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I – Considerações iniciais
Mesmo que possua uma dimensão social, a participação não pode ser
desvinculada da compreensão de uma dinâmica circunscrita na própria condição humana, pois
ela é o “próprio processo de criação do homem ao pensar e agir sobre os desafios da natureza e
sobre os desafios sociais” (SOUZA, 2000, p. 81). Como também afirma esta autora, ao mesmo
tempo em que é importante e necessária para a realização do indivíduo humano, a participação
também é uma exigência fundamental para o desenvolvimento social deste ser na medida em
que ele participa das definições e decisões da vida societal. Por conseguinte, os aspectos
individual e social da participação possuem uma estreita ligação entre si. Neste sentido, torna-
se pertinente a observação feita por Martins (2001, p. 187), quando esta autora afirma que
se a necessidade de participação é o desejo que move o ator a praticar a ação,
o sentido de sua participação num empreendimento coletivo pode ser
altamente positivo. Se, ao contrário, a participação é delegada por normas,
vigora a ausência do desejo como motor fundante da ação. Neste caso,
dificilmente o ator imprimirá o mesmo sentido a ações sociais, a projetos
coletivos, a empreendimentos de mudança institucional.
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Por sua vez, Cury (1993, p. 65) afirma que “participação é a capacidade de
decidir sobre determinados rumos onde os interessados possam estar presentes”.
As compreensões acima (de Luck 1998 e de Cury 1993) nos ajudam a analisar
como sendo caricaturas de participação as práticas que ainda são bastante comuns nas
organizações sociais (inclusive na escola), nas quais as pessoas são apenas convidadas a emitir
um pronunciamento a favor ou contra ou exercitar o direito de voto sobre questões que já foram
previamente estabelecidas e definidas, portanto, sem o concurso dos que deveriam estar
envolvidos nas etapas e momentos anteriores à tomada de decisão final. Este formato de
participação também pode se revestir de um aspecto de simulação na medida em que os que
dizem ou votam “sim” ou “não” não possuem as devidas e necessárias informações a respeito
do assunto a ser deliberado. Ainda: nesta modalidade caricaturada da participação incluem-se,
também, as concepções e as práticas em que ela é adotada como uma mera técnica de gestão
em vista da redução ou atenuação dos conflitos decorrentes da estrutura social e grupal
assentada na divisão de classes que aparece como um dado natural e necessário a ser mantido.
Nesses casos, como aponta Lima (2001, p. 133), a participação é falseada de “integração e
colaboração e não repartição e intervenção política, com vencidos e vencedores, numa luta
democrática entre distintos projetos e interesses”.
Participação e cidadania estão intimamente associadas, a ponto de se poder falar
em “participação cidadã”, que deve ser compreendida como sendo a utilização
não apenas de mecanismos institucionais já disponíveis ou a serem criados,
mas articula-se a outros mecanismos e canais que se legitimam pelo processo
social. Não nega o sistema de representação, mas busca aperfeiçoá-lo,
exigindo a responsabilização política e jurídica dos mandatários, o controle
social e a transparência das decisões (prestação de contas, recall), tornando
mais frequentes e eficazes certos instrumentos de participação semidireta, tais
como plebiscito, referendum, iniciativa popular de projeto de lei,
democratização dos partidos (TEIXEIRA, 2001, p. 30).
Para esse autor a participação cidadã contempla tanto o “fazer” quanto o “tomar
parte” num processo político-social no qual devam estar presentes “as dimensões de
universalidade, generalidade, igualdade de direitos, responsabilidade e deveres” (TEIXEIRA,
2001, p. 32). Ainda endossando o posicionamento deste autor, encaramos a participação social
como sendo detentora de uma forte dimensão política na medida em que ela “é um instrumento
de controle do Estado pela sociedade, portanto, de controle social e político: possibilidade de
os cidadãos definirem critérios e parâmetros para orientar a ação pública”. Corroborando essa
compreensão, Azevedo (1999, p. 310) também afirma que “a participação popular redefine o
conteúdo político do velho Estado privativo das elites, transformando-o em instrumento dos
interesses da cidadania”.
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CME-Recife. Com efeito, de acordo com a lei1 que ora regulamenta o CMER, cinco destes são
representantes da Secretaria Municipal de Educação, o que equivale a 26,3% do total de
membros deste Conselho. Por outro lado, a representatividade numérica de outros segmentos
sociais que exercem importantes funções no sistema educacional municipal do Recife encontra-
se em desvantagem (sobretudo, os casos dos professores da rede municipal de ensino, dos
diretores das escolas municipais e dos técnico-administrativos que, individualmente, contam
com apenas um representante e, também isoladamente, detém apenas 5,2% de
representatividade no CMER).
