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U N I V E R S I D A D E

UNIGRANRIO
Vá além da sala da aula !

Sociodiversidade e Formação
Cultural dos Povos
Núcleo de Educação a Distância U N I V E R S I D A D E
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25 de Agosto – Duque de Caxias - RJ

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Direção geral: Jeferson Pandolfo Desenvolvimento do material: Rosane Cristina


de Oliveira
Revisão: Camila Andrade, Laís Sá e Mariana Baptista
Desenvolvimento instrucional: Cleusa Torres
Produção editoração gráfica: David Vieira

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Sumário
Sociodiversidade e Formação Cultural dos Povos
Objetivos ........................................................................................... 04
Introdução ......................................................................................... 05
1. Pluralismo Étnico: Credo e Etnia .............................................. 07
2. Diversidade de Gênero e Sexualidade ...................................... 12
3. Cidadania ............................................................................ 15
Síntese ............................................................................................. 19
Referências Bibliográficas .................................................................... 20
Objetivos
Ao final desta unidade de aprendizagem, você será capaz de:

▪▪ Compreender o conceito de Sociodiversidade inerente à formação


da identidade cultural dos povos, respeitando e convivendo com as
diversidades culturais e comportamentais – etnias, religiosidade,
gênero e orientação sexual.

4 Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social


Introdução
Nesta unidade de aprendizagem, nosso principal objetivo é refletir
sobre questões fundamentais para as relações sociais e o cotidiano. Essas
questões dizem respeito à discussão sobre o conceito de sociodiversidade e os
aspectos que envolvem a formação cultural dos povos.

A diversidade sob a qual a sociedade está alicerçada baseia-se no


estudo das várias etnias que compõem os territórios, a pluralidade religiosa,
as relações de gênero e a sexualidade, tanto do ponto de vista em respeito às
escolhas individuais e à manutenção dos direitos, como ao exercício pleno
da cidadania. Essas temáticas são fundamentais para a construção de uma
conduta profissional consolidada nos princípios da dignidade humana, da
ética e do respeito mútuo.

Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social 5


1. Pluralismo Étnico: Credo e Etnia
A conceituação de sociodiversidade diz respeito às diferentes
manifestações culturais, modos de vida, relação do homem com a natureza e o
multiculturalismo. Os estudos sobre as questões étnico-raciais fazem parte da
multiplicidade de temas inseridos nas discussões acerca da sociodiversidade.
No Brasil, as investigações sobre as questões raciais e indígenas são
fundamentais para o desenvolvimento de olhares mais críticos acerca dos
caminhos sociais, políticos e econômicos sob os quais a sociedade brasileira
alicerça seus valores. Em geral, podemos verificar, nos meios midiáticos, uma
série de medidas, políticas públicas e conflitos em torno da população negra
e indígena. Esses conflitos referem-se aos inúmeros casos de racismo e ao
descumprimento de uma série de prerrogativas e de garantias de direitos
destinados a essas populações.

Nesse sentido, como surge a questão racial no Brasil? Quais são as bases
históricas? Qual é a importância da compreensão das relações étnico-raciais
em nosso país? Para responder a essas indagações, é importante fazermos
uma contextualização.

A chegada do colonizador português no território brasileiro, no


início do século XVI, inaugurou um processo que marcou profundamente
a formação do povo brasileiro. Darcy Ribeiro, no livro O povo brasileiro – a
formação e o sentido do Brasil, apresentou uma reflexão sobre a formação
do povo brasileiro a partir do período colonial, apontando os aspectos que
permearam a construção da América Portuguesa. A implantação do regime
escravocrata representou, de acordo com Ribeiro (1995), dois momentos
cruciais: o primeiro momento, com a tentativa (frustrada) de tornar a população
indígena cativa e escravizada; e o segundo momento, com a inserção do negro
escravizado para a realização das atividades agrícolas.

Ao longo dos séculos XVI, XVII, XVIII e meados do XIX, a base do


sistema colonial era: terra, escravidão e Igreja. Portanto, a economia agrária,
baseada na mão de obra escrava, com o aval da Igreja Católica, compôs as
características de sociabilidade na colônia portuguesa. Nesse contexto, os
negros escravizados eram tratados como mercadorias, ou seja, não exerciam
ou possuíam direitos. Essa situação perdurou até a segunda metade do século

Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social 7


XIX, quando ocorreu a inserção do imigrante europeu em substituição
gradual do trabalho escravo pelo trabalho assalariado.

