Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Coleção
diálogos sobre
violências, saúde e fronteira
volume ii
© Brazil Publishing Autores e Editores Associados Associação Brasileira de Editores Científicos
Rua Padre Germano Mayer, 407 Rua Azaleia, 399 - Edifício 3 Office, 7º Andar, Sala 75
Cristo Rei - Curitiba, PR - 80050-270 Botucatu, SP - 18603-550
+55 (41) 3022-6005 +55 (14) 3815-5095
Comitê Editorial
Editora-Chefe: Sandra Heck
Editor Superintendente: Valdemir Paiva
Editor Coordenador: Everson Ciriaco
Diagramação e Projeto Gráfico: Rafael Chiarelli
Adaptação para E-book: Samuel Hugo
Arte da Capa: Paula Zettel
Revisão de Texto: Os autores
Staliano, Pamela
S782v Violência, gênero, saúde e fronteira(s): diálogos interdisciplinares / Pamela
Staliano, Marcos Mondardo – 1.ed. – Curitiba: Brazil Publishing, 2020.
[recurso eletrônico]
ISBN 978-65-5861-269-8
Adriana Dorfman
Doutora em Geografia. Professora associada
do Departamento de Geografia e professora
permanente do Programa de Pós-Graduação
em Geografia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
Referência
DAVIS, Nira-Yuval. Intersectional Border(ing)s. Political Geography, v. 66, p. 139-
141, 2018.
Abstract
The volume “Violences, gender, health and frontier (s): interdisciplinary
dialogues” brings together texts by researchers who understand that
violence against women has historical roots in Brazil, anchored in
patriarchal molds, differentiating men and women by the standards of
identity. This structure points to the gender inequality in which men are
superior to women, a hierarchy demonstrated through power and male
domination. The policies to confront violence brought by the Maria da
Penha Law have a universal character of service, with the objective of
serving all Brazilian women. However, it is necessary to discuss how it
is possible to guarantee this right to women marked by their class, race
and ethnicity, specifically, in relation to indigenous women. Violence in
the border region needs to be seen as a complex phenomenon crossed by
legislation, historical, geographical, political and cultural aspects. Dealing
specifically with violence against women, Latin American women who
live in a Brazilian border region, in addition to structural machismo,
experience the socioeconomic vulnerability marked by drug trafficking,
facilitated acquisition of firearms and the late legislative recognition of the
crime of femicide, which contribute to the perpetuation of the practice of
intentional lethal crimes against these women.
Palavras-chave
Marcos Mondardo
Introdução
10
ou, no interior de uma distinção realizada pela ótica dos
povos Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul, do tekoha
como território de existência (MONDARDO, 2019a).
Nessa composição ontológica e heterogênea de mul-
tiplicidades é possível afirmar que as mulheres indígenas
latino-americanas, e em particular, as mulheres Guarani e
Kaiowá, têm uma leitura própria do seu corpo-território. Par-
te-se para o enfoque de espaço em suas diferentes dimensões,
que incluem a abordagem da multiplicidade contemporânea
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
11
Como afirma Dorronsoro (2019)
12
e por ela que alimentamos nossa vida. Por
isso, o território para nós não é um bem que
pode ser vendido, trocado, explorado. O
território é nossa própria vida, nosso corpo,
nosso espírito. Lutar pelos direitos de nossos
territórios é lutar pelo nosso direito à vida. A
vida e o território são a mesma coisa, pois a
terra nos dá nosso alimento, nossa medicina
tradicional, nossa saúde e nossa dignidade.
Perder o território é perder nossa mãe. Quem
tem território, tem mãe, tem colo. E quem
tem colo tem cura. [...] Precisamos dialogar e
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
13
ferença como multiplicidade de corpos. Na sinestesia dos
bons encontros entre corpos fica mais efetivo o exercício das
resistências. Existir enquanto corpo físico-biológico, mas,
sobretudo, enquanto subjetividade. Essas subjetividades
ameríndias em que estão presentes outras perspectivas
de mundos, cosmologias de mundos por vir a ser. Nestas
subjetividades corpóreas os múltiplos mitos e, consequente-
mente, a multiplicidade de espaços imaginados a partir dos
povos indígenas brasileiro-latino-americanos contém ideias
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
(MONDARDO, 2019a).
Mas o que são corpos ameríndios? Corpos indígenas
são muitos e múltiplos em suas dinâmicas, expressividades
e roupagens. São múltiplos em suas verdades, em línguas,
sons, performances, cosmopolíticas, enfim, subjetividades
que os permitem colocar ou tirar roupagens. Corpos que se
manifestam e se materializam pelos sons que demarcam a
paisagem corporal por meio da subjetividade. O território
encarnado. Os limites dos corpos como defesa e potência
da existência.
Mesmo tendo uma experiência corpórea, muitos não
indígenas não os veem e também não os ouvem. Muitas
vezes, as demandas não são escutadas pelas características
próprias de uma manifestação e/ou assembleia indígena ou
pela negação da legitimidade do povo ou comunidade. As
mesmas têm como base de suas discussões o território, a
relação com esse espaço chave envolve seus rituais e o modo
de viver. Sendo assim, ao possuir características distintas
de uma reunião realizada por pessoas não indígenas que
estão acostumadas com outra organização socioespacial, as
14
mesmas deixam de ganhar a atenção necessária. Os temas
em pauta envolvem a retomada de territórios tradicionais,
saúde, educação, sustentabilidade, moradia e a importância
de manter vivo o modo de viver indígena – como a cosmo-
logia Guarani e Kaiowá – com seus rituais compostos por
rezas e cantos.
15
O espaço permite, carrega esse potencial de favore-
cer ou possibilitar outra perspectiva de mundo, de corpo e
de território. Por isso, as cosmologias e cosmopolíticas das
mulheres indígenas são tão importantes, não só pelo caráter
pluri-ontológico dos grupos étnicos, mas, também, pela
dimensão física (a corporeidade) que ele carrega. O espaço
concreto, da cultura material, seja por meio de uma base físi-
ca como a terra, seja por meio dos objetos, está a todo tempo
estimulando a pensar de uma maneira diferente, a encontrar
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
16
ritório a partir da colonialidade do poder, no qual é tão
importante as lutas contemporâneas em defesa da vida, do
(auto)cuidado, da valorização do coletivo, da demarcação
do território, da autonomia.
Atualmente, os corpos-territórios do sacrifício ocor-
rem em nome do propalado desenvolvimento, do moderno
e do progresso, que consiste em uma característica funda-
mental da América Latina, em relação a outros contextos da
própria periferia mundial. A herança escravista e patriarcal
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
17
conhecer o Outro e lutar pela vida (existir para resistir). Por
isso, no Brasil, e nos diferentes contextos regionais, há toda
uma carga geo-histórica que ajuda a explicar porque as mu-
lheres indígenas pensam o mundo de uma maneira muito
própria, a partir de seus territórios ontológicos (ESCOBAR,
2018), corpo-território.
Então é importante analisar o corpo-território das
mulheres indígenas a partir desse contexto geo-histórico, no
sentido de pensar relações de poder profundamente arrai-
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
18
dos territórios que envolvem a própria ameaça à existência
desses grupos.
Nessa ontologização do território como propõe
Escobar (2018), o corpo é visto a partir dessa dimensão do
ser das mulheres indígenas e que dependem do território
para a sua própria existência. O corpo-território (e não po-
demos esquecer nesse processo do território como “corpo da
terra” proposta por Cabnal, 2010), que implica em relações
de resistência, se deve porque ele é construído como reação
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
19
dentro do espaço doméstico que era muito importante para
as sociedades nativas.
Assim, segundo Segato (2016), houve uma passagem
de um patriarcado de baixa intensidade para um patriarcado
de alta intensidade na América Latina. Em algumas regiões,
como na fronteira do Brasil com o Paraguai, devido às
violências e violações de direitos humanos que as mulheres
indígenas sofrem em um contexto geo-histórico da economia
do agronegócio corporativo, o patriarcado se transformou,
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
20
liderada por mulheres. As organizações religiosas, políticas,
por defesa de direitos territoriais e humanos tem na maioria
delas um protagonismo de mulheres indígenas.
Atualmente, as mulheres indígenas brasileiras exer-
cem um protagonismo político na maneira como organizam
as comunidades, seja em ações contextualizadas em territó-
rios originários como também fora deles, tendo em vista a
atuação em escala nacional e até internacional das lideran-
ças. Vale mencionar, como exemplo, a Articulação dos Povos
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
21
lher indígena sempre vai sofrer mais com o colonialismo ra-
cista/etnicista, enquanto identidade subalterna e periférica.
É importante lembrar que esse colonialismo ocorre porque
o componente masculino é aquele do diálogo com o poder
hegemônico, de cima para baixo. Esse poder é colonial,
moderno e androcêntrico, e isso reforça o patriarcado e o
colonialismo nessas áreas de fronteira. Enquanto minorias
indígenas, as mulheres indígenas são minorias internas, são
os Outros internos.
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
22
ciedade nacional, e quando se trata de uma mulher indígena,
aumenta ainda mais esse nível de negação da alteridade. Por
isso, quando essa mulher carrega elementos do fenótipo que
a associa a uma condição indígena, isso é ainda mais violento
simbólica e concretamente.
Assim, as violências que as mulheres sofrem são
mais fortes, ao mesmo tempo em que a condição indígena se
relaciona com o pouco acesso que elas tiveram (ou a dificul-
dade de acesso que tiveram) a certos elementos que poderia
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
23
Considerações finais
24
geopolítica do útero e o útero como território. Ver o útero
como território carrega um potencial para ser acionado pelas
mulheres para criar territorialidades. Segundo a autora,
mulheres indígenas propõe o útero como trincheira, desde
o qual confrontam a morte coletiva, uma amplitude do con-
ceito de território importante para pensar e dar visibilidade
às resistências e a própria vida. É fundamental reconhecer,
assim, que nas lutas contra as vulnerações, violências e
violações de direitos humanos, as mulheres indígenas per-
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
de transformação do futuro.
Referências
ABIP – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. “Documento final da 1ª Marcha
das Mulheres Indígenas: ´Território: nosso corpo, nosso espírito´”. Portal Eletrôni-
co da ABIP [15/08/2019]. Disponível em: <www.apib.info>. Acesso em: 20/08/2019.
BUTLER, J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria perfor-
mativa da assembleia. Rio de Janeiro: Civilização. Brasileira, 2018.
25
GROSFOGUEL, Ramon. Hacia un pluri-versalismo transmoderno decolonial.
Tabula Rasa. Bogotá - Colombia, No.9: 199-215, julio-diciembre 2008.