Ainda que, por variados fatores, seja esperado que os Conselhos de Educação
tenham bastante competência técnica para legislarem e normatizarem sobre questões
educacionais em suas respectivas áreas territoriais, tais organismos não podem se constituir
num gueto de ilustrados. Com efeito,
a existência desses Conselhos, de acordo com o espírito das leis existentes,
não é o de serem órgãos burocráticos, cartoriais e engessadores da
dinamicidade dos profissionais e administradores da educação ou da
autonomia dos sistemas. Sua linha de frente é, dentro da relação Estado e
Sociedade, estar a serviço das finalidades da educação e cooperar com o zelo
pela aprendizagem nas escolas brasileiras (CURY, 2000, p. 45).
1
Lei nº 17.325 /2007, datada de 27 de julho de 2007 e promulgada pelo então prefeito João Paulo Lima
e Silva/PT.
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No município do Recife/PE, a primeira COMUDE ocorreu em no ano de 1993 e a última no ano de
2018, totalizando o número de onze eventos desta natureza verificando-se uma média de 2,2 anos de
espaço de tempo de realização entre estes eventos.
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democrática, bem como a resolução, de forma criativa, das tensões e dos problemas existentes
nesse espaço educativo.
Na medida em que é constituída por indivíduos e grupos com diferentes visões,
necessidades, valores, interesses, em síntese com diferentes racionalidades, a escola é, também,
um espaço no qual ocorrem relações de poder. Em todo caso, sendo constatada a existência de
conflitos em tais relações, o importante é que eles sejam analisados e discutidos para que não
se transformem em obstáculos à participação efetiva e afetiva dos diferentes atores sociais que
integram a comunidade educativa.
Alertando para a existência de conflitos no interior da escola, Paro (2000, p.
20ss) enfatiza a necessidade de ser superada a concepção ingênua desta instituição como sendo
uma “grande família”. Ao mesmo tempo em que consideramos esta preocupação como bastante
pertinente, acrescentamos a necessidade de os atores sociais da escola serem capazes de buscar,
através do debate, da discussão e de práticas correlatas, uma unidade em torno de objetivos
comuns, os quais, dentre tantas outras possibilidades, devem dizer respeito à construção de uma
escola autônoma e democrática. É o caso, também, de ser lembrado que o consenso não deve
ser visto como ponto de partida para que possa ser desencadeado um processo de construção de
um empreendimento, mas, sim, como algo resultante de uma trajetória na qual haja espaço de
liberdade para o debate, a discussão e, consequentemente, as diferenças possam ser
externalizadas para, somente assim, acontecer o desejado e buscado consenso.
Tendo em vista que o processo ensino-aprendizagem ocupa um lugar central na
vida escolar, é importante, também, que a participação seja pensada em função desse binômio.
Desejando-se, e mais do que um desejo, querendo-se que a educação escolar seja exitosa, não
podemos pensar que tal desejo e vontade possam acontecer se ela própria, a escola, não se
constitui num espaço participativo. Como diz Azevedo (1999, p. 3l7):
ao estimular a participação de todos os segmentos, a escola está
potencializando a sua ação pedagógica, assumindo a articulação das
responsabilidades de cada sujeito para o sucesso da aprendizagem. Ao
mesmo tempo em que gerencia a produção do conhecimento, a escola
estabelece, educativamente, os diversos papéis (do professor, do
funcionário, do aluno e da família, como sujeitos com ações de natureza
distintas, mas com contribuições indispensáveis ao sucesso escolar).
pelo fato de serem os responsáveis legais pelos alunos e os seus primeiros educadores. Neste
sentido, este autor argumenta que
se quisermos desenvolver nas escolas uma cultura de participação que abranja
os pais, devemos criar condições para que um número cada vez maior e
diversificado de pais possa ter um papel de relevo e intervenção no regular
funcionamento e vida da escola. Só assim eles farão parte de uma mesma
comunidade educativa, e só assim será possível encontrar representantes
qualificados para integrarem as diversas estruturas de decisão (BARROSO,
2000, p. 46).
Para Gohn (2005, p. 33) a participação dos pais na vida da escola se dará de
forma qualificada na medida em que eles sejam sujeitos participativos nos vários espaços da
sociedade civil externos à escola, ou seja, os movimentos sociais comunitários. Destarte,
acontecerá a desejada articulação entre os chamados âmbitos formal e não formal do processo
educacional. Juntamente com a dimensão de sonho e de utopia, essa articulação é também “uma
urgência e uma demanda da sociedade civil” (BARROSO, 2000, p. 36).
