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Antropologia

Autores Clássicos da Antropologia I

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dr.ª Andrea Borelli
Prof. Dr. Gustavo de Andrade Durão

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin
Autores Clássicos da Antropologia I

• Marcel Mauss (1872-1950);


• Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-1955);
• Bronislaw Kasper Malinowski (1884-1942);
• Edward Evan Evans-Pritchard (1902-1973).


OBJETIVO

DE APRENDIZADO
• Definir os principais autores da Antropologia contemporânea.
UNIDADE Autores Clássicos da Antropologia I

Marcel Mauss (1872-1950)


Nesta Unidade, você irá conhecer alguns outros importantes autores da Antropologia­,
além daqueles estudados mais detidamente anteriormente.

Marcel Mauss nasceu em Epinal, França, em 1872, no seio de uma família judaica. Era
sobrinho de Émile Durkheim (1858-1917), que o
influenciou significativamente em suas escolhas
acadêmicas futuras. Para o aprofundamento das pesqui-
sas de Claude Levi-Strauss, recorra
Quando jovem, decide estudar Filosofia, espe- ao Material Teórico das unidades
anteriores.
cializando-se no estudo das religiões “primitivas”,
na Universidade de Bordeaux.

Concluído o Curso, Mauss vai para Paris trabalhar com Durkheim em sua revista,
Anné Sociologique.

O Jornal fundado por Émile Durkheim, em 1898. Foi publicado até 1925. O jornal sofreu algu-
mas alterações de nome, mas continua sendo publicado até hoje como L’Anné Sociologique.

Na “Cidade Luz”, Mauss é nomeado professor de História das Religiões, assunto no


qual centrou suas pesquisas e estudos na École Pratique de Hautes Éstudes, ganhan-
do, pouco tempo depois, notoriedade profissional. Mauss também foi redator do jornal
Humanité, fundado por Jean Léon Jauré1, amigo com quem dividia ideias socialistas
(COSTILHA, 2011). O jornal já foi propriedade do Partido Socialista francês. Ele é pu-
blicado até hoje, porém sem vínculos partidários.

Figura 1 – Marcel Mauss, antropólogo e sociólogo


Fonte: Wikimedia Commons

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Político socialista francês (1859-1914).

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É no período entre guerras que Marcel Mauss escreve suas principais obras, como,
por exemplo, Ensaio sobre a Dádiva, de 1925, adquirindo reconhecimento internacio-
nal por suas pesquisas e dedicação à Antropologia.

Livro que aborda os métodos de troca entre as Sociedades primitivas. A obra é tida como
uma das mais importantes do gênero para a Antropologia e Sociologia.

O estudo estabelecido na obra torna-se conhecido por seu caráter etnográfico, antro-
pológico e sociológico, em que o papel das trocas (objetos) entre os grupos figura como
base para suas relações sociais na composição do que chamamos de Economia social
(doador-receptor, lógica do dom e contra-dom etc.).

Seu empenho profissional e estudos levam Mauss a se casar tardiamente, aos 62 anos.
O fim de sua vida é dedicado quase que integralmente à sua família, até sua morte em
Paris, de causas desconhecidas, em fevereiro de 1950.

Quando falamos de seu legado, Mauss seguiu os passos de Durkheim, no que tange
aos conceitos sobre Sociologia e fatos sociais. Porém, ele se distanciava de seu tio em
alguns pontos e propunha uma reformulação nas teorias durkheimianas.

Fato Social: Para Durkheim, social é todo o fato que é geral, que se repete para a maioria
dos indivíduos.

Partindo das três características dos fatos sociais: coerção (fatos psicológicos ou or-
gânicos que são impostos aos indivíduos), exterioridade (fatos sociais que independem
da vontade do indivíduo para existir) e generalidade (os fatos sociais não estão isolados
dentro de um contexto histórico), Mauss propõe uma reformulação desses conceitos.

Émile Durkheim dizia que os fatos sociais possuem três características: coerção,
exterioridade e generalidade; e que se distinguem dos fatos orgânicos ou psico-
lógicos (COSTA, 2010, p. 39).

Essa reformulação de conceitos gera questões que o direcionam na construção de


suas teorias: a questão da metodologia para a Sociologia e de sua relação com as demais
Ciências, o problema de organização social e o problema de coesão social, entre outros.

