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5ª Temática - GESTÃO EDUCACIONAL DEMOCRÁTICA: um paradigma emergente da


conjugação de ações sociopolíticas empreendidas no chão brasileiro1

I – Considerações iniciais

No decorrer da trajetória da organização da educação escolar em nosso País,


notadamente a partir da década de 1930, tem predominado a aplicação do modelo administrativo
oriundo do setor empresarial. Entre outros fatores, tal transposição decorreu do entendimento de que
este mesmo modelo administrativo poderia ser utilizado pelas demais organizações sociais por estar
assentado em bases científicas e racionais.
Entretanto, isto não significa dizer que a aplicação do modelo administrativo oriundo
do âmbito empresarial no setor educacional tenha transcorrido sem contestações ou questionamentos.
Inclusive, já naquela década, podemos encontrar vozes, posicionamentos e ações discordantes que
apresentaram uma postura crítica em relação modelo administrativo que se apresentava como
hegemônico. Ainda: tais dissensos ensejaram o desencadeamento de um novo estilo administrativo
mais condizente com as novas configurações sociais e políticas que, sobretudo nas duas últimas
décadas, foi configurando a sociedade brasileira.
No presente estudo refletiremos, pois, sobre os principais movimentos e ações
empreendidos pelos educadores e suas entidades representativas em parceria com setores sociais
progressistas os quais contribuíram para a emergência de novos processos administrativos. Eles vêm
se configurando como um novo paradigma, ou seja, o da gestão educacional democrática da educação
e da escola. Entretanto, convém salientar que, em se tratando de um processo ainda em construção,
esta nova modalidade administrativa não pode ser vista como algo já acabado, já estando efetivamente
implantado e vivenciado nos cenários educacionais (quer em nível sistêmico quer no âmbito das
unidades de ensino). Há, pois, um percurso a ser continuado para que a gestão democrática se
configure como uma práxis que emoldure o cenário educacional brasileiro.

II - Gestão educacional: um novo modelo administrativo forjado na prática social dos


educadores e suas entidades representativas

Vejamos, ao longo desta Temática, desdobrada em quatro seções, como ocorreu a


construção e vem sendo aplicado um novo modelo administrativo educacional e escolar a partir de
experiências e mobilizações - em vários rincões do nosso País - nas quais, aliados a setores sociais

1
In: SOUSA, Luis Carlos Marques. Gestão educacional democrática: itinerários de um paradigma em
construção (formato e-book). Curitiba: Bagai, 2021.
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progressistas, os educadores brasileiros e as suas entidades representativas deram uma significativa e


marcante contribuição.
Num primeiro momento nos debruçaremos sobre a contribuição dos Pioneiros da
Educação Nova, por reconhecermos nesse segmento, no contexto do Brasil republicano, uma
expressiva conclamação para um novo olhar sobre a educação em nosso País e, nesse contexto, ser
apontada a descentralização como a forma de condução administrativa que poderia fazer a educação
chegar ao patamar que naquele momento era não só desejado como necessário para que o Brasil
pudesse ser uma nação desenvolvida.
Num segundo momento, ainda que com limites e condicionamentos, serão trazidas
algumas experiências que, mesmo no cenário então existente de um Estado autoritário, ensejaram
passos em direção à perspectiva da democratização da educação e da escola nos espaços locais
(municipais e estaduais) nos quais foram dados.
Na terceira seção resgataremos parte do significativo movimento empreendido pelos
educadores ao longo das conferências de educação (período de 1980 a 1991) em prol da educação e
da escola pública brasileira com as consequentes sinalizações em vista de um novo paradigma
administrativo.
Por fim, na quarta seção, também resgataremos parte das contribuições das entidades
representativas dos educadores brasileiros em vista da inclusão de pautas educacionais democráticas
no debate constitucional realizado no biênio 1987-1988.

II.1 – As inquietações dos Pioneiros da Educação Nova em relação ao modelo administrativo


tradicional

A década de 1930 foi um marco na trajetória da administração educacional/escolar


brasileira quando, então, foram adotados princípios e estratégias da Administração Científica.
Entretanto, já naquele momento, os Pioneiros da Educação Nova, no célebre Manifesto de 1932,
expressaram fortes inquietações à estruturação que estava sendo dada à educação brasileira.
A primeira diz respeito à própria situação na qual a educação nacional se encontrava e
que, inclusive, estava relacionada com a organização e a administração desse setor:
Se depois de 43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado atual da
educação pública, no Brasil, se verificará que (...) não lograram ainda criar um
sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das
necessidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado. A situação anual, criada
pela sucessão periódica de reformas parciais e frequentemente arbitrárias, lançadas
sem solidez econômica e sem uma visão global do problema, em todos os seus
aspectos, nos deixa antes a impressão desoladora de construções isoladas, algumas
já em ruína, outras abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em
termos de serem despojadas de seus andaimes... (PIONEIROS..., 1932).
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Prosseguindo a análise da realidade educacional daquele período, os Pioneiros


localizaram como causa dos problemas desse setor a ausência da determinação dos fins da educação
(aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas
educacionais.
Nessa perspectiva Fernando de Azevedo e os demais signatários do Manifesto
direcionaram a educação como uma função pública a ser assumida pelo Estado e, em consequência,
defenderam que fosse elaborado um plano geral de educação em vista de a escola se tornar “acessível,
em todos os seus aspectos, aos cidadãos a quem a estrutura social do País mantém em condições de
inferioridade econômica”. Como podemos inferir, tal reivindicação pode ser lida como uma clara
sinalização para a democratização do acesso à educação escolar.
Em decorrência do cenário político que naquele momento prenunciava a implantação
do Estado autoritário varguista, os Pioneiros tocaram na delicada questão do encaminhamento
administrativo a ser dado para a educação. Com efeito, de um lado, não pouparam críticas ao modelo
administrativo de cunho centralizador:
A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do Estado,
no espírito da verdadeira comunidade popular e no cuidado da unidade nacional, não
implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as condições geográficas
do país e a necessidade de adaptação crescente da escola aos interesses e às
exigências regionais (PIONEIROS..., 1932 – o grifo é nosso).

Em contraposição ao que consideraram “estéril e odioso”, os Pioneiros ponderaram


que “unidade não significa uniformidade”, pois “a unidade pressupõe multiplicidade”. Em sintonia a
isso apontaram como caminho adequado para a reconstrução da educação nacional:
Aplicação da doutrina federativa e descentralizadora, que teremos de buscar o meio
de levar a cabo, em toda a República, uma obra metódica e coordenada, de acordo
com um plano comum, de completa eficiência, tanto em intensidade como em
extensão.