26
Violência doméstica e intrafamiliar
contra a mulher na fronteira Brasil-
Paraguai-Bolívia em tempos de pandemia
Pamela Staliano
Júlia Carmo de Paula
Allana Isabella Souza
Introdução
27
As dinâmicas ilícitas estão diretamente ligadas ao
aumento da violência. Visto que a localização geográfica
sul matogrossense acaba beneficiando as práticas ilegais,
pois grande parte das rotas do comércio proibido ocorre por
rodovias que conectam o estado do Mato Grosso do Sul aos
principais portos e aeroportos das metrópoles brasileiras
(NUNES, 2017). Em consonância, os autores Carniel, Car-
neiro e Preussler (2018) afirmam que a criminalidade seria o
reflexo do desemprego e da pobreza, em que as organizações
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
28
tuindo-se uma identidade “transfronteiriça” caracterizada,
por exemplo, pelo movimento de migração dos paraguaios
à região, que ao se reterritorializar no Brasil, trazem consigo
elementos de sua cultura que, por fim, se incorporam ao
atual território, resultando em uma mescla e troca cultural
(MONDARDO, 2013).
A violência contra a mulher é reflexo da sociedade
patriarcal que, por séculos, mantiveram legitimadas e insti-
tucionalizadas práticas de subjugação da mulher em esferas
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
29
Saffioti (2001) compreende a violência de gênero
como resultado da relação de dominação-exploração. Sobre
a ótica do patriarcado, o homem enquanto patriarca tem
o poder de controle sobre as mulheres e os filhos, e recebe
a autorização ou a tolerância da sociedade para castigar,
quando os dominados agem em desacordo com a vontade
do dominador. Muitas vezes a ideologia de gênero não é
suficiente para controlar sendo necessário o uso da violência
como controle.
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
30
ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar
ou controlar suas ações, comportamen-
tos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipula-
ção, isolamento, vigilância constante, per-
seguição contumaz, insulto, chantagem,
violação de sua intimidade, ridiculariza-
ção, exploração e limitação do direito de
ir e vir ou qualquer outro meio que lhe
cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação; (Redação dada pela
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
31
Na Bolívia há também amparo legislativo no combate
à violência contra a mulher, Lei nº 348/2013, prevê ações de
divulgação da legislação e redes de atendimento especializa-
do à mulher. Enquanto no Paraguai Lei Contra a Violência
Doméstica (Lei nº 1600/2000), tem como objetivo promover
a segurança possibilitando a solicitação de medida proteti-
va de urgência e responsabiliza o Estado na promoção de
políticas públicas de prevenção à violência contra a mulher
(FIGUEIREDO, 2015).
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
32
considerável da nação brasileira manteve sua rotina de tra-
balho, muitas vezes informal, impedida de beneficiar-se do
distanciamento social (MARQUES et al., 2020).
Vieira, Garcia e Maciel (2020) e Marques et al. (2020)
se preocupam com as repercussões das medidas preventivas
ao COVID-19 nas relações interpessoais e com os fatores que
ampliam a vulnerabilidade de mulheres à violência domés-
tica. Na realidade de muitas mulheres brasileiras, elas repre-
sentam o aumento do trabalho doméstico não remunerado
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
33
Método
34
Para este texto, realizou-se a discussão apenas da
primeira categoria, sobre os casos concretos, uma vez que,
estes oportunizam realizar a caracterização dos casos de vio-
lência doméstica perpetrados contra as mulheres em região
de fronteira.
Resultados e Discussão
35
Como é possível observar no Gráfico 1, houve um
aumento significativo de reportagens no quarto e quinto
mês do período analisado, representando 56% do total
dos casos. Entretanto, este resultado não é compatível com
outros dados estatísticos desse período. Este dado chama
atenção, uma vez que, dados divulgados pelo FBSP (2020a,
2020b) revelam diminuição paulatina no número de denún-
cia dos casos de violência doméstica ao longo dos meses
desde o início do isolamento imposto pela pandemia. Este
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
36
Para ilustrar os resultados encontrados, foram sele-
cionadas algumas notícias que descrevem tanto o momento
da pandemia quanto a ingestão de álcool ou outras subs-
tâncias psicoativas como motivadores de agressões contra
as mulheres:
“[...] Ela relatou à polícia que aconselhou o marido a não atender uma
mulher que procurava bebidas às 02h30, em razão do decreto proíbe o
funcionamento do comércio após às 20h. Entretanto o marido não deu
ouvidos à esposa e disse, “eu tenho que trabalhar” e começou agredi-la
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
37
Na análise de incidências por mês e localidade, três
municípios tiveram percentuais elevados nos dois últimos
meses. Dourados, Ponta Porã e Corumbá registraram um
aumento de, respectivamente, 71,4%, 88,9% e 75% dos casos
noticiados, como é possível observar no Gráfico 2:
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
diálogos interdisciplinares
38
pela crença de que a mulher não teria direito a nada (guar-
da de filhos, posse e partilha de bens comuns, permanência
em emprego, entre outros), dificultando a busca por ajuda
(FIGUEIREDO, 2015).
Figueiredo (2015, p. 271) aponta que “a alternância
de domicílio, seja da mulher, do autor do fato delituoso ou
de testemunhas, dificulta a instrução tanto dos procedimen-
tos policiais quanto dos processos judiciais”. Esta é outra
característica de cidades gêmeas, pois pessoas que residem
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
39
vítima e agressor; por fim, os 7% restantes representam os
casos cuja vítima desconhecia o agressor, como se pode
observar no Gráfico 3.
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
diálogos interdisciplinares
40
Maria da Penha foi um avanço necessário, mas ainda in-
suficiente para atingir seu intento de erradicar a violência
doméstica. Do outro lado da fronteira, Paraguai e Bolívia
também contam com legislações específicas para tratar
violência de gênero sendo elas, respectivamente, a Lei n.
1.600/2000 e a Lei n. 348/2013. Entretanto, ainda é necessário
avançar na articulação de ações binacionais que contemplem
a realidade da fronteira. Neste aspecto o Paraguai dialoga
mais com a rede de atendimento à mulher do Brasil, uma
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
41
Neste sentido, os homens estão, permanente-
mente, autorizados a realizar seu projeto de
dominação-exploração das mulheres, mesmo
que, para isto, precisem utilizar-se de sua for-
ça física. Pode-se considerar este fato como
uma contradição entre a permissão para a
prática privada da justiça e a consideração
de qualquer tipo de violência como crime.
(SAFFIOTI, 2001, p.121).
42
Tabela 1: Tipo de violência descrita de forma isolada nas reportagens
Tipo de violência N %
Violência física 47 60
Violência psicológica 16 20
Violência moral 4 5
Violência sexual 12 15
Total 79 100
Fonte: dados da pesquisa
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
43
verbais, crises de ciúmes, ameaças, destruição de objeto e
violência psicológica, entre outros; na segunda, ocorrem os
incidentes mais graves, como espancamentos, estupros e
eventualmente feminicídios; logo, a terceira fase seria mar-
cada pelo arrependimento, juras de paixão e promessas de
regeneração. A última fase vem acompanhada da crença de
que o parceiro irá mudar seus comportamentos agressivos
e que as ameaças não foram reais, o que, infelizmente pode
levar a um fim trágico (SOARES, 2005).
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
44
Tabela 2: Tipo de violência descrita de forma combinada nas reportagens
Tipos de violências N %
Violência física e psicológica 15 55
Violência física e moral 5 19
Violência física e sexual 1 4
Violência física e patrimonial 1 4
Violência psicológica e sexual 1 4
Violência psicológica e moral 1 4
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
45
podem coexistir em um relacionamento e que, mesmo quan-
do o ato violento não resulta em lesão física, o mesmo causa
danos psicológicos. Portanto, as consequências da violência
doméstica “não se limitam apenas a danos físicos imediatos,
mas também a efeitos em longo prazo, tais como depressão,
tentativas de suicídio, gravidez indesejada, dentre outros”
(p. 3.529).
É comum nestas reportagens em região de fronteira
a associação de crimes de violência com porte ilegal de
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
seguintes manchetes:
46
Este dado reforça o argumento apresentado por Nu-
nes (2017) de que as dinâmicas ilícitas estão diretamente liga-
das ao aumento da violência. Cabe ressaltar que a fronteira
em si não é uma das causas do alto índice de violência contra
mulher na região, mas sem dúvidas, as particularidades que
a permeiam influenciam na frequência e prevalência dessa
e de outras violências. Ou seja, Monteiro e Amaral (2016)
clarificam que o enfrentamento à violência contra a mulher
na fronteira impõem desafios específicos, considerando o
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
Considerações Finais
47
estado do Mato Grosso do Sul e suas características frontei-
riças. Faz-se essencial o diálogo e articulação entre a justiça
e as redes de atendimento à mulher brasileira, paraguaia
e boliviana, para o aperfeiçoamento das medidas que con-
templem o acolhimento e cuidado das vítimas de violência
doméstica dessas nações.
No contexto de pandemia, o enfrentamento à vio-
lência contra a mulher deve ser intensificado por meio da
capacitação dos trabalhadores da saúde, da ampla divul-
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
48
Referências
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2004.
______. Lei nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006, (Lei Maria da Penha). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso
em: 14 de setembro de 2020.
49
______. Violência doméstica durante a pandemia de Covid-19. Brasília, jul. 2020b.
Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/05/violên-
cia-doméstica-covid-19-ed03-v2.pdf. Acesso em 02 de out 2020.
50
SOARES, B. M. Enfrentando a violência contra a mulher. Brasília: Secretaria Especial
de Políticas para as Mulheres, 2005. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/
institucional/omv/entenda-a-violencia/pdfs/enfrentando-a-violencia-contra-a-mu-
lher-orientacoes-praticas-para-profissionais-e-voluntarios. Acesso em 02 de out 2020.
51
Exploração sexual na
fronteira de Mato Grosso do Sul:
espaço de tensões e potencialidades
Introdução
52
Neste sentido, o desejo é que os governos locais implemen-
tem políticas públicas condizentes com a realidade local.
Para isso, a metodologia desta pesquisa foi consti-
tuída a partir de uma abordagem qualitativa, pois trabalha
com o universo dos sentidos e dos significados. Portanto,
opera-se com um nível da realidade não quantificável, um
conjunto de fenômenos humanos que não é visível, precisa
ser exposto e interpretado pelos próprios pesquisadores
(MINAYO, 2010). Neste sentido, foi realizado um estudo bi-
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
53
não ser possível uma visão descolada da realidade e da his-
tória. Esta por sua vez é constituída a partir de movimentos
contraditórios do fazer humano, em uma relação dialética
em que o homem transforma o meio e a si mesmo (BOCK;
GONÇALVES; FURTADO, 2007).
Assim, o presente capítulo se estrutura a partir de
uma reflexão à respeito das regiões fronteiriças, seus signi-
ficados e formação identitária, procurando nos deter mais
especificamente na fronteira do Mato Grosso do Sul. Em
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
54
contro, de potencialidades, de trocas e expressões culturais,
de integração entre dois lados, e por assim dizer pode então
se constituir espaços ricos de diálogo. Nesta dialética de
singularidades, a fronteira se faz num amplo e complexo das
dinâmicas sociais que este espaço apresenta.
