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Guilherme Oliveira da Silva

HISTÓRIA DO MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL


VOL. 1
A TRAJETÓRIA DO MOVIMENTO NEGRO

Editora Instituto Conhecimento Liberta


FICHA TÉCNICA

Título do Livro:
História do Movimento Negro no Brasil Vol. I : A Trajetória do Movimento Negro

Autor:
Guilherme Oliveira da Silva

Produção editorial:
Mariana Paulon, Marielly Agatha Machado, André Chacon

Coordenação de Design Gráfico:


Eduardo Marinho Júnior

Designer gráfico:
Jéssica Teixeira

Capa:
Matheus Braggion

Curadoria da coleção Identidades, cultura e modernidade:


Suze Piza
© Editora Instituto Conhecimento Liberta, São Caetano, 2022

Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode


ser reproduzida, transmitida ou arquivada, desde que levados
em conta os direitos do autor.


  
  
   
    


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Editora Instituto Conhecimento Liberta

Alameda Terracota, 215, Conj. 1511

Cerâmica, São Caetano do Sul, SP

CEP 09531-190

Tel: (11) 94172- 8439

E-mail: contato@institutoliberta.com.br
Sumário

Apresentação ................................................................................................................. 6
Introdução ......................................................................................................................... 8

1. Questões introdutórias...................................................................................... 10
1.1 O que é racismo?.......................................................................................................... 10
1.2 O que é o Movimento Negro?............................................................................... 16
2. Escravidão Africana e suas formas de resistência .............. 18
2.1 Os Quilombos ................................................................................................................ 18
2.2 As rotas da liberdade .............................................................................................. 26
2.3 Irmandades religiosas ........................................................................................... 28
2.4 Rebeliões e Revoltas ............................................................................................... 31
2.5 Movimento abolicionista ...................................................................................... 36
3. Indicações cinematográficas ................................................................... 42
3.1 Conexões África e Brasil ......................................................................................... 42
3.2 Fugas, revoltas e quilombos ............................................................................... 42
3.3 Abolição e pós-abolição.........................................................................................43
Referências...........................................................................................................................
44

Sobre o autor........................................................................................................... 49
Apresentação

História do Movimento Negro no Brasil Vol. I faz parte da


coleção Identidades, cultura e modernidade da Editora
Instituto Conhecimento Liberta. Nesta coleção
apresentaremos textos que manifestem e problematizem
questões acerca das identidades e culturas na modernidade
partindo do pressuposto de que as clássicas oposições
convencionadas nas ciências humanas não conseguem dar
conta das complexas dinâmicas socioculturais que
mobilizam o século XXI. Há uma infinidade de formas de
identificação das coletividades que se confrontam nas
fronteiras entre o urbano e o rural, o global e o local, o
universal e o particular conformando a cultura na forma
modernidade.

Como entender e explicar o mundo em que vivemos e


como colaborar para que a produção de um conhecimento,
sempre parcial, possa ser relevante aos vários segmentos da
sociedade de forma que seja possível compreender as
diversas dimensões da cultura nos diversos contextos
geográficos? Quais os recursos epistêmicos disponíveis para
avaliar as dinâmicas de construção das identidades nas
sociedades contemporâneas, sejam as identidades forjadas
no confronto direto do Ocidente com o mundo, em contexto
colonial, sejam identidades internas aos mundos do Sul
Global? Como ressuscitar culturas assassinadas, silenciadas
violentamente pelos saberes constituídos?

6
Neste texto, Guilherme de Oliveira da Silva percorre as
lutas do povo negro no Brasil após a abolição formal da
escravidão. Se durante a escravidão a população negra
encontrou diversas formas de resistir à violência colonial e
imperial, buscando a criação de territórios livres e
autônomos e lutando pelo fim da escravidão, no
pós-abolição surgiram novas demandas e novas formas de
luta. O autor divide a história do Movimento Negro do Brasil no
pós-abolição em quatro fases: A primeira do início da
república em 1889 até a ditadura do Estado Novo em 1937, a
segunda de 1945 até o início da Ditadura Militar em 1964, a
terceira de 1978, dada a fundação do Movimento Negro
Unificado, até o fim da Ditadura e a última fase que se inicia
nos anos 1980 e segue até os dias atuais.

Boa leitura!
Suze Piza

7
Introdução

Nenhum país do Ocidente ou do Oriente possui tantas


heranças históricas, culturais e sociais do continente
africano quanto o Brasil. Com mais de 100 milhões de
habitantes afrodescendentes, o Brasil é o país com o maior
número de negros fora do continente africano. Salvador,
capital da Bahia, é a cidade com o maior número de negros
fora da África e a segunda em números absolutos, ficando
atrás apenas de Lagos, capital da Nigéria (PEREIRA, 2012). As
festividades, tradições culturais, a culinária, manifestações
religiosas, entre outros elementos típicos da cultura
brasileira, também são carregadas de heranças africanas.1

Entretanto, apesar da significativa


importância da população negra
para a formação da sociedade
brasileira, o Brasil está longe de ser
uma democracia racial e
historicamente se constituiu como
um país marcado por enormes
desigualdades entre a população
branca e negra.2

1 FROMÓNT, Cécile (ed). Afro-Catholic Festivals in the Americas: Performance, Representation, and the Making
of Black Atlantic Tradition. Pennsylvania: Penn State University Press, 2019;
2 De acordo com o IBGE, a população negra é formada pela soma das pessoas que se autodeclaram pretas
(tonalidades de pele mais escura) e pardas (tonalidades de pele mais clara). Ver mais em: ATHIAS, Leonardo.
“Investigação étnico-racial no Brasil: entre classificação e identificação”. In: SIMÕES, André, ATHIAS, Leonardo,
BOTELHO, Luanda (org.) Panorama nacional e internacional da produção de indicadores sociais: grupos
populacionais específicos e uso do tempo. Rio de Janeiro: IBGE, 2018;

8
Dos 500 anos de história do Brasil, quase 400 foram
marcados pela escravização de pessoas africanas e
1

afro-brasileiras, e os últimos 100 anos foram seguidos de


negligências do Estado, com praticamente nenhum projeto
social que visasse a inserção da população negra recém
liberta da escravidão na sociedade. Como forma de
reivindicar a liberdade, a igualdade, entre outros direitos
básicos, a população negra ao longo do tempo passou a se
organizar em espaços autônomos, em grupos, coletivos, em
instituições culturais, religiosas e políticas, criando o que hoje
conhecemos como Movimento Negro brasileiro (DOMINGUES,
2007, p.100-122). Nas últimas décadas, esse Movimento vem
realizando importantes conquistas no campo político,
educacional, social e cultural, o que também tem provocado
ataques de grupos conservadores e racistas.

Este e-book tem como objetivo percorrer a trajetória do


Movimento Negro brasileiro em seus primórdios, desde as
primeiras organizações negras autônomas no século XVI até
a luta abolicionista no século XIX. A despeito de narrativas
que visaram diminuir a participação da população negra na
história do Brasil, iremos abordar o Brasil colônia e Império
através do protagonismo político e social dos africanos e
afro-brasileiros.

