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9ª Temática - GESTÃO EDUCACIONAL DEMOCRÁTICA,


PROJETO POLÍTICO-EDUCACIONAL
E PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

I – Considerações iniciais

A exemplo do que ocorre nas demais formas e expressões educacionais, a


educação escolar também é realizada a partir de uma intencionalidade, de um propósito a ser
alcançado. Desta forma, podemos dizer que a educação escolar se configura num projeto que
resulta da conjugação das intenções individuais e das intenções da sociedade.
Num sentido mais amplo o projeto político-pedagógico também diz respeito à
explicitação da intencionalidade educativa de um grupo social, de uma organização, de um
município, de uma unidade federativa ou mesmo de uma nação. Na trajetória educacional
brasileira, podemos encontrar uma variedade de projetos educacionais a partir dos variados
contextos sociopolíticos que tem ocorrido no decurso da história nacional. Entrementes,
convém ressaltar que tais projetos educacionais, via de regra, estão sintonizados com o
modelo capitalista de sociedade que configura a realidade brasileira.
A intencionalidade da educação pode ser compreendida em função da
concretização de dois distintos projetos de sociedade: o projeto neoliberal e o projeto
emancipatório. São, pois, dois diferentes projetos societais diante dos quais não podemos
ficar indiferentes. Impõe-se a necessidade de fazermos opções e escolhas a respeito de qual
projeto desejamos ver implantado. Em que consistem tais projetos societais?
Em linhas gerais, o projeto sociopolítico neoliberal caracteriza-se por não
reconhecer a diferença como consequência do lugar social que os sujeitos ocupam; não
estimular a luta pela legitimidade da voz das minorias, apesar de um aparente discurso de
convivência e respeito pelo múltiplo universo cultural; ignora, quase que por completo, as
diferenças, as aspirações e as necessidades regionais. Neste contexto, a exterminação de vidas
humanas é justificada (de modo explícito ou disfarçado) pelo fato de o Outro ter cometido
delitos (mesmo pequenos) e, ainda, pelo fato de o Outro ser diferente por conta de fatores
relacionados com a etnia, cor racial, diferenciação sexual, posicionamento político-
ideológico, credo religioso, dentre outros.
Subjacente a este projeto há um modelo de Homem, o qual “se caracteriza por
preocupar-se em resolver suas necessidades de modo individualista, em atender seus
interesses privados desvinculado dos interesses coletivos e, ainda, desempenhar o papel que
lhe foi reservado no palco social sem provocar questionamentos” (SOUSA, 2006, p. 41) e,
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em consequência, não há espaço para as ações coletivas de solidariedade. Considerando o
período pandêmico, ora vivenciado, podemos visualizar a materialização desse projeto nas
posturas, decisões, medidas e encaminhamentos nos quais a própria vida humana se torna
refém dos ditames de uma ordem econômica que se apresenta como não podendo sofrer
paradas.
No que tange ao projeto sociopolítico emancipatório, este tem como ponto de
partida e de chegada a construção da sociedade a partir da intervenção consciente e
transformadora dos sujeitos; vê o sujeito humano em sua totalidade e em permanente diálogo
com o mundo; reconhece a opressão como sendo a imposição político-social de alguns grupos
sobre outros; enfatiza a necessidade de mobilização de esforços para a construção de uma
nova cultura, em luta contra o obscurantismo e a alienação social; propõe uma reforma
educacional em função das aspirações da maioria da população, entendida esta como
pertencente à classe trabalhadora.
Também no atual contexto pandêmico, sem sombra de dúvidas, se inserem
nessa ordem emancipatórias as incontáveis ações de solidariedade empreendidas e
organizadas pela própria sociedade civil (e em meio a esta, organizações religiosas, ONGs e
outras mobilizações humanitárias) em favor dos mais vulneráveis aos efeitos dramáticos e
desastrosos da pandemia gerada pela Covid-19.

