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“Metodologia da Pesquisa em Ciências Sociais e Filosofia: Particularidade,

Universalidade e Singularidade, definindo conceitos fundamentais”

André Valério Sales1

Georg Lukács, Filósofo Húngaro (1995-1078 que em seu Estética (1995-1078), estudos as aproxi8mações que o
Sociólogo ou Filósofo podem fazer, metodologicamente, ao buscar se aproximar do real em estudo. É
impossível tratar da Teria do Romance e da Ontologia do Ser Social sem passar por sua obra 2.

1. Introdução:
Este ensaio foi escrito no âmbito de meus estudos acerca da Cultura Urbana na sociedade capitalista
contemporânea, área das ciências sociais à qual venho dedicando-me há alguns anos. Com ele busco contribuir
para o debate atual acerca de universalismo e particularismos, intentando esclarecer as definições do que vem a
ser: particularidade, universalidade e singularidade, no sentido de ajudar na reflexão sobre as respostas possíveis
que são colocadas pelas interrogações presentes no debate dobre tais definições e seus usos na análise de fatos
contemporâneos, a base do texto é o tema da metodologia de pesquisa em Ciências Sociais.
É de interesse tanto da Sociologia quanto da História, na atualidade, a questão dos conflitos e
contradições entre atitudes e movimentos sociais de caráter particularistas ou universalistas. Principalmente no
plano político-social do Brasil de hoje (2012), quando um representante da “classe” trabalhadora, e do Partido
dos Trabalhadores, ascendeu recentemente ao poder, enquanto Presidente do país, Luís Inácio Lula da Silva (por
dois mandatos: 2003-2006 e 2007-2010), conseguindo também repassar o maior cargo do Brasil para outra
petista, a atual Presidenta, Dilma Rousseff (2011-2014). Neste contexto, retomam-se com mais intensidade os
debates sobre particularismos e universalismos; como já observou o célebre historiador francês Jacques Le Goff,

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Possui os títulos de Graduação (UECE, 1991) e Mestrado em Serviço Social (UFPB, 1996). Assistente Social da área da
Saúde na Prefeitura de Arez/RN, tem 12 livros publicados (até 2019) acerca da História de Arez, do Rio Grande do Norte e
da Vida e Obra de Câmara Cascudo, considera-se Antropólogo Cultural, já que tem 3 livros publicados sobre o tema
(lendas e mitos de Arez/RN, judeus em Arez e no país, e Indígenas brasileiros na atualidade). É autor de 12 livros sobre
temas diversos de sua área original. Em 2006, Afonso Romano de Sant’Anna veio da Academia Brasileira de Letras
(RJ) especialmente para lhe entregar o prêmio de melhor livro cascudiano/antropológico do Rio Grande do Norte
(Prefeitura do Natal/FUNCART, gestão de Carlos Eduardo Alves). Em 2019, no mês de setembro, recebeu pelas mãos do
Prefeito de Natal, Exmo. Sr. Álvaro Dias, outra vez, o prêmio de melhor autor e livro acerca do Folclore e da Vida, Obra e
Cascudianos, em recepção formal, ocorrida no Palácio Felipe Camarão, em Natal (PMN/RN).
2
Ver o livro organizado por José Paulo Netto: Sociologia-Lukács, Coleção Sociologia, n. 20, Editora Ática, 1981 (foto
acima, à esquerda)
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a universalidade é um valor “cuja ressonância política é clara” (1990: 193). E nós, os críticos sociais do
presente, não devemos nos ausentar destas polêmicas e nem mesmo inserirmo-nos nelas sem um claro
entendimento destes conceitos e de suas interligações com a realidade social.
Tomando então o exemplo dos dois Presidentes da República citados, utilizo aqui seus papéis sociais,
delegados pela maioria da população que os elegeu, como pretexto para iniciar a discussão, e inicio perguntando:
até onde poderiam ir os desejos e interesses pessoais (singulares), de Luís Inácio, quando ocupou tal cargo,
assim como até onde podem ir as vontades singulares da pessoa de Dilma Rousseff quando ocupa agora a
Presidência da República?
Até que ponto se diferenciam e entram em conflito os interesses particulares de “uma classe” social
(no caso, a classe trabalhadora, representada pelo Partido dos Trabalhadores) com os de outros segmentos
sociais, como as classes médias e altas (as elites)? E em quais momentos é preciso que uma classe social, que
esteja no poder, abandone seus interesses particularistas de classe, em favor das necessidades universais do
conjunto da sociedade brasileira?