Em 1888, no ato da assinatura da Lei Áurea decretando o fim da


escravidão no Brasil, a sociedade enfrentava um novo dilema: por um lado,
a necessidade do trabalho assalariado para responder às diretrizes impostas,
especialmente, pela Inglaterra; por outro lado, a ausência de suporte por parte
do Estado em relação à massa de ex-escravizados. A maior parte da população
negra deixou o meio rural em busca de oportunidades nos centros urbanos,
mas a precariedade estrutural urbana, política e social acirrou ainda mais as
desigualdades sociais. Em condições precárias de trabalho e de sobrevivência,
o negro liberto continuou enfrentando uma situação de miserabilidade,
racismo e com pouco ou nenhum acesso aos bancos escolares.

É importante ressaltar que o etnocentrismo europeu foi o principal


alicerce da estrutura implantada nas respectivas colônias. O etnocentrismo
é o ato de julgar outras culturas, tendo como base a própria cultura; dessa
forma, as sociedades que estejam fora dos padrões assimilados são tratadas
como inferiores. Nesse sentido, o etnocentrismo é o principal condutor de
comportamentos preconceituosos, intolerantes e que, por vezes, acirram a
violência em decorrência do racismo (MICHALISZYN, 2014).

Para o colonizador europeu, o continente africano e as américas eram


considerados lugares atrasados, com uma população que vivia de modo
primitivo. Até o fim do século XIX, as teorias que determinavam a supremacia
europeia na condição de civilizados, em detrimento das sociedades africanas
e indígenas como “primitivas”, foram fundamentais para o acirramento das
desigualdades entre os povos. Entre as teorias mais eficazes, destacou-se o
Darwinismo Social, no século XIX. Charles Darwin, biólogo do século XIX,
constatou cientificamente o processo de evolução das espécies e, entre outras
coisas, atribuiu à espécie humana etapas de desenvolvimento até chegar ao
estágio em que se encontrava: o homo erectus. O intelectual do século XIX
Herbert Spencer (1820-1903), ao tentar aplicar essa teoria à dinâmica da
sociedade, segmentando entre sociedades primitivas e civilizadas, contribuiu
para o chamado darwinismo social, que gerou inúmeros casos de conflitos
sociais, entre os quais podemos destacar o imperialismo na África, iniciado
em meados do século XIX, que, além dos problemas de ordem econômica e
política, gerou o Apartheid.

8 Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social


Importante
O Apartheid foi um regime de segregação racial, implantado nos países do continente
africano entre os anos de 1948 e 1990, sendo o responsável por uma série de assassinatos
e perseguições políticas, entre os quais a prisão de Nelson Mandela teve grande repercussão.
A respeito desse tema, fica como indicação o filme Um grito de liberdade, de 1987, dirigido
por Richard Attenborough.

No século XX, especificamente a partir dos anos 1940 e 1950, a


teoria antropológica conhecida como relativismo cultural criticou duramente
o etnocentrismo, argumentando que não existem sociedades civilizadas em
detrimento das chamadas primitivas ou culturas mais desenvolvidas do que
outra. O relativismo cultural defende a existência de culturas no plural, ou
seja, não há uma cultura melhor do que a outra, pois a cultura está presente
em todas as sociedades.

É inegável o papel do negro e indígenas na sociedade brasileira,


especialmente nas dimensões culturais, linguísticas e religiosas. Temos inúmeras
manifestações originárias de matrizes africanas, como na música, na culinária
e na religiosidade. Na música popular brasileira, entre as quais destacam-se o
maracatu e o samba, e, também, na dança (a capoeira é um bom exemplo),
pode-se observar as raízes na africanidade. Na religiosidade, a principal
manifestação é o Candomblé, cuja origem está no sincretismo entre os cultos
africanos e a necessidade de se adequar ao catolicismo, uma vez que os rituais
típicos das regiões de onde os negros escravizados eram originários não eram
aceitos no Brasil. Assim, é comum observar a correspondência entre os santos
católicos e os orixás, como é o caso de São Sebastião - Oxossi, Santa Bárbara -
Iansã, São Jorge - Ogun, Nossa Senhora da Conceição - Oxum, entre outros.

