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Maria Yedda Linhares

A LUTA CONTRA A METRÓPOLE


(Ãsiá e Africa)
Copyright @ María Yedda Linhares Capa\
123 (antigo 27)
Artistas Gráficos
Revisão:
José E. Andrade Sônia S. Nicolai
ÍNDICE
Prólogo ............ . . . . .................... 7
A Europa face à descolonização . 10
A conjuntura internacional do pós-guerra ... 10
A) Balanço material do conflito 10
B) O eclipse da Europa . ........ 11
C) As Nações Unidas.. ....:; ..... 14
D) A polarização internacional e a guerra
fria . . . . J & ; í'. ... ....... . . . ,.i ..... 16
E) Os conflitos da guerra fria . 20
A descolonização — a quem cabe a iniciativa? 23
A) Colonizar e descolonizar .... 23
B) A Grã-Bretanha .................. 24
C) A França ........................... 28
D) Um novo capitalismo?........ 29
A colônia face ao colonialismo .. 34
O colonialismo como sistema ..... 34
A) Para que se coloniza................ 34
B) Quem coloniza ............ ... ........ 40
Q Como se coloniza ............. ... . ........ 45
A revolta do colonizado ........... ............ 52
A) Os condenados da terra ............ 52
B) Os nacionalismos, bumerangue do imperialismo? .. .i.v- . ............ 55
Os caminhos da descolonização .......... 60
Os fatores da revolta .... . .. .............>; . 60
A) O movimento de ideias ............ 60
B) As consequências imediatas da II Guerra Mundial . . £1. .M 63
A descolonização pacífica....................... 66
A) A conjuntura colonial ............. 66
B) A independência da Índia ........ 71
C) A independência da Birmânia, Ceilão e
Malásia ................... . & . . . . . . . . . . . . , . . . . . 75
D) A independência pacífica da África ... 77
A libertação pela violência....... . ............ 81
A) A Indonésia . . ............................... 81
B) A Indochina . . . . . . . . . . . . . . - . . . . . . . . . . 82
C) A Argélia .. ... . . .... . ,,, . ;j.. ... 85
D) Do Congo Belga ao Zaire ........ 87
E) Outras independências .............. 92
A descolonização tardia .......................... 96
A libertação de Angola, Moçambique e GuinéBissau i!i\ .. ; , 96
A) Portugal: um colonialismo dependente 96
B) Os movimentos de libertação nacional . 100
Epílogo? ............- .................................. 108
Indicações para leitura 112

PR0LOGO
O período que se estende entre o final da II Guerra Mundial e os nossos dias presenciou um
dos fenômenos político-sociais mais importantes da História Contemporânea: a liquidação dos
impérios coloniais inglês, francês, holandês, belga e português, construídos ao longo do século
XIX. Emergiam, assim, após uma fase mais ou menos prolongada de dominação europeia, os
novos países da Ãsia e da Ãfrica, que passarão a integrar a comunidade internacional das
nações independentes.
A liquidação dos impérios coloniais, de um lado, e, de outro, o surgimento ou o
renascimento de povos que se constituem em nações e Estados são, na realidade, as duas faces
de um mesmo processo histórico. A guerra ainda não terminara de todo na Europa e a bomba
atômica não havia deixado o seu rastro de destruição em Hiroxima e Nagasaki, quando se
reuniu a Conferência de São Francisco (abriljunho de 1945), cujo objetivo foi o de discutir
entre os aliados vitoriosos sobre o nazi-fascismo um plano que assegurasse a paz entre os povos
da Terra.
O documento que selou o final dessa reunião foi a Carta da Organização das Nações
Unidas (ONU) que recebeu a assinatura de cerca de 50 Estados fundadores. Estes se
dispunham, pelo compromisso assumido, a pôr em prática um sistema internacional capaz de
assegurar a paz no mundo e a proteger os direitos do homem por toda ,á parte. Os membros da
nova organização intemaciôfcial engajavam-se, ainda, a garantir a paz por meios pacíficos,
tendo como objetivo prioritário o desarmamento, a reconhecer o direito de defesa dos Estados,
a recusar intervir nos assuntos internos de outros Estados, a renunciar ao emprego da força,
salvo diante de uma ameaça à segurança mundial.
Decorrido um quarto de século da assinatura da Carta de São Francisco, já se situa acima de
120 o número de Estados-membros da ONU. Tal fato se deve, principalmente, à entrada em
cena dos novos países asiáticos e africanos que emergiram da luta contra o colonialismo. Por
outro lado, enorme é a distância entre a grandiloquente declaração de intenções de São
Francisco e a história como de fato se deu nos anos subsequentes, com a sua teia de ocorrências
e as determinações de ordem econômico-social, político-ideológica e cultural que a moldaram.
Interessa-nos, aqui, relatar, em suas linhas mais gerais, o nascimento de um novo mundo,
assim como o movimento de ideias que colocou em confronto dominadores e dominados de
ontem, dominadores e dominados de hoje. Ou seja, interessa-nos verificar até que ponto o fim
de um velho colonialismo, no bojo da crise do capitalismo e das guerras mundiais, representou
o início de uma era de libertação de povos dominados e classes oprimidas.
A EUROPA FACE Ä
DESCOLONIZAÇÃO
A conjuntura internacional do
pós-guerra
A) Balanço material do conflito
A guerra que se encerrava em 1945, com a vitória dos aliados e o esmagamento militar da
Alemanha e do Japão, deixou atrás de si um saldo negativo para vencidos e vencedores: um
passivo superior a 100 milhões de seres humanos, entre baixas militares, mortalidade civil e o
genocídio de 5 milhões de judeus, além de perdas materiais estimadas em 1500 bilhões de
dólares desigualmente distribuídos. O morticínio de jovens, as privações sofridas pelas
populações civis e os bombardeamentos de cidades e aldeias, provocando a destruição maciça
de instalações de infra-estrutura, equipamentos industriais e campos agrícolas, constituíram
fatores que levaram à diminuição da vitalidade dos países europeus e dificultavam as
possibilidades de recuperação a curto prazo dessas populações. No entanto, novos fatores
devem ser considerados: o progresso técnico foi acelerado ao longo do conflito e a descoberta
de novos meios para combater a doença (DDT, penicilina) e dominar a natureza (radar,
aviação supersônica, processos mais avançados e rápidos de comunicação) eram elementos
que iriam apressar a reconstrução da Europa e do sistema econômico. Assim, mais
rapidamente do que no pós-guerra de 1918, o capitalismo se equipava para se reconstruir
após 5 anos de autodestruição sistemática.

B) O eclipse da Europa
Do ponto de vista político, emergia um mundo que parecia bem diverso daquele que nutrira
o próprio conflito e preparara o caminho para as tensões de pós-guerra. Ao contrário da guerra
de 1914-1918, essa segunda conflagração mundial possuía um conteúdo revolucionário. A
participação da URSS a partir de 1941 e a vitória esmagadora sobre o nazi-fascismo em 1945
teve uma dupla significação: o reconhecimento do caráter irreversível da revolução
bolchevique, legitimando, assim, a presença da União Soviética como potência mundial. Um
outro fator, a irrupção do socialismo, como um corpo de ideias, apresentava-se, com a
experiência soviética, como uma alternativa de desenvolvimento e de bem-estar aos países,
povos e classes sociais que, até então, gravitavam na órbita do capitalismo. Considere-se,
ainda, o fato de que a ocupação de territórios pelos exércitos inimigos criou uma nova versão
de “nação em armas”, ou seja, a resistência dos países ocupados numa espécie de guerrilha
contra as tropas fascistas, o que contribuiu para abalar o poder das burguesias locais, acusadas,
através de alguns de seus expoentes, de colaborar com os países do Eixo (aliança da Alemanha,
Itália e Japão). Assim, à divisão social interna acrescenta-se, no decorrer dos anos de ocupação
(na Bélgica, na Holanda, na França, na Iugoslávia), um fosso profundo entre a massa popular,
“resistente” ao inimigo, e os “colaboracionistas” internos que passaram a representar os
inimigos da nação. Essas divisões internas irão ter uma influência considerável sobre a conduta
dos partidos políticos após a guerra e o movimento de opinião sobre as aspirações de libertação
dos povos colonizados. Elas favorecerão o desenvolvimento de uma consciência
anticolonialista dentro da própria Europa.
O eclipse provisório da Alemanha, da Itália e do Japão, em decorrência da derrota militar, as
perdas sofridas pela Inglaterra, França, Bélgica e Holanda, revelaram o poderio econômico e
financeiro dos Estados Unidos da América, que emergem da guerra como a primeira potência
do Ocidente, líder de um capitalismo sem rivais e sem competidores. Nesse momento, o mundo
comportava duas superpotências apenas: o vitorioso do Pacífico sobre o Japão, a nação
milionária que permitira equipar os exércitos aliados da frente ocidental no ataque final à
Alemanha e à Itália fascista, ou seja, os Estados Unidos, e a União Soviética que, apesar de ter
lutado em seu próprio território, foi a construtora da vitória sobre a Alemanha, levando-a a
recuar até o aniquilamento interno. Para os europeus, que haviam dado o exemplo da
revolução industrial e do desenvolvimento capitalista, que com seus “burgueses
conquistadores” comandaram a ciência, a técnica e os povos do mundo, o sacrifício da guerra
e a vitória final como aliados que eram dos Estados Unidos e da União Soviética significaram,
em última instância, a perda de controle e de iniciativa na política internacional. Pela
primeira vez na História, seus destinos serão marcados pelas decisões dos dois novos pólos de
poder: as duas grandes potências, uma a leste, outra a oeste, detentoras do poder material das
armas e da técnica e do poder espiritual de arregimentar dirigentes e dirigidos através das
ideias que passaram a representar — o capitalismo, como sinônimo de democracia e
liberdade, e o socialismo, como sinônimo de instrumento de luta pela libertação dos povos e
das classes historicamente oprimidas.
Ocorre, porém, que o crédito da derrota do Japão não é somente dos Estados Unidos. Coube
à China uma boa parcela de participação na luta contra o império japonês. Assim como os
Estados Unidos e a União Soviética, a China é um pais gigante, de grande extensão territorial e
imensa população. Mas ai se encerra o paralelo. A longa guerra contra os japoneses e as
dissensões internas que opunham de um lado as forças “nacionalistas”, capitaneadas por
Chiang-kai-chek e caracterizadas, por amigos e inimigos, pela prepotência e corrupção de seus
dirigentes, e, de outro, as forças “comunistas” de Maotsé-tung, que se apresentavam com um
vigor irresistível, dando a imagem de uma nova China, faziam com que a velha China tivesse
reduzidas as suas possibilidades de se constituir numa terceira grande potência.
Em resumo, o poder mundial que antes pertencia aos pequenos e médios Estados europeus,
fortes no comando do capitalismo, da tecnologia e do saber, transfere-se para outros espaços
geográficos, de maior poderio militar e potencialidade econômica. O fim da II Guerra
apresenta-se, assim, como o inicio de uma nova era da política mundial, na qual a Europa passa
a ocupar um lugar secundário.

C) As Nações Unidas
A ideia de uma organização internacional com poderes de assegurar a paz entre os Estados
foi posta em prática, pela primeira vez, com a Santa Aliança de Mettemich e a política de
intervenção militar das monarquias europeias destinada a impedir os movimentos liberais.
Reacionária nos seus propósitos e métodos, não chegou a ter vida efetiva duradoura e
desapareceu com a ascensão do liberalismo e do nacionalismo, a partir de 1830, na Europa. A
segunda tentativa foi representada pela Sociedade das Nações após a Guerra Mundial, a qual
também teve vida efêmera, não chegando a impedir a marcha do fascismo nem o conflito
armado que teve inicio em 1939 com a invasão da Polônia pela Alemanha de Hitler. Em janeiro
de 1941, enquanto se desenrolava a guerra na Europa, o presidente dos Estados Unidos,
Franklin D. Roosevelt, enviou uma mensagem ao Congresso americano proclamando as
“quatro liberdades fundamentais” (a liberdade de pensamento e de expressão; a liberdade de
crença; a liberdade de se livrar da miséria; a liberdade de não ter medo). No mesmo ano (14 de
agosto), juntamente com o Primeiro Ministro inglês Winston Churchill, promoveu a assinatura
da Carta do Atlântico, onde foram afirmados os seguintes princípios:
— a renúncia a qualquer aquisição de território sem o prévio consentimento das suas
respectivas populações;
— o direito à autodeterminação dos povos;
— o acesso de todos os Estados ao comércio internacional;
— a liberdade dos mares.
Com a entrada dos Estados Unidos na guerra (dezembro de 1941), encontros sucessivos entre
os representantes dos Estados aliados (conferências de Moscou e Teerã, 1943) confirmam a
aceitação desses princípios na organização do pós-guerra. Nas conferências de Yalta (fevereiro
de 1945) e São Francisco (abril-junho de 1945) são delineadas e acertadas as diretrizes bem
como os estatutos fundamentais da nova organização internacional (ONU). Embora dispondo
de mecanismos mais eficazes de ação do que a antiga Sociedade das Nações, como o de decidir
sobre o envio de forças armadas destinadas a proteger os países de agressões externas
(Resolução de 1950) e o de atuar, através de comissões especiais, no sentido de minorar as
distâncias entre países ricos e pobres (Organização Mundial de Saúde, Organização pela
Ciência, Cultura e Educação, pela Alimentação e Agricultura), ela funciona, na realidade,
como um Parlamento mundial onde predominam os interesses das potências contra as quais é
bem reduzida a capacidade dos países mais fracos de ter os seus interesses reconhecidos ou de
alterar, em seu favor, o sistema internacional de poder, seja ele político-militar ou econômico.
D) A polarização internacional e a guerra fria
O esforço de guerra no sentido de vencer o inimigo uniu, provisoriamente, os aliados dentro do
objetivo comum. Mas, mesmo no decorrer do conflito, eram evidentes as divergências
profundas entre os Estados Unidos, a União Soviética e a Inglaterra. O imenso poder militar
soviético, revelado a partir de 1943, quando teve inicio a contra-ofensiva na frente oriental e
que só terminou com a derrocada final dos exércitos alemães, provocava apreensões sobretudo
entre os ingleses. Churchill previa a posição privilegiada que a União Soviética viria a ocupar
no pósguerra e a influência que ela exerceria, do ponto de vista político e ideológico, em
detrimento dos interesses tradicionais do Império Britânico. Parecia mais ou menos evidente
que nos campos de batalha contra o facismo se travava a luta ideológica do socialismo contra o
capitalismo que acabaria por opor os dois sistemas sociais no plano internacional. Previa-se,
pois, que a construção da vitória militar já prenunciava as divisões futuras entre os aliados.
Uma vez restaurada a paz, a supremacia americana tornara-se patente. Coube aos Estados
Unidos, como potência capitalista, exercer plenamente a sua hegemonia. Para tanto,
competia-lhe desenvolver suas atividades em vários planos:
a) na Europa, para combater a expansão do socialismo e o fortalecimento dos partidos
comunistas locais, tratava-se, acima de tudo, de promover a sua reconstrução material; surge,
assim, o Plano Marshall com o propósito de ajudar a Europa a recuperar “a saúde econômica
normal sem a qual não há paz assegurada”. Para vencer “a fome, a pobreza, o desespero e o
caos”, propunha-se a política americana a prestar uma ajuda contínua aos países europeus em
troca de algumas recompensas (o controle indireto dessas economias, a solidariedade
ideológica contra a “ameaça” do comunismo);
b) no plano político-militar, a criação da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico
Norte), em abril de 1949, englobando, inicialmente, doze Estados (Bélgica, Canadá,
Dinamarca, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Holanda, Islândia, Itália, Luxemburgo,
Noruega e Portugal), aos quais se unirão mais três (Grécia e Turquia, em 1952, e República
Federal Alemã, em 1955).
Quanto à União Soviética, a paz a encontrava muito atingida materialmente, tendo sido entre
os beligerantes o que mais sofrera perdas humanas (mais de 20 milhões). Carregando sozinha
o peso da guerra contra a Alemanha, até junho de 1944 (desembarque anglo-americano na
Normandia), embora tendo recebido auxílio em material bélico dos Estados Unidos
(empréstimo e arrendamento), ela se defronta com a necessidade de assegurar a sua
sobrevivência política face aos aliados dos anos de conflito. Jogando com a possibilidade de
uma crise econômica do capitalismo, Stalin, como condutor da vitória, encontra-se no apogeu
de seu prestígio pessoal. Os tratados de paz assinados em Paris (10 de fevereiro de 1947)
traçam as novas fronteiras da Itália, da Hungria, da Romênia, da Bulgária e da Finlândia e
estipulam pagamentos de reparações. O saldo desses tratados é altamente favorável à URSS,
tanto do ponto de vista territorial quanto no tocante ao recebimento de indenizações. Com
eles, nasce o bloco socialista e é dado o toque de partida à guerra fria.
O ano de 1947 assinala, assim, a ruptura de fato entre os dois grandes aliados da véspera e
vê surgir a política dos “Blocos”: de um lado, os Estados Unidos, escudados a partir de então
no Plano Marshall e na OTAN; de outro, a União Soviética, protegida pela “cortina de ferro”
que, segundo Churchill (discurso de março de 1946), havia caído sobre a Europa, de Dantzig a
Trieste, dividindo-a em duas partes: o leste e o ocidente. Ao plano Marshall, responde Stalin
com o COMECON (Conselho de Assistência Econômica Mútua), em 1949, englobando, além
da URSS, a Bulgária, a Hungria, a Polônia e a Tchecoslováquia, às quais aderem,
posteriormente, a Albânia (1949), a Alemanha Oriental (1950) e a Mongólia (1962). Ã OTAN
e outros pactos regionais que se estruturam (OTASE, Sudeste Asiático e o Pacto de Bagdá,
tratados diretos entre os Estados Unidos e outros países), responde a URSS com uma
organização política e militar constituída, basicamente, de dois organismos: o Kominform
(Comissão Comum de Informação), destinado a coordenar a ação dos diferentes partidos
comunistas do bloco oriental, no poder, e os de outros países externos ao bloco, fora do poder,
e o Pacto de Varsóvia (1955) de natureza militar. A vitória de Mao-tsé-tung sobre o governo da
Chiang-kai-chek na China (1949) contribuiu para fortalecer, ainda mais, o bloco dos países
socialistas. À dissolução do Kominform em 1956, após a morte de Stalin, inaugurando a
política de apaziguamento de Krutchev, é o primeiro sintoma de uma mudança no plano da
estratégia internacional do comunismo, ou seja, a partir dessa data a URSS renuncia,
oficialmente, à tradição de Lenin e Stalin de pressionar intemamente os países capitalistas
através da ação de seus partidos comunistas. Da mesma forma, a ruptura militar entre a União
Soviética e a China, em 1959, representou a primeira cisão profunda no seio do bloco
comunista. Mas, nesse momento, a guerra fria começava a ceder lugar à política de
coexistência pacífica entre o capitalismo e o socialismo.