Deste modo, a fronteira é vista com o elemento da
contradição no qual em um só tempo e um local de desco-
berta do outro e desencontros. Sujeitos que se constroem
mutuamente à um só tempo, territórios que se arranjam
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
55
Diferenças como de padrão monetário, regime político, língua
nativa, religião, etnias, costumes, culinária, crenças são apenas
algumas diferenças que criam uma zona de tensão e formação
identitária da população que ali habita. A própria etimologia
da palavra fronteira afirma (SOUZA, 2009) que não há terri-
tório sem sujeitos que o instituam, assim, é através de sujeitos
sociais que o território se torna possível.
As regiões de fronteira, portanto, possuem uma
forma cultural própria, criada pelo contato de contingentes
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
56
No Brasil, uma das principais características identi-
tárias da região de fronteira é a diferença para o restante do
país, isso porque é vista como um local distante e conside-
rado contraventor. O que a caracteriza é principalmente o
conflito social, olhando para a fronteira Brasil e Paraguai é
possível observar os processos que permeiam a construção
do ser e estar fronteiriço, com a presença de uma violência
simbólica e física, exploração econômica e conflitos durante
o processo de colonização, expansão e manutenção destas
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
57
Bela Vista, Ponta Porã, Coronel Sapucaia, Mundo Novo,
Paranhos, Porto Murtinho e Corumbá, dentre os outros 44
municípios na região de fronteira.
Os municípios localizados em áreas fronteiriças
podem ser classificados a partir de três nomenclaturas, os
municípios de faixa de fronteira, aqueles dentro da faixa de
150 quilômetros da linha oficial de divisa, os municípios na
linha de fronteira, que estão próximos em poucos metros
das fronteiras, e os municípios fronteiriços, denominados de
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
58
como principal impulsionador e garantidor destas práticas.
Assim, ocorre com a exploração sexual atrelada à vulnera-
bilidade e risco social de camadas societárias mais pobres,
principalmente nos casos de crianças e adolescentes.
59
alimentado por redes criminosas, envolvimento de autori-
dades e políticos. Essas redes crescem a partir das falhas nas
articulações do sistema de proteção e atendimento a crianças
e adolescentes (LIMBERTI; ANDRADE, 2013).
Também, a exploração pode se estabelecer em for-
ma de abuso sexual, o qual “ocorre quando o ‘sujeito’ se
aproveita da relação familiar, de proximidade social ou da
vantagem etária e econômica para praticar violência sexual”
(NUDECA, 2017, p. 1).
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
60
fico é de baixa renda econômica, possui pouca escolaridade
e envolve questões étnico-raciais e de gênero. Portanto, o
fato de ser mulher, associada à questão da pobreza e da raça,
no que tange principalmente às mulheres negras, coloca as
mulheres em situação de desigualdade de oportunidades e
estado de vulnerabilidade, fatores que podem favorecer o
aliciamento da rede internacional de tráfico de mulheres para
fins de exploração sexual. Além deste fator, este fenômeno
pode estar relacionado à atual globalização do comércio, às
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
e as relações patriarcais.
Neste sentido, Leal, Teresi e Duarte (2013) afirmam
que muitas mulheres de baixas condições socioeconômicas
e sem escolarização, deixaram seus estudos ainda muito
jovens para trabalhar e decidiram prostituir-se para obter
uma maior renda. Isso demonstra o quanto mulheres, po-
bres e principalmente negras, ainda são desprotegidas pelas
políticas públicas de proteção social no Brasil, tornando-as
vulneráveis para o tráfico para fins de exploração sexual,
tendo seus direitos negados.
Scandola, Pauleti e Rodrigues (2014) realizaram um
estudo sobre tráfico de pessoas em territórios fronteiriços de
Mato Grosso do Sul, a partir de relatórios produzidos pelo
Comitê Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e
a Comissão Permanente de Investigação das Condições de
Trabalho de Mato Grosso do Sul. Os resultados apontaram
um aumento no número de meninos e meninas atendendo
demandas do mercado sexual em regiões de fronteira e
regiões de polos industriais de açúcar, álcool, carne, grãos e
trabalho rural. As autoras destacaram as relações entre essas
61
cadeias produtivas e o mercado sexual, servindo de entrete-
nimento a trabalhadores.
Portanto, a grande desigualdade socioeconômica
capitalista é um dos principais fatores que facilitam o tráfico
humano. Leal e Leal (2007, p. 98) afirmam:
62
O Mato Grosso do Sul possui características eco-
nômicas centralizadas na agropecuária, no entanto, nos
últimos anos o Estado vem passando transformações e
incorporando o processo de industrialização. Mas, de
modo contraditório, o desenvolvimento social não tem
acompanhado o desenvolvimento econômico, o cenário
apresenta alto índice de desigualdade social e nas fron-
teiras, encontram-se redes ilegais de tráfico e exploração
sexual (TEIXEIRA; ALMEIDA, 2014).
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
63
nência de pessoas, como rodovias. Associado à presença da
desigualdade social, ocorre um processo de oferta e deman-
da, também associado ao processo migratório.
Em razão disso, a maioria dos estudos têm destacado
a pobreza e a exclusão como indicadores sociais determi-
nantes para a entrada de crianças e adolescentes em redes
de comércio sexual. Nestas condições há na prática a busca
de meios de subsistência, acesso aos bens materiais, como
roupas, aparelhos de celular (SERPA, 2016). Por meio disso,
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
64
A sociedade exclui para incluir e esta trans-
mutação é condição da ordem social desigual,
o que implica o caráter ilusório da inclusão.
Todos estamos inseridos de algum modo,
nem sempre decente e digno, no circuito re-
produtivo das atividades econômicas, sendo
a grande maioria da humanidade inserida
através da insuficiência e das privações, que
se desdobram para fora do econômico.
(SAWAIA, 1999, p. 8)
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
65
após para a Europa Ocidental, onde se tornam vítimas de
exploração sexual (BRASIL, 2013).
Com isso, observa-se que as rotas no Brasil são tran-
sitórias e acompanham formas de exploração econômica,
sendo fomentadas pelos movimentos da globalização e do
capital. Entretanto, os dados reforçam que o país também
se torna de destino do tráfico ao receber paraguaios, boli-
vianos, para finalidades de atividade sexual e de trabalho
(BRASIL, 2013).
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
66
e adolescentes à exploração sexual e ao tráfico de pessoas
(BRASIL, 2013).
Em muitos dos casos, o rio é utilizado como espaço
e local nos quais as práticas de exploração são ocultadas
mais facilmente. Ainda sobre Corumbá, entre 2008 e 2009,
foram relatadas situações de encarceramento de meninas
em barcos pesqueiros para finalidade de tráfico para outras
cidades do interior do Estado. As adolescentes não se en-
contravam em posse de seus documentos e estavam sendo
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
67
brasileira de enfrentamento à violência sexual infantojuvenil
e ressaltaram o empreendimento de estratégias de preven-
ção e enfrentamento de violência sexual contra crianças e
adolescentes, avanços com a implementação do Programa
Sentinela, que ordena o atendimento e desenvolvimento de
ações no âmbito da assistência a crianças e adolescentes, ví-
timas de abuso e exploração sexual, entretanto foi pontuado
a existência de desajustes que comprometem a eficácia do
atendimento especializado, como a ausência de indicadores
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
68
violações, violência e vulnerabilidade, principalmente no
que tange à infância causando danos na formação para sua
vida adulta.
Como visto anteriormente, evidências de pesquisas
apontam para situação de pobreza como um propiciador
para envolvimento de crianças e adolescentes com o co-
mércio sexual, desta forma, é possível ver no mundo real
concreto os resultados de processos de exclusão. A exclusão
é entendida como um processo sócio-histórico, sutil e dialé-
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
69
lógicas de fornecer o apoio e cuidado, sendo muitas vezes
os que agenciam crianças para exploração, a fim de suprir
necessidades básicas.
Como resultado, portanto, crianças e adolescentes
que são exploradas sexualmente têm a formação do seu fun-
cionamento psicológico atingido pelos modos de relação que
experienciam nas fases iniciais de formação da sua subjeti-
vidade, internalizando o mundo como um ambiente hostil.
Podem ainda apresentar formas de se relacionar baseadas no
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
com o outro.
Embora haja uma certa preocupação por parte dos
governos locais com o aumento de crimes e atos violentos
praticados contra mulheres, crianças e adolescentes nas re-
giões de fronteira implementando políticas que venham ao
encontro às questões sociais como estas, ainda observamos
os índices aumentarem a cada dia.
A violência vivenciada em região de fronteira é de-
terminadamente mais acentuada para mulheres e crianças/
adolescentes, ao mesmo tempo em que é naturalizada e ba-
nalizada pela população local e por aqueles que são coniven-
tes ou que obtém alguma forma de benefício a partir destas
violações. Os sujeitos deixam de ser afetados pela ocorrência
de violências devido ao seu alto índice, sendo uma forma de
defesa para não lidar com a realidade de exclusão e violação
de direitos.
O que observamos é um ciclo que se repete por gera-
ções e estas violências estão alicerçadas em ações cotidianas
que se repetem e se inviabilizam na dinâmica da região de
fronteira. Situações estas que se repetem todos os dias, as
70
quais reforçam práticas de violência de todas as formas,
sejam elas psicológicas ou físicas.
No campo das violências psicológicas pode-se tradu-
zir questões inerentes ao reforço de uma baixa autoestima às
vítimas propiciando e reforçando o sentimento de incapaci-
dade, de nulidade, de negatividade, que é antes de mais nada
a negação do próprio “conatus”1, devido à estigmatização,
rejeição e exclusão sentida, enfraquecendo e fazendo com
que a vítima coopere sistematicamente com o violador. No
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
1 Conatus - conceito espinosano, descrito por Swaia (2009, p. 366) como “[...]
um grau de potência, uma força interior para se conservar, perseverar na própria
existência, um esforço de resistência”.
71
O sofrimento ético-político retrata a vivência no
cotidiano das questões sociais existentes em cada momento
histórico, especialmente a dor que surge a partir de situações
sociais de ser tratado como inferior, dominado, sem valor,
de forma inútil para a sociedade (SAWAIA, 1999). Tal fato é
comum a um contexto capitalista produtor de desigualdade
social, no qual existem sujeitos que são inúteis à produtivi-
dade dos meios de produção que visam à mais-valia.
Esta impossibilidade de escolher produzida em
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
72
Também, nestes campos a violência deixa marcas
difíceis de serem enfrentadas por crianças e adolescentes
refletindo em déficits na aprendizagem, na concentração,
no crescimento saudável, na sociabilidade e na vida adulta
de cada criança que vivencia alguma situação de exploração
sexual e para além do impacto no físico.