Como nota Costilha, em sua Biografia de Marcel Mauss (1872-1950):

Mas é importante ter em conta que essas preocupações seriam cruzadas, no


caso de Mauss, por seu próprio interesse, sobre a relação entre sociedade e
agente. Assim, a especificidade de seu argumento a respeito de seu tio, e seus
contemporâneos, foi motivada por uma preocupação com o homem real, ou
seja, o cruzamento complexo de diferentes ordens-de processos psíquicos e
fisiológicos até benefícios econômicos, contratos e rituais; de “os mais hu-
mildes e concretos de nossos costumes” dirá Lévi-Strauss, até a morfologia
social – que tornam a vida dos agentes biológicos, incluindo a vida e a morte.

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Nesse sentido, o “homem real” de Mauss é uma proposta que concilia a


abordagem global da sociedade para o estudo das práticas e, portanto, com
a multiplicidade de agentes e situações sociais. (COSTILHA, 2011, [n.p.])

Mauss não enxerga o fato social como “coisa”-teoria sugerida por Durkheim, em que
o fenômeno é algo externo ao pesquisador e passível de observação objetiva –, ele pro-
punha um olhar mais abrangente, em que todos os aspectos do contexto e da realidade
(psicológico, físico e social) do objeto de estudo seriam avaliados e estudados, sendo
seus resultados compartilhados entre esses diferentes aspectos que compunham o fato
social. Esta, segundo Laplantine, é a concepção da teoria do fenômeno social total
(LAPLANTINE, 2003, p. 90).

Diferentemente de Durkheim, que propôs a Teoria da Consciência Coletiva, em que


os fatos sociais não possuem relação com as atitudes e pensamentos dos indivíduos de
uma determinada sociedade, Marcel Mauss acredita que a consciência individual constrói
as Instituições sociais e que estas, por sua vez, têm consciência coletiva que influencia a
consciência individual da Sociedade em que ela está inserida.

Para compreender uma Sociedade do ponto de vista do conceito de fenômeno social


total, é necessário estudá-lo individualmente, mas também dentro de seu contexto real.

Importante!
Nesse conceito, Mauss procura analisar, de forma integrada, os aspectos sociais com os
aspectos fisiológicos e psicológicos. O intuito é ampliar os estudos de forma a contem-
plar todas as dimensões reais do objeto de estudo.

Laplantine esclarece em seu livro:

[...] ora, o que caracteriza o modo de conhecimento próprio das ciências do


homem é que o observador-sujeito, para compreender seu objeto, esforça-
-se para viver nele mesmo a experiência deste, o que só é possível porque
esse objeto é, tanto quanto ele, sujeito. (LAPLANTINE, 2003, p. 91)

Com um foco voltado para o indivíduo e sua relação com a Sociedade em que está in-
serido, Mauss propunha mais autonomia para a Antropologia e um olhar mais abrangente
a tudo que cerca o objeto de estudo, tornando-se um dos fundadores da autonomia social.

Ao mesmo tempo em que tenta elevar o status da Antropologia, ele também exige
uma pluridisciplinaridade no estudo do objeto de pesquisa.

Mauss trabalha, incansavelmente, para transformar a Antropologia em uma Ciência


autônoma. Segundo ele, “o lugar da Sociologia está na Antropologia e não no inverso”
(LAPLANTINE, 2003, p. 90).

Analisando os conceitos estabelecidos por Mauss, ele não desconecta suas nova­s
ideias das Teorias de função e consenso social, estabelecidas por Durkheim, não o
­ bstante
defenda uma nova morfologia social – a comparação de sociedades como um dos obje-
tivos da Sociologia.

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As sociedades, devido às diversas variáveis, são incomparáveis (para Mauss), sendo
fundamental um estudo empírico local.

Função social: É o conceito que procura justificar a existência de um determinado compor-


tamento por sua contribuição na manutenção do todo no qual se insere.
Consenso social: O estado em que se encontra uma sociedade caracterizada por uma forte
coesão entre seus membros, fazendo prevalecer os interesses da coletividade acima dos
interesses e das expectativas individuais (COSTA, 2010, p. 42).