Curioso observar que somente cinquenta e seis anos depois, na atual Constituição
Federal, é que o indicativo dos Pioneiros foi legislativamente acatado, ou seja, a descentralização
coordenada envolvendo os entes federados (União, Estados e Municípios) numa ação conjunta e
articulada da promoção e manutenção da educação pública para que, efetivamente, todos os
brasileiros tenham acesso a uma escola pública de qualidade.
Com o transcorrer do tempo, um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros destacou-
se dos demais pelas várias funções que exerceu no âmbito da administração pública educacional, bem
como pelos seus escritos a respeito da administração educacional e escolar. Trata-se do renomado
baiano Anísio Spindola Teixeira (1900-1971) que, entre outros aspectos, notabilizou-se como um
persistente crítico da centralização que regia a educação nacional, que, na sua visão, constituía a raiz
de muitos males de que padecia essa mesma educação.
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Tendo presente a atuação centralizadora que o Ministério da Educação vinha


realizando desde a sua criação, em 1930, Anísio Teixeira analisava o estilo administrativo desse órgão
como restritivo e rígido, pois “cerceia e dificulta, hoje, o desenvolvimento e a expansão de iniciativas
e experiências novas, e limita e empobrece a força vivificadora da autonomia e do senso de
responsabilidade” (TEIXEIRA, 1956, p. XVII). Assim, aquele educador-administrador defendia a
necessidade de a centralização ser superada para, então, possibilitar um novo patamar de dinamismo
na vida das escolas. Neste sentido, o educador baiano se posicionava:
Só voltarão a serem vivas, progressivas, conscientes e humanas quando se libertarem
de todas as centralizações impostas, quando seu professorado e pessoal a ele
pertencerem em quadros próprios da escola, constituindo seu corpo de ação e
direção, participando de todas as suas decisões e assumindo todas as
responsabilidades” (TEIXEIRA, 1976, p. 127).

Em oposição à centralização, também considerada como “uma política de poder, de


grupos ou camadas sociais absorventes” (TEIXEIRA, 1976, p. 127), Anísio Teixeira propôs a
descentralização coordenada com uma consequente outorga de poder para os municípios 2 e a
autonomia da escola.
Para esse educador-administrador, a municipalização da escola primária3 – em termos
de descentralização administrativa e manutenção da rede escolar – fundamentava-se no entendimento
de que possibilitaria que “as escolas, antes de mais nada, estariam melhor ligadas à comunidade local
e, deste modo, estas se tornariam responsáveis perante a comunidade que, por sua vez, se sentiria
mais responsável pelas suas escolas (TEIXEIRA, 1976, p. 127, p. 46). Como pode ser inferida, a
municipalização deveria proporcionar mútuo benefício para a escola e a comunidade.
Em que pese a distância do tempo em que foi feita, traduzindo para o âmbito escolar
o significado da proposta de descentralização defendida por Anísio Teixeira, é bastante atual a defesa
feita por esse educador-administrador sobre a autonomia da escola:
Cumpre dar a cada estabelecimento o máximo de autonomia possível e esta regra é
a grande regra de ouro da educação. Tudo o que puder ser dispensado, como controle
central, deverá ser dispensando (...). As escolas só voltarão a serem vivas,
progressivas, conscientes e humanas, quando se libertarem de todas as centralizações
impostas, quando seu professorado e pessoal a ela pertencerem, em quadros próprios
da escola, constituindo seu corpo de ação e direção, participando de todas as suas
decisões e assumindo todas as responsabilidades. O princípio da autonomia
consagrado quanto à universidade tem de se estender a todas as escolas como o
princípio fundamental de organizações de ensino (TEIXEIRA, 1976, p. 127).

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Convém considerar que a proposta anisiana de municipalização do ensino primário se constituía em algo
ousado para aquele momento, uma vez que o ordenamento jurídico-político do Brasil de então não conferia ao
município o status de ente federado como, contemporaneamente, é determinado pela atual Constituição
Federal.
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Consideradas as devidas proporções e os diferenciados contextos, esse tipo de escola, na atualidade,
corresponderia aos estabelecimentos de ensino que oferecem os chamados anos iniciais do Ensino
Fundamental (1º aos 5º anos).
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Dando a entender que em algum momento anterior a escola brasileira havia sido
detentora de autonomia quanto a pessoal e material, e que isso havia se perdido, Anísio Teixeira não
somente analisava que tal perda teria sido o início da desintegração da escola, como também apontava
para os resultados desse processo, ou seja, “nada restará senão o automatismo de diretores e mestres,
a executar o que não planejaram, nem estudaram como se estivessem no mais mecânico dos serviços”
(TEIXEIRA, 1976, p. 127).
Em relação ao posicionamento sobre a autonomia escolar, destacamos que para Anísio
Teixeira esse princípio educacional não significava independência ou mesmo que o poder público
abandonasse a escola à própria sorte. Inclusive, ele considerava como necessário o acompanhamento
do poder público através dos órgãos administrativos específicos exercendo ações de controle e de
supervisão. Entretanto, no exercício dessas funções administrativas Anísio Teixeira chamava a
atenção para que o Ministério da Educação e as secretarias estaduais de educação tivessem
organização especial “dado à natureza peculiaríssima dos seus serviços de educação e cultura”
(TEIXEIRA, 1976, p. 127, p. 129).
Anísio Teixeira também defendia que
nessa organização especial, o âmbito de controle legal deve ser mínimo, devendo
ficar tudo o que disser respeitos aos aspectos internos dos processos educativos e
culturais sujeitos ao controle de órgãos exclusivamente profissionais, específicos,
mediante instituições permanente e facilmente modificáveis, à luz da melhor
consciência profissional existente (TEIXEIRA, 1976, p. 129).

Apesar de a primeira lei nacional de educação – a LDB 4.024/61- ser vista como uma
“lei de meia-vitória” (TEIXEIRA, 1976, p. 228) ou, no dizer de Carlos Lacerda, que teria sido a lei à
qual se pôde chegar naquele momento, muito provavelmente os embates travados em torno da
centralização x descentralização contribuíram positivamente para que o texto da LDB 4.024/61, em
seus artigos 11, 12 e 104, apresentasse orientações na perspectiva da descentralização do ensino nos
termos da não existir um currículo fixo estabelecido para todo o território nacional. Assim, cada nível
e ramo do ensino poderia construir seu próprio currículo e, neste âmbito, os estabelecimentos de
ensino poderiam oferecer outras disciplinas diferentes das que constavam no currículo mínimo
estabelecido pelo Conselho Federal de Educação.

II.2 – É possível, sim, um novo modo de administrar a educação e a escola públicas!