Deste modo, este tipo de violência só pode ser circuns-
crito no âmbito da barbárie, na qual a exploração se dá pelo
mais forte contra o mais fraco e vulnerabilizado, expressando
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
73
É, portanto, a partir da imaginação que a liberdade se
concretiza no homem em sua condição de vida e nas leis da
natureza, isso porque há a possibilidade de reconstrução da
realidade e domínio da própria evolução (SAWAIA; SILVA,
2015). Portanto, apesar da difícil realidade em que vivem,
crianças e adolescentes que são exploradas sexualmente po-
dem conseguir concretizar sua liberdade a partir de relações
potentes e encontros revolucionários, marcadas por afetos
positivos e criativos. Isso se dá, na concretude do mundo
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
Considerações Finais
74
produz contextos de tamanha vulnerabilidade em que o
comércio sexual torna-se comum, considerado até mesmo
como um meio de sobrevivência, ou ainda como uma for-
ma de ter acesso aos bens de consumo, produzindo a falsa
sensação de inclusão em uma sociedade determinada pelo
poder de compra. Esses processos resultam em sofrimento
ético-político e modos de subjetivação específicos em detri-
mento dos modos de relação que são vivenciados ao longo
da vida.
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
75
de servidão de cadeias de paixões tristes é possível a partir
de afetos positivos, de criatividade e encontros potentes. O
Estado deve garantir direitos e os sujeitos devem lutar na
criação de contextos revolucionários de superação de pro-
cessos de desigualdade.
Referências
BRASIL. Polícia Rodoviária Federal. Mapeamento dos Pontos Vulneráveis à
Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes nas Rodovias Federais Brasileiras
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
76
LEAL, M. L. P. ; TERESI, V. M. ; DUARTE, M. Mulheres Brasileiras na Conexão
Ibérica: um estudo comparado entre migração irregular e tráfico. 01. ed. Curitiba:
Editora e Livraria Appris Ltda, 2013.
NEVES, A. J. das et al. (Org.) Segurança Pública nas Fronteiras: diagnóstico socio-
econômico e demográfico. Brasília: Ministério da Justiça e Cidadania, Secretaria
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
77
SAWAIA, B.; SILVA, D.N.H. A subjetividade revolucionária: questões psicossociais
em contexto de desigualdade social. In: TOASSA, G.; SOUZA, T. M. C.; RODRI-
GUES, D. J. S. Psicologia sócio-histórica e desigualdade social: do pensamento à
práxis. Goiânia: Editora da Imprensa Universitária, 2019.
78
“Que tiro foi esse?”:
Saúde, fronteira(s) (d)e gênero
79
De acordo com Rubin (1993) e Bourdieu (1995), o con-
ceito de gênero é um construto sociocultural. Por meio dele,
define-se as formas de ser e agir dos homens e mulheres nas
sociedades, isto é, tal concepção estabelece os papéis de gê-
nero. Estes variam de acordo com o contexto sócio-cultural
onde são produzidos. Dessa maneira, as relações sociais que
definem os papéis de gênero para homens e mulheres foram
compartilhadas e reproduzidas ao longo da história das
sociedades ocidentais. Essa reprodução acabou por ter um
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
ou “naturalizantes”.
Os papeis de gênero são resultantes do sistema pa-
triarcal, que concebe os aspectos masculinos como superio-
res aos femininos e culminam na opressão das mulheres. As
sociedades patriarcais produzem relações desiguais entre os
gêneros, produzindo e mantendo uma hierarquia social do
masculino em detrimento do feminino (RUBIN, 1993).
Para manutenção da suposta superioridade mas-
culina, utiliza-se com frequência o saber produzido pela
biologia. Este serve ao patriarcalismo quando faz uso de
explicações acerca de diferenças anatômicas, orgânicas,
fisiológicas e/ou hormonais como justificativa para a “su-
perioridade” do gênero masculino, para criar um efeito
“naturalizante” e, por fim, para definir as relações sociais
desiguais entre homens e mulheres. O efeito naturalizador,
embasado por concepções biológicas, concebe o conceito de
gênero e seus papéis como rígido e imutável. Nega-se o seu
caráter de construto social, produzido por diferentes visões
do que é ser mulher ou ser homem concebidos ao longo da
história em diferentes sociedades.
80
Bourdieu (1995) pontua existir uma dominação
simbólica exercida pelo masculino nos sistemas patriarcais.
Aquela atinge vários âmbitos da vida em sociedade, com-
partilhando a noção das diferenças entre os sexos como algo
dado de antemão e, consequentemente, as relações desiguais
existentes entre homens e mulheres como seu resultado.
Esta dominação, anterior às sociedades capitalistas, é
propagada, implicitamente, em diferentes discursos, valores
e modos de ser produzidos socialmente. É reproduzida em
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
81
a ideia de uma superioridade masculina configurou-se,
também, como um construto social, que ganhou força e
enraizou-se na cultura ocidental. Isso fez com que se disse-
minasse uma “socialização do biológico e biologização do
social” (BOURDIEU, 1995, p. 145) e erigiu as explicações
biológicas como forma de manutenção das relações entre
homens e mulheres.
Para Joan Scott (1995), a importância do conceito de
gênero reside na visibilidade dada às condições desiguais
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
Metodologia
82
ser confundida com a construção de um mapa estático da
realidade. Em seu lugar, compreendemos o campo como um
processo, dinâmico e em constante transformação. A carto-
grafia permite ao cartógrafo acompanhar os movimentos e
paisagens psicossociais da realidade. Com isso, é possível
desmanchar mundos esvaziados de sentido e, em seu lugar,
construir novos sentidos. Por essa razão, cartografar uma
realidade consiste em acompanhar suas paisagens, proces-
sos e como, nesse lugar, são produzidas as subjetividades.
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
83
pontaporanense. Na cidade de Pedro Juan Caballero, reali-
zamos conversas com diferentes personagens que atuam na
saúde mental do país vizinho. Optamos por trazer as falas
literais das pessoas entrevistadas. As análises foram feitas
com inspiração na Análise do Discurso foucaultiana e em
constante diálogo com autores da Saúde Coletiva e das Ciên-
cias Sociais. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da Universidade Federal da Grande Dourados
(UFGD) com o número de parecer 2.362.729.
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
diálogos interdisciplinares
84
(uma avenida, rua, canteiro ou extensão de terra). Entretanto,
é preciso frisar que a região de fronteira não consiste apenas
em seus divisores físicos. Para Martins, a fronteira:
85
realidade, tivemos oportunidade de entrar em contato com
o cotidiano das profissionais de saúde da Atenção Básica em
Saúde da fronteira. Tivemos acesso ao dia a dia delas, sua
atuação, falas, dilemas e desafios.
As primeiras nuances da temática de gênero e do fe-
minicídio chegaram até nós durante uma reunião de equipe
da UBS onde realizávamos a pesquisa. Na reunião, as profis-
sionais discutiam os cuidados em saúde que ofertariam no
Dia Internacional da Mulher, que recebia ares de comemo-
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
86
nas entrevistas, quando questionávamos as trabalhadoras
sobre a sua atuação. Com frequência, elas nos esclareciam
que as usuárias que não cuidavam da beleza poderiam
apresentar algum “transtorno/doença mental”, geralmente
associada à depressão.
Antes de prosseguirmos, precisamos fazer aponta-
mentos sobre o conceito de “discurso”, de extrema impor-
tância para a compreensão das análises posteriores. Para
isso, vamos nos apoiar na Análise do Discurso de Michel
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
87
As falas das profissionais sobre as maquiagens e o
“arrumar-se” evidenciavam as estratégias utilizadas para
realizar os cuidados em saúde com as usuárias. A aparência
apresentada pelas últimas, de certa forma, auxiliava a atua-
ção daquelas. Sobre isso, as trabalhadoras afirmavam:
88
“desarrumadas” e, a partir do padrão de beleza imposto,
eram consideradas em sofrimento psíquico (eram “as
depressivas”, “doentes mentais”, entre outros). Esses enun-
ciados, bem como o pedido para “palestra-intervenção-psi-
cológica” marcavam e reproduziam o lugar social atribuído
às mulheres, não só da fronteira entre Ponta Porã e Pedro
Juan Caballero, mas também nas sociedades ocidentais.
Percebíamos as sutis nuances entre as relações de
poder, as questões de gênero, a saúde, as fronteiras (também
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
89
de beleza compartilhado no imaginário social. O pedido
para que nós, (psicólogo, pesquisador e homem cisgênero),
realizássemos uma palestra “motivacional” trazia, implici-
tamente, a intenção de intervir tanto na “autoestima” das
usuárias, quanto em sua “saúde mental”.
A aparência das usuárias funcionava como uma
espécie “critério diagnóstico”, aos moldes dos sinais e sin-
tomas utilizados pelos médicos psiquiátricas para se chegar
ao diagnóstico ou para identificar a existência de alguma
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
90
Segundo as profissionais, o maior número de atendi-
mentos de pessoas com sofrimento psíquico, acompanhados
pela ABS, era composto de mulheres. A explicação que as
trabalhadoras nos davam versava sobre as seguintes situa-
ções: eram mais mulheres que passavam por processos de
separação ou de perdas de entes queridos ou, então, devido
a fatores biológicos, que surgiam como causadores do sofri-
mento (por exemplo, a menopausa).
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
91
Eu acho assim que, que, que eles, eles têm
mais força. Só que a gente percebe, eu não sei
os outros, eu percebo... Eu percebo quando
eles são, assim... Eles sempre deixam alguma
coisa soltar. Eles soltam alguma coisa. Então,
eles têm vergonha por [eu] ser mulher... En-
tão, eles num, não falam (ENTREVISTA n. 5).
sição biológica.
Estas produções discursivas traziam o sentido de que
os homens são mais fortes e, consequentemente, capazes
exercer trabalhos que exigem esforço físico, além de não “ser
coisa de homem” demonstrar algum tipo de emoção ou afe-
to, já que isso seria considerado sinal de fraqueza. Por esse
motivo, eles não desenvolviam tantas “doenças mentais”
quanto as usuárias.
Diferentemente das mulheres que, para estes enun-
ciados, são concebidas como seres frágeis, aptas para tra-
balhos “delicados”, possuidoras de uma “propensão inata
à maternidade” e, por conseguinte, para desenvolverem
sofrimentos psíquicos mais facilmente. Estes traços eram
percebidos como “fraqueza” associada, principalmente, ao
lugar do feminino, pois, segundo as entrevistadas, seriam as
usuárias quem mais desenvolveriam esse tipo de sofrimento.
As trabalhadoras afirmavam:
92
Elas num tem explicação... Elas não sabem
explicar porque que ela tá chorando tanto...
Elas não sabem da onde vem. Aí, elas falam:
“eu tô depressiva”... “Eu tô com depressão”...
Eu tenho muitas [usuárias] assim... muitas
(ENTREVISTA n. 5).
93
esse?”1, música que fazia sucesso no momento da cartografia.
Um breve comentário, dito em tom jocoso, mas que expres-
sava muito mais do que se pretendia dizer. Posteriormente,
segundo o relato das trabalhadoras, e de notícias divulgadas
em sites jornalísticos da fronteira internacional, soubemos
que uma médica daquela UBS foi assassinada por seu ex-
-companheiro. O crime foi classificado como feminicídio. O
motivo teria sido a não aceitação, por parte do ex-marido, do
término do relacionamento e, também, porque a profissional
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
94
moldes de uma caçada, o homem adentra o local, procura
a companheira em diferentes cômodos, até encontrá-la e
partir em sua direção. O bloqueio da porta mostra a tentativa
das trabalhadoras de salvar a colega da intenção assassina
daquele homem.
