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SUMÁRIO

1 EDUCAÇÃO NO BRASIL: CONCEPÇÃO E DESAFIOS PARA O SÉCULO


XXI 2

2 CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO .................................................................. 3

3 VISÃO CRÍTICA DA CONCEPÇÃO QUE ORIENTA A POLÍTICA


EDUCACIONAL ATUALMENTE EM VIGOR............................................................... 6

4 DESAFIOS PARA O SÉCULO XXI ............................................................. 9

5 LEITURA COMPLEMENTAR.................................................................... 15

BIBLIOGRAFIAS ............................................................................................ 39
1 EDUCAÇÃO NO BRASIL: CONCEPÇÃO E DESAFIOS PARA O SÉCULO XXI

Fonte: www.valoresreais.com

O problema das concepções de educação pode ser abordado de diferentes


maneiras. Um enfoque possível é a partir da filosofia identificando-se, em
consequência, as principais concepções de educação expressas nas grandes
tendências que se manifestaram ao longo da história. Nessa linha de análise
poderíamos chegar às diversas concepções de filosofia da educação considerando
também as correntes filosóficas a elas articuladas.
Outra forma de abordagem seria levar em conta o aspecto propriamente
pedagógico o que nos conduziria a identificar as principais correntes pedagógicas
como o escolanovismo, o não-diretivismo, o construtivismo, o behaviorismo, etc. Uma
outra maneira seria considerar a educação a partir da função social desempenhada
nas diferentes sociedades ao longo do tempo.
Nesse caso a educação seria concebida como um processo de inculturação ou
aculturação das novas gerações nas tradições e nos costumes característicos de uma
formação social determinada. Nesse âmbito emergiriam, como assinalou Durkheim,
os papeis de homogeneização e diferenciação requeridos de seus membros por parte
da sociedade.
No entanto, para efeitos desta exposição no âmbito dessa Conferência
Nacional de Educação, Cultura e Desporto, não vou seguir nenhum dos caminhos
acima apontados. Vou procurar me ater aos objetivos desse evento que, inspirado em
Anísio Teixeira e pretendendo ser dominantemente propositivo, nos convida a buscar
alternativas concretas, em especial no âmbito da legislação, de modo a delinear com
a clareza que se revelar possível, a concepção e as medidas dela decorrentes
exigidas para se enfrentar os desafios que se põem para a educação brasileira neste
limiar do século XXI.

2 CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO

O entendimento dos problemas enfrentados pela educação brasileira


atualmente implica a compreensão da forma assumida pela educação no contexto das
sociedades modernas. Caracterizadas pelo predomínio da cidade e da indústria sobre
o campo e a agricultura, essas sociedades se constituíram sob a forma do direito
positivo regendo-se por constituições escritas e generalizando relações formalizadas
através de contratos cujo teor se manifestava também por escrito e cuja adesão se
dava através da assinatura que expressava a concordância, após sua leitura, com o
conteúdo das cláusulas do contrato. Incorporava-se, assim, à vida social a expressão
escrita.
Em consequência, para participar ativamente desse tipo de sociedade nas
diversas e múltiplas funções por ela desenvolvidas, se faz necessário o ingresso na
cultura letrada. Ora, sendo essa forma de cultura um processo formalizado,
sistemático, só pode ser atingida através de um processo educativo também
sistemático.
Portanto, a sociedade moderna não podia mais se satisfazer com uma
educação difusa, assistemática e espontânea, passando a requerer uma educação
organizada de forma sistemática e deliberada, isto é, institucionalizada o que veio a
colocar a educação escolar como a forma principal e dominante de educação.
No contexto descrito o acesso à escola passa a ser considerado como um
direito de todo cidadão e, como tal, um dever do Estado. O cumprimento de esse dever
assume, no final do século XIX, a forma da organização dos sistemas nacionais de
ensino, entendidos como amplas redes de escolas articuladas verticais e
horizontalmente tendo como função garantir a toda a população dos respectivos
países o acesso à cultura letrada traduzido na erradicação do analfabetismo através
da universalização da escola primária considerada, por isso mesmo, de frequência
obrigatória.
Os principais países, não apenas da Europa, mas também da América Latina,
como se pode ver pelo exemplo de nossos vizinhos, a Argentina, o Chile e o Uruguai,
tendo organizado os seus sistemas nacionais de ensino a partir do final do século XIX,
lograram universalizar o ensino elementar e, com isso, erradicar o analfabetismo. O
Brasil não fez isso. Após uma tentativa fracassada por ocasião da Constituinte de
1823 e, depois, com a lei das escolas de primeiras letras de 1827, relegou-se a
educação básica durante todo o Império e ao longo da Primeira República às
Províncias e, depois, aos Estados federados, desobrigando-se desse dever o Estado
Nacional.
Foi somente após a Revolução de 1930 que a educação no Brasil começou a
ser tratada como uma questão nacional dando-se precedência, porém, ao ensino
secundário e superior já que foi só em 1946 que viemos a ter uma lei nacional relativa
ao ensino primário. E, ainda assim, o trato da questão educacional foi sempre, entre
nós, atravessado por um dualismo desqualificador da instrução popular em confronto
com aquela destinada às elites.
Com efeito, as reformas Capanema da década de 1940 foram marcadas pela
contraposição entre ensino secundário destinado às elites condutoras e ensino
profissional voltado para o povo conduzido. Procurou-se corrigir essa distorção
através das leis de equivalência entre os vários ramos do ensino médio na década de
1950, equivalência essa que foi incorporada à nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional promulgada em 1961.
E a Lei 5692 de 11 de agosto de 1971, ao justificar a tentativa de
universalização compulsória da profissionalização no ensino de segundo grau, trouxe
à baila o slogan "ensino secundário para os nossos filhos e ensino profissional para
os filhos dos outros" com o qual se procurava criticar o dualismo anterior sugerindo
que as elites reservavam para si o ensino preparatório para ingresso no nível superior,
relegando a população ao ensino profissional destinado ao exercício de funções
subalternas.
Deve-se notar, porém, que essa mesma lei 5.692 introduziu a distinção entre
terminalidade ideal ou legal, que corresponde à escolaridade completa de primeiro e
segundo graus com a duração de onze anos, e terminalidade real, a qual implicava a
antecipação da formação profissional de modo a garantir que todos, mesmo aqueles
que não chegassem ao segundo grau ou não completassem o primeiro grau, saíssem
da escola com algum preparo profissional para ingressar no mercado de trabalho.
Admitiu-se, pois, que nas regiões menos desenvolvidas, nas escolas mais
carentes, portanto, para a população de um modo geral, a terminalidade real resultaria
abaixo da legal, isto é, chegaria até os dez anos de escolaridade ou oito, sete, seis ou
mesmo quatro anos correspondentes ao antigo curso primário devendo receber,
mesmo nesses casos, algum preparo profissional para daí passar diretamente ao
mercado de trabalho.
Ora, através desse mecanismo a diferenciação e o tratamento desigual foram
mantidos no próprio texto da lei, apenas convertendo o slogan anterior neste outro:
"terminalidade legal para os nossos filhos e terminalidade real para os filhos dos
outros".
Observe-se, finalmente, que o referido dualismo se faz presente também na
política educacional atual não apenas quando, na reforma do ensino médio, se separa
o ensino técnico do ensino médio de caráter geral e quando se advogam no ensino
superior os centros de excelência destinados a ministrar às elites um ensino de
qualidade articulado com a pesquisa em contraste com as instituições que ofereceriam
ensino sem pesquisa.
Esse dualismo se manifesta também no ensino fundamental ao se propor para
a rede pública um ensino aligeirado avaliado pelo mecanismo da promoção
automática e conduzido por professores formados em cursos de curta duração
organizados nas escolas normais superiores com ênfase maior no aspecto prático-
técnico em detrimento da formação de um professor culto, dotado de uma
fundamentação teórica consistente que dê densidade à sua prática docente.
Esta última alternativa ficará reservada às escolas destinadas às elites que
certamente continuarão a recrutar os seus professores dentre aqueles formados nos
cursos de licenciatura longa, preferentemente oriundos dos centros de excelência
constituídos pelas universidades públicas que preservarão a exigência da
indissociabilidade entre ensino e pesquisa.
3 VISÃO CRÍTICA DA CONCEPÇÃO QUE ORIENTA A POLÍTICA
EDUCACIONAL ATUALMENTE EM VIGOR

