socioeconômicas das populações sertanejas: altas
taxas de analfabetismo, ausência de saneamento básico, alta e di-
versificada incidência de doenças infectoparasitárias, desassistência
médica, dentre outros (THIELEN et al., 1991; WELTMAN, 2002). Efeti-
vamente, o problema inicial consistia em como integrar essa parcela
marginalizada e vulnerável da população brasileira a um projeto de
valorização da nacionalização de cultura, processos e produtos.
Ademais, esse sonho de integração nacional combinou várias
estratégias desde os investimentos na construção de linhas ferroviá-
rias, ampliação dos portos (THIELEN et al. 1991), formação de recursos
humanos e a realização de expedições com o intuito de desbravar
“territórios selvagens”. As questões de saúde logo ganharam destaque
nesses relatórios, como a subnutrição e doenças como sífilis, esquis-
tossomose, tuberculose, leishmaniose, malária, febre amarela, hanse-
níase, “mal do engasgo” ou “vexame” (nomes populares dados para o
que depois foi denominado como a doença de Chagas), a mortandade
infantil, dentre outras (SÁ, 2009). Foram documentados os modos de

174
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

vida, os costumes, as doenças, os aspectos geográficos, a fauna e flora,


via vasto registro fotográfico e por meio da coleta de depoimentos dos
moradores (MELLO; PIRES-ALVES, 2009; THIELEN et al., 1991).
Os relatórios produzidos nas expedições científicas serviram
para impulsionar projetos de urbanização nos municípios mais pobres
e com menor densidade populacional (SÁ, 2009) e desencadeou uma
série de outros eventos e políticas públicas (figura 2).

Figura 2 – Desdobramentos das expedições científicas realizadas a partir do ano 1912.


Fonte: elaborada pelas autoras.

Por exemplo, a criação da Liga Pró-Saneamento, que foi


responsável pela distribuição de panfletos, realizações de palestras,
incursões nos centros, periferias e nas áreas rurais, essas últimas con-
sideradas locais abandonados, incivilizados, em uma época onde não
havia um sistema único de saúde; a assistência médica se concentrava
nas grandes cidades. A palavra de ordem era sanear. Mas o sentido
da palavra aqui posta estava para além do apropriado pela Vigilância
Sanitária; envolvia a defesa de um território nacional limpo, competitivo
a nível mundial, com indivíduos fortes, saudáveis. Segundo Britto:

175
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

A Liga estabeleceu delegações em algumas unidades


da federação, visando estimular os governos estaduais e
municipais a implementarem a construção de habitações
higiênicas, a profilaxia de doenças consideradas evitáveis,
programas de educação higiênica, postos rurais e obras
de saneamento básico. (BRITTO, 1994, p. 21).

Os resultados das expedições científicas se estenderam à


literatura nacional, levando, por exemplo, o escritor Monteiro Lobato
a revistar o personagem do caboclo preguiçoso na quarta edição de
Urupês. Lobato, reconstrói Jeca Tatu (figura 3): agora é um elemento
de crítica social; uma vítima da ausência de políticas públicas para o
homem do campo e, por isso, o embate é sobre o acesso a médicos
e educação de qualidade. Na obra Casa grande e senzala, de Gilberto
Freyre, publicado pela primeira vez em 1933, a miscigenação entre
brancos, negros e índios é motivo de orgulho; pois dá origem a um povo
cordial, com identidade única, acolhedor, brasileiro, sob cuja mensagem
utópica, segundo Euclides da Cunha (2018) se esconde uma sociedade
discriminatória, estratificada e pautada na desigualdade.

Figura 3 – O uso da imagem do Jeca Tatu como símbolo do descaso das políticas
públicas brasileiras e associação com o Biotônico Fontoura.
Fonte: Ana Palma (s.d.).

176
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

É nesse contexto que emerge no cenário nacional o Almaque


Fontoura, uma cartilha ilustrada com orientações simples sobre higiene e
comportamento. A distribuição por mais de sessenta anos do Almanaque
Fontoura, teve como objetivos: i) levar “bons” hábitos de higiene para a
população; ii) modular costumes e criar uma nova cultura; iii) promover a
reforma do homem brasileiro: a partir da medicalização seria então pos-
sível mudar o estado de doença para saúde; e iv) introduzir nas escolas
da educação básica, a educação higienista (MACHADO; ROSSI; NEVES,
2012; MACHADO; ROSSI; RODRIGUES, 2013; PESSOA, 2016).
Como o Almanaque era produzido por um laboratório farma-
cêutico, a ideia de se considerar os aspectos sociais do meio onde o
indivíduo se encontra, lá do início das expedições científicas, foi erro-
neamente apropriada, e o discurso mudou: o objetivo central se voltaria
para prover o acesso a medicamentos e modos de educação para
moldar comportamentos, seriam ações mais do que suficientes para
fazer o país alcançar o seu potencial econômico e social (MEYER, 2001;
PARK, 1999). E teria um desdobramento crucial, pois [...]

[...] embora, não fosse intenção de seus criadores, o Alma-


naque produziu uma representação do homem do campo
como aquele que vivia na fronteira das ideias progressistas,
contribuindo para cristalizar uma imagem representativa do
sertanejo como homem atrasado e alheio à modernização.
(MACHADO; ROSSI; NEVES, 2012, p. 85).

