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FREDERICK EBY

Professor de História e Filosofia da Educação


na Universidade do Texas

História
da Educação
Moderna
Teoria, Organização e Práticas Educacionais

Tradução de

Maria Angela Vinagre de Almeida


Nelly Aleotti Maia
Malvina Cohen Zaide
Professons da Faculdade de Educação da U F R J
Eby, Frederick, 1874-1968.
E18h História da educação moderna: teoria, organização e práticas edu-
5.ed. cacionais; tradução de Maria Angela Vinagre de Almeida, Nelly Aleotti
Maia, Malvina Cohen Zaide. 5. ed. Porto Alegre, Globo, 1978. 5.a Edição
633 p. ilust. 22 cm.

Bibliografia: .

1. Educação - História I. Titulo.

CDD: 370.9
CCF/CBL/SP-75-1228 CDU: 37(09)

Indice para catálogo sistemático (CDD): EDITORA GLOBO


1. Educação : História 370.9 Porto Alegre
1978
Capítulo V
PROGRESSO EDUCACIONAL DURANTE A
SEGUNDA METADE DO SÉCULO. XVI
A situação geral. A condição global da civilização européia durante
a última parte do século xvi pode bem ocupar um pouco da nossa aten­
ção. Tendo se abrandado o impacto inicial da Renascença e da revolta
protestante, as diversas forças começaram a se reajustar. O primeiro ponto
a ser observado é que a civilização européia não conservava mais a sua
unidade, como na Idade Média. Rivalidades nacionais se intensificaram
e a corrida para o imperialismo mundial começou. Mas, a maior causa de
conflito foi a determinação da Igreja Romana de recuperar a hegemonia
que havia perdido. Isto resultou na reforma católica, em vários esforços
para o restabelecimento da unidade religiosa e em um século de guerras
sangrentas.
Um período de m aior reajustamento educacional. A última me­
tade do século xvi foi uma época em que movimentos anteriores estavam
alcançando maturidade e novos desenvolvimentos exerciam sua influên­
cia. Por esse tempo, o calvinismo começou a se espalhar através das re­
giões do noroeste. A Ordem dos Jesuítas, por sua vez, tornou-se a força agres­
siva na Igreja Romana e disseminou-se tanto em países católicos, quanto
em protestantes. Enquanto isso, líderes educacionais ingleses e holandeses
tomaram a iniciativa de resolver os novos problemas e estabelecer novos
rumos.
CALV IN ISM O , A N O V A FO R Ç A DA ED U CA ÇÃ O
PR O T E ST A N T E
A natureza do calvinismo. O calvinismo não foi uma revolta econô­
mica, ou nacional, ou cultural, mas uma revolução mental e espiritual.
Genebra era um pequeno cantão com nenhuma soberania ou poder polí­
tico. Assim mesmo, o calvinismo foi mais do que uma teologia, foi uma
fermentação, uma ideologia que não respeitou fronteiras nacionais ou tradi­
ções. Apelou para os povos de vontades fortes, convicção individual pode­
rosa e visão racional.
100 História da Educação Moderno Progresso na Segunda M etade do Século X V I 101
João Calvino. De acordo com Filipe Schaff “nome algum na his­ realizar integralmente seus planos até 1559, quando reorganizou várias
tória da Igreja... tem sido tão amado e odiado, admirado e detestado, escolas latinas fracas em um ginásio e academia reunidos. O ginásio, uma
elogiado e condenado, abençoado e amaldiçoado, como o de João Calvino’’. escola latina preparatória convencional, tinha sete séries e estava sob a
Esse homem notável era filho do secretário do Bispo de Noyon, na supervisão da cidade, mas era mantido por doações. O currículo era com­
Picardia, França. Aí nasceu Calvino, em 1509. O pai decidiu torná-lo pletamente humanístico e se assemelhava ao ginásio de Sturm em Estras­
padre e, para esse fim, deu-lhe todas as facilidades educacionais, proporcio­ burgo. A Academia era uma instituição superior, que dava instrução de
nando-lhe várias nomeações remuneradas. £ desnecessário dizer que ele Grego, Hebraico, Ética, Lógica, Retórica, Oratória, Poesia, Física e Mate­
foi precoce. Com 10 anos, foi mandado para Paris, para freqüentar o mática. Dez professores assistiam Calvino. Entre eles, Mathurim Corderius,
Coilège de la Marche, onde recebeu instrução de Mathurin Corderius, ex­ antigo professor de Calvino em Paris, que foi, durante muito tempo, reitor
celente erudito e professor, e seu amigo por toda a vida. Em breve prepa­ da instituição.
rado para estudos superiores, Calvino se transferiu para o famoso Coilège Nenhuma escola daquela época prestava rigorosa atenção à instrução
de Montaigu, onde começou os estudos de Teologia. Por uma particulari­ religiosa. As aulas começavam cada manhã com orações e terminavam com
dade do destino, pouco tempo após se ter retirado este jovem que se deve­ a Oração do Senhor e ação de graças. A hora de 11 às 12 era dedicada à
ria tornar um rigoroso reformador protestante, o futuro fundador da entoação de Salmos. Às quatro da tarde a reunião era reservada, recitando
Ordem dos Jesuítas, Inácio de Loyola, sentava-se nos mesmos bancos e a Oração do Senhor, a confissão de fé e os Dez Mandamentos. Na manhã
era instruído pelos mesmos mestres. de quarta-feirg estudantes e congregação ouviam um sermão; sábado à
Não muito antes de morrer, o pai de Calvino caiu no desagrado da tarde, todos estudavam o catecismo; aos domingos, os estudantes assistiam
Igreja Romana e, como conseqüência, aconselhou seu filho a desviar sua ao ofício religioso e, depois, passavam o resto do dia em meditação sobre o
atenção da atividade clerical para a profissão de advogado. Com esse novo sermão.
objetivo em vista, o jovem Calvino freqüentou as universidades de Ortéans O sucesso da escola e da academia foi espantoso. Durante o primeiro
e Bruges. No entanto, seu sentimento não estava no estudo das leis, se ano, inscreveram-se 900 jovens, de todas as nações da Europa. A insti­
bem que ninguém possa acusá-lo de carência de espírito jurídico. Foi mais tuição foi imediatamente reconhecida como o berço dos pregadores protes­
o “Novo Saber” que conquistou o seu interesse. Aos 22 anos, tendo morrido tantes e professores, para a França e outros países. Foi tomada como mo­
seu pai, Calvino sentiu-se livre para seguir sua própria inclinação. Por delo para a organização da Universidade de Leyden, na Holanda; Edim­
esta razão, voltou a Paris e dedicou sua atenção à literatura clássica. Con­ burgo, na Escócia, e o Emmanuel College da Universidade de Cambridge,
tudo, no fim do ano de 1532, tomou uma decisão que foi de extrema signi­ na Inglaterra, que, por sua vez, influenciou a fundação de Harvard em
ficação: repentinamente, rompeu com a fé católica e ficou intensamente Massachusetts. Por onde fosse levada a fé calvinista, ela despertava uma
absorvido pela Teologia. Achando a França hostil ao Protestantismo, Cal­ extraordinária preocupação com a educação.
vino foi para Genebra, onde se tornou um pastor da cidade. Com 26 anos Calvino e a escola comum. Muitos atribuem a origem da escola
escreveu a primeira edição das Instituições da Religião Cristã que, de comum a Calvino. O historiador Jorge Bancroft afirmou: “Calvino foi o
um golpe, caracterizou-o como teólogo-mestre da época. Afastado de Ge­ pai da educação popular, o inventor do sistema de escolas gratuitas1.” Os
nebra por um elemento reacionário, procurou refúgio por algum tempo na fatos corroboram escassamente essa pretensão, tanto quanto o fazem fatos
cidade liberal de Estrasburgo. Aí, foi pastor de uma igreja para protestantes semelhantes no caso de Lutero. Calvino não teve interesse algum na edu­
franceses e lecionou Teologia no colégio local. Em associação íntima com cação vernácula elementar. Queixou-se ao Conselho de Genebra que havia
esse colégio estava o célebre ginásio clássico recentemente fundado por pequenas escolas em demasia e o número foi, então, reduzido para quatro
João Sturm. — uma para cada quarteirão da cidade. Pediu que só se permitisse a fre­
Chamado novamente a Genebra (1541) Calvino, por sua inflexível qüência a essas escolas àqueles meninos que fossem incapazes de aprender
força de vontade, transformou a cidade na “Roma do Protestantismo”. Des­ latim. Nenhuma providência foi tomada para a educação das meninas, nem
se centro, suas doutrinas dominaram a reforma da Igreja na França, Ale­ para a instrução obrigatória, exceto no lar. Por outro lado, deve-se admi­
manha Oriental, Holanda, Inglaterra, Escócia e numa grande parte da tir que o seu catecismo fornecia uma pequena dose de instrução religiosa
Suíça. Morreu em 1564, o teólogo riais criador de seus dias, e uma figura para todos. No tocante às línguas vernáculas, deve-se admitir que Calvino
importante na educação. exigia que os alunos do ginásio “lessem francês fluentemente”.
A academia de Genebra. Por muitos anos, Calvino teve sempre em Pessimismo moral. Teorias e práticas educacionais são determina­
vista a fundação de uma escola qUe seria a pedra fundamental da organi­
zação eclesiástica da cidade de Genebra, para a disciplina moral e espiri­
tual de todo o povo. Devido a numerosas dificuldades, ele foi incapaz de 1) Schaff, Philip, H iitory o/ tke Chrútian Chvreh. vol. VII, pá*. 522, Nova Tork Charles
Scribner’* Sonn, 1903!
102 História da Educação Moa*:rna Progresso na Segunda M etade do Século X V I 103
das, em grande escala, pelas concepções éticas básicas de cada um. De é prevenido. Que glorioso adorno — tal pureza moral — para a religião cristã!