9
1. Questões introdutórias

1.1 O que é racismo?

Antes de falarmos sobre o que é racismo, é importante


definirmos raça. O termo raça (do italiano razza) foi criado no
século XVI para classificar, rotular e diferenciar pessoas,
animais e plantas a partir de suas características genéticas,
culturais e sociais (ATHIAS, 2018, p. 183). Os europeus, ao
entrarem em contato com povos indígenas, africanos e
asiáticos no período conhecido como “as grandes
navegações” entre os séculos XV e XVII, se depararam com
grupos étnicos distintos, com tonalidades de pele e texturas
de cabelo diferentes das encontradas na Europa. Essas
diferenças levaram os europeus a acreditarem que existiam
diversas raças humanas no mundo, e partindo de suas
próprias percepções limitadas e ignorantes, passaram a
rotular grupos extremamente plurais em raças únicas. Desta
forma, centenas de povos nativos da América, com línguas e
sociedades distintas foram rotulados unicamente como
índios, enquanto centenas de povos africanos com
realidades díspares, foram classificados apenas como
africanos ou negros. O mesmo ocorreu na Ásia e Oceania.
Essas classificações levavam em conta dois elementos: as
características biológicas e as características culturais das
sociedades (ALMEIDA, 2019, p. 19).

Até o século XVII, buscavam-se respostas religiosas


para fundamentar as diferenças entre brancos e povos
não-brancos e justificar a escravidão, havendo sugestões de
que africanos não tinham almas ou que estavam
diretamente condenados ao inferno se não fossem
catequizados (OLIVEIRA, 2007 p. 358).

10
Entre os séculos XVIII e XIX, com o
surgimento de correntes de
pensamento como o Iluminismo,
Positivismo e Darwinismo, essa
crença nas diferenças entre as raças,
foi utilizada para justificar uma
suposta superioridade europeia
perante outros povos, com um
caráter científico, dando origem a
ideologia que conhecemos como
racismo (ALMEIDA, 2019, p. 18-22). Na
visão do homem europeu, a Europa
era o continente mais civilizado do
mundo, portanto deveria levar a
civilização para os outros
continentes, cheios de povos
inferiores e selvagens. A arte, a
religião, as formas de organizações
políticas e sociais dos povos
indígenas e africanos foram
consideradas diabólicas,
pecaminosas e cientificamente
atrasadas diante do progresso
europeu, sendo justificável
destruí-las.

11
O racismo científico, como ficou conhecido esse período
de estudos científicos sobre as raças, acreditava que a
evolução humana ao longo do tempo teria tornado as
pessoas brancas mais evoluídas, inteligentes e aptas a
dominar o mundo (ALMEIDA, 2019, p. 21-22). Derivada das
ideias de Darwin, surge a eugenia, que tinha como objetivo
central argumentar que as pessoas não-brancas) deveriam
parar de se reproduzir a fim de tornar o mundo mais evoluído.
Segundo os eugenistas, quanto mais branco era um país,
mais chances ele teria de progredir socialmente e
economicamente. Já países africanos ou com uma presença
maciça de pessoas de origem africana e miscigenadas,
como o Brasil, seria um país atrasado e sem progresso.3

A Redenção de Cam, 1895. Modesto Brocos. Óleo sobre tela, c.i.d. 166,00 cm x 199,00 cm. Foto: Reprodução
fotográfica César Barreto. Fonte: Itaú Cultural, 2022

A Redenção de Cam é um dos símbolos do pensamento


racista e eugenista no Brasil, ao mostrar uma senhora negra
retinta agradecendo a Deus por sua filha (já miscigenada) ter
tido uma criança branca, simbolizando que ser branco era
sinônimo de progresso.

3 Ver mais em: SOUZA, Vanderlei Sebastiao de. A eugenia brasileira e suas conexões internacionais: uma
análise a partir das controvérsias entre Renato Kehl e Edgard Roquette-Pinto, 1920-1930. História, Ciências,
Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.23, supl., dez. 2016, p.93-110.

12
Como forma de impedir uma ascensão política e social
de pessoas negras, que eram vistas como inferiores na
sociedade, diversos países do Ocidente criaram leis que
segregavam e marginalizavam a população de origem
africana. Nos Estados Unidos foram criadas as leis Jim Crow,
que além de impedir pessoas negras de terem o direito ao
voto eleitoral, por exemplo, também estabelecia espaços e
instituições como escolas, hospitais e bairros exclusivos para
pessoas negras (NASCIMENTO, 2019, p. 103-143). No Brasil,
nunca tivemos a criação de leis específicas que proibiam
pessoas negras de votarem ou de habitarem determinados
espaços, mas ao longo do século XX, no pós-abolição, a
população negra foi paulatinamente marginalizada, excluída
dos espaços de poder, fazendo com que fosse criada uma
imensa desigualdade socioeconômica entre a população
negra e branca no Brasil que perdura até hoje.4

De acordo com o IBGE, cerca de 54% da população


brasileira é negra, porém apenas 24% dos deputados federais
eleitos em 2018 são negros. Quando analisamos o mercado
de trabalho, 68,6% dos cargos de gerência são ocupados por
pessoas brancas e 29,9% por pessoas negras. A taxa de
analfabetismo entre jovens negros é três vezes maior que
entre os jovens brancos. Entre 2016 e 2018, na população
negra, a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou
mais de idade era de 9,1%, enquanto o analfabetismo de
pessoas brancas na mesma faixa etária era de 3,9%. Somente
18,3% de jovens negros na faixa etária dos 18 a 24 anos
possuem ensino superior, enquanto a população branca
nessa faixa etária com ensino superior é de 36,1%. De acordo
5

com os dados do Atlas da Violência do Instituto de Pesquisa


Econômica Avançada (IPEA), a cada 100 mil homicídios,
cerca de 75% são de jovens negros. Uma pessoa negra tem 2,7
vezes mais chances de ser assassinada que uma pessoa
branca.6

4 Ver mais em: NASCIMENTO, Abdias do. O Genocídio do Negro Brasileiro: Processo de um racismo mascarado.
Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1978.
5 IBGE. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais. 2019.
6 Ver mais em: Ipea - Atlas da Violência v.2.7. Acesso em: 17 fev. de 2022.

13
As desigualdades raciais também estão presentes nas
condições de moradia, tanto na distribuição espacial das
moradias quanto na qualidade de vida que elas oferecem. O
Censo Demográfico de 2010 verificou que, nos dois maiores
municípios brasileiros, São Paulo e Rio de Janeiro, a chance
de uma pessoa negra residir em um aglomerado subnormal
era mais do que o dobro da verificada entre as pessoas
brancas. No Município de São Paulo, 18,7% das pessoas pretas
ou pardas residiam em aglomerados subnormais, enquanto
entre as pessoas brancas esse percentual era 7,3%. No
Município do Rio de Janeiro, 30,5% das pessoas pretas ou
pardas residiam em aglomerados subnormais, ao passo que
o percentual registrado entre as pessoas brancas foi 14,3%.7

Esses dados colhidos por sérias


instituições de pesquisa no Brasil
apontam que a desigualdade em
nosso país está diretamente ligada
com a cor da pele das pessoas,
formando o que é chamado de
racismo estrutural. Racismo é,
portanto, uma ideologia e uma
estrutura de dominação com raízes
históricas, na qual pessoas brancas
ao longo do tempo se enxergaram
como superiores a pessoas
não-brancas, estabelecendo um
domínio político, social, cultural e
econômico sobre povos e sociedades
distintas (ALMEIDA, 2019, p.18).

7 IBGE. Quilombolas no Brasil. In: Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais.

14
Nas palavras do intelectual Silvio Almeida,
O racismo é uma forma sistemática de
discriminação que tem a raça como fundamento,
e que se manifesta por meio de práticas
conscientes ou inconscientes que culminam em
desvantagens ou privilégios para indivíduos, a
depender do grupo racial ao qual pertençam
(ALMEIDA, 2019, p. 22).