Esse movimento em prol da cura do homem “mulambento”


chegou até as escolas sendo determinante para como esse espaço
passou a falar/discutir sobre doenças, ou seja, a partir da perspectiva
de curar para progredir bem distante da ideia de bem-estar. As cartilhas
e livros didáticos se apropriaram do discurso visual e textual dos alma-
naques, destacando os agentes causadores de doenças, transmissão e
profilaxia, como apontam as pesquisas de Monteiro (2012).
Nas escolas e em casa, jovens, crianças e adultos liam as carti-
lhas sobre como evitar as doenças, decoravam versos e músicas. Souza
e Jacobina (2009) são enfáticos ao apontarem a necessidade de ações

177
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

desse tipo para sanar as problemáticas de saúde em um cenário caótico


de analfabetismo e abandono social. Porém outros autores (NOGUEIRA,
2014; HOCHMAN, 1998; CANDEIAS, 1988;) enfatizam que o modelo de
educação instaurado estava ocupado em adestrar uma população
considerada desprovida de iniciativa e da capacidade de aprendizagem.
Segundo Souza e Jacobina (2009), era o início de uma educação sani-
tária, já que a culpa pelas doenças recaía sobre sujeitos, e para mudar
bastava que estes estivessem dispostos a conhecer e aplicar os rituais
de cuidados pessoais.
Ou seja, se propagava a regeneração do homem do campo
por meio da educação e medicamentos, por isso, o personagem inicial
de Jeca Tatu apresentado como doente, inapto e preguiçoso, que
guiava suas ideias por crendices, é transformado. Ao fazer uso do Bio-
tônico e ob¬ter informações para sua saúde, por meio do Almanaque,
se transformara no homem bem-sucedido, curado, rico e fazendeiro
(DOURADO, 2018).
A apropriação indevida e errônea do discurso científico foi
usada para vender o elixir Fontoura apresentado como a cura para a
doença do amarelão, a desnutrição, o desânimo, e também indicado
para crianças com dificuldades de aprendizagem. Todavia, para alguns,
o Biotônico era uma fonte importante de reposição de ferro já que a
indústria farmacêutica não se ocupava em produzir medicamentos
para a população mais carente (DOURADO, 2018; PARK, 1999).
Não cabe aqui estender discussões acerca do “elixir Fontoura”.
O ponto que destacamos é como uma cartilha produzida a partir dos
relatórios das expedições científicas determinou, junto a outros fatores,
uma cultura sobre o modo de falar sobre saúde para a população em
geral e também nas escolas. O discurso de mudança de comporta-
mentos, tal qual em uma linha do antes e depois, foi também colocada
nos livros didáticos se estendendo até o século XXI como constam as
pesquisas de Monteiro e Bizzo (2014), Monteiro (2012), França, Margonari
e Schall (2011), Monteiro, Gonw e Bizzo (2009), Freitas e Martins (2008),
Souza e Gôuvea (2006), dentre outras.

178
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Paim (2008) levanta o questionamento de como esses pensa-


mentos acabaram sendo a base para muitas ações instauradas pos-
teriormente, incluindo o da Reforma Sanitária Brasileira (RSB), que se
apresentou como uma reforma social, pois [...]

A partir da tese de que a RSB representa um projeto de


reforma social, poder-se-ia considerar a hipótese de que ela
foi concebida como reforma geral, tendo como horizonte
utópico a revolução do modo de vida, ainda que parte do
movimento que a formulou e a engendrou tivesse como
perspectiva apenas uma reforma parcial. (PAIM, 2008, p. 38).

Pautada apenas em aspectos biomédicos, muitas das ações


se apresentaram como insuficientes em prover respostas para a
complexidade das situações epidemiológicas apresentadas. E, por
isso, não reverberaram os efeitos iniciais, apenas se colocaram como
medidas provisórias.
Por sua vez, Campos, Minayo e Akerman (2012) apontam que
apenas após a Segunda Guerra Mundial é que os aspectos sociais
em sua complexidade são trazidos para o centro de debates sobre as
doenças. Mais do que isso, é amadurecida a perspectiva de se falar
sobre saúde/doença, como nas conferências Nacionais e Internacio-
nais de Saúde (figura 4).
Buscou-se entender a doença para além do corpo biológico, como
uma entidade que aflige também o corpo social (o corpo do trabalho, do
lazer, da família, das crenças, dos mitos, da religiosidade). Entretanto, ainda
segundo Campos, Minayo e Akerman (2012), a certeza do diagnóstico
advindo das descobertas da Bacteriologia e os avanços da Medicina im-
pulsionados pelas tecnologias, emergiu como um alento nessa realidade
considerada confusa, sepultando os esforços de inclusão dos aspectos
sociais ou ainda retardando o nascimento da Medicina Social.

179
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Figura 4 – Modelos representativos sobre os tipos de elementos que constituem os


debates sobre o tema saúde.
Fonte: Campos, Minayo e Akerman (2002).

