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UNIDADE 1

Introdução ao estudo
das políticas públicas
em educação
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir o campo de estudo das políticas públicas e educacionais


(internacional e nacional).
 Identificar os conceitos principais no estudo das políticas públicas
na área da educação.
 Analisar as políticas públicas educacionais configuradas no Estado
brasileiro em seu desdobramento histórico-social.

Introdução
Neste capítulo, você vai estudar alguns aspectos do campo das políticas
públicas (do Brasil e de outras partes do mundo). Também vai conhecer
conceitos importantes relacionados às políticas públicas na educação. A
ideia é que você entenda os papéis que o Estado brasileiro deve assumir
no planejamento, na implementação e na avaliação das políticas públicas
que afetam a vida de alunos e professores em todo o País. Além disso,
você vai conhecer dados significativos de 470 anos de políticas públicas
educacionais brasileiras, desde a chegada dos portugueses.
Como você vai ver, os desafios desse setor são muitos. Os conheci-
mentos que você vai adquirir neste capítulo o ajudarão na sua formação
e na de futuros educadores, gestores e demais profissionais do campo
da educação.
14 Introdução ao estudo das políticas públicas em educação

O campo das políticas públicas e educacionais


Qual você acha que deve ser o comportamento da sociedade contemporânea
com relação às políticas públicas educacionais? É importante uma postura mais
preocupada e participante? A sociedade deve se interessar em acompanhar as
ações governamentais? Educadores e pais deveriam exigir melhorias na gestão
pública? Ou você pensa que a única tarefa do cidadão é o voto, geralmente
acompanhado da surpresa com resultados condenáveis e com o uso inadequado
do dinheiro público destinado às políticas de educação?
Essas e outras perguntas mostram que as políticas públicas em educação
afetam a vida escolar dos sujeitos e a realidade dos profissionais que trabalham
nesse setor. Isso deveria condicionar atenção maior, vigilância mais profunda
e envio de proposições para novas políticas públicas. Além disso, deveria
incentivar o acompanhamento das formulações, execuções/implementações
e avaliações das políticas públicas da educação brasileira.
A expressão “políticas públicas” é extremamente difícil de se conceituar.
Na busca de definições, a certeza é que as políticas sociais precisam ser vistas
em suas particularidades. Porém, é possível afirmar que elas são aquele “[...]
conjunto de expectativas dirigidas ao poder público a partir de conceitos, sen-
tidos, ideologias e entendimentos distintos, mas nem sempre não explicitados
[...]” (CHRISPINO; DUSI, 2008, p. 9).
Na tentativa de conceituar o campo das políticas públicas educacionais, é
interessante você lembrar-se da influência do Estado sobre a vida escolar dos
sujeitos. Tal influência move gerenciamentos essenciais aos que trabalham
com educação, nos mais diferentes âmbitos. Assim, é possível aceitar que o
assunto implica pensar, sob a perspectiva da educação, nos “[...] programas de
ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e
as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes
e politicamente determinados [...]” (BUCCI, 2002, p. 241).
Portanto, é fundamental que as escolas e seus atores estejam muito atentos
para que tais objetivos originem uma realidade escolar enriquecedora, justa
com a maioria da população empobrecida brasileira. Nesse sentido, é preciso
pensar em termos da diversidade cultural, étnica, regional e social. Também
é necessário considerar que os objetivos levem a ações reais e esperadas.
A ideia é que a escola seja suficientemente potente para alcançar a meta de
formação consistente dos alunos pelo vasto território nacional. As políticas
públicas educacionais precisam ser focadas na realidade brasileira e devem
ser definidas de acordo com os grupos sociais a que se destinam, bem como
Introdução ao estudo das políticas públicas em educação 15

ao tipo de relação que têm com as demais políticas públicas. Esse tipo de
política está condicionado

[...] à política econômica básica, podendo ser congruente, se reflete as priorida-


des de ação de um determinado governo, complementar, se fornece elementos
reforçadores dos objetivos e metas de determinado governo, e compensatório
ou reparador, se atua sobre os danos ou consequências nefastas das políticas
básicas com o objetivo de atenuá-los, sem, portanto, apresentar um alto grau
de efetividade social (ROCHA; CAVALCANTI, 2016, p. 29).