No bojo da intensificação do movimento em prol do restabelecimento do Estado de


direito e da democratização da sociedade brasileira, sobretudo a partir da segunda metade da década
de 1970 e continuando pelas décadas seguintes, o campo educacional se reorganizou, quer no sentido
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de contestação e de confronto ao autoritarismo vigente, quer na perspectiva de proposição por novo


caminho. Em meio aos limites existentes – decorrentes da permanência da ditadura civil-militar
gerada pelo golpe de 1964 – foram realizadas algumas experiências de inovação administrativas nos
municípios de Lages/SC, Boa Esperança/ES e Piracicaba/SP. De acordo com a análise de Cunha
(1999, p. 106), tais experiências se tornaram “modelos de administração municipal democrática”, e
as trazemos aqui pelos impactos que ocasionaram no setor educacional local, bem como para o
restante do cenário educacional nacional.
Mesmo com as naturais diferenças decorridas de distintos contextos geográficos,
econômicos, sociais e políticos, as experiências realizadas naqueles municípios tiveram em comum a
implantação de estratégias administrativas envolvendo a participação das lideranças populares ou
mesmo as comunidades nos processos de tomada de decisões que implicavam mudanças na
organização das escolas e no currículo escolar. Por outro lado, mesmo que embrionariamente e com
o limite decorrente da circunscrição das experiências ao âmbito municipal, as experiências de Lages,
Boa Esperança e Piracicaba sinalizaram um avanço na forma de se elaborarem políticas educacionais,
ou seja, estas não mais apenas definidas por especialistas e/ou em “gabinetes”, mas a partir da escuta
feita junto àqueles que, nas “políticas de cima para baixo” são considerados como apenas os
destinatários das ações governamentais. Dito de outro modo: de apenas destinatários os envolvidos
também se tornavam sujeitos de políticas públicas.
Ainda que tenha sido em outra direção, vale também ser mencionado aqui o ocorrido
no município de Blumenau-SC: um feito que, no contexto do Estado autoritário então reinante, deve
ser visto como uma ação audaciosa: a realização de um seminário nacional visando avaliar os dez
anos de promulgação da Lei 5.692/71; lei esta que para os governos militares significava um avanço
para a educação nacional. Como analisado por Cunha (1999, p. 119), a promoção de tal evento por
parte da administração municipal de Blumenau justifica “a inclusão deste município como um
daqueles onde as mudanças na política educacional partiram da periferia para ganhar o núcleo do
Estado”.
Ao final do seminário foi divulgado um manifesto contendo vários pontos para serem
discutidos com a sociedade brasileira, dos quais mais diretamente relacionados com o nosso foco de
estudo transcrevemos os seguintes:
- participação da comunidade nas decisões da vida escolar, inclusive através das
eleições de diretores;
- participação das entidades de professores no Conselho Federal e nos conselhos
estaduais e demais órgãos oficiais, visando garantir a contribuição do magistério na
definição da política educacional;
- elevação das verbas governamentais destinadas à educação para, no mínimo, 12%
a nível federal e 25% a nível estadual, priorizando o ensino público (CUNHA, 1999,
p, 122).
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Passando para a esfera estadual, o Estado de Minas Gerais 4, foi cenário de um


significativo e inovador processo de reflexão sobre a educação envolvendo a sociedade de uma
unidade federativa, a saber: o Congresso Mineiro de Educação, ocorrido no período de agosto a
outubro de l983.
Para facilitar a compreensão do significado do aludido congresso, em muito podem
nos ajudar os números apresentados no estudo de Cunha (1999): na fase inicial de montagem do
congresso foram criadas 722 comissões municipais e mais de 20 mil comissões de escolas, totalizando
cerca de 30 mil pessoas envolvidas na tarefa de organização do Congresso. No decorrer da realização
do evento foi registrada a participação de 5.553 escolas estaduais, cerca de 9.200 escolas municipais
e a quase totalidade das 620 escolas privadas de 1º e 2º graus.
Para além dos números acima mencionados, entendemos que o significado maior do
Congresso Mineiro de Educação decorreu do próprio espírito colegial que embasou sua preparação e
organização e, mais ainda, pelo espraiamento, por todo o território nacional, da ideia de que era
necessário institucionalizar esse mesmo espírito no interior da escola, ou seja, ser criado o Colegiado
Escolar com funções deliberativa e consultiva e “composto por representantes de todo o pessoal em
exercício na escola, alunos, pais de alunos e grupos comunitários” (CUNHA, 1999, p. 172). Assim,
com esta e outras modalidades de colegialidade, vem sendo desencadeado um processo de
reaprendizagem do exercício da participação social também nos aparelhos do Estado, o que,
concomitantemente, configura-se uma valiosa contribuição para a organização da sociedade civil
(BONETI, 2000, p. 237).
Na organização e realização do Congresso Mineiro de Educação foi marcante a
presença e a atuação do professor Neidson Rodrigues. Novamente trazendo-o para o presente estudo,
deixemos este educador-administrador falar sobre o significado do que ele considerou como um
terceiro componente importante da democratização da escola pública, ou seja, a democratização dos
aspectos pedagógicos:
Significa que se deve lutar pela maior possibilidade de participação dos agentes
educacionais nas decisões de conteúdo e da forma da prática educacional. Significa
retirar as decisões pedagógicas dos processos centralizados e autoritários:
centralizados na autoridade ou numa duvidosa teoria da competência. Isso quer dizer
que as decisões a respeito do que se vai ensinar e de como se vai ensinar, tanto quanto
a avaliação do próprio processo pedagógico não pode ficar restritas a um diretor, um
professor ou mesmo ao livro didático (...). Para que se possa democratizar o processo
pedagógico, há que se ampliar, em quantidade e qualidade, a ação dos agentes
decisórios nesse processo. Defende-se, nesse sentido, a criação de conselhos e
colegiados da administração que possam participar, juntamente com o diretor, dos
processos de decisão a respeito da vida administrativa da escola, bem como de
conselhos pedagógicos – sejam eles de classe, de professores, de especialistas da
educação -, a fim de que todas as decisões a respeito da atividade educacional,

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Aqui estamos no governo Tancredo Neves (eleito em novembro de 1982, porém governando por menos de
dois anos em virtude da sua candidatura à presidência da República),
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possam ser tomadas com a participação de diretores, especialistas, professores, pais


e alunos” (RODRIGUES, 1996, p. 44).

Apesar de longa, justificamos a transcrição acima por conter importantes aspectos


relacionados com as tarefas a serem desempenhadas pelo colegiado que, por sinal, em muito superam
o trato de meras questões administrativas da vida da escola. Enfatizando o papel do Conselho Escolar,
apreendemos desse autor que o este organismo colegial também deve ser um espaço de reflexão e de
tomada de decisões referentes àquilo que se constitui o núcleo da vida da escola, ou seja, a dimensão
pedagógica.
Ainda que de passagem, porém também compondo o cenário de mudanças
administrativas ocorridas no aparelho do Estado brasileiro, vale também fazer aqui uma referência a
duas medidas governamentais – no Estado do Paraná - por, de certa forma, terem sido ousadas para
o contexto autoritário de então e, mais ainda, por expressarem sintonia com os anseios e os passos de
democratização empreendidos pela sociedade brasileira.
A primeira medida resultou da expedição do Decreto 455, de 13 de abril de 1983, por
meio do qual, naquele Estado, era institucionalizado o mecanismo da provisão de diretor escolar por
eleição, em cujo processo todos os segmentos da comunidade escolar (interna e pais dos alunos)
podiam tomar parte. Apesar do limite da medida (do processo eletivo resultaria uma lista tríplice a
partir da qual o Secretário de Educação nomearia um dos eleitos) este acontecimento foi algo inovador
no cenário da educação pública brasileira. O registro feito por Cunha (1999, p. 247) é ilustrativo do
quanto essa inovação sinalizou o atendimento de uma reivindicação histórica:
As primeiras eleições foram realizadas em 17 de junho de 1983, num clima de quase
euforia, com a participação de cerca de 2 milhões de pessoas em 3.500 escolas da
rede estadual. Apesar de ser uma sexta-feira, houve comparecimento de mais 70%
dos pais dos alunos.