Por que fazer essa breve retrospectiva histórica? Cabe a nós,


professores e pesquisadores dos temas em saúde, pensar em novas
formas de falar sobre os diferentes agravos emergentes ou reemer-
gentes. As idas às escolas e comunidades podem ser comparadas, de
forma análoga, às expedições científicas. Realizamos levantamento do
campo, das percepções dos sujeitos, colhemos depoimentos, fotogra-
famos, gravamos, fazemos análise dos trabalhos publicados, dentre
outras tarefas.
Nesta expedição científica sobre o tema Saúde pensamos ini-
cialmente em como uma área de pesquisa como a do Ensino (CAPES,
46) pode, em conjunto com os campos da Educação e Saúde, fornecer
subsídios para as práticas docentes na Educação em Saúde.
As orientações e reflexões de ensino na Educação em Saúde
que propomos neste ensaio, são elaborados a partir da concepção crítica
e política de Paulo Freire (1996, 2005) que contrapõe o ensino dogmático
e a transferência de conteúdo como realizado entre 1916 e 1942. Ou
seja, debatemos que é insuficiente informar do mesmo modo sujeitos
oriundos de contextos diversos sobre um tema, e por isso, se deve
partir da ressignificação das experiências diversas para instaurar ações
permanentes para o bem-estar, e que se perpetuam mesmo depois da
contenção de agravos.

180
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Apesar de reconhecer a importância das campanhas de saú-


de, é contraproducente apontá-las como as únicas estratégias para
uma Educação em Saúde como apresentada no final do século XX e
início do século XXI.

Por uma educação freiriana na Promoção e Educação em


Saúde

É notório que o campo da Educação sempre foi requisitado


para formular estratégias para ensino e aprendizagem no campo da
gestão, formação dos professores, e produção/avaliação de recursos
didáticos. Os resultados produzidos são apropriados e transportados
para a discussão dos temas transversais em razão dos desafios ainda
inerentes ao exercício da docência.
O tema transversal saúde, objeto de atenção da Educação em
Saúde, não deve ser considerado como pontual perante a problemáticas
de doenças, ou ainda, como se a totalidade da sua compreensão pu-
desse ser obtida por meio de doses “homeopáticas” informativas (vide,
por exemplo, a prática panfletária de disseminação de informações).
A Educação em Saúde para ser considerada um campo de formação
para cidadania e empoderamento dos sujeitos deve vir calçada em
discussões que considerem as teorias críticas do Ensino, contrapondo
o pensamento behaviorista já tão debatido na Educação.
A Teoria Sociocultural e Histórica, de Vigotsky, apresentou ele-
mentos fundadores para uma educação contextualizada e pautada na
responsabilidade de verificar os sujeitos como sociais, ou seja, desloca
o olhar sobre a ação individual para a inclusão das relações, cultura e
meio ambiente. Em adição, postula que os sujeitos produzem cultura
e são influenciados também por ela e são resultados tanto da história
individual quanto coletiva (REGO, 2011; VIGOTSKY, 2007).
Apesar do adestramento dos sujeitos ser combatido em áreas
que pesquisam a alfabetização, como na área de ensino de matemática

181
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

e de ciências, então por que esse adestramento ainda é fomentado


quando o assunto envolve a temática saúde/doença?
Em primeiro lugar, pela concepção ainda enraizada e presente
no imaginário dos sujeitos, tanto da educação quanto da saúde. Como
já discutido no subtópico anterior, a desvalorização dos modos diversos
de cultura e a conduta de denominar modos diferentes de vida e de
pensar como atrasados ou preguiçosos, fomenta uma ação educativa
que se ocupa em mover esforços para repassar um mínimo de informa-
ções consideradas suficientes para um modo de vida saudável.
Tais informações, oriundas de práticas semelhantes às de um
adestramento de comportamentos, se estende ao pensar: ao serem
desvalorizados e silenciados, os sujeitos sociais em posições de vul-
nerabilidade social e acometidos por agravos da saúde tendem a não
expressarem opiniões, ou ainda, contribuírem com suas formas de ver
o mundo. Ao mesmo tempo que se predispõem a seguir orientações
para o “combate de agravos”, tendem a não dar continuidade, já que em
sua maioria tais “instruções” destoam das condições que o meio em que
vivem oferecem.
Em segundo lugar, a homogeneização de comportamentos/
pensar é estendida para os modos de cultura. A escola, mesmo situada
em um dado território, apresenta práticas docentes e de ensino que
diferem da cultura local. Os seus objetivos institucionais, aquilo que
se apresenta como modo de vida dominante, as expectativas para o
futuro (ou ainda a ausência de), o currículo praticado, nada disso pode
se assemelhar com a bagagem que os sujeitos que a frequentam tra-
zem ao se sentar enfileirados em suas carteiras. É dominante, portanto,
por meio da cultura escolar, uma única forma de ver e compreender o
mundo e os elementos que dele fazem parte. Porém os estudantes e
professores são sujeitos pensantes e, com isso, ao se sentirem exclu-
ídos do modo operante da escola, evadem. Para Paulo Freire não há
evasão escolar, mas expulsão.
E a educação bancária não dialógica é o elemento estruturante e
norteador da cultura escolar, ocupada no saber fazer, nas técnicas ope-
racionais, mas que desresponsabiliza a escola de incluir pensamentos