Saviani (2008) sinaliza que a política educacional trata das decisões que o
poder público, o Estado brasileiro, costuma tomar em relação à educação. Ela
diz respeito às perspectivas e aos limites da política educacional brasileira. O
autor assegura o seguinte:

No que se refere aos limites da política educacional brasileira, haveria muitos


aspectos a considerar. Penso, porém, que as várias limitações são, em última
instância, tributárias de duas características estruturais que atravessam a ação
do Estado brasileiro no campo da educação desde as origens até os dias atuais.
Refiro-me à histórica resistência que as elites dirigentes opõem à manutenção
da educação pública; e à descontinuidade, também histórica, das medidas
educacionais acionadas pelo Estado. A primeira limitação materializa-se na
tradicional escassez dos recursos financeiros destinados à educação; a segunda
corporifica-se na sequência interminável de reformas, cada qual recomeçando
da estaca zero e prometendo a solução definitiva dos problemas que se vão
perpetuando indefinidamente (SAVIANI, 2008, p. 1).

Assim, na formulação de políticas públicas educacionais, é muito importante


ouvir o maior número possível de sujeitos diretamente relacionados com as
políticas que serão oferecidas. Ao pensar no campo de estudo das políticas
públicas e educacionais, é salutar considerar e respeitar “[...] as diferenciações
de sociedades, de contextos sociais e de distintos elementos econômicos, polí-
ticos, culturais, tradições políticas e associativas [...]” (NOMA, 2011, p. 108).
E como seria a realidade americana? Popkewitz (2008) declara que, no
cenário educacional dos Estados Unidos, a reforma combina padrões da ad-
ministração social com padrões de liberdade:

Tais padrões são ordenados sobre a base de discursos de ciência e de políticas


públicas que interiorizam a racionalização populacional e as noções liberais
de responsabilidade individual e autonomia. O lugar da luta na administra-
ção social continua sendo a alma. Atualmente, nos Estados Unidos, fala-se
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de liberdade por meio de formas retóricas particulares que falam de “voz”,


emancipação, capacitação e “conhecimento do professor” e participação
da comunidade. Todavia, a liberdade implica um amálgama diferente de
instituições, ideais e tecnologias em relação às do passado no que se refere
aos padrões de administração e de liberdade (POPKEWITZ, 2008, p. 155).

Parente (2018) apresenta a questão das políticas públicas educacionais e


destaca o modo como elas se apresentam hoje e suas consequências nas escolas
e nas vidas dos professores. Ele argumenta que a reforma educacional, que
ocorre por meio de políticas de ordem estrutural, se legitima com base em
medidas relacionadas a três elementos inter-relacionados e interdependentes:
o mercado, a capacidade de gestão e a performatividade. Essas tecnologias
políticas são muito atrativas e ganham destaque no contexto de reformulação
educacional. Nesse sentido, elas substituem o profissionalismo e a burocracia.
A realidade nacional e internacional pode demonstrar que os educadores e
o contexto sociocultural dos alunos precisam ser respeitados. Parente (2018)
analisa o cenário na Espanha e na América Latina. Na Espanha, a causa do
fracasso da reforma da educação foi o fato de não se levar em consideração
o conjunto de tradições e regularidades historicamente construídas. Já nos
países da América Latina, o cenário parece mais favorável do que nas décadas
anteriores. Entretanto, os objetivos e as diretrizes consideradas nas reformas
educacionais latino-americanas ainda estão longe de serem alcançados. Isso
ocorre principalmente porque as reformas não dependem apenas de aspectos
relacionados à educação. Estão em jogo problemas que têm mais a ver com
as condições gerais em que se dão tais processos.
Ainda de acordo com Parente (2018), os autores que discutem esse as-
sunto concordam ao estabelecer uma relação entre a reforma da educação
brasileira, por meio do desencadeamento de políticas públicas educacionais
implementadas após a década de 1990, e a precarização das condições de
trabalho docente ao longo desse mesmo período nas escolas públicas brasi-
leiras. Assim, nas reformas educacionais, há tendência à regulação por meio
de medidas como a centralidade da administração escolar, a vinculação aos
financiamentos por quantidade de alunos, a criação do Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério
(FUNDEF) e a ampliação de exames nacionais de avaliação.
Como você viu, as políticas públicas em educação afetam profundamente
os cenários educacionais e a vida de seus atores, sejam os educandos e suas
famílias ou os educadores e demais profissionais que atuam na educação.
O entendimento do campo de estudo das políticas públicas na educação é
importante para se lidar com as realidades, que são passíveis de mudança. A
Introdução ao estudo das políticas públicas em educação 17

ideia é superar atrasos históricos que impedem transformações maiores no


cotidiano das escolas e na atuação dos profissionais da educação.