Ainda hoje o racismo se faz presente em nossa


sociedade, pois apesar de termos metade da população
brasileira constituída por pessoas negras, a população
afro-brasileira não está em pé de igualdade política7 e
socioeconômica com a população branca e sofre enorme
discriminação nas instituições de ensino, mercado de
trabalho entre outras esferas sociais. Negar que o racismo
existe, ou que ele não existe na sociedade brasileira é negar
um dos maiores problemas em nossa sociedade e
consequentemente dificultar sua resolução (LOPES, 2005, p.
188-190).

Tão grave quanto afirmar que existe racismo reverso, ou


racismo de pessoas negras contra pessoas brancas, pois o
racismo não se trata de xingamentos, ele é uma ideologia
que se estruturou através de experiências históricas nas
quais as populações africanas e indígenas foram
escravizadas, exploradas e desumanizadas, não havendo,
portanto, argumento que sustente o racismo contra pessoas
brancas. O primeiro passo para acabarmos com o racismo, é
reconhecermos que ele existe e que ele se estrutura nos
privilégios sociais e políticos da parcela branca da população
brasileira. Pois enquanto parte da população continuar em
negação, ele continuará enraizado em nossa sociedade
(GOMES, 2005, p. 147-148).

15
1.2 O que é o Movimento Negro?

O Movimento Negro, ou os movimentos negros, são um


conjunto de movimentos sociais, de viés sobretudo político,
social e cultural, que lutam para diminuir e acabar com o
racismo e com a desigualdade racial na sociedade. O
Movimento é construído e protagonizado pela população
negra, mas conta com o apoio de pessoas brancas, dispostas
a somar na luta antirracista.8 O Movimento Negro mais
famoso a nível mundial é o norte-americano, que foi
responsável por acabar com as leis de segregação racial nos
Estados Unidos, conquistando importantes direitos civis para
a população afro-americana nas décadas de 1950 e 1960,
como o direito ao voto e de frequentarem as melhores
escolas e universidades do país, até então frequentadas só
pela população branca (PEREIRA, 2019, p. 34-37).

Cada grupo do Movimento Negro busca variadas


formas de lutar pela igualdade, não sendo possível
generalizar as formas de luta de todo o Movimento como
única forma, e nem apontar para qual é a mais adequada.
Partes do Movimento têm perspectivas mais pacíficas
enquanto outras optam por lutarem de maneira mais
agressiva, o que de maneira alguma deve ser visto com
racismo por parte das pessoas negras. Como diria Malcolm X,
um dos ícones do Movimento Negro dos Estados Unidos, não
podemos confundir a reação dos oprimidos com a violência
do opressor.

8 Ver mais em: DOMINGUES, Petrônio. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos, Tempo 12
(23), 2007, Rio de Janeiro: EDUFF, p.100-122; GOMES, Nilma Lino. O Movimento Negro educador: Saberes
construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis: Editora Vozes, 2017.

16
O ativista judeu Joseph L. Rauh, Jr. marchando ao lado de Martin Luther King, durante um protesto em 1963.
Fonte: U.S. National Archives and Records Administration, 2004.

Apesar das estruturas atuais do Movimento Negro


brasileiro terem sido moldadas nas últimas décadas, ao
longo de toda a história do Brasil desde o período colonial,
encontramos diversas formas de organização política, social
e cultural de pessoas negras, que lutaram contra a
escravidão através da criação de espaços autônomos ou de
tentativas de inclusão dentro da sociedade da época. Em
nenhum momento da História do Brasil Colônia, Império ou
República, a população negra deixou de se articular
politicamente, de lutar por sua liberdade e pela garantia de
seus direitos. Veremos abaixo a formação dos primeiros
movimentos de luta da população negra no Brasil, durante o
período da escravidão até a abolição.

17
2. Escravidão Africana e suas formas de resistência

2.1 Os Quilombos

Entre 1530 e 1850, o Brasil recebeu cerca de 5 milhões de


africanos, oriundos de diversas regiões do continente.
Nenhum outro país da América recebeu uma quantidade tão
significativa de africanos nesse período, tornando o Brasil
atualmente o país com o maior número de negros fora da
África (GOMES, 2016, p. 9). Durante a primeira metade do
século XX, os historiadores e sociólogos brasileiros, em sua
maioria homens brancos da elite, tentaram construir uma
imagem de um Brasil pacífico, no qual a escravidão foi
interpretada como branda e os negros escravizados foram
lidos como indivíduos passivos que se conformavam com o
cativeiro. Essa visão, entretanto, é extremamente
equivocada, pois enquanto houve escravidão, houve luta e
resistência por parte da população negra. Os africanos e
afro-brasileiros não eram simplesmente a mão-de-obra que
movimentava a economia da Colônia e do Império, eram
sujeitos ativos de suas próprias vidas e protagonistas de suas
lutas, trazendo consigo formas de organização política e
social do continente africano para o território brasileiro
(GOMES, 2016, p. 9).

18
Nos séculos XVI e XVII, Pernambuco e
o nordeste brasileiro de modo geral,
concentravam as principais
atividades econômicas do Brasil
colônia, sendo proporcionalmente a
região que mais recebeu
escravizados. Nesse período, a
maioria dos africanos que chegaram
ao Brasil eram oriundos da África
Central, dos países que atualmente
conhecemos como: Angola,
República do Congo e República
Democrática do Congo (HEYWOOD e
THORNTON, 2007, p. 268).

Até o século XIX, essa região da África Central era


composta por diversos reinos e sociedades autônomas
organizadas politicamente, e essas organizações foram
transportadas para o Brasil.

19
Rainha Jinga Ambande soberana dos reinos do Dongo e Matamba, uma das principais lideranças políticas e
militares da África Central no século XVII. Centenas de seus súditos foram escravizados no Brasil, sendo a luta
da rainha contra os portugueses a inspiração para o movimento “ginga” da capoeira. Foto: Achille Devéria,
impresso por François Le Villain, publicado por Edward Bull, publicado por Edward Churton, segundo artista
desconhecido. Fonte: National Portrait Gallery, Londres.

No decorrer da colonização brasileira, centenas desses


escravizados oriundos da África Central, passaram a fugir
das fazendas de plantações de cana-de-açúcar da região
nordeste, deslocando-se para florestas e matas, onde
reconstruíram suas formas de organizações políticas,
culturais e sociais (GOMES e REIS, 2016, p. 10). Essas fugas e
organizações em espaços auto-organizados por africanos
ocorreu em vários locais da América, como no caso da
Venezuela, Colômbia e Jamaica, onde foram chamados
respectivamente de cumbes, palenques e marrons (GOMES,
2011, p. 10-11). No Brasil, esses espaços ficaram conhecidos
como quilombos,9 sendo o Quilombo dos Palmares o maior,
mais famoso e duradouro do período da escravidão.

9 Na África Central, quilombos eram os acampamentos dos guerreiros imbangalas, chamados pelos
portugueses de jagas. No Brasil, quilombos se tornaram espaços organizados por africanos e seus
descendentes, tornando-se ao longo da história do Brasil, símbolo da resistência anti-escravocrata. Ver mais
em: THORNTON, John K.Les États de l’Angola et la formation de Palmares (Brésil). In: Annales. Histoire, Sciences
Sociales, v. 63 (4), 2008, pp. 769-797.

