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PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO: UM ESTUDO SOBRE DESENCONTROS

ENTRE TEORIA E PRÁTICA

Jussara Santana Bortoluzzi1


Orientador: Adnilson Jóse da Silva2

Resumo: Esse estudo enfoca o Projeto Político-Pedagógico (PPP) como importante elemento
de planejamento e de engajamento educacional. Apresenta breve histórico sobre o
planejamento educacional no Brasil, contribuições da literatura sobre os temas da gestão
escolar democrática, e quantitativos sobre representações e participações de professores,
alunos e funcionários de uma escola estadual de Ensino Fundamental acerca de seu PPP.
Conclui com admoestações referentes á salvaguarda do PPP como instrumento de
transformação social a partir das relações e das práticas escolares.

Palavras-chave: Projeto Político-Pedagógico, participação, democracia.

Introdução

O Projeto Político-Pedagógico (PPP) é um dos mais importantes e polêmicos


documentos escolares e tende a ser marcado por um discurso acadêmico por vezes muito bem
embasado, todavia, desligado de uma perspectiva práxica. O senso comum costuma atribuir o
caráter apático do PPP à falta de conhecimento por parte de professores, gestores e alunos das
prerrogativas legais, éticas e axiológicas desse documento. Mesmo que o discurso do Projeto
Político-Pedagógico seja plenamente compreendido pelo coletivo dos que com ele se
relacionam na escola, se não houver uma adequada instrumentalização e uma efetiva
organicidade entre o PPP e outras ações letivas, se terá apenas um belo discurso encadernado.

1
Pedagoga. Especialista em Supervisão Escolar e Orientação Educacional e em Psicopedagogia
Professora PDE. Atua na Equipe Pedagógica da Escola Estadual Laranjeiras do Sul – EF, Laranjeiras
do Sul (PR).
2
Pedagogo. Mestre em Educação. Professor do Departamento de Pedagogia da Universidade
Estadual do Centro-Oeste, UNICENTRO, em Guarapuava (PR).
A realidade posta dentro do âmbito escolar revela, porém que nem todos os segmentos que
permeiam a construção do processo educativo constituem uma participação efetiva na
elaboração do PPP.

Este trabalho objetiva apresentar considerações sobre fundamentos e atualidades do


PPP, ressaltando a necessidade de se planejar a escola de forma participativa, construindo um
trabalho coletivo e democrático. O PPP é tratado sob a ótica da sua importância e da real
necessidade para a escola como instrumento democrático de construção da cidadania e da
superação da lógica documental, teórica e burocrática.

Para realização desse estudo, utilizou-se pesquisa bibliográfica e levantamento de dados por
meio de questionário fechado junto a professores, funcionários e alunos de uma escola
estadual de Ensino Fundamental. Verifica-se que embora se tenha uma farta e consistente
literatura e um correspondente discurso progressista sobre o tema do PPP e sua inserção em
um modelo escolar democrático e emancipador, a participação dos professores e funcionários
na elaboração do PPP ocorre de maneira tímida e direcionada, enquanto a participação dos
alunos é inexistente. Isso evidencia uma contradição basilar entre teoria e prática e denuncia o
comprometimento do discurso progressista. Contudo, o quadro, longe de apenas justificar
uma situação apolítica ou de redundar em desesperança, provoca para atitudes de
engajamento.

Planejamento educacional: breve histórico

Ao se pensar a educação, procura-se sempre fazer uma recomposição histórica uma


vez que suas raízes estão engendradas em um processo tardio de democratização e em um
ensino público que não foi prioridade das políticas públicas que se implantaram ao longo da
história.

O planejamento educacional no Brasil e o desenvolvimento econômico e social


estiveram historicamente atrelados, isto é, a educação não foi pensada em função de
benefícios para a população, mas sim em função do desenvolvimento econômico. É o que
afirma CALAZANS:

O planejamento num sistema capitalista não é mais do que a forma de


racionalização da reprodução ampliada do “capital”; fica, portanto, claro que “não
é o planejamento que planeja o capitalismo, mas é o capitalismo que planeja o
planejamento”. (...) se concordarmos que é o “capitalismo que planeja o
planejamento”, estaremos anuindo que o planejamento da educação também é
estabelecido a partir das regras e relações da produção capitalistas, herdando,
portanto as formas, os fins, as capacidades e os domínios do modelo do capital
monopolista do Estado. (CALAZANS, 2007, p.13)

A preocupação com o sistema educacional e com uma política de educação estatal


surge somente no final do Império e início da República, fruto do fortalecimento do Estado,
pois até então essa educação era delineada pela Igreja.

