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CAPÍTULO1

Sicologt
aS psicOl0gias

CIÈNCIA ESENSO cOMUM


Quantas vezes, no nosso dia-a-dia, ouvimos o termo psicolo-
gia Qualquer um entende um pouco dela. Poderíamos até mesmo
dizer que "de psicólogo e de louco todo mundo tem um pouco. O
dito popular nao é bein este (de médico e de louco todo mundo
tem um pouco"), mas parece servir aqui perfeitamente. AS pessoa5
em geral tèm a "sua psicologia.
Usamos o termo psicologia, no nos5so coticiano, com variose psicilogo e
senidos. Por exemplo, quando falamos do poder de persuasão do de louco todo
lem um
vendedor, dizemos que ele usa de "psicologia para vender seu pro- mundo
duto: quando nos referimos à jovem estucdante que usa seu poder ouco
de sedução para atrair o rapaz, falamos que ela usa de "psicologia";
e guando procuramos aquele amigo, que está sempre disposto a

ouvir nossOs problemas. dizemos que ele tem "psicologia para e n


tender as pessoas.
Sera essa a psicologia dos psicólogos: Certamente nao. Essa
psicologia, usada no cotidiano pelas pessoas em geral, é denomina
da de psicologia do senso comum. Mas nem por isso deixa de ser
querendo cizer é que as
4ma psicologia. O que estamos pessoas,
iormalmente, tèm um domínio, mesmo que pequeno e supert
cial, do conhecimento acuunulado pela Psicologia cientifica, o que

problemas cotidianos
Ihes permite explicar ou compreender seus

de um ponto de vista psicológico.


a voce.
E a Psicologia cientitica que pretendemos apresentar
da
Mlas, antes de iniciarmos o seu estudo, faremos uma exposição
falaremos mais detalhada-
relação cincia/senso comum; depois
mente sobre ciência e. assim, esperainos que vocë compreenda me
Thor a Psicologia científica.
16 PSICOLOGIAS Apsicologia oUas psicologlos
17
o SENSo cOMUM: O fato é que a dona de
casa, quando usa a garrafa
CONHECIMENTO DA REALIDADE térmica para manter o caté

quente, sabe por quanto


Existe um domínio da vida que pode ser entendido como vida tempo ele permanecerá ra
zoavelmente quente, sem
por excelència: é a vida do cotidiano. E no coúdiano que tudo fHut,
sentimos a rea- fazer nenhum cálculo com-
gue as coisas acontecem, que nos sentimos vivos, que des-
lidade. Neste instante estou lendo um livro de Psicologia, logo mais plicado e, muitas vezes,
conhecendo completamen-
estarei numa sala de aula fazendo uma prova e depois irei ao cine- .
na cantina te as leis da termodinåmica.
ma. Enquanto isso, tenho sede e tomo um refrigerante em casa re-
de muita força de von- Quando alguém
da escola; sinto um sono irresistivel e preciso clama de dores no figado,
lembro-me de que havia pro-
tade para não dormir em plena aula;
cla faz um chá de boldo,
acontecimentos de-
metida chegar cedo para o almoço. Todos esses medicinal
eminente
atividade gue é uma planta
nunciam que estamos vivos. Já a ciéncia é uma
usada pelos arós de nos- Mesmo não
mente reflexiva. Ela procura compreender,
elucidar e alterar esse jä conhecer o princípio ativo de
suas fo-
dispondo de
sos avós, sem, no entanto,
cotdiano, a de
partir seu estudo sistemático.
e sem nenhum estudo tarmacologico. instrumentos,
realidade cotidiana lhas nas doenças hepáticas movi- sabemos
atravessar uma avenida
Quando fazemos ciência, baseamo-nos
na
a dénca abstrai conhecer E nós mesmos, quando precisamos sabemos avalhar a
Afastamo-nos dela para refletir e veiculos em alta velocidade,
a realdade para epensamos sobre ela.
conhecimento científico mentada, com o tráfego de distáncia ea
velocidade do automóvel que
além de suas aparncias. O cotidiano e o velocidade
compreende-a medir a distáncia e a
perfeitamente veiculo
que temos da realidade aproximam-se
e se afastam: aprOximam-se Até hoje não conhecemos ninghem que
de um

tmeunar.. o0u
permile a retere ao real; afastam-se porque
a ciència abs-
rem em nossa direção.
essa tarefa. Esse
quando
ou fita métrica para
porque a ciencia se usasse máquina de. calcular atravessamos
construcão do melhor, ou seja, ciència afas-
a acumulando no n o s o cotidia-
trai a realidade para campreend-la conhecimento que vamos a rua
conhecimento
turansformando-a em objeto de investigação-a
upo de conhecimento intuiti-
c o m u m . Sem esse
ta-se da realidade, no é chamado de senso
cientifico sobre do conhecimento cientifico
sobre o real vida no dia-a-dia se-
que permite a construção tentativas e erros, a nossa
vo, espontáneo, de
0Tad