20
Palmares não era simplesmente um aglomerado de
indivíduos africanos fugindo da escravidão que se isolaram
em meio a mata. Na verdade, o Quilombo dos Palmares é
considerado uma continuidade dos reinos do Congo e Dongo,
dois dos maiores reinos da África Central no século XVII, pois
os líderes palmarinos reconstruíram as sociedades dos sobas
e manis (líderes políticos ambundos e bacongos). As
10

próprias autoridades coloniais reconheciam Palmares como


um estado político, tratando seu líder, Gana Zumba, como um
monarca (LARA, 2012). O Quilombo dos Palmares se
localizava entre Pernambuco e Alagoas, e era constituído de
diversos territórios chamados mocambos, aldeias
semelhantes aos territórios do reino do Dongo em Angola. Os
mocambos eram bem-organizados e fortificados,
espalhados por uma região de cerca de 300 quilômetros
(LARA, 2016, p. 218). O maior deles chamava-se Macaco e
ficava próximo à vila de Porto Calvo. Depois vinham Subupira,
Amaro, Andalaquituche, Aca Inene, Tabocas, Zambi,
Dambiabanga e outras unidades menores. 11

Segundo as fontes, Palmares teve início no final do


século XVI, quando um grupo com cerca de 40 escravizados
fugiram de um engenho em Porto Calvo, Pernambuco, e se
abrigaram nas serras da região (GOMES, 2011, p. 50). As serras
pernambucanas foram consideradas ideais para o refúgio
dos africanos e para as sociedades que desejavam criar e
reconstruir. Aos poucos, ali foram se formando diversos
mocambos. Cercados por montanhas e florestas de difícil
acesso, os habitantes de Palmares contavam com uma
considerável proteção natural (GOMES, 2011, p. 52). O local
escolhido também proporcionava caça e pesca abundante e
a colheita de frutos, raízes e plantas. Nesse sentido, os
palmaristas poderiam garantir sobrevivência, bem
escondidos no interior da floresta. Os mocambos de
Palmares situavam-se à distância de 120 quilômetros do
litoral de Pernambuco. Essa área era conhecida como região
de Palmares, pela existência da palmeira pindoba em
abundância, em que se encontrava uma grande floresta. Os
palmaristas procuraram construir seus mocambos ao longo
da serra, em uma região extensa que ia do rio São Francisco
até o cabo de Santo Agostinho (GOMES, 2011, p. 50).

10 Ambundos e bacongos são dois grupos étnicos da África-Central, dos atuais países Angola, República do
Congo e República Democrática do Congo. Ver mais em: PARREIRA, Adriano. Dicionário glossográfico e
toponímico da documentação sobre Angola, séculos XV-XVII. Lisboa, 1990;
11 Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco no tempo do governador dom Pedro de Almeida
de 1675 a 1678. M. S. offerecido pelo Exm. Sr. Conselheiro Drummond). Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, 22 (1859): 303-329

21
Palmares foi crescendo entre as primeiras décadas de
1600, e acabou se tornando objeto de grande preocupação
para as autoridades coloniais, pois o Quilombo passou de
uma pequena aglomeração de africanos para uma grande e
forte sociedade auto organizada, que se articulava com
escravizados das senzalas de Pernambuco e cada vez mais
diminuía a mão-de-obra dos canaviais de açúcar. Um dos
últimos e mais importantes líderes de Palmares, foi Gana
Zumba, que era reconhecido como um rei e fora do Quilombo
(GOMES; LAURIANO; SCHWARCZ, 2021).

Preocupados com a proporção que Palmares tomou, e


após diversas tentativas frustradas de destruírem o
Quilombo, o governador Aires de Souza de Castro chamou os
líderes Palmarinos para negociar um acordo de paz em 1678.
A proposta do governador era que Gana Zumba mudasse o
Quilombo para a região de Cucau, mais afastada das vilas e
engenhos de Pernambuco, devolvesse aqueles indivíduos
que não eram nascidos em Palmares para seus respectivos
cativeiros e não aceitasse mais nenhum escravizado fugitivo
no Quilombo. Em troca, Palmares seria reconhecido como um
reino vassalo de Portugal, nunca mais seria atacado pelas
forças coloniais e os palmaristas poderiam manter relações
comerciais livremente em Pernambuco. Importante ressaltar
que esse acordo seguia uma postura diplomática padrão que
a Coroa portuguesa e seus representantes coloniais
utilizavam para negociarem com chefes políticos dentro e
fora da Europa, portanto as autoridades de Palmares eram
reconhecidas como uma realeza africana dentro do Brasil.
Gana Zumba mandou três de seus filhos para lhe representar
em Recife, e aceitou o acordo proposto pelo governador.12

O acordo dividiu opiniões no Quilombo, havendo


aqueles que eram favoráveis a Gana Zumba, enquanto
outros não aceitavam as condições dadas pelo governo.
Palmares se dividiu, e a oposição a Gana Zumba ficou
centrada em outro importante líder palmarino: Zumbi dos
Palmares. Enquanto Gana e seus aliados se mudaram para
Cucaú, Zumbi, que ao que tudo indica era sobrinho de Gana,
decidiu permanecer na Serra da Barriga. Gana Zumba e
diversos líderes que o acompanharam foram envenenados
ainda em 1678 e Palmares, dessa vez sob liderança de Zumbi,
continuou resistindo às forças militares coloniais (GOMES,
2011, p.140-142). A derrocada de Palmares se deu no final do
século XVII, quando os mocambos foram destruídos pelas
12 Ver mais em: LARA (2012).

22
tropas lideradas pelo bandeirante Domingos Jorge Velho.
Zumbi conseguiu fugir, mas acabou sendo capturado e morto
em 20 de novembro de 1694. A data da morte do último líder
da maior resistência anti-escravocrata da história do Brasil,
foi escolhida como o Dia da Consciência Negra, em
homenagem à resistência e luta da população negra ao
longo da história brasileira (DOMINGUES, 2007, p. 115).

O Quilombo dos Palmares, assim como seus líderes, se


tornou grande inspiração para a população negra e para a
cultura popular brasileira de modo geral. Foram feitos
romances, músicas, filmes, histórias em quadrinhos,
nomeados bairros, ruas e instituições que homenageiam a
história dos valentes quilombolas que confrontaram as
forças coloniais.13 Ao mesmo tempo, indivíduos e grupos
racistas tentam diminuir a importância histórica de
Palmares, inventando narrativas sem qualquer
comprovação histórica, de que Zumbi dos Palmares tinha
escravizados. É fato que o Quilombo era uma reconstrução de
sociedades centro-africanas, e como tal, havia uma rígida
hierarquia social na qual alguns detinham poderes enquanto
a maioria habitava o território sem direitos políticos. Mas isso
não significa que os palmarinos eram escravizados de Zumbi,
muito menos que os sistemas de servidão dentro das
sociedades africanas e quilombolas se equiparavam a
violência da escravidão que tentou tirar a humanidade de
pessoas negras, tratando-lhes como mercadoria (SILVA,
2020).

13 Ver mais em: Relembrando Palmares: Do Quilombo Histórico à Memória do Povo Negro. In:
https://artsandculture.google.com/story/QQVxHr3UDLY8JQ?hl=pt-BR. Acesso em: 06 de mar. de 2022
23
Estátua do Zumbi dos Palmares em Salvador. Foto: Jefferson Peixoto/Secom. Fonte: Portal G1. 2019.