Até a década de 1920 não havia uma função educadora para o nível médio e primário,
razão pela qual eles não mereceram atenção do Estado. A educação era um instrumento de
mobilidade social e era utilizada como distintivo de classe, onde a classe média procurava
como via de ascensão social, prestígio e integração com o poder dominante.

A década de 1930 no Brasil foi marcada por dois modelos de Estado, sendo que antes
disso a estrutura econômica brasileira era baseada na agricultura e o poder político se
concentrava nas oligarquias rurais, era uma economia primário-exportadora, havendo então a
transição de uma sociedade oligárquica para urbano-industrial. A partir de 1930, surge o
modelo econômico nacional-desenvolvimentista com a participação mais ativa do Estado na
economia, passando este a desempenhar funções cada vez mais complexas no conjunto da
economia, que vão desde a formulação de regras de desenvolvimento até a criação e
manutenção de empresas estatais.

Dentro deste cenário nacional foram efetivadas as primeiras tentativas de planejamento no


Brasil em decorrência natural da nova concepção do estado como fomentador do
desenvolvimento nacional.

Com a Constituição Federal de 1934 houve a elaboração de um Plano Nacional de


Educação implantando a gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário, e em 1937 com a
nova Constituição previu-se a introdução do ensino profissionalizante. Aos poucos a
sociedade brasileira passou a conscientizar-se da importância estratégica da educação para
assegurar e consolidar as mudanças econômicas e políticas que estavam sendo empreendidas.

As décadas de 1930 e de 1940 são caracterizadas como marco inicial do planejamento


no Brasil, quando aparece a idéia de Plano Nacional de Educação com o Manifesto dos
Pioneiros na Educação Nova. Esse Manifesto fez um diagnóstico da educação pública
brasileira e mostrou a necessidade de se criar um sistema de organização escolar que estivesse
de acordo com as necessidades do país, aproximando a idéia de Plano de Educação
relacionado com o conjunto de atividades educativas coerente e eficaz para uma determinada
sociedade. Segundo Saviani, “provavelmente a sua primeira manifestação explicita nos é dada
pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, lançado em 1932” (2002, p.72), embora o
conteúdo deste Plano de Educação seguia as orientações que predominaria no Estado Novo,
afastando-se da idéia dos pioneiros.

As décadas de 1940 e 1950 foram marcadas pela grande euforia do


desenvolvimentismo. A educação, neste cenário plenamente dominado pelo economicismo,
aparece como instrumento para promover o crescimento e reduzir a pobreza, uma vez que o
planejamento educacional considera o analfabetismo como responsável pelo atraso e pelo
subdesenvolvimento, passa a ser visto como necessário e indispensável ao desenvolvimento
social. Mas somente a partir da década de 1960 foi possível falar em planejamento
educacional propriamente dito, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases número
4.024, promulgada em 1961.

Para confirmar e concluir este esboço histórico cita-se OLIVEIRA, para quem

A educação é vista como um importante instrumento no planejamento do


desenvolvimento à medida em que deve prover o país de conhecimentos técnicos e de
um grau de evolução que favoreça o crescimento da produção e a melhoria do nível de
vida dos habitantes. A educação deveria ser pensada em integração com o
planejamento econômico, fixando metas e quantificando recursos. (OLIVEIRA, 2003,
p. 79)

Durante o período de 1932 a 1962, o Planejamento Educacional era um instrumento de


racionalismo científico sob a égide da Escola Nova e no período que se segue até 1985 o
Planejamento Educacional transforma-se num instrumento de racionalidade tecnocrática, ou
seja, tecnicista, devido às mudanças ocorridas no cenário político e educacional. Segundo
CALAZANS,
Nos anos de 1964 a 1985 – período da ditadura militar -, com o fim de “planejar e
promover o desenvolvimento”, foram produzidos cerca de 6 planos nacionais de
educação, incluindo-se os capítulos dos Planos Globais de Desenvolvimento
dedicados à educação. Eles programavam objetivos na mesma direção,
sedimentados pelo forte aparato da tecnoestrutura estatal e do “neutro” discurso
tecnicista. (CALAZANS, 2003, p.25)

Durante a década de 1980 o planejamento esteve ligado ao controle empreendido pelo


sistema autoritário do Regime Militar, embora este sistema já estivesse marcado pela crise
econômica, política e social.

