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A REFORMA CURRICULAR PAULISTA E SUAS DETERMINAÇÕES NO

ENSINO

Rosimeri da Silva Pereira


Universidade Estadual de Campinas
Eixo Tematico: nº 3
Categoria: Poster

Este trabalho tem por objetivo compreender os princípios teóricos-


metodológicos e políticos que fundamentam o ideário educacional paulista figurados
na Reforma Curicular Paulista implementada no ano de 2008 pela Secretaria
Educação do Estado de São Paulo. O referencial que orienta a investigação
fundamenta-se nas categorias assim formuladas: reforma curricular paulista, política
pública, Estado e ideário educacional. A investigação baseia-se nos seguintes
procedimentos: levantamento e estudo da literatura pertinente ao tema bem como o
rastreamento e análise das seguintes fontes primárias:“Cadernos do Gestor” (2008),
“Cadernos do Professor”, organizados por bimestre e por disciplina e sobretudo a
Proposta Curricular (2008) amparada pela Resolução de nº 92 de 19/12/2007. Os
resultados parciais mostram que a proposta curricular paulista expressa uma
necessária adequação da educação paulista ao atual momento histórico,
caracterizada por uma grande transformação econômica e social, determinada pela
atual ordem global, a mundialização do capitalismo, do desenvolvimento de novas
tecnologias e, sobretudo, das novas exigências do mundo do trabalho. Parece-nos
que, tal proposta se compromete em instituir o planejamento, a organização, a
direção e o amplo controle dos rumos dessa escola.

Palavras chave: reforma curricular paulista, política pública, e ideário educacional


INTRODUÇÃO

Se considerarmos que, a instituição escolar tal como os meios de comunicação de massa


tem tido um papel fundamental na conformação do novo homem requerido pelo sistema
neoliberal presente nos países centrais e periféricos - uma leitura atenta e minuciosa da
proposta curricular da Rede Estadual Paulista (2008) nos instiga a observação de algumas
questões: primeiro: - Qual será o eixo de funcionamento deste referencial, e que papel
desempenhará na formação do novo homem? Segundo: - “O que representa a nova proposta
curricular” para as escolas da rede de ensino do Estado de São Paulo, neste tempo? E
finalmente - Que pressuposto teórico- metodológico fundamenta tal proposta curricular?
Este trabalho se propõe, portanto, em compreender os princípios teóricos -
metodológicos e políticos que embasam a visão da política educacional paulista no que diz
respeito à educação básica além de produzir uma síntese inicial das análises. Nesse sentido
compreende-se que realizar um trabalho de reflexividade crítica da gênese e das formas de
produção e funcionamento dos instrumentosique determinam e conformam a estrutura, e o
movimento do trabalho escolar podem facilitar a compreensão do caráter ideológico e
dialético das políticas de reforma educacional instituído nas redes de ensino do nosso país.
É consenso entre os pesquisadores do campo que para uma melhor compreensão e
avaliação das políticas públicas sociais implementadas por um governo, é fundamental a
compreensão da concepção de Estado e de política (pública) social que sustentam tais ações e
programas de intervenção considerando que visões diferentes de “sociedade”, “Estado”,
“política educacional” geram projetos diferentes de intervenção na área educacional – neste
caso podemos inferir ainda que toda reforma curricular é historicamente situada e por isso
expressa uma concepção de homem, de sociedade e sobretudo de educação.