Nas últimas décadas, os casos de intolerância religiosa, mais


especificamente os que são direcionados às religiões de matrizes africanas,
ganharam repercussão. Em geral, os conflitos que se configuraram tiveram como
motivação a dificuldade em lidar com as diferenças, especialmente no contexto
dos estados multiculturais, ou seja, territórios que abrigam várias manifestações
de culturas (na mesma cidade, região ou país). Assim, os comportamentos
que fundamentam preconceitos, estigmas, e consequentemente, induzem a
atos violentos tornaram-se objetos de inúmeras pesquisas. Com os grupos
estigmatizados, que têm ressaltadas características, consideradas negativas por

Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social 9


outros grupos que compõem a sociedade, bem como o preconceito baseado
na incompreensão ou desconhecimento de determinada manifestação étnica e
cultural, são os principais alvos da intolerância (OLIVEIRA, 2007).

Nesse sentido, o reconhecimento e a liberdade religiosa fazem parte


dos processos culturais de formação da sociedade; não se trata de somente
“tolerar” as manifestações religiosas, uma vez que tal atitude significaria o ato de
“suportar” apesar de não concordar. No caso das religiões de matrizes africanas,
a “tolerância” necessariamente não constitui respeito aos ritos e características
dessas religiões. Assim, a inclusão do tema relações étnico-raciais nos currículos
escolares, discutindo a história e a cultura afrobrasileira e indígena, tem como
objetivo refletir sobre a diversidade cultural e identitária dos povos. O resultado,
espera-se, é construir uma sociedade mais justa e respeitosa.

Na linguagem, a influência do africano na construção da língua


portuguesa é visível no uso dos diminutivos, como no prefixo ca-, que
significa pequeno); como exemplo podemos citar as palavras “camundongo”
e “cachimbo”. Um estudo interessante sobre a língua portuguesa e o papel
dos indígenas e africanos nesse processo foi elaborado por Guerreiro (2015),
chamando a atenção para os elementos históricos e as mudanças sofridas na
língua a partir da inserção do negro africano na sociedade brasileira. Nesse
estudo, a autora também aborda a importância das línguas e culturas indígenas
para a sociedade brasileira, destacando o folclore e as lendas mais conhecidas,
como o Saci-Pererê e o Curupira (nomes originários do Tupi-Guarani).

Entretanto, além dos aspectos culturais, linguísticos e religiosos que


fazem parte do processo de formação do povo brasileiro, na atualidade, as
questões que envolvem o preconceito racial, a luta por equidade e justiça
social estão em voga. As populações indígenas têm dificuldade para manter
seus elementos culturais, bem como a questão da demarcação injusta de
territórios indígenas; além disso, são de difícil adequação e entendimento entre
as lideranças indígenas e o poder estatal brasileiro. Estima-se que no período
de chegada do colonizador português, no início do século XVI, mais de 4
milhões de indígenas viviam no Brasil. Ao longo do tempo, inúmeras etnias
indígenas foram extintas ou diminuíram consideravelmente sua população,
por meio da proliferação de doenças (especialmente com o contato com o
“homem branco”) e massacres promovidos pelo colonizador. Outro fator são
os conflitos travados com o Estado e produtores rurais.

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De acordo com os dados do último censo do IBGE (Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística), atualmente, existem apenas aproximadamente
900 mil indígenas no Brasil, compostos por 305 etnias e com 274 idiomas
diferentes, e 57% vivem em terras demarcadas. Muitos vivem em situação de
pobreza ou em constantes conflitos pelo direito às terras demarcadas.

Um importante passo sobre a sociodiversidade indígena e a legislação em


torno dessa questão é a Lei 11.645/2008, que assegura o acesso, nos currículos
escolares, ao ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Indígenas.

No Brasil, uma parcela expressiva da população negra não está


devidamente contemplada no mercado de trabalho, os índices de violência
motivados por preconceito são visíveis. De acordo com a Organização Mundial
das Nações Unidas, a população negra é a que mais sofre com a desigualdade
social e a violência. No mercado de trabalho, a dificuldade das pessoas negras
ou pardas terem progressão de cargos e salários está mais acentuada. De
acordo com estudo intitulado Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores
empresas do Brasil e suas ações afirmativas, realizado pelo Instituto Ethos em
2016, apenas 6,3% de pessoas negras estão em cargos de gerência, somente
4,7% ocupam cargos executivos. As mulheres negras estão em condições ainda
mais desfavoráveis se comparadas aos homens, pois apenas 1,6% exercem
cargos de gerência, e 0,4% estão nos quadros executivos. Mas, quando os
cargos são correspondentes ao início da carreira, são 57,5% para aprendizes,
e 58,2% para trainees.