A segunda medida diz respeito à Resolução 325, da Secretaria de Educação do Paraná,


expedida em janeiro de 1985, por meio da qual foram supressos diversos itens do regimento escolar
da rede estadual de ensino dessa unidade federativa que não mais condiziam com a proposição de
democratização da escola. Dentre outras, houve as seguintes modificações no aludido regimento:
retirada da competência do diretor para cancelar matrícula de aluno; supressão do artigo que proibia
a interferência da associação de pais e professores na administração da escola; extinção da exigência
de que as organizações estudantis tivessem de se enquadrar nas normas baixadas pela direção da
escola, etc.
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II.3 – A contribuição do movimento dos educadores para a gestação de um novo modelo para a
administração da educação e da escola públicas

Em sintonia com o processo de construção da democratização da sociedade brasileira


(que vinha sido tecida desde a década de 1970), no decorrer da década de 1980 os educadores
brasileiros, em vista da concretização desse projeto societal, se destacaram ao realizarem as chamadas
Conferências Brasileiras de Educação, promovidas e coordenadas pela Associação Nacional de
Educação/ANDE, Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação/ANPEd e pelo
Centro de Estudos Educação e Sociedade/CEDES.
A primeira conferência ocorreu no período de 31 de março a 3 de abril de 1980, nas
dependências da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP, congregando cerca de 1.400
participantes provenientes de 18 estados da federação. Seu tema central foi “Política educacional”.
Num ambiente marcado por um grande esforço para haver espaço para a divergência de pontos de
vistas e de posicionamentos, ao longo dos quatro dias da Conferência os participantes demonstraram
bastante maturidade para fazerem suas as palavras da comissão organizadora de que rejeitavam o
papel de simples executores de uma política educacional sobre a qual não haviam sido consultados
(ANAIS..., 1981, p.10).
Tanto pela natureza do evento como pela abrangência do tema escolhido, muitas foram
as questões tratadas envolvendo os vários níveis de ensino que integravam o sistema de educação
nacional daquele momento. Entretanto, na I Conferência foi dada ênfase à necessidade da
democratização da educação e da escola, na perspectiva de haver uma efetiva participação da
sociedade na elaboração e implementação das políticas educacionais. Desta forma, essa Conferência
fez eco aos anseios de participação que naquele momento a sociedade brasileira, sobretudo via
movimentos populares e sindicais, expressava em vista da reconstrução democrática da nação.
A segunda conferência, com um número de 2.000 inscrições, foi realizada nas
dependências da Universidade Federal de Minas Gerais, no período de 10 a 13 de junho de 1982,
tendo como tema “Educação: perspectivas da democratização da sociedade”. Aliada aos temas dos
profissionais da educação, da participação popular e os pedagógicos, a gestão da educação se
constituiu num dos eixos agregadores desta conferência. Vistos de forma articulada, a discussão sobre
tais eixos contribuiu para o fortalecimento da proposta da edificação democrática necessária para a
reconstrução da vida nacional – numa perspectiva totalmente oposta ao contexto autoritário e
excludente de então – na medida em que a educação fosse reconhecida como um fundamental direito
de cidadania.
No bojo da discussão sobre a gestão da educação foi dada ênfase à temática da
descentralização, que naquela ocasião estava sendo apresentada como o direcionamento que a
educação brasileira deveria seguir. Entretanto, como registrado no documento de encerramento dessa
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segunda conferência, a descentralização possuía diferentes versões entre os setores e os partidos


políticos que participavam do processo de redemocratização da sociedade brasileira
(DOCUMENTO..., 1982, p. 317ss).
Mesmo sem ter chegado a um consenso em torno dessa complexa questão, os
educadores expressaram bastante receio em relação ao encaminhamento que estava sendo dado à
configuração da descentralização, ou seja, à perspectiva de municipalização. Tal receio não era
infundado, uma vez que foi bastante danosa para a organização da educação brasileira a
descentralização estabelecida pelo Ato Adicional de 1834.
Seguindo o calendário estabelecido, dois anos depois, de 12 a 15 de outubro de 1984,
desta vez na cidade de Niterói/RJ, nas dependências da Universidade Fluminense, com um notável
aumento de 3.000 inscritos, portanto, com 5.000 inscritos, acontecia a III Conferência Brasileira de
Educação.
O tema central “Da crítica às propostas de ação” expressava o compromisso dos
educadores brasileiros em contribuir na montagem do programa político que, naquele momento,
estava sendo desenhado pelos segmentos sociais progressistas. A despeito das divergências das forças
que abraçavam tal programa, fundamentalmente este dizia respeito ao direcionamento que deveria
ser dado à vida nacional assentada em bases democráticas, na justiça e igualdade social. Neste
contexto, podemos compreender o poder de força de que a Conferência estava revestida, a ponto de
o candidato à presidência da República Tancredo Neves ter enviado uma mensagem (datada de
11/10/84) aos seus participantes.
Aquela mensagem, certamente, deve ter causado um grande alento aos educadores,
tanto pela pessoa do emitente, que naquele momento histórico, na condição de candidato à presidência
da República aparecia como o grande articulador de um novo momento republicano, quanto pelo teor
da missiva, que expressava o reconhecimento de que os educadores possuíam um importante papel a
desempenhar na formulação da política educacional brasileira. Aos educadores, entre outras coisas,
Tancredo Neves dizia:
(...) gostaria de receber de todos, através deste fórum e de outros que se organizem,
as sugestões que haverão de embasar a ação do futuro governo (...). O momento
inicial nos desafia a uma participação coletiva na busca e na implementação de uma
política nacional de educação que possa ser elaborada a partir do verdadeiro
laboratório da educação – as escolas – e não a partir de ideias geradas, de forma
centralizada nos gabinetes tecnocráticos. Os princípios democráticos que motivam
nossos compromissos com a educação asseguram amplas condições para a promoção
de um grande debate nacional, capaz de incluir todos os segmentos da sociedade,
instituições e organizações sociais, culturais, científicas e políticas para a formulação
de uma verdadeira política nacional de educação (apud REVISTA ANDES, 1984, p.
69).
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Declarando se sentirem sensibilizados pela mensagem que lhes fora enviada, os


