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EDUCAÇÃO MÓDULO
POLÍTICA PARA
CIDADANIA
FUNDAMENTAL E MÉDIO:
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
DANYELLE NILIN GONÇALVES
MARIA CLARA RIBEIRO MARTINS
SUMÁRIO
1. Introdução......................................................................... 67
adolescentes e jovens.......................................................... 74
Referências........................................................................ 78
E
m algum momento, você deve ter , prezando apenas pela irrestrita transferência tras atribuições, o papel de acolher e respei-
ouvido alguém falar que políti- de conhecimentos e desenvolvimento de algu- tar os conhecimentos e as vivências dos(as)
ca não se discute. Essa frase está mas habilidades, como a leitura e a escrita. Essa educandos(as), assim como de incentivar as
no imaginário popular há muito percepção da educação tende a colocar o(a) potencialidades que possam contribuir para a
tempo e reflete como os indivíduos veem educando(a) numa posição de passividade, formação de uma sociedade menos desigual,
o campo político como algo distante da como um mero acumulador de informações e mais justa e inclusiva. Percebe-se, assim, que a
própria realidade. Ainda que a participação técnicas, capaz de corresponder expectativas função social da escola passa a ser, dentre ou-
política tenha se mostrado mais evidente mercadológicas e ter aptidão para o mercado tras coisas, a de contribuir para o exercício de
nos últimos anos, principalmente após a de trabalho. Nesse modelo, não há preocupa- uma cidadania ativa, a partir de uma educação
ascensão das plataformas digitais, como o ção com uma formação humanizada e, dessa crítica e comprometida com valores democrá-
Facebook, o Brasil ainda é um país em que maneira, o ambiente escolar passa a ser, princi- ticos, como a tolerância e o respeito à diversi-
apenas uma parte restrita da sociedade en- palmente, um local de reprodução sistemática dade. Assim, o compromisso do ambiente es-
tende como funciona o sistema democrá- das desigualdades sociais (Freire, 2019). colar não é apenas formar bons profissionais,
tico. Para além do voto, das eleições e da Contudo, existem propostas que reivindi- mas também auxiliar na construção de um país
atuação dos(as) governantes, muita gente cam o exercício de uma educação crítica. No mais harmônico e fraterno.
não conhece os próprios direitos e deveres, Brasil, essa vertente tem sido endossada prin-
sendo impedidos(as), assim, de desfrutar cipalmente após o processo de redemocrati-
plenamente da própria cidadania. zação, uma vez que a escola, amparada pela
Esse cenário se apresenta como um grande LDB/1996 e outros dispositivos legais, passou a
desafio, afinal, a consolidação da democracia ter entre seus principais objetivos, a formação
no nosso país passa também pela formação de de cidadãos(ãs) dotados de valores democrá-
uma sociedade consciente, capaz de contribuir ticos e aptos a viverem em sociedade. Assim,
Você sabia?
para a construção de um país cada vez melhor. essa outra perspectiva alimenta uma postura A escola também atua enquan-
Afinal isso também depende de nós. Diante cidadã ativa, uma vez que incentiva os(as) estu- to um ambiente de integração e so-
disso, a educação política surge como uma dantes a participarem ativamente do processo cialização dos indivíduos. Por meio
ferramenta fundamental para modificar essa de aprendizado, criando as possibilidades ne- dos esportes, por exemplo, é possí-
realidade. Neste Fascículo, você compreenderá cessárias para a produção e construção do pró- vel desenvolver senso de liderança,
o papel das práticas pedagógicas no ambien- prio conhecimento, como sugere o pedagogo respeito e cooperação, além de ou-
te escolar para a formação de cidadãos(as) Paulo Freire, patrono da educação brasileira. tros benefícios relacionados à saú-
engajados(as). Nessa perspectiva, o ambiente escolar dei- de física e mental dos estudantes .
Por muito tempo, a escola foi vista como xa de ser um mero local de habilitação para o
um lugar que reproduz uma educação bancária mercado de trabalho e passa a ter, dentre ou-
A
educação é uma das atividades Todavia, como aprendemos em fascícu-
sociais mais elementares, pois los anteriores, os sentidos atribuídos à cida-
além de desenvolver os indivídu- dania não são universais e imutáveis, já que
os, ajuda a formar a sociedade. dependem das transformações históricas,
Podemos dizer que ela está presente em culturais e sociais vividas. Os termos “cida-
diferentes sociedades, em todos os tempos. dania” e “direitos humanos” no Brasil, muitas
Nas sociedades contemporâneas, além da vezes, se confundem, sendo esvaziados de
educação informal, aquela que se dá a partir sentido e usados de maneira contraditória.