A violência é um fator importante para ser debatido. De acordo com


o Atlas da Violência (2017), a cada 100 pessoas vítimas de homicídios no
Brasil, 71 são negras, sendo os jovens as maiores vítimas. Ao analisar os
dados de violência, com base no gênero e na etnia, os resultados também são
alarmantes. O número de mulheres negras vítimas de feminicídio (homicídio
cuja motivação é o fato da vítima ser do gênero feminino) é maior do que o
das mulheres não negras. Aproximadamente, 65% das mulheres vítimas de
assassinato no Brasil, durante o ano de 2016, eram negras, configurando a
problemática que envolve a desigualdade de gênero e a questão racial.

Nesse sentido, os estudos sobre as relações de gênero e sexualidade


são, também, de suma importância para compreendermos a diversidade que
permeia a sociedade do ponto de vista das identidades de gênero. Também

Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social 11


é importante refletirmos sobre os conflitos oriundos de interpretações
equivocadas sobre essas temáticas, os problemas enfrentados no mercado de
trabalho e a importância das políticas públicas voltadas para as questões de
gênero e sexualidade.

2. Diversidade de Gênero e Sexualidade


Além dos estudos sobre as questões étnico-racial e indígena, as
relações de gênero e sexualidade também fazem parte da sociodiversidade.
Os primeiros estudos sobre gênero, em geral, partiam das discussões sobre
as mulheres, desde as análises acerca das lutas políticas inauguradas com o
movimento feminista no século XIX e início do século XX, até as novas
configurações em relação a gênero e sexualidade.

No século XIX, os movimentos de mulheres deram suporte à


construção do feminismo. Uma das conquistas advindas desses movimentos,
no início do século XX, foi o direito ao voto. O termo “feminismo” diz
respeito à dimensão política – cuja a principal característica é a defesa por
igualdade entre os sexos –, bem como na ideia radical de que as mulheres
são pessoas, e, portanto, devem ser vistas com direitos como todos os
membros da sociedade. O feminismo não está pautado na dicotomia ou
oposição em relação ao masculino, conforme observa-se no senso comum.
É importante ressaltar que o feminismo não diz respeito ao uso do termo
“mulher”, conforme demonstrou Judith Butler, no livro Problemas de Gênero,
uma vez que a sociedade tende a determinar o que é ser mulher nos âmbitos
cultural, histórico e psicológico, produzindo, assim, inúmeros olhares sobre o
feminino e o que é ser “mulher”. Esses olhares, construídos a partir da ideia e
naturalização da cultura machista, tende a alocar as mulheres na subalternidade
em relação ao masculino. Um dos resultados é a violência contra mulheres ou
qualquer pessoa que se considere feminina (como as mulheres trans).

Um dos estudos que marcaram as análises sobre feminismo, gênero


e sexualidade foi o Segundo Sexo, de autoria de Simone de Beauvoir, nos
anos 1940. Nesse livro, a autora abordou como a sociedade construiu seus
pressupostos de desigualdade entre os gêneros, bem como a subalternização da
mulher. Ao afirmar que “ninguém nasce mulher, torna-se”, Beauvoir promove

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uma reflexão pautada não somente no aspecto da determinação biológica do
sexo que inscreve-se no ato do nascimento (homem e mulher / macho e fêmea),
mas, sim, no caráter identitário e cultural que moldam a socialização e educação
dos sujeitos a partir do seu sexo. Por exemplo: ao nascer, aparece determinado
o que é de “menino” e o que é de “menina”, configurando categoricamente qual
o tipo de comportamento que deve ser assimilado pelos indivíduos para que
respondam às expectativas e imposições sociais. Nesse sentido, a supremacia
masculina, em detrimento da fragilidade feminina, seria um elemento a ser
discutido pelas intelectuais feministas.

Dos anos 1940 até as décadas de 1970 e 1980, a maioria dos trabalhos
que tinham como foco a questão do gênero chamava a atenção para os
problemas em torno da formação histórica baseada no patriarcalismo (no
poder político-social exercido especialmente por homens), que gerava
inúmeros conflitos e violência contra as mulheres. O resultado dessas
reflexões foram a criação de políticas públicas de proteção às mulheres,
como a Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAMs), criada nos anos
1980, a Lei Maria da Penha, em 2006 e a Lei do Feminicídio, em 2015.