182
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

diversos, visões e expectativas de mundo, carreira e vida que não estão


alinhados com o que almeja os estratos sociais dominantes.
Em terceiro lugar, por fim, os elementos que fazem parte da
cultura escolar, como os livros didáticos, reproduzem o discurso que
não dialoga com as multiculturas e é estratégico para o acúmulo de
saberes, termos científicos e técnicos e pouco ou nenhum espaço para
o saber pensar. Tal qual as antigas cartilhas, carregam ideologias que
destoam das necessidades emergentes, tendo em vista que os repre-
sentantes dos estratos sociais basais não são ouvidos na tomada de
decisões, como a controversa instauração da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC).
Emerge, como um farol para nos guiar, o ato de resistência de
Paulo Freire no embate direto à denominação dos sujeitos mais vul-
neráveis como não dotados de capacidade intelectual, de iniciativa,
de cultura e história.
Para Paulo Freire, a educação, como forma de resistência,
deve partir da ação humanizadora do sujeito, ao tê-lo como: social,
histórico, dotado de ideologia, com consciência de mundo e de si
mesmo cuja consciência o habilita a organizar elementos do seu
meio, da sua cultura e ressignificar práticas, conhecimentos (novos e
velhos), percepções e relações sociais. Converge para o pensamento
de Vigotsky (2007), para o qual um sujeito sociocultural é dotado da
capacidade de linguagem e por meio desta, organiza o seu mundo
interno e externo por meio dos signos históricos e sociais, como tam-
bém o interpreta e compartilha com os seus pares.
Emerge, em adição, a urgência da leitura de mundo e da
leitura do outro, elementos vitais de uma Educação em Saúde que
contrapõem os modelos higienistas. Por meio dos temas geradores
é possível a ação de ler o mundo dos que participam conosco e não
como público-alvo das incursões (ou seriam as expedições científi-
cas?) no campo para identificar os condicionantes de saúde. A leitura
do outro, viria para verificar como os sujeitos sociais reagem perante a
esses condicionantes, como compreendem os estados de saúde e de

183
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

doença, e como percebem as orientações para o enfrentamento das


doenças, quando oriundas de iniciativas verticalizadas.
Todavia tanto a leitura de mundo quanto a leitura do outro
só coexistem se houver a prática da dialogia. É por meio dela que os
sujeitos se acolhem em suas diferentes visões de mundo e partilham
os significados dos objetos que ora se debruçam para investigar em
suas realidades.
Emergem, então, os temas geradores, que passam a ser proble-
matizados em busca dos sentidos em torno das palavras. Por exemplo,
nos diálogos sobre a covid-19, surgem as dificuldades sociais para
manter o isolamento social, o desemprego sistemático das camadas
com menor grau de instrução e, ainda, a predominância das fake news
no fortalecimento da resistência às vacinas.
A partir desse ponto, os sujeitos podem buscar os sentidos da
doença para além dos sintomas e combate aos agentes transmissores/
causadores, mas incluir as políticas públicas, meio ambiente e tecnolo-
gias para prevenção, diagnóstico, tratamento e acompanhamento por
meio das Unidades Básicas de Saúde (UBS) devido as comorbidades
adquiridas no pós-covid-19.
Portanto na perspectiva freiriana, falar de saúde e priorizar o
discurso, prática e iniciativas na proteção da saúde individual, coletiva e
dos territórios é uma forma de vida e não se restringe a uma metodolo-
gia para o ensino e aprendizagem, apesar da indiscutível contribuição.
Trata-se da defesa de uma Educação em Saúde estruturada na luta
pelas singularidades das diversas identidades culturais e socio-históri-
cas dos sujeitos e instituições.
Apesar de, nas escolas, a saúde ser posta como um objeto
transversal, tal concepção curricular não deve levar a um tratamento
de elemento circundante das práticas escolares, mas ser vivenciada
no atravessamento dos conhecimentos disciplinares como tópico
cotidiano emergente e urgente, respeitando e levando em conta os
momentos históricos, tanto locais quanto em nível global.

184
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Considerações finais

É necessário deslocar o olhar da comunidade escolar e do


campo da saúde, agentes para a humanização do processo educati-
vo, fomentando o diálogo, o respeito às diferenças e, principalmente,
o que a Educação em Saúde deve priorizar, tal como apontado por
Paulo Freire na formação de sujeitos sociais capazes de tomarem
decisões reflexivas, conscientes e sensíveis aos elementos que levam
à ocorrência e perpetuação de doenças.
Entretanto a introdução do tema saúde nas escolas requer
alinhamento com a identidade escolar local, com a sua própria
cultura; trazendo elementos que promovam iniciativas como a pro-
dução de discursos próprios oriundos das vozes dos indivíduos que
são convidados a contribuírem com maneiras diversas de perceber
a doença e a saúde.
Ao adotar o referencial teórico de Paulo Freire nas práticas da
Educação em Saúde, verifica-se que as antigas práticas da vigilância
sanitária gestadas no combate das doenças lá no início do século XX
não promovem a saúde, mas cerceiam os esforços em investidas sobre
sujeitos e territórios quando há demandas emergentes de surtos, epi-
demias ou pandemias como da covid-19.
Assim, finalizamos este ensaio, almejando que os diálogos, de-
núncias e propostas alternativas na forma de ver a saúde e doença para
o ambiente escolar não fiquem circunscritas nestas páginas, mas que
fomentem inquietações, que considerem a importância do diálogo, da
prática acolhedora, da formação protagonista, da proteção dos direitos
sociais, políticos e econômicos, em especial dos grupos minoritários e
das camadas sociais mais vulneráveis. Sem levar esses aspectos em
consideração, a ação denominada, como em saúde, estará esvaziada
de sentidos humanitários e de uma educação que compreende que
sempre estará orientada por ideologias que privilegiam a exclusão como
um modo de ser.