II – Projeto político educacional

A partir da forma como uma sociedade está estruturada e organizada, é


construído e defendido um modelo de educação que é considerado como o mais adequado
para a manutenção e reprodução dessa mesma sociedade. Tendo em vista que o processo
educacional é uma ação humana ressaltamos, dentre outros aspectos, o fato de que este
mesmo processo é portador de uma intencionalidade, ou seja, é detentor de finalidades,
objetivos e metas a serem alcançados. Em consonância a isto, são promulgadas as leis que,
ao mesmo tempo em que se constituem num conjunto de normas e regulações para o setor
educacional, também expressam o norte a ser dado para este mesmo setor, portanto, um
direcionamento político. Neste contexto se situam como as duas grandes leis basilares da
educação nacional: a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educacional Nacional/LDBEN 9394/96.
No primeiro diploma, no artigo 205, a educação é apresentada como devendo
visar “ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Por sua vez, a específica lei-maior, em seu
artigo 2º, afirma como finalidade da educação “o pleno desenvolvimento do educando, seu
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preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Em vista da operacionalização dos direcionamentos dados para a educação, há
o planejamento educacional que abrange desde o nível macro ao nível micro de uma
determinada sociedade na qual a educação é realizada. Em nosso caso brasileiro, tais níveis
também dizem respeito às formatações específicas feitas nos chamados entes federativos, a
saber: a União, o Distrito Federal, os estados e os municípios. Atualmente, no Brasil, o
planejamento educacional está consubstanciado no Plano Nacional de Educação (o PNE
2014-2024). Dimensionando para a unidade federativa e o âmbito municipal nos quais
estamos inseridos temos o Plano Estadual de Educação de Pernambuco 2015-2025 e o Plano
Municipal de Educação do Recife 2015-2025.
No contexto dos percursos históricos que vem sendo empreendidos desde a
década de 1980, tanto na legislação como nos Planos educacionais, pelo menos do ponto de
vista formal, vem sendo instituída uma intencionalidade para com a gestão educacional, ou
seja, a gestão democrática. São os casos, por exemplo: i) na Constituição de 1988, esta
modalidade administrativa é prescrita como um dos princípios que devem reger o ensino
público nacional. É o que reza o artigo 206, inciso VI, “gestão democrática do ensino público,
na forma da lei” (BRASIL, 1988); ii) na LDBEN 9394/96 que, no artigo 3º, inciso VIII,
retoma a determinação constitucional, porém descentralizando a operacionalização desse
princípio, a saber: “gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação
dos sistemas de ensino” (BRASIL, 1996) e iii) nos Planos educacionais (valendo para os
decênios de 2014-2024/Brasil, 2015-2025/Pernambuco e 2015-2025/Recife), a gestão
democrática da educação é configurada como uma meta a ser alcançada a partir da adoção de
estratégias necessárias para a sua consecução.
Num olhar abrangente sobre os processos por meios dos quais tem sido
elaborados os projetos educacionais, mais especificamente, no caso dos projetos oficiais, não
podemos deixar de reconhecer que, em sua grande maioria, estes projetos pouco contaram
com uma efetiva participação da sociedade civil organizada e, menos ainda, contemplaram
os interesses, as demandas e as aspirações da classe trabalhadora. Mesmo sendo este um dado
histórico, não podemos deixar de reconhecer a importância, e mesmo a necessidade, de um
contínuo e atuante processo de mobilização por parte da sociedade civil organizada, em duas
distintas e complementares direções: i) no sentido de questionar os projetos educativos que
alimentam um estilo de sociedade excludente e ii) apresentar, defender e fazer valer os
encaminhamentos que possibilitam a educação se constituir num efetivo processo que
contribua para a democratização da sociedade brasileira que, como já refletido, é um
horizonte a ser diuturnamente buscado.
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III - A construção do Projeto político-pedagógico no âmbito escolar: um processo
participativo

Ao falarmos do Projeto político-pedagógico/PPP quase que de imediato vem


à nossa mente sua visualização, sua formalização em um documento escrito elaborado para
uma unidade ensino/escola. Entretanto, convém ressaltar, antes de ser convertido em
documento o projeto político-pedagógico é precedido pela vivência das concepções de
mundo, sociedade e educação que os atores sociais da escola possuem, bem como pelas
posturas e posicionamento decorrentes dessas mesmas concepções. Pela própria
diferenciação dos atores – em função do espaço e dos papéis que ocupam e desempenham na
escola – não é difícil intuir a existência de dissensos nessas mesmas concepções e posturas,
os quais, por outro lado, podem se constituir em fator inicial para ser refletido e buscado um
patamar de idealização da prática educativa que resulte da diversidade dos olhares e
posicionamentos dos atores sociais da escola. Instada pela necessidade de estabelecer um
“chão comum” para a realização do processo educativo é nesse momento que a comunidade
escolar se encontra em condições para desencadear a construção do seu Projeto político-
pedagógico/PPP.