Os principais conceitos das políticas públicas


educacionais
Os principais conceitos para o estudo das políticas públicas educacionais
envolvem o enfrentamento de uma palavra desgastada no cotidiano. Essa
palavra afasta alguns ao ser enunciada, mas também aproxima outros. No
contexto aqui estudado, ela tem um significado determinado: “A palavra po-
lítica, em seu sentido específico, pode representar a administração do Estado
pelas autoridades e especialistas governamentais, as ações da coletividade em
relação a tal governo [...]” (PADILHA, 2005, p. 20, grifo nosso).
Padilha (2005, p. 20-21) também lembra que Paulo Freire insistia

[...] na necessidade de não dissociarmos política de educação, para evitar, por


exemplo, que nossas crianças, jovens e adultos possam ser vitimadas por um
processo educativo que acentue o preconceito, a violência, a intolerância, a
ingenuidade, o individualismo, a não participação nos processos decisórios
e até mesmo a desinformação e, enfim, aceitem uma sociedade desigual. Por
isso, ele propõe uma educação política.

Considerando as preocupações freirianas, você já pode identificar termos


relacionados com a luta de classes, as contradições econômicas e sociais e as
desigualdades de oportunidades educacionais entre os menos e mais favorecidos
dos brasileiros. Há ainda as formas contraditórias como que pobres e ricos
ocupam lugares nas relações sociais de produção. Freire defende que a política
pode libertar os menos favorecidos, e é necessário admitir que, quando se está
inserido em uma realidade que faz a todos seres políticos, esse entedimento
é salutar. Afinal, a educação é um ato político.
Ainda com relação ao termo “política”, você deve considerar que a confusão
entre diferentes percepções sobre o que é política é característica de países
de língua portuguesa. Nesse idioma, existe somente um substantivo que
responde ao adjetivo “político”, ou seja, “política”. Isso acontece também no
francês, no alemão e no sueco. Por outro lado, na língua inglesa existem três
substantivos diferentes que separam a política em três dimensões. Essa divisão
auxilia na compreensão dessa área tão complexa. É por isso que os termos em
inglês passaram a ser utilizados por quem estuda política ou políticas públicas
(GONÇALVES, 2017). Você pode ver os três termos a seguir.
18 Introdução ao estudo das políticas públicas em educação

 Polity: é a dimensão institucional do sistema político.


 Politics: é a dimensão dos processos políticos.
 Policy (ou, no plural, policies): é a dimensão dos conteúdos da política.
Aydos (2017) considera que as políticas públicas estão nesse âmbito.

Na tentativa de conceituar as políticas públicas, é interessante não afastar


políticas educacionais de políticas sociais. Freitag (1987, p. 9) lembra que “[...]
a política educacional não é senão um caso particular das políticas sociais [...]”.
Assim, é preciso compreender que, na área da educação brasileira,

[...] as políticas públicas em educação e o movimento contemporâneo de in-


clusão escolar no Brasil pressupõem que a educação é um direito de todos os
indivíduos, com ou sem deficiência, contribuindo para a possibilidade de escolas
democráticas e uma sociedade justa e humana [...] (TEIXEIRA, 2017, p. 73).

Não se pode pensar nas políticas públicas educacionais como um campo


alheio ao estudo da política. A vida, em todas as suas dimensões, é um ato
político. Até mesmo sem querer, os sujeitos são seres políticos, mesmo que afir-
mando a despolitização. Os cidadãos elegem políticos guiados pela perspectiva
de que suas futuras atitudes, enquanto eleitos, sejam planejar e implementar
boas ações públicas em diversos setores, incluindo a educação. Os sujeitos
delegam um lugar na condução das cidades e do país para terem melhores dias.
Assim, “A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os
governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitoreiras
em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo
real” (SOUZA, 2006, p. 26).
O que ganharia um grande e diversificado país como o Brasil ao planejar,
implementar, avaliar e tornar cada vez mais eficientes as suas políticas públicas
educacionais? De acordo com Santomé (2013, p. 107):