Entretanto, do final dos anos 1980 em diante, as pesquisas sobre gênero


incluíram outras temáticas de igual importância, chamadas de identidades
de gênero. Os estudos sobre identidades de gênero estão para além das
análises baseadas na “heteronormatividade”, ou seja, a ideia preconceituosa
de que somente a heterosexualidade seria a única a ser aceita pela sociedade
e, portanto, qualquer outra orientação sexual estaria na marginalidade e
sujeita a críticas, discriminação e repúdio. Essa concepção de orientação
sexual, ao ignorar as demais orientações advindas da diversidade sexual, é
um dos motivadores de conflitos e violências sofridas por sujeitos que não se
enquadram no comportamento heteronormativo.

Os dados divulgados anualmente pela ONG GGB (Grupo Gay da


Bahia) revelam o crescimento da violência e dos assassinatos sofridos pela
população LGBTTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Travestis e
Interssexuais): uma das constatações é a de que a maior parte das vítimas
de homicídios são pessoas Trans (Transgênero e Travestis). As pessoas
transgênero são aquelas que não se identificam com o sexo biológico com
que nasceram e, por esse motivo, decidem pela mudança de sexo, por meio
de cirurgias e acompanhamento psicológico durante o processo. Já a pessoa

Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social 13


travesti é aquela que também não se identifica com o corpo biológico que
nasceu, usa roupas e possui comportamentos de pessoas do sexo oposto,
mas não fazem a cirurgia de mudança de sexo. Em geral, os indivíduos
de orientação sexual Trans estão mais vulneráveis, pois a não aceitação
de sua condição por parte dos familiares, o preconceito exacerbado nos
espaços escolares e a dificuldade em se inserir no mercado de trabalho são
os principais fatores que colocam essa população em risco.

As pessoas Intersex são aquelas que, ao nascer, constatam a existência dos


dois sexos, chamadas de “hermafroditas”; o Intersex pode nascer com aparência
biologicamente feminina, mas possuir predominância anatômica masculina e vice-
versa. A percepção de que a pessoa é Intersex nem sempre é de fácil constatação
e, em alguns casos, por exemplo, a descoberta pode vir em decorrência de alguma
cirurgia ou na infertilidade, pois, ao fazer os procedimentos e exames médicos
para descobrir os motivos da impossibilidade de engravidar, pode-se verificar que,
internamente, os órgãos correspondem ao sexo masculino.

O gênero não é definido somente nos elementos biológicos do


indivíduo, mas também pelas dimensões sociais, culturais e pela orientação
sexual. Assim, a identidade de gênero é um composto de construções sociais,
culturais e escolhas individuais com as quais o sujeito se identifica. Por
esse motivo, embora o sujeito pertença biologicamente ao sexo masculino
ou feminino, ao não se sentir confortável com essa “determinação”, pode
assumir identitariamente outra configuração. Nesse ponto, é importante
salientar que a escolha do indivíduo por outra orientação sexual diferente do
seu sexo biológico não configura nenhum tipo de problema de ordem mental
ou comportamento desviante e pervertido, mas somente como identificam
seus corpos a partir da dimensão psicológica.

As múltiplas construções sobre gênero podem ser observadas


nos movimentos LGBTTI. Em geral, esses movimentos têm, na pauta, a
institucionalização de políticas públicas, o reconhecimento do ponto de vista
do exercício pleno da cidadania, o reconhecimento de direitos, entre outros.
O Ministério Público lançou, em 2017, a Cartilha LGBT, apresentando os
conceitos, os direitos LGBT, a legislação e os órgãos de defesa e direitos dessa
população. Nesse documento, a sociedade tem acesso aos principais pontos da
legislação, às políticas públicas e à defesa dos direitos.

14 Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social


Importante
A Cartilha LGBT é um documento importante enquanto referencial
sobre a questão LGBT no Brasil. Nessa publicação, a sociedade tem
pleno acesso às determinações legais, bem como o direcionamento
que a justiça institucionalizou sobre a inclusão, respeito e exercício de
liberdade por parte desses grupos. Leia mais

Ultimamente, é comum ouvirmos a expressão “ideologia de gênero”


para caracterizar negativamente as questões de gênero, argumentando que tal
“ideologia” é nociva em relação ao processo de socialização da criança. Entretanto,
a “ideologia de gênero”, conceitualmente, não existe, uma vez que os sujeitos
não têm uma “ideia” sobre seu gênero, mas, sim, uma identidade de gênero.
Em geral, a “ideologia de gênero” é uma expressão utilizada superficialmente,
de acordo com dogmas religiosos e contrários a qualquer manifestação de
orientação sexual que não se enquadre na heteronormatividade.