O foco dos estudos de Mauss passou a ser o simbolismo “não só no plano das tran-
sações, como comunicação, onde era eficiente, mas a complexidade da eficiência destes
símbolos” (COSTILHA, 2011).

O símbolo, à medida que recebe um segundo significado ou representa um costume,


transforma-se em um caminho para se alcançar a “coerência interna de uma sociedade,
ou para a natureza sistemática e holística de uma atividade” (COSTILHA, 2011).

Dessa forma, Mauss poderia ir além dos dados estatísticos e comparativos, mas po-
deria ter acesso à essência dos fatos sociais, da sociedade e dos indivíduos.

Os conceitos e os pensamentos propostos por Mauss nos conduzem a interpretações


diversas e nos convidam a refletir sobre as diferentes variáveis de uma mesma equação.

Essa é a grande contribuição de seu trabalho para a Antropologia e a Sociologia,


colocando-o entre os maiores pensadores das Ciências Humanas.

Conforme abordamos, Mauss produziu vários artigos e publicou algumas obras de


significativa importância, tanto para a Antropologia como para a sociologia. Eis algu-
mas de suas principais obras: Esboço de uma teoria geral da magia (1904), Sobre
a História das religiões (1909, com Henri Hubert), Relações reais e práticas entre
psicologia e a sociologia (1924) e Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca
nas sociedades arcaicas (1925).

Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-1955)


Radcliffe-Brown nasceu em janeiro de 1881, em Birmingham, em uma família da
classe operária.

Iniciou seus estudos em Ciências Médicas na Universidade de Birmingham, porém,


mais tarde, ganhou uma bolsa para estudar no Trinity College, onde estudou Economia
e Psicologia Experimental.

Aconselhado por professores, migrou para a área da etnografia (que, posteriormente,


se tornaria a Antropologia) na Universidade de Cambridge.

Após sua formação, seus trabalhos e sua dedicação à adaptação dos conceitos de
Durkheim às novas propostas de pesquisas sociais o levaram para a docência.

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Figura 2 – Antropólogo e professor britânico Radcliffe-Brown


Fonte: Wikimedia Commons

Não se limitou à sala de aula, atuando também em campo. Sua primeira pesquisa de
campo foi nas Ilhas Andamam, no Golfo de Bengala, próximo à Mianmar.

Radcliffe lecionou e promoveu pesquisas em diversas Universidades importantes, inclu-


sive na Universidade de São Paulo, como professor visitante. Seu legado para a Antropo-
logia britânica é imensurável. Radcliffe-Brown morre em Londres, em outubro de 1955.

Em seus estudos, Radcliffe baseia parte de suas ideias em Durkheim, de quem adap-
tou os métodos de estudo de civilizações primitivas, também acreditava que essas civili-
zações possuíam Instituições sociais integradas com a finalidade de satisfazer as neces-
sidades dos membros do grupo no qual elas se inseriam.

Contudo, Radcliffe-Brown tinha como objeto de estudo as Estruturas sociais e não


as Instituições.

Assim, dentro de um novo viés que se descortinava para a Antropologia – o funcio-


nalismo – Radcliffe-Brown criava um funcionalismo-estrutural.

Em Síntese
Função de um costume ou hábito numa dada sociedade pode ser entendida como sua
contribuição para o todo social, pensando-se como um conjunto integrado de partes.
Funcionalismo é uma Escola desenvolvida nas Ciências Sociais, tendo por modelo as
ciências naturais e biológicas. Transposto para o estudo das sociedades, esse princípio
pretendia entender a função das instituições, das crenças e da cultura na manutenção,
no equilíbrio e na conservação da sociedade (COSTA, 2010, p. 194).

Criança Padong, nativos da Tailândia. As argolas são adornos para embelezamento das
­mulheres. Disponível em: https://bit.ly/3kggYaE

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Seguindo métodos análogos aos de Durkheim, a comparação de civilizações inicia
um combate, modesto evidentemente, a preconceitos e a estereótipos com os quais o
senso comum europeu analisava as culturas diferentes das deles e que, por intermédio
dos antropólogos, estavam chegando ao velho continente.