S. Agostinho, Calvino adquiriu aquele pessimismo moral que foi o motivo Com nossas lágrimas mais amargas devemos lam entar que isso esteja faltando e
seja quase negligenciado entre nós2.
fundamental em todas as suas doutrinas religosas e planos para a educa­
ção. Segundo seu modo de pensar a criança é intrinsecamente má; sua de­ A D IFU SÃ O DO CA LV IN ISM O
pravação é total; todos os elementos de sua natureza, emoções, razão e
vontade são igualmente perversos, todas as suas inclinações naturais infan­ Uma reform a religiosa internacional. É importante para o estudante
tis, apetites e interesses desencaminham-na. No interesse da vida moral de História e de Educação compreender que, enquanto a Reforma luterana
e religiosa, todos eles devem ser suprimidos, e, em seu lugar, devem ser estava ligada a governos nacionais, o calvinismo deu origem à Igreja
encaixados bons hábitos e pensamentos pios. Reformada, que não conhecia fronteiras estatais. Exerceu grande influência
Este ponto de vista explica a ansiedade de Calvino em organizar todas na Suíça e na França, mas radicou-se de forma mais ampla ao longo do
as instituições sociais em um ambiente harmonioso de modo a submeter Rio Reno, na Alemanha, com a Universidade de Heidelberg como centro,
a juventude ao impacto de um regime único, cuidadosamente supervisio­ e foi especialmente forte na Holanda. Por várias décadas, os menonistas
nado por uma consciência institucional. A doutrina da depravação total tinham sido o partido evangelizador mais numeroso e influente nesse setor.
desempenhou um papel proeminente nas teorias de educação do século xvx, Depois, para escapar à perseguição de “Maria a Sanguinária”, de 15S3 a
e finalmente conduziu, na filosofia do século xvui, a uma reação que pro­ 1558, milhares de calvinistas da Inglaterra procuraram refúgio na Holanda
piciou a declaração da bondade original do homem. e ajudaram i incrementar a tendência para o domínio da Igreja Reformada.
Opinião sobre o governo e a vida civil. Pode-se garantir uma con­
cepção adequada do programa educacional dé Calvino apenas pela com­ A R E FO R M A N A ESCÓ CIA
preensão de seu ponto de vista a respeito do governo e da vida cristã. Seu
gênio levou à consolidação de Igreja, Estado e Família numa instituição O oalvinismo introduzido. A Reforma atingiu a Escócia mais tarde do
combinada para instrução, disciplina, preparo e controle de todos os ci­ que outrcs países, e deveu sua vitória à ardente pregação de João Knox
dadãos. Essas instituições eram as entidades individuais de um organismo que havia recebido influência de Calvino e sua escola em Genebra. Knox
unificado com um único objetivo, que era executar a vontade de Deus na induziu o Parlamento escocês (1560) a adotar uma nova confissão de fé,
Terra. Calvino visualizava uma teocracia, concebida de acordo com o Velho com esta resolução decisiva: “os bispos de Roma não têm jurisdição nem
Testamento e sob o domínio dos pastores de Genebra. autoridade neste reino”. Por este ato, a Escócia aboliu o romanismo e
No lar, os pais eram obrigados a ensinar às crianças catecismo e modo aceitou o sistema calvinista.
de viver cristão. Essa tarefa, assim como a conduta diária dos pais era No Primeiro Livro de Disciplina, Knox propôs uma igreja autônoma,
estritamente supervisionada pelo consistorium. Cada lar era inspecionado, segundo o padrão de Genebra, com controle sobre moral e religião pública
no mínimo uma vez por ano, para ver se os regulamentos eram obedecidos. e privada, incluindo a educação. Os jovens e ignorantes deveriam ser ins­
A igreja era usada não somente para culto, mas, também, como lugar de truídos num sistema de escolas graduado; cada igreja deveria ter uma
instrução no catecismo, tanto para velhos como para jovens. O Estado exis­ escola elementar, cada município uma escola secundária e cada cidade livre
tia para fazer leis de acordo com as idéias puritanas dos pastores, organizar uma universidade. A providência culminante, proposta pelo Livro de Dis­
e manter escolas, e para ver se o regime eclesiástico era efetivado. ciplina, era que a riqueza dos mosteiros e igrejas e todos os dízimos fossem
destinados à manutenção de igrejas, escolas, universidades e dos pobres.
Efeito da disciplina de Calvino em Genebra. O efeito desse regi­ Isto era pedir mais do que os ávidos senhores da Escócia podiam tolerar.
me pode ser visto partindo das seguintes afirmações: João Knox declarou Ainda mais, enquanto eles desejavam garantir a supervisão da Igreja sobre
que “Genebra é a mais perfeita escola de Cristo que já existiu na terra as escolas elementares, exigiam que as cidades não fossem perturbadas em
desde os dias dos apóstolos”. Há, também, o julgamento do pastor luterano seu controle sobre as escolas secundárias. Como resultado de toda essa
Johann Valentin Andreã, que visitou Genebra em 1610 e relatou o seguinte: oposição, nada de importante foi feito durante muitos anos.
Quando eu estava em Genebra, fiz uma descoberta notável, cuja lembrança OS PAÍSES-BAIXOS
e ansiedade só morrerão comigo. Não somente existe lá uma comunidade absoluta­
m ente livre, mas como especial objetivo de orgulbo (ornamentum) , uma censura
de moral (disciplina), segundo a qual são feitas investigações semanais na moral Evolução geral. Na transição para o Protestantismo, os Países-Baixos
e até nas mais ligeiras transgressões dos cidadãos, primeiro pelos supervisores de
Vigilância, depois pelos vereadores e, finalmente, pelos magistrados, conforme o
caso o exigir. Como resultado, qualquer blasfêmia, jogo, luxúria, briga, ódio, capri­ 2) H eld, Felix Em il. Johann r a lm lin A ndreã’« chriatianopolu. p íe . 27. U rb an a: XIniver-
cho, engano, extravagância e coisa semelhante, para nada dizer dos pecados maiores, sity of Illinois Press, 1914.
104 História da Educação Moderna Progresso na Segunda M etade do Século X V I 105
experimentaram a hostilidade de uma guerra religiosa fanática com seus dades civis tornassem a educação compulsória. No tocante à jurisdição
dominadores espanhóis. Milhares de pessoas foram martirizadas, outras das escolas fera das cidades, a autoridade repousava em mãos dos gover­
morreram na guerra, e dezenas de milhares atravessaram o canal, para as nantes (states-general) ou do legislativo.
regiões do leste da Inglaterra. Como uma conseqüência do conflito, as A atitude dos legisladores era demonstrada na seguinte carta, que o
províncias do Sul foram preservadas para o catolicismo, mas as do Norte Conde João de Nassau escreveu para seus filhos e sobrinhos, entre os
se tornaram profundamente protestantes e, finalmente, constituíram a quais Luís Guilherme, Stadtholder de Friesland, encarecendo “a necessi­
república holandesa. dade de estabelecer um sistema de escolas comuns nas Províncias Unidas3”
A despeito dessas experiências exaustivas, a cultura dos Países-Baixos
continuou a florescer 'e a Holanda alcançou rapidamente o papel principal Vós deveis encarecer, junto aos governantes, que eles, conforme o exemplo
do Papa e dos jesuítas, deveriam estabelecer escolas livres, onde crianças abas­
na civilização européia. No comércio, manufatura, exploração e invenções, tadas, assim como as de famílias pobres, por uma soma muito pequena, pudessem
o holandês não tinha rivais. Da mesma forma* na arte de forjar, seus artí­ ser bem educadas e criadas de forma cristã. Este seria o trabalho maior e mais
fices estabeleceram cs padrões. Desde 1576, o Príncipe de Orange procla­ útil e o melhor serviço que vós jamais poderíeis prestar a Deus e à cristandade e,
mou a tolerância de todas as religiões, até para católicos e anabatistas, especialmente, aos próprios Países-Baixos... Igrejas e escolas, boas bibliotecas,
livros e impressoras são melhores que todos os exércitos, arsenais, armarias,
e, em breve, a Holanda se tornou um asilo para refugiados religiosos de munições, alianças e tratados que possam ter sido imaginados ou existido no
todos os países. mundo.
A Universidade de Leyden, fundada em 1575 como uma recompensa
pela defesa heróica contra os espanhóis, tornou-se o mais avançado centro T rês níveis de escolas. Havia três níveis de escolas mantidos: esco­
de cultura no norte da Europa, e a cidade de Amsterdã ficou sendo ponto las comuns para as massas, escolas clássicas para meninos que desejavam
de encontro e refúgio para homens cultos de todos os países. A maior ingressar na vida profissional e as universidades.
parte dos professores tornou-se protestante; isto é verdadeiro, especial­ O sistema de escolas comuns da Europa e da América devem sua ori­
mente para os Irmãos da Vida Comum, que desde muito tempo estavam gem, em grande parte, às escolas municipais dos Países-Baixos. Essas
inclinados à fé evangélica. Quase todo o homem, mulher e criança tinha escolas foram a conseqüência de três fatores, o primeiro dos quais era a
aprendido a ler nas escolas públicas anteriores à Reforma. Como as esco­ exigência feita pela vida do comércio. Por vários séculos, antes da Reforma,
las ja estavam nas mãos das autoridades municipais, a transferência para havia-se ensinado a ler e a escrever tanto nas escolas municipais quanto
a nova ordem foi efetivada sem muita oposição. Com a aceitação geral do nas escolas particulares. Afirma Davies:
Protestantismo, os conselhos da cidade proibiram o ensino de orações e
práticas religiosas católicas e requereram a substituição pelo catecismo e Temos o testemunho do italiano Guicciardini sobre o fato de que antes da
eclosão da guerra com a Espanha, até os camponeses na Holanda sabiam ler e
pelas doutrinas reformadas. escrever bem4.
Doações escolares. Outra grande vantagem para os Países-Baixos O segundo fator foi a democracia virtual do governo. O terceiro fator
era a facilidade com que as rendas de propriedade da antiga Igreja foram, foi a Reforma.
então, desviadas para a manutenção das escolas públicas. Em 1580, o Durante a Reforma na Holanda as doutrinas calvinistas contribuíram
Estado de Utrecht separou suas propriedades eclesiásticas, para a manu­ para a exigência da educação popular. Os objetivoç da Igreja exigiam:
tenção de mestres. Três anos mais tarde, a Zelândia aprovou uma lei 1) leitura do credo e dos principais dogmas, tal como se encontravam no
semelhante, com o fundamento, de que a educação “é o alicerce da comu­ catecismo; 2) formação de hábitos morais e freqüência aos serviços da
nidade”. Em 1603 as rendas da antiga Igreja foram desviadas para a ma­ Igreja; 3) leitura das Escrituras; 4) canto dos Salmos. Esse tanto de ins­
nutenção de escolas comuns em Friesland. trução religiosa deveria ser universal. Dò mesmo modo que os meninos,
A Igreja Reformada Holandesa, de acordo com sua doutrina calvinista as meninas eram admitidas nas escolas elementares.
de governo teocrático, cooperou com as autoridades estatais para o au­ A unidade orgânica de Igreja e Estado implicava, ainda, nas idéias de
mento das rendas educacionais. Em 1574, o Sínodo de Dort emitiu um educação compulsória, serviços à comunidade, manutenção e controle esta­
regulamento instruindo os “servidores da Igreja” para obter dos magis­ tais das escolas e instrução gratuita. A despeito de seu estabelecimento
trados, em cada localidade, permissão para a nomeação de professores e como religião oficial do Estado, a Igreja Reformada não tinha controle com­
uma ordem para sua recompensa, como no passado. Em 1582, a província
de Friesland decretou que os habitantes das cidades e aldeias deveriam,
dentro de seis semanas, providenciar mestres reformistas bons e capazes. 8) Cltado de Motley, John Lothrop, History of the United Netherlands, vol. Ill, p4g. 11». Nov«
Se .negligenciassem essa ordem, nomear-se-iam professores para eles. O York; Harper tc Brother«, 1867.