Configurando-se como um processo em contínuo movimento, a construção do


PPP compreende três etapas, fases ou momentos bastante interligados, a saber: elaboração,
execução (ou implantação) e avaliação.
Cada unidade escolar, juntamente com o aspecto da sua ligação institucional
com o sistema educacional do qual faz parte, possui uma feição própria. Neste sentido, o
primeiro aspecto a ser considerado na construção do PPP é que ele deve expressar a
identidade da escola, sua realidade, seu jeito de ser, bem como os novos caminhos que deseja
trilhar. Com efeito, “projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se,
atravessar um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade em função da
promessa que cada projeto contém de estado melhor do que o presente” (GADOTTI, 1997,
p. 37). Tais novos caminhos devem traduzir o desejo e a consequente busca por mudança que,
assim, sinalizam um estado de maturidade da comunidade escolar para elaborar o seu projeto
político-pedagógico.
O desejo, a vontade de mudar, de ir em busca de novos patamares são, pois,
elementos determinantes para ser desencadeado o processo de construção do projeto político-
pedagógico. Quando isto ocorre podemos sinalizar a presença de algum nível de
compromisso entre os atores sociais da escola para realizarem rupturas com o passado e,
assim, avançarem rumo ao futuro.
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Juntamente com uma organização vinculada aos interesses da comunidade, a
visibilização da identidade da escola ocorre por meio da construção do seu PPP, uma vez que
com o seu projeto a escola assume um rosto próprio, a sua singularidade e, por assim dizer, a
sua personalidade institucional. Nas palavras de Vasconcellos (2009, p. 17),
O Projeto Político-pedagógico é o plano global da instituição. Pode ser
entendido como a sistematização, nunca definitiva, de um processo de
planejamento participativo, que se aperfeiçoa e se objetiva na caminhada,
que define claramente o tipo de ação educativa que se quer realizar, a partir
de um posicionamento quanto à sua intencionalidade e de uma leitura da
realidade. Trata-se de um importante caminho para a construção da
identidade da instituição.

É necessário, pois, que a construção do Projeto político-pedagógico seja


acolhida como uma ocasião ímpar e singular de a escola pensar seu papel e função social a
partir da sua especificidade que, entre outros aspectos, diz respeito à sua presença em
determinada localidade, ao perfil do seu alunado e às aspirações dos pais dos alunos, bem
como aos limites e potencialidades existentes no seio da comunidade escolar.

Relacionando a construção do PPP com a autonomia da escola entendemos


que este princípio começa a ser materializado no momento em que, coletivamente, a escola
desencadeia a elaboração do seu Projeto político-pedagógico, o que pressupõe que a escola
seja entendida como uma unidade organizacional de decisão. Assim, o projeto político-
pedagógico se torna o instrumento que orienta e possibilita a operacionalização da autonomia
na escola. A este respeito Mendonça (2000, p. 393) afirma que
a capacidade de elaborar e executar com independência e efetivo apoio
infraestrutural do Estado um projeto pedagógico próprio é (...) um dos
melhores indicadores da autonomia da escola e da democratização do
sistema, pois indica, ao mesmo tempo, a faculdade de a escola governar-se
por si mesma e a habilidade político-administrativa do sistema de
reorganizar-se para concentrar suas energias no atendimento das
necessidades da escola.

Desse modo, a adoção de uma postura autônoma por parte da comunidade


escolar implica em assumir responsabilidades. Concomitantemente, ao assumir
responsabilidades, a escola se apresenta como uma instituição educativa dotada de autonomia.

A elaboração do PPP da escola pressupõe o desencadeamento de uma política


educacional que tenha compromisso com a maioria da população, que, fundamentalmente,
corresponde às camadas que compõem a classe trabalhadora. Desta forma, se faz necessário
que tal política esteja baseada no princípio da democratização em vista de assegurar aos
trabalhadores e aos seus filhos os benefícios proporcionados pela educação escolar.
Explicitando a dimensão política existente na elaboração desta modalidade de planejamento,
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Veiga (1998, p. 17) afirma que tal processo “exige dos educadores, funcionários, alunos e
pais, a definição clara do tipo de escola que intentam (...) e o tipo de sociedade que pretendem
formar”. Em outras palavras, o Projeto político-pedagógico deve expressar uma
intencionalidade, ou seja, apontar para um caminho coletivamente buscado e assumido, o que
pressupõe um forte espírito de solidariedade entre os atores que participam da sua construção.
Também para esta autora,

todo projeto pedagógico da escola é, também, um projeto político por


estar intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com os
interesses reais e coletivos da população majoritária. É político no
sentido de compromisso com a formação do cidadão para um tipo de
sociedade (VEIGA, 1990, p. 13).