participantes da III Conferência Brasileira de Educação responderam ao presidenciável Tancredo
Neves, em documento datado de 30/10/84, e entregue em mãos no dia 22/11/84. Após fazerem um
sucinto resgate da trajetória de luta do movimento docente “por uma política nacional de educação
orientada pelo compromisso com a democratização das oportunidades de acesso à educação e à
cultura" (RESPOSTA..., 1991, p. 64), os educadores também declararam que “estavam com
disposição de participar ativamente da formulação e implementação da política educacional do novo
governo” (RESPOSTA..., 1991, p. 64).
De 2 a 5 de setembro de 1986, desta vez na capital goiana, nas instalações da
Universidade Federal de Goiás, reunindo 6.000 participantes, foi realizada a IV Conferência
Brasileira de Educação. Em sintonia com o clima social e político que a nação estava vivenciando –
o anúncio de uma Assembleia Nacional Constituinte – nessa nova conferência o tema adotado foi:
“Educação e Constituinte”.
Resultado de intensas reflexões e debates foi produzido um documento cujo teor,
certamente, fará com o que o mesmo possa ser inscrito na lista dos documentos memoráveis que têm
sido gestados ao longo da história da educação brasileira apontando uma nova direção para a educação
nacional: a Carta de Goiânia. Nessa missiva, após constatarem que, no âmbito da educação, o País
continuava convivendo com problemas crônicos referentes à universalização e qualidade do ensino,
à gratuidade escolar, às condições de trabalho do magistério e à escassez e má distribuição das verbas
públicas, os educadores pontuaram alguns dados estatísticos que corroboravam a denúncia que
estavam realizando (CARTA..., 1994).
Na sequência, mesmo reconhecendo que as expectativas de mudança dos crônicos
problemas da educação nacional apresentadas na conferência anterior (1984) não haviam se realizado,
os educadores renovaram sua disposição de luta e apresentaram 21 propostas para serem inseridas no
texto constitucional. Destas, destacamos as seguintes:
- educação escolar nos estabelecimentos públicos em todos os níveis de ensino,
gratuita e laica, como um direito de todos os brasileiros;
- o direito à educação pública básica comum, gratuita e de igual qualidade, sem
distinção para ninguém;
- ensino fundamental obrigatório, com 8 anos de duração;
- a promoção do ensino fundamental como um dever do Estado para todos os jovens e
adultos que foram excluídos da escola ou a ela não tiveram acesso na idade própria;
- ensino de 2o. grau como segunda etapa do ensino básico e como um direito de todos;
- autonomia e democratização da universidade;
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- destinação dos recursos públicos unicamente para os sistemas públicos de ensino,


quer sejam federal, estadual ou municipal; e
- garantia à sociedade civil do controle de execução da política educacional em todas
as esferas administrativas do País.
Também nessa carta foi apresentado um novo entendimento sobre a democratização
da educação defendida pela conferência, assim expresso:
A democratização da educação não passa apenas pela ampliação quantitativa das
oportunidades de acesso e permanência na escola e pela sua eficiência na transmissão
de conhecimentos. Ela diz igualmente respeito à administração global do sistema e
à vida da escola em particular (CARTA...1994, p. 227).

Mantendo praticamente o mesmo número de inscritos na anterior, desta vez na Capital


Federal, no período de 2 a 5 de agosto de 1988, aconteceu a V Conferência Brasileira de Educação,
na Universidade de Brasília, tendo como tema “A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”.
Tendo em mira a elaboração da nova LDB, os trabalhos desse encontro concentraram-se na discussão
e produção de propostas para a nova lei máxima da educação nacional, destacando-se a defesa dos
princípios da “destinação exclusiva das verbas públicas para o ensino público e o da gestão
democrática da escola de qualquer tipo ou grau”. (V CONFERÊNCIA., 1988, p. 5) como uma
condição fundamental para a democratização da educação.
Diante da importância que a descentralização estava recebendo nos debates em torno
da nova LDB, e percebendo a possibilidade de desvirtuamento da concepção que essa diretriz possui
na perspectiva progressista, em seu documento final, a V Conferência adotou o seguinte
posicionamento:
A aspirada descentralização do ensino deve fundamentar-se numa efetiva
distribuição de poderes a serem exercidos a partir de legítima representação
democrática, acompanhada de adequada destinação de recursos, imprescindíveis ao
cumprimento dos encargos educacionais. Não pode caracterizar-se pelo
descompromisso de diferentes instâncias administrativas com a educação, como
frequentemente tem ocorrido nas tentativas de municipalizar o ensino do 1º. grau.
Nem pode traduzir-se na privatização do ensino nos diferentes níveis, como tem
acontecido na Velha e na Nova República (V CONFERÊNCIA..., 1989, p. 65).

Ainda naquele documento os educadores declararam reconhecer que a luta pela


transformação da escola, para que esta instituição se constituísse em efetivo espaço democrático e
popular, não poderia estar dissociada de um compromisso de luta mais amplo, ou seja, um
engajamento em vista da provocação de profundas mudanças na sociedade brasileira como um todo
para que pudesse ocorrer distribuição mais igualitária dos bens e benefícios sociais, sem o que as
mudanças nas políticas educacionais e nas normas legais não passariam de propostas formais e de
meros paliativos para as múltiplas desigualdades existentes no interior dessa mesma sociedade (V
CONFERÊNCIA..., 1989).
13

Por variadas razões, a programação da realização bienal das conferências não pôde ser
realizada no ano de 1990, de modo que a VI Conferência só pode ser realizada no ano seguinte, no
período de 3 a 6 de julho, no campus da Universidade de São Paulo (USP), tendo como tema “Política
nacional de educação”.
Muito provavelmente, em decorrência da complexidade da temática adotada essa nova
conferência, entre outros aspectos, caracterizou-se por estabelecer uma ampla parceria com
intelectuais e profissionais de outras áreas (economistas, cientistas sociais e filósofos, entre outros).
Assim, esta VI Conferência buscou responder às múltiplas interpelações que estavam contidas no
processo de contribuição para a elaboração de uma política educacional capaz de encarar os desafios
impostos pela profunda crise em que, naquele momento específico, a educação brasileira estava
mergulhada. Neste sentido, os educadores denunciaram:
O nosso já frágil sistema público de ensino tem sido alvo de políticas que em vez de
responderem aos seus problemas, enfraqueceram-no ainda mais e contribuem para a
sua desintegração (...). Políticas traçadas em nome da sociedade, mas que ameaçam
o ensino público porque pensam a esfera pública a partir de interesses privados.
Políticas elaboradas em nome de um novo modelo econômico, supostamente capaz
de tirar o Brasil da crise estrutural que o afeta e de incluí-lo no atual reordenamento
político-econômico internacional, mas que põem em risco a sobrevivência daquelas
instituições de cuja existência e vigor muito dependem na construção de uma
sociedade democrática, porque pensam desenvolvimento sem justiça social
(MENSAGEM..., 1992, p. 17).