Sínodo de Nimeguen, em 1606, requereu voluntariamente que as autori­ 4) Davies, C. M.. Bistort! of Holland end the Datrh People, vol. I, p4g. 487. Londrea:
O. Willi«. 1851.
106 História da Educação Moderna Progresso na Segunda Metade do Século X V I 107
pleto da educação nas províncias. Havia grande número de católicos, armê­ sobre organização escolar, currículos e métodos irradiaram-se em todas 3S
nios e menonistas. Esses grupos opunham-se à ambição dos calvinistas com direções.
relação à plena autoridade. Como conseqüência dessa divisão, as autoridades Tem sido avaliado que cerca de 10 000 ingleses fixaram residência na
seculares mantiveram o controle sobre todos os assuntos educacionais. Holanda, durante a estada dos Peregrinos. Muitos deles freqüentaram
Todos esses fatores contribuíram para realizar um sistema bastante efi­ universidades e seus filhos estudaram nas escolas. Entre estes estavam
ciente de escolas públicas na Holanda, muito antes dele ser encontrado em Robinson e Brewer, que desempenharam tão importante papel na emi­
qualquer outra parte. gração para o Novo Mundo. E m ' 1609, quando os Padres Peregrinos
(Pilgrim Fathers) se fixaram em Leyden, a escola já tinha tornado a
propriedade do pcvo:
Era um país onde toda a criança ía à escola, onde quase todo o indivíduo
sabia ler e escrever, onde até nas classes médias se encontrava conhecedores de
M atem ática e dos clássicos e que sabiam falar dois ou mais idiomas modernos.
Dificilmente haveria um natural dos Países-Baixos — homem, mulher ou
criança que não soubesse ler e escrever. A escola era a propriedade comum do
povo, sustentada pelos cofres municipais. Nas cidades, assim como nos distritos
rurais, não havia apenas escolas comuns, mas também clássicas. Nas famílias
burguesas era raro encontrar meninos que não tivessem aprendido latim ou me­
ninas que desconhecessem o francês5.
De acordo com Griffis8 os chefes dos Peregrinos na Holanda “torna­
ram-se cidadãos, pagavam seus impostos e se beneficiavam das escolas
comuns”. Griffis também afirma que entre 80000 e 100000 pessoas emi­
graram da Holanda para a Inglaterra.
A influência direta desses refugiados sobre o povo inglês verificava-se nisto
— cada trabalhador estrangeiro era obrigado por lei a adm itir e preparar um
aprendiz inglês. A lei mandou, provavelmente cinqüenta mil meninos e jovens
UMA ESCOLA HOLANDESA DO SÜCULO DEZESSEIS ingleses para a escola, não somente no que se refere à indústria, mas, também,
quanto a idéias republicanas e noções liberais'.
As escolas de gramática estavam amplamente distribuídas e sob o Mais uma vez, não devemos desprezar a influência da educação ho­
controle de autoridades municipais. Latim e grego eram comumente ensi­ landesa na América colonial, a qual será estudada adiante.
nados, mas muitas escolas expandiram seus currículos além do restrito
curso de Sturm. Francês, Matemática e Filosofia eram freqüentemente in­ O PRO G RESSO DA ED U CA ÇÃ O N A IN G L A T E R R A
cluídos nos estudos.
A cultura progressiva do povo holandês é bem exemplificada nas suas Reformadores educacionais. Os principais progressos da educação na
universidades. Foram fundadas as seguintes instituições: Leyden, em 1575, Inglaterra verificaram-se no campo da teoria humanística e da reorgani­
Franeker, em Friesland, 1585; Groningen, 1614. Leyden atingiu a maior zação das escolas sob a monarquia. Os principais pensadores foram Ro­
celebridade. Foi fundada para comemorar a heróica resistência da cidade gério Ascham e Ricardo Mulcaster.
ao cerco dos espanhóis. Proposta a escolha entre a isenção de taxas e o
estabelecimento de uma universidade, os habitantes de Leyden escolheram Rogério Ascham (1515-1568). O historiador educacional é, cons­
“uma escola livre e universidade”. A nova instituição imediatamente se tantemente, obrigado a encarar o problema de avaliar dados. A Encyclo-
tornou ponto de encontro de protestantes ingleses e franceses, assim como peedia Britannica ( ll.a ed.) dedica a Ascham uma página e meia, mas
de estudantes de seu próprio povo. Mais de 2 000 estudantes de nacio­ ignora completamente Mulcaster. Do ponto de vista da opinião inglesa
nalidade inglesa matricularam-se em Leyden durante o século xvn.
Entre os mestres célebres ligados a Leyden estavam Jcsé Scaliger, Gro-
tius, Arminius, Stevin e Boerhaave. 5) Motley, John Lothrop, op. cit., vol. iv, pécr. 432.
6) Griffis, W. Elliot, The Influence of the Netherlands in the Making of the English Com-
Influência da educação holandesa. Os historiadores têm dedicado monwealth and the American Republic, p&g. 17. Boston: De Wolfe, Fisk & Co., 1891.
7) Ibid., pájç. 10. Ver, também, De Vries, Tieman. Dutch H istory, A rt and Literature for
muito pouca atenção a influencia dos holandeses. Suas idéias avançadas Americans, pá*. 37 et, seq. Grand Rapids: Eerdmans-Sevensma C., 1912.
108 História da Educação Moderno Progresso na Segunda M etade do Século X V I 109
do século xvi, Mulcaster era apenas um mestre-escola sem importância; Ricardo M ulcaster (c. 1530-1611). Indiscutivelmente o mais agudo
Ascham, um cortesão de grande sucesso, duas vezes professor da Princesa espírito educacional de seus dias e, talvez, igual ao mais arguto de qualquer
Isabel e uma vez secretário da Rainha Maria. Do ponto de vista de algum época, Ricardo Mulcaster merece um tratamento extenso. Seu Posições foi
melhoramento duradouro para a educação inglesa, ele em nada contribuiu, impresso em 1581 e, depois, relegado ao esquecimento durante três séculos.
exceto com o exagero do valor do uso do arco como forma de exercício para O Elementar foi impresso duas vezes em 1582 e nunca mais até 1925.
o gentil-homem típico da época e com o método de ensinar latim através Posições é uma das obras educacionais mais criadoras jamais produzidas
de uma dupla tradução. No contexto da educação européia, ele deve ser na Inglaterra; o Elementar foi o primeiro e mais compreensivo tratado
colocado como um seguidor de Sturm de Estrasburgo. sobre educação primária, até o século xix. Por que os ingleses relegaram
Ascham é considerado por dois livros: Toxophtlus (1544), sobre o exer­ ao esquecimento essas duas obras e deram grande popularidade ao Mestre-
cício do arco; e O Mestre-escola, publicado dois anos após sua morte. Como escola de Ascham? Devido à peculiaridade do inglês de Mulcaster, dizem
todos os eruditos da época, ele pesquisou diligentemente o que os antigos seus descobridores recentes. Uma explicação melhor é que sua posição com
haviam escrito sobre educação, e aceitou o padrão familiar do “gentil-ho­ referência à educação popular não mereceu a aprovação da camada supe­
mem”, já firmado como ideal educacional. A verdadeira razão pela qual rior; estava em desacordo com a linha do pensamento social inglês. Mul­
a atenção estava centralizada na educação da aristocracia era que a caster visava educar uma aristocracia de intelectos e capacidades sociais,
classe mais baixa imitava as maneiras e padrão de vida estabelecido pela selecionada, de acordo com o plano de Platão, dentre todas as camadas, e
mais alta. O padrão social de cultura ou de estilo era determinado pela não de posições hereditárias. Se a influência de Mulcaster sobre a educação
aristocracia. inglesa tivesse sido proporcional à sua visão, muitas páginas teriam sido
Por algum tempo, a complexidade educacional tinha aumentado por necessárias para retratá-la adequadamente. Mas, por que tratar de idéias
toda a parte. Primeiro, a língua inglesa estava sofrendo rápidas mudanças. mortas há três séculos? Principalmente devido à aceitação de suas con­
Nenhuma atenção, no entanto, era dada a seu ensino, apesar dele não poder cepções no continente, por parte de espíritos mais progressistas.
ser ignorado por mais tempo. Segundo, o jargão medieval do latim não O profundo discernimento de Mulcaster na educação pode ser explicado
estava tão em evidência como antes. Terceiro, o latim clássico tinha de da seguinte maneira: primeiro, como Elyot, Ascham e Montaigne, ele havia
ser aprendido nas escolas. Imaginem meninos pequenos, de cinco ou seis ponderado o que os melhores autores antigos e contemporâneos tinham a
anos de idade, tentando aprender a falar latim memorizando regras da dizer a respeito da educação das crianças. Segundo, anos de aguda obser­
gramática latina! A maior parte dos professores não tinha nem método, vação como diretor da Escola Merchant Taylor’s (Merchant Taylor’s
nem instrução sólida, mas sabia como espancar a criança sem piedade. School) lhe deram um rico cabedal de experiência. Nenhum dos escri­
Para corrigir esse método desumano de motivação, Ascham propôs “um tores anteriores sobre educação havia tido tal oportunidade de observar
modo simples e perfeito para ensinar a criança a compreender, escrever e os processos de educação, lidando diretamente com jovens de várias
falar a língua latina”. Ascham, ccmo todos os reformadores, durante muitos camadas sociais.