E) Os conflitos da guerra fria


Os dois mundos que se defrontam são divididos pelo sistema econômico e social, pela
geografia e pela ideologia. O Bloco Ocidental tem o Oceano Atlântico como centro de
atividades e de interesses; ao capitalismo corresponderia um determinado sistema de
otganização política e de práticas econômicas (a democracia liberal e o comércio
internacional), confundindo-se no ideário de propaganda com a liberdade de organização
econômica, o livre arbítrio e formas de representação democrática de governo; ao comunismo
corresponderia um sistema autoritário de poder controlado pela burocracia do partido oficial
(o comunista), o controle estatal da economia e da sociedade, a ausência de liberdade
individual, o ateísmo marxista; a geopolítica do Bloco Oriental, por suas características
continentais (30 milhões de km2), estendendo-se da Alemanha do leste à costa do Pacífico, com
fortes concentrações demográficas (perto de um bilhão de pessoas na década dos 50),
configurava um mundo misterioso capaz de subverter os “valores” da civilização ocidental,
greco-romana e cristã.
O Bloco Ocidental se apresentava, pois, como o herdeiro das “revoluções burguesas” do
século passado, do racionalismo e do humanismo, enquanto o Bloco Oriental era encarado,
pelos grupos sociais dirigentes do Ocidente, como o resultado do irracionalismo e da
“barbárie”. Tais pressupostos maniqueístas, no entanto, têm receptividade diversa entre as
classes populares que viviam na órbita do imperialismo e que aspiravam a mudar o curso de sua
história. Nessas condições, o socialismo tem para elas um conteúdo diverso daquele que lhe é
atribuído pela propaganda do Bloco Ocidental, apresentandose, assim, como um instrumento
de luta contra a opressão interna (a dominação de classe) e externa (a dominação colonial).
A polarização da guerra fria revelou ainda uma situação de “impasse” tecnológico. A
tecnologia nuclear desenvolvida tanto pelos Estados Unidos quanto pela URSS
(posteriormente pela Inglaterra, França) mantinha uma relativa equivalência de potencial
agressivo. Dessa forma, o “equilíbrio pelo terror”, a certeza de que uma Terceira Guerra
Mundial não se faria, como no passado, pelo uso de armas convencionais, e sim pela destruição
da espécie humana, desvia as tensões para áreas geográfica e politicamente localizadas. Os
conflitos da guerra fria não passarão de “episódios” mais ou menos “quentes”, embora sem
chegarem em qualquer momento a constituir uma ameaça de generalização do conflito.
Mencionaremos, aqui, apenas os de maior repercussão: a questão de Berlim (manutenção dos
corredores aéreos de acesso a Berlim), a guerra da Coreia (195053), as crises do Oriente Médio
(a questão de Israel e da Palestina).
A partir de 1960, são evidentes as fissuras dentro dos blocos, prenunciando o fim dá rígida
política bipolarizada. Do lado americano, a revolução cubana, a “dissidência” representada
pela insubordinação de De Gaulle, a luta de classe nos países capitalistas; do lado soviético,a
ruptura com a China, as “veleidades” autonomistas na Polônia e na Hungria e, posteriormente,
naTchecoslováquia. Além do mais, as guerras anticoloniais e de libertação nacional vieram
trazer novos elementos de complexidade à competição entre o Ocidente e o Oriente, entre
capitalismo e socialismo, entre imperialismo e nacionalismo. Passava-se a indagar, de um lado
e de outro de cada bloco, se não seria possível desistir do estado permanente de tensão e fazer
uma tentativa de convivencia pacifica, aceitando-se, para isso, um "acordo entre cavalheiros”
de respeito recíproco do status quo. Seria uma nova divisão do mundo em esferas de
influência? Como se colocaria a Europa? Como se situaria aí a possibilidade de existir um
Terceiro Mundo?

A descolonização — a quem cabe a


iniciativa?
A) Colonizar e descolonizar
Depois de ter colonizado, o “europeu descoloniza. Era-lhe indispensável manter a iniciativa”,
assim se refere Jacques Amault (Du colonialisme au socialisme, Paris, 1966) ao fato de que na
palavra descolonização está implícita a “vontade” do pais colonizador de abrir mão de seus
direitos adquiridos num determinado momento. Outros autores também veem aí, na adoção do
termo, uma interpretação eurocêntrica da História. Enquanto a colonização resultou de uma
ação europeia consciente com o objetivo de conquista, a descolonização, como processo,
adveio do seu contrário, ou seja, da revolta contra o Ocidente. Ela se apresenta,
historicamente, como produto dos movimentos nacionais, e não como a resultante de uma
iniciativa do colonizador. Assim, da visão eurocêntrica deveríamos passar a uma
interpretação asiocêntrica ou afrocêntrica da História.
No entanto, o próprio surgimento de aspirações nacionais na órbita do colonialismo e a sua
concretização nos anos de pós-guerra foram favorecidos pela nova correlação de forças entre
os países do mundo capitalista. As potências coloniais — GrãBretanha, França, Holanda e
Bélgica — haviam saído extremamente enfraquecidas da II Guerra Mundial e contavam com a
participação dos Estados Unidos para o seu reerguimento econômico. Na realidade, as duas
guerras mundiais (1914-1918 e 19391945) foram, no fundo, .guerras civis europeias, com a
participação inicialmente não prevista dos Estados Unidos. Elas foram produzidas, sobretudo a
segunda, pelas contradições entre países industrializados e apressaram a eclosão dos
nacionalismos que levariam ao fim dos impérios coloniais. Nessas condições, a compreensão
do movimento de independência das colônias asiáticas e africanas envolve a análise das
transformações ocorridas no interior das Metrópoles.

B) A Grã-Bretanha
Sem ter sofrido ocupação do território pelo inimigo, foi a Inglaterra, no entanto, duramente
atingida pelos bombardeios sucessivos da aviação alemã. Teve, ainda, que lutar no Indico e no
Sudeste asiático contra os japoneses, no Norte da Ãfrica e na Itália, e participou da abertura
da frente ocidental em junho de 1944. A vitória lhe custou 400 mil mortos, cerca de 30% de
imóveis destruídos pelos bombardeios, 300 bilhões de dólares de gastos militares, uma dívida
externa que atingiu 14 bilhões de dólares, uma dívida pública que chegou a ser três vezes
superior à renda nacional e uma inflação monetária da ordem de 80%. Sua marinha sofreu
perdas enormes. Tratava-se para a Grã-Bretanha de realizar um gigantesco esforço de
recuperação material dos desgastes, de reconversão econômica após seis anos de guerra, sem
grandes possibilidades de solução a curto prazo. O futuro imediato se apresentava sombrio.
As eleições realizadas logo após a guerra trouxeram ao poder o Partido Trabalhista, com
a surpreendente derrota de Churchill, o condutor da vitória. Coube aos trabalhistas
reconduzir o país à economia de paz, através de um amplo programa de duradouras
reformas do sistema econômico e social. A Inglaterra, que fora o berço do capitalismo e
da revolução industrial, mantendo-se inflexivelmente fiel aos dogmas do liberalismo
econômico, tomava-se o primeiro país capitalista a passar por uma extensa remodelação
de seu sistema global no sentido de permitir uma redistribuição de rendas e a melhoria
das condições de vida para o conjunto da população. Para tanto, os trabalhistas
empreenderam uma ampla política de nacionalizações, partindo da noção de que ao
Estado — o Estado-Providência ou o Welfare State — compete reunir os instrumentos
necessários para a modernização de economia, promover através de reforma tributária (imposto
progressivo sobre a renda e elevados direitos de herança) uma redução da distância entre ricos e
pobres e assegurar os benefícios do desenvolvimento ao conjunto dos grupos sociais.
Em linhas gerais, foi posto em prática o seguinte programa (jamais alterado
substancialmente pelos governos conservadores posteriores):
a) nacionalização do Banco da Inglaterra, das companhias de transportes (aéreos,
terrestres, ferroviários e marítimos), gás, luz, eletricidade, carvão, siderurgia (desnacionalizada
em 1953);
b) criação de um eficiente sistema de seguro e assistência social (do nascimento à morte) e
subsequente nacionalização dos serviços médicos;
c) adoção e execução de gigantescos planos de habitação e urbanismo;
d) medidas financeiras eficazes que asseguraram o valor monetário da libra e
conversibilidade ao ouro.
Em 1950, a Inglaterra já podia orgulhar-se de sua recuperação a ponto de abrir mão dos
recursos assistenciais do Plano Marshall. Viu instaurada a paz social interna e consolidada a
sua posição financeira. É indiscutível, porém, que para atingir esses objetivos, puderam os
trabalhistas contar com um certo “estoicismo” tanto dos setores até então mais privilegiados da
sociedade, como dos sindicatos de trabalhadores que se dispuseram a diminuir a pressão dos
movimentos reivindicatórios. A guerra da Coreia (1950-53) contribuiu em muito para o início
de um verdadeiro boom industrial britânico pela ampliação de seu comércio exterior.
Sua política internacional, sobretudo a atitude face aos movimentos nacionalistas nas áreas
coloniais, sofreu as influências dessa evolução interna e das conjunturas externas. Foram,
assim, os trabalhistas ingleses os primeiros a aceitar a descolonização, dando o sinal de partida,
em 1947, com a independência da índia. Foi ainda a Grã-Bretanha a primeira potência
capitalista a reconhecer o governo comunista de Mao-tsé-tung na China, como também foi ela
o primeiro país do Bloco Ocidental a contestar, embora cautelosamente, a ampliação da
influência americana naquelas partes do mundo que antes tinham sido de predomínio inglês
(particularmente, o Oriente Médio), a sua reserva de poder. No entanto, as despesas crescentes
de sua política social no plano interno começavam a tomar por demais onerosa a manutenção,
por parte da Grã-Bretanha, de uma política imperial e marítima (mormente em Suez e no
Indico).
A partir de 1950, a política de descolonização total não será alheia aos imperativos do
Welfare State e seus compromissos com a paz social doméstica.

C) A França
A recuperação da França foi menos brilhante e menos imediata do que a da Inglaterra. Ela
sofrera 600 mil perdas humanas, embora viesse a demonstrar uma capacidade de rápida
recuperação demográfica. Tanto a sua produção agrícola quanto a industrial atingiram índices
baixíssimos. A ocupação alemã (quatro anos de duração) foi escorchante para a população
civil. Por outro lado, o final da guerra encontra um país profundamente dividido: a esquerda
comunista, socialista e radical, almeja uma completa transformação das estruturas sociais e
econômicas, de cunho anticapitalista, e a burguesia e a pequena burguesia conservadoras
opõem-se a mudanças fundamentais do sistema. Mas apesar das divergências ideológicas, foi
executado um amplo programa de reformas que se destinava a reconstituir a economia e a
minorar os desequilíbrios sociais.
Entre 1944 e 1946, foram introduzidas as seguintes mudanças de estruturas: a
nacionalização das minas de carvão, da Renault (indústria automobilística), dos transportes
aéreos, do crédito, do gás e da eletricidade, das companhias de seguro; a criação do sistema
nacional de seguro social extremamente eficiente (aposentadoria e assistência médica gratuita
para assalariados). De tal forma foram bem sucedidas essas iniciativas, principalmente as
relativas ao sistema de crédito e seguros, que em 1949 cerca de 50% dos investimentos
nacionais eram financiados por fundos públicos. Em 1948, a produção industrial já
ultrapassava os índices de 1938. Entretanto, grande parte desses benefícios foi corroída pela
inflação (alta de preços e queda do poder aquisitivo) e por sucessivas desvalorizações do
franco.
à dança dos planos econômicos e financeiros corresponde uma intensa atividade política,
sobre a qual se refletem os problemas criados com as guerras coloniais (Indochina e Argélia), e
uma participação sempre ativa dos movimentos operários. O advento do segundo governo do
General De Gaulle em 1958 (instauração da V República), em virtude da questão argelina,
inicia uma nova era de nacionalismo, conservador na sua política interna, progressista na sua
política externa, ao mesmo tempo em que coloca a necessidade de assegurar a paz social em
benefício do progresso econômico. Situa-se, na primeira fase desse governo De Gaulle
(1958-1962), a política de descolonização geral da Ãfrica de expressão francesa.

D) Um novo capitalismo?
A rapidez das transformações por que passavam os países europeus capitalistas,
caracterizadas por uma maciça intervenção do Estado em setores de base da economia e o
reconhecimento das reivindicações trabalhistas, de longa data, quanto à adoção de práticas
sociais redistributivas de renda, fazia com que surgissem indagações: o capitalismo mudou? Os
países capitalistas se socializam?
Os grupos econômicos franceses, capitaneados por sua burguesia tradicional, foram mais
resistentes do que os ingleses à adoção de medidas reformadoras do sistema capitalista que
reduzissem a sua cota de participação nos lucros provenientes do crescimento econômico.
Assim, as mudanças francesas não deixaram de ser caracterizadas pela ascensão da luta de
classes e de uma intensa atividade partidária, o que levou à politização do sindicalismo, à
participação de intelectuais no debate de ideias e ao confronto, por vezes violento, entre “forças
da ordem” e movimentos populares. Nesse confronto, esteve sempre presente a questão do
capitalismo (a exploração do trabalho pelo Capital), com sua decorrência, naquele momento: a
descolonização.
Dois fatos novos aparecem representados pela revelação do extraordinário poder
econômico dos Estados Unidos (a gigantesca capacidade de seu parque industrial) e o
desaparecimento da imagem clássica do capitalismo concorrencial (a “livre empresa”). Ao
contrário do capitalismo de Adam Smith, Ricardo e Say, nos seus primórdios, surgia um novo
capitalismo em que o Estado se dispõe a intervir, impedindo a repetição das crises de
superprodução de equipamentos (1873, 1929) e seus efeitos dramáticos, compondo-se com as
empresas, num acordo tácito, através de políticas eplanejamentos. Aos poucos, desaparece,
também, aquela imagem do burguês conquistador, o capitalista empresário do século XIX, que
decidia nas bolsas de Londres e de Paris, posteriormente de Wall Street, sobre a sorte do
Capital e os destinos de milhões de indivíduos em todas as partes do planeta. Cabia agora ao
Estado exercer um novo papel: o de propulsor do sistema econômico (financiamento, seguros,
compras de material bélico e equipamento) e regulador dos mecanismos sociais, aliviando as
tensões (previdência social, habitação, seguro de desemprego, saúde, educação, lazer).
Mas o progresso desse novo capitalismo não indicava a solução de problemas
fundamentais. O pçimeiro deles diz respeito à incapacidade do Estado capitalista de intervir,
decisivamente, no processo produtivo de modo a controlar o desenvolvimento tecnológico e
impedir o desperdício que é determinado pela adoção contínua de inovações técnicas. Assim,
instalações industriais antes de serem amortizadas já são substituídas por outras, mais
modernas e sofisticadas, o que impõe um esforço permanente de investimento financeiro.
“Submetida à fatalidade da inovação, a racionalidade técnica do mundo capitalista desemboca
sobre a irracionalidade” (Jean Mathiex e Gérard Vincent, Histoire Aujourd’ hui, 1945-1970,
Paris, V. 1,1972).
Poder-se-ia, pois, falar de um imperialismo de inovação, ou um neo-imperialismo', que
marcará a fase de descolonização e o surgimento de novas relações capitalistas no plano
mundial. A inovação tecnológica é poupadora de mão-de-obra, tendo um caráter recessivo de
emprego, tanto no setor secundário quanto no terciário da economia. Nessas condições, ela se
traduz, socialmente, por um estado de desemprego estrutural, de crise permanente. Ora, o
aperfeiçoamento infinito da tecnologia acaba por reforçar o gigantismo das empresas, a
complexidade da sua organização e de suas ligações múltiplas no plano interno e externo (os
conglomerados, as multinacionais), levando à exacerbação o caráter cada vez mais
internacional do capitalismo
Um segundo problema magno não solucionado pelos países capitalistas é o da agricultura,
que se torna, de forma crescente, subordinada aos imperativos da indústria e da rede de
comercialização. Ao depender da indústria para a sua modernização e aumento de
produtividade (máquinas, fertilizantes, inseticidas, diminuindo a dependência das coqjunturas
climáticas), ela também não qpnsegue controlar a comercialização e, por conseguinte, os
preços do que produz.
O mundo do pós-guerra defrontou-se, pois, com o grande paradoxo de nossos tempos.
Enquanto há possibilidade de produção de alimentos “excedentária” nos países centrais do
capitalismo, isso não se dá, em virtude das políticas de controle dessa produção, de modo a não
permitir a queda dos preços dos produtos. Tal queda levaria a diminuir os rendimentos dos
agricultores. Medidas malthusianas (redução da produção de alimentos, com subsídios para
produtores com terras não cultivadas) visando à sustentação dos preços agrícolas são aplicadas
nos “países ricos”, em defesa da prosperidade e do bem-estar. Já nos “países pobres”, que
representam cerca de 50% da população mundial, a insuficiência na produção de alimentos
leva à escassez, à subnutrição e à morte prematura de grande parte de seus habitantes (1/3 dos
habitantes da Terra).
Em síntese, se o capitalismo mudou a face da Europa no pós-guerra, ele, no entanto, não
chegou a alterar o quadro estrutural das desigualdades sociais sobre as quais se assenta. Pelo
contrário, o seu aperfeiçoamento reforça a exploração do trabalho de forma cada vez mais
sofisticada e acentua os desequilíbrios, tanto no nível nacional, quanto no internacional.
A luta pela descolonização não podia deixar de ser uma luta contra o capitalismo, sem deixar de
ser, também, no sentido político, uma luta contra as Metrópoles.