Minha intenção aqui não é a de responder a estas perguntas, mas, ajudar ao leitor a refletir sobre as
respostas possíveis a elas; e o modo melhor que vislumbro, de contribuir para essas reflexões tão fundamentais
hoje, é buscando tornar mais inteligíveis os principais conceitos aí envolvidos, ou seja, definindo:
particularidade, singularidade e universalidade.
Ao se consultar os dicionários mais comuns, os mais socializados no país, nota-se que são bastante
sintéticos: por exemplo, o célebre Aurélio (de bolso) conceitua o universal como se referindo ao universo, ao
que é mundial, àquilo que é comum a todos os homens; ou ainda, “a um grupo dado”; o singular, por sua vez, é
o que pertence a um, ao número que indica uma só coisa ou pessoa; singularizar é “tornar singular, particular ou
específico”; e o conceito de particular, é o relativo a apenas certos seres vivos ou a certa(s) pessoa(s) ou
coisa(s), é o relativo a “uma pessoa qualquer” (ver Mini-Aurélio, Ferreira, 2001).
Já o Dicionário Houaiss, considerado por muitos como “o melhor” do Brasil, conceitua o universal
enquanto algo que é “comum, relativo ou pertencente ao universo inteiro”, algo “comum a todos os componentes
de determinada classe ou grupo” (2009: 1907); o singular refere-se àquilo que “se aplica a um único sujeito”, e
também coloca “particularizar” como sinônimo de singularizar (id.: 1750); e particular é “próprio ou de uso
exclusivo de alguém; privativo, privado”, sendo sinônimo, inclusive, de “um indivíduo qualquer” (id.: 1439).
A princípio, o leitor pode confundir-se inteiramente e até mesmo desistir de entender os esses três
conceitos, pois segundo um dos Dicionários mais usados no Brasil (Aurélio), assim como de acordo com aquele
geralmente considerado “o melhor” do país (Houaiss): o particular diz respeito a certas pessoas (grupos,
portanto), certas coisas, no plural, mas também poderia ser relacionado a uma pessoa qualquer (no singular), um
indivíduo. Já o singular, é o que pertence a um só, a um único sujeito, mas, ao mesmo tempo, singularizar é
definido como o mesmo que “tornar particular”, particularizar. Já o universal seria o que é comum “a todos os
homens”, e ao mesmo tempo, pode ser tido como o que é comum a todos que pertencem a uma classe ou “um
grupo”.
Na verdade, se sairmos dos Dicionários comuns e adentrarmos às disquisições filosóficas ou
sociológicas mais aprofundadas, encontraremos justamente essa mesma mistura, essas mesmas contradições,
porém, entenderemos também que há, por fim, uma relação de complementaridade entre o singular e o
particular, entre particular e universal, assim como podem ser complementares entre si a singularidade e a
universalidade, como veremos a seguir.
2. As três definições segundo as Ciências Sociais e Filosofia:
No âmbito das Ciências Sociais contemporâneas, o pensador múltiplo Georg Lukács, de origem húngara,
escreveu em 1957 um livro dedicado inteiramente à elucidação da categoria da particularidade: Introdução a
uma estética marxista: Sobre a categoria da particularidade, e é a partir deste autor que busco um
esclarecimento melhor acerca da definição dos três conceitos em questão. Lukács (1885-1971) foi amigo dos
sociólogos Georg Simmel, Max Weber, Karl Mannheim, Tönnies, dentre outros (Frederico, 1998: 9); também
participou dos cursos de Georg Simmel na Universidade de Berlim, na Alemanha, entre 1909-1910, chegando a
ser “o aluno favorito de Simmel e assíduo freqüentador da sua casa” (Netto, 1981: 11, grifo meu). Todos estes
intelectuais, na maioria sociólogos e filósofos a um só e mesmo tempo, participavam de grupos de estudo, os
Schiur – seminários particulares, aos domingos, variando suas presenças nas casas de uns e de outros (ver, por
3

exemplo: Gabriel Cohn, “Introdução”, Weber – Sociologia, 2002; e Leopoldo Waizbort, As aventuras de Georg
Simmel, 2000). Isto significa que o contato de Georg Lukács com a Sociologia, de modo algum, era superficial.