A respeito da dimensão política do Projeto político-pedagógico, Sousa e


Corrêa (2002, p. 56) afirmam que este instrumento “corresponde a um posicionamento da
escola frente ao horizonte e às possibilidades que ela pode alcançar, a partir do envolvimento
dos seus atores”. Assim, a participação dos atores sociais da escola na construção do projeto
político-pedagógico refletirá uma postura política carregada de autonomia ao recusarem ficar
à margem do processo de definição dos rumos que a sociedade deverá tomar. Positivamente,
a partir da condição que ocupam na escala social, estes mesmos atores irão imprimir uma
marca no tipo de sociedade que lhes pareça como melhor correspondendo aos seus anseios e
necessidades.
A partir da análise feita por Marques (2000), de que o PPP pode possibilitar a
continuidade das ações educativas desenvolvidas pela escola podemos apreender a existência
de um potencial político-administrativo na elaboração e implementação do Projeto político-
pedagógico. Neste sentido, além de a escola encontrar elementos que favoreçam a sua
caminhada institucional e educacional ela estará se resguardando da descontinuidade
administrativa que tanto caracteriza a gestão pública brasileira,

Na construção do Projeto político-pedagógico também está contemplada a


dimensão de participação, pois a sua elaboração “é corresponsabilidade dos professores, dos
pais, dos alunos, do pessoal técnico-administrativo e dos segmentos organizados da sociedade
local, contando ainda, com a colaboração e a assessoria efetivas de profissionais ligados à
educação” (VEIGA, 1998, 31).
Mesmo que o papel de liderança do processo de construção do PPP caiba ao
corpo técnico e gestor da escola, a sua elaboração deve resultar do real exercício da
corresponsabilidade de todos os atores sociais da escola, bem como dos segmentos
organizados da sociedade, contando ainda com a colaboração e a assessoria efetivas de
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profissionais ligados à educação. Por conseguinte, torna-se simplesmente inconcebível que a
confecção do projeto político-pedagógico de uma unidade escolar seja realizada apenas por
alguns dos segmentos que dela fazem parte ou, ainda, por restrito número de membros da
comunidade escolar. Em caso extremo: há a abominável possibilidade de a elaboração do
PPP ser feita por encomenda, confiada a pessoas ou grupo de pessoas que não fazem parte da
comunidade escolar.
Realçando a importância e a necessidade da participação de toda a comunidade
escolar nos processos de elaboração, implementação e avaliação do projeto político-
pedagógico podemos afirmar que sua legitimidade está intrinsecamente relacionada com os
processos participativos que foram desenvolvidos para a sua gestação. Dito de outra forma:
um projeto político-pedagógico elaborado sem a efetiva participação da comunidade escolar
não tem efeito algum. Portanto, um projeto político-pedagógico elaborado nesta condição é
ilegítimo! Nesta direção corrobora o alerta feito por Gadotti e Barcello (1993, p. 37):
É preciso dar muita atenção à forma como conduzi-lo. O procedimento
essencial é a participação de todos os envolvidos no e com o trabalho
escolar, em igualdade, na condição de parceiros interagindo desde a
decisão, passando pela operacionalização até a avaliação do que se propõe,
realiza e aprende.

Articulando a ação docente com o PPP, Sousa e Corrêa (2002, p. 60) defendem
que os profissionais da educação devem estar munidos de competência tanto técnica quanto
política para atuarem na elaboração do Projeto político-pedagógico. Contemplando outros
aspectos complementares, além de lembrar que os docentes devem dominar um corpo teórico,
atualizado pela reflexão coletiva, Santiago (1998, p. 163), afirma que estes devem ser
considerados como gestores das suas práticas pedagógicas para que possam se comprometer
e se corresponsabilizar pela ação educativa intencionalmente conduzida pela escola e, assim,
se constituírem verdadeiros agentes históricos, intelectuais e profissionais com relevante
responsabilidade social.
Em decorrência de um compromisso profissionalmente assumido,
consideramos oportuno ser lembrado neste momento o aspecto legal que associa o docente à
construção do Projeto político-pedagógico da unidade escolar da qual faz parte. Com efeito,
na lista das incumbências dos docentes na LDBEN 9.394/96, a participação dos professores
na elaboração deste instrumento de planejamento educativo aparece como sendo a primeira
delas5. Em nosso entendimento, mais que uma questão de ordenamento jurídico, tal
incumbência em primeiro lugar exprime a relevância e o significado que o projeto político-
pedagógico deve ocupar no conjunto das ações realizadas pelos docentes no espaço escolar.
Destacando a participação dos estudantes na elaboração do Projeto político-
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pedagógico, Sousa e Corrêa (2002, p. 60) apresentam uma compreensão de fundamental
importância pelo seu aspecto educativo ao afirmarem que “o corpo discente não pode ser
encarado apenas como o beneficiário da ação de construção do Projeto pedagógico, mas
também como participante da sua elaboração”. Destarte, na medida em que os alunos,
envolvidos em maior número possível e/ou por meio dos seus representantes, estão presentes
nesta etapa (bem como nas demais), eles se constituem em sujeitos do próprio processo
educativo. Deste modo, os alunos contribuirão para a construção do PPP com suas percepções
e leitura sobre a realidade, seus desejos e expectativas, enfim, com ações de engajamento em
vista da operacionalização dos caminhos e estratégias que foram planejados.
No processo de construção do PPP é esperado que, cada vez mais, seja
reparada uma secular dívida para com os pais na medida em que eles passem a ser vistos
como também portadores de significativas contribuições para a elaboração deste instrumento
de planejamento educacional. Contribuições estas que resultam de suas experiências de vida,
de concepções de mundo, de homem e de sociedade, bem como – em muitos casos – de
engajamentos vivenciados na comunidade em favor de causas que vão desde a reivindicação
do atendimento às necessidades coletivas imediatas (relacionadas com água, saúde,
transporte, moradia, saneamento etc.) ao empenho e compromisso em favor da construção de
uma sociedade sem desigualdades sociais, arraigada na justiça e na solidariedade.

