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Abstract: This article seeks to reveal the political scenario around the discussion,
elaboration, and approval of the Common National Base (BNCC) in the context
of public policies in Brazil, questioning the notion of curricula observed in the
official version of the document and their possible implications in teaching.
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Mestranda em Educação (PPGE/UFRJ). Integrante do Grupo de Pesquisa Conversas entre professores: alteridades e
singularidades (ConPAS). Professora de Inglês da Educação Básica da Rede Particular de Ensino. Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8724534394146895 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3444-0317 E-mail:
marciaomfreis@gmail.com
Introdução
Podemos dizer que as políticas públicas, de forma geral, são o meio pelo
qual o governo expressa seus propósitos para a sociedade através de ações ou
programas governamentais e que tais ações se dão dentro de um contexto de
disputas, de conflitos de interesses que mobilizam a sociedade e formam, a partir
daí, grupos sociais que cobram e pressionam o governo para que implementem
ações e programas que ajam a favor desses grupos. Em outras palavras,
podemos dizer que cabe ao governo criar e implementar tais ações e à
sociedade civil pressionar o governo para que tais ações estejam a serviço dela.
Há três tipos de políticas públicas, a saber: as redistributivas, que
buscamredistribuir renda na forma de recursos e/ou financiamento de
equipamentos e serviços públicos (bolsa-universitária, isenção de IPTU); as
distributivas, que visam ofertas serviços e equipamentos de forma pontual e/ou
de acordo com as demandas da sociedade ou de grupos sociais (podas de
árvore, consertos de creches); e as regulatórias, que irão determinar se uma
política pública será ou não implementada (c.f. OLIVEIRA, 2010) .
As políticas públicas educacionais dizem respeito às políticas públicas no
contexto educacional e, mais precisamente a BNCC, ao que diz respeito a
educação escolar.
A política pública educacional enquanto programa de ação social é um
acontecimento que se produz no macro contexto da política e, portanto, no
contexto das relações sociais que plasmam as assimetrias, a exclusão e as
desigualdades que se configuram na sociedade (AZEVEDO,2004: viii), ou seja,
não são neutras. Elas estão carregadas de valores, crenças e ideologias.
A partir das discussões, disputas e tensões que surgem na sociedade a
respeito da educação escolar, o governo, através das políticas públicas
educacionais, busca implementar ações e programas que abrangem diferentes
aspectos da educação como, por exemplo, a valorização e a formação de
professores, a construção de escolas, creches e universidades, a gestão escolar
e o currículo.
Neste estudo, lanço um olhar mais atento à Base Nacional Comum
Curricular enquanto uma política pública educacional curricular regulatória,
refletindo sobre que concepções carrega acerca de currículo e de que forma
impacta para o trabalho docente.
Defendo que o currículo é o núcleo e o espaço central mais estruturante
da função da escola, como nos diz Arroyo (2013:13), e, por essa mesma razão,
talvez seja o espaço mais normatizado, mais politizado e mais ressignificado na
contemporaneidade.
Quando falamos em currículo, estamos pensando não só nas grades
curriculares, que buscam determinar que conhecimentos entram nas salas de
aula e, consequentemente, quais não entram. Ainda, quais disciplinas fazem ou
não parte dos currículos, qual a carga horária de cada uma, determinando assim
a “importância” de cada uma. mas também em todos os outros aspectos que
estão atrelados às políticas de currículo como, por exemplo, as avaliações, que
acabam também determinando os currículos e a formação docente.
Como vimos anteriormente, as políticas públicas são pensadas e postas
em prática como consequência das questões de seu tempo e, sendo assim,
trazem em si as marcas de sua historicidade. Portanto, para entendermos o que
carregam das lutas postas, precisamos olhar para o momento histórico na qual
elas foram produzidas.
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Como sinalizado por Andrade e Gawryszewski (2018), os debates sobre uma base comum se inicia nos anos 80, mas
somente em 2015, com a divulgação da sua primeira versão, ele se intensifica.
Oportuno observar também que se falava em base nacional comum e não
base nacional comum curricular, o que sinalizava a valorização dos percursos
formativos dentro de cada contexto sócio-político-educacional, transcendendo a
ideia de currículo único, modelar e padronizado, currículo mínimo, currículo
homogêneo, etapas estanques compreendidas como grades curriculares,
matérias, conteúdos mínimos (apud AGUIAR & TUTTMAN, 2020:79).
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2.1) O Ministério da Educação, em articulação e colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
deverá, até o final do 2o ano de vigência deste PNE, elaborar e encaminhar ao Conselho Nacional de Educação,
precedida de consulta pública nacional, proposta de direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para os(as)
alunos(as) do ensino fundamental; 2.2) Pactuar entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, no âmbito da
instância permanente de que trata o § 5o do art.o 7o desta Lei, a implantação dos direitos e objetivos de aprendizagem
e desenvolvimento que configurarão a base nacional comum curricular do ensino fundamental. (BRASIL, 2014).