Para compreender isso melhor, ria muito complicada.


distanciamentooe
pense na abstração (no A necessidade de acumularmos esse tüpo
de conhecimento es Sem essa
Newton teve de fa-
trabalho mental) que termos de descobrir diaria
conhecinentlo
fruta que caía da pontäneo parece-nos
óbvia. Inmagine
zer para, partindo da a cair, graças ao
efeito da gravidade: intillva
a lei mente que as coisas tendem
árvore (fato do cotidiano), formular diariamente que algo atirado pela janela ten- sponianeg,de
termos de descobrir
da gravidade (fato cientifico) um automóvel em velocidade vai se a nossa vida no
Ocorre que, mesmo o mais espe- de a caire não a subir; que
nós e que, para fazer um aparelho ele dia-adia seria
sai de aproximar rapidamente de muilo comphicada.
cializado dos cientistas, quando eletricidade.
trodomésúco funcionar, precisamos de
laboratório, está submetido à dinà
seu
mica do cotidiano, que cria suas pró Osenso comum, na produção tipo de conhecimento,
desse
caminho que vai do hábito à tradição, a qual, quando
das teorias cienti- pércorre um
prias"teorias" apartir Assim, aprendemos
estabelecida, passa de geração para geração.
ficas, seja como forma de "simplificá- uma rua, a fazer o liqüidificador fun-
las" para o uso no dia-a-dia, ou
como com nossos a a
pais
t r a v e s s a r

correta, a con-
alimentos na época e de maneira
sua maneira
fa-
peculiar de interpretar cionar, a plantar
e assim por diante.
F G M.m feitas quistar a pessoa que desejamos
tos, a despeito das considerações comum
d nós estudantes, Eé tentativa de facilitar o dia-a-dia que o senso
pela ciència. Todos a
nessa
"teorias"; na realidade, um conhecimento
teólogos-vivemos produz próprias
suas
psicólogos, físicos, artistas, operários,as suas teorias, isto é, acei- numainterpretação livre, poderíamos
chamar de teorias mé-
maior parte do tempo esse
cotidiano e que,
tamos as regras do seu jogo. dicas, fisicas, psicológicas etc.
18 19
PSICOLOGIAS A psicologia ou as psicologias

SENSOCOMUM: UMA VISÃO-DE-MUNDO conhecimentos denominado filoso fia. A formula


a ori
ção de um conjunto de pensamentos sobre
do homem, seus mistérios. principios morais,
ESse conhecimento do senso comum, alênm de sua gem
produção forma um outro corpo de conhecimento humano,
caracteristica, acaba por se apropriar, de uma maneira muito singu
conhecido como religiáo. No Ocidente. um livro
ar, de conhecimentos produzidos pelos outros setores da produ- de nos
muito conhecido traz as crenças e tradiçòes
çao do saber humano. O senso comum mistura e recicla esses ou- um modelo de
e muitos
sos antepassados e para
ros saberes, muito mais especializados, e os reduz a um upo de teo- condua: a Biblia. Esse livro é o registro do
conheci-
ria simplificada, produzindo uma determinada visão-de-mundo. Um outro livro s e
mento religioso judaico-cristão.
Vedas. Veda, em sâns Registro del
melhante é o livro sagrado dos hindus: Liuro dos
O que estamos querendo mostrar a voce é que o senso co-
mum integra, de um modo precário (mas é esse o seu modo), o co- conhecimento. CTenças
crito (antiga lingua clássica da India), significa radiçdes
É claro muito
nhecimento humano. que isto não ocorre
conhecimento mais
rapida-
sotis
Por fim. o homem. já desde a sua pré-história,
deixou marcas
desenhou a
ururas
as

mente. Leva
de sua sensibilidade nas paredes das cavemas, quando
o
um certo tempo para que geraçães.
comum, e nunca o uma expressão do c o
icado e especializado seja absorvido pelo senso suaprópria figura figura
e a da caça, criando
é totalmente. Quando utilizamos termos como "rapaz complexa nhecimento que traduz a emoção e a sensibilidade. Denominamos ohonen ia