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OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

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188
ÍNDICE REMISSIVO

AMBIENTAL 7, 8, 9, 17, 18, 26, 30, 32, 34, 35, 36, 37, 40, 42, 44, 45, 46, 62, 118,
120, 121, 122, 123, 128, 134, 135, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143,
145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 192, 193, 198
ARTE 27, 51, 84, 104, 113, 115, 117, 119, 152, 164

CINEMA 84, 85, 86, 94, 107


CULTURA 8, 65, 68, 103, 104, 110, 111, 118, 163, 186, 188, 191, 195, 197

DECOLONIAL 156, 160, 161, 164


DESIGUALDADE 46, 132
DIALÓGICA 75, 78, 80, 137, 139, 142, 146, 150, 160, 182
DIÁLOGO 7, 8, 18, 21, 22, 25, 26, 51, 52, 63, 69, 71, 75, 78, 84, 99, 109, 131,
157, 167, 185

EDUCAÇÃO AMBIENTAL 7, 8, 9, 17, 18, 26, 30, 32, 34, 35, 36, 37, 40, 44, 45, 46,
62, 118, 120, 121, 122, 123, 128, 134, 135, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142,
143, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 192, 193
EDUCAÇÃO EM SAÚDE 7, 9, 17, 26, 47, 51, 52, 59, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 72,
76, 81, 82, 99, 169, 170, 180, 181, 183, 184, 185, 186, 188
EDUCAÇÃO INDÍGENA 9, 157, 166, 167, 168
EMANCIPAÇÃO 8, 33, 34, 51, 61, 69, 73, 81, 170
ESCOLA 43, 49, 57, 60, 61, 62, 63, 66, 67, 68, 70, 99, 120, 122, 123, 128, 133, 134,
155, 168, 169, 170, 182

FILME 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 99, 100, 108, 111, 112, 114, 115
FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS 7, 52, 60, 63
FREIRIANO 17, 18, 20, 24, 28, 32, 142, 170

189
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

HABERMAS 8, 55, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 77, 78, 80, 81

INÉDITOS 8, 18, 22, 23, 26, 34, 44, 77, 82, 106, 117, 118

JUSTIÇA 120, 129, 134, 146


JUSTIÇA AMBIENTAL 129, 134, 146

LIBERTAÇÃO 13, 23, 24, 25, 29, 42, 51, 65, 71, 73, 74, 80, 81, 96, 101, 118, 146,
150, 157, 165

METODOLÓGICO 18, 22, 53, 57, 59, 61, 67, 120, 122, 142

PAULO FREIRE 5, 6, 7, 9, 10, 11, 13, 14, 17, 19, 21, 28, 29, 30, 31, 32, 35, 36, 41,
42, 44, 45, 51, 52, 57, 58, 66, 69, 70, 72, 74, 76, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 94,
95, 96, 97, 100, 101, 103, 104, 106, 119, 126, 137, 139, 141, 150, 151, 152,
156, 160, 161, 162, 163, 165, 167, 169, 170, 180, 182, 183, 185
PEDAGOGIA 7, 8, 13, 19, 20, 23, 26, 28, 29, 40, 43, 45, 63, 64, 66, 68, 73, 74, 81,
82, 84, 86, 94, 95, 96, 99, 100, 101, 104, 105, 121, 137, 139, 142, 153, 156,
157, 160, 161, 162, 167, 186
PROMOÇÃO DA SAÚDE 30, 40, 48, 64, 79, 112, 196

RACISMO AMBIENTAL 120, 121, 122, 125, 131, 132, 133


REFERENCIAL 9, 11, 19, 109, 120, 142, 166, 170, 185

SAÚDE 2, 7, 8, 9, 17, 18, 26, 27, 29, 31, 47, 51, 52, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 69,
72, 76, 79, 80, 81, 82, 86, 87, 89, 91, 92, 99, 101, 103, 104, 110, 113, 116, 118,
119, 139, 151, 169, 170, 179, 180, 181, 183, 184, 185, 186, 187, 188, 191,
192, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 199, 200

TEÓRICO 9, 11, 19, 120, 141, 142, 148, 185

VIÁVEIS 8, 18, 22, 23, 26, 34, 44, 77, 82, 106, 117, 118

190
CURRÍCULO DOS COAUTORES
POR CAPÍTULO

CAPÍTULO 1:

Josina Maria Pontes Ribeiro


Doutora em Ensino em Biociências e Saúde (IOC/FIOCRUZ). Mestra em
Ciência Política (IUPERJ). Especialista em Direitos Humanos e Socie-
dade (Uninorte) e Bacharela em Ciências Sociais (UFAC). Docente no
Ensino Básico Técnico e Tecnológico no Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Acre (IFAC/Campus Rio Branco).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7550278243707140
E-mail: josina.ribeiro@ifac.edu.br

Maria Lionilde Araújo da Silva Possui


Bacharela em Ciências Sociais e Licenciada em Filosofia (Ufac). Mes-
tranda em Educação Profissional e Tecnológica (Ifac/Campus Rio Bran-
co). Especialista em Ontologia, conhecimento e Linguagem na História
da Filosofia (Ufac). Professora de Filosofia da Secretaria de Estado de
Educação, Cultura e Esportes do Estado do Acre.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1578940424500720
E-mail: lia.wilde@hotmail.com

Vicente Bessa Neto


Doutorando em Ensino em Biociências e Saúde (IOC/FIOCURZ). Mestre
em Áreas Protegidas (INPA). Especialista em Higiene Ocupacional (POLI-
USP). Engenheiro Florestal e Engenheiro em Segurança do trabalho.
Docente no Ensino Básico Técnico e Tecnológico no Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Acre (IFAC/Campus Rio Branco).

191
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1712932017939736


E-mail: vicente.neto@ifac.edu.br

Tania Cremonini de Araújo-Jorge.


Pós-doutora pela Université libre de Bruxellas (ULB) na Bélgica. Doutora
em Biofísica (UFRJ). Mestra em Biofísica (UFRJ). Médica (UFRJ) e Pesqui-
sadora Titular em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
atuando nas áreas de inovações em doenças negligenciadas, farmaco-
logia aplicada e ensino de biociências e saúde, com foco em criatividade
e artscience.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1782386890431709
E-mail: taniaaj@ioc.fiocruz.br

CAPÍTULO 2:

Rayanne Maria Jesus da Costa:


Doutoranda do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Ensino em
Biociências e Saúde – Fiocruz, membro do grupo de pesquisa em Saúde
e Educação Ambiental com ênfase nas relações parasitárias (IOC/Fiocruz).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3103457752976850
E-mail: rmj.costa@gmail.com

Celso Sánchez:
Professor da Faculdade de Educação da UNIRIO - líder do Grupo de
Estudos e Educação Ambiental desde el Sur, Docente do Programa de
Pós Graduação em Educação (UNIRIO).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3777970267731343
E-mail: celso.sanchez@hotmail.com

Clélia Christina Mello-Silva:


Pesquisadora do Laboratório de Avaliação e Promoção da Saúde
Ambiental (LAPSA/IOC/Fiocruz). Docente e orientadora do curso de

192
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Pós-Graduação stricto sensu em Ensino em Biociências e Saúde, líder


do grupo de pesquisa em Saúde e Educação Ambiental com ênfase
nas relações parasitárias (IOC/Fiocruz).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9205412629771883
E-mail: clelia@ioc.fiocruz.br

CAPÍTULO 3:

Telma Temoteo dos Santos


Doutora em Ensino em Biociências e Saúde (IOC/Fiocruz). Licenciada
em Ciências Biológicas e em Pedagogia. Docente no ensino médio e
superior no Instituto Federal Norte de Minas Gerais (IFNMG). Docente no
programa lato sensu em Ensino em Biociências e Saúde (IOC/Fiocruz).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6691084058933570
E-mail: temoteo.telma@gmail.com

Rosane Moreira Silva de Meirelles


Doutora em Ciências (IOC/Fiocruz). Licenciada em Ciências Biológicas.
Professora do Departamento de Ensino de Ciências e Biologia da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (DECB/IBRAG/UERJ). Orien-
tadora nos Programas stricto sensu em Ensino em Biociências e Saúde
(IOC/Fiocruz) e Mestrado Profissional em Ensino de Biologia (Profbio/
associada UERJ).
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/5206162448542942
E-mail: rosanemeirelles@gmail.com

CAPÍTULO 4:

Lauriane Martins Santana:


Psicóloga. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ensino em
Biociências e Saúde - Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bio-
produtos - Instituto Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

193
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2554381100134896


E-mail: laurimartins80@hotmail.com
Sheila Soares de Assis:
Bióloga. Doutora em Ensino em Biociências e Saúde e Pesquisadora do
Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos - Instituto
Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7169855766420552
E-mail: sheila.assisbiouff@gmail.com

Tania Cremonini de Araújo-Jorge:


Médica. Doutora em Ciências pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Pesquisadora Titular em Saúde Pública da Fundação
Oswaldo Cruz - Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Biopro-
dutos - Instituto Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1782386890431709
E-mail: taniaaj@ioc.fiocruz.br

CAPÍTULO 5:

Daniela Frey:
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação stricto sensu Ensino em
Biociências e Saúde (IOC/Fiocruz). Mestre em Ciências pelo mesmo
programa. Graduada em Licenciatura em Ciências Biológicas (UERJ). É
Professora concursada do CEFET - RJ, campus Petrópolis; ministra as
disciplinas Biologia (para o Ensino Médio) e Cinema, Saúde e Viagens
(para o Ensino Superior).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4908002612653354
E-mail: daniela.frey@cefet-rj.br

