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GESTÃO DE

PROCESSOS
EDUCACIONAIS
NÃO ESCOLARES

Pablo Rodrigo Bes


Educação não formal
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir a natureza e o sentido da educação não formal.


 Caracterizar o processo de conhecimento nas ações coletivas de
educação não formal.
 Investigar o caráter educativo das ações vivenciadas na educação
não formal.

Introdução
Nossa vida é repleta de experiências de aprendizagem que vão sendo
tecidas por meio da nossa participação nos grupos sociais a nossa volta.
Nessas experiências, vamos nos apropriando dos elementos da cultura
que são produzidos e reforçados nos contextos nos quais estamos in-
seridos. Assim, temos à disposição uma riqueza de oportunidades de
obter conhecimentos de todos os tipos ao longo da vida. Muitas dessas
oportunidades ocorrem nos espaços da educação não formal, propostos
por organizações empresariais, sociais e públicas, com os mais variados
objetivos. Esses espaços nos preparam para aspectos diversos que a
nossa trajetória exige, contribuindo para a formação da nossa identidade.
Neste capítulo, você vai conhecer os múltiplos sentidos envolvidos na
educação não formal, percebendo como o conhecimento é produzido
de forma coletiva nesses espaços e analisando exemplos de práticas
educativas que ocorrem neles.

O sentido da educação não formal


O homem nasce completamente dependente: precisa ser amparado, protegido e
educado sobre todos os aspectos que vão compor a sua vida. Entretanto, já desde
que adquire capacidades mínimas de comunicação e interação, ainda bebê, já
começa a experienciar aprendizados possíveis por meio das interações com os
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demais seres que o cercam. Assim, a curiosidade por aprender e a busca pelo
conhecimento passam a fazer parte da nossa existência já desde a nossa mais
tenra infância.
O filósofo e poeta Rubem Alves (2002, documento on-line) descreveu o nosso
anseio por aprender com as seguintes palavras: “[...] o corpo aprende para viver.
É isso que dá sentido ao conhecimento. O que se aprende são ferramentas, pos-
sibilidades de poder. O corpo não aprende por aprender. Aprender por aprender
é estupidez”. Nesse sentido, de forma simples e objetiva, buscamos aprender e
ter conhecimento sobre as coisas com uma intencionalidade prática, com um
objetivo em mente, que possa nos trazer algo e nos torne capaz para alguma coisa.
Como seres incompletos em termos de conhecimentos, sempre estamos em
busca de novos ensinamentos e aprendizagens úteis para aquilo que projetamos
e necessitamos em nossas vidas. Isso pode ser realizado a partir da educação
não formal, uma vez que ela “[...] designa um conjunto de práticas socioculturais
de aprendizagem e produção de saberes, que envolve organizações/institui-
ções, atividades, meios e formas variadas, assim como uma multiplicidade de
programas e projetos sociais” (GOHN, 2014, documento on-line).
O homem anseia por aprender tanto para participar dos grupos sociais em
que se insere quanto para tornar-se autônomo e independente. Dessa forma,
muitos são os espaços onde essa busca pelo conhecimento vai ocorrer, para
além dos muros escolares. Conforme destaca Gadotti (2005, p. 48), “[...] todo
ser vivo aprende na interação com o seu contexto: aprendizagem é relação com
o contexto. Quem dá significado ao que aprendemos é o contexto”. Assim,
podemos extrair importantes informações sobre o processo de aprendizagem
do ser humano: ela se dá na interação com outros seres. Nesse processo, o meio
e as condições sociais, políticas, econômicas, históricas e culturais também
são determinantes e, portanto, devem ser considerados.
Outro ponto importante da constituição da nossa humanidade é o uso
da racionalidade e da capacidade de pensarmos, buscando alternativas para
superarmos as nossas deficiências e aperfeiçoarmos as habilidades que ne-
cessitamos para viver. Cortella (2005, p. 40), ao confrontar a racionalidade
com a sua necessária ação, acrescenta:

Qual é, porém, a “ferramenta” para enfrentarmos a realidade? A tentação inicial


seria dizer: a racionalidade. No entanto, evidentemente, não basta pensar para
que as coisas aconteçam; é preciso agir. (...) só o animal humano é capaz de
ação transformadora consciente, ou seja, é capaz de agir intencionalmente
(e não apenas instintivamente ou por reflexo condicionado) em busca de uma
mudança no ambiente que o favoreça.
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Muitas dessas ações transformadoras conscientes citadas pelo autor têm


espaço e suporte para se realizarem nos ambientes não escolares — mais
precisamente, nas organizações em que a educação não formal é ofertada.
Dessa forma, a educação não formal é caracterizada pelos seguintes aspectos:

 natureza integracionista;
 caráter emancipatório;
 natureza transformadora;
 finalidade política/participativa;
 natureza contextual.

Ao abordar o tema da educação não formal ocorrida em múltiplos espaços


fora da escola, Gohn (2014, documento on-line) reforça a ideia de que, na
sociedade contemporânea, “[...] uma premissa fundamental que une muitos
analistas advindos de diferentes campos das ciências é a de que o conheci-
mento é uma ferramenta fundamental para orientar a existência e conduzir a
humanidade na História”. Em essência, o conhecimento nos marca e contribui
decisivamente para a construção histórica da nossa vida, uma vez que fornece
base de sustentação para o desenvolvimento social.
A educação não formal tem um sentido integracionista quando é capaz de
fornecer aos homens a capacidade de participar dos grupos sociais nos quais eles
se envolvem ou permite que possam aderir a outros por livre escolha. Por exem-
plo, um jovem pode interessar-se por programas de escotismo e, assim, passar a
frequentar um grupo escoteiro, no qual vai adquirir uma gama de conhecimentos e
valores por meio das experiências que tiver ali. Muitos desses conhecimentos não
seriam adquiridos em outros espaços — ou pelo menos não da mesma maneira.
Os conhecimentos que vamos obtendo ao longo das aprendizagens nos
espaços públicos e nas organizações não formais nos fornecem condições de
tomar as nossas próprias decisões, construir uma visão particular de mundo,
agir em busca de um comportamento mais independente e autônomo. Isso
representa o caráter emancipatório da educação não formal. Da mesma
forma, a educação não formal nos permite transformar nossas vidas, uma
vez que podemos perseguir intencionalmente alguns objetivos que sejam
importantes para nós. Assim, realizar um curso de idiomas, por exemplo, pode
tornar um indivíduo capaz de se comunicar com pessoas de outras nações,
bem como possibilitar um emprego melhor, ou seja, transforma a existência.
Outro aspecto importante da educação não formal é a sua natureza política,
não somente no sentido de sermos seres sociais, que aprendemos culturalmente
sobre formas de ser e estar no mundo, mas em defesa de uma existência demo-
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crática e cidadã. Para que esses conhecimentos se efetivem, exigem participação


e coletividade. Essa vontade de participar e de modificar a realidade é produzida
como forma de conhecimento ou aprendizagem, a partir do contexto em que esta-
mos inseridos. Logo, para a educação não formal, o meio, o contexto, a realidade
em que as pessoas se encontram e aprendem devem ser sempre considerados.
Um programa pedagógico em uma comunidade socialmente vulnerável,
por exemplo, deverá levar em consideração essa capacidade de mobilização,
conhecida como capital social, para planejar e propor as suas ações. Assim,
os membros dessa comunidade vão entender a importância de participarem
das ações em todas as esferas, inclusive nas decisões políticas de governo que
focalizem o território onde moram. Sobre esse aspecto da natureza da educação
não formal, Gohn (2014, documento on-line) complementa:

A educação não formal é aquela que se aprende "no mundo da vida", via os
processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e
ações coletivas cotidianas. Nossa concepção de educação não formal articula-
-se ao campo da educação cidadã — a qual no contexto escolar pressupõe a
democratização da gestão e do acesso à escola, assim como a democratização
do conhecimento. Na educação não formal, essa educação volta-se para a
formação de cidadãos(ãs) livres, emancipados, portadores de um leque diver-
sificado de direitos, assim como de deveres para com o(s) outro(s).