Diante da crise do estado assistencialista e provedor, surge a necessidade de reformas


administrativas possibilitando o desenvolvimento econômico com eqüidade social, uma vez
que as reformas propostas apresentam como tendência geral à descentralização e
desconcentração dos poderes de decisão e à restauração da capacidade de coordenação e
planejamento. Assim, a noção de planejamento centralizado começa a ser deixado de lado
como um modelo a ser perseguido sendo apontado como um estilo de crescimento que exclui
os mais pobres, acentuando ainda as distorções sociais ao invés de corrigi-las, é a crise de
paradigmas do planejamento. Conforme GARCIA,

O planejamento e os planejadores vivenciam esta situação de horizontes nebulosos


com ansiedade e falta de perspectivas de curto e médio prazo. As propostas de
ontem já não servem para hoje. A ideologia de que o Planejamento é uma técnica
neutra já foi esclarecida á exaustão, quando revela seu caráter comprometido com
um estilo de crescimento que exclui dos benefícios do desenvolvimento os mais
pobres e ajuda a enriquecer ainda mais a diminuta parcela que tudo tem. Em
realidade o planejamento em geral o Planejamento educacional em especial foram
utilizados para sedimentar um modelo de sociedade que acentuou distorções, ao
invés de corrigi-las. (GARCIA, 2003, p.38)

Dentro deste cenário, o planejamento central começa a ser substituído por formas mais
flexíveis de gestão, como a noção de planejamento descentralizado, indicando mudanças no
deslocamento do eixo de poder. Segundo OLIVEIRA,
O planejamento burocrático e centralizado deve ajustar-se à realidade imediata,
sem, contudo, abalar o equilíbrio do todo, que deve sobreviver apesar das suas
especificidades locais. A realidade emergente aponta para formas pluricentradas de
planificação, onde o poder não emana mais exclusivamente do Estado. (...) Não é
que o planejamento tenha sido descartado como um instrumento de poder, ao que
parece, ele tem se adequado à nova realidade que se apresenta de forma mais
heterogênea, móvel e flexível. (OLIVEIRA, 2003, p.88-89).

Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, ao incorporar a gestão


democrática da educação como demanda dos movimentos sociais garantiu-se novas formas de
organização e administração do sistema, tendo como objetivo a universalização do ensino a
toda população. A Constituição de 1988 garantiu o princípio da “gestão democrática do
ensino público, na forma da lei” (art. 206, inciso VI). E porque a gestão democrática contém o
princípio da participação da sociedade, a estendeu aos municípios o direito de organizarem,
também, seus sistemas de ensino, com autonomia e em regime de colaboração entre si, com
os estados e com a União (art. 211), traduzindo uma concepção de educação emancipadora,
com fundamento no exercício efetivo da cidadania.

Embora a democratização da escola tenha sido um tema constante na história da


educação brasileira, apenas recentemente as reflexões sobre esse tema pareçam ter se
transformado em ações práticas, uma vez que foi apenas com a promulgação da Constituição
Federal que ficou instituído o princípio da gestão democrática no ensino público, desde então,
a questão da democratização da gestão da escola pública tem procurado enfocar a autonomia
em todas as instâncias da unidade escolar e a criação de mecanismos para a participação da
sociedade.

A questão da democratização da gestão escolar vem-se concretizando via gestão


participativa como um instrumento de melhoria da qualidade da educação e de acesso à
escola, pois gestão participativa pode ser compreendida como aquela que envolve em suas
atividades, além do gestor escolar, professores, funcionários, alunos e pais que estejam
imbuídos na melhoria do processo pedagógico da escola.

A gestão escolar democrática está associada ao fortalecimento da democratização do


processo pedagógico, pois parece ser um caminho mais viável para a participação responsável
de todos nas decisões necessárias e na sua efetivação mediante um compromisso coletivo com
resultados educacionais cada vez mais efetivos e significativos, sendo assim a mesma vem
sendo percebida como uma das alternativas possíveis para a melhoria da qualidade do ensino.