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MPB é composta por empresários e instituições como Fundação Leman, Fundação Roberto Marinho, Instituto Ayrton
Senna, Instituto Natura, Todos pela Educação, Itaú, por exemplo.
debates sobre currículo e sua construção que envolveu a participação de
escolas, sistemas de ensino, pesquisadores e especialistas do campo do
currículo, que refletiam a diversidade de concepções e projetos curriculares no
país e que tratavam de temas relevantes para o campo da educação:
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Apoiado pela Fundação Lemann, o MPB tem papel fundamental no processo, interferindo nas políticas públicas de
currículo (c.f TISATTO & BENTO, 2021).
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Segundo AVELAR (2019), o Brasil é um mercado de grande interesse do setor privado com fins lucrativos, que percebe
o potencial lucrativo da educação nos chamados edubusiness ou edunegócios, colocando as questões pedagógicas,
éticas e sociais em segundo plano (AVELAR, 2013:75) e as organizações sem fins lucrativos, que buscam instaurar uma
nova filantropia; i.e, visam promover grandes impactos e mudanças sistêmicas na educação, uma gestão eficiente e um
ensino padronizado e passível de avaliação em larga escala (AVELAR, 2013:75). Empresas e organizações do setor
privado acabam por desequilibrar a balança na hora das decisões, pois possuem muito dinheiro6 para pressionar os
representantes dos governos a atuarem a favor de suas agendas comerciais, o que evidencia a não neutralidade nas
propostas de políticas públicas curriculares.
nada tem a ver com a ideia de currículo homogeneizante, único e padronizado
(c.f. AGUIAR & TUTTMAN, 2020).
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sua gestão foram implementadas medidas de políticas que desagradaram vários
grupos sociais, especialmente as elites brasileiras, ressaltando a aprovação do
PNE 2014-2024 que estabelece o percentual de 10% do PIB a ser destinado à
educação.
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A BNCC do EM é homologada em 14 de dezembro de 2018, mesmo sofrendo críticas contundentes das associações
científicas e dos protestos de profissionais da educação e estudantes, encerrando, assim, um momento de grande disputa
de projeto de sociedade, de educação e de formação humana (AGUIAR & TUTTMAN, 2020:87).
na construção da BNCC - as corporações e as fundações privadas (TARLAU &
MOELLER, 2020:555).
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Para Tarlau & Moeller (2020:593), a Fundação Lemann, principal financiadora da BNCC, através de um processo
chamado de consenso por filantropia, usou de recursos econômicos, da produção de conhecimento, do poder da mídia
e das redes formais e informais, para transformar a qualidade e a equidade da educação em problemas com soluções
técnicas, assim obtendo amplo apoio para essa iniciativa política.
centra em desenvolvimento de competências e habilidades10 voltadas para o
mercado de trabalho, em avaliação de resultados, numa busca por eficiência,
por um trabalho “técnico”, deixando de considerar as vivências dos educandos,
as relações que se estabelecem na sala de aula e os currículos que emergem
dessas relações.
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Em nota, a ANPED afirma que é preocupante também a retomada de um modelo curricular pautado em competências.
Esta “volta” das competências ignora todo o movimento das Diretrizes Curriculares Nacionais construídas nos últimos
anos e a crítica às formas esquemáticas e não processuais de compreender os currículos.
provas, testes padronizados produzidos local e globalmente, o que restringe o
trabalho docente e despreza os percursos de aprendizagem dos estudantes,
além de subjugar o processo educativo à mecanismos de controle de qualidade
da escola que visam a subordinação do sistema educativo ao mercado, fazendo
apelo à eficiência, à eficácia, à excelência e à qualidade (REIS & CAMPOS,
2019: 27).
Consideraçoes finais
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A capacitação dos docentes é o primeiro passo para a melhoria dos índices de educação no país. Pensando nisso, o
Ministério da Educação (MEC) publicou resolução que institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de
Professores da Educação Básica (BNC-Formação) e define diretrizes para a política (REIS & GONÇALVES, 2020: 165).
Nessas escolas reconhecemos que o currículo não é uma lista de
conteúdos a serem aplicados, mas criações cotidianas daqueles que fazem as
escolas e como prática que envolve todos os saberes e processos interativos do
trabalho pedagógico realizado por alunos e professores (OLIVEIRA, 2007:9) em
busca de uma transformação social que possibilite a criação de mundos mais
bonitos, fraternos, democráticos e amorosos.
Referências