De acordo com Costa: [...] foram eles, Radcliffe e Malinowski, que desenvolveram
um método científico eficiente-e ao mesmo tempo responsável-de estudo das diferentes
culturas, respeitando suas especificidades (grifos nossos) (COSTA, 2010, p. 196).

Radcliffe-Browm considera a cultura um sistema adaptativo, utilizado pelas Sociedades.


Em seus trabalhos, ele ressalta a importância das funções e das estruturas sociais no pro-
cesso de adaptação e equilíbrio da sociedade (MARCONI; PRESOTTO, 2014, p. 257).

Importante!
A principal Teoria de Sociedade, desenvolvida por Radcliffe-Brown, baseia-se na com-
preensão do significado que uma instituição ou estrutura possui dentro de uma socie-
dade, que pode estar ligado ou não à sua função social. Esse significado, para Radcliffe,
é a razão da manutenção da estrutura e da integração social, sendo crucial para a sobre-
vivência dos grupos sociais (MARCONI; PRESOTTO, 2014, p. 258).

Marconi e Presotto ressaltam, nesse sentido: sua abordagem pode ser considerada
estrutura-funcional, isto é, uma instituição social tem a função de contribuir para a manu-
tenção e continuidade da estrutura da sociedade (MARCONI; PRESOTTO, 2014, p. 258).

Analisando esses postulados de Radcliffe-Brown, chegamos à conclusão de que o prin-


cipal foco de seus estudos foi o aspecto social de uma civilização, e não o aspecto cultural.

As ideias de Radcliffe ajudaram a construir o Funcionalismo em Antropologia, que


valoriza a pesquisa no campo, aproximando o observador das Sociedades, sendo possí-
vel identificar valores, normas, regras, dentro de um sistema lógico em relação à cultura
e aos sistemas que eles desenvolvem.

Radcliffe-Brown tem obras importantes para Antropologia como Ciência. Entre elas,
destacam-se: Sistemas políticos africanos de parentesco e casamento (1950) e Es-
trutura e função na sociedade primitiva (1952).

Bronislaw Kasper Malinowski (1884-1942)


Malinowski nasceu em abril de 1884, na cidade de Cracóvia, Polônia. A Antropolo-
gia entra em sua vida por meio de um livro, O ramo dourado, de James Frazer2, obra
que o influenciou até os estudos universitários.

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James Frazer (1854-1941), professor e antropólogo escocês.

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Figura 3 – Bronislaw Malinowski, professor e antropólogo polonês


Fonte: Wikimedia Commons

Vale notar que a influência de Frazer daria origem ao grupo de estudiosos da Univer-
sidade de Cambridge, conhecido como os “Ritualistas de Cambridge”, sob a liderança
de Jane E. Harrison, e participação de importantes estudiosos da Filosofia, Filologia,
História e Letras Clássicas dessa Universidade.

Conheça o livro que inspirou Malinowski: O ramo dourado, Sir James George Frazer, Oxford:
Zahar, 1982.

Doutorou-se em Filosofia, Física e Matemática, em 1908, recebendo a maior honra-


ria do Império Austro-húngaro à época.

A partir de 1913, Malinowski começa a escrever e a se aventurar, profundamente, na


Antropologia como Ciência empírica. No ano seguinte, por meio de seu amigo Seligman3,
consegue um financiamento para realizar sua primeira expedição etnográfica para o
­Oceano Pacífico.

Ele passou alguns meses na Ilha de Tulon


­entre os Mailu, etnia local (KUPER, 1996).
Você poderá aprofundar seus con-
Entre 1914 e 1918, desenvolveu seu grande hecimentos da experiência desse
estudioso nas unidades anteriores
estudo de campo entre os habitantes das Ilhas desta disciplina.
Trobriand, próximas à Nova Guiné.

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Charles Gabriel Seligman (1873-1940), professor e antropólogo, pioneiro britânico no estudo de civilizações na
Melanésia, Ceilão e Sudão.

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Na década seguinte, fixa residência em Londres, onde leciona na London School of
Economics (LSE), sendo, posteriormente, reconhecido como professor de Antropologia
Social pela Universidade de Londres e, em 1924, torna-se reitor da LSE, permanecendo
no cargo até 1938, quando vai para os Estados Unidos.

Em território americano, leciona na famosa Universidade de Yale e também realiza


algumas pesquisas de campo no México.