Acompanhando a citação da autora, a educação não formal cumpre a im-


portante finalidade de nos formar enquanto cidadãos, conscientes dos nossos
direitos e da importância de participarmos dos processos sociais que acabam
por regular as nossas vidas. Portanto, os conhecimentos da educação não
formal nos instrumentalizam para a vida, o que vai além dos conhecimentos
científicos que a escola traz como foco.

Perceba que há ações da educação não formal em locais e espaços que nem imaginamos.
Ao realizar o serviço militar obrigatório, por exemplo, os jovens de 18 anos, quando
selecionados, ingressam nas Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) e ali
permanecem por no mínimo 10 meses, aprendendo sobre os ofícios que assumiriam em
caso de combate na defesa da Nação. Nesses espaços, os jovens terão todo um aparato
de instruções militares e de outras questões para as suas vidas futuras, o que também
acaba contribuindo, em muitos casos, para a sua formação e constituição como adultos.
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O conhecimento nas ações coletivas


da educação não formal
Você viu anteriormente que vamos sendo produzidos como sujeitos a partir de nossa
curiosidade e busca por mais conhecimentos. Nesse sentido, podemos afirmar que
aprendemos, de forma intencional ou não, ao longo de toda a nossa vida, por meio
das mídias e das mais variadas formas de cultura que compartilhamos, bem como
nos diversos contextos em que nos encontramos. Ao falarmos em conhecimento,
sabemos que as organizações da educação não formal que estão ao nosso redor
em cada fase da vida são uma excelente fonte a partir da qual podemos aprender
(e ensinar), por meio das interações e trocas com outras pessoas.
Conforme reitera Marchiori (2018, p. 18), “[...] uma pessoa se revela como
ser social em sua relação com as outras. Dessa forma, emerge nas organiza-
ções um processo contínuo e ininterrupto de construção de culturas”. Em
outras palavras, em todas as organizações, estamos sendo expostos a práticas
pedagógicas que nos ensinam coisas, que nos fornecem novos conceitos e
valores, que produzem competências e nos preparam para o que a vida exige.
Ao falarmos sobre a importância da busca de conhecimento pelo ser humano
e como isso contribui para a nossa formação, devemos considerar os diversos
tipos de conhecimentos existentes. Chauí (2000) divide o conhecimento da
seguinte forma: senso comum, conhecimento mítico, conhecimento religioso,
conhecimento científico e conhecimento filosófico. Observe no Quadro 1 as
principais características desses tipos de conhecimentos.

Quadro 1. Tipos de conhecimento que circulam na sociedade

Forma de
Tipo de Base do O que valida o Quem transmite
aquisição do
conhecimento conhecimento conhecimento? o conhecimento?
conhecimento

Mítico Crença Narrativas Tradição Rapsodos


míticas

Religioso Crença (fé) Escrituras Dogmas Teólogos/líderes


religiosos

Senso comum Crença Tradição Não Pessoa comum


questionamento

(Continua)
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(Continuação)

Quadro 1. Tipos de conhecimento que circulam na sociedade

Forma de
Tipo de Base do O que valida o Quem transmite
aquisição do
conhecimento conhecimento conhecimento? o conhecimento?
conhecimento

Científico Razão Investigação Método Cientista

Filosófico Razão Reflexão Argumentação Filósofo

Fonte: Adaptado de Chauí (2000).