Georgianna Silva dos Santos:


Doutora em Ciências (FIOCRUZ/2020). Graduada em Licenciatura em
Ciências Biológicas (UEMA). Docente no programa lato sensu em Neu-

194
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

roeducação (IFRJ/Campus Mesquita). Pesquisadora colaboradora do


Grupo Educação e Drogas (GPED/UERJ). Docente da rede municipal
de Educação de Saquarema - RJ.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6047486425350198.
E-mail: georgiannas@gmail.com

Maria de Fátima Alves de Oliveira:


Doutora em Ensino em Biociências e Saúde (IOC/Fiocruz). Mestre em
Educação (UERJ). Especialista em Didática do Ensino Superior, Meto-
dologia de Ensino, Administração Escolar e Ensino de Nutrição e Saúde.
Licenciada em Ciências Biológicas e Bacharelado em Genética (UFRJ).
Professora de Ciências aposentada (Prefeitura Municipal do Rio de
Janeiro). Orientadora no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em
Ensino em Biociências e Saúde (IOC/Fiocruz).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3047876834714077
E-mail: bio_alves@yahoo.com.br

CAPÍTULO 6:

Márcio Luiz Mello:


Doutor em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/
Fiocruz). Líder do Grupo de Pesquisa “Tecnologias sociais, cultura e
promoção da Saúde da Fiocruz/CNPq, Líder do Núcleo de Estudos
em Arte, Cultura e Saúde (NEACS) do Laboratório de Inovações em
Terapias, Ensino e Bioprodutos (LITEB/IOC).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9977493458138443
E-mail: mlbmello@gmail.com

Raquel Ferreira Rangel Gomes:


Doutora em Sociologia pelo Instituo de Estudos Sociais e Políticos (IESP)
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Integrante do NEACS/LI-
TEB/Fiocruz. Realizando pesquisa sobre música na promoção da saúde.

195
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5473045773081846


E-mail: raquelfrg@hotmail.com

Adrielle M. Fernandes da Silva:


Mestranda em Ensino em Biociências e Saúde (IOC/Fiocruz) na linha
de pesquisa Ciência e Arte com ênfase em Pesquisa Baseada em Ar-
tes-Narrativas literárias. Graduada em Biomedicina pela Universidade
Federal Fluminense (UFF) com habilitação em Análises Clínicas (2019).
Escritora de romances virtuais desde 2011.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0342212545493848
E-mail: adriellefernandes@id.uff.br

Nathalia Sena Sassone Perrone:


Graduanda em História pela Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro. Bolsista PIBIC do Laboratório em Inovações em Terapia, Ensino
e Bioprodutos (LITEB/IOC/FIOCRUZ).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5683362437651166
E-mail: nathalia.perrone10@gmail.com

Ana Beatriz Acioli Mendes:


Graduanda de História da Arte pela Escola de Belas Artes da Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro (EBA/UFRJ). Bolsista de iniciação
científica do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da
Fundação Oswaldo Cruz (PIBIC/Fiocruz).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0640164604634329
E-mail: anaacioli55@gmail.com

Cristiane Moreira de Almeida Novaes:


Pós-Graduanda lato sensu em Ciência, Arte e Cultura na Saúde (IOC/
Fiocruz). Licenciada em Dança e Língua Portuguesa e Literaturas. Edu-
cadora Corporal, Dançarina e Performer.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4305753282965344
E-mail: tiane.moreira2012@gmail.com

196
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Rebeca Torquato de Almeida:


Mestranda em Ensino em Biociências e Saúde (IOC/Fiocruz) na linha
de pesquisa Ciência e Arte com ênfase em Pesquisa Baseada em Artes.
Especialista em Saúde coletiva (Fundação Oswaldo Cruz - Brasília). Psi-
cóloga formada pela Universidade de Brasília (2015) e Psicodramatista
pela Associação Brasiliense de Psicodrama.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6711172042837973
E-mail: psirebecatorquato@gmail.com

Nureane Menezes de Souza:


Nure Guidah, cantora, licenciada em História e Espanhol. Mestranda no
Programa em Ensino em Biociências e Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz,
bolsista CAPES. Atualmente vinculada ao Núcleo de Estudos Arte (NEACS),
Cultura e Saúde Núcleo de Pesquisa Cultura, Arte e Promoção da Saúde
(CNPQ “Tecnologias sociais, Cultura e Promoção da Saúde) do Laboratório
de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos (LITEB/IOC/Fiocruz).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2168499820725137
E-mail: nureguidah@gmail.com

Roberto Carlos da Silva:


Mestre em Ensino em Biociências e Saúde (IOC/FIOCRUZ). Psicólogo
Clínico e Social. Pós-graduado em Ciência, Arte e Cultura na Saúde
(IOC/FIOCRUZ). Realizando pesquisa Baseada e Arte tendo como
ênfase a Arteterapia e a literatura.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7804995141025722
E-mail: robertocsi262@gmail.com

CAPÍTULO 7:

Rodrigo de Jesus Oliveira Fonseca:


Mestre em Ensino de Biologia (ProfBio/UERJ). Licenciado em Ciências
Biológicas (UFF). Professor de Ciências pela prefeitura de Guapimirim -
RJ e Professor de Biologia pela (SEEDUC/RJ).