5 Nos termos da LDBEN (art. 13, I): “- participar da elaboração da proposta pedagógica do
estabelecimento de ensino” (BRASIL, 1996).
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Discutindo o aspecto participativo na elaboração e implementação do Projeto
político-pedagógico, Veiga (1998, p. 13) vislumbra em tais momentos a possibilidade do
desencadeamento de uma participação democrática no interior da escola ao afirmar que
o projeto pedagógico, ao se constituir em processo participativo de decisões,
preocupa-se em instaurar uma forma de organização do trabalho
pedagógico que desvele os conflitos e as contradições, buscando eliminar
as relações competitivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a rotina
do mando pessoal e racionalizado da burocracia e permitindo as relações
horizontais no interior da escola.

Para que o PPP se constitua em efetivo mecanismo a partir do qual a escola


avance na edificação da sua de autonomia, como preconizam Cabral Neto e Silva (2004), é
importante que a sua elaboração seja precedida de um intenso e diversificado trabalho de
sensibilização dos atores escolares, predispondo-os para a necessária conscientização sobre
a importância do projeto político-pedagógico coletivamente construído. Dito de outro modo,
a referida sensibilização também pode ser compreendia como um processo visando despertar
ou fomentar a motivação dos membros da comunidade escolar em vista de um fecundo
processo de construção do seu PPP.
Sem essa sensibilização motivadora a elaboração do PPP poderá ficar
comprometida, uma vez que tanto do ponto de vista quantitativo como do ponto de vista
qualitativo, irá faltar a qualificada participação que se faz necessária para a ocorrência da
ação coletiva da qual deverá brotar essa desafiadora modalidade de planejamento educativo.
Quando essa etapa não é levada em consideração ou, como analisado por Vasconcellos
(2009), é queimada essa etapa, é passível de ocorrer umas das seguintes situações: interrupção
do processo, redução da participação da comunidade escolar no processo de elaboração ou
mesmo das etapas subsequentes, produção de um documento que não exercerá nenhum
impacto na vida da escola e assim por diante.
Em vista de a etapa de sensibilização da comunidade escolar para construir o seu PPP
ser um processo envolvente e mobilizador, em muito poderá contribuir a utilização de recursos
tecnológicos para que tal comunidade se sinta convocada, informada e orientada a respeito da
construção do PPP. Nessa etapa, as lideranças e organizações estudantis existentes na escola poderão
ser uma força valiosa por, juntamente com a criatividade tão peculiar aos adolescentes e aos jovens,
manusearem com destreza as modernas tecnologias de comunicação, notadamente, as chamadas
redes sociais.