No contexto da educação brasileira, a partir de meados da década de 1990, houve uma


atenção especial às questões referentes à gestão escolar com superação do enfoque limitado,
assentando-se sobre a organização coletiva como condição básica e fundamental da qualidade
do ensino e da transformação da própria identidade da escola. Para aprofundamento do tema
na hodiernidade, passaremos a considerar o planejamento como importante elemento da
gestão democrática.

O planejamento na perspectiva da gestão democrática

A presença da gestão democrática na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


número 9394/96, tem seu respaldo na porfia dos segmentos populares e dos educadores, que
lutaram para que esse princípio fosse contemplado em lei, embora venha arraigada com uma
forte influência das agências internacionais nas diretrizes educacionais incorporadas à Lei.
Segundo LÜCK,

O conceito de gestão, portanto, parte do pressuposto de que o êxito de uma


organização social depende da mobilização da ação construtiva conjunta de seus
componentes, pelo trabalho associado, mediante reciprocidade que cria um “todo”
orientado por uma vontade coletiva. Esta, aliás, é condição fundamental para que a
educação se processe de forma efetiva no interior da escola, tendo em vista a
complexidade e a importância de seus objetivos e processos. Entende-se que o
trabalho educacional, por sua natureza, demanda um esforço compartilhado,
realizado a partir da participação coletiva e integrada dos membros de todos os
segmentos das unidades de trabalho envolvidos . (LÜCK, 2006, p.22)

A gestão democrática está associada à organização de ações que desencadeiam a


participação na tomada de decisões em todas as questões que envolvam a escola e a política
educacional. PARO considera “a democracia, enquanto valor universal e prática de
colaboração recíproca entre grupos e pessoas, é um processo globalizante que,
tendencialmente, deve envolver cada indivíduo, na plenitude de sua personalidade” (PARO,
2004, p.49).
A escola sendo um espaço social e democrático deve oportunizar uma gestão
democrática visando à participação da comunidade escolar de forma direta e efetiva na
elaboração do planejamento das suas ações educacionais. Dentro deste contexto, utiliza-se do
Projeto Político-Pedagógico que é um instrumento de planejamento cuja importância está para
além de uma perspectiva de eficiência, alcançando o nível de pacto político e democrático,
pois permite a participação de todos com igual responsabilidade e espírito e cooperação.
Pensar a escola e a construção de seu projeto educacional perpassa conceitos que
fundamentam o PPP, pois a gênese desse projeto deve estar pautada na visão de sociedade,
nos paradigmas educacionais e no entendimento da escola como espaço de decisão e de
gestão democrática.

O PPP é um dos documentos de maior importância na escola, pois diz respeito à


própria organização do trabalho pedagógico que esta intimamente ligada à concepção,
realização e avaliação do projeto educativo. O PPP vai além de um agrupamento de planos de
ensino e atividades, passando a ser uma ação intencional com um compromisso definido
coletivamente, construído e vivenciado em todos os momentos.

A principal possibilidade de construção do PPP passa pela relativa autonomia da


escola, de sua capacidade de delinear sua própria identidade, isto significa resgatar a escola
como espaço público, lugar de debate, do diálogo fundado na reflexão coletiva.

A construção do Projeto político- pedagógico sofre influência das práticas sociais e das
relações histórica desenvolvidas por seus sujeitos, pois sua origem está na construção coletiva
que só será possível se todos os envolvidos no processo educativo estiverem mobilizados a
pensar e a realizar o “fazer pedagógico” de forma coerente, cabendo a escola a tarefa de
coordenar as ações pedagógicas.

A abordagem do PPP como organização do trabalho pedagógico escolar está fundada


nos princípios que deverão nortear a escola democrática, pública e gratuita, entre eles
destacamos a gestão democrática que exige uma ruptura histórica na prática administrativa da
escola, a compreensão dos problemas postos pela prática pedagógica e a participação dos
representantes dos diferentes segmentos da escola nas decisões e nas ações administrativas e
pedagógicas. Para VEIGA,

O Projeto Político-Pedagógico, ao se constituir em processo democrático de


decisões, preocupa-se em instaurar uma forma de organização do trabalho
pedagógico que supere os conflitos, buscando eliminar as relações competitivas,
corporativas e autoritárias, rompendo com a rotina do mando impessoal e
racionalizado da burocracia que permeia as relações no interior da escola. (VEIGA,
2007, p.13)