Fonte: www.insper.edu.br

A política educacional que vem sendo implementada no Brasil, sob a direção


do Ministério da Educação, se caracteriza pela flexibilização, pela descentralização
das responsabilidades de manutenção das escolas através de mecanismos que
forcem os municípios a assumir os encargos do ensino fundamental associados a
apelos à sociedade de modo geral, aí compreendidas as empresas, organizações
não-governamentais, a comunidade próxima à escola, os pais e os próprios cidadãos
individualmente considerados, no sentido de que cooperem, pela via do voluntarismo
e da filantropia, na manutenção física, na administração e no próprio funcionamento
pedagógico das escolas.
Delineia-se, assim, um estímulo à diferenciação de iniciativas e diversificação
de modelos de funcionamento e de gestão do ensino escolar. Em contrapartida, com
base na montagem de um "sistema nacional de avaliação" respaldado pela LDB,
centraliza-se no MEC o controle do rendimento escolar em todos os níveis, desde as
creches até a pós-graduação. Há, pois, um estímulo à descentralização traduzida na
flexibilização, diferenciação e diversificação do processo de ensino mas uma
centralização do controle dos seus resultados.
Ora, as características acima enunciadas permitem perceber que a política
educacional que está sendo implementada acentua, pela via da diferenciação
apontada, as desigualdades educacionais aprofundando o dualismo antes referido.
Aliás, cabe observar que a orientação em pauta se inspira naquilo que
poderíamos chamar de "modelo americano". Esse modelo, diferentemente daquele
que predominou nos países europeus, considera como função principal do ensino
fundamental, a socialização das crianças ao passo que o modelo europeu enfatizava
a função de formação intelectual o que implica a garantia de uma base comum, mais
ou menos homogênea a partir da qual todos os cidadãos podem participar, em
condições de igualdade, da vida da sociedade a que pertencem.
Visando, pois, criar esse patamar comum centrado no domínio dos elementos
fundamentais da cultura letrada de base científica, os principais países organizaram
os sistemas nacionais de ensino como instrumento para universalizar a escola básica
(o ensino elementar) e, por esse caminho, erradicar o analfabetismo.
Em contrapartida nos Estados Unidos, a precedência da função de socialização
das crianças atribuída à escola básica levou a vincular as escolas às comunidades
próximas, isto é, aos municípios, dispensando-se um sistema nacional e priviligiando-
se, na avaliação da aprendizagem das crianças, sua capacidade de relacionamento e
interação com as demais crianças ao passo que, no modelo europeu, a avaliação
implicava um sistema de exames destinado a aferir o grau de apreensão dos
conhecimentos elementares que caracterizam uma formação intelectual
correspondente ao domínio da cultura moderna entendida como necessária a toda a
população e, por isso, sendo objeto de um ensino comum a todos.
Do ponto de vista do processo, o modelo americano levou a uma maior
diferenciação de iniciativas assim como à maior diversificação das formas de gestão,
enquanto o modelo europeu conduziu a uma maior centralização das iniciativas e a
uma forma de gestão relativamente unificada cuja responsabilidade primordial se
localizava no Estado nacional.
Do ponto de vista dos resultados se verifica que o modelo europeu foi capaz de
garantir razoável coesão, assegurando um patamar comum que permitiu
homogeneizar o acesso à cultura letrada, o que significou um razoável grau de
igualdade de condições de participação de todos na vida social. Já o modelo
americano resultou bem mais desigual, apresentando diversas distorções que têm
sido objeto de alerta das próprias autoridades políticas e educacionais do próprio país
e que volta e meia são divulgadas através da imprensa.
Com efeito, de vez em quando nos deparamos com notícias em jornais ou
revistas dando conta de que nos Estados Unidos é comum ocorrer que um significativo
número de jovens cheguem a concluir o ensino médio e até mesmo a ingressar na
universidade sendo praticamente analfabetos (os denominados analfabetos
funcionais). Ora, essa é uma situação inteiramente estranha aos países europeus. Em
verdade, nunca encontramos notícias semelhantes a respeito da Inglaterra,
Alemanha, Bélgica, Holanda, Suécia, Dinamarca, Noruega, França, Itália, Espanha,
Portugal, em suma, dos países europeus de modo geral. Sem dúvida isso tem a ver
com a diferença de modelos que presidiu a organização do ensino em um e em outro
caso.
As observações feitas acima nos permitem aquilatar a gravidade da situação
em que nos encontramos. Na verdade, considerando que nós sequer chegamos a
universalizar a escola elementar, a adoção do modelo americano potencializa
enormemente as consequências negativas detectadas nos Estados Unidos
contribuindo para aprofundar ainda mais a extrema desigualdade que é a triste marca
de nossa tradição histórica.
Vê-se assim que, se na Europa a influência do modelo americano pode ser até
benéfica pois poderá contribuir para flexibilizar a forma de um sistema já consolidado,
no caso do Brasil, onde não se conseguiu ainda implantar um sistema de ensino
abrangente em âmbito nacional, a referida influência resulta deletéria nos distanciando
ainda mais da meta de garantir a todas as nossas crianças a desejada igualdade de
acesso aos bens culturais.
4 DESAFIOS PARA O SÉCULO XXI

Fonte: www.primecursos.com.br

Curiosamente, a conclusão a que chegamos é que o grande desafio que ainda


se põe para o Brasil em termos educacionais ao ingressar no século XXI, nos vem do
século XIX. Trata-se da tarefa de organizar e instalar um sistema de ensino capaz de
universalizar o ensino fundamental e, por esse caminho, erradicar o analfabetismo.
A Constituição de 1988 estabeleceu, nas Disposições Transitórias, o prazo de
dez anos para o cumprimento dessas duas metas. Os dez anos se passaram e agora,
em decorrência da Emenda Constitucional de número 14 e da nova LDB, está se
procurando fixar no Plano Nacional de Educação, mais dez anos para se atingir essas
mesmas metas. Corremos, assim, o risco de, daqui a dez anos, estarmos concedendo
mais uma década para realizar aquilo que os principais países fizeram a partir do final
do século XIX e início do século XX.
Nosso atraso já é, pois, secular o que vem implicando um grande déficit
histórico. E é preocupante constatar que a política educacional em curso, embora
disposta a atacar esse problema, não o está encaminhando da forma mais adequada.
Com efeito, como já foi indicado, ao aderir ao "modelo americano" nós corremos o
risco de universalizar o ensino fundamental sem conseguir, porém, erradicar o
analfabetismo.
E esse risco fica mais evidente ao se constatar que um dos principais vetores
dessa política educacional é a redução de custos, sob o aspecto econômico, o que
leva a apostar todas as fichas na "promoção automática" como via para possibilitar a
todas as crianças a conclusão do ensino fundamental. Mas, convenhamos, a
promoção automática não é solução para o problema da repetência.
Isto porque, como se infere da própria denominação, a passagem é automática,
isto é, os alunos são promovidos independentemente do que fizeram ou deixaram de
fazer. Quer se tenha atingido os objetivos quer não, tenham ou não preenchido os
requisitos, a aprovação irá ocorrer.
Deixa de ser relevante o desempenho tanto dos alunos como dos professores.
Coisa diversa é o empenho em se atingir a meta da "repetência zero", vale dizer, o
objetivo de que todos sejam promovidos. Aqui se trata de criar as condições para que
todos os alunos atinjam os objetivos definidos para os diversos componentes
curriculares que integram o processo de ensino-aprendizagem.
Acoplando-se simplesmente o mecanismo da "promoção automática" à
situação atual das escolas ficando intactas as suas condições de funcionamento pode-
se eliminar o problema da repetência resolvendo-se o problema do ponto de vista
estatístico. Permaneceria, porém, o mesmo quadro de deficiências e precariedades
que se associam, hoje, aos altos índices de repetência.
O que precisa ser feito é equipar adequadamente as escolas e instituir uma
carreira digna para o corpo docente como fizeram os países que, a partir do final do
século XIX, implantaram os seus sistemas nacionais de ensino. Em condições
adequadas o normal é que as crianças aprendam sendo, portanto, promovidas. Assim,
resolve-se o problema da repetência porque as crianças, de fato, aprendem e não
porque se decretou a promoção automática.
Aliás, os sistemas de ensino europeus estavam apoiados em uma sistemática
relativamente rígida de exames como mecanismo para aferir se os alunos seriam ou
não promovidos e nem por isso tiveram que se deparar com a necessidade de
exorcizar o fantasma da repetência. Ao contrário, o sistema se mostrou eficaz para
garantir a aprendizagem, o que permitiu estabelecer o fluxo regular dos alunos que
evoluíam, sem problemas, de uma série para outra até a conclusão, sem defasagem
de idade, da escolaridade obrigatória.
Para enfrentar esse desafio, que há um século nos afronta, é mister assumir de
vez a educação como prioridade de fato e não apenas nos discursos como ocorre
recorrentemente. Nesse esforço cabe, sem dúvida, promover alterações na legislação
educacional. Poderíamos aperfeiçoar determinados dispositivos da Constituição
assim como modificar a orientação que prevaleceu na LDB e legislação
complementar.
Entretanto, não me parece ser esta a questão fundamental mesmo porque uma
efetiva mudança de rumos na regulação legal da educação estaria na dependência
de uma nova correlação de forças políticas que conduzisse a uma outra relação de
hegemonia. No que se refere, porém, aos desafios fundamentais que se põem para a
educação me parece haver um razoável grau de consenso, o que faz com que a
legislação em vigor não chegue a ser, na letra da lei, um efetivo obstáculo para as
ações que se fazem necessárias.
Nesse aspecto penso que a legislação que conta, de fato, nas atuais
circunstâncias, é aquela relativa ao Plano Nacional de Educação. Sob esse aspecto o
texto aprovado na Câmara dos Deputados não deixa de se constituir num avanço em
relação à proposta do MEC. Entretanto, naquilo que é decisivo, isto é, a questão do
aporte de recursos para a educação, a gradualidade adotada acaba por diluir e
amortecer o impacto requerido para implementar as transformações que não podem
mais ser postergadas. Por isso, ouso insistir na minha proposta de um plano de
emergência cujas linhas básicas apresento a seguir (SAVIANI, S/D):
Para fazer face ao atraso em que nos encontramos, proponho a imediata
duplicação do percentual do PIB investido em educação, passando dos atuais 4%
para 8%. Isso, em verdade, apenas nos colocaria no nível das nações que mais
investem em educação a exemplo dos Estados Unidos, Canadá, Noruega e Suécia
que, segundo tabela apresentada pelo MEC em seu roteiro para a elaboração do
Plano Nacional de Educação, se situam na faixa entre 7,5 e 8,5%. Observe-se, porém,
que esses países não têm o déficit que temos.
Portanto, se estamos empenhados em zerar o déficit, teríamos que investir
muito mais. Penso, porém, que, a partir desse esforço, teríamos chances de começar
a tratar com seriedade os problemas da educação, ganhando condições de resolvê-
los efetivamente. A propósito, recordemo-nos da insistência de Anísio Teixeira para
quem a educação requer significativos investimentos não sendo possível tratá-la
seriamente com pouco dinheiro.
Fonte: faculdadefamesp.com.br