Durante a escravidão, os colonizadores tentaram retirar


as identidades dos africanos, proibindo-os de cultuarem
suas próprias divindades, de falarem seus idiomas e
tratando-os como animais ou objetos. A construção de
espaços autônomos como os quilombos, demonstram que os
africanos resistiram a essa tentativa de destruição de suas
identidades e mais do que isso, construíram espaços tão
poderosos que seus líderes desafiavam as autoridades
coloniais e eram tratados por elas como reis. Por isso o
Quilombo dos Palmares se tornou um símbolo de resistência
e da luta antirracista no Brasil, pois sua trajetória foi um
importante marco na organização política e social da
população negra e sua luta pela igualdade (DOMINGUE, 2007,
p. 115).

Apesar de Palmares ser o quilombo mais famoso do


Brasil, existiram quilombos por todo o território brasileiro, de
norte a sul, de leste a oeste. Ainda hoje, existem inúmeras
comunidades quilombolas no Brasil reconhecidas pelo
governo federal. Um estudo realizado pelo IBGE estima que
em 2019 existiam 5.972 localidades quilombolas no Brasil.
Desse total, 404 são oficialmente reconhecidos, 2.308 são
denominados agrupamentos quilombolas e 3.260 são
identificados como outras localidades quilombolas. Entre os
agrupamentos, 709 estão localizados dentro dos territórios
quilombolas oficialmente delimitados e 1.599 estão fora
dessas terras. O Nordeste é a região do Brasil que concentra o

24
maior número de localidades quilombolas, 3.171. Logo em
seguida vem a região Sudeste com 1.359 quilombos. As
demais regiões têm os menores números: Norte (873), Sul
(319) e Centro-Oeste (250).14

11

Figura: Base de Informações Geográficas e Estatísticas sobre Indígenas e Quilombolas. Fonte: IBGE, 2019.

Essas comunidades quilombolas preservam inúmeras


tradições culturais de seus ancestrais, e são lugares
extremamente importantes para a preservação da história e
da cultura africana e afro-brasileira no Brasil, demonstrando
que os conhecimentos trazidos há séculos pelos africanos, de
alguma forma foram transmitidos e preservados geração
após geração, a despeito da violência racial existente ao
longo de toda a história do Brasil que tentou negar e apagar
as raízes africanas da sociedade brasileira.
15

14 Dados do IBGE. In: Quilombolas no Brasil | Educa | Jovens – IBGE. Acesso: 11 de mar. de 2022.
15 Para o conceito de quilombos na atualidade ver mais em: EUGÊNIO, Benedito Gonçalves; MATOS, Wesley
Santos de. Comunidades quilombolas: elementos conceituais para sua compreensão. PRACS: Revista
Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP
https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs ISSN 1984-4352 Macapá, v. 11, n. 2, p. 141-153, jul./dez. 2018;
25
2.2 As rotas da liberdade

Os africanos e seus descendentes, apesar de toda a


opressão do sistema escravocrata, fizeram de tudo para
preservarem suas liberdades e identidades. As resistências
contra o cativeiro foram feitas de diversas formas, tanto
coletivas como individuais, e um dos mecanismos mais
comuns eram as fugas, que aconteciam tanto nas áreas
rurais como urbanas. A fuga, como o próprio nome diz,
consistia no ato do escravizado fugir de seu cativeiro em
busca de liberdade e autonomia em outro local. Muitas vezes
os escravizados fugiam sozinhos, outras tantas se
deslocavam em pequenos grupos, buscando abrigo em
quilombos ou mesmo tentando ganhar a vida como forros no
território urbano ou rural de outras cidades, vilas e províncias
(ALBUQUERQUE; FILHO, 2006, p.117). Havia o caso de homens
escravizados fugirem acompanhados de suas esposas,
assim como mulheres que fugiam grávidas buscando dar à
luz em liberdade.

As fugas causavam grande prejuízo financeiro aos


proprietários de escravizados, que tinham sua mão de obra
reduzida. Tamanha era a quantidade de escravizados que
fugiam, que existiam pessoas que trabalhavam como
caçadores de recompensa, ganhando a vida com a captura
de escravizados. No século XIX, com a chegada da imprensa
no Brasil, os diversos jornais da época circulavam anúncios
das fugas, sempre com recompensas para quem
conseguisse capturar os escravizados. As fugas eram
também um importante mecanismo de mobilidade social de
mulheres negras. Jornais como o Gazeta de Campinas, no
interior de São Paulo, anunciavam fugas de mulheres
escravizadas na década de 1870 oriundas da Bahia,
apontando para um deslocamento complexo de indivíduos
escravizados entre as províncias do Império brasileiro
(SOUZA, 2021, p. 12).

26
Foto: Reprodução Jornal Correio Paulistano, 1886. Fonte: São Paulo Antiga, 2013.

O que era visto como prejuízo financeiro para os


proprietários de escravizados, na perspectiva daqueles que
fugiam era uma legítima defesa do direito de se afirmarem
como donos de seus próprios corpos, de suas próprias
narrativas, de seus próprios destinos.

27
As fugas apontam para um forte nível
de organização logística dos
escravizados, pois envolviam o
planejamento do melhor momento
para fugir, os caminhos a serem
percorridos para a liberdade e muitas
vezes elas geravam uma rede de
ajuda que perpassava por outros
escravizados, negros livres e pessoas
brancas aliadas, mobilizando uma
grande quantidade de pessoas.
Mesmo que em muitos casos os
escravizados acabaram capturados,
o ato de resistir a escravidão fugindo
de seu local de cativeiro não deixa de
ser uma das mais importantes
formas de organização da população
negra em prol da liberdade no período
da escravidão (ALBUQUERQUE; FILHO,
2006, p.117).

2.3 Irmandades religiosas

Durante o período da escravidão, os negros eram


forçados ao batismo católico, recebendo nomes europeus
em seguida. Os africanos batizados, porém, já carregavam
consigo todo um sistema de crenças e rituais religiosos, e ao
serem batizados, misturavam suas crenças africanas com as
crenças católicas, criando o que é chamado de sincretismo
religioso de matriz africana (FROMÓNT, 2019).
28
A população negra batizada no
catolicismo não podia frequentar as
mesmas igrejas que a população
branca, e os negros passaram a
construir seus próprios espaços
religiosos, através da organização de
irmandades religiosas. Essas
irmandades formaram um dos
espaços mais importantes para a
organização política e social da
população negra no Brasil desde o
século XVII, pois eram um dos meios
pelos quais os negros criavam
espaços de autonomia e resistência,
fosse por meio do disfarce de seus
cultos ancestrais, ou pela ajuda
mútua oferecida nas irmandades
para a compra de cartas de alforria,
realização de ritos fúnebres, ou nos
momentos de lazer oferecidos pelos
festejos (LIMA, 2022).

29
Historicamente, as igrejas de Nossa Senhora do Rosário,
assim como as de São Benedito e Santa Efigênia, tiveram
uma forte ligação com a população africana e
afrodescendente. Isso porque esses 3 santos foram
escolhidos para a evangelização dos africanos na África
Central desde os primeiros contatos estabelecidos entre
portugueses e o reino do Congo, e consequentemente
trazidos pelos escravizados ao Brasil, estando presente em
solo brasileiro desde o período colonial (REGINALDO, 2011). No
século XVIII, temos o surgimento da lenda de Chico Rei em
Minas Gerais, região sudeste do Brasil. Segundo a tradição,
Chico Rei se chamava Galanga e era um importante líder
político do Congo. Ele, sua esposa, filhos e outros membros da
elite do Congo, foram sequestrados e enviados para Ouro
Preto em Minas Gerais, que no século XVIII se tornou a
principal região econômica da colônia, através da
exploração de ouro e diamantes. Galanga foi reconhecido
como um importante líder do Congo pela população local,
formada por uma maioria de centro-africanos. Com o passar
do tempo, o monarca juntou ouro o suficiente para comprar a
sua alforria e de outros escravizados do Congo, passando
então a viver como um verdadeiro rei.