Embora o conhecimento mítico seja normalmente relegado à chamada


Antiguidade Clássica da filosofia, destacando-se a mitologia grega e romana,
ainda temos mitos em nosso meio, na sociedade atual, em algumas culturas
étnicas. Esse é o caso de algumas tribos indígenas que enxergam em vários
seres e elementos da natureza a razão para explicar como as coisas acontecem.
O conhecimento religioso adquirido a partir das mais variadas organizações
religiosas também nos acrescenta como seres humanos. Convém destacar
ainda que, nesses locais onde as pessoas se reúnem para adorar, costumam ser
ministradas aulas voltadas para o desenvolvimento de valores e habilidades
de outras ordens, além da religiosa. O conhecimento do senso comum, por
sua vez, é aquele que recebemos por meio da educação informal, sobre o qual
não houve grandes esforços ou estudos mais elaborados. Já o conhecimento
filosófico envolve a capacidade de reflexão e busca de respostas sobre as
coisas que ocorrem, sobre o mundo e os seus propósitos.
O conhecimento científico tem a pretensão de oferecer uma explicação
que seja vista como a verdade. Para isso, aplica-se um método exaustivo de
experimentações e análises sobre o objeto estudado. Porém, na atualidade,
isso tem sido contestado em detrimento de outras explicações possíveis para
os mesmos fenômenos ou objetos analisados. O importante é destacar que
há uma gama de conhecimentos que podem ser obtidos na educação não
formal, que perpassam todos esses tipos e que vão fazer parte da vida das
pessoas de forma variável e diferenciada, de acordo com a sua história e os
seus laços sociais e culturais.
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Podemos destacar alguns aspectos presentes nos processos de construção


de conhecimento que se apresentam nas organizações da educação não formal
(MARCHIORI, 2018):

 mudança;
 comunicação;
 compartilhamento;
 práticas;
 integração;
 adaptação;
 competição;
 cultura.

Ao comentarmos sobre a educação não formal e o conhecimento gerado


pelas organizações que fazem parte dela, é importante apontar a busca por mu-
danças como uma das finalidades do processo de construção de conhecimento.
Muitas dessas mudanças são almejadas por meio das ações das organizações
da sociedade civil que hoje compõem o terceiro setor, bem como no interior
dos movimentos sociais brasileiros. É importante demarcar, conforme salienta
Gohn (2013), que as formas de associativismo ou reunião das pessoas em prol de
causas sociais sofreram muitas mudanças após a década de 1990. Atualmente,
elas são agenciadas por organizações que atuam em rede, em nível global,
como a Anistia Internacional ou o Geenpeace, ou em campanhas nacionais,
como a Campanha contra a Fome, entre outras. Nesse sentido:

Este tipo de associativismo não demanda dos indivíduos obrigações e de-


veres permanentes para com uma organização. E a mobilização se efetua
independentemente de laços anteriores de pertencimento, o que não ocorre
com o associativismo de militância político-ideológica. Em suma, o asso-
ciativismo dos anos 1990 passou a ser mais propositivo, operativo e menos
reivindicativo — produzindo menos mobilizações ou grandes manifestações,
é mais estratégico. O conceito básico que dá fundamento às ações desse novo
associativismo é o de participação cidadã (GOHN, 2013, documento on-line).

Dessa forma, desde a década de 1990, sobretudo impulsionadas pelas


tecnologias digitais de informação e comunicação e pelas reconfigurações que
vieram com a globalização, as possibilidades de participação em organizações
não formais de educação se ampliaram, uma vez que é no interior delas que são
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desenvolvidos os requisitos para o exercício da cidadania. Assim, percebemos


a existência de muitos movimentos que hoje são articulados em torno das po-
líticas públicas existentes, buscando a sua implementação ou o monitoramento
das suas ações. Podemos citar, na área da educação, o Movimento pela Base
Nacional Comum e o Todos Pela Educação, que envolvem pessoas interessadas
nas questões das políticas públicas educacionais vigentes no Brasil.
Segundo o portal eletrônico do Movimento Pela Base Nacional Comum
(2017, documento on-line):

O Movimento pela Base é um grupo não governamental que, desde 2013, reúne
entidades, organizações e pessoas físicas, de diversos setores educacionais, que
têm em comum a causa da Base Nacional Comum Curricular. O Movimento pela
Base acredita que a BNCC, assim como outras políticas públicas e estratégias, é
essencial para melhorar a equidade e a qualidade da Educação do país. O papel do
Movimento pela Base é gerar insumos e evidências para qualificar o debate público
sobre a causa, observar a qualidade dos processos de construção e implementação
do documento, participar dos momentos coletivos de construção desta e de outras
políticas correlatas, por meio de leituras críticas, audiências e consultas públicas,
zelar pela qualidade e disseminar materiais e informações que apoiem redes e
escolas a concretizarem a implementação com foco na aprendizagem dos alunos.
Perceba que esse “movimento” apresenta ações intencionais e pedagógicas não
formais que educam sobre os aspectos curriculares, dando suporte a várias
organizações, incluindo a escola.