do", "menina histérica", "ficar neuróüco", estamos usando


termos
desde a sua
definidos pela Psicologia científica. Não nos preocupamos em de
arte a essetipo de conhecimento.
Arte, religião, filosofia, ciência e senso comum são domíniosprehistoria
deincu marcas de
finir as palavras usadas e nem por isso deixamos de ser entendidos do conhecimento humano. SUa sersibilidace
outro. Podemos até estar muito do conceito cienti
próximos
pelo ras paredes das
fico mas, na maioria das vezes, nem o sabemos. Esses são exemplos cavermas.
da apropriação que o senso comum faz da ciëncia.
A PSICOLOGIA CIENTÍFICA
Apesar de reconhecermos a existênda de uma psicologia do sen-
ÁREAS Do cONHECIMENTO so comume, de certo modo, estarnmos preocupados em defini-la, ë
com a ouura psicologia que este livro dever ocuparse - a Psicologia

Os gregos já
Somente esse tipo de conhecimento, porém, não seriaOsuficiente cienufica. Foi preciso definir o senso comum, para que o leitor pudes
humanidade. homem,
dominavam para as exigèncias de desenvolimento da se demarcar o campo de atuação de cada uma, sem confundi-las.
cada vez mais espaço neste
complicados desde os tempos prnmitivos, foi ocupando Entretanto a tarefa de definir a Psicologia como ciência é bem
sena muito pouco para
caicuios planeta, e somente esse conhecimento inuitivo mais árdua e complicada. Comecemos por definir o que
entende
matemáticos
que ele dominasse a Natureza em seu próprio proreito. Os gregos, por mos por ciência (que também não é simples), para depois explicar
volta do século 4 a.C.. já dominavam complicados cálculos matemád- uma de suas äreas.
mos por que a Psicologia é hoje considerada
cos, que ainda hoje são considerados dificeis por qualquer jorem cole-
gial. Os gregos precisavam entender
esses cálculos para resolver seus
navais etc. Era uma questão de so-
problemas agricolas, arquitetônicos,
brevivência. Com o tempo, esse tüpo de conhecimento foi-se especiali- 8QUE ECIENCIA
conhecimentos sobre
zando cada vez mais, até aingir o nível de sofisticação que pemitiu
ao A ciencia compõe-se de um conjunto de
definiremos fatos ou aspectos da realidade (objeto de estudo), expresso por
NoOcidente, homem atingir a Lua. A este úpo de conhecimento, que conhecimentos
com mais cuidado logo adiante,
chamamos de iência. meio de uma linguagem precisa e rigorosa. Esses
conhecido traz sistemática e conrola-
devem ser obtidos de maneira programada,
as crenças e Mas senso comume a ciência não são as únicas formas de
o de validade. Assim, pode-
da, para que se pernmita rerificação
a sua

tradigoes conhecimento que o homem possui para descobrir e interpretar a dos diversos da ciència e saber exata
de nossos realidade. mos apontar o objeto ramos

anlepassados mente como determinado conteúdo


foi construído, possibilitando
Povos antigos, e entre eles cabe sempre mencionar Os gregos,
o saber pode ser trans
a reprodução da experiencia. Dessa forma,
eé para muitos
e com o significado da existëncia hu-
orngem
um modelo de preocuparam-se com a mitido, rerificado, utilizado e desenvolido.
concuta; a Bia. mana. As especulações em tono desse tema formaram um corpo de
20 21
PSICOLOGIAS Apsicologiaouas psicologias
um novo Essa
caracteristica da produção cienifica O mesmo não ocorre com a Psicologia. que, como a Antropo-
conhecimentaé unuidade:
um nOvo possibilita sua con-
conhecimento é produzido sempre a parur de logia. a Economia, a Sociologia e todas as cièncias humanas. estu-
produzido sempre algo anteriormente desenvolvido. da o homem,
aparlir de algo Negam-se, reafirmam-se, desco
anteriormenie Dre-se novos
aspectos, e assim a ciència avança. Nesse senudo. a
Certamente. esta divisäo é ampla demais e apenas coloca a
desenvolido. ciència caracteriza-se como um processo. Psicologia entre as ciências humanas. Qual é. então. o objeto espe
Pense no desenvolvimento do motor movido cifico de estudo da Psicologia?
a álcool hidrata-
do. Ele nasceu de Se dermos a palavra a um psicólogo comportamentalista, ele Qual é, entäioa
uma necessidade (crise do petróleo) e
concreta
fo1 dirá: "O objeto de estudo da Psicologia é o comportamento huma- obijeto especlico
planejado a partir do motor a gasolina, com a alteração de pou no. Se a palavra for dada a unm psicólogo psicanalista. ele dirá: "O de estudo da
COs
componentes deste. No entanto, os primeiros automoveis m0
vidos a ålcool objeto de estudo da Psicologia é o inconsciente", Outros dirão que ogja
apresentaram muitos problemas. como o seu mau é a consciéncia humana, e outros. ainda, a personalidade.
funcionamento nos dias frios. Apesar disso, esse úpo de motor foj-
se aprimorando.