Os benefícios de ter cidadãos com um bom nível educativo, além dos efeitos
positivos para cada pessoa considerada individualmente, geram vantagens para
toda a coletividade; benefícios sociais como uma melhor integração social,
comportamentos cívicos mais responsáveis e solidários, um clima social de
maior satisfação e bem-estar, um ambiente social e cultural muito mais atrativo
e estimulante, etc. (GIMENO, 2005). Além disso, bons cidadãos também pro-
movem o progresso científico e social de toda a comunidade, dado que todos
os campos do conhecimento se beneficiarão com cidadãos cultos que se sentem
capacitados e estimulados para desfrutar de novos saberes e especializações,
bem como se aprofundar neles; promove-se uma abertura mental que incita
cada pessoa a seguir aprendendo ao longo de toda sua vida. Obviamente, isto
Introdução ao estudo das políticas públicas em educação 19

também é motor de benefícios econômicos; mas é um erro contemplar a educa-


ção exclusivamente sob ópticas mercantilistas, ou seja, como capital cultural.

Os conceitos principais no estudo das políticas públicas na área da educação


colaboram na compreensão da natureza política da educação, no entendimento das
tarefas que o Estado deve assumir, desprendendo daí as mobilizações necessárias
e as lutas dos cidadãos e dos profissionais da educação. Não se pode esquecer
que é dentro da dimensão dos conteúdos da política que são geridas as políticas
públicas em geral. Assim, as políticas públicas educacionais podem ser repensadas,
levando ao surgimento de outras, mais inovadoras. É preciso considerar as fases
de elaborações, implementações e avaliações de políticas públicas educacionais
para que o futuro sonhado pelos cidadãos fique mais próximo.

Para aprender mais sobre a relação entre o Estado e as políticas públicas, leia o artigo
disponível no link a seguir.

https://goo.gl/Qy1Mhx

As políticas públicas educacionais brasileiras


em seu desdobramento histórico-social
Tratando da história da educação brasileira, com foco na educação pública e
nas políticas educacionais, Saviani (2008) aponta a gigantesca resistência para
a oferta e a manutenção da educação pública no Brasil. Isso indica intensas e
persistentes lutas para o povo brasileiro ter acesso à educação.
Tal realidade pode ser apreendida a partir da análise de algumas famílias
brasileiras. Que tal fazer o exercício de perguntar aos mais velhos sobre quantas
gerações anteriores de suas famílias passaram pela escola? Muitas? Poucas? É
possível identificar o que impediu famílias menos favorecidas de terem acesso
à escola nas gerações anteriores ou o que as levou a terem experiências educa-
cionais incipientes?
As respostas a essas perguntas envolvem as políticas públicas educacionais, que
deveriam ter sido pensadas e transformadas em ações pelo governo para garantir
e colocar em prática todos os direitos previstos na Constituição e em outras leis.
Como você sabe, a Constituição Federal de 1988 é conhecida como Constituição
20 Introdução ao estudo das políticas públicas em educação

Cidadã. Refletir a respeito dela certamente levaria as pessoas a repensarem os


seus votos. Os cidadãos devem sempre indagar se o plano de governo daqueles
candidatos que escolhem para os representar no Legislativo e no Executivo sustenta
políticas públicas educacionais realmente preocupadas com a realidade do ensino.
Saviani (2008) aponta que os regimentos de D. João III (uma reunião
de regras estabelecidas para regulamentar o funcionamento educacional),
datados de 1548, serviram para orientar ações iniciais do governador-geral do
Brasil Tomé de Souza e dos padres e irmãos jesuítas, agrupados pelo célebre
padre Manuel da Nóbrega. Os jesuítas iniciaram sua obra educativa focada
na catequese e seguiram a risco os citados regimentos, já que estavam sendo
orientados por um mandato do rei de Portugal. Da coroa portuguesa era espe-
rado que mantivesse o ensino. Saviani (2008, p. 1) conta que o rei português:

[...] enviava verbas para a manutenção e a vestimenta dos jesuítas; não para
construções. Então, como relata o padre Manuel da Nóbrega em carta de
agosto de 1552, eles aplicavam os recursos no colégio da Bahia “e nós no
vestido remediamo-nos com o que ainda do reino trouxemos, porque a mim
ainda me serve a roupa com que embarquei... e no comer vivemos por esmolas.