da experiência do cotidiano, da experimen- Cidadania, às vezes, é confundida somente
tação, repetição de hábitos e aprendizagem com a ideia de ter direitos e deveres, atri-
de novas práticas, há também a educação buindo a essa proposição de que cidadão(ã)
formal, aquela que se aprende na escola, a é aquele(a) que cumpre fielmente as regras
partir de currículos, de métodos específicos da coletividade. Nessa perspectiva, indivídu-
e de avaliações. Ao mesmo tempo que ela os que cometem crimes e delitos estariam
é uma atividade eminentemente humana, é excluídos automaticamente da condição de
também um direito humano fundamental . cidadãos(ãs). Assim, não seriam dignos(as)
Podemos dizer que a educação é um di- do acesso aos direitos humanos.
reito social e está diretamente relacionada Podemos nos perguntar: alguém pode
com a construção da cidadania. Por isso, é ser excluído do acesso aos direitos huma-
necessário cobrar do Estado a garantia de nos? Afinal, o que são os tão proclamados
que os indivíduos tenham acesso à edu- direitos humanos? Como surgiram e a quem
cação formal, legitimada pela sociedade são destinados? Eles foram definidos numa
contemporânea, já que ela possibilita ao Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10
indivíduo o mínimo de acesso ao padrão de dezembro de 1948, motivados pelos hor-
civilizacional. À medida que as crianças, jo- rores produzidos na Segunda Guerra Mun-
vens e adultos têm acesso à escola, eles(as) dial. São, portanto, um conjunto de normas
têm a possibilidade de refletir sobre o que é e proposições que reconhecem a necessida-
cidadania e de participar ativamente do seu de de proteger a dignidade de todos os se-
processo de construção, mudando assim res humanos, como um ideal a ser atingido
suas vidas e de suas comunidades. por todos os povos.
Embora garantidos pela declaração dos a sociedade civil deve organizar-se em sua de-
direitos humanos e pelas Constituições dos fesa e promoção, sendo uma tarefa, portanto,
países, muitas vezes esses direitos não são efe- de toda a coletividade. Pela função social a ela
tivados. Em muitos casos, as pessoas nem se atribuída na contemporaneidade, a escola tem
dão conta de que têm direitos sociais, civis e papel crucial na educação para o exercício da
políticos ou que eles estão sendo violados. Para cidadania e dos direitos humanos.
sua real efetivação, além do papel do Estado,
O
jurista Dalmo Dallari, espe-
cialista em direitos humanos,
afirma que os(as) docentes
têm grande responsabilidade e
poder na transmissão e promoção dos va-
lores democráticos, uma vez que dispõem
da possibilidade de influir para a corre-
ção de problemas históricos e distorções
profundamente injustas. É aqui onde se
mostra a força dos(as) professores(as): na
valiosa contribuição para a formação de
uma nova sociedade em que a dignidade
humana seja, de fato, o primeiro dos valo-
res e, a partir daí as pessoas se respeitem
reciprocamente e sejam solidárias umas
com as outras (Dallari, 2004, p.42).
Para que isso ocorra, é necessário pri-
meiramente que os(as) próprios(as) do-
centes tenham consciência dos seus direi-
tos e do seu papel social. Como questiona
Padilha: como alguém que não se respeita,
que não respeita os seus próprios direitos,
que às vezes nem os conhece e que não
sabe defendê-los, poderia ensinar outro al-
guém sobre o exercício de algum direito ou
sobre qualquer outro conteúdo de forma
crítica e emancipadora? Ou como alguém
que está desacostumado a ser ético pode
agir socialmente com justiça? Ou, ainda,
como um(a) professor(a) que se deixa ven-
cer pela rotina, por mais dura que possa
A
esse ponto, você já deve ter
aprendido um pouco mais sobre
a importância da educação políti-
ca nas escolas. Mas, amparada em
quê essa possibilidade se torna viável? Nes-
te tópico, será possível aprender como os
principais dispositivos legais possibilitam a
existência de uma educação crítica e cidadã
no ambiente escolar.
O processo de redemocratização do Bra-
sil incidiu diretamente no campo educacio-
nal do país. A reformulação da Constituição
Federal (CF), em 1988, enfatizou preceitos
fundamentais ligados ao acesso à cidada-
nia e à dignidade humana. A educação pas-
sou a ser um direito de todos(as) e dever do
Estado e da família, tendo entre os princi-
pais objetivos a promoção e o incentivo do
pleno desenvolvimento da pessoa e uma
formação cidadã e laboral. (Brasil: 1988). A
seguir, veja o que cada documento fala so-
bre o ambiente escolar como um lugar privi-
legiado para o exercício da cidadania e para
a formação de indivíduos críticos:
A partir dos destaques anteriores, você desenvolver uma participação cidadã ativa .
deve ter percebido que as proposições Assim, pode-se inferir que a educação
presentes na CF, LDB, DCNEB e BNCC con- política no ambiente escolar é encorajada
tribuem para o fomento de uma educação através dos dispositivos legais menciona-
política efetiva no ambiente escolar, pois dos, que, em conjunto, reiteram a necessi-
endossam a necessidade de uma formação dade de os(as) estudantes desenvolverem
ligada a valores republicanos e democráti- uma postura cidadã ativa a partir da auto-
cos, que tornam os indivíduos mais cons- nomia, do conhecimento crítico, da tolerân-
cientes da própria dignidade e os encoraja a cia e do respeito às diferenças.