A COLÔNIA FACE AO
COLONIALISMO
O colonialismo como sistema
A) Para que se coloniza
Os chamados Tempos Modernos que, para os países do Mediterrâneo ocidental e da orla
atlântica do continente europeu, nasceram da crise do sistema feudal e da gestação do
capitalismo, conheceram o primeiro momento de expansão transoceânica da história
ocidental. Com o descobrimento dos caminhos marítimos, para o controle do comércio
oriental, e a colonização na América, formaram-se os impérios mercantilistas dos séculos XVI,
XVII e XVIII. A revolta dos colonos ingleses (as Treze Colônias) da América do Norte foi o
início dessa primeira “descoIonização”, que se concluiu com a liquidação dos impérios
coloniais ibéricos na América Central e Meridional.
Foi, porém, ao longo do século XIX, com a Europa da revolução industrial e do
capitalismo, que uma segunda onda expansionista levou os “burgueses conquistadores”,
senhores do Capital, da ciência e da tecnologia (Charles Morazé, Les Bourgeois Conquérants,
Paris, 1957), irresistivelmente, à apropriação direta ou indireta das terras e mares do globo.
Surgia, assim, na esteira desse amplo movimento de expansão capitalista e conquista territorial,
empreendido pelo homem branco, um sistema, em nível planetário, de dominação política, de
exploração econômica e de sujeição cultural: o colonialismo. A sua implantação se fez através
de acirrada concorrência e fortes tensões entre as potências colonialistas que disputavam os
mercados, a ocupação de territórios e a preeminência, ou seja, o prestigio nacional.
“Colonizar”, afirmava, em 1912, um eminente jurista, “é relacionar-se com os países novos
para tirar benefícios dos recursos de qualquer natureza destes países, aproveitá-los no interesse
nacional, e ao mesmo tempo levar às populações primitivas, que delas se encontram privadas,
as vantagens da cultura intelectual, social, científica, moral, artística, literária, comercial e
industrial, apanágio das raças superiores. A colonização é, pois, um estabelecimento fundado
em país novo por uma raça de civilização avançada, para realizar o duplo fim que acabamos de
indicar.” (Mérignhac, Précis de législation et d’économie coloniales, Paris, 1912).
Destacam-se aí duas ideias: a colonização era um fator necessário à prosperidade da
Europa, no interesse nacional dos países colonizadores; a colonização era igualmente
fundamental para as populações subjugadas que receberiam as benesses da civilização. Estão
explícitas as concepções de superioridade da “raça branca” e da “civilização” europeia, do
“direito” e do “dever” moral do colonizador de colonizar.
Já Bernard Shaw encara de outra forma “os fins” e os meios da colonização, menos morais
e mais pragmáticos:
“O inglês nasce com certo poder milagroso que o torna senhor do mundo. Quando deseja
uma coisa ele nunca diz a si próprio que a deseja. Espera pacientemente até que lhe venha à
cabeça, ninguém sabe como, a insopitável convicção de que é seu dever moral e religioso
conquistar aqueles que têm a coisa que ele deseja possuir. Toma-se, então, irresistível (...)
Como grande campeão da liberdade e da independência, conquista a metade do mundo e chama
a isso de Colonização. Quando deseja um novo mercado para seus produtos adulterados de
Manchester, envia um missionário para ensinar aos nativos o evangelho da paz. Os nativos
matam o missionário; ele recorre às armas em defesa da Cristandade; luta por ela, conquista por
ela; e toma o mercado como uma recompensa do céu (...)” (The Man ofDestiny)
Mas a crítica de Bernard Shaw, no final do século XIX, não podia ser encarada com
seriedade. A doutrina predominante estabelecia que a colonização que se processava,
diferentemente da exploração mercantilista da primeira fase, tomara-se um “sistema de
intercâmbio” legitimo. A obra civilizadora justifica a dominação política e econômica, embora
fosse excluída qualquer possibilidade de consultar as populações dominadas sobre os seus
próprios interesses no estabelecimento desse sistema de trocas. Este se determinava por seu
caráter unilateral e, ao firmar a missão civilizadora com a qual se justificava e se legitimava,
não podia deixar de levar consigo o gérmen de sua própria destruição: os colonos, uma vez
atingida a “maturidade” intelectual, se voltariam contra o colonizador.
A palavra “colono” vem, etimologicamente, de colere, o que quer dizer “cultivar”,
significando, pois, o mesmo que “agricultor”, o homem que cultiva a terra em troca de um
pagamento in natura. Existiram colônias na Antigflidade, assim como também as já
mencionadas dos Tempos Modernos. “Colonização” significa fixar colonos em outras terras e
regiões, mantendo elos com o pais de origem. Trata-se de uma prática conhecida na história da
humanidade desde longa data, como forma de povoar regiões desertas ou habitadas por
populações mais atrasadas, tecnicamente, e de cultivar, para manter relações de troca com a
metrópole, a cidade-mãe. Historicamente, os exemplos são de duas ordens:
a) as colônias que se estabeleceram após uma conquista militar e política; nesses casos, a
emigração e o estabelecimento de colonos, em terras estranhas, resultam de uma política de
poder, de dominação imperial (imperium: autoridade, dominação absoluta);
b) as colônias que se estabeleceram antes da conquista militar e da dominação política;
nesses casos, a marcha pioneira, a emigração, precede a instalação do imperium, da autoridade
e da soberania.
No entanto, o processo de colonização europeia do mundo não europeu ao longo do século
XIX apresentou certas particularidades, a saber:
a) na primeira metade do século, caracterizada pelo capitalismo liberal, laisser-faire, a
expansão europeia foi moderada; a Grã-Bretanha conservava a índia como centro do Império
que construíra no século precedente, sobretudo conquistando-o dos franceses; a França
conquista Argel, em 1830, iniciando-se, aí, um longo processo de ocupação e colonização da
Argélia;
b) a partir da segunda metade do século — com o espetacular desenvolvimento da
civilização industrial e suas consequências (expansão demográfica e procura de mercados para
os seus produtos), a exacerbação dos nacionalismos burgueses, a competição entre os países
capitalistas (Inglaterra, França, Alemanha), a busca não somente de mercados e
matérias-primas, mas também de campos para investimento de capitais, mormente após 1890
— foram os Governos levados a assumir uma política expansiónista;
c) a passagem de uma expansão “espontânea” — comandada por grandes colonizadores,
pioneiros da colonização e exploradores (Mungo Park, René Caillé, Brazza), missionários
(Livingstone) e empresas coloniais, com esporádicas intervenções políticas e militares — a
uma política deliberada que levará à constituição de Impérios e a uma nova partilha do mundo,
deve ser compreendida à luz das próprias transformações por que passava o capitalismo.
Coube principalmente a J. A. Hobson, Rudolf Hilferding, Kautsky, Rosa Luxemburgo e
Lenin, fundamentados na análise do capitalismo monopolista, do novo papel do Estado
militarista e das leis que regem a concentração do capital financeiro, explicar essa fase suprema
do capitalismo como sendo a do Imperialismo, uma etapa na história da humanidade. Afirmava
Hobson, economista liberal inglês: “(...) a análise do Imperialismo, com seus naturais suportes,
militarismo, oligarquia, burocracia, protecionismo, concentração de capital e violentas
flutuações do comércio, faz com que ele se apresente como o perigo supremo dos modernos
Estados Nacionais” (J. A. Hobson, Imperialism, a Study, Londres, 1902).
Concluindo, poder-se-ia sintetizar com JeanPaul Sartre: “A colonização (...) é um sistema
que foi posto em prática no meado do século XIX, começou a dar frutos por volta de 1880,
entrou em declínio após a Primeira Guerra Mundial e se volta, hoje, contra a nação
colonizadora”. (Les Temps Modernes, março-abril, 1956)

B) Quem coloniza
No meado do século XIX, pouco restava dos antigos Impérios mercantilistas. Somente a
Grã-Bretanha permanecia como a grande potência marítima e “imperial”, embora procurasse
evitar, até 1874, novas anexações, salvo as escalas da índia (no Mediterrâneo oriental, na rota
da índia pelo Cabo). O problema do desemprego industrial permitirá, ao longo do século, uma
acentuada emigração para as colônias de povoamento (Canadá, Cabo, Austrália, Nova
Zelândia), que não tardarão a adquirir uma relativa autonomia. Nas Antilhas e na Guiana, ela
mantém o sistema tradicional de colônias. A partir de 1874, após a primeira crise de
superprodução do sistema industrial, toma corpo o movimento imperialista na Inglaterra. Com
a ascensão dos conservadores (a Rainha Vitória é coroada Imperatriz da índia por Disraeli), a
campanha por uma Greater Britain canta as glórias (e a carga) da missão civilizadora do
homem branco (Kipling, Chamberlain).
Na Ãsia, em nome da defesa da índia, ela anexa a Birmânia e a Malásia. Na Ãfrica Oriental,
apodera-se do Quênia, de Uganda, com o objetivo proclamado de defender as fontes do Nilo e
garantir a proteção do Canal de Suez; ocupa, ainda, o Egito, o Sudão, Chipre, a Somália; na
Ãfrica Ocidental, instala-se na Costa do Ouro e na Nigéria; na Ãfrica do Sul, anexa o interior da
Colônia do Cabo, através de Cecil Rhodes, surgindo, assim, as Rodésias; em 1902, após a
guerra contra os Boers, antigos colonos holandeses, conquista o Transvaal e Orange. Em 1910,
outorga o estatuto de Domínio ao Canadá, à Austrália, à Nova Zelândia e à Ãfrica do Sul.
Ãs vésperas da II Guerra Mundial, o Império Britânico era extremamente rico e poderoso.
Ele se estendia sobre um quarto da população do planeta e dominava a produção mundial de
arroz, cacau, chá, lã, borracha, estanho, manganês, ouro, níquel, juta, açúcar, carvão, cobre e,
ainda, o petróleo do Oriente Médio. Controlava 15% da produção mundial de trigo, carne,
manteiga, algodão, ferro e aço. Parecia imbatível e imperecível, embora pesasse sobre ele uma
nuvem de preocupação: 85% dos seus 500 milhões de habitantes eram constituídos de
populações “indígenas” (negros, indianos, amarelos).
Já o Império Colonial Francês', menos espetacular do que o inglês, foi produto de uma
expansão mais rápida e concentrada no tempo. Em 1815, só lhe restavam vestígios do antigo
império mercantilista: Martinica, Guadalupe, Guiana, dois entrepostos quase abandonados no
Senegal, a Ilha de Reunião, cinco feitorias na índia. A partir de 1830, anexa Àrgel, cuja
conquista se fará lentamente, e Libreville, no Gabão. De 1850 em diante, ingressa na
competição pelas colônias. Em 1939, estende-se sobre 13 milhões de quilômetros quadrados e
possui 110 milhões de habitantes. Era esse o império que tornara a França uma potência
mundial. Nesse momento, 25% do comércio exterior da França era formado pelas importações
e exportações coloniais. Seus principais pontos de dominação eram os seguintes:
— na Ãfrica do Norte: Argélia, com 8 milhões de habitantes, dos quais perto de um milhão de
franceses residentes e colonos; a Tunísia e o Marrocos na categoria de Protetorados;
— o Saara, espraiando-se para o sul, até o golfo da Guiné, e mais além, até as proximidades do
Congo; essa Ãfrica negra dividia-se, para fins administrativos, em duas Federações: Ãfrica
Ocidental Francesa e Ãfrica Equatorial Francesa, além dos mandatos da Sociedade das
Nações, Togo e Camarões (ex-colônias alemãs);
— no Oceano Indico, Madagáscar;
— no Pacífico, a Indochina Francesa (Anam, Laos, Camboja, Cochinchina e Tonquim); na
Oceania, Nova Caledónia, além de pequenas ilhas esparsas (Taiti, por exemplo);
— nas Antilhas, Martinica e Guadalupe, entre as mais significativas; a Guiana;
— no Oriente Próximo, os mandatos da Síria e do Líbano.
Diferentemente da Grã-Bretanha, o império francês não era tão fundamental para a
prosperidade e a sobrevivência metropolitanas. Ao ter inicio a Guerra de 1939-1945, a França
era um pais desigualmente desenvolvido do ponto de vista do capitalismo e sua população
agrícola ainda representava cerca de 50% da população total do pais. Entre as criticas que se
faziam ao imperialismo francês uma se referia à “sovinice” da administração metropolitana,
que nada dispendia nas colônias, exigindo que estas se autofinanciassem, e outra dizia respeito
aos investimentos privados franceses que eram, de preferência, canalizados para empréstimos
externos, quase nada aplicando nas áreas coloniais.
A Holanda de 1939 conservava ainda a herança do velho império mercantilista: as Índias
neerlandesas (Arquipélago de Sonda), Java, pais de vulcões, Celebes e Sumatra, além de
Bornéu e Nova Guiné, concentravam toda a energia colonizadora da metrópole holandesa.
Abrangendo 2 milhões de quilômetros quadrados e 70 milhões de habitantes, opõem-se a uma
pequena Holanda de 35 000 km2 e uma população de 8 milhões, que se orgulhava da sua obra
colonial, louvada como modelo de empreendimento, prosperidade e organização. Java, por
exemplo, era apontada como uma “usina de produtos coloniais, a primeira do globo” (Hubert
Deschamps, La Fin des Empires Coloniaux, Paris, 1950): abundância de mão-de-obra, baixo
custo de produção, baixo preço das importações holandesas, baixos salários. A guerra de
descolonização iria revelar a natureza do “paraíso” colonial neerlandês e faria surgir um novo
país: a Indonésia.
A Bélgica, pequeno país de longa tradição comercial e fabril, nasceu em 1830 e
dificilmente poderia demonstrar “vocação” colonialista, não fosse a iniciativa, a título pessoal,
de seu Rei Leopoldo II (segundo rei belga, 1865-1909), também homem de negócios. Coube a
esse rei, doublé de empresário, promover um dos mais crueis e devastadores empreendimentos
coloniais de que se tem notícia na história: a conquista e exploração do Congo, que foi entregue
a companhias internacionais. Em 1886 proclamou o “Estado Independente do Congo” do qual
se tomou, em caráter privado, soberano absoluto. Após sua morte, em 1909, deixou-o, em
herança, à Bélgica. Como os holandeses na Indonésia, os belgas investiram grandes capitais no
Congo e empregaram “métodos científicos” de exploração econômica e administração
(grandes culturas, explorações de minérios, plantações de borracha, obras sociais, missões
religiosas). Também, como na Indonésia, o processo de descolonização se caracterizou por sua
extrema violência.
O império português fazia o papel de primo pobre do imperialismo. No entanto, foi o mais
resistente à descolonização. Do velho império mercantilista restavam algumas “sobras”: no
Indico, Diu e Goa; no Arquipélago de Sonda, uma parte de Timor; na China, Macau, perto de
Cantão, como uma antiga feitoria; na Ãfrica, porém, conservava o melhor de suas conquistas,
Angola e Moçambique, no primeiro plano, Arquipélago do Cabo Verde e Guiné,
secundariamente. Sua obra colonizadora, uma vez posta à prova, contribuiu, nas duas últimas
décadas, para revelar a fragilidade do sistema econômico e social da Metrópole e para fazer
explodir, em 1974, as bases do seu regime político ditatorial e defasado (o Salazarismo).
C) Como se coloniza
A colonização se revestia de formas variadas de dominação direta e indireta. Paul
Leroy-Beaulieu, que fez uma tipologia “da colonização entre os povos modernos”, distinguia
três tipos de colônias: as de comércio ou entrepostos (Hong-Kong e Singapura); as
deplantagem ou de exploração, que exigiam capitais e se destinavam a exportar produtos
exóticos e matérias-primas (Índia e Java); as de povoamento, em climas temperados e com
imigração “branca” (Canadá e Austrália). Outros autores distinguiam as colónias-reservatório
(fornecimento de matérias-primas e mão-de-obra à metrópole), as de escoamento, que
absorviam produtos da metrópole e mão-de-obra ou, segundo G. Hardy, as de administração
(encadrement). Além desses, havia um outro tipó não ostensivamente declarado, de penetração
financeira (China, Turquia, América Latina). Como formas diversas de dominação colonial,
refletiam as condições geográficas, políticas, econômicas e culturais da expansão. Dizem
respeito aos métodos empregados pelo colonizador e, também, ao nível de desenvolvimento
histórico das populações sobre as quais se exerciam as políticas do Ocidente capitalista.
Na ótica acima, as colônias resultaram, em seus tipos diversos, da conjugação dos
interesses imperialistas (de grupos econômicos e de políticas “nacionais” europeias) e das
estruturas pré-coloniais (condições materiais e formas de organização social “nativas” ou
“indígenas”). Pará uma análise global do fenômeno de formação dessas novas sociedades,
devem ser levados em conta os seguintes elementos ou fatores:
a) as determinações gerais do capitalismo monopolista;
b) as políticas nacionalistas dos Estados europeus;
c) o processo de conquista e de ocupação colonial, de modo a verificar como se deu o
contato com as populações locais, como se organizavam as sociedades “pré-coloniais” e quais
os recursos de que dispunham (nível das forças produtivas);
d) o resultado, em termos sócio-econômicos e político-culturais, da colonização: as
sociedades emergentes.
O capitalismo europeu, por intermédio de companhias especialmente organizadas para esse
fim, da mobilização do capital financeiro (construção de estradas de ferro, exploração de
minérios, obras de infra-estrutura, como portos e serviços urbanos, etc.) e do emprego das
armas (militarismo dos Estados Nacionais e “corrida” armamentista), estendeu-se, assim, em
profundidade e em extensão. Objetivava o lucro, o poder e o prestígio, embora advertisse, em
pleno apogeu do imperialismo, LeroyBeaulieu: “É raríssimo que uma colônia forneça um
rendimento líquido à mãe-pátria (pois) na infância, ela não pode (e) na maturidade, ela não
quer”. Por outro lado, não escapava aos observadores contemporâneos a concorrência
desastrosa que o afluxo de produtos coloniais nos mercados metropolitanos (trigo do Canadá,
vinho da Argélia, óleo e azeite do Senegal) representava para os agricultores do lado
capitalista. Mas na crítica dos liberais, como Hobson, por exemplo, estava a noção de que a
colônia empobrecia mais do que enriquecia às metrópoles.
No entanto, para economistas como Frederíc List, as colônias serviam para desenvolver as
manufaturas, as importações, as exportações e, ainda, a marinha. Para um estadista como
Bismark, eram uma condição da paz europeia, um derivativo das competições no continente.
Para os ideólogos do imperialismo, a Europa levaria a paz aos bárbaros, aos povos primitivos,
“protegendo-os” e livrando-os das guerras intestinas. Ela devería exterminar a escravidão,
interditar o canibalismo, sacrifícios humanos, a incineração das viúvas, levar práticas
modernas de combate às epidemias, à doença e à fome. Como dizia o Cardeal Mercier, a
colonização “é um ato coletivo de caridade que num determinado momento uma nação
superior deve às raças deserdadas”!
Apesar dos “benefícios” que seriam levados pelo homem branco, a ocupação colonial foi,
via de regra, um ato de conquista que enfrentou resistências locais mais ou menos acirradas. Os
métodos de penetração dependeram, portanto, das possibilidades do colonizador e das próprias
condições locais. Na história do capitalismo, esses episódios receberam o nome de “partilha da
Ãsia e da Ãfrica”. A forma de relação será marcada pela presença do colonizador branco na
colônia, fator este que exercerá um papel importante na descolonização, explicando, em grande
parte, o caráter mais ou menos violento que ela assumirá. Vemos ai duas hipóteses:
a) o peso da população branca é inversamente proporcional ao nível pré-colonial da
sociedade geral dessa colônia;
b) o grau de exploração da colônia estará vinculado ao nível de desenvolvimento
capitalista da metrópole e das sociedades pré-coloniais.
Em todos os casos, a colônia será:
a) uma dependência jurídica (presença de delegados da Metrópole, que administram);
b) uma dependência econômica que se traduz pela reedição do “pacto colonial” (a colônia
como reserva de matérias-primas, mão-de-obra e mercados) e pelas possibilidades de
investimento;
c) uma dependência cultural.
Um critério de classificar as colônias seria o de