Galanga foi o responsável por manter a irmandade e a


Igreja Nossa Senhora do Rosário em Ouro Preto, realizando
rituais de sincretismo religioso que somavam elementos do
catolicismo com as crenças e rituais da cosmogonia
baconga e ambunda (GOMES; LAURIANO; SCHWARCZ, 2021 p.
123-124).

Dessas narrativas sobre as realezas centro-africanas no


Brasil e do sincretismo religioso das crenças africanas e
católicas presentes nas irmandades, surgiu uma festividade
muito celebrada até a atualidade em algumas regiões do
Sudeste e Nordeste: as congadas, rituais que reconstituem a
coroação dos reis e rainhas do Congo. As eleições e coroação
de reis negros, já era realizada na Igreja de Nossa Senhora do
Rosário dos Pretos do Recife, na então Capitania de
Pernambuco pelo menos desde 1674. Em Salvador, no estado
da Bahia, desde 1704 a festa acontece na Igreja de Nossa
Senhora do Rosário dos Pretos, um dos pontos turísticos mais
conhecidos da capital baiana. Esses rituais deram-se
predominantemente no âmbito das irmandades de homens
pretos em torno de um santo protetor, e mesmo existindo
notícias de eleição de reis por grupos de negros que não
estavam organizados em irmandades, foi nesses espaços
que se desenvolveram as congadas (SOUZA, 2001, p. 184-188).
30
Congada em 1860. Foto: Thereza Christina Maria. Fonte: Acervo Brasiliana.

Essas festividades e manifestações culturais que


mesclavam rituais europeus e centro-africanos, assim como
os quilombos, tiveram por objetivo reconstruir e reafirmar as
identidades africanas em um contexto de escravização
transatlântica, estando presentes em diversas regiões da
América, como o Pinkster celebration nas regiões de Nova
York e Nova Jersey, e a Fiesta de San Juan Congo na
Venezuela (FROMÓNT, 2019, p. 117-118). Não foram poucas as
soluções encontradas pelos africanos para resistir a violência
colonial que tentou lhes retirar a humanidade reduzindo-lhes
a peças. Criar espaços de autonomia e manter vivas
determinadas tradições, foram essenciais para as
comunidades negras nas Américas ao longo do tempo.
Atualmente ainda existem irmandades e cultos ao Rosário e
São Benedito relacionados à população negra, sobretudo em
grandes cidades como São Paulo e Salvador.

2.4 Rebeliões e Revoltas

A despeito da ideia de democracia racial desenvolvida


por intelectuais da primeira metade do século XX, que
acreditava que a escravidão foi aceita de forma pacífica
pelos africanos e negros nascidos no Brasil, a sociedade
escravocrata foi marcada por uma série de conflitos.

31
Outra importante forma de
organização política e social da
população negra escravizada foram
as revoltas, que muitas vezes
resultaram em assassinatos de
senhores de escravizados,
instaurando um forte medo na
minoria populacional branca
(ALBUQUERQUE, 2006, p. 135-138). As
revoltas ocorriam tanto nas áreas
rurais quanto urbanas, eram
planejadas a longo prazo ou surgiam
instantaneamente em um momento
oportuno. Durante as revoltas, os
escravizados se utilizavam de
ferramentas como enxadas, pás,
foices, facas e em alguns casos
armas de fogo, se juntavam para
matar capatazes, feitores, seus
proprietários, as forças policiais, em
um ato de legítima defesa para
destruir de uma vez por todas seus
cativeiros. As revoltas poderiam
resultar em fugas para quilombos e
centros urbanos ou em prisões,
castigos, mortes e deportações para
os participantes (ALBUQUERQUE,
2006, p. 139).
32
A maior e mais importante revolta urbana de
escravizados no Brasil e nas Américas foi a Revolta dos Malês,
ocorrida em 1835 na cidade de Salvador, Bahia. Essa revolta
foi protagonizada por africanos muçulmanos, livres e
escravizados, oriundos da região do norte da África, onde
hoje se localizam os países Nigéria, Benin e Serra Leoa. Entre o
fim do século XVIII e início do XIX, boa parte dos africanos que
foram levados para a Bahia, foram provenientes da região
norte do continente africano. Essa região tinha forte
influência muçulmana, consequentemente entrou um
relativo número de africanos muçulmanos no Brasil (REIS,
1986, p. 110-111).

Os negros provenientes dessa região eram do grupo


étnico iorubá, e na língua iorubana os mulçumanos se
chamavam malês, por isso o nome da revolta. Na época,
Salvador contava com uma população de cerca de 60 mil
habitantes, sendo que cerca de 78% eram negros e mestiços,
e apenas 22% eram brancos. Dentre a população
escravizada, mais de 60% era proveniente da África, incluindo
os iorubanos muçulmanos. Diferente dos africanos de outras
origens étnicas, os malês sabiam ler e escrever em árabe,
sendo essa uma ferramenta importante para a organização
entre eles, pois conseguiam se comunicar passando
despercebidos pelos senhores de escravizados. Além disso,
por Salvador ser um grande centro urbano, os africanos
conseguiam ter uma grande mobilidade pela cidade,
levando recados de um ponto ao outro enquanto
trabalhavam (REIS, 1986, p. 169-173)

Com o tempo, essa comunidade de negros muçulmanos


começou a organizar uma grande revolta, reivindicando uma
série de mudanças em prol dos próprios malês. Entre as
principais reivindicações estavam: o fim da escravização
islâmica, o fim da imposição do catolicismo, fim do confisco
de bens e amuletos islâmicos e a criação de uma república
islâmica na Bahia. Pelo fato do Brasil naquele período ser
essencialmente católico, os negros muçulmanos sofriam
forte perseguição para se converterem ao cristianismo. A
organização de uma revolta com o objetivo de derrotar as
forças imperiais e transformar parte do território da Bahia em
uma república islâmica, foi uma forma que esses indivíduos
encontraram de reagir a violência escravocrata que tentava
proibir suas práticas culturais e religiosas. Em pouco tempo, a
organização desse levante mobilizou cerca de 600 africanos,
em sua maioria muçulmanos. Eles se reuniam de tempos em

33
tempos, para planejar o melhor momento para tomar o poder
em Salvador (ALBUQUERQUE, 2006, p. 137).

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835, os malês


ocuparam as ruas de Salvador, e durante mais de três horas
enfrentaram soldados e civis armados, munidos de diversas
armas. O plano era começar a revolta em um ponto do centro
de Salvador e ir caminhando em direção ao Bonfim, sendo
que em cada local teria um grupo para se unir aos que
partiram do centro, aumentando a força armada dos malês.
Acontece que na noite anterior o prefeito da cidade recebeu
uma denúncia anônima do levante e avisou o chefe da
guarda para redobrar a vigilância da cidade em pontos
específicos. Conforme os malês foram passando por esses
pontos, encontraram grande resistência policial e acabaram
derrotados (ALBUQUERQUE, 2006, p. 137-138).

Embora tenha durado poucas horas, esse


acontecimento foi o levante de escravizados urbanos mais
sério ocorrido nas Américas. Durante o combate contra as
forças imperiais, cerca de 70 malês morreram e mais de 500
foram posteriormente punidos com penas de morte, prisão,
açoites e deportação para a África. Se uma rebelião das
mesmas proporções acontecesse em Salvador no século XXI,
com seus mais de 2 milhões e 800 mil habitantes, os malês
seriam cerca de 24 mil pessoas. Isso dá uma ideia da grande
proporção que a revolta teve na Bahia do século XIX.