197
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3574177967696117


E-mail: dgouth@gmail.com

Patrícia Domingos:
Doutora em Biotecnologia Vegetal (UFRJ), Mestrado em Geoquímica
Ambiental (UFF), Graduação em Ciências Biológicas (Universidade
Santa Úrsula). Docente no ensino superior na Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ). Docente no Programa de Pós-graduação em
Biologia Vegetal (PGBV/UERJ) e no Programa em Rede Nacional em
Ensino de Biologia (ProfBio/UERJ).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3381324625371431
E-mail: patdomingos.uerj@gmail.com

CAPÍTULO 8:

Renata Gomes de Abreu Freitas:


Doutora em Ensino em Biociências e Saúde (IOC/Fiocruz). Licenciada
em Geografia. Docente no ensino técnico e tecnológico do Instituto
Federal do Acre (IFAC). Docente no Programa de Mestrado em Educa-
ção, Profissional e Tecnológica (ProfEPT) da rede federal de educação
profissional.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4682352321646402
E-mail: renata.freitas@ifac.edu.br

CAPÍTULO 9:

Elaine de Brito Carneiro:


Doutora em Ensino em Biociências e Saúde (IOC/Fiocruz). Licenciada
em Educação Física (UFRJ). Docente no ensino superior no Centro
Universitário Augusto Motta (UNISUAM - RJ). Professora formadora no
Centro de Referência em Formação Continuada do Município de São
Gonçalo - RJ (CREFCON).

198
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2782003819237101


E-mail: ebritocarneiro@gmail.com@gmail.com

Márcia Regina da Silva Ramos Carneiro:


Doutora em História Social (UFF). Licenciada em Ciências Sociais (UFRJ)
e História (UFF). Professora Associada, lotada no Instituto de Ciências
da Sociedade e Desenvolvimento Regional da UFF.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6587947986086238
E-mail: marciarrcarneiro@hotmail.com

Lucas Munduruku:
Poeta, roteirista e pesquisador de filosofias indígenas no laboratório
Geru Maa (UFRJ) pelo qual promove aulas públicas com protagonismo
indígena, palestras e atividades pedagógicas, a partir também de refe-
rências audiovisuais; é ativista na resistência da Aldeia Marakanà, ponto
de referência cultural e apoio aos povos indígenas no Rio de Janeiro e
também colaborador em outras aldeias no estado.
E-mail: lucascostamdk@gmail.com

CAPÍTULO 10:

Telma Temoteo dos Santos:


Doutora em Ensino em Biociências e Saúde (IOC/Fiocruz). Licenciada
em Ciências Biológicas e em Pedagogia. Docente no ensino médio e
superior no Instituto Federal Norte de Minas Gerais (IFNMG). Docente no
programa lato sensu em Ensino em Biociências e Saúde (IOC/Fiocruz).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6691084058933570
E-mail: temoteo.telma@gmail.com

Rosane Moreira Silva de Meirelles:


Doutora em Ciências (IOC/Fiocruz). Licenciada em Ciências Biológicas.
Professora do Departamento de Ensino de Ciências e Biologia da

199
OS INÉDITOS-VIÁVEIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (DECB/IBRAG/UERJ). Orien-


tadora nos Programas stricto sensu em Ensino em Biociências e Saúde
(IOC/Fiocruz) e Mestrado Profissional em Ensino de Biologia (Profbio/
associada UERJ).
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/5206162448542942
E-mail: rosanemeirelles@gmail.com

200
Em comemoração aos 100 de nascimento do Patrono da Educação
Brasileira, Paulo Freire (1921-1997), nos propomos a organizar este
livro. Pensar a educação ambiental e a educação em saúde sob a
perspectiva do educador e pensador Paulo Freire é estruturar a
práxis dos atuantes no Ensino para a autonomia e o protagonismo dos
sujeitos. Parte-se do pressuposto de que só é possível alcançar o
potencial da educação e do ensino se estes forem pensados a partir
do respeito mútuo, da inclusão, do cuidado com o outro, com o
ambiente e com a preservação da cultura e dos diversos modos de
vida. É também pensar que, a partir do outro, emergem os
significados e significantes, e que por meio da “dialogia”, a
educação emerge como prática de liberdade. Por meio de suas obras
e da Pedagogia Crítica, Freire buscou propagar a cultura de paz, a
defesa pelos direitos e emancipação dos sujeitos, por meio da
consciência social e política. Percebia a educação como um forte
instrumento de fomento à libertação dos sujeitos para que fossem
capazes de saírem do lugar de inércia para novas formas de ler o
mundo, interpretar e agir, sendo capazes de questionar o status quo
que levam ao adestramento dos indivíduos e o cerceamento de
pensamentos. Espera-se que esta leitura se apresente como um
espaço dialógico e como narrativa das experiências realizadas.

aeditora.com.br

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