A Ciencia tem ainda uma característica fundamental: ela as DivERSIDADE DE OBJETOS DA PsIcOLOGIA

pira à
objetividade. Suas conclusões devem ser passiveis de verifi
Cação e isentas de emoção, para, assim, tornarem-se válidas para A diversidade de objetos da Psicologia é explicada pelo fato Assim, a
consutuido área do concepção de
todos. de este campo do conhecimento ter-se como

Objeto especifico, linguagem rigorosa, métodos e técnicas es Conhecimento cientifico só muito recentemente (final do século homem que o
Aciència tem pesquisador
Filosofia enquanto traz
19), a despeito de existúr há muito tempo na
ainda uma pecificas, processo cumulativo do conhecimento, objetividade fa-
preocupação humana. Esse fato é importante. ja que a cienCia se
consiga
contamina
zem da ciência uma forma de conhecimento que supera em muito
caracterislica quando uma inevitavelmenlo a
undiamenlar el o conhecimento espontáneo do senso comum. Esse conjunto de caracteriza pela exatidão de sua construção teórica, c.
Sua pesquisa em
aspira a ciencia é muito nova, ela não tere temp0 ainda de apresentar teo
obielividade característi cas é o que permite que denominemos cientifico a um Pstcologia.
rias acabadas e definitivas, que permitam determinar com maior
conjunto de conhecimentos,
Jean-Jacques Rousseau,
precisão seu objeto de estudo. ilósofo frances
Cm outro motivo que contribui para di-
OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA ficultar uma clara definição de objeto da Psi-
cologia é o fato de o cientista- o pesquisa
Como dissemos anteriormente, um conhecimento, para ser con-
d o r - confundirse com o objeto a ser pes
siderado cientiico, requer um objeto específico de estudo. O objeto
No sentido mais amplo, objeto de
quisado. o
da Astronomia são os astros, e o objeta da Biologia saão os seres vivos. estudo da Psicologia é o homem, e neste caso
Esa classificação bem geral demonstra que é possivel trataroobjeta o pesquisador está inserido na categoria a ser
dessas ciências com uma certa distncia, ou seja, é possivel isolar o estudada. Assim, a concepção de homem que
de estudo. No caso da Astronomia, o cientista-observador
objeto o pesquisacdor traz consigo "contamina" ine
está, por exem-
Observatório plo, nuin observa-
vitavelmente a sua pesquisa em Psicologia.
Nacional porque há diferentes concepçòes
Rio de Janeiro. tono, e o astro ob- go ocorre
de homem entre os cientistas (na medida em
Estudar o servado, a anos
estudos tilosóficos e teológicos e mesmo
fenómenaisico luz de distància que
pensar sobre doutrinas politicas acabam definindo o ho-
de seu telescópio.
algo externo aa mem a sua maneira, e o cientista acaba ne
Esse cientista não
homem. vinculando a uma destas
Estudaro corre o minimo Cessarianmente se

homem
risco de confun Crenças). E o caso da concepção de homem
pernsar sobre si franc s
natural, formulada pelo filósofo
mesmo. cirse com o fenó-
o homem era
meno que está es Rousseau, que imagina que
e foi corrompido pela sociedade. e que
tudando. puro
22
PSICOLOGIAS A psicologia ou as psicologias
cabe entao 23
ao filósofo reencontrar essa
10). Outros véem o pureza perdida (veja capitulo
homem como ser abstrato, nhecimentos distintos e especificos a respeito dela. APsicologia co-
finidas e que não com caracterisücas de
mudam, a despeito das condições sociais labora com o estudo da subjetividad é essa a sua forma particular,
ja submeddo. Nós, autores a
que este- especifica de contribuição para a compreensão da totalidade da
deste livro, vemos esse homem como
tado, deteminado ser da vida humana.
pelas condições históricase sociais que o cercam.
Nos, autoresS Na realidade, este ë um Nossa matéria-prima, portanto, é o homem em todas as suas a ben
deste Ivo, vemos Ciencias humanas, muito "problema" enfrentado por todas as expressões, as visiveis (nosso comportamento) e as invisiveis (nos apa omen
esse homem discutido pelos cientistas de cada area e sOs sentimentos), as
coma ser datada,
ate agora sem
perspectiva de solução. Conforme a singulares (porque somos o que somos) e as pensamenta,
mem adotada, definição de ho genéricas (porque somos todos assim) é o homem-corpo, ho-ne a
determinado com ela.
teremos uma
concepção
de objeto que combine mem-pensamento, homem-afeto, homem-ação e tudo isso está sin- udo isso estä
pelas condiçães Como, neste momento, há uma
históricas e que permitem várias riqueza de valores sociais tetizado no termo subjetividade. sintelizado no
Sociais que o mente que, no caso da
concepções de homem, diríamos
simplificada- A subjetividade é a síntese singular e individual que cada emo subjebviade.
Cercam. homens" concebidos pelo
Psicologia, esta ciência estuda os "diversos
um de nós vai constituindo conforme vamos nos desenvolvendo
se caracternza
conjunto social. Assim, a Psicologia hoje e vivenciando as experièncias da vida social e cultural; é uma
por uma diversidade de objetas de estudo.
Por outro lado, essa diversidade de síntese que nos identifica, de um lado, por ser única, e nos igua-
os fenömenos objetos jusifica-se porque la, de outro lado, na medida em que os elementos que a consti-