No local restaram marcas subjetivas entre as profis-
sionais que vivenciaram o episódio, “quando ele voltou, eu
pensei: ‘pronto, vamos morrer!’. E só fechei os olhos”. Uma delas
pontuou nunca ter esquecido o olhar do assassino antes do
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
95
na parte exterior do eletrodoméstico, e um esparadrapo na
parte interna. “Um curativo foi feito na geladeira”, comentaram.
Percebíamos a tentativa de se “maquiar” as cicatrizes
daquele episódio. A maquiagem, utilizada como parâmetro
para os cuidados em saúde mental das usuárias da UBS, ser-
via também para maquiar o ato de violência cujas trabalha-
doras foram vítimas. Para que serve, então, a maquiagem? O
duplo registro se faz presente novamente. Ela parecia servir
para, além das questões estéticas, escamotear a profunda
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
96
É importante frisar que episódio acima não faz parte
apenas das paisagens fronteiriças. Os índices de feminicídio e
de violência contra as mulheres têm aumentado anualmente
no cenário nacional. De acordo com o Cerqueira et al. (2018),
no ano de 2016 foram registrados 4.645 assassinatos contra
mulheres no Brasil. Isso equivale, em comparação com da-
dos da última década, a um aumento de 6,4% desses crimes
no País. A taxa nacional é de 4,5 feminicídios a cada 100 mil
mulheres brasileiras. Para o autor, antes de se chegar ao
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
97
Notamos, então, que ser mulher no Brasil é algo peri-
goso, ser mulher e negra acaba por ser duplamente perigoso.
Já que, para além dos crimes motivado pelas questões de
gênero, existem também aqueles com motivações racistas,
tendo em vista a incidência de feminicídios dos quais as
mulheres negras são vítimas.
Os números trazidos por Cerqueira et al. (2018)
corroboram a posição de Santos (2018) sobre o patriarcado
como uma das três formas de dominação das sociedades mo-
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
98
De acordo com Gomes (2018), a violência contra as
mulheres é calcada, principalmente, pela lógica patriarcal,
que cria as relações de poder desiguais entre homens e mu-
lheres, onde estas são relegadas a condições de inferioridade.
Para a autora:
99
Por essa razão, é importante
Considerações finais
100
território. As experiências que tivemos na composição do
campo fronteiriço nos mostraram a relação existente entre
saúde, gênero, loucura, fronteira(s) e seus desdobramentos.
Notamos os atravessamentos “modelares-hegemônicos” em
relação ao corpo e à aparência femininas, que perpassam,
simultaneamente, os papéis de gênero, a saúde, as usuárias e
as trabalhadoras da UBS.
Os modos de ser mulher em nossa sociedade eram
usados de forma ambivalente nos cuidados ofertados pela
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
101
seus processos. Enquanto produzíamos uma cartografia so-
bre a loucura na ABS da fronteira internacional, deparamo-
-nos com o jogo de forças, as relações de poder e de gênero,
que permeiam a sociedade, e que oprimem as mulheres e
sujeitos dissidentes. Nesse caminhar, vários afetos e ques-
tionamentos nos tomaram. Um dos que nos acompanhou,
constantemente, pelo percurso da pesquisa foi a pergunta:
Como é possível a nossa sociedade – dita civilizada – na-
turalizar qualquer tipo de violência, principalmente aquelas
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
Referências
AMARANTE, P. Loucos pela vida: A trajetória da Reforma Psiquiátrica no Brasil.
Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995.
CEQUEIRA, D.; LIMA, R. S.; BUENO, S.; NEME, C.; FERREIRA, H.; COELHO, D.;
ALVES, P. P.; PINHEIRO, M.; ASTOLFI, R.; MARQUES, D.; REIS, M.; MERIAN, F.
Atlas da violência 2018. Rio de Janeiro: IPEA e FBSP, 2018. Recuperado de: http://
www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/180604_
atlas_da_violencia_2018.pdf. Acesso em: 21 de Agosto de 2020.
102
KUKIEL, E. D. G.; SILVEIRA, C. V.; OLIVEIRA, E. S. Migração pendular nas
fronteiras Brasil-Paraguai e Brasil-Bolívia. XVII Congresso Internacional América
Latina: Resgatar a Democracia, Repensar a Integração. Foz do Iguaçu, PR: Fórum
Uniersitário Mercosul, 2019. Recuperado de: https://www.congresso2019.fomerco.
com.br/resources/anais/9/fomerco2019/1571280460_ARQUIVO_d3e218e33a38ffe-
74681961eb6d2c36e.pdf. Acesso em: 21 de Agosto de 2020.
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade.
Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, 1995. Recuperado de: http://seer.ufrgs.br/educa-
caoerealidade/article/view/71721/40667. Acesso em: 21 de Agosto de 2020.
103
Mulheres plurais: refletindo
sobre a aplicação da Lei Maria
da Penha e as mulheres indígenas
104
estranhamento era que a violência doméstica e familiar
também acometia mulheres das elites brasileiras. O que
resulta desse estranhamento naquele momento e que levou
mulheres as passeatas e panelaços pelo Brasil nos idos dos
anos 70 era um problema de classe, pois era naturalizada
a violência sofrida por mulheres no âmbito doméstico nos
lares de camadas populares do Brasil. O estranhamento
foi que a violência também era forma de calar e impedir
que mulheres das mais diferentes classes pudessem pen-
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
105
impressão de que os homens estabelecem as regras e as mu-
lheres se submetem tranquilamente ao jogo” (FONSECA,
2004, p. 78). E naturalmente, sem estranhamento, quem não
se submete ao jogo e às ordens familiares e sociais, está su-
jeita a violência em âmbito privado e familiar, como forma
de correção e punição.
O conceito de violência de gênero se manifesta
no âmbito doméstico e familiar, mas também no espaço
público. A promulgação da Lei Maria da Penha, fruto dos
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
106
religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana” isso quer dizer que as todas as mulheres devem
ser protegidas. Mas será que todas as mulheres merecem a
mesma proteção? Ou será que esse atravessamento faz com
que a aplicação da legislação seja diferenciada para mulheres
de classes populares e mais favorecidas, mulheres brancas,
negras e indígenas, mulheres heterossexuais, bissexuais
lésbicas, mulheres analfabetas e dos diferentes níveis educa-
cionais; meninas, adolescentes, adultas e jovens e mulheres
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
2 Projeto de Lei do Senado n° 191, de 2017, Autoria do Senador Jorge Viana. Dispo-
nível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/129598.
Acesso em: 07.10.2020.
107
As mulheres indígenas: e a aplicação da Lei Maria da Penha
108
lheres indígenas de fato ainda são alijadas ao sistema Policial
e de Justiça, diante da dificuldade de registro das ocorrências
policiais, no acesso às Delegacias de Policia especializada,
devido as grandes distâncias das aldeias as cidades e ainda
ao acesso as autoridades policiais e de Justiça. Em pesquisa
realizada na cidade de Dourados, Sarah Pedrollo Machado
(2020) analisou boletins de ocorrência dos anos de 2017 e
2018 registrados na Delegacia de Polícia Especializada ao
Atendimento as Mulheres, e apontou a ínfima quantidade
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
109
indígenas brasileiras. Martina Almeida relata a importância
da tradução dessas vozes, já que sem compreender a língua,
a uma tentativa de compreensão pelos agentes de Polícia,
que muitas vezes não condiz com que realmente aconteceu,
o que dificulta ou impede que os casos sejam realmente
investigados e os violentadores punidos.
A grande reflexão sobre resistência de mulheres
indígenas às violências sofridas me faz pensar que o corpo
das mulheres é um corpo-território e por isso precisa ser pro-
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
110
Assim, se a própria lei traz em seu bojo que “todas
as mulheres” devem ser atendidas pela legislação, conside-
rando o marcador da diferença da etnia, ainda são poucas
as pesquisas e estudos sobre violências contra as mulheres
no Brasil que enfatizava esse recorte étnico. A pesquisa de
Angela Sacchi (2014, 2006) e Paula Faustino Sampaio (2019)
demonstram a urgência na abordagem da temática. O que
podemos dizer é que havia (ou ainda há em alguns espaços)
uma completa invisibilidade do modo de viver da população
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
wp-content/uploads/2019/10/relatorio-final-da-vii-kunangue-aty-guasu-2019.pdf.
Acesso em: 01.04.2020.
111
Em pesquisa realizada na cidade de Dourados, Sarah
Pedrollo Machado analisou boletins de ocorrência dos anos
de 2017 e 2018 registrados na Delegacia de Polícia Especia-
lizada ao Atendimento as Mulheres, localizada na cidade
de Dourados, e apontou a ínfima quantidade de registros
de mulheres indígenas, e as dificuldades dessas mulheres
registrarem ocorrências ocorridas na Reserva Indígena de
Dourados, reserva indígena mais populosa localizada no es-
tado com a segunda maior população indígena do Brasil. A
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
112
pelos agentes de Polícia, que muitas vezes não condiz com
que realmente aconteceu, pois a incompreensão da língua
dificulta ou impede que os casos sejam realmente investiga-
dos e os violentadores punidos.
Considerações finais
113
Referências
ALMEIDA, Martina. A luta e os direitos das Mulheres Indígenas Guarani Kaiowá:
Kuñangue Aty Guasu (Grandes Assembleias das Mulheres Indígenas Guarani
Kaiowá). Trabalho de Conclusão de Curso em Ciências Sociais. Universidade do
Estado do Mato Grosso do Sul – UEMS, 2019.
FONSECA, Cláudia. Família, fofoca e honra. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.
114
Trajetórias de mulheres árabes, paraguaias
e brasileiras na fronteira de Pedro Juan
Caballero (PY) e Ponta Porã (BR)
Introdução
115
Nazira trabalhava na loja do esposo, fechada há muitos anos,
outra mulher árabe teve seu próprio restaurante que funcio-
nou por pouco tempo, aproximadamente dois anos, uma
mulher paraguaia fazia artesanatos e uma mulher brasileira
possuía renda de imóveis provenientes da sua herança, en-
quanto as demais se denominaram do lar.
Foram entrevistadas doze mulheres e os preceitos
éticos foram seguidos. As entrevistas foram realizadas entre
os anos de 2016 e 2017. Neste trabalho não se discute sobre
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
116
Mulheres árabes, paraguaias e brasileiras na fronteira
117
trabalhar pois, “tinha oito filhos e tudo é caro”, frisando que
é normal a mulher trabalhar no Líbano. Depois da conversa,
ela foi em direção à cozinha, seu irmão a interceptou e fez
perguntas em árabe sobre o que havia dito, Samira o res-
pondeu e seguiu para a cozinha, falando de forma objetiva e
ríspida com suas duas funcionárias paraguaias.
