Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Fernanda Leal
Universidade Federal de Campina Grande / lealfernanda@uol.com.br
Márcio Caniello
Universidade Federal de Campina Grande / caniello@ufcg.edu.br
Introdução e objetivos
A relação entre educação e política é uma perspectiva já encontrada na
antiguidade, sendo compreendida por Platão como inseparável (apud FONSECA,
2005). Diz ainda Platão que é o filósofo-educador quem tem que fazer a política.
Platão nos ilumina caminhos de entendimento ao defender a fundamental
importância de se articular os campos filosófico e educacional – capazes de
proporcionar uma formação reflexiva e crítica sobre a realidade – ao campo político,
capaz de realizar os resultados desta formação num viés prático.
Assim, pensar a educação como política – primeiro momento do título deste
trabalho – é uma idéia que caminha na direção de reconhecer a importância desta
articulação. Tal importância se aproxima da idéia de práxis – conceito que tem origem
em Engels (ABBAGNANO, 1982, p.755) e que ganhou alcance maior na obra de Marx
- significando a reação do homem às condições materiais da existência, sua capacidade
de inserir-se nas relações de produção e de trabalho e de transformá-las ativamente.
Destarte, faz-se necessário inserir-se ativamente na realidade vivida para transformar
aquilo que se deseja.
Após fazermos estas considerações iniciais, indicamos objetivamente o
propósito deste artigo: refletir sobre o sentido da Educação Superior no Campo como
uma das estratégias para a construção de políticas públicas para o campo, visto que a
1
Este trabalho reflete sobre questões que deverão ser enfrentadas ao longo da pesquisa de doutorado dos
autores como também no fazer de sua inserção enquanto coordenadores de projetos relacionados à
Educação do Campo. Dentre estes, cabe-lhes a tarefa de coordenar a implantação e implementação de um
Curso de Licenciatura em Educação do Campo na cidade de Sumé – Paraíba, ainda neste ano de 2008.
Educação Superior pode funcionar como uma ação capaz de consolidar, efetivamente,
todo um projeto educativo que contém em si concepções e valores consoantes à
realidade do campo.
Tal estratégia é lida aqui por nós como uma articulação necessária entre
educação e política, que, ao modo de Platão, cremos dever ser pensada de maneira
indissociável, ou seja, a educação como política - a concepção educacional como
atrelada a uma conseqüente ação política que se faz a partir dela.
Para situarmos, empiricamente, a idéia que será aqui defendida no sentido de
que a Educação Superior é uma estratégia política para o avanço e a consolidação da
educação do campo, discutiremos os impactos que uma pesquisa exploratória –
desenvolvida no âmbito de um projeto de extensão – teve no sentido de ativar um
debate que culminou com a conquista de um campus da Universidade Federal de
Campina Grande no município de Sumé/PB. A particularidade deste campus é que ele
contará com uma Unidade Acadêmica de Educação do Campo, que abrigará, dentre
outros cursos, uma Licenciatura em Educação do Campo.
1. Fundamentação Teórica
1.1. O campo das Políticas Públicas
Pensar o tema das Políticas Públicas é confrontar-se com a relação Estado-
sociedade. Indagar-se sobre o que é o bom governo e qual o melhor Estado para garantir
e proteger a felicidade dos cidadãos ou da sociedade foram preocupações que já
estavam no horizonte de teóricos clássicos, como Platão e Aristóteles (FREY, 2000,
p.213). Na idéia destes autores, como vemos, reside uma perspectiva que responsabiliza
o Estado pela proteção e felicidade da sociedade.
No entanto, esta relação, nestes moldes, não é percebida de maneira unânime
como sendo a única vertente de relação entre Estado e sociedade. De modo cada vez
mais crescente, tal articulação tende a ser enxergada de uma maneira que retira do
Estado a concepção de este ser o único ente ativo na sua relação com a sociedade, sendo
ela entendida como também responsável pelas ações e políticas do Estado. Assim, na
intersecção entre Estado e sociedade estaria uma relação mediada pela política pública,
que, conforme apresenta Souza (2006, p.26), é definida como o campo do conhecimento
que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação, e,
quando necessário, propor mudanças no rumo ou cursos dessas ações.
No que tange à sociedade brasileira, especificamente, a década de 1970 é
flagrada por alguns autores, segundo Dagnino (2002, p. 9), como sendo a década na
qual se funda, efetivamente, a sociedade civil no Brasil. E esta se caracteriza, dentre
outros aspectos, por lutar contra o Estado autoritário e por desempenhar um papel
fundamental na transição para a democracia. Neste sentido, fica evidente a idéia de que
a sociedade tem também uma função ativa na relação com o Estado.
Adverte-nos a autora, no entanto, que a passagem para um Estado democrático
não significa a realização de um processo linear: a idéia de que projetos e concepções
distintos concorrem numa correlação de forças indica que se faz necessário tornar
complexa a análise, sendo, pois, fundamental analisar cuidadosamente as formas de
relação entre Estado e sociedade civil. Tais formas nem sempre se caracterizam pela
polarização de instâncias contrárias, antagônicas. Ou seja, a relação entre Estado e
sociedade civil deve ser pensada para além da idéia de que a sociedade civil é sempre
contra o Estado e, por outro lado, não se trata também de que ela está com o Estado.