A duplicação do percentual do PIB permitiria que cada instância passasse a ter


o dobro dos recursos de que hoje dispõe para a educação. Assim, os municípios que,
por força do FUNDEF, têm apenas 10% de seus recursos para investir em educação
infantil, passariam a ter 20%. Com isso, já começa a se tornar viável a construção de
uma ampla rede nacional de educação das crianças de 0 a 6 anos, mantida e gerida
pelos municípios, com a orientação dos Conselhos Estaduais de Educação.
Para o ensino fundamental, em lugar dos atuais 15% dos recursos de Estados
e Municípios, passaríamos a ter o equivalente a 30%. Lançando mão do parágrafo
único do artigo 11 da LDB, que permite aos municípios a opção de se integrar ao
sistema estadual ou compor com ele um sistema único de educação básica, será
possível construir, a partir dos Estados, um amplo sistema de ensino fundamental
coordenado nacionalmente.
No caso do ensino médio teríamos o equivalente a 20% dos recursos dos
Estados, o que já permitiria que o objetivo de universalização do ensino médio,
previsto pela Constituição Federal, deixasse o âmbito dos objetivos remotos para se
tornar viável no médio prazo. Com efeito, cabe observar que, diferentemente do
ensino fundamental que se compõe de nove séries, o ensino médio tem apenas três.
Quanto à questão dos professores, considerando a determinação do FUNDEF
de que 60% dos recursos se destinem ao corpo docente, a duplicação do percentual
tornará exequível a meta de implementar a jornada de 40 horas em uma única escola,
além de viabilizar a criação de uma espécie de PICD da Educação Básica, semelhante
ao que se fez com o ensino superior, através da CAPES, viabilizando, assim, a
qualificação dos professores através de bolsas de estudo para frequentar cursos
específicos nas universidades públicas de melhor qualidade.
Finalmente, em relação ao ensino superior, a duplicação dos recursos permitirá
à União, com o montante atual, consolidar as universidades federais além de manter
sua rede de escolas técnicas. Os recursos adicionais, da mesma magnitude dos
atuais, poderiam ser divididos em duas fatias: metade se destinaria à educação básica
para que a União possa cumprir a função de apoio técnico e financeiro, suprindo as
deficiências locais; a outra metade constituiria um fundo por meio do qual seriam
financiados projetos que engajariam fortemente as universidades na realização das
metas definidas no Plano Nacional de Educação.
Está claro que a implantação de uma proposta como essa não resolverá, por si
só, todos os problemas da educação brasileira. Mas estou convencido que é somente
a partir de uma iniciativa desse tipo que a solução se tornará possível.
Apresentei essa proposta primeiramente no II CONED e depois a registrei no
livro Da nova LDB ao novo Plano Nacional de Educação, publicado em abril de 1998,
retomando-a em outras oportunidades. A única objeção que se poderia levantar contra
ela diz respeito à sua viabilidade à vista da propalada escassez de recursos com que
conta o Poder Público para fazer face a necessidades de toda ordem e em todos os
setores, de modo especial naqueles da área social.
Entretanto, sua viabilidade pode ser constatada no exemplo dos demais países
que implantaram os seus sistemas, inclusive aqueles que o fizeram tardiamente como
são os casos do Japão e da Coréia. Além disso, como também já se indicou, a meta
de 8% do PIB destinados à educação resulta perfeitamente viável porque foi praticada
por diversos países.
Mas temos também demonstração dessa viabilidade em nosso próprio país
através de projetos de impacto que contaram com grandes investimentos públicos em
decorrência da vontade política de torná-los realidade.
Estão nesse caso a construção de Itaipu, as usinas nucleares de Angra dos
Reis e, no atual contexto, o SIVAM, o gasoduto proveniente da Bolívia e o PROER.
Daí ter eu sugerido em determinada ocasião que se criasse uma espécie de PROEN
(Programa de Recuperação da Educação Nacional), através do qual seriam captados
recursos de monta para viabilizar a implantação de nosso sistema de educação em
âmbito nacional.
Penso, portanto, que, se não partirmos para um plano de emergência lúcido,
corajoso, arrojado, que sinalize o empenho efetivo em reverter à situação de
calamidade pública em que se encontra o ensino dos diferentes graus em nosso país,
as proclamações em favor da educação não passarão de palavras ocas,
acobertadoras da falta de vontade política para enfrentar o problema. E, nesse
diapasão, avançaremos século XXI adentro, ampliando ainda mais o já insuportável
déficit histórico que vem vitimando a população brasileira em matéria de educação.
5 LEITURA COMPLEMENTAR

GLOBALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO: UMA INTRODUÇÃO

Nicholas C. Burbules e Carlos Alberto Torres

(Do Livro: “Globalização e Educação – Perspectivas críticas”- org. Nicholas C. Burbules e


Carlos Alberto Torres / Porto Alegre:2004, Artmed Editora, pp. 11-25)

DA EDUCAÇÃO NO ILUMINISMO À EDUCAÇÃO GLOBALIZADA: IDÉIAS


PRELIMINARES

Este livro reúne um grupo notável de autores internacionais para discutir a


questão de como a globalização está afetando a política educacional em vários
Estados ao redor do mundo. Os autores apresentam visões bastante diferentes sobre
a "globalização". Para alguns deles, o termo refere-se ao surgimento de instituições
supranacionais, cujas decisões moldam e limitam as opções de políticas para
qualquer Estado específico; para outros, ele significa o impacto avassalador dos
processos econômicos globais, incluindo processos de produção, consumo, comércio,
fluxo de capital e interdependência monetária; ainda para outros, ele denota a
ascensão do neoliberalismo como um discurso político hegemônico; para uns, ele
significa principalmente o surgimento de novas formas culturais, de meios e
tecnologias de comunicação globais, todos os quais moldam as relações de afiliação,
identidade e interação dentro e através dos cenários culturais locais; e para outros,
ainda, a "globalização" é, principalmente, um conjunto de mudanças percebidas, uma
construção usada pelos legisladores para inspirar o apoio e suprimir a oposição a
mudanças, porque "forças maiores" (a competição global, respostas a exigências do
FMI e do Banco Mundial, obrigações para com alianças regionais, e assim por diante)
não deixam "nenhuma escolha" ao Estado, além de agir segundo um conjunto de
regras que não criou. É claro que cada um dos autores cita a complexa interação entre
esses fatores diversos, atribuindo-lhes diferentes pesos e relações.
Solicitamos que cada autor se concentrasse em um conceito que consideramos
central para entender o impacto específico da globalização sobre as políticas e
práticas educacionais, conceitos que têm sido repensados e redefinidos neste
contexto global (real e percebido), que são: "neoliberalismo", "Estado",
"reestruturação", "reforma", "administração", "feminismo", "identidade", "cidadania",
"comunidade", "multiculturalismo", "novos movimentos sociais", "cultura popular" e o
"local" (em oposição/relação ao "global"). De forma clara, eles refletem não apenas
mudança de conceitos, mas também mudanças nas relações, nas práticas e nos
arranjos institucionais. O foco deste livro é analisar como o repensar essas ideias
básicas sugere mudanças fundamentais na maneira como as sociedades estão
elaborando políticas e práticas educacionais. Apesar de ser uma obra centralmente
teórica, estas discussões contêm implicações específicas e concretas para a forma
como a educação está mudando, e deverá mudar, em resposta a circunstâncias
novas. Este trabalho é crítico no sentido de que os autores recusam- se a aceitar como
algo determinado as formas específicas que a globalização tem assumido, e
questionam com ceticismo quem são os vencedores e os perdedores sob esse novo
conjunto de regras. No momento em que a "globalização" (concebida de determinada
forma) tornou-se um discurso ideológico que move a mudança, devido à urgência e
necessidade de responder a uma nova ordem mundial, queremos apresentar uma
admoestação aos entusiastas da globalização e sugerir que, mesmo que essas
mudanças ocorram, elas podem mudar de maneiras diferentes, mais justas e
equitativas. De acordo com a nossa opinião, os educadores, em particular, devem
reconhecer a força dessas tendências e enxergar as suas implicações para moldar e
limitar as escolhas disponíveis de políticas e práticas educacionais, enquanto também
resistem à retórica da "inevitabilidade" que frequentemente motiva a prescrição de
certas políticas.
Uma forma de reexaminar a aparente inevitabilidade da globalização é situar o
debate contemporâneo numa perspectiva história. De fato, algo parece estar mudando
no campo da educação, e essas mudanças têm ocorrido por um período bastante
longo. Na perspectiva do Iluminismo, nada pode ser mais personalizado, mais íntimo
e local, do que o processo educacional em que as crianças e os jovens amadurecem
num espaço de aquisição e aprendizagem de sua cultura familiar, regional e nacional.
Antes da instituição da educação pública, a educação da elite era conduzida por
tutores que trabalhavam com seus pupilos de forma altamente personalizada. A
educação da mente, das capacidades e dos talentos do indivíduo era um princípio
básico. Em um contexto de classe diferente, para crianças de famílias rurais ou de
operários, a educação ou a formação também era uma questão pessoal, gerida pelas
famílias e comunidades locais. Encaixar-se em uma comunidade, seja ela uma cultura
e forma de vida local ou nacional, pode ser visto como o imperativo educacional que
relaciona esses contextos.
Mais adiante, quando a escola foi moldada como instituição pública,
permaneceu essa noção de responsabilidade local e familiar pela formação. A ideia
de que as escolas agiam in loco parentis, reforçada por estruturas políticas que
sustentavam o controle da comunidade sobre o processo escolar, situou o aprendiz
em uma relação com necessidades imediatas e familiares de aprendizagem: ne-
cessidades de identidade, afiliação, cidadania e papéis de trabalho que respondiam a
um contexto próximo. Mesmo em sistemas escolares públicos centralizados e
nacionalizados, a mesma dinâmica pode ser encontrada. Invocada em um nível
diferente: as políticas impõem conformidade e identificação com uma tradição
nacional, uma comunidade maior e um contexto mais amplo de cidadania e
responsabilidade social, mas, ainda assim. no qual as condições de afiliação baseiam-
se na proximidade e homogeneidade relativa (embora, nesse caso, brechas entre o
local e o nacional possam se abrir — e ainda o fazem).
As implicações desse processo educacional, especificamente à medida que ele
se torna uma preocupação pública, vão além do objetivo de desenvolver o self
individual. Como a economia da educação nos diz, a educação do público tem custos
e benefícios para a sociedade mais ampla e, assim, não é apenas uma despesa, mas
um investimento. Dessa forma, as implicações políticas da educação superam as con-
dições de um indivíduo a ser educado e constituem um conjunto estratégico de
decisões que afetam a sociedade maior, de onde vem à importância da educação
como política pública e o papel do Estado (ver Raymond Morrow e Carlos Torres,
neste volume).
Este processo dialético de formar o indivíduo como um self e um membro de
uma comunidade mais ampla acarreta, como uma premissa da tradição ocidental, a
necessidade de preservar os tesouros da civilização dentro do processo de
socialização dos membros de cada geração nova, tornando-se um imperativo ainda
maior à medida que o Estado-nação se torna o lugar, cercado por fronteiras, onde o
processo pedagógico é governado. Os sistemas organizados de educação operam
sob a égide de um Estado-nação que controla, regula, coordena, comanda, financia e
certifica o processo de ensino e aprendizagem. Não é de surpreender que um dos
principais propósitos de um sistema educacional projetado dessa forma seja criar um
cidadão leal e competente.
A questão que enfrentamos agora é: até que ponto o esforço educacional é
afetado por processos de globalização que ameaçam a autonomia de sistemas
educacionais nacionais e a soberania do Estado como regente soberano em
sociedades democráticas? Ao mesmo tempo, de que maneira a globalização está
mudando as condições fundamentais de um sistema educacional que tem por
premissa integrar-se em uma comunidade caracterizada pela proximidade e a
familiaridade? As origens, natureza e dinâmica do processo de globalização são,
portanto, um foco de preocupação para os filósofos educacionais, sociólogos, aqueles
que desenvolvem o currículo, professores, legisladores, políticos, pais e muitos outros
envolvidos com o esforço educacional. Os processos de globalização, seja como
forem definidos, parecem ter consequências sérias na transformação do ensino e da
aprendizagem, pois estes têm sido compreendidos dentro do contexto de práticas
educacionais e políticas públicas que possuem um caráter altamente nacional.
Muitas outras questões reaparecem nessas reflexões. Como podemos definir
a globalização? A globalização é "real" ou será ela simplesmente uma ideologia? Se
a globalização for uma tendência inexorável, como isso afeta a economia política dos
países e, assim, sua cultura e educação? De que maneira ações no sentido de uma
reestruturação econômica estão afetando sistemas educacionais ao redor do mundo?
Existe uma organização e agenda educacional internacional que possa criar outra
hegemonia em currículo, instrução e práticas pedagógicas, de um modo geral, assim
como em políticas que dizem respeito ao financiamento escolar, pesquisa e
avaliação? Será que esses fatores e resultados são simétricos e homogêneos em
suas implicações para todos os países e regiões? De que maneira a globalização está
relacionada com o processo contínuo de luta política em diferentes sociedades?
Essas são algumas das questões centrais que os autores que colaboraram com este
livro buscaram responder.