No dia 03/04/2017 foi entrevistada a Dona Nazira
Haidar em sua casa. Quando o portão eletrônico foi aberto
havia um grande pátio cheio de parreiras e a decoração da
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
118
fronteira em 1975. Rosinha é casada e tem três filhos que são
a alegria da avó Nazira. Ela mostra também algumas selfies
que sua cunhada fez; nelas ela estava com um véu cobrindo
seus cabelos, pois fez o Hajj1.
Outra mulher entrevistada será denominada por
Maria, de nacionalidade paraguaia, e que casou com Bilal
em Cidade do Leste, lado paraguaio da Tríplice Fronteira
de Brasil, Paraguai e Argentina. O contato com Maria se deu
em várias situações ao longo dos dois anos da pesquisa. Ela
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
119
morarem com eles. As árabes riam e debochavam de Maria
em sua própria casa; ela se sentia cada vez mais sozinha em
seu lar, considerava que não era boa o bastante e, por mais
que tentasse se “arabizar”, não era o suficiente; ela não se re-
conhecia e nem sabia qual era o seu valor. Observamos que ela
lutava contra esse sentimento, mas ao mesmo tempo nutria
resistência e ressentimento entre ser a Maria paraguaia ou a
Maria esposa do Bilal.
Essa mudança de comportamento e/ou “mescla cul-
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
120
que ele possua até três esposas, sendo esse um dos maiores
temores de Maria. Além do casamento formal Bilal pode
casar temporariamente com outras mulheres e na fronteira o
homem árabe muçulmano xiita utiliza-se deste recurso para
namorar com mulheres brasileiras e paraguaias, e fazer um
casamento temporário.
As famílias estudadas demostrarem um modelo
patriarcal, em que o homem trabalha e é o provedor, e tem
a decisão sobre o futuro dos demais membros da família.
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
121
com sua família todos os domingos e seu esposo vai para o
almoço na casa de sua mãe; ela gosta de sua religião e não se
relaciona e muito menos quer proximidade com a família do
esposo. Ela casou virgem, olha para as libanesas no mesmo
nível de pureza religiosa e fica muito ofendida quando falam
que “não existe mulher brasileira virgem”. Beatriz tem três
meninas e todas são brasileiras. Faruk, por sua vez, demos-
trou muito orgulho de sua esposa e afirmou “minha esposa
é maravilhosa!”.
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
122
Beatriz também comentou sobre sua cunhada libane-
sa chamada Nádia:
10/01/2017).
diálogos interdisciplinares
123
Oriente como no Ocidente, por isso a luta é global para qual-
quer mulher, pois essa visão deve ser desconstruída.
Além disso, dentro da comunidade árabe da fron-
teira, especialmente sobre as filhas, existem vários relatos
de quando as meninas estão na idade púbere às mesmas
são enviadas para o Líbano, para retornarem casadas com
libaneses. Por outro lado, os filhos nascidos no Brasil, de
homens árabes, facilitam a legalização do documento para
os pais árabes.
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
124
na cabeça, incorporando a cultura religiosa do esposo, mas
acha que é uma tolice; ela incorpora esses elementos para
não ter problemas a mais em seu casamento. Irene falou que
sua cunhada é espaçosa e se deixar “ela será a patroa e eu
a empregada”. É perceptível que existe uma disputa por
território na casa, e para sanar esse problema, ela informou
que sua cunhada iria se mudar em breve.
Muitas mulheres brasileiras e paraguaias se conver-
tem ao islamismo mesmo sem casar com árabes, mas procu-
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
125
Um fator que parece recorrente é sobre usar o véu,
as mulheres muçulmanas tendem a cobrir os cabelos em
diversos países e culturas, em cada cultura existe uma forma
ou modelo de hijab ou véu.
No Brasil o que é comum é usar lenços que cobrem
todo o cabelo, a face fica descoberta, devido aos imigrantes
serem predominantemente libaneses, sírios e palestinos. Em
países como o Irã se utiliza o Shador, um lençol preto que
cobre o corpo inteiro, mas pode aparecer uns fios de cabelo;
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
126
que aumentasse o número de jovens usando o véu, utili-
zando-o como um símbolo contra a perseguição, buscando
a aceitação do diferente.
A mulher árabe e muçulmana não procura seu espaço
e seus direitos apenas na sociedade ocidental, em seus países
árabes, asiáticos e africanos elas também lutam. Podemos
citar Ayann Hirsi Ali (2007), em seu livro biográfico “Infiel:
a história de uma mulher que desafiou o islã”, ao se des-
vencilhar de seu clã muçulmano, ela sofreu mutilação como
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
127
histórias do profeta em certas situações que moldam como o
muçulmano deve se portar nestas situações, mas estas ade-
quações se tornam leis em alguns países e influenciam dire-
tamente na jurisprudência do país. A religião não se torna
opcional e sim a regra de como viver na sociedade, se torna a
lei, que são administradas e manuseadas por homens.
Dentro da Mesquita os lugares são separados, as mu-
lheres ficam em um canto e os homens em outro. Em várias
mesquitas que conhecemos sempre os lugares dos homens
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
128
mulheres e homens são diferentes fisicamente, organicamente
e psicologicamente. Considera também que muitos trabalhos
são inapropriados para as mulheres, justificando pela sua
estrutura frágil, e ratifica que as mesmas dependem da força
do homem (macho) em sua visão androcêntrica e patriarcal:
Considerações finais
129
Não foi possível entrevistar as mulheres árabes,
com exceção da Dona Nazira, pelo fato delas não falarem
português ou espanhol, mas suas cunhadas brasileiras e
paraguaias, sempre as mencionaram nas conversas. Foi
perceptível que para elas a vida tem suas dificuldades, tais
como: adequação/reterritorialização em outro país, pro-
blemas financeiros, dependência econômica e, em muitos
casos, infidelidade de seus esposos. Para Castells (1999), a
construção da identidade é gradual, o imigrante está em ou-
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
130
Referências
ALI, Ayaan Hirsi. Infiel: a história de uma mulher que desafiou o islã. Companhia
das Letras, São Paulo, 2007.
AL-KHAZRAJI, Taleb Hussein. A oração no Islam. 2 ed. São Paulo, Centro Islâmico
no Brasil, 2004, p. 45.
MOTAHARI, Mortedha. O direito das mulheres n Islam. São Paulo, Centro Islâ-
mico no Brasil, 2008.
NAFISI, Azar. Lendo Lolita em Teerã memórias de uma resistência literária. Rio
de Janeiro: Bestbolso, 2009.
131
SAFADY, Wadih. Cenas e cenários dos caminhos da minha vida. Belo Horizonte:
Santa Maria, 1966.
132
Invisibilidade perversa: violência
contra a mulher indígena no município
de Dourados-MS
Introdução
133
coletiva e cultural das mulheres indígenas; e obstétrica – situ-
ações de tratamento abusivo ou negligente com as mulheres
durante a gravidez até o pós-parto.
Segato (2014) afirma, respaldada em evidências his-
tóricas e relatos etnográficos, a existência da nomenclatura
de gênero nas sociedades indígenas, ainda que vinculado a
um patriarcado de baixa intensidade, ou seja, uma organiza-
ção patriarcal com ressalvas do gênero ocidental, que com a
modernidade tornou o gênero mais hierárquico.
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
134
sificado como masculino ou feminino – e os desiguais que
antes podiam funcionar complementarmente, a partir da
intervenção colonial, o diferente para a ser marginalizado
(SEGATO, 2014).
Frente à perspectiva de relações de gênero, buscaram-
-se dados de violência relacionados às mulheres indígenas.
Dourados, segunda maior cidade do estado de Mato Grosso
do Sul, ocupa a posição de segundo lugar como município
brasileiro com os maiores registros de todos os tipos de
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
135
sobre terras antes pertencentes aos povos tradicionais têm
demonstrado forte influência nas formas de organização
social (STALIANO; MONDARDO; LOPES, 2019).
É notório que com o tamanho das áreas de terras
limita-se a capacidade desses coletivos étnicos (o termo se
refere a um modo de ser social e culturalmente específico)
manterem seus modos tradicionais de existência. Desse pro-
cesso originaram-se conflitos antes inexistentes, políticos,
sociais, religiosos, econômicos e de gênero, em que desse
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
136
sociais causadas contribuem para os aumentos dos índices
de violência contra a mulher indígena.
A CIDH (2017) propõe alguns princípios a serem se-
guidos a fim de guiar a ação do Estado brasileiro, visando ga-
rantir às mulheres indígenas o acesso aos direitos humanos.
Devem-se abordar os processos discriminatórios de forma
ampla, compreender as mulheres indígenas como sujeitos
de direito e não apenas vítimas, considerar a intersecciona-
lidade da discriminação – a sobreposição de camadas como
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
137
mulheres indígenas, a Associação de Mulheres Indígenas
do Alto Rio Negro (AMARN) e Associação das Mulheres
Indígenas do Distrito de Taracuá, Rio Uaupés e Tiquié
(AMITRUT). A partir da década de 1990 as demandas por
igualdade de gênero começaram a ser institucionalizadas
(ANJOS; FONSECA, 2019).
Por muitos anos as mulheres indígenas da Ama-
zônia Brasileira acompanharam as reivindicações pelas
demarcações de seus territórios. Quando em 2000, na
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
138
regiões brasileiras. Dentre elas: a criação de uma Vigilância
Social de Gênero, proporcionar a formação de agentes para
sua execução, com base no modelo de vigilância ambiental e
adaptado a esta finalidade. Bem como, palestras de elucida-
ção sobre relações de gênero nas sociedades indígenas, tendo
como meta a redução progressiva de frequência dos casos
de violência contra as mulheres indígenas. Ações essas com
direcionamento aos povos indígenas que se encontram em
situação de emergência, como é o caso das aldeias de Doura-
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
139
Stavenhagen (2007) no seu informe apresentado ao
Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em 2007
pontua sobre a situação das mulheres indígenas que, dentre
tantas missões em que ele participou, muito recebeu denún-
cias de mulheres indígenas sobre práticas discriminatórias
dentro de suas próprias comunidades tais como a violência
doméstica, o acesso limitado das mulheres à propriedade da
terra e outras formas de supremacia e patriarcalismo. Essas
mulheres não têm muitas chances de denunciar esses abusos
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
140
Método
141
estavam presentes fisicamente na delegacia e o processo
de coleta dos dados digitalizados era impossibilitado pela
logística de acesso ao sistema.
Referente a 2017 foram coletadas informações de 119
inquéritos, enquanto que, do ano de 2018 foram coletados da-
dos de 146 inquéritos, perfazendo um total de 265 inquéritos
físicos da Delegacia de Atendimento à Mulher de Dourados,
compondo, aproximadamente, 10 a 12 documentos mensais.
Os 265 registros foram utilizados em outro estudo,
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
142
E, por fim, o tratamento dos resultados obtidos e
interpretação, fase em que operações estatísticas simples
permitem estabelecer quadros de resultados, diagramas e
figuras, que esquematizam as informações resultantes da
análise (BARDIN, 2016).