Melhor pensar que entre Estado e sociedade civil tece-se sempre uma rede complexa,
merecedora de análise mais detida.
Dito isto, cabe-nos perguntar e refletir sobre o papel que a sociedade civil vem
desempenhando no sentido de promover mudanças na área da educação, e,
particularmente, na Educação do Campo. E mais: como o Estado brasileiro vem
configurando ações provocadas por ele mesmo e respondendo as demandas da
sociedade civil no que tange à Educação do Campo? Ou, ainda, como vem se
desenhando a articulação entre Estado e sociedade civil na promoção de um debate e de
políticas efetivas relacionadas à Educação do Campo?
2
Além do artigo 28, os artigos 3º. , 23, 27 e 61 reconhecem a diversidade sócio-cultural e o direito à
igualdade e à diferença, possibilitando a definição de diretrizes operacionais para a educação rural
(BRASIL, 2007, p. 16)
Após a rápida exposição deste processo histórico e legal, pode-se afirmar a
existência de uma crescente consolidação de uma política que, para ser efetiva, deve
atuar em várias frentes. Dentre estas, a Educação Superior, que possui a ferramenta de
conduzir um processo de formação de professores, a partir do qual se aposta em ações
relacionadas à escola, sobretudo do campo, no que tange à problematização e superação
de alguns dilemas que assolam o campo, como as já divulgadas em documentos oficiais:
insuficiência e precariedade das instalações físicas da maioria das escolas que estão
localizadas no campo; falta de conhecimento especializado sobre políticas de educação
básica para o meio rural, com currículos inadequados que privilegiam uma visão urbana
de educação e desenvolvimento; falta de atualização das propostas pedagógicas das
escolas rurais etc (BRASIL, 2007). Conforme indica a SECAD, reside nas escolas do
campo o locus estratégico para identificação e, ao mesmo tempo, possibilidade de
superação das vulnerabilidades em que se encontra a Educação do Campo no Brasil
(BRASIL, 2007).
Nessa direção, defendemos que há na Educação Superior voltada à formação
para o campo uma conexão estratégica que se comunica diretamente com a escola do
campo e, mais particularmente, com a alteração de sua configuração física, pedagógica
e metodológica atual. É, assim, a Política de Educação Superior no Campo uma política
que age a partir de uma concepção de educação e de cultura, por exemplo, que deve
reconhecer a especificidade dos povos do campo, capaz de produzir condições que
façam valer uma prática conforme esta concepção.
Também nós, através de um projeto de extensão – denominado Projeto
Unicampo (UFCG/CIRAD/PDHC)3 - vinculado à realidade do campo e, mais
especificamente, de uma pesquisa exploratória realizada em 6 escolas rurais do cariri da
Paraíba durante a execução do referido projeto, pudemos constatar as fragilidades
detectadas em documentos oficiais nas escolas do campo e perceber a necessidade de
uma ação que passa, indubitavelmente, pela Educação Superior como estratégia para
alterar o quadro destas escolas. Sobre esta experiência gostaríamos de discutir na sessão
seguinte, pois ela revela, de maneira clara, a constatação a que educadores e educandos
do Projeto Unicampo chegaram de que para alterar os dados da realidade encontrada
3
Para maior conhecimento do Projeto Unicampo, ver CANIELLO, Márcio; TONNEAU, Jean-Philippe;
LEAL, Fernanda et all. Projeto UniCampo: Uma Universidade Camponesa para o Semi-Árido
Brasileiro. Campina Grande: Universidade Federal de Campina Grande, 2004.
seria necessário, como uma de suas frentes de ação, provocar o debate em torno da
Educação Superior.
Além dos ganhos na formação destes educandos, verificamos a clareza com que
passaram a perceber e, consequentemente, reivindicar um curso superior de formação
para os professores que atuam no campo, pois entenderam que só uma investida dessa
natureza poderia contribuir para alterar situações como: ensino descontextualizado,
pouca ou nenhuma participação dos professores na condução de processos como
concepção de currículos e prática pedagógica condizente com a realidade do campo,
ausência destes mesmos professores na gestão dos processos educacionais etc.
DAGNINO, Evelina. Sociedade Civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e
Terra, 2002.
SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. In: Sociologias, Porto
Alegre, ano 8, no. 16, jul/dez 2006, p. 20-45.
Resumo
O artigo se propõe a refletir sobre alguns dos significados da Educação Superior no Campo.
Partimos do pressuposto de que a Educação Superior pode funcionar como uma ação capaz de
consolidar, efetivamente, um projeto educativo que contém em si concepções e valores
consoantes à realidade do campo. Através de uma abordagem preliminar à discussão sobre o
âmbito das políticas públicas, de um breve resgate histórico da Política de Educação do Campo
e da reflexão sobre as descobertas proporcionadas por uma pesquisa exploratória em escolas
rurais do Cariri da Paraíba, argumentamos que a Educação Superior no Campo é estratégica
para a alteração da realidade atual das escolas rurais brasileiras. Indicamos, ainda, ser esta
estratégia fundamental para que este processo ultrapasse o caráter de programas e projetos
voltados à realidade educacional do campo e ganhem a dimensão de política pública, atingindo
um nível de concretização que garanta a sua permanência.