REESTRUTURAÇÃO ECONÔMICA E A TENDÊNCIA PARA A GLOBALIZAÇÃO


De maneira a capturar a essência da ação social, devemos reconhecer a
cumplicidade ontológica, conforme sugeriram Heidegger e Merleau- Ponty, entre o
agente (que não é um sujeito ou uma consciência e nem o mero executante de um
papel ou aquele que cumpre urna função) e o mundo social (que nunca é uma simples
"coisa", mesmo que deva ser construído desta forma na fase objetivista da pesquisa).
A realidade social existe, por assim dizer, duas vezes, em coisas e em mentes, fora e
dentro dos agentes.
Os padrões de reestruturação econômica global, que emergiram no final da
década de 1970, desenvolveram-se juntamente com a implementação de políticas
neoliberais em muitas nações. Naquela época, as administrações capitalistas estavam
em apuros, no que diz respeito aos lucros, com os trabalhadores lutando para manter
o salário alto e os concorrentes estrangeiros pressionando para reduzir os preços. À
medida que a economia esfriava, as rendas estatais não conseguiam cumprir com os
gastos sociais, e os contribuintes começavam a expressar um certo ressentimento
para com aqueles que se beneficiavam mais da renda estatal (a burocracia estatal,
beneficiários da previdência social, instituições que recebiam subsídios estatais, e
assim por diante). Isso levou a um rompimento do consenso em torno da viabilidade
e valor do Estado de bem-estar social. O Estado afastou-se de seu papel corno árbitro
entre o trabalho e o capital, aliando-se ao capital e forçando os trabalhadores adotar
uma postura defensiva

A reestruturação econômica refletiu urna tendência mundial caracterizada, no


mínimo, pelos seguintes elementos:

1. A globalização da economia no contexto de urna nova divisão internacional do


trabalho e a integração econômica de economias nacionais (corno os mer-
cados comuns emergentes e os acordos comerciais);

2. O surgimento de novas relações e acordos comerciais entre nações, e entre


classes e setores sociais dentro de cada país, e o surgimento de novas áreas,
especialmente em países desenvolvidos, onde a informação e os serviços
têm-se tornado mais importantes que o setor industrial;

3. A crescente internacionalização do comércio, refletida na crescente capacidade


de conectar mercados de forma imediata e de transferir capital através de
fronteiras nacionais (atualmente, 600 importantes empresas multinacionais
controlam 25% da economia mundial e 80% do comércio mundial);

4. A reestruturação do mercado de trabalho, com o salário fixo sendo substituído


em muitos cenários por remuneração por trabalhos realizados, e o poder dos
sindicatos enfraquecido pelo relaxamento ou pela falta de cumprimento da
legislação trabalhista;

5. A redução de conflitos entre capital e trabalho, principalmente devido a fatores


como o aumento do número de trabalhadores excedentes (desempregados
ou subempregados), a intensificação da competição; a redução da margem
de lucro, menos contratos de trabalho com proteção da legislação trabalhista
e a institucionalização de estratégias segundo o "conceito de equipe";

6. A mudança de um modelo de produção fordista rígido para um modelo baseado


na flexibilidade maior no uso da força de trabalho, na prescrição do trabalho,
nos processos de trabalho e mercados de trabalho, na redução de custos e
na maior velocidade em transferência de produtos e informações de um local
do globo para outro;

7. A ascensão de novas forças de produção, com a indústria mudando de um


modelo industrial mecânico para um modelo governado pelo microchip, pela
robótica, e por máquinas automáticas e auto reguladoras, o que, por sua vez,
levou ao surgimento de uma sociedade de informação high-tech baseada no
computador;

8. A crescente importância da produção intensiva de capital, que resulta na


desespecialização e no desemprego de grandes setores da força de trabalho,
situação esta que leva a um mercado de trabalho polarizado, composto de um
pequeno setor altamente especializado e bem remunerado, por um lado, e um
grande setor pouco especializado e mal remunerado, por outro;

9. O aumento da proporção de empregados avulsos e do sexo feminino, muitos


dos quais trabalham atualmente em seus lares;

10. O aumento no tamanho e importância do setor de serviços, às custas dos


setores primário e secundário; e

11. O crescente abismo financeiro, tecnológico e cultural entre os países mais


desenvolvidos e os menos desenvolvidos, sendo a única exceção os países
"recém-industrializados".