considerar as características demográficas e culturais das áreas colonizadas:


a) regiões densamente povoadas onde se desenvolveram, desde a Antiguidade,
civilizações superiores e que mantiveram contatos, mais ou menos diretos, mais ou menos
intermitentes, com os países e povos da Europa ocidental: possuíam uma estrutura social
complexa; eram, inicialmente, “países ricos” que deviam remediar a pobreza da Europa;
constituíam Estados organizados, dotados de uma burocracia; situam-se aí os países da Asia,
do Oriente Próximo e do Norte da Africa; a presença da Europa, pela conquista e pela
anexação, resultou no empobrecimento dessas comunidades e Estados, no acirramento das
rivalidades entre comunidades locais (muçulmanos contra hindus, malaios contra chineses,
judeus contra árabes);
b) regiões de fraca densidade de povoamento, em nível distinto de evolução histórica e de
civilização; organização social predominante, o tribalismo, este também diferenciado; a
introdução do colonialismo destroi o sistema tradicional (a plantation comercial se substituiu à
economia de subsistência) e as instituições (comunidades de aldeia, clãs, associações
religiosas, hierarquias sociais); surge uma nova “elite” subordinada aos valores e interesses da
Metrópole e que servirá de intermediária no sistema de dominação; são mantidas e/ou
aprofundadas as rivalidades intertribais; no caso da Africa, a partilha não levou em conta o
passado dessas populações, nem as suas características sócio-culturais.
Um especialista africano, Hosea Jaffa (Del Tribalismo al Socialismo, 1976) propõe, no
tocante à África, a seguinte tipologia:
a) Colônia “tribal”, com separação racial; eliminação do tribalismo, ocupação branca;
separação por linha de cor; África do Sul, Bechuanalândia, Niasalândia, as Rodésias, as
colônias portuguesas; a “retribalização” resultou da necessidade colonial dos habitantes
“brancos” de terem mão-de-obra barata para o trabalho fora da “zona tribal”;
b) Colônia de “autoridade tribal”, onde existiam traços “protofeudais” (sociedades mistas
tribais e “feudais”, Buganda, Katanga, Sudão, Guiné); introdução da monocultura comercial;
regressão ao nível de cultura; apropriação das terras tribais no caso de Tanganica; situam-se
ainda nesse caso Uganda, Quênia, Nigéria, Gana, Serra Leoa, Gâmbia, o Congo Belga,
Ruanda, Burundi, o conjunto da África Ocidental Francesa; predomina a “prática de governo
indireto”, pela utilização das chefias tribais “transformadas” na tarefa de manutenção dos
chamados governos locais em associação com a administração colonial; é preservado o
racismo branco ao lado das “autoridades nativas” europeizadas;
c) Colônia “feudal” representada pelo norte da África, Somália, Eritreia, Etiópia; salvo na
Argélia que teve povoamento europeu, elas se caracterizariam pela prática de dominação
interposta (chefias locais em aliança com o imperialismo).

A revolta do colonizado
A) Os condenados da terra
“Não faz muito tempo”, escrevia Jean-Paul Sartre, em 1961, “a terra contava com dois
bilhões de habitantes, ou seja, 500 milhões de homens e um milhão e meio de indígenas. Os
primeiros dispunham do Verbo, os outros o pediam emprestado. Entre uns e outros, reis de
fancaria, feudáis, uma burguesia inteiramente falsa, serviam de intermediários. Perante as
colônias, a verdade se mostrava nua: as ‘metrópoles’ queriam que ela se apresentasse vestida;
era preciso que o indígena as amasse. Como se, de algum modo, fossem mães. A elite europeia
procurou fabricar um indigenato de elite; selecionavam-se adolescentes que tinham sobre a
testa, marcados a ferro, os princípios da cultura ocidental e a boca recheada de mordaças
sonoras, belas palavras pastosas que se colavam aos dentes; após uma breve estada na
metrópole, eram enviados de volta, truncados. Mentiras ambulantes, nada mais tinham a dizer a
seus irmãos; estes faziam eco; de Paris, de Londres, de Amsterdã, lançávamos as palavras
‘Partenon! Fraternidade!’ e, em alguma parte da Ãfrica, da Ãsia, lábios se entreabriam: ‘...
tenon! ... nidade!’. Era a idade de ouro”. Sartre foi a grande voz da consciência europeia
anticolonialista.
A Ãsia, que tinha sido berço das grandes civilizações, a cujo gênio a humanidade deve seus
primeiros progressos fundamentais, como a domesticação dos animais, a agricultura, a
criação, a cerâmica, a metalurgia, o papel, a pólvora, etc., bem como as instituições de vida
social (cidades, Estados organizados, moeda, a escrita), perdeu, ao longo de dois séculos de
dominação europeia, cinco milênios de autonomia e liderança. Seus povos altamente
civilizados tinham padrões éticos bem diversos dos valores que acompanharam a ocupação
pelo Ocidente, que atribuíam preeminência à técnica e aos bens materiais. O sistema social da
Índia, da China e das regiões que receberam sua influência, fundamentava-se num conjunto de
valores que “dava o primeiro lugar ao sábio, àquele que sabe no domínio literário, poético,
metafísico e espiritual” (MathiexVincent, Histoire Aujourd’hui, y. II, 1973). A perda de sua
identidade cultural seguiu-se à perda de suas riquezas, de sua autonomia, à tentativa de lhe
arrancar o passado pelas raízes.
A Africa, cuja verdadeira história começa a ser escrita pelos africanos, sofreu a espoliação
mais completa que se conhece em homens, recursos, valores culturais. Os invasores mudaram
os velhos padrões da sociedade tribal, impuseram o trabalho forçado, o racismo, algumas vezes
por métodos paternalistas que encobriam a proletarização do trabalhador africano, como foi o
caso de Katanga (Congo Belga). Ê conhecida a anedota dos livros franceses de História usados
nas escolas de suas colônias pelos “nativos”, cuja primeira frase falava de “nossos
antepassados os gauleses”. A própria memória coletiva de um passado comum lhes era
arrancada, apagada.
Na raiz do racismo e da alienação cultural está o regime de brutal exploração do homem
pelo homem, sobre o qual repousavam as estruturas coloniais. Á tomada de consciência por
parte dos povos colonizados desse processo de expropriação absoluta constitui a essência do
processo de descolonização. A denúncia desse estado de coisas partirá da intelectualidade
colonizada e de intelectuais “rebeldes”, contestatários e antiimperialistas no seio do Ocidente,
como Franz Fannon (Les Damnés de la Terre, “os condenados da terra”), Albert Memmi (O
retrato do colonizado e o retrato do colonizador) e Sartre na sua trincheira, a revista Les Temps
Modernes. Em Paris, a revista Présence Africaine, com Aliune Diop e um grupo de poetas e
escritores negros de expressão francesa, Léopold Senghor, Aimé Césaire, David Dion, lança
um movimento de ideias, a negritude, proclamando a consciência do “eu negro”. Sobre ele,
assim se expressa um historiador negro, do Alto Volta: “Um dos aspectos fundamentais da
negritude é a afirmação de si, após a longa noite de alienação, como aquele que sai de um
pesadelo e apalpa o corpo todo para se reconhecer a si próprio, como o prisioneiro libertado que
exclama bem alto: ‘Estou livre!’, embora ninguém lhe pergunte nada". (Joseph KiZerbo,
História da África Negra, Viseu, 1980).

B) Os nacionalismos, bumerangue do
imperialismo?
Jean Chesneaux (L 'Asie Orientale aux XIXe. et XXe. Siecles, Paris, 1966) propõe uma
tipologia dos movimentos nacionais contra os regimes coloniais, a saber:
a) os movimentos de resistência à conquista colonial que se prolongam até o inicio do
século XX: a campanha do imperador do Ánam, Ham-Nghi, que recusa o tratado de
protetorado francês de 1885; as insurreições dos “letrados” de Tonquin; a insurreição da Alta
Birmânia em 1886-87; os suicídios dos “rajás” da Indonésia, sobretudo de Bali (princípio do
século XX); na Ãfrica, a persistente luta de Samori por um império, contra os franceses no
Níger (18811890), a resistência na Argélia, no Senegal, no Sudão, na Costa do Ouro (as guerras
dos axanti contra os ingleses), as guerras dos zulus; esses movimentos não deixam de ter um
caráter popular, sob uma liderança militar obstinada;
b) os movimentos que se distinguem pelo caráter religioso, na medida em que a religião
tradicional se apresenta como símbolo da realidade nacional; surgem aí os movimentos de
renovação religiosa; o Islã, na Indonésia, no Egito e nas regiões circunvizinhas, inspirando
organizações políticas nacionalistas; na Birmânia e no Camboja, associações e manifestações
budistas refletem a repulsa popular ao regime colonial; na índia, a revolta dos Cipaios (1857),
apesar de seu caráter heterogêneo, foi marcado pelo hinduísmo tradicional;
c) os movimentos “modernistas” ou “ocidentalistas” patrocinados pelas novas camadas
sociais que emergiram com o colonialismo: a intelligentsia moderna, a burguesia mercantil,
por vezes agrícola e manufatureira, empregados das administrações públicas ou privadas,
interessam-se pela independência mas, também, pela modernização e pelo progresso; esses
exemplos são mais tipicamente asiáticos e norteafricanos (Egito e Argélia) do que da Ãfrica
negra; na Ãsia, os exemplos de Sun-yat-sen (Kuomintang) e do Japão (vitória de 1905),
serviam de inspiração; na Indonésia holandesa, entre 1920 e 1930, surge o partido nacionalista
de Sukamo; em Saigon, em 1925, um partido nacionalista de direita e, na Birmânia, grupos
conservadores fazem o jogo constitucionalista britânico.
Acrescentaremos à tipologia acima os movimentos nacionais que levaram, após a Segunda
Guerra Mundial, à descolonização. Eles serão, no entanto, tratados no capítulo seguinte.
Quanto aos movimentos “modernistas”, de cunho burguês e de inspiração ocidental,
carregam consigo o gérmen antiimperíalista. Nutridos pela ideologia do' Ocidente, em cujos
manuais assimilaram o ideário de seus colonizadores (liberdade, igualdade, fraternidade,
parlamentarismo, soberania popular, livre empresa), apresentam-se como elementos da classe
dominante local e como tais se distanciam das camadas populares urbanas e rurais.
Observa Chesneaux que “enquanto se degrada a economia da comunidade agrícola
tradicional, pelos efeitos da usura, pela concentração de terras, pelo peso dos impostos, um
proletariado da agricultura de exportação (...) e um proletariado industrial se constituem:
mineiros, ferroviários, portuários (cujas) condições de vida são extremamente duras”.
Entretanto, por mais conciliadora que tenha sido a atividade política dessa burguesia e dessa
intelectualidade, ela se opõe aos seus patrões estrangeiros e, nesse sentido, assume uma
posição nacional. Por outro lado, os reflexos da crise econômica mundial na década de 30
foram especialmente negativos para essas economias exportadoras: a queda vertiginosa dos
preços internacionais de matérias-primas e de alimentos afetou os grupos financeiros coloniais,
rebaixou os salários, provocou o desemprego e levou mesmo os pequenos produtores a uma
situação economicamente crítica. A guerra de 1939-45 encontrará as colônias atravessando
momentos de crise e de mal-estar social.
Como reagem as Metrópoles a esse fermento nacionalista? Na índia, a Grã-Bretanha
introduziu, em 1919, reformas que deram uma pequena margem de autonomia administrativa
às províncias. Nesse momento, surgia no cenário político indiano a figura de Mahatma Gandhi,
inimigo da ação violenta e o mais eficaz dos adversários da Inglaterra. Como dele disse Nehru:
“Ele representa as massas camponesas da Índia; é a quintessência da vontade consciente ou
inconsciente destes milhões de pobres”. O Movimento do Congresso nascido em 1885 com o
objetivo de desenvolver uma política de colaboração angloindiana, muda de orientação e, em
1920, assumindo a feição de partido, adere ao programa de não-cooperação e define-se pela
autonomia. Pelo Estatuto de 1935 (British índia Act), a Índia deveria vir a ser um Estado
Federal, o que não atendia às reivindicações nacionalistas.
Na Ãfrica, o governo inglês adotou a política de atender às aspirações autonomistas das
colônias sob o controle local de minorias brancas e racistas (Ãfrica do Sul e Rodésias). Na
África Ocidental (Nigéria, Costa do Ouro e Serra Leoa) e na Uganda, fora implantado o sistema
de governo indireto (indirect rule) preconizado por Lugard (o Alto Comissário da Coroa
exercia o poder com a intermediação das “autoridades nativas” devidamente controladas e
“europeizadas”). A língua comum, o inglês, em unidades administrativas onde existiam
inúmeras línguas locais, representou um fator favorável ao surgimento do nacionalismo.
Quanto à França, existiam opiniões divergentes sobre qual das doutrinas deveria ser
adotada no tocante às colônias: a assimilação ou a associação, ambas contraditórias, por não
corresponderem à doutrina da autoridade. Para os coloniais, as ideias humanitárias da
Revolução Francesa não se aplicavam a súditos tão diferentes! Estes foram submetidos a um
estatuto especial — o do indigenato — que outorga aos administradores poderes disciplinares,
não incorpora as grandes liberdades públicas; os “assimilados”, com direitos de cidadão,
seriam os “evoluídos”, os desenraizados e perdidos na Europa e na Ãfrica. Nessas condições,
foram mais tardios os movimentos nacionalistas nessas colônias francesas ao sul do Saara.