Saviani (2008) também afirma que a história registra que, mal chegaram
os portugueses, os recursos já eram escassos. Diz-se que os religiosos não
engordavam fácil no Brasil. Em 1564, o rei de Portugal adotou um plano
chamado de “redízima” e determinou que os impostos arrecadados da colônia
brasileira fossem destinados à manutenção dos colégios jesuíticos. “A partir
daí, iniciou-se uma fase de relativa prosperidade, dadas as condições materiais
que se tornaram bem mais favoráveis [...]” (SAVIANI, 2008, p. 2).
Eram os primórdios das políticas públicas educacionais brasileiras? É bem
verdade que a educação era financiada com os recursos públicos nessa espécie
de escola pública religiosa. Saviani (2008, p. 3) reflete que, se:

[...] o ensino então ministrado pelos jesuítas podia ser considerado como
público por ser mantido com recursos públicos e pelo seu caráter de ensino
coletivo, ele não preenchia os demais critérios, já que as condições tanto ma-
teriais como pedagógicas, isto é, os prédios assim como sua infraestrutura, os
agentes, as diretrizes pedagógicas, os componentes curriculares, as normas
disciplinares e os mecanismos de avaliação, encontravam-se sob controle
da ordem dos jesuítas, portanto sob domínio privado. O resultado foi que,
quando se deu a expulsão dos jesuítas em 1759, a soma dos alunos de todas
as instituições jesuíticas não atingia 0,1% da população brasileira, pois delas
estavam excluídas as mulheres (50% da população), os escravos (40%), os
negros livres, os pardos, filhos ilegítimos e crianças abandonadas.
Introdução ao estudo das políticas públicas em educação 21

Os tempos de Marquês de Pombal, entre 1759 e 1827, trouxeram as primeiras


tentativas de se criar uma novidade, a escola pública estatal. Saviani (2008,
p. 3) comenta que:

Pelo Alvará de 28 de junho de 1759, determinou-se o fechamento dos colégios


jesuítas, introduzindo-se as “aulas régias” a serem mantidas pela Coroa, para
o que foi instituído, em 1772, o “subsídio literário”. As reformas pombalinas
contrapõem-se ao predomínio das ideias religiosas e, com base nas ideias
laicas inspiradas no Iluminismo, instituem o privilégio do Estado em matéria
de instrução, surgindo, assim, a nossa versão da “educação pública estatal”. A
partir dessa proposta, foi baixada a “Carta de Lei”, de 10 de novembro de 1772.

É interessante notar que nas classes de latim de tais aulas régias, respon-
sáveis pela oferta de ensino secundário, cabia ao Estado realizar o pagamento
do salário do professor. O Estado também era responsável por estabelecer as
diretrizes curriculares da matéria a ser ensinada. O professor, por sua vez,
provia o local de ensino, geralmente sua própria casa, e a infraestrutura ne-
cessária. Ele também se encarregava dos materiais pedagógicos. Essa situação
era agravada pela insuficiência de recursos. Afinal, a Colônia não possuía uma
estrutura arrecadadora suficiente para obter “subsídio literário” necessário
para o financiamento das aulas régias (SAVIANI, 2008).
Após a independência do Brasil e a instalação do Primeiro Império,
governado por D. Pedro I, surgiu em 1827 a lei das escolas de primeiras
letras. Então, difundiu-se a promessa de que nas cidades e vilas mais popu-
losas haveria escolas de primeiras letras. Não aconteceu. Foi uma daquelas
leis brasileiras que não surtiram efeito. O que se seguiu foi a promulgação,
em 1884, de um ato adicional à Constituição do Império que determinou
que o ensino primário fosse destinado à jurisdição das províncias. Assim,
lamentavelmente, o Estado ficou livre de obrigações com esse nível de
ensino. Levando-se em conta “[...] que as províncias não estavam equipadas
nem financeira e nem tecnicamente para promover a difusão do ensino, o
resultado foi que atravessamos o século XIX sem que a educação pública
fosse incrementada [...]” (SAVIANI, 2008, p. 3).
Fica sempre uma sensação, vasculhando a história, de que os direitos
foram negligenciados. Até hoje, basta visitar escolas pelos bairros afastados
das grandes cidades ou pequenas cidades no interior do País para perceber que
ainda impera alguma negligência. Saviani (2008) comenta que foram 49 anos,
de 1840 a 1888, com gastos com a educação beirando 1,80% do orçamento
do governo imperial, destinando-se, para a instrução primária e secundária,
a média de 0,47%. “O ano de menor investimento foi o de 1844, com 1,23%
22 Introdução ao estudo das políticas públicas em educação