A reestruturação econômica também refletiu uma profunda crise fiscal, e as


reduções orçamentárias que afetam o setor público resultaram na redução do Estado
de bem- estar social e na crescente privatização dos serviços sociais, de saúde,
habitação e da educação. Verifica-se uma reestruturação da relação
Estado/trabalhador, de modo que o salário social (gastos públicos distribuídos na
forma de benefícios sociais) diminui às custas de salários individuais. Como resultado
disso, a sociedade foi segmentada em dois setores: um protegido ou incluído pelo
Estado, e outro desprotegido e excluído. A reestruturação econômica levou a um
modelo de exclusão que deixa de fora setores amplos da população, particularmente
as mulheres que vivem na pobreza em países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Esses elementos de reestruturação econômica têm ocorrido de forma
concomitante com a tendência para a globalização. De modo contrário à previsão de
Marx e Engels, a globalização da economia produziu uma unificação do capital em
escala mundial, enquanto trabalhadores e outros grupos subordinados tornam- se
mais fragmentados e divididos. De fato, a reestruturação neoliberal está operando
através da dinâmica impessoal da competição capitalista em um mercado comum que
é progressivamente desregulado, aumentando o impacto local das tendências globais.
Os Estados torram-se cada vez mais internacionalizados, no sentido de que suas
agências e políticas ajustam-se aos ritmos da nova ordem mundial.
Conforme afirmamos, a reestruturação econômica levou a uma crescente
proletarização e desespecialização do emprego. Embora a alta tecnologia seja
apresentada como a solução para muitos problemas econômicos, ela não contribuiu
para elevar o padrão de vida da maioria das pessoas. Mesmo que alguns empregos
estejam sendo criados em indústrias de alta tecnologia, esses empregos encontram-
se principalmente nas áreas burocráticas ou de montagem, que pagam salários abaixo
da média e não exigem muitas habilidades, ou em empregos que envolvem serviços
pessoais. Como não é de surpreender, a categoria mais importante de criação de
empregos nos Estados Unidos na última década foi o campo dos serviços pessoais,
incluindo categorias de empregos tão variadas quanto instrutores de ginástica e de
saúde até serviços de segurança privada.
Outra mudança evidente é que, com a implementação de políticas neoliberais,
o Estado demitiu-se de sua responsabilidade de administrar os recursos públicos para
promover a justiça social, a qual está sendo substituída por uma fé cega no mercado
(por exemplo, nos apelos por mais privatizações de escolas, por "escolhas" e vales) e
pela esperança de que o crescimento econômico gere um excedente para ajudar o
pobre, ou que a caridade privada assuma aquilo que os programas estatais deixam
de fora. Apesar dos apelos da direita para desmantelar ou reduzir o tamanho do
Estado, observadores céticos da redução estatal afirmam que a principal questão não
é o tamanho do Estado, ou os seus gastos, mas a forma de suas intervenções e
investimentos, seja para promover o bem-estar e a igualdade, por um lado, seja para
subsidiar o crescimento de empresas por meio de incentivos fiscais ou por meio da
rubrica dos "gastos militares", por outro. O Estado neoliberal, particularmente nas
sociedades mais desenvolvidas, e nos países em desenvolvimento que lutam para
imitá-las, caracteriza-se por reduções drásticas em gastos sociais, pela destruição
desenfreada do ambiente, por revisões regressivas do sistema fiscal, limites frouxos
para crescimento empresarial, ataques amplos contra o trabalho organizado e mais
gastos com "infraestrutura" militar.
As empresas estão se tornando tão poderosas que muitas estão criando
programas educacionais pós-secundários e vocacionais próprios. A Burger King abriu
"academias" em 14 cidades norte-americanas, e a IBM e a Apple estão contemplando
a ideia de abrir escolas devido ao lucro que estas produzem. A Whittle
Communications (uma empresa cujos principais proprietários são a Time Warner e a
British Associated Newspapers) não apenas fornece antenas parabólicas e aparelhos
de televisão em troca de publicidade para mais de 10 mil escolas (o projeto Channel
One), como também está planejando abrir mil escolas com fins lucrativos para atender
a 2 milhões de crianças dentro dos próximos dez anos» Além disso, as empresas
norte-americanas gastam aproximadamente 40 bilhões de dólares a cada ano,
aproximando-se dos gastos anuais totais de todas as faculdades e universidades de
graduação e pós-graduação, para treinar e educar seus funcionários atuais. Já em
meados da década de 1980, a Bell and Howell tinha 30 mil estudantes em sua rede
de ensino pós-secundário e a ITT possuía 25 instituições pós-secundárias." Diz-se
que a AT&T sozinha realiza mais funções de educação e formação do que qualquer
universidade no mundo.
Esse processo de privatizar a educação está ocorrendo no contexto de novas
relações e arranjos entre nações, caracterizado por uma nova divisão global do
trabalho, uma integração econômica de economias nacionais (mercados comuns de
livre-comércio e assim por diante), a crescente concentração do poder em
organizações supranacionais (como o Banco Mundial, o FMI, a ONU, a União
Europeia e o G-7), e aquilo que chamamos de "internacionalização" do Estado.
A mobilidade do capital dá aos capitalistas, particularmente aos especuladores
financeiros, uma grande vantagem sobre o Estado, por si só um produto da revolução
industrial e não equipado, de muitas maneiras, para lidar com as demandas básicas
do mundo pós- industrial. A especulação com moedas nacionais e a profecia
autorrealizável da legitimidade do "crédito" internacional contribuíram para a formação
de um terreno movediço para os países que tentam colocar em ordem sua economia.
Os dias que precederam a preparação deste livro presenciaram crises sérias na
Rússia, nas Filipinas, na Malásia e em outras economias emergentes da Ásia, que
repentinamente perceberam que as regras do jogo econômico global estavam
mudando enquanto tentavam jogar de acordo com elas.
Conforme afirmou Korten, a influência empresarial sobre o Estado é exercida
de forma indireta, por meio de liderança intelectual, incutindo nos legisladores um
novo conjunto de valores e impondo limites sobre a variedade de opções do Estado,
o que representa uma estratégia mais eficaz para mudar prioridades políticas do que
a ameaça explícita de sanções punitivas. Esses novos valores, habilmente refletidos
nas agendas neoconservadora e neoliberal (ver Michael W. Apple, neste volume),
promovem menos intervenções estatais e maior confiança no mercado livre, e ainda
mais atrativos para auto interesses individuais do que para direitos coletivos. David
Held afirma que "a internacionalização da produção, das finanças e de outros recursos
econômicos está inquestionavelmente erodindo a capacidade de qualquer Estado
individual de controlar o seu futuro econômico. Empresas multinacionais podem ter
uma base nacional clara, mas seu interesse está, acima de tudo, na lucratividade
global. O país de origem interessa pouco para a estratégia empresarial". De maneira
clara, a crescente integração da economia direciona-se rumo a um mundo sem
fronteiras e proporciona evidências consideráveis da redução da capacidade dos
governos nacionais controlarem as suas economias ou definirem seus objetivos
econômicos nacionais.
Em resumo, existem mudanças nos níveis econômicos, político e cultural da
sociedade, as quais tendem a promover e reforçar uma perspectiva mais global sobre
as políticas sociais. No nível econômico, esses fatores incluem mudanças em relações
comerciais (grupos como o GATT, ou o G-7, que promovem a redução de impostos
de importação, tarifas e normas; e a formação de zonas de "livre-comércio", como o
NAFTA ou a União Europeia); mudanças em processos bancários e de crédito
(sistemas de crédito mundiais como o Visa, caixas eletrônicos, câmbio e fluxo de
capital e mercados financeiros que são realmente globalizados); a presença de
agências de financiamento internacionais (como o FMI e o Banco Mundial); mudanças
nos fatores da produção que levaram à ascensão de novas indústrias "pós-fordistas"
(a economia do conhecimento, o setor de serviços, as indústrias turísticas e culturais);
a presença de corporações globais que não sejam ligadas (ou leais) a qualquer base
ou fronteira nacional; a mobilidade da mão-de-obra e a mobilidade de companhias que
colocaram os sindicatos na defensiva; novas tecnologias (para transmissão de dados,
capital e publicidade); e novos padrões de consumo (às vezes chamado de
"McDonaldização" do sabor — rápido, padronizado e orientado para a conveniência
antes da qualidade), juntamente com novas estratégias de publicidade e marketing
que promovem aquilo que George Ritzer chama de "meios de consumo" (shopping
centers, canais de compras, compras on-line e crédito fácil).
Em nível político, o Estado-nação sobrevive como uma instituição medial, longe
daqueles que são impotentes, mas limitado por tentar equilibrar quatro imperativos:
(1) respostas ao capital transnacional; (2) respostas a estruturas políticas globais (por
exemplo, a Organização das Nações Unidas) e outras organizações não-
governamentais; (3) respostas a pressões e demandas domésticas, de modo a manter
a própria legitimidade política;'B e (4) respostas a suas necessidades e seus
interesses internos. A maioria das iniciativas políticas, incluindo políticas
educacionais, é formada na matriz dessas quatro pressões, centrada no Estado-
nação, não mais concebido como um agente soberano, mas como um árbitro que
busca equilibrar uma variedade de limitações e pressões internas e externas. Fatores
econômicos, como a dívida externa, a crise fiscal do Estado, ou a criação de entidades
regionais como a União Europeia, apresentam profundas implicações políticas e
econômicas. Nesse contexto, as pressões sobre o Estado-nação estimularam uma
questão de teoria política que perdura há muito tempo: será o Estado uma esfera
pluralista para a disputa de grupos de interesses rivais, ou um terreno não-neutro,
refletindo um conjunto de limitações e preocupações que atribuem um peso especial
às demandas de interesses sociais específicos? Fica claro para nós que tem ocorrido
uma mudança pronunciada com relação a essa questão, indo além de visões
puramente estatizantes da política, para incluir um foco em novos terrenos de
contestação política, em novos atores políticos, como em movimentos sociais globais
(aquilo e Falk chama de "globalização de baixo para cima"), e a constituição daquelas
que são, com feito, sociedades civis transnacionais.
Finalmente, em termos culturais, mudanças nos meios de comunicação globais
(TV a cabo, satélites, CNN, Internet); cultura comercial (McDonald's, Nike, cores da
Benneton); maior mobilidade, com setores de viagens turismo bastante ampliados;
mudanças em tecnologias de comunicações; distribuição mundial de filmes, televisão
e produtos musicais; maior presença e visibilidade de religiões globais que mudam
rituais locais, transformando-os em rituais transnacionais; ou o mundo global dos
esportes, tanto com relação a eventos competitivos (e espetáculos), como as
Olimpíadas ou a Copa do Mundo, como também, de maneira significativa, com relação
ao marketing esportivo (vestuário, tênis, equipamentos), patrocínio/publicidade, e
apostas e loterias globais, todos mostram os desafios que confrontam as sociedades
que buscam reconciliar seus valores locais e tradicionais com a crescente
globalização de culturas que não as suas.
Apesar dessas mudanças inegáveis, contudo, os efeitos da globalização às
vezes também são exagerados. Qualquer bom observador ou viajante do mundo irá
notar que o chamado “processo de globalização" não é tão global. Vastos segmentos
do mundo permanecem quase intocados por muitas dessas dinâmicas da
globalização. O que temos visto é uma segmentação (mundial) entre a cultura
globalizada — por exemplo, a prevalência de um habitus urbano e cosmopolita — e o
resto do mundo, que enxerga poucos dos benefícios (até onde eles existem) do
acesso ao mercado global ou a culturas cosmopolitas. Da mesma forma, como
observado anteriormente, a asserção de algo chamado "globalização" frequentemente
é usada para reforçar a sua "inevitabilidade" e, dessa forma, para suprimir tentativas
de resistir a ela, e, mesmo assim, muitas tentativas de contrabalançar os processos
de globalização estão ocorrendo ao redor do mundo, como nos campos da ecologia e
do gerenciamento de recursos.