Há a necessidade de se refletir sobre por que os discursos, freqüentemente críticos e


inovadores encontrados nos textos nem sempre traduzem o cotidiano da escola refletindo a
crise que ocorre na sociedade que é caracterizado pelo distanciamento entre discurso e ação.
As decisões tomadas na escola, para se efetivarem, devem partir da própria prática cotidiana,
sendo, portanto, necessário conhecê-la, pois a vida cotidiana insere-se na história, modifica-se
e modifica as relações sociais. Muitas vezes, o trabalho nesta relação cotidiana deixa de ser
vital, criador e prazeroso passando a ser um espaço onde alguns valores como o
individualismo, a neutralidade, a competição, intensificados pela estrutura capitalista de
organização social, se sobressaem. VEIGA, ainda destaca que

A principal possibilidade de construção do Projeto Político-Pedagógico passa pela


relativa autonomia da escola, de sua capacidade de delinear sua própria identidade.
Isto significa resgatar a escola como espaço público, lugar de debate, do diálogo,
fundado na reflexão coletiva. (VEIGA, 2007: p14)

O PPP tem um papel fundamental, no sentido de garantir uma intencionalidade


política no trabalho pedagógico, construindo um espaço de reflexão para compreender a
ideologia presente nos discursos e práticas pedagógicas. Pensar o papel político e pedagógico
que a escola cumpre no interior de uma sociedade historicamente situada, dividida em classes,
dentro de um modo de produção capitalista, implica em reconhecer a educação como um ato
político, que possui uma intencionalidade e um compromisso social.

A escola irá conceber seu PPP buscando autonomia para executá-lo e avaliá-lo,
partindo de uma reflexão sobre suas finalidades sociopolíticas e culturais e sobre a
organização do seu trabalho pedagógico, tornando-se um desafio a construção de um PPP
dentro de um processo de ação-reflexão.
Teoria versus prática: alguns pontos de desencontro político e pedagógico

Até este momento, tratou-se, neste estudo, de apresentar o Projeto Político-Pedagógico


como um instrumento central de planejamento e de implementação das atividades escolares,
e, mais do que isso, como um acordo político comunitário para a concretização da escola
almejada pela comunidade. A partir de agora, serão considerados alguns dados que foram
colhidos junto a professores, funcionários e alunos de 6ª e 7ª séries de uma escola estadual e
Ensino Fundamental, em Laranjeiras do Sul (PR).

Para coleta de dados foram utilizados questionários fechados, cujas perguntas se


vinculam a percepções que os entrevistados têm do PPP e a sua participação na elaboração
e/ou atualização desse documento. A escolha desses aspectos se justifica pelo fato de se tratar
da própria organização do trabalho pedagógico e, mais do que isso, de uma ação
necessariamente política, uma vez que estabelece relação do homem com o presente, com o
passado, com o futuro e um vínculo com a sociedade e com a natureza; é uma ação
intencional e, portanto com um compromisso definido coletivamente, estando intimamente
articulado ao compromisso sociopolítico de formação do cidadão para um tipo de sociedade
que se pretende.

Ao questionar professores funcionários e alunos percebe-se que há uma visão


fragmentada do que se pretende com o PPP: para que serve, do que se trata e por quê ele
existe na escola.

Os alunos, em sua maioria, num total de 65% responderam que não sabem o que é PPP
e 47% não souberam responder do que se trata o PPP da escola. Embora haja um
desconhecimento do seu conteúdo e da sua função, 50% dos alunos consideram o PPP
importante para a escola, sendo que 22% o consideram necessário e apenas 2% não
consideram importante. Os alunos que não souberam responder totalizam 26%.

Em relação aos funcionários foi constatado que 66,67% sabem o que é PPP, sendo que
16,67% consideram importante e 50% consideram necessário. O percentual dos que ignoram
o que seja o PPP coincide com o dos que o consideram pouco importante para a escola:
33,33%.

Quanto aos professores, todos afirmaram que já estudaram sobre o PPP em reuniões
pedagógicas e em cursos de capacitação. Porém, a valorização do PPP está longe de ser
consensual entre os professores: 53,85% o consideram necessário, e 46,15% o classificam
como importante para a escola.