A rebelião teve repercussão nacional, amedrontando a


elite branca brasileira. Já havia no Brasil um enorme medo de
uma onda negra revolucionária desde a vitoriosa revolução
haitiana, na qual os escravizados do Haiti mataram e
expulsaram a minoria populacional colonizadora, tornando o
Haiti uma república americana livre, formada por
ex-escravizados (SAMPAIO, 2016, p. 77-97). No Rio de Janeiro,
outro estado com predominância populacional negra, o
acontecimento foi noticiado ao público através dos
periódicos que publicaram o relatório do chefe de polícia da
Bahia. Temendo que o exemplo baiano fosse seguido, as
autoridades cariocas passaram a exercer vigilância estreita
sobre os negros. Em São Paulo, no mesmo ano da revolta dos
malês, foi criada uma lei geral que previa pena de morte para
os escravizados que atentassem contra a vida de seus
senhores (AZEVEDO, 1987, p. 181). O levante de africanos
muçulmanos também reacendeu no Parlamento nacional os
debates sobre a escravidão e o tráfico de escravizados da

34
debates sobre a escravidão e o tráfico de escravizados da
África. Afinal, havia um contingente populacional negro
muito superior a população branca em praticamente todo o
país, e mantê-los sobre controle estava cada vez mais difícil.
Talvez fosse a hora de abolir o tráfico de escravizados.

Na Bahia, o medo da elite escravocrata gerou um forte


sentimento anti-islâmico. A vida dos africanos escravizados
e livres se tornou muito mais difícil e opressora. Muitos negros
muçulmanos foram obrigados a se converterem ao
catolicismo para não sofrer perseguições. Evitou-se também
o tráfico de mais escravizados malês para o Brasil. Fugindo
da perseguição, muitos retornaram para a África,
construindo comunidades de africanos retornados do Brasil
na Nigéria e Benin.16 Em 1834, antes da revolta, a Polícia
Provincial de Salvador expediu nove passaportes a libertos
que declararam partir em direção à África. No ano da revolta,
a emissão deste mesmo documento saltou para 609 e, em
1836, 410 novos passaportes foram emitidos (EARL, 2016, 114).

De qualquer forma, apesar de serem derrotados, a


revolta dos malês se constitui como uma das maiores e mais
importantes organizações políticas da população negra no
período da escravidão. A revolta também nos faz refletir
sobre a pluralidade e heterogeneidade da população negra
no Brasil. Não se tratou de uma organização de toda a
população negra da Bahia, apenas dos africanos
muçulmanos, o que demonstra que a população de origem
africana era plural e não se enxergavam como se fossem
todos iguais. De qualquer forma, os malês se configuram
como um marco histórico da luta pelo fim da escravidão e da
luta contra a intolerância religiosa da população negra do
Brasil. A despeito do grande número de pessoas analfabetas
no Brasil império, incluindo a maioria da população branca,
os malês souberam se comunicar em árabe, demonstrando o
forte poder de coletividade e mobilização social que
trouxeram consigo da África.

16 Ver mais em: SILVA, Ãngela Fileno da. Brasileiros em Lagos: identidades no contexto da colonização britânica.
Tese de Doutorado. São Paulo: USP, 2016.

35
Livro contendo trechos do alcorão encontrado preso ao pescoço de um negro morto durante a revolta dos
Malês na Bahia, em 1835. Era comum os africanos muçulmanos carregarem bolsinhas com trechos do alcorão
e amuletos religiosos, os famosos patuás. Foto: BRASIL + 500 Mostra do Redescobrimento. Negro de Corpo e
Alma. Fonte: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022.

2.5 Movimento abolicionista

No início do século XIX, a Inglaterra, segunda maior


traficante de escravizados africanos do mundo, aboliu o
tráfico e a escravidão africana. Apesar da importância
econômica que a escravidão teve para a Coroa britânica, as
pressões internas de abolicionistas liderados por William
Wilberforce, fizeram com que o tráfico transatlântico fosse
proibido em todas as colônias britânicas em 1807. Mais de 20
anos depois, em 1833, os ingleses também aboliram a
escravidão em todas as suas colônias (SIQUEIRA, 2018, p.35).
Sendo a maior potência mundial, a Inglaterra decidiu impor a
decisão de fim do tráfico e estimular a abolição da
escravidão para todos os outros países da América e Europa.
Nesse período, quem ocupava o primeiro lugar no tráfico de
escravizados eram Portugal e Brasil, cuja elite escravocrata
não pretendia abdicar da mão de obra africana
(ALBUQUERQUE, 2006, p.60).

Ao longo do século XIX, a elite brasileira discutiu


intensamente a questão da escravidão e do tráfico
transatlântico. Por um lado, havia forte pressão externa para
acabar com a economia escravocrata, por outro, os barões
do café e grandes fazendeiros de modo geral não
enxergavam como positivo perder os lucros gerados pelos
escravizados. Em 1851, o tráfico transatlântico foi oficialmente
abolido no Brasil. E gradativamente a escravidão foi sendo
extinta, com a lei do ventre-livre em 1871, a lei dos
sexagenários em 1885 e finalmente com a Lei Áurea em 1888.
17

17 Ver mais em: SILVA, Ãngela Fileno da. Brasileiros em Lagos: identidades no contexto da colonização britânica.
Tese de Doutorado. São Paulo: USP, 2016.
36
Apesar das leis abolicionistas terem
sido aprovadas e assinadas pelas
autoridades imperiais, a abolição no
Brasil é fruto e conquista da luta da
população negra, e não benevolência
da Princesa Isabel ou qualquer outra
pessoa da elite política nacional. Foi a
organização política das
comunidades negras no Brasil
Império que pressionaram a abolição
do regime escravocrata no Brasil.

Como apresentado anteriormente, desde o século XVI


quando os primeiros africanos chegaram ao Brasil, foram
criadas inúmeras formas de resistência a escravidão. No
século XIX, com a proporção internacional do movimento
abolicionista, diversas personalidades negras buscaram se
inserir nas estruturas políticas do Império para acabar
legalmente com a escravidão (ALONSO, 2014, p. 115-118).

37
Nesse período, uma das personalidades negras de
maior influência no abolicionismo foi Luiz Gonzaga da Pinta
Gama, mais conhecido como Luiz Gama. Ele nasceu em
Salvador, Bahia, em 1830 e possivelmente era filho da relação
entre Luiza Mahin, uma africana livre que participou da
revolta dos malês, com um homem branco. Em 1840, Luiz
Gama foi vendido ilegalmente como escravizado por seu pai
e embarcou para a região Sudeste. Após desembarcar em
Santos e percorrer o interior de São Paulo passando por
Campinas e Jundiaí, Luiz Gama foi vendido para um
comerciante da capital paulista. Segundo suas memórias,
aos 17 anos teve os primeiros contatos com a escrita e leitura,
auxiliado por um hóspede de seu dono. Nessa época, Gama
conseguiu provar que era livre por ser filho de um homem
branco com uma mulher forra, e foi trabalhar na Guarda
Municipal Permanente. Nos seis anos em que esteve nas
forças policiais, Gama aprimorou a prática da leitura e
escrita, tornando-se oficialmente um funcionário público no
cargo de escrivão do estado (GOMES, 2021, p. 340-341).