Diante de possíveis ilusões ou expectativas exageradas que possam ser feitas


a respeito da eficácia do Projeto político-pedagógico, como se a sua simples elaboração
garantisse, por si mesma, a conquista dos objetivos traçados, devemos ficar atentos para o
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entendimento de que o projeto político-pedagógico se inscreve numa visão de conjunto,
articulando as dimensões da intencionalidade com as de efetividade e possibilidade. Dito de
outra maneira, o projeto tem que ser viável; colocado em prática, deve ser exequível e
assumido coletivamente pelo grupo, ou seja, pelos vários segmentos da comunidade escolar.
Entretanto, seja ressaltado que este entendimento não deve ser visto como uma amarra, algo
que obstaculize a intenção de superar condicionamentos e de se avançar em direção a
patamares mais altos e mais significativos.
A elaboração de um projeto político-pedagógico implica enfrentamento de
uma série de dificuldades, tanto de natureza organizacional como metodológica, conceptual
e técnica. Isso, de certa forma, é compreensível pelo fato de, no percurso histórico da
educação brasileira, a construção do projeto político-pedagógico não ser uma atividade
habitual. Ademais, no cenário escolar o modelo tradicional de planejamento – suas
concepções e formatos – deixou marcas negativas, às quais, ainda hoje, são dadas respostas
com posturas que vão desde a reprodução da ação do planejar, numa perspectiva meramente
burocrática, a um total niilismo acerca da necessidade e do sentido do planejamento do
processo educativo no âmbito escolar.
Há também as dificuldades de ordem psicossocial, expressas no espírito de
acomodação de parte dos atores sociais da escola quando optam pela delegação de
responsabilidades a outrem. Por outro lado, respaldados na observação abaixo, podemos
vislumbrar que muito provavelmente ainda levaremos um bom tempo para que ocorra a
reaprendizagem da “escrita” de um projeto político-pedagógico, uma vez que este
planejamento continua sendo visto e praticado

como sendo um conjunto de objetivos, metas, procedimentos, programas e


atividades ‘a priori’ determinados e, explicitamente pensados e propostos,
tecnicamente bem organizados e explicitamente bem fundamentados em
uma teoria eleita como a mais adequada à prática de educação desejada
e posta como a ideal a todas as escolas (GADOTTI; BARCELLO, 1993, p.
32).

Para uma efetiva eficácia do PPP, é importante ser evitado o risco de uma vez
concluída a elaboração formal desse documento, a comunidade escolar se considerar como
já tendo feito tudo. Ao contrário, o processo de implementação do projeto político-
pedagógico requer que os atores sociais da escola exerçam uma constante prática de reflexão
e debate sobre o projeto elaborado, o que já se constitui no desencadeamento da importante
etapa avaliativa, para, sobretudo, serem explicitados os liames existentes entre o projeto e as
práticas educativas cotidianas. Sem isso, o projeto político-pedagógico estará fadado a se
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converter em mero instrumento burocrático ou mesmo em peça decorativa sem impactos na
vida da comunidade escolar.

Considerando-se a incorporação da autonomia da escola num documento de


porte como a LDBEN 9394/96, precisamos ficar atentos para que o amparo legislativo dado
para que a escola construa o seu projeto político-pedagógico (ou sua proposta pedagógica,
conforme é utilizado pela LDBEN, art. 12), não se converta numa nova forma de cooptação
e, assim, provoque esvaziamento de seu sentido, objetivos, importância e necessidade e,
consequentemente, se transforme em mais um documento de duvidosa eficácia. Em todo
caso, cumpre ser levado em consideração que, apesar dos limites do texto legislativo, esta
tarefa é apresentada como a primeira de uma lista de sete incumbências da escola.

A possibilidade de esvaziamento de sentido do PPP, quando encarado apenas


como um documento formal ou resultante de uma imposição normativa, constitui-se num
sério problema para uma comunidade educativa, uma vez que além de estar privando a si
mesma de imprimir um ritmo singular e autônomo à sua identidade, facilmente se deixará
levar para um improdutivo caminho de confecção de uma das diversas caricaturas de projeto
político-pedagógico, as quais Costa (2003) rotula de projecto-plágio, projecto-do-chefe,
projecto sectário, projecto manutenção, projecto ficção, projecto ofício e outros.

Ainda que possuindo características específicas, tais caricaturas têm em


comum o fato de expressarem “uma certa retórica gerencialista e de um discurso político-
normativo que intenta sustentar e legitimar mudanças anunciadas” (COSTA, 2003, p. 1327).
Impõe-se, portanto, que seja superado o reducionismo que pode ocorrer na elaboração do
projeto político-pedagógico, ou seja, que a sua confecção seja realizada apenas para que a
escola atenda às exigências do sistema educacional ou da legislação vigente. A elaboração
desse documento deve ter como motivação fundamental um compromisso que a escola, por
meio dos seus variados segmentos, assume consigo mesma no sentido de desenhar, traçar as
grandes coordenadas da sua trajetória; enfim, um compromisso político que contribua para a
promoção de um novo patamar na vida dos seus educandos e dos seus educadores.