1.1. PROPOSTA CURRICULAR PAULISTA: UMA POLÍTICA EDUCACIONAL EM


AÇÃO

As estruturas de poder e de dominação do Estado e conseqüentemente os conflitos


germinados por toda a sociedade são objetos determinantes das políticas públicas sociais –
assim vale inferir que o lócus fundamental das políticas públicas é o Estado, relacionado às
representações sociais que cada sociedade desenvolve sobre si própria e que, portanto tais
políticas são implementadas, reformuladas, ou destituídas com base nos conflitos
sociais/representações que integram o universo cultural e simbólico de um determinado tecido
social. (AZEVEDO, p. 5-6).
Na diferenciação entre Estado e governo é preciso considerar o Estado como o conjunto
de instituições permanentes – como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras que não
formam um bloco monolítico necessariamente – que possibilitam a ação do governo; e
Governo, como o conjunto de programas e projetos que parte da sociedade (políticos,
técnicos, organismos da sociedade civil e outros) como um todo, configurando-se a orientação
política de um determinado governo que assume e desempenha as funções de Estado por um
determinado período. (HOFLING, p.31).
No Artigo intitulado “Da Escola Estatal Burguesa à Escola Democrática e Popular:
considerações historiográficas” Sanfelice (2005) esclarece, que o Estado ou que é estatal não
é necessariamente público ou do interesse público, mas tende ao favorecimento do interesse
privado ou aos interesses do próprio Estado, com a sua autonomia relativa e que portanto tem
a função de assegurar e conservar a dominação e a exploração de classe e mesmo admitindo-
se a autonomia relativa do Estado perante suas determinações materiais, é preciso ressaltar
que essas condições materiais e especificamente as que constituem o modo de produção
capitalista, tendem a preservar uma ordem favorável aos interesses da propriedade privada dos
meios de produção e do capital. (p.91)
Políticas públicas são aqui entendidas como “Estado em ação” só que o Estado não
pode ser reduzido à burocracia pública, aos organismos estatais que conceberiam e
implementariam as políticas públicas. As políticas públicas são aqui compreendidas como as
de responsabilidade do Estado – quanto à implementação e manutenção a partir de um
processo de tomada de decisões que envolvem órgãos públicos e diferentes organismos e
agentes da sociedade relacionados à política implementada. Neste sentido, políticas públicas
não podem ser reduzidas a políticas estatais.
Para fins de análise e compreensão Azevedo (2004, p. 59) considera necessário levar em
conta os processos que conduzem à definição de uma política pública no quadro mais amplo
em que esta fora elaborada. Nesse sentido, tomando-se inicialmente a política educacional
como exemplo, não se pode esquecer que a escola e principalmente a sala de aula, são espaços
em que se concretizam as definições sobre a política e o planejamento que as sociedades
estabelecem para si próprias, como projeto ou modelo educativo que se tenta por em ação. O
cotidiano escolar, portanto, representa o elo final de uma complexa cadeia que se monta para
dar concretude a uma política – a uma policy – entendida aqui como um programa de ação.
Política que, nesta forma de compreensão, diferencia-se do significado de politics: das
relações políticas, ou da política domínio. Isto não significa desconhecer que uma policy – o
programa de ação – seja construída em função de decisões políticas – da politics ou da
política-domínio – refletindo, assim as relações de poder e de dominação que se estabelecem
na sociedade.
A criação dos organismos internacionais atuais acompanhou o movimento de
transformação geopolítica do pós-guerra Mundial e ampliou os poderes de planejamento e
ações de sociabilidade dos países vencedores. A condução do processo de dependência e
associação de países ao mundo capitalista foi cuidadosamente pensada a partir dos conceitos
da época, centralizando decisões e consolidando a hegemonia dos Estados Unidos no mundo,
sob o conceito de interdependência e multinacionalização para os países da América Latina –
alias não só de dependência financeira mas também econômica, política e cultural. (MELO,
p.70). Sendo assim vale observar as possíveis relações existentes entre a reforma curricular
paulista e as exigências expressas na cartilha do Banco Mundial, considerando que neste caso
o parâmetro curricular para o ensino das escolas da rede do Estado São Paulo não se reduz a
uma política estatal, mas, pode sobretudo corresponder as francas exigências de um
organismo internacional – o caso do Banco Mundial.
Analisar e compreender neste momento a gênese, a função e o funcionamento da
Proposta Curricular do Estado de São Paulo nos parece que é servir de testemunha ocular da
expressão de uma concepção de ensino mais ampla que acabam por expressar ideologias que
refletem medidas apresentadas no pacote de reformas educativas propostas pelo Banco
Mundialii destinadas aos paises subdesenvolvidos, como bem nos lembra Torres (2000, p.
131):
O ensino de primeiro grau é a base e sua finalidade é dupla: produzir uma
população alfabetizada e que possua conhecimentos basicos de aritmética capazes
de resolver problemas no lar e no trabalho e servir de base para sua posterior
educação.(Banco Mundial, 1992:2)

Se no pacote de medidas do Banco Mundial esta prevista uma orientação para a


formação quadros para o mercado de trabalho, a proposta curricular paulista em análise
prescreve nesta mesma direção - um curriculo centrado no conhecimento, na habilidade e em
ações orientadas que deverão ter por base atributos que incluam um nivel básico de
competências gerais tais como habilidades verbais, computacionais, comunicacionais, e a

i
Este trabalho trata-se do estudo da Proposta Curricular do Estado de São Paulo implementada nas escolas da
rede no primeiro semestre de 2008.
ii
Tais medidas são observadas e analisadas por Torres (2000) em seu artigo intitulado “Melhorar a qualidade da
educação basica? As estratégias do Banco mundial”.
resolução de problemas, visto que tais competências podem ser aplicadas numa gama de
empregos.
A Proposta Curricular em análise dispõe que para pensarmos o conteúdo e o sentido da
escola devemos levar em conta complexidade da ambiência cultural, das dimensões sociais,
econômicas e políticas, a presença maciça de produtos científicos e tecnológicos e a
multiplicidade de linguagens e códigos no cotidiano. Entretanto, nos afirma que apropriar-se
ou não desses conhecimentos pode ser um instrumento da ampliação das liberdades ou mais
um fator de exclusão. (p. 6)
Parece-nos que a sociedade capitalista, agora sob a égide da globalização do mundo, da
economia, da cultura, dos valores, dos homens, bem como do grande desenvolvimento
tecnológico, evidencia que o conhecimento especializado não serve mais como referencial
para a aprendizagem. O mundo é “complexo” e a complexidade dos conhecimentos deve ser
abarcada pelos novos currículos escolares. (JACOMELI, 2007, p.21)
Este projeto, [...] rearticulado pela expressão neoliberal, está calcado em propostas
de organizações mundiais, que funcionam como financiadoras e dirigentes da
expansão e controle de “qualidade” da educação dos países latino-americanos e
outros da Europa, da África e da Ásia. [...] Algumas questões são certamente
diferenciadas, já que também a sociedade atual traz características e exigências que
não estavam presentes no seu passado, mas o “chão” teórico ainda é dado pelo
liberalismo, através de sua nomenclatura de neoliberalismo. É o caso da visão e do
discurso de transformação e adequação da sociedade pela reforma da escola e pela
inculcação de valores desejáveis para o presente momento histórico. [...]. Seria,
então, uma tentativa de reordenamento desta sociedade, a partir do controle
econômico, político e cultural feito pelos países que atualmente dominam
economicamente o mundo. (idem, p.22)