Apesar de indelevelmente presentes neste texto, não me interessa discutir aqui nem a perspectiva de
classe e nem o método lukacsianos, mas apenas demonstrar a sua contribuição para o debate acerca das três
definições em análise. Este é um texto sobre Metodologia de Pesquisa e Análise, e não sobre as concepções
marxistas, ainda que cite Marx, Lukács, o conceito de “classe social”, etc. Mesmo assim, volto a citar Jacques Le
Goff (1990: 192) quando, concordando com o sociólogo-filósofo francês Raymond Aron (1905-1983), afirma
que “Marx deu, do dinamismo permanente, constitutivo da economia capitalista, uma interpretação que ainda
hoje continua válida”.
Em seu livro sobre a categoria da particularidade, o filósofo húngaro expõe vários exemplos de
situações que demonstram o que vem a ser o singular, o particular e o universal. No capítulo central de seu
trabalho, no qual ele define detalhadamente a categoria da particularidade e, em conseqüência, seus
complementos obrigatórios, o singular e o universal, Lukács (1978: 76) inicia definindo que o singular é o que é
próprio ao indivíduo, ao especificamente pessoal; já o particular refere-se aos “interesses de classe”; e o
universal, aos “interesses de toda a sociedade”.
Já de outra forma, o autor em questão exemplifica as relações entre as três categorias teóricas, ligando-
as então ao conceito de Trabalho. Segundo ele: considerando-se o trabalho em si mesmo, pode-se designar a
“divisão da produção social em seus grandes gêneros, agricultura, indústria, etc., como divisão do trabalho em
geral”; enquanto divisão do trabalho em particular, a divisão destas classes de produção pode ser feita “em
espécies e subespécies”; e, finalmente, de maneira singular, pode-se pensar a “divisão do trabalho dentro de uma
oficina como divisão do trabalho em detalhe” (id.: 96, grifado no original).
Continuando seus exemplos, para melhor explicitar os três conceitos em análise, e ainda referindo-se
às relações de trabalho sob o capitalismo, Lukács observa que entre o capitalista e o operário há uma terceira
coisa (como pode ser o caso da Concorrência), uma coisa particular, portanto, que faz o intermédio entre dois
seres singulares. Ou ainda: esta não é, portanto, uma relação de simples indivíduos, puramente pessoal, mas
mediatizada por um terceiro, que é fruto das relações sociais (id.: 119).
Sendo assim, o que se apreende até aqui, a partir dos exemplos citados pelo autor, é que as relações
dialéticas (contraditórias, mas também complementares) entre singularidade, particularidade e universalidade,
expressam-se na realidade da vida cotidiana de cada ser social, no dia a dia das nossas relações sociais, o que
lhes retira a possibilidade de serem considerados como definições apenas abstratas, pertencentes unicamente aos
debates intelectuais de economistas, filósofos, sociólogos, etc.
Acrescenta ainda o pensador húngaro que apesar do idealismo hegeliano, há que se admitir que foi
“Hegel quem primeiro colocou o problema do particular de maneira correta e multilateral” (Lukács, 1978: 73,
grifado por mim), e para fugir àquele modo idealista de conceber tais definições, é preciso ressaltar, de antemão,
que as três “categorias lógicas” aqui em questão dizem respeito à “situações objetivas” na sociedade, e não no
pensamento. Elas são fruto “da realidade que lhes corresponde” (id.: 75), são categorias históricas portanto,
completamente opostas às categorias reflexivas idealistas e puramente subjetivas. As definições de singular,
particular e universal somente se tornam históricas porque o intelecto humano consegue “elevar a conceito o
movimento concreto” do real (id.: 88). Somente desta forma, então, é que tais categorias podem servir de
instrumento para se compreender “o desenvolvimento vital da realidade em seu movimento, em sua
complexidade” (id.: 87): se elas forem representações concretas do próprio mundo objetivo (id.: 75).
Postos esses aspectos diferenciados que podem assumir as relações entre a tríade em discussão,
voltemos agora ao exemplo concreto da particularidade da classe trabalhadora no Brasil, como no caso citado
inicialmente, ao se tratar das vontades pessoais e dos interesses de classe do ex-Presidente da República, da atual
Presidenta e de seu partido político (o PT), relacionando-os com as necessidades universalistas de toda a
sociedade brasileira: sobre este assunto, o ponto de vista lukacsiano é o de que “Somente em nome dos direitos
universais da sociedade pode uma classe particular reivindicar para si mesma o domínio universal” (Lukács,
1978: 77, grifos meus).