V
ocê deve estar se perguntando: vidade é uma tarefa social que leva tempo e, do(a) discente e fáceis de serem entendidas, o
mas esses temas não são difíceis portanto, precisa ser construída cotidiana- que faz o processo interessante para todos(as).
de serem debatidos em sala de mente. Além disso, é bom lembrarmos que Esses temas e práticas não somente podem,
aula? Ou ainda deve estar pen- as crianças são sujeitos constituídos de di- como devem ser discutidos e, sobretudo, vi-
sando: política e cidadania não são assunto reitos e, portanto, também são impactadas venciados no cotidiano escolar e não apenas
para crianças e adolescentes. Respondemos pelas decisões tomadas pelos outros. em momentos específicos. Afinal, estar na es-
que sim, esse é um assunto de todos(as), afi- Adotando metodologias específicas e ade- cola traz a possibilidade de vermos como re-
nal, fazemos parte da sociedade desde que quadas à cada etapa do ensino, tornamos gras são pensadas e executadas (desde os ca-
nascemos e entender os desafios da coleti- essas discussões bem mais próximas da vida lendários letivos, horários de entrada e saída,
Neste artigo, você encontrará reflexões sobre como abordar os temas da Política e Democracia
com crianças e adolescentes. Acesse o site ou veja no QRCode: https://claudia.abril.com.br/politi-
ca-poder/criando-cidadaos-como-tratar-de-politica-com-criancas-e-adolescentes .
V
imos que a educação política pode que bandeiras e proposições são defendi- Além dos recursos já consagrados em sala
ser bem instigante para os(as) dis- das e como ocorrem as escolhas feitas atra- de aula, o uso de metodologias ativas são fer-
centes e docentes. No ambiente vés do voto (Martins; Dayewll: 2013). Esses ramentas importantes nesse processo: assim
escolar, pode-se utilizar ferramen- são apenas alguns exemplos práticos que se inverte a lógica da produção de conheci-
tas e recursos educacionais que auxiliem podem auxiliar nas discussões sobre concei- mento e se estimulam posturas mais ativas
no desenvolvimento de conhecimentos e tos clássicos como democracia, representa- que promovam o verdadeiro protagonismo
habilidades que dialogam com conceitos e ção e participação popular. estudantil, algo tão presente na BNCC. Os ex-
práticas ligadas à cidadania. As disciplinas eletivas que surgem na perimentos sociais, produção de pesquisas
O cinema, por exemplo, pode ser um esteira do Novo Ensino Médio aparecem realizadas por estudantes, oficinas, rodas de
aliado. A partir de filmes e documentários como oportunidades para reforçar uma conversa e uso de games temáticos são algu-
é possível mobilizar as turmas para a rea- educação política mais eficaz nas escolas. mas dessas possibilidades.
lização de debates sobre acontecimentos É possível, por exemplo, ministrar uma Para as crianças e pré-adolescentes, a
históricos, políticos, culturais e sociais. As disciplina sobre Fake News, onde os(as) própria experiência cotidiana em sala de
eleições de grêmios escolares também são estudantes, além de entenderem sobre os aula pode ser aproveitada para trazer à tona
uma oportunidade educativa e participativa malefícios das notícias falsas na sociedade, essas temáticas, além da oferta de livros
ímpar para se discutir sobre o formato da também podem aprender a realizar a che- infanto-juvenis que tratam do assunto. Já
democracia brasileira. Demonstram, na prá- cagem de notícias e estimular que produ- há um bom número de obras sobre política,
tica, como se dá a representação política, zam experiências inovadoras. cidadania e temas afins para esse público.
VOCÊ SABIA?
A Coordenadoria de Protagonismo Estudantil da Secretaria de Educação do Es-
tado do Ceará tem uma Célula de Projetos Educacionais, Articulação e Mobilização
Estudantil (CEPEA). Ela é responsável pelos seguintes programas: Grêmio Estudan-
til, Grupos Cooperativos de Apoio à Escola (Gcape), Círculo de Leitura, Jovens Em-
baixadores, Jovem Senador, Parlamento Jovem Brasileiro e Eleitor do Futuro. Para
conhecer mais, acesse https://www.seduc.ce.gov.br/protagonismo-estudantil/
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Fe-
derativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal: Centro Gráfico, 1988.
SOBRE AS AUTORAS:
Danyelle Nilin Gonçalves é cientista social,
Mestra e Doutora em Sociologia pelo Programa
de Pós-Graduação em Sociologia da Universi-
dade Federal do Ceará. Professora do Depar-
tamento de Ciências Sociais da UFC. Coorde-
nadora de Sociologia do Programa Residência
Pedagógica/Capes. Coordenadora Nacional
do Mestrado Profissional de Sociologia em
Rede Nacional (Profsocio).
Maria Clara Ribeiro Martins é cientista so-
cial, Mestra e Doutoranda em sociologia pelo
Programa de Pós-Graduação em Sociologia da
Universidade Federal do Ceará.