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Este artigo tem como propósito discutir a Teoria das Representações Sociais
(TRS) como uma referência fecunda para a pesquisa e produção de conhecimento
em Psicologia Social e contribuir para a inserção da prática psicológica no âmbito
das Políticas Públicas, uma vez que estas são o elo que articula as discussões deste
I Simpósio de Psicologia Social Centro-Oeste e II Simpósio de Psicologia Social do
Núcleo Goiás, que tem como temática central Psicologia Social e Políticas Públicas:
Contribuições e Controvérsias.
Para tanto, inicialmente delineia-se o conceito de representações sociais (RS)
e os fundamentos básicos que dão sustentação à teoria, tomando como eixo
particularmente os estudos de Serge Moscovicci. Para articular Psicologia Social,
representações sociais e políticas públicas, serão apresentadas algumas reflexões
referentes às políticas de combate à violência dirigida às mulheres desenvolvidas
por meio dos resultados da pesquisa Representações Sociais acerca da Violência de
Gênero: Significados das Experiências Vividas por Mulheres Agredidas.
O artigo permite identificar os pontos centrais que podem contribuir para
ações dirigidas às políticas voltadas para as questões de gênero, e, sobretudo, para,
senão a eliminação, ao menos a redução de todas as formas de agressões dirigidas
às mulheres. O estudo pode, ainda, subsidiar as ações de profissionais que atuam
em centros de referência e atendimento à mulher vítima de violência.
Sem a pretensão de construir um arcabouço teórico acerca da área de política
pública, é necessário delimitar, neste artigo, sob qual perspectiva considera-se essa
temática. Souza (2006) resgata a multiplicidade de estudos nesse campo, que
ressurgiu nas últimas décadas e se apresenta como uma disciplina bastante profícua
de debates.
Para a pesquisadora mencionada, as múltiplas definições dessa categoria
teórica têm o mérito de guiar o olhar da sociedade para o locus no qual os embates
em torno dos interesses, preferências e ideias se processam, ou seja, os governos.
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Artigo publicado em
CHAVES, J.de C. Psicologia Social e políticas públicas: contribuições e controvérsias. Goiânia: PUC Goiás,
2012. (p.159-179).
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Para ela, sob o ponto de vista teórico-conceitual, esta temática se caracteriza por ser
um campo multidisciplinar cujo eixo central gira em torno das explicações sobre a
sua natureza e de seus processos.
Pode-se então definir política pública como
Deduz-se que, orientadas por suas RS, as mulheres não imaginam uma
ruptura completa e definitiva com as condições opressoras de violência, uma vez
que internalizaram concepções da ideologia patriarcal, que se interpõem às
definições do masculino e do feminino e de suas atribuições nos diferentes espaços
sociais, corroborando para a não eliminação da violência de gênero na sociedade.
Assim, a violência de gênero é uma consequência do processo de
subjetivação de homens e mulheres que legitimam a dominação masculina e a
submissão feminina, base na qual se ancora o objeto deste estudo. A socialização é
estabelecida por ações educativas formais e informais, conforme o contexto sócio-
histórico e cultural.
O objetivo geral do estudo foi analisar as práticas discursivas de mulheres
agredidas e socorridas pelo Centro de Atendimento à Mulher Vítima de Violência
Cuña Mbarete e acolhidas na Casa Abrigo de Campo Grande, em Mato Grosso do
Sul, para se compreender suas RS de violência de gênero, por meio dos significados
e sentidos que elas atribuíram às agressões sofridas.
Considerando que as participantes interromperam os episódios de agressões
e brutalidade e foram atendidas por profissionais previamente instruídas para
aconselhamentos e outras atividades concernentes às intervenções, investigou-se
suas RS após a conclusão do atendimento, para elucidar se estas corroboram para
a legitimação ou não da violência de gênero.
O presente estudo teve como eixo a premissa de que a violência de gênero,
em sua essência, está diretamente vinculada às questões relativas ao poder
estabelecido entre homens e mulheres, e as suas relações hierarquizadas. Para
tanto, o quadro teórico foi organizado sob três focos que se articulam: os conceitos
de poder, violência e gênero.
Considerando que os movimentos e ações de enfrentamento à violência
contra a mulher resultaram na definição de políticas para a eliminação dessas
agressões e abusos, é fundamental identificar como as mulheres, principais vítimas,
estão elaborando seus conhecimentos, isto é, suas representações sobre aquilo que
vivenciaram e ainda vivenciam, para, então, por meio de tais identificações, criar
espaços de discussão e propostas para a intervenção.
sua utilização e posse pelo agressor. Ocorre a execução unilateral do poder. Tal
evidência leva à sujeição e à submissão feminina.
O processo de dominação masculina configurou-se histórica e coletivamente,
passando a ser incorporado e naturalizado nas relações sociais. Para Bourdieu
(2002), essa dominação foi assimilada como habitus, instalando-se em todos os
aspectos da vida social, seja nos discursos, nas normas institucionais, seja ainda no
controle dos corpos e mentes. Para tanto, ao homem é permitido exercer poder
sobre a mulher e, na resistência desta, simbolicamente lhe é concedido o direito ao
emprego da força e da brutalidade.
Nesse sentido, o modelo de masculinidade construído, e ainda presente na
sociedade, tem o poder como elemento central, desencadeando um padrão de
comportamento no qual é aceitável que o forte subjugue o fraco, uma vez que a
força, a coragem, assim como a potência, entre outros atributos, caracterizam-se
como estereótipos valorizados no homem. As mulheres entrevistadas demonstram
em seus discursos a incorporação de tal paradigma, o que dificulta a tomada de
decisão sobre suas vidas, legitimando a dominação e a submissão feminina, fatores
que levam à violência de gênero.
Lembrando novamente Bourdieu (2002), as mulheres entrevistadas
empregam um discurso construído sob o ponto de vista do dominante, no qual
naturalizam a dominação masculina e a ausência de poder feminino. Dessa forma,
estabelece-se a cumplicidade em um esquema de relação entre o masculino e o
feminino, no qual este legitima o poder daquele, contribuindo para sua perpetuação
e aumento da violência de gênero.
Quanto à terceira categoria – a violência vivida –, observam-se nos elementos
constitutivos do campo representacional a demarcação, a compreensão e a
configuração daquilo que as participantes construíram acerca da definição da
violência de gênero. Referindo-se a suas causas, elas intuem que esta é
multifacetada, ainda que não consigam verbalizá-la objetivamente. Ao serem
questionadas acerca desse fenômeno, reportam-se aos episódios de agressão e
seus elementos de sofrimento, dor, medo e vergonha, pois, para elas, a violência
configura-se em processos que deixam marcas e cicatrizes no corpo e na alma.
Na caracterização dos abusos sofridos, os resultados reafirmam que a
violência de gênero, fenômeno derivado da organização estrutural da sociedade,
manifesta-se concretamente em várias modalidades – física, psicológica e sexual. As
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REFERÊNCIAS
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