para o conjunto da educação e 0,11% para a instrução primária; e o ano de


maior investimento foi o de 1888, com 2,55% para a educação e 0,73% para a
instrução primária e secundária [...]” (SAVIANI, 2008, p. 4).
Ao longo da Primeira República, a estagnação imperial foi mantida. O
número de analfabetos foi conservado. Esse cenário não se difere daquele
descrito na constituição do Regime Militar, de 1967 (e da emenda de 1969),
em que se reafirmam exclusões, que são vinculadas à situação orçamentá-
ria. O orçamento da União para a educação foi reduzido de 9,6% em 1965
para 4,31% em 1975. Foi uma queda brusca ao que já oferecia precariedade.
Salto gigantesco em relação aos tempos republicanos foi a atual Constituição,
promulgada em 1988. Ela fixa em 18% para a União e 25% para estados e
municípios os percentuais mínimos de investimento relacionados às receitas
resultantes de impostos (SAVIANI, 2008).

Para aprender mais sobre a política educacional brasileira, leia o artigo “Política Edu-
cacional Brasileira: limites e perspectivas”, disponível no link a seguir.

https://goo.gl/YsU3mL

Em um documento histórico, apresentado no seminário Políticas Públicas


de Educação, realizado em 1991 no Instituto de Estudos Avançados da USP,
Mello sintetizou as ideias do período de redemocratização brasileira. Era um
momento em que a educação era vista como uma política pública. Acreditava-se
que seria propício vê-la no conjunto das ordenações e intervenções do Estado
e olhar com atenção especial para a educação básica, aprofundando o olhar
para o ensino fundamental.
O documento trata da educação e da cidadania enquanto itens para uma
agenda pós-ditadura militar. A educação era encarada como componente
estruturante para o desenvolvimento. Nesse contexto, países como o Brasil,
integrantes do chamado Terceiro Mundo, precisariam adequar suas estratégias
de desenvolvimento às seguintes situações conjunturais:

[...] políticas de ajuste econômico de curto prazo que dificultam consensos em


torno de objetivos de longo alcance, como são os da educação; instabilidade
e fragilidade da experiência democrática, em função de longos períodos de
Introdução ao estudo das políticas públicas em educação 23

governos autoritários, que prejudicam a articulação entre as instituições


políticas e os atores sociais; crescimento desigual, que faz conviver setores
avançados tecnicamente com outros de mão de obra intensiva e ainda neces-
sários à integração de grandes contingentes marginalizados da produção e
do consumo; grandes desigualdades na distribuição de renda, e ineficiência
e desigualdade na oferta de serviços educacionais [...] (MELLO, 1991, p. 4).

Noma (2011) comenta que muitos países da América Latina, na década


de 1980, enfrentavam intensas crises econômicas, retrações nas produções
industriais e desaceleração econômica. Nesse período, os efeitos das ditadu-
ras latino-americanas começavam a cessar e as eleições diretas voltavam a
acontecer em países como o Brasil. Veja:

O período de vigência do PPE, final do século XX, foi marcado por transfor-
mações intensas que decorreram da resposta do capitalismo mundial às crises
de rentabilidade e de valorização que se tornaram mais evidentes a partir da
década de 1970. A superação da crise mundial ocorreu com uma nova configu-
ração e uma nova dinâmica da produção e da acumulação do capital. Houve um
processo de reorganização do capital e do correspondente sistema ideológico
e político de dominação cujos contornos mais evidentes foram o advento do
neoliberalismo e de suas políticas econômicas e sociais (NOMA, 2011, p. 109).

O século XXI começa na América Latina com o aparecimento de governos


oriundos das lutas sociais em embate contra o neoliberalismo. Foram os anos de
governos democrático-populares, progressistas, pós ou neoliberais. Apontaram,
nesse momento, experiências distintas, mas semelhantes na preocupação com
a ampliação de direitos e a melhora da qualidade de vida dos setores populares
mais empobrecidos da América Latina. Tais políticas sociais e educacionais
foram frutos de muitos investimentos nos anos 2000.
Esses investimentos, na América Latina, trouxeram ampliação do direito
à educação, dívida histórica do Estado brasileiro. É desse momento (2008) a
declaração final do Congresso Regional de Educação Superior, em Cartagena,
reconhecendo que a educação superior é um bem público social, direito humano
e universal e um dever do Estado. Alguns países ampliaram os anos de obri-
gatoriedade, criaram mais escolas e universidades públicas e incluíram setores
populares historicamente excluídos. Um caso particular brasileiro são as cotas para
afro-brasileiros e indígenas no ensino superior, via Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem), e os financiamentos, via Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
O PPE (Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe)
foi proposto para acontecer entre os anos 1980 e 2000. Após longo período de
estabilidade econômica mundial (do pós-Segunda Guerra Mundial, em 1945, até
24 Introdução ao estudo das políticas públicas em educação