A partir dessa afirmação, lanço outra pergunta para ser refletida: em se considerando a perspectiva de
sociedade (socialista?) do Partido dos Trabalhadores, será que a “classe particular” que se encontra no poder – já
há uma década – vem conseguindo pôr de lado os seus interesses particularistas, e exercer um “domínio”
verdadeiramente em nome dos “direitos universais” e dos interesses universalistas do conjunto da sociedade
brasileira?
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Há que se esclarecer que Lukács usa, neste ponto de seus escritos, exemplos ligados a política, ao
trabalho e às classes sociais, no entanto, toda a discussão a seguir tem a ver com seu método de estudo e análise,
cujos propósitos são universais e referem-se, portanto, às categorias teóricas de singular-particular-universal
como instrumentos lógicos de análise que podem ser utilizados por qualquer pesquisador social, sejam eles
ligados à Sociologia, Filosofia, História, etc.
Passo agora à discussão específica acerca de cada uma das três definições aqui explicitadas, que são,
como já citado, categorias teóricas, porém lógicas e concretas a um mesmo tempo, que somente por estarem
presentes na realidade cotidiana das relações sociais é que podem ser elevadas ao raciocínio lógico humano, ao
nosso pensamento e à nossa reflexão.
3. A Universalidade:
Entendeu-se, até aqui, que há uma mistura – dialética – entre as noções de singularidade,
particularidade e universalidade, que as relações entre elas são contraditórias ao mesmo tempo em que são
também complementares. Especificamente sobre a definição de universalidade, é preciso afirmar que há perigo à
vista quando se faz dela um mero conceito vazio. O universalismo é necessário, seguindo nosso exemplo, à
classe que esteja no poder, seja ela de procedência elitista ou operária; a universalidade deixa de existir, observa
Georg Lukács (1978: 88), quando é uma característica “pensada apenas em uma forma particular”. Como antes
citado, esse problema, apesar de parecer “exclusivamente lógico”, depois de Hegel passa a ser distinguido
enquanto “um problema da estrutura e do desenvolvimento da sociedade” (id.: 82).
Sendo assim, as relações entre universalidade e particularidade “têm uma função de grande monta”,
pois o particular representa “a expressão lógica das categorias de mediação entre os homens singulares e a
sociedade” (id.: 93). E nessa problemática da relação dialética entre universal e particular, lembrando de nosso
exemplo sobre a tríade Presidente da República-Partido Político-Conjunto da Sociedade, é necessário, nas
palavras de Lukács, sempre “esclarecer a forma concreta de sua relação [universal-particular], caso por caso, em
uma determinada situação social, com respeito a uma determinada relação da estrutura econômica”, e mais
ainda: é decisivo que se busque “descobrir em que medida e em que direção as transformações históricas
modificam esta dialética”. Também é necessário “estudar e descrever, de um modo historicamente concreto (...)
e com exatidão, estas relações e suas transformações”. Somente se cumprindo esta “tarefa importante”, é que se
finda descobrindo “que as contradições concretas assim percebidas devem ser compreendidas, do ponto de vista
lógico-metodológico, como casos concretos e expressões de uma dialética de universal e particular” (id.: 91-92,
grifos meus). E esta dialética concreta de universal e particular é, desse modo, uma “arma metodológica”, é um
“instrumento para esclarecer as conexões reais” entre os fenômenos sociais em análise (id.: 95).
Para Lukács, a linha fundamental do movimento de pensamento dialético dá-se em um movimento
irresistível, em “uma aproximação progressiva que conduz do puramente singular ao universal através do
particular”, o que significa que “todos os conceitos e processos mentais, têm o seu ponto de partida na realidade
objetiva [social e histórica] independente da consciência” (id.: 102-103).
Ensina o pensador húngaro que a universalidade está sempre “em uma contínua tensão com a
singularidade”, além de estar também em uma “contínua conversão em particularidade”. Da mesma maneira, e
de modo inverso, a particularidade está sempre em contínua tensão com o universal e em contínua conversão em
singularidade. Ou seja, as relações entre essa tríade são sempre múltiplas e contraditórias, e quanto mais
autêntica e profundamente os nexos da realidade, suas conexões e contradições, “forem concebidos sob a forma
da universalidade”, de forma mais exata e mais concreta “poderá ser compreendido também o singular” (id.:
104).
Passo a discorrer agora especialmente sobre a definição filosófica/sociológica de singularidade.