Contrapondo-se ao projeto político-pedagógico, de cariz neoliberal, voltado


para a burocratização da escola e transformando-a em mera cumpridora de normas técnicas,
Veiga (2003, p. 272 et seq.) defende que o Projeto Político-pedagógico seja de natureza
emancipatória, na medida em que enfatiza mais o seu processo de construção e expressão da
singularidade e da particularidade da instituição educativa de modo que seja

um meio de engajamento coletivo para integrar ações dispersas, criar


sinergias no sentido de buscar soluções alternativas para diferentes
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momentos do trabalho pedagógico-administrativo, desenvolver o
sentimento de pertença, mobilizar os protagonistas para a explicitação de
objetivos comuns definindo o norte das ações a serem desencadeadas,
fortalecer a construção de uma coerência comum, mas indispensável, para
que a ação coletiva produza seus efeitos (VEIGA, 2003, p. 275).

Também concordando com a análise feita por essa autora, convém recordar
que o chamado Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), “concretiza-se por meio de uma
crescente racionalização do processo de trabalho pedagógico, com ênfase em aspectos como
produtividade, competência e controle burocrático” (VEIGA, 2003, p. 272), Vale ressaltar
que, apesar de serem apresentados como sendo equivalentes (sobretudo pelos organismos
governamentais), tais instrumentos se constituem em diferentes modalidades de
planejamento da vida escolar.

Considerando que a realidade sociopolítica brasileira ainda se encontra


enlaçada pelos tentáculos do projeto neoliberal e, consequentemente, incidindo sobre a
educação nacional, torna-se apropriado o desafio posto por Silva (2003, p. 299), quando
conclama para que, ao contrário do estado de hibernação no qual o projeto político-
pedagógico vem sendo relegado, ele seja colocado na ordem do dia, recolocado como centro
de discussões e práticas, dada a sua condição de instrumento singular para a edificação da
gestão democrática, ao que acrescentamos, para a construção e conquista da autonomia da
escola.
Mesmo que já esteja subjacente às reflexões expostas neste estudo,
consideramos que deva ser enfatizado que a construção do projeto político-pedagógico está
circunscrita a um nível macro da sociedade radicada num projeto social-político democrático
e emancipatório. Neste contexto é que a edificação do projeto político-pedagógico ultrapassa
o próprio espaço e ambiente escolar, uma vez que, de certa forma, ela está associada às
mobilizações e lutas que diuturnamente são empreendidas pelos segmentos sociais
comprometidos com a transformação da sociedade, desde o âmbito local da comunidade,
passando pelo movimento sindical, pela ação dos partidos políticos comprometidos com as
causas populares, chegando às tribunas legislativas. Enfim, presente nos movimentos
associativos empenhados com o pleno estabelecimento da democracia.
No afã do fortalecimento da necessidade e da decisão de construção do PPP
nunca será por demais lembrar que os atores sociais da escola devem possuir uma perspectiva
utópica, ou seja, a existência de um horizonte que, ainda não sendo experienciado, por outro
lado seja visto como passível de ser atingido. Sem este horizonte, provavelmente será difícil
que aconteça a construção do projeto político-pedagógico, dadas às inúmeras dificuldades,
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limites e condicionamentos que rodeiam o ambiente escolar. Estes, por muitas vezes, se
apresentam como sendo uma realidade imutável diante da qual pouco ou nada poderá ser feito
no sentido de mudá-la, transformá-la. Vale salientar, ainda, que a perspectiva utópica deve –
perpassando o processo de elaboração, acompanhar as fases subsequentes (execução e
avaliação) - ajudar os atores sociais da escola a não desanimar diante de possíveis obstáculos
que poderão ser encontrados na implementação do PPP.
Concebendo o Projeto político-pedagógico como resultante de uma construção
coletivamente assumida, uma primeira implicação para a gestão é que todo esse processo seja
efetivamente participado pelos diversos segmentos que compõem a comunidade escolar, de
maneira que nenhum destes seja alijado da dinâmica de construção deste mesmo Projeto.
Subjacente a esse processo há um importante dado a ser destacado: o PPP não
é propriedade do gestor ou da equipe gestora, e sim da comunidade escolar. Destarte, é
incompreensível a atitude de gestores que, ao assumirem o mandato, desenvolvem ações em
vista da elaboração de um novo projeto político-pedagógico como se a referência da vida da
unidade de ensino fosse o seu trabalho, e não a continuidade de um projeto já existente. Dito
de outro modo: o trabalho do gestor deve ser realizado em função da execução do projeto
político- pedagógico da escola. Assim, é esperado que a equipe gestora da escola esteja na
linha de frente em vista da implantação das ações, bem como do alcance das metas
estabelecidas no PPP, e nessa ação coordenativa contribua para a realização das necessárias
estratégias de avaliação desse mesmo planejamento educacional.
Vale ressaltar, ainda, que a construção do Projeto político-pedagógico, nos
aspectos aqui considerados, implica, em si mesma, a existência de uma dinâmica de gestão
para que todos os que integram comunidade escolar sejam, de uma forma ou de outra,
escritores dessa modalidade de planejamento participativo.