a década de 1970), surge intensa crise política e econômica. Simultaneamente,


o Brasil estava saindo daquilo que os governos militares chamavam de “fase
de ouro do modelo desenvolvimentista brasileiro”, que durou de 1968 a 1973.
Esse período foi marcado pela elevação na taxa de crescimento econômico sob
a batuta do regime militar. Ao mesmo tempo em que o período foi considerado
o auge do milagre econômico brasileiro, as contradições desse crescimento
econômico tornaram-se mais evidentes.

Como você pôde notar, a história das políticas públicas educacionais brasileiras é repleta
de vácuos, mas no período pós-redemocratização, movimentado pela Constituição
Cidadã de 1988, houve avanços em muitos pontos. Trinta anos depois dos resultados
da mobilização nacional por uma constituição com direitos sólidos, como você sabe,
ainda há muito caminho a ser percorrido.

1. As políticas públicas educacionais 2. Paulo Freire é citado por insistir:


devem estar focadas na a) na necessidade de não associar
realidade brasileira e: a política com a educação.
a) devem ser impostas, sem b) em acreditar que a educação
discussões, por governos jamais vitimaria educandos
eleitos democraticamente com o preconceito.
pelo povo brasileiro. c) no fato de que a educação
b) devem ser definidas de nunca fará das crianças vítimas
acordo com os grupos da violência e da intolerância.
sociais a que se destinam. d) no fato de que a educação
c) não devem ser definidas de é indissociável da política.
acordo com a relação que e) em achar que as crianças
estabelecem para com as deveriam aceitar e se
demais políticas públicas. conformar com a realidade de
d) os governos devem ouvir uma sociedade desigual.
somente especialistas renomados 3. Sobre os fatos históricos e sociais
da área de educação. no decorrer da história das políticas
e) os governos devem ouvir públicas de educação no Brasil,
somente os pais das crianças assinale a alternativa correta.
pequenas de educação infantil.
Introdução ao estudo das políticas públicas em educação 25

a) Em 1759, não aconteceu o c) Polity não é a dimensão


fechamento dos colégios institucional do sistema político.
jesuítas e a introdução das aulas d) Politics não é a dimensão
régias mantidas pela Coroa. dos processos políticos.
b) Em 1776, foi instituído o subsídio e) Policy (ou no plural policies) é
literário, para manter as escolas. a dimensão dos conteúdos da
c) Em 1827, foi criada a lei das política. As políticas públicas
escolas de primeiras letras, estão no âmbito da policy.
com a promessa de que 5. Sobre as relações entre as políticas
haveria muitas escolas de públicas educacionais e a política,
primeiras letras no Brasil. assinale a alternativa correta.
d) 1884 é a data do ato adicional à a) As políticas públicas
Constituição da República que educacionais são campo
determina que o ensino primário alheio ao estudo da política.
é jurisdição das províncias. b) A vida, em todas as suas
e) Não houve redução do dimensões, é um ato político.
orçamento da União para a c) Diante do descaso dos políticos
educação de 9,6%, em 1965, atuais, deixamos de ser políticos.
para 4,31%, em 1975. d) Os políticos brasileiros não
4. Sobre as palavras “política” e “político” são capazes de boas ações
na língua portuguesa e na língua públicas na educação.
inglesa, assinale a alternativa correta. e) Devemos delegar um lugar na
a) Na língua portuguesa não existe condução das nossas cidades
apenas um substantivo que e do país aos políticos para não
corresponda ao adjetivo “político”. participar de elaborações de tais
b) Na língua inglesa não existem políticas públicas de educação.
três substantivos diferentes
para o termo “política”.

GONÇALVES, G. C et al. Elaboração e implementação de políticas públicas. Elaboração


e implementação de políticas públicas. Porto Alegre: SAGAH, 2017.
BUCCI, M. P. D. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002.
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