Quando relacionamos o termo “competição” no cenário contemporâneo,


pretendemos enfatizar a realidade do mercado de trabalho atual, em que
cada vez mais se exigem novas competências dos trabalhadores, que, para se
tornarem devidamente qualificados, precisam buscar aperfeiçoamento. Isso
normalmente se dá a partir das organizações da educação não formal, em que
conhecimentos são adquiridos e habilidades são praticadas. Por exemplo, um
jovem pode ter aprendido sobre liderança e condução de trabalhos em equipe ao
experienciar o serviço militar obrigatório, o que pode ser reforçado ao realizar
um curso de liderança ou inovação, numa organização da sociedade civil do
seu bairro ou da sua cidade. Para reforçar esses aprendizados, pode colocar em
prática, dentro dessa mesma organização não governamental, as habilidades
que possui, ajudando a formar novas lideranças juvenis ou comunitárias.
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Educação não formal: caráter educativo


de suas ações
Desde os primórdios do século XXI, as discussões acerca dos processos
educativos que ocorrem na nossa formação humana têm sido fomentados no
intuito de problematizar a tendência hegemônica que entende a escola como
responsável quase que única pela educação. Assim, o conceito de comuni-
dade escolar, ainda que envolva as organizações do entorno da instituição
de ensino, parece restringir a essa organização a finalidade de educar. Gohn
(2004, documento on-line) rebate essa ideia, sugerindo que seria melhor uti-
lizarmos o termo “comunidade educativa”, pois este envolveria as estruturas
organizadas dentro e fora da escola, entendendo que em ambos os espaços há
intencionalidade e práticas educativas:

Comunidade educativa designa os atores participantes do processo educacional,


dentro e fora das unidades escolares. Do ponto de vista metodológico operacio-
nal, o conceito envolve a comunidade escolar propriamente dita, composta de
professores e especialistas (de apoio, coordenadores e orientadores pedagógi-
cos), alunos, pais, funcionários e todo o staff administrativo da gestão interna
(diretores, supervisores etc.), a comunidade externa às escolas (Secretarias de
Estado, Delegacias Regionais de Ensino e outros representantes da sociedade
civil organizada), assim como a comunidade do entorno da unidade escolar,
composta de organizações da sociedade civil que tratam de questões que di-
zem respeito à escola, ou seja, movimentos sociais, sindicatos, associações
religiosas, Organizações Não Governamentais (ONGs) que atuam no Terceiro
Setor, organizações de empresários, etc. (GOHN, 2004, documento on-line).

Como podemos notar, o conceito de comunidade educativa expande a


noção de educação para outros contextos além dos muros da escola, enfa-
tizando que existem possibilidades educacionais e aprendizagens capazes
nesses outros ambientes, como as organizações típicas do terceiro setor
(associações, cooperativas, fundações, etc.). Essas organizações, quando
existentes nas comunidades, podem ter como objetivo o direito social à
educação, inclusive reforçando as ações da própria escola, complementando
os seus afazeres e contribuindo para que ela atinja os seus objetivos.
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Ao ter a oportunidade de participarem em uma organização da educação não


formal, os indivíduos podem, por meio das experiências vividas nesse espaço,
rever os seus posicionamentos anteriores aprendidos nos seus grupos culturais,
bem como apropriar-se de novos elementos que ampliam o seu entendimento
sobre questões importantes e pertinentes das suas vidas. Assim, por meio da
reflexão e do incremento do seu repertório e dos seus conhecimentos, podem
acrescentar novos sentidos à sua vida e à sua identidade nesse contato com os
outros. Gohn (2004, documento on-line) esclarece ainda que:

Os sujeitos reinterpretam o significado das coisas e fatos que recebem,


dão sentido às ações de que participam e produzem novos significados,
porque, embora os significados sejam conceitos, não são fixos nem imutá-
veis; não são seres eternos, inativos, e sim ferramentas dinâmicas que nos
ajudam a decodificar o que é uma coisa. No entanto, a própria dinâmica
da História os transforma continuamente. Por isso, sempre estão abertas
as portas e as possibilidades para mudanças, cujo caráter não é dado a
priori, podendo ser no sentido de transformação ou de reiteração de valores
e práticas existentes.