séculos, lutou pela suavidade e persuasão. O terceiro ponto principal foi a concepção de Platão sobre o Estado e
Os homens da Reforma, assim como os da Renascença, estavam de pleno suas relações com a educação. A influência platônica foi dominante em
acordo a respeito de que para a educação adequada da juventude, falar quase toda a educação renascentista. Servir o Estado era aceito como o
e escrever o latim clássico era essencial. Ascham afirmou com exatidão: propósito máximo na formação do “gentil-homem erudito”. Ninguém, no
entanto, seguiu Platão tão de perto quanto Mulcaster, na seleção daque­
“Todos os homens ambicionam que seus filhos falem latim.” Visualizado les que deveriam chegar a uma educação completa.
claramente este objetivo, o método para atingi-lo era o problema máximo Os fatos que, na biografia de Mulcaster, têm genuína significação não
do educador. Infelizmente, em sua ansiedade para formar sólidos eruditos são numerosos. A família desfrutava de certa posição: Ricardo foi enviado
em latim, Ascham não tomou em consideração o valor da aprendizagem para Eton, depois para King’s College, em Cambridge. Por alguma razão
da música, da aritmética e da geometria. desconhecida transferiu-se para Oxford, onde foi escolhido para uma bolsa
Ascham propunha ensinar, antes de tudo, um pouco de gramática e de estudos em 1555. Três anos mais tarde, tornou-se professor em Londres,
depois apegar-se às Cartas Seletas de Cícero de Sturm, em latim. Apren­ onde sua reputação de erudito e mestre propiciou sua nomeação para diretor
dendo a ler o texto lentamente e memorizando as palavras, o menino gra­ da Escola Merchant T aylor’s, recém-fundada (1561). A nova instituição tinha
dualmente adquiria um vocabulário e um conhecimento mais exato da como propósito “a melhor educação "e formação de crianças em boas ma­
construção da língua. Era ensinado a traduzir o texto para o inglês e neiras e literatura”. Isso estava estritamente de acordo com a tradição
depois, a verter a tradução novamente para o latim. Isso feito, o tutor inglesa de educação aristocrática. A Escola Merchant Taylor’s diferia das
comparava seu latim com o original. Após muita prática dessa dupla tra­ outras “Grandes Escolas Públicas” somente no fato de que era um exter­
dução, o aluno escrevia ensaios em inglês e, depois, os traduzia para o latim. nato, e destinada a meninos comuns. Aí, Mulcaster serviu, eficiente e cons­
cienciosamente durante 25 anos. Após um intervalo de 10 anos, quando
110 História da Educação Moderna Progresso na Segunda M etade do Século X V I 111
comprometido de outros modos, ele foi nomeado Chefe da Escola de S. O objetivo da educação, como Mulcaster o dizia, era criar “os jovens
Paulo, uma das mais antigas “Grandes Escolas Públicas”. Enquanto isso, livres” de modo que “pudessem dar bons resultados no fim e servir bem,
publicou suas duas obras principais sobre educação. Mulcaster era versado naquele lugar para o qual fossem designados para o bem de seu país,
nas teorias e práticas educacionais do passado. Os tratados de Elyot, quando atingissem a maturidade”. Apesar de sua subserviência à aristo-’
Ascham e outros eram esmiuçamentos do que os antigos haviam escrito, cracia, o bem da Comunidade estava sempre em sua mente.
mas, isso não acontecia com os dele. Discute as contribuições educacionais Quais os que devem ser educados? Mulcaster é responsabilizado por
mais significativas da sua época, e não apenas o que defendiam Plutarco alguns, de favorecer a alfabetização universal. Ele o fazia com muita má
e Quintiliano, quinze;séculos antes. vontade, mas, deixemo-lo falar por si. “Certamente, nem todas as crian­
Os problemas educacionais que a Inglaterra enfrentava durante a se­ ças estão aptas para a escola, nem todas, apesar das circunstâncias fami­
gunda metade do século xvi foram claramente expostos nas obras de liares afirmarem que estão. E, por conseguinte, as escolas podem não ser
Mulcaster e inteligentemente encarados. estabelecidas para todos.” Mas, para fins religiosos e de negócios necessá­
A classe média estava se enriquecendo e, naturalmente, procurava rios, eles poderiam aprender a ler e escrever, contanto que não fossem
para seus filhos a mesma educação que era dada aos filhos dos aristocratas. adiante. O padre da paróquia poderia ajudar as crianças a adquirirem
A fundação da Escola Merchant Taylor’s estava rigorosamente de acordo essas habilidades primárias. Mulcaster foi até aí em seus planos para a
com essa tendência. Surgiu, então, o perigo de que muita gente recebesse alfabetização universal. Era alfabetização, mas não ilustração.
a educação clássica, pois, somente um número limitado poderia ser utili­ Em sua concepção, a educação tinha somente um propósito, isto é, ser­
zado no sérviço público. Mulcaster insistia nesse ponto. vir a comunidade, e ele temia muito que pessoas em demasia fossem educadas
O preparo educacional em línguas .estrangeiras tinha se tornado muito além das necessidades atuais do Estado. Em outras palavras, o aluno a ser se­
mais complexo. Durante séculos, a Europa Ocidental era bilíngüe, a religião lecionado é a criança que tem maiores probabilidades de se tornar um
e o saber eram desenvolvidos num jargão de latim medieval, e somente gentil-homem culto, que é dedicado aos interesses de seu soberano e supe­
atividades vulgares utilizavam as línguas vernáculas. Vieram, então, o la­ riores, é estimado por seus companheiros e será capaz de governar seus
tim clássico e o grego como requisitos para um homem culto. O hebraico inferiores agradavelmente. As crianças que demonstrassem a inteligência
era, também, considerado por muitos sábios, como um rival do grego. Fi­ mais aguda e a melhor conduta moral deveriam ser selecionadas e levadas
nalmente, a vida religiosa adotara o vernáculo em todos os países protes­ aos mais altos níveis de ensino. Aqui mais uma vez, Mulcaster se servia
tantes, e a Igreja, acompanhando os interesses comerciais, exigiu que ele da sugestão de Platão. A concepção da República de Platão que impressio­
se tornasse matéria de estudo nas escolas. O problema de aprendei todas nou a ele e a todos os outros contemporâneos foi esta: cada indivíduo
essas línguas complicou o currículo das escolas. deveria ser posto a serviço do Estado na posição para a qual a natureza o
Novamente, Mulcaster e outros contemporâneos haviam adquirido a havia designado. Ejsses homens julgaram que isso significava que as crian­
penosa convicção de que a gramática latina, que era a primeira matéria ças devem ser preparadas, não para a condição de vida de seu pai, mas
ensinada, não podia ser entendida por crianças de cinco ou seis anos, pois para o lugar a que suas capacidades as tornassem aptas.
não estavam mentalmente aptas a isso. Suas faculdades deveriam ser pri­
meiro desenvolvidas por um curso de formação preparatória. Serviço à comunidade. Em que base deveria ser feita a seleção da­
Como reagiu Mulcaster a essa complexa situação? Ele estava vivendo queles que vão receber a educação superior? Dependeria isso de duas coi­
numa sociedade apaixonadamente devotada à monarquia e completamente sas: primeiro, da capacidade e do desejo da criança de adquirir conheci­
convencida da superioridade de uma aristocracia, e aderiu sem reservas a mento e, segundo, da necessidade que tem a sociedade de homens cultos
essa atitude. Ao mesmo tempo, partilhava com Elyot, Ascham e outros para servir nos postos da administração pública e da Igreja e nas diver­
contemporâneos, de uma profunda reverência pelas concepções de Platão sas profissões. Um médico pode atender a várias pessoas, de modo que o
referentes à sociedade e ao governo. Será lembrado, além do mais, que número de médicos dependerá da necessidade social. Assim será para todas
ele ensinava a meninos da classe média superior da sociedade inglesa, que as outras atividades. O ensino ou o saber é um bem social e não deve ser
visavam a Coroa como um passo para uma situação elevada na vida. Pla­ desviado para proveito particular. E educação não é para vantagens indi­
tão não admitia em seu plano um monarca hereditário ou uma casta go­ viduais mas para o benefício da sociedade. “No fim, eles [educadores]
vernante de aristocratas nascidos para o mando. Os legisladores de Estado consideram se aquele que é culto vive para si, particularmente, ou publica­
de Platão constituíam uma aristocracia de caráter e intelecto, e haviam mente, para os outros.”
conquistado seu direito de governar porque eram os mais virtuosos, inte­ O indivíduo servir bem à sociedade, quando fosse educado, dependeria
ligentes e sábios cidadãos. Este princípio de selecionar os melhores para a de seu zelo pela virtude moral e pelo bem da sociedade, sem considerar
educação superior era predominante no pensamento de Mulcaster. Era um lucro algum para si.
ardente defensor da monarquia e patriótico ao extremo. Mulcaster, talvez motivado por triste experiência, tinha intenção de
112 História da Educação Moderna Progresso na Segunda M etade do Século X V I 113
limitar a oportunidade educacional. Não queria encorajar muitos à ascen­ O Elementares é a mais completa discussão da instrução na língua inglesa
são para um nível social mais alto. Aceitando a divisão de Aristóteles dos até dias recentes.
governos em monarquia, democracia e oligarquia, escolheu a primeira. So­ Princípios do método. Mulcaster aceitou a noção de Platão de que
mente aquelas crianças cujas capacidades fossem mais adequadas para de­ “todo o nosso saber é inato, a alma o contendo naturalmente”. Dessa dou­
senvolver os interesses da monarquia, seriam escolhidas para formação trina, concluiu que há, na criança, “habilidades naturais que a natureza,
continuada até o mais alto nível. Passou, então, a definir as qualidades implantou em nossas mentes e corpos, por ela mesma preparados para o
“da criança que ficará provada como um elemento mais adequado a servir nosso uso”. Mas, essas capacidades naturais devem ser aperfeiçoadas por
à monarquia, em questões de ensino”. “O aprendiz monárquico”, como ele nós mesmos. A natureza é o alicerce sobre o qual devemos construir.
chama ao bom candidato, deve ter em alto grau, as seguintes qualidades:
“Obediência aos superiores e à superioridade, amizade e camaradagem com O fim da educação e instrução é ajudar a natureza, até a tua perfeição, que
relação aos companheiros e iguais, força para merecer o bem e consegui-lo, se verifica quando todas as habilidades se aprimoram nos seus hábitos10.
desejo de evitar o mal e fugir dele.”