Dessa maneira, se torna incompreensível e, consequentemente, inaceitável, a
ocorrência de resistência por parte de diretores e de professores em relação à possibilidade de
os pais dos alunos participarem de forma mais ativa na vida da escola, bem como quando este
segmento simplesmente delega total poder de decisão àqueles. Inclusive, ao mesmo tempo em
que tal delegação resulta em desinteresse e apatia para com a vida da escola, tal fato se configura
como uma danosa transferência, uma vez que os pais também se desresponsabilizam de tomar
decisões que dizem respeito, nada mais, nada menos, à vida dos seus próprios filhos.
Do ponto de vista da classe trabalhadora, a participação no contexto da educação
escolar diz respeito para que, em última instância, a escola seja desvencilhada do caráter elitista
e excludente que historicamente a tem acompanhado. Assim, como registra Campos (1989), ao
lado das lutas por melhores condições de trabalho e de salário, a luta pela expansão e melhoria
do serviço escolar – público e gratuito – tem feito parte da agenda da classe laboral. Ao fazer
isto, a classe trabalhadora tem contribuído para que o Estado se torne menos posse e propriedade
da classe detentora do capital o que, dito de outra forma, equivale a dizer desprivatização do
poder e do espaço estatais.
Em decorrência do cenário pandêmico que ora vivenciamos, no qual a presença
física no espaço escolar está reduzida, o uso dos recursos tecnológicos deverá ser incrementado
para que as unidades de ensino continuem a ser um ambiente participativo. Neste sentido, com
as devidas adaptações, as chamadas redes sociais podem ser utilizadas como valiosos
instrumentos a serviço da participação de modo especial no atual contexto da pandemia,
provocada pela Covid-19, que requer um novo tipo de presença nas estruturas e funcionamento
das escolas.
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V – Considerações finais
pais – se quiser que estes, efetivamente, participem da sua organização e funcionamento para,
assim, e tão somente assim, serem reconhecidos, também, como atores sociais.
Nesse sentido entendemos que devem ser desenvolvidos todos os esforços
possíveis para que sejam reduzidas cada vez mais as distâncias que ainda separam a escola da
comunidade do seu entorno, pois muitas são ainda as situações e ocorrências que justificam a
necessidade de uma “queda do muro de Berlim” das nossas unidades de ensino para que estas,
em fidelidade ao caráter público que possuem, possam ser espaço de ressonância das aspirações
e das práticas democrático-participativas que, muitas vezes, são forjadas e realizadas a poucos
metros além dos muros escolares: na associação de bairro, nas comunidades eclesiais, nas
iniciativas populares reivindicando melhores condições de vida, nos movimentos de resgate e
promoção da cultura popular, nas organizações visando garantir a sobrevivência humana de
forma mais condigna, dentre outras.
Em outras palavras, a realização dessa “lição de casa” significa intensificar a
dinâmica da participação no espaço/ambiente escolar a partir da qual diretores, professores,
alunos, pais de alunos e funcionários se constituam sujeitos, atores de uma história na qual
também podem - e devem - ser protagonistas no próprio processo de sua escrita, e não somente
no desempenho de papéis previamente e heteronomamente definidos.
É no contexto de sociedade fundada na democratização que a participação deve
ser estimulada e garantida para que ela seja uma realizada no sistema educacional. Isto não
significa dizer que a sociedade já tenha que ser democrática, mas, pelo menos, a democratização
seja um horizonte em cuja direção se queira caminhar. Inclusive, podemos vislumbrar uma
relação de retroalimentação entre a busca e vivência da cultura de participação no ambiente
escolar com a sociedade em constante processo de democratização. Deste modo, estará sendo
construído e efetivado o paradigma da gestão educacional necessário para os nossos tempos, ou
seja, que “corresponde ao processo de gerir a dinâmica do sistema de ensino como um todo e
de coordenação das escolas em específico” (LUCK, 2006, p. 35).
Por fim, compartilhamos a crença de que, na medida em que a participação seja
um efetivo componente da cultura escolar, os atores sociais da escola poderão, num mútuo
processo de ensino-aprendizagem, socializar suas visões de mundo, de sociedade, de homem,
de educação e, neste processo, compartilhar seus anseios e concepções por uma sociedade
democrática.
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Indicadores de Aprendizagem