Acompanhando a ideia da autora, destacamos o caráter da transformação


que pode ocorrer no indivíduo que está envolvido nas práticas das organizações
não formais. Logo, além de buscar uma transformação social focando um direito
ou uma demanda pertinente, os indivíduos que ali interagem entre si também
se transformam, reforçando conceitos e apropriando-se ou reforçando os seus
valores. Nesse sentido, ao pensarmos em transformação e na educação não
formal, destacamos o caráter da emancipação que, em muitos casos, ocorre
a partir dessas práticas pedagógicas.
Podemos citar como exemplo as práticas colocadas em ação pelo educador
Paulo Freire, nas décadas de 1950 e 1960, com a educação popular de adultos.
Por meio de um processo de alfabetização, ele propunha educar os trabalha-
dores da construção civil de comunidades com vulnerabilidade social para
uma leitura do mundo e das realidades sociais existentes. Conforme esclarece
Fiori (2003), nas palavras iniciais da obra Pedagogia do Oprimido, de Paulo
Freire, ao referir-se ao método de aprendizagem utilizado pelo educador em
suas práticas pedagógicas nos espaços da educação não formal:

O método de conscientização de Paulo Freire refaz criticamente esse pro-


cesso dialético de historicização. Como todo bom método pedagógico, não
pretende ser método de ensino, mas sim de aprendizagem; com ele o homem
não cria sua possibilidade de ser livre, mas aprende a efetivá-la e exercê-la.
Educação não formal 11

A pedagogia aceita a sugestão da antropologia: impõe-se pensar e viver a


“educação como prática da liberdade”. (...) Neste sentido, alfabetizar-se não
é aprender a repetir palavras, mas a dizer a sua palavra, criadora de cultura
(FIORI, 2003, p. 18).

A partir desses encontros, que ocorriam em associações comunitárias e


núcleos da igreja católica (comunidades eclesiásticas de base), eram desenvol-
vidas condições do desenvolvimento da cidadania, por meio da capacidade de
crítica e reflexão sobre a condição social de cada um, bem como da esperança
de uma melhoria de vida para o futuro desses trabalhadores. Essas são algumas
das ricas possibilidades educativas que são produzidas a partir dos espaços da
educação não formal, pois eles atendem a outras necessidades dos sujeitos que
ali se encontram, frequentemente impactando e contribuindo para a formação
ou transformação das suas identidades.
Kleber (2008), ao pesquisar sobre a educação musical realizada em duas
organizações não governamentais, percebeu que, a partir das práticas peda-
gógicas utilizando a música, também eram desenvolvidos nas comunidades
onde essas organizações se localizavam muitos outros aspectos educativos,
que envolviam conhecimentos de várias ordens, como éticos, políticos e
estéticos. Ao terminar a sua pesquisa acompanhando esses grupos de jovens
que apresentavam uma grande noção de pertencimento junto a essas ONGs,
Kleber (2008, documento on-line) destaca:

[...] as ONGs são campos emergentes de novos perfis profissionais e caracterizam-


-se por serem organizações que trabalham com conteúdos flexíveis, ancorados em
demandas emergenciais dos sujeitos e de suas comunidades. Por serem voláteis,
enquanto instituição, as ações socioculturais são constantemente redefinidas,
próximas às demandas da vida prática. Assim, a cultura que permeia o trabalho
socioeducativo está mais próxima dos atores sociais envolvidos, o que se constitui
em um fator significativo na construção das identidades individuais e coletivas.