4. A Singularidade:
Ainda a partir do trabalho de Lukács, aprendemos que o conhecimento e a compreensão da
singularidade “não pode ocorrer separadamente das suas múltiplas relações com a particularidade e com a
universalidade”; estas relações múltiplas já estão contidas na imediaticidade do singular, “no imediatamente
sensível de cada singular”, e tanto a realidade como a essência da singularidade “só pode ser exatamente
compreendida quando estas mediações (as relativas particularidades e universalidades) ocultas na imediaticidade
são postas à luz”, o que significa, também, que “esta aproximação ao singular enquanto tal pressupõe o
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conhecimento mais desenvolvido possível das relativas universalidades e particularidades”. O singular,


portanto, “precisamente como singular, é conhecido tão mais seguramente e de um modo tão mais conforme à
verdade (...) quanto mais rica e profundamente forem iluminadas as suas mediações para com o universal e o
particular” (1978: 106-107).
O que se apreende então, até esse ponto, especificamente acerca das relações entre singularidade e
universalidade, é que suas ligações na realidade são inseparáveis, apesar de opostas entre si. Tais categorias
lógicas estão presentes no real em unidade dialética, mas, ao mesmo tempo, há uma conexão contraditória entre
elas, não havendo, desse modo, espaço para identidade entre uma e outra, por serem opostas; contudo, o singular
não existe senão em sua relação com o universal. Segundo Lukács, o “movimento dialético da realidade, tal
como ele se reflete no pensamento humano, é assim um incontrolável impulso do singular para o universal e
deste, novamente, para aquele”. Sendo assim, a particularidade, a singularidade e a universalidade não são
idênticas, ao contrário, há entre elas uma “nítida e precisa distinção”, mas isto não exclui que possa haver
“passagens e conversões” dialéticas tanto entre universalidade e particularidade, como entre singularidade e
particularidade. Mas nosso pensador húngaro adverte que essas distinções, ainda que presentes na realidade
cotidiana de todo ser humano, são pouco desenvolvidas “no modo de pensar da vida cotidiana” (id.: 110).
No próximo item, passamos à explicitação do significado da categoria teórico-metodológica da
particularidade, a mais discutida por Lukács em seu livro Introdução a uma estética marxista: Sobre a categoria
da particularidade (de 1957), além do auxílio na compreensão do conceito de mediações.
5. A Particularidade – Um Campo de mediações:
Como bem esclarece Lukács, na vida cotidiana, no conjunto das relações sociais, a particularidade “se
confunde, em sua determinação e delimitação, ora com o universal ora com o singular”, e é por isso que “na
construção científica e filosófica, os extremos são desenvolvidos antes do que os meio mediadores [as
particularidades]” (1978: 110, grifos meus), assim definida, a particularidade é “um membro intermediário com
características bastante específicas” (id.: 112).
Por tudo isso, continua o filósofo húngaro, é que somente pode existir “uma autêntica e verdadeira
aproximação à compreensão adequada da realidade”, uma relação verdadeiramente dialética entre teoria e
prática, se houver clareza: dessa “tensão dos pólos, constantemente em ato”; se houver o entendimento da
“constante conversão dialética recíproca das determinações e dos membros intermediários que têm função
mediadora”; e se for compreendido que há esta “união entre os pólos”, ainda que seja uma união tensa e
contraditória. Portanto, a tarefa do intelectual é, tal como assinala Lukács, não julgar a realidade em análise, e
nem descrevê-la ou explicá-la da forma que o intelectual queria que fosse, ou da forma que o real deveria ser,
mas tentar elevar à consciência a “exata relação dos homens para com a realidade objetiva” (id.: 111).
Ou ainda, o pesquisador deve observar, na realidade concreta/cotidiana, como as relações sociais se
processam, sem que os seus valores pessoais, seus desejos e interesses influenciem nos tratamento dos dados
observados/coletados por ele. Por exemplo, refletindo sobre a cultura popular, Augusto Arantes (1987:57)
propõe-se a que, neste seu livro “se projete o foco de atenção sobre o que as culturas efetivamente são, ou
melhor, sobre como elas são produzidas, sobre os processos através dos quais elas se constituem e o que elas
expressam, e não sobre o que elas foram, seriam ou deveriam ser” (grifado em negrito por mim).