A educação das meninas. Alguns escritores do século xvi favore­ “A educação é uma arte que ajuda a natureza a atingir uma perfeição
ceram a educação das meninas e alguns excelentes livros foram escritos artificial.” O professor não deve forçar o ensino ou a boa conduta moral,
sobre o assunto. A Cavalaria, a Renascença e o fato de que as mulheres mas esperar o sinal de que as capacidades infantis estejam maduras. Mul­
eram aceitas como rainhas e ocupavam posições importantes, convenceram caster muito tem a dizer a respeito de “maturidade”, da mesma forma
os homens de que as meninas, especialmente da aristocracia, deveriam re­ que os professores primários aguardam, atualmente, em seus alunos, a
ceber uma educação liberal. Mulcaster defendia isso “com unhas e dentes”. “maturidade para a leitura”.
Resumindo suas razões num assomo de ardente eloqüência, escreveu: O homem transcende os animais irracionais porque “qualidades divinas”
surgem de suas habilidades naturais como os melhores frutos surgem de
Nono pais o permite, nono dever o comanda, toa aptidio o exige, toa exce­
lência o ordena; e atrever-te-io conceitos particulares, como parecia outrora, a
suas primeiras flores. Descobrimos, aqui, uma remota, senão a primeira,
opor-te, onde tão grande* e excelentes circunstâncias tão seriamente o reco­ teoria do desenvolvimento natural. A educação do jovem fidalgo deve ser
mendam8? suave e agradável. Sua finalidade não é o saber pelo saber.
Mais uma razão para sua aceitação da completa participação de meninas A formação dos jovens é da máxima importância. A parte mais
na educação, foi que ele se apoiava em Platão. importante de toda a educação é conseguir um bom início, lançar um
Porém, antes de nos tornarmos excessivamente entusiastas a respeito sólido alicerce. Em conformidade com isso, Mulcaster dedica muita atenção
da exigência de Mulcaster com referência à educação de “jovens meninas” à instrução elementar. Ninguém, até Pestalozzi, dera tanto realce ao ensino
é conveniente um exame mais minucioso. Elas devem aprender a ler, escre­ primário.
ver, desenhar, música (canto e execução) e trabalhos de agulha. Perma­ O currículo. Uma vez determinado quem deve ser educado, como e
necem na escola elementar até atingirem 13 ou 14 anos. A Matemática é para que fins, a questão seguinte diz respeito ao curso de estudos. A educa­
considerada como além de suas capacidades, como o são todas as matérias ção elementar deveria, acreditava ele, consistir em: leitura, escrita, desenho,
profissionais e eruditas. Faz-se exceção para mulheres da nobreza, que, pintura, música (canto e instrumentos), dança e jogos. Este, vê-se logo,
devido à posição que devem ocupar, necessitam aprender línguas eruditas é o currículo humanístico tradicional da Renascença. Mas, há uma mu­
e modernas. dança surpreendente. O latim não é mencionado. Pela primeira vez, um
O uso do vernáculo. Mulcaster foi um tão grande advogado e firme homem, numa das mais notáveis posições escolares, propõe um currículo
defensor do inglês, como o que qualquer língua já teve. Na Peroração ao que leva à instrução superior, começando com o vernáculo e não com o
seu Elementares, exclamou com ardor: latim. Mais ainda, não começava com a gramática. A educação elementar
deve preceder de alguns anos a gramática latina e preparar para o estudo
Eu amo Roma, porém, mais Londres. Favoreço a Itália, porém, mais a In­ desta; essa era a sugestão mais radical e fecunda que poderia vir de qual­
glaterra. Eu honro o latim, mas venero o inglês... N io acho que lfngua alguma, quer homem nessas circunstâncias.
qualquer que seja, é melhor para exprimir todos os argumentos, ou com mais Na escola erudita, Mulcaster previa o ensino de latim, grego e hebraico;
conteúdo, ou com mais clareza, do que a nossa língua inglesa*.
estes deveriam ser preparatórios para a universidade.
8) Mulcaster, R.. Potritionê, páí. 187. Londres, Grenn A Compsnj, 1887,
9) Mutraster, Bl*m+ntari*, pág. >89. Oxford Untoerslty Press, 1925. 10) Knle«iiter, op. cit,, pé*. 31.
114 História da Educação Moderna Progresso na Segunda M etade do Século X V I 115
Educação física. Os educadores ingleses sempre olharam com sim­ riqueza de seus patronos e o número de homens proeminentes, especial­
patia especial os exercícios físicos, não porque o humanismo o exigisse, mente grandes estadistas, que ali receberam instrução.
mas porque, como os antigos gregos, amavam a atividade vigorosa ao ar Essas instituições eram o equivalente inglês das escolas para nobres
livre. Mulcaster dedicou muito espaço à discussão dos valores educativos italianos e das academias de cavaleiros da Alemanha. Seu objetivo era
da dança, luta, esgrima, escaladas, marcha, corrida, salto, pulo, natação, preparar jovens da classe superior para preencher as repartições da Igreja
equitação, caça, tiro, bola e futebol. Eram tomados em consideração qua­ e do Estado. Meninos da nobreza eram enviados a elas naturalmente,
lidades, tempo, lugar, medicina preventiva e outros aspectos da questão. alguns de classe inferior eram escolhidos por causa de sua especial habili­
dade intelectual e lhes era dada uma oportunidade através da proteção
Outras sugestões/ Entre as numerosas instituições valiosas para o de alguma pessoa de influência dominante. Essas escolas recebiam meninos
progresso da educação, na fértil experiência de Ricardo Mulcaster, devem de seis a oito anos e preparavam-nos para falar, ler e escrever latim, de
ser mencionadas as seguintes: desaprovava a. educação feita por tutores modo que ficassem aptos a ingressar num dos colégios de Oxford ou Cam-
particulares, preferindo escolas públicas. Insistia em que se deveria ter bridge. Eram, portanto, as principais escolas preparatórias da Inglaterra.
cuidado a fim de que as escolas tivessem bastante luz e ar e que todas Durante a Idade Média, as sete artes liberais estavam divididas no
tivessem pátios de recreio. Completa reorganização da educação universi­ trívio ou curso inferior, que consistia de Gramática, Retórica e Dialética ou
tária era pleiteada, no sentido de estabelecer escolas separadas para cada Lógica, e no quadrívio, que consistia de Aritmética, Geometria, Astronomia
profissão e, entre elas, Mulcaster insistia numa instituição para o preparo e teoria da Música. Eram preparatórios às matérias profissionais: Direito
de professores cuja profissão, exclamava ele, “é comparável às mais im­ (civil e canônico), Medicina, Filosofia, Ciências Naturais, Ciências Morais,
portantes”. Esta é a menção mais remota sobre a preparação profissional ou Ética e Metafísica e, a rainha das ciências, a Teologia. Por muito tempo,
de mestres. não houve separação entre os dois níveis de estudo. Depois, surgiu a ten­
Mulcaster achava que deveria promover conferências entre todos aque­ dência a separar o trívio do quadrívio e dos estudos superiores.
les que tivessem interesse em crianças, “para vê-las bem criadas”. Sugere As escolas de gramática latina davam instrução elementar. Os colégios
conferências entre pais, vizinhos e professores. O lar, a comunidade e a ou as universidades conduziam, então, o educando através dos estudos
Igreja devem cooperar em dar às crianças firmeza e constância de conduta. secundários e superiores.
Influência. A despeito do pouco caso de seus próprios conterrâneos Até a Renascença, os estudantes universitários aprendiam todas as ma­
com relação às reformas defendidas por Mulcaster, elas não foram infrutí­ térias profissionais. A dilatação do saber pela redescoberta das civilizações
feras. Ratichius e, talvez, Comenius foram alertados para a importância romana, grega e hebraica antigas e o progresso das ciências tornaram im­
possível a aquisição de todos os ramos do saber e, como conseqüência, sur­
dessas medidas e tornaram-nas a base de suas reformas na geração seguinte. giu, gradualmente, a especialização em nível profissional.
M udanças institucionais. Algumas mudanças se realizaram na edu­ O caos econômico que seguiu a queda do Feudalismo, a transição, na
cação inglesa por essa época. Inglaterra, da agricultura para o pastoreio, com o conseqüente desloca­
Antes da Reforma, na Inglaterra, somente três das chamadas “Grandes mento de população do campo para as cidades, precipitou a crise com a
Escolas Públicas” haviam sido fundadas: Winchester, Eton e S. Paulo qual o Parlamento foi obrigado a se envolver. O Estatuto dos Aprendizes
(St. Paul’s ). As seis restantes foram fundadas aproximadamente dentro foi aprovado em 1562, para melhorar essas condições. Essa lei tivera várias
de seis anos, como um resultado da Reforma. Em 1540, Henrique VIII conseqüências de longo alcance: 1) Dividia o povo inglês em duas classes:
transformou o mosteiro de Westminster em um colégio com dois mestres os ricos ou proprietários e os prbres. 2) Exigindo que ninguém pudesse
e quarenta escolares. Vinte anos mais tarde, foi reestabelecido pela Rainha desempenhar um “ofício ou mister” sem um aprendizado prévio de sete
Isabel. Os alunos deviam ter oito anos de idade e noções de escrita e gra­ anos, estabilizava a indústria e as corporações. 3) Da mesma forma, pro­
mática elementar, para serem admitidos. Sete modalidades, ou classes, videnciava o preparo dos jovens para a agricultura, criação animal e
constituíam o currículo. Shrewsbury foi fundada em 1551 por Eduardo VI. artes industriais. Nenhuma criança, de idade inferior a nove anos, poderia
A Escola Merchant Taylor’s (1560-61) foi filha da Companhia Merchant ser empregada como aprendiz da paróquia. O mestre era obrigado a ensi­
Taylor’s. A matrícula era limitada a 250. A seguinte foi Rugby, fundada nar ao aprendiz, não apenas o seu ofício, mas, também, a ler e a escrever.
em 1567 por doações particulares. Não foi aberta senão em 1574, mas se A Lei dos Pobres de 1601. Defrontando-se com a difusão da pobre­
tornou, com Eton e Harrow, uma das mais famosas dessas escolas. Char­ za, o desemprego e a necessidade de controlar a classe inferior, o Parla­
terhouse foi fundada por um comerciante rico em 1611. A última dessas mento promulgou a famosa Lei dos Pobres. Esse decreto providenciava a
“Grandes Escolas Públicas” foi Harrow, fundada em 1615. Se bem que não assistência aos pobres utilizando as taxas locais e uma medida de con­
tão antiga e venerável, equiparava-se em fama às primeiras devido à trole dos pobres por uma comissão de supervisores em cada paróquia. Essa
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comissão tinha autoridade para isentar de impostos, construir oficinas e modificação marcante, no que dizia respeito ao ofício de ensinar. Os aven­
fazer os pobres trabalharem. Era autorizada, também, a colocar crianças tureiros errantes foram suprimidos. Um novo espírito se insuflava nas salas
pobres em oficinas e inscrevê-las como aprendizes. O resultado mais nocivo de aula e, ao ensino, foi conferida nova dignidade. Os grandes reformadores
dessa medida foi que caracterizou a educação pública como caridade exerci­ lhe conferiram um significado elevado. Gradativamente, os professores fo­
da pelo Estado ou pela comunidade e não como um direito natural da ram empregados para funções mais duradouras. As cidades procuravam
criança à preparação para sua participação futura na estrutura social. Os diretores e professores assistentes adequados e sua nomeação era, com fre­
ricos proviam a educação de seus filhos como uma função familiar; o Estado qüência, um acontecimento. Casavam-se e se estabeleciam para servir por
aparecia para fazê-lo com relação aos indigentes. A educação pública foi, toda a vida. Honrarias significativas lhes eram conferidas até por reis e
daí em diante, considerada uma caridade pública. príncipes. Poucos séculos produziram uma. lista de professores mais famosos;
a relação incluía Melanchton, Sturm, Neander, Trotzendorf, Wolff, Cor-
A SPE C TO S PA R T IC U L A R E S DO PRO G RESSO derius, Colet e Lily.