QUESTÕES CRÍTICAS
O conhecimento em si não conquista a incerteza, mas produz incertezas com
as quais ninguém jamais teve a experiência histórica de lidar.
Embora a forma e direção gerais das mudanças recém-mencionadas não
sejam mais objeto de disputa, permanecem ainda desacordos consideráveis com
relação à natureza e à extensão dessa coisa chamada "globalização". Quanto mais
aprendemos sobre ela, maiores as incertezas a respeito das suas consequências. Es-
sas questões se tornam ainda mais desafiadoras, à medida que avançamos das
mudanças amplas com as quais temos lidado para áreas específicas de política e
prática, como a educação. Reunimos aqui diversas questões críticas que, conforme
nos lembra Giddens, refletem as novas incertezas que as discussões sobre a glo-
balização trouxeram à luz.
Quais são as origens da globalização? Teoricamente, um dilema central é
se devemos localizar as origens da globalização contemporânea em torno de 1971-
1973, com a crise do petróleo, que promoveu diversas mudanças tecnológicas e
econômicas direcionadas para encontrar fontes substitutas para matérias-primas
estratégicas e buscar novas formas de produção que consumissem menos energia e
trabalho. De maneira alternativa, como fizeram alguns autores deste livro, podemos
localizar as origens da globalização há mais de um século, com mudanças nas tecno-
logias de comunicação, nos padrões de migração e nos fluxos de capital (por exemplo,
como aqueles afetados pelo processo de colonização do Terceiro Mundo).
Uma questão importante para muitos observadores é se estamos enfrentando
uma nova época histórica, a configuração de um novo sistema mundial, ou se essas
mudanças são significativas, mas não sem precedentes, com paralelos, por exemplo,
nas mudanças semelhantes que ocorreram no final da Idade Média. Nossa visão
sobre esse tema, todavia, não é uma questão de escolher entre uma ou outra opção.
Estamos em uma nova época histórica, uma nova ordem global, em que as velhas
formas não estão mortas, mas as novas ainda não estão inteiramente formadas. David
Held sugere em Democracy and global order, por exemplo, que estamos em uma nova
"Idade Média global", um período que reflete que, apesar de ainda terem vitalidade,
os Estados- nação não podem controlar suas fronteiras e, portanto, estão sujeitos a
todo o tipo de pressões internas e externas.
Além disso, mesmo que essa nova ordem global mostre o fim da soberania do
Estado- nação, essa situação apresenta impactos diferenciais, de acordo com a sua
posição na ordem mundial: Estados unificados em alianças regionais, como o NAFTA
e a União Europeia; Estados emergentes ou intermediários, como o Brasil, a Coréia,
a Índia e a China; Estados menos desenvolvidos, como a Argentina, a Hungria, o Chile
e a África do Sul; Estados em desenvolvimento, incluindo muitos na América Latina,
Ásia e África; e Estados subdesenvolvidos, em um estado de dependência extrema,
como o Haiti, alguns Estados da América Central, Moçambique, Angola e Albânia. O
impacto e o significado da "globalização" não apenas são duvidosos, como também
podem operar de maneira diferente em várias partes do mundo e, em certos contextos,
ter pouco impacto. Aqui, mais uma vez, a globalização, em si, não é um fenômeno
unificado e global.
Assim, apesar de a globalização poder refletir um conjunto de mudanças
tecnológicas, econômicas e culturais bastante definidas, a forma de sua importância
e suas tendências futuras não estão determinadas. Conforme observamos, a
especificidade histórica desse processo não garante necessariamente um impacto
simétrico e homogêneo ao redor do mundo. Essa narrativa da globalização é bastante
diferente da narrativa neoliberal, um discurso que tira vantagem dos processos
históricos de globalização para valorizar certas receitas econômicas sobre como ope-
rar a economia (através do livre-comércio, des- regulamentação, e assim por diante)
— e, por implicação, receitas sobre como transformar a educação, a política e a
cultura.
Além das narrativas dicotômicas sobre a globalização. Certas dualidades são
recorrentes na literatura a respeito deste tema. Em uma distinção de influência ampla,
existem duas forças principais em operação na ascensão da globalização: a
globalização de cima para baixo, um processo que afeta principalmente as elites
dentro e através de contextos nacionais, e a globalização de baixo para cima, um
processo popular que fundamentalmente emerge das organizações de base da
sociedade civil. Este contraste ressalta uma importante dinâmica política (e ajuda a
formar uma conveniente e esperançosa imagem de luta e resistência em escala
global), mas o seu uso disseminado obscurece as formas pelas quais essas duas
tendências não são inteiramente independentes uma da outra. Por exemplo, os
grupos "de cima" e "de baixo" tendem a se fundir em determinadas organizações não-
governamentais; e os movimentos populares "de baixo" ainda podem ser percebidos,
em certos contextos, como uma imposição "de cima".
Ainda assim, outras dualidades prevalecem: entre o global e o local; entre
dimensões econômicas e culturais da globalização; entre a globalização, vista como
uma tendência para a homogeneização em torno de normas e culturas ocidentais (ou,
de forma ainda mais limitada, norte-americanas) e vista como uma era de maior
contato entre culturas diversas, levando a um crescimento em hibridez e novidade; e
entre os efeitos materiais e retóricos da globalização — ou, como pode ser colocado,
entre a globalização e a "globalização". Finalmente, há a questão de se a globalização
é uma "coisa boa": será ela um benefício para a causa do crescimento, da igualdade
e da justiça econômica, ou será prejudicial? Ela promove o compartilhar cultural, a
tolerância e um espírito cosmopolita, ou produz apenas a ilusão dessa compreensão,
uma apreciação consumista imperturbável, como em um parque temático da Disney,
que suprime questões de conflito, diferença e assimetrias de poder?
Para nós, nenhuma dessas questões captura as sutilezas ou dificuldades dos
temas que estão em jogo. Todas elas apontam uma escolha fácil entre alternativas
polares, tipos "bons" e "ruins" de globalização, em vez de uma situação conflituosa de
tensões prolongadas e escolhas difíceis. Uma reconsideração ou, em muitos casos,
um desafio direto a esse tipo de dicotomia simples irá aparecer seguidamente em todo
o livro. Consideramos que isto é central para compreender a globalização em toda a
sua complexidade e ambiguidade.
Quais são as características cruciais da globalização? À luz de muitos desses
debates, pode ser extremamente arriscado estabelecer uma descrição das
características da globalização que afetam a educação de forma mais rigorosa, mas
elas parecem envolver, pelo menos:
 Em termos econômicos, uma transição de formas fordistas a pós-fordistas de
organização do local de trabalho; um aumento na publicidade nos padrões de
consumo internacionalizados; uma redução de barreiras ao fluxo livre de
mercadorias, trabalhadores e investimentos entre fronteiras nacionais; e,
consequentemente, novas pressões sobre os papéis do trabalhador e do
consumidor na sociedade;
 Em termos políticos, urna certa perda da soberania do Estado-nação ou, pelo
menos, a erosão da autonomia nacional e, consequentemente, um
enfraquecimento da noção de "cidadão" como um conceito unificado e
unificante, um conceito que possa ser caracterizado por papéis, direitos,
obrigações e status precisos (ver Capella, neste volume);
 Em termos culturais, uma tensão entre as maneiras como a globalização
produz mais padronização e homogeneidade cultural, enquanto também
produz mais fragmentação com a ascensão de movimentos locais. Benjamin
Barber caracterizou essa dicotomia no título de seu livro, Jihad vs. McWorld;
contudo, uma terceira alternativa teórica identifica uma situação mais
conflituosa e dialética, com a homogeneidade e a heterogeneidade culturais
aparecendo de maneira simultânea no cenário da cultura. (Às vezes, essa
fusão, e tensão dialética, entre o global e o local é denominada "o global".)