Ao realizar as primeiras incursões no documento em estudo é possível inferir que tal


proposta trata-se de uma ação articulada - uma ideologia e um pacote de medidas para além
uma nova declaração de intenções - O documento aborda algumas das principais
características da sociedade do conhecimento e as pressões que a contemporaneidade exerce
sobre os jovens cidadãos, propondo princípios orientadores para a prática educativa, a fim de
que as escolas possam se tornar aptas a preparar seus alunos para esse novo tempo ou seja
promover as competências indispensáveis ao enfrentamento dos desafios sociais, culturais e
profissionais do mundo contemporâneo - habilidades verbais, computacionais,
comunicacionais, e a resolução de problemas.
O desenvolvimento pessoal é um processo de aprimoramento das capacidades de
agir, pensar, atuar sobre o mundo e lidar com a influência do mundo sobre cada um,
bem como atribuir significados e ser percebido e significado pelos outros,
apreender a diversidade e ser compreendido por ela, situar-se e pertencer. A
educação precisa estar a serviço desse desenvolvimento, que coincide com a
construção da identidade, da autonomia e da liberdade; (Proposta Curricular
Paulista 2008, p.6)
Embora a proposta faça alusão ao aprimoramento das capacidades de ação, reflexão e
atuação na vida cotidiana, definindo, portanto uma proposta de educação centrada na síntese e
não no aprofundamento dos saberes produzidos pela humanidade.
Sem descartar o caderno dos alunos, a Proposta Curricular se completa num conjunto de
documentos dirigidos especialmente aos professores. São os Cadernos do Professor,
organizados por bimestre e por disciplina. Neles, são apresentadas situações de aprendizagem
para orientar o trabalho do professor no ensino dos conteúdos disciplinares específicos. Esses
conteúdos, habilidades e competências são organizados por série e acompanhados de
orientações para a gestão da sala de aula, para a avaliação e a recuperação, bem como de
sugestões de métodos e estratégias de trabalho nas aulas, experimentações, projetos coletivos,
atividades extraclasse e estudos interdisciplinares. (p.4) – Nos parece que tais cadernos
correspondem aos famosos guias didáticos expressamente orientados pela política do Banco
Mundial quando se propõe em discutir a melhoria da qualidade e da eficiência da educação. –
resta saber se ainda há uma possibilidade de construção de um projeto político pedagógico
autônomo por parte da comunidade escolar.

Considerações finais
Os resultados parciais mostram que a proposta curricular paulista expressa uma
necessária adequação da educação paulista ao atual momento histórico, caracterizada por uma
grande transformação econômica e social, determinada pela atual ordem global, a
mundialização do capitalismo, do desenvolvimento de novas tecnologias e, sobretudo, das
novas exigências do mundo do trabalho. Parece-nos que, tal proposta se compromete em
instituir o planejamento, a organização, a direção e o amplo controle dos rumos dessa escola.
Ao observarmos as exigências expressas na cartilha do Banco Mundial (1995) e a
Proposta curricular do Estado de São Paulo (2008) verifica-se a proposição da seguinte
arquitetura: - concepção de currículo como cultura - currículo baseado na escola de 3 “r” – ler,
escrever e contar, com vistas ao mundo do trabalho – na lógica do aprender a aprender -
provas centralizadas - pedagogia das competências - caderno de atividades para os
professores: com aulas prontas e programadas ou seja com atividades pedagógicas,
proposição de recursos, agenda e cronograma além da designação de competências e
habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos - proposta de recuperação para os alunos – O
compromisso com a melhoria das aprendizagens estabelece como elo a ser priorizado a
reforma do currículo escolar e como centro o conteúdo de ensino e a avaliação da
aprendizagem.
Com material didático (jornal/caderno do aluno) para o aluno e o professor, aplicativo
para registro de experiência de gestão do currículo - a perspectiva de capacitação de novos
professores coordenadores (função gratificada) – via prova de credenciamento - programa de
formação continuada e em serviço são ações que visam não só implementação da proposta
mas também a manutenção e a sustentação dos valores e interesses que estão em jogo no
interior da própria reforma.

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Fonte Primária
SÃO PAULO (Estado) Secretaria de Educação. PROPOSTA CURRICULAR (GERAL).
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