Bronislaw Kasper Malinowski morre aos 58 anos, em maio de 1942, na cidade ame-
ricana de Connecticut.

As observações de Malinowski levaram-no a elaborar o conceito de funcionalismo


e de função social. Esses conceitos já foram apresentados anteriormente, mas vale a
pena recordar.

Malinowski tem como tema central de seus estudos a cultura. Partindo desse ponto,
estabelece alguns conceitos sobre a natureza humana.

Segundo Malinowski, os homens, sendo animais, trabalham a cultura de forma que


ela supra suas necessidades básicas. Assim, também desenvolve a TEORIA das necessi-
dades humanas, que considera primordiais: necessidades biológicas, instrumentais (orga-
nização econômica, educacional etc.) e integrativas (magia, religião, arte etc.) (MARCONI;
PRESOTTO, 2014, p. 257).

Importante!
A cultura é o instrumento pelo qual o homem satisfaz essas necessidades. Ela (cultura)
é dividida em partes e cada uma dessas partes desempenha uma função social, sendo
todas elas independentes e interligadas, configurando uma estrutura social. Essas es-
truturas, ou instituições, são os meios pelos quais o homem e seu grupo alcançam a
satisfação de suas necessidades.

Diversos povos com características próprias e particulares: https://bit.ly/38vJNgM

Para adaptar seus novos conceitos aos conceitos de funcionalismo e de função so-
cial, Malinowski desenvolve o conceito metodológico de observação participante, que
revolucionou os estudos antropológicos ao substituir uma investigação laboratorial, ou
seja, (dentro de um Laboratório ou Escritório) afastada de seu objeto de pesquisa, por
uma investigação local, em que esteja inserido, como partícipe, no contexto social de
seu objeto, conceito também sugerido por Marcel Mauss.

Observação participante: É uma técnica de investigação social em que o observador par-


tilha, na medida em que as circunstâncias o permitam, as atividades, as ocasiões, os interes-
ses e os afetos de um grupo de pessoas ou de uma comunidade (ANGUERA, 1985).

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De acordo com o próprio Malinowski – após primeiramente observar os detalhes da


rotina diária, numa segunda etapa, selecionam-se as principais características e elemen-
tos para a compreensão daquela sociedade e, por fim, sintetiza-se o panorama das gran-
des instituições sociais do grupo pesquisado – o conceito essencial do funcionalismo é,
justamente, a organização da sociedade em grupos cuja compreensão estabelece um
código desenvolvendo valores, normas e uma infraestrutura material e física (COSTA,
2010, p. 196).

Segundo Costa, Malinowski foi o primeiro antropólogo a organizar e sintetizar uma


visão integrada e totalizante do modo de vida não europeu, acompanhando a rotina dos
nativos da Ilha de Trobriand (COSTA, 2010, p. 195) e, nesse sentido, rompendo com a
tradição evolucionista cujos ditames estabeleciam o Eurocentrismo como ponto cardeal
de referência, perspectiva e análise nos estudos sobre os outros.

O conceito dele de observar o diferente e não o primitivo (como acreditavam os an-


tropólogos vitorianos) era um conceito novo e revolucionário para a Antropologia.

Assim, não é absurdo creditar a Malinowski a fundação da Antropologia Moderna.


Por essa razão, Laplantine afirma que “com Malinowski, a Antropologia se torna uma
ciência” (LAPLANTINE, 2003, p. 81).

E esse é outro grande legado deixado por ele.

Porém, ao conceber o funcionalismo, Malinowski não o faz de forma a contemplar os


problemas inerentes que outras Sociedades, maiores e mais complexas do que os nativos
Trobrianos, poderiam ter.

Segundo Laplantine, “o discurso monográfico e a história do funcionalismo passam


a ser a justificativa de uma nova fase do colonialismo” (LAPLANTINE, 2003, p. 83-4).

Apesar dessas críticas, que o próprio Malinowski fez questão de fomentar, o seu
legado permanece e é inquestionável, ainda nos dias de hoje. Suas principais obras
foram: Argonautas do Pacífico Ocidental (1922), Crime e costume na sociedade
selvagem (1926), Sexo e repressão na sociedade selvagem (1927) e A vida sexual
dos selvagens (1929).