Na elaboração de uma política educacional que atendesse de forma democrática ao


momento de então, os educadores foram enfáticos em defender que cabe ao Estado o papel indivisível
de financiamento e gestão da educação pública e, ao mesmo tempo, compete à sociedade civil a tarefa
de dar as coordenadas das políticas educacionais capazes de efetiva e ampla penetração social.
Sobre o que significaram as Conferências Brasileiras de Educação, endossamos a
análise de Pino (1995, p. 21) para dizer que elas não somente representaram um foco de resistência
ao Estado autoritário de então, como também foram opositoras às políticas educacionais desse mesmo
Estado. Mais ainda: as conferências expressaram o desejo e o compromisso dos educadores
brasileiros e suas entidades representativas em favor de uma educação democrática que pressupõe o
estabelecimento de um Estado democrático.
Recordando que em momentos passados da história do nosso País já haviam sido
realizados outros eventos para discussão e debate da educação nacional, porém, a partir de iniciativa
do poder governamental, também vale ser destacado que as conferências aqui refletidas se
constituíram numa inversão da prática até então vigente, ou seja, as políticas educacionais que antes
eram definidas a partir do “alto”, passaram a contar com um movimento participativo vindo das bases,
de mãos, pés, corações e mentes daqueles que também possuem autoridade para propor rumos e
direcionamento a serem dados à educação – os educadores, homens e mulheres envolvidos na
14

construção do conhecimento desde as primeiras séries da escola básica até as cátedras da pós-
graduação.

II.4 – A mobilização das entidades representativas dos educadores para a inclusão de pautas educacionais
democráticas no momento constituinte de 1987/88

No ensejo da elaboração e promulgação da Constituição Federal de 1988, um novo tempo


e cenário abriram-se para a luta pela democratização da educação e da escola públicas. O processo de
redação da nova constituição ao longo dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte (anos 1987
e 1988) foi visto pelos educadores e suas entidades representativas como ocasião e espaço imperdíveis
para contribuírem em favor da redemocratização da sociedade brasileira e, nesse horizonte, da
continuidade da luta em favor da democratização da educação e da escola públicas.
Analisando o registro feito por Gadotti (1990, p. 108), no qual constam os nomes das
74 entidades que foram ouvidas pela subcomissão de Educação, Cultura e Esporte (encarregada de
elaborar o anteprojeto básico sobre tais setores), identificamos a existência de 23 representantes de
entidades diretamente ligadas ao setor educacional, os quais apresentaram centenas de propostas para
serem incorporadas ao texto constitucional. Dessas propostas, a citada subcomissão, em seu
anteprojeto, deu destaque a cinco questões temáticas, a saber: vinculação de recursos à educação,
ensino gratuito e universal nas escolas públicas, fiscalização do ensino pela comunidade,
aposentadoria especial para profissionais do ensino e intervenção federal nos estados que não
cumprissem a determinação constitucional de aplicação de um percentual mínimo da receita de
impostos.
Em vista da canalização de recursos e de energias e, ainda, porque se sentiam
irmanadas pela causa comum da democratização da sociedade, diversas entidades educacionais se
uniram para a criação do Fórum de Educação na Constituinte em Defesa do Ensino Público e Gratuito,
instalado no dia 9 de abril de 1987. Posteriormente, em virtude de divergências internas em relação à
destinação das verbas públicas para a educação, essa agremiação tomou o nome de Fórum em Defesa
da Escola Pública/FNDEP, contando com a participação de 14 entidades.
O surgimento do FNDEP, centrado na reivindicação de um projeto para a educação
nacional como um todo, deveu-se à existência de uma vontade política dos educadores e de parcelas
da intelectualidade brasileira engajadas na luta pela redemocratização do País e, ainda, apresentou-se
como uma das novas formas de agregação dos interesses da sociedade civil, principalmente através
da atuação de entidades, aglutinando coletivos socialmente organizados (GOHN, 2001). Assim, o
FNDEP, com menos de três meses de sua instalação (de abril a junho de 1987), conseguiu protocolar
uma emenda assinada por 279.103 eleitores de todo o País, englobando as lutas históricas dos
trabalhadores em educação, inclusive a democratização do acesso ao ensino e da sua gestão.
15

Como observado por Mendonça (2000, p. 103), a defesa do tema da gestão


democrática do ensino, por parte do Fórum, era sinal de que a ideia de democratização da educação
já superava o conceito de escola para todos e, assim, avançava-se na compreensão da escola como
espaço de vivência democrática e de administração participativa. Corroborando essa afirmação,
transcrevemos, abaixo, os artigos da Proposta do Fórum da Educação na Constituinte em Defesa do
Ensino Público, que explicitamente contemplam tal entendimento:
Art. 18 – A lei regulamentará a participação da comunidade escolar (professores,
estudantes, funcionários e pais) na comunidade científica e nas entidades
representativas da classe trabalhadora em organismos democraticamente
constituídos para a definição e o controle da execução da política educacional em
todos os níveis (federal, estadual e municipal).
Art. 19 – A gestão acadêmica, científica e financeira de todas as instituições de
ensino de todos os níveis e das instituições de pesquisa, além de todos os organismos
públicos de financiamento de atividades de pesquisa, extensão, aperfeiçoamento do
pessoal docente e desenvolvimento científico e tecnológico deverá ser democrática,
conforme critérios públicos e transparentes.
Parágrafo 1o. – As funções de direção e coordenação nas instituições de ensino em
todos os níveis e nas instituições de pesquisa serão preenchidas através de eleições
pela comunidade da instituição respectiva, sendo garantida a participação de todos
os segmentos dessa comunidade.
Parágrafo 2o. – A produção, a seleção, a edição e a distribuição de material didático
sob a responsabilidade do poder público devem ser submetidas ao controle social e
democrático da comunidade, garantindo-se a representatividade dos diferentes
pontos de vista, respeitadas as especificidades regionais e culturais (FÓRUM...,
1990, p. 112ss).

Analisando a existência e atuação do FNDEP, endossamos de Gohn (2001, p. 82) o


registro de que, diferentemente do quadro dos anos 70, no qual o Estado era visto pelos movimentos
sociais como sendo seu principal antagonista, esse organismo apresentou a singularidade de ser um
movimento que buscava manter a atuação estatal na sociedade, entendida tal atuação no sentido de
preservação e promoção dos direitos da maioria dos cidadãos. Buscava, ainda, preservar o Estado do
desvirtuamento que ocorre em seu interior quando, por exemplo, as verbas públicas são apropriadas
por lobbies particulares, em função de interesses privados e não públicos. Nesse sentido, mesmo com
divergências em seu coletivo sobre diversas questões, a destinação das verbas públicas unicamente
para a escola pública foi uma das principais bandeiras de lutas empunhadas pelo FNDEP.
Cessados os trabalhos de elaboração da nova Constituição e sendo esta promulgada,
podemos localizar no texto constitucional vários avanços em relação à educação oriundos das
reivindicações e proposições dos educadores e suas entidades representativas, tais como:
a) a inclusão da educação como um direito social (art. 205);
b) a responsabilização do Estado na promoção da educação e como seu dever (art. 205
e art. 206);
16