Percebe-se até aqui que tanto entre os professores quanto entre os funcionários e
alunos dessa escola, a maioria vê o PPP como um instrumento importante ou necessário para
a instituição. Todavia, é preciso conhecer o nível de envolvimento dessas pessoas com o PPP,
a fim de inferir se as suas impressões sobre a importância e a necessidade do documento está
embasada em alguma experiência no âmbito escolar. Para tanto, perguntou-se sobre a sua
participação em processos de elaboração e/ou de avaliação de Projetos Político-Pedagógicos.

Entre os alunos, 65% nunca participaram da elaboração de Projetos Político-


Pedagógicos em toda a sua trajetória escolar. Entre os funcionários, 50% também não tiveram
essa experiência. Já entre os professores, 76,92% afirmaram que já participaram da elaboração
de Projetos Político-Pedagógicos.

A parca participação de alunos e a tímida participação de funcionários diretamente na


elaboração de Projetos Político-Pedagógicos denuncia que as maiorias que elegem o PPP
como um instrumento importante ou necessário, o fazem sem embasamento vivencial. Há,
nesses casos, provavelmente, alguma motivação ligada a discursos de apologia ao PPP, ou
ocorrência de respostas com base na imaginação.

A respeito dos professores, todos são licenciados e pós-graduados, e nenhum conta


com menos de dois anos de carreira no magistério. Contudo, quase um quarto do quadro
docente confessou nunca ter se envolvido diretamente na elaboração e/ou avaliação do PPP.
Considerando que nenhum docente nega a importância e/ou a necessidade do PPP, infere-se
que os 23,08% que nunca se envolveram diretamente com sua elaboração e/ou avaliação, o
qualificaram com base na literatura estudada, sem base vivencial.

Quando, referindo-se a escola, se fala em coletividade, importância, necessidade,


cidadania e gestão democrática, exige-se a ruptura com modelos pré-estabelecidos e a
superação da separação entre concepção e execução, entre o pensar e o agir, entre a teoria e a
prática. A socialização do poder propicia a prática da participação coletiva, que atenua o
individualismo. A ampla participação dos representantes os diferentes segmentos da escola
nas decisões e nas ações, não é um princípio fácil de ser consolidado, pois trata-se da
participação crítica na construção de um projeto de escola que perpassa a visão de sociedade,
com projetos pessoais e existenciais de educandos e educadores.

Para se verificar a relação que professores, alunos e funcionários estabelecem entre o


PPP da escola e as suas ações imediatas no cotidiano escolar, perguntou-se sobre a
importância do PPP para cada segmento.

Entre os alunos, 58% consideram o PPP importante para os seus estudos, 6% não
consideram importante, 8% não vêem relação entre o PPP e os seus estudos e 28% não
souberam responder.

Quanto aos professores, 76,92% consideram o PPP importante para o seu trabalho;
esse percentual coincide com o dos que já participaram de elaborações e/ou avaliações de
PPPs. Há coincidência, também, entre os percentuais dos que disseram que nunca
participaram de elaborações e/ou avaliações de PPPs e dos que consideram o PPP pouco
importante para a sua prática docente: 23,08%. Há coerência entre esses percentuais e os que
se referem à atribuição de importância do PPP para a escola como um todo.

Entre os funcionários 50% consideram o PPP importante, enquanto 16,67% o


consideram pouco importante e 33,33% consideram nada importante para o desempenho do
seu trabalho. Vê-se, mais uma vez, coerência entre os percentuais dos funcionários quanto à
importância que atribuem ao PPP para a escola como um todo (anteriormente mencionados) e
para o seu trabalho em particular.

Os quantitativos expostos evidenciam que mesmo depois de mais de dez anos de base
legal e de estudos consistentes vinculados a modelos de gestão escolar participativa e de
evidência do PPP como seu documento por excelência, ainda insistem os divórcios entre
teoria e prática, e no extremo, entre educação e cidadania.