Deste modo, Lukács enfatiza que o movimento do singular ao universal, assim como seu contrário: do
universal ao singular, “é sempre mediatizado pelo particular”. A particularidade é então “um membro
intermediário real, tanto na realidade objetiva quanto no pensamento que a reflete” (id.: 112).
Não é por acaso, acrescenta o autor, que a tríade singular-particular-universal se tenha tornado
formalmente dominante, este fato “não é casual, já que início, meio e conclusão descrevem a estrutura formal
necessária de qualquer operação mental”. Também, é preciso lembrar que “a relação de forma e conteúdo é uma
relação mais próxima e mais convergente no início e na conclusão do que no meio”, e este meio, por sua vez, é
“uma expressão complexiva e sintética de todo o conjunto de determinações que mediatizam o início e a
conclusão” (id.: 113).
Lukács ressalta que nenhum dos movimentos aludidos acima são “pontos firmes”. Do mesmo modo
que a particularidade – que é na verdade um “inteiro campo de mediações” –, também “início e conclusão
(universalidade e singularidade) de modo algum são pontos firmes no sentido estrito da palavra”, pois “o
desenvolvimento do pensamento e dos conhecimentos têm precisamente a tendência a transferi-los cada vez
mais”. Todavia, se se leva em consideração corretamente o movimento dialético do particular ao universal, assim
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como da universalidade à particularidade, observa-se que “o meio mediador (a particularidade) pode menos ser
um ponto firme, um membro determinado, e tampouco dois pontos ou dois membros intermediários (...) mas sim
em certa medida, um campo inteiro de mediações” (id.: 113, grifos meus).
A cada passo que a construção do conhecimento vai sendo aperfeiçoado pelo pesquisador, pode-se
“alargar este campo [de mediações], inserindo na conexão momentos dos quais precedentemente se ignorava que
funções tinham na relação entre uma determinada singularidade e uma determinada universalidade”. Assim
como também se pode diminuir esse campo de mediações, composto pelas particularidades, “na medida em que
uma série de determinações mediadoras – que até um dado momento eram concebidas como sendo
independentes uma da outra e autônomas – são agora subordináveis a uma única determinação” (Lukács, 1978:
113).
Torna-se claro, desta maneira, que o particular “não é simplesmente o membro pontual da mediação
em uma tríade, mas sim uma espécie de campo de mediação para o universal (e, em certos casos particulares,
para o singular)” (id.: 116, grifo meu).
A partir de uma série de pesquisas, cada uma voltada para o esclarecimento de um novo aspecto
particular do problema, em suas características específicas, pode surgir (graças ao aprofundamento destes novos
aspectos particulares) outra concepção diferente, que venha a alargar e aprofundar mais ainda o seu conceito,
elevando-o a um nível superior de universalidade; de tal modo que “A cuidadosa análise do particular é apenas
um meio para alcançar este grau superior de universalidade”, buscando-se esta ampliação da universalidade do
conceito (id.: 114-115). Isto significa que, através de mediações, em se conhecendo momentos particulares
novos, a universalidade dos conceitos envolvidos no problema é ampliada e tornada superior ao que antes se
conhecia.
Seria enganoso, afirma Lukács (1978: 116), após todas essas considerações, concluir-se que “o
particular é uma amorfa e inarticulada faixa de ligação entre o universal e o singular (...) as coisas não são
assim”. O campo de mediações tratado aqui é naturalmente articulado, e cada etapa que o conhecimento leva a
compreender em tal campo pode, apenas por aproximação, “ser claramente determinada e fixada, do mesmo
modo que podem ser fixadas a universalidade e a singularidade”. Também o fato de que, em muitos casos,
“deva-se fixar uma inteira cadeia de membros particulares da mediação, a fim de ligar corretamente entre si a
universalidade e a singularidade”, demonstra que, de modo algum, a particularidade tenha um caráter amorfo.
A partir do prisma da linguagem, continua o pensador húngaro, são bastante precisos os significados
de singular e universal, já a expressão particularidade pode querer dizer muitas coisas: “ela designa tanto o que
impressiona, o que salta à vista, o que se destaca (em sentido positivo ou negativo), como o que é específico; ela
é usada, notadamente em filosofia, como sinônimo de ‘determinado’, etc.” Contudo, esta oscilação que pode
existir no significado do particular “não é casual, mas tampouco ele indica um amorfismo fugidio; ele diz
respeito apenas ao caráter sobretudo posicional da particularidade”. A particularidade que aqui se busca
esclarecer representa, com relação ao singular, “uma universalidade relativa, e, com relação ao universal, uma
singularidade relativa”, e esta relatividade posicional “não deve ser concebida como algo estático, mas sim
como um processo. A própria conversão, por nós assinalada deste ‘termo médio’ em um dos extremos já implica
este caráter processual” (id.: 117).