Tratou-se da subnotificação dos casos de violência
contra as mulheres indígenas, bem como a temática muito
debatida do alcoolismo e associação entre a violência e al-
coolismo. Indissociavelmente, o tema das demarcações das
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
Resultados e Discussão
143
Especializadas em Atendimento à Mulher, portanto essas
mulheres encontram dificuldades em acessar esses lugares
para fazer denúncias, seja por grandes distâncias e andar
quilômetros torna tudo mais difícil, seja por dificuldades
em se fazer entender, como é o caso de algumas mulheres
indígenas que não falam a língua portuguesa. Como em um
relato de uma mulher indígena em seu registro de ocorrência,
a vítima alega ter sofrido outras violências anteriormente ao
registro e se justifica por não ter registrado antes pelo fato de
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
não ter ninguém para levar ela até a delegacia, e ela sequer
diálogos interdisciplinares
144
Em um dos registros, a vítima relata que o autor des-
cumpriu a medida protetiva de urgência vindo até a janela
de sua casa ameaçá-la de morte portando uma faca. Dentro
desses territórios a medida protetiva não funciona e não
se busca elaborar políticas que resolvam os problemas das
indígenas (SANCHEZ, 2019).
De acordo com o Portal do Governo de Mato Grosso
do Sul (2017), em Dourados, ações foram propostas para a re-
solução da violência contra a mulher indígena. De acordo com
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
145
sentam menos de 1% do total de atendimentos. De 23.157
mulheres atendidas na Casa, entre 15 de fevereiro de 2015
e 21 de junho de 2019, apenas 144 eram indígenas, o que
representa menos de 2% do total de denúncias de mulheres
brancas (SANCHEZ, 2019).
Segundo informações da CMB, em 2019 foram três
casos enquadrados como feminicídio de mulheres indígenas
(em 2015 foram três, 2016 foram seis, 2017 foram três, e 2018
um caso). Índices de violência contra a mulher, produzidos
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
146
Tabela 1 Registros de boletins de ocorrência de Violência Doméstica
Ano DAM Total Indígena (Total)
2015 720 1331 74 – 5,5%
2016 688 1176 43 – 3,6%
2017 755 1423 73 – 5,1%
2018 682 1384 82 – 5,9%
2019 752 1210 76 – 6,2%
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
147
Tabela 2 Idade das vítimas e agressores
Idade Mínima Máxima Média
Vítima 19 51 32,1
Agressor 20 55 35,1
148
Em 55,5% dos casos, as vítimas relataram que o autor
faz uso de bebida alcoólica e quando está sob o efeito da
droga torna-se mais agressivo, favorecendo os momentos de
violência entre no casal.
Anzoategui (2019) expõe que uso de álcool é um
hábito comum entre os povos indígenas, muitos deles não
possuem mais condições materiais adequadas para man-
terem-se física e culturalmente, devido à expulsão de suas
terras tradicionais. Com isso, grande parcela da população
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
149
Em 2007, como membro do Conselho de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CD-
DPH), participei de uma visita a São Gabriel
da Cachoeira, conduzida pelo Secretário Es-
pecial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi,
ocasião em que houve a entrega de um abaixo
assinado contra a impunidade. Os depoimen-
tos na audiência pública evidenciaram, que
o maior problema era a violência contra as
mulheres indígenas, pratica por não-índios
e por índios, esses em geral em um contexto
de abuso de álcool. (CASTILHO, 2008, p. 25).
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
diálogos interdisciplinares
150
berdade e igualdade (CASTILHO, 2008). Ainda sob o mesmo
referencial teórico:
151
afirmar que deve-se esperar que o Estado
crie as leis que deverão defender os frágeis
e prejudicados dentro dessas autonomias.
(SEGATO, 2012, p. 110).
152
Para Segato (2014) não deve se usar a dimensão de
buscar a igualdade, promovida pelo ativismo moderno
liberal, mas uma concepção de desiguais que são distintos,
assim se aproximando das referências de dualidade das co-
munidades existentes ante a colonialidade e que não exclui
o diferente.
Considerações finais
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
153
com os não-indígenas, isso fez com que várias formas de
violência passassem a ter mais frequência dentro das re-
servas indígenas. A perda de suas terras também associa
os indígenas aos subempregos, aumentando o contato com
álcool, drogas e violência.
Compreende-se a importância de historicizar o alco-
olismo entre os povos tradicionais, demonstrando o presente
trabalho a necessidade de ações direcionadas, pois a relação
entre alcoolismo e violência pode ter significados diferentes
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
154
Referências
ANJOS, A. B.; FONSECA, B. A luta das Guarani e Kaiowá na região mais perigosa
para mulheres indígenas no país. Agência de jornalismo Pública. Brasil, 2019.
Recuperado de: https://apublica.org/2019/10/a-luta-das-guarani-e-kaiowa-na-re-
giao-mais-perigosa-para-mulheres-indigenas-no-pais/
OLIVEIRA, L. F. de. Kuñangue Aty Guasu: encontro de rezas, forças e sonhos para
o presente e futuro. Regional Cimi MS, 2017. Recuperado de: https://cimi.org.
br/2017/09/40984/
155
SEGATO, R. L. Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vo-
cabulário estratégico descolonial. E-cadernos CES [Online], n. 18, p. 106-131, 2012.
156
Gilead e Mato Grosso do Sul:
o conto da Aia comparado ao processo
de retirada das crianças indígenas Guarani
e Kaiowá de suas mães – a distopia é logo ali
Introdução
157
políticos e sociais. Assim como o Direito, a Arte é passível de
interpretação e pode-se mesmo afirmar que é um processo
que envolve tanto a participação do “artista” (que possuía
algum pretexto e intenção em sua criação) quanto daquele
que “contempla” a obra, visto que essa contemplação está
carregada de saberes, experiências e expectativas. Direito e
Arte não podem se confundir, mas é admirável o quanto eles
podem dialogar.
A análise comparativa entre o romance distópico O
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
158
procedendo com a separação das mulheres de seus filhos,
entendendo que outras famílias seriam melhor preparadas
para tanto. Ademais, a contextualização e o processo histó-
rico da situação em que vivem as mães indígenas no sul do
Mato Grosso do Sul e a retirada de seus filhos é de extrema
relevância social e jurídica.
A partir da criação do Estatuto da Criança e do Ado-
lescente (ECA) é possível analisar, sob a ótica do recorte
étnico que, quando se trata de crianças e adolescentes in-
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
159
to-grossense para com as famílias das crianças e dos adoles-
centes indígenas acolhidos e traçar um paralelo a República
de Gilead no que tange a estas violações.
Em ambas as realidades aqui tratadas, existem uma
mão invisível que opera para que haja uma manutenção
dessa situação de violência silenciosa que mantém intacta as
estruturas edificantes desse modo violento de tratar vidas
humanas. Essa mão invisível é o Estado e, tanto em Gilead,
quanto no Mato Grosso do Sul, possuem requintes de au-
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
160
A função da distopia na cultura
161
As distopias são críticas a respeito da realidade. Os
autores de universos distópicos olham para a realidade e
projetam a intensificação dos problemas identificados, não
raro envolvendo tecnologia, totalitarismo, apatia social entre
outros. Não são raras as análises que demonstram como as
distopias produzidas no Séc. XX se mostram “prelúdios” de
problemas enfrentados na atualidade. É certo afirmar que
não se tratam de fenômenos abruptos, mas de um projeto.
Como apontado por Atwood, “[a]cidentes não existem. Tudo
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
162
demarcadas pelo Serviço de Proteção dos Índios (SPI), com
intuito de liberarem os espaços territoriais para as frentes
coloniais. Por conta disto, é possível afirmar que o espaço
para que esses índios pudessem reproduzir seu modo de
viver foi reduzido de maneira considerável.
Como em Gilead, a estrutura criada em torno da reti-
rada de direitos humanos básicos se perpetua e é tida como
normal, dentro de um contexto na qual fere e desrespeita o
modo de ser, viver e existir. A diminuição do indivíduo para
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
163
zação de rodovias, estes são vistos através
de rótulos, como preguiçosos, vagabundos,
bêbados, etc.3
164
da educação, da saúde, da assistência social,
do diálogo com as lideranças indígenas e
líderes religiosos com o consequente aporte
de recursos para que possamos ter resultados
que sejam expressivos.4
165
Ao afirmar que “estas pessoas foram removidas de forma
forçada de suas áreas tradicionais de ocupação com intuito claro
de utilização como mão de obra barata”, muito podemos extrair
de que, o que ocorre em Gilead (escravidão sexual, domínio
e comando da vida pessoal por parte de um sistema de go-
verno criado com cunho autoritário e violento) se aproxima
da violência enfrentada pelas famílias, sobretudo as mães,
indígenas no estado de Mato Grosso do Sul.
Neste sentido, no que tange a criação das Reservas
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
– delas ou dos cônjuges), traidoras do gênero (termo usado para designar mulheres
lésbicas), traidoras da fé dos Filhos de Jacó (o que incluiu transformarem freiras
católicas e outras mulheres que professassem religiões destoantes da fé dominante)
ou traidoras da nação (mulheres tidas como terroristas, que auxiliassem fugitivos
ou se voltassem contra o regime).
7 Tekoha- se constitui numa categoria nativa que expressa o sentido de
comunidade ou aldeia territorializada em determinado espaço, reunindo em média
de três a cinco parentelas.
166
que acontece tão próxima dela, nas reservas e acampa-
mentos indígenas há poucos quilômetros, muitas vezes há
poucos metros.
Deste modo, repassando ligeiramente o processo
histórico, adentraremos a seguir na problemática abordada
neste trabalho.
8 http://www.suas.sedhast.ms.gov.br/wp-content/uploads/2019/09/3.2-
RELAT%C3%93RIO-Mapeamento-Qualitativo-dos-casos-de-acolhimento-
institucional-de-crian%C3%A7as-e-jovens-ind%C3%ADgenas-CR-Dourados-1.pdf
167
É público e notório que o que ocorre neste estado, há
muito tempo vem chamando a atenção, inclusive dos me-
canismos internacionais9 de proteção. Em 2017 os indígenas
reuniram-se com o comissário da Comissão Interamericana
de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, James Cavallaro, no
intuito de denunciar os abusos do poder público na retirada
das crianças de suas famílias, a Aty Guasu evidenciou que
a forma como são feitas as intervenções pelos “órgãos de
proteção” desrespeita o modo de vida física e cultural do
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
9 https://cimi.org.br/2017/11/indigenas-denunciam-a-comissionario-da-oea-cres-
cente-violencia-contra-suas-comunidades-e-exigem-do-governo-andamento-nas-
-demarcacoes/
10 https://cimi.org.br/2018/03/racismo-institucional-justificando-pobreza-estado-
retira-criancas-de-suas-familias-guarani-e-kaiowa/
168
de drogas, que ocasiona no errôneo entendimento de ser um
problema individual e não de saúde pública, a pobreza vista
como impedimento de uma família manter o vínculo com a
criança, dentre outros.
A respeito desse último item, com relação a “pobreza”,
o termo negligência11 tem sido usado em muitos dos processos
judiciais envolvendo crianças e jovens indígenas em situação
de acolhimento como referência a pobreza das famílias, é
possível perceber uma banalização da palavra negligência.