E D U C A C IO N A L A desintegração das instituições medievais, que tinham moldado a vida
humana por mil anos, desafiava a inteligência dos sábios europeus. Como
Revisão dos acontecimentos. Se se compara as condições da cultura e conseqüência, pela primeira vez desde a antiguidade, o estudo da educação
da educação ao findar o século xvi com aquelas anteriores à revolução exigia atenção. Exatamente oomo os grandes reformadores iam à literatura
protestante, é-se capaz de avaliar mais definidamente o desenvolvimento antiga para sua teologia, retórica e filosofia, assim buscavam informação
verificado. pedagógica nas mesmas fontes. Não era vã sua pesquisa. Entre as obras
Essa era produziu novos ideais de valor pessoal e, conseqüentemente, novos antigas que haviam sido salvas dá poeira dos séculos, estavam tesouros
objetivos para a escola. Os povos germânicos tinham se elevado, lentamente, inestimáveis, como o De Oratore de Cícero, De Institutione Oratória de
a uma consciência de poder e agora afirmavam autodeterminação intelec­ Quintiliano e A Educação das Crianças de Plutarco, para não mencionar
tual e moral. Rejeitaram o antigo ideal católico como muito estreito e esta­ as obras de Platão e Aristóteles. Como os eruditos da Renascença encon­
beleceram outros que expressavam mais verdadeiramente seus próprios traram na cultura das civilizações antigas eloqüência, beleza, filosofia,
esforços interiores. O ascetismo, isto é, a renúncia a todos os desejos como sabedoria e piedade, assim os novos líderes sentiram que a educação que
meio de atingir a felicidade, era estranho à cultura germânica. Mais ainda, tinha produzido esses grandes resultados no espírito humano devia ser
deve-se notar que esse antigo ideal da vida cristã não tinha tido consis­ para sempre a verdadeira pedagogia. Nessa literatura educacional, desco­
tência integral. Sustentava um padrão de ética para a vida religiosa, mas briram, claramente discutidos, os princípios capitais da organização escolar:
outro diferente para a vida secular. método e currículo. Quintiliano e Plutarco floresceram mais uma vez em
O protestantismo substituiu a autoridade da Igreja pela autoridade das Erasmo, Sturm, Mulcaster, Ascham, Melanchton, Elyot e outros. Pata
Escrituras e obediência direta do indivíduo à vontade de Deus. O ritualismo sermos exatos, esses professores reformistas imitaram demais, mas seus
cedeu caminho à piedade interior; as boas obras, à boa vontade; a obe­ modelos eram bons. Não obstante, alguns trabalhos marcantes foram escri­
diência cega, à fé. A santidade não era mais renúncia a si mesmo ou ao tos, tais como os <je Erasmo, Lutero, Vives, Rabelais e Mulcaster.
mundo, mas, de preferência, o espírito benevolente que vive a vida normal Muitos dos aspectos da educação moderna que são hoje de grande
do ser humano das relações sociais, sem ceder à sensualidade ou ao inte­ importância, tiveram sua origem na reconstrução protestante. A inspeção
resse egoístico. de escolas da Igreja empreendida na Saxônia por Lutero e seus associados,
O fim educacional do mundo protestante tentava combinar os melho­ em 1527, foi o primeiro controle de escolas. Muitas pesquisas semelhantes
res ideais do passado com o novo sentido de valor pessoal. Dos antigos foram realizadas em outras cidades e principados através da Alemanha.
mundos grego e romano, tomou os ideais de expressão elegante e pesquisa Foram feitos relatórios sobre as condições encontradas. As recomendações
racional e o conceito de serviço público. Da Cavalaria, recebeu uma pro­ usualmente assumiam o aspecto de regulamentos eclesiásticos ou escolares,
funda admiração pelas maneiras refinadas. Do Cristianismo, adquiriu o dos quais há centenas. Os resultados de uma dessas inspeções, em Estras­
novo ideal de piedade pessoal. Os três elementos, saber, virtude e piedade, burgo, levou à fundação do famoso ginásio de Sturm. O mesmo é válido
não eram valorizados igualmente por todos os educadores, nem eram atin­ para a academia de Calvino em Genebra.
gidos completamente por qualquer um deles; mas, onde quer que estivesse O controle da instrução começou, da mesma forma, nessa época. O
estabelecida a nova cultura protestante, tentava-se geralmente uma inte­ esforço mais característico desse tipo foi a supervisão da vida e da instru­
gração. ção familiares, que Calvino instituiu em Genebra e que foi geralmente prati­
Fora das universidades não havia magistério profissional antes do sé­ cada por seus seguidores. Tal inspeção era prescrita pela Igreja Reformada
culo xvi. O ensino havia sido um mero aprendizado temporário, conduzindo no Sínodo de Dort, em 1619, pela Igreja Escocesa e pelos puritanos da Nova
ao sacerdócio, e não a vocação de uma vida. A Reforma acarretou uma Inglaterra, na lei de 1642.
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Não somente era inspecionada a instrução no lar, mas também o Relação entre Igreja, Estado e escola. Este período foi marcado por
ensino em todas as escolas. Essa supervisão era chefiada pelos ministros progressos significativos no governo civil e suas relações com as escolas.
e pelos mais velhos. O propósito original da inspeção não estava muito li­ Pela primeira vez em séculos, teorias de governo foram formuladas e postas
gado à efetividade da instrução; o desejo dominante era reprimir qualquer em ação. Anteriormente, interesses nacionais tinham sido subordinados aos
doutrina herética que pudesse ser ministrada às crianças. Era, portanto, interesses eclesiásticos e, se bem que a Igreja e o Império nem sempre
não tanto supervisão, como censura. tivessem vivido em relações harmoniosas, ninguém discutiu seriamente suas
Na Alemanha, as escolas eram inspecionadas regularmente por funcio­ conexões vitais ou a proeminência da hierarquia papal na religião e na edu­
nários da Igreja: primeiro, pelo pastor local; depois, pelo superintendente cação. A Igreja tinha séculos de idade quando surgiram os governos na­
(um funcionário da;igreja luterana que tomou o lugar do bispo) e, final­ cionais, e imperadores e reis reconheciam sua superioridade. Sob essa
mente, pelo consistório de Estado. O primeiro cuidado de todos os inspe­ forma medieval de organização a educaçãp era puramente uma função
tores era verificar a observação do regulamento da escola; seus deveres exclusiva da Igreja.
incluíam publicação das regras e reforma das escolas. A inspeção não era, De um modo geral, o fato mais importante da reorganização escolar
de forma alguma, tão rigorosa entre os luteranos quanto o era entre os protestante foi a emergência do Estado como agente de estabelecimento
calvinistas. e manutenção de escolas. Através de toda a Idade Média, a Igreja tinha
Agora se dirigia a atenção, também, para o exame de professores. Isso tomado a iniciativa e zelosamente conservado suas prerrogativas de ensino.
era previsto em muitos decretos escolares da Alemanha, assim como nos Escolas latinas e vernáculas haviam sido gradualmente fundadas pelas auto­
regulamentos calvinísticos. ridades municipais nas cidades do Norte, porém com o consentimento da
Tem-se freqüentemente considerado que a educação das meninas co­ Igreja. Nos Países-Baixos, no entanto, as cidades subordinaram a Igreja
meçou com a Reforma luterana, mas essa opinião está longe de ser verda­ à sua autoridade. Em outros lugares, a Igreja mantinha supremacia indis­
deira. Excluindo-se, devido a seu caráter peculiar, a educação dada a me­ cutível.
ninas em instituições monásticas, verifica-se que, na Cavalaria, a instrução Teorias sobre a relação entre a Igreja e o Estado. Com a sepa­
de meninas era de grande importância. Se bem que estivesse limitada a um ração da Igreja Romana, a questão da relação entre Igreja e Estado se
círculo pequeno e aristocrático e fosse destinada mais ao embelezamento tornou um assunto de gravíssima controvérsia. Fixaram-se quatro posições
externo e preparo para artes domésticas e administração da casa, do que principais a respeito das relações que deveriam prevalecer entre essas
à emancipação intelectual, era, não obstante, um bom começo. Muito antes instituições.
da Reforma, nas cidades dos Países-Baixos, meninas, até de classes inferio­ 1) A posição católica permaneceu como sempre fora; a Igreja plei­
res, recebiam alguma educação. Eram fundadas escolas de caráter público teando, como delegada de Cristo, autoridade universal sobre todos os
e não era raro meninas lerem, não somente o vernáculo, mas também latim poderes civis e o direito exclusivo de ensinar.
e francês. A posição avançada da educação feminina nos Países-Baixos
propiciou a discussão do assunto por Erasmo, Vives e outros; os Países- 2) Em sua ruptura com Roma, Lutero procurou refúgio sob o poder
Baixos estavam mais adiantados do que a Alemanha, a França e a Ingla­ civil como suprema autoridade que ele ensinava ter sido instituído divina­
terra, nesta questão de educação feminina em geral. Em todos os países, mente para governar todos os interesses terrenos. Subordinava, portanto,
porém, as escolas para meninas seriam encontradas nos grandes centros de a Igreja e a escola ao poder dos príncipes e das autoridades municipais.