OS CAMINHOS DA
DESCOLONIZAÇÃO
Os fatores da revolta
A) O movimento de ideias
Mencionamos, anteriormente, a oposição ao colonialismo e ao imperialismo, a partir da
crítica liberal (Hobson) e da crítica socialista e marxista (Rosa Luxemburgo e Lenin). Até a
vitória da revolução russa, em 1917, o socialismo europeu opunhase à colonização, em nome
dos interesses da classe operária, já que o colonialismo reforçava o capitalismo, e em nome do
princípio democrático de autodeterminação dos povos, embora sem que houvesse unanimidade
sobre este último ponto. Não escapava aos socialistas a importância dos movimentos de
rebeldia na Ãsia e na Ãfrica contra a presença estrangeira e ocidental. Já os socialistas ingleses
achavam que o remédio contra o imperialismo não era o nacionalismo anticolonial ou o
movimento autonomista (self govemment) e, sim, o intemacionalismo que superaria o
nacionalismo, instrumento ideológico da burguesia. No entanto, a atuação dos socialistas e
radicais não foi muito eficiente, caracterizando-se pela ambiguidade.
No período de entre-guerras, encontramos o Partido Socialista francês, os radicais, os
liberais e trabalhistas ingleses fazendo belos discursos anticapitalistas e humanitários, mas sem
uma definição política clara anticolonialista. Coube ao marxismoleninismo, vitorioso na
Rússia, a partir de 1917, fazer o primeiro pronunciamento unívoco pelo direito de
autodeterminação dos povos e condenando todas e quaisquer anexações de territórios. A
Rússia revolucionária, tendo à frente o Partido Bolchevique, definia-se sobre a questão
nacional interna e sobre a luta antiimperialista. Nos congressos do Komintem (assembleia
periódica dos representantes dos partidos comunistas internacionais), depois de 1919,
oficializava-se a posição do movimento comunista internacional na luta contra o imperialismo,
posição essa confirmada e incentivada por Stalin, sobretudo a partir de 1928 (VI Congresso da
Internacional Comunista). As principais teses ao movimento revolucionário nas colônias eram
as seguintes: condenação do imperialismo “parasita por natureza", cuja presença nos países
coloniais havia prejudicado o desenvolvimento das forças produtivas; importância dos
movimentos revolucionários na China, Índia, Indonésia, Síria e África do Norte, favoráveis à
desagregação do imperialismo; a ação em favor da luta revolucionária deveria adaptar-se às
condições particulares de cada país da Ásia e da África e ser conduzida pelos partidos
comunistas locais recrutados numa ampla frente social (aí compreendida a burguesia
“nacional”); favorecer a mobilização das massas operárias e camponesas em prol da
independência completa; condenar a política colonial dos social-democratas. Tal estratégia foi
prejudicada pelo advento de Hitler e a necessidade de concentrar a ação dos partidos
comunistas na luta contra o fascismo. Uma vez, porém, terminada a II Guerra, os partidos
comunistas reativaram a sua combatividade na luta contra o colonialismo. Daí a importância
fundamental que eles vieram a assumir na Indonésia e na Indochina.
No entanto, é forçoso reconhecer que, no interior da União Soviética, país constituído de
múltiplas nações, a política do partido comunista de incorporação dessas nacionalidades
como Repúblicas federadas, foi contrária aos princípios gerais, oficialmente proclamados, de
respeito às minorias étnicas. Na crítica à URSS coloca-se, pois, como fundamental, a questão
do colonialismo interno (domínio sobre minorias étnicas), em flagrante contradição com a
retórica da III Internacional Comunista e da própria política exterior soviética.
Na Ãfrica, coube aopan-africanismo, sob a liderança de um intelectual negro
norte-americano, William B. Du Bois, a partir de 1919, e com o suporte de intelectuais
“burgueses” africanos, como o senegalês, deputado, Blaise Diagne, promover a campanha de
unidade e autonomia da Ãfrica. Retórico por excelência, esse ideal pan-afiicano foi julgado
demasiadamente conservador por outros elementos, como Marcus Garvey, da Jamaica, que
pregou o movimento de retorno à Ãfrica. Apesar de seu insucesso, a juventude africana, nos
anos de 20 e 30, sentiu o impacto dessas ideias que preparam o terreno para a eclosão do
nacionalismo negro a partir do conflito contra o nazi-fascismo.

B) As consequências imediatas da II
Guerra Mundial
O caráter mundial que assumira a guerra europeia, principalmente com a entrada do Japão
ao lado da Alemanha e da Itália, pôs em xeque a segurança das colônias. A Alemanha já havia
perdido o seu império após 1918, mas a Itália se mantinha na Etiópia (anexada em 1935), na
Eritreia e na Líbia. A entrada dos Estados Unidos no conflito (dezembro de 1941) foi mais um
fator da internacionalização da guerra.
O esforço bélico dos aliados exigia a participação das colônias (campanha da produção) e o
alistamento das populações colonizadas nos exércitos que lutavam na Europa, no Norte da
África e na Ásia. No entanto, foi o Japão, ao ocupar militarmente, e com grande facilidade,
algumas dessas colônias (Indochina, Malásia e Indonésia), que revelou o quanto eram
vulneráveis os senhores brancos. Após a vitória final sobre os japoneses e antes da retomada
militar das colônias pelos exércitos dos antigos senhores, puderam os “resistentes” locais, sob a
liderança dos respectivos partidos comunistas, apoderar-se dos estoques bélicos abandonados e
reforçar a confiança das massas populares. No decorrer da guerra, os chefes aliados haviam
assinado documentos (cf. Primeira Parte) em que se comprometiam a respeitar o direito de
autonomia dos povos. Assim, já em 1945, 200 delegados da África Negra num Congresso em
Manchester afirmavam o seu propósito de libertar o continente. No mesmo ano, começa a
revolta na Argélia. No Marrocos, o sultão Ben Yussef declaravase disposto a pôr fim ao
Protetorado francês.
Com a polarização do mundo pela guerra fria, os países colonizados viram a oportunidade
de tirar benefícios da rivalidade americano-soviética. Mas os Estados Unidos, esquecendo a
política de Roosevelt e os compromissos da Carta de São Francisco, negaram o apoio tão
desejado em prol das aspirações nacionais, recusando-se a aceitar, em 1951, que a
autodeterminação dos povos fosse incluída como um dos Direitos do Homem. Essa orientação
tinha um perigo para a estratégia do capitalismo na guerra fria: o suporte que poderia ser dado a
esses países pela União Soviética. Em 1947, o Kominform definira a estratégia do comunismo
nas mesmas linhas anteriores de Stalin. Por outro lado, a ONU se tornara o local onde se
debatiam todas essas questões e se jogava com os destinos do colonialismo.
O desencadeamento da descolonização fez surgir uma estratégia dos países que emergiam,
na Ãsia e na Ãfrica. Em 1955, em Bandung (Indonésia), reuniram-se 29 desses países que se
apresentavam como um Terceiro Mundo. Pronunciaram-se pelo socialismo e pelo neutralismo,
mas também contra o Ocidente e contra a União Soviética, e proclamaram o compromisso dos
povos liberados de ajudar a libertação dos povos dependentes. O “espírito de Bandung”
permaneceu por mais de uma década, acompanhando a sequência dos movimentos de
libertação. Mas, aos poucos, foi crescendo a convicção de que a independência política não
significava, necessariamente, a independência completa. Colocava-se, assim, a questão da
manutenção dos laços de dependência “neocolonial”: as Metrópoles permaneciam por novos
mecanismos de subordinação. Á ideia de Terceiro Mundo desaparece, portanto, na medida em
que a guerra fria chega ao seu término, o Bloco Soviético se cinde (a questão da China) e o
capitalismo se redefine numa ótica policentrista.

A descolonização pacífica
A) A conjuntura colonial
Nos primeiros anos da guerra europeia, delineava-se a tendência representada pela
estratégia de Roosevelt e anunciada já desde a Carta do Atlântico, de reconhecer o principio da
autodeterminação dos povos; ela se expressaria através do movimento de internacionalização
das colônias. Contra ela, debatia-se Winston Churchill, cuja posição é confirmada em discurso
no dia 5 de outubro de 1941: “Não nos engajamos nesta guerra com o objetivo de lucro ou de
expansão, mas tão-somente levados pelo sentimento de honra e para cumprir nosso dever como
defensores do direito. Entretanto, desejo ser claro: o que temos, nós o conservamos. Não me
tornei Primeiro Ministro de Sua Majestade a fim de proceder à liquidação do império
britânico”. Logo após, o Colonial Office (Ministério das Colônias) se pronunciava
contrariamente à ideia de internacionalização das colônias: “A soberania não é apenas uma
questão de poder. Ela também implica responsabilidade. As responsabilidades coloniais
futuras não se limitarão à feitura de leis e à manutenção da ordem: elas significarão também
uma ajuda financeira e econômica em grande escala (...) qualquer sugestão de administração
internacional não leva em conta o sentimento real dos povos dos territórios interessados. Mas
creio firmemente que a administração deve ser britânica(...)”. Pronunciamentos semelhantes
são feitos pelo governo holandês no exílio e pelo Comissário das Colônias da “França Livre”
(governos sediados em Londres em virtude da ocupação alemã).
Nessas condições, o movimento pela internacionalização, preconizado, em grande parte,
por organizações americanas, que pregavam a entrega das colônias à futura Assembleia das
Nações, até que as mesmas atingissem a “maturidade”, foi freado nos encontros subsequentes
entre os Aliados. Aparentemente, a ideia “imperial” deveria sair da guerra quase intacta. No
entanto, o desenrolar da guerra afetara as relações entre Metrópoles e colônias e foi decisivo
para aguçar as contradições do sistema, revelando, de um lado, a vulnerabilidade do pais
colonizador e, de outro, as possibilidades concretas de ruptura definitiva dos laços de
dependência.
A guerra em si provocara a ruptura, de fato, dos elos coloniais (eclipse da Bélgica, da
Holanda e da França). Em 1942, o Comitê Francês de Libertação Nacional, marcando
oposição frontal ao governo de Vichy, proclamava o desejo de construir novas bases de
relações coloniais; procurava, assim, obter o suporte para a "França Livre” (governo de De
Gaulle, em Londres) dos setores “esclarecidos e evoluídos” das colônias e das populações
colonizadas. No final de 1943, oferecia aos.povos da Indochina (então sob influência japonesa)
um estatuto político novo, no âmbito da comunidade francesa, de modo a assegurar, dentro de
uma organização federal, as liberdades dos diversos países do que viría a ser a União Francesa.
Anteriormente (janeiro de 1943), o General De Gaulle, em discurso pronunciado na Argélia,
anunciava a outorga de cidadania, no “estatuto corânico”, a milhares de muçulmanos. A
Conferência de Brazzaville (janeiro/fevereiro de 1944), que reuniu governadores da Africa
negra e de Madagáscar, sem representação de autóctones, recomendava a “integração na
comunidade francesa”, acrescentando que “na França colonial, não há povos a libertar, nem
discriminação racial a abolir”. Para as populações de “ultramar” só havería uma independência
a ser reconhecida: a da França!
Paradoxalmente, decidia-se em Brazzaville que as colônias seriam representadas na futura
Constituinte francesa e se preconizava uma Assembleia federal como instituição do Império,
de modo a permitir uma descentralização, por etapas, e o acesso à personalidade política das
colônias. Os conselhos regionais e as assembleias representativas de cada colônia seriam
constituídas de representantes “autóctones” eleitos. Com relação à Indochina, era estabelecido,
em março de 1945, que ela formaria com a França e outras partes da Comunidade uma União
Francesa. Surgiam, assim, duas tendênciasÍ a evolução no sentido do particularísmo, no âmbito
da União Francesa (solidariedade voluntária?, indagava-se), e a assimilação. A Constituição de
1946, discutida a princípio num ambiente de otimismo e entusiasmo, através de duas
Constituintes sucessivas, sacramentou o nascimento da União Francesa, “fundamentada na
igualdade dos direitos e dos deveres”. Entretanto, afirmava no Preâmbulo que a França
“assumia o encargo de alguns povos e os faria evoluir no sentido da gestão de seus próprios
assuntos”. O texto constitucional é pleno de contradições. De um lado, declara o fim do
arbítrio, garante a todos o acesso às funções públicas, as liberdades fundamentais e os direitos
de cidadania às populações de ultramar; de outro, entrega a administração, como antes, a
governadores responsáveis tão-somente perante o Ministro de Estado. Mais uma vez, as cartas
são jogadas sem consulta prévia e sem negociação com as partes mais interessadas: os povos
colonizados. Na primeira Constituinte (eleita em outubro de 1945, com maioria de comunistas
e socialistas) e na segunda (eleita em junho de 1946, com uma esquerda minoritária), os
representantes da Ãfrica negra, da Argélia e de Madagáscar e suas posições relativamente
moderadas (mais moderadas na primeira do que na segunda Assembleia) provocaram, sem
dúvida, um certo temor entre os conservadores, sobretudo na medida em que se acentuam as
colocações mais nacionalistas de argelinos e malgaxes, em 1946, numa Constituinte não mais
dominada pelo anticolonialismo de comunistas e socialistas.
No caso da Holanda, a sua política do pósguerra se construiu sobre uma série de equívocos.
Em 1940, a metrópole foi invadida e o governo se instaurou no exílio. Em 1942, as Índias
neerlandesas foram ocupadas pelo Japão e os holandeses ai instalados violentamente atingidos
ou exterminados. Um governo provisório das Índias neerlandesas foi estabelecido em
Bris'bane (Austrália), sob Van Mook. As declarações de Londres e de Brisbane, ao longo da
guerra, primaram pela recusa em reconhecer o que se passava na Indonésia, de avaliar a
importância das aspirações nacionalistas e pela ilusão de julgar que, uma vez terminada a
guerra, os antigos senhores recuperariam suas posições.
No caso da Grã-Bretanha, que não conhecera derrota nem invasão, ela já tinha tido uma
experiência de descolonização: após 1918, a constituição da Comunidade de Nações (a
Commonwealth of Nations) outorgara a independência às suas antigas colônias de
povoamento branco. Com o término da Segunda Guerra, a opinião pública inglesa aparentava
indiferença face à sorte do Império, conforme atestaram sondagens efetuadas. No entanto,
para os dirigentes ingleses parecia claro naquele momento que a manutenção dos interesses
econômicos não dependia da manutenção a qualquer custo do sistema de subordinação
política e administrativa. Daí a fórmula de A. Bevin, trabalhista: Give and keep (dar para
conservar). No “Livro Azul” publicado pelo governo trabalhista em 1948 aparece claramente
a necessidade de definir “o objetivo da política colonial britânica (que é) o de conduzir os
territórios coloniais ao estágio de self govemment responsável no seio da Commonwealth.
Assim, a evolução política deveria preparar os quadros locais (antigos combatentes,
intelectuais, profissionais* liberais, comerciantes) para a constituição de governos
independentes, passando pela etapa de autonomia administrativa gradual. A cadá etapa
corresponderia um estatuto negociado, no nível político, o qual deveria ser acompanhado do
desenvolvimento de condições econômicas de modo a permitir a manutenção por parte do
Estado organizado de responsabilidades sociais necessárias (saúde, educação e habitação).
Para a execução dessas tarefas, foi aprovada uma legislação específica, a lei do
Desenvolvimento Colonial e do Bem-estar, que previa a colaboração econômica inglesa no
processo de descolonização progressiva, ao mesmo tempo em que fortalecia os laços de
interesses entre produtores locais (especificamente africanos) e os mercados ingleses. Tais
desígnios, no entanto, não foram seguidos. A evolução dos nacionalismos nas colônias e suas
coqjunturas, assim como as características específicas das sociedades colonizadas, em sua
diversidade, explicam as diferenciações nos processos de descolonização e de libertação,
marcados ora pelo caráter pacifico, ora pela violência.

B) A independência da Índia
A índia tem sido apresentada como o exemplo por excelência da descolonização pacífica,
produto da “sabedoria” britânica. Entretanto, a dominação inglesa na índia se caracterizou pela
violência da dominação e continuada resistência das populações locais. Em plena guerra, em
1942, a índia reagiu violentamente, atacando e destruindo transportes militares, instalações
ferroviárias, correios, postos de polícia. “Deixai nosso país e nós o defenderemos”,
proclamava-se. Paralelamente, um amplo movimento de não cooperação não violenta
provocou a repressão inglesa com a subsequente prisão de Ghandi e Nehru e o bombardeio de
aldeias. A fome grassou em 1943, provocando a morte de mais de dois milhões de pessoas no
sul e no nordeste. Ao término da guerra, dois partidos se defrontam: o Partido do Congresso,
sob a liderança de Ghandi e Nehru, e a Liga Muçulmana de Jinnah Mohamed Ali, revelando,
assim, a prática colonial inglesa que aproveitara, ao mesmo tempo em que aprofundava, a
oposição entre hindus e muçulmanos.
Jinnah Mohamed Ali nascera em Karachi (1876), estudou Direito em Londres e cedo aderiu ao
Partido do Congresso, pertencendo a um grupo de nacionalistas moderados. Após as reformas
inglesas de 1919 e os decorrentes conflitos entre comunidades, começou Jinnah a temer pela
sorte das minorias no conjunto da maioria hindu. Por não ooncordar com Ghandi, rompeu
com o Congresso e se filiou à ideia, de uma solução federalista para a índia, em defesa dos
muçulmanos (um quarto da população). O nacionalismo indiano reforçara-se ao remontar às
suas fontes hindus (sobrevivência do sistema de cas-

tas). Da mesma forma, tomara corpo, no século XIX, um “renascimento muçulmano” do ponto
de vista cultural e político (criação da Liga Muçulmana em 1906). Tal movimento de
renovação alcançava o conjunto dos países islâmicos, sobretudo os que se encontravam sob
dominação externa. A partilha de Bengala, de 1905, se fez destacando do conjunto a população
muçulmana, e o sistema eleitoral posto em prática daí por diante na índia dava representação
separada aos adeptos do Islã. Em 1937, a Liga se transforma num partido de luta e em 1940
coloca, oficialmente, a constituição de um Paquistão independente separado do resto da índia.
Para Jinnah e sua Liga, a verdadeira luta se deveria travar, não contra os britânicos, mas contra
o hinduísmo e o Partido do Congresso. Rompia-se, dessa forma, a solidariedade nacionalista.
Quando, em fevereiro de 1947, explodem distúrbios generalizados, o governo trabalhista de
Attlee tomou a iniciativa de declarar ao Parlamento britânico que daria a independência à
índia até junho de 1948, o mais tardar. Coube a Lord Mountbatten, nomeado Vice-rei das
índias, obter a aceitação do plano de partilha pela Liga e pelo Congresso. Em 15 de julho foi
votada a lei de Independência e a 15 de agosto são formados os governos interinos: um para a
índia e outro para o Paquistão. A execução da partilha se fez na mais completa desordem,
marcada por atos de violência entre hindus e muçulmanos, sob o olhar aparentemente
indiferente do exército britânico.