GLOBALIZAÇÃO E A RELAÇÃO ENTRE O ESTADO E A EDUCAÇÃO

Em termos educacionais, existe uma compreensão crescente de que a versão


neoliberal da globalização, particularmente da forma implementada (e
ideologicamente defendida) por organizações bilaterais, multilaterais e internacionais,
reflete-se em uma agenda educacional que privilegia, se não impõe de modo direto,
certas políticas de avaliação, financiamento, padrões, formação de professores,
currículo, instrução e testes. Diante dessas pressões, são necessários mais estudos
sobre as respostas locais para defender a educação pública contra a introdução de
mecanismos de mercado para regular as trocas educacionais e outras políticas que
busquem reduzir o patrocínio e o financiamento estatal e impor modelos de
administração e eficiência emprestados do setor empresarial como um arcabouço
para a tomada de decisões envolvendo a educação. Essas respostas educacionais
são conduzidas principalmente pelos sindicatos de professores, pelos novos
movimentos sociais e por intelectuais críticos, expressadas com frequência em
oposição a iniciativas em educação, tais como os vales, ou subsídios públicos para
escolas privadas e paroquiais.
Isso apresenta um problema peculiar para análise. Devido ao fato de que as
relações entre o Estado e a educação variam de forma tão dramática de acordo com
a época histórica, as áreas geográficas, os tipos de governo e as formas de
representação política, e entre as diferentes demandas de diferentes níveis
educacionais (fundamental, secundário, educação superior, de adultos, continuada e
educação não- formal), qualquer alteração drástica nas formas de governança (por
exemplo, a instalação de uma ditadura militar que governe por vários anos antes de
permitir a volta da democracia) pode ter múltiplos efeitos complexos e imprevisíveis
sobre a educação. Essa situação exige uma análise histórica mais matizada a respeito
da relação entre o Estado e a educação. Essa problemática é dificultada ainda mais
pela tendência que discutimos anteriormente: a erosão da autonomia do Estado em
tudo o que é importante, inclusive em questões que dizem respeito às políticas
educacionais.
Por exemplo, consideremos brevemente a situação na América Latina. Desde
o momento em que as guerras civis terminaram, há mais de um século e meio
(culminando no processo de organização nacional da década de 1880), os sistemas
educacionais foram criados juntamente com o estabelecimento das fronteiras dos
países. A constituição de Estados-nação incluiu a criação de fortes exércitos e a
promulgação de constituições nacionais baseadas nos princípios da Carta Magna
britânica, da Revolução Norte- Americana e da Revolução Francesa, e assim
expressam uma fundamentação fortemente liberal. Dessa forma, pelo menos três
formações estatais predominaram na experiência latino- americana durante o último
século e meio. (As exceções a isso foram, é claro, períodos de intervenção militar,
ditaduras militares e revoluções que costumam alterar a forma democrática liberal do
Estado.) Essas três formas do Estado incluíram o Estado liberal, promovendo a
educação liberal (digamos, da década de 1880 até a crise de 1929 em certos países,
ou até a Segunda Guerra Mundial na maioria dos países); o Estado
desenvolvimentista (da década de 1950 até a de 1980), em que houve um padrão
consistente de modernização (embora, às vezes, modernização "forçada" por regimes
autoritários), com um papel central desempenhado por reformas educacionais
baseadas no modelo do capital humano; e a constituição de diferentes formas de
estado neoliberal e políticas educacionais neoliberais.
Em síntese, a partir de uma perspectiva histórica, essa conexão complexa entre
a educação e o Estado apresenta um problema para a análise da relação entre eles.
Não existe uma forma única de associação entre essas instituições, e assim não existe
um modo único em que elas serão afetadas pelas condições da globalização. Do
ponto de vista econômico, as pressões das condições de austeridade impostas
externamente (por exemplo, a condição para empréstimos do FMI) podem levar a
reduções brutais nos gastos com educação; em outros contextos, o desejo por maior
competitividade econômica e produtividade pode levar a maiores gastos com
educação. Do ponto de vista político, alguns contextos nacionais irão organizar a
educação em torno de uma concepção revitalizada de nacionalismo e lealdade do
cidadão (talvez em reação às lealdades tribais ou outras formas de lealdade); em
outros contextos, uma noção de cidadania cosmopolita pode prevalecer, encorajando
viagens, estudos de línguas estrangeiras e tolerância multicultural. Do ponto de vista
cultural, algumas nações irão aceitar, e até mesmo encorajar, uma confiança maior
na mídia, na cultura popular, ou novas formas de comunicação e informática, como
uma janela através da qual possam compreender o seu lugar no mundo global; em
outros contextos, essas mesmas tendências darão lugar a um aumento em estreiteza
mental, suspeição e resistência a influências externas. Um livro como este pode
apenas dar início ao processo de explorar a diversidade desse tipo de respostas à
globalização, por meio de contextos nacionais variados, e a diversidade de relações
entre o Estado e a educação, que geram princípios, políticas e práticas educacionais
à luz dessas novas condições.

OS DILEMAS DA GLOBALIZAÇÃO

Será que a globalização é meramente deletéria, ou existem características


positivas associadas a suas práticas e sua dinâmica? Já tentamos desafiar essa
estrutura simples de julgamento. Duas características que podem ser denominadas
"positivas" são a globalização da democracia ou, no mínimo, uma forma peculiar de
democracia liberal (mais uma democracia de método do que uma democracia de
conteúdo); e a prevalência e expansão de uma crença em "direitos humanos" e no
crescimento de organizações que os tentam monitorar e proteger. Para aqueles que
têm suficiente sorte de viver em certos setores da sociedade, a globalização está
associada a um padrão de vida mais elevado, não apenas pela disponibilidade de
itens de consumo, mas também pelas ocasiões para viajar e para manter um contato
enriquecedor com outras culturas do mundo.
Os "males" mais óbvios da globalização são o desemprego estrutural, a erosão
da mão-de-obra organizada como força política e econômica, a exclusão social e um
aumento no abismo entre ricos e pobres dentro das nações e, especialmente, ao redor
do mundo. Certas pessoas associam a globalização a um aumento na insegurança
urbana, devido à progressiva violência urbana, com a presença crescente de
movimentos de fora do território e de fora do Estado que impedem o desenvolvimento
internacional e podem representar ameaças sérias contra a segurança, a paz, a
estabilidade e o desenvolvimento (como o tráfico de drogas, máfias, comércio de
armas de destruição em massa, ou organizações terroristas).
Mas será que é possível separar os benefícios dos males? De fato, não serão
os "benefícios" para uns, "males", do ponto de vista de outros? De certa forma, o
modelo para esse tipo de julgamento não deve ser simplesmente uma questão de se
a globalização está ou não "acontecendo mesmo", mas da globaliza- cão de que
formas e nos termos de quem? Diversos países em desenvolvimento, como a China
e a Malásia, têm-se tornado cada vez mais receosos com a globalização e têm
buscado formas de restringir os seus efeitos sobre seu modo de vida nacional. Ainda
assim, ao mesmo tempo, eles desejam alguns dos benefícios da participação em uma
economia global e da troca de mercadorias e de informação. Uma importante questão
atual é o nível em que as sociedades serão capazes de escolher as formas e o grau
de participação em um mundo global; ou se, como outras barganhas faustianas, não
existe uma alternativa intermediária.
De maneira semelhante, abaixo e além do nível nacional, existem movimentos
claramente regionais e tradicionais para os quais a globalização deve ser combatida
vigorosamente. 0 surgimento de novos movimentos sociais e o papel de organizações
não-governamentais locais e internacionais exercem uma influência que pode ser
denominada contra-globalização. Em certos casos, esses grupos são igualmente
"globais" em caráter (organizações internacionais de direitos humanos, como a Anistia
Internacional; organizações ambientalistas, como o Greenpeace; ou organizações
trabalhistas, como a OIT). Em outros casos, eles são antiglobalização, profundamente
resistentes à interpenetração econômica, política e cultural de diferentes sociedades
e culturas (por exemplo, grupos regionalistas e fundamentalistas de vários tipos).
Enquanto a globalização acontece de maneira clara, sua forma e contorno são
determinados por padrões de resistência, alguns com intenções mais progressistas
do que outros.
Será possível, então, dar respostas gerais para a questão de como a
globalização está afetando as políticas e práticas educacionais ao redor do mundo?
Conforme indicado em nossa discussão anterior, acreditamos que não pode haver
uma resposta única; as mudanças econômicas, políticas e culturais, nacionais e
locais, são afetadas por tendências de globalização em uma variedade de padrões e
respondem de forma ativa a essas tendências. De fato, como a educação é uma das
arenas centrais onde essas adaptações e respostas ocorrem, ela será um dos tantos
contextos institucionais possíveis. Assim, as respostas exigirão uma análise
cuidadosa das tendências em educação, incluindo:

 as atuais "palavras de efeito" populares (privatização, escolha e


descentralização de sistemas educacionais) que dirigem a formação de
políticas em educação e agendas de pesquisa baseadas em teorias de
administração e organização racional (ver Michael Peters, James Marshall
e Patrick Fitzsimons neste volume);
 o papel de organizações nacionais e internacionais no campo da educação,
incluindo sindicatos de professores, organizações de pais e movimentos
sociais (ver Bob Lingard neste volume);
 o conhecimento contemporâneo sobre as questões de raça, classe e
gênero, e sobre o lugar do Estado na educação (o que levanta
preocupações com o multiculturalismo e a questão da identidade na
educação, teoria crítica de raça, feminismo, pós-colonialismo, comunidades
diaspóricas e novos movimentos sociais).

Questões quanto ao papel da pesquisa- ação participativa, da educação


popular e da luta democrática multicultural surgem como centrais nesses debates.
Dessas perspectivas críticas, podem surgir novos modelos educacionais para
confrontar os ventos da mudança, incluindo a educação no contexto de novas culturas
populares e movimentos sociais não- tradicionais (e assim, o papel dos estudos cul-
turais para compreendê-los); novos modelos de educação rural para áreas
marginalizadas e a educação do pobre; novos modelos para a educação de
imigrantes, para a educação de crianças de rua, para a educação de garotas e
mulheres, em geral, mas particularmente no contexto de sociedades e culturas
tradicionais que suprimem as aspirações educacionais das mulheres; novos modelos
de parcerias para a educação (entre o Estado, as ONGs, o terceiro setor e, em certos
casos, as organizações religiosas e privadas); novos modelos de alfabetização de
adultos e educação não-formal; novos modelos de relações entre universidades e
empresas; e novos modelos de financiamento educacional e organização escolar (por
exemplo, escolas charter°).
Certas iniciativas de reforma têm sido apoiadas ativamente pela UNESCO e
por outras agências da ONU. Entre estas estão, por exemplo, reformas no sentido da
alfabetização universal e do acesso universal à educação; qualidade educacional
como um componente fundamental da igualdade; educação- para a vida toda;
educação como um direito humano; educação para a paz, a tolerância e democracia;
eco-pedagogia, ou como a educação pode contribuir para o desenvolvimento
ecológico sustentável (e assim, para uma eco- economia); e o acesso educacional a
novas tecnologias de informação e comunicação (ver Nicholas C. Burbules, neste
volume). Assim. pode-se considerar que a influência da globalização sobre as políticas
e práticas educacionais tem efeitos múltiplos e conflitantes. Nem todos esses efeitos
podem ser classificados simplesmente como sendo ou não benéficos, e alguns deles
estão sendo moldados por tensões e lutas ativas. Os ensaios apresentados neste livro
iluminam tais dilemas em toda a sua complexidade.