A compreensão em torno das relações étnico-raciais, de gênero


e sexualidade, além de chamar a atenção para a importância em relação às
condutas e práticas éticas na sociedade, também são questões que perpassam
pela necessidade de pensar o exercício pleno da cidadania e a busca e
preservação dos direitos individuais, conforme veremos a seguir.

3. Cidadania
O termo “cidadania” é amplamente utilizado no cotidiano da sociedade.
Entretanto, do ponto de vista conceitual, pode-se dizer que cidadania significa
condições para o exercício de direitos por parte do cidadão, ou seja, a garantia
do direito do cidadão remete, diretamente, ao ato do exercício de cidadania.
Em relação à concepção jurídica do uso do termo, está vinculado ao fato de
que o cidadão exerce cidadania quando usufrui de seus direitos políticos. Para a
sociologia, o uso do termo é mais abrangente, pois não basta ter direitos políticos
assegurados; é fundamental que o sujeito tenha garantias de seus direitos civis
e sociais. No Brasil, um dos entraves para que o cidadão exerça plenamente sua
cidadania está no desconhecimento dos direitos sociais e civis que estão garantidos
na Constituição de 1988, também conhecida como “constituição cidadã”.

Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social 15


Historicamente, a cidadania como garantia de direitos foi instituída
no final do século XVII, no contexto da Revolução Francesa; em 1789, foram
declarados, na França, os direitos do homem e do cidadão. Nesse documento,
as noções de cidadania que conhecemos aparecem em 17 artigos, dentre eles:
a liberdade individual e a igualdade de direitos; o direito à propriedade, a
segurança e o combate à opressão; o respeito aos direitos de cada homem; o
direito ao exercício da opinião e liberdade religiosa etc.

Pouco mais de 100 anos depois, já no século XX, em 1948, foi idealizada
a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nela, estão reafirmados os
direitos civis, salientando a importância da liberdade, justiça e paz. No artigo
2, chamamos a atenção para a redação que, de maneira simples, salienta a
importância da preservação dos direitos:

Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades


proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma,
nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de
opinião política ou outra, de fortuna, de nascimento ou de qualquer
outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada
no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território
da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente,
sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.

Ambas as declarações apontam para a questão da manutenção de


direitos fundamentais. Assim, ressalta-se que os processos discriminatórios
frequentemente sofridos por sujeitos ou grupos em relação à etnia, orientação
sexual ou religiosa representam uma grave violação aos Direitos Humanos.

Nos estudos da área de Direito, uma das dimensões amplamente discutidas


é o “direito à diferença”, especialmente no chamado “novo direito privado
brasileiro”. Atualmente, a pluralidade de ideias, de valores, de sujeitos e de grupos
é o principal elemento que promove a proteção da diversidade. Esse pluralismo
é percebido com base nas noções de tolerância e concepção moral e jurídica, que
asseguram o direito à diferença. Nesse sentido, o direito privado passa a conviver
igualmente com outras legitimidades e outros valores (FERRAZ; LEITE, 2015).

Entretanto, a pluralidade ou diversidade típica da sociedade atual


também é um elemento de vulnerabilidade, ou seja, é necessário pensar a

16 Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social


diversidade e, ao mesmo tempo, observar a vulnerabilidade em torno das
populações chamadas de minorias. Negros, indígenas e LGBTTI, por
exemplo, estão constantemente no cenário político e social, na busca por
direitos e proteção, uma vez que fazem parte de grupos que sofrem violências
motivadas pelo preconceito racial e de gênero.

A cidadania, historicamente, pode ser observada em três momentos: os


direitos civis (baseados no direito à liberdade, propriedade privada e igualdade
assegurada pela lei), direitos políticos (especialmente no direito ao voto e
demais formas de participação do cidadão nas questões governamentais) e
direitos sociais (moradia, educação, emprego, saúde e seguridade social). No
Brasil, esses direitos aparecem difusos, e, mesmo no contexto democrático, a
manutenção de um direito não garante a de outro. O fato de o Brasil ser uma
democracia e ter o voto direto e irrestrito (um direito político) não significa
que o direito à saúde, educação ou emprego está, da mesma forma, assegurado.