A particularidade, desse modo, é um princípio do movimento do conhecimento, e enquanto “momentos
particularidades mediadores”, ela tem, na sociedade, “uma existência relativamente bem delimitada, uma figura
própria” (id.: 118). Decidindo-se o pesquisador por eliminar a particularidade, e operar apenas com os extremos
(singular e universal), enfatiza Lukács, é “deformante”, assim como o fizeram, por exemplo, os pré-socráticos,
Aristóteles, a filosofia burguesa, etc. Estes, buscaram “afastar idealmente da vida dos homens, justamente com o
particular, as determinações sociais”, passando por cima, como no caso da filosofia burguesa, do caráter de
classe da sociedade capitalista; e esta tendência afirmava que “o homem deve sempre ser compreendido como
singular, excluindo-se todas as mediações da socialidade de sua existência, afastando-se qualquer
particularidade mediadora” (id.: 119-120).
Em se tratando das relações dialéticas e das mediações existentes entre singularidade-particularidade-
universalidade, a eliminação da particularidade é, por fim, uma luta contra a objetividade, constata Lukács,
desconsiderá-la é lutar contra a concreticidade e contra a apreensão correta da dialeticidade das relações sociais
(1978: 120).
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6. Conclusão:
Acredito que o objetivo deste ensaio – o de contribuir para o esclarecimento das categorias teóricas de
singular, particular e universal – foi atingido. Como foi visto acima, o nosso conhecimento comum acerca de tais
conceitos, assim como dos significados postos pelos Dicionários mais utilizados no país, não são suficientes para
um entendimento mais aprofundado acerca das relações existentes entre particularidade, universalidade e
singularidade.
Demonstrou-se também, como é rica a definição de particularidade, tão usada pela maioria das
pessoas com o sentido banal de “individualidade”, o que faz com ela perca quase que totalmente a sua
significância teórico-ontológica; enquanto que, na verdade, o particular abrange um campo inteiro de mediações,
que se encontram a meio caminho (mas não em uma posição fixa) entre o singular e o universal. Deve o
pesquisador observar que estas mediações por vezes se aproximam mais da universalidade e, às vezes, tornam-se
mais próximas ao singular.
O que importa afinal, é que ao se debater hoje as definições de particularismos e universalismos, se
tenha um pouco mais de segurança sobre o que significam tais categorias lógicas.
E, principalmente, aprendemos aqui que os interesses particularistas, em sendo interesses de apenas
uma “classe social” que se encontre no poder (como no exemplo citado, do Governo do ex-Presidente Lula e da
atual Presidenta Dilma, ambos filiados ao Partido dos Trabalhadores), poderiam e deveriam ser convertidos em
interesses universalistas, voltados para o bem-estar da maioria da população brasileira. Assim como também,
fomos levados a compreender que, às vezes, um discurso que a princípio seja universalista pode esconder
interesses eminentemente particularistas, noutras palavras: pode ocorrer que aquilo que se apresenta como
universalismo hoje, venha a converter-se, amanhã, em interesses particulares de apenas uma classe, um grupo ou
segmento social!

7. Referências:

ARANTES, Antonio Augusto. O Que é Cultura Popular. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
COHN, Gabriel. “Introdução”. In: COHN, G. (Org.). Weber – Sociologia. 7ª ed. São Paulo: Ática, 2002.
FERREIRA, Aurélio B. H. Mini-Aurélio Século XXI: Escolar. 4ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
FREDERICO, Celso. Lukács: Um clássico do século XX. São Paulo: Moderna, 1998.
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva/Instituto Antônio
Houaiss, 2009.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. São Paulo: EdUnicamp, 1990. (trad. Bernardo Leitão et. al.).
LUKÁCS, Georg. Introdução a uma estética marxista: Sobre a categoria da particularidade. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1978. (trad. Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder).
PAULO NETTO, José (Org.). Lukács. São Paulo: Ática, 1981 (Coleção Sociologia, n. 20).
WAIZBORT, Leopoldo. As aventuras de Georg Simmel. São Paulo: USP/PPGS/Ed. 34, 2000.

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