acessiveis
psicológicos são tão diversos, que não
podem ser tuem são experienciados no campo comum da objetividade so-
ao mesmo nível de
ser
observação e, portanto, não podem cial.
Esta síntese-2 subjetividade - é o mundo de idéias, sig-
sujeitos aos mesmos
padrões de descrição, medida, controle e e emoçðes construído internamente pelo sujeito
interpretação. O objeto da Psicologia deveria ser aquele que reu nificados
partir de suas relaçòes sociais, de suas vivencias e de sua consti
a

nisse condições de
agutinar uma ampla variedade de fenömenos ruição biológica; é, também, fonte de suas manifestaçðes afeti-
psicológicos. Ao estabelecer o padrão de descrição, medida, con vas e comportamentais.
trole e interpretação, o psicólogo está também estabelecendo um
determinado critério de seleço O mundo social e cultural, conforme vai sendo experienciado
dos fenômenos psicológicos as
e
sim definindo um por nós, possibilita-nos a construção de um mundo interior. São di-
objeto.
Esta situação leva-nos a questionar a caracterização da Psi- versos fatores que se combinam e nos levam a uma vivência muito
particular. Nós atribuímos sentido a essas experiëncias e vamos nos
cologia como ciência e a postular que no' momento não existe
constituindo a cada dia.
uma
psicologia, mas Cièncias psicológicas embrionárias e em de A subjetividade é a maneira de sentir, pensar, fan tasiar, so-
senvolvimento.
as nbar, amar e fazer de cada um. E o que consütui o nosso modo de

oogegum /Arn0eD d 4
ser:
sou filho de japoneses
e
militante deum
grupo ecológico,
testo Matemática, adoro samba e black music, pratico ioga, tenho
de
A sUBJETIVIDADE COMO OBJETO DA PsIcoLOGIA vontade mas não consigo ter uma namorada. Meu melhor amigo
é filho de descendentes de italianos, pTimeiro aluno da classe em
Considerando toda essa dificuldade na conceituação única do
objeto de estudo da Psicologia, optamos por apresentar uma def Matemática, trabalha e estuda, é corinthiano fanático, adora co

nição que lhe sirva como referëncia para os próximos ner sushie
navegar pela Inlernet. Ou seja, cada qual é o que é: sua
capíulos, singularidade.
uma vez que voce irá se deparar com diversos enfoques que trazem Entretanto, a síntese que a subjetividade representa não é ina- ciando e
definições específicas desse objeto. (o comportamento, o incons
ciente, a consciência etc.),
ta
ao indivíduo. Ele a constrói aos poucos, apropriando-se do ma- anslormando a
terial do mundo social e cultural, e faz isso ao mesmo tempo em mundo (erteno), o
A identidade da Psicologia é o que a diferencia dos demais ra- que atua sobre este mundo, ou seja, é ativa na sua construção. homen consasi
mos das ciências humanas, e translorma
pode ser obuda considerando-se que Criando e transformandoo mundo (externo), o homem constrói e própia
cada um desses ranos enfoca o homem de maneira
particular. As-
sim, cada especialidade a Economia, Politica, a História
transforma a si próprio.