Dessa forma, a autora teve a possibilidade de vivenciar muitos dos aspectos


que constituem e caracterizam um espaço da educação não formal:

 a flexibilidade da estrutura e do tempo das práticas educativas;


 os objetivos pedagógicos alinhados com as demandas sociais urgentes
nessas comunidades e, por isso, estão em constante mutação no decorrer
do tempo;
 a cultura como fator importante e decisivo para o engajamento e a
participação dos atores que ali se encontram e interagem em busca de
crescimento e aprimoramento das possibilidades de vida.
12 Educação não formal

Dessa forma, “[...] as noções de pertencimento, de visibilidade, do resgate


de questões básicas relacionadas à dignidade humana emergem como um traço
que identifica os participantes da pesquisa de ambas as ONGs” (KLEBER,
2008, documento on-line). Essas iniciativas da educação não formal, sobretudo
quando localizadas em comunidades que apresentam grande vulnerabilidade
social, servem como base de sustentação para que as identidades possam ser
construídas sobre valores morais e éticos, muitas vezes contribuindo para
que crianças e adolescentes não sejam capturados pelos discursos sedutores
da vida do crime.
Veja no exemplo a seguir a fala de um jovem entrevistado por Kleber (2008,
documento on-line) sobre os aspectos que a experiência na ONG Meninos do
Morumbi teve na sua vida:

Cheguei a me envolver com o crime. Droga nunca usei, graças a Deus...


Agora crime, eu desandei bastante. Cheguei a fazer coisa que não era pra
ter feito: eu roubava mesmo! Roubava carro, essas coisas e levava. Aí o
Flavão foi lá e graças a Deus me ajudou. Tirou eu, de novo, do buraco. Duas
vezes... eu voltei pra cá...essa menina que eu falo que é minha namorada,
ela que falou pro Flávio que eu estava mexendo com arma. Eu conheci ela
no projeto, ela tinha 12 anos e eu tinha acho que 16 ou 15, uma coisa assim
e namorava com ela. E aí, agora o Flávio é o meu padrinho de casamento,
o Flávio e a Ligia. Eu casei, o Flávio ajudou a casar, ajudou lá na igreja, na
festa, sabe, em tudo assim. Nós fizemos o maior festão, foi legal. Aí ele é
padrinho da minha filha também e meu patrão e meu pai também. Pra mim
ele é isso e a Ligia é a mesma coisa.

Perceba quantos aspectos da vida desse jovem foram se constituindo a partir


da sua relação com essa organização social, como ela serviu para educá-lo
para uma nova possibilidade de vida. A partir do contato com a ONG, o jovem
pôde se afastar do crime e estabelecer novas relações de amizade e afeto no
decorrer da vida, inclusive tendo nos membros da organização uma referência
paterna. Assim, vemos que a educação não formal de fato ocorre na vida, nas
experiências que vão nos constituindo, nas possibilidades de aprendizagem, na
cultura de cada grupo ou nos espaços comunitários que frequentamos. Essas
experiências, para além dos objetivos escolares, formam-nos como sujeitos
e como seres humanos.
Educação não formal 13

Hoje há muitas possibilidades de desenvolvimento de ações voluntárias em prol de


causas sociais relevantes. Assim, as organizações da sociedade civil acabam, por meio
das suas práticas pedagógicas, contribuindo efetivamente para a melhoria da sociedade
brasileira. Se você deseja desenvolver a sua cidadania, acesse o link a seguir e conheça
o trabalho da ChildFund, fundação que atua em rede, internacionalmente, procurando
ajudar crianças e adolescentes a ter uma melhor qualidade de vida.

https://qrgo.page.link/9zWX

ALVES, R. Sobre moluscos e homens. Folha de São Paulo, fev. 2002. Disponível em: ht-
tps://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1702200208.htm. Acesso em: 19 nov. 2019.
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CORTELLA, M. S. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos.
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14 Educação não formal

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http://www.revistafenix.pro.br/vol15Magali.php. Acesso em: 19 nov. 2019.
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MOVIMENTO PELA BASE NACIONAL COMUM. Quem somos. [S. l.: s. n.], 2017. Disponível
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Leitura recomendada
CHILDFUND BRASIL. Apadrinhar uma criança transforma o mundo. Belo Horizonte: [S.
n.], 2019. Disponível em: https://www.childfundbrasil.org.br/contato/. Acesso em: 19
nov. 2019.

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