Na década de 1850, Gama já tinha uma carreira


consolidada no governo de São Paulo e passou a escrever
romances e publicações em jornais. Ele criou vínculos com
personalidades republicanas de São Paulo, se envolvendo de
forma mais ativa na política. Gama defendia a abolição da
escravidão e a descentralização do poder imperial. Nos anos
1870, conseguiu autorização para atuar como advogado,
período no qual defendeu inúmeros escravizados em prol da
liberdade (ALONSO, 2014, p. 118). Apesar de não ser formado
em Direito, Luiz Gama assistiu várias aulas em faculdades e
adquiriu experiência com processos jurídicos no período em
que atuou como funcionário público. Conforme ampliava sua
atuação, Luiz Gama aumentava sua fama entre os
intelectuais abolicionistas e entre a população negra, ao
passo que gerava o ódio da elite escravocrata, recebendo
várias ameaças de morte. Uma das frases mais famosas de
Gama é “ao matar seu senhor, o escravo agia em legítima
defesa”. Muitos negros conseguiram a alforria graças a Luiz
Gama, que se tornou um dos maiores símbolos do
abolicionismo brasileiro. Gama morreu em 1882, cerca de 6
anos antes da abolição, sendo considerado o grande
advogado dos negros escravizados (GOMES, 2021, p. 342).

38
Outra grande personalidade negra abolicionista
contemporânea de Luiz Gama foi André Rebouças. Nascido
em Cachoeira, Bahia, em 1838, Rebouças aprendeu a ler e
escrever com seu pai autodidata, e posteriormente ao seu
mudar para o Rio de Janeiro, ele e seu irmão Antônio
passaram a frequentar colégios em Petrópolis (GOMES, 2021,
p. 51). Entre 1854 e 1855, os irmãos Rebouças estudaram
engenharia na Politécnica e ingressaram no serviço militar.
Além de engenheiro militar, André ainda se formou em
ciências físicas e matemáticas, atuando em importantes
obras de engenharia do governo imperial. Em 1861, recebeu
uma bolsa de estudos para cursar engenharia civil na França.
Ao retornar, Rebouças participou de projetos que visavam a
modernização do Brasil através da construção de ferrovias.
Também foi professor na Politécnica e tornou-se membro do
Clube de Engenharia e da Associação Brasileira de
Aclimação. O engenheiro negro mantinha forte amizade com
a família imperial, e se tornou peça fundamental na
campanha abolicionista (NEVES, 2014, p.52-56).

Em 1870, ajudou a fundar a Sociedade Brasileira


contra a Escravidão, participando da Confederação
Abolicionista e redigindo os estatutos da Associação Central
Emancipadora. Além de defender o fim da escravidão,
Rebouças também defendia a inclusão social da população
negra através de uma reforma agrária que permitisse aos
ex-escravizados adquirir porções de terra. Ele também era
contra a indenização de senhores de escravizados, pois
acreditava que os lucros obtidos através da mão de obra
africana eram muito superior a qualquer prejuízo no pós
abolição. Rebouças publicou um livro, chamado "Agricultura
nacional, estudos econômicos: propaganda abolicionista e
democrática”. Quando a princesa Isabel assinou a abolição
em 13 de maio de 1888, Rebouças foi uma das personalidades
que a enalteceu como patrona da abolição. Apesar de hoje
termos a dimensão de que a princesa Isabel não foi a grande
heroína da população negra ao abolir a escravidão,
entende-se que para aquele momento a ação de Isabel foi
uma conquista importante para a população negra, o que
justifica sua aclamação entre os negros na época (ALONSO,
2014, p. 115). No pós-abolição e com a proclamação da
República em 1889, Rebouças se mudou para a França com a
família real, morrendo alguns anos depois na Ilha da Madeira,
colônia portuguesa (GOMES; LAURIANO; SCHWARCZ, 2021,
p.53).

39
Há diversas outras personalidades negras do
movimento abolicionista no século XIX, cujas trajetórias
constituíram marcos na luta pelo fim da escravidão.
Destacam-se ainda, Claudina Fortunato Sampaio, José do
Patrocínio, José Ferreira de Menezes, Machado de Assis,
Quintino de Lacerda, Tobias Barreto, e tantos outros
intelectuais e pessoas comuns cujos nomes desconhecemos
mas que sem dúvidas tiveram contribuições significativas
para a abolição. Apesar da abolição não ter rompido
efetivamente com a desigualdade socioeconômica e com o
racismo no Brasil, ela foi um marco fundamental para a
sociedade brasileira, sendo importante entendê-la como
uma conquista histórica da luta da população negra.

Retrato de André Rebouças. Foto: Rodolfo Bernardelli. Fonte: Museus Brasileiros, edição Banco Safra.

O líder abolicionista e ex-escravo brasileiro Luiz Gama, numa imagem por volta de 1880. Fonte: Autor
desconhecido.

40
Em suma, enquanto houve escravidão houve
resistência. Desde fugas e revoltas, a formação de quilombos,
da construção de irmandades religiosas a inserção nas
esferas políticas e sociais do Império, a população negra
encontrou diversas formas de organização política, social e
cultural.

Apesar da violência imposta aos


negros durante o período colonial e
imperial, essa população soube se
articular utilizando-se dos mais
diversos mecanismos para
protegerem a si, seus familiares e
comunidade. Todas as formas de
organizações sejam individuais ou
coletivas feitas pela população negra
entre os séculos XVI e XIX, se
configuram como passos
significativos para a construção e
consolidação do atual Movimento
Negro do Brasil.

41
3. Indicações cinematográficas

3.1 Conexões África e Brasil

NJINGA, Rainha de Angola. Direção de Sérgio Graciano.


Produção: Semba Comunicação, Angola, 2013, 109 min.

A RAINHA Nzinga chegou. Direção de Júnia Torres e Isabel


Casimira. Produção: Rafael Barros e Cida Reis. Brasil e Angola,
2018, 74 min.

SANKOFA: A África que te habita. Direção de Rozane Braga.


Produção: FBL Criação e Produção, Brasil, 2020

3.2 Fugas, revoltas e quilombos

QUILOMBO. Direção de Cacá Diegues. Produção: CDK


Produções. Brasil, 1984, 127 min. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Ilh0cPBpduU. Acesso
em: 06 jun. de 2022.

A GUERRA de Palmares. Direção de Luiz Bolognesi. Produção:


Buriti Filmes, 2019, 26 min. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=ABO5XI4GZhM. Acesso
em: 06 jun. de 2022.

REVOLTA dos Malês. Direção de Belisario Franca e Jeferson De.


Produção: Giros Filmes, 2019, 82 min. Disponível
em:https://sesctv.org.br/programas-e-series/revolta-dos-
males/. Acesso em: 06 jun. de 2022.

SANKOFA: A África que te habita. Direção de Rozane Braga.


Produção: FBL Criação e Produção, Brasil, 2020

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3.3 Abolição e pós abolição

DOUTOR Gama. Direção de Jeferson De. Produção: Buda


Filmes, Globo Filmes, Paranoid Filmes, Brasil, 2021, 120 min.

MENINO 23. Direção de Belisário Franca. Produção: Giros


Audiovisual; co-produção: Globo Filmes; Globo News; Canal
Brasil, Brasil, 2016, 120 min.

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Sobre o autor

Guilherme Oliveira da Silva

Mestrando em História Social da África na Unicamp.


Bolsista FAPESP. Graduado em História Licenciatura pela PUC
Campinas.

E-mail: g264919@dac.unicamp.br

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