CONCLUSÃO: DILEMAS DE UM SISTEMA DE EDUCAÇÃO GLOBALIZADO

Esperamos que os propósitos deste livro já estejam claros: em primeiro lugar,


identificar, caracterizar e esclarecer alguns dos debates em torno do fenômeno da
globalização; e, em segundo, tentar compreender alguns dos efeitos múltiplos e
complexos da globalização sobre as políticas educacionais e a formação de políticas.
A fim de sintetizar algumas das consequências da globalização para as políticas
educacionais, seguiremos a organização anterior, dividida em três partes: identificar
alguns dos impactos econômicos, políticos e culturais.
No nível econômico, porque a globalização afeta o emprego, ela afeta um dos
objetivos tradicionais básicos da educação: a preparação para o trabalho. As escolas
deverão reconsiderar essa missão à luz de mercados de trabalho instáveis, em um
ambiente de trabalho pós-fordista; novas habilidades e a flexibilidade de adaptar-se a
novas demandas do trabalho e, portanto, mudar de emprego durante o decorrer da
vida; e lidar com uma mão-de- obra internacional cada vez mais competitiva. Ainda
assim, as escolas não estão apenas preocupadas em preparar os estudantes como
produtores; cada vez mais, as escolas ajudam a moldar as atitudes e práticas do
consumidor, rajadas pelos patrocínios empresariais instituições educacionais e para
produtos curriculares e extracurriculares que confrontam os estudantes em seu
cotidiano na sala de aula. Essa crescente comercialização do ambiente escolar tem-
se tornado notavelmente impudente e explícita em suas intenções (como no caso do
projeto de Chris Whittle, o Channel One, discutido anteriormente, que admite
abertamente oferecer televisores grátis às escolas para expor as crianças à dieta
forçada de comerciais em suas salas de aula lados os dias).
Os efeitos econômicos mais amplos da globalização tendem a forçar políticas
educacionais nacionais em uma estrutura neoliberal que enfatiza impostos mais
baixos; redução do setor estatal e "fazer mais com menos"; aproximação das
abordagens de mercado às escolhas escolares (particularmente por meio de vales);
administração racional de organizações escolares; avaliação de desempenho (testes);
e desregulamentação para encorajar novos provedores (incluindo provedores on line)
de serviços educacionais.
No nível político, uma questão repetida tem sido a limitação sobre a formação
de políticas nacionais/estatais imposta por demandas externas de instituições
transnacionais. Ainda assim, ao mesmo tempo que a coordenação e a troca
econômica são cada vez mais reguladas, e à medida que instituições mais fortes
surgem para regular a atividade econômica global, com a globalização tem havido
uma crescente internacionalização de conflitos, crimes, terrorismo e questões
ambientais globais, mas com um desenvolvimento inadequado de instituições políticas
para lidar com elas. Aqui, mais uma vez, as instituições educacionais podem ter um
papel crucial a desempenhar ao abordarem esses problemas e a complexa rede de
consequências humanas voluntárias e involuntárias que se seguiram ao crescimento
de corporações globais, da mobilidade global, das comunicações globais e da
expansão global. Em parte essa consciência pode ajudar a produzir uma concepção
crítica de educação exigida pela "cidadania mundial".
Finalmente, mudanças globais em cultura afetam profundamente as políticas,
práticas e instituições educacionais. Particularmente em sociedades industriais
avançadas, por exemplo, a questão do "multiculturalismo" assume um significado
especial em um contexto global. De que maneira o discurso do pluralismo liberal —
que tem sido o modelo dominante para a educação multicultural em sociedades
desenvolvidas que estão aprendendo a conviver com outras, dentro de um modelo de
tolerância e respeito mútuos — estende-se a uma ordem global em que o leque de
diferenças torna-se mais amplo, o senso de interdependência e interesse comum mais
atenuado, os fundamentos da afiliação mais abstratos e indiretos (se existirem de
fato)? Com as crescentes pressões globais sobre as culturas locais, será papel da
educação ajudar a preservá-las? De que maneira a educação deveria preparar os
estudantes para lidarem com elementos de conflitos locais, regionais, nacionais e
transnacionais, à medida que culturas e tradições, cujas histórias de antagonismo
podem ter sido mantidas parcialmente suspensas por Estados-nação fortes e
poderosos, se desintegram, quando essas instituições perdem um pouco de sua força
e legitimidade? Até que ponto a educação pode ajudar a sustentar a construção do
self e, em um nível mais geral, a constituição de identidades? Como pode o
multiculturalismo, como movimento social, como educação para a cidadania e como
filosofia antirracista no currículo intervir na dinâmica do conflito social que emerge
entre as transformações globais e as respostas locais?
Nesse contexto, por exemplo, os atuais debates sobre o bilinguismo nos
Estados Unidos são surpreendentemente limitados em seu conteúdo teórico e sua
visão política. Em uma perspectiva teórica, realmente não faz sentido lutar contra o
ensino e o aprendizado de diversas línguas; na verdade, os estudantes necessitam
desenvolver ainda mais proficiência do que o simples bilinguismo. A experiência
europeia com jovens que são proficientes em várias línguas indica que essas
habilidades facilitam a comunicação interpessoal, acadêmica e social, expandem
horizontes intelectuais e encorajam a apreciação e a tolerância de culturas diferentes.
Nesse aspecto e em outros, o contexto global apresenta um tipo
fundamentalmente diferente de desafio à educação do que no modelo do Iluminismo.
Ao passo que a educação anteriormente concentrava-se mais nas necessidades e no
desenvolvimento do indivíduo, com um olho voltado para ajudar a pessoa a se
encaixar em uma comunidade definida por uma relativa proximidade, homogeneidade
e familiaridade, a educação para viver em um mundo global amplia os limites da
"comunidade" para além da família, da região, ou da nação. Atualmente, as
comunidades de afiliação potencial são múltiplas, deslocadas, provisórias e mutáveis.
A família, o trabalho e a cidadania, as principais fontes de identificação na educação
do Iluminismo, permanecem importantes, certamente, mas estão se tornando mais
efêmeras, comprometidas pela mobilidade (seja ela voluntária ou diaspórica) e a
competição com outras fontes de afiliação, inclusive a ampla variedade daquilo que
pode ser chamado, segundo Benedict Anderson, de "comunidades imaginadas".
Enquanto as escolas ou (antes delas) os tutores agiam in loco parentis, preparando
os aprendizes para uma variedade relativamente previsível de oportunidades e
desafios futuros, as escolas de hoje confrontam uma série de expectativas instan-
tâneas conflitantes e mutáveis, dirigidas para imprevisíveis caminhos alternativos de
desenvolvimento e para pontos de referência e identificação em constante alteração.
Como resultado, objetivos educacionais que têm mais a ver com a flexibilidade e a
adaptabilidade (por exemplo, em responder a exigências e oportunidades de trabalho
que variam rapidamente), com aprender como coexistir com o outro em espaços
públicos diversos (e, portanto, carregados de conflitos), e com ajudar a formar e
sustentar um senso de identidade que possa permanecer viável dentro de contextos
múltiplos de afiliação, todos se tornam imperativos novos.
Para concluir, acreditamos que a maneira como esses novos imperativos
educacionais são resolvidos em cenários nacionais e culturais depende de dois
importantes conjuntos de questões. O primeiro é se, devido ao menor papel e
influência do Estado-nação em determinar políticas domésticas de forma unilateral e
devido à crise fiscal das receitas públicas na maioria das sociedades, haverá um
declínio correspondente no compromisso do Estado com as oportunidades e a
igualdade educacionais, ou se simplesmente haverá uma maior virada em direção a
modelos de mercado, privatização e livre escolha, que enxergam o público como
consumidores que irão apenas obter a educação pela qual possam pagar. De maneira
mais ampla, será que essas mudanças produzirão um declínio geral no comprometi-
mento cívico com a própria educação pública?
A segunda questão fundamental é se os problemas que os sistemas
educacionais experimentam atualmente, os quais não estão todos relacionados com
os processos de globalização, assinalam um dilema decisivo e sentido mais
profundamente em sociedades desenvolvidas e em desenvolvimento: a questão da
governabilidade diante da crescente diversidade (e uma maior consciência da diversi-
dade); limites permeáveis e uma explosão em mobilidade mundial; e meios de
comunicação e tecnologias que criam outras condições as quais moldam a afiliação e
a identificação. Qual é o papel da educação para ajudar a moldar as atitudes, os
valores e os entendimentos de um cidadão democrático multicultural que possa fazer
parte deste mundo cada vez mais cosmopolita?
Pelo menos algumas das manifestações da globalização como processo
histórico chegaram para ficar. Mesmo que o tipo específico de "globalização"
apresentado pela narrativa neoliberal possa ser visto como uma ideologia utilizada
para justificar políticas que servem a determinados interesses e não a outros, o fato é
que parte dessa narrativa baseia-se em mudanças reais (e para ser justo,
oportunidades reais, pelo menos para certas pessoas de sorte). As maneiras
específicas como às pessoas falam a respeito da globalização, hoje em dia, podem
acabar por ser um modismo rápido, mas, como os capítulos deste livro deixam claro,
em um nível mais profundo, algo está mudando nas áreas da economia, política e
cultura, que irá alterar de forma fundamental o terreno da vida pública e privada. A
educação pública, atualmente, encontra-se em uma encruzilhada. Se permanecer da
maneira usual, como se nenhuma dessas ameaças (e oportunidades) existisse, ela
corre o risco de ser cada vez mais substituída por influências educacionais que não
são justificáveis perante o domínio e o controle público. Segundo a nossa visão, o que
está atualmente em jogo é nada menos do que a sobrevivência da forma democrática
de governo e o papel da educação pública neste empreendimento.
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