trabalha essa matéria-prima de maneira


etc Um mundo objetivo, em movimento, porque seres humanos
particular, construindo co- o movimentam permanentemente com suas intervenções; um
PSICOLOGIAS A psicologia ouas psicologias 25

mundo subjetivo em movimento porque os indivf se madificar, pois as experiéncias sempre trarào novos elementos
duos
novas
estão permanentemente se apropriando de para renová-la.
marérias-primas para constituírem suas sub- Talvez você esteja pensando: mas eu acho que sou o que
jetividades. sempre fui
-
eu não me modifico! Por acompanhar de perto
De um certo vocè
modo, podemos dizer que a suaspróprias transformaçoes (não poderia ser diferente!).
subjetividade não só é fabricada, produzida, mol pode näo perceb-las e ter a impressão de ser como sempre foi.
dada, mas também é automoldável, ou seja, o ho- Você é o construtor da sua transformação (veja capítulo 13) e,
mem pode promover novas formas de subjetivida fazendo-o pensar que
por isso, ela pode passar despercebida,
de, recusando-se ao assujeitamento e à perda de não se transformou. Mas vocë cresceu, mudou de corpo, de von
memória imposta pela fugacidade da informa- tades, de gostos, de amigos, de atividades, afinou e desafinou,
çao, recusando a massificação que exclui e estig enfim, tudo em sua vida muda e, com ela, suas viv ncias subjeti-
matiza o diferente, a aceitação social condiciona- vas, seu conteúdo psicológico, sua subjetivid le. isso acontece
da ao consumo, a medicalização do softimento. com todos nós.
Nesse senido, retomamos a utopia que cada ho- Bem, esperamos que você já tenha uma noção do que seja
mem pode participar na construção do seu desti-
subjetividade e possamos, então, voltar a nossa discussão sobre o
no e de sua coletividade. objeto da Psicologia.
Por fim, podemos dizer que estudar a subje- A Psicologia, como jádissemos anteriormente, é um ramo das
tividade, nos tempos atuais, é tentar compreen Ciências Humanas e a sua identidade, isto é, aquilo que a diferen
a produção de novos modos de ser, isto é, as
der cia, pode ser obtida considerando-se que cada um desses ramos e n
subjetividades emergentes, cuja fabricação é so- foca de maneira paricular o objeto homem, construindo conheci-
cial e histórica. O estudo desas novas subjetivida- mentos distintos e específicos a respeito dele. Assim, com a estudo
des vai desvendando as relações do culural, do
políico, do económico e do histórico na produ-
da subjetividade, a Psicologia
contribui para a compreensão da to
talidade da vida humana.
ção do mais intimoe do mais observável no ho
claro que a forma de se abordar a subjetividade, e mesmo
mem aquilo que o captura, submete-o ou
m0 a forma de concebë-la, dependerá da concepção de homem ado-
biliza-o para pensare agir sobre os efeitos das for-
tada pelas diferentes escolas psicológicas (veja capitulos 3, 4, 5e
mas de submissäo da subjetividade (como dizia o
6). No momento, pelo pouco desenrolvimento da Psicologia, essas
filósofo francês Michel Foucault).
escolas acabam formulando um conhecimento fragmentário de
O movimento e a transformação são os ele uma única e mesma tatalidade-o ser humano: o seu mundo in-
mentos básicos de toda essa história. E aprovei terno e as suas manifestações. A superação do atual impasse leva-
tamos para citar Guimar es Rosa, que em Gran rá a uma Psicologia que enquadre esse homem como ser conereto
de Sertão: Veredas, consegue expressar, de modo e multideterminado (veja capítulo 10). Esse é o papel de uma
muito adequado e rico, o que aqui vale a pena ciência crítica, da compreensão, da comunicação e do encontro
registrar: rdo homem com o munda em que vive, já que o homem que com
a si
O imporlanle e
banito do mundo é
"O importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não es- preendea História (o mundo externo) também
si
compreende
tão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão mesmo homem
(sua subjetividade),
e o que compreende a mes-
isso: que as
criar novas
pessoas näo estão sempre mudando. Afinam e desafinam", mo pode compreender o engendramento do mundo e

sempre iguais, Cormvidamos você a refletir um pouco sobre esse pensamento rotas e utopias.
correntes da Psicologia consideram-na pertencente
alerminadas, m2s
de Cuimar es Rosa. As pessoas não estão sempre iguais. Ainda não Algumas
Ciências do Comportamento e, outras, das Cièncias
que elas
sempre mudando.
foram terminadas. Na verdade, as pessoas nunca serão terminadas,
pois estarão sempre se modificando. Mas por que? Como? Simples
ao
campo das
Sociais. Acreditamos que o campo das Ciencias Humanas é mais