Instituição social é uma forma de organização social. A sociedade está repleta de institui-
ções sociais, concretas e abstratas: a família, a igreja, a escola e as Ongs são exemplos de
instituições sociais (LAKATOS, 2010).

Edward Evan Evans-Pritchard (1902-1973)


Edward nasceu em Crowborough, Inglaterra, em 1902. Estudou História no Exeter
College e continuou seus estudos na London School of Economics, onde conheceu
Malinowski e Seligman, que o influenciaram a seguir o caminho da etnografia.

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Evans-Pritchard direciona seus estudos etnográficos para a África, onde conhece o
povo Anzande, no Sudão egípcio.

Após anos pesquisando-os, Evans-Pritchard amplia seus horizontes, lecionando na


Universidade do Cairo e atuando em diversos países africanos. Sua contribuição na
aplicação dos métodos instituídos por Malinowski no estudo empírico da África, mas
também da sociedade britânica, é significativo e reconhecido até os dias de hoje (STEIL;
TONIOL, 2014.)

Figura 4 – Evans-Pritchard, historiador e antropólogo inglês


Fonte: Wikimedia Commons

Na década de 1930, muda o foco de seus trabalhos – que até então tinha um viés
social, inspirado em Malinowski, adquirindo um caráter mais cultural, inspirado pelos
estudos de Radcliffe-Brown.

Nesse período, conhece os Nuer, etnia residente ao sul do Sudão.

Garota Nuer com suas cicatrizes decorativas, característica desta etnia: https://bit.ly/3kgb2OD

Nos anos 1940, Evans-Pritchar escreve suas principais obras, Os Nuer e o African
Political System.

A importância das obras e sua relevância para a compreensão de sistemas políticos


para a apreensão do conceito de Estado-nação, a organização e o controle social são
indiscutíveis, justamente pelas observações realizadas em populações coloniais conside-
radas primitivas e menos complexas que as europeias (STEIL; TONIOL, 2014).

Com a notoriedade adquirida em seus trabalhos, foi convidado a lecionar nos Estados
Unidos nas Universidades de Chicago e Stanford. Voltou para a Inglaterra na década de
1970, aposentando-se e, em seguida, pelo reconhecimento de sua obra, condecorado
Sir Evans-Pritchard, em 1971. Faleceu em Oxford, em setembro de 1973.

Para a Antropologia, o grande trabalho de Evans-Pritchard foi sua contribuição para


as práticas e os métodos de observação e de pesquisas de campo.

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Como afirma Adam Kuper, seus textos monográficos devem ser compreendidos no
contexto de um esforço consciente para desenvolver uma abstração estrutural na análise
etnográfica (KUPER, 1978, p. 89, apud STEIL; TONIOL, 2014.).

Evans-Pritchard entende que o método etnográfico é composto por três fases. Em


primeiro lugar, o antropólogo procura compreender os principais aspectos culturais da
Sociedade observada e “traduzi-la para sua própria cultura”. Logo após essa compreen-
são, é importante decodificar as estruturas sociais e culturais.

Segundo Evans-Pritchard, essa estrutura não é palpável, é uma estrutura abstrata que
deriva da análise do comportamento dos membros da Sociedade pesquisada. Relacio-
nando essas estruturas abstratas entre si, podem-se conhecer as essências culturais que
formam essa sociedade; assim como propôs Malinowski (EVANS-PRITCHARD, 1962,
p. 23, apud: STEIL; TONIOL, 2014).

Em Síntese
O método etnográfico de Evans-Pritchard se resume a três fases:
1) Compreender os principais aspectos culturais da Sociedade, traduzindo esses aspectos
para a cultura do antropólogo;
2) Decodificar as estruturas sociais e culturais, sendo elas resultantes do comportamento­
dos membros da Sociedade analisada;
3) Comparar as estruturas sociais de diferentes Sociedades.

Ao final dessas reflexões, a terceira fase é a comparação “implícita ou explícita das


estruturas sociais de diferentes sociedades” (STEIL; TONIOL, 2014).

Além das contribuições para o método etnográfico, Evans-Pritchard avança na ques-


tão do entendimento do “outro”. Ele tem a preocupação de demonstrar que “primitivo”
não é um conceito aceito quando se trata de civilizações diferentes das europeias.