C) A independência da Birmânia, Ceilão


e Malásia
Na Birmânia, a. Liga Antifascista pela Independência do Povo saíra da guerra fortalecida
pelo papel que desempenhara na luta contra o invasor japonês. As tentativas por parte de Attlee
de negociar uma forma de autonomia para a Birmânia foram infrutíferas. Os birmaneses se
recusam a integrar a Comunidade Britânica e sob a liderança e U Nu obtêm, em 4 de janeiro de
1948, o reconhecimento do Estado soberano e independente, a República da União Birmanesa.
Quanto ao Ceilão, após um longo período de reformas constitucionais a partir de 1931, o
governo inglês, para evitar iminentes agitações e distúrbios, concedeu, por Ordem do Conselho
de 19 de dezembro de 1947, ao parlamento e ao governo da ilha ore// govemment completo no
âmbito da Comunidade Britânica.
No tocante à Malásia, a solução foi mais complexa, em parte pela multiplicidade dos
grupos raciais que a compõem (chineses, malaios e indianos). Debatiam-se várias tendências:
simpatizantes da China, adeptos do pan-islamismo, partidários dos movimentos nacionalistas
modemizantes de influência urbana e burguesa. As riquezas da Malásia tinham peso na
economia inglesa (estanho e borracha) e Cingapura era um ponto estratégico entre o Indico e o
Pacífico. Por momentos, julgou a Grã-Bretanha ser possível desvencilhar-se da autoridade
arcaica dos sultões locais e fazer a Malásia enveredar pelo caminho de um governo unificado e
modemizante. Em 1946, foi criada a União Malaia, com a exclusão de Cingapura, sob protesto
dos chefes locais tradicionais, das classes dominantes e das próprias massas malaias que
temiam o poder dos elementos chineses da população. Em 1948, o governo britânico fez
vigorar uma nova constituição, a da Federação Malaia, confirmando os privilégios dos sultões,
mas grupando nove Estados (e ainda Penang e Malaca) numa Federação sob o controle inglês.
Tal solução descontentou os nacionalistas, o que levou a acirradas lutas internas. Finalmente,
em 3 de agosto de 1957, foi aceito um projeto de constituição para a Federação e a 31 de agosto
proclamada a independência malaia, após a revogação do protetorado da Grã-Bretanha.
No mesmo ano, era reconhecida a autonomia de Cingapura, que se tomou um Estado em
1958. A formação de uma Grande Malásia, em agosto de 1963, no entanto, englobando o
conjunto dos territórios britânicos do Sudeste da Ãsia, encerrou o ciclo do velho Império e se
constituiu num bastião que se destinava a conter a influência chinesa nessa região, sobretudo
dos cidadãos chineses no interior da Federação.
D) A independência pacífica da Africa
A independência da Africa negra de expressão francesa ocorreu sob a IV República
(1946-1958), pela Lei-Quadro (Loi-cadre) de G. Deferre (23 de junho de 1956), que se
destinava a introduzir uma ampla descentralização (generalização do sufrágio universal,
africanização dos escalões administrativos e ampliação das atribuições das assembleias
eleitas). O desaparecimento das antigas Federações (Ãfrica Ocidental Francesa e Ãfrica
Equatorial Francesa) favorecia, segundo L. Senghor, do Senegal, a “balcanização” da Ãfrica, a
pulverização em Estados sem força e sem real poder. Para alguns observadores, ela significou,
em certo aspecto, uma vitória de Houphouet Boigny, da Costa do Marfim, influente no governo
metropolitano e rival de Senghor no tocante à liderança nessa parte do continente. A vitória do
federalismo terminaria por dar preeminência ao Senegal, em detrimento da Costa do Marfim, e
Dacar, destinada a ser a capital, tornaria Abidjan uma “vaca leiteira” desse eventual Estado
Federal, segundo alegava Boigny.
O advento de De Gaulle em 1958 (V República) aprofundou a tendência da Lei-Quadro:
pelo referendum de 28 de setembro de 1958 todos os territórios da Ãfrica negra (com exceção
da Guiné) e Madagáscar optaram pela entrada na Comunidade Francesa. Em 1960,
resguardado o princípio de Cooperação, foi proclamada a independência das antigas colônias
francesas da Ãfrica: Camarões, Togo (a parte que coubera à França da partilha do Togo
alemão), Senegal, Mali, Costa do Marfim, Daomé, Alto Volta, Níger, República Central
Africana, CongoBrazzaville, Gabão, Chade, Madagáscar e Mauritânia. Todos esses países
foram admitidos na ONU. A Guiné (Conakri) se tomara independente dois anos antes.
No Norte da Ãfrica, a Tunísia acedeu gradualmente ao rol dos países independentes. Em
1954, foi proclamada, em Cartago, sua autonomia interna e, em 1956, no ministério Guy
Mollet, a França reconhecia a sua independência “na interdependência livremente
consentida’’.
No Marrocos, onde era poderosa a influência do Istiqlal, partido nacionalista, a
descolonização de iniciativa francesa encontrou resistências locais. A Liga Ãrabe, de
inspiração egípcia, exercia forte atração entre os povos e governos islâmicos do Norte da
África. O Sultão Ben Yussef assume uma posição firme contra o Protetorado. O nacionalismo
conquista as massas populares, com nítido conteúdo antiburguês, provocando levantes
sangrentos. Ligado à questão dinástica, o nacionalismo se associa ao Sultão Ben Yussef, que
fora raptado e exilado pelos franceses, e prepara a revolta armada. No final de 1953, o Sultão
foi reconduzido ao trono e assinada uma Declaração conjunta pela qual era firmado o
compromisso de realizar reformas no Marrocos, que o conduziriam à independência. Em
1959, foi finalmente reconhecida a total e imediata independência do Marrocos.
Na África Ocidental de expressão inglesa, é preciso ressaltar o papel desempenhado por
Gana (exCosta do Ouro), sob a liderança de Kwame N’Krumah, e pela Nigéria. Gana pode ser
apresentada como um exemplo típico da diversidade que caracterizava o conjunto dos
territórios africanos. Suas fronteiras eram artificiais e delimitavam quatro regiões étnica e
administrativamente individualizadas (a Colônia ao sul, os Axanti, o Norte e o Togo), com
diferenciações religiosas, linguísticas e sociais (grandes proprietários, burguesia cacaueira,
burguesia mercantil, profissionais liberais, proletariado urbano e da mineração). Aí se
opunham tendências diversas: os conservadores, aferrados às tradições e à hierarquia, e os
partidos modernos de conteúdo democrático. Em 1947, um partido organizado pelo Dr.
Danquah e tendo como secretário Kwame N’Krumah (United Gold Coast Convention)
começou a reivindicar mudanças constitucionais. A sua transformação em partido de massas
deu a liderança a N’Krumah que, em 1949, fundou, em novas bases, o Partido da Convenção do
Povo. Este se dispunha a lutar pela independência com o apoio crescente da população.
N’Krumah foi preso duas vezes e cada prisão significava uma vitória do movimento
nacionalista. Mas, para obter a independência, fez concessões e acertou fórmulas
conciliatórias, como a do reconhecimento das divisões regionais da Costa do Ouro. Em 1957,
era reconhecida a independência e no mesmo dia lhe era incorporado o Togo. Gana foi o
primeiro pais da Ãfrica negra a se libertar.
N’Krumah nascera em 1909 e fez seus estudos universitários nos Estados Unidos, onde
entrou em contato com o movimento negro pan-africanista. Doutorou-se em Filosofia em
Londres (1945) e compareceu à reunião pan-africana de Manchester. Na qualidade de
Presidente de Gana, assumiu posições radicais em nome do “socialismo africano”, mas foi
derrubado por um golpe militar reacionário em 1966, de inspiração imperialista. Faleceu em
1972, no exílio.
Já a Nigéria teve uma independência mais tranquila, embora tenha sido mais conturbada a
sua evolução posterior. É formada de nove grupos étnicos principais, 248 dialetos e 3 grandes
grupos religiosos, sendo que essas fronteiras não coincidiam com as administrativas. Ao norte,
predominavam os emirados dos Haussa, Fulani e Kanuri; a leste, os Ibo; a oeste, os Ioruba.
Lagos, a oeste, formava uma entidade à parte. A Nigéria é bem um produto do colonialismo
com suas divergências internas, difícil de ser concebida como Estado e como Nação.
Seu nacionalismo encontra uma primeira expressão na burguesia rica do sul que se opunha
ao governo das “autoridades locais” reforçadas pelos ingleses e participantes do indirect rule.
Seus arautos foram os intelectuais que se formaram nos Estados Unidos e na Inglaterra. Mas a
agitação nacionalista, assim como os partidos, tendiam a ter um caráter cada vez mais
regionalizado, o que impedia pôr em prática qualquer programa de união nacional. O resultado
foi o reforço dado à estrutura federal que sacramentou a constituição do novo Estado da Nigéria
em 1960. Seis meses depois (abril de 1961), a Serra Leoa tinha a sua independência
reconhecida, após uma evolução semelhante à da Costa do Ouro.

A libertação pela violência


A) A Indonésia
Em 1942, as índias neerlandesas foram “libertadas” pelos japoneses que retiraram da prisão
os lideres nacionalistas, inclusive Sukamo; os japoneses, de “libertadores", logo passaram a
invasores. Com a capitulação japonesa, Sukamo proclamou a independência em 17 de agosto
de 1945. Tentaram os holandeses recuperar a colônia, mas foram forçados a reconhecer a
República Indonésia em Java e Sumatra, embora procurando formar com ela uma União: em
troca do reconhecimento dos bens ocidentais, comprometiam-se a retirar as tropas. Coube aos
holandeses a iniciativa de romper o acordo, por duas vezes, sempre através de violentas
intervenções armadas para recuperar o exclusivo controle colonial e apesar de sucessivas
intervenções da ONU. Em consequência, os indonésios empreenderam uma bem sucedida
guerra de guerrilha contra os 140000 soldados holandeses, obtendo, além do total suporte da
população civil, a solidariedade asiática, o apoio soviético e a contrafeita neutralidade dos
Estados Unidos, que não queriam descontentar as duas partes. Pelos acordos de Haia, em 1949,
a Holanda teve de recuar e assinar uma união com a Indonésia em condições de igualdade, mas,
decorridos cinco anos, coube à Indonésia denunciar o acordo e afastar os holandeses para
sempre de sua vida interna.

B) A Indochina
Também aí, a guerra teve um efeito arrasador para a potência colonial, a França. Ao terminar o
conflito, os ingleses ocupavam o sul e os chineses de Chiang-kai-chek o norte. Em setembro de
1945, proclamava-se a independência do Vietnã, em Hanoi, nascendo, assim, a República
Democrática com Ho Chi Minh e a liderança do Vietminh. A atitude da França daí por diante
foi desastrosa. Reconheceu, em 1946, o Vietnã como Estado-membro da Federação
Indochinesa e da União Francesa e comprometia-se a evacuar suas tropas do Tonquim no prazo
de cinco anos. Arbitrariamente, foi proclamada a República da Cochinchina pela França, em
violação dos acordos anteriores. Coube também aos franceses violar os compromissos
assumidos e iniciar operações militares com o bombardeio de Haiphong, causando 6 mil
mortos, ao que o Vietminh respondeu com o ataque aos bairros europeus de Hanoi. Nesse
momento, o governo de Ho Chi Minh entra na clandestinidade e tem início a guerra da
Indochina, que só terminaria em 1954 com a humilhante derrota francesa em Dien Bien Phu.
Essa guerra de guerrilha revelou o gênio estrategista de Vo Nguyen Giap e a capacidade de
organização e de liderança de Ho Chi Minh. Além disso, ao se transformar numa guerra
anticolonial, mobilizou as forças populares, adquiriu um caráter nacional e socializante e, com
a ascensão de Mao-tsé-tung na China (1949), tomou-se um pião da guerra fria, peça estratégica
do “mundo ocidental e capitalista” na luta contra a expansão do comunismo.

Assim como os outros produtos do colonialismo, a Indochina era uma construção política
artificial: o norte (Tonquim) de influência cultural chinesa, o Camboja e o Laos de povoamento
não vietnamita e com afinidades indianas; o Anam, no centro, por suas características étnicas e
origens históricas, aproximase do norte. Para a França, foi, pelo trabalho dos camponeses
vietnamitas, uma rica colônia agrícola e de investimentos financeiros. Também aí, como em
outros territórios da Ãsia e da Ãfrica, o colonialismo deixou trágicas sequelas: divisões
internas, caos econômico e intermináveis guerras civis.
Após 1946, tentou a França manter o protetorado sob formas disfarçadas de
“independências” concedidas (Laos e Camboja como Estados “associados”) e promovendo o
retomo do ex-imperador do Anam, Bao Dai, colaboracionista dos japoneses, a um Vietnã
inviável. A este se opunham as forças populares e nacionalistas de Ho Chi Minh que, como
comunista, comandava a frente de libertação representada pelo Vietminh, reconhecido como o
verdadeiro poder da República Democrática do Vietnã pela URSS e pela China. Até 1954, a
França oscila entre negociações políticas infrutíferas e infelizes campanhas militares, até a
derrota final em 1954, quando foram assinados os acordos de Genebra pondo fim à “fase
francesa da guerra da Indochina”. Daí por diante, a divisão em dois países, o do sul e o do norte,
revelará as contradições internas dessa nova construção política, as quais, acrescidas das
tensões internacionais, desembocarão num longo período de guerra com a intervenção militar
norte-americana, também de dramáticas consequências para o sofrido e heroico povo
vietnamita.