De acordo com Carvalho (2005), os problemas em torno do exercício


pleno da cidadania, ou de um determinado direito é que, no caso do Brasil, os
direitos civis foram limitados, especialmente no período entre a abolição da
escravidão, em 1888; a proclamação da República, em 1889; e a ascensão de
Getúlio Vargas ao poder, em 1930. Para o autor, nesse período, a participação
popular na política nacional, limitada na ação de pequenos grupos oligárquicos
e detentores de poder econômico, excluiu as massas das decisões políticas e,
consequentemente, atrasou a aquisição e manutenção de direitos civis e sociais.

Após 1930, o cenário político brasileiro também não se mostrou


favorável ao exercício pleno de direitos e cidadania. Durante o governo de
Getúlio Vargas, entre 1930 e 1945, o fechamento do Congresso Nacional
e a instauração do Estado Novo promoveram um período ditatorial e de
silenciamento de grupos opositores ao regime implantado por Vargas,
provocando, ainda mais, o enfraquecimento de qualquer elemento
democrático. Em 1942, a consolidação das leis trabalhistas - a CLT -,
significou um avanço nos direitos sociais, mas não garantiu, de fato, os
demais direitos (civis e políticos). Menos de duas décadas depois, o Golpe de
1964 e a institucionalização dos militares no poder novamente promoveram
o retrocesso dos direitos civis e políticos, pois uma das primeiras medidas
foi o fechamento do Congresso, o governo por Atos Institucionais (decretos
produzidos pelo poder executivo) e o voto indireto (ausência da sociedade civil

Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social 17


na escolha de presidente e demais membros do poder executivo e legislativo).
Nesse sentido, ao longo de quase 30 anos, a sociedade brasileira manteve-se
distante do exercício do direito político.

No início dos anos 1980, o processo de redemocratização foi lento e


de difícil retomada da democracia. O regime militar extinguiu-se em 1985,
e alguns direitos civis foram retomados, tais como a liberdade de expressão
individual e da imprensa. Entretanto, não significou a possibilidade de
exercício da cidadania, pois os direitos políticos e sociais ainda não estavam
devidamente acessíveis à população em geral.

Para Carvalho (2005), o exercício da cidadania está atrelado à


manutenção dos direitos civis, políticos e sociais. No Brasil, a facilidade com
a qual a conquista desses direitos são postas em cheque ao longo da história
(o processo de escravidão no período colonial, a instauração complexa do
regime republicano, as ditaduras civil e militar) é responsável por uma parcela
significativa das desigualdades sociais. Os problemas sociais no Brasil, como a
pobreza e o sistema de assistência social precários ainda não foram resolvidos,
mesmo com a manutenção da democracia.

Saiba Mais
Nesta unidade de aprendizagem, discutimos as relações étnico-raciais,
de gênero e sexualidade e a importância da conquista e manutenção dos
direitos sociais, civis e políticos. Eles são fundamentais para o exercício
da cidadania e, no vídeo Compromisso das empresas com os Direitos
Humanos LGBT, produzido pelo Instituto Ethos, você conhecerá melhor
como e quais são as estratégias de inclusão social para a população LGBT. Assista agora

18 Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social


Síntese
Nesta unidade de aprendizagem, foram apresentadas as discussões em
torno das relações étnico-raciais, de gênero e sexualidade e de cidadania.

Sobre a questão étnico-racial, chamou-se a atenção para o processo de


colonização e escravização dos negros africanos, abordando a cultura trazida
por eles e o seu papel fundamental para a formação do povo brasileiro.

As relações de gênero e sexualidade foram tratadas conceitualmente,


destacando as políticas voltadas para os grupos LGBTs. É importante ressaltar
o papel das empresas e de organizações não governamentais para a inclusão
das pessoas LGBTs.

Apresentamos, também, a situação de violência à qual estão expostas


a comunidade LGBTs e a população negra, em decorrência do racismo e do
preconceito de gênero.

Por fim, nesta unidade de aprendizagem, discutiu-se a questão da


cidadania, destacando a importância dos direitos sociais, políticos e civis no
processo de construção e exercício pleno da cidadania.

Sociodiversidade, Responsabilidade e Comprometimento Social 19


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