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
169
de crianças das famílias sob alegação de
negligência dos pais quando o problema é a
pobreza, condição que, segundo o artigo 23
do ECA, não pode ser usada para suspender
o poder familiar. Outras condutas atribuídas
à Justiça e que contrariam o ECA, segundo a
Defensoria e a Funai, é encaminhar os meno-
res a um abrigo sem que a busca de parentes
próximos seja feita e a conclusão de proces-
sos de adoção sem consulta à Funai. Um
teste de DNA feito um ano depois provou o
laço sanguíneo entre a indígena e a criança,
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
170
segredo de Justiça. Destacou que, em março,
a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado
se reuniu com representantes dos povos
indígenas para tratar da adoção de crianças
indígenas. Ficou decidido que a Coordenação
de Infância e Juventude do TJ-MS montaria
estratégia de ação sobre o tema, repassando
ao poder público as necessidades de melho-
rias nas condições dos indígenas. O TJ-MS
não informou se a estratégia já foi elaborada.
O juiz da Vara da Infância e Adolescência de
Dourados, Zaloar Martins Murat de Souza,
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
171
acolhimento, com costumes muito diferentes
aos da cultura indígena, já estando adaptado
a uma realidade, de modo que o retorno às
origens, no presente caso, seria um verdadeiro
retrocesso”, aponta o documento, que susten-
ta abandono do filho pela mãe. Procurado
pelo Estadão, o MP não se manifestou.
172
Ademais, o termo negligência, que aparece inúmeras
vezes nos processos judiciais de Medida de Proteção, muitas
vezes como justificativa da manutenção da criança na casa
de acolhimento, além de não ser um requisito legal para essa
manutenção, é carregado de um peso genocida e etnocida, à
medida que se refere a um modo de vida e cultural de uma
comunidade com costumes diferentes.
Enquanto o Poder Judiciário do estado do Mato
Grosso do Sul não olhar para as questões indígenas com
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
173
A matéria jornalística feita pelo canal de mídia The
Intercept13 em julho de 2019, trouxe o seguinte título para a
publicação “esquece do seu filho’: o brasil está tirando crianças
indígenas de suas mães e colocando para adoção - sem terra e na
miséria extrema, indígenas têm seus filhos retirados e colocados
para adoção.”
Em um dos trechos no livro O Conto da Aia, a perso-
nagem June afirma:
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
13 https://theintercept.com/2018/07/28/kaiowaa-maes-filhos/
174
las, frias e desprendidas de humanidade. Conforme matéria
acima supramencionada14, dezenas de mães se reuniram em
uma Assembléia15, que ocorre periodicamente, para ouvirem
a denúncia de Élida, que demonstra a forma sistêmica como
o Estado e o Poder Judiciário têm atuado:
14 IDEM 14
15 Kuñangue Aty, uma grande assembleia das mulheres kaiowá e guarani - https://
nacoesunidas.org/onu-participa-do-aty-kuna-grande-assembleia-das-mulheres-indi-
genas-em-mato-grosso-do-sul/22048110_1449133945136028_4525281566736604781_o/
175
Oliveira e de outras mães de Dourados era a
ponta de um problema complexo, presente em
inúmeras outras comunidades, com indícios de
irregularidades ainda mais graves – acompa-
nhadas desde 2010 pela Funai, pela Defensoria
Pública e pelo Ministério Público Federal. “A
instituição defende que ela é pobre, que ela
mora em retomada. A instituições precisam
nos respeitar. Isso é genocídio dos povos indí-
genas”, ouvi gritar Jaqueline Gonçalves, uma
jovem liderança kaiowá, lembrando o histórico
de violências a que os Kaiowá e Guarani têm
violência, gênero, saúde e fronteira(s)
176
tratada de forma irreal é abordada no romance de Atwood.
Uma realidade à duras penas é exposta e denunciada dia-
riamente por grupos formados por comunidades indígenas,
criado por mulheres que vivem isso de forma real.
Considerações Finais
177
Referências
ATWOOD, Margaret. O Conto da Aia. Tradução de Ana Deiró. Rio de Janeiro:
Rocco, 2017.
BRAND, Antonio. Quando chegou esses que são nossos contrários” – A ocupação
espacial e o processo de confinamento dos Kaiowá/Guarani no Mato Grosso
do Sul. Revista Multitemas, Campo Grande, n. 12. Disponível em: http://www.
multitemas.ucdb.br/article/viewFile/1235/1151. Aesso em 04 Out. 2020. https://doi.
org/10.20435/multi.v0i12.1235
KLEIN, Tatiane. Esquece do seu filho’: o Brasil está tirando crianças indígenas
de suas mães e colocando para adoção. The Intercept Brasil, 28 de Julho de 2018.
Disponível em: https://tecnoblog.net/247956/referencia-site-abnt-artigos/. Acesso
em 04 Out. 2020.
MATOS, Andityas Soares de Moura Costa. Direito, técnica e distopia: uma leitura
crítica. Revista Direito GV, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 345-366, Junho 2013. Disponível
178
em: https://www.scielo.br/pdf/rdgv/v9n1/a13v9n1.pdf. Acesso em 27 Ago. 2020.
https://doi.org/10.1590/S1808-24322013000100013.
179
Índice remissivo
Cartografia 8, 103
confinamento 135, 136, 162, 163, 178
COVID-19 8, 20, 21, 32, 33, 47, 50
Feminicídio 8, 50
fronteira 11, 19, 20, 21, 22, 23, 27, 28, 33, 34, 35, 38, 39, 40, 41, 46, 47, 49, 50,
52, 54, 55, 56, 57, 58, 61, 65, 67, 70, 74, 75, 76, 78, 79, 83, 84, 85, 86, 89,
90, 94, 95, 100, 101, 102, 103, 115, 117, 118, 119, 121, 124, 129, 130,
131, 182, 186
Geo-história 8
Guarani 11, 15, 21, 22, 23, 26, 108, 109, 112, 113, 114, 135, 139, 155, 156, 157,
158, 162, 166, 168, 169, 170, 172, 174, 176, 178
interseccionalidade 137
Kaiowá 11, 15, 21, 26, 108, 113, 114, 135, 139, 155, 156, 157, 158, 162, 164,
166, 168, 169, 172, 174, 176, 178, 179
Kuñangue Aty Guasu 21, 110, 113, 114, 139, 155
180
L
Lei Maria da Penha 8, 30, 40, 42, 49, 104, 106, 107, 108, 111, 113, 114, 141,
143, 151, 155
pandemia 20, 21, 27, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 47, 48, 49, 50
políticas públicas 32, 47, 48, 53, 61, 74, 75, 77, 107, 109, 112, 113, 131, 145,
155, 168
violência de gênero 22, 23, 24, 29, 30, 33, 41, 50, 97, 100, 106
violência doméstica 24, 29, 30, 33, 34, 35, 36, 38, 39, 41, 43, 44, 46, 47, 48, 50,
51, 105, 138, 140, 141, 149, 154
violência intrafamiliar 44
181
Sobre os organizadores
Pamela Staliano
Possui graduação em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco
(UCDB/2004), mestrado em Psicologia pela UCDB (2007) e doutorado em
Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde pela Universidade de
Brasília (UnB/2012). Atualmente é professora adjunta da Universidade
Federal da Grande Dourados (UFGD) do Curso de Graduação e Pós-Gra-
duação em Psicologia. Tutora do Programa de Educação Tutorial (PET),
Grupo PET – Conexão de Saberes Psicologia/Geografia/Ciências Sociais da
UFGD. Possui experiência na área de Psicologia, com ênfase em avaliação
psicológica, saúde comunitária, intervenção breve, comunicação e fron-
teira. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação e Intervenção
Psicológica/UFGD/CNPq.
Marcos Mondardo
Possui graduação em Geografia (Bacharelado e Licenciatura) pela Uni-
versidade Estadual do Oeste do Paraná (2006), mestrado em Geografia
pela Universidade Federal da Grande Dourados (2009) e doutorado
(2012) e pós-doutorado (2020) em Geografia pela Universidade Federal
Fluminense. Atualmente é professor Adjunto do Curso de Graduação e do
Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da
Grande Dourados. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em
Geografia Regional, Geografia Política, Geografia Agrária e Geografia da
América Latina, atuando e pesquisando principalmente com os seguintes
conceitos e/ou temas: território e territorialidade; fronteira e migração; re-
gionalização e globalização; povos indígenas e comunidades tradicionais,
com livros, capítulos e artigos publicados nessas áreas. Integra o Núcleo
de Pesquisa sobre Território e Fronteira (NUTEF/UFGD).
182
Sobre os autores
183
Catia Paranhos Martins
Possui doutorado e mestrado em psicologia pela UNESP/Assis, especia-
lista em Saúde Mental pela UNICAMP e em Saúde do Trabalhador pela
FIOCRUZ. É docente do curso de Psicologia da Faculdade de Ciências
Humanas da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), do Pro-
grama de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPsi-UFGD) e do Programa de
Residência Multiprofissional em Saúde do Hospital Universitário da UFGD.
184
Krisley Amorim de Araujo
Mestranda em Psicologia com área de concentração em Psicologia da
Saúde pela Universidade Católica Dom Bosco. Graduada em Psicologia
pela Universidade Católica Dom Bosco. Membro do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Teoria Sócio-Histórica, Migrações e Gênero do Programa
de Mestrado e Doutorado em Psicologia da Universidade Católica Dom
Bosco. Técnica Regional do Centro de Referência Técnica em Psicologia e
Políticas Públicas (CREPOP/CRP14MS)
Marcos Mondardo
Possui graduação em Geografia (Bacharelado e Licenciatura) pela Uni-
versidade Estadual do Oeste do Paraná (2006), mestrado em Geografia
pela Universidade Federal da Grande Dourados (2009) e doutorado
(2012) e pós-doutorado (2020) em Geografia pela Universidade Federal
Fluminense. Atualmente é professor Adjunto do Curso de Graduação e do
Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da
Grande Dourados. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em
Geografia Regional, Geografia Política, Geografia Agrária e Geografia da
185
América Latina, atuando e pesquisando principalmente com os seguintes
conceitos e/ou temas: território e territorialidade; fronteira e migração; re-
gionalização e globalização; povos indígenas e comunidades tradicionais,
com livros, capítulos e artigos publicados nessas áreas. Integra o Núcleo
de Pesquisa sobre Território e Fronteira (NUTEF/UFGD).
Pamela Staliano
Possui graduação em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco
(2004), mestrado em Psicologia da Saúde pela Universidade Católica Dom
Bosco (2007) e doutorado em Processos de Desenvolvimento Humano e
Saúde pela Universidade de Brasília (2012). É professora adjunta da Univer-
sidade Federal da Grande Dourados do curso de graduação em Psicologia e
da Pós-graduação Stricto Sensu. Suas áreas principais são: avaliação psico-
lógica, saúde comunitária, intervenção breve, comunicação e fronteira.
186