população e, no concernente às classes abastadas e privilegiadas, eram Os prédios da Igreja tornaram-se propriedade do Estado, os pastores pas­
geralmente empregados preceptores particulares para ministrarem a edu­ saram a ser servidores civis. Além disso, a Igreja ficou sendo um mero
cação em casa. agente do Estado. Por ocasião de seu batismo, cada criança se tornava
Embora a Reforma não tenha originado a educação para meninas, deu um membro da Igreja e um súdito do Estado. De modo semelhante, a escola
ao movimento um impulso vigoroso e renovado. Na Holanda, surgiu a co- transformou-se numa instituição civil, estabelecida e controlada pelo Es­
educação nas escolas vernáculas elementares. Com relação à educação reli­ tado e municipalidades, ainda que estritamente identificada com os inte­
giosa, Lutero não fez discriminação de sexos e defendia a instrução de resses culturais e instrutivos da Igreja.
meninas, durante “uma ou duas horas por dia”. Em seu regulamento de 3) Calvino, o reformador de Genebra, chegou a uma conclusão bem
Brunswick, em 1528, Bugenhagen estabelecia escolas para meninas em diferente. Pode-se afirmar que ele foi um dos primeiros a formular, nos
cada bairro da cidade. Por outro lado, Melanchton, mais conservador, não tempos modernos, uma teoria claramente diferenciada das funções do go­
fazia menção do assunto das meninas. Apesar de muitos dos regulamentos verno civil, a qual era baseada na teocracia dos antigos hebreus. Devido
escolares providenciarem educação feminina, exceto para a aristocracia, uma à situação de Genebra, ele teve oportunidade, como nenhum outro, de
educação superior não era outorgada às jovens. pôr suas idéias em prática de forma efetiva. Conforme sua opinião, as duas
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instituições, Igreja e Estado, são distintas, porém têm um único e mesmo muitos jovens a educação se tornou um tormento de línguas, e a situação
propósito final: realizar a vontade de Deus na Terra, ainda que funcionem se tornou intolerável, pois a única introdução era a gramática. O problema
em campos diferentes. Só a Igreja pode interpretar qual seja a vontade de educacional mais crítico era como ensinar latim a meninos cujo idioma
Deus e, portanto, ela tem o direito de determinar o padrão moral e o dever natal não tivesse relações de parentesco com aquela língua. Era natural­
do Estado. O dever do Estado é realizar a vontade divina em todas as mente mais fácil, para jovens franceses, espanhóis ou italianos, aprender
questões pertinentes ao bem-estar moral e espiritual do povo. Igreja e latim do que o era para os povos teutônicos. Os educadores, além disso,
Estado funcionam como dois órgãos separados, mas, juntos, formam um tinham chegado a duas conclusões: primeiro, que aprender por mera me­
organismo único. ; morização não era um método inteligente; nem tampouco o era insuflar
De acordo com essa teoria calvinística, a Igreja e o Estado cooperam gramática latina em espíritos pouco dispostos. Os melhores intelectos pe­
para disciplinar, formar e instruir o povo. Ccnstituem, portanto, uma dagógicos da época dirigiram sua atenção para este problema.
agência educacional, compreensiva, combinando família, Igreja, Estado e es­ Aparecimento das línguas vernáculas. Durante a Idade Média o
cola numa só instituição fundamental funcional. Na realização desse plano latim era, em toda a parte, a língua dos interesses superiores, da religião,
orgânico, a escola é mantida pelo Estado, mas seus objetivos, métodos, literatura, filosofia, diplomacia e, em grande parte, até do comércio. A
currículos, regime e professores são controlados pela Igreja. Ao mesmo única forma de cultuar ou rezar era em latim. Os inúmeros dialetos das
tempo que reconhecia a função educativa da família, esta teoria dava à tribos bárbaras não possuíam a simplicidade de vocabulário necessária para
Igreja-Estado o direito de supervisionar suas atividades. Esse plano provou exprimir mais do que as idéias mais corriqueiras da vida prática. No
ser altamente efetivo, devido ao poder exercido pelo clero. Mas, como entanto, o último período assistiu a uma profunda mudança. Do gênio cria­
outros planos, carecia de genuína democracia, apesar de se declarar a regra dor desses vários povos, surgiu, espontaneamente, um tesouro de materiais
do povo. literários, lendas, romances populares, contos de fadas, histórias heróicas
4) Surgiu, nessa época, um quarto ponto de vista que estava destinado e poesia. Por algum tempo, não foram escritos, nem haviam sido compostos
a se tornar a política do Novo Mundo. Essa era a doutrina dos anabatistas, para serem lidos; eram, de preferência, memorizados e recitados ou cantados
que sustentavam que Igreja e Estado deviam estar totalmente separados. por menestréis ambulantes, trovadores e bardos. Cortes principescas, man­
Afirmavam que religião não era assunto de Estado, mas questão puramente sões de barões e castelos de cavaleiros ofereciam palco e cenário para a
privada e individual. De um golpe, esse princípio acabou com toda a expressão dessas artes mais finas.
intolerância religiosa. Crntudo, desde que cada Estado europeu daqueles O crescimento do comércio e das escolas de ler e escrever acrescentou
dias se apegava tenazmente a uma fé específica estabelecida particular­ ainda mais o uso crescente das línguas nativas. Naturalmente, nenhuma
mente, não havia possibilidade de pôr em prática essa doutrina. Não tendo condição isolada foi tão poderosa na crescente popularidade e importância
ligação com as escolas fundadas por ação conjunta Igreja-Estado, esses dessas línguas, quantc a invenção da imprensa. A eclosão do grande conflito
fanáticos não se desenvolveram senão na Holanda, cnde a educação era religioso, assim como a tradução das Escrituras para os dialetos vernáculos,
controlada pelo Estado. Dispersos em pequenas sociedades ou grupos, uni­ aumentou tremendamente a dignidade dessas línguas. Mas o impulso mais
ram-se numa intensa oposição a toda e qualquer forma de união de Igreja poderoso de todos veio do uso do vernáculo no culto popular, na pregação,
e Estado. Recusavam-se a pegar em armas, pagar impostos de guerra, na música religiosa e no drama. O Concílio de Trento, em 1562, exigiu que
ocupar posições civis, prestar juramento e ir aos tribunais. Recusavam-se, as pregações fossem no vernáculo. Em acréscimo a isto, estava a prática de
também, a perseguir alguém por suas crenças religiosas. Esses povos levaram todas as comunidades protestantes de ensinar o catecismo e as Escrituras
avante á causa da liberdade religiosa e, posteriormente, desempenharam papel em tradução.
importante em efetivar a completa separação da Igreja e do Estado na Pelo fim do século xvi, os dois importantes campos do interesse humano,
América. religião e comércio, tinham aderido completamente ao uso do vernáculo-,
O PR O B LEM A DA NOVA LÍN G U A O latim ainda dominava as escolas, a filosofia e a diplomacia, mas, estas,
também, começavam a capitular.
Como surgiu o problema da língua. A situação educacional do sé­ Uso do italiano. A despeito do domínio do latim sobre a Igreja e a
culo xvi tornou-se mais complexa devido ao crescente estudo das línguas. escola em países católicos, o vernáculo estava se tornando rapidamente
Durante a Idade Média, os homens cultos eram obrigados a ser bilíngües. mais poderoso. O italiano foi a primeira língua moderna a desenvolver
Tinham de falar o vernáculo para questões comuns e o latim para a vida uma forma literária. Dante não o considerava aquém da dignidade de seu
religiosa e cultural. Com o advento da Renascença, foram acrescentados tema, ao escrever a Divina Comédia em italiano. Petrarca, na poesia lírica
o latim clássico, o grego e, até certo ponto, o hebraico. Isso aumentou e Boccaccio na prosa, seguiram seu exemplo.
muito o currículo. A Reforma exigiu o vernáculo na vida religiosa. Para No século xvi e início do xvii, centenas de “academias literárias” foram
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fundadas na Itália para purificação da língua. A mais célebre destas foi a Brinsley defendeu o uso do inglês em conexão com o latim. Salientou;
Accademia delia Crusca, organizada em 1587. 1) que o inglês é a língua dos homens de todos os tipos e condições;
Uso do espanhol. O conflito com os mouros na Espanha tendeu a trans­ 2) que poucos prosseguem até uma educação superior; e 3) que a língua
cender o dialeto castelhano num instrumento de expressão nacional. Regu­ inglesa é a glória do povo inglês. Até na remota Virgínia, a Corte colonial
lamentos da Corte foram expedidos em Valença, na língua nativa. Já em estava interessada em sua Consolação Para Nossas Escolas de Gramática,
1492 Antonio de Lebrija escrevera uma gramática espanhola para as da­ que foi escrita “para mais rápido conhecimento de nossa língua inglesa”,
mas da Corte da Rainha Isabel. Logo, os castelhanos criaram uma litera­ a fim de que todos pudessem falar uma só e mesma língua em lugares tão
tura que aumentou o Orgulho de seu país e sua língua. primitivos como a Irlanda, Gales, Virgínia e as Ilhas Summer.
Uso do holandês. Não somente o vernáculo, mas, também, o francês Porém, muito mais importante do que esses defensores do inglês foram;
eram comumente ensinados nas escolas holandesas, muito antes da Re­ a versão da Bíblia do Rei Jaime (1611) e as obras de Shakespeare, Milton
forma. A precoce tradução das Escrituras para o baixo holandês e as e outros. Estes autores célebres conquistaram glória imperecível para a
“casas de retórica” foram de grande efeito para firmar o vernáculo como língua inglesa antes de que os franceses e alemães tivessem produzido seus
um meio de aprender. grandes frutos literários. Meio século depois da morte de Milton, a litera­
tura inglesa foi introduzida nas academias dissidentes e, um pouco mais
Uso do francês. Aquele humorista hilariante, Rabelais, conhecedor de tarde, nos colégios.
mais línguas do que qualquer outro homem em seus dias, não somente A derrota da Espanha pelos britânicos impulsionou o Império Britânico
escreveu em francês, mas encareceu o uso do vernáculo na aprendizagem. e deu à língua inglesa a partida para a universalidade. Não foi senãn após
Os líderes da educação protestante, especialmente Corderius e Calvino, auxi­ a metade do século xvm, contudo, que o inglês foi usado em conferências
liaram muito o progresso vernáculo. Corderius escreveu um texto, em “puro universitárias, em Glasgow, por Adão Smith; e, para instrução nas aca­
francês”, para ensinar moral às crianças. Calvino favoreceu mais a causa tra­ demias não-conformistas, por Filipe Doddridge.
duzindo seus Institutos da Cristandade do latim para o francês (1541) e Desenvolvimento do alemão. Os maiores acontecimentos isolados que
mantendo o ensino dessa língua no ginásio. A língua francesa evoluiu tão provocaram o progresso da língua alemã foram a invenção da imprensa e
rapidamente que, já em 1550, Mestre podia gabar-se; a tradução da Bíblia para o alto alemão por Lutero. A grande simplicidade
Nossa língua está atualmente tão enriquecida pelo estudo e prática do grego e a beleza dessa tradução fizeram do alto alemão a língua padrão para toda
e do latim, que não há ciência tão difícil ou sutil, nem mesmo a alta Teologia, a Alemanha. O movimento em prol do uso do vernáculo foi posteriormente
que ela não possa dominar completa e elegantemente11. estimulado pela organização de sociedades especiais para esse fim. Em
1617 foi fundada em Weimar a Sociedade Frutífera (Fruchtbringende
Um quarto de século mais tarde, Louis Le Roy, professor no Coüège Royal Gesellschaft), para promover o uso do alemão e purificá-lo de palavras
que havia sido fundado expressamente para o cultivo das línguas clássicas, estrangeiras.
expunha os discursos de Demóstenes em francês. Já em 1629 a Académie Apesar desses esforços, os estudantes iam para as universidades inca­
Française fora fundada pelo Cardeal Richelieu, como um meio de preservar pazes de escrever sua língua nativa com qualquer grau de precisão. A
a pureza da língua francesa. razãc. dessa deficiência é indicada por Francke no fim do século xvir.