c) a gestão democrática como um princípio pelo qual o ensino público deve ser regido
(art. 206, VI);
d) a extensão da gratuidade ao ensino médio (art. 208, II);
e) o atendimento educacional especializado para os portadores de necessidades
especiais (art. 208, III) e
f) a caracterização da universidade como instituição autônoma (art. 207).
É evidente que a incorporação da gestão democrática da educação no texto da
Constituição Federal (posteriormente incorporada pela LDBEN 9394/96), por si só não é uma
garantia para a sua efetivação. Existe a necessidade de ser, consequentemente, implementada.
Todavia, na medida em que o ordenamento jurídico representou um avanço das forças ativas e das
ideias progressistas existentes na sociedade civil, reconhecemos nisso uma contribuição positiva na
perspectiva da garantia e da efetivação dos direitos sociais.
As pautas da gestão, bem como de outras correlatas à educação e à escola, se
inserem, pois, no quadro dessas contradições. Em todo caso não podemos deixar de considerar que o
acolhimento de tais temas nos dispositivos legais (Constituição, LDBEN e outros) também sinalizam
que nos embates travados em torno deles houve ganhos para os educadores e setores sociais
progressistas que conseguiram que parte dos seus anseios fossem registrados. Visto por outro ângulo,
a “conquista possível” poderá e deverá ser aproveitada para servir de estímulo e encorajamento para
a continuidade das outras lutas que possibilitem a ampliação das conquistas já obtidas. Tendo em
vista a realidade educacional brasileira, é obvio que há muito, ainda, a ser feito para que possamos
considerá-la como já sendo efetivamente democrática, o que não só não desmerece os passos e as
conquistas já realizados, mas, ao contrário, sinalizam novas possibilidades a serem atingidas.
Paralelamente à movimentação em torno da Constituinte, os educadores começaram a
se envolver numa outra importantíssima frente de luta: a elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, cujo debate iniciou-se no ano de 1987, encabeçado pela Associação Nacional
dos Profissionais de Administração Educacional (ANPAE), por ocasião da sua X Reunião Anual,
realizada na cidade de Salvador, no período de 11 a 15 de maio de 1987. Já naquele evento foi
contemplada a questão da gestão democrática do ensino público, sendo então elaboradas várias
propostas para integrar o corpo da futura LDBEN. No que tange à gestão democrática do ensino
público, os participantes do encontro da ANPAE enfatizaram a necessidade de serem instituídos
mecanismos que possibilitassem a participação dos segmentos que compõem a comunidade escolar,
tanto na condução dessa mesma comunidade como no processo de formulação e execução da política
educacional, e que somente nessa concepção poderia ocorrer a democratização da educação e da
escola.
17

Para a democratização da educação/escola públicas as mobilizações empreendidas


pelos educadores possibilitaram a compreensão da necessidade e existência de distintas e ao mesmo
tempo complementares vertentes: 1a) democratização do acesso à escola, ou seja, a universalização
de sua capacidade de responder às demandas populares; 2ª) democratização dos processos
pedagógicos, a saber, maior possibilidade de participação dos agentes educacionais nas decisões do
conteúdo e da forma desses mesmos processos; e 3a) democratização dos aspectos administrativos,
incluindo a eleição dos dirigentes educacionais no âmbito da escola.
Na busca pela implantação da gestão democrática no cenário educacional e escolar
brasileiro há também uma compreensão de que isso se constitui numa construção a ser diuturnamente
realizada por meio de variadas materializações, tais como a construção do projeto político-
pedagógico, a organização e o funcionamento de conselhos e colegiados, o grêmio estudantil e a
associação de pais e mestres, alicerçados nos princípios da autonomia escolar e de efetivos processos
participativos.

III - Uma mudança paradigmática: pensar e tratar a educação e a escola a partir da gestão

Juntamente com os acontecimentos analisados em estudo anterior, os quais, ao mesmo


tempo, questionaram a transposição do modelo administrativo empresarial para o campo educacional
e ensaiaram novas formas e posturas de administrar esse mesmo campo, faz-se necessário
compreender a nova realidade que contemporaneamente envolve a educação e a escola brasileiras sob
um novo paradigma. Desta maneira é importante salientar que administração educacional e gestão
educacional não podem ser faladas, vistas e tratadas como equivalentes e, menos ainda, como mera
troca de nomenclaturas. Enfatizando: trata-se de uma mudança de paradigma por ser algo que resulta
da compreensão do modo como o pensamento orienta uma nova forma de perceber a educação e a
escola. Em consequência, determina novas posturas, atitudes e ações para fazer alavancar o âmbito
educacional tanto do ponto de vista sistêmico como da unidade escolar. Como observado por Luck
(2006), a gestão é assentada em outra lógica regida por princípios democráticos e pressupõe a
participação consciente e esclarecida das pessoas nas decisões sobre orientação, organização e
planejamento do trabalho educacional/escolar onde quer que ele esteja acontecendo. A essa
observação acrescentamos que a gestão educacional diz respeito a um processo orientado para
direcionar o trabalho educativo de forma participativa e integrada.
Endossando a reflexão de Luck (2006, p. 102ss), afirmamos que a gestão se configura
como um novo paradigma que tem como pressupostos, dentre outros: i) o entendimento da realidade
como algo dinâmico e em movimento; ii) um olhar positivo sobre as crises e as incertezas no sentido
de encará-las como condições de aprendizagem em vista da construção do conhecimento; e iii)
18

considerar os problemas como sistêmicos e que, por serem tais, envolvem uma gama de componentes
interligados entre si.
Refletindo sobre a mudança paradigmática ocorrida na administração da escola,
Martins (1998, p. 58) recorda que há um componente político que deve ser considerado, pois
passar de uma administração autoritária a uma gestão democrática da educação
implica num compromisso sociopolítico, com o enfrentamento concreto e objetivo
das questões da exclusão, da reprovação e do não acesso que reforçam, pela escola,
a marginalização das classes populares.

A dimensão política da gestão democrática da educação e da escola encontra reforço a


partir da compreensão de que esse tipo de administração deve estar em sintonia e comprometimento
com os interesses e objetivos de uma determinada classe social. Para ser efetivamente democrática
tal sintonia e compromisso devem estar relacionados às camadas subalternas, à classe trabalhadora,
inclusive pelo simples fato de esses segmentos se constituírem em maioria da população.
A gestão democrática da educação, nos moldes pensados pelos educadores e
movimentos sociais, é também uma contribuição para que, através dela, seja resgatado o caráter
público de qualidade da administração pública, contrapondo-se ao senso comum de que os serviços
públicos são sempre péssimos em qualidade. É justamente nesse caráter público da escola de
qualidade “mantida” pelo Estado que a gestão escolar democrática encontra um dos mais fortes
suportes para a sua busca e implantação.
Por sua vez, Cerqueira e Freitas (1999, p. 188) explicitam que
a gestão participativa deve ser compreendida como aquela que envolve em suas
atividades além do diretor, dos professores e demais funcionários, os alunos, os pais
e qualquer membro da comunidade externa da escola que esteja empenhado em
colaborar para a melhoria do processo pedagógico.

Opinando sobre a gestão educacional democrática Ferreira (2000, p. 306) diz que esta
é tomada de decisão, é organização, é direção. Relaciona-se com a atividade de
impulsionar uma organização a atingir seus objetivos, cumprir sua função,
desempenhar seu papel. Constitui-se de princípios e práticas decorrentes que
afirmam ou desafirmam os princípios que as geram. Esses princípios, entretanto, não
são intrínsecos à gestão como a concebia a administração clássica, mas são princípios
sociais, visto que a gestão da educação se destina à promoção humana.