abrangente e condizente com a nossa proposta, que vincula


a Psi
Afinam e mente porque a subjetividade- este mundo interno construído
determinações não cessará de à Antropologia, à Economia etc.
os pelo homem como síntese de suas cologia à História,
27
26 A psicologia ou aspslcologias
PSICOLOGIAS
sua felicidade.
busca de Mas é pre Esses saberes
A PSICOLOGIA E O MISTICISMO Construiu muitos "saberes"
CISO deiarcar nossos campos.
Esses
em
saberes nao estão no cammpo da
rdo estio no
campo d2
estudo.
se tornar seu objeto de Psicologia, mas
Psicologia. mas podem
dbstolns APsicologia. area da Giência,
como desenvohvendo
venm se na
adivinhatórias e descobrir
E possivel estudar as práticas
o que podem se lornar
história desde 1875. quando Willhelm lW'unde (1832-1926) criou
Laboratório de
o
elas tem de eficiente. de acordo com
us crilérios cientiticos.
e apr seu
ESuGO
objto de
prineiro Experimentos em Psicotisiologia. em
motar tas aspectas para
um uso eficiente e racional. Nem senipre
Leipzig. na Alemanha. Esse marco histórico signiticou o desligt
esses critérios cientificos
tèm sido observados e alguns psicólogos
mento das idéias psicológicas de idéias abstratas e espiritualistas, sem o devido cuidado e
observaçãu.
acabam usar tais pråticas
nos homens. a qual sera
prn'
que defendiam a existència de uma alma Esses seja daquele que usa prätica
casos,
a mística como acompa
a sede da vida psiquica. A partir dai, a le iria da Psicologiaé de nhamen to psicológico, seja o do psicólogo que usa
cdesse expedien-
fortalecimento de seu vinculo com os prne ipios e métodos cienti- critërio cientifico con1prorado. são previstos pelo código de
te sem
ficos. A idéia de un homem autonomo, capaz de se responsabilizar
por isso. passiveis de punição. Ao primeiro
éica dos psicólogos e.
pelo seu próprio desenvohimento e pela sua vida, também vai se caso, conio pritica de charlatanismo e, no segundo, como descm-

fortalecendo a partir desse onmen to,


peulo inadequado da profissäo.
Hoje, não consegue explicar muitas coisas
Psicologia ainda
a esse campa fronteiriço
Enuretanto, ë preciso ponderar que
sobre o área da Ciència relativamente nova
homem. pois é uma cientifica e a especulação
misüca deve ser trata
entre a Psicologia
(com pouco mais de cem anos). Além disso, sabe-se que a Ciencia devido cuidado. Quando se trata de pessoa. psicóloga ou
do com o
nao esgotar o que há para se conhecer, pois a realidade está prticas misticas
em
do expediente das
a cada dia, o não, que decididamente usa
ou de qutalquer outra
or-
permanente moimento e novas perguntas surgem como forma de tirar proveito pecuniärio
homem está em movimento e em uransformação, colocando tam
terceiros, temos um caso de policia s puni-
a

bem novas perguntas para a Psicologia. A invenção dos computa- dem, prejudicando
não é possivel caracterizar a atua-
em nossas formas de
ção é salutar. Mas muitas vezes
dores, por exemplo, trouxe e trará mudanças de forma tão clara.
e a Psicologia precisará absor
ção daqueles que se utilizam dessas práticas conhecimento cien-
pensanmento, em nossa inteligëncia, Nestes casos, não podemos tornar absoluto o

seu quadro teórico.


"conhecimento por excelència" e dogmatizá-lo
a
ver essas transformações em
tifico como o
têm levado os criar um tribunal semelhante ao
da
Alguns dos "desconhecimentos" da Psicologiado saber huma- ponto de correr o risco de acreditam
em outros campos reconhecer que pessoas que
psicologos a buscarem respostas tèm sido associadas
Santa Inquisição. E preciso
no. Com isso, algumas práticas nåo-psicológicas nísticas têmo direito de consulure
em priticas adivinhatórias ou cientis-
O tarö, a astrologia, a quiromancia, a nu- temos de reconhecer. nós
as práticas psicológicas. de serem consultadas, e também
adivinhatórias e/ou misticas, tém coisa sobre o psiquismo humano e
O verdadeiro
merologia, entre ouras práücas tas, que não sabenmos muita
sido associadas ao fazer e ao saber psicológico estranhos e insond - dienlista deve ler
que, muitas vezes, novas descobertas seguem 0s olhos abertos
outras formas de sa- deve olhos abertos
Estas não são práticas da Psicologia. São veis caminhos. O verdadeiro cientista
ter os
para o novo.