Descartes, pai da filosofia moderna, escreveu sua obra principal, Dis-
cours de la Méthode (1637), em francês, de modo que um maior número Eu acho que há poucos estudantes de Teologia que possam escrever uma carta
em alemão corretam ente soletrada. Violam a ortografia quase em cada linha. Sei,
de pessoas pudesse compreendê-lo. O francês substituiu logo o latim como a mesmo, de muitos exemplos, onde, após terem ingressado na universidade e terem
língua dos assuntos internacionais. ocasião de imprimir alguma coisa, tem sido necessário primeiro corrigir seu m a­
A língua inglesa. Durante a metade final do século xvi, o vernáculo nuscrito em quase todas as lin h as... A razão dessa falha está usualmente nas
escolas, onde só é corrigida a tradução latina de seus exercícios, mas não a
encontrou grande apoio na Inglaterra. Elyot não escreveu apenas O Livro alemã, de modo que eles nada aprendem de soletração12.
Chamado o Governador (1531), mas defendeu o uso do inglês juntamente
com o latim para a vida diária, .religião e exposição de assuntos de estudo. Foi uma inovação escandalosa da propriedade cultural, quando Tho-
Publicou, também, um dicionário inglês em 1538. Mulcaster escreveu seus masius anunciou que faria conferências em alemão. Esse passo ousado ocor­
tratados em inglês, propcsitadamente e insistiu que a língua materna fosse reu na Universidade de Leipzig, em 1687. Para tornar sua ação ainda mais
usada nas escolas antes de se ensinar latim. Nas décadas seguintes, João revolucionária, escolheu, para expor, um livro de filosofia moderna. Mais
11) Kandel, I. L., Hiêtory of Seeondary Education. pág. 153. Boston: Houghton Mifflin, 12) Bamard, Hrnrjr, G*rman T*tirh*r* and Kdncator*, pá*. 415. Harford: Brown and
1930.' Grota, 1878.
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ou menos na mesma época seu colega, Cristiano Wolff, publicou sua própria na Alemanha, mas também em outros países. Foram feitos esforços esporá­
obra filosófica em alemão. Ambos esses homens, devido às suas tendências dicos para fundar escolas nas vilas e aldeias, mas os requisitos primários
iconoclastas, acharam logo necessário transferirem-se para a atmosfera mais para a tarefa educacional estavam ausentes: o povo tinha pouco incentivo
liberal da Universidade de Halle. para procurar instrução para seus filhos, pois a condição dcs camponeses
Pelo início do século xvni, as línguas vernáculas tinham se tornado o não era melhor do que a servidão. Ainda mais, faltavam prédios e fundos
meio de comunicação por toda a parte, exceto nas escolas secundárias e para a manutenção de escolas. Mesmo se esses requisitos estivessem ga­
superiores. Porém, mesmo ali começaram a encontrar maior acolhida e, rantidos, havia, ainda, a dificuldade de encontrar professores, uma vez
não muito depois, oS alunos nos ginásios clássicos estavam começando o que ninguém estava sendo preparado para o ofício de ensinar15.”
latim aos nove anos de idade em vez de aos seis. 3) Mas, nem tudo ia bem, mesmo nas escolas latinas das cidades.
Fraquezas graves foram se tornando mais e mais evidentes. As promessas
A V A LIA ÇÃ O DA ED U C A Ç Ã O DO SÉC U LO X V I elevadas da cultura humanística não estavam sendo realizadas. Primeiro,
esperava-se demasiado do estudo da literatura clássica. Séus efeitos sobre
Suas fraquezas e progressos. Apesar de suas reformas e realizações a formação do caráter foram muito exagerados.
significativas, a educação durante essa época rica de acontecimentos teve 4) Uma forma extrema de ciceronismo atingiu as escolas. Os profes­
muitas fraquezas que se tornaram cada vez mais evidentes à medida que sores esforçaram-se ao máximo e usaram todos os artifícios a fim de ensinar
passava o tempo. Muitas dessas foram devidas ao ideal humanístico e à jovens alemães, franceses e ingleses a falar latim ccm a fluência e elegância
falta de compreensão do processo educacional; outras, a circunstâncias de Cícero. Tinham de empregar seu vocabulário, suas frases e seu modo
externas sobre as quais a educação tinha pouco controle direto. de elocução. Os resultados mais absurdos apareceram nesse esforço para
1) Tornou-se impossível um elevado grau de progresso, por causa dos restringir o discurso à dicção ciceroniana. Deus, o Pai, devia ser chamado
intermináveis e rancorosos conflitos religiosos que ocorriam. Querelas re­ Júpiter Optimus Maximus; Jesus, o Filho, Apelo; a Virgem Maria, Diana.
ferentes a questões teológicas, muitas delas triviais e quase todas impos­ Quando o aluno mencionasse a igreja, ele devia dizer a assembléia sagrada
síveis de chegar a um acordo final, dividiram os protestantes e minaram ou a república. O criticismo era infrutífero e as escolas se esforçaram para
suas energias. produzir jovens Cíceros, mesmo que não houvesse nenhuma necessidade
2) Das generalizações brilhantes de historiadores da educação, somos, legítima de eloqüência latina. A língua não era mais empregada nos tri­
freqüentemente, levados a admitir que as escolas elementares eram prati­ bunais, nem na diplomacia, pregação, assembléias populares ou na admi­
camente universais nessa época. No entanto, tal conclusão é completa­ nistração dos negócios. As únicas ocasiões nas quais o latim era usado
mente errônea. Na Alemanha, mesmo até o fim do século, as escolas esta­ eram nas embaixadas para Roma. Para sermos exatos, o latim continuou
vam na maior parte, restritas às cidades e vilas maiores. A maioria das a ser usado nas universidades como a língua do saber, mas um vocabulário
aldeias e localidades campestres eram completamente destituídas delas. Ha­ e modo de dizer bem diferentes daqueles da eloqüência ciceroniana eram
via lá numerosos relatórios das condições désesperadoras que geralmente necessários aos propósitos escolásticos. Em tempo algum um ideal, pro­
predominavam nas paróquias menores, onde o dever de instrução era im­ curado pelas escolas com tão infinita fadiga, foi tão puramentè artificial
posto ao sacristão da igreja. Em 1556 havia apenas sete escolas em todas e estranho aos interesses vitais da época. A futilidade absoluta do huma­
as aldeias da Saxônia inferior. Em Nassau verificou-se que: ‘‘todos os nismo estilístico tornou-se mais e mais aparente à medida que passava o
sacristães, com apenas uma exceção, eram incapazes de ler, e esse tempo.
único não tinha inclinação para ensinar; somente em três lugares os pas­ 5) A suprema dificuldade com a educação do século xvi residia na
tores mostraram alguma disposição para assumir o encargo de dar instru­ sua estreiteza e oposição ao livre desenvolvimento do pensamento e da
ção às crianças18”. No Palatinado, o relatório de uma inspeção em 1556 vida. Ambos, Humanismo e Reforma, começaram com as mais sedutoras
declarava: “As pessoas são indisciplinadas e selvagens, vivem dia a dia, promessas de liberdade e esclarecimento. O primeiro em breve capitulou
como gado irracional14.” Condições semelhantes existiam naquela época às influências danificadoras do ciceronismo, o outro, a um novo escolas-
em Lippe: ticismo que surgiu do confessionalismo imposto por Lutero e Calvino.
“Tais condições de ignorância abismal eram encontradas não somente Em seus princípios originais, esses líderes haviam afirmado o direito do
indivíduo seguir suas próprias opiniões religiosas e interpretar por si às
13) Robbins, Charles, L., Teachere in Germany in the Sixteenth Century, pgg. 35 . Kora Escrituras, mas, no interesse da regularidade, da repulsa à heresia e da aliança
York: Teachers College, Columbia University, 1912.
14) Janssen, Johannes, Hietory of the German People at the Clooe of the Middle A pee,
vol. x iii, pigs. 40*41. Trad, pof A. if. Christie. Londres: Kegan Paul, Trench, Trttbaer and 15) Jansaen, Johannes, op. eit., pig. 39.
Co., 1909.
126 História da Educação Moderna
entre Igreja e Estado, ambos, no fim, negaram amplamente esses mesmos
princípios pelos quais haviam justificado sua ruptura com Roma. Defen­
diam a perseguição de todos que divergissem deles em crença ou prática.
Substituíram seus catecismos e um confessionalismo rígido pelo uso irres­
trito das Escrituras e livre desenvolvimento da vida religiosa. Não deram
ajuda alguma aos esforços nascentes do' pensamento científico, particular­
mente quando as conclusões dos cientistas pareciam entrar em conflito com
os ensinamentos das -Escrituras. Restringiram o currículo escolar àquelas
matérias que favoreciam os seus pontos de vista.
Foi, então, a Reforma, um fracasso do ponto de vista de esclarecimento
e liberdade? Isto é verdadeiro apenas em parte. Uma vez tendo divisado
a liberdade de consciência, a liberdade de falar, a liberdade acadêmica e a
liberdade política, era impossível para eclesiásticos empedernidos deter para
sempre o progresso da inteligência.

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