Conclusão

Cabe, nos limites desse estudo, e mediante o quadro quantitativo obtido, elencar
algumas admoestações referentes ao Projeto Político-Pedagógico. Para tanto, segue-se as
defesas contidas na literatura que dá aporte teórico a esse estudo, segundo a qual,
sucintamente, o PPP pode ser entendido como um processo de mudança e de antecipação do
futuro, estabelecendo princípios, diretrizes e propostas de ação para a organização e
sistematização das atividades desenvolvidas pela escola como um todo. Contrasta com essa
convicção a incoerência de práticas educativas que se pretendem progressistas e que são
realizadas, porém, dentro de modelos tradicionais e excludentes descartando a possibilidade
de uma articulação dialética, de apresentação de críticas, de sugestões, de presença viva, onde
professores ficam submissos ao que está instituído.

Parece que o principal perigo da democracia na escola é uma falsa participação,


havendo a necessidade de reforçar a criação de uma cultura de participação, de modo que
todos os segmentos envolvidos no processo educativo possam construir uma gestão
participativa e democrática, sendo de fato, este o ponto de importância e de necessidade do
PPP para a escola.

A escola cumpre um papel muito importante no interior de uma sociedade


historicamente situada e envolta em um sistema capitalista de produção, pois
contraditoriamente acaba reforçando um modelo de sociedade excludente. Conhecer este fato,
implica em reconhecer a educação como um ato político, e não neutro, que possui uma
intencionalidade e um propósito na elaboração histórica dos homens.

Mas deter-se em discurso descritivo de conjunturas não resolve a situação de


ignorância, apatia ou alheamento da comunidade escolar com relação ao seu PPP. É preciso
reatar as pontas da teoria e da prática, nesse, caso, o projeto de sociedade e a prática escolar.
O que a escola ensina e o por que se ensina deverá estar envolto a uma teoria que lhe de
sustentação e que propicie uma efetivação da teoria com a prática educativa, comprometida
com a busca de solução de problemas existentes no decorrer do processo de
ensino/aprendizagem e da educação como um todo e também com uma avaliação de todo o
trabalho realizado no âmbito escolar. Isso é político e é também é pedagógico, uma vez que
possibilita ações educativas para a efetivação da intencionalidade da escola, que é a formação
do cidadão participativo. Portanto é um processo reflexivo permanente na busca de
alternativas para à efetivação desta intencionalidade, propiciando uma vivência democrática
necessária a participação de todos os envolvidos no processo educativo e para o exercício da
cidadania.

O PPP deve promover a participação da comunidade educativa, professores,


funcionários, alunos e gestores para poderem escrever a sua própria história, compartilhando
idéias e experiências. Isso significa que o projeto educativo não pode ser ditado por instâncias
políticas, mas sim, ser fruto de questionamentos e da participação da comunidade escolar.
Dito isso, a escola não pode refletir o pensamento deste ou daquele segmento escolar, mas
sim, deve incluir no planejamento de suas metas melhorias para toda a comunidade escolar,
para tanto é necessário também envolver os alunos neste processo de decisão.
Não se deve considerar o PPP como se estivesse diante de um marco teórico ou de
uma lista de desejos para onde caminhar, e sim diante de um processo de tomada de decisões
a partir da análise da prática e da realização de um projeto para a escola. É um documento
cuja realidade deve ser construída diariamente, num caminho percorrido a partir das reflexões
do conhecimento que é gerado na prática, não se transformando em um documento técnico e
teórico que deva ser deixado de lado, mas é uma parte da vivência da escola e uma proposta
real de trabalho fruto de uma coletividade.

A construção do PPP somente terá uma perspectiva emancipatória à medida em que


todos os segmentos que compõe a comunidade escolar participem da sua elaboração e de fato
passem a assumir um compromisso com a totalidade o trabalho educativo. Há que se evitar
que na construção do PPP alguns segmentos da escola são chamados apenas em alguns
momentos para participar, privilegiando certas vozes e excluindo outras, no decorrer do
processo.

O Projeto pedagógico é um articulador das diversas ações da escola, é uma ação consciente e
organizada, devendo romper com o isolamento dos diferentes segmentos da instituição
educativa e com a visão burocrática que se tem de construção de um documento para ficar
engavetado e cumprir uma tarefa solicitada por instâncias majoritárias.

Desse modo, é nas condições reais de trabalho da escola que é preciso trilhar um
caminho dentro da coletividade reconstruindo uma relação tão necessária para a construção e
vivência de um PPP que tenha como intenção a emancipação e a democracia. O projeto deve
ser vivido em todos os momentos por todos os envolvidos no processo educativo da escola,
desde a organização escolar como um todo até a organização da sala de aula.

Referências

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