C) A Argélia
A libertação da Argélia, assim como a sua conquista pela França no século XIX, se fez
através de uma longa guerra que terminou com os acordos de Evian (março de 1962) e com a
partida da população francesa aí residente (os pieds-noirs). Deixando de lado a cronologia
militar do período, veremos algumas de suas características mais relevantes.
O fim da Segunda Guerra correspondeu a uma grave crise econômica que provocou uma
revolta popular no Setif: a fome começava a ser encarada como um mal do colonialismo num
país em que a comunidade muçulmana era numericamente superior (5/6 da população) à
comunidade de origem francesa ou ocidental. Nesta se concentravam as vantagens da
“civilização” colonial: a propriedade das melhores terras e o controle geral sobre a economia, a
administração e os serviços. Por outro lado, o despertar árabe e a ascendência do nacionalismo
egípcio, bem como os acontecimentos mundiais, não podiam deixar de repercutir sobre o
ânimo dos argelinos (árabes e berberes). Assim, o início oficial da guerra de libertação (1954)
foi, na realidade, precedido de revoltas, manifestações e atos de repressão por parte do governo
colonial. Este, por sua vez, embora reconhecendo ser a Argélia (Estatuto de 1947) um grupo de
departamentos dotado de personalidade civil e de autonomia financeira, recusava-se a
reconhecer-lhe o direito à autonomia política. A insurreição de 1954 e a criação da Frente de
Libertação Nacional (F.L.N.) foram a resposta aos 120 anos de ocupação francesa.
A guerra da Argélia dividiu radicalmente a opinião pública francesa e levantou a opinião
mundial em favor dos nacionalistas argelinos. A queda da IV República e o novo governo do
General De Gaulle (1958) foram consequências diretas do conflito norteafricano. Para uns,
tratava-se de preservar a Argélia; para outros, De Gaulle deveria liquidar a questão argelina de
forma honrosa. Violências de lado a lado marcaram esse período, sendo de se ressaltar a
unidade do povo argelino em tomo do movimento de libertação, a ação recalcitrante da
população francesa residente na Argélia (um milhão de pessoas) e a brutalidade da repressão.
A independência, uma vez reconhecida, não rompeu, entretanto, os laços entre a França e a
Argélia. A saída dos franceses correspondeu a uma nova fase de relações franco-argelinas
comandadas pela cooperação técnica, por acordos comerciais e culturais e uma esperança, por
parte da França, de preservar investimentos na Argélia e no Saara.
D) Do Congo Belga ao Zaire
Depois de esquecidas as atrocidades cometidas pelas companhias belgas do Rei Leopoldo
no momento da ocupação do Congo, passou a Bélgica a figurar no grupo dos colonizadores
beneméritos. Como bem acentua Joseph Ki-Zerbo, “a história do Congo Belga desde a segunda
guerra mundial é a história de uma descolonização há longo tempo falhada”. O seu território é
oitenta vezes a superfície da Bélgica, estendendo-se por 2345000 quilômetros quadrados, em
pleno coração da Ãfrica. Foi durante todo o período da colonização um feudo belga, com o
auxílio de companhias financeiras monopolistas: a Unilever (no Kivu), a Forminiere (no
Kasai), a Société Générale de Belgique (no Baixo Congo) e a Union Miniere du Haut-Katanga.
O Congo era ainda um grande produtor de urânio, cobalto, cobre e zinco, cuja exploração se
fazia nos clássicos padrões coloniais, quase nada restandono país para o seu desenvolvimento
econômico e social autônomo. Da mão-de-obra empregada, 37% concentravam-se na indústria
e na mineração.
Quanto ao campesinato, cabia-lhe tão-somente produzir, de forma insuficiente, para o
próprio sustento. As companhias internacionais detinham as riquezas do pais e os seus
benefícios. À industrialização provocara o desmantelamento de instituições tribais, o êxodo
forçado e uma acentuada concentração urbana. Entre 1938 e 1960, 40% dos Congoleses se
transferiram para as periferias urbanas que se transformariam em verdadeiras cidades
indígenas, distintas das cidades europeias, “brancas”. Ki-Zerbo as chama de “cidades
destribalizadas”, que tiveram o papel de reunir os primeiros descontentes e organizar o
primeiro trabalho de associação entre Congoleses.
O sistema colonial belga caracterizava-se pelo “assimilacionismo” e, ao mesmo tempo,
contraditoriamente, pelo preconceito da separação racial. Sobre ambas as tendências,
pairava o caráter paternalista e autoritário que permeava a legislação segregacionista, o
sistema escolar, o trabalho e as “obras sociais”. Assim como os franceses possuíam os
“evoluídos”, tinham os belgas os “matriculados”, embora em menor número e nem sempre
reconhecidos pelos brancos com o direito de penetrar nos círculos fechados dos colonos. Aos
africanos era reservado o ensino primário, em línguas locais, mas o secundário e o superior
nem excepcionalmente se destinavam aos negros. Objetivava-se, assim, evitar que o congolês
entrasse em contato com o mundo exterior e se resguardasse nessa “infância” mental até que,
um dia, não se sabia quando, ele pudesse atingir a maioridade. Nenhum estudante devia
continuar seus estudos fora do Congo, não estando previsto pelo sistema imposto qualquer
debate político e, menos ainda, qualquer forma de representação.
Ecoavam, porém, no Congo os movimentos nacionalistas que agitavam a intelectualidade
africana por toda parte. Os “exemplos” francês e inglês, de descolonização progressiva,
repercutiam na própria intelectualidade belga e nos grupos católicos do Congo, que passaram a
reivindicar a abolição da discriminação racial. Em 1956, surgia a Abako (Associação do Baixo
Congo) presidida por J. Kasavubu, pregando a constituição de partidos e a emancipação
política do pais. No ano seguinte, era ele eleito burgomestre (magistrado) em Léopoldvilie. Dai
por diante, atiça-se o nacionalismo, a exemplo do que se passava nos Estados vizinhos, já se
constituindo o Movimento Nacional Congolês, tendo à frente Patrice Lumumba, que se tomaria
o grande mártir da independência do Congo. A seguir, os acontecimentos se precipitam. Tal foi
a sua velocidade que se fixou para 30 de junho de 1960 a data da independência, após
escaramuças e tumultos em várias partes do território.
Quanto à constituição do novo Estado, defrontavam-se duas teses: a dos federalistas, com
Kasavubu (Estados regionais fortes sob um poder federal fraco) e a dos unitaristas, com
Lumumba (Estado centralizado). Para os belgas, o Congo seria uma república parlamentar
com seis governos provinciais. As eleições de maio de 1960 deram a vitória ao M.N.C. de
Lumumba, que foi nomeado Chefe do Governo, cabendo a Kasavubu a Presidência da
República. Em oposição, como forças centrífugas, encontravam-se Moisés Tshombe (de
Katanga) e Kalondji (do Kasai), aos quais caberá torpedear, em associação com os interesses
imperialistas das grandes companhias, a conquista da independência por Lumumba.
Movimentos separatistas logo explodiram dando a impressão ao mundo de que, como queriam
os belgas, o Congo não estava “maduro” para o exercício da soberania. Em poucos meses, a
atividade econômica foi paralisada, o caos se instala, tropas belgas ocupam cidades e tropas
da ONU intervêm. Violências e atrocidades são cometidas contra brancos e congoleses,
igualmente. Golpes e contragolpes destituem Lumumba e Kasavubu. £ a guerra civil brutal,
com intervenção externa. O Coronel Mobutu apodera-se do poder. Em 1961 (janeiro)
Lumumba foi preso e entregue às autoridades de Katanga (Tshombe), sendo assassinado logo
a seguir. A guerra civil se prolonga até a eliminação das resistências regionalistas. Dessa
longa luta, nasceu o Zaire, com o reconhecimento do governo central de Mobutu. De 1966 em
diante, o Zaire passou por extensas reformas, inclusive a nacionalização da Union Miniere.
Mas para os seus opositores, apesar da posição do Zaire de apoio à independência de Angola
e de outras medidas liberais no tocante à política externa, nada mudou em profundidade,
continuando o velho Congo, agora africanizado, ainda dependente dos grandes interesses do
capitalismo internacional.
Em 1962 (1? de julho), por decisão da ONU, a Bélgica perdia a tutela sobre
Ruanda-Burundi. Esses territórios adquiriam a independência, tornando-se os Estados de
Ruanda (capital Kigali) e Burundi (capital Bujumbura).
Pretendemos nesse resumo da descolonização do Congo, apresentar as grandes linhas de
um processo que, no geral, foi comum a boa parte das colônias, na Ãsia e na Ãfrica. Após a
longa dominação estrangeira que tudo revolveu e a nada deixou por tocar, destruindo sistemas
de valores tradicionais, hierarquias sociais, solos e recursos naturais, o nacionalismo se
colocava como uma aspiração legítima de auto-afirmação, embora muitas vezes manipulada
pelas “burguesias locais", pelos senhores de fora e de dentro. A constituição dos novos países,
artificiais como entidades políticas, só poderia ser um processo doloroso. A garantia da
independência seria a segunda etapa, aquela que hoje se atravessa.
E) Outras independências
Embora sem abranger a totalidade dos processos de descolonização, focalizaremos alguns
aspectos dos movimentos emancipatórios na Ãfrica Oriental britânica. No bojo desses
movimentos emergiram três países: Tanzânia (ex-Tanganica), Quênia e Uganda. Tanganica,
antigo território alemão sob tutela inglesa, teve a primazia cronológica no processo.
Inicialmente, pensaram os britânicos em realizar uma Federação que englobasse aqueles três
territórios. No entanto, interesses políticos e econômicos opuseram-se a tal projeto: o
povoamento branco no planalto de Quênia, onde predominavam ricos fazendeiros, levou a
rejeitar qualquer união com Tanganica (etimologicamente, “terra ou cidade árida”),
conhecida por sua pobreza. Por outro lado, as velhas estruturas tribais e monárquicas de
Uganda recusavam qualquer tipo de federação. Aí, como em outras partes da Ãfrica, as forças
centrífugas serão preponderantes. Com relação a Tanganica, procuraram os britânicos
implantar uma agricultura comercial (o amendoim) no sudeste e investiram substanciais
recursos em obras de infra-estrutura, com resultados medíocres. Em 1956, novo impulso é
dado à sua economia (modernização do porto de Dar-es-Salam, construção de barragens,
culturas de sisal, café, etc.)Logo a seguir, iniciaram-se as reformas políticas que deveriam dar
a representação aos três grupos raciais do território (europeus, africanos e hindus). Logo se
destaca a personalidade de Julius D. Nyerere, africano “ilustrado”, fundador da União
Nacional Africana de Tanganica. Como Ghandi e Nehru, era partidário da não violência. Sob
sua liderança, a africanização se fez gradativamente, até que Tanganica se tomou
independente, em 1961, e membro da Commonwealth. Em 1964, foi firmada com Zanzibar
uma união que tomou o nome de Tanzânia, sob a presidência de Nyerere e a vice-presidência
de Karume, dirigente de Zanzibar.
A Tanzânia adotou, como regime, um tipo de “socialismo africano”, burocratizado,
desenvolvimentista e muito discutível entre os africanos radicais. No entanto, ela goza de
grande prestígio no conjunto dos países africanos por sua sempre decidida política nacionalista,
apesar do apoio a Tshombe, agente dos imperialistas e dos mercenários de Katanga.
A independência do Quênia foi bem mais complexa. Por ter sido uma colônia de
povoamento, a presença de população branca (60 mil europeus em 1950) irá dificultar o
ascenso do movimento nacional. Essa população branca (1% da população total) monopolizava
25% das terras cultiváveis e mais férteis do país (o planalto). Para os negros restava uma
situação de penúria, segregados nas cidades e expropriados de suas terras. Jomo Kenyatta,
outro africano ilustrado, formado em Londres, tomara-se presidente da União Africana do
Quênia. Foi ele, sem dúvida, uma das grandes figuras da nova África.
O problema agrário se revelou, em 1950, com a grande agitação na mais poderosa e
avançada das tribos do Quênia, os kikuyu (à qual pertencia o próprio Jomo Kenyatta). O
movimento logo se alastrou, lançando o pânico entre os fazendeiros do planalto e
caracterizando-se por uma xenofobia exacerbada. No exterior, ele foi conhecido pelo nome de
Mau-Mau, que celebrizou o caráter extremamente violento da revolta. Esta foi, finalmente,
vencida pela administração colonial, que acedeu a reivindicações constitucionais (a
participação de africanos e asiáticos no Conselho de Ministros de Nairobi), de modo a permitir
a africanizaç.ão lenta e progressiva do território. Em 1963, Quênia ascende à independência,
conduzida por Jomo Kenyatta, sem que, no entanto, seus principais problemas de ordem
econômica e social tenham encontrado o caminho da solução, a saber: o acesso à terra pelos
africanos, o controle efetivo de seus destinos como Estado soberano e a democracia racial.
No caso de Uganda, sua ocupação pela Grã-Bretanha se fizera no século XIX como parte
da .estratégia de se apossar das fontes do Nilo. Foram ai instaladas companhias (como a
Uganda Company e a Sociedade Missionária) que controlavam as plantações de algodão
desenvolvidas com mão-de-obra nativa. Foi adotada a prática de trabalho forçado e uma
política de indirect rule através das autoridades “nativas” tribais e “feudais”. Coube a
uma “pequena burguesia” formada à margem dos grandes negócios e do sistema tribal,
promover a partir de 1950, aproximadamente, as primeiras organizações de conteúdo
nacionalista e sindical, surgindo dai o Partido Democrata. A formação do Congresso do
Povo de Uganda com Apollo Milton Obote deu novo impulso ao movimento
autonomista que se concretizará em 1962. Obote se proclamava socialista, assim como
Kenyatta e Nyerere, socialismo este difícil de ser justificado num pais que tinha uma
renda nacional per capita de 64 dólares, uma produção centrada em matérias-primas e
alimentos para a exportação (algodão e café), totalizando 90% da produção agricola de
mercado, e uma população assalariada que correspondia a 20% da população total.
Mais de 500 companhias estrangeiras continuaram a operar no país, fazendo com que
50% do produto nacional líquido fossem exportados. Outros dados poderiam ser
acrescidos e que só serviriam para comprovar a mistificação desse tipo de socialismo.
Em 1971, Obote foi derrubado pelo General Idi Amin, que por cerca de sete anos governará
Uganda com mão-de-ferro através da utilização de primitivos e brutais métodos ditatoriais.
Enfim, Uganda, como a maioria dos paíSes africanos, ainda tem pela frente um longo caminho
a percorrer na busca de fórmulas africanas de convivência democrática e de bem-estar social.

A DESCOLONIZAÇÃO TARDIA
A libertação de Angola, Moçambique
e Guiné-Bissau
A) Portugal: um colonialismo dependente
Portugal representou na Europa a última resistência do colonialismo. Salazar, que foi seu
ditador entre 1932 e 1968 e cujo regime só se desintegrou pelo movimento de 25 de abril de
1974, declarou, certa vez: “Somos antiliberais. Somos contra o parlamentarismo, contra a
democracia, e queremos construir um Estado corporativo”.
Nesse momento, o fascismo estava em ascensão e Portugal era um pequeno e pobre país que
vivia das glórias de seus navegantes e do império mercantilista que perdera. Deste, restavam
poucos territórios, que permaneciam subordinados a uma Metrópole por sua vez também
subordinada, para a manutenção dos privilégios de uma minúscula burguesia financeira, ao
capital estrangeiro e aos seus agentes internos portugueses. Entre as “glórias” passadas,
situava-se o pioneirismo de que Portugal dera prova na descoberta da costa da Ãfrica, no
tráfico de escravos e na institucionalização da escravidão na América. Com a ajuda de
missionários e comerciantes, seus soldados e marinheiros apossaram-se do interior do
continente africano e instituíram o sequestro, em larga escala, de homens, mulheres e
crianças, para serem vendidos como escravos, deixando atrás de si terras e tribos arrasadas.
No caso da costa oriental, por exemplo, a penetração portuguesa para o interior na busca de
ouro e escravos, atingindo as sociedades tribais e “prototribais”, como assinala Hosea Jaffe,
do Zimbabwe e Malawi, provocou o deslocamento dos ngoni e, depois, dos zulus em direção ao
sul. Nas regiões onde não se verificava o tráfico de escravos, conforme relatam viajantes,
havia tribos “bem vestidas, bem alimentadas e bem alojadas”, comparáveis pelo padrão de
vida ao dos camponeses de melhor situação da Europa (R. F. Burton, TheLake Regions of
Central África, 1856).
Dos primeiros avanços portugueses sobre a África (séculos XV, XVI e XVII), duas foram
as regiões nas quais se estabeleceram e permaneceram: na costa ocidental, o Congo (a partir de
1482), posteriormente limitado a Angola, e, na costa oriental, Moçambique. A própria história
desses estabelecimentos, com suas denominações e seus limites geográficos atuais, é longa e
repleta de acidentes. Para reconstituí-la seria necessário remontar às lutas pela expansão
mercantil dos holandeses, ingleses e portugueses, seus fluxos e refluxos, bem como, e
sobretudo, aos movimentos internos africanos que configuram sua própria dinâmica social.
Não podemos esquecer que toda essa história se notabilizou pela pilhagem e pelo
desmantelamento das sociedades africanas.
A partir do século XIX, poderíamos dizer que se recria um império português. Foi um
processo de lutas e conquistas no qual a política internacional e a competição interimperialista
tiveram grande papel. No tocante a Moçambique, sua evolução foi condicionada tanto pela
pobreza de Portugal quanto pelo desenvolvimento das minas de ouro de Johannesburg na
Ãfrica do Sul e das minas de cobre e carvão da Rodésia. O mesmo se pode dizer de Angola.
Assim, o colonialismo português servia de intermediário: suas colônias se transformaram, já
que não mais forneciam escravos ao tráfico atlântico, em fornecedoras de mão-de-obra barata
para as companhias de mineração inglesas. Em período recente, calculava-se em 100000 o
número de mineiros africanos transferidos para a Ãfrica do Sul, mediante contratos firmados
entre Portugal e as referidas companhias.
De certa forma, haviam sido os portugueses os introdutores da prática do “governo
indireto” (posteriormente atribuído aos ingleses) pela destribalização e subsequente
reordenação do sistema tribal, sob chefias locais coniventes. Por esse meio, as tribos passariam
a constituir uma peça fundamental na colonização. Do ponto de vista social, apregoavam os
portugueses a igualdade racial como um dos seus apanágios. Na prática, porém, o povoamento
branco, mais pronunciado em Ángola do que em Moçambique, implantado sobre as novas
estruturas tribais, levou ao racismo como norma administrativa e política. Aliás, como ressalta
Ki-Zerbo, a emigração portuguesa para as colônias era uma emigração de fuga da miséria.
Entre 1930 e 1960, o número de brancos passou de 30 mil para 200 mil, abrangendo
trabalhadores de todas as categorias. Ê lógico, pois, que para esses brancos a mão-de-obra
africana representasse uma ameaça. Segregá-la seria a fórmula de autopreservação dos
colonizadores. Transformá-la em mão-de-obra servil e “alugá-la” aos capitalistas ingleses do
sul seria uma apreciável fonte de rendimentos e uma forma de aliviar possíveis pressões
demográficas sobre a terra. Por esses mecanismos, e ainda pelo investimento direto de
companhias estrangeiras (alemãs, belgas, inglesas e sul-afriçanas), se deu o domínio do capital
internacional em Angola e Moçambique. Assim, foi o sistema colonial “português” que impôs
a discriminação pela cor, o trabalho forçado e a pobreza dos africanos.
A Lei Colonial de 1930 dividira a população em “indígenas” e “não indígenas”,
respectivamente, 97% e 3%. Na segunda categoria se encontravam os “assimilados”
(correspondentes aos “evoluídos” franceses) e os colonos brancos. Em 1953, os assimilados
adquiriram a cidadania portuguesa, embora continuasse a discriminação pela cor, que se
acentuava na medida em que se ampliava a população branca (esta, em 1970, atingiu 5%).
Do ponto de vista econômico, Portugal ocupava uma posição secundária no comércio com
suas colônias. Sua participação nas exportações de Angola e Moçambique para o exterior era,
respectivamente, de 20% e 50%; nas importações de Angola e Moçambique, provenientes do
exterior, Portugal contribuía com 45% para a primeira e 30% para a segunda. Mas Portugal,
como princípio doutrinário, obstinava-se em proclamar que não possuía nem império nem
colônias e, sim, “províncias ultramarinas”.
Nessas condições, o fim de sua presença na África se fez através de uma longa guerra de
libertação dos povos africanos, cujos impasses atuais refletem séculos de expropriação e
violência.