Em seus trabalhos, principalmente African Political System, Evans-Pritchard eviden-


cia a complexidade das Sociedades africanas e a dificuldade de traduzir diferentes formas
de lidar com a cultura e o social para o ponto de vista europeu (STEIL; TONIOL, 2014).

Assim como em Radcliffe-Brown, marca-se o início de combate a estereótipos e a


Preconceitos, responsáveis por abismos sociais e culturais entre as sociedades.

Uma dica cinematográfica é o filme Medicine Man, de 1992, dirigido por John Mac ­Tieman e
estrelado por Sean Connery. Apesar de antigo, o filme contempla uma boa abordagem da roti-
na e das circunstâncias envolvidas em um trabalho de campo. O pesquisador Robert Campbell
(interpretado por Connery) se isola em uma tribo indígena na Amazônia brasileira em busca da
cura para o câncer. A chegada de uma assistente (a bioquímica Rae Crane), expõe as dificulda-
des em sua ‘‘adaptação’’ aos hábitos e à cultura dos nativos, enquanto se veem às voltas com
suas próprias buscas científicas. Veja o trailer, disponível em: https://youtu.be/1kbjNmOxwIU

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
London School of Economics and Political Science
O sítio eletrônico da Biblioteca da London School of Economics and Political
Science disponibiliza as fotos tiradas pela Equipe de Malinowski durante sua
permanência nas Ilhas Trobrinad (em inglês. (COSTA, 2010, p. 223).
https://bit.ly/37s7rsL

Filmes
Lixo extraordinário
O documentário do renomado artista plástico Vik Muniz problematiza o que
fazemos com o nosso lixo, mostrando que o “lixo pode virar artigo de luxo”. Assista
e reflita nas questões que aborda no documentário levando em conta o combate aos
estereótipos de Radcliffe-Browm.
https://youtu.be/_pyR9qCd2F8

Leitura
Antropoliogia I
Para compreender melhor o método funcionalista de Malinowski, veja o blog.
https://bit.ly/37bPQVN
Os Nuer
Para entender melhor os nuer estudados por Evans-Pritchard, acompanhe o Artigo
de Rodrigo Petrônio e sua recente pesquisa da FAPESP. Lá você vai compreender
um pouco da Sociedade de grupo tão importante para os antropólogos.
https://bit.ly/37iSM30
“Os Nuer” ou “A responsabilidade da Antropologia”
Ainda sobre os Nuer, pesquise as perspectivas atuais da Antropologia no blog
de Felipe Angiolucci.
https://bit.ly/33lUa3y

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Referências
COSTA, C. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 4.ed. São Paulo: Moderna, 2010.

COSTILHA, M. L. Biografia de Marcel Mauss (1872-1950). Disponível em: <http://teoria-


santropologicas.com/2011/01/24/marcel-mauss-1872-1950/>. Acesso em: 02/01/2015.

ERIKSEN, T. H.; NIELSEN, F. S. História da Antropologia. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.

KUPER, A. Anthropology and anthropologists: the modern British School. 3. ed.


Oxfordshire: Routledge, 1996.

________. Cultura: a visão dos antropólogos. Bauru: Edusc, 2002.

LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. de A. Sociologia Geral. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2010.

LAPLANTINE, F. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2003.

MARCONI, M. A.; PRESOTTO, Z. M. N. Antropologia: uma introdução. São Paulo:


Atlas, 2014.

MERCIER, P. História da Antropologia. São Paulo: Moraes, s/d.

STEIL, C. A.; TONIOL, R. In: ROCHA, E.; FRID, M. (org.). Os antropólogos. Local:
PUC-Vozes, 2014.

TONIOL, R. EVAN EVANS-PRITCHARD (1902-1973). Texto em PDF disponível


em: <http://www.academia.edu/8199110/EDWARD_EVAN_EVANS-PRITCHARD_
UM_MESTRE_DA_ESCRITA_ETNOGR%C3%81FICA>. Acesso em: 10/01/2015.

Sites Visitados
Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico. Porto: Porto Editora, 2003-2015. Dispo-
nível em: <http://www.infopedia.pt/$observacao-participante>. Acesso em: 13/02/2015.

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