IV - Considerações finais

Tendo presentes as experiências, as ações e os empreendimentos que na prática social


ensaiaram um novo paradigma de gestão para a educação e a escola públicas é provável que ao
olharmos para a atual realidade educacional tenhamos a sensação de que ainda precisamos percorrer
um longo caminho em vista da solidificação dos princípios e práticas de democratização da gestão
19

educacional e escolar. Experimentada tal sensação se faz necessário indagar as razões para, estando
no século XXI, ser explicado o porquê de tal distanciamento. Sem pretensões de apresentar todos os
fatores pelos quais, no cenário educacional brasileiro – do Oiapoque ao Chuí – ainda precisamos
avançar em direção à consolidação da gestão democrática da educação e da escola, gostaríamos de
socializar as explicitações a seguir.
Somos, historicamente, uma sociedade construída sobre os alicerces da dominação, da
dependência e do autoritarismo. E para a manutenção e reprodução desse tipo de sociedade – e aqui
estamos falando da sociedade brasileira da qual fazemos parte – a educação escolar em muito
colaborou; inclusive essa contribuição se deu com o fato de ser um processo educativo excludente,
seletivo e autoritário. Obviamente, diante do que ora constatamos em relação à sociedade e à educação
brasileiras não podemos tomar como um dado cultural imutável; ao contrário, em se tratando de uma
construção histórica é possível, sim, o seu desmantelamento para, alicerçada em outras bases, ser
construída uma outra sociedade, uma outra educação. Utopia? Que o seja! Permitimo-nos pensar
nessa direção porque entendemos que a História humana também é movida pelas utopias e a sua
construção é possível desde que sujeitos concretos assumam as utopias revolucionárias e as
visibilizem em práticas sociais coletivamente sonhadas, democraticamente construídas e
igualitariamente assumidas.
Outro aspecto importante a ser considerado diz respeito ao peso, também histórico, do
patrimonialismo que se constituiu no primeiro estilo administrativo aplicado ao setor público. Por
esse fenômeno as elites brasileiras gravitavam em torno do Estado brasileiro arrancando deste os mais
diversos benefícios: “Sinecuras, prebendas, políticas públicas escandalosamente vantajosas, poder
político e social, empréstimos mais que favoráveis, garantia de impunidade na operação de uma
infinidade de mecanismos de corrupção, clientelismo, patronagem e uma lista sem fim de privilégios”
(TORRES, 2004, p. 143).
O patrimonialismo configura-se, ainda, como uma incestuosa relação entre o público
e o privado, ou seja, na utilização da coisa pública como algo privado. Vale ressaltar que em muito a
educação e a escola pública brasileiras foram contaminadas por tal relação. A título de ilustração
lembramos: i) a defesa de que o setor privado de ensino deveria ser subvencionado por verbas
públicas5; ii) a visão da função de diretor escolar como “cargo de confiança” a ser preenchido apenas
por profissionais que estivessem sintonizados com o poder político, o que, de certa forma, implicava
a nomeação de parentes, amigos ou correligionários.

5
Notadamente, por ocasião da elaboração das nossas duas leis de diretrizes e bases da educação nacional (a
Lei 4024/61 e a Lei 9.394/96) as reivindicações dos privatistas se apresentaram com bastante fôlego. Por outro
lado, a proteção para o ensino privado tem ocupado ponderável espaço na pauta dos debates travados no
Congresso Nacional.
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Em vista da superação do patrimonialismo e em consequência da relação incestuosa


entre o público e o privado, em muito a gestão educacional/escolar poderá contribuir. A título de
exemplo: favorecer o desenvolvimento do sentido de que a escola pública é da sociedade, da
coletividade, uma vez que seu financiamento e manutenção derivam dos impostos pagos por todos.
Assim, mesmo parecendo coisa pequena, deve ser eliminada a linguagem de “escola do governo”
para escola pública, nossa escola. Indo mais além: na medida em que se converter em uma prática
que impregna o cotidiano escolar, a democratização da gestão resultará em um novo tipo de
relacionamento entre o sistema educacional e a escola, algo equivalente, no dizer de Cabral Neto
(1997, p. 194), a uma revolução copernicana no cenário educacional, pois, em última análise, iria
exigir “a transformação das estruturas dos sistemas no sentido de alterar um relacionamento político-
administrativo que trata a escola como periferia do sistema, sem poder de decisão” (MENDONÇA,
2000, p. 15).
Por fim, entendendo que uma caminhada se faz a partir do primeiro passo e que o
presente estudo também poderá significar para o leitor o início de uma reflexão substancial a respeito
da sua contribuição e que, enquanto sujeito histórico e cidadão brasileiro, poderá dar outros passos
em vista da consolidação do paradigma da gestão educacional e escolar, tomamos emprestadas as
palavras de Vandré para cantar/dizer “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
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Indicadores de Aprendizagem

Ao final do estudo desta Temática, é esperado que você demonstre as seguintes


competências:

1 - Apresentar os principais posicionamentos críticos e propositivos dos Pioneiros da


Educação Nova com relação à administração da educação brasileira de então (década de 1930);

2 - Explicitar as críticas e questionamentos de Anísio Teixeira em relação à


administração da educação brasileira.

3 - Explicitar as propostas ou recomendações de Anísio Teixeira em prol de um novo


estilo de administração da educação brasileira.

4 – Atribuir importância aos acontecimentos relacionados com a educação nos


municípios de Lages/SC, Boa Esperança/ES e Piracicaba/SP, no decorrer da década de 1970.

5 – Caracterizar a especificidade do evento educacional ocorrido em Blumenau/SC,


no ano de 1971.

6 – Analisar o Congresso Mineiro de Educação (1983) como um marco referencial


para a concretização da democratização da gestão no cenário educacional brasileiro.

7 – Refletir sobre os aspectos de pioneirismo existentes nas medidas educacionais


ocorridas no estado do Paraná (por ocasião do governo de José Richa, março de 1983 a maio de 1986),
à luz dos parâmetros da gestão educacional democrática.

8 – Confrontar o conjunto das ações de gestões educacionais estudadas implantadas


no Brasil (englobando os âmbitos municipais e estaduais) com o contexto do Estado autoritário pós-
64.
9 – Apresentar os vários posicionamentos apresentados em várias das Conferências
Brasileiras de Educação (ao longo dos anos 1980 a 1991) em relação ao tema da descentralização
educacional.
10 – Refletir como a Carta de Goiânia (IV CBE/1996) foi propositiva em relação aos
avanços e conquistas hoje existentes na realidade educacional brasileira.

11 – Explicitar as contribuições dadas pelas entidades representativas dos educadores


brasileiros que resultaram na inclusão de relevantes pautas educacionais na Constituição Federal de
1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/LDBEN 9394/96.

12 – Destacar os principais traços (ou elementos) que compõem o paradigma da gestão


educacional democrática (tendo por base as pontuações feitas por Luck (2006), Martins (1998),
Cerqueira e Freitas (1999) e Ferreira (2006).

13 – Comentar os dois principais fatores que, em nosso País, tem contribuído para a
não efetivação da gestão democrática da educação.

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