Enfim, a construção do Projeto Político-pedagógico e a gestão escolar


democrática são processos indissociáveis na medida em que os atores sociais da escola se
comprometem, responsabilizam-se e empregam todos os esforços possíveis para garantir a
execução daquilo que planejaram.

III - Considerações finais

Ainda que em meio a intensos questionamentos sobre sua necessidade,


validade e institucionalização, a educação realizada no âmbito escolar, notadamente de
natureza pública, impõe-se como um processo de fundamental importância para o lançamento
das bases da condição cidadã a que todo indivíduo tem direito. É, pois, rumo a essa direção
que se fundamenta a defesa da instituição escolar – e os benefícios educacionais e culturais
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que ela proporciona – na contemporaneidade.
Dessa forma, uma primeira inquietação que deve perpassar corações e mentes
de todos os profissionais da educação, bem como pais e, ainda, os próprios estudantes, diz
respeito à intencionalidade a ser dada ao processo educativo que ocorre no âmbito maior da
sociedade e, de modo mais específico, em cada unidade de ensino. Em outras palavras, isto
implica a explicitação de um projeto político-pedagógico coletivamente construído por todos
os segmentos que compõem a comunidade escolar. Explicitado o projeto, também
coletivamente ele deve ser implementado e avaliado.
Como já afirmamos no presente estudo, a construção do Projeto político-
pedagógico é uma tarefa que ainda não estamos habituados a realizar e, de certa forma, não
faz parte da nossa cultura. Historicamente ainda somos marcados pelo modelo de divisão
social do trabalho, no qual, como que separados por barreiras instransponíveis, de um lado se
situam os que pensam e planejam e, de outro lado, os que executam ou se configuram como
meros destinatários do que foi planejado. Entretanto, se essa é uma marca histórico-cultural
não significa dizer que ela seja definitiva, que não possa ser mudada. Ao contrário, no
cotidiano da História, no fazer-aprendendo-acertando somos desafiados a, coletivamente, nos
envolver no desenho de uma nova cultura, a qual, dentre múltiplos aspectos, tenha como um
dos seus mais fortes traços constitutivos o sonhar, o pensar junto para que, parafraseando o
Raul Seixas, o “sonho que se sonha junto se tornará realidade.” Nesta perspectiva o estudo e
a reflexão sobre o projeto político-pedagógico, como tradução imediata e concreta no âmbito
da escola do projeto educacional emancipatório, se constitui em passos iniciais de uma
instigante e desafiadora jornada.

Assim, eis uma das proeminentes tarefas e funções da gestão democrática


educacional: promover, diuturna e coletivamente, a construção do projeto político-
pedagógico!
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Indicadores de aprendizagem:

Ao final do estudo da presente Temática, é esperado que você demonstre as


seguintes competências:
1 - Consolidar o entendimento da dimensão de intencionalidade presente na prática
educativa.
2 – Estabelecer diferenças entre o projeto sociopolítico neoliberal projeto e o sociopolítico
emancipatório.
3 – Inferir as configurações e funções que a educação passa a ter no contexto do projeto
sociopolítico neoliberal.
4 – Inferir as configurações e funções da educação passa a ter no contexto do projeto
sociopolítico emancipatório.
5 – Compreender que, antes mesmo de ser um texto ou documento escrito, o projeto político-
pedagógico é uma dinâmica vivenciada pelos distintos segmentos que compõem a
comunidade escolar
6 – Citar, em ordem de elaboração, as etapas ou momentos da construção do Projeto
Político-Pedagógico.
7 – Explicitar a relação entre a autonomia da escola e a elaboração do seu Projeto Político-
Pedagógico.
8 – Fundamentar a necessidade da efetiva participação dos diversos segmentos que se
constituem em atores sociais da escola na construção do PPP
9 – Justificar a necessidade e importância da sensibilização da comunidade escolar em vista
da elaboração do seu PPP.
10 - Explicitar a dimensão política existente no processo de construção do PPP.
11 – Refletir sobre as dificuldades relacionadas com a prática da elaboração do
PPP.
12 - Apontar os desvirtuamentos que costumam acontecer na elaboração do PPP.
13 - Sobrepor o Projeto político-pedagógico/PPP sobre o Plano de Desenvolvimento da Escola
(PDE), tendo como referência os propósitos e encaminhamentos da gestão democrática.
14 - Falar sobre o papel da Equipe gestora na condução do Projeto Político- Pedagógico da
escola.

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