B) Os movimentos de libertação nacional


O sinal de partida para a rebelião dos africanos, na sua forma mais moderada, contra a
dominação portuguesa, foi dado em São Tomé, em 1953. Nesse momento, a polícia salazarista
matou mais de 100 trabalhadores e camponeses em greve. Daí por diante, centenas de pessoas
suspeitas de participação política ilegal foram presas em Angola e Moçambique, inclusive
sacerdotes católicos e Agostinho Neto, médico e poeta, que lançava na clandestinidade o
Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA). A década de 50 também se
notabilizou pela entrada maciça de capitais estrangeiros nas duas colônias. Em Moçambique,
os investimentos se concentraram em obras de infra-estrutura (barragem no Limpopo, via
férrea até a fronteira rodesiana, modernização do porto de Lourenço Marques e construção de
uma central hidrelétrica); em Angola, além dos investimentos de base (transportes, eletricidade
e irrigação), penetraram os alemães na mineração de ferro (Krupp) e os belgas no petróleo
(Petrofina), sendo reativada a exploração do manganês, alumínio e diamantes.
Foi, no entanto, na agricultura de exportação que se encontraram os grandes incentivos. As
culturas de café no norte de Angola correspondiam, naquela década, a 40% do valor das
exportações da colônia (80% das plantações pertenciam a europeus). Um certo boom
econômico, estimulado pela coqjuntura internacional, favoreceu a imigração branca e a
urbanização onde se acentuava a demarcação .pela cor, entre os habitantes das cidades e os da
periferia, entre europeus e africanos. As cidades cresciam e eram embelezadas. Portugal se
orgulhava do dinamismo de suas “províncias ultramarinas”!
Na década dos 60 tem início a fase de revolta armada. Além de distúrbios urbanos
(tentativa de invadir a prisão de Luanda), com mortos e feridos, foi no norte de Angola, na
região cafeeira, que estouraram os primeiros ataques de guerrilheiros às fazendas aí
localizadas.. Os rebeldes se concentraram na área rural, partindo dos centros urbanos os
contraataques portugueses. A repressão' foi extremamente violenta, atingindo aldeias e
populações inteiras, com o emprego de napalm. O terror caracterizava ambos os lados, embora
o terror branco dispusesse de maior poder destrutivo.
Por volta de 1961, calculava-se em 10 mil os guerrilheiros em ação. Suas armas eram
conquistadas aos portugueses ou recuperadas nos arsenais dos combatentes do vizinho Zaire.
Calcula-se em 50 mil os mortos africanos, no mesmo período, e os angolanos refugiados no
Zaire chegaram a 300 mil. As perdas portuguesas foram estimadas em 2000 nessa fase da
rebelião. Dois partidos integraram o movimento de libertação: a U.P.A. (União das Populações
de Angola), liderado por Holden Roberto, que obtivera o suporte do Zaire (inclusive de
Lumumba e Mobutu), mas que era suspeito de ter ligações espúrias com o imperialismo, e o
MPLA do Dr. Agostinho Neto (entre seus dirigentes, Mario de Andrade e Viriato Cruz),
apresentando-se com objetivos socialistas (supressão das bases militares, reforma agrária,
industrialização) e uma organização mais disciplinada do que a U.P.A.; suas ligações se
estendem a Guiné e Cabo Verde (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) e
a Moçambique.
Em Moçambique se formaram agrupamentos pela independência, como a União Nacional
Africana de Moçambique e a União Democrática Nacional. Coube à FRELIMO (Frente de
Libertação de Moçambique) realizar a união das forças nacionalistas. A Guiné-Bissau pôde
contar com a liderança de Amilcar Cabral (PAIGC) com base no próprio território.
A condenação a Portugal proveio de todas as partes do mundo. Na Assembleia da ONU,
seus aliados explícitos estavam limitados à Espanha (franquista) e à Ãfrica do Sul, por motivos
óbvios. No entanto, ele continuava a ser abastecido em armamentos pela OTAN, na qualidade
de aliado, e os utilizava contra a Ãfrica. As pressões externas e a revolta interna levaram-no a
introduzir algumas reformas, como paliativo (supressão formal do trabalho forçado, supressão
do “indigenato” e ampliação das possibilidades de acesso à cidadania, aplicação de sanções do
Código Civil, e não mais do Código Penal, como era antes, em matéria de contratos de
trabalho). Apesar da euforia metropolitana, os acontecimentos na África começavam a pesar
demasiadamente sobre o orçamento de Portugal. A luta armada exigia um dispêndio
permanente de homens e recursos materiais.
Entre 1969 e 1972, a maior parte do exército português (142 mil homens) se encontrava
mobilizado na Ãfrica para a defesa das colônias em guerra. Os movimentos de libertação, por
seu lado, contavam com o apoio da opinião pública internacional, com a solidariedade africana
e o suporte em material bélico de países simpatizantes da área socialista e dos escandinavos.
Em 1973, os portugueses haviam perdido o domínio do espaço aéreo, em virtude dos mísseis de
que os africanos dispunham, a partir dessa data. Nesse mesmo momento, Amilcar Cabral era
assassinado em Conakri, uma grande perda para a nova Ãfrica. A guerrilha se estendia em
Angola com grande força de expansão e adesão popular. Em Moçambique, a luta armada
alcançava Cabo Delgado e Niassa. Concomitantemente, Portugal faz uma última tentativa de
apaziguamento, oferecendo algumas reformas constitucionais e maior autonomia aos
territórios. Mas a Metrópole começava a sangrar. A crise do sistema colonial fez vir à tona a
fragilidade do sistema político e social no qual Portugal se amparava.
No dia 25 de abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, de jovens oficiais,
derrubava a ditadura de mais de meio século de existência. Pregava a democracia e o fim do
colonialismo. Assim, comenta um africano, “o povo português era o primeiro a ser libertado
em grande parte graças à luta heroica dos guerrilheiros africanos”. O exército colonial,
sentindo-se derrotado, volta as suas armas contra a Metrópole e dá uma primeira oportunidade
a seu povo de conquistar a sua própria libertação.
Parecia evidente, em 1974, que a combinação das lutas do PAIGC, do MPLA e da
FRELIMO, com o apoio do conjunto das populações africanas desses territórios, fora
fundamental para a derrota do colonialismo português, permitindo, assim, uma fissura de
primeira grandeza no sistema de dominação “branca” e imperialista no sul da África. Á
cronologia das independências daí por diante foi bastante simplificada, no tocante às
possessões portuguesas: São Tomé e Príncipe (12 de julho de 1975); GuinéBissau em setembro
de 1974 (acordo de Argel), embora a independência tivesse sido proclamada um ano antes; o
Arquipélago de Cabo Verde dissociou-se da Guiné-Bissau pelos acordos de Argel;
Moçambique teve a sua indepen encia reconhecida pelo acordo de Lusaka (setembro de 1974),
que só seria proclamada em 25 de junho de 1975, provocando, em represália, um levante dos
residentes brancos (desespero que se assemelhou ao dos franceses da Argélia após a
independência); tal revolta, no entanto, foi sufocada pelo governo de Maputo (antiga Lourenço
Marques) sem ter ela contado com o temido apoio da Ãfrica do Sul; Angola não apenas
empreendeu uma guerra de libertação mais longa e sangrenta, como também obteve a
independência mais tardiamente, em 11 de novembro de 1975, com a proclamação em Luanda,
por Agostinho Neto, da República Popular de Angola.
Os acontecimentos que precederam a independência de Angola atestam bem da importância
econômica dessa colônia para Portugal, assim como evidenciam as dissensões internas entre
Agostinho Neto e o movimento conservador, de vinculações internacionais, de Holden
Roberto. As riquezas de Angola (petróleo de Cabinda, minérios e plantações agrícolas) e o
povoamento branco (cerca de meio milhão) tomavam fundamental, mesmo para um Portugal
rejuvenescido, encontrar uma fórmula conciliatória. O período que se situa entre o movimento
de 25 de abril e o abandono final pelas tropas da ex-metrópole foi marcado por divisões
internas, lutas sangrentas (batalha de Luanda pelo controle do porto, entre outras) e intensas
negociações internacionais. O fortalecimento do MPLA de Agostinho Neto, reconhecido
interna e extemamente como o partido capaz de manter a unidade nacional, significou, por
fim, a vitória de Angola. A ela deveria caber um novo papel, juntamente com Moçambique: o
de fornecer a base contra o racismo na Ãfrica do Sul.
EPlLOGO?
A questão que se coloca, após a conquista da independência e a ruptura dos elos de
dominação direta, é a de saber em que medida o colonialismo persiste e por que metamorfoses
passou a noção de Império. As lutas pela libertação se desenvolveram face a metrópoles que
haviam perdido a preeminência no mundo capitalista, ao saírem enfraquecidas, militar,
econômica e politicamente, da guerra contra o nazi-fascismo e o expansionismo japonês na
Ãsia e no Pacífico, constituindo-se Portugal num caso à parte, como uma sobrevivência por
omissão ou defasagem no desenvolvimento capitalista. As conjunturas da guerra fria tiveram, a
partir desse momento, uma importância acentuada na própria cronologia da descolonização,
assim como as contradições da coexistência pacífica e do policentrismo capitalista, nos anos
60, foram fundamentais para a evolução concomitante dos novos países afro-asiáticos.
Por outro lado, é forçoso reconhecer que o fim dos impérios coloniais dos séculos XIX e
XX não resultou de uma decisão metropolitana ou do desejo de abdicação do poder, e sim da
capacidade de revolta que é inerente ao oprimido. Daí, a impropriedade do termo
“descolonização”, que reflete a visão eurocêntrica da História. A liberalização do sistema
colonial, sobretudo na década 1950-1960, resultou muito mais de uma necessidade ou de uma
imposição, do que propriamente de uma escolha unilateral por parte do poder metropolitano
mais ou menos democrático, mais ou menos esclarecido ou mais ou menos bondoso. A própria
resistência de Portugal à ideia de “descolonizar” pôde ir até o momento em que a revolta nas
colônias se tomou irresistível e que mesmo os interesses capitalistas garantidos nos seus
territórios africanos se defrontaram com a insurreição armada. Tratar-se-ia de um recuo
momentâneo desses grupos capitalistas? De qualquer modo, mesmo o retomo da exploração
pelo capital internacional se fará sempre de forma transformada em face de outra realidade
política.
Uma segunda questão diz respeito à possibilidade de terem os países recentemente
libertados — em alguns casos, aparentemente libertados — da dominação colonialista direta,
de escolher o seu próprio caminho de afirmação política e de identidade cultural. Vimos, nos
capítulos precedentes, o grau de destruição das sociedades locais em contato com o
colonizador. O caminho que o Ocidente lhes poderia mostrar seria necessariamente aquele por
ele mesmo trilhado: o parlamentarismo, a pluralidade dos partidos, o código civil, o
capitalismo tecnocrático, ou, ainda, as próprias ideologias que dele emergiram em contestação,
o socialismo na sua versão mandstaleninista que degenera em autoritarismo e ditadura.
Ora, tal caminho não encontra correspondência nas sociedades asiáticas e africanas
pré-coloniais. Como bem ressalta Jean Chesneaux: o estudo da burguesia asiática
(acrescentamos: e da burguesia africana) não se inscreve diretamente na história da burguesia
dos países industrializados; da mesma forma, a “cidade asiática (e a africana) não é, como no
Ocidente moderno, a antítese do campo e o ponto de inserção de novas formas de vida social”,
sendo antes “um foco de concentração dos males da sociedade total, uma expressão
condensada e agravada dos problemas do campo”. Assim, a transformação da Ãsia e da Ãfrica
só se fará, inteiramente, quando o Ocidente dentro delas estiver para sempre enterrado, e isso
só o futuro poderá resolver. Dai, a importância fundamental para o pesquisador de penetrar
nas sociedades pré-coloniais e tentar analisar, minuciosamente e em profundidade, como elas
se articularam e rearticularam face à penetração colonial. Será o estudo dessas estruturas
internas que nos levará a encontrar a dinâmica de sua evolução.
E, finalmente, uma terceira questão. Como enfrentar a batalha contra a fome, contra as
desigualdades sociais internas, contra a ameaça constante de governos opressores e de
ditaduras pseudo-modemizantes, e, sobretudo, como dominar os males do subdesenvolvimento
legados pelo colonialismo e aprofundados pelos novos mecanismos de dependência?
A “descolonização” dos velhos modelos chegou a seu fim. Resta saber como evoluem os
novos países e como poderão eles enfrentar os novos problemas: a construção de suas
sociedades. Se forem bem sucedidos será porque o colonialismo também teve o seu fim e eles
encontraram o seu próprio caminho.

INDICAÇÕES PARA LEITURA


Por ser extremamente rica e extensa a bibliografia internacional dos assuntos aqui tratados,
qualquer tentativa de alinhar títulos, sobretudo seletivos, constitui uma tarefa muito delicada. O
seu resultado será sempre insatisfatório e primará por lacunas lamentáveis. Entretanto, com o
intuito de estimular o leitor a diversificar e aprofundar o conhecimento da temática por nós
abordada, faremos algumas sugestões de leituras. Selecionamos aqueles textos que julgamos
serem mais acessíveis ao leitor brasileiro não-especialista e preferimos indicar referências
bibliográficas sobre os temas mais gerais.
Sobre as potências coloniais e o processo de descolonização: Huber Deschamps, La Fin des
Empires Coloniaux, Paris, PUF, 1950; C. Giglio, Colonizazzione e Decolonizazzione,
Cremona, 1964; Henri Grimai, La Décolonization 1919-1963, excelente manual universitário
da Coleção U, Paris, Armand Colin, 1965; Jean Mathiex e Gérard Vincent, Aujourd’ hui
1945-1970, premier cycle Histoire, Paris, Masson £d., 1972 e 1973, 2 vols., também na
categoria de manual universitário de boa qualidade e extremamente úteis; René Sédillot,
Histoire des Colonisations, Paris, Artheme Fayard, 1958; J. Strachey, The End of Empire,
Londres, Gollancz, 1959; H. V. Wiseman, Britain and the Commonwealth, Londres, Allen &
Unwin, 1965.
Sobre a Ãsia e o impacto do imperialismo existem em tradução brasileira dois trabalhos
básicos: Jean Chesneaux, L'Asie Orientale aux XIXe. et XXe. siecles, Paris, Nouvelle Clio,
1966 (A Ásia Oriental nos Séculos XIXe XX, editado pela Pioneira) e K. M. Panikkar, Asia and
Western Dominance, Londres, 1953 (i4 Dominação Ocidental na Ãsia, Ed. Saga).
Sobre a visão do colonizado, há os clássicos Frantz Fanon, Damnés de la Terre, Paris,
Maspéro, 1961 (Condenados da Terra, em sucessivas edições internacionais) e Albert Memmi,
Portrait du Colonisé, 1966 (Retrato do Colonizado Precedido do Retrato do Colonizador, ed.
Civilização Brasileira) que ficaram famosos pelos prefácios de Jean-Paul Sartre.
Sobre a África, destacam-se, como contribuição importante da própria intelectualidade
africana, Joseph Ki-Zerbo, História da África Negra, Viseu, 2 vols., ed. portuguesa,
fundamental e, ainda, pelo seu caráter polêmico e contestatário das visões tradicionais e
ocidentalizantes, Hosea Jaffe, Del Tribalismo al Socialismo, Siglo Veintiuno Ed., 1976
(traduzido do italiano); Kwame N’Krumah, Neocolonialismo, Último Estágio do
Imperialismo, Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1967; para a percepção mais ampla
dos efeitos da colonização na Ãfrica e suas estruturas sócio-econômicas, leia-se Jack Woddis,
Ãfrica — As Raizes da Revolta, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1961, ambos em tradução do
inglês; para o debate de temas gerais na fase da descolonização, existe uma coletânea publicada
pela Editora Anhembi, São Paulo, em 1961, sob o* título A Nova Ãfrica, com artigos de
especialistas; para o acompanhamento das discussões relativas ao processo de descolonização
é imprescindível a leitura das revistas Présence Africaine e Les Temps Modemes, ao longo do
período, reproduzindo a posição de intelectuais africanos e ocidentais sobre a problemática do
colonialismo e do capitalismo, em seus múltiplos aspectos e implicações.
Quanto à temática do socialismo, africano, veja-se, numa primeira abordagem, o livro de
Jacques Amault, Du Coloniálisme au Socialisme. Les Essais de la Noúvelle Critique, Ed.
Sociales, 1966; para a crítica das posições “socialistas" de J. Nyerere, Jomo Kenyatta,
N’Krumah e outros líderes africanos da emancipação, leia-se o acima mencionado Hosea Jaffe,
fundamental pelo aporte bibliográfico e pela perspectivá mais radical de alguns setores da atual
intelectualidade africana.
Para as colônias portuguesas, excluindo-se a literatura propagandista do período
salazarista, existem os trabalhos fundamentais de Marvin Harris, Portugal’s African Wards,
Nova Iorque, 1958; H. V. Nevins, A Modem Slavery, Londres, 1966; J. Duffy, Portugal in
Africa, Londres, Penguin Books, 1962; Ehnmarck e Wastberg, Angola and Mozambique, the
Case against Portugal, Londres, Pall Mall Press, 1963.
Poderíamos, ainda, acrescentar uma lista de depoimentos prestados em variados momentos por
líderes da emancipação e da libertação, tanto da Ãsia quanto da Ãfríca. Esperamos, entretanto,
que o leitor nos perdoe por essa omissão jâ que, como advertimos, qualquer bibliografia sobre
tema tão amplo corre o grave risco de ser extremamente superficial e insuficiente. Para ser
menos imperfeita, ultrapassaria as dimensões deste pequeno livro.Sobre a Autora
Nasceu em Fortaleza em 1921. Seu interesse pela História se revelou quando, em 1938,
venceu a Maratona Intelectual promovida pelo MEC. Iniciou e concluiu sua formação em
História na Universidade do Brasil (Rio de Janeiro) e nos Estados Unidos (Nova Iorque). Fez
sua carreira universitária na Faculdade Nacional de Filosofia (UFRJ) entre 1946 e 1969, ano
em que foi aposentada pelo AI-5, após ter conquistado, sucessivamente, por concursos
públicos de provas e defesa de tese, o titulo de Livre Docente (1953) e o cargo de Professor
Catedrático de História Moderna e Contemporânea (1957). Além de duas teses sobre história
das relações internacionais (as relações angloegípcias e o Sudão e as relações franco-alemãs e o
Marrocos), publicou artigos no Brasil, na Europa e na América, tendo participado em
congressos, realizado conferências e lecionado como Professor Visitante tanto na França
(Universidade de Paris) como nos Estados Unidos (Universidade de Columbia, Nova Iorque).
Transferiu-se para a França em 1969 e foi nomeada Professeur Associé de História Moderna e
do Brasil na Universidade de Toulouse. De volta ao Brasil, em 1975, passou a dedicar-se à
pesquisa em história agrária. Durante quatro anos, foi professora da Fundação Getúlio Vargas e
desenvolveu o Programa de História da Agricultura Brasileira (Centro de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Agrícola, EI AP/ FGV) sobre cujo tema publicou numerosos artigos e dois
livros: História do Abastecimento, uma Problemática em Questão (1530-1918) e História
Política do Abastecimento (1918-1974). No momento, é Professora Visitante do Mestrado em
História da Universidade Federal Fluminense. Anistiada, retornou à UFRJ.

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