ber de saber sobre o humano que não podem ser confundi para o novo.
das com a Psicologia, pois: Enfin, nosso aqui 1ai em dois sentidos:
alerta
partir do método e adivinhatórias ou
n ã o são construidas no campo da Ciència, misturar a Psicologia com práticas
a
Não se deve
ao
pressupoOstos ciiversus opostus
e
dos principios cientificos; misticas que esto baseadas em
da Psicologia, que vë não só o
estão em oposição aos principios da Psicologid.
homem como ser autönomo, que se
desenvolve e se constitui a
"Menteé como pára-quedas: melhor aberta." E preciso aber estar

mundo social e cultural, mas também tendo sida es-


conhecimentos que,
de
partir sua relação com o
to para o novo, atento a novos
futuro ao agir s o salberes, Ou
o homem sem destino pronto, gue constrói seu tudados a àmbito da Ciencia, podem trazer novos

bre O mundo. As práticas misticas tem piressupostos opostos, pois ainda não respondidas.
seja. novas respostaS para perguntas seu
de destüno, da existència de torças que não de saber do homem. tem
nelas há a concepção A Ciencia. como uma das formas
mas, coma
estao na campo do humanoe do mundo
mateial.
campo de atuacão com métodos e princípios próprios, na ver
A Psicologia, ao relacionar-se com esses saberes, deve ser ca e nunca estará. A (iencia ë.
forma de saber. nr está pronta
reconbecenda que o homem
paz de enfrentä-los sem preconceitos,
28
PSICOLOGIAS
dade. um processo permanente de conhecimento do 1undo. u
exercicode diálogu enre tu pesameno humanoea realidade.
em tocos os seus aspecun. Nesse sentido. tudo o que Ocurre co1n o
homem é motvo de interesse para a Ciencia. que deve aplicar setus
principis e métodus para construir resposta

emen A PsIcoLOGIA DOS PSICÓLOGOS


as
Somos obrigados a renunciar à pretensão de delerminar para
unitario
multiplas investigações psicológicas um objeto (um campo de fatos)
e coerente. Conseqüentemente, e por sólidas razões, não
somente históri-
cas mas doutrinárias, torna-se impossível à Psicologia assegurar-se uma unt

dade metodológica.(.)
Por isso, talvez fosse preferivel falarmos, ao invés de "psicologia", em "ciências psicoló-
especificar, ao mes-
gicas". Porque os adjetivos que acompanham o termo "psicologia" podem
mo fempo, tanto um dominio de pesquisa (psicologia diferencial), um estilo metodológico (psi
de distúrbios
cologia clinica), um campo de práticas sociais (orientação, reeducação, terapia
que chega delinir,a para
comportamentais etc.), quanto determinada escola de pensamento
instrumentos de pesquisa. (..)
seus conceitose
seu proprio uso, tanto sua problemática quanto
uma expressão
não devemos estranhar que a unidade Psicologia, hoje, nada mais seja que
da
e enganador. Dande não ha-
comoda, a expressão de um pacifismo ao mesmo tempo prático
ver nenhum inconveniente em
falarmos de "psicologias" no plural. Numa época de mutação
no imenso dominio das ciências "exatas",
bio
acelerada como a nossa, a Psicologia se situa
diversidade de dominio e diversidade de métodos. Uma coisa,
lógicas, naturais e humanas. Há feitos métodos; mé-
não são para os os
porém, precisa ficar ciara: os problemas psicológicos
todos é que são feitos para os problemas. (...)
se reparte em tantas ten-
Interessa-nos indicar uma razão central pela qual a Psicologia
tendência fisicalista, a tendéncia psico-socioló-
dências ou escolas: a tendéncia organicista, a
obstáculo suprema impedindo que todas essas ten
gica, a tendência psicanalftica etc. QuaB o de desagregarem a
dências continuem a constituir "escolas" cada vez mais fechadas, panto
a
obstáculo é devido ao fato de nenhumn
outrora chamada "ciência psicológica ? A meu ver, esse
cientista, conseqüentemente, nenhum psicólogo, poder considerar-se um cientista "puro".
filosófica ou
Como qualquer cientista, todo psicólogo está comprometido com uma posição
ideológica. Este fato tem uma importáncía fundamental nos problemas estudados pela Psico
logia. Esta não é a mesma em todos os paises. Depende dos meios culturais. Suas variações
dependem da diversidade das escolas e das ideologias. Os problemas psicologicos se diversi
ficam segundo as correntes ideológicas ou filosóficas venham relorçar esta ou aquela orienta
ção na pesquisa, consigam ocullar ou impedir este ou aquele aspecto dos dominios a serem
explorados ou consigam esterilizar esta ou aquela pesquisa, opondo-se implícita ou explicita-
mente a seu desenvolvimento. (..)

Hilton Japiassu. A psicologia dos psicólogos


2. ed. Ria de Janeiro, Imago, 1983 p. 24-6.

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